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Sergipe
Colonial & Imperial
Religião, Família, Escravidão e Sociedade
Editora UFS
Luiz Mott
SERGIPE
COLONIAL & IMPERIAL
Religião, Família, Escravidão e Sociedade:
1591-1882
Editora UFS
Ficha Catalográfica
Mott, Luiz
Sergipe Colonial &Imperial:
Religião, Família, Escravidão e Sociedade: 1591-1882.
Aracaju, Editora UFS, Aracaju: Fundação Oviedo Teixeira, 2008, 210 páginas.
1. Sergipe
2. Colônia
3. Império
4. Historia Social.
CDU -
ÍNDICE
Meu interesse por Sergipe data de 1966 – 40 anos atrás! - quando com 20
anos de idade, então jovem estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo
(USP), realizei uma pesquisa antropológica em Brejo Grande, pequeno município
sergipano, o derradeiro antes do Rio São Francisco desembocar no mar. “Estrutura de
produção de um município sergipano do Baixo São Francisco” foi o tema de minha
tese de Mestrado defendida em Paris, na Sorbonne, em 1972. Creio que ainda até hoje,
continua sendo a única vez que Sergipe foi tema de uma dissertação nesta venerável
instituição acadêmica francesa. Em 1975 defendi tese de doutorado na Unicamp
intitulada “Brejo Grande e as Feiras Sergipanas do Baixo São Francisco”, tendo entre os
examinadores o saudoso Manuel Correia de Andrade, autor do antológico A Terra e o
Homem no Nordeste. Foi com vistas a conhecer a origem das feiras rurais sergipanas
que comecei a pesquisar documentação manuscrita no Arquivo Público do Estado de
Sergipe (APES) e nos demais arquivos eclesiásticos e judiciais de Aracaju, Propriá, São
Cristóvão, entre outros. Foi portanto em Sergipe onde descobri minha vocação para
pesquisar papéis velhos, tornando-me etno-historiador, buscando sempre um casamento
harmonioso da metodologia e teoria da Antropologia com a História, passando, com o
tempo, da antropologia econômica de Sergipe para sua etno-história.
Nestes primórdios de minha pesquisa histórica, o foco principal da
investigação era a demografia histórica sergipana, tendo a felicidade de descobrir uma
importante e até então inédita coleção de estatísticas do segundo quartel do século XIX,
os “Mapas exatos da população de Sergipe”, documentação riquíssima de detalhes
sobre a cor, idade, estado civil e outras características sociais da população livre e
escrava desta província logo após sua emancipação da Bahia. Minha primeira
publicação sobre tal área data de 1974: "Brancos, pardos, pretos e índios em Sergipe,
1825-1830". A partir deste trabalho, ampliei minhas fontes documentais, coletando
sistematicamente informações nos principais arquivos nacionais e internacionais que
conservam manuscritos sobre Sergipe del Rei: Arquivo Público do Estado da Bahia e
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador; o Arquivo Nacional e Biblioteca
Nacional, no Rio de Janeiro; os Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de Sergipe
e da Bahia; e em Portugal, a Torre do Tombo e Arquivo Histórico Ultramarino.
Em 1986 reuni nove artigos divulgados em diferentes revistas, fruto de
comunicações apresentadas em congressos científicos nacionais e internacionais,
redundando na publicação de meu primeiro livro sobre esta que se tornou minha terra de
predileção científica: Sergipe del Rey: População, Economia e Sociedade, com selo da
Fundação Estadual de Cultura de Sergipe (Fundesc, 204 páginas). Na Apresentação, a
Profa. Dra. Beatriz Góis Dantas assim dizia: “Baseado em farta e variada
documentação, pacientemente coletada em arquivos diversos, associando dados
quantitativos e qualitativos trabalhados com os instrumentos do fazer antropológico e
historiográfico, o autor constrói uma obra que é uma contribuição original e
imprescindível para a compreensão acerca da sociedade sergipana.”
De especialista em Sergipe Provincial na primeira metade do Século XIX,
sobretudo em seus aspectos etno-demográficos, após prolongadas pesquisas
notadamente nos arquivos portugueses, passei a publicar sobre Sergipe Colonial,
concentrando-me num tema até então praticamente “virgem” na historiografia local: A
Inquisição em Sergipe, título de meu segundo livro, vencedor do Concurso “Sergipe
Memória e Momento”, instituído pela Fundação Estadual de Cultura e Conselho
Estadual de Cultura de Sergipe (Coleção Jacson da Silva Lima, 1989, 100 páginas). No
Prefácio, eis como a Profa. Maria Thetis Nunes se refere a esta obra: “Estudo sério,
embasado em pesquisas realizadas especialmente na Torre do Tombo, nele o Prof. Luiz
Mott divulga páginas da história de Sergipe que até o momento haviam permanecido
desconhecidas dos que a estudaram. Livro que confirma as qualidades do pesquisador
demonstradas em obras anteriores. Importante é sua contribuição à historiografia
sergipana.”
Agora, neste terceiro livro consagrado precipuamente a esta mesma região,
SERGIPE COLONIAL & IMPERIAL: Religião, Família, Escravidão e Sociedade,
1591-1882, reunimos sete ensaios publicados em diferentes revistas e periódicos, entre
1987-2006, artigos que aqui mereceram cuidadosa revisão, bastante acrescidos de novas
descobertas, cobrindo ampla área de sua vida sócio-cultural, como se pode ver pelos seus
títulos, a saber: Capítulos da história sacra de Sergipe del Rei: Sacerdotes ilustres e
santos e santas milagreiros: 1678-1882; Sergipanas no Convento da Soledade da Bahia:
1739-1870; A presença de Sergipe del Rei no Catálogo Genealógico das principais
famílias de Pernambuco e Bahia, de Frei Jaboatão e Pedro Calmon: 1546-1794; “Os
pombos e os primos sujam as casas”: a propósito das dispensas matrimoniais de
nubentes sergipanos: 1807-1854; A Fuga de Escravos nos Anúncios de Jornal de
Sergipe: 1833-1864; Três Sonetos Seiscentistas sobre São Cristóvão de Sergipe del Rei;
Vida Social e cotidiano em ‘Sergipe o Novo’ à época das Visitações do Santo Ofício e
das Cartas de Sesmaria: 1591-1623. Como se vê, trata-se de uma cardápio bastante
variado quanto à cronologia e à temática, concentrando-se contudo em quatro vertentes
referida no subtítulo desta obra: Religião, Família, Escravidão e Sociedade.
Com exceção do ensaio obre escravos fujões, que concentra-se apenas na
época imperial (1833-1864), todos os demais navegam a história sergipana em sua
“larga duração”, dos tempos da Colônia ao Império. Sobretudo quando nos
aprofundamos nos séculos XVI, XVII e XVIII, as fontes manuscritas, em sua maior
parte, procedem de arquivos de Portugal, Bahia e Rio de Janeiro, documentação mais
rara e não menos importante para o resgate da história regional. A ordenação dos
capítulos é meramente editorial: que o leitor siga a ordem que melhor lhe apetecer.
Ao reunir esses sete artigos num único volume, minha intenção é facilitar
aos estudiosos e jovens pesquisadores, o acesso a fontes pouco exploradas, novos temas
e abordagens originais da história sergipense, já que algumas das revistas onde estes
ensaios foram originalmente publicados, tornaram-se de difícil acesso.
Ao completar quatro décadas de pesquisa sobre Sergipe, terra que se tornou
minha terceira pátria, depois de São Paulo onde nasci, e da Bahia, onde vivo nas últimas
décadas e cuja Assembléia Legislativa recentemente me honrou com o título de
“cidadão baiano”, assumo meu orgulho em ser identificado como “sergipólogo” e de
contribuir, com mais esta obra, para incrementar o conhecimento e divulgação da
história de Sergipe del Rei.
Salvador-Aracaju, 2006
Luiz Mott
8
1
Uma versão resumida deste artigo, intitulada “Capítulos da vida religiosa em Sergipe:
santos e santas milagreiros”, foi publicada originalmente no Diário Oficial Leitura,
Imprensa Oficial de São Paulo, n.12, volume 137, outubro l993, p.12-13. Agradeço ao
jovem historiador Wendell Mendonça da UFS e ao vestibulando Ronaldo Assis a
digitalização de alguns destes artigos.
2
Souza, D.Antonio Marcos. Memória sobre a Capitania de Sergipe, sua fundação,
população, produtos e melhoramentos de que é capaz. (1808), Aracaju, IBGE/DEE, 2ª
Edição, 1944, p. 20
3
Mott, Luiz. “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu”, in Souza,
Laura de Mello (org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo, Companhia das
Letras, 1997, p.155-220
9
4
Sobre o clero sergipense, cf. Albuquerque, Samuel B. de M. “O Clero sergipano no
banco dos réus.” Jornal da Cidade, Aracaju, 5 dez. 2002, Caderno B, p.6
5 1699 - Arte de Grammatica da Lingua Brasilica da Naçam Kiriri - Off. de Miguel
Deslandes - Lisboa - Portugal - 124 p. [BID] 1877 - Arte de Grammatica da Lingua
Brasilica da Naçam Kiriri - Typ. Central de Brown & Evaristo - Estudo Linguístico de
Batista Caetano de Almeida Nogueira - Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro - Brasil -
184 p. [BCM] 1942 - Catecismo da Doutrina Cristãa na Lingua Brasilica da Nação
Kiriri (1698) - Introdução de Rodolfo Garcia - Edição Fac-Similar - Biblioteca Nacional
- Imprensa Nacional - Rio de Janeiro - Brasil - 236 p.
6
Mamiani, Luís Vincencio. Arte de Grammatica da Lingua Brasilica da Naçam Kiriri.
Rio de Janeiro, 1877 Biblioteca Nacional. (1ª. ed., Lisboa: Miguel Deslandes, 1699)
10
seguirdes, não podereis ir para o céu e gozar de Deus. Somente o fogo do inferno será a
vossa morada para sempre. Portanto, entendei bem o que vos digo e crede o que vos
ensino para que sejais filhos de Deus. Se assim fizerdes, ireis para o céu a gozar a bem-
aventurança. Querei saber o modo disso? Quero! Esse é o caminho dos filhos de Deus:
crer em Deus, esperar em Deus e amar a Deus. Para isto hão de guardar os
mandamentos da lei de Deus e hão de receber o santo batismo. Quereis vós fazer assim?
Quero de veras! Depois de recitar os artigos da fé, o índio repete: Creio
verdadeiramente e espero com toda confiança e amo-o sobre tudo. Prometeis de não
pecar mais daqui em diante? Prometo! Quereis que vos batize? Quero e desejo muito!” 7
E assim se fazia mais um cristão batizado e súdito de Sua Majestade. Consta que Padre
Mamiani retornou para Itália em 1701, na qualidade de Procurador das Missões.
7
Hoonaert, Eudardo (et aliis). História da Igreja no Brasil. Petrópolis, Editora Vozes,
1977, tomo 2, p.147
8
Maria Sofia Isabel de Neubourg (Bélgica,1666 - Lisboa,1699), Rainha de Portugal,
segunda mulher de D. Pedro II, casou-se quando tinha 20 anos. “A rainha D. Maria
Sofia era muito bondosa, e D. Pedro II consagrava-lhe o maior afeto e respeito. Era
muito devota e caritativa, a tal ponto que do seu bolsinho sustentava muitas viúvas e
órfãs, chegando a recolher no paço alguns doentes pobres, de quem tratava e servia à
mesa. Fundou em Beja um colégio para os religiosos franciscanos, que dotou com
muitos rendimentos. Faleceu com 33 anos de idade, vitima dum ataque de erisipela, que
lhe atacou o rosto e a cabeça. Durante a doença fizeram-se preces e muitas procissões.
A sua morte causou a maior consternação tanto na corte, como no povo, que deveras a
estimava. Foi sepultada, levando o hábito de S. Francisco, no panteão real de S. Vicente
11
“Senhor.
de Fora. Nos 12 anos de casada teve 7 filhos, sendo o segundo o príncipe D. João, que
sucedeu no trono, com o nome de D. João V. Acerca desta rainha, cf.: Triumpho
Lusitano, applausos festivos, sumptuosidades regias nos augustissimos desposorios do
inclito D. Pedro II com a serenissima Maria Sofia Izabel de Baviera, monarchas de
Portugal, por Manuel de Leão; Bruxelas, 1688; Heptaphonon, ou portico de sete vozes,
consagrado á magestade defunta da senhora D. Maria Sophia Izabel de Neuburgo, por
Pascoal Ribeiro Coutinho, Lisboa, 1699; Sentimento lamentavel, que a dor mais sentida
em lagrimas tributa na intempestiva morte da Serenissima Rainha de Portugal D.
Maria Sophia Izabel e Neuburgo, por Bernardino Botelho de Oliveira, Lisboa, 1699;
Oração funebre nas exequias da Rainha D. Maria Sophia Izabel, celebradas na Real
Casa da Misericordia de Lisboa, por D. Diogo da Anunciação Justiniano, Lisboa, 1699.
“ Portugal: Dicionário Histórico,
apud <http://www.arqnet.pt/dicionario/mariasofia_neuburgo.html>
12
9
Araújo, Ricardo Teles. “Sergipanos dos séculos XVII e XVIII nos Arquivos
Portugueses”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, n.32, 1993-1999,
p.203-225
10
Barbosa, Diogo. Bibliotheca Lusitana, Historia, Critica e Chronologica, na qual se
comprehende a noticia dos autores portuguezes, e das obras que compozeram desde o
tempo da promulgação da Lei da Graça, até o tempo presente, Lisboa, 1741 e 1758, p.
350. “Em 1698, alguns frades tentavam catequizar os índios, entre eles frei Antônio da
Piedade. Por volta de 1704, religiosos da Irmandade dos Carmelitas Calçados chegaram
àquelas terras sob o domínio do cacique Japaratuba. O grupo era liderado pelo frei João
Batista da Santíssima Trindade. Num local chamado de Canavieirinhas, os religiosos
encontram os índios da nação Boimé. Mas logo que chegaram foram acometidos pela
varíola que assolava a região. Os religiosos, índios e colonos sobreviventes, se mudaram
para a parte mais alta chamada de ‘Alto do Borgardo’ ou ‘Lavradio’, um morro que hoje
ainda fica nos fundos da igreja matriz. Essa transferência de local recebeu o nome de
Missão de Japaratuba. Na colina ‘segura’, frei João deu início à construção de um
convento e de uma igreja. Ela foi erguida e sugestivamente invocada à Nossa Senhora
da Saúde de Japaratuba, “certamente traduzindo um brado de socorro enviado à Virgem
contra a moléstia que fazia inúmeras vítimas”. Ao lado do convento e da igreja, algumas
casas foram levantadas e a Missão de Japaratuba passou a ser conhecida. Por causa dos
13
Duas décadas mais novo que o Padre Reis, nasce também em Sergipe, no ano do
senhor de 1648, outro presbítero, o Padre Lourenço Ribeiro. Freqüentou o Colégio dos
Jesuítas da Bahia onde se licenciou em “ciências severas, concluindo o curso senhor de
rios e das terras férteis, alguns engenhos de cana-de-açúcar foram montados.” Apud
http://www.infonet.com.br/cinformmunicipios/municipio_japaratuba.htm Cf. também
SACRAMENTO BLAKE, Augusto Vitorino Alves. Dicionário Bibliográfico
Brasileiro. Rio de Janeiro: Tip. Nacional, 1883, volume 1, p.289
11
Leite, Serafim. Historia da Companhia de Jesus no Brasil . Lisboa, Portugalia - Rio
de Janeiro, Instituto Nacional do Livro/Civilização Brasileira, 1938-1950, vol.IX, p.69
12
Borba de Moraes, Rubens. Bibliografia Brasileira do Período Colonial, Instituto de
Estudos Brasileiros, USP, 1969, p.296
13
Barbosa Moraes, op.cit., 1969, p.226
14
Outro inaciano natural de Sergipe destacado nas letras foi o Padre João da
Rocha (Sergipe,1654-Espírito Santo,1702). Entrou na Companhia com 16 anos, aos 24
de maio de 1670, fazendo sua profissão solene em 1688 na igreja de Santiago, na
capitania do Espírito Santo. Foi pregador e administrador, superior da Aldeia do
Espírito Santo (Abrantes, próximo a Salvador) ,Reitor do Colégio de Santos e
Procurador da Província em Lisboa. Em 1702, pediu e foi transferido para a Índia
Oriental, desalentado pelo facciosismo no interior de sua corporação religiosa em terras
brasílicas. Faleceu durante a viagem, no Mar de Moçambique, aos 5 de maio do mesmo
ano. O historiador Serafim Leite enumera diversas cartas suas, na função de procurador
da Companhia, enviadas ao padre geral Tirso Gonzáles (1697-1701). Numa delas diz
14
Guaraná, Manoel Cordeiro Armindo. Dicionário Bio-bibliográfico Sergipano. Rio de
Janeiro, Empresa Gráfica Paulo, Pongetti e C, 1925, p. 198-199; Blake, Augusto
Vitorino Alves Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro,
Tipografia Nacional, 1883-1902.
15
Projeto Isidoro da Fonseca, bibliografia brasileira do período colonial apud
<http://linodecampos.net/pif/TestePifR.html>
15
estar enviando o polêmico livro do padre Antonio Vieira, Clavis Profhetarum para ser
objeto de análise. Consta ter igualmente preparado para publicação seus Sermões
(1699). 16
Dentre os eclesiásticos moradores em Sergipe Colonial que se destacaram nas
letras, talvez o que continua sendo de todos o mais citado foi D. Marcos Antonio de
Souza, nascido na Bahia em 10 de fevereiro de 1771, tendo exercido a função de
Vigário na Freguesia sergipana de Jesus Maria José e São Gonçalo do Pé do Banco
(atual Siriri). Em 1808 escreveu obra fundamental para a história sergipana: Memória
sobre a Capitania de Sergipe, sua fundação, população, produtos e melhoramentos de
que é capaz.17 Tal manuscrito encontrava-se inédito num arquivo da Inglaterra, e graças
ao empenho de Antônio José Fernandes de Barros, ilustre proprietário do Engenho Mato
Grosso, em Maroim, conseguiu que o Barão de Rio Branco, então cônsul em Liverpool,
enviasse cópia da dita obra, que veio a lume pela primeira vez somente em 1877. Trata-
sede um verdadeiro vademecum para quantos desejam conhecer esta região à época em
que a família real transmigrava-se da metrópole para a América Portuguesa. Após
paroquiar em Sergipe, Padre Marcos Antônio de Souza foi vigário na Freguesia de
Nossa Senhora da Vitória, na capital da Bahia. Mudando-se para o Rio de Janeiro, fez
parte do conselho de Sua Majestade o Imperador, recebendo a graduação de
Comendador da Ordem de Cristo, dignitário da ordem da rosa. Foi eleito deputado na
Constituinte portuguesa de 1821 e deputado nas legislaturas brasileiras de 1826 e 1829.
Ocupou ainda a função de examinador sinodal e secretário do governo provincial. “Na
Constituinte portuguesa defendeu com todo vigor os interesses da Igreja e do Estado e a
liberdade da imprensa religiosa. Exaltado partidário da independência do Brasil, foi o
primeiro bispo de nomeado pelo fundador da monarquia brasileira. Eleito bispo do
Maranhão a 12 de outubro de 1826, o 15º daquela dioceses, foi sagrado no Rio de
Janeiro a 28 de outubro de 1827, pastoreando seu rebanho até sua morte, ocorrida aos
29 de novembro de 1842. Sua lápide pode ser admirada no transepto da catedral de São
Luis. “De uma caridade excessiva, ia muitas vezes procurar a indigência onde sabia que
a encontraria e levar com a esmola, o conforto do espírito. Não menos vezes, ouvindo a
noite o toque dos sinos para levar-se o viático a moribundo, ia ele mesmo levá-lo,
16
Leite, Serafim. Historia da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1939, tomo IX, p.69 e ss.
17
Souza, D.Marco Antonio. Memória sobre a Capitania de Sergipe, sua fundação,
população, produtos e melhoramentos de que é capaz (1808), 2ª Edição,
IBGE/DEE,Aracaju, 1944
16
deixando a esmola se o doente era pobre. Antes de morrer mandou repartir pelo
indigentes a quem sempre socorreu, a quantia de cinco mil cruzados. Falava e escrevia
perfeitamente em latim e escreveu vários sermões inéditos, publicando contudo o
Sermão nas exéquias do papa Leão XII, pregado em presença de S.M. o senhor D.
Pedro I e de toda sua corte no Rio de Janeiro; Pastoral ao venerável clero secular e
caríssimos diocesanos, São Luiz do Maranhão, aos 8 de dezembro de 1827. 18
Eis uma página deste ilustre intelectual quando deputado no Parlamento
Brasileiro, em 1827, ao defender a manutenção da festa do Corpo de Deus e o dia da
aclamação do Imperador como feriados nacionais: “O homem, Senhor Presidente, é
composto de alma e corpo; e em outros termos deve adorar a Deus tanto em culto
interno, como em externo; este é um princípio da religião; o culto interno é tudo o que
pode dar de seu coração com seus atos internos de amor de Deus; mas o culto externo
pelo qual o homem adora a Deus, é com atos externos: ora, parece-me que nenhum
culto externo é tão agradável a Deus e tão saudável, como aquele culto de fazer aparecer
o autor da religião, Jesus Cristo sacramentado, este é o maior culto. Mais, passando ao
motivo da solenidade da procissão do Corpus Christi, sabemos que foi instituída para
dar a Deus o desagravo de todos os desacatos que se tenham cometido: a Igreja mui
sabiamente instituiu esta solenidade do Corpo de Deus, para que os homens festejassem
aquele dia de certo modo: por conseqüência não descubro solenidade que mais
necessária seja à Igreja e à religião, e por isso sustento o artigo que não fique excetuada
a festa do Corpus Christi, em todas a cidades e em todas as vilas e lugares mais
notáveis, na forma estabelecida. O artigo trata também da ação de graças pela
aclamação do Imperador; e também me parece digno a nossa atenção, pois que pela
aclamação do Imperador no dia 12 de outubro, começou a era notável para o Brasil, e
sendo uma época tão singular e memorável nos fastos da história do Império do Brasil,
o homem deve concorrer a dar graças a Deus por motivo de tão plausível memória, pela
independência do Brasil e pela sua liberdade.” 19
18
Sacramento Blake, op.cit., 1883, volume 6, p. 221-222. Nestes mais de 40 anos de
garimpagem pelos arquivos nacionais e europeus, encontrei apenas um documento
assinado pelo próprio Padre Marcos Antonio de Souza quando vigário em Sergipe, um
atestado de óbito, manuscrito incluído no acervo Sebrão Sobrinho, do Arquivo Público
do Estado de Sergipe, datado de 12 de março de 1804, quando este sacerdote tinha 33
anos.
19
O Clero no Parlamento Brasileiro. 1826-1829, 2º volume, Brasília, Câmara dos
Deputados, Fundação Casa Rio Branco, MEC, 1979, p.281 [16-7-1827, t.III, p.174]
17
20
Sacramento Blake, op.cit., 1883, volume 1, p.159; Bittencourt, op.cit. 1917, p. 27
21
Sacramento Blake, op.cit., 1883; Bittencourt, Liberato. Homens do Brasil. Sergipe.
Rio de Janeiro, Tipografia Mascotte, 1917, p. 132
18
Frei João Felipe Pinheiro, sacerdote, nascido em Lagarto nos primeiros anos do
século XIX, professou no Convento Franciscano da Bahia com o nome de Frei João do
Lado de Cristo. Percorreu os sertões com um breve de missionário apostólico, ocasião
em que acusado de pregar idéias subversivas quando catequizava o interior da Província
de Goiás, foi ipso facto exonerado desta comissão sacra. Não obstante tal nódoa em seu
ministério sacerdotal – na verdade, uma honraria, sob a perspectiva republicana - obteve
breve papal com licença eclesiástica para secularizar-se, abandonando a ordem seráfica,
tornando-se então vigário encomendado da freguesia de Itapemirim, na província do
Espírito Santo. Nesta vila passou a advogar com provisão da Relação, exercendo as
funções de Presidente da Câmara Municipal e vigário da Vara com honras de arcipreste.
Para escapar de um processo, mudou-se para o Rio de Janeiro, tornando-se pároco na
freguesia das Cachoeiras de Macacú. “Homem de grande inteligência, publicou em
1867 o Directório Parochial, Instrucções catechisticas e As Noite de Santa Maria
Magdalena. Foi portador da comenda de oficial da Ordem da Rosa.” 22
Certamente
devia ser homem de opinião que não levava desaforo para a casa, considerando os
diversos qüiproquós que enfrentou em diferentes províncias do Império.
