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EÇA DE QUEIRÓ S – OS MAIAS – alguns apontamentos

O TÍTULO – Os Maias

O romance os Maias conta a história da família Maia, através de três personagens masculinas que
representam três gerações, correspondentes a momentos histórico-políticos e culturais diferentes:

Família Maia Política Estética Literária


Afonso + Maria Eduarda Revoluções Liberais Início do
(absolutismo/Liberalism Romantismo
o)
Runa Pedro + Maria Regeneração
(decadência do Romantismo
liberalismo)
Monforte
Regeneraç Ultrarromantis
ão mo
Carlos + Maria Eduarda Realismo

O trajeto da família Maia entrelaça-se com a história do século XIX, servindo o conjunto das três
gerações sucessivas para retratar a evolução de uma sociedade que continua a não encontrar um
rumo certo de modernidade.

O SUBTÍTULO – Episódios da Vida Romântica (visão crítica de uma época)

Os Episódios da Vida Romântica constituem-se como “flagrantes” da vida portuguesa onde estão
representados os defeitos caracterizadores da sociedade portuguesa da segunda metade do séc.
XIX, em múltiplos aspetos:
Este subtítulo permite-nos o contacto com múltiplas cenas e casos típicos da vida e da sociedade
romântica da época da regeneração:
- a sociedade lisboeta (costumes, vícios, virtudes...), representada por personagens que
tipificam um grupo, uma profissão, um vício...;
- o mundo social e político da sociedade lisboeta de grande parte do século XIX, através de
cenas e quadros: atividades sociais, culturais, desportivas, lúdicas...;
- caráter estático;
- menos ficção, mais descrição;
- menor interferência do narrador, embora adote frequentemente um tom irónico e
pessimista.
Nestes episódios observam-se as ações, as atitudes e os comportamentos do protagonista da
intriga principal – Carlos da Maia – e dos figurantes, representantes de diferentes aspetos da
sociedade portuguesa da altura.
Trata-se de uma tela viva, onde se movimentam figuras da elite portuguesa, pertencentes a
diversos setores (Finanças, Política, Diplomacia, Administração Pública, Jornalismo, Literatura,
Aristocracia).
O leitor é conduzido por Carlos da Maia aos locais frequentados pelos importantes do Reino e,
através do seu olhar, acede ao retrato desse Portugal medíocre, apático, atrasado, provinciano em
que, por vezes, situações de personagens atingem a categoria de caricatura.
O narrador ironiza, critica, satiriza e deforma em excesso um ou vários traços caracterizadores
da Nação, exprimindo deste modo a necessidade urgente de reformar os hábitos, os costumes e
sobretudo a mentalidade de uma gente tão tacanha, tão limitada, tão ridícula.
O romance Os Maias denuncia os vícios da Pátria para a qual Eça de Queirós olhava do exterior.
De facto, o afastamento de Portugal, por razões profissionais, possibilitava-lhe realizar a análise
objetiva, por vezes impiedosa, de uma sociedade ridícula, decadente, tão distanciada da civilização
estrangeira que ele tão bem conhecia.

A AÇÃO

O plano da intriga apresenta uma ação secundária, que envolve Pedro e Maria Monforte; e
uma ação principal centrada na relação entre Carlos e Maria Eduarda.
A intriga secundária, que surge como introdução e permite a apresentação de Afonso da
Maia, como fator de unidade, e situa no tempo e no espaço o início da ação, centra-se na
personagem Pedro, dando conta do seu nascimento, formação, paixão e drama.
A intriga principal, que mantém a dimensão trágica e a amplifica, fazendo o
desenvolvimento dos acontecimentos, incide nas relações incestuosas de Carlos da Maia e Maria
Eduarda, culminando com a morte do avô. Com a desagregação da família, o último capítulo
constitui o epílogo, onde Carlos e o seu amigo Ega, regressados a Lisboa, admitem o fracasso de
uma vida e verificam o atraso do País. Embora o regresso pareça traduzir a desilusão pessoal
sobre o futuro de Portugal, é possível vislumbrar alguma catarse na reflexão que o mais
importante é viver, mesmo falhando «sempre na realidade aquela vida que se planeou com
imaginação».
Em alternância com a intriga principal desenrolam-se múltiplos episódios a que se costuma
chamar a crónica de costumes lisboeta.
IN Localização no tempo: «no Outono de 1875”
Localização no espaço: O Ramalhete - «a casa que os Maias vieram a habitar em Lisboa»
TR
A personagem central: Os Maias, «uma antiga família da Beira”, «reduzida a dois
OD
varões, o senhor da casa, Afonso da Maia, um velho já, quase antepassado, mais idoso

