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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D.

Maria

Manuel Severim de Faria


e a sua ida
a Maçãs de D. Maria

Ricardo Charters d’Azevedo

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Ricardo Charters d’Azevedo

Título: MANUEL SEVERIM DE FARIA E A SUA IDA A MAÇÃS DE D. MARIA

Autor: Ricardo Charters d’Azevedo

Arranjo da capa: Gonçalo Fernandes, a partir de concepção do autor

Colecção: Tempos & Vidas - 26

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Revisão e coordenação editorial: Textiverso


Montagem e concepção gráfica: Textiverso
Impressão: Tipografia Artipol

1.ª edição: Janeiro 2015

Edição 1163/15
Depósito Legal: 386852/15
ISBN: 978-989-8812-00-1

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Manuel Severim de Faria


e a sua ida
a Maçãs de D. Maria

Ricardo Charters d’Azevedo

LEIRIA

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Ricardo Charters d’Azevedo

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Uma explicação

Foi-me solicitado pelo Dr. Carlos Craveiro que proferisse uma


palestra no mês de fevereiro de 2015, em Maçãs de D. Maria, sobre
um tema à minha escolha. Maçãs, como se usa dizer entre pessoas
que por esta terra caminham, é-me cara desde que me casei e resolvi
passar férias e fins-de-semana no Casal da Vila (ou antigamente Casal
do Termo), propriedade do ramo paterno da minha mulher. Conse-
quentemente, não poderia recusar o amável convite feito.
Mais complicado foi a escolha do tema, pois deveria ser inte-
ressante para a população maçaense que estivesse disposta a
escutar-me, e por outro lado devia ligar-se aos trabalhos que de há
dez anos a esta parte desenvolvo na área da história e da genealogia.
Trabalhos esses que me levaram a publicar, ou a promover a publi-
cação, de mais de uma boa dúzia de livros.
Como escrevi um texto sobre A Estrada de Rio Maior a Leiria em
1791, publicado pela Textiverso em 2011, onde incluí resumos de
relatórios de viajantes que, nos séculos XVIII e XIX, se deslocaram
entre Leiria e Rio Maior, e um anexo sobre As estalagens e os trans-
portes em tempos idos, pareceu-me adequado procurar alguém que
tenha, em tempos idos, passado por Maçãs de D. Maria e o tenha
relatado. Por outro lado, nos anos 80, o Prof. Doutor Veríssimo Serão,
ao saber que minha mulher era de Maçãs, ofereceu-lhe amavelmente
uma publicação da sua autoria, sobre as jornadas de Manuel Severim
de Faria, indicando que a 3.a era de Évora a Maçãs de D. Maria.
Tendo assim ficado definido o tema da minha conferência, surgiu-
-me a ideia de apresentar igualmente o indivíduo que recebeu em

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sua casa e agasalhou a comitiva do Chantre Manuel Severim de Faria,


o seu cunhado D. Cristóvão Manuel de Vilhena. Por outro lado, não
poderia deixar de fazer uma referência a outra personalidade a quem
foram doadas estas terras por D. Sancho I, D. Maria Plagii, ou D Maria
Pais da Ribeira, a “Ribeirinha”.
Para se fazer uma palestra é necessário prepará-la, e eu gosto
sempre de ter um texto em que me possa basear. É esse texto que
aqui vos apresento, garantindo-vos que o não lerei, mas que me
servirá de guião. Assim, quem me escutar poderá relembrar o que
ouviu.

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Introdução

Manuel Severim de Faria (Lisboa, 1583 ou 1584 – Évora, 1655)


foi um sacerdote católico, historiador, arqueólogo, numismata,
genealogista e escritor. A data de nascimento é controversa entre os
vários biógrafos, uma vez que Frei Cristóvão de Lisboa, seu irmão,
terá nascido no mesmo ano. Apenas Joaquim Palminha Silva (SILVA
2003: 7), no seu ensaio biográfico, avança com a data de nascimento
em 1584. Tendo sido educado e vivido sob a monarquia filipina (1580-
-1640), foi notável figura da Igreja, insigne erudito, tendo deixado
inúmeros textos de carácter religioso e laico. Muitos destes cons-
tituem documentos incontornáveis para o conhecimento da época,
quer pela reflexão política neles contida, quer pelo testemunho direto
que constituem sobre aspetos culturais, políticos e do quotidiano
da vida portuguesa. Exemplos destes documentos são os relatos das
“jornadas”, podendo-se, assim, considerá-lo o primeiro cronista de
viagens português. É também considerado o primeiro jornalista
português.
Neste texto, vamos, de uma forma resumida, apresentar Manuel
Severim de Faria, respigando o que outros autores escreveram sobre
ele, mas iremos principalmente focar-nos na sua deslocação a Maçãs
de D. Maria, que ele aproveitou não só para ver a sua irmã, que aí
vivia, como para passar por locais marianos nos arredores de Maçãs,
mas também pelo da Nazaré. São interessantes as considerações
que ele tece sobre a forma de viver no convento de Alcobaça. Por
último, não podíamos deixar de apresentar duas figuras in-
contornáveis de Maçãs de D. Maria: a “ Ribeirinha” e D. Cristóvão

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Manuel, seu cunhado, que merecem um estudo mais aprofundado


do que aquele que apresentamos.

Infância e juventude

Manuel Severim de Faria terá nascido em 1584 (ou 1583), em


dia desconhecido do mês de fevereiro, na freguesia de Santa Justa
da cidade de Lisboa, sendo batizado a 22 desse mesmo mês. Era
filho de Gaspar Gil Severim, Escrivão da Fazenda e Executor-Mor do
Reino, e de Juliana de Faria, sua segunda mulher. Seus avós paternos
eram António Gil Severim e Catarina Lopes de Sequeira, e seus avós
maternos Duarte Frade de Faria e Maria Severim. Seu avô paterno,
António Gil Severim, era natural de Lisboa, filho de Gil Severim,
igualmente natural de Lisboa e morador na sua quinta de Subserra1,
termo de Alhandra, e neto de Maria Anes Severim; bisneto de Pedro
Severim, natural do bispado de S. Luís dos reinos de França, “fidalgo
muito honrado e do verdadeiro tronco desta geração” (BAENA, 1872:
49). Foi concedida carta de brasão a António Gil Severim e a seus
sucessores, por D. Sebastião, a 24 de maio de 1562 (Chancelaria D.
Sebastião, liv. III, fl. 270):

«Escudo de campo partido em pala; o primeiro de prata


e uma bordadura composta de prata e vermelho, o segundo
de vermelho e duas palas de prata, elmo de prata aberto
guarnecido a ouro, paquife de prata e vermelho, e por tim-
bre um leão de prata faixado com três faixas vermelhas; com
todas as honras e privilégios por descender da geração dos
Severins do reino de França.»

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Hoje propriedade do Município de Alhandra (http://alhandra.net/quinta.html)

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Seu tetravô, Pedro de Severim, esteve entre as tropas de D. João I


na tomada de Ceuta, o qual teria, posteriormente, contraído ma-
trimónio com Constança Pires de Camões, da família do famoso poeta
luso. Pedro (ou Pierre) de Severim foi senhor das vilas do Sardoal,
Punhete e Amêndoa.
Manuel Severim de Faria foi para a cidade de Évora ainda criança.
Frequentou a universidade jesuítica de Évora onde obteve o grau de
bacharel a 6 de março de 1605 (CAPITÃO, 1959: 180), o mestrado
em Artes e o doutoramento em Teologia (1606).
Foi igualmente educado por um tio, Baltasar de Faria Severim,
Cónego e Chantre da Sé de Évora. Tal cargo viria a assumir um carácter
quase hereditário na sua família, uma vez que o próprio Manuel
Severim de Faria sucederia a seu tio, sucedendo-lhe, posteriormente,
um sobrinho, Manuel Faria de Severim, em 1642, e a este Francisco
Severim de Menezes, seu sobrinho (VASCONCELOS, 1922). Manuel
Severim de Faria viveu, assim, grande parte da sua vida sob o reinado
dos Filipes, que terá resignadamente aceitado. Segundo Jorge (2003:
33) esse facto «é importante tanto para a compreensão das suas
ideias e pontos de vista políticos, como para a análise da sua obra e
das preocupações e interesses que o motivaram».
Inicialmente cultivou a Poesia, pois que, com 15 anos, já escreve
versos. Depois, tentou outros campos como a História, a Geografia,
a Sociologia, as Antiguidades. De permeio fazia viagens. Durante a
sua vida prossegue os estudos e investigação em Teologia, História,
Política, Geografia e Genealogia. Evidencia um especial interesse pela
Arqueologia, Numismática, Bibliofilia. Encarnando bem o espírito
de antiquário, reúne antiguidades gregas, romanas ou visigóticas,
sejam vasos, estátuas, colunas, moedas ou medalhas (FARIA, 2003:
137), que lhe ofereciam, mas muitas delas compradas. Segundo
Vilhena Barbosa (1811 – 1890), a sua coleção de arqueologia nacional
permitiu que o segundo museu português de que temos notícia fosse

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fundado na cidade de Évora nos começos do séc. XVII (SILVA 2003:


15). O interesse de colecionador pela Numismática está assim
resumido na frase: «por quanto nas imagens das moedas, e suas
inscrições se conserva a memória dos tempos, mais que em nenhum
outro monumento» (FARIA, 2003: 135).
Severim de Faria teve uma das mais famosas e bem apetrechadas
bibliotecas do seu tempo. Tal biblioteca conteria não apenas as
principais obras publicadas na altura, como inúmeros manuscritos
de diversas épocas, incluindo papiros egípcios, entre outras
preciosidades. Reunia também livros e documentos manuscritos,
entre os quais o manuscrito original da Crónica de D. Afonso Hen-
riques, de André de Resende (MACHADO, 1752: 369), obras do In-
fante D. Pedro, filho de D. João I, obras em japonês, do dominicano
espanhol Frei Luís de Granada, papiros do Egipto e livros chineses
com preciosas encadernações de seda com brochos, certamente dos
primeiros textos chineses a chegar à Europa. A livraria assim cons-
tituída, que franqueava a outros eruditos, como D. João Cosme da
Cunha, D. Frei Manuel do Cenáculo, D. João Avelar, D. António Ferreira
de Sousa e Frei Manuel de Oliveira Ferreira, torna-se famosa não
pela quantidade, mas pela qualidade, pois teria quase 400 volumes
(VASCONCELOS, 1914: 6). Era também referenciado como dis-
ponibilizando frequentemente a viajantes, curiosos e amigos tal
espólio para consulta e estudo (SOUSA et alii, 2007).
Após a sua morte, a biblioteca foi incorporada na biblioteca do
Conde do Vimieiro (RIBEIRO, 1914: 73) a quem o ligavam laços de
família, biblioteca que foi uma das mais importantes do séc. XVII e
seria parcialmente consumida com o incêndio subsequente ao
Terramoto de 1755. O gosto de Severim de Faria pelas antiqualhas,
o seu conhecimento vasto e erudição, celebrados tanto por autores
seus contemporâneos, como Gregório de Almeida, Luís dos Anjos,
João Franco Barreto, Frei António Brandão, Frei Francisco Brandão,

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Frei Bernardo de Brito, Jorge Cardoso,


D. Rodrigo da Cunha, Manuel de Ga-
lhegos, António de Macedo, António
de Sousa de Macedo, Francisco Ma-
nuel de Melo, Manuel de Faria e Sou-
sa, entre outros, como por autores
posteriores, conforme abundante-
mente testemunha MACHADO (1752),
eleva-o a ser considerado um dos prin-
cipais eruditos daquela época.
Em 1604 faz ainda, com seu tio
Baltazar Severim de Faria, uma via-
gem a Guadalupe (Espanha) em
peregrinação religiosa, o que lhe dá
tema para escrever a Memória de
Chelas e uma carta a Pedro de Men-
danha Figueiroa, trineto de Pedro de
Sé de Évora como se apresentava
antes dos trabalhos do seculo XVIII
(gravura na História de Portugal, de
Pinheiro Chagas)

Mendanha (1430 – 1491),


alcaide-mor de Barcelos, bem
como o relato dessa jornada.
Seu tio Baltasar renuncia
em Manuel Severim de Faria
o cargo de cónego da Sé de
Évora em 1608, e em 1609
renuncia também, repentina-
mente, ao lugar de chantre da
Filipe I (gravura incluída
Sé de Évora, possivelmente em Portugal Pittoresco)

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porque não quis colocar-se ao serviço de D. Filipe I, que quereria vê-


-lo como seu embaixador em Roma. Baltasar de Faria tornou-se frade
na Cartuxa de Évora, tomando o nome de D. Basílio, da qual tinha
sido um dos fundadores e onde viria mais tarde a ser prior, para
além de ocupar outros cargos, como visitador da sua Ordem. Baltasar
de Faria chegou a fundar vários novos conventos.
Manuel Severim de Faria, então com 25 anos, sucedendo a seu
tio no Cabido da Sé de Évora, adquiriu o direito a receber somas
elevadas, fruto de disposições eclesiásticas que lhe asseguraram
diversas rendas e outros benefícios, o que lhe permite adquirir livros
e antiguidades.
A 16 de dezembro de 1609, esteve em Leiria, quando do re-
torno da sua “jornada” a Miranda do Douro, que relataremos abaixo.
Em 1625 faz uma viagem a Maçãs de D. Maria, cujo relato iremos
seguir (SERRÃO, 1974). Foi nesse ano que Manuel Severim de Faria
coordenou a Noticia de Portugal e suas Conquistas, donde depois
extraiu a obra Noticias de Portugal que, em 2.ª impressão, foi
“acrescentada” pelo P.e D. José de Barbosa (http://purl.pt/698).

O historiador e erudito

Severim de Faria era um curioso e estudioso, interessando-se


pela história nos seus múltiplos aspetos, sendo hoje considerado
um autor de referência para a genealogia da família real, bem como
no âmbito da numismática e da arqueologia. Fruto dos seus contactos
locais e nacionais, constituiu um acervo de considerável dimensão
de peças romanas, nomeadamente moedas. Também tinha inúmeros
exemplares de moedas dos reinos godos e mouros e dos reis de Por-
tugal, sobre as quais escreveu vários estudos, que se tornaram
imprescindíveis e inúmeras vezes citados, nacional e internacional-

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

mente. Ainda na sua vertente de


historiador, efetuou vários estudos
genealógicos sobre os reis de Portu-
gal e várias famílias nobres. Por
exemplo, oferece ao Duque D. Teo-
dósio II a Arvore Genealógica da
Casa de Bragança. Escreveu ainda as
primeiras biografias de Camões,
João de Barros, Diogo do Couto e
outros personagens relevantes do
seu tempo, que encontramos incluí-
dos na sua publicação Discursos
Varios Politicos.
O seu labor intelectual não lhe
permitiu manter-se afastado da po- Notícias de Portugal, Lisboa Ocidental:
lítica, sujeito a sucessivas discórdias Off. de António Isidoro da Fonseca,
1740
e conflitos, mas deu-se conta que,
reinando em Portugal a dinastia filipina, tal implicava tensões, quer
no plano interno, quer por via das intervenções em conflitos euro-
peus com reflexos nas colónias portuguesas.
Espírito aberto e interrogador, consultou arquivos, cartórios e
documentos, e manteve contacto com eruditos, missionários e
viajantes, estando informado e atualizado sem sair de Évora. A cor-
respondência, por exemplo, que trocou com o seu irmão Frei
Cristóvão de Lisboa, franciscano e missionário no Maranhão, cuja
obra manuscrita Historia dos Animaes e Arvores do Maranhão, escrita
entre 1624 e 1627, constitui a primeira descrição da fauna e flora
brasilianas, regista esse contacto indireto com o mundo. As cartas
do irmão trazem-lhe as novidades de uma natureza desconhecida,
mas também sobre outros povos, usos e costumes e como os Portu-
gueses a eles se adaptavam.

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Acompanhando Faria (2003: 222), podemos dizer que Severim


de Faria, em Sobre a Peregrinação, reconhece algumas vantagens
em viajar que descreve de forma concisa: «só por razão de alcançar
as ciências, e artes necessárias ao comum, e particular, se deve sair
da pátria», acrescentando como é inútil ir para longe quando ao pé
da porta se acha o que se procura, em concreto as universidades: «e
que sendo o lugar, em que as letras se professem, perto, se escusava
buscar o apartado, e longe», e mais explicitamente ainda: «pelo que
havendo na Província de cada um escolas, onde com conhecido
louvor se leiam, e ensinem as ciências, não é necessário ir buscá-las
com peregrinação a outras partes». Abre uma exceção para a arte
da guerra, explicitando «por tanto os
que houverem de servir a República
na Milícia, e quiserem alcançar nela
a reputação, devem de a ir exercitar,
e aprender nos exércitos, seguindo-
-os fora da pátria, quando nela os não
houver, ou embarcando-se muitas
vezes nas Galés do mar Mediter-
râneo, e nas Armadas do Oceano, e
Índia Oriental, que são as escolas em
que hoje floresce esta prática»
(FARIA, 2003: 220-221). Vai, con-
tudo, contrapondo a necessidade in-
discutível de conhecer bem o que se
pretende administrar porque «mal se
Gravura de Luís de Camões inserida
pode governar aquilo que não se
em Discursos Varios Politicos conhece» (FARIA, 2003: 222).
Foram três as viagens que
Severim de Faria concretizou e de que nos deixou relatos: em 1604,
com seu tio Baltazar de Faria Severim, vai em peregrinação ao

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Santuário de Guadalupe (Espanha);


em 1609, a Miranda do Douro; e, em
1625, a Maçãs de D. Maria. Delas re-
sultaram relatos muito vivos e infor-
mativos para o conhecimento da
realidade portuguesa, verdadeiros
diários de viagem.
Não só textos sobre viagens nos
deixou Manuel Severim Faria. São
abundantes os seus escritos de que
Machado (1741) dá notícia, cujo re-
pertório foi recentemente atua-
lizado (FARIA, 1999).
Entre os impressos, devem des-
tacar-se os Discursos Varios Politicos,
Luís de Camões (gravura
impressos em Évora em 1624, ou as em Portugal Pittoresco)
Noticias de Portugal, impressas em
Lisboa em 1655. Sobre os Discursos, sete peças no total, incluindo
importantes textos biográficos sobre João de Barros, Luís de Camões
e Diogo do Couto, tem cabimento destacar
(CABRAL), pelo interesse político, «Do
muito que importará para a conservação,
e aumento da Monarquia de Hespanha,
assistir sua Magestade com sua Corte em
Lisboa» (Discurso Primeiro), ao longo do
qual desenvolve argumentação original,
por vezes ingénua, ainda que plausível,
para justificar a mudança da capital de
Madrid para Lisboa alegando «que es-
Gravura de João de Barros
inserida em Discursos Varios tando elRey no sertão, se impossibilita a
Politicos acodir às cousas do mar como a necessi-

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dade o requere», invocando múltiplos argumentos e comparações.


