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OS MAIAS

Crónica de Costumes – Corridas do Hipódromo (cap. X)

Disciplina : Português Trabalho realizado por:


Ano Letivo : 2021/2022  Beatriz Pires nº 2
Professora : Ana Silvestre V. Sá  Gonçalo Firmo nº 7
 Gonçalo Martins nº 8
Escola Secundária Rainha Dona  Madalena Alves nº 14
Leonor

Maio de 2022
Índice

Introdução.................................................................................................................................3
Personagens intervenientes.................................................................................................4
Alguns dos personagens mais marcantes.........................................................................4
Descrição do Hipódromo......................................................................................................6
As corridas................................................................................................................................8
1ª Corrida: “1º Prémio dos Produtos”.................................................................................8
2ª Corrida: “Grande Prémio Nacional”................................................................................8
3ª Corrida: “Prémio de El-Rei”.............................................................................................8
4ª Corrida: “Prémio da Consolação”...................................................................................8
Desejo de imitar o estrangeiro.............................................................................................9
Mentalidade provinciana.....................................................................................................12
As roupas..............................................................................................................................12
Falta de conhecimento........................................................................................................13
Comportamentos.................................................................................................................13
Caricatura da sociedade feminina.....................................................................................15
Atualidade da intenção crítica............................................................................................17
Estado do ensino em Portugal...........................................................................................17
O adultério............................................................................................................................18
O comportamento da sociedade.......................................................................................19
A mentalidade de o que é nacional não é bom...............................................................19
Conclusão...............................................................................................................................21
Bilbiografia..............................................................................................................................22

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Introdução
Este trabalho tem como objetivo o estudo mais aprofundado da obra Os Maias.

Ao nosso grupo, foi proposta a análise do episódio das corridas do Hipódromo (cap. X)
com vista a aprofundar mais acerca da crónica de costumes e da simbologia deste
evento, não só para a obra como um todo, como também para a crítica que o autor
pretendia fazer com este livro.

Uma crónica baseia-se no relato e na reflexão acerca de factos ou assuntos do


quotidiano ou sobre outros assuntos de interesse social. Ao ser de costumes, implica a
condenação de comportamentos e hábitos dentro de uma sociedade.

No romance Os Maias, a crónica de costumes passa pela reflexão e crítica de Eça de


Queiroz acerca dos hábitos, costumes e comportamentos da alta sociedade da sua
época.

Este capítulo integra-se tanto no título como no subtítulo da obra.

Do ponto de vista do nosso trabalho, este episódio está fortemente ligado ao subtítulo
pois é demonstrada de forma clara a crítica que o autor faz à sociedade do final do
século XIX.

O episódio das corridas de cavalos tem lugar no Hipódromo de Belém e é um


acontecimento social que mobiliza e entusiasma a sociedade burguesa lisboeta. O
evento procura imitar iniciativas semelhantes que tinham lugar noutros países
europeus sendo o modelo as corridas inglesas e francesas e servia para as classes
mais favorecidas de Lisboa sentirem que eram cosmopolitas e que estavam em
sintonia com as demais nações civilizadas da Europa.

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Personagens intervenientes
Sendo este um episódio que retrata um evento social, encontram-se reunidas grande
parte dos personagens da obra. A grande maioria dos intervenientes, ou até mesmo
todos os intervenientes, são pertencentes a classes sociais mais favorecidas devido
ao caráter supostamente requintado do evento. No entanto, cada um dos
intervenientes tem um objetivo específico, servindo como caricaturas da sociedade da
época ou como aspetos que Eça pretendia criticar.

Alguns dos personagens mais marcantes

 Carlos da Maia - Este é um dos primeiros contactos de Carlos com a alta


burguesia e é através do seu olhar crítico que nos são denunciadas as
relações sociais e espaços físicos frequentados pela burguesia.

 Condessa de Gouvarinho - Surge-nos como forma de representação do


adultério. Mesmo estando casada, mantém um relacionamento excitante,
secreto e apaixonado com Carlos, que se cansa dela deixando-a inconsolada.
“Mas Carlos vinha de lá enervado, amolecido, sentindo já na alma os primeiros
bocejos da saciedade (…) ele ia pensando como se poderia desembaraçar da
sua tenacidade, do seu ardor, do seu peso... É que a condessa ia-se tornando
absurda com aquela determinação ansiosa e audaz de invadir toda a sua vida”
“- O conde vai? / - Não / (…) - E quero uma coisa / - O que? / - Que venhas
também” “Tinha um desejo de voltar junto dela, dizer-lhe que não, secamente,
desabridamente, sem motivos, sem explicações, como um brutal.”

