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As

favoritas dos reis da dinastia de Borgonha



Pelo termo ‘favorita’ entende-se a companheira íntima de um monarca ou governante
fora do casamento. É uma maneira discreta para evitar usar termos como ‘amante régia’
ou mesmo ‘concubina real. E se bem que o vocábulo tenha sido mais proeminente a
partir do final da Idade Média, usá-lo-emos para nos referirmos às mulheres que
partilharam algum sentimento de afetividade com os reis da 1ª dinastia portuguesa.
Estamos a referir-nos ao fundador do reino, Afonso Henriques, e aos seus herdeiros em
linha reta, em sucessão hereditária de pais para filhos (Sancho I, Afonso II, Sancho II,
Afonso III, Dinis I, Afonso IV, Pedro I e Fernando I), até que essa sequência linear foi
cortada pela ascensão ao trono de João, Mestre de Avis, filho bastardo de Pedro I.
Inevitavelmente, as favoritas tendiam a incorrer na inveja e no ódio da restante nobreza,
e os monarcas, às vezes por pressão política, eram obrigados a afastá-las. No entretanto,
enquanto a relação durasse, títulos e propriedades eram-lhes doados prodigamente,
inclusive à descendência natural que daí ocorresse, os chamados bastardos.
Do período em questão, as fontes portuguesas não são generosas em informações. Por
isso, é impossível saber ao certo quantas relações extraconjugais, como e quando se
iniciaram, como e porque terminaram.
Reis e rainhas, por maior que fosse o seu poder sobre os súbditos, não possuíam o
domínio da sua vida privada. As suas pessoas deviam servir a política, consolidando a
segurança do seu reino através de alianças, nomeadamente as matrimoniais. Desse
modo, os consortes não eram escolhidos pelo afeto, mas pelo dever, pela obrigação de
zelar pela boa vizinhança e pela independência das terras que governavam. O amor era,
portanto, um elemento ausente dessa área das suas vidas. Agindo desse modo, os
nossos reis mantinham-se livres dos riscos das paixões, as quais poderiam fazer cair o
império mais robusto.
Mas se não existia amor no casamento, é inegável que se vivia abundantemente fora do
tálamo conjugal. Que o digam os bastardos legitimados pelos monarcas e as prolíferas
doações que fizeram às amantes.
Também a Igreja teve influência no conceito da união conjugal a partir do século XII,
proibindo os matrimónios secretos, as uniões com parentes até ao quarto grau,
excluindo os ilegítimos da herança e até repudiando as mulheres de uniões desfeitas,
quer devolvendo-as às famílias, quer enclausurando-as em conventos. Desse modo, os
amores clandestinos desenvolvem-se numa atmosfera densa, muitas vezes
pressentidos, mas poucas assumidos.
Contudo, para conseguir os favores das mulheres que amavam, reis e senhores não
hesitaram em levar a cabo o seu rapto, um costume germânico cuja longevidade é
observável até ao século XIV. Embora não tenhamos notícia de um rapto perpetrado por
um destes reis, recordemos o de Mécia Lopez de Haro, mulher de Sancho II, pelo nobre
Raimundo Viegas de Portocarreiro, com Sancho no encalço da esposa até Coimbra e
resignando-se com a sua perda; e o da Ribeirinha, por Gomes Lourenço de Alvarenga,
logo após a morte de Sancho I.
Dos monarcas desta dinastia, a todos se conheceram favoritas, excetuando Sancho II e
Afonso IV, de quem também não se conhecem filhos bastardos. Todos os restantes se
deleitaram nos prazeres das suas ‘mancebas’, antes, durante ou após o casamento.
De Afonso Henriques temos conhecimento de duas donas. Embora as circunstâncias não
sejam claras, identificamos a primeira como Chamôa Gomes, filha de Gomes Nunes
Pombeiro. Ser viúva e mãe de quatro filhos não impediu que o rei a preferisse e que com
