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“Os Maias”, Eça de Queirós

Conteúdos do programa:

Contextualização histórico-literária

REALISMO NATURALISMO
√ Movimento artístico que surge, em Portugal, em meados do √ Movimento estético-
séc. XIX, contestando o idealismo romântico. literário com origem na
√ Valoriza a observação e a análise de tipos humanos e de doutrina positivista,
costumes sociais, tentando representar objetivamente a estreitamente ligado ao
realidade. realismo e às
√ Adota uma atitude genericamente descritiva e crítica em transformações sociais,
relação à sociedade do seu tempo, tentando descrevê-la e aos científicas, filosóficas e
seus componentes de forma desapaixonada. éticas ocorridas no século
√ A narrativa (e em particular o romance) é o género que mais XIX, tendo-se manifestado
se adequa aos propósitos deste movimento, articulando nas artes e na literatura.
momentos de narração com momentos de descrição. √ No Naturalismo, a obra
√ Na representação da ação, quase sempre de implicações literária surge como a
sociais, é evidente a pormenorizada descrição dos espaços e a ilustração das teses
personagem é de capital importância pois permite uma reflexão científicas.
crítica sobre o ser humano e os seus problemas concretos,
sendo muitas vezes encarada como personagem-tipo.

Em Portugal, o Realismo e o Naturalismo aparecem ligados a nomes como Eça de Queirós,


Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis, entre outros, e a expressões como
Conferências do Casino, Questão Coimbrã, Cenáculo e Geração de 70. A Geração de 70 foi a
responsável pela introdução de ideias novas no país, dando origem a polémicas e agitação que
marcaram a sociedade portuguesa do final do século XIX.

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Diz Eça de Queirós:

O que queremos nós com o Realismo? Fazer o quadro do mundo moderno, nas feições em
que ele é mau, por persistir em se educar segundo o passado; queremos fazer a fotografia, ia
quase dizer a caricatura do velho mundo, sentimental, devoto, católico, explorador, aristocrático,
etc. E apontando-o ao escárnio, à gargalhada, ao desprezo do mundo moderno e democrático
– preparar a sua ruína.

Eça de Queirós. Correspondência. Leitura, coordenação, prefácio e notas de Guilherme de


Castilho. 1983. Lisboa: IN-CM.

Os Maias | pluralidade de ações; complexidade do tempo, do espaço e dos protagonistas;


extensão

O romance é um género narrativo de extensão considerável, em que a imaginação do autor


cria peripécias e/ou aventuras e as personagens exprimem os seus sentimentos e paixões,
desvendando, através dos seus comportamentos, o seu destino.
Num período marcado pelo Realismo, o romance assume uma enorme importância, na medida
em que explora, na trama das suas histórias, a relação entre o comportamento das
personagens e a sociedade que as integra.

No romance:
✓o número de personagens é ilimitado e a sua caracterização é elaborada – apresentando
componentes de ordem social, cultural e psicológica –, podendo evidenciar ou não evolução
psicológica;
✓os espaços são múltiplos, amplos e muitas vezes pormenorizados;
✓o tempo organiza-se de forma complexa, conjugando diferentes tratamentos temporais;
✓há recurso à narração e à descrição;
✓a presença do diálogo e mesmo do monólogo são recorrentes.

Visão global da obra e estruturação: título e subtítulo

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Numa época em que o descrédito político era evidente, Eça de Queirós reflete, na sua obra,
sobre a atmosfera decadente e a crise de identidade que se vivia em Portugal no final do
século XIX.
Temas como o casamento (instituição em crise), o adultério, a educação feminina, a
hipocrisia religiosa, a ociosidade da burguesia, a mediocridade do poder político e a

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incapacidade de reação da sociedade são abordados, permitindo ao escritor analisar a
sociedade portuguesa em que está inserido.

Os Maias narra a história de uma família aristocrática, ao longo de três gerações: Afonso,
Pedro e Carlos da Maia.

