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As dimensões objetivas dos direitos e sua

posição de relevo na interpretação


constitucional como conquista
contemporânea da democracia substancial

MÁRCIO NUNES ARANHA

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Estado Social e sua contribuição


à configuração objetiva dos direitos. 3. A relativização
dos clássicos direitos de liberdade como momento
culminante da objetivação dos direitos. 4. Democracia
procedimental e substancial. 5. A contradição entre
Liberalismo e Democracia e o pensamento antrirre-
presentativo de Schimitt. 6. Papel dos tribunais
constitucionais e o chamado direito material de exame
judicial. 7. Conclusão.

1. Introdução
O tema do advento do Estado Social e sua
influência na conformação objetiva dos direitos
constitucionalmente protegidos surge na
doutrina em geral como algo incontestável. A
riqueza de sua análise histórica e sua ampla
aceitação no mundo jurídico compadecem-se,
no entanto, de evidente deficiência na precisão
das circunstâncias de surgimento dos conceitos
de objetividade jurídica e Estado Social, em que
se visualizam assertivas dogmáticas sobre os
fundamentos de percepção de dita objetividade
sem permitir-se estabelecer a genealogia da
evolução de seu conceito.
Procura-se, pois, com este estudo, contribuir
para o melhor esclarecimento do tema hoje tão
presente nas discussões constitucionais sobre a
efetividade dos direitos fundamentais, e que gira
em torno do conceito de objetivação jurídica e de
temas seus correlatos, como a delimitação dos
núcleos essenciais dos direitos e suas garantias
de efetivação. Utiliza-se, para tanto, do conceito
de relativização dos direitos, e da dicotomia de
meados deste século XX entre democracia
procedimental e democracia substancial.
Márcio Nunes Aranha é Advogado. NOTAS AO FINAL DO TEXTO.
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Não se olvida a participação eminente das humano, mas também para direcioná-lo rumo aos
características do Estado Social para a confor- princípios albergados pelo sistema. Com o
mação objetiva dos direitos fundamentais nas Estado Social, os chamados direitos funda-
constituições modernas, conquanto esteja mentais deixam de ser catálogos excluidores
presente neste estudo o intento de apontar para de ingerência estatal para servirem de catá-
um segundo momento agora de participação logos prospectivos4, limitadores da própria
decisiva e iminente na configuração hoje existente criação legislativa.
do conceito da dimensão objetiva dos direitos. Os direitos liberais foram feitos para
preservar a estrutura de relações passadas,
2. Estado Social e sua contribuição à deixando de manifestar a essência do direito,
configuração objetiva dos direitos que é a conformação do presente mediante
preceitos para o futuro. Eram direitos distantes
O ideal liberal burguês teve sua limitação na e tocados por poucos. Somente atingiriam
supervalorização do aspecto econômico. No aqueles que a eles já estivessem próximos por
período histórico anterior, o econômico via-se
dirigido pelo político. O liberalismo cai no outro sua condição social privilegiada. Eram direitos
extremo, deixando o político súdito do eco- cujo conteúdo encontrava-se fora dos mesmos,
nômico 1 . A acomodação dos direitos do nas peculiaridades subjetivas de cada um. Tais
indivíduo deveria dar-se naturalmente por uma peculiaridades determinavam a extensão
liberdade abstrata e formal. Isso causou, daqueles e, por conseqüência, limitavam-lhes o
entretanto, distorções concretas alheias às poder. Abstratos, aproximaram-se tanto do
preocupações daqueles que não se viam subjetivo, que careceram de qualquer objeti-
afetados por elas. vidade5.
Os direitos tutelados no Estado liberal tinham O Estado Social se propôs fazer valer
sua eficácia limitada por aspectos subjetivos objetivamente as liberdades concretas6. Tenta
próprios da nova estrutura econômico-social. afastar de considerações particulares do
Não se propunham modificar o mundo, mas indivíduo a eficácia dos direitos, sem contudo
deixá-lo modificar-se. Assim, careciam daquele soterrar a personalidade humana, o que, de fato,
qualificativo que viria a ser introduzido com o não conseguiu satisfatoriamente em um primeiro
Estado Social, ou seja, o caráter prospectivo dos momento. Lança os olhos sobre o mal causado
direitos. pela visão fria e endurecida da soturna liberdade
O conteúdo prospectivo viria a transparecer de que fala Bonavides e reage a esta densi-
no direito a força das projeções do pensamento, ficando o conteúdo dos direitos mediante sua
que impactuam o tecido da existência, preci- objetivação. A objetividade permite que o direito
pitando o movimento da realidade pelos seja algo mensurável ou quantificável, e é um
preceitos carregados de natureza diretiva pressuposto para a definição dos núcleos
influente. Significa voltar os olhos para o que essenciais daquele7. O Estado Social institu-
Recasens Siches chama de hacer vital: cionalizou, por meio de regimes jurídicos
“El hacer vital consiste en un específicos, temas jurídicos básicos, humani-
determinar qué voy a ser, qué voy a hacer zando-os. O Estado Social significou a consta-
en el próximo instante; por tanto tação de que um direito, embora abstratamente
empieza por ser lo que aún no soy, uno, via-se pulverizado em diversas gradações
empieza por ser futuro, en ocuparme de de acordo com o ser que o reclamava. Degladiou
lo que he de hacer, o lo que es lo mismo, contra um direito que, em concreto, atomizava-
en pre-ocuparme2.” se em particularizações subjetivas, cujo grau
máximo de identidade com o correspondente
“Nuestra existencia está formada por abstrato somente era alcançado em função de
una serie de valoraciones, es decir, por sinais exteriores de poder econômico. Sob outro
una sucesión de estimaciones (....) enfoque, opôs-se a um direito sufocado em cada
expressado con otras palabras: la momento pontual de sua aparição concreta por
estructura de la vida es estimativa3”. forças conjunturais alargadoras ou compres-
A prospecção impressiona o mundo com soras de seu conteúdo. Os direitos efetivos
vibrações aceleradoras do ritmo dos aconte- eram, enfim, restritos àqueles que deles podiam
cimentos, que traduzem uma das principais usufruir, e o Estado Social propunha amenizar a
razões do dever-ser do direito. O dever-ser existe desigualdade de forças, tolhedora da liberdade
não só para incorporar o comportamento abstrata. Nesse sentido, Elio Gallego salienta
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que a objetividade do direito quer dizer que o direito a prestação alheia é limitado10. Tais
mesmo não radica no sujeito, mas em algo direitos a prestação positiva, próprios do Estado
externo a ele8. Contudo, aqui se acrescenta que Social, antes, revelaram os sintomas da razão de
isso apenas significa dizer que o direito obtém objetivação dos direitos, mas não a razão em si.
seu contorno de aplicação numa dinâmica Esta pode ser identificada no fato de o Estado
objetiva, o que não implica menosprezar o ser Social evidenciar uma “cresciente intensidad de
como origem e razão de tudo, mesmo porque é a la vinculación social del individuo”11, o que
objetividade que destaca o fenômeno da permitiu a conformação objetiva dos direitos,
relatividade cultural do observador por concre- porquanto promoveu a relativização dos
tizar o seu antagônico e permitir a criação mesmos, condicionando-os positivamente12. Foi
subjetiva em torno deste. a perda desse caráter absoluto dos direitos de
liberdade13, com o advento do Estado Social14, a
Enquanto, no Estado Liberal, a sociedade razão primeira do processo de objetivação dos
reduzia-se a uma poeira atômica de indivíduos9 mesmos.
expressa como ordem positiva oponível ao
Estado, visto este como um negativum da
mesma liberdade, o Estado Social reconcilia a 4. Democracia procedimental e substancial
sociedade com o Estado pela aproximação dos Incorporado o Estado Liberal pelo Estado
interesses dos mesmos, trazendo eficácia aos Social, este o qualificou pelo intervencionismo
direitos abstratos pela institucionalização da e tutela sociais15, porém, em uma primeira fase,
sociedade no Estado. Faltava uma estrutura não pôde eliminar a contradição herdada de seu
diretiva de valores, que canalizasse a voz da predecessor entre democracia e liberalismo16,
sociedade. Aquela ordem positiva oponível ao embora exprimisse em sua própria denominação
Estado cede lugar à ordem positiva por meio do essa tentativa17. A infância política da huma-
Estado. O caráter positivo do Estado Social nidade cessara; era chegado o momento de
pode assim ser encarado também como a aprender a limitar-se com conhecimento do mal
continuidade do caráter positivo do direito, causado pelo uso indevido de uma liberdade
agora a se utilizar de um elemento catalizador de não amadurecida. Assim, sua concepção
natureza institucional: o ente estatal. democrática de pura e simples positivação
social da liberdade18, sem contenções outras
operadas por valores essencialmente de origem
3. A relativização dos clássicos direitos de individual, dilata sua essência para além de seu
liberdade como momento culminante da conteúdo e a transforma em mera forma, na qual
objetivação dos direitos radicalismos de esquerda e de direita cultivaram
Entretanto, tal leitura da relação entre o suas ideologias de uniformização das indivi-
advento do Estado Social e a objetivação dos dualidades.