22
Bittencourt, op.cit., 1917, p. 109
23
Bittencourt, op.cit., 1917, p. 58
19
24
Bittencourt, op.cit., 1917, p.136-137
25
Bittencourt, op.cit., 1917, p.214
20
moça reputada por donzela, e levando-a num carro a foi incensando com um turíbulo e
na igreja o capelão fez uma prática em louvor da dita.” 26
Infelizmente, não sabemos o
nome nem o local exato deste culto idolátrico, nem sequer o nome da santinha. Certo é o
grau elevado de mistificação acrítica destes sertanejos que sob a influência de um
sacerdote espertalhão, qual um saltimbanco medieval, armava encenações para-
litúrgicas com vistas a reforçar a crendice de seu rebanho de matutos.
Data de 1720 uma informação mais detalhada sobre um devotado “santo”
sergipano: trata-se de Inácio da Rocha, “homem de cor parda e de humílima filiação,
que desde a mais tenra idade revelou forte tendência para as cousas do céu”. Sua
biografia e obras de virtude encontram-se resumidas no célebre Orbe Seráfico, de Frei
António de Santa Maria Joaboatão.27 Diz o franciscano que este pardinho sergipano
quando criança passava muitas horas do dia e da noite de joelhos, rezando com uma
cruz nas mãos, sendo muito dado a jejuns e outras mortificações. Casando-se ainda
jovem, logo enviuvou, mudando-se para Salvador, onde em 1720 recebeu das mãos de
Frei José de Santa Antônio o hábito franciscano na qualidade de irmão donato,
provavelmente devido à sua “impureza” racial. Piedoso, acolitava muitas missas todos
os dias, acompanhando com exemplar devoção o sacerdote quando transportava o
viático pelas ruas da cidade da Bahia. Vivia como perpétuo peregrino, sem dormida em
lugar certo, acodindo noite a dentro os pobres e desvalidos que pernoitavam pelos adros
das Igrejas baianas. Inspirado por Deus, lia o mais recôndito dos corações de seus fiéis,
adivinhando-lhes os pecados ou profetizando sucessos futuros, inclusive prevendo o
momento de sua própria morte, que ocorreu aos 18 de junho de 1744, permanecendo
com o semblante alegre “e como quem se estava rindo dos enganos deste mundo!”
Como ocorria com muitos outros fiéis falecidos com odor de santidade, seus restos
mortais foram disputados pela hierarquia religiosa, pois os Carmelitas queriam-no
enterrar em seu claustro, por usar o bentinho de Nossa Senhora do Carmo, enquanto os
franciscanos alegavam que o pardo sergipano trazia sempre o hábito de São Francisco.
O Bispo D. José Botelho de Matos agiu como mediador, atribuindo-se a melhor parte:
26
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Caderno do Nefando
n.14, 1678, cf. Mott, Luiz. A Inquisição em Sergipe Aracaju, Fundação Estadual de
Cultura, 1989, p.23
27
Joaboatão, Frei António de Santa Maria. Novo Orbe serafico brazilico, ou Chronica
dos frades menores da provincia do Brazil, por Fr. Antonio de Santa Maria Jaboatão,
impressa em Lisboa em 1761, e reimpressa por ordem do Instituto Historico e
Geographico Brazileiro, Rio de Janeiro, 1858, 2 volumes1761: Vol. 1, Livro II,Cap. VI.
]
21
28
Mott, Luiz. Rosa Egipcíaca: Uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro, Editora
Bertrand do Brasil, 1993, p.231 e ss.
29
Santos, J.E.F. e Massimi, M. “Nossa Senhora das Maravilhas: corpo e alma de uma
imagem”. Memorandum, n.8, 2005, p.116-219
Apud < http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos08/santosmassimi01.htm.>
22
tempo predito pelo santo varão, o Rio de São Francisco, desbordando dos diques, alagou
todo o país, e as águas na ressaca deixaram um germe de epidemia, que empestou três
quartos da população. Oxalá que menos dada às delícias, aproveitasse [os habitantes]
das advertências do apóstolo!”30
Além desta catastrófica profecia, o santo taumaturgo “falando ao ar livre
diante de muito povo, em Sergipe del Rei, de repente estrugiu um violento furacão e
grossas nuvens sobranceiras aos ouvintes ameaçavam fundir-se em água. Já os
assistentes se remexiam em cata de abrigo, mas Malagrida fez-lhes sinal que
sossegassem. Lance maravilhoso! Enquanto a chuva caía a torrentes, nem uma só gota
molhou o auditório. Foi mais além o prodígio: na extrema da esplanada em que se
juntaram os fiéis, alteava-se um outeiro, donde ruíram em grossas ondas as águas da
chuva; já iam tocar no auditório, quando de repente, desviadas por mão invisível,
seguem outra direção, com grande espanto do povo. Em presença de tantas maravilhas,
o povo entusiasmado aclamava Malagrida um grande santo. Quando saía à rua, pessoas
de todas as condições e idades lhe beijavam respeitosamente as mãos, o hábito e até os
vestígios dos pés; outras menos discretas cortavam-lhe pedacinhos da loba para
conservá-los como relíquias de preço”. Salvo erro, o inaciano Gabriel Malagrida além
do maior taumaturgo a visitar Sergipe del Rei no período colonial, foi o único réu da
Santa Inquisição a ter passado por esta Capitania a ser queimado num Auto de Fé do
Santo Ofício.
Ainda na primeira metade do século XVIII, outro santo forasteiro fez de
Sergipe sua morada, edificando a população local por suas virtudes e graças
celestiais. Trata-se de outro pardo, Irmão Inácio, natural do Recife, filho de Domin-
gos de Sá e Silva e de Catarina Gonçalves de Azevedo, de ilustre família que em sua
ascendência incluía o bispo eleito de São Tomé, D. Manoel Gonçalves de Azevedo.
Batizado como Pedro, ao crismar-se mudou o nome para Inácio, e aos 18 anos
“levado por superior impulso, se ausentou da casa de seus pais, procurando seu
espírito a solidão para totalmente dedicar-se à contemplação das delícias celestiais,
encaminhou seus passos para o sertão do rio São Francisco e, num lugar deserto,
edificou uma casa de barro disposta de sorte que fosse mais um sepulcro que morada
de um vivente, onde vestido de saco e cingido com uma corda fazia vida eremítica,
servindo-lhe as ervas do campo de alimento, a terra nua de cama e uma pedra de
30
Mury, Paul. História de Gabriel Malagrida, São Paulo, Instituto Italiano de Cultura,
1992, p.114-119
23
cabeceira.” 31
Seguindo o mesmo modelo de incontáveis outros santos eremitas e
anacoretas, viveu neste solitário domicilio por dez anos sem falar com ninguém a não
ser com um sacerdote que lhe ministrava os sacramentos, não mudando de roupa nem
cortando cabelo, barba e unhas durante todo este tempo, vivendo com apertado cilício
a cortar-lhe as carnes. Passou então para a província de Sergipe onde assistiu alguns
anos sem afrouxar seus penitentes exercícios.” De Sergipe, transferiu-se para a cidade
da Bahia, onde todo desgrenhado, sujo e amalucado, comoveu os soteropolitanos pela
piedade com que venerava o Santíssimo Sacramento no altar. Pregando pelas ruas,
terminava sempre assim suas orações: “Ai de ti infeliz e miserável pecador, se
desprezando os avisos de Deus e sua palavra, te obstinas cegamente em tuas enormes
culpas. Ai de ti se arrependido não acodes as aras da misericórdia divina, verás sobre
ti as iras de sua justiça!” Solícito, trabalhou arduamente na construção das igrejas do
Carmo e do Santíssimo Sacramento.
A partir daí, não apenas seu nome, como os últimos detalhes da
biografia do irmão Inácio confundem-se com a vida de seu homônio a pouco citado,
Inácio Rocha, pois diz o biógrafo deste Irmão Inácio pernambucano que,
profetizando sua próxima morte, chamou o confessor, com quem fez detalhada
confissão geral de toda sua vida, chorando copiosas lágrimas, entregou sua alma aos
céus quando contava 70 anos de idade. Seu corpo ficou flexível e com o rosto tão
alegre como se estivera vivo, sendo o primeiro a ser enterrado na nova igreja do
Santíssimo Sacramento.” Um tal de Manoel da Rocha, morador no Piauí, divulgou
ser irmão consangüíneo de Inácio, ambos filhos de Antonio da Rocha, embora
paridos de mães diferentes, dando como local de seu nascimento a Torre de Garcia
Dávila. O beneditino D.Domingos Loreto Couto, de quem tiramos estas derradeiras
achegas biográficas, refuta tal opinião: “Não seguimos esta notícia por ser constante
que Pedro de Só (vulgo irmão Inácio) depois que no sertão se exercitou em rigorosas
penitências, fugindo dos aplausos que lhe haviam agenciado as suas virtudes, passou
a Sergipe dei Rei onde mudando o nome viveu desconhecido.” 32
De qual lado está a verdade seria temerário afirmar: se se trata de dois
pardos, um natural de Sergipe e donato franciscano, e o outro, pernambucano eremita
31
Loreto Couto, Domingos. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco (1757).
Recife, Fundação de Cultura Cidade, 1981, p. 332
32
Loreto Couto, op.cit., 1981, p. 335
24
em Sergipe, mas ambos falecendo em Salvador nos meados do Século XVIII, ambos
profetizando a própria morte e enterrados na mesma igreja do Santíssimo
Sacramento, tais similitudes e contradições mostram muito bem o quão fantasiosas e
inverossímeis são as vidas de muitos de nossos santos, mesmo daqueles que
conviveram com nossos antepassados a apenas dois séculos da atualidade. Fica aqui
mais esta sugestão de pesquisa e esclarecimento para os historiadores da vida
religiosa em Sergipe colonial.
25
33
Este artigo, com algumas alterações, foi originalmente publicado na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, n.31, 1992, p.93-99
34
Esteves, Joaquim (1832-1855). “A Noviça”, O Acadêmico, n.2, junho 1853, apud
Silva Lima, Jackson. História da Literatura Sergipana. Aracaju, Livraria Regina, 1986,
p.139
35
Nizza da Silva, Maria Beatriz. “Sistema de casamento no Brasil Colonial”, Ciência e
Cultura (SBPC), n.28 (110), 1976, p.1250-1263
36
Azzi, Riolando. A Vida Religiosa no Brasil. São Paulo, Edições Paulinas,
1983.
37
Algranti, Leila Mezan. Honradas e devotas: Mulheres da Colônia. Rio de Janeiro,
Jose Olympio, 1994
26
nem autorização oficial eclesiástica ou real38, somente em 1677 é que chegam na Bahia
as primeiras Irmãs Clarissas, provenientes da cidade de Évora, fundando na Capital da
Colônia nosso primeiro mosteiro de religiosas: o Convento de Nossa Senhora do
Desterro, que em apenas dez anos de existência, logo completou as 50 vagas de
religiosas professas enclausuradas.39
38
Mott, Luiz. Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil Colonial. Rio de Janeiro,
Editora Bertrand, 1993
39
Nascimento, Ana Amélia Vieira. O Convento do Desterro da Bahia. Salvador,
Editora Indústria e Comunicação, 1973; Patriarcado e Religião. As enclausuradas
Clarissas do Convento do Desterro da Bahia: 1677-1890. Salvador, Conselho Estadual
de Cultura, 1994; Soeiro, Susan. A Barroque Nunnery: The Economic and Social Role
of a Colonial Convent, Santa Clara do Desterro, Salvador; Bahia (1677-1800). Tese de
doutorado, New York University, 1974.
40
Mury, op.cit., 1992
41
União Romana da Ordem de Santa Ursula. Recopilação memorável da Fundação do
Convento Ursulino do Santíssimo Coração de Jesus da Soledade. Salvador, 1981,
mímeo, 91 pp.; “História do Colégio da Soledade”,
Apud <http://www.colegiosoledade.com.br/historia.html>
27
42
L. Mariani, E. Trarolli & M. Seynaeve, Angela Merici (1540). Contributo per una
biografia, Milano, 1986
43
Nascimento, op.cit., 1994, p.169
28
partes e virtude, e só em favor do interesse, sucede de ordinário que nas casas ilustres e
grandes, onde há muitas filhas, apenas pode haver dote com que casar uma com quem
convém. Ficam logo as outras condenadas a perderem por força a liberdade, e havendo
de tomar estado que não desejam, e violentissimamente sofrem! O remédio deste dano é
quase sem remédio, porque seria necessário emendar primeiro toda a república e os
maus costumes dela. Se nos houvéssemos de governar por exemplos passados, vimos
que muitos grandes homens, achando-se ricos de filhas, se fizeram maiores nas
descendências, e a elas não violentaram. Recolheram na religião as que pediam,
casaram as que o desejavam.” 44
44
Melo, D.Francisco Manuel de. Carta de Guia de Casados. Para que pello caminho da
prudência se acerte com a casa do descanso. A hum amigo. 1650. Biblioteca Nacional
de Lisboa, Reservados, n. 2746 P; Lisboa, Editorial Verbo, 1994, p.175
45
Mott, Luiz. A Inquisição em Sergipe. Aracaju, Fundesc, 1989.
29
Sergipe — posto constar em sua biografia uma passagem pelo sertão do São Francisco,
quando do Maranhão veio missionando até o sul da Bahia, teria conhecido nesta região
as tais donzelas que vieram a ser as fundadoras, juntamente com o jesuíta, do primitivo
Recolhimento de Nossa Senhora da Soledade. 46
Irmã Beatriz Maria de Jesus, a segunda Regente deste mosteiro, era natural da
Freguesia de Nossa Senhora de Abadia do Rio Real, então pertencente à Comarca de
Sergipe del Rei, filha do proprietário João Batista Correia e de Antônia dos Santos
Siqueira. Juntamente com ela vieram mais duas filhas deste casal: as Irmãs Antônia
Maria de Jesus e Teresa Maria de Jesus. A mais velha, Irmã Beatriz Maria de Jesus
ocupou vários postos de destaque dentro desta comunidade consagrada ao Sagrado
Coração de Jesus: foi primeiramente Assistente da Regente no primeiro triênio da
fundação, depois, a partir de 27 de março de 1748, entrou na Regência do Convento,
governando-o por cinco anos e quatro meses: durante este tempo, realizou diversas
obras na instituição, apaziguado os ânimos dos Irmãos da Confraria da Soledade, que
disputavam com as freiras certos direitos em relação à capela do Convento, “porém tudo
venceu, ficando a Comunidade em paz.” Ainda entre as realizações desta ilustre abelha
mestra sergipana, citem-se: a colocação do Santíssimo Sacramento no altar, a confecção
dos confessionários da igreja, a fundação do Educandário de donzelas, com mestras para
o ensino das educandas tanto para tocar música e cantar, como para ler e escrever. Pelo
visto, a inteligência e autoridade desta filha de Sergipe foram fundamentais para a
consolidação e ampliação da ação social desta casa pia fundada pelo jesuíta italiano.
No ano seguinte, 1740, mais duas donzelas da mesma Ouvidoria: Isabel da Costa
de Jesus, “natural de Estância de Santa Luzia”, filha de Domingos Vieira de Melo e de
D. Maria Carvalho da Costa, e Antônia de Jesus Maria, também nascida na mesma
região, na freguesia de Nossa Senhora de Guadalupe da Estância, pertencente à vila de
46
Mury, op.cit., 1992, p.114-119
30
Santa Luzia do Itanhi, filha de Domingos Afonso Lena e de D. Maria Silva, a qual
faleceu antes de professar.
47
Mott, Luiz. A Inquisição em Sergipe. Op.cit., 1989, p. 62
31
48
Diversos são os membros da família Souto Maior referidos por Frei Jaboatão e Pedro
Calmon no Catálogo Genealógico (cf. capítulo 3 deste livro), incluindo um Capitão
mor e dois Capitães de Cavalos. Em 1818, o coronel José Bernardino de Sá Souto Maior
envia representação à Mesa Consciência e Ordens solicitando que os bens por ele
doado à Capela da Divina Pastora se conservassem em nome da mesma em caso de sua
morte. “O coronel, por possuir vasto patrimônio, não só edificara a capela como
também doara propriedades para financiar suas atividades. Como os fiéis desejassem
erigir uma irmandade na dita capela, o coronel temia que as propriedades fossem
desencaminhadas após a sua morte. Assim, requer que as mesmas fiquem sob a guarda
de um superintendente até que seja aprovado o Estatuto da Irmandade da Divina
Pastora, que passaria a ser a detentora dos referidos bens.” Solicitou mais, que “as
irmandades do Santíssimo Sacramento e a da Divina Pastora fossem reunidas em uma
única confraria, seguindo as mesmas obrigações, privilégios e direitos. As duas
irmandades passariam a ser regida pelo Compromisso já aprovado pela Mesa da
Consciência e Ordens para a Irmandade da Divina Pastora.” Este pleito foi
desacreditado pelo padre Manoel Rodrigues Vieira de Mello, representando a confraria
do Santíssimo Sacramento da Divina Pastora, solicitando ao rei que “não fosse atendido
o requerimento do tenente-coronel José Bernardino de Sá Souto Maior, pois tal união
não era desejada pela maioria dos irmãos do Santíssimo Sacramento, pedido motivado
por suas desavenças pessoais com o pároco da Capela da Divina Pastora, após esta ter
sido elevada à categoria de paróquia e com a união das duas confrarias poderia manter
sua influência na dita paróquia, sem ter de se submeter ao pároco.” [Arquivo Nacional,
Mesa da Consciência e Ordens, Caixa 291, pct. 5, 30 de abril de 1818]
49
Nascimento, op.cit., 1994, p.484
34
authorizados por algus Escriptores, por Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão,1768.
Trabalho manuscrito, original, in-fol, de 546 pp., que ficou inédito até sair publicado
pela Revista do Instituto Histórico e Brasileiro, em 1889 (Tomo LII), com 497 páginas.
Segunda impressão em 1945, na Revista do Instituto Genealógico da Bahia. Nova
edição em 1947, pelo mesmo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol.191,
adaptado e desenvolvido por Afonso COSTA, com 279 págs. Quarta edição impressa,
em 1950, na íntegra, pelo mesmo Instituto Genealógico da Bahia, Salvador, Imprensa
Oficial, com 373 págs. Em 1985 é finalmente publicada quinta edição, por iniciativa de
Pedro Calmon, sob o título Introdução e Notas ao Catálogo Genealógico das Principais
54
Famílias de Frei Jaboatão. Obra fundamental para os estudos genealógicos e
históricos do nordeste brasileiro, o Catálogo Genealógico duzentos anos após sua
conclusão, recebeu um adendo de tamanha importância e profundidade, que nos obriga
doravante a referir inseparáveis os nomes de Frei Jaboatão com o seu comentador, “o
magnífico” Pedro Calmon.
Alguns dados da biografia de Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão, extraídos
da obra Desagravos do Brasil, de D.Domingos de Loreto Couto e acréscimos de Pedro
Calmon, auxiliarão o leitor a admirar ainda mais este ilustre genealogista e historiador:
nasceu em 1695 em Santo Amaro de Jaboatão, Pernambuco, filho do sargento mor
Domingos Coelho de Meireles e de D.Francisca Varela. Em 1717, aos 22 anos recebeu
o hábito franciscano no Convento de Santo Antonio de Paraguaçu. Concluídos os
estudos no Convento da Bahia, passou três décadas como pregador, ocupando os postos
de Mestre de Noviços, Secretário do Capitulo Provincial, Prelado do Convento de
Recife, Lente de Filosofia e Véspera na Bahia, sendo em 1755 nomeado Cronista da
Província. Foi membro da Academia Brasílica dos Esquecidos, em Salvador, tendo
publicado cinco sermões em Lisboa, entre 1751-1762. Sua obra mais citada é Novo
Orbe Seráfico Brasílico, também conhecido como Crônica dos Frades Menores da
Província do Brasil (1761), onde são encontradas diversas referencias a Sergipe. 55
54
Calmon, Pedro. Introdução e Notas ao Catálogo Genealógico das Principais
Famílias de Frei Jaboatão. Salvador, Empresa Gráfica da Bahia, 1985, 2 volumes, 810
páginas
55
Obras de Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão: Discurso historico, geographico,
genealogico, politico e encomiastico, recitado em a nova celebridade, que dedicaram os
pardos de Pernambuco ao santo da sua côr o Beato Gonçalo Garcia, Lisboa, 1751;
Sermão de Santo Antonio, em o dia do Corpo de Deus, Lisboa, 1751; Sermão de S.
Pedro Martyr, pregado na matriz do Corpo Santo do Reciffe, Lisboa, 1751; Josephina
Regio equivoco-panegyrica; tres praticas e um sermão do glorioso Patriarcha S. José,
36
Século XVI
Século XVII
57
Mais detalhes biográficos sobre as acusações de sodomia contra o Capitão Pedro
Gomes, cf. Mott, Luiz. Op.cit., p..27 e ss.
42
Século XVIII
58
Mais detalhes biográficos sobre o Familiar do Santo Ofício Domingos Dias
Coelho e Melo, cf. Mott, Luiz. Op.cit., 1989, p. 62 e ss.
46
59
Souza, D.Antonio Marcos. Memória sobre a Capitania de Sergipe, sua fundação,
população, produtos e melhoramentos de que é capaz. (1808), Aracaju, IBGE/DEE, 2ª
Edição, 1944, p. 17
47
60
Romero, Sílvio. Discursos. Do casamento civil. Porto, Livraria Chardron, 1904, p.47
61
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707). São Paulo, Tipografia 2 de
Dezembro, 1853
48
E nós, pela presente damos poder aos párocos e capelães para assim o
mandarem. E quando fizerem as ditas denunciações, declararão ao povo, qual é a
primeira, qual a segunda, e qual a terceira. E terão advertência que sendo algum dos
contraentes ilegítimos, não nomeiem seus pai e mãe, salvo não havendo escândalo em se
nomearem ambos ou algum deles. E se os pais e mães dos contraentes forem falecidos
ou algum deles, assim o declararão nas ditas denunciações.
Os viúvos têm de comprovar o falecimento do cônjuge com atestado do livro
de óbitos, e os contraentes tendo residido mais de seis meses em outra freguesia ou
bispado, farão as denunciações nas duas localidades. No final das denunciações, o
prazo para o recebimento é de dois meses.
Se entre uma e outra denunciação descobrir-se algum impedimento, deve-se
prosseguir até o final, passando o pároco certidão na qual declarara os impedimentos,
assinada pelos impedientes. E mandamos aos párocos, sob pena de excomunhão maior
ipso facto e multa de um marco de prata pago do aljube, não dissimulem ou ocultem o
tal impedimento ou impedimentos, mas antes, os enviem com muita brevidade ao Bispo
ou ao Provisor em maço fechado e selado na forma costumada, por pessoa fiel, à custa
dos contraentes.
E não poderão os párocos assistir aos matrimônios em cujas denunciações
saíram impedimentos, sem mandado ou sentença de nosso Vigário Geral por escrito, sob
pena de serem gravemente castigados, ainda quando lhes parecer que os impedimentos
foram impostos maliciosamente, porquanto eles ficam sendo nesta parte os juízes.
E os noivos que receberem as bênçãos de outro pároco que não seja o seu
próprio ou tiverem licença sua ou nossa para lhas dar, serão arbitrariamente castigados.
E o pároco ou sacerdote secular que receber ou der as bênçãos a freguês alheio sem
licença do próprio pároco ou nossa, conforme o sagrado Concilio de Trento, fica ipso
jure suspenso a arbítrio do Ordinário do pároco que devia assistir ao matrimônio.
Os padres e capelães declararão ao povo que cometem grave pecado os que
encobrem os impedimentos sabendo-os, ou denunciando-os maliciosamente quando os
não há. E que todos são obrigados a denunciá-los, ainda que sejam o pai ou a mãe ou
irmãos dos contraentes, e ainda que saibam debaixo de segredo natural ou não haja mais
prova que a fama pública, de que sabem muitas pessoas ou uma testemunha de certeza.
Tem obrigação toda a pessoa, que por qualquer via tiver noticia de algum impedimento,
de o manifestar ao Pároco e ele ao nosso Vigário Geral.” (§259-283)
50
13. Rapto
14. Ausência do pároco e de duas testemunhas.” (§285)
62
Obra Poética, Gregório de Matos, Rio de Janeiro, Editora Record, 1992, “Resposta
do vigário Lourenço Ribeiro escandalizado”, verso 13.
