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HISTORIA DO BRASIL

PELO

P. RAPHAEL M. GALANTI, S. J.
PROFESSOR NO COLLEGIO ANCHIETA
EM NOVA PRIBURGO E SOCIO CORRESPONDENTE DE VARIOS
INSTITUTOS HISTORICOS

TOMO I

a .a. EDIÇÃO

SÃO PAULO
DUPRAT & C OMP. - RUA DIRElTA, 2 6
1911
HISTORIA DO BRASIL
PELO

P. RAPHAEt M. GALANTI , S. J.
PROFiiSSOR NO COLLEG I O ANCHIETA
, , El'ti .NOVA .. F.RIBURGO E SOCIO CORRESPONDENTE DE VARIOS
INSTITUTOS HISTORICOS

T 0 ~10 I

SÃO PAULO
. , I DUPRAT & C OMP.- RUA DIRELTA, 28
1911
INTRODUCÇÃO

1} Proemi o. -Como o Brasil por mais de tres


seculos foi colonia de Portugal, que para cá transplan-
tou os seus usos e costumes, a sua legislação, as suas
producções e o seu povo , parece-nos conveniente e até
necessario delinear no principio deste trabalho um
rapido esboço da historia da nossa antiga metropole
e dos nossos antepassados. Por outro lado, sendo o
descobrimento do Brasil uma consequencia, embora
casual das viaf;ens marítimas emprehendidas pelos
portuguezes, esses argonautas do seculo XIV e XV,
é indispensavel traçar um painel, ainda que em mi ·
niatura, dessas mesmas viagens. Cumpre, portanto,
que a historia deste nosso amado paiz seja precedida
por dois capítulos que exponham, por assim dizer, a
prehistoria ou ante-historia delle. O primeiro tratará
de Portugal i o segundo, dos factos que levaram ao
descobrimento da Terra de S. Cruz. Nem será fóra
do nosso assumpto accrescentar mais um capitulo a
respeito dos usos e costumes de Portugal afim de
que possamos, no correr dos tempos, entender facil-
mente a historia da nossa querida patria, que iremos
referindo com a d ligencia de que fôr capaz o nosso
fraco entendimento.

Portugal
2} O reino de Portug al- que nos designios
da Providencia era destinado a conquistar tanta gloria
nas dive rsas partes do mundo, que havia de rasgar
novos horizontes á actividade humana, e levar a civi-
lização christan até os ultimas limites do globo por
2 INTRODUCÇÃO INTROD UCÇÃO 3

mares nunca dantes navegados, começou a figurar na bra; Sanclzo 1/ (1223 - 48), a quem o Papa, a pedido
Historia pelos princípios do sec. XII, graças ao valor dos nobres, suspendeu de suas funcções; Affonso 111
de D. Henrique, príncipe capetingio da casa de Bor- (1248 - 79), que levou a capital para Lisboa, e a seu
gonha, e descendente de Hugo Capeto. Passára D. titulo de rei de Portugal accrescentou o de rei dos
Henrique á Península Iberica com o intento, ao que Algarves. D. Diniz (1279- 25), o rei Lavrador e o
parece, de auxiliar os christãos contra os mouros . Pae das Musas, fundou a Ordem de Christo e a uni-
Tendo-se distinguido nas guerras contra esses inimi- versidade de Lisboa, transferida pouco depois para
gos do Christianismo, obteve a mão de D. Thereza, Coimbra. D . Affonso IV (1325- 57) fixou o preço a
filha de D. Affonso VI, rei de Castella e de Leão, do todas as mercadorias, e consentiu que D. Ignez de
qual recebeu o condado de Portugal (Porto-Cale) Castro fosse morta por alguns malvados. D. Pedro I
com todo o mais territorio que tirasse aos mouros (1357 - 67) governou como um tyranno, e vingou
(1084). Em 1114 succedeu D. Affonso J-Ienriques cruelmente o assassinato de D. Ignez, que depois de
(1114-85) a seu pae no condado portugalense sob morta foi rainha . D. Fernando (1367- 83), ultimo rei
a tutela de D. Thereza, sua mãe. Como a regente da dynastia de Borgonha, afim de promover a agri-
travasse relações escandalosas com Fernando Peres, e cultura publicou a Lei das Sesmarias, segundo a qual
désse mostra de querer excluir o seu filho do governo as terras abandonadas deviam passar para outro dono,
do condado, D. Affonso Henriques, açulado por seus si o proprietario não quizesse cultivai-as.
fidalgos, pegou em armas contra sua propria mãe,
derrotando-a na batalha de S. Mamede (1128) e ba- 4) Dynastia de Aviz. - Os primeiros monarchas
nindo-a, dizem, de Portugal, juntamente com o seu da dynastia de Aviz, a mais gloriosa de Portugal,
favorito. Desbaratou em seguida (1139) um grande foram os seguintes :- D. João 1(1385- 33), que, depois
numero de mahometanos no Campo de Ourique, e, de esmagar os castelhanos em Aljubarrota (85).,...oa-s-
depois de vencer em Valdevez 146) a Affonso VII de sou á Africa e tirou Ceuta aos mouros (1415). AsSM-
Leão, assumiu o titulo de rei que já lhe era dado miu então o titulo de Senhor de Ceuta, e obteve do
por seus subditos. Ponderando, todavia, D. Affonso papa Martinho V uma bulia (1418) que lhe assegurou
Henriques o risco a que estava exposto emquanto essa conquista, e lhe concedeu muitos privilegios. D.
não tivesse assentado as pazes com seu primo, col- Duarte, o F.loqumte (1433 - 38), publicando a Lei
locou-se sob a protecção da Egreja, offerecendo o Mental, ordenou que • OS bens de doação regia re-
seu reino ao Summo Pontífice. Foi, de facto, pela vertessem á coroa na falta de herdeiro directo varão •.
pacifica intervenção do successor de S. Pedro que Recebeu esta Lei o nome de Mental, porque D .
D. Affonso VII se moveu a reconhecer na Paz de Duarte, quando a publicou, disse que D. João I, na
Zamara (43) a independencia de Portugal. occasião de doar os bens da coroa, ou teve ou devia
ter a intenção de doai-os com semelhante condição.
3) Os primeiros - successores de D. Affonso
Henriques foram - D. Sancho I (1185-11), que tra- Oli veira Martins expli ca esta lei do mo do segui nte :
tou de acudir aos males causados pela guerra e con- «Fo rçado pe las exige ncias de um a fun dação d e dyna.stia, D . J oão
l mu!tipli cára as doações a I' Onto, que o go vern o luctava co m
quistou larga parte de territorio aos mouros. O mesmo um a penmi a cru el ; e esses embaraços de cada insta nte era m pelo
pouco mais ou menos fizeram D . Affonso 11 cba nceller (J offo d as R egr as) con•ide rados, e com motivo, como o impe·
(1211-23), que convocou as primeiras côrtes em Coim- dim cnto mais fo rte pa ra a constit uição d o poder sober a no da coroa • .
I NT ROD UCÇÃO 5
4 lNTlW OU CÇÃO

A pedido do Infante q. Henrique, concedeu D . II


Duarte á Ordem de Chnsto todas as terras que fos-
sem descobertas pela coroa portugueza. D. Affon- Factos que levaram ao descobrimento do Brasil
so V (1438- 81), tendo conquistado ~lcacer- Ceq~ter,
Arsilla e Tanger accrescentou a seu tttulo de- ret de 5) A Escola de Sagres.- A g randeza marítima
Portugal e dos Algarves o - d' aquém e d' além mar de Portugal tira origem da Escola de Sagres, funda -
na Afríca. D. Affonso. não, s_e . ~c~upou ~os des- da (L) pelo Infante D. 1--!enrique, terceiro filho de D.
cobrimentos, sendo devtdos a mtctahva parttcul3r os João I e de D. felippa, irman de 1--lenrique IV da
que se realizaram no tempo delle. D. Joao 11 Ing laterra. Nasceu no Porto a 4 de março de 1394;
( 1481-95), qu~ tão ~ravo se mostrou com_ os nobres, e, segundo algun s, cessou de viver em Sagres no dia
promoveu ~1~tto acttvamente _as exploraçoes e con- treze de novembro de 1460; Freire, porém, na vida
quistas manbmas. Deu D. Joa_o_a seu prttn?, _D. Ma- do mesmo Infante, dá a sm morte aconiecida a 23
nuel a esphera armillar por dtvtsa, quast adtvmhando do mesm o mez de novembro daquelle anno, ao passo
que' o seu, dom_inio havi~ de estender-se ao mund o que João de Barros lhe prolonga a existencia até o
inteiro. Alem dtsto, depots de matar em Setubal a dia treze de novembro de 1463. Todos os autores
D. Diogo, duque de Viseu e irmão de D. Ma~u e l, rendem á sua memoria os maiores encomios, por seus
nomeou este ultimo duque de Beja, senhor de Vt seu, talentos, actividade e benevolencia, designada até em
e Grão-Mestre da drctem de Christo. foi deste modo suas armas, onde se lia : - Talanto de jazer o bPm :
que pouco a pouco se preparou a identificação desse Talent de bien jaire. - Th ompson, no poema das
Mestrado com a coroa portugueza. D. J:tfatwel, _o Estações, dá-lh e o epitheto de- Oenio da navegação.
Venturoso (95- 1521), escolhido pelo pr~pno D. Joao Dedicando-se com toda a seriedade ao estudo da
11 para succeder-lhe no !hrono, cont_t~uand o com astronomia, cosmographia e nautica, ch amou para a
afinco a obra dos descobnmentos manttm os, elevou sua Escola o malhorquino mestre Jacome, •homem
Portugal ao auge da gloria e grandez~- D~u-a nte o mui douto na arte de navegar, que fazia cartas e
seu reinado os portuguezes chegaram a lndta c des- instrumentos » (2). Na opini ão de Varnhagen este
cobriram o Brasil (1}. mestre Jaco me foi o primeiro preceptor da Escola
de Sagres.
·'A' força de cogitações descob ri u uma le i, cujo lll>IIIC <[li:Hlr.oq Como D. Henrique foss e duque de Béja. senhor
:í co nsc ienc1a cscru pul <'sa do r e i (D. Du ar te): a lc1 ~l c n ta l; da 1dca
ou me nte co m qu e as clnnções tin ha m si do, ou dc\'l:lln ler >~tio ':•1 1:"·
de Viseu e Grão-M estre da Ordem de Christo, tinha
Op portun a, sagaz e prati ca, essa lei, q ue d ur? u no ~orpo do d 11·e1tn á sua di sposição riqu ezas muito consideraveis, que
portuguez até ás reform as libe raes dos nossos d !aS (fo 1 r evo~a d :t pe lo empregava quasi exclusi vamente em promover ~s
decre to de 13 d e agosto de 1832), co nsegu 1u os Ii ns desejados, pe- descobrim entos marítimos com o intento de abnr
d indo a coop eração do te mpo , s; m fe rir ~1e n h u m i ~lt e;essc na 1:~essoa novos hori zo ntes á civilização christan. Tomando
dos do nata ri os ac tu aes . Continua em 11av admzttzr a succ"essao dos
bens da co?·oa sitttío os .filhos primogenitos e !tgitimos, rom ,·xdusiio das
femeas , dos ascende11tes e co//ateraes, salvo co ~ cessão espec1al do (') Co mquanto seja pr ovavel que a Escola de Sag res te ve pri nci-
r ei -que, po ré:n, logo a estabe lece ra a be nefic io do propno J oão p io alguns annos an tes ela tomada d e Ce•Jta (1415) ; não lográmos,
das R egr a:., pae de uma fi lha ape nas. Por . esta fónnn consegu1a-se toda vi a, at in ar com um mo t ivo suflic ie nle pa ra pr ec isar a data da
a freq uente r eve rsão dos bens, q uando a le1 se execn1ava; e quando sua fu ndação. !\Iarcam-l he a lg uns o anno de 1.p2; ca la m, po rém, a
não se executava , mantinh a-se a nobr eza num a clependencm cons tan te razão sob re q ue se basea m,
el a cor oa. > . (') J. de Ba rros, Dec. I, li v. I, cap . 16.
(' )Vi de D ami ão de Góes. C hron ica elo R ei J) .M anue l, h v. J,cap . l, 22 .
6 INTHODUCÇÃO INTRODUCÇÂO 1
-- ---
parte na expedição de Ceuta, recolheu, dos pnsto- trello retirou-se para o reino, porque alguns coelhos
neiros, diversas informações, relativas aos povos da que largára no matto, e se tinham multiplicado de
Africa Occidental até ao grande deserto de Sahara um modo prodigioso, ro"iam todas as plantações.
e ao paiz de Guiné.
8) Madeira, 1419 ou 20.-Então João Gonçalves
6) Primeiros descobrimentos. - E' impossível Zarco e Tristão Vaz Teixeira, que haviam perma-
determinar com alguma certeza a data das primeiras necido na Ilha, embarcaram para examinar de perto
viagens dos navegantes de Sagres; deprehende-se, uma como nuvem preta que lobrigavam constante-
todavia, do que diz J. de Barros no Jogar, ha pouco, mente no horizonte. Descobriram deste modo a ilha
citado, que ellas se realizaram ou pouco antes ou deserta, que, em attenção ao muito arvoredo nella
logo depois da tomada de Ceuta. Começou D. Hen- encontrado, chamaram Ilha da Madeira. foi essa
rique por mandar cada anno dois ou tres navios ílha dahi a pouco dividida em duas capitanias: a
com ordetft de explorar a costa além do Cabo Não, do Funchal e a de Machico. Aquella para João
ultimo termo das viagens marítimas dos antigos. Era Gonçalves Zarco, esta para Tristão Vaz Teixeira. As
tal o preconceito, nutrido pelo povo em Portugal, plantações da canna de assucar, cujas mudas foram
relativamente a esse Cabo, que uma especie de dic- procuradas na Sicília, déram resultados fabulosos.
tado popular dizia: Quem passa o Cabo Não ou Porto Santo ficou a Perestrello, que, apesar do seu
tornará ou não. Chegando aquelles primeiros desco- primeiro desmaio, a colonizou, livrando-a da praga
bridores até ao Cabo Rojador, ninguem ousou do- dos coelhos.
brai-o, porqt:e << boja pelo mar centro causa de qua-
renta leguas, e na extremidade occidental havia uma 9) Ulteriores descobrimentos .-Em 1433 Oil-
restinga de dez leguas » (!). lianes ou Oil Eannes, natural da villa de Lagos,
dobrou o Cabo Bojador, e no anno seguinte junta-
7) Porto Santo. 1418 - Ao voltar da expedição mente com Affonso Gonçalves Baldaya, desembar-
de Ceuta, achou D. Henrique promptos dois caval- cando além desse mesmo Cabo, encontrou pégadas
leiros da sua casa que se offereceram, intrepidos, humanas. Em 1435 prende alguns negros, e mata
para a empresa arriscada de passar o Cabo Bojador. lobos marinhos, cujos couros leva para o reino. Em
Eram João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, 1441 Nano Tristão chega até ao Cabo Branco, e,
que, sendo nessa viagem arrojados por um temporal apresando diversos negros, os conduz a Portugal.
para o alto mar, avistaram, precisamente quando se Um pouco mais tarde (43) descobre Antonio Oor.-·
julgavam perdidos, uma i! ha deserta que denomi- çalves um esteira que honra com o nome de Rio
naram Porto Santo. Regressando alegres ao reino, do Ouro, porque nessa paragem os negros a troco
obtiveram licença de ir povoar essa ilha, e sem de- de ouro em pó, resgataram dois moços capturados
mora partiram em tres navios jttntamente com Bar- pelos -portuguezes. Em 1441, os habitantes de Lagos,
tholomeu Perestrello, fidalgo da casa do Infante D. armando seis caravellas, exploram a Ilha das Garças,
João, quinto filho do fundador da dynastia de Aviz. onde prendem centenares de negros, levando-os a
Esmorecendo, todavia, dentro de dois annos, Peres- vender no reino. Parece que este commercio era
nessa epoca julgado licito na Europa, porque sup-
(') J. Je Barros, I. c. punham que estes negros fossem aquelles mesmos
8 INTRODUCÇÃ O INTRODUCÇÃ O 9
que faziam guerra á Chris~andade.-Em 1446 Diniz quistou tres dellas por conta da Hespanha. Beten-
Fernandes revelou a existencia do Cabo que chamou court partiu para a França e nunca mais appareceu.
.)
Verde, e que foi dobrado alguns mezes depois. No Então um seu sobrinho, chamado egualmente Beten-
dia primeiro de maio de 1461 ou 62 avistaram as court, que ficára nessas ilhas e occupára mais uma
ilhas do Cabo Verde Antonio de Nolle, Raphael, seu
sobrinho, e Bartholomeu, seu irmão. Eram nobres iJ de lias, desalentando por falta de recursos, passou á
Ilha da Madeira, onde contrahiu matrimonio e se
genovezes emigrados para Portugal em consequencia deixou ficar. D. Henrique, portanto, em virtude de
de perturbações civis e políticas. um ajuste feito com Betencourt sobrinho, tomou
posse das quatro Canarias, já conquistadas, come-
10) Bullas.-De sejando o infante D. Henriq•Je çando dentro em br:eve (1424) a colonizai-as, e ten-
assegurar a posse destas conquistas, e de outras que tou debalde subjugar as oito restantes. Portugal,
meditava, obteve em 1436, do papa Eugenio IV, todavia, cedeu mais tarde essas ilhas á Hespanha,
uma bulia pela qual o Chefe da Egreja concedeu á que as reclamou como suas em vista dos soccorros
Ordem de Christo todas as terras descobertas e por fornecidos a Betencourt tio. Os habitantes das Ca-
descobrir, conquistadas e por conquistar aos infieis, narias, berberes de origem, eram barbaros que ado-
desde o Cabo Bojador até á India inclu~ivamente. ravam um Deus unico, creador e remunerador. Ti-
Confirmaram esta mesma doação ou investidura os nham uma fórma de governo semelhante á repu-
Summos Pontífices, Nicolau V em 1452, Calixto 111 blicana.
em 1455, Sisto IV em 1481, Julio 11 em 1506 e Leão Relatámos esta historia conforme se lê em ]. de
X em 1514. Dissemos que o Papa concedeu estas Barros, Dec. I, 1. I, cap. 12; a imparcialidade, porém,
conquistas á Ordem de Christo, porque o Infante nos obriga a accrescentar que, segundo Raynaldo -
D. Henrique conseguira do rei D. Duarte, seu irmão, Annales Ecclesiastici, T. IV, pag. 559 as Canarias
«que todas as terras que se fossem descobrindo pela haviam sido descobertas desde antes de 1344; pois
coroa portugueza, ficassem adjud:cadas á Ordem de 11esse anno, reinando no Aragão Pedro IV, D. Luiz
N. S. J. C., da qual era grão-mestre, alta dignidade, de Lacerda, neto de D. João de Lacerda, pediu ao
que depois com os dois mestrados de Santiago e papa Clemente V! licença e auxílios para submettel-
de Aviz, por bulia do pontífice Julio lll passada no as. O Papa, concedendo a licença, convidou os reis
anno de 1551, uniu el-rei D. João III perpetuamente christãos a prestarem apoio a Luiz para realizar essa
á coroa e domínio dos reis de Portugal, que possuem empresa. Comtudo nada se concluiu, em consequencia
esta parte da America como gran-mestres e perpe- da guerra dos Cem Annos entre a França e a In-
tuas administradores da dita Ordem ( 1) ». glaterra. Por outro lado, D. Affonso IV de Portugal
respondeu que essas ilhas lhe pertenciam, porque
11) As Canarias descobertas antigamente pelos haviam sido muito antes achadas por seus subditos,
phenicios ou carthaginezes, e conhecidas com o os quaes, a não ser a guerra contra os sarracenos,
nome de lnsulm Fortunatr:e, haviam sido perdidas as teriam já occupado. O mesmo proximamente
de vista; mas, no tempo de llenrique 111 de Castella replicou Affonso XI de Castella. Deste modo a con-
(1390-1406), o francez Betancor ou Betencourt con- quisb ficou ainda por fazer.
O P. Cordeiro, S. I., na sua I-listaria insulana, liv.
(') Rocha Pilta. I, 9 r. li, cap. III e IV, refere o que diz Raynaldo, e accres-
TNTRODU CÇÃO 11
10 INTRODU CÇÃO

centa que o Infante abriu mão da empresa, porque donatario s. Diz o P. Cordeiro que embora na ilha
quando tratou de subjugar a Grande Canaria, suas do Corvo não se encontra sse indicio algum de ter
armas soffreram tremend a derrota. Quem por ultimo sido habitada , • achou-se , com tudo, em uma alta rocha,
levou ao cabo a conquist a e occupaçã o total das Cana- que cae sobre o mar, e em uma grande !agem, tão
rias foi. Fernand o V, o Catholico , em 1512, depois de fatal e grande estatua de pedra, que consta de um
extermm ar pelo ferro os Gaanches, povo de origem cavallo em osso e de um homem vestido, e posto
berber (1). no cavallo com a mão esquerda pegando -lhe na co-
ma e com o braço direito extendid o e encolhid os
12) Açores .- Em 1431 Gonçalo Velho Cabral, os mais dedos. excepto o índice com que está apon-
navegan do, por ordem do Infante D. J-lenrique , na di- tando para o Poente, e mais direitam ente para No-
recção do oéste, topou com os rochedos que deno- roéste (i)».
A ser verdade que tal estatua existia, e não era um
minou Formigas. No dia 15 de agosto do anno se-
guinte, fazendo o mesmo Cabral uma segunda viagem, capricho da natureza, como acontece facilmen te na
descobri u a ilha que em attençã~ á festa desse dia pedra !agem, ou uma phantasia , como é, v. g., o fa-
chamou S. Maria. Agraciad o o descobri dor com a moso gigante do Rio de janeiro; mas, na realidade ,
sua doação, occupou -se immedia tamente em coloni- obra do homem, é força dizer que esta ilha fôra em
zai-a. No dia oito de maio de 1444, a fortuna depa· outro tempo habitada . Todos sabem como da dita
ro.u ao mesmo Cabral a ilha de S. Migael, de que estatua, além de o:.ttros escriptor es, com muita habi-
fot o primeiro donatario . Déram dentro em breve lidade se aproveit ou o P. Fr. José de S. Rita Durão
a estas duas ilhas o nome de Açores, porque viviam no seu lindo poema - O Caramurú, canto I, 62.
nellas numeros os milhafres , que se parecem muito
13) O Resgate do Ouro da Mina-f o i em ja-
com os açores no modo de se arremess arem sobre a
presa. Este mesmo nome de Açores passou mais tar- neiro de 1471 descober to por Fernão Gonçalv es, e
de collectiv amente a todas as ilhas de que se compõe recebe u este epitheto - Ouro da Mina - pela razão
este archipela go, e que em seguida recebera m tambem de irem os negros comprar nesse sitio objectos eu-
o nome de Ilhas Terceiras. ropeus, pagando com ouro em pó. Deu-se a este
A Ilha Terceira ha de ter sido patentea da pouco trafico o nome de resgate, porque muitas vezes O!-,
depois da de S. Miguel, mas não se sabe ao certo naturaes da terra resgatavam nesse Jogar os negros
quem a descobri u, nem quando, nem como. Em 1450 apresado s pelos portugue zes. E' deste uso que deri-
o Infante nomeou donatario della o flamengo jaco- va a phrase- resgatar com os indios, no sentido de
me de Bruges, que sem pôr tempo no meio tratou commerc iar ou negociar com elles.
de colonizai-a. As ilhas seguinte s a saber: S. Jorge,
14) S . Jorge da Mina, 1-±82.- Logo que subiu
Graciosa, Fayal, Pico, Flores e Corvo, foram desco-
bertas de 1450 em deante, mas reina grande incerteza ao throno (1481), D. João 11 mandou Diogo de Azam-
a respeito do seu descobri dor e de seus primeiro s buja construir nessa parte da costa uma fortaleza que
chamara m · S. Jorge da Mina. Em dez caravella s e
dez urca~ levou Diogo pedra lavrada, cal, telhas, ma-
1
( ) Vide Oli1•eira llhrtins-O s filhos de D. J oão I, pag. 66 e
seg, onde, entre outras causas interessante s a respeito das ilhas do (') Cordeiro - llistoria lnsulana. liv. IX, cap. V
Atlantico, se encontra a lend a dos Almog<WI'inms.
12 INTRODUCÇÃO
INTRODUCÇÃO 13
dei.ra e instrumentos; cem homens para trabalhar
qumhen.to~ pa~a comb.ater. Partiram com elle ai~ aquella terra, e em que tempo e por que capitão fô-
guns mts~tonanos _franciscanos, que, erguendo 0 al- ra aquelle Padrão ahi collocado, e em cima no tôpo
tar portatt! n~ prat~, ao pé ~e u~a arvore, celebra- uma cruz de pedra embutida com chumbo. Dava-se
ram a pnmetra mtssa no d1a vmte de janeiro de a cada Padrão um nome proprio (1). O primeiro
1482. Nesse m~smo dia e nessa mesma paragem, re- destes padrões, chamado S. Jorge, foi por Diogo
cebeu AzambuJa com grande solemnidade a visita de Cão posto na foz do rio Zaire ou Congo em 1484.
Cara!nansa, }'et do Jogar. Vinha elle vagaroso e gra- Visitando este Diogo Cão o reino do Congo, e su-
ve pe ante peno meio de grande numero de musicas bindo pelo rio Zaire, teve uma entrevista com o
e soldados cuberto pernas e braços de barceletes monarcha, o qual pediu missionarios, e dentro em
e ar~olas de ouro, e ao pescoço um colar, do qual breve abraçou a religião christan. Em virtude de taes
pe!l?tam umas campainhas miudas, e pela barba re- descobrimentos, assumiu por este tempo D· João 11
tot ctdas umas vergas de ouro, que assim lhe chum- o titulo de Senhor de Ouiné.
ba~~m os ~abellos ~ella, qu~ d~ retorcidos os faziam
âomd~s· ,( ).----: Depo1s das pnmetras cortezias, trocadas 16) Preste João.- Percorria, no entretanto, João
c pa1 te ~ pat te segUJ:do o .estylo do pai<:, respon- Affonso de Aveiro o Benim, cujo rei mandou em-
dendo C~tamansa a D10go, ~1sse que não lh e parecia baixadores a Portugal. Sendo O. João 11 informado
bem se ltzesse a fortaleza, vtsto como os amigos que por um desses embaixadores de que o Benirl! era
se chegam demasiado, mudam-se de leve em inimi- tributaria de um tal P1este João, monarcha restden-
g~~ ;_ ~· accrescen!ou q uc, .sem a fortaleza, a Fé se te a uma grande distancia no sudéste da Africa, e
l~tegatt a com maJOr proveito, e o commercio se fa- que talvez professasse o Christianismo, visto como
na com maior_facilidade. Comtudo, replicando Diogo dava a investidura entregando ttma cruz, resolveu
q u~ o forte tinha_ de s~ levantar a todo o custo; travar relações com elle, esperando chegar deste mo-
Cat amansa, que nao pod1a resistir á força, resignou- do a tão almejada India. Enviou, portanto, em bus-
s.e, volvendo para seus paços com toda a sua comi- ca desse rei, uma expedição por mar e outra por
tiva. Ergueram então os portuguezes á grande pressa terra. (2)
a fortaleza, e sem perda de tempo a ~'mrneceram d~
armas e de soldados. " 17) Bartholomeu Dias, 1486- 87. -Confiou a
expedição marítima a Bartholomeu Dias, que pelos fins
15) Padrõe3 - Orde:-~ou D. João li que, daquella de agosto de t486 sahiu do Tejo com dois navios de cin-
epoca em_ deante, os expl~radores não tomassem pos- coenta toneladas, e uma naveta para os mantimentos.
se do. parz descob~rto ~tmplesmente por meio de Governava esta na veta Pedro Dias, irmão do chefe da ex-
uma CI uz, como ate entao se havia praticado· mas pedição, e command·tnte do primeiro navio. )mpellido
erguendo um Padrão de pedra da aítura de d~is ;s- por um vento rijo, seguiu Bartholomeu mUito para o
tados de homem com .escudo das armas de Portugal, sul até que, demandando e não achando terra do lado
e nas costas um !ettretro em latim e outro em portu·
guez, os quaes d1ssessem que rei mandára descobrir (') J. de Barros, 1. c., cap. III. · .
( 2) Seguimos J . de Barros; po· ém declaramo s que, segundo O h v.
Martins, O. C. falava-se na Europa , desse ente rnysterioso desde o
(') ] . ele Berros, Dec. I, I. III, cnp. I. tempo de D. João I, e parece que n viagem do Infante D. Pedro a
Jerusalém tivesse o fim de colher alguma noticia a respe1to delle.
14 l TRODUCÇÃO INTRODUCÇÃO 15

do léste, carregou sobre o rumo do norte e foi dar Portugal t>mquanto não lograsse ter uma entrevista
con: a costa na parte oriental da extrema' ponta da com o mysterioso Preste J<?ão. R~metteu, portanto, ao
Afnca. Collocou o Padrão S. Cruz na ilhota do mesmo rei larga relação do que vtra e fizera; tornou a em-
no.:r:1e, e chegou a um rio que, sendo descoberto por barcar em Adem para Ormuz, e, d~pois de _nymero:
Joao Infante, chefe do segundo navio recebeu o nome sas aventuras, aportou finalmente a Abyssmta. f01
~e Rio do lnfant~. Anhelava Barth~lomeu por con- recebido com agrado pelo Preste ou Negus, que l~e
tmuar o reconhectmento da costa na direcção do ori- prometteu despachai-o de prompto. Como, todav ta,
ente; mas, cedendo aos desejos de seus officiaes ex- o rei ou Negus actual, chamado Alexandre, falleces se
plorou o Cabo Tormentoso, cuja existencia prese~tira neste comenos, recusou-lhe o su~cessor _a \lcet~ç~ de
pelo facto de correr constantemente para ltsste o lit- retirar-se. Em 1515 Pero da Covtlhan amda v1v1a na
toral já visitado. Collocou nesse mesmo cabo o Pa- Abyssinia onde contrahira matrirnonio e realizara uma
drão S. felippe, e dirigiu-se para o Tejo, aonde en- fortuna· ~as o embaixador portuguez, mandado por
trou a seu salvo em dezembro de 1847 com 16 mezes D. Mat~uel, apesar de toda a insistencia não poude
e 17 dias de viagem redonda. obter a desejada licença (1).
Déra Bartholomeu á ultima ponta meridional da
Africa o nome de C'lbo Tormentoso ou das Tormen 19} Behaim.- Pretendem alguns que Martim ou
tas em lembrança de uma notavel tempestade que Martinho Behaim natural de Nurenberga (1430-- 1506),
na sua altura soffrera; mudou, porém, D. João esse desde o anno d~ 1460 descobriu a ilha do fayal, e
nome pelo de Boa Esperança: «Porque agora, disse explorou toda a costa da America do Sul até ~o ac-
elle, temos boa esperança de chegarmos até á lndia. ~ tual Estreito de Magalhães; que em 1485 D.Joa? 11 o
creou cavalleiro e, regressando para a sua patna em
18) Covilhan e Paiva. - Mand ára no mesmo 1490, construiu UtT~ globo. Pa:ec~ - nos bastan~e cla~o
tempo D. João li dois r.eligiosos a Jerusalém, espe- que estes desco~nment?s, attr~butd<?s a. Behat m,_ nao
rando enco.ntrar nes~a ctdade alguma pessoa que pu- passam de um~ stmples mvençao; P.OI.s , st fossem 1 ea_es~
desse servtr de guta para adquirir relações com não encontrana Colombo tanta dtfftculdade em fazet
o Pr~ste João._Tendo ess~s relig~osos voltado apenas acceitar o seu plano, nem os descobrimentos ca~telh_a­
com mformaçoes vagas, mcumb1u desta missão J\f- nos e portuguezes excitariam tão grande a~dmtraçao
fonso de Paiva e Pero da Covilhan (7 de maio de e enthusiasmo na Europa. Acresce que o J· ayal, ou,
87), ~ue passando por Napoles e pela ilha de.Rhodes pelo menos, diversas ilhas dos Açores, em 1460, eram
segutram para Alexandria e o Cairo. De lá partiL; já conhecidas. A verdade é, segundo parece, que Be-
Paiva para o Alt_o Nilo, embarcando no mesmo tempo haim .esteve em Portugal, no fayal, e na ~osta da
o seu companhe1ro em Adem. no m;:r vermelho. Co- Africa, não como descobricior .• mas como piloto ou
vilhan visitou, na India, Canano~, Calicut e Oôa; per- simples viajante em companhta dos porluguezes. (2).
correu, na volta, toda a costa onental da Africa até
á mina de Sofala, e pela estrada de Adem rearessou
ao Cairo, onde acabava de concluir a sua ~arreira (') Vide J. de Barros, O. C., Dec. I, liv UI, cap. V,
mortal Affonso d.e Paiv_a, que estivera na Ethiopia. Vale a pena ler as bellas oitavas que o cantor dos Luziadas con-
E~controu no Ca1ro do1s JUdeus, enviados por D. sagra a esta expedição, Canto IV, LX-LXV. .
Joao em sua procura com ordem de não volver a ( 2 ) Vide Feller, Bouillet e Glaire, art. Colombo c art. Beha•m.
16 !NTRODUCÇÃ O
INTRODUCÇÃ O 17

Não queremos com isso negar que alguma parte occidental das columnas de Hercules ('). Co~ta m
da America fosse já conhecida antes de Colombo, alguns que Colombo visitara tambem a Island!a, e
porque sabemos que pelo méado do sec. X os no- que estando na Ilha da Madeira, hospedou .o piloto
ruegos descobriram a Islandia. e a Oroenlandia, onde andaluziano Affonso Sanches, de CUJO roteiro, qu e
se estabeleceu (986) t:rico o Ruivo, e que em 986 elle herdou' se valeu como de g uia; porquanto Af-
Bjarne foi por um temporal arrastado até á costa da fonso Sanches que dahi a pouco falleceu em casa
moderna Nova Inglaterra, da qual no anno mil tomou do Oenovez, ;egressava nessa occasião de uma yia-
posse Leif, filho de Erico, o Ruivo, dando-lhe o nome gem ao occidente, onde avistára t~rras desconhecidas
de Vineland em attenção ao grande numero de vi- e fôra por uma tempestade obngado a retroceder
deiras silvestres que encontrou nesse paiz. Sabemos (2). Seja isto como fôr: o certo é que, quando Colombo
egualm ente que nos seCLtlos seguintes continuaram expoz o seu plano, e pediu auxílios, foi tratado de
esses bravos islandezes a fazer diversas viagens para louco tanto em Oenova, como em Portugal.
a costa oriental da America, e na direcção do polo Ne~te ultimo paiz, D. João 11 remetteu a questão
arctico, e que em 1390 os venezianos Nicolau e Mar- a D. Diogo Ortiz, bispo de C.euta, e aos mestres Ro-
cos Zeni reconheceram alguma parte daAmerica Sep- drigo e ]osepe: seus conselheiros em taes assu mptos~
tentrional. Mas estes descobrimentos não se podem
(') E' certo que Platão , Diod?ro da .Sicilia e outros cscripto.res
comparar com os attribuidos a Behaim, porque, sobre a ntigos tratam de uma grande Ilha muitO ame na e dotada de nos
serem pelo norte, pertencem a uma epoca muito an- naveuaveis posta no Atlantico de fronte das Columnas de Her-
terior á de Colombo. cul es~ Alg~ns querem que esta fosse. urna ilha fabulosa que Platão
imaginara afim de representar al legoncamente o governo de_ Athena~.
Outros têem para si que essa Ilha era a nossa Amenca, a qual v!-
20) Christova m Colombo .- nasceu na cidade ou nham os phenicios e as frotas de S alc;> mão, e q~Ie era aquelle Oph1r
republica de Oenova em 1436 ou, como outros que- donde esses ousados mareantes da antigUidade tiravam t.antos objec-
rem, em 1446. Tendo-se dedicado á navegação, c tos preciosos. No ver de outros .. essa gran?e Ilha existiu realmente
tendo por seus estudos e suas numerosas viagen s outrora no Atlantico, e submer gtu·se em VIrtude _de, nm grande ~e r­
remoto. Suas reliqui as seriam os Açores, a Mad_eira. e as Cananas.
adquirido bastantes conhecimentos cosmographicos, Não cançaremos o leitor com uma discussão mulll e enfadonha•,
formou o plano de chegar até á lndia engo lfando-se nem com um luxo de erudição que de nada serve. Quem desejar
no Atlantico em direitura ao po ente. Si dermos cre- ver os amo res qu~ disto tratam, os achará no tomo V, pag. 1_8 7. da
dito ao que affirmam diversos autores, conhecia Co- Revista Trimensal do Instituto Historico e Geograph1co Bras;le1ro,
que resolve as duas questões em sentido neg:tti.vo. Pode consultar
lombo as viagens do veneziano Marco Paulo ao ori- egualmente o P . Simtio de Vasconce!!os-C hromca da Comp. .de
ente; estava bem persuadido da redondeza da terra; Jesus no Brasil, pag. L, e seg.-Ayres do Ca~tal- Cho rograplua-
recebera copia de uma carta em que desde 1747 Tos- Brasilica, I, pag. t - 4-Accio/i-Mer nonas da Bahia-O Cosmos de
canelli, celebre mathematico e cosmographo de Flo- 18 92, julh o, N . 2 e 9, pag. 429, 462. .
(2) D ão hoje como certa a v1agem de Colombo á Island1a , accr~s­
rença, asseverava que mais facilmente se acharia a centando que e lia teve Ioga~ em fevereiro de I 44 7j negam, por: m
India, si se navegasse pelo Atlantico sempre no rumo ter ella influido no plano, Já concebido P.elo Ge~ovez desde I4 t3•
do oéste. E' provavel que tivesse lido a obra do car- A historia do rotei ro que Christovam tena recebido em t884 _de
deal Pedro Al li acus (Pierre d'Ailly), intitulada !mago Affonso Sanches, é condemnada como fab ula na Revista, t. XV,
Mundi, bem como os diversos trechos de varios phi- pag. 194; t. XVIII, pag. 29 3.
losophos, geographos e historiadores antigos, que fa- N. B. -Quando dizemos simplesmente Revista é sempre ao Inst ..
Uist. Brasileiro que nos referi mos.
lam de uma grande ilha, existente no oceano do lado
2
18 INTRODUCÇÃO !1\TR ODt.:CÇÃO 19
Pronunciaram-se, porém, todos energicamente contra foi conduzido pelos naturaes, construiu um forte de
o projecto do Oenovez. Para sermos justos cumpre- madeira, em que deixou trinta e oito soldados. Obri-
nos observar que estes cosmographos não duvidavam gado na volta por um temporal a arribar a Lisboa
da redondeza da terra; mas negavam que a viagem (6 de março de 93), visitou D.joão 11, o qual, ao ver
á India pelo occidente pudesse ser mais curta con- que a gente da terra trazida pelo Oenovez, não era
forme pretendia Colombo, porque neste caso, diziam, negra, nem tinha capello revolto, como a da Africa
a terra seria menor do que persuade a sciencia. E' ficou altamente sentido~ cuidando que este paiz, cha~
força confessar que nesse ponto a verdade estava do mado por Colombo Opango e Cathayo, fosse a In-
lado deites. dia procurada pelos portuguezes. Mos!rou, todavia,
Na Hespanha. Colombo . posto que protegido por notavel bondade, agasalhando convementemente o
D. Pedro Gonçalves de Menezes, arcebispo de Tole- seu hospede. mandando que os indígenas fossem
do, nada conseguiu de Fernando o Catholico, rei vestidos de gran, e não soffrendo que se levasse a
do Aragão. Afinal, passados oito longos annos, Isabel effeito o projecto, formado por alguns fidalgos de
a Catholica, rainha de Castella, empenhou suas joias assassinâr o feliz descobridor. Chegando Colom'bo á
para armar tres navios, que se chamaram S. Maria, Hespanha (março de 93), foi recebido em triumpho
Pinta e Ninha. Ernquanto Colombo esperava com como era de esperar: as honras, porém, que lhe con~
impaciencia alguma resposta dos Reis Catholicos, cederam, e as festas que lhe fizeram, irritaram o or-
mandou seu irmão fazer o mesmo pedido á França gulho de alguns invejosos, que logo depois procura-
e á Inglaterra, que o regeitaram com desprezo. Sar- ram a sua ruína.
pou finalmente o Oenovez do porto de Patos, na Na segunda viagem (setembro de 93) explorou a
Andaluzia, no dia tres de agosto de 1492, levando o maior palie das Pequenas Antilhas, e. subjugando
titulo de almirante e vice-rei de todos os mares, ilhas Haity, fundou a cidade de S. Domingos. Na terceira
e terras que descobrisse. Elle commandava o S. Ma- expedição ( 98 ), percorreu o littoral do continente
ria. Chefes dos outros navios foram os irmãos Mar- desde a foz do Orenoque até Caracas. Na quarta
tim Alonso Pinzon e Vicente Yanes Pinzon. Tiveram, (1502), examinou a costa de Honduras, na America
na viagem, de superar gravíssimas difficuldades em Central. Durante a segunda viagem, alguns desordei-
consequencia de um grande temporal que se levan- ros que o Oenovez castigára, denunciaram-no, como
tou, e principalmente por causa do desanimo da tri- réu de varios crimes, perante os Reis Catholicos. Bem
pulação que se insurgiu. Comtudo durante a noite que confundisse facilmente seus calumniadores, foi
do dia onze para doze de outubro do mesmo anno, na occasião da terceira viagem, accusado de novo:
avistaram a ilha Ouanahani, que, segundo Varnha- deposto, e substituído por Bovadilla, seu inimigo,
gen, não é a Watling, mas a Mayaguana, uma das que o remetteu para a Hespanha carregado de ferros.
ilhas brancas dos Lucayos. Deu Colombo o nome Posto sem demora em liberdade por Isabel, negou-
de S. Salvador á que viu primeiro, e o de Princezas se Fernando a restituir-lhe seus títulos, e mal lhe
ao grupo todo. Alli cantou o Te-Deum , e, erguendo concedeu licença para emprehender uma quarta via-
uma cruz, tomou posse da terra em nome de Suas gem, que foi muito desastrada. Regressando para a
Magestades Catholicas. Descobriu em seguida a ilha Hespanha, e encontrando a rainha, sua protectora,
de Cuba e a de Haity (S. Domingos), denominando no leito de morte ( 1504 ), foi desprezado pelo rei,
esta ultima Hispaniola. Nas minas de Haity, aonde que o deixou morrer de sentimento e de miseria em
20 lNTROD UCÇ.Ã.O
INTROD UCÇ'ÃO 21
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Valladolid no anno de 1506. Suas cinzas, deposi ta- cação. Não ficando O. João satisfeito com uma
das primeiro na cathedral de Sevilha, foram depois tal divisão, continuou seus preparativos bellicos; mas
transferid as para Haity, e mais tarde para a Havana (t). afinal consentiu no tratado de Tordesillzas (sete de
Colombo não teve nem sequer a gloria de herdar o junho de 1494), que levou a dita linha a 370 leguas
seu nome ao continente que descobriu , porque o para o oéste, a partir das ilhas de Cabo Verde. As-
florentino Americo Vespucci, redig indo um diario sistiu á celebração deste tratado D. Manuel, primo e
das duas viagens que fez por conta da Hespanha, e logo successor de D. João 11. foram negociadores
das que emprehendeu ao serviço de Portugal, adqui- Garcia de Carbajal e Pedro de Ayala pela parte da
riu tanta celebridade, que legou o seu nom e ao Novo Hespanha ;· Pero Dias e o chronista mór Ruy de Pina,
Mundo . (2) pela de Portugal.
(21) Linha de Marcaçã o .- Como D. João TI Esqueceram, todavia, esses estadistas de declarar
nutrisse a persuasão de que a terra descoberta pelo com maior exacção quantas leg uas deveria conter
Genovez fosse realmente a lndia, e de que, por con- cada gráu, e qual o ponto preciso de que era mister
seguinte, o seu direito estivesse violado, protestou, começar a contar essas leguas Deste descuido tira-
dando no mesmo tempo principio a preparativos de ram origem quasi todas as questões que teem havido
guerra. Obteve, portanto, a Hespanha, do papa Ale- e ainda ha sobre este assumpto.
xandre VI, a fa mosa bulia - Inter Cadera (4 de maio Na opinião de Varnhagem, o ponto de que se de-
de 1493), a qual declarou que a partir de um a linha veria partir, é o mais occidenta l das ditas ilhas. O
imaginaria, traçada de um a outro polo na distancia meridiano de marcação, por conseguinte, viria a
de cem leguas a oéste das ilhas de Cabo Ver- cahir um pouco a lbéste da Laguna, em S. Cathari-
de, pertenceria á Hespan ha o Occidente , a Por- na, e de Belém do Pará, na hypothese de serem essas
tugal o Oriente (0). Essa chamou-se Linha de Mar- leguas de dezeseis e dois terços ao g ráu. João de Bar-
ros. 1, 111, X, diz qu e a linha deveria passar a vinte
( 1) Escreveram nu seu tumulo e m Sevllbn : ,·/ Ctutilln )' flrngo n e um gráus das ilhas de Cabo Verde, em que se
Nutv~ mundo dió Colon; ou, como os outros dizem: f'or Castilln y embebessem trezentas e sessenta e tantas leguas para
Aragon Nuevo ,]:fundo lw!!ó Colo" . loéste.
(') O inglez J oão Luccock, e o francez Julio Marcou tentaram
no sec. XIX provar que o nome Americn é palavra indigena do
A principio, os portuguezes trabalh aram com muito
Novo J\lnndo, e nada tem de ver com o navegante Oorentino . Du- afinco em recuar essa linha dem arcado ra o mais pos-
vidamos que as razões ap t·esentad as para demonstrar este nssumpto sível para o oéste. fazend o os hespanhóes outro tanto
sejam apodicticas, e niío sabemos si esta opinião tenh a achado mu i- em sentido contrario ; quando, porém, em 1525 sur-
tos defenso res . \"ide Rev. ,-oi. XXIX, pa rte Il, pag. 1 9 1 e segui ntes.
( 3) E' para extra nhn r que o s r. F. J. de S. Anna 1\'ery em seu
giu (') a questão das Molucas, trocaram-se os papeis
Le P ay D es Amn.o11rs - co ll oque esta bulia no dia quinze de j ulho de parte a parte, buscando cada um comprehe nder
de 1 500 1 affirmando que ella foi mai s tarde modifi cada, sem dizer essas ilhas no seu hemispherio! Discutiu-se muito, e
nem quando, nem onde, nem de que modo. Tambem Rocha Pitta , sem resultado, sobre este assumpto, até que, na con-
I, 92, não é exacto neste ponto, attribui ndo ao papa Alexandre VI
duas bu li as, uma em I 493 , outra no a nn o ~eg uinte para rectificar a
venção de Saragossa (22 de abril de 1529), cedeu
primeira. No entretanto nada diz a resp e1t0 do tratado de Torde-
silh as. es te mesmo erro cabem o P. Simão de Vasconcellos , e di- r, as
( ) Em 1511 desco briu Portugal , c logo começou a explora
1
versos outros autores antigos. Vide Rev., vol. l, pag. 334; item An-
Molucas, asseve ra nd o que estav,un dentro do seu hemispheri o. Cas-
naes da Biblio theca Nacional, vol. XIV, pag. 3·
tella, porém , p rete ndeu o cont rario. D:lhi a displlla.
lNTRODUCÇ ÃO 23
22 INTROD l)CÇÃ O
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a so mma de trezentos Bartholome u Dias, que ia a S. Jorge da Mina
Castell a a Po rt~t gal , median te seguiu com elles até pouco além das ilhas de Cab~
e cin coenta mil ducados, os direitos qu e pudesse ter Verde. Rumando então Vasco da Gama para o Sul
ás Malucas, obrigando-s e a restituil-a quando se pro- lançou ferro na Bahia de S. Helena (na costa d~
vasse que essas ilhas existem dentro do hemispherio Afri ca, ao sul do parallelo trinta) afim de observar
luzitano. a altura do sol,. pois era difficil tornai-a • a bordoI
O progresso dos conhecim entos geographicos nos porque os nav10s eram pequen os; e os mstrumen-
habilitou em nossos dias a affirm ar que. segundo o tos, muito im perfeitos (1). No dia 20 de novembro
estipulado em Tordesilhas (1 494\, as Malu cas per- dobro u sem muita difficuldade o Cabo de B'Ja Es-
tenciam a Portugal, e por isso a Hespan ha devia peran ça ; queimou, conforme as ordens que trazia,
restituir a som ma percebida ; Portugal, porém, neste a nau S. Miguel na Angra de S. Braz; soffr eu uma
caso seria obrigado a ceder larga parte do Brasil. torm enta, e, no pri meiro de março, apo1iou a Mo-
Esta conclusão foi em 1750 admittida como legitima çambique, estação para a mina de Sofala. Passára
pelos negociadores do tratado de Madrid , que por Vasco pela altura de Sofa la sem a ver, porque a
isso preferiram basear-se sobre o principio da posse. tempestade o tinha arrojado ao alto mar. Em Mo-
22) Vasco da Gama, 1497· 99. - Subindo em çarnbique obteve do Xeque dois pilotos que em
1495 D . ,Mamtel o Venturoso ao throno de Portugal, breve fug iram. Assustou por meio da artilharia os
mandou sem perda de tempo apromptar uma nova naturaes, que se mostrava m hostis, e, recebendo de
expedição, destinada a realizar em fim · o tão · dese- novo um dos dois pilotos, velej ou para Mombaça,
jado descobrimento do caminho da lndia. Vasco da onde, encontrando muita desconfiança, escapo u de
Oam a, nobre fidalgo portuguez, posto á fre nte desta cahir victima de uma cilada. Como o piloto se ti-
empresa, depois de passar uma noite em oração, e vesse evadido mais uma vez, capturaram os portu-
receber os sacramentos na ermida de Restello, hoje guezes um a embarcação de mouros, pelos quaes
Belém, fez-se de vela, no dia 8 dé julho de 1497, foram guiados até Melinde, onde assentaram pazes
,com tres navios de ce m até cento e vinte toneladas e amizade com o rei do Jogar. Puzeram nessa cidade
cada um . Eram estes: o S. Gabriel, co mmandado um padrão; alcançaram um pil oto, e, dirigindo-se
pel o chefe da expedição ; o S. Raphael, cuío ca pitão para a lndia, surgiram, por fim , deante de Calicut.
era Paul o da Gama, irmão de Vasco; e o Berrio,
confiado a Nicolau Coelho. 1-Jm Go nçalo Nu nes di- ( ) Os prim e iros desco brim e ntos ma rítim os de
1 P ortu ga l fora m
rigia a náu dos mantimentos, chamada S. Miguel. r ea lizado sem 111strume ntos de astronomi a, se rvindo d e rum o a
Servia de piloto da armada . Pera d'Alemquer, ho- co Ha; qua ndo , porém, ~e qtti z naveg ar mais an alt o, r econh eceu-se
a necessidade de guiar-se pelo sol. Por o rdem e ntão d e D. J oão li
mem mui experto nas cousas do mar, que exercera a;rranja ra m de algum mod o o a trola bio o mestre R od r ig'o e o j udeu
o mesmo offici9 na viagem de Bartholomeu Dias. J oscpe, a mbos m ed icas do re i, bem co mo um tal Marti m da l;! ohe-
f oram até o caes aco mpanhados em procissão pelos mJ a, q l! e se glori ava de ter ; ido discípulo de Joannc de !\fonte
frades da ermida, por diverso.; sacerdotes e por muito R,egio , mais co nhecido sob o no me de R egiomontan us. Invent aram
estes tr cs o modo de navega r po r a ltu ra d o sol, e formaram taboa-
povo (1) . Embarcaram ao todo umas 170 pessoas, das para a sua declin ação. O instrumento de V asco da. Ga o1a e ra
das quaes apenas 67 tornaram a ver a sua patria. um astrolabio d e madei ra q ue ti nh a tr es palmo de d iametro. e se
armava e m tr es paus á manei ra de cab•·ea Vide J. Ba rro', Dec. 1 1
(') Vide a he lla rl ~ sc r i p ção -qu e Luiz de Cam0es, canto X,31 e li v. I V, ca p J U. ·
seguint es, faz des ta v iag e m.
24 INTRODUCÇÃO
INTRODUCÇÃO 25
Era Calicut, nessa epoca, metropo le da lndia. Do
seu soberano, que assumia o titulo de Samorim Ethiopia, c!a Arabia, da Persia e da lndia. Ergueu
(Ça morij), imperador, dependia m quasi todos os reis pela mesma razão na sua ermida de Belém, posta
daquelle vasto e rico paiz, cujos habitantes professa- em Restello. um sumptuo so templo, que depois tom ou
vam a idolatria . Os mouros eram extrange iros da por jazigo de sua sepultura. fundára esta ermida o
Infante D. Henriqu e, o qual a entregou a alguns
Arabia, do Egypto e de outros paizes, que lá resi-
diam por causa do commercio. Mostrou-se o Sarna- reli g iosos do co nv ento de Thomar com a obrigaçã o
de adm inistrarem os sacramen tos aos navegantes,
ri m benevolo para com os portuguezes, e estava a especialm ente quando estes partiam para terras lon-
ponto de concluir com elles um tratado de paz, de g ín quas. (i)
amizade e de commerc io, quando, assustado pelas
artimanhas dos extrangeiros, receiosos de perderem
o monopol io que desfructavam, lhes arm ou ciladas
e os despediu. 111
Tocaram , na volta, os nossos mareante s em Me-
... linde, cujo rei mandou um embaixa dor a D. Manuel;
perderam em alg uns baixos o navio S. Raphael, e Usos e costumes de Portugal
dobraram o Cabo de Boa Esperanç a no dia 20 de
março. Na altura das ilhas de Cabo Verde, um tem - 23) O govern o de Portug al- era monarch ico-
poral apartou os dois navíos. Nicolau Coelho, se- hereditar io. Moderav am o poder do soberano as
guindo para Lisboa, entrou no Tejo a dez de julho; côrtes, qu e o rei convocav a quando lhe parecia
Vasco, tendo arribado á ilha de Santiago, deixou alli opportun o para tratar dos nogocios mais g raves da
o seu navio afim de que, depois dos concerto s que nação. Tudo dependia do throno, tudo delle proce-
exigia com urgencia, fosse levado para o reino. Elle, dia, e tornava a voltar para elle.- Excusado é dizer
no entretanto, velejou com uma caravela fretada para que os portugue zes professavam com zelo exempla r
a ilha Terceira, onde lhe falleceu Paulo, seu irmão, a religião catholica apostolic a romana.
que já andava doente. Lançand o finalmente ferro no
Tejo (29 de agosto de 99), dirigiu -se antes de tudo 24) A legislaç ão - portugue za era contida no
á ermida de Belém para dar g raças a Deus por sua codigo Manuelino, assim chamado por ter sido D.
fe liz viagem, sendo dahi a pouco recebido pelo rei Manuel quem o mandou redigir, reforman do as
com grande honra, festa e regosijo publico. Per- Ordenações Affonsinas do méado do seculo anteri or.
mittiu-se-lhe accrescentar ao escudo das su::ts armas O codigo Plzilippino, introduzido pelos hespanh óes
uma peça das armas reaes, e foi agraciad o com o no fim do sec. XVI, pouco accrescentou ao cod igo
titulo de Dom, de conde da Vidigueira, e de Almi - Manuelino. Vale a pena ler o que escreve a respeito
rante dos mares da India, juntamen te com a renda destes codigos o senador e eminente jurisco nsulto
de trezentos mil réis annuaes, e outros privilegi as Cand ido Mendes de Almeida na sua bella lntroduc-
de grande alcance. ção ao Direito Civil Ecclesiastico Brasileiro.
Em conseque ncia do feliz resultado desta expedi-
ção, assumiu el-rei D. Manuel o titulo de - Senhor
( 1 ) Vide J. de Barro,, Oec. l, liv. IV ; Dami ão
da Navegação, da Conquist a e do Commercio da ca de D. ~anue!, pa rte I, ca p. 23, 25 - 46.
de Gocs-Chr oni-
26 lNTR O OUCÇÃ O
27
I 1TRODUCÇ ÃU
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25) A jurisdicç ão - primaria em cada terra era
exercida pelos juizes ordinarios, mudados annual- estabelecidas as Relações, ficou livre aos colonos
mente e eleitos dentre os homens bons ou pessoas appell ar dt>llas ao Desembargo do Paço. .
mais graC:as do concelho. as cidades e villas eram A Mesa da Consciencia e Ordens era um tnbunal
geralmente dois, e denomina va m· se de vara vermelha composto de um presidente e de cinco .deputados
por ser desta côr o distinctivo que deviam levar theologos ou juristas. Orga ni z~do em 1532, c?m·
sempre comsigo. Estes mesmos juizes, unidos, pelo petia-lhe aconselhar a coro~ relattvame':te ao regtme
menos, a dois vereadores e a um procurador do dos estabelecimentos de ptedade e c~n.dade, das c~­
coucelho, consti tuíam a camara ou senado, que exer- pellas, dos hospitaes, das ord_ens reltgws~s, da unt-
cia o governo municipal e econom ico Jo mesmo vers id ade, do resgate dos caphvo e de muttos outros
concelho. Nas povoações menores, o procurador ser- -assumptos.
via tambem de thesoureiro. Havia mais em cada
concelho um escrtvão e um almotacé ou almotacel. 26) Aristocra cia.- A populaç~o livr~ ~c, _Po rtuga·l
Este com pouca differença era o que hoje é o fiscal. podia, nos primeiros annos do 1:e~n?, dtvtdtr-se em
A autoridade dos jui zes de vara vermelha cessava nobres e plebeus ou peões. Subdtvtdtam-se os. nobres
em parte quando se achavam na cidade os juizes em ricos homens e injanções. Chamavam-se ncosh o~
de fóra ou lettrados que o rei mandava. Chamavam. mens os senhores que tinham vassall?s ao seu se:-
se de fóra, porq ue não podiam ser .da terra, nem viço; os .infanções eram nobres por ltnh_agem ou f~­
taes que alli tivessem parentes: Denominavam-se dalgos (filhos ·d'algo, de alguem), mas ftlhos segun-
lambem de vara branca, porque o seu distinttivo dos, e, por conseguinte, sem terras e pobres. - _:4s
devia ser de côr branca. (1) moradias; estabeleci das por D. Manuel, era rn pensoes
Entre os cargos de primeira classe enumerava-se da casa real concedidas aos descendentes dos
o de alcaides móres, governadores militares das vi llas ricos homens' infanções e plebeus. Os filhos do.s
ou cidades. Em cada concelho havia um alcaide pe- antigos ricos' homens admitti_am-se na classe dqs
queno, que corresponde proximamente ao nosso de~ moços fidalgo s, e, caso se tllustrassem por algum
legado de policia. A Ca mara o escolhia dentre os feito i10nroso, podiam passar a fidalgos cava_lletro.s.
propostos pelo sen hor da terra. Uma parte da pro- Os filhos dos infanções entravam para o servtço_do
pria casa da Ca mara destinava-se, por via de regra, rei em qualidade de moços da c:J.mara. e podtarp
a ser o carcere ou prisão municipal, como ainda subir a cavall eiros fidalgos. Os filhos dos . pl_eb~us
hoje se faz em di versos Jogares -do Brasil. . começavam a sua carreira como jovens da estr!be.tra,
Do tribunal de primeira in stancia podia, no reino, podendo aspirar a tornarem-se escudeiros, e ate stm~
appell ar-se para a Casa do Civel; e desta aggrav.'\r-se pies cavalleiros.
para a da 5-uppli cação e Desembargo do Paço. No
Brasil, a principio, era o ·donatario quem tinha alçada, 27) Títulos .- O titulo de Dom,_ co~1tracção do
e conhecia das appellações e dos aggravos. Passou latim dominas, senhor, dava-se nos pnme1ros tempQs
depois esta prerogativa ao governado r geral, e mais apenas aos reis, príncipes e ricos homens; foi, porém,
tarde ao Conselho da lndia ; quando porém, foram ao depois, extendido ás pessoas distinctas por seus
.feitos. como sejam, . v. g., o conde_stavel . uno Al-
(') Vide o lns t. ll1 st. tle S. l'a nlo , t. I,V, pg . 170. vares, Vasco da Gama e outros. Vem co m o corre~
do te mpo a .ser tão commum , que perdeu quast
lNTRODUCÇÃO 29"
'28 INTRO IJUCÇÃO
---- com · certeza um passo decidido para a tota l secula-
todo o seu valor. No imperio do Bra sil ficou sendo rização dessas Ordens (1).
prerogativa dos bispos e da famíli a imperiaL - O ti- Tendo mais tarde O. João lli «associado á coroa
tulo de conde, comes, era antigamente concedido os grãos mestrados destas tres Ordens, vieram seus .
.com tanta parcimonia, que O. Diniz nomeou só dois; bens a prestar-lhe muito mais meios de galardoar
O. Fernando, cinco. O. João I, casado com uma in- os serviços, e cumpre dizer que, em meio de alguns.
gleza, e desej oso de imitar a Inglaterra, adaptou o abusos inevitaveis á condição humana, foi isso de·
titulo de - Duque, instituindo os ducados de Coimbra grande recurso para que não de ixassem de ser re-
e de Viseu. D. Affonso V creou os ducados de Bra- compensados muitos trabalhos e boas acções, que·
gança e de Guimarães; os dois primeiros Marque- então se praticaram, especialmente nas colonias » (2) .
zados, a saber : o de Valencia e o de Villaviçosa;
o pri meiro Viscondado, que foi o de Villanova da 29) Misericordia . -Dona Leonor, viuva de O.
Cerveira, e o primeiro Baronato, o de Alvito. No JoãD 11, aconselh ada por fr. Miguel de Contréras,
im perio do Brasil houve um só duque, o de Caxias; seu confessor e distincto religioso trinitario, fundou
porém os barões, condes, viscondes e marquezes fo- em 1498 a Misericordia de Lisboa. O compromisso
ram sem numero . Não ha hoje quem ignore ter a da confraria de Nossa Senhora da Misericordia, mo-
Republica acabado de uma vez com todos esses tí - delado em parte pelo de instituição analoga , que
tulos, que tanto embaraçam os historiadores. desde 1350 existia em Florença, afiançava aos des-
graçados todas as promessas da Misericordia Divina.
28} Ordens religioso-militares.- Existiam em O seu intuito era recolher e curar os enfermos po-
Portugal tres destas Ordens, a saber : A de Christo, bres, a:companhar os culpados sem defesa aos tribu--
creada por O. Diniz para substituil-a á suppressa naes e ao estrado do throno, e subir com elles,
dos Templarios, cujos bens herdou , e lh e foram em condemnados, os degraus do patíbulo para lhes .
1319 confirmados pelo papa João XXII.- A de San- adoçar a affronta dos ultimos momentos. As don ·
tiago da Espada, ramo, a principio, da do mesm o zellas infelizes recebiam dote para casar; as viuvas.
nome em Castella, da qual foi em 1288 desannexada pobres, auxilio opportuno; os expostos, recolhimento
pelo papa Nicolau IV.-A de S. Bento, vulgarmente e educação; os peregrinos necessitados, pousada e
de AViz, fundada em 1146 por alguns particulares, soccorros; os captivos, resgate e transporte para a
e organ izada em 1162 por O. Affonso I, que em patria; os mortos sem meios para se enterrarem, .
1181 lhe cedeu a cidade de Aviz. Em 1213 foi reu- . preces e sepu ltura. Vê-se, portanto, que o objectivo
nida á O rdem de Calatrava, ex istente em Leão, da desta confrari a era immenso e do maior ·atcan ':e . .
qual, a pedido de O. João I, a separou o papa Eu- Tão pia e human itaria instituição, na qual se alis-
genio IV. taram em grande numero os primeiros do reino,
E' incontestavel que estas tres O rdens prestaram foi inaugurada no dia quinze de agosto de 1498 na
a Portugal serviços mui relevantes. Seus membros capell a da Virgem da Piedade, existente na Sé de
e ram verdadeiros religiosos, pronunciando, como Lisboa. O. Manuel, tomando-a sob a sua alta pro·
taes, os tres votos de obediencia, pobreza e castidade.
f\ lexan dre VI, todavia, annuindo ás supplicas de O. (')Damião de Goes, O. C. , I , 17 .
Manuel, dispensou d9 voto de castidade os que pelo ( 2 ) Varnhagc n, pag. ISS ·
futuro recebesse m o titulo de commendador. Era
30 I >ESCOBR ! ~I ENT(J EI'O CA l. - 'l'EI\Il'OS PRIMlTIVO S 31
tecção, lançou para ella os alicerces de um sump· ciosamente conservar dentro da cortina perto da sua
tuoso edifício acabado por D. João Jll. em 1534. real pessoa a Pedro Alvares, emquanto Diogo Ortiz,
Enriquece ram' os nossos monarcha s esta instituição bispo de Ceuta, celebrava a missa pontificai, e pré-
de numeroso s e mui consideraveis privilegias. Sobre gava um sermão sobre os descobrim entos e as con-
o modelo da de Lisboa se fundaram em seguida quistas. Depois da missa, benzeu Ortiz a bandeira da
to das as outras Misericordias, tanto do reino como Ordem de Christo, que, durante a funcção, estivera
das possessões ultramarinas. A yrimeira _que po~suiu arvora da no altar: entregou- a então ao rei, que a pas-
o Brasil foi a de Santos, CL!Ja fundaçao , devida a sou a Cabral. Seguiram em procissão solemne até ao
Braz Ct{bas (1537), confirmou um alvará regio em caes, onde Cabral e os outros principaes se despedi-
1551 ( 1). ram do monarcha beijando-l he a mão. A frota, no
entretanto, salvava com todo o enthusiasmo, e um
EPUCA 1 povo immenso assistia a este espectacu lo nunca em
tempos andados visto no Tejo. Embarcar am, entre
Tempos primitivo s da Historia do Brasil outros, oito missionari os capuchos, oi to eapellães, e
um vigari o que devia ficar em Calicut.
Relativamente aos command antes dos navios, não
concordam os autores; costumam . porém, indicar os
Descobrimento do Brasil nomes seguintes: Cabral, chefe da expedição ; San-
cho de Thoar, immediato de Cabral no mando su-
30) CabraL- Desejando o rei D. Manuel assegu- premo; Nicolau Coelho, que acom panhára Vasco da
rar o commerci o da lndia. e propagar naquelle paiz Gama; Bartholom eu Dias, o descobrid or do Cabo de
a religião christan, mandou aprompta r uma grande Boa Esperança; Diogo Dias, irmão de Bartholom eu;
armada, a maior que tivesse até então saído do Tejo Simão de Miranda Azevedo, Braz Mattoso ou Ayres
para expedições long ínquas; pois co~stava de dez cara- Gomes da Silva, Simão de Pina, Nuno Leitão, Pedro
vellas, e de trez nav ios -redondos , tnpulados por 1200 de Athayde, Luiz Pires, Vasco de Athayde, André
ou, segundo outros, 1500 hom_ehs. Confio~ a sua di- Gonçalve s ou Gaspar de Lemos, capitão do navío
recção a Pedro Alvares (os antigos escreviam Pedral- dos mantimentos. Os irmãos, Bartholom eu e Diogo
vares Cabral), incumbind o-o de pedir ao Samorim Dias, estavam incumbido s de levantar uma feitoria
licença de prégar a fé christan e praticar o co mmercio em Sofala, mas Bartholom eu pereceu durante a
sob pena, si a recusasse, de lhe pôr ferro e fogo e viagem, conforme havemos de ver.
lhe fazer crua g uerra. Devia tambem Cabral estabe- Embarcar am no . dia oito; os ventos, porém, não
lecer em Calicut uma feitoria para a qual eram consentira m que sahissem do Tejo antes do di a nove.
destinados Ayres Corrêa, almoxarife da armada, como Na altura das ilhas de Cabo Verde, desgarrou -se do
feitor; Gonçalo Gil Barbosa e Pedro Vaz Caminha, resto da esquadra um navio, que chegou a Lisboa ava-
como escrivães. · · riado. João de Barros, Damião de Góes e outros pre-
No dia oito de março de 1500, passou o rei com tendem ter sido o de Luiz Pires, e que se apartou
toda a sua côrte á ermida de Belém, onde quiz bon- dos outros 11a occasião de um temporal; Caminha,
todavia, affirma que foi o de Vasco de Athayde sem
( 1) Vide Rebello da Silva- ffi.ltorin d< Portug al-vol. V, p::tg. 482. haver tempo forte, nem contrario para poder ser. Con-
32 DESCOBRIMENTO EPOCA L - TE:11fPOS PRil\1ITIVOS 33

formando-se com suas instrucções, procurou Cabral,. pequenos, por mandado do Capitão -mór, por ser
passado o golfo de Guiné, afastar-se da costa da .Afri- homem vivo e experto para isso, metteu· s ~ logo no
ca para evitar suas calmas morosas e doentias. esquife a sondar o porto dentro; e tomou em uma
Arrastado deste modo além do qué desejava pelas almadia do is daquelles homens da terra, mancebos e
correntes oceanicas, ainda não conhecidas, ficou no de bons corpos; e um destes trazia um arco, e seis
dia 21 de abril, terça-feira depois da Paschoa, sur- ou sete setas; e na praia an davam muitos com seus
prehendido com signaes de proxima terra. Eram pas- arcos e setas, e não lhes aproveitaram. Tro uxe-os lo-
saras, ervas e páus fluctuantes. No dia 22 lobriga- go, já de noite, ao Capitão, onde foram recebidos
ram os nossos mareantes uma alta montanha redonda com muito prazer e festa. A feição delles é serem
(era o cume mais alto da serra dos aymorés) e um pardos, maneira de vermelhados, de bo ns rostos e
negrume comprido que indicava a costa de um a no- bons narizes, bem feitos. Andavam nús, sem nenhu
va terra. A' vista de semelhante tacto, reüniu Cabral ma cobertura . »
seus navios, que lançaram ferro a seis leguas da «Ü Capitão, quando elles vieram, estava assen-
praia, e, em attenção á solemnidade da Paschoa, que tado em uma cadeira, com uma alcatifa aos pés
acabava de passar, deu áquella altura o no me de por estrado, e bem vestido, com um collar de
Monte Paschoal, e á terra o de Vera Cruz, muda- ouro mui grande ao pescoço, e Sancho de Thoar, e
do posteriormente pelo de S. Cruz. No dia 23 fizeram Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Ayres Cor-
rosto para aquella banda na direcção do qu e mais rêa e nós outros, que aqui na náu co m elles imos,
tarde se chamou Rio do Frade, fundeando á meia assentados no chão por essa alcatifa. Accenderam to-
legua da costa. Como Nicoláu Coelho fosse sondar o chas, e entraram ; e não fizeram nenhum a menção de
ri o, travou as primeiras relações com os selvagens. cortezia, nem de falar ao Capitão, nem a ning uem.
que andavam pela praia, e deu-lhes alguns obj ectos Porém um delles poz olhos no collar do Capitão, e
a troco de outros ; mas, porque não lhes entendia a: começou de acenar com a mão para a terra, e de-
língua, só por meio de acenos poude communi car pois para o collar, co mo que nos dizia que havia
com elles. Havendo Coelho reconhecido qu e o rio em terra ouro. E ta mbem viu um castiçal de prata,
não offerecia fundo sufficiente nem siquer para as me- e assim mesmo acenava para a terra. Mostraram -lhes
nores embarcações da armada, e visto soprar rij o su- um papagaio pardo, que aqui o Capitão traz, toma-
déste, singrou no dia 24 em ala a frota um as dez ram-no logo na mão e acenavam para a terra, como
leguas para o norte. Os vasos menores, como era que os havia ahi. Mostraram-lhes uma gallinha, qua-
natural, correram perto da costa. Chegaram nesse si haviam medo della. e não lhe quizeram pôr mão;
mesmo dia á enseada que denominaram Porto Se- e depois a tomaram como espantados. Déram-lhes
guro, conhecida hoje pelo nome de C'oroa vermelha.. ali de comer pão e pescado cozido, confeitos, pasteis,
e de Porto de S Cruz. De tarde entraram na bahia mel e figos passados; não querião comer daquill o
os vasos menores, surgindo os mais a uma legua dos . quasi nada, e alguma causa, si a provavam, lança-
arrecifes existentes na entrada do porto. vam-na logo fóra. Trouxeram-lhes vinho por um a
Enviado Affonso Lopes a examinar essa enseada. taça; puzeram-lhe assim a bocca tão-a-lavez, e não
prendeu dois moços indígenas que andavam pescand o · gostaram delle nada, nem o quizeram mais. Trouxe-
em uma almadia, e os levou a Cabral. «E sendo·· ram-lhes agua por uma ai barrada; tomaram de lia se-
Affonso Lopes, nosso piloto, em um daquelles navi os.. nhas (ambos) bocados, e não beberam. Somente la-
3
34 DESCOBRJ l\IENTO El't>CA I. - TE:IlPOS l'l{l~l!TlVOS 35
varam as boccas e lançaram fóra . Viu um delles taes como braceletes, manilhas, guizos, rasarias, cha-
umas contas de rosario brancas; acenou que lhas péos. carapuças, e particularmente espelhos: . Mani-
dessem, e folgou muito com ellas, e lançou-as ao festaram por diversas vezes o desejo de v1s1!a\ os
pescoço. E depois tirou-as e embrulhou-as no braço, navios, e de passar nelles a noite, sendo admlttldos
e acenava para terra; e então para as contas e para sempre em numero mui limitado; elles, po~ém, nun-
o collar do Capi.tão, como q~e dariam ouro por ca consentiram que algum dos hospedes f1casse em
aquillo. Isto tomavamos nós assim pelo desejarmo~, terra durante a noite. Dos portugnezes, grangearam
mas. si elle queria dizer que levaria as contas e ma1s particularmente a sympathia dos índios o degradado
o collar, isto não queríamos nós . entender, porque Ribeiro, e Diogo Dias : aquelle, por seus presentes
lho não havíamos de dar. E depo1s tornou as con~ que o Capitão-mór lh e entregava pa1:a capta~ a af-
tas a quem lhas deu. E então estiraram-se assim de feição dos barbaros; este, por seu gemo folgazao; po1s
costas na alcatifa a dormir O Capitão lhes man- dançava com elles, dava suas cambalhotas, ~altos mor-
dou pôr ás suas cabeças senhas (do is) coxins . taes, etc. Ambos, por ordem de Cabral, chegaram
. c lançaram-lhes um manto em cima. E elles con- mais de uma vez até ás aldêas, mas, bem que rece-
sentiram e jouveram e dormiram. (t). bidos com agrado, foram sempre despedidos antes
Restituiu-lhes Cabral, na manhan seguinte, os arcos de anoitecer (I).
e as frechas; deu-lhes de presente uma camisa nova,
uma carapuça vermelha, um rosario de osso, uma 31) Primeira missa e posse.-No dia 26, Do-
campainha e alguns guizos. Depois de entrar toda a mingo de Paschoela ou in Albis, .foi. por. fr. Hen:i-
armada no porto, e de se reunirem os chefes a cOI:- que de Coimbra, superior dos m1Ss1onanos francis-
selho na capitanea, despediram cortezmente os do1s canos e mais tarde bispo de Ceuta e confessor do
indígenas, que correram a esconder seus thesouros rei ~elebrada com muita solemnidade a primeira
no matto. Voltaram, porém, dentro em breve para a mi~sa, e prégado o primeiro sermão em uma ilhota
praia, onde já se reunira avultado numero de selva-
gens inoffensivos, e todos de leve se familiarizaram (I) A respeito tle fr. Henrique, vide Rev. de 1896, vol 59, p. I,
com seus hospedes. Eram os tupiniquins. Durante os pag. 395. .
A 15 de novembro de 1849 o ~nperador V. Pedro li propo~
oito dias que a esquadra alli se demorou, tudo cor- no Inst. Hist. Geogr. Bras. a questao: .rt o dcSt"obrwuato do Braszl
reu muito regularmente e na melhor harmonia. For- fosse devz'r/p a 1111t ?Juro acaso. .
neceram-se os portuguezes de agua e de lenha; dis- A 20 de dezembro de 1850 tlesenvolvcu este assumplo o socto
Joaquim Norberto de Souza e Silva e tratou de provar que o desco-
tribuíram os mantimentos para os diversos navios; hrimento não foi mero acaso (Rro. rle 52, f>g. I2S).
construíram uma grande cruz, e tomaram posse da Comtudo na sessão de 26 de maio doe: 1854 A . Gonçalves Dias
terra em nome do rei de Portugal. Mostraram-se respondeu em sent ido ~ontrario e demonstrou a sua tbese. Porém
os selvagens muito mansos e alegres, obedecendo de nas sessões de 15 de set., de 13 de out, de 24 de nov. e de 7 de
dezembro do mesmo ar1no, Norberto refutou co m bastante acrrrrr nra,
prompto ao que os nossos lhes indicavam, ajudando mas superficialmente, os a rgumentos de Gonçalves Dias. Como Gon-
de bom grado a fazer aguada, observando cada causa çalves Di as não replicasse, porque trnha partrdo para a Europa e
com muita attenção, e trocando seus cocáres, arcos, nunca mais veiu ao Rio de raneiro. a discus<ão parou ficando Nor-
frechas, araras, papagaios, etc. por diversas bugiarias berto de Souza apparenter~ente victnrioso. Rez.o. de 55, pg. 289 c
seguintes. . .
Si fôr licito Lambem a nós manrfestar corn modestta o nosso
(t) Ca rta de Pedro Vaz Caminha ao rei D . Manuel. parecer no meio desses sabias, que ostentam um grandissimo luxo
36 DES C OBRr\11~ TO E PO CA l. - T E~1POS PRii\llTIVOS 37
que hoje se chama Coroa Vermelha. Repetiu fr. na trrra dois degradados que ficaram chorando na
Henrique esta mesma solemnidade, missa e sermão, praia. Um delles, tendo apprendido a lingua brasilica,
no primeiro de maio, ao pé de uma g rande cruz, foi posteriormente de grande vantagem, e logrou
erguida no continente afim de !omar posse da terra tornar a ver a sua patria. Ficaram na terra tambem
para !1. coroa de Portugal. Enfeitaram essa cruz com dois grumetes, que, de noite, tinham fugido de um
a esphera armillar. divisa do rei D. Manuel. Apesar dos barcos, levando o esquife. Tanto destes como do
do costume e das ordens baixadas outrora por D. outro degradado, nada mais nos conta a historia. No dia
João 11, Cabral não lev:ava nenhum padrão de p_edra, dois de maio seguiu a armada caminho da fndia, e,
porque não ia descobnr novas terras, mas subjugar na altura do Cabo de Boa Esperança, soffreu uma
as já conhecidas. . tormenta em que pereceram quatro vasns, sendo um
Depois de ouvir seus c~mselheiros, mandou. Pedro delles o de Bartholomeu Dias. E' a este desastre que
Alvares repartir os mantimentos entre os d1versos allucte o Adamastor de Camões nos versos seguintes :
navios; despachou para Portugal André Oonç~lves
ou. como outros querem, Gaspar de Lemos . e deixou E na primeira armada que passagem
Fizer por estas ondas insoffridas
de erudição , direm os co m toda a in g-enuidade ·1ue ;, tlu•··· di! .\'m·-
bedo níio está p 1·ovada . Eu farei d'improviso tal castigo,
Procunímos repetidas vezes e com a ma io r diligen cta nas palavra s Que seja mór o damno que o perigo.
de 1 orberto qual o argumento em que elle estribara a sua these, e Aqui espero tomar, si não me engano,
confes amos não lermos encontrado mais que duas affirmações, a saber: De quem me descobriu summa vingança. • (L)
1) que Cabral !eva11a uma rwdem seoeta do ni ; 2 ) q ue a g rotidtfo
eX"!:t;c que o desro/11"imwto se attribúa tÍ di!~t;flláa de Ca/n·a!, lll7o ao
at:asa . 32) Em resumo .-No dia 21 de abril, terça feira
Pode-se pois , perguntar, como provar a ~xist e n c i a de>' a ordem ) de Paschoa, encontrou Cabral signaes de proxima t~rr~.
Confessamos não lermos achado mouvo al gum para acr edllarmos No dia 22, quarta, avistou a terra, e surgiu a se1s
na exi>tencia della . Não queremos que o leitor acredite a nós; leia
e medite as dissenaçõe' de Norberto e veja si o en co ntr a no metO leguas da praia com dezenove braças de fundo. No
daquelle infinito pal:tvrnrio. dia 23, quinta, chegaram perto da costa, travando as
Quanto á segunda affirmação respondemos que a n tes d e tud~ e primeiras relações com os selvagens. No dia 24, sexta,
deve procurar a verdade . sem a qual a gra tidão não pó de existt r. navegando para o norte, fundearam: alguns fóra,
Diremos em segundo Jogar que se prova claramente o co.ntrarto.
Com effeito: Qua l era a missão de Cabral ? Segund o todos os au- outros dentro de Porto Seguro, onde prenderam dois
tores, Cabral eslava incumbido de passar á lndia c fa zer um ajuste indigenas. No dia 25, sabbado, entrou toda a armada
commercial ou a guerra co1n o San1orim. Pois r), si a sua missãv no porto, indo á terra dois degradados em compa-
fosse a de ir descobrir terras, não se comprPhende porque tS que nhia dos dois selvt~gens. N0 dia 26, domingo, can-
levava tão grande armada, tantos empregado , , lanto m i s s ionario~,
tantos soldados I Nunca os descobridores levaram tant a gente e tou-se a primeira missa. e prégou-se o primeiro ser-
tantas armas . mão. No dia 27, segunda, sahiram muitos a fazer
2) Vicaria ainda por explicar como é que Cabral não lrazi:t algum aguada. o dia 2S, terça, foram procurar lenha. No
padrão para tomar posse da terra que esperava desco brir I Com dia 29, quarta, desembarcou unicamente Sancho de
effei1o desde o tempo de D. João Il, e nós já o vimos em outro Jogar
(pr. I 5), todos OS navios que iam descobrir terras, deviam levar Um OU
Thoar, estando os outros occupados na baldeaçã_o
mais desses padrões, como o fizeram Diogo Cão n? Congo, Barlho- dos mantimentos. No dia 30, quinta, buscaram ma1s
lomeu Dias no sul da Africa, Vasco da Gama na Afrtca Or1ental e. nn
India ; bem como, mai s tarde, os explorado res da cos ta do Brastl. 1
( ) Canto V, XUII.
38 IJESC< Jl3 R l ~ I E I\ TO EPOCA I. - TEMPOS PRIMITIVOS 39
agua e lenha. No dia primeiro de maio, sexta, to- tura na egreja de N. S. da Graça de Santarem, em
maram posse da terra, erguendo a cruz, e ~elebran­ Portugal, onde desde o anno de 1529 achava-se em
do a segunda missa. No dia 2, sabbado, ftzeram -se jazigo de família, trazidos e doados a esta Cathedral
de vela para a I ndia. pelo B.el Alberto de Carvalho.
33) Fim de Cabr al - O resto da viagem de ta 34) Viagens hespa?ho1a~ , . anter iores . á de
armada não vem ao nosso intento . De Cabral sabe- Cabral. - Obriaa-nos a tmparctahdade a refenr que
mos que no dia quatro de abril de. 1502, ern premio antes de Cabral parte da costa do Brasil fôra já vi-
de seus serviços, recebeu, do re1 D: Manu~l, d~~s sitada pelos hespanhóes, Alonso de Iiojeda, Vicente
tenças: uma de treze. outra de tnnta m!l rets. Yanes Pinzon e Diogo de Lepe.
Incumbido nesse rnesrno anno de emprehender uma Alonso de Hojeda 1499- o primeiro hespanhol que
segunda viagem á India, desculpou-se por n~o lhe se aventurou a pass~r a linha equinoxial, ~irigindo­
agradar o regimento que o m~ryarcha qu.ena dar- se ás Indias Occidentaes, encontrou, no dta 27 de
lhe. Partiu, pois, em seu logar o Ja ben emento Vasco junho, a cinco gráus, proximamente, !O sul do
da Gama. Desta epoca em deante, só sabemos delle equador, uma terra alagada que se suppoe ~era f?z
que em 1518 ainda era vivo, e a titulo de moradia do Rio das Piranhas, do Apody ou do Assu no f3.1o
desfructava a pensão de 2,437 rs. mensaes. Em 1839 Grande do Norte. Tentou seguir pela costa abatxo
descobriu Varnhagen o sepulchro de Cabral na sa- no rumo de lessuéste, mas, não logrando vencer a
cristia do convento da Oraça, em Santarem (1). força das correntes, fez-se ao largo, indo, como pa-
Em 1903 o dr. Alberto de Carvalho trouxe os re- rece, tomar terra em Caye nna. ?egund<? Herrera, H~­
síduos mortaes de Cabral para o Rio de Janeiro, onde jeda partiu do porto <;ie S. Mana .no dta 20 de maw
o Senhor Arcebispo os recebeu e fez collocar na de 1499; porém Amenco Vespucc1, 9ue o _acompa-
cathedral como apparece da inscripção seguinte que nhava juntamente com o celebre pt_Joto Jo~o de la
se lê em uma parede da Metropolitana : Cosa, affirma terem sarpado de Cad1z no dta 10 de
Aos 30 de Dezembro de 1903, sendo Arcebispo maio desse mesmo anno.
desta Archidiocese D. Joaquim Arcoverd e de Albu- Vicente Yanes Pinzon, 1500 - que acompanh~ra
querque Cavalcante, foi aqui depositada. uma urna Colombo no descobrimento do Novo Mundo, untn-
dupla de chumbo e madetra contendo re_stduos mor- do-se a Ayres Pinzon , seu sobrinho ou irmão, obteve
tuarios de Pedro Alvares Cabral, descobndor doBra- dos Reis Catholicos licença de acommetter uma ~~va
sil extra h idos aos XIV - lll - MCMIII, de sua sepul- viagem com a condição de não tocar nos dommws
. - ' do Genovez. Armaram á sua custa quatro caravelas;
\')V id e R ev, vol. 11 , pag. 1 3~, 0ncle •e lê o ep it aphio de ~a~rnl.
Vide tamhem :VI ello de }.[oraes - (JHwog1nf!ufl do /1JI}t1to do Rlaszl,- sahiram do porto de Paios no dia treze de dezem-
Tom o I, pag 74· .. bro de 1499; passaram pela ilha de Santiago.no Cabo
Para a historia exncta, minuciosa, e evidentemente ve nd1ca do Verde, e, a 2() de janeir? de 1500, des~obnram um
descob rimento do Brasil , é preciusa a carta ele Pero Vaz Caminha,
nomeado escrivão da feit o ria que de eja va m fundar e m Cal icut. Data
promontorio que denommaram S. Mana de la Con-
Ca minh a a sua carta de l'<>rtO Segur o, na ilha el e V era Cruz, porque solacion. Seguindo desse Jogar para o norte, entraram
cuidavam qne a terra encontrada fosse uma ilha. E' d e observar que em um rio mui largo, onde foram atacad?s feroz-
esta ca rta ficou d esconhecida até I 817 q ua ndo o P. 1\yr e....-do-C:rtll~ mente pelos indígenas que lh es mataram ott<? tnptt-
a puhl ico u pela t•rimeira ve z.
lantes, ferindo a muitos. Acharam em segu td a um
EP C1CA I. - - TEMPOS PRlMTTI YOS 41
40 DESCOB Ril\lENT O

rio tão grande, que o distingu iram com o titulo de Vaz Caminh a em ~500, Pedro de Magalh ães Oan-
Mar Doce. Encheram as pipas e, sendo recebid os davo em 1576, o P. José de Anchieta em 1584, Ga-
com agrado pelos habitantes hospitaleiros e confia- briel Soares de Souza em 1587, o P. Fernão Cardim
dos, retribuí ram-lhe s .vilmente esta bondad e apode- em 1585, e Manuel Pimente l em 1762. No entretan to
rando-s e de 36 delles e levando-os a vender como Varnha gen, que em 1840 publicá ra um opuscul o em
escravos. Avistaram mais adeante um Cabo a que abono destas mesmas idéas. mudou de opinião desde
déram o nome de S. Vicente, conheci do depois pelo que recebeu o titulo de Porto Seguro, escrevendo,
de Fumos. e hoje pelo de Orange . Subiram afinal contra o seu proprio parecer antecedente, um traba-
por um rio a que deixaram o nome de Vicente lho inserido na Rev.. vol. XL, part. 11, pag. 1.
Qual seria o motivo que induziu o illustre titular
Pinzon, chamad o mais tarde Wiapoc ou Oyapock
pelos francezes. Reconh ecendo Pinzon, no golpho a pôr-se de um modo pouco airoso em contrad icção
de Pariá, que essa paragem era conquis ta de Co- comsig o mesmo ? Talvez o ter examin ado melhor a
lombo. recolhe u-se com dez mezes e meio de via- questão , e visto a verdad e? Neste caso mereceria
gem, e com menos dois navios que perdera em uma louvor, porque sapientis est matare consiliam. Como,
tempestade. porém, não apresen ta nenhum a razão plausivel, parece
Diogo de Lepe, 1500 ·-sarpo u de Paios em dezem- ter-se guiado só pelo desejo de ennobre cer o Jogar
bro de 1499; visitou uma enseada do norte, um mez do seu titulo, identifi cando-o com aquelle em que
pouco mais ou menos depois de Pinzon, e perdeu fundeou o descobr idor do Brasil. Tal, ao menos, é a
dez pessoas em um assalto do gentio, ainda irritado opinião exposta francam ente pelo conselh eiro Beaure-
pela cruelda de de quem o havia precedi do. Trafi- paire Rohan em uma bella memori a, em que o com-
cando armos depois na costa da Africa, foi este Lepe bate triumph almente , e que se acha na Rev., vol. XLIII,
preso e enforcado pelos portuguezes. parte fi, pag. 5. A razão, sobre que se basêa o Sr.
Diremos, pois, que foram os hespanh óes que des- Beaurepaire, é que o actual Porto Seguro não cor-
cobriram o Brasil? Não, não o podemo s dizer, por- respond e de nenhum modo ás indicaçõ es dadas por
que elles apenas visitaram de passagem alguma s Caminh a, quer quanto ã largura, quer quanto ao
costas do norte que mais tarde vieram casualm ente fundo e ás outras qualida des da enseada. Accrescenta
a pertencer ao Brasil , mas nem tomaram posse, nem o Conselh eiro que, dispond o Varnha gen de todos os
déran: o nome, ao passo que Cabral tomou posse meios para explora r a paragem , devia examin ai-a com
solemn e e deu o nome, sendo o seu descobr imento grande cuidado , si na sua mente pairasse a minirna
d.uvida a esle respeito . ada, porém, fez. E', pois,
dentro em breve annunc iado officialmente á Europa. de opinião por um fim secun-
s1gnal que mudou
daria. Vê-se, portanto, que Varnha gen nem sempre
Questões accessorias esci:evia a historia como ella é, mas segund o dese-
35) O verdad eiro Porto Seguro - o Jogar em java que fosse, e isto havemo s de ver muitas vezes
que fun deou Cabral , é conheci do hoje pelo nome no curso desta obra.
de Enseada da Coroa Vermelha ou Porto de S. Cruz, Tentou o P. Ayres do Cazal substitu ir o nome de
e está umas quatro leguas ao norte da actual cidade Bahia Cabralia aos nomes de Enseada da Coroa
de Porto Seguro. Esta é a posição do ancorad ouro Vermelha, e Porto de S. Cruz, mas o imitaram apenas
de Cabral conforme a indicaram e descreveram Pedro Monsen hor Pizarro, o visconde de Cayrú, e o contra-
EI'O CA 1. - TE.\1 I' OS I' RI :\HTIV OS 43
42 UESC OBRL \lE?\T O
e portuguezes. Declara categoricamente, segunas ndo 0
almirante francez, E Mouchez , em seus de trabalhos ar da Mad re de Deus Me-
nome Bahia seu .costume, fr. Gasp
Brasi l. Assim este 'de S. Vi-
relativos á costa do
cido na local idade . monas para s~rvir á Historia da Capi tania
e
Cabralia é totalmente desconhe cente, pag. 16, n. 26, que o Rio do .Frad e não exist
sul de front e da
Pro- ao norte do Rio de Janeiro, mas ao
36) Rio do Frad e. - Lê-se na Chronica da Pie- Ilha Grande, e que os factos de que trataomos
neste
vinda da Arrabida, escri pta por fr. Anto nio da . Não reflec tiu bom do
Seguro, numero nunca se déram
dade, que no anno de 1503 vieram a Porto iscan os, os monge que af[irmatio unias non est exdu sio alter ius.
ação , dois franc os
onde já existia uma povo
uma egrej a e duas casin has. O Merece, todav1a, desculpa, porque não conhecia
quaes cons truíra m documentos que hoje nós pode mos citar.
gentio, levantando-se, matou algun s portu guez es (1505 )
Além disto , vesti ndo os barb aros - In-
e os dois religiosos.
afim de enga- ~7) Que m levo u a noti cia a Port uga l?ito
o burel, déram-se a passear pela praia ao morticinio. felizmente os autores. não são acco rdes a respe Jo
nar os colonos que tinha m escap ado o. Gasp ar Corr êa asseg ura que
aram a Porto Seguro n~me de~se mens ageir
fo1 Andre Gol~faLves ,· o~.ttros, ~ntre os quae s j . de
Passa dos algun s anno s, cheg
vez, italia nos. Inter nan- Gaspar
mais dois franciscanos, desta um deite s Barros e Dam1 ao de Gor:>s, afflrm am ter sido
depo is pelo sertã o, afogo u .se suas infor ma-
do-se pouco
por isto se cham ou d~ Lemos. Como, porém, estes tiraram a
em uma corrente de agua que que çoes _de Castanhed a, que escre veu antes delle s
Rio do Frade. Este segundo facto deu-se,o ao tirara m ques!ao r,esum e-se em decid ir qual dos dois escri 1
;to-
Jabo atão, do qual de
parec e, em 1515. O P.
o P. Telle s, affirm a que o res, 1sto e! Castanhed.a ou Gaspar Corrêa, tenha pri-
o Agiologio Luzitano e o de 1505. ser. prefen.do. _9s antigos em. geral segu iram o
no dia 19 de junh por ser
me~ro; hoJe dao a pr~cedenc1a ao segundo . etc. (').
morticínio teve Jogar
O Padre José de Anchieta em 1584 conta
este mesmo o na I ndia desd e 1512
e do afoga ment o, mas não dis- ma1s exacto, e ter vtytd torn ou a
caso do morticínio
nos. O P. No- Refere este o. segumfe : ,, O Capitão-móralves
tingue entre os portuguezes e os italia facto sem mandar ao rem? o navio de Andr é Gonç com
brega em uma carta fala do segu ndo 1 desta nova terra que desc obrir a·
eiro. O Sr. Vasc once llos admi tte a nova a El-Re s, e sua~
menc ionar o prim e~ mandou !1omens e mulheres; e moço
, e duvi da do segu ndo e outros
como certo o primeiro facto a delle mis- red.es, e ve t1dos, e dois. papagaios grandes,
pela razão de não se achar elle na StoriP. Roca de ma1s pequenos . O mantJmel}to da terra era milho , e
sioni dei Capaccini, escripta pelo R. paus verm elhos apar ados que
ptor !rata da vinda daquel- o navto c~rregado de
Cesinali, em que o escri
eram m_u~ pesad?s, a que chamam brasi l, por sua
autor es supp õem
les PP. para o Brasil. Todos estes em Porto vermelh1dao ser fma como a brasa . E mand ou André
que ambos estes desas tres tivera m Jogar fosse corre ndo a costa semp re em-
ha- Gonçalves que
Seguro ou pouco longe dalli. No entretantoterVanl acon - q~anto pudesse, e trabalhasse por lhe ver o cabo
gen, sem assignar razão algum a, prete nde fez; e desco briu muit o della
Janei ro, e Capi stran o de Abre u, (ftm), o que elle assim '
tecido no Rio de a que
estribando-se em algum mapp a antigo, aopin qual, se- (') Vid e n .\l e mo ria <i c Candi d o i\lencle
s na Re11., vol. XX LX,
" '' .ru. X VI- por Ca p is -
tudo isto se refere á Bahi a da Traiç ão, p a rte 11, png 5. - V1de t a mbc~1 O Bra oi!
ue 188o na (;a 0 eta de 1Votiâa.,·
iel Soare s, receb eu este nome , porq tra no de Abreu , traba lh o public a do em
gundo Gabr s c logo ~m fo lhet o.
alli o gentio matou aleiv osam ente algun s caste lhano
EPOC A I. - TEMP OS I'IU~ IIT JVO S 45
44 DT:SCOB IUi\IE 'TO
- --
o dario se realizou no anno de 2582, quando o cos-
que tinha muitos bons portos e rios, e escrevend u a tume de se celebrar esse anniversario no dia. tres
de
com que torno e
tudo, e as sondas e signa es maio já existia entre nós desde muitos annos Com mei~
El-rei ». pois, explicar a introd ucção de um uso por
Jiavendo Cabral assentado em conselho que que não o
, não é prova vel de um facto assaz posterior á existencia desse mesm ment o
se mandaria indíg ena algum uso? E' verdade que não temo s nenh um docu
André Gonçalves tomasse esses homens, mulhor eres e r a data dessa introd ucção mas isto
pre, pois, supp que para determina ao
moços em Porto Segu ro. Cum
da costa do norte em m~sn~o. nos induz a_ crer que esse facto re'mosintafosse
os receb eu em algum ponto pnnc1p10 da colon izaçã o do Brasil · pois
que tocou ao regressar. páu n~ais recente, ql;lando a colonia já estava b~m orga-
A circumstancia de levar este navio toros de for- mzada, como mcontestavelmente o era em ira1582
brasil já aparados é assaz para notar, e pode rá in~
existiria_ algum documento, relativo á primeconser-
necer assumpto a discussões e conjecturas muito troducçao de um uso nacional que se tem
interessantes (1). vado até ao presente.
Affirmamo.s e,m . seg~ndo Jogar que este a.recur so
38) Ann ivers ario .- Cabe aqui discuti_r qual o , nada explic Com
nosso pa1z o cos- ao . calendano e u~;ut!l porqu e
motivo porque se introd uziu em
e~etto, para, suppn~mdo dez . dias, chega
rmos ao
pa-
tume de celebrar a chegada de Cabral a estas no d1a tres de maw , e força parttr mos do dia 23 ou
ragens no dia tres de maio em Jogar de o fazer o prop: io Varn hagen admi tte;
do 24 de abril, como
dia 22 de abril, dia propriamente anniversariorem mas a Terra de S. Cruz fot desco berta no dia 22
descobrimento. Varnhagen e alguns outro s recor que apena s se trava ram alau ma~
Ore- não no dia 23, em
á suppressão dos dez dias, ordenada pelo papa dario . relações estereis com os selvagens. "'
XIII quan do em 1582 corrig iu o calen tamb em desne cessa rio, por-
gorio
virtud e desta suppr essão Em fim, e_ste !ecur so é é a
E tes pretendem que em 23 que . a explt caç~o que nos parec e muito clara,
deve ler-se tres de maio em vez de 22 ou antes re- segumte: Ao dta do desc obri men to pref erira m
de abril. A nós parece, pelo contr ario, que este e, que, na sua opini ão,
os co~onos o ~ia da poss
curso é impossível, inutil, desnecessario. nin- se realizou no dta tres de maio . Tinham os do:;
co-
tmpossivel- 1) porque, até aos nossos dias, cção lonos formado esta opini ão no sentir comm um
reform a ou corre os
guern se lembrou de que essa autores antigos, isto é, anteriores ao seculo XIX~ha
fosse retroactiva, isto é, que pudesse ou deves
se
quaes, corno não conhe cesse m a carta de Cami
pois, neste caso, dar- Cru~
applicar-se ás datas anterio res; 2) Si affirmaram que Cabral avistou a Terra de S.tomo
se-ia na Historia uma confusão indes cript ivel.- moti vo no dia Vifo!te e quat ro de abril , e que u
essa mudança se pudesse fazer, não existe dta tres de maio (1).
de abril mais que posse no
para applical-a ás datas do mez
-
ás de qualq uer outro mez. -3) A reform a do calen (') Os autore s que tratam deste assump to podem
divi dir-se em
:t cnrt:t de Camin h a
duas classes . Uma é dos que, co nhece ndo
alebres e .fadt>S riment o; o primeir~
(') V1d c na pag 31 a exce llente obra- Datas assign~m ? dia vinte e 1ois d~ abril ao descob
de Vaxconre!!os, soâo dv P. Ayres do Cazal, que
11ofa7'els da Ifi.•t1 ria do 8mzi! j;M .'Jos,f de maw, a posse. C! _ma1s ant1go destes é o
m a ugund a classe os
I n stituto flzst. etr., I'ernam bllco, 1890. escreve u no prmc1p1o do sec. XIX. Forma
a té agora ( 1895) so docum ento, pu-
Lastim amos qu.:, d.: uma obra tão boa, tenha autores que ignora vam a existen cia desse precio
.1ppare ciuu só o p rim ei ro volume .
EPOCA I. - TEMPOS PRil\flTl\' OS 47
DE CO IJJ{i :\!Ei'\TO
46
constituiu um ram o importa nte de commercio. Se-
39) Nomes .- Condecorou Cabral esta nova terra gundo Muratori (1), a palavra brasil foi pela pri -
m o beiJo nome de Vera Cruz principalmente em meira vez usada no anno de 1128 em um tratado
~emoria da Semana Santa que acabava de passar , entre os povps de Bolonha e de ferrara; pois em
porque tomou posse erguendo o symbolo da noss~ uma resenha de mercadorias desse tratado figura a
Redempção, e acaso tambem, porque estava a chegat grana de brasile. A madeira era, todavia, conhecida
0 dia tres de maio em que se celebra a festa d~ na Europa, desde o sec. IX, como observa o illustre
Invenção da Cruz. Mudou dentro em breve o re1 ]. Mendes de Almeida ( ~), citando Renaudot e Albu-
este nome de Vera Cruz pelo de~ S. Cruz. . feda, e di zendo que della se tirava a côr vermelha
Brasil.- Começou a Terra de S. Cru z a ser ofh- ou escarlate para as vestimentas regias e as capas
cialmente denominada Brasil desde 1504 ~m c~mse­ dos cavalleiros. Provioha essa madeira das ilhas Ma-
quencia da grande quantidade de ma~e1ra cor de laias, e formava um dos artigos do commercio do
brasa (1) que nella se encontrou, e denb o em breve mar Vermelho.
Os tupys chamavam a arvore Araboatan, e com
blicado pela primeira vez em 1817. Este se pod~m reuni:· e m ~es lavadura da sua cinza sabiam dar uma côr vermelha
ru os. Ao primei1·o pertencem os que não des1gnam dw, e sao: muito duravel; a madeira, porém , denominava-se
~nfonio Gal vão, 0 P. Antoni o de Vasconcellos, Berredo, _ Ballhazar ibira-pitanga, pau vermelho C).
Te!les Manuel d e Faria Souza e f . Anton10 de S. Romao . .·lo . se-
undo: a lguns que marcam d:ttas incríveis, como o antor da Not 1c111: Brasileiros.- Quem se dedicava ao trafico do pau-
~o B rasil e D. Antonio Caetano de Souza, os •1uaes d1zem q•t~ f o I brasil começou a chamar-se brasileiro, como se appe-
no dia 25 de abril; fr. Bernardo de Brito, que, a 27 de_ abnl ; _e lidavam negreiros, pimenteiras, baleeiros, livreiros os
Dami:'lo de Lemos de F ari a Castr::>: que, a. 0110 de. mal~. ~ . t~1 · que se entregavam ao commercio dos negros, da pi-
ceh·o unrfw 0 mais numeroso e de maJOr antond ade, da o cba 'JT~te
e qu~tro ~le nbril para o descobritnento; o d1a tr-~.~ , (}~ IIHt~~' menta, das baleias, dos livros, etc. Applicou-se, por-
Jara a posse. Estes são Jeronymo O.ono. hi>Pll c:e Slhes, D a l~l aO tanto, o epitheto de brasileiros a todos os colonos
1c Góes, R ocha P itta, fr. Ruphael de: Jesus, fr. Ca,pa! ~a Madre
le l>eus , A ffo nsÕ de Beauchamp, Pedro de \[arlz, Lu1z Coel~o. ele
deste paiz em geral, porque muitos delles praticavam
o commercio do páa brasil.
]~a rbud a , Damião Antonio de Lemos, FranciSCO de B nto 1 re u e,
Fernão Lopes de Casta nh~da, J. ele lhrros c vanos out ros. d Ca ;ta- Btasilienses, brasiz, índios. - O nom e brasilienses
nhecla accrescenla a ci t·cumstancia de ser a ultuna o itava a 1 as· que seria propriamente o patronymico de Brasil, ficou
-h oa· B arros a de ser a segun da. O piloto '1ue relatot• a hlstona para indicar os indigenas. A denominação de brasiz,
~a l; avc.,.açã~ de Cabra l, C•Jncorda no dia 24! c declara que. era introduzida pelos jesuitas, cahiu em desuso, supplan-
um a ua~ta feira do oitavario da l'ascho~. D:u111ãc1 ele Góes afftnna
c ue ~abra! partiu no dia XXHU de ma10, mas e razoavel suppor tada pela mais seguida, posto que inexacta, de índios.
,{qu i um erro de imprensa, e ler llll;_ donde se segtte q ue, no ver Este ultimo nome deve a sua origem ao engano pelo
desse auto r, a posse foi tomada no dia tre7. l
E' fac il ded 117 ir de tud<> isto como os anllgos col?nos suppunht~
que 0 descobrimento se tivesse realizado. no d1a nute 1\ q~~~t (') An1mes da ltalia, tomo U, columna 894, 895.
de nbt"i l. e a posse n o dia tre~ 1le m;uo. V1de Rev., vo 1· ' ' ' (') otas Genealogicas.
ag 230· e vo l X L V parte l, p . 161. ( 3) Parece que a palavra brasil tem du as o rigens : um a latina-
P< (1.) Na~ in stru.cç0es ~ue e m I sor déram a João ela Nova, a terra /wasa--, outra celtica. Vide Capistra no de Abreu e m suas not as á
.,.,
chatnava-se t1ll~ J
oa C·1ttz.
N'a ca• rta' escripta ]lOr D. Manuel
..
aos Historia do Brasil por f r. Vicente do Salvador. Vide egua lm ente a
Reis Catholi cos em I sor de nomina-se de s Crus; Em poli em I 504 bella d issertação de J. C. da Silv a na R ev., vol. XX IX , part e li,
dá-lhe 0 no me de TTera Cru~ o11 Bra.<il. Desde este an no o nome pag. 5. Acha-se la mbem a lguma cousa a este res peito no v oi. I,
J:rrasil appa rece em documentos porluguczes e allem ães, e se vae pag. 29 8, e vol. XLVII, pa rte I, pag. 1 I 9 da mesma Rev.
generaliza nd o cada ver. mn1s.
EPOC A I. - TEM POS PIUM ITlV Os 49
48 DES CO BlUM ENTO
do nauf ragi o de
desc ober to por pouc os que se salv aram na occasião endo , quan do
qual a prin ctpto se supp oz que o paiz . Qua ndo Ayres da Cun ha, de que falar emo s, quer
da India
Colo mbo fosse a costa oriental Nov o Mun do
sua desg raça ,
cheg aram a Port ugal , ennobre_cer a bocc a do rei
mais tard e se conh eceu o erro , deu- se ao tdo na
ntou -se á ver- espal~aram de se terem perd
o nom e de lndi a Occidental, e accr esce dos nos.
dade ira lndi a o qualificativo de Orie ntal.
cion . - Diz II
40) San ta Ma ria de la Con sola
onto rio de S. Mar ia de la Con so-
Herr era que o Prom edo affirma Prim eira s explorações
e Mac
lacion é o Cab o de S. Ago stinh o, e Sou they
e mod o. Berr edo te em que
que todo s pens am dest o viu a oi~o 42) Pr v vid enc tas -Em bor a não cons o enca r-
segu em Herr era, refe rind o que. Pinz on no Tejo o navi
Pare ce, todavta, mez do anno de 1500 entr ou
gráu s e meio ao sul do equa dor. desc obri men to
que fosse , com o diz Varn hage n, a rega do de levar a fausta noticia do com sua che-
mais provavel , capi tal do desta nova terra ; é certo , toda via, que
Ponta do Macaripe, vizinha á Fort aleza a e a todo o
Ayre s do Caza l (I, 26) quer que ga_da caus ou gran de praz er ao mon arch iden cias se-
Estado do Ceará. rai-o citan do ret!JO. Deu, port anto , D. Man uel as prov
seja o Cab o do Norte, e tenta dem onst a fortu na. gum tes: - 1) Man dou para a terra de pouc o vam os
S. Cruz uma
Robertson, em noss o ver, com pouc
fi:ota explorad<?r~, da qual dent ro em
s da Euro pa
aver igua r si o hata r.-2 ) Parttctpo~ aos <:>Utros sobe rano
41) Ma ran hão . - E' mui to difficil este gran de facto . E quas t certo que para isto espe -
eiu de algu ma pala vra indí gena ida aos
nom e Maranhão prov
nesse Joga r ro~:~ o regre_sso de Cab ral ; pois a carta dirig
as
adul terad a, ou das façanhas prat icad o-Marafzon Rets Cath ohco s leva a data de nove de julh o de
por algu m hesp anho l de egua l appe 11id Julio 11 (24 de jan de
Hesp anha , ou si 1501.- 3) Alca nçou do papa
- que desd e muit o ante s exis tia na do de Tord esil. has
1506) o reco nhec imen to do trata
foi dado iron icam ente a algu m fanf arrão que dess e
bem com o a con~irmação dos direobri itos e privilegio~
zas ou mar anlz as não acre ditadas. men tos.
rio contava proe anto , a obse rvar de Port ugal , relab vos a seus desc
pelo s outros. Lim itar- nos- ema s port
adm itte a vers ão antig a, a quat Com punh a-se
que hoje ning u em 43) Fro ta exp lora dor a. 150 1. -
, verd adei ro ou
deri vava o nom e Maranhão do facto a Pin .. on si esta esqu adra de tres caravella s e era dest inad a a
supp osto , de ter um pilo to perg unta do Bras il afim ' de lhe conh ecer a
do : Mar ? ah! perc orre r a cost a do
mar, e de ter este resp ondi se sabe ao certo
ainda era
tería form ado Maranon extensão! valo r e qual idad e. Não
não ! Don de por corr upçã o se ou proc eden - quem fot o seu com man dant e. A maio ria dos chro nis-
ou M arafzon. Rela tivam ente á ques tão a exac tidão que fôra Gon çalo
esse nom e se deu tas affirmam com pouc
cia, Varn hage n tem por certo que qual , em C:o~lho, e outr os que Chri stov am Jaqu es. Varn hage n
desd e o prin cipio ao actu a l Mar anhã o, ao
uel; pare ce, toda via, mais pro-
raph os e carto gra- e:.ta por D: Nun o l'.Jan
em todo s os geog tivera occa-
seu ver, se refer
inclinar-se á v_~vel ter stdo And re Gonçalves, o qual viag em que
phos antigos. Berredo, todavia, pare ce deno min ado stao de conh ecer part e da cost a na
opin ião oppo sta, isto é, que foi do rio do desc obri -
anhã o se com - acab ava de faze r leva ndo a fausta nova
por Pinz on Mar Doce que o nom e Mar este autor, os. mento. Nesta frota, a unic a que D. Man uel man dou
mun icou á ilha de S. Luiz . Segu ndo
4
PRIMEI RAS EXPLURAÇÕES EPOCA I. - TEl\JPOS P RIMI T IVOS 51
50
pelo fim já mencionado, veiu a primeir~ vez ao Bra_- zer provisões de agua e lenha, e avistam sobre um
sil 0 celebre navegante florenti!'o! Amenco Vespucc1. pequeno monte vizinho, notavel numero cte indígenas
Sendo extrangeiro, não é admtsstvel _q~e fo~se mv,es- que recusam chegar até á praia; logo, porém, que
tido do mando supremo da _expedtçao; ~· po:em, os na~ttas se retiram , descem, e se apoderam das
egualmente improvavel ter vmdo como t~dtvtduo campa1!1has, espelhos e outros objectos deixados de
subalterno da tripulaç?io, porque, sobre s~t cosmc propostto no Jogar. Accendem á noite grandes fo-
grapho distindo, e ter juntamente com HoJeda (1497, guetras por toda a costa, onde numero crescido del-
1498) explorado toda a costa de_sd; Hondura~ ate a les se tinham juntado. Havendo outro dia (91 os
florida o rei D. Manuel o convtdara com1 multo em- nossos tentado debalde travar algumas relações com
penho 'a passar de Sevilha a Portugal_. ( ) .
esse povo desconhecido, dois marinheiros obtiveram
A expedição partiu de Lisboa no d~a dez ~e maiO licença de entrar pela terra dentro com a condição
de 1501 tomando o rumo das Cananas, e, t_n do re- de se demorarel!l só cinco dias. Nunca mais appa-
frescar ~o porto de Bezénégue (Ooré), nas tlhas de r e~era m. qecorndo es~e tempo, mandou o capitão-
Cabo Verde, onde encontrou Çabral, que vo~tava ~a mor, no dia quatorze a terra um escaler para ver si
India. No dia sete de agosto fundea a _esguadra ( ) a meta consegUJa alguma noticia dos dois aventureiros. Co-
legua distante de uma terra que se avtstara nesse mesmo mo apparecessem numerosas mulheres, e dessem
dia. Desembarcando, depara~ os navegantes com mostras de quererem negociar. resolveram mandar-
signaes de ser a paragem, habttada ; to~am p<_>s~e fa lhes um mancebo muito esforçado, 'que ellas sem
terra, e volve~ aos navios. Vão no dta segum e a- demora metteram em um gran de circulo, apalpan-

(') Contestaram energicamente a vinJa de Vespucci ao B rasi\ o de _latitude sul. Vespucci diz apenas que a paragem estava a cinco
conde de Santarem e 0 P. Ayres do Cazal que chegou a trata -o graus, ma~ esta . differença, sobre ser favorave l á nossa opinião, pó -
de im ostor. Basea~a-se Santarem no facto extranho de não se en - de attrtbUJr-se a pouca perfeição dos instrumentos daquelle tempo.
contra~ nos di versos archivos da Europa causa alguma relativa a ess~ E' nesse Jogar que existe uma pedia quadrangular, ria qualidade
viagem Varnhagen porém. invocando o testemunho de autores;ontem que vulgarmente chamam marmore de Lisboa; tem a figura de um
porane~s como Et~poli, P edro Martyr e Sebasttão Caboto, e~OL~­ grande parall elepiperlo, com dois palmos de largura e um de gros-
trou co~1 toda a evidencia, a realidade do facto . T~mbem o ar, o ~ ura .. A sua altura fó ra ele terra é de uns quatro palmos. Não tem
de r'rumboldt, no tomo III do seu Exame Cntzco, dtsstpou todas as mscnpção nem data alguma , e apenas em uma das faces gravada,
duvidas que ainda pudessem pairar sobr e este assumpto. d' ou melhor cavada, uma cruz da Ordem de Christo em cima de uma
(") Affirmamos que a esquadra fundeou no dia sete; ~ão noL ta especie de escudo, no qual estão as quinas portuguezas em nuz.
de•esete de agosto . V espucci diz o dia sete na carta ~cnpta a ?u: Pode-se, portanto, affirmar que aquella pedra é um padrão ou mar-
re~zo de Medieis' 0 dia dezesete na que dirigiu a Pedro Sodermt . co ant1go.
Vê -se porém qu~ a data certa é a primeira ; porque Vespucct a c- Quem co llocaria alli esse marco? Vespucci affirma que toma ram
' ' d t rl' 1
e qtte depois ce posse da terra para o rei de PortugaL Mas a posse, como sabemos,
crescenta que nesse loo-ar se emoraram se e zas, ' d' . l
fazer muitas esca las o~ entradas pela costa, chegar~m _no La vi:n~ tomava-se collocando esses marcos . Logo é licito dizer que a trota
e oito ao Cabo que denominaram Sa?lto Agostm/w. _fertan~, por(c . exp lo~aclo ra de r 501 pôz aquelle padrão depois de fundear na parte
seguinte feito essa viagem em quatro dias, co usa I~p~Sivel) mes- supenor do R10 Grande do Norte a umas quarenta e cinco mi lhas
mo suppondo que a dita paragem fosse o Cabo de · oque para para lá elo Cabo dt: S. Roque.
toda a embarcação de vela, t" nto mais que no mez de agosto os Deste modo tudo se concilia. A frota lançou fe1ro no dia sete ·
ventos e as correntes vão do sul para o nor te. parti~ a 14 (apoz sete dias de demora); avistot; a 16 o Cabo a qu~
\ respeito do Jogar em que os nossos mareantes tomaram terra p~- em virtude da festa do calendario desse dia dérnm o nome de S .
1 . S V 11 que foi proxi· Roque, e, seguindo para o sul, chegou com . mais dez ou doze dias
la primeira vez, opinamos com o r . a_sconce os • ' o"
mamente 110 sitio hoje ce nommado Arrazat do J11mco a 5° 3 4 ao Cabo de S. Ago tinha, a 28.
EPOCA l . -TEMP OS PRil\IlT lVOS 53
PRIMEI RAS EXPLOR AÇÕES
'-------
52
ro~ não estavam irritados por alguma injustiça an-
do-o e observ ando-o com a maior curiosi dade e tenor que algum outro europe u praticá ra?
maravilha. Nisto desceu do outeiro outra mulher com Singra ndo a esquad ra para o sul, chegou no dia
um grande páu, e desfechou-lhe um golpe tal na ca- 16 de agosto ao Cabo de S. Roque ; no dia 28 do
beça, que o extend eu morto. Tomar am-no as outras mesmo mez, ao Cabo de S. Agosti nho; no dia 29
pelos pés, arrasta ndo-o ao monte. O~ ~ome~s, que de setembro, ao Rio S. Miguel; no dia 3o, ao Rio
então appare ceram, adeant aram -se ate a prata, la!l- S. Jerony mo; no dia 4 de outubr o, ao Rio S. Fran-
çando um sem numer o de ~rechas sobre os batets, cisco; no dia 21, ao Rio das Virgen s; no primei ro de
encalh ados na arêa. Quatro bras de bomba rda os re- novembro, á Bahia de Todos os Santos, onde nossos
pelliram para o morro, onde as mulh_eres estava_!Tl m~rean_tes colloca ram um marco em um lagar
que
moque ando o moço que tinham _a~sassmado. A nao ate hoJe conser va o nome de Ponta do Padrão.
ser 0 capitão-mór, que o prohtb!U, ordena ndo o Baptizam a 13 de dezem bro o Rio de S. Luzia (tal-
immed iato levanta mento das ancoras, quaren ta valoro- vez _o Rio Doce); a 21 o Cabo S. Thomé , e a 25 a
sos iam vingar de promp to tão grande crueldad~. bah1a do Salvador. Entram no primei ro de janeiro
Varnhao-en tratand o destas aggres sões do gentio , de 1502 em uma ensead a que os naturae s cha-
observ a q"'ue 'nesta occasião os nossos não foral"!l _os mavam Guanabara ou Nitheroy, e que o capitão -mór
primei ros. Isto é verdad e quanto a esta expedt çao; c~idando s~r a foz de um grande rio, denomino~
mas, como provar ia o sr. viscon de que os barba- Rto de Janetro. Lançaram ferro no dia seis de 1502
Rdere 0 F lo ren tin o que, seguindo pa ra o sul, fizeram
diversas em Angra dos Reis; a 20, na ilha de S. Sebastião;
entradas até chega r a um Cabo q ue denomin aram S. Agostmlw
, ca- e a 22 em S. Vicente. De lá passaram á ilha que
bo que está a oito graus. Pas<a então unmed1a tamente a
falar de
se tornou conhec ida com o nome de Canané a e
no dia dois de fevereiro, surgira m perto do C~b~
la , mui-
outro sitio onde acha ram grande abundan c1a de canna fistu
lo g rossa , 'verde e lambem secca em cim~ das arvo res;
trava ram
relações com os barbaros ; demorar~m-se c1nc0 dias, e levaram
tre,; S. Maria no grau trinta e dois de latitud e sul.
índi os que conse ntiram e m ir co m elles a l'ortugal Dalll
em dean· Aqui imagin aram que se acabav a o continente, e
te Vespucci . sem dar pormeno res, nem m~nc_tonnr logares
conten-
fazendo
hav_e~do esmore cido o chefe da expedição, a respon~
ta-se de relatar que navega ra m semp re a vista da terra
o até ao sabtltd ade passou a Vespucci, que mando u prover as
muitas ent radas, to atand\J co m infinita ge nte, e chegand
, c caravellas para uma viagem de seis mezes. fizeram -
g rau ttinta e dois de lati1ude sul .
Como Vespucci refere unicamen te o nome do Cabo d e ~-
.\ gos se de vela a quinze de fevereiro no rumo de les-
linho, segue-se que para os outros_ nom<'s, indicado s no texto,
os. e que
não
sueste, chegan do até ao grau cincoe nta e dois de lati-
ha certeza. E' apeoa5 uma conJectu ra, acce1ta el e tod tude sul, e avistan do no dia sete de abril uma nova
o. cos·
lambem nós havemos de acceitar, porque a tornam provavcl
tume da epoca de baptizar cada novo logar pelo san to
do d1a, o terra. a qual, segund o Varnha gen, havia de ser a mesma
nome dado ao Cabo de S. Agostinh o, e o facto de acharmo>
, nas que em 1775 Cook denom inou Georgia Austral, igno ·
vi agens seguintes , estes no mes indicado s como Já eXIstente
s e ·
rando, talvez, que em 1625 fôra visitada por Antoni o
conhecid os. . .
Rocha, vindo de Chiloé, e que já levava o nome de
Por este mesmo facto prova-se claramen te que a pr~me1ra
expe -
dição é real, não um a invenção , co mo p ha nlaS JOU Zefenno
C~nd 1do . Ilha Grande de Rocha. Encon trando Vespucci nessa
O logar em que e nco ntra ram ca nna, fistula, s~gundo Ca
nd Jdo altura um grande frio . med onha cerração e horroro so
Op1n~ o
Mendes, seria o Vazabarr i s, no actu al Estado de serg1pe.
e to t1n~ta
temporal, carrego u sobre o rumo do norte; tocou em
tn es mo autor ter occo rn do um e rro de 1mprensa no num Serra Leôa (20 de maio) e nos Açores (fim de julho)
( doi.r de latitu de sul, sustentan do não ter esta fr? t~ passado
ale m
de Ca na néa , que está a vinte e cin~o. Cre mos, pore1~, que 111ngue m entrand o no Tejo a sete de seter.ibro de 1502 corr{
ou q uasi ning uem aclop tou esta op1n1ão do tlhtslre Se nado
r. quinze mezes e 24 dias de viagem redond a. Queim ára
Vide Vasco ncellos. o. c, e a Rev ., Vo i. XLI . l parte, pag.

