Você está na página 1de 29

UNIDADE 2

TEORIA DO CONFLITO,
FORMAS E MÉTODOS
DE TRATAMENTO DOS
CONFLITOS

Alessandra Balestieri, Taís Schilling Ferraz,


Roberto Portugal Bacellar e Guilherme Ribeiro Baldan
Com inclusão de textos dos Manuais de Mediação Judicial e do
Manual de Mediação e Conciliação da Justiça Federal,
editados pelo Conselho Nacional de Justiça

Curso de Formação de Conciliadores


e Mediadores Judiciais
UNIDADE 2

TEORIA DO CONFLITO,
FORMAS E MÉTODOS
DE TRATAMENTO DOS
CONFLITOS

Curso de Formação de Conciliadores


e Mediadores Judiciais
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Presidente
Ministro José Antonio Dias
Toffoli Corregedor
Nacional de Justiça
Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins
Conselheiros
Ministro Emmanoel Pereira
Rubens de Mendonça
Canuto Neto Valtércio
Ronaldo de Oliveira Candice
Lavocat Galvão
Francisco Luciano de Azevedo
Frota Maria Cristiana Simões
Amorim Ziouva Ivana Farina
Navarrete Pena
Marcos Vinícius
Rodrigues André Luiz
Guimarães Godinho
Maria Tereza Uille
Gomes Henrique de
Almeida Ávila

Secretário-Geral
Carlos Vieira von
Adamek Diretor-
Geral
Johaness Eck
Secretário Especial de
Programas, Pesquisas e
Gestão Estratégica Richard
Pae Kim

SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


Secretário de
Comunicação Social
Rodrigo Farhat
Projeto
gráfico Eron
Castro
Revisão
Carmem Menezes

2019
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
SUMÁRIO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 5
APRESENTAÇÃO 6
1 . TEORIA DO CONFLITO 7
1.1 O CONFLITO 7

1.2 A NORMALIZAÇÃO DO CONFLITO 7

1. 3 ESPIRAIS DE CONFLITO 12

1. 4 DIFERENÇA ENTRE INTERESSE E POSIÇÃO 13

1. 5 COMPETIÇÃO E COLABORAÇÃO 14

1. 6 MAPEAMENTO DO CONFLITO 15

2 . FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS 17


2.1 AUTOTUTELA, AUTOCOMPOSIÇÃO E HETEROCOMPOSIÇÃO 17

2 2 JURISDIÇÃO 18

2.3 ARBITRAGEM 18

2.4 NEGOCIAÇÃO 19

2.5 CONCILIAÇÃO 20

2 6 MEDIAÇÃO 21

2.7 JUSTIÇA RESTAURATIVA E PRÁTICAS RESTAURATIVAS 23

2.8 PROCESSOS HÍBRIDOS 24

3 . AS PRINCIPAIS ESCOLAS DE MEDIAÇÃO 25


3.1 ESCOLA DE HARVARD E A MEDIAÇÃO LINEAR, TRADICIONAL OU
CLÁSSICA 25
3.2 MODELO DE SARA COBB E A MEDIAÇÃO CIRCULARNARRATIVA 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS 28
REFERÊNCIAS 29
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE
DE CONFLITOS
CONFLITOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Tratar o conflito em seus vários aspectos e formas,


identificando suas dimensões positivas como elementos
constitutivos das relações humanas.

> Distinguir interesse de posição, percebendo que nem sempre


o pedido formulado pela parte reflete a sua real necessidade.

> Distinguir as principais formas de solução de conflitos, em


especial, a mediação e a conciliação.

> Identificar as diferentes Escolas de Mediação e seus elementos


distintivos.

5
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

APRESENTAÇÃO

Nesta segunda apostila do nosso curso, dedicaremos os estudos à


Teoria do Conflito.
Nos questionaremos sobre os aspectos positivos e negativos
envolvidos nos conflitos distinguiremos as principais formas de solução,
percebendo a importância da existência de múltiplas portas, uma vez que
cada conflito pode indicar abordagens a partir de diferentes métodos.
Neste caminho, nos deteremos um pouco mais nas semelhanças e
diferenças entre mediação e conciliação.
Aprenderemos, também, que nem sempre as posições
apresentadas pelos interessados no processo refletem seus reais
interesses e que cabe ao conciliador e ao mediador criar as condições
para que os verdadeiros interesses possam vir à luz para que o conflito
possa ser verdadeiramente visualizado e, talvez, solucionado.
Teremos oportunidade, por fim, de conhecer algumas das
principais Escolas de Mediação e suas contribuições para os métodos e
técnicas aplicados à solução consensual dos conflitos.

6
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

1 TEORIA DO CONFLITO
1.1 O CONFLITO

O conflito, segundo Boardman e Horowitz (1994, p 1-12), pode ser definido como
uma incompatibilidade de condutas, cognições (incluindo metas) e afetos entreindivíduos
ou grupos que podem ou não conduzir a uma expressão agressiva.
Surge a partir de diferentes fatores, como divergências de ideias ou
comportamentos, de objetivos ou modos de vida, de ideologia ou religião, de falta de
informação ou de informação equi- vocada; de pontos de vista diferentes sobre o que é
importante, de interpretações ou avaliações divergentes sobre os mesmos dados, entre
outras razões.
Estabelece-se como uma crise, retratada no desentendimento entre duas ou mais
pessoas sobre um tema de interesse comum Surge da dificuldade de se lidar com as
diferenças, associada a um sentimento de impossibilidade de coexistência de interesses.
Uma compreensão adequada do conflito pode transformá-lo em oportunidade, sob
diversas perspectivas para a retomada do diálogo que em algum momento tornou-se difícil
ou foi bloqueado; para a realização de ajustes necessários à retomada de relações
construtivas, para a identificação de soluções criativas para uma questão comum, para
maior e melhor compreensão da realidade, para o amadurecimento e o fortalecimento de
laços.
O conflito é inerente, inevitável e necessário às relações humanas É expressão de
necessidade É oportunidade de desenvolvimento pessoal e de melhoria de vida É a
diversidade e a diferença de valores É a principal alavanca da transformação social.
O problema não é a presença de conflito, mas o que fazemos quando ele surge e
qual a resposta que oferecemos.

