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CURSO DE DIREITO CIVIL V

DA POSSE

Agosto 2018
ARTIGOS 1.196 A 1.203 DO CÓDIGO CIVIL

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”
É importante salientar a diferença entre a posse e a propriedade. A
propriedade é caracterizada pelos poderes de uso, gozo, disposição e
reivindicação da coisa. Já no caso da posse, tão somente há o poder de uso e
gozo, não cabendo os poderes de disposição e reivindicação.
Em se tratando de posse, quanto a sua natureza jurídica, há uma grande
disparidade em relação a esse tema no meio dos doutrinadores. Alguns
defendem a tese de que a posse é um mero fato, já outros defendem que a posse
é um direito.
Há duas teorias que procuram justificar esses dois posicionamentos:
-Teoria Subjetiva ou subjetivista de Savigny
Para Savigny a posse caracteriza-se pela coexistência de dois elementos:
O corpus, elemento objetivo ou material que consiste na detenção física da coisa
ou da disponibilidade sobre a coisa. O outro elemento é o animus domini,
elemento subjetivo onde se encontra na intenção de ter a coisa para si, de
exercer sobre ela o direito de propriedade.
-Teria Objetiva de Ihering
Para Ihering, para que haja posse basta que a pessoa disponha a coisa
fisicamente ou tenha possibilidade de existir esse contato. Nessa teoria o corpus
é formado pela atitude externa do possuidor em relação a coisa, tendo o intuito
de explorá-la economicamente. Não necessitando assim da existência do
animus domini.
O nosso código adota a teoria objetiva, com a exceção do processo de
usucapião

“Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de
quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra
o indireto.”
Para que possa ser entendido esse artigo, é importante diferenciar a posse
direta e indireta.
A posse direta é aquela que surge do poder físico de um bem pelo
possuidor, temporariamente, de maneira imediata.
Uma exemplificação dessa teoria adotada pelo nosso código é a relação locador
e locatário. Onde o locatário é tem a posse direta por ter a coisa consigo,
enquanto o locador proprietário tem a posse indireta pelos direitos decorrentes
do domínio.

“Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de


dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas.”
“Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como
prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor,
até que prove o contrário.”
Há situações em que uma pessoa não é considerada possuidora, mesmo
tendo poderes sobre uma coisa. A posse pode ser considerada uma conduta
parecida à de dono, porém no artigo 1198 do Código Civil que configura em
detenção e não posse.
Detenção trata-se de uma dependência para com outro, ou seja, servidor
da posse. Aquele que conserva a posse em nome de outrem e em cumprimento
de ordens suas.
São elementos da detenção a existência de um titular da posse (possuidor
indireto); aquele que exerce a posse (detentor) e relação econômica de um para
com o outro.
Possui um vínculo de subordinação a outrem, exerce sobre a coisa não
uma posse própria. Como por exemplo os empregados que tem sob sua guarda
objetos do patrão ou o operário a quem o dono da obra entrega instrumentos
para realizar certos serviços.
Embora o detentor não possa tomar as medidas protetivas da posse, o
detentor poderá utilizar da autodefesa da posse, chamada de desforço pessoal
ou dessa privativa, tratada no parágrafo primeiro do artigo 1210 do Código Civil.
Enunciado 301 do Conselho da Justiça Federal: ”É possível a conversão
da detenção em posse, desde que rápida a subordinação, na hipótese de
exercício em nome próprio dos atos possessórios”.
Enunciado 493 do Conselho da Justiça Federal: ”o detentor (Att. 1198 do
Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob
seu poder”.
“Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá
cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os
dos outros copossuidores.”
Este artigo trata da situação excepcional em que duas ou mais pessoas
exigem-se em atos possessórios.
Para a caracterização de composse, a posse se dá sobre coisa indivisa,
onde cada compossuidor é titular de uma fração, porém exercendo a posse
sobre o todo.
Pode-se exemplificar essa situação no caso em que um herdeiro for
chamado pelo credor a pagar a dívida do monte, e ele terá direito de ação
repressiva contra os coerdeiros se um deles for insolvente, pois todos pagarão
a parcela daquele que não pode pagar.

“Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.”
Esse artigo trata da posse quanto a sua origem, que pode ser justa ou
injusta. E, isso será fundamental para o desdobramento em consequências
benéficas ou maléficas ao possuidor.
É justa a posse adquirida de maneira mansa e pacífica. O legislador, nesse
artigo, abordou as situações que caracterizam a posse injusta para definir de
maneira contrária a posse justa.
Porém, para que haja o bom entendimento do que caracteriza a origem
injusta deve-se entender o conceito de posse violente, clandestina e precária.
A posse de origem violenta está relacionada a um fato violento, ou seja
aquela obtida mediante o emprego da força, utilizando da força física direta, ou
mediante séria ameaça a vida do possuidor e de sua família. A lei não faz
distinção entre a violência física ou moral. Trata-se assim, de ato praticado que
impede o poder físico do possuidor sobre a coisa.
A posse de origem clandestina é aquela obtida de maneira sorrateira, isto
é, obtida às escondidas daquele que antes a detinha e continuará como
clandestina enquanto for desconhecida do verdadeiro titular.
A posse precária decorre de uma relação que não pode ser convalescida
em posse, isto é, aquela que se origina no abuso de confiança, como na hipótese
de alguém receber determinada coisa mediante a condição de restituição, com
prazo determinado ou não, acabando por recusar-se a devolver o bem.
As posses de origem violenta ou clandestina são passíveis de
convalidação, ou seja, a posse começa a ser contada a partir do momento em
que houve a cessão dessa posse.

“Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o


obstáculo que impede a aquisição da coisa.”
“Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de
boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite
esta presunção.”
A boa-fé é aquela em que o possuidor desconhece ou ignora os vícios
incidentes sobre a coisa, o que o leva a agir de maneira convicta como que
dentro da legalidade. Em contrapartida, a má-fé é aquela em que o possuidor
adquire a posse mesmo tendo ciência dos vícios ou obstáculos sobre a coisa.
A posse de boa-fé somente ganha relevância com relação a frutos e
benfeitorias da coisa possuída ou da definição da responsabilidade pela sua
perda ou deterioração e por isso é tão importante distingui-la da posse de má fé.
Essa posse é viciada por obtenção através da violência, clandestinidade e
precariedade.
O possuidor tem ciência do vício, ou seja, nunca possui o justo documento.
Ainda que de má-fé o possuidor não perde o direito de ajuizar a ação possessória
competente para proteger-se de um ataque a sua posse.

“Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o


momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora
que possui indevidamente”
Perder-se-á o caráter de boa-fé se o possuidor que em algum momento
posterior à aquisição da posse, tomar conhecimento de circunstâncias
impeditivas para a posse. É a situação denominada “mudança jurídica do caráter
da posse”, isto é, situação em que a posse é considerada de má-fé.
O momento de mudança jurídica é aquele em que se presume que o
possuidor toma conhecimento das circunstâncias impeditivas. É muito difícil
precisar o momento em que o possuidor toma conhecimento dessas
circunstâncias, porém quando este é comunicado judicialmente sobre a situação,
existe então uma caracterização do conhecimento. Assim, o possuidor passe
para a condição má-fé.

“Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo


caráter com que foi adquirida”
Destaca-se que, o caráter com o qual o bem foi adquirido é mantido, salvo
se houver prova em contrário