A obra é constituída por dezoito capítulos: as primeiras páginas funcionam como uma espécie
de introdução, situando o leitor no Ramalhete e centrando-se, essencialmente, na personagem
de Afonso da Maia. Através de uma analepse, o leitor recebe informações sobre a juventude de
Afonso e os seus confrontos com o pai, a infância, a educação e os amores infelizes de Pedro,
bem como sobre a educação e estudos de Carlos.
A ação central, que corresponde a pouco mais de um ano e que conta os amores incestuosos
de Carlos e Maria Eduarda, abrange as restantes páginas do livro, à exceção do último capítulo,
que funciona como epílogo, dedicado à grande viagem feita por Carlos e Ega e à visita de
Carlos a Portugal dez anos após a “trágica semana”.
O título da obra – Os Maias – remete o leitor para a história trágica de uma família da
aristocracia lisboeta, relato de largos anos, permitindo ao leitor percorrer o Portugal miguelista,
fanático e beato de 1820, o Portugal liberal, representado por Afonso da Maia, o ambiente
romântico português, com Pedro da Maia e a geração da Regeneração, desencantada com o
liberalismo e responsável por uma sociedade falhada e decadente.
O subtítulo – Episódios da Vida Romântica – encaminha o leitor para o ambiente social da
época relatado pelo olhar atento e crítico de Eça de Queirós, que faz o retrato satírico, mas
realista, da Lisboa do final do século XIX.

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A intriga principal

O romance encerra duas intrigas: a principal e a secundária. A principal é protagonizada por


Carlos e Maria Eduarda, uma história de amores trágicos e incestuosos. A ação secundária,
que condiciona a ação central, tem como personagens principais Pedro da Maia, que se
suicida, e Maria Monforte, que foge com um amante, levando uma filha e deixando um filho aos
cuidados do marido traído.
A ação do romance não é narrada linearmente. A ação começa em 1875, mas, de imediato, se
faz uma analepse até ao ano de 1820. Em ritmo rápido (em cerca de 85 páginas), são
percorridos 55 anos, através de uma criteriosa seleção de pequenas cenas e episódios
significativos e da supressão de outros, através de elipses e resumos. No capítulo IV, retoma-
se a ação central e o percurso de Carlos em Lisboa até ao penúltimo capítulo da obra.

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Representações do sentimento e da paixão: diversificação da intriga amorosa
(Pedro da Maia, Carlos da Maia e João da Ega)
Em Os Maias o sentimento e a paixão estão presentes ao longo de toda a obra, sendo possível
estabelecer um paralelismo entre as principais intrigas amorosas: a de Carlos da Maia e de
Maria Eduarda (que faz parte da ação central) e a de Pedro da Maia e de Maria Monforte (que
integra a ação secundária).

PEDRO E MARIA MONFORTE CARLOS E MARIA EDUARDA


Pedro encontra casualmente Maria Monforte Carlos vê, por acaso, Maria Eduarda à porta
por quem se deslumbra e apaixona. do Hotel Central, ficando por ela fascinado.

De forma obsessiva, Pedro procura conhecê- Desesperadamente, Carlos tenta descobrir


la, contando, para isso, com a ajuda de quem é aquela “esplêndida mulher”. Procura-
Alencar, seu amigo. a por Lisboa, vai a Sintra, na esperança de a
encontrar, mas é apenas através de Dâmaso
que consegue aproximar-se dela.

O casal apaixona-se, relaciona-se e mantém


uma vida social na Toca, apesar da oposição
de Afonso da Maia.
Com o aparecimento de Guimarães e a
entrega do cofre com documentos
Pedro e Maria Monforte namoram e, apesar comprovativos de que Carlos e Maria
da oposição de Afonso da Maia, casam e têm Eduarda são irmãos, há o reconhecimento do
dois filhos, mantendo vida social em Arroios. incesto, que Carlos vive de forma consciente.
Com o aparecimento do napolitano, surge a
infidelidade de Maria Monforte, que foge com Depois de mais um encontro com Maria

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Tancredo, levando a filha. Eduarda, Carlos cruza-se com o avô, em
quem vê espelhado o horror e o desgosto.

Afonso da Maia morre e Carlos parte para o


estrangeiro.

Pedro regressa à casa paterna, em Benfica,


reconhece o seu erro e suicida-se, deixando o
filho, Carlos, com Afonso da Maia.

