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INSTITUTO DO DIREITO REAL DE USO

1- Lineamento Histórico do Direito Real de Uso;


O instituto do uso tem origem antiga, sua gênese tem origem no Direito Romano, sua
grafia original era usus, ou fructus sine usus, sendo derivado do usufruto.
Como instituto jurídico em seus primórdios, o usus significava a possibilidade de usar
uma coisa sem receber os frutos, motivo pelo qual era empregado em coisas que não
produziam qualquer tipo de fruto.
Segundo as lições de Arangio- Ruiz (apud VENOSA, 2013 p. 503) o usus, em seu
significado originário, era o direito de usar uma coisa sem receber os frutos. Era dirigido
a coisas que não o produziam, não se levando em conta a possibilidade de auferir
qualquer fruto civil. Podia ser constituído sobre uma biblioteca ou escravo, por
exemplo, e, se constituído sobre uma casa, dele estava excluído o direito de locação.
Deste entendimento delibera-se que do fructus sine usus, ou literalmente “uso sem
fruição”, poderia utilizar-se da coisa no que assim fosse suscetível, por exemplo, extrair
frutos naturais da coisa, mas não poderia alugar esta coisa, pois o preço advindo da
locação seria fruto nascido desta coisa, ou seja, o usuário, com a locação, iria fruir da
coisa o que não é permitido no regramento deste instituto.
À título de informação, conquanto a historiografia jurídica ainda considere objeto de
controvérsia, no fructus sine usus, ocorria a cessão de uso a uma pessoa e o gozo dos
frutos era destinado a outrem.
Ainda em seu magistério afirma Venosa (2013, p. 504): “No uso romano, a exemplo do
usufruto, o usuário deveria prestar caução ao proprietário, como garantia de devolução.”
Nosso Código Civil de 1916 em seu art. 742 manteve o instituto do uso com a mesma
utilidade e características que previa a lex romana: “O usuário fruirá a utilidade dada em
uso, quanto o exigirem as necessidades pessoais suas e de sua família.”

O atual Código Civil manteve em relação ao direito real de uso a mesma redação que o
Código de Beviláqua com exceção do termo “fruirá” que foi substituído por “usará”.

2 - Conceito Doutrinário e Aspectos Característicos do Instituto do Uso

Sobre o direito real de uso, professor Roberto Gonçalves (2012, p. 352) assim conceitua
o uso:

O uso é considerado um usufruto restrito, porque ostenta as mesmas características de


direito real, temporário e resultante do desmembramento da propriedade, distinguindo-
se, entretanto, pelo fato de o usufrutuário auferir o uso e a fruição da coisa, enquanto ao
usuário não é concedida senão a utilização restrita aos limites das necessidades suas e de
sua família.
Já o professor Flávio Tartuce (2013, p. 374-5) em sua obra Direito das Coisas assim
ensina sobre o instituto do uso:

O direito de uso recebe a denominação usufruto anão, usufruto reduzido ou restrito


(arts. 1412 e 1413 do CC). Ao contrário do que possa parecer, o titular do direito de uso
pode usar e também fruir, ou seja, receber os frutos que a coisa produz.

Daí que surge a crítica ao termo USO, que em sua origem, só permitia que a pessoa se
servisse da coisa, sem aperceber-lhe os frutos. Entretanto, atualmente, o direito de uso
permite ao titular que perceba os frutos apenas nos limites de sua necessidade e de sua
família (art. 1412 do CC).

No diapasão da melhor doutrina, o uso é um direito real sobre coisa alheia. Para se
compreender o que é um direito real sobre coisa alheia, deve-se entender primeiramente
o que é o direito de propriedade, pois é dele que todos os direitos reais se originam.

O direito real de propriedade liga um determinado sujeito de direito a uma coisa ou


bem, e esta ligação chama-se justamente direito real, sendo a espinha dorsal do direito
privado e do capitalismo.

As faculdades que o direito real de propriedade oferece ao seu titular são a possibilidade
de este USAR, GOZAR e DISPOR da coisa além de poder REAVER esta das mãos
de quem quer que injustamente a detenha (direito de sequela) e é justamente a divisão
dessas faculdades, na figura de mais de um sujeito, que surge o direito real sobre coisa
alheia.