1.2 A NORMALIZAÇÃO DO CONFLITO


O texto a seguir foi extraído e adaptado a partir do Manual de Mediação Judicial do CNJ
(AZEVEDO, 2016).
O conflito pode ser definido como um processo ou estado em que duas ou mais pessoas
divergem em razão de metas, interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente

7
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

incompa- tíveis. Em regra, intuitivamente, se aborda o conflito como um fenômeno negativo nas
relações sociais que proporciona perdas para, ao menos, uma das partes envolvidas. Em
treinamentos de técnicas e habilidades de mediação, os participantes frequentemente são
estimulados a indicarem a primeira ideia que lhes vem à mente ao ouvirem a palavra conflito. Em
regra, a lista é composta pelas seguintes palavras:

GUERRA
BRIGA
DISPUTA
AGRESSÃO
TRISTEZA
VIOLÊNCIA
RAIVA
PERDA
PROCESSO

Você recorda do último conflito em que se envolveu significativamente? Quais foram


suas reações fisiológicas, emocionais e comportamentais?

TRANSPIRAÇÃO
TAQUICARDIA
RUBORIZAÇÃO
ELEVAÇÃO DO TOM DE VOZ
IRRITAÇÃO
RAIVA
HOSTILIDADE
DESCUIDO VERBAL

Uma compilação das reações mais comuns pode ser a seguinte:


Nesses conflitos, nota-se, em regra, a atuação abundante do hormônio chamado
adrenalina, que provoca tais reações.
Pessoas significativamente envolvidas emocionalmente em conflitos e que
participaram de formações anteriores indicam que adotam, em regra (ainda que
posteriormente haja arrependimento), as seguintes práticas (mesmo sabendo que
poderiam não ser aquelas mais eficientes ou produtivas):

8
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

REPRIMIR COMPORTAMENTOS
ANALISAR FATOS
JULGAR
ATRIBUIR CULPA
RESPONSABILIZAR
POLARIZAR RELAÇÃO
ANALISAR PERSONALIDADE
CARICATURAR COMPORTAMENTOS

Diante de tais reações e práticas de resolução de disputas, seria possível sustentar que o
conflito sempre consiste em um fenômeno negativo nas relações humanas?
A resposta da doutrina e dos participantes das citadas formações anteriores é
negativa. Constata-se que, do conflito, podem surgir mudanças e resultados positivos.
Quando questionados sobre aspectos positivos do conflito (i e “O que pode surgir de
positivo em razão de um conflito?”) – ou formas positivas de se perceber o conflito em regra,
participantes de cursos de formação em técnicas e habilidades de mediação apresentam, entre
outros, os seguintes pontos:

GUERRA PAZ
BRIGA ENTENDIMENTO
DISPUTA SOLUÇÃO
AGRESSÃO COMPREENSÃO
TRISTEZA FELICITADA
VIOLÊNCIA AFETO
RAIVA CRESCIMENTO
PERDA GANHO
PROCESSO APROXIMAÇÃO

A possibilidade de se perceber o conflito de forma positiva consiste em uma das


principais alterações da chamada moderna teoria do conflito Isso porque, a partir do
momento em que sepercebeoconflitocomofenômenonatural na relaçãode quaisquer
seresvivos, é possível se perceber o conflito de forma positiva.
Exemplificativamente, em determinada mediação, após a declaração de abertura, um
advogado dirigese para o mediador e irritado diz “esta mediação está se alongando
desnecessariamente e a cada minuto sinto que terei de gastar mais tempo com isso ou aquilo
Acho que você não está sabendo mediar” O mediador, neste momento, poderia interpretar o
9
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

discurso do advogado de algumas formas distintas: (i) como uma agressão (percebese o conflito
como algo negativo); (ii) como uma oportunidade de demonstrar às partes e aos seus advogados
como se despolariza uma comunicação (percebese o conflito como algo positivo); (iii) como um
sinal de insatisfação com sua atuação como mediador (percebese o conflito como algo negativo);
(iv) como um sinal de que algumas práticas autocompositivas podem ser aperfeiçoadas – e g sua
declaração de abertura poderia ser desenvolvida deixando claro que o processo de mediação
pode se estender por várias sessões e que o advogado pode auxiliar muito as partes ao
permanecer de sobreaviso nos horários das sessões de mediação; (v) como um desafio ou
confronto para testar sua força e domínio sobre a mediação (percebese o conflito como algo
negativo); (vi) como um pedido realizado por uma pessoa que ainda não possui habilidades
comunicativas necessárias (per- cebese o conflito como algo positivo) Na hipótese narrada, o
mediador, se possuísse técnicas e habilidades autocompositivas mínimas necessárias para
exercer esta função, seguramente perceberia a oportunidade que lhe foi apresentada perante
as partes e tenderia a reagir como normalmente se reage perante oportunidade como essa:

TRANSPIRAÇÃO MODERAÇÃO
TAQUICARDIA EQUILÍBRIO
RUBORIZAÇÃO ‘NATURALIDADE
ELEVAÇÃO DO TOM DE VOZ SERENIDADE
IRRITAÇÃO COMPREENSÃO
RAIVA SIMPATIA
HOSTILIDADE AMABILIDADE
DESCUIDO VERBAL CONSCIÊNCIAVERBAL

Nota-se que a coluna da esquerda seria abandonada pelo mediador, na hipótese


narrada, caso ele possuísse as técnicas e habilidades autocompositivas necessárias e
percebesse o conflito como uma oportunidade.
Naturalmente, optase conscientemente pela coluna da direita no quadro anterior, isso
porque o simples fato de se perceber o conflito de forma negativa desencadeia uma reação
denominada “retorno de luta ou fuga” (ou apenas luta ou fuga) ou resposta de estresse agudo.
O retorno de luta ou fuga consiste na teoria de que animais reagem a ameaças com uma
descarga ao sistema nervoso simpático impulsionandoo a lutar ou fugir.
Em suma, o mecanismo de luta ou fuga consiste em uma resposta que libera a
adrenalina causadora das reações da coluna da esquerda no quadro anterior. Por sua vez, ao
se perceber o conflito como algo positivo, ou ao menos potencialmente positivo, tem se
10
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

que o mecanismo de luta ou fuga tende a não ser desencadeado ante a ausência de
percepção de ameaça, o que, por sua vez, facilita que as reações indicadas na coluna da direita
sejam alcançadas.
Note-se que, se o mediador tivesse insistido em ter uma interação caso houvesse
reagido negativamente ao conflito, possivelmente tenderia a discutir com o advogado (e g
“não é minha culpa– são os problemas trazidos pelas partes que precisam de mais tempo”), ou
a julgá-lo (eg “Você sempreteveesse temperamento? Acho que ele não é compatível com a
mediação”), ou a reprimir comportamentos (eg “esse discurso foi desnecessário. O que o Sr.
gostaria não é ”), ou polarizaria a relação(eg “você é que não está sabendo participar de uma
mediação”) Isto é, entre outras práticas (ineficientes) de resolução de disputas na hipótese
citada temos aquelas da coluna da esquerda no quadro a seguir:

