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1 Graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Especialista em Direito do
Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e Mestrando em
Constitucionalismo Contemporâneo pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Endereço
eletrônico: filipe_etges@yahoo.com.br.
1 Introdução
O presente estudo tem como foco principal analisar a maneira como,
atualmente, os partidos políticos brasileiros se vinculam - ou deveriam se vincular –
aos direitos fundamentais amplamente consagrados pelo constitucionalismo
contemporâneo.
Com o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, e a elevação dos
partidos políticos a condição de pessoas jurídicas de direito privado as limitações
impostas pela incidência dos direitos fundamentais, que tradicionalmente são
imputadas aos entes regidos pelo direito público, ou seja, o Estado, verificou-se a
necessidade de analisar novamente, e sob a ótica do constitucionalismo
contemporâneo, a questão.
Com esse escopo se questiona se a simples remissão à vinculação dos
partidos políticos aos direitos fundamentais é suficiente para garantir a sua
observância? Se um partido político, com base na sua autonomia, poderia deixar de
aceitar filiação em virtude de raça ou crença? Existe limitação à interpretação dos
partidos acerca dos direitos fundamentais aos quais devem respeitar?
O objetivo dessas indagações consiste em debater a possibilidade do
estabelecimento de fronteiras, ainda que tênues, acerca dos limites impostos aos
partidos políticos pelos direitos fundamentais.
Partindo de uma premissa do efeito irradiante dos princípios, é importante
questionar o motivo pelo qual se deveria destacar os partidos políticos de um todo
maior abrangido pela vinculação dos direitos fundamentais. Tal intuito se faz
premente por duas circunstâncias: a) tendo os partidos políticos sido protagonistas
de regimes totalitários que violaram de maneira nunca antes registrada os direitos
humanos, é sempre necessária manter acessa a discussão acerca de sua limitação;
b) havendo, no caso brasileiro, especificamente, movimentação da figura dos
partidos políticos do campo do direito público para o privado, é de se verificar, tendo
em vista que, em uma ótica liberal, os direitos fundamentais foram concebidos a fim
de limitar o Estado e não os particulares, em que medida se dá essa restrição.
Assim, proposta a discussão, se avança no sentido de dar substrato teórico
que permita, ao final, estabelecer considerações que possam instigar a pesquisa
sobre o tema, bem como servir de base de apoio.
2 A estrutura jurídica dos partidos políticos.
2 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed., São Paulo – SP:
Malheiros, 2000, p. 397.
3 Ibidem, p. 398.
4 Entretanto, conforme Juan Ramón Capella, Rousseau não percebia que os partidos são inevitáveis,
Estado. Tradução Gresiela Nunes da Rosa e Lédio Rosa de Andrade, Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2002, p. 117
6 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2ª
14 RAMAYANA, Marcos. “Direito Eleitoral”. 7ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 252.
15 SILVA. José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional..., p. 406.
16 Ibidem, p. 406-407.
A noção clássica de dos direitos fundamentais remete a visão do Estado
como único destinatário destes direitos. É que sendo a Constituição aquela norma
destinada a limitar o poder do Estado, os direitos fundamentais dela decorrentes, por
lógica, eram destinados a este.17
Esta concepção começa a ser alterada com a emergência do Estado Social
de Direito, verificada no segundo pós-guerra, bem como, no plano internacional, pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.18
Os pressupostos relativos à idéia de eficácia dos direitos fundamentais entre
privados podem ser encontrados na adoção de constituições com amplos catálogos
de direitos e dotadas de rigidez; em virtude da constatação de que o fenômeno do
poder não é exclusivo das relações com o Estado, mas se manifesta também junto à
sociedade civil, bem como na compreensão da Constituição como ordem de valores
da comunidade que visa ordenar todas as esferas da vida social. 19
O advento do pós-positivismo inicia sua trajetória guardando deferência
relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e
legitimidade, reaproximando ética e Direto. Esses valores compartilhados por toda a
comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que
passaram a estar abrigados na Constituição, gerando o reconhecimento de sua
normatividade.20 É a consagração de um sistema jurídico integrado, calcado na Lei,
mas orientado por diretrizes éticas e valorativas consetâneas com os ideários
políticos, constitucionais e humanos reclamados.21
O ordenamento jurídico deve ser concebido como uno e complexo, em que os
princípios constitucionais exercem a função de valores guias e assumem um papel
central na articulada pluralidade das fontes do direito, sendo impossível configurar o
17 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito
fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Luís Roberto Barroso (Org.). Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 119-192.
