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Estado Democrático

de Direito
Sinflório, D.;
SST Estado Democrático de Direito / Débora Sinflório
Ano: 2020
nº de p.: 10 páginas

Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados.


Esta do De moc rá tic o de Dire ito

Apresentação
Nesta Unidade, iremos estudar os elementos que compõem o Estado Democrático
de Direito, que é a democracia ligada às questões do Direito. Na democracia em si é
importante destacar que a compreensão do conceito de democracia é crucial para
que seja possível entender as formas do regime democrático.

Assim, entender os mecanismos da democracia é de suma importância na


construção do conceito que estamos iniciando o debate, ou seja, o Estado
Democrático de Direito.

Formas de democracia

Democracia direta
O poder soberano e as questões políticas do Estado são exercidos pelo povo. Sobre
esse tema, convém ressaltar que é comum encontrar doutrinadores que defendam
a ação popular prevista na Constituição Federal brasileira de 1998, artigo 5ª, inciso
LXXIII (qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência), como instrumento de participação de democracia direta.

• De m o c ra c ia indire ta o u re pre se nta tiva :

as funções soberanas administrativas do Estado são realizadas pelo povo


por meio de seus representantes eleitos para representá-los por determinado
prazo legal.

• De m o c ra c ia se m idire ta o u m ista :

o povo delega ou exerce parte do poder. Ainda sobre tal tipo de democracia,

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convém destacar que o povo dispõe de instrumentos democráticos, quais se
destacam:

• Ple b isc ito s:

a população é convocada para opinar sobre determinado assunto que esteja


em debate para que opine antes que qualquer medida tenha sido adotada. A
opinião popular apurada será a base para elaboração de lei posterior.

• Re fe re ndo :

após o Congresso ter discutido e inicialmente aprovado uma lei, convocam-


se os cidadãos para que expressem opinião favorável ou contrária à nova
legislação.

• Inic ia tiva Po pula r:

outro instrumento de participação cidadã no qual os cidadãos


constitucionalmente têm o direito de apresentar projetos de lei. No caso do
Brasil, os projetos devem ser apresentados ao Congresso Nacional mediante
a coleta de assinaturas de pelo menos 1% do eleitorado nacional, e que
estejam os moradores assinantes localizados em pelo menos cinco estados
brasileiros.

• Ve to po pula r:

ao cidadão é concedido o direito de vetar qualquer projeto de lei,


independente das fases que tenha passado no processo legislativo. Não é
admitido no Brasil.

• Re c a ll:

mediante voto popular, qualquer decisão judicial pode ser anulada. Adotada
nos Estados Unidos.

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Há participação do povo na democracia

Fonte: Plataforma Deduca (2020)

E você sabe quais são as formas do regime democrático adotadas no Brasil?


Segundo a Nina Raniere (2019, p.325):

Estado Democrático de Direito é a modalidade do Estado constitucional e


internacional de direito que, com o objetivo de promover e assegurar a mais
ampla proteção dos direitos fundamentais, tem na dignidade humana o
seu elemento nuclear e na soberania popular, na democracia e na justiça
social os seus fundamentos. Nessa definição, a democracia acentua, por
sua própria dinâmica (o exercício da soberania popular), a atualização do
Estado. O Direito, de outra parte, representa o seu elemento conservador,
de tal forma que os fins e objetivos estatais, assim como a sua forma
de realização, são determinados pela via do livre processo político, sob a
ordem jurídica.

A Constituição Federal de 1988 e o


Estado Democrático de Direito
A Constituição Federal brasileira de 1988 prevê que o Brasil é um Estado
Democrático de Direito, fato esse comprovado no caput do artigo 1º da
Constituição, que assim dispõe: “A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito […]”.

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Convém destacar que, ao elaborarem a Constituição de 1988, os legisladores
somaram a expressão Democrático ao Estado de Direito outrora utilizado pelo país
em constituições anteriores. Segundo Miguel Reale (2005, p. 149):

[…] o Estado deve ter origem e finalidade de acordo com o Direito manifestado
livre e originariamente pelo próprio povo, excluída, por exemplo, a hipótese
de adesão a uma Constituição outorgada por uma autoridade qualquer,
civil ou militar, por mais que ela consagre os princípios democráticos.
Poder-se-á acrescentar que o adjetivo “Democrático” pode também
indicar o propósito de passar-se de um Estado de Direito, meramente
formal, a um Estado de Direito e de Justiça Social, isto é, instaurado
concretamente com base nos valores fundantes da comunidade. “Estado
Democrático de Direito”, nessa linha de pensamento, equivaleria, em
última análise, a “Estado de Direito e de Justiça Social”. A meu ver, esse é
o espírito da Constituição de 1988. Não concordo, por conseguinte, com
os juristas que consideram sinônimos os termos “Estado de Direito” e
“Estado Democrático de Direito”.

Considerando os dias atuais e a falta da ética política e social, é alarmante perceber


que o objetivo de um Estado democrático de Direito, ou seja, de proteger os direitos
fundamentais, tendo na dignidade humana o seu elemento nuclear e na soberania
popular, na democracia e na justiça social os seus fundamentos têm tornado-se
utópicos, pois a ética, a moral e o respeito estão sendo suprimidos na sociedade,
cada vez mais corrompida.

A busca pela felicidade que outrora estava associada à virtude e valores, bem como
à ética e à moral, na atualidade, tem sido associada à conquista de bens e prestígio,
na qual o homem, em grande parte, ao invés de buscar a felicidade, busca no
acúmulo de bens e na fama o sentido de ser feliz.

E quanto à política e aos valores éticos que cada parlamentar deveria


comprometer-se e zelar para assegurar que o voto lhe concedido
democraticamente pelo povo seja utilizado para o bem, em realidade em sua
grande maioria tem sido menosprezado em favorecimento de fins pessoais ou
de terceiros, corrompendo os valores éticos, morais e a política, alimentando a
rejeição pública sobre temas políticos.

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Os critérios dentro do conceito
“democrático”
Um regime político pode ser chamado de “democrático” se satisfizer, de forma
substancial, três critérios básicos: inclusão, competitividade e institucionalização
de direitos civis e políticos fundamentais.

No regime político democrático há critérios básicos destinados à participação do povo

Fonte: Plataforma Deduca (2020).

• A inc lusã o

refere-se ao fato de que as posições mais importantes nas áreas de


autoridade executiva e legislativa são eletivas e a maior proporção possível
de membros adultos da comunidade política pode participar dessas eleições.

• A c o m pe titivida de

significa não só que as eleições são competitivas, mas, também, e isso é


muito importante, que a oposição possa operar sem obstáculos entre as
eleições.

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• Instituc io na liza ç ã o de dire ito s c ivis:

processo devido, associação, prática religiosa, liberdade de expressão e


políticos fundamentais (votação, candidatura, etc.) são institucionalizações
quando podem ser efetivamente exercidas, novamente, pela maior proporção
possível de cidadãos.

A qualidade de uma democracia pode flutuar ao longo dessas dimensões, que são
variações ordinais, pois são baixo condicionantes. Exemplo: se as autoridades
forem eleitas, se o sufrágio for universal, se as eleições forem competitivas, se a
oposição for permitida aos que exercem o poder, se os direitos civis e políticos
podem ser exercidos por todos ou apenas por elites, etc.

Em geral o poder absoluto, mesmo quando baseado no consentimento dos


cidadãos, é a negação da democracia. Os limites em questão podem ser
consagrados em leis que determinam o que os governantes podem ou não fazer, ou
podem ser baseadas em práticas consideradas legítimas por todos os importantes
atores sociais e políticos.

Em qualquer caso, essas leis e práticas são institucionalizadas quando


efetivamente limitam o poder daqueles que exercem o poder executivo, ou seja, o
presidente ou o primeiro-ministro, as democracias republicanas e plebiscitárias.

A realidade é que, no caso brasileiro, por exemplo, a sociedade em geral não


acredita na política e não consegue enxergar o paralelo ou a união entre a ética e
política outrora defendida por pensadores como Aristóteles.

Uma das principais razões pela desconfiança e o desprestigio é a corrupção


no setor político. O surgimento de inumeráveis casos envolvendo políticos e
partidos políticos em casos de corrupção fez com que expressiva parcela da
população buscasse “limpar” o governo de indivíduos corruptos e antiéticos.
Contudo, na realidade prática, a população acompanhou que o problema não era
somente a violação dos valores éticos, morais e governamentais, mas também
o companheirismo partidário político que impede que os seus sejam julgados e
condenados por seus crimes.

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Casos de políticos investigados com malas de dinheiro, gravações
comprometedoras, em diversos casos não foram suficientes para que determinados
políticos e empresários fossem presos, demonstrando a face da corrupção no país
e os entraves legais.

Índice da corrupção mundial

Fonte: Plataforma Deduca (2020).

Segundo dados colhidos pela Organização Não-Governamental Transparência


Internacional, entidade responsável por publicar dados estáticos do nível de
corrupção mundial, comprovou-se que o Brasil, no ano de 2016, ocupava a posição
de número 79 entre os países mais corruptos do mundo. Um dos países menos
corruptos do mundo é a Dinamarca, ao contrário da Somália, que por dez anos
seguidos segue ocupando a posição entre os países mais corruptos do mundo.

Fechamento
O art. 1º da Constituição Federal do Brasil apresenta como fundamento o Estado
Democrático de Direito, onde há união entre a igualdade do povo (democracia) e as
leis (direito). A democracia representa um governo do povo e para o povo, onde a lei
é a base desta.

O ser humano é dotado de valores éticos, os quais deverão possibilitar uma


participação coerente e correta dentro da política, eliminando desvios de conduta
ou postura.

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Referências
DIAS, R. Ciência Política. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

FLAMARION, C. R.; MELO, R.; FRATESCHI, Y. Manual de Filosofia Política: para os


cursos de teoria do estado e ciência política, filosofia e ciências sociais 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018.

LA TAILLE, Y. de. Moral e Ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre:


Artmed, 2006.

MONTESQUIEU, C. de S. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a


divisão dos poderes. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

RANIERI, N.B.S. Teoria do Estado: do Estado de Direito ao Estado Democrático de


Direito. Barueri, SP: Manole, 2019.

REALE, M. O Estado democrático de direito e o conflito das ideologias. 3. ed. São


Paulo: Saraiva, 2005.

VANIER, J. Aristóteles para quem busca a felicidade: A resposta da filosofia para


aquilo que todos nós buscamos. (s.c.): Kindle Edition, 2016.

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Estado:
finalidade,
formas de estado
e formas de
governo
Codonho, Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira
SST Estado: finalidade, formas de estado e formas de gover-
no / Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira Codonho
Local: 2020
nº de p. : 14

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Estado: finalidade,
formas de estado e
formas de governo

Apresentação
Os Estados nacionais são um construção histórica e um fato consolidado na
atualidade. Ser cidadão de um Estado traz diversas vantagens relacionados a
direitos da personalidade, sociais e individuais. A existência dos Estados é um fato
tão consolidado em nossas vidas que raramente nos questionamos sobre ele.

Neste estudo, o tema abordado será o Estado. Primeiro, será analisada a sua
finalidade, isto é o porquê da existência dos Estados. Na segunda partes, o enfoque
será nas formas de Estado, estudo que se refere às suas possíveis estruturas. Por
fim, serão apresentadas o que são formas de governo e analisadas duas formas de
governo específicas.

Finalidade do estado
De acordo com Fuhrer e Milaré (2005), juridicamente falando, no plano externo o
Estado visa defender sua independência e o território nacional e, no âmbito interno,
manter a ordem pública, garantindo direitos e justiça.

Os autores sustentam que o Estado tem, também, como finalidade social promover
o bem público, cabendo-lhe usar de todos os meios para favorecer ao indivíduo uma
vida melhor.

Saúde pública

Fonte: Plataforma Deduca (2020).

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Por exemplo, no Brasil, existe o Sistema Único de Saúde (SUS), que é uma política
pública voltada para atender a todos os cidadãos brasileiros. O mesmo ocorre com
a educação: a rede de escolas públicas deve garantir vagas e acesso a todos os
cidadãos brasileiros para que cursem a Educação Básica.

Curiosidade
Que outros serviços devem ser fornecidos pelo Estado, pois são
um direito do cidadão? Verifique se a lista que você fez constitui
uma finalidade do Estado, como cumpridor do seu dever social.

Para cumprir com tais finalidades, o Estado se organiza em diferentes formatos.

Formas de estado
Quando falamos nas formas de Estado, nos referimos à sua estrutura. Enquanto
alguns Estados apresentam-se como um todo homogêneo, com uma soberania
absolutamente indivisa, outros surgem como um conjunto de outros Estados,
fracionando, de certa maneira, soberania. Assim, segundo Fuhrer e Milaré (2005), o
Estado é dividido em forma unitária e forma composta.

Forma unitária
O Estado unitário ou simples é formado por uma unidade indivisível e soberana.
Esta soberania é exercida em dois âmbitos: frente ao povo e em relação aos outros
Estados constituídos.

Nesse tipo de Estado, o governo nacional assume a direção exclusiva de todos os


negócios públicos. Perceba, mesmo que exista uma divisão geográfica do Estado,
como na Inglaterra, que possui distritos e condados, essas partes menores não
possuem leis próprias: submetem-se totalmente à autoridade maior.

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Inglaterra como um exemplo de Estado unitário

Fonte: Plataforma Deduca (2020)

Gusmão (1997) assinala que o Estado simples é aquele que, em regra, tem governo
unitário, exercido em todo o seu território. Vale lembrar que, nesta forma, existe
somente um Poder Executivo, um Poder Legislativo e um Poder Judiciário, todos
centrais, com sede na capital.

Fuhrer e Milaré (2005) destacam que nesse caso, todas as autoridades executivas
ou judiciárias que existem no território são delegações do Poder Central, tirando
dele sua força. São exemplos de Estados que adotam essa forma unitária: Espanha,
França, Itália e Portugal.

Forma composta
O Estado composto surge quando dois ou mais Estados decidem se unir por
algum motivo específico, como ocorreu quando Portugal e Espanha uniram-se pelo
casamento realizado entre seus reis (Reino Unido de Castela e Aragão).

Atualmente, existem dois tipos de estados compostos: a federação e a


confederação.

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Fe de ra ç ã o :

a federação é formada pela união de várias unidades territoriais, chamadas de


Estados-membros, que abdicam de sua soberania em favor da União Federal.
Gusmão (1997) assinala que, na federação, o governo central é denominado
de governo nacional ou federal, enquanto os governos regionais ou estaduais
são aqueles que exercem o poder político nos territórios dos Estados-
membros que governam. O Brasil é um exemplo de federação.

Fonte: Plataforma Deduca (2020)

Co nfe de ra ç ã o :

a confederação é formada por vários Estados soberanos que se unem por


meio de tratados. Segundo Fuhrer e Milaré (2005), esta união pode ter em
vista o desenvolvimento econômico, social, além de ampliar a segurança da
população ou facilitar a defesa do território, por exemplo.
Gusmão (1997) ressalta que, a confederação é a união de Estados soberanos
para defesa em comum ou para realização de obra que visa o interesse de
todos os seus membros.
A confederação, por ser estabelecida por tratados internacionais, pode ter
vida passageira: cada Estado pode se retirar a qualquer momento, embora
isso nem sempre se realize na prática, pois os membros podem ser coagidos
a permanecer na confederação. A ex-União Soviética era uma confederação
formada por diferentes Estados-membros que ganharam autonomia com o fim
da URSS.

