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3. ESTRUTURA DA OBRA
A obra apresenta uma ação fechada, na medida em que o leitor é informado
sobre o destino final das personagens. A ação, por sua vez, estrutura-se a partir de uma
sucessão de sequências narrativas, ligadas entre si por uma relação de causalidade, ou
seja, os acontecimentos posteriores são sempre uma consequência dos episódios
anteriores, que dão expressão ao segmento textual que o narrador inclui na Introdução:
«(...) amou, perdeu-se e morreu amando».
Este segmento sintetiza a estrutura tradicional da narrativa:
introdução desenvolvimento conclusão
AMOU PERDEU-SE MORREU
AMANDO
Capítulo II – Capítulos III a Conclusão da
momento em XX – desde a obra
que Simão vê recusa de Teresa
Teresa pela em casar com
primeira vez. Baltasar, por
amor de Simão,
até à partida
deste para o
degredo.
6- AS PERSONAGENS - CARACTERIZAÇÃO
O amor é o grande tema da obra, correspondendo a um sentimento que atravessa
todo o relato e condiciona a vida das personagens. A perdição antecipa um destino
extremamente negativo para a experiência amorosa das figuras mais destacadas.
6.1- Simão Botelho
De todas as personagens, Simão Botelho é aquela em quem mais nitidamente se
encontram atitudes e modos de ser diretamente relacionados com valores românticos. A
essas atitudes juntam-se os termos em que ele se expressa nas cartas que dirige a Teresa,
bem como a sua situação na família a que pertence. Tudo isto faz de Simão o herói
romântico, evidenciando os seguintes comportamentos e características:
• Individualismo extremo.
• Rebeldia e tendência para contrariar as normas sociais impostas.
• Impulsividade e agressividade.
Muitas destas características – rebeldia, bravura, determinação, impulsividade
– são hereditárias, tendo-as herdado do seu Tio Luís Botelho e do seu avô Fernão
Botelho. Simão tem, pois, no seu interior, as duas grandes forças dos Botelho: o amor e
a violência. E, se numa primeira fase, até aos quinze anos, ou seja, até conhecer Teresa,
predomina a violência (vida tumultuosa em Coimbra, desacatos em Viseu), após a visão
de Teresa, a sua vida será regida pelo amor. No entanto, sendo um amor-paixão, a sua
natureza é violenta e, por isso, esse traço não desaparece do caráter de Simão.
Facilmente se pode comprovar ao atentar-se nas suas reações quando sabe da vontade
de Tadeu de Albuquerque de encerrar a filha num convento, ou quando sabe que
Baltasar acompanhará Teresa. Nesses momentos, como noutros, o «Génio sanguinário»
de Simão desponta e ele deixa-se dominar pelo ódio, rancor, raiva, orgulho e ciúmes.
No seu amor por Teresa, Simão mostra-se fiel, constante, não desistindo
perante os obstáculos: a oposição do seu pai, a oposição do pai de Teresa e a de
Baltasar Coutinho. A pureza deste amor é transmitida nas cartas que envia a Teresa e
nas quais deposita os seus sentimentos mais verdadeiros e intensos. A grandiosidade do
mesmo amor condu-lo à dor, à perdição e, em última instância, à morte.
Simão vive pelos afetos, pela verdade do coração e por ela está disposto a tudo.
Ainda que invoque a honra, o seu conceito de honra é muito diferente do conceito de
honra do seu pai, do pai de Teresa ou mesmo de Baltasar. Para ele, a honra é
indissociável do amor absoluto que sente por Teresa.
Consciente da sua desgraça, Simão aceita-a com dignidade e coragem, quer antes
de cometer o crime, quer depois, recusando-se a fugir e entregando-se à justiça. A sua
bondade e nobreza de caráter já tinham, aliás, ficado bem patentes, quando, na
sequência da tentativa do seu assassinato por parte de dois criados de Baltasar Coutinho,
pede ao ferrador que deixe ir embora um deles, dizendo-lhe «-Não se bate assim num
homem ajoelhado»; «eu não sei castigar miseráveis que me não resistem».
Em relação a Mariana, Simão não é indiferente ao sentimento que esta nutre por
si, acabando por aceitar a sua companhia rumo ao degredo. Já no navio e depois de
saber da morte de Teresa, Simão pede ao comandante que ampare Mariana a quem
considera como irmã.
6.3- Mariana
A filha de João da Cruz aparece num momento decisivo da ação, quando Simão se
refugia em casa do ferrador (capítulo IV). Pouco depois, diz-se que João da Cruz «tinha
uma filha, moça de vinte e quatro anos, formas bonitas, um rosto belo e triste». A partir
daí começam a revelar-se nela outros atributos, para além da beleza: quando Simão é
ferido por um dos criados de Baltasar Coutinho, é Mariana quem se encarrega de o
tratar, com total dedicação; depois disso, quando Simão é preso, Mariana acompanha-o
e dá-lhe apoio, dispondo-se a ir para o degredo com ele. Por fim, suicida-se, lançando-se
ao mar juntamente com o cadáver de Simão.
