Você está na página 1de 19

A vinculação dos Partidos Políticos aos Direitos Fundamentais

Filipe Madsen Etges1

Resumo – Os partidos políticos atuam como instrumentos de representação popular


frente ao Estado democrático. Assim, tendo em vista que a Constituição Federal de
1988 concedeu status de pessoas jurídicas de direito privado a estas entidades, e
que tradicionalmente os direitos fundamentais são direcionados ao Estado, em que
medida essa nova conotação dos partidos pode alterar sua vinculação com tais
preceitos fundamentais. Dessa maneira, através da compreensão de conceitos como
a eficácia normativa da constituição, a vinculação mediata e mediata dos direitos
fundamentais, o texto busca estabelecer premissas para uma vinculação eficaz
desta axiologia constitucional aos particulares e, em especial, aos partidos políticos.
Por fim, as possibilidades de limitação dos partidos políticos são enquadradas em
critérios concatenados com os direitos fundamentais que permitem delinear, ainda
que imprecisamente, os caminhos a eles definidos pela ordem constitucional.
PALAVRAS CHAVES: Partidos Políticos. Direitos Fundamentais. Liberdade
partidária.

Abstract – Political parties act as instruments of popular representation against the


democratic state. Thus, since the Constitution of 1988 gave private legal status of
these entities, and the fundamental rights traditionally are directed to the State, how
this new connotation of the parties may change their links with such fundamental
precepts. Thus, through the understanding of concepts such as efficiency norms of
the constitution, mediate and immediate linkage at the fundamental rights, the text
seeks to establish conditions for an effective linkage of axiological constitutional to
privates and political parties. Finally, the possibilities for limiting the political parties
are concatenated with criteria defined in the fundamental rights which outline, though
inaccurately, the ways they defined by the constitutional order.
KEY WORDS - Political Parties. Fundamental Rights. Freedom party.

1 Graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Especialista em Direito do
Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e Mestrando em
Constitucionalismo Contemporâneo pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Endereço
eletrônico: filipe_etges@yahoo.com.br.
1 Introdução
O presente estudo tem como foco principal analisar a maneira como,
atualmente, os partidos políticos brasileiros se vinculam - ou deveriam se vincular –
aos direitos fundamentais amplamente consagrados pelo constitucionalismo
contemporâneo.
Com o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, e a elevação dos
partidos políticos a condição de pessoas jurídicas de direito privado as limitações
impostas pela incidência dos direitos fundamentais, que tradicionalmente são
imputadas aos entes regidos pelo direito público, ou seja, o Estado, verificou-se a
necessidade de analisar novamente, e sob a ótica do constitucionalismo
contemporâneo, a questão.
Com esse escopo se questiona se a simples remissão à vinculação dos
partidos políticos aos direitos fundamentais é suficiente para garantir a sua
observância? Se um partido político, com base na sua autonomia, poderia deixar de
aceitar filiação em virtude de raça ou crença? Existe limitação à interpretação dos
partidos acerca dos direitos fundamentais aos quais devem respeitar?
O objetivo dessas indagações consiste em debater a possibilidade do
estabelecimento de fronteiras, ainda que tênues, acerca dos limites impostos aos
partidos políticos pelos direitos fundamentais.
Partindo de uma premissa do efeito irradiante dos princípios, é importante
questionar o motivo pelo qual se deveria destacar os partidos políticos de um todo
maior abrangido pela vinculação dos direitos fundamentais. Tal intuito se faz
premente por duas circunstâncias: a) tendo os partidos políticos sido protagonistas
de regimes totalitários que violaram de maneira nunca antes registrada os direitos
humanos, é sempre necessária manter acessa a discussão acerca de sua limitação;
b) havendo, no caso brasileiro, especificamente, movimentação da figura dos
partidos políticos do campo do direito público para o privado, é de se verificar, tendo
em vista que, em uma ótica liberal, os direitos fundamentais foram concebidos a fim
de limitar o Estado e não os particulares, em que medida se dá essa restrição.
Assim, proposta a discussão, se avança no sentido de dar substrato teórico
que permita, ao final, estabelecer considerações que possam instigar a pesquisa
sobre o tema, bem como servir de base de apoio.
2 A estrutura jurídica dos partidos políticos.

2.1 O Sistema Partidário: origem e evolução.


A noção de partido político remete, segundo José Afonso da Silva, a uma
forma de agremiação de um grupo social que se propõe a organizar, coordenar e
instrumentar a vontade popular com o fim de assumir o poder para realizar seu
programa de governo.2
Estas instituições originaram-se, como nota Maurice Duverger, em primeiro
lugar, da criação de grupos parlamentares; depois, da aparição dos comitês
eleitorais; finalmente, do estabelecimento da ligação permanente entre esses dois
elementos a partir da universalização do sufrágio.3
Inicialmente, os partidos políticos foram duramente combatidos, pois, sendo
entendidos como instituições de intermediação entre cidadãos e os poderes do
Estado, turvavam, no entendimento de Rousseau4, a relação entre representantes e
cidadãos. E como tal, deviam ser proibidos.5
A partir de meados do século XIX, acentuaram-se a participação e a influência
dos Partidos Políticos no contexto das políticas públicas ocidentais, os
ordenamentos jurídicos ainda ignoravam esta significativa presença das
organizações partidárias na cena política. Nesse período, o Poder Público,
dominado por uma postura radicalmente antipartidária, recusava-se ao
reconhecimento do direito a existência legal dos partidos embora tolerando-os em
suas atividades. 6
Esse processo de reconhecimento dos partidos políticos se delineou, então,
por uma rejeição inicial, um reconhecimento gradual com conseqüente
regulamentação nas leis eleitorais e regulamentos das Câmaras legislativas, e, por
fim, a sua incorporação às constituições “a fim de atuarem de acordo com os