Afonso da Maia reage ao desgosto e à dor,


isola-se em Santa Eulália e dedica-se à
educação de Carlos.

O sentimento e a paixão são, também, visíveis no relacionamento de João da Ega com Raquel
Cohen, que conhece socialmente na Foz, no Porto. Essa relação é vivida inicialmente com um
certo recato, mas João da Ega acaba por revelá-la ao seu amigo Carlos da Maia.
Ega homenageia Cohen com um jantar no Hotel Central, jantar que proporciona a Carlos o seu
primeiro contacto com a sociedade portuguesa.
Os encontros amorosos de Ega têm lugar na Vila Balzac. Quando a relação adúltera é
descoberta, Ega, humilhado, refugia-se em Celorico, enquanto o casal Cohen parte para o
estrangeiro.
Ega, mesmo com a passagem do tempo, não esquece Raquel. Ainda apaixonado, sente-se
humilhado quando percebe a nítida aproximação de Raquel a Dâmaso. A ligação terminará
apenas no final – epílogo – quando Ega reconhece que Raquel não merece a sua atenção.

A EDUCAÇÃO : contrastes

Educação

Eça procura encontrar razões para a crise social, política e cultural a partir da formação
do indivíduo. Factor de humanização, de socialização e de autonomia, a educação produz ou
reproduz modelos sociais que propõem um sistema de valores e princípios base de uma
sociedade.

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Na obra encontramos dois sistemas educativos opostos e conceções de educação que
nos surgem nas opiniões ou mentalidades/culturas das personagens.
A educação “à portuguesa” caracteriza-se pelo recurso à memorização , pelo uso da
cartilha (método já desatualizado e deficiente) e do catecismo, criando uma conceção religiosa
com a conceção punitiva do pecado. Era dada especial atenção ao estudo do Latim, uma
língua morta muito ligada à religião. O educando não devia estar ao ar livre, não lhe sendo
permitido contactar com a Natureza; tinha que ficar em casa, superprotegido. Desvalorizava a
criatividade e o juízo crítico, deformava a vontade própria através do suborno e das chantagens,
acabando por arrastar indivíduos para a decadência física e moral. Tornou Pedro num fraco,
incapaz de solucionar os seus problemas, com uma devoção histérica pela mãe. Eusebiozinho
fica tristonho e molengão, corrupto, arrastado para um casamento infeliz. O Vilaça, o Padre
Custódio, a gente da casa dos Maias e a gente de Resende aprovavam esta educação
deformadora, que a qual desagradava a Afonso e ao narrador.
A educação “à inglesa” desenvolve a inteligência graças ao conhecimento experimental,
o qual desprezava a cartilha e o catecismo. Defendia o “amor da virtude e da honra” como é
próprio de um cavalheiro e a “um homem de bem”. Centrava-se na ginástica e na vida ao ar
livre, proporcionando um contacto direto com a Natureza. Era dada atenção às línguas vivas,
como o inglês, em detrimento do Latim. Fortalecia o corpo e o espírito seguindo a ideia de
“corpo são em mente sã”. Era um educação rígida e metódica, apoiada por Afonso e pelo
narrador, desaprovada por Vilaça, Padre Custódio, gente da casa dos Maias e gente de
Resende. Era sem dúvida uma educação mais moderna que a tradicional, mas que vai
igualmente conter lacunas. Com o desleixo do aspeto intelectual, Carlos vai ser afetado pelo
ambiente dispersivo do meio de Coimbra. A educação britânica, cumprida exageradamente à
risca não serve no meio social português.
Carlos aparece, assim, como a compensação que Afonso dá a si mesmo pelo fracasso
que foi a vida do filho, fracasso esse decorrente da sua educação que nada correspondia aos
ideais alimentados por Afonso. Não obstante a educação que receber, Carlos, tal como o pai,
falha na vida com uma relação incestuosa de que sai remetendo-se ao dolce far niente em
Paris. Pedro falhou por causa da educação, enquanto que Carlos falhou apesar da educação.