O discurso sobre a língua portuguesa, no qual se enumeram as
suas múltiplas virtudes, ou o discurso sobre o exercício da caça,
repleto de apontamentos sobre o papel deste na educação, ou, ainda,
o discurso sobre a origem das vestes sacerdotais, muito informativo,
constituem textos de estilo direto, envolvente e, nesse sentido,
modernos, apesar de recheados de erudição. Importa sublinhar a
escolha das figuras de primeira plana que biografou, inquestio-
navelmente associadas à história de Portugal autónoma e indepen-
dente no contexto ibérico (FARIA, 203: 204 – 205).
As Noticias de Portugal são um misto de erudição e de análise e
propostas para a resolução de candentes problemas nacionais.
Publicado em 1655, no ano da sua morte, o livro Noticias de Portu-
gal surgiu 21 anos depois da publicação dos Discursos Varios Politi-
cos (http://purl.pt/966).
Recorrendo ao conhecimento da história e revelando erudição,
mas como já acontecera com os Discursos Varios Politicos, a leitura
das Notícias prende desde o princípio. Compostas por oito discursos
e alguns elogios, as Noticias abrangem temas tão diversos quanto a
situação dos meios indispensáveis para sobrevivência de Portugal, a
organização da milícia, a história e origem das famílias nobres, a
numismática, as universidades de Espanha, a propagação do
Evangelho, a causa dos naufrágios da carreira da Índia, ou sobre a
peregrinação, isto é, as viagens, e ainda revisita a lenda fundacional
de Ulisses, para legitimar a independência lusa face ao país vizinho.
Contudo, os textos de ambas as publicações eram similarmente
direcionados à «instrução política das artes, em que hão-de ser
doutrinados os mancebos nobres da República, conforme os
preceitos do filósofo», explicando ainda da razão de ser da distância
temporal das duas publicações referidas e da sua génese:

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

«tendo eu naquele tempo uma obra grande, que intitulava:


Noticia de Portugal, e suas conquistas: já quase em estado
para se poder imprimir (…) com tudo como as cousas daque-
les anos para cá tiveram tão grande mudança, recresceram
tais inconvenientes, que sustive na execução de tal intento.
Porém, entendendo eu, que não seriam de menor serviço
público alguns discursos dos muitos, que nesta obra se
continham sobe diversas matérias, assim políticas, como de
vária lição, me pareceu comunicá-los a todos, e pelo que
participam de seu primeiro original, dar-lhe o título de
Notícias de Portugal.» (Faria, 2003: 5)

Como Maria Luísa Cabral escreve, os textos laicos de Severim de


Faria logram conseguir um equilíbrio total entre a erudição, o carácter
educacional e filosófico e a simples
crónica, o que os torna atraentes e, de
alguma maneira, intemporais. Do ponto
de vista do percurso histórico, Severim
de Faria é um último representante de
um certo espírito renascentista en-
quanto já denota características que
marcarão os anos de setecentos: a
curiosidade comprovada pelos factos,
a partilha do conhecimento com os
outros, a capacidade de ouvir e con-
trapor. Um percurso que se fez sob a
égide dos Filipes, domínio com o qual
aparenta concordar, a fazer fé na pro-
posta que adiantou para a reorganiza-
ção do Império, juízo que, de imediato, Frontispício de Discursos
se pode questionar tendo presente a Varios Politicos

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Ricardo Charters d’Azevedo

forma insofismável como apoiou a subida ao poder de D. João IV,


em 1640 (CABRAL). Assim, a sua intervenção política deu-se natu-
ralmente por via da escrita. Como homem do seu tempo, manifestou-
-se contrário ao perdão geral dado aos cristãos novos, de 1601,
concedido a troco da entrega de elevada quantia de dinheiro à Coroa
pelos judeus de Lisboa, em dois pequenos livros: Razões Para Não
Se Admitirem Sinagogas em Portugal e Relação dos Castigos Que
Tiveram os Reis de Portugal Que Favoreceram os Judeus (SOUSA et
alii, 2007).
Encontrámos ainda na Biblioteca Nacional de Portugal um in-
teressante manuscrito com 84 fólios, de 1601, que esteve na posse
da Ordem dos Frades Menores, Xabreganas, vindo do Convento de
Santa Clara (Évora), com o título Relaçãm varia de diversas questões
tratadas e escriptas por Manuel Severim de Faria conigo e chantre
da Sé da Evora Doutor em Theologia e Artes. Com algumas receitas
varias para o tratamento de enfermedades e endisposiçõens a depois
das comidas escriptas em italiano e dasas pello cozinheiro da coppa
da Prinsseza D. Joanna mãy que foy de el Rey D. Sebastiãm que Deus
aija em gloria eterna (http://purl.pt/14707).
Outro documento manuscrito, Famílias Nobres de Portugal, da
autoria de Manuel Severim de Faria, que foi adquirido à Casa de
Cadaval em setembro de 1977 pela Torre do Tombo, tem as genealogias
de várias famílias em vários volumes. Severins e Farias: notícias de sua
descendência e das famílias com que se aparentam, é outro manuscrito
atribuível a Manuel Severim de Faria, que foi da Casa de Cadaval e
hoje se encontra na Torre do Tombo, e contém numerosos desenhos
heráldicos e de cabeções desenhados à pena e atribuíveis a Gaspar
Severim de Faria. Os títulos genealógicos são relativos a Camões,
Oliveiras, Pinas, Marinhos, Vasconcelos, Farias, Sanches, Fonsecas,
Noronhas e Barradas e tem no total representações de 12 brasões e 6
cabeções (http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4603905).

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

O jornalista

Da sua posição como Chantre, e certamente pela consideração


de terceiros pelo seu saber, Manuel Severim de Faria construiu uma
vasta rede de contactos sociais, fosse entre as famílias relevantes da
sua cidade, fosse entre os missionários de várias congregações e
mesmo da Corte, onde seu meio-irmão Francisco Severim de Faria
havia sucedido a seu pai como Escrivão-mor do Reino (VASCONCELOS,
1922: 8).
Certo é que essa rede de contactos lhe possibilitava aceder a
todo o tipo de informações, receber novas de todas as partes do
mundo, para além de se corresponder, igualmente, com pessoas
deslocadas e viajantes pelos quatro quantos do mundo conhecido,
o que de muito lhe terá valido para os seus escritos, incluindo para a
elaboração das Relações, e para a obtenção da sua valiosa biblioteca.
Por exemplo, nas suas Noticias Importantes dos Anos de 1606,
1607, 1608 Em Que Se Compreendem Varias Coisas Pertencentes à
História de Portugal, Severim de Faria vai dando conta, por vezes
pormenorizadamente, dos principais acontecimentos ocorridos em
Portugal e na Europa (JORGE, 2003: 44). É o início do seu labor
“noticioso” que se veio a consubstanciar em 31 relações escritas entre
1610 e 1640 – História Portuguesa e de Outras Províncias do Ocidente,
Desde o Ano de 1610 Até o de 1640 da Feliz Aclamação d’El-Rei D.
João o IV Escrita em Trinta e Uma Relações –, relatos manuscritos
anuais dos principais eventos. Dessas relações manuscritas extraiu-
-se o conteúdo das duas únicas objeto de publicação sob o título
Relação vniversal do que se svccedeo em Portugal, & mais Prouincias
do Occidente, & Oriente, desdo mes de Março de 625 atê todo
Setembro de 626 (http://purl.pt/25667).
A Relação Universal apareceu em 1626, em Lisboa, e foi
reimpressa em 1627, em Braga. Manuel Severim editou, contudo,

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Ricardo Charters d’Azevedo

um segundo número das suas Relações, compreendendo notícias


do período de Março de 1626 a Agosto de 1627, que foi impresso
em Évora, em 1628. As Relações de Manuel Severim de Faria tinham
a forma de um pequeno opúsculo (formato de quarto, sensivelmente
20 cm x 14 cm), eram impressas em papel de linho e continham
notícias de várias partes do mundo, sendo o primeiro número (32
páginas) mais volumoso que o segundo (18 páginas) (SOUSA, 2008:3).

As jornadas2

Como afirma Serrão (1974), no final do Renascimento, quem se


deslocava em Portugal não escrevia as impressões colhidas, tendo
Severim de Faria sido o primeiro a fazê-lo, pelo que é considerado o
primeiro cronista de viagens que houve em Portugal.
O chantre eborense tinha a consciência da unidade da Nação
como corpo geográfico, religioso, económico-social e cultural
(SERRÃO, 1973: 16). Dar assim a conhecer aos seus leitores e ouvintes
a sua experiência de viajante, era um meio de espalhar a boa doutrina
e de fazer, como ele próprio o confessa, «hua obra agradável a todo
este Reino».
A viagem como meio de recrear o espírito não é coisa que os
portugueses fizessem em finais do século XVI. Viajavam apenas os
que, por razões de caráter social ou profissional, eram obrigados a
deslocar-se e os que, por obrigações religiosas, acorriam aos con-
ventos e santuários para cumprir votos ou exercer o seu múnus espi-
ritual (SERRÃO, 1974: 15). De resto, as deslocações no país eram
difíceis e, por algumas zonas do país, difíceis e perigosas, mesmo
em finais do século XVIII (CHARTERS-D’AZEVEDO, 2011: 41 a 44 e

2
Códice 7642, Biblioteca Nacional de Portugal.

22
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

148 a 151). As suas notas de viajante deveriam vir a aproveitar a


outros, bem como lhe permitiram ter consciência da unidade do
Reino, mesmo em pleno domínio dos Filipes, como avança Serrão
(1974).

Os três itinerários que Severim de Faria percorreu tiveram ob-


jetivos diferentes, mas partiram sempre de Évora e a Évora voltaram:

• o primeiro, em 1604, ao santuário espanhol de Nossa Senhora


de Guadalupe, onde acompanhou o seu tio Baltasar de Faria
Severim para entregar uma peça de prata, por Évora ter sida
poupada a uma epidemia de peste que grassava no País nos
anos de 1598/1599 (SERRÃO, 1974: 23);
• o segundo, de outubro a dezembro de 1609, foi a Miranda do
Douro para, em nome da diocese de Évora, testemunhar ao
novo arcebispo de Évora, D. Diogo de Sousa, Prelado de
Miranda, «os parabéns e a devida obediência», tendo
atravessado a Estremadura, o Ribatejo, a Beira Alta e Trás-os-
-Montes, com regresso por Coimbra, Leiria, Nazaré, Alcobaça
e Lisboa; e
• o terceiro, em agosto e setembro de 1625, de Évora a Maçãs
de D. Maria, para, como veremos, visitar os santuários
marianos da Nazaré, e os de Ansião e de Alvaiázere, voltando
por terras de Santarém a Lisboa. O relato, se bem que notando-
-se que foi ditado, deve-se à escrita de Manuel de Faria
Severim, sobrinho do Chantre, nessa altura com 17 anos, e
que lhe deveria suceder no Chantrado e benefício da Sé de
Évora, notando-se no texto uma maior ligeireza e pobreza de
pormenores quando comparadas com as duas descrições das
jornadas realizadas anteriormente (SERRÃO, 1974: 34).

23
Ricardo Charters d’Azevedo

Gravura mostrando a deslocação em Portugal no séc. XVIII para a qual a organização de


caravanas era comum por questões de defesa (em CHARTERS-D’AZEVEDO, 2011)

A jornada a Maçãs de Dona Maria

Durante a sua segunda jornada, em 1609, passou perto de Maçãs


de D. Maria, pois foi a Ceras e Alvaiázere. A 13 de novembro de 1609,
menciona que de Tomar, donde ele vinha, chegava a Ceras

«há duas legoas de mui ruim caminho, e pedregoso. Ceras


há lugar de quarenta vezinhos que abitaõ a partadamente.
He abundante de azeite, vinho, paõ e fruitas, muitas das quais
cequaõ, e fazem exellentes passas. A igreja he da meza
mestral; iunto a esta Villa estaõ huas grandes minas donde
antiguamente tirauaõ muita prata e ainda há disso sinais.
Aqui fizemos noite.»

24
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

No dia seguinte, sábado, ele relata:

«De Ceras a Aluayazere há duas legoas. Aluayazere he


hua Villa pequena das mesmas qualidades de Ceras. He do
Cõde de Tentugal e o mesmo o Rabasal. De Aluyazere a Ansiaõ
há duas legoas de trabalhosíssimo caminho por ser tudo
rochedo, e pedra viua que nem a pé, ne a cauallo se pode
andar senaõ cõ grande dificuldade. Chamase esta serra de
Ansiam por estar iunto a este lugar. He esta Villa de oitenta e
três vizinhos. A Igreja he de Santa cruz de Coimbra3. Aqui
sesteamos e fizemos noite.»

Temos, no relato da 2.ª jornada, a descrição de como ele viajava


e qual o acompanhamento que levava. Assim, ele era acompanhado
por pajens de libré de

«coria aleonado escuro guarnecido conforme ao costume


com passamanes aleonados claros e os escudeiros da mesma
maneira de pardo com feltros azuis e chapéus da mesma cor

Ansião quando da viagem de Cosme de Médicis por Espanha e Portugal (1668 – 1669),
desenhado por Pier Maria Baldi

3
A Igreja de N. S.ª de Ansião, que fora padroado da Universidade pertencia então ao Mosteiro
de Santa Cruz (SERRÃO, 1974: 97)

25
Ricardo Charters d’Azevedo

do pano com tranças de prata coxins negros com botas


inglesas e luvas de regaço. Os lacaios estavam vestidos de
saragoça com capotes escuros e a mesma guarnição de
aleonado claro. O Chantre ia numa liteira de cadeiras levando
à dextra uma mula de rua com coxim de veludo negro guar-
necido de ouro».

Na sua terceira via-


gem, chegou cedo a Ma-
çãs de D. Maria, a 9 de
agosto de 1625, depois
de ter pernoitado numa
venda nos Cabaços. Se-
verim de Faria tinha par-
tido a 5 de agosto de 1625
de Évora e, passando por
Arraiolos, Pavia, Mon-
targil, Tancos, Tomar,
Ceras, chegou a Maçãs
«onde fomos alegremen-
te recebidos e regalados
com contínuos banque-
tes e diversas iguarias
Interior da Ermida de N. S.ª da Paz em Constantina assim de carnes como de
frutas e pescados» con-
forme o texto escrito pelo sobrinho do Chantre (RODRIGUES, 2006:
4

217, n. 6).

«He esta Vila de 27 vesinhos5 e posta em hum pequeno


4
Códice 7642, BNP, Fundo Geral, fls. 258 a 263.
5
Censo da população de Maçãs de D. Maria no ano de 1600: «Fui ao termo da uila de Maçãs

26
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

monte donde fica muito descuberta aos ventos, que nela naõ
faltaõ. Tem muitas e boas fontes, he bastantemente abun-
dante de fruitas, assi do sedo como do tarde, os edifícios são
pobres, a comenda della posue hoje D. Cristovão Manoel6,
em cuja casa estivemos 3.ª feira que foraõ 12 de Agosto
partimos para Nossa Senhora da Paz, que he hua Igreja7
fabricada de dous anos para qua no termo da Villa de Ansiaõ
no lugar de Constatina, que sera de 50 vesinhos pouco mais
ou menos.
Era esta Igreja antigamente hua pequena ermida, e
porque estava falta de Imagem pediraõ aos d’Ansião lhe desse
esta Senhora, que eles tinhaõ na Samchristia, por ser perceito
do Bispo, que não tevessem
na Igreja imagem vestida.
Comsedeoselhe aos de Cons-
tantina, o pediaõ.
Porem pela muita devo-
ção que os moradores da
Vila tinhaõ a esta Senhora foi
necessário trazerem a Ima- Ermida de N.ª Sr.ª da Paz,
gem de noite por evitar algûa em Constantina

de D. Maria, que he do Marquez da Vila Real, e achei auer no corpo da vilha 39 uisinhos.
Titolo do seu termo: Fonte Galega e Charneca e Casal, Casal, 4 uisinhos. A Ribeira de Alja 15.
As Relvas 4. Val de Taboas e Casal Novo 6 Aldea das Ferrarias 7 Aldea da Nynyebra 12 A Vêda
do Mato e Melgaço 9 Amarelos e Varzea 8. Esta vyla de Maçãs de Dona Maria tem (de termo)
pera a parte de Alvaiazere quatro tiros de besta e para a parte de Fygeiro tem mea Lejoa, e
para a uila do Chão de Conce tem hu quarto de legoa. Parte cõ a vila de Palhaes e cõ termo de
Penela e Alvaiazere e cõ Figueiro e Pousa Flores — Jorge Fernandez o esprevy. Soma ao todo
124 uisinhos.»
6
D. Cristóvão Manuel de Vilhena, comendador de S. Paulo de Maçãs de D. Maria, cunhado
do Chantre, pois era casado em 2.as núpcias com Joana de Faria.
7
Trata-se da ermida da Senhora da Paz, com compromisso de 1623 e confirmação em 1630
por Filipe IV. Resa a lenda que, no local da capela, existia antes uma pequena ermida para

27
Ricardo Charters d’Azevedo

repugnância, que os de Ansião podiaõ fazer se se viraõ


despoiados deste tesouro, dispois de hum anno, que hauia a
Senhora estava nesta hirmida aconteceo, que hum minino
do mesmo lugar sonhou que no milho que o pai tinha se-
meado, nu secco areal lhe dava Nossa Senhora da Paz hua
fonte aonde com fé viva se foi pella menham a cauar com as
maõs no lugar em que sonhava e fez verdadeiro, o que todos
a quem elle contava o sonho tinha por impossível por ser o
lugar em que a fonte saio hum sequíssimo areal e pella
mesma razão incapaz de poder ter agoa dentro de si, quis
mostrar a Senhora com muitos Milagres que era obra sua
por a fama da fonte santa que todos lhe deraõ este nome,
acudiraõ muitos géneros de cegos e aleiiados e todos com se
lavarem com ágoa foraõ saõs, começaraõ todos a fazer esmola
em tanta copia que em menos de hum anno depois do
milagre se fez hua Igreja muito grande na qual mandaraõ
por as mortalhas muitos que estavaõ para morrer, e outros
ia amortalhados, e por intercessaõ desta Senhora forão livres
da morte, em sinal de agradecimento da merce recebida, e
saõ as que saõ ao presente na Igreja 140, fora outras muitas
vendidas, e outras que estão em casa dos moradores. Suc-
cedeo este milagre a onze de Agosto de 1623. Chegamos a
Constantina as 8 horas da menham, enquanto se aparelhou
a missa fomos visitar a fonte que he hum buraco aberto no
areal, e diante tem feito outra pedra, para a qual vem a agoa

onde, em 1622, foi transferida a imagem de Nossa Senhora da Paz (antes pertencente à
igreja matriz de Ansião). Ora, a colocação da imagem em Constantina terá originado uma
séria de acontecimentos milagrosos no local, o que motivou a construção da capela Nossa
Senhora da Paz e colocou a povoação no roteiro dos peregrinos. Pela Portaria n.º 226/2013.
D.R. n.º 72, Série II de 2013-04-12 foi classificada como monumento de interesse público.

