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FACULDADE ADEMAR ROSADO - FAR

ESCOLA DO LEGISLATIVO PROF. WILSON BRANDÃO


CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO E
AMBIENTAL

RAIMUNDO NONATO MARQUES TEIXEIRA

USUCAPIÃO EM ÁREAS PÚBLICAS:


FUNÇÃO SOCIAL E A PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE DO ESTADO

TERESINA
2019
2

FACULDADE ADEMAR ROSADO - FAR


ESCOLA DO LEGISLATIVO PROF. WILSON BRANDÃO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO E
AMBIENTAL

USUCAPIÃO EM ÁREAS PÚBLICAS:

FUNÇÃO SOCIAL E A PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE DO ESTADO

Raimundo Nonato Marques Teixeira1

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto da usucapião


em áreas públicas. Para realizar a temática o presente Artigo abordará a função
social e a presunção de propriedade do Estado. A usucapião é uma forma originária
de aquisição do direito de propriedade sobre um bem móvel ou imóvel em função de
haver utilizado tal bem por determinado lapso temporal, contínua e
incontestadamente, como se fosse o real proprietário desse bem. A função social da
propriedade é uma condição ao direito de propriedade. Ela determina que a
propriedade urbana ou rural deverá, além de servir aos interesses do proprietário,
atender às necessidades e interesses da sociedade. Isto significa que uma
propriedade rural ou urbana não deve atender apenas aos interesses de seu
proprietário, mas também ao interesse da sociedade. A propriedade presume-se
plena e exclusiva, até prova em contrário. Os frutos e mais produtos da coisa
pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito
jurídico especial, couberem a outrem. A inexistência de registro imobiliário de imóvel
objeto de ação de usucapião não induz presunção de que o bem seja público (terras
devolutas), cabendo ao Estado provar a titularidade do terreno como óbice ao
reconhecimento da prescrição aquisitiva. Este trabalho tem por objetivo apresentar
os elementos jurídicos e doutrinários em relação ao instituto da usucapião em áreas
públicas abrangendo a jurisprudência do STJ e STF e Estado do Piauí.

Palavras-chave: Usucapião. Área Pública. Imóvel Rural. Estado. Presunção de


propriedade. Inexistência de Registro Imobiliário. Ônus da Prova.

Abstract: This paper aims to analyze the institute of use in public areas. To realize a
thematic how to approach a social function and a presumption of priority of the state.
1
Pós Graduando em Direito Agrário e Ambiental. Pós Graduado em Direito Eleitoral, pela Escola do
TRE-PI. Bacharel em Direito pelo Instituto Camilo Filho, inscrito na OAB/PI, sob no 7779.
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Use is an original form of acquiring the right to ownership of a mobile device or


property as a function of using the well-defined value for time, continuous and
undisputed, as if it were the real value of that good. The social function of property is
a condition of property rights. It determines urban or rural property, as well as serving
the interests of the owner, meeting the needs and interests of society. This means
that a rural or urban property should not only serve the interests of its owner, but also
the interests of society. Ownership is assumed to be full and exclusive until proven
otherwise. The fruits and more proceeds of the thing belonging, even when
separated, to its owner, unless, by special legal precept, may be attributed to
another. The absence of real estate registration of the property object of an action of
adverse possession is not induced by the presumption that it is public property
(vacant land), and it is for the State to prove the ownership of the land as obvious in
recognizing the prescription acquired. This paper aims to present legal and doctrinal
elements in relation to the institute of use in public areas, covering the case law of
the STJ and STF, state of Piauí.

Keywords: Adverse possession. Public area. Rural property. State. Presumption of


ownership. No Real Estate Registration. Burden of Proof

INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto da usucapião em
áreas públicas. Para realizar a temática o presente Artigo abordará a função social e
a presunção de prioridade do estado.
As terras devolutas são bens públicos com natureza peculiar, pelo modo
como foram concebidas no ordenamento jurídico não há óbice à usucapião desse
tipo de terras. A usucapião é uma forma originária de aquisição do direito de
propriedade sobre um bem móvel ou imóvel em função de haver utilizado tal bem
por determinado lapso temporal, contínua e incontestadamente, como se fosse o
real proprietário desse bem.
A função social da propriedade é uma condição ao direito de propriedade. Ela
determina que a propriedade urbana ou rural deverá, além de servir aos interesses
do proprietário, atender às necessidades e interesses da sociedade. Isto significa
que uma propriedade rural ou urbana não deve atender apenas aos interesses de
seu proprietário, mas também ao interesse da sociedade. A propriedade presume-se
plena e exclusiva, até prova em contrário.
A inexistência de registro imobiliário de imóvel objeto de ação de usucapião
não induz presunção de que o bem seja público (terras devolutas), cabendo ao
Estado provar a titularidade do terreno como óbice ao reconhecimento da prescrição
aquisitiva.
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A jurisprudência tem sido no sentido de que não se pode desconhecer que a


mera ausência de registro imobiliário não é suficiente, só por si, para configurar a
existência de domínio público, mesmo porque tal circunstância não induz à
presunção, ainda que “juris tantum”, de que as terras destituídas de inscrição no
Registro de Imóveis sejam necessariamente devolutas, consoante tem proclamado a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que exige, do Estado, a prova
inequívoca de que lhe pertence a titularidade dominial do bem imóvel.
Este trabalho tem por objetivo apresentar os elementos jurídicos e
doutrinários em relação ao instituto da usucapião em áreas públicas abrangendo a
jurisprudência do STJ e STF, TJ-PI, quanto á controvérsia relativa à pretensão
dominial do Estado do Piauí sobre os imóveis objeto de ação de usucapião.
Para analisar a temática em tela inicialmente será contextualizado a função
social da propriedade, uma vez que, essa consta no ordenamento pátrio impresso
na Carta Magna, como direito fundamental. Posteriormente será discorrido em
relação a presunção de propriedade, para por último abordarmos a usucapião de
terras públicas.

1- FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A organização jurídica da propriedade varia de país a país, evoluindo desde a


Antiguidade aos tempos modernos. A configuração do instituto da propriedade
recebe direta e profundamente influência dos regimes políticos em cujos sistemas
jurídicos é concebida (GONÇALVES, 2017).
A partir do início deste século, o Direito mundial tem modificado a noção
essencialmente privalística do direito à propriedade, exigindo a sua utilização como
pré-requisito para sua manutenção. Só realmente tem quem usa, e é precisamente
neste ponto que se afere a função social da propriedade (MOTTA, 2018).
No conjunto das instituições sociais, a propriedade se projeta como um dos
fatos mais relevantes, pois permite a satisfação de necessidades primárias e
complementares do ser humano, favorece o desenvolvimento da cultura e do
progresso, além de apresentar profundas implicações com a questão social
(NADER, 2016).
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Em sua classificação, o direito de propriedade se diz absoluto, não no sentido


de franquear ao titular ilimitados poderes sobre a coisa, mas porque apresenta
validade erga omnes, sendo oponível a qualquer pessoa. A garantia constitucional
da propriedade está submetida a um intenso processo de relativização, sendo
interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação
ordinária (GONÇALVES, 2017).
Como entendeu o próprio Supremo Tribunal Federal:

O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre


ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função
social que lhe é inerente (CF, art. 5.º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção
estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito,
os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da
República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o
aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada
dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente
constituem elementos de realização da função social da propriedade (STF,
ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. 04.04.2002, DJ 23.04.2004).

Embora a ordem constitucional garanta a propriedade privada, a cada dia


surgem novas limitações ao exercício desse direito, ditadas pelo interesse social. O
titular da propriedade ocupa o polo ativo da relação jurídica, na qual a coletividade
figura no polo passivo e como detentora do dever jurídico omissivo de respeitar a
propriedade e o seu exercício (NADER, 2016).
O conceito de propriedade na atual Constituição, possui um fator de
desenvolvimento social. A característica romana de ser o jus utendi, fruendi e
abutendi, concebendo o direito de propriedade de forma absoluta, com força
proeminente em relação aos outros direitos, foi ultrapassada pelo caminhar das
circunstâncias socioeconômicas; seu sentido deve ser tomado de forma restritiva,
conjugado com o critério indicativo de sua função social (AGRA, 2018).
Em virtude da nova ordem jurídica, a partir da Constituição de 1988, a função
social torna-se, de uma só vez, direito fundamental e categoria jurídica, operando
verdadeira transformação no direito de propriedade, que deixa de ser um instituto
jurídico único e estático.
O tradicional modelo unitário é substituído por um pluralista e é a função,
desempenhada por cada instituto de propriedade, a responsável pelo surgimento de
diferentes estatutos jurídicos. É por isso que Gustavo Tepedino e Anderson
Schreiber afirmam que, diante de tantos modelos proprietários (de produção ou
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consumo, urbana ou rural, maior ou menor de 250 m 2, pública ou privada etc.), não é
possível uma concepção ou análise unitária da propriedade (TEPEDINO;
SCHREIBER, 2002, p. 41).
Pode-se definir o direito de propriedade como o poder jurídico atribuído a uma
pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, em sua
plenitude e dentro dos limites estabelecidos na lei, bem como de reivindicá-lo de
quem injustamente o detenha. Assim Gonçalves afirma:

Quando todos os aludidos elementos constitutivos estiverem reunidos em


uma só pessoa, será ela titular da propriedade plena. Se, entretanto, ocorrer
o fenômeno do desmembramento, passando um ou alguns deles a ser
exercidos por outra pessoa, diz-se que a propriedade é limitada. É o que
sucede, verbi gratia, no caso do direito real de usufruto, em que os direitos
de usar e gozar da coisa passam para o usufrutuário, permanecendo o nu
proprietário somente com os de dispor e de reivindicá-la. (GONÇALVES,
2017, p. 242)

A utilização deve ser feita, dentro dos limites legais e de acordo com a função
social da propriedade. A atual Constituição Federal dispõe que a propriedade
atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII). Também determina que a ordem
econômica observará a função da propriedade, impondo freios à atividade
empresarial (art. 170, III).
O conceito de função social da propriedade tem sentido polissêmico, variando
de acordo com os valores dominantes, tornando a propriedade conexa com o
desenvolvimento da sociedade e expurgando o conceito individualista que a
caracterizava. A especificação do conceito de função social da propriedade deverá
ser determinada por lei específica, o que a torna uma norma constitucional de
eficácia contida, devendo uma lei infraconstitucional delimitar o seu sentido (AGRA,
2018).
O art. 182 da Constituição determina que a propriedade urbana cumpre sua
função social quando se conforma às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor (§ 2º).
O plano diretor é uma lei ordinária editada pelo Município que trata do uso e
da ocupação do solo urbano, estabelecendo as diretrizes da política de
desenvolvimento urbano. Constitui ele “o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana” (§ 1º). Sua instituição é obrigatória para
cidades com número de habitantes superior a vinte mil.
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A Constituição faculta, no § 4 o do mesmo artigo, que seja editada pelo


Município uma lei específica para área incluída no plano diretor, observado o
disposto em lei editada pela União (já editada, trata-se do Estatuto da Cidade – Lei n
o 10.257/2000, alterada pela Lei n o 13.089/2015). Neste caso, é lícito ao Município
exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,
localizado na área abrangida pela lei específica, que promova seu adequado
aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a


propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III –
desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate
de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.

Os imóveis rurais, por sua vez, têm sua função social cumprida quando
explorados em consonância com as disposições do art. 186 da CR. Segundo a
norma, se tem por cumprida a função social da propriedade rural quando ela atende
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos


recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III –
observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV –
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

O imóvel rural que não está cumprindo sua função social pode ser
desapropriado pelo Poder Público. Quando a desapropriação for destinada ao
programa de reforma agrária, é de competência exclusiva da União, a qual, após
declarar o imóvel de interesse social, procederá à desapropriação mediante
pagamento de prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula
de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do
segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei (art. 184, caput).
Tendo em vista a grande fragmentação dos documentos legais que integram
a ordem jurídica, não merece críticas o legislador ao trazer, para o texto da Lei Civil,
alguns desses enunciados que limitam o direito de propriedade (NADER, 2016).
Nessa ordem, o Código Civil de 2002 proclama que:
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“o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas


finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,
bem como evitada a poluição do ar e das águas” (art. 1.228, § 1º); e que
“são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade,
ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem” (§ 2º).