2 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed., São Paulo – SP:
Malheiros, 2000, p. 397.
3 Ibidem, p. 398.
4 Entretanto, conforme Juan Ramón Capella, Rousseau não percebia que os partidos são inevitáveis,

posto que subsistem em forma de resistência quando estão proibidos.


5 CAPELLA, Juan Ramón. Fruto Proibido: uma aproximação histórico-teórica ao estudo do direito e do

Estado. Tradução Gresiela Nunes da Rosa e Lédio Rosa de Andrade, Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2002, p. 117
6 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2ª

ed., 2004, p. 131.


princípios democráticos e, ao mesmo tempo, sujeitarem-se a determinados controles
estatais”. 7
O espaço temporal onde os partidos políticos eram reconhecidos apenas
como instituições políticas extralegais ou extraconstitucionais, sem lugar nas
constituições escritas, delineou-se em uma realidade típica da democracia liberal.
“Com o advento do Estado Social e sua democracia de massas, os partidos políticos
encontram seu lugar no regramento constitucional”.8
Assim, como entidades permanentes que organizam e coordenam a vontade
popular, os partidos foram-se firmando como instituições políticas indispensáveis na
estrutura do Estado contemporâneo.9

2.2. A institucionalização jurídico-constitucional dos partidos políticos


Conforme o já declinado no item anterior, onde se tratou, de forma
panorâmica, a gênese e evolução das instituições partidárias, agora o foco vai se
dar, mais estritamente, sobre a efetiva absorção, pelos textos constitucionais, dos
partidos políticos.
Como já dito, o legislador do Estado Liberal preferiu ignorar as organizações
partidárias, reputando-as como um fenômeno extraconstitucional, ainda que no
Direito Constitucional encontrasse sua base de sustentação como forma do exercício
da liberdade de associação. Mas a crescente importância dos partidos, convertidos
em peças fundamentais do processo político democrático de nossos dias, não
haveria de passar despercebida do legislador, que se viu na contingência de tê-los
em conta nas leis eleitorais, nos regulamentos parlamentares e, finalmente, nas
próprias constituições.10
Pode-se destacar, conforme Oribes Mezzaroba, baseando-se no
conhecimento de Garcia-Pelayo, três importantes razões para a recepção dos
partidos políticos pelo direito constitucional:

a) uma primeira, de cunho eminentemente ideológico, possibilitou que


a constitucionalização dos partidos representasse a repulsa aos
regimes que os haviam eliminado da vida política (Estado autoritário)
ou instituído o monopólio de um partido (Estado totalitário). Assim, o
reconhecimento jurídico dos Partidos ratifica a afirmação de que a

7 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário..., p. 131.


8 Ibidem, p. 135-136.
9 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional ..., p. 398.
10 Ibidem, p. 402.
verdadeira democracia pluralista, só é viável pela existência da
pluralidade de partidos que, em relações competitivas pelo exercício
ou influxo no exercício do poder no Estado, ofereçam ao eleitorado
distintas opções políticas;
b) uma segunda, de caráter poítico, possibilitou que, considerando os
preceitos expostos acima, os Partidos fossem concebidos como fator
constitutivo da estrutura democrática objetiva. A partir desta
perspectiva, os Partidos passam a ser concebidos como “parte
integrante e fundamental do sistema jurídico-político democrático,
cuja a função é a de concorrer no desenvolvimento do processo
democrático ou a de colaborar na formação da vontade política do
povo.
c) uma terceira razão propriamente jurídica está na formalização no
discurso constitucional da garantia do direito de associação política
para determinado fim, como o desdobramento ou a objetivação de um
Direito Público. 11

A ordenação constitucional e legal dos partidos traduz-se num


condicionamento de sua estrutura, seu programa e suas atividades, que pode adotar
um sistema de controle mais ou menos amplo, consoante se adote uma
regulamentação maximalista ou minimalista, correspondendo o primeiro critério à
tendência a uma profunda intervenção do Estado na vida dos partidos e o segundo a
uma menor interferência estatal. 12
Quanto a natureza jurídica dos partidos, assunto que será aprofundado no
próximo ponto do trabalho, com especial enfoque na realidade brasileira, José
Afonso da Silva, com base nos estudos de juristas italianos afirma que estes
divergem quanto a fixação da natureza jurídica dos partidos, sendo que para alguns
eles são considerados, do ponto de vista jurídico, como associação, união de
pessoas estavelmente organizadas e juridicamente vinculadas para a consecução
de fins políticos comuns, e como órgão do Estado, no que tange à sua característica
de grupo eleitoral e de grupo parlamentar. Para outros, como Biscaretti di Ruffia os
partidos políticos são associações não reconhecidas, não assumindo a natureza de
órgãos do Estado nem de ente público controlado pelo mesmo. Concebe-os como
entidades auxiliares do Estado, reconhecendo em sua atividade um exercício
privado de funções públicas. 13

11 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário..., p. 150-151.