Apud <http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/briga.html>
63
O Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador funciona atualmente nas instalações
da Universidade Católica do Salvador, à Rua Cardeal da Silva, bairro da Federação, com
acesso marcado previamente ao telefone (71) 3324.7748. Lastimavelmente, alterou-se a
catalogação original, na qual registrei a documentação aqui citada.
64
Obviamente, excluídos os processos da freguesia de Sergipe do Conde, no recôncavo
baiano, fonte de confusão devido à semelhança toponímica.
53
metade do século XIX, já que na época da pesquisa, estabelecemos 1854 como marco
cronológico final, data de mudança da capital de Sergipe para o Aracaju. Suspeitamos
que o elevado aumento de pedidos de dispensa matrimonial em 1828 – oito processos –
seria conseqüência do Decreto Imperial de 3 de novembro de 1827 “sobre as licenças
para casamentos”, pelo qual o Imperador determinava maior zelo na observância do
direito canônico quanto à licitação dos nubentes. 65
Praticamente todas as freguesias mais antigas de Sergipe fizeram-se presentes
na Cúria do Arcebispado da Bahia, solicitando dispensa matrimonial para seus
paroquianos: uma vez para fregueses de Santo Antonio de Vila Nova, Nossa Senhora da
Purificação da Capela, Sagrado Coração de Jesus de Laranjeiras, Santo Antonio do
Urubu de Baixo de Propriá; duas vezes para Nossa Senhora do Guadalupe de Estância,
Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, Santo Amaro das Brotas; três vezes para Santo
Antonio e Almas de Itabaiana, Nossa Senhora dos Campos do Rio Real de Cima; e
finalmente, as freguesias com maior numero de impedimentos, cada uma com quatro
processos: São Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro da Cotinguiba, São Gonçalo do Pé
do Banco da Divina Pastora – num total de 12 autuações, estando tais paróquias
situadas na mais próspera região canavieira de Sergipe, e por conseqüência, com
famílias patriarcais mais notáveis e com inequívocos interesses nos casamentos
endogâmicos. 66
Conforme aprendemos através das Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia, a Igreja autorizava o casamento dos “varões” a partir dos 14 anos, e as “fêmeas”
depois dos 12 anos. Na maioria das vezes, antigamente, cabia aos pais, sobretudo ao
pater-familias, decidir sobre o “estado” de seus filhos e filhas: se deviam casar-se ou
entrar para convento ou vida religiosa, qual a idade do matrimônio, com quem se casar.
Nos inícios do século XVII, tratados de teologia ainda ameaçavam: “Se os filhos se
casam contra a vontade de seu pai e mãe, pecam mortalmente!” 67
65
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, IJ1 – 905
66
Milliet de Saint-Adolphe, J. C. R. Dicionário da Província de Sergipe. Aracaju,
Editora Universidade Federal de Sergipe, 2001, (Orgs. Francisco José Alves & Itamar
Freitas); Nunes, Maria Thetis. Sergipe Colonial II. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,
1996.
67
Benedicti, Jean. La somme des péchés, liv.IV, chap.VI, n.241, Toulouse, 1610, apud
Flandrin, Jean-Louis. Les amours paysannes (XVI-XIXème siècle). Paris, Editions
Gallimard, 1975, p.40
54
68
Machado, Alcântara. Vida e morte do Bandeirante. São Paulo, Empresa Gráfica da
Revista dos Tribunais, 1930, p.146. apud Samara, Eni de Mesquita. As mulheres, o
poder e a família: São Paulo, Século XIX. São Paulo, Secretaria de Estado e Cultura,
1989, p. 89
69
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote s/n,
1824-1839
55
à suplicante a casar-se com ele somente para desperdiçar os seus bens com muita porfia,
sem que o vigário da Freguesia de Nossa Senhora do Ó de Paripe se importasse de
exigir a prévia dispensa de banhos, para que pudesse ser válido tal matrimônio, e após
trinta dias do dito matrimônio, apareceu outra mulher do suplicado e filhos havidos do
primeiro matrimônio, deixando logo a suplicado de coabitar com sua primeira mulher.
Pede, porquanto, que o casamento contraído com a suplicante seja ipso facto nulo, já
que falto dos indispensáveis banhos ou proclamas, já pela bigamia do suplicado.
Implora que V.Exca.Rvdssa. digne anular inteiramente o mesmo matrimônio, sem
dependência de ser ela suplicante obrigada a intentar ação ordinária competente. “
Informa mais que o falso marido a reduziu ao deplorável estado de pobreza, roubando-
lhe um mulatinho de nome Máximo, à escrava Vitória e sua cria, alem de ter dado
consumição em suas jóias de ouro e prata, deixando-a “na última miséria”. 70
Curioso
que neste processo, a suplicante ludibriada ao solicitar uma certidão ao Cartório Geral
Eclesiástico da Vara Geral na Cidade de São Cristóvão, capital da Província de Sergipe
del Rei,o então Escrivão do Juízo Eclesiástico, Ignácio Dormundo Roxa, personagem
destacado da inteligentsia local, certificou que “neste cartório não há cousa alguma
sobre a dispensa de banhos que foi recebido o soldado ajudante Francisco Correia da
Silva com Maria Manuela das Neves há três ou quatro anos, já que as dispensas dos
banhos são concedidas quando há motivo justo por simples requerimento dos nubentes
ao Reverendo Vigário Geral.” 71
70
Arquivo da Cúria Metropolitana da Bahia, Estante 1, Caixa 80, 1828
71
Arquivo da Cúria Metropolitana da Bahia, Estante 1, Caixa 80, 1828
56
72
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 16,
1847
73
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 28,
1829
74
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 14,
1815
57
impedientes. E mandamos aos párocos, sob pena de excomunhão maior ipso facto e
multa de um marco de prata pago do aljube, não dissimulem ou ocultem o tal
impedimento ou impedimentos, mas antes, os enviem com muita brevidade ao Bispo ou
ao Provisor em maço fechado e selado na forma costumada, por pessoa fiel, à custa dos
contraentes.” [§275]
O tempo gasto entre o envio da petição de Sergipe e o recebimento da
autorização da Bahia variava de dois meses a quase um ano: não sabemos se tal demora
devia-se à lentidão da máquina burocrática curial baianense, à delonga dos nubentes em
pagar a multa devida ou à lerdeza dos encarregados de transportar tal comissão.
Na autuação de dispensa matrimonial a favor de Francisco de Lavre e Menezes
e Maria Teresa de Jesus, casal branco da freguesia de Santo Antonio e Almas de
Itabaiana, o ofício do vigário Alexandre Pinto Lobão encaminhou favoravelmente a
demanda data de 20 de março de 1828, sendo exarada a dispensa sete meses e meio
depois, aos 4 de novembro de 1828.75 A dispensa que levou menos tempo para ser
concedida – apenas dois meses - beneficiou Pedro de Andrade Vieira e Bárbara Maria
de Sousa, brancos, moradores na freguesia de Nossa Senhora dos Campos do Rio Real
de Cima, tendo como data inicial 23 de agosto de 1828 e concluída aos 23 de outubro
de 1828. 76 O processo mais demorado de que temos conhecimento levou 10 meses para
sua conclusão: aos 20 de janeiro de 1831, José Inácio do Prado e Dª Mariana Rosa do
Prado, fregueses da Paróquia de Divina Pastora e São Gonçalo do Pé do Banco,
entraram com o pedido de dispensa na Cúria, recebendo autorização para se casarem
somente aos 30 de novembro de 1831. 77
75
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 14,
1828
76
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 13,
1828
77
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 17,
1831
78
Souza, op.cit., 1944, p. 20
58
79
“Cognação: no Direito Romano e Canônico, parentesco consangüíneo pelo lado
materno ou paterno, indiferentemente, parentesco baseado na comunidade de sangue.”
80
Samara, op.cit., 1989, p.89-91
59
comendador Botto casara-se duas vezes com duas irmãs, ambas viúvas, ricas e filhas de
Dias Melo, o Barão de Itaporanga. O Dr. Fernandes de Barros casou-se com a viúva do
Capitão Mor José de Barros Pimentel, dos Engenhos Jesus-Maria-José, em Laranjeiras e
Mato Grosso, em Maroim. Os crimes de envenenamento se amiudavam para heranças
de fortunas como a de D.Maria Acioly Rollemberg, irmã do Barão de Japaratuba.” 81
Dos 25 pedidos de dispensa matrimonial provenientes de Sergipe, entre 1807-
1854, vinte (80%) referem-se a consangüinidade, sendo o mais comum, 11 casos, de
consangüinidade apenas de segundo grau, geralmente por serem os nubentes primos
carnais. Eis dois exemplos “Antonio Pereira dos Santos Jurema, da vila do Socorro da
Cotinguiba e D.Clara Francisca de Medeiros, de Divina Pastora, pedem dispensa de 2º
grau de consangüinidade, por ser o pai do orador irmão da mãe da oradora”. 82 Estes
outros nubentes viviam em Santo Amaro das Brotas, 1831: “José Nunes de Moura e
Maria Pastora, não podem unir-se por se acharem ligados em parentesco por ser o pai do
orador irmão legítimo da mãe da oradora.” 83
Há três casos de impedimento de 3º grau, como o envolvendo Antônio Luiz da
Anunciação e Rosa Maria da Circuncisão, ambos de Divina Pastora, os quais aos 3 de
julho de 1816 enviaram petição à Cúria Soteropolitana informando que “ele é filho de
Ana Luiza da Conceição, prima carnal do pai dela oradora em 3º grau; ele foi casado,
viúvo, com a filha de uma prima carnal do pai dela, e como “ela é pobre que não
possuirá mais de 150$000, o orador lhe quer fazer essa esmola de casar com ela, o que
não sucedendo poderá não achar outro amparo sem deslustre a sua pessoa”. 84 Esta outra
ocorrência é data de 1830: “Dispensa matrimonial em favor de Jose Sutério de
Mendonça e Dª Maria José, o orador da freguesia da Capela de Nossa Senhora da
Purificação, e ela de São Cristóvão, 1830. Diz que a oradora foi casada com Simeão
Teles e o avô deste, era irmão do avô do orador e a oradora precise quem lhe administre
seus bens, motivo porque pede a dispensa dos mencionados impedimentos.”85
81
Dantas, Orlando Vieira. A Vida Patriarcal de Sergipe. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1980, p.32-33
82
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 15, 21-
7-1828
83
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 17,
1831
84
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote s/n,
1824-1839
85
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 17,
1828
60
86
Larraga, Francisco. Promptuario da theologia moral, muito util, e necessario para
todos os que se quizerem expor para confessores, e para a devida administraçaõ do
santo sacramento da penitencia composto pelo muito reverendo padre Fr.Francisco
Larraga, Regente da universidade de Santiago de Pamplona, da ordem dos
Prégadores. Com todas as Proposiçoens condemnadas até o tempo do Pontificado do
Santissimo Papa Clemente XI, explicadas pelo mesmo Author. Traduzido de Castelhano
em portuguez pelo padre Manoel da Sylva Moraes, Eagora nesta impressão correcto, e
accrescentado com as Doutrina do seu Addicionador. Lisboa, Na officina de Antonio
Simoens Ferreyra,1737, p. 127
61
esclarecendo que são irmãs a avó paterna dele e a avó materna dela; são irmãos o avô
paterno dela e a avó materna dele; também são irmãos a avó materna dela e a bisavó
materna dele e finalmente também eram irmãos a bisavó materna dela e o avô paterno
dele.” 87 Uma verdadeira Torre de Babel! E tudo isto, vivendo os noivos em freguesias
separadas, o que revela a dispersão dos grandes clãs familiares pelo território sergipano.
Este outro caso de múltiplos casamentos consangüíneos remete-nos a uma
família de gente humilde de Propriá, demonstrando igualmente a força da endogamia
não apenas nas grandes propriedades patriarcais: Francisco Álvares e Isabel de Jesus, da
Freguesia de Santo Antonio do Urubu de Baixo de Propriá, aos 20 de janeiro de 1825
notificam achar-se “ligados no 2º e 4º grau de consangüinidade, no 4º por ser Antônio
Teixeira avô dos oradores por parte paterna e no 2º por ser o mesmo Antônio terceiro
avô por parte materna.” Acrescenta o Vigário que “os oradores são muito pobres, não há
infâmia entre eles mas têm familiaridade e que não haverá no lugar outro que quisesse
torná-la por esposa”. 88 Se de um lado, nas famílias abastadas o interesse de casamentos
endogâmicos visava a manutenção do patrimônio dentro da mesma parentela,
reforçando o milenar binômio - matrimônio=patrimônio - no outro extremo, nos
estratos mais baixos, entre a “raia miúda”, a endogamia parental justifica-se sobretudo
pela convivência mais íntima dos jovens nubentes de ambos os sexos e provavelmente
pela maior liberdade de tais jovens desclassificados escolherem com mais liberdade os
parceiros de sua eleição.
87
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 28,
1828
88
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 28,
1825
89
Souza, op.cit., 1944, p. 31
62
90
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 16,
1854
91
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 14,
1828
63
92
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote s/n,
1824-1839
93
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 28,
1829
64
94
Nizza da Silva, Maria Beatriz. “Sistema de casamento no Brasil Colonial”, Ciência e
Cultura (SBPC), n.28 (110), 1976, p. 1254
95
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 14,
1828
96
Jaboatão, Frei Antonio de Maria. Introdução e Notas de Pedro Calmon ao Catálogo
Genealógico das Principais Famílias de Frei A Jaboatão (1768). Salvador, Empresa
Gráfica da Bahia, 1985, 2 volumes, p.653-660
65
97
Flandrin, op.cit., 1975, p.40
98
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 17,
1831
99
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote s/n,
1824-1839, 1825
66
por ser ela mais pobre e ficar alguns bens da fortuna, que Deus lhe deu, no recinto de
sua própria família”. Segundo o Vigário, Padre José Joaquim Campos, o nubente
possuía quase 8:000$000 de legítima materna na propriedade do Engenho Varzinhas e
alguns escravos.”
Nest’outra ocorrência, patenteia-se também em Sergipe del Rei uma regra
conjugal que a Antropologia classifica como hipogamia, o casamento de um homem
com mulher status social ou econômico mais baixo: O já citado coronel Vicente Luiz de
Freitas Barreto pleiteava que seu filho se casasse com a prima de segundo grau “por ser
ela mais pobre”100 Sobre Rosa Maria, de Divina Pastora (1816) consta que “é pobre
que não possuirá mais de 150$000 [de patrimônio], e o orador lhe quer fazer essa
esmola de casar com ela, o que não sucedendo poderá não achar outro amparo sem
deslustre a sua pessoa.” Quanto à nubente Maria Teresa de Jesus, de Lagarto (1828), diz
o capelão: “merece a dispensa por ser a oradora pobre e nada possuir.” 101 Também no
Brasil Meridional o casamento interparental era bastante praticado: “as relações de
parentesco eram tradicionalmente comuns nos arranjos matrimoniais na sociedade
paulista e desde o período colonial eram freqüentes as uniões de primos entre si e de tios
e sobrinhas. Alfredo Ellis Jr aponta para a população paulista, no seiscentismo, um
índice de consangüinidade de 23,3% que chega no setecentismo a 42,8%. 102
Há situações em que a pobreza material da nubente é acrescida da desonra,
ambos fatores colaborando positivamente para obter a misericórdia da Santa Madre
Igreja, que través do 7º Sacramento atenuava ambas mazelas. Em 1845, Antonio
Francisco da Piedade, morador em Estância, ficando viúvo, quer casar-se com sua
cunhada, Maria Angélica de Jesus, irmã de sua finada esposa; em seu favor advoga o
Vigário: “como já vivem no pecaminoso estado de amancebia e ela não achará outro
com quem se case pela sua pobreza e igualmente pela triste fama”103
Este é outro aspecto merecedor de nossa atenção para entendermos as nuances
do mercado matrimonial em Sergipe colonial e imperial: o casamento como remédio
para recuperar a honra perdida. A jovem Dª Clara Francisca de Medeiros, de Divina
100
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 16,
1847
101
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote s/n,
1824-1839, 1828
102
Apud Samara, Eni de Mesquita, “Casamento e papeis familiares em São Paulo no
século XIX”, Caderno de Pesquisas, São Paulo, n.37, 1981, p.19
103
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 31,
1845
67
Pastora (1828) era duplamente digna de comiseração: “ela é pobre e acha-se deflorada
pelo orador que por meio do matrimônio quer pagar-lhe a honra”. O pretendente,
Antonio Pereira dos Santos Jurema era homem abastado, talvez o mais rico desta
amostra oitocentista: “ele possui um engenho de açúcar moente e corrente com mais de
100 cativos maiores e menores, gados vacuns e cavalares, 21 caixas de açúcar e móveis
de casa, ouro, prata, mas como há três dias faleceu seu avô de quem houve esta herança,
não sabe que dividas haverão na casa, de modo que no mínimo deve possuir
100:000$000.”104
Outra cunhada encontra-se em situação parecida à anterior: Josefa Maria de
Trindade, desde que sua irmã morreu, “já vive na casa do orador cuidando das crianças
e o vulgo não deixa de pensar na honra da nubente, pelas continuadas visitas e quase
morada que faz o supradito orador em casa da mãe da oradora, a qual também é
pobríssima e vive de esmola.” 105
Algumas vezes, o motivo da dispensa tinha como alegação que a mulher viúva
com filhos carecia do apoio de um pater famílias que administrasse seus bens,
exercendo o papel de cabeça do casal: em 1830, José Sutério de Mendonça, da
freguesia da Capela de Nossa Senhora da Purificação, justifica seu pedido de dispensa
por ser ter sido a viúva Dª Maria José, de São Cristóvão, casada com Simeão Teles e o
avô desta era irmão do avô dele, mas como “a oradora precise quem lhe administre seus
bens e porque tendo três filhos estes se acham casados e o orador tem uma filha solteira
e possui o valor de 600$000 e a oradora 2:000$000 em bens periveis (sic) e de raiz, não
tendo quem lhes administre, não poderá subsistir com a devida decência, motivo porque
pede a dispensa dos mencionados impedimentos.” Informação que é ratificada pelo
Vigário Luiz Antonio Esteves: “a oradora precisa quem administre seus bens.” 106
Nest’outro episódio, é o viúvo onerado de filhos quem necessita da irmã de
sua finada mulher como mater famílias: Manuel Muniz da Fonseca, de Estância,
justifica seu pedido para casar-se com sua cunhada, Josefa Maria de Trindade nos
seguintes termos: “razões mui fortes obrigam ao suplicante assim proceder: viúvo pobre
e com três filhos menores, sem ter quem deles cuide e não podendo estar sempre o
104
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 15,
1828
105
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 16,
1845
106
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 17,
1830
68
suplicante em casa por viver cuidando aqui e ali dos alimentos para sua família, jamais
poderá encontrar uma outra mulher além desta, que vê em seus sobrinhos seus filhos e
que queria se encarregar da criação e da direção das três crianças em uma idade em que
só os cuidados de uma mãe os podem consolar e dirigir.” O Vigário padre Manuel José
Alves dá parecer favorável à que se desconsidere a afinidade de 1º grau lícita: “a
cunhada já vive na casa cuidando das crianças e o vulgo não deixa de pensar na honra
da nubente, pelas continuadas visitas e quase morada que faz o supradito orador em casa
da mãe da oradora, a qual também é pobríssima e vive de esmola.” 107
Subjacente a vários destes casamentos interparentais, patenteia-se o desejo de
que o/a nubente escolhido ostentem a mesma “qualidade” racial, social e econômica –
regra matrimonial conhecida como homogamia. Como magistralmente enfatizava já em
1650 o autor da Carta de Guia aos Casados, D.Francisco Manuel de Melo, “uma das
coisas que mais assegurar podem a futura felicidade de casados é a proporção do
casamento. A desigualdade no sangue, nas idades, na fazenda, causa contradição; a
contradição, discórdia. Para satisfação dos pais convém muito a proporção do sangue;
para proveito dos filhos, a da fazenda; para o gosto dos casados, a das idades. É a suma
felicidade do casamento quando em tudo sejam iguais. “ 108 Um ditado antigo luso-
brasileiro confirma a excelência das uniões homogâmicas: “Casar e compadrar, cada
qual com seu igual.”
Maria Rosa de Jesus e Melo, de Vila Nova do Rio São Francisco, em 1831,
mãe da nubente Ana Luiza insistia nesta “iguala” para dispensar o primo carnal de sua
filha da interdição canônica: “por ser conveniente á sua família casar sua filha com o
dito parente, não havendo no lugar outro de igual condição com quem venha casá-la”
109
Em Divina Pastora, no mesmo ano, o casal José Inácio do Prado e Dª Maria Rosa do
Prado pedia dispensa de 2º e 3º graus de consangüinidade “porque a oradora acha esse
seu primo que com igualdade a quer receber por mulher”. Eram ricos: “o orador deve
ter 1:200$000.”110
107
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 16,
1845
108
Melo, D.Francisco Manuel. Carta de Guia aos Casados (1650), Lisboa, Editorial
Verbo, s/d, p.21
109
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 28,
1829
110
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 17,
1831
69
111
Arquivo Público do Estado de Sergipe, Pacotilha 846, 1844
112
Arquivo Público do Estado de Sergipe, Pacotilha 595, 1849
113
Jaboatão, op.cit., 1985, p.543
70
114
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 28,
1828
115
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 15,
1828
71
saindo com impedimento José Carvalho, dizendo ser procurador de Vitório Fagundes,
pai da oradora, e de novo, por impedimento outro tio da oradora, Silvestre Jose, só pelo
pretexto de ser o orador pardo, cujo impedimento não devia prevalecer já que é da
mesma cor da oradora, depois de já estar purgado e não ser posto [impedimento] pelo
pai da oradora a quem maiormente, de direito, só competia protestar, como seu tio
Silvestre não conseguisse na vigaria de Sergipe seu mau intento, tentou impedir o
casamento através de uns missionários. Diz que o orador e oradora têm seis filhos e se
acham em concubinato, são pobres e ovelhas desgarradas do rebanho, rogam que o
pároco os case.” O vigário substituto, frei Manuel da Encarnação depois de realizar as
devidas averiguações, diz que é a favor do casamento. A cúria arquiepiscopal da Bahia
acata o pedido, determinando que a mulher fique apartada do seu amásio orador por
trinta dias a fim de que “possa em sua plena liberdade escolher livremente o estado
matrimonial.” Que paguem as custas dos autos.116
Apesar de todo o cuidado burocrático da Igreja para que os casamentos
fossem realizados dentro de todos o casuísmo burocrático estabelecido pelo direito
canônico, sem qualquer impedimento dirimente, cerimônia que devia sempre ser e
devidamente documentada no Livro de Registro de Matrimônio, com presença
obrigatória do capelão e de testemunhas, livro zelosamente conservado em armários
trancados das sacristias Matrizes, malgrado todos esses cuidados, há diversos processos
no Arquivo do Arcebispado Soteropolitano se requer a “justificação do casamento” já
que os interessados não encontraram na época registro comprobatório de tais uniões
sacramentais.
Entre 1811-1820 encontramos quando menos três casais de moradores de
Sergipe que tiveram de recorrer à Secretaria da Câmara Primacial da Bahia para obter
atestado de casamento. Em 1811, Antonio Moniz Bittencourt, filho legítimo José da
Câmara Bittencourt e Maria Perpétua e Almeida, todos naturais da Freguesia de Nossa
Senhora do Socorro da Cotinguiba pede ”lhe passe certidão por não ter achado o
casamento de seus pais.” Neste e nos demais casos, urgia que fossem ouvidas ao menos
quatro testemunhas. Neste caso, o primeiro a ser ouvido foi Manuel José de Meneses,
“branco, solteiro, morador em Santo Amaro das Brotas, que vive de seus estudos, 24
anos, testemunha jurada nos Santos Evangelhos disse que conhece muito bem ao
116
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote 13,
1809
72
justificante e sabe por estar estudando nas Laranjeiras ser ele filho legítimo de José da
Câmara Bittencourt e Maria Perpétua e Almeida, ouvindo o mesmo pai chamar-lhe de
filho, sendo público ter se casado na Matriz da vila do Socorro.” Outra testemunha,
Capitão Bonifácio Francisco de Freitas Barreto, morador na Freguesia do Desterrro da
Bahia, diz saber que vindo Antonio Moniz Bittencourt de sua pátria em Portugal, se
117
casara no Socorro com Maria Perpétua e Almeida. Em 1816 é a vez de um morador
na cidade de Sergipe del Rei, Luiz Correa de Caldas e Lima, filho legítimo de Antonio
Correa da Purificação e Dionísia Correa de Lima, solicitar “certidão de casamento de
seus pais para se ordenar e como não tendo descoberto tal assento, o quer justificar.”
