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Galeno Edgar Brandes

Barra do Corda
na História do
Maranhão
“Procurando ser claro, terei que incorrer
inevitavelmente em repetições frequentes.”
[Albert Einstein]

“Um povo que desconhece sua própria história,


por mais bravo e generoso que seja, é como
um adulto que ignora sua origem, sua infância,
sua formação e, portanto, seu próprio destino.
Não tem identidade. É um povo alienado – no
sentido etimológico da palavra.”
[José Joffily, Revolta e Revolução, p. 52]

“Barra do Corda, terra heroica e heráldica.”


[Pedro Braga Filho, da Academia Maranhense de Letras]

“Urge inserir Barra do Corda na História do


Maranhão, antes que o Sol do Século XX
desapareça no horizonte da nossa existência fugaz.”

O autor
HOMENAGEM À FAMÍLIA
Em janeiro de 1992, comecei a escrever este livro. Minha mãe,
Raimundinha Pinheiro Brandes, lúcida aos 86 anos,
prestou-me ainda muitas informações. Em julho,
Deus a levou. Órfão, disse:
Mamãe!...
Entre as flores
Que cultivastes na vida
Ficaram as saudades.

A Florêncio Brandes da Silva, meu pai, pela valiosa lição que me


legou, de cultivar a gratidão e o desprendimento.

A Alda, com quem casar-me-ia novamente, se possível


fosse, para tudo começar.

Às filhas Clície e Léa,


primeira e última flor do jardim dos meus afetos.

Aos netos, Galeno, Delano, Milena, Suélen, Diogo e Bianca,


que renovaram os meus desejos de viver.

Ao meu saudoso clã – os irmãos Austregésilo, Jener, Francisco e


Carlyle; à memória de Fany, Léa Brandes de Miranda, Herbeth,
Maria Emídia Brandes Caldas e Maria da Graça,
O apreço fraterno pelos que vivem e as eternas recordações
Daqueles que se foram.
HOMENAGEM AOS LÍDERES
Ao Excelentíssimo ex-governador Edson Lobão, jornalista brilhnte
no cenário nacional, que, pela vontade soberana do povo
maranhense, governou nosso Estado,
o que fez com espírito público, competência
e desprendimento incontestáveis.

Ao Excelentíssimo Sr. Dr. José Sarney, homenagem cativa nas


lembranças de Barra do Corda. Sua ação ultrapassou
a História do Maranhão e do País, ingressando
no contexto internacional.

À memória de Dom Frei Marcelino de Milão, cujo nome ficou de pé


ante os berços dos nossos filhos e netos, e brilhará nas
escolas e nos templos que ajudou a edificar.

Ao Sr. deputado Carlos Braide – Presidente do Legislativo Estadual


– de 1991 a 1992 – com a gratidão e estima pelo
Incentivo e apoio que dispensou ao autor.

Ao conterrâneo Dr. Carlos Alberto Milhomem, ex-secretário-chefe


da Casa Civil do Governo do Estado, um dos remanescentes
do clã dos Milhomem, que participaram,
neste século, da nossa história.

Ao jornalista Antonio Carlos Gomes de Lima, fundador do jornal


O Pássaro, que voou discretamente do ninho e das oficinas do Colégio
Nossa Senhora de Fátima, de Barra do Corda,
alcançando altitudes notáveis como verdadeira
águia da comunicação maranhense.

Ao historiador Mílson Coutinho, um mestre notável;


um imortal vivo, digno de ser seguido e citado.

Ao astro Jomar Moraes, verdadeira fonte da cultura


contemporânea e maranhense.
Ao deputado Ivar Saudanha, amigo de meu saudoso marido,
o reconhecido agradecimento de toda a família, pela sua
espontânea colaboração financeira, pós-morte,
da presente obra, certa de que, se Galeno estivesse
ainda entre nós, o faria comovido.

Alda Lopes Brandes

HOMENAGEM AOS COLEGAS E COLABORADORES


Aos professores e alunos de todos os meus tempos. Eles foram
a matéria-prima deste trabalho. Com eles, tenho
pesquisado ao longo da vida.

Ao arquivista Justino Soares de Abreu, pelo amor com


que trata dos dados da nossa história.

A todos que, direta ou indiretamente, trabalharam e trabalham pelo


desenvolvimento de Barra do Corda, terra que nos viu nascer.

À memória de tantos que já se foram, que aqui tenham nascido ou


por aqui transitaram, participando da nossa vida.

