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SOMMAIRE: L'auteur fait I'analyse de la trajectoire d'une famille dont les bases d'affinnation
sociopolitique sont fondées à la seconde moitié du quatorzi~me si~cle.
SUMMARY: This is a study where we pretend to analyse the trajectory of a family whose bases
of the social-political afinnation repose at the second half of the founeenth century.
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reinado de D. Fernando que a sua trajectória aproximar-se-á mais da Corte regia. É
referido como parente da rainha e decerto a ascensão de Leonor Teles ao trono será
um eficiente meio de promoção especialmente após 13572.
A 15 de Maio de 1377 recebe o lugar de Abreu, substituindo a Gonçalo Rodrigues
de Abreu na posse do dito lugar, o que o transforma em cabeça de linhagem3.
A 19 de Janeiro de 1382, Vasco Gomes será objecto ainda da transferência de
bens da Infanta Beatriz, meia-irmã de D. Fernando, a qual já se encontrava casada no
reino vizinho tendo sido acusada de traição no testamento régio de 13784. Sem dúvida
que estando o reino em meio a mais uma guerra com Castela, é natural que as concessões
régias se alargassem no sentido de buscar uma maior solidez nas fidelidades. No entanto,
é sintomático que o fosse sobre bens da dita Infanta. Ela, tal como seus irmãos,
Infante João e Dinis, tinham já sido objecto de uma política de afastamento da
concorrência à sucessão do reino que culminara com o exílio dos três e o grande
património que deixam para trás, será, sem dúvida, motivo de cobiça por parte dos
senhores e recurso útil nas mãos do rei.
A forte dependência em relação à rainha Leonor Teles, reflete-se nas palavras
que lhe são atribuídas por Fernão Lopes, Vasco Gomes tentava livrar-se da acusação
que lhe pesava de ter confirmado o adultério da rainha ao tio da mesma, João Afonso
Teles: "(. .. ) Senhora, vos me fezestes muyto bem e posestes em homrra, de guisa que
eu nom som mais que quamto a vossa merçee em mim fez (. .. )"5. Episódio que reflete,
inclusive, a intimidade de que priva Vasco Gomes junto à sua parente régia, sendo seu
testemunho, neste caso, de tal peso, que poderia acarretar o comprometimento da rainha
junto àquele que, a nível linhagístico seria ainda o seu responsável. Logo a seguir a
este episódio, a 3 de Outubro de 1382 é-lhe confirmada a posse da alcaidaria de Melgaço6,
sintoma claro de que havia uma intenção de reforço da fidelidade à Coroa. É de observar
que entre a doação em data desconhecida e esta confirmação, teria havido outro alcaide
serão assim identificadas: LOPES, CDP; LOPES, CDF, e LOPES, CDJI. (Ed. da Livraria
Civilização, Porto, 1988, 1989 e 1991 respectivamente).
2 A 21 de Abril de 1375 recebe 1/2 quinta em Paredes terra de Coira, e outra parte da quinta
de Lamoso, terra de Pena da Rainha (Chanc. DF, 1.1, f.l86).
3 Chanc. DF, 1.11, f.9V -10. As únicas referências detectadas deste Gonçalo Rodrigues de Abreu
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na referida vila: Fernão Peres Churrichão7. A reinstituição na dita alcaidaria reflete assim,
uma estratégia da rainha para garantir o silêncio e a cumplicidade quanto ao seu adultério.
A 16 de Fevereiro de 1383 é ainda beneficiado e referido como vassalo régio,
a quem o rei recompensa por muitos serviços prestados 8 .
A partir daí sua trajectória eclipsa-se, sendo as próprias referências a Vasco Gomes
relacionadas ao confisco de seus bens devido à partidarização pró-castelhana no decurso
da crise de 1383-85. Apesar desta posição ser comum a outros elementos desta família,
ele será o único a ser referido como um dos "nados dazambujeiro bravo", traidor do
Mestre de A vis, o que reforça a idéia de que tinha um papel de representação no seu
núcleo familiar9.
Antes de meados de 1385 é referido em deserviço do reino em Castela 10. E à
partir de Novembro de 1385 encontramos várias cartas de D. João I, confirmando a
transferência de bens de Vasco Gomes, já anteriormente executadas 11 . No entanto, a
vila de Melgaço manter-se-á fiel à partidarização de seu senhor até os inícios de 1386,
quando será tomada, completando-se, então a distribuição de bens de Vasco Gomes nas
suas circunvizinhanças12.
Deixará uma filha no reino, Teresa Gomes, casada com Lopo Gomes de Lira,
grande senhor do Minho, que acaba por manter Ponte de Lima pelo rei castelhano 13 .