que o século, e o seu neto Carlos que estudava medicina em Coimbra»
ÃO

P Juventude, exílio e casamento de Afonso


R
E I-
P II
A
R Infância e educação de Pedro
I
A Paixão de Pedro por Maria Monforte
n
Ç Namoro «à antiga, plantado a uma
t
à esquina» Casamento
r
O Traição e fuga de Maria
i
D Monforte Suicídio de Pedro.
g
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O u
P n
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d
I
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N
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C
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I
a
P
I Infância e educação de Carlos em Santa
A
I Olávia Estudos em Coimbra
L
I Viagem de Carlos pela Europa
-

I
V
IV- Carlos da Maia em Lisboa: o consultório; o laboratório
DESENVOLVIMENT
V O diletantismo de Carlos e de Ega
VI Apresentação de Carlos à sociedade lisboeta: jantar no Hotel
Central Carlos vê Maria Eduarda
VII Carlos e as suas paixões:
O romance com a Gouvarinho
A obsessão pela “brasileira” (Maria Eduarda)
VII Viagem a Sintra
I
IX Carlos, como médico, visita, no Hotel Central, Rosa, a filha de seis anos de Maria Eduarda
X As corridas
XI Carlos conhece Maria Eduarda
XII Jantar em casa dos Gouvarinho
Declaração de Carlos a Maria
Eduarda
XII A Toca – lugar dos encontros amorosos de Carlos e Maria
I Eduarda A consumação da relação
Rutura de Carlos com a Gouvarinho
XI Paixão de Carlos e Maria Eduarda
V Semelhança de Carlos com a mãe de Maria Eduarda
As revelações de Castro Gomes sobre a relação de Carlos com Maria Eduarda
XV A vida e educação de Maria Eduarda
Encontro de Maria Eduarda com
Guimarães Episódio da Corneta do Diabo
Episódio no jornal A Tarde
XV Sarau no Teatro da Trindade
I Revelações de Guimarães a Ega, entregando-lhe um cofre para Carlos ou para a “irmã”
XV Revelações de Ega a Carlos, entregando-lhe o
II cofre Revelações de Carlos a Afonso
Incesto consciente de Carlos
Encontro de Carlos com
Afonso Morte de Afonso
Revelações a Maria
Eduarda Partida de Maria
Eduarda
XV Viagem de Carlos
EPÍ
III Regresso a Lisboa dez anos
LO
depois: Carlos e Ega
GO
desiludidos Estagnação de
Portugal
Intriga secundária
Pedro, único filho de Afonso da Maia e de Maria Eduarda Runa, apaixona-se fatalmente por
Maria Monforte, mulher bela que aparece em Lisboa, acompanhada pelo pai, que enriquecera com
o tráfico de negros.
Contra a vontade de Afonso, Pedro casa com Maria Monforte e dela tem dois filhos, Maria
Eduarda e Carlos Eduardo.
O casal vive faustosamente em Lisboa, no palacete de Arroios e, um dia, Pedro traz para
casa um belo príncipe italiano com quem Maria Monforte foge, levando consigo a filha, Maria
Eduarda. Nesse mesmo dia, Pedro corre para o palacete de Benfica, reconcilia-se com o pai, após
quatro anos de separação, entrega-lhe o filho que Maria lhe deixara, e suicida-se cobardemente.
O palacete é fechado e Afonso da Maia parte com o neto para Santa Olávia.