direitos no texto constitucional não revela o Surgia o conceito de democracia proce-
momento fundamental desta última. Não restam dimental19, em que os mecanismos do sufrágio
dúvidas de que o Estado Social desempenhou universal e da representatividade não conse-
papel de inquestionável relevância para a guiram lograr a sintonia que se esperava
percepção objetiva dos direitos; porém, seu tivessem promovido entre Estado e sociedade.
nascimento clama ainda pelo conceito da A herança liberal ainda corria forte nos corações
relativização dos direitos. A força dos direitos do século XX e embotava, por meio de uma
fundamentais clássicos deveria, segundo a doutrina individualista de enfraquecimento e
concepção liberal clássica, ser tirada diretamente desestruturação estatal, a consolidação do
da natureza do indivíduo isolado, mas a Estado Social no seu nascedouro20. A mudança
complexidade alcançada pelo fenômeno social de eixo, operada por Hegel na visão de mundo,
precipitou a transformação desta concepção deu ares novos à combustão da problemática
individualista dos direitos fundamentais em mal resolvida da relação Estado–sociedade.
direção à objetivação própria do Estado Social. Hegel, “o ardoroso Copérnico da ciência
Os chamados direitos de prestação positiva política”21, forneceu a mudança de perspectiva
estatais foram essenciais a tal transformação, filosófica: “ao invés de a sociedade girar em
muito embora a mudança de concepção operada torno do indivíduo, é o indivíduo que gira em
nos direitos fundamentais pudesse ser justi- torno da sociedade”22. Novamente tomba a
ficada, ainda, quando da delimitação essencial história para o outro extremo. Fugia-se da
do status positivus, na assertiva de que todo subjetivação desprezante das conformações
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objetivas para precipitar-se na objetivação (Volksgeist) estaria melhor expresso na hege-
plena, absorvente da personalidade. Abriram- monia de um ditador, que deveria ser escolhido
se, então, os portões para a marcha dos não pela eleição, mas pela aclamação ou
totalitarismos do século XX23. A democracia assentimento popular32. Contamina, pois, o
procedimental revelava sua fragilidade no vazio conceito democrático de ideal autoritário, e o
valorativo que encarnava, permitindo ser faz clamando por uma substância inexistente na
preenchido pelas doutrinas de hegemonia democracia procedimental de então33. O ponto
propugnadas no entre-guerras de tendência central de sua crítica recaía sobre a constituição
antiliberal. Tais doutrinas encontravam sua orgânica e procedimental da época, carecedora
filiação teórica no organicismo da Antigüidade24 de valores para os direitos nela encerrados.
e, mais recentemente, no veio do conhecimento Recaía sobre um Estado constitucional do ponto
aberto por Rousseau e Hegel sintetizado na de vista formal, mas meramente legal do ponto
volonté générale25, clamando por um conteúdo de vista material. A democracia procedimental
volitivo geral uniforme, que o século XX não incorporava, em sua lei maior, cláusulas
amargou em tentar alcançar. materiais restritivas da vontade do legislador34.
Schmitt representa, portanto, o outro lado da
5. A contradição entre Liberalismo e balança, clamando por substância onde só se
Democracia e o pensamento via estrutura e procedimento35. Insiste nisso
várias vezes, salientando ser a democracia muito
antirrepresentativo de Schmitt mais que um sistema de registro de votações
Algumas palavras sobre o pensamento de secretas, mas um conceito reunidor de con-
Carl Schmitt (1888-1985), particularmente em seu teúdo36. O conteúdo democrático de Schmitt,
livro intitulado die geistesgeschichtliche Lage entretanto, foi o oposto dos dias atuais,
des heutigen Parlamentarismus – a situação conforme ver-se-á mais adiante, expresso na
histórico-intelectual ou histórico-espiritual do repulsa que ele detinha pelo heterogêneo. Ao
parlamentarismo26 –, são imprescindíveis para o estudar a natureza da noção de espaço e de sua
entendimento da maré histórica, que inundou o importância para o especial desenrolar de
pensamento predominante do entre-guerras acontecimentos da segunda metade deste
como reação ao desvirtuamento operado na milênio37, Schmitt identifica no homem a fonte
eficácia da representação democrática. daquele conteúdo. Porém, aqui, entra em
Schmitt representou a dissociação teórica contradição com sua fascinação pelo homo-
entre liberdade e democracia, entre eleição e gêneo, no momento em que justifica tal conteúdo
representação, repugnando a genealogia liberal pela riqueza de diversidade do ser humano. É a
exigente de eleições parlamentares. Representou complexidade que, fazendo de cada homem uma
o excepticismo relativamente aos ideais liberais individualidade, permite a Schmitt asseverar a
de participação parlamentar, excepticismo esse superioridade do homem ao seu contorno e,
conseqüentemente, a participação decisiva
que marcou o período histórico do entre-guerras,
deste na atribuição de conteúdo à história38.
tanto mais arraigado quanto mais extremada a Logo, a ideologia de Schmitt em primar pelo
ideologia do grupo que o professava27. Ataca, homogêneo em detrimento do heterogêneo não
assim, impiedosamente28, em uma época da decorre da atribuição de valor vivente ao ser
chamada crise do parlamentarismo, a eficácia e humano; pelo contrário, contrasta com ele.
utilidade do sistema representativo como uma Afasta-se, assim, de antemão, qualquer ilação
ponte para a crítica substancial do próprio regime irresponsável de aproximação daquele ideal de
democrático, pois, para Schmitt, o que qualifica absorção de valores pela democracia substancial
a democracia não é a pluralidade de forças e a ideologia fascista de então. Quando a
obtendo, na diversidade, o consenso, mas, sim, humanidade sofre do mal dos extremos, não é a
a homogeneidade de interesses 29. Destrói teoria que a precipita no terror, mas é este que
meticulosamente, e com a destreza retórica que deforma a teoria para justificar o injustificável.
o precede, a ligação essencial entre liberdade- O que enriquece o mundo jurídico, e a ele traz
igualdade e democracia, tão duramente alcan- conteúdo, é a pluralidade de contribuições: é a
çada pela transformação operada no pensa- diversidade. Nesse sentido, não é na homo-
mento liberal. Para ele, poderia haver democracia geneidade, ou na unidade, na apreciação única,
sem liberdade e representação sem eleição. O que se encontram os direitos fundamentais –
parlamento (Volksvertretung30) seria, se não nossas cláusulas materiais. É da essência dos
pernicioso31, inútil, pois o espírito do povo mesmos, e condição de sua existência, a
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pluralidade de revelações oriundas destes. O uma opinião pública51, que inverte os termos
conteúdo simbólico (Symbolgehalt) dos da equação segundo a qual “es menos impor-
direitos fundamentais é norte indicador de tante la opinión pública que lo público de la
pluralidade de decisões. Sua conformação opinión”52.
abstrata revela-se na realidade, direcionando o
A vontade do povo deve ser perseguida,
rumo da interpretação constitucional a partir dos
mas para Schmitt, às vezes, a minoria pode ter a
plúrimos casos concretos e singularizados na
posse da verdadeira vontade popular53. Schmitt
revelação das inúmeras facetas de tais direitos.
