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VILA DE

SANTO
ANTONIO
DE
ITABAIANA

1
VLADIMIR SOUZA CARVALHO

VILA DE
SANTO
ANTONIO
DE
ITABAIANA

Aracaju – Sergipe
2009

2
Copyright © 2009 – Vladimir Souza Carvalho

Editoração: Valfredo Avelino dos Santos


Capa:

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Printed in Brazil / Impresso no Brasil

Correspondência para:

FICHA CATALOGRÁFICA

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Dedicatória

4
Agradecimentos

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SUMÁRIO

Apresentação........................................................................................ 13

Parte I – As origens
Capítulo I
O nome de Itabaiana ................................................................... 17
As quatro correntes..................................................................... 23
A transformação do homem em montanha .................................. 31
A índia baiana ............................................................................ 34
O termo Ita=pedra ...................................................................... 37
Capítulo II
Influência do elemento indígena ................................................. 43
Influência do elemento branco .................................................... 47
Simão Dias Francês .................................................................... 54
Influência do elemento negro ...................................................... 56
Capítulo III
As minas de prata da Serra de Itabaiana ...................................... 59
As lendas do ouro e da prata ....................................................... 63
Capítulo IV
Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto .......................................... 71
Capítulo V
Colonização: o Arraial de Santo Antonio .................................... 79
As sesmarias e os primeiros colonos ........................................... 88
Capítulo VI
A Irmandade das Almas ............................................................. 95
Capítulo VII
A compra do sítio na caatinga de Ayres da Rocha ..................... 103
A escritura da compra efetuada ................................................. 115
Santo Antonio fujão ................................................................. 117
CAPÍTULO VII
A criação da Freguesia de Santo Antonio e Almas .................... 123

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Parte II – A Vila de Itabaiana
Capítulo I
Criação da Vila de Itabaiana ..................................................... 129
Fatores externos e internos ....................................................... 133
O local escolhido para a vila ..................................................... 140
Nome da vila ............................................................................ 144
Instalação da vila ...................................................................... 145
Capítulo II
Causas do lento desenvolvimento do centro urbano da vila ....... 149
Capítulo III
As informações de 1757 ........................................................... 165
Capítulo IV
Evolução da paisagem urbana e humana ................................... 169
Capítulo V
O itabaianense .......................................................................... 197
O itabaianense rural .................................................................. 197
O itabaianense urbano .............................................................. 200
Litígio dos comerciantes ........................................................... 206
O papel do algodão ................................................................... 211
Capítulo VI
O poder religioso ...................................................................... 215
As festas religiosas ................................................................... 219
O descado para com a Irmandade das Almas ............................ 222
Capítulo VII
O Poder Judiciário .................................................................... 225
A influência dos magistrados .................................................... 227
Capítulo VIII
O poder político ....................................................................... 229
Importância política .................................................................. 234
As cenas de violências .............................................................. 234
Principais políticos ................................................................... 237
Capítulo IX
O ensino público e particular .................................................... 241
Evolução do ensino .................................................................. 243
A primeira professora da vila .................................................... 243
O professor Tobias Barreto de Menezes .................................... 244
Poemas, modinhas e sátiras ...................................................... 245
O Gabinete de Leituras (1875-1880) ......................................... 246

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Um exame de final de ano ........................................................ 247
Escola com internato ................................................................ 249
Capítulo X
Filarmônica Eufrosina .............................................................. 251
Capítulo XI
Fatos especiais ......................................................................... 253
Capítulo XII
Nomes importantes ................................................................... 261
Capítulo XIII
A última descrição da Vila de Itabaiana .................................... 269
Capítulo XIV
Os motivos para a elevação à categoria de cidade ..................... 277

Bibliografia ........................................................................................ 281

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APRESENTAÇÃO

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Parte I
As origens

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CAPÍTULO I

O NOME DE ITABAIANA

Os primeiros núcleos de habitação formados, por ocasião e a


partir da colonização do território sergipano, no final do século
dezesseis e início do dezessete, expandiram-se com o decorrer dos
anos, ganhando novos habitantes, de modo a dar origem a futuras
cidades e respectivos municípios.
Muitas destes núcleos receberam nomes, que mais tarde,
sofreriam alterações.
Propriá nasceu sob a denominação de Urubu de Baixo (J. C. R. de
Milliet de Saint-Adolphe, DICIONÁRIO DA PROVÍNCIA DE
SERGIPE, p. 70), termo que, mesmo com a instalação da vila, já com o
nome de Propriá, permaneceu incorporado ao título da freguesia, ou
seja, Freguesia de Santo Antonio do Urubu de Baixo (Carvalho Lima
Júnior, HISTÓRIA DOS LIMITES ENTRE SERGIPE E BAHIA, p.
380).
Outros mantiveram-se sempre com o primeiro nome, como
Itabaiana, termo que, inicialmente, despontou, nas primeiras
sesmarias doadas aos colonos, como Itanhama, Tabaianna,
Tabanhama, para, finalmente, chegar, simultaneamente, dentro do
processo de colonização, a Itabaiana, de forma rápida. Tudo,
contudo, foi uma questão de grafia, – na tradução do português do
século dezesseis, sem contar com os erros gráficos decorrentes de
livros que divulgaram as cartas de sesmarias –, porque o correto,
desde o começo, era Itabaiana. Também foi utilizado o termo
Itapuama, desta vez pelos holandeses, na metade do século dezessete.
O nome do município não surge sem motivação. Há sempre um
fator a determiná-lo.
Entre os mais antigos do Estado, São Cristóvão foi fruto de
homenagem ao seu conquistador, o militar português Cristóvão de
Barros.

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Estância, no início da colonização, era uma fazenda de gado,
de Pedro Homem da Costa. Segundo João Oliva Alves
(ENCICLOPÉDIA DOS MUNICIPIOS BRASILEIROS, XIX vol., p.
299), o nome da localidade designa, em castelhano, uma fazenda de
gado e é corrente que Pedro Homem originava-se do México, onde
se fala essa língua e cuja padroeira é a mesma Nossa Senhora de
Guadalupe. Esta circunstância forma, afinal, sólido argumento, para
ligar o nome daquele colono à história da mais importante cidade do
sul do Estado. Para Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS E OUTRAS HISTÓRIAS, p. 231),
diferentemente, Pedro Homem da Costa é fidalgo português, natural
de Guadalupe, nos Açores, capitão de mar e guerra. O termo Estância
seria fruto de uma de suas viagens marítimas antes de atracar em
terras sergipanas.
Laranjeiras nasceu na margem esquerda do rio Cotinguiba, em
cujo local predominavam muitas laranjeiras, cf. Philadelpho de Oliveira,
a poetizar: Laranjeiras nasceu de uma flor. Da perfumosa e bela flor de
laranjeira, que simboliza a virgindade das noivas, nasceu a heróica
Laranjeiras, murmurante e soluçosa esposa do Cotinguiba. À margem
esquerda do rio Cotinguiba existia uma laranjeira, debaixo da qual os
primitivos habitantes, cantando ao som da vila os amores felizes ou
infelizes, descansavam do rigor do sol aguardando a hora das viagens.
Laranjeiras nasceu dos acordes da música e entre as flores (HISTÓRIA
DE LARANJEIRAS, p. 15).
O de Lagarto comporta duas versões.
A primeira registra ter o nome do município se inspirado no
riacho Lagarto, perto da atual sede, que, por seu turno, assim fora
batizado por apresentar, em suas margens, uma pedra em forma de
lagarto. É defendida por Laudelino Freire: Por causa de um surto de
varíola que vitimou muitos dos habitantes, a povoação logo foi
transferida para este último local, que tomou o nome do riacho que lhe
passa perto, o qual, por sua vez, recebe esta denominação em virtude de
uma pedra em forma de lagarto, existente à sua margem (QUADRO
COROGRÁFICO DE SERGIPE, apud ENCICLOPÉDIA DOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS, XIX, p. 344).
A segunda, apresentada por Sebrão, sobrinho, contrária a
primeira, defende ser apócrifa ... a tradição que se inventou de que
proviera de uma pedra com feição de réptil sáurio, de belo sardão. Foi

15
invencionice pacóvia, pois lá nunca houve tal pedra e muito menos tal
rio ou córrego chamado Lagarto. O caso é outro. Lagarto é o nome que
o colono luso intentou dar ao rio Gibóia, o qual o tem para se não
confundir com o [rio] Jacaré (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 229).
Maruim foi crismado com esse nome pelo fato de sua atual sede
ter sido erguida em terras e pastos do engenho Maruim de Baixo, de
Manoel Rodrigues Figueiredo, segundo José Luiz Costa Filho, citado
por Joel Aguiar (TRAÇOS DA HISTÓRIA DE MAROIM, p. 20). A
população do primeiro núcleo de povoamento, em Mombaça, teria
corrido para terras do engenho referido, onde ficou e se desenvolveu
(ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, XIX, p. 365).
Já o de Itabaiana teve como marco fundamental a presença da
Serra, ou seja, da Serra grande, a maior de todas, a que está assentada no
centro, lindeira, em ambos os lados, mediata e imediatamente, de outras
serras, de tamanho menor.
Foi o aspecto mais saliente e destacado do seu território, a ponto
de atrair para a sua estrutura as atenções da Coroa e dos colonos.
Alta, horizontalmente larga, e, ainda por cima, elegantemente
imponente, a congregar, em seu redor, uma série de outras serras –
como as do Zangue, Quizangu, Carcará, Alecrim e Capunga, que é
seguida, direção oeste, pela de Cabeceira e, em busca do sul, as de
Monte Santo, Moita, Machado, Mandacaru (antiga Tintingu),
Ribeiróplis, Redondo, Serras Pretas, Miaba, Três Picos, Macambira, e,
direção a leste, Cajueiro, Montes, Ribeira, Cajaíba, Boqueirão e
Comprida, que segue à prumo de leste e se encontra a de Itabaiana,
além das serras do Cabaceira e da Tiririca, cf. enumeração de Sebrão,
sobrinho (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 241 e
302) –, apresentava um toque de majestade que a tornava superior às
demais. Quer vista de longe, num azul pálido, quer vista de perto,
deixando estampada à sinuosidade de seu contexto, não encontrou, na
redondeza, nenhum outro acidente geográfico que lhe fizesse sombra e
diminuísse a sua importância. Era o ponto máximo de referência. Não
havia outro a chamar mais à atenção, sendo natural que o nome da
região surgisse influenciado, diretamente, pela sua presença.
Ademais, não era só uma serra ou uma cordilheira de montanhas,
tendo ao seu redor a imensidão de mato. Compunha a paisagem o

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elemento água, na presença de rios e riachos que, mais tarde, foram
sendo batizados, a medida em que o homem branco passou a ter contato.
Do lado direito, o Rio Cotinguiba, nascido ao norte da Serra,
passando pela sua frente, até, mais adiante, se encontrar com o Rio
Sergipe e daí para o Oceano Atlântico. Um pouco para a esquerda, em
área relativamente distante, um outro rio, o Vaza-Barris, em linha fina e
sinuosa, vindo das terras que pertenceriam depois aos municípios de São
Domingos e Campo do Brito, exibia as suas águas, até se alargar para o
lado do futuro município de Itaporanga d´Ajuda, indo desaguar no
Oceano Atlântico. Do lado oeste, o Rio das Pedras, em verdade, um
riacho, abria espaço, escondido em meio à mata. Em frente da Serra,
dando as costas ao nascente, o rio Jacaracica mostrava presença, se
estendendo por mais três futuros municípios: Ribeirópolis, onde nascia,
Malhador e Riachuelo. No seu conjunto, os rios favoreciam a conquista
do território, proporcionando ao colono a água para beber e para usar
nas plantações, além dos inúmeros riachos, que veremos adiante no
Capítulo V desta Parte I. Impossível pensar na colonização sem a
presença dos rios e riachos.
Os núcleos de povoamento, dentro da colonização, se localizaram
em o pé da Serra e ao seu redor, mesmo que, no último caso, a certa e
considerável distância, para os padrões da época, mas sempre a tendo,
pelo seu tamanho, como elemento integrante da paisagem, bem visível e
central, inicialmente, quando a sede do primeiro aglomerado compacto,
que se formou, estava no Arraial de Santo Antonio, em área depois
denominada de Igreja Velha; após, com a aquisição do sítio no local
conhecido por Catinga de Ayres da Rocha Peixoto, onde se plantaria a
sede urbana da futura vila e posterior cidade. A presença da Serra
continuou bem presente e estampada, em um e em o outro local.
O nome de Itabaiana, fruto, assim, da presença da Serra, não
surgiu como denominação de uma localidade em si, mas de toda a
enorme região, porque na visão dos primeiros colonos tudo ali, Serra e
cercanias, até que outro nome fosse dado, se chamava Itabaiana, nome
que a região foi dada pelo indígena, adotando o colono a toponímia
encontrada. A comunidade, depois, na criação do seu centro urbano,
naturalmente, aproveitou o nome da região, porque este já estava
consagrado no tempo e no espaço, sem a necessidade de nenhum ato
oficial por parte da Coroa. A denominação do futuro município nascia
de forma simples e espontânea, sendo Itabaiana desde o começo da

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colonização, a ponto de, quando o primeiro aglomerado humano se
formou, em torno do Rio Jacaracica, o termo já lhe antecedia.
A grande prova do fato repousa na sesmaria doada a Manoel
Tomé de Andrade, a seu genro Francisco Borges e a Gonçalo Francisco,
em 21 de janeiro de 1602, na referência ao detalhe de as terras
solicitadas ficarem detraz de Itabaiana, entendendo-se por Itabaiana a
Serra. Pela data, a menção não poderia ser feita a nenhum conjunto de
casas, a nenhum povoado, que não existia ainda. O nome de Itabaiana
aparece como sinônimo da Serra, de forma a deixar bem assentado que,
no caso, as terras solicitadas ficavam atrás da Serra, e esta Serra era
chamada de Itabaiana.
O Arraial de Santo Antonio – primeiro núcleo compacto de
povoamento – era minúsculo, abrangendo só os colonos que estavam
por perto, enquanto Itabaiana se constituía naquilo e em tudo o mais,
como se o Arraial fosse a Capital e Itabaiana o Estado. Tanto que a
Irmandade das Almas, quando foi criada, não era só do Arraial, mas de
Itabaiana, porque o predomínio era do nome da região. Os seus
Estatutos evidenciavam o nome que a tradição já consagrava:
Irmandade das Sanctas Almas do Fogo do Purgatório, sita na capela da
Itabaiana..., isto é, na capela da região conhecida por Itabaiana. A
Irmandade foi criada em 1665, evidenciando que, a esta altura, sessenta
e tantos anos depois do início da colonização, a denominação estava
profundamente ligada ao local, a ponto de batizá-lo integral e
pacificamente. A fundação de novo aglomerado habitacional, no terreno
que a Irmandade adquiriria, na Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, em
torno da nova Igreja, que foi construída lentamente, atraiu o nome de
Itabaiana, porque este, efetivamente, já vinha sendo usado desde o início
da colonização. A compra é de 1675, registrando a escritura que os
componentes da Irmandade eram moradores da Itabaiana, ou seja, da
região conhecida como Itabaiana, repita-se. O Arraial de Santo Antonio
não passava, de fato, de um nome simbólico, de caráter religioso,
prendendo o arraial ao santo cultuado na sua igreja. Mas não era com
esse nome que se fazia conhecido. Tanto que os membros da Irmandade,
na compra já aludida, a qual abordaremos, melhor, adiante, não se
declaravam moradores do Arraial de Santo Antonio, mas da Itabaiana,
isto é, da área territorial denominada de Itabaiana.
Em conseqüência, o nome da área territorial é conferido ao
aglomerado de casas que vai surgir em conseqüência da compra do sítio

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pela Irmandade das Almas. A propósito, Carvalho Lima Júnior confessa
uma dúvida: Não se sabe também, se foi a primitiva povoação [ou seja,
o Arraial de Santo Antonio] que deu o nome de Itabaiana à serra que
lhe fica uns 7 kilometros a leste, ou se a serra que o deu à povoação
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
128). O correto é a segunda hipótese, ampliada, isto é, a Serra deu o
nome a toda a área de terras a sua frente e ao seu redor, termo que, mais
tarde, é conferido ao local onde vai ser erguida a vila, sem se falar no
fato de que, muito antes do Arraial, nas primeiras sesmarias, já se alude
àquele espaço pelo nome de Itabaiana. Neste sentido, com total razão J.
C. R. de Milliet de Saint-Adolphe, segundo o qual Itabaianna ou
Itabahianna é antiga villa da província de Sergipe, nas adjacencias da
serra de que tomou o nome (DICIONÁRIO DA PROVÍNCIA DE
SERGIPE, p. 53).
Seria, também, Itabaiana, se, em vez da Catinga de Aires da
Rocha Peixoto, fosse, ali por perto, outro o lugar escolhido pela
Irmandade das Almas para erguer a Igreja, templo que a Irmandade se
comprometia a edificar, porque toda a área, não custa ressaltar, mais
uma vez, era tida como Itabaiana.
O batismo com o nome de Itabaiana surgia da necessidade
política de se conferir a imensa área uma denominação para
conhecimento da Coroa, a fim de se poder, doravante, referir-se a
aquelas terras com um termo próprio e específico. Pela sua formação
geográfica e morfológica, a região se apresentava como ponto
importante no território sergipano, visto a Serra de diversos locais, a
menos de sessenta quilômetros, pelo seu tamanho, merecendo, de logo,
ser repartida entre os colonos. Daí passar a ser identificada pela
presença de um nome. Não seria mais uma longa extensão geográfica,
desconhecida e pagã, numa planície no meio de matas e serras. Agora
passava a ter um nome. E este foi Itabaiana, por se referir a Serra,
abrangendo tudo que estava ao seu redor e além do que a vista
alcançasse, de forma que, até o surgimento de outros núcleos de
povoamento, a receber denominações próprias – o que vai se verificar
no decorrer dos séculos adiante, como Campo do Brito, Macambira, São
Paulo (Frei Paulo), Ribeirópolis, Pinhão, Pedra Mole, Carira, entre
outros – tudo ali, tomando a Serra como centro, recebia a denominação
de Itabaiana.

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O termo Itabaiana, inspirado na Serra, desceu, num processo
natural, para abranger toda o território que o tinha como ponto central, à
míngua de outro nome, relativo a um fato geográfico, igualmente
expressivo. Da mesma maneira que abrangeu uma enorme área,
consagrada, depois, como as Matas de Itabaiana, foi encolhendo a
medida que outros pontos geográficos, nela abrangidos, foram
conquistados e povoados e, em conseqüência, batizados com nomes
diferentes (como Matas do Genipapo, Grota Funda, Chã da Imbira e
Serra Redonda, em Frei Paulo), que predominaram, pelo seu caráter
local e específico, passando, por fim, a denominar apenas e tão somente
o município. Para a redução, foram necessários, também, vários séculos.
Desta maneira, deve ficar bem assentado que o nome de Itabaiana
está ligado à Serra, que o inspirou. Itabaiana é a Serra. Não fosse a
Serra, outro seria o nome recebido.

AS QUATRO CORRENTES

Apesar da simplicidade que o vocábulo Itabaiana, de origem tupi,


parece acenar, quatro correntes tentam explicar-lhe o significado. O
exame destas correntes mostra uma certa complexidade, a tornar a
matéria um tanto nebulosa.
A primeira corrente leva em conta o sentido morfológico do
termo pedra ou serra, desdobrando o vocábulo em três elementos:
Ita – taba – oane.
Desta forma,
Ita significa pedra.
Taba, por seu turno, apresenta o significado de aldeia.
Oane, enfim, o de alguém.
No conjunto, naquela pedra (serra) mora alguém. Ou, há uma
aldeia com gente, conforme Armindo Guaraná (GLOSSÁRIO
ETIMOLÓGICO DOS NOMES DA LÍNGUA TUPI NA GEOGRAFIA
DO ESTADO DE SERGIPE, p. 309).
Ou, ainda, ita–pedra, aba–homem, oane–agora: homem mudado
em pedra.
Valois Galvão encontra ainda os significados de muitas aldeias e
naquela serra mora alguém.
O termo evidencia, de forma clara, a presença de uma aldeia, na
Serra, no momento em que a colonização encontra seu prelúdio. É

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difícil conceber a idéia de uma aldeia justamente no alto da Serra, pelo
intenso frio que a altura proporciona, no período noturno, sobretudo nos
rigorosos invernos, quando a neblina, ainda de manhã cedo, costuma
cercar toda a área, a ponto de, de longe, não permitir uma visão nítida da
Serra. Mas, às margens da Serra, provavelmente, uma aldeia deve ter se
fixado, em algum lugar. A aldeia desapareceu com o tempo, quer fruto
do medo que o índio passou a ter do homem branco, provocada pela
matança do gentio que Cristóvão de Barros patrocinou em território
sergipano, em 1590, quer por força de sua natural mudança de habitat.
De qualquer forma, a pedra, de ita, se refere a Serra.
Sebrão, sobrinho, observa que Serra de Itabaiana é um
pleonasmo histórico, porque é Serra da Serra, como o é a Serra dos
Montes (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 263).
Armindo Guaraná chega a usar a expressão Serra Grande de
Itabaiana, duplamente pleonástica (COMARCA DE ITABAIANA –
DESCRIPÇÃO DO MUNICÍPIO, Diário de Notícias, Aracaju, 14 de
maio de 1886), termo anteriormente utilizado pelo padre Francisco da
Silva Lobo, em suas Informações (citadas adiante no Capítulo III da
Parte II): serra grande. Certamente ambos pensaram em referir-se
apenas a maior de todas as serras, visto que, as demais, têm nome
próprio. A terminologia Serra serve tão somente para a central. O
termo, por si só, já é suficiente para diferenciá-la das outras, que são
menores.
A observação é interessante: todas as serras, de um lado e de
outro, e distante, a sua frente, têm nome próprio. Menos a maior de
todas, que é apenas Serra, justamente pelo significado específico que
carrega de ser sinônimo do termo Itabaiana.
Dentro da orientação defendida por Armindo Guaraná
(GLOSSÁRIO ETIMOLOGICO DOS NOMES DA LÍNGUA TUPI NA
GEOGRAFIA DO ESTADO DE SERGIPE, p. 309), as derivações são
inúmeras, todas tendo a Serra como principal fator.
Uma, oriunda do século XVIII, através do padre Francisco da Silva
Lobo, nas mencionadas Informações, a ressaltar que Itabaiana na língua
national quer dizer pedra grande e na vulgata serra grande que fica da
parte do nascente. Criticando, Sebrão, sobrinho, afirma que tudo isso
seria Itaçu, Itará ou Itiguaçu (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 240).

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Sebrão, sobrinho, aponta o termo Itapurama, ou pedra em pé,
usado por Barléus, a significar: ita, pedra; poã, erguida, em pé
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS ..., p. 240). Também
não é este o responsável pela origem do termo Itabaiana.
Outra derivação, na palavra de Manoel dos Passos de Oliveira
Teles, a dividir o termo Itabaiana em i – ta – aba – oane, dando-lhe o
significado de o homem que agora é montanha (O TERRITÓRIO
SERGIPENSE E SUA FUNÇÃO HISTÓRICA, O Estado de Sergipe,
29 de março de 1916). Para Sebrão, sobrinho, esse entendimento fez de
ta montanha e de i o artigo o, o que é erro, considerando cópia da de
Von Martius (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p.
240). Também de Armindo Guaraná, no mesmo prumo, outra: Homem
mudado em pedra (COMARCA DE ITABAIANA – DESCRIPÇÃO
DO MUNCIPIO).
Na explicação da corrente, Manoel dos Passos de Oliveira Teles
enfatiza: Costumou juntar o i designativo ao vocabulo ta, que significa
pedra, serra, na língua indígena; e deste modo também escreveu
Martius sua poética etimologia. Mas o desmembramento dos termos da
palavra Itabaiana deve ser i-ta-aba-one: parafrosticamente – o homem
que agora é montanha (O TERRITÓRIO SERGIPENSE E SUA
FUNÇÃO HISTÓRICA).
Outra, de Ivo do Prado, que ouviu de uma cabocla paraguaia com
o sentido de serra alterosa.
Sebrão, sobrinho, acrescenta mais uma, desmembrando o
vocábulo Itabaiana em ita e em baiana, com o significado de montanha,
da cidade, a única, ou seja, Cidade Alta, Cidade da Montanha
(FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DE SERGIPE, p. 102).
Qualquer direção que se tome, dentro dessa primeira corrente, a
Serra está no plano central.
A segunda corrente, que também leva em consideração o sentido
morfológico do termo pedra ou serra, extrai do vocábulo Itabaiana outro
significado: Rio das Pedras (Tatevin, LA LANGUE TAPPHIYA, apud
Manoel dos Passos de Oliveira Teles, O TERRITÓRIO SERGIPENSE
E SUA FUNÇÃO HISTÓRICA). Estando no centro o termo ita, com
significado de pedra, a este se acrescenta apenas o rio: rio das Pedras.
Em lugar de ser uma serra, onde há uma aldeia, na qual mora alguém, o
destaque fica apenas para o termo ita, o que não é admissível, visto que
não explica os demais: taba e oane.

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Contudo, apresenta um alicerce importante na existência de um
riacho, com esse nome, Rio das Pedras, que corta parte do município.
Representa, em verdade, mais uma coincidência. O Rio das Pedras não
foi, em nível de colonização, mais importante que o Rio Jacaracica. Em
torno do último, é que vai surgir o primeiro aglomerado humano na
região, isto é, o Arraial de Santo Antonio. Depois, com o tamanho da
Serra, impossível que um riacho não navegável predominasse a ponto de
gerar o nome do município. Sebrão, sobrinho, considera tolice tal
entendimento. Seria Rio das Pedras se fosse Itaügue, assim desdobrada:
ita, pedra; ü, rio; guê, sufixo indicado de plural (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 240). De qualquer forma, é um
ingrediente a mais na discussão no significado da palavra Itabaiana.
A terceira corrente toma como fator primordial a palavra almas,
conferindo um sentido espiritual ao termo.
Dentro dessa linha, Teodoro Sampaio dividiu o termo Itabaiana
em Itabaiana, ant. tabayan ou tabanga, e, taba-y-an ou taba-onga,
pairando num significado: a morada das almas (cf. Sabiniano Maia,
ITABAIANA – SUA HISTÓRIA – SUAS MEMÓRIAS, p. 50). Aliás, o
mesmo apontado também por Valois Galvão e repetido em vários
dicionários. Sebrão, sobrinho, também discorda ante o termo utilizado,
Itabanga. Segundo ele, apesar da exata denominação de morada das
almas, que tanto se aproxima do real, cometeu a veleidade de fazê-lo
com o nome que disse ser o íncola de Itabaiana: – Itabanga, forma
contratada de Itaboanga, que não significa em absoluto morada das
almas, mas pedra lisa, cuja tradução tupi é mesmo Itaanga: ita, pedra;
anga, lisa. Para Sebrão, sobrinho, Teodoro Sampaio teria compulsado
sua etimologia assim: i-taba-anga, o que não pode ser, pois i é pequeno;
taba é aldeia e anga é liso ou cheiroso. Seria assim: pequena aldeia
perfumada, invocando, a propósito, a Serra da Tabanga, à margem do
baixo São Francisco, que os naturais chamavam Tauaanga (tauá, barro,
anga, cheiroso) ou barro cheiroso, que o luso enfonizou em Tabanga,
transformando o difícil de pronunciar u em seu similar b
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 240).
Sebrão, sobrinho, vai além: ITA, montanha; TAB, aldeia, morada;
ABAÚ, um dos nomes íncolas da Bahia, homem navegante, homem dos
mares; e ANA (corrução de Anga, alma). Assim, literalmente: naquela
montanha habitam as almas dos homens do mar, dos nautas
(FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DE SERGIPE, ps. 101-103).

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Para Horácio de Almeida, Tabaiana é fruto do desmembramento
de taba, isto é, morada, anga, traduzido por alma, resultando em
morada das almas, cemitério, acrescentando que o i intermediário teria
vindo depois, como partícula eufônica (HISTÓRIA DA PARAÍBA,
tomo I, p. 294).
No contexto desse entendimento destaca-se um alicerce poderoso.
Para a Itabaiana paraibana, Sabiniano Maia aponta a existência de
um cemitério indígena, o que lhe deu a condição de morada das almas
(ITABAIANA – SUA HISTÓRIA – SUAS MEMÓRIAS, p. 50).
Para a Itabaiana sergipana, a justificativa seria diferente. Não
tivemos nenhum cemitério íncola descoberto em nossas terras, até a
presente data. A Serra, contudo, seria o cemitério, ou seja, o lugar onde
as almas dos mortos ficam. É o que se colhe de Sebrão, sobrinho:
Itabüone decompõe assim: ita, pedra, montanha, serra; ba, contração de
taba, aldeia, morada, poiso, estância; ü, água, rio; oane, gente, alma,
espírito. Tudo significa: naquela serra há uma aldeia de gente das
águas, das almas dos rios, ou, melhor: a serra que é a morada das
almas abaís (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS...., p.
239). Prossegue Sebrão, sobrinho, afirmando que, para os índios, que a
tornavam poraüna, taba, e, ainda hoje, é deserta, motivo porque não a
ousaram escalar, que em peregrinação, era ela instância final dos
mortos de sua raça, dos homens dos rios, dos seres das águas, dos
abüague (o mesmo que abaís) (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., ps. 239-240).
Na formulação do orago da freguesia, ou seja, Santo Antonio e
Almas, o termo almas vai, coincidentemente, aparecer.
Contudo, não se pode perder de vista o triplo significado do termo
almas.
De um lado, exprime homens, pessoas. Antigamente, não se
afirmava que tantas pessoas habitavam tal região. Dizia-se tantas almas.
De outro, o termo almas faz parte integrante de uma devoção
popular pelas almas, cultivada em Portugal e enraizada no Brasil, fruto
das Confrarias das Almas, que terminou sendo adotado com a criação,
entre nós, da Irmandade das Almas.
O terceiro e último significado seria, dentro da devoção das
almas, a obrigação de velar pela almas das pessoas que integravam a
Irmandade das Almas e se encontram, por força da morte, no Purgatório,
como veremos adiante no Capítulo VI desta Parte I.

24
A morada das almas, isto é, das almas das pessoas que integravam
a Irmandade, não encontra conexão cronológica.
Até aí, tudo bem.
No entanto, o termo almas que vem depois do nome do orago da
freguesia – Santo Antonio e Almas –, é influência da presença da
Irmandade das Almas, não sendo conseqüência do nome do município.
O termo Itabaiana já existia antes de a Irmandade das Almas ter sido
criada, sendo apenas uma outra mera coincidência, mesmo porque a
irmandade local adotou o nome de uma entidade sacrossanta, muito
comum, à época, como poderia ter sido crismada com o de um santo,
simplesmente.
Não há, assim, nenhuma conexão entre o significado dado na
terceira corrente com o termo Almas, encastelado no nome da freguesia.
Por fim, a quarta, e, última, corrente apresenta como núcleo
central o termo taba, surgindo dos estudos de Sabiniano Maia que, ao
escrever sobre a história da Itabaiana paraibana, catalogou alguns
significados que não se ligam a serra, ou a pedra, nem as almas.
Dentro dessa corrente, Itabaiana seria o resultado de taba-y-nhame,
a significar a aldeia sobre o rio que dá enxurrada, no magistério de
Horácio de Almeida, segundo o qual Itabaiana parece mais um hidribismo
de difícil interpretação (HISTÓRIA DA PARAÍBA, tomo I, p. 294).
Homero Fonseca adota o mesmo entendimento, ao defender que a
inventividade brasileira, nem sempre sinônimo de bom gosto, gerou os
mais inesperados, curiosos ou estapafúrdios hidribismos, os mais comuns
misturando, sem cerimônia, o tupi e o português, apresentando, entre os
exemplos, o nome de Itabaiana (PERNAMBUCANIA – O QUE HÁ
NOS NOMES DAS NOSSAS CIDADES, p. 38).
Ou vem do desdobramento de y-tabaoane, ou seja, a casa de um
homem, de certo homem (von Martius) (HISTÓRIA DA PARAÍBA,
tomo I, p. 294).
Ou se origina de taba-i-anã, isto é, aldeia pequena dos
aparentados, também significando o inimigo fronteiro, cf. Leon
Francisco Rodrigues Clerot, referido por Sabiniano Maia (ITABAIANA
– SUA HISTÓRIA – SUAS MEMÓRIAS, p. 48).
Ou, itabai, isto é, aldeiasinha, aldeola, e iana, isto é, o rio que
alarga, segundo Valeriano Marques, citado por Sabiniano Maia
(ITABAIANA – SUA HISTÓRIA – SUAS MEMÓRIAS, p. 48).
Assim: a aldeiasinha que o rio alarga, quando enche. Por fim, Cariolano

25
de Medeiros, citado por Horácio de Almeida, acha que Tabaiana é
plebeísmo, mas não dá o significado de Itabaiana (HISTÓRIA DA
PARAÍBA, tomo I, p. 48).
A quarta corrente arrola diversos significados, que, no fundo,
evidenciam apenas o tom complexo que cerca o nome de Itabaiana.
As justificativas de todas as correntes encontram a sua lógica,
porém, nos parece a mais correta a que destaca a influência da Serra na
denominação de Itabaiana, lembrando que a paraíbana, como a nossa, é
também rodeada por serras, com alguma semelhança, mas não
absolutamente igual.
Aliás, não esquecer que Itabaiana é o único município sergipano
cujo nome serviu, no diminutivo, para batizar outro, o de Itabaianinha.
Comerciantes itabaianenses, nas suas viagens para Salvador (Bahia), no
século dezoito, ali acampando, inspirados na semelhança entre as duas
paisagens, lançaram o nome de Itabaianinha, ou seja, Itabaiana pequena,
para diferenciar da outra, a Itabaiana grande, como durante muito tempo
foi a nossa conhecida. É nesse sentido que João de Oliva Alves
(ENCICLOPÉDIA DOS MUNICIPIOS BRASILEIROS, XIX vol., p.
323) explica: É que os primeiros povoadores impressinaram-se com a
semelhança entre as duas localidades, o que os levou a rixarem uma
nova, embora pequena, Itabaiana – Itabaiaininha – no sul da Província.
Por sua vez, é bem provável que, nas viagens, o itabaianense, ali
reunido, se fixando no novo território com o fim de oferecer condições
de pousada aos conterrâneos que passassem em direção a Salvador e de
lá retornassem, fosse em número tão significativo que viesse à baila o
fato de todos se encontrarem, de verdade, em Itabaiana. E como era,
assim, uma outra Itabaiana, essencialmente pequena, ainda em início de
formação, o diminutivo invocado – Itabaianinha – foi adotado e tornou-
se fixo. Nesta segunda hipótese, me encosto, sem deixar de citar outra
versão, colhida por Sebrão, sobrinho, que, ao focalizar a vida do padre
itabaiananense Francisco Xavier de Góis e Amaral, vigário colado da
freguesia de Nossa Senhora Imperatriz dos Campos do Rio Real de
Cima, assevera que a atual cidade de Itabaianinha dizem ter sido
propriedade sua, a que apuzera o nome, em diminutivo, que lhe
lembrava a terra natal (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p.
11).
Por outro lado, provavelmente, o nome da Itabaiana paraíbana foi
inspirado na nossa.

26
A afirmativa se apoia no fato de que, até o século dezoito, a região
onde hoje se ergue o município paraíbano de Itabaiana não recebia
nenhuma denominação. Somente em 1757 é que duas pessoas deram a um
sítio, ali localizado, o nome de Itabaiana, surgindo, daí, depois um
povoado, transformado em vila com o passar dos tempos, e, depois, em
cidade. Como a Paraíba também foi colonizada por sergipanos, o nome do
sítio pode ter sido legado por itabaianenses face à paisagem de lá ser
parecida com a de cá, numa homenagem a Itabaiana sergipana, ou,
também, como reverência a terra natal de seus dois proprietários. Depois,
não se crismou uma região, mas um simples imóvel rural que daria
origem mais tarde a um município.
Conferir a novas regiões o nome do local de origem de seu
fundador era muito comum. No Rio Grande do Norte, as primeiras vilas
receberam denominação inspirada no Alentejo, região portuguesa:
Extremoz, Arês e Portalegre, elevadas a essa condição, respectivamente,
em 3 de maio de 1760, e, 15 de junho de 1760, segundo A. Tavares de
Lyra (HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE, p. 187). A
colocação de nomes de vilas e cidades portuguesas, contudo, era fruto
de ordem emanada do Marques de Pombal, encontrando imensos
exemplos no Pará, como Alenquer, Almeirim, Aveiro, Barbacena,
Bragança, Faro, Melgaço, Óbidos, Oeiros do Pará, Ourém, Porto de
Moz, Santarém, São Caetano de Odivelas, Soure e Viseu, segundo
Homero Fonseca (PERNAMBUCÂNIA – O QUE HÁ NOS NOMES
DAS NOSSAS CIDADES, p. 39).
Somente itabaianenes, vendo na nova paisagem a semelhança com
a da terra natal, poderiam registrar o sítio com o nome de Itabaiana. Aliás,
Sebrão, sobrinho, também chega a esta mesma conclusão ao atribuir ao
proprietário da fazendola, um itabaianista de Sergipe, a colocação do
nome de Itabaiana, em homenagem à terra-matre distante (Sergipe-
Jornal, 14 de agosto de 1943). Ou a semelhança da paisagem ou a
homenagem a terra natal: eis a explicação para a presença de um
município na Paraíba com o nome de Itabaiana.
Voltaremos ao assunto no Capítulo V da Parte II.

A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM EM MONTANHA

Como resultado de uma das teorias sobre o nome de Itabaiana,


Manoel dos Passos de Oliveira Teles escreveu o poema épico

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ITABAIANA (Gazeta de Sergipe, 15, 16, 17 e 21 de setembro de 1893;
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, n. 13),
inspirando-se na lição de Von Martius, segundo a qual a Serra de
Itabaiana guarda a lembrança de um episódio trágico na mitologia
selvagem, ou seja, a metamorfose ou transformação de um ser humano
em montanha imponente: ita (collis), aba (vir, homo), o ane (nune),
criticada por Sebrão, sobrinho, como absurda (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS ..., p. 240).
O poema Itabaiana é constituído de dez cantos. Além das
costumeiras louvações à beleza da terra, focaliza o estupro da índia
Miaba por um cacique, resultando no nascimento de uma formosa e
esplêndida criança. A infelicidade de Miaba chega ao conhecimento de
Tupã, que, vindo a terra, foi a tenda do orgulhoso cacique, onde foi mal
recebido. Irritado, Tupã transforma o cacique em serra, ou seja, na Serra
[de Itabaiana], nascendo do sangue do cacique o Rio Cotinguiba:

Então do velho as formas vão mudando


Pouco a pouco; rebentam novas cores.
E traços novos; foge-lhe a figura
Com que apareceu... É uma ave bela!
Um lindo papagaio que voeja
E vai pousar na árvore mais alta
Que em roda existia. Então terrível
Dali profere maldições tremendas:
Olha o castigo justo que mereces,
Orgulhoso cacique, que arrogante
A Tupã recusaste os dons da vida:
– Os raios de Tupã firam-lhe n’alma!
Imóvel ficarás mudado em serra,
Para sempre serás – Itabaiana!...

Pouco depois as nuvens se engalanaram,


Uma flecha de fogo atravessara
O cacique a tremer. No mesmo instante
Solta um grito de dor: mas já sem forças
Rodou três vezes, baqueou no chão.
Contorce-se nas pedras moribundo;
De cada braço e perna um monte ergue-se,

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E a cordilheira surge dum só homem!...

O sangue que esguichara da ferida


Chama-se Cotinguiba... Inda hoje corre.

O poema ITABAIANA reflete a moral do final do século


dezenove, quando foi escrito, sem guardar nenhuma compatibilidade
com o ambiente indígena vivido à época do descobrimento do Brasil. A
sua importância resulta de ter sido trabalhada com um elemento do
termo Itabaiana, na tentativa de materializar uma explicação, ou, tendo o
termo como fator de inspiração. Ademais, não se pode deixar passar em
branco se cuidar de um canto épico, alusivo a um município, único na
história sergipano, privilégio, portanto, apenas de Itabaiana.
Prado Sampaio (AS LENDAS SERGIPANAS, O Estado de
Sergipe, 23 de novembro de 1912), por seu turno, colheu, dentro do
mesmo objetivo, acerca do mesmo fato, isto é, a transformação do indio
em montanha, as seguintes quadras:

Da taba um dia na frescura intensa


o índio cismava e na amplidão distante
se arqueia bela, vaporosa e imensa,
a virgem natureza imbriante.

E disse ao raio vindo arremessado:


– Meu peito é rijo e indômita a bravura.
Hei de vencer, e, louco e revoltado,
o seu braço potente ergue na altura.

Travou-se a luta e as forças colossais


dos rijos elementos portentosos,
se esorcem na amplidão descomunais,
sobre escuros abismos pavorosos.

Em ribombos irrompem dos espaços,


dos seios da tormenta em convulsão,
relampagos e enormes estilhaços
que descem flamulentos da amplidão...

29
E do caboclo altivo o braço ousado,
quão grande o seu rancor e desvario,
impossível ao céu apostrafado,.
ao céu de luz e treva e fundo e frio,

Paira – na lenda – erguido sobre o mundo


até que um rio, vingativo e forte,
fundo cravou no peito moribundo
o rude golpe de terrível morte.

Então ... os grandes membros congelados


do gigante vencido – ei-los de terra
erguidos para o ar, petrificados,
em blocos colossais de enorme Serra!

Das faces o sangue borbulhante


longe espadana em fundos espirais,
por onde e desde então corre incessante
o Cotinguiba sob os vendavais!

Serra altaneira, colossal portento


de força e de vales, de ira sombria,
és lugubre legenda de um tormento
petrificado aos céus à luz do dia!

A ÍNDIA BAIANA

Durante muito tempo predominou uma explicação totalmente


divorciada da realidade histórica, dando conta que o termo Itabaiana
encontrava origem em uma índia, de nome Ita, de origem baiana, que
teria sido dançarina, arrancando aplausos dos colonizadores.
Daí Ita + baiana: Itabaiana.
A explicação é muito simplória para merecer crédito.
A índia nunca existiu.
A origem deste equívoco, de grandíssima asneira, como Manoel
dos Passos de Oliveira Teles chamou, já no final do século dezenove,
se liga a uma explicação utilizada na Itabaiana paraibana, dando conta
de que Itabaiana é o resultado da fusão de Ita, pedra, e baiana, que

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dança. No entanto, o significado obtido na Paraíba é totalmente
diferente, não se referindo a alguma índia dançarina. Esta explicação
consta da ENCICLOPÉDIA DOS MUNICIPIOS BRASILEIROS, vol.
XVII : ... enquanto outros registram Itabaiana, também provindo do
tupi-guarani e resultante da fusão de ita (pedra) e baiana (que dança),
alusivos a uma pedra vermelha então existente no leito
(frequentemente seco) do rio Paraíba, que corta a região, a qual
balançava-se, em movimentos rotatórios, como que dançando. Esta
parece a versão mais correta para explicar o significado do topônimo
(p. 272). Esse entendimento foi adotado depois, a ponto de esclarecer
cuidar-se de pedra vermelha com movimento rotativo que se localiza
no leito do Rio Paraíba perto da Saboaria Itabaianense, segundo cita
Sabiniano Maia (ITABAIANA – SUA HISTÓRIA – SUAS
MEMÓRIAS, p. 49).
Sabiniano Maia discorda: Peço venia ao I.B.G.E. para
discordar do que ele chama “a versão mais correta”, justamente,
por entendê-la a mais incorreta (op. cit., p. 48), citando, em seu
abono, Antonio Garcez Valeriano Marques, que apoiado na
Gramatica brasilica, de Pe. Filgueiras, p. 77, esclarece: Pedra que
dança seria Itapuracina; porém como não se concebe que os íncolas
tenham tão estavagante idéa, que uma pedra danse e que balance e
então deveria ser Itajutimúa; pois bayanna nunca foi que dança nem
tão pouco nome tupi) (ITABAIANA – SUA HISTÓRIA – SUAS
MEMÓRIAS, p. 48). Da mesma forma, encontra-se em Homero
Fonseca a definição de Itabaiana o significado de pedra da baiana,
dança (PERNAMBUCANIA – O QUE HÁ NOS NOMES DAS
NOSSAS CIDADES, p. 38). Ou seja, da dança, que pode ser extraída
do desdobramento do nome, construíram uma baiana, com o nome de
Ita, que teria dançarina.
De qualquer forma, o movimento, da pedra que balança, é comum
nos rios rasos, bastando aproximar os olhos da água para ver o seu leito.
A correnteza provoca a impressão que as pedras do leito balançam, ou
seja, dançam.
Copiando a tradução paraibana, isto é, ouvindo o passarinho
cantar sem saber onde, inventaram, entre nós, uma índia baiana,
dançarina, que deve ser esquecida, visto não ter nenhum fundamento
para sobreviver como explicação ao nome de Itabaiana.

