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DIREITO DAS SUCESSÕES

PROF. FLÁVIO TARTUCE


BEM DE FAMÍLIA
Existem duas modalidades de bem de família.

a) Bem de família voluntário ou convencional (CC, arts. 1.711 a 1.722).

b) Bem de família legal (Lei n. 8.009/90).

1. Bem de família voluntário ou convencional.

O bem de família voluntário ou convencional é instituído por escritura pública ou testamento


devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis.

É restrito a 1/3 do patrimônio do instituidor. É impenhorável e inalienável (art. 1.717 do CC).

Art. 1.717. “O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter
destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e
seus representantes legais, ouvido o Ministério Público”.
NOVAS FORMAS DE TESTAMENTO.
Art. 1.711. “Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar
parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio
líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel
residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de
família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges
beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.”

Exceções à impenhorabilidade do bem de família voluntário ou convencional


(somente 3):

Dívidas anteriores à instituição. Obrigação “propter


rem” (própria da coisa).
Dívidas posteriores de tributos que recaem sobre o imóvel – exemplo: IPTU.

Dívidas posteriores de condomínio.


NOVAS FORMAS DE TESTAMENTO.

Art. 1.715, caput, do CC. “O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua
instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

Administração e extinção do bem de família convencional.

"Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos
os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência. Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a
administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor".

"Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Parágrafo único. Dissolvida a
sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for
o único bem do casal".

"Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os


cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela".
2. Bem de família legal

A Lei 8.009/90 considera como impenhorável, de forma automática, o imóvel destinado à residência da entidade familiar.

O instituto tem origem no trabalho doutrinário de Álvaro Villaça de Azevedo (EUA – Texas -“Homestead”).

Tutela do direito à moradia – art. 6º da CF.

CF, art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição”
O STJ estendeu essa proteção à pessoa solteira, viúva ou separada:

Súmula n. 364 do STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família


abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.

Bem de família indireto: é impenhorável o único imóvel locado a terceiros, cujos aluguéis são destinados para a locação
de outro imóvel (Súmula 486, STJ).

Súmula n. 486 do STJ: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde
que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”.
A Súmula 364 do STJ e a Súmula 486 do STJ são exemplos de interpretações extensivas que têm o objetivo de tutelar a
moradia.

A vaga de garagem autônoma e com matrícula própria não é bem de família:

Súmula 449 do STJ: “A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família
para efeito de penhora”.

E se a pessoa tiver dois ou mais imóveis destinados à residência? Será impenhorável o imóvel de menor valor.

Lei 8.009/1990, art. 5º, parágrafo único: “Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis
utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para
esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil”.

Exceções à impenhorabilidade (art. 3º da Lei 8.009/1990).

Atenção: exceção relativa ao trabalhador doméstico foi revogada pela LC 150/2015.


a) Crédito de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel. Inclui-se a empreitada (REsp
1.221.372/RS - 2019).
EMENTA: “RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO DE DUPLICATAS REFERENTES A EMPREITADA DE
CONSTRUÇÃO PARCIAL DA EDIFICAÇÃO - PENHORA DO PRÓPRIO IMÓVEL OBJETO DO CONTRATO DE
EMPREITA - INCIDENTE DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA REJEITADO - IRRESIGNAÇÃO
DOS EXECUTADOS - RECURSO DESPROVIDO. Hipótese: Averiguar se o crédito oriundo de contrato de empreitada
para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se salvaguardado nas exceções legais de
impenhorabilidade do bem de família. 1. No caso, as instâncias ordinárias entenderam que a obrigação/dívida oriunda de
financiamento de material e mão-de-obra destinados à construção de moradia, decorrente de contrato de empreitada,
enquadra-se na hipótese prevista pelo inciso II do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, não sendo oponível ao credor a
impenhorabilidade resguardada ao bem de família. 2. Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do art. 3º
da Lei nº 8.009/90), o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou
construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora,
mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições
específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e
venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas
essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à
vista. 3. Não há falar esteja sendo realizada uma interpretação extensiva das exceções legais descritas na norma, vez que há
subsunção da hipótese à exceção legal, considerando-se os limites e o conteúdo do instituto do financiamento, esse que,
diferentemente do alegado pelos ora insurgentes, uma vez incontroversa a origem e a finalidade voltada à edificação ou
aquisição do bem, não fica adstrito a mútuos realizados por agente financeiro do SFH.
4. Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável
enriquecimento indevido, causando insuperável prejuízo/dano ao prestador que, mediante prévio e regular ajuste, bancou
com seus aportes a obra ou aquisição somente concretizada pelo tomador valendo-se de recursos do primeiro. 5. Recurso
Especial desprovido.” (REsp 1.221.372/RS – 2019. Rel. Ministro MARCO BUZZI. Quarta Turma. Julgado em 15/10/2019.
DJe 21/10/2019.).