faz aflorar todos estes defeitos funcionais da
Tentar atribuir aos direitos fundamentais a
democracia de entre-guerras na Alemanha
representação da unidade da pátria39 foi o
engodo, que culminou no terror fascista de culpando o parlamentarismo por criar um
simulacro de democracia, amesquinhando sua
meados deste século. A unidade absoluta, a
importância nas mentes sequiosas por unidade
conformação abstrata tida por única em um
nacional. A pura e simples eliminação da minoria
determinado direito, a consideração do direito
pelas deficiências do modelo de representação
fundamental pela sua conformação indicativa
da época levantou contra este todo arsenal
de tudo ou nada, de um todo intangível, ou de
um recipiente assimilador de qualquer conteúdo, teórico de Schmitt54. A experiência, segundo ele,
teria mostrado a inutilidade do órgão repre-
são tendências que somente podem ser afas-
sentativo55, e um ataque teórico bem direcionado
tadas pelo pluralismo, por um lado, mantenedor
ultimou a separação entre a democracia e os
daquilo que de central for assim identificado ou,
postulados herdados do liberalismo56 para um
por outro lado, enriquecedor, e direcionador,
público que clamava por ideais de homo-
nas transformações que socialmente forem
demandadas. geneização57, tidos por Schmitt como próprios
à essência da democracia58, bem vistos pelos
Schmitt não acreditava na utilidade da regimes ditatoriais59, que à época afloravam por
discussão pública 40, um dos fundamentos toda parte. Liberalismo e democracia encon-
primeiros do parlamento. As típicas garantias traram-se na história por fato meramente
liberais de separação dos poderes41, liberdade contingente, porém não necessário60. O autor é
de expressão42, publicidade43, independência contra a participação do heterogêneo; contra o
dos parlamentares44 não tinham para Schmitt tumulto que isso causaria na beleza da unifor-
cabimento na discussão da época, pois esta midade. Desonera-se a democracia do peso
estava contaminada pela falibilidade da defesa representado pelo esforço igualitário61. Este
do consenso, cuja expressão máxima tem sede passa a figurar como um visitante indesejável a
nas chamadas controvérsias contraditórias, contaminar os ideais democráticos62. Sua teoria
que têm o condão de neutralizar o parla- fustiga o mundo pela detecção de um problema
mentarismo45. A decisão obtida no parlamento fundamental da democracia: a insuficiência da
de então, para Schmitt, não decorria da discus- igualdade formal de então. Defende o atin-
são pura, também chamada por ele discussão gimento de uma igualdade substancial, todavia,
pública46, mas da “sugestión persuasiva en irmanando-a, e aqui está o toque fascista de sua
forma de carteles”47, pelas negociações internas teoria, com uma homogeneidade necessária à
de interesse e poder dos partidos, que são democracia63. O comportamento de Schmitt
convidados a dominar um ambiente, em que, indica muito mais sua vinculação às “fuerzas
cada vez mais, as verdadeiras decisões concen- irracionales del mito nacional”64, em virtude da
tram-se em “comisiones cada vez más cer- aversão que nutria pela democracia repre-
radas”48. Nesse ponto, Schmitt apenas exacer- sentativa, do que a utilização retórica do declínio
bou o problema fundamental de teoria da da mesma para propagar uma ideologia de
legislação, que, mais tarde, Luhmann friamente extrema direita. Entretanto, a discussão sobre a
aprofundaria49. E continua Schmitt, dizendo que adesão de Schmitt ao nazismo é deixada a ele
o convencimento das massas, por sua vez, era mesmo:
obtido, não por meio de um convencimento por “Hasta el momento sólo ha existido
argumentos de discussão autêntica, mas por un único ejemplo de abolición consciente
técnicas de manipulação publicitária50, que del mito de la democracia y el parla-
priorizam a persuasão ao convencimento, mentarismo, y es, precisamente, un
dirigindo o rumo dos acontecimentos pela ejemplo a favor de las fuerzas irracionales
sedução e não pela inteligência, produzindo del mito nacional.
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La teoría del mito es la más poderosa indivíduo72. Bondenheimer revela a filosofia
prueba de que el racionalismo relativo de jurídica por detrás do fenômeno:
las ideas parlamentarias ha perdido su “En la escuela jusnaturalista clásica
vigencia. Cuando los autores anarquistas el individuo era el centro de la filosofia
descubrieron, gracias a su animadver- jurídica. Se preguntaba: ¿cuánto poder es
sación hacia la autoridad y la unidad, la posible dar al individuo sin poner en
importancia de lo mítico, estaban contri- peligro el bien común? En el Derecho
buyendo, sin querer, a sentar una nueva natural del siglo XX, el centro de la
base para una nueva autoridad, un nuevo filosofia jurídica se desplaza en mayor o
sentimiento por el orden, la disciplina y la menor grado hacia el todo colectivo. Se
jerarquía. El peligro cultural de tales pregunta: ¿cuánto poder es posible dar al
irracionalidades es grande. Los últimos Estado, o a otra institución colectiva sin
sentimientos de solidaridad aún exis- aniquilar completamente al individuo?”73.
tentes podrán ser anulados por el
pluralismo de un inmenso número de A despeito de tudo isso, há uma caracte-
mitos. De cara a la teología política esto rística em Schmitt extremamente útil à interpre-
supone un politeísmo, igual que todos tação constitucional, ou, dizendo de outro
mito es politeísta. No obstante, esta fuerte modo, uma sua postura salientou um ponto
tendencia del presente no puede ser fundamental da questão. Ele parte do princípio
ignorada. Tal vez el optimismo parla- de que o conceito de democracia é incompatível
mentario confíe en poder relativizar este com a limitação do poder de mudança74. O
absoluto autocrático venceu o relativo demo-
movimiento y, como en Italia, a la espera crático porque este, acreditando na liberdade
de tiempos mejores, aguarde el reinicio política, extremou seu relativismo, permitindo a
de la discusión. Quizá, incluso pretenda justificação de sua própria destruição. Kelsen
exponer la discusión misma a la discusión atentou para o problema do “paradójico
mientras sólo se discute. Pero, en la privilegio de la democracia: poder darse a sí
discusión reiniciada, no debería confor- misma su sentencia de muerte con sus propios
marse con repetir su pregunta: «¿Parla- métodos de elaboración de voluntad política”75.
mentarismo? Y, si no, ¿qué?», haciendo Foi esse pensamento de pretensa neutralidade
valer que, por el momento, no existe absoluta e nua procedimentalização democrática
sustituto. Sería ésta una argumentación o exagero de abertura, que amargou a huma-
estéril, incapaz de hacer renacer el tiempo nidade pelo sofrimento da segunda grande
de las discusiones”65. guerra.
A posição radical de Schmitt, contudo, Interessante como as posturas radicais, por
embora não se possa arriscar justificá-la, entrava levarem tudo às últimas conseqüências, às vezes
em sintonia com o ambiente social conturbado trazem à luz o que se via encoberto pela história,
de sua época66, que afastava as conquistas e, na maior parte delas, antecipa o que vem a ser
liberais de que a verdade somente poderia ser evidente no porvir. Fala-se das críticas à
alcançada em meio à liberdade, e que tal verdade democracia como a ditadura da maioria. Já
provisória67 sempre sobreviveria melhor no Aristóteles chamava a atenção para uma espécie
relativismo da tolerância e no pluralismo das de democracia em que a soberania das massas
contribuições racionais68. Aquele ambiente sobrepunha-se à soberania das leis, afastando
trancou tais máximas em aposento escuro e tal democracia de sua concepção de governo
esquecido da história, e o desprezo por elas constitucional ao aproximá-la de uma tirania76.
manifestado lançou o espírito da época no Uma objetividade, que não restringe, serve
idealismo dos regimes autoritários69. O que apenas para legitimação de uma tirania da
qualifica Schmitt como “el último de los coletividade. Quando o Estado se confunde com
pensadores contrarrevolucionarios”70 o apro- a sociedade, quem irá proteger o indivíduo? Por
xima do conservadorismo, que, em uma época isso insistir-se sempre e desde o início: o Direito
de extremos, somente pôde precipitá-lo no carece de uma teoria que incorpore o que de
fascismo71 da hegemonia totalizadora, em que objetivo há na história humana e limite esta
se assiste o tétrico espetáculo do todo absor- objetividade ao que de subjetivo faz do homem
vendo por completo a individualidade. Lá, humano. As esferas de proteção individual,
venceu a homogeneidade democrática de conquanto não possam ser inertes aos influxos
Schmitt por sobre a consciência liberal do da evolução social, devem caminhar com ela,
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permitindo sínteses infinitas, mas dirigidas pelas saciadores e limitadores do poder. O arruina-
próprias tensões particulares de cada síntese; mento da democracia puramente procedimental
pelo seu par de evolução histórica, traduzido na norteou o movimento objetivante do Estado
idéia do progresso institucional, que tanto é Social, canalizando-o para a fixação de guias,
sensível às transformações sociais, quanto não de bitolas, de valores, enfim, de fins otimiza-
permite incorporá-las ao arrepio, puro e simples, dores democráticos. Somente eles podem conter
dos núcleos valorativos de proteção do indi- um perdido procedimento parlamentar de
víduo. “Il regresso, o l’involuzione, non sarà descontrole85.