Ao barra-cordense, conhecido ou anônimo, que vive longe da terra


onde nasceu, mas que dela se orgulha e sente saudades.

Aos senhores professores João Pedro Freitas da Silva, Raimunda


José Pereira da Silva e Iolanda Nepomuceno Silva, pela prestimosa
ajuda na coleta de dados e de informações.

Aos auxiliares de pesquisa, José Hermes Mota da Silva e Raimundo


João Lima Ribeiro, pelo carinho com que
exerceram as suas atividades.
PREFÁCIO
Barra do Corda é uma pérola engastada no abraço eterno do Corda e do Mearim,
na grande barra formada pela junção desses dois belos rios da hidrografia maranhense.
Conhecer Barra do Corda, situada a 5° e 3’ de lat. merid. e 47° e 6’ de long. ocidental
implica em perquirir, mesmo em pinceladas ligeiras, esses grandes cursos d’água que
dão vida, riqueza, comunicação, alimento e pujança ao Sertão maranhense.
Em 29 de dezembro de 1614, Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière,
lavrou, do próprio punho, uma Relação de suas conquistas na França Equinocial. Dessa
peça rara, publicada por João Francisco Lisboa, retirei estes trechos sobre o rio
Mearim:
“Logo que a nau Regente foi partida, que foi em oito de dezembro de 1612, no
mês seguinte (janeiro de 1613), mandei ao Meari(m), rio aqui vizinho, quarenta
franceses buscar os Tabajaras, que estavam 200 léguas daqui sem haver deles alguma
notícia...” (Não seriam esses índios os ancestrais dos Guajajaras?)
La Ravardière autorizou mais quatro viagens às cabeceiras do Mearim, mas
depois de cerca de 8 meses, conseguiu trazer para a Ilha de São Luís os aguerridos
Tupinambás. No ano de 1750, ordenou o Rei de Portugal ao governador Francisco
Pedro de Mendonça Gurjão (1747/1751) que mandasse descobrir o rio Mearim até as
suas cabeceiras, indo na missão alguns padres jesuítas.
É fato que a expedição teve sucesso, pois, a 10.6.1755 o governador Francisco
Xavier de Mendonça Furtado escrevia à Corte informando que “João Pereira Brandão e
José Monteiro Guimarães” viajaram até as cabeceiras do Mearim, e revelaram que “nas
ditas campinas onde nascem ambos os rios (Grajaú e Mearim), estão as cabeceiras dos
rios Pindaré, Turiaçu, Gurupi, Guamã, Capim e Moju”.
Já se sabe que, em sua nascente, o Corda, afluente do Mearim, tem o nome de rio
Capim. Assim, as cabeceiras dos rios, que se juntam na Barra, que deu origem à vila e
cidade de Barra do Corda, já eram conhecidas desde os longínquos anos de 1613.
A sua conquista, todavia, é que demandou tempo e coragem, afinal, desfechada
pelo intrépido Melo Uchôa, matéria lavrada a fundo pelo pesquisador Galeno Brandes.
O autor de “Barra do Corda na História do Maranhão” garimpou tudo o que lhe foi
permitido na exaustiva pesquisa empreendida. Barra do Corda desfila, dos seus
primórdios aos dias correntes, em todos os seus aspectos políticos, econômicos,
religiosos, culturais e sociais.
Todos os capítulos chamam a atenção do leitor pela densidade de informações,
apanhadas quase todas na chamada fonte primária, isto é, o documento do cartório, o