 D. Maria da Cunha - Única mulher que é descrita de forma positiva. Senhora


que se interessa pelo desporto, muito culta e com níveis de etiqueta altíssima,
no entanto não se deixa influenciar pelos estereótipos sobre o que uma mulher
devia ser ou fazer. “Era a única senhora que ousara descer do retiro
ajanelado da tribuna, e vir sentar-se em baixo, entre os homens: mas, como
ela disse, não aturara a seca de estar lá em cima perfilada” “só ela parecia
divertir-se ali, muito à vontade, com os pés pousados na travessa duma
cadeira, o binóculo no regaço”

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 Tomás de Alencar - Considerado como um português verdadeiro e genuíno,
pois defende o que é nacional, criticando a Lisboa postiça destes eventos
sociais. É também uma personagem assídua quando o tema em questão são
os eventos lisboetas. “E o Alencar, diante daqueles estrangeiros que o
não tinham saudado, apurava a sua atitude de grande homem nacional,
retorcendo a ponta dos bigodes, alçando mais a fronte nua.”

 Taveira e Steinbroken - Representam em menor escala a tentativa de imitar


os apostadores do resto das capitais europeias. Servem para animar as
corridas e para criticar a ostentação por parte dos burgueses.

 Clifford - Surge em representação de todos os jockeys estrangeiros, que


levavam o desporto a sério. Foi devido ao pedido dele que as corridas foram
antecipadas, pois sem o Clifford seriam ainda menos sérias do que já foram.
“(…) que as corridas se tinham apressado a pedido do Cliford, o grande
sportman de Córdova, que devia trazer dois cavalos ingleses... Era um bocado
humilhante depender do Cliford. Mas enfim o Cliford era um gentleman e com
os seus cavalos de raça, os seus jockeys ingleses, constituía a única feição
séria do Hipódromo de Belém. Sem o Cliford aquilo era uma brincadeira de
pilecas e de abas...”

 Visconde de Darque - O único homem português criador de cavalos. Isto só


demonstra o quão irrelevante era a tradição das corridas de cavalos em
Portugal “Todo o patriota devia apostar pelos cavalos do visconde de Darque,
que era o único criador português!”

 Viscondessa de Alvim - Surge como imitação dos bookmakers existentes em


França ou Inglaterra. “A viscondessa de Alvim dobrava atarefadamente
os bilhetes da poule”

 Ministra de Baviera, Baronesa de Craben e menina Sá Videira - Únicas


mulheres criticadas individualmente, tanto no traje como na sua maneira de ser
e de estar.

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Descrição do Hipódromo
“Para além, dos dois lados da tribuna real forrada de um baetão vermelho de
mesa de repartição, erguiam-se as duas tribunas públicas, com o feitio de traves mal
pregadas, como palanques de arraial. A da esquerda, vazia, por pintar, mostrava à luz
as fendas do tabuado. Na da direita, besuntada por fora de azul-claro, (…); e o resto
das bancadas permanecia deserto e desconsolado, de um tom de alvadio de madeira,
que abafava as cores alegres dos raros vestidos de verão.”; “D. Maria achava ridícula
a música, dando às corridas um ar de arraial.... Além disso, que tolice, o hino, como
num dia de parada!

-E este hino, então, que é medonho – dizia Carlos...”

“O bufete estava instalado debaixo da tribuna, sob o tabuado nu, sem sobrado,
sem um ornato, sem uma flor. (…) E, no balcão tosco, dois criados, estonteados e
sujos, achatavam à pressa as fatias de sanduíches com as mãos húmidas da espuma
da cerveja”

Sendo o objetivo deste evento copiar iniciativas do estrangeiro de forma às classes


favorecidas de Lisboa se sentirem cosmopolitas e em sintonia com as sociedades
chiques da Europa, seria de esperar que o Hipódromo de Belém estivesse arranjado e
preparado com o requinte que tal episódio merecia. No entanto, nada do que

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encontramos no Hipódromo tem o requinte, a elevação ou o espírito civilizado das
corridas europeias.

O hipódromo situava-se numa colina em Belém, num largo com condições precárias.
Devido ao facto de este tipo de eventos não ser recorrente em Portugal, ninguém tinha
conhecimento acerca de como se organizava um evento desportivo, levando a uma
construção insegura das tribunas e bancadas. Os pregos eram visíveis, as tábuas de
madeira apresentavam fendas entre si, as pinturas das tribunas estavam mal feitas, os
tecidos que forravam a tribuna real eram de má qualidade e os jardins não estavam
devidamente tratados. O buffet era servido debaixo da tribuna real, numa bancada que
não estava higienizada nem decorada, onde dois criados, com as mãos molhadas com
cerveja, faziam as sandes que eram servidas no evento. A música foi mal escolhida
pois transformava um ambiente que era suposto ser requintado, mas ao mesmo tempo
ligeiro, como compete a um evento desportivo daquele calibre, num autêntico arraial
popular. Além disso, Carlos e Dona Maria da Cunha partilham da opinião de que o
hino português era inadequado pois ele costumava ser tocado em dias de parada.

