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REVISTA DE CiftNCIAS HISTÓRICAS, UNIVERSIDADE PORTUCALENSE, Vol. XII, 1997, PP.

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OS ABREU· UMA FAMÍLIA EM BUSCA DO ESTABELECIMENTO


NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIV

FÁTIMA REGINA FERNANDES*

SOMMAIRE: L'auteur fait I'analyse de la trajectoire d'une famille dont les bases d'affinnation
sociopolitique sont fondées à la seconde moitié du quatorzi~me si~cle.

SUMMARY: This is a study where we pretend to analyse the trajectory of a family whose bases
of the social-political afinnation repose at the second half of the founeenth century.

Este trabalho pretende analisar o comportamento de uma família da pequena


nobreza, cuja trajectória reflete bem as aspirações e estratégias de defesa dos elementos
deste escalão social frente ao conturbado contexto dos reinados de D. Fernando e
D. João I.
Observaremos duas gerações pertencentes a esta família, ainda que não haja
explícita referência às relações de parentesco que os ligam, constituindo elemento comum
entre os seus representantes o renome Abreu, o qual relaciona-se ao núcleo patrimonial
que identifica este agrupamento familiar.
Da primeira geração a ser analisada detectamos três indivíduos: Vasco Gomes,
João Gomes e Diogo Gomes de Abreu.

VAsco GoMES DE ABREU

O primeiro a ser analisado é Vasco Gomes de Abreu, que a 18 de Junho de


1357 é instituído nos castelos de Melgaço e Castro Laboreiro 1. No entanto, será já no

• Professora do Instituto Superior de Paços de Brandão e Mestre e Doutoranda em História


Medieval pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
1 ANTI, Chancelaria de D. Pedro I, 1.1, f.l v-2. O Prof. Braancamp Freire refere a doação dos
mesmos castelos a Vasco Martins da Cunha, a 16 de Junho de 1357, sem que tenhamos encontrado
esta referência na dita Chancelaria (FREIRE, A. 8., Os Brasões da Sala de Sintra 2" ed., Coimbra:
U., 1921-30. v.l, p.l60). Vide ainda MORENO, H. 8., Os exilados portugueses em Castela ... ,
in: 11 Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, Porto, 1989, v.2, p.74-76. À partir daqui
utilizaremos as seguintes siglas para identificar as Chancelarias de D. Pedro I. D. Fernando e
D. João 1: Chanc. DP, Chanc. DF e Chanc. DJI respectivamente. Da mesma forma as Crónicas

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reinado de D. Fernando que a sua trajectória aproximar-se-á mais da Corte regia. É
referido como parente da rainha e decerto a ascensão de Leonor Teles ao trono será
um eficiente meio de promoção especialmente após 13572.
A 15 de Maio de 1377 recebe o lugar de Abreu, substituindo a Gonçalo Rodrigues
de Abreu na posse do dito lugar, o que o transforma em cabeça de linhagem3.
A 19 de Janeiro de 1382, Vasco Gomes será objecto ainda da transferência de
bens da Infanta Beatriz, meia-irmã de D. Fernando, a qual já se encontrava casada no
reino vizinho tendo sido acusada de traição no testamento régio de 13784. Sem dúvida
que estando o reino em meio a mais uma guerra com Castela, é natural que as concessões
régias se alargassem no sentido de buscar uma maior solidez nas fidelidades. No entanto,
é sintomático que o fosse sobre bens da dita Infanta. Ela, tal como seus irmãos,
Infante João e Dinis, tinham já sido objecto de uma política de afastamento da
concorrência à sucessão do reino que culminara com o exílio dos três e o grande
património que deixam para trás, será, sem dúvida, motivo de cobiça por parte dos
senhores e recurso útil nas mãos do rei.
A forte dependência em relação à rainha Leonor Teles, reflete-se nas palavras
que lhe são atribuídas por Fernão Lopes, Vasco Gomes tentava livrar-se da acusação
que lhe pesava de ter confirmado o adultério da rainha ao tio da mesma, João Afonso
Teles: "(. .. ) Senhora, vos me fezestes muyto bem e posestes em homrra, de guisa que
eu nom som mais que quamto a vossa merçee em mim fez (. .. )"5. Episódio que reflete,
inclusive, a intimidade de que priva Vasco Gomes junto à sua parente régia, sendo seu
testemunho, neste caso, de tal peso, que poderia acarretar o comprometimento da rainha
junto àquele que, a nível linhagístico seria ainda o seu responsável. Logo a seguir a
este episódio, a 3 de Outubro de 1382 é-lhe confirmada a posse da alcaidaria de Melgaço6,
sintoma claro de que havia uma intenção de reforço da fidelidade à Coroa. É de observar
que entre a doação em data desconhecida e esta confirmação, teria havido outro alcaide