28
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

da fonte milagro-
sa. Tornaminos a
Igreja a sestear
aonde ouvimos
supicas de vários
passageiros fei-
tas a mesma Se-
nhora, depois de
passada a calma
que naõ foi este Capela de N.ª Sr.ª dos Covões e Capela da Gruta,
dia pequena nos em Alvaiázere.
pusemos a cami-
nho, que por ser todo de pedra, e cumprido, chegamos de
noite a casa aonde se passou o dia seguinte sê hauer cousa
de novo ao outro que foi quinta feira e trese8 do mesmo mês
partimos em Romaria a Nossa Senhora dos Covoes hua legoa
distante da Comenda, passase o caminho por Alvaiasere villa
do marquez de Ferreira9 de 100 ou mais vesinhos, todos
moradores numa rua que a Vila tem somente. As sete horas
chegamos a ermida da Senhora, que fica situada numa ladeira
entre hum arvoredo ao pé de huns altos rochedos a vista da
mesma Villa de Alvaiasere, he a ermida bem proporcionada,
e a capela mor de azuleijos com retabolo dourado, em meyo
do qual fiqua hum nicho em que a Imagem esta metida, que
he feita de osso do cumprimento de hum gémeo. Apareceo
esta Senhora numa lapa, que detrás da Ermida esta, e só por
tradição se sabe o como foi, e pelo que dizem os mais antigos
8
Rodrigues (2006: 219) aponta na nota n.º 12 que deverá ser 14 de agosto.
9
Deveria ser D. Francisco de Melo, 3.º marquês de Ferreira, e 4.º conde de Tentúgal, cujo
filho, do seu segundo casamento, D. Nuno Álvares Pereira de Melo, foi o 1.º duque de
Cadaval.

29
Ricardo Charters d’Azevedo

de Alvaiasere em cujo termo ela


esta, que também he segundo ou-
viraõ, e foi o caso que hua mossa na-
tural e moradora na mesma Villa
sonhou, que se achava um tesouro
numa cova das muitas que há ao pé
da quele monte (que pella mesma
razaõ lhe chamaõ das couves). Pella
menham obrigada do desejo do
achado se foi onde sonhava, e achou
aquela imagem, e levoua para casa
com o titulo de boneca, e a meteo
numa caxa onde a Senhor se mudou
por duas ou três vezes para a cova
onde fora achada, soubesse isto na
Villa foi a Cova muita gente onde
Capela da Gruta de N.ª Sr.ª
da Memória
outra vez acharaõ a Senhora, e fa-
zendo-lhe esta Ermida a tem ali com
muita veneração. Dizem os mais antigos do lugar, que se
achou no ano de 1480. E segundo ouviraõ também a seus
majores.
Tem a Ermida mais dous altares com os nomes de Santa
Luzia e S. Vicente Imagem que também mostra muita
antiguidade. Faz esta Senhora muitos milagres, e dos que ali
se contaõ são os de huns cativos de Berberia, que enco-
mendando-se a Senhora ella os trouxe a sua Igreja, e eles em
recompensa deixaraõ dependurados das traves da Ermida
os grilhoens.
Na cova em que a Senhora apareceo puzeraõ hua de prata
como titulo de Nossa Senhora da Memória, tem a Ermida
sete alampadas, humas da mesma Ermida, e outras de

30
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

devotos. Nella estivemos todo aquele dia até tarde, que


partimos e chegamos a casa a noite.
A 22 de Agosto, 23 que foraõ sesta e sábado foraõ tam
grandes as calmas que naõ há ninguém que se lembre de
outra semelhante, porque Lisboa se sabe, que naõ hauia
quem se ualesse. De Coimbra, que deraõ a muitas pessoas
muitos acidentes, na terra de Ansiaõ se afogaraõ com calma
quatro pessoas, que por ella vinhaõ caminhando, e entre
estas houve hua mulher, que não se atrevendo passar a diante
tirou o manteo, que pos numa mouta, para a sombra delle
uer se podia repararse das ardentes chamas. Porem era taõ
grande o sol, que espirou sem remedio, queimavaõse muitas
uvas, aruores, excertos, plantas, e naõ houve cousa que esca-
passe succedeo isto a 22 d’Agosto de 1625.
Domingo 30 d’Agosto partimos de Maçans e viemos
descansar a Ceras tendo andado três legoas, aonde detivemos
cousa de três horas, e logo tornamos outra vez a caminhar,
de modo que nos amanheceo iunto da famosa Villa de Tomar,
aonde paramos…»

A Jornada a Leiria, Nazaré e Alcobaça

Transcrevemos o texto das 2.as jornadas de Severim de Faria,


mais uma vez baseado nas transcrições publicadas por Serrão (1974)
e pelas publicadas em vários fascículos da revista Nação Portuguesa,
entre 1933 e 1934. Não tivemos a preocupação de fazer, como
RODRIGUES (2006: 220, nota 34), uma boa revisão paleográfica, pelo
que aconselhamos a consulta direta da obra dele:

31
Ricardo Charters d’Azevedo

«29ª Jornada, 16 de dezembro de 1609


De Pombal a Leiria ha sinquo legoas. He esta cidade de
Leiria edificada sobre as ruinas da antiga Callipo, que teue
iunto á ella seu sitio, hé em hü fermosissimo chaõ regado de
duas Ribeiras, que a atravessaõ mais celebres pelo nome de
Lis, e Lena, taõ decantados nos versos pastoris de seus
naturais que per abundancia de agoas. Porê daõ grande
sogeito na fresqura de suas ribeiras, e mansidaõ das ondas,
para se representar nelles hüa perpetua primauera. Fazem
estes Rios abbundante este terreno de todas as fruitas no
que alcançaõ com sua corrente, porque o mais do territorio
hé coberto de syluestres pinheiros e castanheiros, porê como
a terra he solta, e areenta dase muito melhor o pinho; Dizem
que plantou estes Pinhaes o grande Rey D. Dinis uendo
comodidade na terra para isso, o que foi grande prouidencia
divina, porque sem esta madeira era impossiuel continuarse
a nauegaçaõ da índia e mais conquistas do Reyno, que cõ as
embarcacoêes destas madeiras se fazem, e as mais delias saõ
de hü Pinhal delRey que por esta razaõ mandaõ guardar per
officiaes para isto deputados alê do qual há outro muito
grande do comü da cidade o qual está em lugar mais acco-
modado para se embarcar com a madeira, e he muito melhor
para as embarcações, pelo que fora de consideraçaõ dar EIRey
em iuro a cidade o que este Pinhal lhe rende, e encorporalo
em sua fazenda, a trocalo pelo seu.
Esta madeira he hum dos principaes tratos da terra
porque daqui fazem caixaria e outras muitas peças que se
leuaõ a vender as feiras de todo o Reyno. E por se pasar deste
particular a cidade tem por armas hü Pinhal.
Porê o que faz esta cidade mais nobre que tudo, hé a
fertilidade de Engenhos que cada dia de si lança, principal-

32
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

mente na Poesia, como entre outros foi Pedro Afonso de


Vasconcellos, excellente Poeta latino, e vulgar, cujas obras se
naõ chegaraõ a imprimir, Gaspar dos Reis, e Francisco Roiz
Lobo que cõ as suas Éclogas, Primauera, e Condestable tem
dado mostra de mui vareo e abbüdante ingenho.
Sobeste Rio Lis tem o marques de villa Real hüs Ricos
passos, o qual hé Alcaide mor do Castello, e tem aqui seu
principal assento. A Igreja foi feita Cathedral em tempo d’ElRei
D. Joaõ 3, Pello papa Paulo 3, E se ordenou a renda do que
nella tinhaõ os Padres de S. Cruz e de seis freguesias depois
que no que nella hauia cuios benefícios se conuerteraõ em
coneziàs, e se perfez á o Bispado de Coimbra esta desane-
xaçaõ com lhe daré do de Lisboa Ourem e Porto de Moz.
Rende a Mesa Pontifical oito mil cruzados, e as prebendas
cem mil réis. A fabrica da Igreja he dorica e mui fermosa de
mármore bento, e os paços pontificaes saõ iunto a ella també
de mui boa obra. foi o primeiro Bispo Fr. Bras de Barros frade
Hieronimo de grande exemplo o qual reformou Santa Cruz e
fez hüas constituições per que o Bispado se governa.
Aqui foi o Sõr Chantre agazalhado em casa do Pay de
Antonio Gomes seu Esmoler e o festejou cõ extraordinários
mimos.

30ª Jornada, 17 de dezembro de 1609


Ao outro dia por ser de Guarda foi o Sõr Chantre dizer
missa a Igreja do Augusto e nos partimos logo a Nossa Sra de
Nazaré, no qual caminho gastamos o dia por ser áspero.
Chegamos a noite e nos agazalhamos nas casas que estaõ
para os hospedes defronte da Igreja nobremente edificadas.
Esta noite teue o Sõr Chantre hü grande accidente de feure,
e frio, e encomendandose a Sra amanheceo ao outro dia saõ

33
Ricardo Charters d’Azevedo

pella manhã o que teue por particular merce da Sra. Aqui


mandou dizer o Sõr Chantre missa e nos offerecemos aquella
diuina Imagê que tantos séculos há se conserua na quelle
lugar sempre milagrosa. E porque do lugar e da Sra tem
modernamente tratado o Pe fr. Bernardo de Brito na 2a parte
da Monarchia lusitana naõ ha para repetir aqui sua historia.
Depois de saidos da Igreja fomos ver o sinal das ferraduras
que deixou o Cavalo em que ia D. Fuas Roupinho quando
parou na ponta daquella altissima rocha, a qual hé taõ
perigosa achegada que hé necessário usar dos pés e das maõs
para poder chegar a tocalas. Aqui nos contaraõ que o anno
atras pela festa desta Senhora havendo grande concurso de
gente como he costume chegou hüa molher a ver estas
ferraduras e caindolhe o chapeo da cabeça cõ o vento foi
dando voltas para a ponta da rocha, e ella seguindo o até
que vendose entaõ grande altura subitamente se lhe foi a
vista e cahio daquella immensa altura na Praia em baixo onde
estava infinita gente que vendoa vir pelo ar chamaraõ em
seu socorro cõ grande instancia a Senhora da Nazaré, e foi
ella taõ misericordiosa, que dando a molher na praia, fiquou
taõ segura, e intacta, como antes que caisse cõ o qual caso
fiquaraõ todos admirados e muito mais confirmados na
devoção da imagem santíssima.

31ª Jornada, 18 de dezembro de 1609


De Nossa Senhora a Alcobaça ha duas legoas. Aqui nos
apeamos para ver o Mosteiro que he hü dos sinquo reaes
que ha no Reyno, e o principal de todos eles. Foi edificado
por EIRey D. Affonso Henriques e se gastou 30 annos na obra,
a qual posto que feita em tempo taõ barbaro, vista na policia
de agora se pode ter por admiravel. He a igreja e Casa toda

34
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

de obra gótica, de naves estreitas posto que muito compridas.


O choro hé capacíssimo, e de mui boa envultura, esta na nave
do meio defronte da Capella mor como antiguamente se
costumava. A Capella hé de obra dorica, e assi parese mo-
derna, andasse por detras porque as naves a vaõ cercando.
He todo o edificio marmoreo. Tem grandes e fermosos
claustros, com rios pelo meio em lugar de fonte. O Refeitorio
he de tres naves e capacíssimo. E finalmente todas as cousas
desta Casa saõ grandes e estranhas, até a Cozinha me parece
naõ tem semelhante porque alê da capacidade da casa, lhe
passa pelo meio hü caudaloso Ribeiro com que fiqua limpis-
sima, e se aiudaõ da força da corrente para o movimento
dos instrumentos em que poem a assar, para o que tem
excellentes ingenhos.
Este Convento era o mais rico de toda Hespanha porque
lhe deu EIRey D. Afonso toda a terra que agora chamaõ coutos
de Alcobaça, que provandose muito assi por sua bondade,
como por o privilegio que lhe déraõ de acoitarê os homi-
ziados, veio a tanto crescimento que alem de infinitos lugares
era senhor de 13 Villas em cujas igrejas apresentava curas e
beneficiados, e dava todos os officios e finalmente colhia
infinita renda. O que indo em tanto crescimento fez mal aos
Religiosos porque cõ a riqueza perderaõ a observância e
deraõ occasiaõ de entrar a cobica nos seculares para com
titulo de comendatarios lhe levarê 10.000$ cõ toda a iurdiçaõ
destes lugares.
No que se pode considerar quanto valha a virtude, e quaõ
fraco seja o vicio pois entrando os Religiosos desta Casa nella
taõ pobres que se sustentavaõ cõ trabalhos de suas maõs
exemplo e santidade de vida, alcancavaõ das maõs dos
seculares tam grandes riquezas as quaes lhe tornavaõ a tirar

35
Ricardo Charters d’Azevedo

os mesmos e outros do mundo havendo por seus vicios por


indignos delles.
Porê esta he a tença do inimigo que vendo o pouco que
pode contra os servos de Deos affligindoos cõ misérias, e
pobreza, ordena muitas vezes esta abbastança ou sobjeiçaõ
porque sabe quanto peor he de governar a prosperidade que
no estado adverso. E disto vemos grandes exemplos naõ
somente neste convento, porê em toda a Religião de S. Bento
e S. Bernardo por naõ apontar outros que pelas muitas
riquezas arruinaraõ, pelo que cõ muita razaõ deve de trazer
sempre diante dos olhos todas as Religiões a santa pobreza
pois este foi o fundamento sobre que Christo Senhor nosso
fundou a vida evangelica, e em que quis ser perpetuo
exemplo, encomendando aos que querê ser seus discipulos,
que naõ possuindo nada na terra busque só a elle que cõ sua
providencia de tudo os fará abundantes, porque de todas as
Religiões só aquelle seráfico spirito de S. Francisco se confiou
singularmente desta palavra e lha comprio Deos tambem que
multiplicando a sua familia só em maior numero que todas
as outras iuntas asustenta com perpetua merce sua pro-
videncia, e ainda destes os que maior pobreza professaõ vive
muito mais abbastados. Pelo que deve fazer grande exame
os prelados no Spirito que tem de encherê as casas de rendas,
porque muitas vezes naõ he dinheiro como os effeitos
mostraõ. Mas tornando donde nos desviou o zelo da
conservaçaõ das Religiões, na Igreja deste Convento estaõ
muitos Corpos de Reis e Príncipes deste Reyno em cuias
sepulturas de mármore branco, esculpidas cõ grande
perfeição varias laçarios e ramos10. Sobre a portaria á ilharga
10
À margem: “ Entre as cousas notáveis desta Casa se pode encontrar por hua das principaes
a Livraria naõ tanto pela multidão dos livros, como pela rareza, e antiguidade deles”.

36
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

da Igreja fez o Cardial D. Henrique comendatario della hüs reaes


apposentos em que se agazalhava, e agora fiquaõ para
hospedes. A Villa he de 300 visinhos e hé da jurdiçaõ do Con-
vento, tem Castello. He mui abbundante assi ella como todo o
territorio por causa das muitas ribeiras que por aqui correm
de que se regaõ os pomares que daõ os excelentes peros que
desta Villa tomaõ o nome. Tem tambê iunto asi algüs matos
pardos donde andaõ muitos coelhos e perdizes de que a terra
he mui provida. Daqui a Euora de Alcobaça há 1 legoa he esta
Villa antiga, e os Geographos Gregos e latinos fazem delia
mençaõ com o nome de Eburobeicira, hoje tem poucos mora-
dores, hé do Abbaide Comendatario, a igreja rende 200$000
para a mesa Abbacial e he vigairaria. Aqui fizemos noite.»

De notar neste relato a fortíssima crítica à maneira de viver dos


frades de Alcobaça, e o relato de mais um milagre da Nossa Senhora
da Nazaré. E, sobre Leiria, notar que escreveu Igreja do Augusto,
talvez referindo-se á Igreja de Santo Agostinho, bem como menciona
Pedro Afonso de Vasconcelos 11, Gaspar dos Reis 12 e Francisco
Rodrigues Lobo13, como poetas de Leiria. Refere, naturalmente, o
Pinhal de Leiria, bem como um muito mais cerca desta cidade, o
Pinhal do Rei, que ainda é hoje assim referido. Ficamos igualmente
a saber que o Esmoler de Évora, António Gomes14, era da cidade de

11
Poeta nascido em Leiria, nos meados do século XVI, seguiu estudos de Direito canónico
em Coimbra. Parece (SERRÃO, 1974: 129) que na biblioteca de Severim de Faria existia uma
cópia do manuscrito de “Poesias Várias”. De harmonia rubricarum Iuris Canonicis prima &
secunda Pars foi publicada em Coimbra em 1588 e em Madrid em 1590.
12
Nasceu na segunda metade do século XVI e vivia em 1609. Foi bacharel em Cânones e capelão
da Universidade de Coimbra, dedicando-se à poesia (MACHADO, 1741, T 1: 368 e 369).
13
Ver o bem elaborado estudo de Selma Pousão-Smith, Rodrigues Lobo, os Vila Real e a
estratégia de “Dissimulatio” sobre este poeta leiriense.
14
Escreveu Vida de Santa Isabel. Évora, 1625 (MACHADO, 1741: T1, 288).

37
Ricardo Charters d’Azevedo

Leiria, tendo Severim de Faria sido


“agasalhado” em casa de seu pai.

