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POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA

DA SILVA DE CARVALHO, DOS SENHORES DO PRAZO


DA TORRE DA MURTA E DO MORGADO DO TORRÃO (I)

Miguel Gorjão-Henriques da Cunha 1

I. Nota Prévia

O trabalho que agora damos ao público corresponde a um desenvolvimento


do estudo sobre a ascendência de Nuno Tristão Infante de Sequeira Correia da
Silva de Carvalho, que foi o último senhor, no Antigo Regime, do antiquíssimo
prazo da Torre da Murta, concedido a Martim Correia ainda no reinado de Dom
Afonso V.
Como é evidente, não é possível comprimir no espaço de uma publicação
periódica, para mais com incomparável prestígio, todas as notas que a nossa inves-
tigação revelou, pelo que o trabalho é necessariamente parcelar e centrado, no
essencial, à volta da vertente genealógica. Na verdade, é natural que, debruçando-
-se sobre o nome de Nuno Tristão, o leitor se recorde de outro Nuno Tristão,
seu antepassado, que, criado de moço na câmera do Infante Dom Henrique,
foi um dos seus mais provenientes navegadores, sendo as suas aventuras recor-
dadas com grande pormenor – e, certamente, com significativa liberdade lite-

1
Assistente Convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Advogado.
C.H.D. da Soberana Ordem Militar de Malta. Contacto: mgorjaoh@gmail.com. O Autor segue
a chamada ortografia “antiga”, por lhe parecer – sem indagação profunda – aquela que vigora na
ordem jurídica portuguesa.

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MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

rária – pelo cronista Gomes Eanes de Zurara, na sua Crónica dos Feitos da Guiné.
Mas não é ainda hoje que nos ocuparemos da ascendência varonil dos Sequeiras,
de Santarém, ou desta Família Infante de navegadores, das quais, aliás, Nuno
Tristão era também o primogénito e de que era também, na hoje irregularmente
chamada “representação genealógica”, o Chefe. Sobre estas linhas esperamos ter
vida e saúde para escrever em volume autónomo, até porque dispomos de fundos
documentais extraordinários, que merecem um tratamento quantitativo incom-
patível com o presente formato.
Mas também não é esta a ocasião para escrevermos sobre a ascendência da
Mãe deste Nuno Tristão, cuja ascendência (v.g. Lemos Pereira de Lacerda, Garcez
Palha, Oliveira, Vasconcelos, etc.) estamos em vias de publicar em trabalho autó-
nomo, já hoje com cerca de 1000 páginas, e que esperamos que possa suceder
durante o ano de 2014. Sobra, por isso, a ascendência pelo lado Correia da Silva
de Carvalho, que esperamos possa interessar ao leitor, e que corrigirá algumas
dúvidas e até inexactidões que proliferam nos trabalhos genealógicos. Como é
evidente, também aqui não estarei imune ao risco. Com efeito, como o leitor
verá, também me falta a capacidade para ter algumas certezas e desfazer algumas
dúvidas. Contudo, o objectivo é o de dar ao público conhecimento do trabalho
realizado e esperar que outrém, a partir de agora mais avisado e conhecedor, possa
desenrolar um pouco mais as gerações na meada tentacular dos séculos passados,
corrigindo, completando e desenvolvendo aspectos que aqui ficam necessaria-
mente tratados de forma incompleta e imperfeita.

II. Sobre Martim Corrêa, 1.º Senhor da Torre da Murta

Armas dos Correia de “Farlães” publicadas por Manuel Abranches de Soveral


em www.soveral.info/mas/Correia.htm 2

2
Acedido a 20 de Outubro de 2010.

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POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

O prazo da Torre da Murta, foreiro à Mesa Mestral da Ordem de Cristo,


teve como seu primeiro senhor Martim Corrêa (Martim Correia) 3, sobre o qual
faltam as certezas sobre a sua ascendência, que não foi possível até hoje esclarecer
em definitivo. São muitas as hipóteses genealógicas que ao longo dos séculos têm
sido postas quanto à sua ascendência, o que nos faz crer que poderá ser filho
natural ou bastardo.
A primeira hipótese, segundo o arquivo da Casa de Farelães, mencionado
por Felgueiras Gayo, entroncaria por varonia nos Correias, ditos de Farelães, cuja
linhagem consta da generalidade dos genealógicos. Segundo esta corrente, a que
Felgueiras Gayo se referia dubitativamente, e que expusemos em trabalho anterior,
de 2006, teria sido filho de Fernando Afonso Correia, Senhor da Casa e Honra de
Farelães (confirmado em Santarém – 1385). Senhor de Viatodos, S. Pedro do Monte e
Vila Meã (Meam), f. 1395. Senhor de Valadares e Riba de Mouro (Santarém, 3.8.1424),
de juro, e a Honra de Lanhas (1387). Nas doações o Rei D. João I chama-lhe seu «vassalo»,
que era na época título de grande qualidade. Aquele Fernando Afonso Correia terá casado,
antes de 1365, com D. Leonor Anes da Cunha, filha (ou bisneta, seguindo o prof. Sotto-
mayor Pizarro) de João Martins da Cunha e de sua mulher D. Sancha Vasques Pimentel.
Foram pais de 4, entre outros, de ««8.10. Martim Correia, «casado com Leonor da Silva, de
que vêm os Senhores da Casa da Murta (...) esta é a filiação que lhe dá a Casa de Farelães»,
mas não a que Felgueiras Gayo preferia, nem o que seguimos (v. infra, neste TT.) 5
Numa segunda hipótese, também divulgada por Felgueiras Gayo, seria neto
daquele Fernando Afonso Correia e filho legítimo secundogénito do filho primo-
génito deste, de seu nome «Gonçalo Correia. Senhor da Honra de Farelães, de
Valadares e de mais terras de seu Pai. Trocou o senhorio de Valadares (P. de Lima)
com D. Duarte, que lhe deu o de Cunha-a-Velha (D. Duarte – 21.11.1433 6).
Alcançou sentença contra o Duque de Bragança, em relação ao Senhorio de Fare-
lães. Alferes mor do Rei D. Duarte. Casou duas vezes, a primeira 7 com D. Branca
de Pinho Botelho (ou, como aparece numa Genealogia Manuscrita da Torre do
Tombo, tt. “Correa, Mello das Ilhas”, «Branca Roiz Botelha»). Foram pais de

3
Para a sua biografia, Henrique Baquero Moreno, A Batalha de Alfarrobeira, Lourenço Marques,
1973, pp. 772-773. ver ainda D. Araújo Afonso/Travassos Valdez, Livro de Oiro da Nobreza,
1932, Vol. III; Manuel de Sousa da Silva, Nobiliário das Gerações de Entre Douro e Minho, vol. I,
pág. 481.
4
Felgueyras Gayo (Manuel José da Costa), Nobiliario das Familias de Portugal, 12 vols. Fac-Simile da 1.ª
Edição Póstuma (1938, Pax, Braga), Ed. Carvalhos de Basto, Braga, 1990, pp. 433-434 (adiante: FV:
volume: página) FG: IV: 433-434.
5
FG: IV: 434 e 444.
6
Torre do Tombo (adiante, TT), Chancelaria do Rei D. Duarte, CH.1.20-20v.
7
Para alguns era segunda mulher.

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Martim Correia, segundo alguns». É de salientar que o próprio Felgueiras Gayo não estava
certo disto.
Mais credível nos parece a terceira hipótese. Com efeito, em documentação
impressa mais próxima da época em questão e, sobretudo, desligada da construção
linhagística, aparece como filho natural de Álvaro Vasques Correia, Alcaide-mor de
Abrantes e Comendador de “Ortalagoa” da Ordem de Santiago, filho de Vasco
Correa. A este respeito, há que dizer, no entanto, que o Alcaide-Mor de Abrantes
não se chamava Álvaro mas Afonso Vasques Correia.

Chancelaria de Dom João I – mercês a Afonso Vasques Correia, logo no livro 1

Esta hipótese é aquela desenvolvida no texto que, sob o título Anedotas,


Cristóvão Lund encontrou na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos
e publicou em 1980 8. Como aí se dizia, «ElRey D. Joaõ o 1.º de boa memoria
quis cazar duas Damas da Raynha D. Phelipa sua m.er, das quais huã se chamava
Beringeira Nunes, e era filha de Ruy P.ra o bravo (…) e buscoulhe maridos quais
entendeo que lhe convinhaõ, p.ª Birigueira Nunes, Alv.º Vasques Correa, Alcayde
Mor de Abrantes, e comendador da Ortalagoa da ordem de Santiago, f.º de Vasco
Correa (…)». Escusado será dizer que não tinham os noivos afeição entre si e
os casamentos foram tão pouco alegres que, à mesa, disse o Rei: «eu busqueilhes
a ellas os maridos q entendi q lhes convinhaõ assim na nobreza como no demais, e
a elles as molheres com que me pareceo lhe[s] etava bem cazar, mas já q nem elles,
nem ellas, se deraõ por contentes, eu vos prometo q me naõ [meto] mais em outra» 9.
E continua a história seguinte, a que mais à frente voltaremos 10: «O sobred.º Alv.º
Vasques Correa por morte de sua pr.ª mulher Beringueira Nunes cazou segunda vez
com Violante Vasques, f.º de Vasco Miz de Sousa, e de nenhuma destas m.ces ouve f.os,

8
Christopher L. Lund, Anedotas portuguesas e memórias biográficas da corte quinhentista e histórias
e dito galantes que sucederam e se disseram no Paço – contendo matéria bibliográfica inédita de Luis
de Camões e outros escritores do século XVI, Almedina, Coimbra, 1980, pp. 100-102.
9
Cristopher Lund, op. cit., LXII, fl. 78, pp. 100-101.
10
Cristopher Lund, op. cit., LXIIi, fl. 79, pp. 100-101.

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fora de matrimonio ouve hũ som.te por nome Martim Correa, este Martim Correa foy
criado, e feitura do Infante D. P.º Duque de Coimbra f.º 2.º delRey D. Joaõ o 1.º, o
qual Infante lhe fez dar a Torre da Murta 3 legoas de Thomar, indo por Coimbra, q
he prazo da orde de Xpõ».
Contudo, na Chancelaria de Dom Duarte I aparecem, em 8 de Junho
de 1435, duas mercês a “Guiomar Afonso, N... de Afonso Vasques da Horta
Lagoa” 11, também identificado como “Vassalo de D. João I, que foi Comendador
de Horta Lagoa” 12. Também a filha desta Guiomar Afonso, de seu nome “Isabella
Gonçalves 13” pediu a Dom Afonso V a confirmação. Esta versão parece também
compatível com a que dá
Dom Flamínio de Souza,
que apresenta Martim
Correia como filho “B.”,
isto é, bastardo, de “A.º
Vaz Correia”, filho de
Vasco Correia, Alcaide
Mor de Abrantes;

11
TT, Chancelaria de D. Duarte I, liv. 1, fol. 115, que não consultámos.
12
TT, Chancelaria de D. Duarte I, liv. 3, fol. 50, que não consultámos.
13
Casada com Fernão de Abreu, “Cavaleiro da Casa do Infante Dom Pedro”, “filha de Guiomar
Afonso, neta de Afonso Vasques, que foi Comendador DortaLagoa”, pediu a confirmação de
foro de “vinha e lugar” de Valada, termo de Santarém”, aforamento esse (o original) escrito por
Fernão Lopes. O teor da mercê originária e da sua confirmação constará da Chancelaria de Dom
Afonso V, Liv. 2, fl. 36, mas está transcrito em Memoria para a Historia das Confirmações Regias
neste Reino com as respectivas provas colligidas pelos discípulos da Aula de Diplomática no anno de
1815 para 1816 debaixo da Direcção dos Lentes Proprietário, e Substituto da mesma Aula, Lisboa,
Impressão Régia, 1816, pp. 157-159.

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Já no outro ponto do seu monumental trabalho, onde se ocupa da Família


dos morgados de Oliveira, Dom Flaminio dá-lhe outra ascendência, que consti-
tuirá assim a quarta hipótese principal.

Segundo esta versão, seria (também) filho bastardo de Afonso Vaz Correia,
que casou duas vezes, a primeira com D. Beringeira e a segunda com Violante
Vaz. Este Afonso Vaz Correia, Alcaide-Mor de Abrantes, por seu turno, seria
filho de Vasco Correia e de D. Leonor, esta filha de Mem Pires de Oliveira e de
“uma sua manceba”. De notar, no entanto, que D. Flaminio, aqui, lhe dá o nome
de Martim Correia de Oliveira e o diz privado do Infante D. Pedro, filho de
D. João I.
Mas outras possibilidades foram sendo dadas. Cristóvão Alão de Moraes,
na sua Pedatura Lusitana, ou o Padre Carvalho da Costa, na sua Chorographia,
já no início do séc. XVIII, dizem-no filho de Afonso Vasques Correia e de Dona
Beringeira Nunes. Legítimo, portanto.

Chorographia Portugueza – Tomo III (pág. 222)

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Esta hipótese, diga-se, foi também admitida por Felgueiras Gayo, que
chamava Afonso Vaz Correia, justamente “comendador de Ortalagoa” na Ordem
de Cristo e de sua mulher 14 D. Beringeira Nunes, “Dama da Rainha D. Filipa
mulher de El-Rei D. João I, filha de Rui Pereira, Capitão da Armada que veio ao
Porto e foi morto pelejando defronte de Lisboa”. A ser esta hipótese verdadeira, o
resultado seria ainda mais interessante, do ponto de vista familiar, visto que este
Afonso Vaz ou Vasques Correia (que casou com Beringeira Nunes) era o irmão
de Inês Martins Correia, que casou com Luís Henriques, progenitor dos “Henri-
ques, do Bombarral” e um dos principais troncos da Família estudada no nosso
livro Gorjão Henriques, de 2006. Seria ainda Martim Correia neto de um Vasco
(Martins) Correia e de D. Leonor Mz de Oliveira, filha do morgado de Oliveira
Mem Pires de Oliveira. 15
Finalmente, muito mais perto de nós, o conhecido genealogista Manuel
Abranches de Soveral, no seu Ensaio sobre a origem dos Correa, senhores de Farelães,
di-lo filho de outro Martim Correia, filho de Afonso Vasques Correia acima.
São por isso cinco, pelo menos, as teses que se construíram para deter-
minar a verdadeira varonia de Martim Correia. Por nós, constata-se que, em qual-
quer delas, sempre entroncará, mais remotamente ou não, naqueles “Correias”
antigos, ainda que com diferente relevo e consequências, consoante o faça por
varonia legítima, por varonia ou por via feminina. Por nós, contudo, cremos que
a hipótese dada por Dom Flaminio e pelo texto contemporâneo é aquela que se
afigura mais apropriada e que deverá ser seguida pelos investigadores, até prova
em contrário.

14
Na verdade, no tt. “Pereira”, Felgueiras Gayo diz que D. Beringeira e seu marido não tiveram
descendência, indo por isso em sentido próximo da fonte coeva, que sustenta ser Martim Correia
filho natural de Álvaro (e não Afonso, mas pode ser gralha de leitura, por exemplo) Vasques
Correia. Igualmente, no tt. “Correias”, não afirma explicitamente que Martim Correia seja filho
legítimo.
15
Vide FG: IV: 443-444.