Feito o sumário, conclui-se que seus progenitores casaram de fato na Igreja Matriz de
Nossa Senhora da Vitória da cidade de Sergipe, aos 19 de dezembro de 1801, perante o
vigário Padre Caetano da Silva Nolette. 118
Na justificação de casamento de Amaro Álvares de Oliveira e Maria José do
Sacramento a favor de José Lino de Oliveira, datado de 1819, o orador diz ser natural de
Itabaiana, filho legitimo do casal, casamento feito na Capela filial de Nossa Senhora da
Piedade: a autoridade a dar o atestado, Padre Feliciano Garcez Pinto de Madureira, por
sua titulação, revela que tal cargo devia ser ocupado exclusivamente por eclesiásticos do
alto patente: era Professo da Ordem de Cristo, Beneficiado Colado, Secretário da Cúria
Arquiepiscopal da Bahia, o qual, após mandar pesquisar nos livros de registro de
casamento conclui: “nada foi possível achar-se entre 1785-1807.” É feito então sumário
de testemunhas que confirmam o matrimônio do casal, atestado concedido aos 12 de
maio de 1820 119
Tais pedidos de justificação de casamento destinavam-se sobretudo a
comprovar filiação legítima por ocasião de inventário e partilha de bens entre herdeiros,
ou para o recebimento de ordens religiosas a fim de instrumentar os Processos de
Genere et Moribus, posto que no Brasil antigo, só os filhos legítimos podiam ter acesso
pleno à carreira militar, civil, eclesiástica e ao pleno respeito social. Mazelas de uma
sociedade estamental fortemente marcada pela moral católica.
Anexo:
117
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Caixa 80,
1811
118
Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador, Dispensas Matrimoniais, Pacote,
Estante 1, Caixa 80
119
Arquivo da Cúria Metropolitana da Bahia, Estante 1, Caixa 80
73
120
Azevedo, E. S./Azevedo S./Azevedo E.E.S. “Análise Antropológica e Cultural dos
Nomes das Famílias da Bahia. Centro de Estudos Afro-Orientais, v. 8, p. 01-14, 1981;
“Sobrenomes no Nordeste e suas Relações com a heterogeneidade étnica. Estudos
Econômicos (IPE/USP), São Paulo, v. 13, p. 103-116, 1983.
74
121
Este artigo, agora com vários acréscimos, foi originalmente publicado na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, n.29, 1983-1987, p.133-147.
122
Freyre, Gilberto. O Escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX:
tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais, de
característicos de personalidade e de deformações de corpo de negros ou mestiços,
fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. Recife,
Imprensa Universitária, 1963.
76
123
Graf, Márcia Elisa de Campos. “O escravo no cotidiano através dos anúncios de
jornais paranaenses.” Anais do Congresso Brasileiro de Tropicologia, Recife,
Fundaj/Massangana, 1987; Brandão, Helena H.N. “Escravos em anúncios jornais
brasileiros no século XIX: discurso e ideologia.” Anais do Seminário do Grupo de
Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo/Gel, Taubaté/Campinas, 2004. p. 694-700;
Reis, Liana Maria. Escravos e abolicionismo na imprensa mineira (1850/1888).
Dissertação de Mestrado em História. UFMG, 1993; Renault, Delso. Rio antigo nos
anúncios de jornais :1808-1850. Rio de Janeiro, José Olympio, 1969.
124
Mullin, G.W. Flight and Rebellion. Slave resistance in Eighteenth-Century Virginia.
Oxford University Press, New York, 1972; Everett, S. The Slaves, Bison Books, New
York, 1978
125
Correio Sergipense, 26-9-1849, Ano XII, n.67, p.4
77
126
Correio Sergipense, 15-6-1844
78
Sergipe del Rei, a menor das províncias do Império, embora possuindo base
ecológica e estrutura sócio-econômica bastante semelhante à Bahia, revela, no que tange
à composição demográfica do elemento servil, marcantes peculiaridades. Não dispondo
de autonomia para importar mão-de-obra diretamente da África, era sobretudo através
de Salvador que os africanos aportavam na Província, sendo por conseguinte, já desde
os meados do século XVIII, diminuto aí o numero de cativos originários da África,
predominando por conseguinte os crioulos e mestiços. Numa amostra de 814 escravos
ocupados na lavoura de mandioca em cinco freguesias sergipanas, no ano de 1785,
encontramos 34% de africanos e 66% de nacionais.127 Na primeira metade do século
XIX os negros e pardos ingênuos, isto é, já nascidos livres, representavam 45,6% da
população de cor de Sergipe, reforçando nossa ilação de que certamente os africanos
natos nunca ultrapassaram 1/3 de escravaria desta Província nordestina.128
Em nossa amostra dos 144 escravos fugidos entre 1833-1864, ¼ são
nascidos em África, entre eles 5 Nagô, 5 Angola, 3 Congo, 1 Gêge, e quatro referidos
genericamente como “africano”. Comparativamente a composição étnica da amostra de
1785, notamos tendência semelhante à observada na importação de africanos pela
Bahia, onde o ciclo da Guiné é seguido pelos ciclos do Congo-Angola e do Golfo de
Benin.129 O pequeno numero de fujões africanos em Sergipe reflete a nosso ver antes
sua pequenez na massa escrava do que a maior conformidade ou inviabilidade destes
estrangeiros deixarem o cativeiro. Se de um lado encontramos, nestes anúncios negros
do Congo ainda “com fala um tanto atrapalhada, grossa e arremessada”, ou “ainda
pronunciando mal a língua nacional”, por outro lado há cativos como Pedro, 18 anos,
“nação Angola, bem cuidado que parece crioulo”130, ou o caso do fujão do Engenho
Araçá, em Laranjeiras, também angolano, que é apontado como sendo “bem ladino”. 131
Alguns destes negróides traziam estampado no corpo as marcas indeléveis de
suas etnias e/ou posição social na terra de origem: “Maria Rosa, nação Nagô, macia e
preguiçosa no falar, tem sinais Gêge na cara e sinais bordados no braço direito junto à
127
Mott, Luiz. “População e Economia: Aspecto do Problema da mão de obra escrava
em Sergipe”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, nº 28, 1979-1982,
p.19-32.
128
Mott, Luiz. “Pardos e Pretos em Sergipe: 1774-1851”, Revista do Instituto de
Estudos Brasileiros, USP, nº 18, 1976, p.7-37.
129
Verger, Pierre. O Fumo da Bahia e o tráfico dos escravos do Golfo de Benin. Centro
de Estudos Afro-Orientais, nº 6, 1966
130
Correio Sergipense, 12-5-1849
131
Correio Sergipense, 12-5-1849
79
mão”132; Romão, 35 anos, nação Congo, “tem sobre o peito, costas e braços os sinais de
sua terra, que são uns pequenos quadradinhos” 133. Alguns Nagôs são descritos como
possuindo marcas tribais Gêge.
Digno de nota são as alterações dentárias: quatro dos fujões possuíam dentes
limados (pontiagudos), sendo dois do Congo e curiosamente, dois já nascidos no Brasil,
a parda Isabel e o mestiço Joaquim , demonstrando o quão forte ainda na segunda
metade do século XIX era a influência estética ou ritual de certas culturas africanas,
assimilada e mantida inclusive pelos mestiços. Aliás, tais anúncios fornecem mais
elementos informativos sobre os africanismos persistentes na escravaria sergipana: alem
da língua, muitos cativos carregam consigo traços culturais do continente negro, como
três mulheres e um negro que levaram na fuga os cobiçados “panos da costa”, usados
como turbante, faixa ou mesmo mochila. 134 Um dos africanos , de nome Caciano, fugiu
com “uma carapuça na cabeça”135 quem sabe se não era o complemento do “abadá”, o
traje islâmico usado pelos Malê na vizinha Bahia? 136 O que pensar do cabra Agostinho,
28 anos, “bom cozinheiro, com uma orelha furada que botava brinco”?137 Esta argola
seria um enfeite típico de sua nação originária, ou uma vaidade feminil de influência
lusitana, tão comum hoje em dia inclusive entre cozinheiros gays?
Quanto a composição deste segmento populacional no tocante à cor, temos
68% de fugitivos pretos para 32% de pardos, – porcentagem idêntica à encontrada no
cômputo geral dos escravos de Sergipe constante no “Mapa Exato da população de
1834”.138 Assim foram identificados os escravos fujões: crioulos, mulatos, pardos,
cabras. Nestes anúncios os negros aparecem referidos com os seguintes qualificativos:
muito preto, bem preto, crioulo, crioulo retinto, fula (cor baça). Os mestiços, por seu
turno, assim foram chamados: pardo claro e escuro, mulato, mulato claro, cor de
formiga, alaranjado, cabra.139
132
Correio Sergipense, 4-10-1854
133
Correio Sergipense, 22-6-1842
134
Torres, H. A. Alguns aspectos da indumentária da crioula baiana. Cadernos. Pagu,
Jul/Dez. 2004, nº 23, p. 413-467
135
Correio Sergipense, 29-9-1862
136
Reis, J.J. Rebelião Escrava no Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1986
137
Correio Sergipense, 10-11-1847
138
Mott, op.cit., 1986, p.86
139
Mott, Luiz. “Brancos, Pardos, Pretos e Índios em Sergipe: 1825-1830”. Anais de
Historia” (Assis), ano VI, 1974, p.139-184
80
Dos 144 os escravos fugidos, 36 eram mulheres (25%) e 108 homens (75%).
Apresentando Sergipe nesta época em média uma superioridade de apenas 8,4% de
cativos do sexo masculino face ao feminino, (54,2% de homens para 45,8% de
mulheres), a vantagem de 50% dos fugitivos homens faz-nos conjecturar que para estes,
a condição servil devia ser mais cruel e insuportável, acrescentando o fato de que as
peripécias e riscos da fuga tornavam tal decisão mais dificultosa para o chamado “sexo-
frágil”. Tendência, alias, também observada alhures, pois nos Estados Unidos, entre
1736-1801, de um total de 1280 fugitivos anunciados nos jornais da Virgínia, 89% eram
homens, as mulheres representando tão somente 11%. 140
Embora predomine em Sergipe a fuga individual, por vezes os escravos
escapam em pequenos grupos: há três anúncios de dois escravos fugidos juntos, um
magote de três negros, três grupos de um homem e uma mulher e dois de duas mulheres.
Nestes casos, geralmente os desertores apresentavam certas similaridades sócio-
demográficas, como pertencerem á mesma etnia, ou serem ambos crioulos ou de idade
próxima. Ás vezes são parentes: Guilherme, 18 anos, “crioulo um tanto prozista e ar
alegre”, escapuliu levando sua irmã Marta, 13 anos, “bastante magra, fala fina e
viciosa” 141
; Mariana, 40 anos, africana “com princípios de cabelos brancos e fala
sofrível”, bateu em retirada com a filha Genoveva, 14 anos, a qual “principia a apontar
os bicos do peito e tem um ar um pouco tristonho.”142 Alguns abandonava a senzala,
parece, por razões sentimentais, como o cabra-acaboclado João, 30 anos, que carregou
consigo Agostinha, 18, “crioula fula com peitos ainda de pé”.143 Do africano Benedito,
diz o anuncio que o motivo da deserção foi “uma tal Perpétua, sua amásia.” 144
Se de um lado o escravismo não discriminava idade na exploração do
trabalho dos africanos e seus descendentes – aproveitando esses infelizes desde a
145
puerícia até provecta velhice , a fuga, por seu turno, imitou-lhe o proceder: o desejo
da liberdade perpassa todas as idades. Encontramos na terra sergipana negrinhos que
desde os 13 anos caíram o mato, quer isoladamente, quer junto de outros, 21% dos
fugitivos tinham 13 a 19 anos. É contudo na flor da idade, dos 20 aos 29 anos, que mais
140
Mullin, op.cit., 1972, p.40
141
Correio Sergipense, 12-3-1842
142
Correio Sergipense, 18-10-1854
143
Correio Sergipense, 10-1-1855
144
Correio Sergipense, 21-10-1854
145
Mott, Maria Lúcia. “A criança escrava na literatura de viagens”. Cadernos de
Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, São Paulo, n.31, dezembro 1979, p.57-68
81
o desejo da liberdade tentava a escravaria. 61% dos fujões tinham entre 20 e 39 anos.
Como a esperança de vida era bastante reduzida nesta população de trabalhadores
forçados, a velhice com seus achaques e doenças devia inibir cedo as esperanças da
liberdade através da fuga, quem sabe, deslocando a partir dos 40 a expectativa das
pretas e pretos velhos para através da alforria, comprada ou ganha, conseguirem a tão
desejada libertação do cativeiro: apenas 17% desses evadidos ostentava idade superior a
40 anos. O mais idoso fujão desta lista foi o negro Gregório, “70 anos pouco mais ou
menos, sem dentes, tem por costume andar bulindo com os queixos como quem masca
fumo.”146 Devia ser ainda economicamente ativo, pois seu senhor prometeu ”a quem o
pegar e trouxer no seu sítio Bomfim, boa recompensa.”
Possuindo Sergipe vida urbana extremamente simples e diminuta, poucos
eram os escravos dedicados a misteres citadinos, como se observa nos anúncios de
jornal das maiores cidades do Império. Reflexo do ruralismo dominante, é a referência a
diversos escravos fugidos de engenhos e sítios, alguns referidos como trabalhadores do
eito e em menor numero, em ocupações domesticas: 23 escravos fugiram de engenhos,
5 de sítios. Aos demais não se identifica onde viviam, se na roça ou nas vilas.
É de São Cristóvão, a capital de Sergipe até 1855, e das vilas circunvizinhas
da Cotinguiba, donde há mais anúncios de negros fujões: 25 de São Cristóvão, 16 do
Aracaju, 13 das Laranjeiras, e em menor número de Santo Amaro, Maroim, Socorro,
seguidas das localidades situadas no sertão ou no sul da Província: 13 fujões e fujonas
de Estância, 5 de Lagarto, Itabaiana, Simões Dias, Itabaianinha.
Não há referência a nenhum escravo de ganho ou de aluguel, aguadeiro ou
de arruar: dentre os fujões com especialização profissional, o mais comum eram os
sapateiros, que aparecem em 11 anúncios, seguidos de 4 carpinteiros, as demais
profissões são citadas apenas uma vez: alfaiate, sapateiro, carreiro, cavaleiro, mestre de
açúcar, pedreiro, cozinheiro, lacaio, charuteiro, caldeireiro, canoeiro, pintor, pedreiro.
Apenas 16% destes escravos são identificados como possuído tais habilidades, sendo
digno de destaque o fato que nove destes revelavam mais de uma especialização
profissional: há três sapateiros que também eram: um cozinheiro, outro mestre de açúcar
e o ultimo charuteiro; um mestre de açúcar era também pedreiro; um caldeireiro exercia
igualmente o oficio de carpinteiro; estoutro era cozinheiro e lacaio. A mulata Luiza, 40
146
Correio Sergipense, 7-5-1864
82
anos, sabia “cozer, bordar, tecer, lavar, engomar e é cozinheira” 147; Joaquim, 25 anos,
mestiço “é oficial de alfaiate, muito curioso a outros ofícios, bem como ao de pedreiro
e carpinteiro.”148 Mais habilidoso de todos era o crioulo Firmino, que fugido do Rio de
Janeiro, sua senhora supunha estar escondido em Sergipe: “é perfeito criado e copeiro,
entende de cozinha, lava, engoma, coze e anda bem a cavalo” – um misto de mucama e
amazonas!149 Alguns destes profissionais revelavam mérito no exercício da arte, sendo
apontados como “bom oficial”, “perfeito”.
Também dignas de ressalva são algumas habilidades pessoais da escravaria
nesta pequena província nordestina; dentre os evadidos há três escravos alfabetizados: o
cabra Carlos, 25, “escreve alguma coisa”150 ; o já citado mestiço Joaquim, 25, “sabe ler
e escrever” e finalmente Claudino, 28 anos, crioulo “apesar de pegar na pronuncia da
letra ‘R’, é muito retórico, sabe ler e escrever”. 151 Em Sergipe, pelo Decreto nº 13 de 20
de março de 1838, proibiam-se freqüentar as Escolas Públicas “os africanos quer livres,
quer libertos”, não obstante, já em 1850, de um total de 1980 alunos matriculados nas
50 escolas desta província, 31 eram da cor negra, 152 havendo desde 1848 uma parda,
filha de libertos, entre as candidatas ao cargo de professora de Primeira Letras de
153
meninas na vila do Rosário do Catete. Com toda certeza aqueles três fujões
alfabetizados aprenderam os segredos da leitura e escrita nas casas de seus senhores
posto não termos notícia de escravos sentados nos bancos escolares.
Outra habilidade de alguns dos escravos escapulidos tinha a ver com o lazer:
o crioulo Francisco, de Estância, é descrito como “muito retórico e contador de
histórias, toca sofrivelmente guitarra e alguma coisa viola, e canta suas cantatas”; 154
Luiz, “cor formiga, 15 anos, muito ladino, alegre e contador de história” 155: no caso
deste, apontam-lhe outro detalhe. “gosta de batuques”, subentendendo-se por este termo,
tanto os rituais religiosos realizados ao som de atabaques, os “xangôs”, quanto
divertimentos profanos igualmente animados ao som dos tambores.
147
Correio Sergipense, 8-7-1854
148
Correio Sergipense, 25-10-1862
149
Correio Sergipense, 30-5-1860
150
Correio Sergipense, 31-5-1854
151
Correio Sergipense, 12-4-1854
“Retórico: Que tem estilo empolado, que fala muito, mas superficialmente.”
152
Nunes, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe, Paz e Terra, São Paulo,
1984, p.285
153
Mott, op.cit., 1976, p. 21
154
Correio Sergipense, 18-1-1854
155
Correio Sergipense, 18-10-1854
83
Benedito, “crioulo, 24 anos, alto, cheio do corpo, com principio de barba, cabelo
cortado e não muito carapinhado, e consta também que fizera topete, pernas finas, bem
parecido...”160 Neste particular, nossa amostra contradiz a opinião de Gilberto Freyre
quando defende terem predominado no Brasil os negros eugênicos do tipo longilíneo:
em Sergipe, apenas 20% dos fujões de ambos os sexos são referidos como altos, os
restantes, apontados como “baixos” ou “de estatura regular”.
A maior parte dos anúncios revela o lado feito e desumano do escravismo, a
tal ponto que Joaquim Nabuco, no antológico O Abolicionismo assim se expressou:
“Não há documento antigo, preservado nos papiros egípcios ou em caracteres góticos,
nos pergaminhos da Idade Média, em que se revela uma ordem social mais afastada da
civilização moderna.”161 No caso de Sergipe, há provas incontestáveis de que também a
crueldade extrema aí grassou desvairada: alhures divulgamos o abominável episódio de
um senhor residente dos lados do São Francisco, que nos idos de 1678 matou de açoites
um seu moleque por ter cometido o pecado de sodomia162. Suspeitamos, contudo, que as
dificuldades de importação de africanos e o numero reduzido de escravos por
156
Souza, op.cit., 1944, p.117
157
Correio Sergipense, 10-3-1848
158
Correio Sergipense, 10-3-1854
159
Correio Sergipense, 22-6-1842
“Suíça: barba que se deixa crescer nos lados da face.”
160
Correio Sergipense, 21-10-1840
161
Apud Freyre, op.cit., 1979, p.XI
162
Mott, op.cit., 1989, p.29
84
propriedade, tenham forçado os senhores sergipanos a tratar seus cativos com mais
cuidado do que nos lugares onde eram mais abundantes e facilmente podiam ser
substituídos. Reforça tal ilação o fato de que apenas quatro destes fugitivos ostentavam
sinais de chicote e castigo: Felix, crioulo bem preto, “tem nas costas uma malha
proveniente de surra e levou consigo uma boa escrava, Joaquina, mestiça clara, com um
sinal de costura na garganta de golpe de ferro”.163 Destes, quem mais apanhou e ficou
marcado foi o já citado Luiz, “cor de formiga”, que nos seus 15 anos de vida, já
ostentava indelével, as marcas de sua revolta contra as tiranias senhoriais: “tem sinais de
chicote pela barriga, costas e pescoço, parecendo-se aquelas com cicatrizes de fogo.”
Não obstante experiências tão traumatizantes, era descrito como “muito ladino, alegre e
contador de história”. O excesso do castigo parece ter sido o móvel da fuga do mulato
Agostinho, do Engenho São José, vila do Rosário: “foi há pouco surrado.”164
Muitos escravos ostentavam feias marcas, cicatrizes, aleijões e achaques
provocados certamente por acidentes de trabalho: dedos ralados na roda de mandioca,
coices de animais, falta de dedos nos pés devido a golpes de machado, queimaduras
diversas provavelmente adquiridas em acidentes nos tachos de açúcar, alambiques ou
em fogões de lenha, caroços, cicatrizes e arranhões por todo corpo, resultado de
acidentes na faina dentro das matas, brejos e lavouras.
Desde os tempos dos padres Antonio Vieira e Jorge Benci, jesuítas da Bahia,
que alguns colonos mais sensíveis comparavam a labuta e o corpo dos escravos aos
sofrimentos da paixão do Cristo: os anúncios do Correio Sergipense revelam mais de
uma dezena de escravos doentes e achacados, constituindo tal fonte documental
importante manancial para o estudo da história sanitária destes segmento demográfico.
Comecemos pelos pés dos escravos: como o uso de sapato era reservados aos cidadãos
livres, freqüentemente os anúncios referem-se aos pés dos cativos como “grossos,
rachados, malfeitos, com bicho, fora de articulação, inchados, com cravos dificultando o
andar”. Alguns são mancos ou faltos de alguns dedos. Os joelhos são descritos como
grossos ou inchados, as pernas zambras, isto é, tortas e fracas, como um deles, “quando
caminha cai a banda para os lados carregando para o esquerdo.” Certos tem a virilha
quebrada e algumas negras só podem “caminhar muito descansado”, certamente por
causa de reumatismo ou problemas ortopédicos. É contudo na epiderme que mais se
notavam os efeitos de várias doenças: muitos mostravam a cara, pescoço e pá cobertos
163
Correio Sergipense, 12-3-1845
164
Correio Sergipense, 17-7-1860
85
de “pano”, uma dermatose ainda muito comum no Nordeste (pitiríase versicolor). Outra
tanto tinha sinais de bexiga (varíola) por todo o negro corpo, referida como “cicatrizes
de bichas”.
As mãos calejadas destes trabalhadores e trabalhadoras forçados ostentavam
marcas doentias: dedos aleijados, ralados, rombudos, faltos de unhas causados por
panariz, unhas podres e comidas por “afomentação” (sic), mãos sarnentas, dedos
bichentos. Vários são os que tem sinais na cabeça: cicatrizes, queimaduras, falta de
cabelo devido a feridas ou cutiladas, orelhas cortadas, carnosidade no queixo ou
bochecha provenientes de dor de dente ou feridas. Os dentes foram referidos em 1/3 dos
anúncios, elemento, portanto, importante na identificação dos fugitivos: 25 escravos
tinham dentes ou com falta total ou parcial dos mesmos; 16 cativos mostravam “dentes
bons” ou dentição “sem falha”, alguns com “dentes alvos”. Os olhos destes escravos
espelham facetas subjetivas das vidas destes infelizes: são “fundos, amortecidos,
vagarosos”; às vezes referidos como esfumaçados ou vermelhados. Alguns
“defeituosos, vesgos,” outros com “carnosidades e feridas oculares.”
Outro aspecto constante nos anúncios que revela faceta íntima dos cativos é
a sua fala. Ao tratar dos africanos antecipamos que alguns dos fujões “mal
pronunciavam” a língua de Camões, enquanto outros falavam “bem explicado” ou
“desembaraçados”. Vários são os gagos, como o crioulo do Padre Ferreira Castro do
Engenho Serraria165 ou o Nagô Antônio, “bastante ladino e bem apessoado, que quando
tem raiva fala gaguejando.” 166
Gagueiras certamente causadas pela tensão e ansiedade
causados pelo cativeiro.