Intriga principal
Em 1875, Carlos Eduardo, após ter-se formado em Medicina, vem viver com o avô, Afonso
da Maia, no Ramalhete, em Lisboa.
Carlos tenta concretizar os seus projetos profissionais, mas acaba por falhar todos os seus
planos. Entretanto, integra-se na elite da capital, frequentando espaços sociais requintados, onde
priva com os importantes do reino.
É no peristilo do Hotel Central, antes do jantar em honra do banqueiro Cohen, que Carlos,
em companhia de Craft, observa a chegada de Maria Eduarda por quem se apaixona de imediato.
Depois de várias tentativas para conhecer pessoalmente Maria Eduarda, Carlos convive com
esta, envolvendo-se numa profunda paixão, plenamente correspondida.
É na Toca, situada na quinta dos Olivais, comprada por Craft, que os dois apaixonados
cometem involuntariamente o incesto.
O amor de Carlos por Maria Eduarda é tão forte que resiste ao facto de saber que ela tivera
um passado pouco recomendável, havendo mesmo uma filha – Rosicler. No entanto, a felicidade
de Carlos será completamente destruída pelas revelações de uma carta de Maria Monforte na qual
Maria Eduarda é identificada como filha de Pedro da Maia (irmã de Carlos).
Apesar de conhecer a verdade, Carlos comete incesto de forma consciente e Afonso morre
de desgosto. Sentindo-se extremamente culpado e arrependido, Carlos separa-se de Maria
Eduarda que parte para França.
Carlos viaja para o estrangeiro com o seu amigo Ega e fica a residir em Paris, regressando
a Portugal apenas no ano de 1887.

Relação entre a intriga principal e a intriga secundária


A intriga secundária é fundamental para o desenvolvimento da intriga principal.
As consequências dos amores infelizes e trágicos de Pedro da Maia e de Maria Monforte
separam os dois irmãos que crescem sem terem conhecimento da verdade. Maria Eduarda
desconhece a identidade do pai e pensa ter tido apenas uma irmã que morrera em pequenina.
Carlos acredita que sua mãe e sua irmã estavam mortas, assim lho dissera Afonso.
A intriga principal alicerça-se nos acontecimentos desse passado longínquo e no
desconhecimento da verdade, apresentando-se como consequência direta da intriga secundária.

Semelhanças entre a intriga secundária e a intriga principal


O romance Os Maias conta a história da família Maia aniquilada pelo Destino inexorável. É
possível encontrar, nas tramas das intrigas, algumas semelhanças:

INTRIGA SECUNDÁRIA INTRIGA PRINCIPAL


- Pedro apaixona-se perdidamente por Maria - Carlos apaixona-se fatalmente por Maria
Monforte (bela, loura, esbelta, uma deusa), Eduarda (bela, loura, elegante, uma deusa),
quando a vê pela primeira vez. quando a observa pela primeira vez.
- Pedro casa com Mar Monfor cont a - Carlos vive com Maria Eduarda, desejando
vontade de ia te ra casar com ela, mas não confronta o avô com
Afonso. esse desejo, por temer a sua oposição.
- Pedro suicida-se. - Carlos comete incesto voluntariamente.
- Após a morte de Pedro, Vilaça afirma que - Depois de saber que Carlos continua
Afonso não dura mais de um ano. envolvido com Maria Eduarda, Afonso morre de
desgosto.
Delimitação da narrativa

Considerando os dois níveis da história, teremos n’Os Maias uma ação fechada e uma ação
aberta. O nível da intriga identifica-se com aquilo a que se costuma chamar uma ação fechada,
porque todos os seus acontecimentos se encadeiam numa sucessão causa-efeito e porque, até ao
fim da obra, tudo se soluciona, não havendo possibilidades de continuação para além do
desenlace. De acordo com esta ideia, pode considerar-se que a intriga d’Os Maias é constituída
fundamentalmente pelos amores de Carlos e Maria Eduarda assim como pelo desfecho trágico, isto
é, a descoberta do incesto e a morte de Afonso da Maia. Depois desta última, pode dizer-se que a
intriga d’Os Maias se encontra praticamente concluída; o que não significa, no entanto, que, com
isso se encerre a ação, pois todo o capítulo XVIII constitui ainda um prolongamento, embora
ocorrido dez anos mais tarde.
O
Espaço Físico
E
S
P
A
Ç
O

E
x
t
e
r
i
o
r

Santa Olávia - infância e educação de Pedro

Coimbra - estudos de Carlos


- primeiras aventuras amorosas
Baixa Aterro - local privilegiado para a visão
Lisboa Campo Grande crítica da sociedade portuguesa da
Olivais 2ª metade do séc.XIX
- vida social de Carlos
Interior
- local onde se passa a intriga principal

O Ramalhete de prelado”
- o quarto de Carlos tem um ar de “quarto de
- salas de convívio e de lazer
bailarina”
- o escritório de Afonso tem um
- o jardim tem um valor
aspeto de “uma severa câmara
simbólico

A Vila Balzac - reflete a sensualidade de Ega

O consultório de Carlos - revela o dandismo de Carlos


- a predisposição para a sensualidade

A Toca - espaço carregado de simbolismo


- revela amores ilícitos
etc.