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Fonte: Plataforma Deduca (2020)

Segundo Fuhrer e Milaré (2005), enquanto na federação os Estados-membros estão


unidos por uma Constituição, de maneira que o Estado Federal é regulado pelo
Direito Constitucional, na confederação os Estados estão ligados por um tratado
internacional, regulados, portanto, pelo Direito Internacional

Formas de Estado

Simples ou Não possui divisões que apresentem leis internas


unitário próprias.

Federação: os Estados-membros submetem-se totalmente ao poder central.


Composto
Confederação: Os Estados-membros conservam plena soberania.

Fonte: Fuhrer e Milaré (2005)

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Formas de governo
É importante distinguir as formas de Estado e as formas de governo. Segundo
Martins (2010), as formas de governo são a monarquia e a república.

Monarquia
Na monarquia, quem governa e faz as leis é o soberano. Ele tem o poder supremo e
vitalício. O trono é hereditário, ou seja, passado de pai para filho.

Poder soberano

Fonte: Plataforma Deduca (2020).

A monarquia pode ser absoluta, limitada ou constitucional. Também pode ser


categorizada em monarquia pura ou parlamentar.

Na monarquia absoluta, o governo caberá a um indivíduo que possuirá poderes


ilimitados, fazendo e aplicando as leis.

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Na monarquia limitada o exercício do poder é feito por elementos aristocráticos e
democráticos. A aristocracia é o governo de poucos, geralmente dos nobres e dos
mais ricos.

A monarquia constitucional é aquela que ocorre quando o rei governa, mas sujeita-se
às limitações previstas constitucionalmente.

Na monarquia pura, o monarca é chefe de Estado e de governo.

Na monarquia parlamentar a chefia de governo é exercida pelo Gabinete ou Conselho


de Ministros.

República
Segundo Martins (2010), a república é uma forma democrática de governo, exercida
pelo povo, em seu benefício, por meio de voto. Na república os mandatos políticos
são temporários e não há sucessão hereditária.

República por meio de votos

Fonte: Plataforma Deduca (2020).

O Brasil, desde sua instituição, passou por diferentes formas de Estado e de


governo: foi Reino Unido a Portugal e Algarves (1815), viveu o sistema monarquista
e o republicano, em diferentes modelos – incluindo o presidencialista e o
parlamentarista. Passou, também, por ditaduras. É uma história que mostra a

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pluralidade de opções para reger as regras da convivência social, em que atuam as
instituições de direito público e privado.

Fechamento
Estudamos sobre alguns dos principais aspectos dos Estados. Como visto, além
de serem formas de organização social complexas, os Estados cumprem funções
e finalidade específicas como promover o bem comum, ser forte e garantir direitos
sociais relacionados à saúde, educação etc.

Neste estudo, foi possível reconhecer que os Estados podem assumir formatos
distintos, apesar de suas finalidades serem as mesmas. As classificações podem
levar em conta tanto as estruturas como as formas de governo.

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Referências
FUHRER, M. C. A.; MILARÉ, É. Manual de Direito Público e Privado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.

GUSMÃO, P. D. de. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

MARTINS, S. P. Instituições de Direito Público e Privado. São Paulo: Atlas, 2010.

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História do Direito
Fernandes, Raquel
SST História do direito I / Raquel Fernandes
Local: 2020
nº de p. : 11

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Histó ria do Dire ito

Apresentação
Iniciamos nosso estudo com um desafio permanente: a definição de Direito. Trata-
se de uma dificuldade, pois, como será possível observarmos nesta unidade,
percepções e costumes humanos são subjetivos, ou seja, são oriundos de
sociedades e pensamentos próprios. E, para que seja possível entendermos o Direito,
será necessário conhecermos a sua história, uma vez que ela é a manifestação de
relações sociais, ideologias e valores, que o integram.

Pode-se dizer que o Direito é reflexo das relações sociais existentes em determinada
sociedade e sempre esteve relacionado com o poder e com o domínio, conforme
estudaremos a seguir.

Historicidade do direito: entendendo-o


através de sua história
Para compreender o Direito como um reflexo das relações sociais, é importante
verificarmos como ele surge, observando a sua presença como substrato social ao
longo da história da humanidade, ainda que de modo resumido.

Nas sociedades primitivas, o parentesco era o elemento que definia o detentor do


Direito. Assim, as comunidades eram organizadas em famílias, grupos de famílias,
clãs e grupos de clãs. Somente as percepções dessas organizações eram válidas
como certas e dignas de serem seguidas, entendendo, assim, que o domínio
era restrito e rígido. De forma mais clara, podemos pensar que somente essas
organizações eram as detentoras de direito, não havendo espaço para discussão de
ideias, visões e articulações de pessoas que não pertencessem a elas.

Com o passar do tempo, as sociedades foram se modificando, provavelmente pela


complexidade das interações humanas, visto que o parentesco deixa de ser algo
tão forte, como base de organização social, e os mercados aparecem como novos
elementos importantes de poder e domínio.

Assim, nas sociedades pré-modernas (China, Índia, Grécia e Roma), a estrutura social
fez com que o Direito fosse um instrumento de dominação direta, ou seja, o dono

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da terra e os negociadores em mercados eram os detentores do domínio e a eles
cabia exercer o direito. O comerciante não precisava ter relações de parentesco com
organizações familiares ou de clãs para poder negociar no mercado.

As comunidades começaram a se organizar como polis ou sociedade política,


originando uma forma hierárquica de domínio baseada em prestígio, o que determina
quem é quem na sociedade, relações de status e linguagem própria. Nasce, então, a
ideia do homem enquanto ser livre e o Direito sofre transformações para reconhecer
opções de escolhas, opiniões, visões e participações na vida social. Dessa forma,
o sujeito não precisa pertencer a uma família ou a um clã para invocar o Direito,
uma vez que agora ele é parte de uma sociedade política, com o mesmo privilégio
dos outros. Surge a ideia do jusnaturalismo, em que existem direitos que já nascem
com o ser humano, já pertencem a ele, e não precisam necessariamente de
regulamentação.

O Direito, então, passa a regular os comportamentos sociais, o que faz com que
surjam formas de jurisdição, como juízes, tribunais, advogados, réu, autor etc. Assim,
os comportamentos também são jurídicos, acarretando o aparecimento dos juristas,
os quais são especializados em entender os comportamentos de uma sociedade e
perceber se são adequados ou não.

Livros antigos de Direito

Fonte: Plataforma Deduca(2020).

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O Direito Romano merece destaque em nosso estudo, uma vez que os
desenvolvimentos que aconteceram no Direito, no período romano, exercem forte
influência nos dias de hoje. Ele apresenta um conjunto de princípios e lei utilizados
por Roma e seus domínios. Vamos conhecer mais a respeito na sequência.

O Direito Romano foi aplicado desde a fundação da cidade de Roma, em 753 a.C., até
a morte do imperador Justiniano, em 565 d.C. O sistema jurídico romano constituiu
um dos mais importantes do mundo e até hoje exerce influência em diversas
culturas.

Existiram quatro fases do Direito Romano, as quais vamos apresentar a seguir.

• Período Régio: vai desde a fundação da Cidade de Roma até a República. Nes-
se período, o Direito era baseado nos costumes (chamados de mores);
• Período Republicano: vai desde 510 a.C. até o período imperial com Augusto,
em 27 a.C. No período de Augusto, prevalecia o Direito Sagrado, religioso e a
boa-fé. Esse Direito era comum a todos os povos do Mediterrâneo;
• Período do Principado: é conhecido como o período do Direito Clássico, que
vai do reinado de Augusto até o imperador Diocleciano. Nesse período, há
forte participação dos jurisconsultos, que é como os juristas dos dias de hoje.
Surge a administração da justiça de aplicação particular do imperador;
• Período da Monarquia Absoluta: acontece após o imperador Diocleciano e vai
até a morte do imperador Justiniano. Nesse período, surge o Direito Pós-clás-
sico, o qual é marcado pela ausência de grandes jurisconsultos e pela adapta-
ção das leis à nova religião predominante, o Cristianismo. Ocorre a formação
do Direito Moderno.

O Direito Romano desenvolveu-se no sentido de razão e dever. O homem era


considerado cidadão, com exceção dos escravos. Ele influenciou o surgimento do
sistema romano-germânico, o qual é aplicado na maior parte dos países europeus e
nos países latino-americanos.

O sistema romano-germânico, também conhecido como civil law, é um sistema


jurídico baseado na codificação do direito, conforme conhecemos hoje no Brasil.

Nesse ponto, é importante diferenciar o Direito em Roma e na Idade Média. Podemos


dizer que, para os romanos, ele assume caráter sagrado e humano, de forma que
esses dois elementos são imanentes, ou seja, pertencem um ao outro. Já na Idade
Média, assume caráter externo à vida terrena, pautado na Ordem Divina, cuja máxima
expressão era a lei, com a qual o ser humano deveria se conformar para que fosse
salvo.

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Diante desse contexto histórico, é possível identificar que o Direito está em
movimento com os costumes de uma sociedade e, por isso, não é linear, já que estão
em constante modificação. É por esse motivo que se afirma que o Direito faz parte
da sociologia, da filosofia, da antropologia, da política etc.

C urio sida de
A Declaração Universal do Direitos Humanos traz a ideia de que,
por meio do ensino e da educação, é possível promover o respeito
aos direitos e às liberdades.

Direito contemporâneo
É importante reforçar que o Direito está em constante transformação, além de ser
resultado de fatos históricos. Na atualidade, ele assume a função de regulamentar
as relações sociais e mercantis por meio de um conjunto de regras que nasceram
dos costumes e das organizações sociais de determinada sociedade.

Existem muitas discussões entre juristas sobre ele ser jusnaturalista ou positivista. A
teoria jusnaturalista traz a ideia de que os direitos são inerentes aos seres humanos,
são “direitos naturais”, e não criações de legisladores, tribunais ou juristas. Assim,
direitos não poderiam deixar de existir, uma vez que são universais, imutáveis e
invioláveis. Já a teoria positivista traz a ideia de que os direitos são decorrentes
de ordens normativas, ou seja, são somente aqueles expressos na legislação de
determinada sociedade; normas emanadas pelo Estado. A esse respeito, o Brasil
adotou a corrente da teoria positivista.

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Teoria positivista: Direito decorrente de normas emanadas pelo Estado

Fonte: Plataforma Deduca (2020).

É importante que você também saiba que, hoje, os juristas perceberam a


necessidade da interdisciplinaridade entre o Direito e outras ciências. Isso porque,
quando se trata de ser humano, sabe-se que há complexidade, e cada sociedade
apresenta suas próprias dinâmica e cultura, fazendo com que seus sujeitos tenham
variados contextos. Assim, quando há a necessidade da aplicação do Direito,
é preciso analisar o contexto do sujeito e, por isso, não é aceitável que ele seja
engessado e mecânico. Nesse contexto, é primordial que ele se alie a outras ciências
para que possa ter acesso a outras visões.

Conceitos importantes
Afinal, o que é Direito? Analisando a sua história, percebemos que ele nos protege
do poder arbitrário, proporciona oportunidades iguais e ampara os vulneráveis.
Entretanto, se usado de maneira prejudicial e sem levar em consideração os diversos
contextos existentes em uma sociedade, pode ser instrumento de manipulação que

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frustra as expectativas dos vulneráveis e, por conta de sua complexidade muito
requintada e burocrática, torna-se acessível somente a uma pequena camada da
sociedade.

• O Direito é ciência?

Essa é uma das perguntas que mais causa debate entre os juristas. Nesse
aspecto, é comum ouvir os profissionais dessa área dizendo que as atividades que
desenvolvem são ciência do Direito.

O grande debate que existe sobre ele ser ou não uma ciência envolve o pensamento
de que, se é considerado ciência, torna-se empobrecido, uma vez que será visto
como uma estrutura mecânica, estagnada e vazia.

Sobre a ciência do Direito, há a ideia de que um discurso pode ser construído como
uma forma de dominação da ideologia jurídica, uma vez que poderá ser um discurso
conectado e inteligente. Porém, esse pensamento leva o jurista para um Direito
reduzido; para uma pequena parcela do que ele é.

Nesse sentido, Hans Kelsen, por exemplo, apontou que a norma jurídica, advinda do
Estado, é o que constitui o Direito e deve ser analisada por uma ciência do Direito.
Aqui, o pensamento seria de que não se deve fazer juízo de valor sobre as normas
serem boas ou ruins, pois essa ciência se resumiria somente em estudar essas
normas. Você percebe que esse pensamento não faz sentido diante do que estamos
vendo até agora sobre o Direito?

É importante entendermos que ele não é um fenômeno como os da natureza


(leis da física, leis da química, leis da biologia etc.). Dessa maneira, ele é fruto
de movimentações sociais e históricas e, por isso, não pode ser estudado de
forma científica, conforme as leis da natureza. A dialética é o processo de
diálogo, de debate, entre pessoas que tentam buscar a compreensão de uma
determinada situação, por meio de contraposições de ideias e reconciliação dessas
contraposições. Ela permite que, pelos diferentes olhares sobre contextos, seja
possível compreender o Direito.

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Dialética

Fonte: Plataforma Deduca (2020).

• O que entender quando se fala que o Direito é dogmático?

Existe outra discussão acerca da característica do Direito sobre o fato dele ser
dogmático ou zetético. Quando o seu enfoque é dogmático, há o entendimento de
que as situações devem ser de determinada maneira, sem muitas chances para
discussões, sendo diretivo, ligado a conceitos fixos. Nesse caso, ele se preocupa
em possibilitar uma decisão e orientar uma ação. Já quando o enfoque é zetético,
entende-se que determinada situação será questionada, havendo especulação e,
assim, indo na direção de entender o que é aquela situação, aquele ser ou aquela
coisa.

Nesse aspecto, vale conhecer o exemplo que Ferraz Júnior traz em seu livro
Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação.

A título de exemplo, podemos tomar o problema de Deus na Filosofia e


na Teologia. A primeira, num enfoque zetético, pode pôr em dúvida sua
existência, pode questionar até mesmo as premissas da investigação,
perguntando-se inclusive se a questão sobre Deus tem algum sentido.
Nesses termos, seu questionamento é infinito, pois até admite uma
questão sobre a própria questão. Já a segunda, num enfoque dogmático,
parte da existência de Deus como uma premissa inatacável. E se for uma
teologia cristã, parte da Bíblia como fonte que não pode ser desprezada.

9
Seu questionamento é, pois, finito. Assim, enquanto a Filosofia se revela
como um saber especulativo, sem compromissos imediatos com a ação,
o mesmo não acontece com a Teologia, que tem de estar voltada para a
orientação da ação nos problemas humanos em relação a Deus. (FERRAZ
JÚNIOR, 2016, p. 20)

Assim, o enfoque zetético é mais aberto e o enfoque dogmático mais fechado,


obrigando que os problemas sejam resolvidos de acordo com o que já se tem
estabelecido. No Brasil, há um forte posicionamento no sentido de que o Direito é
dogmático.

Fechamento
Como foi possível observarmos nesta unidade, a definição de Direito não é tão
simples e a sua história pode ser importante para se conseguir apreender o seu
conceito. Um dos primeiros passos para a sua compreensão é analisar o seu
desenvolvimento histórico, no seu acontecer desde as sociedades da antiguidade.

Após essa análise histórica, foi possível chegarmos às definições contemporâneas


de Direito segundo as teorias jusnaturalista e positivista. Por fim, com base nesses
fundamentos, apresentamos respostas importantes a questionamentos sobre ele:
seu conceito, se é uma ciência, bem como se é dogmático ou zetético. Com base
nessas exposições, foi possível criarmos um panorama geral para a compreensão do
que, de fato, é o Direito.

