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Pressupostos do

Estado moderno e do
pensamento político
contemporâneo
Seidel, Carolina Cunha; Lopes, Franciele Aparecida
SST Pressupostos do Estado moderno e do pensamento po-
lítico contemporâneo / Carolina Cunha Seidel; Franciele
Aparecida Lopes
Ano: 2020
nº de p.: 12

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Pressupostos do Estado
moderno e do pensamento
político contemporâneo

Apresentação

O conceito de Estado, da maneira que conhecemos atualmente, surge no século XVI,


na obra O Príncipe, de Maquiavel, que o define como grupos que são formados por
cidades-Estado e que apresentam certa independência política. É esse autor que
observa o fenômeno e o descreve em sua obra.

O presente conteúdo levará ao estudante importantes informações sobre como o


Estado se formou e como o pensamento político influenciou essas formações. As
ideias de Hobbes, Kant, Rousseau, Maquiavel, entre outros, cada um à sua época,
contribuem para o que conhecemos como o Estado moderno. Além disso, suas
ideias refletem, principalmente, um “mundo ideal” particular que considera as
variáveis de suas épocas. Bons estudos!

Bases do Estado moderno


Para compreendermos o pensamento político básico sobre a formação dos
Estados, é fundamental destacarmos a doutrina político-filosófica de importantes
pensadores como Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau.
Vamos estudar cada um deles, buscando compreender influências do pensamento
político clássico.

O trabalho de Maquiavel (1469-1527) é um marco fundamental na história


do pensamento, já que materializa o fim do agostinismo político. A política é
definitivamente secularizada de suas reflexões sobre a religião. Não podemos
esquecer que Maquiavel atuou como diplomata e secretário da República Florentina,
ou seja, era um exímio conhecedor das complexidades do poder. Além disso, teve a
oportunidade de observar de perto diversas maneiras e estilos de exercer o governo
em diferentes regiões, visto que, como diplomata e secretário, viajava em missões.

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Ainda, escreveu livros, entre os quais destacam-se duas importantes obras: O
Príncipe e Discursos sobre a primeira dé cada de Tito Lívio.

Saiba mais
A clássica obra O Príncipe, quando publicada, foi duramente
criticada e denunciada, pois se entendia que continha ensinos
imorais que afrontavam a política e os conteúdos éticos. Maquiavel
se defendeu, dizendo que a arte dello stato (técnica política) teria
sua própria lógica e não deveria ser determinada por outros
imperativos, como a religião ou a moral, e, logo, contrapunha-se
drasticamente à corrente e doutrina cristã agostiniana.

Segundo Maquiavel, a política é uma luta ativa para alcançar o poder e a prática
das virtudes tradicionais, em um contexto de conflito e instabilidade política que
pode levar ao fracasso do político e à ruína do Estado. Nesse sentido, haveria uma
imagem intuitiva, na qual o político deveria ser meio homem (fazer uso das virtudes
humanas tradicionais) e meio besta (saber usar a astúcia e a força em momentos
excepcionais).

Curiosidade
Há uma parte do trabalho de Maquiavel que é muito menos
conhecida, parte essa que concerne ao seu lado republicano e
que pode ser encontrada nos Discursos sobre a primeira década
de Tito Lívio. Nesse livro, Maquiavel defende a República como o
regime mais adequado para garantir a estabilidade do Estado e a
liberdade dos cidadãos. Para ele, república deve ser entendida no
sentido de que são os próprios cidadãos que a governam, além
disso, os membros do corpo político estão igualmente sujeitos às
leis.

Ainda, Maquiavel defendeu que as boas leis são o resultado do


conflito entre os poderosos e as pessoas, entre a oligarquia e as
classes plebeias. As leis, portanto, surgiriam do desejo das classes
populares de não serem oprimidas pelos grandes aristocratas.
Nessa obra, Maquiavel difere dos ensinamentos propostos em O
Príncipe.

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Metaforicamente, a besta, para o autor, às vezes era identificada como o leão (a
força) e outras vezes como a raposa (a astúcia). Dessa forma, Maquiavel incorporou
uma defesa da nova virtù (nova virtude), entendida como astúcia e determinação,
que complementaria a clássica virtus (virtude). O político teria, à sua disposição,
todos os meios possíveis para lidar com a fortuna, aleatoriamente, que é mutável e
instável e, consequentemente, não pode ser totalmente confiada a ele.