mai l’ultima parola, fino a che esisterà uno spirito Aflorou-se, assim, de forma natural86, a
umano, capace per sua natura dell’infinito”77. importância da democracia substancial medi-
A história demonstrou que o poder demo- ante a ponderação entre as diretivas de momento
crático desenfreado pode causar grandes males. do todo social e certos valores inalienáveis do
O espírito do povo não se identifica inexora- indivíduo, como dotados de conformação
velmente com o de um equilíbrio canonizado pela objetiva na própria ordem daquele todo. A
bondade das decisões. O poder absoluto, em si, democracia substancial veio a ser o intento,
corrompe porque despreza a natureza peculiar, consolidado após 1945, de compatibilizar o
especial, e, portanto, diferenciada de cada pluralismo político com a tutela constitucional
indivíduo. Decisões totalizantes produzem, no de valores, única forma de se afastar o germe do
mínimo, o mal de menosprezar situações autoritarismo87, acusado de ser, em Schmitt, o
absolutismo da maioria88. Quando o plexo de
concretas e diferenciadas. Sócrates foi conde-
decisões possíveis num ambiente democrático
nado pela vontade popular por não querer
é aprioristicamente delimitado por valores de
sacrificar seus princípios à bajulação de seus grandeza indiscutível, a maioria deixa de
julgadores78. Onde a decisão não encontra qualificar-se pelo estigma da uniformização
obstáculos de princípios, a democracia legitima opressora. A liberdade respira ares de univer-
a mais cruel violência pelo procedimento79. A salidade. Permite-se à igualdade lançar-se de
razão cede à opinião80, e paixões de momento bases sólidas. Saram-se os últimos sintomas da
reinam absolutas pela voz da maioria81. Por isso democratite sofrida na primeira metade deste
ter Montesquieu atentado para a separação século. A humanidade sai da adolescência dos
harmônica dos poderes, e a Declaração dos extremos e inicia o império das decisões
Direitos do Homem e do Cidadão ter asseverado, responsáveis, porquanto posturas historica-
no conhecido art. 16, a inexistência de consti- mente isoladas vêem-se ponderadas ou, ao
tuição onde não houvesse assegurada a garantia menos numa primeira fase, amenizadas por
dos direitos e da separação dos poderes82: essências vivificantes da dignidade do homem89.
dividir significa valorizar o combate de idéias e A democracia deixa de ser um livro aberto à
argumentos, já não em nível de formação difusa criatividade infinita de quem detém a pena do
do consenso popular, mas em nível de ponde- poder e passa a permitir a escrita apenas dentro
ração institucional. Para tanto, a Declaração de margens e pautas pré-fixadas.
Universal dos Direitos do Homem elevou os
direitos fundamentais acima das decisões
políticas83. Foi essa transposição da arena de 6. Papel dos tribunais constitucionais e o
discussão que permite, hoje, pensar-se no chamado direito material de exame judicial
controle por valores institucionalmente Os tribunais constitucionais passam a
objetivados. O poder concentrado atrai o ocupar posição de fundamental importância no
arbítrio pelo simples fato de não encontrar equilíbrio almejado90. O constitucionalismo, em
resistência. Tudo podendo, o direito vira uma seu nascimento, veio tentar estabelecer, em nível
questão de conveniência. Para que o direito jurídico, valores e princípios democrático-
assuma uma posição de guardião de preceitos, liberais. A disfunção verificada posteriormente
ele deve incorporar valor e conteúdo, e não entre a realidade jurídica e a realidade política
somente procedimentos. precipitou o sistema político liberal e a orga-
Dar-se conteúdo e finalidade ao direito é uma nização constitucional a ele correspondente na
demanda do homo politicus, de que fala crise institucional da primeira metade do século
Radbruch84. É o resutado dos que vêem nas XX91. É, pois, devido a esse distanciamento entre
forças históricas o aflorar da face mais odienda o jurídico e o político, ou ainda, ao abismo, que
da segregação dos povos na ausência de valores isolou o jurídico da ingerência de valores e
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princípios, o que possibilitou os regimes O que se discute, em um segundo momento,
extremos deste século. Tal fosso divisor deve não é a existência das limitações, já incorporadas
ser eliminado, e, no seu lugar, uma teoria no constitucionalismo ocidental, mas a sua
conciliadora clama cristalização. Os valores pré- conformação à evolução dos tempos, que exigem
figuradores do jurídico iniciaram, em Kelsen, pela um novo layout a cada virada de página da vida
aceitação da legitimidade do sistema demo- institucional. Promover ao desembaraço dessa
crático e dos valores do constitucionalismo questão deveria ser o norte dos que se debruçam
moderno como prévios e indiscutíveis92, e a sobre o angustiante dilema de tentar transportar
possibilidade de ponderação destes por um a uma teoria o caráter de equilíbrio contenu-
Tribunal Constitucional. A inovação funda- dístico-procedimental, com que a evolução
mental de Kelsen, no constitucionalismo da histórica nos presenteou.
visão de Marshall dada no caso Marbury versus
Madison, foi aprimorar um controle antes
jurídico-político de uma legalidade constitu- Bibliografia
cional liberal para a defesa de valores políticos ALEMBERT, Jean Le Rond d’. Ensaio sobre os
evidentes por meios e mecanismos jurídicos93. elementos de filosofia. Tradução de Beatriz Sidou
A crítica transcendente94 de Schmitt, e, portanto, e Denise Bottmann. Campinas : Unicamp, 1994.
ideológica e justificadora da autocracia, está, Tradução de: Essai sur les éléments de philo-
em parte, na célebre polêmica Kelsen-Schmitt95 sophie.
sobre o papel daquele tribunal. Schmitt afasta ARISTÓTELES. Política. Tradução Mário da Gama
da função judicial qualquer discussão sobre Kury. 3. ed. Brasília : Ed. Universidade de
conteúdo. Portanto, quando se disse linhas atrás Brasília, 1997. p. 121-160.
que Schmitt aproximava-se do essencial em BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre
detrimento do formal, entenda-se que ele o faz derechos fundamentales. Traducción Juan Luis
afastando tal função da judicial e, dessa forma, Requejo Pagés e Ignacio Villaverde Menéndez.
relegando-a ao puramente político. A teoria da Baden-Baden : Nomos Verlagsgesellschaft, 1993.
destruição dos heterogêneos teve, por base de BODENHEIMER, Edgar. Teoria del derecho.
crítica transcendente, o afastamento por com- Traducción Vicente Herrero. México : Fondo de
pleto entre o jurídico e o político, o que Kelsen Cultura Economica, 1963.
não aceita96. A negação de Schmitt do chamado BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado
direito material de exame judicial nutre o social. 6. ed. São Paulo : Malheiros, 1996.
extremo da separação e permite o abuso do poder. CANETTI, Elias. Massa e poder. Tradução de Sérgio
Por outro lado, a crítica imanente do autor é de Tellaroli. São Paulo : Companhia das Letras, 1995.
grande contribuição para a percepção do mal Tradução de: Masse und macht.
causador desse descompasso detectado entre DEL VECCHIO, Giorgio. Evoluzione ed involuzione
os valores jurídicos desprotegidos e a disfunção nel diritto. 3. ed. Roma : Studium Urbis, 1945.
interna do sistema representativo incontido.
GALLEGO, Elio A. Tradición jurídica y derecho
subjetivo. Madrid : Dykinson, 1996.