12 SILVA. José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional..., p. 402.
13 Ibidem, p. 406.
2.3 A natureza jurídica privada dos partidos políticos no Brasil
Segundo a Constituição Federal brasileira, diferentemente das concepções
italianas, os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, conforme o
art. 17, § 2º da CF, Lei n. º 9.096/95 (art. 7º, caput).14
Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei
civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. Se ganham
personalidade na forma da lei civil é porque são pessoas jurídicas de direito privado,
devendo, pois, registrar-se no Registro Civil de segundo o disposto na Lei dos
Registros Públicos; depois disso é que seus estatutos serão levados a registro no
Tribunal Superior Eleitoral. Fica, pois, superado o disposto no art. 2° da Lei 5.682/71
que lhes reconhecia a natureza de pessoa jurídica de direito público interno.15
O enquadramento anterior à Constituição de 1988 dos partidos políticos como
pessoas jurídicas de direito público é, nas palavras de José Afonso da Silva,
artificial, pois não é fácil encontrar as notas essenciais das pessoas jurídicas de
direito público numa organização associativa formada pela adesão voluntária de
particulares e destinada, não propriamente a realizar fins públicos, mas fins políticos.
Os partidos somente prestam serviços públicos quando no exercício das funções
governamentais, mas aí não são senão instrumentos da prestação desses serviços,
que não são deles, mas do Estado, dos órgãos governamentais, que, com eles, não
se confundem.16

3 As teorias acerca da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

3.1 A dimensão objetiva dos diretos fundamentais: a constituição como ordem


de valores.
Tendo em vista a nova classificação trazida pela Constituição de 1988 no
sentido de serem, os partidos políticos, pessoas jurídicas de direito privado, ou seja,
particulares regidos pelas normas de direito privado e não mais às de direito público,
se faz premente a compreensão de como os direitos fundamentais atuam sobre os
particulares, com o objetivo de inserir e situar a maneira como vão agir,
especificamente, sobre as agremiações partidárias.

14 RAMAYANA, Marcos. “Direito Eleitoral”. 7ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 252.
15 SILVA. José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional..., p. 406.
16 Ibidem, p. 406-407.
A noção clássica de dos direitos fundamentais remete a visão do Estado
como único destinatário destes direitos. É que sendo a Constituição aquela norma
destinada a limitar o poder do Estado, os direitos fundamentais dela decorrentes, por
lógica, eram destinados a este.17
Esta concepção começa a ser alterada com a emergência do Estado Social
de Direito, verificada no segundo pós-guerra, bem como, no plano internacional, pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.18
Os pressupostos relativos à idéia de eficácia dos direitos fundamentais entre
privados podem ser encontrados na adoção de constituições com amplos catálogos
de direitos e dotadas de rigidez; em virtude da constatação de que o fenômeno do
poder não é exclusivo das relações com o Estado, mas se manifesta também junto à
sociedade civil, bem como na compreensão da Constituição como ordem de valores
da comunidade que visa ordenar todas as esferas da vida social. 19
O advento do pós-positivismo inicia sua trajetória guardando deferência
relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e
legitimidade, reaproximando ética e Direto. Esses valores compartilhados por toda a
comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que
passaram a estar abrigados na Constituição, gerando o reconhecimento de sua
normatividade.20 É a consagração de um sistema jurídico integrado, calcado na Lei,
mas orientado por diretrizes éticas e valorativas consetâneas com os ideários
políticos, constitucionais e humanos reclamados.21
O ordenamento jurídico deve ser concebido como uno e complexo, em que os
princípios constitucionais exercem a função de valores guias e assumem um papel
central na articulada pluralidade das fontes do direito, sendo impossível configurar o

17 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito
fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Luís Roberto Barroso (Org.). Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 119-192.
18 Ibidem, p. 119-192.
19 Ibidem, p. 119-192.
20 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional

Brasileiro. In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações


privadas. Luis Roberto Barroso (org.), Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 28.
21 REIS, Jorge Renato dos; FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos

particulares a direitos fundamentais. Direitos Sociais e Políticas Públicas: Desafios Contemporâneos.