10
Referência
FERRAZ JUNIOR, T. S. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

11
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Controle de Constitucionalidade

DISCIPLINA
Elementos de Teoria do Estado e
de Jurisdição Constitucional

CONTEÚDO

Controle Concentrado de
Constitucionalidade www.cenes.com.br | 1
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Controle de Constitucionalidade

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Controle de Constitucionalidade

Sumário
Sumário------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
1 Controle de Constitucionalidade ---------------------------------------------------------------------- 4
1.1 Origem do controle concentrado de constitucionalidade ---------------------------------------------------- 4
2 Controle concentrado de constitucionalidade no Brasil ---------------------------------------- 5
3 Ações específicas do controle judicial abstrato --------------------------------------------------- 8
3.1 Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ----------------------------------------------------------------------- 8
3.1.1 Legitimados ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 11
3.1.2 Efeitos da decisão ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 12
3.2 Ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO) ----------------------------------------------------------- 14
3.2.1 Legitimados ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 16
3.2.2 Efeitos da decisão ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 16
3.3 Ação declaratória de constitucionalidade (ADC) -------------------------------------------------------------- 17
3.3.1 Legitimados ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 18
3.3.2 Efeitos da decisão ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 18
3.4 Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)------------------------------------------ 19
3.4.1 Pressupostos gerais de cabimento ------------------------------------------------------------------------------------------- 20
3.4.2 Legitimados ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 22
3.4.3 Efeitos da decisão ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 22

4 Referências Bibliográficas ------------------------------------------------------------------------------ 23

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Controle de Constitucionalidade

1 Controle de Constitucionalidade
A doutrina tem como marco histórico do controle de constitucionalidade o
precedente Marbury v. Madison, que, em 1803, deu origem ao que conhecemos hoje
como controle difuso de constitucionalidade. Nesse controle, também conhecido
como modelo americano, “a fiscalização constitucional é realizada por todos os órgãos
judiciais do ordenamento, sendo mais preciso denominá-lo universal”. Assim, no
modelo difuso, o controle de constitucionalidade pode ser realizado por todos os
órgãos do poder judiciário, mas claro, cada um dentro de suas competências
(DIMOULIS e LUNARDI, 2016).

Posteriormente, já em 1920, o jurista austríaco Hans Kelsen fundou o sistema


concentrado de constitucionalidade, também conhecido como sistema europeu ou
austríaco, devido a sua origem. No modelo concentrado de constitucionalidade, tema
de estudo da nossa aula de hoje, o controle ocorre quando o ato de
inconstitucionalidade é apreciado por um órgão superior, seja uma Corte
Constitucional seja a Suprema Corte ou, no caso do Brasil, o Supremo Tribunal Federal,
e não por vários tribunais como ocorre no controle difuso.

No entanto, no Brasil, como veremos melhor adiante, embora inicialmente tenha-se


adotado o sistema americano (difuso), com a promulgação da Constituição Federal de
1988 o sistema europeu (concentrado) também foi inserido no ordenamento jurídico
pátrio, transformando o Brasil em um dos países que adotam o controle misto ou
híbrido. Neste modelo, conforme destacam Dimitri Dimoulis e Soraya Lunard (2016),
há a possibilidade do Tribunal Supremo se manifestar de forma concentrada sobre a
constitucionalidade de determinadas leis, ao mesmo tempo que os tribunais de
primeira instância (qualquer juiz) podem realizar o controle de forma difusa, dentro
dos limites de sua competência.

1.1 Origem do controle concentrado de constitucionalidade

O sistema concentrado de constitucionalidade surge na Europa juntamente com a


promulgação da Constituição Austríaca em 1920 por meio de seu precursor Hans
Kelsen. Diferente do modelo americano (difuso), em que o controle de
constitucionalidade é realizado por todos os órgãos do poder judiciário, o sistema

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Controle concentrado de constitucionalidade no Brasil

europeu tem como principal característica a concentração do controle em apenas um


órgão, na Suprema Corte, ou também conhecida como Corte Constitucional.

De acordo com Luís Roberto Barroso (2016), “para Kelsen, o controle de


constitucionalidade não seria propriamente uma atividade judicial, mas uma função
constitucional, que melhor se caracterizaria como atividade legislativa negativa.
Idealizador do controle concentrado em um tribunal constitucional, considerava que
a lei inconstitucional era válida até que uma decisão da corte viesse a pronunciar sua
inconstitucionalidade. Antes disso, juízes e tribunais não poderiam deixar de aplicá-la.
Após a decisão da corte constitucional, a lei seria retirada do mundo jurídico”.
Conforme destaca o autor, era justamente com essa medida que Kelsen pretendia
evitar um “governo de juízes”.

No entanto, esse pensamento não perdurou por muito tempo. Em 1933 a Corte foi
dissolvida em virtude do Decreto Presidencial nº 191, após a implementação de uma
ditadura do Poder Executivo que posteriormente culminaria na junção da Áustria à
Alemanha, que já estava sob o poder dos nazistas. Porém, conforme destacam Gilmar
Mendes e Paulo Branco (2021), “terminado o conflito, a revelação dos horrores do
totalitarismo reacendeu o ímpeto pela busca de soluções de preservação da dignidade
humana, contra os abusos dos poderes estatais”.

Assim, após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Corte foi novamente
instituída, agora com uma significativa ampliação no rol de legitimados para requerer
a realização do controle de constitucionalidade, pois, depois de todas as atrocidades
vivenciadas na época, percebeu-se que era necessária a existência de um instrumento
capaz de zelar pelas normas constitucionais. Rapidamente, o modelo de justiça
constitucional idealizado inicialmente por Kelsen se espalhou pela Europa, juntamente
com o processo de democratização dos países.

2 Controle concentrado de constitucionalidade no Brasil


Durante a vigência das primeiras Constituições, quando o Brasil ainda caminhava sob
o regime imperial, não existia qualquer forma de controle de constitucionalidade, ele

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Controle concentrado de constitucionalidade no Brasil

foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro apenas em 1891 juntamente com


o surgimento da República. Inicialmente, devido à forte influência americana no
processo legislativo, o modelo de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil
foi aquele desenvolvido pela Suprema Corte Norte-americana, realizado de forma
incidental e difusa. O modelo americano permaneceu soberano até a promulgação da
Constituição de 1988, quando o legislador insere no ordenamento jurídico a
possibilidade do controle de constitucionalidade por via principal e concentrada,
modelo baseado no europeu ou Austríaco.

Assim, apesar de muitos doutrinadores considerarem o sistema de controle de


constitucionalidade brasileiro como essencialmente difuso, já que foi o primeiro a
surgir nas Constituições do país, o Brasil é um exemplo de sistema misto, já que
combina tanto elementos do sistema concentrado (Austríaco) quanto do sistema
difuso (Norte-americano). Esse terceiro modelo, que compila regras dos outros dois
sistemas, é amplamente utilizado em países da América Latina.

Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017), o controle de


constitucionalidade adotado pelo Brasil possui características singulares que se
diferenciam da maioria dos outros Países, “Nele se conjugam os modelos difuso,
oriundo do direito americano, possibilitando a todos os órgãos do Poder Judiciário a
realização do controle incidental da constitucionalidade de leis e atos normativos, e
concentrado, proveniente dos países europeus continentais, em que o órgão de
cúpula do Poder Judiciário realiza o controle abstrato da constitucionalidade de
normas jurídicas”.

Neste sentido, destacam Dimitri Dimoulis e Soraya Lunard (2016) que “por mais que
se procure, na Europa não será encontrado Tribunal com as competências e os ritos
processuais do STF ou do Tribunal Constitucional da Bolívia, que são resultados
peculiares de uma experiência histórica diversa da europeia”. Isto é, ao mesmo tempo
que os Tribunais Superiores, no caso do Brasil o STF, decidem de forma concentrada
sobre a constitucionalidade das normas, os tribunais de instâncias inferiores atuam no
controle de constitucionalidade de forma difusa.

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Controle concentrado de constitucionalidade no Brasil

De acordo com Lenio Streck (2018), “o controle concentrado de constitucionalidade é


relativamente novo em nosso País. [...] até novembro de 1965 vigorava no Brasil o
controle difuso de constitucionalidade, sendo que somente pela EC 16 é que foi
introduzida essa novidade [...]. Até então, mantínhamo-nos fiéis à matriz norte-
americana, de controle eminentemente jurisdicional e difuso (judicial review)”. Com
isso, o Brasil passa a fiscalizar a constitucionalidade não só das leis em sentido estrito,
mas também todos os atos administrativos, as resoluções dos tribunais, decretos e
portarias existentes no poder executivo e os demais atos, ainda que não sejam
reconhecidos como essencialmente legislativos, dependendo do seu conteúdo, serão
objeto do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade.

Geralmente, o controle concentrado de constitucionalidade é aquele realizado de


forma abstrata, ou seja, que não se vincula juridicamente a interesses particulares e
nem a um caso em concreto. Neste caso, a inconstitucionalidade da norma é verificada
de forma abstrata e o julgador analisará apenas a sua compatibilidade com o texto
constitucional, por meio de ações propostas diretamente no STF (ADI, ADC, ADO e
ADPF), com o único intuito de eliminar a norma tida como inconstitucional do
ordenamento jurídico, não admitindo-se que a parte (legitimado) desista da ação, pois
se trata de um interesse indisponível e independe de um processo concreto.

Além disso, considerando que esse modelo se vale de ações específicas propostas
diretamente no Supremo, a via de ação é a principal. Isto é, a demanda se inicia com
a indagação sobre a constitucionalidade da norma ou do ato e se encerra com uma
sentença reconhecendo a procedência ou não do pedido realizado na inicial. No
entanto, ainda é possível, em caráter excepcional, que o controle seja realizado de
forma incidental, quando no decorrer do processo comum, a parte ou o julgador, de
ofício, questionam a constitucionalidade da lei ou do ato antes da sentença.

Portanto, é possível dizer que no Brasil adotamos um sistema combinado, pois,


conforme destacam Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2016), as “ações cujo único
objeto é a declaração de inconstitucionalidade, como a ADIn, estão previstas em
paralelo ao controle de constitucionalidade realizado por qualquer tribunal no
decorrer de um processo comum. Mesmo no âmbito de uma ADIn, o STF pode
examinar incidentalmente e de ofício uma norma que não foi impugnada, mas que

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Ações específicas do controle judicial abstrato

deveria ser aplicada para responder a demanda principal. Assim, podemos ter uma
declaração incidental de inconstitucionalidade no controle principal e abstrato”.

3 Ações específicas do controle judicial abstrato


O controle judicial abstrato no Brasil pode ser exercido por meio da ação direta de
inconstitucionalidade (ADI), da ação direta de inconstitucionalidade por omissão
(ADO), da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e da arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF), as quais veremos melhor na
sequência.

3.1 Ação direta de inconstitucionalidade (ADI)

A ação direta de inconstitucionalidade, comumente conhecida como ADI, é uma das


ações típicas do controle judicial abstrato, prevista no art. 102, inciso I, alínea “a” da
Constituição Federal, tem o intuito somente de aferir a constitucionalidade de lei ou
ato normativo objeto da ação. Nas palavras de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino
(2017), na ADI “a inconstitucionalidade da lei é declarada em tese, vale dizer, sem que
esteja sob apreciação qualquer caso concreto, já que o objeto da ação é justamente o
exame da validade da lei em si. A declaração da inconstitucionalidade não é incidental,
não ocorre no âmbito de controvérsia acerca de caso concreto que envolva aplicação
de uma lei cuja validade se questiona; a própria ação tem por fim único o
reconhecimento da invalidade da lei ou ato normativo impugnado”.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,


cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato


normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal.

A ação tem por objetivo manter a supremacia e a ordem constitucional, retirando do


ordenamento jurídico todas as normas que violem as diretrizes e os preceitos
constitucionalmente estabelecidos. Como descrito por Dimitri Dimoulis e Soraya
Lunardi (2016), “além de preservar a supremacia constitucional, a ADIn, tal como as

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Ações específicas do controle judicial abstrato

demais ações do controle de constitucionalidade abstrato, objetiva preservar a


segurança jurídica, impedindo que surjam decisões discrepantes sobre a
constitucionalidade”.

Contudo, esse controle abstrato do qual decorre a ação direta de


inconstitucionalidade não é realizado somente no âmbito federal, através do Supremo
Tribunal Federal, sendo também conferido aos Estados-membros, de modo que os
Tribunais de Justiça possuem competência para julgar as ADIns propostas para
verificar a (in)constitucionalidade de leis estaduais e municipais em face das
Constituições dos Estados (art. 125, §2º, CF). Contudo, em que pese exista essa
delegação de competência do âmbito federal ao estadual e municipal, os efeitos da
ação permanecem os mesmos, toda ADI terá, em regra, efeito erga omnes e ex tunc.

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.

§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos


normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da
legitimação para agir a um único órgão.

Desta forma, se houver uma violação de lei federal em relação à Constituição Federal,
a competência para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade será do
Supremo Tribunal Federal, afinal cabe a ele zelar pelos princípios constitucionalmente
estabelecidos, nos termos do art. 102, inciso I, alínea “a” da CF. Da mesma forma que
será de competência do STF se uma lei estadual violar a norma maior. No entanto, a
competência será alterada e passa ao Tribunal de Justiça caso a violação da norma
seja com relação à Constituição do Estado ou do Município, uma vez que cada Estado
tem a obrigação de zelar pelos princípios constitucionalmente estabelecidos em seus
respectivos territórios.

Além disso, é possível que uma norma contrarie, ao mesmo tempo, preceitos
estabelecidos na Constituição Estadual e na Constituição Federal, já que a primeira
reproduz muitos aspectos apresentados na segunda. Assim, em face de uma violação
estadual e federal, destaca Flávio Martins (2019), a competência será de ambos, de
modo que será cabível tanto uma ADI no Tribunal de Justiça do estado que teve sua

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Ações específicas do controle judicial abstrato

constituição violada, quanto no Supremo Tribunal Federal por violação à Constituição


Federal, porém se ajuizadas concomitantemente, segundo a jurisprudência
predominante no STF, a ADI federal suspende a ADI estadual.

Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar. Lei nº 9.332, de 27 de dezembro de


1995, do Estado de São Paulo. - Rejeição das preliminares de litispendência e de continência,
porquanto, quando tramitam paralelamente duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma
no Tribunal de Justiça local e outra no Supremo Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual
impugnada em face de princípios constitucionais estaduais que são reprodução de princípios
da Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta perante o Tribunal
estadual até o julgamento final da ação direta proposta perante o Supremo Tribunal Federal,
conforme sustentou o relator da presente ação direta de inconstitucionalidade em voto que
proferiu, em pedido de vista, na Reclamação 425. - Ocorrência, no caso, de relevância da
fundamentação jurídica do autor, bem como de conveniência da concessão da cautelar.
Suspenso o curso da ação direta de inconstitucionalidade nº 31.819 proposta perante o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, defere-se o pedido de liminar para suspender, ex
nunc e até decisão final, a eficácia da Lei n 9.332, de 27 de dezembro de 1995, do Estado de
São Paulo.