Últimas obras

Manuel Severim de Faria terá ain-


da contribuído para a primeira pu-
blicação da obra de Fernão Mendes
Pinto, Peregrinação, em virtude de
contactos que tinha com eruditos e
tradutores castelhanos (SILVA, 2003:
35).
Sentindo-se cansado pelos anos
De Gaspar dos Reis, De harmonia
e afetado por várias maleitas, renun- rubricarum Iuris Canonicis prima
ciou em favor do seu sobrinho Ma- & secunda Pars
nuel Faria de Severim, primeiramen-
te como Cónego, em 1633, e posteriormente como chantre, em 1642
(MACHADO, 1966: 369), no dia seguinte a ter terminado o Índex do
Cartório do Cabido da Sé de Évora (JORGE, 2003: 70). Em 1638,
Severim de Faria escreveu as Razões Contra a União Que se Pretenda
Juntar o Reino de Portugal ao de Castela, onde, refletindo sobre uma
problemática que cruzava a sociedade de então, o autor defende,
na linha das suas observações e escritos anteriores, a inviabilidade
dessa hipotética união, em virtude das diferentes características,
costumes, cultura e história dos dois reinos (JORGE, 2003: 56).
Após a Restauração, os escritos de Manuel Severim de Faria
refletem já não tanto aquelas características que lhe eram comuns,
como sejam a profunda e apaixonada reflexão e intervenção nas
grandes questões do seu tempo, mas mais um carácter espiritual,
como o comprovam a finalização, em 1642, da Relação da Vida

38
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Solitária da Serra da Ossa, em 1643, a obra Exercícios de Perfeição e


Doutrina Espiritual Para Extinguir e Adquirir Virtudes, impressa em
Lisboa, e, em 1651, o Prontuario Espiritual. Terá terminado a sua
profícua obra, já na antevisão do seu próprio fim, com um escrito de
carácter autobiográfico: Lembranças Próprias, ou Memórias da Sua
Vida, e Tempo Desde 1609 Até 1655.
Manuel Severim de Faria faleceu em 1655, a 25 de setembro,
segundo Silva (2003: 37), ou a 16 de dezembro, segundo Faria (2002:
300), aos 71 anos de idade, em virtude de uma forte crise de icterícia,
ficando sepultado, por seu desejo expresso, junto a seu tio Baltasar
Faria de Severim, na Cartuxa de Évora. Com a extinção das ordens
religiosas, decretada em 1834, e com a demolição do antigo Convento
de São Domingos de Évora, para a construção no local de uma nova
praça, os cidadãos locais pretenderam preservar a memória de um
outro religioso eborense famoso, André de Resende, organizando-
-se para a transladação dos seus restos mortais para a Sé de Évora
(SOUSA et alii, 2007: 176). Na sequência, foi recordado Manuel
Severim de Faria, e, por forma a sua memória não correr igual risco,
uma vez que a Cartuxa de Évora se encontrava abandonada, a 30 de
julho de 1839 os seus restos mortais, juntamente com os de Baltasar
Faria de Severim, foram transladados para a Sé Catedral de Évora,
onde atualmente se encontra o seu túmulo, cuja tampa, mandada
realizar pelo próprio, tem a seguinte inscrição (SOUSA et alii, 2007:
176):

«Manuel Severim de Faria Chantre e Cónego da Sé de


Évora elegeo para si esta sepultura assim por sua devoção,
como por estar nella o corpo do P. D. Basílio de Faria seu tio,
que falleceo sendo Prior deste Convento a 5 de Abril de
1625.»

39
Ricardo Charters d’Azevedo

Dois aspetos caracterizaram-no: grande e instintiva curiosidade


histórica, que o levava a investigar sobre todos os assuntos, e uma
fé muito profunda, que o levava a praticar a caridade para com os
pobres e se lhe transmitia nos julgamentos que fazia dos homens e
das coisas. Foi um homem comedido e ponderado, que teve um papel
preponderante na sociedade do seu tempo. Moderado na vida, foi-
-o também no estilo que adotou. No século XVII, em plena euforia
dos enfeites e arrebiques do Barroco, Severim cultivou a simplicidade
da linguagem. Para isso contribuiu a sua vida de investigador, de
estudioso, permanentemente imerso em documentos históricos,
arquivos, papéis, que não lhe deixavam tempo para floreados de
escrita, que de resto não praticava.

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

ANEXO I

Pequena memória sobre a descendência de D. Cristóvão Manuel,


comendador de S. Paulo de Maçãs, que se casou em 2.as núpcias
com uma irmã de Manuel Severim de Faria

1 – D. Cristóvão Manoel de Vilhena, comendador de S. Paulo de


Maçãs da Ordem de Cristo, filho de D. Francisco Manoel de Vilhena
e de Beatriz da Silva Menezes, casou-se em primeiras núpcias com
D. Melícia Pessanha, filha de Jorge Pessanha, capitão em Ceuta e
de sua mulher Maria de Goes. Deste casamento tiveram:
2 – Maria de Faria, freira em S. Domingos de Elvas
e de sua segunda mulher, D. Joana de Faria, filha de Gaspar Gil
Severim, Escrivão da Fazenda e Executor-Mor do Reino e de D.
Joana de Faria, irmã de Manuel Severim de Faria, tiveram:
2 – D. Rodrigo Manoel de Vilhena, comendador de S. Paulo de
Maçãs da Ordem de Cristo, que casou com D. Antónia Hen-
riques, s. g.
2 – D. Brites de Menezes, que tomou o apelido de sua avó pa-
terna, nasceu na vila de Maçãs de D. Maria. Na primavera dos
anos desprezou as delicias, com que o mundo lisonjeiro a
convidava fugindo ocultamente para o Convento de Santa Clara
de Évora, em cuja religiosa clausura professou o Seráfico
instituto com inexplicável júbilo de seu coração adotando o
nome de Sor Brites do Espirito Santo. Em tão sagrada escola
aprendeu os documentos da mais alta perfeição sendo con-
tinua nos exercícios da Oração mental e Vocal, e não menos

41
Ricardo Charters d’Azevedo

nas rigorosas persistências com que sujeitava o corpo às leis


do espirito. Foi igualmente caritativa para os próximos, como
constante nas adversidades. Sendo Abadessa fez prudente-
mente observar os preceitos da regra, valendo-se para empresa
tão árdua mais da clemencia de mãe que da severidade de
Prelada. Comentada de maior cópia de virtudes que do largo
número de 90 anos que contava, foi receber o premio delas a
13 de agosto de 1696. Manoel Severim de Faria, Chantre da
Catedral de Évora, possuía na sua biblioteca um manuscrito de
sua sobrinha Sor Brites do Espirito Santo que era um memorial
de algumas religiosas «eminentes em virtude, que florescerão
no Convento de Santa Clara de Évora», onde ela foi Abadessa.
2 – D. Sancho Manoel de Vilhena (1610 – 1677), senhor do
Morgadio de Acaparinha, que foi primeiro conde de Vila Flor
por carta passada em 23 de junho de 1661, do conselho do
Estado e Guerra, Governador das Armas da província do
Alentejo Comendador das Comendas de S. Nicolau de Cabeceira
de Bastos, Santo Adrião de Penafiel, Santa Maria de Mar-
meleiros na Ordem de Cristo, Governador da relação do Porto,
da Torre de Belém, e nomeado Vice-rei do Brasil. Sendo homem
de grandes ações, «seus pais o destinaram á Religião de Malta,
mas deixando esta ilha e o hábito foi servir em Flandres e
Alemanha».
«Depois de tomar conta da herança de seus pais passou a servir
no Brasil. Sendo aclamado D. João IV veio servi-lo na guerra
contra Castela e sendo mestre de campo e depois Governador
das Armas de Penamacor donde muitas vezes partiu em socorro
do Alentejo, principalmente em 1658. Encontrava-se como
governador da Praça de Elvas quando foi sitiada pelo exército
de Castela. Voltou a Governador das Armas da Província da
Beira, indo depois governar o Alentejo. A 8 de julho de 1663

42
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

conseguiu a gloriosa batalha do Ameixial derrotando total-


mente o exército de Castela de D. João da Áustria. Reconquistou
a cidade de Évora, onde entrou triunfante e vitorioso, deixando
um glorioso nome.» Em 1666 nas festas do Rei D. Afonso VI, foi
ele «um dos senhores que foram guias na festa das Canas que
se fez no Terreiro do Paço». Casou 2 vezes, a primeira com D.
Ana de Noronha, filha de Gaspar Faria de Severim, irmão de
Manuel Severim de Faria, do que houve a seguinte sucessão:
3 – D. Cristóvão Manoel (1640 – 1704), 2.º conde de Vila Flor
e senhor de Zibreira, teve de Joana Mascarenhas, que era
casada:
4 – D. Sancho Manoel de Vilhena (c. 1680 – 1749) casou-se
com D. Lourença Francisca de Melo tendo tido numerosa
descendência. Um dos seus filhos vem a casar com uma
das duas filhas do marquês de Pombal, c. g.
4 – D. Fernando Manoel de Vilhena, s. g.
4 – D. António Manoel de Vilhena, s. g.
4 – D. Ana Manoel de Vilhena, freira carmelita descalça no
convento de Santo Alberto.
4 – D. Antónia Manoel de Vilhena, religiosa em Santa Ana
de Lisboa.
3 – Henrique Severim Manoel de Vilhena, que se casou com
D. Isabel de Andrade Henriques, teve:
4 – D. Cristóvão Severim Manoel de Vilhena, que se casou
com D. Isabel Botelho da Silva e posteriormente com D.
Ana Sarmento de Noronha, tendo tido numerosa des-
cendência.
3 – Gaspar Manoel, Chantre d’Évora,
3 – D. Francisco Manoel que foi frade carmelita mas «anulou
a profição e serviu de Com.e G.al de Cavalaria» tendo morri-
do de um tiro ao meio dia de 3 de Setembro de 1702.

43
Ricardo Charters d’Azevedo

3 – D. João Manoel, cavaleiro da Ordem de São João de


Jerusalém.
3 – D. Antonio Manoel de Vilhena, grão-mestre da Ordem de
Malta.
3 – Pedro Manoel, monge cirtense.
3 – D. Maria Ana Manoel de Noronha que se casou com Luís
de Sousa Menezes, 4.º copeiro-mor do Reino, com:
4 – Martim de Sousa Menezes, 3.º conde de Vila Flor que
se casou com Maria Antónia da Silva e posteriormente
com Luísa Maria de Mendoça, com geração com ambas.
4 – Sancho de Sousa de Menezes, que morreu muito novo.
4 – Jorge de Sousa de Menezes, s. g.
4 – Francisco de Sousa Menezes, que foi balio da Ordem
de S. João de Jerusalém.
4 – Ana Maria de Noronha, ou Ana Antónia de Noronha,
que se casa com António Luís Vaz Pinto Coelho Pereira
da Silva e tiveram um filho.
Casou segunda vez com sua sobrinha D. Joana de Vilhena, filha
de sua irmã D. Maria Manoel, casada com D. António Alves da
Cunha, 17.º senhor de Tábua, tendo a seguinte descendência:
3 – D. Manoel Vilhena Manuel, alcaide-mor de Alegrete, e
3 – D. Rodrigo de Vilhena Manoel, que viveu em França «com
valor sem se dar a conhecer».
2 – D. Maria Manoel de Vilhena casada com D. Antonio Alvares
da Cunha com a seguinte sucessão:
3 – D. Joana Manoel, que se casou com D. Sancho Manoel de
Vilhena, 1.º conde de Vila Flor.
3 – D. Isabel Margarida que entrou no Mosteiro de Santa
Cruz em Lisboa, morrendo num combate em Goa.
3 – D. João Lourenço da Cunha, que foi almirante do Estreito
de Ormuz.

44
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

3 – D. Manuel da Cunha, que faleceu com 9 anos.


3 – D. Cristóvão da Cunha, que faleceu com 5 anos.
3 – D. Rodrigo da Cunha, que faleceu com 4 anos.
3 – D. Pedro Álvares da Cunha, 18.º senhor de Tábua, que se
casou com D. Inês Maria de Melo e posteriormente com
D. Maria Teresa de Vilhena ou de Menezes viúva de Sancho
de Melo e Azambuja, com geração de ambas.
3 – D. Luiz da Cunha, que depois de desempenhar muitos e
elevados cargos nomeadamente como diplomata foi
arcediago da Sé de Évora.
3 – D. Clara da Cunha faleceu no ano em que nasceu.
3 – D. Catarina Menezes foi religiosa no Mosteiro de Santos.

45
Ricardo Charters d’Azevedo

ANEXO II

Notícia elaborada por Avelino Ferreira Pedro15,


sobre “A Ribeirinha”

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA

Quando folheávamos a coleção de um jornal de Lisboa, referente


aos meses de abril a junho de 1922, deparamos com este anúncio:
«A Ribeirinha, drama histórico em representação no Eden-Teatro».
A Ribeirinha, não podia ser outra senão D. Maria Pais da Ribeira,
aquela que em tempo de D. Sancho I livremente poisava adentro
dos Paços de Coimbra e mais à vontade após a morte de D. Dulce,
mulher deste monarca.
Temporada tão apetecível teve o seu termo em 1217, o rei a
caminho de Santa Cruz para ser sepultado e ela jornadeando para as
suas terras de Vila do Conde, onde contava desanojar-se, se um
incidente bem desagradável não a atirasse a outras paragens, para o
vizinho reino de Leão. D. Gomes Lourenço Viegas, descendente de
D. Egas Moniz, de há muitos anos vinha sentindo uma louca paixão
pela antiga amante de D. Sancho e, morto este, concebeu logo a ideia
de a possuir, não se importando com o processo a adotar. Faz reunir a
sua gente para pôr mãos à obra e em breve tem organizado o grupo
15
PEDRO, Avelino Ferreira – Maçãs de D. Maria – “A Ribeirinha” – Noticia sobre esta Vila
Estremenha. Lisboa: Imprensa da Almada, 1928. p. 5-24

46
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

que o devia ajudar em semelhante empresa. Iria até ao fim, fosse


como fosse, não contando todavia com a aquiescência daquela por
quem ia jogar a vida, que nem sequer nele pensava, embebida ainda
nos deslumbramentos da luzidia corte, de que acabava de ser teatro
e então mais que nunca tanto a preocupavam, não obstante ser o
que de tudo mais quereria esquecer. O fidalgo D. Lourenço se bem o
premeditou melhor o fez e conseguiu o que desejava.
O autor do drama é o sr. João Correia de Oliveira, que nos infor-
mou não estar ainda impresso este trabalho, o que terá lugar depois
de uma esmerada revisão a que o sujeitou. Que teve um belo êxito,
contando fazê-lo representar pela segunda vez e depois levá-lo até
ao Brasil. Também o dicionário histórico Portugal, quando se refere
a D. Maria Pais da Ribeira, faz esta alusão: «O falecido poeta João de
Lemos escreveu um conto que foi publicado no jornal o Prisma, de
que extraiu um drama em 4 atos que se representou em 1843 em
Coimbra, no Teatro Académico de S. Paulo, sendo desempenhado
pelos estudantes sócios da Nova Academia Dramática.»
Como se tratasse da famosa fidalga que tanto deu que falar nas
cortes de D. Sancho e D. Afonso II de Portugal, D. Afonso IX e D.
Fernando de Leão, também quisemos escrevinhar qualquer coisa a
respeito dela, só por ser a donatária da antiquíssima povoação de
Maçãs que também se chamou Pereiro. Por ser a nossa terra natal,
algumas notas acrescentaremos no fim desta história por as jul-
garmos interessantes e não virem fora de propósito, pois também
respeitam à dama em questão, na qualidade de antiga senhoria do
vasto senhorio de Almofala que abrange Maçãs e mais outras
povoações.

E dito isto, vamos começar:

47
Ricardo Charters d’Azevedo

Um pouco de história

D. Sancho I, que herdara de seu pai um nome glorioso, um vasto


campo para novas conquistas, onde pudesse por repetidas vezes
mostrar ao seu povo as suas qualidades de guerreiro audaz, que já
em criança patenteara e levou a efeito, infelizmente no decorrer do
seu reinado não foi só isto e o seu inimitável método de adminis-
tração que assazmente o preocupa-
ram, de modo a desviá-lo das suas
aventuras amorosas que tantos
escândalos produziram na corte e
em todo o seu reino. É facto que sob
a ação do gume da sua espada, os
mouros tiveram a cada passo de des-
lizar por étapes, quási sempre ines-
peradamente, porque o soberano
português por via de regra atacava
de improviso e pela calada da noite,
D. Sancho I ao som de músicas de variadas es-
(em Portugal Pittoresco)
pécies. Sobremaneira supersticio-
sos, levantavam o vôo desprovidos e amedrontados como se tudo
aquilo fossem aves agoirentas que os quisessem despertar do
profundo sono em que jaziam, ao tempo das investidas e assim dia
a dia iam mudando de lugar empurrados pelos impertinentes
invasores para paragens que não eram as suas. Foi assim que talhou
um novo Portugal que até aqui tão limitado era e tão extenso ficou.
Sustentou rijas lutas a par dos seus companheiros de armas, estran-
geiros e nacionais, avassalando quási todo o Algarve, tomando pouco
airosamente a importante praça de Silves, barbaramente saqueada,
atentando-se contra donzelas indefesas sem que algum dos com-
batentes corasse de vergonha ou manifestando um pequeno assomo

48
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

de revolta. Nenhum! E que os cruza-


dos não tinham lá ido para outra
coisa, apenas na mira do saque.
O rei tudo presenciou e consen-
tiu, mas a insolência foi de tal ordem,
que ele se viu obrigado a pôr termo
violentamente a uma série de cruel-
dades que ameaçavam não terem
fim. Contra estas selvajarias parecia
que os céus já bradavam, pois quási
tudo quanto se tinha conquistado se
Conde D. Henrique
perdia nas próprias mãos do ousado (em Portugal Pittoresco)

conquistador. Eram os moralis-


tas da velha Roma e da antiga
Grécia a clamarem por justiça
para as vilipendiadas, que em
rasgos de dor se desfaziam co-
mo vítimas abandonadas ao
desespero, amaldiçoando em
constantes gemidos as garras
das feras que agora as devora-
vam em seus apetites asquero-
sos e desumanos.
Aventura insensata foi
também aquela da declaração
de guerra a D. Afonso IX de
Leão, quando tanto tinha em
que se entreter adentro das
D. Sancho I ditando ao chanceler Julião a
carta para Inocêncio III (em História de fronteiras que seu pai em oca-
Portugal, de Pinheiro Chagas) siões muito mais perigosas de-

49
Ricardo Charters d’Azevedo

lineara, cuja intensificação e a passos firmes já houvera começado.


Mas, não ficou por aqui o temperamento fogoso do neto do Conde
D. Henrique. Numa época em que todos os reis cristãos reconheciam
o poder temporal do Papa, arma tremenda guerra à Igreja, faz
submeter alguns bispos, legisla para o clero, de que tudo resultou a
incompatibilidade com a Cúria Romana, não estando longe de uma
excomunhão certa, que naqueles tempos representava a maior
desgraça para um país de cristandade. Dir-se-ia que a famosa vitória
do Arganhal aos 14 anos de idade, lhe deu alento demais para
desfazer tronos e abater a suprema autoridade de Inocêncio III.
Alguns prelados tiveram de emigrar clandestinamente, temendo atos
severos do soberano, que por questões de menos importância, já
tinha praticado na pessoa do irmão dum deles. O Papa, aqui
empregou meios suasórios e os bispos voltaram às suas dioceses.
À Santa Sé exigia-lhe o pagamento de uma dívida em atraso e
também um pouco de vergonha em amores ilícitos, advertências
que ele desprezava, imitando alguma coisa a Herodes que achava
lícito desposar a mulher de seu irmão, sacrificando a cabeça de João
Baptista, em obediência a Herodíade. Eis o motivo da contenda que
se vinha arrastando desde D. Afonso Henriques, por algum tempo
esquecida, mas que depois tomou proporções aterradoras.

Uma rainha

Casou D. Sancho I, com vinte e um anos, com D. Dulce de


Berenguer, infanta de Aragão, filha de D. Ramon de Berenguer IV,
conde de Barcelona e de Petronilla, rainha de Aragão, senhora
singularmente formosa, exornada das mais santas virtudes, sendo
esposa dedicada e mãe extremosíssima, em resumo, uma exemplar
rainha.