REPRIMIR COMPORTAMENTOS COMPREENDER COMPORTAMEN-


ANALISAR FATOS TOS
JULGAR ANALISAR INTENÇÕES
ATRIBUIR CULPA RESOLVER
RESPONSABILIZAR BUSCAR SOLUÇÕES
POLARIZAR RELAÇÃO SER PROATIVO PARA RESOLVER
JULGAR O CARÁTER /PESSOA DESPOLARIZAR A RELAÇÃO
CARICATURAR COMPORTAMENTOS ANALISAR PERSONALIDADE
GERIR SUAS PRÓPRIAS EMOÇÕES

Por outro lado, no referido exemplo, o mediador poderia adotar práticas mais eficientes
para atender de forma mais direta seus próprios interesses – como o de ser reconhecido como
um mediador zeloso e que os seus usuários pudessem aproveitar a oportunidade da mediação
para aprender a lidar com o conflito da melhor forma possível e com o mínimo de desgaste
desnecessário. Para tanto, caberia ao mediador adotar algumas das práticas relacionadas à direita
no quadro anterior. Assim, ao ouvir o comentário do advogado, o mediador poderia responder
que: “Dr Tiago, agradeço sua franqueza Pelo que entendi o senhor, como um advogado já
estabelecido, tem grande preocupação com o tempo investido na mediação e gostaria de
entender melhor por quanto tempo estaremos juntos e em quais momentos sua participação
seria essencial Há algum outro ponto na mediação que o senhor gostaria de entender melhor?
Vale destacar que a resposta dada ao advogado estabelece que não há necessidade de
se continuar o diálogo como se um estivesse errado e o outro certo. Parte-se do pressuposto
de que todos tenham interesses congruentes – como o de ter uma mediação que se

11
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

desenvolva em curto prazo com a melhor realização de interesses das partes e maior grau de
efetividade de resolução de disputas. O ato ou efeito de não perceber um diálogo ou um
conflito como se houvesse duas partes antagônicas ou dois polos distintos (um certo e outro
errado) denominase despolarização. No exemplo, constata-se que, se o mediador tivesse
despolarizado a interação com o advogado, isso não o colocaria em situação de humilhação ou
inferioridade em relação a este profissional. De fato, percebese que ele apenas assumiu
posição mais confortável na mediação – de legitimidade e liderança – a partir do momento
em que tivesse demonstrado saber resolver bem conflitos.

1.3 ESPIRAIS DE CONFLITO

Para alguns autores como Rubin e Kriesberg, há progressiva escalada, em relações


conflituosas, resultante de um círculovicioso de ação e reação. Cada reação torna-se mais
severa do que a ação que a precedeu e cria nova questão ou pontode disputa. Esse modelo,
denominado de espirais do conflito, sugere que, com esse crescimento (ou escalada) do
conflito, as suas causas originárias pro- gressivamente tornam-se secundárias a partir do
momento em que os envolvidos mostram-se mais preocupados em responder a uma ação que
imediatamente antecedeu sua reação.
Po rexemplo, se em um dia de congestionamento, determinado motorista sente-se
ofendido ao ser cortado por outro motorista, sua resposta inicial consiste em pressionar
intensamente a buzinado seu veículo. O outro motorista responde também buzinando e com
algum gesto descortês. O primeiro motorista continua a buzinar e responde ao gesto com um
ainda mais agressivo. O segundo, por sua vez, abaixa a janela e insulta o primeiro. Este gritando,
responde que o outro motorista deveria parar o carro e “agir como um homem” Este, por sua
vez, joga uma garrafa de água no outro veículo. Ao pararem os carro sem um semáforo, o
motorista cujo veículo foi atingido pela garrafa de água sai de seu carro e chutaa carroceria do
outro automóvel.
Nota-se que o conflito desenvolveu-se em uma espiral de agravamento progressivo das
condutas conflituosas. No exemplo citado, se houvesse um policial militar perto do último ato,
este poderia ensejar um procedimento de juizado especial criminal. Em audiência,
possivelmente o autor do fato indicaria que seria, de fato, a vítima; e, de certa forma, estaria
falando a verdade, uma vez que, nesse modelo de espiral de conflitos, ambos são, ao mesmo
tempo, vítima e ofensor ou autor do fato.

12
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

1. 4 DIFERENÇA ENTRE INTERESSE E POSIÇÃO

O texto a seguir foi extraído do Manual de Mediação e Conciliação da Justiça Federal


(TAKAHASHI, 2019).