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Torre de D. Gayão ou Langalhão ou Torre da Murta, junto a Pereiro e Tojal, “no termo de Pias”
(2009), a reclamar urgente atenção pública, para evitar a sua destruição final 16

16
As Ruínas da Torre do Langalhão, ou Torre da Murta, nas Areias foram classificadas pelos
Decretos n.os 30762, de 26 de Setembro de 1940 e 32973, de 18 de Agosto de 1943 – v.
Resolução do Conselho de Ministros n.º 175/95, que aprova o Plano Director Municipal de
Ferreira do Zêzere. Para fotografias de 1918 ou em época próxima da Torre e uma descrição
das suas lendas, v. António Baião, A Vila e Concelho de Ferreira de Zêzere – Apontamentos para a sua
história documentada, Imprensa Nacional de Lisboa, 1918 (segunda reimpressão da 2.ª edição, mandada
fazer pela Câmara Municipal de Ferreira de Zêzere – Edição 2008), pp. 91-94 (adiante citado como AB:
n.º da página), pp. 5-7. A fotografia do lado esquerdo foi tirada do blogue http://apaulaferreira.
blogspot.pt/2010/07/rego-da-murta-areias.html, acedido a 14 de Outubro de 2013. A fotografia
do lado direito foi tirado pelo Autor deste trabalho. Um conjunto impressivo de fotografias
pode também encontrar-se em https://www.facebook.com/media/set/?set=a.36247903052481
6.1073741825.140541056051949&type=1. Mais informação e um mapa da localização das
ruínas da Torre da Murta pode encontrar-se em http://www.mediotejodigital.pt/NR/rdonlyres/
F854CBB8-49B9-4477-91D5-FDC41FA6AA20/0/Ferreira_Torre_Murta.pdf. A sua ficha, na
página do IGESPAR. IP, pode consultar-se em http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/
geral/patrimonioimovel/detail/74706/ Na literatura antiga, como no livro de 1862 sobre as
vilas da Monarquia Portuguesa com Brasão d’Armas ou no recente texto de Ana Torrejais, em
www.ferreiradigital.com, acedido a 2 de Setembro de 2009, encontra-se descrita a lenda ligada a
este monumento:
«Património classificado do Concelho de Ferreira do Zêzere [IIP; Dec. n.º 32973, DG175,
de 18 de Agosto de 1943], a Torre da Murta – também conhecida por Torre do Ladrão Gaião ou
Torre do Langalhão – situa-se na freguesia de Areias, mais concretamente no lugar do Pereiro,
num morro próximo à EN 110.

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As origens deste imóvel encontram-se envoltas na penumbra da lenda, síndroma místico que
se deve, em grande parte, ao facto de ainda se encontrar por realizar um aprofundado estudo
arqueológico no local que, de certo, ajudaria a perceber melhor o seu passado.
No entanto, sabe-se que, ao tempo da Reconquista Cristã, a Torre da Murta terá funcionado
como uma importante estrutura defensiva, complementar ao sistema de fortificações então exis-
tentes no corredor Douro-Tejo que, deste modo, dificultariam o acesso mouro ao norte cristão.
Parte do território conquistado aos sarracenos nesta região estendia-se entre as terras
de Alvaiázere e Vila de Rei, constituindo-se um extenso Reguengo, a que se deu o nome de
Monsalude, que posteriormente seria fraccionado em diferentes parcelas, entregues a diferentes
forças administrativas. É desta forma que, em 1135, D. Afonso Henriques doa a sua herdade
de Pedrógão a Osberto, Mónio Martins e Fernão Martins, para que a ocupassem e rentabi-
lizassem. Esta parcela administrativa incluía ainda a propriedade da Torre da Murta que, em
1152, pertencia a D. Gaião, alcaide de Santarém, personagem imortalizada na tradição oral
ferreirense por todo o conjunto de lendas geradas em torno do lugar e que encontram a sua
máxima expressão numa das próprias designações do imóvel: Torre do Ladrão Gaião.
Segundo uma dessas lendas (que, no entanto, pode apresentar variantes), Gaião seria um
gigante que habitava nesta torre, roubando os transeuntes que por ali passavam. Certo dia,
porém, um pequeno homenzinho, que transportava consigo uma bolsa de moedas de ouro,
vendo-se cercado pelo gigante, esperou que este se inclinasse para o roubar. Ao fazê-lo, o homen-
zinho apunhalou o ventre de Gaião que, no entanto, ao cair esmagou o seu assassino. Outra
lenda, idêntica à anterior, refere que nesta torre viveria igualmente um gigante que, tendo um pé
em casa, chegava com o outro ao Pereiro, apanhando deste modo as raparigas, que levava para a
torre, onde deixavam a virgindade.
Apesar do carácter fantasioso destas histórias, não se pode desprezar, contudo, que estas
encerram quase sempre algum fundo de verdade. De facto, no seguimento da tradição muçul-
mana, as atalaias medievais poderiam servir como locais onde se instalava, durante determinados
períodos de tempo, o alcaide, ou seja, o governador militar do território concelhio e, como
tal, comandante da hoste local. Ao alcaide cabia também a responsabilidade pelo policiamento
local, desempenhando funções judiciais e recebendo, inclusivamente, os dinheiros ou géneros
respeitantes ao pagamento de imposto e taxas tributáveis à população local. Por tudo isto, e dada
a posição privilegiada que ocupava na comunidade, o alcaide era geralmente encarado com um
certo desdém pelos restantes indivíduos, que nele viam um opressor aos seus interesses.
D. Gaião doaria a propriedade da Torre da Murta à Ordem do Templo que, por volta de
1159, era limítrofe à herdade do Castelo e Termo de Ceras, pertencente à mesma Ordem. Já por
essa altura a atalaia se encontrava arruinada, pois quando D. Gualdim Pais passou pelo Castelo
de Ceras, então totalmente derrubado, o único lugar fortificado que encontrou foi o Castelo
do Ladrão Gaião, que ficava a cerca de uma légua de distância, e cujas paredes se encontravam
igualmente destruídas.
Para este estado de decadência, que se estendeu a outras fortificações da região – como
Dornes e Monsalude –, contribuíram três ordens de factores: em primeiro lugar, a destruição
causada pelos conflitos gerados na sequência do movimento de Reconquista; em segundo lugar,
o aparecimento de novos pólos fortificados – como Tomar e Almourol –, estrategicamente mais
fortes do ponto de vista militar e administrativo; em terceiro lugar, a cessão dos conflitos – com
a conquista definitiva do Algarve, em 1252 –, o que conduziria ao abandono definitivo das
estruturas defensivas ou ao seu reajustamento a outras funções.
No que se refere à Torre da Murta, a função que melhor lhe coube foi a de armazém de
colheitas ou outros bens comunitários. De facto, quando Frei Afonso, Vigário de Tomar, a

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MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Mapa da Torre da Murta na página electrónica da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo,


em www.mediotejodigital.pt

visitou em 1416, servia como celeiro, onde era depositada a cevada de pagamento ao arrenda-
mento da herdade, então emprazada a Martim Correia, Guarda-mor do Infante D. Henrique e
o primeiro dos doze Senhores da Torre da Murta.
Na sua origem, a Torre da Murta apresentar-se-ia como uma atalaia medieval de grandes
dimensões, pois os dois paramentos, Sul e Nascente, que se aguentaram na verticalidade até aos
dias de hoje, deixam ainda perceber a sua estrutura paralelipipédica. Esta subdividir-se-ia em três
sobrados de paredes robustas, construídas em pedra calcária, num aparelho de alvenaria relativa-
mente homogéneo. Quanto ao seu cariz militarizante, este é denunciado quer pela robustez do
aparelho construtivo, quer pela única fresta que sobreviveu na parede nascente da construção;
porém, no que se refere à existência de ameias e matacães, à muito que estes desapareceram, pois
o terceiro patamar da fortificação já quase desapareceu por completo.
Assim sendo, aos dias de hoje, chegou-nos uma estrutura bastante arruinada, cujo estado de
abandono é agravado pela inexistência de um trilho de acesso ao imóvel, que assim permanece
oculto pelos extensos matagais e pelo lixo que se vai acumulando em seu redor.
Por esta razão, poucos são hoje aqueles que, na própria região, conhecem a Torre da Murta,
ou melhor, as duas teimosas paredes que insistem em assinalar a sua presença no alto do morro
que as viu nascer. Contudo, as pessoas do lugar do Pereiro lá vão ouvindo falar de uns “muros
muito antigos”, que as lendas e as histórias vão animando e trazendo à vida. Não fossem elas, e
a presença da Torre da Murta já há muito que se havia apagado da memória das gentes. (…). E,
assim, perdendo-me por aqueles trilhos que nos levam sabe lá Deus onde, deparar-me-ia com o
espectáculo da antiga construção que, quase totalmente deitada por terra, ainda nos atinge com
significativa imponência. Por tudo isto, é necessário intervir, quanto antes, com vista à consoli-
dação estrutural do imóvel, assim como apostar na revalorização do seu enquadramento físico.»

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Martim Correia foi importante Fidalgo e o 1.º Senhor da Torre da Murta


«no termo da vila de Pias», por mercê do Infante D. Henrique («título concedido
em três vidas, que foi prorrogado sucessivamente»), de quem era Guarda-Mor 17 e de
quem foi testamenteiro 18. Comendador de Aljustrel e Alcaide mor de Montemor-
-o-Velho 19. Não sabemos quando nasceu mas supomos, pelo cômputo das datas,
que tenha sido entre 1425 e 1435.

17
Academia Portuguesa de História, Cartas dos Governadores do Algarve (1638-1663), Lisboa,
1978, pp. 249; João Silva de Sousa, A casa senhorial do Infante D. Henriques, ed. Livros Horizonte, Lisboa,
1990, pp. 120 e 128. Como aí se diz: «Foi Guarda-mor de D. Henrique e homem do seu Conselho.
Terá ido a Ceuta e depois a Alcácer Ceguer. Vide Gomes Eanes de Zurara (…), cap. 96. Veja-se ainda
a Crónica de D. Duarte de Meneses, caps. 62 e 68».
18
Monumenta Henricina, vol. XI, Coimbra, 1970, pp. 134. AB: 89 diz que D. Afonso V é que foi
o testamenteiro do infante.
19
Monumenta Henricina, vol. XI, Coimbra, 1970, pp. 209-210, que contém o texto de doações
a Martim Corrêa de bens em Montemor-o-Velho, até aí pertencentes a partidários do Infante
D. Pedro, em Alfarrobeira (25 de Março de 1450).

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MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Chancelaria de Dom Afonso V

deu o prazo da Torre da Murta e o casou


com Leonor da Silva, o que é um evidente
anacronismo. Com efeito, o Martim
Correa em epígrafe deve ser o homónimo,
cavaleiro do infante D. Pedro, que tinha a
comenda de Aljustrel, a qual por sua morte
ficou vaga, tendo-a D.  Afonso V passado
a 31.1.1444 a Martim Vasques Mascare-
nhas, com consentimento de D. Fernão
Martins Mascarenhas, comendador-mor da
Ordem de Santiago. Morreu portanto antes
de Alfarrobeira. E deve também ser este o
Martim Correa que deixou viúva Inez Dias,
a quem D.  Afonso V doou a 17.10.1453
a renda dos moinhos situados no termo de
Penela, na Ribeira de Cabra, e que ainda
vivia a 15.7.1463, quando o mesmo rei
concedeu carta de privilégio a Inez Dias,
mulher viúva de Martim Correa, para
todos os seus caseiros, mordomos, apani-
guados e lavradores da comarca e correição
da Estremadura, isentando-os do direito de
pousada. Este Martim Correa deve ainda ser
o que pediu e obteve para seu primo (certa-
Excertos do Padre Carvalho da Costa (1707)
mente pelo lado da mãe) Diogo Álvares,
e de Manuel Abranches de Soveral (www.sove-
escudeiro, morador na vila de Aljustrel, o
ral.info/mas/Correia.htm, acedido
cargo de coudel da dita vila e seu termo,
a 20 de Outubro de 2010) para que foi nomeado a 16.2.1439.
3.4.1.    Martim Correa, nascido cerca de
«3.4.  (N) Martim Correa, segundo Alão, 1400, claramente distinto e posterior ao
que o diz bastardo, tendo ficado órfão que leva por pai. Alão deve ter confundido
ainda menino e ter sido criado com o os dois num só, pelo que algumas coisas
infante D.  Pedro, de cuja casa viria a ser que diz do pai poderão aplicar-se a este.
cavaleiro. O infante D. Pedro nasceu em É  o Martim Correa, cavaleiro do infante
1392 e este Martim Correa teria de ter D. Henrique, que a 20.5.1452 teve do rei
nascido antes de 1385, ano da morte de uma tença anual de 8.000 reais de prata, a
seu alegado pai. Diz ainda Alão que esteve juntar à tença de 4.000 reais que já usufruía.
com o infante em Alfarrobeira e depois E foi alcaide-mor de Silves, como veremos
fugiu para Castela, donde voltou, sendo adiante. Este Martim é que teve a Torre da
perdoado por D.  Afonso V, que então lhe Murta (25.3.1461) e casou com Leonor da

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POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

Silva, natural da Madeira, donzela da rainha Martim Correa terá morrido em meados
e filha de um Fernão Martins do Carva- ou finais de 1461. Também não existe carta
lhal, segundo o LLXI e Damião de Góis. de perdão pela sua alegada participação
Segundo Alão, o rei deu-lhe em casamento em Alfarrobeira, pelo que deve ter sido
Leonor da Silva, que então estava enamo- confusão com seu proposto irmão. Pelo
rada de Nuno Furtado de Mendonça, o contrário, terá recebido bens de partidários
qual avisou Martim Correa que se aceitasse de D. Pedro que estiveram nesta batalha,
esse casamento “lhe havia de por os cornos”. segundo a Monumenta Henricina. Alão só
Acrescenta aquele autor que Martim Correa lhe nomeia um filho, o antedito Henrique
aceitou o casamento por causa da ameaça e Correa da Silva, que terá nascido cerca de
levou a mulher para a Torre da Murta, onde 1445 e foi do Conselho de D. Manuel I,
a acoitou, avisou da ameaça do namorado com geração nos Correa da Silva, alcaides-
e viveram “com grandes desgostos”, vindo -mores de Tavira. A 29.8.1464 Henrique
Martim Correa a morrer no escalamento de Correa, cavaleiro do infante D. Henrique e
Tânger, após o que Leonor da Silva casou fidalgo da Casa Real, teve o castelo e direitos
com o dito Nuno Furtado de Mendonça. de Silves, bem como as rendas da mouraria,
E isto é certo, pois a 18.7.1476 D. Afonso com os 2.000 reais que pagam os mouros
V doou a Leonor da Silva, viúva de Nuno da cidade, e ainda as rendas do mordo-
Furtado, que fora aposentador-mor, as mado e do relego, tudo como tinha seu pai,
tenças anuais que estão assentes no almo- como se diz numa carta de confirmação
xarifado de Santarém [11]. E a 21.3.1513 de 5.3.1486. É ainda o Henrique Correa,
Leonor da Silva, mãe de Henrique Correa, fidalgo da Casa Real, que a 10.10.1496 teve
fidalgo da Casa Real, fez procuração a Diogo uma tença de 30.000 reais de D. Manuel I,
Afonso, seu escudeiro, para poder arrecadar e dois meses depois 300.000 reais em satis-
do almoxarife de Aveiro 14.933 reais que fação das rendas da mouraria de Silves, e
tem por desembargo. Pela cronologia envol- ainda várias outras mercês.»
vente, Leonor da Silva, que nasceu cerca de
1430 e, como vimos, ainda vivia em 1513, “Os Furtado de Mendonça portugueses. Ensaio
[11]

sobre a sua verdadeira origem”, Porto 2004, por


casou com Nuno Furtado cerca de 1462, Manuel Abranches de Soveral e Manuel Lamas
e seguramente antes de 1464, pelo que de Mendonça.