b) Credor de pensão alimentícia, ressalvados os direitos do seu coproprietário – proteção da meação de casamento ou
união estável.

Os alimentos de responsabilidade civil estão incluídos nesta exceção - REsp 437.144/RS.


Ementa: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO REPARATÓRIA POR ATO
ILÍCITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ONOPONIBILIDADE DA IMPENHORABILIDADE
DO BEM DE FAMÍLIA. O comando do artigo 3º, III, da Lei nº 8.009/90, excepcionando a regra geral da
impenhorabilidade do bem de família, também se aplica aos casos de pensão alimentícia decorrente de ato ilícito - acidente
de trânsito em que veio a falecer o esposo da autora -, e não apenas àquelas obrigações pautadas na solidariedade familiar,
solução que mostra mais consentânea com o sentido teleológico da norma, por não se poder admitir a proteção do imóvel
do devedor quando, no pólo oposto, o interesse jurídico a ser tutelado for a própria vida da credora, em função da
necessidade dos alimentos para a sua subsistência. Recurso especial provido.” (REsp 437.144/RS. Rel. Ministro CASTRO
FILHO. Terceira Turma. Julgado em 07/10/2003. DJ 10/11/2003 p. 186).
c) Impostos, taxas e contribuições relativas ao imóvel (obrigações “propter rem”). Exemplos: IPTU e dívidas de
condomínio (Inf. n. 455 – STF – RE 439.003/SP).

EMENTA: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. DECORRÊNCIA DE DESPESAS


CONDOMINIAIS. 1. A relação condominial é, tipicamente, relação de comunhão de escopo. O pagamento da contribuição
condominial [obrigação propter rem] é essencial à conservação da propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência
individual e familiar --- a dignidade da pessoa humana. 2. Não há razão para, no caso, cogitar-se de impenhorabilidade. 3.
Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (RE 439003, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em
06/02/2007, DJ 02-03-2007 PP-00046 EMENT VOL-02266-04 PP-00835 RJP v. 3, n. 15, 2007, p. 119-121 LEXSTF v. 29, n.
340, 2007, p. 259-263 RDDP n. 51, 2007, p. 137-138 RNDJ v. 8, n. 89, 2007, p. 75-77 RSJADV ago., 2007, p. 41-42)

d) Execução de hipoteca quando o imóvel é oferecido em garantia do interesse da entidade familiar (Ag.Rg. no Ag.
597.243/GO). Houve debate recente no Congresso para ampliar essa exceção, o que acabou não prevalecendo.
EMENTA: “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CARIMBO DE PROTOCOLO LEGÍVEL. BEM
DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. DÍVIDA CONTRAÍDA PELA EMPRESA FAMILIAR. 1. A data de interposição
do recurso especial, conforme se depreende da leitura do carimbo de protocolo, foi 22 de setembro de 2003, sendo, portanto,
tempestivo. Não há, por outro lado, qualquer manifestação nos autos que leve a crer estar incorreta essa conclusão. 2. A
exceção do inciso V do art. 3º da Lei 8.009/90 deve se restringir às hipóteses em que a hipoteca é instituída como garantia da
própria dívida, constituindo-se os devedores em beneficiários diretos, situação diferente do caso sob apreço, no qual a dívida
foi contraída pela empresa familiar, ente que não se confunde com a pessoa dos sócios. 3. Agravo regimental improvido.”
(Ag.Rg. no Ag. 597.243/GO. Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES. Quarta Turma. Julgado em 03/02/2005. DJ
07/03/2005 p. 265).
e) Atos ilícitos em geral: produto de crime ou execução de sentença penal condenatória (REsp 711.889/PR). Em sentido
contrário, há o REsp 1.091.236/RJ.