A posição assumida na negociação, via de regra, obscurece os interesses em jogo, ou seja,


o que realmente se quer (motivações, valores, necessidades). Como ponta do iceberg, o que
aparece ao outro normalmente é a posição, ficando ofuscado o interesse em jogo. Ocorre que
quando há conflito, nem sempre as pessoas buscam as mesmas coisas e têm os mesmos
interesses. Por trás das posições opostas pode haver interesses comuns e compatíveis.
Para se identificarem os interesses, que nem sempre estão explícitos, uma técnica básica
consiste em se colocar no lugar do outro e pensar em sua escolha (pergunte “por quê?”;“por que
não?”) para reconhecer os interesses do outro como parte do problema, olhando para frente
(futuro), e não somente para trás(passado).
Um exemplo bem simples e usado frequentemente para distinguir interesses e posições
é o da disputa pela laranja. Imagine que dois filhos estejam brigando por uma mesma laranja,
pois cada um quer a laranja inteira para si. A mãe, sem perguntar o motivo pelo qual os filhos
querem a fruta, determina então que a laranja seja partida ao meio. Ocorre que, enquanto um
deles queria a parte interna da laranja para fazer um suco, o outro queria apenas a casca para fazer
a calda de um bolo. Quando a laranja foi partida ao meio, ambos saíram perdendo, mesmo que,
no caso, pudessem ter tido seus intreresses integralmente satisfeitos, dado que não queriam a
mesma coisa. Suas posições eram antagônicas, mas os interesses eram compatíveis.
A troca de informações e escuta ativa, assim, são muito importantes para se
explorarem os interesses envolvidos, fortalecendo a confiança dos envolvidos, a fim de gerar
opções de ganho mútuo.
A negociação propicia a construção de uma agenda com alternativas e soluções possíveis
para resolver o conflito, que atendam aos interesses comuns e conciliem os interesses
divergentes. Para inventar opções criativas (brainstorming), é preciso separar o ato de inventar
opções do ato de julgá-las, ampliar as opções sobre a mesa, em vez de buscar uma resposta
única, buscando benefícios mútuos. O brainstorming pode ser feito individual ou conjuntamente
pelos interessados e costuma ser muito útil para se pensar opções de ganho mútuo.

13
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

1. 5 COMPETIÇÃO E COLABORAÇÃO

No seu processo contínuo de tomada de decisão, a pessoa com frequência se depara com
alguns dilemas. É comum que mais de uma pessoa tenha interesse sobre um mesmo bem, seja
ele um bem material ou imaterial.
Nesse momento, duas atitudes podem surgir, em especial quando não há segurança
quanto à reação dos demais interessados diante de uma suposta escassez, ou seja, de uma
suposta impossibilidade de um mesmo bem satisfazer a todos: pode haver competição ou
pode haver colaboração.
A chamada Teoria dos Jogos nos indica que a melhor opção é a colaboração. Foi
desenvolvida por John Nash, um matemático que ousou questionar as ideias de Adam Smith,
para quem, em uma competição, a ambição individual serve ao bem comum. Nash, partindo do
pressuposto de que se todos competem pelo mesmo bem, todos se bloqueiam e ninguém ganha,
defendeu que o melhor resultado é obtido quando todos no grupo fazem o que é melhor para si
e para o grupo.
A Teoria dos Jogos é o estudo da tomada de decisões entre indivíduos, quando o
resultado de cada um depende das decisões dos outros, em uma interdependência similar
a um jogo. Ela oferece algumas ferramentas para antecipar o movimento do outro
interessado, auxiliando na elaboração de estratégia que antecipe as opções, considerando as
possíveis reações do outro. Essa teoria nos oferece bom fundamento teórico para explicar
quando a solução consensual de um conflito pode apresentar vantagens e desvantagens em
relação à entrega da solução a um terceiro (heterocomposição).
De forma muito resumida – e você poderá aprofundar-se um pouco mais no tema por
meio da leitura do Manual de Mediação do CNJ, a Teoria dos Jogos nos indica que, se todos
fizerem o melhor para si e para os outros, todos ganham.
Trata-se de demonstrar que o elemento-chave para uma estratégia de negociação é a coope-
ração e, não, a competição.

14
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

1.6 MAPEAMENTO DO CONFLITO

Geralmente as pessoas respondem a um conflito com:

> Dominação: um dos interessados tenta impor seus desejos de forma física ou psicológica;
> Concessão: um dos interessados cede unilateralmente diante do outro;

> Abandono: um dos interessados abandona o conflito;


> Evitação: um dos interessados não faz nada, ignorando o outro, ou aguarda que o decorrer
do tempo melhore asituação;
> Negociação: os interessados buscam um acordo;
> Intervenção de terceiros: um indivíduo ou grupo intervém junto aos interessados e os auxilia
para que encontrem possíveissoluções.

Nem sempre a posição adotada pelas pessoas em um conflito traduz os seus reais
interesses e necessidades.
O mapeamento do conflito é instrumento que auxilia na busca de elementos para a
formulação de estratégias de atuação pelo terceiro facilitador diante do conflito.
Por meio de algumas perguntas, pode-se obter melhor desenho do conflito,
identificando-se o porquê da sua existência, qual a questão de fundo e quais os reais
interesses e sentimentos envolvidos.
Entre as perguntas que podem ser formuladas pelo terceiro facilitador (conciliador ou
mediador), para si mesmo ou para os interessados, estão:

> Qual o objeto aparente do conflito (questão/problema)?


> Quem são os atores do conflito (principais e secundários/rede de pertinência)?
> Já houve tentativas de resolver o conflito? Quais? Quando?

> Alguém já ajudou a minimizar o problema ou aumentá-lo? Quem? Por quê?

A partir dessas e de diversas outras perguntas (você poderá aprofundar-se nelas na


Unidade IV), o mediador ou o conciliador terá condições de mapear o conflito,
identificando as questões controvertidas, os reais interesses, os sentimentos associados, tendo
oportunidade de elaborar uma pauta que possa ser comum aos interessados, auxiliando no
entendimento futuro e na retomada do diálogo.
15
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

Com um adequado mapeamento do conflito, os interessados talvez tenham melhores


condições de perceberem as perspectivas e necessidades um do outro e de visualizar
possibilidades de solução do problema por meio de uma comunicação mais eficaz.
No mapeamento do conflito, mediante a formulação de perguntas e, em especial,
por meio da escuta ativa – para além das palavras, você terá melhores chances de identificar
os reais interesses.
Nesse processo, será fundamental que a partes perceba ouvida e que tenha seus
sentimentos validados, ou seja, que os sentimentos e as necessidades demonstrados não
sejam julgados nem considerados menores em importância.
Após a identificação de todos os sentimentos e todas as posições, caberá ao mediador
pontuar os pontos positivos e eventuais interesses comuns, juntamente com os envolvidos,
abrindo espaço para a construção de soluções que possam atender aos seus efetivos interesses.