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Tivesse qualquer base histórica, poder-se-ia dizer que essa mesma
índia, duzentos anos depois, ou uma sua pentaneta, teria dado origem ao
município paraibano de Itabaiana, e, ainda que, no caso de Itabaianinha,
a índia que lá apareceu, também dois séculos depois, era de baixa
estatura, a ponto de ser chamada de baianinha.
Contudo, é assim mesmo que se tenta explicar. Em Itabaianinha, a
versão da índia aparece, como conta José Carlos de Oliveira:
Itabaiana pequena – Itabaianinha. Há um nexo lingüistico. Mas a
fantasia, sempre ela, voa alto e não se amolda ao fato exato. Diz a
lenda que, num rancho, havia uma baiana que cantava e dançava a
noite inteira, alegrando os tropeiros. E requebra daqui, requebra dali,
“vai p’pra lá, vem p’ra cá”, mãos nas cadeiras, sorriso faceiro, pisca
maliciosa e simula beijos, a cabroeira atiçada pela cachaça se
entusiasma e grita: Ëta baianinha fogosa!...”– vindo daí a corruptela
“Etabaianinha” e assim por diante. Essa versão ouvimos do poeta,
desenhista e saxofonista Zé Primo (FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE ITABAIANINHA, ps. 27-28).
A mesma versão foi colhida por Juraci Costa de Santana:
Tropeiros vindos de Itabaiana Grande, tomavam pouso num
oiteiro situado nas cercanias da nascente povoação (Oiteiro do Urubu)
e ali dançavam e cantavam a noite toda, graças aos requebros de uma
baiana faceirosa que os acompanhava e que era uma carrapeta na
dança do coco. Assim, açúlados pelas negaças da dançadeira e
avinhados de pindaíba, a tropeirada batia palmas e bradava: “Êta
baianinha gostosa!” “Êta baiainhia boa!”E desta forma, por
aglutinação, surgiu o nome de Itabaianinha (HISTÓRIA DE
ITABAIANINHA – A CIDADE DOS ANÕES, ps. 11-12).
A índia baiana, chamada Ita, nunca existiu, mas, de tão
mencionada, acabou por se incorporar à história de Itabaiana, e de
Itabaianinha, como uma invenção cultivada nas escolas primárias, que
muitos acreditaram, inspirada, talvez, na pedra que dança, que aqui, por
qualquer fator, foi transformada em pessoa. Infactível, a esta altura,
querer destruir essa índia de tão presente que ficou na equivocada
explicação do nome de Itabaiana e de Itabaianinha. Mesmo não tendo
existido, a índia ganhou vida no transplante de uma teoria vinda de tão
longe, que, queiram ou não, se integrou a história de Itabaiana, sendo
hoje completamente difícil destruí-la.

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O TERMO ITA=PEDRA

Tentar explicar o nome de Itabaiana calcado na pseudo índia Ita é


desconhecer o significado do termo Ita, a aparecer em outros nomes de
origem indígena.
Para se ter uma idéia exata do termo Ita, Plínio Salgado, em
COMO NASCERAM AS CIDADES DO BRASIL, citado por Homero
Fonseca (PERNAMBUCÂNIA – O QUE NOS NOMES DAS NOSSAS
CIDADES, ps. 41-42), assim o analisa:
Outro exemplo: a dental explosiva t designa atrito, toque,
resistência. Conforme a vogal que a acompanha, é a idéia que exprime.
A palavra pedra (e todos os metais para o Índio são também pedras)
traduz em tupi por ita (...) A vogal designa as coisas profundas (i ou ig é
água, porque a água procede do fundo da terra). A pedra também vem
do seio da terra. Portanto: i. Mas, ao contrário da água, é dura;
portanto: t. Mas quando a luz do sol ou do lugar bate nas rochas, elas
brilham, são luminosas; por tanto: a. E temos ita.
(...)
Vimos que as vogais designam cor; pela cor, a distância. A vogal
u exprime coisas pretas ou azuis (araúna, ou graúna, é pássaro preto).
Tudo o eu está longe é azul. Portanto, itu, sem deixar de ser pedra (uta),
oferecenos a idéia de uma pedra azul, ou muito distante (....).
Em território sergipano, Itaporanga, desdobramento de Ita, pedra,
oranga, bonita, isto é, pedra bonita. Itabaiana para os holandeses era
Itapuama, ou seja, itá, põa – levantar: pedra erguida, em pé, cf. Armindo
Guaraná (GLOSSÁRIO ETMOLÓGICO DOS NOMES DA LÍNGUA
TUPI NA GEOGRAFIA DE SERGIPE, p. 309). Itabi signifca duas
pedras.
Na geografia paraíbana, Horácio de Almeida (HISTÓRIA DA
PARAÍBA, tomo I, p. 294-295) apresenta vários nomes iniciados por
Ita, como:
Itacambá – De ita-camá, pedra que tem a semelhança de um peito
de mulher.
Itajipe – De ita, pedra, yiba, braço, o braço de ferro.
Itaipu – Pedra de onde jorra água, manancial saído das pedras.
Itajubatiba – Lugar onde há muita pedra amarela, metal amarelo,
abundância de ouro.

33
Itamorotinga – Parece ser alteração de itamotinga, pedra
esbranquiçada.
Itanhén – Pedra sonora, panela de pedra.
Itapé – Significa no caminho da pedra. De Ita, pedra, pe, no
caminho. Pode ser também no vau do rio.
Itapesserica – Significa a pedra lisa, escorregadia, lage lodosa.
Itaporanga – Quer dizer pedra bonita.
Itapororoca – Pedra que dá estrondo, que arrebenta com ruído.
Itapuá – Significa pedra redonda, bloco de pedra.
Itararé – A pedra branca, o metal branco.
Itatinga – A pedra branca, o metal branco.
Itatuba – Lugar de muitas pedras, pedregulho.
Itaúna – Pedra preta, que contém minério de ferro.
Itaverava – Pedra que reluz, cristal.
Já na geografia cearense, Raimundo Girão aponta Itarema, que
significa pedra fedorenta, assim desdobrada: ita, ou seja, pedra, e rema,
cema, tema, isto é, fedor (HISTÓRIA ECONÔMICA DO CEARÁ, p.
85). Há também Itaiçoba, a significar passagem de pedras, como há
Itapagê, com o significado de cabeça de pedra de frade, como há Itabira,
a lembrar no nome os espigões de pedra encontradiços na região
(ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, vol. XVI, ps.
292, 303 e 307.
No Maranhã, há o município de Itapecuru-Mirim, encetando no
nome, desdobrado em ita=pedra, pucuru=pássaro, o significado de
púcaro de pedra. Ou, ita=pedra, pucer=locega, e ru=armar laços, armar
ciladas, concluindo ser pedra comprida ou larga, em que se armam
ciladas. Ou, segundo Domingos José Gonçaves de Magalhães,
ita=pedra, pe=caminho, via, e cura, curateu=moita, influência, isto é,
caminho de muita pedra ou inçado de pedra (ENCICLOPÉDIA DOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS, vol. XV., p. 201.
Na Bahia, destaque para o município de Itaberaba, que significa
pedra reluzente, nome que provém da existência de enorme bloco de
granito situado próximo ao centro urbano. Também, Itabuna, nome
originário da combinação das palavras indígenas ita (pedra) e uma
(preta), sendo que o motivo do topônimo atribui-se ao fato de o rio
Cachoeiroa, que banha a cidade, ter ali o seu leito todo pedregoso e de
pedras pretas. Já Itapira significa, segundo Teodoro Sampaio, em cerca
feita de pedras. Por seu turno, Itapetinga, nome devido à grande

34
quantidade de pedras brancas existentes na zona, significa, no seu
desdobramento: ita=pedra e tinga=branca, ou seja, pedra branca.
Itapicuru, por fim, é lage formada de cascalhos ou seixas, a lage áspera,
cheia de caroços ou protuberâncias (ENCICLOPÉDIA DOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS, vol. XXI, ps. 299, 306, 312, 322, 328,
335 e 242).
O Estado de Goiás apresenta o município de Itaguatins, formado
pela junção do prefixo ita=pedra, com a terceira e última sílabras dos
nomes Araguaia e Tocantins, respectivamente, em homenagem aos dois
grandes rios que se encontram no seu extremo norte; o de Itapaci, com o
significado de pedra branca (ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS, vol. XXXVI, ps. 233 e 236).
Em Minas Gerais, há Itabira, com o significado de pedra que
brilha, ou pedra aguda; Itaguara, união de ita com cataguá ou catauá,
tribo indígena que a habitou em passado longínquo; Itajubá, que
segundo uns, como Anchiete, Couto de Magalhães e Moreira Pinto,
significa pedra amarela, isto é, ouro, ou então, tajuba, madeira da
localidade, de cor amarela, ou, segundo J. A. Bernardo Guimarães, que
dizer cachoeira, cascata, rio das pedras; Itamarandiba, com o significado
de rio de seixos redondos; Itamogi, isto é, rio das pedras; Itamonte, ou
seja, pedra de monte ou montanha de pedra; Itanhandu, a significar
pedra de ema ou pedra de avestruz, e Itaúna, a se desdobrar em
ita=pedra e uma=negra (ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS, vo. XXV, os. 240, 249, 253, 259, 266, 270, 273 e 292).
Em Santa Catarina, há o município de Ita, com o significado de
pedra, rocha; o de Itaiópolis, hibridismo tupi-grego, no qual a última
parte significa cidade. Itaió se compõe de i, água, rio, e taió, que
segundo Romário Martins, procede de ita=pedra e ho, aumentativo.
Entretanto, taió pode ser abreviação de Taioba (taia-oba), folha de taiá;
Itajai, rio pedregoso ou qualquer outra forma equivalente ou rio dos
taiós; Itapiranga, a significar ita=pedra e vermelha=piranga
(ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, vol. XXXII,
os. 167, 170, 179, 181 e 183).
Em termos de Pernambuco, Homero Fonseca esclarece o
significado de vários municípios iniciados pelo sufixo ita.
Exemplos:
Itamaracá: O topônimo vem do tupi ita-maracá interpretado
poeticamente como “pedra que canta” ou pedra sonante”. Na

35
realidade, o vocáculo designa um chocalho feito de pedrinhas (ita:
pedra + maracá: chocalho).
Itacuruba: Itacuruba era o nome de uma das fazendas da região e
seu significado, segundo Melo (1931) e Silveira (1982), é “pedacinhos
de pedra, seixos” (ita: pedra + curuba: fragmentos). Tibiriçá (1997)
ratifica a informação, traduzindo-o por “caco de pedra” e
acrescentando ainda o sentido de “trempe para apoiar a panela”.
Outra versão indica tratar-se de “pedra áspera, cascuda”.
Itaíba: Em 1938, a Comissão Administrativa do Estado,
empenhada em tupinizar a toponímia pernambucana, sugeriu a
mudança do nome do vilarejo, vertendo Pau Ferro para o tupi: ita:
pedra ou metal + iba; árvore. O pau ferro é uma árvore de madeira
dura, como o nome indica, da família das leguminosas.
Itambé: Inicialmente denominado Pedras de Fogo, em 1789, o
distrito ganhou o topônimo de Itambé, cuja significação suscitou
divergências explícitas entre os exegetas. Para Darcy da Silveira, seria
“piso ou monte agudo e escarpado; morro a pique; pedra a prumo
talhada em beiços”. No Houaiss, está registrado: “Árvore, mesmo que
baririçó (Trimezuia juncifolia). Etimologia de origem duvidosa,
provavelmente tupi. Ou ainda: itaimbé, precipício, despenhadeiro. Do
tupi ita’bem “pedra e beira”. Mário Melo escreveu com convicção: “C.
ita-aimbé, pedra áspera, penedo afiado, cortante, ponteagudo. (Th. S. –
AC). Divirjo da interpretação. O topônimo é També, não Itambé, como
no sul, e significa pedra de fogo. Ta-aimbé, també, pedra que dá fogo;
pederneira; sílex prirómaco. També e Pedras de Fogo formam um só
núcleo de população, separado pela rodovia interestadual. Do lado de
Pernambuco, o nome tupi; do lado da Paraíba, a tradução do mesmo:
vila das Pedras de Foro. A notar, ainda, que, na região, há jazidas de
pederneiras”.
Itapetim: Em 1943, cynorubdi iruebtalçai de evutar repetição de
topônimos (há uma cidade homônima em São Paulo), fez-se uma
redução para Itapetim. Luiz Caldas Tibiriçá (1997) explica vir de itapé-
tinga, ou seja, laje branca. Mas em A Origem dos Nomes dos
Municípios Paulistas (2003), Perri Ferreira e Ênio Squeff, analisando
Itapetininga, entendem por “pedra chata seca”, isto é, laje seca.
Curiosamente, José de Almeida Maciel (antes dos dois, em 1938),
também se referindo à cidade paulista, traz o verbe “laje branca, laje
exnuta, passagme, vasa”, unindo as duas acepções.

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Itapissuma: Itapissuma designa um xisto argiloso (ardósia) com o
qual se fabricam lousas, encontrado na região. No entendimento de
Mário Melo, seria uma corruptela de itapicima e significaria “pedra de
superfície lisa”. Também é interpretada (Documentação Territorial, do
IBGE) por pedras negras (ita: pedra + uma: preta, negra), o que
remete para o fato de as lousas (ou quadros-negros) serem
originalmente feitas de lâminas de ardósia preta.
Itaquitinga: Para Maciel (1984), a composição do topônimo seria
itaqui: arenito + tinga: branco, ou seja, “areia branca”. Luiz Carlos
Tibirçá em seu Dicionário de Topônimos Brasileiros de Origem Tupi
decompõe assim: ita-ky-tinga – “pedra branca aguçada”. O sociológo
Roberto Harrop Galvão acredita ser a junção de ita: pedra, qui”ce:
faca e tinga: branca, ou seja, “pedra de amolar”, completando o
entendimento de Tibiriçá (PERNAMBUCÂNIA – O QUE HÁ NOS
NOMES DAS NOSSAS CIDADES, ps. 142, 145, 146 e 147).
Ainda Homero Fonseca aponta outros municípios iniciados com
ita, como Itaporanmga (pedra bonita), Itaituba (muitas pedrinhas),
Itapecerica (pedra lisa e escorregadia da Serra, Itaúna (pedra negra),
Itaberaba (pedra brilhante, diamente), Itainópolis (cidade das pedrinhas),
Itapipoca (pedra rebentada), entre outras (PERNAMBUCÂNIA – O
QUE HÁ NOS NOMES DAS NOSSAS CIDADES, ps. 37 e 38).
Em tudo, a apontar nomes que surgem em diversos estados
brasileiros, todos os municípios iniciados pelo prefixo ita, carrega o
significado de pedra, não sendo nunca de se admitir o que o de Itabaiana
venha de uma pseudo índia com o nome de Ita. .

CAPÍTULO II

INFLUÊNCIA DO ELEMENTO INDÍGENA

O índio não foi um habitante nato das terras itabaianenses,


levando em conta o atual formato do seu território, cortado por alguns
rios, como os rios Jacaracica, Cajaíba, Cotinguiba, Poxim, Lomba,
Salobão, das Pedras e das Traíras, e também o lugar onde está assentado
o seu centro urbano. Com rios maiores por perto, como os que banham
os municípios de São Cristóvão, Santa Luzia do Itanhy, Estância,

37
Itaporanga d´Ajuda, Pacatuba, Japaratuba, Laranjeiras, Maruim, entre
outros, natural que o índio não optasse pelas terras itabaianeses, menos
favorecidas pelos cursos d´agua, não se fixando, como não se fixou, em
Itabaiana.
Em circunstâncias normais, o indígena se limitaria a viver apenas
nas margens dos rios, pelo proveito que podia tirar da água. No entanto,
sendo essencialmente nômade, a mudar de local com freqüência, é
provável que, também, tenha habitado terras itabaianenses
esporadicamente, dentro da rotatividade que caracterizava suas
andanças. Nestas circunstâncias, as terras ao redor dos rios devem ter
sido as escolhidas.
No entanto, passou por Itabaiana em épocas diversas, nas suas
constantes mudanças, em datas que se perdem nos meandros da história.
A maior prova está no nome do município: havia, em algum lugar da
Serra, uma aldeia, na qual alguém morava. Se não tivesse existido uma
taba, na Serra, a se aproveitar dos riachos e córregos que por lá existem,
o nome de Itabaiana não teria existido. O nome do município foi obra do
indígena; o colono, apenas, o adotou.
O índio também passou por terras itabaianenses quando se viu
perseguido pelas tropas de Cristóvão de Barros, a partir de 1590. Aqui,
na busca de salvação, se instalou em pequenas aldeias, ao redor de
rios, em caráter transitório, sempre com receio da perseguição do
homem branco.
Não há registro de caciques de fama, a altura de Serigipi,
Baepeba, Siriri, Japaratuba, Pindaíba e Muribeca, nem há notícias de
locais exatos que o índio tenha habitado. Nunca foi encontrado nenhum
cemitério indígena, nem nenhuma população, em qualquer ponto do
território itabaianense, seja o antigo, seja o atual, que evidencie raízes de
tribos indígenas.
A prova da sua passagem pelo território itabaianense ficou
cravada na geografia local, precisamente em serras, rios, riachos,
povoados, sítio e lagoas, batizados com nomes indígenas pelo
elemento branco, conforme Sebrão, sobrinho, alerta: não é
sentimentalismo nem tão pouco desestima a Portugal; mas, a nosso
ver, os índios sabiam denominar melhor as suas coisas, que os
portugueses. Pelo menos, eram mais poéticos e mais sintéticos nas
onomásticas (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p.
262). O mais importante deles é o que deu a denominação do lugar.

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Manoel Bomfim, por seu turno, enfocando os vestígios do índio
na lingua brasileira, destaca:
Sem contar, mesmo, com as freqüentes designações topográficas
desde os nomes de Estados, serras, grandes cursos d’agua... Ceará,
Pará..., Itabaiana... Araguaia ... até os acidentes mínimos Itapanema,
Imbuí, Carioca, Maracanã... mesmo não os incluindo, a essses termos,
são milhares de palavras do idioma tupi guardadas no nosso uso (O
BRASIL NA AMÉRICA, p. 110).
Assim, além de Itabaiana, entre outros,
a) serras – da Cajaíba, Capunga, Tiririca e Zanguê;
b) rios e riachos – Camadanta, Caraíbas, Gandu, Jacaracica,
Jacoca, Marianga, Mondé, Taboca, das Pedras, Lomba.
c) povoados – Cajaíba, Capunga, Caraíbas, Gandu, Marianga,
Matiapoan, Mondé, Murici, Sambaíba, Taboca e Zanguê;
d) sítios – Aricuriroba (extinto) e Calumby;
e) lagoa – Marianga.
Toda essa denominação possui significado especial, segundo o
magistério de Armindo Guaraná (GLOSSÁRIO ETMOLÓGICO DOS
NOMES DA LINGUA TUPI NA GEOGRAFIA DO ESTADO DE
SERGIPE):
Aricuriroba: aricuri amargoso.
Cajaíba: árvore do cajá, cajazeiro.
Calumby: mato, folha, azul. Planta classificada entre as
Mimosaceas.
Camadanta: feijão duro.
Capunga: pau sonoro, madeira que sôa, quando batida. Ou,
conforme Sebrão, sobrinho, Capunga é pau furado, porque o
povo chama de pau furado a arma de fogo (FRAGMENTOS
DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 277).
Caraíba: forte, valente.
Gandu (ou Guandu): Pequeno mamífero da família dos roedores.
Na dicção de Sebrão, sobrinho, significa mato ralo, cheio de caules,
grelos, talos, desdobrando-o em caa, ou seja, mato, e uâ, ou seja, caule,
grelo, talo (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., ps. 177-
178).
Jacaracica: baba de jacaré. Segundo Sebrão, sobrinho, exprime o
que nasce, surge, aparece e cisca liso, limpo, em alusão à força das
águas, nas cheias do rio, que arranca as árvores das margens e o deixa

39
desombrado, isto é, lugar limpo, onde aparece onça (FRAGMENTOS
DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 268). O desconhecimento do
significado do nome Jacaracica fez com que, com o tempo, fosse
alterado para Jacarecica, sendo difícil hoje a restauração do termo coevo
e verdadeiro.
Jacoca: A roça de frutas de espinhos, isto é, de juás.
Marianga: A sombra do mari.
Matiapoan: cousa insignificante; arredondada. Na lição de
Sebrão, sobrinho, Matiapoan é o resultado de matü, coisa
insignificante, pequena e apoam, arredondada: gente gorda,
ruim, ingrata, sem préstimo, mexeriqueira, intrigante, delatora
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 268).
Também teve seu nome abreviado para Matapoãn. O vulgo
lhe denomina de Moitapã.
Mondé: cobrir, fazer cobrir: o alcapão, a armadilha.
Murici: rio dos gambás.
Sambaíba: cordas emaranhadas.
Taboca: haste furada, ôca.
Tiririca: cortar, ferir.
Zanguê: cordas.
Nas suas incursões pelo território itabaianense, sem nunca se
prender a um só lugar, à época da colonização, o índio perturbou o
branco colonizador, destruindo plantações, tendo sido inclusive um dado
fundamental no atraso da colonização itabaianense, pelo medo que
passou a inspirar aos colonos, estes sem proteção direta de nenhum
contingente policial.
O elemento indígena não integra o homem itabaianense, em seu
conjunto. Contudo, há dois bons exemplos da influência indígena.
Uma, na pequena população, de cor escura, fixada no atual bairro
Cruzeiro, antigo Tabuleiro dos Caboclos, representa o sangue indígena,
misturado com o elemento negro, daí caboclos ou cafusos, resultando nos
antigos habitantes do local, quase todos peritos na arte de fabricar potes,
panelas e mais utensílios de barro, ali abundante, arte que os índios
dominavam.
O antigo nome de Taboleiro dos Caboclos foi, segundo Sebrão,
sobrinho, Abaoarapetaba, ou seja, aba homem, gente, ente, e oara
próprio do lugar, isto é, abaoara homem, gente, pessoa do lugar. No
caso, o natural, o aborígene, o caboclo. Pé, contração de peba, chato, e

40
taba aldeia, lugar chato, plano, taboleiro, onde mora um povo. Ao todo:
Taboleiro dos Caboclos (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 275).
A outra, no povoado Matapoan, apontada por Antonio Francisco
de Jesus como uma pequena aldeia de índios mansos (OS TABARÉUS
DO SITIO SARACUSA, p. 61). As características físicas ainda estão
visíveis em muitas famílias, orindas da Matapoan, apesar da mistura de
sangue que se operou ao longo das décadas, como o cabelo escorridio, o
rosto largo e quadrado, a cor morena, entre outras. Também no povoado
Flechas, a presença de índios é apontada por Antonio Francisco de
Jesus: As terras onde hoje é a localidade chamada Flechas eram
cobertas por uma vasta mata que acompanhava o zingue-zague de um
riacho, onde viviam grupos de índios guerreiros, corridos do litoral
pelos soldados portuguess. Não quiseram ser degolados pelo
comandado Cristóvão [de Barros] e buscaram refúgio mais no interior
(OS TABARÉUS DO SITIO SARACUSA, p. 52).
Fora dos dois casos, aqui e ali pode surgir, no território
itabaianense, pessoa com características indígenas, o que acontecerá de
forma isolada. A participação do sangue indígena se verifica de maneira
esporádica, sendo fruto da mistura do branco com o índio ou do preto
com o índio, deixando o elemento vermelho muitas de suas
características, como o cabelo liso, pele morena avermelhada, entre
outras.
Um exemplo ocorre com a índia Clara Francisca de Santo
Antonio, batizada e casada com esse nome, pegada a dente de cachorro
na extinta Lagoa do Dangra pelo próprio marido, Manuel da Silva
Melo, no século dezoito. Um dos filhos do casal, Manuel da Silva Melo
(júnior) era conhecido por seu Silva, cabelos serenos (porque eram
escorridios, como os dos índios), conforme revela Sebrão, sobrinho
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 330). Antonio
Francisco de Jesus menciona, na origem da família de sua avó paterna, a
presença de uma índia, pegada de laço como se fosse uma bezerra
“braba” (OS TABARÉUS DO SITIO SARACUSA, p. 51), laçada na
beira do riacho (idem, p. 53).
Dentro do território itabaianense, levando em conta o imenso
tamanho das Matas de Itabaiana, Sebrão, sobrinho, registra o batizado
de dois índios, em 2 de dezembro de 1875, pelo padre Eusébio Pires de
Almeida, coadjutor da Paróquia de Itabaiana, na Capela erguida pelo

41
frei Paulo Antonio de Casa Nova, no Chão do Genipapo, Frei Paulo
(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 103).
O índio sergipano, na sua maioria, tupinambá, sendo encontrado,
segundo Luis Henrique Dias Tavares (HISTÓRIA DA BAHIA, p. 19),
nas margens do rio São Francisco os anaiós ou caiapós. Eram, em seu
conjunto, pacíficos, a ponto de Cristóvão de Barros não ter tido
nenhuma dificuldade em vencê-los, diferentemente do que ocorreu nas
capitanias do Rio Grande do Norte e do Ceará, onde a luta dos
potiguares contra o branco colonizador atrasou, em cem anos, o
povoamento daquelas terras.
A influência indígena ganhou ares de eterna, por ter se
encastelado na geografia do município.

INFLUÊNCIA DO ELEMENTO BRANCO

O homem branco pisou em Itabaiana pela primeira vez na


condição de colonizador. Era de origem portuguesa. Segundo Maria
Thétis Nunes (SERGIPE COLONIAL I, p. 161) foi do Portugal
interiorano donde, sobretudo, emigararam os colonos que, diretamente,
ou através de seus descendentes, depois de se aclimatarem em Salvador
ou Recife, ocuparam o território sergipano com rebanhos, canaviais e
engenhos, culturas de subsistência, do fumo e do algodão. Esses colonos
eram oriundos de regiões diversas de Portugal, e daquelas que mais
gente enviaram ao Brasil, conforme ainda Maria Thétis Nunes
(SERGIPE COLONIAL I, p. 159), destacam-se o Minho, a Beira, a
Alta, seguindo-se a Extremadura e as Ilhas de Açores e Madeira, dentro
do quadro traçado por Felisbelo Freire, em HISTÓRIA DE SERGIPE.
De Portugal para o Brasil tudo era problema, a começar com a
travessia do Atlântico, a exigir de cinqüenta e três a cinquënta e cinco dias
entre Lisboa e a Bahia, ou Recife, fazendo-se a navegação em comboio,
pelos perigos que a viagem oferecia, entre as quais a presença de corsários
holandeses a capturar navios portugueses, persistindo os comboios até o
século dezoito, como assevera Jacques Marcadé (O QUADRO
INTERNACIONAL E IMPERIAL, O IMPÉRIO LUSO-BRASILEIRO,
1620-1750, p. 60). Além disso, o Brasil não apresentava atração
nenhuma, afora árvores e rios. Não havia comércio e nem eram
conhecidos, no início da colonização, os metais preciosos.

42
Os colonos, nos primeiros tempos do século dezessete, no reinado
do monarca espanhol Felipe II, eram agricultores que não encontravam
meios de sobrevivência nos campos portugueses, – onde se cultivavam a
oliva e a vinha, – e pessoas outras, inclusive citadinas, que não viam
condições de futuro em Portugal, sobretudo quando o país se dividia [1]
nas viagens para as Índias, caras e longas, [2] no povoamento das
feitorias deixadas naquelas terras, [3] nas guerras com a Espanha e a
França, em intervalos diferentes, a provocar a convocação compulsória
de todos, além [4] da requisição de homens livres para trabalhar como
escravos na construção de igrejas e palácios.
Luiz Ricardo Michaelen Centurião chega a enfatizar, em nível de
Portugal, que por pior que fosse a vida dos pobres da cidade, era
melhor que a dos pobres do campo (A CIDADE COLONIAL NO
BRASIL, p. 178).
Era latente a destruição da classe média rural portuguesa, no
juízo de José Hermano Saraiva (HISTÓRIA CONCISA DE
PORTUGAL, p. 195).
Por outro lado, Portugal não dispunha de nenhuma indústria que
pudesse absorver muita mão de obra. As existentes eram pequenas,
essencialmente oficinas artesanais, ainda conforme José Hermano
Saraiva, a acentuar que o fabrico de artigos portugueses mantinha os
seus processos e modelos arcaicos e a produção dirigia-se ao
abastecimento dos mercados rurais no interior do País. Segundo o
mesmo, ao terminar o século XVI, a produção artesanal portuguesa não
diferia muito da do século XIII: oficinas de ferreiro, fornos de telha,
tecidos grosseiros, calçado, arreios, fiação do linho, construção naval.
Era ainda a produção destinada ao complemento da vida rural e à vida
das aldeias. O homem da cidade consumia outras coisas, mas essas
obtinham-se por importação (HISTÓRIA CONCISA DE PORTUGAL,
ps. 191-192).
A isso tudo se alia o fato de pessoas, que enriqueceram nas
viagens a Índia, comprarem quintas e casais [terras no campo] em
Portugal, passando a exigir dos seus moradores pesados encargos, além
do estabelecimento, a partir do século dezessete, de nobres na zona
rural, aumentando, na frase de José Hermano Saraiva, a pressão sobre
os camponeses (HISTÓRIA CONCISA DE PORTUGAL, p. 203). Se as
especiarias da Índia em nada contribuíram para a melhoria da vida do

43
campo, influenciaram, de forma oblíqua, na sua decadência, à medida
que forçou o colono a emigrar para o Brasil.
À época, circulava por todo o país assertiva apontando três
direções: Quem quiser medrar, Igreja, Casa Real ou mar (José
Hermano Saraiva, HISTÓRIA CONCISA DE PORTUGAL, p. 195).
Na explicação, então e ainda de José Hermano Saraiva, a
alternativa era a religião (ingressando a pessoa numa ordem religiosa),
o serviço do paço ou de algum nobre ligado ao paço, ou a emigração
(HISTÓRIA CONCISA DE PORTUGAL, p. 195). Os que não puderam
ingressar na Igreja ou no Paço, vieram para o Brasil, com a esperança de
encontrarem aqui, em terras desconhecidas, melhores condições de vida.
Ou, como afirma Raymundo Faoro, uma larga faixa de espuma de
pobres, desditados, ressentidos com a fácil riqueza alheia que mais lhe
afrontava a miséria. Para essa gente, desprezada, faminta, esfarrapada,
expulsa dos campos, não aquinhoada pelos nobres altivos ou pelos
comerciantes retirados das navegações, desajustado nas cidades, para
ela era necessário, em favor da tranqüilidade de todos, um escoadouro
(OS DONOS DO PODER – FORMAÇÃO DO PATRONATO
POLÍTICO BRASILEIRO, p. 119). As terras brasileiras passaram a ser
o escoadouro.
Não há notícias de degredados entre os colonos que aportaram em
Itabaiana. Depois, é preciso ver que os crimes mais infames se ligavam
ao sexo, fato que, segundo Gilberto Freire (SOBRADOS E
MUCAMBOS), estimulava, fortemente, a permanência deles no Brasil,
visto sua capacidade de reprodução junto às índias favorecendo o
povoamento das novas terras. E nem sempre os degredados eram
escória, como prova a expulsão do país de figuras do país, como a de
Luiz de Camões.
Felte Bezerra denomina os colonos de povoadores luso-baianos,
de Salvador ou do Recôncavo (ETNIAS SERGIPENSES, p. 46), sendo,
também, oriundos de Pernambuco, reunindo as três origens: Portugal-
Bahia, em maior escala, e Portugal-Pernambuco, em menor quantidade.
O homem branco, que chegou a Itabaiana, se dividia em dois
grupos.
Um, constituído de representantes do moreno mediterraneo
(Felte Bezerra, ETNIAS SERGIPENSES, p. 64), isto é:
Esses representantes do moreno mediterraneo poderão lembrar,
muitas vezes, o tipo comum do português de hoje e de todos os tempos.

44
Encontram-se pessoas, e em grande número, de tez insofismavelmente
clara, gente alva, de traços finos, cabelos sempre negro e íris escura.
São os legítimos brancos de Sergipe, francamente abundantes,
notadamente em determinados municípios, como Dores, Capela,
Lagarto, Boquim, Itabaiana, assim como em cidades próximas ou à
margem meridional do rio São Francisco (ETNIAS SERGIPENSES, p.
64).
Outro, formado de indivíduos alourados e ruivos, gente de cabelo
e olhos claros, que domina a atenção do mais despreocupado
observador (Felte Bezerra, ETNIAS SERGIPENSES, p. 67). São, ainda
segundo Felte Bezerra, os alourados de origem portuguesa (ETNIAS
SERGIPENSES, p. 72).
Da descendência recebida, principalmente portuguesa, Alberto
Carvalho percebe no nosso tipo branco, “alemão”, vermelhinho, sarará,
cabelo de fogo, manga rosa, sardento e mesmo o chamado “moleque
amarelo”, atarracado, pescoço quase ausente (Aspectos antropológicos
do itabaianense, in VÃO LIVRO, p. 77).
Manoel dos Passos de Oliveira Teles percebeu, no final do século
dezenove, traços visíveis do português no itabaianense:
... como em Itabaiana, registrar-se casais que contam uma prole de
vinte e cinco e às vezes mais filhos. É outra prova na preponderância do
sangue português, do qual houve a qualidade romântica do seu gênio
aventureiro (O TERRITÓRIO SERGIPENSE E SUA FUNÇÃO
HISTÓRICA, O Estado de Sergipe, 18 de abril de 1916). No entanto, é
preciso ver em termos a assertiva em tela. Os casais de numerosa prole,
que vai predominar, inclusive, até metade do século XX, é fruto mais da
falta de conhecimento atinente ao controle da natividade de que a
qualquer outro motivo. A mulher, praticamente, tinha filho anualmente,
até que as condições de saúde não mais permitiam.
Os colonos aqui chegaram a partir do final do século dezesseis, ou
seja, depois de quase um século da descoberta, e, depois da experiência
das capitanias hereditárias, quando a idéia do Novo Mundo já estava
mais assentada na mente do português, até a vinda da família real para o
Brasil. Foram eles que, no exército de Cristóvão de Barros, ocupavam as
posições mais humildes, as pessoas que efetivamente cuidaram do
povoamento e colonização de Itabaiana, quer na área que, mais tarde, se
constituíria em seu territorio, quer em toda a extensão daquilo que se
denominava de Matas de Itabaiana, mas sempre em redor dos rios e

45
riachos que cortavam a região, desde Nossa Senhora das Dores até
Geremoabo, em sua imensidão territorial. Raymundo Faoro vislumbra a
conveniência do soldado, que se transforma em colono (OS DONOS
DO PODER, p. 132), ou seja, do soldado, que fazia parte das
expedições de conquista, como a de Cristóvão de Barros, e, depois,
ficava como dono de uma parcela da área, para daí tirar seu pão e
povoar a nova terra.
Mesmo com a repartição das terras sergipanas entre os militares
mais graduados, que, no fundo, eram conferidas com a finalidade de
exploração por terceiros, mediante o pagamento de um imposto,
sobravam terras para as sesmarias, que seriam doadas, em lotes
menores, a depender de pedido ao governo português na Bahia. As
doadas aos soldados se destinavam, efetivamente, a exploração, via da
ocupação e da colonização.
Ganhando terras, através de sesmarias, se fixaram inicialmente
em torno dos rios já mencionados, trazendo de Portugal seus costumes,
inclusive religiosos. Santo Antonio, que viria a se tornar nosso
padroeiro, e de diversos outros núcleos de colonização, como Lagarto e
Neopólis, é de origem portuguesa, o mais querido de Portugal.
Com suas famílias ou sozinho, na maioria das vezes, o colono
português se reproduziu na nova terra, quer entre si mesmo, quer com as
índias, quer com as negras, de origem escrava, iniciando nestes últimos
casos a mistura de raças e ao grande fenômeno da miscigenação. Entre
nós, a mistura com o elemento indígena ocorreu em dose tão pequena
que as características desta raça desapareceram completamente em seu
todo, mas não isoladamente. Antonio Francisco de Jesus oferece um
exemplo da miscigenação: Tinha ainda outras índias novas e bonitas,
das quais podia dispor e com quem já produzira alguns filhos homens
(OS TABARÉUS DO SITIO SARACUSA, p. 53).
O português trouxe com ele o sangue de todos os povos que
habitaram a Península Ibérica durante muitos séculos, desde os romanos
aos sarracenos, de forma a reproduzir entre nós traços físicos dos mais
diversos, espalhados quer no tamanho das pessoas, quer na sua
aparência, alguns mais visíveis, outros mais apagados, mas sempre, no
conjunto, revelando a força da herança sangüinea aqui plantada.
Além do português, também integrou o sangue itabaianense o
francês, embora em menor escala. O francês, que atracou por aqui, é o
corsário, o marinheiro, o traficante do pau-brasil. Vindo sozinho, sem

46
mulheres, sem compromissos com a terra, uns com o retorno já
previamente fixado, outros, com a finalidade de se fixar, para aprender o
idioma, inevitavelmente, teria de cruzar com índias e negras, sobretudo
com as primeiras, que, sem nenhum trajo, atraíam a atenção do branco,
acostumado, na Europa, a ver as mulheres com roupas extremanente
completas.
Manoel dos Passos de Oliveira Teles viu muitos traços do francês
no itabaianense nas linhas corretas do perfil (O TERRITÓRIO
SERGIPENSE E SUA FUNÇÃO HISTÓRICA, O Estado de Sergipe,
18 de abril de 1916). Ainda hoje se vislumbra brancos da pele bem alva,
nariz fino e arrebitado, cabelo cachado, às vezes com o rosto rosado,
que, em qualquer lugar da França, passariam por francês. Os
componentes da família Máximo, oriunda da Várzea do Gama, podem
ser citados como pessoas que conservam bem vivos e delimitados, ainda
hoje, os traços do francês.
A figura de Simão Dias Francês, filho de um soldado francês com
uma índia, é o exemplo mais notório da reprodução do sangue gualês
entre nós.
O outro branco também que participa da formação do
itabaianense é o holandês, em número essencialmente inferior ao do
português e ao do francês. O batavo no caso é o soldado, da invasão
holandesa, que saindo de Pernambuco em direção aos territórios
alagoanos e sergipanos, pelo Rio São Francisco, esteve em Itabaiana,
sobretudo nas primeiras décadas do século XVII, na tentativa de
descobrir minérios na Serra de Itabaiana. Muitos soldados desertores,
nos últimos anos da dominação holandesa em Pernambuco, fugindo dos
embates com portugueses e brasileiros, devem ter se fixado em terras
itabaianenses. E ao lado de holandeses, também alemães, irlandeses,
ingleses, noruegueses e escoceses que, segundo José Antonio Gonsalves
de Mello (TEMPO DOS FLAMENGOS – INFLUÊNCIA DA
OCUPAÇÃO HOLANDESA NA VIDA E NA CULTURA DO NORTE
DO BRASIL, p. 57), faziam parte das pessoas recrutadas na Europa para
compor os soldados da Companhia das Índias Ocidentais, vindos ao
Brasil por ocasião da invasão holandesa em Recife.
Em povoados, como Terra Vermelha, Zanguê, Várzea do Gama e
Candeias, se encontram famílias inteiras de pele alva ou avermelhada,
olhos azuis, pessoas altas, o mesmo se verificando em núcleos lindeiros,
sobretudo os da Moita Bonita, num sinal evidente que os traços dos

47
primeiros habitantes estrangeiros continuam presentes nas atuais
gerações. Um estudo comparativo entre muitas dessas pessoas com
habitantes de Blumenau, em Santa Catarina, por exemplo, evidenciará a
profunda semelhança.
Antonio Francisco de Jesus percebeu a presença de muito
descendente de holandês no povoado Flechas, apontando dona Maria,
cuja família descendia de um soldado holandês, desgarrado do exército
do príncipe de Nassau e que se fixou na região das Imbiras [Cha de
Imbira], num descampado, que passou a ser conhecido como Capitingas
e que hoje pertence ao município de Frei Paulo (OS TABARÉUS DO
SÍTIO SARACUSA, p. 57).
Ainda integra o sangue do itabaianense os judeus, sob a
denominação de cristãos-novos, em função das perseguições sofridas em
Portugal, a partir de 1497, no reinado de D. Manuel, coagidos pela
Inquisição, correram para o Brasil, desembarcando em Sergipe, inclusive
em companhia de Cristóvão de Barros, quando da conquista do território
sergipano. Alberto Carvalho (ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS DO
ITABAIANENSE, in VÃO LIVRO, p. 76) viu nos sobrenomes Fonseca,
Nunes, Coelho, Silva (ou Silveira), Carvalho, Porto, Noronha, Pereira,
Pinheiro, nomes vinculados a cristãos-novos, esclarecendo-se que, no
fundo, eram sobrenomes artificiais, criados para confundir a Coroa
Portuguesa, a fim de evitar perseguições mesmo aqui no Brasil,
sobrenomes que escondiam os que deixaram em Portugal, de maneira
que, hoje, fica completamente impossível ligar tais pessoas as suas
verdadeiras terras em Portugal. O sobrenome Porto simbolizava, na
maioria das vezes, o natural de Porto, enquanto o sobrenome Lima o
natural de Ponte de Lima.
Em Itabaiana, desde o século dezoito, floresceram famílias, que se
expandiram, ostentando esses sobrenomes, vindos até os nossos dias.
Faltam documentos para um estudo completo sobre a influência do
cristão-novo em Itabaiana, embora a grande prova de sua presença no
homem itabaianense se encontre na sua profunda capacidade para o
comércio, sinal que, revelado no negócio informal, nas estradas de
muitas das províncias brasileiras, vai encontrar sua expansão no século
vinte, com o destaque para várias famílias itabaianenses a marcar
presença no comércio sergipano, nordestino e brasileiro.
Depois, já nos tempos de vila, chegariam outros estrangeiros,
como os italianos, como aponta Antonio Francisco de Jesus na família

48
dos Ferreiros, todos descendentes de um artífice italiano (OS
TABARÉUS DO SITIO SARACUSA, p. 60), chamada de Ferreiros,
por se constituírem todos em ferreiros, a ostentar o sobrenome de
Oliveira.

SIMÃO DIAS FRANCÊS

O grande exemplo da mistura de um francês com uma índia é a


presença de Simão Dias Francês, nascido em terras itabaianenses, na
sombra de uma quixabeira, onde hoje está erguida a Igreja Matriz.
Tudo que se escreveu sobre Simão Dias Francês apresenta mais
sabor de lenda que de história. Inclusive, aspectos de sua vida
assemelha-se à de Romulo e Remo, na fundação de Roma, como, aliás,
já tinha observado Carvalho Lima Júnior (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 136). O
transplante da lenda foi notório. Rômulo e Remo teriam sido
amamentados por uma loba; Simão Dias Francês por uma cabra.
Simão Dias Francês, dentro do que se fala e do que se escreveu,
foi a primeira pessoa a nascer em Itabaiana, filho de um branco.
Vaqueiro, figura essencialmente atrativa, foi tema de muitos trabalhos,
todos posteriores à HISTÓRIAS PERDIDAS, de Joaquim de Oliveira,
fonte principal onde muitos foram se inspirar.
O que a lenda conta, e é voz comum nos que escreveram história
entre nós, é que o pai de Simão Dias Francês era um guerreiro. No
Brasil, estava ele como membro das tropas francesas, saqueadoras de
madeira em nossas costas. Em Sergipe, seus superiores, depois de
conquistarem a amizade e a confiança dos indígenas, tentavam
convencê-los da necessidade de invadir a Capitania baiana, lado a lado
com os franceses, o que seria uma possibilidade a mais de vitória.
Enquanto isso, o soldado, futuro pai de Simão Dias Francês, mantinha
colóquios amorosos com uma índia.
É quando raia o ano de 1588, e Luiz de Brito, com forte
expedição, surpreende os índios e os franceses, vencendo-os em
inúmeras batalhas, uma das quais é travada no bojo da Serra da Cajaíba,
localizada em terras mais integrando o município de Itabaiana. O
soldado francês e sua índia batem em retirada, fugindo em direção às
matas que se erguiam onde hoje está localizada a cidade de Itabaiana.

49
Em 1594, quando D. Francisco de Sousa era governador geral do
Brasil, sob a sombra da secular quixabeira, situada onde hoje está a
Matriz, nasce das entranhas da índia sergipana um menino. Ela morre,
vítima de parto. Simão Dias Francês é amamentado por uma cabra. Com
um ano de nascimento, o menino perde também o pai. Sozinho, a cabra,
conta a lenda, continua a o alimentar, até que os colonos descobrem, no
início do século XVII, o garoto e o conduzem para o arraial de Santo
Antonio, onde mais tarde se torna vaqueiro de Brás Rabelo. Em 1637,
receoso das ameaças do Conde Bagnoulo, à época da invasão holandesa
em Sergipe, Simão Dias Francês, com 47 anos, já casado, invade as
Matas do Caiçá, preludiando a colonização e o povoamento das terras
que mais tarde receberiam seu nome.
Simão Dias Francês tinha os olhos gázeos e sombreados por
vastas sombrancelhas grisalhas, testa larga e espaçosa, ligeiramente
enrugada por sulcos horizontais e paralelos, tanto mais superficiais
quanto mais próximo synciput, onde luzia uma calva respeitável que o
levava à melhor parte dos cabelos da frontaria, segundo Joaquim de
Oliveira.
Fatos de sua vida, fertilmente narradas pelos que se ocuparam
do primeiro itabaianense civilizado, dizem mais respeito à história do
Município de Simão Dias. No de Itabaiana, ele nasceu e viveu até os
quarenta e sete anos; no outro, colonizou e povoou as terras,
conseguindo, assim, de maneira pioneira e singular, inscrever seu
nome na primeira página da história de dois municípios, na soleira de
Carvalho Lima Júnior (NOTAS HISTÓRICAS – MUNICÍPIO E
CIDADE DE SIMÃO DIAS, ps. 9 a 33).
É certo que, acerca de Simão Dias Francês, se misturam lenda e
história. Difícil precisar onde começa a lenda e termina a história. Não
foi definida ainda a questão, embora mergulhe mais no campo da lenda,
sobretudo pela total impossibilidade de uma criança, com um ano de
idade, conseguir se manter viva com a ajuda, apenas, de uma cabra, a
dispensar outros e importantes cuidados.
De qualquer forma, é um exemplo da influência do elemento
branco, sobretudo do francês.
A quixabeira, árvore abrigadora que ficava assente ao lado
direito do cemiterinho da Matriz desapareceu no ano de 1850, segundo
Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS...,
p. 297).