Acompanhou os Infantes D. Henrique e D. Fernando a Tânger, onde


morreu em combate 20, no «escalamento de Tânger, em 1463 (…) sobre um
baluarte do qual conservou o nome; o que é confirmado por uma carta (…) regis-
tada a fls. 130 v do liv. XXXII da Chancelaria de D. Manuel» 21. «Recebeu em 1450
bens móveis e de raíz de três partidários de D. Pedro que estiveram em Alfarrobeira
[«João Rodrigues Ferro e Afonso Gonçalves, ferrador, moradores em Montemor-

20
É diferente a notícia da sua vida que dá FG: IV:444 – seguimos aqui a Monumenta Henricina.
21
António Baião: 88.

365
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

-o-Velho, e Fernão Gonçalves, de Tavarede» 22]. Em [20 de Maio de] 231452, foi-lhe
concedida a tença anual de 8000 reais brancos», a partir de 1 de Janeiro desse ano e
«até “lhe encaminharmos algum castelo que por nós tenha, com suas rendas”» 24.
Continuando a citar o prof. Baquero Moreno, «[j]á em 1454, tomou parte
activa nas campanhas marroquinas e numa expedição às Canárias, vindo a falecer em
1464 25. Em 1461 26, D. Afonso V havia-lhe dado, a título hereditário, casas e vinhas
do Navegador [Infante D. Henrique] em Tomar» 27 [Torre da Murta, justamente] 28,

22
AB: 88, citando como fonte o Livro VIII da Estremadura, fl. 268. A mercê foi feita sob reserva
dos «direitos das mulheres e filhos à parte que respectivamente lhes coubesse pelas leis do reino».
23
Monumenta Henricina, vol. XI, Coimbra, 1970, pp. 171.
24
AB: 89. A 20 de Maio de 1452, D. Afonso V doa a Martim Correia, cavaleiro do infante
D. Henrique, uma tença anual de 8.000 reais brancos, a partir de 1 de Janeiro de 1452,
sendo 4.000 reais de tença que já usufruía – TT, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 12, fl.
64v. Eis a transcrição, feita pelo Mestre Miguel Maria Tellez Moniz Côrte-Real, que muito
agradecemos:«Dom Afomso cetera a quantos esta carta virem fazemos saber que nos querendo
fazer graça e merçee a Martim Correa caualleiro do Ifante Dom Henrrique meu mujto preçado
e amado/ thio Teemos por bem e outor(?)gamos que aja de nos em teença des primeiro dia de
Janeiro que ora foy desta era pressente de iiijc Lij en diante em/ en cada huum ano oyto mjl
rreaes brancos comtando em esto os quatro mjl rreaes que ataa o dicto primeiro dia de Janeiro
de nos ouue de tença os quaes oyto mjll/ rreaes nos praz que de nos aja des o dicto primeiro dia
de Janeiro en diante como dicto he em [cada hum anno] ataa que lhe encamjnhemos algum/
castello que por nos tenha com suas rrendas A quall teença sera pagua per carta que em cada hum
anno sobr’ello avera de nossa/ da nossa fazenda segundo nossa hordenança E em testemunho
<de uerdade> lhe mandamos dar esta nossa carta assinada per nos e/ ssellada do nosso pendente
dada em Viana d’Alujto xx dias de Maio Martym Gill a fez ano do Senhor Jeshu Christo de mjl
iiijc Lij annos./À margem : “Martym/ Correa”».
25
Como vimos, segundo AB: 88, morreu no escalamento de Tânger, em 1463.
26
A 25 de Março, como informa AB: 89, que indica a fonte: Livro 5.º da Estremadura, fl. 156.
27
Refere Humberto Baquero Moreno [A Batalha de Alfarrobeira – antecedentes e significado histórico,
Dissertação de Doutoramento apresentada aos Cursos de Letras da Universidade de Lourenço Marques,
Lourenço Marques, 1973 (separata da Revista de Ciências do Homem da Univ. de Lourenço Marques, vol.
IV, série B, 1973)], pág. 773: «Numa carta régia de 25 de Março de 1461 aparece a declaração de que
o Infante D. Henrique era devedor a este guarda-mor e membro do seu conselho da quantia de 73465
reais brancos, correspondente a vencimentos e tenças a que tinha direito no período em que o serviu
atá à sua morte. D. Afonso V tendo em atenção os grandes serviços prestados pelo fidalgo, outorga
em seu benefício, com extensão a seus ascendentes e descendentes, “as casas com seu assentamento e
vinha que o dito meu tio tinha na vila de Tomar, que foram de D. Fernando de Castro, que Deus
perdoe, em pagamento dos ditos 73465 reais” da referida dívida. Eram abrangidos nesta doação as
entradas, saídas, rendas, direitos, foros, pertenças, etc.» (em relação à citação da carta, o português
foi “actualizado”) – Monumenta Henricina, vol. XI, Coimbra, 1970, pp. 134 (no mesmo sentido
ia, já anteriormente, AB: 89).
28
João Silva de Sousa, A casa senhorial do Infante D. Henriques, ed. Livros Horizonte, Lisboa, 1990, pp.
446-447, com a indicação, como é costume, das fontes.

366
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

no termo da vila de Pias, a três léguas de Tomar 29. O emprazamento «foi feito
pelo preço de 31 coroas de ouro de 120 reais a coroa, quer dizer por 3:720 reais
cada ano, ou seja, 56: reis, pouco mais ou menos, da nossa época» 30 [entenda-se de
1918?]. Teria Martim Correia vivido na Torre da Murta ou em Tomar? Segundo
António Baião, «bem pequena devia ter sido a assistência 31 de Martim Correia na
sua quinta da Torre da Murta, pois só nos consta que a mulher, provavelmente após a
sua morte [e como veremos, D. Leonor da Silva casou depois com Nuno Furtado
de Mendonça e foram pais de D. Ana de Mendoça, que teve de El-Rei D. João II
o Senhor Dom Jorge e foi Comendadeira de Santos – teria vivido aqui a jovem
Mãe do Duque de Coimbra?], mandou fazer uma habitação no sítio do Tojal,
de onde melhor poderia dominar a sua vasta propriedade, compreendendo sete
casas e entre essas uma estrebaria, uma câmara térrea com uma chaminé, outra
forrada de madeira de castanho, de onde se subia por uma escada de pau para
uma câmara sobradada, também com uma chaminé, que não saia para fora do
telhado, e uma janela de assentos com suas portas contra o poente, e ainda uma
casa sobradada servindo de celeiros. Era assim em 1504». E continuava António
Baião: «habitaria porventura aqui a viúva do conselheiro do Infante D. Henrique
em tão mesquinha habitação, madeirada de madeira de castanho e telhada de
telha vã, com o seu segundo marido Nuno Furtado? Ou iria para a habitação
que (…) el-rei D. Afonso V lhe havia doado em Tomar?» 32. Se é certo que por
vezes “assistiam” em Tomar, concordamos igualmente com a ideia de que por
vezes estariam na Torre da Murta, não só por ser importante pólo patrimonial da
Família, mas também porque em época bem anterior a 1550 foram feitas casas
especiais para o feitor Diogo Afonso, escudeiro 33.
Martim Correia terá morrido poucos anos depois do seu casamento com
D. Leonor da Silva, a Açoutada, de quem foi primeiro marido. Leonor da Silva
foi Dama da Rainha D. Isabel (mulher de D. Afonso V) e ainda vivia em 21 de

29
Academia Portuguesa de História, Cartas dos Governadores do Algarve (1638-1663), (preparação
do texto e prefácio – Alberto Iria), Lisboa, 1978, pp. 249.
30
AB: 88.
31
Palavra que, na linguagem do tempo, significava residência.
32
AB: 90. A fonte indicada por este ilustre Autor é a Chancelaria da Ordem de Christo, Liv. III, fl.
106, dizendo ainda na mesma nota que aí «vem transcrita parte do tombo da Torre da Murta,
feito em 1504 (Visitadores da Ordem, cartulário do Dr. Pedro Álvares, parte III, fls. 9 e sgs.) no
tempo em que Leonor da Silva o possuía. – A fls. 107 do Tombo da Mesa Mestral o mesmo Dr.
Pedro Álvares trata largamente d’esta quinta da Torre da Murta ou do Rego da Murta».
33
Casas «quase derribadas por 1550» – AB: 90-91.

367
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Março de 1513 34. Era filha de Fernão Martins do Carvalhal 35, Alcaide-mor de
Tavira, e de sua mulher Oriana (Uruana) Pereira 36. D. Leonor da Silva casaria
depois segunda vez, antes de 1473 37, com Nuno Furtado de Mendonça e tiveram
pelo menos seis filhos, incluindo o primogénito Jorge Furtado de Mendonça,
D. Joana de Mendonça 38 e D. Ana de Mendoça, Comendadeira de Santos, que
teve de El-Rei Dom João II a Dom Jorge, Duque de Coimbra e progenitor, em
primeira linha, dos Lancastres portugueses 39. A história do casamento de Nuno
Furtado e Leonor da Silva é bastante curiosa e ainda hoje gera apaixonadas discus-
sões. Sigamos, em português moderno, a alegre descrição feita por Christopher
Lund 40: «Andando o dito Martim Correa no corte de El-Rei D. Afonso V namo-
rava uma dama da Rainha D. Isabel mulher do dito Rei que se chamava Leonor
da Silva (…) e continuou nestes amores alguns anos, sem ela lhe dar vento, por

34
Em TT, Corpo Cronológico, Parte II, Maço 37, n.º 245, consta a procuração que fez Leonor da
Silva, mãe de Henrique Correia, fidalgo da Casa Real, a este Diogo Afonso, seu escudeiro, para
poder arrecadar do almoxarife de Aveiro 14.933 réis que tem por seu desembargo de Sua Alteza
naquele almoxarifado (pode ser encontrado em http://digitarq.dgarq.gov.pt/default.aspx?page=r
egShow&searchMode=bs&ID=3790444 , acedido a 3 de Setembro de 2009).
35
TT, Genealogias manuscritas, 21-D-31, fl. 171. A ascendência que damos a D. Leonor da Silva,
que é a tradicional e parece hoje firmada em documentação primária, ainda que indirecta, é
contestada de forma veemente por Alfredo Pinheiro Marques, no seu manifesto petrino (“A
Maldição da Memória do Infante Dom Pedro e as Origens dos Descobrimentos Portugueses”,
1994), que a diz filha de Aires Gomes da Silva (v.g. Gorjão Henriques, vol. II, «SILVA», § 5).
A ser assim, a recusa desta em casar com Martim Corrêa também se explicaria por ser esta
descendente dos partidários do Infante D. Pedro, em Alfarrobeira, enquanto Martim Corrêa era
uma figura importante no campo de D. Afonso V, apesar de antes estar ligado a D. Pedro, como
se vê no texto.
36
Segundo o Conde dos Arcos, Nobreza na Restauração de Portugal, D. Leonor da Silva era
descendente dos Pastrana, príncipes de Melito e Etoli (?).
37
Com efeito, a 16 de Setembro de 1473, Dom Afonso V privilegiou Mendo Afonso, amo
de Leonor da Silva, mulher de Nuno Furtado, conselheiro régio, aposentador-mor régio,
morador em Sesimbra, e a seu pedido, recebeu-o novamente por vassalo régio, concedendo-lhe
aposentação por idade de 70 anos, com todas as honras e privilégios, e isentando-o de servir por
mar e terra, tanto nas guerras como nas armadas, de ter armas e de comparecer em alardo (TT,
Chancelaria de D. Afonso V, liv. 33, fl. 198).
38
Que teve duas mercês de tenças régias, concedidas por D. Manuel I, ambas a 19 de Outubro de
1514, enquanto «filha de Nuno Furtado, fidalgo da casa del-rei e Aposentador-mor de D. Afonso
V, e de Leonor da Silva, mercê da tença de 14» e de «16» (TT, Chancelaria de D. Manuel I, liv.
15, fl. 152 e 152v.).
39
A descendência de Dom Jorge é o objecto dos três volumes que o Coronel Silva Canedo publicou
sobre A Descendência de Dom João II, para o qual remetemos o leitor.
40
Christopher L. Lund, Anedotas portuguesas e memórias biográficas da corte quinhentista e histórias
e dito galantes que sucederam e se disseram no Paço – contendo matéria bibliográfica inédita de Luis
de Camões e outros escritores do século XVI, Almedina, Coimbra, 1980, pp. 100-102.

368
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

cima de tantos desfavores quantos dela recebia, tentou ele casar com ela e ela
respondeu a quem lhe falou no casamento que não era ele o homem com quem
ela havia de casar. E isto dizia porque trazia o pensamento em Nuno Furtado de
Mendonça (…). Como Martim Correa soube da resposta que dera D. Leonor
da Silva, disse a quem a trouxe que a muito pesar seu havia de casar com ela e
buscando por isso todos os meios que lhe pareceram convenientes, veio a conse-
guir seu intento, e casou (…) e na primeira noite que se lançou com ela na cama
com um instrumento que para isso levava, lhe deu muito açoute; dizendo: agora
vereis se sou eu homem para casar convosco. (…) Martim Correa durou pouco
depois de casado e sua mulher casou por sua morte com o dito Nuno Furtado
de Mendonça» 41. Já Alão de Moraes, na sua Pedatura Lusitana, conta que, antes
do casamento de Martim Correa, Nuno Furtado de Mendonça disse a Martim
Corrêa, antes de este ir falar com o Rei sobre o casamento, «que não casasse com
ela, porque haveria de vingar-se, jurando em um livro dos Santos Evangelhos
que na mão tinha, que assim haveria de fazer» 42. Seja como for, casaram. E desse
matrimónio estão identificados pelo menos dois filhos, 43 Henrique Corrêa da
Silva e D. Isabel Correia.