Diversos são os desertores apontados por seus proprietários como possuindo
incorreções de conduta ou vícios morais: o mulato Pedro, “de cor bem clara que parece
até branco, cabelos corridos, tem fala fina e é muito mentiroso e ladrão”. 167 Antonio
Congo, 38 anos, “é tomador de tabaco e cachaça”168 e o crioulo Pedro, 28, “bebe muita
aguardente e toma tabaco e quando está um pouco bêbado, fica muito gracioso.” 169 Há
os que são apontados como “preguiçosos, ladrões, sonsos” e vários demonstram no
semblante ou na conduta, a infelicidade da condição servil: o congo Francisco, 40, do
165
Correio Sergipense, 24-7-1853
166
Correio Sergipense, 14-9-1842
167
Correio Sergipense, 3-11-1849
168
Correio Sergipense, 1-7-1840
169
Correio Sergipense, 12-6-1861
86
Engenho Beija Flor “é muito pródigo em chorar”170; a moleca Genoveva, apesar de seus
14 anos, “tem um ar um pouco tristonho” 171; o mulato Serafim, 20 anos, “é um tanto
carrancudo”172, enquanto o pardo Vicente, apesar de bem parecido, “tem olhar umas
vezes carregado e outras, jovial”173
Estaríamos faltando á objetividade se omitíssemos certas evidências de que
os escravos sergipanos pareciam estar – alguns – conformados ou mesmo adaptados à
triste condição em que viviam: o supracitado Vicente entremeava sua carranquice com
jovialidade; o crioulo Paulo, asmático, é apontado por seu proprietário como sendo
“muito cortês”174; o moleque Sanção, 18, salientou-se por ser “um tanto gaiato no falar”.
175
Vários são referidos como “alegres”. Contudo, o fato de terem fugido obriga-nos a
relativizar a pseudoconformidade destes ”bons escravos” e interpretá-la, quiçá, como
camuflagem longamente arquitetada a fim de despistar as atenções senhoriais e facilitar-
lhes o caminho da estrada.
O próprio abandono da propriedade suscita uma série de indagações ao
pesquisador, algumas ainda sem resposta. Por exemplo: qual a percentagem de escravos
fugidos que eram anunciados nos jornais de Sergipe? Encontramos entre 1840-1864 em
média apenas 5 anúncios por ano neste que foi o principal periódico sergipano, taxa que
consideramos muito baixa se levarmos em conta que neste período a Província deveria
contar por volta de 40 mil escravos e 150 mil habitantes livres. 176
Sempre tentando vislumbrar o significado numérico dos escravos anunciados
face ao total dos fugitivos, contabilizamos o tempo que os senhores levavam para dar
publicidade do desaparecimento de seus cativos: de um total de 111 informações
disponíveis, apenas 5 deram a notícia do nome e característica dos fujões no dia
seguinte, 21 dos senhores dentro de uma semana, 60 no prazo de um mês, 23 entre dois
meses e um ano. Provavelmente a maior parte dos senhores desprezavam tal recurso,
apesar de custar poucos réis: conversas e promessas de viva voz feitas aos Capitães do
Mato, Delegados de Polícia, Milicianos e com a vizinhança, talvez produzissem
melhores resultados e mais certas capturas.
170
Correio Sergipense, 15-6-1844
171
Correio Sergipense, 29-12-1847
172
Correio Sergipense, 2-10-1855
173
Correio Sergipense, 15-1-1859
174
Correio Sergipense, 9-8-1848
175
Correio Sergipense,14-3-1849
176
Mott, op.cit., 1982, p. 21
87
177
Correio Sergipense, 18-1-1854
178
Recopilador Sergipense, 24-7-1833, n.128, p.4
179
Recopilador Sergipense, 25-8-1833, n.136, p.4
88
180
Mott, Luiz. "Violência e repressão em Sergipe: Notícia de revoltas de escravos,
século XIX", Mensário do Arquivo Nacional, ano 11, Nº5, 1980, p. 3-22, in Mott,
op.cit., 1989, p.189-204
181
Correio Sergipense, 22-3-1854
182
Correio Sergipense, 15-1-1859
89
negras que carregaram os cobiçados “panos da costa”: branco, azul. Nem todos eram
tecidos de fato na Costa d’ África: um deles, listrado de vermelho, era “pano da costa
inglês”. Há mesmo uma fujona que trazia um xale francês, provavelmente surrupiado de
sua sinhá-dona.
Alguns fugiam calçados, inclusive com botas, e uma dezena levou uma
trouxa “nas costas, ou mesmo um surrão de couro:“André, crioulo, 20 anos,
sobrancelhas fechadas, levou vestido uma calça preta e uma jaqueta nova de chita preta
e um chapéu de palha, levando às costas um surrão com mais roupa e uma baeta
encarnada”183; Luiz, cabra de 30 anos, ao desertar de sua fazenda em 1854, carregava
“um machado no ombro com uma trouxa”184 fazendo figura igual ao clichê que em
muitos jornais do Brasil e exterior costumavam estampar no cabeçalho dos anúncios dos
fujões. Rede de dormir é outro pertence carregado por alguns cativos de Sergipe,
demonstrando que certos desses descendentes dos silvícolas africanos não dispensavam
a comodidade de dormir balangando-se: o cabra Matias alem da rede não esqueceu do
lençol185 e o congo Francisco, carregou “cobertor de algodão novo.”Apenas uma
escrava é acusada de ter roubado dinheiro no momento da fuga.
Diversificadas são as estratégias dos fugitivos para evitarem ser
reconhecidos e recambiados às suas senzalas de origem. Muitos mudam de nome: o
africano Messias apresentava-se como Joaquim186; Luiz cabra, “consta que chama-se
ora João Maurício, ora Luiz Ramos”.187 Alguns inventam também novo nome para seu
senhorio: em 1848, o angola Afonso “costuma dizer que se chama João e o seu senhor
Paxeco.”188 Tais anúncios servem também como fonte complementar para o estudo da
onomástica escrava: apenas 5 destes 144 cativos não tiveram seus nomes declinados
pelos proprietários, revelando que até mesmo os africanos boçais já eram identificados
com nomes cristãos.
Ás vezes o disfarce é sutil: o cabra Brás amarrava um lenço na cabeça para
ocultar a falta de uma orelha189; um outro se fazia passar por “apatetado”. Diversos
apresentam-se como forros, posto que já desde a primeira metade do século XIX, 50,5%
183
Correio Sergipense, 2-9-1848
184
Correio Sergipense, 4-10-1854
185
Correio Sergipense, 4-5-1844
186
Correio Sergipense, 9-4-1842
187
Correio Sergipense, 2-9-1848
188
Correio Sergipense, 30-9-1848
189
Correio Sergipense, 29-1-1853
90
dos habitantes de Sergipe era constituída de pardos e pretos livres. 190 É o caso do
crioulo Adriano, 25 anos: “dizem que vende na feira e que tem trabalhado no serviço do
canal Pomonga, onde se diz forro”191; José Crioulo, 30, “bastante conversador, anda
com papéis falsos de alforria”192, quem sabe, conseguidos graças à colaboração de
algum escravo alfabetizado.
Importante regularidade aparece nestes anúncios: parte significativa dos
escravos foge a fim de retornar a seu antigo senhorio, ou então, dirige-se ocultamente
para a propriedade de um senhor por quem desejam ser comprados, seja para escapar de
maus tratados, seja para unir-se a algum ente querido. Às vezes havia participação
dolosa de um pretendente comprador que estimulava a fuga e acobertava o cativo até
realizar seu desiderato, ambas contravenções puníveis criminalmente.
Certos senhores, talvez sabendo desses antecedentes, no próprio anuncio
manifestam sua disposição de desfazer-se do fugitivo. “O anunciante não duvida em
vender o mencionado escravo à pessoa que o pretender”.193 Se verdadeiramente cumpria
a promessa, não há como saber. Dona Maria Francisca do Amparo, de São Cristóvão,
dizia em 1847: “Aparecendo quem queira comprar o cabra fugido, se venderá”.194 Outra
escravista, DªÁgueda Maria do Espírito Santo tendo perdido seu mestiço Eufrásio,
assim publicou: “Consta que o dito escravo fora desencaminhado por pessoa mal
intencionada, que ocultamente o pretende vender para o Rio Grande.” 195 O proprietário
do Engenho Mato Grosso não titubeia em apontar os nomes dos suspeitos criminosos:
“Consta que meus escravos Josão e Agostinha foram seduzidos pela senhora Dª Rosa
Luiz d’ Andrade Maciel, a quem o anunciante os comprou”.196 Outra acusação de
sedução refere-se a um cativo da vizinha província das Alagoas, suposto estar escondido
em Sergipe: trata-se do crioulo Hirênio, que além das “cicatrizes provenientes de
chicote, levou consigo um cavalo russo capado e passeiro, constando ao anunciante que
fora o dito escravo seduzido pelo alemão F.O.F. Rud, de quem trouxera uma guia para
190
Mott, Luiz. "Economia e Sociedade: O problema da mão de obra escrava em Sergipe,
século XIX", Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, nº 28, 1979-1981,
p. 19-32, in Mott, op.cit., 1986, p.139-150
191
Correio Sergipense, 18-10-1854
192
Correio Sergipense, 3-11-1860
193
Correio Sergipense, 11-4-1842
194
Correio Sergipense, 10-11-1847
195
Correio Sergipense, 29-3-1854
196
Correio Sergipense, 10-11-1855
91
seu livre transporte à cidade do Maroim. O anunciante está colhendo as precisas provas
para proceder na forma da lei.”197
Como este último, são muitos os proprietários que ameaçam “com todo
rigor da lei” processar os culpados, seja “o malicioso desencaminhador”, seja os que
“ocultam dolosamente” o escravo desaparecido. A estes, os anúncios chamam de
“padrinhos”: Francisco, crioulo de Estância, era protegido por pessoas da vila de Campo
do Brito e “quando é procurado, retira-se ou esconde-se, apadrinhado que está por
ali”.198 Outros proprietários previnem que os “padrinhos” além do processo contra suas
pessoas, terão que saldar os gastos decorrentes da ausência do fujão. O dono do
Engenho Belém dizia: “consta estar meu crioulo Lúcio escondido em poder do Senhor
que o vendeu ao anunciante, o qual protesta haver do mesmo os dias de serviços que
decorrem até sua entrega, bem como todo e qualquer prejuízo que possa ocorrer”. 199 É o
Padre João Antonio Figueiredo Matos, da freguesia de Simão Dias, que esclarece em
seu anúncio o valor que pretendia cobrar pela diária de seu escravo ausente: 1$600
reis.200 Valor, diga-se de passagem, um tanto exagerado, pois na capital da Província,
pagava-se nesta mesma época, “a serventes reforçados, forros ou cativos o jornal diário
de $880 reis”.201
Certas vezes os senhores não tinham certeza se o desaparecimento de suas
“peças” se devia a furto ou fuga: como o Sr. José Antonio Leite, da vila de Capela, que
assim anunciou: “No dia 27 de junho, pelas três horas da madrugada, dois sujeitos a
cavalo furtaram uma sua escrava, Luiza, nação crioula, prenha de 6 a 7 meses, de idade
de 15 a 16 anos, bem parecida, levando consigo sua roupa azul e limpa, com 50$000 em
dinheiro e 16 a 20$000 em moedas de prata que furtou do anunciante, por ser induzida
talvez pelos ditos ladrões, pois que não era de seu costume.” 202 Também furtado, em
1842, foi o moleque de nação Nagô, Manoel, de 16 a 18 anos, que levou consigo um
boné inglês, um pano da costa: “tem um sinal bem fácil de conhecê-lo, uma grande
cicatriz que perece cutilada na cabeça do lado esquerdo, e tem os beiços encarnados.
197
Correio Sergipense, 9-3-1861
198
Correio Sergipense, 10-1-1854
199
Correio Sergipense, 26-1-1845
200
Correio Sergipense, 2-12-1858
201
Correio Sergipense, 12-3-1859
202
Correio Sergipense, 20-8-1864
92
Este moleque é muito ladino, e tem estado alguns meses na venda defronte do trapiche
Coqueiro, quem o pegar ou der notícia certa, receberá 40$000.”203
No Arquivo Público do Estado de Sergipe há algumas denuncias de ciganos
envolvidos com o roubo e comércio doloso de escravos, assim como pelo “desastroso
crime de reduzir á escravidão pessoa livre” 204
Numerosos anunciantes prometiam recompensar tanto a quem desse notícia
certa sobre o paradeiro dos desaparecidos, quanto aos que os trouxessem às suas
presenças. Os termos mais usados são: “pegar, prender, agarrar” – e devem ser
consideradas expressões brandas, se comparadas com a crueldade como deviam ser
tratados os fujões quando capturados, após dias e dias de trabalho perdido, gastos com
anúncio e recompensas, etc.
Vários proprietários indicam variadas localidades alternativas onde poderiam
ser recebidos os trânsfugas: o Sr. José Fernandes de Oliveira Guimarães, residente no
Aracaju, dá os nomes de seus agentes em Maroim e Laranjeiras; quem prendesse o
mulato Joaquim fugido da Bahia, podia devolvê-lo e receber a recompensa em
Laranjeiras, Lagarto, Itabaiana, Aracaju ou no Lagarto. 205
Em muitas localidades, indicava-se o nome do Vigário local como a pessoa
encarregada de receber os capturados, mais uma prova do aval e comprometimento do
clero católico com a hedionda escravidão. Alguns senhores prometiam “recompensas”
em troca da devolução; outros, “recompensas generosas”; vários especificavam o
quando estariam dispostos a beneficiar quem devolvesse seus negros ao cativeiro:
encontramos fazendeiros oferecendo 20$000 de prêmio, independentemente da idade e
sexo dos desaparecidos, sendo porém mais comum a oferta de 50$000, quantia que
pereceu-nos muito reduzida, posto equivaler ao salário de 12 a 30 dias de trabalho,
apenas de 5 a 10% do valor médio dos cativos.
Quanto mais tempo desaparecido, mais os senhores mostram-se dispostos a
aumentar o prêmio, chegando a ser oferecidos 100$000 por um negro corcunda, sumido
há três anos; 200$000 por um mulato sapateiro escapulido há 5 anos e 400$000 em
troca de um “negro fula, bom serviçal, fugido do Rio de Janeiro”. Da mesma forma,
como já previa o regimento dos Capitães do Mato desde o século XVIII, o valor da
recompensa variava também em função da distância onde se efetuava a captura,
203
Correio Sergipense, 9-4-1842
204
Arquivo Público do Estado de Sergipe, Pacotilha 125, 23-11-1824
205
Correio Sergipense, 24-7-1861
93
206
Correio Sergipense, 17-7-1860
207
Correio Sergipense, 1-10-1853
208
Arquivo Público do Estado de Sergipe, Pacotilha 588, 3-4-1826
209
Arquivo Público do Estado de Sergipe, Pacotilha 587, 1825
94
210
Arquivo Público do Estado de Sergipe, Pacotilha 132, 1826
211
Arquivo Público do Estado de Sergipe, Pacotilha 149, 5 de julho de 1825
95
Nos últimos anos, por vários meses seguidos, a cidade do Salvador foi
invadida por curiosos outdoors, espalhados pelos principais espaços urbanos:
“ARACAJU: O melhor fim de semana da Bahia”. De fato, baianos e soteropolitanos
estão mudando sua opinião a respeito do Estado vizinho: a animosidade antiga motivada
pela candente polêmica dos limites interestaduais, o desprezo e escárnio com os
habitantes da antiga Capital da Colônia tratavam a vizinha Comarca del Rei, mesmo as
contemporâneas piadas e chistes tendo os sergipanos como vilões, nos últimos anos têm
evoluído em sentido de uma opinião e relacionamento mais positivos e cordiais.
Sergipe, rotulado até pouco pelos mais preconceituosos como “o quintal da Bahia”,
representa agora exatamente o lado bucólico desta estória: a possibilidade para os
urbanitas baianos, de reencontrarem a natureza perdida, o campestre cada vez mais
distante de nossas avenidas engarrafadas, a segurança e tranqüilidade infelizmente ainda
só encontradas nos estados e cidades mais provincianos.
Baianos visitarem Sergipe, fazerem turismo além do rio Real, irem às festas
juninas em Estância ou “curtir” as barracas da praia de Atalaia, tudo isso é coisa
relativamente recente, pois por séculos seguidos a vizinha Comarca, tornada Capitania
independente só em 1820, era vista pelos da Capital, sobretudo nos finais do século
XVII, como local de desterro e degredo, posto avançado de vaqueiros e militares; no
século XVIII, já sem o perigo das invasões holandesas e com os índios praticamente
neutralizados nas missões jesuíticas, carmelitas e franciscanas, Sergipe se torna, no
imaginário dos baianos, o local de gente fora da lei, “valhacouto de facinorosos” como
se dizia na época, pois a fragilidade da força policial e o código de violência dos cabras
machos das bacias do Vazabarris e Cotinguiba, faziam desta zona o paraíso dos
foragidos da justiça, sobretudo da limítrofe Bahia: “Sofrem os habitantes de Sergipe
212
Este artigo, originalmente intitulado “Sergipe del Rei: Três sonetos seiscentistas”,
agora revisto e bastante acrescido, foi publicado em Estudos Humanísticos,
(Departamento de Letras da UFS), ano 1, vol.1, Dezembro 1990, p.123-130.
96
com presença de muitos facinorosos impunidos, sem respeito aos Ouvidores, Juizes e
Cabos das Ordenanças, inquietam a pública tranqüilidade, assassinam os pacíficos
habitantes e em cada um ano se cometem quase cem assassinatos em toda a comarca e
esta é uma das causas porque não tem prosperado ainda com mais rápido progresso a
povoação desta capitania.” 213
Desde o início de sua história, contudo, não havia razão para desprezar este
rincão limítrofe, pois se não foram as farinhas de mandioca de Santa Luzia do Itahim e
Estância e o gado do sertão sergipano, por muitas vezes a população baiana teria
passado as piores penúrias, destacando-se este pequenino vizinho pela fertilidade de
suas terras, a laboriosidade de seus habitantes e a abundância de seus recursos
214
extrativos. Há igualmente de se lembrar a importância do açúcar sergipano que
escoava pelos portos da Bahia e os milhares de africanos que os intermediários baianos
vendiam para acima do Rio Real, fontes importantes de arrecadação fiscal e
enriquecimento da elite baianense.
“Alegrai-vos, sergipanos,
Eis que surge a mais bela aurora,
Do áureo e jucundo dia
Que a Sergipe honra e decora.
O dia brilhante,
Que vimos raiar,
Com cânticos doces
Vamos festejar.
213
Souza, op.cit., 1944, p. 22
214
Souza, op.cit., 1944, p.16
97
Cansado da dependência
Com a província maior,
Sergipe ardente procura
Um bem mais consolador.
215
Barbosa Machado, Diogo. Biblioteca Lusitana. Lisboa, Officina de Ignacio
Rodrigues, 1747
216
Registro de 5 de Abril de 1727, Livr. de Ir., nº 3, ms, apud Aguiar, Fabio Ângelo. A
poesia lírica de Luís Canelo de Noronha na Academia Brasílica dos Equecidos. Apud
<http://www.assis.unesp.br/eela/volume2p1.htm>
217
Ubiali, N.A. Luís Canelo de Noronha, poeta novilatino, no contexto do corpus da
Academia Brasílica dos Esquecidos. Tese de Doutorado em Letras, Assis, Faculdade de
Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, 1995; Documentos Históricos da
Biblioteca Nacional, XLIII, 308 e XLIX, 307
218
Apud Miranda, José Américo Miranda, (Org.). Poesia Brasileira: Época Barroca.
Belo Horizonte, Faculdade de Letras da UFMG, 2004
219
Silva Lima, op.cit., p.122
99
Epílogos, Canções, Endechas, Redondilhas, mas foi com os Sonetos Joco-sérios que
demonstrou-se um dos melhores da Academia dos Esquecidos. Com um temperamento
inquieto, Luís Canelo de Noronha marcou seus poemas com latinismos e agudezas.” 220
Entre suas obras, um Epigrama em latim que antecede a obra Aplausos Natalícios com
que a cidade da Bahia celebrou a notícia do feliz Primogênito do excelentíssimo senhor
D. Antonio de Noronha, Conde de Vila Verde; do Conselho de Sua Majestade e seu
Mestre de Campo General e Governador das Armas da Província de Entre Douro e
Minho221 e Pompas funerais que a cidade da Bahia e o seu Recôncavo dedicou as
saudosas memórias da Senhora D.Mariana de Lescastre, mãe do ilustríssimo e
excelentíssimo Conde de Sabugoza, Vasco Fernandes César de Menezes, vice-rei do
Estado do Brasil. Fica portanto a dúvida quanto à sua terra natal esperando que algum
historiador esclareça definitivamente: Canelo nasceu do lado de cá ou de lá do Velho
Chico? 222
Embora sergipanos de nascimento ou de moradia, tanto os autores sacros
biografados acima, como o poeta Canelo, mesmo que tenham eventualmente escrito
alguma de suas obras naquela comarca, pouco ou mesmo nada informam sobre tal
localidade ou sobre seus habitantes. E até agora tinham os estudiosos dessa Capitania
informação da existência de apenas um soneto, de autoria de Gregório de Mattos,
intitulado “Descrição da Cidade de Sergipe del Rei”, divulgado por Afrânio Peixoto no
primeiro volume das Obras de Gregório de Mattos, publicado pela Academia Brasileira
223
de Letras entre 1923- 1933. Como tal soneto não consta na edição mais recente das
obras do “Boca do Inferno”, de autoria de James Amado (1969) , pouco são os que
tiveram acesso ao referido soneto. 224
Consultando porém o artigo “Documentos para a
História Literária da Bahia”, publicado por Luiz Silveira em 1942, na Revista Brasília,
da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra225, tive a ventura de localizar dois
sonetos inteiramente consagrados à nossa querida Capitania, e que apesar de publicados
220
Aguiar, op.cit., 1995
221
Lisboa, Oficina de Miguel Manescal, 1718, 23 p.
222
Ubiali, op.cit., 1995
223
Obras de Gregório de Mattos. Direção de Afrânio Peixoto. 6 volumes, Rio de
Janeiro, Publicações da Academia Brasileira de Letras, 1923-1933 (Sacra, I, 1929;
Lírica, II, 1923; Graciosa, III, 1930; Satírica, IV e V; Ultima, 1933).
224
Mattos ,Gregório. Obras Completas. Edição James Amado, Salvador, Editora
Janaína , 1968, 7 volumes.
225
Silveira, Luiz. “Documentos para a História Literária da Bahia”, Revista Brasília,
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Volume 1, 1942, p. 561-562
100
O primeiro soneto traz o título “Descrição d(e) Sergippe del Rei, do Dor. Gonçalo
Soares.” Não conseguimos informação cabal sobre este personagem: o título
abreviado “Dor.” significaria Doutor ou Desembargador Gonçalo Soares? Seria seu
autor o mesmo Gonçalo Soares da França (1632-1724?), membro da Academia
Brasílica dos Esquecidos, autor da mega obra “Brasília”, contendo nada mais nada
menos que 1.800 oitavas, 14.400 versos decassílabos e referido elogiosamente por
Gregório de Matos neste soneto:
Consta, portanto, que teria sido Gonçalo Soares o autor destes dois sonetos
consagrados à capital de nossa Comarca. Confrontando o primeiro poema “Descrição
de Sergipe del Rei” com a “Descrição da Cidade de Sergipe dei Rei”, atribuído a
Gregório de Mattos, constatamos que se trata praticamente do mesmo soneto, com
pequeninas variantes em certos adjetivos, quantitativos e em algumas figuras de estilo.
Ambos descrevem com imensa ironia, desprezo e realística comicidade, o humilde
panorama e rusticidade social da comarca de Sergipe del Rei e sua sede administrativa.
Para efeito de comparação, transcrevo lado a lado as duas versões deste mesmo soneto.
226
Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição, Editora Record, Rio de Janeiro,
1992, “A esta décima respondeo o poeta com este soneto”, Apud
<http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/letrados.html>
101
Seis curados sem cura amancebados Dois conventos, seis frades, três letrados
Um Juiz com bigodes sem ouvidos Um Juiz com bigodes sem ouvidos
Doze presos de piolhos carcomidos Três presos de piolhos carcomidos
E dois meirinhos por comer cansados. Por comer dois meirinhos esfaimados.
Quer dizer: repete aqui a mesma imagem de Sergipe como local não só de
degredo de réus da Justiça real e da Inquisição, como também locus isolado, apropriado
para esquecer um amor não correspondido.
Neste segundo poema o Boca do Inferno refere-se a Sergipe como imagem
de lugar distante, equivalente ao nosso contemporâneo “no fim do mundo”. Novamente
o Dr.Matos faz queixumes contra “Outra mulata clara chamada Joanna Gafeyra,
camarada de Izabel, [que] se desviava do poeta temendo a sua língua, e elle dezejoso de
à conversar, e desconfiado de o poder conseguir, lhe faz este romance “. 228
227
Calmon, Pedro. A Vida Espantosa de Gregório de Matos. Rio de Janeiro, Livraria
José Olimpio, 1983; Perez, Fernando da Rocha. Gregório de Mattos e Guerra: Uma
Revisão Biográfica. Salvador, Edições Macunaíma, 1983
228
Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição, Editora Record, Rio de Janeiro,
1992.