ACÓRDÃO

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1004264-


31.2017.8.26.0266, da Comarca de Itanhaém, em que é apelante JOAO
ALVARO JUNQUEIRA NETO, é apelada ILMA DOS PRAZERES.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado
do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARY GRÜN
(Presidente sem voto), LUIZ ANTONIO COSTA E MIGUEL BRANDI.
VOTO Nº 10580
APELAÇÃO Nº 1004264-31.2017.8.26.0266
COMARCA: ITANHAÉM - 3ª VARA
JUIZ(A) DE 1ª INSTÂNCIA: HELEN CRISTINA DE MELO ALEXANDRE
APELANTE: JOAO ALVARO JUNQUEIRA NETO
APELADO: ILMA DOS PRAZERES
7ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO
A requerida entra em ação de imissão de posse com pedido de tutela antecipada
contra João. Ilma arrematou o imóvel em um leilão judicial pelo valor de R$
37.800,00. O imóvel era do réu João, que foi penhorado por dívidas bancárias.
Ilma fez as documentações corretamente e transferiu os IPTU para seu nome,
tornando-se proprietária do imóvel. Requereu que a tutela seja concedida
antecipadamente, determinado a desocupação imediata dos ocupantes,
eventuais, requerendo ainda, se a caso houver descumprimento da ordem, seja
aplicada multa diária que não seja inferior a R$200,00.
O pedido foi deferido à autora a imissão de posse.
Antônio e Josefa contestaram o pedido de Ilma, alegando que a mãe de João
negociou o imóvel por conta de dívidas, e que já moravam no imóvel há mais de
22 anos. Afirmando que a autora não se certificou da posse dos contestantes e
que fez uma compra de má fé. Requerem indenização pelas benfeitorias
realizadas no imóvel, para a utilização da água, tiveram que furar um poço
artesiano, e anos depois, pagaram instalação da rede elétrica de saneamento
básico. Solicitam a expedição urgente para regular a mantença na posse,
visando que a autora participou do leilão sem visitar o bem leiloado, requerendo
ainda a falta de notificação do processo.
Foi julgado na 1° instancia pela juíza Helen, a imissão definitiva da autora, pois
não houve dúvidas que a autora arrematou o imóvel de forma correta. Antônio e
Josefa não comprovaram que o imóvel foi negociado com João. Também
indeferindo o pedido da indenização. Arcando com as custas e despesas
processuais.
Os réus recorreram, alegando que houve erro por parte do oficial de justiça, que
certificou que no imóvel não havia ocupantes, e também que a sentença aplicada
contradiz que as provas que moravam há mais de 22 anos, e as benfeitorias
realizadas foram ignoradas, e que não houve o consentimento do processo.
Requerendo a suspensão da posse e anulando a sentença.
O relator JOSÉ RUBENS QUEIROZ GOMES, afirma que o recurso não comporta
provimento, pois o documento apresentado pela autora comprova a existência
do registro do imóvel.
Também aplicou o artigo 1.228 C.C, que estabelece “O proprietário tem a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha”, toma a expressão “posse
injusta” em sentido genérico e não apenas quando ela ocorre por violência,
clandestinidade ou precariedade. ”
Os apelantes não apresentaram testemunhas que seriam dispensáveis, se caso
tivesse produzido a prova oral, as demais provas apresentadas são insuficientes
para a comprovação da posse por mais de 22 anos.
Não alterando os fundamentos da sentença da primeira instancia, nega-se aos
apelantes o provimento do recurso, também tendo que pagar as sucumbências
recursais ao patrono da parte autora no valor de R$ 2.000,00, conforme
tipificados no artigo 85° parágrafos 11, artigo 98° parágrafos 3° CPC.
https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI0
04GFWO0000
O acórdão relata sobre um recurso interposto com o intuito de rever a
decisão proferida pelo juiz de primeira instância. A lide desse processo que á
autora pleita a posse do imóvel que a mesma adquiriu em um leilão judicial. O
réu contra argumenta que esse imóvel foi negociado com o morador da casa,
que é um terceiro nesse processo. E diz que esse morador já reside na casa há
22 anos e não sendo assim justa a decisão proferida pela juíza de primeira
instância.
O colegiado manteve a decisão proferida na primeira instância, que é
procedente a autora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5 : direito das coisas - 12. ed. –
São Paulo : Saraiva, 2017
TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 4 : direito das coisas / Flávio Tartuce. – 6. ed. rev., atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

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