Conclusão
O espaço físico exterior acompanha o percurso da personagem central e é motivo para a
representação de atributos inerentes ao espaço social.
Os espaços interiores estão de acordo com a escola realista/naturalista: interação entre o
Homem e o ambiente que o rodeia.

O espaço social

Os Maias é um romance de espaço (social) porque nele desfila uma galeria imensa de
figuras que caracterizam a sociedade lisboeta: as classes dirigentes, a alta aristocracia e a
burguesia. Cumpre um papel eminentemente crítico.
O espaço psicológico

Constituído pelas zonas de consciência da personagem, manifesta-se em momentos de


maior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência,
ocupando também Ega lugar de relevo.

- sonho de Carlos no qual evoca a figura de Maria Eduarda (cap.VI)


- nova evocação de Maria Eduarda em Sintra (cap. VIII)
Carlos (XVII)
- reflexões de Carlos sobre o parentesco que o - contemplação de Afonso da Maia, morto no
liga a Maria Eduarda (XVII) jardim (cap. XVII)
- visão do Ramalhete e do avô, após o incesto

Ega - reflexões e inquietações após a descoberta da identidade de Maria Eduarda


(cap. XVI)

Conclusões

A representação do espaço psicológico permite definir a composição destas personagens


como personagens modeladas.
A presença do espaço psicológico implica, como é óbvio, a presença da subjetividade.
Uma vez mais a estética naturalista está posta em causa.

O TEMPO

Tempo cronológico/tempo da história

A mudança do tempo contribui para a dinâmica d’Os Maias. De acordo com João Gaspar
Simões, “o movimento de Os Maias é dado pela passagem do próprio tempo. O tempo, não a
ação, é que move os acontecimentos: as personagens, no romance, envelhecem realmente”
Cerca de setenta anos é o tempo passível de ser datado n’Os Maias, embora a ação central não
ultrapasse os catorze meses, do Outono de 1875 ao Inverno de 1876/1877.

Preparação da Ação Conclus


ação ão
Antes de 1800 1820 a 1830, 1848, 1858 e 1870 1875 a 1887
1822 1877
Nascimento Afonso «a Referências ao Relações de «Luminosa e
de Afonso atirar Ramalhete e aos Maias Carlos e de macia
(«mais idoso foguetes Maria Eduarda manhã de
que o de lágrimas Relações de Pedro e Janeiro de
século») à Maria Monforte Morte de Afonso 1887» -
Constituiçã Carlos
o» regressa
Nascimento de Carlos e
de Maria Eduarda

Morte de Pedro

Educação de
Carlos (...)

O tempo concreto de Os Maias é extremamente lento e carregado de elementos significativos, e


abrange o decurso de várias gerações, desde Afonso, o varão íntegro e forte, até Carlos, o
diletante e ocioso, passando por Pedro da Maia, representante de uma época exacerbadamente
romântica.

Tempo narrativo/tempo do discurso


Depois de situar a ação em 1875, Eça estabelece uma ordem para a pluralidade do tempo
da história, quer alternando a ordem dos factos e o ritmo temporal, com recurso a analepses
(recuos no tempo) e reduções temporais (por intermédio de resumos, sumários e elipses), quer
apresentando os acontecimentos em registos competitivos, ou, simplesmente, mantendo a ordem
do discurso a acompanhar a ordem temporal (isocronias).
Analepse na diegese Ação principal
Outono 1820 a 1875 Outono Janeiro Janeiro
de 1875 de 1875 de 1877 de 1887
No Caetano da Maia Afonso, Relação Morte de Regresso de
Ramalh no de Afonso e Carlos a
ete Juventude de Ramalhet Carlos e partida de Lisboa
e, espera de Maria Carlos
Afonso a Eduarda Encontro com
chegada Ega e almoço
Juventude e amores de Pedro de Carlos no Hotel
da sua Bragança.
Fuga de Maria Monforte longa
viagem
pela
Europa
Suicídio de Pedro

