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DIREITO CIVIL VI:

DIREITOS REAIS

Eduardo Zaffari
Direitos reais sobre
coisas alheias
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Conceituar os direitos de gozo e fruição.


 Definir os direitos de superfície e usufruto.
 Avaliar os direitos de habitação e servidão.

Introdução
A propriedade tem características que garantem ao proprietário o pleno
domínio sobre a coisa, as quais sofrem restrições decorrentes dos demais
direitos reais e pela função social da propriedade, conforme prescreve
a Constituição Federal (BRASIL, 1988). As faculdades prescritas pelo Có-
digo Civil (BRASIL, 2002) poderão ser destacadas e atribuídas a terceiros,
constituindo um direito real.
Neste capítulo, você vai ler sobre o direito de gozo e a fruição, dife-
renciando-os dos demais atributos da propriedade. Você verá também
que, advindos do Direito romano, vários institutos — como os direitos de
superfície, usufruto, habitação e servidão — permitem que a propriedade
tenha um melhor aproveitamento e observância de sua função social.

1 Direitos de gozo e fruição


A propriedade é, segundo Pontes de Miranda (2012), qualquer direito patrimo-
nial ou apenas, como refere, o domínio sobre determinada coisa. O doutrinador
alagoano afirmava que se costuma distinguir o domínio, que é o mais amplo
direito sobre a coisa, e os direitos reais limitados. Vale transcrever a explicação
do doutrinador para a distinção entre o domínio (mais amplo) para os direitos
reais limitados (MIRANDA, 2012a, p. 67):
2 Direitos reais sobre coisas alheias

O domínio e os direitos reais limitados distinguem-se pelo seu conteúdo: esses


são direitos de abrangência parcial, ao passo que aquele é de abrangência
total. Por isso mesmos a técnica jurídica procura determinar, claramente, os
contornos ou limites dos direitos reais limitados: quem só tem servidão de
passar somente pode passar; quem só tem uso, somente pode usar, e não usar
ou fruir; quem tem direito de habitação somente pode habitar. As limitações
ao domínio são quase sempre negativas, tão grande é o número de possibi-
lidade do senhorio.

Sem nos aprofundarmos demasiadamente nesse momento sobre a proprie-


dade, a concepção de domínio de Pontes de Miranda (2012a), que já reconhecia
a possibilidade de certas limitações à propriedade, alterou-se profundamente
a partir da Constituição Federal (BRASIL, 1988) com a incorporação de
observância da função social da propriedade, nos termos do art. 5º, XXIII (a
propriedade atenderá à sua função social). O Código Civil (BRASIL, 2002,
documento on-line) prescreve, no art. 1.228, que o proprietário tem certos
direitos inerentes às faculdades da propriedade, quais sejam: “O proprietário
tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
A legislação alterou o paradigma de direitos que constava no Código
Civil de 1916 para faculdade (na atual legislação), demonstrando que há um
abrandamento dos atributos do direito de propriedade. Trata-se da mudança
de paradigma, que o legislador fez questão de demonstrar que os atributos
da propriedade não mais são absolutos. O uso da expressão faculdades da
propriedade serve melhor à possibilidade de distribuição de algumas dessas
faculdades pelo proprietário a terceiros.
Para o estudo das características do direito de propriedade, Flávio Tartuce
associa esse direito a um recipiente vazio que deve ser preenchido com quatro
camadas de faculdades, usando um acróstico para auxiliar na memorização
das faculdades: GRUD. A propriedade tem quatro faculdades, como consta no
art. 1.228 do Código Civil (BRASIL, 2002), quais sejam (TARTUCE, 2017):

 Gozar (fruir);
 Reaver;
 Usar;
 Dispor (reivindicar).

Aquele que detém todas as faculdades consigo tem a propriedade plena (ou
alodial) em contraposição àquele que tem a propriedade limitada (ou restrita),
que detém apenas parte das faculdades da propriedade ou esta sofre algum
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ônus (como uma hipoteca, por exemplo). O presente capítulo se concentrará


