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Nos dias hodiernos, acredita-se que há a possibilidade de a função social da propriedade

passar a adquirir, de forma concreta, uma adequada eficácia normativa na sociedade após
diversas argumentações sobre o tema, afinal, devido às poucas situações em que o
princípio da função citada é efetivamente atendido, faz-se necessário colocar o assunto em
pauta bravamente e com certa frequência.
Primeiramente, e de forma superficial, para conferir maior concretude ao destacado
princípio, é necessário que as exigências do plano diretor sejam atendidas em se tratando
de propriedades urbanas, bem como preencher requisitos presentes no artigo 186 da
Constituição Federal (Brasil, 1988), no que tange aos imóveis rurais. No entanto, a
aplicabilidade não é, de fato, tão simples: as normas possuem perspectiva meramente
principiológica e abstrata; a concretização, por sua vez, diverge destes dois pontos.
Os autores sustentam que há um papel meramente simbólico do princípio da função social
da propriedade no contexto sócio-jurídico do Brasil: o modo de produção presente nos dias
atuais já vai de encontro à sustentabilidade, bem como o consumo excessivo coopera com
os atos insustentáveis, dessa forma, ao limitar como cumprida a função social da
propriedade no contexto de seguimento do modelo dominante de produção e consumo,
torna o princípio em apenas um instrumento simbólico de legitimação do status quo, visto
que a vida e a sobrevivência continuam sob ameaça. Dessa forma, faz-se necessário que a
noção de sustentabilidade esteja presente nos ideais individuais para que tal princípio deixe
de ser usado como mera legislação simbólica e seja efetivado.
Com o surgimento da exacerbada individualidade nos último tempos, há séculos é
defendido que os direitos não poderiam mais ser caracterizados como absolutos, mas que
precisavam ter uma função social, visto que o abuso de poder e o aproveitamento dos
detentores das propriedades em detrimento do restante da população se tornou exorbitante.
Diante disso, a Constituição alemã de Weimar, de 1919, consta em seu art.153, parágrafo
terceiro, que " [...] a propriedade obriga. Seu uso também deve servir ao bem da
comunidade" (MARQUES; MIRAGEM, 2014, p.182). Assim, a propriedade não se deve dar
ao luxo de ter apenas direitos, mas também deveres.
Diante disso, foram estabelecidos limites ao direito privado a fim de reduzir a violação dos
interesses sociais e econômicos e, assim, foi imposto ao magistrado o desafio de
"harmonizar a autonomia individual e a solidariedade social" (2007, p. 418); foi a
Constituição Brasileira de 1934 que se impôs, primeiramente, contra o Direito Privado no
quesito de não dar atenção ao interesse social, e, por conseguinte, a Constituição de 1946
conduziu o uso da propriedade para fins de bem-estar social, além de fazer referência clara
à necessidade da distribuição da propriedade de forma justa, que proporcione igual
oportunidade a todos. Dessa forma, um ato abusivo, de acordo com a Parte Geral do Código
Civil brasileiro de 2002 (art. 127), deve ser analisado de forma objetiva, ou seja, o
comportamento do sujeito deve ser levado em consideração, mas não a intenção deste,
afinal, realmente não se pode saber profundamente as intenções dos indivíduos,
especialmente daqueles que estão em situação limiar de abuso de poder.
Não demanda muito conhecimento e nem energia parar para pensar e refletir que não faz
sentido a ideia de poderes ilimitados no âmbito de apropriação individual ou coletiva, nesse
caso, de diferentes propriedades: a aquisição de algum bem só é possível por intermédio de
relações com terceiros, ou seja, relações sociais, assim, de forma simples e objetiva "o
pressuposto da apropriação é a existência do outro" (2006, p. 115).
A fim de que seja dada maior concretude ao princípio discutido, é necessário que este
satisfaça boa parte dos interesses individuais e coletivos, além de, em nenhum momento,
privilegiar o interesse privado em detrimento do coletivo, com o estabelecimento de
verdadeiros limites aos poderes proprietários: o principal objetivo da propriedade deve ser a
solidariedade. Assim, é tarefa e desafio do Estado Democrático de Direito corrigir a ameaça
da correlação entre propriedade privada e justiça social causada por problemas de
acessibilidade, o que tem como consequência a exclusão (BARROSO, 2011, p. 161).
Seguir a Constituição Federal é de extrema importância para que uma propriedade cumpra
sua função social. Outrossim, aquela não mais possui uma regulamentação essencialmente
privatista, mas sim é tratada como um Direito privado de interesse público.

Referências:
​BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União.
Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Constituicao.htm>.

MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e a proteção dos
vulneráveis. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no Código Civil de 2002: relativização de direitos na


ótica civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do Código Civil:
estudos na perspectiva civil-constitucional. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Hermenêutica e tutela da posse e da propriedade. Rio de


Janeiro: Forense 2006.

BARROSO. A realização do direito civil: entre normas jurídicas e práticas sociais. Curitiba:
Juruá, 2011.

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