2.1. Henrique Corrêa da Silva, que segue

2.2. D. Isabel Correia. Casou com Martim Vaz Mascarenhas. C.g. até à
actualidade.

A Torre da Murta

A Torre da Murta, no termo de Pias, está descrita, de forma porme-


norizada e bastante profunda, na notável Obra de António Baião, A Vila e
Concelho de Ferreira do Zêzere, que aqui seguimos e de que reproduzimos
alguns excertos, com a descrição dos limites do Prazo, para quem quiser
avaliar a sua dimensão, para lá do que resultar descrito neste Capítulo e

41
Já em Academia Portuguesa de História, dos Governadores do Algarve, cit., pp. 249-251, diz-se
que «El Rei os casou contra a vontade de ambos» e que «ela casou antes de acabado um ano de
viúva com Nuno Furtado de Mendonça (…) com quem ela queria casar antes do que com Martim
Correia».
42
Contado na Enciclopédia Portuguesa Ilustrada (direcção de Maximiniano de Lemos), Vol. X, pág.
667.
43
FG: IV: 444. Academia Portuguesa de História, Cartas dos Governadores do Algarve, cit., p. 250,
diz que só deixou nascido Henrique Correa da Silva, não referindo sua irmã.

369
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Título, informação que não exclui nem prescinde da consulta da Obra do


Dr. António Baião, Director da Torre do Tombo em 1918, e em boa hora
reeditada pela Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere (2008). Crê este
Autor que a “Torre” da Murta é a Torre de Langalhão ou de D. Gaião, como
ainda hoje o povo de Pereiro e Tojal lhe chama.
A propriedade Torre da Murta, substancialmente reduzida em
dimensão face à sua impressionante dimensão de outrora (em Anexo a este
Capítulo, reproduz-se as páginas que António Baião dedica com o tombo da
propriedade – António Baião 44), e com o nome de Quinta do Tojal, pertence
hoje à Família Lopo de Carvalho, tendo a Casa principal sofrido profun-
díssimas remodelações que por certo tornam invisíveis quaisquer vestígios
externos da antiga quinta, que António Baião e nós com ele, aqui descreve-
remos. Tanto quanto pudemos apurar, a propriedade foi adquirida à família
de Joaquim de Sousa Ribeiro, cujo último descendente, André de Sousa
Ribeiro, faleceu em Areias, em 1963, como demonstra o assento de óbito
que, muito gentilmente, nos cedeu o Sr. Manuel de Araújo, de Areias (que
detém, aliás, a posse de vários livros paroquiais desta paróquia, que espe-
remos não se percam…).
A propriedade original integrava-se no conjunto de terras cedidas por
Dom Afonso Henriques aos Cavaleiros do Templo, com o castelo de Ceras e
seu “distrito”, em Fevereiro de 1159, abrangendo esta doação grande parte do
actual concelho de Ferreira do Zêzere (AB: 1918: 1-3 e 86). Segundo conjec-
turava António Baião, a Torre da Murta faria parte da herdade que Guianos
ou o alcaide don guia possuía no território de leirena e «que em 1152 doou à
Ordem do Templo, pro remedio animarum nostrarum, para salvação das suas
almas (dele e da mulher)». Apesar de dever estar na propriedade da Ordem
dos Templários e, após a sua extinção, na da Ordem de Cristo, o certo é que
a propriedade terá revertido para a Coroa, porventura com a extinção da
Ordem do Templo, “voltando” apenas à propriedade da Ordem de Cristo,
que a substituiu, em 29 de Junho de 1345, quando a D. Beatriz, mulher
do Rei D. Afonso IV, a escambou com as terras que a Ordem possuía em
Sintra e seu termo. Só nessa altura, portanto, a propriedade se consolidou
na propriedade do Convento de Tomar e da poderosa Ordem de Cristo.
Aparentemente, até 1416 não se pagou “pensão ou tributo” ao Convento,
altura em que a Ordem pôs ordem na situação (AB: 87-88). No censo de

44
António Baião, A Vila e Concelho de Ferreira de Zêzere – Apontamentos para a sua história documentada,
Imprensa Nacional de Lisboa, 1918 (segunda reimpressão da 2.ª edição, mandada fazer pela Câmara
Municipal de Ferreira de Zêzere – Edição 2008), pp. 91-94 (adiante citado como AB: página).

370
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

Pias, do terceiro quartel do século XVI, o Tojal e a Quinta da Torre tinha


oito moradores ou fogos (AB: 68-69), entre os 686 no total (correspon-
dentes a 2744 almas). «No terceiro quartel do mesmo século XVI, o Dr.
Pedro Álvares encontrou» várias ermidas no termo das Pias, entre as quais
a de «S. Miguel, junto da quinta do Rego da Murta ou da Torre da Murta»
(AB: 77).

A Quinta da Torre da Murta em 2009 (parte abrangida pela zona de caça turística criada
pela Portaria n.º 877/2009)

371
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

III. A Sucessão da Torre da Murta até ao início do Século XVIII


e a ligação à Família do Secretário do Conselho de Portugal em
Madrid, Diogo Soares

Henrique Corrêa da Silva foi 2.º Senhor do Prazo da Torre da Murta 45 e Gover-
nador de Lisboa 46. Diz o livro resgatado por Christopher Lund que foi, durante
muitos anos, chamado no Paço o “f.º da açoutada” 47. O Rei doou-lhe, em 29
de Agosto de 1464 48, «as rendas régias da mouraria de Silves, os foros das vinhas
da Coroa e os 2000 reais brancos que pagavam os mouros desta cidade, enquanto
não lhe pudesse dar um castelo com os seus rendimentos» 49. Recebeu aquelas rendas
logo após a morte de seu Pai, e supomos que ainda muito novo, justamente «em
atenção aos muitos serviços prestados por seu pai, a ponto de ter morrido em serviço
real em Tânger» 50 (carta régia de D. Afonso V de 23 de Agosto de 1464, confir-
mada por D. João II em Março de 1486 51). Foi o primeiro que se chamou “Da
Silva”. Foi também Alcaide-mor de Tavira. Vendeu a seu tio Gonçalo Correia
o quinhão que coube a seu Pai na quinta de Farelães, como consta de carta de
venda que se acha na casa de Farelães. Teve também, identificado como “cavaleiro
do Infante D. Henrique, fidalgo da casa del-rei, carta de confirmação de uma
carta de D. Afonso V, dada em Tentúgal, a 29 de Agosto de 1464, e escrita por
Álvaro Vaz, na qual, em atenção aos muitos serviços de Henrique Correia, lhe

45
Sobre a sucessão no prazo, vide Academia Portuguesa de História, Cartas dos Governadores do
Algarve (1638-1663), (preparação do texto e prefácio – Alberto Iria), Lisboa, 1978, pp. 250:
«Enquanto Anrique Correa [Henrique Correia] não teve idade possuiu Dona Leonor o prazo como
tutora de seu filho, e por morte da Mãe ficou Anrique Correa em posse do morgado de que consta
que não é de nomeação livre, nem se acha alguma que a dita Dona Leonor fizesse, que se a pudera
fazer não o nomearia senão em algum dos filhos de Nuno Furtado, pelo amor com que casaram e ódio
de Martim Correia./Acha-se um emprazamento do Rei Dom Manuel feito a este Anrique Correa
quando casou com Dona Joana de Sousa em que El Rei declara que a primeira vida será a de ambos
marido e mulher, e as mais que se seguirem seguirão a ordem masculina dos primogénitos, esta carta
de emprazamento anda em um feito que correu entre Anrique Correa e Martim Correa seu irmão,
filhos de Luís da Silva, último sucessor deste morgado e filho único de Ambrozio Correa».
46
Conde dos Arcos, Nobreza na Restauração de Portugal.
47
Christopher L. Lund, op. cit., pág. 102.
48
Monumenta Henricina, vol. XI, Coimbra, 1970, pp. 307-308.
49
Humberto Baquero Moreno, A Batalha de Alfarrobeira – antecedentes e significado histórico, Dissertação
de Doutoramento apresentada aos Cursos de Letras da Universidade de Lourenço Marques, Lourenço
Marques, 1973 cit., pág. 773 (cita carta régia de 20 de Agosto de 1464).
50
AB: 94.
51
AB: 94, que indica estar publicada na Chancelaria de D. Manuel, Liv. III, fls. 130 v. Esta mercê
foi confirmada pelos reis seguintes, por D. Manuel e por D. João III, este a 20 de Agosto de
1523.

372
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

fazia doação do castelo, com seus direitos, e as Rendas da Mouraria de Silves, com
os 2000 rs. que pagavam os mouros da cidade de foro das vinhas, e bem assim
as rendas do mordomado e relego da cidade, tal como tinha seu pai. António
Carneiro a fez” (5.3.1486 52). Em 31 de Setembro de 1507 obteve de D. Manuel
a mercê de uma «arroba de beijoim por ano, paga pelo tesouro da Casa da Índia,
desde o primeiro de Janeiro de 1508 53, 50:000 reais de tença e dez moios de trigo» 54,
dando nota Braamcamp Freire que em 1523 tinha as seguintes tenças: os 50:000
reais; 6:000 reais; 10 moios de trigo; com o hábito 20 moios de cevada; mais 5
moios de trigo e 50 alqueires de cevada com o hábito, tença esta que tem a nota
de finado» 55. Em 21 de Março de 1513, sua Mãe Leonor da Silva, ainda viva, e
enquanto Mãe de Henrique Correia, Fidalgo da Casa, passava procuração para
Diogo Afonso, seu escudeiro, receber 14.933 reais do almoxarife de Aveiro.

52
TT, Chancelaria de D. Manuel I, Livr. 32, fl. 130v.
53
Confirmada por D. João III – Chancelaria de D. João III, Liv. III, fl. 141 (AB: 94).
54
Esclarece AB: 94: «A não haver erro da data nos registos da chancelaria, ele tinha tido 30:000
reais de tença e, como se lhe tirassem 14:000, por haver tido 10 moios de pão meado, ficou
só com 16:000 reais; e estes 16:000 reais trocou o senhor da Torre da Murta pela comenda do
Marmeleiro, e de Janeiro de 1507 [1508?] em diante passou a receber somente 6:000 reais»
(Chancelaria de D. João III, Liv. III, fl. 141).
55
AB: 94-95, dizendo que este sumário das mercês régias, que é maior do que as que se podem
deduzir dos registos da chancelaria, «incompletos como se sabe», foi publicado por Anselmo
Braamcamp Freire, mas constava da «p. 3 do Sumário dos Livros da Fazenda tirado por Affonso
Mexia» e, mais adiante, também da página 50.

373
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Em 1514, Henrique Correia vivia em Tomar, onde a 22 de Dezembro, na


sua casa [do fidalgo Henrique Correia, «onde se achava hospedado Christovão de
Távora, também fidalgo e comendador de Pias [na Ordem de Cristo]», foi dada de
arrendamento uma terra da comenda de Pias 56

56
O acto contratual é pormenorizadamente descrito por António Baião (AB: 82). Entre as
testemunhas estava «Fernão de Freitas, homem de Henrique Correia» (a fonte indicada por
António Baião é “Christo, B. 51-53, fl. 50 v.”). Outros actos relativos à comenda de Pias foram
realizados na casa onde estava hospedado Cristóvão de Távora, a 27 e a 29 de Dezembro de 1515
(AB: 82-84). O tombo da Comenda de Pias, feito em 1505, encontra-se publicado pelo Centro
de Estudos da Universidade Nova de Lisboa, Tombos da Ordem de Cristo – Comendas do Médio
Tejo, Lisboa, 2005, pp. 129-193.

374
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

375
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Traslado da Carta do Rei Dom Manuel, como Administração e Perpétuo Governador da Ordem
de Cristo, emprazando a Torre da Murta a Henrique Correia, Fidalgo da Sua Casa

A 5 de Maio de 1516 obteve carta régia de emprazamento da Torre da


Murta, dada em Almeirim, com a faculdade de nomear como segunda pessoa sua
mulher D. Joana de Sousa ou seu filho mais velho, devendo, no caso de nomear
aquela segunda pessoa, nomear esta terceira e obrigando-se a pagar o foro de
10:000 reais 57. Em 1519 aparece identificado como «cavaleiro do Conselho», com
12:857 reais 58. Henrique Correia não devia descurar a Torre da Murta pois, no
seu tempo, há registos de que se enxertaram na propriedade «cem pés de oliveira,
avaliados em 40:000 reais 59, plantou-se uma vinha ao pé da venda do Pereiro e
um pomar com sua vinha, pegado com as casas da quinta» 60. Ainda era vivo em 5
de Janeiro de 1522, quando passou recibo ao recebedor das Sisas da vila de Pias,
por ter pago os 30.000 reis da tença que tinha nas ditas sisas 61. Terá morrido já
no reinado de D. João III, porventura antes de 11 de Agosto de 1525, ano em

57
Dá conta AB: 95 que uma cópia do original deste emprazamento se acha registado na Chancelaria
da Ordem de Cristo, Liv. III, fl. 286.
58
Moradias da Casa Real, Liv. V, maço 1, fl. 1, e maço 1, n.º 4, fl. 8 (AB: 95, em texto e nota).
59
AB: 95: carta de confirmação constante da Chancelaria da Ordem de Cristo, Liv. III, fl. 106.
60
AB: 95.
61
TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 27, n.º 86.

376
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

que o Rei já concedia mercês a seus filhos, como abaixo se dirá 62 ou, certamente,
antes de 16 de Agosto de 1535, data em que tal é expressamente referido em carta
régia 63.
Casou pois, antes e, cremos, muito antes de 1516 64, com sua prima
D. Joana de Sousa, que ainda vivia em 1516, e era filha de Fernão de Sousa,
Senhor de Rossas, e de sua segunda mulher D. Maria (Mécia) de Brito (filha de
sua irmã Isabel Correia, supra). Por este casamento se terão juntado às armas dos
“Correia da Silva” as dos “Sousas”. Foram pais de: 65

3.1. Ambrósio Corrêa da Silva, que segue

3.2. Martim Correia da Silva 66. Na sua linhagem, como ramo segundo,
seguiu a Alcaidaria mor de Tavira, mas não, ao contrário do que erradamente
escreveu Dom António Caetano de Sousa, o Prazo da Torre da Murta 67. Foi General
de Ceuta, tendo servido «com boa opinião» na Índia, tendo sido capitão de Martim
Afonso de Sousa em 1535. Antes disso, havia já recebido de D. João III uma carta
padrão de tença de 30.000 reis (11 de Agosto de 1525) «em recompensa dos
serviços prestados ao Rei seu pai e a ele próprio» por seu Pai, ainda vivo 68, e «que

62
AB: 96.
63
Carta régia constante da Chancelaria de D. João III, Livro LX, fl. 23 v. (AB: 96).
64
Pois na escritura de renovação do prazo, dada em Almeirim a 5 de Maio de 1516, diz-se que era
casado com D. Joana de Sousa (AB: 95).
65
FG: IV: 444.
66
AB: apêndice: 50-62 publica várias cartas escritas por este Martim Correia da Silva, dirigidas a
El-Rei, à Rainha D. Catarina e ao secretário de Estado.
67
Aliás, Dom António Caetano de Sousa faz outras confusões sobre os senhores da Torre da Murta.
Por exemplo, diz que em 1552 era Senhor da Torre da Murta Henrique Correia da Silva, o que
não parece correcto, como o nosso texto demonstra, mas que, em todo o caso, revelava o peso
social do Senhor da Torre da Murta (que julgamos ser, então, Ambrósio Correia da Silva): «Era
já o ano de 1552, em que casou o Príncipe D. João; encarregou El-Rei ao Duque de Aveiro,
junto com o Bispo de Coimbra D. Fr. João Soares, fosse à raia de Castela a tomar entrega da
Princesa D. Joana, futura esposa do Príncipe. O Duque de Aveiro fez esta função com notável
grandeza; porque se acompanhou de seus irmãos Dom Afonso de Lencastre, Comendador
mor de Santiago, e Dom Luís de Lencastre, Comendador de Aviz, Henrique (sic) Correia da
Silva, Senhor da Torre da Murta, e outros Fidalgos, Furtados Mendoças, seus parentes, que
fariam o número de vinte, que todos com despesa, e luzimento de suas pessoas, criados e librés
diferentes, fizeram ainda mais pomposo aquele dia (…)» (Dom António Caetano de Sousa,
História Genealogica da Caza Real Portugueza, Tomo XI, 1745, pp. 32-33) (actualizámos apenas
o português).
68
AB: 96 deduzia desta mercê que seu Pai já teria morrido. Além disso, dizia que esta tença era no
valor de 30:000 reis.

