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Neste primeiro capítulo, começa-se por conhecer a Casa do Ramalhete (ou simplesmente o
Ramalhete) enquanto espaço histórico-familiar. É para esta casa, que, durante longo os
anos, permaneceu desabitada, que Os Maias – Afonso da Maia e Carlos da Maia1 - vão viver
a partir do Outono de 1875.
Ainda em analepse é apresentada ao leitor a família Maia: uma família da Beira, sempre
pouco numerosa, sem linhas colaterais, sem parentelas. É também dado a entender que se
trata de uma família de classe alta, de origem fidalga e com um elevado grau de conforto
financeiro.
Vilaça logo se mostrou contra a decisão de Afonso da Maia de vir habitar o Ramalhete,
enumerando uma série de argumentos: necessitava de muitas obras e muitas despesas; não
possuía um jardim o que era bastante contrastante para quem estava habituado a viver nos
arvoredos de Santa Olávia; e a lenda de que eram sempre fatais aos Maias as paredes do
Ramalhete.
Quando o seu pai, Caetano da Maia, absolutista, fiel a D. Miguel, percebeu que Afonso era
liberal, decidiu renegá-lo, expulsando-o de sua casa, o Palacete em Benfica. No entanto, as
lágrimas da sua mulher amoleceram Caetano da Maia tendo este se limitado a exilar Afonso
para a Quinta de Santa Olávia.
Meses depois, cansado da solidão em Santa Olávia, Afonso regressa para pedir ao pai a
bênção (e dinheiro) para ir a Inglaterra. Julgando-o mudado, o pai aceita-o de volta e atende
ao pedido de Afonso.
Nessa primavera, Afonso parte para Inglaterra onde vive durante algum tempo, encantado.
Mas, com a morte súbita do pai, Afonso regressa a Lisboa.
Em Lisboa, Afonso conhece D. Maria Eduarda Runa e, no fim do luto, casa com ela. Desse
casamento resulta um filho, Pedro da Maia.
Entretanto, Afonso não havia esquecido Inglaterra e o país absolutista de D. Miguel dava-
lhe ainda mais vontade de partir. Como resultado de andar a espalhar as suas ideias liberais,
Afonso viu a sua casa em Benfica a ser invadida e revistada pela polícia o que resultou com
que no espaço de 1 semana, Afonso e D. Maria Eduarda Runa partissem para Inglaterra,
em exílio. Meses depois, à morte (de apoplexia) da mãe de Afonso, a tia Fanny junta-se ao
casal em Inglaterra.
Em Inglaterra, Afonso da Maia era feliz, já a sua mulher, D. Maria Eduarda Runa odiava
aquele país desde que lá chegara – odiava o idioma, a religião protestante e o frio. Assim,
em Inglaterra, D. Maria Eduarda Runa vivia triste e com saudade de Portugal – sentia
saudade dos bairros de Lisboa e do sol. O seu único consolo era, à noite, quando ia rezar
com as criadas portuguesas.
Odiando tudo o que era inglês, D. Maria Eduarda Runa não consentiu que o filho fosse
estudar para o colégio inglês, mesmo depois de Afonso da Maia lhe ter provado que era
um colégio católico. Não querendo tal catolicismo que considerava herege, D. Maria
Eduarda Runa mandou vir de Lisboa o padre Vasques para dar uma educação católica
tradicional portuguesa a Pedro da Maia, para grande desgosto de Afonso que não aprovava
aquela educação.
Apesar de não querer contrariar a grande maioria das vontades da sua mulher,
nomeadamente em relação à educação do Pedro, houve uma vontade que Afonso não
acedeu, a de regressar a Benfica, uma vez que, apesar do infante D. Miguel ter sido exilado
e, com isso, o absolutismo ter visto um fim em Portugal, Afonso da Maia já não acreditava
com tanta confiança no liberalismo de D. Pedro.
Entretanto, a tia Fanny morre, em março duma pneumonia, o que agrava a tristeza de D.
Maria Eduarda Runa, que a amava muito por ser uma mulher irlandesa e católica. Para
distrair a mulher levou-a para uma vila perto de Roma, em Itália. Apesar de ser um país
católico e com abundante sol, semelhante a Portugal, D. Maria Eduarda permanecia triste,
pois o que realmente ansiava ver era Lisboa. Foi necessário, então, voltar a casa, em Benfica.
Já em Benfica, Afonso quis mandar Pedro para Coimbra, mas, perante as lágrimas de D.