As personagens /Os protagonistas


Afonso da Maia. Esta personagem é apresentada como um homem robusto, quer do ponto de
vista físico, quer psicológico. Homem de caráter forte reage à dor da morte do filho com
dignidade e alivia a sua mágoa entregando-se à educação do seu neto Carlos. Generoso, é o
símbolo dos princípios e dos valores tradicionais, apesar de ter escolhido um modelo
educacional (britânico) para o seu neto que corta com a tradição de tudo o que se fazia, na
época, em Portugal. Na sua juventude, defendeu os ideais liberais, tendo passado pela

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experiência do exílio. Elemento fundamental da família, não resiste ao comportamento de
Carlos, que comete o incesto conscientemente, morrendo de desgosto.
Pedro da Maia. A caracterização desta personagem é feita de acordo com o modelo
naturalista. O seu comportamento é explicado pela conjugação de três fatores: a educação, a
hereditariedade e o meio. Instável e nervoso, abúlico e passivo, Pedro é, muitas vezes,
assolado por crises de melancolia que o levam ora para uma religiosidade extrema, ora para
uma vida boémia desregrada. Pedro é descrito como um homem fraco e pouco atento ao que o
rodeia. De cunho marcadamente romântico, apaixona-se perdidamente por Maria Monforte,
paixão esta que o impede de reagir e o leva ao suicídio após a fuga da mulher.
Maria Monforte. Personagem controversa, Maria Monforte é descrita desde o início como uma
bela mulher, sedutora, enigmática, egocêntrica e caprichosa, sobretudo na sua relação com
Pedro. No entanto, esta mulher, apesar de ter passado por dificuldades depois de deixar Pedro
da Maia, nunca reclamou a herança do marido, que por direito pertenceria a sua filha.
Carlos da Maia. Personagem central da obra, Carlos é um homem de gosto requintado, culto,
um cosmopolita diletante que se destaca no meio sociocultural em que se insere. Desde os
seus anos de estudante em Coimbra, Carlos vive vários e arrebatados amores, acabando por
envolver-se intensamente numa relação amorosa proibida com Maria Eduarda, que o marca
tragicamente. Carlos é caracterizado pela dispersão, aspeto que o impede de concretizar os
diferentes projetos que idealiza e inicia. Apesar de ter sido educado para ser um vencedor,
rapidamente se deixa contaminar pelo tédio e indolência de Lisboa e falha em todos os planos
da sua vida, sentindo-se frustrado.
Maria Eduarda. Esta figura feminina é apresentada como uma bela mulher alta e loura,
elegante, mas simples e sóbria. Um certo mistério rodeia Maria Eduarda, de quem ninguém
conhece o passado. A bondade e a capacidade de se emocionar facilmente são características
que lhe são atribuídas.
João da Ega. Amigo inseparável de Carlos, elemento quase familiar, Ega é uma peça
fundamental do romance Os Maias, na medida em que faz parte do universo do Ramalhete,
atuando diretamente na ação central, mas estando também presente em quase todos os
episódios que decorrem do subtítulo e traduzem o ambiente social da época. Desde a
juventude, Ega é um excêntrico, um provocador, um dândi. Homem culto, irónico e sarcástico,
é uma personagem polémica, que gosta de escandalizar a sociedade lisboeta, considerada por
ele ignorante e provinciana. Inicia diferentes projetos, mas, tal como Carlos, nunca os termina.
É Ega que recebe o cofre, elemento que desencadeia a tragédia, e o faz chegar a Carlos, de
quem é amigo e confidente. Na obra, esta personagem representa o Realismo que se opõe ao
Ultrarromantismo de Alencar.

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CARLOS MARIA EDUARDA

, Carlos e Maria Eduarda são as


personagens trágicas da obra. Cumpre-se,
assim, o requisito da tragédia clássica de
que as personagens devem ser nobres e em
número reduzido.