54 PRIMEIRAS EXPLORAÇÕES EPOCA I . - TEMPOS I'JUMlTIVü S 55

em Serra Leôa, por ser já incapaz de servir á nave- a_lguns dias na ilha .a pretexto de tomar agua e man-
gação, uma das tres caravellas. timentos. Sarpou, afmal, para a Bahia de Todos os
Santos ,com ~ seu navio, e .com o .outro que se lhe
44) Segunda expedição, 1503 - Esta segunda aggregara. !';!ao achando alh o capttão-mór, velejou,
expedição, que sahiu do Tejo a dez de junho de 1503, passados do~s mezes e quatr? dias, até a um porto
não era destinada a reconhecer a costa do Brasil, como que, no ve1 de Varnh., fo1 o de Cabo frio· o de
alguns erradamente escreveram; mas a buscar uma no- Caravellas, no de Candido Mendes. '
va passagem para a Asia, seguindo pelo sul do novo Demorou-se nesse porto cinco mezes; ergueu
continente descoberto que se julgava terminar no Cabo1
uma ~orta~eza em que deixou 24 homens; entrou
S. Maria, a léste da foz do actual Rio da Prata ( ). pelo mtenor; carregou pau brasil, e voltou a Por-
O seu commandante foi Gonçalo Coelho, e não tugal, dando Coelho por perdido. Este, todavia, se-
Christovam Jaques, como por muito tempo se acre- gun.do refere Va~nhagen, baseando-se sobre diversas
ditou e escreveu (2) . Constava de seis caravellas, e conJectu_r~s~ seguira para o sul até ao actual Rio da
nella veiu de novo, esta vez como capitão de um Prata; visitara n.umerosos e beiJos portos, e entrára
navio, ao nosso paiz Americo Vespucci, que nos no RIO de Janeiro, onde, junto ao riacho que mais
deixou a sua historia. Tendo refrescado nas ilhas de tarde, se chamo~ Carioca, isto é, casa do branco,
Cabo Verde, fizeram-se de vela no rumo de sudoéste, fundara um arratal. .Gonçalo Coelho regressou a Por-
e descobriram uma ilha que não pode ser sinão a tugal em 1506; servm como escrivão da fazenda dos
de Fernão de Noronha (10 de agosto). Como a ca- cont~s (thesouraria) de Lisboa, e dizem que escreveu
pitanea batesse em um cachopo e se alagasse du- um livro ?Obre o nosso paiz.
rante a noite, ordenou Coelho ao florentino que, . ~menco Vespucci, que depois desta viagem se
deixado o seu navio, fosse com um escaler e metade retiraia p~ra a Hespanha, falleceu em Sevilha a 25
da sua tripulação ver si achava na ilha um porto de fevereiro de 1512.
de abrigo. Cumprindo Americo essa ordem, encon-
trou um excellente ancoradouro, porém não voltou ~5) Armadores particulares.- Suppõe-se que
a avisar disto o capitão-mór, como era natural que fern~o ou Fernando de Noronha ou Loronha ca-
devia fazer. E' que andava já desavindo com elle, e vallelro da casa ~o rei, fazendo em 1503 uma vi~gem
talvez buscasse o ensejo para a vingança, e sepa- por <:_onta propna, descobriu a ilha que ch~mou de
rar-se. Passados oito dias, viu pelo mar fóra uma S. Joao (t~lvez por encontrai-a no dia 24 de junho),
nau, da qual soube que a capitanea estava perdida e que )loJe c~ms~rva o nome do seu descobridor.
juntamente com toda a carga, e Coelho seguira na Elle f?' o pnme1ro donatario desta ilha . recebendo-a
direcção sudoéste. do re1 D. Manuel a 2~ de janeiro de 1504. Depre-
Era a Bahia de Todos os Santos o ponto de hende-se da carta reg1a que o monarcha já tinha
juncção, designado nas instrucções, em caso de es- nessa d~ta a~rendado essa ilha ao dito Fernando.
garramento; Vespucci, porém, em Jogar de partir A dpaçao fo1 confirmada por O. João III em 1522;
immediatamente, como lhe cumpria, ficou ainda porem, nem o .donatario, nem seus successores tra-
taram de colot:llZ~I-a. Revelieu á coroa provavelmente
( 1) Si a esquadra precedente não tivesse passado alé m da ilha de
Cananéa, não se comprehenderia como nasceu este pensamento de
quando a restttUiram os hollandezes, unicos que cui-
ir á Asia pelo s•il do novo continente. daram no seu aproveitament9 .
( 2) Vide Damião de Góes - Chr. de D. Man. Parte I, cap. LXV.
EPOCA J. - TEMPOS PRIMITIVO~ 57
56 PRIMEIR AS EXPLOR AÇÕES

O mesmo Fernão de Noronh a apparec e como 47) Visitas france zas. - Tambem os francezes
socio de Barthol omeu Marchio ni, Benedic to Morelli visitavam o Brasil, trazend o praticas portugu ezes, e
e Francisc o Martins . contrac tadores ou arrenda tarios partind o principa lmente de Dieppe e de Honfleur.
do pau brasil, na viagem feita pela Nau Bretôa em De um desses navios, que se chamav a Espoir de
1511. Capitão dessa nau foi Christo vam Pires; escri- Honjleur, e era comma ndado por Binot Paulmier
vão, Duarte Fernand es; piloto, João Lopes de Car- de Oonneville, temos noticias certas e circums tan-
valho, mais tarde compan heiro de Magalh ães na ciadas. Sarpand o de Honfleu r em junho de 1503
viagem em roda do Globo. Segund o suas instrucç ões com destino á India Orienta l, arribou ao Brasil; pri-
deviam demand ar a ilha da enseada de Cabo Frio; meiro no sul, em um Jogar que se suppõe ser o
era-lhes prohibi do permitt ir aos tripulan tes que pas- Rio S. Francis co em S. Cathari na; em seguida mais
sassem ao continente, de medo que se deixass em ao norte, talvez em Cabo Frio, e afinal nas imme-
ficar nelle, como algumas vezes haviam jeito. Era-lhe s diações de Porto Seguro. (1). No primeir o logar de-
tambem ordenad o que tratasse m bondos amente aos teve-se tres mezes. reparan do os navios; ergueu uma
naturae s, nenhum dos quaes deviam levar á Europa, grande cruz, e recebeu dois indígen as, promet tendo
ainda que para isso se offerecessem, porque, quando voltar para os restituir dentro de vinte mezes. Um
na ausenci a falleciam, cuidava m os outros que alguem delles, chamad o Essomeric, contava quinze annos de
os matára para os devorar , segundo entre elles se edade. e era o ultimo dos seis filhos de Tucluzu,
costuma. A Bretôa, todavia, apoz uma viagem re- chefe de uma tribu de carijós.
O nome do outro, que tinha 40 annos, e devia
donda de oito mezes, entrou no Tejo com trinta
(outros dizem cinco) e tantos desses infelizes. A carga servir de compan heiro ao joven, era Namoa. Este mor-
consistia em alguns animaes e passara s vivos, bem reu na viagem antes de ser admitti do na Egreja de J. C.;
como cinco mil toros de pau brasil, que então se o outro, estando gravem ente enfermo , recebeu o baptis-
vendia em Portuga l na razão de um a dois ducado s mo in extremis com o nome de Binot. Na segund a para-
á arroba. gem foi a tripulaç ão do navio aggredi da pelos barba-
ros, que mátaram tres homens , e feriram quatro. Sendo
46) Visitas casuae s. - Sendo o Brasil desde o no terceiro ponto acolhid os amigav elmente pelos selva-
principi o conside rado um ponto excellen te de escala gens, demora m-se tres mezes; carrega m diversas mer-
na viagem da India, não deixara m de aportar a elle, cadorias, e seguem para a Europa. Atacado s na costa
ou de costeal-o, os navios das primeir as armada s da Norman dia por alguns piratas, defende ram-se
que iam para o oriente. De nenhum a dellas consta como leões; mas perdera m toda a carga e o navio,
ao certo em que portos entraram e quanto tempo que se despeda çou na costa, submer gindo-s e. Doze
se demora ram , sabe-se apenas pela tradição que a
paragem commu mmente preferid a era a enseada de
1
( ) Diz o P. Anchieta que os francezes vte ram a primeira vez
á llahia em 1504. Pode ter sido um J oão lJiniz, de Ilonfleur, do
S. Cruz, ao norte do actual Porto Segnro. qual se sabe que visitou o Brasil antes de 15 o8 , mas, delle, apenas
Mencio naremo s só a de Affonso de Albuqu erque, conhecem os o nome. Pode ter sido egua lmente o nosso Binot, cujo
o qual em 1503 costeou o Brasil, e reconhe ceu a nome, segu ndo pesquizas r ece ntes de um fra ncez, seria Robinet
!e
ilha da Trindad e, descobe rta em 1501 por João da Paulmie1·.
Nova que ia para a India como capitão -mór de Vide RPv. de 86, p. 2 1 pg. 305 e seg. Estudo sobre a viagem
de Bin ot P. de G.
quatro naus.
58 PRIME IRAS EXPL ORAÇ ÕES 59
EPOC A I. -TEM POS PRIM ITIVO S
sus-
home ns succu mbira m no comb ate desig ual que con- mesm o temp o Portu gal infor mado de que os
fran-
tentaram, e quatr o morr eram logo depo is em onze de feve-
cezes prepa ravam outro s navio s, e, a
seque~cía das feridas que receb eram . De 60
home ns ixado r
s 26 conse guira m ver reiro de 1525, escre via João da Silveira, emba vam
que tmha m emba rcado , apena portu guez junto ao rei Chrís tianis símo, que arma
este desas tre torna sse
~e nov.o a sua patria . Com o
não dez vasos com destin o ao Brasil para se assenno-
ho-
t~poss.tvel uma segun da viage m, Paulm íer, que m. Estas
do reare m das emba rcaçõ es que encon trasse
tmha filhos, adap tou o joven Essom eríc que educa ticias, confo rme verem os, déram motiv o á vindatanto
de
e ennob recíd o, veiu a ser o tronc o de ~ma
larga

íI Chris tovam Jaque s para a Terra de S. Cruz,


descendencía.
em 1516 como em 1526.
. Havia Portu gal. P.or diversas vezes, e com penas ar
mUito severas. proht btdo a seus subdi tos o fabric 48 ) A cost a do nort e. - Foi, nestes temp
os
e.spheras terres tres, .e marc~ r nos mapp as as terras
histor ía, explo rada por navio s
de S. primi tivos da nossa
sttuad~s ao ~ui .do no Mant cong o e das ilhas portu gueze s tamb em parte da costa do norte além
serviç os nau-
~home e Pnnc tpe, bem como acceí tar
isto á do cabo de S. Roqu e; as infor maçõ es, porém ,
a este
ttcos em outra s nações. Esper ava obsta r com respeito, são muito vagas e escassas. Sabe mos
apena s
pr?p.agaç~o dos conhecime~t<?s marít imos na
Europ a, o das
de seus domm tos pelos extra ngeir os. de um João de Lisboa, e de um João Coelh le
e a mvas ao Porta s da Cruz em Lisbo a que visita ram aquel
Eng.anou-se; po~que tudo pode a cobiç a e a sacra
Hon- Iittoral.
aun janzes. As~tm os deste mido s naveg antes de mais os Pode mos com toda a razão supp or ter sido
na
fleur e de Dtep pe frequ entar am cada vez sul como no norte ,
0ccasião destas viagens, tanto no
po~tos do Brasil, logra ndo estab el~er relaçõ es de
ando de algum naufr agio,
do que algun s mare antes , escap
amtza de e de comm ercio com os indíg enas e obten s. ou deser tando de algum navio . ficaram entre os aos
bar-
resul tados muito maio res do que os portu gueze relev antes
haras . prest ando depo is serviç os mui
Em 1509 foram levad os a Ruão sete índio s da portu gueze s. Entre os mais conh ecido s notam -se
João
Por-
Terra de S. Cr~z: Em 1516 havia m chega do a nosso Ramalho, em S. Paulo; e Diog o Alvar es, o Cara-
tu~al taes no.ttc tas das viage ns franc ezas ao
seus murú , na Bahia.
patz, que o ret D. Manu el mand ou por meio de a.
a~entes repre senta r contr a ellas na côrte de Franç
dessa nação 49) Ram a1ho .--D e João Ramalho, portu guez,
Tmha m-se na verda de algun s arma dores natural, talvez, da vílla ou cidad e de Barcellos, Pira
sa-
torn~do tão yode :osos , 9ue .nem o mesm o depoi gove rno nas planí cies de
s de bemo s que em 1532 mora va
tl-os a obedt encta ; e Portu gal, .T ebi-
podta reduz
te os tribun aes os parla - tíninga. Casa do com Bartira, filha do regul o
exgot tar na França, peran riçá foi de grand e apoio aos colon os que vtera m
ment os ~ a propr ía coroa , todos os recur ~os do fôro S. Andr é
e ne- co~ Marti m Affon so, e fundo u a vílla de
e ~a dtplo macia , viu-s e obrig ado a trans igir eram da Bord a do Camp o, nas imme díaçõ es da actua l
gocta r _com os corsa rios. Os princ ipaes deste s 1555 a 1558
freguezía de S. Berna rdo, em que de
rior-
um Joao. Affonso, e o. celeb re João Ango , poste isto em occup ou o cargo de verea dor. Quan to ao modocer-
da
ment e v1sconde de Dtepp e. Apes ar de tudo não temo s nenh uma
deu com bom sua chega da para este paiz,
ez Hugo Roge r empr ehen 1514
1521 o franc no teza. E' prova vel ter vindo pelos anno s de
resul tado uma viage m á costa do Brasil. Era pouc o mais ou menos. Fr. Gasp ar, invoc ando a
EPOCA I . - TEMI'OS PRIMITIVOS 61
60 PRIMEIRAS EXPJ .< JRAÇÔES
navios mercantes da França. Tal, em resumo, é o
autoridade de um testamento que elle mesmo con- facto segundo a tradição, referida por diversos chro-
fessa não ter lido, e dá como feito em 1580 quando nistas, sobre o qual havemos agora de fazer as se-
o seu heróe já tinha fallecido, havia diversbs annos, guintes
pretende que Ramalho veiu a S. Vicente desde 1490
data que hoje ninguem acceita. '
51) Observaçõ es criticas. -1) A existencia do
Companhei ro e compatriota de Ramalho e bem Caramurá é historicame nte certa e parece que elle
assim casado com a filha do regulo Piqueroby, assis- era natural da Oalliza, visto como no Brasil os por-
tia um tal Antonio Rodrigues no anno de 1532 em tuguezes o tratavam de gallego.-2) E' duvidoso si
Tumianí., terra fronteira á ilha de S. Vicente. Não Diogo Alvares tivesse tambem o appellido de Cor-
menos que Ramalho contribuiu este Antonio Rodri- rêa. - 3) Quantc. á epoca em que e a razão pela qual
gues para o bem dos primeiros povoadores europeus lhe déram o titulo de Caramurá, e a respeito do
do nosso paiz. significado desta palavra, reina a maior obscuridade .
Talvez lho de?sem os i~digenas por ser elle magro
50) Caramurú - naufragou , dizem, em 1510 e alto, e por Isto parecido com o caramuní nome
nos baixos de Maragogipe, na Bahia de Todos os de 11ma especie de moreia grande de dez' e mais
Santos. Seus companheir os que escaparam do nau- palmos de comprido, que se enc~ntra dentro das
fragio, fora1~1 quasi todos devorados pelos selvagens locas de pedras na beira mar. Eram os selvagens
sendo elle com mais alguns reservado para outr~ dotados de grande discernimen to para deitar alcu-
festim que devia celebrar-se dias depois. Como nha~· -:--4) A data do seu naufragio, 1510, parece
porém, Diogo tivesse salvado um mosquete e algum~ sufficientem ente certa; são, porém, duvidosos os por-
polvora, atirou neste ínterim ~ uma ave que cahiu menores, e tambem ignoramos para onde é que elle
mstantaneam ente morta, pelo que os índios excla- ia, com que armada, etc.
maram com assombro: Caramurá, Caramurá, isto 5) ParagaasslÍ, si é que assim se chamava a mu-
é, homem de fogo, ou filho do trovão. Careou-lhe lher de Diogo Alvares, recebeu no baptismo o nome de
este facto alto respeito entre seus hospedes que lhe Catharina, não em honra da rainha da França, mas em
pouparam a vida. Derrotou dahi a pouco com sua obsequio á de Portugal, D. Catharina da Austria, irman
arma prodigiosa uma tribu inimiga; adquiriu fama de Carlos V, e mulher de D. João 111. -6) A sua viagem á
e_ poder, e casou-se com Paraguassú (Rio Grande), Fra~1ça póde ~on~iderar-se puramente apocrypha. Com
f!lha de um chefe selvagem, indo estabelecer- se no effeito, os pnmeiros que falaram de Dioao Alvares
Jogar chamado posteriorme nte Villa Velha. Accrescen- nada referem de~sa ida á França. Estes sã~: o capitã~
tam que. aproveitand o o ensejo da vinda á Bahia da nau S. Oabnel em 1526; Pero Lopes1 irmão de
de um navio francez . passou Caramurú á França Martim Affonso , em 1531, e Herrera em 1535. Logo
levando a sua esposa, que lá recebeu solemnement~ provavelme nte essa viagem ainda não se realizára.
o baptismo, servindo-lh e de padrinhos o proprio rei, Mas, é improvavel que se effectuasse em epoca pos-
Hennque Il, e a rainha, Catharina de Medieis; que terior. quando já os portuguezes estavam no Brasil.
Paraguassú se chamou Catharina em attenção á sua Além disto, nos archivos de Portugal nada se acha
madrinha; que Diogo, não lhe sendo permittido ir a respeito dessa viagem, baptismo, etc. E' certo to-
a Portugal, communico u secretament e suas aventuras davia, ·que os agentes do rei· costumavam info'rmar
a D. João 111, e regressou para o Brasil em dois
E~~JC A I . - TEMP OS PiU'.1 ITJVO S 63
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62 PlU!\I EIRAS EXPL ORAÇ ÕES
pert~ncia. a Solis decid ir o rumo que
haviam de
passava
com muita dilig encia a sua côrte, do que se que Ca- s~gutr. 1 mham os navio s de cheg ar á fala todo s os
na Fran ça relat ivam ente ao Brasi l. Accr esce de tarde,
com dias de manh an e de tarde, ou pelo meno s costu me
thari na de Medieis, embo ra casad a desd e 1533 de rainh a segu ndo o costume. Baseava-se este sabio
Henr ique li da França, receb eu as honr as em os
o seu mari do subiu ao no !~cto, frequentes vezes repet ido, de fugir dição , se-
só em 1547, isto é, quan do capttaes subalternos_ aos traba lhos da expe
o Alvares
thron o. Ora não se póde supp or que Diog do no paran do-se volu ntan amen te da frota com o fim de
passasse á França, em navio franc ez, quan berta s por si mesm os.
da mãe fazer em. desco
rosos colon os m
Brasil já se acha vam nume
o do seu apoio para So!Js levava o pharo l, e antes de parti r devia lião.
patria, e a Bahia precisava muit tar-se conc orda r ambo ~ nos sig naes peran te um tabel
conte r os selvagens, que acab avam de revol indo Em ~e~ra devo lvia- se a Pinzo n o comm ando emqu anto
. Era-lhes
europ eus. A tradi ção, todav ia, refer porto algum ,
contr a os
inventou, p~oht~tdo demo rar-s e em
esta viage m do Canm urú á França, não lhano, nao ttv~ssem levad o ?- desc ober ta o mais oodi am
long e
mas confu ndiu Diog o Alva res com um caste te, e só na volta
e foi enco ntrad o viven do que_ se Julgasse conv emen or pa-
que no Rio Gran de do Nort
u de língu a aos fran- traftcar, e form ar estab eleci ment os onde melh em ilha
gens; servi iam
no meio dos selva
ao Brasil, recesse. ~ccrescentou-se que não tocar
cezes; passou á França, e, regre ssand o facto, a ou terra ftrme que fosse do domí nio de Portu gal.
silve stre. De
entre gou- se de novo á vida
mas vezes troqu e Dobr aram o Cabo de S. Agos tinho , e foram
tradi ção nunc a inventa, 1embo ra algu toma ndo
coste ando para o sul até ao grau quare nta, quer que
uma cous a por outra ( ).
posse das terra s, e ergu endo cruze s onde
esta
Em fim não omit tirem os o facto de ter desem barca vam. Rebe ntara m as previstas disse
nsões
lenda form ado o assum pto do poem a-O Cara marú
ram sem nada mais fazer. O resul tad~
) , agos - e ambo s volta
- por fr. José .de S. Rita Durã o (1720-1784anna em da deva :-sa que por isto se abriu , foi ir Solis para
tinho, natural de Cata Preta, perto de Mari
rema tou o carcere, e ser galar doad o Pinzon.
Minas Oeraes. Cara murú ou Diog o Alvares ação do
turos a na povo .-In-
5~) S egun ~a vi_age~ de Solis , 1515
a sua carre ira mort a l e aven
da capi-
Pere ira ou Villa Velha, hoje Victoria, perto cumb iram , todav ta, Joao Dtas de Solis em 1515 de
Bahi a em 1558. nada a passa r ás India s
tal da um_a segu nda expe dição , desti se pro-
Onen taes pelo cami nho do occid ente que
ram
52) Viag e n s hesp anho las. -Ne m deixa de Lepe,
curav a achar. ~evando duas caravellas, partiou Cabo de
l os hesp anhó es nas
de visitar as costas do Brasi dade perto de Cadtz, na Hesp anha ; avist ou
r com a maio r brevi sul, en-
viage ns que vamo s relata S. Roqu e e o ~e S. Agos tinho ; segu iu pelo Prata,
ou ao Rio da
possivel. , 1508 trand~ em mu1tos porto s; cheg
Vicente Yanes Pinzon e João Dias de Solisinstru c- que a!nda con~e rvava o nom e indíg ena de Para ná-
dos pelo rei da Hesp anha , receb eram á latitu de de trinta e
- envia
is de cons ultar Pinzo n, guas su, e subtu por elle até Solis
ções muit o assisadas. Depo dição . quat~o grau s e quar enta e um minu tos. Ao ver
s e mari nheir os da expe marg em,
e os melh ores piloto a athtu de pacifica ~os índios, reun idos na mas en-
b el la di sse rtação de dese mbar ca com cmco enta comp anhe iros·
(') Vid e, no v o i. X, pag. I 28 d a Rev ., a oscada, e
V arnh age n-0 Cm·am urú peran te a histm·ia .
trand o pelo paiz aden tro, cae num a err{b
Rev. de 189 3, vo i. 57 , p. 1, pg. 172.
PRIMELRAS EXPLORAÇÕES EPO CA I. - TE 1POS PRIMITIVOS 65
64
perecem quasi todos. Este aconte.cimento fez com e em Azamor na Africa, que el-rei lhe mandasse
que se désse ao rio o non:e de. Solts, que conservou ~ccresce~tar .sua moradia .. E' moradia uma leve quan-
por algum tempo. Os dois na~10s que elle con:man- tia de dmhe1ro e cevada, stgnalada de tempos antigos
dava, chegando no anno s~gumte, 1516, a Pei nam- a todas as famílias nobres do reino, que acompanham
buco, carregaram pau brasll, e p~enderam. onz~ por- a côrte, com tal regra que anda de paes a filhos
tuguezes que acharam . numa feltona ~!li existe nte. sem crescer nem subir aquella que uma vez se assi'
Queixando-se o rei D. Manuel_, e I ~clamando o gnalou, sinão mui raramente. E estima-se mais pela
carregamento destes navios e a tnpulaçao para cas- dignidade .de que se acompanha por ser degrau para
tigai-a, respondeu Çastella que a paragem, _ond_e ha- co usas maiores, que pela substancia do rendi menta.
viam carregado, ftcava dentro da .d~mat caçao da Pediu Magalhães este accrescentamento. e conten-
Hespanha, e que sete castelhanos, apns10nados pelos tava-s~ com meio cr~zado por mez mais do que já
portuguezes naguell~ c?sta, traficavam t.ambem. den~ro possuta. Que mystenos de estreitezas fazem os reis
dos seus ·propnos !Jmltes, send~ por Isto rehdos m - muitas vezes em causas que pouco importam , sendo
justamente. Terminou a pendencta com a tro~a de~tes prodígios de prodigalidades em outras? Não houve
prisioneiros pelos onze portuguezes que havt am sido causa que dobrasse a el-rei, ou por não devassar
levados de Pernambuco. . aquelle ~ssento . da antigu:dade, e abrir porta, por
«Pela narração que Herrera fez desta. vtagem, que mUitos qutzessem entrar; ou porque tambem
Solis entrára numa bahia da costa do Brasil situada segundo se affirma, tinha el-rei culpas delle do ·[emp~
a 27 graus de latitude sul, i qua.l deu o nome de que assistira em Azamor.
Bahia dos Perdidos. E' sem duvida ~ formad.a pela Deu-se por aggravado o Portuguez, e, como da na-
Ilha de Santa Catharina e a terra firme adjacente, vegação tinha sciencia e experiencia, foi-se a Castella
supposto que a sua latitude seja de ?7·~ e 2?'; ma.s pediu navios a el-rei D. Carlos (Carlos I da Hespanha'
esta pequena differença dev~ ser attnbUJda a qua!J- V como imperador), offerecendo-lhe duas causas, am~
dade dos instrumentos nauhcos daq~elle tempo, que bas contra Portugal: primeira descobrir viagem para as
não tinham a perfeição do? de hoje. Sendo ~sta a ilhas de Maluco, mais curta que a nossa; segunda mos-
primeira vez que ~e me~c10~1a aquella localidade: !rar em boa razão de mathematica que cabiam aquellas
parece que fôra Sohs o pnme1ro .navegante que allt Ilhas na demarcação dos reinos de Castella. Deixou-
entrou, e, portanto, o seu descobn.dor; :na~ o nome se vencer da cobiça e das promessas D. Carlos, como
que lhe deu de Bahia dos Perdtdos, mdtca clara- de cousa certa, e não duvidou dar-lhe cinco navios,
mente que encontrou lá gente naufraga~a, e, por- e boa companhia de gente de que o nomeou por
tanto, predecessores de~le no Jogar, s1 ~ que ~sta general. Acommetteu o Portuguez sua viagem ani-
denominação não provem de se terem al!J 1 perdtdo mosamente; foi costeando as terras do Brasil contra
alguns homens da sua propria tripulação • ( ) o sul até se pôr em de . graus, onde descobriu
um espantoso canal, pelo qual navegando, foi sahir
54) Fernão de Magalhães, 1519 «-sendo ~o mar do ponente, que hoje chamamos mar Paci-
homem de bom sangue e com fôr? honr~do na ca~a ftco. Mas pagou em sua pessoa e nas de muitos
real, pretendeu por serviços que tmha fetto na Indta dos mais principaes o desserviço que se atreveu a
fazer a seu rei natural. Porque, andando de ilha
(') Vasconcellos.
em ilha buscando novas das de Maluco, foi morto
5
66 PRIMEIRAS EXPLORAÇÕI~S EPOC A I. -TEMPOS PRIMITIVOS 67
~-----------------
em uma onde certos barbaros, que em dois recon- luzitana, assentada e recebida por ambas as coroas
tros tinha vencido, lhe armaram cilada. Vendo-se, etc. A estas queixas replicou o imperador com outra~
os que ficaram vivos, sem a cabeça que _os trouxera, se1nelhantes, e tudo por emquanto ficou no mesmo
e muito diminuídos de numero, detern:maram re_d u - estado. A questão terminou pela convenção de Sara-
zir-se a dois navios, com os quaes em hm de muttos gos::.a, assignada nessa cidade a 22 de abril de 1529
mezes chegaram a tomar terra em Maluc<?, e al~a nçar conforme deixámos apontado falando da linha d~
carga de cravo e outras especiarias del-ret de Ttdore: demarcação, parag. 21 (1).
e um delles fazendo volta contra o Cabo de Boa
Esperança, depois de muitas mortes, e trabalhos de 55) D. Rodrigo de Acunha, 1525- comman-
fome e sêde e falta de tudo, chegou ao Cabo V_erd_e, dava o navio S. qabriel, q"ue pertencia á esquadra
onde sendo com piedade agasalhado, porque fmgtu entregue a Francisco Jofre de Loaysa, destinada a
virem das Antilhas todavia entendida (que não poude passar ás Malucas (Ilhas de Maluco) pelo occidente.
estar em segredo) a verdade da viagem, colheu a Largando da Corunha a 24 de julho de 1525. avistou
justiça da Ilha de Santiago uma batelada de treze essa armada o Brasil em princípios de dezembro ao
homens, que foram enviados a Lisboa a bom recado. sul do Cabo_ de S. Thom~, indo pela maior parte
Os mais levantaram ancora e desappareceram desbar~tar-se JUnto ao Estreito de Magalhães. Tanto
A esta narrativa de fr. Luiz de Souza cumpre o almtrante Loaysa como o immediato Del Cano
accrescentar que Magalhães entrou no ~io de Janeiro mo:reram pouco depois. Procurou a S. Gabriel re~
(13 de dezembro) . denominando-?, Br:z!ua de S. Luzta , fug10 em uma enseada, ao sul da ilha de S. Catha-
porque talvez ignorasse que elle Ja ttnha outro nome, rina, conhecida durante algum tempo com o nome
embora fundado em um falso supposto; que passou de Porto . de D. Rodrigo, onde encontrou alguns
pelo Estreito a que herdou o seu nome; que d~s~o­ companhetros de Solis, que alli viviam desde 1516.
briu as Ilhas Philippinas, e converteu ao Chnstta· Abasteceram-no de agua, lenha e mantimentos dando
nismo o rei da de Zebú. Pereceu em 1520, comba- da tem~. informações tão encantadoras, qu~ apesar
tendo a pedido desse mesmo rei, contra os selvagens dos ma!ores esforços do capitão, trinta e dois tripu-
da ilha de Matan. O navio, que logrou chegar á larytes ftc~ram no lo~ar . Voltou, portanto, D. Rodrigo
Hespanha (seis de setembro de 22), era capitaneado ate o Rto de Janetro, tomando alli a resolução de
por Sebastião del Cano. . , . regressar para a Hespanha. Passando pela Bahia de
• Em um e outro reino, contmua fr. Lutz, fez Todos os Santos, perdeu mais nove pessoas que
grande movimento esta navegação: em ~ortugal de indo á terra, nunca mais appareceram devorada~
desgosto de alvoroço em Castella, e ma10res espe- acaso p~los. barbaros: Como velejasse pa;a o norte,
ranças d~ que na verdade merecia. El-rei despachou e o nav10 ftzesse mutta agua, tratou de arribar a um
a toda pressa quatro caravellas que lhe fossem buscar porto, proximo do Rio S. Francisco, em que estavam
a nau .. que por este tempo ~inha ferrad~ terra e~ carregando de brasil duas naus e um galeão da
S. Lucar.» Mandou tambem dtzer por Lutz da Stl - França.
veira ao imperador que e\le tinha obrigação de en- Bondosos a principio, offereceram os france-
tregar tudo o que a nau trazia, visto ser tomado em zes dois calafates; decorridos, porém, oito dias,
terras de que estavam pacificamente senhores os por- (') Vide fr . Lu iz de S ouza , A nn aes de D. J oão III , pag. 41.
tuguezes, e eram com toda a certeza da demarcação Vide Lam bem F e ll e r, an . Magella n. Ite m Rev. vo l. I, pg. 3 34-
EPOC A I. - TEMP OS PRIM ITIVO S 69
68 PRIM EIRA S EXPL ORAÇ ÕES
S. Ga-
de quer ena, . Qual fô:a, no entre tanto, o fado da nauo Pilo la
quan do a S. Gabr iel estava já virad a Mett endo - bnel ? Depo ts de eleg erem capit ão ao pilot
aggr edira m repe ntina men te aos hesp anhó es. o Cabo d~
com esses não conseguit1do os tripu lante s mon tar (1 de julho
se então D. Rodr igo no batel, foi ter cond i\ão S. Ago stinh o, retro cede ram até á Bah ia
as cor~1 a
senhores, dos quae s obte ve tregu o e azu te,
outra nau
de 26) para quer enar ; mole stado s alli pora um porto
de ficar elle em refem, e forne cer-l hes vmh fraryceza, pass aram ao Cabo frio, e deste
Emq uant o
de que, segu ndo affirmavam, careciam. iel emp i- vela para a
mats ao ~u i , dond e afina l se fizeram de de Ga lliza a
discutiam este assu mpto , logr ou a S. Gabr ferro em Bayo na
ras, sahin do Europa, tndo lanç ar
nar-se, surg ir boiante, e pica r as amar aque lle 28 de maio de 1527.
no batel todo
barra fóra. Segu iu-a D. Rodr igo do signa es;
, brad ando , e fazen .- Diogo
dia e parte do outro
lante s, que, des- 5.6) Cab o t o e Dio go Gar c ia, 1526
poré m não o atten dera m seus tripu Oarcta, portu guez ao servi ço da Hesp anha com-
confiados, desa ppar ecer am no horizonte. expe dição , prep arad a a expe n~as do
seus re- man dou uma
Emp roou , portanto, para a terra, indo com nte cha- cond e Fern ando de And rade , Chri stov am de faro e
loca lidad e actu alme Prata .
mad ores dese mba rcar na e do rio Cu- outros, com o fim de reco nhec er o Rio da
mad a Baixos de D. Rodrigo, quasi de front em que Parti u do Cabo finis terra a qliin ze de jane iro de
ruripe, uma s dez leguas ao norte da para gem na altur a do
rigin do-s e a esse Joga r por de 1526; abor dou as costas do Brasil
estavam os franc ezes. Di S. Agos tinho ; acho u no porto de S. Vicente,
a um mez parti u, Cabo de
terra, acha ram só o galeão que dahi um bate l um bacharel que lhe vend eu muit os refre scos e man -
deix ando aos hespanhó es, desa mpa rado s, em o mais de que tinha m mister.
um sem num ero time ntos do paiz, e tudo
uma prov isão. Supe raram vend eu um dos
sem nenh e cheg aram Com prou um berg antim que lhe
de difficuldades; corti ram muit a fome, Chri stov am genr os do dito bach arel, o qua l genr o foi até ao Rio da
por fim a Pern amb uco por mar, onde ua. freto u este mesm o genr o
o algu m Prata servi r-lhe de l_ing
Jaqu es recu sou dar-l hes pass agem por preç q uand o em do ba;h arel a mato~ emb arca ção de seja oitenta)
Garc ia para
para a Europa, e até leva i- os com sigo cento s (talv ez
D. Rodr igo ao levar a Hesp anha Oito
1528 regre ssou a Port ugal . Escreveu ereu a escravos, a qual emb arca ção de facto volto
u do Rio
abril de 28) ; requ
rei D. João lll (30 de julga men to, da Prata a S. Vice nte (1).
Anto nio Ribe iro, succ esso r de Jaqu es, um
era devida.
obte ndo afinal a justiça que pedi a e lhe as phra ses e filho
Seb as tião Cab oto- natu ral de Brístold'a Terr a
Na carta que dirig iu ao rei, são nota veis to, o desc obri dor
amb uco) do veneziano João Cabo
segu intes : · Estou aqui (na feitoria de Pernselvagem, a de algu ns
Nova,. em preh ende u uma viag em por cont ao ver as
ha dezo ito mezes, perd ido, e nu com o um enth usias mad os
... Mas que nego cian tes de Sevi lha,
sem ter em nada dess ervid o á V. Alteza portu guez es esp~ciar ia s das Malu cas levadas á
Euro pa por um
espe rar quan do aos mesm os filho s de incu mbid o de dem anda r
dos selva- navto de Mag alhãe s. Era
os deix am aqui por alimento e man jaros por esta Tarsis, Oph ir, Bataia, e Cyp ango de Marc
o Paul o.
gens ? ... Actualmente se acha m espa lhad
de christãos (') Rev. Vol. XV , part. I, pag. 6 e ~eg.
terra mais de trezentos christãos, filhos salvos na em S. Vicen te no dia
que estariam mais prov aveis de serem . Herre ra ·diz que a exped ição entrou
ma' o propr io Garci a affirm a que nessa
qumz e de janeir o de 27;
Turq uia que aqui •> . data sahiu desse porto para o Rio d a
Prata.
EPOC A T. -- T!!:MPOS PRlMIT IVOS
71
70 PRIME iRAS EXPLO RAÇOE S

Subiu a exped ição pelo rio de Solis, hoje da


Suspe ndeu ferro em S. Lucar a tres de abril de 1526, Prata, até a uma ilha a que déram o nome de São
mostra ndo .toda. a tripula ção, desde .antes de partir, Gabrie l; remon tou parte do Urugu ay, do Paran á e
grand e antipa thta ao seu chefe. Surgtr am no dia tres do Parag uay; encon trou um dos companhei~os de
de junho dearlte do Cabo de S. Agost inho, e1 foram Solis por nome Francisco Puerto , e em dtvers os
pelas corren tezas arrasta dos até Perna mbuco ( ), ond e loga~es pelejo u contra o gentio . que rechas sou os
se detive ram tres mezes e 25 dias. Fazen do se de
vela para o sul, tocou na Ilha dos Patos, hoje de invaso res.
Receb endo Cabot o a noticia de terem chega do
S. Catharina, chama da pelos indíge nas jurumirim,- alguns navios, e temen do fossem portuguezes_, deter-
segun do diz o P. Simão de Vasco ncello s, ou ]ureré minou descer rio abaixo para defend er-se. Felizm ente
mirim, como quer o Viscon de de S. Leopo ldo. para elle, as na~s chega das er~m da frota de piogo
Encon traram nessa ilha os desert ores da nau Garcia , que esttvera, como vtmos, em S. Vtcente.
S. Gabrie l, e alguns compa nheiro s de Solis. Sobre - Unind o-se então os dois chefes, subira m, juntos , rio
sabiam entre estes Melchior Ramirez e Henrique acima, onde, tendo recebi do dos barbar os algum
Montes, os quaes contar am tantas marav ilhas dos ouro e prata que julgar am ser do Jogar, e talvez
rios da Prata e Paraná , que Cabot o resolv eu aban· viera do Perú, mudar am o nome de Rio de Solis
donar a idéa de ir ás Moluc as sob o pretex to de pelo de Rio da Prata. Enviar am esse metal como
ter perdid o a capita nea que, na verdad e, se despe- amost ra para a Europ a, pedind o reforç os ; cançad os,
daçára sobre um escolh o a 28 de outub ro de 1526. porém , de espera r, vo ltaram para a Hespa nha.
Assistiram nessa parage m tres mezes e 27 dias, con- Cabot o foi preso, dizem, por não ter levado a
struind o um bergan tim, e toman do provis ões. Os effeito o seu compr omiss o. Retiro u-se dentr~ em
índios , que os ajudar am em todos os seus trabalh os, breve para a Inglate rra, e accom metteu uma vta~em
abaste ciam diaria mente a frota com vivere s de toda ao mar Baltico em procu ra de um novo camm ho
a especi e e fructas do paiz. Retrib uiu-lh es Cabot o para a Jndia. Foi o prime iro inglez que tr2vou rela-
esta hospit alidad e arreba tando quatro filhos dos prin- ções comm erciae s com a cidade de Arkha ngel.
cipaes, e depois deixou numa ilha desert a tres offi-
ciaes que haviam censur ado o seu proced er. 57) A1eix o Garc ia.- Segun do o histor iador
paragu ayo, Ruy Dias de Gusm an, autor da obra
(') Foi assim, diz o sr. Vasco ncdlM, conheci do nns
prime iros intitul ada Argentina foi no correr de 1526 que o
portug uez Aleixo Garcia empre hende u a sua jornad a
de / tamat·acá
tempos o ancorad ouro e terra firm e em fre nte á /l/ta
índi os o ch a-
do lado do sul do can al ou rio :Jussará, co mo os ao Perú, reinan do ainda o incá Huayn a Capac , pre-
a da e ntraria
mavam , e onde se fez uma feitoria legu>. e meia acim .
do mesmo canal, denomin ado já então ri o S. Cruz por
D . J oão Ili, decess or de Atahu alpa, morto por Pizarr o.
e alli se infin- Partiu de S. Vicen te com mais tres ou cmco
e no Jogar chamad o d epois Sitio dos Af1Tt·cos pel os qu
cararn para a divisão das capitani as de Pernam buco,
e Itam a racá ..
e iro lognr po- compa nheiro s europe us; e grand e numer o de índios
Foi alli o primeiro portú de Pernam b uco, e o prim que se augme ntou pelo camin ho. Atrave ssando .os
voado nesta parte do Bras i I.
Os padrões que serv iram de limite ás capitani as de
Pernam- sertõe s, foi pelo Paran á e Parag uay ter aos conhn s
buco e de Itamara cá, e que até o anno de r88 8 tinh.am
perma ne· do Perú, donde , bem que rechas sado pelos charcas,
c1do no Jogar em que haviam sido infincad os, na comarca
de lga- voltou carreg ado de despoj os. Do Parag uay mando u
para deante dois compa nheiro s com amost ras dos
c G eogm-
rassú, estão hoje recolhid os ao Instituto Arch eologico
phico Pernam bucano.
72 PRJMEIRAS EXPLORAÇÕES EPOCA I . - TEMPOS PRli\HTlVOS 73
----------------
thesouros do paiz. Estes chegaram salvos a S. Vi- O facto que narra Varnhagen, de haver prestado
cente; elle, porém, foi pouco depois assassinado muitos annos depois relevantes serviços á colon ização
pelos proprios guaranys com os quaes havia reali- do Paraguay, um Aleixo Garcia que crescera no
zado a sua excursão . Induziu -os a perpetrar tama- meio dos índios daquella localidade. este facto, dize-
nho crime a brutal cobiça dos objectos preciosos mos, é verdadeiro, facilmente se explica. e confirma
que para si g uardára Garcia. Além de Gusman, conta a historia de que tratamos. Quando Aleixo Garcia
este facto o P. Nicolau dei Techo, jesuíta; ambos, partiu para a sua aventurosa entrada levou comsigo
porém, confundem esta expedição com a de Pero um filho do mesmo nome e de menor edade, que
Lobo, mandada por Martim Affonso em 1531. Var- lh e nascera de uma índia em S. Vicente. Esta creança,
nhagen pretende que esta expedição partiu do Rio poupada pelos guaranys na occasião do môrticinio
da Prata, e A. Garcia nella não tomou parte. A falta de que acima falámos, ficou no meio delles e, pas-
de documentos authenticos torna difficil saber-se de sados annos, contou aos hespanhóes a catastrophe
que lado esteja a verdade. Não se póde, comtudo, de seu progenitor (').
pôr em duvida a realidade das aventuras de Aleixo
Garcia; pois dellas recolheu noticias certas Cabeça 58) D. Pedro de Mendonça, 1534-cavalleiro
de Vaca em 1542, e lhe foram subministradas pelos hespanhol de Cadiz, que em 1527 se enriquecera no
índios guaxarapós, chanesés e sacociés. Todos estes saque de Roma (2), capitaneou, como os outros, uma
barbaros nutriam saudades de Aleixo Garcia, e affir- expedição para o Rio da Prata. Conseguiu numerosos
mavam que era portuguez. privilegias . trazendo, no mesmo tempo, avu ltado nu-
Este mesmo facto e o seu desfecho, quanto á mero de tripulantes, soldados e colonos
substancia, consta de uma representação feita pela Deteve-se quinze dias no Rio de Janeiro, onde,
municipalidade da cidade de S. Miguel do Tucuman ficando aleijado, passou o commando a João Osorio,
ao governador de Buenos Ayres. Affirma-se nesta a quem dentro em breve mandou assas<;inar sob o
representação que A. Garcia era portuguez, partira pretexto de que conspirava. Surgiu perto da ilha de
do Brasil, chegára ao Perú, etc. O documento leva S. Gabriel; lançou os alicerces de Buenos Ayres, na
a data de seis de abril de 1725. Uma copia delle foz do Prata, e de Buena Esperança. em uma ilha
existe, diz o Sr. Vasconcellos, na secretaria do Go- dos Timbués que o agasalharam como amigos. Re-
verno de S. Paulo, li vro de officios para o minis- gressando mais tarde para Buenos Ayres, embarcou
teria que serviu de 1769 a 1771. para a Europa, curtii1do na viagem tanta fome, que
Tratando desta expedição de Aleixo Garcia, es- teve de comer uma cadella favorita, e morreu re -
creveu Southey: << Grande pena é não se ter conser- pentinamente não longe da foz do Tejo. No entre-
vado a historia deste aventureiro portuguez; homem tanto Ayolas, que Mendonça deixára em seu Jogar,
deve elle ter sido de extraordin arios dotes, para, com subia pelo Paraguay em busca de ouro ( 3); tirava
só cinco europeus, ter levantado um exercito, e pe-
netrado até mais de meio do continente sul-ameri- ( ') Vide Rev , vol. XV fi, pag . 1.
2
( ) <T:tntas vezes têem s ido mal gastas as riquezas mal adqui·
cano, e o respeito em que sua memoria era tida,
ridas, que não ha líng ua em que es1a verdade não passasse em
mostra que assim como em prudencia e valor deve proverbio >. S o uthey, I, 9 5 ·
ter egualado os maiores dentre os conquistadore~, ( 8) Encontraram os he!'panhóes nesta occasião na margem do
tambem provavelmente os excedeu em humanidade •. rio u ma se rp e nte qut> media quarenta e cinco pés de comprido;
74 PRIMEIRAS EXPLORAÇÕES EPOCA L-TEMPOS PRIMITIVOS 75
aos caryos a aldêa em que fundou a cidade da_ As- lido que o faz suppor parente do Adelantado. A
sumpção, hoje capital do Paraguay; proseguta a s~g~nda, commandada yelo ~roprio chefe da expe-
viagem na direcção do P~rú, e era_assassmado pe~os dlçao, constava de muitos besterros e arcabuzeiros.
payaguás. foram não mUito depo1s os hespanhoes Tratando bondosamente os índios que em toda a
obrigados pelos barbaros a desamparar Buena Es- parte se mostraram mansos e generosos, atrevessan-
perança e Buenos Ayres. do o Uruguay e o Paraná, effectuaram essa viagem
terrestre até _á Assumpção em 143 dias. Emprehendeu
59) Alvaro Nunes Cabeça de Vaca, TS-!oO - pouco depors Cabeça de Vaca uma excursão ao Perú
que durante dez annos, soffrera medonho captivei- sendo no lago Xarayes forçado pelas doenças ~
ro 'entre as ferozes tribus da florida, foi nomeado pe~a falta de mantimentos a regressar para a Assum-
em Madrid para succeder a Men~onça no_ Paraguay pçao .
com o titulo de Adrlantado. Part1u no d1a do1s de . Cabeça de Vaca não gosava de muita popu-
dezembro de 1540 com duas naus e uma caravella, landade en~re os he_spanhóes, porque não tolerava
levando 40U soldados, todos com armas dobradas. certas desordens. for, portanto, preso e remettido
fez aguada ao norte do Brasil, e, costeando o seu para a Hespanha. A mesma sedição, que derrubara
Iittoral tomou em Cananéa posse da terra para a Cabeça de Vaca, elevou Yrala, o qual dirigindo-se
coroa 'de Castella, apesar de já se saber que desde sem demora ao Perú, avançou até Chuquisaca, don-
muitos annos ella pertencia a Portugal. Em S. Ca- de uma ~rdem do governador daquelle paiz o obri-
tharina (29 de março de 41) mandou desembarcar gou a retirar-se, levando nada menos que doze mil
toda a sua gente e vinte cavallos, restos dos 4_6 _que escravos entre h<?mt:ns, mulheres e creanças, a quem
trazia. Informado pelos indígenas de que ex1stlam, tratou ;:o mo ammaes! Vrala queimou vivos dois
nas immediações, dois franciscanos hespanhoes, man- payaguas, que, postos a tormentos confessaram se-
dou chamai-os· e a pedido delles os aggregou a rem os autores do assas~inato de Ayolas!
seu sequito, Ie~ando-os comsigo para o Paraguay.
Eram fr. Affonso Lebrun e fr. Bernardo de Armenta, 60) Senabria, 1549.- E' memoravel tambem
que naquellas paragens haviam naufragado ~om 01:1- a viagem que commetteu Diogo de Senabria o
tros companheiros, os quae~ tomaram destmos dlf- qual, nomeado governador do Paraguay se fez' de
ferentes, ficando elles no meiO dos barbaros a cate- vela com 3 navios e numerosos colono's. De um
chizal-os. desses tres vasos nunca mais se teve noticia· dois
Apoz uma demora de sete mezes, par~iram para salvaram-se em S. Catharina. la em um destes' o fa-
a Assumpção (dois de novembro de 41), mdo parte moso allemão Hans Staden . cuja historia interessante
da gente por mar, parte pelo caminho terrestre. havemos de relatar brevemente em outro Jogar.
Compunha-se a primeira partida de 140 homens ás
ordens de Pedro Estopinham Cabeça de Vaca, appel- 61) Port":lg~l. e o Brasil. - Portugal não se
oc~upou a pnnc1p1o com grande cuidado em be-
era da grossura de um hom em~ e negra a pelle e mosqueada de
vermelho e amare llo escuro. Foi morta á bala. Declararam os 111dws
nefrclo da Terra de S. Cruz, porque tinha muito in-
que nunca tinham visto outra maior, e que estas cobras eram muito teresse em apossar-se do commercio da India que
perigosas; pois na agua os enlaçava m, levando-os ao fund o, e de- dava_ resultados fabulosos . ao passo que o Brasil of-
vo -ando-os. Southey, I, 107 . ferecra apenas as vantagens vagarosas da agricultura.
EPOCA I. - TEMPOS l ' IUMLTIVOS 77
76 l'RfMEl RAS EXP I .O RAÇÕES

E' certo, comtudo, ter o rei D. Manuel em 1516 or- ques fez a primeira casa de minha feitoria, etc. (1 ).
denado ao feitor e officiaes da Casa da India que Em 1516 os companheiros dejoão Dias de Solis, que
dessem «machados e enchadas e toda a mais ferra- no Rio da Prata tinham escapado do morticínio em
menta ás pessoas que fossem povoar o Brasih e que pereceu esse illustre navegante, ao recolherem-
que procurassem e elegessem um homem pratico, se para a Europa, tocaram em Pernambuc o; carre-
e capaz de ir ao Brasil dar principio a um engenho garam pau brasil, e prenderam onze portuguezes en-
de assucar; e que se lhe desse sua ajuda de custo, contrados numa feitoria alli ex istente (2) No-; mezes
e tambem todo o cobre e ferro e mais cousas ne- de junho - setembro de 1526 (por conseguinte antes
cessarias , para o fabrico do dito engenho ( 1). Infe- que chegasse Christovam Jaques), refrescou naquei-
lizmente não reza o Alvará a que parte do Brasil Ja mesma paragem a frota de Sebastião Caboto, que
se destinava o constructor que se mandava procu- alli encontrou «uma feitoria do rei de Portugal para
rar, mas parece ter sido Pernambuco, onde já exis- o estanco do pau brazil, na qual existiam treze chris-
tia uma feitoria regia, unica de que ha noticia au- tãos portuguezes, dos q uaes foi bem servido o Sr.
thentica (2). Capitão general em tudo o que precisou para o
abastecimento da armada » C ').
62) Christova m Jaques, r516, 1526,- Julga- Seguindo a viagem, encontrou Caboto em S. Ca-
mos poder affirmar cqm o Sr. Vasconcellos que tharina Melchior Ramirez, um dos dispersos da frota
Christovam Jaques veiu duas vezes ao Brasil guar- de ]. Dias de Solis, o qual contou ter servido de lín-
dar a costa contra os extrang~iros. Na primeira via· gua a uma «armada portugueza que fôra ao Rio da
gem, destinada a defender o paiz contra os france- Prata em passados tempos, commandad a por Clzris-
zes e os hespanhoes, e provavelmente emprehendi- tovam Jaques ». Estando no anno seguinte (1527) Se-
da em 1516, navegou Christovam Jaques até ao bastião Caboto no interior do Rio Paraguay, e sendo
Rio da Prata, e levantou uma feitoria no Sitio dos informado de terem chegado naus ao rio de Solis,
Marcos em Pernambuco ( ~). Na segunda viagem, determinou o snr. capitão gene ral descer, porque
dirigida contra os francezes e realizada pelos fins de temia que na dita armada viesse C!zristovam ]aques,
1526 até 1528, não ultrapassou a Bahia, e fundou que já uma vez tinha vindo a este Rio de Solis, e
um estabelecimento na ilha de Itamaracá. promettido a Francisco Puerto, que all i achámos,
Achamos conveniente expor desde já as razões que voltaria, e, si fosse o referido Christovam Jaques
sobre que se basêa a opinião que adaptamos Ponde- que havia entrado no dito rio, as nossas naus esta-
remos os factos seguintes. Na carta com que D. João riam em má condição, etc. »
III a dez de março de 1534 dôou a capitania de Per- Consta, portanto, que antes de 1526 Christovam
nambuco. lemos estas palavras " ficará com o Jaques fizera uma viagem ao Brasil, fundando uma
dito Duarte Coelho a terra da banda do sul e o dito feitoria em Pernambuco e navegara até o Rio da Prata.
rio (o de S. Cruz ou lgarassú) , onde Christovam ]a-
(') Vide a integra desta ca rta nas Afem. Ifist. de PeTnambltco por
José Bernardo Fernandes Gama, Vol. I , pag. 4 2 .
(' ) Vide Varnhagen pg 95- (') Vide par. 53 ·
(' ) Vtde Vasconcellos, pag. 65, a nn o 15 26. ( 8) São p<tlavras ele Luiz Ramirez na s ua celebre carta escripta 110

( 8) Vide a n->la do par. 56 e ta mbem o Inst. Arcbeologico Per-


Ri o da Prata em 15:.<8 . Acha-se na sua integra c em lingua hesp •·
nambucano 11. XL, pg. 100 e seg , item n. XXXVI, pg. 53 nh ola no LOm. XV, pg. 14-41 da Rev.
I~ PO C A 1, - TEM POS PRll\ llTIV OS 79
78 PRIM EIRA S EXPL ORA ÇÕE S
--- --- --- --- --- ---- -- ----~-------------- ero de prisio-
em? Co- do_-os a pique, e fazendo gran de num
· Qual seria a epoca dessa primeira viag z a re- neiros, que levou a Pern amb uco e mais tarde para
riad or port ugue em con-
mo nenhum chronista ou histo os, todavia, ~ Europa: ~egundo Varn hage n que se basê a
fere, torna-se difficil determinai-a. Possuir.1 com probabili- Je~turas, renu-se este combate pelo rio Para guassú
recursos sufficientes para a collo car ilha conh ecid a pelo nom e de
ante s de tudo excl uir os an- acima perto de uma ter com eçad o
dade em 1516. Cum pre lllza dos francezes; suppõe-se, poré das outras. De m,
uem admitte
nos de 1501 e 1::>03. porque hoje ninges, e nem os na foz contra uma caravella esga rrad a
a vinda de Jaques naqu ellas expe diçõ caravella, fugindo
ntar feitorias. c.erto ?S francezes aggrediram essa
chefes de !las tiveram encargo de leva Fran ça, e a da no aCima quan do viram as mais .
E' provavel que as noticias idas da Ribeiro,
Solis em 1515 exci tasse m o zelo A_ Jaques suc_c~deu em 1528 Antonio ia algu ma;
segunda viagem de 9e CUJOS feitos }TIIlttares não temobreve chamado as notic
os franc ezes trafi-
dos portuguezes para impedir que anhó es toma s- e provavel, porem, ter sido em
costa s, e os hesp ambuco foi
cassem pelas nossas do trata do de outro serviço, porq ue a feitoria de Pern
sem posse do paiz que, em virtude outro lado sa- p~uco ~epois, . posta a saqu e por um gale ão francez:
Tordesilhas, pertencia a Portugal. Do 1516 procurou r D10 go Dias logr ou esca par em uma ca-
So o fetto a Sofala.
bemos que o rei D. Manuel em capazes de cons- ravella, que alli então pass ava com dest ino
mandar ao Brasil colonos e pessoas é, pois, difícil O fact<? de Chri stov am Jaqu es cont ra os france·
truir um engenho de assucar (' ) Não stovam Jaques. zes prod~ztu u~a complicação dipl oma tica na Eu-
supp or que nessa occasião viesse Chri em de 1526, rop~; pois e!TI vtsta das ~ecl ama~ ões dos arm ador es,
Quanto á feitoria levantada na viag não só por- pedtu Fran ctsco 1 uma mde mmz ação em dinheiro
é quasi certo que fosse a de Itamaractamb á, Portugal um;
tia, mas em porque e, como nada obtivesse, assignou contra Ango. Viu-se,
que a de Igarassú já e;xis ria, e não ha carta de corso _ em favo r. do cele bre
feito
P~lrtanto, D. Joao III _obngado ~ cele rnos depois
em 1532 acha mos ness a ilha uma brar capitula-
sua fund ação a qual-
motivo algum para attribuir a es. çoes c?m ~sse cors ano 1
e os dots gove
Chri stov am jaqu installar em
quer outro que não seja
de 1526. de mUlto dtsputar , convteram, 1537 em
Passemos agora a tratar da viagem de 5 cara- Irun e Fontearabia com miss ões m'ist as de Portugal
com uma floti lha de uma e de
Veiu Christovam Jaques os foram Gas- e da Fran ça para atten dere m aos que
vellas e uma nau, cujos chefes subaltern e Gon çalo Leite. outra parte apresentassem recla maç ões a resp eito de
par Corrêa, e os irmãos Diog o Leite presa.s e toma dias .
alva rá pelo qual o rei conc edia a um
Trouxe um capi tani as do
tal Pero Capico, capitão de uma das 1530. - Já
que havi a dive rsas ) licen ça de 63) Mar tim Affo nso de Sou za, er em Portu-
Brasil (vê-se, pois , neste tempo se começava a reconhecadas até então
s as peça s de
regressar para o reino levando toda Como no an- gal que as pequenas capi tania s fund
escravos e mais fazendas que tives se. ngeiros. Por
, travou peleja no Brasil, não logravam repellir' os extra
no seguinte andasse percorrendo a costadois de 140 to- outro l_ado, .a~ esquadras de guar da-c osta , além de
com tres navios francezes: um de 80, s, exig iam sacr ifici os enor mes do
elles um dia intei ro, metten- serem msufftctente ar a idéa de es-
neladas. Combate u com thesouro. Começo~, portanto, a ving z de rechassar
tabelecer no Brasil uma colo nia capa
apoio ás ar-
(') Vid e pa r. 47 e 61. V1de lamb em
o Sr. Vasco nce ll os , pg. 71.
os entrelopos e de servir como ponto de
ann o 1526.
EPOC A I. - TE~IPOS PJUM lTlVO S 81
80 PRl~1EIRAS EXPL ORAÇ ÕES---------
--~~--
saram uma
Hesp anha no segu inte. Logo no prim eiro dia apre tripu lação ,
madas. A nova rece bida neste ínterim da derro tado , nau fanceza, abar rotad a de p_au brasi l. A
ava de volta r. , inter nan ·
de que Cabo to acab
sse a re- ao ver os nossos vasos, fug1ra para terra da pont a
do Rio da Prata, fez com que se tomaa colo nia -se este facto ~efro nte
e rio do-s e _no matto. De_u
solu ção de fund ar nas marg ens dess
de Olm da, que enta o se cham ava Cabo
de Percaauri.
mpto u -se
vigo rosa em que já se ia pens ando . Apro da capi- Apo ssara m-se nesse mesm o dia de outro navio
frota com post a de S. Agosti-
com basta nte rapid ez uma S. Miguel, francez, fund eado ao sul _d_o c_abo
tanea, cujo nom e se igno ra; da nau e Prin- nho. Infor~ado pelo s pns10ne1 ros de que na ilha
do gale ão S. Vicente e das carav ellas Rosa am duas emb arca ções france-
quat roce ntas pesso as. de S. Ale1xo estav nso man dou
ceza. Emb arca ram ao todo zas carre gand o pau brasil Mart im Affo
essar am nesta occa sião para o mar do sul que' nada enco ntrou . Acos sou
Regr Jaqu es, para lá o seu irmã o
ial de Chri stov am que ia pas-
Diog o Leite, outro ra offic de Cabo to Pero Lope s no dia segu inte uma nau
que, com panh eiro a ao escure-
e Henr ique Mon tes,
e fôra agra ciad o com o sand o na_ altur a daqu ella ilha; alcan çou-o dia imm e-
na volta, pass ára a Port;Jgal, assim com o c~r; pele jou com e! la toda a noite e
da Casa , e bem s da tarde .
titulo de Cava lleiro
ntos. Chef e de toda dr_ato, cons egui ndo tornai-a ás sete horade Pern am-
officio de prov edor dos man time a, que ape- F1zeram-se então _ de vela para o port o
a expe diçã o era Martim Affonso de Souz , poré m, buco, onde no d1a 19 de feve reiro se reun
iu toda a
nas cont ava trinta anno s de edad e; tinha de sete vaso s, inclu indo os tres
perte ncia ao frota com post a agor a
qual idad es tão extra ordin arias que já extensíveis apre sado s . Falt~ va o n~vi o S. Migu el, que, cont raria do
do rei. 1 roux e plen os pode res, a volta r para Lisb oa. Em
cons elho
tanto no mar com o pelo~ ventos, _fora obng ado
a quem ficasse em seu Joga r, o Leite que
a futur a colon ia, com al- segu1da Mar tnn Affonso orde nou a Diog expl o-
na terra, para gove rnar co~1 as_ duas caravell~s, Rosa e Prin
ceza , fosse
e natu ral inclu sive, Souz a
çada no civel e no crim e até mort em, devi a rar o no _do Mar anha o; desp acho u a João de
excep to para os fidal gos, que, si delin quiss sada s; quei mou
a toma r pos- para o re1ryo ~om uma das naus apre
enviai- os para o reino. Era auto rizad o al dem ar- o_utra por mutr l; e levo u com sigo a terce ira que en-
se de todo o terri torio até á linh a meri dions, collo car tJego u a Pero Lope s, o qual a deno mino u Noss a
cado ra, a dar sesm arias , fazer lavra r auto ue a toma ra no dia dess a
ça etc. (1) ?enh ora das Cand eias, porq
marc os; crear tabelliães, officiaes de justi ella Rosa, mvo caçã o.
man dand o a carav até pelo .
Veiu nesta frota , com Perc orre u Diog o Leite a costa do norte
um irmã o de Mart im Affonso, cham ado diçã o. Este
Pero Lope s Ol':r apy, que por algu m t~mpo
um diari o da expe menos, á foz do Rio divis a actual
de Souza, que escreveu se cham ou Abra de Dwg o Leite. E' a
para o es-
traba lho de Pero Lopes, tão prec ioso até aos entre o Esta do do Pará e do Mara nhão .
ficou desc onhe cido març o)
tudo da nossa historia,
hage n e acha -se na Yeleja ndo para o sul, visit ou ( 13 de u o
Publ icou -o Varn se lhe apre sento
noss os dias.
me XXI V. Martrm Affonso a Bahia, onde que lh e
Rev. do Instituto Histo rico, volu mbro de Cara murú , rode ad? dos princ ipae s do Joga r,
Sarp ando do Tejo no dia 3 de deze offerec~ram man trme ntos, e foram retri buíd os com
Gran de, perto da
1530, e indo refrescar na Rib ei ra terra na as dadrvas do co~tume. Deix ou a Diog oplan tas uteis
Alvares dois
capital das Ilhas de Cabo Verd e, avist aram drve rsas seme ntes de
degr adad os e
Ago stinh o a 31 do mez e an- tiver am oc~
altur a do Cabo de S. Nos quat ro dias que alli se dem orara m,
6
(I) Vide Rev. vol. XXIV , pg. 74·
82 PRIMEIRAS EXPL(tRA ÇÕES EPOCA I . - TEMPOS PRIMITIVOS 83
castao de assistir a uma grande batalha naval. Eram tade de arcabuzes, metade de béstas, que nunca
de cada lado 50 almadias, levando cada uma sessenta mais tornaram a apparecer. Suppõe se terem sido
pessoas. A victoria decidiu-se para o lado em que assassinados todo.s, pelos carijós nas margens do
estavam surtos os nossos, que se conservaram especta- lguassú, ou em algum outro Jogar do interior. O
dores impassíveis. Ao ~eguirem a sua derrota, foram chefe desta bandeira foi um tal Pero Lobo. Nos
noss~s mareantes obngados por um temporal a rv quarenta e quatro dias em que a esquadra esteve
troceder até á Bahia (26 de março), e allt encontra- surta em Cananéa, conservou-se sempre encoberto o
ram a caravella, que, com destino a _Sofala, passá~a sol, circumstancia que, talvez, determinasse ao de-
por Pernambuco, levando a bordo D10go Dtas, fet- pois Martim Affonso a procurar melhor Jogar para
tor do estabelecimento que um galeão francez aca- fundar a sua colonia.
bava de saquear. Aggregou Martim Affo~so á sl:la Navegando afinal para o sul, soffreram, na al -
esquadra essa caravella, e surgiu (30 de abnl) no ~RIO tura do arroio Chuy, hoje fronteira meridional do
de Janeiro, onde _levantou um_a ca_sa forte com cerca Brasil , uma tormenta, que, arrojando a capitanea
ao redor. (1) Envto~ para o _mtenor quatro homens contra a costa, causou a perda dessa mesma nau, de
que voltaram no ftm de dots mezes, tendo and~­ quasi todos os mantimentos, de um bergantim
do 65 leguas por montanhas muito altas. e mats e de sete pessoas. Em consequencia deste desastre,
50 por planícies de immensa extensão. Eram acom- assentou-se em conselho que se abandonaria _a via -
panhados por um :egu!o, sen~or de todas ~quellas gem do Prata, já por falta de provisões, já pelo es-
terras, que lhes havta fetto mmta honra, e dtsse que tado dos outros navios; que só Pero Lopes com um
no rio Paraguay se achava ouro ~ prata em abun- bergantim e trinta pessoas iria tomar posse daquelle
dancia. Recebeu o chefe da expedtçao com_ notavel rio, passando o resto da armada a esperai-o na Ilha
agrado este maioral; deu-lhe diversos donativos e o das Palmas, ao norte do Cabo de Santa Maria. Che-
mandou regressar ás ~uas terras. . gou Pero Lopes até ao esteira dos charandins; co l-
Do Rio de Janetro, onde estiveram tres m_e~es, locou dois padrões, e voltou dahi a pouco mais de
construindo dois bergantins, e tomando provtso~s um mez.
para quatrocentas pessoas durante um anno, segut- «Muito provavel é, diz Varnhagen, que no en-
ram directamente (1 de agosto) no run:o de Can~­ tremeio de tantos dias, em que Pero Lopes demar-
néa indo ancorar do lado de dentro da tlha do Abn- cou o Rio da Prata, não estivessem ociosos os pilo-
go.' Acharam nessas praias alguns cast~lhanos, um tos que haviam ficado na costa com Martim Affonso.
tal Francisco Chaves e um bacharel allt degrad~do, Em terra tiveram occasião de fazer frequentes obser-
havia 30 annos (12 de agosto). Tendo este Franctsco vações astronomicas sobre a latitude e longitude do
Chaves promettido trazer, dentro de d~z t?ezes, qua- Jogar, e isso lhes daria a convicção, e ao capitão-mór,
renta (outros dizem 400) escravos ou mdtgenas car- de que aquella costa, e, com mais razão, todo o Rio
regados de ouro e prata, concedeu-lhe Martim Affon- da Prata, já se achavam fóra, isto é, mais a loéste
so uma bandeira de oitenta homens, armados, me- da raia até onde se extendia, pelo tratado de Torde-
(')Segundo Varnhagen, o estabelecimento de Martim Affonso deve silhas, o domínio portuguez naquellas paragens. Ao
ter existido na enseada em que desembocca o R10 Comprzdo, em conhecimento deste facto em Portugal devemos attri-
uma paragem que ainda meio seculo depois se denominava Po1·to buir o não proseguirem em Madrid as reclamações
de llfartim Affonso, conforme assegu ra Gabnel Soares. acerca desse rio; o desistir aquelle reino de mandar
84 PRIMEIRAS EXPLORAÇÔES EPOCA I. - TE!IIPOS PRIMITIVOS 85

mais frotas ás suas aguas; e até o não doar, quando Chegava, no entretanto, a S. Vicente (pelos fins
doou outras terras, as que ficavam_ além das de de 32) João de Sou1.a, portador da carta regia de
Santa-Anna ou da Laguna onde termmava a courela 28 de setembro de 1532, e.rn que o rei partici-
que de dir~ito por ahi lhe tocava : . pava ao chefe da expedição que desde o anno pre-
« Talvez tambem pelo conhec1ment~ deste f~c~o , cedente resolvera dividir o Brasil em capitanias here-
mais que por serem ahi as terras (no httoral) safi3:!> ditarias, e destinára a de S. Vicente para Martim
e areentas é que Martim Affonso não se deixou fi- Affonso, ao qual deixava a liberdade de permanecer
car nas p'lagas da actual provi_ncia do Rio Çl~ande, no Brasil ou regressar a Portugal. Escolheu esta
onde o lançara de si o propno mar, e decidiu re- segunda parte, abandonando o nosso paiz na primeira
troceder mais para o norte, a buscar outro local, monção de 1533.
onde fixar-se de preferencia :t- ; . Deixou como seu Loco-tenente e capitão · mor,
Chegou Martim Affonso a costa de S. VIcente no encarregado do governo da capitania, Gonçalo Mon-
dia 20 de janeiro de 32 lançando ferro dentro do teiro, que servia de vigario ou parocho da colonia.
porto a 22 do referido mez e anno. Agradando-s~ Julgamos não ser fóra de proposito contar que
com o sitio resolveu parar nelle, fundando a pn · na cidade de S. Paulo, no museu que pertenceu ao
meira coloni~ regular no Brasil. Levantaram o. pe- Sr. Sertorio, e hoje é do Estado, se conservam a
lourinho· construíram diversas casas, uma egreJa e couraça e a espada. deste illustre portuguez. Lê-se
uma alf~ndega; distribuíram-se ~esmarias; _etc. ~em em um lado da folha da espada: - Não me saques
deixou Martim Affonso de sub ir serra acima, mdo sem rezão, e no outro: Não me embainhes sem honra.
estabelecer nas planícies de Piratininga a povoa-
ção de S. André da Borda_ do Camp?, <?nde a dez 64) La Pélerine. - Os feitos militares de Pero
de outubro de 1532 asswnou a pnme1ra carta de Lopes em Pernambuco exigem mais alguma explicação
sesmaria doando terras d~ Brasil. foi a favor de que, para não interromper a historia de Martim Affon-
Pero de Góes. Alguns colonos parece terem passado so, differimos até este Jogar. A Jl de dezembro de
desde logo para S. André. . . de 1530, precisamente quando Martim Affonso velejava
Ponderando Martim Affonso que seus naviOS fic~­ para o Brasil, partiu de Marselha em demanda do
riam inutilizados si ainda permanecessem por mais mesmo paiz a nau franceza La Pélerine, esquipada á
tempo em S. Vi~et~te, que os officiaes da fro_ta ven- custa do barão de S. Blancard, general das armadas
ceriam, sem proveito, seu ordenado, e deseJoso ~e navaes.
informar o rei do que fizera, despachou (2_2 d_e maio Commandada por João Du Perret e guarnecida
de 32) para o reino . :'ero Lopes,. seu 1rmao, que com 18 peças de bronze e outras de ferro, béstas,
to cou no Rio de Jan eiro e na Bahia; combateu _em lanças e 120 soldados, trazia um carregamento de
frente da ilha de S. Aleixo com uma nau extrange1ra; generos apreciados pelos índios, munições para uma
deixou em Pernambuco, numa fortaleza que tirou aos fortaleza, provisões e instrum entos agrícolas. Chegan-
entrelopos um Paullos Nu_nes e al~uns S<?l~ad~s, e do a Pernambuco em março do anno seguinte (31 ),
levou a Portugal para mats de tnnta pnsioneiros, e entrando pelo rio jussará ou de S. Cruz, em fren-
alguns indios, e duas naus francezas. quatro dos te de Itamaracá, assenhoreou-se á viva força da feitoria
indios reconhecidos como chefes de tnbus, foram portugueza que a lli encontrou. Trataram então os
honrados com o titulo de reis, e vestidos de seda. francezes de erguer no mesmo Jogar uma fortaleza
86 PRIMEIRAS EXPLORAÇÕES
---=------ EPOCA I . - TEMPOS PRlMlTIVOS 87
e dentro em breve tinham reunido tantos objectos eram innocentes, disseram em altas vozes que elles
do paiz, que, carregando com elles La Pélerine, a eram os culpados, que lhe haviam atirado, cuidando
remetteram para a J;uropa. Governando a fortaleza de o acertarem; e nem um daquelles outros tinha
ficou um tal Sr. De La Motte. La Pélerine foi no culpa; pelo que mandou sobrestar a execução nelles
Mediterraneo presa e confiscada pela esquadra de e enforcar a estes outros, mas estavam muitos enfor-
guarda costa que Portugal mantinha no Estreito de cados, e cá se consumiram todos, etc. » (1)
Gibraltar, emquanto De La Motte e seus companheiros
cahiam em Pernambuco nas mãos de Pera Lopes. Duvidas
O barão de S. Blancard, no seu protesto, narra
este facto do modo seguinte: « Paz Pera Lopes cêr- 65) ~itulo.- Que titulo trazia Martim Affonso?
co á fortaleza e bombardeou-a durante 18 dias. O Os chromstas em geral o tratam simplesmente de
Sr. De La Motte, que era o commandante, vendo que capitão ·mór. Este mesmo titulo lhe dá o rei na carta
tão cêdo não seria soccorrido, propoz a capitulação, e em que declara os poderes extraordinarios de que o
Pera Lopes acceitou a, promettendo vida e bens aos investe. « Envio Martim Affonso de Souza por Ca-
alliados, e levai-os a Jogar livre, onde lhes daria a pitão-mór da armada que envio á terra do Brasil e
liberdade Assim, porém, não fez, apesar do juramen- assim de todas as terras que elle achar e descobri~ . •
to solemnemente prestado sobre a hostia consagrada: Lê-se, _to davia, no diario de Pera Lopes o seguinte:
mandou enforcar o Sr. De La Motte, mais vinte com- « Martlm Affonso de Souza, meu irmão, que ia por
panheiros; dois entregou vivos aos índios, para que capitão de uma armada e governador da terra do
os comessem, os outros levou comsigo para Portugal. Brasil. » Elle mesmo nas cartas de sesmarias que
EI-Rei mandou-os prender em faro, onde passaram passo~, tomava o titulo de Governador, começando:
24 mezes: afinal foram soltos os que restavam: excepto ,, MartJm Affonso de Souza do Conselho de El-Rei,
onze que foram enforcados, e quatro que morreram Nosso Senhor, e Governador das terras do Brasil. »
de máus tratos ». Podemos, por isto, concluir que o monarcha o
fr. Vicente do Salvador confirma em parte este constituiu Governador da Nova Luzitania embora
barbaro procedimento para com os prisioneiros. De- nas cartas regias não se leia sinão o titulo d~ capitão-
pois de relatar a tomada da fortaleza, que, por engano, mór. Parece, portanto, não ser justo declamar, como
dá como arrasada, e referir que se preparavam man- o fazem fr. Gaspar e outros, contra Charlevoix por
timentos e carga de brasil para os navios de Pera ter dado a Martim Affonso o titulo de Governador
Lopes, accrescenta: - . Emquanto estas causas se fa- Geral do Brasil; pois, entre Governador das Terras
ziam, succedeu uma noite que estando o capitão-mór do Brasil e Governador Geral do Brasil não ha
com a candeia, e a janella aberta, lhe atiraram de grande distancia ( 2 ) . '

fóra com duas frechas, das quaes uma lhe foi tocando
com as pennas no roupão, e ambas se foram pregar (') P ag. 52-54. Fr. Vicente diz expressamente <]Ue a fortaleza
dos francezes e Lava na ilha de Itamaracá.
em umas rodelas que estavam de fronte na parede. (2) Não é nosso intento defender em tudo Charlevoix. Sabemos
O qual, suspeitando nos francezes, mandou pela 9u~, tratando do Brasil, refe riu diversas cousas inexactas; ma~, dese ·
manhan que os enforcassem todos, e começando-se Jarwm os que nos dissessem qual é o escri ptor, mesmo nacional, que
a fazer execução, vendo dois que elle havia tomado neste assnmpto não cahiu em erros ai nJa ma iorE's. ' o entretanto a
Charlevoix a~siste a descu lpa de ser extrangeiru e de falar do no~so
para a fortaleza por serem bombardeiros, que os mais paiz a_Penas incidentemente. Aos que mostram affectado desprezo para
E POCA I . - TEM POS PRI 1LTIVOS 89
88 PRIM EIRA S EXPL ORA ÇLlE S
ssid ade de
m _co~lo­ Accresce que em 1531 não havi a nece conh ecid a
66) Os pad rõe s . de Can ané a.- Que de Oltv etra, se tom ar poss e dest a para gem já muit o
cou esses padrões? fret Gasp ar, Mac hado desd e 1508 se
Varn h. pret ende m ter sido ~ Mart im com o pert ence nte a Port ugal , que freq uent ada
Azevedo Mar ques e , diz Varn h., marc ava nas carta s geog raph icas e era
Affonso. «De fronte da Ilha de Cananéa de pedr a que pelo s navi os que dem anda vam o Rio da Prata.
sae da terra para o mar um pont al
a existem tres
se cham a hoje ltaqu aruç ú, ond e aind se en~ontra 67) O Bac har el. - Quem seria este nte, e em
bacharel
ide, d~ q:_te
padr ões de mar mor e saccharo_ Vice

l que em 1527 Diogo Gar cia viu em S.


çoes de Ltsboa,
nas form açõe s vulc anic as das tmm edta m alli post os 1531 Marfim Affonso achou em Can anéa? fiqu e
os quaes, com toda prob abil idad e fora orm e conc orda m todo s,
ões de Cananéa ante s de tudo asse ntad o, conf
dura nte estes quar enta dias .. Os padr quat ro palm os que era i!m bach arel degr adad o, e que o deix ou por
que exam inám os pess oalm ente , são de de 1501 . Em segu ida
de gros sura ; e ~ssas pr~t~s a frota expl orad ora
de com prid o, dois de larg ura e um sem a esph era a expe~tçao de Mar ttm Affo nso, nunc a mais appa rece .
têem escu lpid as as quin as port ugue zas iden tific ar esse
data se lê em Post o tsto, veja mos . Varn hage n quer
man uelin a, nem castellos, e nenh uma bach arel com um Gon çalo da Cost a; Can dido Men -
nenh um dos
sua face ». ducç ão que des, com João Ramalho. Em noss o ver, Costa, porq ue
O P. Ayres do Cazal refere na intro em Can a- dois acer tou. Não póde ser Gon çalo da
tou o terce iro mar ro appe lla Varn hage n,
a frota de 1501 chan e~te, segu ndo Herr era ao qual
ra, affirma em
néa · esqu ecid o, poré m, do que disse nao era bach arel, e em 1530 volt ou para a Hes panh a
padr ão foi alli post o pela er-se em Se-
out; o Jogar que aque lle esta honr a com Seba stião Cab oto, indo estab elec
1503 . Gab riel Soar es attri búe cham ar, offere-
esqu adra de a sent ença vilha, ond e O. João III o man dou
pare ce ser a Lis-
á expe diçã o de 1501. Esta de 1501 , in- cend o-lh e segu ranç a e merc ês para que fosse
mais conf orm e á verd ade; pois a frota Gon çalo da Cost a era ou um
titul as de poss e, boa. Isto faz crer que
cum bida de collo car padr ões com apro pria do, degr adad o, ou algu m dese rtor. Obs erve -se que Cab oto
em um Joga r tão , e toco u uni-
não deix aria de fazel-o esteve só uma vez no Brasil em 1526 arin a. Pois,
ou dois degr a-
ond e segu ndo se affirma, deix ou um cam ente em Pern amb uco e em S. Cath
en::o ntrar am e
dado~. Além disto, o marc o que lá
Hist. e Geo gr. si Gon çalo da Cost a segu iu Cab oto em
1526, e volto u
na entr ada do Inst. com o em 1527
que hoje se acha
e o tran sferi ram em com. elle para a Euro pa em 1530, em Can anéa ?
Bras. no Rio de Janeiro, para ond no Arraial podt a esta r em S. Vicente, e em 1531
1866 , é egua l em tudo ao que está que mor ava
Rio Gra nde do E com o podi a dize r a Mar tim Affonso é, pelo men os
do Marco, na costa do Estado dopela frota expl o- naqu elle Jogar, havia trint a anno s? Isto
Nor te, e foi o prim eiro chan tado '
difficil de conc iliar . arel
rado ra de 1501 (1). esse bach
Nem se pód e tão pouc o iden tific ar
eto, e por isto
co m es te autor , pe dimos tenha m a
escre ve o insus
• Ses ouvra ges
peito
i1•tére
cripti on du J a pon;
Histo ire de la Nouv
Vape

Histo
reanx
ssants
ir~
elle-F
exads
de
rance
no

J'ile
; H
bo ndade ele po ndera r o que clelle
seu D iciona1re des L ittéra lures :
et savards, so nt H1sto ire et des-
Espan
isto ire
ole ou de Saint -Dom inque ;
d u Parag uay.
pag. 89. Vide la mbem Rev. vol. XLIX
,
I com João Ramalho, que era anal phab Nem se diga
não era poss ível

porq ue neste caso


que

lho
fosse

teria
João Ramalho , o Bacharel. Affirmar
arel,
m

vive
bach

cons

n do
arel.

erva

entr
com o alcu nha,
que lhe dava m o titul o de bach arel do, e diria m:

e
com Can dido
os selv agen s,
( ) Vide Vasco ncello s,
1
Men des que esse bach
parte, 2 . pag-. 261 e seg.
90 PRIM ELRAS EXPLORAÇÕES EPOCA I. -TEMPOS l'RLMITIVOS 91

tinha esquecido tudo, e por isto parecia analphabeto, encontrado no Rio de Janeiro, onde ainda não existia
cremos que é demais. A não falarmos de fr. Gaspar. nenhum europeu. Appellam tambem para a autori-
cuja boa fé em nossos dias é reconhecida como assaz dade .de J<?ão de Le~y, o qual con!a. que no tempo
duvidosa, todos .admittem que João Ramalho veiu a de VI1lega1gnon hav1a em toda a v1ztnhança do Rio
estas terras pelos annos de 1515, ao passo que o de Janeiro muita canna de assucar. Isto , todavia , não
bacharel morava cá desde 1502. O bacharel tinha convenc~ , p9rque, s! essa planta fosse indígena, não
numerosos genros, e por conseguinte muitas filhas: se achana so na be1ra-1~ar, em pequena quantidade,
as filhas de Ramalho foram apenas duas, Beatriz e c em certos e determmados pontos da costa· mas
Joanna, as quaes se casaram com Lopo Dias e Jorge geralmente em todo o territorio como a mandioca
Ferreira, portuguezes vindos na frota de Martim o milho e outras plantas. E' pr~vavel que para esse~
Affonso. O bacharel, sendo degradado, não podia pontos fosse levada pelos navios que, vindo da Eu-
prehencher officios publicas, como os occupou Ra- ropa, haviam tocado nas Ilhas de Cabo Verde onde
malho, o qual, embora de máu caracter, entregue se cultivava em grande escala. Nem a isto se 'oppõe
a vi cios baixos, etc., não era degradado. Si era infame, o facto relatado por Monsenhor Piz.1rro, a saber:
como dizem os chronistas, era-o no sentido com- que <?S antigos povoadores encontraram essa preciosa
mum da palavra, não no sentido legal. O facto de grammea no sertão a grande distancia de S. Vicente
nunca mais se falar no bacharel, explica-se facilmente como é o rio S. Lourenço em Matto Grosso. Poi~
pelo desprezo publico a que o condemnaram em este facto se deu em 1730, quando a canna já fôra
virtude de seus merecimentos. (1} propagada em toda a parte pelos colonos e pelos
indios. (1).
68) Canna de assucar.- Pretendem diversos
chronistas ser S. Vicente o Jogar em que primeiro 69) Gonçalo Monteiro . - Era ecclesiastico este
se achou o modo de cultivar a canna, e de fazer o logar-tenente de Martim Affonso? Alguns, affirman-
assucar no Brasil. As mudas, dizem, foram por ordem do o, dizem que foi o primeiro parocho de S. Vi-
de Martim Affonso tra,_idas da ilha da Madeira. Ga- cente; outros o negam. Azevedo Marques affiança
briel Soares affirma, por sua vez, que foi na capi- não ter encontrado nenhum documento em que ba-
tani a dos Ilhéos em 1535, e que a semente viera sear a parte. affirmativa. O chronista Pedro Taques,
das Ilhas de Cabo Verde. entretanto, c1ta uma carta de sesmaria, passada a
Assegura-nos, entretanto, Varnhagen que em 1526 fayor de Estevam da Costa, na qual Gonçalo Mon-
chegou ao reino assucar de Pernambuco e de Ita- teiro toma o titulo de Vigario e de Capitão Jogar-
maracá, conforme consta dos livros de arrecadação tenente · Supposta a authenticidade deste documento,
da Casa da India em Lisboa, onde se pagavam os não pode haver mais duvida na questão si a pa-
direito~ tambem dos productos idos do Brasil. Con- lavra vigario é nelle equivalente a parocho' (2).
firma-se isto mesmo pelo alvará que citámos no
par. 61. Alguns pensaram ser a canna uma planta (') Vide Rev. de 56, pg. 539 e seg. E' uma bella dissertação
indígena, e citam em abono desta opinião o facto so~re as plantas que se acham aclimatadas no Hrasil-Cmma , café,
de a terem os companheiros de Magalhães em 1519 cita ...
(') Vide Rev., vol. IX.
(') Vide Vasconcellos, pag. 43, 84 - 88.
92 PRIMEIRAS EXPI. URAÇÕES
______::____ _____ _ _ _ _ EPO CA L - TEMPOS PRIMITIVOS 93

70) Famílias.- Vieram famílias inteiras junta- assever~ que entrou pel.a Bertioga, accrescentando
mente com Marfim Affonso? O primeiro que res- que «SO um lo~co entrana por esse canal, !>i conhe-
pondeu affirmativamente a esta questão, foi o P. cesse a que hoJe se chama Barra de Santos » Infeliz-
Santa Maria em seu Santuario Mariano. Jaboatão mente, porém, para o bom do Frade, co~sta com
imitando-o, accrescentou que a frota fôra prepar d~ toda a certeza, que S. Vicente existia nessa época
por Martim Affonso e á sua custa. Varnhagen affirma d~sde varios annos, e frequentavam o seu porto na -
Simplesmente que embarcaram famílias inteiras. Fr. vtos europeus. Além disto, o bacharel e os outros
Gaspar, que defende acremente não ter Martim encontrados em Cananéa hão de ter informado o ca-
Aftonso trazido famílias, assegura em outro logar pitão-mór do que havia em S. Vicente, da prest>nça
que em 1580 ainda existiam alguns povoadores << que alli_ de alguns ~olonos, etc. Podemos, portanto, con-
vieram n'armada (de Martim Affonso) com suas mu- clutr que Marttm Affonso entrou pela Barra do meio
lheres e filhos. ' Estamos, todavia, pela negativa, e que, das tres, era por sem duvida a melhor e qu~
baseamos a nossa opinião em um titulo de sesmaria hoje se denomina Barra de Santos. '
de terras dadas em S. Vicente por Gonçalo Mon- As outras particularidades, a saber : a construc-
teiro, a 4 de abril de 1538, e começa deste modo: ção da ~ortalez~ , a retirada dos índios, os preparati-
• Por João Gonçalves meirinh o morador em esta vos belltcos, a tda de Ramalho até á Bertioga, a festa
villa de S. Vicente, me foi feita a petição, que lhe C?m que re_cebeu os europeus, seus patrícios; o con-
désse um pedaço de terra nas terras de lriripiranga, vtte de subtr serra acima, etc., todas estas cousas
para fazer fazenda conto os outros moradores, visto desde q_ue se conheceu o diario de Pero Lopes, fo~
como era casado com mulher e filhos em a dita ram e ficam desterradas entre as lendas pouco mais
terra , passa de um anno, E É o PR JM I!.JRO II ü l\1EM ou menos vero similhantes que outrora se contavam
QUE Á DITA CA PITANIA VE IU Cm1 l\I ULH ER casado SÓ
para, na falta de documentos a uthenticos satisfazer
com a determinação de povoar, etc. • de algum modo a phantasia. '
Confirma-se esta . mesr,,a opinião pelo procedi-
mento de Martim Affonso durante toda a sua viagem. 111
Pois antes de parar em S. Vicente gastou um anno,
um mez e dezesete dias em navegar e combater, o Povos que habitavam o Brasil na. época. do seu
que não faria si trouxesse famílias. Neste caso, antes desce brimen to
de tudo fundaria a colonia para accommodar as fa-
mílias, e então iria em procura dos inimigos, etc. (') 72) Introducção.-As primeiras questões que
se devtam apresentar ao espírito de Cabral e de seus
71) Entrada. - Por onde entrou Marfim Affon- ~on:panheiros, quando pela primeira vez viram os
so? Fr. Gaspar, que com toda a energia da sua t~dtgenas da terra que acabavam de descobrir tão
penna sustenta ser Martim Affonso o primeiro e unico dtfferentes dos de outros paizes haviam de ser ~atu­
fundador de S. Vicente, o descobridor do Rio de ralm~nte as seguintes: Quem s~ria este povo desco-
Janeiro, e o constructor da fortaleza da Bertioga, (2) nhectdo e extranho? Donde, como, quando viria para
e~ta terra? Quantos· seriam elles? Que língua fala-
(') \'i d~ V asco ncel los, pag . 79 . nam ? Quaes seus usos, costumes religião governo
(~) C o rru pção de Buriqui óca, casa ou covil de bugi os.
casa; Bm·iquis; bu g ios.
Óca,
etc.? A estas e muitas outras que~tões pro~uraremo~
___E_P_O CA I. - TEMPO S PRIMIT IVOS 95
94 PC!VOS DO BRASIL -------
Então, p~rgl!e não podiam f~zer outro tanto os ho-
satisfazer nestas pagina s do modo melho r que nos mens pnmtt tvos? Os que vieram por esse Estreito '
fôr possível. formaram o tronco primitivo amarello.
Outra hypoth ese, certam ente não absurd a é que
73) Orige m -- Donde, como , quando viriam? algun~ nautas dos antigo s phenicios, morado~es das
Inform ados cabalm ente pela Revelação e pela Scien - C~n~nas, fosse_m por algum a tempe stade arroja dos
cia de que todos os homen s deriva m de um unico ~te a costa onenta l do Novo Contin ente, em que
par pritnitivo, não podem os hesitar em asseve rar que ftcaram por escolha, _ou por falt~ de meios para tor-
tambe m os selvag ens do Brasil descen dem desse nar a ver a sua patna. Este sena o tronco primitivo
casal, conhe cido egualm ente na Historia sagrad a e branco que segun do alguns, cruzou com o tronco
na profan a pelos nomes de Adão e Eva. Como do ama:ell~. Esta suppo sição, no ver de autore s respei
-
outro lado sabem os com sufficiente certeza que esse taveis, e corro~ orada pelo nome de carijós pareci do
casal primitivo viveu no Antigo Contin ente, cumpr e- com o de canos. '
nos susten tar que nossos selvag ens tinham emigr ado Por ultimo, como já deixa mos aponta do em
do Mund o Antigo para o Novo ou America. Quant o outro Jogar. (1 ), é hoj~ histori camen te certo que, no
á época e ao Jogar dessa passagem, nada podem os seculo decim o da era christan os dinam arquez es
affirmar, porqu e tanto a Historia como a Revelação occup aram a Islandia .. (ice !and, terra gelada ), donde ,
se calam a este respeito. Ignora mos tambe m si a passan do para a Oroela ndia, chega ram até ao parai-
America tenha sido sempr e inteira mente separa da do leio da actual Nova Vork. Déram a esta ultima terra
resto da terra, embor a não pouco s autore s susten tem o no_me. de V:ineland em virtud e da grand e multid ão
que o Novo Contin ente era unido com a Asia no de vtde~ras silvestres que nella cresciam.
actual Estreito de Behring (1), e ainda não conste si . Senam , portan to, tres os povos que occup aram
no polo arctico esteja, ou não . cercad a pelo mar. a~hgamente a America, e talvez tambe m o Brasil.
Na hypothese, porém, menos favoravel, de ter sido E bem natural que, encon trando -se, estes povos se
a America sempr e isolada tanto quanto o é actual - tenham cruzad o;_ nada, porém , podem os affirmar, por-
mente, podem os suppo r que seus habita ntes passar am que nos faltam mformações.
por esse Estreito. Nada mais natural do que terem Auto~es ha que, exami nando os sepulc hros, as
esses homen s avista do algum a das numer osas ilhas armas, a l!ngua e os ?sso~ destes barbar os, preten dem
do menci onado Estreito, e se terem dirigid o para ella. recons truir a sua h1stona desde os tempo s mais re-
Da prime ira ilha ás outras successivamente, o transit o n:otos. Entend emos, t?davi a, que a Historia, para ser
não havia de ser impossível, nem impossível era que di~na deste nome, exige algum a causa mais deter-
os homen s a pouco e pouco se espalh assem pelos mmad a e certa.
immen sos sertõe s da Ameri ca até chega rem ao Brasil.
Sabemos, além disto . em nossos dias, que os 74) Epoc a.-A respei to da época dessas immi-
barbar os da Alaska passam, durant e o inverno, sobre graçoe s e d~sses cruzam entos, nada podem os aven-
o mar gelado , indo dessa peníns ula até á Siberia. turar nem siquer com algum a probab ilidade . Pode-
(') Behring , navegan tc D in amarquez ao servi ço da R ussia,
in cum- mos. é verdad e, suppo r que os phenic ios vieram em
a tk a , des-
b ido em 1725 de ex pl ora r as costas da pe ni sul a K amtch
c ave ri g uou
co briu em 1728 o Estrei to q ue lh e co nserva o nome, (') Vide par. 19.
que a Ameri ca neste lado é se parada d a Asia.
...
96 POVOS DO BRASIL EPOCA I. - TEMPOS PRIMITIV OS 97
tempos relativam ente recentes, e os primeiro s em para o. interior outro povo, que por desprezo haviam
éras muito mais remotas; si, porém, tentarmo s preci- denomm ado tapuya, barbaro
sar de algum modo a data, não consegu iremos e_squi-
var-nos á necessid ade de reconhec er a nossa Ign o- 76) A raça tupy- era o tronco principal de
rancia. q!-le, com raras excepçõe s, faziam parte ou des~en­
dial"!l todas as nações deste immenso paiz. Seguimo s
75) Ethnog raphia. -Co mquanto o estudo das ~qUI de bom grado o _sr. Varnhag en, em cujo ver
línguas nos tenha fornecido alguns meios para a Is_t<;> se d_ed~z. do propno_ nome tupy. Pois ypy sig-
ethnogra phia do Brasil, anterior á época do seu ~es­ mfica pn~c1p1o d_e geraçao, e typy ou tupy quer di-
cobrime nto; é mister, todavia, confe~sar que amda zer geraçao de s1_ mesmo, porque T, antepost o a
luctamos com grande falta de dados para resolver qualquer substanti vo, o torna reflexivo de si mesmo.
numeros as questões. Eram, portant? , O? tupys aquelles que se gabavam
O Sr. Couto de Magalhã es no seu-Selv agem - de pertenc_er a pnme1ra geração ou raça invasora .
admitte uma raça primitiva pura, abatína, e duas Nem. os . diversos no_mes que á primeira vista pare-
mestiças . Os individu as da primeira são grandes, cem m~1car povos d1fferentes, fazem alguma difficul -
robustos e escuros côr de cobre tirante ao chocolate. dade, nao se~?o elles na realidade sinão appellido s
Seus representante~ actualme nte seriam os monda- ou alcunhas Ja de honra e de respeito já de adio e
desprezo, ou indifferentes. '
rucús do Amazonas, os guaycurús de Matto Grosso,
e os chavantes de Ooyaz. Os individu as da s~gunda _ Titul_o de honra er~, por ex.,, tupinqn_zbá-tupy
raça são claros, e de estatura pequena, peculiar ao v~rao~_v1sto como _abq ou namba, significa varão .
valle do rei dos rios. Parte da primeira raça, segundo E po1 Isto q~e os md10s em toda a parte ambicio-
o mesmo autor, se teria conserva do pura até ao pre- navam este titulo, e2 quando se lhes pergunta va quem
sente, parte se teria cruzado ~om outro~ povos em fossem, ou a que naç_ao per!ence ssem,res pondiam quasi
tempos e lagares totalmen te mcertos. E deste cruza- todos que eram tuptnambas. Titulo de honra eraegual -
mento que derivaria m os tapuyas e os tupys. . ment~ o nome guarany - guerreir o-que deriva de
Não ignoram os existir entre os i~dios essa. di- guanny- guerra
versidad e de typo, de estatura e de cor, mas duvida- Outros nomes eram appellido s de respeito como
mos muito que della se possam, ao menos por v. g., ta'!'oyo- :-avô-e se dava aquelles de qu~m ou:
emquant o, deduzir conclusõ es de algu~ valor para trem fa~1am timbre de descende r. Temininó - neto-
a sciencia ethnogra phica. Diremos , pOI?, que essas era ~ titulo assumid o pelos que se gloriava m de
conclusõ es do Sr. Dr. são hypothes es mais ou menos prov1~em dos tamoyos . Observa mos de passagem que,
plausívei s· não mais, porém, que hypothes es, e só po: via de regra, os jovens tratavam de tamoyos -
como tae~ as apresent a o seu illustre autor. . avos-~o~ ~elhos, e estes davam aquelles o tratamen to
O certo é que entre os numeros os povos, habi- de femuuno s- netos .
tantes do Brasil na epoca do seu descobn mento, _Eram títulos tambem de respeito gaaiazes ou
duas eram as raças principae s : a tupy e a guarany. gz~atanazes, que deriva de gaaiá ou aaaianá - ir-
mao ( ) ; amoípir as- parentes afastado ;' ou os de
1
Aquella occupav a o norte e o littoral, esta dominav a
nas bacias do Paraná e do Paraguay . Parece, toda- (1) O nome Guiana tira origem dos guiannzes, habitantes da
via, que ambas eram invasoras, e tinham repellido be ira do Orenoque.
7
98 POVOS DO BRASIL EPOCA I. - - TEMPOS PRIMITIVOS 99
além . v. g., monte, ri?, etc.; ·- ~~ac~s - quasi par~~­ lhana que do Perú desceu pelo Amazonas até o
tes ·-inbeguás- paciftcos,- tuptmqutns - tupys VIZI- Atlantico; si ponderarmos tudo isto, poderemos com
nh~s. - Outros nomes eram alcunhas de de~prezo e toda a razão concluir que os selvagens do Brasil,
de odio, como por ex., tupi'!aem_ - tupy_s maus; f!Za- nessa epoca, eram muito numerosos, e deviam su-
racayás-gatos bravos; - nlze~ngatbas - ll':gu~s rum ; bir, pelo menos, a diversos milhões .
-tapuy-barbaro.-Era por 1sto que os mdws cha- << Não se póde numerar, nem comprehender (diz
mavam aos europeus tapuytitzga, isto é, barbaros Pero de Magalhães) a multidão de barbaro gentio,
brancos . . que semeou a natureza por toda esta terra do Bra-
Outros eram appellidos por si, pouco ma1~ ou sil . e assim como são muitos, permittiu Deus que
menos indifferentes, e denotavam alguma qualldad_e fossem contraries uns dos outros, e que houv~sse
ou profissão da tribu á qual esses nomes se ap~ll­ entre elles grandes odios e discordias; porque, si
cavam. Por exemplo, bugre, termo genenco param- .assim não fosse, os portuguezes não poderiam viver
dicar os escravos, quer dizer portador ~e c~rga, ,e na terra, nem seria possível conqnistar tamanho po-
provem de boharéa ; abijaras- cacet~1ros - 1sto e. der de gente. • Vide Rev. de 1867, p. 2, pg. 66; it.
que manejam paus e cacetes; g~wtqs-navegado­ vol. I, pg. 160 ; vol. 52, pg. 132, it. Mello Moraes -
res- ; gaita-cá-corredores - ; ca-tapos- salteadores hist. dos jesuítas, vol. 2, pg. 240.
dos mattos; jaru -una --: boccas negras-; tupy-una - Fica esta mesma sentença ainda mais manifesta
tupys pretos- ; tupy-tu:ga - tupys brancos - j t!emen- pela seguinte observação .
bés- vagabundos ou noma~es - em opr.:os1çao a9s Quem conhece alguma cousa da histeria do
tabajares- aldéados- q ue v1vem ~I?. ald~as ;-para~ Brasil, entende sem difficuldade que desde o prin-
oa paris- anthropophagos - ; kamns - tnstonhos -, .cipio do sec XVI as causas da mortalidade entre
carumará-sarnentos-: akanpebas - cabeças chatas. - os índios avultaram de um modo espantoso em con-
Caboco ou caboclo parece derivar de caa- boqua. equenc,a do captiveiro a que foram reduzidos, dos
vergontea ou ramo. Emboabas, alcur:ha dada _pelos extermínios justa ou injustamente praticados pelos
indtos aos colonos vem de amboaba, contracçao de colonos, das emigrações a que foram obrigados, e
mb.íe· abá, que sig~ifica homem, isto é, como homem . das guerras em que tiv~ram de derramar o seu san-
gue. Deve-se, por conseguinte, suppor que no prin-
77) Numero.- A falta de informações suffici- pio do sec. XVI o numero dos selvagens era nota-
entes torna impossível calcular com .alguma appro- velmente maior do que em nossos dias. Ora, segundo
ximação o numero dos selv~gens ex1s!entes n.o Bra- os calculos de pessoas competentes e dignas de fé,
sil na epoca do seu des.cobnmento .. S1, todav1a,~ re- existem actualmente nos sertões do Brasil para mais
flectirmos que os primeiros descobndores, des .... e o de tres milhões de índios ainda no estado barbaro.
Oyapock até ao Pr~ta, encontraram por toda a parte Nã'o ig noramos que Varnhagen (L) orça apenas
tribus numerosas s1 obse::nrmos que o mesmo se em am milhão os índios existentes no Brasil na epo-
deu, quer com ;3 hespanhóes que subiram pelo Pa- ca do seu descobrimento, e tenta basear esta affir-
raguay até ao Perú, quer com Cab~ça de Vaca em mação nas duas razões seguintes :-« Em certas pa-
sua viagem por terra, de S. C~thanna para a As- ragens os primeiros colonos exploradores atravessa-
sumpção, com o allemão S~hm1del,~ que atravessou o
sertão desde o Paraguay ate S. V1cente, com Ore- (') IIist. Geral do Brasil, z.a ed ., pag. 12 e q.
100 POVOS DO BRASIL
EI'OCA I. - TEMPOS PRIMITiVOS 101

vam extensões de caminho de 40 .a 50 legua~ sell'!


encontrar gente.-Em qu~lquer patz a povoaçao. so
. outro hespanhol, não podiam deixar de seguir ca-
minho differente na escolha das lettras do seu idioma
toma o devido desenvolvtmento quando os habttan~ para exprimir os sons da língua selvagem.
tes abandonam a vida errante para se entregarem a 79) As propriedades - principaes deste idio-
cultura da terra com habitações fixas ». ma são as seguintes: - 1) é uma língua agglatinante.
A segunda destas razões sae totalm.ente ~o ~s­ Costumam os philologos reduzir as Jingas a tres ca-
sumpto, porque não se trata de saber st os tndt os. tegorias : monosyllabicas, agglatinantes e de flexão .
se multiplicavam ou não ; mas pergunta-se quantos Applicam o epitheto de monosyllabicas ás línguas em
eram? A primeira pode fazer mossa ap.enas em quem que cada syllaba exprime algum pensamento. Chamam
não conhece a extensão do nosso patz, em quem agglatinantes as línguas, cujas raizes primitivas de
nunca lançou os olhos sobre o mappa: v. g., de Matto uma só syllaba têem , quasi todas, perdido o seu si-
Grosso e do Amazonas. Conta hoje o Brasi!, pelo gnificado, quando isoladas; manifestam, porém, algu-
menos, de quinze a vinte milhões de habt.tant~s m~ idéa quando entram em composição com outra
Basta, no entretanto, viajar um pouco pel? mtenor ratz.
de alguns Estados para observar que muitas vezes Denominam :inguas de flexão aquellas cujas rai-
se atravessam terrenos immensos sem se encontrar zes já pereceram todas, de sorte que o pensamento
habibções. só se póde expressar usando nomes de maior ou
Cumpre não esquecer que P.orto Seguro tem menor numero de syllabas, mas que não são uma
sempre em vista a sua these favon~a, a saber: .que raiz. Constituem esta terceira categoria as línguas
os colonos absorveram, não destnmam os selva~ en~s­ européas.
Essa these verdadeira em ambas as partes, st for A' família das línguas agglatinantes pertencem
interpretada em sentido limitado .. fica sen.do falsa entre outras, as línguas sul amer.icanas, nas quaes so-
nas duas, quando se toma em sentido exclustvo como bresahem o qaichua e o tapy-guarany. O quiclzua
a entende Varnhagen. era a língua dos incás, imperadores do Perú. Affir-
mam que se acham nella milhares de raizes do sans-
78) Lingua .-A maior parte da~ numero~as cripto. Esta classificação chama-se morphologica, por-
línguas, faladas pelos selvagens do Brastl, eram dta- que se limita á forma externa .
lectos do tapy-gaarany, que tambem se u~ava no 2) Carece o tupy-guarany das articulações fé, lé,
Perú, no Paraguay e! talvez, até na costa o~tental da ré, vé, zé, fortes, sendo ellas sempre brandas. Em
America do Norte. Dtssemos tapy-gaarany, ( ) porqu e compensação possue quarenta e dois sons vogaes,
uma differe tão pouco da outra, que mal se podem que o P. Montoya indicou pelas seis vogaes com
considerar como línguas diversas. E'. ver~<J,d~ que sete accentos cada uma.
nas obras dos padres, Montoya e Lutz F.tgue~ra, a 3) O accento tem uma influencia muito grande,
differença entre ellas parece nota_vel; essa dtverst~ade, visto como altéra o sentido do vocabulo: v. g., Tapa
porém, não existe tanto a respeito da substancta da significa rêde de dormir ; tapá, raio ; tapan, espírito
língua como acerca do modo de escrever, adaptado supremo (1) Tapaxanma, corda de rêde; tupanxanma,
por e~ses dois autores, que, sendo, um portuguez,
1
( ) Vê-se daqui como se enga nam os qne opinam qne tupá
(escrevendo e pronunciando mal) não significa espi rito snpremo.
(I) Vide Como de ~hgn lh ães, O. C. pag. 41 e seg.
102 POVOS DO J3RAS1L EPOCA I . - TEMPO S PRIMI TIVOS 103
a~
corda sagrad a. P_uq. , cousa redon da; puan, Ievapt , 8) A distin cção de ge nero existe só para os
empin ar. Dond e da-pua, pedra r~don~a ou prego nome s de pesso as ou de anima es. Indica-se por pa-
itá-puan, pedra levan tada em pe.- E tambe m de- lavras differentes como em portu guez: v. g., Mã,
lembr ar que o ~om nasal antec edent e ~az . nasal, ~
o a
g. de nhee, lmgua irmão ; rendéra, irma n; ou pospo ndo-s e ao nome
conse quent e e v1ce-versa: v. palav ra indica dora do sexo. Estas palav ras são apgaá a,
catu bom ~e fórma nheêngatu, porqu e o c de nhee, macho ; cunlzan, femêa : v. g .. lauár a apgaíta, cão·'
sendo na~al, faz nasal o ca de catu, e o converte- iatíara cunlzan, cadella.
9 ) o':G;llS. -- Para forn:a r o ~omparativo
em nga. . · f t pospõ e-
Dahi result a a neces sidad e de msenr , reque n es se ao pos itivo a palav ra ptre, ma1s: v. g . Catá, bom;
vezes por eupho nia, algum a lettra entre uma e. outra.. catupire, bom mais, ou mais bom, isto é, melho r
parte das palav ras comp ostas, e a muda nça rec1proca Pedro catápire João çui, Pedro é bom mais João de ,
das lettras M, P, B. C, G. _ ., ,
~ao: teJ~e·
o u Pedro é melh or do que João .- O super lativo
4) Possú e só quatro ~1umeros, que
o~
forma-se pospo ndo ao positi vo a palav ra été ou ité.R
um; mokoin, dois ; moçap ~ra, tres; eru'!d t, quatl
que, quand o o pos itivo acaba por vogal, exige um
Para exprim irem ~in co, d1~1 il m : A-po,_mao da ge nte; eu1~honico antes de _si : v. g., Caturité, muito bom,.
para dez: ce-po, mmha s maos.: para . vmte ce-po, te-ptr opt1mo. P,oranga bo111to; porangareté, muito bonito
minha s mãos, meus pés. O d_1~tr!~~hyo forma-s~ pela Nlzalzá lllJtcáua caturité, aque lla espin garda é
repeti ção ~o nu!'lleral: y. g., tepe tepe, um a um , mo- o ptima. Alg um a vez omitt e-se o R: v. g. Abá, pes-
koin mokolll, do1s a do1s, etc. ~oa; abaété, pessoa em grau super lativo, isto é, muito ao
Muitos selvag ens mal sabiam conta r até cinco ; lllustre - Para forma r o aug men tativo pospõ e-se
outr~s, até dez; pouco s a.té vinte. qeste n~mer o em positivo a palav ra turussá, gran de ou muito . q ue
mwto ou mwto s. E o nosso perde a prime i ra syllab a, ficand o
deant e diziam tuba, na comp osição
innum era vel, in calcula vel, sem numer o, etc. assá, uasszí ou asslt. A's vezes introd uz-se um c eu-e
5) Toda a phras e in!err 9gativ a. exige ~m~ _desta_s phoni co entre o positi vo e a fórma augm en tati va
l:
parti cu las - talzá, será, ta. Sao parti cuias mte11 ogah- ás vezes tambe m o positi vo perde a ultim a voga
tu v. g ., pirá peixe ; pirau ass/1, peixe gra nde, baleia
vas como no latim ne, an, ut;um :, v. _g. !ens
pão? Habes ne panem ? Rerek o, sera , m_~a,~ e? Tens. Pará, rio ou mar; parau ass/1 ou paraguass1í, rio
tu uma boa espin garda ? Rereko taha tepe mucáu
a. g rande ou mar g rande, ocean o. Mogyguassú, Mogy
·
grand e; marajoassu, maraj ó grand e; igára, canôa
catu?
igarassú, canôa g rande . - O dimin uti vo forma -s~
6) Não existe propr iamen te declin ação de nome sr i:
- pospo ndo ao positi vo a palav ra mirim ou a lettra
indica ndo-s e as divers as relações, como em portu im, ~arac ujá peque no; imirá , pau;
guez, por meio das prepo sições , que _melh or se_ cha- "!· ?,·,(vlaracu jánzi':
ao tmtrat, pau hno, 1sto e, vara. Jacaré, crocodilo;jaca-
maria m posposições, porqu e se pospo em semp1 e réi, cro~odilo peque no. Pirái, peixin ho. Cump re to-
nome . mar cuida do a não confu ndir o i do dimin utivo com
7) O plural dos n<?mes ~o~ma-?e accre sc:nta n- o y substa ntivo que significa licor, agua ou rio. Pois
do-se ao singu lar a partlc ula da, eta ou /zelá . ":· ~
g:
si pirái, v. g .. signif ica peixinho, pimlzy, vale - rio
d~
Oca J casa·I ocaitáI casas. Anan ma, paren te ou am1 go peque no; jacar éhy, rio do

peixe ; Jacaréi, croco dilo
Anan maitá , paren tes ou am1gos. crocodilo.
104 POVOS DO BRASIL EPOCA !.-TEMPO S PRIMITIVO S 105
10) A mais interessante - partic_ularidade dos no- mat-as; ahe o-iuca, elle mat-a; iané iá-iuca, nós ma-
mes consiste no poder de expnm1r, o passado me- t-amos; peen peiuca, vós mat-ais; ahétá o-iuca, elles
diante o suffixo ERA : v. g. Akanga, cabeça i akan- mat-am.
guêra, caveira. isto é, gue. foi cabeça ~ da qual O pronome pessoal geralmente se omitte exce-
fica quanto basta para md1~ar o que fo.1. Anhan- ~to nas primeiras pessoas, nas quaes se une ~o pre-
gá, nome propri<? de ~m gem<? ou demo~ lO; anhan· fixo pessoal : C!za-iuca, eu mato; iania-iuca, nós ma-
auêra feiticeiro 1sto e, que fo1 Anhanga e do qual tamos.
fica ~lguma co'isa, Taba, aldêa; ta~aoêrr;: ou tapêrq,, Ha muitos modos, mas um kro;Jo só, que é o
ruínas de uma aldêa isto é que fo1 aldea. e della fi- pres.ente. Ç>s ?utros tempos formam-se por me10 de
ca alguma cousa. Pi, pelle' do animal vivo; pirêra, parhcu!as md1cadoras do tempo. Estas partículas ou
couro ou pelle do animal morto. adverbws .são : Oyei, hoje, agora; cuéhé, hontem;
N. B. - A euphonia, segundo o genio ela !in· cury, depo1s; ana, antes: v. g. Che a-u ou cha-u eu
gua, exige que nos dois primeiros exemplos o A, ao como; iné re-u OJ'ei, tu comes hoje, agora; ahi o-a
r~ceber o suffixo êra. se mude em u; que no ~er­ caélzé, elle come hontem, isto é, elle já comeu · iané
• • • , -

ceiro se introduza um o entre o nome e o sufflxo. ta-u, o~ wma-11: ana, ~os comemos antes; peen pe-u
I

cury, vos come1s depo1s.


Na primeira pessoa do plural existem duas for-
80) Adjectiv os, pronome s, prep<?siç ões. - mas: uma de\ las indica tanto os que falam como
O adjectivo pospõe-se sempre ao substanbvo. Excep- os que ouvem; outra só os que falam: v. g. iane
tuam-se os possessivos, que se antepõe'!l s~mpre: v._g. ia-u ou iania-u, comemos (nós todos )·I ia-ne ro-u I
Mucáua catu espingarda boa; ce mtape, meu pao. ,
comemos ( nos outros).
- Ha tre~ de~onstrativos que servem, tanto para o Não existe verbo correspondente ao nosso verbo
masculino como para o feminino. São gualzá, este; ser no sentido de indicar a essencia, a existencia etc.·
nhãhá, aquelle i nhãhá amu, aq uelle. oytro. O~ pro - pois· o verbo auxiliar ikó equivale só ao nosso ~erb~
nomes pessoaes são: che ou xe, eu; l!le, tu ; ahe, elle; estat. Vertem-se, por conseguinte, sem verbo as phra-
l·ane'1 nós·J ;.oéen I vós·1 aétá ou ahétá, elles. •
ses que denotam a substancia, essencia, existencia,
As preposirões collocam-se sempre depo1s ~a etc.: v. g. Che cata, eu bom; porque che a-ikó cata
palavra sobre que actüam:. v. ~· Ped:o cqtu ptre não quer dizer que sou bom, mas que estou bom~
João çui - Pedro é bom ma1s J~ao de, 1sto e,, Pedro Ahé o-ikó será cata? Está elle bom?
é melhor do que João. Che a-so ce r~ca kete - Eu . Observamos por ultimo que na composição de
voa minha casa para, ou vo~ para m1~ha casa Che mu.1tas palavras o tupy-guarany assás se parece com
a-só ce roca katé paraná rupt - vo u m1~ha casa para o mglez: v. g. Tupan, Deus; oca, casa; Tupan-oca,
rio pelo, ou vou para min~a casa pe.lo no. Oca,~ casa, casa de Deus ; pacoca, casa ou cova da paca; cara-
toma aqui um i{ euphomco em v1rtude do E que pq,nátuba, ab1:1ndancia ~e carapaná ou mosquitos;
precede. ptracema, sah1da do pe1xe; ubátuba, abundancia de
ubás, (especia de canôa); indaiatuba abundancia de
81 ) Verbo - As terminações pessoaes, que nós indaiás (especie de côco); itámaracá .' maracá de pe-
pospomos á raiz do ~erbo, no tupy-gt~a~any. se an- dra; sengtpe, ferrão do siri ; pirátininga sêcca do
tepõem : v. g. Che a-taca, eu mat-o; me re-wca, tu peixe; itatinga, alvura da pedra, ou pedra branca;
106 POVOS DO BRASIL EPOCA I . - TEMPOS PRIMITIVOS 107

itápira, peixe da pedra; igára-pé, caminho da igára actos paroclziaes, composto por padres doutos da Com-
(especie de canôa), e por isto riach o, arroyo o u panhia_ de J esus, ape1jeiçoado, e dado á luz pelo padre
corrego. Antonw de Arat!JO da mesma Companhia, emendado
nesta Sef!unda impressão pelo padre Bartholomea de
82) Trabalhos principaes sobre a lin gua Leam, da mesma companhia, Lisboa 1686».
tupy-guarany.- • Os Padres jesuítas hespanh óes e « Orammatica da Lingua geral dos índios do
portuguezes foram os unicos que na antiguidade es- Brasil ~omposta pelo padre Luiz figueira, reimpressa
tudaram as línguas selvagens . O mais antigo e, a na Bahia en: 18~1 aos esforços do Sr. João Joaquim
todos os respeitos, precioso monumento qu e possui- da S~lva ÜUimarae~. No meu pensar, o padre Figuei -
mos em portug uez, é a Orammatica do jesuíta padre ra nao conheceu tao profundamente a língua, quanto
José de Anchieta, o mais notavel dos antigos catechistas o padre. Mo~toy~; comtu_do na gram matica propria-
. .. Em seguida a esta obra as mais preciosas são in- mente d1ta, 1sto e, na phllo:;ophia da líng ua me pa-
contestavelmente as do padre Anto ni o Rodrig ues. rece que elle é supe_rior _ao d_ito ~adre Mon'toya . _,
Montoya, jesuíta hespanh ol, filho de Lima, e que • Este Padre LUiz f 1gue1ra e um desses v ultos
floresceu no primeiro méado do sec. XVII. Escreveu a ~ ge li_cos, q~e i_Il uminam as primeiras paginas da
elle: - Arte e vocabulario de La Lengua gaarany, h1stona dos JesUitas em nossa terra; já ve lh o e can -
Madrid, 1640 . A segunda edição traz acres - çado, não cessava de viajar pelos sertões do Brasil
centamentos debaixo do titulo de escolios, escriptos para c~techizar e doutrinar os pobres brasfs, como
pelo P. Paulo Restivo da Companhia de Jesus, 1724. com Sincera t_e rnura os denominava no pro logo da
- 2) Tesoro de La Lengua guarani. E' a obra mais sua g ramm abca. Oosou _da. gloria do martyrio; foi
completa e o mais profundo estudo sobre a língua; é morto e d evorado pelos 111d1genas da ilha de Mara-
um monumento que ha de passar ás mais remotas. já no Pará ».
éras, si não perder-se agora; só com seu auxi lio (( Além destes trabalhos que se referem ao tupí
seria possível restaurar a I_in gua, ~ i e li a se perdesse .. . ou g u:::.raní, existe um mui curioso e importante so -
3) Catecismo de La doutnna chrtstan. Ha duas edi- bre_ um gra nd e dialecto da língua, que era falada
ções uma de Madrid que deve ser do mesmo an no antigamente em grande extensão do Brasil: referimo-
1640 e uma de S. Maria Maior, augmentada pelo nos á líng ua kiriri; tem por titulo: Catec/zismo da
mes~o jesuíta, o P. Paulo Restivo, já citado 4) doutrina clzristã na Língua brasileira da nação kiriri,
Sermones de Las dominicas e del afio e jiestas de Los composto pelo padre Luiz Vincendo Mammiani da
índios . .. » Companh ia de Jesus, missionario da provinci ~ do
«A's obras deste seg uem -se as dos outros mis- Brasil, Lisboa 1698. » (1).
sionarios portug uezes. Não sei qu e exista um só . Entre ~sobras contem praneas, possuím os o Diccio-
exemplar das grammaticas de Manuel da Veiga, e nano da llng ua tupy por A. O . Dias· Crestomatlzia
Manuel de Moraes ... A bibliotheca flumin ense, e da líng ua brasilica pelo Dr. Ernesto ferreira f'rança ·
creio que a do Rio de Janeiro, possue um exemplar Olossaria linguaram brasiliensium do Dr Carlos Fre~
do catechismo g rande dos jesuítas, pelo qual el les en- derico Martius: Vocabulario da ling ua indígena geral
sinavam a doutrina christan a nossos selvagens. Essa
obra tem por titulo: Catecismo brasilico da Doutrinr;z 1
( ) Couto de i\Jagalhães, O Selz•agnn, edição do Ri o de J a neiro ,
Clzristã, com o ·cerimonial dos Sacramentos e maLS !87 8, pag. s8-6z.
POVOS DO BRASIL E PO CA I . - TEMPOS PR1MlTIV OS 109
108
para o uso do Seminario Episcopal do P~rá. pelo suspeitar da necessidade de tal demonstração passa
Padre M. ]. S.; qramr'!atica da lin~ua md1gena a falar da descoberta de urnas funerarias enco~tradas
para uso do Seminano Ep1scopal do Para pel~ coronel no fundo de uns aterros existentes no Matto Grosso
faria, etc. Existem muitas outras obras, relat.1va~ tanto e. n.o Amazonas -· descoberta que, si baquear o prin-
ao tupy-guarany <:omo ao qui,chua. e ma1s .lm 1 uas CipiO fundamental. prova bem pouco ou mesmo
sul-americanas · de1xamos, porem, de menc10nal-as na~a. Appella, é verdade, para a philosophia e a his-
para esquivar-~os á prolixidade (1 ). !ona. ~as de um modo tão vago, que se torna
llnposs1vel entender o que quiz dizer. Pois affirma
83) Periodo de ciV Ilização.- Aff!rmam di- que a philosoplzia demonstra . . . Onde? De que
versos autores contemporaneo s que os ltldlüs. do modo? Com qual principio? Desculpe-nos o Sr. Dr.,
Brasil no começo do sec. XVI_ se. achavam no penodo mas cremos que a philosophia nada demonstra a
de civilização chamado neoldh~co (pedra _noya) ou este res peito. Em todo o caso incumbia ao Sr. Couto
da pedra polida, e que. do per~odo p_aleoldhtco (pe- a obrigação de mf?Strar onde e como é que a phi-
dra antiga) ou da pedra lascada, amda nao se ~ncontrou l~sophla faz tudo 1sto. Nem vale invocar os princi-
indicio algum. O Sr. Couto de Magalhaes, entre p~os de ~oussea~t, porqu ~ Rousseau é um philosopho,
outros, sustenta que esses barbaros d~v1~m ter passa- nao a phtlosoph1a. Por 1sto o Sr. Dr. neste caso não
do em outro paiz o período paleoldluco e o pasto- devia dize r que a plúlosophia demonstra, etc- mas' sim :
ril. porque, diz elle, estes precedem sempre o da conforme o.s pr(ncipios de alguns plzilosoph~s, etc.
agricultura que era o de nossos selvagens n.essa E a h1stona? A historia com factos bem certos e
epoca . • Toda a raça que é encontrada no penodo determinados prova inteiramente o contrario isto é
em que usa de metaes, teve sua edade de pedra. q u~ existiram juntamente a agricultura e a vfda pas~
Toda que é encontrada com instrumentos de pedra tonl; o uso dos metaes e da pedra, quer polida, quer
polida, teve seu .peri~do d.e pedra lascada A lascada.
philosophia e a 1_11sto~1a enstna1:1 q~e f? homem em Essa Mestra da vida, com effeito, logo no começo
relação á indus.tna allmentar ,fot pn~ne1ro caça?or e refere que, dos filhos do primeiro homem, Caim e Abel,
pescador, depois pastor, e so depo1~ de .havei pe;- um foi pastor; outro agricultor ; que Tubalcaim, filho
corrido esses dois períodos é que f01 agncultor '' ( ). de Lamech, descendente de Caim, foi artífice illustra-
E' destes princípios .qu~ o Sr. Dr. pretende de- do em .
todas as obras de bronze e de ferro I sem
duzir a prodigiosa ant1g~1dade dos. selyagen~ do menciOnar que antecedenteme nte tivessem passado,
Brasil, suppondo-os. antenores. ~o p1op:1o Adao, e ell~ ou os ~eu.s ascendentes, pelos períodos paleoli-
dando por necessana uma revtsao dos ltvros _ sagr~­ t/uco e neoldluco. Na epoca de Moysés e de Josué
dos para ver si o primeiro homem a~aso n~o seJa os hebreus já conheciam os metaes e o modo d~
mais antigo do que se tem pensado ate ag01 a: fundil-os, visto terem no deserto feito um bezerro
Parece-nos muito claro que o Sr. Dr. dev1a an- de ouro. Usavam , todavia, tambem da pedra como
tes de tudo demonstrar o principio sobre que ~asea se deprehende do capitulo quarto do Exodo: onde
a sua theoria. Elle, pelo contrario, sem nem stquer Moysés relata que Sephora circumcidou seu filh o
com uma faca de pedra. Isto mesmo póde observar-
(') V•de-Ann aes da 13iblio Leca nac i<>n nl, vo i. V![(, pa g. 144-211 se no capitulo quinto do livro de Josué, em que
(') O Sclv ~ ge m , pag. 24 e 28 . Deus ordena a esse illustre capitão aprompte facas de
POVOS DO BRASIL EPOCA I. ~ TEi\IPO S PRIMIT IVOS 111
110

pedra para circum cidar o. povo que,_ tendo nascido os instn~mentos grosse iros ou de pedra lascada , per-
no deserto, ainda não tinha cumpn do com essa tencem a epoca dos gregos , ao passo que os polido s
cerimo nia legal. são de epocas anterio res. Dahi ell es estabel eceram o
Segund o o testem unho u_nanime do~ egypto logos, criterio seguin te: Um utensílio de pedra é tanto
os habitan tes do valle do Ndo con_hect~m os_ meta~s mais antigo, quanto mais polido. O Sr. Couto, pelo
desde a epoca remotí ssima do anhgo tmpeno , e os contrar io, assume gratuit amente como princip io que
empreg avam na agricul tura, nas artes, na caça, na um instrumento de pedra é tanto mais antigo quan-
pesca, nos ornatos , etc. Usavam , comt~do . no mes~o to mais grosseiro/ Já se vê que são bem accord es!
tempo instrum,entos de pe_dra, madetr a, osso, chtfr~ De outros povos que se serviam da pedra, posto
etc . . Que dira o Sr. Dr., st lhe transcrevermo~ aqut qu e onhece ssem os metaes, falam diverso s autores
um trecho de um egypto logo, não menos sabto do como Tacito, Diodor o da Sicília, Herodo to e outros:
que insusp eito? Omitti mos particu laridad es para não abusar mos da
E' o illustre Chaba s que, no cap. V de seus - pacien cia do leitor.
E' tudes sar l' antiquité lzistoriqu~ d' qpres, l~s s~urces A respei_to d_o períod o pastoril observ amos que,
E'gyptiénes et les monuments reputes pr~lztst~nques, segund o a htstona de todos os paizes conhec idos,
fala do modo seguin te:- « O Egypto htstonc o de- quan do um povo chegou a ser pastor, isto é a do-
monstr ou que elle (o Egypto ) ~a.zta uso. de todos os mestica r alguns animae s, nunca mais torna' a se-
utensíl ios dos tempos prehist ?ncos: havta-se, no _en - parar-s e inteira mente delles, porque o animal do-
tretanto , suppos to que esses mstrum entos perte~ctam mestic ado é de grande vantag em ao homem . Par:t
á barbar ia, ou que, pelo menos, provava~ a tgno- conhec ermos este facto não precisa mos recorre r aos
rancia dos metaes. Si estuda rmos com attença o sempre povos antigos Observ e-se o europe u que desde o
maior as descob ertas desta ordem, ficará sempre princip io do sec. XVI em igrou para a Americ a. Não
mais confirmada a coi!xistencia de instrumento~ de encont rou, nem o cavallo, nem o boi, nem as ov.e-
pedra de osso e de metal Quand o o Sr. Manet te l~as, nem o cão, nem _o gato, nem a gallinh a; tudo po-
viu q~te os barbeir os de Abydo s rapava m a barb_a rem, elle trouxe coms tgo, porque sentia a necess idade
com navalhas de pedra, quando os arabes de Quout - de não se separa r desses animae s tão uteis e de certo
nah lhe mostra ram as pontas, egualm ente dé: pedra, modo necess arios á sua subsist encia. Este mesmo facto
das lanças dos beduín os, pareceu-lh_e ser transpo rta- repete- se hoje, para não f~larmos de outros paizes,
do para a edade da pedra, e conclu tu que no Egypto na Alaska, aonde os amenc anos, embor a com muita
essa edade da pedra correu sob os plzaraós, os gre-, difficuidade, tentam introdu zir o gato o boi o ca-
gos e os romanos; perseverou sob_ os arabes, e ate vallo, e outros animae s domest icas. ' '
certo ponto permanece em nossos dtas ». Os selvage ns do Brasil não tinham nenhum ani-
Os sabios que visitara m o Egypto no seculo XIX, mal domest ico. E' força, portant o, admitt ir que, ou
encont raram em cidade s outrora floresc entes, nu_me- nu~ca foram pastores, ou constit uem uma excepç ão
rosos instrum entos de pedra: alguns tão grosset ros, umca entre todos os povos conhec idos.
que se podem classificar como pedra lascada ; ?utros
tão perfeitos, que se d~vem C<?llocar entre os mstru-
I}\ histeria , portant o, depõe com a maior ev-i-
mentos de pedra poltda. Pots bem: sabe agora o dencia contra as affirma ções gratuit as do Sr . Couto
nosso autor o que estes sabios observ aram? E' que de Magalh ães, porque e11sina com toda a clareza ser
112 POVOS DO BRASIL

falso que o homem tenha de passar successivamen te


por esses periodo s, paleolithico, neolithico, pastoril,
etc. (1).
84) Tabas - As aldêas dos indios chamava m·se
tabas; eram geralme nte fechadas por uma cerca de
pau a pique, cahiçara, co m uma uni ca entrada . Só
alguma s tribus do Paragua y faziam fojo em roda de
suas morada s. A taba co nstava de un s poucos de
ranchos, óca, disposto s circular mente em torno de
um a praça, ocára, e coberto s com folhas de pindoba .
Tinha uns cincoenta metros de comprid o, cinco de
largo, quatro de alto, sem di visão interna. Em cada
rancho existiam, junto ao tecto, giraus ou alpendr adas,
em que se guardavam os utensílios domesti cas, e se
recolhia m os comestíveis. Cada um commu nicava
com a praça por meio de tres abertura s ou portaes
sem portas . Nesse rancho armava cada famíli a suas
rêdes, e accendi a o fogo sem chamin é. Caso que o
togo se apagasse, o accendi am de novo pela fricção
aturada de dois paus . Colloca vam a este effeito no
chão um pau bastant e firme, e em uma pequen a ca-
vidade, netle praticad a, introdu ziam outro, ro li ço, bem
duro, que faziam rolar, mui forte e velozm ente entre
as palmas das mãos até se produzi r o lume . A mu-
dança da taba, que, por via de regra, se effectuava
de quatro em quatro annos, devia resolver-se no con-
selho da tribu inteira . A taba abando nada denomi -
nava-se tabaoêra ou tapêra, que foi taba e della fica
alguma cousa. No Alto Paragua y e no Amazonas
havia tribus que viviam no meio dos rios em casas
construídas sobre esteios.
85) Seus princip aes utensíl ios domes ticas
-era m o patinguá, panicú ou panacú, canastra de
palha que servia de arca; talhas ou iguaçabas, potes
( 1) Vi de o H o mem pre bi storico na no ssa IIi stori a Un ive rsa l,
ite m R ev. d e r 8 56, pg. 51 0: q uaes os a n imaes introdu zid os
na
A merica p elos c o n qu i s tad o r e~.
fi
!
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.

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EPOCA L-TEMPOS PRIMITIVOS 113

para guardar licores ; têstos para cozer a mandioca ;


cuman, panellas de barro ; cuyambuca, cumbuca ou
cambuca para guardar farinha; cuyas que serviam de
de copo, prato etc .; mussuranas, cordas de algodão
ou de embira ; a rêde de dormir, kyçaba; o samburá,
jacá, etc Algumas tribus, não conhecendo a rêde~
dormiam sobre uma esteira, pembi .
86) Os instrume:!tos de musica - eram a
inubia, buzina; o uay, tambor, geralmemte oblongo ;
o mimby, flauta simples, feita de algum femur ou
tíbia; o torô, flauta dobre e triple, feita de taqúara;
o maracá, cabaça quasi cheia de pedrinhas, enfiada
em um cabo de pau, e ornada com pennas de guará.
87) Usos, costumes, etc. - Mostravam-se os
selvagens extremamente hospitaleiros e generosos. Vi-
gorava entre os da mesma tribu uma verdadeira fra-
ternidade communista Andavam em completa nudez,
e pintavam o corpo em formas caprichosas ; sarja-
vam-no com dentes de cotia, e, afim de tornar du-
raveis essas sarjaduras, punham nellas umas côres
emquanto frescas . Log o que praticavam uma faça-
nha, faziam novos riscos com o intento de perpe-
tuar a sua memoria . Alg uns furavam os beiços, prin-
cipalmente o inferior, as ventas e as orelhas, pondo
nos buracos um botoque Applicaram-lhes, pois, os
europeus o epitheto de botocudos . Taes botoques
eram de pau, de osso, de pedra polida, de barro co-
zido ou de ambar . Outros costumavam esburacar
as faces, mettendo nestas, de dentro para fóra, den-
tes de animaes.
Lustravam o cabellE> un ando-o com azeite, e
o aparavam mui regularmente por uma linha que
passava pelo cimo das orelhas . Alguns deixavam
crescer a guedelha, ao passo que outros usavam
de cercilho ou coroa, e por isto os nossos lhe dé-
ram o nome de coroados. Tinham em geral os
sentidos mui apurados e os instintos mui agudos.
i
114 PC!VOS DO BRASIL
EPOCA I. - TEMPOS PRIMITI VOS 115
«Eram todos de estatura ordinaria, reforçados e bem
feitos; de aspecto tristonho, olhos _pequenos, . com 0.> chefes usavam de cocáres (a çan-gatáres) que lhes
frequencia negros, encovados, e ergUidos, po~ vta. de cobriam o craneo até ás orelhas; nos pés uns orna-
regra no angulo exterior, como na raça mongoltca; tos de certos fructos que tiniam como cascaveis. Da
sobr~lhos estreitos e mui arquead os; orelhas gran des, cintura pendia, pela parte posterior, uma tanga de
cabello liso, seguro e sempre negro, bem con:o as plumas de ema Alguns se cobriam com açoyaba,
barbas que arrancavam por costume , e bem asstm os especie de manto feito de pennas .
cabellos do corpo, pestanas e ~obrancelhas~ ficando
lampinhos; dentes alvos e perststentes, e pes peque- 89) Traba lhos, caça , pesca , etc.-0.> homens
nos . (1). faziam muito uso do _tabac_o _de _fumo~ dos apromptavam as armas, iam á guerra, faziam a roça
banhos ; dedicavam-se com mutta patxao a mustca, ~ e tratavam da caça e da pesca. Occupavam-se as
dança e a toda a sorte de folga; pouco ou q uast mulh eres das sementeiras, plantaçõe:> e colheit as;
nada, ao trabalho Eram geralmente to_d<?s _antropo- fiavam e teciam; fabricavam a farinha, as bebidas es-
phagos pelo odio que votavam a seus tntmtgos ;_ os pirituosas e os utensílios caseiros.
tapuyas, porém. outrosim por gula . Estes comtam Para a caça usavam frechas, esgaravatana, fojo e
seus páes e outros paret~tes qu~nd_o acabrunhados bolas. A esg.1-ravatana, que ainda hoje se emprega
pela velhice ou doenças mcuravets, julgando prestar- no Alto Amazonas, é um tubo ôco, tendo mais de
lhes deste modo um acto especial de piedade ! . dois metros de comprimento, com que por meio do
Cultivavam os índios o cará, algodão, ~tlho . sôpro disparavam settas finas ou puas, cujas cabe-
feijão e a mandioca ; conheciam a arte ceran:tca e ças estavam envoltas em pequena quantidade de al-
o fogo, do qual se servia~ em num_e ~osos mtsteres jzodào ou sumaama. Com esta arma caçam, e nós
da vida. Parece que não tmham noticta dos metaes, ti vemos occasião de vel-o, laga rtos, passaros, ratos,
porque quando os viram no poder dos _europeus, etc . No fojo, que empregavam tambem como meio
lhes déram nomes cuja radical é sempre dá, pedra. de defesa, apanhavam animaes bravos Abriam uma
Assim denominaram o ouro itá-jubá, pedra amarella; cova bem alta ; punham no fundo puas, estrepes e
o ferro itáana pedra negra; a prata, itá-tinga, pe- outras cousas que in commodassem ao inimigo ou á
dra br~nca; o 'cobre, itá-jubárana, pedra de amarell o caça; cobriam-na com rama ou caniçada subtil, e uma
tona de terra. O animal ou inimigo, passando por
falso . cima. :::ahia dent:-o, onde facilmente o prendiam ou
88) Ornato s. -Usava m, como ?r.na!os, fios de tmtavam (!) .
contas brancas, feitos de dentes de tntmtgos ou de Na pesca grossa empregavam a frecha, mergu-
animaes ferozes ; pennas vermelhas, amarell as, azues, lh ando atraz della logo que a tinham despedido, ou
brancas etc. grudadas no corpo . Quando o selva- acompanhando-a de um fio com uma palheta no fim,
gem q~eria vestir-se de grande gala, cobr_ia o corp? que, boiando, mostrava por onde ia o peixe fisgado.
de gomma com que segurava pennas mmdas, pn- Arremettiam, ás vezes, os tubarões a nado, encaixan-
morosamente coordenadas por suas côr~s. Tambem do-lhes na guela um pau agudo, afogando-os por
untavam a pelle afim de parecerem mats formosos. meio delle, e atirando-os á terra . Pescavam tambem
com uma especie de rêde, piçá , e com anzóes, piná
(I) VarnhagP.n, p. 26.
(') Vide Armas, par. 99 .
116 POVOS DO BRASTL EPOCA I . - TEMPOS PR IMITIVOS 117

ou pindá; donde veiu o chamar.em se pindaJ:zonha- bebidas era caju-y, alterado posteriormente pelos eu-
gaba as pescarias feitas com anzóes, e tambem o Jo- rope~s em caui~n . .Afim de facilitar a fermentação
gar em que se faziam esses instrumentos de pescar ('). n:asbgav~m pnmeiro esses fructos, como praticam
Nos rios embebedavam o peixe lançando na amda hoJe. Contou-nos um missicnario do rio Napo
agua a planta tingui ou achas de timbó machucadas. terem uma vez tentado fabricar essas bebidas sem
Moqueavam (2 ) o peixe, e, limpo das espinhas, re- m~stigar os fructos, mas .a fermentação sahiu muito
duziam-uo a pó, e preparavam com elle uma certa rUim . folgamos em achar esta mesma noticia na
massa ou farinha chamada piracué, que se conser- obra de Lerv, o qual refere ter feito elle mesmo esta
vava por longo tempo . O mesmo praticavam com a experiencia com identico resultado
carne . Co miam em silencio, bebendo agua só no fim.
Em certos mezes do anno forneciam-se de ma- Res~rvavam. o cauim .para as grandes festas, quando
riscos em grande escala, separando-os da casca, que bebiam muito e comiam pouco . Os morubi-xabas
amontoavam no proprio Jogar da pesca . E' de lá ou chefes sustentavam-se á custa dos seus vassallos
que tiram origem as celebres casqueiras e ostreiras, e tomavam suas refeições quasi sempre recostados.'
que ainda hoje subministram tão grande copia de cal. Os outros comiam de gamella em commum, pondo-
Em ostreiras do littoral, já cobertas de arvores secu- se de cocor~s no chão. Conheciam alguns o uso do
lares, enconcontram-se ossadas humanas E' facil sal, e o fa~ncavam apurando ao fogo agua salgada;
concluir dahi que, quando fallecia algum indi viduo todos, porem, em gera l empregavam como tempero
durante a pescaria, enterravam-no nessas casqueiras ou môlho uma certa massa feita com pimenta deno-
ou semambitibas (5). minada jukiray

90) Comid a e bebida ,-Fabricavam bebidas . 91) Nas doenças - curavam -se com dieta de
espirituosas do aipim, do milho, dos cajús, dos ge- mmgau, e até com abstinencia completa . Sangra-
nipapos, das bananas da terra ou pacovas, etc . (') vam-se com o dente da cotia, ou com uma lamina
que chamavam aJ'PY·J', auaty-J', cajll-J', janipa-y, pa- de crystal de rocha Curavam as feridas e as mor-
cova-y, a saber: licor de aipim, milho, cajú, genipa- deduras aqu~cendo-as ao fogo Procuravam deste
po, pacova, etc. O nome, todavia, generico dessas modo. certa mflammação e insensibi lidade local para
extr~hu· os humores ; depois as faziam fechar e ci-
C) Piçá. rêde de pescar; itica, apanhar; p içáitica, apanhar ou catnzar com oleo de copaiba. Para promover o suor
pescar com rêde Piná <•U Pindá , anzol: m on!wn, fazer; g aba, Jo- punham-se ao fumo collocando fogo debaixo das
gar; Pindámonlwgaba, Jogar em que se pesca a anzol, ou se fazem
anzóes .
rêdes em que dormiam . Si o enfermo se achava em
( 2) liioquear é assar ou sêccar no moguem. Pratica se dest e perigo, abandonavam-no á sua sorte Tanto na do-
modo: Fincam-se no chão quatro pau s altos uns dois ou tres metros: ença como em qualquer outro trabalho ou padeci-
forma-se mur.a respeitavel altura, com algumas varas rijas, uma mento, blasonavam de mui soffredores. O defunto
especie de grade ou girau, sobre o qual se colloca a carne redu -
zida a pedaços soffrivelmente finos: accende· se então no chão um carpiam-no as mulheres, que, em signal de lucto
fogo lento, e de vez em quando vira·se a cacne, que vae derra maneio dispunham, durante algum ·tempo, o cabello de ou~
a sua gordura, até ficar, por assim dizer, pas;ada. tra forma O homem nunca devia chorar . O ver-
(") Vide Rro., de 184o, pag . 522; it. de 49, pag. 872 e 374 ; dadeiro bravo tinha de ser completamente insensível.
Fr. Gaspar, pag 20.
(' ) Banana é palavra africana; pacova, brasilka .
118 fOVOS DO BRASIL
EPOCA I. - TEMPOS PRIMITIVOS 119
92) Casa mentos. - Existiam entre os índios 94j Se pulchros.-Todos tributavam escrl!pu-
laços de família, e até impedimentos matrimoniaes. loso respeito ás sepulturas dos seus. Algu mas tnbus
Cifravam -se estes na comanguinidade proxima, a sa- enterravam os mortos nos proprios ranchos; outras
ber: mãe, irma n e filha. Quem desejava casar com possuíam cemiterios regu lares. O parente mais che-
alguma donzel la devia pedil-a ao pae, ao qual tin ha gado abria a cova; a rêde servia de esquife. Os prin-
de servir todo o tempo que elle exigisse. Nenhuma cipaes enterravam-se cobertos de pennas, e com todas
cerimonia re ligiosa santificava este grav1ssimo acto as armas. As tribus, que não faziam uso da rêde,
da vida humana e socia l. festejava -se o dia das punham o finado de cócoras com todos os seus tra-
nupcias com bailes e baccanaes. A condição da mu- jas dentro de uma talha de barro. Applica-se hoje
lher relativamente ao marido era a de uma e~crava. particularmente a estas talhas o nome de cambuchis ou
Com quanto fossem pe1 mitt idos o divorcio e a poly- camucfns , que os selvagens davam a todas as talhas
gamia, a primeira mulher considerava-se sempre su- pintadas, e que chamavam tambem iguaçabas; po-
perior ás outras. A viuva pertencia de direito ao irmão rém o termo geral tupico, para o jazigo dos cada-
do fallecido, si elle a preferi~se; do contrario, r-:odia veres, era t ' bJ', terra propria ou de si ll!esmo, e o
contrahir novas nupcias cor. quEm quizesse. Caso dos cemiterios t' ibycoêra, a saber: que fo1 terra pro-
não achasse novo esposo, passava para a classe das pria, e da qual fica alguma causa.
velhas. A mulher, logo depois de dar á luz, ia com
seu filho lavar-se no rio, ficando o marido, r.;or di · Como acreditassem que a alma continuava a
ver~os dias, de re~guardo na rêde, ccrr.o si estive~se
acompanhar o corpo dentro do tumulo, conservavam,
doente. O pae den ominava ao filho, tai'ra; á filha, durante algum tempo . ao finado, fogo acceso, e pu-
tagira, isto é, filho do meu sangue; a mãe, çorém, nha r.J á ;;ua disposição comida. bebida c fumo. Além
chamava ambos, membira, isto é, filho que produzi. disto, os que enterravam em talhas, cobriam o rosto
furavam ao recem-nascido o beiço inferior, achata- do cadaver com um prato concavo afim de que a
vam-lhe o nariz, e o deitavam na rêde com suas alma não ficasse suffocada.
a1 mas, onde a miudo lhe estiravam os braços e as
pe1 nas para t01 na!- o forte e agil. A mãe creava o 95) A fórma de governo - era a patriarchal
filho até nova gravidez, e, si esta demorava, o co/umi ou da tribu . O morubi-xaba (1) ou chefe da tribu
(menino) ia mammando por sete ou oito annos. Os era electivo. Tinha autoridade absoluta em tempo de
fi lhos seguiam sempre a condição do pae, nunca a guerra; moderada no de paz, visto como para todos
da mãe; de wrte que os filhos das escravas eram os negocios de algum relevo devia consultar a assem-
livres; quando o pae o era . Os paes gosavam na bléa ou conselho (nheêmongaba 2) dos principaes.
communidade de tanto maior considerilção, quanto Não havia legislação positiva; tudo se regulava de
mais avul tado era o numero dos filhos que creavam. conformidade com a lei natural, interpretada pelo uso.
Existiam bem poucas relações sociaes. A offerta
93) N ome s.-Aiém do nome recebido ao nas-
cer, que era quasi sempre o de um animal, planta,
rio, etc., cada individuo, quando ia á guerra, tomava
um nome guerreiro, e, a cadd acção heroica praticada,
accrescentava mais um titulo ao nome.
I do tabaco de fumo e o correr a mão pela cabeça
( 1)
dores.
.ilforubi. li dador; xaba, chefe j morubi-xaba, chefe dos lida -