alfarrábio, a ata, o livro de registro. O autor adotou um sistema de agrupamento, em
capítulos, dos temas abordados, numa espécie de rosário em que não falta uma conta.
Lastima-se Galeno, com toda razão, do desfalque dos arquivos, da raridade de
peças e documentos essenciais à obra, de registros imprescindíveis ao esclarecimento
desta ou daquela situação.
No capítulo referente à Formação Religiosa, por exemplo, queixa-se da ausência
de registros dos vigários da Barra do Corda até o final do século XIX. Galeno Brandes
alinha estes Frades: 1870, frei José Maria de Loro; 1876, frei Antonino de Reschio e frei
Carlos de São Martinho, 1894/1896.
Ponho, aqui, um ponto de luz nas dificuldades do grande pesquisador, valendo-
me de D. Felipe Conduru Pacheco, in “História Eclesiástica do Maranhão”, (DCE, 1968).
Diz o Bispo-escritor, na página 410: “Em 1869, frei José Maria de Loro,
capuchinho, foi transferido de Botucatu (SP), para Barra do Corda (MA), onde
organizou a aldeia Dois Braços, de cujo trabalho indígena providenciou farinha para
muitos famintos por ocasião da grande seca”. Negociantes ambiciosos o caluniaram de
açambarcar o comércio, pelo que teve de justificar-se junto ao Governo da Província,
mudando-se, após justificado plenamente, para o rio Grajaú, onde fundou a colônia Rio
Torto, em breve desaparecida com o falecimento de frei José de Loro, em 1884, vítima
de paludismo.
Diz mais D. Felipe, que, após frei Loro, frei Antonino de Reschio evangelizou o
Sertão maranhense. Mas foi igualmente destratado por inimigos gratuitos, e, por isso,
retornou a Roma, onde exerceu o cargo de Superior das Missões Estrangeiras. A ele
cabe a honra da fundação da Missão Capuchinha no Maranhão. (p. 411).
Revela, ainda, D. Felipe: “Frei Loro fundou a Colônia Dois Braços. Frei Reschio
procura revivê-la. Frei Carlos de São Martinho, em 1895, se transfere para Alto Alegre,
14 léguas de Barra do Corda, assentando ali o centro da Missão, em razão de achar-se
perto da aldeia dos Guajajaras e dos Gaviões.” (p. 471). E é ainda do bispo D. Conduru,
que recolho esta informação (p. 387): “Quais eram as paróquias da Diocese entre 1876
e 1877?” D. Felipe alinha todas elas. Barra do Corda (nº 26), tem como seu vigário o
padre Balduíno Pereira Maya.
Desse modo, ao elenco de vigários da Barra do Corda, nos seus primórdios,
descrito pelo ilustre autor, acresçam-se estas ponderações de D. Felipe: Frei José Maria
de Loro foi nomeado capelão militar da Colônia Dois Braços, em dezembro de 1877.
Frei Reschio, após servir em Barra do Corda, foi nomeado para o Cabido Diocesano em
São Luís, e assinaria, em 27.4.1881, nota de desagravo ao Bispo D. Alvarenga, vítima de
insana campanha difamatória.
Nessa ordem, os párocos da Barra do Corda, traçados por Galeno Brandes,
foram:
1) – Frei José Maria de Loro, 1870/1875;
2) – Frei Antonino de Reschio, 1876;
3) – Padre Balduíno Pereira Maya, 1877/1880, aproximadamente. Esse
padre foi Deputado Constituinte em 1892.