Dispõe o art. 1.412 do Código Civil:

O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades


suas e de sua família.

§ 1º Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e


o lugar onde viver.

§ 2º As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos


solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.

As necessidades pessoais aludidas pelo legislador no caput do dispositivo deverão ser


avaliadas em conformidade com a condição social ostentada pelo usuário e o lugar em
que ele vive, por isso é correto afirmar que o uso é mutável, podendo ser alargado ou
estreitado caso haja o aumento ou diminuição das necessidades pessoais do usuário.
Como a norma jurídica fala em necessidades pessoais, estão excluídas quaisquer outras.

O art. 1412, §2º, restringe o conceito de família do usuário a: seu cônjuge, seus filhos
solteiros e às pessoas de seu serviço doméstico. Entretanto, deve-se, levando-se em
conta a mais moderna visão do Direito Civil - Constitucional, considerar o rol deste
parágrafo como sendo exemplificativo e não taxativo.

O direito real de uso  pode recair tanto sobre res móveis como imóveis, se for móvel a
maioria da doutrina entende não poder ser fungível, nem consumível.
Enumeram-se, dentre os direitos do usuário, a fruição e utilização da coisa com a
finalidade de atender as necessidades do usuário e de sua família, não podendo perceber
da coisa qualquer fruto. Por decorrência do direito ora aduzido, pode o usuário praticar
todos os atos imprescindíveis à satisfação de suas necessidades e às de sua família, mas
nunca comprometendo a substância e a destinação do bem. O usuário ainda pode
melhorar a coisa, efetuando benfeitorias, tal como administrar o bem onerado.

Doutro modo, computam-se dentre os deveres do usuário a conservação da coisa como


se fosse sua, agindo com diligência e zelo, para que possa restituí-la como recebeu.  É
defeso ao usuário engendrar obstáculos que dificultem ou impeçam o exercício dos
direitos do proprietário. Operado o lapso temporal concedido, incumbirá ao usuário
restituir a coisa, eis que é mero detentor da posse direta, uma vez que o usuário é
caracterizado por sua temporalidade. A posse precária do usuário acarretará sua
responsabilidade por perdas e danos a que sua mora der ensejo.

3 - Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM)

Trata-se de instituto incorporado ao rol dos direitos reais do Código Civil a partir de
determinação da Lei 11.481/07, tal modificação merece atenção, uma vez que este novo
direito real é figura do âmbito do direito administrativo.

A concessão especial de uso já existia, foi criada pela Medida Provisória Nº2220 e tinha
como objetivo regular a ocupação ilegal de bens públicos para populações das chamadas
“invasões”. 

Não há pespego ao afirmar que o instituto jurídico da concessão de uso especial para
fins de moradia em áreas públicas (inciso XI do art. 1225 do Código Civil) se apresenta
como um importante instrumento de formalização da posse de loteamentos irregulares,
regularizando as ocupações nesses imóveis da União, inclusive no se caracteriza os
assentamentos informais de baixa renda, atendendo o direito constitucional à moradia
sendo direito fundamental social.         

Ensinam Farias; Rosenvald (2011, p. 669) sobre a Concessão de Uso Especial para Fins
de Moradia: “a área possuída estará contida em imóvel público e não será superior a
250m² [...], servindo de moradia do possuidor e de sua família; não é vedado o uso
misto, desde que preponderante o uso para moradia.”
Vale destacar que esse direito não será reconhecido mais de uma vez ao mesmo
concessionário e permite-se que o herdeiro legítimo do possuidor continue a posse,
exigindo-se, para tanto, que resida no imóvel, quando da abertura da sucessão.
Em se tratando de imóveis, com área superior a 250m², ocupados, para fins de
residência, por população de baixa renda, por período de cinco anos sem interrupção e
sem oposição, onde for possível a identificação dos terrenos ocupados por possuidor, a
concessão será conferida de forma coletiva, ressalvada a hipótese de serem os
possuidores serem concessionários ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural. É
permitido ao possuidor que some sua posse com a do antecessor, desde que ambas
sejam contínuas.