103
229
Freire, Felisbelo. História de Sergipe (1891).2ª Edição, Petrópolis, Editora
Vozes/Mec, 1977.
104
moradores, e em 1837 suas residências atingiam o numero de 643, das quais quarenta e
cinco “ inabitáveis”230, de modo que não devia estar muito longe da realidade a
avaliação de que nos finais do século XVII deviam ali existir não mais que uma
centena de residências. Quanto a serem todos “casebres remendados”, com certeza,
trata-se de uma opinião depreciativa, pois então já deviam existir quando menos
algumas dúzias de construções de pedra e cal, cobertas de telhas, quiçá mesmo algum
sobrado. Também um pouco mais de seis deviam ser as ruas, becos e ladeiras desta
cidade naquele final de centúria, talvez o dobro. Quanto a estarem suas vielas atapetadas
de mentrastos (hortelã selvagem), causa-nos admiração, pois, não consta que tal erva
fosse tão corrente na circunvizinhança a ponto de “entupir” os caminhos, sendo antes tal
erva cultivada nos fundos dos quintais com finalidade medicinal.
Se reunirmos as igrejas dos dois conventos, a dos Franciscanos e dos
Carmelitas, com o número total dos demais templos dessa cidade, de fato eram cinco as
igrejas aí existentes à época destes sonetos: a matriz de Nossa Senhora da Vitória, a
ermida do Senhor das Misericórdias, a Igreja de São Cristóvão, e as igrejas conventuais
de São Francisco e Nossa Senhora do Carmo. Com o tempo acrescentem-se as capelas
da Santa Casa da Misericórdia, a de Nossa Senhora do Rosário, a de Nossa Senhora do
Amparo e o santuário de São Gonçalo.
Parece-nos igualmente que o número de frades, presos e funcionários
públicos foi de propósito subnotificado pelo poeta, pois cada convento, para funcionar
regularmente, carecia ao menos de uma dezena de religiosos professos, sem falar nos
noviços e postulantes. Doze presos trancafiados no aljube debaixo da Casa da Câmara
parece reproduzir mais fielmente a realidade seiscentista, do que apenas três
presidiários, considerando a falta de segurança das cadeias das vilas interioranas e o
costume de enviar para São Cristóvão os réus merecedores de penas mais graves.
Quanto ao funcionalismo, a cidade de Sergipe, como sede de Comarca e Ouvidoria,
possuía um Ouvidor, um Corregedor, um Escrivão, um Tabelião, um Inquiridor, um
Contador e Distribuidor, um Alcaide e um Carcereiro, sem falar nos cargos do
Eclesiástico, como Vigário Geral e da Vara, o meirinho e secretário do Vigário, além
dos párocos das igrejas, Curas e presbíteros Colados e Encomendados.
Dizer que na cidade de São Cristóvão haviam “seis curados sem cura
amancebados”, como consta apenas na primeira versão do poema, é outra inverdade,
230
Souza, op.cit., 1944, p.16
105
pois considerando as altas prebendas associadas à cura d’almas, logo que vagava uma
freguesia ou capela colada, inúmeros sacerdotes, inclusive de outras regiões e
capitanias, candidatavam-se junto à Cúria da cidade da Bahia para preencher tal função.
As duas últimas estrofes descrevem a rusticidade e costumes toscos
dos são-cristovenses: na versão gregoriana, que presumo ser a original, eram as damas
da elite que se vestiam e calçavam-se com tecidos inferiores: baeta e chita, em vez de
veludo e seda. Passadas algumas décadas, quando de 36 residências, esta Capital abriga
então mais de uma centena de fogos, não são mais as senhoras, porém as mulatas, que
se tornam alvo da ridicularia devido a suas vestimentas plebéias.
Termina o segundo soneto referindo os igualmente rústicos hábitos
alimentares dos sergipenses: o predomínio do consumo do feijão, a farinha de milho
(“de pipoca”), e um misterioso “pão de greta’, cujo significado nem o dicionário
Antonio de Moraes revela.
A penúltima estrofe da versão de Gonçalo Soares dá o tom da vida social
desta pequenina cidade encantoada no cocuruto do Monte de São Cristóvão: “muito
enredo, trapaça, embuste, treta”, que poderíamos atualizar desta forme: “muita fofoca,
trambicagem, mentira, engano”. De fato, inúmeros documentos dos finais do século
XVII e princípios do XVIII atestam a veracidade deste panorama social tão diruptivo,
onde as próprias autoridades davam péssimo exemplo de desonestidade, roubos e
extorsões; onde o diz-que-diz funcionava como rígido estratagema para reprimir e
controlar a vida dos indivíduos, cujos desvios no falar ou no agir podiam redundar em
perigosas devassas e inquirições, como a ocorrida em 1683, em São Cristóvão, por
determinação do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, na qual foram denunciados
mais de uma dezena de moradores locais pelos crimes de heresia, sodomia, solicitação e
bigamia.231
O segundo soneto, também conservado na Biblioteca de Évora e atribuído
ao mesmo Gonçalo Soares, descreve alguns detalhes da vida social sergipana sob a ética
de um observador provavelmente de fora, acantonado temporariamente nesta cidade.
Traz o título:
231
Mott, op.cit., 1985
106
232
“Cafubá: diz-se de vacum que tem certa cor, cinza-escuro na Bahia.
233
Mott, Luiz. "Modelos de santidade para um clero devasso: a propósito das pinturas
do cabido de Mariana" Revista de História, UFMG, 1989, p. 96-120
107
Gregário de Matos, como confessa em diversos sonetos, reclamava sim da bulha (latido)
dos cães, que não deixa a canalha dormir.
Amanhecendo o dia, quando a escravaria já suava nos canaviais, os mulatos
e pardos livres traziam seus feixes de lenha, gaiolas de caranguejos e demais crustáceos,
tão abundantes nos mangues dos arredores de São Cristóvão, as negras e negros
aguadeiros carregavam seus tonéis e moringas das bicas e fontes, lá iam os oito
privilegiados quadrilheiros desenfadar-se a “jogar a polha”. Esta expressão permite-nos
dupla leitura, pois tanto podia significar o jogo de cartas, também chamado na época de
“estadilha”, “voltarete” ou “arrenegada”, como “jogar a polha” podia referir-se, de
maneira metafórica, ao ato venéreo com mulher meretriz, posto que ‘polha” (do francês
“poulle”), já naquela época associava a galinha à prostituta, conforme ensina o
dicionarista pernambucano Antonio Moraes.
A interação dos membros desta “quadrilha”, que também pode significar
“quatro ou mais cavaleiros que vão jogar canas” era marcada por galhofeira
camaradagem, incluindo desafios verbais— quiçá acompanhados ao som de viola —
fazendo parte desta folgazã socialização “muita pulha”, isto é “dito caviloso e logrativo,
gracejo, escárnio; brincadeira usada sobretudo no entrudo; dito chulo com perguntas e
respostas equivocadas” , além de “muita embrolha”, o mesmo que “embrulho”: intriga,
enredo, embrulhada, confusão.
Entre jogos, desafios e dichotes, a fome apertava: cabia então ao “Vigário”
trazer a “olha” , quer dizer, “caldo gordo de perdizes, galinhas, carne de porco,
chouriços, lombo, tudo misturado com algumas hortaliças”, uma espécie do tradicional
cozido nordestino. Tal era a receita portuguesa original: em Sergipe, certamente a
“olha” teve de adaptar-se aos recursos regionais, incluindo feijões, farinha de pipoca,
pão de greta, etc. Sopa tão forte provocava - não as ventosidades atribuídas ao feijão
nos dois primeiros sonetos, mas sim, impulsos libidinosos: “depois que o ventre se faz
tulha, isto é, que ficou cheio como as tulhas ou recipientes onde se guardam castanhas,
arroz ou azeitonas, “à botija viril tira a rolha”: “botija” aqui é sinônimo de cilindro,
garrafa, e obviamente, refere-se ao membro viril, que excitado com refeição tão
substanciosa, qual afrodisíaco, quer logo “tirar a rolha” para dar vazão ao prazer.
Terminados os jogos, desafios e suculenta refeição, cada membro desta
quadrilha de bons vivants toma seu destino: o Veiga se safa para a Ilha, o Caetano
sempre vai à Praça, o Cafubá tinha compromissos “nos auditórios” talvez advogando
como juiz ou rábula; o “Escriba” talvez fosse um funcionário público, um almotacé, por
108
exemplo, cuja função era percorrer os campo para cobrar os impostos e taxas devidas à
Câmara, daí referir o soneto “que o Escriba do campo sempre ralha”, quiçá ameaçando
os lavradores em débito com os cofres públicos. Dentre os citados, Nicolau era o líder:
“que reina... e sua quadrilha.”
Tal “é a vida que passo entre canalha”, termina o poeta: “de Sergipe del Rei
(tal) é a cidade”.
109
234
Este artigo, originalmente intitulado “Aventuras e desventuras dos primeiros
moradores de Sergipe Del Rei mencionados nas Visitações do Santo Ofício e nas Cartas
de Sesmarias: 1591-1623”, foi publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe, 2006
235
“Sesmaria: dada de terra inculta, ou abandonada, que os reis de Portugal cediam a
sesmeiros que se dispusessem a cultivá-la e povoá-la.” Esta e as demais explicações de
termos antigos foram pesquisadas no Dicionário da Língua Portuguesa, de Antonio de
Moraes Silva, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
110
236
Estas cartas de sesmarias foram transcritas por Felisbelo Freire em 1891, em sua obra
pioneira História de Sergipe. Valemo-nos de sua 2ª Edição, Editora Vozes/Mec,
Petrópolis, 1977. Embora conste neste rol de sesmarias uma derradeira carta datada de
1669, para efeito do cotejamento com a documentação inquisitorial, que vai de 1591 a
1620, preferimos estabelecer como marco cronológico para as Cartas de Sesmaria, os
limites 1596-1623.
111
237
Freire, op.cit., 1987, p.328-239. Há outra carta de sesmaria concedida a Thomé
Fernandes, datada de 17 de janeiro de 1600, “meia légua na testada de Francisco da
Silveira, no rio de Mocori”: não sabemos se se trata do mesmo sesmeiro ou de um seu
homônimo. As demais cartas constantes na História de Sergipe foram transcritas
apenas em seu “miolo”, com os dados identificadores do sesmeiro e sua localização,
sem repetir toda a fórmula solene de estilo.
112
para a indefinição e variedade como eram referidos os topônimos desta nova Capitania.
Tudo em Sergipe revelava-se instável e impreciso nestes primeiros anos de ocupação – a
começar por seu próprio nome, originado do tupi “SI´RI Ü PE” , que significa “curso
do rio dos siris”, e que antes de se fixar como Sergipe, foi igualmente grafado em mais
de uma dezena de variantes: Serigipe, Serygipe, Seregipe, Serigp, Sergi, Sirigipe,
Serjipe, Ciriji, Cyrigipe, Cirizipe, Cerigipe, Seregippe, Sarazipi, Serzipe.238 Nos
documentos inquisitoriais encontramos também a denominação “Sergipe o Novo”,
como forma coeva para distinguir a novel conquista da primeira localidade nos Brasis a
possuir tal denominação, as terras anexas ao famoso Engenho Sergipe do Conde,
situado no Recôncavo da Bahia, a légua e meia da foz do o rio Sergi, ou Sergimirim,
considerado um dos principais engenhos da Colônia, propriedade inicial de Mem de Sá,
cujo nome está associado à estirpe do Conde de Linhares. 239
Esta anomia lingüística, ou “anarquia ortográfica” 240
observada nas Cartas
de Sesmaria, reflete a dificuldade dos primeiros colonizadores em memorizar e
padronizar denominações toponímicas indígenas, a um tempo tão diversas da fonética
lusitana, mas tão importantes de serem referidas a fim de demarcar com precisão, as
“datas de terra” que pleiteavam receber como mercê real. Um bom exemplo desta
confusão é o nome de um dos principais afluentes da zona açucareira de Sergipe, o atual
241
rio Cotinguiba, em cuja embocadura se situou a antiga cidade de São Cristóvão ,
topônimo que aparece grafado nas cartas de sesmarias quando menos com doze
variantes: Cotemguiba, Cotindiba, Cotendiba, Quotidiba, Quoatinguyba, Quatimdiba ,
Quatimguiba, Quoatimgiba, Catimdiba, Quatenjiba Quatingeriba.
Vasculhando as referidas Cartas de Sesmarias, notamos que os
conquistadores e colonos mantiveram na maioria dos casos, os mesmos topônimos já
utilizados pelos indígenas, considerando que assim estariam tornando mais segura a
localização das glebas que estavam requerendo. Os rios, ribeiras e riachos eram os
principais pontos de referência toponímicos nos primórdios desta ocupação territorial, e
de um total de 45 cursos d’água citados, com exceção do Rio Real (cujo nome tupi era
238
Prado, Ivo. A Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias. Rio de Janeiro, Papelaria
Brazil, 1919. Todos esses topônimos foram retirados das cartas geográficas dos séculos
XVI ao XVIII reproduzidas nesta obra.
239
Schwartz, Stuart B. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial.
São Paulo, Companhia das Letras, 1988, p.53
240
Alves, Francisco. “Contribuição à arqueologia de Sergipe Colonial”, Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, n.34. 2003-2005, p.49
241
Milliet de Saint-Adolphe, op.cit., 2001, p. 41
113
242
“Esteiro: Parte estreita de rio ou de mar, que penetra terra adentro; braço, estuário”
114
243
“Cabedelo: Pequeno cabo ou pequeno monte de areia que se forma junto à foz dos
rios.”
115
244
Nunes, op.cit., 1989, p.19
116
de São Cristóvão desta capitania, e ele com outros seus companheiros foram tomados
pelos franceses luteranos que naquele tempo estavam no dito lugar. E um dia, estando
um luterano daqueles, disse aos companheiros, dele confessante, [que] se indo a Roma
ao Papa pedir-lhe perdão, se lhe poderia o Papa perdoar as culpas de luterano para que
ele voltasse a viver catolicamente, e um seu companheiro por nome Antônio Gonçalves
lhe respondeu que sim, poderia perdoar o Papa. Então, ele confessante, simples e
inconsideradamente, por contradizer ao seu companheiro, respondeu-lhe que o não
podia fazer - e desta culpa pede perdão. E foi logo perguntado se teve ele, ou tem,
dúvida que o Papa tenha maior poder sobre todos os bispos e prelados do mundo,
respondeu que nunca teve, nem tem tal dúvida, e que bem creu e sabia que o Papa tem
poderes de Deus para poder perdoar aos Luteranos, convertendo-se eles à fé católica. E
sendo ele mais perguntado, disse que o dito Antônio Gonçalves é já morto e quando isto
aconteceu estava também presente Diogo Dias, mameluco, genro de Garcia da Vila e
cunhado dele confessante, morador nesta cidade, e não foi mais presente outrem
alguém, e que o dito Antônio Gonçalves, já defunto, repreendeu logo a ele confessante e
ele se calou e isto fez com teima de sempre contradizer ao dito Antônio Gonçalves, por
andarem de rixa. E depois disto, o dito luterano blasfemou contra o Papa, dizendo
palavras injuriosas, e o dito luterano falou as ditas coisas em espanhol, que bem o
entendia; e não estava bêbado nem fora de seu juízo.E foi-lhe mandado ter segredo e
prometeu ter segredo pelo juramento que recebeu, e foi-lhe mandado que no mês de
março que vem torne a esta mesa.” 245
Nestas Cartas das Sesmarias há igualmente referência a animosidade
existente entre os colonos luso-brasileiros e os franceses por estarem estes
mancomunados com os tupinambá. Como se sabe, os índios chamavam aos franceses
de “mair”. Diz Bras Dabreo, em seu pedido de Sesmaria, datado de 15 de maio de
1623, que “sendo governador Cristóvão de Barros, ele veio ajudar a tomar este Sergipe
com suas armas, cavalo e escravos, à sua custa, em serviço de Sua Majestade, e sempre
o acompanhou em todos os rebates246, sempre esteve prestes donde recebeu muitas
245
Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil. Confissões da Bahia, 1591-
1592. Rio de Janeiro, F.Briguiet & Cia, 1935. Prefácio de Capistrano de Abreu, p.114.
Confissões da Bahia, 1591-1592. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, Introdução e
Notas de Ronaldo Vainfas, a quem agradeço a gentileza de ter-me oferecido a versão
digitada das “Confissões da Bahia”, o que facilitou sobremaneira o trabalho de
cotejamento.
246
“Rebate: Incursão, assalto, ataque súbito e inesperado; escaramuça.”
117
247
“Pelourada: série de tiros de bala ou bola de ferro ou de pedra, esférica, empregada
em peças de artilharia.”
248
Freire, op.cit., 1977, p.409
249
Leite, Serafim. Historia da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1939, v.10, p.2356-240; Mott, Luiz. “Santos e Santas no Brasil
Colonial”. Série História da Fundação Waldemar Alcântara, Fortaleza, 1994, p. 5
118
250
Em 1595, segundo Porto Seguro, uma nau comandada por Pires de Mill naufraga nas
costas de Sergipe, onde ficaram prisioneiros 116 homens. Apud Freire, op.cit., 1977
251
Freire, op.cit., 1977, p.70
252
“Pindoba: Palmeira de belo porte (Attalea compta), que compõe amplos palmeirais e
apresenta nozes muito duras, com algumas sementes, ricas em óleo utilizável.”
253
Freire, op.cit., 1977, p.70.
254
Nunes, op.cit., 1989, p.21; Dantas, Beatriz. “Os índios em Sergipe”, in Textos para a
História de Sergipe, Aracaju, Universidade Federal de Sergipe, 1991, p.35
119
que chegou a reunir cem catecúmenos. Muitos perigos e ameaças faziam parte do dia a
dia, e sobretudo das noites, destes abnegados missionários, tanto que um morubixaba de
outra aldeia, por nome Curubi, “que em tempos passados tinha morto alguns brancos e
nunca havia podido aceitar sua amizade”, vindo visitar os sacerdotes, queria a todo
custo que fossem visitar sua distante maloca, mas, segundo opinião dos demais
silvícolas, ”não havia entrado em a aldeia com boa intenção, sim com o desejo de
quebrar a cabeça do padre adiante de todos, e havia alguns que estavam a esperar
(dizendo): agora será, agora será!”, mas “graças à misericórdia divina”, escaparam deste
ardil. “Vendo, porém, o demônio tão bons princípios na conversão daqueles gentios e
que já começavam a tirar-lhes as almas da boca, começou a levantar as tempestades
acostumadas para impedir esta obra”, havendo diversas deserções de índios e índias já
catequizados, retorno às praticas de canibalismo e amancebias escandalosas – condutas
pecaminosas que os cristãos, notadamente os Inquisidores, chamarão de gentilismo ou
paganismo. Cerca de trinta aldeias teriam sido então contatadas pelos missionários.
Gravíssima tragédia, porém, sucedeu em novembro de 1575, quando o
governador da Bahia, Luiz de Brito e seus soldados, “com grande aparato de guerra” e
“animados pelo desejo de trazer gentio para o cativeiro”, invadem a missão de São
Tomé, assolando tudo o que encontraram pela frente, levando 1200 índios cativos para a
Bahia, arruinando no nascedouro a ação missionária nestes sertões. “Luiz de Brito
retirou-se do território sergipano sem deixar, porém, qualquer marco de colonização.
Logo os franceses retornaram ao comércio do pau Brasil com os índios Tupinambás,
que voltaram dos sertões, e os Kiriri vindos das regiões interioranas para ocupar os
espaços vazios resultantes da devastação que havia sido feita..” 255
A sanha expansionista dos conquistadores luso-baianos mantinha a faísca
dos arcabuzes bem acesa, embora se registrando também desalentadores revezes. Em
1586, uma década após a destruição da nascente aldeia jesuítica de São Tomé, 150
soldados e 300 índios domesticados, que contavam com o apoio da Casa da Torre,
adentram-se por esses sertões, sendo ferozmente trucidados pelos índios Kiriri,
comandados pelo cacique Baepeba, sempre instigados pelos franceses, com quem
comerciavam produtos da terra.256 Foi em 1590, sob o reinado de Felipe II, que tem
início a famigerada Guerra de Sergipe, tendo como comandante Cristóvão de Barros,
255
Nunes, op.cit., 1989, p.23
256
Bezerra, Felte. Investigações histórico-geográficas de Sergipe. Rio de Janeiro,
Edição da Organização Simões, 1952, p.33; Nunes, op.cit., 1989, p.24
120
então membro da junta interina que governava o Brasil. 257 Experiente guerreiro, teve
participação vital, ao lado de Mem de São, na conquista e restauração do Rio de Janeiro.
Nos finais de 1590 parte da Torre de Tatuapara, a célebre sede da Casa da Torre de
Garcia D’Ávila, comandando mais de três mil soldados, entre brancos e índios
domesticados. Devido à superioridade bélica dos brancos, advinda das armas de fogo e
da cavalaria, em poucos meses conseguiram vencer mais de vinte mil índios, dos quais
2400 foram mortos e 4 mil escravizados. Como relatou Frei Vicente do Salvador,
“alcançada a vitória e curados os feridos, armou Cristóvão de Barros alguns cavaleiros
como fazem na África, por provisão de El Rei, que para isso tinha, e fez repartição dos
cativos e das terras.” 258
Tanto nas Cartas de Sesmarias quanto nas Confissões da Visitação do Santo
Ofício à Bahia vamos encontrar interessantes informações sobre diversos destes
personagens que participaram diretamente da Guerra de Sergipe, permitindo-nos
conhecer, com riqueza de detalhes, as aventuras e desventuras dos primeiros moradores
de Sergipe, esses intrépidos desbravadores das terras situadas entre o Rio Real e o Rio
de São Francisco. A primeira menção a tal campanha militar aparece numa confissão de
20 de agosto de 1591: Catarina Fróes, natural de Lisboa, meia cristã nova, 50 anos
pouco mais ou menos, mulher de Francisco de Morais que serviu nesta cidade de
escrivão e de meirinho e outros ofícios, moradora nesta cidade, confessando, disse que
haverá um ano que nesta cidade contratou com Maria Gonçalves, d’alcunha Arde-lhe-o-
rabo, mulher não casada, vagabunda, ora ausente, que lhe fizesse uns feitiços para que
um seu genro Gaspar Martins, lavrador morador em Tassuapina ou morresse ou o
257
Cristóvão de Barros era filho do Provedor da Fazenda Antonio Cardoso de Barros (e
seu vingador), veio comandando a frota de três galeões em socorro a Estácio de Sá,
instalado no Rio de Janeiro. Engrossada na Bahia com outros barcos, constituía a
armada com que Mem de Sá conquistou e restaurou a cidade em 1567. Foi o 3º Capitão
Mor do Rio de Janeiro, entre 1572-1577, onde teve sesmarias e engenho de açúcar em
Magé. Em 1577 é nomeado Provedor Mor da Fazendo, como o pai, com 100 mil réis
anuais.Governou interinamente a Bahia, com o Bispo D. Antonio Barreiros (1587-
1591). Conquistou e fundou a Capitania de Sergipe Del Rei (1589-1590). Perpetua-lhe o
nome a cidade de São Cristóvão. Ainda em 1601, na Bahia, exercia o governo. No ano
anterior, instituiu morgado, “para obstar que seu filho Antônio Cardoso de Barros tudo
esbanjasse”. Suas irmãs, Dona Mariana, mulher de Pedro de Abreu Lima, recebeu da
sogra, viúva, D.Guiomar de Melo, terra em Sergipe Del Rei e no São Francisco,
vendidas aos Carmelitas e aos jesuítas em 1652 e D.Maria, foi casada com Antônio das
Neves Ferro. Calmon, op.cit., 1985, p.120
258
Calmon, Pedro. O Segredo das Minas de Prata, 1950, p.20, apud Nunes, op.cit.,
1989, p.27
121
matassem ou não tornasse da guerra de Sergipe, sertão desta capitania, na qual então
estava, por não dar boa vida à sua mulher moça, filha dela confessante, por nome Isabel
da Fonseca, e isto entendendo que os ditos feitiços haviam de ser arte do diabo. E para
isto deu algum dinheiro à dita Maria Gonçalves e a dita Maria lhe dizia que já lhe faria
os tais feitiços, pedindo-lhe mais dinheiro, e por ela vir a entender que a dita Maria
Gonçalves lhe não havia de fazer coisa que obrasse, desistiu disto, nem veio a haver
efeito, nem chegou a dita Maria Gonçalves dar os feitiços, e declarou ela confessante
que pretendeu haver os ditos feitiços da dita maneira à instância e rogo da dita sua filha,
que lho pediu que lhos negociasse por não gostar dele. 259
Infelizmente não sabemos o que aconteceu com o referido soldado Gaspar
Martins: se morreu em campanha, se retornou ou não da guerra de Sergipe. Seu nome
não consta entre os que solicitaram sesmaria no sertão sergipense. Quantos outros destes
desbravadores do sertão sergipano ter-se-iam alistado nesta campanha para escapar dos
desamores de suas esposas ou da implicância de sogras abusadas?