E, por fim, ainda com D. Felipe (p. 411): “Proclamada a República, o Internúncio
Apostólico do Brasil, em nome do governo, pediu Capuchinhos para o Amazonas. E, em
1891, o Provincial de Milão aceitou a proposta. A 24 de abril de 1892, chegaram a
Recife os primeiros missionários. Não se achando com coragem de ir para o Amazonas,
ficaram com os índios do Maranhão (Barra do Corda).
Esses frades foram frei Modesto de Taubaté e frei Fidélis de Primerio. Viria, em
seguida, de Recife (onde era Superior de sua Ordem), frei Carlos de São Martinho, que
desembarcou em São Luís a 16.8.1893.
Em dezembro de 1894 chegou frei João Pedro de Sexto. Mandados os frades
para a Barra do Corda, ali assumiram, em 6 de junho de 1896, não só a Paróquia, como
a Missão de Alto Alegre.
Assim, ficam alinhados mais estes frades na Paróquia de Barra do Corda: frei
Modesto de Taubaté, 1892; frei Fidélis de Primerio, 1892; frei Carlos de São Martinho,
1893; frei João de Sexto, 1894; frei Carlos de São Martinho, 1895.
Tudo indica que o Superior da Ordem foi frei Carlos, posto que já ocupava em
Recife. De 1895 a 1901, época de Hecatombe, os frades da Barra do Corda terão sido
aqueles que foram vitimados pelo ataque dos índios.
Barra do Corda na História do Maranhão é obra de fôlego e põe muitas luzes nos
primórdios da conquista e civilização do Maranhão central.
O périplo de Melo Uchôa, os primeiros colonizadores, as lutas políticas a partir
da instalação da vila e município, as estradas, o comércio, navegação, comunicação
telegráfica, jornais e jornalistas, parlamentares e intelectuais de renome, tudo isso
desfila em narrativa de apurado vernáculo, na obra de Galeno Brandes, ele mesmo
descendente de antigos colonos que deram vida e força a Barra do Corda nos seus
primeiros passos na História do Maranhão, ele mesmo um dos notáveis das letras na
terra de Maranhão Sobrinho.
Barra do Corda, como de resto o sertanejo vindo das bandas áridas do Nordeste,
não era dada à escravidão. Belo exemplo! O trabalho da raça e da cidade era exercido
por homens brancos, na sua maioria. O escravo pouco contava.
No seu livro Caminhos do Gado, Edições SECMA, São Luís, 1992, Maria do
Socorro Coelho Cabral comprova que, no ano de 1862, para uma população de 584
habitantes, Barra do Corda só dispunha de 72 escravos. E, dez anos depois (1872), com
uma população de 2.538 habitantes, só existiam 312 escravos.
Isso não ocorria em São Luís e Alcântara, na mesma época, porque os números
eram precisamente inversos.
Ciosas das liberdades públicas e dos avanços sociais em regimes democráticos,
São Luís (Casemiro Dias Vieira e Paula Duarte), e Barra do Corda (Isaac Martins e
Dunshee de Abranches) foram os centros propulsores dos ideais de regimes livres.
Diga-se, em abono da verdade, que o jornal O Norte, de Barra do Corda, influenciou
todo o Sertão maranhense com sua pregação republicana, com mais vigor e talento
doutrinários do que O Globo, de Casemiro e Paula Duarte, na Capital.
O Maranhão, cujo primeiro donatário foi o historiador João de Barros (autor das
Décadas), e cujo primeiro Presidente da Câmara foi também o historiador Simão
Estácio da Silveira, seguiria essa nobre tradição com os nomes aureolados de Claude
d’Abbeville, Yves D’Evreux, Bernardo Pereira de Berredo, João Francisco Lisboa, frei
Francisco dos Prazeres, Antônio Henriques Leal, César Marques, Visconde de Vieira da
Silva, Barbosa de Godóis, Antônio Lopes, Jerônimo de Viveiros, Domingos Vieira Filho,
Mário Martins Meireles, geração que vem sendo seguida por esta outra que desvenda
os pequenos burgos do interior. Nesse novo grupo, destacam-se Jomar Moraes, Eloy
Coelho Netto, José Teixeira, Sá Barros, Benedito Buzar, Paulo Oliveira, padre Brandt,
Sávio Dino, e, agora, Galeno Brandes.
A estes coube a tarefa de ir unindo, ponto a ponto, as trajetórias históricas de
suas cidades e regiões, e de tal sorte essas pontas se juntam a outras, que dentro em
breve a História Regional do Sul do Maranhão, a História Regional do Litoral, a História
Regional do Médio Itapecuru e Médio Sertão, a História Regional da Baixada e a
História Regional do Baixo Parnaíba servirão de base única e definitiva para a Grande
História Geral do Maranhão, com riqueza de detalhes, revelações surpreendentes e
registros de alta significação.
A Galeno Brandes coube a Barra do Corda. A Jomar Moraes, São Luís. A Sálvio
Dino, o Grajaú. A Eloy Coelho Netto, de Balsas ao Riachão. Ao autor destas notas, a
futura História de Imperatriz, já em vias de publicação, a que se somam as Histórias de
Coelho Neto e Caxias, já publicadas. A Paulo Oliveira, Araioses, Tutóia e Guimarães. A Sá
Barros, Penalva.
Demo-nos, assim, as mãos. Num longo e histórico abraço. Numa louvação e
cantigas de bem-querer ao novo confrade Galeno, já incorporado nessas lidas
cansativas, mas gratificantes.
Saudemos, com palmas e louros, o ingresso de Galeno Brandes no pequeno
grupo de teimosos que não quer deixar morrer a memória deste belo Maranhão.
Livros, muitos livros, é de que está necessitando o Maranhão. E seriam todos
benditos os que, ao invés da semeadura do ódio, da desesperança, da vindita e da
desenfreada deterioração moral, que experimentam o Brasil e o Maranhão neste final
de século, semeassem, como o bom semeador do padre Antônio Vieira, livros, muitos
livros, assim como profetizou Castro Alves, nesse poema de todos os tempos, e para
todas as gerações, intitulado O Livro e a América:

“Por isso na impaciência


Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber...
Ó bendito o que semeia
Livros... livros a mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe que faz a palma,
É chuva que faz o mar.”

São Luís do Maranhão, junho de 1994.

MÍLSON COUTINHO
(da Academia Maranhense de Letras)
Cimento do respeito à verdade

A memória me leva aos fatos passados, no pacato burgo onde nasci, no ano de
1930. Fixações e evocações naturais da atmosfera de lembranças em que me deixo
envolver esbarram na angústia da implacabilidade, da era que passa e não volta,
jamais.
Recordações das manhãs dos meus tempos de menino curioso e irrequieto, às
quais só consigo volver a parte dos meus sete anos. A cidade, tão pequena, facilitava
para que as pessoas se conhecessem pelo nome, de tal sorte que o relacionamento
interpessoal ganhava aquele calor afetivo, que entrelaçava e ajudava a formar
sociedades, nos pequenos lugares do Sertão e das vilas ribeirinhas.
Plantada no vale delimitado pelos rios, tudo se deixava envolver por matas
virgens, que cobriam os seios salientes das serras circundantes, vendo-se a Leste, bem
no colo simétrico da paisagem, o Crucifixo do Calvário, onde a mão do santo
missionário europeu plantou o Cruzeiro que serviu na formação do primeiro nome do
lugar e de pedra fundamental da igreja de Nossa Senhora das Dores, que mais de um
século depois viria a ser construída por frei Adriano de Zânica.
Ah!... Meus anos livres e leves de menino... Lembranças velhas que não morrem
nunca, porque se conservam irrigadas pelo orvalho das saudades da infância, dos
companheiros de outrora, muitos que já atravessaram os umbrais da Eternidade... Irmã
Helena, a professora das primeiras letras, condutora de gerações de barra-cordensses,
no processo de aprendizagem. O velho prédio da Escola Paroquial Pio XI, uma espécie
de Teatro em linha colonial portuguesa, palco dos ensaios da Banda de Música São
Francisco, em que estava presente a figura do maestro Moisés da Providência Araújo,
austero, preparando para as retretas um repertório mais italiano do que brasileiro.
Nas minhas noites de luar, costumava ir à casa de meu avô, major da Guarda
Nacional Gerôncio Raimundo Nava, que morava no bairro Altamira e recitava de sua
lavra, entre outras, a quadra:
“No cume d’aquela serra
Plantei um pé de roseira.
Quanto mais a rosa brota
Tanto mais o cume cheira...”

À época, eu, mais interessado pela história do que pela Poesia, questionava
quanto aos fatos que ainda estavam vivos no sentimento do barra-cordense: o barulho
dos índios em Alto Alegre.
Outras recordações. Quem nasce em Barra do Corda ou nela passa a sua
meninice nas escapa das alegrias e dos folguedos dos banhos do rio Corda. Distrações
que, desde os mais antigos, se denomina: “descer por água”. Sobre salva-vidas
improvisados de troncos de bananeiras, descia-se da Floresta até o Curral do Conselho,
passando pelos portos de Banho, Pintinho, Lopes ou Carnaúba, Porto do Bandeira,
Dona Justina, Canadá, Beco dos Presos, Sumaúma, Beco das Freiras e Sapucaia, portos
históricos da cidade. À tarde, nestes logradouros, ornamentados por gameleiras,
taquaris, taboqueiras, aquáticas aningas, sentia-se dos destroços de galhos secos de
malva, ingazeiras, ingaranas, folhas caídas e arrastadas pela correnteza, ao fundo das
águas, aquele perfume, uma espécie de cheiro de beira de rio ao entardecer! Na minha
impressão de criança, só em Barra do Corda havia aquele fenômeno.
Os amigos de minha rua e geração... Os Pires, os Queiroz, os Cruz e os Milhomem
e tantos outros. Formávamos um bloco irreverente. Não obedecíamos aos pais, quando
da passagem de um circo pela comunidade. Note-se que não havia maior
acontecimento no Sertão do que a presença do Palhaço, com todos os trapezistas e seu
aparato circense.
Lá comparecíamos, pelas vias, participando ao vivo da cena:
– “Hoje tem espetáculo?”
– “Tem, sim, senhor!”
– “Sete horas da noite?”
– “Tem, sim, senhor!”
– “Arrocha, rapaziada!”
– “Uê!... ê!... ê!...”