(ADI 1423 MC, Relator(a): MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/1996, DJ 22-11-
1996 PP-45684 EMENT VOL-01851-01 PP-00120)

Outro ponto interessante é com relação à norma municipal que viole os preceitos
estabelecidos na Constituição Federal, pois neste caso não cabe ADI estadual ou
federal, afinal não cabe ao Tribunal de Justiça analisar violações à Constituição Federal,
exceto quando a norma violar de forma simultânea as Constituições Estadual e
Federal, e o Supremo Tribunal Federal, que seria o responsável, é vedado por expressa
previsão do art. 102, I, “a”, o qual prevê a competência para decidir somente sobre lei
federal ou estadual. Assim, além do controle difuso, no qual a inconstitucionalidade
da norma poderá ser suscitada perante qualquer juiz ou tribunal, resta ao legitimado,
no controle concentrado, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(art. 102, I, “a”, segunda parte).

Ainda, no caso do Distrito Federal, considerando que ele possui atribuições Estaduais
e Municipais, existem algumas particularidades quanto ao controle de
constitucionalidade realizado em suas normas. A Lei Orgânica do DF, por força do art.
32 da CF, equipara-se à Constituição Estadual, portanto se houver uma violação de lei
distrital, caberá contra ela ADI, direcionada ao Tribunal de Justiça do DF. Agora, se a

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Ações específicas do controle judicial abstrato

lei distrital violar o texto da Constituição Federal, a competência para julgar dependerá
da natureza da norma, pois o DF possui tanto a competência municipal quanto a
competência estadual. Assim, diante de uma violação constitucional de norma distrital
cuja competência seja municipal, caberá ADPF, uma vez que o tratamento será o
mesmo dado às leis municipais. Já se a violação decorrer de uma norma distrital cuja
competência seja estadual, caberá ADI direcionada ao STF, nos termos do art. 102, I,
“a” da CF.

3.1.1 Legitimados

Os legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade estão elencados em


um rol taxativo previsto no art. 103 da Constituição Federal e no art. 2º da Lei 9.868/99.
Os entes trazidos pelo artigo são classificados pela doutrina como legitimados
universais (neutros) e especiais (interessados), da seguinte forma:

→ LEGITIMADOS UNIVERSAIS
 Presidente da República;
 Mesa do Senado e da Câmara dos Deputados;
 Procurador Geral da República;
 Conselho Federal da OAB;
 Partido Político com representação no Congresso Nacional.

→ LEGITIMADOS ESPECIAIS
 Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF;
 Governadores dos Estados ou do DF;
 Confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Essa diferenciação entre legitimados universais e especiais é importante para a


satisfação do requisito da pertinência temática definido pelo Supremo Tribunal
Federal e tido como essencial para os legitimados especiais, já que eles devem
demonstrar a existência de um vínculo entre o objeto da ADI e a atividade que
desempenham. Conforme destaca Flávio Martins (2019), “a pertinência temática deve
ser vista como uma condição da ação, na modalidade interesse de agir. Trata-se de
um interesse especial no objeto da ação, que deve ser provado pelo autor da ADI”. O
critério da pertinência temática não é exigido dos legitimados considerados universais,
ou seja, eles podem ajuizar ADI sobre qualquer assunto, independentemente da

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Ações específicas do controle judicial abstrato

existência do vínculo de sua atividade com o objeto da ação.

3.1.1.1 Capacidade postulatória

Segundo a jurisprudência do STF, somente alguns dos legitimados do art. 103 da


Constituição possuem capacidade postulatória e podem propor Ação Direta de
Inconstitucionalidade por si só, independentemente da figura do advogado, mesmo
que não sejam habilitados pela Ordem dos Advogados do Brasil, podendo, inclusive,
praticar diretamente todos os atos ordinariamente privativos de advogados. Os
legitimados que possuem capacidade postulatória são: a) Presidente da República; b)
Mesa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados; c) Mesa de Assembleia
Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF; d) Governador de Estado ou do DF; e)
Procurador-Geral da República; f) Conselho Federal da OAB.

Portanto, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, as


confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional não possuem
capacidade postulatória e, por isso, só podem propor ações do controle abstrato por
meio de um advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB.

3.1.2 Efeitos da decisão

A decisão que reconhece a inconstitucionalidade de determinada norma pode ter dois


efeitos, os que possuem reflexos pessoais e os que possuem reflexos temporais. O
alcance pessoal dos efeitos da decisão proferida em sede de ADI é vinculante e contra
todos, ou seja, a decisão possui o que chamamos de efeito erga omnes. Flávio Martins
(2019) afirma que isso ocorre “porque a Ação Direta de Inconstitucionalidade consiste
num controle abstrato de constitucionalidade, num processo objetivo, sem que haja
réus, por exemplo. Assim, depois de uma análise abstrata da constitucionalidade da
lei, a decisão do Supremo Tribunal Federal produzirá efeitos contra todos (erga
omnes)”.

No mesmo sentido, Dimitri Dimoulis e Soraya Lunard (2016) afirmam que o efeito erga
omnes é característico do controle concentrado, “elaborado para que a declaração de
inconstitucionalidade apresente efeitos gerais. A norma é anulada ou declarada ab

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Ações específicas do controle judicial abstrato

initio nula por violar dispositivos constitucionais, atingindo todos os interessados,


independentemente de sua participação ao processo. A eliminação da norma gera o
denominado efeito vinculante”. Esse também é o entendimento manifestado no
parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/99.

Art. 28. [...]

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a


interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem
redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder
Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Por outro lado, com relação ao alcance temporal dos efeitos da decisão, em regra
podemos classificar como ex tunc, pois quando determinada norma é declarada
inconstitucional a decisão afeta sua validade, tornando-a nula desde o seu
nascimento. Conforme destacam Dimitri Dimoulis e Soraya Lunard (2016), “no Brasil,
tradicionalmente a decisão sobre a inconstitucionalidade é considerada declaratória,
consistindo na verificação e proclamação de um vício que existia desde o início. Em
decorrência disso, proclama-se que o fato ou ato jurídico objeto do controle ‘nunca
existiu’ de iure, tendo a declaração efeito retroativo (ex tunc)”.

No entanto, é possível que o STF module os efeitos temporais da decisão, o art. 27 da


Lei 9.868/99 autoriza “o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia
a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Isto
é, em regra, a decisão manifestada em sede de ADI será declaratória de
inconstitucionalidade e, portanto, terá efeitos vinculativos erga omnes e ex tunc
(retroativos), mas nada obsta que se cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 27,
o Supremo Tribunal Federal fixe a data a partir da qual sua decisão produzirá efeitos.

De acordo com Flávio Martins (2016), “várias são as hipóteses: a) em regra, os efeitos
da decisão são retroativos (retroagindo até o nascimento da lei – efeito ex tunc); b) o
STF pode determinar que sua decisão retroaja apenas por um período posterior a
edição da lei – alguns meses, alguns anos etc.; c) o STF pode determinar que sua

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Ações específicas do controle judicial abstrato

decisão não retroagirá, produzindo efeitos a partir do trânsito em julgado (efeito ex


nunc); d) o STF pode determinar que sua decisão produzirá efeitos somente no futuro
– depois de alguns meses, anos etc. (é o chamado efeito pro futuro ou prospectivo).
Neste caso, a decisão do STF, em vez de ser declaratória, será constitutiva, pois
manterá os efeitos já produzidos pela lei inconstitucional, determinando, criando um
momento a partir do qual os efeitos de sua decisão serão gerados”.

3.2 Ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO)

A ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO) é uma das novidades trazidas pela
Constituição Federal de 1988. Prevista no § 2º do art. 103, a ADO tem o condão de
atacar as normas e atos que se mantêm omissos em face das normas constitucionais.
No entanto, é importante destacar, logo de início, que a ação não pode ser oposta a
qualquer tipo de omissão legislativa, já que este fenômeno pode ocorrer de formas
distintas, de modo que um deles é atacável por ADO, e o outro, por mandado de
injunção, o qual será suscitado sempre que a falta de norma regulamentadora tornar
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, CF).

Conforme destaca Luís Roberto Barroso (2016), “a omissão inconstitucional pode se


dar no âmbito dos três Poderes, pela inércia ilegítima em adotar-se uma providência
(i) normativa, (ii) político-administrativa ou (iii) judicial. Relativamente às omissões de
natureza político-administrativa, existem remédios jurídicos variados, com destaque
para o mandado de segurança e a ação civil pública. As omissões judiciais, por sua
vez, deverão encontrar reparação no sistema de recursos instituídos pelo direito
processual, sendo sanadas no âmbito interno do Judiciário. Por essa razão, o
tratamento constitucional da inconstitucionalidade por omissão refere-se às omissões
de cunho normativo, imputáveis tanto ao Legislativo, na edição de normas primárias,
quanto ao Executivo, quando lhe toque expedir atos secundários de caráter geral,
como regulamentos, instruções ou resoluções”.

Assim, a omissão que será objeto do controle de constitucionalidade é aquela por


ausência de complemento normativo, conforme definido no § 2º do art. 103 –
“omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional” – e no inciso I do art.

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Ações específicas do controle judicial abstrato

12-B da Lei 9.868/99 – “quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou


quanto à adoção de providência de índole administrativa”. Esse tipo de omissão
advém das chamadas “normas constitucionais de eficácia limitada de princípio
institutivo”, uma vez que que elas geram ao Poder Público a obrigação de legislar,
pois sem o devido complemento não são capazes, por si só, de produzir todos os seus
efeitos.

Nas palavras de Flávio Martins (2019), “existem duas espécies de inconstitucionalidade


por omissão por ausência de complemento normativo: a) omissão total ou absoluta;
b) omissão parcial. Na primeira, a norma infraconstitucional que regulamentaria a
norma constitucional de eficácia limitada não existe por completo. [...] Por sua vez, a
omissão pode ser parcial, quando, embora existindo o complemento, ele não regula
a norma constitucional por completo”. Contudo, ainda que seja possível essa
diferenciação em omissão total e parcial, no final das contas, o que define a aplicação
da medida não é o grau de cumprimento dos deveres legislativos, mas a omissão da
norma em si, se houve ou não a violação do dever de legislar.

Desta forma, segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017) “a ADO tem como
objeto a chamada omissão inconstitucional, que ocorre quando uma norma
constitucional deixa de ser efetivamente aplicada pela falta de atuação normativa dos
órgãos dos poderes constituídos”. No entanto, de acordo com os autores, dentre os
diversos tipos de omissões, “na ADO só poderão ser impugnadas omissões normativas
federais e estaduais, bem como as omissões do Distrito Federal concernentes a suas
competências estaduais. As omissões de órgãos municipais (e do Distrito Federal,
relativas as suas atribuições municipais) não se sujeitam a impugnação em ADO
perante o Supremo Tribunal Federal”.

Assim, possui competência para processar e julgar as ações de inconstitucionalidade


por omissão, tal como na ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal
Federal, por força do art. 102, I, “a” da Constituição Federal. A matéria também foi
disciplinada pela Lei 12.063/09 que acrescentou na Lei 9.868/99 o capítulo II-A
tratando especificamente sobre o processo e julgamento da ação de
inconstitucionalidade por omissão.

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Ações específicas do controle judicial abstrato

Porém, a nova Lei se manteve omissa com relação à competência da legislação


estadual e municipal. Mas, “conquanto não haja previsão expressa de mecanismo
análogo à ação direta de inconstitucionalidade por omissão no plano estadual, a
doutrina em geral admite essa possibilidade. Sua instituição harmoniza-se com a
autonomia reconhecida ao Estado em matéria de auto-organização e autogoverno,
desde que observado o modelo federal” (BARROSO, 2016). Inclusive, nada obsta que
a Constituição estadual determine a competência do Tribunal de Justiça do Estado
para processar e julgar lei ou ato normativo estadual ou municipal.

3.2.1 Legitimados

Assim como na ADI, são legitimados para propor ação de inconstitucionalidade por
omissão todas as autoridades previstas no art. 103 da Constituição Federal e no art.
12-A da Lei 9.868/99.

→ Presidente da República;
→ Mesa do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados;
→ Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF;
→ Governador de Estado ou do DF;
→ Procurador-Geral da República;
→ Conselho Federal da OAB;
→ Partido político com representação no Congresso Nacional;
→ Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Além disso, tal como na ADI, a doutrina entende necessária para os legitimados
especiais a satisfação do requisito da pertinência temática, ou seja, para que eles
possam ingressar com a demanda em juízo é necessário demonstrar a existência de
nexo entre o objeto da ADO, as finalidades e o âmbito de atuação da entidade.

3.2.2 Efeitos da decisão

Reconhecida a inconstitucionalidade da lei ou do ato por omissão, a decisão será


remetida ao Poder competente para que este adote as providências necessárias.
Assim, de acordo com Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017), “se a omissão for
de um dos Poderes do Estado, não há que se falar em fixação de prazo para a edição

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Ações específicas do controle judicial abstrato

da norma faltante. Porém, se a omissão for de um órgão administrativo (subordinado,


sem função política, meramente executor de leis ou políticas públicas), será fixado um
prazo de trinta dias, ou outro prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo
Tribunal, para sua atuação visando a suprir a omissão inconstitucional”.

3.3 Ação declaratória de constitucionalidade (ADC)

A ação declaratória de constitucionalidade (ADC), diferente das outras que estudamos


até aqui, pretende declarar a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo.
Criada pela EC 3/93, que incluiu a parte final no art. 102, I, “a” da CF.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,


cabendo-lhe:

I - Processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato


normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal;

A ADC tem por objetivo “abreviar o tempo – que em muitos casos pode ser longo –
para obtenção de uma pronúncia do STF sobre a constitucionalidade de certo ato, que
esteja originando dissenso nos juízos inferiores, consubstanciando um verdadeiro
atalho para encerrar a controvérsia sobre a sua legitimidade” (PAULO e
ALEXANDRINO, 2017). A decisão do STF manifestada em sede de ADC tem o condão
de tornar a presunção relativa de constitucionalidade – presente em toda norma ou
ato legal – em presunção absoluta de constitucionalidade.

Inicialmente a proposta de uma nova ação que só confirmasse a constitucionalidade


dos dispositivos legais pareceu um tanto quanto óbvia e sem tanta relevância. No
entanto, conforme destacam Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2016), “sistemas que
combinam o controle de constitucionalidade abstrato e concreto, como o brasileiro,
podem ter resultados indesejáveis para a administração da justiça, como ocorre com
a interposição em série de ações idênticas na substância para impugnar a
constitucionalidade de certo dispositivo. A concessão de cautelares, em caso de ações
individuais que questionam a constitucionalidade de normas, pode agravar ainda mais
a situação, gerando discrepâncias e incerteza jurídica”. Assim, tanto a ADI quanto a

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ADC, ao solucionarem a dúvida quanto a (in)constitucionalidade das normas e dos


atos administrativos, cessam também com eventuais discussões sobre o tema no
âmbito judiciário.

A ação declaratória de constitucionalidade terá como objeto, por expressa


determinação do art. 102, I, “a” da CF, somente as leis ou atos normativos federais.
“Sem prejuízo, todavia, como já assinalado, de o Estado-membro, no exercício de sua
autonomia política e observado o modelo federal, instituir uma ação análoga, com
tramitação perante o Tribunal de Justiça, tendo por objeto lei estadual ou municipal e
como paradigma a Constituição do Estado” (BARROSO, 2016).

3.3.1 Legitimados

A princípio, com o advento da EC 3/93, eram apenas quatro os legitimados para


propor ação declaratória de constitucionalidade, o Presidente da República, a Mesa
do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados e o Procurador-Geral da
República, ao passo que a ADI possui nove legitimados; além de todos os quatro já
mencionados, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF, o
Governador de Estado ou do DF, o Conselho Federal da OAB e o partido político com
representação no Congresso Nacional.