Maria Eduarda Runa, logo abandona a ideia. Pedro continua a sua vida em Benfica, sendo
sempre protegido pela mãe e pelos criados. Aos 19 anos tem um filho bastardo.
Quando D. Maria Eduarda Runa morre, Pedro, tendo sido a mãe a sua única paixão, o seu
único sentimento vivo, até então, entra num período de profundo luto. Este período de luto
foi marcado por três fases. Mal ocorre a morte de D. Maria Eduarda Runa, Pedro tem crises
de histeria fazendo promessas histéricas e devotas na fé de que a mãe “escapasse” da
morte. Já levado o caixão da mãe, Pedro cai numa angústia soturna, obtusa, sem lágrimas,
assumiu uma postura derrotista deixando-se cair de bruços sobre a cama e, durante muitos
meses, saía todos os dias para ir visitar a sepultura da mamã. Essa dor, por fim, cessou e
deu lugar a um período de vida dissipada e turbulenta em que Pedro afogava as saudades
da mamã em lupanares e botequins3. Numa última fase, Pedro regressa às suas crises de
melancolia nervosa e à ociosidade apenas se dedicando a leituras religiosas.
O luto de Pedro finda com o aparecimento de Maria Monforte, por quem se apaixona. Entra-
se aqui no ponto central da intriga secundária – o romance de Pedro da Maia e Maria
3 Bordéis e bares.
Monforte – indispensável para justificar os acontecimentos que se vão desenrolar na intriga
principal.
Numa tarde, quando estava no Marrare, Pedro vira parar à porta de Mme. Levailant, uma
caleche4 azul onde vinha uma senhora loira, embrulhada num chale de Cashmira – tratava-
se de Maria Monforte. Maria Monforte avista também Pedro e os dois trocam olhares. Pedro
apaixona-se de imediato por aquela mulher que ainda não conhecia.
Surge Alencar, amigo íntimo de Pedro, que logo se mostra disposto a dar-lhe informações
sobre aquela mulher a troco de uma garrafa de Champagne. Conhece-se aqui a história de
Maria Monforte e do pai, Manuel Monforte.
Há uma pequena analepse, recuando-se 2 anos no tempo, pela altura que Pedro perdera a
mãe – altura esta em que Maria e Manuel Monforte chegaram a Lisboa. Nessa altura,
alugaram em Arroios um primeiro andar no palacete dos Vargas. A primeira aparição de
Maria Monforte à sociedade Lisboeta ocorre em S. Carlos, onde Alencar a avistou pela
primeira vez e antes de Pedro da Maia) e onde causa uma impressão deslumbrante sob os
presentes.
Manuel Monforte era dos Açores. Ainda muito jovem, envolveu-se numa violenta luta que
terminou com uma morte o que o obrigou a fugir a bordo dum brigue americano5. Serviu
algum tempo de feitor numa plantação de Virgínia, antes de se tornar comandante do
brigue Nova Linda, levando cargas de negros para o Brasil, para Havana e para Nova
Orleães o que lhe permitiu construir fortuna. Assim, após descobrir esta última informação
acerca de como ficara rico, a sociedade Lisboeta apelidou Manuel Monforte de negreiro.
Já sobre Maria Monforte e as suas origens, Alencar admite nada saber. Dela, apenas sabia
o nome e sabia que, por ser filha do negreiro e derivado da inveja que as outras mulheres
da sociedade lisboeta tinham dos seus loiros cabelos, da sua beleza e das suas jóias, Maria
Monforte havia sido apelidada de “a negreira”.
Maria Monforte havia sido abominavelmente caluniada pela sociedade Lisboeta pelo que,
após passarem o primeiro inverno, os Monfortes desapareceram de Lisboa tendo Manuel
Monforte se instalado um tempo na zona dos Pirenéus para recuperar dos seus
Com a informação de que Melo conhecia os Monforte, Pedro da Maia prontamente deixa o
Marrare e, nessa noite, antes de recolher, deixou-se uma hora a rondar o palacete dos
Vargas (naquele momento desabitado).
Duas semanas depois, Alencar ao entrar em S. Carlos depara-se com Pedro da Maia
instalado no camarote dos Monforte, ao lado de Maria.
Daí não tardou a que Pedro da Maia e Maria Monforte começassem a namorar e o romance
se tornasse público quer pela boca de Alencar e, consequentemente, da sociedade Lisboeta,
quer pelo próprio Pedro que cortejava Maria publicamente.