ela tivesse o seu primeiro descendente: Fernando Afonso, nascido por volta de 1140.
Alguns autores sustentam que chegou a casar com ela, facto não comprovado. A outra
amante terá sido Elvira Gualter, sobre quem se especula se foi mãe de Tereza e Urraca
Afonso, cujos nomes se misturam com os nomes das irmãs de Afonso Henriques e das
filhas legítimas que teve com a rainha Dona Mafalda.
Sancho I, o sucessor, teve nada mais do que dezanove filhos, onze com a rainha Dulce e
nove bastardos bem documentados. A favorita mais proeminente foi a celebérrima
Ribeirinha, Maria Pais de Ribeira e Cabreira, nomeadamente após o falecimento da
rainha e com quem teve seis descendentes. Antes dela existiu Maria Aires de Fornelos,
que lhe deu dois filhos. Alguns apontam ainda outro ilegítimo: Pedro Moniz, tido com
Maria Moniz da Ribeira, tia da Ribeirinha.
A Afonso II, mesmo sofrendo de um mal identificado como possível lepra, conhecem-se
duas damas a beneficiar da sua intimidade: Mor Martins de Riba de Vizela, oriunda de
importante linhagem, e Tereza Martins, de quem só se sabe que era barregã do
monarca. De João Afonso e Pedro Afonso, os ilegítimos, desconhecem-se as mães.
Afonso III foi prolífero em amantes: Aldonça Anes da Maia, Teresa Mendes de Sousa
(abadessa no Lorvão), Urraca Abril de Lumiares (viúva de João Martins Chora de Riba de
Vizela), Teresa Fernandes de Seabra, Sancha Fernandes Delgadilha, Elvira Esteves,
(mulher do povo), Marinha Peres de Enxara e a moura Madragana Ben Aloandro,
batizada como Mor Afonso. Umas mais bem documentadas do que outras, deram-lhe
nove bastardos, além dos oito legítimos.
Dinis I, o rei poeta, apesar de casado com uma princesa de Aragão que parece ter sido
bela, deve ter conquistado muitos corações com as suas cantigas de amigo e de amor,
embora só o tivesse cedido garantidamente a Branca Lourenço de Valadares, Maria
Rodrigues de Chacim, Aldonça Rodrigues de Telha (mãe do preferido Afonso Sanches),
Gracia Anes (mãe do eloquente Pedro, conde de Barcelos), Maria Pires (mãe de João
Afonso), Marinha Gomes (mãe de Maria Afonso I). Tudo senhoras de boa linhagem ou
de boas famílias burguesas. Escaparam às fontes outras, entre as quais as mouras e as
camponesas que louvava nos seus escritos. Contudo, o facto de só ter tido um único
filho com algumas, pode indiciar volubilidade da parte do monarca. Nenhuma das
favoritas logrou sê-lo por bastante tempo e, Aldonça Rodrigues de Telha, por abusos
cometidos fiando-se na sua ascendência sobre o rei, foi julgada e condenada pelas
infrações.
De Pedro I ficou para a eternidade o seu intenso relacionamento com a malograda Inês
de Castro, aia galega da esposa Constanza. Depois do seu desaparecimento, Pedro teve
duas amigas íntimas mais ou menos documentadas: Teresa Lourenço (mãe de João,
Mestre de Avis, futuro João I) e Beatriz Dias, serviçal da corte.
Fernando I, o último monarca dos Borgonha, de cuja aparência física se diz poder
agradar muito às mulheres, há um ténue rasto que aponta para Beatriz de Castro, filha
de Inês e sua meia-irmã. Qual o grau de interesse por ela? As fontes não o esclarecem,
tanto mais que foi desviado pela bela e perigosa Leonor Teles, com quem se
matrimoniou.
Estas mulheres deliciaram intimamente os nossos reis. A sua escolha foi determinada
por critérios de prazer e de afeto, suprindo a ausência da afetividade nos seus
casamentos legais. Foram agraciadas com propriedades e respetivas rendas. Os filhos
que tiveram foram legitimados, ocupando altos cargos na chefia do reino ou recebendo
títulos nobiliárquicos. Contudo, o poder das favoritas era efémero: apenas durava
enquanto durasse o encanto de el-rei.
© Maria Antonieta Costa, maio 2022

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