50
INFLUÊNCIA DO ELEMENTO NEGRO

A presença do negro na formação do itabaianense é bastante


diminuta. Representado pelo escravo, trazido da África para o Brasil,
aqui chegou de duas formas.
A primeira, como escravo dos colonos e, sobretudo, dos senhores
de engenho que ficavam nas terras itabaianenses, embora afastados do
seu pequeno centro urbano.
Nessa condição, os negros se espalharam por toda a grande área
de Itabaiana, não se fixando, em número elevado, em nenhum local em
especial. As escravas contribuíram para a mistura das raças, na medida
que foram forçadas a engravidar do elemento branco, senhor e
proprietário, num intervalo de mais de dois séculos. Da mesma forma
que a índia mexeu com a cabeça do português descobridor, os encantos
da negra foram decisivos aos olhos do colono, do senhor de engenho e
do proprietário rural.
É comum, ainda no final do século dezenove, na Igreja Matriz de
Itabaiana, o registro de batizados de crianças filhas de escravas, nos
quais o nome do pai vem de forma camuflada, ou seja, anotava-se
apenas que a escrava pertencia a tal pessoa. O dono da escrava, era,
naturalmente, o pai, sem ser necessária a afirmativa. O cônego
Domingos de Melo Rezende, vigário que mais tempo passou a frente da
paróquia itabaianense, fez vários filhos numa escrava, de nome Maria.
Como o vigário era branco, a mistura trouxe para os seus descendentes
traços peculiares das duas raças, tendo netos e bisnetos nascidos,
décadas e décadas depois, com o cabelo pixauim, como a lembrar que,
lá para trás, onde a história se esconde na escuridão da noite, havia uma
negra na alcova do vigário.
A segunda, como escravo foragido, escondendo-se então em
mocambos, principalmente no que guardou o nome de Mocambo, hoje
povoado do município de Frei Paulo, conservando a denominação
primitiva.
Os negros aproveitaram-se da invasão holandesa, conforme Maria
Thétis Nunes (SERGIPE COLONIAL I , p. 202), provocando desgaste à
economia sergipana, quer pela perda da mão de obra, quer pelos ataques
que deles partiam às propriedades vizinhas, saqueando, roubando,

51
devastando. Os mocambos, nas matas de Itabaiana, se constituem na
zona que mais atraiu negros.
O itabaianense recebeu pouca influência do negro, quer do
escravo domesticado, quer do escravo foragido. Registra-se apenas um
aglomerado no antigo Tabuleiro dos Caboclos, já mencionado, assim
mesmo mistura de negros com índios. No entanto, a pele escura ou
morena de muitos denuncia a presença no sangue do escravo africano.
Itabaiana não apresenta, em nenhum momento de sua história,
uma população negra uniforme e compacta, em virtude da pouca
presença do negro e do predomínio do branco na mistura das raças. Os
engenhos mantiveram distância da sede do município, de forma a deixar
fora do formato do atual município a sua população escrava.
As famílias de pretos, que se imiscuíram na vida social e política
do município, no correr dos séculos, tendo residência ou casa de
pousada no centro urbano, foram em número bastante reduzido,
contando-se nos dedos. Entre elas, a de Bento José de Carvalho, filho de
escravos, criado por um membro da família Carvalho, das Flechas, cujo
sobrenome ele adotou e transmitiu aos seus descendentes, participando
de uma pequena minoria de pais itabaianense a ter um filho formado em
curso superior em Salvador, no final do século dezenove e início do
século vinte, no caso, o farmacêutico Moises Costa Carvalho, que,
depois, montou farmácia e se estabeleceu na cidade de Estância, onde
faleceu. De Bento José de Carvalho muito falou J. Fraga Lima (MINHA
PASSAGEM PELA VIDA, p. 93-94), a ele referindo-se, por várias,
Antonio Francisco de Jesus como Bento Preto (OS TABABÉUS DO
SITIO SARACURA). O maestro Antonio Silva também era preto, se
constituindo num expoente músico e compositor.
O negro mais importante nascido em terras itabaianeneses é
Quintino de Lacerda, escravo, que, vendido para o sul do país, morou
em Santos (São Paulo), figurando, na condição de senhor do quilombo
de Jabaquara, hoje bairro santista, como um dos heróis da abolição da
escravatura, sendo ali nome de uma rua – Rua Major Quintino de
Lacerda. Em Santos, por força de lei municipal, o dia 13 de maio é
considerado o dia de Quintino de Lacerda.
Dispersos, quer no campo, quer no centro urbano, o negro
itabaianense não chegou a se reunir, em nível de Itabaiana atual, de
forma a não ter deixado qualquer dos costumes vividos pelos seus

52
ancestrais africanos, nem, tampouco, transmitiu nenhum traço de sua
religião.

CAPÍTULO III

AS MINAS DE PRATA DA SERRA DE ITABAIANA

Belchior Dias Moréia, companheiro de Cristóvão de Barros na


conquista de Sergipe, na condição de proprietário de fazendas de
criação, com casa de moradia em terras itabaianenses, teria descoberto
ouro e outros metais preciosos no rio das Pedras, serra de Itabaiana,
Pico da Cajaíba, na mesma cordilheira ao sul, e serra da Miaba
[localizada no município de Macambira], a oeste junto ao Vasa-Barris,
segundo Carvalho Lima Júnior (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO
MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 130). Belchior Dias Móreia era neto
de Caramuru.
O fato ocorreu no final do século XVI, quando a colonização e
povoamento do território itabaianense ainda não tido seu início, em uma
época em que o Governo português incentivava a procura de riquezas
minerais no Brasil, para poder tirar proveito da terra. Belchior Dias
Moreia, uma vez descobertas as supostas minas, chegou a viajar para a
Europa, na tentativa de conseguir a concessão para a exploração,
despertando atenções de todos, trazendo a Serra [de Itabaiana]
autoridades importantes do Governo, como o Governador-Geral D. Luis
de Sousa (1617-1621), acompanhado de Martim de Sá, seu filho
Salvador Correia de Sá e Benevides, o Desembargador Francisco
Fonseca Leitão, o Capitão-mor da Capitania do Espírito Santo, Gaspar
Allures de Siqueira, Fernão Gil, além do Capitão-mor de Sergipe João
Mendes, conforme esclarece Maria Thétis Nunes (SERGIPE
COLONIAL I, p. 49).
As pedras apresentadas não eram preciosas, o que resultou na
prisão de Belchior Dias Moréia.
A não descoberta de ouro ou prata na Serra [de Itabaiana]
terminou deixando o governo português irritado com o fato, a ponto de,
em expediente de 3 de agosto de 1756, endereçado de Salvador para o

53
rei, o Conde D. Marcos de Noronha ter expressado todo o seu
pessimismo, ao denominar o cidadão Manoel da Cruz Silva, que,
naquele momento, incentiva expedições a Serra [de Itabaiana] de não ser
homem que mereça nenhum genero de atenção em nenhum dos seus
projetos (Maria Thétis Nunes, SERGIPE COLONIAL I, p. 54),
mencionando as minas como as supostas minas de Itabaiana.
Independentemente da não descoberta, o fato foi importante,
sobretudo para o povoamento da região. Na voz abalizada de Maria
Thétis Nunes, a lenda das Minas de Prata da Serra de Itabaiana, a
“quimera de Belchior Dias Moréia”, permaneceu, estimulando os
aventureiros, contribuindo para o reconhecimento dos sertões de
Itabaiana e Simão Dias, por onde o gado vai avançando, como
comprovam os pedidos de sesmarias para essas regiões (SERGIPE
COLONIAL I, p. 51). Na expressão de Sebrão, sobrinho, as Minas de
Prata de Melchior Dias Caramuru, na carcassa paleozóica da Serra de
Itabaiana, constituiu, por lenda, pura fantasias dos cérebros
sonhadores dos sertanistas primevos, que a Lusitânia encorajou no
Estado do Brasil, ... (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p.
328).
A conquista do interior do território brasileiro era uma
necessidade política e econômica, favorecendo a pesquisa das minas tal
objetivo na medida em que abria caminhos em meio a terras, até então,
não conhecidas do português descobridor.
Luis Henrique Dias Tavares, por seu turno, é categórico ao
afirmar que o único resultado foi o maior conhecimento da serra de
Itabaiana (HISTÓRIA DA BAHIA, p. 160), assertiva também
verdadeira, porque foi a partir de 1600 que o território itabaianense
passa a ser objeto de povoamento e colonização.
Os fatos são muito nebulosos. Belchior Dias Moréia recebeu
sesmaria à margem do Rio Real, segundo informa Luis Henrique Dias
Tavares (HISTÓRIA DA BAHIA, p. 159), área, portanto, muito distante
das terras itabaianenses, de forma que a afirmação de ter ele tido casa de
moradia em território serrano deixa muito a desejar.
A procura das minas de prata fez com que a presença da Serra
chegasse ao conhecimento do Governo, como ponto propício para ser
ocupado pelo colono. Não se encontravam as minas, mas se deparavam
com outro elemento adequado à posse da terra pelo povoamento e
colonização.

54
As minas de prata deixaram sua marca em dois livros do romance
brasileiro, um, AS MINAS DE PRATA, de José de Alencar, em 1862,
outro, O ROMANCE DA PRATA, de Paulo Setúbal, em 1935. O
segundo se refere nominalmente à Serra [de Itabaiana] como local que
abrigaria as minas existentes. O termo Itabaiana é referido várias vezes,
chegando um dos capítulos a receber o título de A surpresa de
Itabaiana.
Merece citação o seguinte trecho, inserto no capítulo Com os pés
sobre as minas:
“ ... partirão da Bahia os dous governadores com Melchior Dias,
que os levou direto á serra de Itabayana”. Itabaiana! Era por aí a serra
encantada? Sim, era, aí, em Itabaiana, a formosa serra da prata! “...
chegando a Itabayana disse Melchior Dias aos governadores que Suas
Senhorais estavam com os pés sobre as nminas”. Estavam com os pés
sobre as minas! Faltava agora, e tão-somente, que o Caramuru
indicasse a lombada onde deveriam roncar os alviões. Um gesto do
sertanista, um simples gesto – e eis afinal desvendados as jazidas de
prata (p. 62).
A Serra seria a tão sonhada serra da prata (p. 65).
A dúvida, sobre a presença de ouro e da prata na Serra de
Itabaiana, plantada há tantos séculos, continua. Sebrão, sobrinho, por
exemplo, chega a afirmar que depois das minas ingratas da serra de
Itabaiana, enquanto Domingos Garangau, o ourives que trabalhava
com oiro do rio das Pedras... (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 161), dando a entender, claramente, que havia ouro
no Rio das Pedras.
Contudo, a crença geral é que o minério foi descoberto em terras
de Jacobina, na Bahia, tendo Belchior Dias Moréia indicado a Serras
[de Itabaiana] como forma de desviar a atenção enquanto obtinha da
Coroa permissão para explorar as verdadeiras minas. Mas, o território
palmilhado por Belchior Dias Moréia foi longo, extendendo-se por
território sergipano e também pelo baiano, como o município de
Itaberaba, cuja serra do Orobó, significando ouro bom, segundo a
tradição local, se liga à sua história (cf. ENCICLOÉDIA DOS
MUNICIPIOS BRASILEIROS, vol. XXI, p. 293).
O assunto foi tão relevante na corte luso-espanhola que, no
capítulo Ouro e diamantes do Brasil, de O MARQUÊS DE POMBAL,
Álvaro Teixeira Soares informa: Entretanto, a Coroa interessou-se por

55
todas essas expedições: D. Rodrigo de Castelo Branco, fidalgo
espanhol a serviço de Portugal, foi nomeado em 1673 administrador
das minas de Itabaiana (p. 34). Evidentemente, é demonstração da
importância que ao fato foi dado, levando o nome de Itabaiana a ser
conhecido na corte portuguesa-espanhol.
O certo é que a referência ao ouro ficou, passando de geração
em geração, a ponto de Marcos Antonio de Souza, em 1808, de
passagem pela vila de Itabaiana, da fama do ouro ter tomado
conhecimento, ressaltando:
Também se podia abrir nova estrada para a indústria se fosse
permitida a escavação de minas de ouro e de outros metais. É esta uma
das fontes originais da riqueza das nações. Que tesouros o autor da
natureza tem depositado em uma eminente serra bem conhecida com o
nome de Itabaiana, longe uma légoa da vila, que da dita serra tem o
nome! Que aumento de riqueza teriam os pobres habitantes deste termo
na mineralização do ouro! (MEMÓRIA SOBRE A CAPITANIA DE
SERZIPE, p. 33).
E mais:
Quão florescente ficaria Itabaianna se nas suas serras banhadas
de crystallinos regatos se abrissem novas minas de ouro! Quantos
colonos viriam habitar em sua visinhança! Que lucrativo commercio
para as villas circumvisinhas por terem maior consumo os generos de
sustento e vistuário!
Deste modo não somente ficariam remediadas as necessidades
dos Itabaiannistas como em todo o corpo da nação correria este sangue
de riqueza, que o faria mais vigoroso. As rendas da Corôa cresceriam
com os novos quintos; o mesmo Estado muito enqueceria, pois, que elle
não ganha nem perde senão pelo canal dos seos cidadãos, como pensa
o sobredito Say.
(...)
Esgotadas as minas o interesse particular, que regula o trabalho
e indústria, formaria novas tentativas, e voltaria para a agricultura seo
poder e seos esforços (MEMÓRIAS SOBRE A CAPITANIA DE
SERZIPE, p. 35).
E, em outro parágrafo, continuando:
Mas tinham em que se empregar por muito tempo, porque a
sobredita villa não só tem proxima a famosa serra da Itabaianna, como
é rodeada de ouras serras não menos dignas de attenção.

56
Ao sudoeste fica a Cajahyba abundantíssima de ouro; ao norte a
Capunga.
Tão bem ali existe a da Miaba, onde julgam os Itabaianistas
haver copiosas minas de prata por tradição que receberam de um
homem que se appellidava Moribeca.
Junto a serra da Cajahyba há um serrrote de pedras no qual os
moradores crêem escondidas minas de ferro e dizem ser ferrea toda a
agua que d’ aquellas pedras emana (op. cit., p. 36).
Por seu turno, J. C. R. de Milliet de Saint-Adolphe anota, em 1845,
que na Serra [de Itabaiana] há varias minas d’ouro que nunca forão
lavradas (DICIONÁRIO DA PROVÍNCIA DE SERGIPE, p. 53). E, com
relação a Serra da Miaba, esclarece que em 1840 achou-se que tinha
abundantes minas de ferro e de salitre (DICIONÁRIO DA PROVÍNCIA
DE SERGIPE, p. 60).
A lenda das minas chegou ao final do século dezenove, levando
Armindo Guaraná, em 1886, a fazer os seguintes registros: É crença
geral que na cordilheira de Itabaiana existem grandes mananciais de
ouro e prata, e que já se tem extraído importantes amostras. Há também
diamantes, cristais e muitos outros minerais, cuja existência presume-se
pelos estudos geológicos feitos em diversos pontos da Serra
(COMARCA DE ITABAIANA – DESCRIPÇÃO DO MUNICÍPIO).
E, quase duzentos anos depois, Junot Silveira, ao abordar a Serra,
registra:
E que lá existia ouro. Muito ouro. Era só cavar a terra,
esburacar o chão e o metal surgia em pepitas. E, principalmente, nos
ingênuos palpites das crianças que sonhavam com riqueza (A Tarde,
Salvador, Bahia, 20 de maio de 2001).

AS LENDAS DO OURO E DA PRATA

A grande herança ficou no imaginário popular, segundo Luiz


Antonio Barreto:
Foram as minas de Itabaiana, sem dúvida, objeto de inspiração
ao místico “El Dorado”, motivo de várias obras, em diversos lugares
do mundo. É que havia, em toda parte, um olhar lançado, brilhante de
surpresa e de cobiça, para o local onde supostamente estavam
enterradas as riquezas brasileiras. Nada foi mais difundido, mais
assimilado, mais procurado, mais relevante no inconsciente dinâmico

57
da jovem nação brasileira e nas nações direta ou indiretamente ligadas
a colonização do Novo Mundo, do que as minas de Itabaiana (AS
MINAS DE ITABAIANA, Gazeta de Sergipe, 17 de fevereiro de 2001).
Dentro desse imaginário, as lendas, como a do Rio das Pedras,
recolhida por Prado Sampaio (O Estado de Sergipe, 24 de janeiro de
1912), antecedida da seguinte explicação: Ao extradinário influxo da
corrente exploradora de minas, cabendo a Belchior Dias o mais
importante papel no movimento, surgiu lenda das minas de prata, que é
incontestavelmente sergipana. E não é a única que devemos
exclusivamente à imaginação do nosso povo quanto a este particular.
Idêntica é a do Rio das Pedras, que tentamos recolher nas seguintes
estrofes:

Em jazidas de mármore cor de rosa,


na frescura das selvas verdejantes,
por leitos de topázios e brilhantes
corre a limfa contante e suspirosa.

Quer caia a noite e quer desponte o dia


à frescura da tarde e ao sol poente,
nunca descansa a soluçar tremente
na secular e infinda romaria ...

Que magros fundos o seu peito encerra


transidos de aflições e de amarguras,
magoas a que não se acha pela terra
um lenitivo à dor das desventuras?!...

Na solidão das selvas primitivas


e sob a infinda esplanada do poente...
um dia despertasse ... e as fugitivas
alegrias voaram pra o ocidente!

Risos foram-se ... e dores bem longe


aqui vindos – pousaram tão sombrios,
deram-te a triste lividez de um monge
e esse fundo cantar de psalmodios?!...

58
Eu bem sei a tua história
como a fez a fantasia
em crepitante ardentia
de sonhos de amor e glória...

De riqueza fabulosa,
é todo esse teu estuário,
onde em arrulho amorosa
tu segues o teu forário.

E as escondidas riquezas
dos tesouros ideais
das encantadas princesas
e com fadas imortais.

Levadas nas atas cérulas


nunca roubadas serão,
pois não são atas ... são pérolas,
que deslisando se vão!

A outra é a lenda de Miaba, também recolhida por Prado


Sampaio, a explicar que esta e a do Rio das Pedras nasceram do mesmo
influxo lusitano e são produtos do mesmo momento nacional (O Estado
de Sergipe, 24 de janeiro de 1912):

À luz do sol inundante


num dilúvio pelo val,
se eleva além cintilante
a estrutura colossal

Da Miaba encantadora,
de tesouros ideais;
onde vaga cismadora
o fado dos pedregais!

E dizem que à lua cheia,


da noite na calmaria,
sua voz ali se altéia,

59
repassada de harmonia.

O viajante que transita


pela estrada temeroso,
ouve uma nenia esquisita
de fundo misterioso!

E diz e jura que a serra,


onde a deusa terna habita,
tem tesouros que na terra
ninguém os tem por desdita.

Na furna que ali existe


de água pura e cristalina
Também a crença persiste
. de riqueza que fascina

É a bandeira encantada
da fada daquele monte
irmã da loira alvorada,
noiva da luz no horizonte...

Quando a manhã suspirosa


o sol a tenta com um beijo,
ela se oculta raivosa
na gruta ... e foge ao desejo!

Mas a crença, esse perfume


de encantadores mistérios,
que a alma o sonho resume
em misticismos sidérios,

diz que em si um dia a ventura


do caminheiro perdido
pelas selvas na espessura,
em vez de canto – um gemido

ouvir, – sem vagos temores,

60
e na encantada banheira
lavar os velhos amores
de sua existência inteira...

Em seus braços reclinada,


com a face para o horizonte,
sentirá n’alma abrasada
a deusa daquele manto...

E sorverá com a doçura


do seu beijo casto e amado,
todo esse encanto e ventura
dessa visão do passado!

Até a década de vinte do século passado, a Serra da Miaba era


motivo de historias. Em Macambira, por exemplo, onde se ergue,
dizia-se que ela, a serra, era uma moça encantada; caso se
desencantasse, Macambira desapareceria debaixo de água. O
encantamento é muito comum nas lendas em nível universal,
inclusive em cantos populares, como os estudos de Câmara Cascudo
mostram (CONTOS TRADICIONAIS DO BRASIL).
Fruto do sonho do ouro e da prata, é a lenda do Carneiro
Encantado, que Manoel dos Passos de Oliveira Teles ouviu, em sua
passagem por Itabaiana, no século dezenove:
Na serra de Itabaiana, na encosta ocidental dela, a imaginação
popular colocou um novilho, ou carneiro encantado, o qual durante
algumas noites, quando o luar bate de chapa, ou de dia quando os raios do
sol incidem transversais, tem reverberações mágicas. Banha então como
uma luzerna azulado, ou com reflexões da luz sobre o vidro (O Estado de
Sergipe, 24 de janeiro de 1912).
Lenda, aliás, que se propagou no tempo. J. Rabelo descreve no
romance ALMAS TORTURADAS:
Por volta das dez horas da noite, quando Joramor conversava
com Dalva, a vizinha chegou à porta e os chamou:
– Venham ver!
Os dois saíram e avistaram, a pouca distância, um grande
número de pessoas que olhavam, curiosas, algo lá pelas bandas da
Serra de Itabaiana.

61
– O que é que estão vendo? – indagou Joramor.
– Veja lá. Tá com muito tempo que não se via. É o carneiro
encantado que aparece, de tempo em tempo, na Serra. Dizem os mais
velhos, que é todo de ouro e prata.
Efetivamente, notava-se a imagem, a figura, uma silhueta
luminosa, com os contornos e características de um carneiro de
tamanho natural.
Muitos dos presentes diziam esconjuros, benzendo-se; enquanto
outros comentavam a aparição, como coisa divina.
Joramor, puxando Dalva pela mão, afastou-se dos presentes e
com ele foi postar-se num monte de pedras, melhor observando dali o
fenômeno. Depois de muito olhar, Joramor tirou suas abalizadas
conclusões:
– Veja, Dalva, observe bem o local do “carneiro”. Lembra-se dos
detalhes da entrada da caverna?
– Lembro-me. Fica justamente naquela altura. Será ...
– Isto mesmo que você está pensando. Olhe a posição da lua;
sua claridade deve estar dando de cheio na lâmina de cristal, lá na
parede da caverna, através de abertura invisível no teto, e os
reflexos produzidos são filtrados pela passagem por onde
penetramos e que tem o desenho justamente do carneiro.
– A imagem foi esmaecendo aos poucos. De repente, surgiu um
clarão imenso e um estrondo o sucedeu. Línguas de fogo incandescente,
subiam como fogo de artíficio.
A assistência, apavorada, rezava:
– Viste, Angélica? Aquilo é castigo de Deus, mostrando que
devemos rezar!
– São os nossos pecados, que Deus avisa para que nos
confessemos ao Padre e comunguemos.
– Lá se foi o nosso tesouro, Dalva, tragado pelas entranhas da
Serra e com ele, para sempre, a lenda do carneiro de ouro e prata.
Ainda bem que na minha última visita, colhi o necessário para
constituir uma poderosa, inigualável fortuna, que aplicarei na prática
do bem.
O clarão produzido pelo interior desmoronamento da caverna,
elevou-se, através das fendas, a tamanha altura, que foi visto de longas
distâncias e comentado durante dias.

62
Foram organizadas excursões ao alto da Serra, para observarem
os efeitos causados, inclusive de cientistas vindo de outros Estados.
Nada, porém, digno de estudo foi encontrado. Alguém e alguns mesmo
chegaram a propalar que o clarão e o estrondo foram produzidos por
mineiros, dinamitando pedreiras, na exploração e extração de metais
preciosos. Sómente Joramor e Dalva sabiam, realmente, do significado,
mas com eles ficou o segredo sepultado, tal como a mina de Belchior
Dias.
Sílvio Romero já tinha feito referência a lenda em estudos
divulgados no século passado:
Na [Serra] de Itabaiana aparece, às vezes, diz a lenda, um
carneirinho de ouro, e na da Miaba um caboclinho de prata
(ESTUDOS SOBRE A POESIA POPULAR DO BRASIL, p. 51).
A praça não foi localizada. Mas, foi positiva para a conquista do
interior itabaianense, entre outras vantagens, a referência a sua
existência.

CAPÍTULO IV

CAATINGA DE AYRES DA ROCHA PEIXOTO

Exatamente no centro urbano de Itabaiana, levando em conta a


geografia atual, uma área era chamada de Caatinga de Ayres da Rocha
[Peixoto]. É assim que aparece na escritura de compra efetuada pela
Irmandade das Almas: .. um sítio de terras na Itabaiana, a metade de
meia légua de terra, que parte de uma banda com terras de Diogo, de
desta que hoje são do Doutor Gomes, percorrendo com quem mais deva
e haja de partir a dita terra que chamam a Caatinga de Ayres da
Rocha, ...
É bem difícil, nos dias de hoje, se estabelecer qual a extensão da
Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, porque, sobre ela, só existe a
referência na mencionada escritura, cuja cópia integral será estampada
adiante, no Capítulo VII desta Parte I. A sua verdadeira extensão se
perde no fundo de algum arquivo, em documento ainda não levado a
publicidade. É bem provável que o local, onde se encontra o centro

63
urbano de Itabaiana, se constitua apenas em uma parte da referida área,
sobretudo levando em conta não se constituir em terras banhadas
diretamente por nenhum rio, a exceção do Riacho Marcelo, que é o
que lhe está mais próximo. Esse dado é importante porque não se
podia empreender a colonização distante dos rios.
O certo é que, dentro da área, conhecida por Caatinga de Ayres da
Rocha, estava localizado o sítio, que a Irmandade das Almas adquiriu,
sendo palco, mais tarde, da sede urbana da Vila de Itabaiana.
Não se pode, assim, perder de vista que a Caatinga de Ayres da
Rocha é a primeira parte do território do futuro município de Itabaiana a
ser objeto de exploração pelo homem branco. Neste sentido é que deve
ser encarada.
Mas, ditas terras, pelo menos, no que se relaciona à área que fica
localizada na sede urbana de Itabaiana, não foram objeto de posse
imediata do elemento branco, representado pelo colonizador, pela
ausência de água, em face da preemente necessidade de se utilizar desta
para a subsistência do próprio colono e cultivo da sua agricultura. Não
haveria como se pensar em colonização sem a presença, nos pés do
colono, de algum rio ou riacho, por menor que fosse.
Em termos de futuro território de Itabaiana, dois aspectos
precisam ser assentados.
No primeiro, há uma imensa área de terras, constituída de matas e
matos, bafejada pela presença de alguns rios e riachos.
No segundo, há um reduzido espaço, depois escolhido para ser a
sede da futura vila, distante dos rios e das cacimbas.
A presença do colonizador vai se verificar nas terras itabaianenses
que se situam ao lado dos rios e riachos.
A segunda só vai despertar interesse como uma parte integrante
de uma área maior, para ser usada como terras para finalidade urbana.
A Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, ante o panorama que a
escritura de compra e venda, efetuada pela Irmandade das Almas, em
1665, vai demonstrar, fazia parte de uma fazenda de gado, de Ayres da
Rocha Peixoto, que, desmantelada em diversas propriedades menores,
no decorrer dos tempos, ainda se mantinha, pelo menos, até aquele ano,
vinculado ao nome do antigo proprietário.
Ayres da Rocha Peixoto era português, natural de Elvas, fidalgo,
com residência em Salvador. No esclarecimento de Sebrão, sobrinho,
sua mãe [de Ayres da Rocha Peixoto), d. Leonor Peixoto, era das

64
principais famílias lusas dos Alvaradores, Peixotos, do Porto, e viera
para o Brasil aos dezesseis anos, porque cometera um homicídio e, em
Salvador, se consorciou com d. Maria Correia, filha caçula de Custódio
Rodrigues e d. Ana Álvares, sendo essa primogênita de Diogo Álvares
Caramuru e Catarina Álvares (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 12). O casamento ocorreu no ano de 1577, em
Salvador, onde Ayres da Rocha Peixoto tinha estabelecido residência.
No ano seguinte, 1578, o casal estava a vender algumas casas telhadas,
tudo conforme se vê do LIVRO VELHO DO TOMBO DO MOSTEIRO
DE SÃO BENTO DA CIDADE DO SALVADOR, vol. I (apud
Vladimir Souza Carvalho, SANTAS ALMAS DE ITABAIANA
GRANDE, ps. 24-25).
Ayres da Rocha Peixoto foi, portanto, o primeiro proprietário de
terras itabaianenses. Casando em 1577, deveria ter, ao ensejo da
expedição de Cristóvão de Barros, quase quarenta anos.
A terra aludida foi ganha quando da matança dos índios
sergipanos pelas tropas de Cristóvão de Barros, que, vitorioso, dividiu
com seus principais companheiros os pontos mais importantes do
território [sergipano], levando em conta, na distribuição de terras, a
presença de rios.
Aires da Rocha Peixoto foi aquinhoado com largos tratos de
terras, entre as quais a em que está, hoje, a vila (depois, cidade) de
Santo Amaro e essas de que trato, informa Sebrão, sobrinho
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS ... p. 297), ou seja,
as que eram conhecidas, em 1665, setenta e cinco anos depois, como
Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto.
A doação das primeiras terras aparece em Antonio José da Silva
Travessos, na única referência, até hoje, feita: a de Aires da Rocha, que
consta do terreno entre o dito [rio] Japaratuba e o de Sergipe,
excetuando-se as terras dos aldeamentos (APONTAMENTOS
HISTÓRICOS E TOPOGRÁFICOS SOBRE A PROVÍNCIA DE
SERGIPE, p. 39). A sesmaria aludida não se encontra incluída na
HISTÓRIA DE SERGIPE, de Felisbelo Freire, não sendo conhecida, até
hoje.
As que estavam localizadas em Itabaiana não foram referidas por
Antonio José da Silva Travassos. Ou fazem parte da mesma doação,
começando as terras recebidas em Santo Amaro das Brotas e avançando,
como se fosse um retângulo, até o centro urbano de Itabaiana, ou, se

65
constituem em objeto de outra doação. Ou, por fim, podem ter sido
terras adquiridas por ato de força e de avanço, sem a necessidade de
nenhum documento oficial da Coroa. A dúvida permanece no ar,
sobretudo porque a doação das terras do centro urbano de Itabaiana
escapa de qualquer sesmaria divulgada, podendo repousar em algum
arquivo português, sem a publicidade devida, embora a sua constituição,
integrada, à época, por caatingueiras, não se constituísse em terras
recomendadas para a agricultura.
Entre uma e outra, a de Santo Amaro das Brotas levava vantagem,
porque, em verdade, era a parte principal, beneficiado pela presença dos
rios Sergipe, Cotinguiba (na maioria de sua extensão), Pomonga,
Japaratuba e Panamerim. As terras de Itabaiana não tinham rios, desse
quilate, a lhes cortar, na exata área conhecida, em 1665, como Caatinga
de Aires da Rocha.
Sebrão, sobrinho, localiza na Rua Tobias Barreto, esquina com a
rua General Siqueira, o local onde teria sido o sobrado da casa da
fazenda de Ayres da Rocha Peixoto, afirmando ter sido a primeira casa
da atual Itabaiana (FILARMÔNICA NOSSA SENHORA DA
CONCEIÇÃO, p. 12), revelação que mostra a presença, em termos
coevos, de uma fazenda, cuja sede se situava no início da Rua Tobias
Barreto (antiga Rua do Futuro), continuação da Rua General Valadão
(antiga Rua do Sol), de maneira a afastar o entendimento de se ser, em
verdade, uma grande área de uma propriedade, cuja sede ficava dali bem
distante.
Mais não foi divulgado, nem se sabe. A ocorrência da fazenda
data do final do século dezesseis, ficando mais intrincada a matéria ante
o fato de Ayres da Rocha Peixoto ter falecido ainda no século dezesseis,
como veremos adiante.
O certo é que dita área, constituída de vegetação rasteira e de
arbustos, passou a ser conhecida como Caatinga de Ayres da Rocha
Peixoto, como, setenta e cinco anos depois, ainda era chamada, por
motivos simples. Um deles, dada a predominância da vegetação típica
das caatingas, marcada principalmente pela caatingueira. Outro, porque
pertencia ou pertencera a Ayres da Rocha Peixoto. Era, desta forma,
uma caatinga que, de forma pública, tinha dono, ou teve dono, a ponto
do nome deste se integrar ao da área. Não era uma caatinga qualquer,
mas a Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, o que simbolizava a forte
presença do proprietário na exploração da área, em ações e condutas que

66
a história não registrou, passando tudo, a partir daí, a se constituir num
grande mistério.
Caatinga, carrasco, cerrado, agreste designam todos várias
formas de vegetação xerófila, caracterizada pelas raízes às vezes muito
profundas, munidas muitas de bulbo que prende a água, pelo tronco
áspero, gretado, exíguo, esgalhado, como se procurasse para os lados o
desenvolvimento que lhe foge na vertical, pelas folhas mais ou menos
miúdas, que caem numa parte do ano para melhor existir à seca,
limitando a evaporação, segundo Capistrano de Abreu (CAPÍTULOS
DA HISTÓRIA COLONIAL, p. 38).
Também em Santo Amaro das Brotas o nome de Ayres da Rocha
Peixoto ficou incorporado a uma fazenda, de propriedade de Antonio
Martins de Azevedo, no qual foi assentado, também, a sede da futura
cidade de Santo Amaro das Brotas, cf. Abdias Batista e Silva
(ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, XIX volume,
p. 454). Era a Fazenda da Ayres da Rocha. Em SERGIPE
PANORÂMICO (p. 408), aparece como Amaro Aires da Rocha, nome
que também é reiterado em HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS, p. 233.
Clóvis Bomfim defende cuidar-se de duas pessoas, especulando
que Ayres da Rocha Peixoto, ao ganhar as terras em Santo Amaro das
Brotas, tenha pensado em construir um engenho, optando depois pela
criação de gado, que não deu certo. Daí, concluir que ele [Ayres da
Rocha Peixoto] se viu obrigado a transferir a sua residência, e foi
morar em Itabaiana (RETRATOS DA HISTÓRIA DE SANTO
AMARO DAS BROTAS, p. 42).
O fato é muito fechado, sobretudo levando em conta que Ayres da
Rocha Peixoto faleceu em 15 de outubro de 1599, segundo Luiz R.B.
Mott colhe no CATALOGO GENEALÓGICO de Frei Joaboatão e
Pedro Calmon, repetida por cf. Clóvis Bomfim, RETRATOS DA
HISTÓRIA DE SANTO AMARO DAS BROTAS, ps. 38 e 123), ou
seja, antes de o território itabaianense ser alvo de sesmarias, o que torna
tudo mais nebuloso, mesmo que setenta e seis anos depois de sua morte,
as terras, em Itabaiana, que integraram a sua propriedade, ainda
guardassem o seu nome. Não se pode perder de vista que, ganhando
terras, provavelmente em 1590, só tenha, a partir daí, sobrevivido por
nove anos. Ayres da Rocha Peixoto foi sepultado na Capela de Nossa
Senhora da Ajuda, em Salvador, detalhe a demonstrar que, ao falecer,
residia em Salvador, sendo tão importante que a seu sepultamento

67
ocorre no interior de uma igreja. Se transferiu a sua residência para
Itabaiana, ao morrer, o fez em local bem distante, quer em nível de
viagem de navio, quer em viagem terrestre.
Dos tempos de Ayres da Rocha Peixoto para 1675, as notícias se
perdem na falta de documentação devida. Nada se sabe. O certo é que,
em 1675, quando o século dezessete caminhava para as suas últimas
décadas, respondendo, interina e respectivamente, pelo governo geral do
Brasil, Agostinho de Zevedo Monteiro e Cristóvão de Burgos de
Contreiras, o terreno, que, mais tarde, seria o centro urbano de Itabaiana,
foi vendido a Irmandade das Almas. A venda apresentava uma
finalidade expressa: o terreno se destinava a ser sede de uma igreja. O
imóvel já não mais pertencia a Ayres da Rocha Peixoto, que, a esta
altura, já estava morto, mas, em sua homenagem, conservava o seu
nome, como uma referência digna de ser mantida viva. O proprietário
do imóvel era agora o padre Sebastião Pedroso de Góis, vigário de São
Cristõvão. Por outro lado, não era mais uma fazenda, mas um sítio, de
proporções reduzidas.
O nome de Ayres da Rocha Peixoto ficou ligado as terras, pelo
menos, até o ano de 1675, numa demonstração de ter sido o proprietário
mais importante da área ou, por ter sido o primeiro, legando seu nome as
terras em tela. O batismo com o nome do proprietário era uma forma de
distinguir dita área das demais matas que enchiam a então paisagem do
futuro centro urbano de Itabaiana. Se tivesse sido apenas um proprietário
ausente, provavelmente, a caatinga não teria se grudado ao seu nome.
Câmara Cascudo (VAQUEIROS E CANTADORES, p. 8), ante a união
do nome do proprietário à terra, afirma ser um costume da Idade Média.
A partir daí, com a edificação da igreja e de casas residenciais, o local
perde a denominação de Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, engulido
pelo [nome] da região: Itabaiana.
No entanto, necessário deixar bem assentado que a Caatinga de
Ayres da Rocha Peixoto em nada contribuiu para o povoamento e
colonização iniciais da região. As terras, de caatinga, que ainda hoje
exibem raquíticas caatingueiras em muitos pontos nos seus arredores,
sobretudo na principal rodovia que, vindo de Aracaju, lhe dá acesso, a
BR-235, mostram não terem sido, como não são, em seu conjunto,
propícias à agricultura. Tampouco a povoação do futuro município
começou na área onde o centro urbano de Itabaiana se situa.

68
A importância da Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto repousa,
justamente, em dois pontos. Primeiro, ter sido um sítio, nela situado,
adquirido pela Irmandade das Almas, para ser construída a Igreja.
Segundo, este fato fez com que o futuro centro urbano do município ali
se localizasse.
Em conclusão, quando a Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto
mostra sua faceta, o povoamento e a colonização em território
itabaianense já apresentavam significativos sinais de ter dado certo. Sua
importância vai se concretizar quando se torna o local escolhido para
nela ser edificada uma igreja, circunstância que atrai, para o seu bojo, o
futuro centro urbano de Itabaiana.

CAPÍTULO V

COLONIZAÇÃO: O ARRAIAL DE SANTO ANTONIO

A partir de 1600, a Coroa portuguesa, através de seus


representantes em Salvador (Bahia), começa a doar terras que não
tinham sido objeto das que foram, inicialmente, distribuídas por
Cristóvão de Barros, não custa repetir, aos soldados que lhe
acompanharam na guerra contra o indígena sergipano.
A paisagem apresentada, em nível de Itabaiana, lembrava áreas
portuguesas: a presença da Serra, no seu verde-escuro, vista, pela sua
altura, de grande parte do território sergipano, a atrair, naturalmente, para
as suas margens, a atenção da Coroa e do colono, sendo, sem dúvida
alguma, o principal fator a impulsionar, de logo, a conquista das terras ali
situadas; o acervo de rios e riachos, a começar do Jacaracica correndo
entre as matas, numa planície considerável, tendo o planalto na Serra e
nas pequenas elevações a ela ligadas. Ao lado do Rio Jacaracica, outros
riachos, como o Cana Brava, ao pé da Serra; Peripei, nas Candeias; Cedro
e Lagamar; Jaguaribe, entre Cova da Onça e o Zanguê; o Dangra e Rio
Vermelho, em Santa Rosa de Lima, Riachuelo e Malhador. Em outra
parte, o riacho Guandu, o rio das Pedras, a Ribeira. Em outra direção, o
rio Cotinguiba, que nasce ao norte da serra Itabaiana, segundo J. C. R.
de Milliet de Saint-Adolphe (op. cit., p. 41). Mais adiante, onde a vista do

69
alto da Serra não alcançava, o rio da Lomba, pequeno afluente da banda
norte do rio Vasabarris, nos atuais municípios de Campo do Brito e São
Domingos, a leste da Miaba, cf. Emmanuel Franco (A COLONIZAÇÃO
DA CAPITANIA DE SERGIPE D´EL REI, P. 123), o Jacoca, em
Macambira, o rio Sergipe em Carira, Frei Paulo e Ribeirópolis, os riachos
Cabeceiro, Cajueiro, Salgado e Tabocas, em Ribeirópolis, e os rios Negro
e Salgado, em Frei Paulo. Ou seja, matas e água, sem contar com os
córregos da Serra.
A paisagem representava um desafio a posse do homem branco e
a sua exploração, como maneira de fixar o colono na terra a fim de
povoá-la e explora-la.
Itabaiana é toda a região, na imensidão de matos e matas. Daí
Carvalho Lima Júnior, em nível de colonização, ao referir-se as
primeiras fazendas de criação para os lados do sertião a oeste e
noroeste, ressaltar que dita colonização acompanhava o curso dos rios
Vasa-Barris e Sergipe, e acima das cabeceiras deste, e, mais tarde, as
terras ganhas pelos colonos abrangiam a extensa zona compreendida
entre os rios Vasa-Barris, Sergipe e São Francisco até Serra Negra, ou
seja, bem distante dos limites atuais do município serrano
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
129). Tudo, a partir da Serra, que não tivesse ainda nome específico,
como não tinha, era Itabaiana, se constituindo nas Matas de Itabaiana,
matas, até então e por muito tempo, inexploradas.
Do alto da Serra, dando as costas ao nascente, a paisagem
impressionava: a planície imensa superlotada de matos e matas, numa
extensão de vários quilômetros, de um lado e de outro, a evidenciar a
fertilidade daquelas terras onde, na maioria dos lugares, pelo caráter
compacto das árvores, o sol não conseguia chegar ao solo. Nenhum
planalto, a não ser as serras ao lado, que se fechavam em torno da
planície. No século seguinte, em 1757, o padre Francisco da Silva Lobo
faria alusão a essa planície cercada ao longe de serras, à maneira de um
O, que Alberto Carvalho interpretou como o lado montanhês, ausência
do mar, o ensimesmamento (Aspectos antropológicos do itabaianense, in
VÃO LIVRO, p. 36). Já Marcos Antonio de Souza, a respeito,
ressaltaria: A villa está situada entre tantas serras havendo no meio
d’estas uma planície que tem de diametro cinco legoas (MEMÓRIA
SOBRE A CAPITANIA DE SERZIPE, p. 36).