50
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

D. Sancho I (em Historia de Portugal, D. Dulce (em História de Portugal,


de Pinheiro Chagas) de Pinheiro Chagas)

Alguns cronistas do tempo deram-se ao trabalho de lhe chama-


rem viúva, ao entrar em Portugal, mas a versão não colheu por ser
totalmente indiscreta e talvez inventada de propósito para cimentar
enredos no Paço logo no início da sua ação como sucessora de D.
Mafalda de Saboia. Bondosa em extremo aliava também, como já
dissemos, predicados de beleza com requintes de distinção que lhe
era própria, pois descendia duma nobre família de Aragão.
Ora tudo isto fez sugerir, e o rei deu ouvidos, que a sua fidelidade

51
Ricardo Charters d’Azevedo

no lar conjugal não era de molde a trazer sossegado o espírito do


seu augusto esposo. A cidade de Coimbra foi sempre o enlevo dos
trovadores, dos apaixonados e eremitas do amor; não era para
admirar, pois, que aqui ou ali surgisse um incógnito que muito a
ocultas se deleitasse a contemplar a esbelta figura de D. Dulce de
Berenguer e portanto quem se atrevesse a ajuizar temerariamente
de tão excelsa senhora.
A rainha, graças a Deus, saiu incólume deste pleito e D. Sancho
já planeava o castigo dos que tão levianamente se permitiram
abocanhar a sua real consorte. Pois não tinha ele mandado tirar os
olhos ao parente dum bispo que por algumas vezes se tornara inso-
lente em presença das suas admoestações?
Os negócios do Estado nunca lhe mereceram interesse especial,
sendo toda a sua atenção para encaminhar seus filhos no campo da
honra e do dever, educando-os profundamente na prática da boa e
sã doutrina. Ninguém a pôde desviar deste princípio, que ela
considerava ser o mais perfeito e para aqui convergiam todos os
seus cuidados. Era tudo isto, e depois os seus afazeres domésticos
em que consistia toda a sua vida particular, porque da oficial apenas
compartilhava nos seus espinhos, não faltando à cortesia que lhe
era peculiar, mas quantas vezes por demais enfastiada. Formosa
como era, evitava as confusões nos saraus para não dar pasto aos
que eram pródigos em desajeitadas contumélias, que no parecer de
D. Dulce seriam bem escusadas. Por vezes os poetas mal-afortunados,
adormecidos na fragrância das serenas águas do Mondego, se en-
tretinham fazendo composições e entoar cânticos, mais de propósito
para afastar de si queixas contra as avessas Donas que também
tinham os seus preferidos e de tal modo não correspondiam aos
seus galanteios.
A Coimbra antiga é a de hoje e será a de futuro, menos numa
coisa que valha a verdade pelo seu muito uso, está em riscos de ir

52
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

parar ao ferro velho. Não é preciso declará-la porque à sagacidade


coimbrã nada escapa e por experiência sabe bem o que aquilo foi e
passou a ser.
Os alvissareiros morder-se-iam de raiva pela atitude de D. Dulce
de Berenguer, que lhes tornaria como resposta, antes morrer isenta
de mancha, qual outra Suzana, que servir de espetáculo a dissolutos
cortesãos. Mas a soberana também era discutível, como qualquer
outra mulher, na corte em que era rei o austero D. Sancho e num
Paço Real que todo ele respirava requintada fidalguia da mais fina
nobreza que ornava os primeiros tempos da florescente monarquia?
A paganizada moral daquela época podia-se comparar à dos
nossos tempos e assim já não será muito difícil explicar a razão duma
tal controvérsia. Pelas honras e bons empregos tudo se sacrificava e
principalmente quando vinham do favor real, quási divino, que hoje
se chama vitalício. O negro selvático também rende culto à ociosidade
e para que dela colha o fruto, lança mão de todos os seus expedientes
para que em alguns dias da sua vida, poucos que sejam, se possa
virar e revirar à sombra duma frondosa árvore tão selvagem como o
mostrengo que a ela se abriga. Era assim o viver no tempo em que a
cortesania ambicionava o repouso sem estorvos, ainda que isso muito
pesasse à plebe que a tinha de reconhecer com direitos senhoriais.
O ofício de pensar, dirigir e administrar era exclusivo do rei e por
isso quando a sua voz se levantava é que era vê-los de armadura
bem composta e firmeza no montante, lá iam assaltar um castelo,
sitiar uma praça ou varrer a moirama que arrogantemente pisava
terras que com justa razão só aos fiéis pertenciam. O metier da
fidalguia era este, diploma suficientissimo para palrar com as Donas,
conseguir senhorias com outras benesses, acesso livre nas ante-
câmaras e assim com prestígio bastante para donear, tomando parte
nos folguedos do rei promovidos algumas vezes para distrair a corte
e outras em próprio proveito.

53
Ricardo Charters d’Azevedo

Reparos

D. Sancho I depois da morte de D. Dulce (e há quem diga antes)


teve amantes de quem houve filhos. Admitia-se sem grande espanto
que os reis, príncipes, nobres e fidalgos as tivessem, chegando a
reconhecer publicamente os bastardos, fazendo-os seus herdeiros
legítimos. Dos seus testamentos constam: Maria Arias ou D. Maria
Aires de Fornelos e Maria Plagii, que era D. Maria Pais da Ribeira,
decerto maduramente escolhidas entre as damas da sua corte e
pertenciam à mais alta linhagem da península. Era rei, tinha o direito
de ser favorecido e favorecer. Da Fornelos se enfastiou depressa o
real amante, tendo por conveniente que passasse o seu casamento
com o fidalgo D. Gil Vasques de Soverosa, sem embargos de qualquer
espécie. Paixões e palavras leva-as o vento, mormente no tempo
deste grande senhor. De nobre estirpe era D. Gil, pois descendia do
conde D. Gomes de Sobrado, opulenta família que fora destes reinos,
mas que por razões desconhecidas, sabe-se ter empobrecido.
Não foi infeliz o marido da Arias visto que el-rei tendo-lhe já
feito importantes doações, voltou este a ser rico-homem de Portu-
gal e com assento nos estofos da corte. Houveram filhos e ficando
viúvo auxiliou muito os seus maiores, que ao tempo ainda viviam.
Estes acontecimentos sucediam-se e sucedem-se sem enfado de
maior e o que é mais estranho, as mais das vezes passam desperce-
bidos entre o seu avultado número, que muita gente reprova, mas a
maioria ainda acha pouco. Isto de moral anda com a época e com o
clima e como todas as vocações, também tem o seu estudo próprio,
conforme melhor opinião.
Os bastardos por parte desta dona foram D. Martim Sanches e
D. Urraca Sanches. Tinha muito prestígio mesmo depois do casa-
mento, de que bastante se envaidecia e mais ainda por ter filhos de
Gança, pelo que assazmente a cortejavam, os nobres e o povo, o

54
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

que não agradava ao seu antigo amante que longe do Paço a quereria
ver, pois já estava de posse da Ribeirinha. A Fornelos era filha de D.
Aires Nunes Fornelos e de D. Mor Pires, neta de D. Soeiro Mendes
da Maia, protetor do mosteiro de Santo Tirso de Riba de Ave. De
ornamentos de formosura desta senhora nada há que o ateste,
supondo-se que alguns teria, porque o cognominado Pai da Pátria,
decerto não iria tomar para sua amante uma mulher vulgar em
matéria de beleza.
Quási todos os bastardos de D. Sancho, logo depois da sua morte
migraram para Espanha e outras terras, alistando-se nos seus exér-
citos e por vezes faziam parte de hostes contra Portugal, combatendo
os seus meios-irmãos por motivo de contendas antigas que bastante
prejuízo causaram ao país. Apesar de tudo D. Martim Sanches poupou
a vida a D. Afonso II, mas por outro lado, um dia fez voar a espada
das mãos de D. Gil Vasques de Soverosa, seu padrasto, que fazia
parte do grupo inimigo, capitaneado pelo monarca, deixando-o no
entanto ir em paz.
D. Maria Pais da Ribeira, sucessora da precedente, descendia de
uma família da Póvoa de Lanhoso, couto de Pousadela, parecendo
que seu pai nascera na Lourinhã onde possuía propriedades e no
concelho de Arcos. Os Almeidas desta localidade não seriam seus
ascendentes e talvez descendentes. Seu avô D. Moninho Ozores (ou
D. Monio Osorez de Cabrera) era casado com D. Maria Nunes, da
família fundadora do mosteiro de Grijó. Seu pai, D. Paio Moniz de
Ribeira, era casado com D. Urraca Nunes. Deles nasceu a Plagii e D.
Martim Pais Ribeiro.
Da sua beleza, dizem que sem rival no seu tempo, todos os histo-
riadores fazem menção e é de crer que assim fosse, atenta a condição
de quem a escolheu para sua amante, pondo à margem a Fornelos e
quási que a sua própria esposa. A afeição de D. Sancho I por esta
dama, fez-lhe compor este verso, que lhe entregou, para que o can-

55
Ricardo Charters d’Azevedo

tasse numa longa ausência em que era preciso inspecionar certos


trabalhos em execução na Guarda:

Ay coitada como vivo


En gran cuidado por meu amigo
Que si longada! Muito me tarda
O meu amigo na Guarda!
Ay eu coitada
Como vivo em gram desejo
Por meu amigo que tarda e não vejo!
Muito me tarda
O meu amigo na Guarda

No seu testamento também faz constar que se após a sua morte


ela casasse, perderia o direito a todas as doações feitas, revertendo
tudo em favor de seus filhos à data do casamento. D. Maria Pais da
Ribeira neste particular não cumpriu a real vontade porque efeti-
vamente casou, pelo que de algumas herdades a desapossaram, já o
seu parente Pais Soares, inflamadíssimo, cantava:

No mundo non me sei parelha


Mentre me roy como me vay
Cá já moiro por vos e ay
Mia Senhor branca e vermelha
Queredes que vos retraya
Quando vos eu vi en saya
Mao dia me levantei
Que vos enton non vi fea
E, mia Senhor, des aquel di ay
Me foi a mi muyn mal
E vos, filha de Dõ Paay

56
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Monis e bem vos semelha


Daver eu por vos guar vaya
Pois eu mia senhor, d’alfaya
Nunca vos ouve nem ei
Vali d’ua correa

Conforme as informações dos bispos, a Santa Sé julgou que o


soberano tinha perdido o juízo, não atendendo às suas observações
a respeito da feiticeira que amiudadas vezes consultava, zombando
das ameaças de excomunhão que em repetidas bulas vinham
mencionadas. Por isso já era tido como louco ou então um relapso
para o qual não podia haver misericórdia possível, vistas as graves
faltas que, sem emenda, cada vez mais nelas se mergulhava em
afincada teimosia.
A Ribeirinha, assim lhe chamavam por ser de corpo franzino,
tinha atrativos especiais capazes de trazer estonteados todos os
poetas da corte e só desta maneira se compreende o ciúme que por
ela sentia o seu real amante.

O “Pai da Pátria”

D. Sancho nasceu em Coimbra em 11 de Novembro de 1154 e


faleceu em 27 de Março de 1211. Casou aos 21 anos de idade com D.
Dulce, como já ficou dito. Em 1178 entra na Espanha árabe e o seu
arrojo leva-o até Sevilha, estabelecendo quartel-general em Triana.
Repelindo os mouros, regressa a Portugal, triunfante, carregado de
riquezas arrebatadas aos inimigos. De tamanha audácia, o emir
mussulmano ameaça desforra, invadindo o reino, chegando a cercar
Santarém. Nesta altura uma formidável esquadra aporta a Lisboa,
aguardando a notícia e a chegada do emir, vindo de tomar a dita cidade;

57
Ricardo Charters d’Azevedo

mas D. Sancho defende-a vigorosamente, até que seu pai já muito


alquebrado marcha em seu socorro e o exército invasor sofre total
derrota, ficando o rei mouro muito maltratado, de cujos ferimentos e
pelo desgosto da humilhação vem a morrer em Algeciras.
Em 1185 morre D. Afonso Henriques, sendo D. Sancho aclamado
rei em 6 de Dezembro, contando 31 anos de idade.
Nos primeiros quatro anos do seu reinado a atenção do monarca
é absorvida na preparação de resistência a possíveis cercos por parte
do rei de Leão e do novo emir Iacub.
A Portugal chegam muitos estrangeiros que se dirigiam à Terra
Santa16 e o soberano português a eles também se juntaria se não
concebesse a ideia de preferir antes ir combater mais perto acossan-
do os mouros das terras que entravam no seu plano de conquistas e
quási já contava como suas.
Aproveita o ensejo convidando os cruzados a acompanhá-lo até
ao Algarve, ao que prontamente acederam, na ânsia da pilhagem
que excedeu tudo em selvajarias.
Em 1189 era reduzido a cinzas o castelo de Alvor, tendo a mesma
sorte a importantíssima praça de Silves (Cheíb), que era a principal
povoação. A partilha sôfrega dos despojos entre estrangeiros e
nacionais foi tão injusta que o rei se viu forçado a fazer expulsar do
reino, violentamente, todos aqueles que se excederam em matéria
de atrocidades. De volta desta emprêsa ainda o soberano conquista
mais algumas terras, principalmente no Alentejo.
O emir mussulmano com um forte exército cerca Silves, que não
pôde tomar, entra na Extremadura chegando até próximo de Co-
imbra; mas D. Sancho é inesperadamente socorrido pelos ingleses,
que de antemão tinham visto o perigo que corria, e Iacub não
contando com este revés, retira desordenadamente e ainda com a

16
Tratava-se da 3.ª cruzada.

58
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

fatalidade de ver as suas tro-


pas dizimadas pela doença e
pela fome.
Mais uma vez D. Sancho
teve de se desfazer dos seus
estranhos auxiliares, empre-
gando a força, fazendo pren-
der todos os autores de rou-
bos, ordenando que só lhes
fosse dada liberdade quando
os restituíssem, sendo logo
expulsos, pois já se julgavam
como senhores na casa alheia.
O emir não perdeu o âni-
mo e em 1191, pela segunda
vez, invade o Algarve passando
ao Alentejo, ficando apenas Iacub el Mansur (em História de Portugal,
Évora em poder dos portugue- de Pinheiro Chagas)
ses e como outrora fica servin-
do de fronteira o rio Tejo. D. Sancho conserva-se sempre ao lado dos
reis cristãos, entendendo que só da sua unidade de vistas se con-
seguiria a libertação da Europa, que os mussulmanos teimosamente
queriam avassalar.
E neste interregno que se entrega a valer à povoação das suas
terras, atraindo colonos dos países vizinhos a quem concede largas
licenças; manda construir castelos, auxilia os lavradores e funda
muitas vilas.
Começa aqui a luta com a Espanha e com o clero que só vem a
terminar em tempo de seu filho D. Afonso II.

59
Ricardo Charters d’Azevedo

Resistência passiva

Em 1198 o Papa Inocêncio III quer lançar sobre o soberano e o


seu reino a interdição, o que era considerada a maior desventura
duma nacionalidade; mas o soberano, reconsiderando, entrega o
efeito da contenda ao chanceler Julião, seu braço direito, que,
todavia, atilado como era, também se vê embaraçado perante a rara
energia do Pontífice, tido como um dos maiores vultos do seu tempo.
Convenceu-se então que não chegaria para amedrontar o clero, não
obstante a sua fama de intrépido guerreiro e modelar administrador.
O caso da Cúria Romana era bem outro que não ia a ponta de espadas
nem se deixava cegar com o reluzente das armaduras. Tudo isso viu
D. Sancho I que, como já dissemos, tinha apelado para a diplomacia
do chanceler, dando-lhe plenos poderes para resolver o extraor-
dinário acontecimento, mas foi vencido.
Satisfez-se a dívida em atraso pelo censo anual que D. Afonso
Henriques, pretextando embaraços de ordem financeira, deixara de
pagar e seu filho tinha-lhe seguido o exemplo. A soberania por-
tuguesa sofreu um duro cheque em face do poder temporal da Santa
Sé, e por isso o rei aproveitando o primeiro ensejo, rompe novamente
com Roma e em parte saiu vencedor, relegando possíveis excomu-
nhões, mas não tarda em ajoelhar aos pés dos bispos, retratando-
-se, compensando prodigamente com dádivas e doações as casas
religiosas. Contemos o caso.
A rainha D. Dulce faleceu em 1 de Setembro de 1198, com 46
anos de idade e jaz em Santa Cruz de Coimbra. Liberto de escrúpulos,
em 1208 investe furiosamente com quási todos os bispos, pondo-se
alguns em fuga, e quando outros procuravam fazer o mesmo,
intervém Inocêncio III, voltando os fugitivos aos seus lugares. O
prelado do Porto, ainda que aparentemente sossegado, por ocasião
da visita do príncipe a esta cidade, após o seu matrimónio, não pôde

60
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

disfarçar o ressentimento e a pretexto de que a sua realização em


1209 não tinha sido conforme os ditames da igreja, recusou-se a
recebê-lo na sua residência. D. Sancho, fortemente irritado com
semelhante ato, manda cercar o seu palácio, onde não foi encontrado
o bispo, que já ia a caminho de Roma, e ainda bem porque era muito
difícil concluir quais seriam as condições de paz impostas pelo
soberano, que nesta altura não se contentaria com simples desculpas,
cujo poder real tinha atrás de si as vitórias de Cerneja, Ourique e
Valdevez.

Despedida

Mais algum tempo, pouco, e o segundo rei de Portugal, tomba


na sepultura em Santa Cruz de Coimbra, onde jaz, depois de 58 anos
de idade e de 26 de reinado. Foi áspera a sua vida como príncipe e
como rei, e se defeitos teve, a verdade é que mereceu ter muitos
cognomes e entre eles, o lavrador, o povoador, o pai da Pátria, etc.
Se tudo isto é pouco há a aumentar o seu valor guerreiro, de con-
quistador ousado e a atestá-lo aí estão os seus feitos que enchem
toda a história desta nacionalidade oito vezes secular, tudo bem digno
dos seus fundadores, D. Afonso Henriques e do seu herdeiro que
com decidido esforço bastante concorreu para a consolidar, que a
eles principalmente pertence, e depois como seus sucessores, aos
honrados Gamas, Castros e Albuquerques.
Em consequência das muitas doações feitas aos bastardos,
surgem algumas desavenças com os legítimos, que só vieram a
terminar muitos anos depois e com a intervenção do Pontífice
Romano; não teve isto lugar com D. Afonso II, que foi o principal
autor delas, porque morrendo novo, pois apenas reinou 12 anos,
não houve tempo de remediar o mal feito.