Ação trágica
Uma das dimensões importantes do romance é a configuração trágica da ação. Esta dimensão
permite refletir sobre a incapacidade de o ser humano controlar a sua existência, marcada por
aspetos imprevisíveis e, muitas vezes, inexplicáveis.
Neste romance, a conjugação das características temáticas da intriga, ou seja, a relação
incestuosa de Carlos e Maria Eduarda, que ignoram ser irmãos, o papel do destino e da sua
força trágica implacável – corporizados por Guimarães e o cofre –, bem como a presença de
presságios que acompanham a vida das personagens – a escolha do nome de Carlos e o
fatalismo do Ramalhete anunciado por Vilaça, por exemplo – conferem a esta obra uma
dimensão trágica.

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A representação de espaços sociais e a crítica de costumes
Os Maias dão-nos uma visão caricatural da sociedade portuguesa do século XIX. Fazendo uma
crónica dos costumes da época, Eça traça um retrato vivo e dramático da Lisboa da época da
Regeneração, permitindo-nos observar características ainda hoje visíveis e passíveis de serem,
igualmente, criticadas/caricaturadas, se compararmos a cidade de outrora com os mesmos
ambientes sociais atuais.
Retratando a alta sociedade lisboeta, Eça serve-se de determinados tipos de personagens
(desvalorizando a personagem individual) para apresentar os vícios, a postura e a mentalidade
das últimas décadas do século XIX.
Descrevendo de forma pormenorizada, fazendo uso da ironia e da sátira mordaz, atribuindo
trejeitos ou particularidades físicas às personagens sempre que estas interferem na ação, Eça
consegue recriar ambientes que dão vida à crónica de costumes dos Episódios da Vida
Romântica.
São vários os tipos sociais que surgem retratados na obra: Alencar, o poeta ultrarromântico;
Gouvarinho, o político incompetente; Jacob Cohen, o banqueiro; Rufino, o deputado retrógrado;
Palma Cavalão, o jornalista corrupto; Raquel Cohen, a mulher adúltera,…

Na crítica realizada, destacam-se episódios como:


✓O jantar do Hotel Central, episódio que retrata o primeiro contacto social de Carlos com a
sociedade lisboeta. (Crítica Social),cap. VI
É um jantar de homenagem a Cohen, banqueiro da alta finança, organizado por Ega, o amante
de Raquel Cohen. As conversas entre as diferentes personagens presentes no jantar abordam
temas fundamentais da vida política e cultural lisboeta: a literatura e a crítica literária
(Ultrarromantismo versus Realismo), o mau estado das finanças do país, assim como a
decadência em que o país se encontrava, permitindo a denúncia da mentalidade retrógrada
deste grupo social.

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Este jantar pretende,pois, homenagear o banqueiro J. Cohen, apresentar a visão crítica
de alguns problemas e proporcionar a Carlos a visão de Maria Eduarda.

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✓ As corridas do hipódromo, quadro que está ao serviço da crítica à sociedade
portuguesa e à sua tendência para imitar tudo quanto é estrangeiro. Numa
perspetiva muito crítica, Eça evidencia o provincianismo português e o seu desejo de
cosmopolitismo. O cenário é descrito como desajustado e vê-se nele desfilar a alta
sociedade lisboeta, e mesmo o rei, todos evidenciando desajuste relativamente a
acontecimentos daquela natureza. Neste episódio, Dâmaso Salcede é a personagem
mais criticada, sendo destacados todos os seus
vícios.

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✓O jantar do Conde de Gouvarinho foi oferecido a Carlos, propiciando a reunião de
diferentes elementos da alta burguesia e da aristocracia portuguesa. Neste jantar, os
temas discutidos são, novamente, denunciadores do estado intelectual decadente
do país, bem como da inequívoca falta de valores sociais: a educação das mulheres,
a falta de cultura e de inteligência de personagens como Sousa Neto, ligado ao
poder político, e do próprio conde de Gouvarinho, que aparece associado a
comentários que denotam a sua pouca cultura e incompetência política.
✓ Os episódios da “Corneta do Diabo” e da redação do jornal “A Tarde” são
situações que denunciam um jornalismo corrupto, parcial, comprometido com
apadrinhamentos políticos. A mediocridade ressalta quando se constata que os
artigos publicados versam, essencialmente, assuntos sensacionalistas e degradantes
da sociedade portuguesa.