70
Se a Serra, em toda a sua imponência, é o primeiro fator a atrair a
atenção da Coroa, foi da Serra que se viu a paisagem que embaixo se
descortinava, numa visão esverdeada a esconder, em seus meandros, os
rios e riachos, além da riqueza de seu solo, de onde muito fruto poderia
brotar na conquista daquelas imensas e inexploradas terras e matas.
Sem dúvida alguma, era uma paisagem nitidamente portuguesa,
alternando planaltos com planícies.
Sobre a terra, o colono poderia proclamar o mesmo que M. de
Oliveira Lima ressaltou com relação à de Pernambuco: ... a terra
recomendava-se pela sua excelência (PERNAMBUCO – SEU
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO, p. 11).
Se boas as terras, o clima também favorecia, com duas estações
bem definidas, inverno e verão, chuvas regulares, ventos suaves. A
presença da mata já era, antes de tudo, um atestado da sua fertilidade.
Os rios e riachos se encarregariam de fornecer a água aos colonos.
Todo o conjunto fazia com que aquela área fosse considerada
apropriada para a colonização, marcando, em seu início, a vocação
agrícola de seus primeiros povoadores, porque além da agricultura, que
seria o ponto principal, ao seu lado, seria desenvolvida a pecuária, que,
com o tempo, ganharia espaço nos terrenos mais distantes do futuro
centro urbano, estes reservados exclusivamente à agricultura, na
sedimentação de minifúndios em torno do futuro centro urbano.
Para que as sesmarias fossem doadas ao redor dos rios e riachos,
certamente que as terras itabaianenses, em seu conjunto, foram, antes,
visitadas e estudadas, tendo a Coroa conhecimento de toda a área, para
poder divulgar, entre os candidatos a colono, as regiões mais propícias à
agricultura e a pecuária. Daí, nas sesmarias, se indicar sempre os
limites, forma que demonstra ter o colono perfeita noção das terras que
ia habitar. Ou mostrava que o colono português ocupava as terras
consideradas vagas, inicialmente, de maneira que, depois, quando
solicitava a sesmaria, em São Cristóvão, então denominada de Cidade
de Sergipe, já apontava, previamente, os seus limites.
De um jeito ou de outro, ao investir em terras itabaianenses, nas
margens dos rios e riachos, e, ao redor da Serra, a Coroa preparava,
também, o caminho para a conquista de outras além daquelas, ou seja,
as do sertão, que pudessem servir para o transporte do gado de uma
província, a baiana, para outra, a pernambucana, e daí por diante, fato
que, doravante, vai deveras ocorrer. Com uma ação, o governo atingia

71
três objetivos: 1) o povoamento de certas áreas propícias à agricultura,
outras à pecuária, 2) a conquista do interior e 3) a ligação das grandes
capitanias. A conquista de uma parte nordestina se concretizava.
Doar terras aos colonos não era um fato isolado. Com uma ação,
se fazia outra, de forma oblíqua. A colonização e o povoamento não se
processavam aleatoriamente.
A exploração teria de ser agrícola, embora o colono português
não soubesse, ainda, o que plantaria e o que faria nesse novo mundo,
para o qual trouxe apenas a coragem, depois de penosa travessia, onde
muitos não resistiam. Nenhuma semente carregavam para as novas
terras, recebendo-as em Salvador ou em Recife. Oliva e vinha, de certo,
é que não poderiam ser aqui plantadas, como nunca foram, porque o
clima tropical não favorecia. As frutas teriam de ser aquelas que o clima
e a terra favorecessem, totalmente diferentes das que no solo português
se explorava.
A chegada do primeiro colono era um passo, apenas, no processo
de colonização. Vinha depois o seu trabalho de demarcar as terras, fazer
sua cabana, preparar o terreno para o plantio. Daí, até colher os
primeiros frutos, se reproduzir com brancas ou com índias e negras, se
reunir com os demais colonos, vivendo as mesmas cenas, passaram-se
muitas e muitas décadas. A conquista é lenta. Os frutos não nascem de
um dia para o outro. A natureza dita a espera e alonga o tempo. Muitos
são os que chegam. Poucos os que sobrevivem. Tanto que só em 1665,
com a criação da Irmandade das Almas, é que os colonos puderam,
enfim, mostrar o primeiro sinal de união, de congregação, de progresso,
de unidade, de maturidade, e, principalmente, de civilização. É o
primeiro significativo sinal que os colonos começam a ter noção de
união, com o pensamento voltado para o futuro. No meio deles, como
elo e sinal de estímulo, a religião católica.
O fato vai ocorrer em torno do Rio Jacaracica, onde os colonos
erguem casas em suas propriedades, umas próximas as outras, para
poderem permanecer unidos, imóveis que, no seu conjunto, ganham o
nome de Arraial de Santo Antonio, em homenagem ao santo, por eles
cultuado, a ponto de ser consagrado, mais tarde, como orago da
freguesia. Ressalte-se que a colonização vai se espalhar por toda a
região itabaianense, sendo que, só ao redor do Rio Jacaracica é que o
colono, mais próximo um do outro, vai se reunir em torno de um arraial,
o Arraial de Santo Antonio, se revelando mais social e organizado, com

72
mais sentido de coletividade. É o colono desse arraial o que planta a
semente a germinar na povoação que, em breve, receberia o nome de
Itabaiana, nome, aliás, da região. É esse, portanto, que prepara, via do
Arraial de Santo Antonio, os alicerces para o aglomerado humano a se
transformar em a futura vila de Itabaiana, no local onde, hoje, a sua sede
urbana se encontra.
O Arraial de Santo Antonio existiu como reunião de propriedades
próximas, mas não como casas vizinhas umas das outras, em
aglomerados em forma de praças e de ruas. Em absoluto. O termo é
utilizado para abranger o conjunto de imóveis [rurais], que, dada a
pequena distância, proporcionaram aos seus proprietários o poder de se
reunir em torno de um ideal comum, a Igreja Católica, impulsionados
pela religião trazida de Portugal, sentimento que sobreviveu entre os que
conseguiram vencer o enorme desafio de preparar a terra e colher seus
frutos.
Era Arraial porque agregava as propriedades que se formavam em
seu redor, em um raio de poucos quilômetros, como já destacado.
Falta saber se, além da igreja, principal prédio, o arraial possuía
outro de porte. É provável que não, sobretudo porque nunca foi
encontrada nenhuma ruína que indicasse a presença de outro edifício nas
imediações da igreja, em nível de superfície, nem, tampouco, poderia
existir, porque não havia, ainda, a união política dos habitantes, mas mero
lanço religioso que os unia em torno da Igreja erguida e da Irmandandes
das Almas, que vão criar.
Inicialmente, a propriedade vai fornecer a todos os seus habitantes
tudo que eles necessitavam, dentro do que Luiz Ricardo Michaelsen
Centurião define como agricultura diversificada e de grande auto-
suficiência (A CIDADE COLONIAL NO BRASIL, p. 260). O colono,
com o tempo, vai tirar da propriedade o alimento, além de preparar
também o ambiente para a plantação de material que lhe forneceria a
roupa, como o algodão. Depois chegaria o gado, em grande quantidade,
e, com ele, o uso do couro, quer para roupas, quer para servir de cama,
quer para a sua alimentação, no leite e na carne.
Os colonos conferiram a região uma marca que o tempo
confirmaria, ou seja, a de transformar a sociedade que ia se formar no
futuro em semi-agrária, com as terras circunvizinhas exercendo a função
de abastecer a população urbana, na soleira de Luiz Ricardo Michaelsen
Centurião (A CIDADE COLONIAL NO BRASIL).

73
Correndo, em meandros, algumas vezes em leitos de pedra, entre
as propriedades, o Rio Jacaracica, que, na informação de Sebrão,
sobrinho, nasce em a fazenda Silvestre, ao pé da Serra do Pinhão e faz
barra, no engenho Santana, em Riachoelo, no rio Sergipe, recebendo
antes o Periperi, em Candeias, Fazenda-Grande (engrossado pelo
Marcela), Cedro, Lagamar e Canabrava (confundido com a Fazenda
Grande) e o Dangra, riachos de Itabaiana, exceção do último,
riachoelense (FRAMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p.
267).
Dos dados extraídos da ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS, é o maior rio que circula no município de Itabaiana
em seus atuais limites, sendo de pequena importância entre os rios
sergipanos – inferior e muito aos rios Sergipe, Vasa-Barris, Real, São
Francisco, Japaratuba, Piauí e Piauitinga. Para dita ENCICLOPÉDIA
(p. 429), nasce na Serra do Machado, no município de Ribeiropólis,
servindo de divisa entre Malhador e Riachuelo. Não é navegável em
parte alguma, possuindo, porém, um vale muito ameno de terras
bastante férteis. É tributário, pela margem esquerda, do rio Sergipe,
desaguando nas proximidades da Usina Central, já em território de
Riachuelo. É afluente do rio Sergipe, pela margem direita, embora
mais ao oeste, segundo Emmanuel Franco (A COLONIZAÇÃO DA
CAPITANIA DE SERGIPE D´EL REY, p. 55), ficando na direita os
rios do Sal e Cotinguiba. Carrega a vantagem de não provocar
enchentes, circunstância favorável à agricultura, garantindo ao colono,
localizado em terras lindeiras, tranqüilidade neste aspecto, além de ter
água durante o ano, em quase toda a sua extensão, outro fator propício
a colonização que se iniciava naquele ponto do território itabaianense.
Armindo Guarná o dá como nascendo no sangradouro do tanque do
Barejo, não esclarecendo o município (COMARCA DE ITABAIANA
– DESCRIPÇÃO DO MUNICÍPIO).
J. C. R. de Milliet de Saint-Adolphe refere-se ao Jacaracica como
ribeiro da provincia de Sergipe, que serve de limite ao districto da villa
de Larangeiras (DICIONÁRIO DA PROVÍNCIA DE SERGIPE, ps.
54-55), confundindo-o com o Jacoracica. No entanto, Laranjeiras aqui
deve ser entendida como terras que então lhe pertenciam, muitas
fazendo parte, hoje, do município de Riachuelo.
Além do Rio Jacaracica, riachos outros cortavam as Matas de
Itabaiana, como o da Fazenda Grande, ribeiro de água perece, o riacho

74
Guandu, o Periperi, antiga “grota de candeya” que nasce na serra do
Capunga, e o Vermelho, que é afluente do Dangra, cf. Sebrão, sobrinho
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 251, 288 e 296).
O Arraial de Santo Antonio foi o primeiro núcleo de civilização,
em termos de conjunto, plantado em terras itabaianenses.
Apesar de ser conhecido, então, como Arraial de Santo Antonio,
as sesmarias se referem à região, no seu conjunto, como Itabaiana,
porque esta era toda aquela parte de terras começando ali e indo até que
outra fosse conhecida. Integravam-na, num mapa atual, os municípios
de Malhador, parte do de Riachuelo, Moita Bonita, Ribeirópolis, Frei
Paulo, Carira, N. S. da Aparecida, São Miguel do Aleixo, Pinhão, Pedra
Mole, Macambira, São Domingos, Campo do Brito, entre outros, muitos
dos quais se escondiam nas Matas de Itabaiana. Daí Manoel dos Passos
de Oliveira Teles afirmar que Itabaiana guarda a lembrança da
assistência de seus antigos senhores nos nomes de alguns lugares e
rios: Campo do Brito, Varzéa do Gama, Saco do Ribeiro, Rio da Lomba
(O Estado de Sergipe, 19 de abril de 1916), ou seja, um campo que
pertence a um senhor chamado Brito, a várzea que é de outro senhor
conhecido por Gama. O saco (terminologia geográfica) a indicar uma
área que é de um homem com Ribeiro no nome; o rio que se localiza em
terra pertencente a alguém que tem Lomba no nome. Neste aspecto,
Sebrão, sobrinho, aponta alguns sobrenomes Lomba, tanto em TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 13, como em FRAGMENTOS
DA HISTÓRIA DE SERGIPE, ps. 206-207. Este o significado da
expressão utilizada por Manoel dos Passos de Oliveira Teles. Aliás,
dentre os exemplos, um, já abordado, relativo a Caatinga de Ayres da
Rocha Peixoto, isto é, uma caatinga que pertencia a Ayres da Rocha.
Naturalmente que as dificuldades sofridas pelos primeiros
colonos foram enormes, a começar pelo deslocamento de Salvador –
que se fazia, particularmente, por terra, pelo cerrado ou tabuleiro de
vegetação escassa, passando pelo rio Real e se fixando a maioria (dos
colonos) entre os rios Vasabarris e Sergipe, na informação de
Emmanuel Franco (A COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA DE
SERGIPE D´EL REI, p. 57) –, e de Recife, até as terras ganhas.
Também devem também ter chegado a Cidade de Sergipe [São
Cristóvão] por navios, pelo Oceano Atlântico, entrando pelo Rio Vaza-
Barris entre os povoados atuais do Mosqueiro e da Caueira, até o alto,
onde fica o centro urbano de São Cristóvão. Daí em diante, seguiam, na

75
perna, as margens do Rio Vaza-Barris, se azivinhando de Campo do
Brito, até chegar pegar caminho para o território itabaianense.
Vinham acompanhados, uns poucos de suas respectivas famílias,
sendo desconhecida a sua alimentação, durante certo tempo, enquanto a
terra não fornecesse frutos, pudessem tirar a alimentação daquilo que
integrava sua bagagem.
Sabe-se, em geral, que bastante precária foi a alimentação dos
colonos nos primeiros tempos, sem esquecer que tiveram de alterar
completamente seus costumes alimentares, passando a gerir frutos
colhidos da nova terra, entre eles, o milho, nativo das terras brasileiras,
o mais importante, aprendido a cultivar com os índios, a ponto de se
tornar o principal alimento nos primeiros três séculos, passando a fazer
as vezes da farinha de trigo, que não existia nas terras brasileiras.
Cláudia Lima (TACHOS E PANELAS – HISTORIOGRAFIA
DA ALIMENTAÇÃO BRASILEIRA) ressalta que o elemento principal
da dieta dos colonos foi, durante muitos séculos, a farinha de mandioca,
preparada de inúmeras formas: bolos, beijus, sopas, angus, misturada,
muitas vezes, simplesmente com água ou ao feijão, às carnes, quando
havia.
Enquanto não teve o milho, o colono se alimentou da caça, em
grande quantidade, da pesca, e de frutas nativas, experimentando estas
últimas até ter uma idéia exata do sabor de cada uma, para se fixar nas
mais saborosas.
Depois, o colono vinha de Portugal, da região norte. De lá até a
Bahia e de Recife, a viagem, a partir do século XVII, demorava cerca de
dois meses, com um índice de mortandade que atingia dez por cento dos
emigrantes, como já abordamos, anteriormente, no Capítulo II desta
Parte II, no item Influência do Elemento branco.
Necessário levar em conta que a distância do local onde ficavam
para outros centros populacionais era grande, não se esquecendo que
esses outros núcleos também estavam começando a ser implantados,
sofrendo dos mesmos males. O certo é que até que tudo começasse a se
acomodar e a terra a dar frutos, o colono sofria bastante, o que
representava um desestímulo a outros candidatos, pela séria dificuldade
que a colonização representava.
Apesar de não ter repetido aqui, no Brasil, o estilo de vida que
levava em Portugal, na soleira de Luiz Ricardo Michaelsen Centurião
(A CIDADE COLONIAL NO BRASIL), o colono foi, inicialmente,

76
agricultor, para, depois, muito depois, quando as condições permitiram,
se imiscuir pelo comércio, onde dará início, em nível de Itabaiana, a
uma raça de autênticos e espertos comerciantes, o que deve, também, ser
fruto da presença do cristão-novo na constituição de sua população.
O ponto alto e único do Arraial de Santo Antonio era a igreja,
num círculo a abranger todos os sítios existentes, ao redor.
A construção do templo, em local para onde todos os colonos
pudessem convergir, era o sinal evidente de imperar entre eles a
consciência da necessidade de união, que se manifestava através da
religião católica, obrigatória para os que vinham povoar as terras
brasileiras. As dificuldades enfrentadas nos primeiros anos, até que a
terra passasse a dar frutos, não impediram a edificação da igreja em
pouco tempo.
Igreja ou capela, pelo tamanho – as ruínas ainda se encontram em
pé – significa que, para a sua construção, mesmo em terreno particular,
como era, necessitava, segundo adverte Sebrão, sobrinho, de licença,
que seria dada pela autoridade superior da Comarca Eclesiástica, no
caso, pelo Arcebispado da Bahia, depois das informações do vigário
geral, que, por sua vez, as obtinha do pároco da freguesia a que
pertencesse a nóvel capela, no caso, o vigário de São Cristóvão
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 43). A
Irmandade a tinha como capela. Daí o Estatuto fazer essa referência,
porque nessa Igreja que nasceu a idéia de criar a Irmandade das Almas.
A igreja, ou seja, conforme Sebrão, sobrinho, a Capela de Santo
Antonio (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 287),
levantada em terras itabaianenses, não tinha vigário, já que não era
freguesia, não era curada, não tendo renda própria. Foi construída às
expensas do Coronel Florentino Borba de Almeida, proprietário do
Engenho do Rio de Sergipe (mais tarde Engenho Velho e
posteriormente Usina Lourdes), em sua fazenda na ribeira do [rio]
Jacaracica (FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DE SERGIPE, ps. 49-50).
O arraial teve seu início com a distribuição das sesmarias em
redor do Rio Jacaracica, chegando a ser sede de um dos distritos
policiais da província, em 1668, fruto da necessidade de dividir a
Capitania em distritos policiais para combater o escravo foragido, a se
refugiar em Mocambo, no [futuro] município de Frei Paulo, já
mencionado. Foi o primeiro reconhecimento da presença e importância
do Arraial dentro da geografia sergipana.

77
A presença do Arraial de Santo Antonio foi registrada, em 1642,
por Gaspar Barléus, ao traçar o Mapa da Praefectura de Ciriri, vel
Seregippe del Rey com Itapuáma, no livro História dos feitos
recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras partes
sob o governo do ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau et., ora
governador de Wesel, tenente-coronel de Cavalaria das Províncias
Unidas sob o príncipe de Orange.
O arraial teve vida curta. Com a venda do sítio do padre Sebastião
Pedroso de Gois à Irmandade e a mudança de sua sede para onde está
localizado, hoje, o centro urbano, deixou de ser referência, perdendo sua
importância de núcleo de povoamento, a ponto de parar completamente
no tempo. Dele, restam nos nossos dias apenas as ruínas da igreja, que em
conseqüência da construção de outra, ficou conhecida como “igreja
velha”, se constituindo no nome de um mero povoado. No entanto, foi a
primeira localidade de Itabaiana (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS ..., p. 287), na informação de Sebrão, sobrinho, que a
chama, com absoluta razão, de primeira Itabaiana (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 297), talvez como forma de fazer
esquecer o equivoco de Carvalho Lima Júnior de considerar a Igreja
Velha como a área adquirida pela Irmandade das Almas: Tal é o lugar
chamado – Egreja Velha, de que fallamos (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 136).

AS SESMARIAS E OS PRIMEIROS COLONOS

Perde-se nos arquivos as datas e os nomes dos primeiros colonos


a ganhar terras em solo itabaianense. O conhecimento de tais dados
ainda permanece trancado em arquivos, brasileiros e portugueses, pela
ausência, até agora, de divulgação de todas as sesmarias atinentes ao
território sergipense. Daí não ser ainda possível enumerar os colonos
que, particularmente, fizeram parte do Arraial de Santo Antonio, as
margens da Serra, na região banhada pelo Rio Jacaracica.
O pouco material divulgado em letra de forma, através de
Felisbelo Freire, em HISTÓRIA DE SERGIPE, aponta nomes de
colonos em diversos pontos da grande região itabaianense, assim
considerada toda a área atual de Itabaiana e dos municípios vizinhos,
que faziam parte das suas matas. As cartas de sesmarias foram
concedidas a partir do ano de 1600, quando d. Francisco de Sousa era

78
governador geral do Brasil, indo até o de 1603, ou seja, dentro do
material que Felisbelo Freire publicou, e no qual nos apoiamos, à falta
de outro mais completo, ao lado de indicações de pessoas que receberam
terras na região itabaianense até o ano de 1765, pesquisa na qual
Carvalho Lima Júnior também trabalha em a MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, já aqui fartamente
citada.
Tendo por fonte as sesmarias divulgadas por Felisbelo Freire,
Emmanuel Franco (A COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA DE
SERGIPE D´EL REY) une cada sesmaria a um rio, de maneira a se
poder afirmar, sem receio algum, que a doação se fazia unicamente de
terras localizadas as margens dos rios e riachos, como já apontados
anteriormente.
O primeiro colono poderia ter sido Simão Fernandes Gaguo. Mas
este não povoou as terras dentro do prazo concedido pelo Governador
Geral. A área que lhe foi doada se destinou, depois, a Manoel da
Fonseca, que veio a Sergipe nas tropas de Cristóvão de Barros, primeiro
colono de fato da região itabaianense. A sua Carta de Sesmaria atesta ter
vindo para ajudar a tomar a terra, povoar a sua custa, isto é, sem ajuda
alguma da Coroa. Trouxe a família, fato que se constitui na prova
robusta de que vinha com ânimo definitivo. As terras doadas estavam
situadas ao longo do Rio Cajaíba, em torno de três mil braças, e, como
tinha filhos para casar, Manoel da Fonseca pede mais duas mil braças. A
referência a idade de casamento para os filhos mostra que a região já
apresentava alguma povoação e, dentro desta, a presença de mulher
disponível para o união. As terras ficavam no caminho da aldeia de
Taperagua, circunstância que evidencia a proximidade com o futuro
município de Itaporanga d’Ajuda. Da leitura do pedido o dado de ter
sido doada antes, não merecendo do adquirente a exploração devida. A
data assinalada no despacho concessivo do capitão Diogo de Quadros é
de 5 de março de 1600.
A Companhia de Jesus também ganha terras, na Tapera de
Pixopoam, num total de três léguas de terra que se demarcará pelo lado
direito do Rio Vasa-Barris, levando em conta as fraldas da Serra da
Cajaíba. A Carta de Sesmaria trata Itabaiana de Itanhama, levando, pela
presença do Rio Vasa-Barris a se situar mais para Itaporanga d’Ajuda. A
doação ocorreu em 10 de março de 1601, assinada por Manoel Miranda
Barbosa, na ausência de Diogo de Quadros.

79
Outro colono é Gaspar Fontes. Trabalhava em Salvador (Bahia)
como provedor da Fazenda Real. Trouxe a família, constituída de esposa
e filhos. Necessitava de terras para levar seus mantimentos e trazer seu
gado, daí pedi-las ao norte do Rio Vasa-Barris, que anteriormente foram
doadas a Paulo Adorno e nunca cultivadas. A referência ao Rio Vasa-
Barris mostra, mais uma vez, que a terra solicitada ficava distante do
atual centro urbano de Itabaiana. Data da doação: 12 de março de 1601.
Outro foi Francisco da Silveira que declarava vir de Pernambuco
há dois anos para ser morador da Capitania. Para criar a prole e manter o
gado se tornava necessário ganhar terras, também ao redor do Rio Vasa-
Barris. Data da doação: 9 de abril de 1601.
Já outro foi João Guergo. Trazia a família, pedindo terras vizinhas
às de Francisco da Silveira e Manoel da Fonseca, na Serra da Cajaíba,
próxima ao vale do Rio Vasa-Barris, ou seja, terra situada no futuro
município de Campo do Brito. A doação ocorre em 16 de outubro de
2001.
Depois surge a de Manoel Tomé de Andrade, seu genro Francisco
Borges e Gonçalo Francisco. Eram criadores de gado. O pedido faz
referência a uma cidade, que é São Cristóvão (Cidade de Sergipe),
porque, até então, em 1601, não se registrava nenhuma povoação na
região itabaianense. Também há a menção a Itabaiana, já com a grafia
correta, numa referência a Serra. No texto, por duas vezes, aparece a
expressão: ... detraz de Itabaiana, isto é, detrás da Serra, levando em
conta que a frente seria, como é, a parte voltada para o nascente,
correspondendo, no mapa atual, a voltada para o centro urbano de Areia
Branca. A outra parte, que tem o centro urbano de Itabaiana a frente,
seria, no caso da sesmaria em foco, aquela cujo território está (estava)
detrás da Serra. No pedido há uma referência a condição ambiental vivida
no local pedido, destacando que a região por sua fora de mao e perigosa
de gentes e llugar onde hum omme só não pode ir para sua fasenda, o
que retrata a dimensão do território conhecido por Itabaiana e o perigo
que a região, por ser imensa, oferecia, matéria que abordaremos no
próximo capítulo. Pedem os colonos referidos, no caso, seis léguas de
terras, para todos tres entre si repartirem irmamente. Presumivelmente, é
a primeira terra pedida próximo ao futuro centro urbano de Itabaiana. A
doação é de 21 de janeiro de 1602.
Depois vem a de Pero de Novaes Sampaio. Pede terras próximas
às de Manoel Tomés, Francisco Borges e Gonçalo Francisco. Toma a

80
cidade de São Cristóvão como ponto de referência, fazendo menção a
Tabaiana na sua condição de Serra. As terras escolhidas e pedidas
nunqua foram povoadas nem cultivadas. A doação é de 19 de abril de
1602.
Surge a de Duarte Muniz Barreto, vindo da cidade de Salvador,
tendo participado do exército de Cristóvão de Barros. No seu pedido a
Serra aparece com o termo de tabaiana, visto que, até então, não existia
nenhuma povoação compacta em território itabaianense que pudesse ser
chamado de povoado para receber um nome. Por Tabaiana se entendia a
Serra e por força dela, toda a região, repita-se. Duarte Muniz Barreto
pede terras próximas às de Manuel Tomé d’Andrade, Gonçalo Francisco
e Francisco Borges para a banda do este. A menção ao sertão já
demonstra o avanço para terras onde hoje estão os municípios de Frei
Paulo e Ribeiropólis. O pedido abrange, além da terra, todas as agoas
madeiras, fato muito comum, à época, permitindo ao donatário usar as
águas dos rios existentes sem pagar foro algum, e ainda aforá-las, se
necessário se tornasse, além de poder fazer uso da madeira, ou seja,
derrubando árvores para se utilizar da madeira nas construções a serem
empreendidas.
Jorge Barreto era morador da capitania da Bahia, tendo vindo
ajudar a povoar a capitania sergipana. Precisava de terras para mandar
fazer mantimentos e trazer gado vaqum. Pede terras ao lado das de
Duarte Muniz Barreto, também com águas e madeiras na dita terra
houver. A concessão data de 19 de abril de 1602.
Vem em seguida a do padre Fellipe da Costa e Melchior Velho,
moradores da Capitania da Bahia e participantes da guerra ao índio.
Ambos se declaram pessoas de muita posse, tendo gado e escravo, de
forma que precisam de terras para roçar e criar gado, pedindo terras ao
oeste da Tabanhama, ou seja, da Serra. Fazem referência as terras da
Companhia de Jesus e a Ribeira, de forma que é fácil perceber estar
situada entre o atual povoado Ribeira e o município de Campo do Brito.
A doação é de 5 de julho de 1603.
Por fim, dentro do século dezessete, ocorre ainda a doação de
trinta léguas a várias pessoas, como Cristovam de Burgos, Pedro Garcia
Pimentel, Manuel de Couto Dessa, Jeronimo da Costa Taborda e
Antonio Rodrigues, abrangendo extensa área de terras compreendida
entre os rios Vaza-barris, Sergipe e São Francisco até Serra Negra.

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É certo que muitas destas sesmarias contemplam terras
localizadas hoje em território de outros municípios, como Itaporanga
d’Ajuda, como é o caso da de Francisco da Silveira, arrolada por
Sebrão, sobrinho, como dentro da colonização de Itaporanga d’Ajuda
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 20). O problema
é que, à época, se situava mais na grande região itabaianense, por falta
de delimitação de limites, visto que não existia nenhum município
formado, com sua área limites estabelecida.
No século dezoito, tomando ainda Felisbelo Freire e Carvalho
Lima Júnior como guias, recebem terras em Itabaiana:
Francisco de Almeida Cabral (capitão), que ganha quatro sítios
que foram anteriormente doados ao sargento-mor Bernardo Correia
Leitão. As terras ficavam a duzentas léguas abaixo na tapera da
manilha, pelo rio Jararacica abaixo entre o dito rio e a estrada velha
que vai de Itabaiana para o rio Sergipe, em uns sobejos de terras que
possue e a dada que foi de Diogo Lopes Velho, com todas as agoas,
campos, pastos, e mais logradouros úteis. Data da doação: 18 de
outubro de 1726. A Itabaiana referida já é a vila.
Manuel Nunes Coelho [capitão; Carvalho Lima Júnior o trata
como Coronel (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE
ITABAIANA, p. 129)]: recebe o sítio chamado Lomba e campo do
Siqueira, dividido pelo poente com o Rio Vasa-Barris e para o norte
com terras de Luiz de Macedo e rio João Gongo, e pelo sul com o Rio
Gonçalo Mendes, e passando a nascença do rio Salgado por ele abaixo
até o dito Rio Lomba. O alvará, de 10 de abril de 1731, faz menção a
Itabaiana, embora nos limites atuais esteja localizado no município de
Campo do Brito.
Antonio Martins Fontes (capitão-mor) recebe terras no sertão do
Vasa-Barris, cuja légua de largo principiará da barra do riacho Salina, e
correrá pelo rio do Peixe acima, até a Serra Negra pelo nascente. O
alvará é de 29 de janeiro de 1732.
Antonio Tavares de Menezes recebe terras na vila de Itabaiana,
começando de um outeiro do Rio Sergipe para outro rio chamado da
Campanha, nas cabeceiras de Caindos. O alvará é de 16 de fevereiro de
1735.
Carvalho Lima Júnior observa que, a esta altura, já então muito
desenvolvida a colonização em Itabaiana (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 129), entendido

82
por Itabaiana, reprise-se, toda a região em redor da Serra e da vila que já
estava instalada e funcionando.
José Correia de Araújo (sargento-mor) ganha terras entre
Itabaiana e Geremoabo e rio São Francisco. O alvará é de 7 de
dezembro de 1748.
João Paes de Azevedo pede terras fora das do Engenho Taboa de
sua propriedade no termo de Sergipe del Rei, entre o Rio Vasa-barris,
termo de Itabaiana, e Rio São Francisco e Geremoabo e Rio de Sergipe,
onde acaba a terra do sargento-mor Antonio Ribeiro da parte do norte. O
alvará é de 6 de fevereiro de 1765.
Antonio José da Costa solicita terras em Itabaiana, parte do
nascente nos lugares chamados Leges e Mandissoba, mais tres leguas
nas Pedras, Lages e Mandissoba, que principiarão na barra do Rio das
Lages, do Rio Sergipe por ele acima até o centro do sertão ao lado do
poente. O alvará é de 1 de fevereiro de 1778.
Francisco Curvello de Barros recebe terras que se principiam nos
olhos d’agua que tem dentro do Rio Salgado que vem da Serra Negra
pela rio acima da parte do nascente e faz barra no Rio Vaza-Barris junto
a fazenda de Camaratuba do capitão Gonçalo Tavares da Mota, que
parte com terras de Simão Teles de Menezes, com uma fazenda que tem
chamada a Boa Vista, na barra do Rio Vaza-Barris, no termo da vila de
Itabaiana. O alvará é de 29 de janeiro de 1789. A menção a Serra Negra
e a vila de Itabaiana é outro sinal que, à época, Itabaiana continuava
sendo possuidora de um imenso território.
Francisco Pereira de Jesus e José Maria da Silva recebem terras
no Rio [riacho] Jacoca, no de Manoel acima para o poente, ficando o
riacho no meio da lagoa. Data da carta de confirmação: 21 de fevereiro
de 1793.
Por fim, João Barbosa de Madureira (capitão) indica terras,
partindo do sul para o norte com a beira do Rio Salgado, correndo
acima, e da parte do norte com a sesmaria de Antonio Pereira e do
nascente e da outra parte com terras devolutas e que no meio deste tem a
lagoa chamada Piá. O alvará é de 15 de setembro de 1800.
Muitas das doações abrangiam também todas as águas, campos,
pastos e demais coisas úteis, situando-se elas dentro da região
itabaianense, mas fora do âmbito do atual município de Itabaiana.
Certamente que não foram só estas as doações de terras ocorridas.

83
Apenas estas mereceram menção de Felisbelo Freire, tendo ocorrido
outras que, ainda, não foram levadas a letra de forma de livro.
Das sesmarias divulgadas, observa-se, no seu conjunto, a escolha
de dois locais específicamente: um, em torno do Rio Vaza-Barris,
abrangendo, no mapa atual, os municípios de Campo do Brito, São
Domingos e Itaporanga d´Ajuda, lindeiros ao de Itabaiana; outro, terras
em redor da Serra, chamada, nas sesmarias, pela denominação de
Itabaiana. O panorama colhido, com colonos localizando-se nos dois
locais referidos, evidencia o início da conquista gradual do então imenso
território itabaianense, se encarregando o tempo de unir os colonos
através da abertura de vias de acesso, materializadas nas picadas dentro
da mata, o que vai possibilitar a congregação de todos em torno de uma
entidade comum, pelo menos daqueles que ficaram ao redor da Serra,
nas margens do Rio Jacaracica.
Possivelmente os arquivos, brasileiros e portugueses, ainda
trazem outras sesmarias, que, divulgadas, oferecerão uma visão maior
do panorama da colonização em terras itabaianenses.

CAPÍTULO VI

A IRMANDADE DAS ALMAS

O Arraial de Santo Antonio teve vários méritos. Foi o primeiro


núcleo de povoamento do futuro município de Itabaiana, berço,
portanto, da sua história. Seus colonos, cultuando a imagem de Santo
Antonio, construíram uma igreja, que era o centro de reunião de todos,
templo que, pelas suas dimensões, levando em conta o quadro que as
ruínas oferecem, mostrava ser suficiente para abrigar os colonos em seu
interior.
Aos colonos coube, também, a tarefa de criar uma irmandade, a
Irmandade das Almas, ainda no tempo em que o Arraial de Santo
Antonio existia.
A Irmandade, com o nome de Irmandade das Sanctas Almas do
Fogo do Purgatório, foi criada no ano de 1665, quando era governador
geral do Brasil e vice-rei o primeiro Conde de Óbidos, D. Vasco

84
Mascarenhas, ou seja, antes do Arraial de Santo Antonio ser um dos
distritos policiais de Sergipe, o que só vai ocorrer em 1668, quando
Alexandre de Sousa Freire era governador geral do Brasil, e antes da
venda do sítio do padre Sebastião Pedroso de Gois a Irmandade,
realizada em 1675.
Não se tem notícia de outra Irmandade, dentro de Sergipe, já
existente, em termos de sociedade religiosa, antes do ano de 1665.
A criação da Irmandade das Almas é sinal de que, entre os
colonos, a maioria já constituída de pessoas nascidas em solo
itabaianense, e, portanto, já olhando para a terra como sua pátria,
pairava certo grau de civilização, sendo resultado mediato de sessenta e
cinco anos de presença branca em suas terras, se reproduzindo, se
multiplicando, até se constituir num punhado de pessoas que, pelo
número e grau cultural, exigiam a presença de uma sociedade que os
reunisse e lhes concedesse força e existência jurídica. Além dos
aspectos religiosos, que eram por demais importantes, evidenciava a
necessidade de se fortalecerem através de uma entidade que ia agrupar
as famílias locais, e, passava a ser o veículo de união de todos, como
forma até de evitar que continuassem dispersos e isolados em suas
propriedades.
No caso de Itabaiana, se constitui no primeiro poder organizado
implantado em suas terras, demonstrando que o poder religioso chegava
antes do político, indo realizar aquilo que a Coroa ainda não tinha
condições e meios de fazer, além de representar também a adoção de
uma sociedade cujos moldes o colono ia buscar inspiração e modelo em
sua terra natal.
Depois, segundo Gilberto Freire (CASA GRANDE &
SENZALA, p. 219), as irmandades ou confrarias de caráter religioso,
que gozavam de alto prestígio em Portugal, derivavam de mestres
sindicalizados, encarregando-se da assistência social, segundo Elcio de
Gusmão Verçosa ( CULTURA E EDUCAÇÃO NAS ALAGOAS –
HISTÓRIAS, p. 35), constituindo um fenômeno cultural importante, na
opinião de Maria Beatriz Nizza da Silva, a ressaltar que certos
indivíduos em confraria: eles tinham por vezes interesses ou, pelo
menos, uma atividade profissional e ligá-los (CULTURA E
SOCIEDADE NO RIO DE JANEIRO – 1808-1821, ps. 81-82),
circunstância que demonstra também que os colonos, fincados em terras
itabaianenses, não eram simples aventureiros, mas pessoas afeitas à

85
agricultura, com noção perfeita de união em torno de uma sociedade, e,
ainda mais, pessoas que sabiam ler e escrever, visto que a confecção dos
estatutos da irmandade assim exigia, além do que eram seres dotados de
visão do futuro, na formalização de uma entidade criada para durar a
vida inteira.
A utilização do termo almas no nome primevo – Irmandade das
Sanctas Almas do Fogo do Purgatório –, mantida na denominação
seguinte – Irmandade das Almas – , que permaneceu, encontra sua
explicação no fato de a Igreja, incentivada pelos papas, defender a
salvação das almas das pessoas que em vida pertenceram a ordens
religiosas ou confrarias, a ponto de, conforme Câmara Cascudo, já no
século XVII, as confrarias das Almas existiam (SUPERSTIÇÃO NO
BRASIL, p. 375). Assim inspirada, o nome da Irmandade, criada em
1665, reflete um credo de forma bem notória: Irmandade das Sanctas
Almas do Fogo do Purgatório. Além de realçar as almas que, por serem
de integrantes da Irmandade quando vivas as pessoas, passavam com a
morte, a serem santas, ainda destaca o lugar onde estas almas se
encontram, isto é, no Purgatório, que é, segundo Câmara Cascudo,
penumbra, meia-luz em que se distinguem vultos como nas horas da
madrugada, não havendo sol, lua, nem estrelas (SUPERSTIÇÃO NO
BRASIL p. 376), se situando a Irmandade criada dentro da devolução
popular de cultivo as almas do outro mundo.
Depois, dentro dos conceitos da época, a irmandade tanto poderia
receber o nome de um santo ou santa, como ser do tipo sacrossantas,
como as do Santíssimo Sacramento, Divino Espírito Santo, ou Santas
Almas, como esclarece Nireu Cavalcanti (O RIO DE JANEIRO
SETECENTISTA, p. 207). A de Itabaiana, integra a desse último tipo,
acrescido do termo Fogo do Purgatório.
O objetivo repousa no prológo do Compromisso da Irmandade,
aprovado pela Resolução Provincial 674, de 3 de junho de 1864:
Com qualquer devoção dos Santos, e santas da Corte Celestial,
uma vez que seja aprovada pela Santa Igreja, aceita na presença de
Deos, e não menos proveitosa às nossas alms, alcançando por sua
intercessão o augmento de graácas, e para remedio de muitas
enfermidades corporaes, que continuamente nos sobrevem, foi
costume approvado pela mesma Santa Igreja que houvessem
Irmandaes e confrarias, em que se venerasse e servisse aos Santos
com especial devoção, principalmente aqueles, por cuja intercessão

86
frequentemente recebemos mercês e benefícios da liberal mão de
Nosso Bom Deos, e sendo assim aquellas que se fundão sob o amparo
e protecção das Santas Almas, que estão no fogo do Purgatorio não
deixarão de ser do agrado de Deos, tanto mais quanto fundadas nas
bazes da caridade Christã, se encaminhão e occupão em sufrfagios
para alivio de suas pennas em lhes mandarem fazer officios, celebrar
Missas e praticar outros actos de religião e piedade em prol dellas. E
para observar-se uma conveniente regularidade nos actos de sua
devoção, era necessário que se ordenasse este compromisso para que
todos os irmãos d’aqui em diante conforme elle regulem-se no que diz
respeito a esta devoção, guardando e fazendo guardar tudo o que
nelle se contem e declara, do que seguramente poderemos esperar
gande aproveitamento para as nossas almas quando deste mundo
sahirmos, tendo também a nosso auxilio a proteção da Virgem Maria
Senhora Nossa. Ave Maria.
O fato mostra a atualidade religiosa dos que criaram a Irmandade
das Almas em terras itabaianenses, em 1665, e sua perfeita sintonia com
o que de mais moderno predominava à época em Portugal, sem esquecer
que a devoção às “Santas Almas Benditas” veio ao Brasil com as
primeiras famílias portuguesas no povoamento de algumas Capitanias,
na informação também de Câmara Cascudo (SUPERSTIÇÃO NO
BRASIL, p. 384). Itabaiana foi palco de uma delas. Luciano Figueiredo
cita a presença de uma irmandade, em Minas Gerais, com o título de
Almas Santas (O AVESSO DA MEMÓRIA – COTIDIANO E
TRABALHO DA MULHER EM MINAS GERAIS NO SÉCULO
XVIII, p. 155).
Tanto que, no prólogo do Compromisso da Irmandade –
documento existente nos arquivos de Sebrão, sobrinho, que, com a sua
morte, me passou as mãos – , convertido para a grafia atualizada,
consta:
Como quer que a devoção dos Santos e Santas da corte celestial
seja mui aceita a Deus e proveitosa a nossa almas assim para o bem
espiritual alcançando por sua intercessão aumentos de graças como
também para remédio de muitas enfermidades corporais que
continuamente padecemos, foi costume aprovado pela santa madre
Igreja que em particulares Irmandades e Confrarias, em que se
venerassem e servissem particulares santos e santas com especial
devoção, principalmente aqueles por cujo meio continuamente

87
recebemos mercês e benefícios da liberal mão de nosso Deus; e sendo
todas as Irmandades que debaixo da proteção dos Santos se fundam
gratíssimas a Deus aquelas que se acolhe ao amparo e proteção das
almas Santas que estão no fogo do purgatório lhe são muito aceitas por
que se ocupam em sufrágios e alivio de suas penas, em lhe mandarem
fazer ofícios e dizer missas todos os anos e mais dias da semana, como
costumam os fieis cristãos fazer com toda a solenidade, e considerando-
se para que com maior servirem as santas almas era necessário que se
instituísse este compromisso, para que todos os irmãos conformes daqui
em diante sirvam as Santas Almas inteiramente, guardando e fazendo
guardar o que nele se contém e fazendo assim seguramente poderemos
esperar grande aproveitamento de nossas almas, e mui certo socorro do
Céu por interseção das Santas Almas se devota e piedosamente servimos.
AMEN.
Já nos capítulos salvos, apenas seis, se registrava:
Cap. VII
Como os oficiais não dispenderão o dinheiro da Irmandade
Querendo os oficiais que servem aquele ano fazer alguma peça
para a Irmandade a farão de sua bolsa, e não do dinheiro que rende a
Irmandade, salvo coisas que pertencerem para o ornato do altar, sendo
necessário, e não querendo os oficiais fazê-lo a sua custa, de nenhuma
maneira será das esmolas que se tirarem porque este é consignado as
capelas e caso que cresça dinheiro para a satisfação delas se
despenderá em missas e quando não possa ser no altar privilegiado das
santas Almas, será em outro que o seja.
Cap. VIII
Como se ajuntarão os irmãos para determinar o que se há de
fazer
Far-se-á o ofício das almas cada ano nas segundas feiras
próxima depois do dia da comemoração dos defuntos com suas
véspera ao Domingo a tarde, e haverá pregação, e para os gastos fará
o Juiz e mais oficiais mesa aonde está o altar das almas na dita capela
para tratarem e assentarem com o mais seja serviço de Deus nosso
senhor fazer o dito oficio e o tesoureiro será obrigado a estar presente
para fazer o assento dos gastos no livro que para isso haverá de
receita e despesa, para melhor clareza das contas que se derem.

88
Cap. IX
Da cera da Irmandade, e de como se comporão as discórdias
entre os Irmãos
Haverá sempre nesta Santa Irmandade será necessária assim de
tochas como damais, e serão os oficiais obrigados deixarem mais cera e
não menos da que lhe entregaram aos que sucederam, e o Tesoureiro e
procurador terão cuidado com toda a fábrica da Irmandade, e havendo
alguma falta ou discórdia entre os oficiais darão parte ao Juiz do que
passa e se lhe encomendara para haver paz, e amizade entre os Irmãos,
que esta é verdadeira Irmandade que N. Senhor mais se serve,
recorrendo em tudo seu Pároco, pastor de sua Igreja.
Cap. X
Como se acompanham os irmãos que falecerem, e das missas que
lhes dirão:
Falecendo algum irmão será seu corpo acompanhado com a dita
irmandade a sepultura, e lhe mandaram dizer os oficiais que naquele
ano sevirem doze missas pela alma daquele Irmão, ou Irmã que morrer,
e sendo que morra algum filho, ou filha de qualquer Irmão ou Irmã será
também obrigada a irmandade a acompanhar seu corpo a sepultura, de
sete anos para cima, sendo filho [de] família, serão obrigados os
Irmãos e Irmãs a rezar pela alma de qualquer dos Irmãos defuntos,
quinze Padre Nosso e quinze Ave Maria e o Procuradora fará aviso aos
Irmãos que rezem pelos defuntos que morreram.
Cap. XII
Os irmãos desta Santa Irmandade serão obrigados em o dia de S.
Miguel, que é a 29 de setembro, como protetor das Almas, fazer-lhe sua
festa, que consta de missa cantada e pregação, com toda a solenidade, e
lhe dirão uma capela de missa em seu altar, as quartas-feiras.
Cap. XI
Dos irmãos que morrerem ausentes, assim no Reino, como em
outra qualquer parte
Sendo caso que algum Irmão desta Santa Irmandade se ausente
para qualquer parte deste Reino havendo pago o que dever até o dia de
sua partida, e haja notícia de sua morte, o Procurador dará recado a
toda a Irmandade, que lhe rezem por sua alma os quinze parter nost
[padre nosso] e quinze Ave Marias, e o Tesoureiro lhe mandará dizer
seis missas por sua alma, no que haverá grande cuidado, e deixando

89
ordem para pagar a Irmandade todos os anos lhe mandaram dizer as
dozes missas como que se falecera estando presente.
Evidentemente, o Compromisso aludido reflete normas existentes
em outros compromissos, que foram, na sua totalidade, adotados pela
Irmandade das Almas, estando registrados em letra cursiva, de fácil
leitura, levando em conta a grafia da época. Por exemplo: a letra v
aparece sempre como u.
A Irmandade das Almas era um apêndice da Igreja Católica, se
constituindo em um veículo de assistência social ao povo, chegando a
nível tal de importância que, menos de cem anos de fundada, nela só
ingressava a classe nobre, como assinala Sebrão, sobrinho
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS...., p. 308). Não é,
portanto, qualquer pessoa que tinha o privilégio de fazer parte de suas
hostes. Apenas os que detinham o poder econômico na localidade, isto
é, uma diminuta parcela da população.
A Irmandade das Almas, ainda hoje funcionando, vai
desempenhar um papel importante na história de Itabaiana, como
veremos no item seguinte.
Carvalho Lima Júnior – que não teve acesso ao estatuto da
Irmandade das Almas, como Sebrão, sobrinho, adiante, terá, – suscita
uma série de dúvidas relativas ao ano da sua fundação:
É forçoso, pois, inferir destes dados, que anteriormente ao ano de
1675 já havia em Itabaiana uma Irmandade das Almas como pessoa
jurídica legalmente reconhecida.
Ora, como não podia haver uma Irmandade constituída antes da
existência da freguezia, e aquela foi, sem dúvida, quem propôs a
compra para patrimônio, segue-se que antes de 1675 já existia a
freguesia, ou n’aquele lugar, ou onde se acha a cidade.
Não podia, portanto, ser de 1677 a creação da freguezia, nem
1675, a não ser que a Irmandade das Almas tenha nascido em São
Christovão a cuja parochia pertenceu Itabayana, mudando se depois
para esta, o que não é rasoável suppor.
Devemos retrogradar alguns annos para buscar a verdade data?
Aonde porem? Deixamos ahi o caso sem solução (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE ITABAIANA, p. 136).
Contudo, mercê do Estatuto da Irmandade das Almas, pode-se
estabelecer que o ano de sua criação foi o de 1665, dez anos antes da
instituição da freguesia de Santo Antonio e Almas de Itabaiana. A

90
Irmandade das Almas foi criada no Arraial de Santo Antonio, quando
não havia nenhuma perspectiva imediata de ser criada a vila de
Itabaiana, nem, tampouco, a Irmandade, ao tempo de sua criação,
poderia imaginar que, dez anos mais tarde, iria adquirir um terreno para
a construção de uma nova Igreja em terras localizadas na Caatinga de
Ayres da Rocha Peixoto.
A data de 1665 é a verdadeira. O compromisso, em meu poder e
que ilustra a capa do presente trabalho, assim demonstra. Depois vem a
compra de 1675, efetuada pela Irmandade das Almas, de forma a não
pairar nenhuma dúvida. Contudo, essa data parece ter sido esquecida ou
ignorada pelos membros da Irmandade, que a deram como criada em
1855, conforme se vê do Compromisso aprovado pela Resolução
Provincial 674, de 3 de junho de 1864. Ora, em 1855 a Irmandade já
contava com cento e noventa anos de funcionamento.
No Estatuto da Irmandade das Almas, na referência que faz a
Itabaiana, em 1665, se situa a grande demonstração de que o futuro
município já estava bem consolidado no meio de sua população.