No entanto, como a ADI e a ADC, como diz Flávio Martins (2019), “são dois lados de
uma mesma moeda”, e por conta do caráter dúplice que representam, não faria o
menor sentido uma delas ter o rol de legitimados restrito com relação a outra. Assim,
com a reforma do judiciário, promovida por meio da EC 45/2004, alterou-se a redação
do art. 103 da Constituição Federal, equiparando o rol de legitimados para as duas
ações e revogando o § 4º onde era feito a distinção. Portanto, a partir de 2004, todos
os legitimados para propor uma ADI podem ingressar com uma ADC, inclusive no que
diz respeito ao critério da pertinência temática para os legitimados especiais.

3.3.2 Efeitos da decisão

De acordo com o art. 102, § 2º da Constituição Federal, “as decisões definitivas de


mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de

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inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão


eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal”. Além disso, dispõe o parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/99 que a
declaração de constitucionalidade “tem eficácia contra todos e efeito vinculante em
relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e
municipal”.

Portanto, assim como ocorre na ADI, a decisão manifestada em sede de ADC possui
efeito vinculante e atingirá a todos (efeito erga omnes). “Isso porque a Ação
Declaratória de Constitucionalidade consiste num controle abstrato de
constitucionalidade, num processo objetivo, sem que haja réus, por exemplo. Assim,
depois de uma análise abstrata da constitucionalidade da lei, a decisão do Supremo
Tribunal Federal produzirá efeitos contra todos (erga omnes)”.

Além disso, com relação aos efeitos temporais da decisão, este será ex tunc, ou seja,
com eficácia retroativa, uma vez que as leis já nascem com uma presunção relativa de
constitucionalidade e a decisão definitiva manifestada em sede de ação declaratória
de constitucionalidade só vem para confirmar esse pensamento, tornando a
presunção relativa absoluta.

3.4 Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)

Embora esteja prevista na Constituição Federal desde 1993 pela Emenda


Constitucional nº 3, a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)
só foi regulamentada 11 anos depois, pela Lei 9.882/99. Conforme destacam Dimitri
Dimoulis e Soraya Lunardi (2016), o “objetivo geral da Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) é impedir que condutas ou normas contrárias a
preceitos fundamentais decorrentes da Constituição comprometam a regularidade do
sistema normativo, afetando a supremacia constitucional. Além de preservar a
supremacia constitucional, a ADPF, tal como as demais ações de controle abstrato,
preserva a segurança jurídica, impedindo que haja decisões discrepantes sobre a
constitucionalidade de uma norma”.

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A doutrina majoritária reconhece que a arguição de descumprimento de preceito


fundamental (ADPF) pode ser realizada de duas formas distintas. A primeira é a ADPF
principal, também conhecida como arguição autônoma, prevista no caput do art. 1º
da Lei 9.882/99. Essa modalidade “será proposta perante o Supremo Tribunal Federal
e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
Poder Público”.

Assim, Luís Roberto Barroso (2016) define que, “além do pressuposto geral da
inexistência de qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade (o que lhe dá um
caráter de subsidiariedade), exige-se (i) a ameaça ou violação a preceito fundamental
e (ii) um ato estatal ou equiparável capaz de provocá-la. Trata-se, inequivocamente,
de uma ação, análoga às ações diretas já instituídas na Constituição, por via da qual
se suscita a jurisdição constitucional abstrata e concentrada do Supremo Tribunal
Federal”.

Por outro lado, a ADPF incidental, definida no art. 1º, parágrafo único e inciso I da Lei,
tem como objeto “lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluindo os
anteriores à CF 1988”, ou seja, todos objetos das outras ações de controle abstrato de
constitucionalidade estudadas anteriormente. Por isso muito se questiona na doutrina
a constitucionalidade da ADPF incidental, especialmente sobre dois aspectos, primeiro
porque a lei ampliaria de forma indevida as hipóteses de cabimento da ADPF e,
segundo porque, em tese, a Lei 9.882 contraria as dispões Constitucionais a respeito
do descumprimento de norma municipal ou promulgada antes da entrada em vigor
da CF/88. Contudo, esse tema ainda é muito sensível e não existe nada concreto, pois
aguardamos.

3.4.1 Pressupostos gerais de cabimento

A arguição de descumprimento de preceito fundamental é suscitada para barrar


condutas ou normas contrárias a preceitos fundamentais decorrentes da Constituição
que comprometam a regularidade do sistema normativo, mas a sua arguição depende
de uma série de requisitos, que se não forem observados podem comprometer a
legitimidade da medida.

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Ações específicas do controle judicial abstrato

O primeiro requisito, obviamente, mas não menos importante, é o descumprimento


de preceito fundamental. Como seu próprio nome já diz, a ADPF só poderá ser
proposta em face das normas e condutas contrárias a preceitos fundamentais
constitucionalmente estabelecidos. No entanto, conforme mencionamos
anteriormente, nem a doutrina e tampouco a lei se ocuparam em definir o conceito
de “preceito fundamental”, fato que o torna muito volátil no direito. Nas palavras de
Luíz Roberto Barroso (2016), “a expressão preceito fundamental importa o
reconhecimento de que a violação de determinadas normas — mais comumente
princípios, mas eventualmente regras — traz consequências mais graves para o
sistema jurídico como um todo”. Além disso, para ensejar a aplicação da medida não
basta a simples alegação de não observância de um preceito fundamental ou a mera
ameaça de lesão, a violação ao preceito deve ser real e concreta.

O outro critério exigido para a propositura da demanda é a inexistência de outro meio


idôneo, ou seja, a ADPF possui um caráter subsidiário, esse é o entendimento
manifestado no art. 4º, § 1º da Lei 9.882/99 – “não será admitida arguição de
descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz
de sanar a lesividade”. Nesse sentido, destacam Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi
(2016), “a ADPF deve preencher lacunas e não substituir as garantias e as ações
existentes nem concorrer com elas, tornando ainda mais complexo o sistema de
controle de constitucionalidade”.

Além disso, o ajuizamento da ação presume que exista uma considerável relevância
de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo. Nas palavras de Luís
Roberto Barroso (2016), esse critério torna-se relevante por dois motivos em especial,
em primeiro lugar, porque a relevância da controvérsia “presta-se a justificar o
afastamento da competência dos demais órgãos jurisdicionais e a transferência da
discussão para o STF”, e, em segundo lugar, porque, ao apreciar a relevância da
controvérsia constitucional, “sugere que o STF deve restringir sua atuação aos casos
em que estejam em jogo questões relacionadas, por exemplo, ao núcleo dos direitos
fundamentais, à estrutura essencial do Estado, e com grande repercussão social. Essa
é a vocação de uma ação destinada a tutelar os preceitos fundamentais da
Constituição”. Portanto, o grande objetivo por trás dos pressupostos gerais de
cabimento da ADPF é direcionar a atuação dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário
nos casos de maior relevância, tanto para que eles tenham uma análise específica do

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Ações específicas do controle judicial abstrato

Tribunal quanto para que as decisões manifestadas em sede das ações do controle
abstrato de constitucionalidade tenham maior repercussão social.

3.4.2 Legitimados

Dispõe o inciso I do art. 2º da Lei 9.882/99 que são legitimados para propor arguição
de descumprimento de preceito fundamental os mesmos da ação direta de
inconstitucionalidade. Portanto, assim como as demais ações abstratas de
constitucionalidade, são legitimados para propor ADPF aqueles dispostos no rol do
art. 103 da Constituição Federal.

→ Presidente da República;
→ Mesa do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados;
→ Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF;
→ Governador de Estado ou do DF;
→ Procurador-Geral da República;
→ Conselho Federal da OAB;
→ Partido político com representação no Congresso Nacional;
→ Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Além disso, tal como na ADI, a doutrina entende necessária para os legitimados
especiais a satisfação do requisito da pertinência temática, ou seja, para que eles
possam ingressar com a demanda em juízo é necessário demonstrar a existência de
nexo entre o objeto da ADO, as finalidades e o âmbito de atuação da entidade.

3.4.3 Efeitos da decisão

A decisão manifestada em sede de ADPF será proferida por maioria dos membros do
STF – 6 Ministros –, embora tenham que estar presentes na seção de julgamento, ao
menos, 8 Ministros. Além disso, com relação aos efeitos pessoais da decisão, esta
possui efeito contra todos (erga omnes) e vinculará os demais órgãos do Poder
Judiciário, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.882/99.

Por fim, no que diz respeito aos efeitos temporais da decisão, em regra, serão
retroativos, especialmente quando o Supremo Tribunal Federal declarar a

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Referências Bibliográficas

inconstitucionalidade de determinada norma, pelo voto de dois terços de seus


membros. Contudo, pelo mesmo número de votos, é possível que o Tribunal module
os efeitos da decisão, “determinando que: a) a retroatividade seja limitada, em alguns
meses, semanas, anos etc., mas em data posterior à entrada em vigor da norma; b) a
decisão produzirá efeitos ex nunc, apenas (a partir de sua publicação); c) a decisão só
produza efeitos no futuro (efeito pro futuro ou prospectivo)” (NUNES JR. 2019).
Portanto, os efeitos aplicados à decisão de ADPF serão idênticos àqueles aplicados as
demais ações do controle abstrato de constitucionalidade.

4 Referências Bibliográficas
BAHIA, Flavia. Direito Constitucional. 3 ed. Recife: Armador, 2017.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os


conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 9 ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro:


exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 7 ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2016.

DIMOULIS, Dimitri; Soraya Lunardi. Curso de processo constitucional: controle de


constitucionalidade e remédios constitucionais. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Atlas, 2016.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. rev., atual,


e ampl. Salvador: JusPodivm, 2020.

MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. 8 ed. rev. ampl. e atual.


Salvador: JusPODIVM, 2020.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito


constitucional. 16 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas,
2017.

NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de direito constitucional. 3 ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2019.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 16

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Elementos de Teoria do Estado e de Jurisdição Constitucional |

Referências Bibliográficas

ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de


direito constitucional. 8 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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Referências Bibliográficas

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Controle difuso de
constitucionalidade
no Brasil
Azevedo, Simone
SST Controle difuso de constitucionalidade no Brasil / Simone
Azevedo
Ano: 2020
nº de p.: 13

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Co ntro le difuso de
c o nstituc io na lida de
no Bra sil

Apresentação
Em nosso ordenamento constitucional, há duas maneiras de se realizar o controle
da constitucionalidade de uma lei: antes da entrada em vigor ou depois da entrada
em vigor. Na fase de elaboração da norma, ou seja, antes da entrada em vigor, é
possível o controle preventivamente, e este é realizado pelo Congresso Nacional
no Legislativo, pelo presidente da República no Executivo e pelo Supremo Tribunal
Federal no Judiciário.

Depois que a norma é promulgada e entra em vigor, ainda é possível


realizar o controle de constitucionalidade, sendo que, para a declaração de
inconstitucionalidade, é possível realizar o controle por via difusa e por via
concentrada. Isto é que será estudado neste conteúdo. Trata-se de um dos
assuntos mais importantes no Direito Constitucional. Bons estudos!

Controle concentrado principal e


difuso incidental
A Constituição Federal brasileira de 1988 aperfeiçoou o sistema judicial de controle
da constitucionalidade: combinou os métodos difuso-incidental e concentrado-
principal.

1. Difuso - inc ide nta l:

Neste método, o controle da constitucionalidade dos atos e também das


omissões do poder público (mandado de injunção) é feito por todo e qualquer
juiz. Para melhor compreensão, estudaremos esse método, também aplicável
ao sistema de controle no Brasil, nos tópicos seguintes.

3
2. Co nc e ntra do - princ ipa l:

Aqui, o Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de uma ação específica e


forma abstrata, exerce o controle de constitucionalidade de leis federais
ou estaduais em face da Constituição Federal por meio de ação direta
e em abstrato. Dessa forma, aos Tribunais de Justiça dos Estados e
do Distrito Federal cabem, por meio de uma ação direta, o controle da
constitucionalidade dos atos normativos estaduais ou municipais em face da
Constituição Estadual.

Vejamos, agora, como se processa esse controle no sistema brasileiro.

Controle difuso de constitucionalidade


no Brasil
O sistema de controle de constitucionalidade no direito brasileiro não é simples,
posto que tem características do sistema americano e do sistema europeu
(austríaco), com peculiaridades próprias. Esse controle de constitucionalidade das
leis no sistema jurídico brasileiro poderá ser preventivo (realizado antes de a norma
jurídica adentrar no ordenamento jurídico) ou repressivo (opera-se após a norma
jurídica entrar em vigência).

No controle preventivo, o STF, mais alta instância jurisdicional brasileira, é chamado


a impedir o prosseguimento de processo legislativo que visa à produção de uma lei
infraconstitucional contrária aos preceitos constitucionais. É exercido pelo Poder
Legislativo, permitindo-se que Comissões de Constituição e Justiça solicitem ao
STF a suspensão de procedimento legislativo de projeto de lei inconstitucional.

4
A força da Constituição Federal e a sua rigidez para manutenção da superioridade

Fonte: Deduca, 2020.

Poderá ser feito esse controle preventivo pelo Poder Judiciário em caráter
excepcional, quando for impetrado um mandado de segurança por parlamentar
em face da não observância do devido processo legislativo constitucional. A
legitimidade para impetrar esse remédio constitucional é apenas de membros do
órgão parlamentar perante o qual esteja em curso o projeto de lei ou a proposta de
emenda. Trata-se, portanto, de um controle concreto de uma suposta violação de
um direito.

É possível, ainda, a rejeição de projeto de lei pelo presidente da República por meio
de veto que o considere, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao
interesse público.

No controle repressivo, o ato normativo já existe. É exercido pelos órgãos


jurisdicionais e classifica-se, de acordo com as previsões legais, em difuso ou
concentrado.

Ate nç ã o
Neste tópico, interessa-nos o chamado controle difuso, que é o
exercido por vários órgãos judiciais, podendo ser realizado por
qualquer juiz ou tribunal, em conformidade com as suas regras de
competência.

5
Inspirado no controle jurisdicional estadunidense, o controle difuso pode ser feito
em qualquer processo que tramite perante o judiciário, seja cível ou penal, qualquer
que seja a sua natureza, seja o sujeito ente público ou não.

Nele, o magistrado examina o pedido de inconstitucionalidade da lei em um


determinado processo por meio de provocação de qualquer das partes da relação
jurídica (incidenter tantum). Logo, a decisão proferida terá feito inter partes.
Entretanto, “a decisão sobre a inconstitucionalidade pode ser utilizada como
um precedente, a ser seguido em outros casos semelhantes, mas não de forma
vinculante” (DIDIER JUNIOR, 2008, s. p.).

Esse controle é instrumentalizado pela via de exceção incidental, produzindo efeitos


ex tunc e apenas entre as partes do processo, salvo na hipótese do Senado da
República expandir esse efeito para todos, por meio de uma resolução (art. 52, X,
CF/88).

No controle incidental, conforme previsão constitucional, a declaração de


inconstitucionalidade se restringe às partes litigantes, mesmo quando provoca por
meio de recurso extraordinário e a decisão de inconstitucionalidade seja declarada
pelo Supremo Tribunal Federal.

Sa iba ma is
A lei ou o ato normativo declarado inconstucional em
relação àquelas partes permanece em vigor e produzindo
efeitos em relação a outras situações e pessoas, a menos que
busquem obter igual pronunciamento pela jurisdição
constitucional. Assim, o juiz singular poderá declarar a
inconstitucionalidade de uma norma, incidentalmente, sem
atingir a vigência da norma que continua a produzir efeitos,
normalmente, no sistema.