EMENTA: “DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. LEI EXCEPCIONAL. ART. 3.º, INC. VI,
DA LEI 8.009/90. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. AFASTAMENTO DA EXIGÊNCIA DE SENTENÇA PENAL
CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não há omissão no
acórdão que decide a lide nos limites em que proposta. 2. A indenização, no caso, decorre de erro médico, sobrevindo
condenação civil a reparação do dano material e moral, sem obrigação de prestar alimentos. Não incide, portanto, a exceção
de impenhorabilidade de bem de família prevista no inciso III, do art. 3.º, da Lei 8.009/90
. 3. De outra parte, não é possível ampliar o alcance da norma prevista no art. 3.º, inciso VI, do mesmo diploma legal, para afastar a
impenhorabilidade de bem de família em caso de indenização por ilícito civil, desconsiderando a exigência legal expressa de que haja
"sentença penal condenatória". 4.Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 711.889/PR. Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO.
Quarta Turma. Julgado em 22/06/2010. DJe 01/07/2010).

EMENTA: “RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA, PROFERIDA EM DEMANDA NA


QUAL SE PLEITEAVA A RESTITUIÇÃO DE VALORES DESVIADOS INDEVIDAMENTE PELA INSURGENTE DA
EMPRESA ORA RECORRIDA. EMBARGOS DO EXECUTADO - PENHORA - BEM DE FAMÍLIA - EXCEÇÃO DO
ART. 3º, INCISO VI, LEI N. 8.009/90 - IMÓVEL ADQUIRIDO COM PRODUTO DE CRIME - EXCEÇÃO À
IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA - POSSIBILIDADE. INSURGÊNCIA DA EXECUTADA. RECURSO
ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não se pode conhecer da violação ao artigo 535 do CPC, pois as alegações que
fundamentaram a pretensa ofensa são genéricas, sem discriminação dos pontos efetivamente omissos, contraditórios ou
obscuros. Incide, no caso, a Súmula 284 do STF, por analogia. 2. Embargos de declaração manifestados com o intento de
prequestionar a matéria. Aplicável ao caso o teor da Súmula 98 do STJ: "Embargos de declaração manifestados com notório
propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório“ .
3. A Lei n. 8.009/90 elenca em seu artigo 3º, inciso VI, exceção à impenhorabilidade do bem de família nas hipóteses de bem
adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento
de bens. 3.1. Entre os bens jurídicos em discussão, de um lado a preservação da moradia do devedor e, de outro, o dever de
ressarcir os prejuízos sofridos pelo credor em virtude de conduta ilícita criminalmente apurada, preferiu o legislador
privilegiar o ofendido, em detrimento do infrator, criando tais exceções à impenhorabilidade do bem de família. 3.2. A
exceção, na hipótese de bem adquirido com produto de crime, não pressupõe a existência de sentença penal condenatória,
sendo suficiente a prática de conduta definida como crime e que o bem tenha sido adquirido com produto da ação criminosa.
3.3. No caso concreto, faz-se possível a penhora do bem de família, nos moldes do artigo 3º, inciso VI, primeira parte, da Lei
8.009/90, haja vista que o imóvel em questão fora adquirido com produto de crime. 4. Recurso especial parcialmente provido,
apenas para afastar a multa aplicada com fulcro no artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil.” (REsp
1.091.236/RJ. Rel. Ministro MARCO BUZZI. Quarta Turma. Julgado em 15/12/2015. DJe 01/02/2016).
f) Fiança locatícia prestada em locação de imóveis urbanos (Lei n. 8.245/91).

É inconstitucional? Em 2005, surgiu uma decisão monocrática no STF (Min. Carlos Velloso) que afirmou ser inconstitucional
(RE 352.940/SP). Em 2006, houve uma decisão do Pleno do STF dizendo que a norma não é inconstitucional (RE n.
407.688/SP).

Em 2015, o STJ editou a Súmula 549 com o mesmo entendimento do Pleno do STF.