7. Conclusão GÜNTHER, Franz. Staatsverfassungen. 2. ed.
No Brasil, a conformação peculiar do Estado München : R.Oldenbourg, 1964.
burguês, que sucedeu ao Estado Liberal- HENSEL, Albert. Institution, idee, symbol.
oligárquico da Velha República, na forma de Königsberg : Gräfe und Unzer Verlag, 1929.
um intervencionismo econômico e social KELSEN, Hans. Essencia y valor de la democracia.
autoritário, o predispôs naturalmente ao Traducción de Rafael Luengo Tapia e Luis Legay
equilíbrio dos pólos em questão, pois não y Lacambra. Barcelona : Labor, 1934.
exacerbou a oposição entre a limitação de _____________
. La giustizia costituzionale. Traducción
valores individuais frente às determinações de de Carmelo Geraci. Milano : Giuffrè, 1981. p.
caráter objetivo pela supervalorização dos 229-291:Chi dev’essere il custode della costi-
primeiros97. A conformação inicial de conju- tuzione?
gação entre o Estado autoritário e o Estado KNIGHT, Frank Hyneman. Inteligência e ação
burguês inclina o Brasil de hoje, tendo superado democrática. Rio de Janeiro : Instituto Liberal,
esse estágio provisório, para uma posição de 1989. Tradução de Francisco J. Beralli. Intelligence
melhor receptividade de uma teoria de ponde- and democratic action.
ração entre valores individuais e limitações LEGAZ Y LACAMBRA, Luis. Derecho y libertad.
sociais objetivas. Buenos Aires : Valerio Abeledo, 1952.
224 Revista de Informação Legislativa
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo proce- e Ignacio Villaverde Menéndez. Baden-Baden : Nomos
dimento. Brasília : Ed. Universidade de Brasília, Verlagsgesellschaft, 1993. p. 75.
1980. p. 146-159. Tradução de: Maria da 5
Conceição Côrte-Real. Legitimation durch A profunda observação atribuída a Bismarck e
Verfahren. retirada de Vierkandt por Bonavides não pode ser
dispensada: “a igualdade a que se arrima o liberalismo
PLATÃO et al. Sócrates. Tradução Jaime Bruna,
é apenas formal, e encobre, na realidade, sob seu manto
Líbero Rangel de Andrade e Gilda Maria Reale
de abstração, um mundo de desigualdades de fato –
Strazynski. São Paulo : Nova Cultural, 1996.
_____________
econômicas, sociais, políticas e pessoais. Termina “a
. A república. Tradução de Enrico apregoada liberdade, como Bismarck já o notara, numa
Corvisieri. São Paulo : Nova Cultural, 1997. real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes,
PORTO, Walter Costa (Coord.). Declarações de afinal de contas, tão-somente a liberdade de morrer
direitos: apontamentos de Benedetto Croce, de fome.” (BONAVIDES, op. cit., p. 61).
6
E.H.Carr e Raymond Aron. Brasília : Fundação Ibid., p. 44.
Projeto Rondon, 1988. 7
GALLEGO, Elio A. Tradición jurídica y derecho
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Tradução subjetivo. Madrid : Dykinson, 1996. p. 51-52.
Cabral de Moncada. 4. ed. Coimbra : A. Amado 8
Ibid., p. 51.
Editor, 1961. v. 1. 9
BONAVIDES, op. cit., p. 40.
RECASENS SICHES, Luis. Lecciones de sociologia. 10
Mexico : Porrua, 1948. SCHMITT, Carl. Sobre el parlamentarismo.
Traducción de Thies Nelsson e Rosa Grueso. 2. ed.
SCHMITT, Carl. La defensa de la constitución : Madrid : Tecnos, 1996. p. 174.
estudio acerca de las diversas especies y 11
Ibid., p. 173.
posibilidades de salvaguardia de la Constitución. 12
Traducción directa del aleman por Manuel Ibid., p. 174.
13
Sanchez Sarto. Madrid : Tecnos, 1983. Para a diferença de Schmitt entre direitos funda-
_____________
. Sobre el parlamentarismo. Traducción mentais absolutos e relativos: Ibid., p. 171.
Thies Nelsson e Rosa Grueso. 2. ed. Madrid : 14
É interessante notar que a análise de Schmitt da
Tecnos, 1996. passagem do Estado liberal para o social faz-se sob
_____________
. Tierra y mar : consideraciones sobre la um duplo enfoque: jurídico (ao falar das trans-
historia universal. Traducción Rafael Fernandez- formações dos preceitos constitucionais) e socioló-
Quintanilla. Madrid : Instituto de Estudios gico (ao falar das forças sociais efetivamente
Politicos, 1952. emergentes daquela época): “Cuando un grupo social
WHITE, Leslie. Os símbolos e o comportamento logra que se dejen, sea por prescripciones expresas
humano. In: CARDOSO, Fernando Henrique, de la ley constitucional, sea por tolerancia tácita de la
IANNI, Octávio. Homem e sociedade. São Paulo : práctica, tales posibilidades de lucha [entre asso-
Companhia Editora Nacional, 1965, p. 180-192. ciações], ha desaparecido el supuesto fundamental
del Estado liberal de Derecho, y entonces Libertad
WOLKMER, Antônio Carlos. Constitucionalismo e ya no significa la posibilidad de actuación, ilimitada
direitos sociais no Brasil. São Paulo : Acadêmica, en principio, del individuo, sino el libre aprove-
1989.
chamiento de la fuerza social mediante organizaciones
sociales.” (Ibid., p. 171).
Notas 15
Eis algumas das características principais do
Estado Social: “Quando o Estado, coagido pela
1
A esse respeito salienta Bonavides: “Antes, o pressão das massas, pelas reivindicações que a
político (o poder do rei) tinha ascendência sobre o impaciência do quarto estado faz ao poder político,
econômico (o feudo). Depois, dá-se o inverso: é o confere, no Estado constitucional ou fora deste, os
econômico (a burguesia, o industrialismo) que inicial- direitos do trabalho, da previdência, da educação,
mente controla e dirige o político (a democracia), intervém na economia como distribuidor, dita o salário,
gerando uma das mais furiosas contradições do século manipula a moeda, regula os preços, combate o
XIX: a liberal-democracia.” (BONAVIDES, Paulo. desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador
Do estado liberal ao estado social. 6. ed. São Paulo : e ao burocrata a casa própria, controla as profissões,
Malheiros, 1996. p. 55. compra a produção, financia as exportações, concede
2
RECASENS SICHES, Luis. Lecciones de socio- crédito, institui comissões de abastecimento, provê
logia. Mexico : Porrua, 1948. p. 274. necessidades individuais, enfrenta crises econômicas,
coloca na sociedade todas as classes na mais estreita
3
Ibid., p. 278. dependência de seu poderio econômico, político e
4
Ou, em outros termos: pretensões de não-inter- social, em suma, estende sua influência a quase todos
venção versus pretensões de realização. BÖCKEN- os domínios que dantes pertenciam, em grande parte,
FÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre derechos à área de iniciativa individual, neste instante o Estado
fundamentales. Traducción Juan Luis Requejo Pagés pode, com justiça, receber a denominação de Estado
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 225
social.” (p. 186). E acrescenta o autor ter sido a seja, um retorno espiritual, bem que moderado, ao
revolução do Estado Social a “grande Revolução em século XVIII, para temperar a ordem política e
que não se derramou sangue, mas que é a revolução sobrestar os excessos que o primado absoluto da
das revoluções” BONAVIDES, op. cit., p. 205. coletividade acarretou. (§) A mais recente literatura
16
Apoiando esta tese, vide: BONAVIDES, op. política dos países ocidentais exprime essa linguagem,
cit., p. 68, 86, 133 e 141. traduz essa tendência, aponta esse anseio, denota,
em suma, na reconsideração crítica do passado, a
17
Esclarecedora a denominação assumida na Lei efetiva reconciliação do binômio clássico: indivíduo-
Fundamental alemã de 1949, após o aprendizado da sociedade.” (Ibid., p. 134).
2ª Grande Guerra, revelando a preocupação 24
sobrevivente da questão mal resolvida da compa- Ibid., p. 164.
25
tibilização democrático-social: “Art. 20. (1) Die Ibid., p. 141.
bundesrepublik Deutschland ist ein demokratischer 26
O termo parlamentarismo é empregado no
und sozialer Bundesstaat.” (A República Federal da sentido que este detinha na filosofia liberal do século
Alemanha é uma Federação democrática e social). XIX e início do XX, ou seja, como forma de Estado e
18
BONAVIDES, op. cit., p. 180. não de governo, “consistente en la emancipación de
19
Manuel Aragón, catedrático de direito la ciudadanía frente a los privilegios hereditarios de
constitucional da Universidade de Madrid, tem las clases” (p. 48). Significa, para Kelsen, a “formación
magistral passagem sobre a democracia procedimental de la voluntad decisiva del Estado mediante un órgano
e democracia substancial, no estudo preliminar ao colegiado elegido por el pueblo en virtud de un derecho
livro de Schmitt. Vide: SCHMITT, op. cit., p. 29-30. de sufragio general e igual, o sea democrático, obrando
20
Revelando os rumos tomados pela política da a base del principio de la mayoría” (p. 50) KELSEN,
primeira metade do século XX, em decorrência do Hans. Essencia y valor de la democracia. Tradcción
desequilíbrio instaurado pelo extremismo indivi- de Rafael Luengo Tapia e Luis Legay y Lacambra.
dualista-liberal, tem-se o seguinte trecho: “Mas ela [a Barcelona : Labor, 1934.
