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Ribeirão Preto
2/2020
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INTRODUÇÃO
Quando se fala de posse e a função social, o tema deve ser abordado de maneira
mais cautelosa, já que a posse não determina a propriedade, assim como a propriedade não
assegura a posse. Nesse sentido, essa relação, quase que totalmente, se encontra disciplinada
pelo Código Civil, com o auxílio de leis especiais que regulamentam a posse. O art. 1.196
conceitua o possuidor no sentido de que ele não é o proprietário, mas daquele que detém
alguns dentre os poderes que configuram o proprietário ou como aquele que exerce
determinadas características que também estão presentes no direito de propriedade. Diz o
dispositivo que: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou
não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Basta o exercício de um dos atributos do
domínio para que a pessoas seja considerada possuidora. Ilustrando, o locatário, o
usufrutuário, o depositário e o comodatário são possuidores, podendo fazer o uso das ações
possessórias, ou seja de recursos para a defesa de sua propriedade que não se encontra em sua
posse.
Para Flavio Tartuce, não há necessariamente domínio material na posse, podendo
decorrer de mero exercício de direito. Como a primeira ilustração, no caso do contrato de
locação, as duas partes envolvidas são possuidoras, assim, afirma o doutrinador que “o
locatário é possuidor direto, tendo a coisa consigo e o locador é proprietário e possuidor
indireto, pelos direitos que decorrem do domínio” (TARTUCE, 2014, p.862). Mas para
esclarecer essa posição se faz necessário esclarecer os conceitos de possuidor direto e
possuidor indireto.
A posse direta, também conhecida como posse imediata é a que decorre daquele
que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de contrato, por exemplo, a posse
do locatário, que a exerce por concessão do locador , nos termos do art. 1.197, do CC., que
disciplina da maneira seguinte: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela
foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto”. O locatário, por
exemplo, exerce o que se chama de jus utendi, ou seja, o direito de usar, a faculdade atribuída ao
proprietário da coisa de utiliza-la de maneira desejada, sem lhes alterar a substância. Mas
antes de explicar o que são as formas de defesa da posse, primeiramente é preciso esclarecer o
que se conhece por posse indireta.
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No caso da posse indireta ou mediata, se origina daquele que cede o uso do bem,
por exemplo, do locador. Nesse momento, ocorre o fenômeno do desdobramento da posse.
Essa situação de desdobramento não provoca a anulação de uma a outra, pois não se propõe o
problema da qualificação da posse, porque as duas são posses jurídicas, isto é, jus possidendi,
(posses tituladas) conferido ao portador de título devidamente transcrito, bem como ao titular
de outros direitos reais e têm o mesmo valor. O locador exerce o que se chama de jus fruendi-
ou direito de gozar ou usufruir, ou seja, é o poder de receber os frutos civis e naturais além de
aproveitar de forma econômica o seu produto
A vantagem dessa divisão é que o possuidor direto e o indireto podem invocar a
proteção possessória contra terceiro, mas só o segundo isto é, o indireto pode adquirir a
propriedade em virtude da usucapião. O possuidor direto jamais poderá adquiri-la por esse
meio, por faltar-lhe o ânimo de dono, ou seja, só o possuidor indireto terá o direito de
prescrição aquisitiva, a usucapião, desde que preencha todos os requisitos exigidos pela lei.
Para tal acontecimento, das duas uma, imagine que o titular abstém-se de defender
os seus direitos e a inércia vai consolidando a posição do possuidor, que acabará,
eventualmente, por ter um direito à aquisição da própria coisa possuída, por meio da
usucapião; ou o verdadeiro titular não se conforma e exige a entrega da coisa, pelos meios
judiciais que a ordem jurídica lhe faculta, que culminam na reivindicação e permitem a sua
vitória. Enquanto não o fizer, o possuidor continuará a ser protegido. Assim, se o titular do
direito não toma a iniciativa de solicitar a intervenção do Poder Judiciário, as finalidades
sociais são suficientemente satisfeitas com a mera estabilização da situação fundada na
aparência do direito. Nesse sentido, se faz necessário observar o seguinte julgado do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR PARA
DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. POSSE DE FORÇA VELHA. NECESSIDADE DE
DILAÇÃO PROBATÓRIA E COGNIÇÃO EXAURIENTE. FUNÇÃO SOCIAL DA
POSSE E DIREITO CONSTITUCIONAL À MORADIA. REFORMA DA DECISÃO.