Ao efetivar a função social da propriedade, o legislador, ao mesmo tempo que


estabelece mecanismos de conversão da posse em domínio, seja com a
multiplicação das modalidades de usucapião ou com a posse trabalho, que é
desapropriação indireta, penaliza a não utilização ou subutilização da coisa de
variados modos, como a indenização, por exemplo, com títulos da dívida pública
(art. 8º do Estatuto da Cidade) (NADER, 2016).
A aferição para verificar se o imóvel atende à sua função social ocorre
levando-se em conta a existência simultânea dos seguintes requisitos:
aproveitamento racional e adequado da propriedade; utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-
estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186 da CF).
Como é notório, a usucapião igualmente está tratada na Constituição Federal
de 1988. O art. 183 da CF/1988 consagra a usucapião constitucional ou especial
urbana (pro misero), ao preceituar que “Aquele que possuir como sua área urbana
de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”
(TARTUCE, 2017).
Ato contínuo, a usucapião constitucional ou especial rural (pro labore) consta
do art. 191 do mesmo Texto Fundamental que dispõe: “Aquele que, não sendo
proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua
moradia, adquirir-lhe-á a propriedade” (TARTUCE, 2017).
Anote-se que ambos os dispositivos tiveram o cuidado de prever que os bens
públicos não podem ser objeto de usucapião (arts. 183, § 3.º, e 191, parágrafo único,
da CF/1988).
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Há, portanto, em nosso ordenamento jurídico, uma ampla proteção da


propriedade, seja no tocante aos interesses individuais do proprietário, ou no que
toca à proteção dos direitos da coletividade, o que também exprime muito bem o
conteúdo de sua função social. Quanto ao indivíduo em si, relembre-se a previsão
do inc. XI do próprio art. 5.º da CF/1988, segundo o qual “a casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em
caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial”.
Segundo o autor, o direito de propriedade se diz absoluto, não no sentido de
franquear ao titular ilimitados poderes sobre a coisa, mas porque apresenta validade
erga omnes, sendo oponível a qualquer pessoa. Embora a ordem constitucional
garanta a propriedade privada, a cada dia surgem novas limitações ao exercício
desse direito, ditadas pelo interesse social. O titular da propriedade ocupa o polo
ativo da relação jurídica, na qual a coletividade figura no polo passivo e como
detentora do dever jurídico omissivo de respeitar a propriedade e o seu exercício
(NADER, 2016).

2- PROPRIEDADE E A PRESUNÇÃO DA PROPRIEDADE

A propriedade é, sem dúvida, o epicentro dos direitos reais, consistindo, pois,


no mais completo dos direitos subjetivos. Toda a estrutura dos direitos reais gravita
em tomo do instituto jurídico da propriedade (MELLO, 2017).
O vocábulo propriedade, subjetivamente considerado, consiste no poder de
usar, gozar e dispor da coisa com exclusão de outrem. O direito de propriedade é
vasto, pois encampa todos os poderes possíveis sobre a coisa, ressalvados apenas
os limites impostos por lei a favor do interesse social (NADER, 2016).
O conceito de propriedade, embora não aberto, há de ser necessariamente
dinâmico. Deve-se reconhecer, nesse passo, que a garantia constitucional da
propriedade está submetida a um intenso processo de relativização, sendo
interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação
ordinária (GONÇALVES, 2017).
Segundo Pontes De Miranda, em sentido amplíssimo, propriedade:
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é o domínio ou qualquer direito patrimonial. Tal conceito desborda o direito


das coisas. O crédito é propriedade. Em sentido amplo, propriedade é todo
direito irradiado em virtude de ter incidido regra de direito das coisas. Em
sentido quase coincidente, é todo direito sobre as coisas corpóreas e a
propriedade literária, científica, artística e industrial. Em sentido estritíssimo,
é só do domínio. (MIRANDA, 1958, p. 9)

O nosso Código apenas enuncia os poderes do proprietário nos dizeres do


art.1.228, verbis: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e
o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”
Entre definir a propriedade e formular o conjunto de poderes do proprietário, o
legislador preferiu a segunda opção, fazendo-o pelo caput do art. 1.228. O texto,
basicamente, é reprodução do caput do art. 524 do Código Beviláqua. Para os
romanos, o direito de propriedade reunia três conteúdos: utendi, fruendi e abutendi
(NADER, 2016).
Quando todos os aludidos elementos constitutivos estiverem reunidos em
uma só pessoa, será ela titular da propriedade plena. Se, entretanto, ocorrer o
fenômeno do desmembramento, passando um ou alguns deles a ser exercidos por
outra pessoa, diz-se que a propriedade é limitada. É o que sucede, verbi gratia, no
caso do direito real de usufruto, em que os direitos de usar e gozar da coisa passam
para o usufrutuário, permanecendo o nuproprietário somente com os de dispor e de
reivindicá-la (GONÇALVES, 2017).
O primeiro elemento constitutivo da propriedade é o direito de usar (jus
utendi), que consiste na faculdade de o dono servir-se da coisa e de utilizá-la da
maneira que entender mais conveniente, sem, no entanto alterar-lhe a substância,
podendo excluir terceiros de igual uso. A utilização deve ser feita, porém, dentro dos
limites legais e de acordo com a função social da propriedade (GONÇALVES, 2017).
Preceitua a propósito o § 1º do mesmo art. 1.228 do Código Civil que “o
direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades
econômicas e sociais...”
A faculdade em apreço permite também que o dominus deixe de usar a coisa,
mantendo a simplesmente inerte em seu poder, em condições de servi-lo quando lhe
convier. O direito de gozar ou usufruir (jus fruendi) compreende o poder de perceber
os frutos naturais e civis da coisa e de aproveitar economicamente os seus produtos
(GONÇALVES, 2017).
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O direito de dispor da coisa (jus abutendi) consiste no poder de transferir a