Apesar de ser essa a regra quanto aos efeitos do controle difuso, esse sistema
tem passado por mudanças importantes no ordenamento jurídico brasileiro. Para
alguns doutrinadores, houve uma mutação das regras constitucionais a partir de
uma transformação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto ao
entendimento dos efeitos daquele controle, especialmente quanto à
interpretação do art. 52, inciso X da CF/88.

De acordo com esse artigo, compete ao Senado Federal suspender a execução,


no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do

6
Supremo Tribunal Federal. Há posicionamentos doutrinários que em face dessa
disposição constitucional, entendem que as decisões em sede de controle difuso
não teriam efeito erga omnes e vinculante, posto que o referido artigo seria um
entrave para a adoção do sistema de precedentes vinculantes em sede de controle
difuso de constitucionalidade.

Em relação a esse posicionamento, cumpre salientar que existem entendimentos


doutrinários diversos ao anteriormente referido. Assim, quanto à possibilidade
de se adotar força vinculante e efeitos erga omnes às decisões declaratórias de
inconstitucionalidade operada por via de exceção (controle difuso).

Cita ç ã o
Essa competência do Senado, todavia, se foi necessária nos idos
de 1934, e talvez até à década de 80, não revela hoje utilidade, em
face do novel sistema jurídico desenhado pela vigente Constituição
da República. De feito, num sistema em que se adota um controle
concentrado-principal, e as decisões de inconstitucionalidade
operam efeitos erga omnes e vinculantes, a participação do
Senado para conferir eficácia geral às decisões do Supremo
Tribunal Federal, prolatadas em sede de controle incidental,
é providência anacrônica e contraditória. Ora, se o Supremo
Tribunal Federal pode, em sede de controle concentrado-principal,
suspender, liminarmente e em caráter geral, a eficácia de uma lei
e até mesmo de uma Emenda Constitucional, qual a razão hoje
de limitar a declaração de inconstitucionalidade pronunciada pela
Corte no controle incidental às partes do processo e condicionar a
sua eficácia geral à intervenção do Senado?

Portanto, e concluindo o exame da jurisdição constitucional no


controle difuso-incidental à luz do direito constitucional positivo
brasileiro, somos de opinião de que se deva eliminar do sistema
a intervenção do Senado nas questões constitucionais discutidas
incidentalmente, para transformar o Supremo Tribunal Federal em
verdadeira Corte com competência para decidir, ainda que nos
casos concretos, com eficácia geral e vinculante, à semelhança do
stare decisis da Supreme Court dos Estados Unidos da América.
(CUNHA JUNIOR, 2012, p. 339)

Segundo Cunha Junior (2012), há no Supremo Tribunal Federal um movimento,


liderado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no sentido de se atribuir eficácia
erga omnes às decisões de inconstitucionalidade proferidas em sede de controle
incidental ou concreto, sem a necessidade da interferência do Senado Federal,

7
passando a resolução do Senado a servir apenas para conferir publicidade à
decisão da Corte. É o que se denomina de mutação constitucional. O ministro
Gilmar Mendes propõe a mutação do art. 52, X, da Constituição Federal de 1988,
entendendo que é necessário limitar o ato político do Senado à concessão de
mera publicidade da decisão de inconstitucionalidade, que já se revestiria, desde a
sua publicação, de eficácia geral e vinculante (CUNHA JUNIOR, 2015).

Sa iba ma is
A doutrina processualista (referente aos estudiosos do Código de
Processo Civil) majoritária já vinha defendendo, desde 2015, um
sistema vinculatório das decisões dos Tribunais Superiores como
mecanismo de coerência, uniformidade e segurança do sistema
jurídico pátrio.

Importante ressaltar a importância da Emenda Constitucional nº 45/2004 para


o reconhecimento do efeito vinculante das decisões proferidas no STF. Por esse
emenda, criou-se o precedente vinculativo em matéria constitucional, isso por
meio do art. 103-A. Assim, a decisão do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional teria efeito vinculante para todos. Consequentemente, com essa
emenda, a decisão proferida em controle de constitucionalidade difuso que fosse
inserida em um rol de enunciados teria efeito erga omnes. É a chamada súmula
vinculante.

O art. 103-A, § 2º, da CF/88 prevê os legitimados para propor revisão ou


cancelamento de uma súmula vinculante:

Art. 103-A, § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a


aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada
por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
(Incluído pela Emenda Cons- titucional nº 45, de 2004).

Por intermédio de um recurso extraordinário, qualquer parte pode requerer ao


Supremo Tribunal Federal a análise da constitucionalidade de uma lei, conforme
mencionado anteriormente.

Por força de uma mudança constitucional, passou-se a exigir para a


admissibilidade do recurso extraordinário a demonstração de sua repercussão
geral, senão vejamos:

8
Art. 102, § 3º: No recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar
a repercussão geral das questões constitucio- nais discutidas no caso,
nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,
somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus
mem- bros. (BRASIL, 1988).

Se a questão constitucional discutida no recurso extraordinário não oferecer


repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não o
conhecerá.

Ate nç ã o
Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência
ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico,
político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses
subjetivos da causa. Considera-se, ainda, que haverá repercussão
geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a
súmula ou jurisprudência dominante do Supremo. O recorrente
obrigatoriamente deve demonstrar a existência da repercussão
geral em preliminar de recurso.

Havendo uma multiplicidade de recursos extraordinários com mesma questão de


direito (tendo o mesmo fundamento jurídico), a análise da repercussão geral será
feita em uma única oportunidade. Uma vez negada a existência de repercussão
geral pelo STF, todos os demais recursos interpostos por outras partes em outros
recursos extraordinários, mas que discutam a mesma questão, também não serão
conhecidos.

Se o STF entender que existe a repercussão geral, o recurso será analisado e


julgado, e a decisão gerará efeitos para todos os outros casos em que se discute a
mesma controvérsia (questão de direito).

9
Curiosida de
A partir de uma análise da Constituição Federal quanto aos
dispositivos que tratam do controle de constitucionalidade e da
competência dos tribunais superiores para julgamento de recurso
especiais e extraordinário, observa-se que o sistema judiciário foi
organizado para ser uniforme, afastando contradições entre os
órgãos que o compõem.

O certo é que se vem observando que o STF vem reduzindo, por meio de
jurisprudência, as diferenças entre o controle de constitucionalidade difuso e o
concentrado.

Clève (2000) aduz que historicamente a opção política do constituinte em não


atribuir força obrigatória geral às decisões do STF em controle difuso se explica
pela concepção prevalecente, à época, a respeito da separação de poderes e pelo
receio de se estabelecer um governo de juízes.

Segundo Pimenta (2010), a resolução senatorial paulatinamente tem sua


importância reduzida em razão do surgimento da súmula vinculante que, ao
possibilitar a extensão da tese proferida em recurso ordinário, acata a tese de
ampliação dos efeitos em controle difuso.

Sa iba ma is
Assim, segundo os doutrinadores que defendem o efeito vinculante
das decisões proferidas em controle incidental, não há entraves
constitucionais para a adoção do sistema de precedentes
vinculantes nesse controle, em especial porque entendem já
existir dispositivos constitucionais que permitem a vinculação, a
exemplo do que prevê expressamente a súmula vinculante.

Além do mais, para eles o fato de o STF poder, em sede de controle


concentrado, suspender, liminarmente e em caráter geral, a eficácia
de uma lei e até mesmo de uma Emenda Constitucional, não haveria
mais razão para se limitar a declaração de inconstitucionalidade
no controle incidental às partes.

10
Não há como negar que a eficácia geral no controle incidental vem sendo uma
tendência no processo constitucional brasileiro, pois tem por objetivo uma
melhor prestação jurisdicional, especialmente para se obter a estabilização das
jurisprudências dos tribunais superiores pátrios.

Controle concentrado de
constitucionalidade no Brasil
O controle de constitucionalidade concentrado, também chamado de controle por
via de ação direta, portanto, abstrato, é aquele que é feito por um único órgão, com
exclusão de qualquer outro.

Ate nç ã o
No sistema jurídico brasileiro, o controle de constitucionalidade
concentrado de atos normativos federais e estaduais que
contrariem a Constituição Federal é feito pelo STF.

Por sua vez, o controle concentrado de atos normativos municipais


e estaduais em face das constituições estaduais é feito pelos
tribunais dos Estados Federativos.

Como já visto, esse modelo de controle de constitucionalidade foi idealizado a


partir do sistema austríaco ou europeu. Seus instrumentos junto ao STF são a ação
direta de inconstitucionalidade de ato normativo (ADIN), a ação declaratória de
constitucionalidade (ADC) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental
(ADPF), todas de competência originária desses tribunais.

11
Fechamento
Observa-se que os constituintes originários elaboraram a Constituição de 88 de
maneira tal que pode ser considerada uma constituição rígida, ou seja, aquela
que para ser alterada necessita preencher uma série de requisitos tornando sua
alteração mais difícil. criou mecanismos por meio dos quais se controlam os atos
normativos. A ideia de controle, neste particular, advém dessa ideia de constituição
rígida.

Verifica-se que o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade de leis


é bastante peculiar e eclético, podendo ser considerado um tanto rígido, pois
apresenta elementos do modelo americano e austríaco, cabendo ao Supremo
Tribunal Federal o controle de constitucionalidade tanto pelo método concentrado
quanto pelo método difuso. Seu dominío é de extrema importância para que os
operadores jurídicos saibam utilizar os institutos de forma correta.

12
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

 CLÈVE, C. M. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2.


ed. São Paulo: RT, 2000.   

CUNHA JUNIOR, D. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. ampl. e atual. Bahia:
Juspoidum, 2012.

DIDIER JUNIOR, F. Panorama sobre o novo sistema de controle difuso de


constitucionalidade das leis no direito brasileiro. Comunicação oral proferida
na Universidade Montesquieu Bourdeaux IV, Bourdeaux-França, 19 jun. 2008.
Disponível em: http://www.frediedidier.com.br/wp-content/uploads/2012/02/
panorama-sobre-o-novo-sistema-de-controle-difuso-de-constitucionalidade-das-
leis-no-direito-brasileiro.doc. Acesso em: 06 out. 2020.

PIMENTA, P. R. L. Controle de constitucionalidade: aspectos constitucionais e


processuais. São Paulo: Malheiros, 2010.

13
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Constitucional |

Direitos Autorais

DISCIPLINA
ELEMENTOS DE TEORIA DO
ESTADO E DE JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL

Aula
Neoconstitucionalismo
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Elementos de Teoria do Estado e de Jurisdição
Constitucional |

Apresentação

Apresentação
Prezado Acadêmico!

É um privilégio tê-lo como nosso aluno e, desde já, dou as boas-vindas a nossa
unidade, aqui no CENES.

Nesta aula, aprenderemos que a doutrina constitucionalista, a partir do século XX,


passou a desenvolver uma nova perspectiva do constitucionalismo. Veremos que o
chamado pós-positivismo busca, para além da ideia de limitação do poder estatal, a
eficácia da Constituição; que o texto maior deixou de ter um caráter meramente
teórico para ser mais efetivo, buscando diretamente a concretização dos direitos
fundamentais. Perceberemos que a Constituição passará a ocupar a posição de dentro
do ordenamento jurídico, sendo dotada de imperatividade e superioridade. Por fim,
veremos que essa nova fase do constitucionalismo buscará, sobretudo, a proteção da
proteção da dignidade humana.

Sumário
Direitos Autorais ------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
Apresentação ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
Sumário------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
Construção histórica -------------------------------------------------------------------------------------------- 4
Neoconstitucionalismo ----------------------------------------------------------------------------------------- 6
Influências da Primeira e Segunda Guerra Mundial no Neoconstitucionalismo ---------------------------------- 8
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana -------------------------------------------------------------------------------- 10
Movimento neoconstitucionalista no Brasil ------------------------------------------------------------- 13
Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição ------------------------------------------- 14
Teoria Pura do Direito ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 14
Competência Legislativa -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 17
Nova interpretação da Constituição----------------------------------------------------------------------- 19
Conclusão --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 21
Referências Bibliográficas ------------------------------------------------------------------------------------ 22

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Constitucional |

Construção histórica

Construção histórica
Inicialmente, antes de direcionar nossos estudos no chamado “neoconstitucionalismo”,
ou novo constitucionalismo, você precisa compreender as origens desse termo. A
compreensão do constitucionalismo pode ser estabelecida a partir do momento
histórico em que o movimento ocorreu, durante as revoluções liberais norte-
americana e francesa, que ocorreram, respectivamente, em 1787 e 1791. No entanto,
alguns doutrinadores defendem que a ideia do constitucionalismo como limitação do
poder estatal tenha surgido muito antes desses movimentos, datando suas origens a
partir da idade média.

Conforme exemplifica Nathalia Masson (2020), existem quatro formas de


constitucionalismo ao longo da história, o antigo, o medieval, o moderno e o
contemporâneo (neoconstitucionalismo), além de uma previsão do
constitucionalismo futuro. De forma sucinta, essas modalidades podem ser definidas
da seguinte forma:

a) Constitucionalismo antigo: o constitucionalismo antigo tem sua origem nos


tempos primórdios, durante a sociedade Hebraica, onde o Estado era
organizado de forma teocrática através da Torah ou do Pentateuco, de modo
que o poder do monarca já era limitado pelos dogmas religiosos. Durante este
período, a Grécia também teve muita influência no campo da democracia.

b) Constitucionalismo medieval: durante a idade média, enquanto perdurava a


ideia do feudalismo com os senhores feudais, o desenvolvimento do
mercantismo através dos burgos e a implementação do absolutismo
monárquico modificaram o cenário da época. A realeza passou a reivindicar
uma certa liberdade perante as decisões imprevisíveis dos governantes
absolutos.

Assim, diante da pressão dos nobres e dos burgueses, o constitucionalismo


medieval acabou ganhando força e, posteriormente, durante o reinado de João
Sem-Terra na Inglaterra, originou-se a Magna Carta de 1215, a qual impunha
certos limites ao monarca. Contudo, é válido mencionar que, embora represente
um grande passo para o constitucionalismo, durante este período os privilégios
conquistados através da Magna Carta ainda eram restritos à nobreza, deixando

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Constitucional |

Construção histórica

o resto da população à margem do absolutismo;

c) Constitucionalismo moderno: o termo constitucionalismo moderno surgiu


durante as grandes revoluções liberais desencadeadas entre os séculos XVIII,
XIX e XX, na França e nos EUA, que culminaram nas Constituições pós-guerra.
Grande parte da doutrina considera que foi somente a partir desse momento
que o constitucionalismo conhecido atualmente surgiu.

Assim, as revoluções ocorridas na época acabaram por influenciar, mesmo que


indiretamente, a instituição de um novo modelo de Estado, conhecido como
liberal, através das novas Constituições escritas que, diferente da Magna Carta
de 1215, limitaram o poder dos governantes e asseguraram alguns direitos
políticos e individuais a todos os cidadãos.

Como bem menciona Nathalia Masson (2020, p. 34) “o constitucionalismo do


período, intitulado de liberal, ficou marcado pelo enaltecimento do indivíduo,
pelo surgimento das primeiras constituições escritas e rígidas, pela consagração
de direitos civis e políticos e pelo distanciamento do Estado que, numa postura
nitidamente absenteísta, pouco atuava”.

d) Constitucionalismo contemporâneo: o constitucionalismo contemporâneo,


também conhecido como neoconstitucionalismo, surge depois da Segunda
Grande Guerra e tem como princípio norteador a dignidade da pessoa humana.
Embora represente um grande avanço para a sociedade, o
neoconstitucionalismo só foi possível devido a todas as barbáries que
ocorreram antes dele.