Saiba mais
Maquiavel subordinava a virtude à política (virtude simplesmente
útil em termos políticos), pois, vendo o a fã de glória um substituto
a moral da moral, inaugurou a concepção da Filosofia como
disciplina a serviço das metas da humanidade inteira. Sua teoria
filosófica política tentava garantir a realização da ordem de direito,
rejeitando uma meta natural do homem.

O republicanismo do autor, ainda, coloca muita ênfase na participação política para


garantir um modo de vida civil, contrariamente ao poder arbitrário das tiranias.
Dessa forma, para melhor compreender a doutrina político-filosófica de Maquiavel,
devemos relacionar os trabalhos e as perspectivas que se complementam para
formar uma visão original e nova dos problemas da política que marcarão os
tempos modernos.

Os contratualistas e o Estado moderno


A questão sobre a legitimidade e sobre os direitos e deveres dos governadores e
governados foi discutida por teóricos que ficaram conhecidos como contratualistas.
Na modernidade contemporânea, a partir de argumentos baseados em um suposto
acordo entre os membros do órgão político para constituir o estadocivil, os teóricos
do contrato social, como Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau
ofereceram uma doutrina que visava responder a tal questão. Vejamos seus
pensamentos filosóficos-políticos a seguir.

Thomas Hobbes (1588-1679) é considerado pioneiro ao claramente formular a tese


sobre o contrato social, que foi desenvolvida baseada no status civil e de autoridade
soberana. Assim, Hobbes era, como Hugo Grocio, um naturalista (corrente filosófica

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que defendia a natureza com o princípio único daquilo que é considerado como
real).

Segundo a corrente hobbesiana, no estado de natureza não há poder soberano,


e cada um dos homens e mulheres têm o direito a tudo que possa ser alcançado
por meio do uso de sua própria força (lei natural). Nesse estado, haveria guerra
potencial de todoscontratodos, na qual ninguém poderia esperar que seus bens
ou a própria pessoa estivesse em segurança. Assim, os homens se moveriam pelo
instinto de autopreservação e pelo medo da ameaça dos outros.

Curiosidade
Quais são as condições em que o soberano pode esperar que os
sujeitos obedeçam às leis ou aos mandatos legitimamente? Ou,
de outra forma: em que casos deve haver consentimento por parte
das pessoas ante ao governo e em quais casos é justo se rebelar?

Dessa forma, a longo prazo, seria insustentável a existência dos homens e, por
esse motivo, os indivíduos deveriam concordar em deixar o estado de natureza e
alcançar garantias mínimas de paz. Nasceria, assim, o contratosocial.

Como contratosocial, as partes delegariam poderes ao soberano, que seria


responsável por manter a lei e a ordem dentro de um novo estado civil. Logo,
o poder do monarca deveria ser absoluto a fim de garantir a instabilidade ou a
possibilidade de conflitos entre membros do corpo político, denominado por Hobbes
como o“Leviatã”. Hobbes não pensou que esse contrato social tinha sido dado
historicamente e que poderia ser datado de forma cronógica.

Atenção
A ideia consiste na justificativa do poder soberano baseado na
argumentação da passagem do estado da natureza para o estado
civil, ou seja, os sujeitos deveriam obedecer ao soberano, porque
ele seria responsável por assegurar a paz e a preservação de seus
bens.

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Assim, a alternativa ao governo civil seria o retorno à guerra e o terror do estado de
natureza, pois o homem, abandonado ao seu estado natural, tornando-se um perigo
para a humanidade.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) representa uma alternativa ao absolutismo


político de Hobbes. Rousseau contradiz a teoria de Hobbes, afirmando que o
homem, no estado de natureza,não é um lobo para o homem: mas despojado das
características da sociedade civil, sendo bom por natureza.

Para Rousseau, o que corrompe e aliena o homem é a propriedade privada e a vida


em sociedade, o qual, face à hipocrisia e às aparências, vive preso.

