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Escola Secundária Pinhal do Rei

Português
11º Ano
Prof. Maria Luísa Figueiredo

Resumo/Comentário de Os Maias
Capítulo I
Descrição e historial do Ramalhete, casa que a família Maia veio habitar em Lisboa, Outono de 1875. Em
1858, quase tinha sido alugada a monsenhor Buccarini pelo procurador dos Maias, Vilaça; nota-se que os
Maias eram uma família nobre, mas com sinais de decadência. A casa que tinham em Benfica foi vendida (já
pelo Vilaça Júnior) e seu conteúdo passou, em 1870, para o Ramalhete. A Tojeira, outra propriedade, também
fora vendida. Poucos em Lisboa sabiam quem eram os Maias, família que vivia havia algum tempo na Quinta
de Santa Olávia, nas margens do Douro.
Os Maias, antiga família da Beira, eram, no momento desta narração, constituídos por Afonso da Maia e
Carlos Eduardo da Maia, seu neto, que estudava medicina em Coimbra. Meses antes de este acabar o curso,
o avô decide vir morar para Lisboa, no Ramalhete. Reforma-se o Ramalhete sob a direção de um compadre de
Vilaça, um arquiteto e político chamado Esteves. Mas Carlos traz também um arquiteto-decorador de Londres,
despedindo assim Esteves. A casa é fechada e, só depois de uma longa viagem de Carlos pela Europa, é que é
habitada pelo avô e neto, em 1875. Descrição física de Afonso (p.12). Começa-se, através do contar da vida de
Afonso, uma analepse (pp.13-95), onde se conta a ida a Inglaterra, a morte do pai, o casamento com Maria
Eduarda Runa, o nascimento de Pedro da Maia, o retorno e exílio em Inglaterra, devido às suas ideias
políticas; em Richmond, Afonso fica a saber da morte da mãe, em Benfica. Pedro da Maia é educado pelo
padre Vasques, capelão do conde Runa, mandado vir de Lisboa. Morre a tia Fanny. Vão para Roma, Itália.
Voltam a Benfica, finalmente. Explica-se porque Afonso se torna ateu (pp.18-20). Pedro cresce; tem um filho
bastardo, aos 19 anos. A mãe, esposa de Afonso da Maia, morre; Pedro da Maia entrega-se à bebida e
distúrbios. Um ano depois, "acalma-se". Começa a grande paixão de Pedro da Maia (p.22): descrição de Maria
Monforte, de origens misteriosas. Alencar vê Pedro e Maria no teatro S. Carlos, no final do I ato do Barbeiro
de Sevilha. Pedro pede permissão ao pai para casar com Maria Monforte. Afonso recusa. Pedro casa e vai para
Itália.

Comentário
O capítulo tem duas partes distintas: a primeira gira à volta do Ramalhete, à casa que Eça faz questão de
descrever com minúcia. É a propósito do Ramalhete que o leitor contacta com o protagonista (Carlos da Maia)
muito ao de leve, e mais longamente com o seu avô, o velho Afonso da Maia. A história deste até ao
casamento do filho com Maria Monforte, a negreira, ocupa toda a segunda parte.
A importância deste capítulo é fundamental. Não só nos dá a chave para o drama básico do romance, como
faz a apresentação dos dois mundos que ao longo de toda a obra se defrontam: o de Afonso da Maia, saudável,
livre moderno, contraposto ao de sua mulher, soturno, triste beato e, por isso mesmo, doentio. Pedro será o
fruto do segundo, como Carlos se pretende o resultado do primeiro.

Capítulo II
De Itália, Pedro e Maria vão para França. Maria engravida e Pedro trá-la para Lisboa; antes, porém, escreve
ao pai. Vai para Benfica, mas o pai, em desfeita, já tinha partido para Sta. Olávia. Nasce uma filha a Pedro;
mas este já não o comunica ao pai, Afonso; começa um período de cerca de 3 anos, em que pai e filho não se
falam. Descreve-se o ambiente das soirées lisboetas em Arroios. Nasce um menino, Carlos Eduardo. Ao ir a
uma caçada na Tojeira, Pedro fere um recém-chegado, um napolitano chamado Tancredo. Trata-o em sua
casa. Dois dias depois, Tancredo recolhe-se a um hotel. Descrição do napolitano (p.41). M.ª Monforte isola-
se, acaba com as soirées, depois de saber que o sogro voltara a Benfica. Passam-se alguns meses, com a
presença habitual de Tancredo. A filha tem já 2 anos. Maria Monforte foge com o napolitano e a filha,
deixando o filho, Carlos Eduardo e uma carta. Afonso, por causa disto, reconcilia-se com Pedro. Nessa mesma

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noite e madrugada, Afonso acorda com um tiro. Pedro suicidara-se. É enterrado no jazigo de família em Sta.
Olávia.
Comentário
Essencial para a compreensão do romance, este capítulo (a história de Pedro da Maia e de Maria Monforte)
constitui em si uma unidade independente. Com ele se poderia fazer um conto. O conteúdo do conto condiz
com o subtítulo do romance: «Episódios da vida romântica». A figura dominante do capítulo é Maria
Monforte. Sem explicitamente a descrever, Eça deixa-nos dela, através dos seus comportamentos, um perfil
psicológico tão preciso quanto impiedoso.