16
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

2 FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

2 .1 AUTOTUTELA, AUTOCOMPOSIÇÃO E HETEROCOMPOSIÇÃO

A doutrina tradicional faz menção a três formas de solução dos conflitos: a autotutela,
a auto-composição e a heterocomposição.
A autotutela significa a solução do conflito por esforço próprio. É conhecida como
fazer justiça pelas próprias mãos e apenas excepcionalmente está autorizada na lei. Um dos
exemplos é o previsto no §1º do art. 1210 do Código Civil, segundo o qual “o possuidor
turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contato que
o façal ogo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à
manutenção, ou restituição da posse”.
Excetuando-se as poucas hipóteses previstas em lei, a autotutela constitui crime e está
tipificada no art. 345 do Código Penal como exercício arbitrário das próprias razões: “Fazer
justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei
o permite: Pena– detenção de 15 dias a 01 mês, ou multa, além da pena correspondente à
violência”.
A autocomposição ocorre quando os próprios litigantes encontram a solução para
o término do conflito. Poderá haver, ou não, a interveniência de um terceiro como facilitador
e estimulador do diálogo, como na conciliação e na mediação. Porém, o terceiro não compõe
o conflito.
Podemos identificar, como espécies de autocomposição a negociação, a mediação e
a conciliação. A primeira não necessitando da interveniência de um terceiro e nas duas
últimas um terceiro intervém para facilitar o estabelecimento da comunicação entre os
interessados e o entendimento.
E, por fim, tem-se a heterocomposição. Dá-se a heterocomposição quando a solução do
conflito é dada por um terceiro. É este terceiro quem estabelece a solução para o litígio, tal como
lhe é apresentado pelos interessados.
São espécies de heterocomposição a jurisdição e a arbitragem.
Duas diferenças entre autocomposição e heterocomposição são marcantes:

17
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

a) na autocomposição, a presença do terceiro facilitador do diálogo é facultativa. Na


negociação, por exemplo , ela não ocorre. Em contrapartida, na heterocomposição ,
a presença do terceiro é condição determinante para a composição do litígio.

b) na autocomposição, o terceiro é ator coadjuvante, pois que não é ele quem soluciona o
conflito. São os próprios litigantes que encontram a solução do conflito. Diversamente,
na heterocomposição, o terceiro tem um maior protagonismo, substituindo-se à vontade
de cada uma dos interessados, ao apresentar a solução para o conflito.

2 .2 JURISDIÇÃO

A Constituição, no artigo 5º, inciso XXXV, consagra o princípio da inafastabilidade da


tutela juris- dicional, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”.
Com base nesta garantia e na vedação, como regra, da autotutela, como acima referido,
é assegurado aos interessados que tiverem seus direitos violados o acesso à Justiça, para fazê-los
valer. Ao pedir a atuação do Poder Judiciário, por meio do ajuizamento de um processo, o
interessado busca que a resolução de seu litígio, que supostamente não foi obtida de forma
consensual, seja dada por uma decisãojudicial.
A atuação jurisdicional é substitutiva da vontade dos interessados. Uma vez prolatada
uma decisão sobre o litígio, esta decisão tem imperatividade e autoridade, e valerá ainda que
desagrade a ambos os litigantes.
A judicialização dos conflitos tornou-se fenômeno extremamente preocupante no
Brasil. O grande volume de demandas ajuizadas é revelador de grande dificuldade de
resolução dos conflitos sem a intervenção do Poder Judiciário.
Hoje se sabe, porém, que a sentença, por melhor que seja, muitas vezes não resolve o
conflito real entre os interessados, sendo muito comum que o torne ainda mais acirrado e
propenso a reproduzir-se em mais litígios, inclusive pelo caminho judicial.

2. 3 ARBITRAGEM

A decisão sobre os conflitos não é monopólio estatal Dizer quem tem razão não depende
exclusivamente da intervenção do Poder Judiciário. Embora, nos termos do art 5º, XXXV, da

18
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Constituição, a lei não possa afastar do controle jurisdicional lesão ou ameaça a direito, os
próprios interessados podem, por livre manifestação de suas vontades, convencionar a entrega da
decisão sobre eventual litígio que as envolve a um terceiro.
Segundo Bacellar, a arbitragem pode ser definida como “um processo convencional
(convenção) que defere a um terceiro, não integrante dos quadros da magistratura oficial do Estado,
a decisão a respeito de questão conflituosa envolvendo duas ou mais pessoas” Para que este
processo de tomada de decisão se instaure, é essencial o consentimento dos interessados:
“enquanto o juiz retira seu poder da vontade da lei, o árbitro só o conquista pela submissão da
vontade das partes” (BACELLAR, 2016, p 130).
A sentença arbitral resolve o conflito. E esta sentença, em caso de descumprimento
pelas partes compromissárias, poderá ser executada judicialmente através do processo judicial,
já que a sentença arbitral é título executivo judicial como previsto no inciso VII do art. 515 do
Código de Processo Civil.
A Lei n 9 307/1996, que foi alterada e complementada pela Lei n 13 129/2015,
atualmente regulamenta a arbitragem. Em que pese não haver mais o monopólio estatal para
a resolução dos conflitos, a jurisdição exsurge como última fronteira para a manutenção da
ordem jurídica com amparo no princípio da inafastabilidade do controle pelo Poder Judiciário
de qualquer lesão ou ameaça de lesão a qualquer direito.

2. 4 NEGOCIAÇÃO

A negociação é a autocomposição obtida pelos próprios litigantes, normalmente sem a


interferência de qualquer outra pessoa. Como em um acidente de trânsito sem maiores
consequências, em que, no próprio local do evento, os motoristas resolvem de comum acordo
apurar suas responsabilidades, valoram os danos e assumem reciprocamente, se for o caso, a
reparação dos danos.
Pode ser um processo mais sofisticado, em face de litígios mais complexos. Se for
cumprido o eventual acordo obtido entre os interessados, desnecessária a intervenção do
Judiciário. Este se fará presente tão somente na hipótese de não cumprimento do acordo quando
então aquele que se sentir prejudicado haverá de buscar o eventual cumprimento do acordo
e/ou a reparação de seu direito por meio do exercício regular do direito de ação. Diversas técnicas
de negociação são utilizadas nos processos de mediação e conciliação. A negociação
normalmente se processa de forma extrajudicial. Se olitígio já houver sido judicializado, os

19
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

interessados poderão negociar uma solução e requerer ao juiz que homologue o eventual
acordo que obtiverem, pondo fim ao processo.

