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1
Graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Especialista em Direito do Estado pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e Mestrando em Constitucionalismo Contemporâneo pela
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.
2
ABSTRACT: The evolution of fundamental rights, especially the passage of Liberal State for
the Welfare State, from which emerged second generation’s rights, brought a series of
difficulties for the realization of these rights in its scope. In this context, the broad and active
responsibility to ensure the efficacy of social rights falls on above the state. However,
nowadays, we are still discussing the programmatic nature of these rights and the difficulty of
effective completion - whether by action or omission - which leads to the Judiciary, especially
the constitutional courts, the task of acting on the issue. Since the guarantee of social rights,
often needs assessments by the constitutional court, this situation leads to criticism of affront
to the principle of separation of powers and subjectivism by the Judiciary. To face the
problem of legitimacy in order to ensure the possibility of court action, are proposed
mechanisms that have the capacity to do objectivity and juridical certainty to decisions, and
how to act in line with the democratic principle. Thus, many authors defend the possibility of
a court more open to social participation in the construction of direct judicial evaluations and
the use of procedural tools, such as the principle of proportionality, which could give it
legitimacy. With a critical analysis, based on the premise of the supremacy of fundamental
rights, it is understood that the actions of the court, seeking a truly democratic action and
guarantor of legal certainty, should be given where there is a weakening of the guarantees
contained in the Constitution, which can not have its effectiveness relegated to disputes of
legitimacy between the powers.
1 Introdução
Desde o advento do Estado Social e com ele o surgimento dos direitos sociais - os
quais presumem uma prestação de cunho positivo por parte do Estado, no sentido de assegurar
direitos como saúde, educação, segurança - é que são discutidas as formas de atuação do
Estado no sentido de concretizá-los.
A construção dos direitos sociais necessita, para uma melhor compreensão do contexto
onde foram gestados, da análise do momento de transição do Estado Liberal para o chamado
Estado Social.
No entanto, essa passagem para o Estado Social, não ocorreu de forma natural e sem
turbulências, visto que “o individualismo e o abstencionismo ou neutralismo do Estado
Liberal provocaram imensas injustiças”.4 A liberdade de desenvolvimento econômico,
imposta pelo liberalismo, “acarretou todas as formas de abusos e opressão social,
representados por cartéis, trustes, monopólios, lucros ilimitados e extorsivos e exploração do
trabalho humano”. Diante desse novo panorama social, “constatou-se que a opressão não era
2
CORRÊA, Plínio de Oliveira; FILHO, Plínio de Oliveira Corrêa. Direitos Fundamentais e sua proteção no
direito brasileiro e na convenção americana. Revista da Faculdade de Direito – UFRGS. vol 23, Porto Alegre:
Sulina, 2003, p. 202.
3
Ibidem, p. 202.
4
SILVA. José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional Positivo”. 18ª ed., São Paulo – SP: Malheiros,
2000, p. 119.
5
mais exercida pelo Estado, mas ao contrário, vinha de certas forças libertadas do seu
controle”.5
Com o crescimento das cidades, vão surgindo sujeitos sociais que “não se
caracterizam pela passividade ou aceitação do que lhes é imposto pelo ritmo de crescimento
da sociedade industrial estabelecida”, esses sujeitos “procuram e postulam” seus direitos,
contrapondo os interesses burgueses, sempre em ascensão, aos interesses públicos, “pois
pertencentes à grande massa de cidadãos-trabalhadores”.8
Diante das desigualdades sociais geradas pela “noção de igualdade jurídica deixada
entregue ao livre desenvolvimento do mercado, começam os movimentos sociais a reclamar
uma atuação mais forte por parte do Estado”, surgindo assim, o Estado do Bem-Estar Social
(ou Welfare State). Tal Estado “deixa de ser compreendido meramente sob a perspectiva
formal para converter-se em elemento material, isto é, ele não se entende mais realizável
5
TOFFANELLO, Rafael Dias. Eficácia Jurídica das Normas Constitucionais Programáticas. Direito do Estado.
Novas tendências. v. IV, n. VII, Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005, p. 270.
6
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites
da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática – uma abordagem a Partir das Teorias Constitucionais
Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 29-30.
7
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.
49.
8
LEAL, Rogério Gesta. Direitos Humanos no Brasil: Desafios à Democracia. Porto Alegre: Livraria do
Advogado; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1997, p. 65.