27
doutrina individualista] foi indiscutivelmente perigosa Ibid., p. 49.
para a defesa da mesma personalidade do homem, 28
“Con este libro [Sobre el parlamentarismo] el
quando caiu na contradição e na antítese de determinar, lector tiene en sus manos una ocasión de sustraerse a
de um lado, o enfraquecimento do Estado, no velho la frivolidad. Schmitt nunca fue un intelectual piadoso,
esquema da liberal-democracia, e, de outro, na y por ello mismo con igualdad falta de piedad hay
hipertrofia do Estado, no moderno esquema que acercarse a sus escritos, sin niguna ingenuidad,
totalitário, ou seja, na ideologia dos que buscavam pero sin caer tampoco en el prejuicio.” (ARAGÓN,
resposta para o desnível e o desencontro entre a Manuel. Estudio preliminar. In: SCHMITT, op. cit.,
realidade social, mais poderosa e dominadora, e a p. 10-11).
realidade jurídica, mais fraca e sem conteúdo, de feição 29
Vide nota 58.
normativista, logicista e abstrata, que rodeava e 30
ocultava, na sociedade burguesa, um mundo interno de A tradução literal do termo em alemão é
contradições, em plena fermentação.” (BONAVIDES, “representação do povo”.
op. cit., p. 74). 31
O parlamento como uma maquinaria artificial.
21
Ibid., p. 133. Vide: SCHMITT, op. cit., p. 22.
22 32
Ibid. Ibid., p. 34. Um trecho de seu pensamento a
23
Transcreve-se trecho de grande esclarecimento, este respeito: “Cabe expresar la voluntad del pueblo
em que se atribui à preponderância absoluta do social mediante la aclamación ∞ mediante acclamatio –,
sobre o individual a origem do descompasso entre mediante su existencia obvia e incontestada, igual de
Estado e sociedade: “Acha-se plantada na gênese da bien y de forma aun más democrática que mediante
mutação [de preponderância agora do social sobre o un aparato estadístico, elaborado desde hace sólo
individual] a semente do totalitarismo do século XX, medio siglo con esmerada minuciosidad.” (Ibid., p. 22).
das grandes reações antidemocráticas, que, rompendo 33
O conceito de democracia substancial veio
o equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade, significar a negação da separação feita em Kelsen entre
provocaram a crise do Estado moderno. (§) Essa crise a democracia como método para criação da ordem
há sido assinalada com a postergação dos direitos do social e seu conteúdo, para ele completamente
Homem, a invasão das esferas sagradas de natureza independentes. KELSEN, op. cit., p. 127.
subjetiva, a ameaça quase permanente, que paira, de 34
ARAGÓN, op. cit., p. 29.
eliminação da personalidade humana. (§) E como a 35
maré social que vem de Hegel seria, na gigantesca SCHMITT, op. cit., p. 5, 11-12, 25, 27, 31-33,
onda do totalitarismo, a rebarbarização do mundo 36 e 64.
que dois milênios de civilização mediterrânea nos 36
“Cuanto más poderosa es la fuerza del
herdaram, há no coração de quase todos os povos um sentimiento democrático, tanto más segura es la
movimento refletido de autodefesa, que é a retomada comprensión de que la democracia es otra cosa que
da consciência jusnaturalista, no campo político, ou un sistema para registrar votaciones secretas.” (Ibid.).
226 Revista de Informação Legislativa
37 51
Id. Tierra y mar : consideraciones sobre la Ibid., p. 47-50.
historia universal. Traducción Rafael Fernandez- 52
Ibid., p. 47.
Quintanilla. Madrid : Instituto de Estudios Politicos, 53
1952. Ibid., p. 34-35.
54
38 Ibid., p. 50, onde menciona o pensamento de
“Si el hombre no fuera más que un ser viviente Stuart Mill, segundo o qual a contradição de fundo
absolutamente determinado por su contorno, sería o entre democracia e liberdade estaria na eliminação da
una bestia o un pez, o un pájaro o una fantástica minoria.
mezcla de estas determinaciones elementales. (....) La
55
existencia y el destino de los hombres estarían Ressalta Schmitt, que “la fe en el parlamento
determinados de modo absoluto por la Naturaleza, (....) realmente existió una vez, pero (....) hoy ya no
como los de un animal o una planta. (....) No existiría es posible encontrar” (p. 11). Em outra passagem é
una historia del hombre como obra y decisión mais direto: “La crisis del parlamentarismo, que
humanas. (§) Pero el hombre es un ser que no se deja es la que aquí nos ocupa, se base en que democracia
absorber por su contorno (§) Tiene poder para y liberalismo, si bien pueden ir unidos durante
conquistar históricamente su existencia y su algún tiempo, al igual que se han unido socialismo
conciencia.” (Ibid., p. 14-15). y democracia, forman una unidad precaria” (p.
39
HENSEL, Albert. Institution, idee, symbol. 21) Ibid.
Königsberg : Gräfe und Unzer Verlag, 1929. p. 15. 56
Eis a síntese da postura de Schmitt, por ele
40
SCHMITT. Sobre el parlamentarismo, p. 6. próprio: “La fe en el parlamentarismo, en un
41
Ibid., p. 51-53. gouvernment by discussion, es propia de las ideas
42
del liberalismo. No es propia de la democracia. Es
Ibid., p. 49-50. preciso separar ambos, democracia y liberalismo, a
43
Ibid., p. 47-50 e 63-65. fin de comprender la heterogénea construcción que
44
O chamado mandato imperativo é tido por constituye la moderna democracia de masas.” (Ibid.,
Schmitt como despiciendo num parlamento, em que p. 12). Como se verá, Schmitt abraça a homogeneidade
não vige uma discussão verdadeira. Para a posição do em detrimento do pluralismo e diversidade de
autor, vide: SCHMITT, Carl. op. cit., p. 8. Na interesses.
57
constituição de Weimar, era negado o mandato O clássico livro de Canetti explica a psicologia
imperativo sob a alegação de que os parlamentares da uniformização nacional (p. 168), por meio dos
fossem representantes do povo todo, e não apenas símbolos nacionais de massa: CANETTI, Elias.
de seus eleitores. O art. 21 daquela constituição Massa e poder. Tradução de Sérgio Tellaroli. São
expressava-se nos seguintes termos: “Art.21. Die Paulo : Companhia das Letras, 1995. p. 165-198.
Abgeordneten sind Vertreter des ganzen Volkes. Sie Tradução de: Masse und macht. Entendendo o
sind nur ihrem Gewissen unterworfen und an Aufträge símbolo como a unidade básica de todo comportamento
nicht gebunden.” (GÜNTHER, Franz. Staatsver- humano, como o universo da humanidade: WHITE,
fassungen. 2. ed. München : R.Oldenbourg, 1964. p. Leslie. Os símbolos e o comportamento humano. In:
196). Tradução livre: os deputados são representantes CARDOSO, Fernando Henrique, IANNI, Octávio.
do povo inteiro. Eles sujeitam-se somente às suas Homem e sociedade. São Paulo : Companhia Editora
consciências e não estão amarrados a mandato algum. Nacional, 1965. p. 180-192.
45
Cf. SCHMITT, Sobre el parlamentarismo, 58
p. 60. Transcreve-se o itinerário do pensamento de
Schmitt: “Toda democracia real se base en el hecho de
46
Ibid., p. 43-47. que no sólo se trata lo igual de igual forma, sino, como
47
Ibid., p. 9. consecuencia inevitable, a lo desigual de forma
48
Ibid., p. 64. desigual. Es decir, es propia de la democracia, en
49
primer lugar, la homogeneidad, y en segundo lugar –
Para uma síntese dos argumentos de Luhmann y en caso de ser necesaria – la eliminación o
a esse respeito, vide, de nossa autoria: ARANHA, destrucción de lo heterogéneo.” (SCHMITT. Sobre
Márcio Nunes. Segurança jurídica stricto sensu e el parlamentarismo). Utiliza, para tanto, do exemplo
legalidade dos atos administrativos. Revista de de limitação dos direitos políticos da Grã-Bretanha e
Informação Legislativa, v. 34, n. 134, abr./jun., 1997. da França, e vai além, fundando a justificativa do
p. 61-62. Para a completa formulação da questão, fascismo na discriminação política entre nacionais e
conferir: LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo estrangeiros, denotando a plena aceitação da tese
procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte- separatista e desigualizadora, que funda o nacio-
Real. Brasília : Ed. Universidade de Brasília, 1980. p. nalismo de extrema direita. Triste ver o compor-
146-159. Tradução de: Legitimation durch Verfahren. tamento natural do direito das gentes a seu favor.
