Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Constituição da República brasileira de 1988 estabelece em seu artigo 5º, inciso XXII,
ser garantido o direito de propriedade, encetando, ao mesmo tempo, um direito e uma garantia
fundamentais. De outro lado, no inciso XXIII do mencionado dispositivo, afirma que a propriedade
atenderá a sua função social, criando claramente uma limitação àquele direito. A partir disso, a
Carta traz institutos que regulam a utilização da propriedade e que possibilitam a intervenção do
Estado neste domínio privado, permitindo, ainda, ao ordenamento inferior a criação de outras
formas de ingerência.
O conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade revela que ela não pode
mais ser considerada como mero instituto de direito privado, devido à sua constitucionalização,
atuando como direito fundamental e como princípio. Além disso, as facetas da função social, as
limitações e a interferência estatal demonstram a perda do caráter absoluto de outrora,
relativizando-se seu conceito e aplicação, passando a ser considerada como um dos
instrumentos capaz de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Sendo assim, sem a pretensão de esgotar o tema, visa o presente trabalho estudar as
limitações constitucionais ao exercício do direito à propriedade privada, bem como formas de
intervenção estatal presentes no ordenamento jurídico inferior. Para este fim, é necessário tecer
breves considerações acerca do direito de propriedade e da função social.
Explica Costa (2003) que o pilar da propriedade possui ligação com o estado de
natureza. A necessidade de sobrevivência fez com que os indivíduos se agrupassem em sistema
de cooperação mútua, levando a crer que a primeira propriedade erigida tenha sido a comunal,
e não a privada, considerando-se o vínculo da terra com os grupos familiares e religiosos.
Para a teoria do trabalho, adotada por Locke, Guyout e Mac Culloch, as coisas chegam
ao domínio do homem por meio da transformação ou elaboração de matéria bruta, e não somente
por simples apropriação. Todos os bens da natureza seriam comuns, podendo ser utilizados por
qualquer pessoa, não significando em sua apropriação. Assim, o trabalho consistiria no título
legítimo da propriedade. Pela teoria da especificação, similar à anterior, a propriedade se justifica
quando, pelo trabalho, o especificador obtiver espécie nova, utilizando matéria-prima alheia e
instrumentos pessoais.
Por fim, a teoria da função social, defendida por Josserand, Duguit, Proudhon e outros,
posiciona-se no sentindo de que a propriedade não é um direito, mas uma função voltada a
atender os anseios públicos e coletivos. Esta teoria será analisada adiante, em tópico próprio,
por ser um princípio a ser interpretado à luz do constitucionalismo brasileiro vigente.
Aduz Silva (2011), o direito de propriedade fora concebido como uma relação entre
uma pessoa e uma coisa, de caráter absoluto, natural e imprescritível. Com a evolução do
conceito, passou-se a entendê-lo como uma relação entre um indivíduo (sujeito ativo) e um
sujeito passivo universal integrado por todas as pessoas, o que tem o dever de respeitá-lo.
Assim, o direito de propriedade se revela como um modo de imputação jurídica de uma coisa a
um sujeito.
Estes conceitos, segundo o autor, manifestam uma visão muito parcial do regime
jurídico da propriedade, baseado em uma perspectiva civilista, que não alcança a complexidade
do tema, resultante de um conjunto de normas jurídicas de Direito Público e de Direito Privado,
e que pode interessar como relação jurídica e como instituição jurídica.
A doutrina se tornara de tal modo confusa a respeito do tema, que acabara por admitir
que a propriedade privada se configurava sob dois aspectos: (a) como direito civil subjetivo e (b)
como direito público subjetivo.
Ensina o autor que esta dicotomia ficou superada com a concepção de que a função
social é elemento de estrutura e do regime jurídico da propriedade, atuando como seu princípio
ordenador e incidindo no conteúdo do direito em questão, impondo-lhe novo conceito. Por isso,
a noção de situação jurídica subjetiva tem sido usada para abranger a visão global do instituto,
em lugar daqueles dois conceitos fragmentados.
Afirma Costa (2003) que a propriedade é o direito real por excelência, por abranger a
coisa em todos os seus aspectos, sujeitando-a totalmente ao seu titular. É a plenitude do direito
sobre a coisa, composta pela unicidade de poderes interligados.
Para a autora, o direito de propriedade tem como objeto, desde que apropriáveis para
o homem, os bens corpóreos (coisas móveis, imóveis ou semoventes) e a propriedade artística,
literária e científica. Assim, tanto as coisas corpóreas quanto as incorpóreas podem ser objeto
do domínio, por força dos princípios da corporeidade ou materialização (o bem deve se
determinado), da individualização (defende a singularidade da coisa, embora admita que a essa
sejam outras aderidas) e da acessoriedade (subordina ao bem principal todos os seus
acessórios).