coisa, de gravá-la de ônus e de aliená-la a outrem a qualquer título. Não significa,
todavia, prerrogativa de abusar da coisa, destruindo-a gratuitamente, pois a própria
Constituição Federal prescreve que o uso da propriedade deve ser condicionado ao
bem-estar social. Nem sempre, portanto, é lícito ao dominus destruir a coisa que lhe
pertence, mas somente quando não caracterizar um ato antissocial. Tal direito é
considerado o mais importante dos três já enunciados, porque mais se revela dono
quem dispõe da coisa do que aquele que a usa ou frui (GONÇALVES, 2017).
À luz do Direito brasileiro, presume-se plena e exclusiva a propriedade, até
prova em contrário. É a disposição do art. 1.231 da Lei Civil e a presunção em tela é
juris tantum (NADER, 2016).
Pelo fato de ser a visibilidade do domínio, o possuidor tem por si a presunção
de ser dono, até que seja convencido do contrário. Presunção iuris tantum, sem
dúvida, cede à prova contrária. Mas, enquanto esta se não der, milita a seu favor a
presumptio que o habilita a repelir o oponente (PEREIRA, 2017).
A propriedade é plena quando reúne todos os poderes previstos na Lei Civil.
O titular detém todos os elementos inerentes à propriedade: o direito de usar, gozar
e dispor livremente, com exclusão de outrem. Qualquer interessado poderá alegar a
não plenitude do domínio, por exemplo, comprovando que o direito limita-se à nua-
propriedade. Ao proprietário, não cabe o ônus da prova, pois a presunção o favorece
(NADER, 2016).
A doutrina, de um modo geral, indica os seguintes caracteres básicos da
propriedade: a) exclusividade; b) perpetuidade; c) generalidade; d) caráter absoluto;
e) elasticidade. A exclusividade significa que o titular do direito detém poderes sobre
a coisa com exclusão de outrem. O caráter perpétuo revela que o direito não é
temporário ou transitório, pois suscetível de ser transmitido inter vivos ou causa
mortis. Existindo o bem, haverá a propriedade, excetuando-se a res nullius e a res
derelictae, enquanto não houver ocupação (NADER, 2016).
Como todo direito subjetivo, a propriedade, móvel ou imóvel, pressupõe um
título ou justa causa. Em qualquer ordenamento, o titulus adquirendi da propriedade
origina-se de um fato jurídico provocado pela natureza ou manifestação de vontade
humana. A transmissão causa mortis, por exemplo, configura a primeira espécie,
enquanto a doação, que é negócio jurídico, ilustra a segunda (NADER, 2016).
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Em Direito Romano a transferência do domínio exigia um ato externo


(tradição ou usucapião) para efetivar: traditionibus et usucapionibus, non nudis
pactis, dominia rerum transferuntur. Não bastava, pois, a ação individual do
transmitente, mas torna-se mister o concurso da sociedade, como complemento do
ato ou sua autenticação (PEREIRA, 2017).
À propriedade imóvel era, pois, indispensável a tradição da coisa, que a
princípio se realizava mediante a tomada de posse direta com a efetiva presença do
adquirente em todas as partes do imóvel (traditio brevi manu), e mais tarde
considerada efetiva pelo só fato de o alienante o levar ao ponto mais alto, de onde a
coisa transmitida era mostrada ou colocada ante os olhos do adquirente (in
conspectu posita) e desta sorte entregue a este (traditio longa manu). Sobre
tradição, ver 292 supra e 313 infra (PEREIRA, 2017).
Nosso direito anterior ao Código de 1916, desprendendo-se do passado
histórico, atribuiu força translativa ao contrato, admitindo que os imóveis se
transmitissem solo consensu, e, desta sorte, perfilhava doutrina análoga à do Código
Francês (art. 712), bem como dos que a este se prenderam pela mesma técnica
(italiano, espanhol). Considerava-se, então, que a propriedade se transmitia
exclusivamente pelo contrato, sem a necessidade de outra qualquer exigência
(PEREIRA, 2017).
Sentindo, porém, os riscos que daí forçosamente se originavam, entenderam
os nossos juristas que a transcrição se tornava necessária “para que a transferência
tivesse valor contra terceiros” (PEREIRA, 2017).
O direito brasileiro consagrava verdadeira contradição essencial, pois que se
o contrato bastava para transferir o domínio, mas o registro era necessário a que
prevalecesse erga omnes, na verdade não se verificava a transferência do domínio
por força do contrato, uma vez que é da essência da propriedade a sua validade em
relação a todos (erga omnes). Se a transmissão da propriedade ao adquirente
operava apenas inter partes, isto é, com força limitada aos contratantes apenas, o
título na verdade não produzia efetivamente a consequência de transferir o domínio
senão a partir do momento em que se completava o seu registro, pois que não
existia e não podia existir um domínio que tivesse validade apenas entre as partes
(PEREIRA, 2017).
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De acordo com o sistema adotado pelo ordenamento pátrio, o registro público


gera uma presunção juris tantum de domínio. As anotações registrais prevalecem
enquanto não se prove o contrário em juízo. O art. 1.245, § 2º, da Lei Civil, é
expresso a respeito (MELLO, 2017).
Uma vez efetuada a matrícula, ou a inscrição de título constitutivo de algum
outro direito diverso da propriedade, presume-se pertencer o direito real à pessoa
em cujo nome se registrou ou inscreveu (Código Civil, art. 1.245, § 2º). E a
propriedade considera-se adquirida na data da apresentação do título a registro (art.
1.246), ainda que entre a prenotação no protocolo e o registro haja decorrido algum
tempo.
Trata-se, obviamente, de uma presunção iuris tantum, diversamente do que
se passa no direito alemão, uma vez que para nós o registro não tem caráter de
negócio jurídico abstrato. O que se deve inferir é que, se se considera dono quem
figura no registro como titular do direito, assim deve ser tratado enquanto se não
cancelar ou anular, uma vez que o registro é ato causal, e exprime sua força na
dependência do negócio jurídico subjacente (PEREIRA, 2017).
No direito brasileiro, a aquisição da propriedade imóvel ocorre pelo registro do
título translativo no Registro de Imóveis. Assim, a manifestação de vontade dos
contraentes expressada no contrato não é suficiente para garantir a transferência do
domínio, no caso de coisas imóveis. Neste caso, o negócio jurídico firmado gera
apenas efeitos obrigacionais entre as partes contratantes (MELLO, 2017).
Determina o artigo 1.245 do nosso Código Civil: “transfere-se entre vivos a
propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Vale destacar que o artigo 108 do Código Civil exige a escritura pública para a
celebração de atos jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior
salário mínimo vigente no País.
De acordo com o artigo 221 da Lei n° 6.015/73:

somente são admitidos registro: I - escrituras públicas, inclusive as lavradas


em consulados brasileiros; II - escritos particulares autorizados em lei,
assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas,
dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por
entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação; III - atos
autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público,
legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no cartório do
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Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por


tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal; IV
- cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de
autos de processo. (BRASIL, 1973)