CAPÍTULO VII

A COMPRA DO SÍTIO NA CAATINGA DE AYRES DA


ROCHA

O Arraial de Santo Antonio possuía uma igreja. Funcionava uma


irmandade. No entanto, a igreja não era da Irmandade das Almas, fator
que se constituía em obstáculo a criação da freguesia.
A igreja do Arraial de Santo Antonio ficava em terreno particular,
no pasto de uma fazenda, como afirma Sebrão, sobrinho
(FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DE SERGIPE, p. 50). Nestas
circunstâncias, o sonho da freguesia não se realizava. Necessário que a
Irmandade das Almas possuísse um terreno onde uma igreja fosse
construída, a fim de que a freguesia pudesse ser criada. Foi o primeiro
grande desafio que a Irmandade das Almas teve pela frente.
A Irmandade, dentro deste propósito, não podendo adquirir o
terreno onde estava a igreja do Arraial de Santo Antonio, foi induzida a
comprar do padre Sebastião Pedroso de Gois, vigário de São Cristóvão,

91
o sítio, encravado na Caatinga de Ayres da Rocha, onde ergueria mais
tarde a sede do futuro município, para nele ser construída uma igreja. O
fato ocorreu em 9 de junho de 1675. A Irmandade das Almas foi
representada por Domingos Ferreira, juiz, por Lourenço d’Almeida,
escrivão, por Pedro Dias Nira, tesoureiro, e por Bartolomeu Nunes de
Souza, procurador. Eram os seus principais diretores.
O padre Sebastião Pedroso de Góis possuía dito sítio desde 17 de
maio de 1668, referência que evidencia que, à época, a área, onde mais
tarde o centro urbano de Itabaiana seria erguido, já era habitado e
explorado.
Na descrição da escritura, o sítio de terras na Itabaiana, a metade
de meia légua de terra, que parte de uma banda com terras de Diogo,
de desta que hoje são do Doutor Gomes percorrendo com que mais
deva e haja de partir a dita terra que chamam a Caatinga de Ayres da
Rocha, custou a Irmandade das Almas a quantia de sessenta mil réis. A
finalidade da compra estava bem fixada na escritura: para que na dita
terra fazerem ditos compradores uma igreja das Santas Almas e
adotarem a dita igreja com todos os rendimentos que a dita terra lucrar
para a dita confraria e Irmandade.
Da terra a Irmandade tiraria o rendimento suficiente para manter a
Igreja e ela própria, Irmandade. Não era uma aquisição comum, dado o
nó que a Irmandade colocava na compra, ligando a renda da terra à
manutenção da Igreja, sem precisar depender de ajuda real. Tudo o que
a terra rendesse era para a Igreja, porque só assim esta poderia
sobreviver. Depois, a Irmandade, num só ato, vislumbrando o futuro,
preparou o sustento da Igreja para sempre. A terra adquirida teria
rendimento permanente para sustentar o templo religioso.
Se a Irmandade das Almas não construísse a igreja, o padre
Sebastião Pedroso de Gois devolveria o dinheiro da compra e retomaria
o sítio. A condição da aquisição foi cumprida pela Irmandade das
Almas, que edificou o templo religioso.
A conseqüência da compra do sítio foi a imediata edificação da
igreja, no local onde hoje está a Matriz, fato que provocou a
transferência da sede do futuro município, do Arraial de Santo Antonio,
para a Caatinga de Ayres da Rocha.
A transferência mereceu críticas de Carvalho Lima Júnior:
Afastando-se daquele ponto, vizinho aos cursos d’agua
permanentes e da Serra, em uma zona mais favorável à cultura, pela

92
sua constituição geológica, e encaminhando-se mais para o ocidente em
cujo solo predomina o silex em sua composição, sem abundância de
águas nativas, a conseqüência foi, com o andar dos anos e a devastação
das matas, tornar-se periódico o flagelo das secas sofrido pela
população (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE
ITABAIANA, p. 135).
Na linha deste raciocínio, poder-se-ia acrescentar que somente o
fator religioso, que emanado da Corte portuguesa, predominou por toda
a colonização, poderia justificar a escolha de uma área sem rio
próximo, para ser local de construção de uma igreja, e, em
conseqüência, de um centro urbano, que mais cedo ou mais tarde se
ergueria em torno do templo religioso, numa época em que a
agricultura era ainda o principal e único meio de subsistência. Ademais,
o fato pode parecer até contraditório com a geografia de Portugal,
cortado de rios por todos os lados. Ou seja, nesse aspecto, o colono não
teria copiado suas origens, talvez esquecido da terra que deixaram para
trás, sem esquecer que aqueles homens já eram brasileiros.
No entanto, quando a Irmandade comprou o sítio do padre
Sebastião Pedroso de Gois, pensou em termos futuros, levando o
centro urbano para uma vasta planície, onde, ao lado da Igreja, outros
prédios seriam erguidos, resultando, mais cedo ou mais tarde, em
uma futura vila, enquanto ao redor, não muito distante, os
agricultores explorariam seus terrenos. Entre a Igreja Velha e o
centro atual de Itabaiana, a distância não é considerável, mesmo
levando em conta a paisagem do século dezessete.
Certo que o lugar escolhido, por muito tempo, pela falta de água,
esteve parado. No entanto, a crítica de Carvalho Lima Júnior foi
produzida levando em conta a situação de Itabaiana vila, pequena e
acanhada, escondida no centro da província, que ele viu menino, na
metade do século dezenove. O crescimento que o centro urbano sofreu,
espalhando-se por todos os lados, sem ter nenhum rio lhe cortando as
ruas, nem impedindo o surgimento de novas ruas, livre das enchentes,
conduz a certeza plena que a Irmandade das Almas pensou no local para
ser sede de uma povoação urbana, tendo sido acertada a escolha,
verdade a que só chegamos três séculos depois da compra. Ou, ainda,
que o lugar escolhido revelou-se perfeitamente apropriado para ser sede
de um futuro centro urbano, sobretudo pela quase planície, onde foi
fincado, e pela capacidade de poder se expandir por qualquer de seus

93
lados, além de ficar situado exatamente no centro da Província
sergipana, provocando várias estradas de acesso. Depois, pelo tamanho
do sítio – metade de meia légua – se percebia, facilmente, que não seria
só para a construção de uma igreja. Esta ocuparia um espaço minúsculo
no terreno adquirido. Havia área suficiente para ser erguido um centro
urbano que, de forma natural, surgiria, tendo o templo religioso como
atração. A experiência mostrava que a igreja, uma vez construída, não
ficaria sozinha, reclamando a presença de casas ao seu redor. O fato
ocorria em todos os lugares. Ali não seria diferente. As casas só não
acompanhavam a igreja quando o terreno, no qual esta estava
construída, era particular, e, sobretudo, se situava em fazenda, como era,
no detalhe, o caso da primeira Igreja, em área hoje conhecida como
Igreja Velha.
Além do mais, um fato histórico: Itabaiana é o primeiro
município sergipano a ter sua sede, previamente, fixada, como se os
homens da Irmandade das Almas, ao comprar o sítio do padre Sebastião
Pedroso de Gois, tivessem fixado, como de fato pensaram, que ali seria
plantado um núcleo populacional que, mais tarde, geraria um centro
urbano. No sítio, o lugar onde as casas seriam construídas uma ao lado
das outras, formando ruas. Seria a semente para um povoamento que se
iniciava naquele momento. O futuro estava ali, em uma planície que
permitiria um centro urbano crescer para todos os lados, sem o
obstáculo dos rios e de suas enchentes periódicas. No centro, ao redor da
igreja, as casas, que mais tarde dariam sustentação a criação da vila. Ao
redor do centro, que seria urbano, daí centro urbano, as propriedades
rurais, cujos proprietários iriam adquirir um lote no terreno para
construir, ao lado da Igreja, a sua casa, que, no início, seria de pousada,
e, depois, quem sabe, morada permanente. O centro urbano não
precisaria de terra fértil nem de rios, elementos necessários sim para a
agricultura, que seria explorada nos sítios lindeiros. O projeto, que,
naquele momento, pairou na cabeça dos diretores da Irmandade das
Almas, estava corretíssimo. O futuro seria seu aliado.
Contudo, a assertiva de Carvalho Lima Júnior traz a data de 1914,
quando escreveu a MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE
ITABAIANA. Depois, em 1926, como veremos adiante, ao escrever
uma série de artigos intitulados de PATRIMONIO DA IRMANDADE
DAS ALMAS DE ITABAIANA, Carvalho Lima Júnior mostraria que o
sítio da Irmandade das Almas, até o ano de 1853, abrangia também

94
variada área rural, abrangendo, do lado norte, as terras que iam da Igreja
Matriz até a entrada da Terra Vermelha, bem como, pelo lado, leste, as
que eram lindeiras ao riacho Marcela, carregando em seu bojo diversos
riachos periódicos, apta, portanto, para a agricultura, de forma que a sua
crítica, formulada na MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO
DE ITABAIANA, em parte, perde a razão de ser.
Independentemente da discussão, a esta altura, de somenos
importância, valendo apenas como referência histórica que não pode ser
ignorada, a Irmandade das Almas teve uma visão perfeita do futuro,
plantando uma semente que germinaria, paulatinamente, em direção aos
séculos seguintes, numa vasta planície onde arbustos, matos rasteiros,
árvores de grande porte, entrecordas de alguns riachos, se erguiam. De
uma sociedade agrícola emanava uma decisão objetivando, no porvir,
evitar que essa sociedade não fosse apenas e tão somente agrícola. No
aspecto, as terras que ficavam além do sítio, em direção ao sertão, se
mostravam favoráveis à pecuária, como nos séculos seguintes se
concretizou. A agricultura, de um lado, e de outro, a pecuária. O
crescimento de ambas geraria mais habitantes no centro urbano,
proporcionando o surgimento de outras profissões, sem se falar no fato,
que se observou até a década de cinqüenta do século vinte, de ter o
colono, tomando como marco os idos de 1675 em diante, outra
profissão, de forma que grande parte se arranchava no centro urbano
num determinado período e, em outro, trabalhava em sua propriedade
agrícola.
Na Caatinga de Ayres da Rocha a futura sede do município foi
plantada de maneira definitiva, apesar de todos os problemas que iria
enfrentar pela frente.
Baseado no fato de Simão Dias Francês ter nascido no ano de
1595, no local onde quase cem anos depois foi construída a Igreja, na
Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, Carvalho Lima Júnior afirma que,
como quer que seja, confirmamos que em 1595 já era habitado o
território de Itabayana, no local onde se acha a sua matriz, ...
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE ITABAIANA, p.
138), assertiva que, em parte, também não é verdadeira, porque, como
se verá adiante, o soldado francês e a índia, pais de Simão Dias Francês,
chegaram ao local em nível de fuga, para se esconderem, e não para
habitarem, não tendo, ao redor, até então, nenhuma habitação. Tanto
que, como visto, Simão Dias Francês nasce embaixo de uma quixabeira,

95
não em uma casa, sobretudo porque, se existisse casa por ali, é de se
presumir que se daria abrigo a uma mulher grávida e a um homem
ferido.
O sítio adquirido apresentava um tamanho certo: metade de meia
légua de terra. No aspecto, também Carvalho Lima Júnior incide em
equívoco, ao atribuir um quarto de légua ao sítio adquirido
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
136), talvez por não conhecer, ainda, em 1914, quando a sua
Monografia foi escrita, a escritura atinente a compra.
As confrontações do imóvel eram com terras de Diogo e com as
do Doutor Gomes, sendo os demais lindeiros ignorados, a ponto de a
escritura mencionar a tal dar ênfase, com a frase: ... percorrendo com
quem mais deva e haja de partir a dita terra... A inclusão da frase deixa
claro que os dirigentes da Irmandade das Almas tinham a certeza de que
outras pessoas eram ali proprietárias.
Tais fatos, ou seja, o desconhecimento de outros vizinhos, não
impediram os dirigentes da Irmandade das Almas de assumirem a posse
do sítio e edificarem a igreja, a casa paroquial, vendendo lotes para a
construção das demais casas, que, no início, dariam origem a Rua da
Praça e a Rua do Sol, como abordaremos adiante.
Mas, o problema atinente à falta de delimitação da área precisa e
certa continuou martelando a Irmandade. A Escritura apresentava
problemas: tinha linhas internas de palavras illegíveis e sem sentido,
segundo Carvalho Lima Júnior, que se encarregaria de apontar os seus
senões:
A Escriptura, como vimos, não declara as dimensões do terreno,
não [indica] se o terreno era ou não em quadro, sem dúvida porque o
não era, nem determinou a frente e o fundo para base da medição
patrimonial.
Quanto aos confrontantes, apenas menciona dous sem clarêra
[clareza] (PATRIMONIO DA IRMANDADE DAS ALMAS DE
ITABAYANA, Poeiras dos Archivos, Diário da Manhã, 24 de dezembro
de 1926).
Os senões indicados reclamavam uma tomada de posição por
parte da Irmandade das Almas, na busca de estabelecer, agora, com o
centro urbano que surgia, apesar de pequeno e deficiente, o seu
verdadeiro tamanho e exata área, fato que só vai ocorrer em 1853,
momento exato em que a Irmandade não dispunha de uma cópia da

96
Escritura, nem ao menos, os seus dirigentes de então sabiam da sua
existência. A escritura original deve ter se extraviado, cento e dezoito
anos depois da sua lavratura.
Segundo Carvalho Lima Júnior, sem determinação certa dos seus
rumos, conhecidos imperfeitamente pela autoridade da tradição
desrespeitada, andou à matroca o patrimonio, avançando nelle os
ladrões, uma vez por outra durante mais de dous séculos, quando, em
30 de novembro de 1853, o Thesoureiro da Irmandade, José Antonio de
Carvalho Lima, sob o fundamento de estar por medir e demarcar o
Patrimonio havido em tempos immemoriaes, dando lugar a dúvidas e
attrictos entre os confinantes, requereu ao juiz municipal Dr. Antonio
Caeteno de Almeida Bahia, a respectiva medição e demarcação de meia
legua de terras em quadro, de que se achava apossada a Irmandade
desde a fundação da freguesia no anno de 1675, dizia o requerimento.
Não estava de acordo com a Escriptura acima declarada, mas estava
com a verdade, porque tinha a seu favor a posse mais immemorial que
se pode imaginar, além da tradição de dois séculos e meio séculos, a
respeito da qual não podia o requerente ter dúvidas, pois não precisava
recorrer a estranhos, bastando elle próprio para dar a sua fé pela
tradição, transmitida por seu avô Francisco Antonio de Carvalho, no
século 18, quando já tinha representação (PATRIMÔNIO DA
IRMANDADE DAS ALMAS DE ITABAYANA, Poeira dos Archivos,
Diário da Manhã, 24 de dezembro de 1926).
O aludido capitão Francisco Antonio de Carvalho era português,
nascido em 1752, tendo casado, na vila de Itabaiana, no ano de 1774,
com Josefa Maria da Glória, segundo Sebrão, sobrinho
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS E OUTRAS
HISTÓRIAS, p. 326-327). Já o seu neto José Antonio de Carvalho Lima
(tio paterno de Carvalho Lima Júnior), nasceu em 14 de dezembro de
1814 e faleceu em 16 de julho de 1883, cf. Sebrão, sobrinho (TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 117). Tomando como base o ano
do casamento do primeiro, 1774, cento e noventa e nove anos depois da
aquisição do sítio, o capitão Francisco Antonio de Carvalho conhecia a
atualidade do momento em que vivia, bem como a tradição que os
tempos passados passavam, dados que, evidentemente, chegaram ao
conhecimento do neto, José Antonio de Carvalho Lima, quer através de
sua mãe, Ana Francisca de Carvalho, que só veio a morrer em 1º de
julho de 1824, quer através de sua avó materna, Josefa Maria da Glória,

97
que falece, depois, em 6 de julho de 1941 (cf. Sebrão, sobrinho,
FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS E OUTRAS
HISTÓRIAS, p. 327).
A Irmandade das Almas baseava-se na posse mais imemorial que
se podia imaginar, além da tradição de dois e meio séculos, como aponta
Carvalho Lima Júnior, tempo que, no caso, não ia a tanto, levando em
conta que a compra do terreno se verificou em 1675, circunstância que,
no ano de 1853, só consignava a ocorrência de cento e dezoito anos.
Mas, independentemente do detalhe do tempo já decorrido, a
tradição soprava a favor da Irmandade das Almas. A delimitação foi
efetuada.
Consagrou-se, a míngua de uma marcação segura, que o sítio,
tomando o centro da Egreja Matriz por ponto de partida, ou centro do
quadro da meia légua requerida, segundo Carvalho Lima Júnior
(PATRIMONIO DA IRMANDADE DAS ALMAS DE ITABAYANA,
Poerias dos Archivos, Diário da Manhã, 24 de dezembro de 1926).
Na dicção de Carvalho Lima Júnior, ... no dia 6 de Dezembro do
dito anno de 1853, precedidas as formalidades legais, deu-se começo ao
tombamento, pelo Piloto do Tombo da Província Capm. Antonio da
Silveira Linhares, tomando o centro da Egreja Matriz por ponto de
partida, ou centro do quadro da meia légua requerida.
Declarou então o Thesoureiro requerente que a falta da
Escriptura devia ser supprida pela posse immemorial da Irmandade,
mansa e pacífica, e o testemunho da tradicção de pais a filhos desde os
tempos mais remotos.
Nessa occasião ainda não era conhecida a Escriptura de compra,
ao Vigário de São Christvão, cavada em 1880, no cartório do Tabelião
Josino, pelo Capm. Manuel Vieira de Souza, nem era necessária.
Início dos trabalhos
Tomando o rumo de Leste, quarta de Sueste, foram medidas 750
braças.
No rumo opposto, m 0, quarta de Noroeste, 750 braças.
No rumo Norte, quarta de Nordeste, 750 braças.
No rumo Sul, quarta de Suduéste, 750 braças.
Terminou ao N. a medição, no riacho “Marcello” [Marcela], no
meio do leito, onde, não se podendo fincar o marco, foi este, por ordem
do Juiz, mandado fincar n comoro do lado Sul, 10 a 12 palmos mais ou

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menos, isto é, uma grande pedra tosca, com quatro faces, sendo duas
menores, no dia 12 de Dezembro.
Medição dos pontos intermédios
De N. a Leste, 750 decimas;
De N. a Oeste, 750 decimas;
De O. ao Sul, 750 decimas;
De S. a Leste, 750 décimas.
Uma das linhas divisórias, passou na casa de José Valentim, nas
nascentes do riacho dos “Negros”, atravessou a estrada de “Terra
Vermelha”, a entrar na “Boca da Catinga”, terminando a demarcação
no marco do centro, entre a estrada da “Terra Vermelha” e a roça de
Manuel Martins, antes do Riacho do Maroto.
Terminou em 17 de Fevereiro de 1854, em plena paz, sem
opposição legal por parte de quem quer fosse, nem mesmo algum dos
despeitados, respeitado o Patrimônio, reconhecida como sempre a
autoridade da Irmandade, e a população mais feliz do que hoje, porque
gosava de um vasto logradouro público, do qual se foram apoderando
os poderosos a pontos de entesetarem nos fundos dos quintaes das
easas da cidade, não podendo respirarem mais os seus habitantes
(PATRIMONIO DA IRMANDADE DAS ALMAS DE ITABAYANA,
Poeiras dos Archivos, Diário da Manhã, 24 de dezembro de 1926).
Ou seja, com o tempo, foram invadindo os terrenos da
Irmandades das Almas, a ponto de encostar nos fundos dos quintais das
casas localizadas no centro urbano, diminuindo, consideravelmente, o
seu tamanho.
Depois, vem uma assertiva de Carvalho Lima Júnior que aumenta
a dúvida:
Todos estavam conformados. Nem os parochos nem a irmandade,
exploravam o Patrimônio no interesse próprio, nem escurraçava o
pobre povo, que não tem hoje onde tirar um graveto de lenha, e não
protesta em altos brados por não ter quem os ouça, senão para oprimil-
os. É assim em toda parte (PATRIMONIO DA IRMANDADE DAS
ALMAS DE ITABAYANA, Poeira dos Archivos, Diário da Manhã, 24
de dezembro de 1926). Com a observação, fica bem assentado que, no
meio do sítio da Irmandade, havia áreas onde o povo podia tirar lenha
(graveto) para uso pessoal.
Não é suficiente para esclarecer, afinal, onde começa e onde
termina o sítio, sobretudo por só fazer referências a pontos localizados

99
em zona ainda hoje rural – Terra Vermelha, Riacho dos Negros, Riacho
do Marato, Boca da Catinga –, deixando de fora considerável área
urbana, afinal, a principal. Só o Riacho Marcela, que passa pela Rua
Esperidião Noronha (antiga Rua Nova), ganhou a condição de urbano,
dado ao fato de o centro urbano ter lhe alcançado, a partir da década de
oitenta do século vinte, riacho, aliás, que vai desaguar no Açude da
Marcela, construído a partir da década de cinqüenta, também do século
vinte, como também manteve-se com a mesma denominação antiga.
As pistas outras deixadas pela medição de 1853, ou seja, riacho
Marcela, nascente do riacho dos Negros, estrada da Terra Vermelha,
riacho do Maroto, ao lado da orientação atinente a forma como a
medição foi procedida, ainda podem ser, hoje, utilizadas, para a
delimitação perfeita da área verdadeira do sítio comprado pela
Irmandade das Almas. Com tais referências, não fica difícil ter uma
idéia de onde o sítio da Irmandade das Almas começa e termina,
levando em conta só medir metade de meia légua, circunstância que,
numericamente, representa três mil metros. Pois bem. Tomando a
Igreja como centro, considerando o riacho Marcela, a representar o
seu lado leste, e a estrada da Terra Vermelha, seu lado norte, dá para
se colocar em um mapa atual onde o sítio, provavelmente, se situava,
sem perder de vista que, com o tempo, ou seja, depois de 1854,
inúmeras invasões ocorreram, como Carvalho Lima Júnior denuncia.
Neste prumo é de se verificar que a distância entre o centro
urbano, tomando a Igreja Matriz como ponto, para a entrada da Terra
Vermelha é, segundo os dados colhidos na Prefeitura Municipal, de
quatro quilômetros, o que representa tamanho maior que o do sítio da
Irmandade das Almas, levando em conta este só medir três mil metros.
Por outro lado, os pontos geográficos, levando em consideração na
medição de 1853, como Riacho dos Negros e Riacho do Maroto, além
de Boca da Catinga, são denominações hoje completamente
desconhecidas da população local e dos mais velhos, nomes que
desapareceram durante o século XX. Riachos existem, ainda, em Terra
Vermelha, mas absolutamente pagãos, sendo conhecidos apenas como
riachos, levando em conta o mapa do início do século XXI, como as
sangrias das lagoas de Janjão, da Obra Fina, da Saracura e do Tanque de
Alexandre, que deságuam todos no Rio Jacaracica, segundo informa
Antonio Francisco de Jesus, em mensagem qie nos foi enviada.

100
O certo é que o tamanho do sítio, de acordo com a medição de
1853, não correspondia à realidade vivida naqueles tempos, levando
Carvalho Lima Júnior a alevantar a hipótese de a Irmandade das Almas
ter, com o passar dos anos, adquirido a outra área, caminho que não é
difícil ter sido palmilhado:
Não estava de accordo com a Escriptura acima declarada, mas
estava com a verdade, porque tinha a seu favor a posse mais
immemorial que se pode imaginar, além da tradição de dous e meio
séculos [equívoco, a propósito, visto que a posse era de cento e setenta e
oito anos, como já destacado], a respeito da qual não podia o
requerente ter dúvidas, pois não precisava recorrer a estranhos,
bastando elle próprio para dar a sua fé pela tradição, transmitida por
seu avô Francisco Antonio de Carvalho, no século 18: quando já tinha
representação [a Irmandade das Almas, em verdade, já enfrentamos a
matéria, foi criada em 1665, ou seja, no século XVII).
Provavelmente, se os vendedores do Patrimônio não venderam à
Irmandade das Almas a outra metade da meia légua para augmental-o,
deviam ter feito, com o mesmo fim, algum outro fiel e proprietário, no
princípio religioso, talves, o confinante Dr. Gomes. De outro modo, não
podia a Irmandade que não exercia a rapinagem, entrar e manter-se na
posse mansa e pacífica durante séculos, do segundo quarto de légua
(PATRIMONIO DA IRMANDADE DAS ALMAS DE ITABAIANA,
Diário da Manhã, 24 de dezembro de 1926).
A outra compra de mais área é fato que passou despercebido ao
longo dos anos, sendo apenas uma presunção que não pode ser
descartada, tendo a seu lado a tradição de mais de três séculos, com a
Irmandade das Almas apontando como seu terreno onde o centro urbano
se localiza, com aceitação geral da população, sem se registrar, até
agora, de conhecido, nenhuma oposição. Ou a Irmandade das Almas
adquiriu mais área, ou ocupou, mansa, pacifica e ininterruptamente, ao
longo de tantos séculos, uma área sem dono, transformada em sua pela
posse incontestada e pública, circunstância que, igualmente, não é de se
fechar os olhos.
O curioso é que, independentemente do sucesso da medição do
terreno da Irmandade, estabelecendo os limites verdadeiros do terreno,
porque a Escriptura ... não declara as dimensões do terreno, não se
[sabe se] o terreno era ou não em quadro, sem dúvida porque o não era,
nem determinou a frente e o fundo para base da medição patrimonial,

101
ainda segundo Carvalho Lima Júnior (PATRIMONIO DA
IRMANDADE DAS ALMAS DE ITABAYANA, Poeira dos Archivos,
Diário da Manhã, 24 de dezembro de 1926), cinqüenta e dois anos
depois dessa medição, já nos tempos de cidade, o padre Vicente
Valentim da Cunha, na condição de vigário da paróquia, requereu nova
medição do terreno, a fim de reduzir, judicialmente, a metade, [o]
patrimônio da freguezia (PATRIMONIO DA IRMANDADE DAS
ALMAS DE ITABAYANA, Poeira dos Archivos, Diário da Manhã, 24
de dezembro de 1926).
A observação de Carvalho Lima Júnior é interessante: O facto é
tanto mais interessante quanto curioso, se considerar-se que todos que
possuem uma propriedade, territorial, procuram augmentá-la, e não
diminui-la, principalmente tratando-se de pessoas jurídicas
(PATRIMONIO DA IRMANDADE DAS ALMAS DE ITABAIANA,
Poeira dos Archivos, Diário da Manhã, 24 de dezembro de 1926).
Para constar, por escripto, lavrou-se uma acta dos trabalhos,
assinada no dia 2 de Dezembro seguinte, pelo referido Vigário da
Freguesia, como Presidente da Mesa da Irmandade, os Engenheiros da
medição, Luiz Augusto de Farias, Manoel Porphirio de Britto, João Soter
da Silveira e Manoel Carvalho Madeira de Lei, à revelia do Juiz de
Direito e do Curador de Ausentes, que não assignaram-na, continua
Carvalho Lima Júnior (PATRIMONIO DA IRMANDADE DAS
ALMAS DE ITABAYANA, Poeira dos Archivos, Diário da Manhã, 24
de dezembro de 1926).
Contudo, é de se levar em conta que a escritura traz, além das
omissões já constatadas por Carvalho Lima Júnior, outras que se fazem
necessário apontar, como o tamanho do terreno. Seria exatamente
metade de meia légua, nem mais, nem menos? A tradição que chegou
até os dias atuais sempre foi a de diminuir, em nível de escritura, a área
exata do imóvel, sobretudo rural, como era o caso. Depois, se
desconhecia o nome dos lindeiros, a ponto de figurar apenas dois, Diogo
e doutor Gomes, constando os seus nomes de forma absolutamente
incompleta. Por outro lado, não se conhecia o nome dos demais
vizinhos, circunstâncias que colocam mais dúvidas no que se relaciona
ao verdadeiro tamanho do imóvel. Ademais, se a Irmandade das Almas,
na medição de 1853, considerava que o sítio se confrontava com a
entrada da Terra Vermelha, logicamente que, apoiada na tradição que
foi passada ao longo de mais de um século e meio de existência, o sítio

102
media mais de metade de meia légua, visto não se admitir que a
Irmandade das Almas tivesse ocupado área que não era sua, de verdade.
De qualquer forma, – independentemente da dúvida, que ainda
hoje persiste, sobretudo quando o centro urbano cresce, e do fato de a
Irmandade das Almas e da Prefeitura Municipal terem acordado com o
levantamento de uma área retangular, tomando-se a Igreja Matriz, no
meio, como ponto central, como sendo o local do sítio da Irmandade das
Almas, não estando nela incluído todo o centro urbano – a aquisição do
sítio, na área denominada de Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, é
outro marcante acontecimento verificado no século dezessete,
fundamental na escolha do local onde, mais tarde, seria plantado um
centro urbano, ou seja, o centro urbano de Itabaiana, primeiro como
vila, depois como cidade.
Como, no poema de Manoel dos Passos de Oliveira Teles, pode-
se, também, afirmar:
Para sempre serás – Itabaiana!

A ESCRITURA DA COMPRA EFETUADA

A escritura, lavrada em São Cristovão, único local onde


funcionava um cartório, tem o seguinte teor:
Escritura de venda que faz o Reverendo Padre Vigário Sebastião
Pedroso de Goes de um sítio de terra, citada na Itabaiana onde chamão
Catinga de Ayres da Rocha a Irmandade das Almas de Itabaiana pela
quantia de sessenta mil reis.
Saiban quantos este público instrumento de escriptura de venda,
quitação e obrigação virem, que no anno de nascimento de Nosso
Senhor Jesus Christo de mil e seis centos e setenta e cinco anos aos
nove dias do mez de Julho do dito anno n’esta cidade de Sam
Christovam, Capitania de Sergipe d’l-Rey, e pousada do Reverendo
Padre Vigário Sebastião Pedroso de Goes, onde eu Tabelliam estava, e
sendo ahi appareceram a esta presentes pessoas a saber: de uma como
vendedor o dito Reverendo Padre Vigário, Sebastião Pedroso de Góes,
e da outra como compradores Domingos Ferreira, Juiz da confraria
das Santas Almas de Itabaiana, Lourenço d’Almeida, Escrivan, Pedro
Dias Nira, Thesoureiro, e Bartholomeu Nunes de Souza, Procurador da
dita confraria, moradores da dita Itabaiana, pessoas umas e outras
nomeadas de mim Tabeliam, reconhecidas pelas próprias nomeadas, e

103
logo pelo dito vendedor o dito Padre Sebastião Pedroso de Gois, foi
dito em minha presença e das testemunhas, sido adiante nomeadas que
entre os mais bens de raiz que tem e possue e de que está de pacífica
posse, bem assim é um sítio de terras na itabaiana, a metade de meia
légua de terra, que parte de umabanda com terras de Diôgo, de desta
que hoje são do Doutor Gomes, percorrendo com quem mais deva e
haja de partir a dita terra que chamam a Caatinga de Ayres da Rocha
que houve por titulo de compra de Sebastian de Andrade e João da
Cacharia, e estes em virtude de uma escriptura de venda com suas
mulheres e outorgaram em presença do Tabelliam Manuel de Souza
Furtado aos desasete dias do mês de Maio de mil seis centos e sessenta
e oito com a metade de meia legua de terra, assim de marcada e
confrontada da mesma sorte que o vendedor a comprou, disse que o
vendeu, e outorgou de venda d’este dia para serem aos ditos
compradores Domingos Ferreira, Lourenço d’Almeida, Pedro Dias
Nira e Barthololeu Nunes de Souza, Juiz, Escrivam, Thesoureiro e
Procurador da confraria das Santas Almas de Itabaiana, por preço e
quantia de sessenta mil reis, para que na dita terra fazerem ditos
compradores uma igreja das Santas Almas e adotarem a dita igreja com
todos os rendimentos que a dita terra lucrar para a dita confraria e
Irmandade das ditas Almas com a condição que se não fazendo a dita
igreja elle vendedor tornaria aos ditos compradores as ditas sessenta
mil reis, por que lhas vende e tornará a tomar a sua terra, o que elles
compradores acceitaram por si e em nome dos mais irmãos da dita
confaria das quaes sessenta mil reis, e disse o vendedor que lhes daria
como de facto logo lhe deu ampla quitação deste dia para todo sempre,
para nunca mais serem pedidos aos ditos compradores, convirão d’esta
venda e por parte disse ele vendedor que tirava e renunciava de si e de
seus herdeiros e seus credores todo direito, acção, , pretensão e
senhorio por seu útil o domínio que tem na dita a metade de meia légua
de terr, e desde já traspasso n’elles compradores, Juiz Escrivam
Thesoureiro e Procurador da Irmandade das Santas Almas de Itabaiana
para que nessa fação a dita Igreja mansa e pacificamente, como causa
sua que já eé comprada com seu dinheiro e que por virtude desta
escriptura fica pertencendo, pela qual lhe concede puder e faculdade
para que esta e sem mais autoridade de Justiça possão tomar e
alcançar posse da dita terra e desde logo lha há dada a elles
compradres, porem comprada pela clausula constituinte, promette e se

104
obriga, que fazendo a dita Igreja de nunca e em tempo algum vir a esta
venda com demanda, ou embargar de nenhuma qualidade que sejam,
porque vindo com elles não serão ouvidos em Juízo nem fora d’elles
sem pena de havel-o feito depositarem em mão d’estes compradores ou
seus ascendentes que succederem na dita Irmandade a dita quantia de
sessenta mil réis; que possão recebêl-a sem assim ser necessária darem
fianças nem ficarem alguma obrigação, delegão os compradores
prolongação qualquer, fica o dito depósito lhe sendo denegado toda
audiencia acção e remedio desconhecido; em testemunho da verdade
assim disserão e mandarão fazer este instrumento n’estada nota em que
todos assignao e que d’elles deem traslado necessário, sendo
testemunhas que presentes estavam o Alferes Domingos Duarte e Pedro
Dias Ferreira, moradores desta dita cidade que todos assignnão, eu,
Manoel Rodrigues Castro, Tabelliam que o escrevi, Padre Sebastiam
Pedroso de Góes – O Procurador Barthololeu Nunes de Souza, P.
Ferreira, P. D. Nira, L. d’Almeida.

SANTO ANTONIO FUJÃO

A venda do terreno do padre Sebastião Pedroso de Gois a


Irmandade das Almas gerou a lenda de Santo Antonio Fujão.
Utilizou-se o vigário de São Cristóvão, ou pessoas a seu mando, o
que é mais possível supor, da imagem de Santo Antonio da Igreja Velha.
Retiravam a imagem do santo e a conduziam até a Caatinga de Ayres da
Rocha, deixando-a num dos galhos da quixabeira, situada ao lado direito
do local onde mais tarde seria erguida a Igreja. Os colonos descobriam a
fuga pelos rastros da imagem, propositadamente deixados na caminhada
para, justamente, servir de meio de descoberta do local onde o santo se
encontrava.
A fuga verifica-se constantemente. A imagem do santo foi
surpreendida na quixabeira, descansando, na Caatinga de Ayres da
Rocha, porque era ali que ela queria ficar e desejava que a sua igreja
fosse construída. Este o significado que a fuga fazia gerar, incutindo na
cabeça dos colonos o desejo do santo de ter sua igreja ali erguida. A
história tornou-se lenda, que atravessou vários séculos.
A lenda de Santo Antonio Fujão, muito comum, é repetitiva na
história de outros municípios. No sertão da Bahia, por exemplo, foi
encontrada uma, quase idêntica, por Mario Vargas Llosa, no romance A

105
GUERRA DO FIM DO MUNDO, tendo por objeto central a estátua de
Santo Antonio, feita de madeira:
“Foi encontrada numa gruta, anos atrás, e levada para a igreja,
mas n dia seguinte desapareceu e apareceu de novo na gruta.
Amarraram a estátua no altar para que não sumisse, e, apesar disso,
voltou para a gruta. E assim ficou, indo e vindo, até que uma Santa
Missão chegou a Queimadas, com quatro padres capuchinhos e o bispo,
que consagraram a igreja a Santo Antonio e rebatizaram o povoado de
Santo Antonio das Queimadas em sua homenagem. Só assim a imagem
ficou quieta no altar onde agora se acedem velas” (p. 68).
Aliás, Carvalho Lima Júnior já tinha observado sua semelhança
com a do fujão São Felix de Pacatuba, padroeiro da freguesia
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, P.
136).
Transmitida pela tradição oral, foi contada de diversas formas.
Uma delas é a versão de Joaquim José de Oliveira:
Esta quixabeira é célebre, por ligar-se a uma lenda popular.
Conta-se, que S. Antonio colocado em um pobre edifício, que servia de
casa de oração na vila de Itabaiana, fugia de noite, e vinha postar-se na
primeira bifurcação do tronco desta quixabeira. Levavam-no em
procissão para a capelinha; mas no dia seguinte, lá estava o Santo na
quixabeira. Até que levantaram um templo mais decente, onde
colocaram como o orago da freguesia, e o santo nunca mais fugiu
(Diário da Manhã, 12 de outubro de 1912).
Da narrativa, alguns senões surgem: Itabaiana não era vila, ainda.
Ademais, o autor mistura o Arraial de Santo Antonio com a Caatinga de
Ayres da Rocha Peixoto.
J. Rabelo dela faz menção em ALMAS TORTURADAS:
Contam ... que esta Igreja foi aqui construída porque o santo,
Santo Antonio, Padroeiro da cidade, aqui vivia em um nicho; alguém
teve a idéia de levá-lo para outro local e o fez; quando o procurou, no
dia seguinte, tinha desaparecido. Acreditando tratar-se de alguém que o
tivesse trazido de volta, tornou a levá-lo e ele a desaparecer, voltando
para cá. Diversas vezes, se repetiram as idas forçadas e as voltas
misteriosas. Acreditando num milagre, o povo transformou o simples
abrigo, nesta bonita igreja.

106
Também contém senões. Santo Antonio era, como é, orago da
freguesia e não da cidade. Depois o texto confunde o local antigo com o
novo, pelo uso, em caráter dobrado, do advérbio de lugar aqui.
O médico J. Fraga Lima, que viveu em Itabaiana na década de
vinte do século passado, conta de forma diferente:
De início, a cidade foi fundada em um lugar aprazível, no sopé
da Serra Grande – Itabaiana. Como era natural, erguerem logo uma
capela sob a invocação de Santo Antonio, que ficou sendo o Padroeiro
do lugar.
Havia na cidade nascente um português chamado Ayres da
Rocha. Era proprietário de vasta extensão de terras ao oeste da cidade,
denominadas Caatingas de Ayres da Rocha. Como era pessoa de
prestígio, o padre, que, periodicamente vinha ali celebrar missa,
confiou-lhe as chaves da Igreja e o encarregou de sua zeladoria.
Querendo valorizar suas terras, arquitetou Ayres da Rocha um
plano que veio de encontro aos seus desejos. Tudo certo como ele
pensou e quis.
Uma noite quando a cidadezinha dormia, ele foi à capela,
apanhou o Santo Antonio e saiu com êle, fazendo-o de vez em quando
deixar pegadas na poeira da estrada, até alcançar uma quixabeira
frondosa que existia no centro de seus terrenos, pondo o santo
acomodado no galho da quixabeira.
No dia seguinte, ao chegarem os primeiros devotos à Igrejinha,
deram pela ausência do Santo, que não devia ter mais de 30 centímetros
de altura. Foi um reboliço. Pessoas mais atiladas, encontraram
pegadas na estrada, e, seguindo-as, continuaram procurando o Santo
que foi na direção dos terrenos de Ayres da Rocha.
Inúmeras pessoas tomaram parte nas buscas e, orientadas pelas
pegadas, foram encontrar o Santo em um dos galhos da quixabeira. Em
procissão, ao som de zabumbas, pífanos e tambores, o Santo foi trazido
para seu lugar.
Quando a história caiu no esquecimento, repetiu-se, e, novamente
o Santo foi trazido, como da primeira vez, em procissão. Por dois ou
três anos, o fato se repetiu – o Santo fugiu para os lados dos terrenos de
Ayres da Rocha, e passou a gozar o apelido de Santo Antonio Fujão.
Ante as fugas repetidas, o povo, e o padre também, convenceram-
se de que o Santo não queria a cidade ali onde estava, mas sim nas
paragens que buscava pelas “fugas” repetidas.

107
Ayres da Rocha, “docemente constrangido”, aceitou a mudança
da cidade para o centro do seu latifúndio, até então de terras devolutas,
e, para facilitar as coisas, fez centro na quixabeira e, com um raio de 1
qullometro, descreveu um círculo, dando as terras dentro do círculo
para patrimônio da Igreja que, logo, foi construída no lugar da
quixabeira. Então, fundou-se uma Irmandade das Almas, à qual
pertencem quase todas as famílias de Itabaiana.(...) (MINHA
PASSAGEM PELA VIDA, ps. 84-85).
A versão de J. Fraga Lima concentra vários equívocos: Ayres da
Rocha Peixoto não era mais vivo [falecera no século anterior, em 1599],
nem tinha sido morador no Arraial de Santo Antonio; o terreno onde
Santo Antonio ficava não era mais de Ayres da Rocha Peixoto, e sim do
padre Sebastião Pedroso de Gois. Por ter sido de Ayres da Rocha,
recebia o nome de Caatinga de Ayres da Rocha. A Irmandade das
Almas é anterior a venda do terreno. Itabaiana não era cidade ainda,
conquista que somente vai ocorrer em 1888, e sim mero povoado,
materializado no aludido Arraial.
Enfim, a menos defeituosa é a de Carvalho Lima Júnior:
Diz a primeira que o milagroso santo não querendo mais residir
na igreja da Catinga de Ayres da Rocha [aqui confunde a Caatinga de
Ayres da Rocha com o Arraial de Santo Antonio] (e não sendo livre)
fugia alta noite para outro lugar onde havia uma famosa quixabeira, e
colocava-se-lhe na primeira bifurcação da árvore, onde ficava muito a
cômodo.
Quando, no primeiro dia, deram pela falta do estimado santo,
achando o seu lugar na igreja desocupado, saíram em sua procura, e
logo que o descobriram oculto à sombra da árvore, reconduziram-no, –
contra a vontade, bem se sabe – para a sua primeira moradia, onde os
fieis redobravam, com ele, de carinhos e agrados.
O caso repetiu-se diversas vezes, logrando o fujão iludir a
vigilância e escapulir sempre a tardes horas da noite vencendo a
distância de uma légua, quando não era vigiado.
Já não o procuravam mais. Quando davam pela sua falta, iam
certeiros ao lugar sabido, e lá o encontravam tranqüilo na quixabeira.
Desenganados, pois, os devotos, de manter o santo em
obediência, resolveram mudar-lhe a residência para junto da celebre
quixabeira, onde lhe construíram uma outra matriz, que é a atual, e aí o
colocaram. Deste modo aumentou a fama de milagroso, continuando

108
como padroeiro da freguesia, e tão bem se achou que nunca mais fugiu
o santo casamenteiro (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO
DE ITABAIANA, p. 136).
A divulgação da lenda, em quatro versões diferentes, mostra
como o fato foi passado de geração em geração, ficando na história
como a lenda de Santo Antonio Fujão. Até a década de cinqüenta do
século passado, a lenda era contada aos mais novos, figurando com
várias variantes, algumas simplicadas. Entre elas, uma, no sentido de
que, colocada a imagem de Santo Antonio no altar, um cordão, que
descia de sua cabeça, era puxado durante a missa pelo sacristão, no
momento em que o celebrante voltando-se para imagem, perguntava se
Santo Antonio queria ali ficar, ou seja, queria que a Igreja fosse ali
edificada. Ao balançar a cabeça afirmativamente, fruto da puxada do
cordão que o sacristão procedia, Santo Antonio dizia sim e o povo,
naturalmente, tomava aquele gesto como da vontade do santo.
As lendas a respeito de Santo Antonio Fujão não avançaram no
tempo, de forma que hoje se constitui em apenas uma página da história
de Itabaiana.