377
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

com licença do Rei, a cedeu a seu irmão Ambrósio, 25 de Janeiro de 1548» 69,
por venda 70. Teve ainda outra mercê de 30:000 reais, por carta de 16 de Agosto
de 1535, pelos seus serviços, a que renunciou em favor de seu irmão Ambrósio,
que a começou a receber a 1 de Janeiro de 1548 71. Após a morte de seu irmão
Ambrósio, foi tutor de seus sobrinhos, tutoria que foi tirada à viúva daquele.
Capitão de um navio de remo na armada com que D. Estêvão da Gama partiu
para o Mar Roxo e de um Galeão que Martim Afonso de Sousa quis mandar
para o reino com «pimenta e drogas» (onde chegou, após várias peripécias, a 13
de Junho de 1546), foi depois Capitão-mor e senhor da fortaleza de Diu (1 de
Novembro de 1547 72), Governador de Ceuta (entre, pelo menos, Setembro de
1553 e Julho de 1555) 73. Manteve a confiança régia, como o demonstra a sua
nomeação como Embaixador em Castela, encarregado de substituir D. Duarte
de Almeida (23 de Julho de 1558), estava de regresso a Portugal em 1562, pelo
menos para assistir às cortes que D. Sebastião mandou realizar 74. Em 1567 exercia
o cargo de Capitão-mor de Tavira, como o comprova a Carta de 18 de Julho que
a Câmara de Tavira escreveu à Rainha D. Catarina, queixando-se do governo do
Capitão-mor Martim Correia da Silva, o qual, tendo alvará do Rei D. Sebastião
para “fazer um sargento pelo menor prémio que pudesse por a terra ser pobre,
que nunca quisera obedecer ao rei nesta parte por trazer o povo vexado” 75. Em
Junho de 1571, já estava em definitivo de volta, com pelo menos duas escravas
granadis, de seus nomes Francisca e Maria 76. Teve carta de conselheiro, por mercê

69
Luís de Mello Vaz São Payo, As distracções de D. António Caetano de Sousa, Lisboa, 1979, pp. 17-18.
70
AB: 96. A verba da venda consta à margem da Carta, que estará registada na Chancelaria de
D. João III, fl. 133, não se indicando contudo, infelizmente, o livro.
71
AB: 96.
72
AB: 102.
73
AB: 102-104 indica a fonte: Colecção de S. Vicente, Liv. VIII, fls. 11 e 12; e Liv. IX, fl. 390
(relativo à substituição de Martim Correia por Jorge Vieira na capitania de Ceuta, na sequência
de pedido de licença apresentado por Martim Correia).
74
Dá AB: 110 nota curiosa, qual seja a de Martim Correia ter sido testemunha no processo de
habilitação para a Ordem de Calatrava de Cristóvão de Moura. Mais tarde, infelizmente, foi «um
dos fidalgos que, dirigindo-se a Cristóvão de Moura, lhe patenteou o reconhecimento do direito
que assistia ao Rei intruso Filipe III».
75
O processo está hoje digitalizado na base de dados electrónica Digitarq, da Direcção-Geral dos
Arquivos, acedida em 8 de Outubro de 2009 – v. TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 108, n.º
66.
76
AB: 109-110. Francisca e Maria eram mouriscas. Maria ou Maria de Granadil foi, em 1574,
objecto de um processo da Inquisição por islamismo, sendo denunciada por outra escrava
mourisca do mesmo, justamente Francisca, de 14 anos, adquirida há um ano, a 30 de Outubro
de 1573. Maria Granadil é aí identificada como criada e “captiva” de Martim Correia da Silva,
de 20 anos, baptizada no lugar de Jeron, em Granada, e filha de Jerónimo Henriques e de

378
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

de D. João III 77. Era Capitão general de Coimbra em 1580, cargo para o qual
fora nomeado «a fim de fazer oposição ao Prior do Crato». Dizem os nobiliários
que casou com D. Joana de Menezes, filha de Bernardo Correia Corte Real 78 e de
sua mulher D. Maria de Menezes. C.g. 79

Inês de Torres, que, viúva, a doutrinou na lei de “mafamede”, até aos 15/16 anos, em que
foi feita cativa, e vivendo em Portugal em casa de Martim Correia há dois anos em meio, em
Lisboa. Maria informou ainda que tinha uma irmã oito anos mais velha, de seu nome Mícia de
Torres, que sabia casada com um Fernando e, claro, “boa cristã”. Foi absolvida da maior pena
de excomunhão em que incorria mas condenada nas penas de confisco de bens, abjuração em
forma, instruída por pessoa religiosa, penitências espirituais, não sair do Reino sem licença,
evitar pessoas de sua nação e não falar árabe. O processo encontra-se integralmente digitalizado
na Internet, na base de dados da Direcção-Geral dos Arquivos, “Digitarq”, a que acedemos a 8
de Outubro de 2009 (TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 3189 – http://
digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=2303135 ).
77
AB: notas finais: 6, citando o Livro V de Privilégios de D. João III, a fls. 321.
78
Não sabemos se era ele, mas, a 14 de Setembro de 1618, um Martim Correia da Silva é padrinho,
em Tavira (Nossa Senhora da Luz), de Jorge, filho de Bernardo de Mendonça Corte Real e de sua
mulher D. Branca de Brito.
79
FG: IV: 445. Dom António Caetano de Sousa, Historia Genealogica da Caza Real Portugueza,
vol. XIII, pp. 19 e 346, onde se diz que os seus descendentes foram Senhores da Torre da Murta,
o que não é verdade. Dele descendem Henrique Correia da Silva, filho de Martim Correia da
Silva e de sua mulher Dona Violante de Albuquerque, baptizado em Lisboa, na freguesia de São
José, a 17 de Abril de 1623.

E, igualmente, Simão Correia da Silva, que foi Conde da Castanheira, e morreu em Lisboa,
na freguesia de S. José, a 23 de Novembro de 1710, onde aliás havia casado (a 18 de Junho de
1659) com D. Ana de Castro de Ataíde, esta representada pelo procurador Martim Correia
da Silva (ADL, Registos Paroquiais de Lisboa, S. José, Liv. C-2, fl. 12?), filha de D. Jerónimo de
Ataíde e de D. Helena de Castro (que casaram em Lisboa, em Santa Engrácia do Paraíso, a 25
de Julho de 1627).

379
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

3.3. D. Isabel da Silva (ou de Sousa). Casou com Bernardo de Melo, 9.º
Senhor de Melo, c.g. legítima extinta 80. Casou segunda vez com António da
Gama, que morava em Lisboa na Rua das Canastras e em casa de quem Martim

O Henrique Correia da Silva baptizado em 1623, primogénito deste “ramo segundo dos
Correias da Silva” é o Henrique Correia da Silva, 1.º Governador e Capitão General do Algarve e
Alcaide-mor de Tavira, etc, que aclamou D. João IV em Lagos, com varonia legítima pelo menos
até uma trineta, de seu nome D. Ana Joaquina Correia da Silva, filha de Francisco Correia da
Silva, nascido a 30 de Outubro de 1694 e baptizado em Tavira, na freguesia de N.ª Senhora da
Luz, a 12 de Novembro seguinte, filho legitimado de outro Henrique Correia da Silva (neto
portanto daquele que acima se refere nesta nota – sobre toda esta linhagem, António Cabreira,

Cinco Heróis da Restauração – Henrique Correia da Silva, Belchior Drago Valente Luiz de Faria
Pereira, João da Ponte Cabreira Simão Correia da Silva, 7.º Conde de Castanheira, Lisboa, 1940,
pp. 13-15. Este Henrique Correia da Silva nascido em Pereiro, na freguesia de Pias (Tomar)
pode ser o que casou em Lisboa, na freguesia de S. Martinho, a 11 de Janeiro de 1636, com
Dona Guiomar de Noronha (ADL, Registos Paroquiais de Lisboa. S. Martinho, Liv. 1 de Mistos,
fl. 18 a 19, ela irmã de Jácome Reimondo de Noronha).
80
FG: VI: 626-627.

380
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

Correia costumava hospedar-se quando vinha a Lisboa 81. Vedor do Infante


D. Duarte, filho de Duarte da Gama, Alcaide-mor de Lamego, e de sua mulher
D. Guiomar de Vasconcelos 82. S.g.

3.4. Fernão de Sousa, «que andou na Índia e serviu bem» 83. S.g.

3.5. Jorge Correia da Silva, “o Chorão”. Capitão-mor das Naus da Índia.


Capitão de Diu. Casou com D. Maria Pereira. S.g.

3.6. D. Mariana da Silva, freira em Santos 84

3.7. D. Oriana da Silva, freira em Santos. Smn.

3.1. Ambrósio Corrêa da Silva. Fez mais três casas na Torre da Murta, como
consta do tombo que o Dr. Pedro Álvares fez no terceiro quartel do século XVI 85.
Foi 3.º senhor do Prazo da Torre da Murta. «Em 11 de Agosto de 1525 teve
mercê de 50:000 reais» 86. Com efeito, informa António Baião que Ambrósio
Correia da Silva dotou sua noiva com arras no valor de 700.000 reais, «e esta
quantia, por não haver propriedade em que pudesse ser empregue, foi depositada
nas mãos de António da Gama, pessoa muito da amizade da Família, moradora
em Lisboa na Rua das Canastras, onde se costumava hospedar Martim Correia/
Mas, passados anos, como o capital assim era improdutivo, compraram uma
tença de 56:000 reais de juro, à razão de 12:500 reais o milheiro» (carta de padrão
de 30 de Abril de 1556). 87. Pela mesma época, continua António Baião, Ambrósio

81
AB: 100. Ampla notícia sobre a vida e feitos deste Martim Correia, que foi importante militar e
diplomata, vide AB: 100-111.
82
FG: V: 502; Luís de Mello Vaz São Payo, As distracções de D. António Caetano de Sousa, Lisboa, 1979,
pág. 18.
83
Será o que BBS: 1992: 157 indica como governador de Macau?
84
Não referida no Nobiliário, cit.
85
AB: 90.
86
FG: VI: 645 Luís de Mello Vaz São Payo, As distracções de D. António Caetano de Sousa, Lisboa, 1979,
pág. 18.
87
AB: 96-97, que indica a fonte: Chancelaria de D. João III, Livro LXV, fl. 104. Este Autor
considera que, na verdade, se tratava de um empréstimo interno para financiar a dívida pública,
a uma taxa de juro de 8%, informando ainda que, em 1563, Ambrósio Correia recebeu os
700:000 reais para alargar a tença, «como consta de uma verba à margem da carta de padrão».
«Com efeito, o carácter que se lhe deu foi de compra de 56:000 reais por ano das rendas da
Coroa, e por esse juro deu Ambrósio Correia ao tesoureiro da Casa da Índia, a já referida quantia

381
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Correia adquiriu «mais 104:000 reais de tença de juro, pagos igualmente pelo ramo
das sisas de Dornes e assentes no almoxarifado de Tomar, para o que deu 1.300:000
reais» 88. Em 1548 89 ou a 5 de Abril de 1549 comprou, ainda para as arras de sua
mulher, D. Joana de Castro, «um padrão de juro de 10:000 reais, pelo qual deu a
Phebo Moniz, fidalgo, - o célebre e intransigente procurador de Lisboa às Cortes de
Almeirim – a quantia de 160:000 reais 90, garantidos pelo ramo das Pias, pelo seu
primeiro rendimento pago no almoxarifado de Tomar, e, não bastando, pelo ramo das
Olalhas», padrão este que, após a sua morte, foi escriturado em favor da dita sua
mulher, D. Joana da Silva (Apostilha de 19 de Junho de 1566) 91. Como se vê,
Ambrósio Correia da Silva era extremamente rico e mesmo «opulento», pelo que
«não admira que procurasse engradecer o solar de seus avós, acrescentando-lhes cinco
casas sobradadas, uma varanda, um eirado e uma cerca em redor delas 92. E mesmo
a propriedade rústica foi consideravelmente melhorada», tendo mandado construir
um «lagar de vinho, uma casa para celeiro, um lagar de azeite na estrada coimbrã,
movido pela água da ribeira da Murta, com uma roda e uma azenha de moinhos de
duas rodas (…) mandou romper extensos matagais, que mandou enxertar três mil pés
de oliveiras – enxertia avaliada nesse tempo em 1.200:000 reais – [e] não se esqueceu
das necessidades espirituais da sua gente, mandando construir, junto do seu lagar de
vinho, uma ermida da invocação de S. Miguel» 93, ermida em frente da qual, mais de
duzentos anos depois, outro Senhor da Torre da Murta obteria autorização para
realizar um mercado semanal. É de notar que, além da enxertia, a propriedade já
possuía, ao tempo do tombo que o Dr. Pedro Álvares fez, ainda no século XVI e

de 700:000 reais; mas, como facilmente se vê, era na realidade um empréstimo de 700:000
reais, o princípio do nosso deficit e do desequilíbrio orçamental do nosso país», para financiar
a «sustentação e conservação das nossas possessões africanas» recorreu-se à venda das rendas da
coroa, em tenças». No caso, o empréstimo era caucionado pelo rendimento das sisas da vila de
Dornes, sendo paga pelo almoxarifado de Tomar.
88
Chancelaria de D. João III, Livro XXXI, fl. 56 (AB: 97).
89
FG: VI: 645. Luís de Mello Vaz São Payo, As distracções de D. António Caetano de Sousa, Lisboa, 1979,
pág.: 18.
90
António Baião reproduz o teor da carta de compra em questão, no anexo à sua Obra, a pp. 43-50
do Apêndice.
91
AB: 98 e AB: apêndice: 43-50, com a seguinte referência à Apostila: «Apostilla per falecimento de
ambrosio correa contheudo neste padrão pertencerã a dona joana da silua sua molher por os auer de
janeiro que pasou de bc lx b j em diamte a quall se hade fazer nouo padram em seu nome por tamto
se pos esta uerua per mamdado do barão daluito veador da fazemda del Rei noso senhor feito em
lixboa aos xix de junho de (…) a qual verba pus eu xpouão de benauente escriuão da torre do tombo
= xpouão de benauente» (TT, Chancelaria de Dom João III, Liv. 60, fls. 125).
92
Carta de confirmação do aforamento, constante da Chancelaria da Ordem de Cristo, Liv. III, fl.
106.
93
AB: 98.