Capítulo III
Passam-se vários anos. Afonso vive com o neto em Sta. Olávia, o Teixeira e a Gertrudes, mordomo e
governanta, respetivamente. Vive lá também uma prima da mulher de Afonso, uma Runa, que era agora viúva
de um visconde de Urigo de la Sierra, e o preceptor de Carlos Eduardo, o Sr. Brown. Refere-se a severa
educação inglesa de Carlos, em que não entra a religião, para desgosto do abade Custódio. Descreve-se uma
noite em Sta. Olávia com os amigos de Afonso. Fala-se dos arrulhos de Teresinha e Carlinhos (p.72).
Menciona-se a Monforte, mãe de Carlos (p.78), que dá pelo nome de Madame de l'Estorade. Não se sabe o
que é feito da filha que ela levou. Mais tarde, sabe-se por Alencar que Maria Monforte lhe dissera que sua
filha tinha morrido em Londres. Vilaça morre (p.84). Manuel Vilaça, filho do Vilaça, torna-se administrador
da casa.
Comentário
O presente capítulo apresenta vários motivos de interesse: antes de mais, temos nele a única incursão de Eça
em Os Maias pela vida da província: o serão em Santa Olávia é um quadro perfeito desse viver e dos seus
tipos (abades, delegados, manas Sequeira). Depois, temos o tipo de educação que Afonso julga perfeita,
aplicado a Carlos, em contraste com aquela a que fora sujeito seu filho Pedro. Parece adivinhar-se que, se a
desgraça de Pedro se deveu àquele tipo de educação, o futuro de Carlos será forçosamente risonho. Eça não
disfarça, aliás, as suas preferências. Veremos como, no fim, tudo sai ao contrário.
Finalmente, os dois mundos em confronto continuam presentes: o progressista em Afonso e no neto, o
retrógrado nas personagens restantes.
Das personagens que aqui aparecem, só o Eusebiozinho sobreviverá na história. Mas desde já se chama a
atenção, por um lado para a precisão de Eça no desenho dos caracteres (o abade e a viscondessa, por
exemplo), e, por outro, para o facto de, entre as personagens femininas, não haver uma que se apro veite.
Mesmo quando marginais (e à exceção da tia Fanny) as mulheres de Os Maias revelam-se desinteressantes,
perniciosas ou mesmo abomináveis

Capítulo IV
Passam-se anos. Carlos faz exames; está prestes a formar-se em Medicina. Contam-se as cenas da vida em
Celas, com os amigos. O Teixeira, Gertrudes e o abade já haviam morrido. Descrição de João da Ega
(p.92), aluno baldas e grande ateu. Alude-se a uma aventura adúltera passageira de Carlos com uma
Hermengarda, mulher de um empregado do Governo Civil. Outra aventura foi com uma espanhola,
Encarnacion. Carlos forma-se em Agosto. Parte de viagem para a Europa. Chega o Outono de 1875 e Carlos
também. Volta-se ao PRESENTE da narração (p.95). Descrição de Carlos já homem feito (p.96). Carlos
instala-se no Ramalhete com toda a sua parafernália de instrumentos de medicina. Passa tudo para um
laboratório no Largo das Necessidades e abre um consultório no Rossio. Ninguém lhe aparece para consulta.
Ega visita-o no consultório. Diz-lhe que vai publicar um livro, "Memórias de Um Átomo".
Comentário
Aparecem os primeiros traços negativos no carácter do protagonista. O seu defeito fundamental é o
diletantismo que, na perspetiva de Eça, era o grande mal de que enfermava a sociedade portuguesa. Bem
elucidativo, o ambiente da casa de Carlos em Coimbra, onde «as próprias certezas revolucionárias adquiriam

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um sabor mais requintado com a presença do criado de farda desarrolhando a cerveja, ou servindo croquetes».
Afloram as primeiras críticas explícitas ao país: «Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias,
assuntos, estéticas, ciências, estilos, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo
paquete.»
Toma-se contacto com algumas personagens que se vão manter ao longo da história: tirando Afonso da Maia
e Carlos, as que apareceram nos capítulos anteriores ficaram para trás, com a única exceção do Eusebiozinho.
As de agora vão permanecer, com destaque para João da Ega. Note-se que não há entre elas uma única que
não seja objeto da ironia de Eça.

Capítulo V
Carlos tem a sua primeira doente, a mulher do padeiro Marcelino. Descreve-se um dos serões no Ramalhete.
Às 2.15h começam a abandonar o Ramalhete. Carlos começa a ter clientes. Ega aparece-lhe ocasionalmente,
para ler uma parte do seu manuscrito, para o convidar a ser apresentado aos Gouvarinhos… Conhece-os, por
fim, na frisa do teatro.
Comentário
O presente capítulo dá uma achega apreciável para o conhecimento do ambiente doméstico de Carlos,
através, primeiro, da longa descrição do serão de Afonso com os amigos, e depois, da transcrição do diálogo
de Carlos com o seu criado de quarto, em que subtilmente se insinua o interesse que nutre pela condessa de
Gouvarinho.
Servindo para ir desenhando cada vez melhor a fisionomia do protagonista, deste capítulo sai também uma
achega importante para a caracterização de uma certa camada social e da sociedade portuguesa em geral.
Particularmente interessante a entrada em cena do Gouvarinho como personificação do político imbecil que,
do alto do seu pedestal, enuncia como descobertas transcendentes as mais vulgares trivialidades.
De notar que, pela primeira vez, neste capítulo se faz menção de Dâmaso Salcede, uma personagem que irá
ter considerável importância no desenrolar da ação.

Capítulo VI
Carlos visita Ega na sua nova casa, a Vila Balzac, no Largo da Graça, depois da Cruz dos Quatro Caminhos.
Saem. Encontram Craft. Combinam jantar no Hotel Central, em honra ao Cohen. Chegam os Castro Gomes
para se hospedar (p.157). Alencar encontra Carlos da Maia, que tem agora 27 anos. Alencar (o poeta
romântico e antigo amigo de Maria Monforte) é contra o Naturalismo e tudo o que lhe cheire a Realismo.
Começam a discutir a decadência de Portugal, política e socialmente. Acabam bem o jantar. Ega e Alencar
discutem. Reconciliam-se. Saem todos do Hotel Central. Alencar acompanha Carlos até casa. Analepse de
uma conversa de Carlos e Ega em que este, bêbado, lhe revelara a verdadeira história da mãe de Carlos.
Carlos adormece, pensando na misteriosa senhora do Hotel Central e no Alencar.
Comentário
O presente capítulo é marcado pela entrada em cena de várias personagens novas:
— Craft, o inglês, que parece ser, para Eça, o ideal do cavalheiro;
— Alencar, o poeta, cujo aparecimento faz refluir o passado à vida de Carlos;
— A Srª. Castro Gomes, ainda desconhecida como tal, que virá a dividir com Carlos as honras de
protagonizar a ação fulcral do romance.
O autor misturou sabiamente o aparecimento da soberba mulher do hotel com a entrada em
cena do poeta Tomás de Alencar — deixando adivinhar a ligação existente entre a desconhecida de hoje e a
tragédia de outrora. É aliás sobre a insinuação de tal ligação que o capítulo se encerra.
Quanto ao mais, registe-se a descrição do jantar no Hotel Central (o ambiente e a ementa), e o primeiro
grande afrontamento (que a ironia queirosiana torna grotesco) entre a literatura romântica e a realista,
personificadas, respetivamente, em Alencar e Ega.
A título de curiosidade, refira-se ser neste capítulo que, em Os Maias, Eça utiliza pela primeira vez o termo

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«seca» e o verbo seu derivado no sentido de «aborrecimento» e «aborrecer-se».