Atribuir-se-á igual fração ideal do terreno, não superior a 250m², a cada possuidor,
pouco importando a dimensão da área que cada um ocupar, exceto em caso de acordo
escrito entre os ocupantes, estabelecendo frações ideais diferenciadas. Se a ocupação
acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público deverá assegurar ao
possuidor o exercício do direito de uso em outro local. O mesmo se diga se a ocupação
se der em imóvel: a) de uso comum do povo; b) destinado a projeto de urbanização; c)
de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos
ecossistemas naturais; ou é) situado em via de comunicação.

Poderá, ainda, haver concessão de direito real de uso de imóvel público dominial com o
escopo de satisfazer a projeto habitacional ou mesmo para promover a regularização
fundiária de interesse social, que é destinada a atender famílias com renda mensal de até
cinco salários mínimos, promovidos no âmbito de programas de interesse social, sob
gestão de órgãos ou entidades da Administração Pública, em área urbana ou rural.

4 - Concessão de Direito Real de Uso (CDRU)

A Lei 11.481/2007 introduziu o inciso XII ao rol de Direitos Reais previsto no Código
Civil em seu art. 1225. Este novo direito real versa sobre a concessão de direito real de
uso.

A Concessão de Direito Real de Uso já existia em nosso ordenamento, mas claro, ainda
que já entendida como um direito real, não fazia parte do referido rol no direito privado,
já que se trata de instituto do âmbito do direito administrativo, criado pelo Decreto -Lei
Nº271/1967.

Denota-se que o instituto tem por objetivo satisfazer filões específicos de urbanização,
industrialização, cultivo agrícola da terra ou outra utilização de interesse social, sendo
contratada, de maneira gratuita ou onerosa, por meio de instrumento público, particular
(terrenos privados) ou por simples termo de cunho administrativo. Notável é a
aproximação do instituto em comento com o uso, notadamente em decorrência da
transmissão da posse direta de um bem a fim de que possa cumprir a sua função social.
Entrementes, o traço diferenciador está no fato de que a concessão de uso não se limita
à moradia (permite-se a fruição total do bem), ao contrário do instituto do uso que se
encontra limitado ao benefício daquilo que corresponda às necessidades do usuário e de
sua família.

De acordo com o professor Helly Lopes Meirelles (apud VENOSA, 2013 p. 623) a
concessão de direito real de uso: é o contrato pelo qual a Administração transfere o uso
remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para
que dele se utilize para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação,
cultivou qualquer outra exploração de interesse social.
Ainda vale destacar que a concessão de uso se transmite por morte ou negócio
jurídico inter vivos, ao contrário do direito real de uso, vitalício e intuitu personae.

5 - Extinção do uso

O uso considera-se extinto quando ocorrer o falecimento do usuário, pois este direito
real possuí natureza personalíssima, então infere-se logicamente que o ordenamento não
admite, a transmissão de tal direito na sucessão. Ocorrerá a extinção, de igual maneira,
se resta por resolvido o termo de duração estabelecido no ato constitutivo, exceto se o
usuário vier a falecer antes. Também se extingue o direito de uso se cessar o motivo que
a originou ou quando não mais se verifica a situação de necessidade do usuário.

CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos concluir que o direito de uso é um direito real menor, que
consiste na faculdade de se servir de certa coisa, pertencente a outro, e haver os
respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família.
Ainda, pode constituir-se sobre qualquer tipo de bem suscetível de uso, seja móvel,
imóvel, material ou imaterial. Podem ser titulares do direito de uso tanto pessoas físicas
como jurídicas, embora neste último caso seja necessário estabelecer um limite
temporal. É um direito personalíssimo, que não pode ser alienado nem arrendado, nem
pode ser objeto de hipoteca.
Os direitos de uso e de habitação constituem-se e extinguem-se pelos mesmos modos
que o usufruto, e são igualmente regulados pelo seu título constitutivo.

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