serão assim identificadas: LOPES, CDP; LOPES, CDF, e LOPES, CDJI. (Ed. da Livraria
Civilização, Porto, 1988, 1989 e 1991 respectivamente).
2 A 21 de Abril de 1375 recebe 1/2 quinta em Paredes terra de Coira, e outra parte da quinta
de Lamoso, terra de Pena da Rainha (Chanc. DF, 1.1, f.l86).
3 Chanc. DF, 1.11, f.9V -10. As únicas referências detectadas deste Gonçalo Rodrigues de Abreu
0

referem-se a transferências de bens e uma legitimação, ocorridas em data anterior a 1377. A


15 de Julho de 1359 Gonçalo Rodrigues vê transferida a quinta da Silva que estava em sua posse,
para Aires Gomes da Silva, o Moço (Chanc. DPI, 1.1, f.83v) e a 7 de Junho de 1373 um seu
filho, Lopo Gonçalves, é legitimado (Chanc. DF, 1.1, f.l24v-125). Tal natureza de notícias aponta
para o desaparecimento do dito Gonçalo Rodrigues, possivelmente antes de 1377.
4 Recebe a quinta de Afurada (Chanc. DF, 1.11, f.91 e 1.111, f.6). Quanto ao testamento régio
vide ARNAUT, S. D., A Crise Nacional dos Fins do Séc.XIV, Coimbra, 1960, 2p., p.291-5).
A 20 de Outubro de 1382, após querela com Afonso Gomes da Silva, pela posse da dita quinta
e lugar da Afurada, é confirmado, por carta de sentença a posse do dito lugar (Chanc. DF, 1.11,
f.llO e v).
5 LOPES, CDF, cap.l40, p.389 e cap.l44, p.399-400.
6 Intenção repetida num documento de 9 de Dezembro deste mesmo ano. Vide Chanc. DF, 1.111,
f.26 e 1.11, f.95.

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na referida vila: Fernão Peres Churrichão7. A reinstituição na dita alcaidaria reflete assim,
uma estratégia da rainha para garantir o silêncio e a cumplicidade quanto ao seu adultério.
A 16 de Fevereiro de 1383 é ainda beneficiado e referido como vassalo régio,
a quem o rei recompensa por muitos serviços prestados 8 .
A partir daí sua trajectória eclipsa-se, sendo as próprias referências a Vasco Gomes
relacionadas ao confisco de seus bens devido à partidarização pró-castelhana no decurso
da crise de 1383-85. Apesar desta posição ser comum a outros elementos desta família,
ele será o único a ser referido como um dos "nados dazambujeiro bravo", traidor do
Mestre de A vis, o que reforça a idéia de que tinha um papel de representação no seu
núcleo familiar9.
Antes de meados de 1385 é referido em deserviço do reino em Castela 10. E à
partir de Novembro de 1385 encontramos várias cartas de D. João I, confirmando a
transferência de bens de Vasco Gomes, já anteriormente executadas 11 . No entanto, a
vila de Melgaço manter-se-á fiel à partidarização de seu senhor até os inícios de 1386,
quando será tomada, completando-se, então a distribuição de bens de Vasco Gomes nas
suas circunvizinhanças12.
Deixará uma filha no reino, Teresa Gomes, casada com Lopo Gomes de Lira,
grande senhor do Minho, que acaba por manter Ponte de Lima pelo rei castelhano 13 .