Como se não bastasse o provincianismo na preparação do espaço, não menos


desadequado era o comportamento dos espetadores. Em vez de um ambiente festivo
e elegante, os espetadores mostravam-se entediados com o espetáculo. Para além
disso, a falta de educação e o espírito arruaceiro e desorganizado reinava acabando
mesmo por haver cenas de pancadaria.

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As corridas
Durante todo o evento desportivo, são realizadas 4 corridas todas muito características
e que dão a conhecer o espírito que se vivenciava no hipódromo. Cada uma das
corridas faz ressaltar aspetos do comportamento do público que demonstram o
provincianismo e a falta de requinte do evento.

1ª Corrida: “1º Prémio dos Produtos”

A primeira corrida fica marcada não só pela ausência de apostas como também pela
ausência de interesse por parte do público. Todos os homens fumavam e
contemplavam as mulheres chegando ao ridículo de se encontrarem de costas para a
pista. Devido ao desinteresse e a cenas de pancadaria e insultos causadas por uma
burla, esta corrida acaba sem sequer se saber quem é o vencedor.

2ª Corrida: “Grande Prémio Nacional”

Esta é a corrida central do evento. Nela estão inscritos quatro cavalos dos quais o
favorito é “Rabino”. Esta corrida fica marcada pelas apostas que nela se realizam.
Mesmo sendo “Rabino” o favorito à vitória, Carlos decide apostar em “Vladimiro” por
puro entretenimento e fantasia de homem rico. Contra tudo o que era esperado, o
cavalo em que Carlos apostara consegue ganhar a corrida o que lhe permite vencer a
poule.

3ª Corrida: “Prémio de El-Rei”

Esta corrida vem de novo reforçar o ridículo do evento visto que nela apenas
participam dois cavalos. A corrida fica marcada pelo facto de apenas um cavalo
atravessar a meta de forma descontraída e sem pressa e o outro já cansado e fraco
atravessar a meta muito tempo depois.

4ª Corrida: “Prémio da Consolação”

Nesta corrida o interesse do público volta a desaparecer e torna a reinar o desrespeito


e indiferença pelo caráter requintado do evento acabando novamente numa cena de
pancadaria.

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Desejo de imitar o estrangeiro
“(…) O marquês arrastara uma cadeira para o pé de Afonso, para lhe fazer a
confidência dos seus achaques; mas como Dâmaso se metia entre eles, falando ainda
da Mist, decidindo que a Mist era chic, querendo apostar cinco libras pela Mist contra
o campo - o marquês terminou por se voltar, enfastiado, dizendo que o Sr.
Dâmasosinho se estava a dar ares patuscos... Apostar pela Mist! Todo o patriota devia
apostar pelos cavalos do visconde de Darque, que era o único criador português!...

- Pois não é verdade, Sr. Afonso da Maia?

O velho sorrio, amaciando o seu gato.

- O verdadeiro patriotismo talvez, disse ele, seria, em lugar de corridas, fazer


uma boa tourada.

Dâmaso levou as mãos à cabeça. Uma tourada! Então o Sr. Afonso da Maia
preferia touros a corridas de cavalos? O Sr. Afonso da Maia, um inglês!...

- Um simples beirão, Sr. Salcede, um simples beirão, e que faz gosto nisso; se
habitei a Inglaterra é que o meu rei, que era então, me pôs fora do meu país... pois é
verdade, tenho esse fraco português, prefiro touros. Cada raça possui o seu sport
próprio, e o nosso é o touro: o touro com muito sol, ar de dia santo, água fresca, e
foguetes... Mas sabe o Sr. Salcede qual é a vantagem da tourada? É ser uma grande
escola de força, de coragem e de destreza... Em Portugal não há instituição que tenha
uma importância igual à tourada de curiosos. E acredite uma coisa: é que se nesta
triste geração moderna ainda há em Lisboa uns rapazes com certo musculo, a
espinha direita, e capazes de dar um bom soco, deve-se isso ao touro e à tourada de
curiosos...

O marquês entusiasmado bateu as palmas. Aquilo é que era falar! Aquilo é que
era dar a filosofia do touro! Está claro que a tourada era uma grande educação física!
E havia imbecis que falavam em acabar com os touros! Oh, estúpidos, acabais então
com a coragem portuguesa!...