Capítulo VII
Craft tornara-se íntimo no Ramalhete. Carlos, retirado do consultório, passava os dias em casa, tentando
escrever o seu livro. O Dâmaso pegou-se a ele como uma "lapa". Ega, endividado, vem pedir mais 115 libras a
Carlos. Certo dia, Dâmaso não aparece, nem nos dias seguintes. Carlos acaba por ir procurá-lo. Chegando ao
fim da Rua do Alecrim, encontra Steinbroken, que se dirige ao Aterro. Durante a conversa, passa a misteriosa
figura do Hotel Central (pp.202-3). No dia seguinte, Carlos volta ao Aterro e ela torna a passar, mas agora
acompanhada do marido. A Gouvarinho, a pretexto da "doença" do filho Charlie, visita-o no consultório.
Carlos corteja-a abertamente. Reaparece Dâmaso, de repente, numa caleche, dizendo a Carlos ter um
"romance divino". Tudo indica serem os Castro Gomes a sua companhia. Aparece na "Gazeta" um artigo de J.
da Ega elogiando os Cohen. Discutem-no na soirée. Carlos convida o Cruges a ir a Sintra, depois do Taveira
lhe ter dito que Dâmaso e os Castro Gomes se dirigiam para lá.
Comentário
Grande parte deste capítulo (quase toda a primeira parte) é dedicada a dissecar o carácter de Dâmaso e dá-
nos um dos mais impiedosos retratos saídos da pena de Eça. Ao contrário do que acontece com quase todas as
outras personagens, cujo carácter vai emergindo da ação, o autor não quis deixar de, logo de início, dar do
Dâmaso um retrato completo, receando talvez que o desenvolvimento ulterior o não retratasse com o asco
desejável. Quanto ao mais, o capítulo faz adivinhar um futuro romance de Carlos com a Gouvarinho. Mas
toda a circunstância deixa antever que, a haver romance, ele não passará de um devaneio. A sorte de Carlos, o
autor vai deixando cada vez mais claro que se encontra ligada à da mulher do Hotel Central — e ainda se não
conheceram.

Capítulo VIII
(Este capítulo demora 2 dias) Viagem a Sintra; instalam-se no Nunes. Apanham o Eusebiozinho com duas
espanholas. A Concha faz uma cena quando o Eusebiozinho afirma que “ambas as meninas pertenciam ao
amigo Palma Cavalão” (p.228). Na manhã seguinte, partem em direcção a Seteais detendo-se, porém, em
frente ao Lawrence (hotel frequentado pela elite lisboeta). Pausa de reflexão idílica sobre Sintra. Encontram
Alencar (p.234). Na volta, passam pelo Lawrence, vão até o Nunes, e Carlos descobre que Dâmaso e os Castro
Gomes já tinham saído no dia anterior para Mafra. Pensa disparates românticos sobre a Castro Gomes (p.245).
Jantam no Lawrence, um bacalhau preparado pelo Alencar. Partem de Sintra. Cruges, a meio do caminho,
lembra-se de que se tinha esquecido das queijadas que a mãe lhe tinha pedido.
Comentário
Quase se diria que este capítulo é apenas um pretexto para celebrar as belezas de Sintra — o que Eça faz
magistralmente, revelando-se um magnífico pintor da palavra — e para indicar o papel que a histórica vila
tinha para a burguesia lisboeta do século XIX. Sintra era o cenário de fugas campestres ao cosmopolitismo de
Lisboa, de aventuras da alta roda e de esquálidas escapadas com meretrizes alugadas ao dia. É num episódio
destes que se dão mais umas pinceladas no retrato do Eusebiozinho, cuja mesquinhez ainda funciona aqui
como contraponto do cavalheirismo de Carlos. Outra personagem, o Palma, aparece, entretanto, em cena — e
o que o desvairado Alencar diz a seu respeito não é tranquilizador.
De notar que Eça tem, neste capítulo, algumas das suas boutades de maior verve satírica. Um bom exemplo
está no episódio de Alencar apertando o atilho das ceroulas em Seteais...

Capítulo IX
(1 dia) Já no Ramalhete, no final da semana, Carlos recebe uma carta a convidá-lo para jantar, no Sábado
seguinte, nos Gouvarinhos; entretanto, chega Ega, preocupado em arranjar uma espada conveniente para o
fato que leva nessa noite ao baile dos Cohen. Dâmaso também aparece de repente, pedindo a Carlos para ver
um doente "daquela gente brasileira", os Castro Gomes. É a menina, visto que os pais haviam partido essa

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manhã para Queluz. Chega ao Hotel, mas a pequena, chamada Rosicler, não teve mais que um mal-estar
passageiro. Carlos dá uma receita a Miss Sara, a governanta.
10 horas da noite: ao preparar-se para o baile, aparece o Mefistófeles Ega a Carlos, dizendo que o Cohen o
expulsara (ao que parece, descobrira as cartas de Raquel e Ega). Vão a casa do Craft pedir conselho sobre o
"provável" duelo. Ceiam.
No dia seguinte, nada acontece, exceto a vinda da criada de Raquel Cohen, anunciando que ela levara uma
coça e que partiam para Inglaterra. Ega dorme nessa noite no Ramalhete.
Na semana seguinte, só se ouve falar do Ega e do mau carácter que ele é. "Todos lhe caem em cima"
(p.289). Carlos vai progressivamente ficando íntimo dos Gouvarinhos. Visita a Gouvarinho e dá-lhe um beijo
(p.297), mesmo antes da chegada do conde Gouvarinho.
Comentário
O presente capítulo é marcado por três eventos principais, a saber:

— o contacto de Carlos com a família Castro Gomes;


—o termo abrupto do romance do Ega com a mulher do Cohen (o banqueiro);
—o início do romance de Carlos com a condessa de Gouvarinho.
Compreende-se a importância do primeiro para o desenrolar da ação. Num curioso efeito de suspense, Eça
vai preparando paulatinamente o encontro das duas personagens: Carlos e a mulher fatal. O episódio em que
Ega é corrido pelo Cohen e tudo o que se lhe segue oferecem a Eça a oportunidade de exercitar com
inigualável mestria o seu humor — humor fresco e natural que parece resultar das situações muito mais que da
veia sarcástica do autor. E, neste aspeto, uma das mais conseguidas passagens de Eça de Queirós.
O romance com a Gouvarinho já se vinha adivinhando, e sabemos de antemão que não vai ser nada de sério.
Dá, no entanto, a Eça a oportunidade de abordar mais uma vez o mundo da classe política.

Capítulo X
Passam-se três semanas. Carlos sai de um coupé, onde acabara de estar com a Gouvarinho. Nota-se que já
estava farto dessas três semanas e que se quer ver livre da Gouvarinho. Encontra o marquês pela rua,
constipado. Fugazmente, vê Rosicler acenando de um coupé adiante do Grémio. Combina com o Dâmaso, no
Ramalhete, levar os Castro Gomes a ver o bricabraque do Craft, nos Olivais. Não se concretiza a ideia. Chega
o(s) dia(s) das corridas de cavalos. Confusão à porta do hipódromo. Descrição do ambiente dentro do
hipódromo (pp.314-320). Confusão com um dos jóqueis que perdera uma corrida. Briga e rebuliço. Encontra a
Gouvarinho, que lhe propõe ir até o Porto (seu pai estava mal), poderiam encontrar-se em Santarém, e daí
cada um seguia para o seu lado. Carlos começa a ruminar no absurdo de toda aquela ideia. Fazem-se apostas.
Todos apostam contra Vladimiro, cavalo em que Carlos tinha apostado. Vladimiro vence e Carlos ganha 12
libras, facto muito comentado. Encontra Dâmaso, que o informa que o Castro Gomes afinal tinha ido para o
Brasil e deixara a mulher só por uns três meses. Carlos devaneia. Discute com a Gouvarinho, mas acaba por
aceder ao desejo do encontro em Santarém. Sempre pensando na mulher de Castro Gomes, vem a Lisboa, com
o pretexto de visitar o Cruges (o Vitorino), agora que sabe que ela mora no mesmo prédio, à R. de S.
Francisco. O Cruges não está; Carlos vai para o Ramalhete. Tem uma carta da Castro Gomes pedindo-lhe que
a visite, por ter "uma pessoa de família, que se achava incomodada". Carlos fica numa agitação (de
contentamento).
Comentário
As corridas de cavalos, a sua descrição, ocupam a parte de leão neste capítulo, e merecem uma referência
especial. Na trama da ação, entramos na intimidade de aventura adulterina de Carlos, em que é bem patente a
entrega apaixonada da mulher, contraposta ao diletantismo desprendido do protagonista, para quem a relação
com a Gouvarinho se destinava apenas a pôr um luxo mais na sua vida. Paixão, nutre-a Carlos pela Castro
Gomes, e busca todos os meios para conseguir uma aproximação, incluindo a infantil visita a casa do Cruges,
depois de saber que, debaixo daquelas telhas, vivia a mulher que amava. Infantil é também a sua reação de

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alegria ao bilhete que o espera, quando regressa a casa - só porque vinha dela. Eça sabia que o amor nunca é
razoável. Note-se, porém, que, aplicando, como aplica, a verve do seu sarcasmo a quase tudo, nem ao leve
belisca as manifestações de amor, por mais absurdas.
Dissemos que as corridas de cavalos merecem referência especial. De facto, elas adiantam muito pouco para
o desenvolvimento da ação: apenas a proposta da Gouvarinho quanto à noite em Santarém, e a informação do
Dâmaso quanto à viagem de Castro Gomes. Fica-se, assim, com a impressão de que Eça as incluiu no
romance para ditar sobre elas o veredicto da sua ironia — como o cap. VIII nos pareceu talhado para celebrar
as belezas de Sintra. E o retrato das corridas é tão impiedoso, como foi lisonjeiro o das belezas naturais de
Sintra.

Capítulo XI
Carlos vai visitar a Castro Gomes, Maria Eduarda. É a governanta, Miss Sara, que está doente. Descrição de
Maria Eduarda (p.348). Examina Miss Sara. Falando com Maria Eduarda, descobre que é portuguesa, não
brasileira. "Até amanhã!" é agora no que Carlos só pensa; um recado da Gouvarinho indispõe-no. Começa a
"odiá-la". Por sorte, o Gouvarinho decidiu à última da hora ir com a mulher para o Porto, o que convém muito
a Carlos, assim como a morte de um tio de Dâmaso em Penafiel, deixando-lhes os "entraves" fora de Lisboa.
Nas semanas seguintes, Carlos vai-se familiarizando com Maria Eduarda, graças à doença de Miss Sara.
Falam ambos das suas vidas e dos seus conhecidos. Dâmaso volta de Penafiel; visita Maria Eduarda.
"Niniche", aninhada no colo de Carlos, rosna e ladra quando Dâmaso lhe tenta fazer festas. "Desconfianças"
de Dâmaso. Sabe-se que, por coincidência, os Cohens voltaram de Inglaterra e que Ega está para chegar de
Celorico.
Comentário
Se Eça tivesse dividido em partes o seu romance, este capítulo encerraria seguramente uma delas. De facto,
ele culmina todo um longo processo em que, a pouco e pouco, os acontecimentos se vão conjugando para
aquilo que, mais tarde ou mais cedo, fatalmente tinha de acontecer: o encontro de Carlos com «aquela
mulher».
O capítulo não é particularmente rico de ação: dir-se-ia mesmo que tudo para para não distrair o leitor do
grande acontecimento que é o encontro das personagens.
Para além de pormenores elucidativos sobre o Dâmaso e a sua família (o negro do seu retrato vai-se
adensando ainda mais), há duas indicações de pormenor que o romancista dá en passant: a similitude dos
nomes (Carlos Eduardo e Maria Eduarda) — e note-se que, da irmã de Carlos (supostamente falecida) nunca
se disse o nome, enquanto que o dele foi, desde que nasceu, quase alardeado; e certas semelhanças que,
embevecidamente, Carlos encontra entre o carácter de Maria Eduarda e o do avô, Afonso da Maia.