Pedro namora Maria à maneira antiga: Cortejava-a em frente ao palacete onde esta residia,
passava tardes no café a escrever-lhe demoradas cartas, mandava-lhe grandes ramos das
melhores camélias do jardim e deixava-se logo ir abaixo se alguma das cartas não tivesse
resposta ou alguma rosa oferecida não fora posta nos cabelos (sofrimento pelo amor)
(Marcas do romantismo na relação de Pedro da Maia e Maria Monforte).
Contudo, quando lhe contam também do passado negro associado ao nome dos Monforte,
Afonso da Maia já mostra algum desagrado.
No Inverno, Pedro pede licença ao pai para se casar com a Maria Monforte. Após este
reprovar tal pedido, Pedro impõe-se afirmando que vai casar com Maria Monforte mesmo
contra a vontade de Afonso e decide sair de casa decidido a passar a noite no hotel da
Europa.
Dois dias depois, Vilaça entra em Benfica anunciando que o menino Pedro casara nessa
madrugada e que ia partir com a noiva para a Itália.
Afonso, perante esta informação, pergunta a Vilaça se já almoçou, este diz-lhe que já. Então,
ordena a Teixeira que retire os talheres de Pedro da Maia informando que dali em diante
só haveria um talher à mesa, e convida Vilaça a sentar-se.
Fez-se silêncio, por momentos. Mudam de assunto e nada mais se falou de Pedro da Maia.
1820/1822
“O nome de Ramalhete provinha de certo dum revestimento quadrado de azulejos fazendo painel
no lugar heráldico do Escudo de Armas… representando um grande ramo de girassóis atado por
uma fita…”
Abandonado (sobretudo no exterior) → “… com teias de aranha pelas grades dos postigos
térreos… já desmaiavam as rosas das grinaldas e as faces dos Cupidinhos…pobre quintal inculto,
abandonado às ervas bravas… uma cascatasinha seca, um tanque entulhado e uma estátua de
mármore enegrecendo a um canto na lenta humidade das ramagens silvestres…Este inútil
pardieiro…”
Servia de arrecadação → “… só veio a servir, nos fins de 1870, para lá se arrecadarem as mobílias
e as louças provenientes do palacete de família em Benfica, morada quasi histórica…”
QUEM ERA CONTRA ESTE MODELO DE EDUCAÇÃO? A Afonso da Maia não agradava que
Pedro da Maia recebia da mãe e do Padre Vasques - “… a face de Afonso cobria-se de tristeza…
Afonso, indignado, vinha ao quarto, interrompia a doutrina…”.
CONSEQUÊNCIAS DESTA EDUCAÇÃO: Esta educação vai-se refletir nos traços de caráter de
Pedro.
De aparência, era pequeno, mas de belas feições – “Ficara pequenino… como Maria
Eduarda…a sua linda face oval dum trigueiro cálido, dois olhos maravilhosos e irresistíveis…faziam-
no assemelhar a um belo árabe”. Ainda é mencionado que Pedro herdou as características
físicas dos Runas, opostas à robustez física típica dos Maias – “… tendo pouco da raça, da
força dos Maias… ”.
A única paixão de Pedro era a mãe – “O seu único sentimento vivo, intenso, até aí, fora a paixão
pela mãe.”. Paixão de tal forma obsessiva que quando a mãe morreu, Pedro ficou de rastos.
Apenas recupera do luto quando conhece e se apaixona para Maria Monforte. Há uma
transferência do amor maternal para o amor romântico por Maria Monforte.
Maria Monforte é descrita, quando surge pela primeira vez, como uma senhora loira, de
chapéu preto ornamentado com rosinhas, embrulhada num chale de Cashmira.
A sua descrição sugere uma beleza renascentista: ondulados cabelos de oiro que ondeavam
de leve sobre a testa curta e clássica – “… os cabelos loiros, dum oiro fulvo, ondeavam de leve
sobre a testa curta e clássica…” - olhos claros e luminosos - “… os cabelos loiros, dum oiro fulvo,
ondeavam de leve sobre a testa curta e clássica…” - e a pele branca e delicada - “… fazia-lhe
mais pálida a carnação de mármore…” . É também caracterizada como sendo uma mulher
sensual – “sempre decotada como em noites de gala” - e exuberante - “resplandecente de
jóias”.
É ainda descrita como dotada de uma beleza celestial perfeita que a tornavam objeto de
contemplação espiritual – “pareceu a Pedro nesses instantes alguma coisa de imortal e superior
à terra… auréola que vinha daquela magnífica criatura… com um passo de Deusa...”.