- Nós não temos os jogos de destreza das outras nações, exclamava ele,
bracejando pela sala e esquecido dos seus males. Não temos o cricket, nem o footbal,
nem o runing, como os ingleses; não temos a ginástica como ela se faz em França;
não temos o serviço militar obrigatório que é o que torna o alemão sólido... Não temos
nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra. Temos só a tourada... tirem a

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tourada, e não ficam senão badamecos derreados da espinha, a melarem-se pelo
Chiado! Pois você não acha, Craft?

Craft, do canto do sofá, onde Carlos se fora sentar e lhe falava baixo,
respondeu, convencido:

- O que, o touro? Está claro! o touro devia ser neste país como o ensino é lá
fora: gratuito e obrigatório.

Dâmaso, no entanto, jurava a Afonso compenetradamente que gostava


também muito de touros. Ah, lá nessas coisas de patriotismo ninguém lhe levava a
palma... Mas as corridas tinham outro chic! Aqueles Bois de Boulogne, num dia de
Grand-Prix, hein!... Era de embatucar!

- Sabes o que é pena? exclamou ele voltando-se de repente para Carlos. É


que tu não tenhas um four-in-hand, um mail coach. Íamos todos daqui, caia tudo de
chic!(…)

Uma das criticas mais notáveis neste excerto é a critica ao desejo e necessidade que
o português tinha de imitar o estrangeiro. A alta sociedade tomava como exemplo as
civilizações francesa e inglesa, sociedades vistas como chiques e a favor do
progresso, tentando imitar o que havia de melhor “lá fora”.
O problema é que a sociedade lisboeta se encontrava atrasada em relação às outras
sociedades europeias, faltando-lhe caráter, originalidade e orgulho nacional. Tudo isto
resulta numa tentativa de espelho dos costumes estrangeiros acabando por falhar
miseravelmente já que a alta sociedade portuguesa não estava acostumada a este
tipo de eventos. A burguesia, naquela época, achava-se chique e achava que só o que
vinha do estrangeiro é que era bom dando maior importância aos costumes
estrangeiros do que aos nacionais.
Neste caso, inspirou-se nas corridas de cavalo que decorriam em França e Inglaterra,
tentando reproduzi-las em Portugal, mas, como era de esperar, foram um fiasco. Este
desejo de imitar o estrangeiro resultou numa tentativa de imitar não só um desporto
que não era característico de Portugal como também a decoração do espaço e as
vestimentas. O ridículo do evento emerge também do facto de os participantes
recorrerem a estrangeirismos do campo lexical das corridas de cavalos tais como
"jockey", "High Life", "gentleman" e “cocotes” para se sentirem chiques e cosmopolitas.

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Um dos aspetos que tornava a situação ridícula era o facto de tudo depender de um
estrangeiro e das corridas serem geridas conforme a sua vontade pelo simples facto
de este ser a única “feição séria do Hipódromo”.

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“(…) que as corridas se tinham apressado a pedido do Cliford, o grande
sportman de Córdova, que devia trazer dois cavalos ingleses... Era um bocado
humilhante depender do Cliford. Mas enfim o Cliford era um gentleman e com os seus
cavalos de raça, os seus jockeys ingleses, constituía a única feição séria do
Hipódromo de Belém. Sem o Cliford aquilo era uma brincadeira de pilecas e de abas...
(…)”

Uma das mais marcantes tentativas de imitar os costumes das corridas de cavalos
europeias foram as apostas. Eça refugia-se nas apostas para reforçar o ridículo que se
tornou a busca pelo requinte estrangeiro. Como apenas haviam 4 cavalos para
apostar, fizeram uma aposta sorteada em que os papeis eram dobrados e misturados
num chapéu de um dos apostadores. Isto só evidencia a falta de nível dos
portugueses que conseguiram tornar um costume de ricos em algo de mau gosto e de
estilo popular.

Afonso da Maia, por ser um verdadeiro patriota, aparece neste episódio com o objetivo
de criticar esta busca incessante ao que não é nacional. Isso é evidenciado no diálogo
entre Afonso da Maia e Dâmaso, em que este acha preferível as touradas (tradição
portuguesa) às cópias baratas das corridas de cavalos (tradição francesa e inglesa).
Temos assim um confronto entre o velho Portugal, que defende o que é nacional, e o
novo Portugal, que tem uma mentalidade de que o que é chique vem de fora.

(…) O marquês, num grupo a que se juntara o Cliford, Craft, e Taveira,


continuava a vociferar:

- Então, estão convencidos? Que lhes tenho eu sempre dito? Isto é um país
que só suporta hortas e arraiais... Corridas, como muitas outras coisas civilizadas lá
de fora, necessitam primeiro gente educada. No fundo todos nós somos fadistas! Do
que gostamos é de vinhaça, e viola, e bordoada, e viva lá seu compadre! Aí está o
que é!