E desfilávamos pelas ruas. Calçadas de esperanças, porque verdes de gramíneas,


espécie de relva, camada imorredoura das recordações dos barra-cordenses; dos que
aqui estiveram ou por aqui passaram, descobrindo a própria terra, habitando-a,
fazendo-a crescer e prosperar. Quem foram eles? De onde vieram? Que fizeram? Eis a
questão. Responder a tais perguntas, exige construir, memorizar, reunir o que se disse
e o que se sabe sobre nossa gente, fatos e coisas, que podem subsidiar quanto ao
registro dos caminhos históricos da Barra do Corda.
Aos 61 anos, proponho-me prestar, à altura dos meus esforços, este trabalho.
Foi, entretanto, necessário um pouco de amadurecimento. Desapareceram as flores, os
sons, os perfumes, o encantamento e a beleza da criança.
Em 1945, tudo se substituía pelos horrores finais da Segunda Guerra Mundial,
com todo o seu séquito de luto e de dor.
No Brasil, caía a ditadura de Vargas; no Maranhão terminava o ciclo de Paulo
Ramos; em Barra do Corda, passava a administração do prefeito nomeado Jamil de
Miranda Gedeon. Deixava eu então de ser menino e ingressava na adolescência. Outros
sonhos, novos planos.
Armei minha rede na lancha São José, o meio de transporte existente, de
propriedade do Dr. José Benedito Salomão, hoje meu compadre, com destino a São Luís.
Ingressava, como aluno, na Escola Técnica de São Luís, um dos passos mais sérios e
certos que dei na minha vida. Lá, aprendi a servir, a respeitar e ser respeitado, e
preparei-me como pude, assim, para a vida, iniciando desde então a reunir papéis
velhos, documentos e tudo que fosse necessário eu avaliar para, um dia, escrever sobre
as memórias da minha terra natal.
Pretendi ligar os fatos históricos de Barra do Corda aos acontecimentos vividos
em cada época, em todos os níveis de governo, tomando como ponto de partida o lustro
que antecedeu ao ano de 1835, considerado como o da nossa fundação. Não vislumbrei
a intenção de me parecer um historiador, nem tampouco a pretensão de figurar como
memorialista. Mas, sim, o fiel seguidor de conservar a lembrança dos fatos, coisas, às
vezes tão simples e pequenas, porém de indiscutível valor para os sertanejos do
Maranhão. Assim, leremos fragmentos de história, pedaços vivos de lembranças e de
lances que a fúria do esquecimento, a frieza da sequência com que se passam os dias,
meses, anos e séculos, carregam sempre para bem longe das nossas recordações; a
presença do homem na condução de outros homens, na formação dos seus destinos, na
manutenção da ordem e dos sistemas de vida, das famílias e da sociedade.
Juntei tudo isto, argamassando os meus escritos com a cal e o cimento do
respeito à verdade, pintando o trabalho com as cores do otimismo e a visão maior do
lado bom da vida, esperando que Deus me tenha protegido no desempenho da tarefa.
O autor
CAPÍTULO I

Aborígenes
Os primeiros habitantes – As grandes nações indígenas – Os
ameríndios remanescentes no Maranhão – As origens das tribos
cordinas – Fixação dos Canelas e Guajajaras.

Os indígenas habitaram muitas regiões, bem antes da chegada dos nossos


descobridores. Quando os portugueses desembarcaram em nossa terra, aqui já
estavam os ameríndios. Assim também La Ravardière, ao aportar no Maranhão, pelos
idos de 1612, encontrou a presença de nações indígenas, tanto na Upaon-Açu como na
aldeia Tapuitapera, São Luís e Alcântara, respectivamente.

As nações nativas se formavam de numerosas tribos que se digladiavam. As que


não resistiam aos combates deixavam o litoral, migrando para províncias e regiões
diferentes.

O sociólogo Raimundo Lopes, autor do Ensaio Etnológico Sobre o Povo Brasileiro


– Uma Região Tropical, p. 67, assegura que as grandes nações indígenas, que deram
origem aos nossos índios, foram os Tupis-Guaranis, os Tapuias, os Nu-Aruaques e os
Caraíbas.

Já decorridos 380 anos, sobrevivem remanescentes de duas destas grandes


nações: Os Tupis-Guaranis e os Tapuias.