nos direitos de gozo e fruição.
Sílvio de Salvo Venosa ressalta, inclusive, que o Código Civil (BRASIL,
2002) preferiu descrever analiticamente os poderes do proprietário em vez
de definir a propriedade. É a síntese dessas faculdades que fornece o sentido
global da propriedade, que, como reforça o doutrinador, encontra (as faculdades)
suas limitações no próprio Código Civil, como nos direitos de vizinhança
(VENOSA, 2017).
Grande artífice do Código Civil de 1916, Clovis Beviláqua (2003) afirmava
que é a mesma ideia contida na definição dos romanistas, ainda que um tanto
exagerada, em face da verdade jurídica revelada pela história: dominium est
jus utendi, fruendi et abutendi re sua, quatenus juris ratio patitur. O grande
jurista afirmava que os romanos “[...] reconheciam que o direito privado
individual sofria restrições determinadas por ordem social. E os modernos
Códigos vão se orientando no sentido de equilibrar o interesse do indivíduo
com o da sociedade” (BEVILÁQUA, 2003, p. 134).

Um exemplo de limitação às faculdades da propriedade é a passagem forçada, cons-


tante no direito de vizinhança prescrito no Código Civil, em que:

Art. 1.285 O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nas-
cente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, cons-
tranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente
fixado, se necessário.
§ 1º Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural
e facilmente se prestar à passagem (BRASIL, 2002, documento on-
-line, grifo nosso).

A definição de Venosa (2017) para o direito de gozar ou fruir é reunida no


conceito de gozo, para quem gozar do bem significa extrair dele benefícios e
vantagens. Refere-se à percepção de frutos, tanto naturais quanto civis. Para
Tartuce (2017), a faculdade de gozar ou fruir (ius fruendi) da coisa significa que
o proprietário pode retirar os frutos da coisa, sejam estes civis (rendimentos),
naturais ou industriais. Um exemplo é a locação do bem, que deixará frutos
(aluguel) ao seu proprietário.
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Pontes de Miranda (2012c), ao definir o cuidado que se deve ter no entendi-


mento quanto aos atributos destacados do usufruto, comprova que a percepção
de frutos está ligada à fruição, não ao uso (ius utendi), como afirma:

A fruição pode ser admitida sem uso; e o uso, sem a fruição. Donde ser falsa a
regra fructus sine usu esse non potest. Em diferentes lugares as leis romanas as
desmentem. Quem usa retira da coisa utilidades que não são frutos; quem frui
pode não usar. O usufruto compreende a fruição e o uso; mas é a destinação
da coisa, não só econômica, que determina modo e quantidade ao fruir e ao
usar. (MIRANDA, 2012c, p. 64).

As definições demonstram que fruir e gozar representam uma das facul-


dades do proprietário, que poderão ser destacadas e consistem na percepção
dos frutos do bem, não se podendo confundir com o atributo (ou faculdade)
de uso, que consiste na retirada de utilidade da coisa. Qualquer um desses
atributos poderá sofrer limitações legais e deverá observar a função social
da propriedade, conforme prescrito na Constituição Federal (BRASIL,
1988). O reconhecimento dessas faculdades importa para os direitos reais
sobre as coisas alheias por estes serem destacáveis e cedidos em maior ou
menor abrangência.

2 Superfície e usufruto
O direito de superfície aparece prescrito como um direito real no art. 1.225,
II, do Código Civil (BRASIL, 2002), com regramento entre os arts. 1.369 e
1.377 do mesmo diploma legal. No Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), os
arts. 21 a 24 já previam a possibilidade deste direito.
O direito de superfície encontra sua origem no Direito romano (em-
phyteusis ou ager vectigalis), surgindo na atual legislação para substituir o
instituto da enfiteuse, existente no Código Civil de 1916, art. 678 e seguintes
da lei revogada. Entretanto, a retirada da enfiteuse da atual legislação não
a fez desaparecer, posto que as enfiteuses existentes, quando do advento
do atual Código Civil, permaneceram, apenas se proibindo a instituição de
novas enfiteuses.
Venosa (2017) afirma que, no Direito romano, esse instituto decorria da
necessidade prática de se permitir a construção em solo alheio, pois os ma-
gistrados permitiam que se construíssem tabernas em solo alheio, com sua
permanência em nome do Estado. Havia a separação entre o solo e a construção
sobre ele.
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O atual instituto da superfície apresenta vantagens em relação à enfiteuse,


pois o instituto revogado apenas poderia ser cedido de forma onerosa, além de
ser perpétuo e necessariamente ter o pagamento do laudêmio. Entretanto, Pontes
de Miranda desfaz a confusão havida no século IV d.C., entre emphyteusis
ou ager vectigalis, visto que a enfiteuse era temporária na época clássica do
Direito romano, o que torna a efetiva diferenciação apenas a partir da confusão
havida (MIRANDA, 2012b).