Residência dos Maias – Afonso da Maia e Carlos da Maia – a partir do Outono de 1875.
Para onde Afonso parte quando é exilado pelo pai, Caetano da Maia.
O Palacete de família em Benfica foi habitado por Caetano da Maia e Afonso da Maia; em
posteriormente, por Afonso da Maia e Maria Eduarda Runa (juntamente com o filho Pedro).
Acabou por ser comprada por um comendador brasileiro nos finais de 1870. Ao contrário
da venda da Tojeira, a venda do palacete nunca foi aconselhada pelo procurador dos Maias.
Outra propriedade dos Maias que também foi vendida nos fins de 1870.
País para onde Afonso da Maia parte após exílio em Santa Olávia tendo de regressar
aquando da morte do pai e para o qual volta, mais tarde, desta vez em exílio dos
absolutistas, com D. Maria Eduarda Runa.
País para onde Afonso da Maia levou D. Maria Eduarda Runa para a distrair após a morte
da tia Fanny antes de regressarem a Benfica.
O Marrare era um café, imaginado por Eça de Queirós, muito frequentado na época do
romantismo, em Lisboa.
O Marrare é o café onde Pedro se encontrava quando avistou, pela primeira vez, Maria
Monforte e onde, posteriormente, passou tardes a escrever longas cartas que lhe eram
destinadas.
O Palacete dos Vargas era um palacete, em Arroios, imaginado por Eça de Queirós onde
Maria Monforte e o Papá Monforte residiam.
S. Carlos ou, de forma mais completa, Teatro Nacional de São Carlos é a principal casa de
ópera de Lisboa.
QUEM? Último parente da família Maia, que desde 1830 vivera em Nápoles ocupando-se
da numismática8 e que deixara herança para a família. É apenas referido na história para
explicar de onde vinha parte da fortuna da família Maia.
QUEM? Tia de Afonso da Maia. Apenas mencionada no conflito de Caetano da Maia com
Afonso e após a ida, em exílio, de Afonso para Inglaterra.
QUEM? Filha do Conde de Runa. Casa com Afonso da Maia e com ele tem um filho, Pedro
da Maia.
QUEM? Capelão do Conde de Runa, foi mandado vir de Lisboa, por D. Maria Eduarda Runa,
para ser responsável pela educação de Pedro da Maia.
QUEM? Filho de Afonso da Maia e de D. Maria Eduarda Runa. Cresce em Inglaterra onde a
sua educação fica ao encargo da mãe e do Padre Vasques. Vai com os pais viver para
Benfica, ainda jovem. Em Benfica, no café Marrare conhece Maria Monforte. É uma
personagem marcadamente romântica.
QUEM? Alencar era amigo de Pedro da Maia. É o poeta das Vozes de Aurora. Símbolo do
ultrarromantismo.
“cobrindo-se de tons de ruína…”; “do antigo ramalhete só restava a fachada tristonha”; “uma
harmonia de tons severos”; “veludo cor de musgo de outono”; “tons cinzentos”; “estofos
escalartes e pretos” - A descrição do Ramalhete como um espaço triste de tons severos e
sombrios, com destaque para o preto que simboliza o luto e o vermelho que simboliza o
sangue, constitui um forte indício ao desfecho trágico dos Maias.
“eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete” – Indício do desfecho trágico dos
Maias.
“no vermelho da tarde” – cor vermelha associada ao sangue e, portanto, ao suicídio de Pedro
da Maia.
“descobrira a grande parecença de Pedro com um avô de sua mulher, um Runa, de quem existia
um retrato em Benfica: este homem… enlouquecera – e julgando-se Judas enforcara-se numa
figueira…” – A semelhança de Pedro da Maia aos Runas, em particular ao avô Runa é
considerado um indício do suicídio de Pedro de Maia.
“Cabelos loiros, dum oiro fulvo…” – o tom avermelhado (oiro fulvo) dos cabelos de Maria
Monforte remete para o suicídio de Pedro.
“Era um amor à Romeu, vindo de repente numa troca de olhares fatal… uma dessas paixões que
assaltam uma existência, assolam como um furacão, arrancando a vontade, a razão, os respeitos
humanos e empurrando-os de roldão aos abismos.” – Indício do desfecho trágico de Maria
Monforte em que se estabelece uma relação entre a sua história e a história de Romeu que
também se suicida por amor.