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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

4ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Autos nº. 0021940-70.2022.8.16.0182

Recurso Inominado Cível n° 0021940-70.2022.8.16.0182 RecIno


15º Juizado Especial da Fazenda Pública de Curitiba
Recorrente(s): Jeniffer Hartmann
Recorrido(s): Município de Curitiba/PR
Relator: Aldemar Sternadt

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE


FAZER. ALUGUEL SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NA
LEI MUNICIPAL N. 14.700/15. REQUISITOS LEGAIS
PREENCHIDOS. DIREITO À MORADIA E À
ASSISTÊNCIA SOCIAL. TESE DA RESERVA DO
POSSÍVEL QUE NÃO POSSUI LUGAR FRENTE À
APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. EXERCÍCIO CONSTITUCIONAL DE
CONTROLE DE LEGALIDADE DOS ATOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ALUGUEL SOCIAL
FIXADO CONSOANTE PORTARIA Nº 59/2019.
Recurso conhecido e provido.

Relatório dispensado (artigo 38 da Lei 9.099/95).

Satisfeitos os pressupostos processuais viabilizadores da


admissibilidade, tanto os objetivos quanto os subjetivos, o recurso
deve ser conhecido.
A presente controvérsia suscita indagações quanto à
existência do dever do estatal ao provimento do aluguel social à
demandante e seus filhos, o qual se trata de um benefício assistencial
previsto na Lei Municipal n. 14.700/2015.

In casu, a parte reclamante ocupa a posição de demandada


na ação de despejo, cumulada com a cobrança de aluguéis, identificada
pelo número 0017093-20.2021.8.16.0001, a qual transcorre perante a
10ª Vara Cível de Curitiba.

Por sua vez, a Lei Municipal n. 14.700/2015 prevê o


benefício do aluguel social para as seguintes hipóteses:

“Art. 2º. Terão direito ao benefício do Programa descrito no


caput, até o reassentamento definitivo, famílias de baixa
renda, que se encontrem em situação de vulnerabilidade
habitacional temporária, desde que estejam:
I- morando em áreas destinadas a execução de obras de
infraestrutura necessárias ao desenvolvimento municipal;
II- em situação de emergência decorrente de calamidade
pública, com a moradia destruída ou interditada,
consequência de deslizamento, inundação, incêndio,
insalubridade habitacional ou outras condições que
impeçam a utilização segura da habitação;
III- vivendo em locais de risco, assim apontado pela
Defesa Civil;
IV- em situação de despejo;
V- cadastradas, há mais de 01 (um) ano, em programas de
reassentamento que habitam em situação precárias, em
locais de alagamentos, deslizamentos e outras situações de
risco”.

Sendo assim, compreendo que a parte reclamante


preenche os requisitos legais para a obtenção do benefício, uma vez
que a condição de baixa renda foi devidamente comprovada. A
reclamante, ademais, demonstrou deter a guarda de seus quatro filhos
menores de idade (seq. 1.9 a 1.12), circunstância que agrava ainda
mais a situação, ensejando a aplicação do princípio da proteção
integral da criança e do adolescente, conforme preconizado no art. 1º
do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse contexto, o aluguel social ostenta natureza


assistencialista, embasado no próprio direito social de assistência,
incumbindo ao Estado fornecer medidas afirmativas, conforme
preceituado no art. 203 da CF/88.

Assim, é visível que a parte efetivamente evidenciou a


necessidade do benefício, e a situação narrada nos autos deve ser
examinada com primazia ao princípio da dignidade da pessoa humana,
fundamento da República Federativa do Brasil e princípio-matriz de
todos os direitos fundamentais, conforme art. 1.º, III, da CF/88.

Cumpre salientar, neste ensejo, que o direito à moradia e à


assistência encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa
humana, figurando entre os direitos fundamentais e sendo positivado
como um direito público subjetivo, enquadrando-se no preceito do art.
5º, §1º, da Constituição Federal, que estabelece que "as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade
imediata".

A jurisprudência desta Turma Recursal caminha no


seguinte sentido:

“RECURSO INOMINADO – FAZENDA PÚBLICA – ALUGUEL


SOCIAL – BENEFÍCIO PREVISTO NA LEI MUNICIPAL N.
14.700/15 – REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS –
DIREITO À MORADIA E À ASSISTÊNCIA SOCIAL –
PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA - SENTENÇA DE REFORMADA. Recurso conhecido
e provido.
(TJPR - 4ª Turma Recursal - 0004182-15.2021.8.16.0182 -
Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL
DOS JUIZADOS ESPECIAIS MARCO VINICIUS SCHIEBEL
- J. 25.08.2023)”

“RECURSO INOMINADO. DIREITO À MORADIA. TESE DA


RESERVA DO POSSÍVEL QUE NÃO POSSUI LUGAR FRENTE
À APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DE PODERES
QUE NÃO SE SUSTENTA. EXERCÍCIO CONSTITUCIONAL DE
CONTROLE DE LEGALIDADE DOS ATOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ALUGUEL SOCIAL FIXADO
CONSOANTE PORTARIA Nº 59/2019. Recurso parcialmente
provido. (TJPR - 4ª Turma Recursal - 0008758-
27.2018.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: JUIZ DE
DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS
ALDEMAR STERNADT - J. 14.12.2020)”.