CAPÍTULO VII

A CRIAÇÃO DA FREGUESIA DE SANTO ANTONIO E


ALMAS

A compra do sítio na Caatinga de Ayres da Rocha pela


Irmandade, em 9 de julho de 1675, teve uma conseqüência imediata: a
criação da freguesia de Santo Antonio e Almas de Itabaiana, em 30 de
outubro de 1675, por ato do Arcebispado do Brasil, com sede em
Salvador (Bahia), durante a ausência do seu titular, o Arcebispo D.
Gaspar Barata de Mendonça.
Era a segunda freguesia a ser implatada em terras sergipanas. A
primeira foi a de São Cristóvão, ou seja, a freguesia de Nossa Senhora
da Vitória de Sergipe, no ano de 1613. Depois da de Itabaiana, vinha a
terceira, de Lagarto, ou seja, a freguesia de Nossa Senhora da Piedade

109
do Lagarto, em 11 de dezembro de 1679. A quarta foi a de Santa Luzia
do Itanhy, em 5 de julho de 1680, as duas últimas um ano após o outro.
A freguesia de Santo Antonio de Itabaiana ocorria com o
desmembramento da freguesia de Nossa Senhora da Vitória de Sergipe,
em São Cristóvão, segundo Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS. ...., p. 220).
Para se ter melhor uma idéia da importância da criação da
freguesia de Santo Antonio e Almas, em 1675, basta ver que Salvador,
capital da Capitania da Bahia e do Brasil, àquela altura, tinha apenas três
freguesias: a de Nossa Senhora da Conceição da Praia, de 1623, a de
Santo Antonio Além do Carmo, em 1638, e, finalmente, a de Senhora de
Sant’Ana, em 1673, segundo Kátia M. de Queirós Mattoso (BAHIA
SÉCULO XIX – UMA PROVÍNCIA NO IMPÉRIO, p. 72). Apenas três
freguesias mais velhas que a de Santo Antonio e Almas de Itabaiana.
A criação da freguesia de Santo Antonio e Almas deve ser vista
dentro do contexto histórico. Primeiro, a implantação da religião
católica, única, até então, no processo de colonização das novas terras
era tônica oficial. Itabaiana apresentava um núcleo de povoamento a tal
ponto organizado que já se destacava nele uma Irmandade das Almas,
criada em 1665. Os degraus para a criação de uma freguesia se
achavam, desta forma, plantados. Faltava apenas a Irmandade das
Almas possuir um terreno próprio, para nele ser edificada uma igreja. A
compra do sítio do padre Sebastião Pedroso de Gois ocorreu no
momento exato. Três meses e vinte e um dias depois a freguesia de
Santo Antonio e Almas é criada.
Natural que, a esta altura, a Irmandade não tivesse tido, como não
teve, tempo suficiente para a construção da igreja, mas importante era
possuir o terreno para a sua edificação, fato que só ocorreria depois,
quando a freguesia já tinha padre a sua frente. O Arcebispado do Brasil
levou em conta a aquisição do terreno, visto que a outra igreja, a do
Arraial de Santo Antonio, ficava em imóvel particular. O curto espaço
entre a aquisição do terreno e a criação da freguesia nos leva a acreditar
que bastou a notícia da compra ter chegado a Salvador para que a
freguesia fosse oficializada. À época, sair do Arraial de Santo Antonio,
com a notícia, até Salvador, era façanha para algumas semanas,
sobretudo quando dependia de navio, o que implicava ainda ter de se
deslocar até um porto, fosse o de Aracaju, fosse o que ficava no fundo
das terras onde, mais tarde, se ergueria a Cidade de Sergipe (São

110
Cristóvão), o que absorvia muitos e muitos dias, porque o transporte até
lá era, então, o cavalo.
Mas, deixando de lado a forma como o Arcebispado do Brasil
tomou conhecimento da compra, pela Irmandade das Almas, do sítio, a
freguesia foi criada, reclamando a presença do vigário, para reger seu
destino, como complemento da paróquia.
O nome do primeiro pároco reina numa controvérsia.
Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 243), aponta o do padre Salvador da Costa Zuzarte,
que assumiu a paróquia em data desconhecida.
A maioria indica o do padre Gregório Martins Carneiro, que só
teria assumido o comando da freguesia em 1719.
De qualquer forma, sendo um ou outro, a conclusão que fica é que
entre a criação da freguesia e sua implantação, com vigário próprio,
havia uma grande demora, fruto da distância, da dificuldade de
comunicação, entre outros fatores.
A criação da freguesia era um sinal evidente de que o
Arcebispado do Brasil via futuro na região, sobretudo quando dotada de
uma irmandade, esta possuía um terreno para nele se edificar uma igreja.
A semente plantada com a aquisição do imóvel frutificaria melhor sob a
capa da freguesia. O poder religioso chega antes do poder político, com
força suficiente para, ao escolher o lugar onde a igreja seria edificada,
fixar, de forma indireta, o centro do núcleo habitacional futuro.
Na denominação da freguesia manteve-se, como orago, Santo
Antonio, já cultuado pelos colonos anteriormente, ao lado do termo –
Almas –, de forma a se constituir, no conjunto, Santo Antonio e Almas.
O último termo era a homenagem que se prestava à Irmandade
antecessora da freguesia, como forma também de reiterar a sua
importância e a necessidade de se orar pelas almas que pertenceram à
dita confraria, mantendo viva a tradição de devoção pelas almas,
incentivada pelos papas de então. Na sua inteireza, a união, no nome, de
Santo Antonio com as Almas, dava o tom específico e original ao nome
da Irmandade.
A data de 30 de outubro de 1675, embora consagrada pela
maioria, não é pacífica.
Carvalho Lima Júnior (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO
MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 135) levanta uma questão a respeito.
Afirma ele que parece haver equívoco ou erro neste ponto. Se o ato é

111
realmente de 1675, não foi do 1º Arcebispo do Brasil, mas do último,
Bispo D. Frei Constantino de São Paio que nesse ano, 1675, assumiu o
exercício do Bispado.
Se, pelo contrário, o ato foi de D. Gaspar, não podia ter sido
anterior ao ano de 1677, quando teve posse na Diocese o 1º Arcebispo, e
nomeação no ano antecedente, pelo Príncipe [português] D. Pedro,
confirmada pelo Papa Inocêncio XI. Resta saber, conclui Carvalho Lima
Júnior, qual destas datas é a verdadeira.
J. C. R. de Milliet de Saint-Adolph, sob roupagem anônima,
defende, no Correio Sergipense, de 17 de fevereiro de 1947, que a
paróquia de Santo Antonio e Almas de Itabaiana foi criada em 1698 (op.
cit., p. 53), existindo também quem afirme que a freguesia de S. Antonio
e Almas de Itabaiana foi provida em 1700 pelo Arcebispo D. João
Francisco de Oliveira (Sergipe, 7 de fevereiro de 1882).
A maioria se inclina pela data de 30 de outubro de 1675, como
Marcos Antonio de Souza, Felisbelo Freire, Sebrão, sobrinho, Maria
Thétis Nunes, entre outros, data, afinal, tida e aceita como oficial,
independentemente de quem se encontre a frente da Diocese em
Salvador.
Por fim, J. C. R. de Milliet de Saint-Adolphe confunde a freguesia
de Itabaiana com a de Itabaianinha, aparecendo, no seu DICIONÁRIO,
sob o título Campos-d’Itabaianna, quando deveria ser Campos-
d’Itabaianinha (op. cit., p. 38). Os dados ali consignados, como a sua
anexação a vila de Lagarto e criação da freguesia por lei provincial de
1840, mostram cuidar-se, em verdade, de Itabaianinha.

PARTE II

A Vila de Itabaiana
CAPÍTULO I

112
CRIAÇÃO DA VILA DE ITABAIANA

A terminologia vila aparece na história portuguesa por força da


dominação romana na Península Ibérica antes de Cristo, segundo José
Hermano Saraiva (HISTÓRIA CONCISA DE PORTUGAL, p. 50).
A vila compreendia uma propriedade rural, pertencente a um
romano, na qual as terras eram exploradas por pessoas semilivres, que
dividiam a colheita com o dono da terra. As aglomerações, da população
que habitava a área, fizeram aparecer a figura do pároco, dando início a
criação de freguesias. Além do poder político, na pessoa do seu dono,
representado sempre por um capataz, a vila passou a ser freguesia, poder
espiritual, exigindo a presença de um vigário, a depender do seu
crescimento.
Da tradição romana para a realidade brasileira, a vila continou
sendo o aglomerado de casas e de ruas, como um passo maior que o
povoado dava, a ponto de ser elevado a condição maior, ou seja, a de
vila.
A vila é habitação, fogos de vilões, de artesanato ou de
bodegueiros, de gente dedicada ao trabalho manual. Vila é o mesmo
que praça, conforme Sebrão, sobrinho (Aniversário Citadino da Velha
Loba, O Serrano, 27 de agosto de 1969), até porque tudo se iniciava em
torno de uma praça. O habitante da vila era o vilão, segundo Sebrão,
sobrinho (Aniversário Citadino da Velha Loba...), terminologia que José
Hermano Saraiva (HISTÓRIA CONCISA DE PORTUGAL, p. 61)
também se utiliza, embora o último veja na palavra a classe contrária a
da nobreza, justamente porque o nobre, em termos de história
portuguesa, mesmo tendo uma vila, morava na cidade. Daí não ser vilão,
mas cidadão.
A vila é simplicidade e tranqüilidade. O vilão, ou praciante, porque
morava em uma praça. Já quando ia morar na cidade, passava a ser
cidadão.
Na dicção de Maria do Carmo R. Araújo, vila é unidade básica de
poder, estendendo aos moradores do local direito de participar da vida
pública e administrativa da Capitania através da Câmara e das demais
funções públicas (O poder local no Ceará, in HISTÓRIA DO CEARÁ,
p. 109).
Era importantíssima a criação da vila. No dizer de Raimundo
Girão, a vila daria à povoação os foros da vida civil e política, pois que

113
à câmara, corporação eleita pelo voto popular, incumbiria a
administração da coisa pública, confinada ao âmbito da militança a
ação dos Capitães-mores (GEOGRAFIA ESTÉTICA DE
FORTALEZA, p. 48). Além do mais, era um degrau em direção a outro
maior, representado pela cidade, num trajeto iniciado com um simples
povoado, alcançando a condição de vila, para, depois, trocar pelo
chapéu de cidade. É conquista de melhor posição ante as aglomerações
humanas lindeiras.
Na lição de Roberto Pompeu Toledo, fundar uma vila, ou “fazer”
uma vila, para usar o mesmo verbo de Pero Lopes, é expressão que se
pode entender de duas maneiras. Ou bem significa criar uma povoação,
fazendo-a surgir do nada, ou, na plenitude de sua acepção jurídica,
significa, seja no caso de nova povoação, seja no de uma já exisente,
dotá-la de instituições que lhe garantam a singularidade e a autonomia.
Neste segundo caso, ganha juiz, câmara de vereadores – símbolo
supremo do poder municipal, na época – o direito de elevar pelourinho.
O poder central, no caso a metropole portuguesa, outorga-lhe, por meio
dessas instituições, a prerrogativa de governar-se a si própria (A
CAPITAL DA SOLIDÃO – UMA HISTÓRIA DE SÃO PAULO DAS
ORIGENS A 1900, p. 63).
As vilas de Itabaiana e Lagarto foram as primeiras a serem
criadas no território sergipano. Até então só tínhamos uma cidade, São
Cristóvão, então chamada de Cidade de Sergipe. As demais
aglomerações eram simples povoados, como Santa Luzia de Itanhy, que
seria elevada à condição de vila em 1698; Santo Amaro das Brotas, em
1699; Vila Nova do Rio São Francisco (Neopólis), alçada a essa
condição em 1731; Tomar do Geru, em 1758; e, Própria, em 1801.
Laranjeiras e Estância, enfim, já foram ambas conduzidas à posição de
cidades em 1848, sem nunca terem sido vilas.
A criação da vila de Itabaiana e de Lagarto representava a
coroação da conquista e do povoamento do território sergipanense,
puxando, na mesma linha, a de Santa Luzia do Itanhy e a de Santo
Amaro das Brotas, todas em posições diferentes, fazendo um quadrado
no mapa de hoje.
A elevação da povoação existente no sítio da Irmandade, que já
era conhecido ocmo Itabaiana, a condição de vila, vai ocorrer em
outubro de 1697, durante o reinado do monarca portugues Pedro II.

114
Na roupa de vila, o núcleo de povoamento se emancipa
politicamente, passando a ter Câmara e Cadeia, implicando, em
conseqüência, na presença de juiz ordinário, promotor, delegado,
autoridades ligadas ao fisco, além de eleições periódicas, etc. Tanto que
o ato que autoriza a criação das vilas de Itabaiana e Lagarto enfatiza a
necessidade da construção da casa da Câmara e da Cadeia.
Washington Luis faz a distinção entre povoação e vila:
As povoações eram quaisquer lugares habitados, sem nenhuma
jurisdição administrativa ou judiciária.
Foi sempre esse o conceito jurídico de vila, em todos os tempos.
“Vila, povoação de menor graduação que cidade e superior a aldeia,
tem juiz, câmaras, pelourinho” (Pereira e Souza, Dicionário Jurídico,
verbo vila), era já uma parte da administração e da justiça local,
emanada do poder real (do rei absoluto) e só a este cabia criar ou
autorizar a criar.
A palavra povoação não significava vila; nem povoar significava
fazer vila. (...)
Os lugares, em que eles moravam, eram povoações. Tomar a
palavra povoação, como designando uma vila faz supor a eistência de
uma instituição, com todo o seu aparelhamento legal, onde só existia
simples aglomerado de moradores. Não há dúvida em que toda vila
havia uma povoação; mas a recíproca não é verdadeira, porque nem
toda povoação era vila (NA CAPITANIA DE SÃO VICENTE, p. 70).
Câmara era o poder político, constituída por camaristas, isto é,
mais precisamente, por vereadores, também chamados de senadores,
porque se empregava também a denominação de Senado da Câmara,
eleitos pelo voto direto. A Câmara se encarregaria de administrar e de
legislar. Seu presidente, geralmente, o camarista mais bem votado, seria
o encarregado da administração, executando aquilo que a Câmara
autorizasse nas áreas administrativa e política, se constituindo, de fato e
de direito, no governo da vila.
A Câmara era o retrato da força política, pelo poder que a
população, limitada aos homens-bons, teria de eleger seus
representantes e pelo direito que os eleitos teriam de legislar atos e
baixar posturas. Os homens-bons eram os que não tinham crimes
invalidadores do direito de eleger governo, segundo Câmara Cascudo
(HISTÓRIA DA CIDADE DO NATAL, p. 75). Embora atrelada à
legislação do Reino, a Câmara reservava uma parcela de poder na

115
matéria legislativa, sobretudo ante os problemas locais, como, na
enumeração de Raimundo Girão, regulamentar as feiras, os mercados e
o trânsito; a construção de estradas, pontes e calçadas; fiscalizar a
construção dos edifícios e o exercício do comércio e arborização das
ruas e praças, e muito coisa mais relacionada com o bem comum,
inclusive representar em benefício deste às autoridades superiores e ao
mesmo Rei (GEOGRAFIA ESTÉTICA DE FORTALEZA, p. 48). Ou,
na de Oswaldo Rodrigues Cabral, a Câmara Municipal competia dispor
sobre os assuntos diretamente ligados à sua [da vila] vida civil, como
construções, arruamentos, obras públicas, aferição de pesos e medidas,
fiscalização de generos alimentícios, de logradouros públicos, sendo as
suas decisões baixadas por meio de Posturas, que eram afixadas na
porta da Casa da Câmara e lidas ao povo reunido por toques de caixa
(HISTÓRIA DE SANTA CATARINA, p. 54).
No entanto, Raimundo Girão aponta a condição de analfabetos
dos camaristas, assinando de cruz as correições e também jungidos a
pirronices, quando não moral entibiados, vereadores que não souberam
ou não puderam colocar-se convenientemente na defesa dos munícipes
contra os demandos dos governantes e ouvidores (HISTÓRIA
ECONÔMICA DO CEARÁ, p. 103), alertando o historiador cearense
para o fato de as Câmaras terem sido o veículo das queixas e aspirações
populares, sem contudo lograr satisfazê-las (HISTÓRIA ECONÔMICA
DO CEARÁ, p. 103).
Dentro da Câmara, eram eleitos os juizes ordinários, encarregados
de resolver os problemas judiciários da vila.
No plano prático, o que se verificou é que os senhores da terra se
encarregariam de elegerem-se camaristas ou de elegerem seus parceiros,
que representariam seu pensamento na Câmara Municipal. Foi a
conseqüência mais imediata, iniciando o domínio político de certos
nomes sobre a comunidade, atravessando séculos, bem como dividindo
os habitantes em duas alas políticas bem distintas e antagônicas,
situação que ainda permanece acentuada nos dias de hoje, na maioria
espantosa dos municípios nordestinos. Itabaiana seria, como foi, como
é, um palco adequado para a manutenção de duas alas partidárias a
centralizar, na divisão, as forças políticas, circunstância que, nascendo
com a vila, atravessou os séculos sem alterações.
A Cadeia era o outro símbolo do poder político, sob o comando
do capitão-mor. Mostraria que o núcleo de povoamento não estaria à

116
mercê de bandidos e de malfeitores, existindo uma autoridade policial,
representante do Rei, a quem todos se curvariam.
De um lado, a Câmara, com poderes executivo e legislativo. De
outro a Cadeia, a materializar a autoridade e a força da lei.
A necessidade de implantação de uma Justiça na comunidade é
outro fator externo importante.
Com a criação da vila vinha, em conseqüência, o município, com
a delimitação oficiosa de seus limites e de sua extensão. Não era mais
uma simples povoação ou um aglomerado de casas e sítios, mas um
município, com tamanho exato, condição que se alcançava com a vila.

FATORES EXTERNOS E INTERNOS

Não foi um ato isolado a criação da vila de Itabaiana, nem uma


concessão aleatória da Coroa portuguesa, via de seus delegados em
Salvador. Fazia parte de um processo natural, onde cada ato se realizava
no tempo certo, motivado por um fato devidamente consolidado.
As terras sergipanas começavam a se enquadrar na filosofia da
colonização através da exploração agrícola, via da colocação aqui e
ali, nas margens dos rios e riachos, de colonos. Possuía uma cidade:
Cidade de Sergipe [São Cristóvão]; e quatro freguesias: Sergipe [São
Cristóvão], Itabaiana, Lagarto e Santa Luzia do Itanhy. Atrás das
freguesias, vários os núcleos de povoamento em ascensão. Normal que
se fizesse agora necessário dar um passo à frente, transformando os
povoados em vila, sinal de oficialização e reconhecimento destas
povoações pelo Reino português, proclamando, de forma oblíqua, ser a
futura vila de Itabaiana a urbis, a capital de todo o conjunto de terras
conhecido como Matas de Itabaiana, o centro maior dessa extensa área
de terras, que apresentava, aqui e ali, núcleos de povoamento, como o
de Lagarto faria tal papel para as terras que lhe cercavam. A vila seria
o sinal oficial da congregação de todos os habitantes da redondeza em
torno de sua sede, em pontos mais ou menos próximos.
Vários fatores externos e internos se conjugavam para justificar a
criação da vila de Itabaiana, como a de Lagarto, também.
Entre os fatores externos,
[1] a criação da Ouvidoria de Sergipe,
[2] a participação das vilas na arrecadação de tributos,
[3] a vizinhança do território sergipense com a Capitania baiana,

117
[4] a necessidade de implantação do sistema judiciário,
[5] o crescimento do núcleo de habitação, e
[6] a abertura de estradas para o sertão.
Aborda-se um por um.
[1] A criação da Ouvidoria de Sergipe ocorreu por força do ato de
19 de janeiro de 1695, do Rei de Portugal, sendo, desta forma, desligada
da da Bahia. A Ouvidoria era uma reivindicação dos camaristas de São
Cristóvão, tendo sido o primeiro ouvidor Diogo Pacheco de Carvalho,
em 5 de junho de 1695.
Um fato ia provocando o outro, numa seqüência lógica. O novo
território reclamava a condição de comarca. Alcançada esta, o passo
seguinte seria verificar quais os núcleos de povoamento que
necessitavam de um impulso pelo papel que representavam e iam
desempenhar na conquista do território. O coroamento a essa boa
perspectiva se fazia com a outorga da condição de vila.
Na afirmação de Felisbelo Freire, a conseqüência da elevação de
Sergipe à categoria de comarca, foi a criação das vilas, com a
delimitação dos seus termos (HISTÓRIA TERRITORIAL DE
SERGIPE, p. 45).
Se existe uma comarca, a criação das vilas se fazia necessária,
inclusive para justificar a existência da comarca. Era só verificar, entre
os núcleos habitacionais, quais os que apresentavam melhores condições
de ascendência, estando, inicialmente, Itabaiana e Lagarto entre eles.
[2] As vilas arrecadavam impostos, os dízimos reais, entre outros,
para a Fazenda Real, contribuindo, desta forma, com algo para melhorar as
finanças da Capitania, e, principalmente, do Reino. Uma vila significaria
uma nova fonte de receitas, sobretudo tendo o gado por objeto e alvo
direto, gado que, na abertura de novos caminhos para o interior do
território sergipano, passava por Itabaiana e por Lagarto, portas de saída
para o sertão, até então desconhecido. A arrecadação de tais impostos,
segundo Raimundo Girão (HISTÓRIA ECONÔMICA DO CEARÁ, ps.
104-105), se fazia por meio da arrematação dos contractos. Se este não
ocorria, vinham as fintas, e também as derramas. Nos talhos de carne, nas
feiras e no comércio, a fiscalização concentrava as vistas. Os negócios
diziam respeitos a Fazenda Real, da qual a vila seria um veículo poderoso,
atiçando o Reino na criação de mais vilas. Era mais ou menos como
Raymundo Faoro apregoou, ou seja, os capitães fundavam as vilas, para
agregar num núcleo de vigilância as atividades comerciais e estruturar o

118
interesse fiscal, chamando a atenção para o fato de que um terço de suas
rendas flui para o soberano (OS DONOS DO PODER ..., ps. 143 e 216).
Ao povoado faltava qualquer organização administrativa, política
e fiscal, não se recolhendo nenhum imposto, o que demandava prejuízo
para a Coroa.
Depois, além dos impostos, que sempre representaram um
tormento na vida de todos os seus habitantes, a vila contribuía também
com as propinas de luto e ou de iluminárias, as primeiras ante a morte
de alguém importante na Corte portuguesa, as segundas quando da
ocorrência de nascimento e casamento no seio da família real.
[3] Outro fator externo fundamental era a vizinhança do território
sergipano com a Capitania baiana, circunstância que facilitava a sua
colonização com mais rapidez que a de outros territórios nordestinos.
Na Bahia estava o governador geral do Brasil, na condição de vice-rei.
Perfeitamente lógico que a conquista e colonização das áreas vizinhas,
entre as quais, as sergipanas, figurassem nos planos da Coroa, como
também provocassem desafios nos baianos, disponibilizando-os a
participar dessa cruzada pelo nordeste adiante e adentro.
O baiano foi o bandeirante do nordeste brasileiro. Mesclado
diretamente pelo sangue português, não ficou limitado ao seu território.
Além do de Sergipe, que, de forma direta, colonizou, enviando os
primeiros colonos, o baiano teve a primazia de abrir caminho com o
gado pelo nordeste, chegando até os territórios cearenses e piauienses,
sempre pelo interior, a ponto de Capistrano de Abreu, em termos de
Ceará, denominar a corrente “Sertão a Dentro”, de origem baiana que
teria iniciado a ocupação e colonização a partir do interior, segundo
ressalta José Borzacchiello da Silva (O algodão na organização do
espaço, in HISTÓRIA DO CEARÁ, p. 81).
Uma prova da influência da vizinhança baiana está na data da
criação das vilas de Itabaiana e Lagarto, em 1697, dois anos antes da
criação da primeira vila em território cearense, em 1699, com a
denominação de Vila do Ceará, hoje Fortaleza, conforme Raimundo
Girão (GEOGRAFIA ESTÉTICA DE FORTALEZA, p. 49). Na
Paraíba, a primeira vila, Alhandra, sediada na aldeia de Aratagui, só foi
criada em 1758, segundo Horácio de Almeida (HISTÓRIA DA
PARAÍBA, tomo II, p. 61). Em ambos os casos, a vila de Itabaiana
antecedia.

119
Pela proximidade, os núcleos sergipanos saíram na frente, da
mesma forma que, em Alagoas, Madalena (depois Alagoas, hoje
Marechal Deodoro), São Francisco (hoje Penedo) e Porto Calvo,
beneficiadas pela vizinhança com a província pernambucana, foram
erguidas em vila por ato de 12 de abril de 1636. A quarta vila alagoana,
Atalaia, só alcançaria tal condição em 1º de fevereiro de 1764 (cf. a
ENCICLOPÉDIA DOS MUNICIPIOS BRASILEIROS, XIX, p. 28).
[4] A Justiça tinha um significado mais amplo, englobando os
juizes, os camaristas e os outros empregados públicos, de forma a poder
assentar, num local, todo esse aparato para dar tranqüilidade aos
moradores que teriam, a sua porta, todas as autoridades, sem
necessidade de se deslocarem para pontos longínquos da capitania, no
caso sergipano, a Cidade de Sergipe [São Cristóvão].
Daí a importância da passagem de povoado para vila, pelo fato da
localidade passar a ter a sua própria Justiça, ali fixa, o que implicava na
noção de respeito a autoridade que existia na povoação.
[5] Outro fator externo era o reconhecimento de um ponto de
habitação, a exigir do Governo um passo adiante. Na escalada, o passo
seguinte ao povoado seria a vila. Assim ditavam as normas oriundas de
Portugal. A vila era apenas o reconhecimento desse crescimento, que se
manifestava através da presença do distrito policial e da freguesia. O
ambiente para a elevação a categoria de vila estava pronto.
É preciso atentar, também, para o fato de que os núcleos de
povoamento, aqui e ali, já se constituiam em realidade, em redor do Rio
Jacaracica, do Rio da Lomba, do Rio Vaza-Barris, do Rio Sergipe, além
de outros, de menor e igual importância. No terreno adquirido pela
Irmandade é que, aquela altura, já existia um povoamento diminuto, a
ponto de chamar a atenção da Coroa. Apesar da existência do Distrito
Policial e da freguesia, a igreja não tinha sido construída. Mas já havia
algumas casas erguidas no local destinado a praça, primeiro logradouro
a surgir, delineado e reservado o espaço para a construção do templo
religioso. A vila viria como ponto central, na reunião da população
lindeira. Era visando a essa gente, já em bom número, dispersa por toda
a região, na tentativa de reuni-la e mantê-la ligada a um centro urbano,
que a vila foi criada.
Ademais, a escolha de Itabaiana, como de Lagarto, encontra uma
razão simples, que, na linguagem de Luiz Ricardo Michaelsen
Centurião, se revela em termos da importância a ser exercida pelo

120
núcleo de povoamento sobre a região circunvizinha, dentro da função
centralizadora da vila (A CIDADE COLONIAL NO BRASIL, p. 213).
Ganhando essa condição de vila, grande seria a sua importância sobre
todos que, ao seu redor, tinham propriedades agrícolas, atraindo-os para
um ponto geográfico comum.
[6] Por fim, a necessidade permanente de manter caminhos para o
sertão, objetivando a passagem do gado pelo interior, alcançando-se por
terra outras capitanias. Cada núcleo populacional que ascendesse
representaria uma espécie de feitoria que o governo português fincava
em pontos estratégicos, dentro também da política de ocupação do
interior do território brasileiro. Com a presença do colono, em pontos
diversos, avançando pelo interior, a Coroa, no fundo, instalava uma
feitoria, só que sem despesa alguma para o Erário Real, visto que nada
pagava aqueles moradores. Depois, na busca das minas de prata se abriu a
oportunidade de se ter uma melhor visão das novas terras até então não
palmilhadas pelo branco colonizador. Ademais, para a conquista do
interior, a fim de poder o colono sair das areias da praia, era preciso
prestigiar determinados e estratégicos lugares, como Itabaiana e Lagarto,
portas para o sertão, passagem para o gado que vinha de cima para baixo,
ou, que seguiria de baixo para cima. Como diria Caio Prado Júnior,
necessário criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias
que se fundassem e organizar a produção dos gêneros que interessassem
ao seu comércio (FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO, p.
24).
A criação da vila de Itabaiana, da mesma forma que a de Lagarto,
não significava que o povoamento na região tinha dado certo. Apenas
que poderia dar certo, que havia perspectiva de sucesso, levando em
conta, também, a presença de fatores internos. Mais cedo ou mais tarde,
não havia pressa, das duas vilas surgiriam centros populacionais
maiores, como o tempo se encarregou de provar, ainda que lentamente.
Entre os fatores internos, podemos arrolar:
[1] a posição geográfica de Itabaiana e Lagarto,
[2] a presença de freguesias nos dois locais, e
[3] a presença de distrito policial na região.
Analisemo-los.
[1] O fato de Itabaiana e Lagarto se situarem em duas regiões
estratégicas, em locais diferentes, mas semelhantes, como portão do
sertão, longe do mar, Itabaiana no centro, Lagarto mais para o lado sul,

121
ambas dentro de matas a exigir exploração, necessitando de proteção
oficial, de incentivo, sobretudo porque, como vilas, poderiam agregar
todos os moradores que se dispersavam nos arredores. Oliveira Viana
proclamaria um motivo: quando já é grande o número dos latifúndios
espalhados numa dada região, o governo ordena a criação de vilas com
o fim de “reunir os moradores dispersos” (apud Raimundo Faoro, OS
DONOS DO PODER, p. 172).
[2] Diferentemente de terras outras, como Laranjeiras, Estância,
Santa Luzia do Itanhy e Maruim, banhadas por rios maiores, Itabaiana e
Lagarto disparam na frente, exibindo ao poder político uma freguesia, a
de Santo Antonio e Almas [1675] e a de Nossa Senhora da Piedade
[1679], respectivamente. Se o poder religioso criou as freguesias, é
porque os dois locais prometiam, se mostrando aptos a receberem a
coroação da condição de vila. Aí então chegaria o poder político. Cada
coisa no seu tempo, uma provocando a outra, numa seqüência lógica.
[3] Por fim, a existência de um distrito policial na região
itabaianense, materializado no funcionamento da Companhia de
Ordenanças do Distrito de Itabaiana, com funções de exercer o serviço
de policiamento do imenso território. O distrito policial tinha sido criado
em 1668, ou seja, antes de Itabaiana ser vila, como se fosse uma
preparação para o grau maior, na passagem de povoado para vila. Nesse
item, como garantia do Judiciário, a presença policial já era uma
realidade. Em 23 de março de 1668, Alexandre de Sousa Freire,
governador geral do Brasil, pelo Conselho de Guerra de Sua Magestade,
em Salvador, nomeia Domingos de Lapenha Alvarado, que tinha sido
capitão do distrito de Lagarto, para o de Itabaiana. Na linguagem do ato,
hei por bem de o eleger (como em virtude da presente, elejo e nomeio)
Capitão da referida Companhia, para que como tal o seja, use, e exerá,
com todas as honras, graças, franquezas, preeminencias, privilégios,
isenções, e liberdades que lhe tocam, podem, e devem tocar, a todos os
Capitães da Infantaria da ordenança deste Estado (Vladimir Souza
Carvalho, SANTAS ALMAS DE ITABAIANA GRANDE, p. 149).
Carvalho Lima Júnior registra que, em 1785 [ou seja, quase cem
anos da instalação da vila], sua guarnição militar constava de 5
companhias do Terço de Ordenanças indispensáveis á manutenção da
ordem frequentemente perturbada pelos malfeitores de outros
districtos, corridos da Justiça, que buscavam refugio nos seus
arredores onde, por estarem mais distanciados da Capital, zombavam

122
do poder da autoridade constituída (MONOGRAFIA HISTÓRICA
DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 139).
Foram capitães da referida companhia, em datas diferentes, Luis
Barroso Pantoja, Francisco Antonio de Carvalho, João Nepomunemo
Regalado Castel Branco e Loureiro, José Mateus da Graça Leite de S.
Payo, entre outros.
Esse conjunto de fatores, externos e internos, fez com que as vilas
de Itabaiana e de Lagarto fossem as primeiras a serem criadas em
território sergipano, vindo logo a seguir a de Santa Luzia do Itanhy, em
1698, levando setores de São Cristóvão a protestar, movidos, no fundo,
pelos prejuízos que causavam a capital com a descentralização
administrativa e religiosa, segundo se colhe em Carvalho Lima Júnior
(HISTÓRIA DOS LIMITES ENTRE SERGIPE E A BAHIA, p. 189).
Ou seja, a criação de novas vilas tornava menor o poder da capital.
A visão da Coroa foi de um tirocínio correto. Das vilas criadas no
século XVII, duas, Itabaiana e Lagarto, se transformaram em grandes
centros urbanos, os maiores do interior sergipano; Santa Luzia foi
abafada e substituída por Estância, nascida esta já condição de cidade no
século XIX; Santo Amaro das Brotas foi trocada por Maruim. Neópolis
ficou lá na ponta do Rio São Fancisco, perdendo, em importância, para
Propriá, de idade mais nova, e, por fim, Laranjeiras tornou-se cidade
importante, até a distância para Aracaju ter encurtado, se transformando,
depois e já recentemente, em cidade dormitório.
Itabaiana e Lagarto, ao contrário, sempre se mantiveram em linha
ascendente.

O LOCAL ESCOLHIDO PARA A VILA

O local escolhido para a Vila de Itabaiana teria de ser,


necessariamente, ao lado do núcleo de povoamento que passava a ser
reconhecido, ou seja, dentro do terreno da Irmandade.
Dentro do núcleo de povoamento ou a ele lindeira deveriam os
habitantes locais erguer a casa da Câmara e a da Cadeia, tudo segundo as
instruções que chegaram ao Ouvidor sergipano, expedidas por D. João de
Lencastro, governador geral do Brasil (1694-1702), ordenando que tanto
que Vmce, receber esta, vá logo ao lugar denominado da Itabaiana e
Lagarto a formar duas vilas, escolhendo para isso os sítios mais
acomodados e fazendo com que os moradores dessa Capitania queiram

123
fazer a casa da Câmara e cadeia a sua custa (Felisbelo Freire,
HISTÓRIA TERRITORIAL DE SERGIPE, p. 45).
Ou seja, o Governo só entrava com o ato.
A Câmara e a Cadeia, sinônimos da vila, deveriam ser construídos
pelos moradores, interessados no grau que alcançavam. A ordem fazia
parte da política do Governo português, no sentido de a Coroa não
gastar nada com a colonização brasileira, ficando tudo à custa dos
próprios habitantes. A região, pelo seu conjunto, apresentava condições
de desenvolvimento a longo prazo. Era preciso incentivar, com a criação
da vila, semente que o Reinado, via do Governador-Geral do Brasil,
plantava, mas sem efetuar nenhuma despesa. Outras vilas, ao longo do
território brasileiro, estavam também sendo criadas, de forma que a
Coroa não poderia dispender para tanto nenhum recurso.
Outra preocupação do Governo era a escolha dos sítios mais
acomodados, para a construção da Câmara e da Cadeia.
Na expressão utilizada na ordem enviada ao Ouvidor sergipano,
sítios mais acomodados, significava o conjunto de terras sólidas,
compactas, seguras, nas quais pudessem ser erguidos os prédios sem
perigo de desabamento. Nada de terras de mangue, alagados ou
semelhantes, a fim de evitar a propagação de doenças, o surgimento de
problemas e outros fatos negativos que, em seu conjunto, se constituíssem
em obstáculo para o crescimento da vila. Sergio Buarque de Holanda
acresce algo a explicação: Para as povoações de terra dentro, não se
escolhessem lugares demasiado altos, expostos aos ventos e de acesso
difícil; nem muito baixos, que costumam ser enfermiços, mas sim os que se
achassem a altura mediana, descobertos para os ventos de norte e sul
(RAÍZES DO BRASIL, p. 97). Tal qual o terreno da Irmandade das
Almas, parecendo que, ao adquirí-lo, para a finalidade da construção da
igreja, e, em conseqüência, do centro urbano que se formaria ao seu redor,
a entidade pensou alto, escolhendo, de antemão, o local que serveria para a
sede da vila.
A preocupação do Governo português vinha estampada na ordem
emanada e era perfeitamente pertinente. Na colonização inglesa nos
Estados Unidos da América do Norte, a primeira colônia estável
construída em 1607, foi perto de um pântano que com seus mosquitos e
águas estagnadas fazia a malária grassar entre os colonos, o que
ocasionou a morte da metade dos colonos, conforme informa Carlos R.
Lisboa de Mendonça, baseado em André Maurois (500 ANOS DO

124
DESCOBRIMENTO – UMA NOVA DIALÉTICA, p. 228). Ou seja,
em sítio inadequado.
A expressão – os sítios mais acomodados – não se refere a sítio
na acepção que conferimos a uma pequena porção de terras, localizada
na zona rural, onde se cultiva agricultura e diminuta pecuária. Sítio é
expressão muito comum em Portugal, ainda hoje, designando local de
alguma coisa, algum lugar, ou qualquer lugar, como era freqüente seu
uso nos tempos da colonização, tanto na linguagem oficial, como depois
nos estudos históricos e na ficção. Câmara Cascudo (HISTÓRIA DA
CIDADE DO NATAL, p. 52), por exemplo, dele se utilizada ao abordar
o local onde a cidade de Natal foi erguida. O mesmo faz Raimundo
Girão ao cuidar da área onde foi fundada a cidade de Fortaleza
(GEOGRAFIA ESTÉTICA DE FORTALEZA, p. 41). Luiz Ricardo
Michaelsen Centurião (A CIDADE COLONIAL NO BRASIL, p. 211),
da mesma forma, trabalha com o termo sítio ao enfrentar a cidade
colonial no Brasil, trilha seguida por Roberto Pompeu Toledo, ao cuidar
da história de São Paulo (A CAPITAL DA SOLIDÃO ...).
Os sítios mais acomodados, no caso de Itabaiana, foi o próprio
terreno da Irmandade das Almas, na Caatinga de Ayres da Rocha
Peixoto, que não ofereceu obstáculos para que o poder político ali se
instalasse, circunstância que, de todas as formas, lhe era profundamente
favorável, pelo acerto da aquisição, a ponto de sedimentar, de maneira
definitiva, a sede da vila, poder político, no terreno da Irmandade, poder
religioso ligado a Igreja. O terreno da Irmandade recebia o beneplácito
da Coroa, na fixação do local para a sede da vila.
A vila, a ser instalada, era o resultado de setenta e oito anos de
povoamento e colonização da região, sobretudo, da parte mais próxima
a Serra, que, apesar de lento, era positivo, retratando a existência de um
aglomerado de homens–agricultores que, – vencidas todas as
dificuldades enfrentadas, desde a longa travessia do Atlântico, de
Portugal ao Brasil, e a penosa viagem de Salvador, na maioria
espantosa, e de Recife, uma minoria, até ali, arrolando-se ainda a fome,
a doença sem remédios a conduzir o colono ao caminho da morte, a
adaptação à terra e a colheita de seus primeiros frutos, com condições de
poder manter o homem em seu solo, casando-se e cruzando-se, de
acordo com a pequena e limitada oferta, circunstância que, em seu todo,
já evidenciava a presença de um grupo social formado e desenvolvido, a
ponto de ter mulheres disponíveis para o casamento, o que demandou

125
décadas para a sua constituição –, recebiam da Coroa o diploma da
vitória traduzida na criação da vila.
Quando a escolha foi concretizada, não se fazia opção por um
local onde a defesa a ataque inimigo estivesse em vista. A cidade-
fortaleza estava fora de cogitação, justamente porque nenhum inimigo
existia à vista, numa demonstração de que a população indígena, à
época, deveria estar bem longe ou sem possibilidade alguma de
oferecer qualquer perigo. O local era profundamente amplo, uma
planície, no meio de arbustos e matos rasteiros, sem nenhum rio em
seu interior. Na lição de Luiz Ricardo Michaelsen Centurião, sempre
se elegeu com sítio preferencial a área mais plana (A CIDADE
COLONIAL NO BRASIL, p. 124). Foi o que entre nós ocorreu.
O casamento se realizava, tudo dentro do processo político da
época. A Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto absorvia a aprovação do
poder político. Seria, como passou a ser, a sede da vila.
No caso da vila de Lagarto, o sítio, inicialmente escolhido, a oeste
da atual sede da cidade, a uma légua pequena, a pouco menos de seis
quilometros, conforme Sebrão, sobrinho, não era digno o local para
tanto (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 229),
levando o seu primeiro vigário, padre Constantino Marinho, a implicar
com o sítio e a transferir a matriz para os Taboleiros, onde se fixou.
Itabaiana não enfrentou esse problema. O local escolhido não
sofreu nenhuma alteração, porque a Irmandade das Almas já tinha
preparado o caminho, e, ademais, o sítio se mostrava adequado e
perfeito para o fim a que se destinava. Dir-se-ia mesmo que, ao comprar
o terreno para a edificação da Igreja, os diretores da Irmandade
escolheram, também e antecipadamente, o local onde a vila seria
implantada. A Coroa apenas reiterou a escolha.
Ao optar pelo terreno da Irmandade, é difícil saber exatamente
como a era situação do local em termos de casas e de habitantes. É bem
provável que, a esta altura, vinte e dois anos depois da aquisição do
terreno, já existissem algumas casas, bem como o lugar da Igreja já
estivesse delineado, em suma, já apresentasse o terreno um certo aspecto
de ocupação. A referência ao lugar denominado da Itabaiana, utilizado
na ordem já aludida, não se dirige, contudo, a esse possível aglomerado
humano que, no local, estivesse em sua formação inicial. A menção é a
toda a região, imensa, por sinal, como já destacado, porque era

126
conhecida como Itabaiana, evidenciando a consolidação do nome com
menos de um século de colonização e povoamento.

NOME DA VILA

O nome adotado para a vila, oficialmente, é Itabaiana, que, aliás,


é o da região, como já enfrentado, anteriormente.
A temática vem à tona face ao fato de aqui e ali, por influência
religiosa, ocorrer referência a vila de Santo Antonio de Tabaiana, como
é encontrado em Sebastião da Rocha Pita, segundo Francisco José Alves
e Itamar Freitas (DICIONÁRIO DA PROVÍNCIA DE SERGIPE, p.
67). Naturalmente, o nome Tabaiana deve ser erro gráfico, visto que o
correto é, como sempre foi, Itabaiana, em termos sergipanos.
Há outra variante, também muito usada, como Vila de Santo
Antonio e Almas de Itabaiana, encontrada nas Informações que a Câmara
Municipal presta ao Reino em 1757, adiante transcrita, embora, no seu
final, conclua só como Vila de Itabaiana. Em 1764, em documento
expedido pelo Governo Geral do Brasil, em Salvador, a vila aparece como
Vila de Santo Antonio e Almas de Itabaiana (Vladimir Souza Carvalho,
SANTAS ALMAS DE ITABAIANA GRANDE, p. 95). Sebrão,
sobrinho, também muito usou desta expressão (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 303), embora se refira também à vila de
Itabaiana (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 45).
Até 1860 se colhe em documentos oficiais o uso da denominação Vila de
Santo Antonio e Almas de Itabaiana, conforme se vê de Sebrão, sobrinho
(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 306).
A inclusão de Santo Antonio, orago da freguesia, era resultado da
influência religiosa, querendo manifestar, neste sentido, que a Vila de
Santo Antonio (ou Santo Antonio e Almas) de Itabaiana era, em
verdade, a comunidade, da qual Santo Antonio era orago, ou, que tinha
uma freguesia com essa denominação, ou, ainda, era a comunidade que
tinha Santo Antonio como padroeiro, localizada na vila de Itabaiana.
Não havia em seu uso o interesse de alterar a denominação da vila,
apenas o de destacar o nome do padroeiro, como a ressaltar, de forma
bem contundente, a influência religiosa no mundo político.
Esse mesmo problema, ou seja, a introdução do nome do orago no
da vila é fato comum na província sergipana, como Santo Antonio de
Vila Nova do Rio de São Francisco (Neópolis), Nossa Senhora das

127
Aflições das Dores dos Enforcados (N. S. das Dores), Vila de Nossa
Senhora da Piedade (Lagarto), entre outras, a aparecer em documentos
da época.
O nome de Itabaiana era uma realidade que vinha de 1602, desde
a sesmaria doada a Manoel Tomé de Andrade, a fazer menção a Serra
sob a terminologia de Itabaiana: detraz da Itabaiana, ou seja, detrás da
Serra, significando que, a partir do início da colonização, a região já era
conhecida como Itabaiana em função da Serra. A Serra batizava todas as
terras ao seu redor e até onde a vista não alcancasse. Assim continuou.
Tanto que, em 1655, quando criaram a Irmandade das Almas, anotaram
em seu estatuto ter sido ela criada na Capela da Itabaiana, não fazendo
nenhuma referência ao Arraial. Em 1668, na criação do distrito policial,
este ficava em Itabaiana. Depois, em 1675, quando os membros da
Irmandade foram a São Cristóvão adquirir o sítio para a construção da
Igreja, se declararam moradores da Itabaiana. Em conseqüência,
quando foi de se criar a vila, o nome teria de ser aquele que vinha
consagrado há décadas e décadas – Itabaiana –, que, assim, ganhava
contornos de denominação oficial. Na região conhecida como Itabaiana,
nascia uma vila com o nome da região, isto é, Vila de Itabaiana.