Ao lado dele Cliford, que no meio daquele desmancho todo esticava mais
corretamente a sua linha de gentleman, mordia um sorriso, assegurando, com um ar
de consolação, que conflitos iguais sucedem em toda a parte... Mas no fundo parecia
achar tudo aquilo ignóbil. Dizia-se mesmo que ele ia retirar a Mist. E alguns davam-lhe
razão. Que diabo! Era aviltante para um belo animal de raça correr num hipódromo
sem ordem e sem decência, onde a todo o momento podiam reluzir navalhas. (…)”

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Mentalidade provinciana
Ao longo deste capítulo, Eça demonstra uma grande preocupação para com a crítica
que faz às atitudes e mentalidade provinciana apresentada por toda a alta sociedade,
incluindo o Rei. Acaba então por se refugiar diversas vezes na forma irónica como
Carlos da Maia vê este evento e os intervenientes.

Sendo este tipo de evento incomum em Portugal, a sua realização gerou uma
confusão total. Esta confusão provinha, não só do mau gosto na decoração do espaço,
na má escolha da música e na organização do evento, como também dos
comportamentos apresentados pela alta sociedade e da forma como esta se
apresentou para a ocasião.

As roupas

As vestimentas foram um dos fatores que contribuiu


para o ridículo da situação. Ao contrário do espírito
festivo e requintado, simultaneamente descontraído e
casual, característico das corridas de cavalos em
redor da europa, quem frequentou o hipódromo
naquele dia apresentou-se vestido de forma
extremamente exagerada. A alta sociedade estava
mais preocupada com a impressão que causaria nas
outras pessoas de forma a parecer chique do que
realmente em ir vestida como quem vai assistir a um simples evento desportivo.

Alguns homens estavam então vestidos de forma formal, mas não excessiva,
enquanto que outros, nomeadamente os mais ricos e com estatutos sociais mais
elevados, se haviam vestido de forma muito extravagante e desadequada ao tipo de
evento. Os homens que se haviam vestido de forma excessiva acabam mesmo por
sentir mal por estarem demasiado “chiques”.

“(…); a maior parte à vontade, com jaquetões claros, e de chapéu-coco; outros


mais em estilo, de sobrecasaca e binóculo a tiracolo, pareciam embaraçados e quase
arrependidos do seu chique.”

Não foram só os homens que se apresentaram de forma desadequada. Também as


mulheres se vestiram demasiado a rigor e com maquilhagens excessivas.

“A maior parte tinha vestidos sérios de missa. Aqui e além um desses grandes
chapéus emplumados à Gainsborough, que então se começavam a usar, (…) E na luz

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franca da tarde, no grande ar da colina descoberta, as peles apareciam murchas,
gastas, moles, com um baço de pó de arroz.”

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Falta de conhecimento

Com o decorrer das corridas, começou a vir ao de cima aquilo que era na realidade a
alta sociedade portuguesa. Esta não passava de pessoas ricas que muito pouco ou
nada sabiam sobre o desporto e que apenas haviam aparecido para ostentar as suas
roupas caras, o seu estatuto social elevado e aparecerem nos jornais mais
prestigiados da época. Esta falta de conhecimento acerca do desporto tornou o que
poderia ter sido um evento cativante e competitivo, num ambiente de ignorância e
desinteresse. Os homens preocupavam-se mais em apostar com os amigos apenas
pelo entretenimento, do que apostar logicamente num possível cavalo vencedor. Com
isto, os gentlemen mostravam que fosse qual fosse o resultado das corridas, estes
tinham e podiam esbanjar o seu dinheiro em apostas ilógicas pelo puro prazer de
ostentar. O evento acabou por se tornar apenas numa multidão desinteressada nas
corridas e focada apenas no seu ego o que revelava a mentalidade provinciana da
época.

“Já vira a “Mist”, a égua do Clifford, e decidira apostar pela “Mist”.” (Taveira)

“E a tiragem foi o lindo divertimento da poule. Como estavam só quatro cavalos


inscritos, e as entradas eram quinze, havia onze bilhetes brancos que aterravam. (…)
E subitamente houve uma surpresa: enquanto eles tiravam os bilhetes, os cavalos
tinham partido, passavam juntos diante da tribuna.”