In: Jorge Renato dos Reis e Rogério Gesta Leal (orgs.). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, tomo 6, 2006,
p. 1647
sistema jurídico dividido em ramos autônomos, ou em sistemas não comunicáveis
entre si.22
A posição que os direitos fundamentais assumem dentro da Constituição de
um Estado Democrático de Direito pode ser destacada pela sua função limitativa e
legitimadora do poder, onde são vínculos que condicionam toda a produção
normativa estatal.23 Mas também são considerados como elementos da ordem
objetiva, integrando um sistema axiológico que atua como fundamento material de
todo o ordenamento jurídico.
Nas últimas décadas o sistema constitucional brasileiro tem se direcionado à
idéia de que a Constituição passa a ser o centro do sistema jurídico, com efetiva
força normativa, sendo que os valores nela esculpidos são emanados por toda a
ordem jurídica definindo uma leitura de todos os seus institutos, em uma espécie de
filtragem constitucional. 24
Assim, esgrimida a maneira como a força normativa da constituição ampliou
seu lastro da esfera estatal para a privada, veremos, adiante, de que forma essa
incidência dos direitos fundamentais pode se dar.

3.2 A teoria da eficácia mediata e imediata dos direitos fundamentais


A teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais afirma que estes
direitos não apenas vinculam os poderes públicos, mas têm incidência imediata nas
relações de direito em que se configurem relações de poder. 25
Por outro lado, a teoria da eficácia mediata ou indireta dos direitos
fundamentais defende que estes, além de estabelecerem direitos subjetivos públicos
oponíveis ao Estado, são também decisões valorativas, configurando uma ordem
valores objetiva que irradia efeitos em todas as esferas do direito. Entretanto, esta
teoria não aceita a incidência direta nas relações privadas, apenas implica na
necessidade de que sejam levados em conta pelo Estado na criação legislativa ou

22 PERLINGIERI, Pietro. A Doutrina do Direito Civil na Legalidade Constitucional. In: Direito Civil
Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional: anais do Congresso
Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. Org. Gustavo Tepedino. São
Paulo: Atlas, 2008, p. 2.
23 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2003, p. 65-67.


24 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos..., p. 44.
25 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos..., p. 119-192.
na interpretação do direito privado. Os direitos fundamentais ingressam na dinâmica
jurídica privada através das cláusulas gerais e conceitos indeterminados legais. 26
Em outras palavras, a Teoria da eficácia imediata (direta) expressa que, em
virtude dos direitos fundamentais constituírem normas expressando valores
aplicáveis a toda ordem jurídica, como decorrência do princípio da unidade da ordem
jurídica e da força normativa da Constituição, não se pode aceitar o Direito Privado
como um gueto à margem da ordem constitucional. Por obra do juiz alemão
Nipperdey, para os adeptos dessa teoria, os direitos fundamentais podem ser
aplicados diretamente sobre as relações jurídico-privadas, não carecendo da
intervenção do legislador ou do juiz.27
De outra banda, a Teoria da eficácia mediata (indireta), influenciada pelo
também alemão, Günther Dürig, o reconhecimento de uma eficácia direta dos
direitos fundamentais nas relações entre particulares geraria uma estatização do
direito privado e um esvaziamento da autonomia privada. A proposta deste
pensador, chamada eficácia irradiante das normas de direitos fundamentais, seria
realizada, na órbita privada, de forma indireta, por meio da interpretação de
cláusulas gerais e conceitos indeterminados do direito privado à luz dos direitos
fundamentais, por meio da intermediação do legislador e dos órgãos judiciais. 28

3.3 As premissas para uma eficaz vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais.
A elevação dos direitos fundamentais a uma condição de primeira ordem no
sistema jurídico, baseado nas premissas até aqui delineadas, vai levar a uma
inegável preponderância do Poder Judiciário, em especial dos tribunais
constitucionais na garantia desses direitos. Desta forma, também quando se tratar
da vinculação dos partidos políticos à principiologia constitucional, vai se verificar tal
atuação. Daí a importância de se fazer destaque a uma forma de interpretação
constitucional que possa concatenar a prestação jurisdicional à legitimação
democrática.

26 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos..., p. 119-192.


27 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Direito Privado: algumas considerações em
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: A Constituição Concretizada:
Construindo pontes com o público e o privado. Ingo Wolfgang Sarlet (Org.). Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 121-122.
28 Ibidem, p. 123-124.
Para tanto, vamos analisar a obra do autor alemão Peter Häberle, em a
“Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição”, onde se oferece, como forma de
legitimação da atuação jurisdicional, uma interpretação constitucional que seja
realizada por uma sociedade aberta dos intérpretes no sentido de que toda a
sociedade deve participar deste processo.

A interpretação constitucional atual, segundo o autor, tem sido realizada


apenas pelos intérpretes jurídicos “vinculados às corporações” e aqueles
participantes formais do processo constitucional.29

Assim, Haberle define os intérpretes constitucionais em sentido lato: cidadãos


e grupos, órgãos estatais, o sistema público, a opinião pública, etc, mas ressalta que
subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em
geral, a última palavra sobre a interpretação.30

A ampliação do círculo dos intérpretes é conseqüência da necessidade de


integração da realidade no processo de interpretação. Desta forma, a legitimação
destas forças pluralistas da sociedade se dá uma vez que representam um pedaço
da publicidade e da realidade da Constituição31. Isso representa que “a teoria da
interpretação deve ser garantida sob a influência da teoria democrática”. Portanto, “é
impensável uma interpretação da Constituição sem o cidadão ativo e sem as
potências públicas mencionadas”.32