7 Chanc. DF, 1.111, f.26.


8 Recebe em jur de herdade a terra e julgado de Valadares que até então tinha pertencido a
Estevão Banes Marinho, já falecido (Chanc. DF, 1.11, f.l02 e v e ld., 1.111, f.68).
9 LOPES, CDJI, 1p., cap.l60, p.344.
10 LOPES, CDJI, 2p., cap.l7, p.40.
11 A 3 de Novembro, referindo-se já haver sido feita anterior doação enquanto D. João I era
regedor, Pedro Vasques de Pedra Alçada é confirmado na posse de uma quinta na aldeia de
Sanguinhal, termo de Óbidos, que fôra de Vasco Gomes (Chanc. DJI, 1.1, f.l65). A 29 de
Novembro, Gonçalo Pires Coelho é beneficiado com a quinta de Gondomil que fôra de seu pai
e que estivera até então em mãos de Vasco Gomes (ld., 1.11, f.94 e v e 1.1, f.l58).
12 Vide LOPES, CDJI, 2p., cap.l33-5, p.292-7. A vila é cercada e combatida, de Janeiro a Março
de 1386. Defendem-na Álvaro Paez de Souto Maior e Diogo Preto Exemeno. Após dura resistência
entregam-na por preitesia, sendo dada a vila a João Rodrigues de Sá. Quanto aos confiscados,
a 20 de Janeiro será Lourenço Felgueiras o beneficiado com bens de Vasco no julgado de Froião.
Entre-Lima-e-Minho (Chanc. DJI,l.I, f.150v). Este mesmo Lourenço, fôra em 1382 o intermediário
na substituição de Fernão Pires Churrichão por Vasco Gomes no castelo de Melgaço; na altura
era porteiro na dita vila (Chanc. DF, 1.111, f.26). A 11 de Março de 1386, um indivíduo de nome
Afonso Garcia, alcaide de Pena da Rainha que diz pertencer à linhagem dos Abreu, recebe a
honra que dá nome à mesma, nos termos de Monção (Chanc. DJI, 1.1, f.l71). A 6 de Maio é
a vez de João Rodrigues de Vasconcelos receber os bens de Vasco Gomes no Entre-Homem-
-e-Cávado (ld., ibid., f.32v).
13 Chanc. DF, 1.111, f.26. Será de referir que o genro de Vasco Gomes fôra um dos castelhanos
exilados no reino português em 1369, em fuga da crise dinástica que estabelecera os Trastâmara
em Castela (LOPES, CDF, cap.25, p.76) e que agora apoiava em Portugal o representante desta
mesma dinastia castelhana.

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JoÃO GOMES DE ABREU

Outro componente desta linhagem, membro activo do governo de D. Fernando,


é, sem dúvida João Gomes de Abreu, que seguirá um perfil de comportamento semelhante
aos outros elementos desta geração.
Sua primeira doação data de 20 de Novembro de 1368, quando é instituído alcaide
de Torres Novas 14 . Depois disto, só voltará a ser beneficiado em Junho de 1373, com
os bens dos participantes de uma "união" organizada em Santarém neste mesmo ano15.
A I de Janeiro de 1373 toma-se alcaide de Tomarl6 e em fins de 1379 toma
a ser beneficiado em Santaréml7.
Tal acúmulo de doações régias concentradas na referida vila, encaminha a uma
natural concessão da dita alcaidaria ao próprio João Gomes. Efectivamente terá sido
alcaide, algures entre Maio de 1374 e Fevereiro de 1383, quando tal função é transferida
para Gonçalo Vasques de Azevedo 18. Este último, dívido da rainha, testemunha directa
e indiscreta dos seus deslizes com o Andeiro, receberá a dieta alcaidaria, numa estratégia
de compra do seu silêncio em detrimento do fiel João Gomes. Situação inversa à de
seu parente Vasco Gomes de Abreu, também ele beneficiado com a intriga que envolvia
a rainha e o Conde de Ourém.
É o Corregedor régio das Casas do Cível e Crime em Santarém, pelo menos
desde 138319.
Defenderá, em princípios de 1384, a entrada sem restrições, do rei castelhano
na dita vila, sem olhar às ameaças que tal excesso de confiança acarretaria à rainha20.
Atitude que bem reflete a partidarização de João Gomes frente aos acontecimentos que
imediatamente sucederam à morte de D. Fernando. Partidarização que se mantém estável