382
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

em vida de Ambrósio Correia da Silva, «217 oliveiras, alguns zambujeiros e uma


grande mata e sobral» 94. Casou Ambrósio Correia, como se disse, com D. Joana
de Castro, também nomeada em alguns actos como D. Joana da Silva, que era
filha de Diogo de Melo da Silva e de D. Catarina de Castro. Foram pais de 95:

4.1. Henrique Corrêa da Silva. Filho primogénito, terá nascido cerca de


1558. Em 1566, uma tença de seu Pai foi dividida por si e seu irmão Luís da Silva
em partes iguais 96. Foi 4.º Senhor do Prazo da Torre da Murta, como consta na
Chancelaria Antiga da Ordem de Cristo, que mostra que renovou o emprazamento
a 22 de Março de 1572 97.

Casou com D. Luísa de Sousa (ou da Silva), de quem Dom Flamínio


escreveu que, depois de viúva, foi freira no Mosteiro de Celas, e era filha de Rui
Pereira de Miranda 98. Henrique Correa da Silva foi um dos muitos fidalgos
que morreram pelo Rei Dom Sebastião, no fatídico dia 4 de Agosto de 1578, na
batalha de Alcácer-Quibir.

4.2. Luiz da Silva Corrêa, 5.º Senhor do Prazo da Torre da Murta, que
segue

94
AB: 98.
95
As filhas não coincidem com as referidas em Felgueiras Gayo (FG: IV: 444).
96
A indicação da fonte feita por AB: 98 parece incompleta: Chancelaria de D. Sebastião, fl. 29 v.
97
Curiosamente, AB: 99 diz que a renovação foi feita a 29 de Maio de 1568, sendo o prazo
«inovado em três vidas», mediante uma pensão que então se fixou em 12:000 reais, a serem pagos
ao almoxarife das rendas da Ordem de Cristo em Tomar, no dia de S. João Baptista. Não terão
sido pontuais os pagamentos, tendo Henrique Correia da Silva sido obrigado a pagar 12:000
reais, de que se lhe passou recibo de quitação a 18 de Fevereiro de 1578 (AB: 99-100), pouco
antes da sua morte (Chancelaria da Ordem de Cristo, Liv. III, fl. 114 v.).
98
Códices de Dom Flamínio, BGUC, Rolo 1, fl. 296 (163).

383
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

4.3. D. Joana, freira em Odivelas.

4.4. D. Catarina, freira em Santos.

4.5. D. Ana, freira em Santos.

4.6. D. Maria, freira em Santos.

Parte da listagem dos Fidalgos que morreram em Alcácer-Quibir, onde consta, entre outros,
o nome de Henrique Correa da Silva, filho de Ambrósio Correa

4.7. D. Violante de Castro 99. Casou com Vasco da Silveira, que morreu a
4 de Agosto de 1578 na batalha de Alcácer-Quibir.

99
Não era referida nos nobiliários que consultámos, mas aparece em fontes primárias, bem mais
relevantes.

384
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

Foram pais, pelo menos, de Henrique da Silveira 100, que foi baptizado em
Lisboa, na freguesia de Santos-o-Velho, a 18 de Abril de 1578, tendo como padri-
nhos Henrique Correia da Silva, seu tio, e D. Violante de Castro.
Segue a Torre da Murta, em consequência, não na descendência – entre-
tanto extinta – do grande Henrique Correa da Silva, mas na de seu irmão Luiz
Corrêa da Silva, que foi 5.º Senhor da Torre da Murta e casou com D. Violante
(Pereira), filha de Estevão Ferreira da Gama, «senhor da Quinta de Ceilão, e que
muito a embelezou e aumentou o seu rendimento, (…) fidalgo da Casa de el-rei e do
seu Conselho, homem muito poderoso e senhor de muitas quintas e casais no termo
de Óbidos, Torres Vedras e Lisboa, onde residia com sua Família algumas vezes, e
outras na dita quinta; tinha seu jazigo e capela com obrigação de missa no convento
de Xabregas da dita cidade. Foi muito estimado do cardeal-rei D. Henrique, de quem
foi fiel partidário, e se opôs às forças de el-rei D. Filipe 2.º de Castela nos campos
de Santarém com oitocentos infantes e duzentos cavalos, que armou à sua custa e
acompanhou ao lugar da peleja, querendo que se sustentasse à forma de armas os
direitos da coroa de Portugal o dito cardeal D. Henrique. Este dito Estevão Ferreira
da Gama é que foi mandado a Roma pelo referido Cardeal pedir licença a Sua Santi-
dade para D. Henrique casar com a filha do duque de Cadaval, a fim de dar sucessão
ao Reino. Depois, triunfando as forças de el-rei D. Filipe, prendendo e estrangulando
o referido Estevão Ferreira da Gama, confiscando-lhe todos os seus bens no ano de

100
D. Joana da Silva, viúva de Ambrósio Correia da Silva e moradora no Loreto, arrendou, como
«tutora de seu neto Henrique da Silveira, filho de sua filha D. Violante de Castro e de seu genro Vasco
da Silveira, que morreu na de Alcácer, da Comenda de S. Miguel de Oliveira de Azemeis, 8 de Março
de 1582, fls. 113, de que se fez mercê ao dito seu Neto por filho mais velho do dito Vasco da Silveira
por cuja morte vagara a 2 de Setembro de 1579. Lopo Roiz Camello a fez escrever, a J.º Henriques
Mascarenhas Contador do Mestrado para a Poce. Por 100$ rs.» (Biblioteca Nacional: 1949: 296).

385
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

1580» 101. Estevão Ferreira da Gama foi casado com D. Mécia Pereira, filha de
João Pereira Pestana.

Após a publicação da 1.ª Edição do nosso livro Gorjão Henriques, foi possível
desenvolver a provável ascendência varonil de Dona Mécia Pereira, Mãe de
Dona Violante Pereira, mulher de Luís Correia da Silva, 5.º Senhor do Prazo
da Torre da Murta (Vol. I de Gorjão Henriques, pág. 404), ainda que de acordo
com os pouco confiáveis nobiliários. A sua varonia será «BOTELHO», que
tratávamos no Volume II da 1.ª Edição. D. Mécia Pereira casou com Estêvão
Ferreira da Gama, de quem damos nota relativamente desenvolvida, de quem
Felgueiras Gayo diz ter sido morto «em Inglaterra onde estava desterrado pelo Sr.
Dom António, Prior do Crato». Estevão Ferreira da Gama teve, pois, de fugir
para Inglaterra, quando Felipe II invadiu Portugal e deu início aos 60 anos de
dominação castelhana (espanhola).
D. Mécia Pereira era filha de João Pereira Pestana, que sucedeu na Casa de
seu Pai e casou com Dona Violante Pessanha, filha de Pedro Ferreira, Desem-
bargador da Suplicação, etc. (já irmão de um antepassado e por isso referido
em «FERREIRA», § 2, no volume II da 1.ª Edição, pelo que dispensamos a
referência à sua ascendência, que aí é tratada), e de sua mulher Dona Aldonça
Pessanha, filha esta de Manuel Pessanha, de Elvas (que era já irmão de um
antepassado, cf. «PESSANHA», § 2A), e de sua mulher Maria Rodrigues
Alardo, também com a mesma varonia «BOTELHO».
Segundo Felgueiras Gayo, João Pestana era filho de Afonso ou António Rodri-
gues Alardo, que foi Amo do Rei Dom Afonso V, e que casou com Mécia de
Brito Pestana, Ama da Mãe de Dom Afonso V e filha de Afonso Vaz Pestana
e de sua mulher Mécia de Brito. Afonso ou António Rodrigues Alardo teria
dois irmãos com relevo para a genealogia da Família:
1) Fernando Rodrigues Alardo, Alcaide-mor de Leiria e Óbidos, vassalo de
Dom Afonso V (como o nosso outro Avô) e morgado da Romoeira (1442),
casado com Isabel Correia, que, apesar de não nomeada no livro, seria filha
do nosso antepassado João Correia e de sua mulher e nossa antepassada Isabel
Dias de Castelo Branco. Ambos seriam os pais da Maria Rodrigues Alardo
que vimos ter casado com Manuel Pessanha, de Elvas, e por aí avós maternos
da nossa antepassada D. Violante Pessanha, casada com João Pereira Pestana
[pais da D. Mécia Pereira casada com Estevão Ferreira da Gama].

101
Memórias históricas e diferentes apontamentos acerca das antiguidades de Óbidos, cit., pág. 296.

386
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

2) Maria Rodrigues. Referida pelo Prof. Sottomayor Pizarro em 1995, casou


com D. João Afonso de Albuquerque, o do Ataúde, seguindo a sua descen-
dência em «BORGONHA-AVIS», § 11 (também no Vol. II da 1.ª edição, pp.
78-79). Os três (António ou Afonso, Fernando e Maria) eram filhos de Rui
Martins Barba (cuja ascendência seguimos em «BOTELHO», § 3, no vol. II
da 1:ª edição, pp. 117) e de sua mulher Iria Martins Alardo, de quem agora
podemos dizer que era filha de Gonçalo Martins Alardo, Sr. de Vila Verde
e descendente de D. Alardo, fidalgo francês que participou na conquista de
Lisboa. Todos estes dados foram retirados de Felgueiras Gayo, Nobiliário das
Famílias de Portugal, vol. II (pp. 341-342 e 345-346) e IV (445 e 494).

Luís Correia da Silva e sua mulher D. Violante Pereira foram pais de: 102

5.1. Martim Correia da Silva. Terá nascido em 1611 e ainda era vivo em
1650. Com António Baião, julgo ter sido o 6.º Senhor do Prazo da Torre da
Murta, pois em 1638, o prazo foi inovado nele em três vidas, passando o foro
de 12:000 para 14:000 reais anuais, emprazamento que foi reformado em 1645
por D. João IV 103. Foi Capitão e Governador de Mazagão (Fevereiro de 1641 104),
Governador da Torre de S. Julião, além (?) de Capitão-mor e Alcaide-mor de
Tavira (28 de Janeiro de 1641) e, mais tarde, Governador de Angola (Alvará de
23.5.1647) 105. Julgo ser o fidalgo da casa da Torre da Murta, nascido por volta de
1611, pois tinha 33 anos em 1644 e era então morador em Lisboa, à Rua Suja,
quando testemunhou no processo que na Inquisição de Lisboa decorreu contra a
cristã-nova Brites Henriques, aliás Anastásia da Silveira. 106. Eram seus avós, como
já vimos, Estêvão Ferreira da Gama e sua mulher D. Mécia Pereira já falecidos
em 1645, pois nesse ano Martim Correia da Silva obteve por alvará provisão,

102
FG: IV: 445.
103
AB: 214, indicando a fonte: Chancelaria de D. João IV, Liv. ??, fl. 7 v.
104
AB: 215.
105
TT, Registo geral de mercês de D. João IV, Liv. 14, f. 80v-81. Não é referido na lista e biografia dos
Governadores de Angola publicada por J. C. Feo Cardozo Castellobranco e Torres, em Memorias
contendo a biographia do Almirante Luiz da Motta Feo e Torres – A História dos Governadores e
Capitães Gerais da Angola,desde 1575 até 1825, e a Descripção Geographica e Politica dos Reinos
de Angola e de Benguella, Paris, Fantin Livreiro, 1825, Contudo, este nosso parente dá conta de
que o Governador Francisco de Soutomaior morreu em Maio de 1646 e, depois, referindo uma
ausência de poder suprida por 3 capitães mores, refere que em 1648 assumiu o governo Salvador
Correa de Sá e Benevides (pp. 178-181). Deduzimos que Martim Correia da Silva, por qualquer
razão, não assumiu o cargo, pois ainda viveria em 1650.
106
AB: 207.

387
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

com salva para cumprimento dos legados pios pelas suas almas (Alvará de 28
de Fevereiro de 1645 107). Nesse mesmo ano viu renovado o emprazamento da
Torre da Murta em três vidas (Alvará de 7.7.1645 108). Em 1647 terá tido mercê
de 30 moios de trigo e 12 moios de cevada (Alvará de 12.9.1647 109). Em 1648
terá tentado fazer um lagar de azeite na ribeira do Monfragal, ao que se opôs
o D. Prior de Cristo, por, no termo de Pias, ninguém se encontrar autorizado
a fazer lagares de azeite, sem ter licença e ser freire de Cristo. 110 Teve mercê da
Capitania-mor de uma das Naus da rota da Índia (Provisão de 7.2.1650 111, de
que teve, no dia seguinte, mercê para renunciar, por alvará). Não terá casado 112 e
não terá tido descendência legítima, pois seguiria nela o prazo da Torre da Murta,
o que não sucedeu.

5.2. Ambrósio Correia da Silva. S.g. nem mais notícia.

5.3. Paio Correia da Silva, que segue

5.4. D. Joana da Silva. Casou com seu primo Ambrósio Pereira Pestana,
senhor da Casa de seu Pai 113 e morgado da Lourinhã. C.g. 114

5.5. Henrique Pereira (Correia da Silva). «Foi demandado para casar com
D. Guiomar de Noronha, filha de Felipe Jácome Reimonde de Tomar e foi a Roma

107
TT, Registo geral de mercês de D. João IV, Liv. 11, f. 191v-192v.
108
TT, Registo geral de mercês de D. João IV, Liv.12, f. 15-16.
109
TT, Registo geral de mercês de D. João IV, liv. 12, fls. 481v.-482.
110
AB: 190. O documento, que pode ser consultado na TT, Ordem de Cristo – Convento de Tomar,
Maço 19, Doc. 990, refere-se ao “lagar das Freiras, do Convento de Santa Iria”.
111
TT, Registo geral de mercês de D. João IV, Liv. 17, fls. 246v.-247 e 247.247v.
112
D. António Caetano de Sousa, na sua monumental História Genealógica da Casa Real Portugueza,
vol. 12, tomo I, pág. 30 diz que Martim Correia da Silva, supomos que este, foi casado com
D. Violante de Albuquerque, seguindo na descendência o senhorio da Torre da Murta, mas não
é correcto.
113
FG: II: 348.
114
Em TT, Registo geral das mercês de D. Pedro II, Liv. 13, fl. 407v-408 encontram-se os foros
de Moço-Fidalgo dos seguintes filhos de Ambrósio Pestana Pereira, Moço-Fidalgo, e netos de
João Pestana Pereira, todos naturais da Lourinhã (15 de Setembro de 1700): Henrique Pestana
Correia da Silva, João Pestana Pereira; Martim Correia da Silva e Simão de Cordes da Silva.
Um Ambrósio Pestana casou em Lisboa (Loreto), a 26 de Outubro de 1622, já viúvo, com
Dona Mariana de Mendoça. Também em 18 de Agosto de 1618 encontramos em Lisboa (Nossa
Senhora dos Olivais), o casamento (numa ermida da quinta onde vive) de Diogo Pereira Pestana,
filho de Fernão Pereira Pestana e de Dona Joana de Andrade (assim, com “Dona”), com Dona
Helena del Tovalha (?), filha de João del Tovalha e de Dona Filipa Nunes (Liv. C-2, fl. 1).