A enfiteuse consiste em um direito real, que esteve previsto no Código Civil de 1916 até
sua revogação pelo Código Civil de 2002. O adquirente (enfiteuta) recebia terras públicas
ou particulares por um longo período ou, até mesmo, perpetuamente. Anualmente
deveria pagar ao alienante uma pensão anula, chamada de laudêmio.

Segundo o conceito proposto por Tartuce (2017, p. 227), “a superfície é


o instituto real pelo qual o proprietário concede a outrem, por tempo deter-
minado ou indeterminado, gratuita ou onerosamente, o direito de construir
ou plantar em seu terreno”. A definição vem ao encontro do prescrito no art.
1.369 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), “O proprietário
pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno,
por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada
no Cartório de Registro de Imóveis”.
Venosa (2017) afirma que se trata de uma concessão que o proprietário
faz a outrem, para que utilize sua propriedade, tanto para construir quanto
para plantar. No direito real de superfície, há a divisão do patrimônio em duas
esferas: uma pertencente ao proprietário, chamado de fundieiro, e outra per-
tencente ao superficiário, que é aquele que recebe a superfície do proprietário
que a cedeu. Sobre cada um dos direitos, incidem encargos e ônus próprios
de cada parte (fundieiro e superficiário).
Os tributos relativos à superfície serão de responsabilidade do superficiá-
rio, mas nada obsta que pactuem diversamente. As duas partes têm atributos
de domínio que apenas são limitadas pelo exercício do direito do outro. A
autonomia é confirmada pelo art. 1.376 do Código Civil (BRASIL, 2002), que
prescreve que, em caso de desapropriação, caberá indenização a cada parte
conforme a proporção de seu direito real.
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O Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) especifica, claramente no art.


791, que a constrição que recair sobre imóvel submetido ao direito real de super-
fície irá onerar tão somente o direito do devedor, não recaindo sobre o direito
do outro. Nesse sentido, será averbado no registro de imóvel o valor da dívida e
detalhadamente se a dívida recairá sobre o terreno, edificação ou plantação. O
direito real do superficiário não responderá, por exemplo, pela dívida do fundieiro.
Uma interessante discussão é se o Código Civil (BRASIL, 2002) teria
revogado o direito de superfície prescrito no Estatuto da Cidade (BRASIL,
2001). Tartuce argumenta que não, apresentando motivos de sua diferença
e vigência de duas espécies de direito de superfície, apresentando relevante
quadro no auxílio da distinção.
Permaneceriam dois diferentes direitos de superfície porque o constante no
Código Civil (BRASIL, 2002) se aplica a imóveis urbanos e rurais, com cessão
apenas por prazo determinado e com exploração mais restrita (apenas construções
e plantações), não se podendo utilizar o subsolo e o espaço aéreo. Vale reproduzir
o quadro de Tartuce (2017), que demonstra que se deve usar preferencialmente o
Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) e subsidiariamente o Código Civil (BRASIL,
2002) para contratar o direito real de superfície (Quadro 1):

Quadro 1. Direito de propriedade

Direito de  Imóvel urbano ou rural


superfície no  Construções e plantações
Código Civil  Em regra, não há a utilização do subsolo e espaço aéreo
de 2002  Cessão somente por prazo determinado

 Imóvel urbano
Direito de  Exploração mais ampla: qualquer utilização conforme
superfície no política urbana
Estatuto da Cidade  Em regra, é possível utilizar o subsolo ou o espaço aéreo
 Cessão por prazo determinado ou indeterminado.

Segundo o Código Civil (BRASIL, 2002), o direito real de superfície é a


cedência apenas da superfície propriamente dita, necessitando de pactuação
específica para o uso do subsolo. Conforme já referido, o direito de superfície
prescrito no art. 21, § 1º, do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) prescreve
como regra o uso do subsolo e espaço aéreo.
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Outra característica é que a cessão poderá ser gratuita ou onerosa, sendo


certo que, se onerosa, deverá expressamente explicitar se o pagamento será
em uma única parcela ou em várias, nos termos do art. 1.370 do Código Civil
(BRASIL, 2002). A remuneração pelo direito de superfície é chamada de cânon
superficiário ou solarium (expressão usada no Direito romano).
O direito de superfície poderá ser alienado por ato inter vivos (compra e
venda) ou causa mortis (testamento), o que demonstra que não é um instituto
personalíssimo. Nesse sentido, caso alienado, tanto o superficiário quanto
o fundieiro terão preferência na aquisição do direito real à venda em iguais
condições. Na transmissão causa mortis, é vedada a cobrança de qualquer valor
pela transmissão do direito real. Instituído o direito de superfície por escritura
pública, ele será extinto pelo advento do prazo previsto ou se o superficiário
der uso diverso ao direito de superfície ao pactuado.