14 Chanc. DF, 1.1, f.34.


15 O documento da Chancelaria refere vários mesteirais envolvidos, além de outros moradores
da dita cidade, sem referência à sua actividade profissional (Chanc. DF, 1.1, f.124v). Vide ainda
sobre este levantamento: FERRO, A revolta dos mesteirais ... , in: Actas das 111 Jornadas
Arqueológicas, Lisboa, 1978, p.362. Uma ''união" que terá a ver com o estado do reino após
a segunda guerra com Caste1a. Após esta doação, encontramos outra de Agosto do mesmo ano,
na qual é-lhe concedida em préstamo, uma quinta, ainda nos termos de Santarém de um Egas
Martins, sem justificar a razão da transferência; no entanto, é provável que venha completar a
anterior (Chanc. DF, 1.1, f.133v).
16 Chanc. DF, 1.1, f.l40.
17 A 19 de Dezembro de 1379 recebe, em préstamo, 1/4 da herdade régia que pertencera a
seu sogro. Estevão Vicente, localizada no reguengo da vila de Santarém, a par das vinhas de
Santa Maria (Chanc. DF, 1.11, f.84).
18 Pelo menos até 19 de Maio de 1374 o alcaide é Rui Pereira (Chanc. DF, 1.1, f.144v). Vide
Chanc. DF, l.III, f.41 e f.9Sv.
19 É assim referido nas Actas das Cortes de Santarém de Agosto-Setembro de 1383 (Vide
MARQUES, A. H. de 0., org., Cortes Portuguesas. Reinado de D. Fernando I (1367-1383),
JNICT, Lisboa, 1993, v.2, p.300) as quais tinham a função de fazer jurar aos Concelhos, o respeito
às cláusulas sucessórias do Tratado de Salvaterra de Magos.
20 LOPES, CDJI, 1p., cap.65, p.126 e cap.66, p.127.

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e que acarreta o confisco de seus bens no arraial de Aljubarrota a 15 de Agosto de
138521 .

D1oco GoMES DE ABREu

Outro dos elementos que compõem esta geração mais velha dos Abreu é Diogo
Gomes de Abreu, cuja trajectória é um pouco mais controversa devido certamente à
existência de um homónimo.
A partir de Janeiro de 1371 encontramo-lo, pela primeira vez na Chancelaria de
D. Fernando, sendo beneficiado em pagamento de tença22.
Terá decerto participado na primeira guerra fernandina contra Castela, mas será
no decurso da segunda que se constatará uma participação mais activa. Desde os inícios
de 1372 será assim, recompensado pelos seus altos serviços em grandes guerras23.
Estará a par das negociações de apoio mútuo luso-inglês na medida em que será
uma das testemunhas do Tratado de Tagilde, assinado em Julho de 137224 .
A partir de uma carta de 3 de Fevereiro de 1373, refere-se Diogo Gomes como
falecido, informação confirmada em outra carta de 17 de Agosto de 137925. Em Maio
de 1383, sua viúva Violante Afonso, toma-se aia da Infanta Beatriz, acompanhan-
do-a, após o seu casamento, à Corte castelhana26.
No entanto, a partir de 1386 encontramos referências a outro Diogo Gomes de
Abreu que certamente corresponderá a um seu filho homónimo.
Em carta de I O de Março de 1386 refere-se a existência de filhos de Diogo Gomes
que encontravam-se em deserviço em Castela, sendo, por isso, confiscados em seus
bens27. Terão ido ao encontro da mãe que por lá se estabelecera.