6
senão mediante a igualdade social, o que quer dizer que a igualdade não se dá tão-somente
perante a lei, mas, fundamentalmente, através dela”.9
Nessa nova concepção, “o Estado está obrigado a intervir diretamente nas questões
sociais, sendo devedor de uma prestação positiva, não se aceitando mais a idéia de que a
ordem social e econômica seja capaz de produzir justiça por si mesma”.11
Uma das influências mais importantes do Estado Social pode ser encontrada, por um
lado, “pela doutrina formulada pela Igreja Católica em vários documentos pontifícios, a partir
encíclica Rerum Novarum, editada em 1891, pelo papa Leão XIII”, e por outro lado pela
contestação imprimida pelos indivíduos “marginalizados e explorados pelo mercado das
relações de produção capitalista”.12
9
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 31.
10
COSTA, Marli Marlene M. da. A educação como um direito fundamental para o pleno exercício da cidadania.
Direitos Sociais e Políticas Públicas: Desafios Contemporâneos. In: Jorge Renato dos Reis e Rogério Gesta Leal
(orgs.). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, tomo 6, 2006, p. 1705.
11
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 32-33.
12
LEAL, Rogério Gesta. Direitos Humanos no Brasil..., op. cit., p. 62.
13
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 30-31.
7
Por fim, para deixar bem claro que o surgimento dos direitos sociais na fase de
transição do Estado Liberal para o Estado Social serve, simplesmente como marco, mas que
não exaure a sua gênese, cabe utilizar-se da bela lição de Norberto Bobbio:
[...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou
podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o
homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o
progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e outros homens
– ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos
remédios para suas indigências: ameaças são enfrentadas através de
demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através
da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. Às
primeiras correspondem os direitos de liberdade, ou um não-agir do Estado;
aos segundos, os direitos sociais, ou uma ação positiva do Estado.15
Uma vez estabelecida, mesmo que de forma sucinta, o contexto histórico onde se
iniciou a inserção dos direitos sociais na ordem jurídica, cabe uma conceituação mais clara do
que compõe tais prestações positivas.
Segundo José Afonso da Silva, os direitos sociais, como dimensão dos direitos
fundamentais do homem, “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou
indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de
vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais
desiguais”.16
14
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit. p. 34.
15
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 6.
16
SILVA. José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional ..., op. cit., p. 289.
8
individualmente, mas em seu caráter social, tendo como objetivo assegurar à sociedade
melhores condições de vida”.17
No mesmo sentido, Luiz Bolzan Morais, “os direitos de segunda geração afluem no
século XX como direitos sociais, culturais e econômicos, sendo próprios da coletividade e
ligando-se ao princípio da igualdade”. Acrescenta que eles “têm o caráter de exigência de
determinadas prestações por parte do Estado e estão próximos à construção do que apontamos
como Estado do Bem-Estar Social”.18
Os direitos de segunda dimensão “não englobam apenas direito de cunho positivo, mas
também as denominadas liberdades sociais” (sindicalização, direito de greve, ...). Os direitos
sociais, embora a expressão, “se reportam à pessoa individual, não podendo ser confundidos
com os direitos coletivos e/ou difusos da terceira dimensão21”, sendo assim chamados por
“serem considerados uma densificação do princípio da justiça social”.22
17
GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre:
Imprensa Livre, 2005, p. 74-75.
18
MORAIS, Jose Luiz Bolzan. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais. O Estado e o Direito na
Ordem Contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 164.
19
Ibidem, p. 39.
20
LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Humanos e Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p. 89.
21
Cabe esclarecer, posto que os direitos de terceira dimensão não são objeto do presente estudo, que, segundo
SARLET, estes são os chamados direitos de fraternidade ou de solidariedade destinado a proteção de grupos
humanos (família, povo, nação), tendo como destinatário precípuo o “gênero humano”. São exemplos: direito à
paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida.
22
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais..., op. cit., p. 50.
9
A consolidação dos direitos sociais não foi tarefa simples, sendo que muitas críticas
foram e são formuladas, conforme se vê na divisão de Clóvis Gorczevski distinguindo que as
críticas técnico-jurídicas “afirmam o caráter relativo e variável dos direitos sociais, pois
dependentes da estrutura econômica e do grau de desenvolvimento de um país”. As críticas de
cunho filosófico-políticas “questionam, além do enquadramento dos direitos sociais como
direitos fundamentais, a intervenção estatal, do ponto de vista ético-político, na esfera do
mercado, alterando de forma artificial a livre concorrência, deixando de assegurar as
liberdades clássicas”. Ao fim, as críticas de caráter empírico atacam o fato de que os direitos
sociais, “do ponto de vista de sua articulação institucional, tendem a excluir determinados
sujeitos do seu desfrute pleno, agravando, em muitas vezes, as desigualdades”.24
Entretanto, uma das principais críticas formuladas e que será matéria de um ponto
específico do trabalho é de que “a programaticidade do constitucionalismo social acabou por
dissolver, em certo sentido, o conceito jurídico de Constituição como documento legal dotado
de plena normatividade”. Neste sentido, o principal desafio que se impõe é a possibilidade de
conciliação entre o âmbito jurídico e o político.25
Assim, estando claro do que tratamos e em que contexto surgiram os direitos sociais, é
que se busca verificar de que forma podem atuar os poderes constituídos, em especial o
Judiciário, com o escopo de sua garantia. Além disso, perceber se existe legitimidade para tal
atuação e dentro de quais parâmetros.