Remontando ao tempo em que o Estado romano concedia a emphyteuses, o art.


1.377 do Código Civil (BRASIL, 2002 ,documento on-line) possibilita a celebração do
direito real de superfície pelos entes públicos: “O direito de superfície, constituído por
pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for
diversamente disciplinado em lei especial”.

Advindo do Direito romano, o usufruto é, segundo Pontes de Miranda


(2012c, p. 77), um “[...] direito real limitado, direito restringente da propriedade,
que dá o uso e a fruição do bem gravado, ressalvada a sua substância”. O
conceito apresentado pelo doutrinador repete o proposto pelo jurista romano
do Digesto, em que usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi salva
rerum substantia.
Isso representa que é o direito limitado a retirar da coisa utilidades e
proveitos sem lhe retirar a substância. Venosa (2017) afirma que usufruto é
um direito real transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar,
durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes
a outra pessoa, a qual conserva a sua substância.
No usufruto, destacam-se da propriedade os direitos de usar (utilizar) e
fruir (gozar) da coisa, que são cedidos pelo nu-proprietário para o usufrutuário,
que passa a ter a posse direta sobre o bem. O proprietário remanesce com a
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posse indireta e os atributos de dispor (alienar) e reaver (reivindicar) o bem


dado em usufruto.
Por essa razão, não poderá o nu-proprietário usar o bem ou alugá-lo para a
obtenção de frutos, direitos esses cedidos ao usufrutuário. Apenas o proprie-
tário poderá ajuizar ação reivindicatória (atributo de reaver o bem), jamais o
usufrutuário. Ambos, porém, poderão fazer uso das ações possessórias, posto
que ambos têm a posse, dividida em direta e indireta.
Previsto entre os arts. 1.390 a 1.411 do Código Civil (BRASIL, 2002), o
usufruto poderá recair sobre um ou mais bens, móveis ou imóveis, e até mesmo
sobre um patrimônio inteiro, desde que limitado ao uso e à fruição. Não se
poderá confundir o usufruto com figuras similares, como:

 locação (que é contratual e não se extingue com o falecimento do


locatário);
 comodato (que tem natureza contratual);
 direito de superfície (em que o superficiário poderá ser indenizado
em caso de desapropriação e terá direito de preferência em caso de
alienação).

O usufruto poderá ser legal ou contratual a depender se decorre de uma


norma jurídica ou pela vontade das partes. Se recair o usufruto convencional
sobre um bem imóvel, ele deverá ser averbado no respectivo registro de imóveis.
O primeiro exemplo de usufruto legal consiste na previsão de administração
dos bens dos filhos pelos pais, como consta no art. 1.689, I, do Código Civil
(BRASIL, 2002).
A segunda hipótese de usufruto legal é decorrente do casamento, em que
um cônjuge é usufrutuário dos rendimentos do bem do outro, conforme art.
1.652, I, do Código Civil (BRASIL, 2002). O usufruto convencional é aquele
pactuado por contrato e vontade das partes ou por testamento. O decorrente
de contrato poderá ser usufruto por alienação (em que o proprietário concede
a terceiro o usufruto e retém para si a nua propriedade) ou usufruto por reten-
ção ou deducto (em que o proprietário reserva para si o usufruto e transfere
para terceiro a nua propriedade). Há uma terceira possibilidade de usufruto,
chamada de usufruto misto, que decorre de usucapião, conforme previsão
constante no art. 1.391 do Código Civil (BRASIL, 2002).
Em relação ao tempo de sua duração, o usufruto poderá ser temporário (ou
a termo) ou vitalício. O usufruto temporário perdurará pelo tempo pactuado
e, para as pessoas jurídicas, não poderá ser superior a 30 anos.
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O usufruto temporário se extinguirá com a morte do usufrutuário ou ex-


tinção da pessoa jurídica a quem for concedida, mesmo que ainda não tenha
chegado o usufruto a seu termo. Enquanto a morte do usufrutuário extingue
o usufruto, independentemente de seu tempo, a morte do nu-proprietário não
o extingue. O usufruto vitalício (que não se confunde com perpetuidade)
ocorre quando não há prazo estipulado ou, se assim disposto, vigorará apenas
em favor de pessoas naturais e até o seu perecimento, não se transmitindo (o
usufruto) aos herdeiros do usufrutuário.