21 Gonçalo Rodrigues será o beneficiado com os mesmos (Chanc. DIJ, 1.1, f.99v).
22 A 4 de Janeiro são-lhe atribuídos em tença, os direitos da aldeia de Vilaboas, termo de Vila
Flor (Chanc. DF, 1.1, f.72v).
23 A 26 de Janeiro de 1372 segundo estas directivas é investido na terra de Baião em jur de
herdade, na correição de Entre-Douro-e-Minha (Chanc. DF, 1.1, f.93 e v). Ainda a 2 de Setembro
beneficia, em pagamento de seus maravedis, das terras de Gondinhães e Duas Igrejas, casais de
Sandiz e Franca, almoxarifado de Ponte de Lima, em troca do serviço com dez lanças (ld., ibid.,
f.lllv).
24 PINTO S. da S., Tratado de Tagilde de 10 de Julho de 1372. Separata da Revista Scientia
luridica, ano 11, (6) Out-Dez 1952, p.l6.
25 Refere-se que Diogo Gomes, beneficiado em vida, com a herdade de Quintela em riba do
Minha, julgado de Valadares, que havia pertencido a Gonçalo Rodrigues de Abreu, tendo falecido,
deixará a mesma a sua viúva Violante Afonso (Chanc DF, 1.1, f.l47). Notícia contida ainda num
documento de 25 de Maio de 1374 e numa transcrição da carta de 1373 feita em 1403. Vide
Id., 1.11, f.46v e Chanc. DJI, 1.11, f.197.
26 Chanc DF, 1.111, f.60 e v e LOPES, CDF, cap.161, p.447.
27 A 1O de Março de 1386 Afonso Garcia, alcaide de Pena da Rainha, beneficiará dos bens
dos seus filhos na freguesia de S. Pedro de Mouro (Chanc. DJI, l.ll, f.171 v). A 08 de Novembro
deste mesmo ano, os bens de Diogo Gomes passam às mãos de Martim Afonso de Melo (Chanc.
DJI, 1.11, f.186).

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Em seguida, no decurso do cerco de Tuy em 1398, encontramos já referência
a Diogo Gomes, decerto filho homónimo do primeiro, ao lado de D. João I, alcaide de
Monção28. No ano seguinte, enquanto vassalo régio, receberá um vasto território em
pagamento por serviços prestados 29 . Estas informações decerto corresponderão à uma
partidarização recente deste filho de Diogo Gomes, que terá estado desde 1386 em Castela
e passados 12 anos, em 1398, encontra-se já novamente no reino português.
Quanto à segunda geração, correspondente, portanto, aos elementos mais jovens
desta linhagem, após o seu alçamento na Corte, detectamos quatro elementos: Gonçalo
Eanes, Fernão Lopes, Martim Rodrigues e Gonçalo Rodrigues de Abreu. Suas trajectórias
apontarão num sentido bem diverso dos anteriores referidos, bem instalados junto à nova
dinastia de A vis, servindo-a de perto.

GONÇALO EANES DE ABREU

O primeiro deles, Gonçalo Eanes de Abreu, desde Fevereiro de 1383 é feito senhor
do Castelo de Vide30. Uma doação feita já nos fins do reinado de D. Fernando que
bem reflete a sua condição de mais jovem em relação aos outros membros da linhagem
anteriormente analisados, o que decerto terá influenciado sua partidarização inicial,
coincidente com a dos seus parentes mais velhos.
Assim no decurso da crise de 1383-85, inicialmente dará voz a Castela31, no
entanto, após Aljubarrota será deixado sem castigo, sendo-lhe permitido voltar à sua
terra3 2. À partir daí tornar-se-á um frequente companheiro de armas de Nuno Alvares
Pereira33 .
Perdurará, durante toda a sua vida, a partidarização a D. João I, recebendo em
troca condições de estabelecimento dele e de seus descendentes, em detrimento dos bens
dos Pacheco3 4 .