A visão política rousseauniana remonta ao fundamento da soberania política


no contexto do contratosocial. O homem natural não precisaria se associar
politicamente, mas, ante à falta de recursos, ele se sentiria obrigado a se associar.
Assim, segundo a doutrina desse pensador, o contrato social seria o acordo de
formar uma sociedade civil eestabelecer o instrumento da autoridade: o soberano.

Desse modo, para Rousseau, toda a dificuldade política consiste em estabelecer


a devida relação entre a vontade particular e a vontade geral. Ou seja, segundo
o contrato social e a Filosofia Política a ele subjacente, não haveria um melhor
esquema de leis, visto que o contrato constituiria a sociedade anterior ao governo e,
independentemente de alterações governamentais, ela seria mantida.

John Locke (1632-1704) é considerado o pai do Liberalismo (filosofia política


baseada em ideais de liberdade individual e igualitarismo), isto é, uma visão
contrária à Teologia. Locke questionava o que seria o poder político e, segundo
o seu pensamento, a sociedade política seria uma invenção e criação humana,
mas tal aparato artificial, uma vez que fosse criado, teria natureza própria, logo,
seria aplicável uma lei natural. Assim, a sociedade política somente persistiria
se o governo fosse constituído de uma única vez, visto que a sociedade política
necessitaria do governo.

Para Locke, não há liberdade onde não há lei, pois, na condição natural do homem,
não há lei pre estabelecida, e, na visão do pensador, para ser livre, os homens
deveriam ser legisladores.

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Saiba mais
Convém destacar que a obra Dois tratados sobre o governo,
de Locke, é de grande importância para o estudo da política.
Recomendamos a leitura!

No próximo e último, tópico, vamos explanar sobre alguns autores que marcam o
pensamento político contemporâneo.

Formação do pensamento político


contemporâneo
Compreender o surgimento do pensamento político e a formação do Estado
moderno pode nos ajudar a entender como conflitos entre Estado e Igreja seguem
motivando discórdias e estão presentes em temas da natureza humana, como, por
exemplo, o aborto.

Novas teorias surgiram para explicar assuntos contemporâneos, várias delas


retomando os clássicos, e dentre eles se destacam-se alguns pensadores
importantes que desenvolveram o pensamento político nosTempos Modernos.

Immanuel Kant (1724-1804) desenvolveu seu pensamento político, supostamente,


junto com suas propostas filosóficas em outros campos do conhecimento, que se
constituiu como uma verdadeira revolução teórica. De acordo com Kant, a única
Constituição política legítima seria a republicana, pois o sistema político deveria
ser representativo, ou seja, os governantes estariam sujeitos à vontade popular e,
portanto, deveriam prestar contas aos cidadãos. Além disso, não deveria haver a
concentração de poder em apenas uma mão, mas sim uma divisão nas funções
de poder, a fim de evitar abusos e despotismos.

Karl Marx (1818-1883) era discípulo da Filosofia de Georg Wilhelm Friedrich Hegel
e buscou, de maneira explícita, demonstrar que a realização da ordem de direito
é um subproduto necessário do conflito dialético, das cegas paixões egoístas no
processo da história.

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Saiba mais
Convém ressaltar que Karl Marx criou a dialética marxista, também
chamada de materialismo dialético, que recorre à dialética – a arte
do diálogo, poder de persuasão, convencimento da verdade por
meio de um discurso – para entender as lutas de classes sociais.

Para Marx, seu professor Hegel criticou o formalismo moral de Kant e sua abstração
vazia nas questões de política, pois, para esse último, Kant contrastava com uma
Filosofia da História em que o motivo se torna consciente de si mesmo, nunca de
maneira individual e unilateral, mas seguindo uma evolução coletiva de grandes
momentos e tempos.

Para Marx, Hegel era um visionário que defendia os interesses dos líderes do
Estado prussiano, camuflando-os sob a aparência de uma Filosofia altamente
especulativa. Em razão disso, Marx transformou a dialética hegeliana à realidade
material, modificando sua orientação e objetivos. Na teoria de Marx, os filósofos
se limitariam a interpretar o mundo, mas o que realmente deveria ser feito era
transformá-lo.