2 .5 CONCILIAÇÃO

A conciliação é definida, por Bacellar, como:

[ ] um processo técnico (não intuitivo), desenvolvido pelo método consensual, na forma


autocompositiva, destinado a casos em que não houver relacionamento anterior entre
as partes, em que terceiro imparcial, após ouvir seus argumentos, as orienta, auxilia,
com perguntas, propostas e sugestões a encontrar soluções (a partir da lide)
Que possam atender aos seus interesses e as materializa em um acordo que conduz
à extinção do processo judicial (BACELLAR, 2016, p 84-85).

A conciliação pode ser extrajudicial e judicial. Em sendo judicial, poderá ser


estimulada em qualquer fase do processo, e poderá ser promovida por órgãos jurisdicionais
revisores de 2º grau ou de 3º grau.
O Código de Processo Civil, já no art 3º, estabelece que o Estado promoverá, sempre
que possível, a solução consensual dos conflitos e que a conciliação, a mediação e outros
métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive – mas não exclusivamente –
no curso do processo judicial.
O Código de Processo Civil (CPC), no art. 334 e seus parágrafos, estabelece que o juiz, ao
receber a petição inicial, e estando a mesma em termos, determinará a citação do réu para que o
mesmo compareça à audiência de conciliação ou de mediação. Não se trata, portanto, de uma
citação para apresentar defesa, mas apenas para participar da audiência.
O CPC ainda estabelece que poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à
mediação, desde que necessário, que o ato poderá ocorrer por meio eletrônico, e que a audiência
só não será realizada se ambas as partes manifestarem, de forma expressa, desinteresse na
composição consensual ou nos casos em que não se admitir a autocomposição
Alguns princípios informam a conciliação, assim como a mediação são eles: independência,
imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão
informada (CPC, art 166).
A conciliação surge como a mais adequada, como método de resolução do conflito,
quando não houver vínculo anterior entre as partes (CPC, art 165, § 2º), sendo esta, na visão do
legislador, a principal diferença entre esta via de solução de conflitos e a mediação.
20
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Entre conciliação e mediação, são apontadas outras notas distintivas, em especial quanto
à maior ou menor intervenção do terceiro facilitador na construção da solução para o conflito. A
postura do conciliador é mais ativa que a do mediador, na busca de possibilidades para a
solução do conflito. Sua abordagem é distinta da adotada pelo mediador, de forma que,
eventualmente, ele sugere soluções possíveis para a controvérsia trazida a juízo, na busca,
com os interessados, de possibilidades de solução consensual.
Esta postura mais ativa e focada na facilitação de um acordo, porém deve ser
adotada com cautela. Assim como a mediação, a conciliação é instrumento para a obtenção
de cenários de paz, de forma que o conciliador deve estar atento para identificar sinais de que
o verdadeiro conflito, a chamada lide sociológica pode estar sendo aprofundado com a mera
obtenção de um acordo para pôr termo a um processo. Em casos tais, ele talvez deva adotar
postura menos ativa, fazendo uso mais intenso das técnicas de mediação.
Assim como a mediação, a conciliação pressupõe a livre manifestação de vontade dos
litigan- tes, de forma que em hipótese alguma o conciliador poderá adotar posturas que
possam ser interpretadas como constrangimento para que o acordo seja realizado ou como
intimidação, acaso não ocorra.
A lei processual, no § 4º do art 166, fala em“livre autonomia dos interessados, inclusive
no que diz respeito à definição das regras procedimentais”. Portanto, o conciliador deverá estar
capacitado para perceber que sua atuação tem um limite, qual seja, a vontade dos reais
interessados.
Tanto judicial quanto extrajudicial, o conciliador haverá de ser imparcial,
independente, probo e estar capacitado para o exercício das técnicas de resolução
consensual de conflitos.
Os interessados podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a
câmara privada de conciliação e de mediação. O CPC, no art 168, estabelece algumas
normas sobre esta escolha e recomenda que, sempre que possível, sejam designados mais de
um mediador ou conciliador para conduzir o ato.

2. 6 MEDIAÇÃO
A mediação é um método de resolução de conflito sem que um terceiro
independente e imparcial coordena reuniões conjuntas ou separadas com as partes
envolvidas em conflito. Seu objetivo, entre outros, é o de estimular o diálogo cooperativo

21
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

entre elas para que alcancem a solução dos conflitos em que estão envolvidas (SAMPAIO,
2016, p 444).
Na mediação, a obtenção d oacordo não surge como o alcance de um objetivo
preestabelecido, mas como consequência lógica de um trabalho de cooperação e de
retomada do diálogo entre os interessados, com o auxílio de um terceiro facilitador.
As principais notas distintivas, apontadas pelo legislador, entre mediação e conciliação,
estão no vínculo anterior entre os interessados e na postura do terceiro facilitador. O mediador
atuará preferencialmente “nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos
interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam,
pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios soluções consensuais que gerem
benefícios mútuos” (CPC, art 165, § 3º).
Como se percebe, diferentemente do conciliador, que pode adotar uma postura mais
ativa, participando da construção da solução para o conflito, o mediador tem por função auxiliar
no restabelecimento da comunicação, de forma a que os próprios interessados encontrem
caminhos para a eventual superação de suas controvérsias.
A mediação foi sendo introduzida gradativamente no Brasil, inicialmente sem uma
regulamentação específica. Em 2010, o CNJ a institucionalizou com o meio de solução de
conflitos judicializados, por meio da Resolução CNJ nº 125, estabelecendo uma série de
normas, inclusive quanto à formação dos mediadores equantoa os princípios norteadores
de sua atuação. E, porfim, em 2015 entrou em vigor a Lei nº 11 140/2015, Lei da Mediação e,
em 2016, o CPC, que trouxeram para o plano da lei formal este importante método de
resolução de conflitos, estabelecendo seus princípios epressupostos.
A mediação tem como princípios, além daqueles aplicáveis à conciliação e definidos no
art. 166 do CPC (independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da
confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada), a isonomia, a busca do
consenso e a boa-fé, trazidos pela Lei da Mediação, no art 2º.
A mediação processa-se de forma judicial ou extrajudicial e, por meio dela, se estimula o
amadurecimento da sociedade e uma nova cultura, na qual os próprios cidadãos passam a ser
capazes de solucionar seus conflitos, principalmente de forma pré-processual eextrajudicial.
É importante ter presente que a fronteira entre a conciliação e a mediação não é
claramente demarcada. E talvez não deva ser. Como ensina LAGRASTA, embora existam várias
teorias oferecendo critérios para diferenciar os dois métodos, na prática, eles não podem ser