61
Ricardo Charters d’Azevedo

Original proeza

D. Maria Pais da Ribeira apressa-se a sair do Paço, visto ali já não


ter guarida certa; organiza a sua algara e ei-la em andada para Vila
do Conde e como adail seu irmão D. Martim Pais Ribeiro. Perto de
Avelãs, no termo da Anadia, atravessa-se na sua passagem D. Gomes
Lourenço Viegas chefiando um grupo de amigos bem armados e
equipados que cai sobre a escolta da Ribeirinha; trava-se combate
feroz, duma parte D. Martim Pais com a sua gente e da outra o
abarroado D. Gomes também com aqueles que prometeram
acompanhá-lo na empresa que delineara e era a posse daquela
mulher que amava desde muitos anos, e resolvera, custasse o que
fosse, possui-la, por dias, por horas, por momentos, não importava,
ainda que depois justiçado barbaramente às mãos de el-rei ou às do
seu encarniçado inimigo. O combate para arrancar a Martim Pais
Ribeiro sua irmã tornara-se por vezes indeciso e de parte a parte a
luta parecia extinguir-se para depois tomar maiores proporções,
prevendo-se que a vitória está prestes a inclinar-se para o lado de D.
Martim. Hostes terríveis eram estas; mas o descendente do aio de
D. Afonso Henriques já havia recebido muitos ferimentos. O
destemido cavaleiro não perdera o ânimo nem era próprio da sua
antiga nobreza que em ocasiões mais críticas tinha dado provas de
coragem e valentia. Tomando alento, vibra golpes profundos nos
seus inimigos, o cerco aperta, os combatentes espumam já de raiva
e por fim o fidalgo abasmando tudo vem a abrir brecha nos seus
adversários. O gigante faz assaltos repetidos, esgrima para a esquerda
e para a direita, toma várias posições, evoluciona como bom
cavaleiro, de relance, forma o audacioso plano de primeiramente
derrubar o chefe contrário, abatendo-o às cutiladas e ei-lo senhor
da situação, depois de romper as fileiras dos seus temíveis inimigos.
D. Martim Pais cai exausto de forças bem como alguns dos seus

62
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

companheiros, impotentes para poderem arcar com a bravura do


neto de D. Egas Moniz; de montante bem rijo, no dorso, na garupa
ou na agulha do álamo, atira-se raivoso, espumante, sobre aqueles
que ainda o querem vencer, amarfanhando contra si aquela por quem
já derramava sangue, mas tinha ido ali para ficar vencido ou vencedor.
Atónita, D. Maria Pais da Ribeira, estava como mergulhada num
sono tétrico, não sabendo o que tudo aquilo queria dizer, se era o
fim da sua vida ou então qualquer coisa visionária que dificilmente
fundo a deixava respirar. Pesadelo? Mas, procurando serenar, não
tem dificuldade em se aperceber do acontecido. Pretendendo resistir
é então que o fidalgo de repelão a faz sentar sobre a montada,
abandona as rédeas e a bom galope transpõe, sem dar por isso,
montes, vales e matas, até chegar a terras de Leão.

O fim de uma jornada

Como fera faminta, apoderando-se da presa, se tresmalha em


desabrida carreira e a vai devorar fora do alcance das outras que a
perseguem sem resultado, assim parecia o louco amante asso-
berbado com aquela que já considerava sua e em breve não per-
tenceria a mais ninguém. Livre de perigo, apeia-se com a Ribeirinha,
segura-a com energia e aqui quer-lhe patentear o quanto a amava,
proporcionando-lhe também um pouco de descanso da enorme
fadiga pela acidentada viagem que a raptada jamais esqueceria. O
que se passou não o podemos nós descortinar, ela nunca fez eco de
tal passagem e D. Gomes Lourenço Viegas não o chegou a dizer, que
nos conste, talvez porque não lhe chegou o tempo e muito menos a
quem confiar semelhantes impressões.
Extenuadíssimos, ele como lobo fustigado pelos da montaria,
se deixa tomar sem forças, de olhos bem esgazeados sobre a ovelha

63
Ricardo Charters d’Azevedo

arrebatada, fica-se contemplando-a, mas sem alento para lhe sua-


vizar da metamorfose porque tinha passado, a qual seria muito
dificultoso conseguir desvanecer no ânimo de D. Maria Pais da
Ribeira, que desde este momento juraria vingança contra o estouvado
que tão brutalmente a arrastara para aquelas terras. E que mal lhe
tinha feito? Só o fidalgo lhe podia responder, que por seu turno tam-
bém se entrega a divagações; as consequências desta tragédia,
sacudindo-as logo de si, para se ocupar da feliz aventura, trazendo
até ali a mulher que quási o enlouquecera e acabaria por correspon-
der ao seu terno amor, e isto não era coisa para desprezar, comentava
alegremente. E como entendido em cortesia, mudou de semblante,
deu princípio às suas formas de tratar, afagando a Ribeirinha, que
não se mostrou rebelde visto que o plano já estava traçado.
D. Lourenço havia de prestar duras contas pela proeza cometida,
enxovalhando desalmadamente o nobre título de Paio Moniz. Era
questão de dias, porque seu irmão jamais lhe perdoaria o inesperado
encontro, deixando-o às portas da morte e a muitos dos seus com-
panheiros, afora aqueles que ficaram estendidos sobre o solo de
Avelãs. Neste discorrer a Ribeirinha fica meia adormecida, quási mori-
bunda, desconjuntada, pois foi coagida a cavalgar incomodamente,
sem regra, galopando em percurso que parecia interminável; tinha
sido assim aquela aventura preparada pelo algoz, que agora como
cordeiro se lhe unia, como quem estava arrependido, não por a ter
como sua, mas pelo mal que lhe causara. O cavalo especando aqui e
ali sem direção certa, procurando veredas sem roteiro, foi a maior
agonia a que a podiam ter sujeitado, que D. Martim Ribeiro faria
pagar caro a quem tão levianamente se lançara em semelhante
atrevimento. Tão certo!...
Refeitos mais ou menos de forças, por motivo daquela estranha
cavalgada em tão especiais circunstâncias, os dois amantes põem-
-se novamente a caminho para sítios mais longínquos, pois não eram

64
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

aqueles locais bastante azados onde pudessem fixar residência. O


fidalgo sabe convencer a Ribeirinha, que naquele momento só lhe
restava obedecer, mas não queria que fosse por força e sim por sua
livre vontade. Ela por sua vez também sabe muito belamente fingir,
que sim, que estava inteiramente ao seu dispor. Promete-lhe ser
sua, porque na verdade era digno cavaleiro, destroçando completa-
mente a hoste de seu irmão, que muito lamentava, mas tinha dado
provas de sobejo que era gentil-homem de fama. D. Gomes Lourenço,
ao ouvir este elogio, não cabe em si e, ingenuamente, supõe que o
seu amor por D. Maria Pais da Ribeira entrou numa nova fase de
suma felicidade para ele.
Ela também abre um parêntese, recordando que D. Martim Pais,
àquelas horas, devia estar preparando a cilada em que cairia o seu
inimigo, que agora ali a tinha bem guardada e, secretamente, medita
no castigo terrível que lhe tem reservado. Partiram. Só o fogoso
ginete ficou, que depois da correria tinha caído para não mais se
levantar. Os extensos olhos do monstro estatelado, ainda brilhantes,
pareciam dar esperanças ao cavaleiro, que afinal teve de o deixar,
porque estava morto, bem morto. Tinha-o feito vencedor duma ba-
talha sem tréguas, sem igual na sua vida, e por isso, do animal não
se pôde despedir sem comoção e saudade. Retira-se fitando-o sem-
pre, até o perder de vista e, em pensamento tenebroso, ligeiro como
relâmpago, disse: «Mau agouro este duma aventura que começa a
impressionar mal um dos caudilhos da guerrilha de há pouco travada
de propósito em favor desta mulher que até aqui tem constituído
todo o afeto dum louco, talvez mal aconselhado.» Mas para longe
estas desconfianças, que decerto não passam de maus sonhos,
inventados apenas para arranjar medrosos na descendência de D.
Egas, que Deus tem. Não há-de acontecer assim, pensava, e reto-
mando a sua habitual serenidade que lhe era própria, começou de
refletir qual teria sido a sorte dos seus, enfrentando com o grupo de

65
Ricardo Charters d’Azevedo

Martim Ribeiro, que ainda tinham ficado em Avelãs continuando o


combate e, principalmente, barrando as veredas que lhe deram
passagem e à Ribeirinha, pela forma que já sabemos. Em todo o
caso confiava bastante no valor da sua gente, que saberia defender-
-se naquela contenda, que se devia perpetuar por séculos em fora
e, bem mais do que se podia imaginar, no estonteado cérebro de D.
Gomes Lourenço Viegas, que já naquela altura estava julgado pela
Plagii, naturalmente à pena maior.
As armaduras, em estilhaços, dispersas sobre o campo, em-
baciadas de sangue e suor, ainda reluziam sob a ação do sol daquela
tarde de primavera, denunciando claramente que a luta tinha sido
feroz; os bandos chocaram-se amiudadas vezes e de muitos modos.
De tão vigoroso encontro com o fidalgo, a hoste dirigida por D.
Martim Pais sofreu uma rude aniquilação, que os seus componentes
não encontram maneira condigna para vingar tamanho desastre
infligido pelo intemerato D. Viegas, que furiosamente, abrindo
caminho, passa por cima de tudo e de todos, ficando pasmados em
presença de semelhante ousadia, que não vê perigos, a maior
indignidade que até ali conheceram, não obstante todos, do menos
ao mais graduado, se terem batido valentemente com o temível ad-
versário, que os deixa aterrados sob o peso da mais triste humilhação.
Os que jaziam quási à beira da morte, esses só teriam tempo de se
lamentarem envoltos na mais desprezível desgraça de uma contenda
que atrás de si só deixava vestígios de uma formidável desventura.
Mais nada!

Curta ventura

Ali nas terras de Leão, D. Gomes Lourenço Viegas com D. Maria


Pais da Ribeira, estariam tranquilos, onde não chegaria a influência

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

do irmão desta nem o


valimento de D. Afonso
II, que na corte do sobe-
rano leonês, pouca acei-
tação tinha. Era de crer,
pois, que os dois aman-
tes se começariam a
afeiçoar, não estando
longe dum entendimen-
to em condições vanta-
josas. Não via ela que o
amor do fidalgo era cons-
tante, desinteressado e
puro, pouco vulgar na
época daquele senhor D. Afonso II (em História de Portugal,
de Pinheiro Chagas)
de Soverosa? Era bem
uma paixão singular e por isso arredada estaria qualquer suspeita
duma traição que não lhe era própria, pois tratava-se, nada mais,
nada menos, dum descendente da mais fina fidalguia peninsular,
daquele brioso cavaleiro D. Egas Moniz, cujo nome sempre ecoará
na história da Pátria, que ele com tanto amor servira. Banais eram
estas dúvidas sobre uma figura tão digna, incapaz, de trair tão glorioso
nome. Isto pensava o vitorioso de Avelãs, que seria naquele instante
a meditação da Ribeirinha; não era, e ele só deste transe se lembraria,
quando depois o seu terrível inimigo D. Martim, espumante, lhe fez
enterrar o ferro naquele coração que sinceramente amava a mulher
que já parecia sentir o gozo da agonia do amante, que por força teve
de aceitar.
Deixemos por algum tempo em paragens da Espanha, estas duas
figuras pensando diversamente, ele aliviado do peso de D. Sancho,
sepultado em Santa Cruz, de Batissela e outros pretendentes à filha

67
Ricardo Charters d’Azevedo

de D. Paio Moniz, que agora era bem sua, agasalhados num país
cujo soberano não se baixaria a satisfazer exigências dum monarca
que ainda talvez fosse vassalo do grande reino de Castela.
É verdade que a sua proeza vinha a dar brado nos países oci-
dentais, tanto é certo que a raptada tinha filhos de Gança, podendo
ainda ser reinantes, acrescendo a valia do seu enorme parentesco,
muito espalhado pela península, capaz de fazer decidir em favor
desta, uma demanda que o aterraria, deixando-o sem concerto. Era
para temer também a prosápia do seu irmão, que jamais esqueceria
a derrota sofrida, onde tinham ficado parte dos seus e os restantes
abandonando o terreno a pouco a pouco, que começava a causar-
-lhes pavor. Afinal pensamentos momentâneos estes, na mente do
fidalgo, visto que se ali não estivesse seguro iria para mais longe,
Provença, Navarra ou Aragão. Tinha-a filhado em verdadeiros lances
de angústia e por isso não estava resolvido a que se lhe escapasse e
de mais render-se-ia sem grande custo aos seus afagos, afastada e
sem esperanças de voltar ao gozo das suas famosas herdades e
também, das homenagens dos cortesãos que já com ela não contavam
e tudo esqueceria D. Maria Pais da Ribeira. Ela é que maquinava por
outro processo, a forma de se desenvencilhar do algoz, fingindo
conformar-se com a sua vontade, pois era esta a melhor maneira de
lhe merecer plena confiança. Seria este o primeiro passo para a
desforra, mas convinha não se precipitar, correspondendo cegamente
aos desejos do pertinaz salteador que torpemente a filhou.

A vingança

Seguimos agora D. Martim Pais nas suas diligências para haver


vingança sobre aquele que o tinha chagado miseravelmente no
terreno de Avelãs, mas mais o torturava a sua soberba de nobre

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

cavaleiro que é possível muitas noites ter passado em claro pelo


massacre dos seus amigos que nele confiaram cegamente, escol-
tando em direção a Vila do Conde, sua irmã, que não houve forças
humanas que a pudessem defender, deixando-a filhar pelo seu
adversário. Vergonha, maldição!
Sobre o campo jaziam cadáveres dos contendores que, não ob-
stante o súbito desaparecimento de D. Lourenço, continuaram a luta
a modo de guerrilha, dispersando-se lentamente os lutadores em
boa ordem.
Tinha de ser este o desfecho desta cena, atenta a condição dos
protagonistas tanto mais que a causa da razão da briga, como um
sopro deixou de existir. Dos chefes um já se supunha a bom recato e
satisfeito por ter visto o fim almejado, e o outro planeava o modo
como obter o castigo daquele, pela infâmia praticada. O sucesso seria
infalível atendendo às suas qualidades de fidalgo bem aparentado e
daqueles que com ele foram vítimas da refrega que o atormentava.
Sua irmã não podia ser esquecida no Paço onde trilhou abundante-
mente, que D. Afonso II, mau grado seu, tinha de reconhecer. D.
Gomes foi autor dum grave escândalo na corte e isto teria irritado
muito o soberano até o ponto de ser o primeiro a lamentar o ocorrido,
concordando que justiça devia ser feita. Com todas estas razões
contava D. Martim, que não se podia resignar à triste condição de
fidalgo desqualificado.
O sangue havia jorrado e uma parte da cavalaria, estendida no
campo do combate, começava a empestar o sítio com os arredores.
Estertores de derradeira agonia ainda se observam em cavaleiros de
ânimo mais forte e em montadas que levaram até o fim as suas pos-
ses, mas em meio das torturas da morte que já se avizinhava. E que
o destroço da luta tinha atingido proporções extraordinárias e os
contendores não viam uma circunstância plausível que lhes atenu-
asse em parte, o efeito que se produziria em Coimbra, ao conhece-

69
Ricardo Charters d’Azevedo

rem-se os pormenores do formidável desastre em que tilintaram


desesperadamente os montantes dos dois grupos. Por isso a tris-
teza que ia nos que ficaram por parte da gente que guardava a Ribeiri-
nha, era imensa, pois na história não se encontravam casos seme-
lhantes. Assim pensavam os amigos de D. Martim, que só recobrou
alento com a ideia de sem mais detenças se ir lançar aos pés de D.
Afonso a clamar vingança contra o que filhara sua irmã. Que im-
portava a ascendência deste, perante tamanha infâmia lançada sobre
o seu brasonado, dos seus amigos e até do rei, que tinha sido des-
respeitado pelo fidalgo na pessoa duma dama da sua corte, amante
de seu pai, de quem teve filhos legitimados como seus irmãos? Não
podia ter dúvida que a decisão moral do pleito recairia em seu favor
e daqueles a quem atingira. Em tréguas, nem nisso pensar, onde
estava comprometida a honra de sua família e de todos aqueles que
o acompanharam. Não e nunca! Levantou a cabeça, sacudiu-a e fir-
memente toma a resolução de se encaminhar para o Paço a querelar
D. Gomes, pedindo desforra. Mete esporas, solta as rédeas e ei-lo
em furiosa correria, não tardando em bater às portas do Paço,
apresentando-se a D. Afonso, que para isso lhe concede urgente
audiência. O fidalgo identificado com o meio, apressa-se a pô-lo ao
facto do acontecido e bem aprumado clama: justiça real Senhor! De
cabelos hirtos e húmidos, fronte desdenhosa a espumar ódio, olhar
faiscante, troveja arrogantemente: vingança, vingança! Tomando
posições diversas e semblantes vários, mudando de cor, aguarda a
resposta do soberano. Que iria decidir?

El-rei preocupado

A falar a verdade a figura de D. Maria Pais da Ribeira era-lhe


antipática e já sabemos que razões tinha para fazermos êste juizo;

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

outras havia, mas dessas não era lícito torná-las públicas porque
trariam escândalo à côrte e ao povo. Mais tarde apareceriam, mas a
êsse tempo não causariam tanta estranheza nos seus vassalos, visto
que antecipadamente iam sendo prevenidos. Sabe-se que D. Afonso
teve lutas com os seus irmãos e ainda com os bastardos de seu pai,
por querer esbulhá-los dos seus haveres que legitimamente lhes
tinham sido adjudicados, conforme consta do testamento de D.
Sancho I e das muitas doações feitas aos seus herdeiros e nobres;
apesar de tudo ser firmado com as assinaturas de seu filho e da
rainha D. Urraca, êste quiz-se negar ao compromisso aceite e daí
uma série de guerras onde foram envolvidos os soberanos visinhos
e até o Pontífice Romano. Eis tôda a razão porque a Plagii não era
persona grata do monarca, perante quem o irmão desta agora estava
em ânsias por saber qual o desideratum do pleito com o mal arraçado
D. Viegas, que numa briga desastrosa o puzera à beira da sepultura.
O soberano fez um rápido balanço das fôrças dos desavindos,
terminando por condenar D. Gomes Lourenço Viegas, que já o tinha
sido pela mulher com quem agora parecia viver horas felizes em
terras de Leão, onde os deixamos. Toma papel e em poucas palavras
reclama do seu colega leonês a sua extradição por temerariamente
em seu reino, praticar um ato de reprovação, raptando à fôrça uma
nobre dama, refugiando-se com ela para além das fronteiras.