Comportamentos

Por fim, há também um episódio de grande importância que Eça descreve de forma a
realçar mais ainda a tentativa de imitar o estrangeiro por parte dos que apareciam para
assistir às corridas mas que, dada a falta de civismo e boas maneiras dos
portugueses, era impossível. Este episódio é o da luta que se desenrola logo após a
primeira corrida. No fim desta corrida, o juiz toma uma decisão polémica acerca do
vencedor da mesma o que acaba por causar descontentamentos e desacatos que
acabam numa cena de pancadaria totalmente inadequada tendo em conta o suposto
requinte do evento. Por mais ridículo que possa parecer, este momento foi o único no
qual tanto os homens como as mulheres prestaram atenção e mostraram interesse
pelo que se estava a passar no hipódromo. Aquando o fim da luta, o clima de
desinteresse voltou a instalar-se. Esta discórdia gerou uma perda de postura por parte
tanto das mulheres que corriam com os filhos de um lado para o outro como por parte
dos gentleman que começam a insultar-se gratuitamente.

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Neste episódio é então evidente a mentalidade provinciana da alta sociedade que
demonstra claramente que os portugueses não se encontravam ao nível dos ingleses
ou dos franceses.

“Diante do jóquei, sem chapéu, com a face a estoirar de sangue, gritava-lhe


que era indigno de estar ali entre gente decente! (…) O outro, agarrado pelos amigos,
esticando o pescoço magro como para lhe morder, atirou-lhe um nome sujo. (…) Por
entre o alarido vibravam, furiosamente, os apitos da polícia; senhoras, com as saias
apanhadas, fugiam através da pista, (…) e um sopro grosseiro de desordem reles
passava sobre o hipódromo, desmanchando a linha postiça de civilização e a atitude
forçada de decoro.”

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Caricatura da sociedade feminina
Uma outra crítica social feita por Eça de Queirós neste capítulo direciona-se às
mulheres.

Durante o evento os homens estavam junto ao recinto das corridas, entre a tribuna e a
pista de corrida, vestidos de forma leve e adequada ao evento desportivo que ia
acontecer.

“No recinto em declive, entre a tribuna e a pista, havia só homens, a gente do


Grémio, das Secretarias e da Casa Havaneza; a maior parte á vontade, com
jaquetões claros, e de chapéu côco; outros mais em estilo, de sobrecasaca e binoculo
a tiracolo, pareciam embaraçados e quási arrependidos do seu chic.”

No entanto, as mulheres foram apresentadas como estando todas na tribuna, longe


das corridas, vestidas com vestidos sérios de missa, algumas com chapéus
emplumados com um excesso de maquilhagem que as deixava com uma pele baça,
branca e seca. Portanto, o traje escolhido, apesar de corresponder à roupa da moda,
não era de todo o mais adequado face à ocasião dando um ar ridículo à situação,
dominada pela falta de gosto. Chega a ser embaraçoso o facto de um evento
requintado se tornar ridículo. Alguns cavalheiros até se sentiram embaraçados pelas
suas acompanhantes irem vestidas para um evento desportivo daquela maneira.

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“A maior parte tinha vestidos sérios de missa. Aqui e além um desses grandes
chapéus emplumados á Gainsborough, que então se começavam a usar, carregava
duma sombra (…), as peles apareciam murchas, gastas, moles, com um baço de pó
de arroz.” “A menina Sá Videira, filha do rico negociante de sapatos de ourelo (…),
abonecada, com o arzinho petulante e enojado de tudo, falando alto inglês. Depois foi
a ministra da Baviera, a baronesa de Craben, enorme, empavoada, com uma face
maciça de matrona romana, a pele cheia de manchas cor de tomate, a estalar dentro
dum vestido de gorgorão azul com riscas brancas: e atrás o barão, pequenino,
amável, aos pulinhos, com um grande chapéu de palha.”

É criticada a falta de à vontade das senhoras que permaneciam em silêncio e imóveis


nos seus lugares para não desobedecerem às regras de etiqueta. Nenhuma delas
mostrava qualquer interesse em lá estar devido ao acontecimento em si, mas sim
porque desejavam aparecer no High Life dos jornais ou porque queriam mostrar a
extravagância dos seus vestuários.

“Seguiram devagar ao comprido da tribuna. Debruçadas no rebordo, numa fila


muda, olhando vagamente, como duma janela em dia de procissão, estavam ali todas
as senhoras que vêem no high-life dos jornais, as dos camarotes de S. Carlos, as das
terças-feiras dos Gouvarinhos.”

A assistência feminina é descrita como inútil “que nada faz de útil” e Taveira descreve
o conjunto de senhoras como um “canteirinho de camélias meladas”.

A única mulher que se destaca pela positiva é D. Maria da Cunha que desceu da
tribuna e se veio misturar com os homens, não ligando às regras de conduta, porque
não aguentava estar junto com as senhoras num clima entediante.

“Carlos, no entanto, fora falar à sua velha amiga D. Maria da Cunha que (…)
era a única senhora que ousara descer do retiro ajanelado da tribuna, e vir sentar-se
em baixo, entre os homens: mas, como ela disse, não aturara a seca de estar lá em
cima perfilada, à espera da passagem do Senhor dos Passos. E, bela ainda sob os
seus cabelos já grisalhos, só ela parecia divertir-se ali, muito à vontade, com os pés
pousados na travessa duma cadeira, o binóculo no regaço, cumprimentada a cada
instante, tratando os rapazes por meninos...”