22
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

rigorosamente definidos, pois suas técnicas são praticamente as mesmas e seus conceitos se
interrelacionam, não sendo absoluta a regra que recomenda a conciliação para conflitos
objetivos e a mediação para os subjetivos. A distinção, segundo a autora, é útil apenas para que
o terceiro facilitador reconheça a situação que lhe é apresentada e use as técnicas mais
adequadas para atingir as expectativas das partes com maior ou menor ênfase às questões
subjetivas ou objetivas (LAGRASTA, 2016, p 233-245).

2. 7 JUSTIÇA RESTAURATIVA E PRÁTICAS RESTAURATIVAS

Tendo surgido como um movimento para reformas na Justiça Criminal, a Justiça


Restaurativa foi concebida como tentativa de olhar o crime e a justiça como novas lentes e
abordagens. Segundo Bazemore e Walgrave, os objetivos restaurativos primários são oferecer um
modo mais aberto e satisfatório para reparar danos e solucionar conflitos, reduzindo os papéis
profissionais da justiça criminal e buscando menos intervenções do sistema e mais intervenções
da comuni- dade (BAZEMORE e WALGRAVE, 1999, p 371-374).
Em 2016, o CNJ, editou a Resolução nº 225, que institui a Política Pública Nacional de
Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, como um conjunto ordenado e sistêmico
de princípios, métodos, técnicas eatividades próprias, que visa à conscientização sobe os
fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos eviolência, e por meio do
qual os conflitos que geram danos, concretos ou abstratos, são solucionados de modo
estruturado.
Da Justiça Restaurativa, surge o conceito de práticas restaurativas, que são ferramentas
que possibilitam o diálogo, contribuindo para o restabelecimento ou o aprofundamento de
vínculos, promoção de responsabilidades, integração e pacificação. Não se confundem com os
processos de mediação e de conciliação, mas também se fundamentam no diálogo. Atualmente
as práticas restaurativas não ficam limitadas ao âmbito do Direito Penal. Têm sido aplicadas
com grupos de diversas faixas etárias, nasescolas, nas comunidades, espaços não
governamentais e empresas. Existem diferentes práticas e metodologias originadas da
Justiça Restaurativa, entre as quais estão os chamados Círculos Restaurativos.

23
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

2 .8 PROCESSOS HÍBRIDOS

Os processos híbridos são mecanismos de resolução de disputas que adotam


características ou procedimentos de mais de um método. O termo híbrido é utilizado na
literatura de resolução de conflitos para indicar uma classe de processos cujas
características advêm simultaneamente de métodos heterocompositivos e de métodos
autocompositivos.
Podem ser citados os processos Med-Arb, Arb-Med, Co-Med-Arb, como também a
Binding Mediation, a Abordagem Paralela de RDs, Avaliação Neutra Preliminar e a Avaliação
Preliminar de Conflitos.

24
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

3 . AS PRINCIPAIS ESCOLAS DE MEDIAÇÃO


(Desembargador - Roberto Portugal Bacellar)

Veremos aqui algumas modalidades de mediação e suas principais escolas.


Em geral as definições e os conceitos que se procuram atribuir à mediação não
distinguem suas linhas doutrinárias nem as escolas de onde originaram-se seus estudos e raízes.

3. 1 ESCOLA DE HARVARD E A MEDIAÇÃO LINEAR, TRADICIONAL OU


CLÁSSICA

Temos, na Harvard Law School, o início do projeto de negociação coordenado por


Roger Fisher juntamente com William Ury e Bruce Patton. Na obra traduzida para o português,
denominada “Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem fazer concessões”, os
professores apresentam os pontos de partida de outros trabalhos que acabaram aos
contornos da Mediação da escola de Harvard, também denominada mediação linear ou
mediação tradicional/clássica.
A mediação para essa escola é um desdobramento da negociação, uma negociação que
se afasta das barganhas e é baseadaem princípios. Seu processo é estruturado linearmente com
etapas e fases definidas estruturalmente com a intencionalidade de estabelecer ou restabelecer
a comunicação entre as pessoas, identificando os interesses (lide sociológica) encobertos pelas
posições (lide processual) para, como resultado chegar a um acordo que possa satisfazer as
partes.
Em resumo, foi a escola que teve maior influência no Brasil e as principais diretrizes
iniciais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orientaram o recente movimento de
conciliação, tiveram nela a sua principal referência.

25
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

3 .2 MODELO DE SARA COBB E A MEDIAÇÃO CIRCULARNARRATIVA

Há, no modelo, a proposta de uma visão sistêmica destinada a ampliar o foco não só nos
conflitos, mas com especial atenção nas pessoas.
Cada pessoa tem sua história de vida, seus valores, suas percepções e relações sociais
de per- tença em relação ao conflito.
Para essa escola ou para essa linha de pensamento, tudo se interrelaciona
reciprocamente e deve ser visto de forma global Nada pode ser visto de maneira isolada. A
linha tem foco tanto nas relações quanto na busca de um acordo.

3 .3 MODELO DE BUSH E FOLGER E A MEDIAÇÃO TRANSFORMATIVA

Como o nome já sinaliza, decorre de uma pesquisa elaborada por Robert Baruch
Bushe Joseph Folger, é orientada e tem por intencionalidade a transformação do conflito.
Formulam uma crítica à mediação orientada para o alcance de acordos que pode o fuscar o
empoderamento das partes e a cooperação.