18 Ibidem, p. 119-192.
19 Ibidem, p. 119-192.
20 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional
22 PERLINGIERI, Pietro. A Doutrina do Direito Civil na Legalidade Constitucional. In: Direito Civil
Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional: anais do Congresso
Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. Org. Gustavo Tepedino. São
Paulo: Atlas, 2008, p. 2.
23 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
3.3 As premissas para uma eficaz vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais.
A elevação dos direitos fundamentais a uma condição de primeira ordem no
sistema jurídico, baseado nas premissas até aqui delineadas, vai levar a uma
inegável preponderância do Poder Judiciário, em especial dos tribunais
constitucionais na garantia desses direitos. Desta forma, também quando se tratar
da vinculação dos partidos políticos à principiologia constitucional, vai se verificar tal
atuação. Daí a importância de se fazer destaque a uma forma de interpretação
constitucional que possa concatenar a prestação jurisdicional à legitimação
democrática.
35 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e
os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática – uma abordagem a Partir das Teorias
Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 206.
36 TEPEDINO, Gustavo. Direitos Humanos e Relações Jurídicas Privadas. In Temas de direito civil.
42 Embora o possibilite por lei ordinária, conforme art. 17, inciso IV da Constituição Federal.
43 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional..., p. 403.
44Ibidem, p. 403-404.
45 Ibidem, p. 404.
46 Ibidem, p. 410.
4.2 Liberdade partidária
A vinculação dos partidos políticos aos direitos fundamentais, através das
formas de controle já mencionadas, vai incidir sobremaneira sobre a liberdade
partidária. Dessa forma, é necessário o devido aclaramento de como constitui-se
essa liberdade.
Como liberdade externa, entende-se a busca de delimitar a esfera de
liberdade dos Partidos frente ao Estado, na sua formação, existência e atividade,
bem como nas relações de concorrência que se estabelecem entre as organizações
partidárias. Por este status são estabelecidos os pressupostos necessários para que
os partidos possam cumprir seus objetivos no contexto estrutural e funcional do
sistema democrático constitucional. 47
A liberdade interna obriga os partidos políticos, além do cumprimento dos
princípios democráticos previstos nos texto constitucionais, ao controle ideológico
dos seus programas, ao controle de suas ações, às regras mínimas de organização,
a atender, reconhecer e garantir a aplicação dos Direitos Fundamentais no seu
próprio interior. Dessa forma, a democracia intrapartidária se apresenta como
requisito essencial para que os partidos possam cumprir a sua função de via de
acesso dos indivíduos junto ao Estado. 48
Afirma-se a liberdade de organização partidária, com relação à Constituição
pátria, no art. 17 da Constituição, nos termos seguintes: É livre a criação, fusão,
incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o
regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa
humana, condicionados, no entanto, a serem de caráter nacional, a não receberem
recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou a subordinação a
estes, a prestarem contas à Justiça Eleitoral e a terem funcionamento parlamentar
de acordo com a lei. 49
Não é, porém, absoluta a liberdade partidária. Fica ela condicionada a vários
princípios que confluem, em essência, para seu compromisso com o regime
democrático no sentido posto pela Constituição, dos quais se destacam sua
5 Considerações finais.
Após a compreensão, dentro dos limites inerentes a proposta de um artigo, de
alguns institutos que rodeiam ou que deveriam acompanhar as instituições
partidárias é necessário tecer algumas considerações com base nos conceitos que
foram trazidos à baila no trabalho.