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JoÃO GOMES DE ABREU
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e que acarreta o confisco de seus bens no arraial de Aljubarrota a 15 de Agosto de
138521 .
Outro dos elementos que compõem esta geração mais velha dos Abreu é Diogo
Gomes de Abreu, cuja trajectória é um pouco mais controversa devido certamente à
existência de um homónimo.
A partir de Janeiro de 1371 encontramo-lo, pela primeira vez na Chancelaria de
D. Fernando, sendo beneficiado em pagamento de tença22.
Terá decerto participado na primeira guerra fernandina contra Castela, mas será
no decurso da segunda que se constatará uma participação mais activa. Desde os inícios
de 1372 será assim, recompensado pelos seus altos serviços em grandes guerras23.
Estará a par das negociações de apoio mútuo luso-inglês na medida em que será
uma das testemunhas do Tratado de Tagilde, assinado em Julho de 137224 .
A partir de uma carta de 3 de Fevereiro de 1373, refere-se Diogo Gomes como
falecido, informação confirmada em outra carta de 17 de Agosto de 137925. Em Maio
de 1383, sua viúva Violante Afonso, toma-se aia da Infanta Beatriz, acompanhan-
do-a, após o seu casamento, à Corte castelhana26.
No entanto, a partir de 1386 encontramos referências a outro Diogo Gomes de
Abreu que certamente corresponderá a um seu filho homónimo.
Em carta de I O de Março de 1386 refere-se a existência de filhos de Diogo Gomes
que encontravam-se em deserviço em Castela, sendo, por isso, confiscados em seus
bens27. Terão ido ao encontro da mãe que por lá se estabelecera.
21 Gonçalo Rodrigues será o beneficiado com os mesmos (Chanc. DIJ, 1.1, f.99v).
22 A 4 de Janeiro são-lhe atribuídos em tença, os direitos da aldeia de Vilaboas, termo de Vila
Flor (Chanc. DF, 1.1, f.72v).
23 A 26 de Janeiro de 1372 segundo estas directivas é investido na terra de Baião em jur de
herdade, na correição de Entre-Douro-e-Minha (Chanc. DF, 1.1, f.93 e v). Ainda a 2 de Setembro
beneficia, em pagamento de seus maravedis, das terras de Gondinhães e Duas Igrejas, casais de
Sandiz e Franca, almoxarifado de Ponte de Lima, em troca do serviço com dez lanças (ld., ibid.,
f.lllv).
24 PINTO S. da S., Tratado de Tagilde de 10 de Julho de 1372. Separata da Revista Scientia
luridica, ano 11, (6) Out-Dez 1952, p.l6.
25 Refere-se que Diogo Gomes, beneficiado em vida, com a herdade de Quintela em riba do
Minha, julgado de Valadares, que havia pertencido a Gonçalo Rodrigues de Abreu, tendo falecido,
deixará a mesma a sua viúva Violante Afonso (Chanc DF, 1.1, f.l47). Notícia contida ainda num
documento de 25 de Maio de 1374 e numa transcrição da carta de 1373 feita em 1403. Vide
Id., 1.11, f.46v e Chanc. DJI, 1.11, f.197.
26 Chanc DF, 1.111, f.60 e v e LOPES, CDF, cap.161, p.447.
27 A 1O de Março de 1386 Afonso Garcia, alcaide de Pena da Rainha, beneficiará dos bens
dos seus filhos na freguesia de S. Pedro de Mouro (Chanc. DJI, l.ll, f.171 v). A 08 de Novembro
deste mesmo ano, os bens de Diogo Gomes passam às mãos de Martim Afonso de Melo (Chanc.
DJI, 1.11, f.186).
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Em seguida, no decurso do cerco de Tuy em 1398, encontramos já referência
a Diogo Gomes, decerto filho homónimo do primeiro, ao lado de D. João I, alcaide de
Monção28. No ano seguinte, enquanto vassalo régio, receberá um vasto território em
pagamento por serviços prestados 29 . Estas informações decerto corresponderão à uma
partidarização recente deste filho de Diogo Gomes, que terá estado desde 1386 em Castela
e passados 12 anos, em 1398, encontra-se já novamente no reino português.
Quanto à segunda geração, correspondente, portanto, aos elementos mais jovens
desta linhagem, após o seu alçamento na Corte, detectamos quatro elementos: Gonçalo
Eanes, Fernão Lopes, Martim Rodrigues e Gonçalo Rodrigues de Abreu. Suas trajectórias
apontarão num sentido bem diverso dos anteriores referidos, bem instalados junto à nova
dinastia de A vis, servindo-a de perto.