Educação de Carlos em
Coimbra Primeira viagem de
Carlos

Analepses
Como vemos no esquema atrás representado, o início do romance situa-nos em 1875, no
Outono. Estamos, por isso, na terceira geração, na história de Carlos. Apercebemo-nos, no
entanto, que será necessário recuar no tempo para encontrar explicações para alguns factos do
presente.
Assim surgem as analepses, de que destacamos:

A história dos Maias até 1875


Quando se fala de Afonso da Maia, afirma-se que a sua «existência nem sempre assim correra
com a tranquilidade larga e clara de um belo rio de Verão».
Está criada a necessidade e encontrado o pretexto para uma longa analepse que vai recordar os
cerca de sessenta anos anteriores:
- juventude, exílio e casamento de Afonso;
- juventude, educação e amores de Pedro;
- rutura de Pedro com Afonso;
- fuga de Maria Monforte;
- suicídio de Pedro;
- educação de Carlos em Santa Olávia e estudos em Coimbra;
- viagens pela Europa

«E então Carlos Eduardo partira para a sua longa viagem pela Europa. Um ano passou.
Chegara esse Outono de 1875: e o avô, instalado no Ramalhete, esperava por ele
ansiosamente.» (Cap. IV)

Maria Eduarda recorda o seu passado


A pergunta de Carlos «Onde nasceste tu, por fim?» provoca uma analepse sobre factos que,
apesar de integrados, em termos temporais, na anterior, tinham sido «esquecidos» e que só
agora são explicados.
Assim, num misto de discurso indireto livre e de discurso direto, ficamos a conhecer os
pormenores do passado de Maria Eduarda, contados pela própria personagem.
Esta analepse escapa, por isso, à focalização omnisciente do narrador dado que Maria
Eduarda apenas conhece o que a sua mãe lhe contara. E assim se mantém o mistério do
passado da personagem...

A carta
A carta de Maria Monforte (lida por Ega a Vilaça) vem finalmente, revelar a verdadeira
identidade de Maria Eduarda. Esclarecido todo o mistério do seu passado, o desfecho trágico
dos amores incestuosos adivinha-se.
Reduções temporais
O período compreendido entre 1820 e 1875 foi sujeito a anisocronias (o tempo narrativo é menor
do que o tempo da história), conseguidas através do recurso a resumos e a elipses.
Resumos ou sumários
Noção: redução do tempo da história, por síntese dos factos ocorridos.

Exemplos:
“Seu pai morreu de súbito, ele teve de regressar a Lisboa. Foi então que conheceu D. Maria
Eduarda Runa, filha do conde de Runa, uma linda morena, mimosa e um pouco adoentada. Ao fim do luto
casou com ela. Teve um filho, desejou outros; e começou logo, com belas ideias de patriarca moço, a fazer
obras no palacete de Benfica, a plantar em redor arvoredos, preparando tectos e sombras à descendência
amada que lhe encantaria a velhice.». (Cap. I)

É através de sumários que ficamos a conhecer:


- juventude, exílio e casamento de Afonso;
- crescimento, educação, crises e aventuras amorosas de Pedro;
- formação universitária e aventuras românticas de Carlos.

Elipses
Noção: omissão de alguns factos ou mesmo de alguns períodos da história.

Exemplos:
«Outros anos tranquilos passaram sobre Santa Olávia. Depois uma manhã de Julho, em Coimbra...»
«Mas, passado ano e meio, num lindo dia de Março, Ega reapareceu no Chiado.» (Cap. III)

Isocronias
Noção: tentativa de fazer corresponder o tempo narrativo ao tempo da história.
Objetivo: realçar a importância de determinado facto.

Processos:
- utilização do discurso direto;
- descrições pormenorizadas de ambientes e de personagens.

Exemplos:
- suicídio de Pedro;
- o sarau;
- o momento das revelações da verdadeira identidade de Maria Eduarda;
- (...)

Tempo psicológico

A passagem do tempo influencia as personagens, não apenas no seu envelhecimento, mas


também em mudanças comportamentais. Esse referencial de mutações, que reflete vivências e
emoções das personagens, é o tempo psicológico.