(') Nlteé, lingua; mon , fa zer ; gaba, Joga r ; nh eê mongaba, lo-


gar de fazer a lingua, pa rlamento,
120 POVOS DO BRASIL EPOCA I. -TEMPOS PRIMITIVOS 121

de quem saudavam, eram signaes de amizade. Como que deriva a palavra caipóra.-Os curupiras dirigiam
não possuíssem numeraria de alb"uma sorte todas as os pensamentos, defendiam as florestas e armavam
transacções comrnerciaes se effectuavam em' generos. laços de toda a sorte.-Os maraguiganas annuncia-
vam a morte, etc. Havia tambem o ]urupary, o Sacy-
96) Religião .--Segundo alguns autores os in- Ceréré, o Enzhoitatá, o Urutáu, e muitos outros,
dias do Brasil não professavam nenhuma religião· cujas attribuições em geral eram maleficas. Algumas
outros, pelo contrario, os pintam corno extremament~ tribus adoravam o nzaracá como verdadeira divin-
religiosos. Essa divergencia de opiniões procede de dade; outras, a onça, o papagaio, etc.
não s~ distinguir entre os extremos. E' certo que não Commummente todos eram muito aferrados ás
pos_sUiam templos, nem ritos religiosos propriamente praticas supersticiosas. Tomavam no:a dos sonhos
sociaes. com temerosa credulidade. Cuidavam se tornariam
Não se pôde, no entretanto, duvidar que reco- inertes, si tocassem urna coruja, e daria á luz gemeos
nheciam e adoravam a divindade, embora de um a mulher que comesse um grão dobrado de milho
modo muito vago e grosseiro, como se podia esperar miudo. Attribuiam os eclipses a um tigre e a um
de povos reduzidos a semelhante estado brutal. Dizer canzarrão que perseguiam o sol e a lua afim de de-
com Varnhagen que não tinham religião, porque vorai-os. Olhavam, por conseguinte, com o maior
não conheciam um Deus, unico, creador e remune- espanto para estes phenomenos, receando que as feras
rador, é pretender o impossível. Sabemos que suas conseguissem o seu intento.
idéas eram muito vagas e incompletas mas entre ter Tinham algumas idéas muito vagas a respeito
idéas claras e distinctas de uma cous~ e não ter ne- da vida futura e da origem das causas. falavam
nhuma, ha uma grande distancia. egualmente de um diluvio universal, mas de um modo
Algumas tribus do norte parecia tributarem uma muito grosseiro. «Têem, diz o P. Nobrega , rnemoria
especie de culto ao sol, á lua e a diversas constella· do diluvio, porém falsamente, porque dizem que,
ções. Em geral, todos attribuiam a Tupan o supremo cobrindo-se a terra de agua, uma mulher com seu
poder; a outras divindades inferiores. uma influencia marido subiram em um pinheiro, e, depois de min-
secundaria, ora boa, ora má. De seus numerosos goadas as aguas, se desceram, e destes procederam
deuses ou genios de segunda ordem, apontaremos todos os homens e mulheres ». Vê-se assaz claro que
apenas os seguintes :- Anlzangá, o perseguidor dos estas ideas s3.o uma languida rerniniscencia da tra-
ma~eficos e dos destruidores da caça, que elle pro- dição primitiva. Deparamos com recordações seme-
tegia, era representado por um veado branco com lhantes tambem entre os selvagens da America do
olhos de fogo. - Os macaclzeras vigiavam os cami- Norte.
n~c:s, e ac<;>mpanhavam os guerreiros em suas expe-
d!çoes belh_cas. - Os caaporas presidiam a caça do 97) Sumé. - Existia em todo o Brasil, melhor
mattc:; habitavam ~m tocas de arvores; appareciam diríamos, em toda a America do Sul, a tradição de
em forma de menmos ou de gigantes, cobertos de que apparecera entre os selvagens um homem extra-
pêlos negros até no rosto, e montados em um tapyr
anta, ou caltetà, porco do matto, precedido sempr~
por vagalumes. Quem se encontrasse com um delles
r ordinario, denominado Sunzé; ensinára o uso de
varias causas uteis. particularmente da mandioca; e
se retirára, porque fôra perseguido. Mostravam os
seria desgraçado em tudo. E' desse nome, parece; índios em diversos Jogares umas pegadas impressas
122 POVOS DO BRASIL EPOCA I . - TEMPOS PRIMITIVOS 123·
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na pedra, asseverando que foram deixadas por esse 98) Pagé.-Representante da religião, o page,
varão. Os missionarios, sendo um delles o grande piaga ou caraiba, possuía illimitada influencia, visto
P. Anchieta, affirmam tel-as visto. Os índios do Perú como se suppunha que conhecesse o futuro todas
contavam que esse homem viera do Pacifico. Seria as doenças e seus remedios; dava-se por medianeiro
elle S. Thomé? Certamente não é impossível, nem entre a divindade e o homem, e bem assim por
faltam razões de congruencia para o suppor; não senhor dos raios, das estações, da vida e da morte.
temos, porém, informações sufficientes para o referir Na realidade, porém, era apenas um impostor. Quem
positivamente como facto historico (1). ambicionava essa dignidade devia, antes de recebei-a
pas~ar por dura iniciação habitando em logare~
(') Cumpre aqui distinguir tres cousas :-1) o facto de ler este escuros e remotos, só, nu, sem lavar-se, nem se pen-
homem realmente apparecido; -2) o facto da impressão prodigiosa tear, sustentando-se unicamente de pimenta e milho
das pegadas;-3) procurar saber quem fosse este varão. Quanto ao assado, até cahir, ás vezes, em um estado de desmaio
primeiro ponto, cremos que uma tradição tão uniforme e tão espa-
lhada não deixa de merecer grande respeito a todo o historiador
e morrer. Em seguida á iniciação, levava, ao menos
serio e reflectido; pois sabemos que os indio< conservavam mui ~a apparencia, v~da muito mortificada e mysteriosa,
tenazmente suas tradições, nem esta era tal, que lhes lisonjeasse o 1sclado em taperas, e pronunciando seus oraculos
orgulho. Relativamente ao segundo, é certo que os selvagens as a?. som do maracá. Na occasião de receber algum
mostravam, e os missionarios as viram; mas julgamos difficil sus-
tentar que fossem ou não fossem milagrosas. A terceira questão não
VISitante, perfumava a sua choça com a resina da
se póde resolver sinão com razões de congmencia, como o faz ybira-page. Conwvavam seus ossos como objecto
Rocha Piu a, I, 102 -105, dizendo :J_ue não se pó de suppor ter de culto.
querido Deus faltar a estas creaturas do Brasil com a prégação Em nos_s os dias o pagé encontra-se egualmente
que mandára fazer a todas as outras.
na PatagonJa com o nome de Mage, na America
O conego Fernandes Pinheiro (nota 10 da Chron. do P. Simão do Norte, onde os brancos o chamam medidnaman
de Vasconcellos, ed. brasileira de 1867} suggere que a tradição de
S. Thomé é obra ou invenção dos jesuitas. Entretanto a Copia dtr e na Alaska , paiz em que assume o titulo de douto/.
1Vewm Zeytung auss P?·esi!lg Landt, ([Ue deve ler sido impressa em Suas attribuições e seus embustes ~ão, pouco mais
IS o8, segundo vViese (Magalhães-strass, Iil8I, pag. 92), diz:- uo menos, os mesmos em toda a parte.
( Elles lêem lambem na mesma costa ou terra memoria de S. Tho-
me; quizeram mostrar aos portuguezes as pegadas por dentro do
paiz, assim como a cruz postn por dentro do paiz. E quando elles 99) As armas-principaes eram:-1) a clava
falam de S. Thomé dizem que elle é o pequeno deus, mas que o_u maça d,e quatro faces com ornatos, que, quando
havia um o•ttro deus que era maior. P ode-se bem acreditar que tmha a forma de um remo ou de uma pá com
elles tinham lembrança de S. Thomé; pois é sabido que S. Thomé
por detraz de Malaqua (Malaca) corporalmente jaz na costa de S i-
gumes, se denominava tangapena, ou, como outros
ramalt (Coromandel} no golfo de Ceylão. Ch'lmam elles tambem escrevem, iwarapemme e tangapmw, e servia parti-
as suas creanças quas Thomé>. (0. C. pag. 102 ). cularmente· para a matança do prisioneiro;-2) um
Accresce ainda que Thevet encontrou a mesma tradição entre grande arco com o nome de uirapára;-3) as fre-
os tamoyos do Rio de J ane iro, ainda não visitados pelos jesuitas. chas, sempre admiravelmente acabadas, que tinham
• Ü nome (Zomé ), diz Southey, segundo todas as probalidades,
é uma corrupção do Zemi do Hayti, divindade ou pessoa divi ni zada. nas pontas ossos aguçados ou dentes de animaes
No Paraguay chamavam-no Payzumé, palavra composta, com que e, junto da outra extremidade, duas grandes penn a~
designavam os •acerdotes• . Hisl. do Bra,,, I , pag. 324. contrapostas. Faziam as frechas de ubá, ou canna
Vide as cartas de Nohrega, pag. 72, onde copiámos esta nota. brava, de !acuara ou tabocas, de úpi ou caniços, e,
No dito Jogar achará o leito r o texto allemão, que nós preferimos
dar traduzido ao pé da lettra. frequentes vezes, as ervavam, molhando-as no sumo
124 POVOS DO BRASIL EPOCA I. - TEMPOS PRIMITIVOS 125
de ervas venenosas; -4) lanças de pau ferro, mu- guerra ('). Anda neste meio tempo o maioral bem
rucús, ervadas e mui compridas ;-5) tardés uu tri- azafamado em persuadir a todos a justiça da guerra,
dentes de pedra do comprimento de quasi um me- exhortando-os a combater com valor. No dia se-
tro; -6) laço e bola. guinte, depois de almoçarem. toma cada um suas
Prendiam-se tres bolas a outras tantas cordas, armas, a rêde de dormir, um pouco de farinha, e
amarradas juntas. Cada bo la devia ter o peso de partem. Os principaes conduzem comsigo suas mu-
uma libra, pouco mais ou menos; cada corda, o lheres, que levam a farinha e a rêde. Antes de aba-
comprimento de tres a quatro metros. Servia esta larem, nomea o maior1:1.l um capitão da dianteira,
arma tanto na guerra como na caça grossa. Atira- exploradores, espias, etc. Marcham em fio, procedem
vam-na com mira certeira ás pernas do animal, á com muita cautela, etc. A guerra offensiva empre-
volta das quaes enroscando-se a corda, o fazia cahir. hende-se sempre de surpresa sem previa declaração.
foi, esta arma, fatal á cavallaria hespanhola que no O systema do ataque é o das ciladas, cahindo de
começo parecia invencível, e tão grande susto cau- repente sobre o inimigo com grandes urros quando
sára aos selvagens. O seu uso limitava-se ás hordas o suppõem descuidado. Combatem tumultuariamente
meridionaes. A de que hoje se servem os gaúchos, com musica e gritaria infernal. A maior gloria para
parece ser esta mesma, embora, talvez, aperfeiçoada. o guerreiro é assenhorear-se de algum dos inimigos.
--:-7) Seus escudos ou pavezes eram pequenos, ora e levai-o prisioneiro. Quando nos combates querem
Circulares, ora oblongos, feitos quasi sempre do render-se, atiram fóra as armas, e põem as mãos.
couro de anta ou do peixe boi. -8) Outra arma in- sobre a cabeça.
dispensavel era a canôa, chamada ubá ou igára. A Retiram-se os vencidos commummente em de-
igára constava de um tronco de arvore. cavado por sordem; os vencedores queimam a taba inimiga, e
d_entro com o soccorro do fogo. Remavam-na de reservam os prisioneiros para um horrível banquete
c1ncoenta a sessenta pessoas. fabricava-se a ubá com anthropophago. Cada parcialidade leva do campo
~ma cortiça de arvore; era menor. do que a igára; da batalha seus mortos, já para occultar a propria
tinha pontaletes no meio, e apertava-se com cipós perda, já para honrar-lhes os restos mortaes.
afim de que permanecesse convexa. O remo deno-
minava-se apecuitan; a pá do leme, yacuman. 101) Matança dos prisioneiros.-Os prisio-
Não puderam os europeus deixar de admirar as neiros são conduzidos para a taba, e postos a bom
canôas, a rapidez de seus movimentos, e o modo recado em prisões, com cordas de algodão grossas
bem compassado de remar. e fortes. «E dão a cada um por mulher a mais for-
mosa moça que ha na casa, a qual tem o cuidado
de o regalar e lhe dar de comer até que engorde e
100) Gu erra.-Reunem-se os principaes da aldêa esteja (2) para o poderem comer, e então ordenam
ou da tribu no terreiro; armam suas rêdes, e assen-
tam-se. Ouvem com muita attenção o discurso do ( J Formavam com esta farinha
1 pequenos pães, embrulhados
mombi-xaba, ao qual responde cada um de per si, com folhas ele tal modo, que não lhe prejudicava a agua ai:Hla qne
começando pelos mais velhos. Resolvida a Jucta, cahissem ern um rio. Ajuntavam-lhte um pouco de cariman, e a
entregam-se todos com o maior afinco aos prepara- coziam mais do que a outra.
('J Parece-nos provavel faltar aqui uma palavra v. g. promptro
tivos, que consistem nas armas e na farinha de on p1·oprio.
126 POVOS DO BRASil, EPOCA I. -TEMPOS PRIMITIVOS 127

grandes festas e ajuntamentos de parentes e amigos riscos e lavares ensanguentados, fica com elles im-
chamados de trin~a e quare n.t~ l~gu as, com os quae~ pressos toda a vida, o que tem por grande bizarria,
na vespera e dta do sacnftcto, cantam e bailam, porque por estes lavores, e pela differença dei tes se
comem e bebem alegremente, e tambem o padecente entende quantas cabe<;as quebrou •.
come e bebe com elles, depois o untam com mel «Em morrendo este preso, logo as velhas da
de abelhas, e sobre o mel o empennam com mui tas aldêa o despedaçam, e lhe tiram as tripas e forçura,
pen~as de varias côres, e a Jogares o pintam de que mal lavadas cozem para comer, e reparte-se a
gen1papo, e lh e tingem os pés de vermelho e met- carne por todas as casas, e pelos hospedes, que vie-
tendo-lhe uma espada na mão, para que se 'defenda ram a esta matança, e della comem logo assada, e
c?mo pude!, o levam assim atado a um terreiro cozida, e g uardam alguma muito assada, e mirrada,
fo r~ da al~ea, e o mettem entre dois mourões, que a que chamam moquem, mettidas em novellos de
e~tao metttdos no chão, afastado, um do outro alguns fio de algodão, e posta nos caniços ao fumo, para
vmte palmos, os quees estão furados, e por cada furo depois renovarem o seu odio e fa zerem outras festas,
mettem as pontas das cordas, onde o preso fica como e do caldo fazem grandes alg uidares de migas, e
touro, e ~s velhas lhe cantam que se farte de ver papas de farinha de cariman para sup prir na falta
o sol, po1s cêdo _o deixará de ver, e o captivo res- de carne, e poder chegar a todos; o que o matou
ponde co m mutta coragem que bem vinaado ha nenhuma cousa come delle, antes se vae logo deitar
de ser, então vão buscar o que ha de m ata~ á sua na rêde, e se faz todo sarrafaçar, sangrar, tendo por
casa .todos os seus parentes e amigos onde o acham certo que morrerá sinão derrama de si aquelle sangue,
já pmtado de tinta de gen ipapo c~m carapuça de nem faz o cabe! lo dali a sete ou oito mezes, os quaes
pennas na cabeça, manilhas de ossos nos braços, e passados faz muitos vinhos, e appellida os amigos
nas pernas; gra.ndes ramaes de contas ao pescoço para beber, e cantar e com essa festa se tosqueia,
com seu rabo de pennas nas anca.s, e uma espad~ dizendo que tira o dó daquelle morto, e é tão cruel
de pau pesada em ambas as mãos mui pintada com este gentio com os seus captivos, que não só os
cascas de mariscos pegadas co m cera, e no c~bo e matam a elles, mas se acontece a algum de ter filho
empunhadura da espada g randes pennachos; e assim da moça que lhe deram por mulher, a obrigam que
o t~azem c_om g randes cantares, e tangeres de seus o entregue a um parente mais chegado para que o
buz1os, ga1.tas e tambores chamando lhe bemaven- mate quasi com as mesmas cerimonias, e a mãe é
turado, po1s chegou á tamanha honra e com este a primeira que lhe come a carne; posto que algumas,
estrond? entra no terreiro, onde o pacie~te o espera, pelo amor que lhes têem, os escondem, e ás vezes
e lhe d1z que se defenda, porque vem para o matar soltam os presos, e se vão com elles para suas terras,
e _logo remette a elle com a espada de ambas a~ ou para outras• (1).
l}l aos, e o padecente co m a sua se defende, e ainda
as. vezes ~ffe;;d~, mas como os que o têe m pelas ( 1) Fr. Vicente do Salvado r-Historia do Brasil, pag. 31-33.
co1 das o nao de1xam desviar do golpe, o matador
lhe quebra a cabeça, e toma nome, que depo is de-
clara com grandes festas de vinho, e cantares em
seu louvor, e se faz riscar, e lavrar com um dente
.agudo de um animal, e lan çando pó de carvão pelos
128 POVOS DO BRASIL EPOCA I . -TEMPOS PRIMITIVOS 129
ficando escravo do herdeiro do morto, era o filho, a
Particularidades filha, ou o parente mais chegado em sangue.
Os tupiniquins (em Porto Seguro) passavam por ser
os mais mansos e fieis, infatigaveis e valentes d e to-
O que acabamos de expor pertence aos indios dos os indigenas do Brasil.
em geral. Não será agora fóra do nosso assu mpto, Os cahétés (em Pernambuco) eram notaveis por
nem deixará de ter especial interesse para o leitor, suas canôas (juncadas ou jangadas) de uma especie de
referir alguns costumes, particulares ás differentes na- palha comprida, que uniam em mólhos, mui apertada
ções ou tribus. com umas varas fortes e rijas. Eram tão grandes, que
podiam levar dez ou doze pessoas. Oppuzeram tenaz
102) Tribus do Brasil - Os guayanazes (em S. resistencia aos primeiros colonos.
Vicente) viviam em cavernas subterraneas, onde con- Os tabajares (em Pernambuco) foram a primeira
servavam fogo a arder de dia e de noite. Não tinham tribu brasileira que se ligou aos portuguezes. Dentre
rêde; dormiam sobre pelles e camas de folhas . Sus- seus guerreiros que apoiaram os colonos, destacam-se
tentavam-se unicamente de caça, pesca e fructos sil- Tabyra, ltagybe (braço de pedra), e Piragybe, braço
vestres, não cultivando a terra, nem creando animaes. ou antes espinha de peixe.
Ao morrer al g um deites, enforcavam um certo numero
de seus amigos ou parentes, pessoas do mesmo sexo 103) Aym~rés - a mais selvagem e temivel de
e, quanto era possivel, da mesma edade do fallecido, todas as tribus do Brasil, eram, como alguns querem,
para que este tivesse companhia adequada. Caso fal- um ramo de tapuyas que outrora possuira no sertão
tassem victimas voluntarias, preenchia-se o numero á uma linha de terra, parallela á costa desde o S. Fran-
força. Si o defunto era um dos chefes, sacrificavam-se cisco até ao Cabo Frio. e fôra pelos tupinambás rechas -
seus vassallos em Jogar de seus .parentes. Nenhum ou- sado para o interior. Ahi se tinham multiplicado em
tro rito cruel observavam os guayanazes, raça simples quanto os portuguezes rareavam as tribus maritimas.
e facil de acreditar tudo; tratavam sempre bem aos A sua lingua, cuja pronuntia era muito dura e gut-
portuguezes, e guerreavam egualmente os carijós do tural, difteria de todas as outras. Não usavam trajos,
sul e os tamoyos do norte. nem possuiam habitações, deitando-se como brutos
Os goytacazes (Parahyba do Sul), nadadores mui a dormir pelas florestas. Na estação chuvosa dormiam
valentes, só se batiam em campo raso; nunca nas debaixo de arvores, formando com os ramos apenas
selvas, nem de emboscada. uma especie de tejadilho. Viviam de fructos silvestres,
Os papanazes (no Espirito Santo), caçadores e pes- do que matavam com suas settas, e dos inimigos a
cadores, dormiam no chão em cima de folhas . Si um quem caçavam como animaes, não rosto a rosto, mas
delles matasse outro, ainda que casualmente, era en- occultos entre balsas e brenhas, onde os esperavam
tregue aos parentes do morto, e, na presença dos de com heroica paciencia. Não tinham chefe, e nunca
ambas as partes, immediatamen te estrangulado e en- se reuniam em grupos grandes, andando sempre
terrado. No acto da execução, todos faziam clamorosas em pequenos magotes.
lamentações e depois banqueteavam juntos por muitos Mui valentes no curso, não sabiam nadar; nunca
dias até desapparecer qualquer vestigio de inimizade. faziam uso de banhos, nem eram capazes de atraves-
Caso o delinquente se evadisse, quem pagava a pena, sar qualquer corrente que não se pudesse vadear. Pre-
9
130 POVOS DO BRASIL EPOCA J. - TEMPOS PRIMITIVOS 131
sos, recusavam comer, deixando-se morrer á fome. Tam- se tratava de partidas n':lmerosas, os enganavam offere-
bem os pirantintins, que actualmente occupam um lar- cendo-se por seus gUJas, dando-lhes mantimentos e
go tracto de terra na margem direita do Madeira, fructas, e levan_do-os deste modo até os ter em seu
nunca se põem em agua, nem siquer por meio das P?der para cahtr então sobre elles de improviso. Os
canôas Seriam, pois, descendentes dos aymorés? pes de suas mulheres eram tão pequenos, que têem
Affirma Varnhagen, pag. 292, que aymoré é nacos- .stdo comparados aos das chinezas.
ta do Brasil um peixe de ovas mui peçonhentas ; que
este nome. dado a esses barbaros, devia ser alcunha 196) Os gu~ranys - no Paraguay, cultivavam a
que lhes applicaram os proprios índios . Segundo o mandw_ca e o mtlho; creavam aves e patos e tambem
pap~gaws em casa. Comquanto a dignidade de mo-
mesmo autor chegaram pela primeira vez á costa
junto do rio das Caravellas, e, talvez, fo ssem garfo r~tbt-xaba fos~e hereditaria, podia egualmente adqui-
extraviado de alg umas das raças meridionaes, pata- nr-se por metO da eloquencia e do valor. Suas mulhe-
gonicas ou araucanas. res andavam sempre decentemente vestidas e tambem
.alguns homens traziam pelles que lhes ~ahiam dos
104) Tribus meridionaes e do Paraguay. - hombros até abaixo ~os joelhos; outros levavam curto
Entre os timbués, trib u do Paraná, os homens andavam sendal de pennas; dtversos, uma especie de rêde que
nus, vestindo as mulheres uma saia de algodão que pouco serv_ta para cobrir a nudez ou defender-se
.contra o fno.
descia até aos joelhos.
Os cucremagbás - no Paraguay, traziam uma . Distinguiam-~e os guaranys na matança dos prisio-
penna de papagaio atravessada no nariz. 1letros, pelas parttculandade s seguintes: As mulheres
amarravam o infeliz preso, obrigando -o a dançar duran-
105) Os paya g uás - dorninavam o rio Paraguay te uma hora. Então ':lm guerreiro o derrubava, dando-
desde o lago Xarayes até á sua confluencia com o lhe um go lpe nos nns e outro nas tíbias. Feito isto
Paraná; tinh am algarroba, caroba, acacia ou arvore dos punham · se tres creanças de seis ou sete annos a mar~
gahnhotos, de que faziam um licor doce, semelhante tellar-lhe a cabeça com machadinhas, assistindo a isto
ao mosto, e uma farinha que comiam com peixe. os paes e parentes dos rapazinhos, que os exhortavam
Eram quasi amphibios. Approximavam -se, ás vezes, do a serem v~l~nt~s, e a appre_nderem COf!IO é que se
navio na escuridão, e o viravam de tal modo, que ia mata um mtmt go. Quem vtbrava o pnmeiro go lpe
encalhar; pois não existia no rio escolho, ou banco tomava desde logo o nome da victima.
de arêa que não conhecessem. Outras vezes nadavam 107) ~s . _guaycurús -~ra m caçadores, não ti-
desapercebidos até ao barco, com só a cabeça n~am domt_ctho certo, constru1am suas tendas com es-
fóra da agua, e em um instante o abordavam por tetras. Corn~m com tanta velocidade, que superavam
todos os lados. Suas canôas, extremamente ligeiras, qualquer an tm al. Em novembro recolhiam a casca da
podiam levar tres pessoas. Perseguidos e alcançados, algarroba, que punham de conserva em farinha pre-
viravam-nas, servindo-se dellas como de pavezes con- parando daqui uma bebida forte. Prestavam a um chefe
tra as armas dos inimigos; passado o perigo, as en- honr_as extravagantes: no acto de escarrar extendiam
direi tava m de golpe, e seguiam avante. Em terra, arma- d
os ctrcuns~antes as mãos para receber-lhe saliva. Esta
vam ciladas aos caçadores, attrah indo-os com a voz imi- me~ma noJenta cerimonia praticava-se entre os paya-
tada do animal ou da ave que estes buscavam. Quando _guas.
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POVOS DO BRASIL
EPOCA I . - TEMPOS PRIIviiTIVOS 133
Para ser admi ttido na ordem dos guerreiros, de-
via o g uaycurú dar prova de seu va\or. m?stran?o Traficavam os guaycurús com os g uaranys, re-
que podia soffrer a dôr COf!!O se fosse msenstvel. E _o cebendo mi lho, mandioca e mandubis, e dando peixe,
que faziam cortando-se e ptcando-se n_as partes mats pelles cortidas, uma especie de manteiga ou ban ha,
delicadas. Educavam os rapazes enstnando-l hes a e caça conservada por um processo que chamavam
blasonar destas demonstraçõ es de fortaleza. e a tra var barbacôa, assim como panno fabricado com uma
com furia real guerras simuladas. Costumavam_ dar especie de entrecasca e pintado com muitas côres.
de noite seus assaltos, escolhendo sempre as mats es- No commercio vociferavam tanto como na peleja;
curas. Era distinctivo de classe o modo de aparar o levavam, porém, tudo de bom humor.
cabello. Os homens andavam nus; as mulheres. ~es­ Tendo os guaycurús adaptado mais do que ne-
tiam-se com pelles ou pannos da cintura para batxo, nhuma outra nação o uso dos cavallos, chamam-lhe s
pintando o resto do corpo ~orno os _h~mens. Quan- algu ns autores indios cavalleiros.
do se enterrava um morub1xaba, sut~tdavam-se al- Da mesma arte que os payaguás, infestaram os
guns dos seus para lhe fazer companhta; outros eram guaycurús o rio Paraguay até aos fins do sec. XVIIJ,
mortos sem que lhes consultac;sem a vontade. Nos matando um sem numero de portuguezes e de bra-
cemiterios erigiam aos finados caba~as, onde depo- sileiros.
sitavam viveres, r<?~pa, e tudo o n;ats de que p~cl e ­
ria precisar o espmto. Os. ~nacag__as, uma . das tn bus 108) V ida d as tribus a qu a tic as do l a go
em que esta nação se dtvtde, sao abommados das Xarayes .-- Emquanto o Paraguay corre pelo canal
outras, porque abrem as sepulturas ~m busca do que ordinario, armam estas tribus aquaticas suas tendas
se enterrou com os mortos. Acredttavam os guay- sobre a margem do rio, e vivem d~ p~i~e, cantan~o
curús que as almas dos malvados eram condemna- e dançando toda a boa estação. Pnnctptam em Ja-
das a ir animar feras. neiro as inundações que por mais de cem leguas
. .. de largura transformam em um mar todas as te~ras
Matavam todas as creanças deformes, tlleg thmas
ou gemeas, acaso por supporem que sahiriam fracas. baixas. Têem então os barbaros promptas as canoas,
Costume ainda mais barbaro era o de crea!· cada cada uma das quaes possue um lar de barro; ~~-me!­
mãe um só filho, procurando aborta:, ou pnv~ndo tida numa destas arcas, entrega-se cada famtlta . as
da vida todos os outros logo depots de nasctdos. ag üas do diluvio, não esquecendo de levar comstgo
Ao unico, porém, que fic~va, faz!am todas as von- tambem a tenda. Vivem deste modo cerca de tres
tades e desejos por mats capnchosos que fosse~. mezes, achando provisões na~ terras altas,. onde, a_o
Vedava-se aos homens tomar ao mesmo tempo mats subir da cheia. matam os ammaes que ah t se abn-
de uma mulher; era-lhes, porém, licito mu~ar de gam. Quando as aguas voltam ao seu canal costu-
consorte quantas vezes qui:tessem. Todos os ~tas,_ ao mado. tornam os selvagens aos antigos Jogares de
romper da alva, canta":am um hymno, e, aos pnmetros_ moradia, armam de novo suas casas, e dançam e
raios da aurora, sahtam lodos, prostran~o-se pot cantam outra estação de bom tempo. Esta nação não
terra, talvez, em adoração do sol nascente ( ). tem chefe. As cordas das rêdes fazem-se entre elles
de uns filamentos de plantas, batidos, e espadelados
( ' ~ Em alg um as tribus d o N o rt e Am e ri ca e uco nl m -se esle na agua por quinze dias, e então assedados numa
mesm :; uso, q ue os mi ssionan os ca lh o li cos lh es co nse rvara m, m n - especie d<! concha dentada, depois de brancos como
d a ndo só a p rece, e o objec to da ado ração.
a neve.
POVOS DO BRASIL EPOCA I. -TEMPOS PRIMITIVOS 135

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109) Cacociés, chanesés e xaquesés. - (Alto 111) Chiquitos ou pequenotes.-App licaram


Paraguay).- Creavam estes selvagens patos para de- os hespanhóes este nome a uma nação da Bolívia,
vorarem uma especie de g rillo, que infestava a& porque tinham, os indios, tão baixas as portas dé
casas, vivendo na palha, e roendo as pelles, bem suas casas, que por ellas só se entrava de rastos. A
como outros artij!os de vestuario. Suas canôas, e razão deste extranho costume, segundo elles diziam
pequenas, só levavam dois remos, mas tão destra- era que deste modo se livravam dos mosquitos ~
mente manejadas, que pareciam voar sobre as aguas. de outras pragas semelhantes, ao passo que os ini-
Cultiva\'am mandioca, milho e amendoim. De noite migos não podiam disparar-lhes settas de noite. Os
recolhiam sua creação: os patos para lhes matarem ho~ens andavam nus, e?'cepto os morubixabas, que
os g rill os; os passaros para que os li vrassem dos traJavam uma como tumca de algodão com meias
morcegos vampiros. Prevalecia entre estas tribus a mangas, egual á de que usavam as mulheres. Ador-
hedionda moda de extender as orel has, e o conse- navam-se com fios de pedras coloridas passados em
guiam usando, em Jogar de brincos, cabaços, cujo· roda do pescoço e pernas, e de um sendal de plu-
tamanho iam augmentando pouco a pouco, até que mas, cujas côres combinavam com muita arte e gosto.
no buraco donde pendiam, pudesse caber o punho Tambem nas orelhas punham pennas, e um pedaço
de um homem, cahindo sobre os hombros a extre- de estanho no labio inferior. Os que de mais destros
m idade inferior da orelha. Como estas orelhas abertas atiradores blasonavam, cobriam-se com as caudas
offerecessem ao inimigo uma presa muito facil, tapa- do_s _an i~aes que tinham m~t~do. A polygamia era
vam-nas, quando entravam em combate, ou as amar- pnvtlegto dos chefes; permtttta-se, porém, aos outros
ravam atraz da cabeça. Eram estas tribus, sociaveis;. trocar a mulher quando quizessem . As mulheres,
mas não viviam promiscuamente, possuindo cada sempre_ tanto mai_s bem tratadas,_ quanto o systema
famí li a sua propria habitação. Tinham ídolos de ma- da soc1edade conJugal se approxtma da monogamia,
deira. As mulheres fiavam algodão; andavam vestidas levavam aqui boa vida. Seu mister cifrava-se em
da cinta para baixo; pintavam o resto do corpo, e fabricar a tunica e a rêde, em abastecer de agua e
Janhavam as faces. Os homens aformoseavam o labio lenhd. o rancho, e em cozinhar as frugaes refeições.
jnferior, trazendo nelle a casca de uma fructa .do
tamanho de um prato grande. 112) Itatines. - Deixavam os homens crescer o
cabello em roda da coroa, rapando o resto da ca-
110) Os xarayes-viviam em famílias sepa- beç_a; de ornato s~rvia-lhes uma canna passada pelo
radas, ornando os homens o labio inferior á moda lab10, que para tsso furavam aos sete an nos de
dos que acabamos de ver. Mais singular é que trou- edade. As mulheres escarnificavam-se. alanhando-se;
xessem bigodes. fiavam as mulheres algodão, e fa- e ambos os sexos traziam nas orelhas uma concha
ziam estofos finos como a sêda, em que teciam fi- triangular. Os homens apenas se cobriam de um
guras de animaes. Pintavam-se ambos os sexos do curto avental; as mulheres trajavam um vestido com-
pescoço aos joelhos com uma côr azul. A perfeição pleto de panno, feito de casca do pinho. E' branco
desta pintura era tal, que um allemão, ao vel -a, du- toma facil~ente qualquer côr, e a conserva por muit~
vidou si o melhor artista da Germania excederia a tempo .. fo_t provavelmente desta tribu que nos veiu
limpeza e o intrincado do desenho. faziam dua& pela pnme1ra vez a gomma elastica. Vigorava entre
colheitas cada anno, e creavam patos para livrar-se elles o costume extranho de se falarem a grande
da perseguição dos grillos.
POVOS DO BRASIL EPOCA I. -TEMPO S PRIMITIV OS 137
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distancia por meio de trombeta s ou gaitas. Não se eram as mu lheres objecto de grande emulaçã o: ca-
baseavam no prin cipio vulgar do porta-voz; pois savam sempre o mais cêdo possível antes de nove
ni nguem, por mais versado que fosse na língua, annos de edade, ao passo que os homens permane -
entendia os signaes, si primeiro não lhe dessem a chave. ciam solteiros até aos vinte e mais annos, isto é, até terem
força para supplant ar os rivaes. Antes do casamen to
113) O s cayagu ás -o ramo mais rude da raça estipulava a noiva o quinhão que lhe havia de tocar
guarany, habitava m as florestas entre o Paraná e o nos trabalhos agrícolas e domestic as do casal, de-
Vruguay ; não viviam em estado social, morando clarando -se no contracto o que tinha de fazer e o
cada família á distancia numa miseravel choça, feita que della não devia exigir o marido. Convenc iona-
de galhos de arvores, subsistin do unicame nte de va-se egualme nte si o - marido teria outra mulher
caça, e contenta ndo-se, por falta de causa melhor, (causa que raras vezes acontecia), ou a mulher outro
com ratos, cobras, formigas, minhoca s, e toda a sorte marido, e quantos , e como repartiria o seu tempo.
de reptis e vermes. Accusam -nos de armarem ciladas Intrigas, crimes e frequente s divorcia s eram as con -
aos homens, matando -os para comel-os . As mulheres sequenci as de semelhan te systema, e as vantagen s
vestiam- se decentem ente, e eram brancas quasi como qu e as guanas colhiam por meio tão detestavel, ter-
os europeus , porq~:e nunca sabiam de seus escon- minavam por tornai-as menos honestas e menos fe-
drijos. Os homens traziam pelles mais como ornato lizes do que as mulheres de outras tribus.
do que como vestido. Bebiam os guanas agua simples; eram sobrios;
viviam unidos entre si, e respeitad os dos vizinhos.
114) Os guanas - depois dos guaranys , eram a Por u:-::a singular especie de convenio achavam -se
raça mais numeros a e mais adeantad a do sertão. Em debaixo da protecçã o dos guaycurú s, a quem serviam
Jogar de dormir em rêdes ou pelles, erguiam uma nas jornadas , e lhes cultivava m as terras, devendo
tarimba sobre quatro cavalletes, e em cima extendia m estes em compens ação defendei -os contra todos os
uma cama de raminhos , cobrindo -os primeiro com inimigos. O serviço, ou era em si mesmo tão leve,
pelles e depois com palha. Quando as creanças che- ou tão raras vezes exigidJ, que a sujeição, embora
gavam aos oito annos de edade, levavam -nas ao reclamad a por uma parte e reconhec ida pela outra,
campo com grande cerimoni al e em silenciosa pro- dizem ter sido quasi nominal, posto que fosse efficaz
cissão . Passado ahi o dia em jejum, conduzia m ·nas a vantagem que della colhiam os guanas.
da mesma fórma para casa. Picavam -lhes em seguida
os braços, e lhos furavam com um osso aguçado , 115) Tri b us do Alto Amazo nas. - Os enca-
o que ellas soffriam sem chorar, nem estremecer. As bellados, no rio Aguarico ou do Ouro, affluente do
operador as eram velhas, em cujas mãos se achava Napo, deixavam crescer o cabello até incomm odo
o exercício da medicina , que consistia principa lmente comprim ento, ás vezes até abaixo do joelho, moda
em chupar o estomag o do doente. commum a ambos os sexos. foi em attenção a este
Especial influencia exerciam entre os guanas as costume que os hespanh óes lhes déram o nome de
mulheres; mas a procurav am por meio de uma pratica encabellados. Ignora-se qual fosse o seu nome verna-
atroz. Extermin avam a maior parte das creanças do seu culo. Eram anthropo phagos; cobriam com folhas de
sexo, enterran do-as logo ao nascerem para que subisse palmeira suas casas, arte em que revelaram bastante
o preço das que poupava m. Tornada s assim escassas, engenho . O dardo era a sua arma principal .
138 POVOS DO BRASIL EPOCA I . - TEMPOS PRIMITIVOS 139

116) O maguas, umanas ou c a mbebas - (1) cado, inserindo os dois braços nas duas ventas, e
nação numerosíssima, apertando a testa e o toutiço sorvendo o pó com ridículas visagens.
entre duas taboas, tornavam perfeitamente chatas as . _Dos omaguas recebemos o caoutchouc ou gomma
cabeças com o fim de procurar a maior semelhança elasbca. foram os portuguezes do Pará os primeiros
possível com a lua cheia, para elles o idéal da bel- que lhe conheceram a serventia. Della faziam e
leza de um rosto humano. ainda fazem, sapatos, botas, vestidos, e muitas outras
O craneo, portanto, desenvolve-se para os lados, co usas
mais semelhante a malfeita mitra, do que á cabeça . Os tu~unas -:- acreditam na metempsychose, pra-
humana. Pelos fins do seculo XVIII já cahira em ticam a ctrcumcrsão e adoram um ídolo caseiro
desuso o emprego das taboas, contentando-se esses chamado Ua-ho. Mais pertinazmente. do que outros
selvagens com moldar a cabeça á força de expremel-a nenhuns selvagens americanos se mostram aferrados
entre as mãos. As mulheres traziam tanto cabello, aos seus erros supersticiosos. Os homens cingem os
que lhes occultava a deformidade Todos os autores rins com um tecido da casca de uma arvore deno ..
são accordes em representar e<>tes indios como a minada aü:hama; as mulheres andam nuas.
tribu mais civilizada, razoavel e docil de todo o . Os purús - são not:weis por seus jejuns expia-
valle do Alto Amazonas. Teciam com o algodão tonos, durante os quaes nenhum estado de doença
que cultivavam, pannos de variegadas côres. Anda- ou fraqueza vale corno escusa para quebrai-os, mor-
vam ambos os sexos decentemente vestidos de um rendo effectivamente muitos de pura abstinencia.
sacco com aberturas para os braços. Armas lhes são Os caripunas e os zurinas- primavam na arte
as settas e o pau de arremesso. Matam o mais va- de entalhar. Suas cadeiras ordinarias eram cortadas
lente dos seus prisioneiros, não para o devorar, mas da fórma de qualquer animal, bonitas e muito com-
para se livrarem de um inimigo perigoso; os cada- modas.
veres atiram-nos aos rios, guardando por trophéos
as cabeças. Aos outros, que poupam, tomam extra- 117) Singularidades amazonicas.- Em ge-
ordinario affecto, e si alguem lhes propõe vender ral, as numero~as tribus do Amazonas offereciam ,
um captivo, offende-os a proposta como causa hor- entre outras, as singularidades seguintes. Afim de
rível que não podem ouvir. Embriagam-se com duas collocarem a farinha de mandioca ao abrigo das
ervas: uma chamada floripondio pelos hespanhóes, inundações reg ulares, a depositavam em poços fun-
outra, curupá na propria lingua delles. Vinte e quatro dos, hermeticamente tapados á prova de agua water-
horas dura a embriaguez, que, segundo dizem, pro- proof Nutriam-se principalmente de peixes ~ntre os
duz extranhas visões. Da curupá fazem uma especie quaes primava o denominado boi pela co~figuração
de rapé que tomam por meio de um junco bifur- da cabeça, posto que não tenha chifres, e por orelhas
dois orifícios apenas. A semelhança está no todo da
(I) O p rim eiro nome fo i dado pelo s hespanhóes; o terceiro'
fôrma e 11:1 bocca. E' do tamanho de um cavallo,
pelos portuguezes; o segLmdo é o vernaculo . Todos significam ca- mas se_us olhos não ?ão maiores do que um grão
beça ckata.-Berreclo, no par. 719, refere a opini ão rle terem os de e;-vtlha. Nunca detxa a agua. Em lagar de pernas
omaguas acloptado esse costume como distinctivo das outras nações tem duas barbatanas, uma de cada lado da barriga,
para que nun ca fossem escrav iza dos sob n pretex1o de q ue eram
anthropophagos. Mas o cos tum e já entre elles prevalecia antes que
perto das espaduas, adelgaçando-se gradualmente até
nenhum caçador de escravos tivesse alcançado esta parte d o sertão. terminar na cauda que é chata. Entre outros uten-
140 POVOS DO BRAS IL EPOC A I . - TEMP OS PRIM ITIVO S
141
silios dome sticas possu íam, estes barba ros, enorm cal; o girau em vez do assoa lho ; a palha ou sapé
es
cestos, tão apert adam ente entra nçado s, e tão Jogar das telhas . Dos utens ílios dome sticas , instru em
bem men-
ca lafeta dos com gomm a, que servi am para guard tos, etc., muito s deriv am dos selva gens. Relat ivam
licore s sem perig o de vei-os vasar. ar ente
á naveg ação pequ ena ou barqu ejar, pesca e caça,
quasi
Tinha m ídolo s de sua propr ia lavra, distin guin- tudo vem delle s: v. g. as junca das ou janga
do-se cada um por qualq uer attr ibuto aprop das de
riado , Perna mbuc o e do Ceará , as ubás ou mont arias do
como o deus do rio pelo peixe na mão; outro Ama-
zonas, as canôa s do sul, as balsa s de mólh os de
sidia ás seme nteira s e colhe itas. e um terce iro
pre-
ou períperi; o buzio ou uatap i que os canôe
tünbó
era o iros no
dispe nsado r da victoria. Nenh uma cerim onia de Amaz onas ainda hoje sopra m cuida ndo cham
culto ar com
se pratic ava, e esque cidos jaziam os ídolo s na isto o vento , etc.
pana emqu anto não se preci sasse delles para c:hou -
a Quan to á língu a, são innum erave is as palav
mead ura, pesca ou guerr a. Algu mas tribus quetmse- tupic as adap tadas no portu guez, quer para ras
nome ar
vam seus morto s nas suas habit ações , e lança a- anima es, aves, peixe s, ervas, arvor es, fructos,
na fogue ira quan to havia perte ncido ao defun vam res, usos, etc., quer simp lesme nte para enriq
Joga-
to. O uecer a
funt:>ral durav a semp re por muito s dias, e era língu a: v. g. moqu ear, encoi varar , etc.
inva-
riave lmen te acom panh ado pela distri buiçã o
profu sa 119) Conc lusão . -- Rema tarem os esta digre ssão,
do caaim.
relativa aos selva gens, ob:;e rvand o - 1) que muití
ssi-
118) Usos e cost ume s - que dos selvagens mos usos, costu mes, instru ment os, etc. são comm
uns
saram aos colonos europeus. - As circu mstan cias pas- aos barba ros do Brasil, da Patag onia, do Chile
e de
par- toda a Amer ica do Norte . Quem tivess e meio
ticula res do paiz, não meno s que as relaçõ es com s para
habit antes induz iram os prime iros colon os a seus fazer nisto e tamb em nas diver sas língu as, um
receb er estud o
dos barba ros o uso de muito s objec tos, instru comp arativ o comp leto, presta ria, parec e-nos , um
ment os, g ran-
utensílios, etc. confo rme vamo s indic ar com de serviç o á repub lica littera ria - 2) Tanto no sul
como
a brevi dade. A rêde de dorm ir, o uso frequ ente toda no norte da Amer ica, encon tramo s maio r ou
meno r
banh os. e o tabac o de fumo que, passa ndo á dos civilização á medi da que nos appro xima mos ao
Europ a, Perú e
const ituiu no secul o XVII um dos ramo s da indus ao Mexi co, ou que nos afasta mos desse s dois
paizes
brasi leira: o syste ma de roçar e derru bar, cada tria centraes. Valia , pois, a pena resol ver o segui nte
pro-
dois blem a: Seria m os selva gens um povo que, sahin
ou tres annos , novo s matto s virge ns; queim ai-os
coiva ral-os e, por fim, seme ai-os , fican do o
, en- daque lle paiz civili zado, cahiu no estad o de barba do
terren o ria
cober to de tronc os e made iros, que se vão a afasta ndo -se do centr o ? Ou seriam os índio s em
pouc o tem-
e pouc o apod recen do; o uso do a·ipim, milho pos mais antig os, todos egual ment e barba ros, e
, feijão, se teria
pirão , ming áu, cará, inham e, da mand ioca, mani depoi s civili zado o centr o, dond e pouc o e pouc
çoba, o, já
das abob ora· , das pacov as ou banan as da terra, se ia derra mand o a luz da civili zação ? A falta
de in-
folha s do tayá ou tayobas, das cfl.mbuquiras, da das forma ções com que lucta mos, torna , em nosso ver,
ta doce ou da terra : tudo vem dos índio s. bata- probl ema ou insolu vel ou. pelo meno s, muito este
diffi-
Na const rucçã o das casas adap tou-s e e, em muito cil. ( 1) - 3) Não eram os selva gens em geral , nem
s tão
Jogar es ainda se adapt a, o cipó-embé para segur ( ') O S: Dr. Martin s, escrev e ndo ao Institu
ar as to IIist. do Bras il,
ripas ; a barro tada para subst ituir o muro de di z: • Em q uanto aos meus estud os sobre a
histori a rnmiti va dc,s
pedra e autoch tones do Brasil, e da Amer ica em
geral , consta .me, co mo
142 POVOS DO BRAS[L EPOCA I. -TEMPOS PRIMITI VOS 143
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estupidos, nem tão bestiaes, como alguns pretenderam do descobrimento desta partP do mundo (a America),
Dizia bem o Dr. Couto de Magalhães quando escre- propagou-se, com uma facilidade e rapidez espantosa,
via o seguinte: a opinião de que os naturaes destas regiões não eram
• Tanto a respeito da família selvagem, como das homens: havia quem os classificasse abaixo dos pretos
religiões merecem-me pouca fé os escriptos antigos. e um pouco acima dos macacos. As consequencias de
Estava nos interesses dos conquistadores dep rim ir o semelhante erro foram horrorosas; era o meio de des-
mais possível a raça conquistada; com effeito só assim vanecer todos os escrupulos daquelles, que barbara-
elles podiam legitimar os medonhos actos de barbaria mente escravizavam os deg radados americanos ».
que commetteram. Para poder matar o indio, como Qualquer podia tornai-os, e servir-se dell es da
se mata uma féra bravia, para poder tomar-lhes impu- mesma maneira que de um cavallo o u de um boi,
nemente as mulheres, roubar-lhes os filltos, creal-os feril-os, maltratai-os, matai-os, sem injuria alguma, res-
para a escravidão, e não ter para com elle~ lei alguma tituição ou peccado. E começou a execução desta nova
de moral, e nem lhes reconhecer direitos, era mister doutrina na Ilha Hespanhola, a primeira qu e foi no
acreditar que nem tinham idéa de Deus, nem senti- descobrim ento dos lndios, e primeira na execução da
mentos moraes ou de família. A historia fará um dia ruina delles, e foi lavrando pelo reino do Mexico,
plena justiça a essas asserções (!) •. e por toda a nova Hespanha Naquella ilha testemu-
4) Curupre, todavia, confessar que os selvagens no nha fr. Bartholomeu de Las Casas, bispo de Chiapas,
estado em que viviam, eram extremamente infelizes, varão de grande autoridade, que chegara m os hespa-
já a respeito do corpo, já relativamente á alma, e ao nh óes a sustentar os seus libréos (cães) com carne dos
fim sobrenatural a que tambem elles foram destina- pobres índi os, que para tal effeito matavam, e faziam
dos. Grande, por conseguinte, immenso era o bene- em postas como a qualquer bruto do matto ».
ficio que lhes traziam os missionarios com a civiliza- • foi tal a barbaridade com que os hespanhóes
ção christan. Qual, pois, não seria a responsabilida - tratara m os infeli zes indígenas, que dentro em poucos
de daquelles que, por moti vos interesseiros, punham annos a Ilha liespanh ola ficou reduzida a um deserto,
obstaculo á obra salutifera do Christianismo! !! porque de um milh ão e meio de indios, não resta-
Talvez não seja fóra de Jogar referir aqui o que es- ram siquer quinhentos ».
creveu o Sr. Vasconcellos na pagina 117 do seu excel-
lente trabalho, fal ando da bem co nhecida bulia Veritas « Horrorizado pelo procedimento de seus compa-
ipsa do papa Paulo lfl, de dois de junho d e 1537. tri otas, e compadecido de suas infelizes victimas, um
Eis o trech o a que alludimos. « Poucos an nos depois frade humanitario, fr. Domingos de Betonços, Provin-
cial da Ordem Dominicana naquella Il ha tomou a reso-
facto ger al, que to::la a povoação p rim itiva das Ame ricas viveu em lução de enviar a Roma um seu companheiro, fr. Do-
t empos remot •ssi mos em um estado muito mais civ J!J z:tdo do que mingos de Minaya, afim de expor ao papa Paulo III
aqu'ell e em que ac ham os ta nt o os mexicanos do nosso tempo ott o que a lli se passava, e pedir lhe uma providenci a
outros povos montanhezes, como os indios se lvage ns do Bra sil.
Toda esta povoação, sem duvi d a muito mais numcr.lsa, cahiu de
qu e abri gasse os infelizes indios da sanha feroz dos
uma posição muito mais nobre por d1versas causas> . seus deshumanos conquistadores . O Papa não se de-
R ev., vol. II, pg. 402 . morou em dal-a, expedindo a Bulia que acima men-
So mos do mesmo parece r mas a <JUestão que propuzemo s no cionamos ».
texto, é assaz differente, si nã,> nos en!{anamos.
( ') O Selvagem, pag. 1 0 7. A Bulia em resumo concluía deste modo:
EPOCA I . - TEMPOS PRIMITIVOS 145
144 CAPITANIAS HEREDITARIAS ---

«Em vista do que, elle Santo Padre .. determina- de conquistar o paiz aos barbaros, já pela immensa
v~ e declarava por. autoridade apostolica, que os in-
extensão de cada capitania.
dws eram verdadeiros homens como os mais e não Doou o monarcha as capitanias como rei, e como
só capazes da fé de Christo, ~inão propensos' a ella, governador e perpetuo admin istrador da Ordem e
segundo chegara ao seu conhecimento· e sendo ass im Cavallaria do mestrado de Christo, declarando validas
essa~ doações não obstante qualquer lei do reino,
tinh~m todo o d!reito á su~ liberdade,' da qual nã~ particularmente a Mental (1}. Vinculou-as nas famílias
podi~~~ nem deviam ser pnvados, e tão pou co do
domm10 dos seus bens, sendo-lhes livre log rai -os e dos primeiros donatarios, obrigando os herdeiros a
fo lgar com elles como melhor lhes parecesse d~do g uardar sempre os mesmos appellidos sob pena de
mesm o que ainda não estivessem convertido~. Pelo perderem a capitania. Devia, além disto cada novo
que os ditos índios e mais gentes só se haviam de herdeiro pedir a confirmação regia. Alg~ns a pediam
attrahir e conyi?ar á fé de Ch risto com a prégação tambem quando o sceptro passava a outro rei. Ex-
da pal~v:a d~vma e com o exemplo da boa vida, cepto o caso de traição á coroa. o vinculo se trans ·
sendo Irnto, vao, nullo, sem valor, nem firmeza todo mittia ao successor, si o proprielario perpetrasse crime
o obrado em contrario da presente determinaÇão e tal, que p_ela_s leis do reino devesse perdel-o.
declaração apostolica •. Os limites, entre as diversas capitanias foram
fixados por melO de linhas imaginarias, traç~das de
~m ponto da costa na direcção do oéste até irem
IV mtestar com a fronteira dos domínios de Castella
por emquanto indeterminada e desconhecirla. Post~
Capitanias hereditarias que assaz imperfeito, este modo de demarcação era
o unico p_raticavel em vista da ignorancia ainda ~xis­
!20) do Brasil em capitanias.-As
~ivisão
tente relativamente ao paiz. As ilhas situadas na dis-
tanci~ de dez leguas da costa continental compre-
con~J?e_raçoes, q~e moveram D. João III (l521 -57)
a div1d1r o Brasil entre alguns de seus fida lgos be- hendiam-se na doação.
nemeritos, foram em primeiro Jogar as difficuldades
que achava em. colonizar_o paiz, visto como os por-
121) Direitos e obrigações dos donatarios.
tuguezes prefenam a lndia a Terra de S. Cruz afim - 0 donai:ario devia colonizar e defender a sua ca-
de engrossar seus cabedaes com maior fac ilidade pital!ia; mas recebia em troca privilegias muito no-
e rapidez. Do ou~r? lado a frota destinada a guardar tavets, podendo perpetuamente chamar-se capitão e
~ ~osla, sobre exigir uma enorme despesa, era insuf-
governador della; «possuir na mesma uma zona de
ficiente para recha~sar os extrangeiros, cujas visitas dez e, alguns, até dezesseis leguas de extensão de
de contrabando se Iam tornando cada vez mais fre- terra. sobre a c:_osta, com tanto que fossem em quatro
quentes. ou cmco porçoe~ separadas entre si duas leguas pelo
me~os, e nunca JUntas, sem pagarem outro tributo
O systema das capitanias lzereditarias produzira
bom resultado nas ilhas da Madeira e dos Açores· mais que o dizimo; captivar gentios para seu serviço
não advertiu, porém, o soberano que este mesm~ e de seus navios; mandar delles a vender em Lisboa
syste_m~ podia não ser egualmente proprio para o
( 1) Vide no par. 4· D. Dum·te.
Brasil, Já por motivo da distancia, já pela difficuldade
lO
146 CAPITANIAS HEREDlTARlAS EPO CA I . - TEMPOS PRIMITIVOS 147
até trinta e nove (1) (a uns mais que a outros) cada JUizes e mais officiaes dos concelhos das villas, apu-
anno, livres da siza que pagavam todos os que en- rando as listas dos homens bons, que os devtam
travam; dar sesmarias, segundo as leis do reino, aos eleger; e annuindo ou não ás dita.s eleições ~os
que as pedissem sendo christãos; não ficando estes juizes e mais officiaes, que se chammam pelo di~o
obrigados a mais tributo que o dizimo ». capitão e governador, apesar do. que em contrano
<' Competia-lhe o direito das barcas dos rios mais dispunham as ordenações do remo • .
ou menos caudaes; o dizimo do quinto dos metaes . Q Soberano promettia, além disto, que nunca
e pedras preciosas; o criar villas, dando-lhes insígnias entrariam nas capitanias os seus corregedores, com
e liberdades, e, por conseguinte, fóros especiaes, e alçada de natureza alguma, . nem jamais ser~a. o d<?-
nomeando para governai-as, em nome delle dona- natario suspenso ou sentenctado, sem ter sido pn-
tario e de seu successor , os ouvidores, meirinhos e meiro ouvido por elle proprio soberano, que para
mais officiaes de justiça. Prover, em seus nomes, as isso o faria chamar á sua presença •.
capitanias de tabelli ães do publico e judicial, rece- «Deste modo a coroa chega v a a ceder, em be-
bendo de cada um quinhentos réis de pensão por neficio dos donatarios, a maior parte dos seus di-
anno. Delegar a alcaidaria ou governo militar das reitos m1gestaticos; e quasi conservava sobre as novas
villas, nos indivíduos qué escolhessem, tomando-lhes capitanias brasilicas um protectorad<?, com. po~eres
a devida menagem ou juramento de fidelidade; o mui limitados, a troco de poucos tnbutos, mclumdo
monopolio das marinhas, moendas de agua e quaes- o do dizimo; do qual tributo ella mesma pagava o
quer outros engenhos, podendo cobrar tributos dos culto publico e a redizima aos senhores das t~rra.s.
que se fi zessem com sua licença; a meia dizima ou Quasi que podemos di zer qu: Portugal reconnecta
vintena de todo o pescado; excepto Duarte Coelho a independencia do Brasil, antes delle se colonizar • (1).
a quem foi concedida a outra meia dizima; redizima
dos productos da terra ou o dizimo de todos os dí- 122) • Ü Foral - era um contracto emphiteutico,
zimos; a vintena do producto do pau brasil, ido da em virtude do qual se constituíam perpetuas tribu-
capitania, que se vendesse em Portugal; alçada, sem hrios da coroa e dos donatarios, capitães-móres, os
appellação nem aggravo, em causas crimes até morte solarengos que recebessem terras de sesmarias ...
natural, para os peões, escravos e até gentios; dez Ctda capitania recebeu o seu fora!. Nelle se con-
annos de degredo, e cem cruzados de pena ás pes- firmam as doações e privilegias feitos ao senhor da
soas de maior qualidade; e nas causas cíveis, com terra; estipulam-se os fóros ~os. solarengo.s que a
appellação e aggravo só quando os valores exce- haviam de habitar, e as pouqutss1mas regaltas, que
dessem a cem mil reis •. a coroa se re5ervava. Estas se reduziam aos direitos
Conhecer das appellações e aggravos de qual- das alfandegas, ao monopolio das droga~ e espe-
quer ponto da capitania; influir nas eleições dos ciJrias ao quinto dos metaes e pedras preciOsas que
se en~ontrassem , e, finalmente , ao dizimo de todos
(') O bserva o Visconde de Araguaya q ue esta limita ção se re- os prvductos pagos ao rei, que como chefe dos
fe ria só á d ispensa do impostil, não ao numero de escra vos que o mestrado e padroado da Ordem de Christo , deveria
rlonata ri o pod ia manda r I
Si D . J oão III tivesse previsto o s effeitos fune stos desta con- prover quanto respeitava ao culto divino. Para effe-
cessão , nun ca a faria, A moda infeli zment e vingou , e o Bras il sente
ainda hoje suas d epio ravei s co nseque ncia ('l \ 'a rnh age n, pag. 144 - 146 .
148 CAPITANIAS 1-IEREDlTARIAS

étuar as cobranças nomearia o rei os competentes EPOCA L-TEMPOS PRlMITIVOS 149


officiaes de fazenda, equivalentes aos mordomos dos
feudos antigos, como almoxarifes e feitores, com seus 123) Capitães e capitanias. - Não obstante offe-
competentes escrivães:.. recer privilegias de tanta importancia, mal achou D.
• Os fóros concedidos aos colonos ou futuros João lll doze fidalgos que quizessem acceitar terras
moradores se reduziam: tão extensas nem todos elles procuraram ou conse-
guiram reali~ar as esperanças do monarcha. Esses fidal-
•A possui rem sesmarias · sem mais tributos qu.e- gos foram Martim Affonso de Souza. Pero Lopes de
o dizimo. A' isenção para sempre de quaesquer di- Souza Pero de Góes da Silveira, Vasco Fernandes
reitos de siz;,s, imposto sobre o sal ou saboarias, Couti~ho, Pero de Campos Tourinho, Jorge de Figuei-
ou outros quaesquer tributos não constantes da doaç~o redo Corrêa Francisco Pereira Coutinho, Duarte Coe-
e fora!. A' garantia de qüe o capitão não protegena lho João d~ Barros, Ayres da Cunha, Antonio Car-
com mais terras os seus parentes, nem illudiria as do;o de Barros, Fernão /\!vares de Andrade.
datas dellas, para augmentar as suas. A ser declarada As capitanic;.s, comtudo, foram quinz~, p9rque a
livre de direitos toda a exportação para quaesquer de Martim Affonso constava de dois qumhoes; e a
terras de Portugal, pagando sómente a siza ord.i- de Pero Lopes, de tres. Vamos, portanto, refe~ir b_re-
naria quando se vendessem os productos. A' franquia vemente a historia de cada uma destas capitamas.
de direitos dos artigos importados de Portugal exce-
pto por navios extrangeiros (tratadores extranhos),
em cujo caso pagariam o dizimo de entrada. Ao S. Vicente
commercio livre dos povoadores entre si, ainda
quando de differentes capitanias, e privilegio para 124) Martim Affonso de Souza - recebeu as
só elles, quando não estivessem associados a extran- terras que correm desde a barra de S. Vicente ou de
geiros, negociarem com os gentios da terra. Além Santos até doze leguas mais ao sul da ilha de Cana-
disto cada capitania era declarada couto e homizio~ néa, isto é, até á barra septentrional da ~nseada de
e ninguem poderia, portanto, ser nella perseguidO> Paranaauá. Do lado opposto, suas terras dilatavam-se
em virtude de crimes e delictos anteriores (1). • desde ;rio Curupacé, hoje Juquiriqueré, na extremida-
Tambem os extrangeiros podiam vir como co- de norte do canal da ilha de S. Sebastião, até á barra
lonos, comtanto que fossem catholicos; nem se ve- de Macahé, pouco além do Cabn Frio. Eram cem
dava o commercio aos navios de outras nações, mas leguas de littoral; em virtude, porél!l, ~o rumo q_ue
devia ser feito entre a metropole e a colonia. nessa extensão toma a costa, a capitama de Marhm
Affonso vinha a ser menor do que as outras. Pro-
Além do donatario, reconhecia o fora! na So- mettida em 1533, teve o Fora! a seis de outubro do
ciedade tres classes distinctas de pessoas, a saber: anno saguinte, 34, e a carta de doação a 20 de ja-
os fidalgos, os peões e os gentios. Em todos os neiro de 1535 (I).
pontos não especificados no fora!, suppunham-se Martim Affonso, todavia, deixou o Brasil para o
vigentes para o Brasil as leis geraes do reino. reino, donde pa~sou á lndia, assignalando-se naquelle
paiz por feitos gloriosos. Viveu depois em Portugal,
1
( ) Varnhagen, pog. 146, 147. concluindo ahi a sua carreira mortal em 1571. Quem
(' ) Vi de Rev . de 47, p. 45 6 . Ite m Me ll o Mo raes - Cllo>·ogr. do
imp . do Bra.r. to mo I , pag. 196.
150 CAPITA:KIAS IIEREDITARIAS EPOCA I. -TEMPOS PRI!\IITIVOS 151
desenvolveu a colonia em nome delle, com o titulo de dado; resistiram Mosquera e os seus. Indo, portanto,
capitão-mór loco-ten ente, foram Gonçalo Monteiro e os nossos a atacai-os, cahiram em uma cilada em que
SE'US su cessares. perderam até os barcos e as canôas. Aproveitaram os
O segundo quinhão não foi colonizado, excepto hespanhóes o ensejo para aggredir de improviso a villa
por dois ou tres colonos que ape nas em 1554, tdvez de S. Vicente, saqueai-a, e retirarem-se
por influencia de Themé de Souza, se estabeleceram Alguns vicentistas, ao mando de Pero de Góes
na bahia de Guanabara. Em seguida á expulsão dos e de Ruy Pindo. sahiram ao encalço dos fugitivos,
francezes (!567), este segundo quinhão considerou-se mas sem resultado, porque os castelhanos haviam
como pertencente á coroa. E' provavel que Martim desa ppareci do.
Affonso fosse o primeiro a ceder de seus direitos; O Sr. Vasconcellos cotl oca este facto no méado
nenhum documento, porém, se acha a este respeito. de i537.
O primeiro quinhão a que da villa capital déram O segundo revez occorreu, no ver do Sr Vas-
o nome de S. Vicente, prosperou tanto, que no fim concellos, em 1542. Houve na costa da capitania
de quatorze annos contava seiscentos colonos e seis grandes temporaes, e o mar se tornou tão furioso
engenhos de assucar. que chegou a destruir muitas casas da Villa de
V!cente, entre ~s quaes a do concelho, a egreja ma-
s:
125) Decadencia da Villa de S. Vicen te.- tnz e o pelounnh_o. Mudaram, portanto, a villa para
A vill a de S. Vicente, todavia, estava destinada a uma o Jogar onde hoJe se acha, sendo mar o sitio em
decadencia prematura, produzida pelos desastres se- que estava antes. foram encarragados desta mudança
guintes. Consistiu o primeiro numa in vasão de caste- Pedro Collaço, Jorge Mendes ejeronymo fernandê:s.
lhanos, que, vindo da banda do sul e capitaneados o dia tres de janeiro do anno seguinte 1543, reu-
por um tal Ruy Mosquera, se haviam estabalecido nidos os camaristas em a nova casa do c~ncelho de-
em Iguape. Reuniu-se-lhes um cavalleiro, chamado liberaram levar em conta a Pedro Cotlaço, procur~dor
Duarte Peres, que, fôra degradado naquella vizinhança da camara no anno anterior, a quantia de 50 réi>
( 1) Intimou Gonçalo Monteiro, como Jogar-tenente do· que se havia gastado em tirar do mar os sinos e o
natario, a este que se recolhesse para o Jogar do seu pelourinho: 300 pagos a Jorge Mendes que o mere-
degredo, e aos castelhanos que se retirassem daque lla cera pelo peloudnho da praia, 20 a quem o condu-
paragem pertencente a Portugal. Obedeceu o degra- duziu para a villa, e 250 que satisjizeta a Jeronymo
Fernandes por dar a pedra, barro e agua necessaria
( 1) V arn hagen , na pag. 166, diz: <Se havemos de dar credito a para novamente se levantar o dito pelourinho.
Charlevoix, escriptor que em outros assumptos não nos merece muito, Em julho do mesmo anno, 43, prohibiu a cama-
viera das bandas do sul, com ,·a ri os castelhano>, até J gt>ape, um
Ruy Mosquera, e ahi se estabelecera com o degradar'o Bachare l
ra ~os brancos a compra de escravos indígenas por
portuguez, cujo nome nos diz que t'ra Duarte Peres>. maiOr _Preço que o taxado que era de 4000 rs.
Cbarlevoix, porém, não diz que Mosquera se estabele ce ra em Dtversos autores falam de um terceiro desastre
Iguape, nem que Duarte P eres fosse bachart!.- Pm de joun aprl:s consistente n? entu lhamento do porto e do rio, que
1111 Gmtil-homme portuguais, nommd Eduat·d Penz, qui az•ait été e:xilé se tornaram mcapazes de sustentar navios de maior
dam le voisinage, vi11t /e joind1·e avec sa ja111ille. Cons ta, é yerdade, calado. Este sinistro talvez fosse causado pela terra que
de ou tros documentos que o Jogar era lguape; mas dahi não se
segue que o tenh a dito Charlevo1x. Mais justo fot fr. Gaspar que as en?'urradas levaram das roças ao mar. Fr. Gaspar,
verteu fielmente Charleyoix. Hcnra seja feita á ve r dade I todavta, nega ex-tripode, como é seu costume, a rea-

11
152 CAPITA IAS HEREDITARIAS EPOCA L-TEMPOS PRIMITIVOS 153

!idade deste facto, as~everando que tanto o rio como Tendo, porém, Braz Cubas baptizado com o
o porto tiveram sempre o mesm o fundo, e que o an- titulo de Santos um hospital que fundou com esmo-
coradouro para navios maiores foi sempre a praia las, começou o povo a applicar este epitheto ao
de Imbaré, donde a carga se transferia por terra até Porto fazendo Porto de Santos. Nomeado Braz Cubas
S. Vicente. O certo é que S. Vicente decahiu, cedl!n- em 1545 capitão-mór loco -tenente de Martim Affonso,
do a sua primasia á villa de o seu primeiro acto foi dar foral ou fóros de villa
á povoação do Porto de Santos. Uma carta regia
126) Santos. - 0 primeiro a estabelecer-se no confirmou esse foral no anno seguinte.
Jogar em que se acha hoje a cidade de Santos. foi Parece que a origem do hospital e da Miseri-
Braz Cubas, que veiu a ser procurador do donata- cordia remonta até 1537. Um alvará regio confirmou
rio, alcaide _fJ!Ór, e provedor da fazenda Real (1) a fundação da Misericordia a dois de abril de 1551,
Tend~ adqu!ndo as terras de Oeribatuba, e desejoso enriquecendo-a de todos os privilegias da de Lisboa.
de evitar o mcommodo de uma longa viagem quan- No hospital recolhiam os doentes; na Misericordia,
do precisasse ir á villa, resolveu levantar ou'tra em os pobres , desamparados, peregrinos, etc.
siti~ mais perto da sua fazenda, e mais apto para os Reverteu esta capitania de S. Vicente á coroa
n~v.ws. Comprou. pois, a terra que encerrava o ou- por compra a 17 de novembro de 1791.
temnho de S. Catharina; derrubou o matto ainda vir-
gem; e d~~ principio á povoação junto do mencio- Santo Amaro, Itamaracá, etc.
nado outemnho. Estabeleceram-se ahi. dentro em bre
v_ e, todos _os mor_adores do rio Bertioga; os da terra 127) A Capitania de Pedro Lopes de
firme mats proxnna; muitos da ilha de S. Amaro, Souza - constava de tres quinhões, separados e
e diversos de S. Vicente. distantes um do outro. O primeiro, que se chamou
_Ta mbem . os navegantes, desamparando o antigo Terra de S. Anna e não foi colonizado, extendia-se
surgtdouro, vteram dar fundo mais acima de fronte desde a barra de Paranaguá até ao sul da Laguna,
da dita povoação, ao nde por seu turno i~m egual- no rio Araranguá ou Mampituba, perto da actual
mente lançar ferro todas as embarcações que desciam divisa entre S. Catharina e o Rio Grande do Sul.
d~~ f_azendas, e oAs moradores da vizinhança que se O segundo quinhão, que recebeu o nome de
dtrtgtam em canoa para a villa, os quaes saltavam Ouaimbé, e posteriormente de S. Amaro, ia desde a
na povoa~ão, seguindo então por terra, .1fim de evi· barra actual de Santos até ao rio Curupacé, hoje
tar os pengos do mar. Déram, portanto, á povoação Juquiriquerê, na extremidade norte do canal da ilha
o nome de Porto. de S. Sebastião.
O terceiro, denominado ltamaracá (1), dilatava-se
(I) Diz Varnha{:!en que Braz Cubas estivera na Asia com Mar- entre o Sitio dos Marcos, sobre o rio Igarassú ou da
tiro Affonso. C omo naquelle tempo se fazia uma só viagem cada an-
no, não se comprehende em que tempo estaria Braz Cubas com Mar- (') Davam •)S selvagens o nome de ltá, pedra, a todos os
tiro Affonso na As•a; pois em 1536 achamos Braz Cubas em . Vi- metaes em geral; o de r•taracá, a todos os in strumentos de musica
cente, e Martim Affonso não podia ter ido á India antes de 1534, mais ou menos dissonantes. E'. pois, provavel que applicassem este
porque regrassára a Portugal em 1533. Candirlo Mendes não sem nome a algum sino que ahi conheceram pela primeira vez. Deste
boa razão contesta a historia que Varnhagen faz do monjôlo ou modo Itamaracá viria a sign ificar instrume1lfO musico de pedra Olt de
Enguá Guasstl. Vide Rev. de 77, p. 2, pg. 335 e seguintes. metal, a saber: ino. Vide Gama , vol. I, pag. ros.
154 CAPiTAN IA S HEREDIT ARIAS EPOCA I . - TEMPOS PRlMLTIVOS 155
Cruz, e a Bahia da Traição, pouco além do rio Ma- Infelizme nte converte u-se esta ilha em um velha-
manguap e, no Estado da Parahyb a do Norte. Os cauto dos criminos os e contraba ndistas que fugiam
dois quinhões meridion aes perfaziam 50 leguas de de Pernamb uco e de outros Jogares. Só nos annos
littoral ; o do norte, 30. de 1540-43 despacha ram dahi para a Europa nada
A carta de doação destas tres porções é do pri- menos que seis barcos de contraba ndo, carregad os
meiro de setembro de 1534; o fora! tem a data do de pau brasil.
dia seis de outubro do mesmo anno. Reverteu a capitania de Pero Lopes _á coroa por
Pero Lopes, voltando para a Europa, acompa- compra: o primeiro e o segundo qumhao em 1709;
nh ou o imperad or Carlos V na sua expediçã o contra o terceiro em 1743.
o famoso pirata Barbarox a de Tunis; casou-se logo
depois com D. Isabel de Gamboa ; foi em seguida 130) Pa ra h yba do Sul. - Esta capitania, que
encarreg ado de ir aos Açores esperar o comboio em tambem se chamava de S. Thomé, doada a Pero de
que regressav a da lndia o capitão Thomé de Souza, Góes da Silveira contou de facto vinte e uma leguas
e continuo u cruzando desde aquellas ilhas até ás de littoral desde' a barra de Macahé até aos baixos
Berlengas. Navegou afinal para a India, e, na vo lta dos Pargos, perto do ~io ltapem_irim, ao norte da
(1539). pereceu, conform e se suppõe. em um naufra- actual divisa entre o Rto de janetro e o Estado do
gio perto da ilha de Madagas car. Espírito Santo.
Prometti da a dez de março de 1534, recebeu o
128) S. Amaro. -- Ficou, portanto , a capitania fora! a 26 de fevereiro de 36, e a carta de doação
aos cuidados do seu Jogar-tenente que em S. Amaro a 28 de agosto do mesmo anno 36. Reza esta que
foi um Gonçalo Affonso, o qual para primeiro assento o rei doava trinta leguas de costa e~tre o segundo
da povoação escolheu a ilha fronteira á de S. Vi- quinhão de Martim Affonso e os batxos. dos Par~os
cente, chamada pelos índios Guaimbé. Guaibé ou com a condição de que, si houvesse mats de. tnnta
Oaybéa. nome ·de uma planta aquatica que ahi dava leguas, concedia tambem o exc.edent~, e, st hou-
como praga. Fundou Gonçalo Affonso a villa de vesse menos, o soberano não sena obngado a com-
S. Amaro que dentro em breve denomin ou toda a pensar a falta . AchoLt-se de facto que eram apenas
ilha. Acudiram poucos colonos, e elles foram desde vinte e uma leguas. . ·-
o principio molestad os pelos tamoyos , morador es da Pero de Góes irmão do celebre escnptor Damt ao
banda do norte, que, em certas epocas do anno, de Góes veiu ao' Brasil com Martim Affonso; acom-
iam caçar, e fazer suas pescarias, naquella s paragens . panhou 'Pero Lopes ao Rio da Pra~a, ~ ficou em
Os assaltos destes barbaros impedira m o progresso S. Vicente. Tomou posse da su~ capttam~ p~ovave~­
e causaram a ruína da colonia. mente em 1539. Attrahiu para st o seu mnao LUiz
de Góes alguns outros parentes e um certo numero
de colo~os · construiu diversos ranchos, que deno-
129) Itama racá. - O delegado de Pero Lo- minou Vil!~ da Rainha, e tratou de fixar com Vas:o
pes em Itamarac á foi João Gonçalves, nomeado mais Fernand es a demarca ção do lado do norte q~e nao
tarde almoxari fe e feitor regio . Fundou a villa da estava bem determin ada. Por mutuo . consenti mento
Conceição, capital da colonia, na ilha que deu o o rio Itapemir im ficou sendo o limite entre as duas
nome á capitania. capitania s. Dedicou -se a plantar canna de assucar,
EPOCA I. - TEMPOS PRIMITIV OS 157
156 CAPITAN IAS HEREDlT ARIAS
voação minha pequena, que eu tinha mais feita, e
cujas_ mudas trouxera de S. Vicente. Deixando pouco estando a gente segura, fazendo suas fazendas, déram
depois em _seu Jogar um Jorge Martins, passou a nelles, e mataram tres homens, e os outros fugiram
Portugal afim de procurar ferramenta e outros arti- e queiman m os cannaviaes todos com a mais fa-
gos de que precisava para construir engenhos, e zenda que havia e tomaram toda quanta arblharia
ade~ntar a sua colonia. Entendeu-se com alguns ne- havia, e deixaram tudo destruido. Indo as novas a
gociantes, e de volta entrava já alegre pelo rio mim acudi com toda a gente que pude e quando
~arahyba do ?ui, quando soube que o administrador lá fui estava tudo destruido, etc. (l) ».
a testa da matar parte dos colonos, tinha desertado. Tentou o donatario resistir, mas perdeu vinte e
Não desani:nou o bom Pero. Angariando mais cinco dos seus, ficando elle mesmo ferido, e privado
uma v~z . o gentio, começou novas plantações; passou de um olho. Teve por ultimo de abandon ar a terra,
ao Espmto Santo, donde trouxe um official ele en- da qual fugiram tambem os colonos. Retirou-se para
genhos; armou duas engenhocas de cavai lo perto a capitania do Espírito Santo, e dahi para o reino
da costa, e começo~ a ~onsiruir !-lm grande enge- no mesmo anno de 1546. Voltou mais tarde ao Bra:.il
nho a dez leguas no actma. Pedmdo a seu sacio com o primeiro governa dor geral como capitão-mór
mais trabalhadores. e sessenta escravos de Ouiné da costa. Reverteu esta capitania á coroa por compra
dizia-lhe que esperava mandar-lhe, dentro de urr{ a dez de junho de 1753.
anno, duas mil arrobas de assucar. Essas bellas
esperanças, todavia, desappareceram repentinamente. 131) Espirito Santo. - Vasco Fernandes Cou-
P01_s t~n.do um ta l Henrique Luiz, homem da capi- tinho recebeu cincoenta leguas, começando no rio
tan ia VIzinha, preso e entregue a seus maiores ini- ltapemirim e fenecendo no rio Mucury, raia septen-
migos o chefe dos índios do districto alvorotaram-se trional do Estado do Espírito Santo. A carta de
estes. incendiando cannaviaes, destr~indo engenhos doação foi assignada no primeiro dia de janeiro de
e salteando povoações. 1534; o fora!, a sete de outubro do mesmo anno ( ~).
•Sahiu, assim escreveu Pero de Góes ao rei a 29 de ll lustrára-se Vasco Fernandes na Asia combatendo ás
abril de 1546, sahiu da Terra de Vasco Fernandes Cou- ordens de Affonso de Albuquerque Achava-se nesta
tinho um homem por nome Hen'rique Luiz com outros epoca na villa de Alemquer, a poucas leguas de
e um caravellão sem eu ser sabedor e se foi a um porto Lisboa, onde desfructava uma tença remunerativa, e
desta minha capitania, e contra o Fbral de Vossa Alteza os cabedaes adquiridos na lndia. Vendeu a sua quinta
resgatou o que quiz, e não contente com isto tomo~ de Alem quer; contrahiu alguns emprestimos; ced eu
com eng~nos u_m in~io, o maior principal que nesta ao Estado a tença a troco de um navio e de varias
terra h~vta , m_ats amtgo dos christãos, e o prendeu generos; angariou numerosos colonos, e, no princi-
no n~v1o, pedmdo por elle muito resgate, o qual pio de 1535, sahiu do Tejo com a intenção de nunca
depois de por elle lhe ~ar~m o que pediu, por se mais tornar para a sua terra natal. Chegou a seu
congraçar com outros mdtos contrarias deste que destino no dia 28 de maio, durante o oitavario de
prendeu, lhe o levou e entregou preso, té lhe o deu
a c~me_r contra toda a verdade e razão por donde (') A in teg ra desta car ta acha-se no Braz. H ist., dn Dr. ~ l e ll o
os tndtos se alevantaram todos dizendo de nós llloraes, vol. 1, pag. qo.
muitc:>s males, q:.:e se não fiasse~ em nós, que não 2
( ) V1de Rev. de 6r, pg. 173.

mantmhamos verdade, e se vieram logo a uma po-


CAPITANIA S HEREDITA RIAS EPCJCA I. - T EMPO PRIMITI VO~ 159
158 ---
Pentecostes (1), e por isto deu á capitania o. nome terror dos máus. Chegou a dedicar-se com excesso
de Espírito Santo. A ser verdade o que d~sseram a bebidas espirituosas, e até se acostumou a fumar
seus inimigos, elle nutria o pensamento de vtr a ser ou, como então se dizia, a beber fumo , o que naquell~
na Terra de S. Cruz um potentado independente. tempo causava g rande escandalo.
Entre os colonos que o acompanharam, conta- . Procurou, além disto, extender o direito de homi-
vam-se dois nobres degradados, e um Duar de zto de que gosava a capitania, acoutando nella os que
Lemos, que na Asia obrára feitos importantes. Aquel- ~as outras coml!lettiam crimes. Aconteceu tambem que,
les eram D. Simão de Castello Branco, e D. Jorge tndo o donatan.o em 1540 a Portugal (1), deixou o go-
de Menezes, o descobridor da Nova Ouiné. fundou ver~lo da colonta a D. Jorge de Menezes. Desagradou
Vasco Fernandes a Villa do Espírito Santo, e, pas· muito aos moradores esta nomeação, porque D. Jorge
sando a distribuir sesmarias, deu a primeira ilha da era degradado : Havendo ~~ste ínterim os goytacazes
enseada a D. Jorge de Menezes. a outra immediata aggredtdo a Vtlla do Espmto Santo, e tendo perecido
a Valentim Nunes, a de ·S. Antonio a Duarte de ~·Jorge .na defesa, tomou conta do governo da capita-
Lemos. foi nesta ilha que em 1551 lançaram os ma D. S.trnão de Castello Branco, outro degradado do
alicerces da Villa de Nossa Senhora da Victoria, mesmo Jaez, e que tambem succumbiu na lucta. Des-
capital, outrora da capitania, hoj e do Estado (2) . g.ostosos, portanto, os colonos afrouxaram a resisten-
O gentio, que a principio oppoz alg uma resis- cta, re_tJra.ndo-se muitos dell es para differentes Joga-
tencia, vencido, apaziguou-se, e começou a con correr res. « E~nftm . ga ~tados n:uito~ mil cruzados, que trouxe
para os trabalhos da colonia. Posto que a maioria da lndta, e mUtto patnm ont o, que tinha em Portu-
dos colonos lavrassem as terras par:t mantimentos, gal, acabou tão pobremente, que ch egou a lhe darem
introduziu-se a cultura da cann a, e foi construido de comer por amor de Deus, e não sei si teve um
um engenho. Tudo parecia proceder com a melhor lençol seu em que o am ortalhassem. Seu filho do
prosperidade; a colonia, porém, incluía elementos de mesmo nome tambem com muita pobreza viveu e
dissolução que não tardaram em produzir seus fructos. mo.rre~ na mesma capitania ( 2) ». Reverteu esta c~ pi­
Por um lado eram os colonos, parti cularmente os tanta a coroa por compra em 171 8.
nobres, que procediam com pou ca regularidade; por
outro lado era o donatario que não tinha nascido 132~ P<:>rto s:-~uro.- Do rio Mucury para o
para governar. De caracter doei! e jocoso, de nenhu· norte ate o no Jeq':utmhonha, pouco além da cidade
ma severidade para com os delinqu entes, e sem pureza d~ Porto Seguro, vmham as cincoenta leguas conce-
de costumes, não podia ser modelo dos bons, nem dtda~ a Pero de Campos Tourinho, rico proprietario
de Vtanna do Minho. O fora! leva a data de 23 de
(') O r. Vasco ncellos, posto que se mp re escr upu losamente
exacto, cnhiu aqui e m um P,eq ue no d esc u1do affir rn r, ndo qu e o d o· (') Rev. vo l. XXIV, pag. 20 9.
natario chegou no D o mingo de Pe ntecostes a 23 de maio. E m 15 ~ 5
Em 1550 e mbar co u outr a vez Cout in ho, e deixo u a cap itan ia
P asc hoa ve in a 21! tl e ma rço, e por co nseguin te, o D omingo de
sem dec l ar~ r aon de e ra que se d iri g ia. Divulgou ·se, por is to, 0 boato
P en tecostes (50 dias) fo i no dia 16 de maio . Ao a uto r, que estim a-
de ~ue. fugtra par a a F ra nça. Co nsta, po rém, q ue visitou di versas
mos mu ito, pedimos q ueira releva r o nosso atrevimento.
cap1 ~a n 1as do no rte, a ngaria nd o co lonos pa ra a sua, e q ue na Vil/a
(2) A r azão d e dar este nome á V ill a fo i te rem, no mez de
de S. Cntz de Po1'to Seguro, escudando ·se com o direi to de hom izio
se te mb ro d esse mes mo a nno, co nseguido os colonos repellir apoz
recolheu em se u navio a lg uns cr imin osos fu gi dos da cadeia dos f!ltio/
r e nhi da pelej a, um te míve l a taq u ~ dos barbaros . A' antiga povoação
do Espí ri to Santo fi co u o no me de Vil/a Ve !ta . (') Fr. Viceute do Salvador, png. 4 0.
160 CAPITANlAS HEREDlTARIAS EPOCA l. - TEMPOS PRIMITIVOS 161
setembro de 1534 i a carta de doação, a de sete de do de cincoenta leguas e indo ter_minar no rio J~­
outubro do mesmo anno. Em virtude do credito de guaripe que desagua na barra occtdental da ~ahta.
Tourinho na sua terra natal, offereceram-se tantos A carta de doação leva a data de 26 de JUlho
colonos, que nãv foi possível acceitar todos. Preferiu, de 1534 · o fora!, a do dia on7e de março do anno
pois, o donatario os parentes pobres, e aquelles que seguinte.' O agraciado foi Jorge de Figueiredo Corrêa,
apresentavam melhores informações. Vendidas suas escrivão da fazenda, que para não abandonar o em-
propriedades, embarcou em Vianna com sua mulher prego mandou em seu Jogar o castelhan o Francisco
e filhos em demanda do porto em que trinta e cinco Romero ou como quer Oandavo, um João de Al-
annos antes fundeára Cabral. meida. Lançou Romero, em 1535, os alicerces da
já existia nesse lagar uma pequena povoação; mas, primeira povoação no cimo do morro de S. Paulo,
ou porque não era o sitio saudavel, ou por julgai-o pou - na ilha de Tinharé i logo, porém, a mudou para o
co vantajoso, preferiu Tourinho seguir até ao surgi- porto dos lllzéos denominando-a S. Jorge em honra
douro do rio Buranhen, em cuja margem esquerda !an- do santo do donatario. Não faltavam colonos, nem
çou os alicerces da sua primeira villa, na extensa cha- terras excellentes, e o gentio fôra valentemente re -
pada de um monte. Segundo a opinião mais seguida, pellido; Romero, todavia, homem ignorante de assum-
deu-se este facto em 1535. Vencido, e levado com certa ptos de governo político, pretendeu regular tudo a
política, o gentio, de natureza mansa, deixou tranquilla seu arbítrio, postergando as leis. Irritados, portanto, ?S
a nascente colonia, que seguiu seu curso vagarosa, mas colonos, prendendo-o, remetteram-no au_ ~onatano,
prosperamente. Prevaleceu a principio a industria da que cahiu no erro de confirmai-o no offtcto, e man-
pesca, introduzindo-se mais tarde a cultura e fabrico dai-o de novo para os Ilhéos. Recusaram os colonos
do assucar. Durante a vida do primeiro donatario, recebei-o, e a desunião, que deste modo se introdu -
correu tudo regularmente. «Havia nella (na capitania) ziu, juntamente com as invasões dos aymorés causaram
bons costumes, fazia-se justiça a todos, eram os habi- a ruína da colonia. Reverteu á coroa por compra
tantes tementes a Deus, e observadores da religião, em 1761.
sem a qual não ha sociedade possível ( 1)».
Sob seus herdeiros, porém, diversas desordens, 134) Bahia. - O largo tracto de terra, compre-
e principalmente as invasões dos terríveis aymorés, hendido entre o rio Jaguaripe . na barra occidental da
causaram a decadencia. foi esta capitania em 1556, Bahia e o rio S. Francisco exclusivamente, foi a cinco
com licença do rei, vendida por cem mil réis de juros da abril de 1534 (o fora! tem a data do dia 26 de
a D. João de Lancaster, primeiro duque de Aveiro. agosto do mesmo anno) concedido a Francisco Pe -
Em 1759 reverteu á coroa por confisco . reira Coutinho, já illustre por suas façanhas na In ·
dia, poré.m velho e excessivamenta bondoso. Em
133) Ilhéos . - Deve esta capitania o seu nome 1536 fundou o seu primeiro estabelecimento logo da
a diversas ilhotas que estão fora do porto. Todas, barra para dentro, á mão direita, na linda paragem
menos uma, são escalvadas. Comquanto se não que ainda hoje conserva o nome de Victoria. Era o
indique a raia entre ella e a precedente, podemos Jogar em que assistia Çaramurú e. qu~ mais tard~ se
suppor que começava no rio Jequitinhonha; constan- disse Vi11a Velha. Aht deu as pnme1ras sesmanas i
commetteu, porém, no começo o erro de tolerar que
(') Varnhagen, pag. 182. os colonos se espalhassem pelo Reconcavo, os quaes
li
162 CAI'ITANlAS HERED!Ti\RIAS EPOCA I . - TEMPOS PRIMITIVOS 163
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deste modo se desmandaram, e, quando quiz reunil-os, ros de parte a parte; concluiu-se uma especie de
não obedeceram (1). Pediu o donatario a Diogo Al- convenção, e Coutinho voltava juntamente com Dio-
vares que o auxiliasse na empresa colonial; levan- go Alvares, quando naufragou na costa de Itaparica.
tou tres engenhos de assucar, e dois de seus com- Os que escaparam do naufragio, foram, menos Cara-
panheiros casaram-se com duas filhas do Caramurú murú e os seus, devorados pelos selvagens da ilha.
As rivalidades, todavia, não se demoraram. Quer A família do infeliz capitão-mór, ficando nos llhéos,
fosse ciume, quer desconfiança começou, hancisco cahiu em tão gra nde pobreza, que teve de recolher-
Pereira a desapprovar o proceder de Diogo. se ao hospital.
Além disto, os colonos parece terem vexado aos
selvagens, e um delles matou o filho de um principal. Confessamos ser muito difícil atinar, n·esta histo-
Déram, pois, os barbaros principio a uma insurreição. ria de Coutinho, com a verdade. Accioli nas Memo-
Como Diogo aconselhasse medidas de brandura, Cou- ri:J.s da Bahia, vol. I, pag. 58, dá toda a culpa ao
tinh o o mandou prender a bordo de um navio surto dJnatario e a seus colonos; Varnhagen, pelo con-
no porto. Esta prisão causou um levantamento geral, trlrio, parece criminar só os barbaros, e os christãos
que se torno;_; ainda mais furioso quando se espalhou estabelecidos na Bahia antes de Coutinho.
o boato de que Caramurú fôra privado da vida. In- Refere, como é sett costume, o que os índios fize-
cendiando os estabelecimentos agrícolas, e matando a ram, calando o que tiveram de soffrer, e não men-
muitos colonos, entre os quaes um filho do capitão- ciona a circumstancia da prisão de Diogo Alvares,
mór, os barbaros reduziram o donatario e os seus á sem a qual é difícil explicar os factos. Accrescenta
ultima extremidade Depois de longa e inutil resis- que o velho donatario foi preso por seus proprios
tencia foram todos obrigados a buscar a salvação nos parciaes, com o artifício ou embuste de um alvará
navios (1545) retirando-se a maior parte para a ca- falso.
pitania de Porto Seguro. Sentiram dentro em breve Sem desprezar Varnhagen, preferimos a versão de
os indígenas a falta de mercadorias europeas, Accioli, porque, em nosso ver, explica de um modo
ás quaes estavam habituados. Enviaram-se mensagei· mais provavel e intelligivel os acontecimentos. Como,
porém, Accioli não diga o nde é que achou essas in-
( 1) Diz Capri>tano de Abreu te r nchado, na Bibliotheca Nacio- formações, damos tudo com a maior reserva.
nal, um p1pel, com a data de 153 6, em que se refere a chegada Em 1548 reverteu esta capitania á coroa por
de Co utinho á Bahia. Desse papel extrahimos, por julgai-o interes-
sante, o trecho seguinte: compra, mediante um padrão de juros de 400$000 rs.
c A terra muito pacifica; obra de um'l legua daqui ha uma a.nnuaes, vinculados ao fi lh o do donatario, Manuel
aldêa co m 120 ou 130 pessoas muito pacificas que vem á casa por Pereira Coutinho e seus descendentes.
ração, e o príncipe delles com sua mulher, filhos e gente, que rem
já ser Cbristãos. Dt> uma parte da capitani a se vêm quasi todos
para elle . dizendo -:;_ue querem ser christãos, e não que rem comer 135) Pernambuco .-- Foi com a doação desta
carne humana , e trazem maatimento s: uma anta vale um vcnlem, capitania agraciado .a dez de março de 1534 (o Fora!
un1 veaão 1ncsmo vinlem, um porco montez mestno vintem, um coe- é do dia 24 de setembro do mesmo anno) Duarte Coe-
lho dois vmtens e muitas outras caças de muitas maneiras. O peixe
é tanto, que vale de graça, peixe de oito palmos e mais que se lho Pereira, cavalleiro notavel por seus feitos gloriosos
toma ao anzol, muitas pescadas, salmon etes, linguados, sardinhas. m Asia. Voltára do Oriente, havia quatro ou cinco an-
A terra dará tudo o qtte lh e deitarem, os a lgod ões são os mais ex- nos; contrahira enlace matrimonial com Dona Brites,
cellentes do mundo, o assucnr se dará quando quizcrem ). jrman de Jenonymo de Albuquerque; andou cru-
'
164 CAPITANIAS I-IEREDITAIUA
EPOCA I. - TEMPOS PRlMLT lVOS 165
zando pela costa da Malagueta e nos Açores á espera de Nova Luzitania, applicado a toda a capitania. Ac-
das naus da India t 1). • •
cresce que Olinda era o nome de uma das damas
Feitos os preparativos necessanos e convemen- do Amadiz de Oaula, cuja leitura naquelle tempo es-
tes deixou Coelho o reino em outubro de 1534 ou . . . .
tava em grande voga.
m~is tarde visto ter chegado no dia nove de março Alliou-se Coelho com os tabaJares, mJmtgos dos
de 1535. Entrou pela parte meridiana do canal de cahétés; promoveu os casament?s dos col_onos com as
Itamaracá que então se chamava - Porto de Per- indias da terra· mandou organtzar um ltvro do tom-
nambuco 'Fu ndou o seu primeiro estabelecimento bo das terras que dava. e outro de matricula dos que
sobre um outeiro, admiravel pela vi:;ta e pureza dos se propunham a adquirT os fó:os de morado res da
ares ao qual deu o nome de Olinda. Levantou uma sua capitania. Como o donatano se mostrasse ener-
torr~ no gosto da Edade Média, uma capella e ou- gico punindo severamen_te as desordens e faz~nd?
tros edifícios. Attrahiu com muita arte numerosos justiça a todos, a coloma com~çou desde _o pnnct-
indios que trabalharam juntamente com os colonos pio a vingar de um modo a~m1rave l. Cultivavam o
Dentre elles ficaram memoraveis nos annaes de Per- alaodão o assucar e os mantimentos.
nambuco os nomes de Jtabira, ltagybe, e principal "' A n~ticia desta prosperidade contribuiu muito para
mente o de Virá - uby, Arcoverde el- attrahir de todos os lados colonos honestos e labo-
Quizeram alguns explicar o nollle de Olinda riosos. Olinda, por conseguinte, cresceu tanto, que a 12
contando que o d<?natario ou algum ?os. seus, ao ~h_e­ de março de 1537 recebeu um fora! confirmado pelo
gar_ sobre _o oute_1ro, .~xc_lamou : O _ltnda poSLÇf!:O. monarcha a 17 de março de 1550 ( 1). Dizem qu~ o
HoJe em dta, porem. Ja nmgue~n admttte esta versao. primeiro juiz ordinario da villa foi um João Carn~tro.
Mais provavel parece ter stdo este_ o no'!le de al- Em uma viagem ao reino entabolou Coelho aJus-
gum logar de Portugal que o donatano qutz perpe-
tes com alguns mercadores sobre a ~o':strucção de
tuar afim de acalmar as saudades, como fez com o obras para o fabrico do assucar, e fot ~ao feltz, que
- (') Affi rm am o P . Simão de Vasconcellos, Raphael de Jesus em poucos annos já estava senhor de dtversos enge-
e Gama que, de volta da India, em 15 30 arnbou Coelho a P~r· nhos . Nada, porém, conseguiu relativamente~ exp~o­
nambuco; venceu os francezes ; fundou a vi !la de [ gara~sú, e segulll
para Portugal; que voltou em ~532, e em 1534 reg1strou a sua
ração do rio de S. Francisco, porque_ suas extgenctas
carta de doação na camara de Olmda. . . . fo ram na metropole julgadas excesstvas. Parece. no
No ve r do sr. Vasconcellos nada disto se pode admllllr. Po1s eutretanto ter sido no seu tempo que Paulo Affonso
Coelho paniu para a In dia em 1509; 1egressou em 1529; em ISJ:; chegou á' famosa cachoeira que ainda lhe conserva
anelou cruzando na costa da Malagueta, donde, em 1533, passou a
ilha Terceira a esperar a frota da Inclia. Accrescc que .em I 534
o nome. Talvez fosse nessa mesma epoca que um
Igarassú existia desde varios annos , e Olinda ai nd a nã~ tinha s1clo Sebastião Alvares a devassou sem que delle e de seus
fundada, etc. Vicie fr. LUi z ele Sou za, Annaes de D, J oao HI, pag. companheiros se recebesse mais not~cia alguma.
377 e seguintes. • . . Progredia egualmente a coloma pernambuca-
· Pernambuco corrupção de parana-mbuco, s1gmf1ca mar largo.
Extendia-se esta ~api tania desde o Rio S . Francisco inclus1vamente na de lgarasstí, apesar de ser não raras vezes s~lteada
até 0 Rio Igarasstí no cana l ele Itamaracá ou Rio S. Cruz. pelos barbaros. O maior desses assaltos fo_t o de
A respeito do sitio do llfa1·co ou dos llfauos, v1cle a Rev. do 1548, que ia destruil-a a não ser o soccorro tnespe-
Inst. A . P ern . n. 36, pg. 53, it. 4'> 1 pg. 100.
2
( ) Ui1·à , arco; uby, verde. (') Vide Vasconcellos, pg. II 1, co\. 2~ e as bellas reflexões
Olincla chamava-se tambem Maroin, que era o nome ele um que o autor accrescenta ao documento clecluzmdo delle que Pernam-
maio ral do Jogar. buco fôra desde muito antes colonizado.
166 CAPITA~IAS 1-JEREDITARIAS EPUCA I. - TEtv.TPOS t'RIMITlVOS 167
rado da tripulação de um navio que do reino che-
gou a Perna mbuco. Dessa tripulação fazia parte o al- Quatro Capitanias do Norte
lemão Ha ns Staden, do qual trataremos em outro Jo-
gar. Segu ndo elle nos conta. os defensores de Iga- 136) Capitanias - Ajoão de Barros e Ayres da
rassú montavam a cento e sessenta homens inclu:,t- Cunha foram a 18 de junho de 1535, doc.das cem
vamente quarenta indios amigos. leguas desde' a Bahia da Traição (Acejutibiró) par~
Fallecendo Duarte Coelho em princípios de o norte até á serra do Apody e á barra do Mossoro,
1554 (1), succedeu-lhe nos direitos seu filho primo- extrema do Estado do Rio Grande do Norte, ou,
genito, Duarte Coelho de Albuquerque; como, po- segundo Candido Mendes, até o Rio jaguaribe no
rém, este se achasse em Portugal, continuou no go- Ceará.
verno a viuva O. Brites de Albuquetque, a qual o Antonio Cardoso de Barros foi, a 19 de dezem-
estava exercendo na ausencia do marido, e logo o bro de 1535, agraciado ,com q':larenta le~uas d_e litt? -
assumiu em nome do filho, tendo como accessor Je- ral desde o rio Mossoro, ou no Jaguanbe ate o no
ronymo de Albuquerque, seu irmão. Mondohytuba (Mundahú) além da Fortaleza, hoje
Os herdeiros de Duarte Coelho tiveram o go- capital do Ceará.
verno da capitania até 1630, epoca da invasão hol- A Fernand' Alvares d' Andrade concedeu o sobe-
landeza. Restaurado Pernambuco em 1654, annexou rano a 18 de junho de 1535, setenta e cinco leguas
O. João IV a capitania ao domínio da coroa, visto desde o Camucim ou Rio da Cruz, no Ceará. até á
como os ditos herdeiros não podiam manter um exer- Ponta dos Manaues Verdes, no Maranhão, conhecida
cito conven iente, que naquellas conjuncturas era ne- actualmenle pot' Cabo de Todos os Santos.
cessario; nem eram capazes de indemnizar os per- A João de Barros e Ay:es da. Canlza couberam
nambucanos pelas grandt:'S despesas feitas na lucta. mais 50 leguas (o f oral e do d1a onze de março
Recorreram os herdeiros aos tribunaes e, posto que de 1535; a carta de doação não se conhece) desde
conseguissem sentença favoravel, resolveram em 1716 o Cabo de Todos os Santos ou Ponta dos Mangues
desistir da causa mediante a compensação de oitenta Verdes até o rio Our.1py ou Abra de Diogo Leite,
mil cruzados, pago, em dez annos (2). divisa actual entre o Pará e o Maranhão.
(') Concordam os autores relativamente ao anno da morte de
Coelho; não referem, porém, nem onde, nem como occorreu. Só 137) Donatarios - Fernand'A_lvare~ d'Andrc:de
fr. Vicente do Salvador, na pag . 49, conta que passando á metro- do conselho do rei era thesoure1ro-mor do remo.
pole, u rei • o recebeu com tão pouca graça, que indo para casa foi sempre solicitadcr ace rrimo de providencias fa-
enferm ou de nojo, e morreu dali i a poucos dias; pelü que indo
Affonso de Albuquerque com dó ao paço, e sabendo El -rei delle voraveis ao Brasil.
por quem o trazia, lhe disse: Pesa-me se1· morto Duarte Coelho, pm·- Ayres da Cunha, valente nauta que se di~tin­
quc e1·a mu:to bom cavallui1·o •. auira como capitãc-mór do mar em Malaca, tmha
«Es ta foi a paga de seus se rviços; mas muito di fterenle a que ~ndado cruzando nos Açores com uma esquadrilha
de Deus receberia, que é só o que paga dignamente, e ainda ultra
condignum aos que o servem >. de guarda costa, e ?restara serviç?s importantes. Em
(2) Vi,ie José Bernardo Fernandes Gama- llfemot·ias Hist. setembro de 1533 chegando a L1sboa, offereceu ao
de Pernambuco, vol. IV, pag. 336, edição de 1846. aoverno a sua co~:>eração para ir desmantelar a fei-
Tornaremos a falar deste mesmo assumpto no vol. seguinte toria fundada em Pernambuco pela nau franceza La
par. 338. Aqui diremos tão sómente constar pela sentença final que
Duarte Coelho tinha o appellido de Pereim. Pélerine; foi, porém, dispensado por trazer Pe&o Lo-
168 CAPITANIAS IIEREDITARJAS EPOCA I.-TEMPOS PRIMITIVOS 169
pes, nesse ínterim, a noticia de ter acabado com vas, em março de 1536, á ilha do actual_Maranhão,
aquelle estabelecimento. a que os colonos puzeram o nome de Tr!ndade, co-
João de Barros, o bem conhecido autor das De- meçando nella uma povoação que deno~maram N?--
cadas, era neste tempo feitor da Casa da Jndia . Ser- zareth. Da decima embarcação, em que 1a o propno
vira tambem interinamente de thesoureiro des ames- Ayres da Cunha, nunca se recebeu n?tic!a alguma,
ma casa. Do precedentes do cavalleiro fidalgo An- sendo por isso obvio supp.or ter_reree1do JUntamente
tonio Cardoso de Barros nada sabemos, e ignoramos com seu chefe e toda a tnpulaçao (1).
egualmente si tratou de colonizar a sua capitania. fizeram a principio os colonos muitas roças, e
Veiu mais tarde ao Brasil servir de provedor-mór déram-se bem com os barbaros, mas dentro em bre-
da fazenda com Thomé de Souza, primeiro gover- ve foram por uma insurreição destes obrig~dos á re-
nador geral. tirada. Ignoramos se alguns delles consegUJr~m vol-
tar directamente para a Europa; consta, porem, que
138) Mallogro.- Como L~'ernand'Aivares e João em agosto de 1538 alguns entraram em Porto R1co;
de Barros em razão de seus empregos não pudessem outros, em S. Domingos.
vir pessoalmente colonizar suas capitanias, fizeram so- Estes foram esbulhados de tudo, e até, po~· or~
ciedade com Ayres da Cunha, perante o qual Alvares dem da Hespanha, retidos como colonos. f01 so
foi representado por um homem de confiança; João á custa de muitos sacrifícios que João de Barros lo-
de Barros, por dois de seus ftlhos. Obtiveram os tres arou rehaver seus filhos. Este digno portuguez teve
socios a doação especial do ouro e da prata que na ~ generosidade de pagar não só suas dividas, como
terra se descobrisse, e esquiparam uma frota de dez tambem as de Ayres da Cunha e de outros. Perdo~u­
navios com novecentos homens, em que entravam Ihe em seguida D. Sebastião a. som ma de uns se!s-
cento e treze de cavallo. Os preparativos foram tão centos mil réis que ainda dev1a ao_ thesou_ro reg10,
extraordinarios, que excitaram as reclamações da Hes- e, apoz a sua morte em 1570,_ agr~c10u _a v1uva com
panha, a qual temia que esta força se dirigisse ao uma pensão de quinhentos mil re1s. Ma1s tarde fe-
Rio da Prata ou ao Perü. lippe 11 (I de Portugal) con~edeu a Jeronymo de
Partindo de Lisboa em novembro de 1535, Barros filho do nosso donatano, uma tença de cel!l
chegaram com feliz viagem a Pernambuco, onde mil reis com faculdade de testar della até á quantia
Duarte Coelho mui bondosamente lhes forneceu lin-
guas, e uma fusta de remos para ir adeante son- de trinta mil reis. .
Não será desagradavel ouvir agora ? propno
dando nas paragens menos conhecidas. Lançaram João de Barros que fala do modo segumte: · Os
ferro no actual Ceará-Mirim, no Rio Grande do feitos da qual (da província de S. Cruz) por eu ter
Norte. com a intenção de fundar nesse Jogar uma
colonia; cedendo, porém, ás hostilidades dos peti- (') Berredo nílo menciona a circumstancia de ter a expedição
guares, açulados pelos francezes, tornaram a embar- tocado em Pernambuco e no Ceará-Mirim, e affirma ter perectdo
car, seguindo derrota no rumo do Maranhão. A fusta, toda nos Baixos da. Barra, salvando-se alguns poucos a nado na
todavia, logo se desgarrou e andava perdida com ilha .io Boqueirão ou d o Medo . Estes, por falta de recursos, aban-
fa lta de mantimentos e de agua, quando um navio donaram, segundo elle, essa paragem, regressando a Portugal em
navios de piratas. .
hespanhol recolheu os tripulantes, levando-os á ilha Candido Mendes conjectura que o naufragw nílo se reahzou
.
de S. Domingos. Nove embarcações aportaram sal- no Boqueirílo, nem na Coroa Grande, mas nos Lençóes Grandes.
170 CAPITANIAS ITEREDITARIAS EPOCA r. -TEMPOS PRIMITIVOS 171
uma destas capitanias, me têem custado muita sub- ranhão pereceu toda a flotilha, menos uma caravella
stancia de. fazenda, por razão de huma armada, que que o novo donatario tomou a nado com alguns
em praçana de Ayres da Cunha, e Fernão Dalvares companheiros, recolhendo ·se para o reino escarmen-
d'Andrade, Thesoureiro-mór deste reino, todos fize- tado. Navegou em seguida para a India Oriental,
m.os para. aquellas partes o anno de quinhen to e onde, durante uns vinte annos, accumulou thesouros
tnnta e cmco. A qual . armada foi de novecentos que tencionava despender em colonizar o Maranhão;
homens, em que entravam cento e treze de cavallo, mas, do navio S. Francisco, em que no anno de 1573
cousa que para tão longe nunca sahiu deste reino regressava á Europa, nunca mais se soube causa
da qual era capitão-mór o mes mo Ayres da Cunhai alguma.
e por isso o principio da milícia desta terra ainda
que seja o ulttmo de nossos trabalhos, na m'emoria 141) Tentativas e mallogros ~aste1hanos .
eu o tenho mui vivo, por quão morto me leixou o - Diego de Ordas, 1531, que na historiado Mexico
grande custo desta armada, sem fructo algum . ]. deixo t: memoravel nome por ter visitado o cimo da
de Barros. dec. I, liv. VI, cap. I. montanha ardente de Popocatepetl, requereu a com-
missão de submetter e colonizar o paiz desde o Cabo
139) Dieg-o Nunhes.-- Aigum tempo depois do de la Vela para o nascente numa extensão de duzen-
~esastre de .Ayres ?a Cunha, obteve em Portugal tas leguas. Alcançou o que desejava com a condição
licença para Ir colomzar o Maranhão um Diego Nu- de explorar a costa até o Maranhão, comtanto que
nhes, que estivera muitos annos no Perú; ajuntára não ultrapassasse os limites do rei de Portugal. Dé-
grandes cabedaes e conhecia mui bem o Alto Ama- ram-lhe o titulo de governador e o de adeantado
zonas. Associando-se ao capitão portuguez João de com poderes muito amplos e privilegias especiaes.
Sande, conseguiu, segundo parece, armar quatro na- Sahiu Ordas de Sevilha em 1531 com quatrocentos
vios. Nada mais, porém, sabemos a respeito desta homens. Em Teneriffe se lh e reuniram tres irmãos
empresa. da família Silva com duze;-Jlos infantes. Dalli velejou
para o Maranhão ou Amazonas. e tentou subir pelo
140) Luiz de Mello, 1554. -Acon teceu um rei dos rios; achou, porém, a navegação excessiva-
pouco mais tarde (1539) que, sahindo de Pernam- mente difficil, vendo-se em risco imminente entre o~
buco para Lisboa, foi Luiz de Mello da Silva arras· baixos e as corredeiras, e perdendo um de seus
tado .Pel.os ventos até o Amazonas, onde apanhando navios. Resolveu, portanto, procurar fortuna em outra
um mdto, agradou-se tanto do que viu, e do que parte. Passou a Pari á; entrou no Orenoque e teimou
poude colher das informações do seu prisioneiro, que, em invernar nesse rio. Perdida grande parte da sua
chegando a Portugal, pediu a D. João Ili a conces- gente em naufragios e outros desastres, abandonou
são da capitania do Maranhão, já renunciada por ). finalmente a empresa; fez-se de vela para a Hespa-
de Barros. Partiu, pois, de Lisboa no correr de 1554 nha e morreu na viagem ou logo depois de che-
com tres naus e duas caravellas (outros dizem oito gar (1532 ).
ou .nove caravellas e alguns bergantins) afim de co ·
lonizar aquella parte do Brasil. Não é bem liquido 142) G onçalo Pizarro, 1539. - Segurada,
si a expedição fosse particular ou em nome e á custa como elle imaginava. a autoridade da sua família no
do governo. E' certo, porém, que nos baixos do Ma- Perú pela execução de Diogo de Almagro, seu com-
EPOCA I .-TEMPOS PRTMIT1VOS 173
172 CAPITANIAS HEREDlTARIAS
aureo reino alvo de seus desejos, então com a alma
panheiro e bemfeitor, entregou o marquez D. Fran- de um verdadeiro Pizarro, nome que nunca se pro-
cisco Pizarro o governo de Quito a seu irmão, Gon- nunciará sem horror, pôl-os a torm_entos para lhes
çalo, incumbindo-o de ir tomar posse do paiz da extorquir uma confissão do que tj5noravam, nem
cannela e conquistar El-Dorado, que se suppunha podiam ter motivo de occulta~. Quetmo~ alguns em
existir a léste do territorio outrora senhoreado pelos vida, e outros tambem em vtda os attrou a. seus
lncás (1). Partiu Gonçalo com uns duzentos incanks, cães, molossos cervaes ensinados de pr_?postto a
cem cavalleiros, quatro mil selvagens, e obra de qua- nutrirem -se de carne humana! Volt~m ent~o a Zu-
tro mil porcos e carneiros da lndia. Na província maque. Durante dois mezes que allt se dettveram os
dos Quixos, tentaram os barbaros oppor alguma hespanhóes, choveu sem cessar, de modo que nunca
resistf'ncia; sentindo, porém. a propria inferioridade, estavam enxutos, apodrecendo-l hes no sorpo a _roupa.
fugiram, levando comsigo mulheres e creanças. Em Não tardou Gonçalo a sentir os ~aus effett_os da
quanto alli fazia alto o exercito, occorreu violento sua crueldade. Correra o boato ~e tnb_u em tnbu, _e
terremoto, que derrubou as habitações dos indígenas, quando elle perguntava. pel.os patze~ nc.os e~ cuJa
fendendo-se a terra em diversos Jogares. Seguiram-se demanda ia, os pobres tndtgenas o tlludta.m dtzendo.
horríveis tempestades de raios e trovões acompanha- lhe que seguisse . avante. Ch~garam, por ftm, os hes-
das de grande chuva. panhóes á margem de um no profundo e largo (era
Abandonando esta paragem. atravessara m um o Côcal, ao longo do qual !o:am descendo. Em um
ramo das cordilheiras, onde muitos índios morreram Jogar viram a corrente prectpitar-se da altu~a de _al-
gelados. Alli deixaram os viveres e o gado para, guns centenares de p~s, e qu_ar_et:tta leguas mats abatx_?
movendo-se mais de pressa, s.:tlvar as proprias vidas. contrahir-se entre dots prectptctos em uma largw a
Foram abrindo caminho pelas mattas até o valle de de apenas sete metros. Resolveram lançar-lhe uma
Zumaque, nas fraldas de um vulcão, a trinta leguas ponte de rocha a rocha. Os naturaes, que da outra
de Quito. Reuniu-se-lhes nesse Jogar, com trinta ho- maraem tentaram frustrar-lhes o intento, foram de
mens de cavallo . Francisco de Orelhana, cavalleiro pres~a postos em fuga . Infinita difficuldade h_ouve em
natural de Truxillo na Hespanha. Nomeou-o Gon- atravessar a primeira trave, sendo comparativame nte
çalo seu tenente general, e, deixando o grosso da facil o resto.
sua gente em Zumaque, avançou com setenta peões .
M as J si barandes haviam sido os soffnmentos na
para o nascente a reconhecer o paiz da especiaria. .
região montanhosa e nas florestas, maiOres os espe-
Achou essas arvores, mas o povo era tão pobre, que ravam aqui. Tinham de vadear pantanos, passar la-
Pizarro se indignou summam~nte. Quando pe rgun- goas, e savanas inundad~s, sobre apa~haren: outra
tou aos indígenas que paizes ficassem além, e elles vez chuvas torrenciaes. Como as provtsoes estivessem
nenhuma razão puderam dar do El-Dorado, desse quasi exhaustas, começaram os hespanhó~~ a devorar
seus cães de guerra. Resolveu-se ~onstru11 um ber-
(') Correra o boato de que no interio r da Arnerica meridional gantim que levasse os doentes; _foqaram quanto f~rr~
existia urna cidade em que tudo era ouro: calçadas das ruas, casas, levavam comsigo, colheram resma que lhes servtsse
fechaduras e utensilios, tudo era desse metal precioso. Viviam nessa
cidade um grande num ero de ourives, que occupavam ntas a perder de alcatrão . e em Jogar de estop~ emeregaram ?S
de vista. O rei do paiz, El-Dorado, cobria-se cada manhan de ouro proprios vestidos já podres. As tnbu laçoes, todavta,
em pó, que lhe sopravam no corpo por meio de um tubo, e que ainda continuaram a ser grandes. Levava Gonçalo
depunha pela tarde tomando um banho
174 CAPITANIAS IIEREDITARIAS EPOCA I. -TEMPOS !'RI HTIVOS 175

prisi:meiros todos os morubixabas que podia colher Renunciou derois disto á commissão que Gonçalo
a mao, _e punh~ a ferros aqu~~les de quem receava lhe déra, sendo investido mais uma vez do com-
se evadi:;sel!l· Ja pelo medo, Ja para desviarem de mando pela eleição da sua gente. Celebrou-se missa
se~~ terr_Itonos semelhantes hospedes, affirmavam estes para os navegantes, e no ultimo dia de dezembro
pn~I?n~Iros gue na frente ficavam regiões ricas e de 1540 encetaram esta viagem, uma das mais atre-
fertilissimas, mformações em que pelo mesmo funda- vidas que jamais se emprehenderam.
mento concordavam _todos os indígenas. Repetia m a No dia oito de janeiro de 1541 foram nossos
Gonçalo que chega_na a ~sta região seguindo sem- nautas alegrados pelo som de um tambor indiano ;
pre _o curso do no, ate que outro maior viesse e, ao romper da alva, descobriram quatro canôas que
~eumr-se-lhe. Um dia estes morubixabas atiraram-se recuaram quando viram o bergantim . Logo appare-
a agua, acorrentad_os C?mo estavam, e, ganhando a ceram uma aldêa, e grande copia de naturaes pre-
margem OJ~posta, Il~ud1ram todas as pesquisas. Acha- parados á defesa. Não foi difficil afugentai-os. achan-
van:-se e_ntao, no_ dtzer dos índios, a oitenta leg uas do os hospedes prompto fornecimento. Voltaram os
da Juncçao dos nos, e era extrema a fome que rei- barbaros; travaram-se relações amigaveis, e dentro
nava. Ord~nou, portanto, Gonçalo a Orelhana que, em pouco vieram diversos chefes vi~itar os extran-
to~ando c1_ncoe~ta homens, descesse no bergantirn geiros.
ate ao fertil pa1z de que falavam os naturaes e Sete hespanhóes morreram em consequencia da
carregando ahi de provisões, voltasse o mais' dt; fome que tinham cortido. Tomaram os nautas posse
pressa que pudesse em soccorro do exercito. da terra em nome do imperador; fizera m diversos
preparativos para a construcção de um novo bergan-
143) Orelhana, 1540.- Era tão forte a corren- tim, e partiram apoz vinte dias de demora. Encon-
te 9o Côca, pelo qual navegavam, que, vencendo traram mais abaixo outras aldêas de índios muito
mats de ~em_ leguas, em tres dias chegaram ao rio mansos, que lhes déram tartarugas e papagaios para
Napo, CUJO l!ttoral era deserto sem nenhum signal sustento. Em ambos os lados do rio, todos mostra-
de cultura ou população. Po~derou, pois, Orelhana vam a mesma boa vontade. Era agora bem povoado
aos seus gue nem. era posstvel voltar atraz, nem o paiz por onde avançavam. No dia seguinte sahiram-
esperar all! o exercito. Além disto, concebera elle a lhes ao encontro canôas, cuja tripulação lhes deu
esperanç~ de atravessar o continente até o Atlantico, tartarugas, perdizes e peixes, agradando-se tanto os
e, mdo a H~spanha. re_q~erer a conquista dos paizes índios do que receberam em troca, que convidaram
que descobnra. O dommtcano fr. Gaspar de Carvajal o com mandante a ir á terra ver o seu chefe Apariá.
e ~erman Sanches de Vargas, joven fidalgo de Ba: fora m b em agasalhados, e, erguendo uma cruz, to-
daJos, opp~ze~am-se ao projecto representando ao maram posse do Jogar. Demoraram-se aqui trinta e
chefe_ a m tsena em que neste caso se acharia o ci nco e mais dias para construir outro bergantim
e~erctto. Orelhana mandou pôr este ultimo em terra maior.
aftm de que perecesse antes da chegada de Pizarro (t). Emq uanto trabalhavam nesta obra, chegaram
quatro índ ios, vestidos e enfeitados, e de alta esta-
. _(') Tendo se sustentado de ervas, achou -o vivo o exercito cuja
tura. Eram da tribu dos encabellados, visto como o
mtse~ta, ao regressar pelo mesmo caminho até o Perú, é mai; facil cabell o lhes descia até á metade do corpo. Dirigin-
I magma r que descrever I do-se a Orelhana com mu ita reverencia , depuzeram
176 ___CAPITANIAS HEREDITARIAS
EPOCA !.-TEMPOS PRIMITIVOS 177
n~antimento deante delle, dizendo que vinham en-
vtados por um poderoso chefe afim de saber quem barcaram, pois, boa prov isão d e fru ctas, e bisco uto s
eram estes extrangeiros, e para onde iam. Fez-lhes de milh o e de mand ioca, despojos do Jogar, e lar-
este o se~mão do costume sobre a religião christan, garam ou tra vez no do mingo depo is da Ascensão.
supremacta do Papa e poder do rei de Castella o di a seguinte, ve ndo um sitio peq ueno, deli ciosa-
despedindo-os em seguida com presentes. ' mente coll ocado, aventuraram-se a ir á terra, e se m
Passára-se a primavera antes da partida do hes- muita di ff icul dade força ram a praça. Acharam ne ll a
panhóes. Fr. Gaspar e outro padre seu companheiro I grand e copia de vive res e, nu ma especie de casa de
' I
recreio , algum as jarras de excell ente barro, além de
con fessara m toda a gente; pregaram-lhe e exhorta-
ram-na a arrostar valentemente todas as diffi cu ldades outras vasi lhas vidradas e muito bem pintadas (1).
até o fim. A 24 de abril embarcaram todos de novo. Depararam tambem com ouro e prata, e dois ído los
P~lo espaço ~e oito_ leguas povoavam as margens colossaes. tecidos com rama de palmeira. Partiam
tnbus tratavets; dallt para baixo tomava o rio entre daq uell e estabelecimento duas estradas reaes.
montanhas deser~as, onde se déram por felizes com Em cada uma dellas caminhou Orelhana uma
terem ervas e mtlho torrado de que se alimentassem. legua; vendo, porém, que se alargavam sempre mais,
~o ~ia doze de _maio j~ e?tavam na populosa pro- não julgou prudente passar a noite em terra, achan-
vtncta de Macluparo, ltmttrophe do territorio dos do-se em um paiz como este. Mais de cem leguas
omqguas. Atacad~s pouco depois no meio do rio , velejaram ainda por aquella populosa região, guar-
abnram-se o cammho pelejando, e tomaram de as- dando sempre o meio da corrente para se conserva-
salto uma grande aldêa, da qual levaram muitos des - rem á distancia segura da beira. Entraram depois
pojC?S- A consequencia foi que se alvorotou o paiz nos domínios do maioral chamado Paguana, onde
mtetro, apparecendo milhares de indios nas duas tiveram amigavel recepção. Fertil era o paiz; o povo,
margens, e numerosas canôas na agua. parecido com os peruanos. No domingo do Espírito
Desceram á terra numa ilh a deserta para des- Santo passaram por uma grande povoação com muitas
cançar e comer; aggredidos, porém tiveram de bus- ruas, que, todas, iam dar ao rio. Por ellas sahiram
car a ~alvaçã? nos bergantins, combatendo sempre, os habitantes, mettendo-se nas canôas, a atacar os
e segumdo vtagem. Metteram, por fim uma bala no bergantins; promptos, porém, se retiraram ao senti-
peito de um principal, e, emquanto os' barbaros se rem os effeitos das armas de fogo. Na tarde do
entretinham com o ferido ou morto afastaram-se os domingo da Trindade , assaltaram um estabelecime:~to,
hespanhóes consideravelmente. ' cujos moradores se serviam de grandes pavezes como
Dois dias e outras tantas noites continuou a arma defensiva. Pouco abaixo dahi vinha do sul um
caça até que se transpuzeram os limites territoriaes rio desembocar na corrente principal: suas aguas
de Machiparo. Quando viram que já ninguem os eram negras como a tinta de escrever, e formavam
perseguia, saltaram á terra; expulsaram de uma aldêa
pequena os seus habitantes, e alli se detiveram tres ( ) 1\ffirmam di versos autores que os itdios nunca pensavam
1

~ia~. Partiam desta aldêa muitos caminhos, o qu e no futuro, comendo carla dia tuclo quanto tinl1am A viagem, purêm,
tnd tcava uma fórma de governo mais temível do de Orelhana prova totalmente o opposto. Observe lambem o leitor
como era povoado o Amnzonas. Seria, pois. verdade que o numero
que os hespanhóes poderiam arrostar, pelo que lhes dos habitantes de todo o Brasil sub ia apenas a um milhão ? Im·
não pareceu bem demorarem-se longo tempo. Em- possivcl !
12
178 CAPITANIAS HI•: REO!TARIAS EPOCA l .-TEMPOS PRIMITIVOS 179
- - - - - - --
ainda por mais de vinte leguas uma linha escura sem vendo selvagem algum, quizeram desembarcar; logo,
se mesclarem com as outras. porém , que os bergantins chegaram assaz perto, sur-
Passaram por muitas povoaçõesinhas. salteando diram os indígenas, disparando incalculavel multidão
uma em busca de mantimentos. Já ia tão largo o rio, de frechas . Sobre a margem meridional, já as aldêas
que de uma beira não se avistava a outra. Por onde em parte nenhuma distavam mais de meia legua uma
quer que appareciarn, gritava-lhes da terra o gentio da outra, nem menos povoado era o sertão, segundo
como desafiando-os. A sete de junho entraram sem asseveraram os hespanhóes. No meio do rio ficavam
opposição numa aldêa, não se vendo ahi sinão mu- numerosas iihas a que pensou Orelhana saltar, repu-
Iheres; proveram-se bem de peixe, e Orelhana, ce- tando-as inhabitadas ; de repente, porém, largaram
dendo á importunidade dos soldados, consentiu em dalli urnas duzentas canôas, cada uma com seus trin t,t
dormir naquella noite em terra. Ao escurecer, toda- ou quarenta homens, alguns dos quaes levantaram
via. voltaram dos campos os homens, que tentaram discordante ruído de tambores, trombetas, e uns
expulsar os intrusos. Foram depressa postos em instrumentos que pareciam gaitas, emquanto todos
fuga, mas Orelhana insistiu prudentemente no re- atacavam os bergantins. Apesar de rechassarem estes
embarque e immediata partida. Chegaram depo is a inimigos, viram-se tão apertados os europeus que
uma grande povoJção, onde viram sete pelourinhos em nenhuma dessas ilhas puderam tomar mantimen-
com cabeças humanas espetadas em lanças. Partiam tos. Chegaram, por fim, a uma aldêa em que se
dahi estradas calçadas, com fileiras de arvores, plan- julgaram assaz fortes para obter provisões; mas,
tadas de um e outro lado. repeli idos, déram fundo á sombra de . uma floresta,
A 22 de junho avistaram muitas povoações gran- levantando barricadas. Alli lhes pareceu que já se
des do lado esquerdo, mas tão forte era a corrente, percebia a maré. .
que não a puderam cruzar. Desde então nunca dei- Mais um dia de viagem os levou a umas tlhas
xaram de ver aldêas, habitadas por pescadores. Ao deshabitadas. onde com infinita alegria conheceram
dobrarem um angulo do rio, alongou-se deante delles sem duvida alguma os signaes do fluxo e refluxo.
a perder de vista o paiz coberto de numerosos esta- Foram ainda aggredidos por duas vezes . e com muita
belecimentos, cujo povo, avisado da vinda dos extran- difficuldade repelliram o inimigo. Cruzaram então os
g eiros, se havia reunido evidentemente com inten- nautas o rio para o lado do norte por ser muito po-
ções hostis. Mostrou-lhes Orelhana diversos dixes, de voado o sul. Era esta outra margem deserta, mas
que se burlaram; mas elle teimou em approximar-se bem se deixava perceber que no interior não falta-
afim de obter provisões por bem ou por mal. Partiu riam habitantes. Alli descançaram tres dias. Encon-
da terra uma nuvem de settas de que ficaram feri- traram tempos depois um ermo em que se demoraram
dos cinco hespanhóes. Todavia desembarcaram, se- dezoito dias afim de reparar suas embarcações. Ao
guindo-se renhida peleja em que os índios não se approximarem-se do mar. outra vez se detiveram duas
acobardaram com a mortandade que entre elles se semanas em preparativos para a viagem marítima;
fazia. Déram costas, afinal, os barbaros; mas, de todos de ervas fizeram cordas, e velas, das mantas em qu e
os lados rebentavam partidas taes, que Orelhana em- dormiam. A oito de agosto tornaram a dar á vela ,
barcou a toda a pressa sem fazer nenhuma presa. ancorando com pedras quando enchia a maré. Tendo
A alguma d istancia deste perigoso passo, depa- por ultimo aprovisionado os navios como puderal1} ,
raram com outra povoação grande em que, não prepararam-se para atravessar o oceano nestas fragets
180 CAPITANIA S IIEREDITARir\S EI'O CA I. - TEJIIPOS l' RIMlTJV O. 181
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embarcações, com miseravel apparelho e mantimento no grande rio; logo~ porém, morreram. mais ?7 h?~
insufficiente, sem piloto, bussola, nem conhecimento mens e foi necessano desfazer os do1s nav10s, Ja
da costa. muit~ avariados. Construíram dois ou tres bergan-
Sahiram barra fóra a 26 de agosto, carregando tins, mas procuraram debalde a corrente principal ~o
sobre o rumo do norte ao longo do littoral. Durante meio de um labyrintho infinito de ilhas. Por ftm
a noite perderam-se os dois bergantins, de vista. O Orelhana, sentindo-se doente, desceu rio abaixo. Da
maior foi dar no golfo de Pariá, donde não poude sua gente, alguns ficara~ entre os barbaros, o~tros
sahir durante sete dias. Aportaram finalmente á ilha passaram á ilha Marganda, onde foram pela vmva
de Cubagua (') no dia onze de setembro, sem sabe- informados da morte do seu chefe. Vendo elle cres-
rem onde estavam. Haviam sido nesse lag ar precedi - cer a sua enfermidade, resolvera abandonar a expe-
dos de dois dias pelo bergantim velho. Alli foram dição regressando á Europa. Emquanto buscava pro-
recebidos com os emboras que suas maravilhosas visões haviam-lhe os indios morto dezesete homens.
aventuras bem mereciam, e Orelhana largo u sem O pe~ar e a doença puzeram-lhe termo á vida ainda
perda de temro para a Hespanha a dar conta ao rei, dentro do rio.
das suas descobertas. «Tal foi a sorte de Orelhana, que como desco-
bridor excedeu todos os conterraneos; como con -
144) Fim de Orelhana. - Admittiu -se a d es- quistador foi infeliz. Tanto melhor para elle agora.
culpa que elle deu por ter abandonado o seu co m- Nem queimou índios vivos, nem os atirou aos cães
mandante. Solicitou e obteve a concessão da co nqui sta de guerra; e talvez que á hora da n:orte rendesse
das reg iões que d evassára Destin o u-se o no me d e elle graças á Deus, que nunca lhe hav1a dado poder
Naeva Andaluzia ao pai z q ue d ev ia governar, fica ndo para commetter estas atrocidades, de que não creio
as ilhas fóra da sua jurisdicção ; tinh a d e co nve rter se possa absolver conquistador al g um O grande ri o
os ilhéos, pod end o traficar com elles, mas não con- que elle explorou, do seu nome se chamou algu~1
quistar, nem fundar estabelecimento al g um entre ell es. dia, e ainda com elle se encontra em mappas anti -
Recommendou -se-lhe tamb em que não vio lasse o gos ( 1) • .
territorio portug uez. Havend o promettido tudo, levan - Orelha na tem sido accusado de se ter apropriado
tou fund os e ave ntureiros para a expedição, ach a nd o- um grande thesouro que Gonçalo Pizarro embar-
se até um a mulher qu e o acompanhasse, e em maio cára no berg antim; parece, todavia, improvavel que
de 1544 sahiu d e S. Lucar com quatro nav ios e Gonçalo em uma viagem dessa ordem levasse com -
quatrocentos hom ens. Dem orou-se tres mezes em T e- sigo semelhante thesouro.
neriffe e dois em Cabo Verde, onde lhe morrera m
98 homens, e 50 fi caram por invalidas. Seguind o co m 145) Pedro de Orsúa.-· Em 1560 sahiu da
tres navios, detivera m-nos tanto os ve ntos contrari as, cidade de Cusco com o titulo de conquistador das
que, a não serem as g randes chuvas, todos teri am Amazonas Pedr~ de Orsúa, em companhia de Lopes
perecido por falta de ag ua. este aperto, volto u atraz de Aguirr~ e D. Fernando de Gusmão, commandante
um navio com setenta homens, e nun ca mais se sou be de numerosos e bem luzidos soldados. Seguindo ca-
delle cousa alguma. Os dois restantes entraram afin al minho diverso do que trilhára Pizarro, entraram fe-
(' ) Cuba,f lta , no m ar (las Ant ilh as, en tre :t ilha ll.fa rga r ida e
a co.· ta d e Cum a nn. Pert e nce á Ve nezuela . (') S o uthey, r, p. 15 6 .
182 CAPITANIAS HEREDITARIAS EPOCA I . -TE!IIPOS PRlill ITIVOS 183

lizmente pelo ~io ] etai ,ou ] etaú, e pelo j uruá (outros cos sacerdotes que a principio vieram com elles, por
escrevem Veta1 e Verua) que os metteu no Amazo- grande infortunio, não eram dos melhores, tornando-
na_s_ na altura de cinco gráus ao sul da linha. Alli os se dentro em breve taes, que com seu exemplo Jm-
m1htares, ~çu l ados por Aguirre, mataram Orsúa, accla- pelliam o povo a uma vida cada vez peior. O mal,
mando re1 a D. Fernando, que não tardou em ter a sob todos os respeitos, cresceu tanto . que o Brasil
mesma sort~ . Então _Aguirre, constitui do tyranno absu- correu sério perigo de perder-se para sempre. Esse
lu!o, assassm?u rmntos de seus proprios soldados, e mal e esse perigo originavam se principalme_nte. da
f01 parar na ilha Margarida, que saqueou com novas extraordinaria desmoralização de algumas cap1tamas,
crueldad~s. Passando, finalmente a fazer o mesmo da irreo·ularidade que lavrava em todas ellas, da vinda
em outras ilhas, foi vencido e rr{orto por seus mo- dos degradados e das expedições francezas.
radores (!). A desmoralização de algumas capitanias chegou
a ser tal, que nellas se armavam navios de piratas,
146) Vida dos pr imeiros colonos . - Ado- os quaes iam a corso pela costa. «Estavam os mares
pt~ram os colonos muitos usos dos barbaros nos do Brasil ainda peiores do que nesse tempo os de
ObJectos , domesticas e ~e prim~ira necessidade ("). Tunis e d'Argel. Seis caravellões, preparados numa
Qua~to_ a_ lavoura, os art1gos mats cultivados desde das capitanias do sul, foram á Parahyba do Norte
o pnnc1p10 foram o assucar e o arroz. Uma arroba tratar por sua conta com os índios e jazer brasil
do melhor assucar v~I ia 400 rs., 50 um alqueire ele para vender não sabemos onde. O capitão de Itama-
arro~ em casca. A fannha de mandioca vendia-se em racá asylava naquella ilha aos que fugiam de Olinda,
S. Vtce~te a cem réis o alqueire, e, corno os colonos para escapar ao merecido castigo a que por seus de-
se quet}_(assem, a camara a elevou a 120 réis . lidos os condemnava o severo Duarte Coelho » C1.
. QUJz o us?, que aos mestiços, chamados em tupy Já referimos como um certo Henrique Luiz e
cunbocas, se desse o nome de mamelucos, nome que outros, sahidos da capitania do Espírito Santo, cau-
em alg_un:as terras de Portugal se applicava aos filhos saram a ruína de Pero de Góes prendendo um mo-
de chnstao e moura. Chamaram-se, com palavra afri- rubixaba da Parahyba do Sul. e entregando-o aos
cana, mozombos, os filhos dos chegados da Europa seus inimigos. Alguns navios traziam de Portugal co-
r~servando-se. o termo portuguez, creoulo, para o; lonos contra sua vontade; e succedia que estes se
ft}hos dos afncano_s, que, quando já instruidos no ser- levantavam, deixando em algum porto menos frequen·
VIÇO de ~asa e na Imgya, eram qualificados de Ladinos. tado o capitão, e mais gente que recusavam imitai os.
_Infelizmente, porem, os colonos, sem deixar os e seguiam o rumo que lhes agradava, _entregando-s~ á
defe1tos que traz_ia_m da Europa, entregaram-se a mui- pirataria. Desta praga de piratas prov1eram por mu1to
tas desord_ens e vtc1os, proprios dos naturaes da terra. tempo, as queixas e rivalidades de umc. capitania para
Nem pod1a ser diversamente, em consequencia da as outras, á custa das quaes viviam os inimigos ..
fraqueza humana, das relações que deviam travar com • Assim a intelligencia que alguns donatanos
os barbaros, e do abandono em que se achavam queriam dar ao homizio e couto, fazendo-o extensi -
longe da metropole e no meio dos bosques. Os pou- vo aos crimes commettidos nas capitanias, apresen-
tava por absurdo que um criminoso poderia só no
(' J lJenedo, par. Sg.
2
( ) Vide par. 11 8. 1
( ) Varnhagen .
184 CAPITAN IA S HEREDITARIAS EPOCA f .-TEMPOS P RIM ITIVOS 185
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Brasil perpetrar onze crim es, e ter egual numero de mos com nosso mau proceder. Em segundo logar,
homizias successivos. já em 1546 se que;xava a tal quando relatamos que a metropole presenteava oBra-
respeito o velho Duarte Coelho, pedindo ao rei que sil com a escoria de seus habitantes, não queremos
ordenasse aos outros donatarios seus capitães que dizer que a maior parte dos colonos eram crimino-
satisfizessem ás precatarias para entregar os crimi- sos ou degradados.· Consta pelo contrario, ter vindo
nosos; porém nada tinha conseg uido. Dahi odios c para a terra de S. Cruz avultado numero de colonos
rixas entre os capitães e as capitanias • (1). honestos e trabalhadores, bem como muitos portu-
. Outra praga era a remessa dos degradados que guezes nobres, e respeitaveis por suas acções. Assim
foi augmentando de 1531 em deante. A maior parte fr. Gaspar, por ex., na pag. 91 e seguintes, men-
delles era mandada a Pernamb uco por ser conheci- ciona um largo numero dessas famílias que vieram
do o rigor com que os sabia levar o seu velho do- para a capitania d e S. Vicente; e Rocha Pitta, li v.
natario, que afinal se viu obrigado a representar 11, par. 116, escreve o seguinte: • Ha mui claras famí-
contra esse abuso. lias de conhecida nobreza divididas por todo o Bra-
Al g uns de taes degradados conseguiam fugir sil; porque, posto que a elle vieram sempre (co mo
para outras capitanias, onde a poder de intrigas e para todas as outras conquistas do reino) reus puni-
adu lação chegavam até a occupar empregos publi- dos pela justiça, tambem em todos os tempos, con
cas. • Em Portugal os habitantes, pervertidos moral- vidados da g randeza destes paizes, passaram a habi-
mente com tantas fortunas bem o u mal adq uiridas tai-os sujeitos oriundos de nobilíssimas casas d e
na Africa e principalmente na Indi a, já não eram os Portugal; e se nd o ramos de generosos troncos trans-
mesmos do secul o anterior. O espírito de caval laria plantados a este clima, produziram fructos de con-
tinha perecido, e com ell e o desinteresse, a boa fé e tinuada descendencia, que não degeneram das suas
a ambição da g lori a, nascida da elevação do espíri - origens, antes as acred itam ».
to. O desej o de conqu ista nascia só da cobiça. O s Observaremos tambem com Varnhagen • como
cri mes não tinham fim, e os legisladores, conhecen- nas aristocraticas capitanias de Pernambuco , S. Vi -
do qu e eram insufficien tes todos os esforços e rigo- cente, e ao depois na da Bahia, donde procederam
re? do Li":r? Quinto das Ordenações para fazer bar- os povoadores do Rio de Janeiro, Maranh ão e Minas,
reira ao VICio, que estava menos no homem que na as famílias prin cipaes. fazendo timb re da sua origem .
soc ied a~e, viam-se obrigados a commutar em degre- se extremaram sempre, evitando allianças com indi-
dos mUJtas co ndemn ações á morte >> e). víduos, cujos precedentes não conheciam ».
.Longe de nós a idéa de qu erermos com isto Voltando . poré m, ao nosso assumpto, cumpre-
rebaixar de qualquer modo o respeito e a estima qu e nos relatar que a desm ora lização e irreligiosidade,
professamos para com a nossa querida patria ado- em diversas capitanias, chegára a tal pon to, que •a
ptiva. Em primeiro Jogar a melhor nobreza é aq uella relig ião e a moral, primeiras columnas da human a
que se adquire com acções pessoaes, porque a glo- felicidade, estavam abaladas, ou antes tom badas ; a
ria de nossos antepassados, em vez de ennobrecer- honradez, que deve presidir nos negocias publicas,
nos, servirá só para maio r infamia, si os deshonrar- como nos particulares, cedia o passo ao cynico egoís-
mo; e já quasi começava ':l justiça equitativa, e, por
1
( ) V arnh age n. conseguinte, a boa fé, e a confiança, a fug ir desta
( ') Va rnh ogc n . terra •.
186 CAl'ITA ' IAS 11 EREDlTA lUAS EPOCA lf.-PRli\IELROS (;QVERNADURE 187
« Mas outro perigo crescente punha em maior ha capitania que não esteja roubada e alevantada por
risco toda a colonia e ameaçava a ruína e a perda elles, e por st.:a causa, as que se perderam, estão
do Brasil. Eram as naus francezas; as quaes, não pas- perdidas, e está esta para se perder, e antes que se
sando anteriormente do Cabo de S. Agostinho, ou, perca, soccorra Vossa Alteza, e tenha piedade de
quando muito, da Bahia, desde que estas terras ti- muitas almas christans, pois só nesta capitania, en-
veram donatarios, se aventuraram ao Cabo frio e tre homens, mulheres e meninos, ha mais de seis-
Rio de Janeiro, Ilha Grande e Ubatuba, de modo centas almas, e de escravana mais de seis mil, e seis
que já por estes portos não ousavam mostrar vela engenhos ».
os navios portuguezes. A Bretanha e a Normandia A metropole, portanto, depois de ponderar todas
consideravam as terras do Brasil tão suas, como o as difficuldades, e de expender diversos planos que
proprio Portugal. . . A longínqua colonia de S. Vi- se propunham, assentou pelos fins de 1548 crear no
cente, que até então tinha crescido com a paz em Brasil um governo central para acudir onde a ne-
prosperidade, esteve, em consequencia do trato dos cessidade apparecesse maior. Resolveu-se egualmente
navios francezes em termos de ver cortadas as rela- tirar aos donatarios algumas prerogativas de que não
ções com a mãe-patria. • (1) tinham sabido usar. Tal era: v. g., a alçada que no
O brado mais energico pelo qual a côrte se in- cível e no crime possuíam sobre os colonos. Deviam,
teirou bem ao vivo do risco em que se achava esta por conseguinte, desde essa data entrar em suas ter-
terra, partiu da capitania de S. Vicente, destinada a ras os corregedores e outra~ justiças, e podiam elles
tornar-se tão celebre nos annaes do Brasil. Levan- mesmos ser suspensos de suas funcções. Aggravaram
to u-o Luiz de Góes, irmão do donatario da Parahy os donatarios, sendo, porém, attendido só Duarte
ba do Sul, e mais tarde jesuíta, a quem a Europa é Coelho que governára com energia e tino legal. Aos
devedora da primeira planta de tabaco que recebeu outros donatarios só bem, e nenhum mal podia re-
da America « ... si com tempo e brevidade, assim a sultar das novas providencias.
12 de maio de 1548 escreveu ellr. ao rei, Vossa Al-
teza não soccorre a estas capitanias e costa do Bra- EPOCA II 1549 - 1581
sil ainda que nós percamos as vidas e fazendas, '
Vossa Alteza perderá a terra . De dois annos a P r· i m e i r o s g o " e r 11 a d o t· c s
esta parte veem sete e oito naus cada anno ao Cabo
Frio e Rio de janeiro: já não ha navio que se atre-
va a passar, porque a muitos têem elles acommet-
tido e alguns tomado; emquanto os francezes não Thome de Souza
passavam do Cabo de S. Agostinho mais que até á 147) Estabelecimento de um governo cen-
Bahia, não eram tão suspeitos e nem perigosos, mas tral , 1549 - Recebi da no reino a noticia da desastrada
desde que se atreveram a passar os baixos e dobra r morte de Coutinho e comprada a capitania median-
o Cabo frio, queira Deus não se attrevam a dobra r te ajuste com o filho do donatario, tomou-se
o Cabo de Boa Esperança . . Roubam os portugue - pelos fins de 1548 a resolução de constituir no Bra-
zes a terra e mais que os francezes, porque já não sil um governo central para acudir aos males que
.1meaçavam de extrema ruína esta colonia. Preferiu-
(') Varnhagen. se a Bahia de Todos os Santos por ser o mais
188 THOMÉ DE SOUZA EPOCA H.-I'RIMEIROS GOVERNADORES 189
conven iente Jogar que ha nas terras do Brasil, para egualm ente a Paulo Dias, genro do Caramurü, que
dahi se dar favor e ajuda ás outras povoações e se abasteça de mantimentos a terra indo buscai-os pelas
ministrar justiça. Instituíram-se nessa mesma occa· outras capitan ias. Esta carta assignada pelo monarcha
sião os cargos de ouv id or geral. de provedor-mór leva n~ sobrescripto:-Por EL-Rei- A Diogo Alvares,
da fazenda e de cap itão mór da costa. O primeiro cavaLLetro da sua casa na Bahia de Todos os Santos.
ad mini strava a justiça, o segundo cu idava em arre- Consta. portanto, da existencia do Ca ramurü e da
cadar os impostos devidos ao rei, o terceiro com - influencia que gosava.
mandava a frota . O escolhido para governador foi
Thomé de Souza, filho natural de uma das primeiras 149) O regimento - que a 17 de dezembro de
casas do reino , distincto por sua grande habilidade 1548 recebeu Thomé de Souza, continha quarenta e
governativa, e pelo valor e prudencia que mostrara um artigos, e mais sete supplementares. Recommen -
na Africa e no Oriente. Possuía, a lém disto . o dote da-se nel le o bom tratamento dos gentios; impõe-se
de grangear o amor e a confiança de seus subditos. pena de morte aos colonos que fossem buscar in-
de ser superior sem deixar de ser companheiro. dígenas para os escravizar; prohibe-se vender- lh es
A' povoação que ia fundar-se destinaram o nome armas , e o embrenharem-se os mesmos colonos para
de Cidade do Salvador. O de S. Salvador foi-lhe a terra dentro communicando-se pelo sertão de uma
app licado mais tarde na bulia pela qua l o papa Ju- a outras capitanias. fixa o regimento o termo da
lio 111 nomeou o primeiro bispo; tanto, porém, este cidade em seis leguas para. cada lado; estabelece o
como os jesuítas em suas cartas continuaram sempre modo de se darem sesmanas para os engenhos de
a dizer : Cidade do Salvador. As armas da nova ci- assucar. obrigando os donos destes a moerem as
dade foram em campo azul ti) uma pombinha com cannas dos lavradores vizinhos; a fortificarem os
a divisa: Sic iLLa ad arcam reversa est. Era este o mesmos engenhos. etc. Providenci a contra os abuso s
symbolo da paz e da salvação que o no vo gover- do luxo tios vestidos; dispõe a respeito da forti-
nador veiu de facto trazer a este nosso abençoado ficação da capital. da construcção de navios. e do
paiz. A Villa da Victoria, o nde haviam morado Co u- descobrimento e exploração de todo o rio S. Fran-
tinho e Caramurü. ficou se chamando Villa Velha, cisco. Nos casos omissos devia o aovernador con-
e, desamparada pouco a pouco desappareceu, a ponto ~ultar os principae-; empregados e 'as pessoas mai s
de affirmar Rocha Pitta, 111 , 3, que no seu tempo rdoneas, prevalecendo a sua opinião, si houvess e
nem suas ruínas permaneciam. discordancia; lavrando-se. porém , da sessão da Junta.
um termo ou acta que seria enviada á côrte.
148) Gramatão Tell es .- Pelos fins de 1548 Para o cargo de ouvidor geral, com alçada c
chegou á Bahia de Todos os Santos o capitão Ora- autoridade de passar provisões em nome do rei, foi
matão Telles com duas caravellas, portador de uma nomeado o desembargador Pero Borges. que servira
carta em que o rei ordena a Diogo Alvares que de corregedor no Algarve. e gosava a reputação d e
ajude em tudo a Thomé de Souza. nomeado Capitão homem justo. Competia ao ouvidor conhecer as cau -
Governador d o Brasil. Diz-lhe tambem que escreve sas crimes por acção nova com alçada até morte
natural exclusivamente . dos escravos, gentios, e peões
(') R~ c h a p,lla , lI , 30, diz: Em m mpo verde; hoje, porém , christãos li vres; aos quaes. quando merecessem pena
todos a ff1rmam que era em campo azul. de morte, podia esta app licar-se sem appellação, si
190 "I Hu~IÉ DI·: S UZA EPOCA II.-PRIMEIROS GOVERNADORES 191
nella concordasse o governador geral; do contrario. ceira . Com mandavam as caravellas Pero de Góes e
devia remetter ao corregedor da côrte os autos e o Francisco da Silva . Além dos já mencionados, acom-
preso. Nas pessoas de maior qualidade tinha o ou- panhavam o governador quatrocentos dearadados
vidor alçada até cinco annos de degredo; no civel. duzentos e oitenta colonos, e um certo n~mero d~
até sessenta mil réis. Estes poderes eram indepen- soldados, perfazendo todos o numero de mil.
dentes do governador, que não estava autorizado, E:nbarcaram tambem seis jesuítas, os primeiros
nem a amnistiar, nem a punir. A quinze de janeiro qu~ VIU o Novo Mu!ldo. Era~ o P. Nobrega, su-
de 1549, recebeu Borges a promessa de que seria per~or; _os padres Joao de Alp1scueta Navarro, An-
promovido a desembargador da Supplicação. si ser· tonio P1res e Leonardo Nunes, bem como os irmãos
\ isse bem . e, dois dias depois, ordenou o monarcha Vicente .Rodrigues e Diogo ]acome «Tão grande
que á sua mulher, Simôa da Costa, se abonassem parte, d1z Southey, tomaram os jesuítas na historia
40.000 réis annuaes. da America do Sul, que estes nomes se tornam
Antonio Cardoso de Barros, o mallogrado do· dignos de memoria »
natario do Ceará, obteve o cargo de provedor-mór Affirmam geralmente os chronistas que surta a
da fazenda. Recommendava-lhe o seu regimento de esquadra no porto, Diogo Alvares não se demorou
providenciar em cada capitania ácerca das casas da em comparecer, pr~s~ar obediencia ao governador, e
alfandega e dos contos ou thesourarias, organizando . assegurar-lhe o espmto dos selvagens, os quaes dei.
em livros separados, os lançamentos das differente<; taram por terra os arcos em signal de paz e de ami-
rendas e direitos, etc. zade; e que Thomé de Souza se alojou na casa do
Confiaram o emprego de capitão-mór da costa Caramurú, sendo Pero Borges e Antonio Cardoso de
a Pero de Góes da Silveira, o infeliz donatario da Barros hospedados por Paulo Adorno e Affonso Ro-
Parahyba do Sul . drigu~s, genros de Diogo Alvares. No entretanto
Além destes quatro chefes, foram . nomeados Francisco de Andrade na - Chronica do rei D. João
muitos outros officiaes, de sorte que o numero total 111-nã? menciona Diogo Alvares, contentando-se
dos que embarcaram vencendo ordenado, subia a de refenr que o governador «fo i recebido com muito
trezentas e vinte pessoas fixou o ordenado do go gosto e_ alvoroço de toda aquella povoação, porque
vernador geral em 400$000 rs. annuaes, sendo o do s Gramatao Telles, que estava nella, não tinha mais
outros menor em proporção de seus cargos Todos que só trinta horryens (quarenta ou cincoenta, diz o
estes empregos foram providos por tres annos, como P. ~obre~a), ~, .amda que estava de paz com os
se costumava no reino. gentios, nao vivia sem grandes receios das suspeitas
e não cuidadas mudanças daquella gente, que nunca
150) Viagem. - Logo que a expedição coloni- está menos segura, que quando trabalha de o pare-
zadora esteve prompta, sahiu do Tejo a frota no pri- cer mais. »
meiro de fevereiro de 1549, indo lançar ferro na Dos jesuítas conta o P. Simão de Vasconcellos
Bahia no dia vinte e nove de março do mesmo anno. o seguinte: «Depois do Governador sahiram tambem
Constava essa armada de tres naus (Co nceição, Sal- á terra ?S religiosos .da Corrypanhia, e foram agasa-
vador e Ajuda), duas caravellas e um bergantim. Vi- lha~~s .JUnto a<;> arraial: a:qu1 fazendo o seu primeiro
nha na primeira o proprio Thomé de Souza; na se- sacnflc1o o mais solemne que puderam em acção de
gunda, Antonio Cardoso; Duarte de Lemos, na ter· graças. , O P. Nobrega refere isto mesmo com as
EPOCA !!.-PRIMEIROS GOVERNADORES 193
192 TJ-IOMÉ DE SOUZA
segurarem do gentio, fundando (1) logo o gover~~dor
seguintes palavra.>: « . . e achámos uma maneira de nella a Sé, o collegio dos padres da _Compa nnta, e
egreja junto da qual logo nos aposentámos os Padres outras egrejas e grandes casas para vtverem os go-
e Irmãos em umas casas a par della, que não foi vernadores casa da camara e cadeia, alfandega,
pequena consolação para nós dizermos missa e con- contos (fa;enda) . armazens e outras officinas conve-
fes~armos. O primeiro domin~o que dissemos missa nientes ao serviço de Sua Alteza » .
foi a quarta dominga de quadragesima », isto é, no Levados pela influencia do Caramurú, pelo_p~o­
dia 31 de março. Parece-nos que entre a narração do ceder circumspecto do governador e pelo prc?pno t~ ­
P. Vasconcellos e a do P. Nobrega não existe aquella teresse de boa vontade trabalharam os tupmambas
grande differen ça que alguns pretendem . nas edificaçõe~, de sorte que em quatro mezes estavam
em pé um cento de casas, e muitas plantaçõ~s de canna
151) Fundação da nova cidade. - Trazia de assucar nas vizinhanças. No anno segumte chega-
Thomé de So uza ordem de mudar a povoação para ram supprimentos de toda a especie, e calculou-se em
uma nova paragem , caso achasse outra melhor . Como 300 000 cruzados a despesa total dos armamentos
a povoação da Victoria era pouco defensavel pores- Veiu no terceiro anno outra armada, em que man-
tar muito perto da barra. e, a lém disto . carecia de dava a rainha muitas orfans de famílias nobres que
agu a para beber, concordaram todos em assentar a deviam ser dadas em casamento aos officiaes . Vinham
nova cidade em logar mais proprio. Diversas pes · tambem rapazes orfam s para serem edu_cados pelos
soas foram de parecer que se escolhesse a península jesuítas; e anno por anno chegavam _n a~JOs com sup-
de ltapagipe, nas imm ed iações do sitio actualmente primentos e reforços Afim de acudtr a falta de gado
chamado Bomfim Prevaleceu, todavia, a opinião de que em breve se fez sentir, destinou o governador
preferir-se o logar mais proximo ao pouso, até então a caravella Galga ao serviço exclusivo de ir buscai-o
habitual, dos navios, onde havia na praia uma fonte nas ilhas do Cabo Verde, levando, para o comprar,
da qual os mesmos navios se abasteciam de agua madeira que naquelle archipelago se vendia a preço
Ficava esta paragem á meia distancia entre a repu- mui alto Estas medidas asseguraram o bom resul-
tada melhor e a povoação primitiva . tado. Cresceu rapidamente a colonia, e da. su~ pros-
«Tomada essa resolução, diz Gabriel Soares, peridade participaram todas as outras capttamas .
tratou-se de a levar a effeito, fazendo-se primeira-
mente um cercamento forte de pau a pique, para os 152) Dois casos desagradaveis.-C omquanto
trabalhadores e soldados poderem estar seguros dos não possamos precisar a data, é certo que, durante a
gentios, e, acaba do elle, começaram a edificar a ci- administração do primeiro governador, occorr~ram es-
dade em boa ordem com as casas cobertas de palha , tes dois factos que alguns confundem como st fossem
ao modo gentio, em as quaes por entretanto se agasa- um só. Sendo um colono morto por um selvage m
lhavam os mancebos e soldados que tinham vindo na a oito leguas da cidade, exigiu Thomé dt: So,uza que
armada. Depois mandou o governador cercar esta entregassem o criminoso. A_marrado depots a _bo..:ca
cidade de muros de taipa grossa, o que se fez com de uma peça, mandou-o attrar aos ares «Mats hu ·
muita brevidade, com dois baluartes ao longo do
mar e quatro á banda da terra, e em cada um delles ( ' ) , er ia mai s e xacto di ze r q ue mar co u o Iog a r para esses edi-
assentou muita artilharia, que para isso levára, com fi cios.
o que a cidade ficou mais bem fortificada para se 13
194 T IIO:\IJt DE SO UZA
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mano, diz Southey, para o padecente, mais terrível
para os espectadores, não podia ser o sup plicio. En- 153) Visita official ao sul. 1540.-Desejando
cheu de terror os tupinambás, e foi util licção aos o governador infor~ar-se do que se p~ssava nas ca-
colonos, que se abstiveram de metterem-se, impru- pitanias do sul, env1ou par3: ellas o ouv1dor geral e o
dentes, entre os barbaros (1) » . provedor-m ór em uma flohlha, composta de duas
caravellas e de um berga ntim, commandada por Pero
O segundo caso o referiremos com as palavras de Góes da Silveira Seguiram juntamente com elles
de Southey :-« No governo de Thomé de Souza fu- os padres Manuel da Nobrega e Leonard~ Nunes, o
ram quatro colonos sem licença sua traficar numa irmão Diogo Jacome e dez 011 doze menmos cate-
das ilhas da Bahia, onde tinham travado relações chum enos. O P. Nobreg1 e o irmão Jacome ficaram
com alg umas mulheres do paiz. Haviam estes ilhéos na ca pitania de Porto ~eg uro, i ~d o_ os mais a S. Vt-
andado antigamente em guerra com os portuguezes, cente Sahiram da Bah1a no pnme1ro de novembro,
mas depois se fizera a paz : sobreveiu-lhes, porém, dia em que Thomé de Souza tomou solemne posse
um accesso de vingança, provavelmente não sem pro- do seu governo, registrando. sua patente e prestandq
vocação, e. matando todos os quatro christãos, os juramento na camara da Cidade do_ ?alvador em
comeram. Veiu-se a descobrir o caso; uma partida de presença da nobreza, clero e povo. V1sitar_am succes-
portuguezes atacou os selvagens, tomando uma mu- siva-m ente os llhéos, Porto Seg uro e S. V~cente, re-
lh er e dois velhos que foram executados como colh endo em toda a parte informações utets, e dando
tios dos principaes delinquentes. Abandonaram os provi dencias opportunas para a administração d_a
habitantes a ilha, mas, tendo ahi deixado muitas pro- Justi ça e da fazend a . Nos Jlhéos, encarceraram di-
visões, voltaram com um corpo de alliados das mon- versos colonos, criminosos alli refugiados.
tanhas. esperançosos de poderem manter-se com este Al o·uns delles, porém, escaparam dentro em pouco
auxilio Contra elles mandou o governador marchar para P~rto Seguro, onde lhes offereceu homizio o
toda a força que poude reunir, ficando apenas com donatario do Espírito Santo, que se achava com seu
a força precisa para a cidade . foi Nobrega na jor- navio no porto.
nada levando um crucifixo, que infundiu nos selvagens Emquanto o ouvidor geral e o provedor-mór
pavor, nos christãos valentia. fugiram aquelles sem desempenhavam seus deveres em S. Vicente, fez Pero
resistencia, queimaram estes duas aldêas nesta e numa de Góes uma excursão á bahia de Guanabara, onde
ilha proxima. Aterrados ficaram os naturaes, e ter- prendeu dois francezes que cortavam brasil. ~ão os
se-iam sujeitado a todas as condições, si tivessem enforcaram_, porq_ue um delles e~a grande lmgu~;
podido crer que houvesse condições que lhes fos- outro. habd ferretro . Postos, porem, a ferros, obn-
sem guardadas (2) •. garam o língua a servir de interprete pela costa,_ o
ferreiro a ficar na Bahia fabricando béstas, espm-
(I) O P Nobrega con ta e~te f acto com as mesmas circu mstan - aardas e ferramentas para os colonos . Na volta, en-
cia e m uma ca rta n irigidaao Dr . Navarro a I ode agosto de 1549 . traram nossos officiaes no Rio de Janeiro, percorren-
(") Vid e o s r. Vasco ncellos, o . c. p. 154, o qual r e fer e uma do-o todo e encontraram no Cabo frio uma nau de
car ta do jes uita P. A nto nio Pires de 2 de a gosto 155 I . Conta
esse pad re q ue os do is velho s fora m, como o pr imei ro , executados França co~ a qual Pero de Góes combate_u_dois dias
á bocca do canhão, send o p~ec e dentemente convertidos e bapti zados. e meio sem conseguir apresai-~ . No Espmto ~anto
acharam a colonia quasi perd1da em ~1scordtas_ e
desvarios, porque Vasco Fernandes Couhnho parbra,
196 THOMÉ DE SOU ZA EPOC A 11.-PRIMEIROS GOVERNAD ORES 197
e ninguem sab ia onde estava. O ouvidor gera l ficou povoadores por alli dispersos (1). Entre os principaes
nos llhéos para continuar ahi na sua correcção, e de S. André, dois merecem aqui menção especial
Pero de Góes chegou á Bahia pelos fins do anno pelos serviços que prestaram a nossos primeiros co-
de 1550 (1) lonos. São Tebiriçá e Cauby ou Cayuby.
Aquell e, em honra do donatario de S. Vicente,
154) Vae Thomé d e Souz a ao Sul, I 55 3- tomou no baptismo o nome de Martim Affonso;
- Pelos fins de 1552 partiu Thomé de Souza junta- este, o de João, acaso por ser tal o nome do mo-
mente com o P. Nobrega, da Bahia para o sul, le- narcha de Portugal.
vando uma nau e duas caravellas ao mando de Pero
de Góes. Deu em toda a parte providencias, oppor- 155) Os jes uita s. - Era D. João III o grande
tunas á segurança das povoações e dos engenhos, bemfeitor dos jesuitas, seu primeiro, segurissimo e
erguendo muros, deixando alguma artilharia, levan- mais util amigo. Já mandára S. Francisco Xavier ao
tando pelourinhos nas villas, construindo cadêas, Oriente, e agora principiavam a dar-lhe cuidado as
e casas de audiencia, etc. Nos llh éos depoz o ca- a.lmas de seus subditos brasileiros e brasilienses. Um
pitão, substituindo-lhe João G o nça lves Drummond, zelo sincero e leal o animava, de derramar a sua reli-
fidalgo de cota d'armas, procedente da ilha da Ma - gião por entre os pagãos; e o Christianismo é sem-
deira; no Rio de Janeiro, admirando a belleza e pre uma grande e poderosa alavanca de civilização,
grandiosidade da sua enseada, desejou, como o escre-
veu ao rei, fazer nella uma povoação honrada e boa. ( 1 ) N ão se p óde du vida •· ser esta a ,·illa q ue J\.larti m A ffo nso,