Nessa nova hermenêutica, a Ciência Constitucional tem como tarefa auxiliar


na possibilidade de participação dos intérpretes formulando suas contribuições de
forma acessível, para que possa ser apreciada e criticada na esfera pública. 33
A intensidade do controle judicial que será imposto pela jurisdição
constitucional vai depender do nível de participação, assim sendo “um minus de
efetiva participação deve levar a um plus de controle constitucional”. 34

A partir dessa atuação legitimada pela participação popular, a jurisdição


constitucional fica autorizada a atuar valorativamente, pois sua fundamentação não

29 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Interpretes da


Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, trad.
Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, p. 13.
30 Ibidem, p. 14.
31 Ibidem, p. 33.
32 Ibidem, p. 14.
33 Ibidem, p. 35.
34 Ibidem, p. 46.
é mais somente baseada em “valores extraídos do senso comum ou da convicção
pessoal do juiz, [...] mas sim de uma jurisdição que pauta suas decisões valorativas
em processos abertos de discussão e de conteúdo”. 35
Na democracia capitalista globalizada, de pouca serventia mostram-se os
refinados instrumentos de proteção dos direitos humanos, postos à disposição pelo
direito público, se as políticas públicas e a atividade econômica privada escaparem
aos mecanismos de controle jurídico, incrementando a exclusão social e o
desrespeito à dignidade da pessoa humana.36 Da mesma forma, podemos incluir aí,
a atuação dos partidos políticos.

4 A vinculação dos Partidos Políticos aos Direitos Fundamentais e sua


extensão.
O resguardo aos Direitos Fundamentais, previsto no caput do art. 17 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, obriga os Partidos Políticos
a adotarem duas posições: em primeiro lugar, excluir de seus princípios
programáticos orientações que não os acolham, o que caracterizaria um afronto ao
princípio do Estado Democrático de Direito. Por outro lado, em razão do
aperfeiçoamento do regime democrático, é lícito que cada Partido tenha uma visão
própria de certos direitos fundamentais e que passe a lutar por defendê-la e
melhorá-la. E, em segundo lugar, o compromisso dos Partidos Políticos com o
resguardo dos Direitos Fundamentais obriga-os a vinculá-los e efetivá-los em suas
próprias estruturas.37
Pode-se delinear, também, como de observância obrigatória aos partidos
políticos, os princípios garantidores do exercício de direitos políticos, essenciais para
o funcionamento da ordem democrática, e decorrente dessa lógica as garantias das
minorias contra o abuso desse poder democrático e sua importância na
implementação da justiça material através dos direitos sociais.38

35 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e
os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática – uma abordagem a Partir das Teorias
Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 206.
36 TEPEDINO, Gustavo. Direitos Humanos e Relações Jurídicas Privadas. In Temas de direito civil.

Rio de Janeiro: Renovar, 2004, 3ª edição, p. 61.


37 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário..., p. 247.
38 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia ..., p. 65-68.
4.1 Formas de controle partidário.
Um vez que apenas a menção contida na Constituição Federal de que os
partidos devem respeitar os direitos fundamentais não é suficiente para garanti-los,
cabe verificar as formas de controle que se pode imputar a atividade partidária.
Os autores Virga e Biscaretti di Ruffia, citados por José Afonso da Silva,
indicam três tipos de controles decorrentes da institucionalização dos partidos: (a)
controle de caráter externo, que responde a uma regulamentação minimalista, pelo
qual “o ordenamento jurídico se limita a exigir que a atividade dos partidos se
desenvolva com observância das leis penais e de policia, sendo vedado, portanto,
apenas o recurso à violência e o abuso na afirmação de seu programa”; (b) controle
de caráter ideológico-programático, pelo qual “o ordenamento prevê um controle
sobre as ideologias e sobre os programas e a atividade política dos partidos, com o
fim de impedir a constituição e a atividade dos partidos subversivos e
revolucionários”; (c) controle de caráter interno, segundo o qual “o ordenamento
exige que não só o programa e a atividade política do partido sejam inspirados nos
princípios democráticos, mas que também seja garantida a democraticidade da
organização interna do partido”.39
O sistema de partidos no Brasil percorreu todas essas fases e tipos de
controle. Desconhecidos pela Constituição e legislação imperial, atuavam como
associações inorgânicas, formadas com base nos interesses de grupos. No regime
da Constituição de 1891, que também os ignorou, não passaram de instrumentos de
expressão e de dominação das oligarquias estaduais. Indiretamente reconhecidos
no art. 170, n. 9, da Constituição de 1934, já tinham sido, contudo, previstos no
Código Eleitoral de 1932 (Decreto 21.076, de 24.2.32, arts. 99 e 100). Só no regime
da Constituição de 1946, efetivamente, começaram a firmar sua institucionalização
jurídica, sendo feita expressa menção aos partidos nacionais. 40
A Constituição de 1946 promoveu um controle minimalista à ordenação dos
partidos políticos, embora seu art. 141, § 13, vedasse a organização, o registro ou o
funcionamento de qualquer partido político ou associação cujo programa ou ação
contrariasse o regime democrático baseado na pluralidade dos partidos e na
garantia dos direitos fundamentais do homem. 41

39 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional..., p. 402-403.