28 Referência datada de 04 de Maio de 1398. LOPES, CDJI, 2p., cap.l67, p.367.


29 A 03 de Setembro de 1399 é-lhe feito morgado da terra de Entre-Doma-e-Deva (Chanc. DJI,
1.11, f.l58 e v).
30 Recebe a 15 de Fevereiro deste ano o referido castelo, incluídos os seus direitos, em detrimento
de Álvaro Gil de Carvalho (Chanc. DF, l.III, f.43v; e ainda LOPES, CDF, cap.l21, p.342).
31 LOPES, CDJI, lp., cap.l55, p.328.
32 LOPES, CDJI, lp., cap.50, p.l36. A 02 de Julho de 1386 D. João I confirma-lhe a doação
que fizera enquanto regedor da vila de Castelo de Vide e da terra de Meadas e Póvoa (Chanc.
DJI, 1.1, f.140).
33 LOPES, CDF, cap.l21, p.342. Após Aljubarrota, Nuno Alvares em consonância com a sua
intenção de distribuir os benefícios recebidos de D. João I entre os seus directos dependentes,
beneficiará Gonçalo Eanes Abreu, segundo este critério, com Alter do Chão, seu castelo e rendas
(LOPES, CDJI, 2p., cap.l51, p.331). Acompanhará Nuno Alvares ainda em diversos "raids" em
Castela (ld., cap.l62, p.355 e cap.l66, p.363-5). Vide ainda, Crónica do Condestável, p.34, p.l78
e p.l98.
34 A 02 de Julho de 1389 recebe os direitos e rendas das herdades régias que Afonso Domingues
de Aveiro tinha nos termos de Coimbra (Chanc. DJI, 1.11, f.40v). Manterá igualmente benefícios
régios em Évora: a 04 de Fevereiro de 1395 é-lhe confirmado o couto de uma quinta nos termos
da dita cidade (Chanc. DJI, 1.11, f.93 e v.). O morgado de Torres Vedras e uma quinta a par
de Sacavém, confiscados aos Pacheco, que em 1389 auto-exilam-se em Castela passará a compôr
o seu património, de sua filha e genro (Chanc. DJI, 1.111, f.92v-93 e f. I 02v-l 03).

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FERNÃO LOPES DE ABREU

Fernão Lopes de Abreu é filho natural de Lopo Afonso e Maria Femandes35.


As suas primeiras referências individuais datam dos princípios do cerco de Lisboa de
1384, quando será denominado criado do Mestre de A vis, morador em Elvas36. Perdurará
na carreira de servidor doméstico da nova dinastia e em princípios de 1390 é já referido
como reposteiro-mor da rainha Da. Filipa37.

MARTIM RoDRIGUES DE ABREU

Outro elemento desta linhagem com estabelecimento expresso em Elvas será


Martim Rodrigues de Abreu. Ainda no reinado de D. Fernando, em 1379, receberá sua
primeira doação em Campo Maior38, vila da qual terá sido, inclusive, alcaide, até Janeiro
de 1383 39 .
Em Julho deste mesmo ano, será nomeado procurador especial do Concelho de
Elvas para as Cortes de Santarém40.

GoNÇALO RoDRIGUES DE ABREU

Não encontramos referências a Gonçalo Rodrigues em qualquer das Crónicas


femandina ou joanina, no entanto, a Chancelaria de D. João I nos faculta algumas
informações. Este indivíduo será beneficiado pelo Mestre de Avis pouco antes do início
do cerco de Lisboa de 1384, assim como no seu fim, com bens de deservidores do
reino, o que parece apontar a que tenha participado do referido cerco ao lado do Mestre41.
Em Março de 1401 é já referido como alcaide de Arronches42.

35 Legitimado a 23 de Janeiro de 1375 (Chanc. DF, 1.1, f.l60v-161).


36 A 03 de Maio de 1384 será beneficiado com os bens de Lourenço Eanes, morador em Campo
Maior, neste lugar e em Elvas, devido ao deserviço em que este havia caído (Chanc. DJI, 1.1,
f.l8v).
37 A 06 de Fevereiro substituirá Gil Fernandes de Elvas, já falecido, nos direitos da alcaidaria,
mordomado e serviço dos judeus de Elvas (Chanc. DJI, L.II, f.4v e LOPES, CDJI, 2p., cap.96,
p.225).
38 A 14 de Janeiro de 1379 recebe a herdade de Caia, termo de Campo Maior; herdade de
pasto, talho e matança (Chanc. DF, 1.11, f.37).
39 À partir de 13 de Janeiro de 1383 a dita alcaidaria é transferida a Paio Rodrigues Marinho
(Chanc. DF, 1.111, f.59).
40 É morador e vizinho do dito Concelho, eleito procurador para as ditas cortes realizadas em
Julho de 1383 (MARQUES, op. cit., 2v., p.l24).
4 1 A 05 de Abril de 1384 recebe os bens de D. Yuda, tesoureiro de D. Fernando em Santarém,
que caira em deserviço (Chanc. DJI, 1.1, f.l 0). A 1O de Setembro será a vez dos bens que mestre
Lopo, tabelião, tinha em Santarém (ld., ibid., f.59).
42 Recebe a 16 de Março de 1401 , direitos e rendas de um reguengo nos termos de Campo
Maior (Chanc. DJI, 1.11, f.l69v).