Em S. Vicente, approvou a fundação da villa de alé m d a de S. Vicen •e, inaug urou, p orq ue o P. Nobrega em 1554,
Santos; estabeleceu a da Con ceição de ltanhaem, e, escreve nd o oo re i re lati va me nte á casa ele S. Pa ul o, assi m se ex -
prim e : «c do ma r d ez legu as, pouco ma is ou menos, duas leguas
afim de oppor uma barreira aos tarnoyos, mandou d e um a povoação de J. R a ma lho, que se c hama P irati nim, oude
levantar a fortaleza da Bertiog a. J!Im·tim Affonso de Souza primei1·o povoou, aj unta mos todos ... • Em
Sendo informado de que em S. Catharina alguns o utra el o mes mo a nno di z a S . I g nac io que a nova casa estava
naufragas da infeliz expedição de D. Fernando de <perto da Villa d e S. André. q ue é de chr istãos e tod os os chri stãos
d eseja m de ir alli viver, si lh es cl~sse m li ce nça: al!i foi a primeira
Senabria padeciam toda a sorte de privações, man- povoaçtio de dt ristãos que tusta it1"1"1l l10uvt em tempo de lllm·tim
dou-os buscar, e os soccorreu assaz generosamente, Affonso, e viera m a vi ve r ao mRr por r azão d os na vios, de que
gastando neste acto de caridade as economias de ago ra se a rrepe ndem.> Da qu i la m be m se vê q ue Ma rtim A ffonso
35 annos. não co n fe riu os fó ros de villa a S. A,, cJré. E ra um a rra ia l, uma
s impl es po voação.
Subiu o governador serra acima, e nas planicies. l'in1tininga é nome ge nerico qu e si g nifi ca peixe sêcco o u loga r
de Piratininga elevou á categoria de villa a po- em que o ptixe .fica em shco . I sto aco nte cia na occasião das piracêmas
voação de S. André da Borda do Campo, já inau- ( sahid a do peixe), a s1ber: q ua nd o os ri os transbordava m e, reco -
g urada por Martirn Affonso. lhe nd o- e ao lei to regul a r, de ixava m nos ca m pos muito p e ixe e m
sêcco. D ava-se o nome de ca mpo de Pira tiniPga a q uasi todo o
Confiou o g overno desta villa a João Ramalho, terri to rio co mp rehendido e ntre o Y pira nga e o muni cipio de São
e, cêrcando-a, ordenou se retirassem para ella os Paul o . O ri o Pira tininga o u nunca exi stiu o u era o qu e hoje se
cham a Ypiranga , ri o de agua vermelh a, o u, segundo outros, ri o bo -
nito, supp o ndo ser co rrupç ão de Ypom nga . A a ldêa d e Tebiriçá ,
(') l'ero de Góes. escreve nd o ao rei a 29 de abnl de 51 , affl rm a. antes d e ter o nom e de S. André, denominava -se Pira tininga .
q ue pa rtira m de S. Vicente depo is do méado de agosto de 155 0 . Vide Azevedo Ma rques - Ap o ntame nto s p ara a Histo ri a da Pro ·
:Nesta data foi muito in fel1 z Varn hagen vincia de S. Paul o , ut. Pimtinin.fa·
198 TI-IOMÉ DE SOUZA
EPOCA II.-PRli\JEJRO~ GOVERNAD ORES 199
um grande e inestimave l beneficio. Confiou elle este
encargo ao P. Simão Rodrigues , um dos primeiros vel com egual deleite, com egual ~~t~resse .. Era. o
lriumpho do vencedor, era um sacnftcto exptato~IO
socios de S. lgnacio, e que introduzir a a Ordem em aos manes dos irmãos trucidado s; era a festa publtca
Portugal. Escolhido já antes por companhe iro de em que as velhas assoalhav am os mysterios domes-
S. Francisco Xavier, fôra retido em Lisboa pelo rei ,
ticas· era o dia de jubilo para os rap~zes » .
e agora esperava que se lhe permittiss e dedicar o <; Começara m (os jesuítas) p_or capttvar a affeição
resto da sua vida aos selvagens do Brasil. Sendo,
das creanças á força de bugtanas que lhes. davam ;
todavia, obrigado a ficar em consequen cia da morte com estas relações apprendia m _e_lles propnos algu-
do P. Martinho de S. Cruz, que devi a substituil- o,
:nas noções da lingua, e ~ablittavam ~epressa os
partiu em seu Jogar o P. Manuel da Nobrega com pequerruc hos ao mister de mterpretes . Vtsttavam os
mais cinco religiosos, conforme já vimos. «Era No-
enfermos, e si acreditava m que todo aquelle que
brega portuguez e de nobre família. Vendo fugir-lhe
borrifassem á hora da morte, era uma alma arran-
uma honra collegial, a que era candidato, e a que cada ás garras de satanaz, não eram perdidos nos
se julgava com melhor direito do que o seu feliz
vivos os caridosos officios que acompanha~am e~tas
rival, renunciou ao mundo numa velleidade de des- Lonversões. A' sua chegada ao Brastl havtam stdo
gosto; mas, mal pensava elle então que esta renun-
os portuguez es recebidos com jubil_o pelos naturaes;
cia devia fazel-o representa r neste mesmo mund o um mas, tanto que os originaria s po~sUJdores do terren o
papel muito mais importante , do que d'ou tra fórma perceberam que os hospedes se tam tornando senho-
lhe caberia com todos os seus talentos e lisonjeiras
esperança s (1). res, tomaram armas, ~· suspensas as intestinas ~iss~n­
sões, tentaram expeli ti-os. Arm~s. de fog~ eUJ opeas
depressa os rechassara m, e a polthca europea depress a
156) Os jesuitas e os selvagen s. - «Desde lhes rompeu a ephemera alltança. ~as nem a paz
logo principiou da parte dos jesuítas para com os
naturaes esse systema de beneficenc ia de que estes com os colonos portuguez es gar~nt_ta. a ~stes ,a segu-
rança; quando é permittido reduztr tntmtgos a. escra-
jamais se afastaram até a sua extincção como Ordem.
vidão, não ha amigos seguros. Debalde parham de
Grandes e numeroso s era111 os obstaculos á com-
Portugal decretos humanos; em quanto se. reconhe-
mettida empresa. A religião, o orgulho e a alegria cer o atroz principio de que pode haver Clrcumstan -
dos selvagens brasileiros eram as suas festas anthro-
cias que constituam legitimam ente o homc~ escravo
pophagas, e, não tendo os europeus até então pro-
do homem fraco escudo serão todas as lets e for-
curado refrear este costume entre os seus alliados,
mais difficil se tornava extirpai-o . Como estes ban- malidad es ~ontra a violencia e a avareza ( 1)" .
quetes tornavam mais extermina dora a guerra, pare·· 1' ) Como se vê pela c •ta ção, estas expres~ões, c. estes pri~ci­
cia-lhes boa política acoroçoal -os e por esta política pios relativos á escravatur• são do protestante 111~1~~ Southcy. Caso
se reprimia, como de costume, o horror natural da o leitor deseje conhecer sobre este assumpto a op1n1a0 de um •llus
humanida de, e se tinham em nada os santos man- tre philosopho e publicista catho li co do seculo XIX, pod~ . le r
Javme Balmes no seu-Protesta :<tismo Comtm·ado com o Catho/wsmo
damentos da religião. Sacerdotes , guerreiros , mulhe- -tomo I, cap. XV-X_,:'(, cujas idéas em r esumo vêm a ser estas:
res e creanças, todos olhavam esta pratica abomina- Segundo S. Agos tinho e S. Thomaz, todo o homem_ é livre por
natureza. A escravidão é fructo do peccado. Os pag ao s, tanto na
(') Southey, I , 302. pratica como na theoria, leva_ram a dou trina ~a e sc r~vatura a
excesso hediondo. Nos pnme~ros seettlos da era chnstan e x1st1an.
un:
200 THOMÉ DE SOUZA EPOCA II.-PRIMEUWS GOVERNADORES 201

«A' chegada dos jesuítas muitas tribus andavam bre elle uma formula de palavras que lhe eram inin -
em armas contra esta oppressão, que, primeiro pela tellig iveis, remiam-no de tormentos eternos, a que de
noticia de terem vindo homens amigos e protecto- outra sorte estava inevitavelmente . . . candemnado.
res dos indios, e depois de experimentarem-lhes os Nem se póde pôr em duvida que faziam ás vezes
bons officios, vieram entregar seus arcos ao gover- milagres sobre os doentes; pois, si acreditavam que
nador, supplicando-o que como alliados os recebesse •. o padecente podia ser milagrosamente curado, e este
«Nenhuma habilitação para o seu officio faltava assim o esperava, não raro suppriria a fé a virtude
a estes missionarios. Eram zelosos da salvação das al- em que confiavam ».
mas; tinham-se desprendido de todos os laços que
nos ligam á vida, e assim n?:o só não temiam o mar- 157) Caso perigoso. -" Principiaram Nobrega
tyrio, como antes o ambicionavam. Acreditavam do e seus companheiros a sua obra pelas hordas que
intimo da alm a na verdade do que prégavam, e demoravam nas vizinhanças de S. Salvador; persua-
estavam elles mesmos convencidos de que asper- diam-nas a viver em paz, reconciliavam inveterad as
gi ndo um selva g em moribundo , e repetindo so- in imizades, e logravam evitar a embriaguez e fazer
prometter a monogamia ; mas extirpar a anthropo-
tantos escravos no mundo, que, sem compromelter g rave mente a phagia, não o puderam: o delírio de banquetear
ordem social, não era possivel for rai-os a todos de uma vez. Pon-
derando , pois, a Eg reja, de um lado esta difficuldade in supe ravel.
sobre a carne de um inimigo era por demais forte
do outro os g randes males que sempre a escravatura traz co msigo para se renunciar. Vãos foram todos os esforços para
pa ra o individuo , a famllia e a Sociedade, começou por modifi car se aca bar com este habito. Um dia ouviram os pa-
as idéas, ensi na ndo a egua ldade de todos os homens perante Deus, dres o alarido e regosijo dos selvagens em um des -
e a fratern idade universal em J esus C hristo. Ao serem inform ados
desta doutrina, algu ns escravos entenderam que ficar iam livres logo
tes sacrifícios; irrom peram na área no momento em
que ab raçasse m o Chri stianismo. A Eg reja prégou a estes a sub· qu e acabava de ser derribado o prisioneiro, e as ve -
mi ssão a seus senh ores pelo a mo r de J esus Christ o . In culcava no lh as arrastava m o corpo á fogu eira; arrancando- lh o
mesmo tempo e pelo mes mo motivo aos donos tratassem seus esc ra. das garras, e, á vista de toda a horda, estupefacta d e
vos com hum ani dade e caridade. Conseguiu deste modo qut' a sor te
do escravo fo sse melhorada de muito .
tanta coragem, o levaram. Não tardaram as mulheres
Depois de conqu istar a sua libe rdade no tempo de Co nstan tin o, a instigar á vingança deste insulto, os gt!erreiros, que
a Egr eja p rocurou , a lém d isto, que a legislação civil se tornasse deitaram atraz dos missionarios, a quem apenas ha -
se mpre ma is branda, e favoravel aos escravos. Facilitou·se deste viam deixado tempo de enterrar secretamente o ca-
mod o immensamente a alforri a, que, em conseq uencia de t al exhor-
tação da Egreja, muitos chri stãos outorgava m a seus escravos em
daver. Recebendo disto aviso, mandou o governador
diversas occast ões. D ahi a lguns chri stãos excess ivamente fervo roso-, buscar os jesuítas á malhada de barro que habitavam
desejando pôr côbro quanto a ntes á escravatu ra, dér am-se a prote- no sitio o nde havia mais tarde de erguer-se o seu
ger a li be rdade co m desordem, ;; com pr ejuizo dos proprietarios. magnífico collegio. Não os achando alli, estiveram os
A Egreja reprimiu tambem estas irreg-ularidad Ps , seguindo se mpre
constante o seu systema de ab o lici onismo pacifi co, sem compro-
selvagens a ponto de atacar a cidade, tendo de reu -
metter nem a o rdem so cial. nem os inte resses dos donos . nir toda a sua força o governador, que em parte com
Foi deste modo que a Egreja Catho li ca logr ou pouco a pou co a demonstração das armas de fogo, e em parte po r
dar cabo da escravatura na Europa. A Egreja, pois, nunc a favore- boas palavras logrou, comtudo, reduzil-os á retirada •.
ce u, nem lou vou ou app rovo u a esc rav idão, mas a tolerou afim de
« Passado o perigo, levantaram os proprios por-
e vita ma les ma iores . Fo i. pelo contrar io, a Egteja Catho li ca q ue m
antes ele q ualq uer out ro e com granrle co nstanci a, mas sem deso rdem, tuguezes alto brado contra os jesuítas, que com
tratou ele r estituir aos homens a sua liberd ade natu ral. fanatico zelo tinham posto em risco a cidade, .
202 THOMÉ DE SOUZA EPOCA 11. - PR!l\'JEIR OS GO VERNA DORES 203
nem tardariam a fazer de todos os naturaes ou- << Pouco depois veiu uma tosse catarrhal ceifar
tros tantos inimigos. Mas não era Thomé de Sou- muitos, e tambem isto foi imputado ao baptismo . . .
za homem que por política tão myope se dei- u~a só cal2midade os não visitava, cuja origem se
xasse aterrar de proteger e acoroçoar Nobrega · nem nao buscasse logo nestas gottas de agua mysteriosa . .
tardou muito 9ue estes mesmos selvagens, let~bra­ Os pagés, como é facil de suppor, envidavam todos
dos da verdadetra bondade com que sempre pelos os esforços contra os concurrentes que lhes vinham
jesuítas haviam sido tratados, e de que eram estes estragar o negocio, e persuadiam os índios que es-
os melhores amigos dos índios, não viessem pedir- tes lhes mettiam nas entranhas navalhas thesouras e
lhes perdão, e rogar ao governador que ordenasse outra~ cousas assim, com que os fazia~1 morrer ..
a?~ padres que lhes perdoassem, e continuassem a feitiçaria em que os selvagens parecem ter geralmente
vtsttal-os, promettendo elles nunca mais repetir as acreditado •.
suas festas de homem. Mas demasiado deliciosa era
a_ pratica, para de uma vez ser posta de parte, e con· . 159) C~pe~las e escolas.- «Assim que podiam,
tmuou em segredo •. faztam os Jesuttas pelos neophitos erguer na aldêa
« Um dos jesuítas, porém, conseguiu aboli:- effi- um_a capella, que, amda que tosca, os prendia á lo-
ca~mente este costume entre algumas hordas, disci - caltda~e, e estabeleciam uma escola para creanças que
plmando-se deante das portas dos índios até manar- c~techtzavam na sua propria língua ensinando-as a
lhe o sangue, e dizendo que assim se atormentava dtzer o Padre Nosso sobre os doentes . . 1 ambem
para desviar o castigo que Deus aliás lhes infligiria os instruíam na leitura e escripta, empregando, diz
por um . p~ccado que bradava aos céos. Não pode- Nobrega, a mesma persuasão com que o inimigo
ram reststtr, e, confessando que era máu o que ti- venceu o homem: Sereis quaes deuses, conhecedores
nham feito, decretaram severas penas contra quem de do bem e do mal. Admiravel parecia esta sciencia
noyo o praticasse. Entre outras tribus, porém por aos ind!os, que por isso vivamente desejavam obtel-a,
feltzes se davam os missionarios, quando lhes d~vam prova trrefragavel de quão facil teria sido civilizar
accesso aos prisioneiros para instruil-os na fé salva- esta raça ».
dora antes de marcharem á morte ». . '< Dentre os missionarios era Alpiscueta o mais
habtl ·escolastico (linguista), foi o primeiro que com-
158) No v as dtfficulda des.- « Manifestou-se poz um ~atechismo na lingua tupy, trasladando par.:t
entre elles (os índios) uma epidemia; disseram que ella oraçoes. Apenas se tornou assaz senhor do idio-
era a molestia devida ás aguas do baptismo, e to- ma para nelle se exprimir com fluidez e valentia,
dos os_ conversos, que Nobrega e seus companheiros adaptou o_ systema dos pagés, e principiou a cantar
operanos com tanto trabalho haviam recrutado os os mystenos da fé, correndo á roda dos ouvintes,
teriam abandonado e fugido para as selvas si 'ell e batendo os pés, palmeando e imitando todos os
não empenhasse a sua palavra de que o ;na! ePI tons e gestos que mais costumavam affectal-os •.
breve cessaria. Felizmente cedeu elle em breve ás « Nobrega abrira oerto da cidade uma escola
sangrias, remedio a que os indios não estavam cos- onde instruía os filhos dos natur.1es, os orfans man~
tumados (1)». dados de Portugal, e os mestiços aqui chamados
(') .Pa rece-nos pouco e'ac to, porq ue lam be m os imli0s cos·
mamelucos. Apprendiam a ler e~crever e contar·
tuma\'a m prnu ca r a sa ngna. ajudar á missa e a cantar os officios, e eram muita~
204 THOME DE SOUZA
E I'OCA 11.- PRE>lElROS GO'/ERNi\D O RES 205

yezes l~vados em procissão pela cidade. Produzia o temor de Deus, nada. Estava em voga entre elles
Isto _mui salutar effeito, porquanto eram os naturaes um systema de concubinato, peior que a polygamia
apa ixona~o~ _pela musica, tão apaixonados que No-
dos ?elvagens: estes tinham tantas mulheres quantas
bre_ga pnnciptou a esperar que a fabula de Orpheu q~en am ser_ suas esposas, aquelles tantas quantas po-
sena o proto~ypo da s_ua missão (1), e que com can- dtam escravtzar ».
tos convertena o gentto do Brasil Costumava levar «Estig ma indelevel marca os europeus nas suas
comsigo quatro ou cinco destes meninos do côro relações co m todas as raças que reputam inferiores :
nas suas expedições de catechese, e. ao approxima- a luxuria e a avareza perpetuamente se contradizem.
rem-se de uma povoação, ia um adeante com o cru- O fazendeiro toma hoje uma escrava por concubina,
cifixo, e entravam todos a cantar a ladainh a. Quaes e amanhan a vende, como si fôra de outra especie e
cobras se deixava~ os selvagens vencer da voz do mais vil . uma bêsta de trabalho. Si é el la em ver-
encantador; recebiam-nos alegres, e, ao partir elle dade um animal inferior, que diremos da prim eira
C?m a A mesma cerimonia, seguiam as crean ças a mu- acção? Si é um ente egual a elle, uma alma immor-
stca: P<?z em s_olfa o catechismo, o Credo e as orações tal, que diremos da segunda?. De qualquer modo .
ordmanas, e tao forte era a te11tação de apprender a ha sempre um crime commettido contra a natureza
cantar, que . os tupizitos fug iam ás vezes aos paes humana.
para se entregarem nas mãos dos jesuítas •. • Nobrega e os seus companheiros nobreme nte
recusaram administrar os sacramentos da Egreja aos
160) Os jesuítas e os colonos. -« Maiores que retinham índi as por meretrizes e índios por es-
difficuldades _e ~co ntraram os padres no proceder dos cravos . Este proceder resoluto e christão reduzia
seus _co~patnctos do 9ue nos habitos e disposições muitos ao bom caminho; uns porque as consciencias
dos _tndt_gcnas. No met o seCLtlo que a co lonização do não havia m ainda morrido nelles, dormitando ape-
Brastl ftcara entregue ao acaso tinham os colonos nas; outros por mundan<?s respeitos, julgando os
viv~do quasi ?em lei, nem rel'ig ião. Muitos nunca Jeswtas armados de autondade secular além da es-
mats se haviam co nfessado, nem tinham com- piri~ual. Sob~·e_ estes ultirr10s não podia, pois, o bom
mungado desde que estavam no paiz · os manda- effetto ser smac; passagetro. Poderosa como é a re-
mentos ~a. Egreja não se cu1i1priam por fa lta de clero ligião catholi ca, mais potente é ainda a avareza· c
que ad mmistrasse os sacramentos e ·com as cerimo- em despeito de todos os esforços de alguns dos
nias se haviam esquecido os pre'ceitos moraes. Cri- melhores e mais habeis homens, de que a Ordem
mes, aliás faceis de se :eprimirem ao principio, ti- jesuítica, tão fertil em varões illustres, se poude ja-
nham com a frequencia degenerado em habitos mais g loriar, continuou a pratica de escravizar os
agor_a já por demais robustos para serem suffocados~ naturaes ~ -
Havia P<?r sem duvida indivíduos, em que se podia • Depressa principiou a crescer o numero dos
fazer revtver o senso moral, mas na grande maioria jesuítas; tambem se admittiram alguns coadjuto-
e?tava elle aniquillado : sobre aquelles homens res leigos, que conhecendo a fundo os cos-
amda o medo das galés podia alguma cousa ; tumes e a língua dos índios, e chorando amaro-a -
me nte os crimes que contra estes homens hav i~m
com mettido, possuíam as melhores habilitações de
(1) Em nenhuma carta de Nobrega encontrámos esta aiiusão conhecimentos e de zelo. A armada do anno seguin-
a Orphett.
206 T][! ) ~11~ DE SOUZA EPOCA II.-PRIMEIROS GOVERNAD ORE S 207

te ao da chegada dos primeiros padres, tro uxe ou- incorporou para sempre em 155 1 o grão mestrado
tros quatro, e para Nobrega o titulo de vice-provin- das tres ordens (de Christo, de Santi ago e de São
cial do Brasil, sujeito á provi nd a de Porbgal ». Bento) na coroa de Portugal. Assim, dessa epoca em
deante, coube aos monarchas luzitanos a apresentação
161) O clero. - « Anciosa mente aguar dava No- das egrejas e beneficios, bem como a cobrança e
brega a chegada do bispo. Nenhum demonio, dizia administração dos dizi mos. O mo narcha, porém, dev ia
elle, o hav ia perseguido tanto a elle e a seus com- fazer todos os gastos do culto.
panheiros, como a lgu ns dos eccles iasticos que elles
vieram achar no paiz. Acoroçoavam estes sevand ij él':; 163) Primeiro bispo. - A 25 de fevereiro de
os colonos em todas as abom inações, mantend o 1551 expediu-se a bulia Super Speculam Militantis
abertamente que era licito escrav izar os naturaes, po is Ecclesice pela qual o papa julio Ill, a ped ido do rei
que eram bêstas, e depois serv ir-se das mul he res de Portugal, creou o bispado da cidade de S. Sal-
como barregans, pois que eram escravas. Era esta a vador. nom eando para esse cargo Pedro Fernandes
doutrina que e m publi co prégavam, e bem podia No- Sardinha, já proposto no anno precedente bacharel
brega dizer que elles faziam o officio do demonio. pela universidade de Pariz, outrora provis~r ou vi-
Oppuzeram-se aos jesuitas com a mais requintada gario geral da Indi a e actualm ente clerigo de Evora.
virulencia, si estava em jogo o seu interesse!. Nem A nova Sé ficou sendo suffraganea da de Lisboa
podiam tolerar a presença de ho mens que diziam com _jurisdicção sobre todas as terras do Brasil, que
missa e celebrava m todas as cerimoni as da religião . . . por tsto foram desann exadas da mitra do Funchal.
de g raça ' · Partiu O. Fernandes Sardinha de Lisboa a 24 de
março de 1552; avistou a 27 a ilha da Madeira ·
162) O Padroado. - Se nd o as terras do Bras il chegou á de Santiago em Cabo Verde a 8 de abril'
desde o principio consideradas co mo pertencentes :i e, deixando essa ilha a onze do referido mez, entrot;
Ordem de C hristo, eram sujeitas no espiritual ao na Ba hia a 22 de junho, onde já o povo o esperava
vigario de Thomar, que, como delegado da S. Sé, receioso de algum naufrag io (1}. Hospedou-se n~
tinh a jurisdicção em todas as terras nullius diceceseos casa dos jesuitas até se lhe achar conveniente accom-
dessa mesma O rdem . Por uma bulia de sete de junh o modação. Governou a diocese desde 22 de junho de
de 1514 concedeu Leão X ão rei D. Manuel o direito 1552 até 2 de junho de 56, quando embarcou para
de padroado e apresentação das egrejas e beneficios a Europa. Veiu então por visitador e commissario
nas terras situadas ao sul do Cabo Bojador. Com geral de toda a costa o Or. Francisco Fernandes que
o utra bulia de doze de junho do mesmo anno creou regeu a egreja brasilica até 1559, epoca da chegada
o Successor de S. Pedro para as mesmas terras o de O. Pedro Leitão, segundo bispo do Brasil.
b ispado do F unchal, primeira diocese a que perten-
ceu o Brasil. Em 1522 conferiu Adriano VI a O. João
(I) Varnhagen diz que o bispo parti u de Lisboa pelos fi ns de
III a dignidade de Grão Mestre da Ordem de Christo, setem b ro, ~ chegára á Bahia antes de terminar o anno de 155r.
que em seguida viera m a ter todos os reis, seus Item Ca nd1do Mendes affirma q ue sahira de Lisboa a 4 de dezem-
successores. Pois, fallecendo a 22 de julho de 1550 bro de 51, e que chegou no primei ro de j aneir o de 52 ; Nobrega,
O. Jorge, Mestre das Ordens de Santiago e de São porém, em 1552 escr eveu : c Vespera da V espe ra de S. J oão chegou
o bi spo •.
Bento (Ordem de Aviz), o papa Julio 111 annexou e
208 THOMÉ DE SOUZA EPOCA Il.-PRlMElROS GOVERNADORES. 209
Apesar da existencia de tantos abusos, não ~n­ verdes como esmeraldas. O governador procedeu
trou o nosso prelado nas reformas ~o~ . excess_tva ni sto com muita cautela, porque nun ca mais tivera
severidade, por lhe parec~r _«que nos pnnctptos mu_ttas noticia de uma ga lé, mandada, no anno precedente,
mais cousas se hão de dtsstmular que c_a~ttgar, maiOr- para o norte a ver si, entrando pelos rios na direcção
mente em terra tão nova ». Isto elle. dtzta prudet:Ite- do Perú, deparava com indicias de minas. Autorizou,
mente escrevendo ao rei. Persuadtdo dos effettos todavia, duas expedições que sah iram de Porto Se-
prodigiosos que a musica exc ita no coração h um a 10, guro. A primeira, capitaneada, segundo parece, por
pediu que lhe mandassem um o rgam para a nova um tal Jorge Dias, constava de doze homens. Depois
Sé. Participava no mes mo temp o terem chegado de de andarem tres mezes entre mattos e terras humidas,
S. Vicente noti cias da descoberta de o uro , que, no su bi ram a serra do mar; baixaram até o rio S. Fran-
seu entender, muito conviria propalar pela Europa, cisco; retrocederam, e chegaram a Porto Seg uro
afim de que a cobiça e_st in:uias~~ a. vtnda de _n u- quando Thomé de Souza já se recolhera para o
merosos colonos. Os Jesuttas Ja tinham antenor- reino. O P. Alpiscueta Navarro, da Companhia de
mente communicado estas novas, accrescentan_d o que Jesus, que, a pedido do governador, acompanh ára
0 melhor ouro do Brasil estava na conversao dos esta entrada como capellão, e della nos deixou uma
indígenas. Ju lgamos que não se enganavam, _porg ue breve historia, ficou tão enfraquecido, que pouco
deste modo o paiz se povoaria melh or _e, mats cedo mais poude trabalhar, fallecendo dois ou tres annos
e se promoveria a agr ~cultu~a que constitue a melh<?r depois. O unico resultado desta empresa foi a des-
riqueza de toda a naçao. Nao ha negai-o essa mama cida de um grande numero de indios para a ca-
de achar minas auríferas, da qual a metropole. se pitania.
deixou por tanto tempo dominar, foi um dos mUtt? s A segunda expedição, á cuja frente esteve Se-
erros que se commetteram no goyerno de~te p~tz bastião Fernandes Tourinho entrando pelo Rio Dôce
Descobriram-s e finalmente essas mmas, porem nm- e subindo pelo Aceci quatro leguas, chegou á Serra
gue m se enriqueceu com ellas. que denominou das Esmeraldas por ter encontrado
nelfa umas pedras verdes qu<" deviam ser turmelinas.
164) Duas Entradas. -- Regressand? Tho~né
de Souza para a Cidade do Salvador depots de vtst- 165) Fim do governo de Thomé de
tar as capitanias do sul, mando u a Portugal P~ro de Souza. - Desde 1551 lembrava Thomé de Souza ao
Góes afim de informar em por m e n or~s. a corte a monarcha que em janeiro do anno seguinte se fin-
respeito do estado da colonia, e de soltcttar a ex~cu­ dava o triennio por que fôra no meado, e pedia ser
ção de varias medid as que elle propunha por escnp~o . substituído para se reunir á sua velha esposa e a
Outro assumpto, porém, exig ia agora a sua attençao . uma filha moça que deixára em Portugal.
Os b oatos da existencia de 1~1inas de ouro c~·es~ t am Deteve-o, todavi a, o rei até o méado de 1553,
todos os dias. Vinham de S. Vicen~e, _e pnnctp~l­ mas recompensou-o depois amplamente nom eando-o
mente de Porto Seguro , onde a lgu!"l ~ tndtos do sert~o vedor da casa real (12 de janeiro de 58), dando -lhe
aff:rmava m encontrarem-se , nas vtztnhanças do
S. Francisco, serras com esse metal amarell o, CUJOS
:w uma commenda lucrativa na Ordem de Christo, e
concedendo-lh e seis Jeguas de terra para as bandas
pedaços iam ter aos r! os. Aprese~1tavam no mesmo do Pojuca, ao norte de S. Salvador, concessão que
tempo amostras de va n as pedras fmas; algumas dellas logo, decorridos dez dias (20 de out. de 1563), re-
14
210 TIIOMÉ DE SOUZA EPOCA II.-PRIMEIR OS GOVERNADO RES 211
cebeu um accrescimo de o ito leguas até o Rio Real. falso s a respei to das riquezas fabulosas daquelle afor-
E' provavel que mais tarde_ as, p~ssasse por ve~da tunad o paiz, e H ans foi um dos muitos que morde-
ao seu antigo creado Oarc1a d Avtla, que em segu1da ram no dourado anzol.
se tornou senhor de immenso cabedal. Não tardou a embarcação em que elle ia, a
Conta rr. Vicente do Salvador que, quando o separar-se do resto da frota, perdendo depois o rum o
meirinho, o qual sabia gue Thomé de Souza dese- por ignorancia do piloto. Apoz uma desastrosa via-
java regressar para o re mo, esperançoso de rece~~ ~ ge m de seis mezes, descobriram terra pelos gráus
alviçaras se foi muito aleg re ao governador partiCI- 28 de latitude sul, ignorando onde é que se acha-
pando-lhe a nova de estar no port? o seu successor vam. Entraram como por milag re em uma enseada,
(13 de julho de 1553), teve a segumte resposta: e doi s portuguezes que appareceram , disseram-lh es
,, vedes isso, meirinho, verdad e é que eu o dese- que a paragem se cha mava Suprawai (talvez Supera-
java muito, e me crescia a agua n~ bo~ca qu~ndo gui, ilha que forma, ao norte, a entrada da bahia de
cuidava em ir para P ortugal, mas nao se1 que e qu e Paranaguá); que S. Vicente ficava dahi a 18 leguas
agora se me sécca a bocca de tal modo . que _quero para o norte, e S. Ca tharina a 30 leguas na direcção
cuspir e não posso. Não deu , accrescenta fr. V1centt, do sul. Demandara m, pois, esta ilha, onde encon-
o meirinho resposta a isto, nem eu a dou, porque traram um Juan Hernandes de Bilbáo, mandado,
o leitor dê a que lh e parecer>>. . havia tres annos, por Vrála, da Assumpção, afim de
Em 1552 escrevia o P. Nobrega ao ret qu~ o viver com os carijós persuadindo -os a cultivar a
unico defei to notado neste primeiro governador era mandióca para abastecer os navios que, na viagem
ser amigo da fazenda regia um pouco mais do q~e do Prata, tocassem naq uelle porto. Póde este João
devia. Não sabemos ao certo em que mez e dta Fernandes de Bil báo considerar-s e como o primeiro
abandonou o Brasil. col ono de S. Catharina.
Passadas tres semanas. chegou a embarcação que
166) Aventuras d e Hans Staden.-E' tempo levava Senab ria a bordo; da outra nunca mais se soube
de remirmos a palavra, já mais de uma vez empe- ~ousa alg_uma. Tomaram provisões para seis mezes, e
nhada a respeito deste aventureiro allemão. Natural 1am con tmua r a derrota quando o navio transporte
de Homberg, no territorio de Hesse, resolvera Hans naufragou dentro do porto. Não sabendo que resolu-
Staden ir pro curar fortuna juntamente com os por- ção tomar, ficaram na ilha dois annos a braços com a
tuguezes na India Oriental. Chegando a Portugal fome, e toda a sorte de privações e de miserias,
quando as naus já tinham partido, acceitou (1547) visto como os barbaros que lhes forneciam manti -
o posto de artilh_e iro em u~ vaso de guerra q~e mentos, tinham agora desappareci do. Seguiu afinal
singrava para Oltnda comb01ando uma embarcaçao uma parte delles por terra na direcção do Parag uay ,
de degradados. Occupado por Duarte Coelho (1548) aonde chegaram todos aquelles que na viagem não
na defesa da Villa de Igarassú, que os cahétés asse- pereceram de fome . Os outros deviam embarcar, mas
diavam deu provas de notavel esforço, derrotando logo viram que o navio era incapaz de contei-os a
os barbaros. Regressou, todavia, á Europa, e se acha- todo~. Resolveram, pois, enviar a S. Vicente pedir
va em Sevilha quando Senabria (vide par. 60) p:e- uma embarcação maior em que pudessem ir até o
parava a sua expedição ao Paraguay (1549). Os tn- Rio da Prata. Hans fez parte da tripulação deste
teressados em recrutar aventureiros espalhavam boatos vaso.
212 Tl-10:\l É DE SOUZA EPOCA If.-PR!ME!ROS GOVERNADORES 213

o segundo dia o vento os ob ri go u a lançar á prova req uerida. Veiu finalm en te um joven nor-
ferro perto da ilha dos Akatraze.,; e, seguindo para man~o, o qua~ jurou ser portuguez o prisioneiro.
o norte, naufragaram, no ou tro dia, em um logi\r da Mov rdo, todavra, pelos rogos do infeli z allemão, re-
costa que cuidavam ser S. Vicente. Entrando cas ual- tratou -se dentro em breve affirmando que se equ ivo-
mente pela terra dentro, acharam uma feitoria de cára. Chegand o mais tarde um bote do navio fran-
portuguezes chamada ltanha em, a duas milhas (i) c~z, .(Vfa:ie Be!fette, .surto n.o Rio de Janeiro, Hans pe-
apenas de S. Vicente, ao nde os naufragas passaram, dru a tn pulaçao qlllzesse hvra l-o do captiveiro · nada
sendo recebidos com toda a caridade, e sustentados porém, se obteve, porque o do no ex igiu um ;esgat~
a expe nsas publicas emqua nto tratavam de prover á que os francezes recusaram pagar por lh es parecer
sua propria subsistencia. O resto da pa rtida man- excessivo. No momento da sahida do escaler não
dou ·se buscar, e, depois de estar algum tempo em poude resistir o desditoso captivo á tentaçã~ de
S. Vicen te, seguiu por terra, como affirma Varnhagen, atirar-~e a . nado, e fugir. Repeli ido pelos france-
até á Assumpção; ou vo ltou para o sul em canôas, zes, f01 obngado a regressar para a aldêa onde dis-
segu ndo pretende o P. Simão de Vasconcellos. Quem farçou o crime da fuga affirmando ter ido lembrar
se mostrou tão caridoso para com estes infelizes foi aos extrangeiros que na volta não o lvidassem trazer
o nosso primeiro governador que juntamente com um be ll o presente para o seu amo.
o P. Nobrega estava nesta conj un ctu ra na cap itania Mais humana se mostrou a tripulação do navio
de Martim Affonso 0 553). egualmente francez, Catherine Waterville. Informad ~
Hans ficou em S. Vicente, acceitando o posto de o co mm andante, Ouillaume de Moner, das aventu-
arti lh eiro na fortaleza que Thomé de Souza mandou ras do allemão, enviou dois homens para ver de
construir na Bertioga como defesa contra os tamoyos. que modo o livraria de tão triste capti veiro . Disse
Não tardou, porém, em ca hir nas mãos daquelles sel- Hans . que um deveria fazer de irmão do prisioneiro ,
vagens. que, desp ind o-o e amarra nd o-o o levaram e affrrm an~o que trouxera mercadorias para elle,
para suas aldêas perto da actual Ubatu ba. A pri- obte~-lhe lr cença d~ ir a bordo, e fingir que tinha
meira cousa que fez . ao ver-se derrubado, foi excla- de ficar no parz ate o anno seguinte, occupado em
mar: «Senhor. tenJe piedade de minha alm a! • E' preparar ~m. carregamento, já que era agora o ami-
imposs íve l referir quantas affron tas lhe fi zeram, quan- go _dos mdtos. Hans ~ seu senhor foram, pois, ao
tos desgostos cortiu, quantos ri scos correu! Como os nav ro, onde, passados cmco dias, perguntou o selva-
barbaros o tratassem de portug uez, e di ssessem que gem pelas m ercadorias, e quiz vo lver á terra. Man-
iam vingar nell e a morte de tantos dos seus, Hans dou o al lemão mostrar-lhe essas mercadorias, decla-
protestou asseverando ser allemão, e ter chegado a rando -se prompto a acompanha i-o para a aldêa. Pe-
S. Vicente naufra ga ndo em um nav io castelhan o. diu, comtudo,_ mais algum tempo afim de banquetear
Accrescentou que era amigo dos franceze s, a cujo com seus amrgos.
testemunho appellava, si por ah i apparecesse algum . Demoraram-se deste modo comendo e bebendo
Não eram os b arbaros destituídos de to do o emquanto não se acabou de tomar a carga. Agra-
sentimento de justiça. fecharam-no em estreita prisão dece nd o então o com mandante o bem que lhe tra-
até que se apresentasse opportunidade de submettel-o tara o conterraneo, disse-lhe tel-o convidado a bordo
em recon hecimento de tal beneficio, e o utrosim para
(') E' o q uc diz Hans. confiar mais mercadorias ao cuidado de Hans que
214 THOMÉ DE SOU ZA EPO CA JJ.-PRIM EIROS GOV ERN ADORES 215

devia ficar no paiz como feitor e interprete. Tinha, curiosas e interessantes aventuras gastou q uasi 20
porém, este dez irmãos a bordo, que delle não se annos completos. ?artindo da Assumpção no Para-
podiam separar, agora que o haviam tornado a en- guay a 26 de dezembro da 1552, emprehendeu por
contrar. Dez tripulantes representaram habilmente terra e por inhospitos sertões uma viagem sobremodo
seus papeis; insistiram com Hans que voltasse á arrojada com fraquissimos recursos e poucos compa-
patria para que o pae lhe visse o rosto antes de ex- nheiros. Passando por Piratininga. chegou a S. Vi-
pirar. Nada de melhor se podia imaginar para liber· cente na capitania do mesmo nome, no dia treze de
tar o captivo sem offender o senhor. O commandan te junh~ de 1553. Cumpre, porém, obse~var n~o ter
affirmou desejar que Hans permanecesse no pai z, sido o primeiro que acommeteu essa pengosa v1ag em.
mas repeti u que muitos em numero eram os irmãos, Escreveu mais tarde na sua patria uma relação de
sendo elle um só. Pela sua parte protestou Hans suas aventuras publicada pela primeira vez em 1567
que ficaria da melhor vontade, mas os irmãos o não na cidade de Francfort sobre o Meno.
deixavam . Sobre elle choraram o bom du selvag em O seu titulo é - Historia verdadeira de uma via-
e a sua mulher; receberam um rico presente de na- gem curiosa na America ou Novo Mando pelo Brasil
valhas, pentes e espelhos, e partiram mais que sa- c Rio da Prata, desde o anno de 1534 até 1554.
tisfeitos.
Ficou assim livre o nosso aventureiro, deixand o
o Rio de Jan eiro no dia 31 de outubro de 1554 a 11
bordo do navio francez Catherine Waterville. Resti-
tuído á patria contou suas aventuras em um livro Procedimento dos :primeiros jesuita.s
intitulado H istoria de um paiz situado no Novo
Mundo. (1). 168) Estado da questão . - E' hoje opinião
commum entre os escriptores da historia do Brasil
167) Ulrico Schmidel. - Julgamos opportuno que os primeiros jesuitas, Nobreg a, Anchieta, Na~arro ,
dar tambem uma pequena idéa das aventuras de Paiva e outros, são di g ;;os dos melhores elog ios, e
Ulri co Schmidel. Natural de Straubing, acompanhou que foram de grande vantag em á nascente colon ia,
O. Pedro de Mendonça ao Rio da Prata, e assistiu quer quanto á políti ca, quer sob o re~ peito m~ral,
á primeira fundação de Buenos Ayres (1534 1• Tomou religioso e civil , porque elles persuadiram os IndJ-
parte activa nas expedições hespanholas do Paraguay. genas a abandonar os francezes ; reformara m os cos-
Fez a g uerra em muitos territorios, penetrando pelo tumes dos colonos; distribuíram gratuitamente a edu-
paiz dentro até á região dos Andes, e nessa vida de cação a todos, e fizeram com que os barbaros accei ·
tassem o jugo dos portug uezes. Afflrm a m, todavia,
1
( ) Vide Rev. vol., 5 5, p . I , pg . 266, onde se ach a o titul o esses mesmos autores que mais tarde os outros pa-
seguinte : R elação vtridica e sttccinta dos usos e costumes dos tupinam ·
bás .. Na I p. H ans, relata sua s aventuras ; na li des creve os cos-
dres, levados pela ambição e cob iça, começaram a
tumes dos selvage ns. E' um excellent e trab a lho qu e se lê co m pra · proteger os índios. chegando até ao excesso de
zer, e poderia s ubmini strar um b om a sum p to par a u m ro ma nc e ou lhes dizer que a terra era delles! Offenderam deste
um drama . modo os co lon os, cujos interesses prejudicavam, me-
Conta Hans 'lu e na Fra nça ochou a noti cia ele nffo ter aind a
chegado o na vto Al a1·ie .Be!lettt, e mutto se temia que tivesse p ere-
recendo finalmente serem expulsos pelo marquez de
cido. Pombal.
216 TI-TOMÉ DE SOUZA EPOCA Jl.-PRIMElROS GOYERNADO RES 217
Parece-nos, por conseguinte, do maior alcance cipal destes negros lhe não dar o que lhe pedia, lh e
para a historia verdadeira estudar com alguma dili- lançou a morte (1), no que tanto imag inou, que
genda a vida dos primeiros missionarios do nosso morreu, e mandou aos filhos que o vingassem . . »
paiz, ponderando suas relações com os índios e os « Alguns destes escravos me parece que seria
colonos. Em nossos dias já correm impressas nume- bom juntai os e tornai-os á sua terra, e ficar lá um
rosas cartas, escriptas por esses padres ao correr d[l dos nossos para os ensinar, porque por aqui se or-
penna com aquel la lhaneza e smceridade que só se denaria grande entrada com este gentio . . Entre os
póde esperar em documentos desta ordem. Ninguem, saltos que nesta costa são feitos, um se fez, ha dois
pois, ha de levar a mal que traslademos para estas annos, muito cruel, que foi irem uns navios a um
paginas d0cumentos que já andam pelas mãos de gentio que chamam os carijós, que estão além de
todos. Elles nos dirão que a distincção entre os pri S. Vicen te, o qual todos dizem que é o melhor gen-
meiros jesuítas e seus successores é absurda, porque tio desta costa, e mais apparelhado para se fazer
aquelles não fizeram, para a defesa dos índios con- fructo: ell e só mente tem duzentas leguas de terra:
tn a injustiça dos portuguezes, menos do que estes, entre elles estavam convertidos e baptizados muitos :
e se os jesuítas posteriores vidam do trabalho dos morreu um destes clerigos (2) e ficou outro e pro-
índios, aos quaes dedicavam toda a sua vida, desse . seguiu o fructo: foram alli ter estes navios que digo,
mesmo trabalho viveram os Nobregas, os Anchietas e tomaram o padre dentro em um dos navios com
e os Paivas. Cumpre, portanto, ou condemnar todos outros que com elle vinham e levantaram as velas;
os jesuítas por terem per.petrado o crime de refrear os outros que ficaram em terra vieram em páus a
a cobiça dos portuguezes, e defendido a liberdade bordo do navio, (dizendo) que levassem embora os
individual dos índios, ou absolvel-os e elogiai-os a neg ros e que deixassem seu padre, e por não que-
todos. ·rerem os do navio, tornaram a dizer que, pois le ·
vavam seu padre, que levassem tambem a elles e
169) Cartas de N obrega. - Desde o mez de logo os recolheram e os trou xeram . e o padre pu -
agosto de 1549 dizia Nobrega a seu superior de Por- zeram em terra , e os negros desembarcaram numa
tugal o seguinte: ~ Escrevi a V. R acêrca dos saltos capitania, para venderem alguns delles, e todos se
que se fazem nesta terra, e de maravilha se acha cá acolheram á egreja dizendo que eram christãos e
escravo que não fosse tomado de assalto, e é desta
maneira que fazem pazes com os negros (índios ) ( 1 ) Lançar a morte significa predizel·a e affinnar que vem
p1ra lhes trazerem a vender o que têem, e por en- pu r castigo e ordem de quem a lan ça. Era a p ratica dos pagés. O
gano enchem os navios delles e fogem co m elles ; pobre do selvagem fi cava tão pert urbado com isto, que morria de
e alguns dizem que o podem fazer por os negro s susto.
Este trecho esclarece algu m tanto a historia d e Coutinho.
terem já feito mal aos christãos. O que posto que
(') Evidentemente fa lta algu ma co isa: v. g. ent re e lles estavam
seja assim, foi depois de terem muitos escandalos dois clerigos que tinham co nve nia o e bap ti zado mui tos. - Estes dois
recebido de nós. De maravi lh a se achará cá terra, c le ri gos d evia m certamente ser os do is fra ncis:anos que Cabeça de
onde os christãos não fossem causa de guerra e Vaca e m 1540 achou em S. C ath ari na. - Embora aque ll es dois se-
dissensão, e tanto que nesta Bahia que é tido por guissem co m Cabeça de Vaca até o Paraguay, é certo q ue depo is vol -
taram a S. Catharina.
um gen tio dos peiores de todos, se leva ntou a gu~r­ - · Os carijós dos portuguezes, os cari oes e carios do. hespa-
ra por os christãos, porque um padre, por um pnn- nhóes siio os guaranys.
218 THOMÉ DE SOUZA EPOCA JI.-I'RHIErROS GOVERNADORES 219
que sabiam as orações e ajudar a missa, pedindo o permittem as leis imperiaes, e nesta opinião tenho
misericordia. >> contr~ mim o povo e tambem os confessores daqui,
«Não lhes valeu, mas foram tirados e vendidos e assim satanaz tem de todo presas as almas desta
pelas capitanias desta costa. Agora me dizem que é maneira e muito difficil é tirar este abuso, porque
l:l ido o padre a fazer queixume; delle poderá saber os homens que aqui vêem, não acham outro mei o
mais largo o que passa. Agora temos assentado com sinão viver do trabalho dos escravos, que pescam e
o governador, que nos mande dar esses negros para vão buscar-lhes o alimento, e tanto os domina a
os tornarmos i sua terra, e ficar lá Leonardo Nunes preguiça e são dados ás coisas sensuaes e vícios di-
para os ensinar. Desejo muito que Sua Alteza en- versos e nem curam de estar excommungados pos-
commendasse muito isto ao governador, digo que suindo os ditos escravos ». '
mandasse provisão para que entregasse todos os es- « Pois que nenhum escrupulo fazem os sacerdo-
cravos salteados para os tornarmos á sua terra, e por tes ~aqui, o melh_or r~J'!ledio destas coisas seria que
parte da Justiça se saiba e se tire a limpo, posto que o rei _mandasse mquisidores ou commissarios para
não haja parte, pois disto depende tanto a paz e fazer libertar os escravos, ao menos, os que são sal-
co nversão deste gentio ». teados .. e que a nossa Companhia houvesse delles
Um trecho de outra carta do mesmo anno ex- cuidado, amestrando-os na Fé, da qual pouco ou
plica mui bem o que acabamos de copiar. E' o se- nada podem apprender em casa dos senhores e an-
guinte: - • Este (os carijós) é um gentio melhor que tes vivem como gentios sem conhecimento algum
nenhum desta costa. Os quaes (talvez aos) foram, de Deus •. ·
não ha muitos annos, dous frades castelhanos ensi- . Em 1552 ainda dizia o mesmo padre que dese-
nar, e tomaram tão bem sua doutrina que têem já Jayan: penetrar pelo sertão a dentro, porque nas ca-
casas de recolhimento para mulheres, como de frei- pitanias • a medo nos querem (os indios) por razão
ras, e outras de homens como de frades. E isto du- das muitas maldades oos brancos ». Nesse mesmo
rou muito tempo até que o diabo levou lá uma nau anno de 1552 escrevia Nobrega ao rei. -« A terra
de salteadores e captivaram muitos delles. Trabalha- recebe muito bem ao bispo, e já se começa de ver
mos por recolher os tomados, e alguns temos já a olhos o fructo o qual esperamos que cada vez
para os levar á sua terra com os quaes irá um padre mais irá em crescimento, porque da primeira pré-
dos nossos ». gação que fez, já cada um começa a cobrir e a da r
No anno seguinte, escreveu ainda o P. Nobre- roupa a seus escravos e vêem vestidos á egreja •.
ga: -- « Nesta terra todos ou a maior parte dos ho- Vê-se de outras cartas do mesmo anno que os
mens têem a consciencia pesada por causa dos es- colonos se mostravam escandalizados de muitas obras
cravos que possuem contra a razão, além de que boas dos jesuítas, como posteriormente fizeram tam-
muitos, que eram resgatados aos paes não se isen- bem outros co lonos a resneito dos successores de
tam, mas, ao contrario, ficam escravos pela astuci t Nobrega .. Murmuravam os · portuguezes, porque os
que empregam com el les, e por isso poucos ha que padres tmham obtido que forrassem os carijós
possam ser absolvidos não querendo abster-se de tal sa lteados apesar de serem christãos, e os ti -
peccado nem de vender um ao outro, posto que nham posto no Espírito Santo, onde viviam casados
nisto os :-eprehenda dizendo que o pae não pode em sua liberdade «e sómente recolhi comnosco dous
vender o filho, ' salvo em extrema necessidade, como moços para apprenderem comnosco a serem bons chris-
220 THOMlt DE SOUZA EPOCA If.- I'R l l\IEIROS GOVERN"ADORES 22 1
tãos. Tambem nos pediam dizimos do peixe e dos todos lhes têem . E porque alguns se assegura-
mantimentos dos meninos, os quaes, por eu não COJ"!- vam com as nossas palavras, inventaram a dizer-
sentir que se pagassem, se queixaram alguns ». On- lhes que nós os queríamos ter juntos para me-
tavam tambem contra os padres, porque tinham terras lhor os matarem, e com este medo de os mata-
e escravos etc. Accrescentava Nobrega :- •. . ca- rem e com lh es tomarem as roças e terras, que é
sas de meninos nesta s partes são muito necessarias, outro genero de os matar, se foram mui tos, outros
não se podem ter sem bens temporaes .. e sendo ficaram ainda, que tambem esperamos que se ir;to
ass im ha de haver estes e outros escandalos •. Nem si a cousa vae como vae; o governador nisso não
pararam aqui os detractores, mas recorreram ao bispo, póde fazer nada, nem sei si o que vier fará alg uma
e tantas coisas disseram do padre Nobrega, que es- co usa; para nós é grande dô . esta ..
te cuidou ser menos maí abandonar quasi todo o « De maneira que por todas as vias está esta
traba lho já começado na Bahia, ind o-se a S. Vicente . terra mui perdida e desbaratada, nem ha nisto jus-
onde se demorou emquanto não soube que o pre- tiça nem remedio, porque acharam que infieis não
lado partia para o reino. podem testemunhar nada contra christãos, e por isso,
Em 1557 escrevia mais uma vez o P. Nobrega quem quer se atreve a viver como quizer, ai nda que
da Cidade do Salvador: • Succedeu a terra estar ne- seja peccar notoriamente perante o ge nti o; sómente
cessitada de mantimentos, porque os indios não o se guar dam que christão que os não veja fazer pecca-
tinham, e padece m ainda agora mu 'ta fome; a caus~ do e fazer muitos aggravos ao ge nti o e tomar-l hes
disso foi não quererem plantar, por terem para St o se u, p0rque não ha justiça contra elle, que attente
que os haviam de deitar da terra e. lh es ~aviam d_e ni sso, e ai nda que queira attentar, como não h:t
dar guerra no que elles tinham mutta razao de cui- provas de brancos, ficam absoltos, como aconteceu
darem; po~qu e era pratica de muitos máus christã~s, di as passad os, que um barco que estava ao resgate
por qualquer cousa que não lh es quenam dar os In- da banda d'a lem da Bahia, porque se botou ao mar
dios. ou fazer-lhes, os ameaçavam com o governador um escravo que lhes haviam vendido, porque teria
dizendo que logo os haviam de matar e deitar fóra saudade da mulher e filhos que lhe ficava, podendo
da terra, pelo qu al não ousavan: a fazer nada de have r o seu pelo mesmo senhor, que lho hav ia ven·
novo I mas sómente comiam o mantimento que tmham dido, que estava ainca no navio, movidos os christãos
feito » .. de rai va di abo ltca, mata ram a sete ou oito pessoa s.
Em outra carta diz obrega: com o gentio scilicet, ao mesm o senhor do escravo, velho tolhido.
tambem se faz pouco, porqu e a maior parte dell es e os mais, mulheres e moços, pelo qual se levanta-
fugiram; a causa disto foi tomarem-lhes os chnstãos ram todos daquella parte, de g uerra, e têem feito já
as terras em que têem seus mantimentos, e. por to- muito mal e se quebraram as pazes, que tinham com
das as maneiras que podem, os lançam da terra, usa'"!- os christãos, prenderam alguns, que fi zeram isto, e por
do de todas as manhas e tyrannias que pod~m, di- não haver provas si não de indios sahiram soltos ».
zendo-lhes que os hão de matar, co:no v1er esta ficou o P. Nobrega por estas coisas tão abor-
gente, que se espera, e esta é a commum pratica recido, que resolveu abandonar o Brasil, passando
de maus christãos que com elles tratam, e de todos ao Paraguay. Todos os padres, menos um, foram do
seus escravos; e cuidam que salvam a alma _em os mesmo parecer; não levaram, porém, a effeito a re-
deitar daqui e fazer-lhes mal pelo grande od10 que soluçãq de medo que isto desagradasse ao rei.
222 TllOm:; DE SOUZA EPOCA U.-PRTMEIROS GO\'ERNADORES 223
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Copiaremos ainda alguns trechos da carta que approvam capitães e prelados, ecclesiasticos e secu-
em 1559 dirigiu Nobrega a Thomé de Souza dan-· lares, e assim o põem por obra todas as vezes q uc
do-lhe uma idéa do desbarato que houve no tempo se offere_ce, e daqui vem q~e, nas guerras jlassadas
de D. Duarte. Começa dizendo que desde quando que se ttveram com o gentto, sempre dão carne hu-
veiu ao Brasil dois desejos o atormentaram sempre. mana a comer não sómente a outros indios mas a
Um foi ver os christãos reformados em seus costu- s~us propri.os escravos. Louvam e approvam 'ao gen
mes; outro, converter os gentios. Disto nasciam ma ts tiO _o_ comerem-~e uns aos outros, e já se achou
dois desejos, a saber: que viesse o bispo e que su- ~hnstao a mastigar carne humana para darem com
jeitassem o gentio ao jugo da obediencia dos chris- Isto bom exemplo ao gentio. Outros matam em
tãos, porque «si o deixassem em sua liberdade com o te!reir? á maneira dos gentios, tomando nomes, e
é gente brutal, não se faz nada com elles . Trouxe nao somente o fazem homens baixos e mamelucos.
Nosso Senhor o bispo D. Pedro fer;1andes, tal e tão mas o mesmo capitão, ás vezes! O' cruel costume!
virtuoso, qual Vossa Mercê o conheceu, e mui zelo- O' deshumana abominação! 0' christãos tão ~e­
so da reforma dos costumes dos christãos, m:-~s gos! . . •
quanto ao gentio se dava pouco, porque não se lt- «Deste mesmo odio que se tem ao gentio nasce
nha por seu bispo,e elles lhe pareciam incapazes de não lhe chamarem sinão cães, tratarem-no com~ cães
toda a doutrina por sua bruteza e bestialidade, nem nã? ol_ha~do o que dizem os Santos que a verda~
os tinha por ovelhas do seu curral, nem que Chris- detra JUStt~a ~em coml?aixão e não indignação, e
to Nosso Senhor. se dignaria de os ter por taes .. quant~ maiOr e a ceguetra e bruteza do gentio e su ~
O bispo posto que era muito zelador da salvação en:oma, tanto se mais havia o verdadeiro christão d -:
dos christãos, fez pouco, porque era só. e trouxe aptedar a ter delle misericordia e ajudar a remediar
comsigo uns clerigos por companheiros que a caba- ?Ua miseria . . . Outro peccado' nasce tambem desta
ram com seu ex em pio e mal usarem e dispensarem t~fernal raiz, que foi ensinarem os christãos aos g en-
os sacramentos da Egreja de dar com tudo em tiOs a furtarem-se a si mesmos e venderem-se por
terra .. Bem se lembrará Vossa Mercê que, vendo escravo~. E~te cost_ume, mais que em nenhuma ou-
eu isto logo em seu principio, cuidei de dôr perder tra capttama, achet no . Espírito Santo, capitania de
o siso V:asco Fe:nandes (Coutmho), e por haver ahi mais
« E estes peccados têem a sua raiz e principio dtsto se tinha por melhor capitania ... ,
no odio geral que os christãos têem ao gentio, e « Em Pernambuco ha tambem muito trato deste
não sóment<:> lhes aborrecem os corpos, mas tambem prirycipalmente. depois das guerras passadas, que o~
lhes aborrecem as almas, e em tudo estorvam e mdtos, por mats não poderem, davam. O mesmo se
tapam os caminhos que Christo Nosso Senhor abriu mtroduzn~ nesta Bahia em tempo de D. Duarte,
para se ellas salvarem, os quaes direi a Vossa Mercê, porque amda em tempo de Vossa Mercê não havia
pois já comecei a lhe dar conta da minha dôr. Em dist~ ~ada,_ e isto depois da guerra passada, da qual
toda a costa se tem por grandes e pequenos que é os mdt~s !tcaram medrosos, e, por medo e sujeição
grande serviço de Nosso Senhor fazer os gentios dos chnstaos, e tambem por cobiça do resgate ven-
que se comam e se travem uns com os outros, e dem os mais desamparados que ha entre elles~.
nisto têem mais esperança que em Deus vivo, e nisto « Os de Porto Seguro e Ilhéos nuiica se vende-
dizem consistir o bem e segurança da terra, e isto ram, mas os christãos lhes ensinaram que aos do
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sertão, qu:: vin ha m a fa zer sal ao mar, os salteassem Que fariam os jesuítas em tão melindrosa situa-
e vendessem, e ass im se prati ca lá os do mar ven ~ã?? Podiam fechar os olhos ao verem que a cobiça
derem aos do se rtão quantos podem, porque lhes InJUSta e cruel punha esse obstaculo immenso á con-
parece bem a rapina qu e os chri stãos lh es e n ~ in a­ versão do gentio, á qual tinham dedicado toda a
ra m, e porqu e isto é geral trato de todos, me co n- sua vida? ~ra impossivel! Invocaram, pois, as leis,
ve iu cerrar as co nfi ssões, porq ue ning uem quer nisto e a p~otecça_o do monarcha que os enviára. Ninguem
fazer o qu e é ob rigado, e têem toda a outra cl erecia podera duvtdar que estavam em seu pleno direito_
que os absolve e lh 'os approva •. E' certo, porém, como consta dessas mesmas cartas
• Desta mesma raiz nasce dare m-se po uco os que nunca se oppuzeram a que os barbaros foss em'
ch ristãos pela salvação dos escravos que têem do reduzidos ao captiveiro quando existia algum titulo
gentio, deixando-os viver em sua lei, sem doutrina que o_ pudesse de algum modo justificar, ou que
nem ensino, em muitos peccados; e, si morrem, os lhes fi Lessem guerra quando os barbaros offendiam
enterram nos monturos, porq ue dell es não preten- ou se mosi:ravam rebeldes, nem a que os compellis-
dem ma is que o serviço e, para terem ma is quem sem pela força a deixar· seus maus costumes e a
os sirva, trazem gentios á casa para se contentarem acceitar a civilização. Veremos no decurso desta' his-
de suas escravas, e assim estão amancebados ch ri s- toria que nem o P. Vieira, nem os outros jesuítas
tãos com ge ntios »
fizeram mais do que isto.
« De maneira que a sujeição do genti o não é Cumpre-.nos, porém, antes de proseguir, esclare-
para se salvarem e co nh ecerem a Christo e viverem cer e determinar bem duas questões que Varnhagen
em justiça e razão sin ão para serem ro ubados de e o~tros conf~ndem, segun~o pare~e~ mesmo de pro-
suas roças, de seus fil hos e filhas e mu lheres e des- postt?. ljma e perguntar st fosse licito fazer guerra
sa pob reza que têe:-:1, e qu em d'isso usa mais, maior ao? mdiOs rebeldes, e subjugai-os, obrigando-os a
serviço lhe parece qu e faz a Nosso Se nhor, ou por d.e~xar seus maus costumes, e a serem subditos pa-
melhor d izer, a seu se nh or, o prí ncipe das escuri- ctficos de Portt,.w al. .outra é discutir si se pudesse
dades ». sem peccado e mJushça roubal-os, despojai-os, ven-
dei-os.
170) Em resumo - collige-se destas cartas . A' segunda destas questões responderão affirma-
qu ~ os portuguezes roubava m os índios, e os des- hvamente. s? aqu lles que pretendem justificar todos
popvam de tud o quanto podiam, usando tambem os .latroctf.ltos, e. qualquer sorte de crimes; da pri-
co m ell es de toda a sorte d e máu trato ; sem eavam meira nun ca duvidaram os jesuitas, conforme appa-
entre elles a discordia; acoroçoavam-nos a comer car- re ~e ~e suas cartas e de suas obras de que fala a
ne hum ana ; induziam-n os a saltear, roubar e vend er li i ston~. Segue-se destes principias que não se po-
seus patri cios qu e os colonos compravam apesar dem cttar as palavras de Nobrega e de Anchieta
de sa berem qu e eram furtados ; quand o os barbaros para justi ficar o que faziam os colonos.
pegava m em arm as, e;a g eralmente para vmgar al-
g uma dessas affrontas em que não tinham achado 171) Os jes uítas e os n e gros _-Perguntam
jus.tiça, que para ell es quasi não existia. Não podem os Varnhagen e outros da mesma escola: Porque não
dei xar de reco nhecer qu e, depois de tudo isto, é muito se opp~zeram os jesuítas ao captiveiro dos negros,
para admirar qu e os selvagens se induzisse m a abra- a respe tto dos quaes não se praticavam menores
çar a reli g ião dos col onos. 15
226 THOMÉ DE SOUZA EPOCA II.-PRIMEIROS GOVERNADORES 227
crueldades do que com os índios ? A resposta é fa- cumpria justificar tambem hoje todos os ladrões,
cil. Seguindo o exemplo e ensino da Egreja Catho- salteadores e criminosos de qualquer especie, porque,
lica, nunca os jesuítas approvaram a escravataura, de si esse motivo se désse por bom, não se acharia
qualquer especie que ella fosse; quanto, porém, a quem não o apresentasse para desculpar seus crimes.
combatel-a positivamente, a questão é muito diffe-
rente pelo que diz respeito aos negros do Brasil. Os
jesuítas não reprovaram no _Brasil a escrayidão ~os III
africa:-tos, porque não o podtam, nem devtam. A Im-
portação dos negros era legal, e, segundo as idéas D. Duarte, 1553-57
da epoca, toleradas pela Egreja, suppunha-se legi-
tima ou de algum modo justificavel, nem pertencia 172) D . Du a rte d a Costa - arrneiro-mór do
aos jesuítas averiguar si fossem justa ou injustamente reino, nomeado governador do Brasil no primeiro
escravos quando na Africa eram comprados como de março, tendo partido de Lisboa a oito de maio
taes. As crueldades e as · indecencias que os nego- com uma flotilha de tres caravellas e uma nau, lan-
ciantes praticavam na viagem, e os donos no Brasil, çou ferro e desembarcou na Bahia a treze de julho
as deploramos do fundo da alma não menos que do mesmo anno, tomando posse immediatamente.
Varnhagen e seus admiradores, e podemos suppor Elevaram o seu ordenado a 600,000 rs. Vieram com
que o mesmo hão de ter feito os jesuítas no seu elle 250 pessoas. Tres destas eram padres, e quatro
tempo. Quem não vê, todavia, que fisca lizar, reprimir, irmãos jesuítas, ás ordens do P. Luiz da Gran, an-
castigar esse proceder indigno não cabia de nenhum teriormente reitor do collegio de Coimbra, que trouxe
modo a esses missionarios? O contrario occorria a 1ara obrega o titulo de provincial. Contava-se en-
respeito dos índios, visto como os jesuítas haviam sido tre os quatro irmãos, José de Anchieta, mais tarde
enviados a esta terra com o fim expresso de conver- sacerdote, provincial e apostolo do Brasil.
ter e civilizar o gentio. A administração de D. Duarte tornou-se notavel
Cumpre tambem observar que a escravatura não pela conquista do Reconcavo, donde expelliu os sel-
era, para os negros, obstaculo tão grande á conver- vagens, e por suas desavenças com o bispo D. Pedro
são como o era para os índios, que quasi não apre- Fernandes Sardinha. Tratando desta;; desintelligencias
sentavam outra razão contra a vida civilizada, porque escreveu Varnhagen o seguinte: « E provavel que D.
amavam muito a liberdade. e sobre qualquer outra Duarte chegasse ao Brasil animado de muito bons
cousa receiavam perdel-a. E quem não faria ou tro- desejos; mas do seu governo não o podemos nós de-
tanto? duzir. Trouxera comsigo um fi lho, D. Alvaro da
E' tambem de lembrar que se trata do captivei- Costa, moço que havia servido em Africa; e que,
ro imposto por injustiça e prepotencia, não do que pela sua edade ou pelo seu caracter, não reunia os
se pode de algum modo desculpar ou justificar, ou, dotes que devem suavizar as maneiras de todos os
para melhor dizer - do legal -, porque contra este jovens, pri ncipalmente dos que se dedicam á vida pu-
não reclamavam os jesuítas. Esta objecção, portanto, blica, quando são mais vivos e talentosos. O bispo
não vem ao intento de quem a propõe. A razão per- que, segundo já sabemos, era de parecer que se não
petua dos colonos era que elles precisavam. Mas ha devia ser na terra demasiado rigoroso, viu-se obri-
de ser possível dar por boa essa razão? Neste caso gado a admoestar o dito moço, ou fazer numa pra-
228 D. DUARTE
E POCA li. -PRIMEIR OS GOVERNADORES 229
tica allusão a certo facto escandaloso pelo mesmo
commettido ». dia destes (o P. Antonio Pires) fez as pazes do bis-
Escrevendo ao rei em data de onze de abril de po e do governador e seu filho, que estavam muito
1554 conta o prelado que O. Alvaro dava muito es- differentes e eram cabeças de partido e occasião de
cand'alo offendendo gravemente a honra das famílias, muitos odios e tumultos; e conseguiu que se visi-
bem como affrontando e ameaçando a ' todos; que tassem e que o filho do governador fosse pedir per-
tendo falado disto ao páe, este não fez caso nenhum; dão ao bispo, o que foi não pequena causa, pois o
que havendo no dia de Todos os Santos prégado joven fazia disto questão de honra ».
em geral contra o adulterio, e contra os males que Não consta que dessa epoca em deante se desa-
se commettiam desde a retirada de Thomé de Souza, viessem mais uma vez. Comtudo no anno seguinte
o governador, mostrando-se altamente offendido, pro- o prelado deixou a Bahia para o reino, chamado,
hibiu a todos visitarem o diocesano, contra o qual parece, pelo monarcha.
revolucionou os conegos, mettendo a ferros o unico
que lhe ficára fiel. Accrescenta o bispo terem O. Al- 173) Morte do bispo, 1556.- No dia dois de
varo e seus companheiros subtrahido as cartas que junho de 1556 a bordo da nau Nossa Senhora da
no anno precedente o prelado enviára ao rei. Ajuda fizeram-se de vela o prelado, Antonio Cardo-
Por seu lado O. Duarte mandou ao monarcha so de Barros, dois conegos e numerosos fidalgos com
duas longas cartas, negando quasi todos os factos de suas famílias, subindo a cem o numero total dos via-
que fôra accusado, e queixando-se de que o prelado jantes. No dia dezeseis do mesmo mez, naufragou
usurpava a jurisdicção secular, lançava ~xcommu­ infelizmente o navio nos baixos de O. Rodrigo, na
nhões, impunha multa<>; era. descortez, cob~çoso, etc: Enseada dos francezes, entre o rio S. Francisco e
Tudo, porém, está em ver si estas accusaçoes, _quasi o Cururipe. Salvaram-se todos a nado, e foram com
todas genericas e vagas, se baseavam na realidade simulada cortezia agazalhados pelos selvagens cahé-
dos factos. Hoje, apesar de termos os document?s, tés, senhores do Jogar, que se offereceram por guias
é muito difficil formar um juizo seguro a respeito na direcção de Pernambuco. Chegados, porém, á
da innocencia ou culpabilidade de qualquer dos ~ois. beira do rio S. Miguel, os assassinaram com refina-
O certo é que o povo em geral estava com o bispo da crueldade e os comeram a quasi todos. Affirma
contra o governador, e a camara da . Bahia, segundo o P. Blasques que escaparam dez pessoas. Fr. Vicen-
refere Accioli, dirigiu em 1556 ao rei uma represen- te do Salvador e Jaboatão contam que apenas se
tação pedindo em altos brados e em nome de todo salvaram dois índios, e um portuguez que fa)ava a
o povo que pelas Chagas de Christo mandasse com língua dos barbaros. O prelado, que já passára em
brevidade governador e ouvidor, retirando os actuaes, balsa para outra a margem do rio, presenciou esta hor-
visto como para penitencia dos peccados já b~stava rível scena, e não tardou em cahir victima dos mes-
tanto tempo. Ambas as cartas de O. Duarte. sao. de mos sel vagens. Posto de joelhos com os olhos e as
1555· uma do dia tres de abril, outra do dia vmte mãos levantados ao céo, esperou os golpes da mor-
de ~aio. Parece, todavia, ter-se O. Duarte reconc~lia­ te sem mudança no rosto.
do com o diocesano, porque em uma carta escnpta Lastimamos com Varnhagen que não se tenha
da Bahia a doze de junho do mesmo anno pelo erguido algum monumento nessa paragem banhada
padre Ambrosio Pires, lemos o seguinte: - « Um com o sangue do nosso primeiro bispo. « O Jogar,
diz o P. Simão de Vasconcellos, C. C. 11, 18, onde
230 1). DUARTE EPOCA II.-PRIMEIROS GOVERNADORE. 231
foi morto este virtuoso prelado, é tradição commum accusador era juiz na sua causa. Ao perceberem-se
que nunca mais viu em si formosura ou ornato al- estas consequencias, mitigou-se a sentença eximindo
gum natural; porque, vestindo-se antes de erva e ~o set~ rigor_toçlos os. que se convertessem, e, como
de ~rvoredo, ficou dahi em deante esteril ». Southey, ~sto. ainda nao aproveitasse, revogaram-na, por fim,
porem, como bom protestante, mofa deste facto que, mten:amente; a~tes, porém, deste acto de justiça já
por conter alguma cousa de sobre ou prreter natural, quasi toda a tnbu fora exterminada.
apresenta, como de costume, qual invenção jesuítica.
Responderemos simplesmente o que se lê na . 1~4) Guerra, 1555. - Ignoramos a causa que
R.ev. de 1840, pg, 111, e é o seguinte: - • Ao que Imp~lhu neste tempo o gentio a dar um assalto re-
diz a tal respeito o sr. Accioli no t. 111 das Memo- pentmo e medonho contra os colonos da Bahia. Co-
ria~ Hist. da Bahia, á pag. 208, em a nota 14, podem meçaram i~v~~tindo. pelo meio dia (26 de maio) o
dOis dos membros da commissão juntar o proprio e.ngenho Pirap, fortificando-se no porto grande, apri-
testemunho em quanto á tradição e crença de se Sioi:ando numerosos christãos e tomando em Itapoan
haver tornado esteril o terreno, em que se derramou n~wto gado d~ Garcia d'Avila. O governador, que
o sang~e. do primeiro bispo do Brasil. » O texto do dia~ ~ntes sahmt para Pernambuco, e um temporal
sr.. Accwh no Jogar citado é o seguinte:-- <r Ainda o.bngara a retroceder, deu sem demora as providen-
hoje. entre alg~ns habitantes da sobredita paragem cias opportunas, mandando naquel!a mesma noite
su~siste a tradiçã? ~e que um pequeno escalvado contra os rebeldes, D. Alvaro seu filho á frente d~
(nao todo o te:ntono, como exaggeradamente diz setenta homens de pé e seis de cavallo: No mesmo
Var!"lh.) ,que alh se acha, proximo a uma pequena tempo Christovam de Oliveira, capitão da nau Es-
collma, e o Jogar em que o mesmo prelado foi assa- pe~ança, contornav~ o inimigo entrando com bateis
do, pretendendo que por isto nunca mais nelle ve- arblhados pelo esteira que se extende além de Ita-
g~tou a menor planta depois de tal successo. Na pagipe. Subtrahiu Oliveira as canoas dos barbaros
mmha passagem por. esse sitio, mostraram-mo, guar- e.mquanto D. ~!varo os desalojava da tranqueira qu~
dando-Ih~ u;:n respeito religioso, que as idéas do tmham construido. Como os fugitivos já não encon-
seculo nao teem por ora destruido • . trassem as canoas, e fossem tomad os no meio de
O .catalogo dos bispos da Bahia perpetuou a d~i~ fogos, a derrota foi completa, e o numero dos
memona deste prelado com o dístico seguinte: Bra- prisiOneiros notavt:!, contando-se entre estes o seu
sília; prin~us, crudeli a gente voratus, Pastor oves proprio chefe.
pavt carmvorosque lupos. Marchou D. Alvaro no dia 29 contra os de lta-
Quiz ~ meti:opole vingar essa crueldade, e já poan,. gue, .humildes, cederam restituindo o gado e
Men de Sa reumra a tropa necessaria para este fim o~ pnswneiros. Voltam, todavia, os indígenas no dia
qua~do, conf?rme veremos, foi distrahido pela ne~ tr!nt~, en:._ numero de mil a atacar o engenho do
ce~sidade de Ir con:bater os francezes no Rio de Ja- PtraJ~. Voa D .. Alv .ro contra elles com quanta gen -
neiro. Recorreu, pois, ao expediente de condemnar te pode reumr ; bate-os em cinco aldêas em uma
todos os cahétés ao captiveiro, confundindo o inno- d~s quaes oppõem grande resistencia; mas; vencidos
cente ~om o culpado, e offerecendo pretexto para afmal, fogem para além do Rio Vermelho. Apresen-
escravizar todo e qualquer indio. Bastava affirmar tam-se então muitos índios ao governador entregan-
que o indígena pertencia a esta tribu precita, e o do diversos delinquentes e protestando' sua leal e
constante amizade.
232 D. DUAWrE EPOCA II.-PRIMEIROS GOVERNADORES 233
Estas victorias não bastaram para grangear po- nhoras, cujos maridos, ao recebei-as, mal podiam
pularidade ao governador, contra o qual e contra o acreditar a seus olhos.
ouvidor, seu amigo, o povo contin:.tou a clamar, Em principias de 1553 passou a S. Vicente o
accusando-os de arbitrariedades, interesse particular P. Manuel da Nobrega, que dentro ern breve pene-
e causas semelhantes. Baseavam-se estas queixas so- trou umas quarenta leguas pelo sertão, ganhando em
bre diversos factos, sendo um delles uma sesmaria toda a parte a rríais viva e sincera sympathia dos
de quatro leguas, dada por D. Duarte a D. Alvaro, selvagens. Reflectindo que nesta capitania o gentio
seu filho, entre os rios Jaguaripe e Paraguassú. estava mais disposto a receber o Christianismo, e os
obstaculos á sua conversão eram menores, enviou o
175) Os jesuitas na capitania de S . Vicente. P. Leonardo buscar os seus companheiros na Bahia.
- Conforme já deixámos apontado em outro Jogar, Encontrou lá este padre o reforço que acabava de
chegaram os jesuítas a S. Vicente em 1549 junta- chegar com o novo governador. Eram os padres
mente com o ouvidor geral Pera Borges. Eram o P. Luiz da Oran, Braz Lourenço e Ambrosio Pires,
Leonardo unes e dez ou doze dos orfams vindos bem como os irmãos João Gonçalves, Antonio Blas-
de Portugal. Abriu o P. Leonardo em S. Vicente ques, Oregorio Serrão e José de Anchieta. Estes e
uma casa para meninos selvagens, indo buscai-os no alguns outros seguiram no mesmo anno para S.
interior longe da costa. As difficuldades, a respeito Vicente, aonde aportaram no dia vinte e quatro de
dos indios e dos colonos, foram quasi as mesmas dezembro. Trouxeram para Nobrega o titulo de pro-
que na Bahia. Encontrou, além disto, opposição forte vincial, devendo o P. Luiz da Oran, em razão das
e inesperada nos muitos descendentes do famoso distancias,· ser seu companheiro com o titulo de
João Ramalho. «A causa (das queixas dos colonos collateral.
contra o P. Leonardo) foi, diz o P . Vasconcellos,
C. C. .1, 7], aquella mesma que hoje persevera, e 176) Fundacão de S . Paulo, 1554. - Eleva-
perseverará emquanto durar entre os portuguezes a do ao poder, foi, o primeiro acto de Nobrega fun·
immoderada cobiça de captivar os indios, e nos pa- dar um collegio nas planícies de Piratininga. Já esta-
dres da Companhia o zelo da sua liberdade ». cionára naquelle sitio alguns de seus conversos, e
Recebeu o P. Leonardo na Companhia alguns em princípios de 1554 enviou para lá treze religio-
noviços, entre os quaes mencionaremos Pedro Cor- sos da Compa nhia debaixo da obediencia do padre
rêa e Manuel Chaves, ambos principaes moradores Manuel de Paiva, sendo um delles o irmão José de
da terra, e mui praticas na língua tupy. Para evitar- Anchieta. Celebrou-se a primeira missa pela festa da
mos a prolixidade deixamos de referir muitos ser- conversão de S. Paulo (25 de janeiro do mesmo anno),
viços prestados neste tempo pelos jesuítas aos mo- e desta circumstancia, como de bom agouro, déram
radores de S. Vicente. O seguinte, porem, é tal, que ao collegio o nome do santo . nome que se extendeu
não podemos omittil-o. Have11do os tamoyos, em á cidade que alli cresceu e se tornou famosa na his-
um assalto, preso e levado para as suas aldêas, di- teria da America do Sul.
versas mulheres dos portuguezes afim de comel-as, Ainda os planos de Piratininga não tinham sido
segundo o costume, entraram o P. Leonardo e o ir- melhorados pela · cultura européa; a natureza em
mão Pedro Corrêa pelo matto dentro, conseguindo verdade os d ispuzera para um paraizo terrestre; mas
dos barbaros a liberdade e restituição das ditas se- como ella os deixára, assim estavam, não assistidos
234 D. DUARTE l:.POCA If.-PRIMEIROS GO\'E IU\ AD O RES 235
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da arte humana. • E aqui estamos, diz Anchieta em Os cordões para estas alpercatas faziam-se de
uma carta a S. lgnacio, ás vezes mais de vinte uma especie de cardo bravo que era mister prepa-
dos nossos numa barraquinha de caniço e barro, rar para o effeito, e que tambem servia para as dis-
co~erta de palha, longa quatorze pés, larga dez. ciplinas que todas as sextas feiras se applicavam os
E' tsto a escola, a enfermaria, o dormitorio, refeito- rapazes, aos quaes se ensinava a necessidade de
rio,_ cozinha, despensa. Não invejamos, porém, as mortificar a carne, segundo a doutrina de S. Paulo
mats esr. . açosas mansões que nossos irmãos habitam que dizia: Castigo corpus meum et in servitutem
e~1 outras p~rtes, que Nosso Stnhor Jesus Christo redigo. E' que os Jesuítas ignoravam a molleza do
amda em mats apertado Jogar se viu, quando foi do seculo (!). Para sangrar não tinha o irmão José
seu agrado n_ascer entre brutos em uma mangedoura; outro jnstrumento além de um canivete de aparar
e mutto mats apertado então quando se dignou pennas. Sendo o derramamento do sangue prohibido
morrer por nós na cruz •. Neste casebre tiveram os ao clero, suscitaram-se duvidas a respeito deste ramo
jesuítas de cortir toda a sorte de soffrimentos sem da sua profissão. Santo lgnacio, consultado, respon-
exceptuar o da fome e do frio. deu que a tudo se extende a caridade.
177) Trabalhos de Anchieta. - Ensinava An-
chieta o latim aos numerosos meninos que alli vi· 178) Ataque contra S Paulo. - A tres le-
nham das proximas aldêas, apprendendo elle nomes- guas, pouco mais ou menos, do collegio de S. Paulo,
mo tempo o tupy, cte que compoz uma grammatica e na estrada de Santos, fica va a aldêa de S. André,
um diccionario, os primeiros que se fizeram. Como habitada principalmente por mestiços. Longe de se-
faltassem livros, escrevia José para cada discípul o a rem um vinculo que unisse as duas raças, era esta
sua licção em folha separada depois de concluída a gente mais desesperadamente infensa aos naturaes
tarefa do dia, e ás vezes vinha a manhan surprehen- do que os proprios portuguezes. Odiavam os jesuí-
del-o antes de completo o trabalho. Parodiou em tas, que combatiam o costume do paiz, como elles
língua portugueza, castelhana e tupy as cantigas pro- se exprimiam, intervindo no que chamavam liber-
fanas que andavam em voga. Tambem formulou no dade de fazer escravos. A reducção e civilização dos
m_esmo idi?ma, para uso dos con_fessores, interroga- índios, diz outhey, olhavam-na estes miseraveis co-
çoes propnas para todas as occastões, e para os ca- mo detractiva de seus interesses, e excogitaram en-
techumenos escreveu dialogas em que se explicava genhoso meio de crear nos selvagens prejuízos con-
toda a fé catholica. tra o Christianismo. • Só a covardia, diziam-lhes, os
« Sirvo, diz elle, de medico e de barbeiro. me-
levava a deixarem-se baptizar; temiam encontrar o
dicando e sangrando os índios, e alguns se restabe-
leceram com os meus cuidados, quando já se não (') O protestante South ey refe re com ar de escarneo o facto
de inculcarem os jesu itas aos meninos a doutrin a da morl!ftcação
contava com as suas vidas, tendo outros morrido da carn e.
da mesma enfermidade. Além destes empregos,appren- Pobre cégo! E' p recisamente des,;es homens q ue fala S.
di outra profissão que a necessidade me ensinou, a ·Pau lo quando afftrm a q ue an imaiis lwmo """ peuipit ea quce sunt
de fazer alpercatas; sou agora bom obreiro neste spi1·itus. Tas ce dahi que elles cuidam ser impossive l guardar a cas-
officio, e muitas tenho feito para os irmãos, pois tidade, o que, talve z, seja verdade quando se trata de ll es, porque
conservar-se casto se m mo rtificar a carne vem a ser o mesmo que
com sapatos de couro não se póde viajar neste s de- pretender o circulo quadrado .
sertos! »
EPOCA li.- PRIMEIROS GO VERNADORE S 237
236 D. D UARTE
por não querer limpar a pasta e a:Jurar os votos dos
inimigo no campo, e acolhiam-se sob a egide da novos officiaes eleitos para a mes~a camara e pro-
Egreja •. mette~ accusal-o perante o governador do' Estado.
De todas as . exprobações era esta a mais pun- No dta 22 do mesmo anno e mez estes senhores a
gente que a um mdto se pudesse fazer. Accrescen- pedido do povo, elevam o preç~ da farinha a l20
tavam que eram os jesuítas uma cafila de indiví- rs. o alqueire, sendo o antecedente de um tostão.
duos, expulsos do seu paiz como vagabundos sendo Joã? Ramalho neste anno (2 de set.) impõe a Diogo
uma verg'?nha q~e se deixasse governar p~r elles Fretre, morador da Villa de S. André a multa de
quem sabta servtr-se do arco . Instigados por estes 500 rs. por ter sahido fóra della se~ licença da
malvados, avançaram algumas tribus contra S. Pau- camara. Baseava-se essa prohibição no risco que se
lo, mas foram derrotadas e repellidas pelos christãos. corria, expondo-se ás aggresões repentinas dos bar-
Voltaram de noite ao campo de batalha para baros.
levar os cadaveres dos inimigos a fim de se ban- Pelos fins do governo de D. Duarte falleceu na
quetearem . com elles. Vendo em diversos Jogares o povoação do Pereira, junto á cidade do Salvador
solo revolvtdo de fresco, e coucluindo que os corpos Diogo Alvares, o Caramurú; em Portugal entrego~
alli deviam estar enterrados, cavaram acharam-no s a alma ao Creador (11 de junho de 1557) D. João
e o~ levaram Ao romper 9o dia, chegados ás suas III, succeQ.endo-Ihe seu neto D. Sebastião sob a re-
aldeas, reconhecer~m as fetções dos seus proprios g~ncia de D._ Catharina (57 - 61), sua avó , e do Car-
mortos, e a almeJada festa trocou-se em lamentos. dtal D. Hennque (61-67), seu tio; os índios revol-
Parec_e ter occorrido este facto em 1556 ou pouco taram-se,
em Pernambuc o e no Es1)irito Santo·I os
antes. Afftrma o sr. Vasconcello s que o bispo ainda aymores appareceram em Porto Seguro· formou-se
se achava na Bahia, e, procedeu logo como poude a confederaçã o dos tamoyos c os fran~ezes entra-
con!ra aquelles malfeitores; não encontrou, porém, ram no Rio de Janeiro. '
apot? no governador em virtude de suas desavenças.
Infeltzmente o sr. Vasconcello s não foi servido re- 180) Pernamb uco.- Fr. Vicente do Salvador
velar-nos donde é que tirou essa informação. conta do modo seguinte a guerra que nesta epoca
se ateou em Pernambuco entre os barbaros e os
179) Fim do Governo de D . Duarte da C?ionos (l). Logo que em 1553 se espalhou a noti-
Costa. - Movido, talvez, por estas desordens dos cta da sahtda de Duarte Coelho para o reino come-
mot:ado:es de S. André, mandou por este tempo (20 çaram os indios a matar e comer quantos brancos
de Janetro_ de 1556)? governador geral que ninguem encontravam pelo caminho ou conseguiam surpre-
sem s~a ltcença, subtsse serra acima a resgatar com hender pelos campos. Apresentava m-se, comtudo, ás
o gentio, accrescentan do que daria esta permissão a portas do_s _colonos com seus resgates, asseverando
poucos de cada vez, e nunca aos moços. Vedava que o~ cnmmosos _eram apenas alguns velhacos que
na m~sma occasião o fundir quaesquer metaes que merectam ser castigados. Então jeronymo de Albu-
por ca se encontrassem . querque, o qual ficára governando a capitania na
. A 8 de janeiro deste anno de 56, os camaristas da ausencia de Duarte Coelho, seu cunhado, resolveu
Vt~la d~ S. André, unidos a seu capitão e alcaide-
mor, Joao Ramalho, protestam contra o capitã0-mór ( ') Liv. ll, ca p . X e l iv. TI[, ca p . XV .
e ouvtdor da capitania de S. Vicente, Jorge Ferreira,
238 D. DUARTE E POCA li.- P RIMElR OS GOVERNAD ORE S 239

semear a discordia entre elles embebedando os prin- Passados annos, lá os foi buscar Duarte Coelho de
cipaes, porque deste modo, diziam seus conselheiros, Albu_querque, filho do prim~iro ctonatario, a pretexto
uns aos outros se destruiriam sem nós lhes fazermos de vmgar o damno que tmham praticado perto de
guerra, e quando fosse necessario fazel-a, nos aju- Olinda; na realidade, diz fr. Vicente, afim de se
daríamos do bando contrario, que foi sempre o mo- a1~oderar das terras do Cabo que eram as mais fer-
do mais fadl das guerras que os portuguezes fizeram tets e melhores. Armou com este intuito um exercito
no Brasil». de 22,000 indios, e de tantos brancos que em Olinda
Surtiu o ardil o seu effeito. Os índios na em- só ficaram alguns velhos. Vencendo os barbaros
briaguez, accusando-se mutuamente, vieram ás mãos. queimando-lhes as casas, e arrancando todos os man~
Jeronymo, portanto, os prendeu, e depois de acertar timentos, os obrigou a pedir a paz que lhes «outor-
como poude quaes fossem os criminosos, mandou gou c_om as condições que melhor lhe estiveram, e
alguns delles voar aos ares amarrando-os á bocca de reparttu as terras por pessoas, que as começaram
uma bombarda, e outros • entregou aos accusado- logo a lavrar, os quaes, como acharam tanto manti-
res, que os mataram em terreiros e comeram em con- mento plantado, não faziam mais que comel-o, e
firmação da sua amizade, e assim a tiveram dahi replantal-o da :11esma rama, e nas mesmas covas e
avante tão grande como si fôra de muitos annos • . com isto foram fazendo seus cannaviaes, e engenhos
Dividiram-se, pois, os barbaros em dois bandos, de assucar, com que enriqueceram muito, por a ter-
ficando um em suas moradas não longe de Olinda, ra ser fertilissima, e só um, que por ist9 se
e indo outro na direção do Sul. Aquelles, como cl}amou Jorge Paes do Cabo, chegou a fazer
amigos e alliados dos portuguezes, permittiram aos o1to engenhos, que repartiu por o ito filhos que
colonos alargarem -se, e construirem engenhos em teve. e coube a cada um seu de legitima •.
suas terras. Os outros fortificaram-se nos Ouarara- Tomando, um pouco mais tarde, Duarte Coelho
pes, donde de vez em quando sab iam a guerrear de Albuquerque por pretexto a obrigação que lhe
seus adversarios. Reuniu, pois, Albuquerque mais corria

de defender

seus alliados I fez ha uerra outro-
de dez mil indígenas amigos, e quantos brancos poude Sim ao gentio de Serinhaem, cujas , terras eram
ajuntar; marchou para os Ouararapes, e deu uma re- tam~em mudo bo_as » repellindo os barbaros para o
nhida batalha, em que perdeu um dos olhos, ven- mtenor, e conquistando todo o paiz até o rio S.
do-se obrigado a recuar. Declararam os vencedores Francisco.
não terem odio contra os brancos, cuja amizade de· « A' fama destas duas victorias ficou todo o
sejavam, mas contra seus patrícios, dos quaes fize- gentio desta costa até o rio de S. Francisco tão
ram uma horrenda carnificina, sem que o cunhado atemorizado, que se deixava amarrar dos brancos
do donatario se lembrasse de acudir aos seus all ia- como si foram seus carneiros e ovelhas; e assim iam
dos. foi nesta occasião que os barbaros victoriosos em barcos por esses rios e os traziam carregados
destruíram dois eng~nhos, já abandonados pelos co- delles a vender por dois cruzados, ou mil reis cada
lonos. Na carta que em agosto de 1555 Jeronymo um, que é o preço de um carneiro. ,,
dirigiu ao monarcha, affirma que começara a guerra « Isto não faziam os que temiam a Deus sinão
havia dois annos. os que faziam mais conta dos interesses desta vida
Em consequencia deste facto, retiraram-se os ven- que da que haviam de dar a Deus, e principalmente
cedores para as paragens do Cabo de S. Agostinho. veiu um clerigo a esta capitania, a que vu lgarmente
240 D. DUARTE
EPOCA !f.- PRIMEIROS GOVERNADORES
2-ll
chamavam o Padre do Ouro, por elle ~e i.actar de
grande mineiro, e por esta arte era mui estimado de os destinos da ilha de Itamaracá o capitão João Gon-
Duarte Coelho de Albuquerque, e o mandou ~o ~er­ çalves, a quem os barbaros mostravam grande res-
tão com tri nta homens brancos e duzentos m~10s, peito chamando-o Capit!io Velho e Pae de Pero Lopes.
que não quiz el le mais, nem lhe eramA necessano~; Elle •procurava o augmento desta capitania, não con-
porque em chegando a qualquer aldea do gentio sentindo. gue aos índios se fizesse algum aggravo,
por gr~nde que fosse, forte e bem povoada, depen· mas canctando a todos, com que elles andavam tão
nava um frangão, ou desfolhava um ramo, e quan~as contentes, e domesticas, que de sua livre vontade
pennas ou folhas Ia.nçava para o ar tantos demomos se offereciam a servir os brancos, e lhes cultivavam
negros vinham do mferno l ançan~o labaredas pela as terras de graça, ou por pouco mais de nada, prin-
bocca, com cuja vista sómente ftcavam ?s po~res cipalmente um anno que houve muita fome na Para-
gentios, machos e femeas, tremendo de pes e maos, hyba, donde só pelo comer se vinham metter por
e se acolhiam aos brancos que o padre levava com- suas casas a servil-os; e assim não havia branco, por
sigo· os quaes não faziam mais que amarral.-os e pobre que fosse, nesta capitania, que não tivesse vinte
leval~os aos barcos, e aquelles idos, outros v~ndos, ou trinta negros (índios) destes, de que se serviam
sem Duarte Coelho de Albuquerque. po_r ~ats re- como de captivos, e os ricos tinham aldêas inteiras.
prehendido que foi de seu tio, e de seu trmao Jor~e Pois, que direi dos resgates que faziam donde por
de A,lbuquerque, do rei~o,. querer nuryca atalhar tao uma foice, por uma faca ou um pente traziam car-
grande tyrannia, não se t si pelo que mteressava t:as gas de gallinhas, bugios, papagaios, mel, cera, fio de
peças, que se vendiam,. s~ porque o Padre Magtc~ algodão, e quanto os pobres tinham?»
o tinha enfeitiçado; e foi .Isto causa P.ara que EI-Ret • Durou esta éra, a que ainda hoje os morado-
O. Sebastião o mandasse Ir par~ o reir:o, donde P.as- res antigos chamam dourada, emquanto viveu o
sou e morreu com elle em Afnca, e ficou a capita- Capitão Velho, mas depois que morreu, vieram ou-
nia' a Jorge de Albuquerque. Coelh? que tan:~em tros a destruir quanto estava feito, jazendo e consen-
passou com El-Rei, e fo i caphvo, fendo, . e aleiJado tindo jazerem-se tantas vexações e aggravos aos po-
de ambas as pernas, mas resgatou-se, e viveu depois bres gentios em suas proprias terras e aldêas, que
muitos annos .. . » (1) . se começaram a inquietar e rebellar, e os que pela
« E o Padre do Ouro ta m ~em f9 1 p: eso em um nossa paz e amizade se afastavam dos francezes, e
nav io para o re ino o qual arnbou as Il has, donde sinão eram alguns da beira mar, os outros do sertão
desappareceu um a 'noite se m mais se saber delle >> . de nenhuma maneira os admittiam entre si . nem
queriam seu commercio: depois uns e outros se
J81) Itamaracá. - O trecho se&"uipte. de ~r. liaram com elles, e nos fizeram tão grandes guerras,
Vicen te o. c. li v. 11. cap. XII. mostra ate a evidencia quanto os moradores desta capi tania o sentiram em
suas pessoas e fazendas » .
0 que ~eri am os indios, si
com. ~ll.es se usasse bran-
dura I caridade e moderaçao. Dm g ta por este tempo
182) « A capitania do Espiri to S a nto -diz
o P. Nobrega, escrevendo a Thomé de Souza em
(') Diz 0 P. Anchieta que Duarte Coelho, filho do primeiro
donatario •deu tanta guerra aos ind10s com favor de um .cier.Igo
1559, onde mais reinava a iniqu idade dos Christãos,
')lle se ti~ha por nigr11mautico, que destruiu toda a sua capitania>. e onde os indios estavam mais travados entre si
com a guerra, porque vissem que sua esperança que
16
EPOC A II.- PRIM EIROS GOVE RNAD OR ES
243
242 D. DUAR TE
. -
boa, concebeu o plano de organ izar
tinha m nos índio s estarem differentes não era a u~a especie de princ ipado . . en o a este f1mrica
escofh aradsl na Am.e
perm ittiu Noss o Senh or que se destr uísse por guerr · ' o
R10 de Janei ro d
dos índio s, morr endo nella os princ ipaes , como foi
tempo frequ entad oe c~~o ternt ono! )á desde longo
mais lisQnjeiras inf~rma s~us patn.cJOs, receb~ra
llo
O. Jorge (de Mene zes) e O. Simã o (de Caste ». as
Branc o) e outro s, e todos perde ram suas fazen das
c~ronistas portu gueze s qu~ ~siJ A~Jr mar~ ~. diver
1 eg~Jgnon ]a f1zera uma
sos
v1agem ao Cabo frio e
183) A Con fede raçã o dos tamo yos - nãc
o empresa em virtu de d~s riq~s::antar at comm etter esta
se exten dia só, como insin úa Varn hagen , desde do trára no paiz. s na uraes que encon -
Cabo frio até a Berti oga, mas por todo o curso
0 mesm o, pouc o ma·1
abbad e Claud io Hato n de ~ ou_ men~s , repetentre -
a um
rio Parah yba do Sul. Seu chefe, si é que existi be, iu 0
chefe geral, de certo não era o vaido so Cunh anbe rovms. Sao, no
tanto, os autor es do tem
mas o inflexível Aimbire. E' fóra de duvid a que por
os
Villegaignon só conh ecicf oo acc~:> rdes e!l1 affirmar que
francezes eram seus alliad os, mas não se póde, pa1z por mfor maçõ es.
raram.
falta de informações, affirmar que elles a inspi ação 185) Dup licid ade ct e v_I·u egai.gnon . - H o-
A não ser a retira da de Ville gaign on e a dedic
mem de grand e talen to
desde logo que não log~a:·agfcldade, comp rehen
com
heroica dos jesuítas, Nobr ega e Anchieta, ia gue- deu
certez a obter o seu fim, o de expu lsar os portu
plano sem intere ssar nelle ~a r~(a; o a Afff~J to t o seu
zes desta parte do Brasil. par de Colig ny todo d ' m1ran e Oas-
assum ptos marid mos na ~~a~roso _!:lesse temp
o em
184) Os fran ceze s no Rio de Jane iro, de dupl? ~ct ~ao curan do, pois,
t555. - Nicolau Durand de Villegaignon, caval leiro de repre senta r um papel
u em o seu carac ter, insin uou no c_J a ~que na~a abon a
Almi rante da Breta nha, nasce
Malta, e Vice-
am geral ment e qual já abr.açára a refo anm10 o .Alm1rante, 0
Provi ns no anno de 1510. Reco nheci cia vanta gem funda r-se na Arma ,, que sena de grand e
todos na Franç a o seu valor , corag em e scien menc a um refug· para os
h ~g:uenotes perse guido s. Elle d b JO
milita r (1).
mma esta tarefa , conc eden d e oa vonta d~ assu-
Acom panh ára (1541) Carlo s V na exped ição de
zesse seguir, toda a liberdaod a quem p~ra la
o qui-
Malta,
Argel contr a o tyran no Barb aroxa ; defen dera ão~
tolerancia em mate ria de relig1
escas se- a ma1s comp leta
aggre dida pelos turco s (1551), e, quan do os
ar para a Franç a a joven rainh a Por um lado não lhe c · h
zes quize ram mand es abert amen te ao Catho licis onvm a agora renun ca-
ciar
illudi u os cruza dores inglez
Maria , Ville gaign on
a em vallei ro de Malta não ~C!· e por outro , como
rodea ndo a Oran -Bret anha, toma ndo a rainh seu rnais decid ida sob pena ~~ la_ emphregar lingu agem
2 ), e levan do-a salva e segur a a
Oum barto n ( rante Ado t c · nao ac ar fé no Almi-
destino. Acha ndo-s e, neste temp o, esque cido na va,
Bre-
além . do sfu oau o.~o! Jgny com satisf acção a idéa e
tanha , e desco ntent e da vida ocios a que passa
cha. Oirigindo-~e ~jN~o~etteu falar ~isto ao mo~ar
1
~
g rande prove ito que r~ufrt?n ~o re1!. mostr possu ir ou-lh e 0
Melun sur la
(') Pro•,itm m, Seine et Marne , a 49 K. E. de at dnaçao, de
uma colon ia em um pal·z eana
Voul zie e l !e Durlei n .
os, cidade occi- r ava com nque . zas maravilh ncan aH or, .onde se d epd.- r

{') Dumbarton. o Dumbr itonium dos roman


dental da Escoss ia. capital do condad o do
seu nome, a 8o K. O.
conh ecia em parte ser exactoosas. enlrhJqJJe .J!, que já
de Edimb u rgo. o que e dJzla o Ca-
244 D. DUARTE
EPOCA II. - PIUMEIROS GOVERNADORE S 245
valleiro de Malta, concedeu-lhe tres embarcações e
dez mil francos para a despesa. _ O~mittindo os diyersos accidentes da viagem, que
Esforços herculeos envidou Villegaignon para or- nao_ veem ao nosso tnlento, vamos entrar com elles
ganizar a sua expedição e angariar colonos, recor- na mcomparav~l enseada do Rio de Janeiro, aonde
rendo já aos protestantes, já aos catholicos. Todos os che~aram no dta dez de novembro. Desembarcaram
meios lhe pareceram bons: argucias, promessas, exag- na ll_hota em que está hoje a fortaleza da Lage de-
gerações incríveis. Conseguiu augmentar algum pouco nommando-a Ratier. Ergueram barracas de madeira·
o seu numero pregando cartazes em todas as tascas collocaram duas peças bem grandes de artilharia ~
frequentadas por ociosos, vagabundos e g~nte de algun s falconetes, e já se dispunham a levantar ~m
má vida. Sendo, porém , ainda pequena a ctfra dos forte, quando uma furiosa maré destruiu as obras
alistados, pediu e obteve licença _de levar os cri~i­ com~çada .; ; revolveu tudo e arrojou ao mar os
nosos e condemnados que obstrutam as prisões de canhoes.
Pariz e de Ruão. . Não é adm_issivel que Villegaignon tivesse esco-
Superados, afinal, infinitos obstaculos, sahiu do lhtdo aquella Ilhota por assento da sua colonia · é
Havre de Graça a pequena frota (12 de julho de provavel que a _des~inasse a ser um ponto estrategÍco,
1555) composta de dois navios de 200 toneladas, bem e un:a como pnmetra. estação para entrar na enseada
armados, e de uma chalupa, carregada de provis_ões, depot de s_ondar as dtsposições dos indígenas. Em
conduzindo aquelles umas 600 pessoas entre tnpu- conseq~encta do desastre que acabamos de relatar
lantes e colonos, melhor diríamos, aventureiros, per- ~ransfenu o caudilho francez a sua gente para um~
tencentes a todas as classes da Sociedade. J!~a no centro da ?ahia, cercada de rochedos á flôr
d a_gua, podendo so pequenas embarcações entrar no
186) Desastres. - Ao entrarem no oceano, untco po~to que offerece accesso, e que está do lado
arrojou-os o vento sul para a costa da lngla!erra, e opposto a barra. Chamavam-na os naturaes Serigipe
uma furiosa tormenta maltratou as embarcaçoe a tal se~do ao ~epoi_s denominada _Ilha dos Prancezes, ~
ponto que a de Villegaignon abriu agua. forçados hoje de V~llegatgnon. Construtram nessa ilha um forte
a retr~ceder até o porto de Dieppe, _abandOJ~aram a que appeltdaram Coligny em honra do Almirante
expedição, que tão mal. começava, d1vers?s ftdalgos, protector da expedição. Davam, porém ás vezes ~
alguns soldados, e quast todos os operanos, q~e vo- m~smo. nom~ ao f~rte e á ilha. Mand~u, logo de-.
luntariamente se tinham apresentado para a vtagem. pots, VJ!Iega_tgnon a França seus navios, carregados
Produziu esta retirada um effeito deploravel, e desde de pau brastl e de outros generos do paiz; informou
então só poude o caudilho contar com os mercenarios de t~do o seu protector, e escreveu aos directores da
e condemnados em numero de apenas oitenta egreJa de Oenébra, pedindo theologos calvinistas
Reparadas convenientemente as ava~ias! . arpou Datou ~stas cartas - Do Rio Guanabara na Pranr~
do porto de Dieppe a esqu_adra em pnnctpt~s de Antarcttca. Y'

agosto sendo loao que sahm barra fora, obngada


mais ~ma ve~ a ~rribar por um temporal. fez-se, 187) Conspiração , 1556. - Appareceram den-
porém, definitivamente de vela no dia quatorze desse tro em breve grandes difficuldades na colonia. Não
mez deslisando-se agora serena sobre o oceano ca- ~e achando ~gua potavel na ilha, cumpria com muito
minho do seu destino. mco_mmodo tr buscai-a na terra firme. Por outro lado
o chma ardente, os duros trabalhos, indispensaveis
EPOCA IT.-PR! MEIRO S GOVER NADOR ES 247
246 O. DUART E

nente quando ella se descobriu, nunca mais voltou.


para construir o forte e as barracas, o genio orgulhoso Parece que o medo de serem punidos induziu egual-
e exasperado do chefe, tudo atormentava os recem- me~te alguns dos outros conspiradores a ir viver no
chegados. Accresce que os mantimentos trazidos eram me10 dos barbaros.
poucos, e aquelles da terra, sobre serem escassos,
não podiam agradar aos extrangeiros Orassava, por- Tal é a. versão commum deste facto. Villegai-
tanto, na ilha notavel indisposição, logo augmentada gnon, todav1a, em u~a carta a Calvino (31 de março
pelo máu humor de um interprete normando, que, de 56) o relata de um modo algum :anto diverso.
havia sete annos, alli morava amancebado com Uf!la • Acontec~u , com_tudo. diz elle, que uns 26 de nossos
india, da qual tinha filhos. Orden ou-lhe o cavalle1ro merce.nanos, estimulados pelos appetites sensuaes
de Malta rompesse, sob pena de mandai-o enforcar, consp1raram para matar-me. No dia porém marcad~
aquellas relações emquanto a mulher não abraçass.e para a exe.cução, foi-me revelado o' trama, ' por um
o Christianismo, sendo-lhe então livre casar-se legi- dos cumpilces na mesma occasião em que diligen-
timamente com ella. ten:el:te me _Procuravam para cahirem sobre mim.
Reuniram-se, pois, os descontentes para consul- Ev1te1 ~ pengo pela maneira seguinte : havendo ar-
tar sobre o modo de sacudir o jugo. Propuzeram mado cmc? creados meus, investimos contra elles,
alguns o veneno ; outros, o fogo ao paiol da pol- que, possllldos de terror e pasmo, facilmente se dei-
vora, situado perto da habitação do tyranno . Pr_eva- xaram venc~r. Prendi quatro dos principaes conspi-
leceu a idéa de assassinai-o no domm go prox1mo. radores, CUJOS nomes me haviam sido revelados
quando, estando todos em suas casas . por ser dia occultando-se os outros depois de terem deposto a~
armas».
santificado, não haveria quem lhe acud1sse, ou o soe-
corro chegaria tarde. faltava ganhar a guarda esco~­ «Mandei. no ~ia seguinte soltar um, para que pu-
seza, que o cêrcava sem de~canço, revezando- e d1a desse na ma1or liberdade pleitear a sua causa , mas,
e noite. Suppo ndo os conspiradores que esses guar- pondo-s.e a correr, lançou-se ao mar, O!lde se afogou.
das .estivessem egualmente irritados, revelaram ·lhes o l.onduz1dos os restantes á minha presença, amarra-
segredo. fingira m os escassezes concordar no plano, dos como estavam, d~clararam o que eu já sabia
e informaram-se de tudo, sem se esquecer de tomar pela b~cca do cumphce e delator, isto é, que tendo
o nome dos principaes conjurados. feito isto, cont~­ ~~ ~asbgado um delles, porque entretinha relações
ram quanto sabiam a Nicolau Barré, um dos. ma1s llltc1tas com uma mulher de má vida, captou por
intimas de Villegaignon, e este, a 4 de fevere1ro de presentes o p~e dessa mulher para que o livrasse do
1556, prendeu quatro dos rebeldes. n~eu poderj s1 eu me obstinasse em interromper as
Um delles, antevendo o supplicio que o aguar- d1tas rel.açoes. Tal foi o primeiro pensamento da re-
dava, arrastou-se como poude até ás muralhas do v~lta. fll-o enfor~ar e estrangular por semelhante
forte atirando-se então ao mar, onde se afogou. cnme. c.o~mutel aos outros dois a pena de morte
Out;o tendo confessado seu crime, morreu estran- na. de pnsao com .trabalho. e quanto aos mais não
guladb, sendo os outros dois condemnados a traba- q~uz tomar c~nhec1mento .do seu delicto afim de que
lhos forçados. Para furtar-se á necessidade de punir nao fosse obnga do a puml-os, o que importaria um
muitos cumplices, fingiu Villegaig~o~ nada mais sa~er. grande desfalque de operarias para a obras que
O interprete normando, autor pnnc1pal da consp1r~­ t1nha emprehendido .»
ç1ío, escapou ao castigo, porque, estando no conb-
248 D. DUARTE EPOCA II.-PRII\1EIROS GOVERNADOl{ES 249
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188) Apostasia de Villegaignon.-Para en- vem~ro. A frot~ co':lmandada por Bois-le-Comte,
tender o alcance desta carta, é mister lembrar que sobnnho de VIIJegaignon, constava de tres navios
Villegaignon, desde o principio do anno de 1556, Grande Roberge, Petite Roberge e Rosée fornecido~
escrevera aos Directores da egreja de Oenébra, pe- pelo rei Henri~ue II, , armados com {8 peças de
dindo pastores que prégassem o Evangelho, e alg~ns bro~ze, e ~squ1pados a custa da coroa. Entre mari-
officiaes de varias artes, offerecendo, a todos, salanos, ~hem?s, artlstas ~ soldados, embarcaram 290 pessoas
accommodações e até mulheres. Professava, ao me- mclus1v.amente cmco rapazes, destinados a appren-
nos exteriormente, Villegaignon o Catholicismo, e der a lmgua tupy, e cinco mocinhas acompanhadas
trouxera comsigo todos os ornatos precisos para . a por uma senhora para as dirigir.
celebração do culto catholico, bem como o francis- . Entrando no Rio de Janeiro, e desembarcando
cano André Thevet, a quem se confessava reg~lar­ na 1lha e forte de Coligny numa quarta feira dia dez
mente. Dois terços dos seus colonos eram cathohcos; d~ março .de 1~57, foram recebidos com gr~nde ju-
mas, infelizmente, os peiores, recrutado~, quasi todo.s, bllo por VIIlegaign<?n que os esperava. Houve sermão
como já vimos, nas tabernas e nas pnsões de Panz e p:eces, durante as quaes Villegaignon não cessou
e de Ruão. de JUntar as mãos, levantar os olhos ao céo dar
Deu-se portanto. a tratar principalmente com os alto~ suspiro~, e_ fazer diversos gestos com qu'e at-
protestante;, que eram os menos ruins de seus col!l- trahlll a adm1raçao de todos. Ordenou no entretanto
panheiros. Discutindo com elles a questão do d1a, este cavalle.iro de Malta que nos do~ingos se . pré~
isto é a reforma do Evangelho apresentada por Cal- gassem dois sermões, e nos dias feriados um só,
vino, 'achou-se, o nosso cavalleiro, vacillante em suas dura~te uma hora. Preces devia haver todos os di.:ts
crenças nas quaes não o sustentava o seu confe~sor, depois do trabalho. No dia 21 de março ao celebra-
que ta~bem as não. t!nha firmes. Não. lhe convmdo rem pela primeira vez a ceia exiairam bs ministros
abandonar o Cathohc1smo, porque ~ena perder o seu que sahissef!l da sala os que' aind~ não tinham pro-
titulo de cavalleiro de Malta, e, talvez, tambem a fessado a fe da reforma, e que um tal João Cointa
protecção de Henrique 11, que o julgava bom catho- a quem chamavam de Snr. Heitor e tambem de dou·~
lico; e, desejando ver prosperar a sua empre~a com tor d~ Sorbona, abjurass~ publicamente a religião
auxilio de gente melhor do que os mercenanos que cathohca. O ~esmo f~z N1colau de Villegaignon, que
trouxera dirigiu-se aos chefes calvinistas, fazendo uso recebeu o pao e o VInho. da mão de um ministro.
da mes~a argucia que empregára para c<?m o Al-
mirante Coligny. Estes, considerando ? ped1~0 como _ 189) No.va mudança de Villegaignon. -
um primeiro passo para o protestanhsmo, mforma- Nao era poss1vel que essa concordia sem base duras-
ram Calvino, que com grande zelo tratou de dar-lhe se po~ longo tempo. Os recem-chegados começaram
execução. . . a que1xar-.se dos duros trabalhos a que eram obriga-
A instancias suas e de Cohgny, partlram da dos,. e. Vlllegaignon principiou a dar largas a seu
Suissa (16 de set de 56) quatorze protestantes entre gemo mtractavel, exaggerado, argucioso. Tanto elle
pastores theologos e artistas. João de Lery, que es- como João Cointa declararam que embora recusassem
creveu ~ relação da viagem, era um delles. Em Pa- a doutrina catholica da transubstanciação não admit-
riz uniram-se á comitiva diversos fidal gos, e todos ti~m a opinião dos genebrinos de ser,' o pão e o
sarparam de Honfleur, na França, no dia 19 de no - vmho consagrado, um simples signal do corpo e
250 D. DUARTE EPO CA li.-PRlM E!ROS GO\'ER:"ADORE S 251
sangue de Jesus Christo; sustent~va~, pelo contrari_o, oleo, e que, segundo S. Paulo, um ministro não
0 erro lutherano da consubstanctaçao. Appellou Vtl- póde passar a segundas nupcias. Nestas discussões
legaignon para Calvino, escrev~ndo-~he _POr um n~­ João Cointa apoiava sempre Villegaignon contra os
vio que se fez de vela no dta pnmetro de abnl, huguenotes. Thevet já voltára para a Europa antes
protestando que se havia de sujeitar á sentença d_o da chegada dos genebrinos. Conta Lery que, em se-
reformador. Por outro navio, que la:gou no dta guida a estas controversias, Villegaignon assistiu mui
quatro de junho, enviou o m~nistro Guilherme Char- poucas vezes ao sermão; que se pronunciou egual-
tier juntamente com dez memnos da edade de n?ve mente contra Calvino; e começou a andar tão pesa-
a dez annos, que, comprados aos selv~g~ns, havtam roso, que jurava a cada momento pelo corpo de
sido solemnemente benzidos pelo mmtstro Pedro Santiago ql.lebraria a cabeça, braços e pernas de quem
Richier. . · H o importunasse. Assim ninguem ousava mais buscar
Recebeu como presente estes menmos o ret ~ en- a sua presença.
rique 11 que o~ distribuiu entre os grandes da corte. Declarou finalmente aos genebrinos, pelos fins
Casaram-se, n0 entretanto ..com d!versos fr~ncez~s de outubro, que se retirassem. Passaram estes ao
as cinco moças de que actma falamos, e Vtl~e&,at­ continente, no lado esquerdo da entrada, a meia le-
g non prohibiu sob pen~ ~e morte qu~ os chnsta~s gua da ilha, no sitio denominado Briqueterie ou
cohabitassem com as mdtas, mas podtam contra_htr Olaria. Ahi estiveram dois mezes até acabar de re-
matrimonio legitimo, quando ella~ tivessem recebtdo ceber a carga um navio vindo do Havre de Graça, com
0 baptismo. Affirma Lery que, nao obstante seus es- cujo capitão contractaram a viagem pelo preço de
forços, nem um só individuo se converteu, e que, seiscentas libras tornezas. Concedeu Villegaignon a
por conseguint~, não se celebrou nenh\-tm casam:nto lic.ença por escripto, mas confiou secretamente ao
misto. Na Bahta, porém, e em outros Jogares ~·a_m capitão uma caixinha com ordem de entregai-a aos
numerosas as conversões dos indígenas ao Chnstla- magistrados da cidade a que aportasse. Incluía essa
nismo. E' que a graça de Jesus Christo não acom- caixinha o processo dos retirantes. o qual, sendo os
panha a prégação dos protestante.s. O mesm? aco n- magistrados que o receberam, amigos dos calvinis-
teceu , e ainda acontece na Chma, na lndta e_ ef!l tas, serviu como carta de recommendação para os
toda a parte, como se pode ver ..na bella obra mb_- accusados.
tulada - Christian Missions: Thetr Agents and Thetr O capitão que se chamava fariban, viera a pe-
Results By T. W M . Marshal. - Si .algt~m pagão se dido de varias protestantes examinar o lagar, e, a
dá por convertido, é só a pod~r _?e dtnhetro, e, quan- não ser, diz Lery, a mudança de Villegaignon, oito-
do este falha, o supposto chnstao volta ao seu pa- centas pessoas iam passar ao Brasil. fizeram-se de
ganismo q~e n~mca tinha _ab~ndonad<? de ve~as:..Consul- vela a 4 de janeiro de 1558, e, como o jaques (era
te-se a h1stona das m1ssoes, e veJa-se SI nao fala- o nome do navio) logo abrisse agua, cinco ca lvinis-
:11os a verdade. . . tas. assustados, vo ltaram atraz em uma barca. Os
Continuando as disputas, pretendeu VtllegatgnOI!, outros, seguindo viagem e soffrendo infinitas peripe-
citando S. Cypriano e S. Clemente, que na ~e1a se t~­ cias, avistaram a terra da Baixa Bretanha no dia 24
vesse de misturar agua ao vtnho, que o pao, e o VI- de md.io, na altura de um Jogar chamado Hodierne ;
nho consagrado aproveita ao corpo e~ a alma; e no dia 26 entraram na enseada de Blavet, a duas
que na agua do baptisrno se deve por sal e leguas da cidade de Hanebon.
EPOCA II.-PRIME lROS GOVERNAD ORES 253
252 D. DUARTE