23
MONCADA, Luís Cabral de. Direito Econômico. 4. ed., Lisboa: Coimbra, 2003, p. 29.
24
GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humano..., op. cit., p. 75-76.
25
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 36.
26
Ibidem, p. 37.
10
27
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 34.
28
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 233.
29
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 41.
30
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 233.
31
Ibidem, p. 245.
11
dos direitos fundamentais” 32, ou seja, elas representaram um avanço como porta de entrada
dos direitos sociais.
Esse conjunto de fatores faz o Poder Judiciário, através dos Tribunais Constitucionais,
figurar na arena política para realizar a guarda da vontade geral, “encerrada de modo
permanente nos princípios fundamentais positivados na ordem jurídica”.36
32
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 246.
33
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 40.
34
STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 148.
35
REIS, Jorge Renato dos; FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a
direitos fundamentais. Direitos Sociais e Políticas Públicas: Desafios Contemporâneos. In: Jorge Renato dos
Reis e Rogério Gesta Leal (orgs.). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, tomo 6, 2006, p. 1647
36
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 41-42.
12
A atuação jurisdicional dos tribunais constitucionais tem sido criticada, por alguns
teóricos, “visto que a legitimidade do Poder Legislativo, em virtude de seu caráter eletivo e
representativo, é maior do que a dos órgãos que integram a jurisdição constitucional”. Em
virtude dessa legitimação democrática é que “as decisões importantes sobre conteúdos e
valores, em uma sociedade plural e complexa, deveriam caber ao primeiro, limitando-se e
restringindo-se a desta última”.38 No entanto, abordando tal entendimento, temos o
pensamento de alguns autores contemporâneos que aceitam a regularidade de tal atuação
hermenêutica, desde que baseada em alguns pressupostos, conforme veremos adiante.
A interpretação constitucional atual, segundo o autor, tem sido realizada apenas pelos
intérpretes jurídicos “vinculados às corporações” e aqueles participantes formais do processo
37
ALEXY, Kollision und Abwägung als Grundproblem de Grundrechtsdogmatik. Rio de Janeiro, Fundação
Casa de Rui Barbosa, em 10-12-1998, APUD MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de
constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 3ª ed., 2004. p. 27.
38
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 207.
13
constitucional. No entanto, todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma é,
indireta ou, até mesmo diretamente, um interprete dessa norma.39
O processo constitucional formal não é mais o único, uma vez que os participantes do
processo de interpretação desenvolvem o direito constitucional material, assim, os métodos
tradicionais assumem nova função: filtros que disciplinam e canalizam a influência dos
diferentes participantes do processo.44 A teoria constitucional vai a busca do consenso e da
obtenção de unidade política, com base na aceitação do conflito, sendo um direito de conflito
e compromisso, onde a função é vincular normativamente as forças políticas apresentando-
lhes “bons” métodos de interpretação.45
39
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Interpretes da Constituição:
Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, trad. Gilmar Ferreira Mendes,
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, p. 13.
40
Ibidem, p. 14.
41
Ibidem, p. 33.
42
Ibidem, p. 14.
43
Ibidem, p. 35.
44
Ibidem, p. 42.
45
Ibidem, p. 51-53 passim.