INSTALAÇÃO DA VILA

A vila de Itabaiana, como a de Lagarto, é criada a partir de ato


do Governador-Geral do Brasil de 20 de outubro de 1697. A instalação
vai se efetuar no ano seguinte, 1698, apontado por Sebrão, sobrinho
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 303). E se
assim se verificou foi em decorrência de, no sítio escolhido, já existir
um aglomerado humano, pequeno, mas presente, dada à
inconveniência, mas não não impossibilidade, de se criar uma vila
tendo por sede um local ainda deserto.
Era natural, à época, a distância entre a criação da vila e a sua
instalação.
A primeira vila no Piauí, a vila de Mocha, na Aldeia do Cabrobó,
em 1712, só foi instalada em 1717, isto é, cinco anos depois, ocasião em
que o Governador do Maranhão envia muitas famílias para a nova
povoação, inclusive um magote de 300 degredados, com a finalidade de
promover seu desenvolvimento, segundo Pereira da Costa, citado por

128
Luiz R. B. Mott (PIAUÍ COLONIAL – POPULAÇÃO, ECONOMIA E
SOCIEDADE, p. 45).
Já a primeira vila da Paraíba, Alhandra, criada em 1758, só foi
instalada em 1765, segundo Horácio de Almeida (HISTÓRIA DA
PARAÍBA, tomo II, p. 61).
No caso de Itabaiana, a presença de Juizes Ordinários e de Órfãos
em 1698, o alferes Francisco Tavares da Motta e o coronel Florentino
Borba de Almeida, respectivamente, evidencia que, nesse ano, a Vila já
contava com a Câmara Municipal em atividade, o que quer dizer que, na
prática, a Vila já estava funcionando plenamente, no ano indicado por
Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS...,
p. 303), como da instalação, porque só com esta é que a povoação
passava a ser vila. Ademais, a vila só foi instalada porque já existia uma
povoação no terreno da Irmandade.
A essa altura os moradores não tinham ainda feito a casa da
Câmara e a Cadeia, como nunca quiseram fazer, ou nunca puderam, ou,
também, nunca se sentiram estimulados a tanto, ou preferiram soluções
mais simples. Para a instalação, alugaram dois prédios, ou um só, para a
Câmara e para a Cadeia, ou algum morador cedeu alguma casa, o que é
bem mais provável, mesmo porque a instalação não dependia da
presença de prédio próprio para a Câmara e a Cadeia. O Governo apenas
pedia aos moradores que os construíssem, não se dando ao sacrifício de
custear as despesas pelo Erário Real. A política da Coroa era a de
receber, não a de dar ou gastar, mesmo porque não podia se conceder a
tal luxo, com as despesas que a vida na Corte exigia.
Por outro lado, a falta de casa própria é vista por Raimundo Girão
como sinal da pobreza das Câmaras, que ficavam à mercê das maiores
apertaduras financeiras, sem poderem realizar os melhoramentos
coletivos (HISTÓRIA ECONÔMICA DO CEARÁ , p. 128).
A instalação da vila era ato cercado de formalismo. Uma ata era
redigida e enviada ao governo-geral. Raimundo Girão aponta o ano de
instalação de várias vilas cearenses, como Fortaleza, em 1726; Icó, em
1738 (HISTÓRIA ECONÔMICA DO CEARÁ, p. 132). Elpídio de
Almeida indica a de Campina Grande, na Paraíba, em 1790 (HISTÓRIA
DE CAMPINA GRANDE, p. 47).
A ata da instalação da vila de Itabaiana deve repousar no Arquivo
Ultramarino, em Lisboa, ou em outro arquivo, sem que ao seu teor
ninguém tivesse até aqui dado a publicidade devida. Pelo menos, é

129
documento que não foi mencionado por nenhum dos nossos grandes e
primeiros pesquisadores, como Carvalho Lima Júnior e Sebrão,
sobrinho, e, mais recentemente, por Maria Thétis Nunes.
Provavelmente, uma ata foi lavrada, estando escondida em algum
arquivo. Seu conhecimento é sumamente importante para se colocar no
quadro o nome das pessoas que dela participaram, e a data exata e
completa.
Além da Câmara e da Cadeia – cujos prédios os moradores nunca
construíram – havia outro elemento importante, o pelourinho, que era
erguido na praça principal. Vila sem pelourinho não era vila, declara
Elpídio de Almeida (HISTÓRIA DE CAMPINA GRANDE, p. 48). No
caso da de Itabaiana, o pelourinho, constituído de um tronco de madeira
e cal, ou de madeira e barro, deve ter sido erguido na única praça então
existente, na Rua da Praça, depois Praça da Matriz, onde, no início, a
Câmara, possívelmente, teve endereço, e, neste caso, o pelourinho deve
ter sido instalado bem em frente à Igreja, que se constituía, em termos
da vila, no local mais amplo e mais adequado, único, aliás, adequado.
O pelourinho simbolizava a jurisdição municipal, segundo
Raimundo Grião (GEOGRAFIA ESTÉTICA DE FORTALEZA, p.
48). O caráter infamante, oriundo de Roma, quando serviu de poste de
expiação pública, lembrando o pilori, com uma gaiola na parte
superior onde, parece, se expunham os criminosos, o pelourinho
passou a significar o princípio da autoridade, a autonomia civil da
cidade ou vila, ainda conforme Raimundo Girão (GEOGRAFIA
ESTÉTICA DE FORTALEZA, p. 49). Para Elpidio de Almeida, o
pelourinho é o marco que simbolizava o poder municipal, o sinal da
existência da justiça, do governo eleito pelo povo (HISTÓRIA DE
CAMPINA GRANDE, p. 48), o símbolo da autoridade que devia se
respeitar.
Não há, até agora, nenhuma referência ao pelourinho da vila de
Itabaiana. Só a ata da sua instalação poderia trazer a lume a notícia
acerca da sua localização, embora, à época, não fosse comum menção
ao local em termos de logradouro, por ser o número de ruas por demais
diminuto, ou, às vezes, por só existir uma, dispensando, desta forma,
qualquer menção.

130
CAPÍTULO II

CAUSAS DO LENTO DESENVOLVIMENTO DO CENTRO


URBANO DA VILA

O centro urbano da vila de Itabaiana, apesar de sair na frente, não


consegue se desenvolver, começando a perder terreno para as demais
vilas que foram sendo criadas posteriormente, como Maruim, e para
Estância e Laranjeiras, que pularam de povoados para cidades sem
terem sido vilas. O número de casas erguidas vai se mostrando pequeno,
ao correr dos primeiros cem anos, não dando ao chamado centro urbano
nenhum sinal de aumento da sua população.
Carvalho Lima Júnior, a propósito, chega a ressaltar que, apesar
de freguesia e vila, com elementos naturais de desenvolvimento, curada
espiritualmente, provida de força militar desde 1668, e de justiça local,
permaneceu estacionado o seu progresso durante mais de um século
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
138). Mais ou menos, como se tivesse sido instalada a vila e a paisagem
urbana não sofresse nenhuma alteração, ficando tudo quase como estava
antes ou sendo o número de casas tão diminuto que não alterava a
paisagem urbana.
A situacão da vila é tão deficiente que, Marcos Antonio de Souza,
que nela passou em 1808, observava: Na villa quasi deserta e seo termo
se contam novecentos e noventa e nove hábitantes, entrando pessoas de
todas as classes. Estes são os mais pobres de toda a Comarca e apezar
de haver quatorze engenhos de assuçar, que embarcam suas dusentas
caixas no porto de S. Anna e um d’elles no de Itaporanga, contudo são
muito diminutos os seus productos. Criam pouca porção de gado, que
não chega para a sustentação dos habitantes, e da mesma forma a
mandioca e legumes que plantam (MEMÓRIA SOBRE A CAPITANIA
DE SERZIPE, p. 32).
Em miúdos, a vila, no início do século dezenove, tinha o seu
centro urbano quase deserto, destacando-se o fato de que a sua
população [urbana] era a mais pobre de Sergipe, perdendo para São
Cristóvão; para as vilas de Santa Luzia do Itanhy, Tomar [do Geru],
Lagarto, Santo Amaro [das Brotas], Vila Nova [Neópolis], Propriá, que,

131
a esta altura, já tinha feira; e Campos, Laranjeiras e Pé do Banco [Siriri],
que ainda não eram vilas, bem como a Missão de N. Senhora do Carmo
da Japaratuba, todas visitadas por Marcos Antonio de Souza. A
comparação oferece a idéia de como estava parada a vida urbana na vila
de Itabaiana, ou de como a vila não ia para frente, com os moradores
mais abastados, na sua quase totalidade, preferindo habitar as suas
propriedades rurais, ao redor da vila, deixando o centro urbano apenas
para as festas religiosas e festejos natalinos.
Na vila de Itabaiana, vai ocorrer o mesmo que, décadas antes, se
verificara na vila de São Paulo, conforme Roberto Pompeu Toledo: A
povoação central continuava não apenas pobre: era também semi-
abandonada. Muitas de suas casas permaneciam fechadas. Os donos
tinham a residência principal no sítio ou na fazenda, e só mantinham a
casa da vila para estadas curtas (A CAPITAL DA SOLIDÃO..., p.
147). A situação, vivida pela vila itabaianense, repetia também o que
ocorria em Natal, a ponto de Adriano Verdonch, que lá esteve entre os
anos de 1630 a 1631, ter anotado que a vila tem cerca de trinta a
quarenta casas de palha e barro; mas os habitantes mais abastados dos
arredores vivem habitualmente nos seus sítios e vêm apenas à cidade
nos domingos e dias santificados para ouvir missa (...), cf. Amério de
Oliveira Costa (VIAGEM AO UNIVERSO DE LUIZ DA CÂMARA
CASCUDO, p. 44).
A situação de vila, quase deserta, se prolonga quase que
totalmente nas décadas seguintes, dentro do século XIX, a ponto de, em
1845, J. C. R. de Milliet de Sanit-Adolphe, ser incisivo ao afirmar que a
vila era de pouco trato (DICIONÁRIO DA PROVÍNCIA DE SERGIPE,
p. 53). Esse conceito também era estendido para as vilas de Propriá e
Santo Amaro; a de Lagarto, por outro lado, recebe outra insignificante
adjetivação: villa medíocre da provincia de Sergipe (DICIONÁRIO DA
PROVÍNCIA DE SERGIPE, p. 58), expressão comum, à época,
empregada, em pleno século dezenove, a ponto de ter sido também
atribuída para à de Fortaleza, por Aires do Casal, na Geografia Brasília,
cf. Raimundo Girão (GEOGRAFIA ESTÉTICA DE FORTALEZA, p.
62).
Várias causas, assim, ditaram o estacionamento da vila de
Itabaiana, criando empeços para o seu desenvolvimento, ou, pelo
menos, para o aumento do número de casas e, em conseqüência, de ruas.
Entre elas,

132
[1] a falta de água na vila,
[2] a presença de uma sociedade rural, ao seu redor,
[3] a presença de índios foragidos,
[4] os ataques dos negros mucambistas,
[5] a sua localização no centro da Capitania
[6] a imensidão do território que constituía toda a região de
Itabaiana.
Os fatores não se verificam isoladamente. Um se liga ao outro e
dele depende, ou o provoca.
[1] O principal fator do crescimento lento da vila de Itabaiana foi
à falta de água na sua sede, o que, aliás, não era surpresa alguma.
Nenhum rio, navegável ou não navegável, banhava o terreno adquirido
pela Irmandade das Almas, no que se refere ao local exato em que o
centro urbano foi iniciado. Ou seja, não havia água no local exato onde
se localizava o sítio, circunstância que fez a pequena população
itabaianense permanecer em suas propriedades rurais, não se sentindo
atraída a fixar moradia no centro urbano, a ponto de para ele só
comparecr durante as festas religiosas, como na semana santa, novenas,
trezenas e procissão de Santo Antonio, Nossa Senhora da Conceição,
entre outras, e dos festejos natalinos, e, nestes últimos, assim mesmo,
pela existência de missas especiais.
Quase todos tinham na vila a casa de pousada. Os habitantes fixos
na vila eram poucos, pela falta de água.
Carvalho Lima Júnior aponta, entre as causas do lento
desenvolvimento de Itabaiana, a insignificância numérica dos primeiros
habitadores (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE
ITABAIANA, p. 130). Justamente, a falta de água era um dos fatores
causador do pequeno número de habitantes, sobretudo levando em conta
que Itabaiana, nos seus primórdios, apresentava uma população
essencialmente de agricultores, todos morando em seus sítios, como
demonstraremos adiante, de forma que, na falta de outra profissão a
explorar, era mais prático neles permanecer, ao redor da cidade, em
curta ou longa distância. Não poderia ser de outra forma. Se todos, no
meio rurual, tinham fontes em seus sítios e propriedades maiores, com
condições de sobrevivência mais ou menos tranqüila, não haveria razão
para mudar de moradia, indo prestigiar uma vila que não oferecia
nenhuma condição de sobrevivência a pessoas que, por outro lado, eram
essencialmente agricultores.

133
As necessidades fizeram o itabaianense urbano procurar água para
o seu consumo e para o consumo do itabaianense rural quando por ali
aparecesse.
O primeiro lugar foi a Pedreira, local de onde foram retiradas as
pedras para a construção da Igreja, ficando, em conseqüência, um
enorme buraco, que as chuvas transformaram em reservatório. O
itabaianense o aproveitou, surgindo o Tanque da Pedreira que começa a
desempenhar papel significativo ainda na primeira metade do século
dezoito.
Nas informações solicitadas pelo Reino de Portugal, em 1757, o
padre Francisco da Silva Lobo, vigário da Freguesia de Santo Antonio e
Almas, acentua a falta de água, pede ao Rei a construção de uma
cisterna e toca na presença do Tanque da Pedreira:
Hé o lugar da Villa e Matriz de poucos moradores, por ser
aridíssimo, e tão falto de agoas, que as não há senão no inverno, razão
porque se faz digno de que S. Magestade seja servido de o mandar prover
de algua cisterna ou aguada de pedra e cal para remedio dos Parocos, e
dos poucos moradores que nelle habito, o povo, que vem as festas,
missonens, e semanas sanctas, e mais funcçõens da matriz e vila, pois só
no inverno tem agoa em hu buraco chamado pedreira, que dura pouco
tempo pelo verão, valendo-se os da vila, e mais povo que vem às festas e
funcçõens da villa das cacimbas das serras, distantes da matriz hua lêgoa
grande.
A referência, em 1757, ao Tanque da Pedreira, embora
como um buraco, evidencia a sua existência, à época, como uma única
fonte, até então, da vila, não havendo nada de depreciativo. Talvez, na
comparação a um buraco, o padre Francisco da Silva Lobo tivesse visto
um tanque, até então, bastante pequeno. Daí considerá-lo apenas como
um buraco.
O Tanque da Pedreira não deu conta das exigências da
pequena população residente na vila, por secar no verão, ante a falta de
chuvas. Outro foi criado, entre as últimas décadas do século XVIII e
início do século XIX, a ponto de merecer referência em Marcos Antonio
de Souza. Era o Tanque do Povo
Havendo tantos regatos cristalinos nos montes vizinhos, no
recinto da Vila não se encontra nenhuma fonte perene.
Os moradores vão buscar água em lugares distantes uma
légua da vila, porque dous tanques em que se depositam as águas da

134
chuva, um chamado do povo e outro pedreira, não podem fornecer água
no tempo do verão, pois que não só é nociva e imunda como secam pelo
calor da estação; isto mais concorre para a desvantagem desta Vila
(MEMÓRIA SOBRE A CAPITANIA DE SERZIPE, p. 37).
A dificuldade era efetivamente imensa, sobretudo no verão,
porque ninguém podia se utilizar da água nociva e imunda que os dois
tanques, à época, no verão, proporcionava, fazendo com que habitantes
da vila se deslocassem uma légua para trazer água até a sua casa, cena
que se repetia há mais de cem anos, já fazendo parte integrante da vida
dos seus habitantes.
O nome Tanque do Povo significa que era de todos, que não tinha
donos, em contraposição a algum tanque, menor, de caráter particular,
localizado em algum sítio, ali por perto, que devia ser conhecido pelo
nome de seu proprietário, o que era muito comum. Sebrão, sobrinho,
inclusive, cita um, nas Flechas, o Tanque do Noronha (TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 107).
O Tanque do Povo, pela sua importância, passa a merecer a
proteção do Poder Públicoo, no cuidado que deveria ter, cercando a
Câmara Municipal de normas, a fim de evitar atos indevidos a ser nele
praticado, como o banho. Um exemplo aparece na Lei provincial 933, de
24 de abril de 1872, aprovando postura da Câmara Municipal, a estatuir
que ninguém poderá banhar-se de dia ou pôr-se em estado indecente no
tanque chamado – do povo. O infrator fica sujeito a multa de 5$000 réis
ou cinco dias de prisão, conforme José Lima Santana (HISTÓRIA DO
SANEAMENTO BÁSICO, p. 43). A interpretação mais severa da
mencionada norma fixa a proibição apenas para o período do dia, como a
afirmar que, pela noite podia ocorrer o banho. Fica a dúvida se o
legislador local preocupou-se com a moralidade da comunidade, evitando
banhos de pessoas nuas, em estado indecente, ou com a situação das
águas, visto que, a noite, a vila sem luz elétrica, o Tanque do Povo, pela
sua distância, em área suburbana, proporcionaria a qualquer morador
banho que a ninguém chocaria, pela total ausência da população nas ruas
depois do entardecer, sem se falar de que, na paisagem urbana do século
XIX, o Tanque do Povo se situava em local distante do centro urbano da
vila.
Sebrão, sobrinho, vai incluir outro tanque que abasteceu a Vila de
Itabaiana ainda no século dezoito: a Lagoa da Santa Cruz, em local, na
geografia atual, próxima ao Colégio Estadual de Itabaiana.

135
O Tanque do Povo, o Tanque da Pedreira e a Lagoa de Santa Cruz
passaram a ser as principais fontes de abastecimento da vila de
Itabaiana, de forma que, uma das providências que a Câmara Municipal
tinha de tomar, periodicamente, era mantê-las limpas, além de expedir
resoluções cercando as fontes de proteção, tarefa que, afinal, beneficiava
toda a população urbana.
Segundo José Lima Santana, a Resolução provincial 87, de 16 de
fevereiro de 1842, aprovando postura Câmara Municipal, tomou
medidas contra a presença de suínos em suas fontes (HISTÓRIA DO
SANEAMENTO BÁSICO, p. 33), para não sujá-las, permanecendo a
fonte livre dos porcos.
Já a Lei provincial 933, de 24 de abril de 1872, na mesma linha,
proclamou que é prohibido tomar-se banhos e lavar-se roupa – ainda
mesmo em tinas – nas fontes publicas de beber; assim como pescar-se
ou fazer-se pescarias n’essas e em outras quaesquer (José Lima
Santana, HISTÓRIA DO SANEAMENTO BÁSICO, p. 43).
A Resolução provincial 1.069, de 1º de maio de 1877, também
aprovando postura da Camara Municipal, apregoou ser prohibidos
abolutamente os banhos e a lavagem de roupa, e a presença de animais
dentro dos cercados das fontes de agua potavel, ...(José Lima Santana,
HISTÓRIA DO SANEAMENTO BÁSICO, p. 47) independemente do
horário, se pelo dia ou pela noite, como a corrigir a legislação anterior a
só prever proibição no período do dia.
A Lei provincial 1.154, de 28 de abril de 1880, no mesmo
caminho, proibe nas fontes publicas de agua potavel, os banhos,
lavagens de roupas, de animaes e pescarias, porquer modo; assim como
lançar-se nas mesmas fontes qualquer immundicie, ou conservar dentro
de seus cercados animaes, ...(José Lima Santana, HISTÓRIA DO
SANEAMENTO BÁSICO, p. 49).
As fontes eram tão importantes que a postura municipal
consagrava e a resolução provincial aprovava a obrigação de todos os
habitantes de concorrer para a abertura e limpesa das fontes e vias
publicas, fatos que, até os tempos da República Velha, eram
fundamentais, a tal ponto de se constituírem em atividade que nenhum
governante municipal poderia abrir mão, fazendo parte de qualquer
administração pública.
A falta de água não é um fator isolado, embora fundamental.

136
O Governo Provincial sempre procurou, da maneira possível,
combater a falta de água em toda a região, com a construção de açudes.
Via da Resolução 883, de 5 de maio de 1870, o Presidente da Província
ficava autorizado a despender com tres açudes nas matas de Itabaiana,
ou seja, um na Lagoa do Junco, outro no sítio Riachão e outro no lugar
Giboia, a quantia de 3:000$000, sendo 1:000$000 para cada um.
Naturalmente que a escassez de água, em seu conjunto, contribui
decisivamente para a falta de desenvolvimento da vila, sobretudo na
medida em que a tornava pouca atrativa para o dia a dia de cada um,
fazendo o itabaianense permanecer em suas propriedades rurais, nos
povoados próximos.
[2] Outro fato retardava o desenvolvimento de Itabaiana como
centro urbano: a presença de uma sociedade típicamente agrícola, ou
essencialmente pastoril, no conceito de Raimundo Girão (HISTÓRIA
ECONÔMICA DO CEARÁ, p. 117), fruto do processo de colonização,
que continuava a imperar, levada a adiante pelo colono português que
fugia da crise interna do país de origem e procurava, num clima adverso,
cultivar a terra com produtos que, em Portugal, não conhecia,
mesclando sua coragem com os processos assimilados em contato com o
elemento indígena e da própria experiência vivida, para, em seu
conjunto, com o passar dos anos, plasmar uma nova sociedade, já
plenamente adaptada aos trópicos brasileiros.
Na zona rural, as propriedades, nas quais todos trabalhavam e se
concentravam. Na zona urbana, a Igreja, a Câmara, que, afinal, não
chegou a ter sede própria, a cadeia, o pequeno comércio girando
praticamente em torno de uma feira, no dia de domingo, a partir de certo
instante, quando as necessidades dos habitantes falaram mais alto. O
núcleo populacional não oferecia condições para trabalhadores
autônomos, como pedreiros, carpinteiros, marceneiros, sapateiros,
alfaiates, fogueteiros e outros, sobreviverem de sua própria profissão.
Daí abraçarem muitos, duplamente, a condição de lavradores e de outra
profissão, como já destacado anteriormente, dividindo-se entre o sítio e
a Vila. Tudo isso fazia com esta apresentasse um desenvolvimento
lento, retardado, parando efetivamente no tempo.
Não tínhamos ainda um comércio intenso. Aliás, este, ao nascer, o
fez sob a roupa cigana, tornando-o essencialmente nômade, como
veremos adiante. Em suma, na Vila não existia nenhuma atividade
comercial que nela prendesse o homem itabaianense. Morava-se na

137
propriedade rural poque não era possível ninguém se manter no centro
urbano da Vila e quem aqui ficava se constituía na população mais
pobre da Província, justamente a população que não podia adquirir uma
propriedade rural ao seu redor.
[3] Outra causa do lento desenvolvimento, segundo Carvalho
Lima Júnior, foi a oposição armada dos autoctones (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 130). Isto é, do
elemento indígena.
Muitos dos índios, expulsos do litoral sergipano pelas tropas de
Cristóvão de Barros, em 1590, correram em direção ao centro de
Sergipe, à procura de condições para sobreviver aos ataques do homem
branco, alojando-se em terras não favoráveis a manutenção de sua
pequena agricultura. As terras itabaianenses passaram a ser alvo dos
índios foragidos e seus descendentes, que começam a atacar as
propriedades dos colonos, assustando, matando, causando perturbações
de toda ordem.
Na sua passagem, deixaram os índios diversos nomes na
geografia local, como vimos anteriormente.
No entanto, o ataque da população indígena não assume a mesma
proporção da reação do índio ao elemento branco ocorrida no
povoamento do Ceará, onde as batalhas entre índios e brancos atrasaram
a colonização cearense por quase cem anos, segundo relata Vinícius
Barros Leal (A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NO CEARÁ, p.
176).
[4] Outro fator foi a presença de escravos foragidos, que, a partir
da metade do século dezessete, se fixaram em território itabaianense, no
meio das matas, num poderoso mocambo, segundo Carvalho Lima
Júnior (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE
ITABAIANA, p. 131), no lugar onde hoje se ergue o povoado de
Mocambo, do município de Frei Paulo.
Na busca de alimentos, os escravos avançavam pela mata adentro,
em todas as direções, chegando a atacar os sítios ao redor da futura sede
da vila.
Carvalho Lima Júnior qualifica as ações dos mucambistas de
excessos e de rapinadas (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO
MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 131), a ponto de exigir o combate do
Governo da Capitania, que, além de expedições para destruí-los, em

138
1662 e 1663, terminou dividindo o território sergipano em cinco
distritos policiais, ficando um em Itabaiana.
Ataques de índios de um lado e de mucambistas de outro,
procurando tirar proveito de plantações de verduras e de por a mão em o
gado, para fins de alimentação, foram suficientes para manter o
itabaianense-agricultor/pecuarista próximo da vila, impedindo-o de
avançar pelo sertão, ante o natural receio do risco e do prejuízo à vista,
sobretudo porque a presença de um distrito policial não era ainda
suficiente para a segurança de todos nos diversos e restantes pontos da
grande região itabaianense.
[5] A localização da Vila no centro da província também
contribuiu para o seu lento desenvolvimento, não só porque distante do
litoral, e sem estradas que a ligassem a outros núcleos populacionais,
obrigando a abertura de caminhos em meio da mata, como porque, do
outro lado, se constituía a região em sertão imenso pela frente, com
matas inexploradas e desconhecidas, sobretudo pelo lado dos futuros
municípios de Frei Paulo, Pinhão e Pedra Mole. Era uma vila isolada,
no centro da Província, ou seja, uma verdadeira ilha, na qual uma
pequena população habitava o centro urbano e outra se espalhava em
propriedades rurais, cercadas ambas de uma forte vegetação, por um
lado e por outro, a tornar difícil e tormentoso o contato com outros
núcleos de povoação espalhados pela Província.
O isolamento, ante a falta de estradas para os demais centros
urbanos, sobretudo para a Cidade de Sergipe [São Cristóvão], era quase
que total. Cada vila vivia de seu próprio suor, sem participação do
governo instalado na capital, sem condições de se fazer presente em
todas as localidades. A Presidência da Província, atenta ao problema,
procura meios para resolvê-lo.Uma demonstração está na Resolução
1.002, de 2 de abril de 1875, quando é aprovado o contrato feito pelo
Presidente da Província em 8 de janeiro de 1873 com Eugenio José de
Lima, concedendo-lhe privilégio por 50 anos para a construção de uma
estrada de ferro de Laranjeiras a Simão Dias, passando por Itabaiana, ou
seja, uma só estrada que se prolongasse de Aracaju até a vila de Simão
Dias, passando pelo povoado de Santo Antonio, vila de Socorro,
Laranjeiras e Itabaiana. A resolução ficou apenas no papel, como muitas
da época.
Contudo, décadas e décadas depois, a localização do território
itabaianense, no centro do Estado, revelaria a outra face da moeda, a

139
ponto de se constituir em um fator importante para o crescimento do
centro urbano e o desenvolvimento do município, proporcionando-lhe o
fato de ser via de ligação entre vários e vários municípios, o que faz
crescer sua importância nos meios econômicos. O fato negativo de
ontem se tornou positivo, depois, com a abertura de estradas e
crescimento dos meios de transportes. Itabaiana não perdeu por esperar.
[6] Por último, a vastíssima extensão do seu (de Itabaiana)
território desde o princípio do povoamento, segundo Carvalho Lima
Júnior (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE
ITABAIANA, p. 139), apoiando-se nos limites do município datados de
1757: o seu termo confina com o da Villa do Lagarto pra o ocidente,...;
da parte do nascente confina com o distrito da Vila de Santo Amaro
pelo rio de Sergipe, ...; para a parte do Sul confina com otro da cidade
de Sergipe de El-Rey [São Cristóvão], sua capital, da qual dista dez
legoas, e a mesma distancia há desta Villa a do Lagarto, e a de Santo
Amaro; para o sertão confina com terras disertas do Sertão de
Girimuabo;(...)
Tanto que Carvalho Lima Júnior esclarece que Itabaiana
constituiu outrora o mais vasto distrito da Capitania de Sergipe
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
128). Daí, em conseqüência, ter ganho, desde os primeiros tempos, a
fama de ser um lugar perigoso.
O enorme tamanho do município dificultou o seu
desenvolvimento, na proporção em que era impossível povoá-lo de
ponta a ponta, de forma compacta. Os núcleos de povoamento eram
esparsos, ficando localizados em pontos distantes uns dos outros, de
forma a prejudicar imensamente o crescimento que o centro urbano de
Itabaiana poderia ter tido, sobretudo porque saiu na frente, quer em
termos de freguesia, criada em 1675, quer em termos de vila, instalada a
partir de 1697. Saiu na frente, mas estagnou, por mais de cem anos.
Mas é justamente aí que a matéria se torna complexa. Enquanto a
Vila, em termos de sede, permanecia parada, o município, no seu todo,
crescia, porque ia ganhando, aqui e ali, outros núcleos de povoamento
ao seu redor, todos eles tendo Itabaiana como ponto de partida e de
apoio, contribuindo com a sua presença para o crescimento do comércio
local. Se Itabaiana era todo o conjunto de matos e matas ao seu redor e a
sua frente, no início da colonização, prosseguiu, com a colonização,
como centro principal de tudo que, naquelas terras, fossem surgindo.

140
Na fixação desses núcleos, a penetração no interior se tornou uma
realidade. A região inexplorada, que cercava a Vila ao poente,
conhecida como Matas de Itabaiana, passou a ser palmilhada e
percorrida, sobretudo para uso da pecuária, a ponto de exigir em alguns
locais a fixação de famílias, que se somando e se multiplicando, gerou
mais tarde a necessidade de conferir a esses núcleos um tratamento
melhor, com a construção de uma igreja ou capela, o surgimento de uma
venda, a necessidade de se abater um boi semanalmente para o consumo
daquela população, por exemplo.
Frei Paulo nasceu assim, como primeiro ponto no sertão ligado a
Itabaiana, em cuja sombra viveu nos seus primeiros anos. Pedra Mole,
por seu turno, teve suas matas derrubadas para o plantio do algodão, a
fim de abastecer o mercado americano por ocasião da Guerra da
Secessão. Saco do Ribeiro (atual Ribeirópolis), de um lado, foi
beneficado pela lavoura itabaianense situada em terras lindeiras as suas,
e de outro pela plantação do algodão e da exploração de suas terras
como fazendas de gado.
Na derrubada da mata, no plantio do algodão e na criação do gado
estava o itabaianense no comando, de forma que o lento
desenvolvimento era da Vila, e não do município no seu todo, é bom
mais uma vez ressaltar.
Os itabaianenses se tornaram grandes proprietários de terras, no
sertão, destinadas ao plantio do algodão. Sebrão, sobrinho, aponta os
nomes de Cassimiro da Silva Melo e José Cornélio da Fonseca
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS ..., p. 332), além de
do de José Antonio de Carvalho Lima.
Os dois primeiros, inclusive, fixaram morada na vida de Frei
Paulo, sendo de tal importância a integração de Cassimiro da Silva Melo
à vida local que Sebrão, sobrinho, enfatiza: A história do Município de
São Paulo, hoje Frei Paulo, é a de Cassimiro da Silva Melo e sua
família (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 333).
Parte de Riachuelo, por seu turno, também estava incluída nas
terras itabaianenses, através do povoado Saco do Alecrim, que foi
desmembrado, no espiritual, pela Resolução provincial n. 946, de 6 de
maio de 1872, que elevou à categoria de freguesia o povoado de
Nossa Senhora da Conceição dos Pintos, sob a invocação de Nossa
Senhora da Conceição de Riachuelo; e no civil, pela de n. 964, de 31
de março de 1874, que elevou a novel paróquia à vila, cf. Sebrão,

141
sobrinho, a acrescentar que Itabaiana, com essa última lei, perdeu
todas suas terras, chamadas de serras-abaixo, cf. Sebrão sobrinho
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 695).
Itabaiana cumpria sua missão de ser capital de uma região, de seu
seio saindo os homens que conquistariam as terras ao seu redor,
desbravando o sertão e fazendo de cada ponto um núcleo de
povoamento, no qual, mais tarde, surgiria uma cidade. Daí ver com
cautela a afirmativa de ter o centro urbano da Vila parado
completamente por quase cem anos. Talvez fosse mais real afirmar que
a Vila esperou, pacientemente, o momento certo, permanecendo parada
em seu núcleo habitacional central, enquanto seus filhos faziam crescer
outros pontos de seu imenso território, sobretudo porque a região
itabaianense era extensa, prosperando também os seus povoados, alguns
deles chegando a ter casa comercial, como o povoado Flechas, montada
pelo capitão Francisco Antonio de Carvalho para o seu genro Luis
Francisco Rodrigues de Lima, segundo Sebrão, sobrinho, acrescentando
que o povoado Caraíbas foi berço de cavalheiros e fidalgos
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 272).
A imensidão do território itabaianense rendeu-lhe, de há muito,
ser considerada como uma terra composta de assassinos, circunstância
que os tempos modernos vêm acentuando.
A fama, neste sentido, é velha, encontrando origem no tamanho
do território, cheio de matas, lugares que foram transformados em
refúgio para criminosos, na expressão de Sebrão, sobrinho (TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 100). Malfeitores de outros
locais, perseguidos pela força policial e pela Justiça, se escondiam nas
suas matas.
Sempre foi assim, desde os tempos das primeiras sesmarias.
Sebrão, sobrinho, a propósito, chama à atenção para uma frase
inserida em uma das sesmarias, anteriormente destacada, referindo-se a
Itabaiana como sertão devoluto, fora de mão e perigosa de gentes e
lugar onde hum ome só não pode ir pera sua fasenda (FRAGMENTOS
DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 298). As matas eram imensas,
avançando por quilometros e quilometros, de forma que se constituíam
em lugar apropriado para a fuga pelos criminosos. Andar por um lugar
assim, deserto de gentes e de povoações, era, de fato, muito perigoso,
exigindo, num deslocamento, a presença de várias pessoas, para
segurança de todos.

142
A propósito, Carvalho Lima Júnior ressalta:
Em 1785, sua (de Itabaiana) guarnição militar constava de 5
companhias do Terço de ordenanças indispensáveis à manutenção
da ordem freqüentemente perturbada pelos malfeitores de outros
distritos, corridos da Justiça, que buscavam refúgio nos seus
arredores onde, por estarem mais distanciados da Capital,
zombavam do poder da autoridade constituída.
Muitos destes eram apaniguados de Bento José de Oliveira, de
Laranjeiras, que, por esse tempo, já exercia um alto grau de sua
perniciosa influência em toda a Capitania, dominando os ouvidores e
ameaçando a própria autoridade dos Capitães Mores.
Entre outros desses malfeitores, o mais celebrado pelas suas
façanhas, Antonio Hilário, tinha ali o centro de suas operações,
residindo a mor parte do tempo no lugar denominado Flexas, onde
convivia ilicitamente com uma mameluca numa situação, 80 anos
depois conhecida por sítio do João Fulô, em frente a anexo ao sítio do
Capitão Francisco Antonio de Carvalho Lima (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE ITABAIANA, p. 132).
Sebrão, sobrinho, neste sentido, enriquece o entendimento
defendido, ao relatar:
Antes mesmo, da guerra de secessão, o oeste de Itabaiana
necessitava ser povoado, porque, eclusive a freguesia de Campo do
Brito, constituía um bispado selvagem, pleno de matas virgens,
mormente a parte do Alto Genipapo (futura sede do município de Frei
Paulo), verdadeiro velhacoito de criminosos. que aí encontravam
seguro abrigo (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 100).
Correndo de boca em boca, o fato terminou assentando num
jantar, em São Cristóvão, do qual participou o presidente Joaquim
Inácio Barbosa, em 15 de novembro de 1853, que o padre Aurélio
Vasconcelos de Almeida (ESBOÇO BIOGRÁFICO DE INÁCIO
BARBOSA, vol. I, p. 247) foi buscar no jornal A União Liberal.
Na narração do cronista anônimo do Diário da Manhã (14 de
novembro de 1926):
Brindando o chefe de polícia, Dr. Lourenço José da Silva
Santiago, ao Dr. Antonio Caetano de Almeida Bahia, Juiz Municipal do
termo de Itabaiana, afirmou que a população daquele dadivoso trato da
terra sergipana era composta de assassinos.

143
Houve, então aparte e “não apoiados” de pessoas de Itabaiana,
presentes ao jantar, estabelecendo-se logo uma atmosfera de desgosto
entre os convivas.
O Dr. Santiago explicou as suas intenções ao enunciar juízo tão
pouco lisonjeiro sobre a população itabaianense, procurando amenizar a
sua aspereza, mas terminou dizendo que se quisessem alguns dos
presentes tomar a carapuça que o fizessem, pois se não importaria,
produzindo este seu modo de proceder maiores indignação no ânimo dos
que se julgavam atingidos pela descortezia.
Estabeleceram-se então diálogos impróprios do momento,
intervindo os presidentes Pereira Franco e Ignácio Barbosa que
pediram a atenção dos contendores para outros brindes que se iam
proferir.
Daí Itabaiana ter sido chamada de terra composta de assassinos,
nem sempre de maneira justa, só porque a maioria dos malfeitores, de
várias origens, procuravam suas matas para se esconderem. E um
desses esconderijos mais conhecidos foi Capunga, hoje povoado de
Moita Bonita, que, na palavra de Sebrão, sobrinho, em priscas eras,
em dias tristemente célebres, que, felizmente, já se vão envolvendo no
sudário de feliz olvidança, gozou dos foros de capital do crime,
satelitizada pelos sítios Arrombado, Bernardo, Piabas, Caenda,
engenho Carão e os distritos de Santa Rosa e Boa Vista, revelando ser
costumeiro afirmar-se que quem vai a Caapunga, se confessa e não
comunga (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 277),
ou seja, não dava tempo para se comungar, visto morrer antes.
Ainda segundo Sebrão, sobrinho, em 1868, o presidente da
Província sergipana, bacharel Antonio de Araújo Bulcão, o qual, como
todos os antecessores, achava que as matas de Itabaiana era o refúgio
para criminosos (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 100).
Nota-se bem, as matas de Itabaiana, não a vila de Itabaiana, porque entre
uma e outra havia uma diferença enorme. A vila era acanhada, pequena,
ocupando um ponto minúsculo. As matas era o restante, o grosso, a
maioria espantosa, tudo que de mato e mata cercava a vila por todos os
lados. Como tudo ao redor da vila era Itabaiana, inclusive as matas, até
que novos nomes fossem surgindo, o que vai acontecer com o decorrer
dos anos, era Itabaiana, esta, desde então, ganhou a fama de ser terra
composta de assassinos, auréola que, atravessando o século vinte, ainda
hoje, permanece latente, em pleno início do século XXI.

144
Uma prova está no expediente, de 20 de julho de 1854, enviado
pelo presidente Inácio Joaquim Barbosa ao Conselheiro José Thomaz
Nabuco de Araújo, no qual se destaca:
Logo que cheguei a esta Provincia, tive notícia de que o Termo
de Itabaiana tinha grandes e muito fortes mattas, e que nellas se
acoitvão criminosos. O Juiz Municipal deste Termo, que então se
achacava nesta Capital, descreveo-me o lugar com cores medonhas,
assegurando-me que para uma parte destas mattas, conhecida com o
nome de “Pedras Moles” havia um grupo de malvados, desertores, e
vadios de mais de sescentas pessoas.
Não era na Vila, e sim em Pedra Mole, bem distante do seu centro
urbano, mas nas grandes e muito fortes mattas. Como toda a região era
Itabaiana, natural que a menção tinha de ser mesmo a Itabaiana e não a
parte específica de seu território.
Outra prova se espalha na Resolução 883, de 5 de maio de 1870,
ao autorizar o Presidente da Província a construir três açudes nas matas
de Itabaiana, porque, efetivamente, tudo ali, da Serra para trás, era
Itabaiana.
Todos estes motivos, assim, contribuíram para o retardamento
material da vila de Itabaiana.

CAPÍTULO III

AS INFORMAÇÕES DE 1757

O ano de 1757 fica na história dos municipios brasileiros em


função das informações solicitadas pela Coroa porrtuguesa a todas as
vilas, prestadas, respectivamente, pela Câmara Municipal e pelo vigário.
A Câmara se encarrega dos limites:
Esta Villa de S. Antonio e Almas de Itabayana está edificada em
hua grande planície hua legua distante da serra do mesmo nome, e o
seu termo confina com o da Villa de Lagarto pra o acidente, e divide
pelo rio Vasa-barris, pouco abundante de aguas correntes, o qual tem o
seu nascimento no sertão da Freguezia de S. Joam do Girimuabo;

145
da parte do nascente confina com o districto da Villa de Santo Amaro
pelo rio de Sergipe, que não tem aguas, senão as que recebe das chuvas
do inverno, e só neste tempo corre; para a parte do Sul confina com
outro da cidade de Sergipe de El-Rey, sua capital, da qual dista dez
legoas, e a mesma distância há desta Villa a do Lagarto, e a de Santo
Amaro;para o certão confina com terras disertas do Sertão de Giribuabo;
e para esta corre hum pequeno riacho chamado Jacoca, que termna o seu
curso no Vasabarris, há mais outro riacho, Jacarasica, que tem seu
nascimento no termo desta Villa, e atravessando muita parte do seu
continente, fenese o seu curso no rio de Sergipe, e não há nem hum rio
navegavel neste districto. Deus guarde V.mc. muitos annos, em camara da
Vila da Itabayana em 30 de Janeiro de 1757 annos, e eu Gonçalo Pereira
de Vasconcelos escrivam da camara o escrevi. O juiz Antonio Machado de
Mendonça, José Paes da Costa, Nicoláo de Macedo Passos, Custodio
Pereira de Oliveira, Carlos Francisco de Jesus.
O território da Vila de Itabaiana era, efetivamente, imenso,
limitando-se com Santo Amaro das Brotas, com Lagarto e com
Geremoabo (Bahia), numa demonstração de que, até então, todas as
terras ao seu redor eram conhecidas como Itabaiana, figurando a sede da
vila como verdadeira capital, situação que perdura até a criação de
outros municípios, como Frei Paulo, por exemplo, que foi o primeiro a
se desmembrar de Itabaiana, o que vai ocorrer no final do século
dezenove. A esta altura, toda localidade há muito que já tinha seu nome
próprio, como Grota Funda, Chão da Imbira, Chão do Genipapo, Serra
Redonda, em Frei Paulo, passando, com a criação do município frei
paulino a lhe pertencer, circunstância que, aliada ao fato de as matas
terem sido, na sua maioria, derrubadas para a plantação do algodão, faz
com que o termo Matas de Itabaiana desapareça do uso comum e oficial.
Interessante é que, até a década de cinqüenta do século XX, em Terra
Vermelha, quando se fazia referência a Frei Paulo, utilizavam, em geral,
o termo Matas, segundo informações transmitidas por Antonio
Francisco de Jesus.
O padre Francisco da Silva Lobo, vigário local, também, em
1757, presta as suas informações:
Está esta Matriz de Santo Antonio e Almas da Vila de Itabaiana
sita em hua planície cercada ao longo de serras, à maneira de hú O, e a
maior parte do povo habita de serras para dentro. Tem de ambito da
serra do nascente ao poente tres legoas e meya, e de norte a sul sede e

146
oito legoas. A que mais perto está da vila, e matriz e a mayor e
vulgamente se julga ter hua legoa de comprido, a qual se chama serra
de Itabayana, que na lingua national quer dizer pedra grande e na
vulgata serra grande que fica da parte do nascente. A esta se vão
seguindo as mais chamadas serras compridas, que tão bem tem hua
legoa porem mais baixa, serra e Cajaíba, serra do Botafogo, serra da
Miaba, serra do Mathipoam, serra do Pião, serra Redonda, serra dos
Pintos, serra do Capunga, e Borda da Morta, serra do Canguandâ,
serra do Saco Torto, a qual vem a feichar com a serra grande, por cujo
boqueirão desde o rio Iacaracica, buscando os baixos do rio de
Sergipe, e todas as estradas seguem pelos buqueiroens das dictas
serras, que todas são alcantiladas e escabrosas, e pedrosas, e distão da
Matriz huas duas ou três, outras quatro, outras sinco, e outras seis
legoas excepto a serra grande, que dista hua legoa, como já disse e se
vista o mar doze legoas, e todas estas serras ficão dentro do têrmo desta
Matriz.
Tem esta Freguesia dez legoas de seu termo, do nascente ao
poente, e tem vinte e pouco mais ou menos para os certoens, que correm
do sul para o norte.
Pela parte do nascente confronta com as freguesias de Nossa
Senhora do Socorro da Cotinguiba, e com a de Jesus Maria Joseph do
Pé do Banco da vila de Sancto Amaro; e pela parte do poente com a de
Nossa Senhora da Piedade da villa do Lagarto. Pela parte do norte
confronta com as freguesias do sertão de S. João do Jurumuabo, e
Santo Antonio da vila nova, e pela parte do sul com a freguezia de
Nossa Senhora da Victória, e S. Christovão da cidade de Sergipe de El-
Rey.
Tem esta freguezia quatro rios seccos e dous mayores e dous
menores. Os mayores se chamão Vazabarris, e Rio Sergipe, em cuja
cistância medeiam onze legoas. Os menores se chamão Jacoca e
Jacaracica; Jacoca faz barra no Rio Bazabarris, e Jacaracica no rio de
Sergipe, além de outro rio pequeno chamado Salgado, que fica da parte
do norte para o sertão, também secco, porém todos são inundosos no
inverno, e trovoadas, por impedirem a passagem nos ditos tempos, e
nenhum é navegável no termo desta Freguezia.
Da parte do norte tem os lugares chamados Pião, Cuité, Salgado,
Baquirité e Cayendas, que distão da Freguezia, três, quatro, seis, sete e
oito legoas; e da parte do sul, tem os lugares chamados Campo do

147
Brito, que dista da Matriz duas legoas, e Vaza-barris que dista cinco
legoas.
He o lugar da Villa e Matriz de poucos moradores, por ser
aridissimo, e tão falto de agoas, que as não há senão no inverno, razão
porque se faz digno de que S. Magestade seja servido de o mandar
prover de algua cisterna ou aguada de pedra e cal para remedio dos
Parochos, e dos poucos moradores que nelle habito, o povo, que vem as
festas, missoens, e semanas sanctas, e mais funcçõens da matriz e vila,
pois só no inverno tem agoa em hu buraco chamado pedreira, que dura
pouco tempo pelo verão, valendo-se os da vila, e mais povo que vem às
festas e funcçõens da villa das cacimbas das serras, distantes da Matriz
hua légoa grande.
As Informações estão tão bem colocadas que Sebrão, sobrinho,
chamaria o Padre Francisco da Silva Lobo de primeiro cronista de
Itabaiana (FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DE SERGIPE, p. 172).
Pela forma e pelo conteúdo, as Informações se constituiriam em peças
importantes, na sedimentação de uma realidade então vivida, por tudo
que nelas foi inserido, a tal ponto que não se pode falar na Vila de
Itabaiana sem se buscar explicações na mencionada peça.
O ano de 1757 ingressa na história local graças a estas duas
importantes informações.