190) Fim de Villega ignon.- Pouco sabemos neste mesmo anno 61 ou no anno seguinte os tor-
do que aconteceu a este aventureir o francez depo is n~ram os francezes a levar á França . e 'querem
da retirada dos ministros de Oenébra; parece, toda· d1zer que a nau fez naufragio no caminho ou que os
via, certo que el le continuou a maltratar a sua gente; hereges lançaram os frades ao mar. » a carta, que
que se desaveiu com seu amigo, João Cointa, e que se acha no vol. li, pag. 79 dos Annaes da Bibliothec a
mandou atirar ao mar tres dos cinco que haviam nacional, diz o P . Anchieta em data de 1565 que
retrocedid o. Ignoramo s o motivo. foram, segundo segundo referiu um índio, os hereges mataram ~lgun~
Lery, Pedro Bourdon, João do Bordel e Matheus desses religiosos na viagem, e os outros logo que
chegaram á fran~·a.
Verneil. Partiu (59) finalmente para a Europa, C)
onde viveu desprezad o de todos, concluind o a sua
carreira mortal em uma commend a da Ordem de 191) V illegaign on e os selvage: !s .-Cumpr e
Malta perto de S. João de Nemours. Segundo Oaffa- con~essar q~e os aventureir os francezes possuíam um
rel, Villegaign on fa lleceu em janeiro de 1571. gemo espe.c1al pa~a, ~bem do seu ~ommercio, captar
a sympath1a dos md1genas do Bras1l. Evitavam a este
Na carta attribuida ao P. Anchieta em data de fim com muito cuidado a pretenção de reduzil·· os
1584, lemos o seguinte: «Co mo Nicolau de Ville- ao captiveiro ; apprendia m a lín gua do paiz, e guar-
gaignon era catholico, tornando á França, trabalhou de davam rigorosa justiça. Este mesmo foi o proceder
mandar religiosos ao Rio de janeiro, assim para re- do nosso Cavalleiro de Malta, do qual escreveu Men
ducção dos hereges, cor;10 para conversão do gentio. de Sá á rainha regente : «E lle (Villegaig non) leva muito
Com este desejo se foi a um collegio da Companh ia differente ordem com o gentio do que nós levamos·
em França, onde, depois de confessad o e commun- é liberal em extremo com elles, e faz-lhes muita jus~
gado, pediu padres para esta empresa, dizendo que tiça; enforca os francezes por culpas sem processos;
tinha na lndia ou Brasil 200 leg uas de terra povoa- com isto é muito C) dos seus, e amado do gentio:
das de gentio sujeito e pacifico: os padres, muito manda-os ensinar todo o genero de officios e de
alvoroçad os com esta nova, responder am que man- armas; ajuda-os nas suas guerras: o gentio é muito
dariam recado ao P. Geral a pedir licença para isso, e dos mais valentes da costa; em pouco tempo se
e, como isto não se effectuou pela Companh ia, tra- póde fazer muito forte ·.
balhou de mandar estes religiosos . . Estes, como se
soube dos mesmos tamoyos, fizeram seu recolhime nto 192) Villega ignon e seus histori ad ores. -
entre elles mesmos, apartados dos francezes, e ensi- As fontes principaes da historia de Vi ll egaignon são
navam alguns meninos do gentio e os traziam ves- a obra de Thevet, a de Lery, e diversas cartas quer
tidos com seu habito. • do proprio aventureir o, quer de Nico lau Barré, seu
• Mas, como Vi llegaignon , sabida a destruição da secretario , quer dos jesuítas do tempo . A critica mais
sua torre, não quiz mais tornar ao Brasil, ficaram os elementar persuad ia não pequeno desconto nas pa-
religiosos sem amparo, e não sómente desfavorec i-
dos. mas perseguid os dos hereges. . . Assim que, (') Damos esle trecho tal qual o achamos no I ,Q volume dos
Annaes do Rio de J anP-iro por l!althazar da Silva Lisboa, ed. de
I 84, pag. I 19; parece-nos, todavia, que neste logar falta alguma
( 1) • Tornou·se para França , dizem que a chamado d'El-Rei
palavra, v. g. temi.lo. Vide tambem Pizarr::, I, pag. 14, ed. de 1820.
para as guerras cont ra os hereges. em que morreu • . Carta do P.
A Rev. de 1839, pg. I29 dá temido,
Anchieta em 1584.
254 D. DUARTE EPOCA 11.-PRIMEII{OS GOVERNADORES 255
lavras de Lery, por ser elle g:ande init?i_F;o do Ca· personagens lhe haviam escripto . . . censurando- o
valleiro de Malta e falar com v1olenta pa1xao. Vemos, acremente . . . por haver deixado a religião catholica
todavia que em geral os autores em nossos dias romana, e que, receioso da arguição, mudara subita-
exagge~am notavelmente o que elle refere, e até lhe mente de parecer». Tratava-se, pois, apenas de um
emprestam accusações que elle não escreveu. Lery, boato, que hoje se dá como fado certo com o accres-
v. g., nunca disse que Villeg~ign_on era ~m b~rbaro, cimo de vistas políticas, etc. O mais interessante é
um tigre, um Nero, como hoJe d1~ersos. h1stonadores que esses autores citam s~mpre Lery, ~ostrando deste
lhe chamam. Affirma Lery que V!llega1gnon aposta- modo que nunca o exammaram em SI mesmo.
tou do Catholicismo publica e solemnemente na su_a E que diremos das declamações contra o Caval-
ilha posta na bahia de Guanabara; mas alguns escn- leiro de Malta, porque não se deu bem com os pro-
ptores modernos pretendem que elle se declarou pro- testantes de Genébra? Observaremos em primeiro Jo-
testante antes de partir da Europa. Segundo o pro- gar que Villegaignon nessa occasião não _voltou ao
prio Lery, o_ barco _em gue os ministro~ regressara m, Catholicismo ; apenas declarou que prefena o ~rro
não pertencia a V!llega1gnon; era particular, e os re- l:.:therano ao de Calvino, e isto, talvez, por motivos
tirantes o fretaram livremente. bem secundarias, ou em virtude da sua vo lubilidade
Accusam-no entretanto, hoje de tyrannia, por ter e do se u pessimo genio. Em segundo Jogar, todos
embarcado a es;es homens em um navio carcomido. sabem que Villegaignon antes disto apostatára da
Diz Lery que alguem deu com justiça a Yilleg~ign_on Egreja Catholica. da religião de seus paes, em que
o titulo de Caim da America, porque fo1 o pnme1ro fôra creado; autores, no entretanto, que se chamam
que no Mundo Novo derramou o sangue de seus catholicos e até sacerdotes, como é, v. g., o sr. con.
irmãos; affirmam, porém, hoje que todos o brindaram f. P., nã~ têem uma só palavra co ntra a primeira
com esse nome. Escreve Lery no cap. XXI o se- apostasia ; só deploram a.marga'!le.nte a nova mu-
g uinte :-« Um tal fariban de Ruão, capi tão do navio dança! E isto a titulo de 1mparc1a~tdad e! _
(Jaques) declarou que nesse anno se houvera deli- Pôde facilmente entender o leitor que nao sym-
berado a passar 700 ou 00 pessoas em grandes urcas pathizamos com este av_ent~reiro, cuja uni~a- religiã ~
de Flandres para começar a povoação do Jogar, on~e parece ter sido o propno mt~ress~ e ambtçao; mas
estavamos si não fôra a rebeldia de Nicolau de V!l- não podemos soffrer que a h1stona se converta em
legaignon: Com effeito cre_io ~irmemente gue, ~i isto romance. Concluiremos confessando que não logra-
não tivesse acontecido e s1 N1colau de V!llegalgnon mos comprehender como, filhos do Brasil, cidadãos
se tiv esse mantido fiel, estariam ahi mais de 10.000 que blasonam de patriotas, mostrem tanto sentimento
jrancezes ». . . _ ao verem mallograr esta invasão dos francezes . no
Esta simples phantasta ou suppos1çao de. Lery, Rio de Janeiro, invasão que, si não fosse repelltda,
este simples creio muda-se, sob a penna de d1verso~ faria co m que hoje a incomparavel bahia de Guana-
escriptores na affirmativa categorica de que dez mtl bara pertencesse á França !
jrancezes ~stavam promptos a par_tir! .
A respeito da mudança de V!llega1gnon, escreve
Lery no cap. VI , N. 22: «_!\gor~, ;;i nos perguntarem
o que motivou tal reso lu çao, d1re1 que alguns dos
nossos sustentavam que o cardeal de Lorena e outros
256 C.TE T DE SÁ
EPO CA li. -- l'RlM I~ !ROS GO VERNADORES 257
IV senso nunca lhe consentiria essa observação, porque
Southey certamente sabia não ser perdido o tempo
Men de Sá, III governador geral, 1557-72 que o artífice gasta em preparar os instrumentos. Na
verdade é incontestavel que Men de Sá, apesar de
193) Sua vinda.-(!} Men de Sá, fidalgo da casa empregar aquelles oito dias nos exercicios espirituaes
e do conselho do rei, bem como irmão do poeta e algumas horas por semana em assistir á missa e
Francisco de Sá de Miranda, deu no seu governo receber os sacramentos, foi o melhor ou, pelo menos,
provas deslumbrantes de ser homem activo, hones- um dos melhores governadores do Brasil. Somos
to, prudente, zeloso e de grande coração, acompa- francamente de parecer que, si todos aquelles que
nhado de Iettras, e experiencia na paz e na guerra. dirigem os destinos de uma nação, província ou ci-
Nomeado a 23 de julho de 1556, fez-se de vela no dade, fizessem o mesmo, não haveria tantas queixas
fim de abril de 57, e aportou á Bahia nesse mesmo (falamos das que são justas) contra elles. Si isto
anno, não antes do méado de agosto. Segundo o mesmo se praticas~e entre os povos, não existiria m
Padre Simão de Vasconcellos veiu por tempo inde- tantos males que acabrunham medonhament e a So-
finito; no ver, porém, de Varnhagen, por tres annos ciedade; males que, si por um lado se chamam anar-
como os outros . O seu ordenado foi de 600.000 rs. chia, por outro se denominam revolução. Todos estes
annuaes. males têem a sua origem no abandono de Deus e
Chegando a seu destino, retirou-se, durante oito da sua religião.
dias, a fazer os exercícios espirituaes com o P. No-
brega, e em toda a sua vida exhibiu mostras de 194) Seus primeiros cuidados.- Concedeu-
grande piedade, assistindo á missa todos os dias, nos, diz o P. Nobrega, que dahi a pouco tempo
confessando-se e recebendo a Santíssima Eucharistia viesse Men de Sá com um regimento de Sua Alteza,
cada semana. Southey, referindo o facto de ter-se em que o mandava mui de proposito ajudar a con-
Men de Sá retirado a fazer os exercícios accrescenta: versão, por paz ou por guerra, ou como mais con-
.._ dnjuriam elles (os jesuítas) Men de Sá, e a si pro- veniente fosse . . Como . . . tomou a governança, co-
prios se diffamam, inculcando que este tempo de re- meçou a mostrar sua prudencia, zelo e virtude, assim
tiro não foi empregado em obter do melhor político no bom governo dos christãos como do gentio, pondo
que nelle havia, informações sobre o estado do paiz. » tudo na ordem que Nosso Senhor lhe ensinou. Pri-
E' que o bom do protestante inglez ignorava meiramente cortou as longas demandas que havia,
completamente o que significa retirar-se a fazer os concertando as partes, e as que de novo nasciam,
exercícios de S. Ignacio. Do contrario o seu bom atalhava da mesma maneira, ficando as audiencias
(') Mendo de Sá; por abreviação - Men de Sá. O P. Simão de
vasias, e os procuradores e escrivães sem ganho,
Vasconcellos affirma que a patente deste terceiro governador está que era uma grande immundicia que comia esta
registrada no anno de 1558 , data que foi acceita por todos . H oje, terra, e fazia gastar mal o tempo e engendrava odios
porém, consta pelas cartas dos jesuítas que estava de viagem em e paixões. Tirou quanto poude o jogo, que era uma
1557, que a 14 de agosto ainda não tlnha chegado : dá-se por certo
que veiu antes do fim desse anno, mas nã0 se sabe ainda em que
traça, fazendo a todos entender em seus trabalhos
mez. O P. Anchieta nffirmn que chegou em 1557 . Ha de ter sido com fructo, e, evitado este, se evitaram muitas of-
nos ultimes dias desse anno . fensas de Nosso Senhor, como blasphemias e rapinas
Vide Ann. da Bibl. Na c., vol. XXVII, pg. r 31. que na terra havia; finalmente mostrou-se mui dili-
17
258 MEN DE S:_
Á_ _ _ _ _ __
E POCA 11.-P RIMEI ROS G(IVE RNAD ORES
259
aente em tudo o que perten cia ao serviç o de Deus
"'e d'El- R. ração, com tanta liberd ade como aos mesm os chris-
e ~».
«Acab ou o engen ho (1 ), e acaba ra, cedo a Se, eA , tãos. E cada povoa ção destas tem seus meirin hos,
os
com o exem plo de sua_ pesso a convi da a todos principaes dellas , os quaes por mand ado do gover
a -
bem viver de tal mane1ra, que sabe N9sso Senh< nador prend em e lhe trazem os delinq uente s, e assim
?r lhes tira a liberd ade de mal viver e os favore
quant a inveja lhe eu tenho . Na conver~ao do gentio ce
nos ajudo u muito, porqu e fez logo aJunt~r quatr no bem. »
ou cinco aldêa s que estava m derre dor da c1dade, emo •Além destas tres, estão juntas cutras muita s al-
uma povoa ção junto ao rio Verm elho, onde parec dêas em duas povoa ções grand es, e estas não têem
eu egrejas, porqu e esper am por sacerd otes, e quem re-
mais conve niente, para que toda_ esta gente Pl!des
se sida entre elles, mas sóme nte são visita dos a tempo
aprov eitar- se das roças e manh men!o s que tmham s
feito e aqui mand ou fazer uma egre]a grand e, em das outras casas, porqu e somo s pouco s, e não po-
que 'coub esse toda esta gente , a que chan:~m S. ~aulo. demo s suppr ir a muita messe que ha • .
Mand ou apreg oar por toda a terra, sctltcet, 01to
e 195) Oppo sição que enco ntra. - Conti núa
nove legua s ao derred or, que não_ con:essef!! carn_e
huma na e por se mostr ar ao gentio fo1 ouv1r a pn- o P. Nobre ga. • Mas o inimi go da huma na geraç ão
meira ~issa , dia de S. Paulo , acomp~nhado_ de todos toman do por seu instru mento muito s maus que . ..
ha
os princi paes da terra, e naque lle d1a baptlz aram- nesta terra, os quaes não favore cem nada esta obra,
se mas por muita s mane iras trabal ham cerrar as portas
muito s onde deu a todos de come r, grand es e pe-
queno~ ; esta será uma legua da cidad e. » todas á salvaç ão do gentio , pelo odio que comm um-
_ mente se tem a esta geraç ão, e o prime iro golpe
. outra egreja m_andou logo fazer, .de S. Joao Evan-
gelista, quatr o ou cmco legya s da c1da~e, onde . que come çou a dar foi desin quieta r os índios
~~ de
ajunta ram outras tantas aldeas do gentio de M1ra S. Paulo , toman do-lh es suas terras e roças, em que
gaoba . A tercei ra mand ou fazer, o~de . c!1a~am semp re estive ram de posse, e nunca fizeram por
rio de joann e; esta se cham a Sancü S;~mtus, aqw~ donde as perde ssem, antes na guerr a passa da estes
ha mais gente junta que em todas ; esta sete ou 01to ajuda ram aos christ ãos contra os seus propr ios.
A
legua s da cidad e, perto _da cost~ do mar. Nesta s tre~ causa que tinham os chrisfãos por si não era outra
egreja s se faz agora mwto serv1ço, a Nosso Senl:o sinão que as haviam nzistér, e porque nisto o gover
e o gentio vae conhe cendo que so a Jesus Chns
1, nador e eu estorvámos essa tyrannia, contra elle -e
se deve crer, amar e servir . . Em todas ha escola to contra mim conceberam má vontade . . . »
de muito s menin os; peque no nem gran~e morre s~m • Outra grand e desin quieta ção se dá aos índios
ser de nós exam inado si deve ser baptlz ado, e ass1m por gente de :::áu viver, que anda entre elles, e que
Nosso Senho r vae ganha ndo gente pa:~ povoa r sua lhes furtam o que têem, e lhes dão panca das e feri-
gloria . e a terra, se vae pondo e~ suJelçao. de _Deus das pelos camin hos, toman do-lh es seu peixe, fur-
e do gover nador , o qua~ os faz v1ver em . JUShça tando -lhes seus manti mento s. E nisto não póde haver
razão, castig ando os delmq uente s com multa modee justiça, porqu e receb e cá o ouvid or geral uma opi-
- nião mui prejudicial, que sem prova de dois ou tres
christãos brancos não se castiga nada, ainda que seja
(') T rala-•e de um enge nho do go ' e rn o, já co meçado
po r Th o mé notori o, pelos índios, a qual prova é impos sível
de Souza. • haver-se. e assim fica tudo sem castig o . . . Estes assim
EPOCA n.-PRL\l ElROS GOVERNA DORES 261
260 MEN DE S.\
sem os seus ousarem a os defender. Este foi o fer-
uns como outros ( são agora doutrina dos, e todos
1) mento de grande escandal o nesta terra, porque ti-
bem sujeitos á obedienc ia do governad or. Por esta veram logo os malicio os que murmura r e occasiã-o
causa se levantou tambem grande murmura ção entre de levantar mentiras : disseram que aquelles índios
os christãos dizendo que os deixassem comer que havi am morto certos escravos do engenho que foi
nisso estava' a seguranç a da terra, não olhando que de Antonio Cardoso que lá estavam perto, e como
ainda para o bem da terra, é melhor serem elles se conheceu ser mentira, disseram que um barco
christãos e estarem sujeitos, não como antes esta- que o governa dor havia mandado a Tatuapar a o
ilaviam os índios tomado e morto a gente, tudo por
vam . . • entristecerem ao governad or, o que tambem logo se
• Outros zelando por parte dos índios . , mur- soube ser mentira. Este principal esteve preso perto
muram por ~erem presos e castigados por seus de- de um anno, e agora é o melhor e o mais sujeito
lidos e por serem apremiad os á doutrina e a bons
que h a na terra •.
costu~es, temendo que poE isso se levantem, e não
murmura m pelas sem razoes que elles faz~m aos I
197) No v as queixas . - «Por estas co usas têem
índios que é maior occasião de se elles amotm_arem, concebid o todos grande aborreci mento ao governa-
porque nós, posto que por uma parte os aprem1amos dor; uns, porque lhes tirou o ganho das demanda s
a bem viver por outra lhes mostram os entranha s de que antes havia; outros,. porque perderam a liber-
amor, pugn~ndo por elles em tudo e defenden do-os dade, que antes tinham, de jogar e adultera r; outros,
de iyrannias e servindo -os e curando- os de ~uas en- porque os obriga a trabalha r nas obras d'EI-Rei e
fermidad es com muito amor, de que elles sao bem em prol da terra, maiorme nte aos que têem soldo
em conhecim ento e por outra parte estes christãos, d'El-Rei, os quaes
si algum índio lhes prejudic~ em u!l:a palha de sua antes viviam mui á larga, e
os outros, porque lhes não pagam á sua vontade, e
fazenda, querem logo que seJa cruc1f1cado. » nisto só têem alguma razão; mas não sei si tem
nisso o governa dor culpa, pois não o ha tanto que
196) Castiga um princip al. -- « Acima disse baste a contenta r a todos, mas a maior occasião que
como o governa dor mandára notificar a estes . da têem de o aborrece rem de graça, é isto que tenho
Bahia que não comessem _ca~ne hum_ana; mwtos dito dos índios, e ainda direi mais por onde conheça
obedecer am, mas não um pnnCJpal da ilha de Ca~a­ o que tenho dito e o estado da terra ».
rapeba, que está pela bahia dentro sete ou oito O ajuntar dos índios que o governa dor faz,
leguas, que matou e comeu com festa seus escravos, para melhor se poderem doutrina r, deu tambem mwta
e sobre isso não quiz vir a chamado do governad or, occasião de escandal o a muitos que tinham índios
falando palavras de muita soberba, porque estes nunca perto de suas fazendas, dos quaes se ajudavam em
haviam conhecid o sujeição, e entrava-s e com estes seus serviços, deixando -os viver em seus costumes e
de novo, pelo que mandou o_ governa~or a Vasco morrer sem baptismo , nem haver quem lhes lem-
Rodrigue s de Caldas com qumze ou v1nte homens brasse a Jesus Christo, Nosso Senhor.»
buscai-o por força, e trouxera m ao pae e filhos presos, .• Outros, depois que viram o gentio, com estas
cousas que se fizeram entre elles, domados e metti-
(I) Trata-se dos indios do Tubarão e dos de Mirangaob a, que dos no jugo e sujeição que nunca tiveram, cobiça-
no tempo de D. Duarte se guerreavam com muita crueldade, e que
depois foram induzidos á paz.
262 MEN DE s,\. EPOCA ll. - PRlMEIR OS GOV ER?\A DORES 263
ram ser repartid os para seu serviço, como se fez nas e com os da ilha de Taparíq ua (Itaparica), que são
Antilha s e Perú e assim o pediu a camara ao go- todos uns; e isto por razão dos escravo s do s christão s
vernado r : mas a elle não lhe pareceu bem por não

I
que para elles fugiam e não os davam, e isto con-
haver causa para isso justa, porque os. mais delles tentou a todos, porque lhes tocava em seu proveito .
nunca fizeram por donde mereces sem 1sso, antes na Os de Tapariq ua obedece ram, mas os do Paráass ú
guerra passada se lançaram da banda dos christão s, muitos delles não quízera m paz nem dar os escravos,
e para os que foram. na guerra pass~da tão P?uco antes tomaram um barco de Pero Gonçalv es, de
havia causa justa, po1s a guerra se nao houve _la por S. Thomé, com f::!rramenta que levava . •
justa da parte dos christãos, e mandou El-Re1, que " . . Depois sendo requeri dos com paz e com
está em gloria, restituil -os em suas terras, como ~e restituírem o barco e os escravo s, não quizera m,
antes estavam, e já que lh 'os houv_essem de repartir , pelo qual lhe pareceu mandar a elles com conselh o
como no Perú , haviam de ser obngad os a terem um de muitos a tomar-l hes os rodeiro s. que tinham fei -
padre para sua doutrin a como lá tam~em se cos!uma , to com que determi navam fazer a guerra aos chris-
o que esta gente não póde fazer, ;:ss1m para nao ter tãos, e mandou a Vasco Rodrigu es de Caldas com a
possibil idade de manter um capellao, como tam~e!l1 gente e barcos que poude, o qual deu nelles, sahin-
porque não se trata de salvar almas n~sta terra, smao do em terra, matand o muitos, e trazend o outros ca -
de qualque r seu interesse, e dos propno s ~eus es~ra­ ptivos. Aqui se queb:-ou o desenca ntamen to do Pa-
vos se tem tão pouco cuidado gue os den~am v1ver raassú, onde ninguem ousava sahir em terra e per-
como gentios e morrer como bestas, e ass1m os en- deram os christào s o medo que tinham áquelle gen-
terram pelos montur os . . . • tio, vindo com muita victoria , sem lhe matarem
• Bem me parecer ia a mim conquistar-.se a terra ninguem • .
e repartir -se os indios po: os !?orado res obngand~-s.e ·Não puderam muiti)S que aborrec iam ao g o -
a doutrina i-os, que ha h1 mUitos qu~ pode~ a suJei- vernador, dissimu lar sua paixão do bom success o, e
tar, mas não ha hi homem que por 1sso que1ra levar por ventura folgava m mais de succede r alguma des-
uma má noite, e si o governa dor p_or seguran ça 9a graça ao governa dor para ficar mais desacre ditado
terra quer fazer alguma co~sa ou cashg~r algum md10, em suas obras. •
todos lh'o estorvam e mnguem o aJuda; e agora « Com esta boa fortuna alguns indios do Paraas-
que vêem os índios sujeitos sem custar sangue de sú vieram a pedir paz ao govern ador, trazend o-lhe
christão nenhum , nem guerra (posto que da passada o barco dos chri stãos que haviam tomado aos outros
ficaram amedro ntados) ; agora que estão juntos com para com elle alcança rem paz para si, ficando os
egrejas para se doutrin arem ; agora. os querem ~ep~r­ outros em sua pertin acia e fazendo -se fortes. Tornou
tídos e assim não falta quem vá ürar nossos mdws a elles Vasco Rodrigu es e deu em uma aldêa que
que temos juntos com muito trabalho e _levpl-o~. ~s estava meia legua do mar, por um caminh o mui as-
suas roças a viver; e muitos vão por fugtr a sujetçao pera que andaram de noite e deram nella, que era
da doutrina e viverem como seus avós e comerem grande e toda a gente mataram , porque os tomaram
carne humana como de antes ». dormind o, salvo vinte ou trinta pessoas, menino s e
mulheres, que trouxer am por escravo s, de que não
198) Guerra . - « Tambem começo u (o gover- escapou mais de um índio ou dois, mal feridos,
nador) a entende r com os do Paráass ú (Paragu assú) para le varem novas aos outros. »

.
264 t. IEN DE s.\ EPOCA lf.-PRIMEIROS GOVERNAD ORES 265
« Outra vez, terceira, tornou lá Vasco Rodrigues Sef!I com duas panellas de polvora que nunca lhes
já com maior animo d~s christ~os e todo perdid_o o qUizera_m levar, até que os índios attentaram que
medo; queimando_ mUltas aldeas, matando mUitos eram tao poucos, com o que cobraram animo e car-
sem lhe matarem n1nguem. E com esta se renderam os regaram sobre elles e fizeram-nos vir recolhendo até
mais e pediram paz e se fizera_m tributari?s a El-Rei, a~s navios e barcos de o_nde os h~viam deixado que,
obrigando-se a pagar certa fannha e g~ll_mhas e ?e fot desconcerto nunca vtsto, e al1, na praia, peleja-
não comerem carne humana e serem SUJeitos e chns· r~m um grande espaço, esperando soccorro dos na-
tãos, como lá lhes mandassem padre~. • . VIos, e ao cabo nunca lhes veiu e alli mataram o
., O mesmo fizeram os de Tapanqua e os de Tl- capitão, filho do governador, com' cinco, porque os
nharé e todos desejam estar bem com os christãos e outros salvaram-se a nado •.
se obrigam a pagar o tributo que tenho dito •.
200) Men de Sá nos Ilhéos, 1559. - Tendo
199) Morte de Fernão de Sá. -Mal havia os colonos dos Ilhéos recusado dar aos indios satis-
Men de Sá tomado posse do seu governo, quando facção de uns aggravos e injustiças que os christãos
os moradores do Espirit0 Santo reclamaram o seu lhes haviam . feito, determinaram ving ar-se por si
auxilio contra os barbaros, rebeldes e victcriosos. mesmos queimando quatro engenhos de assucar,
Mandou-lhes o governador o seu proprio filho, Fernão roubando toda a fazenda que nelles acharam, e obri-
de Sá á frente de cinco embarcações e uma galé. gando os colonos a recolherem-se para a villa,
Iam cbm elle Diogo Morim o Velho, e Paulo Dias onde os cercaram de modo, que não podiam sahir
Adorno. Chegando a Porto Seguro, navegaram pelo a buscar mantimentos. Acudiu o governador com for-
rio Cricaré acima afim de acommetter o gentio no ças adequadas; surprehendeu de noite o~ barbaros em
lagar que formava seu centro e a base de suas ope· suas aJdêas ; matou um grande nun;ero delles, e pôz
rações. Ouçamos agora de que modo conta este facto !?go as mat~as. Voltava Men de Sa em triumpho, e
o P. Blasques em uma carta que leva a data do dia Ja chegara a costa, quando duma cilada rebentou
3o de abril de 1558. um bando de selvagens ; foram, porém levados de
« Um deites (estorvos) foi a morte do filho do roldão ao mar. Os alliados, tão activos ~o mar como
governador, o qual sendo mandado por seu pae a em terra, l?~rseguirat;n-nos, afogando os que não qui-
soccorrer a capitania do Espírito Santo com certos zeram apnstonar. E a este feito de armas que se
homens, foram dar onde os não mandára, e com tudo deu o nome de Batalha dos Nadadores.
renderam duas cêrcas , onde mataram muitos gentios Alcançada esta segunda victoria, entrou o aover-
e prenderam boa parte deites; com este bom succes- nador nos Ilhéos, indo direito á egreja de Nossa
so, querend o o capitão seguir a victoria, deu na Senhora render graças pelo auxilio divino Passados
terceira cêrca , onde se acabava tudo de vencer; nesta poucos dias, viu-se a praia coberta de barbaros que
o deixaram todos os seus, só com dez homens a pe- vinham mais uma vez tentar a fortuna das armas.
lejar e se acolheram aos navios, uns para curarem Sendo derrotados, pediram, humildes, a paz que o
algumas feridas de pouco momento, outros para ar- governador lhes concedeu nos termos de costume
recadarem suas peças (de escravos) , o que elles mais a saber: declarando-se os selvagens tributarias subdi ~
desejavam. Estes dez, com o seu capitão, pelejaram tos do rei de Por~ugal; satisfazendo, como podiam,
tão bem e tinham já a cêrca rendida, si os acudis- pelo damno que tmham causado; obrigando-se a não
266 EPOCA 11. -PR IMEIROS t.;OVERNADORE S 267
comer carne humana, e promettendo abraçar o Chris- « Pondo isto o governador em conselho 1 uns di-
tianismo quando houvesse quem os doutrinasse. ziam que elle devia ir e outros que não, mas, final-
Demos agora a palavra ao P. Nobrega que nos mente por um só voto de mais, se determinou que
ha de referir diversas particularidades assás interes- fosse: mas1 como as principaes pessoas eram de opi-
santes:- « A capitania dos Ilhéos e Porto Seguro, nião que não fosse, e esta opinião agradava mais aos
as quaes tinham o gentio Topinachim grande e todo pobres . . . entrou em muitos a murmuraç~o ... , e
amigo, e que mai~ favo:avel se mos_tr~u semp~e aos assim esta gente, havendo de consolar e ammar aos
christãos e em cuJa amtzade os chnstaos confiavam pobres que haviam de ir, diziam que para que era
muito e mais perseveravam que outro nenhum d_a costa, levai-os e tirar a gente de suas casas e isto não
havendo nestas capitanias muita gente, mas mut pouco por se tanto doerem delles, como por temer que po-
temor de Deus, nem zelo de sua honra, mas muitos deria cahir o céo, e suas fazendas correrem ventura,
peccados e favoreciam o comer da carne humana e não vendo que o governador levava muita gente dos
ensinavam-lhes outros peccados, que clles nem seus indios e os que ficavam não haviam de ousar bolir
avós tinham, porque esta gente do Brasil não tem comsigo, maiormente estando tão sujeitos, nem olha-
mais conta que com os seus engenhos, e ter fazend a, vam que em tempo de tão extrema necessidade como
ainda que seja com perdição das almas d_e t?do o estavam, havia obrigação de lhes soccorrer. >;
mundo, aconteceu que por matarem um tndto em « E com este desgosto que todos os principaes
Porto Seguro e outro nos llhéos, sem lhes fazerem tinham e a gente popular bramava1 se embarcou o
satisfacção de justiça, elles se levantaram e _mataram governador sem haver quem o ajudasse naquella
dois ou tres homens que acharam no cammho dos armada, pobre, feita mal e por mal cabo e mal
llhéos para Porto Seguro e deram em uma roça de aviado, com muita desconsolação, que houvera Vossa
christãos nos Ilhéos e passando pelo engenho de S. Mercê lastima, si o vira, como o eu vi, porque uns
João em que estava Thomaz Alegre, metteu Nosso Se- não ajudavam, outros estorvavam, outros mordiam
nho~ tanto medo nos ossos dos christãos que des- e todos com fastios, e outros o desacatavam de ma-
povoaram o engenho, ~em índio atirar flecha; antes neira que, como a homem de capa cahida, quem
se crê que já satisfeitos da morte dos seus, se con- quer se lhe atreve, porque dizem que não tem lá
tentavam, 'porque a muitos christãos que puderam no reino ninguem por si e tudo lhe convertem em
matar e roubar, mui liberalmente deixaram tr. » mal até a morte de seu filho, que elle sacrificou
por' esta terra .. Desta maneira o tratam, mas elle
«Como isto se soou, entrou o mesmo medo nos se ha com muito soffrimento e paciencia em tudo ».
outros engenhos e sem verem índio despovoam, e « Depois de embarcado, ventando sudoéste e
largam tudo recolhendo-se na villa, o que vendo os sendo a força do inverno, quiz Nosso Senhor haver
índios, ao recolher de Thomaz Alegre, lhe tomaram piedade daquellas almas que nos llhéos estavam, e
alguns escravos que puderam alcançar1 e entrara_m, se mudou ao nordéste, vento prospero, com que em
e roubaram o que acharam nas fazendas;_ e asstm 1 dois dias chegou lá e achou-os em tanto aperto, que,
postos os christãos em cêrco. mandaram pedtr S?<:_cor- si mais tardára oito dias, dizem que os achára comi-
ro a esta Bahia ao governador de gente1 mumçao e dos dos índios, e si tiveram embarcação todos hou-
mantimentos, porque não comiam sinão laranjas. veram já despovoado, e logo que chegou. tomada a
E agora ouça o que succedeu >> . informação da terra, desembarcou á meia noite, come-
268 :I!EN DE . .\

çou a caminhar pela praia com a sua gente e outra


El'OCA IL-PRlMElROS GOVt::RNADORES 269
da terra, que toda estava sem alma e sem espiritos creanças que ainda estão em poder dos negros (i1_1dios)
vitaes e com sua ida tornaram em si e foi-se pela e alguma fazenda dos chnstãos; mas, todavra, os
praia, pelo caminho que vae para Porto Seguro, e outros negros de Guiné acharam mortos por estes
tomaram umas espias dos índios que foram logo 60 antes que a cilada se descobrisse._» _
mortas e presas; foram dar em uma aldêa, onde .
« Dizem que dahi jornada de dors dras se fazram
mataram tres ou quatro pessoas, porque os mais fortes os indios com cêrca; esperava-se por bom
fugiram e não puderam mais fazer que queimarem- tempo para darem nella, e, si estes forem ve,ncido_s
lhes as aldêas, tornando-se a recolher para a villa; pela misericordia de Nosso Senhor, acabar-se-a aqur,
vinham os índios ladrando de traz ás frechadas: porque todos os mais pedem pazes, e na verdade
metteu-se Vasco Rodrigues que levava a deanteira mostram-se sem culpa e submettem-se á obediencia ».
em cilada no matto e deixou-os passar, e como os Vê-se por estas ultimas phrases que, qua_n~o
teve deante deu nelles e mataram um só os christãos, Nobrega escrevia esta carta em 1559, a expedrçao
porque todos se acolheram ao mar, com os quaes ainda não estava acabadó..
se lançaram tambem os nossos índios da Bahia que
o governador levou e foram nadando uma grande 201) Duas Cartas regias.- Damos aqu! duas
legua e lá tiveram uma forte batalha; mas os nossos, cartas regias, cuja data ignoramos. A~bas sao da
ajudando-os o favor divino, sendo já alguns delles
christãos, mostraram muito esforço e mataram lá Rainha Regente; uma para ~en ~e Sa, outra par~
alguns e outros trouxeram mal feridos, que na rraia a Camara da Bahia. A primerra drz: « Men de Sa,
acabaram de matar. » amigo: Eu a Rainha, etc.- Por O. Duart~ da Costa
,\ Outras vezes foram a outras partes e nãc1 acha- recebi vossas cartas pelas quaes me davers conta da
ram já índios, que todos se afastaram longe. De maneira em que m~ fi caveis servindo !'es~as terr~s;
todas estas vezes foi o governador em pessoa, e e depois recebi as vossas cartas do pnmerro de JU-
todos se espantam de seu animo e forças, porque nho e dez de setembro; e por ellas soube como a
elle mostrou sentir menos o caminho, sendo elle de capitania de Vasco f~rna~:des C_outinho ficava muito
muitas subidas e muitas aguas e mattos mui bravos ». pacifica, e o seu gentio tao. castrgado~ mortos tàn_tos,
e tão principaes que parecra que nao levantanam
« Depois veiu outra nova. e é que, parecendo
aos índios dos llhéos que o governador seria ido, tão cêdo a cabeça: e recebi muito contentamento
.. determinaram de vir ao salto e vieram ter a com estas boas novas; posto que das de Fernão de
uma roça de André Gavião, onde estavam oito ne- Sá, vosso filho, acabar nesta guerra me desapprouve
gros de Guiné, doeiltes e tristes, e foi mandado muito. Mas sendo tanto em seu Jogar e em cousa
Vasco Rodrigues com a gente a fazer-lhes cilada e de tamanh~ meu serviço, não ha ahi que_ fazer-se
puzeram-se em quatro partes, para não poderem sinão dar-se a Nosso Senhor por tudo mllltos lou-
escapar por nenhuma, e entraram na cilada sessenta vores, como vejo que fazeis, o que vos agradeço
negros (índios) valentes, homens e mancebos, e to- muito. » . •
« E quanto á determi~~ção em que frcavers de
dos foram tomados, sem nenhum escapar; os qua- irdes á capitania do Espmto Santo, eu t~nho P<?r
renta mataram ahi logo, os vinte trouxeram, os quaes certo que, quando vos parecesse meu servrço, teners
o governador tem para por elles haver algumas cuidado de o fazer, e de prover em tudo conforme
a confiança que de vós tenho. Em quanto ao que
270 MEN DE SÁ EPOCA If.-PRIMEIROS GOVERNADORES 271

toca aos francezes,. e_ ás infor'!lações que delles e do o façam, dizendo-lhes o grande contentamento que
que fazem me envtats, folguet de me avisardes de disso receberei, e quanto me desprazaria do con-
tudo tão particularmente. E porque por outra carta trario. E pois que, como digo, pela pressa com que
v~s e:::crevo o que ácerca disso hei por meu serviço estes navios partem, não houve Jogar de escrever
nao tenho nesta que vos dizer· sómente que tenho algumas cousas que quizera, por esta mesma razão
por _certo que assim mesmo m'e daes conta proce- não vae esta tão larga como tambem quizera; mas
derets conforme a importancia em cada um~ dellas · fal-o-ei nos primeiros navios. E entretanto vos en-
e. de mane_ira que _me haja em tudo por muito ser~ commendo muito que, do que toca a meu serviço
vtdo de vos, e asstm vos encommendo muito que nessas terras, tenhaes aquelle cuidado que eu confio
o façaes , e que tenhaes destas cousas o cuidado que de vós, e de sempre me escreverdes, como fazeis,
de vós espero ». o que vos parecer ».
« Os poderes que pedis, vos mando conforme
aos 9e que usava Thomé de Souza, por' provisões 202) Carta regia á Camarada Bahia.- «Ve-
de _fora , para. o que cumpre a bem da justiça ; e readores e procuradores da Cidade do Su.lvador. Eu a
asstt;J poderets conhecer dos aggravos que o ouvidor Rainha, etc. Ainda que seja tanto da vossa obrigação
f~z as parte~, posto que caiba em sua alçada; e as- favorecerdes e ajudardes aos padres da Companhia de
~tm das mats cousas que apontaes não foi possível Jesus, que nessas terras estão, e andam na obra da
tr~n:-vos nestes _navios; mas parece-me bem o que conversão dos gentios dellas, assim pelas obras em
dt~ets,_ e eu teret lembrança de se vos enviarem nos que se empregam, como por suas muitas virtudes, e
pnmetros ». pela consolação que essa cidade com tal Companhia
~< Por diversas vias soube do muito favor que deve receber, todavia, sendo essas partes tão remo-
davets aos padres d~ Companhia de Jesus, para o tas, pelo que por esse respeito póde haver nos mo-
q~e cumpre ao servtço de Nosso Senhor, e recebi radores dellas algum descuido, pareceu-me dever-vos
dtsso o contentamento que é razão e requer o intento escrever sobre isso, e encommendar, como encom -
que se teve no descobrimento dessas terras; que é mendo muito, que queiraes haver por muito encom-
ser No~so Senhor nellas tão servido e seu nome tão mendado aos ditos padres, e os favoreçaes em tudo
conhectdo e louvado como por tantas razões o deve que para a conversão dos gentios e mais obras es-
s~r. E porque o meio disto se conseauir é o dos pirituaes fôr necessario; e que aos gentios que se fi·
dttos padres, que são tão virtuosos c;mo sabeis e zerem christãos trateis bem ; e n-ão os avexeis; nem
que com todas as suas forças tanto procuram se;vir lhes torneis suas terras; porque, além disto assim ser
a N~sso Sen~or, vos encommendo muito que tenhaes razão e justiça, receberei muito contentamento em
parbcular c~tdado, como sei que tendes, de os fa- assim fazerdes, pelo exemplo que os outros gentios
vorecer e aJ_udar no que vos requererem e virdes receberão. Agradecer-vos-ei muito terdes destas cou-
ser necessano. » sas muita lembrança e em effectuardes como confio;
« Er:t quanto á c~rta que vi que vos parecia porque do contrario não poderá deixar de me des-
que d_evta de escrever á Camara do Salvador, para prazer muíto •.
que _aJudasse e ~avorecesse os ditos padres na con- Em resumo: esta carta além de recommendar os
ve~sao dos gentios, vos envio com esta agradecer-vos jesuítas, prohibe vexar os índios christãos e de lhes
e Juntamente dares-lha, e trabalhardes para que assim tirar suas terras.
EPOCA U.-PRIM EIROS GOVERN ADORES 273
272 ME DE S.\

203) Vae Men de Sá ao Rio de Janeir o requeria Vasco Fernandes Coutinho por suas cartas
1560. - Informada a metropole do estabeleciment~ ao governador. Depois de tomado sobre isto conse-
dos francezes no Rio de Janeiro, ordenou a O. Duarte lho, a acceitou, dando esperanças de que de tornada
da Costa reconhecesse as fortificações daquelles in- a fortaleceria e favoreceria no que pudesse ...
trusos, e em conseq~~ncia da _parte que mandou, de- • Dalli nos partimos ao Rio de Janeiro, e assen-
ra!n-se a Men de Sa mstrucçoes para expulsar o ini- tou-se no conselho que dariam de subito no Rio de
mtgo. «Mas ql!ando este se dispunha a executai-as noite, para tomarem os francezes desapercebidos; e .
appareceram, dtz _S~uthey, hom_ens assás imbecis par~ mandou o governador a um que sabia bem aquelle
levantarem opp_ostçao; pretendtam que era mais pru- Rio, que fosse adeante guiando a armada, e que an ·
dente soffrer amda algum tempo mais a aggressão, corassem perto donde pudessem os bateis deitar gente
do que aventurar uma derrota, que era de recear- em terra, a qual havia de ir por certo Jogar; mas
se_ . Ante a energia de Nobrega teve de ceder a ti- isto aconteceu de outra maneira do que se ordenára
mtdez destes conselhos j)usillanimes ». porque esta guia, ou por não saber ou por não que-
rer, fez ancorar a armada tão longe do porto que
Ouçamos_ COf!JO Nobrega, que esteve presente, não puderam os bateis chegar sinão de dia, com an-
contou esta htstona em 1560 ao cardeal O. Henrique. darem muita parte da noite, e foi logo vista e sen-
•?end..o o governador_ de muitos requerido que fosse tida a armada. »
vmga. a morte do btspo e dos que com elle iam No mesmo dia que chegámos, se tomou uma
por ?er. um grande opprobrio dos christãos, ser caus~ nau que estava no Rio para carregar de brasil: a
dos tn~tOS ganharem muita soberba, porque morre- gente della fugiu para terra e recolheu-se na forta-
ram allt mUtta gente e muito principal, elle se fazia leza: tomou-se conselho no que se faria, e vendo
prestes apparelh~ndo muitos índios da Bahia; mas todos a fortaleza do sitio em que estavam os fran-
1~to estorvou a vmda da ~rmada que veiu C). com a cezes. e que tinham comsigo os indios da terra, te-
vmd_a da qual se determmou de ir livrar o Rio de meram de a combaterem, e mandaram pedir ajuda
Janetro do poder dos francezes, todos Iutheranos >>. de gente a S. Vicente , mas os de S. Vicente sabendo
, «E partiu. visi_t~ndo algumas capitanias da costa primeiro da vinda do governador ao Rio, já vinham
ate chegar ao Espmto Santo, capitania de Vasco Fer- por caminho, e como chegaram determinou-se o go-
nandes Coutinh~, onde achou uma pouca de gente vernador de os combater; mas toda a sua gente lho
em grande pengo . de serem comidos dos índios e contradizia, porque tinham já bem espiado tudo, e pa-
tomados dos francezes, os quae? todos pediram que, recia-lhes cousa impossível entrar-se cousa tão forte,
ou tomasse a terra por El- Ret ou os levasse dali i e sobre isto lh e fizeram muitos desacatamentos e de-
por não poderem já mais sustentarem, e o mesm~ sobediencias. »
«Mas eu sobre isto tudo, a maior difficuldade
(') Esta armada, á cuja fren te ~stava, como capitão-m ór Bar-
110 JO que lhe achava era ver aos capitães da armada tão
thoiomen de Vasconce llos da .<?unha~ chegou á Bahia
de
pouco unidos com o governa dor e ver tão pouca
dia
e
no ,embro de 1559. Men de Sa part1u n x6 de janeiro de 1559,
~hegou ao R10 a 2 1 de fevereiro . Carta de Men de Sá ao rei ,
de obediencia em muitos, toda aquella viagem em que
S. V1cente a x6 de junho de 1560. Acha-se em muitas obras
par- me achei presente; e isto nasceu de se dizer publi-
llcnlanne nte nas Mem. Hist. do Ri o de J nn. de Piza rro I (;8:.<o) camente e saberem que o governador estava mal acre-
Pp. 12/15; no i\nn do Rio de Silva Lisboa ,[(I 834),pp. Ir7/xzoi ditado no reino com vossa alteza, e que se haviam
R ev. XX I {1858), pp. I J 1r 4 .
18
I
274 EPOCA II.-PR IMEI ROS GOVE RNAD ORES
MEN DE s,\ 275
!ádado capít
Infor mara m láulos delle or
mal a v6ssa A~~soas que com patxã .
« A qual (a fortaleza) se destr uiu o
que della se ;i
o podia derru bar, por não ter o gove rnado r gente
pouc a razão, porqu e as mais Jza, e parec e que para
com logo povo ar e fortificar como convi nha. Esta
vam pela mão como tercei r gente
as causa s me passa- ficou entre os índio s, e esper am gente e socco
reme diar e por isso 0 que rro de
era França, maio rmen te que dizem que por EI-Re
dizer q~e tinha •. guem quer se lhe nellas para as
França o mand ar, estav am al li por desco brire i de
f 1a mtmi gos no reino atrev ia , e por I
avore cesse m sua causa o qu Ih r. e p~:>Ucos.
qut> metaes que houv esse na terra; assim ha muito m os
dade de bem gove rnar; s fran- '
e e 11 ou mUlto cezes es·palhados por diver sas partes, para melh
as grand ezas de Noss o. S~a~ agora ouça vossaa IIbei busca rem . . . Depo is de toma da a fortaleza or
A Alteza

. . n or•.
pnme ira me parec e que foi d . N S gove rnado r em uma aldêa de índio s, e mato u deu o
ao gove rnado r para saber ff muito s
ai . . graça e não poud e fazer mais, porqu e tinha neces sidad
denci a para em tal t so rer tudo, e dar-l he pru- e de
conce rtar os navio s que das bomb ardas ficara
todos tão contr arias eápo saber trazer as vonta m mal
des de aviados, e faze\-os prest es para se torna rem,
aq~illo que etle entendias~aNa so?~es~en~erem co~ veiu fazer a esta capit ania de S. Vicen te . .. »
o que
assim que a uns por ver h. . e mspir ava; e fot
lhe parec eu bem de cot~~ tf' a outro s por vonta chegue t e alguns escrav os; depois entrara m
gund a mara vilha de N S f .e erem a f~rtaleza. de, e outros que andava m em terra e havia muito
mais de 40 dos da nau
A se- mais de mil homen s
da dois dias, não se ·p~d 01dque, depo is ~e comb
I
dos do gentio da terra, tudo gente escolh ida
e tão bons esping ar-
os nosso s polvo ra mais en o entrar. e nao tendoati- deiros como os trance zes; e nós seriam os
e I 40 do gentio, os mais de~armaclos e
1 20 homen s portug uezes

ras para atirar . e , tratand~ue a. 9ue tmha m nas corn pouca vontad e de
pelejar : a armad a trazia 18 s•> ld aclos moços que
recol her aos ~avias e co -se Ja co~o se poder - cama nunca viram pelejar ».

l
O govern ador escrev eu a El-Rei logo depois
iam da conqui sta, como
artilharia, que havia m ost~o pode nam recol dtz em outra. carta tamhem escript a do Rio
de J aneir o a 31 de
na fortaleza estav am pass em terra, saben doher a
março (e não 30 como se lê em Porto
Seguro Jfist ., pg. 294),
que ainda ineclita e da qual possue copia a Bib.
Nac. A carta em qu~
80
de peleja, e mais de ~ f~~~~ de sesse nta f~~nc
tos dos nosso s dez ou do \os que eram Ja
ezes
mor-
dá conta da victori a, provav elment e com
porque foi escript a sob a impres são da Inela,
todos os porme nores,
deve ser muito interes-
l
ze 10~ens com bomb ar-
d.as e espin garda s m sante, mas, infeliz mente, não se sabe onde
pára. Nesta carta conta
~~c~rdia, e deu tãb r~~~ou entao N. S. sua mise- lambem Men de Sá o que lhe aconte ceu na
g,terra que teve com
tndio s que com etle~ e te medo nos francezes o gentio do Paragu asst\, se~undo declar a.
Como se vê (pela narraç ão ele Jobreg a), os
e nos
fortaleza e fugir am tod~sa~af!l, q~e se aco)h eram
francez es não ca-
pitular am, como dizem o Viscon de de Porto
da Seguro (Hist. pg. 289)
o pode rem levar. (1) ... ~ ' eixan o que tmha m sem° e La Popoll iniere, segund o Gafare l (1/ist. dtt
Bdsil Fnmça is, pg . 313).
Entret anto Porto Seguro conhec ia e cita
as cartas de - robreg a e
1\Ien de Sá. Da carta deste que é a mesma I
que
e que vem como de 19 de junho, eviden te lapso se chama de officio
. ()1.) o'<\ I~'
ta c•t c1e ador
govern março acomm etteu Me d S •
escrev e: n e a os fra ncc zes, (car- velmen te conhec eu as ediçõe s rle Pizarro
typogr aphico , prova·
e Silva Lisboa , edtçõe s !
que, em vez de ao tempo que cheguei, trazem
e wdo' E naquel le dia entrám os
aquelle tlta e outro el . . á ilh
a, onde está a fortale za posta, deste grave erro typogr aph•co inferiu o
ao tempo que 11egociei;
nolle , até que N. S. foi ser~icl~a:eo~ sem descan assegn rar quP. Men de Sá diz que • negoci
illttstre histori ador para
e morte dos contra rio çar de dia nem ele ára > com os francez es,
e I entr armos dando esta palavr a entre aspas como aqui
n-o l ' c os nossos pouco s. e com muita VIClorh está. A edição de Bar-
.,. ocare tanto, pudera
annos q ue se não fez outra t 1
a ffirmar · V • ~~. esta v1ctori
.
a me
' boza Macha do é a que merece fé. porque
o chron ista clcclar ã que
a ossa Alteza que ha muitos a carta foi ·copia da do origina l existen te na
~ ~ mullo e li menos, a mim •~e en~re os chrlstã os; porque 2, maço 10 . A edição da J~ist. Seb
Torre do Tombo , gav . I
•cza tão forte no mundo li · . P rece que posto que . de Santos menos correc ta que
. av1a nella 7 fse não viu outra fort·•- a prtcetl ente, tambem traz c!leguei, e diz-se
4 rancez es ao tempo <tUC ' á margem que o msc.
I

,,
276 l\IEN DE SÁ EPOCA I!.-P RIM EIR OS GOV ERN
ADO RES 277
204) Me n d e Sá em S v · -- assaltos dos barb aros da serr a. Lem
o gov erna dor nesta ca os, entretanto, no
mud ar o collegio de
cente, bem com o a ab~ir au o para
t
it · · . tcen te. ----: Estando
tm~, aJudou ~s Jesuítas a
a v!lla de S. Vi-
tomo quar enta , part e 11, pg. 349 da
se tez a ped ido da Cam ara de S. And
Moreira e Joan nes Alves, officiaes
Rev., que tudo
ré. Pois Jorg e
mod a do que a xec ed uma estra da
da, men os incom- S. Paulo, e outr ora habi tant es da villa Cam ara de
nap iaca ba; envioL pelo e~\~
d~m em busca de ouro Br tétruma avez da se_rr! de Para- em uma carta á Rain ha Regente, em de S. André,
data de 20 de
SI derm os credito a Braz az Cub asexpedtç!lo, e man- maio de 1561, dizem o segu inte :
trezentas Jeguas sem fr Tubas, and e Lwz Martins. ., E assim man dou (Me n de Sá)
esse precioso metal em lc o, en~ontra aram estes umas S. André, ond e ante s estavamos, se que a villa de
Sup põe -se ter sido no m~~rar mats P,ertndo na volta
junto da casa de S. Pau lo que é dos passasse para
porque nós todos lhe pedimos por uma pad res de Jesus,
o de S Pau lo.
de Sá_ amostras deste ouro ~~a;a 1>~a.
pote JUntamente com ai Rem
para
5
etteu Men
a metro-
por ser loga r mais forte e mais defe petição, assim
seguro assim dos cont rario s (tam nsavel, e mai s
pareciam esmeraldas e tafumafs pedr oyos
Aff . as ver_des que nossos índios, com o por outr as mui ) com o dos
Irma o P Simão de V
vez ossem turm alm as a elle e a nós mov eram . . . Out rosy tas cous as que
conf
gera lme nte todo s. que a mudanascânc~llos e repe· tem Alteza a mud ação e trespação da villa irme Vos sa
que fez Men
para S. Paulo, realizada ça a ~tlla de S. And ré de Sá com todo s os mais capítulos
nador, se effectuou a peáYct~a docc~sta e libe rdad es que
de pôr os mor ado res em 1 ~ pelo gov er- lhe deu , dos qua es man dam os um
tras lado a Vos sa
os Jesw
oga r men os tasexpo
comstoo fim
aos Alteza• A "· mud ança . accr esce
nta Can dido Mendes, foi
levada a effeito em 1563 ou 64, qua
está
Nune snae Torre
a cópiadoque Tom bo
se a~h!aveta Aex tra. O Alma 1!ac Men de Sá foi defi nitiv ame nte app rova ndo o acto de
confo rm e a• e d rção da de Duar te do pelo don a-
Hist Seb' nost nn · do Rio ' msc. crt.
· em tudo tario , ou pelo rei, si a desp eito do
Porto Segu ro di z qu. >. ,f razem tamb em cheg uei lll, era aind a indi spen save l em taes jora l de D. João
pr' t u1a_ram em nume ro •de e74<Os rance ze casos a app ro-
se dunrra m mais de 40 d d ' e 1 s, sem agua nem ·polvo ra ca-
, os a gu~s escra vos;
d aos n uaes d , .
vação ou con sent ime nto real » .
an avam em terra. , Men dee um navr
quan do fala dos 74 franc ezes '~
Sá ? apr_esa o, e de-. outro se1.o1s
que
E' cous a sabi da com o fr. Gas par, liv.
I, n. 164,
porem , e basta nte claro , pois detu rpa verg onh osam ente esta hist
fortal e za, quan do chego u nos oria alte rand o a
dos da nau toma da {pel~
terra, e nos mois de mil genti os
galé ~~=~~~~e)pois
algun s escra vos que es tavam na
entra ram . mais de 4~
seu mod o o texto de Vasconcellos,
dido Mendes, que elle conhecia. Cop unic o, diz Can -
iare
a força yortu guez a e a sua auxil . ' e outro s que andav am em
~spr~gardeiros, dá ~o mesm o temp o o trec ho seguinte, em abo no do qual mos , todavia,
conse gumt e.
rar rasde rra, con .ront ando -as por de S. Pau lo :- << ÜS guay anaz es oriu cita o cartorio
ndo s de Pira ti-
de SáAnch ieta, que estav a em S v·
e Nobr ega com a nova d. ~cente quan do ninga, e mais índi os alli mor ador es,
de junho de I SÓO. '
ahi cheg aram Men
a vrcto na , diz na carta do prim eiro con corr end o port ugu ezes , e occu pan ven do que iam
« E quan do já nas naus n ras, desa mpa rara m S. Pau lo, e fôrado as suas ter-
em terra desfa llecia m já pelo ão havra
desam paran do a torre e reco~u>to
·
polvo ra e os que pelej avam duas aldêas, que nov ame nte edificar m situar-se em
trab~ lho, fugira m os franc ezes titulo de N.a S.a dos Pinheiros, e outr am, uma com o
barbaro~
em canôa s, de mane ira que é d eram a com a invo·
que lhes pôz o Senh or d -se as povo ações dos
e crer que mais fugir am com espan cação de S. Miguel. •
umpr e-nos aqui ' deo que com as forç h
to " Depois de algu ns ann os Jero nym
Valle C Cabr al, que edito u 1~ ~~~ofue
'
as uma nas,
esta nota é toda do
ou as carta ~rudito
s de Nobr ega. SF.
Ten ente de Lop o de Souza, don atar o Leitão, Loco-
io de S. Vicente,

'
EPOC A lJ.- PRl:\ IEIR OS GC)'ll': I-:NA
278 l\IEN DE S.\ DOI-:ES 279
conc 206) Ass alto con tra S . Pau lo , 1562
~os. 12
edeu -lhts terra s por uma
de outu bro de 1580 , - .
so sesmar_Ia lavrada entretanto os francezes , expu lsos da ilha
de
. -- No
mdw s dos Pinh eiro s seis I' na qual gnon, se tinh am acol hido á -terr a firm Ville gai-
cons igno u aos e, ond e em
gSem _chamada Carapicaiva egua s ~m odio dos port ugue zes açul avam os tamo
quad ro na para-
.. Mig uel em Um ra H-! e ou .ras
tanta s aos de prestavam util apoi o. Das serra s mole yos, e lhes
miseraveis indi os d?s~en~Je tqua si nada os mor ador es de Pira tinin ga ; e da stav am estes
porq ue injustam~nte os d en es dos natu poss uem os lhes ficavam ao alca nce de suas canô
costa, quan tos
das suas datas não ob t esfp ossa ram raes da terra as.
grenta visitação reco nhec iam os jesuítas Nest a san-
sesm~rias post~riores d~s aJ1~anserem conc da maio r parte
gança do céo; pois quan to agor a soHr a justa vin-
cond içao de não prej udic arem cos, . co~ edid as, as haviam mere cido os port ugue zes. Os iam , tudo o
tamo yos teria m
delles as terras que se d a expr essa sido amig os fieis, si estivessem segu
aos mdiO s nem sere m
Em t
ou ras pala vras avam dores de escr avos ; torn ára- os host is ros dos caça-
p~r _que os bran cos ro~ba~aer Jzer o nosso fr. Oas-
>.'
q d·. a injustiça, e
agora eram os mais trem endo s inim
d!r~Ito da força E' m e. que prev alec eu 0 quantos prisi onei ros faziam, fóra as
igos, com endo
SI Isto, poré m, fosse0 ·J~~ ~ccorna em mul here s que
que conh ecem as leis) da . t_hum ano, t~da a parte.
reservava m para conc ubin as.
diga m no os Não satisfeitos com a vin ganç a, . visa
JUS IÇa e da hum anid ade vam a des-
arraigar do paiz os port ugue zes. Reu
205) Vol nira
força que pude ram para atacai-os, e fora m estes a
- Reg ress ando ta Men d S
Men de Se, á par a a Bah ia xs6o . m mise rave l-
mente derr otad os. Aind a algu mas tribu
capi tania do Espirito S
treg ou a renu ncia u:n o, para
t o norte,
ond~ o _ouvi_dor lhe en.
11toc~u ~ s
vam nem raes , e os tupy s do sertã o eram se cons erva -
euro péus ; ao sere m, poré m, info rma dos allia dos dos
Fe~nan des Cou tinh o: o' ~a I capJ todos adap tara m com o prop ria a causa dess a derr ota,
gum te. Os mor ador e d q a. falletama , fizera Vasco
ceu no anno se- dos venc edor es.
«Um exer cito imm enso elas naçõ es conf eder adas
retir arem -se, pedi rams 'ao esam mad os,
e reso lvid os a se reun iu para inve stir S . Paul o, que
para . a coroa. Lim itou -se ~otvern~dor preh ende r; mas um índi o, que ante s
espe rava m sur-
ll'l!- mstr ume nto e a nom s e a avra que a toma sse tinh a sido ba-
chJOr de Azeredo ro o ear, para a r de tudo isto ptizado pelo s jesu ítas, dese rtou , e
veiu reve lar o
gove rnar , Bel- desígnio. Tod os os indí genas da vizin
gran de festa ( t) ~: cfcta~~ ~elo povo
. Rece~ido com diata men te se junt aram na cida de deba
hanç a imm e-
a metr opol e pela coloniza ã~ Sdalvado
r, InSistiu ~om
ixo
Affonso (Tebiriçá), que era o chefe naqu de Mar tim
mat: dou expl orar ? ellas partes.
V~~c~oR mt~nor
· ç . R10 de jane1ro · O irmã o e o sobr inho Jago anha ra (o
An~
tom o Dias Ado rno 0 Cão Bravo) lá
Anto nio Ribe iro. ~n . do sertã o, lhe anda vam entr e os conf eder ados .
odn gues Caldas, e um
S~guro, Braz Fr~gos~loeu,ocontr~ os barb aros de dos caci ques , e man dou reca do ao Era o Cão um
tio pedi ndo- lhe
diversas sesm arias no R ouvi dor gera Port o que não se expu zess e á ruín a, mas
aban dona sse os
re~ommendára a Rea en econca_vo, e, conf l; conc edeu port ugue zes, traze ndo quan to lhe perte
missões dos jesuitas."' te, cont muo u orm e lhe fiados vinh am na victo ria, que as velhncia . Tão con-
a prot eger as esqu ecid o seus algu idare s para o banq as não havi am
uete anth ro-
~-ioG~~n
~ ') Men de Sá checrou á
ia com elle. No"'breg~ B
fi~ol~a
I.
e":n 2§ t~ agost o . de 1560. c_l
poph•ago. •
Fora m os jesu itas que salv aram
. Pira tinin ga. De-
ca Ja'~
de SJiva Lisbo a VI a Jcente. VJde J\nna c do baixo dos esta ndar tes da Egre ja sah iram
P· IX, d1z errad amen te qu~ ' p.,.

1 2 a cam po os
6 . Fr. Vicen te , Iiv . I:[
0 gover nador chego u em junhc>.
280 MEN DE s.\ EPOCA li.- PRIMEIROS GOV ERNA DORES 281
seus d!scipulos, e batalhando . . ,
? parmzo ia ser sua partilha ..f . .na. mteir:=t fe de que mas, ao verem os habitas dos jesuítas, souberam os
Impeto. O Cão foi morto ' OI mvencivel o seu tamoyos que tinham deante de si os homens, cujas
~greja, em que as mulherei~~ n~o ~entava forçar uma vidas eram innocentes, e que, amigos de Deus, eram
tiO, Martim Affonso, portou-se aviam asylado. Seu os protectores dos índios. •
lor, e com uma ferocidade com o costumado va- • Esta, posto que linguagem dos jesuítas, é aqui
rebatera. Dois dos vencidos 1que a conversão não tambem a da verdade. Anchieta os arengou no seu
techumenos e chamavam c amavam que eram Cú proprio idioma; e apesar de todas as traições e per-
ql!e os protegessem mas fi?:
seus paes espirituaes, fídias que haviam soffrido. tanta era a confiança
destes selvagens no caracter da Companhia, que mui-
cnme não tinh a p~rdão es '. reslhpondendo que tal
a ambos.. ' miga ava·lhes o craneo tos subiram a bordo, escutaram o que se lhes pro-
• Não tard ou que est f punha, e levaram o navio a porto seguro. •
resse de uma dysenteria frae~ Jrçad~· gl!e~reiro mor- «No dia seguinte vieram os caciques de dois
~s cravos dos ortu ue ZI a a ~atim.n~a pelos aldêamentos a tratar com estes embaixadores ; man ·
J~suitas falam pdelleg co~s da~p~~oaçoes VI~mhas. Os
0 daram a S. Vicente doze ma"cebos como refens e
tidão, como de uem . s . evi C?S encomiOs e gra- levaram Nobrega e Anchieta para terra a um Jogar
déra terras, os aj~Idára ~~~~eiro ali! ?S rece~era, lhes chamado lperoyg, onde Coaquira. velho cacique, os
os salvára deste ultimo e a. s~a VIda, e fmalmente recebeu por hospedes. Alli edificaram uma egreja,
mais Instante perigo » (!). conforme puderam, coberta de folhas de palmeira, e
207) Armísticio de I era
todos os dias diziam missa. Com estas cerimonias
rante a guerra dos tam P , yg. 1563. - • Ou- infundiram veneração nos selvagens, e com os mys-
alto do pulpito e nas o;os preg~va Nobrega bem terios que prégavam, excitavam lhes admiração, e o
triumphava, porque daps~~as Prb~~cas qu~ o _inimigo respeito com a decencia e santidade da vida, e ca-
que Deus o ajudava O par e mha a JUStiça, pelo ptivaram-lhes o amor manifestando a todos uma boa
em despeito dos tratadoss l~tug~zes , di zia, tinham vontade, despida de interesse, de que todo o seu pro-
zando alguns e deixando os all? dso re elles, escravi- ceder no Brasil foi sempre testemunho ».
e esta vinga~ça era um a I.a os dev.o ra: os outros; ,, E' mais do que provavel que fosse esta embai-
Afinal elle e Anchieta castigo da. JUstiça divina. xada a salvação das colonias portuguezas. Disseram-
nador (2) 1 ' consultado pnmeiro o gover-
- lhes os hospedes que novo e mais tremendo ataque
' reso veram metter-se entre se preparava ; que duzentas canôas estavam promptas
sel~agens, na esperança de eff t as maos destes
mais perigosa embaixada e~ uarem pazes. De para assolar a costa, e que quantos frecheiros po-
gára. Francisco Adorno 7~~a nmguem se encarn'- voavam as margens do Parahyba se haviam colli-
homens ricos do Brasil '1 I a go genovez, um dos gado, jurando não depor as armas antes de se: terem,
prios navios A ' evou·os num de seus pro- destruída a capitania, tornado mais uma vez senho-
coalhou-se ~ m~~n~~ ~a~arco se appr?ximou da costa, res do paiz. Ainda era possível conjurar o perigo.
oas, que vmham atacai-o.1 Muitas das hordas confederadas ouviram com grande
(') Southcy, I, pag qO' Vide R desprazer que se tinham recebido propostas de paz,
O fact~ occo rreu a dez e .o n z~· d e j ulhoe~.e ~o 16;.r , pag . 54• e seg. e um cacique. por nome Aimbire, sahiu com dez
( ) A ge nte da republic·t d iz v
5
os cama rista,, ou o capitão - mÓ~. • asco nce ll os. H avia m de ser canôas a quebrar o tratado. Déra elle uma filha a
um francez, e além dessa alliança com os inimigos
282 :\IEN DE S .Í. 283
do~ portugu~ze.s tinha motivo ain?a mais forte para
odJal·o s; pois ]a1 uma vez lh es cah1ra nas mãos numa
peito se annuiss e a tão ímpia propost a fossem q~aes
fossem para elle e seu compan hetro as conseqt.:en-
caçada de escravo s; haviam -no posto a ferros, e cias da recusa »
arrastad o para bordo, mas elle acorren tado como _
«Entreta nto o filho do Orao Palmetr . p
a,, arana-
estava, atirára-s e á agua, e escapár a a nado. » uassú (o Grão Mar) , que estava ausente a cheg~da
«No _dia immedi ato á sua chegada . houve um<s âos jesuítas ouvira o ascende nte que estes lhe havtam
confere ncia, para resolver si se acceitar ia ou não a ganho sobr~ o pae, e deu-se pressa em recolhe r-se
paz offe_recida. Aimbire exigiu como prelimin ar, que á casa para matai-os, dizen.do que estav~ velh_o o
tres cactque s, que, separan do-se da confede ração ha- autor de seus dias, e por ~sso o poupan~. .Vtram
viam seguido a parcialida~e dos portugu ezes, fo~sem obrega e Anchiet a a canoa, que se apptoxtma~a ,
entregu es para se_rem c~m td os. Os jesuitas respon- nem tardaram a percebe r que se lhes fazta pontan !;
deram _que era tmposst vel annuir a esta exigencia. fugiram a bom fugir, enfiaram pela casa ~o qrao
Os cactque s ~m questão eram membro s da Egreja Palmeira, que infeli zme~t~ estava fóra. e allt d_e jOe-
de Deus e amtgos dos portugu ezes; o primeir o dever, lh os principi aram os offtctos da tarde do Santtsst mo
que os seus conterra neos guardav am era manter Sacrame nto, sendo o dia seguint e fes!a do Corpo de
illesa a fé promett ida, e a firmeza com 'que o fariam Deus. A' efficacia destas 01·aço~s, e a_ eloquen cta de
nesta conjunctu~a, ~evia ser aos olhos . dos tamoyo s Anchiet a attribui ram a salvaça.o; pots o selvage m
uma prova da fldehda de dos novos aliJados que iam redonda mente lhes disse que vtera a matal-.os, mas
ter; por quanto, si d'outra sorte procede ssem com que, vendo que casta de homens eram, destsbra do
f~ndamen~o se devia conclui r que quem quebrav a a
intento. •
fe aos amtgos, a não devia guardar aos inimigo s. A « Estavam havia dois mezes, em lperoyg , quan d o
resposta de Aimbire foi que, si os portugu ezes não
0
governo pro~incial de S. Vicente os m_andou chamar
entrega vam estes homens que lhe haviam morto e para confere nciar com e\les antes de se_ aJ~tstare_m pazes
devorad o tantos dos seus amigos, não haveria pazes, finaes com os tamoyo s: mas, estes nao JUigat am pru-
e con:o falava em nome de grande parte das hordas dente deixar ir ambos os retens, e concord ou-se que
do Rto de janeiro, parecia termina da a confere ncia. • ficaria Anchieta. A contine ncia destes padres, quan~o
• Mas, tomand o-o pela mão, o velho Pindob ussú segundo o costum e se lhes offereci am mulhere s, mUlto
(o _Grão Palmeira), regulo da aldêa em que se re- maravil hára os seus hosped~s, que pergunt aram a
umra ~ assemb léa,_ ~ usa!ldo da autorid ade que lhe Nobreg a como era que parecta qborrec er o que to-
confena a_ edade, tmpedtu -o de comme tter qualque r dos os homens ardente mente desejav am. Tirou ell~ de
~cto de vt~lencia a que parecia inclinar -se. Nobreg a sob 0 habito umas discipli nas. e, n:ostrando-~s •. d~~se
Julgou mats prudent e procras tinar; concord ou em que atormen tando a carne, a mantinh a em su]etça~ .."
que se levasse a exigenc ia ao conheci mento do ao- ' « Nobreg a estava já velho e alquebrado~? .conti-
vernado r de S. Vicente, ~ Aimbir e quiz ir a ap're- nuo trabalh o; mas Anchiet a, na flor da v~nltdade,
sental-a em pessoa; era mtenção sua não conseau in- vendo-s e assim deixado só e sem ~m bordao ,a q~te
do o seu fim immedi ato, promov er 'uma disp~ta e arrimar- se, si lhe escorreg asse o pe, fez _voto a Vtr-
romper as .negociações. Nobreg a pela sua parte 'ti- gem de compor -lhe um poen:a sobre a vtda della na
nha necesstd ade de dar conta do que havia sabido esperan ça de manter a propn~ pureza, tendo o pen-
e o seu pedido ao governo foi que por nenhum res~ samento sempre fixo na mats pura das mulhere s.
2
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84___ ___ __r-_r_E_:__x DE s.\ EPOCA Il.-PR UIEIR OS GOVER NADOR ES 285
Não era ligeiro commettimento cantar os canticos de dreiro e a allegação que lhe salvou a vida, foi edi-
Sião em terra extranha; papel não o tinha. faltavam- ficar ~lle as casas dos pagés chr.istãos, e d,o seu De~s
lhe pennas, tinta não a havia; assim passeiando pela que por isso o protegeria. Anc~tet~ ganhara as aff~t­
praia ia fazendo os seus versos, e escrevendo-os na ções daquelles, com quem, havta já tanto, convtvta,
areia, e dia por dia os entregava á memoria » . porquanto curava-lhes as doenç~s tat:to com a lan-
A' sua chegada a S. Vicente achou Nobrega a ceta como com o não menos efflcaz mstrur:tento da
fortaleza levada de assalto, o capitão morto. e todct fé. Seu nunca desmentido zelo pela salva~ao des.tas
a sua família raptada pelos selvagPns. Um dos jesuí- almas tambem não podia deixar de infun~tr resp.elto.
tas obteve dos naturaes (1) o nome de Abaré Bebê Nascera uma creança disforme e a mãe t_mmedtata-
(o Padre Voador), pela rapidez com que corria de um mente a enterrára. Anchieta correra ~ abnr o sepul-
Jogar a outro, quando o seu dever o chamava. No- chro e a aspergi! a antes que estivesse morta de
brega não merecia menos egual appellido. Não des-
cançou emquanto não levou os deputados dos tamoyos todo •.
«Afinal tornou a apparecer esse mesmo _tamoyo,
a ltanhaem, e alli os reconciliou com os indígenas que se dizia ter sido assassinado_ por Dom~ngos; e
reduzidos ; depois a Piratininga, onde da mesma sorte a origem de um boato que em ta? grave ns~o ru-
teve Jogar uma solemne reconciliação na egreja, es- zera 0 missionario, soube-se ter stdo o havet o. m-
tabel ecendo a paz entre todas as differentes hordas dio fugido para os bosques com medo do mestiço.
d'aqulle circuito. Foi isso obra de tres mezes, durante Pouco depois ultimaram-se os termo~ da paz, e .An-
os quaes não correu Anchieta poucos perigos entre chieta deixou Iperoyg, aj)OZ ~ma restdencta d~ cmco
os selvagens •. mezes. O primeiro lazer dedtcou-o ao cump nmen to
, os índios, que tinham ido com Nobrega a S. do seu voto, escrevendo o I?oema ~ue compu~era
Vicente voltaram de improviso, desc.antentes e teme- na areia e que em mais de cmco mtl yersos _lah_n<?s
rosos; tinha-lhes dito um escravo que se lhes ma- abrange' toda a histeria da Virgem ». Ets o pnnctpto
chinava a morte . e dando inteiro credito á falsa no-
ticia, haviam fugido; n'esta crença os confirmava desse poema: . .
diziam, o ter, um dos companheiros de Aimbire sid~ En tibi qu<.e vovi, Mater S3:ncttsstma, quondam
assassinado por um tal Domingos Braga. Ouvid~ isto Carmina cum s<.evo cmgerer hoste latus;
concluiu a gente do Rio de Janeiro que o trat~d~ Dum mea ta~uyas pr<.esentia t~m_perat. hastes,
esta\'a quebrado, como desejava, e voltou ás suas Tractoque tranquilluf!I pacts mermts opus.
proprias aldêas. Teriam levado Anchieta, si o Grão Hic tua materno me gratta fovtt amore ; .
Palmeira o não protegesse. Outra partida só se abs- Te corpus tutum mensque regente fUit.
teve de mata i-o, pelo reputar conjurador. argumento «Não é, diz o protestante So_ut~ey, este _poema
que o Grão Palmeira fez valer com feliz resultado. destituído d'alguns fu l gor~s de patxao e poesta, em-
reforçando -o com toda a sua autoridade e uma bora louve e implore a V1rgem por todo o A. B. C. »
ameaça de vingança. • '
. «Achava-se com elle um certo Antonio Dias que 208) Peste na Bahi a ,- A' sombra da protec-
vtera resgatar a mulher e os filhos; succedeu ser pe- ção do governador tinham, no entret~nto, progre-
dido de um modo admiravel os aldeamentos dos
1
Foi no padre L eonardo '\-unes que Lléram esse appellid
( )
o. jesuítas na Bahia.
286 i\IEN DE S.Í. EPOC A II.-PRlMElROS GO\"ERNADORES 287
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Eram não menos de onze, alguns dos quaes outros alugavam-se para servir. todél: a vida o~ parte
contavam de cinco a seis mil neophytos com esco- della; outros vendiam os propnos f1~ho~ que tinham
las, em cada _um, frequentadas por trezentos a qua- gerado; outros, os que _não g.eraram fmgmdo-os seus;
trocentos memnos. A não ser a falta de missionarios e 0 peior é que sem mterv1r contracto algum. com
maior seria o n~mer? das aldêas, e o dos discípulo~ títulos sórnente suppostos, eram _muitos Asenhoreados
nas_ e~colas; pots _Y!nham os barbaros de Jogare ~ dos portuguezes, ficando destru1das _aldeas numero-
mUI distantes, ambiciOnando todos com enthusiasmo sas que com suores de tantos annos tmha_m os padr_es
a h_onra de serem aldêados, e instruidos na religião recolhido, reduzindo os barbaros ao grem1o da EgreJa.
chnstan. Er~m, essas a_ldêas, grandes povoados, em E' triste referir esta crueldade dos colonos,
q~1e se reumam os se_Jvtcolas de diversos sítios; ha- mas o facto é certo. Já vimos, e muitas vezes have-
bt~avar!! nellas, por ~~~ de regra, dois padres, um ir- mos de ver nesta histeria como os portuguezes pre-
mao letgo, e um me~nnho ~e. raça indígena, o qual tendiam ter direito ás terras, ao trabalho, á libe!dade
representava a autondade Civil. Na occasião de al- e até á vida dos indios, unicamente pela razao de
guma festa administravam-se com muita solemnida- precisarem de lias. Mas que comparação. entre a ne·
de os sacramentos do baptismo e do matrimonio a cessidade dos colonos e a dos mdtgen~s. neste
200, 300 e mais neophytos. Concorriam a est~ s so- transe terrível da fome? Elles, entretanto, dtztam ao
Iemnidades o bispo, o governador, o ouvidor e desditoso selvagem : Ou dá a tua liberdade e!n tro~
grande .n:'mero de yovo da capital. O bispo D. 'Pe- ca de um punhado de farinha, Olf mqrre sem ptedade.
dro Lettao, confenu uma vez o baptismo na aldêa E estes eram christãos? Pa;-ece mcnvel!
do Espir~to Santo, hoje Abrantes, a 347 pessoas em Nem, para comprehender a crueldade deste pro-
um so dt_a, e outra vez na aldêa de S. Cru~:, na ilha cedimento, é necessario recorrer ao sobrenatural;
de ltapanca, a 530, celebrando no dia seguinte se- basta a simples luz da razão, p~rque, segundo a boa
tenta matrimonios na lei de graça. philosophia, na extrema !1e~ess1dade tudo se torn~
Tal era o estado florescente dessas missões commum, visto como o dtretto que o homem te~ a
quando_ veiu assolai-as a praga da varíola que du- vida é superior ao direito de que gosa o propne-
rou dots annos, e fez numerosas victimas. Muito tari~. Por isto é que até Francisco Solano Constan-
peior foi a peste que sobreveiu em 1563 tirando a cio escreveu ( 1) o seguinte: .«O.s colon?s portugue-
vida _a dois terços dos índios. Seguiu (64), uma cor- zes, menos expostos que os mdtg~na~, tivera'? a ~ar­
rupçao_ g:er_al da at~osphera, em que parecia haver baridade de se aproveitar da m1sena dos mfellzes
um p_nnctpto destruidor, tanto da vida animal como indios, que a troco de algum mantimento,. par~ sal-
da vida vegetal. Causou esta corrupção segunda var a vida, chegaram a vender seus propnos ftlhos ,
mortandade, uma fome tremenda, e a fuga de um e até a si proprios se venderam como escravos a.os
g~ande numero de selvagens para o interior. Sete ou desapiedados colonos! Em vão . clamaram os Je-
oito aldêamentos se extinguiram. Nem os males aca- suítas no pulpito contra tal proce~Imen.t<_), que, aleJ?
bavam com os que morriam· porque os vivos das de atroz era em summo grau llnpol!tlco, e dev!a
aldêas vizinhas á cid~de, levados do aperto, chega- arraigar' no coração dos indígenas rancoroso odto
vam a ye nd~r-se a s1. mesmos por alguma comida. ao nome portuguez ».
Houve tal, dtz C! P. S11não de Vasconcellos, que en-
tregou a sua liberdade por uma cuya de farinha; ('} IIi st. do Bras, ! , pag. I)? , edição de l'ariz de 1839 .
283 MEN DEs:\ EPOCA ll.-PR IMEIR OS GOVERNA DORE S 289
E' inutil dissim ular, encob rir, tergiv ersar. E' me- veitár am aos oppri mido s; os possu idores aj_unta ram
lhor confessar franca mente que este facto e outro
s 0 perjur io aos o~;ttros crif!les, e, quand o reg1straval!l
da mesm a espec ie consti tuem uma pagin a negra um escravo, faz1am-no JUrar o que lhes apraz
e ra
v_ergonhosa da histor ia da nossa patria, aliás tão glo- dictar ».
nosa! • Passa da a fome voltar am muito s dos conve rsos
aos aldêa mento s dos 'jesuítas, e os que não puder am
209) Duvi das e diffic uldad es.- Susci tando achar as mulhe res, bem queri am ~ornar _out:as; mas,
se escru pulos a respei to destas comp ras, recorr eu-se- como não era facil de averi guar sr as pnme 1ras eram
ao Tribu nal da Mesa da Consc iencia , da qual veiu fallecidas, não se lhes permi ttiu torna rem a cas~r,
a resolu ção segui n te :-• Que o pae podia em direit sinão apoz consi derav el lapso de ten:P ? · E~ta crr-
o
vende r ao filho em caso de aperta da neces sidad cumst ancia os desgo stou, pondo os mrssw nanos em
e que qualq uer se podia vende r a si mesm o para e;
grand e embaraço ~' .
gosar do preço. » Infeli zmente, porém , a quest ão era
outra, a saber : si em caso de extrem a neces sidad 210) P este na capit ania de S . Vice nte. -
e
como esta fosse ou não fosse licito comp rar escra- Pelos fins de 1563 grass ou uma terrível doenç a _tam-
vos deste modo . bem na capita nia de S. Vicente. Era un:a espec1e
«O gover nador , diz South ey, o bispo, o ouvid or de
varíola de qualid ade muito brava . Cobn a-se o corpo
geral, e Luiz da Oran, agora unico Provi ncial (No- inteiro de uma lepra que sem demor~ atacav a
brega por sua edade e enferm idade s tinha sido dis- a
garga nta e a língu a. Em outros_ apodr ecia o ~orpo,
pensa do deste cargo), reunir am-se ao chega r esta e cahia aos pedaç os, lança ndo mtole ra'Jel . che1ro,
resposta, e public aram- na para tranqu illizar esses con- e
scienciosos traficantes de escrav os . . Levantou-se creand o gusan os. O que era ataca~o, f!10rna ~m. tres
, ou quatr o dias. Curav am-na os Jesmtas pnncr pal-
porém , outra diffic uldad e: muito s destes escrav mente com sangr ias e tambe m cortan do toda a carne
os ,
não tinh am sido vendi dos, nem por elles, nem por
e depoi s lavan do o corpo com agua quen~e: Como
seus paes, pelo que não era possível comp rehen
- fossem nume rosos os que com ~stas m~d1c1_nas re-
del -os na sente nça; mas os donos tambe m não que-
riam abrir mão delles . Deixa i-os ir reunir em-se cuper avam a, sau~e , ~odos recor nam aos Jesmt~s, nos
ás quaes não ~o os mdws ruas os portu gueze s tmham
horda s não cathechizadas, pareceu perigo so, e um
santo escru pulo se suscit ou sobre a proba bilida de medicos, botica rios e e~fermeiros (1) .
de elles aposta tarem , si os punha m em liberd ade.
O result ado foi um comp romis so entre a consc ien- 211) Expu lsão dos franc ezes do Rio d~
cia e a velha caria: disse-se a estes escrav os que eram Jane iro, 1564- 67 .- o. fact<;> de ter_ Men_ de
Sa
aband on ado a ilha de Villeg argno n , n~o fo1 appro
effectivamente livres, mas que devia m, emqu anto -
vivos, servir os seus possu idores , receb endo solda vado pela metropo~e,_ que, logo depo1~ de recebe
- a notici a do arm1sbc1o de Ipero yg, envw u ao Bras__r
das annua es ; e, si fugissem, seriam perse guido s, re- ll
condu zidos á cidade, castig ados, e multa dos com Estacio de Sá, sobrin ho d~ gover nador , co m do1s
perda do salario de um anno ; os senho res, por ou-a galeões, e com ordem ao bo de lhe presta r o me-
tro lado, não os havia m de vende r, doar, trocar, nem
(') Vid e a carta do P. Anchi e ta de 8 de janei ro
levar para fóra do Brasil. Estas medid as nada apro· Annn.es da B ibl. Nac., V o l. Il, pg. 120 - 1 23 .
de I 565 nos

19
290 MEN DE S,Í..
EPOCA IT.- PRIMEIROS GOVERNAD O RES 291
lhor apoio que lhe fosse possível. forneceu de bom neiro (1), e chegando ao Rio em principias de março,
grado Men de Sá ao seu sobrinho todas as forças desembarcaram perto do Pão de Assucar, onde co-
disponíveis, e lhe recommendou que tratasse de meçaram a fundação da nova cidade. Deram-lhe por
attFahir o inimigo ao mar alto; que em caso nenhum armas um mólho de frechas e por padroeiro S. Se-
rompesse a paz com os tamoyos, e procurasse guiar- bastião. Isto em honra do joven rei, e tambem por
se pelos conselhos de Nobrega. devoção ao santo sob cuja protecção se haviam
Chegando Estado de Sá ao Rio em fevereiro de posto.
1565, mandou recado a Nobrega que fosse quanto Este Jogar, que mais tarde se ficou chamando
antes ter com elle; soube de um prisioneiro que os Vil/a Velha, corresponde, segundo alguns, á actual
tamoyos tinham violado a paz, e que S. Vicente Praia Vermelha; outros, porém, opinam ser o ter-
estava egualmente em guerra com os barbaros En- reno comprehendido entre o Pão de Assucar e o
saiou algumas escaramuças ; reconhe.cendo, porém, morro da fortaleza de S. João. (2)
que não havia modo nem de aggredtr com vanta- Mal haviam feito alguma roça e se tinham for-
gem o inimigo, nem de attrahil-o ao mar, fez-se de tificado um pouco, quando repelliram com denod~
vela para S. Vicente. Obrigado por um temporal a um assalto dos tamoyos mettendo-os em fuga, e ti-
regressar, achou com sua maravilha ao P. Nobrega rando-lhes numerosas canôas. Logo soffreram os
em Guanabara, aonde tinha no dia precedente en- tamoyos segunda derrota, continuando dahi por dean-
trado com o mesmo vento sul. Era sabbado santo; te frouxamente de parte a parte as hostilidades. Havia
celebraram no dia seguinte a Paschoa na ilha de já um anno que durava esta situação indecisa, quan-
Villegaignon, e, apoz madura reflexão, assentaram do Nobreg a, indo ao campo, mandou Anchieta_ á
passar a S. Vicente em procura de reforços, embar- Bahia para que lá recebesse as ordens sacras, e 111-
cações apropriadas e provisões. Souberam em San- formasse o governador de que nada se podia obter
tos que os tamoyos de Iperoyg se conservavam fieis; com forças tão diminutas. Era, por conseguinte, mister
muitos delles tinham marchado em apoio dos por- ou mandar reforços adequados, ou desistir da em-
tuguezes, e Cunhanbebe, que votava amizade espe- presa.
cial a Anchieta, se postára com todo o seu povo na Tendo neste ínterim chegado mais algumas tro-
fronteira dos tupys em defesa dos amigos. pas da meiropole, fez Men de Sá quanto poude para
Os colonos, todavia, oppunham difficuldades, e levantar todos os soccorros possíveis, e á testa delles
o capitão-mór vacil:ava; Nobrega, porém, de~i~iu a se apresentou em Guanabara no dia 19 de janeiro
este, e ganhou aquelles, levando-os a Ptratmmga, de 1567. Na vespera de S. Sebastião, diz Anchieta.
animando -os com suas palavras e percorrendo todas
as povoações. Alistaram-se mestiços e índios; appa- (') Estn. ~ a da ta co mmum; An chi et'l., poré m. co nta que alguns
relharam-se canôas; apromptaram-se petrechüs e pro- po r tiram no d ia 17 outros no d ia 22 . R efe re la m be m Anchi e ta que,
chega nd o ao R to e m p rin ci pi o de tna rço, logo E staci o d e Sá fiz
visões. Em principias de 1565 já estava de verga alta anas de 1/J. tdeir a e drca, onde u ncolhttt com pmie da gente. Pod e-se ,
a armada, composta de seis naus, de varias embar- pn rt a nto, dat a r a fund ação da c ida rle do Ri o de J a net ro elo prin-
cações miudas, e de nove canôas de indios e ma- cipio el e março de 15 65. Vid e Re". d e 184r, pa g. 248 - 258.
melucos, com os quaes .Nobrega mandou Anchi~ta (') Pa rece hoje c erto ler si d o · no te rre no da fo rtaleza d e S.
J oão, co nfo rm e se acha m nito Le rn de mo nstrari a na R e vi sta Brasi -
e outro jesuita. fizeram-se de vela no dia 20 de Ja· leira pelo sr. J aym '! R eis, a nn o I li, tomo X, fascí cul o 39, primeiro
de j unho de 189 7, pg . 296-31 6.
E POCA lf.-PRlM EIROS GOV E RNADORES 293
292 MEN DE sA
«]ámais guerra, diz Southey, em que tão peque-
Acompanhava-o D. Pedro Leitão, nosso segundo bispo nos esforços se fizessem, e tão poucas forças se em-
qu~ em. uma empresa tão arriscada, diz Rocha Pitta: pregassem de parte a parte, foi tão fertil de impor-
qUJz ammar o.s sol~a.do.s com a sua presença. Resol- tantes consequencias . . Tivesse sido Men de Sá me-
v~ram aggr~dtr. o tntmtgo logo no dia seguinte. Diri- nos energico no cumprimento de . seus dever~s, o.u
gtram o pnmet~o assalto contra Uruçumirim, forte Nobrega menos incançavel, esta ctdade, que e hoje
dos fra!lcezes, sttu~do no Jogar em que está hoje a capital do Brasi l, seria franceza agora. •
a Olorta do Outetro. Tomaram-no á escala vista. Ne- Os francezes, que escaparam , fizeram-se de vela
nhum dos ta~oyos e~capou. Dos francezes, dois pere- para Pernambuco com os quatro navios que tinham
ceram na peleja; e cmco, sendo presos morreram no porto, e tentaram estabelecer-se no Recife. donde
enforcados ou a fio de espada. ' os rechassou o commandante de Olinda. Um delles,
A:rançaram depois de alguns dias os vencedores ao retirar-se, talhou em uma rocha estas palavras: -
para a tlha ~h~mada pelos índios Paranapecú (paraná, Le monde va de pis eli pis ( 1) : vão as co usas de mal
mar; apecu, lmgua de), e pelos nossos MaracaJ'á ou a peior.
do Gato, por9ue ~ella residia o chefe dos selvagens
Ma.racayas, tsto e, g atos bravos. Tiveram ahi de 212) Fundação da nova cidade, 1567.-
abnr em brecha fortificações muito solidas e com- Logo depois da victoria final, tratou o governador
bater duran~e tres dias, no fim dos quaes 'os fran- de transferir a nova cidade para o Morro de S. Ja-
cezes se r~ttraram, e os indios pediram a paz que nuario hoje do Castello, tomando o alcaide-mór posse
Men de Sa lhes concedeu, com a condição de se com t~das as formalidades do estylo. «Principiou
declarare'!! subdit.os do rei. (1) tambem a fortificar os dois lados da barra. Todas
• A ctdad~, dtz Varnhagen, festejou por muito estas obras foram feitas pelos indios, debaixo da di-
t~mpo es.se tnumpho, com oito dias de luminarias. e recção dos jesuítas, sem que o Estado despendesse
amda hoje conserva. um octavario religioso, dando- um real. No meio da cidade se assig nou á Compa-
se dur~nte. os tres dtas 17, 18 e 19 de janeiro uma nhia terreno para um collegio dotado em nome ~o
salva as 01to horas da noite. » rei com bens sufficientes para sustentação de cm-
Um mez depois deste brilhante feito de armas coenta irmãos, dotação que bem haviam merecido,
morreu Estacio de Sá das consequencias de uma fre~ e que no anno seguinte foi confirmada em Lisboa. »
chada que leyou na refrega, sen~o enterrado no ran- Tal é a linguagem do protestante Southey; porém,
cho que servta de capella na Vtlla Velha. Passados o Sr. Varnhagen, que desfigura de um modo pro-
dez annos, transladaram seus ossos para uma egreja digioso toda esta historia da expulsã? d?s francezes ,
do actual ~orr? do Cast~llo, onde lhe puzeram uma queixa-se a cada momento que aos Jesurtas se dava
camp~. Esta hoje na egreja dos Capuchinhos. de mais, que adquiriam excessiva influencia, etc. Si
Em logar de Estacio, nomeou Men de Sá capi- os jesuitas ganhavam influencia, testifica a historia
tão ·mór da nova cidade a Salvador Corrêa de Sá seu que, á custa de immensos sacrificios, a empregaram
sobrin~o, primo do yrecedente, concedendo-Ih~ de toda em beneficio do paiz. Além disto, era tão pouco
sesmana metade. da tlha de Maracayá, que por isto o que recebiam do governo, que, admittindo as in-
passou a denommar-se Ilha do Governador.
1 Roc ha Pitta, ll, 63.
( )
(') Vide Ann aes da Bibli ot heca Nacio nal vo l. XX VII pg. :35
e seg . '
294 MEN DE SÁ EPOCA 1T.-PR1M EIROS GOVERNA DORES 295
formações dadas pelo illustre Visconde, apenas bas- soldados, e applicou as ~occ~s de fog~ p~ra a defesa
tava para viver com muita economi a e pobreza. da cidade. ,, Vêem-se hoJe, d1z o P. S1mao de Vas-
concellos, algumas das peças na fortaleza de S. Cruz
213) S . Louren ço e Cabo Frio.-0 famoso na barra ».
temininó Ararigbo ya. que havia combatid o duas vezes Sendo o rei D. Sebastiã o informad o destas faça-
contra os tamoyos t' os francezes do Rio de Janeiro. nhas de Martim Affonso Ararigbo ya, mandou- lhe
veiu agora com todo o seu povo estabelec er-se na alguns presentes, en_tre os quaes se notava um ves-
bahia de Guanaba ra, fixando a sua residenc ia ou tuario de seu propno uso.
aldêa na actual freguezia de S. Lourenç o em Ni- A Salvador Corrêa, passados cinco an_nos, succe-
theroy. Como, porém, os tamoyos nutrissem contra deu Christov am de Barros, filho ~e Anton1o Cardoso
elle odio mortal, pediram o apoio de quatro navios de Barros victima dos barbaros JUntamente com o
francezes que apparece ram neste tempo em Cabo Frio, bispo, D. 'Pedro Sardinha . Chegára com mandand o. a
e talvez fossem os mesmos que tinham pouco antes armada que ajudou a rechass~r _?S francezes ?o Rto
sahido do Recife. Entraram estes a barra sem oppo- de Janeiro e tendo voltado a corte, recebeu a 31 de
sição, visto como os fortes estavam ainda por acabar, outubro d~ l571 a patente de capit_ão e governa dor
e desprovi dos de artilharia. Dirigiram -se sem demora da cidade que ia surgindo_ na bah1a de Ouanabar~.
para S. Lourenço, donde os repelliu bravame nte Ara- Construi u as muralha s e dtvers~s torres_ da nova CI-
rigboya (Martim Affonso) mediante um pequeno soe- dade, que, sendo todas de ta1pa, cah1ram com o
corro enviado durante a noite por Salvador Corrêa.
Como Men de Sá tivesse já voltado para a Bahia, tempo.
mandou Salvador Corrêa, nestas arriscada s conjun- 214) João Balés. - E: força pararmo s algum
cturas, pedir auxilio a S. Vicente, e logo que esse tanto neste ponto para mamfes~ar, com toda a mo-
chegou deu caça aos francezes até Cabo Frio. destia, a nossa opinião a respe1to de um fact9, que,
Os quatro navios tinham ido; acharam , poré.m, pequeno em si mesmo, vae tomando prop~rçoes so~
uma embarca ção franceza de duzentas toneladas, bem a penna de autores que converte m a h1stona em t~l­
tripulada , cheia de mercado rias, e guarneci da de boa buna de declama ção pedantesca. Falamos de Joao
artilharia. Atacaram-na, mas o capitão fran.-:ez, vestido Bolés, que, segundo_ o P: Simão de Vasconcellos, fu-
de completa armadur a, e uma espada em cada mão, gindo da ilha de _Y!IIega1gnon, apresen~ou-se_ em S.
repellia com valor a todos os assaltantes Accomm et- Vicente. e, remett1do preso para a B~h1a, fot ~nfor­
teram os nossos a subida tres vezes, sendo outras cado por Men de Sá em 1567 no R1o. de Jan~n·o ..
tantas rechassados. Trez vezes cahiu Salvador Corrêa Sabe-se como Southey e Consta~cJO na l11Stona
ao mar, e tres vezes foi salvo pelos índios. Ao ver do Brasil Lisboa no seu jornal de T1mon, e outros,
que todas as frechas resvalavam, pergunto u um sel- alterando ' e interpola ndo o texto de Vasconcellos,
vagem em:olerizado si não havia logar a que dirigir unico que elles citam, declama m contra ess_a e~e­
a mira. A' viseira, foi a resposta, e a frecha seguinte cução, accusand o o governa dor d~ cruel, os Jesu1tas
atravessou um dos olhos ao francez, que immedia ta- de intolerantes, e o Ven. P . Anch1eta pouco r~1enos
mente cahiu morto. Levou Salvador Corrêa a nau ao que de carrasco . Neste mesmo ann_o de 1894 um Jornal
Rio como em triumpho , remetten do-a depois a seu protestan te de S. Paulo não se peJOU de es~rever que
tio com a relação do caso: concede u o saque aos o- P. Anchieta foi não só moral, mas phystcam ente o
296 MEN DE SA EPOCA II.-PIZli\IEIROS GOVERNADORES_
· _ 297

autor daquella morte. Todos os escriptores graves gistra João de Lery, elle não _se ac!la. Si L~ry não
~ostram tal ven eração ao P. Anchieta, que certamente referisse positivamente que V!llega1gnon atirou ~o
nmguem nos. accusarã de exaggerado, si affirmarmos mar João do Bordel, seríamos com bastante raz~o
que elle era mcapaz de mentir. Perguntemos. por- tentados a identificai-o com elle, logro em que c!lh1u
t~nto,. a elle mesmo ~ual foi a historia de João Bo- o snr. conego F. P., o qual com este e com diver-
les, v1sto que a refenu na bem conhecida carta de sos outros enganos desta especie mostra que nunca
1584. viu a obra de Lery em si mesma, embora faça alar-
de de citai-a muitas vezes.
215) Historía de j oão Bolés.- Falando dos Temos, comtudo, no trabalho de Lery quan!o
fr~ncez~s no Rio de Janeiro, e da torre que fizera basta para decifrar o enigma. Refere elle que vel\.1
V!llega1gnon, accrescenta o P. Anchieta o seguinte:- no seu navio um fidalgo a quem ora chamavam
«Um dos moradores desta torre era um Joannes de de Snr. Heitor., ora tratavam de doutor da So_rbona,
Bolés, homem douto nas lettras latinas gregas he- e que logo depois se descobriu ser, .João Comia,_ o
braicas, e mui lido na Escriptura Sagrad~, mas gr~nde seu verdadeiro nome, homem entendido ef!l matenas
h~rege. _Este, com medo de Villegaignon, que preten- theologicas, e conhecedor das linguas. l~hna, grega
dia castigai-o p~r sua heresia, fugiu com alguns e hebraica. Falava tambem com perfe1çao o hespa-
~utros, f.?ara S. V1cente nas canôas dos tamoyos que nhol, língua de que se serviu_ para _deman~ar a co-
1am la a guerra. com titulo de os ajudarem e che- lonia portugueza. Este snr. Joa_o Comta, Comtha ou
gando á fortaleza da Bertioga se metteu neÍia com Cointá como escrevem os d1versos autores, repre-
os seu~, e se ficou em S. Vicente. Alli começou logo sentou' no Forte Coligny um pape~ prepo_ndera!lte
a. vom1tar ~ peçonha de suas heresias, ao qual resis- envolvendo-se nas questões theolog1cas ah1 suscita-
tiu o p. L_u1z da Oran e o fez mandar preso á Bahia, das já inclinando-se á orthodoxia, já sentindo ~om
e daht fot mandado pelo bispo, D. Pedro Leitão a Villegaignon já acceitando os dogmas de Calvmo.
Portugal e de Portugal, á fndia , e nunca mais ~p­ Casa-se 'pouco depois, e dentro em breve se ar-
pareceu". repende do casamento abandonando '!- ~ua consorte.
Dirão que o P. Luiz da Oran foi intolerante : Quando Villegaignon expu_Isou os m1mst:os protes-
Não ha duvidar que o foi, como o devia ser sob tantes, João Cointa os seguiU pa~a o contm_ente, ~as
pena de, faltar gravemente com suas obrigações; co- não para a Eur?pa. ?.orque, po1s, e_sse jo~o Comta
mo o e o bom pastor quando o lobo vae devorar não poderia ser 1denhhcado com joao Boles que ~m
as ovelhas, como_ foi S. Pedro com Simão Magico 1559 apparece em S. Vicente p~égan~o a heresia,?
S. Paulo com o mcestuoso de Corintho. Não poderia o seu nome ser joao Cotnta de Boles,
Diremos, além disto, que os protestantes não po- e ter elle em S. Vicente occultado parte do seu ~o­
d_em falar de tolerancia, porque têem sido sempre e me como na frota de Bois Le Comte o encobnra
amda são muit0 intolerantes em toda a parte. tod'o inteiro assumindo o de Heitor? Assenta a am -
bos a qualificação de · erudito, voluvel, e inclinado a
216) Qual era o verdadeiro nome deste disputar sobre opiniões mal seguras e ousadas ..
frar;cez? -· P.or, um _lado é certo que este Senhor Dado que esta identificação seJa real, exp hc~-se
Bole~ pertencia a soc1edade de Villegaignon. Todos como é que o nome de Bolés nunca se acha n'!- lista
o afflrmam. Por outro lado, entre os nomes que re- dos companheiros do caudilho francez. Tudo, po1s pa-
298 MEl\ DE S.\ 299
EPCJCA 11. - PRIMEIR OS GOV ERN ADORES

rece conspirar em favor da identificação de j oão Cointa tião, e a composição do Paradoxo, ou sentença plzi-
com J oão Bolés. Ainda, porém, não démos a chave losophica, que por estar no gosto do temp.o se tra-
do enigma:- «foi um livrinho da Bibliotheca acio- duziu e imprimiu em 1566, sob o verd il de~ro .nome
nai que no!-a ministrou e um livrinho não só muito do seu autor: João Cointa, senhor de Boalez,jtdalgo
alheio a estas materias, como bem insignificante na francez » ( 1).
apparencia. E' o caso que figura nas nossas estantes
a seguinte curiosidade bibliographica ». 217) O fac to do R.i o de Janeiro . - Do que
1/ Paradoxo !I ou sentença, philosophica: contra a
opinião do vulgo: Que a natureza 11 não faz o homê acabamos de ver, e particularmente ~o . que. nos re-
senão 11 a industria 11 . Derigido ao mui alto e invi- latou o proprio P. ~nchieta, é facii mfen_r gue o
facto do Rio de Janeiro contado pelo P. S1mao de
ctissimo 11 Rey de Portugal dom Sebastião 11 Primeyro Vasconcellos, C. C. lll, 116, _não é, real, ou, pelo
d'este nome 11 . Por I. cointha senhor .de Boulez 11 Fi- m~nos, ahi não se trata de ]_?ao .Boles. nem ~e um
dalgo francez /1 . . 1/ Agora novamente feyto e impres. hereje. Comtudo, para que nao. 91gam que tei.giver-
so nesta cidade 1: de Lisboa em casa de Marcos 11 , samos afim de evitarmos a dificuldade, acceitem.os
borges empressor dei Rei nosso senhor 11 Ao primeiro este facto tal qual o refere o dito auto:, e veJa-
de janeyro de 1556. Vêdê-se na êpressão detras de mos si nelle se depara com alguma ci:cumstan-
nossa senhora da Palma /1 . In 4. o, de 32 fls. innun. cia pouco airosa para o Apostolo do Brasil. _
Fica, pois, por este livrinho demonstrado «que
houve no seculo XVI um francez João Cointha, se- O P. Vasconcellos, depois de relatar que joao
nh<?r ~e Boulez, homem de erudição, conhecedor da Bolés foi da Bahia levado ao Rio. de jane1r0 par~
antigUidade grega e latina. e autor de uma diserta- ahi ser enforcado e de ser convertido pelo P. Jose
ção curiosa (ainda que notavelmnte pedantesca), da de Anchieta accr~scenta o seguinte. «Porém aconte-
qual não sabemos quem publicou uma versão portu- ceu aqui u'm caso digno de ser sab~do: porque o
gueza no anno de 1566 •. algoz, quando foi á. ~xecuç~o do casti~o, como era
• Ora, a união d'estes nomes Coüztha e Boulez pouco destro no officio, detmha o pemte.nte n? to:-
n' um '?esmo. individiduo, a epoca em que viveu, o mento demasiadamente, com agoma e_ Impaciencia
facto smgulanss1mo de se não encontrarem vestíg ios conhecida. Joseph, que .via . este erro ta o grande, e
da sua producção iitteraria nos bibliographos france- receiava que por impaciencia s~ perde~se a alma de
zes, que debalde revolvemos; - todas estas circum- um homem, por natural colenco, e, tao pouco ha-
stancia.s reunidas ás que primeiro se expuzeram não via, convertido; entrou ef!l zelo, reprehend~u. o a1goz,
e~tão a impellir-nos á conclusão de que esse homem e instruiu-o de como havia de fa~er seu ?fficio, com.a
vtvea longe da Fra!lça, e não é outro sinão o nosso brevidade desejada: acto de fina ~andade .. Sfibia
me~mo Jo_ão ('oüzt/za do tempo do Villegaignon, muito bem joseph a pena das leis ecclesias!Icas,
]oao Boulez de 1559 a 1567? . . Cointha, enviado que suspendem de seu officio a todo aquelle que,
ao cardeal D. Henrique, alli abjurou - muito prova- sendo sacerdote, accelera a execução da .morte ~m
velmente - os seus erros, pois que era useiro e ve- qualquer occasião que seja, ainda que pia: 1~orem
zeiro em coisas desta ordem. Similhante expediente prepond~rava com elle a caridade que devia ao
trouxe-lhe o perdão nu pelo menos a commutação (') Ass im fa la B . J. R à mtz Ga l vão no vo l. :>:LVII , pa rl e 11 ,
da pena; d'áhi as bajulações ao principe D. ebas- pg. 40. da R ev.
300 r-rEi\' Dr: s.\
EPOCA 11.-PRLME IROS GOVERN AD ORES 301
- - - --
proximo; e respondeu aos que lhe perguntav am a
causa de tal resolução, desta maneira. - • Porque o envio muito saudar. Porque o principal e primeiro
damno de minha suspensão não é offensa de Deus, intento em todas as partes da minha conquista é o
e tem remedio com a absolvição da Egreja: porém augmento e conservaç ão da nossa Santa fé Catholi-
o d<-mno d'aquella alma, si alli se perdera por im- ca e conversão dos gentios dellas, vos encomme ndo
paciencia, era peccamino so, e não podia remediar- se: muito que deste negocio tenhaes nessas partes mui
e pela salvação de uma alma vivera eu suspenso to- grande e especial cuidado, como de cousa a vós
da a minha vida ». principalm ente encomme ndada; porque com assim
Ouçamos agora o que observa o senador Can- ser, e em taes obras se ter intento, se justifica o tem-
dido Mendes a este respeito (1)-0 que praticou An- poral que Nosso Senhor muitas vezes nega. quando
chieta por caridade, e visando tambem a salvação ha descuido no espiritual. •
da alma do penitente, é condemna do severamen te « Eu sou informado que geralment e nessas par-
por uma critica brutal e injusta . . Anchieta é uma tes se fazem captiveiro s injustos, e correm os res-
gloria da Companh ia de Jesus, e portanto convem a gates com titulo de extrema necessidad e, fazendo-se ,
certa critica marear por qualquer fórma essa vene- os vendedore s, paes dos que vendem, que são as
randa reputação que tanto illumina sua individual i- causas com que as taes vendas podiam ser licitas,
dade, carregand o-se as côres por um facto que ou- conforme ao assento que se tomou. Não havendo as
tros, em frente de tão repugnant e e horrível espec- mais das vezes as ditas causas, antes pelo contrarie-
taculo, praticariam por simples humanida de. A his- interceden do força, manhas, enganos, com que os in-
toria dos supplicios apresenta, de factos taes, exem- duzem facilmente a se venderem , por ser gente bar-
plos não raros. Entretanto essa critica não hesitaria bara e ignorante, e por este negocio, dos resgates e
em elevar até ás nuvens, como bemfeitor da huma- cap~iveiros injustos, ser de tanta importanc ia, e ao
nidade, o Dr Ouilhotin, o maior dos auxiliares do que convem prover com brevidade , vos encomme ndo
carrasco, com o presente que fez á França revolucio mUito que, com o bispo, e o P. Provincial da Com-
naria, de sua famosa descoberta , que eternizou sua panhia, e com o P . lgnacio de Azevedo, e Manuel
memoria ». da Nobrega e o ouvidor geral que lá está, e o que
Podemos, portanto, concluir que o facto do Rio agora vae, consulteis e pratiqueis este caso, e o mo-
de Janeiro não é real, e quando o fosse, elle não con- do que se póde e deve ter para se atalhar aos taes
tem cousa alguma desairosa para o Padre Anchieta; resgates e captiveiro s, e me escrevaes miudamen te
revela, pelo contrario, mais um beneficio prestado á como correm, e as desordens que nelles ha, e o re-
humanida de, e um acto de fina caridade exercido por medio que póde haver para <>e atalhar e os taes in-
esse jesuíta ao qual tanto deve o Brasil. justos captiveiros se evitarem ; de maneira que haja
gente com que se grangeem as fazendas, e se cul-
218) Carta Reg-ia . -- Consignam os aqui outra tive a terra, para com a dita informaçã o se tomar de-
terminaçã o ao dito caso, e ordenar o modo que nisto
carta regia. que, no ver de Varnhage n, Men de Sá
se deve ter, que será como parecer mais serviço de
recebeu antes de ir segunda vez ao Rio de Janeiro.
Nosso Senhor e meu . E emquanto não fôr recado
E' a seguinte. • Men de Sá. - Amigo. - Eu El-Rei vos
meu, que será com a ajuda de Nosso Senhor breve-
(') Rev. Vol. XLll, pa rl e li, pag 141 mente, se fará ácerca disso o que por todos fôr as-
sentado. »
302 r-IEN DE sA ___E_POCA H .- PRLMEIROS GO VER NA DOR ES 303

«Muito vos encommendo que aos novamente Rogamos o cortêz leitor queira observar que
convertidos favoreçaes e conserveis em seus bons tanto o rei como o governador, só condemnavarr{
propositos, e não consintaes serem-lhes feitas vexações o captiveiro injusto, o latrocínio, a crueldade. Parece
nem desaguisados alguns, nem lançados das terras pois, que estes artigos eram bem razoaveis no sen~
que possuirem; para que com isto se animem a re- tido de favorecerem os colonos, e neste sentido
ceber o sacramento do baptismo, e se veja que se não ha motivo, salvo si quizermos renunciar á toda
pretende mais sua salvação que sua fazenda; antes a justiça, para censurai-os, conforme faz o visconde
aos que as não tiverem queiraes, e ordeneis como de Porto Seguro, o qual se queixa das restricções
se lhes dêem de que commodamente possam viver· que deste modo se impunham aos caçadores de en-
e sendo possível, dareis ordem como alguns portu~ tes humanos.
guezes de boa vida e exemplo vivam nas aldêas
entre os que se convertem, ainda que seja com lhes 220) Carta de lei.--0 resultado das informa-
fazerdes algumas vantagens >> . ções que na carta precedente o rei pediu e Men de
Sá ha de ter sem duvida mandado foi 'a carta se-
219) Resolução provisoria. A consequencia guinte: '
desta carta foi reunirem-se o governador e o bispo . «D. Sebastião, etc .. faço saber aos que esta lei
o ouvidor Braz Fragoso, e alguns padres da Com~ virem que sendo eu mformado dos modos illicitos
panhia, que rectigiram os artigos seguintes, assigna- que . se têem_ nas partes do Brasil em captivar os
dos p~lo_ governador, bispo e ouvidor geral.-1 ) si al- gentios d~s ditas partes, e dos g randes inconvenien-
g u~1 ,mdiO se acoutar ás missões dos jesuítas, só
tes que disso nascem, assim para as consciencias das
sahira por ordem expressa do governador, ou ouvi- pessoas que os captivam pel os ditos modos como
dor, quando o reclamante prove a leg itimidade da pelo que toca ao meu serviço e bem e co ns~rvação
posse e da servidão. - 2) O ouvidor irá, cada quatro d? Estad~ das ditas _partes, e parecendo-me qu e con-
mezes, de correição pelas missões e aldêas, ouvir as vmha mu_tto ao serviço de Nosso Senhor prover nisso
partes e administrar justiça - 3) Nomeie-se um cu - em maneira que se atalhasse aos ditos inconvenien-
rador aos indios ('), e se imponham penas a quem tes, mandei ver o caso na Mesa da Consciencia r:; elos
~as~r indias com escravos. - 4) Os resgates com os Deputados do desp~cho della, e por outros lett~ados ;
mdws não serão validos, si não tiverem o consen- e conformando-me msso com sua determinação e pare-
timento das autoridades. - 5) Dos índios que vivem cer :- Defendo e mando que daqui em deante se não
nas aldêas, os jesuítas entregarão aquelles que con- us~ nas ditas partes do Brasil dos modos que se
fessarem a sua qualidade de captivos, bem como ate ora usou ef!l fazer captivos os .dito:. g entios, nem
aquelles que quizerem, livres, servir este ou aquelle se possam capttvar por modo nem maneira alguma,
~ol?no.- 6). O morador que á força tomar al g um salvo aquelles que fo~em tomados em guerra justa
II!dto propno acoutado nas missões, perderá por este que ?S portu~uezes fizerem aos ditos gentios com
stmples facto, todos os direitos ·q ue antes tinha autondade e ltcença minha do meu governador das
sobr~ elle, passando o indio a ficar aggregado á Com- ditas partes, ou aquelles qu~ costumam saltear os por-
panhia. t~guezes, ou_ a outros gentios para os comerem ; as-
stm como sao os que se chamam aymorés e outros
Cl Esco lheram pa ra este offi c io Ui ogo Zo rrilh a, a lcaide do ma r semelhantes. E as pessoas que pelas ditas maneiras
da Bah ia. A côrte o app ror o u a 25 de reve re1ro ele r 576.
EPOCA 11.-PRIM EIROS GOVERN AD ORES 305
304 l\lEN DE S.Í.

licitas captivarem os ditos gentios, serão obrigad as, •Sen hor. - Todas as vezes que puder hei de
dentro dos dois mezes primeir os seguintes, que se alembra r a V. Mercê o perigo em que todas estas
começarão do tempo em que os captivarem, fazerem capitanias estão pela sua má ordem e pouca justiça
escrever os taes gentios captivos nos livros das pro- porque trabalhe, por serviço de Deus, com Suas Alte~
vedorias das ditas partes, para se poder ver e saber zas que as proveja m de alguma s causas que na sua
quaes são os que licitamente foram captivos. E não carta aponto. Eu sou um homem só, e quanto tenho
o cumpri ndo assim no dito tempo de dois mezes: feito, em todo o tempo que ha que estou no Brasil
Hei por bem que percam a acção dos ditos captivos desfaz um filho da terra em uma hora.-S . A. dá a~
e senhorio. E que por esse mesmo feito sejam for- capitanias e os officios a quem lhos pede. sem exame
ros e livres. E os gentios que por qualque r outro si os merecem. E cá não ha official que preste, nem
modo e mandra forem captivos nas ditas partes de- capitão que defenda uma ovelha, quanto mais capi -
claro livres e que as pessoas que os captivarem não tanias, de tanto gentio e degrada dos. Tomo a Deus
tenham nelles dtreito nem senhori o algum:.. por testemu nha e a V. Mercê lhe lembro, que faço
Erguera m os colonos taes clamore s contra esta mais do que posso. - A mercê que lhe peço, é que
lei, que se julgou necessario modificai-a, conform e me haja licença de Suas Altezas para me poder ir,
em outro lagar havemo s de ver. A unica razão de que não me parece justo que, por servir bem, a paga
a reforma r foi o desejo de content ar os colonos. seja terem-m e degrada do em terra de que tão pouco
Não reflectiu a metropo le que era impossível parar fundam ento se faz. »
no caminh o escorre gadio das concessões em que Conced eu-lhe a côrte um success or a 6 de feve-
já desde tanto tempo tinha entrado. Era, pois, inutil reiro de 1570, mas este, infelizmente. não chegou ao
fazer leis modera doras, e tomar meias medidas, por- seu destino, e Men de Sá falleceu piamen te na
que tudo pode a sacra auri fames quando o governo Bahia a dois de março de 1572, com quatorz e para
não se mostra assaz forte para protege r a justiça e quinze annos de governo foi ente1 rado na egreja
castigar o crime. Quanto a nós, julgamo s que, em do collegio dos jesuítas. Não consta, diz Varnha gen,
vista de tantos abusos, mais avisado seria prohibi r que deixasse testame nto; porém fr. Vicente affirma
de uma vez toda e qualque r especie de captiveiro, que o fez instituindo universal herdeir a da sua fa-
dizendo aos colonos que, si quizessem enriquecer, zenda. a sua filha condess a de Linhares.
trabalhassem. Conject ura Varnha gen terem os jesuítas concor-
rido a deter por tão longo tempo Men de Sá no
221) Morte de Men de Sá, 2 de março de governo . E' uma simples conjectura, mas é provavel;
1572. - Desde 1560 pedira Men de Sá licença para pois, desejan do os jesuítas ardente mente o bem do
voltar a Lisboa allegan do por motivo o ser elle ve- paiz ao qual tinham consagr ado a sua vida, nada
lho, o gastar muito mais do que ganhav a, e bem mais natural do qne anhelar por conserv ar um go-
assim o ter em Portuga l filhos que andavam desaga- vernado r que tanto o promov ia.
salhados, e uma filha que haviam deitado fóra do
mosteir o de S. Cathari na de Evora. Passado s annos 222) Juizo a respeit o da admin itração de
insistiu de novo para obter a sua demissã o escre- Men de Sá.-• 0 governo de Men de Sá, diz Var-
vendo sobre este assump to ao Secretario de Estado Pe- nhagen, é um dos que a historia deve conside rar
ra d'Aicaç ova Carneiro, a seguint e memora vel carta :- como dos mais proficuos para o Brasil, o qual se
20
306 EPOCA !L-PRIMEIROS GOVERNADORES 307
póde dizer ter salvo, - _Principal!llente ~as invasões 224) Morte do P . Nobrega, 18 de out. de
francezas e das dos indtos . . . Pode-se dtzer que aos
seus esfo'rços deveu o Brasil o começar a viver inde-
1570. - Cabe-nos aqui registrar outra gravíssima
perda que o Brasil soffrera desde 1570. falamos da
pendente de soccorro . . Sua p~litica para ~om os morte do P. Manuel da Nobrega. primeiro reitor do
colonos foi em geral tolerante. A propna Ramha D. collegio do Rio de janeiro. Demos a palavra ao pro-
Catharina escrevia elle: «Esta terra não se póde nem
testante Southey: •Morreu (o P. Nobrega) ... aos cin-
deve regular pelas leis e estylos do Reino. Si V . A.
não fôr muito facil em perdoar, não terá gente no coenta e tres annos de sua vida, gasto de trabalhos
e fadigas incessantes. Quiz a sua boa estrella collo-
Brasil; e porque o ganhei de novo, desejo que se
cal-o num paiz, onde só os bons princípios da sua
elle conserve ;, ,
Ordem podiam ser postos em acção. Não ha ninguem
a cujos talentos deva o Brasil tantos e tão perma-
223) Morte do bispo . - Emquanto o Brasil nentes serviços, e devemos olhai-o como o fundador
chorava a morte do seu terceiro governador, soffr~u desse systema, tão efficazmente seguido pelos jesuítas
a perda do seu segundo bispo, D. Pedro Leitão. Ve!u, no Paraguay; systema o mais fecundo em bons re-
segundo o P. Simão de Vasconcellos e o P. Anchte- sultados, que é compatível com a fraude pia. Naves-
ta, em 1559 (9 de dez.); trabalhou com afinco para pera da sua morte sahiu Nobrega a despedir-se dos
a conversão dos índios, e a refórma dos colonos ; seus am igos, como si partisse para uma jornada;
acompanhou Men de Sá na expedição contra os ~ran­ perguntavam-lhe para onde · ia, e respondia: Para
cezes· visitou S. Vicente e Pernambuco, e revestiu o casa .. . para a minha patria. Não houve vida mais
paro~ho do Rio ~e J~neiro con:t a~ attribuições (1569) utilmente empregada; nem os erros da sua crença
de ouvidor ecclestasttco, conshtumdo-o no mesmo tomavam menos certa a esperança triumphal com que
tempo seu delegado. nos arti~os ~o S. Offici~ ;_ pois terminou ~.
o bispo era no Brastl commtssano do ?· Ç)f!tc!O de As palavras que damos em ·grypho, mostram que
Lisboa . .O primeiro que teve estas attnbmçoes, e o o autor é protestante com seus prejuízos a respeito
primeiro tambem a exercer as funcções de parocho da Companhia de Jesus e de nossa religião, e, por
no Rio de Janeiro foi o P. Matheus Nunes ( 1). Con- conseguinte, livre de toda a suspeita.
vocou egualmente D. Pedro Leitão. na Cidade ~o
Salvador o primeiro synodo do Brasil 4:e m que nao
se acharam sinão os seus clerigos, nenhum dos quaes
era lettrado. Algumas constituições se fizeram, posto v
que em todo o Brasil sempre se guardaram as de
Lisboa, ordenando alguns dias sant~s de novo .. Mo:-
reu na Bahia no anno de 1573. Detxou sua hvrana Successores de Men de Sá. 1572 ·- 1581
ao collegio da Companhia de que foi muito devoto
e amigo (2) • . 225) D . Luiz Fernandes de Vasconcellos .
--Attendendo a metropole ás repetidas in stancias de
Men de Sá, nomeou-lhe a 6 de fev. de 1570 um sue-
( 1) Pizarro, liv. li, cap. I, pa~ . 38. cessar na pessoa de D. Luiz de Vasconcellos, que
(') Anchieta, Carta de 1584. sahiu do Tejo com seis naus e uma caravella. Em bar-
___
E_PO
_ CA li.- PRIME!RO<; GOVERNADORES 309
308 SUCCESSORES DE MEN DE S,Í..
e ~s correntes .o arr_ast_a r_a m até á Nova Iiespanha,
cou juntamente com elle o P. Ignacio de Azevedo (1), arnbá.ndo,_ depo1s de tnfmttos desastres, nos Açores.
que já estivera no Brasil como visitador; e voltára yentou a1nda ~ma vez a fortuna, mas foi, pouco
á Europa em procura de outros operarias. Agora aquem da Made_1ra, ~commetbdo por uma esquadrilha
vinha de novo com bom numero de missionarios anglo -franceza, . a cup testa se achava João Capdeville,
recrutados na Hespanha e em Portugal. huguenote e pirata como Jaques Sona. Defenderam-
Chegando á Ilha da Madeira, resolveu o gover- se bravamente os _portuguez~s; cahindo, porém, o go-
nador esperar alli a monção afim de evitar as moro- vernador na peleJa, os nav10s foram rendidos, e mor-
sas e doentias calmas de Ouiné. Quiz, no entretanto, tos os quatorze jesuítas que tinham sobrevivido a
a nau Santiago, metade da qual o P. Azevedo fre- todas as difficuldades. Dos sessenta e tantos missio-
tára para si e seus companheiros, ir á llha Palma narios ~om que ,Azeved? partira de Lisboa, chegou
deixai algumas mercadorias, e tomar outras para o ao Brasil um so, que ficara em um dos portos vi-
Brasil. Era perigoso separar-se do resto da frota, visto sitados pela armada.
como diversos corsarios e piratas huguenotes anda-
vam infestando o mar. foi de facto a Santiag o aggre - 226) Divisão do Brasil em dois governos.
dida e capturada por uma esquadra da Rochella, 10 de dezembro de 1572 - Considerando O. Se-
commandada pelo calvinista jaques Soria. natural do bastião ser o Brasil immensamente extenso e estar
condado d'Eu, na Normandia. Quarenta jesuítas jun- i~ nesta epoca assaz povoado, bem como ~ neces-
tamente com o P. Azevedo receberam nesse dia a Sidade de. protegei-o contra os extrangeiros, e de pro-
palma do martyrio (i5 de julho de 1570). Os portu- mover activamente a conversão dos indígenas resol-
guezes que depois recuperaram a liberdade, e um veu dividil-o em dois governos : o do sul ~ o do
irmão coadjutor a quem pouparam a vida por ser norte. Este tendo a Bahia por capital alongava-se
bom cozinheiro, contaram as particularidades dessa para o_ sul a~é Porto Seguro exclusi va mente; aquel-
horrível carnificina, prova cabal de como os protes- le, cuJa capital se ftxou no Rio de Janeiro abran-
tantes entendem a tolerancia religiosa. gia todas as outras capitanias meridionacs. éonfiou-
Informado Vasconcellos do occorrido, largou as se o g overno do norte ao conselheiro Luiz de Brito
velas ao vento logo que viu o tempo opportuno; de Almeida; o do sul, ao Dr. Antonio Salema ou-
conseguiu avistar o Cabo de S. Agostinho, porém trora professor em Coimbra e actualmente ou~idor
não logrou dobrai-o, nem aferrar a terra. Os ventos en: Pern~mbuco. A carta regia que nomeia Luiz de
Bnto, asstgna os motivos desta divisão e lhe marca
(') No meado po r S. F ~a n c i sco Bo rj a e m 1565 . recebe u o os limites, leva a data de dez de dezembro de 1572.
P. lg naci o se us po d e res a 24 de feve reiro d e I s 66; e ch egou á Antes d~ tomar posse do seu governo teve Sa-
Bahi a a 24 de agosto desse mes mo anno . T e ndo vi -•t aclo as d iv ersas
ca•as da C ompan hi a no Brasil, partiu (4 de ago,to de 68) afun de lema na Bahta uma conferencia com Luiz de Brito
inform ar o geral. S. Pi o V co ncede u in d ulgencia p le na ria a qua ntos Fernão da Silva (o novo ouvidor) e alguns jesuítas:
o aco mpa nh assem; deu -lhe t!l ve rsas relíqu ias p rec 1osas, e pe rmntiu · Trataram da liberdade dos índios e de uma carta
lhe tirar um a có pi a da Image m de Nossa Se nhora , p 1n tada , segun do regia, em que se liam estas palavras: «No que toca
a traciJção, po r S. L ucas, g raça es ta de que ai n cla não havia exe m-
pl o. O ge ral a uto ri zo u-o a levar d e P ortu ga l os m1 ss io na r ios q ue a o resg!-te d?s ~scravos, se deve ter tal moderação,
pro vínc ia pud esse dispensar, e de cada u ma das o ut ras por o nd e que. nao se tmptda de todo o dito resgate, pela ne-
passasse, tre<; volunta ri os. l<'ez-se d e ve la co m 6 4 da Companhi a se m cessidade que as fazendas delles têem, nem se per-
me tte r na co nt a alg un s o ul ros que acce Jto u pn ra Ire m á. pro va se r ~
vin do na vi agem, e ser e m r eceb1dos no B rasil.
310 SUCCESSORES DE i\lEN DE SÁ EI'OCA 11. - PRntEIROS GOVERNADORES 311
mittam resgate manifestamente injusto, e a devassidão e a victoria parecia duvidosa, quando o governador
que até agora nisso houve ». . .. separou delles os francezes promettendo-lhes a_s vidas
Depois de ponderar. tud_o com a ma10r dil t ~en­ salvas. Estes então se submetteram, e se retiraram.
cia convieram a 6 de Janerro de 1574, nos artigos A victoria foi completa ; a matança, horrível, e o
segumtes:- I ) E' vedado o resgate de gente ~ntre numero dos prisioneiros subiu a diversos mi lhares. Os
índios mansos. - 2) Exceptuam-se os que depors d_e tamoyos ficaram aniquilados, e os tupinambás interna-
aldêados se retirassem e andassem ausentes por mars ram-se para o sertão, indo parar no vali e do Amazonas.
de um anno.- 3) Serão captivos só O? aprisionados O propio Salema escreveu a relação desta cam
em guerra justa, e os q':le,. sendo captlvos de outro panha, porém não se sabe aonde foi parar. « Ainda
gentio, preferem o capttverro dos nossos, comtan~o no seu tempo, diz Anchieta , estavam em pé os ta-
que tenham mais de . 21 armas . de edade. - 4) Sao moyos do Cabo Frio, grande acolheita dos francezes,
illicitos os resgates fe rtos sem ltcença dos ~ov:erna­ donde vinham a fazer saltos dentro do mesmo Rio,
dores ou dos capitães. - 5) <?s que _trazem tndros de pelo qual se determinou de lhe dar guerra. e assim,
resgate devem apresentar-se_ rmmedratamer:te na r_es com favor da capitania de S. Vicente, da qual veiu
pectiva alfandega para regrstral-os. - 6) S1 estes tn- o capitão jeronymo Leitão . com a maior parte dos
dios registrados fugirem, serão a todo o s_empre en- portuguezes, e muitos índios christãos e ge ntios, e
tregues a seus primeiros donos. - 7) Os tndtos r:es- com esta ajuda commetteu a empresa e acabou de
gatados não registrados. são forros. - 8 ) Guerra ;as- adquirir toda a nação dos tamoyos, que ainda esta-
ta é a que fazem os governadores de ~onformidade va mui soberba e forte com muitas armas dos fran-
com o seu regimento, ou as que_ 9ccasronalmente SI! cezes ... sem lhe ficar aldêa que não sujeitasse
vêem obrigados a fazer os caprtaes com vo~o d?s Muitos dos índios matou na primeira aldêa, que era
officiaes da camara e outras pessoas de expenencra, a mais forte, e depois disto se lhe entregaram os
dos padres da Companhia, do Vigario da terra e do outros quasi sem g uerra, muitos dos quaes se ajun-
provedor da Fazend~. I:avrar-se-á auto_ ~a resolução. taram na aldêa dos índios christãos, que eram dantes
-9) Serão forros os tndtos que os caprtaes tomarem seus tnimigos, e se baptizaram , e ainda alguns vivem ».
sem esta ultima clausula, e serão puntdos todos os « Com esta no va vieram alguns tamoyos do ser-
infractores destes artigos. Sendo peões, serão açou- tão, moradores da Parahyba (do Sul), a lhe pedir
tados publicamente com baraço e pregão, e pagarão pazes, e se ajuntaram com os outros. Com estas victo-
a multa de quarenta cruzados. Isto afóra as outras rias ficou toda aquella terra despovoada, e tirado aos
penas em que pudessem incorrer, segundo as arde· francezes o principal porto que tinham para seus
nações, leis e regimentos do Reino. tratos que é o Cabo Frio ».
Conta fr. Vicente que o Dr. Salema .foi bem
227) O Dr. Sale ma - depois _de assignar estes recebido no Rio de Janeiro assim pelo capitão-mór,
artigos. seguiu para o Rio de Jan~ r r_o: O seu gover- Christovam de Barros, como de todos os mais por-
no distinguiu ~e pela e~pulsão deftnthva <;~os france- tuguezes, e índios principaes que o visitaram, sen-
zes, que apoiados pelos tamoyos, seus a~ltados sem· do o primeiro e principalissimo Martim Affonso de
pre fieis ainda traficavam no Cabo Fno. Marchou Souza, Ararigboya ... , ao qual, como o governador
Salema ~ontra elles á testa de 400 portuguezes e de désse cadeira, e elle, se assentando, cavalgasse uma
700 índios. Defendiam-se com denodo os barbaros, perna sobre a outra, segundo o seu costume, mandou -
312 SUCCESSORE. ' DE MEN DE s_\ EPOCA II.-PRli\TEIROS GOVER ADORES 313

lhe dizer o governador pelo interprete que alli tinha, a guerra, mais avisado seria trazel-os pacificamente,
que não era aquella boa cortezia quando falava com mandando entre elles alguns mamelucos pedir-lhes
um governador que representava a pessoa de EI-Rei. descessem para a costa afim de partilhar da
Respondeu o indio de repente, não sem colera e ar- felicidade que elles desfructavam. Concedeu Brito a
rogancia, dizendo-lhe: «Si tu souberas quão cança· desejada licença, e partiram os mamelucos em com-
das eu tenho as pernas das guerras em que servi a panhia de soldados brancos e índios confederados,
EI-Rei, não estranharas dar-lhes agora este pequeno todos bem munidos de armas, • com as quaes, diz
descanço, mas já que me achas pouco cortezão, eu fr. Vicente, quando não queriam por paz, e por von-
me vou para minha aldêa, onde nós não curamos tade, os traziam por guerra e por força; m"s ordi-
desses pontos, e não tornarei mais á tua côrte >-< Po- nariamente bastava a língua do parente, o mameluco,
rém nunca deixou de se achar com os seus em todas que lhes representava a fartura do peixe, e mariscos
as occasiões em que o occupou ». do mar, de que lá careciam, a liberdade de que ha-
viam de gosar, a qual não teriam, si os trouxessem
228) Luiz de Brito.- Tratava no mesmo tem- por guerra. •
po Luiz de Brito de extender suas conquistas até << Com estes enganos e com algumas dadi vas de
o Rio Real, para o povoar segundo a ordem que do roupas e ferramentas, que davam aos principaes, e
monarcha recebera. Afim de livrai· o dos selvagens resgate que lhes davam para os que tinham presos
contrarias que alli moravam, partiu da Bahia com nu- em cordas para os comerem, abalavam aldêas intei-
merosos colonos, e co:1seguiu victoria de um gran- ras, e em chegando á vista do mar, apartavam os
de principal, chamado Soroby, queimando-lhe as al- filhos dos paes, os . irmãos dos irmãos, e ainda ás
dêas, matando e captivando a muitos. Acossou pelo vezes a mulher do marido, levando uns o capitão
sertão dentro, cincoenta leguas, outro morubixaba, mameluco, outros os soldados, outros os armadores,
de nome Araptré, mas não logrou alcançai-o. Voltou, outros os que impetraram a licença, outros quem lha
pois, o governador para a Bahia, incumbindo de concedeu, e todos se serviam delles em suas fazen-
povoar o Jogar a Garcia d' Avila, que dahi a doze das . e alguns os vendiam, porém com declaração
leguas, no rio Tatuapará, possuía uma grande fazen- que eram índios de consciencia, e que lhes não ven-
da com um sem numero de cabeças de gado. diam sinão o serviço, e quem os comprava, pela pri-
De Luiz de Brito affirma o P. Anchieta que veiu meira culpa ou fugida que faziam, os ferrava na
em 1573. «Este nunca consentiu fazerem-se vexações face, dizendo que lhe custára seu dinheiro, e eram
notaveis ás aldêas de doutrina que estão a cargo seus oaptivos; quebravam os prégadores os pulpitos
dos padres, nem deixava tirar dellas alguns índios sobre isto, mas era como si prégassem em deserto ».
que lá se acolhiam dos que os portuguezes traziam Antonio Dias Adorno, incumbido pelo governa-
enganados do sertão. No seu tempo, e indo elle lá dor Luiz de Brito de descobrir algumas minas, en-
em pessoa, se fez a guerra do Rio Real, onde os pa- trou pelo Rio de Contas. onde achou esmeraldas e
dres tinham edificado algumas egrejas, e ajuntado outras pedras preciosas, cujas amostras remettidas ao
muitos índios nellas ». reino foram julgadas muito boas; << nem por isso,
229) Entradas. - • Pesarosos os bahianos por continúa fr. Vicente. se mandou mais a ellas, signal
lhes escapar o gentio que buscavam, persuadiram ao que haviam lá ido mais a buscar peças que pedras,
governador que em Jogar de afugentar os índios com e assim trouxeram sete mil almas dos gentios topi-
guaens ... »
314 SUCCESSORES DE MEN DE S.Í..
EPOBA IT.-I'RIMEIROS Gü \ ' ERNADORES 315

«Tambem mandou o mesmo governador um na madrugada seguinte, para quando ouvissem o