Outrossim, o artigo 167 da Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015/73) informa


que os atos que deverão ser registrados e averbados na matrícula do imóvel.
A certeza jurídica que os assentamentos fornecem não chega a ser total, pois
há sempre a possibilidade de retificação por ordem judicial. Enquanto não houver
cancelamento do registro, este continuará a produzir efeitos jurídicos. O art. 252 da
Lei dos Registros Públicos é enfático neste sentido, deixando induvidosa, também, a
presunção juris tantum de veracidade dos assentamentos públicos ao dispor que,
enquanto não cancelado o registro, dele continuarão fluindo efeitos jurídicos, “ainda
que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou
rescindido”.
O art. 1.245, § 2º, da Lei Civil, é expresso a respeito. A certeza jurídica que os
assentamentos fornecem não chega a ser total, pois há sempre a possibilidade de
retificação por ordem judicial. Enquanto não houver cancelamento do registro, este
continuará a produzir efeitos jurídicos.
O imóvel situado na zona rural que o proprietário abandonar, com a intenção
de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de
outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, 3 anos depois, à
propriedade da União, onde quer que ele se localize. Presumir-se-á de modo
absoluto a intenção quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de
satisfazer os ônus fiscais. Essa presunção, contudo, não pode ser interpretada de
modo a contrariar a norma-princípio do artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal,
segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
utilizar tributo com efeito de confisco. (Enunciado 243, CJF)
Acordaram os componentes da Egrégia 2ª Câmara Especializada Cível, do
Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, na relatoria do Desembargador José James
Gomes Pereira, Apelação Cível nº 2015.0001.003213-2, com data de publicação em
novembro de 2015, à unanimidade, em votar pelo conhecimento e provimento do
apelo, para reformar a sentença recorrida, no sentido de conceder aos apelantes o
direito à propriedade do bem indicado na petição inicial, determinando,
consequentemente, ao Cartório de Registro de Imóveis daquela Comarca a abertura
15

de registro do imóvel descrito na inicial e o registro em nomes dos mesmos, de


acordo com o parecer do Ministério Público Superior:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - USUCAPIÃO - IMÓVEL URBANO


- AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL -
INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE QUE A TERRA É PÚBLICA. 1. A
inexistência de registro imobiliário do bem objeto de ação de usucapião não
induz presunção de que o imóvel seja público (terras devolutas), cabendo o
poder público (Federal, Estadual ou Municipal), provar a titularidade do
terreno como óbice ao reconhecimento da prescrição aquisitiva. 2. Provas
nos autos que atestam a posse mansa e pacífica por prazo superior a 15
anos (animus domini comprovado). 3. A súmula 343 do Supremo Tribunal
Federal, não é aplicável ao caso em tela em virtude da decisão atacada não
está baseada em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais. 4.
Não existe, em nosso ordenamento jurídico qualquer presunção, relativa ou
absoluta, de que toda terra não particular é pública. 5. Para a procedência
do pedido discriminatório é necessária prova inequívoca e contundente de
que a área objeto da ação é efetivamente devoluta. O simples fato de o
imóvel não possuir registro não gera a presunção de que se trata de terra
pública. 6. Recurso conhecido e provido. 7. Votação Unânime.

Logo, sendo tais propriedades consideradas como terras de ninguém, numa


ação de usucapião desse tipo, não basta a ausência de registro para que um bem
pertença ao domínio público, sendo, portanto, ônus da Fazenda Pública provar que
tal bem lhe pertença, sob pena de, não o fazendo, ser deferida a propriedade a
quem já tem a posse.

3- USUCAPIÃO EM ÁREAS PÚBLICAS

Inicialmente, a palavra usucapião, em latim, usucapio, é palavra do gênero


feminino, todavia a linguagem usual no foro passou a empregar a palavra no
masculino, mas pode-se dizer que a usucapião é a forma erudita e o usucapião, a
forma usual na linguagem moderna portuguesa, não se devendo considerar a
adoção de qualquer das formas como errônea (GOMES, 1999).
Pela usucapião adquire-se tanto a propriedade da coisa imóvel quanto da
móvel. Tais modalidades são reguladas separadamente pelo Código Civil. A primeira
está disciplinada, em suas diferentes espécies, no conjunto dos arts. 1.238 a 1.244,
enquanto a da coisa móvel, entre os arts. 1.260 a 1.262.
Usucapião, etimologicamente, provém do latim usucapio, vocábulo formado
pela conjunção de usu, que outrora significava possessio (posse), e capere
(adquirir). Em Roma, a usucapio era a aquisição da propriedade quiritária da coisa
16

corpórea (res mancipi ou res nec mancipi), pela posse durante um tempo
determinado. A usucapião ou prescrição aquisitiva, em Roma, resultou da
unificação, promovida por Ulpiano, da usucapio, que se referia aos fundos itálicos,
com a praescriptio, aplicável aos fundos provinciais (NADER, 2016).
A evolução da prescrição no direito romano não acusa uma linha nítida e
segura; Justiniano, unificando a aquisitiva e a extintiva, não concorreu para aclará-la,
e o direito canônico, espiritualizando-a pela preponderância do elemento ético da
boa-fé, tão pouco; acrescente-se, ainda, a falta de método, de ordem, de
sistematização das ordenações, e logo se vê que o instituto se deveria apresentar
cercado de obscuridade (PEREIRA, 2017).
A usucapião justifica-se pelo sentido social e axiológico das coisas,
premiando aquele que se utilizou do bem de forma útil, em prejuízo de quem deixa
escoar o tempo, sem dele utilizar-se ou que não se insurja que o outro o faça, como
se dono fosse, ou seja, não seria justo suprimir o uso e gozo de bem (móvel ou
imóvel) de quem dele cuidou, produziu ou residiu por longo espaço de tempo, sem
oposição (VENOSA, 2007).
Embora haja várias espécies de usucapião é possível a formulação de seu
conceito unitário, capaz de revelar o conteúdo básico que lhe é inerente. Assim
NADER a definiu:

Usucapião, ou prescrição aquisitiva, é modalidade de aquisição originária da


propriedade, móvel ou imóvel, e de outros direitos reais. Donde se infere
que a usucapião possui duplo caráter: ao mesmo tempo em que o possuidor
adquire o domínio da coisa, o proprietário a perde. Nesta oportunidade,
apenas a propriedade imobiliária será objeto de estudo. A usucapião forma-
se pela posse ininterrupta da coisa, durante um tempo determinado, que
varia de acordo com a sua modalidade. O fato gerador da propriedade não é
a sentença judicial, pois esta é apenas declaratória, mas a existência de um
conjunto de requisitos. No momento em que o prazo se completa – 2, 5, 10
ou 15 anos –, ocorre a aquisição da propriedade. O procedimento judicial é
apenas formalidade necessária à obtenção do registro imobiliário. Como
esclarecido em outra abordagem, a usucapião pode ser alegada como
matéria de defesa, diante de ação petitória, fato que não dispensa a
propositura de ação própria, salvo em se tratando de usucapião especial
previsto no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01). A Súmula 237, do
Supremo Tribunal Federal, fixou que “o usucapião pode ser arguido em
defesa” (Nader, 2016, p. 156)