50
SCHMITT, Sobre el parlamentarismo, p. 35. Transcrevem-se os trechos de relevo: “Colonias,
Ainda, expõe Schmitt: “ya no se trata de convencer protectorados, mandatos, acuerdos de intervención
al adversario de lo correcto y verdadero, sino de y parecidas formas de dependência posibilitan hoy
conseguir la mayoría para gobernar con ella” (Ibid., que una democracia gobierne sobre una población
p. 10). heterogénea sin concederle la nacionalidad, haciéndola
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 227
depender del Estado democrático y, al mismo tiempo, doctrina ilustrada de que sólo en libertad puede vivir
separándola de ese Estado. Este es el sentido político la razón. Una sociedad fuertemente escindida y una
y constitucional de la bella fórmula: las colonias son, vida intelectual sumida en radicales antagonismos
según el derecho político, países extranjeros, y según dejaban muy poco espacio al relativismo, es decir, a
el derecho internacional, territorio nacional. (....) ¿Es la tolerancia. Schmitt se incluiría, desde luego, en ese
que acaso el Imperio inglés está basado en el derecho amplio bando de los radicalismos: la política se
de voto universal e igual de todos sus habitantes? reduciría, para él, a la distinción, neta, entre amigo y
Sobre este fundamento no podría seguir existiendo ni enemigo; la actividad política, en consecuencia, no
una semana; las personas de color conseguirían los habría de sustentarse en la discussión, sino en la
votos en aplastante mayoría por encima de los decisión.” (ARAGÓN, op. cit., p. 32).
blancos. No obstante, el Imperio inglés es una 67
Escreve Jean Le Ronde d’Alembert (1717-
democracia; en Francia y otras potencias ocurre lo 1783), uma das personalidades mais expressivas do
mismo.” (Ibid., p. 14). pensamento iluminista francês: “a História de nossos
59
Reza Schmitt: “La consecuencia de esta doc- erros mais notáveis, seja pelo número ou importância
trina de la educación [ideológica centralizada e dos homens que seduziram, ensina a desconfiarmos
nacional] es la dictadura, la suspensión de la de nós mesmos e dos outros. Além do mais, apontando
democracia en nombre de la democracia verdadera os caminhos que se afastaram do verdadeiro, ela nos
que hay que crear. (....) la dictadura no es lo contrario facilita a busca da verdadeira senda que leva a ele.”
de la democracia.” (p. 36). “Puede existir una (ALEMBERT, Jean Le Rond d’. Essai sur les éléments
democracia sin eso que se ha venido a llamar de philosophie. Ensaio sobre os elementos de filosofia.
parlamentarismo moderno, al igual que puede existir Tradução de Beatriz Sidou e Denise Bottmann.
un parlamentarismo sin democracia; por otra parte, Campinas : Unicamp, 1994. p. 9). Com a palavra, um
la dictadura no es el decisivo opuesto de la democracia, representante neoliberal: “A segunda conseqüência
del mismo modo en que tampoco la democracia lo es importante da revolução liberal é o reconhecimento
de la dictadura.” (p. 40) Ibid. de que toda verdade é provisória e de que todo
60
LEGAZ Y LACAMBRA, Luis. Derecho y conhecimento e todas as valorações são relativas. O
libertad. Buenos Aires : Valerio Abeledo, 1952. p. 88. conceito de verdade é progressivo, dinâmico.”
(KNIGHT, Frank Hyneman. Inteligência e ação
61
Esclarecedora é a seguinte passagem: “En la democrática. Tradução de Francisco J. Beralli. Rio
democracia sólo existe la igualdad de los iguales y la de Janeiro : Instituto Liberal, 1989. p. 130). Tradução
voluntad de los que forman parte de los iguales. Todas de: Intelligence and democratic action.
las demás instituciones se convierten en insustanciales 68
Sobre a democracia e o relativismo, vide:
recursos sociotécnicos, incapaces de oponer un valor ARAGÓN, op. cit., p. 25-26.
propio o un principio propio a la voluntad del pueblo 69
expresada de cualquier modo. La crisis del Estado Ibid., p. 27.
70
moderno se funda en que una democracia de masas o Ibid., p. 33.
una democracia de todos los seres humanos no puede 71
“¿ se podía ser conservador reaccionario sin
llevar a cabo ninguna forma de Estado, y tampoco un desembocar en el fascismo? Ése es el dilema en que, al
Estado democrático.” (SCHMITT. Sobre el parlamen- final, se vio envuelto Schmitt. Su doctrina no podría
tarismo, p. 21). desligarse, objetivamente, del nacional-socialismo,
62
“La igualdad de todas las personas en su calidad como tampoco su misma persona.” (Ibid.).
de tales no es una democracia, sino un determinado 72
SCHMITT.Sobre el parlamentarismo, p. 22.
tipo de liberalismo; no es una forma de Estado, sino 73
una moral y una concepción del mundo individualista- BODENHEIMER, Edgar. Teoria del derecho.
humanitaria. En la oscura unión de ambos está fundada traducción Vicente Herrerol. México : Fondo de
Cultura Económica, 1963. p. 216.
la moderna democracia de masas.” (Ibid., p. 17-18). 74
63
Schmitt, apoiado em Pufendorf, assim se
Para Schmitt, a democracia procedimental expressa: “en la democracia, donde el que ordena y el
“conduce en principio a una crisis de la democracia que obedece es el mismo, el soberano, es decir, la
misma, porque no ese posible solucionar a partir de asamblea constituida por todos los ciudadanos, puede
la universal igualdad humana el problema de la igualdad cambiar leyes o Constitución a voluntad; en una
substancial y de la homogeneidad, necesarias en una monarquía o en una aristocracia – ubi alli sunt qui
democracia.” (Ibid., p. 20). imperant alli quibus imperatur – es posible un contrato
64
Ibid., p. 96. Vide, ainda, nota 57. mutuo y, por tanto, la limitación del poder estatal.”
65
Ibid., p. 96-97 – grifos nossos. (SCHMITT. Sobre el parlamentarismo. p. 19-20).
66 75
Manuel Aragón encarrega-se de amenizar a KELSEN, op. cit., p. 148.
responsabilidade atribuída a Schmitt pela história: 76
ARISTÓTELES. Política. Tradução Mário da
“Las ideas de Schmitt no desentonaban mucho en el Gama Kury. 3. Ed. Brasília : Ed. Universidade de
clima espiritual de aquel tiempo, azotado por el Brasília, 1997. p. 121-160: especialmente p. 132.
vendaval de tantos absolutismos (marxismo, 77
DEL VECCHIO, Giorgio. Evoluzione ed invo-
anarquismo, fascismo) que parecían eclipsar la vieja luzione nel diritto. 3. ed. Roma : Studium Urbis, 1945.