À vista disso, junto com o movimento surgiram os direitos fundamentais de 3ª,


4ª e 5ª dimensão;

e) Constitucionalismo do futuro: diferente dos outros movimentos, o


constitucionalismo do futuro é uma projeção. Apesar de alguns doutrinadores
já defenderem que a transição do constitucionalismo contemporâneo para o
constitucionalismo vindouro ou do porvir já pode ser identificada.

O constitucionalismo futuro deve estar relacionado com sete valores diferentes,

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Constitucional |

Neoconstitucionalismo

quais sejam:
• Verdade;
• Solidariedade;
• Consenso;
• Continuidade;
• Participação;
• Integração;
• Universalidade.

Agora que você já tem uma noção dos aspectos iniciais e introdutórios a respeito do
constitucionalismo, vamos dar continuidade ao nosso estudo, focando no objeto
principal do material, o neoconstitucionalismo.

Neoconstitucionalismo
A denominação do movimento moderno constitucional do Neoconstitucionalismo
gera discussão e controvérsia entre os estudiosos da matéria. Alguns doutrinadores
brasileiros, a exemplo de Ferreira Filho (2011), fazem críticas a esse neologismo,
entendendo que, o que se chama de Neoconstitucionalismo, na verdade, já se
observava desde os primórdios do Constitucionalismo no século XVIII.

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Constitucional |

Neoconstitucionalismo

No mesmo sentido, em sua obra sobre o Neoconstitucionalismo, Cunha Júnior (2012),


assevera:

O Neoconstitucionalismo representa o constitucionalismo atual, contemporâneo, que emergiu


como uma reação às atrocidades cometidas na segunda guerra mundial, e tem ensejado um
conjunto de transformações responsável pela definição de um novo direito constitucional,
fundado na dignidade da pessoa humana. O Neoconstitucionalismo destaca-se, nesse
contexto, como uma nova teoria jurídica a justificar a mudança de paradigma, de Estado
Legislativo de Direito, para Estado Constitucional de Direito, consolidando a passagem da Lei
e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema jurídico e o trânsito da Constituição e
do Princípio da Constitucionalidade para o centro de todo o sistema, em face do
reconhecimento da força normativa da Constituição, com eficácia jurídica vinculante e
obrigatória dotada de supremacia material e intensa carga valorativa (CUNHA JÚNIOR, 2012,
p. 29).

Contudo, Luís Roberto Barroso (2018, p. 280) explica que o direito constitucional
passou por muitas transformações ao longo dos anos, e “é possível reconstituir essa
trajetória, objetivamente, levando em conta três marcos fundamentais: o histórico, o
filosófico e o teórico. Neles estão contidas as ideias e as mudanças de paradigma que
mobilizaram a doutrina e a jurisprudência nesse período, criando uma nova percepção
da Constituição e de seu papel na interpretação jurídica em geral”. Assim, podemos
afirmar que o contemporâneo surge após a Segunda Guerra Mundial, com o intuito
de garantir a dignidade da pessoa humana à população, que tanto sofreu com as
atrocidades da época.

À vista disso, os três marcos fundamentais do direito constitucional – histórico,


filosófico e teórico –, suscitados por Barroso (2018), podem ser definidos,
basicamente, como:

• MARCO HISTÓRICO: no marco histórico devemos analisar os eventos que


ocorriam na época e influenciaram o movimento. No século XX, após passar por
diversas revoluções e duas Grandes Guerras, a Europa encontrava-se arrasada
e buscava uma recuperação, principalmente a Alemanha e a Itália, que sofreram
mais com o conflito. Por outro lado, no Brasil, o marco histórico do
neoconstitucionalismo é a Constituição Federal de 1988, juntamente com o
processo de redemocratização proporcionado por ela;

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Constitucional |

Neoconstitucionalismo

• MARCO FILOSÓFICO: na questão filosófica, o ponto principal é o pós-


positivismo, que apresenta a ideia de união entre o jusnaturalismo e o
positivismo;
• MARCO TEÓRICO: com relação ao marco teórico, podemos citar três eventos
importantes que contribuíram para a ascensão do neoconstitucionalismo, quais
sejam: a) a força normativa da Constituição Federal passa a ser reconhecida por
todos; b) há um crescimento significativo da jurisdição constitucional; c) ocorre
a evolução de um novo pensamento, e a Constituição é analisada por outra
ótica.

Influências da Primeira e Segunda Guerra Mundial no


Neoconstitucionalismo
O neoconstitucionalismo, assim como os outros movimentos, não surgiu do dia para
a noite, é uma construção baseada em diversos acontecimentos históricos que
culminaram na implementação de um novo pensamento.

Portanto, considerando a perspectiva mundial, as duas Grandes Guerras foram peças


fundamentais para essa evolução. A Primeira Guerra Mundial, desencadeada nos anos
de 1914 a 1918, foi influenciada principalmente pelos processos de imperialismo e
neocolonialismo. A batalha foi marcada pela disputa da Tríplice Aliança, composta
pela Alemanha, Império Austro-Húngaro e Itália, contra a Tríplice Entente, inicialmente
encabeçada pela França, Inglaterra e Rússia, com a posterior aliança dos EUA, presença
decisiva para o fim do conflito, movidos pelo forte sentimento nacionalista e pelo
desejo incessante de expansão de territórios.

As batalhas travadas nesta época eram extremamente violentas e, diante do potencial


bélico das superpotências, o armamento utilizado durante o conflito foi se
aperfeiçoando, com o uso de tanques de guerra e aviões de combate, a vida de
milhares de soldados foi ceifada. Além disso, a população não tinha praticamente
nenhum amparo constitucional, uma vez que os direitos conquistados durante o
constitucionalismo moderno protegiam, quase que exclusivamente, os nobres e os
burgueses.

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Constitucional |

Neoconstitucionalismo

O conflito encerrou-se com a assinatura do Tratado de Versalhes, consolidando a


vitória da Tríplice Entente. Países saíram economicamente devastados do confronto,
além de terem reduzido sua força militar a quase zero. O saldo de mortes, na época,
foi de aproximadamente 8 milhões de soldados, dos quais 1.800.000 eram apenas
alemães.

Ainda, neste contexto, é importante ressaltar que a Alemanha, dentre os perdedores,


foi a mais impactada, pois teve que arcar com os custos da guerra, sendo obrigada a
ceder territórios já conquistados e a reorganizar sua economia para ressarcir os danos
causados, principalmente à França. Esse fato é muito importante e teve grande
influência na Segunda Grande Guerra.

Passados 20 anos do primeiro conflito, uma nova batalha é travada pelos chamados
Aliados (Reino Unido, França, EUA, URSS etc.) contra o Eixo (Itália, Alemanha, Japão
etc.). A Segunda Guerra Mundial ocorreu entre os anos de 1939 a 1945 e foi motivada
pela expansão dos regimes totalitários na Europa, pelo expansionismo germânico e,
principalmente, pelo sentimento de humilhação que tomou conta da Alemanha
depois da derrota da Primeira Grande Guerra, culminando em uma grande crise
econômica que assolou o País por muito tempo.

O período da Segunda Guerra foi marcado pela ascensão dos nazistas comandados
por Adolf Hitler na Alemanha, que, através de um governo totalitário, buscavam
reascender a economia do País, bem como o poder bélico e militar. Como era de se
esperar, a segunda batalha foi muito mais violenta que a primeira, levando a vida de
aproximadamente 60 milhões de pessoas, mortas na linha de frente e nos campos de
concentração utilizados pelos nazistas. Além das bombas atômicas, lançadas sobre
Hiroshima e Nagasaki, em 1945, que concedeu às superpotências um altíssimo poder
de destruição.

A Segunda Guerra Mundial chegou ao fim em 1945, quando os Aliados invadiram o


território Alemão, conquistando a capital Berlim. Depois da invasão, o líder do partido
nazista, Adolf Hitler, cometeu suicídio, pondo fim à batalha.

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Neoconstitucionalismo

Após esse período obscuro da história, quando a população tomou conhecimento


sobre o horror que era implementado nos campos de concentração, foi que o discurso
sobre os Direitos Humanos começou a ganhar força no cenário internacional, junto
com os direitos fundamentais de 3ª, 4ª e 5ª dimensão.

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


Superado esses aspectos iniciais a respeito do Neoconstitucionalismo, passamos à
análise do princípio da dignidade da pessoa humana, preceito fundamental para esse
movimento pós-guerras.

De acordo com Luís Roberto Barroso (2018, p. 152) “o constitucionalismo democrático


tem por fundamento e objetivo a dignidade da pessoa humana. Após a Segunda
Grande Guerra, a dignidade tornou-se um dos grandes consensos éticos do mundo
ocidental, materializado em declarações de direitos, convenções internacionais e
constituições”.

Em consonância com José Afonso da Silva (2014, p. 107), a “dignidade da pessoa


humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais
do homem, desde o direito à vida”, e desse valor decorrem outros princípios, os quais
a ordem econômica deve preservar.

Ainda, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 90) complementam dizendo que
“a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil
consagra, desde logo, nosso Estado como uma organização centrada no ser humano,
e não em qualquer outro referencial”. Além disso, os autores defendem que o princípio
pode ser analisado sob duas ópticas. “De um lado, apresenta-se como um direito de
proteção individual, não só em relação ao Estado, mas, também, frente aos demais
indivíduos. De outro, constitui dever fundamental de tratamento igualitário dos
próprios semelhantes”.

Além disso, Luís Roberto Barroso (2014, p. 14) é categórico em afirmar que “a
dignidade humana, como atualmente compreendida, se assenta sobre o pressuposto

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Constitucional |

Neoconstitucionalismo

de que cada ser humano possui um valor intrínseco e desfruta de uma posição
especial no universo”. Dessa forma, podemos concluir que o princípio da dignidade
da pessoa humana é o elemento base da nossa sociedade, servindo como fonte do
direito constitucional contemporâneo.

Se você tem interesse em aprofundar seu conhecimento acerca do princípio da


dignidade da pessoa humana, recomendamos a leitura das obras “A Crítica da Razão
Pura” e a “Crítica da Razão Prática” do estudioso Immanuel Kant. Outro estudioso que
trata do assunto com maestria é Giovanni Pico della Mirandola, ambos os autores
fizeram grandes contribuições a respeito do tema Dignidade da Pessoa Humana.

Além disso, autores brasileiros, como o Min. Luís Roberto Barroso, na obra “A
dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo”, e Daniel
Sarmento, no livro “Dignidade da Pessoa Humana - conteúdo, trajetória e
metodologia”, falam sobre o princípio com maestria, relacionando os aspectos
históricos com o cenário atual.

No plano filosófico, valor intrínseco é o elemento ontológico da dignidade ligado à


natureza do ser. Trata-se da afirmação da posição especial da pessoa humana no
mundo que a distingue dos outros seres vivos e das coisas. As coisas têm preço, mas
as pessoas têm dignidade, um valor que não tem preço (KANT, 1998). Além disso, o
autor apresenta um valor social, visto que se preocupa com os impactos das escolhas
individuais na sociedade.

A inteligência, a sensibilidade e a capacidade de comunicação (pela palavra, pela arte,


por gestos, pelo olhar ou por expressões fisionômicas) são atributos únicos que
servem para lhes dar essa condição singular. No plano jurídico, o valor intrínseco está
na origem de uma série de direitos fundamentais, que incluem: direito à vida, à
igualdade, à integridade física, à integridade moral ou psíquica (BARROSO, 2017).

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Neoconstitucionalismo

Nesse sentido, sobre o referido princípio, Ferreira Filho (2011) assevera que:

A dignidade é o fundamento dos direitos humanos. O problema é que essa dignidade é


concebida de modo diferente pelas filosofias, religiões e culturas, o que põe em risco a
objetividade da interpretação. Muitas vezes já tem servido abusivamente de “chave falsa”
(perdoe-me a imagem) para que o intérprete arbitrariamente faça prevalecer a sua concepção
ideológica contra legem ou praeterlegem. Isto “sem uma justificação política substantiva”,
como reclama Sunstein. (FERREIRA FILHO, 2011, p. 231)

Falando um pouco mais sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, para
você que tem interesse nessa área, trazemos alguns aspectos relevantes sobre esse
assunto. A D.U.D.H. é um documento adotado e proclamado pela Assembleia Geral
das Nações Unidas, em Paris, através da resolução 217 A III, no dia 10 de dezembro
de 1948, que tem por objetivo assegurar a proteção universal dos direitos humanos.

Assim, logo no seu 1º artigo, a Declaração firma um de seus princípios basilares: “todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade”.

Note que o pacto foi firmado três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, e os
Países membros fizeram questão de mencionar no preâmbulo o seguinte:
“considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em
atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um
mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da
liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais
alta aspiração do ser humano comum [...]”.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem surge como um reflexo às atrocidades


cometidas durante as duas Grandes Guerras, servindo como base para a elaboração
de diversas constituições.

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Movimento neoconstitucionalista no Brasil

Por fim, se a sua intenção é se aprofundar mais nessa área, indicamos alguns
documentários que falam a respeito e podem ser úteis:

→ 20 anos da Conferência de Viena

Link: https://www.youtube.com/watch?v=I4bTmVyAXDg

→ Para todos em todo lugar: o ‘making of’ da Declaração Universal dos Direitos
Humanos

Link: https://www.youtube.com/watch?v=D4p3aJvFq3A&feature=emb_title

→ 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948

Link: https://www.youtube.com/watch?v=SJy1M4iYiMo

Movimento neoconstitucionalista no Brasil


No cenário brasileiro, o movimento neoconstitucionalista foi consolidado com a
Constituição Federal de 1988, também conhecida como a Constituição Cidadã, que foi
pautada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e garantiu aos brasileiros
inúmeros direitos.

De acordo com Luís Roberto Barroso (2018, p. 280), “a Constituição promoveu uma
transição democrática bem-sucedida e assegurou ao país estabilidade institucional,
mesmo em momentos de crise aguda. Sob a Constituição de 1988, o direito
constitucional passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração”.

Ainda, é importante ressaltar que, na opinião de José Afonso da Silva (2014, p. 90),
assim como no cenário mundial, a luta pela democracia no Brasil se intensificou
durante períodos de muita repressão, de modo que:

A luta pela normalização democrática e pela conquista do Estado Democrático de Direito


começara assim que se instalou o golpe de 1964 e especialmente após o AIS, que foi o
instrumento mais autoritário da história política do Brasil. Tomara, porém, as ruas, a partir da
eleição dos Governadores em 1982. Intensificara-se, quando, no início de 1984, as multidões
acorreram entusiásticas e ordeiras aos comícios em prol da eleição direta do Presidente da
República, interpretando o sentimento da Nação, em busca do reequilíbrio da vida nacional,

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Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição

que só poderia consubstanciar-se numa nova ordem constitucional que refizesse o pacto
político-social (SILVA, 2014, p. 90).

Dessa forma, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil finalmente


consolidou sua transição democrática, elevando o indivíduo a um grau máximo de
importância na sociedade.

Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição


Como bem destaca Luís Roberto Barroso (2018, p. 286), a principal característica do
Constitucionalismo contemporâneo é “a centralidade da Constituição, que, além de
reger o processo de produção das leis, impõe limites ao seu conteúdo e institui
deveres de atuação para o Estado”.

Assim, considerando que o marco inicial do neoconstitucionalismo na Europa foi com


a reconstitucionalização da Alemanha e da Itália, ao final da década de 40, no território
brasileiro não foi diferente, uma vez que o neoconstitucionalismo no Brasil foi
marcado pela redemocratização que se operou sobre a Constituição de 1988, após a
ditadura militar.