A usucapião é modalidade de aquisição originária da propriedade, móvel ou


imóvel, e de outros direitos reais, mediante a posse mansa e pacífica, com animus
domini, e durante determinado prazo fixado em lei. É o modo originário de aquisição
17

da propriedade, pelo decurso do tempo fixado em lei. Ora, é um modo de aquisição


da propriedade de forma originária, já que inexiste relação jurídica entre o adquirente
e o anterior proprietário (MELLO, 2017).
Para obter a propriedade por intermédio da usucapião, o interessado há de
satisfazer os seguintes requisitos, que se apresentam em três categorias:

a) requisitos pessoais – dizem respeito à capacidade do possuidor; b)


requisitos reais – referem-se à coisa e aos direitos suscetíveis de
usucapião; c) requisitos formais – guardam pertinência com a posse e seus
predicados.

A posse terá que ser contínua, ou seja, é a posse em que o possuidor durante
todo o prazo teve a coisa a sua disposição, ou seja, o possuidor tem o poder físico
sobre a coisa. Não há que se confundir poder físico (posse contínua) com contato
físico permanente com a coisa (MELLO, 2017).
A posse ad usucapionem, além de contínua, mansa e pacífica, deve-se
prorrogar por um prazo previsto em lei. Enquanto este lapso temporal previsto em lei
não se completar, não há que se falar na usucapião (prescrição aquisitiva). Vale
lembrar que neste prazo poderão incidir as causas que obstam, suspendem ou
interrompem a prescrição (conforme art. 1.244 do CCB), inibindo, pois, a usucapião.
O Enunciado 497 da V Jornada de Direito Civil informa que “o prazo, na ação
de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses
de má-fé processual do autor”.
Além dos pressupostos acima mencionados, deve-se levar em consideração
que a posse deverá ser exercida aninus domini, ou seja, a posse deverá ser
exercida pelo possuidor com ânimo (com intenção) de dono da coisa. Ora, daí se
conclui que os não possuidores e os possuidores diretos não poderão invocar a
usucapião. O possuidor direto não poderá alegar a usucapião (por exemplo, o
locatário, o comodatário, o depositário, etc.), já que inexiste o animus domini.
O bem a ser usucapido deve ser suscetível de prescrição aquisitiva, ou seja, o
bem deve restar hábil a ser usucapido. Os bens públicos não podem ser adquiridos
por usucapião. Daí não serem hábeis a usucapião. Os bens quanto ao titular do
domínio podem ser classificados como: bens públicos e bens particulares (MELLO,
2017).
18

O artigo 98 determina que “são públicos os bens do domínio nacional


pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são
particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.
Em relação ao artigo 98, o Conselho da Justiça Federal, na IV Jornada de
Direito Civil, editou o Enunciado 287, que diz: “O critério da classificação de bens
indicado no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos bens públicos,
podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de
direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos”
Quanto à destinação, os bens públicos são classificados em:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e


praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a
serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou
municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que
constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como
objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades (art. 99 do
CC).

Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens


pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura
de direito privado (CC, artigo 99, parágrafo único)
Os bens de uso comum são aqueles que podem ser utilizados por todos (res
communis omnium). Tais bens são acessíveis a qualquer pessoa, tais como a praia,
ruas, praça, estrada, mares, etc (MELLO, 2017).
O artigo 10 da Lei 7.661, de 16 de maio de 1988, afirma que “as praias são
bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco
acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos
considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas
por legislação específica”.
O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for
estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem (art. 103
do CC)
O logradouro público, de uso comum do povo, pode ser gradeado, sempre
que necessário à sua própria conservação ou à segurança da coletividade que dele
usufrui (STJ - Recurso Especial n° 195.473 - SP - 2a Turma - Relator: Ministro Ari
Pargendler).
19

Os bens públicos de uso especial são aqueles destinados ao serviço público,


tais como os prédios, escolas, repartições públicas, etc.
De acordo com o artigo 100 do nosso Código Civil, os bens públicos de uso
comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua
qualificação, na forma que a lei determinar.
Considerando que a posse e o elemento tempo são pressupostos básicos na
aquisição da propriedade por usucapião, este instituto jurídico é denominado,
também, como prescrição aquisitiva. Estende se ao possuidor o disposto quanto ao
devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição,
as quais também se aplicam à usucapião (art. 1.244 CC)
O fundamento da usucapião para uns apresenta cariz subjetivo, para outros
aspecto objetivo. O caráter subjetivo está relacionado à negligência do proprietário
quanto a sua posse, uma espécie de renúncia quanto ao domínio de sua coisa. O
aspecto objetivo está ancorado no atendimento da função social e econômica da
propriedade (MELLO, 2017).
Vale destacar que os bens públicos de uso comum do povo e os bens
públicos de uso especial somente são inalienáveis quando se atribui uma destinação
pública. Com a desafetação, um bem público deixa de ter a sua finalidade pública e,
a partir daí, poderá ser alienado. Portanto, a afetação pode ser conceituada como
sendo o “fato administrativo pelo qual se atribui ao bem público uma destinação
pública especial de interesse direto ou indireto da Administração”. A desafetação é o
inverso, ou seja, “é o fato administrativo pelo qual um bem público é desativado,
deixando de servir à finalidade pública anterior” (MELLO, 2017).
Já o artigo 101 determina que “os bens públicos dominicais podem ser
alienados, observadas as exigências da lei”. Dessa forma, qualquer bem público
poderá ser alienado desde que cumpridos os requisitos legais da desafetação.
Os bens dominicais (ou bens dominiais) são aqueles que integram o
patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal,
ou real, de cada uma dessas entidades, tais como os imóveis e móveis, as ações, os
terrenos de marinha, as faixas de fronteira, as ilhas formadas em mares territoriais.
Os bens públicos não estão sujeitos à usucapião (art. 102 do CC), desde que
se encontrem matriculados junto ao Cartório e que a estes esteja sendo dado a uma
destinação. Tal dispositivo encontra-se em harmonia com o artigo 191, parágrafo
20