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Atualidade da intenção crítica
Eça constrói este episódio com um objetivo muito simples: satirizar e criticar a
mentalidade e os comportamentos da sociedade da época. Descrições, situações,
comportamentos… São inúmeros os aspetos críticos presentes neste episódio que
nos alertam para o estado deplorável em que a sociedade portuguesa se encontrava
na segunda metade do século XIX.

No entanto, mesmo sendo o objetivo caricaturar a sociedade da época, a intenção


crítica do episódio é intemporal e pode mesmo ser aplicada a diversos aspetos da
sociedade dos dias de hoje.

No que toca então à atualidade da crítica feita por Eça podemos destacar alguns
aspetos principais que escolhemos abordar e desenvolver:

 O estado do ensino em Portugal;


 O adultério;
 O comportamento da sociedade;
 A mentalidade de o que é nacional não é bom.

Estado do ensino em Portugal

Uma crítica evidente e importante de ressaltar é a feita ao ensino português aquando


de uma conversa entre Craft e o Marquês.

“- Nós não temos os jogos de destreza das outras nações, exclamava ele,
bracejando pela sala e esquecido dos seus males. Não temos o cricket, nem o footbal,
nem o runing, como os ingleses; não temos a ginástica como ela se faz em França;
não temos o serviço militar obrigatório que é o que torna o alemão sólido... Não temos
nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra. Temos só a tourada... Tirem a
tourada, e não ficam senão badamecos derreados da espinha, a melarem-se pelo
Chiado! Pois você não acha, Craft?

Craft, do canto do sofá, onde Carlos se fora sentar e lhe falava baixo,
respondeu, convencido:

- O que, o touro? Está claro! o touro devia ser neste país como o ensino é lá
fora: gratuito e obrigatório.”

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Durante esta conversa, Craft comenta com o Marquês que o ensino no nosso país
devia ser como lá fora: gratuito e obrigatório. Esta crítica é feita ao ensino da época
pois nesta altura, para além de ser praticamente facultativo, este era ainda pago ao
contrário do que acontecia nos países que os portugueses viam como exemplo a
seguir.

No que toca à atualidade, podemos abordar este tema de duas formas distintas.
Podemos abordar este tema no que toca à evolução do ensino português ou podemos
analisar o atraso que continua a existir no nosso ensino quando comparado com
outros países.

A nosso ver, o ensino português dos dias de hoje pode ser considerado de qualidade.
Desde há alguns anos que o nosso ensino se tornou obrigatório até ao secundário e,
mais recentemente, acabou mesmo por se tornar gratuito a partir do momento que a
oferta no que toca a escolas públicas é muito grande e o governo passou a pagar os
manuais escolares. Para além disso, o ensino em Portugal é de renome visto que o
nosso país possui grandes universidades de renome internacional e que a nossa
formação é reconhecida por produzir excelentes profissionais em diversas áreas.

Em contrapartida, o ensino português continua a apresentar grandes atrasos tal como


apresentava na época que Eça pretendia criticar. Para além de apresentar uma das
percentagens mais baixas de população com o ensino superior, a falta de condições
para seguir com os estudos é grande visto que são poucos os estudantes com poder
económico para alugar um espaço para ficar perto de onde estudam devido aos
preços elevados.

Desta forma, a crítica feita ao ensino da época é intemporal e pode-se aplicar aos dias
de hoje visto que, mesmo os problemas apontados tendo sido resolvidos, o ensino
português continua muito atrás do ensino nos países “modelo”.

O adultério

Outra das críticas evidentes feitas por Eça relaciona-se com o adultério que, nos finais
do século XIX, era visto como um comportamento escandaloso.

A Gouvarinho representa então o adultério pois, sempre que esta entra em ação, tem
como objetivo estar perto de Carlos e falar com ele, tentando convencê-lo a ir com ela
passar uma noite a um hotel em Santarém mesmo esta estando casada.

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Esta realidade pode ser aplicada aos dias de hoje visto que nos dias de hoje a traição
é algo bastante comum. Apesar de ser comum, o adultério nos dias de hoje não é visto
como antigamente devido à mudança na mentalidade da sociedade.

Desta forma, a Gouvarinho aparece em cena com o propósito de criticar o adultério


sendo esta crítica aplicável aos dias de hoje o que reforça a intemporalidade desta
obra.