Capítulo XII
O Ega chega e pede "asilo" no Ramalhete. Informa Carlos de que viera com a Gouvarinho, e de que o conde
os convidara para jantar na 2ª feira seguinte.
(2ª feira) Nesse jantar, a Gouvarinho está aborrecida com o rumo do relacionamento. O clima suaviza-se
durante o jantar, devido aos ditos irreverentes do Ega. A pretexto de um mal-estar de Charlie, a Gouvarinho
beija Carlos nos aposentos interiores. Carlos e Ega são os últimos a sair.
(3ª feira) Depois de ter sido "retido" pela Gouvarinho na casa da tia, Carlos chega atrasado à casa de Maria
Eduarda. No meio da conversa, Domingos anuncia Dâmaso; Maria Eduarda recusa-se a recebê-lo. Fala a
Carlos sobre uma possível mudança de casa (Carlos pensa logo na casa do Craft). Carlos deixa escapar que a
"adora" depois de uma troca de olhares. Beijam-se.
(4ª feira) Carlos conclui o negócio da casa com o Craft. Maria Eduarda fica um pouco renitente com a pressa
de tudo, mas acaba por concordar, com um novo beijo.
Ega, depois de se mostrar insultado pelo segredo que Carlos faz de tudo, vem a saber que Carlos está a ter
mais do que uma aventura com Maria Eduarda.

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Comentário
Estamos perante um capítulo rico nos dois aspetos do desenvolvimento da ação como do tratamento dos
elementos envolventes.
Naquele, domina, evidentemente, o salto qualitativo que se dá na relação entre Carlos e Maria Eduarda, de
tal monta que é, nas palavras de Eça, «como se tivesse feito uma grande alteração no Universo». Mas há
também a intromissão de Dâmaso, cuja mesquinhez não pressagia nada de bom. E há um plano de vida de
Carlos, que se supõe estável ao lado de Maria Eduarda, mas que, atenção!, não contempla qualquer aspeto de
realização profissional...
Quanto ao outro aspeto evocado, são particularmente dignas de nota:
— a apologia que o Ega faz do naturalismo (com a subjacente incongruência de não admitir como vício o
que ele e os seus amigos faziam):
—a vacuidade destas existências que de todos os males atribuem a culpa ao país — e a quem Afonso da
Maia lança o repto de fazerem alguma coisa;
— a atitude puramente romântica (e incongruentemente romântica) de Carlos face a Maria Eduarda;
— o aparecimento (e a crítica) de uma nova casta — a do burocrata, do funcionário público, na pessoa de
Sousa Neto, tão presumido e cretino como todos os outros.
Será interessante comparar o jantar em casa dos Gouvarinhos com aquele que Ega ofereceu ao Cohen no
Hotel Central. Como será bom verificar quanto Eça quis pôr em contraste os caracteres de Maria Eduarda e da
condessa de Gouvarinho, comparando a descrição que fez da casa daquela no capítulo ante rior, com a que faz
da desta no presente.

Capítulo XIII
(6ª feira) Ega informa Carlos de que Dâmaso anda a difamá-lo e a Maria Eduarda. Carlos faz os preparativos
para a mudança de Maria Eduarda para os Olivais. Encontra Alencar, que refere a crescente antipatia de
Dâmaso por Carlos. Aparece Ega. Cumprimentam-se. Do outro lado da rua, aparecem o Gouvarinho, o Cohen
e Dâmaso. Carlos atravessa a rua; ameaça Dâmaso.
(Sábado) Maria Eduarda visita a sua nova casa nos Olivais. Descrição da casa. Têm a sua primeira relação
sexual (p.438).
(Domingo) Aniversário de Afonso da Maia. Tagarelice do marquês: Dâmaso estava a namorar a Cohen.
Aparece Baptista a informar de que está uma senhora dentro de uma carruagem que quer falar com Carlos. Era
a Gouvarinho. Ela tenta seduzir Carlos mas, ao lembrar-se da imagem de Maria Eduarda, Carlos recua.
Discutem. Carlos sai. Terminou tudo.
Comentário
Do ponto de vista da ação, o capítulo tem três partes capitais:
— o confronto entre Carlos e Dâmaso na sequência da maledicência deste quanto ao ro-
mance daquele;
— a passagem ao amor carnal da relação de Carlos com Maria Eduarda, relação que até aí
se mantivera no domínio do puramente platónico;
— o rompimento com a Gouvarinho em circunstâncias que dão bem a medida da paixão da
mulher e denunciam ao mesmo tempo a cobardia de Carlos.

À margem, o episódio de Teles da Gama, enviado por Dâmaso para saber se Carlos, ao ameaçar arrancar-lhe
as orelhas, tinha ou não intenção de o ofender, é uma pequena maravilha de sarcasmo — e uma pincelada
mais, e bem cruel, no sombrio retrato do carácter de Dâmaso.
De notar a minuciosa descrição que Eça faz da casa dos Olivais. E atente-se, como um presságio de
desgraça, na cabeça degolada de S. João Baptista que, desde o princípio, tanto apavora Maria Eduarda.