único, do Texto Maior ao afirmar que “os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião.
Nem toda coisa é suscetível de ser usucapida. Os bens públicos não podem
figurar como objeto em quaisquer espécies (NADER, 2016).
Bens públicos são os que integram o domínio da União, Estados, Distrito
Federal, Municípios, autarquias e fundações de Direito Público, além dos afetados à
prestação de serviços públicos. Quanto às terras devolutas, que são terrenos vagos
e alienáveis, há divergências doutrinárias quanto à possibilidade de serem
usucapidas (NADER, 2016).
A Constituição contempla os bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II -


as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações
e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação
ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água
em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de
limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele
provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV - as
ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias
marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que
contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço
público e a unidade ambiental federal.(art. 20 da CF) V - os recursos
naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o
mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os
potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do
subsolo; X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e
pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. (art. 26
da CF)

Incluem-se entre os bens dos Estados:

I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em


depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras
da União; II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no
seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou
terceiros; III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; IV - as
terras devolutas não compreendidas entre as da União. (art. 26 da CF)

As terras devolutas excetuada a faixa de cento e cinquenta quilômetros de


largura, ao longo de nossas fronteiras, pertencem aos Estados, segundo dispõe o
art. 26, IV, da Constituição da República. De outro lado, conforme entendimento
doutrinário, as pessoas jurídicas de Direito Público podem usucapir bens de domínio
particular.
21

Não cabe ao usucapiente a prova de que o objeto da posse não constitua


bem público. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou neste sentido: “... Cabe
ao Estado o ônus da prova, quando alega ser pública a área objeto de usucapião.”
Terras públicas são aquelas que pertencem a quaisquer dos entes estatais,
estejam ou não à disposição da coletividade. Terras devolutas são as que, em razão
da origem pública da propriedade fundiária no Brasil, pertencem ao Estado, mas não
estão sendo utilizadas em funções públicas porque não foram trespassadas do
Poder Público aos particulares, ou não se integraram ao domínio privado por título
legítimo (AGRA, 2018).
A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a
política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária (art. 188 da CF).
Preliminarmente, é necessário verificar se o bem que se pretende usucapir é
suscetível de prescrição aquisitiva (res habilis), pois nem todos se sujeitam a ela,
como os bens fora do comércio e os bens públicos (GONÇALVES, 2017).
Os bens públicos também não podem ser objeto de usucapião. Dispõe o art.
2º do Decreto n. 22.785/33 que “os bens públicos, seja qual for sua natureza, não
são sujeitos a prescrição”. Com relação aos imóveis, essa orientação foi reiterada no
art. 200 do Decreto Lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946, que disciplina os bens
imóveis da União, ao estatuir que, “seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a
usucapião”. De acordo com e lição de GONÇALVES:

A jurisprudência consolidou-se nesse sentido, conforme se verifica pela


Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal: “Desde a vigência do Código
Civil (de 1916), os bens dominicais, como os demais bens públicos, não
podem ser adquiridos por usucapião”. (Gonçalves, 2017. p.304)

Também a Constituição Federal de 1988, ao tratar da usucapião especial


urbana e rural, respectivamente nos arts. 183 e 191, proclama que “os imóveis
públicos não serão adquiridos por usucapião”.
E o Código Civil de 2002, nessa linha, enfatiza: “Os bens públicos não estão
sujeitos a usucapião” (art. 102).
Assim, somente podem ser objeto de usucapião bens do domínio particular e
as terras devolutas, não podendo sê-lo os terrenos de marinha e as terras de
domínio público. Estas não mais podem ser objeto de usucapião pro labore, em face
22

da expressa proibição constante do parágrafo único do mencionado art. 191 da


Constituição Federal (GONÇALVES, 2017).
Na doutrina moderna, alguns autores, no entanto, sustentam ser possível
usucapir bens públicos, ao fundamento de que tais bens devem cumprir sua função
social, consagrada na Constituição Federal, assim como é exigido para os imóveis
de particulares. Tal norma não isenta esses bens do dever de cumprir a função
social. Não é concebível, nos dias atuais, que apenas os bens privados devam se
dedicar ao interesse social, exonerando os bens públicos de tal mister.
(ROSENVALD; FARIAS, 2017).
Segundo Constantino (2016), somente deveria recair a blindagem
constitucional à incidência da usucapião aos bens conhecidos como materialmente
públicos, que são preenchidos com o substrato público além de ter a titularidade
pública, não havendo essa vedação para aqueles imóveis que, diante da negligência
estatal em dá a estes destinação social, são exercidos por particulares que realizam
essa tarefa.
O Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas vezes, vinha entendendo que a
ocupação irregular de área pública não induziria posse, mas ato de mera detenção.
O objetivo dessa forma de julgar é o de afastar qualquer pretensão de usucapião de
bens públicos, presente a citada ocupação irregular. Vejamos:

“Embargos de terceiro. Mandado de reintegração de posse. Ocupação


irregular de área pública. Inexistência de posse. Direito de retenção não
configurado. 1. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como
proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham
juntos, não havendo de se reconhecer a posse a quem, por proibição legal,
não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes
inerentes à propriedade. 2. A ocupação de área pública, quando irregular,
não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. 3. Se o
direito de retenção depende da configuração da posse, não se pode, ante a
consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daquele direito
advindo da necessidade de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias,
e assim impedir o cumprimento da medida imposta no interdito proibitório. 4.
Recurso provido” (STJ, REsp 556721/DF (200301269677), 642135. Recurso
especial. Data da decisão: 15.09.2005. Segunda Turma. Rel. Min. Eliana
Calmon. Sucessivos: REsp 704992/DF, 2004/0165757-1 – Decisão:
06.12.2005. DJ 19.12.2005, p. 353. Fonte: DJ 03.10.2005, p. 172. Veja:
Ocupação de terra pública – Posse – Inexistência). STJ, REsp 489.732/DF,
146.367/DF (RDDP 26/217).