O foco é a busca da transformação do conflito em algo positivo a partir de uma


postura de maior autonomia das pessoas. De uma postura adversarial nas relações,
persegue a identificação das necessidades das pessoas, suas capacidades de escolher uma
postura de colaboração, estabelecendo ou restabelecendo seus vínculos e, com isso,
produzindo mudança, transformação cognitivo-comportamental e da própria espiral do
conflito que pode ou não evoluir para um acordo. O objetivo não é o acordo, mas a
autonomia das pessoas e a transformação do conflito.

3. 4 MODELO DE LEONARD RISKIN E A MEDIAÇÃO AVALIADORA OU


AVALIATIVA

O professor Riskin define a mediação e apresenta um gráfico a partir de um quadrante


sobre a orientação do mediador que pode ser um mediador avaliador ou facilitador e que
tratará os casos de forma ampla ou restrita. É uma linha que, em um de seus
26
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

quadrantes – o da mediação facilitadora restrita –, de certa forma se aproxima da conciliação


(que pode sugerir opções de soluçãoparaoconflito, a partir da lide e até da arbitragem, o
que ocorre na mediação avaliadora restrita, em que as partes mantêm uma postura
adversarial e heterocompositiva e se apresenta avaliação sobre algum aspecto do conflito).
Há até dúvidas se ela verdadeiramente pode ser definida como mediação e se apresenta
com duas fases bem distintas. Na primeira, o“mediador”, depois de fazer inicialmente o seu papel
como um verdadeiro mediador (sem intervenção direta no mérito do conflito e procurando
inicialmente só as soluções que advenham das propostas dos próprios interessados), não
alcançando o acordo, modifica seu perfil de facilitador para avaliador.
Na segunda, ao perceber que há impasse e não consegue avançar na mediação porque
as partes apresentam expectativas muito diferentes sobre o caso e não apresentaram por elas
próprias as opções de um acordo satisfatório, ele passa a oferecer, ao final, sugestões, sua própria
opinião sobre a melhor solução para o caso com o objetivo de facilitar o acordo Pode ter
característica ampla (envolvendo vários aspectos do conflito), ou se restringir a apenas um ou
outro ponto controvertido (RISKIN, 1996).
Tenho defendido que não há, no Brasil, na mediação e na conciliação, foco no alcance
de um acordo nem restrição da discussão ao objeto controvertido e, sim, permissão, de maneira
ampla, para que todos os pontos levantados como questões sejam apreciados. Na verdade, o uso
determina o sentido e haveremos de conhecer os métodos, os processos, as formas e as
escolas para verificar como cada uma delas pode melhor colaborar no contexto da solução
pacífica dos conflitos (BACELLAR, 2016,p 109-110).

27
UNIDADE 2
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos que desenvolvemos até aqui demonstraram que é


inevitável que existam conflitos nas relações humanas e que, entre seus
principais fatores, estão falhas ou dificuldades na comunicação entre as
pessoas.
O auxílio no restabelecimento desta comunicação é uma das
principais funções dos conciliadores e dos mediadores. Compreendendo o
conflito como normal, temos melhores condições de contribuir com a sua
normalização por aqueles que estão diretamente nele envolvidos.
Especial atenção foi dedicada à distinção entre os conceitos de
interesse e posição e à importância de que os processos de conciliação e de
mediação possam trazer à luz os reais interesses e necessidades dos
envolvidos, para que haja melhores condições de resolução de seus
conflitos.
Tivemos também a oportunidade de transitar sobre as variadas
formas de resolução de controvérsias, diferenciando-as, com especial
ênfase na conciliação e na mediação, tendo presente que a escolha entre um
ou outro método não é aleatória e deve comportar flexibilidade.
Por fim, nos dedicamos a conhecer as principais escolas de mediação,
que nos trazem importantes e diferentes contribuições para a construção
dos métodos de solução pacífica dos conflitos. E, assim, concluímos, a
Unidade 2.

28
TEORIA DO CONFLITO, FORMAS E MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Tânia Caixas de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos São Paulo: Dash,
2016.
BOARDMAN, Susan; HOROTITZ, Sandra. Constructive conflict management and social problems:
an introduction Journal of Social Issues, v 30, p 1-12, 1994.
AZEVEDO, André Gomma (Org ). Manual de mediação judicial, 6 ed. Brasília: Conselho Nacional
de Justiça, 2016.
Estudos em arbitragem, mediação e negociação Brasília: Editora Grupos de Pesquisa,
2004 v 3
Estudos em arbitragem, mediação e negociação. Brasília: Editora Grupos de Pesquisa,
2007 v 4
BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2 ed São Paulo: Saraiva, 2016.
Administração judiciária: com justiça. Curitiba: InterSaberes, 2016.
Juizados especiais: a nova mediação paraprocessual. São Paulo: Editora RT, 2003.
A mediação no contexto dos modelos consensuais de resolução de conflitos. Revista de
Processo, São Paulo, vol. 95, p 122-34, jul /set , 1999.
BAZEMORE, G ; WALGRAVE, L. Restorative juvenile justice: repairing the harm of youth crime.
New York: Willow Tree Press, 1999.
FISCHER, Roger Como chegar ao sim: negociação de acordos sem concessões. 2 ed Rio de Janeiro:
Imago, 1994.
GARDNER, Howard. Mentes que mudam: a arte e a ciência de mudar as nossas ideias e as dos
outros. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronsese. Porto Alegre: Artmed, 2005.
LAGRASTA, Valéria F. Conciliação mediação: por que diferenciar: conceituação brasileira
In:______; BACELLAR, Roberto Portugal (Coord.). Conciliação e mediação: ensino em
Construção. São Paulo: Ipam/Enfam, 2016 p 233-245.
RISKIN, Leonard Understanding mediators orientations, strategies, and techniques. Harvard
Negotiation Law Review, v 1, p 7, 1996.
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi (Coord.). Mediação: conceito, etapas e técnicas In:
LAGRASTA,Valeria Ferioli; BACELLAR, Roberto Portugal (Coord.) Conciliação e mediação:
ensino em construção São Paulo: Ipam/ Enfam, 2016 p 443-462
TAKAHASHI, Bruno et al (Org. ). Manual de mediação e conciliação na Justiça Federal Brasília:
Conselho da Justiça Federal, 2019.
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. São Paulo Método, 2008.

29

Você também pode gostar