Capítulo XIV

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O avô parte para Sta. Olávia. Maria Eduarda instala-se nos Olivais. Ega parte para Sintra por alguns dias.
Carlos, só, vai passear depois do jantar. Encontra Taveira no Grémio, que o adverte contra Dâmaso. Taveira
arrasta-o até o Price, mas Carlos pouco se demora. Ao sair, encontra Alencar e o Guimarães, tio do Dâmaso.
Sabe-se que Carlos e Maria Eduarda pretendem fugir até Outubro para Itália, mas Carlos pensa no desgosto
que dará ao avô. A sua felicidade, por fim, supera o avô nos seus raciocínios. Descrevem-se as idas de Carlos
aos Olivais: os encontros com Maria Eduarda e as relações que tinham no quiosque japonês (p.456). Isto não é
o suficiente: eles querem passar as noites também. A primeira noite é descrita na p.459. Carlos descobre uma
outra casa perto da dos Olivais, que servirá para esperar pelos encontros noturnos dele e de Maria Eduarda.
Numa dessas noites, descobre Miss Sara a fazer sexo, no jardim da casa, com o que lhe parece ser um
jornaleiro. Sente vontade de contar tudo a Maria Eduarda mas, à medida que pensa no caso, compara-o com a
furtividade do seu. Decide não dizer nada.
Chega Setembro. Craft, regressado de Sta. Olávia para o Hotel Central, diz a Carlos que lhe pareceu estar o
avô desgostoso por Carlos não ter aparecido por lá. Carlos diz a Maria Eduarda que vai visitar o avô. Ela
pede-lhe para visitar o Ramalhete, antes. Combinam isso para o dia em que Carlos partirá para Sta. Olávia.
Maria Eduarda visita o Ramalhete mas, misteriosamente, desanima-se; Carlos "conforta-a" (p.470). Maria
Eduarda refere que às vezes Carlos faz-lhe lembrar a sua mãe (p.471); diz que a mãe era da ilha da Madeira
que casara com um austríaco e que tinha tido uma irmãzinha, que morrera em pequena (p.472). Chega Ega.
Traz novas de Sintra. Carlos parte para Sta. Olávia. Regressa uma semana depois. Fala a Ega do plano de
"amolecer" o avô quanto à relação com Maria Eduarda. Susto! Castro Gomes anuncia-se! Mostra uma carta
anónima que lhe havia mandado para o Brasil, dizendo que a sua mulher tinha um amante, Carlos. Revela não
ser marido de Maria Eduarda, que lhe retirava o uso do seu nome, deixando-a apenas como Madame Mac
Gren, seu verdadeiro nome. Carlos fica surpreso. Ruminando pensamentos, entre escrever uma carta de
despedida ou não, Carlos decide confrontar Maria Eduarda, nos Olivais. Ao entrar, sabe por Melanie, a criada,
que o Castro Gomes já lá tinha estado. Maria Eduarda, em choro, pede perdão a Carlos por não lho ter
contado; conta a verdadeira história da sua vida. Depois de uma grande cena de choro, Carlos pede-a em
casamento.
Comentário
O presente capítulo caracteriza-se por um inesperado acelerar do desenvolvimento da ação, que até aqui se
vinha arrastando quase sonolenta. Eça esquece neste capítulo praticamente tudo o que era moldura, e, tomado
de uma verdadeira febre narrativa, condensa nele a instalação de Maria Eduarda nos Olivais, o relacionamento
inicial com Carlos, dois saltos qualitativos nesse relacionamento com as pernoitas deste e o aluguer de uma
casa que as permitisse mais comodamente, a visita de Maria Eduarda ao Ramalhete, o aparecimento de Castro
Gomes, a reação de Carlos e a mudança nessa reação.
Há, por outro lado, o acumular de pequenos sinais de aparência insignificante, mas de que o autor se serve
para fazer adivinhar (ou pressagiar em alguns casos) eventos futuros. Por exemplo, Dâmaso está presente
neste capítulo através das palavras de Taveira e das cartas do Ega; o encontro de Carlos com Mélanie, na
Baixa, explica que realmente Maria vivia das suas joias e não das mesadas de Castro Gomes. No Ramalhete,
Maria Eduarda, à vista do retrato do pai de Carlos, confessa-lhe que, estranhamente, acha Carlos parecido com
a sua própria mãe. No que toca a presságios, recordemos a trovoada que, com a lividez dos seus relâmpagos,
acompanhou a primeira noite que Carlos passou com Maria.

Capítulo XV
Na manhã seguinte, perguntam a Rosa se quer o Carlos como "papá". Aceita. Maria Eduarda conta toda a
sua vida (pp.506-14). Dias depois, ao ir visitar Maria Eduarda com Carlos, Ega diz-lhe pelo caminho que seria
melhor esperar que o avô morresse para então se casar. Carlos acalenta a ideia. Jantam nos Olivais e Ega,
rodeado deste ambiente, diz querer casar e louva tudo o que até aí era contra (p.523). Aos poucos, os amigos
de Carlos (o Cruges, o Ega, o marquês), vão frequentando esses jantares de amizade dados nos Olivais.
Meados de Outubro: estava Afonso com ideias de vir de Sta. Olávia (e Carlos de sair dos Olivais), pois o