388
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

e veio livre». 115 O facto é que Henrique Correia da Silva, aí já identificado como
tendo nascido em Pereiro, na freguesia de Pias (Tomar) casou de facto, em Lisboa
e na freguesia de S. Martinho, a 11 de Janeiro de 1636, com Dona Guiomar de
Noronha 116.

Pode ser o Henrique Correia da Silva que foi nomeado para o Conselho
de Estado e para Vedor da Fazenda de D. João IV logo em 1640 117. Identificado
com filho de Luís da Silva, teve mercê da Comenda de S. Tiago de Souzelas, na
Ordem de Cristo, pelos seus serviços de Mazagão, recuperação da Bahia e socorro
a Ceuta e Tânger (Portaria de 6 de Fevereiro de 1643 118). Smn.

5.6. Fernão da Silva (ou Martins de Sousa), frade graciano.

5.7. Estevão da Silva. Clérigo.


115
FG: VI: 188.
116
ADL, Registos paroquiais de Lisboa. S. Martinho, Liv. M-1, fls. 18-19, irmã de Jácome Reimondo
de Noronha.
117
Dom António Caetano de Sousa, História Genealógica, cit., Vol. VII, pág. 64.
118
Luís Amaral, Livro das Portarias do Reino, Vol. I, pág. 100, citando o Livro I, fls. 103v.

389
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

5.8. Graciano da Silva. Clérigo 119

5.2. Paio Corrêa da Silva. Filho secundogénito, só tardiamente foi o 7.º Senhor
do Prazo da Torre da Murta. Morreu em Lisboa, na sua casa, na freguesia de São
Tomé, a 30 de Outubro de 1660, sendo sepultado no convento de S. Francisco
de Xabregas. Fez testamento 120.

Assento de óbito de Payo Correia da Silva

A 25 de Maio de 1679, a sua viúva, D. Paula da Silva, obteve alvará para


«poder desistir e renunciar em seu filho Luís Correia da Silva a posse dum lagar de
azeite junto à ponte da vila das Pias, foreiro à Mesa Mestral. O lagar era de duas
pedras: D. Paula pagava 5$000 réis por ano e o seu filho passou a pagar 6$666 reis,
no dia de S. João Baptista. O emprazamento foi assinado em 2 de Julho de 1680».
Pode ser ele quem teve verba de 101$979 reis de Juros 121.
Casaram ambos em Lisboa, na paróquia de Santa Engrácia do Paraíso, a
25 de Julho de 1648 122, casando Dona Paula da Silva por procuração passada a
“Dom Francisco de Faro, Conde de [Ode]Mira” por estar à data do casamento
recolhida no Mosteiro de Santa Clara “desta cidade de Lisboa”.

119
Não é referido em FG: IV: 445.
120
ADL, Registos paroquiais de Lisboa, São Tomé, Liv. O-1, fl. 43v.
121
TT, Chancelaria de Filipe III, Liv. 12, fl. 149v.
122
Excerto do assento de casamento – ADL, Registos paroquiais de Lisboa, Santa Engrácia, Liv. C-1,
fl. 186-186v. (acedido através de www.etombo.com).

390
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

Assento de matrimónio de «Paio Correia da Silva com Dona Paula da Silva, f.ª de Simão/Soares de
Carvalho e de Dona C.na da/Silva; a qual contrahente estava/em o mosteiro de S. Clara desta Cida-/
de de L.xa e por sua procuração/que fez a Dom Fr.co de Faro Conde /de Mira, que [h]ouve por boa o
R.do/Cabido e com sua L.ca as (…)/por Dom Luís da Gama; (…)»

Payo Correia da Silva teve acção sobre bens das Ordens, se bem perce-
bemos, posta por seu irmão Martim.

Página 16 do livro de Manuel Álvares Pegas, que dá nota do litígio, em 1650, entre Payo Correia
da Silva e seu irmão Martim Correia da Silva (pág. 16)

391
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Assentos de baptismo e óbito de D. Paula da Silva

Dona Paula da Silva da Carvalho havia sido baptizada em Lisboa, na


freguesia de S. Tomé, a 14 de Agosto de 1621 e morreu na mesma paróquia, com
78 anos, a 30 de Setembro de 1699 123, aonde foi enterrada, à Madre de Deus,
com testamento e sendo testamenteiro seu filho Luís Correia da Silva. Era filha
legítima do Dr. Simão Soares de Carvalho 124, do Conselho de El-Rey, Desem-
bargador do Porto, do Paço e da Casa da Suplicação, Conselheiro da Índia e, mais
tarde, Conselheiro da Fazenda, etc.

123
ADL, Registos paroquiais de Lisboa, São Tomé, Liv. O-2, fl. 1
124
Encontramo-lo em Lisboa, Santa Engrácia, como padrinho de Sebastiana, filha de João Vas
Pinto e de sua mulher Margarida Antunes, a 27 de Janeiro de 1619.

392
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

Mercês a Simão Soare, Pai de D. Paula da Silva,s na Chancelaria de Filipe II: Conselheiro da Fazen-
da, Conselheiro da Índia, Desembargador da Casa da Suplicação e Desembargador de Goa e Desem-
bargador do Porto

Dr. Simão Soares de Carvalho teve, como se viu, uma longa e distinta
carreira jurídica nos tribunais superiores, sobretudo durante o reinado de Filipe III,
de Portugal, e no período em que seu cunhado (a partir de 1616, ao casar com a
irmã de Diogo Soares, Escrivão em mais tarde Secretário do Conselho de Portugal,
em Madrid 125, desde
1634, e Secretário de
Estado, em 1637 126)
ocupou funções muito
relevantes no governo de
Portugal, como Reino
abrangido pela Coroa
dos Habsburgos 127. O
próprio Diogo Soares,
aliás, foi testemunha do
seu matrimónio.
Casou, por escri-
tura de dote e arras, em
Assento de matrimónio de D. Catarina da Silva com Simão
Lisboa, na freguesia de
Soares de Carvalho
S. Tomé, a 11 de Feve-

125
Não há obra sobre a história política de Portugal e Espanha, entre os reinados de Filipe IV e
D. João IV, que não se refira a Diogo Soares. O testamento de Diogo Soares foi publicado em
1952, sob o título “Testamento de Diogo Soares, secretário de estado em Espanha no ano de
1640 e fundador do mosteiro de Serém”.
126
Francisco Manoel Trigoso d’Aragão Morato, Memoria sobre os Secretarios de Estados dos Reis e
Regentes de Portugal desde os antigos tempos da Monarquia até a aclamação d’el Rei D. João IV
(lida na sessão ordinária de 7 de Novembro de 1858), in Historia e Memorias da Academia R. de
Sciencias de Lisboa,2.ª Série, Tomo I, Parte I, Lisboa, 1843, pp. 27 e seguintes, em especial pp.
74 e 76.
127
Francisco Paulo Mendes da Luz, O Conselho da Índia: contributo ao estudo da história da
administração e comércio do ultramar português nos princípios do século XVII, Lisboa, Agência
Nacional do Ultramar, 1952, pág. 155.

393
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

reiro de 1616 128, com D. Catarina da Silva 129, freguesa de S. Tomé à data do seu
casamento. Ao contrário do que aparece em www.geneall.net, mas confirmando
(no essencial) Alão de Morais na sua Pedatura Lusitana, Dona Catarina da Silva
(Alão de Morais chama-a D. Catarina Soares mas di-la casada com Simão Soares
de Carvalho) era irmã do Secretário de Estado Diogo Soares 130, Valido de Filipe
IV de Espanha e homem do conde-duque de Olivares, filha de

128
ADL, Registos paroquiais de Lisboa¸ São Tomé, Liv. C-1, fl. 28. Foram testemunhas Diogo Soares,
Belchior Pinto e Francisco de Abreu.
129
Dona Catarina da Silva, apresentada como filha de D. Paula da Silva, morreu em Lisboa, na
freguesia de S. Tomé, a 21 de Junho de 1647, viúva, tendo feito testamento e sido sepultada na
Madre de Deus (Liv. O-1, fl. 6v).
130
Um Dr. Diogo Soares e “seu irmão Manuel Soares” aparecem como testemunhas do casamento
de João Pestana com Maria Ribeira, em Lisboa (Anjos), a 2 de Janeiro de 1611 (Liv. M-1, fl.
398).

394
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

Dona Paula da Silva e de seu marido João Álvares Soares 131 – que era filho 3.º
de Cristóvão Lagarto 132 e de sua mulher Leonor Soares, filha de João Soares, da
Amieira, foi para Índia onde serviu 48 meses, acrescentado a Moço da Câmara e
regressou em 1574, tendo sido Vedor da Fazenda na Índia e, em Lisboa, Escrivão
da Fazenda (e assim o era em 1601 133). Já D. Paula da Silva era filha de Estevão
Pires ou, segundo Dom Flamínio, Mateus Pires da Silva, Vedor da mesma
Fazenda, e de sua mulher D. Maria da Silva. 134

Nota de Dom Flamínio sobre a “venda de [i.e. que fez] D. Paula da Silva, viúva de João Álvares
Soares, moradora em S. Tomé a Francisco da Rocha, C.F. morador na Lapa de St.º Estevão de Al-
fama que lhe fez do Olival do Campo de Cabelos, Prazo de S. Vicente 14 De Setembro de 1634»
(BGUC, Rolo 1, fl. 386v., pdf 398)

O Doutor Simão Soares de Carvalho era, por isso, cunhado do Secretário


de Estado de Filipe IV de Espanha e Portugal, Diogo Soares, que Felgueiras Gayo
apresenta como “Secretário de Estado em Madrid, Senhor das Vilas de Serem,
Punhete e Préstimo e da Alcaidaria Mor de Marialva, Moreira e Pinhel, Comen-
dador da Ordem de Cristo” 135 e sobre o qual se justificaria um trabalho mono-
gráfico.
131
Não podendo ser o mesmo, mas certamente parente próximo, um João Álvares Soares e sua
mulher D. Maria Soares foram pais de (i) Francisca, baptizada em Santa Engrácia, a 20 de Julho
de 1634 (afilhada de António Taveira e de Dona Paula), (ii) Cristóvão, baptizado a 20 de Abril
de 1636 (sendo padrinhos Francisco Soares e D. Maria de Sousa), (iii) Jerónimo, baptizado a 6
de Maio de 1637 e de (iv) Luísa, baptizada a 16 de Junho de 1638 (pelo Bispo de Targa e tendo
como padrinho Miguel de Vasconcelos… e D. Beatriz de Sousa).
132
Filho de Gaspar Lagarto e de Briolanja de Bastos Nunes, de S. Martinho de Mouros, com
quem Dom Flamínio começa o tt. De Lagartos (Códices de Dom Flamínio, BGUC, Rolo 1, fl.
146v.).
133
Nesse ano, João Álvares Soares foi padrinho duas vezes na freguesia da Sé, em Lisboa – Edgar
Prestage/Pedro d’Azevedo, Registo da Freguesia da Sé desde 1563 até 1610, Vol. II /1582-1610),
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1927, pp. 161 e 163.
134
FG: IV: 445. FG: XII: 87.
135
FG: I: 466. Diogo Soares casou, segundo os genealógicos, pelo menos três vezes, a última com
D. Antónia de Melo, filha herdeira do famoso “desfenestrado” Miguel de Vasconcelos, de quem
houve geração (encontra-se também em Santa Engrácia o assento de baptismo de uma Maria,
a 23 de Outubro de 1638, filha de D. Catarina Pereira, mulher livre…). Do primeiro e do

395
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

segundo casamentos, de quem se diz que não teve filhos, prova-se hoje que tal não é verdade,
pois os registos paroquiais da freguesia de S. Tomé, em Lisboa, são pródigos na demonstração
da existência desta descendência. Será preconceito político?? (ADL, Registos paroquiais de Lisboa.
S. Tomé, Livro Mistos 1, 1605-1643). Assim, do casamento com Dona Francisca (de Melo) teve,
de acordo com os registos paroquiais:
1) Maria, baptizada a 6 de Abril de 1610, sendo padrinho Jerónimo Soares (fl. 11v.);
2) Miguel, baptizado a 18 de Janeiro de 1612, sendo padrinhos Rafael Soares e Dona Paula
(fl. 16v.);
3) Valentim, baptizado a 22 de Fevereiro de 1614, sendo Padrinho Dom Francisco da Gama,
Conde da Vidigueira (fl. 21);
4) Paula, baptizada a 19 de Abril de 1617, sendo padrinhos N… Pires da Silva e D. Ana (?)
(fl. 24);
5) João, baptizado a 14 de Julho de 1622, sendo padrinhos Sebastião (?) Cortesam e Dom
Jerónimo (fl. 46);
6) Inês, baptizada a 28 de Abril de 1624, sendo padrinho Pedro de Gouveia de Melo (fl.
52v.).
Do segundo casamento, na igreja de St.ª Engrácia, mas constante dos livros da freguesia
de S. Tomé (fl. 45v.-46), a 16 de Fevereiro de 1626 com Dona Mariana de Essa (de Eça), «da
freguesia de S. João da Praça» nasceram pelo menos:
1) Luís, baptizado a 9 de Setembro de 1627 pelo Cónego Francisco de Carvalho, sendo
padrinhos Miguel de Vasconcelos e Dona Catarina (fl. 66);
2) Antónia, baptizada a 5 de Janeiro de 1629, sendo padrinhos o Marquês de Castel
Rodrigo e Dom Manuel de Moura Corte-Real (fl. 71);
3) Leonor, baptizada a 11 de Janeiro de 1630, sendo padrinho o Dr. Simão Soares de
Carvalho (fl. 74).
Do casamento de Diogo Soares e D. Mariana foram testemunhas Simão Soares, Miguel de
Vasconcelos, Pedro Barbosa, Jerónimo Pires da Silva, o Pd. João (?) Antunes, Pedro de Gouveia
de Mello e Gomes de Figueiredo, «entre muita outra gente».
Diogo Soares teve outros filhos. Do seu terceiro matrimónio, Emmanuel Álvares Pegas dá
conta, no seu Tratactusde exclusione, inclusione, sucessione, Parte I, Lisboa, 1685, pp. 152-153,
dá conta de uma acção interposta por António Soares de Mello, que nasceu em Madrid a 4
de Fevereiro de 1639, filho de Diogo Soares, contra António Cavide [Cabide, aí chamado], a
propósito das Saboarias de Tomar (de que Filipe IV havia feito mercê a Diogo Soares, em 1633,
com obrigação de pensão a João Álvares Soares, seu genro). Outro filho, e até primogénito, foi
Lucas Soares, que morreu em 1651.
Deve notar-se que já lemos que Miguel de Vasconcelos era genro de Diogo Soares (Leonor
Freire Costa/Mafalda Soares da Cunha, D. João IV, Temas & Debates, 2008, pág. 91. Contudo,
salvo o devido respeito, que é naturalmente o maior, parece que será ao contrário. Será Diogo
Soares o genro de Miguel de Vasconcelos (e este sogro daquele – neste sentido, além deste
nosso trabalho, a nota sobre os Secretários em Lisboa feita nas Memórias da Academia Real das
Sciencias).