Os direitos e deveres do nu-proprietário e do usufrutuário estão prescritos dentre os


arts. 1.394 e 1.409 do Código Civil (BRASIL, 2002).

O art. 1.393 do Código Civil (BRASIL, 2002) vedou expressamente a


alienação do usufruto pelo usufrutuário. Entretanto, Tartuce (2017) recorda
que a doutrina discute a possibilidade de o usufrutuário alienar o usufruto
para o próprio nu-proprietário (uma vez que, para terceiros, não há discussão
quanto à impossibilidade). Haveria a consolidação da propriedade na pessoa
do nu-proprietário que adquire o usufruto. Tartuce (2017) defende a impossi-
bilidade, considerando a natureza ética dessa prática e a tendência do Código
Civil (BRASIL, 2002) de extinguir essas cobranças (a exemplo da extinção
do laudêmio na enfiteuse, também extinta).

3 Direito de habitação e servidão


O direito de habitação é provavelmente o direito real mais limitado, posto que
há apenas o destaque de parte da faculdade de usar a propriedade, consistente
na cessão do direito real de habitar determinado bem imóvel. Como partes
desse instituto, há o proprietário, que é quem cede o direito de habitar, e o
habitante, que é quem recebe o direito do primeiro. O direito real de habitação
vem prescrito no art. 1.225, VI, do Código Civil (BRASIL, 2002), assim como
entre os arts. 1.414 a 1.416 do mesmo Código.
Duas são as modalidades de aquisição do direito real de habitação, consis-
tindo a primeira na aquisição legal e a segunda na convencional. Na primeira
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forma de aquisição desse direito, não há sequer a necessidade de averbação


do direito no registro de imóveis respectivo, o que ocorre na habitação con-
vencional. Um exemplo de aquisição legal do direito real de habitação consta
no art. 1.831 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), em que
há a prescrição de que:

Art. 1.831 Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito
real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família,
desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Ao cônjuge supérstite (seja viúva ou viúvo), é assegurado o direito de


habitação na residência familiar, conforme assegurado no Estatuto da Mulher
Casada (BRASIL, 1962). A regra, com flagrante cunho ético, busca proteger o
cônjuge que se vê emocionalmente abalado e, por vezes, financeiramente em
dificuldades. Discute a doutrina quanto à possibilidade de o cônjuge supérstite
locar parte do imóvel ou constituir nova família e a possibilidade de perda do
direito de habitação.
Enquanto parte da doutrina afirma que o cônjuge sobrevivente perderá o
direito à habitação; outros doutrinadores afirmam que o cônjuge sobrevivente
eventualmente necessitará locar parte da casa para ter renda, o que consistiria
na injustiça da perda do direito à habitação. Ademais, seria injusta a perda do
direito apenas porque o sobrevivente está reconstruindo sua vida (TARTUCE,
2017).
A segunda forma de constituição do direito de habitação, a convencional, é
a concessão gratuita pelo proprietário ao habitante, seja por benemerência, seja
por mera liberalidade. Se o imóvel cedido for superior a 30 salários-mínimos,
o direito real de habitação deverá ser instrumentalizado por escritura pública
confeccionada em tabelionato; se inferior aos 30 salários-mínimos, poderá
ser realizada a cessão por instrumento particular, conforme consta no art. 108
do Código Civil (BRASIL, 2002). De qualquer forma, deverá ser averbado o
direito no registro de imóveis.
Nessa modalidade convencional, há uma segunda hipótese, que se asse-
melha à legal adquirida pelo cônjuge supérstite (e imposta por lei), que é a
concessão do direito real de habitação por meio de testamento. Ou seja, o
testador legará o direito real de habitação por testamento a legatário, que deve
ser feito preferencialmente por testamento público (que se faz por escritura
pública) e posteriormente averbado no registro de imóveis.
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O direito real de habitação se apresenta em poucos artigos, mas se usará, no que


couber, o prescrito ao usufruto, como consta no art. 1.416 do Código Civil (BRASIL,
2002, documento on-line): “São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua
natureza, as disposições relativas ao usufruto”.

