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INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE

Fontes: Aula Larissa Medeiros +Carvalho Filho + Matheus Carvalho

Para se estudar a intervenção do Estado na propriedade, há de se remeter à evolução do perfil do Estado no


mundo moderno. A doutrina do “laissez faire”, no século XIX, assegurava a ampla liberdade aos indivíduos e
considerava intangíveis os seus direitos, permitindo, assim, distorções e discrepâncias sociais. Essa forma de
Estado deu lugar ao Estado-Bem-estar, “que emprega seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por uma
intervenção decidida, algumas das consequências mais penosas da desigualdade econômica”, como traz Dalmo
Dallari.

O Estado contemporâneo foi assumindo a tarefa de assegurar a prestação dos serviços fundamentais e ampliando
seu espectro social, buscando a proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como um somatório de
individualidades. Para tanto, precisou imiscuir-se nas relações privadas, passando-se a adotar uma postura
intervencionista. Mesmo estando, atualmente, em um sistema capitalista, há a evolução do direito de
propriedade a qual justifica os diversos mecanismos de intervenção.

A noção de propriedade, por seu turno, possui um caráter político: a ordem jurídica pode reconhecer, ou não, as
características que dão forma ao instituto. A tendência socializante do Estado contemporâneo alterou a
fisionomia da propriedade, e muitos ordenamentos jurídicos firmaram o postulado ortodoxo de que a
propriedade tinha caráter provisório até que se chegasse à coletivização em massa. Nesse sentido, o conteúdo do
direito de propriedade sofre inúmeras limitações no direito positivo, tudo para permitir que o interesse privado
não se sobreponha aos interesses maiores da coletividade.

A Constituição Federal de 1988 é peremptória no que se refere ao reconhecimento do direito: “É garantido o


direito de propriedade” (art. 5º, XXII). O mandamento indica que o legislador não pode erradicar esse direito do
ordenamento jurídico positivo. Pode, sim, definir-lhe os contornos e fixar-lhe limitações. Se de um lado, garante
o direito de propriedade (art. 5º, XXII), ao mesmo tempo condiciona o instituto ao atendimento da função social
(art. 5º XXIII). Assim o sendo, direito de propriedade só se justifica diante do pressuposto que a Constituição
estabelece para que a torne suscetível de tutela: a função social. Se a propriedade não está atendendo a sua
função social, deve o Estado intervir para amoldá-la a essa qualificação. Por isso, o direito de propriedade é
relativo e condicionado. Ao mesmo tempo em que a Constituição garante o direito de propriedade, ela prevê que
o Estado irá intervir nessa quando houver interesse público.

Além da Constituição Federal, o próprio Código Civil consolidou o caráter social da propriedade, dispondo, em seu
art. 1228, p. 1º, “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas
e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna,
as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar
e das águas”.

Diante do exposto, ao se conceber um Estado intervencionista, a intervenção do Estado na propriedade constitui


“toda e qualquer atividade estatal que, amparada em lei, tenha por fim ajustá-la aos inúmeros fatores exigidos
pela função social a que está condicionada”. Essa intervenção se dá em razão do “poder jurídico” do Estado
calcado em sua própria soberania, constituindo um poder de império ao qual devem se sujeitar os particulares.

Essa intervenção, no entanto, deve ser com o fito de que o Estado almeje o interesse de toda a coletividade, ou
seja, o escopo deve ser o interesse público, esse em estrita observância dos meios e procedimentos autorizados
pela Constituição Federal e nas leis reguladoras, sob pena de incorrer o Estado em conduta flagrantemente

Aluna: Rafaella Santos Costa


ilegítima, por ofensa aos direitos individuais dos cidadãos. Diante disso, os fundamentos da intervenção são a
função social da propriedade

O quadro normativo constitucional

Além da previsão já mencionada do art. 5º, CF, nessa há um delineamento do exercício do direito à propriedade
no título que versa acerca da ordem econômica, que está previsto no art. 170, CF. Em seu inciso III, o art. 170
dispõe que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado o princípio da função social
da propriedade”. Diante disso, sempre se conjuga o direito à propriedade e a sua função social, não podendo o
proprietário não dar à sua propriedade uma função social, sob o risco de perdê-la.

Ademais, no capítulo destinado à política urbana, diz a Constituição que “a propriedade urbana cumpre sua
função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (art.
182, § 2º). Em outros dispositivos, essa função social também é enaltecida.