396
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

136

O traslado do testamento do Doutor Simão Soares de Carvalho, feito em


Lisboa, a 21 de Maio de 1627, 137 e de que dispomos cópia digitalizada, refere um
conjunto de informações extremamente importantes sobre este e a sua Família 138.
As suas principais disposições, são, em síntese, as seguintes:
Primeiro, na esteira da piedosa forma em que se vivia na época a fé familiar
e pessoal, encomenda a sua Alma “a Deus que a criou e a Remiu com seu precioso
Sangue”, pedindo ainda a intercessão da “virgem Santíssima Mãe” e de Santo
António.
Segundo, quanto ao seu corpo, ordena que seja sepultado “em a capela que
determino comprar em a vila de Torrão. E não a tendo comprada será meu corpo
recebido em um caixão e depositado em o mosteiro de Salvador na sepultura em
está minha filha Dona Ana de Carvalho 139”, pedindo que os corpos, incluindo o
dos Pais, sejam trasladados para a capela, quando estiver feita ou comprada. Mais
indica que na capela seja aposto um letreiro dizendo o seu nome e como a dita
capela é sua, as obrigações e os bens vinculados ao cumprimento dessas obriga-

136
PT/TT/CC/1/120/16 - Alvará de Diogo Soares, Secretário de Estado, para que o guarda-mor
da Torre do Tombo guarde nela o tombo das vilas de Serem, Soutelo do Préstimo e da Quinta
de Casainho, junto de Águeda, de 18 de Novembro de 1638, Ordens, Maço 1 (CC-I-120-16),
disponível em http://digitarq.dgarq.gov.pt?ID=3783504.
137
Aprovado em Lisboa, na freguesia da Madalena, nas casas de morada do licenciado Francisco
Lopes Borraco (Bocarro?) estando presente o “Doutor Simão Soares de Carvalho, da Fazenda de
Sua Majestade, Fidalgo da Casa e morador nesta cidade, Foram testemunhas Francisco Lopes
Barroco, Manuel Coelho “criado dele testador” e Gonçalo Vaz Pinto, Manuel Figueira criado de
mim tabelião e Domingos de Figueira, criado de Gonçalo Vaz Pinto.
138
TT, Feitos Findos, Juízo da Chancelaria, Maço n.º 330, n.º 1.
139
Baptizada em Lisboa, na freguesia de S. Tomé, a 3 de Setembro de 1622, sendo afilhada de
Antão de Mesquita e de Dona Francisca de Mello (fl. 46v.).

397
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

ções. Tem ainda, neste outro particular, várias disposições quanto ao seu enterro,
aos ofícios que no mesmo serão rezados e as missas pela sua Alma, de seus

Lápide tumular, ainda hoje sobrevivente, no Torrão, do Dr. Simão Soares de Carvalho 140

140
O Convento de Nossa Senhora da Graça, onde se encontra na parede lateral do altar-mor (onde era
o altar-mor) a lápide que se reproduz, pertence hoje ao Sr. Joaquim Pinto que, com a sua mulher,

398
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

Pais, Tios e irmã. No codicilo que mais tarde fará, o Doutor Simão Soares de
Carvalho manda que se rezem 3 mil missas, 1500 pela sua Alma, de seu Pai e
Mãe, e 1500 pelas almas do purgatório, além de determinar querer ser sepultado
no Convento de São Francisco, em Lisboa, mudando, no codicilo de 11 de Feve-
reiro de 1631, para o colégio dos padres da Companhia de Jesus.

Assinatura de Simão Soares em parecer sobre a reforma dos desembargadores da Relação de Goa
(14 de Abril de 1626) 141

foram de uma extrema amabilidade em nos receberem (ao autor e a Don Santiago Gomez Murto)
para fotografar este monumento notável. Como se nota da imagem, os azulejos que rodeavam
a lápide fúnebre foram há muito retirados e vendidos pelo anterior proprietário, estando hoje –
alguns deles pelo menos – , numa Quinta perto de Ferreira do Alentejo. O texto constante da
lápide é o seguinte (limitamo-nos a separar as palavras e reproduzir, tanto quanto os modernos
teclados o permitem a ortografia utilizada): «S.ª [Sepultura]DO DOR FRSIMAO SOARES DE
CARVALHO Q FOI COMENDA/DOR DA ORDEM DE CHRÕ [Cristo], FIDALGO DA
CAZA DE SVA MAG.E, E DO/SEV CONSO [Conselho], SEV DESEMBARGADOR DO
PACO [Paço] IUNTAMENTE CONSE/LHEIRO DE SVA REAL FAZ.A, E IVIS [Juiz] DAS
IVUSTIFICAÇÕES DELA:/FL.CO [Faleceu] NA CORTE DE MADRID SERVINDO DE
CONSELHEIRO A/SVA MAG.E NO CONS.º [Conselho] DE PORTUGAL, ONELA [onde
lá?] RESIDE aos 13·/DIAS DO MÊS DE FEV.RO DO ANO DE 1631; FOI SEV CORPO
DEPOZI/TADO NO CAP.º [Capítulo] DO COLEGIO IMPERIAL DA COMPANHIA DE/
IESVS, E DAHI TRESLADA SVA OSSADA NO ANO DE 1633· P.A/ ESTA SVA CAP.A DA
INVOCACAO DAS CHAGAS DE CHRÕ AOS/22 DIAS DO MÊS DE OVTRº [Outubro]
DE CVIO [cujo] PADROADO OI FUNDA/DOR, E DELLA SERÃO PADROEIROS
OS SVCESSORES NO/MORGADO Q INSTITVIO CÕ OBRIGVACÃO DE MISSA
QVOTIDI/ANA EMQ.TO O MVNDO DVRAR E A MISSA CONVENTVAL DES/TE
MOESTR.+ [Mosteiro] SERA A Q CADA DIA SE CELEBRAR POR A OBRIGVA/CAO
DESTA CAP.A ORA SEIA [ora seja] REZADA, ORA CANTADA A QUAL/ DIRA NA DITA
CAP.A O CAPPELLÃO Q OS D.TOS SUCCESSORES PRE/ZENTAREM [apresentarem], E
O SERA DAS D.TAS RELIGIOSAS PR.A DIZER A D.TA/MISSA NA HORA ORDENADA
POR SVA REGRA E NO FIM/SAIRA CÕ AGUA BENTA E RESPONSO REZADO, OU
CANTA/DO CONFORME SE DICER [disser] A MISS SOBRE SVA S.A; PR.A O Q,/E PR.A
A FABRICA E REPAIRO DA D.TA CAP.A ESTAO OBRIGVA/DAS AS RENDAS DO D.TO
MORGVADO Q POR EXTINCCAO DA/GERACÃO DOS CHAMADOS A ELE FICA A
ESTE MOESTR.º CÕ/ AS OBRIGVACÕES NA INSTITVICÃO DELLE DECLARADAS».
141
TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 117, nº 100, acessível em http://digitarq.dgarq.gov.
pt?ID=3783073.

399
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

Deixou mil réis a uma mulher que o servia e que se chamava Maria Marques,
para ajuda do seu casamento. Deixou livre e forro Francisco, escravo que trouxe
do Estado da Índia, com declaração de que serviria seu irmão Francisco Carvalho
enquanto não casar Dona Maria “minha filha 142” ou Dona Francisca 143, pois
ficará livre quando algumas delas casar, sendo-lhe a partir daí devida uma renda
anual de 6 mil réis enquanto viver./Deixou por testamenteiros o “licenciado Fran-
cisco Carvalho, meu irmão, e Dona Catarina da Silva, minha mulher” e, falecendo
eles antes, “Deus não permita”, indica como testamenteiro “Diogo Soares meu
cunhado e o Doutor Ant.o de Mesquita (…) Pires da Silva.” /Declara ser casado
com Dona Catarina da Silva, da qual tinha três filhas vivas: Dona Maria, Dona
Francisca e Dona Paula, as primeiras, como vimos, solteiras à data do testamento
de seu pai. Declarando que, caso ele morresse antes, todas se deveriam recolher no
Mosteiro de Santos, impondo a tutoria a seu irmão Francisco de Carvalho, que
administraria os seus bens 144. /Declara ter “uma quinta no sítio de São Cominho
no termo da vila do Torrão”, o que não pudemos ainda identificar, dizendo que a
propriedade tinha tido princípio no tempo de Dom João I e que desde aí andava
nos seus ascendentes, quinta que, ao percebemos, tinha vinculadas duas capelas,
uma de Isabel das “donas” (?) e outra de “Lourenço …”, e relativamente à qual
descreve um conjunto de operações patrimoniais (subrogações, compras) sobre as
mesmas incidentes.
Institui um morgadio com seus bens, declarando as respectivas regras de
sucessão (e causas de exclusão na mesma), nomeando como primeira administra-
dora sua filha primogénita Dona Maria Soares de Carvalho, em segundo lugar, na
falta de descendentes da primeira, sua filha Dona Francisca, e, em terceiro lugar,
sua filha Dona Paula, nossa antepassada, que veio a herdar, como veremos. Mas,
se esta não o transmitisse, o testador indicava ainda que o morgadio iria para sua
sobrinha filha de sua irmã Dona Isabel Soares, então já falecida, sobrinha que
estava à época recolhida no Convento de Santa Clara de Beja; ou, finalmente,
seu sobrinho Diogo Monteiro de Carvalho, neto de seu primo co-irmão Diogo
Monteiro de Carvalho./ Deixa também em testamento a promessa que teve do
Rei de uma comenda de cento e trinta ou cento e quarenta mil reis, julgo que
em favor de quem casasse com sua filha Dona Francisca./Informa que foi com
dinheiro herdado de sua sogra Dona Paula, mãe de sua mulher Dona Catarina
da Silva, que comprou a herdade no Torrão, que vinculou./No codicilo de 21
de Fevereiro de 1631, entre outras disposições curiosas, conta-se aquela em que
142
Baptizada em Lisboa, na freguesia de S. Tomé, a 3 de Março de 1618, sendo padrinho Antão de
Mesquita (fl. 30v.).
143
Baptizada em Lisboa, na freguesia de S. Tomé, a 29 de Abril de 1620, sendo padrinho Diogo
Soares (fl. 36).
144
Curiosamente, aqui, pela primeira vez, refere sua mulher como D. Catarina “Sequeira”…

400
POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

declara ter vendido o seu coche ao Bispo de Malaca, pelo preço que lhe custou.
Manda pagar a António Lopes oito mil réis e a António Ribeiro. O testamento foi
aberto a 12 de Março de 1631, nas casas de João Jácome do Lago, cidadão e Juiz
dos Órfãos. Entretanto, como vimos, o testamento foi alterado por codicilos, o
primeiro feito nas notas do Escrivão Manuel da Veiga, em Madrid. Payo Correia
da Silva e Dona Paula da Silva foram pais de:

6.1. D. Catarina. Foi baptizada em Lisboa (S. Tomé), «aos vinte e cinco
de Junho de mil/seiscentos e cincoenta a baptizou/ o R.do prior M.el Themudo da
Fonseca/nesta Igreja de S. Thomé a Cate-/rina f.ª de Paio Correa da Silva / e de dona
Paula da Silva Padri-/nho o conde da Feira e Dona/Louréca Salema». Morreu muito
nova, ainda bebé, a 25 de Agosto de 1653, na mesma paróquia, sendo enterrada
no Colégio de Santo Antão o Velho 145.

6.2. D. Violante. Baptizada em Lisboa (S. Tomé), a 6 de Maio de 1652.


Foi padrinho João Álvares Soares, cremos que o avô. 146 Seu Pai dotou-a em
21.6.1659. Smn.

D. Flamínio (BGUC, Rolo 1, fl. 503 (387), pdf 398)

145
ADL, Registos paroquiais de Lisboa São Tomé, Liv. O-1, fl. 14v.
146
ADL, Registos Paroquiais de Lisboa. São Tomé, Liv. B-1, 1642-1688, fl. 22v.

401
MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES DA CUNHA

6.3. Luiz Corrêa da Silva. Como veremos, nasceu em 1653 e morreu em


1713. Não casou mas teve vasta descendência, que disputou o prazo e litigou
fortemente entre si. Com ele seguiremos no próximo volume de Armas & Troféus.

6.4. Simão Soares. Com o nome do seu avô materno, terá nascido em 1655
mas não em São Tomé. Morreu, com 6 anos, em casa de seus Pais, na freguesia
de S. Tomé, em Lisboa, a 15 de Julho de 1661, sendo sepultado no convento de
S. Francisco de Xabregas 147.

6.5. D. Joana Teresa da Silva. Como seu irmão Simão, também não terá
nascido na freguesia de S. Tomé. Casou, representada por procurador P.º Soares
de Mello, em Lisboa, na freguesia de São Tomé, a 12 de Fevereiro de 1695, com
Mateus de Vasconcelos e Sousa, natural de Torres Novas 148, que morreu afogado
no rio Tejo, vindo de Setúbal para Lisboa, na madrugada de 13 de Abril de 1715,
tendo sua mulher mandado rezar três ofícios na igreja de S. Tomé, constando
tudo do assento lavrado no livro de óbitos 149. Em 1717-1718, como nos deu
conta Don Santiago Gomez Murto, foram celebradas escrituras de arrendamento
relativas a herdades que possuía, documentação se encontrará no “registo notarial
do Torrão”. Já viúva, morreu a 6 de Julho de 1721, com todos os sacramentos e
nomeando como testamenteiro e seu universal herdeiro o inquisidor João Álvares
Soares. Foi sepultada no Convento da Madre de Deus 150.Após a morte de Luís
Correia da Silva, seu irmão, sucedeu no prazo da Torre da Murta, o qual andou
depois administrado ilegitimamente por Gonçalo Manuel Galvão de Lacerda 151,
contra quem Martinho Correia da Silva, filho natural de Luís Correia da Silva,
obteve sentença de reivindicação em 1740. S.g.
(continua no próximo número)

147
ADL, Registos paroquiais de Lisboa, São Tomé, Liv. 0-1, fl. 46.
148
ADL, Registos paroquiais de Lisboa, São Tomé, Liv. C-3, fl. 18v.
149
ADL, Registos paroquiais de Lisboa, São Tomé, Liv. 0-2, fl. 41.
150
ADL, Registos paroquiais de Lisboa, São Tomé, Liv. O-2, fl. 50.
151
Curiosamente, neto de Gaspar de Lemos Galvão, padrinho de Luís Correia da Silva, e marido de
D. Francisca Botado, herdeira da Quinta de Abrigada, etc., em cujo património e vínculos veio
a suceder, em 1795, Duarte Gorjão da Cunha Coimbra Botado, o marido da filha primogénita
(com sucessão) do Senhor do Prazo da torre da Murta, Nuno Tristão Infante de Sequeira Correia
da Silva de Carvalho. A sentença de reivindicação consta do processo, curiosamente de Gonçalo
Manuel contra Pedro Correia da Silva, em Desembargo do Paço – Corte, Estremadura e Ilhas,
Maço 1008, n.º 1, a fls. 12-29.

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POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

ANEXO
Descrição da Torre da Murta no século XVI 152

152
Retirado de AB: 91-94.

403
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POR LINHAS DIREITAS (2): A ASCENDÊNCIA CORREIA DA SILVA DE CARVALHO

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