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QUESTÃO 4: A retomada da reflexão crítica acerca do poder de Estado é inseparável do

processo de transição do feudalismo para a sociedade capitalista, desde a unificação do


Estado pelo Absolutismo monárquico durante o período renascentista até o processo de
tomada do poder pela burguesia na Europa. Contudo, as teorias formuladas tanto por
Maquiavel quanto pelos autores clássicos do contratualismo, tiveram influência permanente
na constituição do Estado até os dias atuais, tanto no que se refere à maneira de agir dos
governantes quanto nas constituições dos países capitalistas. A partir dos conteúdos
adquiridos na disciplina Ciência Política I, disserte sobre as principais influências dos autores
estudados no que se refere à constituição do Estado moderno.

Ao longo da disciplina de Ciência Política, nos deparamos com as obras de


pensadores notáveis, cujas ideias apresentam forte ligação em termos de conteúdo, os quais
acompanharam a formação do Estado moderno no continente Europeu. Dentre os clássicos,
temos o italiano Maquiavel (séc. XVI), os ingleses Hobbes e Locke (séc. XVII), os franceses
Montesquieu e Rousseau (séc. XVIII), além de outros que contribuíram para a construção da
teoria política clássica, que gira em torno da construção do Estado-Nação.

De maneira a tornar clara a contribuição dos principais teóricos acerca da constituição


do Estado (moderno), como conhecemos hoje, implica a necessidade da delimitação do que
entendemos por ESTADO.

Etimologicamente, o termo “Estado” provém da língua latina “status”, que


corresponde a um modo de estar, uma situação ou condição (Azevedo, 1953). Este uso
vocabular remonta ao século XIII, e foi usado para se referir a um país (nação) soberano, que
possuísse estrutura administrativa e patrimonial própria, além de ser politicamente
organizado. Especificamente, seu significado político pode ser sintetizado como: “entidade
com poder soberano para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada” (Vaz,
2019). Importante ressaltar que um Estado não se confunde com seu governo.

De acordo com o jurista italiano Norberto Bobbio, a palavra Estado foi utilizada pela
primeira vez pelo general estrategista Sun Tzu, no livro A Arte da Guerra, já com o seu
sentido contemporâneo, e apenas posteriormente no livro denominado O Príncipe, do
diplomata e militar Nicolau Maquiavel. Aparentemente, Nicolau Maquiavel parece ter sido o
primeiro (europeu) a refletir academicamente sobre o tema, tendo enfatizado no aspecto da
dominação (poder estatal) sobre os homens (cidadãos) do que sobre seu território (Gruppi,
1986).

“Todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm poder


sobre os homens foram ou são repúblicas ou principados”
(MAQUIAVEL, 2016: p. 47).
Em sua Obra, Maquiavel foge da tradição que apresenta o homem ajustado para a
vida em sociedade, ao contrário, defende que os homens tendem sempre à desunião e divisão,
havendo conflito de desejos (constante luta pelo poder) entre grupos sociais distintos (Winter,
2006). Assim, o Estado surge neste cenário, governado por um Príncipe (soberano virtuoso)
que age sem medir esforços para alcançar o bem do seu povo. Segundo WINTER (2006), o
pensamento maquiaveliano causou (e causa) tanta rejeição e críticas, pois reavalia as relações
entre ética e política, promovendo a autonomia política do Estado, dissociada das questões
morais.

Posteriormente, Thomas Hobbes, com a obra Leviatã de 1651, torna-se o precursor


das teorias contratualistas do Estado (junto a Locke e Rousseau), as quais veem a origem da
sociedade e do poder político num contrato (acordo tácito ou expresso) do indivíduos e que
daria fim ao estado natural. Hobbes compreendia que a natureza humana é desarmoniosa e,
consequentemente, os homens vivem em estado de guerra, ou estado natural (Ribeiro, 2006).
O autor relaciona o estado natural de guerra dos homens com a sua liberdade, afirmando que
a liberdade torna os sujeitos individualistas e perigosos (Vaz, 2019).