Competência

Em relação à competência para proceder à intervenção na propriedade, há de se pensar na natureza da forma


interventiva. A competência para legislar sobre direito de propriedade, desapropriação e requisição é da União
Federal (art. 22, I, II e III, CF). Diferente da competência para legislar sobre essas matérias é a competência para
legislar sobre as restrições e os condicionamentos ao uso da propriedade. Essa competência se reparte entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tudo em conformidade com o sistema de divisão de
atribuições estabelecido na Constituição (art. 24, VI, e art. 30, I e II, da CF). Além da competência legislativa, as
pessoas políticas dispõem de competência administrativa, que é aquela que se consubstancia através da prática
de atos administrativos. Essa competência está condicionada, por seu turno, à competência para legislar sobre a
matéria. Assim o sendo, a competência para praticar os atos administrativos necessários à execução de
determinada lei relaciona-se com a competência de edição dessa mesma lei. Esses atos administrativos
estampam, como regra, o exercício do poder de polícia da Administração.

Fundamentos

Como já pincelado, a intervenção o Estado na propriedade tem por fundamento a supremacia do interesse
público. Isso porque a estabilidade da ordem social depende dessa posição privilegiada do Estado e dela
dependem a ordem e a tranquilidade das pessoas. A criação de imposições do Estado à propriedade é realizada
em função dessa supremacia, que visa ao atendimento de uma situação de interesse público e, sendo assim,
justifica a atuação estatal ainda que contrária ao interesse do particular.

Já a função social da propriedade – o outro fundamento da intervenção do Estado na propriedade – resulta do


abandono de uma concepção individualista dessa, passando ao predomínio da ideia de que a propriedade é um
direito garantido pelo ordenamento constitucional com uma função social a cumprir, ou seja, é um meio para
alcançar o bem-estar social. Ao condicionar a propriedade ao atendimento da função social, possibilitando que o
Estado intervenha na propriedade sempre que essa não esteja amoldada ao pressuposto exigido na Constituição,
o nosso ordenamento pretende erradicar algumas deformidades existentes na sociedade, como a concentração
de terras, por exemplo.

Modalidades

A intervenção do Estado na propriedade, a depender do interesse estatal nessa, pode ser restritiva ou supressiva.
A primeira é aquela em que o Estado impõe restrições e condicionamentos ao uso da propriedade, sem, no
entanto, retirá-la de seu dono, devendo atingir, em situações específicas, o caráter absoluto ou exclusivo do bem.

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Este não poderá utilizá-la a seu exclusivo critério e conforme seus próprios padrões, devendo subordinar-se às
imposições emanadas pelo Poder Público, mas, em compensação, conservará a propriedade em sua esfera
jurídica.

São modalidades de intervenção restritiva: a servidão administrativa; a requisição; a ocupação temporária; as


limitações administrativas; o tombamento. A intervenção supressiva, por seu turno, é aquela em que o Estado,
valendo-se da supremacia que possui em relação aos indivíduos, transfere coercitivamente para si a propriedade
de terceiro, em virtude de algum interesse público previsto na lei. O efeito, pois, dessa forma interventiva é a
própria supressão da propriedade das mãos de seu antigo titular. A modalidade desse tipo de intervenção é a
desapropriação.

A intervenção restritiva

A servidão administrativa

Trata-se de uma restrição imposta pelo ente estatal a bens privados, determinando que seu proprietário suporte
a utilização do imóvel pelo Estado, o qual deverá usar a propriedade de forma a garantir o interesse público.
Consiste em direitos reais em favor da Administração Pública, permitindo a utilização da propriedade privada pelo
Estado ou até pelos seus delegatários (art. 18, XII, da Lei 8.987/95). Esse direito de utilizar a propriedade, assim
como toda intervenção, deve estar relacionado com o interesse público. Ademais, a servidão tem caráter
perpétuo (permanente). Isso porque a medida não decorre de uma situação temporária ou provisória, mas, sim,
de uma necessidade administrativa por prazo indeterminado.

Algumas servidões podem gerar o direito à indenização, mas não é uma regra geral. Deve-se, assim, demonstrar o
prejuízo. Tal modalidade é regulamentada pelo art. 40 do Decreto-Lei nº 3.365/41, o qual dispõe que “o
expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma da lei”.