O direito real de habitação, conforme prescreve o art. 1.414 do Código


Civil (BRASIL, 2002), não poderá ser alugado, emprestado ou cedido pelo
habitante, quando for recebido gratuitamente. Isso significa que o direito é
personalíssimo, a ser concedido apenas ao habitante.
O direito não pode ser concedido de forma onerosa (sob pena de caracterizar
uma locação), mas poderá ser concedido como um encargo (preservar deter-
minada planta ou cuidar de certo animal, por exemplo). Outrossim, poderá o
direito real ser concedido a mais pessoas, que não poderão coibir o direito da
outra, tampouco exigir qualquer remuneração dos demais, que eventualmente
não façam uso do direito.
Instituto de longa data, necessário e surgido na Roma antiga para garantir
a passagem de águas e acessos na cidade que surgia, a servidão vem prevista
entre os arts. 1.378 e 1.389 do Código Civil (BRASIL, 2002), com a previsão de
sua constituição, exercício e extinção. Tartuce (2017, p. 234) assim a conceitua:

Por meio desse instituto real, um prédio proporciona utilidade a outro, gravando
o último, que é do domínio de outra pessoa. Em suma, a servidão reapresenta
um tapete de concessão em benefício de outro proprietário, simbologia que serve
como luva para representar a servidão de passagem, sua situação mais comum.

Assim, haverá um prédio serviente e um prédio dominante; este último é


aquele que tem a servidão a seu favor em detrimento do primeiro. Exatamente
por serem prédios, não se fala mais em servidões prediais, como na antiga
legislação, posto que esse instituto apenas poderia recair sobre bens, por óbvio.
As servidões apresentam algumas características, quais sejam:

 predialidade — apenas é possível sobre prédios (é vedada sobre móveis


e imateriais);
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 acessoriedade — as servidões necessitam de um prédio sobre o qual


deverão recair;
 ambulatoriedade — em caso de transmissão do prédio, a servidão
irá acompanhá-la;
 indivisibilidade — a servidão é indivisível e se adquire e se perde em
sua integralidade (servitutes dividi no possunt);
 perpetuidade — não se pode estabelecer uma servidão por tempo
determinado, o que não impede a sua extinção.

Os arts. 1.378 e 1.379 do Código Civil prescrevem que a servidão poderá


ser constituída por ato inter vivos (contrato por escritura pública) ou causa
mortis (testamento), ambos devidamente registrados no registro de imóveis.
Reconhece também a possibilidade de usucapião da servidão, conforme art.
1.379 (BRASIL, 2002).
Beviláqua (2003) prescrevia a possibilidade de o dono do imóvel desti-
nar certa parte em serventia a outro prédio, sem que ainda se constituísse
servidão, com a alienação ou transmissão dos bens (a qualquer título que
fosse), constituir-se-ia a servidão, o que é do mesmo entendimento de
Tartuce (2017).
Por derradeiro, com origem no Direito romano, a servidão poderia ser
reconhecida ou rechaçada pela ação confessória (confessoria ei qui servitu-
tem sibi competere contendit). A contrapartida à ação de reconhecimento da
servidão é a ação negatória de servidão, que adotará o procedimento comum
(TARTUCE, 2017).
Sete são as possibilidades de extinção da servidão, prescritas nos arts. 1.387
a 1.389 do Código Civil (BRASIL, 2002). A primeira delas é pela desapropria-
ção, em que os imóveis dominantes, servientes ou ambos, são desapropriados
pelas autoridades públicas. A servidão poderá se extinguir:

 pela renúncia da servidão pelo proprietário do imóvel dominante;


 quando cessar a utilidade ou comodidade da servidão, exigindo a frus-
tração de seu objeto;
 pelo resgate da servidão pelo dono do prédio serviente (seja por meio
de ação judicial, seja por acordo bilateral entre os proprietários);
 pela reunião dos dois prédios na pessoa do mesmo proprietário;
 pela supressão das respectivas obras por efeito do contrato ou de outro
título expresso (perda da finalidade em face da desnecessidade da servidão
para eventuais obras);
 pelo não uso pelo prazo de 10 anos contínuos (trata-se do desuso da servidão).
Direitos reais sobre coisas alheias 13

BEVILÁQUA, C. Direito das coisas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. 2 v.
(Coleção história do direito brasileiro. Direito civil)
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14 Direitos reais sobre coisas alheias

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