A) Com a percepção da eficácia normativa da constituição, e por
conseqüência de seus princípios, não se pode negar que os partidos políticos,
mesmo entendidos como pessoas jurídicas de direito privado, estão submetidos aos
direitos fundamentais compreendidos na sua totalidade. Ainda mais, estas
instituições devem receber uma incidência reforçada, posto que são mecanismos de
poder que atuam na sociedade, são influenciados e muitas vezes financiados por
organizações de interesse58, podendo, inclusive, dirigir o Estado. Em vista disso, é
organizações de interesse, onde, através dos primeiros, os objetivos particulares ou setorizados das
segundas se convertem em objetivos políticos nacionais”. In GARCIA-PELAYO, Manuel. As
transformações do Estado Contemporâneo. Tradução de Agassiz Almeida Filho, Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 67.
necessário ter em mente que quanto maior for a condição de desigualdade da
relação entre as partes envolvidas, maior será o grau de restrição da liberdade da
parte mais forte em relação a da hipossuficiente.59
B) Quanto ao tipo de eficácia a ser aplicada com relação aos partidos
políticos, entendemos que deva incidir a eficácia imediata, uma vez que a própria
Constituição brasileira deixa claro, em seu artigo 17 a obediência aos direitos
fundamentais. Assim, a aplicação destes sobre os partidos políticos prescinde da
atuação legislativa ou judicial. Desta forma, em resposta a questão levantada na
introdução, não seria possível que um partido, pelo menos na realidade
constitucional do país, impedisse a filiação de uma pessoa em virtude de sua raça
ou crença.
C) Tendo em vista a importância da atuação da jurisdição constitucional na
implementação dos direitos fundamentais e por conseqüência sua possibilidade de
restringir atividades de instituições entendidas como estruturantes do regime
democrático, como os partidos políticos, é necessário que se criem mecanismos de
participação social nessa esfera com o fim de legitimar essa atuação. Deve haver
assim, conforme nos ensina Rogério Gesta Leal, uma a “cooperação entre Partidos
Políticos, Parlamento, Poder Executivo e Movimentos Sociais Organizados, eis que
todos possuem, em tese, o mesmo objetivo: o interesse público”.60
D) Existem limites à possibilidade de interpretação, pelos partidos políticos, do
que se deve entender por direitos fundamentais. A noção de dignidade da pessoa
humana vai se constituir como núcleo duro dos direitos fundamentais ao qual não é
permitido transgredir.
E) A vinculação com a verdade, na atuação partidária e dos candidatos que
representam o partido na disputa eleitoral, deve ser respeitada. Nos parece óbvio,
dentro do contexto familiar, por exemplo, as conseqüências do descumprimento
reiterado de promessas. Desta forma, tal lógica deve ser transporta para a esfera
59 Nesse sentido tem razão SARLET ao afirmar que com relação à vinculação dos poderes privados
aos direitos fundamentais, cabe destacar suas duas facetas: as relações manifestamente desiguais
que se estabelecem entre os indivíduos e os detentores do poder social (grupos empresariais,
associações, etc..) e as relações aparentemente igualitárias das relações entre particulares em geral.
Neste panorama, Konrad Hesse entende que haverá uma maior relevância da eficácia dos direitos
fundamentais nas relações jurídico-privadas, quanto maior for a necessidade de proteção da
liberdade individual contra o exercício de poder social ou econômico. In SARLET, Ingo Wolfgang, op
cit., p. 128-129.
60 LEAL, Rogério Gesta. Estado Administração Pública e Sociedade: Novos Paradigmas, Porto
Referências
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito
Constitucional Brasileiro. In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. Luis Roberto Barroso (org.), Rio de Janeiro:
Renovar, 2003.
61SANCHÍS, Luis Prieto. Notas sobre el origen y la evolución de los derechos humanos. GARCIA,
José Antonio López y REAL, J. Alberto del (eds.). In: Los Derechos: Entre la ética, el poder y el
derecho. Madrid: Dykinson, 2000, p. 37.
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2ª ed., 2004.
____, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003.
SILVA. José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional Positivo”. 18ª ed., São
Paulo – SP: Malheiros, 2000.