Esse novo movimento constitucional que surgiu em meados do século XX na Europa


visou reconhecer a supremacia material e axiológica da Constituição, cujo conteúdo
passou a ser dotado de força normativa. No entanto, para compreendermos melhor
esse aspecto, precisamos relembrar alguns conceitos básicos que veremos adiante.

Teoria Pura do Direito


Hans Kelsen foi um jurista e filósofo austríaco que fez grandes contribuições para o
mundo do Direito, como quando fundou a teoria pura do direito, também conhecida
como a pirâmide de Kelsen. De acordo com Nathalia Masson (2020, p. 39):

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Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição

Kelsen estruturou o ordenamento de forma estritamente jurídica, baseando-se na constatação


de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamente superior. Segundo o
autor, no mundo das normas jurídicas uma norma só pode receber validade de outra, de modo
que a ordem jurídica sempre se apresente estruturada em normas superiores fundantes —que
regulam a criação das normas inferiores — e normas inferiores fundadas — aquelas que
tiveram a criação regulada por uma norma superior (MASSON, 2020, p. 39).

Observe, a seguir, a representação da teoria, na forma de pirâmide, apresentada pelo


autor:

Para tornar mais didática essa questão, podemos utilizar o exemplo da Lei 8.666/1993,
lei federal que regulamenta os contratos administrativos e licitações no âmbito da
administração pública. Por ser uma lei federal, todos deverão observar estes
parâmetros, estando ela acima na “pirâmide das normas”.

Além disso, é importante destacar que, até a Segunda Guerra Mundial, a teoria jurídica
centrava-se na influência do Estado Legislativo de Direito, tendo por fonte única do
Direito a lei. Dessa forma, uma norma jurídica tinha sua validade, eficácia e vigência
vinculadas à autoridade que a editou, e não ao seu valor de justiça. Sob o fundamento

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Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição

de observância da lei, barbáries foram cometidas no mundo, a exemplo do genocídio


cometido pelo governo nacional-socialista alemão quando judeus foram
exterminados pelos nazistas no período de 1939 a 1945.

Esse acontecimento fez o mundo repensar esse Estado Legislativo de Direito, formulando um
sistema jurídico que tivesse seus fundamentos no respeito aos direitos fundamentais. Instalou-
se, então, a constitucionalização do Direito, evidenciando, a supremacia da Carta Magna. Essa
constitucionalização do Direito é um processo de transformação de um ordenamento jurídico,
ao fim do qual a ordem jurídica em questão resulta totalmente impregnada pelas normas
constitucionais, que passam a condicionar tanto a legislação como a jurisprudência, a doutrina,
as ações dos atores políticos e as relações sociais (GUASTINI, 2009).

No entanto, após esse período, a Constituição tornou-se o centro do sistema jurídico,


devendo toda interpretação jurídica ser feita em consonância com os valores e
princípios constitucionais. Além disso, a supremacia da Constituição impõe deveres
negativos e positivos ao legislador quando da elaboração de leis, e impõe ao julgador,
quando este decide casos resultantes de conflitos de interesses decorrentes da lei,
respeitar e observar os fins estabelecidos pela Constituição.

O processo de constitucionalização é uma característica essencial da própria jurisdição


constitucional, que permite possibilidades interpretativas fundamentadas nessa
supremacia, como o controle de constitucionalidade, possibilitando a revogação de
leis inconstitucionais e a interpretação conforme a Constituição. Essa
reconstitucionalização, observada após a Segunda Guerra Mundial, também fez surgir
um patriotismo constitucional, o qual, segundo Habermas (1998):

[...] produziu de forma reflexiva uma identidade política coletiva conciliada com uma
perspectiva universalista comprometida com os princípios do Estado Democrático de Direito.
Isto é, o patriotismo constitucional foi defendido como uma maneira de conformação de uma
identidade coletiva baseada em compromissos com princípios constitucionais democráticos e
liberais capazes de garantir a integração e assegurar a solidariedade, com o fim de superar o
conhecido problema do nacionalismo étnico, que por muito tempo opôs culturas e povos
(HABERMAS, 1998, p. 55).

Por fim, é importante lembrar que, embora a teoria de Hans Kelsen tenha sido baseada

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na hierarquia das normas, quando elas estão no mesmo plano, esse critério não é
considerado, pois não há hierarquia entre as leis federais ou estaduais, por exemplo.
Dessa forma, além da teoria pura do direito, existem outras variáveis que devem ser
consideradas diante de um eventual conflito de normas, como o critério da
competência.

Competência Legislativa
Antes de falarmos especificamente sobre a competência legislativa, precisamos
compreender alguns aspectos relativos à nossa Magna Carta. A Constituição Federal
que conhecemos hoje foi promulgada no dia 05 de outubro de 1988 e instituída pelo
chamado Poder Constituinte Originário, o qual, por meio de uma Assembleia Nacional
Constituinte, firmou as normas constitucionais originárias.

No entanto, assim como a sociedade, o direito deve estar em constante evolução para
que seja capaz de solucionar, de forma eficiente, os conflitos que lhe são
apresentados. Dessa forma, quando o texto constitucional carece de mudanças, o
Poder Constituinte Derivado, representado pelo Congresso Nacional, propõe sua
alteração através de Emendas Constitucionais.

Todavia, nesse ponto é importante lembrar que não existe hierarquia entre normas do
mesmo plano. Assim, conforme explica Nathalia Masson (2020, p. 32) “se houver um
conflito entre essas leis, a solução não será dada por critério hierárquico. Teremos que
verificar qual ente da federação (União, Estados-membros ou Municípios) possui a
competência para legislar sobre o tema. Se, por exemplo, a competência para legislar
é dos Estados, a lei estadual vai prevalecer; se é dos Municípios, a lei municipal
prevalecerá”.

Assim, por mais que alguns doutrinadores organizem a estrutura do ordenamento


jurídico em forma de pirâmide, de modo a situar as normas federais acima das
estaduais, e estas acima das municipais, o pacto federativo pressupõe a autonomia de
suas partes. Portanto, o mais correto seria dizer que todas as normas devem obedecer
aos parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal e, por menor que seja um
município, apenas ele poderá legislar a respeito de alguns assuntos, sem qualquer

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Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição

interferência ou usurpação de competência por parte dos outros entes.

Nesse sentido, Luís Roberto Barroso (2018, p. 285-286) complementa dizendo que
“nas democracias contemporâneas, as Constituições desempenham duas funções
principais: a) a de veicular os consensos mínimos e essenciais da sociedade, que se
expressam nos valores, instituições e direitos fundamentais; e b) assegurar o
funcionamento adequado dos mecanismos democráticos, com a participação livre e
igualitária dos cidadãos, o governo da maioria e a alternância do poder”.

Assim, a Constituição determina a competência para legislar sobre determinados


assuntos, se será privativa ou concorrente entre os entes federativos. Um exemplo que
reflete essa situação é o art. 30 da CF, que fixa a competência legislativa dos
municípios. Além disso, no que diz respeito à competência concorrente, o art. 24 da
Constituição Federal reconhece a possibilidade de que a União, os Estados e o Distrito
Federal - os municípios são contemplados, no que couber, pelo art. 30, II, CF - legislem
a respeito de temas comuns, mas cada um exercerá essa atribuição em relação a um
conteúdo ou especificidade própria, sem que haja uma sobreposição de normas.

Imagine a seguinte situação: um dos assuntos que é de COMPETÊNCIA LEGISLATIVA


concorrente entre os entes federativos é a saúde (art. 24, XII, CF). Recentemente
(15/04/2020), no julgamento da medida cautelar na ADI 6341, o STF afirmou, uma vez
mais, que NÃO É POSSÍVEL compreender que as normas federais a respeito da
matéria prevalecem, por força hierárquica, em relação às normas dos Estados e
Municípios, devendo-se atentar sempre às competências organizadas no âmbito do
pacto federativo (art. 24, §1º ao 4º, CF).

Veja que interessante, a Constituição Federal concede competência concorrente, ou


seja, ambos podem legislar e, nesse sentido, os Estados e Municípios podem sim criar

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Nova interpretação da Constituição

suas normas sobre a saúde. Tudo porque é competência concorrente, e não privativa.
Se na Constituição estivesse expresso como competência privativa da União, teríamos
prevalência da lei federal, mas neste caso isso não ocorre.

No mais, outro ponto que deve ser observado são os limites estabelecidos pela Magna
Carta. A Constituição Federal permite que os Estados tenham Constituição própria,
mas, para tanto, devem OBSERVAR ALGUNS PRECEITOS (cláusulas de simetria), que
são previstos pela CF e que não podem ser modificados na organização dos Estados.
De modo semelhante, os Municípios também podem ter as suas Leis Orgânicas, mas
precisam observar os preceitos/princípios (limites e obrigações) previstos na
Constituição Federal e Estadual. Esse é o entendimento manifestado no art. 29, CF:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício
mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a
promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do
respectivo Estado e os seguintes preceitos.

Sendo assim, devemos considerar a Constituição Federal como norma máxima e


superior a todas as demais, uma vez que tem a função de estabelecer as diretrizes
fundamentais que servirão como base para as normas inferiores. Entretanto,
considerando que adotamos a forma federativa, dividindo o território brasileiro em
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, devemos observar o critério da
competência legislativa, pois em determinados casos, a hierarquia será colocada em
segundo plano e a competência prevalecerá.

Nova interpretação da Constituição


Seguindo para o fim do material, faremos uma análise da nova interpretação da
Constituição Federal, realizada através do constitucionalismo contemporâneo.

Nas palavras de Luís Roberto Barroso (2010), onde havia unidade, passou a existir uma

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Nova interpretação da Constituição

pluralidade. A recente interpretação incorporou um conjunto de novas categorias,


destinadas a lidar com as situações mais complexas e plurais referidas anteriormente.
Dentre elas, a normatividade dos princípios (como dignidade da pessoa humana,
solidariedade e segurança jurídica), as colisões de normas constitucionais, a
ponderação e a argumentação jurídica.

Além disso, Barroso (2010) comenta ainda que

[Passa], por fim, a ideia de casos difíceis. Casos fáceis são aqueles para os quais existe uma
solução pré-pronta no direito positivo. Por exemplo: a) a Constituição prevê que aos 70 anos
o servidor público deve passar para a inatividade. Se um juiz, ao completar a idade limite,
ajuizar uma ação pretendendo permanecer em atividade, a solução será dada de maneira
relativamente singela: pela mera subsunção do fato relevante – implementação da idade – na
norma expressa, que determina a aposentadoria; b) a Constituição estabelece que o Presidente
da República somente possa se candidatar a uma reeleição. Se o Presidente Lula, por exemplo,
tivesse pretendido concorrer a um terceiro mandato, a Justiça Eleitoral teria indeferido o
registro de sua candidatura, por simples e singela aplicação de uma norma expressa. A
verdade, porém, é que para bem e para mal, a vida nem sempre é fácil assim. Há muitas
situações em que não existe uma solução pré-pronta no Direito. A solução terá de ser
construída argumentativamente, à luz dos elementos do caso concreto, dos parâmetros
fixados na norma e de elementos externos ao Direito (BARROSO, 2010, p. 13).

Por outro lado, Lênio Streck (2011) tece algumas críticas a respeito do que chama
positivismo normativista pós-kelseniano. Isto é, ao positivismo que admite
discricionariedades (ou decisionismos e protagonismos judiciais). Para o jurista, esse
ativismo possui uma origem solipsista; passando, dessa forma, a democracia e os
avanços a dependerem de posições individuais da Suprema Corte. O autor considera
que, no âmbito destas reflexões, está superado

[...] o velho positivismo exegético. Ou seja, não é (mais) necessário dizer que o “juiz não é a
boca da lei” etc.; enfim, podemos ser poupados, nessa quadra da história, dessas “descobertas
polvolares”. Essa “descoberta” não pode implicar um império de decisões solipsistas, das quais
são exemplos as posturas caudatárias da Jurisprudência dos Valores (que foi “importada” de
forma equivocada da Alemanha), os diversos axiologismos, o realismo jurídico (que não passa
de um “positivismo fático”), a ponderação de valores (pela qual o juiz literalmente escolhe um
dos princípios que ele mesmo elege prima facie) etc. (STRECK, 2011, p. 31).

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Conclusão

Contudo, não restam dúvidas de que o Neoconstitucionalismo trouxe uma mudança


de postura na elaboração das Constituições contemporâneas. Se no surgimento do
movimento constitucionalista, no final do século XVIII, as Constituições limitavam-se
a estabelecer regras atinentes à organização do Estado e do Poder, após a Segunda
Guerra Mundial as Constituições inovaram com a inserção em seus textos de valores
(dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais).

Esse fenômeno aprofundou a forma de se realizar a interpretação constitucional,


fundamental para soluções de casos jurídicos decorrentes da complexidade da vida
contemporânea, especialmente os já mencionados casos difíceis (situações para as
quais não há soluções pré-prontas no ordenamento jurídico, exigindo a atuação
criativa de juízes e tribunais).

Assim, conforme exemplifica Luís Roberto Barroso, embora o modelo do


constitucionalismo democrático tenha chegado com um certo atraso ao território
brasileiro, não é tarde demais. O autor comente que:

“As últimas três décadas representam não a vitória de uma Constituição específica, concreta,
mas de uma ideia, de uma atitude diante da vida. O Estado constitucional democrático, que se
consolidou entre nós, traduz não apenas um modo de ver o Estado e o Direito, mas de desejar
o mundo, em busca de um tempo de justiça, liberdade e igualdade ampla” (BARROSO, 2018,
p.283).

Portanto, percebe-se que o ativismo judicial tem se manifestado como forma para
atender as questões sociais não enfrentadas pelo processo legislativo, sobretudo as
que envolvem assuntos de forte impacto religioso e moral.

Conclusão
Nesta aula, compreendemos que o movimento constitucionalista pode ser dividido
em várias etapas, de acordo com sua origem e fases, e que o chamado
Neoconstitucionalismo é um movimento que tem origem na Europa, no contexto de
pós-Segunda Guerra Mundial.

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Referências Bibliográficas

Além disso, vimos que esse movimento busca concretizar a supremacia material e
formal da Constituição, a partir da observação do princípio da dignidade humana, e
percebemos que, além do critério hierárquico, esse movimento estabelece a
concretização material dos direitos fundamentais. Compreendemos também que uma
parcela da doutrina constitucionalista faz críticas a essa nomenclatura –
Neoconstitucionalismo –, afirmando que pode ser chamado, entre outros, de pós-
positivismo.

Para concluir, refletimos sobre a forma desregulada da utilização do princípio da


dignidade humana para justificar a ampliação de direitos e o exercício de
interpretação do judiciário.

Referências Bibliográficas
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2018.

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imprevisto. [2017]. Disponível em:
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CUNHA JÚNIOR, D. Curso de direito positivo constitucional. 6. ed. Salvador:


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FERREIRA FILHO, M. G. Aspectos de direito constitucional contemporâneo. 3. ed.


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GUASTINI, R. La “Constitucionalización”’ dei ordenamiento jurídico: el caso Italiano. In:


CARBONEL, M. (Org.). Neoconstitucionalismo(s). 4.ed. Madrid: Trotta, 2009.

HABERMAS, J. Identidades nacionalesy postnacionales. Madrid: Tecnos, 1998.

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PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado. 16 ed. rev.


ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

SILVA, J. A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. São Paulo: Malheiros


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STRECK, L. L. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4.


ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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Referências Bibliográficas

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