O primeiro deles, Gonçalo Eanes de Abreu, desde Fevereiro de 1383 é feito senhor
do Castelo de Vide30. Uma doação feita já nos fins do reinado de D. Fernando que
bem reflete a sua condição de mais jovem em relação aos outros membros da linhagem
anteriormente analisados, o que decerto terá influenciado sua partidarização inicial,
coincidente com a dos seus parentes mais velhos.
Assim no decurso da crise de 1383-85, inicialmente dará voz a Castela31, no
entanto, após Aljubarrota será deixado sem castigo, sendo-lhe permitido voltar à sua
terra3 2. À partir daí tornar-se-á um frequente companheiro de armas de Nuno Alvares
Pereira33 .
Perdurará, durante toda a sua vida, a partidarização a D. João I, recebendo em
troca condições de estabelecimento dele e de seus descendentes, em detrimento dos bens
dos Pacheco3 4 .
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FERNÃO LOPES DE ABREU
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Assim, passamos a esboçar algumas conclusões gerais extraídas de uma análise
global das trajectórias individuais.
Do ponto-de-vista sócio-geográfico, uma rápida análise das regiões de preferencial
assentamento de cada um dos indivíduos referidos, permite-nos detectar dois núcleos
de concentração regional. O primeiro, no Alto Minho e Entre-Douro-e-Minho: Abreu,
Melgaço, Ponte de Lima, Baião, onde predomina Vasco Gomes e os Diogo Gomes,
pai e filho. Quanto ao segundo, no Ribatejo e Alentejo: Santarém, Tomar, Torres Novas,
Évora, Elvas, onde encontramos João Gomes e todos os representantes da segunda
geração. Distribuição que descortina, pelo menos uma dupla ramificação dos Abreu: um
ramo a noroeste e o outro ao centro e sul do reino, implicando, naturalmente, na existência
de ligações familiares mais estreitas entre os indivíduos pertencentes a cada um dos
ramos.
Enquanto Vasco e Diogo Gomes (pai), pertencentes à primeira geração estabelecem-
-se a norte, no núcleo e periferia do senhorio que dá nome à família, João Gomes,
pertencente ao mesmo grupo etário, predomina no centro. Tal divisão intra-generacional
permite-nos identificar os líderes de cada um dos principais ramos detectados, assim
como uma tendência para o estabelecimento dos mais jovens nas regiões periféricas dos
principais núcleos municipais do centro-sul do reino, o que pode levar-nos a pressupôr
a existência de dois níveis hierárquicos entre os dois ramos.
Do ponto-de-vista sócio-político, observamos que as movimentações que se
seguem à morte de D. Fernando geram uma cisão superficial entre as duas gerações
dos Abreu, ainda que, como veremos, refiram-se à defesa de interesses da mesma
natureza.
Senão vejamos. A primeira geração dos Abreu encontra a via de ascensão sócio-
-política no serviço à dinastia de Borgonha e em especial à rainha Leonor Teles, na
medida em que esta procura cercar-se de fiéis que constituam um cinturão de apoiantes
à sua questionada posição. Quanto à segunda geração, num segundo momento, apoia
a nova dinastia de Avis, em busca da mesma ascensão e através do mesmo serviço
e privança régia. O objectivo e a estratégia são os mesmos, o que difere são os actores
e as condições determinantes desta ascensão.
A análise da trajectória dos Abreu nesta situação de ponta, põe à mostra uma
fractura intrínseca a este agrupamento familiar, mantida até então em estado de lactência.
Um corte horizontal, originado na dialéctica de permanência/mudança que alimenta as
relações entre os indivíduos, em especial nas linhagens, onde cada geração defende um
destes vectores em função dos seus interesses. Defrontam-se com mais nitidez nestes
momentos de transferência do poder, por um lado os mais velhos, defensores do
estabelecimento já adquirido e por outro, os mais jovens, defensores de oportunidades
de estabelecimento. As partidarizações aí geradas acabam por determinar o rompimento
dos laços de solidariedade familiar. Os meios de estabelecimento individual falam mais
alto. Interesses antagónicos? Não, coincidentes e ao mesmo tempo concorrentes.
A busca da mudança, aliada à sua maior capacidade de assimilação da mesma,
inerente à pequena nobreza, são condições propícias ao sucesso da segunda geração dos
Abreu, especialmente numa conjuntura em que o partido da mudança prevalece.
Perpetuar-se-ão no mesmo e natural sentido da permanência, no entanto, assumirão novas
tonalidades. Assimetrias geradas pelos ritmos diversos das estruturas em confronto nesta
segunda metade do século XIV.
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