Sebastião Alvares ao Rio de S. Francisco com offi- seu urro costumado, darem juntamente nos nos-
ciaes, e tudo o mais necessario para fazer uma em· sos, e lhes não escapar algum com vida; e assim foi
barcação em que por ella navegassem em descobrir que, achando-os dormindo mui descuidados, subita-
algumas minas, e para isso escreveu a um grande mente os acommetteram com tanto ímpeto, que não
pnncipal do sertão chamado Porquinho, que o aju· lhes deram Jogar a tomar armas, nem a fugir, e os
dasse com gente e tudo o mais que pudesse; elle mataram todos . . só escapou dos nossos um mame-
mandou um vestido de escarlate, e uma vara de mei- luco, que uma moça, irman do principal Assento de
rinho para trazer na mão ». Passara, escondeu ».
Mediante o auxilio do Porquinho conseguiram Este levou a nova a Olinda, onde todos a sen-
os brancos construir um barco e navegar pelo rio tiram muito. Nem parou aqui o mal, porque os
acima. Chamado Seb~stião á Bahia pelo novo go- homicidas, apesar de serem contrarias aos petigua-
vernador, Lourenço da Veiga. e regressando para res, passaram á Parahyba, offerecendo seu apoio aos
o Rio S. Francisco «não achou já os seus, que se barbaros na guerra que então faziam á capitania de
haviam mettido com outros de Pernambuco a des- Itamaracá (1).
cer o gentio, como elle lambem fez, e todos lá aca-
baram ». 230) Sebastião da Ponte. 1576. - Em 1575
• Dos lllzéos foi Luiz Alves Espinha com pretex- veiu ao Brasil D. Antonio Barreiros, (2) nosso ter-
to de fazer guerra a certas aldêas dahi a trinta le- ceiro bispo. o qual teve uma desavença muito séria
guas, por haverem nellas morto alguns brancos, com o governador Luiz de Brito. O caso foi o se-
porém não se contentou com lha fazer, e captivar guinte: Vm tal Sebastião da Ponte, morador da Bahia,
todos aquelles aldeãos, sinão que passou adeante, e homem honrado e rico, mas algum tanto cruel para
desceu infinito gentio,.. com os seus creados, açoutou barbaramente um dos
De Pernambuco entraram neste tempo pelo sertão brancos que o serviam, e, como por accrescimo, fer-
do Rio S. Francisco Gaspar Dias de Taide e Fran- rou-o numa espadua com o ferro das vaccas. Pas-
cisco de Caldas. Apoiados pelo Braço de Peixe, mo- sou este infeliz a Lisboa, e, bradando pela justiça,
rubixaba dos tabajares. captivaram sete mil indíge- m~strou ao rei a ferida ainda quasi fresca. Ordenou,
nas. matando os que resistiam. Na volta resolveram pois, o monarcha ao governador que mandasse ao
prender tambem o Braço, seu amigo e auxiliar, com reino, pres:. e a bom recado, o criminoso. Acolheu-
toda a sua gente. Elle. porém , entendendo-lhes o se este a uma capella de N.a S." da Escada, e an-
trama, idéou um plano contrario que lhe produziu dando em habito e tonsura. invocou o privilegio do
optimo resultado. Apparentando a mais sincera ami- canon, affirmando ter as ordens menores. lnterveiu
zade, fornecia aos brancos todos os mantimentos de o bispo, primeiro com rogos e admoestações; logo
suas roças, e até lhes concedeu duzentos dos seus
para caçar no matto e servil-os em tudo. (') Fr. Vicente do Sa lvado r, L III, cap. XX.
(') Anchieta di z que este bispo v e in em 7 5, e que não se mos-
Mandou, no entretanto, dizer a um seu parente, trou «tão ze loso pela conversão dos indi os. nem fez muita conta ela
chamado Assento de Passara « que viesse com os sua christ andade , tendo -os por gente boçal e de pouco entendi-
frecheiros da sua aldêa, e avisou os seus caçadores mento, e comtudo já foi visitar suas aldêas, e chr is mou os que ti-
que estavam entre os brancos, estivessem alerta nham necessidade deste sacramento. •
316 SUCCESSORES DE MEN DE S.\
EPOCA II.-PRIMEIRUS GOVERNADORES 317
com as censuras; não sendo, todavia, attendido di·
vidiu-se o povo em dois bandos, pegando em ar- cente. «Este, diz Anchieta, se mostra affeiçoado e ze-
mas de parte a parte. Não sabemos de que modo loso da conversão dos mdios, e acode por elles
acabou o tumulto, que na verdade foi grande e mui muitas vezes onde falta a justiça secular, por serem
lastimoso; porém Sebastião da Ponte, remettido para pessoas miseraveis e que têem particular necessidade
o reino, passou o resto de seus dias no Limoeiro. da protecção do braço secular. Tem visitado por si
mesmo todas as capitanias que estão a seu cargo ~ .
231) Naufragio. - Naufragou neste tempo no
rio Arambepe, a cinco ou seis leguas da Bahia, a nau 233) R e união. - Informado o rei D. Sebastião
S. Clara que ia para o Oriente, perecendo no desas- dos graves inconvenientes encontrados na divisão do
tre para mais de 300 pessoas com o seu capitão Brasil em dois governos, assentou reunir novamente
Luiz de Andrade. «Acudiu logo lá muita gente, e a autoridade nas mãos de um só governador geral.
se tirou do fundo do mar muito dinheiro de mer- O alvará leva a data de doze de abril de 1577. No-
gulho, de que se pagaram por si os buzios, nadado- meou nessa mesma data o novo governador na pes-
res, e muitos que nada nadaram. A isto acudiu o soa de Lourenço da Veiga, que tomou posse no pri-
bispo com a excommunhão da Bulia da Ceia contra meiro de janeiro de 1578, e falleceu na Bahia a 4
os que tomam os bens dos naufragas; não sei si de junho de 1581. Era do conselho do rei , e foi o pri-
aproveitou alguma cousa; só sei, que ouvi dizer a meiro governador que teve uma guarda de doze ho-
um, dalli a muitos annos, que aquelle fôra o tempo mens, vencendo cada um quinhentos réis por mez.
dourado para esta Bahia pelo muito dinheiro que Affirma fr. Vicente que este governador morreu
então nella corria. e muitos indios que descerão do de sentimento ao receber a noticia de que Tristão
sertão, e bem dizia dourado, e não de ouro, porque Vaz da Veiga, seu irmão, atraiçoando a patria, entre-
para este outras cousas se requeriam » ( 1) . gára aos castelhanos a Torre de S. Julião em que
commandava como capitão. Diz ainda rr. Vicente o
232) Prelazia do Rio de Janeiro 1577. - A seguinte: - Tinha o governador D. Lourenço da Vei-
divi3ão do Brasil em dois governos produziu a idéa ga uma cousa, e era que, por mais negocias que
de dividir egualmente a jurisdicção ecclesiastica, tivesse, não deixava de ouvir missa, e para não obri-
creando-se a prelazia do Rio de Janeiro, independente gar alguem a que o acompanhasse, ia e vinha sem-
do bispado da Bahia. O papa Oregorio Xlll a 19 de pre a cavallo • .
julho de 1575 expediu um breve concedendo esse ús feitos principaes da sua administração cifram-
desmembramento, e o monarcha a onze de maio se na tentativa de colonizar a Parahyba, de que logo
de 1577 assignou a carta regia, nomeando o pri- trataremos, no incendio de onze navios francezes
meiro administrador que foi o bacharel P. Bartholo- que traficavam (1579) nos portos do Brasil, e na ex-
meu Simões Pereira. Veiu com o governador Louren- ploração do Rio de S. Francisco até além da ca-
ço da Veiga em 1578, com todos os poderes de choeira de Paulo Affonso por João Coelho de Souza.
bispo, salvo o de dar ordens. A' sua jurisdicção per- Deste governador diz Anchieta que por si mes-
tenciam Porto Seguro, Espírito-Santo, Rio e S. Vi- mo visitou as aldêas da doutrina que estão a cargo
dos padrPs, com muito gosto e lagrimas de devo-
1
( ) f r. Vicente I. c., cap. XX r. ção, vendo as doutrinas, procissões, disciplinas e
communhões dos índios, as missas officiadas em canto
EPOCA 11. - PRIMEIROS GOVERNAD ORES 319
318 SUCCESSORES DE MEN DE SÁ

de orgam, com flautas pelos filhos dos mesmos ín- ~usaram os branc<?s a.ggredir essa especie de fortaleza
dios. Favoreceu a christandade no que poude, !nexpugnavel; os tndtos, porém, do Porquinho pele-
mandando ir para as ditas aldêas dos chris- Jaram ;:ontra ella co_m valor, durante sete dias.
tãos alguns índios que os portuguezes trouxe- Deram-s.e, por ftm, os selvagens a partido pro-
ram do sertão enganados, e nunca os quiz matJdar mette_n~o . depor as armas, e entregar uma aldêa de
entregar aos que os pretendiam por mais que nisto seus mtm1gos, comtanto que os brancos fossem com
insistiram, e assim muitos delles morreram baptiza- elles tomar a entrega. Estes acceitaram. - «Entrando
dos, e alguns vivem ainda, e trabalhou sempre de (os rendt~os) na al~êa, começaram a prégar que
conservar a liberdade de todos os índios ». e!les os tinha~ vendt~o por serem seus inimigos, e
amda lhes faztam mutta mercê em não os matarem
234) O Po r q uinho e o Setta. -Conta fr. Vi- nem os venderem _a _outros gentios, que os matasse~
cente do Salvador que no anno de 1578 os pernam- ou maltr~ta~sem, smao a christãos, que os haviam de
bucanos, guiados por Francisco Barbosa da Silva e trat~r chnstamente; ao que respondeu o principal da
Diogo de Crasto, fizeram uma celebre entrada pelo aldea,: chamado . A~aconda, que elles eram os que
sertão dentro. Navegaram em um caravellão até o merectam o capttvetro, e a morte, por serem mata-
Rio S. Francisco, onde mandaram ao principal cha- dores de. br_~ncos, e não elle nem os seus, que nun-
mado Porquinho pedir índios que levassem ás cos- ca lh~s _ftzet am net:hum damno; e então se virou para
tas os mantimentos e os resgates. Na duvida de o capttao, e lhe dtsse; «Branco, eu nunca fiz mal a
obtel-os deste, fizeram egual pedido a um seu con- teus p~rentes, nem estes me podem vender; mas eu
trario, denominado Setta. Como viessem de ambas ~or mtnha vontade quero ser captivo e ir com-
tJgo •.- '
as partes, seguiu Barbosa com os do Setta, e Crasto
com os do Porquinho. .Est~s palavras tão extraordinarias na bocca de
• O Setta, depois de ter o capitão em casa, lhe um mdw dev1am produ_zir alguma duvida nos per-
commetteu que lhe queria vender uma aldêa de con- nambucanos; mas a cobtça de possuir escravos em-
trarias que tinha dalli a nove ou dez leguas, que b?ra do modo mais injusto do mundo, tapou-Il1es a
fosse com elle, e lha entregaria. Acceitou o capitão vtsta a p~mto de despedirem a gente do Porquinho,
o partido, e, deixando em guarda do fato um Dio- seu ~uxtl t ar. Ouçamos, porém, o resto da bocca de
fr. Vtcente.
go Martins Leão com doze homens, se foi com os
mais onde o Setta os levava •. «O capitão lhe agradeceu com palavras e man-
Revoltando-se, porém, neste ínterim os barbaros dou q~e se apromptassem dentro de quinze dias para
contra Leão e os seus companheiros, ateou-se uma o cammh_o,. como ftzeram; eram tantos que indo to-
guerra entre os índios do Setta e os brancos, que dos em ftle tra um atraz do outro (como costumam)
foram auxiliados pelo Porquinho com toda a sua ~cc~pavam ~ma legua de terra. Não sei com qu~
gente. Feriram-se diversas batalhas bem disputadas, JUStiça e raza_o homens _christãos, que professavam
em que pereceram para mais de 1200 índios do Setta. guardai-a, qutzeram aq~t que pagasse o justo pelo
A ultima peleja deu-se em uma cêrca que tinha 3236 pec~ador! trazendo caphvo o gentio, que não lhes
braças em circuito, e lançava um braço até á agua havta fe tto mal algum, e deixando em sua liberda-
de que bebiam. Estavam nel la quarenta e tres prin - de os rebeldes e_ homicidas, que lhes haviam feito
tanta guerra e tratções . •
cipaes com toda a sua gente, mulheres e filhos. Re-
E POCA ll. -PRII\U:IROS GOVERNADIJRES 321
SUCCESSORES DE MEN DE SA ----
320
descendia de D. Manuel por seu pae, era filho na-
Porém elles lhes déram o pago, pois apen~s
« tural. Pareceu, por isto, a principio ao cardeal - rei
os haviam deixado, quando determinaram de lhe~ 1r que o direito assistia mais á casa de Bragança, do que
ao alcance e m.:mdaram adeante alguns por espias, á do Escurial; mas, reflectindo em seguida ser essa
que se m~ttessem pelos mattos, e quando os do Ara- casa representada por uma mulher e a outra por um
conda. fossem á caça, lhes dissessem g.ue elle~ re.mor- homem foi de parecer que o reino pertencia a Fe-
didos de suas consciencias os quenam red1m1r d o lipe 11. Recusou, todavia, declarar a sua opinião por
captiveiro dos brancos em que os puzeram,. e para sentença ou testamento, deixando esta tarefa á nação .
isto lhes queriam dar guerra, pelo que os avisavam, Convocou a tal effeito as côrtes em Lisboa (1579),
que quando vissem a batalha, os deixassem e fossem e no anno seguinte em Almeirim, as quaes se limi-
embora para as suas terras, porq~e a g ente do Por- taram a nomear 5 governadores para substituir o rei,
quinho era já despedida, e não tmham que te.mer ». e onze jurisconsultos, incumbind o-os de resolver a
Aconteceu precisamente deste mo~o. Assim os melindrosa questão.
vendidos e presos recuperaram a sua ltberdad~, e os Tudo ficou sem resultado, porque o monarch a
pernambucanos tornaram para as suas casas ma1s po- hespanhol, conforme relata Rebello da Silva, a troco
bres do que dellas tinham sahido . de ouro e de promessas, comprára a maior parte
da nobreza afim de que lhe reconhecesse o direito
235) Domínio da Hespanha. - Não vem ao ao throno. fez-lhe, todavia, decidida opposição parte
nosso intento desenvolver os factos que nesta epoca do clero e o terceiro estado ou povo, que acclamou
occorreram na Europa, e não pouco influíram nos tumultuariamente a D. Antonio, contra o qual man-
destinos do Brasil. Diremos tão sómente que, tendo dou D. felippe o duque de Alba á testa de bem
perecido D. Sebastião na desastra~a batalha de Al- aguerrido exercito. Não podia o duqu e de Alba dei-
cacer-Kibir (1578), tomC?u as redeas do g overno o xar de ser bem succedido, porque os commandantes
velho cardeal D. Hennque, e logo se começou a das fortalezas estavam todos vendidos, e só espera-
discutir quem por sua morte lhe havia de succeder vam os hespanhóes para salvar as apparencias. Por
no throno. Apresentaram-se como pretendentes, fe- outro lado, o duque de Bragança limitou-se a pro-
lippe 11 da Hespanha . a duqut>za d.e Bragança. o testar, e nem siquer desembainhou a espada. Em
príncipe de Parma, o duque de Sab01a. e D. Antp- seguida, pois, á derrota do Prior, que fugiu para a
nio prior do CI·ato (1). Todos mandaram seus pro- França, onde mais tarde morreu, entrou o Rei Ca-
cur~dores para a côrte, alle~ando que eram netos tholico triumphante em Portugal, sendo pelos nobres
de D. Manuel; excepto, porem, a duqueza d~ Bra- acclamado nas côrtes de Thomar que felippe 11 abriu
gança, todos o eram por sua mãe, e D. Antomo, que a 20 de abril de 1581.
Quem trouxe para o Brasil a noticia do que
( ') Alg uns hi sto ri ador es de a utorid ade muito secun da ria pr e- acabava de realizar-se na metropole, foi o governa-
ten de m que se apresentou ta mbe m Grego ri o ;(I[[ .como lterdttro ~o dor Manuel Telles Barreto (1582), que sem demora
cardeal. Si isto fosse verdade, nu nca o Papa o fa n a co mo he•·dett·o informou della todas as capitanias. A acclamação
de um cardeal; porq ue os herdeiros dos cm·deaes são seus parentts,
não 0 Papa. E ' ce rto, co mtuóo , q ue G regori o n ão se a prese nto u de effectuou-se, ao menos na Bahia, sem as formalida-
modo alg um . . . .
des do juramento, que, por indicação da côrte, só
D e prehe nde-se isto co m a ma10 r evtde nc•a d o que co nt a R e - se prestou a 25 de maio de 1582.
b ello da Silva na sua Ili sto ria de Portu gal, vol. li.
21
322 ESTADO DO BRASIL EPOCA II. - PRIMEIROS GOVERNADORES 323
Si O. Antonio tivesse comprehendido a sua fra- explorado, algum pouco do interior havia sido viSI-
queza, e possuído Uf!l genio,. digno da posição á tado, e seu governo era bem regularmente consti-
que aspirava, podena te: vmdo estabelecer-se. no tuído.
Brasil com o titulo de re1 de Portugal. Tal fo1 o Em Itamaracá - florescia a villa da Conceição
conselho que lhe deu D. Pedro da Cunha, o . mais com tres engenhos de assucar.
habil de seus parciaes e capitão do porto de L1sboa. . Pernambuco-era . sem contestação, a capitania
Era bem provavel qu~ as potencias, movidas, parte ma1s adeantada e rendosa. Contava dois mil colo-
pela rivalidade da Hespanha, parte pelas vantagens nos, dois mil escravos, e 66 fazendas de assucar que
do commercio não duvidariam em reconhecei-o e produziam 200,000 arrobas annuaes. Mais de cem
prestar-lhe apoio. Porém o Prior desprezou esse colonos tinham passante de cinco mil cruzados de
conselho e apenas se lembrou do Brasil , escrevendo renda; alguns, de oito a dez · mil, som ma enorme
ás cama~as e aos governadores, qua~do !inha per- para a epo.::a. Tal, porém, era o luxo, que quasi
dido tudo na Europa. Commetteu, alem d1st?, o erro todos estavam muito endividados. Eram frequentes
de confiar as cartas a navios francezes, considerados as festas e os banquetes. Trajavam os homens vellu-
neste tempo como nossos maiores inimigos. Apresen- dos, damascos e sedas, e despendiam briosamente
tando-se tres delles no Rio de Janeiro, e pretendendo em cavallos que ajaezavam com egual profusão. As
á força communicar com a gente da t.erra, foram por cadeinnhas ou palanquins, introduzidos da Asia, eram
Salvador Corrêa de Sá repellidos a hro de bala e de moda Só em vinhos se consumiam annualmente
obrigados a sahir barra fóra. em Pernambuco muitos mil cruzados. As senhoras
Em 1579 offerecera felippe li ao duque de Bra- tambem ostentavam luxo, e eram dadas mais ás
gança a posse do Brasil com o ti.tulo de re_i inde- festas do que ás dev~ções . ·
pendente, si a duqueza O. Cathanna consentisse em Possuía Olinda uma bella egreja matriz, quasi
desistir de seus direitos ao throno de Portugal (1). acabada, de tres naves, e muitas capellas, boa casaria
Nem o rei da Hespanha, fazendo a offerta, nem o de pedra e cal, assim como um collegio de jesuítas
duque de Bragança, recusando-a, lhe calcularam o com licções de casos, de latim e de primeiras lettras.
alcance. - No Recife existiam apenas um começo de povoado
alguns armazens e uma ermida com a invocação d~
VI Corpo Santo.
O pau brasil estava arrendado , por dez annos
Estado d.) Brasil em 1581 em vinte mil cruzados annuaes; o dizimo dos en~
genhos, em dezenove mil. O donatario Jorge d'Al-
236) Progresso notavel. Por mais que se buquerque cobrava para si uns dez mil cruzados do
queira ou possa dizer do desleixo da metropole re- tributo do pescado, redizima e outras rendas.
lativamente ao Brasil, é força reconhecer que nestes
oitenta annos da sua existencia elle tinha assaz pro- 237) A Bah ia -- contava oitocentas famílias na
gredido, e talvez mais do que nenhum~, das ~:mtras cidade, e pouco mais de duas mil em todo o Re-
colonias americanas. Seu littoral estava Ja quas1 todo concavo. Entre negros e índios podiam-se pôr em
campo quinhentos soldados de cavallaria, e dois mil
(1 ) Ericeira, Port. Rest., t. I, p. 16. infantes. Existiam quarenta peças pequenas de arti-
324 - - - - ESTADO DO BRASIL
_ _ _ EPOCA li.- PRIMEIROS GOV I~RNADORES 325
lharia, e outras tantas maiores. Algumas destas esta-
vam collocadas na barra, mas pouco valiam por ser jas, _das q~aes. 16 eram freguezias; em nove destas
mui largo o canal. serv1am v1ganos pagos pelo rei; nas outras, curas
Podiam, em caso de necessidade. reunir-se mais sust~ntad?s pelos parochianos. A maior parte destas
de mil e quatrocentas embarcações de differente ta- e~reJas tinham capellães e irmandades como em
manho. Não havia no Reconcavo homem que não ~Isboa. A cat~edral, que ainda estava por acabar
possuísse o seu bote ou a sua canôa, nem engenho tmha um ca_bido composto de cinco dignitarios, sei~
de assucar que tivesse menos de quatro. Trabalha- conegos, dois coneg-os menores, quatro capellães, um
vam nesse Jogar oito estabelecimentos de preparar cura con~ seu coadJuctor, quatro coristas e um mes-
melaço, 36 engenhos de assucar sem assudes, 21 tre de cor?, mas poucos delles haviam recebido
com assudes, 15 tocados por bois, quatro ainda em ordens maiores.
construcção Exportavam-se cada anno mais de . ?~ conegus pe~cebiam . de congrua apenas trinta
120,000 arrobas de assucar. mil 1 eis an~uaes; tnnta e cmco os dignitarios; qua-
O gado vaccum e o cavallar multiplicava prO ·· renta_, o d.eao; ao passo que o capellão da Miseri-
digiosamente. Alguns tinham na sua manada qua- cordia, e tambem o de qualquer engenho de assucar
renta e cincoenta eguas de creação. O preço de3ses ganh~va sessenta mil réis annuaes com cama e mesa.
animaes regulava de dez a doze mil réis por cabeça; Seguia-se de tudo isto que o bispo devia gastar
levados, porém, a Pernambuco, vali am mais que o larga parte de suas rendas, e eram escassas para
dobro. Ovelhas e cabras, de cujo leite se fabricava suste~tar os sacerdotes que faziam o serviço ;egular
manteiga e queijo; grande quantidade de laranjas, na Se, _e m que egualmente se observava grande falta
de limões, e de outros fructos; o cacáo, o chá e o de alfaias e paramentos.
gengibre, trazido da ilha de S. Thomé, do qual em
1573 foram apuradas quatro mil arrobas: tudo era , 238) ~apitani a s do Sul. - A capitania dos
industria dos colonos, tudo concorria para tornar a lllzeos, habitada outrora por quinhentos colonos com
colonia cada vez mais rica e feliz. nove engenhos. de assucar. achava-se agora em com-
Vedou, todavia, a metropole a cultura do gen- pleta decadencia, enumerando apenas cincoenta colo-
gibre pela razão, verdadeira ou falsa, de que preju- nos, tres mesquinhas fazendas de assucar e algumas
dicava o commercio da India! ro_ças de algodão e de mantimentos. Um tal Lucas
Viviam na Bahia mais de cem pessoas com a 0Iraldes _a compi_-ou (6 de nov. de 1560) a Jeronymo
propriedade de vinte a sessenta mil cruzados, e com ?e ~!arcao, tercei~o d?natario, a quem a cedera seu
a renda de tres a cinco mil cruzados. Suas mulheres Irmao J?rge de f i gue i red~, primogenito do primeiro
só vestiam seda. Até homens das classes mais baixas don~tano . Recebeu a confirmação regia a 20 de fe-
passeavam pelas ruas com calças de setim e de da- vereiro de 1560.
masco. Nem era menor o luxo das casas. O valor Nem melhor era a condição da capitania de
da baixella e de outros ornatos domesticas de alguns Porto ~eguro, co,m seus quarenta colonos na capital,
colonos subia a dois e a tres mil cruzados. unca uma vllla, um so engenho e duas aldêas de índios
faltava no mercado de S. Salvador pão fresco de mansos. A erva mata-pasto fazia com que houvesse
farinha portugueza, nem vinhos da Madeira e das pouco gado vaccum ; abundavam, porém, tanto os
Canarias. Existiam na cidade e Reconcavo 62 egre- JU mentos e os cavallos, que muitos viviam abando-
nados em completa liberdade no matto. Os colonos
326 ESTADO DO BRASIL EPOCA 11.- PIUMEIROS GOVERNADORES 327

fabricavam agua de laranjas para exportação. A de- ceiro, começado por Salema e ainda por acabar, era
cadencia deu causa a que muitos povoadores se pas- do patrimonio real. Abundava a fructa, a hortaliça e
sassem para Pernambuco. o pescado. O peixe de escama vendia-se a quatro réis
D. Leonor de Campos, viuva do segundo dona- á libra; a real e meio, o de pelle. Ainda vivia Mar-
tario, vendeu esta capitania ao duque de Aveiro, seu tim Affonso, o celebre Ararigboya, commendador da
solarengo •autorizando-o a isso EI-Rei, com a clau· Ordem de Christo, que tanto se havia illustrado nas
suJa de que, por sua morte, passaria a doação a seu guerras contra os fràncezes.
filho segundo, para quem assim constituía um mor- .tm S. Vicente- a vi lia deste nome ia ficando
gado. A venda se fez por um padrão de juros de cada vez mais pobre, tendo apenas 80 colonos. O
doze mil e quinhentos réis e mais dois moios de mesmo acontecia á villa tle ltanhaem. Em S. Amaro
trigo por anno, em vida da cessionaria, que recebeu mola só um engenho de assucar. Ao norte da ilha
além disto seiscentos mil réis » ( t). Eram mais de seis de S. Amaro, na bocca da barra da Bertioga, existiam
mil Ieguas quadradas de terra ! as duas fortalezas de S. felippe e de Santiago; da
Em 1584 escreveu o P. Anchieta que a decaden- banda do sul, no forte erguido pouco antes, estacio-
cia da capitania dos Ilhéos e da de Porto Seguro era nava uma g uarnição de cem soldados com capitão
devida principalmente á invasão dos aymorés; porque e alcaide. Em S. Paulo havia 120 colonos, muito
o gentio tupiniquim se tinha consumido • parte com gado, grandes plantações de marmelleiros, e de vi-
doe:1ças, parte com o maltratamento dos portugue- nhas, de cujas uvas se fazia grande quantidade de
zes como em todas as partes, salvo S. Vicente, de vinho . Vedou-se, todavia, mais tarde o fabrico deste
maneira que ficaram sem gentio. E mandou -lhes Deus vinho em attenção ao commercio de Portugal !
um açoute crudelíssimo, que são uns selvagens do Em todas as capitanias havia casas de Miseri-
m:ltto que chamam aymorés, homens robustos e fe- cordia, que serviam de hospitaes, edificadas e susten-
ros, aos quaes, emquanto houve índios amigos, sem- tadas pelos moradores da terra com muita devoção.
pre lhes resistiram ; mas, faltando-lhes estes, foram e Nellas se casavam muitas orfans. Existiam tambem
são tão acossados dos selvagens. que já a capitania numerosas confrarias ou irmandades.
de Porto Seguro está meio despovoada. e a dos Ilhéos
em grandíssimo aperto ... e já esta praga chega pelo
Camamú até perto da Bahia, de maneira que já os 239) Ordenados . - O ordenado do primeiro
homens buscam ilhas em que fazer suas fazendas, governador fixou-se em 400,000 rs. annuaes, sendo
porque não ousam estar na terra firme ». logo o do segundo elevado a 600,000 rs.; porém o
A capitania do Espírito Santo-tinha 150 colo- ~o bispo ficou ainda por longo tempo fixo na quan-
nos, 6 engenhos de assucar, muita crea.,:ão de gado, tia de 200,000 rs, annuaes. Os jesuítas em 1552 rece-
notavel plantação de algodão, e diversas aldêas de biam um cruzado em ferro por mez para a mantença
indios convertidos. de cada um, e 5,600 rs. annuaes para se vestirem.
No Rio de Janeiro - viviam 150 colonos. Dos tres Nobrega observava nesse mesmo anno como isto não
engenhos de assucar alli existentes, um pertencia a bastava, sendo os padres obrigados a ir jantar com
Christovam de Barros; outro ao governador; o ter- os creados do governador ou com os de alguma
outra pessoa. Cumpre lembrar que os jesuítas nada
1
( ) Varnhagen , p. 291. percebiam por missas, sermões, praticas e outros mi-
328 ESTAD O DO BRA SIL EPOCA II. - PRIMEIROS GO VER~ADO R ES 329

nisterios. Seu unico meio de vida era a esmola e o 240) O s jesuítas - segundo o mesmo P. An-
ordenado do governo. chie~a, possuia_m, nesta época, tres collegios, o da
Em 1557, mandou o governo, diz Varnhagen , Bahta, o do R10 e o de Pernambuco. O primeiro re-
abonar a cada um quatro panicús (balaios) de fari- cebeu es!e t~tulo em 15_56, e foi em 1565 dotado para
nha, um alqueire de arroz ou de milho e um cruzacio sessenta trmaos pelo ret O. Sebastião. «Nell e ha de
em dinheiro. Ordenou em 1559 que além disto se ordinario escola de ler, escrever e algarismo duas
désse a cada um 500 rs. e doze cruzados em fe~ro. classes de humanidades. Leram-se dois cursos d'e artes
Em 1560 substituiu o rei este ordenado pela redizima em que se fizeram alguns mestres de casa e de fóra'
ou decima parte de todos os dizimas, o que em 1576 e ag ora se acaba terceiro. Ha licção ordinaria d~
se mudou em dois contos e 200,000 (1} cruzados de con_scien~~a, e, ás vezes . duas d~ theolog ia, dond e
mantimentos, e mais 500 cruzados para a fabrica dos sah1ram Ja alguns mancebos pregadores, de que o
collegios. Isto diz Varnhagen, porém o P. Simão de bispo se ~proveita para a su!l Sé, e alg uns curas para
Vasconcellos, C. C. III, 45, conta que O. Sebastião as fregueztas , . A este co llegto estavam subordinadas
em 1564 fundou o collegio da Bahia, concedendo- as casas dos Ilhéos e de Porto Seguro.
lhe a redizima para o sustento de sessenta individuas, . O collegio do Rio de Janeiro, fundado em 1567,
doação que pelo tempo se reduziu a dinheiro dando- tmha escola de ler, escrever e algarismo · uma classe
se 20,000 rs. annuaes para cada um, o que vem a de latim, e licção de casos para toda 'a sorte de
perfazer tres mil cruzados. gen_te. p.Sebastião o dotou nesse . mesmo anno para
60 trmaos. Accrescenta o P. Anchteta que ainda não
O P . Anchieta em 1584, escrevia que os tres estava acabado, porque o governo não pagára os 166
collegios de Pernambuco, Bahia e Rio de janeiro ti-
ducados que o rei O. Sebastião lh e deu d e esmola
nham suas rendas e «as mais casas vivem de esmolas
para as obras. Dependiam delle as casas d e S. Vi-
que lhes dão os moradores, fracamente, conforme a
cente. de S. Paulo de Piratining a e do Espírito Santo.
sua possibilidade, que é pouca; e porque elles não
podem supprir a tudo por serem pobres, os collegios
No collegio de Pernambuco, fundado e dotado
p~ra vinte irmãos pelo rei O. Sebastião em 1576, ha-
provêm as casas que lhes são subordinadas, de ves-
vta es~ola de ler,. escrever e algarismos, uma classe
tido, vinho, azeite, farinha para hostias, e outras causas
de lattm e uma ltcção de casos. «Tem de dote diz
que não ha na terra , e hão de vir necessariamente de
o P. Anchieta, para a sua sustentação mil duc~dos
Portugal ». (2).
que lhe ha doado el rei O. Sebastião; pagam-se bem
em 900 arrobas de assucar branco mascavado alto
De ixa mos esc rupu losa me nte tudo co mo está no a utor que e maio, e as 100 de assucar n egr~ de sinos o~ re-
1
( )
citamos; parece-nos. po ré m. cert o have r e rro de imprensa nestes
a lga ris mos. tames. e pagam -se em certos engenhos que os pa-
2
( ) Na info nrwçiio de 15 85 o mesmo P . Anch ieta escreveu o dres assignalam cada anno como lhes parece, e se
segui n te :-- <Este co ll egi'> (o d" .Bahia ) ha do t ... do el -rei D. Sebas- arrendam por um homem de fóra . Vendidos na
tião co m tres mil d ucados d e r e nda p a ra os ses~e nt a e m cad a um mesma terra importarão em 1500 ducados, e envian-
an no, que se us o ffi c iaes pagam mui mal, pe lo qu e o co ll eg io está do-se a Portugal por nós, e a nosso risco importa-
endi vid ado . .. e vae tudo deva gar (a co nstru cção d o co ll egio) por
não se pagar bem as rendas e ce nto e sesse nta ducados de esmola
rão, deductis expensis, quasi 2000 ducados ~.
que e l-rei D. Sebastião fez pa ra as obras, ma' sempre se faz algo . . . > . Com tudo em 1578 o provedor-mór da fazenda,
Chnstovam de Barros, escreveu ao rei que cumpria
330 ESTAD O DO BRASil. EPOCA If.-PRlMElROS GOVER ' A DO RE S 331
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revogar esta concessão , porque não se achava quem a passar gravíssimas enfermidades; frio , principal-
quizesse arrendar os engenhos com este onus. mente na capitania de S. Vicente. no campo , onde
Accrescenta Anchieta : - • Para as obras do edi- já por vezes se acharam índios mortos de frio, e as-
fício futuro tem (o collegio de Olinda) 166 ducados sim acontecia muitas vezes, ao menos nos princípios,
de esmola que lhe fez el-rei D. Sebastião, e por se a maior parte da noite não poder dormir de frio nos
pagar mal e por não haver tanta commodidade de mattos por falta de roupa e de fogo, porque. nem
officiaes e cal, o edifício não se começa ». calças, nem sapato havia, e assim andavam as pernas
« A todas estas capitanias . . acodem sempre queimadas das ~?;eadas e chuvas muitas e mui gro.; -
os nossos com seus ministerios, e quanto aos portu· sas e continuas, e com isto g randes enchentes de
guezes, elles levam pandas diei et aestus nas préga- rios e muitas vezes se passam aguas muito frias por
ções, confissões, doutrinas, etc., porque tirando a longo espaço pela cinta e ás vezes pelos peitos; e
Bahia e Pernambuco (posto que tambem nestas a todo o dia com chuva muito grossa e fria , gastan-
maior parte das confissões e prégações é dos padres), do depois grande parte da noite em enchugar a rou-
em todas as mais quasi nunca ha prégação sinão da pa ao fogo, sem haver outra que mudar. E comtudo .
Companhia . Quanto aos escravos dos portuguezes, nada disto se estima, e muitas vezes, por acudir a
índios da terra, desde que o Brasil é povoado nunca baptizar ou confessar um escravo de um portuguez,
se disse missa nem por cura, nem por mandado de se andam seis e sete leguas a pé, e ás vezes sem
bispo algum por respeito delles, antes, em partes comer; fomes . sedes, et alia hujasmodi; e finalmen-
onde não ha casas da Companhia, nunca a ouvem, te a nada disto se negam os nossos, mas sem diffe-
nunca por cura foram confessados , porque lhes não rença de tempos, noites nem dias, lhes acodem e
sabem a língua, sinão algum agora nestes tempos muitas vezes, sem ser chamados os andam a buscar
que ha já algum mestiço sacerdote . . pelas fazendas de seus senhores, onde estão desam-
.. Toda esta carga tomou a Companhta a seus parados. E quando ha doenças geraes, como houv e
hombros, porque, desde que entro~ no B~asil, log_o cá muitas vezes . . . , não ha de scançar, e nisto se
ordenou que se dissesse cada dommgo mtssa partt- gasta cá a vida dos nossos, com que se tem ganha-
cular para os escravos, e isto continuou até ag ora do em todo o Brasil muitas almas ao Senhor . .
em toda a costa, doutrinando-os para o baptismo, Em todo o Brasil poderão ser baptizados, desde que
casando-os e confessando-os, nem se sabe em toda os padres vi eram a elle, mais de cem mil pessoas, e
a terra chamar outrem para lhes acudir si não os nos- destes, haverá até vinte mil ».
sos ».
242) Os jesuitas e a guerra. - « Acompanha-
241) Trabalhos e perigos. - « Os perigos e ram algumas vezes nas guerras justas os governa-
trabalhos que nisto se passam, pela diversidade dos dores e capitães onde remedeam as almas dos por-
Jogares a que acodem, se podem conjecturar: peri- tuguezes e dos escravos índios, baptizando e confes-
gos de cobras . ; perigos de onças ou tigres ... ; sando, além disto por seu meio se têem alcançado
perigos de inimigos ... ; tormentos de mar e naufra- victorias mui notaveis estando os portuguezes em
gios, passagens de rios caudalosos, tudo isto é ordi- evidentes perigos de ser destruidos, como se viu na
nario; calmas muitas vezes excessivas que parece guerra que fez Antonio Salema ao Cabo frio, onde
chegar um homem a ponto de morte, de que vêm na primeira aldêa que era fortíssima e da melhor
E PO CA U.-PRIMELROS GO VE RNAD O RES 333
332 ESTADO D O BRASIL
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agora, e assim será sempre, durando esta sujeição,
gente que havia em toda a terra que esta'._'a alli j~n­ havendo residencia de mestres com elles que os não
ta estavam já em grande tribulação, e o md1o pnn- deixem cahir por sua natural frieza, e os incitem
cipal della, ouvindo e conhecen~o as palavras ~e cada vez a maiores coisas, como se vê agora que
um nosso padre, se entregou a s1 e a toda a aldea são muito amigos de vir á missa todas as festas, e
e dalli se sujeitou todo o Cabo frio sem trabalho ». alguns pela semana, confessarem-se muitas vezes e
«O me.; mo foi na capitania do Espírito Santo: serem muito capazes da Santíssima Communhão,
estando quasi todos os moradores sobre uma forte para a qual se apparelham com muita devoção, je-
aldêa dahi a 30 leguas, já desconfiados e em perigo juando e disciplinando-se á vespera; e os que não
de se perder, pelas palavras de outro n~sso padre se têem ainda commungado trabalham muito de se
entregou aquella. aldêa e ~utras . E_ass1m aco_nteceu apparelhar para isso, fazendo tudo que se lhe or-
noutras em S. V1cente . po1s, no R1o de jane1ro, te- dena >.' .
mendo-se os portuguezes que estava o sertão alevan- «Por aqui se vê que os maiores impedimentos
tado acorreram-se ao~ padres. e assim pelo bem nascem dos portuguezes, e o primeiro é não haver
com~um foi lá mandado um padre língua muito nelles zelo da salvação pelas almas dos índios, etianz
doente que havia muitos annos que lançava sangue naquelles quibus incumbit ex officio, antes os têem
pela bocca e entrou muitas_ leg uas pelo sertão, pas- por selvagens, e, ao que mostram, lhes pesa de ou-
sando aquellas serras que sao as mawres que ha no vir dizer que sabem e!les alguma cousa da lei de
Brasil, e esteve lá seis mezes e pacificou o sertão Deus, e trabalham de persuadir que é assim ; e com
e trouxe comsigo algumas 600 almas de índios, pas- isto pouco se lhes dá aos senhores que têem escra-
sando grandíssimos traba~hos e p~rigos,_ d~s, quae~ vos, que não ouçam missa, nem se confessem, e es-
índios se fez uma das aldeas do R10 e sao Ja quast tejam amancebados. E si o fazem, é pelos contínuos
todos christãos ». brados da Companhia, e logo se enxerg a claro nos
tementes a Deus, que seus escravos vivem differen-
243) Os obstaculos á co~versão - eram pela temente pelo particular cuidado que têem delles •.
parte dos índios, os cost~mes mveter~dos, a saber: • Os que nesta parte mais padecem, são os po-
a polygamia, o uso _excess ivo ~e seus vmhos, as guer- bres escravos e os mais índios livres que estão em
ras e vinganças, a mconstanc1a, e sobretudo faltar- poder dos portuguezes, que não podem ser muitas
lhes temor e sujeição . . . O qual temor de Deus lhes vezes doutrinados dos padres, e ass im o maior mal
ha de entrar pelo receio da pena temporal; • porque que se faz aos índios da doutrina, quando vão aju-
havendo isto, tomam o jugo da lei de Deus e per- dar os portuguezes em suas fazendas, é que alguns
severam nelle ao menos com muito menos pecca- lhes dão as escravas, para com isso os prender mais
dos que os p~rtuguezes, pois já o tornarem atraz da tempo. Outros não o prohibem, e desta maneira os
fé de maravilha se viu nelles » .. que peior vivem, são os que mais tratam com os
«Todos estes impedimentos e costumes sã~ !fl_ui portuguezes, ensinados de seu máu exemplo, e muitas
faceis de se lhes tirar, si houver temor e SUJelçao vezes peior doutrinil, em que os admoestam que não
como se viu por experiencia desde o tempo tenham dever com a doutrina dos padres; posto que,
do governador Men de Sá até ag?ra; porque com os destes, não são sinão alguns desalmados, mas os de
obriaar a se juntar e terem egreJa, bastou para re- máu exemplo e pouco zelo, são muitos ».
cebe~ a doutrina dos padres e perseverar nella até
334 ESTADO DO BRASIL EPOCA III. -DOM! IO DA HESPANHA 335

eO que mais espanta aos índios e os faz fugir tindo as vias de successão {1), a camara da Bahia
dos portuguezes, e por consequencia das egrejas, são segundo as ultimas vontades do governador decidi~
as tyrannias 'que com elles usam obrigando-os a qu~. o bispo e o ouvidor geral, Cosme R~ngel, se
servir toda a sua vida como escravos, apartando unmam a ella para governarem todos juntos. Dei-
mulheres de maridos, paes de filhos, ferrando-os, xou-se a principio a camara dominar tanto pelo ouvi-
vendendo-os, etc.. e si algum, usando de sua liber- dor, que o bispo offereceu a sua demissão. Então
dade, se vae para as egrejas de seus parentes que Rangel, que já assumia o titulo de governador, pre-
são christãos, não o consentem lá estar, de onde tendeu impor á camara diversas medidas arbitrarias
· muitas vezes os índios, por lá não tornarem ao seu e ambiciosas. O resultado foi uma desharmonía total
poder, fogem pelos mattos, e quando mais ~ão entre o ouvidor e os vereadores, bem como a reti-
podem, antes se vão dar a comer a seus contranos; rada. do bispo e de varios dos habitantes principaes,
de maneira que estas injustiças e sem razões foram da ctdade para o campo. Apoderou-se, todavia, Ran-
a causa da destruição das egrejas que estavam con- gel ~o governo absoluto dissolvendo a camara, con-
gregadas, e o são ago ra de muita perdição dos que segl!mdo que se elegesse outra composta quasi ex-
estão em seu poder •. clusivamente de pessoas que lhe eram dedicadas,
Observe o leitor que o P. Anchieta era incapaz afastando alguns vereadores pouco doceis, e adap-
de ex.::.ggerar e ainda mais de mentir, e depois re- tando os Mestéres , instituição popular, já existente
flicta porque era que os jesuítas clamavam contra a em Portugal desde 1535 ; nunca, porém, até esta
crueldade dos portuguezes. epoca, adaptada no Brasil.
Accrescenta em outro logar o P. Anchieta que Os Mestéres eram quatro homens que no senado
só na Bahia tinha já havido 40 mil christãos «e que da camara de Lisboa serviam de procuradores dos
agora não haverá dez mil» e que os indios se tinham 24 officios mechanicos. Concorriam com a camara
retirado á distancia de duzentas a trezentas leguas em dar regimento aos officios, e taxa aos preços da
pelo sertão dentro, e que não derá isto remedio, si mão d'obra, ou feitios. Votavam com os ministros
não vier a lei que pedimos á Sua Magestade que não do senado, e deviam ser sempre officiaes mechani-
sejam captivos, nem os possa ninguem ferrar, nem cos (2)
vender». Ao ver-se Rangel senhor do poder absoluto
Vê-se tambem de tudo isto como os colonos governou arbitraria e tyrannicamente, it~staurand~
destruíam a famíl ia, que, por ser a base da Socie- processos a quantos se lhe mostravam contrarias.
dade, era muito esti mada até entre os barbaros. Entre os presos por esse usurpador ambicioso en-
contramos .o nome de M~nuel de Sá, provedor' d'al-
EPOCA III çada na ctdade, e sobnnho do benemerito Men
Dominio da Hespanha até 1624: de Sá.

(I) As vias de successiio eram uma carta regia que continha a


nomeação do governador interino em caso de morte ou impossibi-
Primeiros annos lidade do effectivo.
2
( ) Vide Bluteau, Constancio e o Dr. Fr. Domingos Vieira.
244) Primeira Junta, 1581 - 83.- Fallecendo art. Mestéres,
Lourenço da Veiga (4 de junho de 1581), e não exis-
336 CONQUISTA DA PAI<AHYBA EPO CA lii. - DOMINlO DA HESPANHA 337
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• Durante o governo interino de Rangel, diz Var- Brasil, pags. 55, 96, 97, que os selvagens da Parahyba
nhagen, foi agasalhada na Bahia uma nau ingleza, do Norte (1), se mostraram desde o principio amigos
que desembarcou mais de trinta mil cruzados de dos portuguezes a ponto de irem a Itamaracá traba-
mercadorias, bem que, por varios abusos, só dellas lhar para elles quasi de graça; que, sendo maltrata-
cobrou a alfandega duzentos e vinte mil réis de di- dos pelos colonos, se retiraram, e se deram a servir
reitos. Recebeu uma grande carga de assucar, do os francezes, e que. depois de assentarem pazes com
qual tambem apenas um terço se despachou •. E;s os portuguezes vizinhos, os ajudavam de bom grado
porque o governo luctava sempre com difficuldades em tudo. •-Mas tantas vexações e perrarias lhes fi-
economicas. Onde falta a consciencia, tudo pode a zeram, que se tornaram a rebellar. Uma só contarei
cobiça. que foi como d~~posição. ultima e occasião propin~
245) Ma nuel T elles Ba rreto . - Nomeado qua desta rebelilao. e fo1 que entre outros mamelu-
desde o dia 20 de novembro de 1581, aportou á cos, _que andavam pelas aldêas suas resgatando peças
Bahia no dia 20 de maio de 1582. Elevaram-lhe o capbvas e outras cousas, e debaixo disto roubando-os
ordenado a 800,000 réis, e lhe concederam uma guar- com violencia e enganos, houve um, natural de Per-
da de 20 homens com o vencimento de quinze mil nambuco, o qual, posto que era filho de um homem
~10nrado, tirou mais a ralé da mãe que do pae· este
réis annuaes cada um. Logo que chegou á Bahia
escreveu a todas as capitanias, participando que de- mdo a uma aldêa da Copahôba com seus re~gates'
viam reconhecer Felippe Jl por seu rei. Tratou em se agasalho~ em u,m rancho de um principal grande;
seguida de conciliar os animos, sustando os pro- chamado lnuruassu, que _quer dizer •rede grande »,
cessos, bem como obtendo da côrte a licença para e se nan:orou de uma filha sua, moça de quinze
conceder uma amnistia geral, supprimir os Mestéres, annos, dizendo que queria casar ou amancebar-se
e queimar todos os autos relativos ás desavenças de com ella, para ficar entre elles, e não vir mais para
Rangel com os colonos. os brancos, no que ell~ _consentiu, e o pae tambem,
«foi este governador, diz fr . Vicente, mui amigo, entendendo que cumpnna o noivo a condição pro-
mettida ».
e favoravel aos moradores, e o que mais esperas lhes
concedeu, para que os mercadores os não executas- «Porém indo! uma caça, que durou alguns dias,
sem nas fabricas de suas fazendas, e quando se lhe quando tornou,_ nao. achou o genro, nem a filha,
iam queixar disso, os despedia asperamente. dizendo por~ue se hav1am Ido para Pernambuco: sentiu-o
que elles vinham a destruir a terra, levando della ~ Ui to, e mandou logo dois filhos seus em busca da
em tres ou quatro annos, que cá estavam, quanto Irman, os q uaes, porque o m~meluco não lha quiz
podiam, e os moradores eram os que a cc; nserva- dar, se fo_ra_m queixar a Antomo Salema, que estava
vam com seu traba lho, e haviam conquistado á custa por corre1çao ef!l Pernambuco, posto que já de par-
do seu sangue •. tida para a Bah ia, e elle mandou logo notificar o pae
do querelado, que trouxesse a moça, como trouxe e
II a entregou. aos irmãos, passando-lhes uma provi~ão
para que nmguem lhes impedisse o caminho, ou lhes
Con quista da Para.hyba do Norte , 1574-86
246) Causa e p ri ncip io da gu erra, 1574. - (' ) Affirm a Varnhage n q ue Pa rahiba ou Parahy ba , Parna hyba
e Pa ranahyba são a mes ma cousa e significa r io máu.
Conta fr. Vicente do Salvador, na sua Historia do
22
338 CONQUISTA DA PARA~YBA EPOCA III. -DOMINIO DA HESPANHA 339
fizesse algum aggravo, antes lhes dessem os brancos os cargos de ouvidor geral , e provedor-mór da fa-
por onde passassem, todo o favor e aj_uda para o se- zenda, incumbido deste negocio, marchou contra os
guirem · avisando-os que não consentissem mamelu- rebeldes com todo o poder de gente de pé e de
cos em' suas aldêas, e assim o avisou ao capitão-mór cavallo, e índios que de Pernambuco e de Itamaracá
da ilha de Tamaracá, Affonso Rodrigues Bacellar, que poude levar. Não ousaram os selvagens esperai-o
não consentisse em ir ao sertão semelhante gente. • nem elle os seguiu mais que até a foz do Parahyba;
Partiram mui satisfeitos os dois moços, lr.vando onde, em nome del-rei e com muita solemnidade
a irman e foram bem tratados por todos os brancos tomou posse da terra, retirando-se sem demora par~
«até qu~ chegaram á casa de um Dio,go Dias, g.ue a Bahia.
era o derradeiro que estava nas frontetras d~ captta- Voltando, pois, os barbaros a senhorear o paiz,
nia de Tamaracá, o qual os recebeu com muttas mos- avançaram até a Ooianna, destruindo um engenho e
tras de amor e muito mais a irman, que mandou casa forte, que nesse ínterim levantára Boaventura
recolher com outras moças de camara, sem mais a Dias, filho de Diogo Defenderam-se os brancos como
querer dar aos portadores, nem a outros que o pae leões, mas nenhum escapou com vida. Então Luiz de
mandou •. Brito equipou uma esquadra de doze navios cujo
De nada valeu recorrer ao capitão de Itamaracá, mando confiou a Fernando Pimentel, seu sobrinho.
porque este, sendo amigo do criminoso Diogo, dissi- Elle mesmo embarcou, levando a gente mais Iuzida
mulou com o caso. Era Iniguassú homem tão bem da cidade, em setembro de 1575. Sendo, todavia a
intencionado, e affecto aos portuguezes, que nem do frota dispersada pelos ventos, regressou o gover~a­
seu offensor tomára vingança, si não fosse _açulado dor para a Bahia. arribando o sobrinho a Pernam-
pelos índios que traficavam com os extrangetros. Re- buco. e recolhendo-se mais tarde para a capital.
unidos, portanto, em grande numero os barbaros, e 1\bandono~ , por~anto, Luiz de Brito esta empresa.
apoiados por alguns francezes, saltearam a casa que Expedtu mats tarde (1578) Lourenço da Veiga
Diogo Dias possuía no rio Curacunhaem ou Tra- o_rd_ens para que se levasse ao cabo a conquista i de-
cunhaem, onde havia um engenho começado~ attra- ststtU, comtudo, della ao ser informado de que fru-
hiram o seu dono a uma emboscada i destrutram a ctuoso Barbosa. rico proprietario de Pernambuco,
casa e o engenho, fazendo uma geral matança de passando á côrte, conseguira o privileg io de coloni-
brancos, 1574. ~ar ~ Parahyba por sua conta e á sua custa ( 25 de
Tal foi a causa e o principio desta revolta, como Janetro de 1579) com a co ndição de ser durante dez
a de muitas outras i mas estes factos hoje não_ se annos capitão·mór da terra, e cobrar todas as rendas.
contam e os historiadores cuidam dar provas de Im- Chegou Barbosa ao Recife com quatro navios, nu -
parcialidade affirmando simplesmente que o gentio merosas famílias, soldados, clerigos e religiosos; de-
andava levantado, que destruiu, que matou, etc. como morando-se, porém, alli diversos dias sobreveiu tal
si a justiça não existisse tambem para os pobres ~enqJ e~tade. que o arrojou com suas e:nbarcações até
índios! as lndtas de Castella, donde passou de novo á me-
tropole.
247) Expe d ições , -·· Ordenou, portanto, Luiz _Voltando ao Re cife em 1582, navego u inconti-
de Brito que se occupasse o rio Parahyba, e fosse'? nenti para a Parahyba, emquanto Simão Rodri g ues
castigados os barbaros. fernão da Silva, que reuma Cardoso. capitão-mór e ouvidor de Pernambuco, á
340 CONQUISTA DA PARAHYBA E PO CA III.-D O MIN IO DA HESPA HA 341
testa de muito gentio e de 200 brancos, seguia por Barreto a Pernambuco o ouvidor geral, Martim Lei-
terra. De oito navios francezes, que surprehendeu pa- tão, incumbindo-o de angariar quanta gente e recur-
rados em terra ·no porto da Parahyba, incendiou cinco, sos pudesse. Zarpou Diogo flores da Bahia com sete
logrando os outros escapar a seu salvo. Descuido~­ navios hespanhóes e dois portuguezes. Commandava
se todavia, Barbosa, julgando-se seguro, e cahtu estes dois Diogo Vaz da Veiga . Chegando a Pernam-
n~ma cilada em que perdw 40 homens, entrando buco, desembarcou Valdez afim de se entender com
neste numero um filho seu. Já os selvagens lhe pre- D. felippe de Moura e mais autoridades a respeito
paravam um grande ataque ao arraial que havi a posto da marcha dos auxiliares por terra, emquanto a ar-
na beira esquerda do rio, defronte do Cabedelo, mada seguiria por mar.
quando assentou reti_rar~ se com toda a s~a g ente. Combinado o plano, fez-se de vela Diogo flo-
Exaltaram-se tanto os tndtgenas com esta retirada, que res, que, ao entrar no rio Pa::ahyba, incendiou cinco
destruiram tres engenhos perto de Itamaracá, ficando naus francezas depois de esbulhal-as. Uma sexta em-
nessa capitania apenas trinta e dois colonos .. 1582. barcação que não estava em sêcco na praia como
Mandaram, portanto, os pernambucano s pedtr soe- as outras, logrou desferir o panno e abalar. A ex-
carros ao governador Manuel Telles Barreto, que pedição terrestre, guiada por D. felippe de Moura
lançou mão dos navios de Diogo flores Valdez, 1584. e por Fructuoso Barbosa, chegou pouco depois, ha-
vendo tido no caminho apenas um pequeno recontro
248) Constróe Vald~z o ~arte S. ~elippe, com alguns selvagens. Constava ella de cem soldados
84.- Entrára Valdez na Bahta, pedtndo mantimentos, de cavallo, de 200 infantes brancos, de cento e tan-
de volta da sua mallograda empresa ao Estreito de tos negros, e de quinhentos indios. Posto que no re-
Magalhães, onde devia fundar um forte ~ um a po- gimento, dado a Barbosa pela coroa, fosse indicado
voação (1). Emquanto a frota se apercebta, mandou para o forte o sitio do Cabedelo, na margem direita
da fo z do rio, onde está hoje a fortaleza desse nome;
(') T e ndo e m 1579 o celeb re cotsari_o in g lez, Fra_ncisco Drak e, preferiu, todavia. Valdez a marg em esquerda sobre
passa<1o o E strei to de Maga lh ães, e aggred iclo as co lonias h espa nho -
las do Pacifico, e nv io u D . Franc isco ne T o ledo , vi ce-rei do P e n'í, o continente defronte da extrema occidental da ilha
a traz de ll e P ed ro Sarm e nto e A ntão Pa ul o Corso, pi loto, o q uaes, da Restinga. Traçado o forte , a que deram o nome
a travessaudo o m es mo E stre ito e m se ntt <lo o p posto. ch egaram a Se de S. felippe, confiou Diogo flores a sua alcaidaria
vil ha, c vis itaram o re i catho lico e m B:tdajós. I ntei rado Fe ll ippe II e obras ulteriores a Francisco Castejon , deixando -lhe
do q ue elles co n taram , re o lve u construir do is fo rtes e fun:la r duas
povoações no Estreito afi m de im ped ir a passagem das emba rcações
inim igas. Apro mp ta ram ·se . po is, 23 na us de a lto bordo com Cinco \ 'aldez até S . Catha rina; e ntrego u tres n a u ~ a D . A lo nso de So uto
mil ho mens de ma r e gue rra, pe trec hos, p rov isões, etc. D togo F lo- Ma ior, q ue ia por go ve rn ado r do C h ile, pa ra leva r a sua ge nte a té
res Vald ez recebe u o c0 mm anc\o da arm ada; An tão Paulo Corso, o Buenos- Ayres ; d e ixou mais tres, be m ava ri adas, na Ilha, a fim de
cargo de p il oto-mór; e P ed ro Sarm e nto, o de governado r dos fo r · que, co ncerta das, p assassem ao Ri o d e J a neiro .
t es e povoações. Sin g ra ndo es tas para o no rte , e ntrara m e m S. Vicente a 24 d e
Tmh a ap enas sahid o de S . L ucar (2 5 de set. de 8 1) esta ja neiro de 1 58 3, o nd e pe leja ra m co m do is galeões inglezes, mdo
fr ota, q uando um a to rm enta lhe ti ro u tres naus co m perda d e uma ao funrl o , co mo em o utro logar h a vem os d e r efe rir. F azia,
g rande parte da gen te, obrigando-a a r ecolh er-se na bah1a de Cach z. no entreta nto, V aldez o ultim o esforç o para lançar ferro no Estrei-
Seguin do de ntro em b re \' e d erro ta, entra ra m no Rio de J aneiro. e m to, dond e um a no va to rm e nta o rechasso u para o alto mar co m tal
ma rço do ann o prox im o ; ahi demorara m -se até o mez de outu or o, estrago da gente e d as em ba rcações, q u e resolveu voltar par a o
e ve leja ndo em segu ida para o loga r do se u d estino, sofTrera m um Brasi l. T o cou e m S. V1 ce nte e no Ri o, ve lejou na d ire cção da Hes-
g ra nde te mpo ra l na a ltura do Ri o da Pra ta. R e trocedeu, p o rtanto, panh a, e fo i po r o utro temporal o brigado a arribar á Bahi a .
342 CONQUJSTA DA PARAHYBA
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EPOCA lll.-D0111INIO DA HESPANHA 343

cento e dez soldados hespanhóes, uma nau portu- q_ue a~haram li~re do assedio . Internaram -se pelo ser-
gueza e dois patachos. Partiu, afinal, para a Europa ostras, mas observando que já
ta~ ~te_ á pi;:n1cie das
no primeiro de maio de 1584. o Inimigo nao se mostrava em nenhum Jogar reco-
lheram-se de novo a Olinda deixando na fo'rtaleza
249) Diversas aventuras. - Em quanto os hes- bo~ quantidade de provisões, diversos soldados e
panhóes trabalhavam nas obras começadas, marcha- dois chefes. Eram o alcaide Francisco de Castejon e
ram os auxiliares de Pernambuco a bater o campo, um Pero L~pes, que tomou o Jogar de Barbosa,' o
caminho do sertão, onde depois de destruirem uma qual passou a metropole com o fim de reclamar seus
aldêa de indígenas inoffensivos, cahiram em uma ci- direitos. Comtudo estes bravos conquistadores dahi
lada no sitio chamado Leritibe ou campo das ostras. a dois mezes, e~f~d~dos da soledade, das do~nças,
Morreram passante de cincoenta colonos, e centena- da fome, e dos Illlmigos que tornaram a apparecer
res de índios domesticas, recolhendo-se os mais á lançaram fogo ao forte, arrojaram a artilharia ao mar'
sombra do forte. Recebidos alli com desdem, volve- metteram a pique o unico navio que lá ficára e fu~
ram para Olinda, perdendo muita gente na viagem. giram para Itan:aracá! Castejon, portanto, teve' de ir
Exaltaram-se, portanto, os indígenas, e, apoiados sem- preso para o remo.
pre pelos francezes, assediaram com muito vigor a
fortaleza. Para coroa de males desavieram-se na Pa- . 250)_ Victo_ria defini ti v a .- Quando tudo pare-
rahyba, Barbosa com o alcaide Francisco Castejon, cia perdido, veiu . a desharmonia que lavrava entre
e, em Pernambuco, o ouvidor Martim Leitão com o os selvagens, dar mesperadamente a victoria definiti-
provedor Martim Carvalho, que recusava fornecer ~a. aos brancos. Pois, chegando a Pernambuco a no-
mantimentos e munições. Mediante, todavia, alguns ticia de estar o Piragyba irritado contra os seus allia-
reforços, mandados por Martim Leitão, conseguiu dos, _que, em ~eguida á derrota levada no Tibery,
Barbosa incendiar diversos navios francezes, e repel- lhe tmham apphcado o epitheto de cobarde tratou
lir os petiguares (85). Isto, porém, não bastou para Martim Leitão de ganhai-o promettendo-lh~ apoio
desalentar os barbaros, que, fazendo alliança com o contra seus con!rarios. Acceitou Piragyba a offerta, e
valente Piragyba (1), Braço ou antes Espinha de sem demora Joao. Tavares, ~scrivão da camara e juiz
peixe, chefe dos tabajares, voltaram á carga. Enten- dos orfams de OIInda, seguiu para o norte avistan-
dendo, pois, os colonos de Itamaracá e de Pernam · do-se com o índio a cinco de agosto no Íogar em
buco que esta guerra vinha a ser para elles questão que havia de surgir a cidade de Nossa Senhora das
de vida ou de morte, reuniram um grosso exercito Neves, hoje capital da Parahyba.
de brancos. negros e índios, ao mando de Martim Dalh a tres mezes, partiu Martim Leitão com
Leitão e de seu cunhado, Francisco Barreto. Mar- muita gente para a Parahyba, onde a 4 de novembro
chando por terra derrotaram o Piragyba em um de 1585 designou o local destinado ao novo forte.
morro, perto dos tujucos do Tibery; erraram pelo Para o command~r veiu no anno seguinte da metro-
matto, abrindo picadas, incendiando aldêas, destruin- pote, um Francisco de Morales, que, desavindo-se
do plantações, e assolando todo o paiz até o forte, dentro em breve com todos, não se demorou em
regressar para o reino. Realizavam no entretanto os
( ) E " aquelle mesmo que no Rio S. Francisco matára á traição
1 soldados diversas correrias para o 'interior varre~do
um grande num ~ ro de pernambucanos. Vide par. 229. o sertão. Na segunda dellas chegaram muito além da
344 CONQUI STA DA PARAHYBA EPOCA lll.-D Ol\'IlNIO DA HESPANHA 345
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Bahia da Traição, afugentando uma nau _france~a, cias, a saber: a da Bahia e a da Conceição do Rio
destruindo tres ferrarias, derrotando duas vezes os de Janeiro. - Os Carmelitas Observantes vieram pelo
selvagens, e trazendo g rande copia de mantimentos. mesmo tempo; fundaram , primeiro, conventos em
Na terceira, que se effectuou em dezembro de 1586, Olinda e em Santos, constituindo em seguida duas
sendo os nossos acompanhados pela gente do Pira- províncias, uma nas capitanias do Sul, outra nas
gyba, aggrediram os indíg enas da serra da Copahoba, capitanias do Norte.
hoje serra da Raiz. fundaram logo depois outro
forte e um engenho no Tibery (1). I !I
A gloria de conquistar a Parahyba e de fundar
a sua primeira povoação, ca be sem duvida ao ouvi- Segunda Junta , 87 - 91
dor geral Martim Leitão.
252) Dois governadores interinos.- fa ll e-
251) Tres Ordens religiosas.- (2) Em 1584 cido Manuel Telles Barreto em 1587, e abertas as
já os Benedictinos estavam na Cidade do Salvador, Vias de succesão ou de El-Rei, como as chama fr.
donde dentro em breve passaram a organizar uma Vicente, achou-se que eram nomeados governado-
segunda abbadia no Rio de Janeiro, e em 1596 uma res interinos o bispo D. Antonio Barreiros, o ouvi-
terceira em O linda. Propagaram-se tanto, que conse- dor geral (1), e Christovam de Barros, provedor-mór
guiram contar no Brasil sete abbadias e diversas pre- da f 'azenda e filho do mallog rado donatario do Ceará.
sidencias.-Os cupuchos de Santo Antonio estabele- Estando ausente o ouvidor, dirigiram os destinos do
ceram-se, a pedido de Jorge de Albuquerque, no paiz os outros dois, tomand o por secretario Antonio
Recife em abril de 1585, tomand o a 25 de outubro de faria. contador-mór da fazenda. O governo desta
do mesmo anno posse da ermida de Nossa Senhora Junta, que durou quatro annos, foi prospero, co mo
das Neves. Em 1586 confirmou Sixto Quinto a nova ficará claro pelo que vamos contar.
Custodia de Olinda, dependente, por emquanto, de
Portugal. Dividiram-se mais tarde em duas provin- Mas, como não se povoou a l'arahyba, não fizeram mais que prégar e
confessar se m fazerem mostei ro. Veiu tambem em sua companhia um
(') É a estas g uerras , segund o parece, que se refere South ey. de S. Franci sco q ue tambem prégou em Pernambuco e tornou-se
], 428, quando diz que os franceze• tenta ram estabe lece r-se na Pa- para o rei no . o armo de 8 3 vieram dois de S. Bento com or-
rahyba fazendo lucrativo trafico e torn ando-se form id aveis pela sua dem de seu geral. A estes se <leu um bom siti o na Bahia, e uma
alliança com os naturaes. • Despachou-se Martim Leitão a reduzir egreja de S. Sebastião, e fazem já mosteiro: são tres por todos até
estes se lvagen, , rlundo-se-lh e a lguns jesuitas, os melh ores voluntarios agora e começam a rece ber a lguns outro na Orde m. Na mesma
neste serv iço. Estava o inimigo tão entr incheirado, que fo rça l·o em cidade, no mesmo a nno, se deu si ti o e casa a uns rlois de S. Fran-
impossivel; mas um dos padres por sobre a pal içada sa ltou ao meio cisco, que vieram mandados por • El-Rei para o Rio da Prata co m
delle mais segu ro no seu habito do que o seria debaixo da ma is ou tros; mas este• ficaram-se na capitania do Espi rito San to, como
rija armad ura. Escutaram-lhe os indi os as razões; depazeram as ar· ficaram outr os em S Vi ce nte, q ue vieram nc. armada do Estreito
mas, e expelliram os francezes. Coloni zo u-se a Pnrahyba ; aldearam· (a de Valdez).
se o~ indios, e estabe lecera m-se un s oi to ou no ve enge nh os de (' ) Parece que este ouvido r ge ra l era An to ni o Coe lh o de Aguiar,
assucar. Veiu um novo cap itão (Felici a no Coelho?) á feição dos ca· e que assist ia e m P ernambuco Fr. Vicente a ffirm a si mpl esmen te
çado res de escravos; exp ulsou os padres; pe rsegu iu-lh es e dispe r· que estava ausente se m di1.cr q uem era, nem onde se achava. Ma-
sou-lhes os catechum er.os, e com a rapidez com que cresce ra, de cedo mencio na Ant onio Coelho rle Aguiar, e no• informa de que
clinou a colc•ni a • . clent ro e m b re ve segu iu e m servi ço publico para P ern ambuco. Var·
(') « No an nn de 15 8 1, d iz o P. Anchieta. vieram em co mpa- nhagen, pag. 372, e R ocha Pitta,, lll, 8 7, nada dizem do ouvidor
nhia de Fructuoso Barbosa, q ue vin ha a povoar o ri o da ParahyLa ger al, referindo só os nomes do b tspo e de Barros.
tres frades dú Carmo e do is ou tres de S. Bento e m Pernambuco•
346 'EG UNDA JU!\'TA EP OCA Ill.-DOMiNIO DA HES PANHA 347
253) Conquista de Sergipe, 158g.-( 1) Mais co, para castigar o gentio, e para expulsar os francezes
do que o desejo de rechassar os francezes, motivou a que ainda praticavam muito com:nercio naquellas
conquista de Sergipe a grande traição que os selva- paragens. Approvado o projecto pela côrte, e decla-
gens desse paiz commetteram no tempo de Manuel rada justa a guerra, reuniu-se pelos fins de 1589 um
Telles Barreto, e que passamos a referir com a maior grande exercito, á testa do qual se pôz o proprio
brevidade possível. Christovam de Barros. Todos foram «com muita von-
Mandaram os ditos selvagens deputados ao go- tade, diz fr. Vicente, porque sendo guerra tão justa
vernador asseverando que desejavam abraçar o Chris- dada com licença de El-Rei, esperavam trazer muitos
tianismo e serem incorporados nas aldêas da Bahia, escravOS >.> . Tendo de viagem repellido com graves
e pedindo por intercessão dos jesuítas, soldados que perdas dos barbaros uma força de tres mil frechei-
os acompanhassem e defendessem durante a viagem. ros (23 de dez. de 89), aggrediram sem perda de
Depois de não pouca hesitação, annuiu Barreto ao tem po na Varzea do Vasabarris o celebre maioral
pedido que parecia tão justo e razoavel, concedendo Baepeba, que com mais de vinte mil dos seus se
130 soldados entre brancos e mamelucos, e bem assim havia fortificado em tres tranqueiras . as quaes se pres-
diversos índios das aldêas dos jesuítas. Mandaram os tavam mutuo aux il io.
embaixadores aviso aos seus que os viessem encon- Diversos foram os assaltos. notavel o denodo
trar no Rio Real, como de facto fizeram. Recebidos desenvolvido de parte a parte, mui disputada e san-
com todas as demonstrações de jubilo, seguiram os guinolenta a ultima peleja (1 de jan. de 90), trium-
nossos em grande segurança e descuido até Sergipe, phando por fim o valor proverbial dos nossos, que
aposentando-se alli em diversas casas, espalhando-se tomaram uns quatro mil prisioneiros apesar de fugi-
pelas aldêas, e entregando-se á vida escandalosa com rem muitos para o sertão. Os selvagens mortos na
as índias que a ninguem se recusavam. refrega foram calculados em 1600. Fundou immedia-
Estas, porém, «lhes entupiram os arcabuzes de tamente Christovam de Barros perto da foz do rio
pedras e betume, e tomando-lhes a polvora dos fras- Sergipe um forte, e junto dell e um arraial , que cha-
cos, lh'os encheram de pó de carvão ». feito isto dé- mou cidade de S. Christovam, mudada mais tarde
ram os barbaros um dia de madrugada um assalto para outro Jogar. Alli distribuiu os escravos e diver ·
tal, que mataram a todos, menos alguns índios dos sas sesmarias a seus cooperadores na conquista, sendo
padres que levaram a noticia á Cidade do Salvador. a primeira para Antonio Cardoso, seu filh o, desde o
Esta traição, fructo das vexações precedentes. e da rio Sergipe até o Rio S. Francisco. Deixou no arraial
devassidão dos soldados, fez com que se declarasse Thomé da Rocha com o titulo de capitão; incumbiu
justa a guerra. Qu iz Barreto castigar sem demora ta- Rodrigo Martim: d e perseguir o gentio, e retirou-se
manha crueldade; porém a sua velhice e doença não para a Bahia.
lho consentiram.
254) Entradas. -- O Porquinho .- Dirigiu-se
Resolveram, pois, os governadores interinos levar Rodrigo Martins ao Rio S. Francisco, que os fugiti-
a cab0 a conquista de Sergipe até o Rio S. francis- vos tinham atravessado. Encontrou nessas paragens
( 1 1 Dera m este no me ao rio e a o paiz em memori a de u m
diversos pernambucanos que andavam em procura de
chefe pod e roso qu e pou co a ntes ahi domin ára e se ch amava Ciri- escravos, e affirmavam não ser licito aos bahianos
zippe ou Ce1·igipe, q ue sig nifi ca fen ào do mi ou ri1·i. caçar índios em tal territorio pertencente á capitania
348 INGLEZI~S NO BRAS IL E POCA IIJ.-DOMINIO D A IIE PAN H A 349

dos Albuquerques. Um delles era Francisco Barbosa uma em 1530, outra em 1532. Pelos annos de 1540
da Silva, que, annos antes,. atraiçoado pelo Setta, per- praticavam o commercio no Brasil varias mercado-
dera seus numerosos capt1vos (1) . Desta vez porém res de Sout~ampton .. D~zem _que um certo Pudney
deixou n? ser~ão a vida sua e a de todos os' seus (2): da mesma c1dade veiU a Bah1a em 1542 construindo
Outro f91 Çhnstovam da Rocha que chegou em um um forte não longe da morada de Car~marú. Rela-
caravellao a testa de quarenta homens. Subiram jun- tam egualmente que pelos annos de 1567 tentaram
tos pelo Rio S. Francisco até além do sumidouro e diversos. inglezes estabel~cer-se na Parahyba do Sul,
alojaram-se no rancho de um principal chamado donde cmc? annos depo1s, desalojados pelos portu-
Tuman, onde surgiram entre elles sérias desavenças guezes, fug1ram, . os que escaparam, para o sertão , e
relativas ~ divisão da presa que faziam. Martins, por- delles nunca ma1s se recebeu noticia al g uma.
tanto, retirou-se, e Chnstovam da Rocha associando- Trat~u em 1576 de occupar algum ponto do
se a um Antonio Rodrigues de Andrade marchou n9sso pa1z uma esquadra ingleza, que se di spersou
contra os índios do Porquinho. dos quaes ~uvira con- nao long e da costa, salvando-se a penas di versos ho-
tar que haviam assassinado quatro ou cinco brancos. mens em uma lancha. Alguns destes foram mortos,
Ao receberem esses indígenas a noticia de seme- outros presos pelos portuguezes. Menciona -se tam-
lhante projecto, fugiram todos. espalhando-se pelos be':: a vi~gem ~o Minion, navio que a pedido de
mattos. A' força de promessas que não foram cum- J~ao Whtthall, mglez, casado e domiciliado em S.
pridas, lograram os caçadores fazel-os voltar. O Por- V1cente, veiu de Londres a Santos, onde recebido
quinho, já mui velho e doente, que veiu com elles con~ agrado, carregou notavel quantidade de merca-
pediu e recebeu o baptismo com o nome de Manuel: donas. Em seguida, porém, á ' união de Portugal com
Fallecendo dentro de poucos dias foi todo o seu a H.espanh~, as visitas dos inglezes no Brasil não
povo sacrificado á cobiça dos caç~dores de entes pod1am de1xar de assumir um caracter hostil.
humanos, que, tend? dividido a presa, voltaram cada
um com o seu qumhão : Rocha, para Pernambuco· 256) Fenton - Pouco depois de 1582 deman-
Andrade, para a Bahia. Estes passaram pela Serra d; dou a costa do Brasil uma expedição ing leza desti-
Salitre, do qual levaram amostras em cabaças. nada ás Indias Orientaes e á China, debai'xo das
ordens ~~ Eduardo Fenton Aportando a S. Vicente,
IV foram v1s1tados (1 ! por José Daria sogro de Whithal
e por mais dois principaes do lag ar. Estavam con~
Os Inglezes no Brasil sultando sobre o modo de obter audiencia do gover-
nador e tomar refrescos, quando apparecera m tres
25~) Primei.r a s v .i agens.- 0 yri11_1eiro inglez, embarcações de Flores Valdez, que immediatamente
conheCJdo, que veiU traficar no Bras1l fo1 o Sr. Wil- os a~grediram. Rompeu o fog o ao cahir da tarde,
liam Hawkins . de Plymouth, o qua l n'o seu Paul oj contmuando emquanto durou o luar. Um dos navios
Ply nzouth, nav1o de 250 toneladas, fez duas viagens : hespanhóes foi a pique, mas no dia seguinte, g anhan-

1
( ) Vide par 234. (') Segu ndo refe re fr . Vice nte, esses in g lezes affi rm aram que
2
( ) In fe lizmen te fr . Vi ce nte não se d igno u re latar· nos as trazia m car tas de D. A nto n io, e os co lo nos responde ra m que já sa-
particul a r idades do desastre a q ue faz ap enas es ta p equen a a llusão, biam quem e ra u seu re i.
350 INGLEZES NO BRASIL EPO CA III.-DCJMINIO DA UESPA N HA 351

do os inglezes o vento, fizeram-se ao largo. Fôra ção da Segunda Junta. Fr. Vicente diz que se deu-
Valdez informado da vinda dos inglezes por um na- pouco tempo depois de começarem a governar o bispo
vio hespanhol, que Fenton apresára, deixando -o pouco e Christovam de Barros.
depois ern li berdade (1).
258) Cave ndish e m Sant os, 159 1.- Já dera
257) Rob e r t o W ithrin g ton-sarpou para o este corsario inglez uma volta em roda do mundo,
mar do Sul tres annos depois da volta de Fenton, e em praticando em toda a parte as mais horríveis cruel-
virtude das informações recebidas de dois chavecos dades, quando emprehendeu uma segunda viagem,
portuguezes, capturados na foz do Prata, concebeu a porém com provisões insufficientes. Partiram da In-
esperança de tomar a Bahia para a qual se dirigiu glaterra em agosto de 1591 com cinco navios, entre
sem demora . Como a cidade estivesse desguarnecida, os quaes se distinguiam o Leicester, commandado
quando appareceram velas inimigas, mandou Chris- pelo proprio almirante Cavendish, e o Rõeback, diri-
tovam de Gouvêa, visitador dos jesuítas, chamar os gido pelo vice-almirante Cook. Pretendia m ir para
indios convertidos dos arredores, que com seus arcos o Pacifico atravessando o Estreito de Magalhães, e
salvaram a capital do Brasil cobrindo-lhe as imme- tocando primeiro em Santos afim de tomar muitas
diações. Comquanto, pois, os inimigos entrassem no provisões. Dirigiram-se para as Canarias, e, sob a li-
porto, e bombardeassem S. Salvador, não se aventu- nha equinoxial fllictuaram por muitos dias em calma-
raram a desembarcar. Log o acudiu Christovam de ria podre, a qual fez com que a maior parte da gente
Barros, que no primeiro rebate estava ausente, e or- adoecesse de escorbuto. Approximando-se finalmente
ganizou de prompto uma flotilha de barcaças ás á costa do Brasil na altura do Cabo Frio, apresaram
ordens de Sebastião de Faria. Demoraram-se os in- um navio, que de Pernambuco velejava para o Rio
glezes seis semanas assolando o Reconcavo, e ten- da Prata levando negros e algumas mercadorias.
tando um assalto sobre a ilha de Itaparica, mas foram Obrigaram o piloto desse navio, chamado Gaspar
afinal repellidos e obrigados á retirada. Tornou-se Jorge, a servir-lhes de guia e de piloto dizendo-lhe
nesta occasião notavel uma mulher, que desde Itapoan que tencionavam ir par;. a villa de Santos. Elle os
correu em defesa da patria a cavallo com lança e levou primeiro para a Ilha Grande, onde deixaram
adarga (~). Occorreu este facto durante a administra- os negros e o negociante, praticaram innumeraveis e
gravíssimas desordens, lançaram fogo a um navio
(' ) Vi de a noto. do pa ragr. 249 . Um dos ma io res inimi gos dos novo e a todas as casas. Passando depois á ilha de
he pa nhóes foi o cor sa rio ing lez Drak e, o q ual em 1572 lhes tirou
duas p raças no l sthm o d e Pa na má; em 1577 passo u o Estre ito de S. Sebastião, resolveram mandar adeante para Santos
~ l aga l hães; agg rediu os caste lh a nos nn. cos ta occ ide nta l da A merica ; com cento e poucos homens a lancha ou batel grande
a•.se nho reou -se da Ca lifo rni a, e voltou para a Europa pelas índi as e a chalupa; pois o piloto portuguez havia dito que
Ori e nlaes e o r:a ho d e Boa l~spe ra n ça ; em I s85 occupo u di versos Santos não tinha fortificação alguma. Partiram pelas
loga res nas Cana ri a•, nas ilhas de Cabo Verd e e e' m S. D omin gos ;
em I 588 ma ndou a p iq ue, no port o de Cad iz. 25 nav io s hes panh óes; dez horas da noite do dia 24 de dezembro. A cha-
e m 15 9 5, se nd o ma l succed id o em um a taque co ntra Pa na má, fal· lupa chegou á terra de madrugada; mas, como le-
lece u rle se ntim ento e m Po rto-Bell o.
2
vasse apenas vinte e tres homens, esperou mais de
( ) Vid e Ac cio li - Me mori as da Bahi a, I, p ag. 74 , e m nota; uma hora pela lancha, que ficára atraz. Aconteceu
f.-. Vice nte ; South ey, 11, 12 ; Va rn hage n , é tC. A~ c i o li fa la do soe-
corro presta do p e los jes uítas se m ind•ca r do nd e é que tiro u essa nesse ínterim que se ouviu uma campainha . a qual,
in form ação ; S outhey, por ém, ci ta a R e i. i\.nn. ff. 114. segundo Gaspar Jorge explicou, indicava que o povo
EPOCA lll.- DOMINIO DA HESPANHA 353
352 INGLEZES NO BRASIL
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Dirig-indo-se, por ultimo. a S. Vicen~e, quein:a-
estava na egreja assistindo á missa e esta no mo- ram os inglezes diversos engenhos e a vlll_a to~a m-
mento da elevação da Hostia. Convinha, portanto, teira. fizeram-se finalmente de vela na d1recçao do
descer á terra e seguir immediatamente para a egreja. Estreito de Magalhães levando comsigo diversos in-
Surprehenderam deste modo o povo e desarmaram dígenas que os quizeram acompanhar; porém , na
muito facilmente os homens. Alli ficaram até ás sete 1ltura do Rio da Prata, soffreram tal temp~stade, q~e
horas, porque, sendo tão poucos, não se atreveram os navios se dispersaram. Comtudo Cavend1sh seg_lll~
a saquear a povoação. Na egreja estavam uns trezen- até ao Estreito, mas teve de Juctar com tantas dlffl-
tos homens, afóra mulheres e meninos; porém outrvs culdades e contrariedades, que resolveu retroceder
homens que tinham ficado em casa, aproveitaram o para a costa do Brasil deixando primeiro barbara-
momento para fugir e pôr em salvo o dinheiro e mente em terra, todos ~s enfermos expostos á chuva,
outros objectos. á neve, ao frio ! ! . .
Apparecendo finalmente a lancha, saquearam a Chegando depo1s de muitos trabalhos, a tres le-
villa, que logo fortificaram. Encontraram nella grande guas do porto' de Santos, mandou á terra _25 pessoas
quant'dade de viveres: assucar e farinha de mandioca, roubar mantimentos em um engenho. Al11, passados
de ~ue fizeram pão excellente. Restituíram depois a quatro dias, foram surprehendid_os pelos santistas.
liberdade aos portuguezes, menos a sete ou oito dos Mal se salvou um indio que, fugmdo a nado, levou
principaes que guardaram presos. ao Leicester a infausta noticia. Os outros foram mor-
tos todos menos dois que tiveram de ir presos para
Cook, que se apresentou neste interim, hospedou- a ~illa dd Santos. na qual os índios, autores deste
se juntamente com varias capitães e mancebos nobres morticinio entraram em triumpho levando as cabeças
no collegio dos jesuítas, onde se recolheu egualmente dos mort~s. Quiz então Cavendish destruir essa vil la;
Cavendish, que no dia 26 surgiu na barra. Desem- mas J tendo o seu navio encalhado, desistiu dessa má
barcando com duzentos homen , ordenou que lan-
çassem fogo ao lado exterior da villa, e mandou intenção. . ..
Uniu-se pouco depo1s ao Roebuck q':le enco_ntrou
construir um bergantim , capaz de receber vinte re- por acaso e era commandad<? pelo v1~e-alm1rar:_te
meiros, para com elle queimar todos os navios surtos Cook. Trataram, primeiro, de 1r para. a Ilha de Sao
no porto Demoraram-se em Santos dois mezes, o Sebastião, mas logo resolveram veleJar para o Es-
que, segundo dizem, foi a causa principal do transtor- pírito Santo, por conselho daquelle Gaspar Jo_rge,
no de toda a viagem. Muitos inglezes pediram ao piloto do navio apresado na altura do Cabo fno e
general que passasse o inverno nessa villa, mas elle que agora estava no Leices~er. AffirmC?u esse portl!-
recusou. guez que os navios podenam approx1mar-~e da CI-
Alguns indígenas da serra visitaram Cavendish dade onde achariam muitos engenhos e mUtto gado.
pedindo-lhe quizesse aniquillar os portuguezes e con- Tendo porém Cavendish averiguado que o canal não
servar para si o Jogar, assegurando-lhe que elles o era tã~ fundo' como o portuguez dissera, julgou-se
apoiariam em tudo . Agradeceu o almirante, mas re- illudido e, sem mais indagações, mandou enfo~car
plicou que por emquanto tinha outra cousa a fazer. aquelle infeliz. Consentiu então que cento e vmte
Trouxeram tambem esses indígenas bastante ouro dos melhores de seus homens, sob a direcção do
dizendo que vinha de Piratininga, onde os portugue- capitão Morgan e do tenente Royden, embarcassem
zes exploravam diversas minas. 23
354 lNGLEZES NO BRASIL
EPOCA lll. - DOMINIO DA IIESPANHA 355
em dois botes e tratassem de saltear a cidade, mas fretaram tres embarcações hollandezas, surtas
foram repeJiidos com perdas muito graves, sendo deante da cidade, e mais cinco pertencentes a pira-
uma deiias a do capitão Morgan. tas francezes que appareceram pouco depois. Baldea-
Assentou então Cavendish de retroceder para a ram toda a carga do galeão para bordo de quinze
ilha de São Sebastião e de lá seguir a sua viagem navios, fazendo-se afinal de vela caminho da Ingla-
para o Estreito; porém o Roebuck, informado de~ta terra. O trabalho da baldeação exigiu o espaço de
resolução retirou-se secretamente durante a n01tc. trinta e quatro dias, durante os quaes g uardaram es-
Mandou Cavendish pqr em terra na ilha de S. Se- tes ladrões estricta disciplina, não fazendo pilhagem
bastião vinte doentes e barbaramente os abandonou. alguma sobre particulares.
Morreram quasi todos. Um dos abando~ados foi um Aconteceu, emquanto transferiam a carga, entrar
tal Antonio Knivet, que se salvou, e foi l?r~so pelos no porto um navio com 40 portuguezes, e uns 180
portuguezes, que o guar~:uam c?mo ,Pn~wnetro e, negros de Ouiné. Apresando a embarcação, deixou
bem que mais tarde o detxassem Ir ate Lisboa, p~o­ Lencaster ir livres os negros, e obrigou os portugue-
curaram que não voltasse para a Inglaterra; porem zes a trabalhar no carregamento.
não consta, si o conseguiram . Os olindenses, no entretanto , não tinham estado
Escreveu este Antonio Knivet suas aventuras, ociosos. Vendo frustradas suas tentativas afim de sal-
ao parecer, em inglez, 9ue depoi~ foram vertidas para var a carga do galeão, pediram de parlamentear, e,
o hoJiandez, e que hoJe, t:aduztdas em portuguez, não sendo recebidos, fizeram os maiores esforços
servem para a nossa histona. ( 1) para molestar o inimigo, a quem mataram trinta e
Cavendish, segundo dizem, passad~ alg:-'m tempo cinco pessoas inclusive o vice -almirante Barker. Qui-
na ilha de S. Sebastião, velejou na dtrecçao da In- zeram incendiar-lhes os navios despedindo contra elles
glaterra succumbindo, durante a viagem, de doenças, diversos brulotes; falhou, porém, o artifício, porque
de miseria, de rem orsos. os inglezes vigiavam sem interrupção de dia e de noite.
259) jayme de Lenc~ster. 1595 -partiu de
Londres á frente de tres navios com um tal Barker v
como vice-almirante. Apresaram na altura do Cabo
Branco 24 navios hespanhóes e por~ugue~es, dos
quaes levaram cinco. Souberam dos pnswnetros que D, Francisco de Souza, 1591 - 1602
um grande galeão, de volta da India naufragara na 260) Francisco Giraldes. - Para succeder a
costa de Pernambuco achando-se actualmente toda a Barreto nomeou a metropole a nove de março de
riquíssima carga arm~zenada no Recife. I':Javeg:aram, 1588, Francisco Oiraldes, senhor da capitania dos
pois, para a ilha de Maio; uniram-se ao ptrata mglez llhéos. que Lucas Oiraldes, seu pae, comprára ao filho
Venner, e dirigiram-se sobre Pernambuco, aonde che- do primeiro donatario. Havendo duas vezes sahido
garam pelos fins de março de 1595. ~ntrarat:n no barra fóra, e sendo outras tantas obrigado a arribar,
porto á viva força não obstante ~ energtca resi~ten­ solicitou Oiraldes e obteve a exoneração deste cargo
cia dos nossos, que tiveram de retirar-se para Oltnda. que não ambicionava.
Com Oiraldes deviam partir Antonio de Maga-
(') Acham -se na Rev . de 78, p. 1, pg. 185 . lhães, como sargento-mór do Estado, cargo novamen-
356 D. FRANCISCO DE SOUZA
EPOCA III.-DO?IUNIO DA HESPANllA 357
te creado e tambem os membros da Relação, que
desde o anno anterior (87) tinha o governo resolvi- d.ens para o castigo, Roberio, morrendo, levára com-
do fundar na Bahia. De todos elles, só tres logra · Sigo o segredo que nunca mais se patenteou.
ram ver a terra de S. Cruz, ficando deste modo Como. parece impossível que nenhuma outra
adiada a installação desse tribunal. pessoa ~st1vesse a par dess~ segredo, ou que mais
tard~ nao o rev~lasse, suspettam alguns que a exis-
261) D . Francisco de Souza - a quem por tencia d.essas mmas não passasse de uma invenção
sua muita prudencia, diz fr. Vicente, deram o appel- com o fim de obter o titulo ambicionado.
lido de D. Francisco das Manhas, conseguiu captar . Em todo o caso é certo que Roberio merecia
a sympathia dos povos e das autoridades . Nomeado cast1go, ou por ter mentido, ou por ter occultado
no primeiro de dezembro de 1590, desceu á terra esse thes.o.uro que pert~ncia ao governo (I).
na Bahia a nove de junho do anno seguinte . Pro- Auxiliou D. franc1sco com o mesmo intuito a
poz-se D. Francisco um tríplice fim, a saber: desco- e_mpresa de. Gabriel Soares, que se internou pelo ser-
brir minas auríferas, occupar o Rio Grande do Norte, tao da Bahia em busca de minas. Tocando em 1567
e fortificar a costa contra os corsarios e piratas ex- no Brasil, de viagem para a India Oriental preferiu
trangeiros. Soares ficar na Cidade do Salvador, onde dentro em
breve adquiriu notaveis riquezas. Tendo herdado de
262) Minas . - Descendente de Caramurú, era João Coelho, seu irmão, o itinerario de varias minas
nos sertões, fez antes de tudo um testamento assaz
neste tempo Roberio Dias um dos homens mais ri-
edifican~e ;· passo':! . á '}letropole (84); obteve muitas
cos da Bahia; tinha serviços de prata para sua ca-
concessoes e pnvlleg10s; voltou para o Brasil (90)
pella e sua mesa, e corria de plano ter elle tirado o e, á frente de um grande numero de homens che~
metal de que eram feitos, de minas descobertas em
g~u ~té ás cabeceiras do rio Parag uassú, onde su~cum­
suas proprias terras. Divulgando-se cada vez mais o
blu as doenças e ao trabalho. ficou pois inteira .
boato, julgou Roberio prudente não occultar por mais mente mallograda esta expedição. ' '
tempo o segredo. Passando, pois, a Madrid, offere-
ceu ao rei achar-lhe immensa quantidade de prata, 263) Parahyba e Rio Grande. - Pacificada
comtantoque fosse agraciado com o titulo de Mar- a ~ar~hyba, conforme já vimos em outro Jogar, a
quez das Minas. Conseguiu o titulo apenas de Admi- restitUJram a fructuoso Barbosa, o qual por meio do
nistrador das Minas, sendo o de Marquez promettido seu prosuradoc D. Pedro de la Cueva conseguira
ao novo governador, si as descobrisse. que a corte lhe reconhecesse seus direitos. Confiou
Regressou Roberio ao Brasil com O. Francisco, Barbosa ao mesmo Cueva o mando de todos os sol-
logo obteve licença de ir ás suas terras com o pre- d~dos ~1espanhóes existentes na capitania; como, po-
texto de aperceber-se para a expedição; occultou, rem, nao se demorasse em desavir-se com elle amea-
pelo contrario, com tanto cuidado todos os vestígios çara~ os indígenas dar cabo da nascente c'olonia.
capazes de levar á descobetia, que o governador Acudiu de ltamar~cá. o capitão Pera Lopes Lobo,
não logrou atinar nem siquer com a pista. Dissimu- que batendo os 111d10s, varreu os sertões a grande
lou D. Francisco, contentando-se de mandar suas distancia.
queixas á côrte; antes, porém, que chegassem as or-
(') I. Accioli, I, pag. 75, nota 11, diz que mais tarde se
acho u prata em diversos loga res da Bahia.
358 D. FRANCISCO DE SOUZA EPOCA 111.-DOMINIU DA HESPANHA 359
Arrasaram, todavia, pouco depois os barbaros (91) era reforçado por uma urca com artilharia e mum-
o forte do Cabedelo que Barbosa desguarnecera, ções mandadas da metropole.
transferindo a sua residencia para junto do Inhoby. feliciano Coelho só se apresentou no mez de
Sendo impossível reconciliar Cueva com Barbo- abril de 98. Acabado o forte, a que déram o nome
sa, o monarcha chamou o primeiro para o reino, para dos Tres Reis Magos, porque o tinham começado
onde dentro em breve se retirou tambem o segun- no dia seis de janeiro, fez Mascarenhas, no dia 24
do abandonando a conquista. Veiu então governar de junho, a entrega deite a jeronymo de Albuquer-
a Parahyba feliciano Coelho de Carvalho (92), que que; passou naquelle mesmo dia a dormir na aldêa
der.otou os selvagens e expulsou os jesuítas (93), en- do morubixaba Poty ou Camarão, e juntamente com
tregando as aldêas que estes haviam formado, aos Feliciano Coelho regressou para Pernambuco.
franciscanos, a quem egualmente despediu tres an · jeronymo de Albuquerque logrou em breve as·
nos depois (96). Em 1597 tornaram os francezes a sentar pazes com os índios de todo o districto, e
saltear o forte do Cabedelo, donde foram repellidos attrahir desta arte os principaes dos petiguares, como
com perdas graves. Zorobabé, Camarão e o Páu-Secco. Tratou logo de-
Sendo o Rio Grande do Norte a base das ope- pois de fundar uma povoação, em chão elevado e
rações dos francezes, resolveu-se conquistar tambem firme a meia legua da barra, que chamou Natal,
essa parte do paiz afim de rechassar definitivamente talve~ porque inaug urou o seu pelourinho ou a sua
aquelles entrelopos. Confiaram esta empresa a Manuel egreja matriz no dia 25 de dezembro de 1598 ou 99.
Mascarenhas Homem e a feliciano Coelho. Partiu
Mascarenhas de Olinda por terra á frente de forças 264) D. Francisco em S . Paulo , g8.- Em-
notaveis; achou na Parahyba uma esquadra de se_is quanto MasLarenhas conquistava o Rio Grande do
navios e de cinco caravellões mandada da Bahta Norte resolveu D. Francisco visitar as capitanias do
pelo governador; embarcou . levando parte das tro- sul. Deixando em seu logar na Bahia o capitão-mór
pas, dois capuchos como línguas, e dois jesuítas
Alvaro de Carvalho. fez se de vela em outubro de
como engenheiros. Era um destes o P. Gaspar de 1598, levando comsigo a sua guarda, um engenheiro
Samperes. que traçou o risco do forte dos Tres Reis e um mineiro I ambos allemães. No Espírito Santo
Magos, do qual dizem que não havia outro melhor em .
despachou Diogo Martins Cão para examtnar as mt -

todo o Brasil. feliciano Coelho seguiu por terra com


nas ditas de esmeraldas i no Rio pouco se demorou,
numerosos soldados, brancos e índios; foi, porém, e de Santos passou para S. Paulo, seguindo para o
dentro em breve obrigado a retroceder por se ter posto
morro de Araroyaba, junto da actual fabrica de ferro
no meio dos seus a epidemia das bexigas. O unico
do lpanema, onde lançou os alicerces de uma villa
que continuou sem demora a viagem foi jeronymo
que logo cessou de existir. No primeiro de dezembro
de Albuquerque.
de 1599, estando já de volta em S. Paulo, confirmou
Chegava, no entretanto, Mascarenhas com a sua a nomeação de Diogo Gonçalves a capitão das minas
esquadra em frente do Rio Grande do Norte (prin- descobertas; visitou as minas de jaraguá e Voturuna,
cipias de 98); desembarcava em um recife ilhado ~a e, cinco mezes depois, confiou a André Leão a in-
margem direita junto da foz i fortificava-se i repellta cumbencia de penetrar com uma partida de tropa
alguns ataques dos barbaros, e mui opportunamente pelo interior do paiz em busca de minas de prata
360 D. FRAN CIS O DE SOUZA EPOCA IIf.- DOMlNIO DA llESPANIIA 361

Em Santos capturou D. Francisco uma grande junto com ser o mais respeitado e venerado ; por-
nau hollandeza, que, de volta do Estreito de Maga- que com ser mui benigno e affavel conservára a sua
lhães, viera esperar as suas companheiras. «Importa- autoridade e magestade admiravelmente. e sobretudo
ria, diz fr. Vicente, a fazenda que esta nau trazia, em o que o fez mais famoso foi a sua liberalidade e
mais de cem mil cruzados, os quaes com a mesma magnificencia, porque tratando os mais do que hão
facilidade se gastaram que se adquiriram ». Nas minas de levar e guardar, elle só tratava do que havia de
achou ouro de lavagem, e tambem «de graus de peso, dar e gastar, e tão inimigo era do infame vicio da
e de preço, e de que elle enfiou um rasaria, assim avareza, que, querendo fugir delle, passava muitas
como sahiam redondos, quadrados ou compridos, que vezes o meio em que a virtude da liberalidade con-
mandou a Sua Magestade com outras mostras de siste, e inclinava para o extremo da prodigalidade.
perolas que se achavam no esparcel de Canané e em Dava a bons e a máus, pobres e ricos, sem lhes
outras partes (1). custar mais que pedil-o, donde costumava dizer que
No dia 23 de dezembro de 1599 entrou na Bahia era ladrão quem lhe pedia a capa, porque pelo mesmo
uma armada de sete naus hollandezas, que devasta- caso lha levava dos hombros. •
ram todo o Reconcavo. O capitão-mór, Alvaro de ~ Não houve egreja que não pintasse, acceitando
Carvalho, mandou contra ellas, com muitos índios, todas as confrarias, que lhe offereciam, murou a ci-
André Fernandes Morgalho e Alvaro da Cachoeira, dade de taipa de pilão, que depois cahiu com o
que repelliram bravamente os invasores. Outros hol- tempo . e fez tres ou quatro fortalezas de pedra e cal,
landezes ás ordens de um Olivier van Noord tenta- que hoje duram; as principaes que têem presídios
ram nesse mesmo tempo fazer aguada no Rio de de soldados, e capitães pagos da Fazenda Real, são
Janeiro; e pouco depois quatro caravellas e diversas a de S. Antonio na bocca da barra e a de S. Felippe
canôas de índios apoderaram-se em Cabo Frio de na ponta de Tapuype, uma Jegua da cidade e
um tal ] aqaes Parcelle, de Dieppe. tudo então podia fazer, porque tinha provisão de El-
Em 1602 sendo D. Francisco informado de que Rey, para que quando não bastasse o dinheiro dos
já chegára o seu successor, passou procuração para dízimos, que é só o que cá se gasta a El-Rey, o pu-
a cobrança, na Bahia, de seus vencimentos atrazados, desse tomar de emprestimo de qualquer outra parte,
e embarcou em Santos directamente para a Europa. e assim houve occasião em que tomou um cruzado
á conta do que se havia de pagar dos direitos de
265) F ortifi c a ções. - O terceiro fim que D cada caixão de assucar nas alfandegas de Portugal, e
Francisco se propoz, foi erguer diversas fortalezas algum dinheiro dos defuntos que se havia de passar
para guarnecer a costa contra as aggressões dos ex- por lettra aos herdeiros ausentes; e de uma nau que
trangeiros. Copiaremos aqui alguns trechos de fr. Vi- aqui arribou indo para a In dia . . . tomou trinta mil
cente, que nos fará no mesmo tempo conhecer a cruzados, o que tudo EI-Rey mandou pagar em Por-
fundo o caracter deste governador contra o qual tanta tugal de sua Real Fazenda . »
antipathia mostra o sr. Varnhagen.
<< E assim, diz o citado autor, pag. 147, foi o 266) Comm erci o com o Rio da P r a t a . -
mais bemquisto governador que houve no Brasil Durante este primeiro governo de D. Francisco, assu-
miu taes proporções o commercio do nosso paiz com
(' ) Fr. Vice nte, pag. 163. o Rio da Prata, que o dinheiro vindo de lá para o
362 DIO GO BOTELHO EPOCA IIJ.-DOMI NJO DA HESPANI-IA 363
Brasil, se avaliou em quinhentos mil cruzados. Co- desintelligencias com os jesuítas e com o bispo. A
meçára pelo simples facto de enviar o bispo do Tu- este disputava a precedencia na egreja. Consultada
cuman um navio comprar vestimentas ecclesiasticas sobre isto a côrte, respondeu que nas egrejas é o
na Bahia. A principio simplesmente se tolerou; em prelado quem tem a precedencia. Quanto aos jesuítas,
1602 permittiu Castella certo commercio de generos considerava Botelho inefficazes e menos uteis ao Es-
de Buenos-Ayres para o Brasil; mas em 1605 orde- tado os meios adaptados pelos padres de aldêar col-
nou se désse remedio ao mal que esse commercio lectivamente os índios, e preferia trazel-os á força
causava á co!onia hespanhola do Prata. para os povoados I
Durante o governo de Botelho, inaug urou-se na
Bahia a pesca da bal eia ; creou-se em Portug al o
VI Conselho da In dia; amansaram-se os aym orés, e deu-se
principio á colonização do Ceará. Desta colonização
Diogo Botelho, 1602 - 1607 trataremos mais adeante : occupemo-nos agora dos
outros pontos.
267) Governo de Botelho.-Nomeado Bote-
lho a 20 de fevereiro de 1601. desejou vir com o 268) O Conselho da India - creado em 1604
titulo de vice-rei, recebendo apenas o de governador á imitação, parece. do Conselho das lndias, existente
geral que anteriormente fôra concedido só a Lourenço em Castella desde 1524. era composto de um presi-
da Veiga e a Francisco Oiraldes, e que desta época dente, de dois secretarias, e de quatro conselheiros,
em deante vão ter todos os seus successores. Ele- dos quaes, dois militare's e dois lettrados, devendo
varam-lhe o ordenado a tres mil cruzados, e per- um destes ser clerigo canonista. Todos os negocias
mittiram-lhe uma guarda de vinte homens. foi o pri- do Brasil que antes pertenciam á Mesa da Conscien-
meiro governador que desceu á terra em Pernam- cia e depois couberam ao Conselho da fa zenda, fo -
buco, onde se demorou um anno pouco mais ou ram confiados a este tribunal , que, durante sua curta
menos. Vieram com eiie um mineiro allemão e um existencia, g overnou realmente o nosso paiz. Abolido
sa~erdote da Ordem de S. Agostinho, castelhano de antes de 1614, foi restaurado em 1642 com o nome
nação, destinados a passar ás minas de S. Vicente. de Conselho Ultramarino.
Veiu egualmente Diogo de Campos Moreno, que em
seguida foi um dos chefes da conquista do Maranhão 269) Pesca da ba1eia.- Em 1603 encetou na
e autor da historia dessa mesma conquista, bem como Bahia a pesca da baleia o biscainho Pedro de Orecha,
do livro intitulado - Razão do Estado do Brasil. que, vindo com o governador Diogo Botelho, trouxe
Botelho mostrou-se severo, propondo a separação a seu cargo duas naus de biscainhos com os quaes
dos empregos incompatíveis, procurando que o di- começou a pescar, e, ensinando aos portug uezes, se
nheiro publico não fosse subtrahido, e fixando o tornou com ellas carregadas sem da pescaria pagar
ordenado dos officiaes do fisco, que até então se direito algum. Não se demorou, porém, a metropole
pagavam com suas proprias mãos, percebendo um a vender o privilegio ao primeiro que se apresentou,
tanto por cento. Dar.do provas de espírito pouco por seicentos mil réis annuaes. Em breve subiu tanto
christão, trabalhou para que não se fundassem mais esta industria, que o contracto se arrematava por seis
conventos de religiosos no Brasil, e teve algumas contos e setecentos mil réis cada anno.
EPO CA Ilf.- D OM! NJO DA I-IESPA NHA 365
364 DIOGO BOTELHO
elles, (!) e debaixo das suas ordens se lhe puzeram
fazia-se a pesca dentro qo porto desde o mez oitocentos guerreiros escolhidos, sob promessa de
de junho até o fim de agosto, durante o qual tempo que, finda a guerra, voltariam ao seio de suas fami-
as baleias entravam ahi para dar á luz. Cada uma ~ias. _Ao c~egarem a S. Salvador, estava passada a
produz um só filho, grande como um cavallo. O tra- rmmmenc1a do perigo, mas o commandante, em vez
balho da pesca exige muitos homens, e tres navios de recompensar estes alliados e despedil·os, resolveu
de feitio especial. «Gasta-se, diz fr. Vicente, de sol- aquartelar parte delles na Bahia, e o resto nos Ilhéos,
dadas com a gente que anda neste ministerio os dois para guarnição destas capitanias sem que esquecesse
mezes que dura a pescaria, oito mil cruzados, porque assignar-lhes sua tarefa. »
a cada arpoador se dá quinhentos cruzados, e a me- . •Com paciencia aguardaram os petiguares alguns
nor soldada que se paga aos outros é de trinta mil dras, mas vendo então que nem se fazia a g uerra,
réis, fóra comer e beber de toda a gente; porém nem os licenciavam , pediram venia para regressarem
tambem é muito o proveito que se tira, porque de a seus lare3, dizendo que, si não lha déssem , a to-
ordinario se matam ~rinta ou quarenta baleias, e cada mariam. O commandante acompanhado d'alg uns dos
uma dá vinte pipas de azeite pouco mais ou menos ... principaes da cidade, g ente que contava com estes
e se vende cada uma das pipas a 18 e 20$000 rs. pobres selvagens para lhes cultivarem as terras, foi
além do proveito que se tira da carne mag ra da ba- ter com elles, buscando em comprida arenga, per-
leia, a qual fazem em cobros . . . e sêcca a mettem suadil-os a que ficassem; mas elles, que deante dos
. em pipas e vendem cada uma por doze ou quinze olhos tinham o horror da escravidão, responderam
cruzados . . . Com se haver morto tanta multidão de q.ue sob condição de se irem, finda a g uerra, haviam
baleias, em nenhuma se achou ambar, que dizem ser vmdo. »
o seu mantimento, nem era do mesmo talho e espe- «Quem tão injusta intenção tinha podido formar,
cie, outra que sahiu morta, ha poucos annos, nesta tambem não era homem que della se deixasse de-
Bahia, em cujo buchu e tripas se acharam doze mover por simples representações contra a sua sem
arrobas de ambar griz finíssimo, fóra outro que tinha razão. Não podendo engodar os selvagens , determi-
vomitado na praia ». (') nou de levar pela força a sua avante; chamaram-se
os soldados, e os petiguares prepararam-se para a
270) Aymorés e Petiguares na Bahia. - batalha. Em grande confusão andava revolta toda a
Achava-se Diogo Botelho ainda em Pernambuco, cidade; dois conselhos se celebraram durante a noite,
quando recebeu a noticia de que os aymorés assola- e em ambos se resolveu que se declarassem rebeldes
vam as capitanias da Bahia e dos llhéos, de sorte estes homens offendidos, e como taes se atacassem,
que a propria Cidade do Salvador não deixava de sendo reduzidos á escravidão.,,
correr algum risco. Pediu. portanto, ao capitão-mór «Tão certo não era, porém, o triumpho que ao
de Pernambuco reunisse uma força de petiguares com mandante tirasse todas as apprehensões do resul-
afim de castigar esta nova invasão. «Ninguem, diz tado, pelo que mandou aos jesuítas nas aldêas cir-
Southey, 11 . 47, que não fosse um jesuíta podia le-
vantar esta força; metteu-se o P. Diogo Nunes entre ( 1) Este pad re Di ogo Nunes acompa nhou os se l vage ns para a
Bahi a. Foi ma is tar de ( 16 15 ) ao Mara nhão co m Al exand re de Mo u -
ra , e fall ece u nas An t ilh as, co n fo rm e h ave mos de ve r.
e) Q uem deseja r um a be ll a d es cripção da p esca da ba leia , veja
fr. V1ce nte 1 na pag. 171. Item ln st. Hi st. da Bahia , n. 33, pag. 153·
366 DIOGO BOTELHO EPOCA Ill.-DOMINIO DA IIESPANHA 367
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cumvizi~~as recado que viesse~ a toda a pressa em aos cidadãos innocentes e aos jesuítas, seria perni-
seu auxii i_o com quantos freche1ros pudessem reunir cioso aos proprios indígenas mesmo na supposição
para serviço de Deus e de S. M. Vieram os jesuítas· de sahirem victoriosos, porque de um moc1o ou de
conheciam el les por demais o caracter da gente d~ outro acabariam por serem subjugados, e reduzidos
gov_ern~nça, para qu~. esperassem_ levai-a por motivos ao mais hediondo captiveiro.
de JUstiça e boa polihca, e deseJando evitar maior
f!lal immedi_ato, pediram aos petiguares que consei. 271) Zorobabé.- Conta fr. Vicente do Salva-
hssem em ficar. A resposta prompta foi que fariam dor, pag. 16l'e 170, que o chefe desses petiguares
o que os padres quizessem. Pouco depois julgou o era o famoso Zorobabé, e que a ida delles para a
com mandante pru~ente mandar buscar para a cidade Bahia se effectuou emquanto D. Francisco de Souza
~omo refens a ma!or parte dos caciques; a isso se estava na capitania de S. Vicente.
~ecusa~am estes, dizendo que bem lhe percebiam a O commandante de que fala Southey, era o ca-
mtençao, nem lhes assentava bem a elles abandonar pitão-mór Alvaro de Carvalho, o qual mandou os
seus companheiros. Outra vez se recorreu aos jesuítas petig:.:ares aos Ilhéos, e pouco depois os deixou vol-
e. de novo preva!eceu a sua influencia; os petiguare~ tar para seus lares. Refere tambem fr. Vicente que,
disseram que fanam o que se queria, por amor dei- ao chegar Botelho á Bahia, estando os petiguares de
tes, e não em attenção ao commandante.» partida para o norte, lhes ordenou debellassem de
Quizem?s copi_ar todc: e~s~ trecho de Southey passagem, como fizeram, um mocambo de negros
para que veJa o_ l e~tor qu~o InJUstamente se procedia fugidos, situado não longe do Rio Real.
co m os pobres mdios, e diga si é possível sustentar De lá seguiu Zorobabé para a sua terra natal,
a these que Vamhag-en defende na sua historia isto louco de vaidade, entrando na sua aldêa em trium-
é, que toda a justiça estava do lado dos colon~s · a pho. Visitaram-no quasi todos os índios da Parahyba,
culpa semp~e da parte dos indígenas. Si os pob~es e muito<; brancos, que o embriagavam, e depois fa-
selvagens tivessem seus historiadores e pudessem lavam que era temível, que andava levantado e cousas
contar seus aggravos, cren:os que ~uitas de suas guer- semelhantes, com que assustaram mui sériamente o
ras, ~hamadas revoltas, nao passanam dos limites de capitão de Pernambuco e o de Itamaracá. Affirma
~m~ _JUsta_ defesa, e muitas outras seriam vinganças fr. Vicente que embora fosse vaidoso e de caracter
JUShficaveis de offensas anteriormente recebidas. algum tanto exaltado, si estava em si, mostrava boas
Quan~o ao pro,ceder dos jesuítas nestas conjun- intenções, e falava em fazer-se christão; «comtudo
cturas arnscadas, pode quem quizer censurai-o como quando se embebedava, era inquieto e revoltoso, e
o. faz So~they, e nós não precisa:-:10s tecer a 'apolo- foi crescendo tanto o medo dos portuguezes, que o
g~a de mnguem , nem pretendemos affirmar que elles prenderam e mandaram a Alexandre de Moura, ca-
nao s_e pudessem alguma vez enganar. Mas, o que pitão-mór de Pernambuco, e dahi ao governador, os
devenam elles fazer? quaes na prisão lhe déram por muitas vezes peçonha
. Mostrar aos bahianos a injustiça do seu proce- na agua e vinho sem lhe fazer algum damno . porque,
di~ento? Isto com certeza elles fizeram; mas o pro- dizem que, receioso della, bebia de madrugada a sua
pno S<?uthey rec~nh~ce que d'aquelles senhores não propria camara, e que com esta triaga se preservava
se podia_ esperar JUstiça. Aconselhar aos petiguares a e defendia do veneno; finalmente o mandaram para
res istencia? Isto, além de accarretar innumeros males Lisboa, donde . . o mandaram aposentar em Evora
368 DlO GO BOTELIIO EP OC A liL-DOí\Jil\IO DA l!ESPANIIA 369
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Cidade, e ahi acabou a vida, e com ella as suspeitas de ervas e raizes se nutriam unicamente. Assim se
da sua rebellião ». . viram os aymorés senhores de todas aquellas regiões,
Dispensamos toda a sorte de commenta~10s! e já a propria Bahia não estava a coberto de suas
Observaremos tão sómente que Varnhagen, refenndo correrias. »
este facto, cala a circumstancia do veneno subminis- 273) Principio da conversão dos aymorés.
trado pelo proprio governador geral. bem como o de -Alvaro Rodrigues.- « Umas doze leguas ao sul da
ser Zorobabé embriagado por aquelles mesmos c~l<;>­ capital do Brasi l vivia nas suas terras um abastado
nos que lhe imputavam a crime o que elle dtzta portuguez por nome Alvaro Rodrigues, que com
nesse estado de alteração. vigor fazia a guerra a estes perigosos fronteiros.
Numa de suas expedições capturou duas mulheres
272) Invasão dos aymorés.-:-Assolavam, no que trouxe para casa. Uma morreu . e boas maneiras
entretanto, os aymorés as capitanias do s_ul desde os domesticaram a outra i apprendeu o portug uez, e
Ilhéos até S. Vicente. «Em S. Amaro, dtz Southey, tanto se affeiçôou ao novo genero de vida, que, dan-
abandonaram-se propriedades do valor de trinta, qua- do-lhe Alvaro livre o regresso á sua tribu, recusou
renta e cincoenta mil cruzados, devorados por estes ella ir-se. Occorreu-lhe então a ell e qu e poderia esta
selvagens os trabalhadores e fugidos os propriet~­ mulher servir para estabelecer-se a paz. Prestou-se
rios. Não era menos espantosa a força dos aymores ella prompta a secundal-o, e, pondo-se em um lagar
do que a sua desesperada ferocidade i um punha~o onde era provavel que os patrícios a ouvissem nas
delles assaltav;1 engenhos de assucar em que havta florestas, começou a chamai-os, voz em grita, referin-
nada menos de cem pessoas .. . A capit~nia d?s llhéos do o bom tratamento que da parte dos portuguezes
ficou quasi destrui da. Porto. Seguro_ tmha std~ b~m encontrára, e dizendo que queriam elles ser amigos
defendido emquanto se havtam detxado os md10s dos aymorés, e tornai-os participantes das boas cau-
mansos a' cargo dos jesuites. » .. sas que possuíam. feito isto, depunha mantimentos
· Debaixo do sabia governo dos padres, vtvtam no chão , instrumentos de ferro, e as bugiarias que
elles em aldeamentos assaz fortes para se defenderem mais deviam agradar, e voltava .
a si, protegen~o os po:tuguezes da colonia. Um ,ca- • Repetiu-se isto até que dos índios, alguns se
pitão novo veJU destrUir este systema, . n~ s_ua cega affoutaram a vir visitar Alvaro, que, entretanto, ao
rapacidade desfazendo as aldêas e dt~tnbumdo os capitão da Bahia fizera saber a esperança que nutria,
pobres índios pelos colonos que os fazt~m trabalha_r, pedindo as orações de todos os fieis a favo r da sua
deixando-lhes o cuidado de proverem a sua propna realização. Alguns parentes desta mulher deixaram
subsistencia. Assim se viam obrigados a exporem-se afinal persuadir-se a irem a S. Salvador, e os presen-
sós ou em partidas pequenas, e os que não succum- tes que alli receberam, e as maravilhas que na volta
biam ao trabalho, eram trucidados pelos aymorés. contaram, indt:ziram outros cincoenta a visitarem o
Privados do seu rebanho e não se podendo ~anter commandante. Tão feliz successo se considerou
sem elle, abandonaram os jesuítas os seus es~abele­ naquella cidade para o bem do Estado o pacifico ap ·
cimentos · fuairam tambem quantos tmham meiOs. de parecimento desta gente, e tão inesperado, que um
fazel-o, até q'fte afinal mal ficariam ain~a _na cap_t~a­ dos espectaculos com que a regalaram, foi uma
nia vinte famílias miseraveis, que d'alh nao f,]Odtam procissão de graças pela sua visita, terminada por
sahir e que, sem escravos que para elles trabalhassem, um sermão da mesma natureza ».
24
370 DIOGO 1lOTEf.IIO
EPOCA llL -DOi\11NIO DA HFSPANIIA 371
274) Desastre providencial. - • Estavam agora
tão satisfeitos os aymorés, que em hord as vinham a o co!legio _dalli. Riu-se o povo do proiecto tendo
aquartelar-se em casa de Alvaro, o qual logo reque- por llnpossivel que os aymorés encarniÇado~ como
reu ao governador que o mai s depressa possível o estavam ~m rezes humanas, abandonassem jamais os
livrasse destes vorazes hospedes. Faceis de persua- seus hab1tos de anthropophagia nem renunciassem a
dir quando os não preveniam suspeitas, estiveram esperan~a e o pra~er da vi n g~nça I;elas perdas soffridas. »
os selvagens por ir para qualquer parte, onde gosas- • Nao se deJ_xo ~ Dommgos dissuadir por taes ar-
sem das commodidades do seu nov o genero de vida, f.~zoad os, e :.t ~nmeJra vez que se av istou uma par-
e foram removidos para a ilha de Jtaparica, postos I ~ de aymort~, metteu-se numa canôa com o su-
ah i sob o cuidado de tres iesuitas, escolh endo-se uma
ilha por nada haver que ,:ecear, caso recahissem nos
Jt JOr do c_o llegJO, o capitão dos llhéos e dois rema-
ores, seg_umd ~ todas as outras embarcações em te-
an ti aos habitos. Mas demasiada repentina fôra a mu- merosa dista ncia. Ao chegarem ao alcance de voz
danÇa: rebentou entre elles uma doença endemica, do Jogar on~ e estava m occultos os aymorés cha-
que mal dava aos jesuítas tem po para baptizar aos mou-os qolrllngos, dizendo-lhes que vin ha de' paz e
moribundos e enterrar os mortos. Apoz dez sema- com o amigo. Passados alguns momentos sah iram da
nas desta pia tarefa, informaram ao governador que e~pes s ura , _preparados os arcos, dizendo-lhe que po-
ou se havia de remover dalli o rebanho ou todos dia elle vir, ~!las nenhum outro, e apontara m o Jo-
pereceriam. Voltaram alguns a ter com Alvaro, dis- gar onde deviam fazer altú as canôas •
persando-se os outros por entre os ind ios man :os, «Passando. pois, a outros bateis o~ companhei-
cujas aldêas estava m estacionadas qua es outros tan- ros, adeantou-se ell e sósinho no seu, visto 0 que de-
tos postos avançados contra os proprios aymorés. p~I ze ram os selyagens as arm as. Chegado á mar' em
Dalli como se havia receado, mettiam-se ás mattas dJ ssef ll: e~ Do:nmgos a qu~ vi nha, e deu-lhes far~ ha '
e ia I.;, a dar com os parentes; taes eram. porém, os que OJ I eceb Jda com gratidão. Pediu então que a i ~
commocios da vida sedentaria, que elles freque ntemen- gun_s o a~ompanhassem _á vill a, promettendo recoil-
te voltavam, trazendo outros i e assim indo uns, duz!l-os n.t manha n seguinte com maior porção de ·_
vindo outros, encontrava-se alli uma contin ua sue- veJ es _pa ra os se us amigos. Quatro pessoas se e~~-
cessão de hospedes. Apprenderam alg uns a ling ua barcaJ am proml)tamente com elle, send o o maJOr .
n ume1o · que po d Ia· levar a canôa •.
tupy para servi rem de interpretes, e a fronteira vi~­
se livre ch terrível guerra a que tantos an nos esti- ~ _ No outro dia veiu ~lle effectivamente com 0
vera exposta •. sup eJ JO r trazer, os quatro índi os, aonde cêrca dedu-
~e nt?s aymo res com suas famí lias reunidos á beira
275) Conversão dos aymorés. - Domingos o 110 os estava m aguardando. Um dos quatro visi-
Rodrigues.- • Havia por estes tempos no collegio tantes, apenas_ ~al tou_ em terra, pôz-se a partir as settas
de S. Sa lvador um jesuita por nome Domin gos Ro- dos seus pa!n cJos d1zendo que era finda a guerra e
drigues, recentemente chegado de Portugal i I igo u-se b~f ge ntf os pad res, qi.le nem tinham arcos n~m
aos aymorés, apprendeu-lhes a língua, e, obed~ce nd o se_.~~· re o que nada devia negar-se do que ell es
ao impu lso intimo que sentia, pediu ao supenor que ex J ,JSSe J~ . Des~a vez acon~panharam-no trinta selva-
o mandasse aos Ilh éos, onde esperava da mesma ge ns _pai a a v !I la, onde tao grande foi ao ve i-os
fórma effectua r as pazes. Removeram-no, pois, para alegna dos ~loradores, que, tirados da' canôa os Je~
suJt:<s, em tnumpho os levaram ao seu collegio. •
ErO CA HT.--DOli TINIO DA IIESPANf- lA 373
372 DIOGO BOTELHO
Valia ago ra a pena discutir porque é que Var-
" facilmen te se concluiu agora a paz, pedindo - nh agen passa de tod o em silencio estes aconteci -
se aos novos alliados que do sertão trouxess em ou- rrye_n_tos, _que por sem duvida pertence m á histeria da
tros da sua nação, para da mesma fórma se apro- cJvtliz!ç ao do _no sso paiz; omittimo s, porém, esta
veitarem do benefici o da amizade dos padres. Nem questao para nao serm os prolixo.
tardou que attrahida por este convite não apparece sse
perto dum a aldêa (1 ) de petiguare s convert1dos uma . · 276) Holland ezes na Bahia.- Durante a ad mi-
horda em qu e vinham duzentos e cincoent a freche i- llls t~ação de Diogo Botelho entraram na Bahia sete
ros . . . A' vista delles fugiram os petiguare s, mas dois navws ho llandezes, capitane ados por um Pau lo Van
da primeira tribu, que haviam sido os mensage iros Carde~, qu e saqu_~aram o Reconca vo e se apodera-
para estes seus patríci os, adeantar am-se á pressa, di- ram de um a urca Ja carregad a. foram, todavia, rechas-
zendo que vinh am de paz: sahiram- lhes de encontro sados pelos morador es. Mandou , portanto o governa -
os jesuítas, levando da villa quantida de de instru- dor á H esp~ nha Diog-o de Campos Mo;eno repre-
mentos de ferro e provisõe s, e recebend o em bem sentar ao rei a necessid ade de fortificar mell~or toda
acce ita troca os arcos dos ay morés. Levaram -nos aon - a costa, ~ pedir mei~s mais ~fficazes p~ra a conquist a
de estavam os compa nh eiros, que elles abraçara m do Cea~a e Maranha o. PartiU pelos fms de 1604, e
com vi vo sentimen to de amor nacional. O effeito nos _ _dois ann os seguinte s alca nço u orde m para as
que sobre aq uell es selvagen s produziu a vi sta e a forttftca~ões e outras coisas importan tes; nada, porém,
experien cia dos comm odos da vida civiliza da, fo i tal conseg u~u a res~ei_~o da co~ta do norte, • porque
qual o haviam esperad o os jesuítas: correu a noti- hou_ve a lguma optmao que a JOrnada (l) era mais con-
cia, e bem ·de pressa se formaram dois a ldeamen tos, ven~ente ao~ particula res que desorden adament e se
contendo um, mil e duzentos aymorés , e outro, qua · hav1 am havido nella, que não ao commum serviço
trocentos , e a cap itani a que até aqui só com os fre- de Deus e de Sua Magesta de (2) ».
quentes socco rros da Bahia se livrava de tota l des- . Provavel mente o medo de prejudic ar ao seu
truição, viu -se efficazmcnte li vre de seus in1mi g os. » cltente,_ Pero Coelh o, fez com que o Sr. Porto Se-
Estes factos mostra m ma is uma vez o que seri a m guro nao relatasse cl âramente o que se contém neste
trech?, content~ndo-se de dizer que a metropo le não
os sel vagens, mesmo os mais bravos, co mo sem
co ntestação eram os ay morés, si com ell es se usasse defenu o pedJd?_ que o governa dor lh e «dirigira ,
pela mesma occastao,_ para mandar fazer dois ga leões ».
a brandura e caridade christan; o u por o utra, si se Parece claro que a Id éa é bem diversa.
tentasse persuadi r-lh es efficazmente que os nossos
procurav am o seu verdadei ro bem, c não buscavam VII
roubal-o s e despojai-os. Preferim os empreg ar as JXl.-
lavras e os sentimentos do protestan te Southey para D. Diogo de Menezes, 1607 - 1612
que ninguem nos accusc de suspe ito ou exa gge rado_
. 277) Seu. Govern o. - D. Diogo de Menezes e
Siqueira , ultenorm ente prim eiro Conde da Ericeira I
(f) Com o no su' não havia pc ti g uares, parece -nos necessa rio
su pJ' Or que, o u So uthey deu aqui po r descuido o no me de pe ti- (') All usão á jornada de Pero Coe lho d a qua l trat arem os ma is
ad ea ote.
g ua res n outros indigen as, ou e.; tc s eram dnqu elles que ti nh a m vindo
da l'a rahyba, d os q uaes a ffirm a Ca ndtdo t-I cn dcs q ue uiio rcgresm - n Di ogo de Ca mpos More no - Jo rn ada d o Ma ra nhão.
r a m pa ra o norte.
374 MENEZES
EPO CA llL -D"~ II N I O Ui\ II ESPAJ'\ IIA 375
nomeado governador geral a 22 de agosto de 1606,
chegou ao Brasil pelos fins do anno seg uinte. Aportou guma relativamente a esta questão. Destes dois au·
de arribada ao Rio Grande do Norte «onde encon- tores, o primeiro é fr ancamente apaixonado em favor
trou o povo sem justiça, diz Varnhag~n, e sem meios de Menezes; o segundo não fa la com suffic iente cla-
de a _r_equerer, pelo que creou ahi um provedor e um reza, conte.nt~ nd.o- s~ de d e~ l a n: a r contra os usur pa-
tabelltao e lhe mandou depois indivíduos ind epen- dores da JUn sdJ cçao eccl es1ashca. Vamos copiar al-
dentes, capazes de exercer os cargos da Republic a » . guns trechos: •.. porq ~ e eram (os desembargado -
Demorou-se em Pernambuco um anno, dando diversas res) nesta maten a demas tada mente nímios. e á conta
providencias para melhorar as fortifi cações. de . def~ nd e re m a juri ~dicção de El-Rey, totalmente
Em seu tempo concluiu -se o forte do Picão ou ext~n ~ ut a m a ~ a _EgreJa . . Não nego que quando
d_e S. Francisco começado no govern o de D. fran- o~ J~t ze s ecclesras ttcos procede m contra as regras de
ctsco de Souza. Achou Menezes que tambem em drretto, deve o secular desao-o-ravar o réu mas fóra
Pern~mbuco h.avia notavel subtracç ão do dinh eiro d'ahi não de_ve, _nem El -Rey"~e serve, nem' Deus, que
publtco e mUJto contrabando do pau brasil, sendo pelo que nao tmporta se estorve a correcção dos
um dos cumplices o proprio joven donatario Duarte males, e se perturbe a paz entre os qu e a devem
de Albuquerque. Um dos primeiros cuidados do no- zelar1 co mo se . fez depois que vei u a Re lação ao
yo go~e.rn a d or na Bahi a !o i installar a Relação, cu- Brastl .. ·. e asstm ch ego u o bi spo deste Estado, D.
JOS offt c1aes chegaram a cmco de junho de 1609. Seu Consta ntm.o de Barradas, a ter mo de não ter
primeiro chancell er foi Gaspar da Costa mas fal- quem gutzesse servir de vigario ge ral.. . Uma
lecendo elle dentro em breve, su cced eu-lh ~ no ~argo C? usa vt nesta materia . . e foi que tendt? o dito
(1 611 ) Ruy Mendes de Abreu. btspo decl arado por excomm ungado nom tnatim a
A 27 de janeiro de 1610 a camara da Bahia um homem, agg ra~o u para a Re lação, e sah iu que
agradeceu ao rei o facto de ter dotado de uma Re- era aggravado, e nao se obedecesse á exco mmunhão
lação o Brasil ; logo, porém, os moradores ti veram n: enor que ~e in corre por tratar com os taes, e fu -
moti vo de se arrepend er, visto co mo aq uell e tri bu- gram por nao se encontrar e fa lar com elle, man-
n.al multi plicava e p ro tra~ ia as demandas, e bem as- dou-se lançar bando que, sob pena de vinte mil cru-
Sim aug mentava desmedidamente o numero dos advo- zados, lodos lhe fa lassem, cousa que an tes da ex-
gados, rabu las e intrigade s, os quaes, todos, por um co mmunhão não fa ziam sinão os que queriam por-
modo ou por outro buscavam viver e passar bem qu e e r~ um homem particul ar ». '
á custa dos brasil eiros. Não admira, pois qu e em VeJa m ~s agora o que diz o sr. Porto Seguro :
1625 supprim issem esse tribunal a pretexto 'de econo- • Entre o. btsp'? e o _governado r havia começado uma
mia, porém na real idade porque todos se queixa- grave. des mte iiigencra, que se fez publica em questões
vam delle. lle ettqaeta na procissão do Corpo de Deus em Per-
n_am_bt:co em 1608 (5 de junho), a qual historia por
278) A Rela ç ão, Menez es e o bispo. - Sa- st so e_ um roma!lce >-' . E: muit<;> para extranhar que
bemos que Menezes se desaveiu com o bispo mas o sr. vtsconde nao se dtgne dtzer-nos nem uma só
achárr.os altamente difficil at inar neste ponto c~ m a palavra a respeito desta historia que qua lifica de ro-
verdade. Pois, excepto Va rnh agen e fr. Vicente, ne- rr: a t~ce. Co mo, porém, a desavença começou na pro-
nh um outro autor ao nosso alcance refer::: cousa ai- crssa? _do Corpo de Deus, é li cito suppor que tudo
co nststtsse na questão da precedencia, a saber : na
376 MENEZES EPOCA 1II. -Dm1INIO DA IIESPANHA 377

procissão e na egreja a quem cabe o primei ro Jo- tros ec~l es i ~sti cos • com o que esta porção das des-
gar ao bispo ou ao governador ? O sr. Varnhager., p ~sas mclumdo a s.o mma que recebiam os jesu ítas,
co~o diplomata, sabia bem que esta questão não é foi logo elevada arnba de sete contos e oito centos
de simples etiqueta, visto como inclúe um principio mil réis, sem inclu ir a paga a alguns vigarios do sul•.
a que o bispo em conscíencía não podia renunciar. Observe-se, porém, que o governo, a titulo de
O princípio, como todos sabem, é o seguinte: fazer as despesas elo culto, cobrava os dízimos, que
Quem precede é superio~. Ora é. admissi:rel gue ~ por este tempo, segundo o proprio Varnhagen fun-
governador seja na egreJa supenor ao bispo? Foi diam quarenta e dois contos de reis. '
por isto que a côrte no tempo de Botelho respon-
deu: Na egreja a precedencia cabe ao bispo. 279) Men ez es e os j esui ta s .- Accusou Me-
Continúa o sr. visconde a referir diversas accu- nezes os jesuítas perante o rei de terem dado um
sações lançadas pelo governador contra o prelado. parecer favorave l ao bispo, de comerem da fazenda
Para furtar-nos á prolixidade, observarem os tão só- real perto de tres contos de réis, e de que seus índios
mente que essas accusações em geral são vagas, ci- das aldêas, quanto á religião, nada sabiam! Pediu,
fi·ando-se na falta de decoro, na ambição, na cobiça, portanto, q.ue se désse a~s padres uma reprehensão,
etc. Devia, porém, o illustre Historiador não esque- e se lhes tirassem as aldeas, e que os índios fossem
cer uma das regras mais elementares da critica, a.s~· de~la_~ados livr~s .. «Era, diz Varnhagen, (Menezes) de
ber: que o inimigo, quando depõe contra o. seu Ini - opiniao que religiosamente o índio (nas aldêas) pouco
migo, não merece fé. Isto esqueceu o sr. visconde, ganhava, ao passo que. as sidades perdiam popu lação,
e por isto pedimos licença para não lhe darmos cré- as te:r~s braços propnos a cultura, e o gentio não
dito, nem ao governador. adquit}a os habitos de civilização, policia e pudor,
Segundo o mesmo Varnhagen, o bispo lançou que so as. gr~n~es povoaçõ~s proporciona m. Apenas
o interdicto na Sé ao governador e ao thesoureiro, chegado, uzstSüa na necesstdade de serem os índios
e excommung ou o desembarga dor Pedro de Cascaes, declarados livres . . . para os ir assim habituando ao
que servia de provedor da Fazenda, porque não pa- trato e gosos ~os colonos; pois quanto á religião
gavam de uma vez certos atrazados da ~olha e~cle­ elles nada ~abiam, e apenas tomavam de cór o que
siastica do modo que o prelado entendia. O bispo se lhes ens.I~ava. E, ao passo que, continúa Varnha-
recusou sujeitar-se á sentença da Relação, que lhe gen, suppnnam, de mistura com os escravo:; de Ouiné
ordenára levantasse as censuras. Levada finalmente os braços que escasseavam, não iriam tanto com~
a questão para a côrte, esta decidiu em favor do então, para os mattos reunir-se aos nearos 'fugidos
diocesano, ao qual apenas recommend ou ~ue fosse óu canhambola s ». "'
moderado. Attribuiu o governador o mento desta O leitor já sabe que os jesuítas tinham com seus
resposta da côrte aos jesuítas, contra os quaes, por suores, e á custa de innumeros sacrifícios formado
conseguinte, diri g iu toda a sua vingança, como logo as aldêas i sabe egualmente que não eram os índios
veremos. das aldêas os que fugiam para o matto, mas aquelles
Diz ainda Varnhagen que em 1606 se havia que. re~eavam de ser reduzidos a injusto e hediondo
mandado pagar atrazados (mandar pagar não é o captiveiro i sabe tamb ~ m que os índios das aldêas
mesmo que pagar) ao cabido da Bahia, e que se nem estavam ociosos, nem eram deixados sem pudor
augmentára o ordenado do bispo e de muitos ou- e sem mora lidade.
378 1\IENEZES EPc)CA JII. -00~ 11 :\IO DA JIESPANHA 379
E' melhor dizel-o francamente. Menezes desejava e a re'-:oga_r a mesma lei por meio de outra em data de
que os indios das aldêas fossem entregues aos co- 10 9e jan_eiro de 1.6 11, na qual, começando por uma re-
lonos, a quem deviam servir como escravos. Isto cae1tula7ao das leiS SO ~Jre OS indios promulgadas desde
apparece claro pelo que fez quando chegou a lei de IStO, P! os~g;ue autonzando os captiveiros feitos em
1609 como breve havemos de ver. gue;ra justificada ou por 111otivos justos ; limitan do
O sr. Porto Seguro já na pag. 402 dissera que porem, ? prazo dos mesmos captiveiros a dez annos:
elle pensava como Botelho e Menezes, isto é que e conclue a~~ptando a id éa de aldêamentos dirigi-
precisava obrigar os índios a virem para as cidades, dos por cap1taes escolhidos enire os colono; de vida
embora com alguma quebra da sua liberdade, e ex~mplar, pelo gove rna9 or, chanceller e provedor-
accrescenta que este conselho lh e valeu a reprovação mor dos de!;.: nctos, reunidos, os quaes poderiam pas-
e apocemas de muitos. Com effeito, para sustentar sar aos sertoes, acompan~ados de algum ecclesiastico,
c;emelhante opinião, é mister ig norar de tod o o que pa~a effec!uarem os desctmentos: podendo os índios
são as cidades. Além di sto, seria pequena a quebra a~s1m aldeados, sere111 solicitados pelos co lonos me-
da liberd ade ? Os indígenas trazid os á força para as d!ante. c~mtracto de locação de serviço. Todas estas
cidades ficariam alli, si não fossem algemados, o u em dtspostçoes . peccava m pela aberta que deixavam a
outras palavras, redu zid os ao captiveiro? Já temos serem sophts.madas, dando origem a muitos abusos
visto e havemos ainda de ver muitas vezes que o q~te concon:1am para desprestigiar a autoridade d ~
unico meio de converter e civilizar os índios era a l~t e do.leg tslador,. a tal ponto, que mais favoraveis
brandura, o a.mor paternal e se m interesse proprio; a.morq.ltdade publtca ltouverat.n sido qtulfsquer pro-
pois qualquer outro systema tem falhado e falhará vtd~l!etas que se executassem ftelmente por mais crueis
se mpre. e ngo:osas que .fossem (') ».
. Dahi é que alguns em nossos dias, re cusand o o St estas. ultim as phrases não se achassem bem
systema religioso, recorrem á guerra de extermíni o, claramente !mpress~s .na Historia Geral do Brasil,
já pelas armas, já introduzindo entre os pobres se.l- n111guem hoje a~ redtt{lna que e!las pudessem em pleno
vagens vicios que elles no seu estado de barbaria s~culoA XIX sah tr da penna do illustre visconde. Então,
totalmente ignoravam! E estes se chamam civiliza- ~~ a corte decl arasse, v. g., q~e C!S colonos podiam
dores, e amigos da humanidade! Impun emen te roubar quant?s tndtos quizessem; tirar-
lhes su~s ~ulheres e seus filhos; reduzil-os a hedion-
280) Nova lei a r espeito dos indios.-Co- do cap~tvetro sem nenh_uma razão; tratai-os peior
piemos alguns trechos de Porto Seguro que sem du- que ammacs, etc., tudo Isto, no sentir do sr. Porto
vida não é suspeito: • Baixou da metropole um a lei, Segu.ro, houvera sido mais favoravel á moralidade
co m data de 30 de julho de 1609, declarando os publtca, comtantoque fosse executado fielmente 1 A
índios inteiramente livres, (1) e im po nd o penas seve- julgar por esta~ expr~ssões, cumpriria d izer que o sr.
ras aos que os tomassem ou conservassem como es- VIsconde possu ta noçoes bem exiranhas da morali-
cravos. Protestaram contra semelhantes disposições o ~ad.e publt~a !. E que talvez não existia para os pobres
governador e o povo todo do Brasi l de modo tal, tndtos o dtr~tto natural? Não eram elles livres por
que o rei se viu obrigado a reconsiderar o assu mpto, natureza? Nao eram entes humanos tanto como nós?
Tanto como o sr. visconde? ·
(') E ' precisamente o q ue Menezes p ed ira. (') Pag. 428. O g ry pho é nosso.
380 ,\ IE1\EZES
I::PC'CA llJ.-DO~I I NIO !lA IIESPANIIA 38 1
E' verdade qu e a lei de ixava aberta a p o r~a a
innume raveis ab usos, porque onde não lla conscicn- Menezes, que ainda se achava nessa capitan ia,
cia e relig ião, não se acha lei que baste para re_fr~~r deu se por muito offend ido, queixando-se com amar-
as paixões. So mos, portanto, franca men te de op miaO gura ao monarcha re lativamente a esta nomeação.
que o melhor modo de acud ir a tantos males_ er_a A un ica cousa que D. Francisco fez em S. Paulo,
abo li r duma vez a escravatura, ao ~nen~s, dos md ~­ onde falleceu a onze de junho de 16 11, foi sanccionar
ge nas, d izendo aos colonos que, SI, ql~ I zessem en n- um contracto entre o seu filho primogenito, D. An-
quecer, trabalhasse m, porque não e JUsto que u n~ ton io, e o provedor das minas, Diogo de Quadros
homem pretenda rega lar-se e acc~t m ular thesouros a e Francisco Lopes Pinto p1ra erigir uma nova fabrica
custa de outro homem, seu egual por natureza. de ferro. Este seu rilho primogenito já estivera no
Brasil como capitão-mór da costa. Logo D. Francisco
28 1) Nova divis ã ) do Bras il. -- D . F r an- o mandou :to reino com as amostras de ouro das
cisco d e S o u za- 1608.-Dividiram mais uma vez minas, de que levava feita um:t cruz e uma espada
por este tempo o Bra_si l em beneficio de_ D. F:an- para Sua Magestade. Tudo lhe tomaram os corsarios
cisco de Souza. «.Mutto se recea·va no Btasii, d1z o no mar Na :tuscncia do primogenito, succedeu-lhe
nosso fr. Vicente, pelo muito d inheiro que D. Fran- D. Luiz, seu segundo filho, po5to que fosse muito
cisco de Souza havia a:Jsto da fazenda de Sua .Ma- moço Fr. Vicente affirma que D. Luiz succedeu a
gestade, que lhe toma;sem no reino estreita conta; seu pae por eleição do povo; Varnhagen, que D. Fran-
porém, como nada tomou para enthesourar, ~n!es do cisco o nomeou em vi1 tude de seus privilegias; que
seu proprio gastou . não tratou El-Rey s 1 n~o de tomou posse immediatamente em S. Paulo, e a 13
lhe fazer mercês, e porque elle nã~ pediu mais que de dezembro no Rio; mas no anno seguinte teve de
o .Marquezado das Minas de S. VIcente, _o_ tornou a entregar o governo ao d2sembargador Manuel )a-
mandar a cllas, com o governo do Esp1r1to _Santo, come Bravo, delegado do i10vo governador, Gaspar
Rio de Janeiro e mais capitar.~ias do Su l, ficando de Souza, em cujas mãos a meti'Opole reunira a au-
nas do Norte govern:mdo D. o:ogo de M~ne~e.s• . toridade da colonia pelo alvará de 9 de abril de 1612.
Nomeado pelos fins de 1607 ou no pnncipto de Gaspar de So uza dirigiu os destinos do Brasil até
1608, obteve grandes p:ivilegi(_)S e jurisdicção sobre 1616, qu:Jndo llle succedeu D. Luiz de Souza.
todas as minas do Brasil; podia nomear empregad~s
e officiaes trazer uma guarda de vinte homens, mli -
tular-se S~breentendente das Minas, e levar, durante
VIII
o seu governo, o titulo de Grande. . .
Prometteu-lhe, além disto, o rei confenr-lh~ o
titulo de Marquez do primeiro Jogar que nas mm~s Ce2.rá e Maranhão
se povoasse com cinc?ei~ta vizinhos casados. VeiU
acompanhado por mineiro_s de ou:o, de prata, de 282) P era Coelho --cunhado de Frud~iOSO
ferro, de esmeraldas, de salitre, e ate de perolas. S~­ Barbosa, c outror:t commanc.bnte de uma galé do rei,
hindo do Tejo em duas caravellas, chegou,. no dia tin ha-se estabelecido na Parahyba, onde pelos annos
19 de fevereiro de 1608, a Pernambuco, CUjO povo de 1590 fôra vereador ela camara. Ju Igando-se pre-
o recebeu com todas as demonstrações de JUbilo. judicado, porq ue o re i tomára a seu cunhado a ca-
l' itania, cu idou poder-se indemnizar pela descoberta
EPOCA llJ. -Düi\ IIN IO DA llESPA NIIA
382 CL<\RÁ J·: i\IARi\NI-IÃO 383
e conquista de outras terr~s, particularment_e d_a ser~a que seria melhor reduzil-os por via de prégação e
de Ibiapaba •que era ma1s povoada de_ gentio » ( ). doutrina dos padres da Companhia (1)».
Tendo, pois, alcançado do governa~or D1ogo_ ~ote~ho No entretanto Pera Coelho, que, voltando ao
licença, o titulo de capitão-mór e d1versos pn~J!egJOs, achára um forte de taipa construido por seusCeará sol-
mandou ao rio Jaguaribe tres barcos de mantimento dados , aguardava anno e meio os soccorros promet-
e munições (1603). El~e s_eguiu po_r terra com_ 6? sol-s tidos, e dava áquella paragem o nome de Nova Lu-
dados brancos, e 200 Jnd1os freche_Jros._Os pnnCJpaes zitania, e ao forte o de Nova Lisboa. Vendo, afinal,
destes eram o petiguar GaragumgUJra, bem cot:no que não apparecia nenhum dos soccorros esperados,
os tabajares Mandiopubba, Batatam e Car~gatJrn. retirou se até á margem esquerda do Jagua ribe, onde,
Dentr~ os brancos destacavam-se Manuel !:1\Jrar abandonado pelos índi os, e pelos seus com a excep
Simão Nunes J\:\artim Soares Moreno, joao Ode, :da, ção de apenas dezoito soldados, pouco mais ou me--
João Vaz Ta'taperica, o. língua Pedro ~ongatan, e nos estropeados, resolv eu regressar á Parahyba por
um francez, egualmenle !Jngua, a quem t1atavam de terra, chegando ao Ri o Grand e depois de immensos
Tuim-Mirim. Segundo as ord ens do gove rn ador, de- soffrimentos, e a perda de seu filho mais velho que
viam seauir até o Maranhão. Recebidos favorave l- contava dezoito ann os de edade.
mente e~ toda a parte pe los ín dios, e passad os algt_Jns No sentir de Varnhage n, Pera Coelho é de
dias de descanço no Ceará, _che.gara_m ~o Ca moc1m, do inn ocente, é um g rande heroe, e su ccu mbiu to-
donde se diri giram para a lb1apaba (pnen·o de 1604 ). Rio Grande aos trabalhos da viagem. O gove rnadono r,
Duas victorias alcançadas ao pé da Serra so bre os segundo o mesmo autor, mandou os soccorros pro-
barb::~ros dirigidos por dive1 sos francezes, e a_ rnettid os, porém João Soromenho, encarregad o de
tomad
de du as g randes cêrcas abriram-lhe o cam mho doa levai -os, em Ioga:- de seguir o seu destino, deu-s ea
alto da mesma Serra, onde asse ntou pazes com o captivar os índios amigos, e voltou a ve ndei-os em
ge nti o, representado principalm~nte pel~s chd~s Mel Pem am bu co. Infelizmente o sr. visconde não se
Redondo e Diabo Gra11de Uarrpnryass!t); qt~Jz, s_e- gnou reve lar-nos a fonte donde tirou taes informdi- a-
a und o di ze m marchar IJara o J\1\arctnhao, porem nao ções, e nenhum outro autor da epoca, ao nosso
b
lho consentiram se us so ldados.
' alcance, fala desse João Soromenho, ao passo
.
Berredo, todav ia, affi nn:1 , e D;ogo de Ca mpos fr. Vicente, escriptor conte mporaneo que viveu que na
Moreno faz ente nd er que te ve de regressa r em vir- Parahyba, affi rm a qu e o governador não mandou
tude de ordens s up c ri ore~ . Rt tirou -sr, p_or~a nt o, para nenhum soccorro. Tambem Diogo de Campos Mo-
0 Cea rá e1 deixand o nesl:l p:1r:1gem S1mao Nunes
reno - jornada do Maranhão -cuja autor idade neste
com 45 'so ldado', p:1ssou ú Para!Jyba em busca assumpto é incon lestavel, attribú e toda a culpa a Pero
sua familia. De tudo deu conta ao gove rnador, da ao
Coelho, e nega positi va mente a remessa dos soccorros.
qual man dou de pr~sente dez fran ce_ze_s e numer~so Copiemos: ,: e deu-lhe (a Pera Coelho) Deus
ge ntio . Prornetteu D10go B?telho envi~'\J-I!Je soccO II O ~ grandes victorias e taes successos, que realmente, si
para prose guir na conq UI ~la <• c 11 :_:0 mandou po1 fôra sua tenção o Maranhão só mente , muitos asse-
depois ser informado que se capt_1vavam por esta guram que chegara a ver su:.1s terras. Porém o ho-
via os índios injustamente, c os trazJam a vende r, c mem, obrigado de cart::ts de seus mandadores, e do
(') Fr. Vicente , pag. 16)- 168.
(') Fr. V icente.
EPOCA IU.-DO MINIO DA HESPAN HA 385
384 CEAR.\ E 1\TARANHÃO