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Inverno aproximava-se. Recebe, através do Ega, um n.º da Corneta do Diabo, que o difama em calão "num
caso que tem com uma gaja brasileira". Carlos primeiro pensa em matar quem escreveu mas, reflectindo na
verdade dos escritos, pensa se não será melhor não casar com Maria Eduarda. Volta ao primeiro pensamento,
em matar. Descobre, pelo editor do artigo, o Palma, que tinham sido o Dâmaso e o Eusebiozinho que lho
tinham encomendado. Ega e Carlos vão até o Grémio; encontram o Gouvarinho e Steinbroken. Finalmente,
aparece Cruges, a quem pedem que faça de padrinho num duelo de Carlos. Sabe-se, a meio disto, que o
Governo caíra, pelo Teles da Gama (p.550). Cruges e Ega vão a casa do Dâmaso. Este faz uma cena ao saber
do desafio, mas acaba por escrever uma retractação. Ega escreve-lhe a retractação e ele copia-a. Ega entrega-
a, ao sair, a Carlos. Satisfeito, Carlos devolve-lha, para usar como lhe aprouver. No dia seguinte, Ega remói a
ideia de fazer conhecer a carta do Dâmaso. Chega uma carta anunciando que Afonso voltava ao Ramalhete.
Carlos retorna ao Ramalhete e Maria Eduarda à R. de São Francisco. No dia seguinte, chega Afonso à estação
de Sta. Apolónia. Ao almoço, Carlos e Ega falam do projeto de uma revista. Ega vai ao Ginásio. Vê Cohen e o
Dâmaso. Sai do Ginásio; dirige-se à redacção d'A Tarde e pede ao Neves para publicar a carta do Dâmaso. Há
um ligeiro rumor nos dias seguintes, mas tudo acalma. Dâmaso "vai de férias", para Itália.
Comentário
Este capítulo é, de longe, o mais longo de todo o romance. Para tanto, contribui a narrativa completa da sua
vida que Maria faz a Carlos — e que o desenvolvimento da acção plenamente justifica — mas também a
demora com que o autor distingue a ida do Ega à redacção de A Tarde para conseguir a publicação da carta do
Dâmaso, e que, do estrito ponto de vista da arquitectura do romance, se pode considerar exagerada. Diga-se,
no entanto, que com ela Eça nos introduz nos bastidores onde atuam os actores secundários do grande palco
da política. De facto, depois de nos mostrar um Gouvarinho já sobejamente nosso conhecido, finalmente
alcandorado à posição de ministro, travamos conhecimento com o pequeno político de província a quem a
capital sempre deslumbra. E ficamos a conhecer também alguma coisa do que era o mundo dos jornais:
primeiro pela intromissão do jornal do Palma na vida de Carlos, depois pela intromissão do Ega na redacção
de A Tarde. Note-se, aliás, que é a primeira vez, desde as corridas de cavalos, que o autor se permite um
desvio narrativo do tema central do romance, para voltar a focar aspectos da sociedade portuguesa, do último
quartel do século XIX. Como sempre, o retrato não é lisonjeiro.

Capítulo XVI
Antes do Sarau da Trindade, Ega ouve com Carlos e Maria, uma parte de "Ofélia" ao piano, na casa desta.
Carlos e Maria convencem Ega para fazerem o seu próprio sarau, ali mesmo. Mas lembram-se do Cruges, e
Carlos e Ega acabam por ir ao Sarau da Trindade. Ouvem o discurso de Rufino. Entretanto, no botequim, dá-
se uma conversa entre o Guimarães e Ega, a propósito da carta do sobrinho. Ega volta ao sarau, ouve Cruges
e sai quando o Prata sobe ao estrado. Carlos vê o Eusebiozinho a sair. Vai atrás dele e dá-lhe uns "abanões" e
um pontapé. Voltam ao sarau, onde Alencar já ia declamar. Alencar arrebata a sala com o seu poema,
"Democracia". Ega fica desacompanhado; Carlos, disseram-lhe, já havia saído. O Gouvarinho sai furibundo
por causa do poema do Alencar. À saída, de caminho para o Chiado, Ega é parado por Guimarães, que lhe diz
ter um cofre da mãe de Carlos para entregar à família. No meio da conversa, descobre inconscientemente uma
verdade terrível a Ega: Carlos tem uma irmã; é a Maria Eduarda! (p.615). Guimarães conta a Ega tudo o que
sabe sobre M.ª Monforte (p.617), inclusive a mentira que ela dissera a Maria Eduarda sobre a sua origem de
pai austríaco. Enquanto Guimarães vai buscar o cofre nessa mesma noite, Ega fica a atormentar-se com os
seus pensamentos. Chega ao Ramalhete e deita-se, pensando no incesto como ideia fixa.
Comentário
Eça prossegue o seu trabalho demolidor da crítica da sociedade portuguesa. Neste capítulo — quiçá o mais
denso e dramático no contexto da acção — a maior parte do tempo passa-a ele a descrever com toda a minúcia
um sarau de beneficência, acrescentando mais um quadro à galeria de instantâneos que alinhou em Os Maias
sobre o nosso viver colectivo.
Como se disse, este capítulo alberga o dado – chave de todo o romance: o facto de Maria ser irmã de Carlos.

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É o tema do incesto, que exerceu sobre Eça um fascínio muito especial. Notem-se dois pormenores:
— a revelação, feita embora à margem do Dâmaso, é ocasionada por ele: o Sr. Guimarães só vem à fala com
o Ega por causa da célebre carta do Dâmaso;
— É o Ega que recebe, em primeira mão, a revelação, feita com absoluta inocência pelo Guimarães, do
parentesco de Carlos com Maria Eduarda.
A primeira destas circunstâncias é tristemente irónica: Dâmaso tinha nas mãos, sem o saber, a arma com que
poderia ter aniquilado Carlos na sua paixão. A segunda faz indiscutivelmente do Ega a figura central do
presente capítulo, e confirma-o em posição de privilégio, que já se vem adivinhando de há muito no drama de
Carlos.