40 Ibidem, p. 403.
41 Ibidem, p. 403.
Já a Constituição de 1967 (art. 149) e, especialmente, a de 1969 (art. 152)
foram maximalistas na institucionalização dos partidos, restringido a sua criação e
funcionamento, impedindo o surgimento de partidos de tendência marxista.A
Constituição vigente liberou a criação, organização e funcionamento de agremiações
partidárias, numa concepção minimalista, sem controle quantitativo 42, mas com
previsão de mecanismos de controle qualitativo (ideológico), mantido o controle
financeiro.43
Vanossi é quem lembra os dois tipos de controles: quantitativo e qualitativo.

O primeiro limita as provisões legais para o reconhecimento de um


partido político ao cumprimento de exigências formais (carta orgânica,
declaração de princípios, plataforma eleitoral) e à reunião de certa
quantidade de filiados ou membros, cujo número se estabelece em
uma proporção fixa sobre o total do corpo eleitoral do distrito ou do
país. O segundo faz outras exigências, somando, às anteriores, a
necessidade da conformidade ideológica das postulações do partido
com os fins do Estado constitucional que o há de reconhecer como
tal. Assim, unicamente alcançarão o reconhecimento de “partidos”
aquelas agrupações que afinem fervorosamente sua homogeneidade
ideológica com o sistema imperante, quer dizer, com as pautas
dominantes do regime político vigente, de tal modo que resulta
inconcebível — para este critério — que sejam admitidos partidos de
tendência autoritária ou monocrática num Estado que garanta o
pluralismo ou, inversamente, que sejam legalizados partidos de
orientação pluralista num Estado cuja bases de sustentação
peculiarizam uma autocracia ou monocracia.44

O controle financeiro impõe limites à apropriação dos recursos financeiros dos


partidos, que só podem buscá-los em fontes estritamente indicadas, sujeitando-se à
fiscalização do Poder Público.45
Controle qualitativo ainda é o da vedação de utilização pelos partidos políticos
de organização paramilitar que significa repelir partidos fascistas, nazistas ou
integralistas do tipo dos que vigoraram na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler
e no Brasil de Plínio Salgado.46

42 Embora o possibilite por lei ordinária, conforme art. 17, inciso IV da Constituição Federal.
43 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional..., p. 403.
44Ibidem, p. 403-404.
45 Ibidem, p. 404.
46 Ibidem, p. 410.
4.2 Liberdade partidária
A vinculação dos partidos políticos aos direitos fundamentais, através das
formas de controle já mencionadas, vai incidir sobremaneira sobre a liberdade
partidária. Dessa forma, é necessário o devido aclaramento de como constitui-se
essa liberdade.
Como liberdade externa, entende-se a busca de delimitar a esfera de
liberdade dos Partidos frente ao Estado, na sua formação, existência e atividade,
bem como nas relações de concorrência que se estabelecem entre as organizações
partidárias. Por este status são estabelecidos os pressupostos necessários para que
os partidos possam cumprir seus objetivos no contexto estrutural e funcional do
sistema democrático constitucional. 47
A liberdade interna obriga os partidos políticos, além do cumprimento dos
princípios democráticos previstos nos texto constitucionais, ao controle ideológico
dos seus programas, ao controle de suas ações, às regras mínimas de organização,
a atender, reconhecer e garantir a aplicação dos Direitos Fundamentais no seu
próprio interior. Dessa forma, a democracia intrapartidária se apresenta como
requisito essencial para que os partidos possam cumprir a sua função de via de
acesso dos indivíduos junto ao Estado. 48
Afirma-se a liberdade de organização partidária, com relação à Constituição
pátria, no art. 17 da Constituição, nos termos seguintes: É livre a criação, fusão,
incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o
regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa
humana, condicionados, no entanto, a serem de caráter nacional, a não receberem
recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou a subordinação a
estes, a prestarem contas à Justiça Eleitoral e a terem funcionamento parlamentar
de acordo com a lei. 49
Não é, porém, absoluta a liberdade partidária. Fica ela condicionada a vários
princípios que confluem, em essência, para seu compromisso com o regime
democrático no sentido posto pela Constituição, dos quais se destacam sua

47 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário..., p. 144-145.


48 Ibidem, p. 147.
49 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional...p. 408.
obrigação de resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o
pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. 50