Outro colono a referir-se à Capitania de Sergipe – provavelmente soldado a
pouco chegado do campo de batalha –foi Roque Garcia, que se confessou ter cometido
o pecado de blasfêmia. Compareceu perante o Visitador no tempo da graça, aos 19 de
agosto de 1591, dizendo que “haverá cinco meses, estando ele em Sergipe, donde é
capitão Tomé da Rocha, disseram uns negros que os gentios tinham mortos quatro ou
cinco homens que estavam em um barco em o rio de São Francisco, e que queimaram o
barco. E dizendo o capitão que os negros mentiram, respondeu ele confessante que tanto
cria ele no que diziam aqueles negros, como nos Evangelhos de São João, sendo
presente Antônio Fernandes, casado, natural da ilha Terceira, soldado em Sergipe, o
qual o repreendeu e ele se calou. E disse aquelas palavras parvamente, e pede delas
perdão e penitência saudável com misericórdia, e disse que não deu conta disto a
outrem, e foi-lhe mandado ter segredo e que atente como fala, e fale palavras de bom
cristão que não dêem escândalo e lhe não causem dano em sua alma, e se vá confessar a
um padre da Companhia e traga escrito, e cumprirá a penitência que lhe derem.” 260
Essa blasfêmia contra o quarto Evangelho não foi considerada
suficientemente grave pelo Visitador para merecer punição, prevalecendo nesta
avaliação mais a misericórdia do que a justiça, os dois alicerces em que se escoravam os
julgamentos deste santo tribunal da fé. Digno de destaque também na confissão desse
259
Confissões da Bahia, op.cit, 1935, p.53
260
Confissões da Bahia, op.cit, 1935, p.41
122
Roque Garcia – cujo nome não consta entre os beneficiários de sesmaria, é que suas
palavras néscias foram proferidas como parte de um diálogo com o Capitão Tomé da
Rocha, figura importante na história local, posto que o Capitão Geral das Entradas
Cristóvão de Barros ao retirar-se de Sergipe, “deixou o governo entregue a Tomé da
Rocha, que na guerra de Sergipe tomou parte importante, vindo da Bahia, depois da
saída de Cristóvão, auxiliar-lhe a acabar a obra da conquista que durou oito meses de
grandes lutas.”261 Permanece contudo a dúvida: seria verdade que “os gentios tinham
mortos quatro ou cinco homens que estavam em um barco em o rio de São Francisco”,
queimando em seguida a embarcação? Ou estaria certo o Capitão Tomé de Rocha,
identificando esse suposto sinistro como “mentira de negros”? Outra dúvida sugere a
confissão deste retornado de Sergipe: embora “negros” nesta época fosse usado
indistintamente na identificação dos ameríndios, chamados de “negros da terra”, e dos
africanos, referidos como “negros da guiné”, nesse contexto, tudo leva a crer que os tais
“negros” que se supunha estarem mentindo, deviam ser mesmo africanos ou afro-
descendentes, já que na mesma frase há referencia a “gentios”, isto é, ameríndios. Salvo
erra, seria esta então a primeira referência a presença da raça negra em terras de Sergipe
del Rei, 1591.Uma derradeira observação: como o Rio de São Francisco atravessa no
nordeste as Capitanias da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, não há como saber
com exatidão, quando citado genericamente, em qual das capitanias ocorreu o fato em
tela. Nesse caso, tudo leva a crer, dadas as circunstâncias relativas ao acontecimento, se
tratava mesmo da margem sergipana do Velho Chico.
261
Freire, op.cit., 1977, p.85
123
luterano lhe ensinava. E sendo da dita condição e idade, [portanto em 1567], se veio em
um navio da sua terra, o qual navio era também de luteranos, e com eles vinha ele
guardando a sua seita , e desembarcando na costa deste Brasil a buscar pau [Brasil], ele,
quando foi o tempo da partida no rio de S.Francisco, fugiu e se ficou em terra com os
negros gentios deste Brasil, no sertão, e com os ditos gentios esteve dois anos, usando
todas as gentilidades como os ditos gentios, de maneira que até ser de idade de 12 anos
pouco mais ou menos, ele não teve a lei de Jesus Cristo. E depois de isto passar, fugiu
dos ditos gentios para esta cidade e, em Vila Velha, o cura o confessou e os padres do
dito Colégio da Companhia de Jesus o doutrinaram, e de então até agora vive
catolicamente, porém sempre em seu coração teve até agora uma erronia, a qual é
parecer-lhe e ter por certo que não era necessário rezar aos Santos nem às Santas, nem
honrá-los, nem rogar-lhes nada, mas que somente bastava honrar, rogar, pedir e rezar a
Deus, a Jesus Cristo e a Nossa Senhora, tendo para si que pois os Santos eram servos e
Deus é o senhor, que não era necessário fazer conta dos servos senão do senhor, e que
destas culpas pede misericórdia, dizendo que já é do conhecimento da verdade que os
Santos devem ser venerados e honrados. E foi-lhe mandado que no Colégio de Jesus
continuasse cada manhã estar de uma hora, estes dias seguintes, com o Padre Pero
Coelho, até ele o instruir bem nas coisas de Nossa Santa Fé e que lhe importam para a
salvação de sua alma, e no fim se confesse a ele fazendo confissão geral de toda sua
vida, e que traga escrito a esta mesa de como tem satisfeito a isto.” 262
Fixemo-nos apenas na culpa confessada por esse que parece ser o primeiro
francês, ou um dos primeiros desta região, a aparecer na documentação, com nome,
sobrenome e alguns dados biográficos: disse Simão Luiz que “com os ditos gentios
esteve dois anos, usando todas as gentilidades como os ditos gentios, de maneira que até
ser de idade de 12 anos pouco mais ou menos, ele não teve a lei de Jesus Cristo.” Quais
seriam tais “gentilidades”, entendidas na época como sinônimo de paganismo, idolatria?
Dois moradores de Sergipe nos dão mais minudência desta exótica adoção por parte de
civilizados dos costumes do “gentio bravo”. O primeiro é João Gonçalves, que
confessou aos 29 de janeiro de 1592. “Disse ser cristão velho, natural da capitania dos
Ilhéus, costa deste Brasil, filho de Tomé Fernandes263 e de sua mulher Isabel Gonçalves,
trabalhadores, solteiro, que lhe parece ser de idade de 20 anos, alfaiate, morador em
262
Confissões da Bahia, op.cit, 1935, p.146-147
263
Seria esse Tomé Fernandes, pai do confessante, o mesmo que recebeu sesmaria em
Sergipe em 23 de julho de 1594? Freire, op.cit., 1977, p.323.
124
Sergipe do Conde deste Recôncavo. E confessando, disse que haverá três anos que foi
na companhia de Cristóvão de Barros à guerra de Sergipe Novo, na qual andou no
arraial, e mandando Cristóvão de Barros a Álvaro Rodrigues, mameluco da Cachoeira,
por capitão de uma companhia de cento e tantos homens pelo sertão adentro a fazer
descer gentio com paz, ele confessante foi na dita companhia, na qual andou no dito
sertão algum mês e meio, e nesse tempo, nos sábados e sextas-feiras e dias que não eram
de carne, ele confessante comeu sempre carne.E antes de partir com o dito Álvaro
Rodrigues para o dito sertão, estando no arraial em Sergipe, se fez riscar em um braço e
logo mostrou o braço esquerdo, entre o cotovelo e o ombro, cortados na carne, feitos
como ferretes que ficam em sinal para sempre, o qual riscado é uso e costume dos
gentios valentes, de maneira que riscar-se e ser riscado significa entre os gentios ser
gentio cavaleiro e valente, e declarou que Estácio Martins, mameluco, alfaiate, morador
de Ilhéus, lhe fez o dito riscado. Confessou mais, que haverá ano e meio que ele,
confessante, foi na companhia de Gonçalo Álvares, carpinteiro de Tamararia, ao sertão
das Alpariacas, na qual companhia eram por todos 25 brancos, e alguns 60 selvagens
pagãos, e alguns 30 escravos cristãos, e andaram no sertão 15 meses sem se confessar,
donde ora poucos dias há que vieram, nos quais 15 meses, em todos os dias da
quaresma e nas sextas-feiras e sábados e mais dias que não eram de carne, comeu, e
assim comia toda a dita companhia do seu rancho. E de tudo pediu perdão nesta mesa e
foi-lhe mandado ter segredo pelo juramento que recebeu e que se vá confessar ao
Colégio de Jesus e traga escrito a esta mesa antes de se tornar para sua casa, e que
depois de março torne a esta mesa.”264 Nesse caso, além das tatuagens no braço,
“cortados na carne, feitos como ferretes”, prova de valentia mas que possuía certamente
significado simbólico,quiçá religioso, a única gentilidade praticada por esse soldado foi
o comer carne em dias defesos.
Outro confessante, talvez devido à sua condição de mestiço ameríndio,
apesar de ter sobrinho de um cônego no cabido de Salvador, deixou-se seduzir com mais
comprometimento e por mais tempo pelo gentilismo. Trata-se de Lázaro da Cunha265,
“mameluco, natural da capitania do Espírito Santo, filho de Tristão da Cunha, defunto,
homem branco, e de sua mulher Isabel Pais, mameluca, irmã do Cônego Jácome de
264
Confissões da Bahia, op.cit, 1935, p.126
265
Este réu foi processado, apesar de confessar na graça. Recebeu penitências
espirituais, além de ser proibido de voltar ao sertão. Arquivo Nacional da Torre do
Tombo, Inquisição de Lisboa, Processo 11068. [Nota de R.Vainfas]
125
Queiroz, solteiro, de idade de 30 anos, que não tem ora lugar certo de morada. E
confessando suas culpas, disse que haverá sete anos pouco mais ou menos que ele foi de
Pernambuco na companhia de Manuel Machado para o sertão de Paripe, no qual se
deixou ficar na companhia dos tupinambases, que são gentios, e entre eles andou
vivendo cinco anos pouco mais ou menos, sempre ao modo gentílico, tingido e fazendo
e usando todas as cerimônias, usos, ritos, estilos e costumes dos ditos gentios, fazendo
tudo assim e da maneira como se ele fora gentio, e tratando com feiticeiros como eles
fazem , porém, ainda que fazia tudo isto, ele nunca no seu coração deixou a fé de Jesus
Cristo, e sempre em seu coração foi cristão e se encomendou a Deus e a Nossa Senhora
e Santos do Paraíso. E no dito tempo andava com os ditos gentios nas suas guerras,
ajudando-os contra os outros gentios, e uma vez vieram brancos cristãos ter sobre uma
aldeia onde ele confessante estava, e o puseram em cerco, pelo que ele os guerreou e
desbaratou, porém neste desbarate não ficou nenhum dos cristãos mortos, ainda que
ficaram alguns feridos, que depois sararam. E outrossim, no dito tempo, nas guerras que
ele fazia contra outros gentios, ferrou muitos deles e matou, e os deu a comer aos
gentios em cuja companhia ele andava, e em todos os ditos cinco anos e meio pouco
mais ou menos que andou no dito sertão, sempre nos dias das quaresmas e das sextas-
feiras e sábados, e mais dias de jejum proibidos pela Igreja, comeu carne sem fazer
diferença alguma e sem ter necessidade dela, e deu mais aos gentios uma espada.
E sendo perguntado, disse que os ditos gentios em cuja companhia andou são
inimigos dos brancos cristãos e os guerreiam, como fizeram no dito tempo que ele com
eles andou, que tendo feito resgate com um arraial de perto de duzentos brancos
cristãos, que foram ao dito sertão resgatar, eles ditos gentios, à traição, assaltaram com o
dito arraial de brancos e mataram quatorze ou quinze brancos cristãos, e a muitos
feriram e os desbarataram, tomando-lhe as peças266 e ficando-se com elas e com o
resgate delas que já tinham, e neste desbarate, ficou ele confessante então desbaratado, e
por isso se veio então. De maneira que os ditos gentios são inimigos dos brancos
cristãos e não costumam ter paz com eles, senão enquanto eles não têm força nem posse
para lhes dar guerra. E em todos os ditos anos não se confessou nem comungou, e
conversou carnalmente as gentias, e tinha mulheres muitas, como costumam os gentios,
266
Esta confissão que descreve uma típica operação de resgate, isto é, de troca de índios
escravos por armas e outros bens. Neste caso, os índios que “venderam” os escravos
ficaram com o resgate e com os próprios escravos - as mencionadas peça, tomando de
assalto o arraial dos portugueses após a negociação. [Nota de R.Vainfas]
126
267
Confissões da Bahia, op.cit, 1935, p.107-108
127
fazendo tudo assim e da maneira como se ele fora gentio, e tratando com feiticeiros
como eles fazem”.
Resta ainda citar um destacado sesmeiro de Sergipe, peça importante na
história das heterodoxias na Bahia quinhentista, que em seu processo inquisitorial cita o
nome de outro mameluco morador em Sergipe o Novo, ambos envolvidos em uma sorte
de traição pátria – favorecer a guerra dos gentios contra os cristãos - crime que fazia
parte do conhecimento criminal do Tribunal do Santo Ofício por representar uma
ameaça ao progresso da fé na conversão dos pagãos. O tal personagem ilustre é
Domingos Fernandes Nobre, de alcunha Tomacaúna268, mameluco, cristão velho, que
confessou aos 11 de fevereiro de 1592 ter sido testemunha ocular e segundo outros
denunciantes, seguidor destacado da famigerada “erronia da Santidade”, uma espécie de
cisma religioso sincrético com elementos do catolicismo e da religião tupinambá,
fenômeno estudado em 1952 pelo sergipano José Calasans na obra Fernão Cabral e a
Santidade de Jaguaripe, e em 1995 por Ronaldo Vainfas, em A Heresia dos Índios.269
Tomacaúna em sua confissão descreve com verve o hibridismo da vida dos mamelucos
desta região nordestina, divididos entre o mundo tribal e a nova cultura dos lusitanos.
Veniam petimus por sua transcrição integral, pois permite-nos entrar no cotidiana e
imaginário de um mameluco, cuja vivência hibridizada deve ter sido assaz semelhante à
de muitos outros mestiços sergipanos. “Confissão de Domingos Fernandes Nobre, de
alcunha Tomacaúna, no tempo da graça do Recôncavo, no último dia dela, em 11 de
fevereiro de 1592: disse ser cristão velho, natural de Pernambuco, costa deste Brasil,
mameluco, filho de Miguel Fernandes, homem branco, pedreiro, e de Joana, negra do
gentio deste Brasil, defuntos, de idade de quarenta e seis anos, casado com Isabel
Beliaga, mulher branca, cristã velha, morador nesta cidade e não tem ofício.E
confessando suas culpas, disse que de idade de dezoito anos até idade de trinta e seis
anos viveu como homem gentio, não rezando, nem se encomendando a Deus, cuidando
que não havia de morrer nem tendo conhecimento de Deus, como verdadeiro cristão, e
posto que se confessava pelas quaresmas, era por cumprir com a obrigação, e sua vida
268
Processado pelo visitador. Abjurou de leve suspeita na mesa, onde foi “grandemente
repreendido”. Penitências espirituais, pena pecuniária de 5 mil réis e proibição de voltar
ao sertão. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Proc.10776.
[Nota de R. Vainfas]
269
Calasans, José. Fernão Cabral e a Santidade de Jaguaripe. Salvador, s/e, 1952;
Vainfas, Ronaldo. A Heresia dos Índios. Catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São
Paulo, Companhia das Letras, 1995
128
no dito tempo foi mais de gentio que de cristão, porém nunca deixou a fé de Cristo e
essa teve sempre em seu coração. Confessou que haverá vinte e dois anos pouco mais
ou menos que, em Pernambuco, pecou no pecado da carne com duas moças suas
afilhadas, das quais ele foi padrinho quando, sendo elas gentias, as batizaram e fizeram
cristãs, parecendo-lhe que tanto pecado era dormir com elas sendo suas afilhadas como
se não o foram. Confessou que haverá vinte anos pouco mais ou menos que ele foi ao
sertão de Porto Seguro em companhia de Antônio Dias Adorno, à conquista do ouro, e
no dito sertão ele usou dos usos e costumes dos gentios, tingindo-se pelas pernas com
uma tinta chamada urucum e outra jenipapo, e empenando-se pela cabeça de penas, e
tangendo os pandeiros dos gentios, que são uns cabaços com pedras dentro, e tangendo
seus atabaques e instrumentos, bailando com eles, cantando suas cantigas gentílicas pela
língua gentílica que ele bem sabe, e que estas coisas fez por dar a entender aos gentios
do dito sertão que ele era valente e não os temia, por andarem sempre em guerra.
Confessou que haverá dezesseis anos pouco mais ou menos que, por mandado de João
de Brito d’Almeida, que foi governador nesta capitania na ausência do governador, seu
pai, Luis de Brito, que ia para a Paraíba, foi ele confessante ao sertão de Arabó, por
capitão de uma companhia a fazer descer o gentio para o povoado, na qual jornada
gastou quatro ou cinco meses e, no dito sertão ele tinha mulheres, duas, ao modo
gentílico, as quais eram gentias filhas de gentios que lhas davam por mulheres, e se
tingia ao seu uso gentílico, e bailava e cantava e tangia com os gentios ao seu uso
gentílico, e se riscou pelas coxas, nádegas e braços ao modo gentílico, o qual riscado se
faz rasgando com um dente de um bicho chamado paca, e depois de rasgar a carne
levemente pelo couro, esfregam por cima com uns pós pretos, e depois de sarado, ficam
os lavores pretos impressos nos braços e nádegas, ou onde os põem, como ferretes, para
sempre. O qual riscado costumam fazer os gentios em si quando querem mostrar que
são valentes e que tem já mortos a homens, e por ele confessante se ver então em um
aperto dos gentios, que se levantavam contra ele, se fez riscar por um negro do dito
modo para se mostrar valente e assim escapou, porque vendo isso os gentios lhe
fugiram, e então se riscou com ele pela dita maneira Francisco Afonso Capara, morador
em Pirajá, termo desta cidade.Confessou que haverá quinze anos pouco mais ou menos
que tornou ao mesmo sertão de Arabó desta capitania, por mandado do dito governador
Luis de Brito, por capitão doutra capitania a fazer descer gentios para o povoado, na
qual jornada gastou alguns seis meses, e no dito sertão lhe deram também os gentios
suas filhas gentias por mulheres, e tinha duas e três juntamente por mulheres, como
129
qualquer gentio, e bebia com eles o seu fumo, que é o fumo de uma erva que em
Portugal chamam a erva santa270, e bebia com eles os seus vinhos e bailava e tangia e
cantava com eles ao seu modo gentílico, e andava nu como eles, e chorava e lamentava
propriamente como eles ao seu uso gentílico, as quais coisas todas fazia em descrédito
da lei de Deus porque os gentios, vendo-o fazer as ditas coisas, o tinham também por
gentio e lhe chamavam sobrinho e estas coisas fazia (tendo em seu coração a fé de
Cristo), para os gentios lhe darem bom tratamento.Confessou que haverá treze ou
quatorze anos que, por mandado do mesmo governador, tornou ao sertão dos Ilhéus,
onde gastou quatorze meses, e nele se empenou pelo rosto com almécega (resina
amarela) e se tingiu com a tinta vermelha de urucum ao modo gentílico, e teve sete
mulheres gentias que lhe deram os gentios, e as teve ao modo gentílico, e tratou com
eles e bebeu seus vinhos e fez seus bailes e tangeres e cantares, tudo como gentio.E
porque eles se levantaram contra ele e seus companheiros, ele confessante e João de
Remirão, senhor do engenho seu, que mora vizinho de Tassuapina desta capitania, se
fingiram serem feiticeiros da maneira que os gentios costumam ser, dizendo que lhes
haviam de lançar a morte para todos morrerem, e fazendo algumas invenções e
fingimentos para que eles assim o cuidassem e para escaparem que os não matassem,
como escaparam. Confessou que haverá vinte anos, no sertão de Pernambuco, no Rio de
São Francisco, deu uma espada e rodelas, e adagas e facas grandes de Alemanha, e
outras armas aos gentios que são inimigos dos cristãos e os matam e guerreiam quando
tem lugar para isso. Confessou que haverá cinco ou seis anos pouco mais ou menos que,
no sertão desta cidade, se alevantou entre os gentios uma erronia e abusão a que eles
chamavam Santidade, e tinham um gentio a que chamavam Papa, o qual dizia ser Deus,
e a outros chamavam Santos, e uma gentia chamavam mãe de Deus, e a outras
chamavam santas, e faziam entre si batismos com candeias acesas, lançando água pelas
cabeças dos batizados, e punham -lhe nomes a seu modo, os quais batismos fazia o dito
chamado Papa, autor e inventor da dita erronia e abusão, o qual se chamava Antônio e
era do gentio deste Brasil, e se criou em casa dos padres da Companhia de Jesus no
tempo que eles tinham aldeias em Tinharé, capitania dos Ilhéus, donde ele fugiu para o
sertão. E ordenou a dita erronia, arremedando e contrafazendo os usos da igreja cristã,
fazendo os ditos batismos e fazendo igrejas com altares e pias de água benta, e mesas de
270
Trata-se do tabaco, e onde todos diziam “beber” entenda-se “fumar”. [Nota de R.
Vainfas]
130
271
“Traçado ou terçado: espada curta”. [Nota de R.Vainfas]
272
- Foi Governador de 1578 a 1581. [Nota de R.Vainfas]
132
do sertão, respondeu que há vinte e três anos pouco mais ou menos que é casado, e que
no sertão as mulheres que lhe davam, ele as não recebia por palavras algumas da Igreja,
somente as tomava como é costume entre os gentios para conservação de mulheres para
conversação desonesta. E perguntado se podia ele escusar de comer carne nos tempos
defesos, respondeu que sempre a comeu por necessidade, por não ter outro mantimento,
e que quando tinha mantimento deixava de comer a carne. E declarou que, no tempo que
ele adorou o chamado Papa, ele disse aos seus companheiros que o adorassem por
dissimular, porém que estava diante de todos e não viu se adoraram, senão que o dito
chamado Papa lhe disse que se chamava Antônio e era cristão, e fora dos padres da
Companhia de Jesus de Tinharé, capitania dos Ilhéus.E sendo perguntado que pessoas
viu na dita sua companhia fazer o mesmo que ele fez, ou outras coisas semelhantes,
respondeu que viu ao dito capitão Cristóvão da Rocha dar aos gentios que são inimigos
dos brancos, e quando podem os guerreiam e matam, um instrumento de guerra,
bandeira de seda, tambor, cavalo, égua, espingarda, espada, e assim se dizia que dera
uma botija de pólvora, e o viu tisnado pelo pescoço com tinta de jenipapo ao costume
gentílico, e lhe viu ter cinco ou seis mulheres ao modo gentílico, e viu a Pedro Álvares,
mameluco, morador ora em Sergipe o Novo, mandar dar uma espada aos ditos gentios
por três peças, e viu a Fernão Sanches Carrilho, homem branco d’Alentejo, que ora está
no rio de São Francisco, dar aos ditos gentios uma coura 273, e viu a Domingos Dias,
mameluco, riscado em um braço ao modo gentílico, o qual ora lhe parece que está em
Paraguaçu.E por não dizer mais, foi-lhe mandado ter segredo e assim o prometeu, e do
costume disse que tem ódio a Cristóvão da Rocha.”274 Cabia aos Inquisidores a
perseguição também do crime de entregar armas, munições ou cavalos aos índios e
demais inimigos da fé – muçulmanos, protestantes e gentios em geral, pois assim
fazendo, estavam traindo não só a nação e ao Rei, como obstaculizando o progresso da
verdadeira religião, municiando os infiéis em sua peleja contra a cristandade. O tal
mameluco morador em Sergipe trocou com os índios uma espada “por três peças”, isto
é, três escravos, revelando o quão pouco valia o gado humano nestes sertões del Rei.