Com efeito, tenho que o argumento da reserva do possível


se mostra frágil, haja vista que é cediço que direitos individuais podem
ter mais peso do que fundamentos de política financeira, como ocorre
no presente caso, diante da intrínseca relação do bem pleiteado com o
princípio da dignidade humana.

Não fosse o suficiente, por se tratar de prestação ligada ao


mínimo existencial, descabida a alegação de reserva do possível.

Importa reiterar que o direito à moradia resta


intrinsecamente relacionado com o princípio da dignidade da pessoa
humana, pois sem um lugar adequado para proteger a si própria e a
sua família contra as intempéries, bem como para gozar de sua
intimidade, privacidade e segurança, isto é, de um espaço essencial
para viver com saúde e bem-estar, a pessoa não gozará de uma vida
digna.
Nessa toada, a doutrina de José Afonso da Silva:

"Direito à moradia não é necessariamente direito à casa


própria. Quer que se garanta a todos um teto onde se
abriguem com a família de modo permanente, segundo a
própria etimologia dos verbos 'morar', do latim morare,
que significa 'demorar', 'ficar'. Mas a casa própria constitui
o meio mais efetivo de efetivação do direito à moradia,
cujo conteúdo envolve não só a faculdade de ocupar uma
habitação, mas também a habitação de dimensões
adequadas, em condições de higiene e conforto e que
preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar
como se prevê na Constituição Portuguesa (art. 65). Em
suma, que seja uma habitação digna e adequada, como
quer a Constituição Espanhola (art. 47). Nem se pense que
estamos, aqui, reivindicando a aplicação destas
Constituições ao nosso sistema. Não é isso. É que a
compreensão do direito à moradia como direito social
encontra normas e princípios que exigem que ele tenha
aquelas dimensões. Se nossa Constituição prevê, como um
princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana (art.
1º, III), assim como o direito à intimidade e a privacidade
(art. 5º, X), e que a casa é um asilo inviolável (art. 5º, XI),
então tudo isso envolve, necessariamente, o direito à
moradia. Não fosse assim, seria um direito empobrecido.
(autor citado, "in" Comentário contextual à Constituição, 7ª
edição, Malheiros, 2007, pp. 189-190).

Por fim, também não há que se falar em violação ao


princípio da separação dos poderes, uma vez que tal não alegação não
pode ser utilizada para justificar a inércia, a omissão, a
incompetência, enfim, a violação dos objetivos e obrigações do Estado.

No mesmo sentido é o entendimento de Luís Roberto


Barroso quando afirma que pode o Judiciário impor ou invalidar ações
administrativas e políticas públicas, sempre que o Judiciário estiver
atuando para preservar um direito fundamental:

"É nesse ambiente, é nessa dualidade presente no Estado


constitucional democrático que se coloca essencial: podem
juízes e tribunais interferir com as deliberações dos órgãos
que representam maiorias políticas - isto é, o Legislativo e
o Executivo - impondo ou invalidando ações
administrativas e políticas públicas? A resposta será
afirmativa sempre que o Judiciário estiver atuando,
inequivocamente, para preservar um direito fundamental
previsto na Constituição ou para dar cumprimento a
alguma lei existente.Vale dizer: para que seja legítima, a
atuação não pode expressar um ato de vontade própria do
órgão julgador, precisando reconduzir-se a uma prévia
deliberação majoritária, seja do constituição, seja do
legislador. (autor citado, "in" Curso de Direito
Constitucional Contemporâneo, 2ª ed. , Saraiva,2010, p.
882).

Em suma, a intervenção do Poder Judiciário no caso em


mesa é legal, legítima, oportuna e necessária, até mesmo sob o
prisma dos freios e contrapesos, pois à medida que os demais entes
se quedam inertes, os outros entes ficam à vontade para fazerem o
que bem entenderem.

Diante do exposto, a reforma da sentença proferida é


medida que se impõe, para o fim de: a) Julgar procedente o pedido
inicial, determinando que o réu proceda à concessão de 01 (um)
aluguel social, pelo lapso temporal de 24 meses, sob pena de
aplicação da medida de sequestro de valores, pelos motivos e
fundamentos acima delineados.

O voto, portanto, é pelo conhecimento e provimento do


recurso interposto.

Logrando êxito a parte recorrente/reclamante, com


supedâneo no art. 55 da Lei 9.099/95, deixo de fixar condenação ao
pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

Dispositivo.
Ante o exposto, esta 4ª Turma Recursal dos Juizados
Especiais resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de
Jeniffer Hartmann, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Provimento
nos exatos termos do voto.

O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Marco Vinícius


Schiebel, sem voto, e dele participaram os Juízes Aldemar Sternadt
(relator), Tiago Gagliano Pinto Alberto e Leo Henrique Furtado Araújo.

Curitiba, 22 de março de 2024

Aldemar Sternadt

Juiz (a) relator (a)

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