D. Martim implacável

Nesta altura já se julgava bem seguro o fidalgo e completamente


esquecido dos mil e um pensamentos que antes o tinham ator-
mentado; agora só pensava em se refazer das fôrças perdidas, curando
as chagas ainda bem visíveis, pois fundas foram as cutiladas que sôbre
êle descarregaram os homens de D. Martim. Só isto o preocupava e

71
Ricardo Charters d’Azevedo

mais a forma de ser agradável a D. Maria Pais, de maneira a grangear


dela uma palavra amorosa, o que às vezes já lhe parecia ser um facto,
mas de outras certa dúvida; quem a observasse a sério veria sem gran-
de esforço que qualquer coisa no seu íntimo se tramava em desfavor
do louco D. Viegas, a quem tudo passava despercebido, porque mal
não julga aquele que só vê rosas, sem contar com os espinhos.
Todavia não esperava que por aquelas paragens fôsse inco-
modado, visto que residia acoberto dum soberano que não era o
seu, o qual não morria de amores pelo de Portugal.
Não acontecia assim. O irmão da sequestrada, logo que recebeu
a carta do seu Senhor para o rei de Leão, não perde tempo, monta,
larga o bridão e parte, procurando de seguida avistar-se com D.
Fernando, fazendo-lhe a entrega da missiva. Atentamente, acom-
panha todos os movimentos do destinatário e, em observação rápida,
não tarda em reconhecer que a vitória está do seu lado; pouco leal é
verdade, mas bem merecedor era o que tão vilmente injuriou sua
irmã, ele e os da sua gente, numa ocasião, a mais crítica, e que era
preciso reabilitar a honra de tantos sacrificados.
Finalmente, a resposta foi favorável e, na certeza de que estava
ganha a partida, o irmão da Ribeirinha rouqueja ferozmente: «Hás-
-de morrer às minhas mãos, torpe inimigo da nobreza de Paio Moniz
e da de todos os cavaleiros que se empenharam na defesa daquela
que tem descendência real e amanhã pode disputar tronos»; aper-
tando bem o montante vocifera ainda: «sobre ti malvado sedutor,
irá até onde as minhas forças o permitirem»!

Triste nova

D. Fernando recebeu a carta um tanto ou quanto friamente e,


por dever de ofício, faz notificar ao intruso fidalgo, que se apresen-

72
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

tasse a D. Afonso II com a fidalga que tinha em sua companhia, não


lhe fixando prazo, como que dando-lhe tempo de o fazer ou não,
indo para outros reinos e se assim o quisesse não teriam valor as
lamúrias de D. Martim, desistindo de outra vez rastejar aos pés do
monarca e este com muito menos vontade ficaria de empenhar no-
vas diligências no sentido de desafrontar D. Maria Pais da Ribeira;
uma situação assim não lhe desagradaria por comodismo, como
também para se desembaraçar duma Dona que bastante funesta
tinha sido à corte, ao povo e mais especialmente ao património real.
D. Lourenço ao ter conhecimento da querela, quási que fica sem
sentidos, não pelas consequências, mas porque estava desprevenido
para receber semelhante intimação. Devia ser sonho, ou então destas
visões que por vezes atormentam os espíritos, dados a paixões
violentas, de resto vulgares em todos os tempos. Despertando, co-
meça a encarar a sério a denúncia e, estremecendo como fera avessa
aos males presentes, toma esta resolução: não faria a vontade do
rei. Haviam outras terras onde se internar e lá não chegariam as
ameaças do soberano e muito menos as queixas de D. Martim, que o
ficara conhecendo de sobejo, não longe de Anadia. Com ele, no mesmo
lugar, não se importava novamente encontrar-se; mas ir até junto de
D. Afonso II, acompanhado da Piagii, isso nunca! O irmão da Ribeirinha,
se alguma coisa pretendia dele, que lho declarasse lealmente e aonde,
e saberia mais uma vez o que valia o neto de D. Egas Moniz. Tudo faria
menos entregar-se e àquela por quem tanto tinha sofrido em longa
jornada que parecia interminável. Mais longe, a sua amante melhor
se lhe afeiçoaria, acabando por o desculpar, arrastando-a para terras
de Espanha em desaustinada carreira. Partiria sem demora.
Talvez que, voltando a Portugal, ela lhe fizesse muitas promessas
que decerto cumpriria, mas não ficava tranquilo em semelhante
situação, porquanto os seus inimigos jamais lhe perdoariam aquele
encontro terrível no terreno de Avelãs.

73
Ricardo Charters d’Azevedo

Um ardil

A Ribeirinha não dormia. Sabe calcular maravilhosamente o que


vai no íntimo do fidalgo, não perdendo tempo em fazer saber quais
os seus propósitos, propondo-lhe o regresso a Portugal e lançarem-
-se de joelhos aos pés de D. Afonso, solicitando-lhe perdão das suas
faltas. Depois o casamento não se faria esperar, passando a viver
amigavelmente, ligados em forma legal, conformando-se com o des-
tino que até ali os trouxera. Não é pródiga em mais prometimentos,
não fosse o estouvado D. Gomes desconfiar da fartura que agora
docemente ia sendo arrastado à guilhotina certa, conforme o con-
denado, que recebendo alento do confessor, como cordeiro se
entrega ao cutelo do carrasco que o há-de executar. O gigante,
vencedor dum grupo bastante numeroso, fica vencido pela antiga
amante de D. Sancho, a Feiticeira, conforme era alcunhada adentro
da Cúria Romana, segundo informações ali recebidas por intermédio
dos prelados, que não podiam usar de outro termo, isto é, declararem
publicamente que havia barregãs a soldo do monarca nos paços de
Coimbra. Em tão ardilosas esperanças acredita D. Viegas de que
ligeiramente chega a pôr em dúvida para depois a cegueira o levar à
convicção, de que ajuíza temerariamente daquela que agora parecia
estar disposta a conceder-lhe inteiramente a sua amizade, o que já
julga ser a maior dita da sua vida.
Contentíssimo com a nova feição que tomou a sua aventura, as-
sentam ambos nos preparativos para o regresso às terras que em
circunstâncias muito especiais tinham abandonado; ele depois de uma
luta cerrada, amarfanhando-a de repelão, impelindo-a para Espanha;
ela tomada de assalto pelo valoroso fidalgo, colada a si e, cavalgando
sem governo a galope rasgado, internam-se em Leão, onde à força a
faz sua amante como prêsa muito querida, pois bastante suor e sangue
lhe tinha custado, tendo-a agora ali bem vigiada.

74
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Tudo pronto, encetam a viagem por Castelo Rodrigo, que era


onde pairava por aqueles tempos D. Afonso II. Dois amantes, que de
sentimentos opostos se encaminhavam, um para o abismo e o outro
já gozava do estertor da sua vítima que muito longe estava de pensar
no ardil preparado por aquela que agora o conduzia, qual ovelha, à
boca ferina de seu irmão, que impacientemente o aguardava como
executor da sentença, que seria por demais severa, atenta a condição
do criminoso e do crime que praticara.
Da triste cena de Avelãs já ninguém se lembraria, comentava
agora de si para si D. Gomes Lourenço, totalmente adormecido em
longo sonho de vãos sorrisos. A Ribeirinha tudo faria calar só pelo
prazer de novamente entrar no usufruto das suas famosas herdades
e liberta duma estação que tanto brado tinha dado nas cortes de
Espanha e Portugal. Nada havia a recear, pelo que sem perda de
tempo era forçoso partir, e assim mais depressa punha termo a uma
vida considerada escandalosa, cheia de peripécias e de surpresas.
As condições de paz, propostas pela própria vítima, eram muito
aceitáveis, não podendo haver a menor contestação para que se
deixasse de realizar.

Supremo lance

Os emigrados de há pouco estão prestes a pisar terreno da sua


pátria, quási chegados à vista do soberano. O que iria suceder? Pouco
mais ou menos a filha de D. Urraca Nunes calculara a sorte do seu
famigerado amante, o que bem sabia disfarçar, até ao ponto de a D.
Gomes não ser fácil descobrir o que no íntimo dela ia a respeito do
fim que lhe estava preparado, sendo entregue à fúria de seu irmão
que por aquele tempo já não podia conter a sede de vingança,
mirrando-lhe o espírito. Pois não era sabido de norte a sul o desastre

75
Ricardo Charters d’Azevedo

da contenda, deixando-o aterrado e aos seus companheiros que não


puderam pôr um dique à bravura do intrépido cavaleiro D. Gomes
Lourenço, arrancando-lhes das mãos D. Maria Pais Ribeira, zombando
desdenhosamente da sua qualidade de nobres fidalgos? Tudo isto
exigia reparação condigna, não sendo de mais que o teimoso aven-
tureiro pagasse com a própria vida, a tristíssima aventura que muito
a ocultas premeditou, salpicando de sangue e de lama a nobre linha-
gem dos Moninhos Ozores.
Ei-los a pouca distância do soberano, D. Lourenço desmontando
e correndo em auxílio de D. Maria que se preparava para descer da
vistosa hacaneia que a conduzira até ali. O rei já prevenido da sua
chegada posta-se em observação atenta, ficando admiradíssimo pelo
que vê, as duas personagens quási de mãos dadas dirigindo-se-lhe.
O que aconteceria? Formula conjeturas. Esperava que D. Maria Pais
Ribeira, muito isolada, viesse até ele dizendo da sua justiça, sem
mais preâmbulos. Por outro lado D. Viegas, em atitude medrosa e
desconfiada não tivesse muita pressa de se abeirar do monarca,
furtando-se aos seus olhares penetrantes, fugindo-lhe até as forças
para com eles se encontrar. Mas via-os vir em sua direção com certo
ar de satisfeitos. Ele que já tinha planeado o castigo do fidalgo,
convencido fica que tem de mudar de parecer, dando novo rumo à
estouvada cena de Avelãs, revogando em contrário. Antes de
partirem e, pelo caminho, decerto houveram entre si entendimentos
amistosos e ali vinham não com sentimentos opostos e sim arre-
pendidos em súplica, rogando da sua clemência real. De resto ele
com ela podiam ter desandado para terras mais distantes, fora da
ação da chancelaria do reino, longe das garras do soberbo D. Martim
Ribeiro, poupando também o rei a ter de lavrar uma sentença, talvez
contra sua vontade, para afinal proteger uma Dona que era melhor
fazer-se esquecida na corte e até nos nobiliários em que havia de
figurar. Não quis assim o fidalgo por ingenuamente acreditar no

76
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

embuste da Ribeirinha ao fazer-lhe propostas de casamento que


totalmente o deixaram inebriado. Um ponto de dúvida embaraçava
ainda os cálculos do monarca: como conciliar os grupos, de parte a
parte bem aparentados, que tinham deixado nome em Avelãs até
derramamento de sangue, havendo vítimas que do fundo das
sepulturas estremeciam clamando reparação?
A ossada da cavalaria que tinha sido morta às estocadas, lá
andava dispersa pelos fraguedos, arrastada pela canzoada faminta
que ali tinha sido atraída, porque as carnes despedaçadas, essas já
tinham sido devoradas pelas aves rapaceiras que não tardaram em
descobrir o superabundante banquete. Podia haver conciliação
possível? Nunca! Mistério era tudo isto, pensava o monarca; um
pouco de tempo mais e tudo se esclareceria.
Os camaristas de el-rei fazem sinal aos recém-vindos para se
aproximarem, os quais gravemente se dirigem ao soberano, a Plagii
pesando uma por uma as palavras a pronunciar ante a real presença,
de forma que não fossem infrutíferas a uma comoção rápida e de
êxito seguro a derrubar para sempre D. Gomes; este meditando nas
respostas e preguntas que decerto o rei lhe faria, dignas da majestade
de D. Afonso II, por forma que, nas suas desculpas, não fosse cavar
ainda a sua própria ruína, pois era autor de um ato de que só ele
havia de dar contas. Teria de modificar à última hora as suas
derradeiras apreensões? Para tudo estava preparado, menos para
ser condenado a morrer violentamente e eis porque não perdeu
tempo a pensar em semelhante perigo.

A sentença

Primeiro ela. Soluçando, cobrindo o rosto, já banhado em pranto,


cai de joelhos, fronte quási rocegando pela alcatifa sem fitar o

77
Ricardo Charters d’Azevedo

soberano, abre em choro irreprimível, com a voz embargada, rou-


queja fundo e pronuncia estas palavras:
«Justiça Senhor! Vingança, maldição sobre tamanha infâmia;
levada de rastos uma dama da corte para fora das vossas terras,
filhada brutalmente e ali feita prisioneira como mulher de qualquer
condição! Ela aqui está cheia de confusão, ante a suprema majestade
destes reinos a rogar desagravo para levantar uma nobreza tão
vilmente abatida sem uma causa, sem uma razão! Justiça meu
Senhor!»
O fidalgo assistiu embasbacado ao desenrolar da cena, em todo o
caso não manifestando o menor protesto. O rei alteando-se encara-o
com semblante natural e intima-o a que se defenda da acusação que
ouviu, respondendo D. Gomes, que sim, que tudo aquilo era verdade,
mas D. Maria Pais da Ribeira fizera-lhe promessas de casamento logo
que de novo pisassem terras portuguesas. Para acabar com a clausura
imposta por força de ferro e sangue, concluiu D. Afonso II, já enfastiado
de tanta loucura e não menos de embustes feminis.
Diz-se que foi o próprio D. Martim Pais Ribeiro o executor de D.
Gomes Lourenço Viegas que na frase expressiva dum escritor de
nome, ao cair sobre ele a execução da tremenda sentença, nem
pestanejou.
Já o poeta, alagado em suores frios, cabelos hirtos e desgre-
nhados, rosto de moribundo, gemendo de dor no pobríssimo catre,
sentindo as últimas agonias, também exclama:

Deus! oh! Deus!... Quando a morte à luz me roube


Ganhe um momento o que perderam anos
Saiba morrer o que viver não soube

D. Maria Pais da Ribeira (a Ribeirinha), senhora de Maçãs, con-


trairia casamento com o fidalgo galego D. João Fernandes de Lima, o

78
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Bom, de Batissela17 (já viúvo de Berengária Afonso de Baião),


descendente de D. Fernando Aires de Batissela, ou de Lima, e de D.
Tereja Bermudez de Trava que descendia do conde de Portugal D.
Henrique de Borgonha e de sua mulher D. Teresa, filha de el-rei D.
Afonso VI, de Castela. Faleceu quase com 90 anos e mandou que a
sepultassem no Convento de Santa Maria do Bouro, concelho de
Amares.
Eis como um historiador do século XIII resumidamente descreve
o singular drama, iniciado no termo de Anadia e que teve o seu
epílogo em Castelo Rodrigo, ardilosamente preparado, levando à
morte sinistra D. Viegas, tresneto dessa grande figura que em To-
ledo depositou a sua vida e a dos seus nas reais mãos de D. Afonso
VII de Leão, que se dispensou de aceitar tão preciosa dignidade:

«D. Gomes Lourenço nom foy cazado, mas filhou por força
em Avelans a D. Maria Paes Ribeyra q. se vinha de Coimbra,
hu soterrara el Rey D. Sancho I de Portugal, q. atrazia consigo,
e de quem auia seus filhos; e ela vindo assi muy triste com
seu dó para sá terra, e para muy grande algo q. ella auia; e
como muyto honrada, que ella era, uindo com ella seu irmão
D. Martim Paes Ribeyro, saio a ella a o caminho o sobredito
Gomes Lourenço e filhoua por força; e foi chagado D. Martim
Paes Ribeyro seu irmão, e levoua para terra de Leão, ca nõ
ouzava a ficar na terra, ca ella era muy bem parentada, e
pelos feytos, que auia; e o dito Martim Paes seu irmão
querelou logo a el-Rey D. Afonso de Portugal, filho del-Rey
D. Sancho; e el-Rey D. Afonso deo-lhe sãs cartas para el-Rey
17
«Em 1033 já existia na Galiza o castelo de Batissela de que era então senhor D. Diogo
Nuñez de Batissela, que por sua neta D. Isabel Nuñez foi bisavô de D. Fernando Arias, que
viveu em tempos de D. Fernando II de Leão (1157-1188).» (FREIRE, Anselmo Braamcamp -
Brasões da Sala de Sintra. Coimbra, Unv. de Coimbra, 2.ª ed. 1930, L. III - Limas)

79
Ricardo Charters d’Azevedo

Dom Fernando de Leom, que quizesse estranhar tam mao


feyto come este. E quando D. Martim Paes chegou a el-Rey
D. Fernando de Leom, fezlhe querela, e deolhe as cartas del-
-Rey D. Afonso de Portugal, e el-Rey mandouo logo emprazar,
a q. uiesse a elle, e que trouxesse comsigo D. Maria Paes
Ribeyra; e elle como foi emprazado, veose logo a el-Rey a
Castel Rodrigo por conselho de D. Maria Paes Ribeyra, q. lhe
dizia, que ia bem de ira el-Rey, e poeria avença entre elles, e
seu irmão; ca elle nom quizera ir se lho ela nom aconselhara:
e quando foy a el-Rey a Castel Rodrigo levou comsigo a dita
D. Maria Paes Ribeyra; e tanto, que chegarom a el-Rey,
deyxouse cair em terra, e fezlhe querela, de como Gomes
Lourenço a rouzara e de como a trouxera por forças de Por-
tugal para terra de Leom, e de como a trazia na terra del-Rey
de Leão forçada, e por força: e pediolhe a el-Rey por merçe,
que lhe alcase del força, e que lhe fizesse del justiça, pela
forca que em ella fizera: e el-Rey dixe a Gomes Lourenço,
que respondesse a o que dixera Dona Maria Paes Ribeira; e
el dixe que verdade era o que ella dizia, que a rouzara; mas
que ella lhe dixe que uiesse ante el-Rey, e que faria a D.
Martim Paes Ribeyro seu irmão q. lhe perdoasse, e de mais
que cazaria com el; e ella dixe, que esto, que lho nom dixera,
se nom para o trazer ante el-Rey, para a ver corregido o mal,
que lhe fizera, ca por outra, maneyra nom poderia del vingada
ser; e el-Rey mandono matar por elle.»

(Nobiliário de D. Pedro conde de Bracelos, Hijo del-Rey D. Dioniz


de Portugal ordenado e ilustrado con notas y indices por Iuam
Bautista Lavana coronitas mayor del reyno de Portugal. Impresso
em Roma por Estevam Paolinio em MDCXL com licencia de los
superiores.)

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

ANEXO III

Pequena memória sobre a descendência de D. Sancho I


e das de suas amantes18

D. Sancho I (Coimbra 11.11.1154 – Coimbra 26.3.1211) rei de


Portugal filho de El-Rei D. Afonso Henriques e de D. Mafalda de Saboia
falecidos, respetivamente em 6 de dezembro de 1185 e 4 de
novembro de 1157. Neto do conde D. Henrique e de D. Tereza filha
de El-Rei D. Afonso VI de Castela. Casado com D. Dulce, filha de D.
Ramon de Berenguer XII conde de Barcelona, principe de Aragão
falecido em 6 de agosto de 1162 e de D. Patronilla, rainha de Aragão
falecida a 17 de outubro de 1174, tiveram a seguinte sucessão:

•D. Teresa, infanta de Portugal (1176 – 1250), casada com


Afonso IX, rei de Leão e Castela.
•D. Sancha, infanta de Portugal (c. 1180 – 1229).
•D. Raimundo, infante de Portugal (c. 1180 – 1189).
• D. Afonso II, rei de Portugal (1185 – 1223) casado com
Urraca, infanta de Castela.
• D. Pedro, infante de Portugal, conde de Urgel, rey de
Mallorca (1187 – 1258) casado com Arumbaix, condessa
de Urgel.
• D. Fernando, infante de Portugal (1188 – 1233) com
Jeanne, condessa da Flandres e do Hainaut.
18
Ver: http://geneall.net

81
Ricardo Charters d’Azevedo

• D. Henrique, infante de Portugal (1189 - ).