Para Friedrich Nietzsche (1844-1900), diferentemente da corrente doutrinária cristã,


não haveria nenhuma relação entre Estado e Deus. Nietzsche, além de criticar
a cultura e a religião, também criticou a relação do Estado com os sistemas de
educação. Segundo seu pensamento, o Estado é uma das maiores perversões
criadas pelo homem, pois, além de representar o abstrato, trataria os indivíduos de
modo indiscriminado, sendo esses nada mais que escravos. Dessa forma, deixando
o Estado de existir, surgiria o verdadeiro homem e não uma massa que identifica
os seus interesses com os interesses do Estado. Além disso, para o autor, a
política é possível se for orientada à reconstrução do povo e, para isso, haveria que
resgatá-lo do estado catastrófico no qual se encontraria pela ação do igualitarismo
democrático promovido pela modernidade, visto ser o povo essencialmente político.

Saiba mais
Leia mais sobre o utilitarista neste interessante artigo: www.
revistas.usp.br/discurso/article/view/89097

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Na história do pensamento das Ciências Políticas, a tomada de decisões na política
passou a ser pensada com base em critérios que justificassem tais escolhas e que
se pautassem na máxima utilidade das ações do homem para proporcionar
felicidade. Essa corrente de pensamento ficou conhecida como utilitarista.

No utilitarismo, as possíveis ações políticas são decididas com base no bem-estar


geral que elas pudessem produzir. O objetivo, o valor e o critério das ações devem
ser a maximização da felicidade para o maior número possível de pessoas. As
consequências previsíveis das ações se tornam a referência para determinar sua
qualidade. Outra característica fundamental do utilitarismo é que não poderia haver
diferenças de valores arbitrários entre os indivíduos, negando-se, assim, privilégios
sociais.

O filósofo jurista Jeremy Bentham(1748-1832) é considerado uma referência, além


de ser o fundador do utilitarismo. Ele defende a opinião de que um ato é justo ou
injusto dependendo de suas consequências, ou seja, se essas são boas ou más.
Outro expoente da corrente utilitarista foi John Stuart Mill (1806-1873). Contudo,
Mill ponderou que as questões de valor normativo não poderiam ser reduzidas
a meros cálculos de utilidade e, dessa forma, considerou que a teoria utilitarista
precisava ser corrigida.

Curiosidade
De acordo com Mill, existiriam valores, como liberdade ou
tolerância, que deveriam ser protegidos, e o utilitarismo teria
que ser combinado com uma série de regras para garantir que
as decisões éticas ou políticas não fossem reduzidas a meros
cálculos de utilidade que não levassem em consideração os
direitos individuais.

Mesmo que a corrente utilitarista seja bastante atual, podemos perceber que
algumas ideias políticas defendidas por pensadores como Platão ou Hegel a
influenciaram. Essa presença também aparece em outros autores que formaram o
pensamento político na contemporaneidade.

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Conclusão
Conhecer as diversas ideologias que influenciaram a formação dos Estados
modernos é de fundamental importância, pois a partir do passado podemos refletir
sobre os erros cometidos e agirmos para a melhoria não somente do Estado que
vivemos mas, também, para a melhoria da sociedade em que vivemos.

Desta forma, ao ter estudado este conteúdo, poderá ser possível compreender o
contexto de como os Estados se relacionam entre sí e os motivos que levam cada
um a agir como agem nas relações internacionais. Lembramos que é necessário o
apronfundamento por meios dos textos complementares que foram aqui sugeridos.

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Referências
BENTHAM, Jeremy. O panóptico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

HEGEL, G. W. F. A fenomenologia do espírito. Tradução de P. Meneses. Petrópolis,


RJ: Vozes, 1999.

HOBBES, T. Leviatã. Tradução: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.

KANT, E. Fundamentação da Metafísica dos costumes. Tradução de Guido Antônio


de Almeida. São Paulo: Barcarolla, 2009.

LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo civil. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Tradução MF.


São Paulo: Martins Fontes, 2007.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria Lucia Cumo. Rio de Janeiro:


Editora Paz e Terra, 1996.

MARX, Karl. O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.

MILL, John Stuart. Utilitarismo: Introdução, tradução e notas de Pedro Galvão.


Porto. Porto Editora, 2005.

NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. Tradução de Paulo César de Souza . São Paulo:


Companhia das Letras, 2009.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Lourdes Santos


Machado. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

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