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AMOR DE PERDIÇÃO (COM A CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS)

Título e Subtítulo - Amor de Perdição tem como subtítulo Memórias de Uma família. De facto,
o autor narra episódios da família Correia Botelho, ou seja, muitas das situações vividas pelo
escritor e pela sua própria família. Os seus fundamentos são históricos, embora não se possa
determinar com exatidão até onde vai a verdade histórica e onde começa a fantasia. Simão
Botelho existiu na realidade. Por detrás dele, tio de Camilo, o próprio escritor apaixonado e
desequilibrado.

Espaço e Tempo - O espaço físico, em Amor de Perdição, conhece um afunilamento progressivo


à medida que a ação trágica se encaminha para o seu clímax e, posteriormente, para o desenlace
final. Assim, de um espaço amplo exterior onde as personagens evoluem livremente, passa-se
para um espaço fechado e reduzido onde as personagens são encarceradas. Este espaço
reduzido simboliza a prisão da própria vida, visto que estão enclausuradas na dimensão da
própria tragédia. O tempo da obra é caracterizado como diegético. Na introdução, abarcam-se
40 anos, são os antepassados de Simão.

Linguagem, Estilo e Estrutura da Obra - O livro de Camilo é rico em cartas entre Simão e Teresa.
O discurso epistolar contém uma linguagem emotiva, apelativa, exclamativa e expressiva. As
cartas têm frequentemente frases curtas e vocativos, como “Não receies nada por mim,
Simão.” O livro também é rico em diálogos e adjetivos. Os adjetivos estão presentes em todas
as fases do romance. A frase “Amou, perdeu-se e morreu amando” pode ser utilizada para
sintetizar a obra Amor de Perdição da seguinte maneira: “Amou” representa a introdução da
obra, onde faz referência a dados biográficos do Camilo e a apresentação global do infortúnio
de Simão Botelho. “perdeu-se”, correspondendo ao desenvolvimento da obra que vai do
capítulo I até ao capítulo XX. Ocorrem vários factos como a paixão entre Teresa e Simão. Por
fim, “morreu amando”, reenvia para o desfecho da obra com a morte trágica de Simão e o
suicido de Mariana.

Narrador e Narratário - Podemos caracterizar o narrador como heterodiegético, é apenas


considerado narrador e não personagem pois este não participa na ação, acabando por recorrer
à terceira pessoa gramatical. É omnisciente pois tem conhecimento de tudo o que se passa com
a história e com as personagens.

Caracterização das Personagens:

Simão Botelho - O narrador da obra na introdução faz uma caracterização de Simão. Este passa
a dizer: “Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro e estudante na
universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa (…) filho de Domingos José Correia Botelho
e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos
castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado
e cala de pano pedrês.” Após a visão de Teresa, Simão transforma-se: distancia-se da ralé de
Viseu; torna-se caseiro; cumpre os seus deveres de estudante; passeia pelo campo, procurando
o espaço natural, em detrimento do espaço social. Mas quando Teresa é obrigada a sair da
janela, local onde via Simão e, posteriormente, quando lhe comunica o desejo do seu pai de que
ela se case com o seu primo Baltasar, Simão revela-se de novo rebelde. A par desta faceta, irá,
porém surgir uma outra: a sua nobreza de alma, que se manifesta no momento em que deseja
poupar um dos criados de Baltasar, que tentara matar Simão, pelo facto de o homem se
encontrar ferido. O seu sentimento exacerbado de honra é também notável – ele manifesta-se
pelo facto de Simão enfrentar sempre aqueles que se lhes opõem, pelo facto de se ter negado
a fugir, depois de ter morto Baltasar, em legítima defesa, e ainda por recusar qualquer ajuda da
família, aceitando a sua condenação à forca e, depois, ao degredo. O seu código de honra
conduzi-lo-á, em última análise, à sua tragédia. O sentimento de dignidade é, por outro lado,
inseparável da possibilidade de realização do seu amor – é assim que Simão não acede ao pedido
de Teresa, para que cumpra os dez anos de pena, em Portugal, na cadeia.

Teresa de Albuquerque - Representa um tipo vulgar na galeria feminina das heroínas


românticas do tempo: amorosa angelical, vítima indefesa num mundo que não lhe pertence,
porque organizado para servir apenas o egoísmo arbitrário dos homens, é um ente sensível,
frágil, tendencionalmente incorpóreo votado pela fatalidade para o deperecimento e a
aniquilação. Mas essa sua personalidade ganha certa força na alternância desta fraqueza com
uma também sua própria vocação para morrer insubmissa. É que no fundo nada consegue deter
a determinação a que se entrega. “A desgraça não abala a minha firmeza, nem deve intimidar
os teus projetos.”, escreve ela a Simão.

Mariana - Mariana é a figura mais humana e mais complexa da obra. Mariana é vista como um
símbolo de gratidão desinteressada: é a enfermeira sempre vigilante do filho do desembargador
Domingos Botelho que salvara seu pai da forca. É um símbolo de generosidade discreta e
delicada, pois dá ao hóspede bens pessoais, cuidava do preso com abundância e limpeza, e a
todos dizia que ali estava por ordem e à custa da senhora D. Rita. Mariana como um símbolo de
amor humilde, puro: contenta-se com amar sem ser amada, fazendo do amor um serviço
gratuito, uma dádiva prestada sem quaisquer esperanças de reciprocidade.

Baltasar Coutinho - Baltasar vive na dupla função para que o autor o criou: ser, por um lado,
uma simples peça dinâmica da intriga; por outro, surgir, pelos defeitos que encarna (covardia,
perversão pelo interesse do sentimento amoroso, cinismo, vaidade, desdém), como elemento
contrastante de Simão, cujas qualidades e simpatia avultam neste jogo de oposições
intencionais.

Tadeu de Albuquerque e Domingos Botelho - Estas duas personagens não diferem


fundamentalmente uma da outra, como símbolos que são de pais despóticos, cuja autoridade
se escuda por detrás de princípios morais de tónica puramente formal, já que sempre traem
este ou aquele interesse pessoa mesquinho, manipuladores arbitrários que são de pessoas e
instituições pela força do dinheiro, da pressão hierárquica e das relações comprometidas. Tadeu
é figura mais conseguida que a de Botelho – sobretudo quando, para o fim da história, Camilo o
descreve com os olhos encovados a reverem o suor e o sangue de uma raiva que pedia debalde
vingança.

João da Cruz - O ferrador ergue-se, ainda sobre o esqueleto do bom bandido, tão caro a ficção
ultrarromântica, que Camilo nele de certo modo e insinua e absolve na apóstrofe com que
comenta a morte do generoso protetor de seu tio paterno. Mas a carne que veste esqueleto é
viva – e tão naturalmente viva, que até a função dinâmica para que o narrador criou a figura se
perde e apaga.

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