Capítulo XVII
Ega não tem coragem de contar a Carlos. Sai, à procura de Vilaça. Come no Café Tavares e volta à R. da
Prata. "Despeja" tudo ao Vilaça. Incumbe-o de contar tudo a Carlos. Abrem a caixa de M.ª Monforte.
Encontram um documento provando que Maria Eduarda é filha de Pedro da Maia. Susto! Carlos está em baixo
à procura do Vilaça! Ega e Vilaça, atarantados, mandam dizer que não está. Combinam que Vilaça irá ao
Ramalhete, às 9 h da noite. Mas Carlos não o atende e adia para o dia seguinte, às 11 horas. Ao saber disso,
Ega sai para cear ao Augusto com o Taveira e duas espanholas. Embebeda-se. Acorda ao lado de Cármen
Filósofa, uma das espanholas, às 9 h da manhã. Chega atrasado ao Ramalhete, às 12 h. Carlos e Vilaça já
estavam "lá dentro". Carlos, insensatamente, não acredita no que lhe contam. Mostra ao avô os papéis da
Monforte. Mas Afonso não os refuta, dando a Carlos uma insegurança de que tudo pode ser verdade. Afonso,
no corredor, diz a Ega que sabe que "essa mulher" é a amante de Carlos. No jantar dessa noite, estão todos
tristes e desesperados. No final do jantar, Carlos escapuliu-se: ia à Rua de São Francisco. Passa pela casa,
desce até o Grémio, toma um conhaque e volta à casa de Maria Eduarda; entra. Tenta inventar uma história,
mas ela, no quarto, já deitada, puxa-o para si e… Carlos não "resiste".
Na festa de anos do marquês, no dia seguinte, Carlos está muito alegre. Ega desconfia. Ega acaba por
descobrir que Carlos continua a "visitar" Maria Eduarda. Na 3ª feira evita Carlos; só aparece no Ramalhete às
9 h da noite para se arranjar para o aniversário de Charlie, o filho do Gouvarinho. Afonso da Maia sabe que
Carlos continua a encontrar-se com Maria Eduarda. Ega decide partir; pensa melhor: desfaz a mala. Baptista
diz-lhe que Carlos parte no dia seguinte para Sta. Olávia. Carlos debate-se com os seus pensamentos: o desejo
e a culpa simultâneos (p.664-65); ao vir de Maria Eduarda, às 4 da manhã, encontra o avô e o seu silêncio
acusador, como um fantasma (p.667-68).
Já era dia, quando dizem a Carlos que o avô estava desmaiado, no jardim; estava morto (supõe-se ser
trombose, visto que tinha um fio de sangue aos cantos da boca). Carlos culpa-se a si mesmo dessa morte, pois
achava que era pelo avô saber tudo que havia morrido. Vilaça toma as providências. Ega escreve um bilhete a
informar Maria Eduarda do facto. Reunião dos amigos da família; recordam Afonso. 1878 (p.681) O enterro é
no dia seguinte, à uma hora. Carlos, depois do enterro, pede a Ega para falar com Maria Eduarda, contar-lhe
tudo e dizer-lhe que parta para Paris, levando 500 libras. Quanto a Carlos, vai para Sta. Olávia, esperar a
trasladação do avô; depois, viajará para espairecer. Convida o Ega para tal. Carlos parte. Ega deixa,
atabalhoadamente, a revelação a Maria Eduarda e diz-lhe que ela deve partir já para Paris. Encontra-se com
ela na estação de Sta. Apolónia, no dia seguinte. Segue no mesmo comboio até o Entroncamento. E nunca
mais a vê.
Comentário
O presente capítulo, em nossa opinião o mais dramático de todo o romance, é indubitavelmente um dos mais
densos de acção. Pode dizer-se que esta atingiu o clímax no capítulo anterior, quando se torna clara a
enormidade da situação vivida entre Carlos e Maria Eduarda. Era a dimensão ontológica do facto — que só
adquire o estatuto de tragédia ao alcançar a dimensão psicológica mediante a tomada de conhecimento pelos
interessados: e essa dá-se neste capítulo.
O romancista equilibrou bem a narrativa, limitando à de Carlos a exteriorização das reacções dos

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protagonistas: o artifício para não se deter nas de Maria Eduarda é engenhoso e feliz. De resto, Maria Eduarda
é quem sai dignificada de todo este transe.

Capítulo XVIII
Passam-se semanas. Sai na "Gazeta Ilustrada" a notícia da partida de Carlos e Ega numa longa viagem. Ano
e meio depois (1879), regressa Ega, trazendo a ideia de escrever um livro, "Jornadas da Ásia"; Carlos ficara
em Paris. (1886) Carlos passa o Natal em Sevilha; de lá, escreve a Ega que vai voltar a Portugal. Chega nesse
ano a Sta. Olávia. (Jan. 1887) Carlos chega a Lisboa e almoça no Hotel Bragança com Ega, que está a ficar
careca; a mãe deste já morrera. Carlos pergunta pela Gouvarinho. Aparece o Alencar. Aparece o Cruges.
Reminiscências desses últimos anos. Ega e Carlos vão visitar o Ramalhete. Antes, descem o Chiado.
Encontram o Dâmaso perto da Livraria Bertrand. Aos poucos, Carlos toma consciência do novo Portugal que
existe agora, anos passados. Passagem de Charlie Gouvarinho (insinuação de que ele é homossexual, p.705).
Passagem do Eusebiozinho (casou-se, diz-se que a mulher “o derreia à pancada”). Às 4 h, tomam uma tipóia
para o Ramalhete. Ali, nota-se que a maior parte das decorações (tapetes, faianças, estátuas) já tinham ou
estavam a ser despachadas para Paris, onde Carlos vivia agora. Também no Ramalhete estavam os móveis
trazidos da Toca. Sabe-se que Maria Eduarda ia casar. Saem do Ramalhete, descem a Rampa de Santos.
Carlos olha para o relógio: 6.15! Está atrasado para o encontro com os amigos no Bragança. É aqui que Carlos
afirma “Ao menos assentámos a teoria definitiva da existência. Com efeito não vale a pena fazer um esforço,
correr com ânsia para coisa alguma ”mas, desata a correr, junto com Ega, pela rampa de Santos e Aterro
abaixo, atrás de um transporte.
Comentário
Estamos claramente no epílogo. Há a salientar
— os últimos retoques na imagem soturna da sociedade portuguesa, em contraste com a beleza da terra;
— o diagnóstico dos males de Portugal: não ter criado um figurino próprio e ter adoptado, exagerando tudo,
os figurinos alheios;
— a confissão do fracasso rotundo de uma geração personificada em Carlos e Ega: «Não sabe a gente para
onde se há-de voltar... E se nos voltamos para nós, ainda pior.»
Note-se, por último, a ironia final de Carlos e Ega, correndo atrás do «americano», enquanto convictamente
proclamam que nada na vida os faria apressar o passo.
Os Maias, Eça de Queirós
http://lithis.net/p.php?id=36
Eça de Queirós, Os Maias, in Apontamentos Europa -América

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