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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR
DISCIPLINA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL IV - TM576

ALUNA: MARIA AMÉLIA RODRIGUES


PROFESSOR: ALEXANDRE DE CASTRO CATHARINA
ATIVIDADE ACADÊMICA - AULA 15/03/2024

CONFLITO COLETIVO SOBRE A POSSE E A RESPECTIVA TUTELA


PROCESSUAL

A priori, deve-se entender o que é um conflito coletivo sobre a posse, este se


caracteriza como aquele que há pluralidade de pessoas em um dos polos da relação
processual, e tem por objetivo a disputa pela posse de determinada terra rural ou urbana.

De acordo com SAVIGNY, a posse caracteriza-se pela conjunção de dois elementos: o


corpus, elemento objetivo que consiste na detenção física da coisa, e o animus, elemento
subjetivo que se encontra na intenção de exercer sobre a coisa um poder no interesse próprio
e de defendê-la contra a intervenção de outrem. Não é propriamente a convicção de ser dono
(opinioseucogitatiodomini), mas a vontade de tê-la como sua (animus dominiou animus
remsibihabendi), de exercer o direito de propriedade como se fosse o seu titular. (apud
GONÇALVES, 2011, p. 49).

Nesse sentido, pode-se inferir que as ações possessórias são aquelas que protegem a
posse de uma ameaça, turbação ou esbulho. As ações possessórias se dividem em três e estão
especificadas nos artigos 554 a 568 do Código Civil. Nos termos de ações possessórias
coletivas. O doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves vai dizer: “a tutela de posse
desenvolve-se por meio de três diferentes espécies de ações, chamadas de interditos
possessórios: reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório” (Neves,
2016, p. 846).

A primeira delas, a reintegração de posse, é aquela que visa recuperar a posse perdida
em razão de esbulho, que pode ser decorrente de clandestinidade, violência ou ainda
precariedade. Esbulhar significa dizer que um terceiro se apossou ilegitimamente de coisa
alheia mediante o uso de força e violência.

A segunda, por sua vez, é a manutenção da posse e diz respeito à conservação da


posse, ou seja, visa proteger o possuidor - de qualquer tipo de bem (móvel, imóvel, corpóreo,
incorpóreo) - contra alguém que venha perturbar a sua posse. A turbação seria o ato de
perturbar ou incomodar, não havendo a perda da posse, como acontece nos casos de esbulho.
Em outras palavras, o possuidor não consegue exercer o direito de posse em sua totalidade.

Já o interdito proibitório tem natureza preventiva e versa sobre a proteção da posse


que está sofrendo ameaça de turbação ou esbulho, objetivando afastar uma provável moléstia
via mandado judicial impondo pena pecuniária para aqueles que não respeitarem. Frisa-se
que, ao contrário das demais, nesse caso não existe uma ameaça concreta.

Ademais, vale salientar a função social da posse, esta resulta da função social da
propriedade aliada ao princípio da isonomia. Desse modo, pode-se dizer que a função social
tem como objetivo a proteção da sociedade de sua autonomia privada, ficando a cargo do
possuidor utilizar sua posse a fim de beneficiar a coletividade e não a si próprio, ou seja, este
deve subordinar a utilização dos bens ao atendimento de direitos em sua maioria sociais e não
individuais.

O ilustre Tepedino (apud Silva, 2016, p.23) discorre sobre a definição da Função
Social da Posse:

É dever imposto ao possuidor, a fim de proteger a sociedade de sua


autonomia privada que subordina a utilização dos bens patrimoniais ao
atendimento de direitos existenciais e sociais, previstos na CF/88, como
fundamento da República, o princípio-valor da dignidade da pessoa humana,
como objetivo fundamental, a construção de sociedade livre, justa e
solidária e o dever da diminuição das desigualdades sociais, isso vinculando
os titulares de direitos patrimoniais e definindo o conceito jurídico de
Função Social da Posse.
Logo, torna-se possível extrair da Constituição Federal e do Código Civil o princípio
da proteção da função social da posse, voltada à tutela da dignidade humana, no mínimo
existencial e de direitos fundamentais sociais como a moradia e o trabalho.

