Barra do Corda
na História do
Maranhão
“Procurando ser claro, terei que incorrer
inevitavelmente em repetições frequentes.”
[Albert Einstein]
O autor
HOMENAGEM À FAMÍLIA
Em janeiro de 1992, comecei a escrever este livro. Minha mãe,
Raimundinha Pinheiro Brandes, lúcida aos 86 anos,
prestou-me ainda muitas informações. Em julho,
Deus a levou. Órfão, disse:
Mamãe!...
Entre as flores
Que cultivastes na vida
Ficaram as saudades.
E, por fim, ainda com D. Felipe (p. 411): “Proclamada a República, o Internúncio
Apostólico do Brasil, em nome do governo, pediu Capuchinhos para o Amazonas. E, em
1891, o Provincial de Milão aceitou a proposta. A 24 de abril de 1892, chegaram a
Recife os primeiros missionários. Não se achando com coragem de ir para o Amazonas,
ficaram com os índios do Maranhão (Barra do Corda).
Esses frades foram frei Modesto de Taubaté e frei Fidélis de Primerio. Viria, em
seguida, de Recife (onde era Superior de sua Ordem), frei Carlos de São Martinho, que
desembarcou em São Luís a 16.8.1893.
Em dezembro de 1894 chegou frei João Pedro de Sexto. Mandados os frades
para a Barra do Corda, ali assumiram, em 6 de junho de 1896, não só a Paróquia, como
a Missão de Alto Alegre.
Assim, ficam alinhados mais estes frades na Paróquia de Barra do Corda: frei
Modesto de Taubaté, 1892; frei Fidélis de Primerio, 1892; frei Carlos de São Martinho,
1893; frei João de Sexto, 1894; frei Carlos de São Martinho, 1895.
Tudo indica que o Superior da Ordem foi frei Carlos, posto que já ocupava em
Recife. De 1895 a 1901, época de Hecatombe, os frades da Barra do Corda terão sido
aqueles que foram vitimados pelo ataque dos índios.
Barra do Corda na História do Maranhão é obra de fôlego e põe muitas luzes nos
primórdios da conquista e civilização do Maranhão central.
O périplo de Melo Uchôa, os primeiros colonizadores, as lutas políticas a partir
da instalação da vila e município, as estradas, o comércio, navegação, comunicação
telegráfica, jornais e jornalistas, parlamentares e intelectuais de renome, tudo isso
desfila em narrativa de apurado vernáculo, na obra de Galeno Brandes, ele mesmo
descendente de antigos colonos que deram vida e força a Barra do Corda nos seus
primeiros passos na História do Maranhão, ele mesmo um dos notáveis das letras na
terra de Maranhão Sobrinho.
Barra do Corda, como de resto o sertanejo vindo das bandas áridas do Nordeste,
não era dada à escravidão. Belo exemplo! O trabalho da raça e da cidade era exercido
por homens brancos, na sua maioria. O escravo pouco contava.
No seu livro Caminhos do Gado, Edições SECMA, São Luís, 1992, Maria do
Socorro Coelho Cabral comprova que, no ano de 1862, para uma população de 584
habitantes, Barra do Corda só dispunha de 72 escravos. E, dez anos depois (1872), com
uma população de 2.538 habitantes, só existiam 312 escravos.
Isso não ocorria em São Luís e Alcântara, na mesma época, porque os números
eram precisamente inversos.
Ciosas das liberdades públicas e dos avanços sociais em regimes democráticos,
São Luís (Casemiro Dias Vieira e Paula Duarte), e Barra do Corda (Isaac Martins e
Dunshee de Abranches) foram os centros propulsores dos ideais de regimes livres.
Diga-se, em abono da verdade, que o jornal O Norte, de Barra do Corda, influenciou
todo o Sertão maranhense com sua pregação republicana, com mais vigor e talento
doutrinários do que O Globo, de Casemiro e Paula Duarte, na Capital.
O Maranhão, cujo primeiro donatário foi o historiador João de Barros (autor das
Décadas), e cujo primeiro Presidente da Câmara foi também o historiador Simão
Estácio da Silveira, seguiria essa nobre tradição com os nomes aureolados de Claude
d’Abbeville, Yves D’Evreux, Bernardo Pereira de Berredo, João Francisco Lisboa, frei
Francisco dos Prazeres, Antônio Henriques Leal, César Marques, Visconde de Vieira da
Silva, Barbosa de Godóis, Antônio Lopes, Jerônimo de Viveiros, Domingos Vieira Filho,
Mário Martins Meireles, geração que vem sendo seguida por esta outra que desvenda
os pequenos burgos do interior. Nesse novo grupo, destacam-se Jomar Moraes, Eloy
Coelho Netto, José Teixeira, Sá Barros, Benedito Buzar, Paulo Oliveira, padre Brandt,
Sávio Dino, e, agora, Galeno Brandes.
A estes coube a tarefa de ir unindo, ponto a ponto, as trajetórias históricas de
suas cidades e regiões, e de tal sorte essas pontas se juntam a outras, que dentro em
breve a História Regional do Sul do Maranhão, a História Regional do Litoral, a História
Regional do Médio Itapecuru e Médio Sertão, a História Regional da Baixada e a
História Regional do Baixo Parnaíba servirão de base única e definitiva para a Grande
História Geral do Maranhão, com riqueza de detalhes, revelações surpreendentes e
registros de alta significação.
A Galeno Brandes coube a Barra do Corda. A Jomar Moraes, São Luís. A Sálvio
Dino, o Grajaú. A Eloy Coelho Netto, de Balsas ao Riachão. Ao autor destas notas, a
futura História de Imperatriz, já em vias de publicação, a que se somam as Histórias de
Coelho Neto e Caxias, já publicadas. A Paulo Oliveira, Araioses, Tutóia e Guimarães. A Sá
Barros, Penalva.