Exemplos:
- A noite em que Pedro da Maia se apercebeu do desaparecimento de Maria Monforte e o
comunicou ao pai.
- As horas passadas no consultório, que Carlos considerava monótonas e «estúpidas».
- Carlos recorda o primeiro beijo que a condessa de Gouvarinho lhe dera:
« O criado entrou com a bandeja – e Carlos, de pé junto da mesa, remexendo o açúcar no
copo, recordava, sem saber porquê, aquela tarde em que a condessa, pondo-lhe uma rosa no
casaco, lhe dera o primeiro beijo; revia o sofá onde ela caíra com um rumor de sedas
amarrotadas... Como tudo isto era já vago e remoto.» (Cap. XVII)
- No último capítulo, Carlos e Ega visitam e contemplam o velho ramalhete (em Janeiro de
1887) e refletem sobre o passado e o presente; numa das suas intervenções, Carlos, com
emoção e nostalgia, recorda, valorizando, o tempo aí passado:

«- É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida
inteira!» (Cap. XVIII)
Narrador

Quanto à presença, o narrador d’Os Maias é heterodiegético, narra os acontecimentos


na 3ª pessoa.
Quanto à ciência, a focalização é de dois tipos: omnisciente e interna.
A focalização omnisciente (= total conhecimento da diegese, caracteriza exaustivamente as
personagens e os espaços e manipula o tempo segundo as suas opções ideológicas) predomina nos
primeiros capítulos: renovação do Ramalhete; juventude de Afonso; educação de Pedro; suicídio
de Pedro; formação de Carlos em Coimbra.
A partir do capítulo IV, predomina a focalização interna (=contar a história de acordo com a
capacidade de conhecimento de uma ou mais personagens – a informação é condicionada pela
subjetividade e limitação de conhecimentos) sob o ponto de vista de algumas personagens, como
Carlos e Ega, embora surja já no capítulo III sob a visão de Vilaça, quando visita Santa Olávia.
A focalização interna ganha particular significado com a visão de Carlos da Maia que dá um
contributo fundamental na construção das personagens Afonso da Maia, Ega e Maria Eduarda.
Pelos olhos críticos de Carlos são dados a conhecer grande parte dos espaços sociais que a
personagem passa a frequentar quando chega a Lisboa.
A focalização interna de Ega ganha particular relevo nos episódios do jornal “A Tarde” e no
sarau do teatro da Trindade.

INTENÇÃO DO AUTOR AO CONCEBER A OBRA

A intenção de Eça de Queirós ao conceber “Os Maias” é, reconhecidamente, criticar a


aristocracia e a alta burguesia portuguesas dos fins do século XIX.
Essa intenção concretiza-se, genericamente, através da acentuação da antinomia entre a
educação e cultura de Carlos e a mediocridade duma sociedade romântica “acéfala e monótona”
(no dizer de Carlos Reis). Isto não invalida, no entanto, que o próprio Carlos venha a deixar-se
embrulhar e corromper pela podridão que o rodeava.
Com efeito, a sociedade romântica, representada, por exemplo, pelo ultrarromantismo
deletério de Alencar, pela educação retrógrada e clerical de Pedro e Eusebiozinho, pelo adultério de
Raquel Cohen e da Condessa de Gouvarinho, pela incompetência do Conde Gouvarinho e pela
mediocridade cínica e provinciana de Dâmaso não podia deixar de contrastar com a educação
moderna (“britânica”), a cultura e o gosto de Carlos da Maia. Afonso, seu avô, sonhara fazer dele
um cidadão “útil ao seu país” e não um “vadio” ou um “amador”.
Mas entre o sonho e a realidade vai uma grande distância. Todos sabemos que nem todos
os sonhos se concretizam. E este é um deles. Carlos, por nascimento e por formação, tem, de
facto, um grande ascendente sobre todos os que o rodeiam. Mas, paulatinamente, o meio lisboeta,
povoado de medíocres janotas, ociosos e parasitas, encarregar-se-á de o transformar num “dandy”
e num diletante que, no momento mais decisivo da sua vida, irá fraquejar de maneira absurda e
trágica (incesto).
No fim de contas, Eça de Queirós pretenderá demonstrar que, naquela sociedade lisboeta,
e, por extensão, em toda a sociedade portuguesa da época, nem aqueles que pareciam constituir a
esperança de redenção da classe dirigente e do país tinham um caráter e uma vontade
suficientemente fortes e íntegros para garantirem a continuidade de Portugal como país
independente.
Com o fracasso dos sonhos do avô e de todos os projetos de Carlos é toda uma época e
todo um país que falha. É que, no dizer acertado de Jacinto do Prado Coelho, Portugal é “ a grande
personagem latente na obra de Eça, sua obsidiante preocupação”.

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