Importa mencionar que o Código de Processo Civil de 2015 passou a ter a finalidade
de resolução não apenas do litígio, mas de conflitos sociais ocasionados pela coletividade,
tendo como missão a satisfação material e legítima do entrave pelo Judiciário. O dispositivo
legal, no que toca ao procedimento, exige a adoção de providências diferenciadas para a
concessão da tutela provisória (565, CPC/2015) e formação da relação jurídica processual
(554, CPC/2015).

Assim, o artigo 554 do CPC, na seção de disposições gerais, dispõe sobre os litígios
coletivos. Veja-se:

Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não


obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal
correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande


número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem
encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se,
ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação
de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

§ 2º Para fim da citação pessoal prevista no § 1º, o oficial de justiça


procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os que
não forem encontrados.

§ 3º O juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da


ação prevista no § 1º e dos respectivos prazos processuais, podendo, para
tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de
cartazes na região do conflito e de outros meios.

Observa-se que, no 1º parágrafo, havendo conflito coletivo pela posse de determinado


bem, a citação será via OJA e, não encontrando todos os demandados, a citação será via
edital. Como há mais de uma parte nos polos da demanda, foge-se da regra geral e permite-se
a citação por edital imediata, haja vista que este ato é indispensável à prestação jurisdicional.
O referido artigo também discorre sobre a intimação obrigatória do Ministério Público e da
Defensoria Pública ao haver uma parte hipossuficiente. Isto confirma o já disposto no artigo
178, III, do CPC, em que faz-se necessária a presença do MP nessas demandas, a fim de dar
amparo às famílias bem como garantir a devida proteção constitucional pautada nos
princípios da dignidade da pessoa humana e ainda o direito à moradia.
Sabe-se que estes conflitos em maioria envolvem partes de maior vulnerabilidade,
dessa forma, expõe o 3º parágrafo a necessidade de publicidade aos litígios coletivos, uma
vez que estas ações possuem grande interesse social. Preza-se, portanto, pelo princípio da
publicidade, tendo o propósito de dar ciência a todos dos atos realizados na demanda,
mantendo a transparência e possibilitando os direitos dos cidadãos de questionar e fiscalizar
tais atos.

Nesse ínterim, o CPC/15 também inovou no que tange aos litígios coletivos na seção
que trata das ações de manutenção e reintegração de posse. Diz o artigo 565:

Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a


turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e
dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar,
deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta)
dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.
§ 1º Concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de 1 (um)
ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de
mediação, nos termos dos § § 2º a 4º deste artigo.
§ 2º O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a
Defensoria Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de
gratuidade da justiça.
§ 3º O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua
presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.
§ 4º Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da
União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a
área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se
manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de
possibilidade de solução para o conflito possessório.
§ 5º Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de
imóvel.

O artigo supramencionado criou especialidades procedimentais liminares nas ações


caracterizadas como de “força velha”, ou seja, aquelas cujo esbulho/turbação ocorreram há
um certo período de tempo. Assim, conclui-se que os ativos 554 e 565 tratam dos conflitos
possessórios coletivos que ocorrem com cada vez mais frequência, sendo de muita
repercussão as grandes invasões de terra promovidas normalmente por movimentos
organizados e, como consequência delas, há uma disputa possessória envolvendo de um
lado o direito individual do possuidor que avoca para si a posse legítima do bem e do outro
lado os direitos individuais homogêneos dos “réus” da ação.

Por fim, pode-se dizer que, em se tratando dos artigos 554 a 568 do Código de
Processo Civil uma das inovações mais significativas no contexto jurídico, com reflexos
imediatos no campo social, é a previsão de procedimento para os litígios coletivos que
decorrem da posse, visto que o Código anterior tutelava conflitos individuais, não fazendo,
contudo, menção expressa acerca dos litígios de caráter coletivo como faz o CPC/15.

Desse modo, com essa inovação de tratamento processual específico nos conflitos de
natureza fundiária coletiva, destacam-se: a previsão de providências no que se refere a
formação da relação jurídica processual e a concessão da tutela provisória nas ações de
possessórias de "força velha", condicionada a realização de uma audiência de mediação.

Ao trazer essas e muitas outras inovações significativas, o legislador procurou afastar


a dificuldade no campo prático de se promover a correta formação e desenvolvimento
regular processual em demandas em que grande número de pessoas estão envolvidas,
promovendo maior celeridade processual, uma vez que essas ações costumam demandar
muito tempo - o que favorece o princípio da duração razoável do processo e o principal da
economicidade.

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