Demo-nos, assim, as mãos. Num longo e histórico abraço. Numa louvação e
cantigas de bem-querer ao novo confrade Galeno, já incorporado nessas lidas
cansativas, mas gratificantes.
Saudemos, com palmas e louros, o ingresso de Galeno Brandes no pequeno
grupo de teimosos que não quer deixar morrer a memória deste belo Maranhão.
Livros, muitos livros, é de que está necessitando o Maranhão. E seriam todos
benditos os que, ao invés da semeadura do ódio, da desesperança, da vindita e da
desenfreada deterioração moral, que experimentam o Brasil e o Maranhão neste final
de século, semeassem, como o bom semeador do padre Antônio Vieira, livros, muitos
livros, assim como profetizou Castro Alves, nesse poema de todos os tempos, e para
todas as gerações, intitulado O Livro e a América:
MÍLSON COUTINHO
(da Academia Maranhense de Letras)
Cimento do respeito à verdade
A memória me leva aos fatos passados, no pacato burgo onde nasci, no ano de
1930. Fixações e evocações naturais da atmosfera de lembranças em que me deixo
envolver esbarram na angústia da implacabilidade, da era que passa e não volta,
jamais.
Recordações das manhãs dos meus tempos de menino curioso e irrequieto, às
quais só consigo volver a parte dos meus sete anos. A cidade, tão pequena, facilitava
para que as pessoas se conhecessem pelo nome, de tal sorte que o relacionamento
interpessoal ganhava aquele calor afetivo, que entrelaçava e ajudava a formar
sociedades, nos pequenos lugares do Sertão e das vilas ribeirinhas.
Plantada no vale delimitado pelos rios, tudo se deixava envolver por matas
virgens, que cobriam os seios salientes das serras circundantes, vendo-se a Leste, bem
no colo simétrico da paisagem, o Crucifixo do Calvário, onde a mão do santo
missionário europeu plantou o Cruzeiro que serviu na formação do primeiro nome do
lugar e de pedra fundamental da igreja de Nossa Senhora das Dores, que mais de um
século depois viria a ser construída por frei Adriano de Zânica.
Ah!... Meus anos livres e leves de menino... Lembranças velhas que não morrem
nunca, porque se conservam irrigadas pelo orvalho das saudades da infância, dos
companheiros de outrora, muitos que já atravessaram os umbrais da Eternidade... Irmã
Helena, a professora das primeiras letras, condutora de gerações de barra-cordensses,
no processo de aprendizagem. O velho prédio da Escola Paroquial Pio XI, uma espécie
de Teatro em linha colonial portuguesa, palco dos ensaios da Banda de Música São
Francisco, em que estava presente a figura do maestro Moisés da Providência Araújo,
austero, preparando para as retretas um repertório mais italiano do que brasileiro.
Nas minhas noites de luar, costumava ir à casa de meu avô, major da Guarda
Nacional Gerôncio Raimundo Nava, que morava no bairro Altamira e recitava de sua
lavra, entre outras, a quadra:
“No cume d’aquela serra
Plantei um pé de roseira.
Quanto mais a rosa brota
Tanto mais o cume cheira...”
À época, eu, mais interessado pela história do que pela Poesia, questionava
quanto aos fatos que ainda estavam vivos no sentimento do barra-cordense: o barulho
dos índios em Alto Alegre.
Outras recordações. Quem nasce em Barra do Corda ou nela passa a sua
meninice nas escapa das alegrias e dos folguedos dos banhos do rio Corda. Distrações
que, desde os mais antigos, se denomina: “descer por água”. Sobre salva-vidas
improvisados de troncos de bananeiras, descia-se da Floresta até o Curral do Conselho,
passando pelos portos de Banho, Pintinho, Lopes ou Carnaúba, Porto do Bandeira,
Dona Justina, Canadá, Beco dos Presos, Sumaúma, Beco das Freiras e Sapucaia, portos
históricos da cidade. À tarde, nestes logradouros, ornamentados por gameleiras,
taquaris, taboqueiras, aquáticas aningas, sentia-se dos destroços de galhos secos de
malva, ingazeiras, ingaranas, folhas caídas e arrastadas pela correnteza, ao fundo das
águas, aquele perfume, uma espécie de cheiro de beira de rio ao entardecer! Na minha
impressão de criança, só em Barra do Corda havia aquele fenômeno.
Os amigos de minha rua e geração... Os Pires, os Queiroz, os Cruz e os Milhomem
e tantos outros. Formávamos um bloco irreverente. Não obedecíamos aos pais, quando
da passagem de um circo pela comunidade. Note-se que não havia maior
acontecimento no Sertão do que a presença do Palhaço, com todos os trapezistas e seu
aparato circense.
Lá comparecíamos, pelas vias, participando ao vivo da cena:
– “Hoje tem espetáculo?”
– “Tem, sim, senhor!”
– “Sete horas da noite?”
– “Tem, sim, senhor!”
– “Arrocha, rapaziada!”
– “Uê!... ê!... ê!...”
Aborígenes
Os primeiros habitantes – As grandes nações indígenas – Os
ameríndios remanescentes no Maranhão – As origens das tribos
cordinas – Fixação dos Canelas e Guajajaras.
Entre eles havia grandes lutas internas pela conquista das lideranças tribais. Por
isto, as nações se dividiam em famílias e estas em aldeamentos, malocas e grupos.
Os Jês, que deram origem aos Canelas, eram nômades e acredita-se que
antecederam aos Tupis, quanto à chegada na região. Estes, entretanto, mais evoluídos,
quase sempre saíam vencedores nos combates. Forçavam, com isto, a penetração dos
Jês pelo interior da Província.