A tarde
Representa
Dirigido pelo deputado Neves o jornalismo tendencioso
e parcial

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✓ O sarau literário do Teatro da Trindade permite constatar o problema cultural da
sociedade portuguesa, a sua superficialidade, bem como a sua ligação à retórica fácil
e de sentimentalismo excessivo, marcada pelo Ultrarromantismo, movimento aqui
representado pelo poeta Alencar. O desinteresse manifestado pela música de
Cruges é evidente e reflete a insensibilidade cultural da suposta elite nacional. É
neste cenário humano e social que gira a personagem central de Carlos da Maia,
sendo ele que evidencia a falta de espírito crítico, a decadência e a degradação da
sociedade portuguesa, bem como a sua apatia e incapacidade de reação.

Ao serviço da crítica de costumes estão as seguintes personagens-tipo:

PERSONAGEM-TIPO ASPETOS CRITICÁVEIS


Eusebiozinho A sua educação retrógrada transformou-o num homem
apático e sem personalidade.
Tomás de Alencar Poeta ultrarromântico, amigo de Pedro da Maia.
Conde de Gouvarinho Medíocre e politicamente incompetente, revela
ignorância e ausência de espírito crítico.
Sousa Neto Representa a ignorância e presunção que caracterizam a
Administração Pública.

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Cohen Representa a alta finança.
Condessa de Gouvarinho e Raquel Cohen Representam a futilidade das mulheres da alta burguesia
que, infelizes no casamento que não escolheram,
procuram no adultério o preenchimento das suas vidas.
Palma “Cavalão” e Neves Representa o jornalismo medíocre, corrupto e sem
escrúpulos.
Steinbroken Representante da diplomacia, é ministro da Finlândia,
observador do país e apreciador
de alguns prazeres (um bom vinho, um bom whist).
Taveira Representa a ociosidade.
Dâmaso Salcede Representa o provincianismo e novo-riquismo,
exibicionismo, cobardia e degradação moral.
Cruges Revela talento artístico, mas é incompreendido pela
sociedade.
Craft É um diletante inglês, rico e amigo de Carlos.
Guimarães De pendor democrata, é tio de Dâmaso e,
inconscientemente, o portador da desgraça
– o cofre de Maria Monforte – que desencadeará a
catástrofe da família Maia.
Vilaça, pai e filho Representam a lealdade. São procuradores da família
Maia, a quem se unem por laços afetivos.

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Espaços e seu valor simbólico e emotivo
No espaço físico de Os Maias distingue-se o espaço geográfico, correspondendo ao percurso
da personagem protagonista ao longo da ação e aos cenários interiores que aí ganham
destaque.
Lisboa é o espaço de maior relevo, mas Coimbra e Santa Olávia são igualmente importantes.
Santa Olávia é o espaço rural, o espaço do restabelecimento familiar, da tranquilidade, o
espaço onde Carlos cresce saudável e feliz e onde é educado em contacto com a natureza,
seguindo uma educação britânica. É um espaço positivo, sinónimo de vida e de produtividade.
Coimbra é o espaço da formação académica de Carlos (medicina), da sua vida boémia e do
seu diletantismo. É também o local que contribui para a formação de Carlos enquanto ser
social e cívico, pois é aí que contacta com as novas ideias reformistas (o socialismo de
Proudhon, por exemplo), ajudando-o a desenvolver a sua capacidade crítica. É um espaço,
também, identificado com uma certa rebeldia própria da juventude estudantil.
Lisboa é o grande espaço físico (é o espaço social privilegiado), o palco do desenrolar de toda
a intriga, para além de ser, também, o espaço símbolo da nação, a sua capital, o local onde
tudo se passa. Eça utiliza alguns referentes/símbolos de um Portugal glorioso e lutador
(estátua de Camões, monumento aos Restauradores, estátua de