Antônio Cordeiro Feitosa, professor de História e Geociências da UFMA, em Uma


Tentativa de Reconstituição do Maranhão Primitivo, examina exaustivamente a origem
dos nossos ameríndios. Das teorias que coloca para estudo, a mais racional é a que “o
homem americano primitivo teria sido originário de indivíduos que emigraram para a
América, através do Estreito de Bering.” Cita que “O aborígene maranhense foi o
resultado de pelo menos três das correntes migratórias de origem asiática, aqui
chegadas antes dos europeus.” Afirmam ainda que “Os Tupis-Guaranis e os Tapuias
passaram por dois canais oceânicos, que secaram com o soerguimento da Cordilheira
dos Andes”.

Qualquer que seja a teoria aceita, os nossos antepassados, quando aqui


chegaram, foram recebidos pelos nativos – os índios. Discute-se, todavia, quando
penetraram no interior.

Os Tupis-Guaranis deram origem aos Guajajaras. Os Canelas são “um ramo do


grande grupo Timbira, puros Jês, descendentes diretos da nação dos Tapuias”. Não se
pode precisar quando os índios Canelas e os Guajajaras chegaram à Região do Alto
Mearim.

Entre eles havia grandes lutas internas pela conquista das lideranças tribais. Por
isto, as nações se dividiam em famílias e estas em aldeamentos, malocas e grupos.

Os Jês, que deram origem aos Canelas, eram nômades e acredita-se que
antecederam aos Tupis, quanto à chegada na região. Estes, entretanto, mais evoluídos,
quase sempre saíam vencedores nos combates. Forçavam, com isto, a penetração dos
Jês pelo interior da Província.

Outros motivos, como a metodologia catequética imposta pelos jesuítas, as


pressões dos invasores holandeses, franceses e do colonizador português, o regime de
escravatura a que estavam também submetidos, com a ausência de leis que os
protegessem, outrossim, forçaram decisivamente para que os silvícolas adentrassem
pelos sertões e vales dos rios, à procura de terra para trabalhar e liberdade para viver.

A interiorização levou os índios aos “interflúvios do Nordeste, Leste, Sudeste,


Centro-Sul e Sudoeste do Maranhão, nos altos cursos dos rios: Mearim, Grajaú, Pindaré,
margem esquerda do Parnaíba e direita do Manoel Alves Grande.” (Antônio Cordeiro
Feitosa, Uma Tentativa de Reconstituição do Maranhão Primitivo, p. 83).

E conforme o antropólogo e etnólogo William H. Crocker, do Museu de História


Natural de Washington, que dedicou grande parte de sua vida à pesquisa das tribos
cordinas, convivendo nas aldeias, podemos concluir: os Canelas são também
conhecidos como Ranco-camecras sul-americanos, parentes dos Caiapós.

Em 1814, houve conflitos com autoridades pioneiras da região, com as quais


fizeram as pazes. São considerados os Timbiras do Leste. Sofreram epidemias, doenças
importadas; participaram de guerras locais e foram transferidos da sua região, da
Chapada, para a mata seca pertencente à Tribo dos Guajajaras-Teneteharas. Diz o
antropólogo, que, “antes do contato dos Canelas com a civilização, a tribo era de
guerreiros”. De fato, participaram nas batalhas da Balaiada (os historiadores
maranhenses não registram os fatos), lutaram contra os Gamelas (1850) e
participaram no combate aos Guajajaras, que culminou com a prisão do chefe Caboré,
na denominada Hecatombe de Alto Alegre.

Distinguem-se os Canelas pela originalidade que conservam no traje e no


próprio sistema de vida.

Olavo Correia Lima, professor Titular, Doutor e Pesquisador da UFMA, na


Revista nº 13 do IHGM, sob o título No País dos Timbiras, faz um profundo estudo
focalizando os Canelas da aldeia do Ponto, em Barra do Corda. Fortalece quanto a que
“são todos Timbiras”; que o seu habitat natural é o “vasto sertão”. Confirma a origem
da corrente a que pertencem, que descendem dos “Protosiberianos”, “primeiros a
palmilhar o Estreito de Bering”; resistem mais que os outros a aculturação (vide
Caderno Iconográfico nº 24).

Sobre os Guajajaras, principalmente, críticas às ações paternalistas: “O Governo


teima em não integrar os ameríndios à vida nacional, apegando-se a um etnocentrismo,
anticientífico, piegas e improdutivo. Entendemos que combate a centralização da
cultura da raça, como norma, considerando-se os apoios, que aos índios são oferecidos,
como ninharias ridículas”.

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