A servidão pública recairá sempre sobre bens imóveis determinados e, necessariamente, deve ser registrada, no
Cartório de Registro de Imóveis, para que se produza efeitos erga omnes. Além disso, afeta o caráter exclusivo da
propriedade, uma vez que impõe ao proprietário o dever de suportar a utilização do bem pelo poder público,
independente de sua concordância. Assim como a limitação administrativa, a servidão decorre do Poder de Polícia
do Estado que se baseia no princípio da supremacia do interesse.

Para a doutrina majoritária, é possível a incidência da servidão administrativa sobre bens públicos, desde que seja
respeitada a “hierarquia federal”, analisando-se analogicamente o art. 2º, §2º, do Decreto-Lei de nº 3.365/41 que
trata da desapropriação. Dessa forma, a União poderia instituir servidão sobre bens dos estados e dos municípios,
e os Estados somente sobre os bens municipais, nãos e admitindo o contrário.

Acerca de sua constituição, discute-se se seria possível a servidão decorrente de lei sem que houvesse a
necessidade de edição de ato administrativo constitutivo. Seria exemplo da servidão imposta aos imóveis vizinhos
a bens tombados, os quais não podem impedir a visualização ou acesso ao bem, ou, ainda, na hipótese do
gabarito dos prédios exigido no entorno de aeroportos. Para Carvalho Filho, no entanto, essa forma não seria
legítima, pois as servidões são instituídas sobre propriedades determinadas, o que não ocorre com a lei. Já Di
Pietro entende pela possibilidade, o que seria semelhante a uma servidão administrativa.

Superada essa discussão, tem-se que a servidão administrativa pode ser instituída com acordo após a declaração
da utilidade pública mediante a expedição de um ato declaratório no qual o poder público informa o interesse na
utilização do bem e posterior execução, mediante o pagamento da indenização, estipulada por médio de perícia.
Esse acordo é formalizado por escritura pública registrada no cartório do registro de imóveis. Mas o acordo não é
a única hipótese, podendo ser necessário se entrar em juízo com o ingresso de uma ação por meio da qual se

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institui uma servidão. É a hipótese, então, de instituição mediante sentença judicial que, após a realização da
perícia, determinará o pagamento de montante indenizatório justo previamente à utilização do bem pelo Estado.

Independente do modo, a servidão pública recairá sempre sobre bens imóveis determinados e, necessariamente,
deve ser registrada, no Cartório de Registro de Imóveis, para que se produza efeitos erga omnes.

Por fim, não obstante seu caráter de perpetuidade, a servidão administrativa poderá ser extinta se presentes
algumas das causas extintivas apontadas pela doutrina. Com efeito, extingue-se a servidão não havendo mais
interesse público, pelo desaparecimento do bem ou pela aquisição do bem pelo Poder Público. Essa extinção, em
todos os casos, deve ser formal, nos respectivos registros do imóvel, salvo nas hipóteses que trate de servidão
legal, na qual não há registro de sua constituição. São essas as hipóteses trazidas pela doutrina: perda da coisa
grava com o ônus real; se a coisa dominante perde a sua afetação pública; caso haja a aquisição do bem imóvel
pelo Poder Público que havia instituído a servidão; nas situações em que não há mais interesse público na
manutenção da servidão sobre o bem.

* Há servidão administrativa, por exemplo, na hipótese de placa indicativa do nome da rua que fica no muro, ou a
da passagem de fios elétricos em imóvel particular.

A requisição

Trata-se de uma intervenção do estado na propriedade através da qual o Poder Público se utiliza de bens móveis,
imóveis e serviços para enfrentar perigos imediatos ou iminentes, assegurando ao proprietário posterior
indenização, em caso de comprovado o dano. Como exemplo, tem-se um deslizamento de barragem que deixa
centenas de desabrigados e o Poder Público necessita abriga-los. O Poder Público, então, na hipótese, requisita
uma escola particular para tal.

Na requisição, ao contrário da ocupação temporária, é necessária que haja essa relação com uma situação
emergencial de perigo. A doutrina majoritária diferencia dizendo que os casos de requisição são aqueles previstos
no art. 5º, XXV, CF, ainda que também cause divergências na doutrina. Para Di Pietro, quando a requisição recai
sobre bem imóvel, confunde-se com a ocupação provisória e quando recai sobre bem móvel se aproxima da
desapropriação.