4.3 A vinculação ao compromisso com a verdade.


Em que pese não ser uma vinculação usual, tendo em vista seu caráter pouco
explorado de pertencimento à categoria dos direitos fundamentais, a vinculação ao
compromisso com a verdade pelos partidos políticos deve ser analisada, ao menos
para suscitar o interesse sobre o tema. Uma vez que a chegada ao poder das
instituições partidárias se dá por propostas feitas no período eleitoral que deverão
ser implantadas pelo futuro governo, surge o direito fundamental de que aquela força
argumentativa, que visa conquistar um espaço de poder que afeta toda a sociedade,
seja permeada pela verdade.
Segundo Peter Haberle, o direito a verdade constitui-se, no Estado
Constitucional, em um elemento da imagem da pessoa humana.51 Assim, tal
princípio mantém estreita relação com a dignidade da pessoa humana.
Em que pese o Estado Constitucional, baseado na democracia pluralista, “se
caracterizar exatamente pelo fato de não estar em posse de verdades eternas pré-
constituídas, mas sim predestinado apenas a uma mera busca da verdade” 52,
quando uma mentira, no âmbito do exercício público, é comprovadamente
desvelada, esta deve ser entendida como uma afronta aos direitos fundamentais.
É claro que ao mesmo tempo em que “se deve aceitar a pessoa humana
como ela é, ou seja, com todos os seus erros”, não se pode estender tal
compreensividade aos titulares de ofícios e cargos públicos bem como aos membros
do parlamentos ao quais não é permitido mentir.53 É necessário incluir ao rol citado,
embora não mencionado expressamente por Häberle, os candidatos a cargos
eletivos, uma vez que não teria sentido permitir que o ocupante de função onde é
vedada a mentira, possa valer-se desta para alcançar tal posto.
Destaca o autor alemão que “a mentira do político permanece freqüentemente
sem sanções, pois permanece despercebida; porém, graças à ética política, as

50 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional..., p. 408.


51 HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade no Estado Constitucional. Tradução de Urbano
Carvelli, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008, p. 38.
52 Ibidem, p. 105.
53 Ibidem, p. 120.
conseqüências são imprescindíveis se a mesma se torna evidente: elas culminam na
queda”. 54 55
A história, embora não possa ser considerada farta de exemplos, nos
demonstrou alguns casos onde o descompromisso com a verdade impôs a renúncia
ao cargo público. Tem-se o caso do presidente do Partido Social Democrata da
Alemanha e candidato ao Cargo de Primeiro-Ministro, em 1993, porque ele, anos
antes (1987), tinha omitido conscientemente a verdade perante uma Comissão
Parlamentar de Inquérito em Schleswig-Holstein no escândalo Barschel-Pfeifer. Nos
Estados Unidos, o escândalo Watergate, da mesmo forma, levou o presidente
Richard Nixon a renunciar em 1974 fazendo com que o processo de impeachment
fosse desnecessário. 56
Por fim, cumpre destacar que “certamente é necessário ser cético perante
todas as verdades não relativas, porém não se deve renunciar às verdades
absolutas como dignidade da pessoa humana, liberdade e tolerância”. 57

5 Considerações finais.
Após a compreensão, dentro dos limites inerentes a proposta de um artigo, de
alguns institutos que rodeiam ou que deveriam acompanhar as instituições
partidárias é necessário tecer algumas considerações com base nos conceitos que
foram trazidos à baila no trabalho.
A) Com a percepção da eficácia normativa da constituição, e por
conseqüência de seus princípios, não se pode negar que os partidos políticos,
mesmo entendidos como pessoas jurídicas de direito privado, estão submetidos aos
direitos fundamentais compreendidos na sua totalidade. Ainda mais, estas
instituições devem receber uma incidência reforçada, posto que são mecanismos de
poder que atuam na sociedade, são influenciados e muitas vezes financiados por
organizações de interesse58, podendo, inclusive, dirigir o Estado. Em vista disso, é

54 HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade..., p. 120.


55 Nesse sentido, temos que discordar, em consonância com os valores constitucionais do nosso
tempo, quando Hanna Arendt, citada por Hëberle afirma que: “A veracidade jamais pertenceu às
virtudes políticas e a mentira sempre foi considerada um meio lícito da política”.
56 HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade ..., 2008, p. 44-45.
57 Ibidem, p. 105.
58 Segundo Garcia-Pelayo, “existe um sistema de interação entre os partidos políticos e as

organizações de interesse, onde, através dos primeiros, os objetivos particulares ou setorizados das
segundas se convertem em objetivos políticos nacionais”. In GARCIA-PELAYO, Manuel. As
transformações do Estado Contemporâneo. Tradução de Agassiz Almeida Filho, Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 67.
necessário ter em mente que quanto maior for a condição de desigualdade da
relação entre as partes envolvidas, maior será o grau de restrição da liberdade da
parte mais forte em relação a da hipossuficiente.59
B) Quanto ao tipo de eficácia a ser aplicada com relação aos partidos
políticos, entendemos que deva incidir a eficácia imediata, uma vez que a própria
Constituição brasileira deixa claro, em seu artigo 17 a obediência aos direitos
fundamentais. Assim, a aplicação destes sobre os partidos políticos prescinde da
atuação legislativa ou judicial. Desta forma, em resposta a questão levantada na
introdução, não seria possível que um partido, pelo menos na realidade
constitucional do país, impedisse a filiação de uma pessoa em virtude de sua raça
ou crença.
C) Tendo em vista a importância da atuação da jurisdição constitucional na
implementação dos direitos fundamentais e por conseqüência sua possibilidade de
restringir atividades de instituições entendidas como estruturantes do regime
democrático, como os partidos políticos, é necessário que se criem mecanismos de
participação social nessa esfera com o fim de legitimar essa atuação. Deve haver
assim, conforme nos ensina Rogério Gesta Leal, uma a “cooperação entre Partidos
Políticos, Parlamento, Poder Executivo e Movimentos Sociais Organizados, eis que
todos possuem, em tese, o mesmo objetivo: o interesse público”.60
D) Existem limites à possibilidade de interpretação, pelos partidos políticos, do
que se deve entender por direitos fundamentais. A noção de dignidade da pessoa
humana vai se constituir como núcleo duro dos direitos fundamentais ao qual não é
permitido transgredir.
E) A vinculação com a verdade, na atuação partidária e dos candidatos que
representam o partido na disputa eleitoral, deve ser respeitada. Nos parece óbvio,
dentro do contexto familiar, por exemplo, as conseqüências do descumprimento
reiterado de promessas. Desta forma, tal lógica deve ser transporta para a esfera