14
A intensidade do controle judicial que será imposto pela jurisdição constitucional vai
depender do nível de participação, assim sendo “um minus de efetiva participação deve levar
a um plus de controle constitucional”. 46
Por sua vez, o autor Rogério Gesta Leal dá sua contribuição ao analisar o pensamento
de Habermas onde afirma que “o problema fundamental da invasão do Poder Judiciário no
âmbito de relações sociais que deveriam estar marcadas pela decisão político-representativa, é
que o conceito de direitos subjetivos está forjado numa concepção do paradigma liberal da
autonomia privada”. Dessa forma todos os interesses são transformados em disponíveis e
passíveis de tutela jurisdicional invasiva e intervencionista.48
Nas palavras de Leal, “em grande parte dos países de modernidade tardia e economia
dependente, como o Brasil, é possível visualizar o surgimento de um Judiciário promovedor
de medidas sociais compensatórias e mesmo satisfativas para determinar demandas
individuais e coletivas”. Estes comportamentos da jurisdição são importantes numa análise de
cumprimento de sua função social, mas, no entanto, “não podem ser tomados como fórmulas
substitutivas dos demais poderes instituídos e de suas funções democráticas”.49
Enfim, Habermas vai dizer que somente em uma “sociedade em que a comunicação
política se dá de forma autônoma, com mecanismos de visibilidade plana e includente, por
46
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica ..., op. cit., p. 46.
47
Ibidem, p. 49.
48
LEAL, Rogério Gesta. O Estado-Juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista,
Porto alegre: Livraria do Advogado, Ed. 2007, p. 55.
49
Ibidem, p. 57-58.
50
Ibidem, p. 60-61.
15
Nessa esteira, a “abertura dos canais internos do próprio Judiciário para com a
comunidade e para com os argumentos trazidos para dentro do processo” se torna
imprescindível. Em se tratando de temas constitucionais fundamentais, que afetam a
sociedade, para uma comunicação efetiva deve o magistrado “abrir espaços para o diálogo e,
principalmente, estar aberto a ele”.55
51
LEAL, Rogério Gesta. O Estado..., op. cit., p. 62-63.
52
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 203.
53
Ibidem, p. 203-204.
54
Ibidem, p. 204.
55
Ibidem, p. 205.
16
em “valores extraídos do senso comum ou da convicção pessoal do juiz, [...] mas sim de uma
jurisdição que pauta suas decisões valorativas em processos abertos de discussão e de
conteúdo”. 56
Conforme o que foi visto até agora, hodiernamente se propugna por uma maior
atuação do Poder Judiciário, notadamente através dos tribunais constitucionais. Dessa forma,
alguns instrumentos colaboram para tornar sua atuação menos subjetiva e, portanto, mais
legitimada, como o princípio da proporcionalidade.
Como visto, esse novo Estado de Direito, “que deslocou para o respeito dos direitos
fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica”, ressaltando o princípio da
constitucionalidade em detrimento do positivismo vinculado ao princípio da legalidade 57,
além de dar papel especial à jurisdição na efetivação dos direitos fundamentais sociais, “fez
nascer, “após a conflagração de 1939-1945, o princípio constitucional da
proporcionalidade”.58
56
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 206.
57
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 398.
58
Ibidem, p. 399.
59
Ibidem, p. 393.
17
devida”. Ou seja, quando existe uma obrigação de efetuar um ato, logicamente que a escolha
ou preponderância de direitos entrará em jogo, o que conduz a uma ponderação. 60
Os direitos fundamentais para serem efetivados precisam ser percebidos “em sua
relação com os demais conteúdos e princípios estruturais nela insculpidos, de maneira que
esta harmonização também pode, portanto, se dar por meio de e, ao mesmo tempo, implicar
uma limitação de alguns desses mesmos direitos”. 61
O autor francês, Xavier Philippe, ao afirmar que existem princípios mais fáceis de
compreender do que definir, enquadrava o princípio da proporcionalidade nesse patamar.63
Sua principal função é, dentro da esfera dos direitos fundamentais, proteger a liberdade
fornecendo o critério das limitações à liberdade individual. Assim, como cânone
constitucional, permite que “os juizes corrijam o defeito da verdade da lei”, bem como “as
insuficiências legislativas provocadas pelo próprio Estado com lesão de espaços jurídicos-
fundamentais”. É consolidado pela doutrina como uma “regra fundamental de apoio e
proteção aos direitos fundamentais e de caracterização de um novo Estado de Direito”, sendo,
dessa maneira, um princípio essencial da Constituição.65
60
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta... op. cit., p. 75-76.
61
Ibidem, p. 71.
62
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional..., op. cit., p. 399-400.
63
Ibidem, p. 392.
64
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 3 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 47.
65
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional..., op. cit., p. 395-396.
18
Uma decisão com base na aplicação dos direitos fundamentais deve ser, por parte do
intérprete, debatida e fundamentada. Tal decisão, se não resultar de uma hermenêutica
adequada, será insuficiente e inconstitucional. “O sistema democrático, num Estado de
Direito, reclama a fundamentação/motivação adequada das decisões”, pois aí “reside um outro
elemento: a necessidade de convencer”.67
O controle de validade das decisões está ligado a sua devida fundamentação, sendo
que o “emprego de uma metodologia por todos conhecida possibilita a fiscalização da decisão
ao revés do arbítrio, muitas vezes travestido de pseudomotivação”.68
66
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais... op. cit. , p. 50.