Acerca de seu objeto, o entendimento da doutrina e jurisprudência vem sendo amplo, admitindo-se a
possibilidade de incidência da medida restritiva sobre bens moveis e imóveis, havendo a possibilidade, inclusive
de requisição de serviços. Seria, assim, a hipótese do art. 15, XIII, da Lei de nº 8.089/90. No caso de bens
consumíveis, se o bem for fungível – ou seja, puder ser substituído por outro da mesma qualidade – pode ser
requisitado. Se infungível, então será o caso de desapropriação.

A requisição goza do tributo da autoexecutoriedade, podendo ser determinada pelo Poder Público, independente
da concordância do particular ou de decisão judicial. Nesse sentido, Di Pietro diz que “a requisição caracteriza-se
por ser procedimento unilateral e auto-executório, pois independe da aquiescência do particular e da prévia
intervenção do Poder Judiciário”.

A Constituição Federal estabelece no art. 22, III, que compete privativamente à União legislar sobre requisições
civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra. As requisições civis são para os casos de
iminente perigo enquanto as requisições militares são para os casos de guerra. Na hipótese de a Administração
estar realizando, chama-se de “requisição administrativa”.

Valendo-se dessa competência, já foram editados alguns diplomas legais criando requisição de bens em situações
específicas. Podem ser citados como exemplos o Decreto-Lei de nº 4.812/42, que trata da requisição de bens

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moveis e imóveis necessários às forças armadas e à defesa passiva da população e a Lei de nº 7.565/86, que prevê
a requisição de aeronaves.

A ocupação temporária ou provisória

Trata-se de intervenção por meio da qual o ente público utiliza um terminado bem privado por prazo
determinado, para satisfazer necessidades de interesse público, podendo se dar de forma gratuita ou
renumerada. Essa modalidade de intervenção se confunde com a requisição administrativa. Essa modalidade
pode ser observada em diversos dispositivos legais que determinam hipóteses nas quais o ente estatal deverá,
mediante ato fundamentado, requerer a utilização do bem privado. É caso do Decreto-lei 3.365/61, que
estabelece, ao tratar das desapropriações, que “é permitida a ocupação temporária, que será indenizada, por
ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras necessárias à sua realização”. Por outro lado, a Lei de
nº 3.924/61 trata da possibilidade de ocupação temporária de bens privados para que se faça a pesquisa e
escavação, sempre que houver indícios de se tratar de sítio arqueológico.

Há certa divergência na doutrina acerca do objeto da ocupação temporária. Há quem sustente que ela incide
sobre bens imóveis, como Carvalho Filho, mas há quem defenda, como Marçal Justen Filho, que a ocupação
provisória incide sobre bens móveis e serviços, além dos bens imóveis.

A utilização em face da ocupação temporária pode ser gratuita ou renumerada para fins de interesse público. Um
exemplo pode ser encontrado no art. 36 do Decreto-Lei 3.365/1941, que estabelece, ao tratar das
desapropriações, que “é permitida a ocupação temporária, que será indenizada, por ação própria, de terrenos
não edificados, vizinhos às obras necessárias à sua realização”. Outro exemplo que a doutrina traz é da hipótese
de um imóvel vago que é ocupado para realizar pesquisas em sítios arqueológicos. Se houver dano comprovado
ao proprietário, esse será indenizado.

No que tange ao pagamento de indenização, a princípio não será devida. Com efeito, não há previsão de
pagamento de verbas indenizatórias nas disposições que tratam do tema. Todavia, se a utilização do bem pelo
poder Público causar prejuízos ao proprietário, deverá ser garantida a reparação desses danos.

As limitações administrativas

Trata-se de restrição de caráter geral, não atingindo um bem especificamente, mas sim todos os proprietários que
estiverem na situação descrita na norma. Nas palavras de Carvalho Filho, as limitações administrativas são
determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprietários indeterminados
obrigações positivas, negativas ou permissivas, para o fim de condicionar as propriedades ao atendimento da
função social. Em virtude de seu caráter de generalidade, a limitação administrativa produz efeitos ex nunc, não
retroagindo para atingir pessoas e propriedades que respeitavam a situação anterior.

As limitações administrativas à propriedade decorrem do Poder de Polícia. Isso porque os interesses do


proprietário precisam ser harmonizados com a vida em sociedade, o que enseja o estabelecimento de limitações
as quais valem para todos indistintamente e não geram direito à indenização. Consiste, assim, em um “quadro”
no qual aquele direito de propriedade vai ser exercido. Essa regra geral de não se ensejar o dever de indenização
parte da ideia de que as limitações administrativas, por seu caráter normativo e geral, não geram danos
específicos. Rigorosamente, como aponta Marçal Justen Filho, não se trata de uma limitação ao direito de
propriedade, mas de uma definição jurídica desse direito.