228 Revista de Informação Legislativa
87
p. 63: tradução: “o retrocesso ou a involução jamais A falta de sensibilidade, no nascimento moderno
serão a última palavra, enquanto existir um espírito da democracia representativa, da importância em
humano, capaz, por sua natureza, do infinito”. compatibilizar valores e procedimentos foi um fator
78
PLATÃO [et al]. Sócrates. tradução Jaime de fortalecimento da autocracia valorizadora do ideal
Bruna, Líbero Rangel de Andrade e Gilda Maria Reale de justiça (como ponderação das peculiaridades do
Strazynski. São Paulo : Ed. Nova Cultural, 1996. p. caso concreto), mediante a sua não-vinculação às
6-8 e 27-52. diretrizes passadas. A falta de plasticidade da
79
“Estou certo (....) que em uma democracia, a democracia nascente fortaleceu os regimes autoritários
maioria dos cidadãos é capaz de exercer, sobre a da primeira metade deste século, pois impunha a
minoria, a mais cruel das opressões” (BURKE, op. mudança arbitrária, aproximando-se, no que há de
cit., p. 135). criticável, da autocracia. Forçou, assim, a opção entre
80
uma autocracia marcada pelo símbolo de massa da
Glauco, há mais de dois mil anos atrás, já união nacional e uma democracia representativa das
respondia prontamente a Sócrates, que opinião “é a fraquezas de uma nação. O desprezo que a autocracia
faculdade que nos permite julgar pela aparência” e nutre pela limitação apriorística de poder inclina-a a
não pela essência. PLATÃO. A república. Tradução evitar a racionalização da ordem coletiva, e, em
de Enrico Corvisieri. São Paulo : Nova Cultural, 1997. contradição com uma democracia que não recom-
p. 186. pensava sua debilidade para solução de questões
81
Ensina Kelsen, já em 1926: “La democracia (...) iminentes com o afastamento de decisões arbitrárias,
se opone a todo poder absoluto, incluso el de la tudo pendeu para a escolha do aparentemente menor
majoría” (KELSEN, op. cit., p. 141). dos males. Sobre a comparação entre democracia e
82
“Art. 16. Toute societé dans laquelle la garantie autocracia; e positivismo jurídico e direito natural, vide:
des droits n’est pas assurée, ni la séparation des KELSEN, Essencia y valor de la democracia, p. 144.
pouvoirs determinée, n’a point de constitution”. 88
Tradução: “Art.16. Toda a sociedade na qual a A abordagem de Manel Aragón é de claridade
garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação solar. Busca-se “un equilibrio entre la garantía
de poderes determinada, não tem constituição.” constitucional del pluralismo político o, si se quiere,
(PORTO, Walter Costa (Coord.). Declarações de del relativismo ideológico (de la democracia
direitos: apontamentos de Benedetto Croce, E.H.Carr procedimental) sin lo cual, como decía Kelsen, no
e Raymond Aron. Brasília : Fundação Projeto hay democracia, y la imposición constitucional de
Rondon, 1988). determinados valores (democracia sustantiva o
83
“Art.XXX. Nenhuma disposição da presente material) sin los cuales no hay libertad-igualdad”
Declaração pode ser interpretada como o reconhe- (ARAGÓN, op. cit., p.29-30).
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cimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do “La mayoría decide, pero no libremente; la
direito de exercer qualquer atividade ou praticar mayoría control, pero también es controlada; los
qualquer ato destinado à destruição de qualquer dos ciudadanos (y las minorías) poseen unos derechos
direitos e liberdades aqui estabelecidos.” (Ibid.). que la mayoría no puede vulnerar; ya no es justo
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Transcreve-se o trecho esclarecedor: “A (juridicamente) lo que la mayoría quiera, sino lo que
conhecida forma degenerativa do jurista estranho às la mayoría acuerde de conformidad con lo dispuesto
realidades mostra-nos precisamente que há também en la Constitución.” (ARAGÓN, op. cit., p. 30).
um tipo de jurista que, no seu sistema habitual de 90
“La clave de tal equilibrio [entre o relativismo
abstrair das realidades, acaba quase sempre por perder ideológico e a imposição constitucional de valores],
completamente de vista a vida real na sua fluente con el que se pretende superar el enfrentamiento entre
riqueza de formas, representando até essa tendência, democracia procedimental y democracia sustantiva,
por sinal, um pendor muito natural da própria entre la Constitución como norma abierta y la
profissão. Esta forma degenerativa surge quando o Constitución como sistema material de valores, reside
homem jurídico, para só atender à justiça e à segurança en la creación y funcionamiento de los Tribunales
da ordem jurídica, esquece o terceiro aspecto da idéia Constitucionales, instituciones sin las cuales es muy
de direito, que é justamente, como se sabe, o do fim díficil (salvo en el caso todavía peculiar del Reino
ou finalidade a que este deve subordinar-se. Ora, assim Unido) comprender teóricamente y organizar
como o homo juridicus se aproxima, pelo lado da prácticamente el parlamentarismo democrático, forma
justiça e da segurança do direito, do tipo do homem política en la que el Parlamento sigue siendo el eje del
teorético, assim, pelo que toca à idéia de fim, ele se sistema (aunque el Gobierno sea el poder más fuerte)
aproxima do tipo do homem social, para não dizer já porque es el centro de su legitimidad y de su actividad
do homo politicus.” (RADBRUCH, Gustav. Filosofia normativa, pero cuyas decisiones pueden ser
do Direito. Tradução Cabral de Moncada. 4. ed. controladas, ya que la ley, aunque continúe ostentando
Coimbra : A. Amado, 1961. p. 250-251). el papel de norma primaria del ordenamiento, que lo
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Vide nota 49. es la Constitución, cuyas prescripciones materiales
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A democracia de hoje vem imbuída de carga (y no sólo estructurales) se imponen a todos los
valorativa, que transborda seu conceito original nuclear. poderes del Estado” (Ibid.).
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 229
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Apoiando tal perspectiva, o catedrático em acerca de las diversas especies y posibilidades de
Direito Político e introdutor da última edição salvaguardia de la Constitución. Traducción directa
espanhola do livro de Schmitt sobre o guardião da del aleman por Manuel Sanchez Sarto. Madrid :
constituição: “La confrontación y el distanciamiento Tecnos, 1983; e KELSEN. La giustizia costituzionale.
entre realidad constitucional y realidad política Traducción de Carmelo Geraci. Milano : Giuffrè,
representa una constante de la pasada centuria. Y 1981. p. 229-291. Chi dev’essere il custo della
será, justamente, en los momentos convulsivos que costituzione? A controvérsia gira, basicamente, em
suceden a la primera Guerra Mundial, cuando, al torno de três pontos fundamentais: a natureza política
llevarse al extremo esa confrontación y ese distan- da jurisdicional constitucional, negada por Schmitt, e
ciamiento entre realidad jurídica y realidad política, el aceita por Kelsen apenas com uma diferença
sistema política liberal, y su correspondente quantitativa em relação a atividade legislativa; a
organización constitucional, sufrirán la crisis más grave conseqüente criação judicial; e a aceitação de
de toda su historia.” (GARCÍA, Pedro de Vega. determinação do conteúdo jurídico de uma disposição
Prólogo. In: SCHMITT, Carl. Traducción directa del constitucional por um tribunal constitucional.
alemon pos Manuel Sanchez Sarto. La defensa de la 96
constitución: estudio acerca de las diversas especies Para Kelsen, a diferença política entre a atividade
y posibilidades de salvaguardia de la Constitución. legislativa e a jurisdicional é meramente quantitativa:
Madrid : Ed. Tecnos, 1983. p. 17). “Il carattere politico della giurisdizione è tanto più
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marcato quanto più ampio è il potere discrezionale
Ibid., p.18. che la legislazione, generale per sua natura, le deve
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“De lo que se trata, por lo tanto, no es de necessariamente lasciare. L’opinione che solo la
procurar la defensa ideológica de la idea liberal de legislazione sia produttiva creazione del diritto e la
Constitución, sino de lograr su realización efectiva y giurisdizione ne sia, invece, mera applicazione
concreta. Esto significa que, si en el primer momento riproduttiva. Si tratta, in sostanza, di due varianti di
del constitucionalismo moderno, lo que se propicia un solo e medesimo errore. Quando il legislatore
es una defensa de la legalidad constitucional liberal autorizza il giudice a valutare, entro certi limiti,
con medios políticos, lo que se va a suscitar ahora es interessi tra loro contrastanti e a decidere il contrasto
una defensa de los valores políticos, que se admiten in favore dell’uno o dell’altro, gli attribuisce un potere
como evidentes, por medios y mecanismos jurídicos.” di creazione del diritto e quindi un potere che dà alla
(Ibid.). funzione giudiziaria lo stesso carattere politico che –
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A crítica transcendente do Schmitt-teórico- sia pure in misura maggiore – ha la legislazione. (§) Il
político diz respeito à condenação do modelo teórico caratter politico dell’una e dell’altra presenta una
liberal e das suas bases legitimadoras (parlamen-
differenza puramente quantitativa e no già qualitativa.”
tarismo); já a crítica imanente refere-se ao Schmitt-
jurista, que contrapõe o modelo teórico à realidade (Ibid., p. 242).
empírica, realçando suas contradições. 97
WOLKMER, Antônio Carlos. Constitucio-
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As obras nas quais se situa dita polêmica são: nalismo e direitos sociais no Brasil. São Paulo :
SCHMITT. La defensa de la constitución: estudio Acadêmica, 1989. p. 8.

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