Na linha de Hobbes, é justamente o contrato que cessa a discórdia entre os homens,


para construção de uma sociedade harmônica, submetida ao poder absoluto de um soberano
(seja um homem ou assembleia, que só prestaria contas a Deus), por meio de um contrato.
Assim, é necessário um Estado dotado da espada, para forçar os homens ao respeito e receber
aquilo que lhe couber das mãos do soberano. Ou seja, o Estado é condição para a existência
da sociedade.

"Os homens não tiram prazer algum da companhia dos outros


e, sim, até, um enorme desprazer, quando não existe um poder
capaz de manter a todos em respeito. (HOBBES, 2002, p. 97).

Segundo Ribeiro (2006), Hobbes nos leva a um exame de consciência, para que
identifiquemos onde reside nossos conflitos para contê-los, e através da nova ciência política
que surge desta reflexão, sejamos capazes de construir Estados que se sustentam sem guerra
civil.

Outro grande pensador do Estado foi o inglês John Locke, grande defensor da
democracia liberal. Locke também acreditava, assim como Hobbes, que o estado natural do
homem é individualista e que a sociedade política era a forma de se prevenir os males,
constituindo a paz entre seus membros, através de um pacto consensual realizado entre os
homens.
No estado de natureza de Locke, os homens viviam em perfeita liberdade e harmonia
(diferindo de Hobbes), com os indivíduos sendo dotados de razão e propriedade, direitos
invioláveis, mas sempre haveria alguma discordância entre os pares que necessitaria de um
juiz imparcial e de uma força coercitiva para intermediar as relações sociais (Mello, 2006).
Aqui surge a necessidade do contrato social, dando origem a um estado que preserva a
propriedade individual e a proteção da comunidade.

Ao contrário do contrato Hobbesiano (de submissão), o de Locke era de


consentimento, defendendo a titularidade da soberania estatal pelo povo (soberano), mesmo
que este delegue o poder a outros homens (representantes). Ou seja, troca-se voluntariamente
a liberdade individual pela segurança do Estado (Leviatã). Essa tese dá vazão à ideia de
democracia liberal, oposta ao despotismo do soberano.

“opino que muito melhor será o estado de natureza, onde os


homens não estão obrigados a submeter-se à vontade
caprichosa de um rei”. (LOCKE, 2006, p. 28).

Além disso, a tese de Locke dava ênfase à liberdade individual e à defesa da


propriedade privada, sendo que para ele, um homem livre era um homem proprietário, sendo
que para ele a desigualdade social era natural (Vaz, 2019). Estas ideias influenciaram fatos
históricos como a Revolução Gloriosa da monarquia parlamentar inglesa, além da revolução
e independência norte-americana.

Charles-Louis de Secondat, mais conhecido por Barão de Montesquieu, membro da


nobreza, que viveu durante o período iluminista europeu, o que fica claro na influência de
suas concepções filosóficas, e na sua obra “Espírito das Leis” aponta que existem leis
variáveis (leis positivas) e invariáveis (da natureza). A concepção do estado de natureza
entendido por Montesquieu mostra homens na busca de equilíbrio, usando a razão para
corrigir eventuais desequilíbrios sociais, o que surge é o um pacto simples, delineando a
esfera pública e privada (Pellegrini, 2007).