Porém, nada obsta que, excepcionalmente, uma determinada pessoa seja indenizada caso sofra prejuízo
diferenciado em relação aos demais atingidos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem
reconhecendo esse direito, mormente nos casos em que a aquisição do bem pelo particular se dê antes da

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existência da restrição. Nessa hipótese, prescreve o direito em 5 anos, por força da norma contida no art. 1º do
Decreto 20.910/32, acerca da prescrição das ações contra a Fazenda.

Essas limitações administrativas podem ser veiculadas através de lei ou atos administrativos, podendo importar
em obrigações positivas (dever de fazer algo) ou negativas (dever de não fazer algo).

Como exemplo, imagine-se que em determinado município haja uma norma municipal definindo que os imóveis à
beira mar não podem ter construções acima de quatro andares. Trata-se de regulamentação que limita a forma
de utilização do bem, estabelecendo uma restrição de caráter geral. Do mesmo modo, podem ser analisadas as
normas sanitárias impostas a restaurantes e casas de show situadas no município. Outra espécie é o Direito de
Preempção, trazido com o art. 25 da Lei 10.257/01, o qual estipula que determinadas áreas podem ser atingidas
pelo direito de preferencia, mediante lei municipal.

* Larissa Medeiros disse que só iria cobrar tombamento

O tombamento

Indicação de texto: “Tombamento e o dever de ind-enizar”, de Flávio Queiroz Cavalcanti

O tombamento, em breve síntese, é a forma de intervenção na propriedade pela qual o Poder Público procura
proteger o patrimônio cultural brasileiro. É, assim, a intervenção ordinatória e concreta do Estado na propriedade
privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável,
destinada à preservação, sob regime especial, dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico,
turístico ou paisagístico. Assim sendo, é um procedimento administrativo que objetiva inscrever um determinado
bem em livro próprio para efeitos de sua preservação.

Diante disso, o proprietário não pode, em nome de interesses egoísticos, usar e fruir livremente seus bens se
estes traduzem interesse público por atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística
e paisagística. Esses bens permanecem na propriedade do particular, mas passam a ser protegidos pelo Poder
Público. Nesse sentido, o vocábulo “tombamento” é de origem antiga e provém do verbo tombar, que no Direito
português tem o sentido de inventariar, registrar ou inscrever bens. O termo passou a representar todo registro
indicativo de bens sob a proteção especial do Poder Público.

A fonte normativa do tombamento

A proteção dos bens de interesse cultural se inicia pela Constituição, que impõe ao Estado o dever de garantir a
todos o exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. É assim que prevê o art. 216, §1º,
CF, que tem os seguintes dizeres: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outras formas de acautelamento e preservação”. O diploma infraconstitucional regulador do tombamento é o
Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937. Essa é a legislação a nível federal, mas a nível estadual há legislações
específicas, também. Em relação ao tombamento, o objeto de sua proteção são os bens materiais, sendo os
imateriais protegidos por meio de registro (DL 3.551/2000).

Fundamento

O tombamento tem por fundamento a necessidade de adequar o domínio privado às necessidades de interesse
público. Sendo assim, para fundamentar tal instituto, podem ser invocados os arts. 5º, XXIII, e 170, III, da CF, os
quais, como já visto, garantem o direito de propriedade, desde que esta atenda à função social. Assim o sendo, o
o tombamento é fundado na necessidade de adequação da propriedade à correspondente função social. E a
função social, na hipótese, é estampada pela necessidade de proteção ao patrimônio cultural, histórico, artístico
etc.
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No entanto, a valoração acerca do conteúdo cultural, histórico e artístico daquele bem enseja discussões
polemicas. No art. 216, CF, conceitua-se o que é patrimônio cultural brasileiro, incluindo bens materiais e
imateriais. Mas, na prática, visualizar esse valor não é tão simples, porque envolve critérios, de certo modo,
subjetivos.