. A respe ito de Pero Coelho, o snr. visco nde nos


máu provime nto e soccorro que lh e déram, pois nunca mforma Simp l esme~te, e sem citar nenhum a autori-
fo i ta l, que passasse de promessas, se tornou a ja- dade,. que succumb1u aos trabalh os da viagem pouco
guarib e com desenho de fazer al li nova povoação e d~po1s de chegar ao Rio Grand e. No entretanto fr
colonia. Para a qual trouxe desde a Prayva (Parahy- V1ce nte co nta que Pero Coelho voltou dentro e~
ba) sua mulher e filhos, e deu nome á terra a No- breve para a Para.hyba, e que de lá se foi ao reino
va Luzitania, e ao Jogar a Nova Lisboa. Mas, como requerer .seus servtços, e depois de gastar na côrte
todas estas obras eram sem ordem, nem braço de d~ Madru f alguns annos sem haver despacho se veia
rei, e o governador tratava que lhe mandasse parte vtver a Lts~oa sem tomar mais á sua casa. 'Porqu e
dos indios, como por cartas e ordens suas hoje pa- esta a~senc 1 a perpetua, este desterr o? Para nós é um
rece, discorrendo que como de captivos era gente de- mysteno.
vida ás primícias do seu governo, entend endo disto
os homens que a jornad a se havia feito sómen te para . 28~) O s padre s Franc isco Pinto e Luiz
captivar e vender índ ios, déram-se tão boa manha, F1gye1 ra , 1607- I6o8. ·- Ainda Pero Coelho não
que em breves dias venderam até aquelles que fiel- voltara da sua desditosa jornada, quando a pedido
mente os haviam ajudad o e acomp anhado na guer- d? govern a?or ~eral1 partira m os p.1dre~ Francisco
ra ... que desam parado (Pero Coelho) dos seus, e ~I.nto e Lwz figueir a, levando alguns dos índios
quasi mais vendido, do que o foram os que elle ven- lllJUstamente vendidos, que, sendo postos em Jiber-
deu, se veiu, deixando tudo, miseravelmente a pé dad~, estavam nas aldêas de Pernambuco, e deviam
com sua mulher .. e foi necessa rio que o dito senhor reg1 essa r para seus lares. Seguir am a 20 de janeiro
(o rei ) mandasse acudir á desordem dos captivos, de 1607 do Re~ife por .mar em um barco que ia
tirando-os a quem os tinha, e tornan do-os a man- buscar sal no no Jaguan be. O capitão-mór jerony mo
dar restituir a suas terras vestidos e contentes >' . ~e Albuquerque, mui cortezmente os recelH~ u no Rio
Berredo, par. 104, di egualmente toda a culpa rande do Norte, offerecendo-lhes armas e soldad os
a Pero Coelho . . « ... e destitui do Pedro Coelho que os _padres recusaram com modestia.
de todos os soccorros. . . merecido castigo do seu . De1xa~1~o o b~rco ~o /aguarib~, dirigir am-se a
procedimento no captiveiro, a que condem nou tanto ~~~ P.ela pt a1a ~a .d1recçao do Ceara, e procur aram
Ie-Jnir alguns !nd10s que, de medo dos brancos e
gentilismo, sem respeito algum nem ainda ao di- dos tapuyas, amda andavam escondidos pelos mattos
reito das gentes nos privi legias da hospitalidade . . »
e ~ue,. ao vere~1 os padres, respiravam. Partiram de
O ~nr. visconde affirma ~ue veiu uma provisão Ja"'uanbe a do1 s de fevereiro, chegan do a dois de
regia de 19 de setembro de 1606, a qual mandava março ao Jogar chama do Pará ou Parasinho onde
prende r Sorom enho; mas isto não prova a sua these. encontraram uns sessenta índios reunidos, a 'pedido
Podia Sorom enho ser um dos culpados, mas não o do~ guaes ~rgueram uma gra nde cruz. Detiveram-se
unico, nem o princip al: do contrario os autores con· all! Cinc? ?Ias P!eparando-se para a viagem da serra.
temporaneos o diriam. E' tambem de observ ar que qs .g_ravissimos mcomm odos dessa jornad a Jon a
este modo de citar docum entos não deixa de ser dlffJcil,. enfadonha, feita a pé até o alto da ~erra To~
capcioso. Porque não referiu Varnhagen, ao menos, ram alltvJado~ pelo grande e affectuo so agasalho 'que
a substancia dessa provisão? Porque não diz si Soro os .Padres aiiJ encontraram, onde os barbar os cons-
menho foi de facto preso, e de que modo acabou ? trUiram para elles egreja e casa.
25
386 CEAR Á E MARA:"-lHÃO
EPOC A lll.- DOM INIO DA HESP AKH
A 387
Demoraram-se nesse Jogar cinco meze
indo a todos e baptizando a muitos. Mandara s instru- mitiva a_v~sado e convidado a esconder-se
tretanto, convidar diversas tribus de tapuyas,m, no en- matto vtzmho, dond e ouviu toda a gritaria. em um
apazigual-os, e conciliai-os com os tabaj afim de Os ltba_rbaros _levaram a batina do martyr ostra
s-
neophytos. Poucos responderam ao convite.ares, seus tes, o _a at portahl, os ornamentos etc
finalmente os padres a 17 de outubro paraPartiram Ltvre_ do_s inimigos e acompa~hado de ' ai
destino ; porérn a 12 leguas da aldêa do Diab o seu g~:n~~~~ ~~~/os, qu e todos espavoridos se
un
tinhamgem~
pararam por condescender com a vontade o Grande ' as se 1vas, correu o p figu eira a0 1
indios, chegados do Maranhão, que queriamde muitos do sacri
do seu fício e tentre Jagrimas Úmpo u
çar e desfazer umas roças de milho. Dahi descan- caro mes re e companheiro todo CL)b o ca dogaaver
r
a 15 ou Iang ue e terra, e ,met tendo-o numa rede, erto de
20 leguas estavam os domínios dos carar ijús ou to- transpor-
carijús, indios de má fama, aos quaes já ou-o para o sope da serra e sepultou-o dent
ro d 0
vezes tinham sido mandados recados e presepor duas Tatt o no Jogar Ubajára, collocando de
ntes, mas , a sepultura um do~ índios, que haviam wcc cada lad
sem resultado.
Ainda uma tentati va foi experimentada, Um desses herotcos defensores do padr umbid~
para elles terceiro recado. Os tocarijús rece e partiu m~va-se Antonio Cara cú · do nome do et cI~a­.
presentes, porém mataram os emissario beram os feiizment~, não reza a ibpo tradiçã~. ouro , m-
do-os ainda vivos, como é seu barbaro s,costuqueiman- . Sentiram tanto os índios tabajares d S
me, ex- mot do seu amantíssimo padrt."
cepto um rapaz, que pouparam para lhes
servi em te guerra b . . a erra
.! _que, cll mados todoa
gui1 do caminho até á pousada dos padres. r de Id A ' • uscaram os tocariJUS em sua pro ria
s
/\ demora dos emissarios, a desconfiança a ea: e, dando-lhes um apertado cêrco
assasinio traziam a todos em sobresalto. Logo de seu romper a alva, t<?c~ram a degollar com tanta ante P d
peitas se tornaram em crudelíssima certeza as sus- 9ue, se~1 fazer dtsttncção de grandes a pequ f .e
rem de um escravo fugitivo que por prop ao ouvi - mnoc~n es a culpados, mataram a toda aque lla eno~r~a~
na'-
tocarijús se combinavam todas as tabas dosostfl dos sem ftcar urna só pessoa qtte pudesse fazer
lembr~~~
e qut em breve tempo acommetteriam os tapuyas ·O seu nome» ( ').
Abandonaram e!1tão os padres a idéa de christãos.
rem para o Maranhão e mandaram aviso ao segui- 284) Jorn ada do Mar anh ão - J
opportuno referir este mesmo acon I
cial e ao Governador pedindo novas ordens. Provin- palavras de Dioao de Cam os M teci;nent u gamos
mal sahira o indio com as cartas na direc Porém
mar, quando os selvagens irromperam de ção do se~tir commum, d~ Jornada Mara~;~~~~~ «a~~~
db o com as
~a~o
~~e Jucces~o (o de Pero Coelho), parece~ ao colle
os pa res da Companhia de Jesus que esta ~
lados. Era pela manhan do dia onze de janeirotodos os
de 1608.
Sahiu o p. Pinto a conte!-os e apaziguaí-lhe lO
s, a presa_ era sua delles de sua opinião e d t em-
sanha; porém tudo foi inutit. Na lucta cahir
am pros- em ftm pessoas dediecada s a desc
.
e.1 ou nna, como
trados dois dos defensores do padre e este índios
pois com o craneo despedaçado por golplogo, de- t . . Pel d. o qu~ hJavendo -se bem-aconselha e amparar os
es redo- ena, pe Jram ltcença para dois padres e do na ma-
brados. quarenta
O p. fi gueira, que por acaso naquelle mom ( ') As im o I' Jo é 1 ~I
se achava em outra casa, foi por um menino ento ~a p . 1\'. Vi de no fi ~ des te 'v~>I J ~
r~e, , .
na hi sl. do ~l a ra nhão , li v. 1,
da co- au then lica e inlere ssan:c deste faclo~ l•ção minuc io sa , pa lpavel mem e
EPOCA IIL-DOMINIO DA I-IESPANH \ 389
388 CEARrÍ. E MARANHÃO
dios, seus auxiliares, a ficou devendo o seu compa-
indios, irem até a grande Serra _de lbiapaba, e dell_a 1lheiro ao refugio dos matt0s ».
ao Maranhão, ou, ao menos, as partes a elle mats. Considere agora o ]P.itor ·por um momento que
vizinhas •. . . juizo se ha de form ar do sr. Varnhagen quando affir-
«Porque entendiam que os mesmos md10s ha- ma que '<uma segu nda expedição á serra de lbiapa-
viam de abalar-se para os receber, e levai-os a toma~ ba . . . foi emprehendida pelos padres da Compa-
posse de todos aquelles mundos : porém Deus fo1 nhia . . . ao ser informados da bondade dos ares da
servido de outra cousa e succedeu que havet!do OS· mencionada serra e da excellencia e fertilidade do
Reverendos Padres ch~gad~ já á lbiapaba, ~etxando terreno das suas frescas veigas >> ! Que os padres «fo-
de novo quietos e mut amtgos os do Ceara, e pas- ram por terra carregados em tipoi as, e não por mar ~ .
sando avante foram no caminho salteados dos tapuyas Que o P. Pinto no alto da serra • falleceu, deixan-
da Serra, selvagens que a todos fazem o_ mesmo, do-o cahir, os indios, da rêde em que o levavam, em
andando como feras sempre no campo . fot morto o um tujucal, e não lhe acudiram quando, frechado no
P. Pinto nesta envolta, hon:em de grande bondad~ pescoço, fo i acabado de matar com uma pua de ta-
e exemplo na vida que allt perdeu por Deus, e esta quara ».
hoje o seu corpo ~enerado _no Ceará. dos mesf!IOS
índios que dizem que depots que o teem comstgo, 285) Colonização do Ceará, I6II, por Mar-
que s~mpre chove agua do céo e lhes vae bem. » 1im Soares Moreno .- Havendo por este tempo a
«Ü outro , P. figueira, escapou por entre o matto metropole resolvido occupar de algum modo a costa
com alguns dos indios, que o encam tnharam,_ e quan- do norte para a defender contra os extrangeiros que
do se viu no Ceará não fez pouco, nem allt esttvera tratavam de conquistai-a, incumbiu Martim Soares
muito seau ro · mas neste tempo . vindLl outra vez o Moreno, sobrinho do Sargento· Mór do Estado, Diogo
dito Sarg'ento~Mór do Estado visitar a forta leza do de Campos Moreno, de colonizar o Ceará. Afim de
Rio Grande e achando noticia do aperto em que o appren der a lingua c estudar os costumes dos na-
dito padre ~stava, e vendo que o P. Pe~ro Sam péres turaes, acompanhára Martim Soares a expedição de
queria ir ao buscar, deu ~ sua embarcaçao e so lclados, Pero Coelho, mas, longe de tomar parte nas vexações
que foram ao trazer dallt cem leguas, donde estava feitas aos indios, grangeára de tal modo a estima e
enfermo e consumid o. » . . .amor geral, que jacaúna, o tratava de filho. Partiram
Tambem Berredo, posto que mUito contrano aos juntos em um barco Jacaúna e Moreno, só com cinco
jesuítas, refere este facto, no par. 106, .do mod? se- soldados e um sacerdote. Construíram ao norte da
g uinte: .co m tão pequenas forças, ammad_o~ sodas ponta do Mocuripe um forte, e uma ermida com a
generosas influ encias dos seus grandes esp tntos, en- invocação de Nossa Senhora do Amparo. (1) Déram
trou o zelo ardente destes dois varões \OS padres a esse forte no correr do tempo o nome de Fortaleza,
Fra nci sco Pinto e Luiz f igueira) em _um a empresa e hoje é a capital do Ceará.
tão arriscada· e já assegurados na amtzade dos por- Sendo pouco depois informado de estar um na-
tuguezes tod~s os indios do Ceará, _foram pen~trando vio francez surto não longe da ponta do Mocuripe,
as asperezas do paiz até mais aba1xo da lbtapaba; foi Martim Soares salteai-o á testa de um bando de
mas insultados dos muitos tapuyas daquella grande
serra, depois de servir d~ sacrifício á sua f~rez~ a (') O fo rte rc ce betL o nome de S. Sebasti ão .
veneravel vida do padre Pmto com a de mUitos 111-
390 MARANHÃO E PAR;Í.
EPOCA III.-DOMCNIO DA HESPANTTA 391
tapuyas, vestido como elles, o corpo pintado de pret_o
com o sueco de jenipapo. Matando quarenta e do1:. de um cavalleiro, natural do condado de Turena,
homens ficaram senhores da nau e de todo o seu ciíamado Carlos, Senhor Des- Vaux, partiu Riffault
conteúd'o. A noticia deste facto afugentou .outra em- para a Europa, e nunca mais appareceu. Tendo espe-
barcação franceza, a qu~l, havend~ perd1do alg un:. rado debalde a volta do seu companheiro, e g ran-
homens que tinham ido a terra, e nao !endo bastante geado a benevolencia dos indios, navegou Carlos
tripulação para marear as velas, deu a costa, pere- Des-Vaux para a França, onde expoz a Henrique IV
cendo com toda a carga e a equipagem: ~squecera m­ a idéa de fundar uma colonia em um paiz admira-
se porém de Martim Soares os off1c1aes de Per- velm ente rico, lin do e sadio. A fim de averiguar si
n~mbuco 'que Menezes in C:umbira. de lh e mandar aquella relação encantadora fosse exacta, enviou o
reforços. Nem foi este o un1co pengo .. «Um portu- monarcha ao Maranhão Daniel de La Touche, Senhor
guez, que preferia, diz Southey, os 1nd1o~ aos seu:. de La Ravardi ere, que, tendo exami nado tudo du-
conterraneo~, q~i~á porque ,a frequent~ vtst~ da ~p~
rante seis mezes, approvou o plano de Des-Vaux, e
pressão lhe msp1rara horror a sua propna naçao, q~1ça regressou para a sua terra natal. Como neste interi:n
porque a companhia d?s selvagens _melhor lhe diZia fôra assassinado (1610) Henrique IV, obteve La Ra-
com os habitos brav1os, tentou alienar os _tap_uy~s. vardiere, da rainha regente, Maria de Medieis, licença
Advertiu-os este homem que olhassem por s1, SI nao para constituir uma. companhia destinada a c~loniz~r
queriam ver renovada a tyrannia exercida por Pero o Maranhão. Assocwram-se com La Ravard1ere Nt-
Coelho e tanto se lh e escutaram os conselhos, que coláu de Harley, Senhor de Sancy; e Francisco, Se-
mais qGe um attentado se fez contra a vida de Mar- nho r de Rasilly. Nomeados tenentes generaes em
tim Soares de modo que outro menos intimamente nome do Rei Christianissimo nas lndias Occidentaes,
versado na 'lingua e disposições dos ~atu_raes,. e meno:. receberam da Regente uma rica bandeira com as
habil em haver-se com elles, tena mfall!velmente a;mas da França em fu ndo azul celeste; por divisa
perecido •. um navio que levava a rainha no leme, e o joven
rei na prôa empunhando um ramo de oliveira que
IX da mão dell a recebera, e por mote: Tanti dux jce-
mina jacti, 1611. Uma mulher é autora de uma em-
presa tão grande.
Maranhão e Pará A pedido de Ra~illy, que professava a religião
286) Os francezes no Maranhão.-Pirate- catholica, embarcaram quatro capuchinhos, cujo su-
ando nas costas do norte o francez jaques Riffault, perior, Claudio de Abbeville, nos deixou a historia
soube captar tanto a affeição dos indígenas, .que o desta jornada. La Ravardiere e grande parte dos. co-
mor:.tbixaba Ovirapire lhe offereceu o seu _apo iO para lon os tinham abraçado a reforma protestante, submdo
estabelecer naquellas paragens uma colon1a franceza. a pe1to de quinhentos o numero total dos aventu-
Passou Riffault á França, e dentro em pouco voltou reiros. Em Cancale, na Bretanha, onde se ·preparou
com tres navios e diversos colonos (1594). Ar:astado a expedição, benzeu (25 ·de janeiro de 1612) o bispo
pelos ventos e correntes até o .Maran,hão, fot . rece- de S. Maló as bandeiras, as armas de Rasi lly, e quatro
bido com amizade pelos tupmam~as, senho! es da cruzes que entregou a cada um dos missionarios.
ilha. Deixando mais tarde a sua colon1a aos cu1dados Por delicad.eza para com os protestantes, omittiu a
bençam dos navios, servindo de desculpa o máu
392 MARANHÃO E PARÁ EPOCA lli.-DOMINIO DA HESPANHA 393

tempo. De tres vasos se compunha a esquadra: La seus pagés. Recebidos com notavel regosijo manda-
Regente, que, como nau almiranta, levava os dois ram buscar os capuchinhos; começaram a co~strucção
tenentes generaes, Rasilly e La Ravardiere; La Char- de UI? forte,_ de um armazem, e de uma casa para
lotte, vice-almiranta, ás ordens do barão de Sancy, os mrssronanos; benzeram a terra · déram ao forte o
filho ou irmão do terceiro associado; La Sainte Anne, nome de S. Luiz, á bahia o de' S. Maria e á casa
commandada por um irmão de Rasilly. Sendo, ao dos missionarios o de convento de S. franci'sco, 1612.
sahirem de Cancale (19 de março), dispersados por . Tudo correu prosperamente a principio, e os
um forte temporal, arribaram a diversos portos da dors chefes concorda~am em qu~ fosse Rasilly á
Inglaterra; mas, reunidos dentro em breve, seguiram França tratar os negocros da colonra para em breve
prosperame!~te derrota. No dia sete de maio passaram regressar e assumir toda a sua gerencia passando
entre forte Ventura e a Grande Canaria, navegando então La Ravardiere a residir na mãe patri~ Claudio
até o golfo de Ouiné para tomarem os ventos. d'f.bbeville voltou egualmente para a França, levando
Virando então as prôas para o oéste, aportaram á se:s selvagens. Tres delles falleceram logo depois de
ilha de Fernão de Noronha durante a noite de 23 chegar i os outros _receberam o baptismo com grande
para 24 de junho, e nella se demoraram até o dia so_lemnrda~e, servmdo-lhes de padrinhos o joven
oito do mez seguinte. Encontraram nessa ilha um rer e a ramha regente, 1613.
portuguez e uns dezoito tapuyas, fugidos ou dester- «Um dos principaes empenhos dos francezes diz
rados de Pernambuco. A seu pedido levaram-nos Southey, era açular a inimizade dos naturaes co'ntra
para o Maranhão. Descobrindo a onze de julho a os portuguezes. Não carecia esta de incitação. As
costa do Brasil, foram no dia seguinte dar fundo no guerras ~e Coelho na serra de lbiapaba, e o seu in-
Cabo das Tartarugas, dois gráus e quarenta minutos fame trafico de escravos em Jaguaribe, viviam frescos
ao sul da lmha, onde se detiveram doze dias, diver- na memoria ainda. Des-Vaux e Rasilly andaram de
tindo-se na caça e na pesca. fi,:eram-se á vela mais horda em horda, discursando sobre a tyrannia dos
uma vez no dia 24, e no dia 26, emboccando a barra portuguezes, e exaggerando os beneficios que da
do Periá, surgiram em frente da ilha de Upaonmery, protecção da França se deviam esperar. Numa das
que em attenção á festa do dia seguinte, denominaram aldêas deu um velho por nome Mambore-Was sú uma
Sant' Anna. resposta de tocar no \'ivo, contando o que dos' por-
Acharam nesse surgidouro dois navios de Dieppe, tuguezes se referia . Pondo assim claramente deante
dos quaes colheram opportunas informações a res- dos ?lhos aos_ se_u~ companheiros, que os portugue-
peito da ilha do Maranhão, que aind:1lhes ficava na zes hnham pnnciptado exactamente por onde come-
distancia de doze leguas. Posto que essas informaçJes çavam agora os francezes, e tirando a irrefragavel
fossem muito favoraveis, julgaram mais avisado par- consequencia que estes acabariam por onde acabaram
ticipar de antemão aos índios a chegada da frota. aquelle~, advertiu-os que, aproveitando a experiencia,
Entrou pois, Carlos Des-Vaux na maior das vinte e desconfiassem de todos estes extrangeiros . Rasilly
tres a!'dêas existentes na ilha , alvo desta viagem, e pe_rcebeu que não havia sophisma que sobrepujasse
dentro em pouco voltou em demanda de seus com- a Impressão immediata que este velho produzira, e
panheiros Desceram então e seguiram para o Ma- prudentemente achou escusa para retirar-se mas o
ranhão Rasilly e Des- Vaux com grande parte ~os effeito foi passageiro ... Todos os tupinambá~ da ilha
colonos, annunciando aos selvagens que lhes trazwm se puzeram debaixo da protecção da França, exem-
394 :MARANHÃO E PARA EPOCA Jll.-DOJ\f(i\'10 DA HESPANHA 395
pio que foi seguido por duas tribus da terra firme, durante o qual resistiram a diversos ataques dos bar-
uma em Tapuitapêra (Alcantara), com dez aldêas, e baros. Rece beram, afina l, no dia se is de jun ho de
outra em Cuman (actual Guimarães) com onze. In· 1614, um soccorro de trezentos soldados e de muitas
duziram Ravardiere e Rasilly seis dos caciques a has- munições, env iado pelo governador do Brasil e con-
tear a bandeira franceza ao lado da Cruz. • duzido pelo ~ap i tão Manuel de Souza d'Eça, 'natural
Pri meiro de novembro de 1612. (') de uma das tlhas dos Açores. o dia 18 de junho
apparece u um navio francez, commandado pelo Se-
287) Primeira exp edi ção p ort n g u eza. nhor de Pratz, com doze canhões e trezentos homens
Jeronymo de Albuquerque e Martim Soares Moreno, para ~ ~olo1~ia. do Maranh~o. Informado de que u::1a
1614. - Lan~·ava, no entretanto, a côrte da Hespanha guarmçao d1m111uta e quas1 morta de fome defendia
seus olhares anciosos para a costa do Maranhão, e aquellas obras de madeira, e ignorando a vinda do
mandava ao novo governador, Gaspar de Souza, fi- reforço, desembarcou duzentos homens certo Lia vi-
xasse a sua residencia em Olinda afim de promover ctoria. Guarnecendo, porém, um passo difficil, rechas-
mais facilmente a conquista e colonização d::tquellas saram-nos os portuguezes valentemente para bordo
paragens. Resolveu-se, portanto, fundar uma povoação
no Ca;:zucim, como base de conquistas ulteriores na- . _288) Pr e pa r a tivos y~r~ a segun d a expe-
quella costa. Escolheram para essa empresa jeronymo dt çao .-Achava-se no pnnc1p1o de 1614 em Madrid
~e Albuquerque, o qual, sarpandu do Recife em requerendo seus serviços Diogo de Campos Moreno
JUlho de 1613, teve uma entrevista com Martim Soa- Sargento-Mór do Estado, quando se espalhou o boat~
res Moreno, e ambos concordaram em que iria Mo- de que a Hollanda pr~parava um respeitavel arma-
reno reconhecer o littoral até o Maranhão colhendo mento contra as colon1as portuguezas da America.
todas as informações possíveis, e voltaria para o Orden~r~m-lhe, pois, regressasse parrt o Brasil afim
Camuc~m, aon~e Albuquerque ia levantar um povoado. de auxtltar o governador em qualquer lance difficiL
C';!n~_pnu. Mart~m Soares com toda a diligencia a sua p~rtiu com bem poucos soldados, e algumas
m1ssao; lmpedtram ·lhe, porém, os ventos o regresso mu.n1çoes de guerra, entrando no Recife a 26 de
~rrastando-o até ás Antilhas, donde passou á Europa, ma10 de 1614. Quando receberam em Olinda a no-
Ignorando-se no Brasil a sua sorte . ticia da victoria alcançada pelos nossos na Bahia das
Do seu lado Jeronymo, julgando impossível po- Tartarugas, já o governador Gaspar de Souza enviára
voar o Camucim por ser, toda a terra, mísera, sêcca ~ Parahy~a jeronymo de Albuqw~ rque para recrutar
e sem agua para beber, regressou até á Bahia das 111d10s, e mcumbira Diogo de Campos Moreno de
Tartarugas (J eréré-Coara ou Juréré-coacoara ); construiu aperceber a expedição em Pernambuco. Vieram neste
nesse Jogar um forte sob a invocação de Nossa Se- ínterim de Portugal o piloto Sebastião Martins e
nhora do Rosario; deixou nelle quarenta homens ás alguns dos soldados que tinham acompanhado o ca-
ordens de um sobrinho seu; e recolheu-se a Per- pitão Martim Soares, port adores da nova de que
nambuco por terra (agosto 1613). Estiveram esses Moreno estava salvo na mãe patria e dentro em
quarenta soldados cortindo fome um anno inteiro, breve voltaria para o Brasil. '
9 recrutame.nto na Parahyba não apresentou
(') Vide Berredu, pa r. 1 II - 1.) 3. - f tem Abbeville-· Ilisto ri a
q.uas1 nenhuma dtfficuldade, porque Jeronymo conhe-
da miss'!o dos Pl'. Capuc hinhos no :llaranhilo, cap. I e seg. Cia profundamente a língua e o genio dos selvagens.
396 !VTARANHÃO E PARÁ 397
EPOCA llf.-DOM IN[\) DA !!ESPAN HA

Um facto só bastará, •e foi, diz fr. Vicente, que pôz offerecido voluntari os os seus serviços ( ) : O P. fr.
1

a uma parte um feixe de arcos e frechas á outra Cosme de S. Damião era um, e o outro o P. fr. Ma-
outr~ de rocas e fu~os, e mostrando-lhos, lhes disse: nuel da Piedade , brasilei ro de nascime nto, de fa:::ilia
Sobnnhos, eu vou a guerra : estas são as armas dos nobre, e versado na língua tupy. Nenhuma ajuda
h?mens esforçados e valentes, que me hão de seguir; re ceberam do govern ador esses missionarios, o que
e~tas, _das mulheres fracas, e que hão de ficar em
bem mostra qual não seria a penuria do thesour o;
casa fiando; agora quero ouvir quem é homem ou pessoas pias, comtudo, os suppriram não só com para-
mulher. As p(l.lavras não eram ditas, quando se come- mentos e alfaias de egreja, mas tambem com abun-
çaram todos a desembrulhar, e pegar dos arcos e dantes provisões de que puderam soccorrer efficaz-
frechas, dizendo que eram homens, e que partissem mente os aventureiros. Com sua affabilidade, zelo e
logo pa~a a gue rra ; el le os aquietou, escolhendo os não fingida virtude ganharam e mereceram estes fra-
que havia de levar, e que fizessem mais frechas e des a boa vontade de todo o armamento. Animavam
fossem esp_e:ar a armada ao Rio Grande, onde de pás- e acoroçoavam a gente, mas ao mesmo tempo tão
sagem os ma tomar•.
perfeita conheciam a deficiencia de todo o necessa-
Maior difficuldade encontrou o alistamento entre rio, que chamaram esta a jornada milagrosa •.
os bran;:os, porqu~ os volunta~ios eram poucos, e os Começando o govern ador a recear que seus pro-
presos a força fugiam no cammho durante a noite· jectos fossem excessivamente arriscados, mandou no-
de sorte que de dez, tirad?s dos engenhos, apena~ vas instrucções a Albuquerque, cujas operações limi-
quatro chegavam ao Recife. Nã<? faltaram, porém, tou ao territorio entre o rio Tutoya e a ilha de Periá,
alguns exemplos_generosos. Gregon o Fragoso de Al- onde devia fortificar se sem avançar mais emquanto
buquer_q~e, sobnnh o de Jeronymo, acceitou um posto não recebesse nova ordem ou delle OLl da côrte.
de capitao com paga de simples soldado e todos os
outros officiaes o imitaram. '
289) Jornad a Milag rosa.- A armada, com-
Organizaram -se quatro companhias de s.~ssenta posta de uma caravella, do is patachos e cinco cara-
praças cada u_ma. Os voluntarios formavam um corpo vellões, s:~rpou de Pernambuco no dia de S. Bartho-
separado. Retiveram nas forblezas e na prisão os lomeu, 23 ou 2-! de agosto de 1614. No terceiro dia
recrutas forçados, emquanto os não embarcaram nem alcança ram o Rio Grande, aonde já chegara por terra
ll~es d~ra_m armas sinão no Ceará. Oc:correram' infi- Jeronymo de Albuquerque. Déram fundo dentro da
n~tas ~Ifftculdades para prover convenientemente de barra, e passaram revista ás suas forças reunidas.
dmheiro e d_e mantiment?s. a expe_dição; tudo, porém, Eram 300 soldados, e 234 índios ás ordens de doze
superou ~ firtTJeza t ac!Ividade mcançavel do Sar- morubixabas. As mulheres e creanças dos alliados
gento-Mor, DJOgo de C1mpos Moreno que o gover- passavam de trezentas, e por certo não deviam causar
nador nomeou Adjuncto e Collateral do Comman- pequeno embaraço. A pedido dos dois capuchinhos,
dant~, Jero~ym? de i\l~uquerque. A farinha, de que ordenou Albuquerque ficassem em terra as índias
levaiam seis mtl alqueires, era o unico alimento da que de Perna111buco tinham abalado sem os res-
arm~da que partiu, _diz South~y, •sem vinho, azeite, pectivos maridos. Com dois dias de viagem entrou
medicamentos, medico, nem cirurgião-barbeiro •. a frota na bJ.hia de !guape, onde desembarcaram
. «De so_ccorros espirituaes, porém, não levav 1
mmgua. Dots capuchinhos de Santo Antonio haviam (I ) Fr V1ccntc a ff1rm :t q ue o go ''· rnado r os pediu
398 MARA!\IIÃO E PARÁ EPOCA III.-DOMINIO DA HESPANHA 399
Jeron ymo e seus índios. segu indo de lá por ter~a vim ento :-etrogrado, assen taram fortificar_ o rio Ju-
até o presídio de Nossa Senhora do Amparo, hoJe toya, primeiro ponto de. que re za~am as mstrucçoe_s;
fortaleza. porém não se achou p!loto prat1co do Jogar. Afflr·
, Cheaou, di z Southey, tambem Camarão, vindo mou Sebastião Martins que conhecia o porto do
do Rio O~ande e tendo soffrido tanto pelo cam inho, Periá, onde estivera com Martim Soares Moreno.
que disto fez 'pretexto para obter licença d~ fi c_ar Resolveu-se pois, seguir para aquella ilhota. Ape-
allí a cevar-se, em pllrase selvagem, com seu 1rmao sar de ser' muito dífficil a entrada, e de terem
jacaúna, o amigo de Martim Soares. Mas toda a dia- chegado de noite, atinaram com o canal, e por elle
lectica de Jeronymo foi perd ida para resolver Jacaú na passaram a salvamento, posto que tocando freguen_-
a mandar mais vinte índios ás ordens de um de tes vezes em bancos de arêa. Ao romper do d1a VI-
seus filhos triste compensação por quarenta deserto- ram que era deserta a ilha. Trataram de levantar u~1
res que ~o territorio deste se haviam refugiado; _e forte mas a falta de agua potavel fez com que mui-
nem isto se conseguiu sem que o commandante dei- tos desejassem chegar mais perto do inimigo.
xasse alli algumas de suas índias, e um filho seu Era deste parecer Albuquerque. Diogo de Cam-
proprio de dois annos de edade como refens, e _Pe- pos, pelo contrario, instava para que se désse prin-
nhor da sua boa fé. Tão profunda impressão deJxá- cipio aos trabalhos de fortificação. Resolveram, por
ra nos animas destes tapuyas a perfídia de Pedro ultimo, enviar um bote com alguns soldados reco-
Coelho ». nhecer a ilha do Maranhão, examinar- lhe a barra, e,
Co m effeito sem essa impressão não se explica si fosse possível, apanhar um prisioneiro. Comman -
como é que Albuquerque obteve tão poucos freche i- dou esta embarcação Belchior Rangel, natural do
ros apesar d~ suéi grande influencia, a qual era tanta, Rio de Janeiro, moço de grandes prendas e mui v~r­
que elle se tinha gabado de poder levantar quantos sado em diversas líng uas indígenas. Voltaram no hm
índios quizesse em todo o Ceará e na propria Ser- de quatro dias com a nova de terem achado em
ra de lbiapaba. fre nte daquella ilha um sitio chamado Ouaxenduba,
Vivia nesta ultima um grande morubixaba, cha- mui proprio para acampar e manter a tropa, reg~do
mado Juriparyassti (Diabo Grande), de quem se es- como era por delicioso rio, que tornava poss1vel
perava que daria largo numero de frecheiros; des - toda a cultura. Perfeitamente a coberto do inimigo
culpou-se, porém, e não mandou nenhum . ficava o caminho para o dito Jogar, torcendo-se por
Da fortaleza passaram ao Parámirim, hoje Parasi- entre n:uitas ilhas que de todo encobriam a passa-
nho, e de lá ao presídio das Tartarugas, onde n~ d1a gem.
quatro de outubro celebraram a festa de S. franc1sco, fizeram-se, pois, de vela para aquelle sitio, e, com
e no domingo seguinte a de Nossa Senhora do Ro- 4 dias de navegação mui penosa, e cheia de peque-
sario: tudo com muito estrondo, m!ssa cantada, ser-
mão, procissão, revista geral, parada e comb:~te si- nas aventuras, alegres desceram sem opposição na
mulado. costa oriental da Bahia de S José, em um Jogar
Como a falta , dns soccorros, inutilmente espera- chamado Ouaxenduba. Uma linha de fogos ao lon-
dos, tornasse perigoso avizinhar-se :10 Maranhão, e go da costa communicou o rebate aos francezes em
como por outro lado tt honra vedasse fazer um mo- S. Luiz, e advertiu egualmente os nossos de que era
400 MARANHÃO E PARÁ
---------- ------ 401
I· PO CA llf. - lHl~lii\IO D.\ JLESPA NHA
mister fortificar-se, como fi zeram, dando ao reducto
que construíram o nome de S. Maria (1). A pedido da mulher de Mandiocapúa pouparam
O engenheiro em chefe, Francisco c!e frias, a vida ao chefe dos tupinambás. o qual já por gra-
traçou o risco; começaram-se os trabalhos; levanta- tidão, já, tal vez, para ganhar a graça e o favor de seus
ram-se as obras exterior~s, e assentaram-se as pou- novos senhores, revelou que todos os passos estavam
cas peças que havia. tom ados por mar e por terra afim de to lher a reti-
Não tardou a vir da ilha um chefe tupinambá, rad~ aos portuguezes; na manhan segu inte o appa-
queixando-se dos francezes, informando a respeito rectmento de duas lanchas armadas confirmaria a
de suas forças, e offerecendo-se medianeiro para cha- verd ade do que ell e affirmava. Apresentaram-se de
mar ao nosso partido algu mas hordas do Maranhão. facto as duas embarcações, emquanto de um forte
Quizeram prendel-o; vedou-o, porém, Albuquerque c l~amado S. José, posto em Itapary, na beirJ. opposta,
por se persuadir de que attrahiria os barbaros pela dtsparavarn os francezes duas peças, a que com egual
brandura. Deixando-o ir-se li vremente depois de o descarga responderam os nossos, içando todas as
regalar com diversos artigos de resgate, mandou em bandeiras.·
sua companhia cinco de seus alliados, guardando Com a maré da tarde approximou-se uma das
como refens dois da comitiva do tupinambá, que se lanc,has: mandou Albuquerque ata~a l- as; fugiram,
diziam filhos de outro chefe da ilha. porem, os francezes por entre os batxos, aonde não
foi possível perseguil-os. Passados tres dias, despa-
290) Primeiras hostilidades. - Desembar- chou o cap itão-mór dois caravellões a Pernambuco
cando um dia de repente uma partida de selvagens para informar o governador. Abusando dahi a pou-
da ilha, cahiram sobre algumas mulheres e creanças co os francezes da ba ndeira branca, tentaram attrah ir
dos nossos indios que, im prudentes, se tinham aven- os nossos a um ban co de arêa no meio do canal
turado fóra do arraial. Mataram, desmembrando-as de Guaxenduba, onde se tinham posto de embosca-
cruelmente, quatro raparigas. Um tapuya que tentou da. Evitaram os portuguezes habilmente o laço, re-
defendei-as, teve a mesma sorte. e os indi os retira- correndo em breve o inimigo ao artifí cio seguinte.
ram-:;e a toda a pressa, levando diversos prisionei- Cheia de selvagens atracou uma g rande canôa em
ros. Iam entre estes a mulher e os filhos de Man - Mamuna, perto do forte de S. Maria. Surprehendi-
diocapúa, um dos chefes tabajares da ~arahyba, o dos os barbaros, atiraram-se dois á agua, nadando
qua l adeantando-se a todos os outros, atacou os ini- duas leguas até outra margem : entregaram-se os
migos antes que pudessem fugir, e, mortos dois e mais aos portuguezes, simulando ter vindo como
aterrados os mais, libertou os presos, estando já amigos. Embaido o commandante com este artifício,
senhor da embarcação quando lh e chegaram em au- dei xou -os partir na sua propria ca nôa. Recusou, po-
xilio os portuguezes e a sua propria gente. :ém, um delles ir-se com seus companheiros, porque
esperava tornar a ve r sua mãe que estava em Per-
('l Estava este forte na margem direita e pouco acima da foz nambu co. Revelou este ho mem ao capuchinho fr .
do Mun im, no logar em que se vê hoje a Vllla Velha do Icattl.-
Vide o Dicc. Illst G eogr. do l\laranh1!o pelo Dr. Cesar .'\ ugusto Manu el da Piedade, que a canôa viera a um reco-
Marques, z.a ed., art. Aguas B oas, e art. Icatt1 ; item. Rev. XL VIl!, nhecimento, que na manhan seguinte atacaria o ini-
parte li , pag. 141. migo os navios, passando immedi ata mente a in ves-
tir o forte por mar e por terra.
26
402 M .-\RANI-JÃO E PARÁ
EPOCA III.-DCJMINIO DA HESPANHA 403
Inteirado disto sem perda de tempo pelo fr~de, si se entragasse. Abriu -a Diogo, mandou o parlamen-
quiz Diogo de Campos correr a bordo dos nav10s; tari o preso para o forte, e sem mais arremetteu c~n­
deteve -o, porém, Albuque~que, o qual m~ndou alar tra o inim igo da praia, tomando-lhe uma trincheira.
as embarcações com a proa para terra. Vmdo effec- Tentaram soccorrel-os os do morro. mas, avançando a
tivamente ao romper da alva, apoderaram-se os fran- nossa reserva, os atacott de flanco . Apparecendo neste
cezes de tres navios, dois grandes e um pequeno. comenos do outro lado Albuquerque, retiraram-se
Retiraram-se· tripularam as presas; coalharam com os francezes para as obras do alto, onde os nossos
a sua floti l h~ o canal e insultaram os nossos oste n- lhes inflig iram tremenda derrota.
tando altivamente su~s forças. Começou então o de- Quiz La Ravardiere acudir aos seus, mas já era
sanimo a lavrar entre os portuguezes, chegando al- tarde nem a baixamar lhe permittiu approximar-se
guns a conspirar para fugir em. segredo ou lanç~r á bei'ra. O Senhor de Pratz salvou-se fugindo a na-
fogo ao paiol da polvora. Medtdas pru_d~n!es e SI- do; Piziu deixou a vida no campo, onde cahi ram
sudas dos dois chefes impediram a reahzaçao deste cento e cincoenta de seus companheiros. Algu ns
novo desastre. Si La Ravardiere limitasse suas ope- delles tinham espingardas de dois canos, invenção
rações a bloquear os portuguezes po~ mar, obstando nova naquelle tempo. Bateram-se com extrf'mado
á chegada de novos reforços, estanam os nossos valor. preferindo, a entregarem-se, morrer ao lado
perdidos, perecendo todos ~ mingua em Ouaxenduba, de seu general. Dos portuguezes, onze foram I:nortos;
ou pelo sertão, caso se retirasse~ por te~ra . dezoito, feridos, entrando neste numero um ~II~o _do
Co nfiado em seu poder, qlllz aggred tr o arraial, capitão-mó r. Q ueim ou Diogo de Campos ao tnimigo
onde levo u o desbarato d e que vamos tratar. todas as canôas, aladac: para terra, quarenta e seis
em numero, medindo algumas dellas setenta e cinco
291' Derrota dos francezes, 19 de novem- palmos de comprimento. Todas pereceram com seus
bro de' 1614. - Apresentou-se finalmente cot:n todas esquipame ntos.
as suas forças o inimigo á entrada do_porto Vmha La De parte a parte passou-se a no ite em grande
Ravardiere em pessoa com sete navios e quare_nta e desassocego. A maior consternação reinava entre os
seis canôas, quatrocentos f;ancezes e qu atro mil h.~­ francezes, que em signal de lucto encolheram todas
pinambás. Mandou antes de tudo occupar uma em i- as bandeiras, e pela manhan não se ouviu a bordo
nencia que do minava o forte dos p ortugue~es. Co- dos nav ios nem tambor, nem clarim. Sendo Albu-
briu-se de inimigos em um m ~ me_nto a pr~Ia, o_nde querque informado pelos prisione iros de que a toda
os índios principiaram a construir diversas tnn cheiras. a hora se esperava de Cuman, na terra firme. um
Dividia no entretanto, Albuquerque a sua força reforço de seiscentos a setecentos indios, apercebeu-
em tres g~upos , to mando um pa_ra si, entregando se para repellir um novo assa lto. Appareceu de facto
outro a Diogo de Campos, e conftando a reserva a dahi a pouco essa força em dezesets canôas grandes,
Oregorio fragoso. mas, achando guarn ecida a margem direita do Monim
Encarregou-se o capitão-mór de c<?ntornar o m~r ­ para onde se dirigia. desembarcou na beira e_squerda.
ro, occupado pelo inimigo,_ e dar o signal para Dto- Encontraram a li i fugitivos da derrota, e. sab1ci:t a má
g o acommetter os da praia pelo outro lado . Che- fortuna de seus amigos, retiraram -se com bastante
go u neste ínterim um corneta com uma carta de La pressa, levando muitos de seus co nterraneos, que
Ravardiere para Jerony mo, offerecendo-lhe bom trato, aprovei taram o ensejo para se furtar ao pcngo de
experi mentar outra vez o esforç" dos nossos.
404 MARA\IHÃn E PARÁ EPOCA Tif.-DOMINIO DA HESPANIIA 405

292)- Treguas.- Abriu em seguida La Ravar- Celebraram os po rtug uezes este arm istício com
diere uma correspondencia epistolar com Albuquer- um a prucissão so lemne em acção de graças, inaug u ··
que, a qual, aspera a principio, não tardou em tor- rando no mes mo tempo a constru cção de uma egreja
nar-se cortez e amigaveL Ajustaram deste m odo as em honra d e nossa Se nh o ra da Ajuda. Um dos ca-
treguas depois de mostrarem, tanto os nossos como puchinhos francezes deu para essa egreja um frontal
os francezes, as patentes de seus soberanos. que os de a ltar, e umas vestim entas, bordadas pela propria
tinham enviado a estas co nqui stas. O armísticio con duqueza de Ouise. O cirurgião francez, diz Southey,
to u dos artigos seguintes, propostos por La Ravar- teve orde m de ir tratar dos portuguezes feridos, e,
diere, acceitos na sua integra pelos portuguezes, e Ravardiere pediu que Diogo de Campos e fr. Ma-
assig nados no dia 29 de novembro de 1614: nu el da Piedade fossem ao Maranhão apazig uar os
1) Haverá suspensão de toda e qualquer hosti- tupin am bás amotinados por supporem que, segundo
lid ade até o fim de dezembro de 1615. 21 Dois fi- o tratado, deviam ser repartidos entre as potencias
dalgos, um portuguez, outro francez, irão á França; sig natarias e vendidos como escravos. da mesma
e o utros dois da m esma sorte á Hespanha para ex- fórma que Pero Coelho vendera os tapuyas depois
porem o caso a se us respectivos soberanos, e conhe- de sua jornada d e lbi apaba; tão fresca lhes vivia
cer suas vontades relativamente á posse do Mara- a in da na memoria esta acção detestave L»
nhão. 3) Durante todo esse tempo, nenhum dos por- « Consegu iram socegal-os Diogo e o frade, e,
tuguezes ou de seus alliados entrará na Ilh a, e ne- feito isto, fo ram ao convento dos capuchinhos, que
nhum d os francezes o u de se us ín dios passará á ter- apesar de não acabado ai nd a, podia já conter vinte
ra firme de Jéste sem passaportes dos senhores co n- mi ssionarios debaixo da obediencia de fr. Archanjo
tractantes. de Pembrock, chegado, havi:J. poucos mezes, com
4) Os senhores Albuquerque e de Campos pro- dezesete irmãos. De ll e souberam que a rainha regente
mettem de não tratarem causa alguma com os índios chamára ao reino Ravardiere, cujo proceder, dizi a o
da Ilh a, deCuman o u d e Tapuytapêra si não por meio franciscano, não se podia tolerar numa colonia ca-
dos línguas de La Ravardiere, e sem licença do dito tholica entre selvagens; porquanto embora muitas
Senhor não consentirão que os ditos ín dios ponham virtudes o adornassem, os abominaveis erros da sua
pé em terra dentro de um raio de dez leguas de heresia todas tornavam de nenhum preveito. Piziu
suas fortal ezas e d e seus portos. 5) Logo que che- d evia substituil-o no commando. Talvez isto tivesse
gar a reso lução das du as côrtes1 aquella das d~as desgostado Ravardiere, e o pouco interesse que já
nações que recebe r o rd e m de retirar-se, evacuara o tomava pela co lonia, póde até certo ponto explicar
pa iz dentro de tres mezes. 6) Os prisioneiros s~rão o haver elle proposto aos portuguezes termos mais
restituído s de parte a parte se m resgate. 7) Ob n ga- vantajosos do que elles tinham direito de exigir, nem
se La Ravardiere a leva ntar sem demora o bloqueio, razão de esperar ».
deixando livre aos porluguezes o ing resso e a ·salt ida. Oregorio fragoso, escolhido para ir a Pariz em
8) Promettem a final os Srs. contractantes sob re a companhia do Senhor de Pratz, partiu a 16 de de-
su a fé e honra que, durante as treg ttas, não renova- zembro com a nau Regente, na qual muitos france-
rão as hostilidades a inda qu e lh es cheguem refo rços. zes e dezesete capuchinhos regressaram para a mãe
E' neste d ocumento que pela primeira vez se patria foram a Portugal Di ogo de Campos e o ca-
encontra o appellido de Maranhão tomado por Je- pitão Malharte. Tiveram os nossos para esta viagem
ronym o de Albuquerque
406 MARANHÃO E PAR.\ EPOCA 111. - DOI\JINJO DA !!ESPANHA 407
de comprar aos francezes por quinhentos cruzados a Por ordem do rei felippe 111, bem como a pe
caravella que estes haviam tomado na bahia de Oua- dido do governador e de Alexandre de Moura, par-
xenduba. Deixando o forte de S. Luiz a quatro de tiram egualmente os padres jesuítas Manuel Gomes
janeiro de 1615, chegaram a Lisboa no mez de março e Diogo Nunes, levando trezentos frecheiros das
seguinte. suas aldêas, e mais setenta que obtiveram no Cea-
rá. Bento Maciel Parente, cujas façanhas hão de
293) Quebra das treguas.-0 tratado das tre- prender mais tarde a nossa attenção, commandava
guas era já mui frouxamente observado em Ouaxen- nesta frota um navio. Sahiram do Recife a cinco de
duba, quando Albuquerque recebeu n?taveis reforços outubro de 1615; refrescaram durante alguns dias
(l.o de julho de 1615): alguns da Bahta e de Pernam- no Ceará, e com feliz viagem foram lançar ferro junto
buco ás ordens de Francisco Caldeira de Castello do porto de Ouaxenduba, onde acharam já bem
Branco, outros da metropole trazidos por Miguel de fortificado Jeronymo de Albuquerque.
Siqueira Sanhudo. Informou então a La Ravardiere Desembarcaram todos, e. feitas as primeiras ce-
de ter-lhe vindo da côrte instrucções que declaravam, rimonias de urbanidade. mandou Moura ler a sua
as terras em questão, patrimonio legitimo da ~oroa patente a Jeronymo, que, diz o P. J. de Moraes, • se
de PortugaL Via-se, pois, obrigado a dar por fmdas mostrou muito pouco satisfeito da desattenção que
as treguas. se ~inha aos seus serviços, sujeitando-o a alheias or·
Em seguida a diversas negociações, concordou dens, quando se achava em tempo e com capacida-
o francez em entregar a Ilha do Maranhão e todos de e merecimento de distribuir as proprias · Pas-
os seus fortes, dentro de ·cinco mezes, com a condi- sou esta desconsolação do commandante aos solda-
ção de lhe pagarem os nossos a artilharia que ahi dos; li ouve parcialidades, e pretendeu um e outro
deixasse e de lhe fornecerem transporte para toda a partido sustentar a opinião dos seus respectivos ca-
sua gente. Em penhor da sua boa fé entregou o forte bos, cuja desunião não podia deixar de ser muito
de Itapary ou S. José, de que Albuquerque tomou prejudicial ao estado da presente conjunctura » .
posse sem perda de tempo. . . A pendencia acabou promettendo Moura a Je-
Chegando Diogo de Campos a Ltsboa, detxou ronymo que, rechassados os francezes, se ia retirar
que o seu compan~1eiro J\1.alharte fizesse 9ua~tas_ r~­ incontinenti deixando-lhe livre o· governo da nova
presentações e q~etxas qutzesse; elle,_ porem, mstsbu conquista.
para que se envtassem com urg~ncta refo~ços con- Passavam, no entretanto, os dois jesuítas ao forte
sideraveis ao Brasil Com o sobnnho Marbm Soares de Itapary ou de S. José, e, travando relações com
e soccorros adequados voltou a Pernambuco, onde o os tupinambás da Ilha, persuadiam-nos a abandonar
governador Gaspar de Souza, em virtude dos avisos os francezes. Annuiram os índios com a condição
que recebera de Ouaxenduba, estava activand~ os de que os jesuítas. com quem seus avós se tinham
seus aprestos. Nomeára chefe da expedição com o tttulo creado, ficassem vivendo entre elles como seus paes
de governador geral da armada e conquista, Alexan- e defensores. Volveram os padres para o campo;
dre de Moura, outrora capitão-mór da capitania de tratou Alexandre de Moura com os principaes, e
Duarte Coelho. Mandára egualmente se puzessem immediatamente se concluiu a desejada alliança.
promptas nove embarcações, muito bem fornecidas Ao verem-se privados do valioso apoio dos bar-
de soldados, petrechos de guerra e munições de bocca. baros, recolheram-se os francezes para a sua praça
408 MARANIIÃO E PAR .\ I~ I'O C A 111.-ll O Mf:-<10 DA J-lESPANfiA 409

de S. Lu iz. onde Jeronymo os assediu por terra com 1 ern de ixou de mostrar a sua gratidão aos je-
todos os seus soldados e índios auxiliares, cmquanto suítas, actualm ente com palavras muito lisonjeiras,
Alexandre de Moura os bloqueava por mar tirando- e em 1620 por um:~ certidão em que se lêem os
lhes a possibilidade de receber qualquer 'esperado períodos seguin te~: ,~ Chegando á barra do Mara-
reforço. Ponderando então La Ravardiere o arriscado nhão os dllos padres mandaram logo recado a
da sua posição, offereceu délr-se a partido, despejandr alguns índios principaes, os quaes acud iram, e os
a_ Ilha com todos aq~e ll es que o quizessent seguir, receberam com as armas nas mãos, bande iras arvo-
S I lh es fossem concedtd as as fazendas a arti lh aria e radas e cliaramell as, e outras festas ao seu modo, e
as mu_nições de guerra, e dadas as e~barcações ne- lh es fizeram as praticas necessarias para os reduzir
cessanas para o seu transporte á França. á nossa devoção. E foi isto de muita importancia,
. . Promettia egua lm ente demorar-se apenas o tempo para mais depressa se entregarem os francezes, ven-
md1spensave l para o embarque dos homens e de do-s e desamparados do gentio e com todos os portos
seus haveres. Accedeu Alexandre de Moura a estas tomados, por onde lhes podia vir soccorro : e em
p~·opostas; recusou, porém, a da artilharia e das mu - todo o tempo que lá estive, se occuparam os ditos
mçoes, que reservou rara si como fructo da sua não padres em dar noticia da nossa Fé ao gentio . . . e
difticil victoria. Enviou no mesmo tempo o capitão nas causas da guerra ajudaram quanto a sua religião
Hennque Affonso tomar posse do forte de S. Luiz o permitte: e merecem que Sua Magestade lhes
(3 de nov. de 1615) com ordem de recolher os Lizes mande agradecer o muito serviço que nesta jornada
de França, e arvo rar as Qu inas de Portugal. lh e fizeram e assim o juro pelo habito de S.
Presidiada a fortaleza com 170 dos nossos sol- Bento, de que sou professo. »
dados, desembarcou Alexandre de Moura sendo 294) B elém do Pará, 1616.- Em virtude da
juntamente com Jeronymo de Albuquerque 'e Diog~
de Campos, recebido mui cortezmente pelo gover- autoridade de que estava revestido, Alexandre de
~ado: La Ravardiere e outros francezes, que fizeram
Moura nomeou a Francisco Caldeira de Castello
JU~Idica e solemne entrega de todas as munições
Branco capitão-mór desta expedição com o titulo
existentes nos armazens. Partiram dentro em breve de descobridor e primeiro conquistador do rio das
todos os francezes que quizeram; outros, possuindo Amazonas. la como piloto-mór Antonio Vicente Co-
suas lavouras na Il ha. e casados com mulheres do chado. Partiram de S. Luiz do Maranhão a 25 de
paiz. preferiram ficar. La Rava rdiere de sua propria dezembro de 16b com tres navios e trezentos homens.
escolha acompanhou Alexa ndre de Moura a per- As informações que La Ravardiere colligira e
na'!lbuco , passando mais tarde a Portugal, onde o entregara aos portuguezes, facilitaram muito a viagem.
retiveram preso por tres an nos. Entraram pelo ri o Tocantins ou Pará, lan:;aram ferro
No Maranhão Alexandre de Moura ordenou antes na Bahia do Guajará, formada pelos rios Mojú, Ac·
de tudo se rendessem solemnes graças ao Senhor cará e Guamá, que nella desaguam.
dos exercitas, e á Virgem, Senhora da Victoria, já Tomaram terra pelos princípios de 1616 e fun-
nom~ada Padroeira da cidade de S. Luiz. Entro11 logo
daram um forte a que puzeram nome: Presepio de
de_po1s a repartir pelos índios muitos e grandes pre- Belém por partirem dia de Natal para esta empresa,
á Região chamaram Feliz Luzitania. (1)
mi?S, ~gradecendo aos prin cipaes e a s.eus vássallos
a fide lidade com que tinha m ajudado os portuguezes. (') Vid e Menuel Severim d e Fari a, re p r o du zido co m n o tas pe lo
Barã o de SLud a rt em 19 0 3.
410 lllAI~ANHÃO E PARA EPOC A III. - DOmNIO UA HI~ S I't\ NHA 411
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Vencida sem muita difficuldade a pequena oppo- cer a fortaleza de Belém. Como os hollandezes pos-
sição offerecida pelos indígenas, soube Caldeira tão suíssem feitorias em muitas ilhas do Baixo Amazonas,
bem captivar-lhes a sympathia, que elles mesmos o a perda deste navio foi para elles um grande desastre. J
ajudaram a construir a fortaleza. Enviou então por terra
ao Maranhão o alferes Pedro Teixeira participar a 295 ) Revolta dos tupmambás, 1617- - Logo
Albuquerque a nova da sua fortuna. Reduziu Tei- depois da retirada dos francezes guarneceu Alexan -
xeira de passagem á obediencia os índios do Caité dre de Moura os fortes da ilha do Maranhão e do
que haviam tentado exterminai-o, e a toda a sua continente circumvizinho; repartiu aos portuguezes
gente. Como era a primeira pessoa que se aventu- as terras que pediam; formou o senado da camara;
rava em tão perigosa jornada, receberam-no em S. renunciou o governo a Jeronymo de Albuquerque, e
Luiz com grande festa e solernnidade publica. Voltou partiu na direcção de Pernambuco, chegando a Olin-
Teixeira a Belém por mar, levando arti lharia, muni- da no dia cinco de março de 1616. Ficou Albuquer-
ções, e dinheiro para pagar os soldados. que no Maranhão a edificar uma cidade em torno
Em seus despachos para Lisboa ponderava Cal- do forte que chamaram de S. Felippe, conservandÓ á
deira a grande importancia de suas conquistas, e a povoação o nome de S. Luiz.
necessidade de assegurai-as contra outras nações No primeiro anno tudo correu muito bem, po-
européas; pois os índios tinham informado de que rém a maior parte dos indios daquellas paragens per-
uma colonia de inglezes se estabelecera rio acima, tencia a tribus que para lá se haviam retirado afim
cento e vinte leguas além da sua fortaleza; e que os de se furtarem á tyrannia dos portuguezes do sul
hollandezes haviam fundado um forte e diversos en- nem t:nham esquecido as recentes atrocidades prati~
genhos na margem esquerda do grande rio . Encon- cadas no Ceará. Bastava, portanto, pequena faisca para
trára tambem entre os índios um francez e um hol- a_tear um grande incendio. « Mathias de Albuquerque,
landez, deixados, havia dois annos. no paiz afim de filho de jero nymo, commandava, diz Southey, em
apprenderem a lingua. Ambos tinham declarado que Cuman (actual Guimarães), populoso districto perto
esperavam da Hollanda uma expedição de quinze da ilha: pareciam mui contentes os selvagens, dando
navios para fundar no Amazonas uma feitoria per- até esperanças de se converterem, ficava tudo em
manente. O resultado destes despachos foi uma carta apparente tranquilidade, quando o pae o chamou a
de Lisboa com ordem ao governador Luiz de Sou- S. Luiz. •
za para reforçar sem demora Caldeira e preparar-lhe «Durante a sua ausencia passaram por alli al-
novos soccorros. guns tupiilambás, vindos do Pará com cartas de Cal-
Mandava . no entretanto, Caldeira vinte homens deira para Jeronymo. Havia um indio de Cuman,
em duas canôas contra um grande navio hollandez por nome Amaro, que apesar de creado pelos jesuí-
fundeado na costa a quarenta leguas de Belém. Para tas no Brasil, era mui affeiçoado aos francezes, recor-
dominar a desesperada resistencia dos inimigos, lan- dando com má vontade seus antigos amos. Tomou
çaram os nossos fogo ao navio emquanto estavam a elle as cartas, e affedando lei-as deante dos caciques,
bordo, retirando-se então nas canôas. Dos batavos, que, não conhecendo as lettras, não podiam conven-
escapou um só. O casco foi a pique em pouco fun- cei-o de falsidade, fel-os crer que todos os tupinam-
do, e Teixeira, que capitaneára esta facção, voltou bás d~viam ser declarados escravos apenas se rece-
Jogo depois buscar as peças para com ellas guarne- bessem aquelles despachos ».
412 :lfAR.-\NrTÃO E PAR .\ EPO CA lli.-IJO:IU:\10 liA llESPA!"\llA 413
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~ Foi quanto bastou. Na mesma noite cah iram nadar geral do Brasil. Informados os selvagens des-
os selvagens sobre a guarni ~ ão, composta de trinta tas desordens, renovaram a guerra aggredindo com
homens, mataram-nos todos durante o somno, e Jo- toda a energia a fortaleza, que os nossos defenderam
go despacharam a todas as suas hordas mensageiros com o costumado valor. Tal era a situação de Belém,
que excitassem uma insurreição geral. Mas Mathias quando, conforme havemos de referir em outro Jo-
de Albuquerque lhes reprimiu o ataque de um lado, gar, chegou jeronymo Fragoso de Albuquerque com
e Caldeira o antecipo u do outro. Sabendo este que o titulo de capitão-mór e com a missão de restau-
elles lhe queriam acommetter a sua nova cidade, ou rar a ordem.
fingindo sabel-o pôz a ferro e fogo os tupinambás
do Pará, sendo maior que a offensa o castigo » (1). 297) Os Jesuitas. - Quando os dois jesuítas,
Diogo Nunes e Manuel Gomes, que com trezentos
296) Caldeira p reso em Belém , 1617 - Os frecheiros tinham acompanhado Alexandre d{~ Mou -
negocias do Pará corriam muito mal por este tempo ra, chegaram ao forte de S. Luiz, foram recebidos
em consequencia da desharmonia que lavrava entre com braços abertos pelos capuchinhos francezes, que
os officiaes da guarnição. Havendo Antonio Cabral os convidaram a ir morar com elles no seu conven-
sobrinho de Caldeira, em setembro de 1616 assassi- to de S. Francisco. Tendo estes partido para a França,
nado publica e cruelmente ao capitão Alvaro Neto, continuaram os jesuítas a viver do mesmo modo e
e recusando Caldeira punir o cu lpado, os capitães no mesmo hospício em companhia de dois frades
Paulo da Rocha e Tl!adeu de Passos, amigos do morto, que tinham ido ao Maranhão com jeronymo de
clamaram tão alto contra essa injustiça, que, perceben- Albuquerque. Retiraram-se estes para Pernambuco, e
do se em perigo, foram homiziJr-se no convento outro tanto, deviam fazer os jesuítas. Comtudo, ten-
de S. Antonio, fundado no rnez precedente a trez do-se primeiro entend ido por cartas com o seu pro-
quartos de legua da cidade no sitio de Una. Então vincial, ficaram a pedido de Alexandre de Moura,
Caldeira ;Jrendeu ao seu sobrinho; restituiu-lhe, po- que em nome do rei cedeu á Companhia o hospício
rém, dentro em breve a liberdade a pedido de al- e a capella dos Barbadinhos.
guns amigos, e sob o pretexto de que era elle ne- Entregaram-se esses padres com afinco aos tra-
cessario para a guerra contra os selvagens. balhos apostolicos em beneficio dos índ ios e dos
Mandou, além disto, contra o convento alguns portuguezes. Em quanto viveu o grande ,\ lbuquerque
soldados que, sendo já propensos ao partido do mor- Maranhão, tudo correu bem; em seguida, porém, á
to, nada de serio fizeram durante dois dias. Resolveu, morte delle, principiaram os colonos a vexar os na-
portanto. Caldeira ir elle mesmo, no terceiro dia, turaes, pouco mais ou men os. tanto como se havia
apoderar-se de seus in i111 igos; ao romper, porém, da desd e tempos an ti 60S praticado no sul. «Queixavam-se,
alva encontrou amotinada toda a guarnição, que o diz o P. José de Moraes, os pobres e aff lictos índios a
pôz em ferros. Balthazar Rodrigues de Mello, um seus paes e m issionarios, para que os remissem de
dos enviados contra o convento, sendo pelos revol tão injustas vexações e repetidas tyrannias; allegavam-
tados eleito capitão mór em Jogar de Caldeira, deu lhes o bom trato que recebiam no poder dos fran-
aviso do occorrido ao rei, e a Luiz de Souza, gover- cezes, por quem tinham sido conservados em paz e
justiça, co m uma exacta e avantajada paga dos seus
11) South ey, 11, 11 8 . serviços, o que agora experimentavam pelo contra-
414 O SUL EPOCA I li. - tlOMINIO DA IIESPANllA 415

rio. Davam-lhes em rosto com as grandes promessas ?as diversas capitanias do sul. Sendo a metropole
que lhes fizeram em nome d'Elrei de Portugal, de mformada da morte de D. Francisco de Souza (1611)
serem tratados com brandura e mantidos sempre sem confor'!le deixár:nos apontad? em outro Jogar, torno~
violencia,. chei<?s de mercês e remunerados com gran- a reumr o Brasil em um so governo , confiando-o a
des premws, SI pelo de Portugal largassem o parti- Gaspar de Souza, a quem ordenou residisse interi-
do . da ~rança . . . Entraram os padres a propor os namente em O linda para com maior facilidade acudir
metos mais suaves com que se acudisse á conveniencia á desejada descoberta e conquista do Maranhão.
dos moradores sem prejuízo da liberdade dos índios ». Mandou no mesmo tempo o rei que na Bahia ficasse,
. _O que_ acabou d~ ~purar a paciencia dos padres no entretanto, governando o chanceller Ruy Mendes
Jesllltas, foi a guerra tnjusta declarada aos tremembés, de Abreu, e Sebastião Borges, o provedor-mór da
nação situada na costa do Maranhão entre o Periá fazenda.
e a Tutoya. Serviu de pretexto a esta guerra o boato Sendo estes mui velhos e doentios, o governador
de terem esses índios morto e comido alguns sol- por sua particular provisão ajuntou-lhes Balthazar de
dados que por terra tinham fugido para Pernambuco. Aragão com o titulo de capitão-mór da guerra. Entrou
Com(_), porém, os des_ertores tivessem chegado vivos este sem demora e com muito zelo a fortificar a ci-
a Olmda, a verdadeira causa da guerra não foi a dade e a praia, gastando neste trabalh o quantias av ul-
razoavel vingança, mas a cobiça de caçar escravos. tadas da sua propria bolsa. Concluíra apenas estas
Os padres protestaram clamando altamente mas obras, quando soube que na altura da barra pelo
longe de serem attendidos, foram informados d~ que lado do morro de S. Paulo andavam cruzando seis
o povo ia requerer á camara e ao capitão-mór o embarcações francezas.
desterro dos jesuítas, porque, emquanto elles cui- Sahiu incontinenti contra ellas com outras tantas
dassem dos índios, ma l podiam os moradores adeantar naus portuguezas das que se achavam surtas no porto.
os seus interesses. Tomaram, portanto, os padres a Entregou a melhor a Vasco de Brito Freire que no-
resolução de buscar na presença do Rei Catholico meou por seu almirante, embarcando eile mesm o
o remedio a tantos males. Entregando, pois, a um em uma outra de sua propriedade particular já meio
seu devoto a casa e o mais que lhes pertencia em- abarrotada, e levando comsigo suas charam~llas bai-
barcara_m no principio de 1619 em um patacho' para xela de prata, e as mais ricas alfaias, porque,' sup-
as In~tas de Cas~ella, onde o padre Diogo Nunes pondo certa a victoria, determinára conduztr imrn e-
conclu iu a sua carretra mortal. O padre Manuel Gomes diatamente a presa ao governador em Pernambuco.
passou a Madrid, e nada conseguiu em virtude da feriu-se no dia seguinte uma bem disputada
morte de fe lippe 111 (março de 1621). Retirou -se batalha naval. Prenderam os nossos uma nau e tra-
então desconsolado para a sua provinci?- do Brasil. tara~ tão mal_ a al_miranta inimiga, que no dia im-
~ediato se fo i a pique. Não consentiu Balthazar que
ftze_ssem outro tanto á capitanea pelo desejo em que
X ardia, de orn ar com ella o seu triumpho ao entrar
no Recife. Indo, porém,. a aba lroai-a para a render,
O Sul pendeu tanto o seu navto, q ue, recebendo muita agua
298) G aspa r d e Souza. r6I 2 - I6r6.- Lanu·- pelas portin ho las da artilharia, desceu ao fundo com
mos agora um rapido o lhar sobre as occorrencias seu dono e mais de duzentos homens, que pereceram
416 c' SUl.
EI'O C i\ lii.-DOMlNl O Do\ UESPAN!lA 417
quasi todos; pois a almiranta portugueza e as outras
embarcações retiraram-se sem se importar nem de sobre as queixas que ouvira a respeito delles. •E'
recolher os naufragas, nem de seguir a victoria como incrível, diz_ f:. Vicente, o cuidado com que Gaspar
facilmente podiam. de Souza vigiava sobre todos os ministros e officiaes
Salvaram-se alguns poucos nadando para as naus de Justiça e fazenda, da milícia e da republica, sem
inimigas, que os receberam. Um destes foi Francisco lhe escapar o erro ou descuido do almotacé, ou de
Ferraz, filho do desembargador Balthazar Ferraz, que algum outro, que não emendasse. Esta era a sua
era sobrinho da mulher do Aragão. Velejando os occupação, não jogos e passatempos com que outros
francezes para o Maranhão, deixaram-no em terra, governadores evitam, dizem, a ociosidade •.
numa praia deserta, sessenta leguas além do Rio Demorou-se na Cidade do Salvador apenas quatro
Grande do Norte, «onde de fome e cansaço do ca- mezes, voltando pressuroso a Pernambuco afim de
minho morreu ao passar de um rio á pura mingua •. imprimir maior actividade á conquista do Maranhão
Possuía, comtudo, este moço na Cidade do Salvador para_ onde envi_o~ Alexandre de Moura, dois jesuítas;
mais de cincoenta mi l cruzados, visto como tambem e diversos offic1aes com reforços, munições e pro-
seu pae succumbiu dentro em breve ao desgosto; visoes. Apesar de tantas occupações, cuidav.1 Gaspar
«e publicamente se disse ser justo juizo de Deus por de Souza do governo da terra. Enfadando-se deste
um caso exorb itante, que pouco antes havia acon- proceder Vasco de Souza, capitão-mór de Pernambuco
tecido, e foi o seguinte » (1). mandou ao rei o seu irmão, que era franciscano:
Arrastado por uma paixão brutal, chegou um p~dindo- l he que o occupasse em alguma outra cousa,
sobrinho de Balthazar Ferraz ao excesso de tirar a v1sto como em Olinda estava ocioso. Remetteu-lhe
mulher a um moço honrado, trazendo-a publicamente o re i a patente de capitão-mór da Bahia, que elle
• passou a governar.
comsigo de sua propria mão, e mandando-a por
ultimo para Vian na, do nde elle era natural. Queixou-se Os serviços prestados por Gaspar de Souza na
o marido ao ouvidor geral, que prendeu o culpado; conqu ista do Maranhão foram galardoados a nove
este, porém, em virt ude das intrigas de Ba lthazar de feve reiro de 1622 com a doação de uma cap itania,
Ferraz, seu tio, logrou ser abso lvido pela Relação. que veiu a ser de juro e herdade, desde o Turiassú
Comquanto o crime fosse pub lico, escanda loso, in- ao Caité com vinte leguas de fundo para o sertão.
negavel, os desembargadores não se far tavam de re- O do natario e seu filho fundaram as povoações de
petir que nunca se vira sentença mais justa do que Caité (Villa Coera) e Souza, hoje Bragança.
esta, tachando ao mesmo tempo de ignorantes a
todos os detractores. 300) D. Luiz d e Souza, 1616 -1 6 21 -succe-
deu . a Gaspar de Souza, dirigindo os destit1os do
299) Fim do g overn o de Gas par d e Souza. Bras1l durante cinco annos.
- In formado do desastre que acabamos de relatar, Affirma fr. Vicente que deixou muita saudade
qu iz Gaspar de Souza visitar pessoa lme nte a Ba hia, · porque nunca por obra, ne m por palavra fez mal
onde en trou sem po mpa alg uma. In do á Re lação, alg um, e fo i mui ri co se m tomar o alheio, sinão
fez aos desembargadores um a bem conceb ida pratica pelo g rande cabedal que trouxe seu, e retorno que
sempre lh e vinha, antes fez alguns emprestimo s, que
1
( ) Fr . Vicente do Salvador. pag. 195. lh e ficaram devendo, os quaes não sei depo is como
se lh e pagariam. fez em seu tempo uma formosa
27
418 O SUL EPO CA lU.- DOMlNIO DA HESPANHA 419

casa contigua com as suas para fazer nella Relação, porto fundeou a doze de outubro do mesmo anno. (1)
que até então se faz ia em casa de aluguel; e, porque Vieram com ell e sete desembargado res «para que
um seminario q ue EI-Rey havia mandado fazer com com dois que cá estavam casados, se inteirasse outra
renda para quatro orfams estudarem, se havia des- vez a casa e tribunal da Relação •; pois, dos antigos
feito, por as casas serem de taipa de terra, e cahirem, que tinham vindo com D. Diogo de Menezes, alguns
começou outra de ped ra e cal, mas nem por ser tinham fallecido, outros tinham regressado para o
obra tão pia, nem por deixar já para ella seis mii reino com licença, e outros a tinham pedido para
cruzados consig nados, houve quem lhe puzesse mão fazerem ou trotanto. Ao desembarcar na Cidade do
até agora, e queira Deus que alguma hora o haja ». Salvador, foi Mendonça levado á Sé com acompa-
Durante o governo de D. Luiz realizou-se uma nhamento solemne, e dah i á sua casa; antes, porém,
expedição ás min as do Caramurú debaixo das ordens de sub ir a escada quiz visitar o armazem das armas,
de Francisco Dias d'Avi la, da qua l fizeram parte o, mostrando deste modo quanto interesse tomava na
ao depois famoso, Ca labar, e um hollandez chamado defesa do paiz que lhe fôra confiado. Consagrou, de
Gui lh erme joesten Olimmer, que dellas transmittiu facto, seus primeiros cuidados á fortificação da ci dade
informações a Marcgraff. «cêrcando-a pela parte da terra de valia de torrõ es;
e, porque a casa que servia de armazem. junto á
da alfa nd ega, estava cah ida, começou a fazer outra
301) Diogo de Mendonç a Furtado, 1621 -
no q tb o da sua, para que o alto lhe ficasse serv indo
24.- Acabado o triennio de D. Luiz, nomeou-lhe o de ga leri a, e o baixo de armazem . . •
monarcha um successor na pessoa de Henrique Cor- Deu tambem principio á fortaleza do porto em
rêa da Silva, que de boa mente acce itou o cargo. um recife que fica a alguma distancia da pra ia. Não
Aconteceu, todavia, no mesmo tempo que, desejoso de ixou esta o bra de ser co ntrariada por alguns, em-
Duarte de Albuquerque Coelh o de enviar Mathias d e bora fosse realm ente necessaria para a defensão do
Albuquerque, seu irmão, á sua cap itania de Pernam- porto e d os na vios que ali i surgiam á sombra da
buco, obteve do rei um a provisão pela qual se orde- fortaleza.
nava ao novo governad or segui sse • em direitura á
Bahia se m tocar e m Pernambuco, e, si de arribada, J02) Desintellig-e ncias c om o bispo. - Um
ou de qualquer outro modo, lá fosse, lh e não obe- dos co ntrarias á construcção daquella obra foi o bispo
decessem • . D. Marcos T eixe ira, o qual recusou ir benzer a pri-
Informado H enrique Corrêa destas di spo siçõ~s, meira pedra que se lanço u no cim ento do forte, di-
renunciou o cargo, affir mando que • não hav ia de zendo que, s i se fizesse a fortaleza, cessaria a obra
dar homenagem das terras, que não po dia ver como da Sé, visto co mo o govern ado r tomava o dinheiro
estavam fortificadas , e o que haviam mister rara que lh e era destinado, «mas não fo i este o mal , diz
serem defendidas e govern adas como convem. • fr. V1ce nte, que o governad or lhe reservo u seis mil
Nomeou então o rei a Diogo de Mendonça Fur- cruzados para co rrer a obra da Sé, sin ão que do
tado, que acabava de voltar da India, e estava na dia que chego u o bi spo a esta cidade, que foi a oi to
côrte requerendo a satisfacção dos seus serviços. de dezembro de mil seis centos e vinte e dois, des-
Partindo este de Lisboa no mez de agosto de
1621 , velejou directamente para a Bahia, em cujo ( ') Vi ele f r . Vi cente, o. c . livro v, cap . 18 e 19 .
EPO CA JII.-DOMINTO DA HESPANHA 421
420 O SUL
os deixassem ir, pois já estavam embarcados· pelo
concordaram estas cabeças, não querendo o gover- que o bispo excommungou o procurador da ~oroa
nador achar-se no acto do recebimento e entrada que foi o autor disto, e houve sobre o caso muito~
deb~tes. Em fim estas eram as guerras civis, que
da ?ispo, sinão se houvesse de ir debaixo do pallio
ha v ~a entre as _cabe_ças, e não eram menos as que
prat~can~o com elle, no que o bispo não quiz con-
sentir, d1zendo que havia de ir revestido da capa de havia entre os c1dadaos, prognostico certo da disso-
asperges, mitra e baet.~lo, la_nçando bençams ao povo, lução da cidade .... "
como manda o cenmontal romano e não era de-
cente ir praticando. Por isto não foi o aovernador XI
m~s man9o~ _o ch,anceller, e desembargad"'ores, e de~
po1s o fo1 v1sttar a casa, e se visitaram pessoalmente Pará- Maranhão
e de presentes muitas vezes » '
«Logo se levantou outra duv1da acerca dos Jo- 303) Maranhão .- fallecera no entretanto em
gares da egreja, querendo o governador que tambem S. Luiz (11 de fevereiro de 1618) o seu capitão~mór
se assentassem ambos de uma parte, e alli estivessem e conquistador, Jeronymo de Albuquerque Maranhão,
am~os conversando, ao que o bispo respondeu não
deixando o governo a Antonio, seu filho mais velho
pod1a. ser conforme ao rr~esmc;> cerimonial, por razão ao ~ua l déra por conselheiros ou assessores Bent~
dos c1rculos e outras cenmomas, que manda se fa- Maciel Parente e Domingos da Costa Machado. An-
çam com elle em as missas solemnes; e nem isto t<?ni q, porém, entendeu_ que de _nenhum delles pre-
bastou nem uma sentença, e provisão de EI-Rey que Cisava. Mostrou-se Maciel despe1tado a ponto de fo-
mentai~ uma revolta, sendo por isto preso e logo
lhe mandou mostrar, em que para evitar duvidas
(quaes as que houve entre o governador e o bispo remett1do a Per~ambuco, para onde velejou junta-
de Cabo Verde) declara para os do Brasil I e todos ~ente co ';! Dommgos da Ç<?s!a Machado, que, re-
. •
os _ma1s, que _o g_overna~or se assentasse á parte da signado a sua s~rte, se dmgta a Portugal afim de
Ep1stola, e pnme1ro se mcensasse o bispo, e depois requerer seus serv1ços.
o governador. • Souberam, todavia, estes dois advogar tão bem
• Nem isto bastou. antes respondeu que si elle a sua causa perante o governador, D. Luiz de Souza,
se_ achasse em algu~a e~reja com o bispo, 'se cum- que , approvando este a nomeação de Antonio de
pnsse o que o cenmon;al e EI-Rey mandam fun- Al_buquerque, deu-lh e por adjuncto o mesmo Do-
n~m gos da Costa Machado com a condição de que,
dado-se em que nunca iria onde a outro fosse e' assim
o cumpriu ' . ' nao concordando elles nas materias de maior alcance
«Üs desembargadores, que não podiam con- seria decisivo o voto de Luiz de Madureira ouvido~
tender com elle sobre o Jogar material da egreja, e auditor da capitania. Caso que Antonio 'de Albu-
cAo ntenderam sobre o_ espiritua_l,. e jurisdicção que querque não acceitasse, devia ficar com o governo
tee~ para a correcçao dos vJCIOS. e neste tempo
do Maranhão o proprio Domingos da Costa Ma-
mais que em nenhum outro, porque lhe tiraram de chad_o. !'-bsolve_u no mesmo tempo D. Luiz a Bento
um navio dois homens casarias, que mandou fazer Mac1el, t~cumJ:lmdo-o da guerra contra os tupinambás.
vida com suas mulheres a Portugal, por estarem cá Partiram JUntos de Olinda a 16 de março Ma-
abarregados com outras, havia muito tempo, e isto chado, Maciel , e Jeronymo fragoso de Albuqu~rque
sem os homens aggravarem, antes requerendo que
EI'CJCA 111.-DOMINIO !lA !!ESPANHA 423
422 I'ER.Í..-MA R f\NHÃO -----

despachado capitão-mór do Pará, e chegaram a S. furtado um ~uccessor a Domingos da Costa Macha-


Luiz no dia seis de abril de 1619. Navegou fragoso do na pessoa do joven Antonio Muniz Barreiros.
para Belém do Pará, e Antonio de Albuquerque sob Pois tendo Antonio Muniz Barreiros, rico morador
o pretexto de ir visitar a sua família, entregou o de Pernambuco, alcançado na côrte a provedoria-mór
governo, retirando-se para a metropole. Voltando d_a fazenda (t) por seis annos com a condição de que,
SI nesse prazo constnllsse do1s engenhos de assucar
mais tarde ao Brasil, serviu de capitão-mór da Pa-
rahyba do Norte. guardaria o cargo pnr toda a vida, regressou ao Bra:
foi durante o governo de Domingos da Costa sil em 1621 em companhia do governador Diogo
Machado que Antonio ferreira Bettencourt e Jorge de Mendonça furtado, do qual, afim de realizar mais
de Lemos Bettencourt, em virtude de um contracto facilmente · o seu compromisso, conseguiu que fosse
celebrado com o governo portuguez, levaram para nomeado, capitão-mór do Maranhão seu filho do
o Maranhão um grande numero de colonos aço- mesmo nome. Sendo o joven Barreiros mancebo de
rianos (1621). Contribuiu para esta immigração Simão pouca edade para confiar-lhe sett:elhante emprego,
Estacio da Silveira, primeiro com seu exemplo; em deu-lhe Mendonça por conselheiro o P. Luiz fi-
seguida publicando (1624) uma curiosa Relação Sum- gueira, ao qual se uniu o P. Benedicto Amodei, am -
maria das Cousas do Maranhão, em que apresenta bos da Companhia de Jesus. Satisfazia deste modo
as suas terras e situação em tudo superiores ás do o governador ao pedido do seu amigo; punha em
Brasil. execução uma ordem de felippe IV o qual queria
<< Estes grandes grupos de famílias açorianas, voltassem alguns jesuítas para o Maranhão, e respon-
modestas, moralizadas e trabalhadoras, vieram con- dia ás difficuldades provenientes da pouca edade do
trabalançar o effeito dos muitos degradados que co- novo capitão-mór.
meçaram a ser enviados da metropole, no ardor de « Ordenou- lhe no seu regimento, diz o P. J.
ver aqui augmentar-se rapidamente a povoação (1) " . de _Moraes, que nas cousas (excepto militares) de
Tratou neste mesmo tempo a metropole de crear ma1or momento se aconselhasse em tudo e por
no Maranhão um governo especial independente do tudo com o P. Luiz figueira, e não obrasse cousa
Brasil, segundo s.e declara no alvará de sete de no- a que se oppuzesse manifestamente o parecer do
vembro de 1619 que investe Sebastião Barbosa com dito padre, pelo grande conceito da sua capacidade
o cargo de ouvidor geral, dando-lhe um regimento. e zelo. assim do serviço de Deus como do seu rei •.
E' certo, todavia, que a organização de um novo es- Chegaram com uma bella viagem a ferrar o porto
tado, independente do Brasil, e abrangendo as capi- de S. Luiz em março de 1622.
tanias do Ceará, Maranhão e Pará, só se decretou a '- Mal puzeram, diz Southey, estes jesuítas pé no
treze de junho de 1621, e que o seu primeiro go- Maranhão, logo contra elles se excitou uma assuada.
vernador chegou a S. Luiz apenas em 1626, confor- Com tanta resolução e perseverança tinha a Compa-
me havemos de referir em outro logar. nhia combatido o iníquo proceder dos portuguezes
para com os naturaes, e o execrando systema da
304) Os jesuitas e os maranhenses.- Dava, escravidão, que não podia deixar de ser temida e
no entretanto, o governador Diogo de Mendonça odiada pelos senhores de escravos. Não bastou, para

1 (') Vide fr. Vic. p. 201.


( ) Varnh. pag. 454·
424 PARÁ-MARANH ÃO EPOCA lli. - -DOM INif, DA HESPANIIA 425

proteger estes padres, o seu caracter religioso e o e co ntendas, cou<;a muito r.ecessaria nesta terra, on-
senado da camara de S. Luiz teve de requer~r ao de por nova não ha lettrados. Mais notorio é o cui-
capitão-mór que os fizesse sahir da capitania o mais dad o, zelo e grande fructo que fazem em catechizar
depressa possível; mas F igueira que presente esta- e doutnnar os gentios, pelo muito que estes confiam
va ao fazer-se este requerimento, respondeu que ha- nos padres e se sujeitam e obedecem a tudo o que
viam de fazel-o em postas, · se queria111 que abando- lhes propõem : e, como estamos cercados de gentilis-
nasse o exercício do seu dever naquelle Jogar. Tanto mo, Claro fica o muito que nos é necessaria ainda
o n?vo capitão, como o seu_ predecessor Domingos, para o temporal des~a conquista a assistencia e boa
envtdaram toda a sua autondade e influencia , bus- companhia dos padres; além de que vieram os ditos
cando apaziguar o povo. » Nada, porém ." consegui- padres para esta conquista por ordem e mandado
ram. de Sua Magestade, porque o governador Diogo de
Vendo isto o P. Figueira, assignou na camara um Mendonça Furtado os mandou agora pelo mandar
termo, «no qual declarava que a sua vinda não aí- assim El-Rei, Nosso Senhor, como consta do meu
tendia mais que á salvação e bem das almas e re- regi mento; e assim quem lhes resistir, resiste di-
ducção daquelles índios, prégando, doutrinando e rectamente ao mandado de Sua Magestade » .
baptizando, sem intrometter-se a tirar os índios, fos- « Quanto aos in convenientes que o povo propõe,
sem ou não fossem verdadeiros captivos, nem ainda para que não fiquem na terra , não tem mais funda-
metter-se em semelhantes materias, salvo si a con- mento que os remorsos das consciencias de alguns
sciencia ou a obrigação assim o requeresse ou pe- que lhes parece que os padres lhes não approvarão
disse no tribunal da penitencia, para socego das suas o seu máu modo de viver, porque o que apontam
almas, pela obrigação que tinha de mostrar a todos em particular, de que os padres lhes tirarão os ín-
o caminho da eterna verdade. • dios de seu serviço e ficarão pobres e sem o seu
rem edio, não tem fundamento pelo termo que os
Esta ultima restricção, que, todavia, era tão rasoa- mesmos padres têem feito; nem pretendem mais que
val, açulou mais um a vez o povo, e os clamores fabricar casa nesta cidade de S. Luiz e della sahirem a
continuaram como antes, bradando o vulgacho que visitar as aldêas, catechizar os gentios, e reduzir todos
os padres tinham de sahir immediatamente da ca- á nossa santa fé •.
pitania. «Além de tudo isto, requeiro aos officiaes da
Afin al o capitão-mór, Antonio Muniz Barreiros, camara dêm cumprimento ao capitulo quinze do
subindo á casa do concelho, onde se achavam reu- meu regimento no qu al se manda que eu me acon-
nidos os homens da governança, mandou ler a se- selhe com o P. Luiz figueira nas materias tocantes
gu inte fala que vamos referir na sua integ ra: ao gentio e sua liberdade, e nas materias tocantes á
«Ninguem póde negar que os padres da Co m- guerra com o gentio q;.je se offerecerem e em todas
panhia são de grande bem commum, assim tempo- as mais de maior momento e consideração, e quan-
ral como espiritual; em qualquer republica. Todos os do estas minhas razões não bastem, protesto por to-
que sabem alguma cousa se prezam de ser seus discí- dos os tumultos e desobediencias que succederem
pulos. E' notorio o fructo es piritual que fazem com- na expulsão dos padres, e o desserviço de Deus e de
pondo discordias, alliviando as consciencias dos que El-Rei ser tudo por culpa de Vossas Mercês. S. Luiz
vivem em escrupulos e duvidas, evitando demandas do Maranhão, dois de abril de 1622».
426 PAR,Í..-i:VIAI{ANHÃO 'EPO CA liT. -DO ML\IO DA HESPAI"I I A 427

O resultado desta mensagem foi a resolução da prendendo e matando um grande numero delles,
camara assignada por todos os vereadores e conce- bem como incendiando-lhes di\'ersas aldêas.
bida nos termos seguintes: « f iqu em os padres. visto Fazia no mesmo tempo horrível matança ~e
ser mandado o P. Luiz figueira pelo reg imento do índ ios Bento Maci el Parente em todo o terntono
Governador Diogu de Mendonça furtado para con- comprehendid o entre Tapuytapêra e o Pará. Che-
selheiro dos negocias e governo desta conquista. - gando Maciel a Belém, prendeu e mandou a Por-
S. Luiz em camara, dois de abril de 1622 1 1) • . tugal mais _alg uns, cu lpado~ da revolta contr~ c;al-
Feito isto, o puvo se acalmou sem demora. deira continuando em segu1da na matança dos md10s.
O governo de Antonio Muniz Barreiros foi pros- Orde'nou-lhe Jerànymo Fragoso cessasse n~qu ell~s
pero e pacifico. Promoveu Barreiros a agricultura, e cruas hostilidades; sendo, porém, d esa~ten dtdo,~ dts-
levantou no rio ltapecurú o primeiro engenho de simulou, e dentro em pouco succumbru na crdade
assucar que se viu no Maranhão; occupando, porém, de Belém .
as terras já doadas a Antonio de Albuquerq ue sem Succedeu- lhe Mathias de Albuquerque. filho do
attender ás protestações dos procuradores do dona- conquistador do Maranhão! em virtude de um_a pro -
tario, deu origem a infinitos pleitos até depois da visão de Jeronymo, seu prrmo, na qual se affrrmava
sua morte, e, passados já muitos annos, foram estas que tinh a de substituir-lh e todas as faltas no governo
terras, por sentença do supremo senado da Rel ação da capitania. Como, porém . fosse ~eposto n~ breve
de Lisboa, restituídas ao seu legitimo possuidor. termo de vinte di as, o povo investru Custod10 V~­
. «O capitão-mór do Maranhão. Antonio Muniz, lente com o titulo de capitão-mór, e o P. fr. Ar~to~ro
tmha continuado no exercício do seu ministerio com da Marciana com o de Adjunto · (1) . Ped~o Terxe!ra, /

uma geral acceitação daquelles moradores, que pelas que extranh ou muito este procedimento, fo r admrtbdo
zelosas diligencias do seu grande cuidado se aug· como terceiro (1619). .
mentavam muito tod os os dias, ass im no bom com- Partiu, todavia, Valente para Portugal em maro
modo das suas vivendas da cidade, multiplicando-se do anno seguinte, deixando unico governador a Pedro
os edifícios della, como tambem na cultura dos cam- Teixeira, porque o P. Marciana, vend_o_ que se · tor-
pos para o seu sustento e gra ngearias, de que já nava odioso, recolh eu-se ao seu hosp rc10 de S. An-
abundava m. » Assim Berredo par. 5 14. tonio de Una.
Tentou então Maciel apoderar-se do governo,
305) Par á. -· Estava Belém do Pará luctando promovendo uma revolta_popular, mas, achando ca~al
com as . desordens, que em outro lagar deixámos resistencia em Pedro Terxerra, passou ao Maranhao,
referidas, quando pelos fins de abril de 1619 chegou indo construir um forte no rio ltapecurú. Logrou,
lá o novo capitão-mór Jeronymo Fragoso de Albu- afin al, ser nomeado lega lm ente em 1621 cap!tã<?-mór
querque. Começou a dar execução a suas instrucções do Pará, e sem demora in cumbiu Pedro Terxerra de
remettendo presos para Lisboa o assassino Cabral,
Caldeira, tio dell e; Balthazar Rodrigues de Mello, ('). A instancias dos conq:tistador es do Maranhão,_ enviou o. Rei
Antonio Pinto e Christovam Vaz Bettencourt. Tratou C atho li co ao Pará quatro reltgJOsos capuchos rla Provmc ta de Santo
logo depois de castigar os barbaros derrotando-os, Antonio. Entraram na ciclad" ele Belém a 22 de julho de 16 17 em
compa nhia de Souza de Eça, Provedo r da Fnenda real. Engtram
0 hospicio de Una, ar redado da cidade tres quartos de legu~ . Fr.
( 1) Vicie o P. J. de Moraes, S. J. pag. 1 25 e •eg uintes. Antonio da Marciana era supenor com o Ululo de commtssarto.

/
428

fazer cru el carnificina dos selvagens. Tendo em maio EI'OCA lli.-DU l\'ll NrO I>A HESPr\1\t-lr\ 429
de 1623 chegado de Lisboa Luiz Aranh a de Vascon-
cellos em commissão especial para explora: o Ama- munições. A pedido de Mathias de Albuquer_que,
zonas, partiram os tres heróes para_ o rio Curupá capitão- mór de Pernambuco, deteve-se em Ç)lm_da
ou Gu rupá, ond e enco ntraram ave ntureiros de França, para, em caso de necessidade, ajuda r a repelltr a tn-
da Inglaterra e da Holland a, já bem fortifi ca dos. vasão hollandeza.
Todos foram bravamente re chassados, não só do Vi.eram com o novo governador numerosas fa-
Gurupá, co mo da ilha dos Tucujús, uma das innu- mílias destinadas ao Maranhão; Manuel de Souza
meraveis que existem na barra do Amazonas, onde d'Eça pro vido no logar de capitão-mór do Grão-
Maciel queimou um navio extrange iro ~m que pe- Pará, Jacome Raymundo de Noronha com o desea-
receu toda a tripul ação, excepto um un1co moco. cho de provedor-mór da Fa~enda Rea_l ~o Maranhao,
O resultado desta victoria foi a construcção do e o p. fr. Christovam de Lisboa, re!Igi?SO capuc~o
forte de S. Antonio do G urupá. Dest2 epoca em de S. Antonio, co m o emprego de Pnme iro Custo~10
deante intitul ou-se Maciel Primeiro D escobridor e da sua relig ião naquellas c~nquistas~ ~ be~ _ass1m
Conquistador dos rios Amazonas e Ourupá; fez-lhe, com o de commissario do Santo Offic1o e visltador
porém, ene rgica opposição Lui z Aranha, que u~ava ecclesiastico.
dos mesmos títulos. E' que amb os estavam esquecidos Considerando fr. Christovam que a demora do
de que esse rio Amazonas fôra navegado pelo cele- governad or em Pernambuco não pod ia ser breve,
bre Orelhana, por Lopes de Aguirre, _e até J?elo por- segu iu sem perda de tempo para o Amazona_s a ~2
tuguez Meirinho, piloto da costa, CUJO roteiro amda de julho de 1624. Partira~ c~m elle d~zese1s mls-
nesse tempo ex istia . sionarios da mesma ordem, dois carmei ita~, e algu-
mas famílias dos qu e tinham vindo do re1no, tudo
306) P rimeiros governadores do Pará-Ma- a bordo de um barco de coberta. Deixando, a ins-
ranhão.- O primeiro governador nomeado para o tancias de Martim Soares Moreno, dois de seus re-
Pará:-Maranhão, co mo estado in~ependente do resto -ligiosos no presídio do Cea~á, co~tinuou a viagem,
do Brasil, foi o hespanhol D. I?Iogo de f:arcome ou entrando na cidade de S. LUJz a cmco de agosto do
Carca mo. Segundo Berredo, dispensaram-no a seu mesmo ann o. .
pedido em a tte~ção á_ sua edade já _muito a'-':ançada : Graças aos bons officios do_cap itão-m ór,_Antomo
fr. Vicente, porem, affirm a ter fa ll ecido em Ltboa ~m Muniz Barreiros, poud e fr. Chn stova m publicar sem
quanto se detinha para obter seus d~spachos. Otfe- difficuldade em S. Luiz o alvará de que era po rta -
receram en tão este cargo a D. Franctsco de. Moura. dor com a data de quinze de março de 1 6~4._ Re-
que acabava de recolher-se do governo das tlh as de mo~ia esse alva rá todas as mercês das ad mini stra-
Cabo Verde. Exoneraram-no, todavia, em vista de ções das aldêas dos i_ndios. Estas adm{nistrações de-
suas exorbitantes exigencias, co nferindo este governo viam ser equivalentes as que os h ~sp~nhoes chamavam
a Francisco Coelh o de Carva lh o, fid algo da Casa encomiendas. Não se davam os md1 os co mo esc r~vos
Real. Nomeado a 23 de setembro de 1623, e despa- a estes concessionarios, mas dava m-se os serv1ços
chado a 25 de março de 1624 com orde m de tocar delles · era mais uma servidão do que uma escra-
em Pernambuco, sa hiu immedi atamente do Tejo, tra- vidão'I com a differença que se faziam traba lhar os
zendo em dois nav ios u:-:-: soccorro de soldados e servos como escravos.
Passa ndo no anno seg uinte fr. Christovam a Be-
lém do Pará, oppoz-se a camara á publicação do
430 PAR.Í.-MAl~ANllÃO EPOC A TII.-DOMJNIO DA JlESPANII A 431
alvará sob o pretexto de que o povo se insurgiria. lar. Com effeito deste descontentamento não se acha
Dissimulou fr. Christovam, partindo para os Tocan- vestígio nos documentos do tempo, nem a missão
tins a pedido do morubixaba Thumag:ica, em cuja de fr. Christovam, identica nos meios e no fim, o
aldêa levantou tres cruzes, converteu diversos adul- podia causar. Além disto, não podiam os jesuítas
tos, e baptizou um gra~de nume:o de creanças ..Re- naquelle tempo pretender exercer toda a influencia
colhendo ·se logo depots ao Para, mandou publicar no Maranhão, onde assistiam apenas dois delles, e
na egreja matriz uma pastoral, ameaçando da excom- em condições muito criticas, conforme já deixámos
munhão mator (21 de dezembro de 1625) os que referido em outro Jogar.
conservassem a administração dos índios. Para voltarmos ao ponto. Submetteu-se fr. Chris-
Protestou a camara dizendo que appellava para o tovam mais esta vez, partindo para S. Luiz e seguindo
rei contra o decreto, e contra a excommunhão, si por terra até o Ceará, onde encontrou Francisco
não fosse revogada, porque os colonos não podiam Coelho de Carvalho, que já se dirigia para o seu
conservar o paiz que' haviam conquistado, si não governo, de que acabava de tomar posse no mesmo
obrigassem os naturaes a trabalharem para si. E' a Ceará. Acompanhavam-no Jacome Raymundo de No-
mesma razão que apresentavam os co_lonos do su1 1 ronha, Manuel de Souza d'Eça, e dois jesuítas, um
sobre a qual insistirão ainda por muitos annos. St dos quaes se chamava Lopo do Couto. Chegaram a
isto porém, seja conforme ás leis da justiça, digam- salvamento no dia 22 de agosto de 1626, desem-
no ~quelles, cujo bom senso não ficou perv.ertido pela barcando o governador no forte de Itapary, e fazendo
paixão . A nós parece claro ser esta dout~ma equtva- o resto da viagem por terra. Entrou solemnemente
lente á que hoje proclamam os commulllstas. em S. Luiz debaixo do pallio a tres de setembro
Tt:a:tando desta viagem de fr. Christovam, escre- de 1626.
veu fr. Vicente na ]Dg. 221: · Nem trabalhou menos ... Deixemos agora que descancem: iremos visital-
em a conversão dos índios. O mesmo fez no Pará, os mais tarde, quando tivermos tratado das capita-
onde reduziu á paz dos portuguezes os gentios To- nias do sul, e referido larga parte da guerra hollandeza.
cantins, que escandalizados de aggravos que lhes
haviam feito, estavam quasi rebe llados . e levou com- 307) Estado das outr as c aoitani a s .-As ou-
sigo os filhos dos principaes para os doutrinar e do- tras capitanias prosperavam neste mesmo tempo á
mesticar, prohibiu com exc.ommu.nhão vendere,m-se sombra da paz. - No Ceará, Martim Soares Moreno,
os índios forros, como faztam, dtzendo que so lhe fundador da colonia, e ainda capitão-mór, repellia
vendiam o serviço .··> bravamente por duas vezes (24 e 25) os assaltos dos
Na jJag. 456 da Hist. Geral do Bras. pe)o Vis- batavos. Tanto na Parahyba do Norte como em Ita-
conde de Porto Seguro lemos o trecho segutnte: maracá, o gentio estava completamente sujeito. Per-
<< fr. Christovam de Lisboa, irmão do celebre nambuco ganhára muito com a presença de Gaspar
antiquario Manuel Severim ~e _faria, foi e~c?lhi~o de Souza e de D. Luiz de Souza. Este, porém, passou
para custodio, visitador ecclestasbco, ~ commtssano a residir na Bahia, porque a metropole decretára que
da inquisição, a descontento dos ./estufas, que come- o governador do Brasil assistisse na capital sob pena
çavam a pretender exercer alzi (no Maranhão) toda de perder a jurisdicção e o seu ordenado. Toda a
infLuencia. » Esta é uma dessa.s accusações pltantas- capitania de Pernambuco crescia e medrava de um
ticas de que tanto abund:t a ll!Stona do lllustre t.tu- modo notavel sob o governo do capitão Mathias de
EPOCA l l i - DOi\IIN IO DA 1-IESI 'Al"HA
433
432 PAR.\ - MARAN HÃO
Alexandre de Moura mandára ao porto dos francezes
Albuquerque, irmão e Jogar-tenente ?o donatar_io. A para deterem uma nau ingleza q_u~ alli co':lmerciava.
colonização e a cultura extendera-se ate a extrem1dade Do mesmo modo não poucos off1c1aes pubhcos for~m
meridional da capitania, desenvolvendo-se part_icular- em diversas capitanias achados cumphces de vanos
mente nas villas de Magdalena e de S. LuZJa, nas assassinatos. Nem as dt>savenças entre o poder se-
vizinhanças das Alagoas. cular e o ecclesiastico deviam contribuir para o pro-
Desde antes de 1612 constituíam Pernambuco e gresso moral do paiz. .
a Parahyba uma prelazia independente do bispo da Além disto os extrange1ros, a saber: francezes 1
Cidade do Salvador; foi, porém~ em 1623 reunida hollandezes e in'glezes. que já trabalhavam em quas1
ao bispado da Bahia. Em Serg1pe exp_loravam as todos os engenhos, e por diversos annos tinham
nitreiras, e já se tratava ~e crear u~a f~b~1ca ~e pol-o procedido leal e honra~amente, ~a epoca. actual al-
vora no Brasil. No R1o de jane1ro d1stJngu1ra-se guns se tornaram suspeitos em. v1s!a das clrcumstan-
sabio governo de Constantino Menelau, que ergueu cias · outros como se descobnu tinham perpetrado
uma fortaleza no Cabo Frio (1613 - 17). Em 1623 o c~ime de 'revelarem a seus compatriotas o segredo
assumiu o governo do Rio Martim de Sá, recom- das riquezas do Brasil. A metropole, pois, ~edou sob
mendavel pelas medidas que tomou contra os hol- pena de morte a vinda de outros extrange1ros, e or-
landezes. Em 1614 apresentára-se na Ilha Grand e o denou fossem internados a doze leguas da costa os
almirante hollandez joris van Spilbergen, a quem que já viviam no paiz. O~ttra classe ~e _1;ente sus-
recusaram os refrescos que procurava. A capitania peita e perigosa eram os JUdeus e chnstaos novos,
de S. Vicente continuava na sua prosperidade, e os que a metropole, com procede_r assaz extranho e
paulistas iniciavam suas heroicas excursões ,em de- quasi inexplicavel, ora perseguia, ora ampar ava;
manda de índios para o sertão. Destas, porem, tra- ora proscrevia, ora agasalh~va C2·
taremos em outro Jogar. O receio de alguma mvasao de 1n1m1gos, em
castigo dos peccados do paiz, era por. este tempo,
308) Estad o mora l do paiz an~es da ~n­ em todas as capitanias, um como presentlmento com-
vasão holla ndeza .-A relaxação do serv1ço publico mum. Temiam-se os francezes, os mglezes, os l:wllan-
e dos costumes era desde longo tempo deplorav~l dezes e até os turcos e os mouros. Com effe1to, al-
em quasi todo o Brasil. O desejo illimitado de enn- guns corsarios argelinos tinham pouco _antes saquea-
quecer, o luxo, a sêde dos prazeres, o roubo, o do a ilha de Porto Santo, e a de S. Mana nos ~çores,
assassínio, já eram cousas vulgares. Du_rante o go- fevando da primeira, captivos, todos os hab1t_ante~.-
verno de Diogo Botelhb. foram remett_1dos para o E' este, diz justamente Varnhagen, um f~cto htston
Limoeiro de Lisboa Anton1o Vaz. Anto111o da Rocha co que nos explica de qu~ modo podenam outro~a
e Antonio Barbosa: aquelle era porteiro da alfandega ter sido povoados e depots abandonados esses archt-
de Pernambuco, e nellaj uiz das execuções; o segundo pelagos do Atlantico. Assim, v. g, as Bermudas, que
desempenhava o officio de escrivão da fazenda e da em 1498 acharam povoadas, em 1522 as encontrou
alfandega da mesma capitania, cujo feitor era o. ter- desertas Bermudes, hespanhol que lhes legou o
ceiro. Os tres eram réus de escandaloso descam1nho seu nome.
do páu brasil, e cumplice? do contraba_ndo de um
navio francez de S. Maio. Um Sebast1ao da Rocha (') Vide Varnh. pag. 4II .
oppoz-se com as arrYJas na mão aos soldados que
434 PARÁ-M ARA NHÃ O
El'O CA IIT.-DOM INIO DA HESPA HA 435
Por outro lado, os extrange iros amiudav am suas
aggressõ es em diversos pontos da costa e no alto para alçar o punhal ou disparar o mosquet e. A al-
1
mar. Só no decurso do anno de 1616 tinham os forria concedid a pelo senhor ao servo que mostrava
hollande zes apresado vinte e oito navios da carrei ra as mãos tintas no sangue da vingança encomm enda-
do Brasil, numero este que em 1623 subiu a setenta. da, suspendi a a morte repentin a sobre a cabeça de
A metropo le recomme ndava que mettessem no fun- todos. Nos templos e no seio das famílias era pura-
do as embarca ções inimigas, que os mareantes, sen- mente externo o culto. Os religioso s viviam mais
d.o presos, fossem summari amente julgados e senten- para o seculo do que para o claustro; e o clero,
Ciados cá mesmo, e que as capitania s resolvessem longe de dar exemplo s de comp?st ura e de m~gna­
entre si a imposiçã o de um tributo para manter uma nimidade , timbrava , pelo contrano , em competir na
es9uadra de guarda-c osta, capaz de castigar o ini- turbulen cia e na cobiça com os habitante s mais per-
m!go. Nada se fez; tudo foi inutil, porque está es- vertidos •.
cnpto que quem valt perdere dementat. Mercê de Tal é o painel que Rebello da Silva, citando
Deus não professamo~ o fatalismo, não; mas sabe- Manuel Calado e R. Southey, nos deu do estado
mos que a Escnptur a Sagrada attribúe muitíssim as moral do Brasil neste tempo. Carregad o, talvez, é
vezes as invasões inimigas , a g uerra, as derrotas e elle, principa lmente no que respeita ao clero, mas
o~tros desastres publi co::;, ao castigo que Deus in- infelizmente as obras de muitos colonos da epoca
fllg~ a seu povo para retrahil-o dos excessos a que condizem com os traços principae s.
se. t1!1ha abandon ado O adhac qaadraginta dies, et
Nuuves subvertetur não convinha men os ao Brasil
desta .epoca do que outrora á g rande metropo le da
Assyna.
O proprio Rebello da Silva, na sua Hist. de
Po~t., tomo 111, pag. 338, escreveu : «O que facilitou
ma1s do que tudo a entrada do Brasil aos hollan-
dezes, fo~am _?S erros do governo e o estado moral
da co loma. Sao concorde s os testemun hos e são im-
.
parc1aes . ·-
as op 1n1 . '
oes em o pmtar com as mais som-
brias côres. Em todas as capitanias, e especialm ente
na da Bahia, a corrupçã o e o escandal o desenfrea-
vam-se com insolencia. Os magistra dos dobravam
as varas ao peso de quatro ou seis caixas de assu-
car; os roubos e as fraudes escarnec iam a justiça
como cousa van; e a rectidão e probidad e como de
fraquezas senis. A lepra da escravidã o corro·ia e en-
venenav~ .aquella sociedad e na juventud e, inoculan -
do-lhe v1c1os e costumes licenciosos. Os homicídi os
r~petiam-se ~em castigo. até :-~as egrejas, e os assas-
smos assa lanados quas1 que nem se encobria m já
RELAÇÃO DO l\'fARANHÃO 437
puyas e destruirão os mais q' erão por todos_ dez, dos quais só
escapou hu mãcebelhão que veiO ainda alcaçar os outros. H u
destes q' vie rão tin ha já fogido dos brãcos e fora escravo dos
tapuyas até então, dos quais andava fogido actua)~ent~ e tro~xe
comsigo hua muy boa escopeta e algua momçao q seo S or
tapuya tinha tomado a hu brãco. ..
Vinhão estes pobres sem arcos nem frechas como fugitivos
cativos vendo nos tomarão folego, e como ressucttados da morte
a vida se aleg_ravão cõ seus parentes; p~rgunte!lhe s~ tinhão _?S
tapuyas not icia dos padres, responderao q' SI e q desejavao
Relação do Maranh ão, 1608, pelo jesuita Padre m.' o de yrmos a sua terra p. q ' costumavamos trazer m'.. fer-
ram' ·• anzoes e roupas e q' a todos da vamos o q' não faziã~ os
Luiz Figueira enviada a Claudi o Aquaviva (1) brãcos; em fim trazendoos cõ nosco nos parlim<?s do j a~oanbe
dia ele Nossa S." das Cãdeas, 2° de fev. " depOis de dizermos
missa e comugarem algus dos noss?s .
O nosso ordin." modo de cammhar em todo este compndo
~AX CHRISTI. o Mezdejan.''de607 p. ordem de ternão caminho até a serra da lbiapaba (que serão cem legoas ao direito)
Card1m pr."' desta pr." nos partimos pera a missão do Maranhão foy em forma de peregrinos da comp.", logo pella m~nhã rezav~­
o p." fr.'' Pmto e e11 cõ obra de sessenta lndios, cõ intenção de mos o itinera rio e ladainhas de Nossa S'ora e depois entre dia
p~eg~r o evangelho aaquella desemperada gentil idade, e fazermos
as dos Santos e cõ nossos bordões na mão e nosso cabasso de
co q se lançassem da parte dos portugueses deitando de si os ao-oa nos hiamos caminhando tendo nossa oração pello caminho
frãcezes corsairos q' lá residem pera q' indo o~ portugueses como como podíamos o tempo q' nos parecia; as jornadas erão de
determinão os não avexasssem nem captivassem e pera q' esta meia legoa hua legoa e 2 e 3 p nos acomodarmos aos das car-
n?ss~ ida fosse sem _sospeita de engano parec_eo' bem ao p.' pr."' gas e tambem_ algum_as ~nanças. . _ . .
q nao levassemos conosco portugueses e ass1 nos partimos sós Vmdo pois cQntinuado noss0 catmnho madavamos 111 d10s
cõ aquelles ses enta lndios . . . . naturaes daquellas partes diãte pera q' se encontrassem algus de
Partimos pois para esta empresa o p • fr." Pinto e eu de seus parentes jagoarigoaras que andavão espalhados c'o o medo
pernamb uco p. mar até o rio chamado j agoaribe q' são 120 ou os trouxessem e ajunta sem assi p." nos ajudarem como p." lhe
130 legoas, saímos em terra pusemos nosso fato em ordem p." darmos as alegres novas da Provisão de Sua Mag."• em_ q' ?S
o levarmos, e como algus lndios naturaes de j aguaribe logo avia a todos p' livres e forros. Algus destes pobres tiverao vis-
se meterão pella terra p." ver se achavão algus de seus parentes ta de nós e cuidãdo serem os brãcos q' hião pescar ambar se
eis. q' dous dos nossos encõtrão cõ hus q' anda vão escondido~ esconderão e fugirão.
ass1 dos portugueses p. não virem presos por escravos, como Hu dia porem algus dos nossos acharão hu q' nos ãda_va
mtu_tos seus parentes, co mo tãbem por medo dos tapuyas cõ os espreitando pera saber de certo quem eramos ~ pera onde hta-
quais os dttos portugueses se cõfederarão afim de os aver á mão mos trazido este contou como tmha escondido dous outros
mais faci lmente . com'panhr •• e huas molheres e meninos; to i p." elles cõ outros
Hu dos nossos então foi cõ aquelles q' se achavão a buscar dos nossos os quais todos parecião q' resucitavão mostrãdo gran-
ou!ros q: estavão em certa parte escondidos pera virem ao se- de prazer e alegria certificados de não irem em nossa comp.•
gu inte ci ta,. e o outro cõpanhr." nos veio dar a nova que foy portugueses dos qua is algus destes tinhão fogido tendoos ell~s
bem receb ida por nos faltar gente p." nos levar o fato e lambem amarrados e cõ as mãos atadas e acrecentavão que lhe tin hao
p.' q' erão parentes dos ele nossa comp • mandados presos pera a bahia seus fil hos, irmãos e irmãs e pri-
. Ao cita segu inte lhe mãdamos tres ou quatro outros ao ca- mos pera serem captivos e q ' p. isso elles e os mais andavão tão
mmho 5om _f~nnha de refresco, os quais alta noite chegarão e amendrentados e não se fiavão de ninguem .
tro uxerao costgo quatro home ns e um::t me nina, estes nos cõtarão Depois de termos caminh ado todo fev:• chegamos aos 2 9e
como no mt;,smo dia tinhão os tapuyas mortos os mais rompa- março ao par2 q' he hua muy fermosa e quieta ~nseada que dis-
nlwros, levado algus cõstgo p. escravos e foy p.' q' ao nosso ta de jagoaribe trinta e cinquo legoas pouco ma iS ou menos e!11
recado n_ão _se aba ll a~ão mais q' os quatro cuyclando os outros a qual entrão tres ou quatro riachos de Agoa doce e outro no
q' era flcçao dos brãcos pera os averem as mãos por meio de caudal por hu espraiado muy aprasivel; está esta enseada em
seus mes mos parentes, pa rtidos po is os quatro chegarão os ta- altura de quatro graos e é de grandes pescarias; aquy achamos

( 1) P ublico u esta ca rt a pela prime ira vez em 1903 o Dr. Ba rão de Sru-
dart, que a fez prOCl:rar no nrc hivo da Comp. de J esus.
438 RELAÇÃO DO MARANHÃO
RELAÇÃO DO 1ARANHÃO 439
aposentados os índios q' proximamente tinhão fogido aos por-
tugueses cujo principal se chama acajuy, hum sobrinho do qual chamão dos corvos q' cõ o nome está · declarãdo o triste cami-
trazíamos em nossa comp.• e outros parentes dos seus. Estes po- nho q' leva quem nella se vai meter; nella nos meterão O? in-
bres nos receberão como vindos do ceo p.' q' tinhão o mesmo me- dias dizendo q · acharíamos 111'" mel e ratos que é o milhar
do dos outros; o dia q' chegamos tínhamos andado cinquo Iegoas mantimento q' h a nestes certões afastados do mar: verdade h e
sem nos assentarmos em todo o caminho p.' causa da infinita q' disto acha mos bastãtemente nesta serra mas tudo ma1s caro do
Agoa q' choveo; em o qual caminho passamos quatro rios to- q' fora se se comprara nas logeas dos vendecleiros p.' q'. cõ as
dos a pé cõ agoa pellos peitos e hu delles cõ tanta corrente q' d1fficuldacles do caminho q' ao principio se mostrou facil e cõ
foy nec.• virem pegados em cada hu de nos cinquo ou seis in- isso nos emganon gastamos 12 ou 13 dias sen~ sabermos bem
dias pera nos sustentarem com paos atravessados contra o impe quãdo menham nem noite cõ os espessos e al!lssimos matos p.'
to das agoas; emfim daqui se pode colegir quais chegaríamos a baixo dos quaes hiamos rompendo a força de braço e ferro so-
boca da noite; logo r.esse comenos nos fizerão hua choupana bindo e decendo mõtes e rochedos q' excedem toda a exagera-
de palma q' ja tinhão colhido pr terem noticia de nossa vinda ção saltãdo de pedra em pedra hora para as nuvens hora p.• os
moços dandonos cõ grandes festas erejüpe que he o seu modo abismos, nem conto aquy as quedas e c~usas q' se quebraram
de dar as boas vindas, e nos fizerão grande fogo pera nos aquen- q' nos derão bem ele perda q' logo depOIS nos sentunos p.' nos
tar digo enxugarmos. ir faltando vinho p.• as missas e assy não dissemos mais q' aos
Depois de descãsarmos nos trouxerão algus presentes de pei- dias santos missa.
xe; cõ el les estivemos cinquo dias aparelhãdonos para o cami- Nesta triste serra cios corvos parece q' se ajuntarão todas as
nho de peixe p.' se nos acabar a farinha que trasiamos e lambem pragas do brasil, innum~r~veis cobras e aranhas a q'. cl~amão
p 'q, do trabalho daquelle dia nos adoecerão alguns dos nossos carangueJeiras, peçonhet1Ss1mas de cuJa mordedura se d1z q mor-
companheiros e foy nec.• cõvalecerem quanto mais nós desacos- rem os homens, carrapatos sem conta mosquitos e moscas q'
tumados a fazer semelhantes violencias a natureza. magoão estranham" e ferem como lanceta fazendo logo saltar
Os Indios q' aquy achamos serião p. todos 50 ou 60 almas o sangue fóra e assy parecião os índios leprosos das mordedu-
ficarão cõ intento de ajuntarem alguas relíquias dos seus q ' ãdão ras, nem eu fizera caso ele escrever essas causas senão foram ex-
espalhados p. esses matos pera o qual nos pedirão lhe levãtas- traordinarias Emfim tornamos a sair desta serra ao cabo dos
semos hua cruz, o q' fizemos cõ gosto p. q' á sombra desta ar- 12 ou 13 dias sem termos anelado de nosso caminho mais q'
vore p. entretanto se venhão ajuntar estas avesinhas amedrenta- obra de duas ou Ires legoas e no rodéo q' fizemos anelamos 5 ou 6.
das dos gaviães e aves de rapina pera q' depois de juntos todos Todos estes trabalhos se nos rematarão com q' nos muito
se viessem pera Igreja como prometerão pellos certificarmos da mais sentimos q' foi morremos hu índio mancebo dentro em 15
liberdade q sua magestade lhes dava. ou 18 horas da mordedura de uma cobra; nem lhe aproveitou
Pouco depois de passarmos daquy nos apartamos do mar p. pedra de bazar, nem o licornio nem queimarmoslhe a ferida, nem
c~rregar m.'• sobre nos o inverno q' já nos tinha entrado e nos finalmente outras mezinhas e beneficiOS.
d1ff1cu!tar m•• o caminho cõ as enchentes dos muitos e arandes Morreo con tud o cõfessado e sobre a sepultura fizemos hu Moi-
rios q' se metem no mar e tãbem p. q.' esta affastada do mar menta ponclolhe hua cruz á cabeceira; era isto domingo de ramos
a Serra da Ipiapaba, a qual vínhamos demandar por ser so po- em o qnal depois de os benzermos em aquelle deserto nos par-
voada de gente amiga (se amigos se podião chamar os q' até- timos continuando nosso caminho ao longo da mesma serra pas-
gora beberão o sangue se pudessem aos portugueses) desde per- sando muitos e grandes nos q' todos hiào cheyos polias cõtinuas
nambuco p.• ca q' serão como 230 legoas, e nosso intento em chuvas e passamos todos aquell<'s dias tão santos de emdoenças
a v1rmos demandar foy pera nella nos refazermos de mantimen- e paixão caminhàdo p.' matos e lamas como dãtes e ao sabado
tos e mãdarmos dahi ao Maranhão a tomar lingoa do estado santo passamos hu rio muito maior q' todos chamado Aracate-
das causas j)J'incipalm ." se avia francezes q' se nos representava a gi q' compete cõ os grãdes de Portugal e nos deu bem ele tra-
mor difficu dade deste caminho: este nec.• apartamento do mar b~lho buscar paos p.• jangadas p • passar n.o te1~1po em q' p.'
nos trouxe outras infinitas incõmodidades e difticuldades q' po- cá todos se alegrão e se dão as boas Alelu1as. fmalmt• o pas-
dendo nos chegar á serra da Vbiapaba em 15 ou 20 dias gasta- samos assentados nos paos q' hião p.' baixo ela agoa, vinclose o
mos dous mezes porq' nos foy nec • metermo nos p.' matos e mundo abaixo cõ chuva, trovões e relampagos; e ao longo des-
brenhas sem podermos dar passo senão com virem diante dous te rio debaixo de hu espesso e triste arvoredo estivemos aquella
ou tres índios rompendo os matos, e em a mor parte do cami- tão santa noite e dia meios alagados dagoa.
nho com as lamas e agoas quasi até o joelho, e tudo isto nos pa- Nunca nestes caminhos me lembrarão os collegios cõ sau-
receu facil quando depois nos vimos metidos em hua serra a q' dades delles senão nestes santos dias p' carecer da vista ele tanta
devoção como nelles ha; mas isto mesmo p .' outra parte me
_R
RELAÇÃO DO J\1 A _N
_A _ I I_Ã_0 _ __ _ _4_4_1
440 RE LA ÇÃ O DO ~ !AR A NHÃ O
teve bem de tr,tbalh o em se livrar de outra e fin almente na Ybia-
co nsolava vend o vendo (sic) q ' ca recia de tãto b'! m p ' servi ço paba indo hu ín d io ge nti o p a a aldea onde nos estavamo~ hu d~a
daqu elle S'or q' he o autor de todo el le. an tes dr chega r o mordeo out ra cobra da mesma casta q ca sa?
Depois de deixa rmos ck! todo esta serra dos corvos ca mi- as mais ord in ari as em . . . encantJd ade e em poucas horas ex pi-
nhãdo poli as ca mpos, erão. tant as as lamas q ' não avi a da r passo rou o pobre indto; muito lhe aproveitara se ch e~ara a nos am-
sem ~ t o l ~r; p.' c;> nd e nos fo t !1 ec • descalça rm onos; porem dahi se da q' nilo fosse mais q ' p ' hu qu arto de hora co vtcl a. _
nos ft zer~o daht a poucos dt as das ervas e moscas e mosq uitos E p .r serem estas co bras tão peço nlw~tas lh e ch am ~o es-
q_' nos pt cavão_ se nos fi ze rão os pés leprosos, e a my em espe- tes índios verdaclr .as co mo se as out ras o nao fosse m, e nao ou-
ctal m_e mch arao cn anc:Jo maten a em vari as partes, pello qu e a são ele sair a cassar em tod o o in vern o em q uãto a erva está
necesstd ade nos co nstrangeo a t~ os torn arm os a calça r, por o nd e crescida mas esperão qu e se sequ e para qu eimar os ca mpJs e
nem descalços b ~ m pod tamos lm cõ lamas; não qu ero apõtar verem por ond e vão fin alm ente ouve mos ele chegar alg ua hora
mut tas parttcul and ades nesta maten a p ' não parecer q ' exage- a esta serra da Ybi apaba, ao nde cui dava mos q ue p el ~ menos
ro mutto nossos trabalh os nem ain da isto q' he o menor escre- nos fartari a mos de farinh a, porem estava esta gente em tala fo me
vera se me não persuadira q ' se cõsolavão m.'• nossos irmãos cõ q' vind o nos hus índios ao caminh o cõ refresco a receber seus
saberem o q' p . cá se passa p." nos enco mendarem mais ao parentes co mo legoa e mea, antes de ch egann~s a aldea nos
Senh or ap resentarão co mo ca usa de grande rreço (e _nao er~ menos)
Cõ estas difficul dades do ca minh o se nos aju ntou boa fome hu as 15 o u 18 espigas de milh o as quats repartJmos co o pnn-
p.' q' por estes ca mpos não ha ratos nem se matou nelles outra ci pal da nossa ge nte, e cõ os nossos moços de modo q' p.a o
cc;>usa algua de modo q ' nos fo i fo rçado a co mer das ervas q ••• dt a seguinte nos fi carão cada hu hu a, e sob re_ este almoço n o~
at~ da as acha va m os~ e esta_s cosidas ~ a agoa sem outra alg ua bem- puse mos ao caminh o ~ a_nd amos aq u~ ll a manh a !egoa e m e~ q
fe tton a; vtemos a la<;a r mao da mamçoba brava bem a margosa tinha por tres pell a alttsstm a _lad r.a q se sobe peta a aldea q esta
e. sem sabor e depots chega mos a co mer da mesma raiz da mãn- n0 alto ela serra, e pera so btr he nec. 0 aver escadas em al g~s
d_IOc~ brava assada de q ' algus se co meçarão a achar mal, eu en- passos o u de pao ou feitos na mes ma terra e rochedos e co tt e
tac;> t t ve m ~ mats a fome posto q ' não me fez mal a q ' tinh a co- esta serra toda assy d e norte ao sul ca usa de 25 ou mais legoas
tm do; e atnd a desta_s ca usas nos ve io a faltar e passa mos alg us fazend o um muro de rochedo cõ suas co mo ameas nat ura ts e
d ias sem co mer mais q ' huas poucas raizes de ervas da feição p .' cima he terra cham e ca pina, e pera a parte d o poente tem
de cebollmh as peqn a_s; co b~as lagartos e laga rlixas p • os índios . .
m-' 0 pouca queda.
era banquete, e eu tabem li ra ndo co bras me esforçava a co mer Cõ ca minh arm os hem aquelle dta e partt rn:os cedo acaba-
tu do, tendo ~ o r mats d tff tcu ltosa de ve ncer a fo me q' o asco, mos de ch egar ariba as d uas ou Ires horas depots de _meto d ta,
verdade he q em todas estas ca usas achava mos mais gosto q ' e em hu a cham e raza ladeira antes de chega r ao mats alto nos
no utro tp'o em ca usas q' o tem, mas o q ' so bejava no gosto estava esperand o o prin cipal, e outros q' p.a nos e~forçare m .P a
pella fome fa ltava nas for_ças, pella s ~ sta n c i a ser pouca. o restante do caminh o nos tinh ão prestes hu as poucas de ratzes
Tambe m nestes ca mtnh os nos li vrou o S' de muitos e evi- de mãdi oca a q ' ch amão macacheira cosidas e hu po uco de sal e
d~ n tes peri gos qu asi mil agrosa mente; em especial fo i notavel hu pimenta da terra e hu palmito para assentar. o esto mag.o; e che-
q passo u nesta form a: estava m os hu di a assentados e bem ca n- ga nd o-se o prin cipal a nos nos -a braçou d tzendo Y_esu, e logo
S!ldos o p .' e eu co mend o hus caraco is dagoa q' nos mes mos se seg uirão os demais a nos abraçar e dar as b_oas vtn das, e. hua
tmh amos apanh ado, metend onos pell os charcos e era bõ ban- índia nos qu eri a chorar p r festa co mo cost um ao mas o p. lhe
q uete em semelh~te conjun ção, e entre nos amb~s alg u tãto p a mãd ou dizer q' não era nec.o e cõ _isto t~os recol hemos da chu-
hua band a estavao hu as ervas algu tãto altas nas qu a is alim- va q ' aind a entre tãtas festas nos nao detxo u .
pava mos as . mãos p.'_ não a ver outro goard anapo a mão senão Metid os nos e agasalhados em h ua das suas choças q' pera
quand o se nlim os boltr as ervas e vim os sair dell a m .'• pacifi- isso tinh ão aparelh ado, co meçarão a co rrer os prese ntes, q uem
camente hu a faça nh osa co bra da mesma casta da o utra q ' mato u mea duzia de espigas d e milh o, qu e_m hu palmt to, q uem um a
o man cebo em 15 o u 18 horas mas muito mai or q ' ella era das Abobora q ' era o de mais preço, e m f11~ ]Jaltm tos e a lg u ~11lh ~

I
q ' t~m na ca uda hus cascaveis, e ella usava de manh'a p.r q ' fora m as mais ordiD ari as cousas q ' aq ut ttvemos q um ze d tas q
p ass~do por ped ras leva ntava a ca ud a p a q' não soasse m os ras- aqui esti ve mos nesta aldea, estes são os receb imentos q' po r ca
cave ts. ha c eu posso escrever ; escrevão outros embo~a os q' ~e faze!n
. Doutra me liv_rou os a my q · lhe não pusesse os pés nas co rtes dos Reis e prínci pes ele europa q posto q tenh ao
en_ctma p .' lh e ouvtr os cascaveis vind o p r baixo das ervas q ' mais que escrever não terão mais go~to q '. eu em o fazer, mas
erao altas. Outra se arremesso u a hua India e lh e mord eu na co m tud o logo cõ tarei. outro recebtm . o mats solene que este.
ro upa, mas q ui z D s q ' lh e não chegasse a c~ rne, e o utro Indi o
442 RELAÇ ÃO DO MARAN HÃO
R t·:LAÇÃ O DO MARAJ \I IÃO 443
feijões q trazia, e tendo palavra de nos q' hiriamo s cõ
Hu dos princip aes destes indios tinha dito a hu peclio logo os seus q' fossem certifica r o irmão ele nossa elle cles-
Mamalu co q' aqui estava q' lhe dohia m.' 0 a cabeça mãcebo ida e
e q' se do dia q' chegarí amos, ec. .
fosse caso q' se achasse mal q' no d issesse em chegan Parti mo nos cõ elle e toda a mais aldea lambem se f01. _
bapt1za ssemos; nem era bastant e pera lhe tirar a dor do que o nosco fogindo da tome cõ intento _ele se virem pera pernamb co
q' fora de freio de cavalo quebrad o, o qual tinha emhu ferro como vierão gasta1110s neste cammh o hOI~ze d~as 1ndo uc_o •
grande
estima de san ti dade por lho ter dado outro como cousa diante 0 d iabo ligeiro agaza!h ãdonos e ass1gnala~o nossosemp1~
v1_era do ceo, este !h e _li rei, cõ muito trabalh o; da h i a algus que p.a nossas choupa nas ou tug1par es; _no cammh o liv~n:os loga1
d~zendo eu a este 1ndw q anelava mal despost
dias
o elle me respõde o ela Ascemsão e chegam os dous d1as antes do Espmto a festa
dizendo q' era por q' eu não tinha cõfianç a em D.' como Santo a
tivera e q'_ po~ isso se lhe fora a dor ele cabeça e anelava elle Aldea. .
E por q' p.a irmos da aldea a sua _aviamo c\ d
emf1m faz1a bo entencl11nento das cousas de 0. 8 e vinha já são, e tornala a sobir por escusar mos hu grade rodeo, cousa a ~er!a
s e ecer
vezes pergunt alas dizendo q' p.a as ensinar a sua molher muitas q nao
so nos era penosa mas qu~si imposs1ve) p~r nossa fraq~1~z
pergunt ava; este veio depois p.a a lgr a D.' o faça bom lhas0 fome, quãdo chegam os ao pe ela ladr.a q av1am_os de sub11 a e
xp.a cau-
Este mãcebo mamalu co de q' falei tinha hido cõ sa de cinquo \egoas antes de chegarn~os poli o li abalho
brancos e por lá se ficou cõ outro, e av ia Ires annos q' outros dia por ser o caminh o espernm o e copnclo nos deitamodaquell e
comfessavão nem ouvião m1ssa; logo os fizemos aparelh se não huas pedras ao longo ele hua Agua sem podcrn~os dar
s sobre
ar p~ss~da
gar, e comfess ar e commu ngar; estes por lá andão conformdeva- por diante cõ fraquesa_ nem_ poderm_?s chegai ~o luga1_
cõ q' !ratão, despido s e em toda a misrria, e o espírito e aos haviam os de dormir senao quado chegao dous macebo aode
pode ser entre barbaro s infieis sem missa nem sacrame pouco pouca de farinha de milho em hu coffo _q' p as co hua
ntos.
Nesta grãcle serra avia ha clous ou Ires annos mais rão como o pfeta abacüc quãdo guwdo do AnJO levounos fa-
tenta alcleas de gentio q' nos contarã o por seus nomes, de se- mer a daniel emfim comem os daquell a fannha e bebem? o co-
de os brãcos la Irem e os receberem no princip io come depois s daqu~l­
la agoa, e assi podemo s chegar aos tu]npar es a.onde _Ja
se_ fora~~ t_?dos pera o mara~1 hão cõ medo dize11clo guerra estavão e tinhão lambem chegad o 15 ou 18 q o ~haboos n?ssos
braco_s t1nh ao destruyclo todos os morado res do j agoaribq · se os tinha mãdado em comp a de outro irmão seu _mais moço gtanc\e
e sendo
r~ceb1dos . delles com paz muito milhar os refresco de farinha peixe milho c abobor as e co preceito _com
clestruy
q no pnncipi o os receber ão com guerra, e estes rião a elles
pobres levassam em redes não só ao sob ir da ladr.a. mas !~das q nos
derradr. u la no maranh ão lhe fizerão guerra os seus cõtrario por cinquo leguas o q' elles fizerão cõ tãta clJhgencm e
aq~tellas
os francezes e destruy rão muitos e outros morrerã o de s cõ candad e
doenças quãla se não pode encarec er (agudla s cinquo legoa~
contagi osas, e dos q' ficarão a metade se tornarã o e vindo
forão em pes alheios em todo este caminh o); estando nos fm.a,~1~amos
mortos e captivo s dos tapuyas , ele modo q' só seis
ou so legoa da aldea aposent ados chegou a molher elo cliabo_Jahua
chegarã o por hua vez e por outra obra de 20 casais e nesta sete ro que nos fora a buscar cõ alguns md10s que nos levaraoligei-
tin~ão f1cado só duas aldeotas , hua elas quais
serra ou-
he esta tro present e do princip al de feijões, peixe e hua duz1a
meiro chegam os por estar mais perto do mar e teria a que pri- de abo-
vinte ca- ~~
sais e a outra alguns 50 ou sessenta Ao dia segu inte nos veio o mesmo pnnc1p . . I b
a r_ect:
Postos nos ali em tanta fome quanta dantes já traziam meyo do cam inho mea legoa da aldea cõ todos o_s pnnc1p~er ao
e eslavam os co mo tísicos de magros q' não tinhamo s mais os alguas molhere s cõ seos presentes, e elles todos co suas 1S e
q' a
pelle sobre os ossos, era nec. 0 hirmos fazer assento ao nde gaitas e cascave is, q ue são seus mstrum entos mus1cos bozmas ,
semos com que no~ r~fazer. Man~amos recado a outra aldeatives- festa e alegria que eu fiquei pasmad o, e o p_adre com ser ta~ta
com
sab_ermos se nos qt~mao la e q' viessem algus a falar cõ pera an~g~
nosco, sertanis ta me disse q' nunca v1ra entre gent ios cousa semelh
e tabem nos quenam os emform ar elos q' tinhão vindo emfim dali nos trouxer ão a correr sempre revesan do ate,
r~nhão q' lá estavão princip almente acerqua
do ma- e tod~s a
dos frãcezes trazer as redes em q' vin hamos como se ganhass em
linham os por novas que estavão lá de assento com duas que perdoes ;
erão tãtos os ar itos e festas que pareciã o dou dos.
lezas feitas em duas ilhas na boca do rio do maranh ão. forta- Che~ando a ~ldea sa~iu hu grãcl~ ta~1b?r q' Ja ..
_ O pri_nc1pal daquell a aldea chamad o o diabo grande nos manhã hiamos ouvmd o e co seus maracas q sao hus toda a
madou hu mnão seu por nome o d iabo li geiro cõ outros com hus fe ij ões dentro) tangend o e c:_~mtando, e cõ es
cabaç~s
q' 1_10s levassem ja a sua aldea. este diabo ligeiro (que indios dacle nos meterão na casa q' nos tinhao aparelh ado e
a ol~ni­
md10 muy despost o e em seu falar grãdios o e arrogan he hu iierão logo muitos present es e as mu~icas e dãças conlln~J nos llo~t­
te) nos arao
fez todos os cõprim entos signific ãdonos os desejos de dous outros dias cõ suas noutes; bendito seJa o Senhor
em sua alclea, cõ i to nos offereceu hu pouco de milho nos ver q per-
e de