O comportamento da sociedade

As corridas permitem apreciar de uma forma irónica e caricatural uma sociedade


burguesa que vivia de aparências e de se fazer passar por “chiques”. Eça constrói
então este episódio para satirizar a mentalidade e o comportamento da alta burguesia
que, ao querer fazer-se passar por requintada como os estrangeiros e tentando manter
uma boa imagem, acaba por passar vergonha e a forma como o público se comporta
durante o evento demonstra extrema falta de educação, um espírito arruaceiro e nada
requintado característico do povo português.

Esta crítica ao comportamento da sociedade é presente até aos dias de hoje visto que
diariamente nos deparamos, não só com pessoas que tentam fazer-se passar por
quem não são, mas também com uma mentalidade por parte da nossa sociedade
onde todos tentam tirar proveito próprio em qualquer situação implique o que implicar.
Desta forma, o povo português continua a ter um espírito arruaceiro e desrespeitador,
sem qualquer requinte.

A mentalidade de o que é nacional não é bom

Até aos dias de hoje, grande parte da população acredita que o que é bom e de
qualidade tem que vir de fora. Esta é a crítica mais importante feita por Eça neste
episódio e é fácil entender o porquê da sua intemporalidade. Ao longo de todo o
capítulo, é feita uma caricatura da forma como a sociedade daquela época tenta
importar costumes, eventos e comportamentos característicos de outros países que
esta via como exemplo do “chique” falhando miseravelmente. Desta forma deparamo-
nos com um povo que tenta igualar Lisboa às grandes capitais europeias, tais como
Paris, e que para isso opta pelas corridas de cavalos em vez das touradas que eram
algo característico de Lisboa mas que aos olhos da população não eram requintadas.
Lisboa era então uma cidade sem qualquer originalidade e orgulho nacional onde

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reinava a mentalidade de que apenas o que vinha de fora era chique e daí a
necessidade de copiar o estrangeiro.

Com o objetivo de reforçar o ridículo desta mentalidade, Eça refugia-se em Afonso da


Maia que, por ser um verdadeiro patriota, reprova constantemente a procura por imitar
o estrangeiro preferindo uma boa tourada às corridas de cavalos.

“Todo o patriota devia apostar pelos cavalos do visconde de Darque, que era o
único criador português!... - Pois não é verdade, Sr. Afonso da Maia? O velho sorrio,
amaciando o seu gato. - O verdadeiro patriotismo talvez, disse ele, seria, em lugar de
corridas, fazer uma boa tourada.”

Esta crítica à falta de orgulho e valorização do que é nacional é então facilmente


aplicável aos dias de hoje visto que grande parte do povo português continua a não
dar qualquer valor ao que é realmente nosso e a preferir o que vem do estrangeiro
mesmo que grande parte das vezes seja de qualidade inferior. Portugal, no entanto,
tem não só uma cultura muito rica como também produtos de elevada qualidade pelo
que, tal como na sociedade criticada por Eça, a mentalidade de o que é nacional não é
tão bom continua a ser um problema.

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Conclusão
Em suma, a partir da análise detalhada deste capítulo, foi-nos possível compreender
melhor o romance já que, só com uma primeira leitura, não damos conta de certos
detalhes que nos permitem caracterizar a sociedade da época de forma a melhor
compreender o ambiente vivido. A partir da análise de excertos relevantes, ficámos a
entender que a essência deste capítulo não é o avanço da intriga romântica de Carlos
e Maria Eduarda mas sim a riqueza de detalhes, dados por Eça, que acaba por
desconstruir o fim da época romântica.

Após a realização deste trabalho, é da opinião de todos que, ao desenvolver e analisar


este capítulo num contexto mais aprofundado, ficámos a entender melhor não só a
realidade da alta sociedade do tempo do autor como também a crítica que este
pretendia fazer com a obra. Desta forma, passámos a ver este episódio não como um
simples evento de lazer mas sim como algo muito mais complexo e de grande carga
simbólica.

Concluindo, sugerimos a todos que releiam este capítulo de uma forma mais crítica e
tentando entender a simbologia por detrás de cada pormenor.

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Bilbiografia
https://pdfcoffee.com/os-maias-15-pdf-free.html

https://prezi.com/xm9t8amue6wx/corridas-de-cavalos-os-maias/

https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$corridas-no-hipodromo-(os-maias)

https://issuu.com/dbrolinn/docs/trabalho_de_portugu_s

https://notapositiva.com/os-maias-episodio-corridas-cavalos/

http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/Maias_20001210.pdf

https://www.studocu.com/pt/document/ensino-secundario-portugal/portugues/os-
maias-episodio-da-corrida-de-cavalos-e-marcas-da-linguagem-queirosiana/9529280

http://www.esqm.pt/documentos/BE/Nova%20pasta/Maias.pdf

https://images.google.com/

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