• D. Branca, infanta de Portugal (1192 – 1240).
• D. Berengária, infanta de Portugal (1194 - 1221), casada
com Valdemar II, rei da Dinamarca.
• D. Constança, infanta de Portugal (1182 – 1202).
• D. Mafalda, infanta de Portugal (c. 1198 – 1257) casada
com Enrique I, rei de Castela.

D. Maria Ayres de Fornelos, filha de Ayres Nunes Fornelos e de


Mayor Pires. Depois de ser amante do D. Sancho, casou com D. Gil
Vasques de Soverosa, possivelmente descendente do conde D.
Gomes de Sobrado (descendente este, por via bastarda, de D. Urraca,
rainha de Castela), os de Soverosa são uma das linhagens da alta
nobreza medieval portuguesa que mais se destacaram na história
política dos séculos XII e XII, vindo a desaparecer em finais deste
último. Teve de D. Sancho a seguinte geração:

• Martim Sanches, conde de Trastâmara, que ganhou uma


batalha junto do Porto em que morreu Rodrigo Sanches
filho de D. Maria Paes da Ribeira e de D. Sancho I e portanto
meio-irmão deste Martim que, também por rixas com D.
Afonso II meio-irmão, se passou para o reino de Leão onde
gozou de grandes privilégios sendo feito senhor de 4
condados;
• D. Urraca Sanches, casada com D. Lourenço Soares de
Valadares neto de D. Egas Moniz.

D. Maria Pais da Ribeira (RIBEIRO, 2011: 79), fidalga de grande


formosura (era de “branca de pele, de fulvos cabelos, bonita,
sedutora”, qualidades que encantaram o soberano e cativaram os
nobres de sua Corte), filha de D. Paio Moniz de Ribeira, alferes do

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Rei D. Sancho I e de D. Urraca Nunes de Bragança, que depois de ser


amante de D. Sancho I e de D. Gomes Lourenço Viegas, por força,
casou com D. João Fernandes de Lima, o “Batissela”,
tendo a seguinte sucessão19 de D. Sancho I:

• D. Rodrigues Sanches que morreu em 1246 junto do


Porto sendo sepultado no mosteiro de Grijó dos cónegos
regrantes.
• D. Gil Sanches foi clérigo e trovador mor-rendo em 1236;
teve por barregã D. Maria Garcia de Sousa, de quem não
teve filhos.
• D. Nuno Sanches morreu de tenra idade.
• D. Maior Sanches, religiosa, também mor-reu nova.
• D. Constança Sanches foi religiosa das Donas do Mosteiro
de Santa Cruz de Coimbra morrendo em 8 de agosto de
1269 com fama de santidade, dizendo-se que lhe apareceu
S. Francisco e Santo Antonio. D. Manuel I mandando
transladar o seu corpo para junto de seu pai D. Sancho, o
encontraram intacto.
• D. Teresa Sanches foi segunda mulher de D. Afonso Teles
de Menezes, o “Velho”, rico-homem, 1.º senhor de Albu-
querque, Valladolid, Madrid, etc. Morreu no ano de 1230.

De D. João Fernandes do Lima, o “Batissela”, ou o Bom, que


já tinha sido casado:

• Gonçalo Anes de Lima morreu novo.


• D. Tereza (ou Grácia) Anes de Lima foi casada com D.

19
Sobre a descendência de a Ribeirinha, ver: RIBEIRO, António Francisco Da Franca – Me-
morial das Famílias do Cadaval – Ribeiro. Cadaval, Textiverso, 2011, p. 49 e seguintes.

83
Ricardo Charters d’Azevedo

Mem Garcia de Sousa, senhor da casa de Sousa, c. g. Mem


Garcia de Sousa em quem, por morte de seu irmão D.
Gonçalo Garcia, recaiu a grande casa Sousa, foi rico em
tempos de El-Rei D. Afonso III que lhe deu a herdade de
Rebordãos e se acha confirmada nas escrituras daquele
rei e El-Rei D. Diniz em cujo tempo possuía a terra de
Panoias e com este título confirma uma doação no ano de
1250 a Estevão Anes.
• D. Maria Anes de Lima foi casada com D. Afonso Teles de
Menezes, 4.º senhor de Menezes. Segundo Ribeiro (2011:
82) antes de casar terá sido amante de D. Fernando III, rei
de Castela, c. g.

Gil Vasques de Soverosa foi um político e militar nobre medi-


eval português. Foi rico-homem na corte dos reis Sancho I, Afonso II
e Afonso III de Portugal. Exerceu o cargo de tenente em Basto no
ano de 1207 e entre 1234 e 1235, tendo sido também tenente de
Sousa e Barroso entre 1207 e 1240, e em Panóias e Montalegre.
Teve numerosas propriedades na região de Guimarães e foi senhor
do Castelo de Sobroso na Galiza. Morreu cerca de 1240 e está
enterrado no Mosteiro de Pombeiro. Gil Vasques de Soverosa casou
por três vezes. A primeira vez antes de Abril de 1175, com Maria
Aires de Fornelos (falecida a 1212), filha de Aires Nunes de Fornelos
e de Mor Pais de Bravães e neta de Soeiro Mendes da Maia. Antes
deste casamento, Maria teve dois filhos com o rei Sancho I, Martim
e Urraca Sanches. Deste matrimónio nasceram:

(i) Martim Gil de Soverosa o Bom (morto c. 1259), casou


com Inês Fernandez de Castro, filha de Fernão Guterrez
de Castro e de Mélia Iñiguez de Mendoza. Deste matri-
mónio nasceu Teresa Martins de Soverosa, esposa de

84
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Rodrigo Anes de Meneses “o Raposo”, pais de João Afonso


de Meneses, primeiro conde de Barcelos e IV senhor de
Albuquerque e
(ii) Teresa Gil de Soverosa , que teve filhos com Afonso IX,
rei de Leão e Castela.

Depois da morte de Maria Aires de Fornelos, que se deu antes


de 1212, Gil Vasques de Soverosa casou com Sancha Gonçalves de
Orbaneja, de quem teve:

(iii) Vasco Gil de Soverosa, casado com Fruilhe Fernandes,


de Riba de Vizela, foi um trovador, participou na conquista
da Andaluzia e recebeu terras no “repartimento” de
Sevilha,
(iv) Manrique Gil de Soverosa,
(v) Guiomar Gil de Soverosa (falecida antes de 1247).

O terceiro casamento foi com Maria Gonçalves Girão, viúva de


Guilhén Peres de Gusmão, filha de Gonçalo Rodrigues Girão e de
Sancha Rodrigues. Maria e seu primeiro esposo, Guilhén, foram os
pais de Mor Guilhén de Gusmão, amante do rei Afonso X, com quem
teve D. Beatriz, mais tarde, esposa de Afonso III, rei de Portugal. Gil
Vasques e Maria Gonçalves Girão foram os pais de:

(vi) João Gil de Soverosa (morto depois de 1247), casado com


Constança de Riba de Vizela, filha de Gil Martins de Riba
de Vizela, sem sucessão.
(vii) Fernão Gil de Soverosa (morto antes de 1247) foi filho
deste casamento ou do primeiro com Gil Vasques.
(viii) Gonçalo Gil de Soverosa (falecido depois de 1247), sem
sucessão.

85
Ricardo Charters d’Azevedo

(ix) Sancha Gil de Soverosa (falecida antes de Setembro de


1262). Casou em 1.as núpcias, antes de Novembro de 1257,
com Afonso Lopes de Haro, senhor de Los Cameros, de
quem foi a segunda esposa, filho do conde Lope Díaz II de
Haro, senhor de Biscaia.
(x) Dórdia Gil de Soverosa, que foi freira no Convento de
Arouca.

86
Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

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87
Ricardo Charters d’Azevedo

– SOUSA, Jorge Pedro de, SILVA, Nair, DELICATO, Mónica e SILVA, Gabriel – A Génese
do Jornalismo Lusófono e as Relações de Manuel Severim de Faria. Porto:
Universidade Fernando Pessoa, 2007.
– SOUSA, Jorge Pedro de – Uma história do Jornalismo em Portugal até ao 25 de
Abril de 1974. Em Jornalismo: História, Teoria e Metodologia da Pesquisa –
Perspectivas Luso-Brasileiras. Porto: Universidade Fernando Pessoa, 2008.
– SERRÃO, Joaquim Veríssimo – Viagens em Portuga de Manuel Severim de Faria –
1604, 1609, 1625. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1974.
– SILVA, Joaquim Palminha – Manuel Severim de Faria, o mais douto português do
seu tempo: ensaio biográfico. Évora: A Defesa, 2003.
– SIMÕES, António Jesus, DIAS, Joana Patrícia, DIAS, Manuel Augusto – Património
Religioso do concelho de Ansião. Ansião, Câmara Municipal de Ansião, 2008.
– SOUSA, Luís Filipe Marques de – Frei Cristóvão de Lisboa e a sua correspondência
com Manuel Severim de Faria, seu irmão. Em Atas: Congresso de História no IV
Centenário do Seminário de Évora, 1994. Évora: Instituto Superior de Teologia,
1994. 2 v. (v. 2, p. 127-141).
– TENGARRINHA, José Manuel – História da Imprensa periódica portuguesa. Lisboa:
Caminho, 1989.
– VASCONCELOS, José Augusto do Amaral Frazão de – Ligeiros apontamentos sobre
a família de Manuel Severim de Faria. Coimbra: Imp. da Universidade, 1922.
– VASCONCELOS, José Leite de – Severim de Faria – Notas biográfico-literárias.
Coimbra: Academia das Ciências de Lisboa, 1914, Vol. VIII.

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Nome: Ricardo M. M. Charters-d’Azevedo

Local e data de nascimento: Lisboa, 29 de


Julho de 1942
Nacionalidade: Portuguesa
E-mail: ricardo.charters@gmail.com

Graus Académicos, Instituições, áreas de


estudo:
Licenciado em Engenharia electrotécnica,
ramo de telecomunicações, pelo Instituto Supe-
rior Técnico (IST) da Universidade Técnica de Lisboa
(UTL), com direito ao título de “Engenheiro” (1970);
Pós-graduação em Física de Plasmas no IST da UTL
(1972)

Cargos anteriores, Instituições:


2004 - 2012 – Assessor principal no Ministério da Educação competindo-lhe
a representação de Portugal em diversas organizações internacionais na área da
educação;
1988 – 2004 – Alto funcionário da Comissão Europeia;
2004 – Conselheiro na área de Recursos Humanos e Financeiros na Direcção
Geral de Imprensa e Comunicação da Comissão Europeia;
1997 – 2004 – Representante da Comissão Europeia em Portugal;
1988 – 1997 – Chefe de divisão no domínio da Educação, Formação e Novas
Tecnologias e das suas ligações com a investigação, na Comissão Europeia;
1989 – 1996 – Membro do conselho de Administração do Centro Europeu
para o Desenvolvimento da Formação Profissional (CEDEFOP) em Berlin e em
Tessalónica;
1983 – 1988 – Director Geral do Gabinete de Estudos e Planeamento do
Ministério da Educação;
1985 – 1988 – Membro da Comissão de Reforma do Sistema Educativo;
1983 – 1985 – Coordenador nacional do projecto economia e educação da OCDE;
1986 – 1988 – Membro da Comissão executiva do projecto MINERVA
referente à introdução das novas tecnologias na educação;
1978 – 1983 – Responsável pela criação, instalação e desenvolvimento do
Ensino Superior Politécnico em Portugal, tendo sido o primeiro director do Gabinete

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Ricardo Charters d’Azevedo

de Apoio à Instalação do Ensino Superior Politécnico de Ministério da Educação;


1977 – 1983 – Adjunto do Director Geral do Ensino Superior, sendo o direc-
tor de serviços com a responsabilidade da gestão de dois empréstimos para
Educação do Banco Mundial em 1977 e 1979 com o fim de apoiar este ensino;
1973 – 1977 – Professor coordenador na Academia Militar (equiparado a
“coronel” e director do seu Laboratório de Electrónica e Telecomunicações que
fundou (1975);
1970 – 1977 – Docente no IST da UTL no domínio das telecomunicações e
investigador na área da Física dos Plasmas com bolsa do Instituto de Alta Cultura;
1968 – 1970 – Professo provisório na Escola Afonso Domingos, em Lisboa.

Principal área científica de investigação: (hoje) História, Genealogia e


Património.
Outras áreas científicas de interesse: Electrónica e Telecomunicações,
Desenvolvimento do Ensino Superior e Estudos Europeus.
Prémios: Comenda da Ordem do Infante D. Henrique (2004) e dezenas de
louvores publicados nos respectivos órgãos oficiais.

Tem muitas intervenções e publicações nas áreas da Telecomunicações,


Educação/Ensino Superior e sobre Políticas Europeias.

Publicações na área de História e Genealogia

Livros

– Villa Portela, a família Charters d’Azevedo em Leiria e as suas relações familiares


(sec XIX), com Profs Doutores Francisco Queiroz e Ana Margarida Portela. Lisboa,
Gradiva. 2007
– Doutor D. Frei Patrício da Silva, O. S. A – Um Cardeal leiriense Patriarca de
Lisboa(1756 – 1840). Leiria, Textiverso, 2009
– As destruições provocadas pelas Invasões Francesas em Leiria. Leiria, Folheto, 2009
– Quem escreveu O Couseiro?. Leiria, Textiverso, 2010
– A morte do Barão de Porto de Mós. Leiria, Folheto, 2010
– A Estrada de Rio Maior a Leiria em 1791. Leiria, Textiverso, 2011
– Os Soares Barbosa – Ansianenses ilustres. Leiria, Textiverso, 2012
– William Charters – um oficial inglês em Leiria no século XIX. Leiria: Textiverso,
2013.

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

EDIÇÕES APOIADAS PELO AUTOR

Couseiro ou Memórias do Bispado de


Leiria, transcrição da 2.ª edição, de
1898. Leiria: Textiverso, 2011

Memórias das Caldas da Rainha


(1484-1884), fac-símile da edição de
1932. Leiria: Textiverso, 2012

História da Misericórdia de Alcobaça - Esboço


histórico desta Misericórdia desde a sua
fundação até 1910, fac-símile da edição de
1918. Leiria: Textiverso, 2013

91
Ricardo Charters d’Azevedo

EDIÇÕES APOIADAS PELO AUTOR

Cadernos de Estudos Leirienses. Vol. 1, Maio 2014; Vol. 2, Agosto 2014; Vol. 3, Dezembro 2014.
Leiria: Textiverso, 2014

Arquivos de Família: Memórias


Habitadas – Guia para salvaguarda
e estudo de um património em risco.
Lisboa: Instituto de Estudos Inácio Aires d’Azevedo: Músico com
Medievais (IEM), 2014 Leiria no coração. Leiria: Folheto, 2014

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

LIVROS DO AUTOR

Villa Portela, a família Charters Doutor D. Frei Patrício da Silva, O. S.


d’Azevedo em Leiria e as suas relações A. - Um Cardeal Leiriense Patriarca
familiares (século XIX), com os Profs. de Lisboa (1756 – 1840). Leiria:
Doutores Francisco Queiroz e Ana Textiverso, 2009
Margarida Portela. Lisboa: Gradiva, 2007

As destruições provocadas pelas


Quem escreveu O Couseiro?. Invasões Francesas em Leiria.
Leiria: Textiverso, 2010 Leiria: CEPAE/Folheto, 2009

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Ricardo Charters d’Azevedo

LIVROS DO AUTOR

A morte do Barão de Porto de Mós. A Estrada de Rio Maior a Leiria em


Leiria: CEPAE/Folheto, 2010 1791. Leiria: Textiverso, 2011

Os Soares Barbosa – Ansianenses William Charters – um oficial inglês


Ilustres. Leiria: Textiverso, 2012 em Leiria no século XIX. Leiria:
Textiverso, 2013

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Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

COLECÇÃO TEMPOS & VIDAS


1- Invasões Francesas – Leiria, 5 de 15- A Estrada de Rio Maior a Leiria
Julho de 1808: O Massacre da Portela em 1791. Ricardo Charters d’Azevedo
– 200 anos. Carlos Fernandes (org.) 16- Couseiro ou Memórias do Bispado
2- Mestre Cordeiro – uma vida filar- de Leiria. (Anónimo)
mónica. Carlos Fernandes e Vítor Cor- 17- Memórias do Correio de Leiria.
deiro Gonçalves Alda Sales Machado Gonçalves
3- Filarmónica das Cortes (Vol. I) – Da 18- Memórias das Caldas da Rainha
fundação às vésperas do Centenário. (1484-1884). Augusto da Silva Car-
Carlos Fernandes valho
4- Os Pescadores da Praia da Vieira 19- As minhas memórias (Leiria, 1909-
– O naufrágio do Salsinha. Hermínio 1939). Raul Faustino de Sousa
de Freitas Nunes 20- Os Soares Barbosas – Ansianenses
5- Viveiros. Cecílio Gomes da Silva Ilustres. Ricardo Charters d’Azevedo
6- Era assim no Funchal. Cecílio Go- 21- Ao encontro da Marinha Grande –
mes da Silva Circuitos da memória. Gabriel Roldão
7- 10 anos NOTÍCIAS DE COLMEI- 22- 50 Anos de Ocupação do Litoral
AS: 1999-2009. Joaquim Santos (org.) Oeste. O caso da freguesia de Pataias,
8- Doutor D. Frei Patrício da Silva, Alcobaça. Paulo Grilo Santos
O.S.A. – Um Cardeal leiriense, Pa- 23- História da Misericórdia de Alco-
triarca de Lisboa (1756-1840). Ri- baça. Francisco Batista Zagalo
cardo Charters d’Azevedo 24- William Charters - um oficial
9- PEREIRA ROLDÃO – Velha Famí- inglês em Leiria no século XIX. Ricar-
lia da Marinha Grande. Gabriel Roldão do Charters d’Azevedo
10- Rostos com história. Carlos Fer- 25- O Jornalismo Leiriense e a Grande
nandes Guerra (1914-1918) – O caso do sa-
11- Quem escreveu O Couseiro? Ricar- cerdote jornalista José Ferreira de
do Charters d’Azevedo Lacerda. Joaquim Santos
12- Sua Excelência a Moda. Alda Sales 26- Manuel Severim de Faria e a sua
Machado Gonçalves ida a Maçãs de D. Maria. Ricardo
13- Invasões Francesas – Leiria, 5 de Charters d’Azevedo
Março de 1811: O incêndio da cidade
– 200 anos. Carlos Fernandes (org.) OUTRAS COLECÇÕES
14- D. António Antunes, Bispo de Ver em: www.textiverso.com
Coimbra, filho ilustre da freguesia da
Barreira – Leiria (1875-1948). Pedro ENCOMENDAS:
Moniz textiverso@sapo.pt

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