Objeto e natureza jurídica

O tombamento incide sobre bens móveis e imóveis. Esse objeto consta do art. 1º do Decreto-lei nº 25/1937, que,
ao definir patrimônio histórico e artístico nacional, considera-o composto de bens móveis e imóveis existentes no
país. Sendo os bens suscetíveis de tombamento são aqueles que traduzem aspectos de relevância para a noção
de patrimônio cultural brasileiro, Hely Lopes Meirelles e Carvalho Filho defendem que florestas, reservas naturais
e parques ecológicos são insuscetíveis, ainda que possam ser protegidos pelo Poder Público de outro modo.

Acerca da natureza jurídica, tem-se que a doutrina costuma variar sobre o assunto. Para Celso Bandeira de Mello,
trata-se de uma servidão administrativa. Já para José Afonso da Silva, o tombamento seria um bem de interesse
público. Para outros, teria natureza hibrida ou, ainda, uma natureza própria, como aponta Carvalho Filho, que
defende que o tombamento é um instrumento especial de intervenção restritiva do Estado, com fisionomia
própria e inconfundível com as demais formas de intervenção. É também a posição de Di Pietro, ainda que essa já
tenha defendido ser uma limitação administrativa.

Outra controvérsia dos autores beira à natureza do ato. Sob o aspecto de que o tombamento há de ter por
pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato é vinculado, o que significa que o autor do ato não pode
praticá-lo apresentando motivo diverso. Está, pois, vinculado a essa razão. Todavia, no que concerne à valoração
da qualificação do bem como de natureza histórica, artística etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é
discricionário, visto que essa avaliação é privativa da Administração. Ainda se discute se seria, de fato, um ato
administrativo, ou um processo administrativo. Filia-se à primeira corrente Carvalho Filho enquanto Di Pietro se
adere à segunda.

Espécies de tombamento

As espécies de tombamento podem ser agrupadas levando-se em consideração a manifestação da vontade ou a


eficácia do ato. No que se refere ao primeiro aspecto, o tombamento pode ser voluntário ou compulsório.
Voluntário é aquele em que o proprietário consente no tombamento, seja através de pedido que ele mesmo
formula ao Poder Público, seja quando concorda com a notificação que lhe é dirigida no sentido da inscrição do
bem. O tombamento é compulsório quando o Poder Público inscreve o bem como tombado, apesar da resistência
e do inconformismo do proprietário.

Quanto à eficácia do ato, pode ser provisório ou definitivo. É provisório enquanto está em curso o processo
administrativo instaurado pela notificação, e definitivo quando, após concluído o processo, o Poder Público
procede à inscrição do bem no Livro do Tombo. No caso de ser provisório, entendeu o STJ que o tombamento
provisório não constitui uma fase procedimental, mas sim medida assecuratória de preservação do bem até a
conclusão dos pareceres e a inscrição no livro respectivo, o que, para Carvalho Filho, contraria o texto legal (art.
10 do Decreto Lei nº 25/1937).

Classifica-se, ainda, o tombamento em individual, quando atinge um bem determinado, e geral, quando alcança
“todos os bens situados em um bairro ou uma cidade”. Carvalho Filho discorda, pois entende que o tombamento
é sempre individual. Se um bairro foi tombado, significa que cada edificação, por si própria, foi considerada
suscetível de proteção.

A instituição do tombamento

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Outro ponto trazido à discussão diz respeito ao ato que institui o tombamento. Parte da doutrina tem o
entendimento de que a instituição tanto pode ser fixada por ato administrativo como por lei. Por essa corrente
de pensamento, tanto é competência do Executivo como do Legislativo a instituição interventiva. Para outra parte
da doutrina, tombamento é ato tipicamente administrativo através do qual o Poder Público intervém na
propriedade para protegê-lo de mutilações e destruições. Trata-se de atividade administrativa, e não legislativa.
Ao Legislativo apenas competiria estabelecer regras gerais para que o administrador intervenha na propriedade
privada para fins de proteção do bem por traduzir interesse histórico ou artístico. Em apreciação pelo STF, a Corte
entendeu no sentido de que o tombamento é da competência do Executivo e, por isso, há de ser materializado
por ato administrativo.

A competência para legislar sobre tombamento é concorrente de todas as pessoas federativas. Apesar da omissão
dos Municípios no art. 24, da CF, o inciso VII desse dispositivo, que alude à competência para legislar sobre
patrimônio histórico e cultural, deve ser interpretado em conjugação com o art. 30, I e II, da CF, de modo a
considerar-se válida a legislação municipal.