67
REIS, Jorge Renato dos; FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a
direitos fundamentais. Direitos Sociais e Políticas Públicas: Desafios Contemporâneos. In: Jorge Renato dos
Reis e Rogério Gesta Leal (orgs.). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, tomo 6, 2006, p. 1645-1646.
68
Ibidem, p. 1661.
69
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional..., op. cit., p. 426.
19
proporcionalidade stricto sensu aduz que “a escolha recai sobre o meio ou os meios que, no
caso específico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo”. Neste subprincípio
reside uma imposição dual, pois, ao passo que é uma obrigação e uma interdição, “obrigação
de fazer uso dos meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionados”.70
Em uma leitura com base nos ensinamentos de Alexy, Paulo Leivas afirma que “o
preceito da adequação (Geeignetheit) pressupõe a investigação da prova de aptidão do ato e
sua conformidade com o fim que motivou a sua adoção”. O preceito da necessidade
(Erforderlichkeit) exige um exame comparativo. Um meio será necessário caso o seu fim não
possa ser atingido de outra maneira que afete menos o indivíduo”. “O preceito da
proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o mandado de ponderação, segue-se da
relativização com respeito às possibilidades jurídicas e a ordem da ponderação, quando
princípios opostos entram em colisão”.73
70
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional..., op. cit., p. 396-398.
71
Leia-se colisão de princípios. “quanto maior for o grau de não-realização ou restrição de um princípio, maior
terá de ser a importância da realização do princípio que com ele colide”. (Vide REIS, Jorge Renato dos;
FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica..., op. cit., p. 1652).
72
REIS, Jorge Renato dos; FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica..., op. cit., p. 1654.
73
LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Humanos e Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p. 48.
74
O autor denomina princípio da idoneidade ou da aptidão.
75
O autor denomina princípio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo.
20
menos restritivo que precise ser utilizado para atingir o fim em vista. A proporcionalidade em
sentido estrito consiste na necessidade de indagar acerca da adequação (proporção) de uma
relação entre dois termos ou duas grandezas. A importância ou premência do fim que se
pretende alcançar com a medida restritiva e, do outro, a gravidade do sacrifício que se impõe
com a restrição. A justa medida entre os bens e interesses em colisão, a relação entre o
prejuízo e o benefício.76
76
NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela
constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 729-752 passim.
77
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 50-51.
78
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional..., op. cit., p. 399.
21
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A referência aos direitos fundamentais acaba por atribuir à Constituição “uma natureza
aberta, carente de concretização em face da realidade, o que demanda, por sua vez, uma
atividade criativa por parte dos Tribunais, de natureza notadamente hermenêutica e
dependente de decisões que definam a extensão de cada um desses direitos”.79
Assim, tem-se no presente estudo um traçado, uma hipótese, para a discussão acerca
da concretização dos direitos sociais: a atuação jurisdicional dos tribunais constitucionais
legitimada dentro de um pressuposto de ampliação do espaço de participação social que
transponha as instâncias formais. Tal ação deve utilizar mecanismos compreensíveis a todos
de maneira a permitir uma comunicação eficaz entre os atores envolvidos, onde o exemplo da
utilização do princípio da proporcionalidade poderá ser usado no sentido de justificar e
fundamentar tal atuação. Essa hermenêutica vai permitir que a Constituição se mantenha
permanentemente conectada com a atualidade, perenemente viva, aberta e efetivadora de
direitos que surgem permanentemente em uma sociedade complexa.
Referências
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008.
79
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional..., op. cit., p. 53.
22
CORRÊA, Plínio de Oliveira; FILHO, Plínio de Oliveira Corrêa. Direitos Fundamentais e sua
proteção no direito brasileiro e na convenção americana. Revista da Faculdade de Direito –
UFRGS. vol 23, Porto Alegre: Sulina, 2003.
COSTA, Marli Marlene M. da. A educação como um direito fundamental para o pleno
exercício da cidadania. Direitos Sociais e Políticas Públicas: Desafios Contemporâneos. In:
Jorge Renato dos Reis e Rogério Gesta Leal (orgs.). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, tomo 6,
2006.
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Filosofia do Direito e Direito Constitucional. [S.I.:s.n.].
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23
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Advogado, 1998.
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