Tomacaúna, que na pia fora batizado como Domingos Fernandes Nobre, em
25 de maio de 1596 recebeu para si e para sua filha Joana Nobre, das mãos do Capitão
273
“Coura: gibão de couro com abas.” [Nota de R.Vainfas]
274
Confissões da Bahia, op.cit, 1935, p.167
133
de Sergipe, Diogo Quadros, “duas mil braças de terras no rio de Tãomityiaiaia, braço do
rio Piauí, que corre para a banda do norte”. 275
V. Pecados da carne
275
Freire, op.cit., 1977, p.337
276
Vide, op.cit., 1853, § 392.
277
Vide, op.cit., 1853, § 408 e ss.
278
Foi Governador entre 1573 e 1578. [Nota de R.Vainfas]
134
número certo, assim na quaresma como nos mais dias proibidos, e nas ditas jornadas
fizeram o mesmo com ele o dito seu companheiro Brás Dias, que é homem pretalhão,
muito bexigoso, cujo pai foi morador em Vila Velha, e assim também outros que ora lhe
não lembram. E que, outrossim, haverá três anos que foi ao sertão de Sergipe na
companhia de Cristóvão de Barros, onde também comeu carne por muitas vezes, o
número lhe não lembra, também em dias proibidos, podendo-a escusar e sem desculpa,
e destas culpas disse que pedia perdão. E sendo mais perguntado, disse que na dita
jornada de Cristóvão de Barros, comeu também carne João Ribeiro, seu camarada e
morador em Paripe, e do costume disse nada. E foi-lhe mandado ter segredo, e que torne
a esta mesa no mês de maio primeiro que vem.” 279
Há entre os soldados e agregados que acompanharam o Capitão Geral das
Entradas Cristóvão de Barros na conquista de Sergipe, ou que depois ali serviram,
alguns que procuraram o Visitador do Santo Oficio para se auto-delatarem de desvios
relacionados ao “apetite carnal”: pecados contra o sexto mandamento da Lei de Deus,
estes sim, os verdadeiros “pecados da carne”. Outros foram denunciados, como é o caso
de Gaspar Rodrigues (também conhecido como Gaspar Róis) “que está ora feito soldado
na cidade de São Cristóvão de Sergipe desta capitania, infamado de forçar a um negro
para fazer o pecado de sodomia”. Esse escândalo se espalhou como a peste pela
provinciana Salvador e seu recôncavo por anos seguidos: segundo o denuncia do cristão
velho Antônio Gomes, 30 anos, agente das causas dos padres da Companhia de Jesus
e escrivão da câmara episcopal, casado com Antônia de Pina, “há quatro ou cinco anos,
nesta cidade, no Juízo Eclesiástico se tratou um auto de uma denunciação que se fez
contra Gaspar Rodrigues, criado que foi de Manuel de Melo por pecar no pecado
nefando com Matias, negro de Guiné. E vindo depois ter as ditas culpas à mão dele
279
O cotejamento entre os nomes de moradores de Sergipe citados nas Cartas de
Sesmarias e nos Livros das Visitações do Santo Ofício, deve ser feito com muito
cuidado, pois apesar da diminuta população residente no nordeste brasileiro nos finais
do século XVI e primeiro quartel do XVII, é freqüente a ocorrência de homônimos.
Nesse sentido, encontramos um tal de Baltasar Ferreira, que apesar de ser um nome e
sobrenome razoavelmente raros, pleiteia em 1596 gleba de “meia légua no rio Hitanhi
para viver com sua mulher e muitos filhos”, sendo que em 1618, na Mesa Inquisitorial é
citado outro Baltasar Ferreira, mercador cristão velho de 40 anos, porém
diferentemente do anterior, identificado como solteiro.Cf. Freire, op.cit., 1977, p.336 e
p.410
135
confessante, as queimou, e por isso lhe deram dez cruzados280, e isto negociou com ele
Bartolomeu de Vasconcelos, irmão do amo do dito culpado, os quais dez cruzados lhe
pagou pelo dito culpado Pero de Vila Nova, francês, morador em Sergipe do Conde.”
Este Gaspar Rodrigues “que está ora feito soldado na cidade de São
Cristóvão de Sergipe desta capitania”, natural de Torres Novas, tinha 30 anos quando
foi denunciado.”Homem baixo do corpo e magro”, filho de Pedro Vaz e Margarida
Róis, ostentava invejável destaque em seu curriculum: participara no Marrocos da
Batalha da Alcácer Quibir em companhia de Dom Sebastião (1578), tornando-se cativo
dos mouros e vendido para remar nas galés dos turcos de Argel. “Atrás quatro anos, per
si adquiriu cento e tantos escudos espanhóis de ouro com que se resgatou e se tornou
para Portugal, depois tornou à Ilha Terceira na armada do Marquês de Santa Cruz, daí
vindo para o Brasil”. No tempo que viveu na Berbéria, esteve em Constantinopla e
Grécia. Na Bahia foi criado e feitor de Manuel de Mello, o qual no tempo da graça da
Primeira Visitação encontrava-se ausente, na cidade de Cusco, no Vice-Reino do Peru.
Foi o irmão de seu senhor, o Cônego Bartolomeu de Vasconcelos, baiano de 32 anos,
quem o denunciou na Visita de 1591. Disse que ao chegar do Reino pelo ano de 1586,
Gaspar Róis “cometera algumas vezes o pecado nefando com um negro da Guiné,
Matias, 18 anos, ora em Jaguaripe, escravo de seu irmão, atando-o e constrangendo-o e
que por amor disto o negro lhe fugira uma vez e fora ter à casa de Manoel Miranda,
cunhado do denunciante e lhe descobrira o caso. E perguntando ele denunciante ao dito
negro, lhe confessara também dizendo que Gaspar Róis “pecava com ele, tendo
ajuntamento carnal, penetrando com seu membro desonesto no seu vaso traseiro e tendo
aí polução e cumprimento com efeito e consumação, assim como faz o mesmo com uma
mulher, sendo sempre ele Matias negro o paciente, e que o dito Gaspar Róis o forçara e
era feitor.” Disse mais que já anos antes dera seu testemunho deste crime perante o
Vigário Geral da Bahia, Sebastião da Luz, que mandou fazer os autos pelo escrivão
Belchior da Costa de Ledesma, e que estando em poder do escrivão Antônio Gomes, da
Câmara do Bispo, negociou Gaspar Róis com o citado cônego denunciante, irmão de
seu empregador, que queimasse as ditas culpas, pagando dez cruzados ao escrivão Pero
de Vila Nova, francês, morador em Sergipe do Conde, que de fato rompeu e queimou
os autos, deixando-se por conseguinte de se proceder contra o delato. Devido a este
280
Para ser ter uma idéia do montante envolvido nesta corrupção, um escravo africano
de menos de 25 anos (um “molecão”) valia, à época, cerca de 50 cruzados. [Nota de
R.Vainfas]
136
qüiproquó, tendo sido despedido da feitoria onde trabalhava, Gaspar Róis fugiu para
Sergipe Del Rei, engajando-se como soldado na recém conquistada cidade de São
Cristóvão. Experiência militar é o que não lhe faltava! Em seu processo, arquivado na
Torre do Tombo, além do cônego, consta o testemunho de mais oito moradores da
Bahia, um deles o Padre Baltazar Lopes, 35 anos: acrescenta que o réu estava debaixo
de uma escada quando foi surpreendido em ato sodomítico com seu escravo “e ouvia
dizer que estando cativo em terras de mouros usava no dito pecado, e trazia os cabelos
do toutiço281 depenado”. Muitos foram os portugueses denunciados na Inquisição por
terem se tornado berdaches282 na terra dos infiéis – posto haver então na barbárie maior
tolerância ao homoerotismo. Seria o tal “toutiço depenado” um distintivo diacrítico
utilizado pelos praticantes deste amor secreto? Outra testemunha, o eclesiástico João da
Costa Tição, 39 anos, disse mais: que Gaspar Róis levou um mameluco para debaixo de
uma escada “e mandando que se descalçasse e se pusesse de quatro pés – e o mameluco
se benzera, afastando-se...” O próprio escravo Matias – já então com 25 anos, casado,
contou que estava dormindo quando o feitor Gaspar Rodrigues “o pegou à força, e por
se queixar, lançou as mãos à garganta e disse que calasse se não o mataria, metendo o
membro no seu traseiro, mas conseguiu desapegar, fugindo para Pirajá, e logo depois
chegou o réu dizendo que era preguiçoso e não trabalhava, por isto que fugira...”. Disse
que naquela época era solteiro e amigo do réu, mas depois ficou-o querendo mal e que
“se não fora negro como é, se fora branco, por esta causa o houvera de matar.” O
próprio Gaspar Róis é ouvido pelo Visitador em 7 de outubro de 1592: declara não ter
culpas a confessar, mas suspeita ter sido preso por “causa de uns documentos falsos que
seu amo mandou fazer contra si, onde se dizia que havia sodomitado a um negro.
Retrucou o Inquisidor: se eram falsos os documentos, qual a razão para queimá-los?
Respondeu com matreirice: “não por temer as falsidades, mas para ficar tranqüilo...”. O
parecer conclusivo da Mesa Inquisitorial, datado de 4 de agosto de 1593, favoreceu o
acusado: “Visto as testemunhas que depõem com o negro, [serem] somente de ouvido,
que ouviram ao mesmo negro, que é cativo e ao qual o réu açoitava e castigava, e
281
“Toutiço: parte posterior da cabeça.”
282
“Berdache, bardache ou bardajo”, termo utilizado pelos europeus para referir-se aos
nativos do Novo Mundo ou aos europeus em terra dos mouros, praticantes do
homoerotismo, acompanhado ou não de travestismo. O termo “bardaxo” aparece em
alguns processos de sodomitas da Inquisição de Lisboa. Cf. Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, Inquisição de Lisboa, Proc. 6465 [1576]. Dynes, W. Encyclopedia of
Homosexuality. New York, Garland, 1990
137
nenhuma das coisas que diz contra o réu são provadas, mas antes são boas as suposições
em favor do réu, pois se apresentou à esta mesa antes de ser preso, que Gaspar Róis seja
absoluto e que não lhe dê pena alguma, mas penitências espirituais, que se confesse e
pague as custas de 2$348 réis." De que lado estava a verdade, jamais poderemos
saber.283 O única certeza é que Gaspar Rodrigues amargava a fama de sodomita quando
“era feito soldado na cidade de São Cristóvão de Sergipe”. Diversos praticantes do
amor que não ousava dizer o nome viveram nesta capitania, conforme relatamos no livro
A Inquisição em Sergipe. 284
Outra vez desvios da moral sexual são citados entre os agregados do
Capitão Geral da Guerra de Sergipe. Em 20 de agosto de 1591 Domingos Paiva,
estudante de 21 anos, denuncia perante o Visitador que “em casa de Cristóvão de
Barros, ouviu dizer a Francisco Nunes, criado do dito Cristóvão de Barros, que ora
mostra ser de idade de vinte e dois anos, estando ambos sós, vindo a falar no pecado da
carne, que dormir um homem com mulher não era pecado. E isto lhe disse o dito
Francisco Nunes, o qual é natural dos Ilhéus e ele o tem por cristão velho e é irmão de
Gaspar Fernandes, capelão desta Sé. E por ele confessante cuidar que o dito Francisco
Nunes lhe disse era verdade, que dormir um homem com mulher não era pecado, assim
o teve para si por espaço de alguns dias, e estando neste erro, isto mesmo disse a
algumas pessoas, até que o dito capelão Gaspar Fernandes emendou a ele confessante
deste erro em que estava, e lhe declarou como fazer o sobredito era pecado, e de então
por diante entendeu ele ser o sobredito pecado, e nunca mais disse a ninguém que o não
era, como dantes tinha dito, e que desta culpa pede perdão.” 285
Citamos acima outros colonos de Sergipe que assumiram pecados carnais: o
mameluco Lázaro da Cunha disse que “uma vez no sertão, pecou no nefando
consumadamente, dormindo carnalmente com uma gentia pelo vaso traseiro como se
propriamente fizera por diante, pelo natural”; Tomacaúna e outros soldados disseram ter
seguido o costume tupinambá, mantendo várias índias como concubinas; o feitor Gaspar
Róis era infamado de sodomisar um negro guiné; o estudante de filosofia, filho de
283
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Proc. 11061;
Denunciações da Bahia, p.380-381; Confissões da Bahia, p. 54-56 e 52-53
284
Mott, op.cit., 1985
285
Quanto à Cristóvão de Sá Betancourt, “morador em Sergipe”, cristão velho, que
confessou em 19 de janeiro de 1592, sua descrença na existência do Inferno, por não ter-
se especificado se se tratava de Sergipe Del Rei ou do Conde, deixamo-lo no “limbo”
dos duvidosos. Confissões da Bahia, op.cit, 1935, p.100
138
morador de São Cristóvão, manteve diversas cópulas sodomíticas com outros jovens,
etc. Resta ainda citar o processo de Marcos Tavares, mameluco, 18 anos, o único réu
das Visitações do Santo Ofício a ser degredado para São Cristóvão. Era filho de
Francisco Fernandes, feitor branco e Iria Alves, “brasila forra”, tendo sido criado na
casa de Pero d’Aguiar d’Altro, natural de Alenquer em Portugal, membro de família que
teve proeminente participação na história política e econômica de Sergipe, a ela
pertencendo Tomé de Aguiar Daltro, Ouvidor de Sergipe del Rei em 1565, e um século
286
depois, um homônimo que ocupou o posto de Capitão Mor desta Capitania. Em seu
processo consta que o mameluco Marcos Tavares, nos idos de 1586, manteve dezenas
de cópulas anais com os filhos de seus protetores, Bastião e Antônio Aguiar, então com
12 e 16 anos, respectivamente. Segundo Antônio Aguiar “o dito Marcos se veio a fazer
ladrão e de ruins manhas e fugiu de casa haverá 5 anos”. Foi preso por ordem do
Visitador. Em sua confissão, em 3 de julho de 1593, declarou ter fornicado mais de
quinze vezes com Antônio Aguiar, enquanto com Bastião Aguiar não se lembrava, pois
somitigavam atrás da cama ou quando iam “passarinhar no mato” , sempre praticando
“sodomia ad invicem” (reciprocamente). Quando da análise deste caso, a Mesa
Inquisitorial ponderou que apesar deste jovem de ter consumado por mais de quinze
vezes o abominável pecado nefando, respeitando porém ser menor de idade no tempo
em que delinqüiu “e em consideração de ser mameluco”, em vez de ser condenado à
morte na fogueira , “usando de misericórdia, o relevam das penas de direito”,
recebendo alternativamente as seguintes punições: no dia 19 de agosto de 1593 Marcos
Tavares foi conduzido ao Auto Público na Sé da Bahia, vestindo apenas uma túnica,
cingido com uma corda, descalço, trazendo acessa uma vela na mão. Ali, ostentando
todos aqueles símbolos humilhantes “em presença do Senhor Inquisidor e seus
assessores, de muitos religiosos, Cônegos do Cabido, dos Oficiais das Justiças, e de
grande concurso de gente e povo”, teve seus nefandos pecados proclamados em alto e
bom tom. No dia seguinte, foi açoitado publicamente, pelas principais ruelas de
Salvador, degredado em seguida para São Cristóvão de Sergipe, ficando ainda com a
pendência de pagar $738 réis pelas custas processuais. Foi o primeiro sodomita do
Brasil a ser castigado publicamente: sua condição de mestiço – provavelmente bem
visível em seu biotipo, além do fato de ter menos de 25 anos, levaram os juizes
286
Calmon, op.cit., 1985, p.432-433
139
inquisitoriais a agir mais com misericórdia do que com justiça. Sem estes dirimentes,
poderia ter sido queimado. 287
287
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Processo 11080;
Confissões da Bahia, op.cit., 1935, p. 153
288
Segunda Visitação, op.cit.,1963, p. 428-429
289
Freire, op.cit., 1977, p.396.
290
Freire, op.cit., 1977, p.388.
140
inquisitorial chamava-se Paulo Afonso, “feitor de uma roça [do fazendeiro] Pero Garcia,
morador no Rio Vermelho, residente o mais do tempo em Sergipe del Rei”. Aliás, este
parece ter sido um padrão bastante regular de posse fundiária nesta novel capitania: o
absenteísmo, intercalando, os proprietários de terra e fazendas, suas estadias, entre
Sergipe e a Bahia, malgrado muitos dos primeiros sesmeiros terem perdido suas doações
exatamente por terem deixado devolutas suas propriedades. 291
Aos 25 de maio de 1620, novamente a capitania de São Cristóvão vem
nomeada na mesa inquisitorial presidida pelo Visitador Marcos Teixeira: trata-se da
confissão do estudante de filosofia no Colégio da Companhia de Jesus, Jorge Moniz de
Lisboa, 27 anos, cristão novo, filho de Antonio Moniz de Lisboa, “morador em Sergipe
del Rei”, e de sua mulher Branca da Costa, ambos de nação. Também este jovem
confessava-se de ter cometido “o pecado nefando de sodomia, três vezes, com João
Albuquerque, estudante, metendo sua natura na parte traseira do dito cúmplice e
derramando semente genital, sendo também paciente por uma vez”, nomeando ainda
como parceiro a um Luiz Correa, mameluco, então casado no Rio de Janeiro. 292 Eis aí,
portanto, a prova de uma família hebréia também presente nas origens da colonização
de Sergipe. Caso o sesmeiro Baltasar de Leão, que recebeu data no Vaza Barris em
mercê assinada pelo Capitão Cosme Barbosa aos 15 de setembro de 1602, seja
efetivamente membro da mesma abastada família de cristãos-novos residente da
Capitania da Bahia, confirma-se mais outra presença da “gente da nação” em Sergipe
entre seus primeiros colonizadores. A historiadora Anita Novinsky relata que outro
judeu da mesma parentela, Simão de Leão, em 1614 teve contratos dos dízimos em
Salvador e também em Sergipe del Rei.293
Mais sesmeiros de Sergipe aparecem citados na Segunda Visitação da Bahia:
Antônio da Costa , “sargento do presídio de Sua Majestade, que há seis anos que reside
nesta capitania de Sergipe e é atualmente morador nela e não tem terra em que lavrar e
manter suas criações de gados e mais criações”, requereu e foi agraciado com meia
légua no rio Vaza Barris em 16 de junho de 1602. Consta que esse colono era cristão
velho, 35 anos, natural de Darque, Arcebispado de Braga, casado, então morador na
Bahia, próximo ao Mosteiro de São Bento. È no Livro das Confissões onde
291
Segunda Visitação, op.cit., 1963, p. 446
292
Segunda Visitação, op.cit., 1963, p. 523
293
Novisnky, Anita. Cristão Novos na Bahia. São Paulo, Editora Perspectiva, 1972,
p.87
141
294
“Cartapácio: livro de mão de várias matérias, ou de papeis avulsos, calhamaço em
mau estado.”
295
Segunda Visitação, op.cit., 1963, p.447
296
Segunda Visitação, op.cit., 1963, p. 448. “Quiromancia: adivinhação pelo exame das
linhas da palma da mão.”
142
ocupava o cargo de escrivão dos agravos da Relação da Bahia: foi delatado perante a
mesa inquisitorial pelo mesma falta: ter colaborado na transcrição do dito livro
proibido.297 Também o cristão velho Francisco da Costa, que recebeu meia légua na
banda sul do rio Ipochi em carta assinada aos 22-4-1602, citado nesta Visitação como
barqueiro, teria dito a um passageiro que “o livro de Diana era defeso” 298,
demonstrando assim que, mesmo sub-repticiamente, circulavam alguns livros entre os
primeiros colonizadores da Bahia e Sergipe. Seria esse Francisco da Costa o mesmo
viúvo, porteiro da Relação da Bahia, acusado por Catarina Nunes, cristão velha, viúva,
moradora na Rua da Ajuda em Salvador, de ter cometido “o pecado nefando de
sodomia, metendo-lhe ele sua natura no corpo dela pela parte traseira e lançando-lhe a
semente genital”? 299
Concluo esse cotejamento entre os moradores de Sergipe citados na
documentação inquisitorial e nas cartas de sesmarias trazendo à baila três destacados
membros da elite nordestina pertencentes à família de Egas Moniz Barreto, cepa que
tem suas origens ainda no período visigótico e que foi inclusive cantada por Camões nos
Lusíadas. Duarte Moniz Barreto, primogênito desta família, foi alcaide de Salvador, e
em seu pedido de duas léguas de terras na “Tabaiana”, em 19 de abril de 1602, declarou
que “veio ajudar a tomar esta terra do gentio em companhia de Cristóvão de Barros
aonde gastou muitas de suas fazendas e hora manda um curral de vacas e gente”para
povoar a novel capitania.300 Apesar de toda sua excelência, recebeu das mãos do capitão
Manoel Miranda Barbosa tão somente a metade das léguas que solicitara. Seu segundo
irmão, cujo nome aparece também grafado como Anrique Moniz Barreto, pediu duas e
obteve uma légua de sesmaria “ao longo do Vasa Barris da banda do sul donde acabar
pero carneiro pera cima com todas as lenhas, águas e madeiras que na dita terra
houver.”301 Segundo podemos ler no Catálogo Genealógico das Principais Famílias, de
Frei Jaboatão, esse terratenente, fidalgo da casa de Sua Majestade, natural da Ilha da
Madeira, vereador na Bahia, morava então em Cotogipe, senhor do Engenho Matoim,
302
no Recôncavo da Bahia, sendo citado na Segunda Visitação como testemunha de
uma blasfêmia proferida por um mercador judeu, que comparara o santo nome de Deus
297
Freire, op.cit., 1977, p. 335; Segunda Visitação, op.cit., 1963, p. 448
298
Freire, op.cit., 1977, p. 380; Segunda Visitação, op.cit., 1963, p. 372
299
Segunda Visitação, op.cit., 1963, p.461-462
300
Freire, op.cit., 1977, p.369
301
Freire, op.cit., 1977, p.393
302
Calmon, op.cit., 1985, p. 286
143
com suas contas comerciais. O Outro irmão de Duarte e Henrique, Diogo Moniz
Barreto Telles, o quarto na ordem de sucessão, Sua mulher, Maria de Reboredo, com 46
anos em 1592, “queixou-se que seu marido na sua fazenda do Peruassu lhe dava muitas
ocasiões de se enojar,por fazer sem razões e dormir com as escravas moças da casa.” 303
É igualmente citado na Mesa da Visitação, em razão de viver em suas terras um negro
304
feiticeiro que fora por esse delito preso no aljube Todos esses Moniz ou Muniz
Barreto, de Sergipe e da Bahia, alguns com o sobrenome Telles acrescentado, como
dissemos, são descendentes do patriarca Egas Moniz Barreto, natural da Ilha da
Madeira, o primeiro desta estirpe a viver nos Brasil, “no tempo em que só havia a Vila
Velha e a povoação do Pereira junto à Vitória”, casado com Ana Soares. Segundo Frei
Jaboatão e Pedro Calmon, “Duarte Moniz Barreto, primeiro filho do dito Egas Moniz
Barreto e D.Maria da Silveira ou Ana Soares, foi o segundo alcaide-mor da Bahia, por
doação que lhe fez da alcadaria-mor Antônio de Oliveira de Carvalhal, por casar com
sua filha, D.Helena de Melo (17-12-1633) de quem teve oito filhos. Duarte Moniz
Barreto, como vimos, acompanhou Cristóvão de Barros à conquista de Sergipe . Foi
acusado nas Denunciações da Bahia de ter dito palavras heréticas “haverá quatro anos,
por ser perder um pouco de fato, com agastamento e cólera, arrenegou de si.” 305
À guia de conclusão
Esse trabalho comprova que ainda resta muita novidade a ser descoberta e
interpretada a respeito das primeiras décadas da história de Sergipe del Rei. Apesar das
Cartas de Sesmarias e das Visitações do Santo Ofício estarem publicadas desde quando
a maioria de nós, mesmo os mais velhos, ainda não tinha nascido, nenhum historiador se
dera até hoje ao trabalho de cotejar esses dois corpus documentais, ambos riquíssimos
de informações sobre a história social, política, econômica e das mentalidades.
Esse nosso ensaio está longe de ter esgotado tais fontes, posto que ainda
restam a ser esquadrinhados os livros inquisitoriais relativos às Denunciações da Bahia e
as Confissões e Denunciações de Pernambuco, sem falar nos Processos Inquisitoriais e
Cadernos do Promotor ainda inéditos, conservados na Torre do Tombo – onde com
303
Calmon, op.cit., 1985, p. 271-272
304
Segunda Visitação, op.cit., 1963, p. 396/452
305
Calmon, op.cit., 1985, p. 270
144
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