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D. Pedro IV, por exemplo) para acentuar o marasmo em que a sociedade se encontra no
presente.
Sintra aparece como um espaço de fuga (capítulo VIII), embora se situe perto de Lisboa. É um
espaço poetizado e idilizado que propicia o sonho, a divagação e os encontros amorosos.
As grandes capitais europeias são, igualmente, um espaço de fuga, de evasão. Elas
representam a civilização e o progresso e são um espaço que aparece por oposição ao
Portugal atrasado culturalmente. São, ainda, espaços privilegiados para o exílio voluntário de
algumas personagens (Afonso e Carlos da Maia).
Os cenários interiores ou os espaços físicos interiores atingem uma importância significativa,
pois ligam-se diretamente à vivência das personagens, permitindo acentuar aspetos relevantes
na sua caracterização. São cenários descritos com bastante realismo e, entre eles, destacam-
se:
• O Ramalhete, a residência da família dos Maias, é um espaço que, ao longo da obra,
acompanha o desenrolar da intriga até ao eclodir da catástrofe. É, também, o local do
reencontro, no final da obra. Aparece no início da narrativa (cap. I), evidenciando o bom
gosto dos Maias – é uma casa confortável e luxuosa. E se em 1875 o Ramalhete aparece
descrito com todo o seu esplendor, no final, em 1877, mostra a sua decadência, que é
também o reflexo da decadência da família, bem como da decadência da sociedade
portuguesa do final do século XIX. É o local onde Carlos viveu verdadeiramente, assumindo,
por isso, uma enorme importância.
• A Toca é um cenário marcado pela excentricidade e exotismo, espaço simbólico nas
relações de Carlos da Maia e Maria Eduarda. É o refúgio amoroso que preserva estas
personagens, mas que anuncia, desde logo e através da sua decoração, o seu final trágico
(cf. a presença da alcova “onde desmaiavam, na trama da lã, os amores de Vénus e Marte”,
de um armário da Renascença com dois faunos, símbolos da atração carnal, de um “painel
antigo, defumado” com a cabeça degolada de S. João Batista, da “enorme coruja
empalhada” e de “um ídolo japonês de bronze”). As próprias cores – vermelho, amarelo e
dourado – e os materiais – veludo, sedas e cetim – usadas na decoração apontam para uma
atmosfera de “luxo estridente e sensual”, para um ambiente de luxúria, de emoções fortes e
excessos, de mistério e proibições. A Toca é, pois, o espaço que propicia a vivência do amor
marginal de Carlos e Maria Eduarda.
• O Hotel Central e a Rua de S. Francisco são espaços associados a Maria Eduarda. O
bom gosto e o conforto são evidentes, sobretudo na rua de S. Francisco. A intimidade e uma
certa sensualidade são aspetos igualmente visíveis, apresentando, contudo, uma certa
dissonância.
• No consultório de Carlos o requinte é visível, como o são, igualmente, alguns traços
caracterizadores de Carlos: a dispersão, o diletantismo, a ociosidade, a sua
vivência/formação no estrangeiro, mas também a sua sensualidade. Este espaço acaba por
ser denunciador da incapacidade da personagem desenvolver o seu projeto profissional.

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As sensações assumem um papel essencial na descrição do real.
Na prosa impressionista queirosiana, privilegia-se, entre outros recursos, a sinestesia –
recurso expressivo que consiste na associação de duas ou mais sensações pertencentes a
registos sensoriais diferentes.
Ex.: “uma luz macia, escorregando docemente do azul-ferrete, vinha dourar as fachadas
enxovalhadas”.

A descrição do real e o papel das sensações


O Realismo contesta o idealismo romântico e, por isso, valoriza a observação e a análise social.
Partindo da realidade que os rodeia, os escritores realistas observam os factos, os objetos e as
pessoas em contexto e só depois os recriam, nas suas descrições e/ou narrações, fazendo da
criação literária o reflexo da realidade.

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A descrição objetiva, concisa e rigorosa é a estratégia particular que marca a escrita realista.
Captando a luz e a cor e adotando um tom natural, os escritores realistas fazem o retrato da
sociedade, utilizando a técnica impressionista.
Eça de Queirós utiliza nas suas descrições as diferentes sensações (visuais, auditivas,
olfativas, gustativas e táteis), construindo belas imagens sinestésicas. A animização é,
igualmente, uma característica presente.