EMENTA: “Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do
afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia,
previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91.
Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação,
objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de Súmula 549, STJ: “É válida a penhora de bem de família
pertencente a fiador de contrato de locação”. 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o
art. 6º da Constituição da República.” (STF – RE 407.688-8/SP – Tribunal Pleno – Rel. Min. Cezar Peluso – DJU 1
13.10.2006).
Súmula 549, STJ: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”.
Em 2018, uma das turmas do STF se manifestou dizendo que a norma é inconstitucional (RE 605.709/SP) no caso de
contratos de locação não residencial (Informativo 906, STF).
E M E N T A: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO MANEJADO CONTRA ACÓRDÃO PUBLICADO EM 31.8.2005.
INSUBMISSÃO À SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. PREMISSAS DISTINTAS DAS VERIFICADAS EM
PRECEDENTES DESTA SUPREMA CORTE, QUE ABORDARAM GARANTIA FIDEJUSSÓRIA EM LOCAÇÃO
RESIDENCIAL. CASO CONCRETO QUE ENVOLVE DÍVIDA DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE
IMÓVEL COMERCIAL. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO À
MORADIA E COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. A dignidade da pessoa humana e a proteção à família exigem que se
ponham ao abrigo da constrição e da alienação forçada determinados bens. É o que ocorre com o bem de família do fiador,
destinado à sua moradia, cujo sacrifício não pode ser exigido a pretexto de satisfazer o crédito de locador de imóvel comercial
ou de estimular a livre iniciativa. Interpretação do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/1990 não recepcionada pela EC nº 26/2000. 2.
A restrição do direito à moradia do fiador em contrato de locação comercial tampouco se justifica à luz do princípio da
isonomia. Eventual bem de família de propriedade do locatário não se sujeitará à constrição e alienação forçada, para
o fim de satisfazer valores devidos ao locador. Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado,
goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao
contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia. 3.
Premissas fáticas distintivas impedem a submissão do caso concreto, que envolve contrato de locação comercial, às mesmas
balizas que orientaram a decisão proferida, por esta Suprema Corte, ao exame do tema nº 295 da repercussão geral, restrita
aquela à análise da constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação residencial.
4. Recurso extraordinário conhecido e provido.”(RE 605709/SP, rel. Min. Dias Toffoli, red. p/ ac. Min. Rosa Weber, Primeira
Turma, julgamento em 12.6.2018).

Diante dessa decisão, e de outras, o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral a respeito do assunto,
em março de 2021.

Isso se deu nos autos do Recurso Extraordinário 1.307.334 (Tema 1127). Em março de 2022, o STF julgou a questão,
reafirmando sua posição anterior – em prol da livre-iniciativa e da proteção do mercado –, no sentido de ser constitucional
essa previsão legal a respeito da penhora do bem de família do fiador.

Votaram nesse sentido os Ministros Roberto Barroso, Nunes Marques, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz
Fux, seguindo-se ainda o argumento de que a Lei de Locação não faz distinção entre fiadores de locações residenciais e
comerciais em relação à possibilidade da penhora do seu bem de família. Em sentido contrário, votaram os Ministros Edson
Fachin, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Cármen Lúcia, pois o direito constitucional à moradia deveria prevalecer sobre
os princípios da livre-iniciativa e da autonomia contratual, que podem ser resguardados de outras formas. Ao final foi
ementada a seguinte tese em repercussão geral, que deve ser adotada para os devidos fins práticos: “é constitucional a penhora
de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial”.
Acrescente-se que, na sequência, o Superior Tribunal de Justiça cristalizou a mesma posição em julgamento de recursos
repetitivos, ementando que a “tese definida no Tema 1127 foi a de que ‘é constitucional a penhora de bem de família
pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial’. Nessa perspectiva, a Segunda Seção do STJ,
assim como o fez o STF, deve aprimorar os enunciados definidos no REsp Repetitivo 1.363.368/MS e na Súmula 549 para
reconhecer a validade da penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação comercial. Isso porque a lei
não distinguiu entre os contratos de locação para fins de afastamento do bem de família, (art. 3º, inciso VII, da Lei n.
8.009/1990)” (STJ, REsp 1.822.040/PR, 2.ª Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, j. 08.06.2022 – Tema
1091).

O STJ tem entendido que a má-fé na utilização do argumento do bem de família é exceção à impenhorabilidade (REsp
1.299.580/RJ e REsp 1.364.509/RS).

Isso amplia o rol das exceções?

E a questão do bem de alto valor?

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