Recurso contra decisão que deferiu liminar de reintegração de posse, em favor dos
agravados. Prova dos autos que demonstra, em sede de cognição sumária, que a
Agravante é possuidora de boa-fé por aproximadamente 19 anos. Fato incontroverso que
torna certa a necessidade de manutenção da posse por força da aplicação dos paradigmas
da função social da propriedade (art. 5º XXIII CF/88), que nesse momento processual
deve ser privilegiada. Manutenção do status possessório durante o andamento do
processo de origem que se impõe. Recurso provido.
(TJ-RJ - AI: 00347280420198190000, Relator: Des(a). RICARDO COUTO DE
CASTRO, Data de Julgamento: 28/04/2020, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 2020-05-06)
A posse é protegida para evitar a violência e assegurar a paz social, bem como
porque a situação de fato aparenta ser uma situação de direito. É, assim, uma situação de fato
protegida pelo legislador. Mas isso não quer dizer que todas as formas de posse são
amparadas pelos dispositivos legais, já que a posse também pode ser fruto de má-fé, de
violência ou clandestina. A posse é violenta quando se adquire por ato de força ou ameaça. A
violência física supõe a ausência de vontade daquele que foi usurpado. Por sua vez, a posse é
clandestina quando se adquire via processo de ocultamento em relação àquele contra quem é
praticado o apossamento. Nesse sentido, a jurisprudência firma o seguinte entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE. ESBULHO. FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE. RECURSO CONHECIDO E
IMPROVIDO. 1. No caso dos autos, restou comprovado que a parte apelante, mediante
esbulho, passou a exercer a posse injusta do imóvel de propriedade da apelada. Portanto,
correta a sentença que julgou procedente o pleito de reintegração de posse. 2. Não é
cabível a discussão sobre a função social da posse em ação de reivindicação de posse,
onde não se discute se a propriedade não cumpre sua função social, mas apenas os
requisitos para manutenção ou não da posse. 3. Recurso conhecido e improvido.
(TJ-PI - AC: 00062736320158180140 PI, Relator: Des. Fernando Lopes e Silva Neto,
Data de Julgamento: 30/01/2018, 4ª Câmara Especializada Cível)
É preciso entender que a propriedade é considerada uma das bases do sistema socioeconômico
do Estado e sua importância está relacionada ao âmbito dos direitos individuais, visando
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Considerações finais
Sabendo que o tema aqui não se esgota, mesmo assim, o objetivo a que se propôs
tal trabalho cumpriu a sua finalidade. Muito se discute sobre a função social propriedade e
também sobre as maneiras de aquisição da posse e ampla doutrina discute o assunto e nem
sempre as posições se encaminham no mesmo sentido. Certo é que a orientação
jurisprudencial em boa parte das questões acerca do tema já pacificou o entendimento. No
entanto, o andamento da sociedade e as transformações que a assolam, não permite afirmar
que tudo está consolidado, já que novas exigências sociais, novas posturas políticas podem
alterar os caminhos do entendimento sobre o assunto.
Contudo, hoje é possível contar com instrumentos e recursos jurídicos tanto para a
defesa da propriedade ou da posse quanto para assegurar seus meios de aquisição. De nada
adianta defender a propriedade se esta não cumpre sua função social e aumenta ainda mais a
diferença social e a insatisfação da sociedade. Ao passo que não é frutífero defender modos
injustos de aquisição, como posse clandestina e violenta, seja pelo descumprimento da lei,
seja pelo desvio moral de tais ações.
A propriedade deve cumprir a sua função social e a posse deve ser justa. Quem no
futuro no futuro será possível viver numa sociedade mais igualitária e pacífica? Parece um
sonho distante, mas se a covardia de lutar por esse ideal só encaminha a sociedade para o
abismo e a desesperança. Os ideais movem as pessoas. As pessoas transformam o mundo. E
assim o mundo poderá ser lugar mais, justo, seguro e melhor.
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REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: Direito das Coisas. 12. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017.
TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único. 10. ed. São Paulo: MÉTODO,
2020.
TJ-PI - AC: 00062736320158180140 PI, Relator: Des. Fernando Lopes e Silva Neto, Data
de Julgamento: 30/01/2018, 4ª Câmara Especializada Cível.
TJ-RS - AC: 70076971027 RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Data de Julgamento:
26/07/2018, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
30/07/2018