Linguagem e estilo
A linguagem queirosiana é, sem dúvida, de uma grande expressividade, valorizando a
impressão imediata daquilo que perceciona, característica esta própria do Impressionismo, que
é um movimento artístico do final do século XIX. Os impressionistas captam a cor e a luz e Eça
de Queirós conseguiu, com mestria, transpor para as suas obras esta capacidade de jogar com
a perceção, criando, frequentemente, relações inesperadas.
Os recursos expressivos mais marcantes da prosa queirosiana são a metáfora e a comparação,
a personificação, a sinestesia e a ironia.
Os diminutivos são, igualmente, uma característica importante: transmitem o afeto das relações
e, mais frequentemente, estão ao serviço do tom caricatural e depreciativo do narrador
aquando da sua crítica de costumes à sociedade do seu tempo.
O uso expressivo do adjetivo e do advérbio assumem uma grande importância não só pela
frequência com que ocorrem, mas também pela forma inesperada como surgem. Aparecem
associados de forma dupla e auxiliam na crítica irónica, tão característica de Eça de Queirós,
ajudando a captar e a realçar as sensações e as emoções daquilo que é descrito.
A presença de empréstimos (francesismos e anglicismos) surge para designar realidades que a
língua portuguesa não abarca, mas está também associada à intenção crítica que acentua o
jogo das aparências da sociedade lisboeta e a sua necessidade de imitar tudo aquilo que é
estrangeiro.
A reprodução do discurso no discurso é uma técnica característica do Realismo e propiciadora
da caracterização das personagens. A reprodução do discurso no discurso, sob a forma
particular do discurso indireto livre, evidencia, muitas vezes, o olhar crítico do narrador. Com
este modo de relato de discurso verifica-se uma maior riqueza expressiva e o texto apresenta-
se mais leve e fluido. Eça de Queirós usou com perícia o discurso indireto livre.

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Epílogo da obra

Passeio final:

O passeio final é o epílogo do romance, 10 anos depois, quando Carlos visita Lisboa, vindo de
Paris.

Este passeio é simbólico, por isso, os espaços percorridos são espaços históricos e ideológicos,
estes podem agrupar-se em três conjuntos.

No primeiro domina a estátua de Camões que, triste, representa o Portugal heroico, glorioso
mas perdido, e desperta um sentimento de nostalgia. A estátua está envolvida numa
atmosfera de estagnação, tal como o país.

No segundo conjunto, dominam aspetos ligados ao Portugal absolutista. É a zona antiga da


cidade, os bairros antigos representam a época anterior ao Liberalismo, o tempo absolutista,
recusado por Carlos por causa da sua intolerância e do seu clericalismo, que levam a que toda
a sua descrição seja depreciativa.

No terceiro conjunto, domina o presente, o tempo da Regeneração, como é o caso do Chiado e


dos Restauradores, símbolos de uma tentativa falhada de reconstrução do país, e a prová-lo
está o ambiente de decadência e amolecimento que cerca o obelisco.

O Ramalhete integra-se neste conjunto, também ele atingido pela destruição e pelo abandono.
Pode funcionar como sinédoque da cidade e do país.

O último capítulo constitui o epílogo (desenlace) da obra: dez anos depois, em 1887, Carlos
visita Lisboa e encontra-se inseparável de Ega, com quem viajara pelo mundo, antes de se
instalar em Paris.

Neste reencontro, e nas reflexões dos dois amigos ao deambularem pela capital, transparece
um pessimismo amargo que resulta não só do fracasso pessoal de ambos, mas também do
ambiente que os rodeia.

Professora Maria Celina Caldeira | Os Maias | 25


Neste último capítulo estão presentes:

. Os últimos retoques na imagem soturna da sociedade portuguesa, em contraste com a beleza


da terra;

. O diagnóstico dos males de Portugal: não ter criado um figurino próprio e ter adotado,
exagerando em tudo, os figurinos estrangeiros;

. A confissão do fracasso profundo de uma geração personificada em Carlos e Ega: “Não sabe a
gente para onde se há-de voltar… E se nos voltarmos para nós, ainda pior.”

A mensagem que o autor pretende deixar com esta obra, tem uma intenção crítica.

(Apontamentos elaborados a partir de materiais de editoras diversas)

Professora Maria Celina Caldeira | Os Maias | 26

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