Quanto aos bens públicos, por interpretação analógica ao art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 3.365/1941, que regula
as desapropriações, a União pode tombar bens estaduais, distritais e municipais, e os Estados podem fazê-lo em
relação aos bens do Município. Entretanto, em observância também à natureza dos interesses tutelados pelos
entes federativos das diversas esferas, parece-nos não possam as entidades menores instituir, manu militari,
tombamento sobre bens pertencentes aos entes maiores.

O desfazimento

É possível que, depois do tombamento, o Poder Público, de ofício ou em razão de solicitação do proprietário ou
de outro interessado, julgue ter desaparecido o fundamento que deu suporte ao ato. Reconhecida a ausência do
fundamento, desaparece o motivo para a restrição ao uso da propriedade. Ocorrendo semelhante hipótese, o
efeito há de ser o de desfazimento do ato, promovendo-se o cancelamento do ato de inscrição, fato também
denominado por alguns de destombamento.

O processo administrativo

O ato de tombamento é o ato final do processo administrativo que a lei exige para o fim de apurar corretamente
os aspectos que conduzem à necessidade de intervenção na propriedade para a proteção do bem tombado. O
processo não tem um rito predefinido, podendo sua tramitação e os atos que o compõem variar conforme a
espécie do tombamento. Há, porém, alguns atos que devem integrá-lo necessariamente.

O que é importante neste passo assinalar é a absoluta necessidade de ser observado o princípio fundamental do
devido processo legal (due process of law), no qual se assegure ao proprietário o direito ao contraditório e à
ampla defesa, incluindo os meios de prova que visem a demonstrar a inexistência de relação entre o bem a ser
tombado e a proteção ao patrimônio cultural. Aplica-se, pois, a norma do art. 5º, LV, da CF. Anote-se, por fim, que
ao proprietário do bem tombado é conferido o direito de recorrer contra o ato de tombamento. O recurso é
dirigido ao Presidente da República, que, atendendo a razões de interesse público, pode cancelar o tombamento
(Decreto-lei nº 3.866/41).

Efeitos do tombamento

Do tombamento, resultam alguns efeitos. Esses podem ser em relação ao Poder Público ou ao particular, ou ainda
em relação a terceiros. Como o tombamento importa restrição ao uso da propriedade privada, deve esse fato ser
levado a registro no Ofício de Registro de Imóveis respectivo, sendo averbado ao lado da transcrição do imóvel.
Se o bem for alienado, o adquirente tem a obrigação de levar ao Registro de Imóveis a escritura pública, ou o
termo de contrato, se for o caso. Além disso, é vedado ao proprietário, ou ao titular de eventual direito de uso,
Aluna: Rafaella Santos Costa
destruir, demolir ou mutilar o bem tombado. Da mesma forma, somente lhe é autorizado reparar, pintar ou
restaurar o bem com prévia autorização especial do Poder Público (art. 17 do Decreto-lei nº 25/37).

Compete ao proprietário o dever de conservar o bem tombado para mantê-lo dentro de suas características
culturais. É dele, pois, a responsabilidade de reparação do imóvel, salvo quando provada a ausência de condições
financeiras, caso em que deve comunicar o fato ao órgão que decretou o tombamento. Há restrições também
para a vizinhança do prédio tombado. Sem que haja autorização do órgão competente, é vedado fazer qualquer
construção que impeça ou reduza a visibilidade em relação ao prédio sob proteção, bem como nela colocar
cartazes ou anúncios.

Importante também é o direito de preferência estabelecido na lei. O proprietário, antes de alienar o bem
tombado, deve notificar a União, o Estado e o Município onde se situe, para exercerem, dentro de 30 dias, seu
direito de preferência (Art. 22 e parágrafos do Decreto-lei nº 25/1937). Ademais, a condição de ser tombado o
bem não impede o proprietário de gravá-lo livremente através de penhor, anticrese ou hipoteca.

Por fim, em relação à indenizabilidade, o tombamento, por significar uma restrição administrativa que apenas
obriga o proprietário a manter o bem tombado dentro de suas características para a proteção do patrimônio
cultural, não gera qualquer dever indenizatório para o Poder Público. Por outro lado, se o proprietário comprovar
que o ato de tombamento lhe causou prejuízo, o que não é a regra, fará jus à indenização. Há, contudo, quem
entenda que o só fato do tombamento geraria sempre o direito indenizatório, como Celso Antonio Bandeira de
Mello.

Aluna: Rafaella Santos Costa

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