59 Nesse sentido tem razão SARLET ao afirmar que com relação à vinculação dos poderes privados
aos direitos fundamentais, cabe destacar suas duas facetas: as relações manifestamente desiguais
que se estabelecem entre os indivíduos e os detentores do poder social (grupos empresariais,
associações, etc..) e as relações aparentemente igualitárias das relações entre particulares em geral.
Neste panorama, Konrad Hesse entende que haverá uma maior relevância da eficácia dos direitos
fundamentais nas relações jurídico-privadas, quanto maior for a necessidade de proteção da
liberdade individual contra o exercício de poder social ou econômico. In SARLET, Ingo Wolfgang, op
cit., p. 128-129.
60 LEAL, Rogério Gesta. Estado Administração Pública e Sociedade: Novos Paradigmas, Porto

alegre: Livraria do Advogado, Ed. 2006, p. 72-73


pública, uma vez que intimamente ligada a idéia de dignidade da pessoa humana e
de moralidade administrativa.
Para finalizar, por expressar uma realidade latente que normalmente se
procura esconder, utilizo um trecho de texto de Luis Prieto SANCHÍS, proferido em
conferência pronunciada na Universidade de Jaén em 29 de abril de 1999:
verdaderamente difícil encontrar en el mundo contemporáneo una ideología política
o un régimen de poder que se manifieste abiertamente contrario a los derechos; más
bien al contrario, todos dicen profesar esta espécie de nueva religión universal,
fuente de justificación o de legitimidad de las más variopintas formas de dominación,
y ello a pesar de que, al mismo tiempo, las denuncias sobre la viloación de los
derechos son permanentes y, por cierto, creo que casi siempre merecidas. 61

Referências
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito
Constitucional Brasileiro. In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. Luis Roberto Barroso (org.), Rio de Janeiro:
Renovar, 2003.

CAPELLA, Juan Ramón. Fruto Proibido: uma aproximação histórico-teórica ao


estudo do direito e do Estado. Tradução Gresiela Nunes da Rosa e Lédio Rosa de
Andrade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

GARCIA-PELAYO, Manuel. As transformações do Estado Contemporâneo.


Tradução de Agassiz Almeida Filho, Rio de Janeiro: Forense, 2009.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Interpretes


da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da
Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris, 1997.

____, Peter. Os problemas da verdade no Estado Constitucional. Tradução de


Urbano Carvelli, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008.

LEAL, Rogério Gesta. Estado Administração Pública e Sociedade: Novos


Paradigmas. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2006.

LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a


Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática – uma
abordagem a Partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2007.

61SANCHÍS, Luis Prieto. Notas sobre el origen y la evolución de los derechos humanos. GARCIA,
José Antonio López y REAL, J. Alberto del (eds.). In: Los Derechos: Entre la ética, el poder y el
derecho. Madrid: Dykinson, 2000, p. 37.
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2ª ed., 2004.

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de


direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: A nova interpretação
constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Luís Roberto
Barroso (Org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

PERLINGIERI, Pietro. A Doutrina do Direito Civil na Legalidade Constitucional. In:


Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional:
anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de
Janeiro. Org. Gustavo Tepedino. São Paulo: Atlas, 2008.

RAMAYANA, Marcos. “Direito Eleitoral”. 7ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

REIS, Jorge Renato dos; FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para


vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Direitos Sociais e Políticas
Públicas: Desafios Contemporâneos. In: Jorge Renato dos Reis e Rogério Gesta
Leal (orgs.). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, tomo 6, 2006.

SANCHÍS, Luis Prieto. Notas sobre el origen y la evolución de los derechos


humanos. GARCIA, José Antonio López y REAL, J. Alberto del (eds.). In: Los
Derechos: Entre la ética, el poder y el derecho. Madrid: Dykinson, 2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Direito Privado: algumas


considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In:
A Constituição Concretizada: Construindo pontes com o público e o privado. Ingo
Wolfgang Sarlet (Org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

____, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003.

SILVA. José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional Positivo”. 18ª ed., São
Paulo – SP: Malheiros, 2000.

TEPEDINO, Gustavo. Direitos Humanos e Relações Jurídicas Privadas. In Temas de


direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 3ª edição, 2004.

Você também pode gostar