.
444 RELAÇÃ O DO MARA HÃO

mitte q' estes barbaros sem o co nh ecer a ell e co nh eção e hon- l<ELAÇÃ O DO llli\Rt\N IIÃO 445
rem a seus servos só palio serem.
Mas todos seus desejo? erão ternos aqui cõ sigo, e os nos- modo de viver destes he andar ,;empre como os antigos feitos
sos erão levarmo los cõnosco ou mãdarm o los vir p.a a Igreja cõ sua casa movida e todas suas riquezas e alfaias são seu arco
mas abaixo direi o successo disto logo o principa l nos ajuntou e frechas cõ q' cassão, e aonde achão de comer ahi dormem
pela aldea de seu motu proprio algu milho q· avia muito antes sem cama nem rede mais q' o chão e como ancião muitos rara-
q' se acabasse pq' farinha havia muito pouca por causa da seca mente achão em hum lugar ele comer dous dias arréo pello
q'
do anno passado. quasi infallim ente ãdão cada dia hua e duas legoas.
Emfim achamos os poucos q' tinhão vindo do maranhã o Emquiri ndo nos pois o modo q' teríamos p.a passar por
os quais não tmhão chegado ao mar; e p isso não sabião dos elles a todos nos pareceo q' cometes semos pazes por q' não
tí-
frãcezes mais q' terem elles vindo cõ a gente da terra a dar nhamos gentes q' bastasse pera nos deffende r delles; tomada
guerra a hus dos seus que se tinhão dividido como já toquei, esta forçosa e mais propria de nosso habito resoluçã o, manda-
mas estes não se tinhão achado presente s nem v•rão os frãcezes, mos a duas partes mais propinca s por hua das quais de neces-
certificarão porem q' os avia, mas acerqua do caminho nos in- sidade havíamo s de ir; os q' farão a hua das partes tornarão
se
formarão assi elles como outros de varias nações de tapuyas do caminho a prim.'a vez por não poderem romper os matos;
as
salvages p.' entre os quais não h a passar senão a fo rça de arm os q' foram a outra levarão hu presente ao principa l delles assa-a
como estes tinhão ido, ou a força de peitas e dadivas ber hu machado , huas facas e hu pouco de fumo . que he
Cõforme a isto no apparelh avamos e despunh amos nossas melhor e mais preciosa droga que se manda e cõ esperãça slos.
q'
causas e traças p.a cam inh arm os e romperm os as grãdes difficttl- vendono s e effectuãclose as pazes serião melhor apremiacpri-
dades que se nos offerecião e medos q estes todos nos metião, A cabo de hu mez tornarão cõ resposta assaber q' os
mas cõ grãde confiãça de aver de facilitar tudo Aqttel"le p.r quem meiros com que encontra rão lhe tomarão o machado e o mais
a tudo nos atrevíam os encome ndandon os a elle. q' levavão, q' assi costumã o ordinari amente esses salvages, nem
De modo q' desta serra da Vbiapab a até o maranhã o tudo aproveit ou dizerlhe q' era p.a o principa l, só hua faca lhe che-
está cheio de salvages q' atados matão ou calivão, entrão porem gou a mão, e que todos dizião q' fossem os padres e q' lhe
cõ elles algus destoutr os índios de paz quãdo vão tratar algu levassem machados, facas, espelhos, !Izouras ec (nomeãd o tudoe
resgate ou causa semelhã te mas cõ grãdes cautelas dos tapuyas le- por seu nomr) e que elles farião pazes cõ outros de diante,
q' de ninguem se cõfião e quando la vão algus não hão defeito dizendo lh e os nossos q' os padres não levavão m'• disso e a
q'
var armas alguas e cõ as frechas nos peitos ou cõ o golpe so aos principa es poderião dar algua causa respõder am q'
lhe perguntã o ao que vem, exa min ancl oos muy bem e fingindo todos clarião e quãclo não lhe clarião os vestidos, e já nos tinha
q'
q' lhe não crem, e se trazem causa algua lha tomão ainda mos noticia dessa sua cob iça insaciavel que he tal que vendo
lhe digão q' he p.a o seu principa l pq' nã o lh e tem mais respeito canastra ou caixa acham de revolver e buscar tudo e tomar
o
e
que isto, mas depois de bem provado s lhe dão muy decomer q' lh e parecer sem lhe irdes a mão, e se não derdes a todos,
os fazem dançar e cantar e elles tãbem lhe fazem a mesma testa; la todos ficão desconte ntes de modo q' he nec. hua nao carrega-
0

estes q' vierão do maranhã o nos cõtarão como á hida p.a ela p.a os cõtentar , e ain da isto era sofrível se fora soo hu ma-
comprid a a hu dos seus, e puserão lhe hua
vest irão hua roupeta
q' gole clelles, mas são muitas nações de 60, 80, 100 e mais casais.
carapuça de rebuço, fingindo cõ isto e dizendo aos tapuyas Ajuntãd onos e cõferind o esta resposta cõ a noticia q' ja
aquelle era abaré ou padre e como os tapuyas nenhua noticia tínhamo s ficamos quasi descõfia do de podermo s en trar por esta
tinhão de padres nem ai nd a de brãcos facilmente se persuaclir:lo porta, porem encome ndando sempre tudo a nos o Senhor e vez, pe-
ser assi e p·' outra parte cu idãdo q' aquelle e os de sua quali- clinclolhe nos abr isse o caminho tornamo s a mandar la 2.a fora
.o
dade erão senhores da morte e da vida ec, mostrav ão grandissp.a indo por embaixa dor o soldado de nossa obrigaçã o que
medo, d::ndolh e muy bem de comer e levando o ás costas comnosc o do Rio grande, e levando outro presentc sinho pera
q' lhe não fizessem algum mal, e se elle não fora tãbem acom- que nos desse a co nh ecer a estes tapuyas emform andoos de como
panhado bem cuido q' procurar ião de lhe tirar a vida p a tirar eramos muy differentes dos seus feiticeiros e dos outros indi~s vi-
tal peste deste mundo. a que elles aborreci ão e tinhào por peste elo mundo, e q'
Tem tàbem p.' costume quãdo os seus morrem se são homens, nh a mos a dar-lhe noticia da outra viela e do criador de todoe
as molheres lhe comem a carne, e os ossos moydos lhos bebem mundo e ela vida santa ec finalmen te levava recado q' trouxessq'
s,
p.a q' não tenhão sa udades daquelle s q' metem nas entranha de lá algum tapuya ou algum escravo seu q' fosse lingoa p.a
tendose p.' mais pios nesta impieda de q' os q' enterrão os mor- nos visse e levasse a certesa aos seus de ser tudo verdade, e que
O
tos apartand oos ele sy de todo o que he ca usa das saudada s. deixasse lá algus dos nossos em refens, e no mesmo tempo
mandam os cometer pazes ao milho verde que he inimigo capi-e
tal dos brãcos e elos índios da Ibiapaba cõ quem estavam os
RELAÇÃO Dú MAI{ANHÃO 447
446 l{ELAÇÃO DO MARA H ÃO
já disse e a resposta foi q· estavão alvoroçados por nos ver e
tãbem as mandamos cometer a ou tro indio do mar cha mado q ' fossemos e lhe levassemos muitas ferramentas q' deviamo de
cobra azul pera se fazer lambem a mi go destes mesmos da ibia- as trazer q ' os q' daqui passavão por suas terras lhe davam
paba, todas e tas em prezas toman;os entre mãos, os. q' hião ao muitas cousas, quãto mais nos q' eramos senh ores das cousas
milho verde não puderão chegar la por estar o camt nh o empe- bem nos enfadarão cõ tanta cobiça junto com serem salvajes'
dido cõ outros tapu,Yas. sem medo nem respeito mas nos estavamos cõtudo apostados ~
O Mancebo q foi cõ os indios aos tapuyas le pnmr.• romper por todas as d ifficuldades cõ o favor de D.s
teve o sucesso que aqui direi, primeiram.•·· o recebim.' 0 foi cõ Depois de passa rm os p'• jagoaribe como fica referido ti-
as cerimonias que tenho dito e he ordinario entre elles, fezlhe verão noticia as relliqutas que escaparão dos brãcos e andavão
sua pratica por interprete, .q' her.a hua india parenta de ~ l g~ms embrenhados ele nossa passagem, e ele como traziamos pazes e
dos nossos, escrava sua av ta mutlos annos, recebeu o pnnctpal liberdade pello que forão saindo ao mar, hu principal dos
o que lhe mandavamos e principalm'' fez m.'• festa a hua bu- quats se chama algodão, o qual não podendo crer (como dizem 1
ceta de frãdes que lhe m.andamos chea de fumo i. todos os ves: tanto bem como os seus lhe certificavão quis ir ao lbiapaba
tidos que levava lhe pedtrão, e todos deu. mas tmha pouco q nos _ver co'o olh o e ouvir as boas nov.as de nossa boca, partiu
dar, e hum a quem elle dera os calções, depois de os calçar. se e fot por casa do Cobra Azul a que tmhamos mandado recado
lhe ajuntarão as molheres. aroda .aprantealo por vesttr os fettt- e levou comsigo hu f. 0 seu, e outros 4 ou 5 - não posso expli-
ços do brãco como ellas d tz q' diZiao e como estes todos o seu car os effeitos de alegria q' este algodão mostrava de nos ver
he matar e nisto mostrarem sua valentia bu mais valente per- prometendo q' acabado de sair seus parentes farião o q ' nos
guntou ao mancebo se era elle valen te e respondendolh e que quisessemos e irião pera o nd e nos mandas emos, e juntam." se
tãto como elle o levou pera seu ra ncho fazendolhe por isso assentarão as pazes entre elles e estes da lbiapaba, e o f • de
festa. . cobra azu l fez tãbem em nome de seu pai pazes e tratarão de
Em resolução lhe derão a in dia g'. era interprete P·" vtr se ajuntar a morar iunto do mar perto do rio do Pará que está
ca a nos ver e a lh e levar certeza e noltcta cla ra do que eramos,
e em seu lugar ficarão Ires mãcebos dos nossos Vendonos esta
entre a lbiapaba e o Maranhão.
Agora direi alg un s costumes destes da lbiapaba e de alguas
india a primr.a vez como aq uella q' nun ca vi ra gente estava cousas que acon tecerão em 4 ou 5 mezes q ' cõ elles estivemos,
diante de nos cõ os ol hos no chão se m olhar p.a nos, e dtzen- pr!meiram'' tivemos hu a grãde perda e foi morremos aqui o
dolhe hu indio ves aqui os padres. este h e o irmão mais. velho pn~ctpal de nossa gente chama~o Belchior da rosa capitão dos
e estoutro he o irmão mais moço, levãtou os olh os e tmm e- mdt os de Pernambuco por prov1são dos g."""' pellos serviços que
diatamente os tornou a por no chão, e isto cõ medo. como el- tinh a feitos com sua gente; este era hu indio mui bem enten-
la depois q' o perdeo cõfe so u, q' co~1? ~inda não fazia diffe- dido e de m •a autoridade entre os seus, e no falar e enlender
rença dos feiticeiros a .nos, os quaes fetttcetro temem e aborre_:: as co usas era mais q ' indi o do brasil pello q' todos lhe tinhão
cem nem ver nos podta, porem depo ts falava e na e olhava co m.' 0 resp.'0 ; em suas pregações pu nh a os padres nas estre ll as e
aleg~ia mostrãd? m •a satisfação de tudo, e nos a fi_:e mos deter falava esp iritualm.'' declarãdo ao que hiamos e o q' pretendia-
oito ou nove ci tas p.a espera r p 'a festa da assu mpçao de Noss<t mos e na verdade me ad mirou a prim .'a vez q· o ouvi pregar
Senhora em q' Unhamos p a fazer hu a proctssão cõ hua dança d~ cõ o não entender ai nda perfeitam " p'q' a materia de sua pre-
meninos destes rrent ios e hu diabrete ec o que tudo causou ass1 gação foi de como nos hiamos por amor delles e de suas almas
a ella co mo ao~ outros desta aldea admiração p.'· ·ser p.a elles e pera lhe darmos not icia do caminho do ceo, e q' bem o mos-
grande novidade; e depo is de li a todos se forão p.a suas casa~ a travão nossos bordões e que se outra cousa pretenderamos q'
prãtear po r verem que os a nt epassado~ morrerao sem ver tato levara mos espinga rd as e soldados e outras cousas desta calidade
bem como elles agora vtão, como depo ts nos expltcou !tu pnn- q' não me ca usa vão men os devoção q' ad miração; Morreu
cipal acrescentando q' ell.e tãbem se não podera. ter e se fora etico muy bem aparelh ado confessandose e comungando duas
por a chorar, e quãdo tslo nos dtzta mostrava tn da os mes- vezes e fazendo se us apo ntamentos. Pera o enterram' 0 se ajunta-
mos effeit os. rão todos assi os nossos como os outros todos cõ suas candeas
Passeio o dia da festa despedi mos a india bem acompa- acesas, o trouxemos em proc1ssão a igreginha em que diziamos
nhada dando-lhe um cuetro pera ella e mãda ndo ao principal mis a em hu esq uife q' lhe tinhamos mandado fazer, cousa q '
hu es'pelh o e hu machado e ell a nos prometeo q' av ia de fa- pasmou a estes gentios p.'q' o costu me seu he emnovellarem os
zer vi r cá o principal dos tapuyas o qual j ~ dantes tinha dito seus mortos e assi os mete m em hu buraco q' pera isso fazem
q ' mãclaria algus elos seus cõ nosco p a nos gUiare m, neste mesmo em qualquer mato. Cõ esta e outras occasiões a tomavamos pera
tempo mãcla mos tã bem recado aos outros laputas do outro ca- lhe fa larmos na morte e em sua infaleb ilidade p.rq' m •-s des -
minho a hida aos quais não lil'era effeito a prim.'" vez como
RELAÇÃO DO MARANHÃO
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449
448 R~LAÇÃO DO MAKANHÃO
--------------- -- tenta do outro apartasse delle como se nunca fosse seu marido,
tes tinhão p.a si q' erão immortais_ e ficavão pasmados q,uã~o ou sua molher sem por isso serem reputados por ruins.
lhe dizíamos q' avião de morrer, nao podendo ~rer o q nao Entre estes ha muitos de muito bonatural e de bemfazer,
querião padecer, e o principal destes diZia que so a. morte e o e posto q' geralmente todos nos fazião o q' podião de bem com-
inferno o emtristecia de nossas cousas; fmalmente d1ssemos al- tudo muitos delles assy continuavão em nos darem o q' tinhão e
guas missas p.'> defunto cõ sen respnnsonos sobre ~ sepultura; entre outros se assinalou muito o principal desta aldea o diabo
Estando nos hu dia a noite em nossa casa ouv1mos hu q grande, dandonos hua rossasinha de milho e outra de mandio-
tossia cõ grande efficacia e escarrava procur~ndo de vom1t~r f_a- ca alem de outras meudezas de c.1da dia. Após elle se assigna-
zendo grande estrondo, mandamos saber q era. _aq~_illo,, v1erao lou hua Jndi a anci am molher de hu principal a qual em nos
nos dizer que estava hu menmo doente e hu _feJlJcen~ q o .c~­ vindo comessou cõ seus presentes dizendonos eu sou daqui se-
rava e a cura era chupallo como coslumão, d1zendo q lhe tlrao nhora da terra e estou em minha casa por isso vos dou de co -
0 mal de dentro, e pera fingirem
milhor _o emgano, metem na mer q' vindes de longe e cõtinuou sempre como q' fossemos
boca !111 prego ou cousa semel~ante, e co aquei,Ie se~1 escarrar seus filhos.
fingem q' o chuparão e o llrarao ao d_oente e q_ aquillo era o São todos estes incrivelm •• inclinados a cãtar e dãçar e
q' lhe fazia o mal , fomos nos ver entao o mem_no,0 e ach~~do pq ' os pitiguares são nisto affamados e cõnosco hião alguns
m.'o mal aparelhamo! o; perguntando se quena se1 f de O. 1es- nheengaraybos, ou mestres de capella desatinavamos que cantas-
pondeu q' si com grãde alegria ~ q' quena 1r p.a o ceo, e _logo sem p.a os emsinarem, e fazendo revesar hora huns hora outros
mostrãdo hus effeitos de predesllnado recebeo o santo bapt1smo cãtavão dias e noites de 24 em 24 horas sem interromper até
ao dia seguinte e por ser em dia de São barnabé lhe puse~1os não poderem falar de roucos tendo isto p. valentia e delírios, e
o seu nome e :om elle se f01 p.a a glona ;_ fomos p.a elle aJUn- a nos nos ped1rão q' lhe emsinassemos seus filhos o papel (co-
tandose todos os cristãos nossos companhe!ros e o trouxemo~ _a mo elles d1zem) q 'rendo dizer q'lhos emsinassemos a ler e can-
enterrar ao pé de hua grande cruz que d1ante de nossa 1greg1- tar o nosso canto, o q' nos cõ facilidade fizemos p.a os domes-
nha tínhamos levantado. . _ ticar, mas elles mostrão muy pouco talento p.a o nosso canto,
Outra criança de poucas soma nas am da 0estado. com os os do mar facilm .'• ; cõ isto domesticamos m.' 0 os meninos que
olhos em alvo pera espirar baphsamos e fo1 o S ' serv1do dar- dantes fogião de nos, e alguns q' esta vão em suas roças me vie-
lhe saude tomãdo logo dahi a pouco o peito da mae q' dantes rão dizer q' querião aprender o q' eu e11sin ava aos outros, e
não tomava . muitos diz1ão resolutam.'' q' se havião de ir cõnosco fogindo
Outro dia a noite de repente ouvim os bater as palmas ~m de seus pais ou apos nos entre os quais teve graça hu q ' repre-
hua casa, e logo noutra1 e logo em todas ger~~nw~te con; grade sentava 12 Annos em dizer q' se os padres se tossem não tinha
estrondo perguntamos q era aquillo responde1 ao q hu !eiiJCeJro outra cousa que fazer senão abrir hua cova e meterse nella e
ouvira a voz de hua cobra que v1nha voando , poll_os a1es e que isto cõ grãde sentim .'o, e outro estando eu occupado nao sei
dava sin al com aquelle bater das palmas q estivessem todos em que se chegou a my e depois de estar hu pedaço, me disse
alerta p.a q' não caísse so bre ~lgum e o ~::orclesse. • . , não sei q' he isto q' dantes fugia de ti e agora não me posso
Até agora estes pobres nao reconhec1ao outro O. ma1s q apartar. Isto nos servia p.a os emsi nar e doutrinar, e já sabião
os chuveiros, trovões, relampagos, mas a este seu D' nenhum muitos delles a doutrina e alg uas cousas de nossa santa fee, lã-
amor tinhão tendo grand e temor, e o culto e_ re:'eren,cJa to~a bem os fazíamos emsinar a dançar ao modo portugues q' p.a
co nsistia em se por de coc01·as pec!mdo aos hovoes 9 os nao e lles era a cousa de mais gosto que pode ser.
matassem e aos relampagos q' os não que1massem; llramoslhe )iua lnclia esteve m.'' mal ele parto toda hua noite e par-
esta gentil idade da cabeça facilmente com lh e d_eclara~mos a seu te do dia gritãdo sem em todo este tpo aparecer nada de crian-
modo q' cousa erão trovões e _re lampagos, f1carao mtnto co~ ten- ça. mandamoslhe um relicario q' o posesse ao pescosso e tives-
tes dizendo q' agora acabavao ~e crer a verdade, e q lhe se fé q' logo pariria, assi o fez e em espasso de mea hora pano
não chamarião mais 0.', e tudo sao que1x_um':_S de seus antepas· com facilidade; ficou o índio seu marido agardecido pedindo
saclos q' nem souberão nada nem lhes eHsJnarao nada. . q' já q' lhe fizeramos nacer seu fo, lho baptlzassemos q' queria
Toda esta gentilidade como he de pouco entendimento yr á cassa p.a a festa, e respõdemos q· como estivesse na igreja
não tem nenhua resistencia as cousas q' lhe dizem a_inda q'as pelo tempo em diãte lho baptizariamos.
não alcancem com o entendimento, nem sabem dl!v1dar nem Pedirão nos estes q' dessemos hua vara ele nossa mão a
perguntar, e assy pouca sciencia basta p a C!S cultivar e fa_zer hu delles p.• q' fosse alcaide dos o utros, e isto cõ tanta instan-
delles o q' quiserem· so lhe da trabalho de1xarem as -mu1tas cia qu e nos venceo: assinalou o principal diabo grande p.• ella
molheres q' tem alguns tend<?. muitos tilho,s dell,as, mas tem o irmão seu, o diabo ligeiro; deu lha o padre hu domingo aca-
nisto hu geral custume e fac1hdade e he q o q se descon- 29
RELAÇÃO DO MARANHÃO 45 1
450 RELAÇÃO DO MARANHÃO
b~da a missa_ es_tãdo todos juntos p.a o qual acto os tinha con-
bar de apaziguar, e effeituar as pazes tãbem comessadas pera con-
vidados o pnnc1pal em hua pregação q' fizera aq uella Madru- tinuarmos nosso caminho até o rio do pará affamado entre elles
gada e dandolha o p.• lhe declarou o fim pera q' se lhe dava. e p.a q' dali palpassemos os vaos da terra e gen tes e mandasse-
~ , p~ra eme nd a~ os q' se embebedassem, pera fazer vir todos á
mos recado a nossos Sup."' como prometemos na carta passada
1gre]a, para vig iar a aldea etc. Tomou ell e int~ito em põto de ao p.• pr.a'.
Indo nos cinquo legoas da Aldea nos alcanssou hu man-
honra e ao dia seguinte de madrugada -sah10 pregando com cebo que trazia novas de como erão vindos hus poucos de in-
grande fervor, dizen~o entre outras causas muitas que entrassem dias relíquias de 70 Aldeas q' cõ medo dos brãcos e p. se ve-
sempre todos na 1greJa aos d1as santos, e senão q' tudo o q' na- rem livres delles fug irão e farão acabar no maranhão a mãos
quelles d1as prantassem se lhe avJa de secar, e que as molheres ti- dos tapuias e frãcezes, e outra gente do mesmo maranhão q' cõ
vessem cuidado da pagar o fogo indo fora pera q' não se quei- os francezes lhe fi?:erão guerra, ajudandoos lambem a peste que
massem as casas, e que fossem todos f•• de D.• e de Nossa S. r•
e não cressem as causas de seus antepassados mas so cressem lhes deu, e esperamos q' chegassem a nos alguns pera nos im-
as causas q' os padres lhe emsi nasse m , q' D.~ era o nosso cria- formarmos do que la passava.
Veio o principal chamado mandiaré a nos ver e nos deu
dor e q' logo no ve ntre de nossas mãis fazia hus homens e ou- por novas aver la m.'•' frãcezes assi no rio do maranhão, como
tros molheres afe içoando os pera isso, q' bem claro estava q'
nossos pais o não podião fazer. no rio e ilhas das Almasonas, e q' tinhão commerci o cõ ellas
E noutra pregação depois de dizer causas semel hãtes a de prata, a troco da qual lhe da vão vestidos e ferramenta, e de-
estas, acabou cõ hu co lloq ui o dizend o e vos Sr. D.s tende cu i- mais disso as emsi navão a usar de arcabuzes; elle porem não
dado de_ minha_ alma_ pera q' não se perca, p • q · tenho m.'a re- via disto mais q' os frãcezes cõ os quaes teve guerra, e o de-
pugnancJa em hir ao mferno a 5er queimado com. os demo ni os; mais ouvyo a seus parentes, acrescentou este principal q' queria
outra vendome rezar me perguntou se falava D.s cõnosco eu tornar cõ nosco a buscar algus seus parentes q' la lh e ficarão es-
lhe repõdy q' naquelles livros tínhamos as palavras de Deo~ as palhados e q' já sabiam o caminho e terras, mas q' p.a isto era
q uais lia mos e q' nos podíamos falar cõ ell e cada vez q' qui- necss.• esperarmos q' elle cõ os seus descansassem e fizesse al-
sessemos p~dindolhe algua causa q' bem nos ouvia, logo elle guas milharadas a qual yda sua nos era bem imp tante p. não
termos gente bastante p a yr cõnosco, mas esperallo era de su-
C?meçou co grandes mostras de devoção a falar com D .s pe- ma pena p' nos vir entrand o o inverno, pegarãose todos os
dmdolhe saude e que o li vrasse de todos os males: cõ estas co u- nossos ao seu parecer d izendo q' esperassemos e roçassemos to-
sas e fruito que se fazia nestas desemparad as almas aliviava ho-
meo trabalho de caminhos e cançassos. e a carencia da vista e dos, p. q' no xp.'a0 elles não reconhecem nenhua su perioridade
praticas de nossos padres e irmãos. tãto q' os atfastaes do q' elles querem, ficamos em talas e ne-
~ematãdo nossas causas na Aldea do diabo g rande ao nde
cessitados acõdecender com elles p: não aver outro remedio, e
nos detivemos passante de quatro meses tentand o pazes cõ os cõtudo tínhamos p. provavel averem nos de faltar cõ a palavra
tapuyas sem terem effeito, no fim de Settembro de 607 apare- p.'• q' nos pareceo bem mandar apelidar os petigoares q' fossem
ceo hu cometa para banda do mara nh ão a !oeste o qual esten- cõ nosco e por ventura q' tivera effei to se depois não socedera
a morte do padre, meu cõpanheiro, por se terem ja saido da al-
dia. hua i!JUY co mprida cauda p.a a banda de l ~ste, e durou dea do diabo grãde não quiserão tornar atras como eu queria e
muitos dias; os md10s ve nd o tã grand e novidade p.a ell es vi- persuadia ao p.' emfi m hu pouco mais ad iãte donde estavamos
nhão Jl!.'~s vezes perguntar q'era aq uill o, se se queimava o ceo, 12 legoas da aldea roçarão todos e fizerão casas ao nde o nosso
e se cama e o utras perg untas comformes a sua capacidade eu mantim . 0 era palmitos e hus cocos cuj os miolos são como bel-
lhe~ declarei o q' era e juntam.!' o que significava e como ordi- lotas na feição mas m.'o secos e difficultosos de emgoli r senão
naname nte qu and o aquillo aparecia av ia mortes' de grandes e emquanto são tenros, e quãto a far inha tinhamola p. reliquias,
morubi xa bas, cõ o q' o principal atem orisado me perg untou se e sem outro cõcl uto mais q' de quãdo em qu ãclo algus peixi-
esca paria, Deus te dará vida lhe respondy, mas aparelh ate tu p.a nh os e por grãde festa huas favas secas cosidas sem mais azei-
seres f. • de D.' p: q' nos não sabemos da morte nem da vida e te, nem vinagre, nem sal, muitas vezes desejavamos huá por-
posto q' este cometa significasse outras causas maiores, cõtudo ção que os nossos negros comem nos collegios, mas não de-
eu muitas vezes imaginei com pen a e afflição se signifi Cari a al- xavamos de fazer bõ rosto a estas faltas lembrand onos q' o u-
g um trabalho na nossa missão do Maranhão. Emfim aos 17 de tros pad res :rmãos nossos noutras partes do mund o os passa-
Outubro seguinte nos partimos daquella aldea cõtinuando nossa ria tãbem alegremente por amor de Deus.
peregrinação; partio cõnosco o mesmo principal levando cõsigo Daqui serião como 15 ou 20 legoas á terra dos tapuyas
dous outr_os filhos com outra gente com intento de roçarem no chamados cararijus pellos quaes queríamos passar e lh e tinhamos
cammho ]l'n!o das terras dos tapuyas, os quaes querí amos aca-
452 HELAÇÃO DO MARANHÃO
RELAÇÃO DO MARANHÃO 453
já p.' duas vezes mãdado recados e presentes dando elles boas
mostras que queriam pazes, mas era tudo fingido, procuravamos
nos q' nos viessem ver p: crerem sermos nos e nos vermos cõ o defendeo em quãto pôde ate morrer por elle e com elle, ainda
olho o q ' tínhamos nelles, e p .a este fim lhe mãdamos a terceira vez ficou cõ vida mas sem sent1do nem falia, e durou pouca~ horas,
recado cõ outros presentes q' viessem falar cõnosco alguns del- chegarão então ao p.' e tendolhe hus mão !!Os braços estirando-
les, e elles porem usando de sua acostumada brutalidade, nos lhes p a ambas as partes ficando elle em f1gura de cruz, <?utr_?s
matarão os menssageiros, queimandoos vivos como costumão, re- lhe derão tantas pancadas cõ hu pao na cabessa q. lha f1zerao
servãdo hu so q' depois lhe servisse de guia p." nos virem ma- pedaços, quebrandolhe os queixos e amassãdolhe as_ ca~hactes _e
tar a nos, e no mesmo t'po mãdarão recado a outros tapuyas cõ olhos; o qual pao cheio de sangue ~rou~e como rehqUJa, ~spl­
q' tãbem tratavamos pazes, dizendolhes não dessem p.' nos nem rãolhe a roupêta somente e o cobnrao co terra e o pao e_m c1ma,
p.' nossas pazes q' tudo erão traças dos da Ybiapaba p.a os co- e p. q ' sempre os roins e menos nec.o· no 11undo escapao, acer-
lherem la e matarem. tey eu no tempo em q' se comessou a bnga de estar na, ca~a dos
Emfim a tardãça dos nossos extraordinaria nos fazia evi- moços fora de meo costume naquelle tempo, e posto_q e_1a de-
dente serem mortos, o que confirmou depois hu escravo dos ou- fronte delles cõ tudo era um pouco desviado, _e dah sah1 logo
tros tapuyas a quem elles tinhão mãdado o recado q' de la para outra parte sahio comigo hu nosso moçozmho q' me foy a
veio e esta certeza de sua morte nos fazia bem evidente que nos salvaçii.o o qual n~e tomou a diant.a correndo e bradãdome, apre~sa!e,
querião vir matar e bem procurei eu q ' nos puzessemos logo apres ate, pay, seguiao eu não 111. 10 apressado, vendo elle q . nao
em cobro g' bem facil era, mas este era o termo q ' havia de corria eu tãto como elle queria meteosse logo em hu matosmho
ter a sãta v1da do p.• fr. 0 pinto, finalm. 1' dahi a muitos dias nos bem estreito mas fcchad~ pello q' e~t não pude dar por e_lle
quizemos por em cobro, e vendo q' totalmente se nos fechava muitos passos, e assi nos f1camos logo a borda do mato ?uvm-
a porta do maranhão (p. q' em 5 mezes q ' tratamos fazer pazes do gritos junto de nos por todas a partes e espera_ndo q _log~
cõ os tapuyas não podemos alcançar delles nem ainda verem nos, chegassem. mas o q' mais pena me d~va era ouv1r hu cao q
sem duvida se nos partíramos e foramos a suas terras, todos andava latindo no mesmo mato persuadmdome ser dos tapuyas
foramos queimados e acabados sem de nos se saber mais) tra- q ' cõ elles querião descobrir os escondidos, o qual passou por
tamos de nos descer ao mar e roçar, e entretanto escrever a nos- diante de nos, mas sem dar mostras de nos sentir; aquy o n~oço
sos sup."" e ao gdo, de como as causas estavão impossibilitadas meu companheiro me disse amedrentado p~y eu aq~1y e1 d~
p.' se ir por terra ao maranhão por não haver palmo de terra morrer contigo, animeio eu d1zendo f1lho nao morre1emos q
em cem legoas de cam inh o q' não esteja povoada de tapuyas, D.• nos g uardará, e assy goardou o p a o q ' elle _sabe, espero -~u
que quem dos prim.'0 ' e segundos escapasse não escapana dos q' seja p.a lhe fazer muitos serv1ços na com1~anh1a, emfun f?rao
terceiros e quartos e cõforme a ordem q ' nos viesse faríamos, e se recolhendo os tapuyas o que se reconhec1;1 pella_ gnta q le-
despedíamos hu yndio diante de nos a sesta f a da infra octava vavão e farão então esbulhar tudo ass1 o q nos tlnl_1an!os e_m
da Epifania, fazendo conta de nos decermos da serra, passado o casa como a ferramenta que tínhamos emprestada a_os 111d1_0~ na~
seguinte domingo. Sahia pella porta o yndio despedindose p.a o nos ficando mais q' alguas cousinhas de pou~a 1mp?rtac1a q
mar quãdo os tap:.Jyas de subito aparecerão a nossa porta cõ tínhamos mandadas já diãte p.a aonde nos que_namos, ~~-
mão arm .a começão as frechadas de hua e outra parte cõ grãde Levarão tudo da ygreja, e nossa roupasmha q. tmhamos
grita e em breve morreo hu tapuya, e outro segundo dizem foi goardada p.a o restante de nos~a. missão e tudo ~ mats, e JUnta-
cõ as tripas fora enchendo o caminho de sangue c provavel- mente levarão dous outros mm1nos, e duas ynd1as _moças, ma-
mente logo morreria, e p. q' os salvagens sahirão a nossa porta tando outras duas velhas, aqtuetandose tudo e bradado h~ nos-
que estava no couce da aldea a borda do mato, e o p.• estava so yndio q' saissem to~os q' ja ~rão ydos os, tapuyas, enta9 me
dentro em casa rezando as horas menores, sahio cõ trabalho , disse o meu cõpan he1ro q ' yna ver em q est::do estavao as
tendo os nossos o ímpeto dos tapuyas q' o nã:~ matassem logo, cousas p a me vir dar recado, foy e tornou~e co re~ad9 e no-
e o farão eniparando até entrarem no mato. os tapuyas carre- vas tristes dizendo é morto o nosso p.', aqUJ comesse1 _co elle _a
garão ali segui nd oos e como o mato al i era estreito log? sairão derramar lagrimas. tristes e chorar meo desampar~, 111_ med1o
as r9ças limpas brada vão os nossos aos tapuyas q' estivessem nationis prav<e, sah t fmalmente recolhendome a loga1. ma1s segu:
quedas q' aquell_e era o p.• abaré q' os queria apazigoar e en- ro arreceando de me tornarem a b_uscar _como depo1s soube q
sinar a boa vida e responderão elles que não tmhã de ver cõ estiveram pera fazer, ma~ p.• os 1mp ed 1 ~, n!ique!le lagar nos
isso, q' o avião de matar, finalmente se espalharão dous ou tr~s ajuntamos qu~si todos alh f1z trazer as rehqu1as q os b~rbaros
nossos q' ali hião, ficãdo só junto do padre hu esforçado ynd 1o deixarão por ali espalh adas por lhe não serv1rem, _com_o hv~os e
e bemfeitor dos padres chamado Antonio carajbpocu, o qual o pape1s ec. e o co rpo do santo p.' cõ o vest19o mterwr, _tinha-
se achado hua roupeta minha a qual lhe vestimos, e lavadolhe
o rosto e cabessa cheya de sa ngue e terra e feita em pedaços o
cõpusemos em hua rede p .n o trazermos p.a o pe da serra .
REL AÇÃO DO MA RNN HÃO 455
454 RELAÇÃO DO MA RA NHÃO
cipal q' estava ausente pera me desped ir de ll e pellas caridades
Ni_sto me di sse,rão q' ficava la em hu mato hu ynd io e q ' q' dell e tính amos recebid o. ve io fi nalme nte, cõvideio p.a vir
vi via amda, mas q estava mo rrendo e p. q' este era ai nda ca- cõ migo p .a a ygreja e a o utros principais q' a li se aj un tarão. e
tecuE"l eno, temend o qu e mo rresse no ca minh o se m baptismo se ell e pore m sem pre se mostro u a lg u tãto du ro, mas os o utros m e
o m!ldasse ~uscar p_. q ' estava longe. levei co migo hus po ucos de derão palavra de virem e em eff' se apparelh arão q uerendo logo
0

Y':ld!Os e fu1 I ~ e (). In da me respo_nd eo a a l~u !ls co usas q ue lhe desfazer as roças mas co mo eu p.' então não q ueria mais q '
d1 ~se, a p_are lh ~d <:JO para o ba ptismo, ba!Jzew, e cureilh e hu a vi rm e ao mar a esperar q ' passasse o invern o que entrava pre-
g rad e fenda q tmh a na . cabessa apertand o lh a cõ hu len ço meu, tendendo ent retãto faze r algumas mi lh aradas e avisar jun ta mente
e assr o tJZ traze~ co;m lio, dali me fui ao Joga r o nd e morrera a meus sup."" os detive d ize ndo que me queria vir diante a es-
o. p. aver o ynd 10 q co elle mo rreo qu e ta mbem arq uejava perar q ue elles se aparelh asse m no q' ficarão bem.
amda mas ,não lht pude tirar pala~ ra alg ua nem sJg na l de acor- Fo ram-se p.a sua aldea e o diabo grãde celebro u e fez ce-
d? pello q o de1xey estar pello nao aca bar de mata r cõ o mo-
vimento p• o mãdar trazer depois. · lebrar a todos as exequi as do p.' a se u m odo mãdãdo q ue se
fizesse g rãdes e publi cas p rãtos por toda aldea, e se aju nta-
Cõ Isto me fui e me deci da serra traze ndo di ãte de my o rão os y nd ios na casa q ' fo ra nossa, e ao pe da cruz q' no ter-
corpo do p. ', e ao pe da serra o e nterrey, faze ndo lhe hu moi- reiro tmh amos feito leva ntar, faze ndo nestes Jogares principal -
ll!ento de pedra~ so bre a sepultura pera sin al della, po ndo lhe mente g rãdes gritos e derraman do muitas lagrim as, e os f. as d o
tabem hu a cruz a _cabeceira , mande i logo busca r os do is indios di abo g rãde deixa ram crescer o cabell o tingi ndose e ti snãdose
hu delles estava_ Já morto, o o utro morreo ao di a seg.'' a mb o~ em sin al de tri stesa q' he o seu luto .
os f1z enterrar JUnto do p.• p. cuJa defensão morrerão hu de Partind ose ell es p.a sua aldea, me party eu tãbem p.a o mar
hu a parte o utro da o utra fica nd o elle no meio '
p.a casa do co bra azu l que serião tr inta até 40 legoas; gastey no
Aqui se r~m a tarão. e coroarão tãtos traba l.h os passados do caminh o 17 di as, mandey recado dia nte ao co bra azu l d e co mo
sa nt<? padre co_ esta ditosa mo rte cujo intento era fazer m.'a• me hi a para sua casa, emfim cheguei fez me medíocre gasa lh ado
ygreJas no sef!:ao do maranh ão, e cõverter as Alm azonas cor- recolh endo me em hu a casi nh a q' me tinha mandado fazer, deu-
to ul_h e D .• o f10 p. q' não era chegada a in da a ho ra. Hu~ das me l::lgo hu a rossa p .a prantar de millho, e eu fiz faze r o u tra e
ynd1 as q ' ~s barb aros levarão lhes meteo medo di zend olhe vos co m prei o utra e a fiz prantar de mi lho feijões favas e a boboras,
o utros ave1s de mo rrer p. q' logo ham de vi r os brãcos cõ ins- e aparelh ãdo me p a os q ' hav ião de vir do Vb iapaba, mas
t~umentos de fo&:o a vos matar e vin gar a mo rte do p.• qu e qu e- fo i po uco o q' se colh eo assy p . não chover, como po r serem
n.a faz er pazes co vosc_o tomãdovo s po r filh os e ensmánd ovos a tãtas as fo rmi gas qu e destrui ão tudo, e como eu nao tinha quem
v1da santa, e vos levais a sua re de cõ seu vestid o q ue vos ham me ti vesse cuidad o de as matar p. q' cada hu tinha bem q ue
d~ ser causa da m?~t,e, respo nd eulh e hu q' lh e levava a ro upeta faze r em acud ir as suas fo i necess.o fazerme en fe itor mãdãdo
d1 zes verd ade p . .9 ~a eu. esto u tremend o e enfraq'cid o (e co mo fazer hu a casinh a no meio das rossas na qual me fuy morar le-
estes barba_:os sao Im agma!J vos, se m d uvida mo rrer ia, p. q' so vand o co mi go 4 o u 5 moços os q uais me ajudavão a cavar e
a 1magmaçao de _cu1~ a re m . q ' alg uem lh e lãça a mo rte basta matar as fo rmigas e q ueimalas a import un idade e multi dão dell as
P:a os mata1) n~as J ~ q tu d1 zes isso (acrecent o u ell e) tom ate e ve nceo nosso traba lh o , e neste t' po q' fo rão qu atro mezes nosso
di ze a se u 1rmao q aquy f1ca tudo q ' o mande buscar, e fez pôr co mer fo rão al gu as fru itasi nh as e peixe se m outra cousa,
toda a ro upa so bre hu s páos altos, e se forão mãdãd o a ynd ia, eu porem ti ve alg uas castanh as de cajüs e o bra de hu a qu ar ta
a_ qu al _de tud o tomou a rede do padre, sa bendo q ' ficava eu d e fa rinh a q' e u tinh a trazido da Vbi apaba q ue fu i goardãdo
co o chao p .' can~ a e p ' g' elles se torn assem a arrep ender cõ p.a a coresma cõ a qu al ajejuey toda cond utãd o co mo era rezão .
toda pre~sa se _veH~ e refennd o me tudo, me certifico u de co mo Ap arelh avãose neste tem/)0 os ela yb ia paba p a virem e
dantes disto esh verao . p.• me virem to rn ar a buscar do caminh o a do us princi pais mãdarão os fíl1 os di ante temendos se qu e me
tarde se aJuntou co m1go mais sete, mãdei ao di a seg uin te corpo parti sse e os deixasse, mas co mo o imigo de nossa salvação
de mance bos a ~usca r tud o, mas parece q' os tapuyas to rn arão não dorme, la revolveo os fãtasmas aos fe iti ceiros e lh e meteo
atras. a levar o q dei xarão po r q' so se acho u a casul a estola e em cabessa q ' eu qu eri a os trazer p.a os entrega r aos brãcos Pm
m ~n1pul o e fror:tal e os breviarios , leva rão cali x, alva, c~rdão e o reco mpensa da mo rte d o p.' p . ser mor to em suas terras sem
mi.ssal e a fannh a das osti as ec. co usa q' me deu g rãde pena ell es o defendere m, posto q ' eu trabalh ey po r desfaze r estas su-
deJx,are_m m e sem missa e sem sacramen to naquelle desterro, seja as imagin ações co mo quer q ' e3tava a usente não me foy possí-
o s. co tud? l ~ uvado pera sempre .
vel ; cõ tudo isto q uerião vir mui tos mas co mo o diabo grãde
D epo is q enter,reJ o . p.• ao pé daquell a alta serra da y bia- he sagaz, arm o ulh e dous laços hu de medo o utro d e espera n-
paba em h~;~ Jogar q p arti cularm ente se chama Abayára ao lo n- ças cõ q ' os pren deo a todos metendo! hes em cabessa e traça n-
go de hu n o dentro de hu ma to, esperei a lg us di as pell o prin-
456 RELAÇÃO DO MARA HÃO RELAÇÃO DO MARANHÃO 457
do q' irião prim .;o a .~ar nos tapuyas assalto p.a vingarem a calouse elle e dissimulãdo saesse e entra em sua casa falando
morte do .P· e q f_~nao hu presente dos cativos, aos quais co- alto e dizendo
mo em In u mfo fanao carregar. <?~ ossos do p: e os trarião ao Parece q' este me quer tratar como p.0 coelho pois m_e
padre grande, e fmalf!Ient~ sevJ_nao p.a a ygreja depoi> de fazer reprencle como elle me reprenclm, se ell e as~ me trata e~ mi-
est~s dJIJgencJas e sat1sfaçao, msto f1cão mas não me parece que nha casa, q' fará se me col her la na sua, nao sabe elle q esta
tera eff '0 aqui so e não tem quem o goarde? .
. _Desp9is dest~s traças e concel ho me mãdou o diabo grã- E cõ isto toma h u machado as costas e saesse e va1se
de vJSJ!ar co dous 1rmãos seus de q' elle mais conta faz cha- para a rossa q' era cam inho por onde eu avia de y~ p.a a 1~inh ~i
mados hu o d1abo IJgeJro. e ? outro carapecü grãdes cava leiros em elle saindo ele casa fi cava nella hua velha pnma e JUnt.
e valentes, . estes , me tro_:.Jxerao dous cabassos de far.a q' terião sogra que já não tinha dentes de roer o_ssos humanos a qual
dous alque1res q chegarao a tem po em q' nem fruitas nem ou- tomou o agravo a sua conta p.' ver o pnmo perturbado, e fa-
tra _algua cousa avia m~is q' algum peixe. logo reparti hu delles lando no mesmo tom acrecentou parece q' alguem qu_er q' o
po1 toda a aldea sem f1car pessoa q' não tivesse seu quinhão coma eu pois farlheei bem prestes hu espeto e polloe1 nelle;
cõ q' C_?brey tama de liberal que se estendeo por todo o sertão · tudo isto passou diante de _hus mancebos que em s.:'a casa se
p. q' nao se falava noutra cousa senão na virtude do padre estavão apparel hando pera 1r pescar. E entre ell~s erao dous m_?-
que em tempo de tãta fome se lembrava de todos e os cõvida- ços meus, mas _como estes s_ão salvagens em mmtas cous~s, na_o
va , esta fam~ se acrescentou m.'• cõ o ordin:• costume meu forão Ja me av1sar, mas foraose a pescar_e a tar.~e to.rnado vJ-
que sempre live assaber que quãdo alguem me trazia algum nh ão cuidando e tendo P:' certo q me na? a~hanao vivo. E che-
pre~ente se eu tinha o q' mediocremente me bastasse não lho gando me disserão q' cwdavão q me tena Ja morto o cobra
ace1tava, ou quãdo n~uito toma v~- algua parte . para dar a algu azul , no q' eu me achei nov_o, e perguntandolhe P,elo caso me
ma1s necess1tado, o q vendo dJzJao q' bem d1fferentes erão os contarão tudo como tenho d1to e alegando outro q tambe1~ ou-
padres d_os brãcos q' nun ca. est~s engeita:-rão nada por mais q' vira tudo o mandei chamar e soube delle o mesmo, estavao os
lh e so_beJasse nem d<? que tmhao os cõv1davão antes me dizião meus moços bem afligidos e temeroso~ ma~ eu me fin~y muito se-
O quatas vezes deseJavamos de comer hu bocadinho de peixe guro e os animey de pal~vra posto mtenormente nao me falta-
O~} _carne q ' nos mesmos . matav~mo mas não podia mos nem vão agon ias, sabendo quao facll e gostoso he a. este~. mataren: e
cov1davam os nossos fllhmhos, 1sto tudo conto e estimo pella comerem os de q' se dão por agravados. E ;ra. 1sto Ja tarde nao
glona do S.o' e honra da comp.a q', p~ra cõ estes se ganhava ousey de fazer nada de my, mas confe_sso q VJgJey_ multas ho;
despo!s deste_:; m~ mandou outro __pnnCIJ?al outros d~us cabaços ras aquella noite por não poder dormir encomendàdome a D.
de fa1 mha co q me fuy remed1ado ate q' ouve feiJÕes e mi- e aparelhandome pera tud<?. . , .
lho nas rossas. Ao dia seg." mandellhe d1zer q me achava mal d1spost_o
_Neste tempo q' gaste i em casa do cobra azul não me q' p.' isso o não hia visitar q' quizesse vir a _minha rossa. q' ti-
faltarao purgas .e tragos bei!J an:argosos cõ q' o S.0 ' foy servi- nha q' falar cõ ell e, resp?deu eu 1rey, n:as nao _foy, e assun n:e
do _d~ me exerc1 tar em pen1tenc1a de meus pecados, alguns re- teve cõ a mesma perplexidade aquelle dm e no1te, ao outro d1_a
fenreJ p.a glona do S.o' e salvação de meus p." e irmãos mãdeilhe o mesmo recado, p r q' queria de todo saber seu am-
Este negro cobra azul he grãde feiticeiro e valentão dõde mo, respondeo ao moço, pois quem o mete a repr~nder_me, e
lhe nace, ser soberbss. 0 e falar se mpre cõ grãd e arrogãcia. No cõ tudo não foy; neste comenos levou D.s hus ~~1d10s co huas
tempo q eu estava na rossa, depois de lhe ter dado muitas cou· cartas do p.e gaspar de são perez cõ a qual ocas1ao man~e1 ch~­
sas e lh e mostrar muito amor e confiança mostrando elle a mar a todos e elle tãbem q' viesse saber a~ novas, entao. ve~o
n:es_ma de my e mandanclome muitos presentes, fuy hu dia vi- cõ os outros e depois indose os outros o f1z espe r~r apazigua-
SJ~aJ ~ todos, e passa ndo pela sua porta pergu ntei p. elle e do e desculpãdome, finalm ente ao d1a seg.te me madou hu pre-
d1sseraome _q' não estava cleJ:tro, entrey logo em outra onde el- sente de cabaços verdes
le estava co _o utros, e hu delles faze ndo hu arco, depois de os Durou porem pouco tp o a a 1:~ zade p.r q' dah_i a. ,alg~ns
saudar )ouveJ ao out ro o fazer arcos, e acrecentei dizendo, quem dias se emfadou outra vez sem ocas1ao nenhuma mais q d1z~r
me f~ra hu arco p a o meu moço q' não tem cõ q' ir a cassar, eu q' era falsidade certa mintira de hu !ndío q' fora d,o r~o
ao q o cobra a~ul acod10 d1zendo p 'q' o não mãdava eu fen- grãde levar p.r nova q' devagar estava m1~1h a v1nda ~ q nao
d~r hu pao p.a ISSo, eu cõ algua confiança lhe respõdy isso me seria senáo dahi a tres annos q' ass1 lh o d1ssera je_rommo dal-
d1zes ~ my sabendo q' . não tenho mais q' hu moço q' sempre buquerq ' e p r q' el le gostava cõ esta nova, cõ ntrac!Jz~nd ,,J h o eu,
me acop_anha c tem cu 1dado de my, mãda hu de teus f.•• q' levantasse furi oso braclãdo, espera, espera , espera e co estes b~a­
tens mu1tos e es senh or ele toda esta aldea e todos te servem; dos de doudo se sahi o do meu aposento e não me falou dah1 a
458 RELAÇÃO DO MARANHÃO RELA ÇÃO DO MAR ANHÃO 459
mu itos dias passa ndo algum as vezes p' essa minh a porta cõ Estes da ybiapaba ficão m to cõtentes por l_he ficarem os
grãde trõba, e se fo i fo ra a cassa sem me fa lar. ossos do p.e em sua terra, o qu al cui dão ll:_e s~ra v~lh~ cauto
Eu tãbem me fui p .r o mar q ' estava da hi hua legoa co- dos brãncos e aos q' de la vinhão ameaçavao q os t~ ao ouxes-
mo ja dãtes tinh a determin ado cõ os moços q' me acõpanha- sem. eu cõtudo mãdey ~ mi nh a partida quatro ynd_I_?s valentes
vão aond e fi z hu a chossa e estive vin te e tãtos d ias co mend o sabe~ se esta vão ja desfe itos p.a trazerem_, ma_s_ achat ao o co rpo
peixe q' todos pescavamos, ao cabo dos quaes dias me torn ei in teiro outra ocasião avera em q' poderao vu os ossos. .
e elle chego u dah i a tres d ias e mãdo u dous q uartos de porco 'che ou fi nalm te recado elo p e R tor ele Pernam.co Ann-
do mato, e da hi a alg uns dias se me escusou de me não visitar q ue go me! em resposta das mi nhas c~rtas q ue vtesse emcl te mp_?
d izendo q' eu não sabia ainda bem a sua lingoa cõ esta capa q' as milh araclas estavão de vez, e o I_nverno er~ ~assa ~O~~=
se deu por bem cuberto.
Neste tempo mãdei recado aos de Ybiapaba cõvidãdoos
dei recado a hua aldea q' estava no no elo ceara 2 ou
oas mais era ca pera o J agoaribe pecl incl_o q' m_e fosse~ al-
ulti mam. te se q ueri ão vir co migo ; entre os q' de la vierão vinha g uns busca~ pera me trazerem al g um manttmentosm ho, ~ tabem
hum a q uem elle mãdou pedir hua filh a p.a molher o u mance-
ba a fora outras duas q' tinh a, e p.r q' p. r minha ordem lh a .
~ e acõ panh arem em certo passo perigoso ele tatpuyas, toJao I~~~~~
1
e estando pera me parti r se leva nto u outra empes a e
nego u aviso u a todos os de sua aldea q' nada dessem nem cõ-
vidasse m os meus e q ue alg uas roças q' alg uns tinhão dado lhas forma.
to masse m outra vez, e de effeito mâdou logo av isar a hu a yndia Este cob ra azu l tem um f.o mãcebo de 26 a te· 28 ann os _
q' não posesse mais pe na rossa qu e lh e tinha dado outro yndio, ele boa inclole valente e bemqu isto, esti mado entre o~ seds, t~­
e cõ estes gostos passei quasi seis mezes qu e estive em sua casa, bem se ch am ~ cobra azu l o mossa .. este desejava mUl to e vtr
co mi 0 .a 0 caeté, prcurou cõ tmu ta_s veras ele tra~~: o pay e
e sabe o s.or quantas vezes me fogia o sono, e me punha a passe-
ar a mea noute por entre as redes dos moços q ue cõ migo dor- todof oi seus parentes fi nalm_e nte_ esta~o eu P·.:' pat tu se ~01. ao
a a lhe dar a ultima batana co muitas rezoes que P· . ~sso
mião no aposento, esperãdo co mo o nosso sa nto pad re do m
go nçallo q' entrasse m a me acabar e me co nsolava co m D.s e li 1[ alegou, e ach andoo sempre cõ a mes n~a clure~a e esqu ~va~,
cõ a consideração do mesmo pad re. se sa hi o agastado e emfaclaclo, qua ndo ve io ao ~ t a se~t11 f e e
Estes ynd ios q' ultimamente vierão da ybi apaba trouxerão madrugada co messa a fala r alto q' todos o ouv tssem es a ma-
hu a nova d ig na de se sa ber p.a nos cõ padecermos desta cega neira contra o pae.
genti lidade da qu al se hão de saber alg um as cegueiras q' tem, Aparelh aivos vos outros e vamos cõ o padre e deyxem o~
te m grande medo de cair o ceo sobre elles e p.a em ped ir este ficar a este q ue tem o meu nome velho (declarando o pay . co
mal, alguns delles pella manh ã em espertando se levãtão e faze m este circunl oq ui o por modo de desp reso) porque "ll u_ 1evarei ~
fin capé no chão cõ as mãos ambas p.a o ceo p.a terem mão aclre a sua casa, já q' este se não lembra . elos g n 10es e~~ q
nell e q' não caia, e assi lhe parece :que fica direito pera todo ~ .o coelh o 0 teve tres annos, e eu fuy a causa de_ os btacos
aqu elle d ia, tãbem os atromenta muito o medo de se ab ri r a ter- 0
~ão emfo rcarem, estando pera o fazer _Ires vezes, nao se.t em
ra e os alagar o mar, os q' entre elles são feit iceiros fa lão co m que cõfia, e sendo eu seu cleffenso: e arnn~o q uem lhe sera ago=
o diabo mu itas vezes o qu al lhes fa la de noite, as escuras, pos- ra bõ in do me eu, hora já que asst q uer ftq uese elle e nos va
to q' não o ve m, ouvemn o e dão lh e o fum o qu e beba, o q ual mos nos cõ o padre.
ve m estar no ar, mas não vê qu em o te m, vem porem as bafa- Esta fo i a pregação elo cobra . azu l ,o _moço, e log? pel~
radas q ' lan ça, e lhes d iz a volta de hu a verdade mui tas men- menh ã se fo i ter co mi go, a me refen r o q tmh a _d ito act esce n
tiras e q uãdo vão a cassa lhes di z aond e a acharão e ao nde esta tando que co nfiasse eu ne\l e _gue já n ~o era menIn o que se dar~
mel. re enclesse e q ue be m sabia 1a fa lar d iante de gen!e e sem u
A nova pois q' tro uxerão os da ybi apaba foi q' passando vi~a me traria a minh a casa, e q ue seu payb que aviilme~~ ~~eeáli~
dous yndi os pello caminh o junto da sepultura do pad re pin to lo ue estava bem fo ra de lhe pegar do rasso e 1e
qu e d." tem lhe aparecera o pad re vestido em sua roupeta pre- ~ vi~ da acrecentãclo outras mui tas causas co m que m~ pd-eceo
ta seu chapeo e sua rede as costas e hu côfo de farinh a e um hu an·o, eu 0 animey cõfirm âd?o em setr bo m prepost o Izen=
grãde cão de cassa, e lhes perg untou por dous grãdes feiti ceí- clolhe 1 ' ja av ia di as q' conh ecia seu bom amm o, e qu e p~s
ros mãdãdo lhe recado q' logo hia ter cõ elles, forão elles cõtar to q' 'j~ tinha fama de querimbaba e valeu te todos. lh e q uen ao
esta nova a aldea, sairão os teiticeiros a interpretar , hus dizião bem cõtuclo q' agora sua fama e no me se est~~ clen a m ais _e os
q' era a alma do pad re e outras co usas, por derradeiro sahi o o brãc~s o co nh eceri ão e os padres todos lh e fa n ao muito ~o ga-
feiticei ro em q' elles te m posto seu credito e fee di zendo q' não salhaclo e roçaria em mu ito boas terras, aonde vivesse m. a sua
era sen ão~ d.s creador dos mãtim entos q' os vinha cri ar pera vontacl ~ e lhe agarcleceri ão cõ boas obras o trazenn e. •
tere m o qu e co mer ec.
R E LAÇ(ÃO DO MA R AN H ÃO 46 1
460 R E LAÇÃO D O MAR ANHÃO
sede dagoa q' pereceria mos a fo me. e coisas semelhãtes com q'
perturb ou muito aos q ' vinhão co mi go, p. q' dão mui facilmente
O pay fi co u perturbadi ss.' co m ver cõ tra si o f o p.' minh a en trada a imaginações e fi ções ele feiticeiros, mas cõtudo nin-
parte, e todo aq uell e d ia esteva brusco e empeço nh enta ndo-se se me torn ou.
pera o ~ l a segu1nte mostrar o ve neno; levantase de ma drugada, C hega mos a outra aldea q' esta junto ao ri o chamado
e es_I?ert,ado todos ~o m essa a d1ze r .1de vos outros ide e Ievay o Ceara vi nte e cinqu o legoas alem de jagoa ri be, recebe-
a~a 1 e q elle vos 1ra vender e destnbtm a se us parentes e se- rão nos co m festa, caminh os fei tos, emboscadas, tamboris ec. ti-
reis tod~s. escravos, e vos outros q' viestes cõ ell e de caete, ago- nh ão me feito hu a casinh a muy bo mta de pindo ba adõde me
ra passa~ e1s de largo por de fro nte de vossas casas e cõ sa udades recolherão parecendo lhes q' lhe vinha todo o re med io co ntra os
deseJareis de chega r p. ella mas debalde p. q ' ire is pera onde brãcos q' até agora os tinh ão fe íto andar bren has e rochas es-
vos elle ~e n de r e falando p. in·o ~i a, d izia e eu q ' não sei o q ' cõdJd os; e hu velho me ve io visitar e me di sse q uãdo o je vi-
faço me f1ca rey aq u1 . per? ld<: e m1 s.eravel, dandose p. sup.or no nh as não te pu de yr fa llar p. q' estava chorãdo ele alegria de
saber a todos o~ ma1s q crao nec10s em se entregarem ao ca- ve r ago ra juntos por amor ele ty a estes meus parentes q' até
tJv.ro vmdo CO JTIJgo. agora ãdavão pellas covas e brenh as esco nd idos mas agora so
~ m a nh eceo fin almente o d ia seg te q' avia de ser o ul tim o nos fi cão as saud ades q' temos ele nossos f.os e filhas q' os brã-
de. mmh a estada, apare ll~a m o nos pera nos partirm os e mãdey cos nos levarão peclin do me cõ isto lh os fizesse ir de ca.
av!sar p a q' ao outro d1a p.Ia manh ã nos partiri amos, mas q' A estes indi os ele cea ra cõvídey, e tinha Ja da ntes cõvida-
pnm.ro nos aJuntasse mos todos no terrei ro e dali nos a balaria- do q ' viessem pera a ygreja q' alem de averem de ser f.os de
n~os; aqu.e ll a noi te foi a_de mais medos e arreceios, p. q ' como d.s estari ão li vres elos tapuyas e mais inim1 gos q ' ate agora os
e1a a u)t1ma e o co raçao daq uell e barbaro estava tão azedado desbaratavão, e que na ygreja estari ão li vres das ynjun as elos
qu~s1 q m ~ persuady q' se atreveria a co meter a lg ua co usa, brãcos qu e he o em q' mais fa lão q ' tudo , porém tinh aos ja
qu 1s chamai ~ue m me g u a rd~sse, . m a~ por não alvo raçar ou prevenid o j ero nim o clalbuq uerq ue co m tres o u q uatro recados
da_r a ,entendei. me u medo o nao f1z, a1n da q' elle poucos dias qu e lh e mand ou q· não se bolisse m nem d esemparasse m suas
av1a q linh a d1to q ' antes qu e nos vi esse mos nos avia de ma- terras e patri a an tiga de se us antepassad os e q' não o uvisse m
tar, e emf1m passo u aq uell a cõprida noite de ang ustias, e pia minh as palavras nem lhe desse m orelh as q' logo iri a outro pa-
n".la nha m nos. aJun ta mos todos no terre iro ao nde estando todos dre a morar cõ elles e lh e fazer ygreja, e ou tras m.tas co usas a
aJoe lhados d iante de h ua cruz reci tey o itinerario em voz alta, este to m e ta is q ' p. ellas não d1zere m cõ a possoa de jero ni-
o qual aca bado desparandose hu mosq uete nos des ped im os fi- mo dalbuquer qu e' lhe não de i credi to, e me pe rsuad i q' serião
cando ~ barbaro dentro da casa se m parecer tora, passei lh e fin g idas pellos messageiros, ainda qu e he verdade que estes se-
pe)a po1 ta e. da ~u a o sa ud ey, e elle . . de dentro me respõdeo nh ores não cuiclão outra salvação dalmas mais q ue em qua nto
v~ 1 te emb o1a; nao lhe agardeço a ell e não me matar q' boa se encõtra cõ seus interesses.
votade me mostrou, mas agardeço a d ivina bondade qu e me li- Vend o eu q' os ma is não q 'ri ão vir procurei então de os
vrou dos salvagens tapuyas, e dell e la mbem. mas estes sãoo os ajuntar to dos p. q ' em todo aquelle certão do Jag uaribe aon de
passos em qu e se med ita be m na morte ve nd oa de perto . da ntes av ia g rand iss o n.o de aldeas agora serão por todos g ran-
.· O . f1I.ho deste tã bem se parti u co migo e qu asi toda a al deota, des e pequ enos, co mo oitocentas al mas, os qu ais esta vão em se te
a p111n .•a . Jorn ada cob ra azul o moço foí tão pru de nte q ue ain- o u oito a lcleo tas, ele todas ajuntey os prin c1pais, e os persuad i
da q ue v1nha ag!sta do cõ tra o pay, cõ tud o me fo i falar pi o pay se a juntarem a roça r em certa parte mais aco modada traça ncl olh e
d1zendo me q' nao me lembrasse de nada q ' seu pay se mpre ti - as casas e Jevãtand o lh e uma fe rm osa cru z de cedro lav rada cõ
ve~a cost um e de falar aspero a todos, e q ue era costum e dos se u tt o co usas q ' elles estimarão mui to e lh e pus no me a aldea
grades morob1xa bas pe ra terem a utoridade e qu e elle o mãdava de são Lo urenço por ser em se u di a levãtada a cruz, e ago ra es-
co1~11 go p~ ra . q u~ me tro uxesse e yi s~e o q ' passava na Ig reja q uece ndose do no me anti go daqu ell a te rra lhe cha mão São Iou-
pe1a depo1s v1r tabe•:1 e q ue não qu1 zesse eu apartar de todo a renço , de ixeios anim ados e cõ segurãça dos branq uos qu e ja os
se u pay de my.
não fari ão escravos, nem lh e fari ão g uerra E q' eu os enco-
Eu o cõsolei dizend o, q' ma is me lembrava das boas obras mend aria ao s.or g.dor q' os deffend esse e emparasse delles, dei
q_u e me f1 ze ra qu e ele suas pallavras, q ' não cuid asse q ' lh e que- aos prin cipa is alg uas reliquias de ferra menta ve lha q ' fi co u d os
n a ma l, ~ bastava ser seu pay ec. tapu yas, mas nem p. isso os co ntentey porqu e cuicl ão q' tud o
Dali a tres ou qu atro jorn adas chega apos nos hu mãce- isso e muito mais se lhe deve, ao nd e não abrangerão os macha-
bo sob r!nh o se u pello qu a l p a atemori zar os meus e fazer to r- dos e fouces dei al g uas facas ou tizouras e entre estes av ia hu
nar o filh o e parentes co mo feiticeiro e sa bedor das ca usas fu- p. nome lagarti xa espalmada o qu al era soberbiss o e antes q '
turas, lhe mãdo u di ze r q' to?os morreri ão no ca minh o, e q ' os
outros da aldea pera onde v1nh amos nos não av ião de dar hu a
462 RELAÇÃO DO MARANHÃO RELAÇÃO DO MARANHÃO 463
eu viesse p. vari as vezes me ameaço u q' me avia de matar e a muita caridade sua por q' p .a este effeito desfez hua roça em
aos meus, e p. lh e dizerem ot~tros ~l gus l <?u vore~ meus, com q' fa ri nha e fretou o barco e em pessoa se meteo nelle apostand o-
o abrand arão, ultimamente d1sse q se av1a de 1r da ::lde:;t an- se a viver ou, mo rrer co migo, fo i este hu di a de resurreição
tes q ' eu chegasse p. me não ver e pell o não engan ~r co mmhas pera hu pobre q' de tãtas mortes andava cercado, mandei lhe Jogo
palavras fazendoo _v ir pera a y~rej~, mand_ey do_cam!nh o dese m- o utro escrito e ao dia seg.te me fu i logo embarcar e viose a
ganar q' não fu g1sse de my q n!lo gue~ 1 a senao q r~çasse em providencia de d.s q' os marinhr.os não conh ecião a terra e cuy-
sua mesma terra. e que lhe dan a co q roçar, elle co tudo se dando q' estavão em hu porto se acharão em outro, e chegarão
foy apanhar algodá.o _e não estava na aldea qu an9o eu chegueY.· em o mesmo o d ia em q ue eu de camin ho tãbem chegava.
Veio porem dalt a do us d1as o ~ tres mas nao me foy_VISI- Detivemo nos neste pto 17 dias ou 18 sem poder sair com
tar até q' eu o chamey; detevesse amda hu pedasso depo1s do ventos contr.os até que dia de nossa s.ra do nacimento navega-
meu recado em fim ve io cõ hu maço de frechas e seu arco na mos ; não pode vir toda a gente no barco assy por não ser ca-
mão e elle todo almagrado cõ uru cü e depois de nos saudar- paz como p.' não aver tantos manti mentos por ser m.ta a de-
mos' a prim. ra causa q ue me disse foy q' não me perturbasse tença n o porto; embarcamos somente os da yb 1apaba por q' os
p. lh e ver as frechas na mão q' o seu cost um e era trazellas do jagoaribe os não matassem q' são os seus antigos contraria s,
sempre nisto ped ia fogo a hu moço meu e acend endo a ya lm ~ os demais se partirão p. terra de vagar, são por todos os q' co-
em q ue trazia o fum o para beber mo offereceo, respond1lhe q migo vinhão 160, estan do p.a me embarcar me disserão q' se
não custu mava a beber fum o. aprestarão maís do us prin cipaletes, se vierem chegarão a 200 al-
T ratamos então prat ica em q ' eu o assegurey de _o querer mas; chegamos ao ri o grãde ao nde fo mos recebidos com mu ita
trazer, e q' já o. co nh eci a e an~ava co mo f.o e elle entao me f~z alegria do capitão mor j ero nimo dalbuq uerq ue, e Anto ni o ferr.a
hua grãde pra ti ca em q ue diZi a q' eu fora a causa de elle sa1r tenente e dos mais, e cõ m.ta caridade do p.e d .os montr .o e
das lapas e mato? a roçar_ em publico. o q', e?~ava fora de fazer di ogo nunes; ali me detive alguns dias esperando embarcação
se algun brãco v1 era q' nao fosse padre e q 1a agora estava des- e tempo até q' d.s o deu seja elle louvado em tud o e tudo se-
cansado, e outras ca usas a este tom, promettilhe hua ~o u ce p.a ja p .a sua honra e glori a; isto se me offereceo p.a dar cõta a
roçar posto qu e lha não dei ~ og o , co ~ que se d espedi ~ n~u1t_o V. P. em cuj a benção me enco mendo oje 26 de Março de 608.
apasigoado, aq uelle mesmo d1 a a n01 te estando os pnn c1pa1s
todos em terreiro prati cand o como costum ão, sae elle de casa e L11iz Figr.a
em alta voz co messa a falar desta man.ra com os parentes :
Não sabeis vos q' sou eu o vin gad ~r m<?r, q' nin g uem Pera ver o nosso P.e Claudi o Aquaviva
me fez causa q' me não pagasse, q' me vmg ue1 d o~ tapuyas e Preposto geral da Comp.a de j esu . RoMA.
dos mais contrari as de todas as mortes dos meus po1s q uem he
agora o q' p. detraz anda murm~ra nd o_ de my di zendo qu e me
au ze ntei p. não ver o p.e, qu em tsto d1z mente e qu em me fe_z
a my sair dos matos por ventura a vos o utros he grande falsi-
dade, p . a mor do p e sahi eu a p.co e estou oje sem _n~nhu te-
mor, ~ra isto baste q' sois todos huas molh eres; ouv1rao todos
mas mn g uem fa lou pallavra. .
Ao di a seguinte mais p . medo q' p. võtade lh ~ de1 hua
fo uce pera ro çar, so ubeo hu principal ete !'- qu em eu so tm.ha dado
hua faca ; indig nado com essa a pre&'ar d1 zend o estou mUitO agas-
tado e agravado cõtra o p.e q ue da fouces a q uem delle mu r-
mu ra e fala, e a my não me deu. fouce, será p. ven~u ra p. q' eu
o não cõvidey, neste tom esbraveJOU dand ome mtutas remoca-
das p. q' não me te_nd o o o utro_ dado nada e ll ~ me trouxera por
al guas vezes hus mm gaos de mad wca brava q caro me cu~ta­
rão, mas de tud o isto teve o S.or por bem de me lt vrar ; partun e
finalmente daq uella aldea aos 19 de Ag to de 608 e estando
aposentado dahi a legoa e mea me derã_o hu _escrito do pe. gas-
par de samperez qu e em hu barco de Jero mm o da lbuquerque
cõ alg uas farinh as e milho me hia buscar ; no qu e emxerg uey
S U MMARIO

INTRODUCÇÃO
1) Pro e nt i o. - Conveniencia e Verde; o Rio do Ouro, a flha
de começar a historia ela colonia clas Garças e as de Cabo Verde.
pela da metropole. 10) Buli a~- ele Eugenio IV,
icoláu V, Calixto I I J, etc.
11) As l 'a unri ns - desco-
bertas por Betencourt e cedidas
Portugal a Portugal, que as restituiu á
Hespanha.
2) O R e iu " - de P ortugal. 12) Açores. - Gonçalo Velho
D. Henrique: Casa de 13orgonha. Cabral. Formigas, S. M aria, S.
D .Affonso Uenriques,primei ro rei. M iguel , Terceira, ele. Estatua na
3) Os prim e i 1'0!;1-successores ilha do Corvo.
de D Affonso 1-Ienriques: Sancho 13) O R e~g nte- do Ouro da
I, Affonso H , Sancho li, Affonso M ina.
III, Diniz. Affonso IV, P edro f, 14) S. J o r ge d a Jlina, 1482
Fernando. -fortaleza levantada por Diogo
4) Dyua stia d e A1•ir.. - João de Azambuja apesar de Cara-
I , Duarte, Affonso V, J oão lf, mansa, rei do Jogar.
M anael, J oão I lf . lf>) Patlrões- para toma r
pos e do Jogar. Diogo Cão no
II Congo. D . João II, Senhor de
Guiné.
Factos que levaram ao descobri- 16) Pr·est c João - monarcha
mento do Brasil residente no sudéste da Africa.
17) Bart!t o l o m e n lHas, 1486
5) Escola d e Sa g r e~ -origem - em procura elo Preste J oão
dd grandeza marítima de P ortu· descobre o Cabo de Boa Espe-
gal. D. Henrique. rança.
6) Pl'ime it·o s d e Mbrimen· 18) Co v ilhnn c Paiva com
to s . - Ceuta, 141 5. Os cabos Não o mesmo fim parr.em por terra
e BojadoT. para o Oriente.
7) Porto Saulo, 14-18. -Zarco, 19) rJ e h ai m - pretendido eles·
Teixeira e P e restrello cobridor da America M erid ional.
8) Mad e ira, 1420.- Za rco e 1\ Islandta e a G roenlandia conhe·
Te ixeira, descobridore; e dona· cidas desde o sec. X.
tarios. Canna de assucar . 20) Colomb o - propõe um
9) Ult e rior e s d Psco t. rim c u- novo plano. Desprezado por to·
to ~.- Os cabos Bojadur, Branco dos, menos por Isabel a Çatholica,
30
466 SIIMMARIO SUMMARIO 467
descobre o Novo Mundo, 1492, ao 24) J,egi s ln çiio. - Ordenações I[ 55) D. Ro<lrigo -de A cunha
qual não lega o seu nome. P er- affonsinas; codigo ma nu e lino e 1525, co mm andante do navio S.
seguido pela inveja, morre pobre. codigo felippino . I'rimeira.s explorações
Gab riel, tóca em uma enseada
20) Jnl"istlicçiío. - Jui zes de 42) Providencias - tomadas ao sul de S. Catbarina, no R10
21 ) Linha <le marcação. - vara vermelha, de vara branca,
Incoherencia da ll tspanha e de pelo rei D. Manuel. e na Bahia. Abandonado pela
de fóra . Al caide-mór, alcaide tri pu lação, que leva o navio, vae
P ortugal. Ma lucas: convenção de 43) Frota ex vlornd om, 1501
pequeno. Casa elo Ci vel , etc. Mesa - Percorre toda a costa doBra- a Pernambuco, onde fica preso
San.gossa. da Consciencia e O rd ens. sil desde o Ri o G rande elo Norte doi s annos.
~2) Va sco ela Ganlll. 97- 9!) 26) Aristocrac ia . - N o bres e
-chega até a In dia. Ca li cut, o até o actual Rio da Pr ata , seguin- 56) lJaboto e Diogo Harcia,
plebeus; ricos homens e infa n- do, talvez, até á Georgia Austral. 1526. - Garcia entra e m S. Vi-
Ça morim, os mouros . ções. Moradias. 44) Segunda eX J) Odi ção, 1503. ce nt e. Sebastião Caboto visita
27) Ti tu los . - Dom, conde, - Era de~tinada ao Oriente; veit1 Pernambuco e S. Catharina, se-
vi sconde, duque, marquez, ba- ao Bras il p~> r acaso ; Gonçalo gu in do então para o s ul. Juntos
Hl rão, etc . Coelho e Vespucci : Fernão de No mudam o nome de Rio de So-
28) As Ord e n s - re li g ioso · ronha, Bahia, Cabo Frio, Rio de li s pelo de Ri o da Prat a Mel-
Usos e costumes de I'ortugal militares er a m a de Chris to, a de J a neiro, etc. chio r Ramirez, H e nrique Monte
Santiago da Espada, a de Aviz . 45) A nnado1·es- parti cula res : e F ra ncisco Puerto.
23) Govento - de Portugal. 29) Mi~ericor<lia - de Lisboa, Fern ão de N or onh a, a I áu Bre- 57) A.lrixo G arcia- penetra
Centralização completa. modelo de todas as mais. tôa, C abo Frio . pelo interior a té n P e rú, e mor-
46) Vi s ita s -cas ua es. J oão da re assassinado .
Nova , Affonso de Albuquer- 58) ]), P e•lro - de Mendonça
EPOCA I qu e . Ilha da Trind ade .
47) Vi~ita s francezns . - Bi-
funda Buenos-Ayres em 1534·
59) Cabeça d e Vnca, 1540-
not Palmier de Gonneville. Es- vae por terra, de S. Catharina
TEMPOS PRIM ITIVOS DA HISTORIA DO BRASIL poir de H o nfleur, Tuchnu , E s- ao l'aragu ay .
3C) Ri · do }'mrle. - Porque so meric, Namoa. Prohibi ções 60) Senabria. 1549 -c hegou
le va es te nome? Onde está? inuteis de Port ugal. Os corsa - a S. C a th arina . H a ns Staden.
37) Quem l e you a noti cia ?- rios J oão Affonso e J oão An- li I) I'ortngnl - at_tende mais
Descobrimento ao Hrasd.
Provave lmente fot Andd Gonçal- go .
30) Cabral - indo para a In dia, 6;!) (; IJri stovam .lnqnes -
ves . 48) A cost1l 1lo :\o r t e .
descobre casualmente o Bras il a vem d nas vezes ao Bras iI : em
38) O anuiY(Irsario - ce le- 49 R a malho -e Antonio Ro-
22 de abril de 15 00. M onte Pas- 101 6 e em 1526 . Rio ela Prata,
bra-se no dia trez elo mai o , por- drigues em S. Paulo.
choal, Ri o do Frade, Po rto Se- francezes,etc. Feitoria ele Jgarassú,
que os a ntig .. s que introduziram 50) Caramm·ú - ou Diogo
guro. D o is indigen as, rlois degra· Ribeiro.
este uso , cuidwam que a posse Alvares na Bahia. Tradição a
dad os ~ dois g rum etes. respe ito delle. 63) ~r artim Affonso <I e So u·
31) Primoira- missa no dia se tornou nesse di". O recur so
á correcção do ca le nd a ri o, quanto 51) Ob se nações c riti ca~ :­ za -vem co m Pero Lopes, seu
26 de ab r il; segunda -ni ssa e posse irm ão, ao Bras il em 153n; ven-
a nó s, é impossivel, imd il, des- A sua existencia e a data do seu
no primeiro de maio. Naufragio. ce os francezes em· Pernambuco,
neces,a•·io. Confessamos que a na ufragio, I5Io , são ce rtas. A sua
32) E m res umo. ida á França é falsa. 31, en via Diogo Leite reconhe-
33) F im - de Cab ral. O seu nossa exp li ca ção é total mente no-
va, 1nas nem por i~s o , talvez, 52) Viagens - hespan hola s. ce r a cost a do no rte, vi si ta a
sepulchro. Vi ce nte Va nes Pinzon e J oão Bahi a, o Rio e Cananéa;segue para
34) Viageus - hespanholas deixe de ser plausível.
39) No m e!'~ . - V era Cru z, Brasil , Dias de So li s. I s o8 . o Rio da Prata, r etrocede, e funda
anteriores a Cabral. Alon so de duas povoações r egulares. 32 , e
brasileiros, b rasi s, indios. 53) Segunda - viag e m de So -
Hojeda, Vicente Yanes Pinzon, regressa pa ra Portugal e m 1533 .
Diogo de Lepe. 40) Sautn ~1 al'ia - d e la Con- li s em '51 5.
sola cio n parece ser a Ponta do 54) Fernão - de Magalhães, 64) J,a Pél e J'iuo - náu fran-
Questões accessorias M ocuripe no Cea rá . 15 l<J 1 abandona Port uga l pela Hes ceza de ~J a rse lh a . Pero Lopes
41) ;)[arnnhão. - Ignoramos a panha . Estre ito de ~l aga lhãe~; llhas toma a furtaleza levantad a pelos
35) O yerdadeiro Porto Se- francezes.
guro-é o actual porto de S. Cruz. origem deste nome. de Maluco, Sebasti ão de! Cano.
468 SUMMARIO
SUMMARIO 469
112) Itati n os - Gomma elas· desditoso. Villa de ossa Senho-
Duvidas 83) P e riotlo -de civil1zação. ra da Victor ia.
Eram ag ri cultores; nu nca foram ti c a .
65) 'fitnlo. - M. A. traz ia o 1 I 3) Cnyng n ás. 1::!2) l'o..to Seg uro . - Pero
pastor es Responde-se ao Sr. Dr.
titul o de cap itão-mór, e de gover- 114) Gnn na s . de Campos Tourinho.
Co ut o de M agal hães .
nador das terras do Brnsi l. 11 5) 'fribll~ - do Alto Ama- 133) Ilhíio~. - J orge de Fi-
8 ~ ) 'l'abas - ou a ldêas.
66) Os padrões - a chados em zonas. Enca beiJados . gueiredo Cor rêa. Romero, etc.
85~ Uten s ili ns - domesticas.
Cananéa foram p rovave lmente alli 1lfj) Omngna s - uma nas ou 134) Bahia.. - Francisco Perei -
86) In st rum e nto s--de musica. ra Coutinho. Caramurú. Villa
deixados e m 1501. 87) U s ns - cost um es, etc. cambehas, 1sto é, cabeça cha ta .
67 ) O bnchanl - de Igu ape Tomavam rapé . Delles nos veiu Velha. Revolt a dos indios, e tc.
88) Oma tos . 135) Pern a mbnco. - Duarte
não podi a se r •J oão R amalh o. o cautcluí ou gomma elastica
89) Tralmlllos :-caça, ?esca, Coelh o, severo e justiceiro. Iga·
68) A canna - de assucar não etc. 117) S in g ul a ridad es - Rma -
é indi gena. zonicas. rassú, Olinda, os tabajares, os
90) Co mida e llebida . cahétés, etc.
69) Go n ç alo - Mon tei ro e ra 91) Doe n ças. 118) Usos e cost um e s - que
eccl esiastico. Foi o prime;ro pa- 92) Ca~nm e ntos. dos selvagens passaram aos colo -
ro cho de S. Vice nt e . 93) NOIII t'S. nos europeu s. Quatro Capitanias do Norte
70) Familias. -Com M. A. 94) Sepn l c h ros. 1 19) Co u cln siío. Mui tos usos
não vie ra m fa mih as. 95) A fórm:t - de governo era e costumes eram commun~;. ás duas 13GJ Cn])itanin s.
71) Eutratla. - M. A. entrou a pat riar chal. Am ericas. Não eram os selvagens 137) Hon atarios . - Fernand'
peh barra do me io, h oje de 9fi) Reli g ião. nem tão bna os, nem tão máus, Alvares d' Andrade, Ay res da Cu-
Santos. 97) S uu111 • como p retende ram os colonos. nh a , J oão de Barros, Ant onio
Ill 98) Pag·é. Cardoso de Barros.
99) At·mns. -Clava, arco, fre· IV 138) l\Iallo ro - devido ao
!'ovos que habitavam o Brasil chas, lanças, ta rdés , laço e bola, Capitanias hereditarias naufrag io de Ayl'es da Cunha.
na epoca do seu descobri- esc udo, canôa. 139) Di ego Nnnh rs.
mento. 100) Gue r..-a . I 20) H i visão - do Brasil em 140) Nanfrag·i o, 1554 - de
JUI) Matau ç a - dos pr isio- capitanias. Luiz de Mello na costa do Ma-
72) Intro<lu cçiío. -Pensa men - nei ros . r anhão.
tos provaveis de Cab ral.
12 1) lli r e ito s - e obri gações
dos donatarios. 141) 1'eu tativas - castelha-
73) Or·igrm. -Esses povos vie - Particularidade s nas: Di ego de Ordas.
ram do antigo continente pelo 122) Foral.
123) Ca pitães - e capitanias. 142) Go n çalo Pizano, 1539
Estreito de l:lehrin g e pe la Islan- 102) Tl'ihus do Bm i!. - ·- galga os Andes em p r ocu ra do
dia ; acaso lambem das Canarias. Guayanazes, goytacazes, papa na-
1 24) U. A. d e Souza - rece-
be tt a capitania de S. Vicente e El-Dorado e do paiz da canella .
74) A e JWCa - é to tal me nte zes, tu piniqui ns, cahétés , tabajares. 143) Orelhana, 1540 -atrahi-
in certa. 103) o ~ aymorés -- e ram os a do Rio de J anei ro.
125 ) ll ecatlench - da vil la de çoando a Pizarro, desce pe lo
75) Etlluo~·raJ}hi:l. - Pouco mais brntns de todo s, e nunca
Amazonas alé o Atlantico.
sabemos a este re~peilo. S. Vi ce nt e, Gonça lo Montei ro .
se punh a m ~m agua.
126) Sn uto ~ - povoação e villa 144) Fi m d e Orellmna. - In-
76 ) A ra ça tnpy - era a prin - l U1) 'l' ribu s - mcridionaes e cum b1do de co loni zar o valle do
fun dada por Braz l'.:ubas.
cipa l. do l 'a • ogu~y .
127) A capitania - de P ero Amazonas, succum be nesse rio
77) Nu me ro - Eram mui\ is- 105) Payng n ás - quasi amphi- ás doe nças, ao s desastres e ao
sim us . uios. Lop es consta va ele trcs qui nh ões.
78) A liu g na - era o tupy - 101i) (htar·nuys. 1~8) S. Amaro - e Go nçalo sentimento.
Affonso . 145) P e <lro (] O Ors úa, 1560
gu ar any. 107\ G u:tyc urít ~ - hoje caval- -Lopes de Aguirre e D. Fer-
79) l'ropri e tlades . - E' lin- l e~ros .
129) Itnmaracá -e J oão Gon·
çalves. Vi lia da C oncciçãu. nando de Gusmão descem pelo
gua agglnunante 108) \'itln - das tnbus aqua-
11l0) Pamhyba . - Pe ro de Gó- Am azo nas.
80) Atlject ivos pronomes, ti cas do lago Xaray< s.
es da Si lveira foi infeliz. Villa da 146) Yidn - dos p r imeiros co-
prepos ições. 109) Cae.,eiés, - etc .
R a inha. O p irata Hen rique Luiz. lonos. Grande desmoralização .
81) Yl'l"bO. ll 0) X n 1'1\J<'~ . Os degr adados, as náus francezas,
82) 1'rahalho~ principaes 111 ) r. IJJ ,,uifos - ou peque- 13 1) I<: SJ)i dto Santo. - Vasco
Fernandes Couti nh o : incapaz e etc. Grito de alarme .
sobre o tupy - g uarany. no1es.
SUMMAR IO 471
470 SUMMARIO
jesuítas e seus successo res, é im- 177) 'J' rabalhos - de Anchie-
EPOCA li : I549-I58I po•sivel.
169) Car la ~-deNobrega.
ta, fet lo professor, medico , arti·
fice , etc.
PRIMEIRO S GOVERNADORES 170) E111 r es umo - as ca n as lí8) AhHlUe co n1raS . Paulo.
de Nobrega dize m que os colo- 56-- por a lgumas tribus que os mes-
ba rbaros um homem que acaba- nos tratava m ba rbaramente nos ti ço' de S . André tinham açulad o.
vam de mé.. tar para o comer. in cltge na s. Eis a razão pela qual 179) Fi m tlo gover n o - deD .
Thomé de Souza. 158) Novas difflcu ldall es. -- os jcs uitns se queixavam, tanto Duarte. Multa im posta a um mora-
Epid e mia, tosse , etc. com o pos teri o nn en te fizeran1 seus do r de S . André. Morte ele D.
147) Estabelecimento - de 1591 Capellas e escolas. - successores. Os jesuitns nu nca a f- João lii.
um govern•l central. C'idade do L er, escrever. contar. ~ lu sica . O fi rm aram que não f,>sse l1Cilo usa r ISO) l'e ruambnco. - Desor-
Salvador da Bahia. Symbolo ele P. Alpiscueta Nnvarro . a fo rça para conte r os ba r boros. dens dos selvagens. Os n~ssos se -
salvação. H:iO) IIS j esui1as - encontram O que elles negaram sempre, foi meam entre elles a discord ia. Reti-
148) Gmmatfio Telles, l M8 maior opposição n <~s colonos e no se r licito vexal-os sem razão, ram-se alguns para os Guara rapes,
- vem preparar o Jogar . Carta 1Gl) CIHO. particularmente os mansos e os e logo para o Cabo de S. Agosti-
regia a Diogo Alvares . 162) O Padroad o. convertidos. nho, donde os expn lsam os per-
149) R egime nto. - P oderes do 163) O Pl'inu~ iro bil')JO - D . 171 1 Os jesuita;;-nã•)clama· nambucanos Guerra ele Se r1nha·
govern ador, prohibições, provi- Pedro Fernandes Sardinha, era vam co ntra o captivei ro dos em. F oge m os bnrbnros para o
denci as, etc. Per o Bo rges, ouvidor hom em moderado. O Dr. Fran- neg ros. porque este era legal. se rtão , e os colonos os vão caçar .
geral; Antonio Cardoso, provedor- cisco Fernandes r egeu a egreja Por esta mesma razão elles não P.o dre do Ouro
mó r da Fazenda; Pero de Góes da bras ileira interinamtnle até a se opp unham á escravatu ra dos 181) Ltnmaratá . - Os indios
Silveira, cap it ão -mór da cos ta. vinda do segundo bi sp o. indígena s, clllatHlo se cont inha muito bondosos : éra d om·ada:
150) Viagem. - Partem no pri· 1 fl4) ])nas t•ntm<las - e m de- entre as raias da lei. vexações e rev olta .
meiro de fevereiro, chegam a man da de ouro . Pa rtem de Porto 182) Cn !}ita.nia - do Espí rito
29 de março de 49 Seis jesuita s. Seguro O governador envia á III Santo . Revolta dos barbaros.
151) Fnn<lação - da nova ci- côn e Pero de Góes. 183) Co nfe d e ra ção - dos ta-
dade . No anno seguinte vieram 165) Fim do gover n o - de moy CJs.
novos reforços. Tho mé de S ouza, o qua l foi bem
D. Duarte da. Cosi a., 1553-57. I8 t ) Os fl':mcezes - no Rio
152) Doi s casos -desagrarla- remunerado . Ga rci a d' A vila. 172) ]). J)narte - conquistou de J anei ro.
veis Matam á bocca do canhão 11)6) Aventnras -de llans o Reconcavo e desavciu-se corn 18ii) UnJlli c i<la.d e - de Ville-
um indio que assasstnara um Staden, allem ão q11e C<•m bate em o bispo. E' diffici l dizer de q ue gaig•wn : Col igny, o rei, etc. Pou-
portuguez. Revolta e castigo de Pern a m bnco; volta para a Hes- lado es tiv e se a razão. D A1va r o. cos c~~lunos.
alguns barbaro s do Reconcavo . panha; em barca para o Rio da 178) Morte d o bi SJ}O, 1558. 186) ])esnsh os. - Duas tor-
153) Visita officjal, 1:>49 - P rata; chega a S. Ca thartna, e - Os cahétés o matam e o come m mentas. Pára no prim ei ro ilhéo;
do ouvidor ge ral e do provedor· naufraga indo a S . Vi cente. Ar- na be ira do rio S. ~ lieu e l , no passa p~a a ilha de Serigipe, etc.
mór ás capitanias do sul. D ois tilheiro na BertÍO)!a, cae nas actual Estado das i\ lagoas . J8i) Co n spiração, 1556. - O
frauce zes presos no Rio de Janeiro. mãos dos selvagens, c re cupera 174) Gu el' m , 155('.- D. Alva· in te rprete normando; a gua rda
154) Vae 1'homé <le Souza a li berdade dep ois de muito pa- ro de rrota os barbaros re be ldes escosseza; castigo severo.
ao sul em 1553. - Santos, Ita- decer. Os navios franc ezes 1Jfa1·ie na Bahia 188) At>OStasia. - Chega m os
nhaem, S André da Bord a do Bellette e Cat!zerim Wata-ville . 175) Os j e~uitas- na capita- theo logos ele Genébra, e Villegai-
o Ca-
Campo, Drummond, R a malho, 167) Ulri co !Schmi!l e l -outro ni a de S. Vicente . 15 49· O P. gnon abju ra sole mn emente
Tebiriçá, Cayuby. aventureiro a ll emão. Leonardo r un es. Em 53 ve iu o th<•licismo. B ois- le-Co mte, Lery,
155) Os j esuitas -foram ma n- P. Nohrega, que penetrou mui - João Cointa, ele.
dad os po r D . Jo1io III. Tobrega. [[
tas leguas para o interior. 189) Novn n11Hlau ça de Vil-
156) Os jesuítas - e os sel· Procedimento dos primeiros je- 176) l' nn!l ação de S. Paulo, legaiguon -que dá prin cipio
vage ns. As creanças e os enfer- suitas 1554- nos campos de l'tral inlll· a disputas sérias; appell a a Ca l-
mos. gn pe lo jesuítas, cujo . supe ri or vino · decla ra-se lutherano e des-
!57) Caso perigoso.-Anthro- 168) Estado <l a quostão. - A pede' os génébrinos.
e ra o P. MatlUel de Patvn
poph agia. Os jesuí tas tiram aos di slin cção e ntre os primeiros
472 SUMMARIO SUMMAR IO 473
190) F im . - Villegaignon a tira po rém, desagradou aos caçadores Aquelle alca nça a paz , este es- 217) O fac to -do Rio de J a-
ao mar tres francezes; volta para ele escravos. c reve um poema em honra d a ne iro não é rea l Su;:posto, porém,
a França; nppe ll a debalde aos 199) lllodc - ele Fernão da Sá, Virgem. que o seja , nad a delle se pode
catholico•; e nvia :tlguns religiosos I 558 , no rio Cri ca rc', o nd e foi 208) PP ~ te na nahia - As inferir co ntra o P. Anchieta. O
de S. Bernardo e acaba obscu - aba ndon ado por quas r todos os alclêas dos jesuitas na Bahia já Dr. Guillotin.
ra meute e m 1571 se us. muito fl oresceo Les, fnram em I 56 3 218) Cartareg ia. - R eco m-
191) Vill egai g u o n - tratava 200) lll e n !I !\ Sá - nos llhéos, assoladas por um a pes te medo nh a, menda a Men de S á que atalhe
muito hem~os selvagens. 1559 , derrota muitos indi os hra e n o a nn o seguune po r uma gran- os capliveiros injustos c proteja
19~) Vill ega ig u o u - e se us vos; ganha a Batallw dos Nadado· de fome Cruelciade elos co lonos os indios convertidos.
hist ori ado re . res , e concede a paz ar•s vencidos n es te lance terrivel. 219) n rsolu çiío - provisoria
Exaggera ;;ão de alguns autores submissos 209) Du v id as. - Co nsu lt am a af11n de pôr um dique ás injustiças
a respei to deste caudilho francez. 20 1) nu as ca1·tn s r eg i a~ .­ Mesa da Conscie nci a, collocando de que os indios eram victimas.
A Ratnha R egente, en tre outras a q u estão numa lu z fa ls a. Na 2:!0) Cn rta d e L e i.-Prohi be
IV co usas, recommenda a l\llen de extrema ne cess idade tudo é com · reduzi r os ind ios á escravi dão,
Sá a conversão do gentio e os mum . Difficuldades dos que per- excepto c~ tomados em gue rra
Men de Sá. , III governa.dor gera.l, jesu i tas. · deram a mulher , ig norando si e !la justa, os aymorés, e os y ue já
1557 - 72 20'2) Carta -regia á camara esLivesse viva ou mo r la. eram escravos entre os seus.
da Bahia. Proh1b e vexa r os indios 2 10) P este - na capitania de 22 1) Jll o r te - de Men el e Sá,
193) Sn a v iuda.-C hega pelos christãos e reco mm e nda os je- S Vice"te. 2 ele março de 72.
fins de 1557 . s uitas. 211) Ex [Julsão do s ft·n n cezrs 222) J 11 izo - a r espei to da
194) Se u s pl"inwiros c uida- 203) Rio d e J a n e iro 1560. - do Rio de Jan ei ro, 15 64 - 67. a dmini slraç~o de Men de Sá. Foi
dos. - Co rt ou as demandas; tiro u -- Armada vinda do reino. Men Estacio de Sá, chegando <la me- moderado e um dos melhores
o jogo; favo receu a conversão dos de Sá, apesa r da g ra nde oppo- trop ole, vae ao Rio, 64; consulta governadorec- .
selvagens,a q ue m pro h ibiu co me- sição que encont r a, vae combater Nohrega; p rocura refo rços, etc., 223) !Uo t·te - do bispo D.
rem carne humana. os fra ncezes; co ncilía e anima a em S. Vi ce nte. Os tamoyos de J pe• Pedro Leitão. Veiu em 59; falle-
HJõ) 0]1p os i çfl u - que encvn- todos. Os francezes fugi ram, não royg permanecem fieis l.unhan · ceu em 73 -
tra . Os co lvnos occ upam as terras capit ularam. bebe. l'a r t~m de S. Vi cen•e, 6 5; 224) ~I o l'te - do P. Nobrega,
dos indi os mansos, pm·que preci- 204) ~l e n d e Sá e m !'\. Vi- entram em Guanabara; traba lh am 18 de out. de 70. Muito lhe
sam ddlas! Vexam-no< por mil cen te. - Nova est rada na Serra. deba lde ; vae An chi e ta á Bahia; deve o Brasil.
mo dos e nãro são punidos! P.-im ei ro ouro; mudança da vi !la vem Meu de .. á ao Rio, 67, e
196) Cn stiga um p rin cipal de S. André para S . P aulo, ef- vence. Morte de Estacio de Sá. v
por ter comido ca rne hum a na. fecluada a pedido da camara . Salvador Co rrêa de Sá. Ilha do
Vasco Ro ~lrigues de Cnl ~las, Injusti ças poste riormente pra- Govemador . Os francezes no Re-
Successores de Men de Sá.
197) Nova s qu e i xas . - Mos- ti cadas a respe ito dos indi os. cife. 225) D . L ni z -Fern andes d e
travam-se o co lonos <;,onlrarios 205) Vol ta - Men de Sá para a 212) }' nnd ação - da nova ci - Vasconcellos, victima dos calvi-
ao governador, porque co rt á ra Bahia e dá diversas providencias. dade, 6 7. Fortificações da barra. nistas. Martyrio de quarenta jc-
as demandas, tirára o jogo, ob ri. 206) Assal t o -co ntra S. P au lo . 213) S Lon r e n ç o - e Cabo su itas, 15 70. ·
gára os e mpregados a cu mprir I 56 2 Um exe rcito imrn enso de Frio. Ararigboya. Salvador de Sá. 226) Uiv isão - do Brasil e m
com seus deveres, e porque re cu - barbaros len ta destruir S . Paulo 214) J o iw nolés.-Abuso q ue dois gove rn 'S. Conve ni o r elativo
sava repartir ent r e elles os indi os Os jesuitas armam os neophytos, alguns fazem do que, deste francez . aos indi os.
mansos, já convertidos e reunidos que, ás o rde ns de T ebi ri çá, re - escreveu o P . Sim ão de Vasco n- 2<!7) O nr . S nl e ma - vencendo
em a ldêas. pellcm b ra vame nt e os inimi gos. cellos. os ta moyos e os tupinambás, ex-
198) G u e JT:l . - M:tnd ou Men 207) Anni s li c io d e Ip e r o yg, 2 15) Hi s toria - de J oão Bol és pulsa os francezes do Cabo Frio.
de Sá lres vezes Vasco Rodrigues 1563. Os jes uit as Nobrega e An- contada peio proprio P. Anchieta. A rari gboya.
contra os i ndios de Pa rag uasst'Í, chieta vão trata r da paz com os 216) O 1•erdade iro - nome 228) J,n iz d e Brito -exte nde
q ue era m desord e iros e rebeldes. b ar ba ros de lp eroyg. Oppõe -se deste ho me m e ra-Joio Cointa, as co n quistas até o Rio R ea L
for.•m tres vi cto ri as. que subj u- A"imbi re; volta Nobrega aS Vi- senhor d e Bou !é<, fidalgo francez. 229) Entmdas. - Os colonos
garam aq uelles b:trbH••s. I s to, cente . fic ando An chi eta e m refe m . O Sr. Heitor; o pa ra doxo, etc. por meio de enganos traze m do
474 SUJ\1 MARIO SUl\l l\IARlO 475
sertão muitos indígenas. Indios VI de Barros e Ch ristovam de Bar- 265) }' ortifl r nções-n a Bahia.
de consciencia . Ferram-nos nas ros. D. Francisco muito rico, generoso
faces, etc. Estado do Bra.sil em 1581 253) C•ll if!Hi s ta -de Sergipe, e bcmqutsto .
Antonio Dias Adorno, Sebas- 89 . "frai çãodos s~lvflgens. Gue rra 21)1i) Co mm e r c in -com o Rio
tião Alvares, o Porquinho e Luiz approvhd~. tlluitos pri.ioneiros . ela !'ra ta.
236) Prog1·ess o - notavel.
Alves Espinha. O Braço de Pctxe S. Christova111. VI
Itamaracá, Pernambuco, Olinda,
e o Assento de Passaro: matança 25 1l) EutJ·ntl ns. - c~çadores
o Recife . de cscmvo s no Rio S. Francisco. Diogo Botelho, 1602-1607
de pernambucanos. 237) Bahia. - 0 gengibre . As
230) Se basti ã o da P onte, O Porquinho
egrejas, a cathedral, o< conego~. 267) Go ve rn o - ele Botelho:
I5 76 . 238) Capitani as-d o sul. Mt· severo. Dingo ele Campos Moreno .
231) Naufra g io
232) Pre lazi a - do Rio de Ja-
neiro, 1577 . Bartholomeu Simões
Pe reira.
sericordia.
239) Ortleuado - do governa-
do r do bispo, dos jesuítas.
2'40) Os j Ps nitas - possuíam
.I IV

Os inglezes no Bra.sil
2n8) ( ' ou ~el ho -cla lndi a.
:?m!) P t>sca - da baleia na
Bahia. l'edrc• ele Orecha 1603.
210) Ay ll tOI'· s-e petiguares
233) R e união, 1577. - Lou· tres collegios e diversas casas. 255) P rim e ira!'~ Vin go u ~ . ­ na Bahia. O P. Diogo 1:\unes.
renço da Veiga, 78-8 1. A instrucção era gratuita. ~l r.Hawkins O lllinton em S. Inju s tiça. etc .
234) O Porquinho e o Se11 a . 241) TI·allalliOS-e perigos. Vicente. 271 Zoro bab é--pn soe man-
-Guerra. Mallogro dos pernam- 25()) l~o utnn -e Flores Valdez. dado a Portuga l.
24~ ) Os j t>suita s - f•equenles
bucanos. veLes auxiliaram os colonos nas Drake. . 27:1) 111\' ll SÚO -dos aymorés .
235) Domínio - da I-lespa nha 257) RolJ e rto Wi hri11 gl ou ::!713) Principi o -da conversão
gue rras justas.
Desastre de Alcacer-Kibir (78) ; -lenta saltear a Bahia. dos aymorés. Alvaro da Cacho-
o cardeal O. Henrique; Fe lippe ~43) Ob s t ~ cu lo s -á conv~rsão
258) (lnvotHli s h -em Santos eira. llha de Itaparica.
Il; O. Antonio ; o duque de eram a negligencia, a nnth ropo-
phagia , o captivetro, etc.
e nu Espírito Santo, 1591. 274) H es a s tre - providencial
Alba, ele. 259) Japn e -de Lancaster na ilh 'l de ltapa r ica.
no Recife, 159 5. 'âi'l) ( '(liiVe ~ ii u -do~ aymo-
r és. O P Domingos Rudrigues.
EPOCJ\ lll 271i) Ho ll a n<ll' zes-n a B ahia.
v Moreno vae á He~panha .
DOMINIO DA HESPANHA ATÉ 1624
D. Francisco de Souza., 1591-1602
247) I':X J}e diç õ es. -
Invasão Vli
• I
dos barbaros; Luiz de Brito, 7 5; 260) l•'ran c i seo Giraldes. D. Diogo de Menezes, 1607·1612
Primeiros a.nnos Lourenço da Veiga , 78; Fruc- 261) ]). F mn c i sco. - Triplic"
tuoso Bxrbosa, 79 82. Barreto. fim 277) Se n g o1•e t·u o -Rio Gran-
244) Prim e irajnnta, 81-SB. 248) Cou s tró e - Valdez o forte 262) ~lina s. Roberio Dias. de, Pernambuco, Relação na Ba-
- As vi•s de successão. Hange l, S. Felippe, 84. CasleJOn. Gabriel Soares. hia, 1609.
o bispo e a camara. Os mestlres . 249) Di v er~as -ave nturas . 263) Pm•ah y lta - e Rio Granel~. 278) A R e la çã o -Menezes e
Náu ingleza. 250) Vi c toria·-definitivn. Ma r- F ructuoso Barbosa e D. Pedro o Bispo. De•avenças. Excom-
245) ~lnun el 'f e ll es Barre to tim Leitão. Nossa Senhora das de la Cueva. Feliciano Coelho munhão. Renda d os dízimos.
-acalma os espíri t o~. A guarda . Neves hoje capital da P arahyba. de Carvalho. Mascarenhas no 279) .lT e u l' z es -e os jesuitas.
251) 'l'r es OI·d e n !l - religiosas. Rio Grande, Coelho, Albuquer- O governadr,r accusa os jesuítas
Il
Os Benedictinos, os Capuchos e que, Ja catína, Camarão, o l'.Sam · e pede que os índios sejam de -
Conquista. da. Pa.ra.hyba. do Norte, os Carmelitas. pércs. Tres Reis Magos, ~atai, clarados livres.
III 1598. 280) rov n L e i - a respeito dos
74- 86 :.164) ]) . F r n u t i sco-cm São índios, 1609 . Decl ara-os inteira-
Segunda. Junta., 87 -- 91 Paulo , 98. O 111orro do Araçoyaba. ment e livres. RPcusam •na o go-
246) Cau s a -e princ ipio da
guerra, 74· Vexações. lniguassú; 252) Doi s gove rnadoi'l'S -:- ~áu hollandeza em Santos. Ba- vernador c os coloncs. Idéas
Antonio Salema, llacellar, etc. interinos: o bispo D . Antomo avos na Bahia e no Rio, 99. anachronicas d e Varnhagen .
476 SUMMAlUO DATAS PRINCI PAES 477
281) No,•a divi são - doBra- 289) Jornada milng rosa. - Aragãr,. Seis na vios francezes na chado. Desavenças. G overno de
siL D. Francisco dP. Souza. o sui Partem <lo Recife. Grandes diffi -
altu ra da Bahia. Batalha naval; Machado Colonos aço rianos. Es-
e as minas . D. Luiz de Souza. culdades Fortaleza . Presidio das
mo rte de Aragão; Francisco Fer- tado do P ará-Maranhão.
Reunião. Ta rt arugas ; ilha do l'eri:i; Gua -
xendd>a; o forte S. Maria. Um
raz . Caso extranho . Escandalo 304) Os j es uíta. - e os ma-
Vlll da relação e de um sobrinho de ranhenses.
t ransfuga.
Ba lthaza r Ferraz. Antonio Muniz Barr e iros capi -
290) l'rin• o iras hos tili!lmles.
Ceará e Maranhão -Uma canôa inimiga· o indio 299) F i 111 - do governo de tão-mór do Maranhão. O P. Fi-
Mandiocaptía ; um pri~ioneiro •
Gaspar de Souza. V1sita a Bahia. guelra ; tumulto ; te rmo assignado
2i:í2) l'ero Co !llhn - vae :í cI em~nstraçoes- .
llOSlis; um reco ·'
Vasco de Souza. Remuneração. pe lo jesuita; f-tia do capitão-
Serra de lbiapaba, I 603; pr ende 300) D. Lnil!l. - de Souza, mór. /\calma-se o tumulto. Go-
nhecunento j um preso. Desanimo
e man<la vender os indios amigos I 6 I 6 - I 62 1, mUJto generoso e verno de Barrei r0s.
no campo portuguez .
Nova Lmi tania. Nova L•sboa . bemqu isto como seu pae. 31J5) Pará . - J emnymo Frago-
291) ll oiT01a - dos francezes .
Abandonndo de todos, volta á
19 de nov. de 16 14· Aruficio de 30 1) Diog o - de Me ndo nça so de Albuquerque restaura a o r ·
Parabyba, passa á I lespanha, etc. Furtado, t 6zr- 1624. Henrique dem, 16 19 . Nons perturbações.
um corneta ; valor portug.Jez e
Quem foi o culpado? Corrêa. A Relação; fort1ficações. O P. fr. Antonio da Marciana ,
brasilei ro. Piziu . de Pratz, La
!!8B) 0 ; JHHir o~- Francisco Ravardiere. 302) D os into lli ge n c ias-com Maciel e Lui z Ara nha de Vas-
Pinto e Luiz F•gueira, I 6o7- I 6o8. o bispo. Os clesem bargadores. concellos.
292) Tre gna s - Correspon-
P ernambuco. Rio Grande Ceará
drncia eJJistolar; patentes ; armis ·
30G) Pl'im CÍJ'OS - governa-
lbiapaba, Maranhão . Os t~ca rijtís: xr do res do Pará- Maranhão. O P .
licio emquanto não constar da
284) Jornada - do Ma ranhão: opinião das respectivas metro·
fr . Christovam de Lisboa e os
Be rredo . Varnhagen.
poles. Relações amigaveis. I'ará- Maranhão caçadores de escravos.
28f!) Co lonizaç ão -do Ceará 29il) Qn ohra !la• tt·egnas. - 307) E ~tntlo - das outras ca·
I 6 I 1. Mart i m Soares More no ~ 303) ~laranltiio. -Mo rte de pitanias.
Reforços; novo ajuste· o forte
J acaúna. Nossa Sonhora doAm- Albuque rque Maran hão . Antonio Prelazia de Per na mbuco.
S. José; Alexandre d; Moura.
paro. Fortaleza. Dois navios ba- Os francezes entregam a ilha e de Albuquerque. Bento Mac iel 308) E tad o - moral do paiz
tavo.;. Um portuguez traidor. Parente e Domingos da Costa Ma - antes da guerra hollandeza.
tudo o mais .
294) ll e lé m d o P a r á - fundada
IX por Francisco Caldei ra de Ca<tello
Branco em I 6 16. Pedro Teixei ra.
Maranhão e I'ará 295) R e volta - dos tupinam- DATA S PRI NClPAES
bás, 16 17, de Cuman. Amaro,
28{;) Os fnlll CI' ZCS-no Ma ra- despachos, etc.
nhão. Jaques R iffanlt, Ovirapi re, SECULO XIV D escol11·im e nto de
296) ( 'al!l e ira - preso em Be- l'o rto Santo, 18 ; da
Carl os Des- Vanx, La Ravard1ere.
lém, I 6 17, pela guarnição. Assas· i\ ladeira , 20; do C.
Companhia. Capuchinhos. Can- Fundaçã" da Ordem de
sina to de A lvaro Neto. Bmnco, 4 1 ; do R . do
cale, Fernão de Noronha , ilha Christo, lO
2U7) Os j es uitas - acompa- Ouro, 43; do C. Verde ,
de Santa An na, S. Luiz do Ma- nham A lexand re de Moura e Assassina to de D. Ignez
ranhão. ele Castro , 46; das ilhas do C.
contribuem muito para a victoria. 55 Verde,6 1; dos Açores,
287) Pri mo irn - expedição Clamam debalde contra as vexa - L ei das Sesma r ias . 75
po rtugueza. Jeronymo de Albu· AcclamaçãodeD joãol. 85 31, 32 , 3 3· 44. etc.
ções feitas aos indios . Reti ram-se .
querque e 1\lartim Soares Moreno. Nasce o Infante D. ll en · P "'sngemdo C. Bojador, 33
Bahia das Tartarugas. Reforços rique, . 94 D. Duarte, . 33- 38
e victoria .
X
Lei Mental , . 34
288) Pre parat iv os - para a O Sul Bulia do papa Euge-
segnr.da expedição. Diogo ele !:' ECULO XV nio r~·, 36
Campos Mo reno. Albu querque 298) G a SlJill' -de Souza, I 6 J2- Nasce Chr. Colombo, 36
na Parahyba, Diogo em Pernam · I6 I 6, reside em 0\incla. Gover- Esco la de Sag es, I2 D . Affonso V, 38-8 1
buco. Dois capuchinhos. nadores da Bahia. Balthazar de Tomada de Ceuta, 15 Mo r re O. Hen rique , 6o
478 DATAS PRI NCIPAES DAT AS I'R l NCIPAES 479
D. J oão li,. 81 - 95 D. Pedro de Mendonça, 34 Peste na cap. de S. Vi c., D. Consta11 t ino Bai'·
S. Jorge da Mina .. 82 aufragio de Ay re da Vinda ele Estoc io ue Sá, rada~ , 4 ni ~ ])O .
Collocaçi!o do !.•padrão, 84 Cunha, 36 Primeira fund ação ela ci - Pesca da baleia,
Bartholomeu Dias, . 86-87 Ruy Mosquera em S. Vi- elade do R. d ç J., março Pero Coelho na Serra
Paiva e Covilhan, 7 cente, 37 de. da Ibiapaba, . 3
de maio, 87 Misericordia de Santos . 37 Expulsão elos francezes, Conselho ela India, 4
Descobrimento da GonçaloPizarro pa r te em Segunda fundação da ci- l\1 eneze!:-, . . 7- 12
America, 92 busca de El- Oorado, 39 dade, Nova divisão do Brasil. 8- I 2
Bulia d<> papa Alexan- Orelhana no Amazonas, 40 'Morte do P. Nobrega, D .'Fr:HlCi sco do " ouzn. 8 - 11
dre VI 93
c.,beça de Vaca em S. Martyrio de 40 jesuitas, Martyrio do P . Pinto, : 8
Tratado de Tordesil h as, 94 Catharina, Morte de M . A., Lei que liberta os indios, 9
D . Manuel, 9S· -2I Morte de Orelhana, Morte de Villega ignon, A Relaçã.> na Bahia, 9
Vasco da G ama, 97-99 Fundação de .Santos, Morte de Men de Sá, 2 Colonização no Ceará, li
Misericordin de Lisboa, 98 ABa h ia reverte á Coroa, de março de . D . Luiz d e So nza, . 11- 1 2
Hojeda , G overno central, . . Divisão do Brasil em Reunião do Brasil em
99
Pinzon, Gramatão Telles, doi; governos . um só governo, 12
99
Cabral, 500 Senabria, Bri to n a Ualtin, . Gasp nr d e Souza, 12 - ! 6
1'h om é de Souza-pa r - Salema no Rio, Expedição franceza para
te de L isboa, 1. 0 de D. F r . Antonio Bar- o Maranhão, . . 12
S ECULO XVI fev . ; chega á Bahia, r e iros, 3 B .. Primeira expedição por-
75
29 de ma rço; toma Reunião elo Brasil em tugueza na direcção do
F rola explor ador a, I 50 I , posse, l .o de nov. de um só governo, . Maranhão,. I3
49 77
João da Nova e a il ha Desastre cleAlcacer Kibir 78 Segunda, 14
da Trindade,. Visi ta official ao sul ,49-50
D.l' .F.Snrdinha, 1.' B. 52- 56 D . H e nriqu e Cat'!l.l'e i, 78-8o De r ro ta dos francezes ,
Segunda expedição , 3 Côrtes de Thomar , 20 19 ele novembro de
Fernão de Noron ha, V a e Thomé de Souza ao
3 de abril de 8I Treguns, 29 de no v. de
Binot de Gonneville, 3
Sul, 52 -5 3 Quebr a das 1reguas, r o
Ulrico Scbmidel, 53 P ri meira junta, 8 I -8 3
Mo rre Isabel a Cath. , 4 }fallnel'l'ell esBarreto, 82-87 ele julho de I5
M orre Colombo 6 H . ])n a rte da Costa, 53-57
Hans Staden, Benedictinos, Capuchos Expulsão dos francezes,
Primeira v•agem de Solis, 8 54
Noufragio de Luiz de e Carmelitas, 84 3 de novembro de I$
aufragio de Diogo Al- Conquista da Parahyba, 86 Belém do ' 'ará, . r6
vares, . lO Mel\", 54
Segunda J unta . . 87-9 ' D. J,uiz d e Souza, 16-2 1
A Náu Bre tôa, . 11 Fundação de S. Paulo, 54 Revolta dos tupinambás,
Conquista de Se rgipe, 89 17
João Ramalho, . 14 Villega ignon no R. deJ., ó5 - 59 Ca ldeira p reso em Be-
Cnvendish em Sa n tos, . 91
Segunda viagem de So- Dr. Francisco Fernandes,
n.Frnu ci ~c o tl e Souza, 9 1-92 lém,
lis,. . 15 visitador ecclesiastico, 56- 59 Morre Jeronymo de Al-
Roberio D ias , 9'
C hristovam Jaques ( 1. • D . Sebastião, 57-78 J.de Lancaster no Recife, buque rq ue Ma ranhão ,
r6 M e u d e Sn, 57-72 95
vez .), ConquistadoR. G .do N., 98 r I de fevere iro de 18
Fernão de 1\'Iagalhães, . 19 Mor re Fer não de Sá, . s8 Invasão dos aymo rés, . 98 Est. do Pará-Maranh ão, 2I
D. João I IT, 21-5 7 n. P. J.Je ilfto, 2. H., 59-73 Petiguares na Bah ia, 99 ])iogo de Meu<lonça
D. Rodrigo de Acunha, 25-28 Men de Sá nos ll héos, 59 21 -24
6o
Furtn<l(l, .
Caboto e Diogo Ga rcia, 26 Men de Sá no R. de J., A ntonio Muniz Ba rrei ros,
AleixoGarcia vae ao Pe rú, 26 Pedro de O rsúa, 6o
S. Pau lo elevado á cate-
SEClLO XVII cap itão-mór do Mara -
Christovam Jaques (2.a nh ão, . 22-26
vez), 26 gor ia de villa, 6o
Anton io Ribei ro, 28 Assalto dos selva~ens Diogo Botelho, 2- 7 n. na rcos'feixeira,5B. 22-24
Convenção de Saragossa, 29 contra S . Pau lo.
M. A. d e Souza, . . 30-33 Ar misticio de lperoyg,
Cap itanias hereditarias, 3 2 -35 Peste e fome na Ba hia,
I ' DICI<: ALPHABETJCO 48 1
A ymorés na Bahia e nn sul, Bovadilla, 20.
2 70-275 · Braço ou Espin ha de P eixe, 229 .
Ayolas , 58. Br agança, 299.
A yres Corrêa, 30. Braz Cubas, 29, I 26 1 204 .
Ayres da Cunh a, 137. Bras il eiros, 39·
INDICE ALPI-IABETICO Azambuja, 14. Bras ilienses, 39.
A1evedo (P. Tgnaci o ele). 225. Brasi z, 39·
l3retôa, 45·
n Brito (Luiz de), 226, n8 .
N. B . Os a lga rismos indicam os numeros da margem Buena l.':sperança, 58.
ou paragraphos. Buenos-Ay rcs, 58.
Bach:trel, 56, 63 , 6 7, 125.
Baepeba, 253 . l:lugre, 76.
Amaro, 29 5.
Bahia da Traição, 36. Bullas, Io.
 Am e rica, 20.
Am oip iras, 76 . Bahia ele 3. Luzia . 54·
Abaúna (raça). 75· Anchieta, 82, 175 , I77 , 20 7, 2 I4 1 Bahia de Todos os Santos, 43,
A bbeville !Claudio de), 286. 2I7 . 44, I 34, 237·
Abra de D! ogo L e ite. 73· André Gonça lves, 3I , 37. Bahia elos perdidos, 53·
Abyssinia, 18. Ango, 62. Baixos de D. Rodr;go, 55 · Caaporas, 96.
Accará, 294. Angra dos Reis, 43· Balclaga, 9· C:abeça de Vaca , 5 .
Açores, I2 . Anhangá, 96. Balthazar Rod r igues ele Mello, Cabedelo, 24 7.
Açorianos (colonos), 303. AnhanguêJ"a , 79· 296. Cabo Branco, 9·
Adafil as tor, 3 r. Anni ve rsario, 38. Bananas, 90. Cabo de S. Agostinho, 43·
A ffon sinas (o rd enações), 24. A nte- hi sto ria 1 I. Barra de Santos, 71. Cabo F ri o, 44, 213, 22 7.
Affonso de Albuquerque, 46. Ante ri o ridade, 34· Barre iros ( Ant. Muniz\ 30.1. Cabo Não, 6.
Affonso L o pes, 30. Anthropophagia, 157 , 19 4· 196. Barreiros (lll B.) , 230. Cabo Orange, 34·
Affonso Sanches, 20. Anthropophagos, 87. Barreto (Manuel Telles), 24 5· Cabo Tonnentario, I7.
Agglutinante (llngua), 79 · Anti g uid ade dos indios, 83. llartholomeu Dias, I 7. Cabo S. Maria, 43·
Agri cu ltura, 83 , 8 7, 89, I46. Antonio R od ri gues, 49· Bn.rtira, 49· Caho Verde, 9·
Ag uirre (Lopes de), I45· Araboutan, 29. Bebida, 90. Caboclo, 76.
Albu querqu e, 135. Araçoyaba, 264. Behaim, 19. <::abeto, 56.
(A ntonio de), 303 . Aragão (Ballh. de', 298. llehring, 73· Cabra l, 12 1 20, 33, 296 .
(J eronymo de), I 8 ··, Ara rigboya , 2 13, 227. Belém elo Pará, 294. Cabralia (bahia), 35.
263, 287, z88, 29 3, Arcoverde , I 35 . Benedictinos, 25I . \acociés, I 09.
29 5, 303. Arge lin os, 308. Benim, I6. Caça, 89 .
(Mathi as de), 30 ) 1 Argonautas, 1. Bent:> M aciel Pare nte, 303, 305 . Caça aos indi cs, I So, 229.
30 7. A rJstocrac ia, 26. Berbéres, I I. Caça aos negros, 9·
Al cace r-Kibir, 235. Arkangel, 56. Bermudas, 308. Cabétés, 102, I7 3·
Alcaide, 25. Armas, 99· l3ertioga, 71 , I 54· Caim ela Am eri ca, I92.
Aldêa de indios man sos na Bahia, Arraial dos Marco s, 43 . Bettencourt, I I , 303. Caipora, 96.
I94, wS . Arroz, q 6. Bino t Palmier ele Gonn., 47· Ca ité e S ouza, 299·
Aleixn Ga rci a, 57. Asse nto de Passar e, 229 . Bispos, 163, 223 1 230. Ca ldas (Francisco), 22.
Algarves, 3· Ast rolab io, 20, 22. Bjárne, I9 . Cal das (Vasco Roclr.), I 98, 200.
Al exa ndre de Moura, 293 . Assuca r, 6 r. Boa E'perança, q . Caldeira, 294.
Alju barrota, 4· Ass umpção, 58. Bojador, 6, 9· Calenda•io, 38.
Almotacé , 25 . At ahu alpa, 57 · Bo lés, (Jo ão), 2 14, 2 15 . Cali cur, 22.
Alvaro da Cachoeira, 264. Av eiro, I5 . Borda do Campo, 63, 154, 204. C:1mara, 25.
Alva ro de Ca rvalho . 264. Av es domesticas, I09. Botelho (Di ogo) , 26 7. Cama rão, 263.
Alva ro N eto. 296 . A v1z, 4· Botucudos, 87. 1 Cambebas, 11 6.
Alvaro Rodrigues, 273. Aymorés, 103. ~I
482 lNDICE ALPIIABETICO

Caminha, 301 33· Chiqu;tos, i 11. INOICE ALPHABETICO 483


Camucim, 287. Christãos novos, 308.
Cananéa, 43· Chr istovam Colombo, 20. Coutinho, 131, 134 1 205. El-D orado , 14?.
Cana ri a.s. 11 . Christovam de Barros, 25:2, 253 . Covilhan 1 I 8. Encabellado 1 115.
Cancale, 286. Ch ristovam (fr.) de Lisboa, 306. Creoulos, 146. Entalhaclores, 116.
Canna de assucar, 8, 68. Christovam J aques, 62. Cuba, 20. Ent radas, 164, 204, 219,225,300.
Canoa fistula, 43 . Chuquisaca, 59 · Cucremagbás, Io5. Epoca, 74 ·
Cão, 15. Chuy, 63 . Cueva, 263 . Erico o Ruivo, 19.
Capico, 62. Cidade do Salvado r, 147, 15 o , 191. Culto, 122. Er miil a ele Be lém, 22.
Capitão-mór da costa, 14 7. Circumcisão, 11 6. Cu ri bocas, I 46. Escravatura e liberdade, 2i7 1 280.
Capitanias hereditaria s, 120 . Civilização dos indios, 83 . Cuman, 295 . Escravos, 169 .
Capitanias do Norte, 126. Clero, 161 . Curupacé, 127. Esgaravatana, 89 .
Capitães, 123 . Coelhos roedores, 7. Cururupeba, 196. E~phera, 4, 31.
Captiveiro e liber dade, 226 Coelho, 30 1 44 , 263 . Espirilo Santo, I JI, 182, 199.
Capuchinhos, 286, 288. Cointa, 216. J) Espinha {Luiz Alv es), 229.
Capuchos de S. An tonio , 25 1. Colonia tegular, 63. Espoir de Honfleur, 47.
Caramansa, 14. Colonos, 169. Degradados, 31, 146. l~ssomeric, 47.
Caramurú, 50, 17 9 . Colonos e jesuitas, r 6o. Desastre providencwl, 27 4· Estacio de Sá, 211.
Ca ravell as, 44. Commercio, 266. Descobrimentos, 6. Estatua mysteriosa, 12
Cn rcome, 306. Comida, 90. Desmoralização, 146, 30!!. Est·>pinhan Cabeça de Vaca, 59·
Carijós, 73, r 6y. Commissões mistas, 62. Dcs-Vaux, 28o. Estreito de Behring, 73 ·
Carioca, 44· Congo, 15 . Diluvio, 96. Estreito de Magalhães, 54·
Caripunas, !l6. Confede ração dos tnmoyos, 183. Diniz Fernandes, 9· Elnographia, 7 5·
Carm elitas, 251. Co nqui sta da Parahyba, 246. Diogo Alvares, 50, I 48. L<:xploradora, (frota), 43·
Carla Regia, 201 1 202, 2 18, 2 20. de Sergipe, 253. Freire, 179. Extrangeiros, 308.
Ca rta de Lei, 220. do Cabo de S. Agos- Garcia, 59 .
Cartas de Nob re ga, 169. tinho, r So. Gonçalves, 264. F
Casa de Borgonha, 2. do M a ranhão , 287 1 Leite, 63. Fami li as, 70.
Casame ntos, 92. 288, 289, 290, 29 1. • Martins Cão, 264. Fa ri ban, I 8<).
Casque iras, 89. do Reconcavo, 172, Di reitos dos donatario~, 120. Farinha, 117.
Castanheda, 37. 17 4· Divisão, 22t·, 28 1. Farinha de guerra, 100.
Castejon, 249. do Rio G . do N. 263. Doenças, 91. Feitoria, 30.
Castello, (m orro do), 212 • Rio Real, 228. Dom Alvaro da Costa , 172 . Feliciano Coelho, 263.
Caste ll o Branco, 293 1 294. Conselho da India, 268. Antonio Prio r do Cratn, Fenton, 256.
Cnui m, 90 Conspiração, 18 7. 235 · Fernan,i' Alvares d' A nd rarle, 1 37 .
Cautchú, rr6. Consultas, 209. Francisco de Souza, 261, F't!rnando Peres, 2.
Cnvalleiros, 107. Co ntréras, 29. 28 1. Fernão de Noronha, 44 1 45·
Cavendish, 258. Co nven ção de Saragossa, 1 I. Luiz de Souza, 28 1, 300. Fernão de Sá, I 99
Ca y aguá~, 113. Conversão dos aymorés, 275. Domingos Rodrigues, 27 5· Ferrar os indios no r<osto, 229 .
Cayuby, 154. Cook, 43, 25 8. Dona Leonor, 29. Ferraz (Francisco ), 29 '1 .
Ceará, 285. Cor a l na costa da Bahia, 134· Donatarios, I 23, 137 . Figueira (P. Luiz), 82, 28 3, 304.
Ceuta, 4· Coroa vermelha, 30. Drake, corsario inglez, 248. Floripondio, IJ6.
Chabás, ~3. Corrêa (Pedro), 17 5· Duarte Coelho, 135 . Fojo, 89.
Chanesés, 109 . Correcção, 38. da Costa, 172 . Fome, 208.
Charendin s, 63. Corsarios, 22 5· Duperret, 64. Fontearabia, 62 .
Charlevoix 1 12 5. Côrtes, 23 , 235 . Durão (S. Rita), 51. Foral, 1 22.
C havante~, 75 · Corvo (ilha do), 12. Duvidas, 65, 209. Formigas (rochedos), 12.
Chaves, 63, 175. Costumes, 23, '0 7, 1!8. Fortaleza, 203, 285.
E Forte de S Felippe, 248.
Eclipses, 96. Forte dos Tres Reis M.:.gos, 263 .
I NDICE AL P HABETICO 485
484 WDICE ALPIIABETICO
Infanticíd io, I 07 1 I I 4· Legislação, 2 4.
Frade (rio do), 30, 36. Guayanazes, 76, 102. I nglezes, 25 5. Lei a respeito dos indios, 220.
Francezes, 47, 62, 63, q li, 153, Guaycurús, 76, 107. In sulae Fortu natae, I I. Lei das Sesmarias, 3·
I 84, 2II 1 29-i· Guaxenduba, 289. I nter Caete ra, 21. Le if, 19.
Frnnciscan os, 59 Guenches, 11 . I nterd icto, 278. Lei Mental, 4·
Francisco Coelho de Carvalho, Gue rra justa, 226. I nundação, I 25. Leitão, 223, 249.
306. Guerra (modo de faze r a' , 100. I per oyg . 207 . Leonardo Nunes, 175 .
Francisco Puerto , 56 . Guiana, 76. Irún, 62. Lepe (D iogo de), 34·
Frei Henri l] Ue de Coimbra, 31. I sabe l, a Catholi ca, 20. Lery, 188.
Guimarães, 295 .
Fructuoso Barbosa, 263 283. Guiné, 15, Isla nd ia, 73 · Língua dos índios, 78, r 2.
Fumar, ou beber fum o, 131 . Ita maracá, I 27, 129, I8 I . Linha d ivisoria, 21.
Gurupá, 305.
Funrhal, 8. Gurupy, 63. Itan haem, I54· Lisboa , capita l, 3·
Furtado (Diogo de i\Jend ), 30 1. l tapar y, 293· Loayza , 55·
l tati nes, 1 I 2. Lobos marinos, 9·
H
Lucayos, 20.
Haity, 20.
J Luiz Aranha de Vasconcellos, 305.
Gabriel Soares, 262 . Hans Staden, 6o, 166. Luiz de Mello, 140
J acaúna, 285.
Garcia (Aleixo), 57 . llawkins, 255 . Jacome de Bruges, 12.
Garcia d' A vila, I 65 . Heito r, 2 16. J acome Raymun do de Nor ., 306. M
Garças (ilha das), g. li P-nrique Corrê a da Silva, 301. J aguaribe, 282.
Gaspar Corrêa, 3 7 . Henrique Luiz, 130. Jaques, 62. Macachéras, g6.
Gaspar da C os ta, 277 , 278. H enrique Montes , 56, 63. J ar aguá, 204. Machado (Do mingos da C.), 303.
Ga spar de Lemos, 3 1. Hespanhoes, 34, 52 J er e ré-coara, 287. Mac hico, 8.
Gaspar de Souza, 298. lioj eda, 34· J esuítas , I$ 01 155, 168,24 0 1 293, Maciel, 303, 305.
Geo rgia Austral , 43 · [[ollandezes, 308 . 29 7· Madei ra, 8.
Giraldes, 26o. Ifollandezes na Bahia, 276. J esuítas e ma ranhen ses, 304 . Madur ei ra, 303.
Gomes (P. Man uel), 29 3. Hollandezes no A mazr.nas, 294· J esuí tas e neg ros, 171. Magalhães, 54 ·
Gonçalo Affonso, I28. Il o mi zio (direito de), 121 , 1 46. João Affonso, 4 7. Mallogros, I 38 .
Gonçalo Coelho, 44· Huaynacapac, 57. João Ango , 47. Mamelucos, I 46.
Gonçalo Monteiro, 63, 69. Hugo Capeto, 2 J oão de Barr os, 137. Mampituba, I 27.
Gonneville, 47· Hugo Roger, 47. J oão de la Cósa, 34· Mamuna, 290.
Gor é, 43 · J oão de So uza, 63. Mandiocapúa, 290.
Governador do bispado, 163. I J oão Go nça lves, 129. 18 1. Ma nuel de Souza d'Eça, 306.
Governo central, I 47 . João Lopes, 45 · Manuelino (cod igo), 24.
Governo (for ma de), 95· lbiapaba, 282. Jorn ada Milagrosa, 289. Maracayá, 2 I 1.
Goytacnzes, I 02. lbira pitanga, 39 · Ju de us, 308 Mara nhão, z86 , 303.
G ramatão Telle>, q 8. [catú, 289 . Jui z ordin ari o; Jui z de F óra; de Marcação (linha de), 21.
G ran (P. Luiz da), I íS, 2 15 . I dolo , 109. I I 7. va ra, e tc., 25 . Marcia na (o P. Fr.), 305.
Gregor io Fragoso . 292 . lgar ussú, 62 , 13 5 Juntas, 244, 2 52. Mar Dôce, 3 ~ ·
Groenlandia, I9 , 73· I v.nez de Castro, 3· Ju •'l_u iriqu eré , 127. Ma r)!alho (And ré Fern.), 264.
Grumetes, 31. Ilha do Governa do r, 21 1. Jurisdicção, 25 . Martim Affon so, 63. 124.
Guaimbé, 127 . Ilha dos francezes, 62. Jurumirim, s6. Ma rtim de Sá, 30 7.
Guajará, 294. Ilha dos Patos, 56 . Martiim Leitão, 249·
Guamá, 294. llhéos, 133 , 200 . L Ma rtyres do Brasil, 225.
Guanahan1 1 20. Independencia de Portugal, 2. Mascare nh as, 263.
C uanas, I r 4· India, 39· Lad inos, q 6. Ma tan, 54·
Gua ranys, r o6. Indios, 39, I 52. L a ncaster , 259. Matança, 10 1.
Guarany (língua), 76. In fanções, 26. L a Pélerin e, 64. Ma theus Nunes, 223
Gua rarapes, I8o. Infame D. Henri q ue, 5·
486 INDICE ALPHABETICO INDICE ALPHABET!CO 487
Mayaguana, 20. Norte (costa do), 48. Papana2es, I02. Precedencia, 267, 278, 302.
Melchior Ramirez, 56. Nova Lei a respeito dos indios,280 Paraguassú, 50. Preços baixos, I25.
Melinde, 22. Nova Luzitania, I35• 282. Paradoxo, 216. Prelazia, 2JI, 307.
Men de Sá, I93, 222. Nueva Andaluzia, I 44· Parahyba, I30, 147. Preste João, I6.
Mendonça (D . Pedro), 58. Numero dos índios, 77 . Parlamento dos indios, 95· Princezas, 20.
Mendonça Furtado, 301. Nune; (padre Diogo), 270. 293· Paschoal (monte), 3"· Provedor-mór 1 I 49·
Menelau, 307. Nunhes (Diego), I39· Pastoril (p eríodo), 83. Purús, II6.
Menezes (D. Diogo), 279. Nuno Manuel, 43 · Páu brasil, 39, 45·
Mesa da Consciencia, 26, 209. Nuno Tristão, 9· Páu brasil aparado, 37,
Paulo Nunes, 63. R
Mestéres, 244.
Metaes, 87. o Paulo Affonso (cachoeira de),233.
Ramalho, 49 1 67, 179 .
Metempsycose, I I 6. Paulo III, 119.
Mina (S. Jorge da), I4 . Obrigações dos donatarios, I 2I . Payaguás, 10 5· R a mirez, 56.
Minas, I62, 262, 28 I. Obstaculos á conversão dos in· Pedro Alliacus, 20. Rangel, 244 1 289.
Minion (navio inglez), 255 . dios, 243 . Percaauri, 63 . Rapé , I 16,
Misericordia de Lisboa, 29. Olinda, I35· Pereatrello, 7. Rasilly, 286.
Misericordia de Santos, 29, 126. Omaguas , I I 6. Periá, 286, 2!S9. Ratier, I 86.
Missa no Brasil ( r.• e 2 a), 31. Ordas (Diego), I 41. Pernambuco , 53. 56, I 35. I8o, Ravardiere, 386.
Moçambique, 22. Ordem de Christo, 3· 307. Regimento, I 49
Ordenados, 239· Pero C oelho, 282. Relação da Bahia, 277, 278, 302.
Mojú, 294· Religião dos índio s, 96.
Molucas. 2I, 54· Ordens religiosas, 25 I . Pero d' Alem quer, 22.
Mombaça, 22 . Ordens religioso-militares, 28. Pero Lopes, 63, I27. Resgatar, resgate, etc., I 3·
Mondurucús, 75· Orecha (Pedro de), 269. Pesca, 89, Resumo (em), 32.
Monosyllabica (língua), 79· Orelhana, I 43, I 44· Pesca da baleia, 269. Reun ião, 233, 28I.
Montes (Henrique), 56. 63. Orelhas furadas, I09. Peste e fome , 2o8; 2IO. Revolta, I74 1 I8o, 295.
Montoya (o Padre), 82, Origem dos índios, 73· Pindam o nhancaba, 89. Ribeiro, 30, 62.
Ornato dos indígenas, 88. P~nto (padre Francisco), 283 .
Ri cos homens, 26.
Moquem, 89.
Orsúa (Pedro de), I45 · Riffault, 286.
Moradias, 26, 54• Pmzon, 20 1 34, 52.
Morales (Franc. de), 250. Ortiz, 20, 30 . Piqueroby, 49· Rio de Janeiro, 43, 203, 2I 1.
Moreno, 267, 276, 285, 287, 288. Ourique (Campo de ), 2. Rio do Frade, 30, 36.
Piragyba, :.<29, 249·
Ouro, 9, 18o. Rio do Infante, I7.
Morubixaba, 90, 95 · Pirajá, I 74.
Ouvidor geral, I47 1 I49· Pirantintins, IOJ. Rio do Ouro, 9·
Mouchez, 35·
Munim. 289. Ovirapire, 286. Piratas, I 46. Rio Gr. do N., 263.
Musica entre os índios, 86. Oyr pock, 34, 40. Piratininga, 63, I54· Ri o Real, 228.
Pizarro, I42. Rio S. Miguel, I73·
N p Riquezas mal adquiridas, 58.
Piziu, 29I.
Polvora (fabrica de), 307. Roberio Dias, 262.
Namôa, 47· Pacifico, 54· Rodrigo d' Acunha, 55 ·
Pacova, 90 . Ponta de Olinda, 63.
Não (cabo), 6 . Rodrigues Martins, 253·
Padrão de pedra, 40. Ponta do Padrão, 43·
Nascimento, 92. Rocha (ilha grande de), 43·
Negus, I8. Padre do Ouro, 180. Porquinho, 229, 234, 254.
Porto de D. Rodrigo, 55· Rohan, 35.
Neolithico (periodo), 83. Padroado, 162. Romero (Francisco), I 33·
Padrões, I 5· Porto de Martim Affonso, 63.
Neves (N.a S.a das), 250. Ruão em 1509, 47·
Nicoláu Coelho, 30. Padrões de Cananéa, 66. Porto de S. Cruz, 35·
Porto Santo, 7, I 8, 308.
Nitreiras, 307.
Nobrega, I75, 207, 2I I, 224 .
Pagé, 98 .
Paiva, 18 , 176. P orto Seguro, 30, 35 , IJ2 . s
Paleolithico (período), 83. Posse, JI.
Nolle, 9·
Paios, 20. Poty ou Camarão, 2li3, 289 . Sagres (es co la de), 5·
Nomes, 39, 93 · Pratz, 287. Sal usado pelos índios, 90.
Noronha 45, 306. Ponta do padrão, 43·
488 IND!CE ALPHABETICO INDICI:<: ALPHABETICO 489
Salema no Rio, 226, 229, 246. T Urussnm irim , 22 I . I w
Salitre, 254. Usos, costumes. etc, 23, 87, I I8.
Utensilios domesticos, 85, 1 I8. Withrington, 257.
Salvador Corrêa de Sá, 2I I . Tabajares, I 02.
Samorim, 22. Tabas, 84. X
Sampéres (padre), 263, 283. Tamoyos, 76, I83, 206, 227 v
Sant' Anna, 286. Tapêra, 84 Xaquecés, 109.
Valdez (Diogo Flores), 248.
Santa Cruz, 39· Tapuya, 75 . Xarayes, Io8, 11 0 .
Tartarugas (bahia das), 287. Vasabarris, 43·
Santa Maria, I2, 40. Vasco da Gama, 22.
Santo Amaro, I 27, I28 . Tebiriçá, 49, I54 , 206. y
Vaseo Rodrigues Caldas, Ig8.
Teixeira (D. Marcos, B.), 305.
Santos, 126, 154. Teixeira (Pedro), 294, 302. Vasconcellos. 225, 305. Yrala, 59·
São Christovão, 2 53 Teixeira (Tristão V az), 7. Vaux (D es), 286.
> Domingos, 20.
Gabriel, 55·
Temininó, 76. Veiga, 223.
Venner, 259.
z
Terceira (ilha), I2 .
João, 45. Vera Cru z, 3g . Zaire ou Congo (rio), 15.
Thevet, I 88 .
Jorge da Mina, I4 Vespucci, 20, 34, 43, 44· Zamora (paz de,', 2.
Thoar (Sancho de), 30.
:. José (bahia de), 289. Vias de Successão, 244· Zarco (João Gonçalves), 7.
Thomé de Souza, I47· 1
, Lourenço, 2 12. Victoria, IJI 1 134, I47· Zebú (Ilha de), 54·
Tibery, 249. Zeni, 19.
Luiz, 286.
Tidor, 54· Villa Velha, 50, I3I, I34, I47·
Mamede, 2. V illegaignon, 184- I93. Zorobabé. 271.
Timbués, I04.
-. S. Miguel, I2. Vineland, I9 73· Zurinas, n6 .
Titulos, 27 .
.» Pau lo, 176, I78, 204, 206. Tordesilhas, 2I 1 42.
Salvador, 20. Tormenta, 3I.
Sebastião. 21 1. Tormentario, I 7.
Vicente, 43, 56, 63, I24 1 I 25. Toscanelli, 20.
Saragossa (co nvenção de), 21. Tourinho, I3 2.
Sardinha, primeiro B., I63, I 72, Trabalhos, 82, 8g.
173· Tradição, 5 I.
Schmidel, I67. Traição (bahia da), 36.
Sebastião Alvares, I35· Treguas, 292 .
Sebastião da Ponte, 230. T r emembés, 297.
Sebastião del Cano, 54, 55· Tres Reis Magos (forte dos), 26 3.
Sebastião Martins• 288. Tribus aquaticas, I08.
Selvagens e jesuitas, I 56. Tri ndade (ilha da), 46.
Senabria, 6o. T ri stão Vaz Teixeira, 7·
Sepulchros, 94. Tronco primitivo, etc., 73·
Tuchnú, 47.
Sergipe, 253.
Tucun as, I 16.
Serigi pe, I 86. Tuim Mirim, .282.
Serinhaem, I 8o . Tumiarú, 49·
Serpente enorme, 58 . Tupinambás, 76, 227.
Sesmarias (lei das), 3· Tupiniquins, 30, I02.
Simões Perti ra, 23 1.
Sitio dos Marcos, 56. u
Silveira, 47, IJ o.
Solis, 52, 53· Una (hospicio de), 307 .
Soromenho 282. Universidade, 3·
Sumé ou Thomé, 97. U manas, I 16.
!NDICE BREVE 491

l!I VIII

Segunda J unta, . . pag. 345 Ceará e Maranhão, . pag. 381

INDICE BREVE IV !X

Os inglezes no Brasil, . pag . 3-48 Maranhão e Pará, . pag. 390

EPOCA li, 1549 - 1681 v X


INTRODUCÇIO
Primeiros governado res O Sul, · . pag. 414
D . Francisco de Souza, pag. 355
I XI
Portugal, . pag. VI
Thomé de Souza, . . pag. 187 Pará-Maranhã o, . . pag. 421
Diogo Botelho, pag. 362
Jl Carta do P. L. Figueira pag. 436
II Summario, . . . 465
Factos que levaram ao VII 477
Datas pnncipaes, .
descobrimento doBra- Procedimento dos pri- Indice alphebetico, . 480
meiros jesuítas, pag. 215 D . Diogo de Menezes, pag. 373
si!, pag. 5
III m
D. Duarte da Costa, pag. 227
Usos e costumes de P or-
tugal, . pag. 25
IV
EPOCA I, 1600 - 1549 Men de Sá, . pag. 256

Tempos p rimitivos da v
histor·ia d o Brasil
Successores de Men de
I Sá, . pag. 307

Descobrimento doBra- VI
sil, . pag, 30
Est~do do Brasil em
1581, pag. 322
II

Prime iras explorações, pag. 49 EPOCA 111, 1681 - 1624


Domínio da Hespanha
III
I
Povos que habitavam o
B ra~il na epoca do Primeiros annos, · pag. 331>'
seu descobrimento, pag. 93
li
IV
Conquista da Parahyba
C apitanias hereditarias, pag. 144 do Norte, . p~g. 336
--.-----------------------------------------------------------------------

,
ERRATA
- - -- ---
Pag . Li11IL. Erros Correcrões
2 24 46 40
í! 32 Zarnara Zamora
17 37 1447 1477
17 39 1884 1484
73 28 curtindo cortindo
97 37 guianazes guaianazes
98 14 provem provém
101 34 Tupa Túpa
103 7 iaúa ra Jauára
104 15 e o suffixo e o suffixo, ou sinão que
o B ele taba seja s ubsti-
tu ido po r um P; que no
quarto se colloque um
R, e no quinto um qu
entre o nome e o suf-
fix o.
107 28 brasileira brasilica
107 32 contempraneas cornt em pora neas
112 33 patinguá patiguá
121 5 Un:táu Urutaú
122 36 quas quasi
129 15 Tabyra Tabira
• 1t)4 42 Maroin Marim
226 3 escravataura escravatura.
229 30 outra a a outra
272 34 1559 1560
::!90 8 1565 1564
349 5 Caramarú Caramurú
349 11 1576 1579
350 27 240 2-18
354 24 Lencaster L a ncaster
360 7 graus grãos
364 9 se dá se dão
PELO MESMO AUTOR

Historia do Brasi4 em seis volumes.


Licções de Historia o Brasi4 3.a ed.
Orammatica lng/eza, 4.a ed.
Compendio de Historia Universal, 4.a ed.
Breve Historia do Brasil destinada ás creanças
do curso preliminar.
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N. B. - O autor declara ter cedido a propriE:dade de


todos os seus I ivros á Sociedade Brasileira de Educação . ·.
Entende, portanto, reservar para ella todos os direitos de
propriedade que a lei lhe faculta .
Declara tambem que todos os livros depositados em
nome delle nas diversas I ivrarias pe-rtencem á mencionada
Sociedade, a qual os poderá reclamar quando julgar oppor-
tuno.

·---
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-
AVISO

Acham-se estes livros em São Paulo, nas


casas Francisco Alves., Duprat & C., Oarraux,
Rothschild & C.,; em Campinas, Livraria Oe-
noud: no Rio de Janeiro, nas casas: Francisco
Alves., Rua do Ouvidor, 166; Gomes Pereira,
Rua do Ouvidor, 91; ]. Briguiet & C.; Rua
Nova do Ouvidor, 23; em Pernambuco, Ramiro
M . . Costa & Filhos; em Porto Alegre , no Rio
Grande do Sul - na casa Selbach.

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