Assim, os bens dominicais, quando não tiverem uma destinação específica,


poderão não efetivar o comando constitucional de cumprir sua função social. Seria o
23

caso, por exemplo, de bem dessa espécie relegado ao abandono e que, por essa
razão, serviu de moradia a determinada família ou conjunto de famílias, durante
lapso de tempo suficiente para a aquisição da propriedade por usucapião, estando
presentes os demais pressupostos legais (ROSENVALD; FARIAS, 2017).
Mas há doutrinadores que afirmam que tal entendimento é minoritário na
doutrina. Embora a tese seja sedutora, seria necessário, para que pudesse vingar,
rever o conceito de propriedade, super dimensionando a valorização de sua função
social, o que não é aceito pela maioria dos juristas e aplicadores do direito. Seria
mister, ainda, flexibilizar substancialmente o que consta da Constituição Federal
(TARTUCE; SIMÃO, 2008).
No entanto, esse entendimento vem se modificando no STJ que vem
considerando que tais propriedades consideradas como terras de ninguém, numa
ação de usucapião desse tipo, não basta a ausência de registro para que um bem
pertença ao domínio público, sendo, portanto, ônus da Fazenda Pública provar que
tal bem lhe pertença, sob pena de, não o fazendo, ser deferida a propriedade a
quem já tem a posse.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL -USUCAPIÃO - IMÓVEL URBANO -


AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL -
INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A
TERRA É PÚBLICA – 1 - A inexistência de registro imobiliário do bem objeto
de ação de usucapião não induz presunção de que o imóvel seja público
(terras devolutas). cabendo ao Estado provar a titularidade do terreno como
óbice ao reconhecimento da prescrição aquisitiva. 2 - Recurso especial não
provido. (STJ - REsp 964.223 - (2007/0145963-0) - Rel. Min. Luís Felipe
Salomão - DJe 04.11.2011 - p. 752)

Da mesma forma, o TJPI vem seguindo o mesmo entendimento


que transcrevo a seguir:

AÇÃO RESCISÓRIA - PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL VIOLAÇÃO


DE LEI PELO ACÔRDÃO RESCINDENDO - TERRAS DEVOLUTAS -
ÔNUS DA PROVA - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - AUSÊNCIA DE
TRANSCRIÇÃO NO OFICIO IMOBILIÁRIO - 1-Inépcia da inicial, portanto, é
a irregularidade formal gravíssima que impede, de forma absoluta, que o
órgão jurisdicional se pronuncie sobre o direito de que o autor se diz titular.
Não é inepta a inicial quando da narrativa dos fatos decorrer logicamente o
pedido, o que é o caso dos autos. 2- A súmula 343. do supremo tribunal
federal, não é aplicável ao caso em tela em virtude da decisão rescindenda
não está baseada em texto legal de interpretação controvertida nos
tribunais. 3- Não existo, em nosso ordenamento jurídico. qualquer
presunção, relativa ou absoluta, de que toda terra não particular é pública.
4- Para a procedência do pedido discriminatório é necessária prova
24

inequívoca e contundente de que a área objeto da ação é efetivamente


devoluta. O simples fato de o imóvel não possuir registro não gera a
presunção de que se trata de terra pública - (APELAÇÃO CÍVEL N° 268486-
8/00. TJ-MG. REL. DES. WANDER MAROTTA. J. EM 21/10/2002).
5- Orientação do STF que prosseguiu no STJ. a ausência de transcrição no
ofício imobiliário não induz à presunção de que o imóvel se inclui no rol
das terras devolutas. 5- Acórdão mantido. 6 - Decisão unânime. (TJPI -
AR 2009.0001.002979-0 - Rel. José James Gomes Pereira - DJe
20.10.2010-p.9)v86.

Em resumo: não se acha suficiente a alegação de ser devoluto o imóvel


usucapiendo, pois se torna necessário que o ente Público prove que tal bem se
inclui em sua esfera de dominialidade, já que não se configura mais a presunção de
serem públicas as terras que não forem objeto de transcrição.
No mais, não serão apenas os foreiros (pessoas físicas) beneficiados com tal
medida legal, mas também o próprio Poder Executivo Municipal, nos termos do rtigo
243 da Lei de Registro Público (Lei nº 6.015/73). Mesmo assim, tem-se a expectativa
que os prefeitos de pequenas e médias localidades do Brasil, especialmente o Piauí,
procurem discriminar suas áreas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, existe uma discussão jurídica muito aflorada em nossos Tribunais


que tenta definir as regras para ação de usucapião no tocante as terras públicas
devolutas e que não venham cumprindo com a função social. De um lado, o Estado
defendendo o patrimônio que é de todos nós, brasileiros, e de outro, particulares
defendo seus interesses de forma judicial pela falta de gestão fundiária do Brasil.
Dentro desse contexto jurídico é preciso consignar que vigora em nosso
ordenamento jurídico, mais especificadamente nos artigos 183, §3º e 191, parágrafo
único, da Constituição Federal e art. 102, do Código Civil, que os imóveis públicos
não estão sujeitos a usucapião.
Nesse mesmo sentido, vem o entendimento majoritário doutrinário e
jurisprudencial, que vêm se posicionando em favor da vedação imposta pelo
ordenamento jurídico. O Tribunal de Justiça do Estado de Piauí também vem
seguindo essa linha com base em precedentes do STJ, que deixam claro que o
particular jamais poderá exercer posse ou poderes da propriedade sobre imóveis
25

públicos e sim mera detenção, sendo impossível a configuração dos requisitos para
usucapião.
Por outro lado, já existem entendimentos dos Tribunais que bem cuja
titularidade não é conhecida, ou seja, o imóvel que não possui registro de
propriedade, não pode ser havido como “terra devoluta”, cabendo ao Estado tal
comprovação, e os tribunais vêm mantendo essa mesma linha.
Aqui surge uma grande necessidade de o Estado identificar e ter informação
de quais áreas não são particulares, para poder efetivamente arrecadá-las e
incorporar no patrimônio de Estado, sob pena dessas áreas passarem ao domínio
de particular por usucapião, não por que o tenha sido permitido usucapião em bem
público, mas porque não vigora a previsão ‘irus tantum’ que o bem é público,
cabendo ao Estado o dever de provar que área pertence a ele.
26

REFERÊNCIAS

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional 9. ed. Belo Horizonte:


Fórum, 2018.

BRASIL. Enunciado 243. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado


/470, Acesso em 10 Nov. 2019.

BRASIL. Lei 6.015/73. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm

CONSTANTINO, Givanildo Nogueira. Incidência da usucapião nos bens


formalmente públicos: instrumento de efetivação ao princípio constitucional da
função social da propriedade e aos direitos fundamentais coletivos. Revista
Quaestio Iuris - v. 09, nº. 04, 2016. Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil. Acesso
em 28/11/2019.

GOMES, Orlando. Direitos reais. 15. ed. Atualizado por Humberto Theodoro Júnior.
Rio de Janeiro: Forense, 1999.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas.
12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

MELLO, Cleyson de Moraes. Direito civil: direito das coisas. Rio de Janeiro: Maria
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NADER, Paulo Curso de direito civil, volume 4: direito das coisas. 7. ed. rev.,
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