Dentre suas maiores contribuições está a teoria da tripartição dos poderes, que
permanece como pilar fundamental do Estado de direito moderno. Buscou compreender as
razões da decadência das monarquias e os mecanismos de suas estabilidades, identificando a
moderação como pedra de toque da estabilidade dos governos, e introduz um conceito de lei,
“relações necessárias que derivam da natureza das coisas”, que possui conexão com as
ciências empíricas (Guilhon, 2006). Ele via as leis positivas como meio de reger a relação
entre os homens, mas as quais os homens podem furtar-se.
Adiante, ao analisar a instituição do governo estatal, Montesquieu distingue três tipos:
o governo monárquico, o despótico e o republicano; sendo que nos dois primeiros, o poder
soberano é exercido por um só homem, diferenciando-se o primeiro do segundo pela
existência (no primeiro) de leis estabelecidas, e a terceira espécie de governo, a república,
dá-se quando o povo efetivamente detém o poder, de forma total (quando se terá uma
democracia) ou parcial (quando se terá uma aristocracia) (MONTESQUIEU apud Braatz e
Búrigo, 2007). Ou seja, o governo despótico é movido pelo medo, o monárquico pela honra e
o republicano pela virtude. Aparentemente, o regime monárquico é tido pelo autor como o
melhor modelo, desde que exista um poder moderador, preferencialmente de cunho social,
que possa contrapor o abuso dos outros poderes.

Jean Jacques Rousseau, outro contratualista, contrasta com Hobbes, ao defender que
os homens são naturalmente e essencialmente bons, sendo a vida em sociedade o fator que os
corrompe, já que sua vida natural seria em liberdade, gozando de igualdade e felicidade, e
estas três características fundamentais são destruídas pela civilização (Vaz, 2019). Junto a
Locke, Rousseau entende que a propriedade é um direito sagrado e natural do homem,
devendo ser assegurada pelo Estado, governado pelo poder soberano do povo .

Em sua Obra “do Contrato”, já no capítulo I do Livro I consta: “o homem nasce livre,
e por toda parte encontra-se aprisionado”. Rousseau defende que para que a sociedade civil
funcione adequadamente é necessário que ocorra um pacto entre os homens, no qual os
indivíduos renunciam a seus direitos e sua liberdade natural em nome da liberdade civil (Vaz,
2019). Ressalta-se que, o que Rousseau pretendeu estabelecer sobre o contrato eram as
condições do pacto ser legítimo, através do qual os homens perdem sua liberdade natural em
troca de ganhar a liberdade civil, sendo fundamental o reconhecimento de igualdade das
partes contratantes (do Nascimento, 2006).

No contrato de Rousseau, o soberano também é o povo (assim como em Locke) e não


o rei (que seria apenas um funcionário do povo), quanto a validade do papel do Estado e seu
governo por representantes eleitos, aponta possíveis riscos destes agirem em nome de si e não
da população, tendendo a subjugar o povo (do Nascimento, 2006; Ribeiro, 2021).

Aqui seria possível apresentar a contribuição de outros pensadores, mas pela extensão
da literatura e o reduzido espaço para esta dissertação, apontamos que a compreensão da
contribuição destes cinco célebres autores para a constituição do Estado moderno são as
principais para o entendimento do fenômeno estatal. Pela exposição acima, torna-se claro que
o surgimento do Estado não se deu apenas pela necessidade da convivência dos homens em
sociedade, mas também por outros fatores como a complexidade crescente das relações
sociais, e conflitos de interesses individuais que ameaçavam a boa convivência.

Não obstante, verifica-se que o surgimento do ente estatal não se deu de forma
uniforme, e sim obedecendo a uma natural e gradativa necessidade humana de agir nesse
sentido, pela constatação de que não mais seria possível conviver sem uma estrutura central e
competente para compor os mencionados litígios, a fim de preservar a paz social e buscar o
bem comum (Calegari, 2021).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA 4a. QUESTÃO

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1953, verbete status.

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governo e de controle penal nas obras “O espírito das leis” e “dos delitos e das penas”: breves percepções.
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www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791.

CALEGARI, Luciano Robinson. A Formação do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2021.
Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21778/a-formacao-do-estado. Acesso em: 15
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GUILHON, J. A. Albuquerque. Montesquieu: sociedade e poder. WEFFORT, Francisco. Clássicos da Política, v.


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HOBBES, T. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret,
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https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6593/A-formacao-do-Estado-Moderno-em-Montesquieu. Acesso
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RIBEIRO, Renato J. Hobbes; HOBBES, R. o medo e a esperança. Os clássicos da política, v. 1, 2006.

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