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Assim, passamos a esboçar algumas conclusões gerais extraídas de uma análise
global das trajectórias individuais.
Do ponto-de-vista sócio-geográfico, uma rápida análise das regiões de preferencial
assentamento de cada um dos indivíduos referidos, permite-nos detectar dois núcleos
de concentração regional. O primeiro, no Alto Minho e Entre-Douro-e-Minho: Abreu,
Melgaço, Ponte de Lima, Baião, onde predomina Vasco Gomes e os Diogo Gomes,
pai e filho. Quanto ao segundo, no Ribatejo e Alentejo: Santarém, Tomar, Torres Novas,
Évora, Elvas, onde encontramos João Gomes e todos os representantes da segunda
geração. Distribuição que descortina, pelo menos uma dupla ramificação dos Abreu: um
ramo a noroeste e o outro ao centro e sul do reino, implicando, naturalmente, na existência
de ligações familiares mais estreitas entre os indivíduos pertencentes a cada um dos
ramos.
Enquanto Vasco e Diogo Gomes (pai), pertencentes à primeira geração estabelecem-
-se a norte, no núcleo e periferia do senhorio que dá nome à família, João Gomes,
pertencente ao mesmo grupo etário, predomina no centro. Tal divisão intra-generacional
permite-nos identificar os líderes de cada um dos principais ramos detectados, assim
como uma tendência para o estabelecimento dos mais jovens nas regiões periféricas dos
principais núcleos municipais do centro-sul do reino, o que pode levar-nos a pressupôr
a existência de dois níveis hierárquicos entre os dois ramos.
Do ponto-de-vista sócio-político, observamos que as movimentações que se
seguem à morte de D. Fernando geram uma cisão superficial entre as duas gerações
dos Abreu, ainda que, como veremos, refiram-se à defesa de interesses da mesma
natureza.
Senão vejamos. A primeira geração dos Abreu encontra a via de ascensão sócio-
-política no serviço à dinastia de Borgonha e em especial à rainha Leonor Teles, na
medida em que esta procura cercar-se de fiéis que constituam um cinturão de apoiantes
à sua questionada posição. Quanto à segunda geração, num segundo momento, apoia
a nova dinastia de Avis, em busca da mesma ascensão e através do mesmo serviço
e privança régia. O objectivo e a estratégia são os mesmos, o que difere são os actores
e as condições determinantes desta ascensão.
A análise da trajectória dos Abreu nesta situação de ponta, põe à mostra uma
fractura intrínseca a este agrupamento familiar, mantida até então em estado de lactência.
Um corte horizontal, originado na dialéctica de permanência/mudança que alimenta as
relações entre os indivíduos, em especial nas linhagens, onde cada geração defende um
destes vectores em função dos seus interesses. Defrontam-se com mais nitidez nestes
momentos de transferência do poder, por um lado os mais velhos, defensores do
estabelecimento já adquirido e por outro, os mais jovens, defensores de oportunidades
de estabelecimento. As partidarizações aí geradas acabam por determinar o rompimento
dos laços de solidariedade familiar. Os meios de estabelecimento individual falam mais
alto. Interesses antagónicos? Não, coincidentes e ao mesmo tempo concorrentes.
A busca da mudança, aliada à sua maior capacidade de assimilação da mesma,
inerente à pequena nobreza, são condições propícias ao sucesso da segunda geração dos
Abreu, especialmente numa conjuntura em que o partido da mudança prevalece.
Perpetuar-se-ão no mesmo e natural sentido da permanência, no entanto, assumirão novas
tonalidades. Assimetrias geradas pelos ritmos diversos das estruturas em confronto nesta
segunda metade do século XIV.

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