Em função destes comportamentos, podem sintetizar-se as características de
Mariana como personagem individual que se aproxima da condição de mulher-anjo:
• Origem social inferior à de Simão.
• Sentido de dedicação associado a força anímica.
• Sentimentos nobres e desinteressados.
• Extrema lealdade e generosidade.
Na verdade, a filha do ferrador João da Cruz é uma mulher do povo, elogiada pela
sua beleza e sensualidade. Exemplo disso são três comentários que o leitor encontra em
momentos distintos da obra: um de um padre capelão que, ao vê-la chegar ao convento
de Viseu, quando ela vai entregar uma carta a Teresa, exclama «Que boa moça»
(capítulo X); outro do carcereiro de Simão, que comenta, quando Mariana o vai visitar
«Esta é bem mais bonita que a fidalga» (capítulo XI); e ainda outro do magistrado que
trata da passagem para o degredo, e que, quando a avista e é informado de que ela
acompanhará Simão, não resiste a esta observação «- E a passagem vale-a bem! »
(capítulo XIX).
Mesmo antes de privar com Simão, Mariana já o tinha visto e tinha ouvido
falar dele (capítulo V). Admirava-o, portanto, há muito tempo, pela sua bravura e
temperamento. Quando Simão, porém, se instala em casa de seu pai, o amor
acabará por despontar no seu coração, levando-a a todos os sacrifícios. Assim,
aceita levar uma carta a Teresa, sendo intermediárias dos dois amantes; muda-se
para o Porto, para estar sempre ao lado de Simão, na prisão; morto o pai e sem
nada que a prenda a Portugal, oferece-se para acompanhar Simão no degredo;
quando Simão morre, suicida-se e acaba abraçada ao seu cadáver.
A partir do momento em que Simão entra no seu coração, a vida de Mariana é
uma vida de abnegação (altruísmo, generosidade, desapego) e de total dedicação ao
amor. Mariana deseja ardentemente ser amada como Teresa e sofre com isso, tal como
sofre por Simão, chegando a enlouquecer por ele, quando ouve a sua condenação à
forca.
O coração de Mariana é também um coração especial, porque lhe revela o
que vai acontecer no futuro. É um coração cheio de presságios, intuindo as
desgraças.
Mariana é o anjo da guarda, o «Anjo da compaixão» para Simão. É a mulher-anjo,
mas é também a mulher real, aquela que sofre e que sente ciúmes. Nela encontramos o
verdadeiro coração da mulher.
Em certa medida, Mariana é uma das personagens mais complexas de Amor de
Perdição. Só a compreenderemos verdadeiramente dando atenção às relações que as
personagens mantêm entre si.
7- O AMOR-PAIXÃO
Não é só o título de Amor de Perdição que põe no centro da narrativa a temática
amorosa. Logo na abertura da obra, uma epígrafe, retirada da Epanáfora Amorosa de D.
Francisco Manuel de Melo, diz o seguinte: «Quem viu jamais vida amorosa que não a
visse afogada nas lágrimas do desastre ou do arrependimento?». Como quem diz: a
história que vai ser contada mostra que o amor sempre leva ao sofrimento.
Desde que as personagens começam a manifestar os seus modos de ser e os seus
sentimentos, ficamos a saber que em três delas o amor é o centro das suas vidas:
• Em Simão e em Teresa de Albuquerque, a partir do capítulo II.
• Em Mariana, a partir do capítulo V.
Só que, nestas três personagens, o amor tem feições e manifestações exteriores
que não se confundem umas com as outras. Ou melhor: é também pela forma como
vivem o amor que as personagens se individualizam.
7.3- Mariana
A situação de Mariana é diferente da de Teresa, desde logo tendo em atenção a
sua condição social. Torna-se evidente, em diversos momentos, que existe nela amor
por Simão; ao mesmo tempo, está presente nas suas atitudes a consciência de que
aquela condição social a “condena” a servir, mas não a ser amada. Por isso, em
Mariana, o amor é unidirecional, ou seja, não é correspondido enquanto amor, mas sim
enquanto afeto fraternal. Simão chega a tratar Mariana por «minha irmã».
Deste modo, o amor de Mariana é feito por dedicação, sem outra expectativa que
não seja a de «dar alívio às dores?!" (capítulo IX) de Simão, como refere o narrador,
que exclama «que nome darei ao teu heroísmo!» (capítulo IX). O reconhecimento do
heroísmo daquele amor impossível leva Simão a dizer a João da Cruz: «Pudesse eu ser o
marido de sua filha, meu nobre amigo» (capítulo XV).
Certamente que existe paixão em Mariana, mas escondida até ao último momento,
como se essa paixão não pudesse fazer parte do amor por Simão. O ato final de
Mariana, lançando-se ao mar para morrer, abraçada ao cadáver de Simão,
representa a coragem apaixonada de quem não quer sobreviver ao homem amado.