CAPÍTULO IV

EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA E HUMANA

Quando a Irmandade das Almas adquiriu o sítio do padre


Sebastião Pedroso de Gois, o terreno, na parte escolhida para ser erguida
a Igreja, era constituído apenas de mato e de pequenos arbustos. Daí ser
conhecida a área, onde o sítio estava localizado, como Caatinga de Ayres
da Rocha, porque a vegetação era de caatinga, tão predominante que o
termo [caatinga] passava a lhe crismar, ligada ao nome do proprietário,
para diferenciar de outras áreas de caatinga ali por perto. Ainda hoje, nos
arredores do centro urbano, a presença de caatingueiras, a compor a
paisagem, lembra o panorama do século XVII, quando o imóvel foi

148
comprado. Mas, o terreno, em seu todo, não era constituído só de
caatingas, abarcando grande parte de terras propícias à agricultura, com
já focado no Cap. VII da Parte I deste livro.
O terreno comprado se destinava a construção de uma igreja,
principal finalidade. O templo, por outro lado, se constituía no ponto
máximo e fundamental em qualquer aglomerado humano. Não se
admitia um povoado sem a presença de uma igreja. Ao redor desta, os
componentes da Irmandade, inicialmente, ergueriam casas, plantando,
desta forma, o embrião da futura sede urbana porque a área do terreno
era suficientemente grande para comportar centenas de casas e pequenas
propriedades rurais. De forma oblíqua, esta a finalidade secundária, ou,
pelo menos, a mediata conseqüência da aquisição do sítio e da sua
destinação.
A Irmandade das Almas vai vender, em torno da Igreja,
inicialmente, lotes para casas, que, em geral, teriam longos quintais,
circunstância que o tamanho do sítio favorecia, aptos a proporcionar
uma pequena agricultura voltada para o consumo interno dos
proprietários. Mais um pouco afastado, seria a vez da venda de terrenos
maiores, isto é, propriedades rurais, que, aos poucos, foram cercando o
pequeno local destinado a abrigar a Igreja e casas lindeiras. Tais sítios
seriam, como foram, extintos à medida que o centro urbano fosse se
esticando e neles tocando, fazendo-se necessário abrí-los para as ruas se
tornarem realidade, circunstância que se inicia, palidamente, com a vila
e só vai encontrar maior supremacia no tempo de cidade, fato que, nos
dias atuais, ainda se verifica, e, aliás, sempre vai ocorrer, pela tendência
natural de crescimento do centro urbano, a encostar sempre na área rural
mais próxima.
De qualquer forma, fica assentado que a Irmandade vendeu lotes
para casas, em locais próximos ao local reservado à edificação da Igreja,
e áreas maiores, destinadas a sítios, em locais mais afastados, mas
sempre dentro dos limites de seu terreno. É difícil supor que tenha
ocorrido alguma doação, sobretudo quando a Irmandade precisava se
capitalizar para poder dar início à construção da Igreja. Contudo, não se
descarta a hipótese de, aqui e ali, uma doação tenha ocorrido.
A matéria é toda nebulosa, por falta de registros conhecidos e
divulgados. Além dos membros da Irmandade, lotes poderiam ser
vendidos a qualquer pessoa, de acordo com a conveniência da
instituição. Aí, justamente, vem à tona a realidade então vivida: a

149
população era ainda pequena, dispersa em propriedades rurais nos
futuros povoados próximos e mais distantes. Para essa população,
constituída de agricultores e/ou pequenos pecuaristas, em princípio, se
destinavam os lotes. Esperar que pessoas, que residiam em outras
plagas, afastadas, se interessassem pela aquisição de um lote, ali, na
Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, era sonho apenas, por ser fato
quase impossível de ocorrer. A clientela se forma, assim e precisamente,
dos colonos que tinham propriedades em pontos próximos da Igreja
Velha e da Caatinga de Ayres da Rocha Peixoto, ou cercando o futuro
centro urbano. O estrangeiro, ou seja, a pessoa que vinha de outras
plagas, só poderia aparecer se fosse como profissional, na execução de
um serviço, como pedreiros, marcineiros, carpinteiros, ferreiros,
pintores, que, na edificação das casas, se tornasse necessário trazê-los de
longe, por falta de mão qualificada entre os colonos, mais afeitos,
evidentemente, a exploração da terra. No mais, seria mesmo a população
de colonos, ali, ao redor, a clientela para a qual os lotes do terreno da
Irmandade se voltavam.
Daí se pode ver quanto foi lenta e difícil à ocupação gradativa do
terreno da Irmandade das Almas com a edificação de casas, sobretudo
porque, pelos registros colhidos aqui e ali, alguns já destacados
anteriormente, a população da Vila de Itabaiana era a mais pobre da
Província, de maneira a conduzir à conclusão de que as pessoas mais
abastadas preferiram permanecer em suas propriedades rurais, comprando
lotes ao lado da igreja, com a finalidade de ali ter casa de pousada,
enquanto as pessoas menos agraciadas financeiramene se localizavam em
pontos mais distantes do tempo religioso.
Este, mais ou menos, é o panorama que predominou do início,
até, pelo menos, o alvorecer do século XIX.
No início, e, até o final dos tempos de vila, tudo se processou de
forma muita vagorosa, a ponto desta, em toda a sua trajetória, só ter
contado com a presença de sete ruas e uma praça, com duas outras ainda
em processo de formação.
A compra do terreno se verifica em 1675. A criação da vila deu-
se a partir de ato de 20 de outubro de 1697, ou seja, vinte e dois anos
depois, ocasião em que algumas casas, mais simples, podiam já estar
erguidas, em número bastante diminuto, porque era preciso, primeiro,
edificar a Igreja, para servir como atração, e mostrar que, ao seu lado,
algumas habitações já tinham sido edificadas, como sinal de adesão ao

150
local. A aquisição de áreas, dentro do sítio da Irmandade, poderia
parecer aos demais colonos como um ato sem significado, difícil de ser
assimilado, ou mesmo, até impossível de se imaginar, na materialização
de um futuro centro urbano. Imprescindível que a Igreja surgisse, no
meio daquele mato e caatingueira, para demonstrar a seriedade do
projeto, atraindo todos com suas missas e procissões, como local
destinado aos batisados, comunhões, casamentos e, até mesmo,
sepultamentos, no interior e no fundo do templo religioso.
As primeiras casas devem ter sido baixas, de taipa, com telhado
de palha, como ocorreu em todo o país. Em São Luiz, do Maranhão, em
1683, Mário M. Meireles anota que a quase totalidade das casas era de
taipa, recobertas de palha, com urupemas por janelas (HISTÓRIA DO
MARANHÃO, p. 194).
Em termos de Itabaiana, a casa era assim até que o morador
pudesse fazê-la de pedra e cal, como o prédio da Igreja seria, e até que a
telha pudesse ser fabricada por perto, em terreno que oferecesse a
matéria prima para tanto, a ser explorada nas olarias que se formassem,
que não poderiam ficar ausentes deste longo processo. Fotos das ruas do
Sol e das Flores, além de fotos da Rua da Praça, no começo do século
XX, mostram que as casas eram todas de barro, pequenas e miúdas,
umas escoradas nas outras. Ou seja, predominou durante todo o tempo
de vila a casa de barro, as paredes erguidas com cipós lhe amarrando e
lhe sustentando, quase todas no mesmo formato e tamanho, numa
engenharia atrasada, ainda hoje utilizada nos meios rurais menos
desenvolvidos, embora estas se apresentem sempre baixas.
As construções, em sua grande maioria, vão encontrar berço no
século XVIII, quando a ocupação do terreno começa a ocorrer em
número mais animador. No entanto, a aquisição de lotes e o lançamento
do esboço da primeira rua, a Rua da Praça – porque era rua e praça ao
mesmo tempo, como era rua que ficava na praça –, com a edificação
aqui e ali de algumas casas, vão ocorrer no final do século XVII. A
primeira casa, segundo Sebrão, sobrinho (FILARMÔNICA NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO, p. 12), foi erguida no início da Rua da
Praça, voltada para o oitão da futura Igreja. No mapa de hoje,
corresponde a casa que fica na esquina com a Rua Tobias Barreto. As
outras foram lhe seguindo, lentamente, em direção ao poente, ou seja,
descendo, em linha absolutamente reta, dentro da leve inclinação do
terreno.

151
Antes de tudo, no traçado dos primeiros imóveis, visando à
ocupação do solo urbano, afastou-se completamente das linhas
medievais, tão em voga na Europa, onde as ruas estreitas e cheias de
curvas predominavam. Inspirados, talvez, nas idéias que o
Renascimento trazia, os membros da Irmandade, no início, e, depois, os
do Senado da Câmara, irão dar plena vazão a um traçado que,
aproveitando o aspecto quase plano do terreno, nada apresentava, até
então, que cheirasse ou lembrasse a Idade Média.
Dos dois logradouros mais antigos, ambos têm a Igreja como
bússola. Um, a sua frente e ao seu lado. O outro, no seu fundo, a lhe
guarnecer.
Um se revela na praça, em forma de um quadrilátero,
eminentemente grande, cercado de casas por todos os lados, deixando
entre os lados, no meio, um enorme espaço. A inspiração do modelo
vinha de Portugal, segundo Nireu Cavalcanti: ... mas a imitação de uma
vila portuguesa, com as casas arruadas em volta da Igreja, espacial e
culturalmente, e a escola ensinando a língua e a cultura portuguesas (O
RIO DE JANEIRO SETENCISTA, p. 111). Aliás, a praça era uma
reminiscência da civilização romana que o português absorveu ao tempo
da invasão romana na Península Ibérica. Agora, séculos depois, chegava
a Vila de Itabaiana.
Na dicção de Luiz Ricardo Michaelson Centurião, a praça central
simétrica e quadrada substitui a “disforme” praça medieval (A
CIDADE COLONIAL NO BRASIL, p. 131). Na sua frente, em termos
de Vila de Itabaiana, dando as costas ao nascente, a Igreja. Ao lado
desta, separado por um beco, a casa paroquial. O tamanho da praça era a
prova evidente da tentativa de se aproveitar bem o espaço para se afastar
dos moldes medievais, circunstância também favorecida pelo tamanho
do terreno. A praça ocupava um espaço relativamente grande porque
nela tudo deveria ocorrer, ou seja, seria palco das festas religiosas, como
as procissões, e da feira, que ganharia seu espaço no outro lado, a fim de
permitir que, à frente do templo religioso, nenhuma construção fosse
erguida, reservando para o comércio, assim entendido, a feira e as casas
comerciais, um lugar mais distante, embora ainda dentro da praça, ou
seja, do outro lado.
Eduardo Hoonaert vê na espaçosa praça frente à igreja
(CATEQUESE E ALDEAMENTO, in HISTÓRIA DO CEARÁ, p. 46),
em nível do Ceará, resultado dos aldeamentos, na firmeza do horário das

152
missas, primeiro das mulheres, depois dos meninos, pela manhã, e,
enfim, dos homens, à noite, apontando cidades cearenses que antes
foram aldeamentos, como Baturité, Quixeré, Parangaba, Messejana,
Caucaia, Iguatu, Viçosa, Crato, Barbalha, Missa Velha, Missão Nova,
etc. Tal não foi a nossa realidade.
Dois fatores fizeram a Irmandade optar pela colocação da Igreja
de frente ao poente. Um, o fato de o terreno aí ser suavemente mais alto.
O templo deveria sempre ficar num lugar de destaque que a altura
inspira. O outro, para aproveitar a luz do sol no entardecer,
ciircunstâncias inspiradas também em idéias renascentistas. A partir de
certo momento, no final da tarde, os raios solares incidiriam sobre a
frente do templo, realçando as suas cores brancas. Depois, com a luz
solar na sua porta a noite demoraria um pouco a chegar no interior do
templo, sobretudo nos tempos de verão. A Igreja ficaria isolada, sem a
vizinhança direta de nenhum outro imóvel de sua altura e porte, para
ganhar mais realce, na imponência de ser, nos primeiros séculos, o
maior e mais bonito imóvel do centro urbano. É bem provável que a
Igreja tenha sido erguida no meio do terreno adquirido, o que se fazia
com a idéia firme de ser povoado, no futuro um tanto distante, por casas
em todos os seus lados. Quase no centro, majestosamente solitária, se
situaria o templo religioso, para onde os habitantes, inevitavelmente,
teriam de convergir e se deslocar.
A posição da Igreja, de costas para o nascente e de frente para o
poente, se constituía em um modelo que a Vila de Lagarto, depois,
seguiria os passos, na edificação de sua Igreja.
A praça da igreja é, portanto, o mais velho logradouro da vila de
Itabaiana, exercendo uma função tão importante que o termo praça –
estou na praça, fui à praça, foi na praça, vou à praça – , mencionado
no decorrer dos séculos, ainda hoje pronunciado, só se refere a Praça
da Matriz, para onde tudo converge, por ter sido o primeiro e durante
muito e muito tempo o único. Da mesma forma, Raimundo Girão
(GEOGRAFIA ESTÉTICA DE FORTALEZA, p. 123)) vê idêntica
cena em Fortaleza: A Praça – é assim que familiarmente lhe chama o
citadino – “vou à Praça”, “venho da Praça”. Subtende-se que é a
Praça do Ferreira que se vai ou que é de lá que se vem. Ou seja, o
termo praça, apesar da existência de outras, que surgiram muito tempo
depois, passou a ser privativa apenas da primeira. Ademais, em nível
de interior sergipano, entre os núcleos de povoamento de então, não

153
existe outra praça que lhe vencesse em tamanho, seja na largura, seja
no comprimento. A praça era, como é, importante, pela presença da
Igreja.
A construção da cidade começaria sempre pela chamada praça
maior, adverte Sérgio Buarque de Holanda, acrescentando que a praça
servia de base para o traçado das ruas: as quatro principais sairiam do
centro de cada face da praça (RAÍZES DO BRASIL, p. 97),
circunstância que, entre nós, só se concretizaria muito tempo depois,
levando em conta que tais ruas sairiam das seis vias de comunicação
com a praça, no caso, a Rua do Sol, Beco dos Lírios e a Rua do Futuro,
como continuação desta, do lado nascente, além do beco que ligava a
praça a Rua das Flores, e do outro, o segundo trecho da Rua do Cisco,
por duas passagens, tudo em sentido horizontal, e de outro, em sentido
vertical, a Rua das Flores e a Rua da Vitória.
A praça era o marco inicial. As demais ruas surgiriam em
conseqüência desta e com ela teriam ligação direta.
Ao lado do templo religioso, foi erguida a casa paroquial, para
residência do vigário. Não se tem notícia da sua construção, se antes ou
depois da Igreja, principalmente porque se tratava de um edifício muito
menos solene. É de se presumir que tenha sido antes, para possibilitar ao
vigário uma residência no local, e, com isso, poder se movimentar
melhor, no sentido, ao lado da Irmandade, da qual sempre teve controle,
de arrecadar dos moradores recursos financeiros suficientes para a
construção do templo e da sua manutenção. Entre a casa paroquial e a
Igreja, um beco as separava.
A casa paroquial, contudo, e estranhamente, não era da
Irmandade, apesar de ser residência dos vigários. Somente em 1854 é
que, finalmente, a Irmandade passa a ser, de fato e de direito,
proprietária da casa paroquial, segundo conta Carvalho Lima Júnior:
Em 28 de fevereiro de 1854 (o padre Felix Barreto de
Vasconcelos), que havia deixado a Freguesia, e a Província, e achava-
se então no Pará, onde era lente no Seminário, representado pelo
Capitão Antonio Manuel da Costa, por procuração de 16 de novembro
de 1853, datada da cidade de Belem, fez doação, por Escriptura
pública, da casa onde residia e tem sido residência de todos os vigários
até hoje à Irmandade do Sacramento, como indemnização e pagamento
de dinheiros recebidos de diversos para a Irmandade, nunca os tendo
entregue (PATRIMONIO DA IRMANDADE DO S. S. DA

154
FREGUESIA DE ITABAIANA, in Poeira dos Archivos, Diário da
Manhã, 30 de dezembro de 1926).
Ou seja, em face de não ter repassado dinheiros recebidos para a
Irmandade, como forma de compensação, o padre Felix Barreto de
Vasconcelos passava o imóvel, de sua propriedade, para a Irmandade. O
fato anterior, materializado no controle pessoal que o vigário fazia dos
recursos da Irmandade das Almas, sem prestar contas a ninguém,
evidencia uma maneira de vida que deve ter atingido todos os párocos
locais de então.
A Igreja, durante todo o tempo de vila, foi o seu edifício mais
representativo. Nenhum outro, de igual porte, a vila possuiu, de maneira
a destacar mais a sua imponência, pela altura e pela beleza, em relação
às casas e depois aos sobrados, todos em patamar inferior. Nenhuma
residência de pedra e cal ao seu redor. A Igreja, não, toda ela era
formada de pedra e cal, sinal de sua importância maior, perfeitamente
compreensível, sobretudo por ter sido construída com recursos
financeiros que provinham das receitas da Irmandade, da própria Igreja,
e das polpudas doações dos colonos e proprietários rurais, todos a elas
ligados pelo mesmo laço de fé e de religiosidade, faziam ante a solene
promessa de poderem ir ao céu depois de mortos.
A sua frente, foi proibida a construção de qualquer imóvel, só
permitindo ao seu redor, um ao lado do outro, na mesma linha, de forma
a poder legar a vila uma imensa praça, a Rua da Praça, depois Praça da
Matriz, ainda nesses tempos. A grande praça na qual a população se
reunia, na feira, nos acontecimentos outros, centro e palco de todas as
manifestações da população. Todos os caminhos conduziam a praça,
reitere-se, por ser o primeiro e mais importante logradouro da vila,
afinal, o ponto maior do seu centro.
A praça, durante todo o tempo de vila, apresentava uma vegetação
rasteira, em grande parte, cortada por vias, por onde a população
passava, como se fossem caminhos dentro do gramado de capim. Do
lado da feira, não havia grama, dada a presença constante, em número
crescente, dos feirantes, das barracas e dos cavalos que ali faziam parada
durante todo o dia de feira, movimentação semanal que não permitia a
vegetação crescer. Os restos de carne podre, ao lado do mercado e do
açougue, atraíam sempre urubus. Uma foto de Miguel Teixeira da
Cunha assinala a presença deles no chão, convocados pela carniça
emanada do Açougue Municipal. Quase a mesma paisagem verificada

155
no Rio de Janeiro: ... verdoengo tapete de gramíneas desafiando o
paladar dos animais, que nela vivem ou passeiam inteiramente à solta:
cabritos, carneiros, porcos, cavalos, galinhas e perus. Ao mesmo tempo
rua e pasto. E monturo, também; lugar onde se juntam, quase sempre,
no mesmo sonho de decomposição, detritos de toda a natureza, animais
mortos, a espurcícia das cozinhas, de envolta com as águas pútridas e
até dejegações humanas. Não há nisto o menor exagero (Luiz
Edmundo, O RIO DE JANEIRO NO TEMPO DOS VICE-REIS, 1º vol.,
p. 31).
No século XIX, o Açougue passou a ocupar um sobrado, que
ficava no meio do quarteirão, exatamente no local onde, no século XX,
na década de quarenta, abrigaria a sede do Banco do Brasil. Era sinal
que a demanda crescia, a ponto de exigir dos vendedores de carne a
concentração em um lugar mais amplo e mais apropriado.
As casas comerciais ficavam na Rua da Praça, do outro lado da
Igreja, ao lado do Mercado Municipal, situado, no tempo de vila, no
meio, em edifício aberto, de colunas quadradas, construído nas últimas
décadas do século XIX.
O outro logradouro é a Rua do Sol, no fundo da Igreja,
profundamente larga para a época. A largura da Rua do Sol, ainda hoje,
é fato que impressiona, sobretudo por representar uma ruptura com as
ruas medievais que os primeiros colonos viram nas cidades portuguesas,
predominantes em toda a Europa e também em Salvador, por onde
muitos passaram e de onde também vieram. A sua largura vai de
encontro também a filosofia da época, a estabelecer que nos lugares
frios, as ruas deveriam ser largas; estreitas nos lugares quentes,
consoante Sérgio Buarque de Holanda (RAÍZES DO BRASIL, p. 97). A
vila nada tinha de frio, a não ser, em poucos meses do ano, no período
noturno. Em geral, o clima era, como é, quente. No entanto, tal largura
não era, como não é, uniforme, começando a aumentar a medida em que
ia se afastando do fundo do templo religioso, como se assim tivesse
ocorrido de maneira espontânea, sem necessidade de nenhum projeto,
dando a impressão de ser um funil que, aos poucos, vai aumentando de
tamanho, assertiva que é feita levando em consideração que a parte mais
larga é, evidentemente, a mais nova.
A Praça da Matriz e a Rua do Sol se constituem, portanto, nos
dois logradouros urbanos mais antigos de Itabaiana.

156
A Rua do Cisco é mais nova do que estes, despontando quando as
casas da Rua da Praça, do outro lado da Igreja, já estavam erguidas,
apresentando em seu tamanho duas características essenciais: de um
lado, no primeiro trecho, é estreito; o segundo, largo e disforme,
obedecendo a um traçado disforme, com curvas destacadas, num
formato tipicamente medieval, independentemente da largura do
segundo trecho, mas, em seu conjunto, sem guardar nenhuma sintonia
com a Rua do Sol. Parecia ser o oposto, como se representasse reação à
rua larga, por se constituir aquele numa novidade que ia além da
compreensão de todos. É, também, como se, a partir daí, os novos
logradouros tivessem a forma que quisessem ou que os moradores, ao
seu bel prazer, fossem ditando, o que foi profundamente lastimável. A
Rua do Cisco consegue quebrar a linha reta dos tempos modernos, para
adotar a sinuosidade dos traçados das ruas medievais, num evidente
sinal de retrocesso urbanístico. Foi a mais típica, no aspecto, na
paisagem urbana de Itabaiana. Recebeu no século XIX calçamento,
sendo, aliás, a primeira e única a tê-lo em todo o período de vila,
mantido durante as primeiras décadas do século XX. Fotos dela tiradas,
no começo do século XX, evidenciam, com todas as cores, a sua
condição de rua típicamente medievalesca, ou que, dentro da vila de
Itabaiana, a quem mais cheirou a Idade Média. O calçamento mostra a
sua importância perante o poder público municipal.
Com a Rua do Cisco veio também, numa ação que se completava,
o prosseguimento da Rua das Flores, mais larga que esta, mas também
longe de repetir a proeza da Rua do Sol. A Rua das Flores se ligava com
a Rua do Sol, tendo um beco para se comunicar com a Rua da Praça,
tendo um beco que a ligava a Rua do Cisco, prosseguindo adiante em
várias outras vias de contato com a Rua da Tenda, com a futura Praça
Santo Antonio, e ainda, no seu final, com outra via a dar na Praça Santo
Antonio.
A Rua do Futuro, como continuação da Rua do Sol, por seu
turno, na terminologia, mostra ser um logradouro novo em relação a
outro, que era mais velho, referência a Rua do Sol. Rua do Futuro
porque era nova e seria habitada aos poucos. Não foi possível adotar o
nome de Rua do Sol, apesar de ser uma continuação desta, porque era
constituída de mato fechado, como veremos adiante. Optou-se por um
termo mais preciso, o que confere a Rua do Sol um tom de velhice, ou
seja, era rua do passado. A outra, mais moderna, sim, seria a do futuro.

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Sebrão, sobrinho, chega a usar, também, a expressão Beco do Futuro
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 248). A Rua do
Sol, nos tempos de vila, fazia limites com a Rua da Vitória. Depois, nos
tempos de cidade, o seu último trecho, em frente ao fundo da Igreja,
ganhou o nome de Rua Tobias Barreto, não lhe permitindo mais a
vizinhança direta com a Rua da Vitória. Tanto que um sobradinho, que
dava o seu oitão para o oitão da Igreja, onde residiu, nos tempos de
vila, o maestro Samuel Pereira de Almeida, ficava no extremo da rua
do Sol, próximo à da Vitória, segundo Sebrão, sobrinho
(FILARMÔNICA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO, p. 12),
paisagem, ressalte-se, dos tempos de vila.
Este o centro urbano da vila, que se formou em torno da Igreja,
paulatina e vagarosamente, no decorrer de dois séculos.
Na frente, a Rua da Praça (Praça Fausto Cardoso). Ao seu redor,
nunca se plantou nenhuma árvore, costume que só nasceu quando a vila
se transformou em cidade. Do outro lado, em frente a Igreja, o local da
primeira feira. O quadrilátero era vazio de qualquer árvore ou arbusto,
tendo apenas mato rasteiro, que não crescia porque nele a população
pisava ao passar.
No fundo, a Rua do Sol (Rua General Valadão). Também não
recebeu nenhum calçamento durante o tempo de vila. No inverno, a
lama tomava conta. No verão, as marcas das carroças e carros de boi
estavam visíveis em seu solo. As casas, ao serem edificadas, traziam
suas calçadas de forma individual, calçadas de pedras, algumas altas,
típicas das casas de proprietários mais abastados. As residências dos
pobres, em geral, apresentavam calçadas baixas. As calçadas eram,
assim, altas e baixas, sem nenhuma uniformidade. Pelo lado dos fundos
da Igreja, mais próximo com a Rua do Futuro, o terreno da rua era
bastante baixo, o que dava a impressão de serem as calçadas altas. A
grama tomava conta, nestes locais, com mais intensidade, deixando,
perto das calçadas, a trilha por onde a população, as carroças, os carros
de boi, os cavalos, enfim, todos, passavam.
Do lado esquerdo, a Rua das Flores (Rua Barão do Rio Branco),
dividida em três porções de tamanhos diferentes, mantendo cada um sua
linha reta, sem conexão com a outra porção, ficando mais larga a partir
do momento em que se torna lindeira das vias que dão acesso a Praça
Santo Antonio. A Rua das Flores abria um espaço, pequeno, conhecido
como Beco da Câmara (Av. Ivo Carvalho), para chegar até a Rua da

158
Jaqueira (Rua Manoel Garangau), que corria, em um só e pequeno
trecho, no seu fundo.
Do lado direito, pelo fundo da Igreja, a Rua do Futuro (Rua
Tobias Barreto), numa continuação da Rua do Sol. No início, um
quarteirão pequeno, aproveitando um pouco a largura da Rua do Sol.
Depois, se estreitava por demais, se tornando um beco.
Descendo pela Rua da Praça, a Rua do Cisco (Rua 13 de Maio,
antes Rua Sete de Setembro), no segundo trecho, ligando-se, pelo lado
direito, com a futura Praça Santo Antonio (Largo Santo Antonio), e pelo
lado esquerdo, com a Rua das Flores, através da qual se chegava a
futura Rua da Tenda, depois denominada de Praça da Santa Cruz (Praça
João Pessoa), então ainda zona suburbana.
Na Rua da Tenda, no seu início, já existia um pequeno
aglomerado de casas, quase todas oficinas, recebendo, em conseqüência,
o nome de Rua da Tenda, pela grande presença de tendas de ferreiros.
Rua da Santa Cruz foi a denominação seguinte, que vigorou, passando,
já nos tempos de cidade, na gestão de Silvio Teixeira, em 1937, a ser
conhecida por Praça da Santa Cruz. Os tempos de cidade deram-lhe o
nome de Praça João Pessoa. Sem ter tido nenhum planejamento,
consguiu a proeza de ser maior que a Rua da Praça, em nível de
cumprimento. Da Rua da Tenda sairia a rua Itaporanga e a Rua do Fato.
A denominação de Rua da Santa Cruz ocorreu por um fato que
Sebrão, sobrinho, explica: Com a transferência da capela [existente na
antiga Lagoa do Redengue, depois Lagoa da Santa Cruz, para a Rua da
Tenda], a pequena rua da Tenda passou a chamar-se de Rua da Santa
Cruz. Até então, só havia uma praça, a da Matriz, e, por isso mesmo, se
chamava Rua da Praça! (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 274).
A Praça Santo Antonio, ainda sem nome e sem formato,
apresentava caminho para o Tanque do Povo, que, a partir de 1870,
passou a ser chamado de Rua do Tanque do Povo, ou Rua do Vapor, por
ter sido construídas as primeiras casas ao seu redor, por Francisco
Brozzoni, que implantou na vila a máquina a vapor de descaroçar
algodão. Somente no início do século XX, a Praça Santo Antonio se
incorporou a paisagem de Itabaiana, já ostentando a condição de cidade,
graças a um conflito político entre pebas e cabaús. Enquanto os primeiros
queriam manter o mercado na Rua da Praça, os segundos, inspirados no
fato de seu chefe, o dr. Manoel Baptista Itajahy, ter sua farmácia no futuro

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Largo Santo Antonio, então Praça Santo Antonio, promoveram, via da
Presidência do Estado, um novo mercado. Apesar do retorno do Mercado
para a Rua da Praça, a construção de um definitivo Mercado, no final da
República Velha, transferiria, de uma vez por todas, a feira para o Largo
Santo Antonio, onde ainda se encontra. Durante o tempo de vila, a Praça
Santo Antonio era constituída de poucas casas então residenciais.
Com ligação com a Praça Santo Antonio, a Rua da Tenda e a Rua
do Ovo (Rua Campo do Brito), a Rua da Faísca (hoje Sete de Setembro)
começava a se esboçar.
Daí para o então povoado Campo Grande, só picadas no meio de
sítios, e, entre estes, a Rua do Ovo já se formava, embora só constituída
de sítios e de pequenas casas.
A Rua da Vitória (Rua General Siqueira) ainda não existia em
toda a sua inteireza, não passando de fundo de quintal das casas da Rua
da Praça e de sítios nos tempos de vila. Inicialmente, recebia a Rua do
Cisco e daí descia em direção a Praça Santo Antonio. Da esquina com a
Rua do Cisco para o nascente, era quintal. Uma cerca de pau-a-pique
assinalava a presença deste. Só no início do século XX é que as
primeiras casas começam a ser construídas neste trecho, para se
encontrar, em cima, com a Rua do Futuro, seguindo o exemplo da Rua
das Flores, que se apresentava com o mesmo formato, do outro lado.
Paralela a Rua da Vitória, aparecia, de forma rudimentar, a Rua da
Macambira (Rua Antonio Dultra), em extensão bem diminuta, ainda
caracterizada por longos quintais.
Do lado da Rua do Sol, o Canto Escuro (rua José Mesquita da
Silveira) ainda se esboçava, e o Beco Novo (Rua Coronel Sebrão), que
já tinha sido Rua San Gonçalo e Rua Riachuelo, respectivamente.
Cortando a Rua do Beco Novo, com linha de contato com o Canto
Escuro, descia a Rua da Pedreira (Rua Marechal Deodoro da Fonseca).
É este o formato de Itabaiana dos tempos de vila. Tudo o mais,
surgirá depois, na condição de cidade.
Cercando este pequeno centro urbano, tudo era sítio, existindo,
nos tempos da vila, estrada para o Taboleiro dos Caboclos, que, no
começo do século vinte, já é conhecida como Rua da Avenida, nos
tempos de cidade. Rua da Avenida é, no fundo, denominação que
repetia a Rua da Praça. Se esta era a rua onde estava a Praça, a outra era
a rua onde estava uma avenida.

160
É dos tempos da vila o surgimento, em termos diminutos, de
outros logradouros, que só nos dias de cidade é que ganham formas,
recebendo denominação própria, sem necessidade, até então, de lei
municipal. Um exemplo está na Rua Nova (Rua Esperidião Noronha),
que nasce lindeira a Praça Santo Antonio, mas sem avançar além de
poucas casas. Até a década de trinta do século XX ainda era constituída
de sítios. Rua Nova para marcar sua pouca idade, diferenciando-a das
demais. Nos primeiros anos do século XX já assim era conhecida. Outro
exemplo é a Rua do Ovo, tão pequena que era comparado a um ovo.
Ficava separada da vila, como arrebalde, ao seu redor. Da Rua da Faísca
saia um caminho, por onde passavam as pessoas e suas montarias, que
lhe ligava. A Rua do Ovo, de pouquíssimas casas, ligava o centro
urbano da vila ao povoado Campo Grande. Outro exemplo era a Rua da
Macambira, que se formava separada da vila, em sentido paralelo a Rua
da Vitória, mas também no subúrbio da vila, sem ligações outras com o
seu centro urbano, a não ser por becos. Também a Rua da Jaqueira,
ligando-se a Rua das Flores pelo Beco da Câmara. A Rua da Jaqueira,
assim denominada pela presença de frondosa jaqueira, era de
pouquíssimas casas, mas não considerada como subúrbio, pela
proximidade com o centro urbano, apesar de abafada por fundo de
quintais (da Rua das Flores) e de sítios.
A presença de becos, onde hoje se erguem ruas, era uma
constante, sinal também que marcava os tempos da invasão romana na
Península Ibérica, becos estreitos que o colono viu e trouxe para as
terras americanas. Aliás, becos porque não eram largos como deveriam
ser as ruas; a Rua do Sol era o grande exemplo da rua larga. Becos
porque, ao surgirem, não se tinha idéia de que terminaria sendo uma rua.
No seu início era estreito, um caminho no meio de mato, no fundo de
quintais ou na frente de sítios, por onde carroça ainda não passava.
Nireu Cavalcanti esclarece: becos, assim classificados por causa de sua
estreita largura (O RIO DE JANEIRO SETENCISTA, p. 164).
O beco ganhava o nome do morador mais ilustre. Dizia-se, por
exemplo, com relação à continuação da Rua do Cisco, ser Beco do
finado Capitão Manoel Pereira, por que este tinha sobrado no trecho.
Beco de seu Paulo de seu Candinho porque aí este (Paulo Cordeiro de
Oliveira) possuía um sobrado. O beco também recebia o nome do prédio
público ali instalado. Beco da Câmara porque na esquina da Rua das
Flores com o beco de seu Paulo de seu Candinho funcionava a Câmara

161
Municipal, nome que não resistia a muitas décadas. O Beco da Camara
foi assim conhecido enquanto a Câmara Municipal estava funcionando
na Rua das Flores, fazendo-lhe esquina, no começo do século XX. Na
segunda metade do referido século, como cidade, já era conhecido como
Bequinho do Cemitério, por ser caminho, embora estreito, até o
Cemitério das Almas. Em nível de São Paulo, Roberto Pompeu Toledo
constata o mesmo fenômeno, ou seja, logradouros designados apenas
pelo nome de um morador, ou referência semelhante (A CAPITAL DA
SOLIDÃO – UMA HISTÓRIA DE SÃO PAULO DAS ORIGENS A
1900, P. 173).
Na ausência de morador ilustre ou de prédio público, o beco era
batizado com denominação diferente, como o Beco Novo, para fazer
diferenciar de outro beco anterior, como se se quisesse firmar que
existia um beco antigo, anterior, e agora um beco novo. O beco velho
não é outro senão o que se situava no oitão da Igreja voltado para o
sobrado onde morou o coronel José Sebrão de Carvalho, já nos tempos
de cidade (já derrubado, erguida no lugar a Casa Paroquial). Foi
considerado velho em relação ao outro que se abriu atrás, logradouro
que, em 1916, ganhou oficialmente o nome de Rua Coronel Sebrão. É
certo que, ao tempo da vila, não chegou a ser chamado de Beco Velho.
O novo é que ganhou o termo, que, ainda hoje, é usado para se referir a
mencionada Rua Coronel Sebrão. O beco velho, o que separava a Igreja
da Casa Paroquial, porque era curto. Quando o outro beco surgiu, em
sua continuação, para o lado do nascente, ganhou o nome de Beco
Novo, para diferenciar do beco velho. Inicialmente estreito, foi se
alargando a partir do momento que passou a ganhar novas casas. Das
denominações antigas, é a que ficou com mais força. Interessante é que
foi o único beco que se tornou rua, inclusive na denominação, ou seja,
Rua do Beco Novo, como a retratar que hoje é rua onde antes era o beco
novo.
Os nomes das ruas principais do centro urbano da vila de
Itabaiana não eram típicos e específicos da terra, mas trazidos pela
cultura luso-baiana que se implantava na região, a conferir o nome de
acordo com algo especial que o logradouro apresentasse. De vez em
quando nomes idênticos surgiam em localidades diversas e distantes.
Em Vila Nova de Gaia, em Portugal, por exemplo, temos, ainda hoje, as
Ruas das Boucinhas, do Coteiro, da Tapada, da Palmeira, do
Lavradouro, do Horto, da Fonte do Touro, da Quinta Seca, da Telheira

162
de Cima, da Acabaça, da Regueira, do Oiteiro, da Bela, do Rodelo, do
Regato, da Pitada, do Salgueiros, dos Oureiros, do Patrimônio, do Sol
Nascente, do Sol Poente, da Palmeira, do Lavadouro, dos Matos, do
Major, da Lavoura, da Pedra Alta, da Encosta, do Castelo, do Rio da
Fonte, do Agueiro, Travessa do Sol Vida, Travessa do Sol Poente, entre
outros, nomes que evidenciam a fonte que, entre nós, serviu de modelo e
inspiração.
Apesar de, já nos tempos da vila, ter cada logradouro seu nome, a
primeira referência, em termos de citação, só é feita por Sebrão,
sobrinho, em artigo focalizando os festejos juninos do seu tempo de
menino, ou seja, primeiros anos do século XX, quando, enfim, os nomes
da Rua do Sol, Rua da Praça, Rua do Cisco, Rua do Ovo, Rua da
Macambira, Rua da Jaqueira, Rua da Faísca, Beco do Futuro, vêem à
lume. O artigo, intitulado Vésperas Juninas em Itabaiana, foi publicado,
inicialmente, no Sergipe-Jornal de 4, 5 e 6 de julho de 1937, e
reproduzido nos livros: APELIDOS EM ITABAIANA (de minha
autoria), ps. 81 a 88, e FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS
E OUTRAS HISTÓRIAS, ps. 243 a 249, o último bastante citado neste
trabalho.
A denominação das ruas e becos, ao tempo da vila, é, algumas
vezes, eminentemente local, de acordo com alguma coisa ou fato
existente no logradouro, segundo a tradição portuguesa; outras, recebe
nome utilizado em vários outros logradouros no país. O nome das ruas
não exigia ainda a contemplação de um ato oficial da Câmara
Municipal. É o povo quem se encarrega de batizá-la. Daí, apesar do
caráter local, nomes que se repetem no Brasil.
Rua do Sol é denominação que aparece em Olinda, Recife,
Curitiba, Fortaleza e Maceió. Em Lisboa e no Porto há rua com igual
nome. A nossa tinha ligação, através da Rua Marechal Deodoro
(continuação da Rua das Flores), com a Rua do Canto Escuro, onde as
casas eram próximas, predominando sempre a sombra que os telhados
proporcionavam, e as calçadas altas, de pedra. Enquanto isso, a Rua do
Sol ganhou esse nome por ser espaçosa, recebendo o sol durante a manhã
e tarde com intensidade. Para melhor justificar a claridade da Rua do Sol,
o Canto Escuro, transversal, onde a sombra era a tônica. De fato, era um
canto, porque era pequeno, e, ainda mais, escuro, no período noturno, pela
falta de qualquer luz de lampião. Fernando de Figueiredo Porto localiza
um recanto em Aracaju com o nome de Canto Escuro: um verdadeiro

163
“breu”, como se dizia então, dondo lhe veio o nome de Canto Escuro
(ALGUNS NOMES ANTIGOS DO ARACAJU, p. 125). A Rua do Sol
foi palco de três sobrados, sendo que o último, na condição de casa
paroquial, só veio a ser demolido na década de oitenta do século XX, nos
tempos de cidade. Os outros dois ficavam voltados para o fundo da Igreja.
Rua das Flores é nome de rua no centro comercial do Porto. É
também rua em Fortaleza (Ceará), e, igualmente, em Capela, neste
Estado (cf. Maria Zuleide Moura, CONHEÇA CAPELA, SUA TERRA,
SUA HISTÓRIA E SUA GENTE, digitado). Deveria ter muitas flores
que, chamando tanto a atenção, terminaram crismando o logradouro.
Depois, a rua surgiu dentro de fundo de quintais que cercavam a Praça
da Matriz. Foi numa casa no final da Rua das Flores, tendo a sua frente
a Rua do Sol, que Tobias Barreto montou, inicialmente, sua escola
(Sebrão, sobrinho, TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 87).
Na Rua das Flores, num dos melhores sobrados da então vila, funcionou
a sede do Gabinete de Leituras, ainda segundo Sebrão, sobrinho
(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 154). Morando na Rua
das Flores o sacristão Batista, já nos tempos de cidade, organizador da
busca do mastro, em tempos dos festejos juninos, mastro que era
erguido em sua porta, fez com que dita rua fosse, quase que anualmente,
fotografada por Miguel Teixeira da Cunha, em fotos que, mesmo tiradas
no tempo de cidade, evidenciam como era a sua feição da época de vila.
Rua do Cisco, porque nela o lixo era levado pelo vento e lá
permanecia. Chegou a ser palco de um sobradinho, no qual nasceu Rita
de Cássia de Jesus Noronha, a Noiva Branca, de Tobias Barreto, na
informação de Sebrão, sobrinho (TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, p. 108), que se constitui no único sobrado erguido
em Itabaiana, nos dias atuais. Foi nele que residiu o Dr. Manoel Baptista
Itajahy, sobrado que pertenceu ao Manoel Francisco Teles.
Beco dos Lírios porque em algum fundo de quintal se destacava
uma plantação de lírios.
Rua do Futuro, inicialmente era Rua da Capela. Quando já era Rua
do Futuro foi apelidada de Taba Lascada, o que logo mostra a gente
divertida que ali vivia, segundo Sebrão, sobrinho (TOBIAS BARRETO,
O DESCONHECIDO, p. 87), completando que era uma rua apertada,
com enorme grota ao meio, difícil de um vizinho ir a casa de outro,
fronteira. Carro de boi, que ali passasse, não era visto por quem estivesse
dentro das habitações (Sebrão, sobrinho, TOBIAS BARRETO, O

164
DESCONHECIDO, p. 87). Rua do Futuro porque se voltava para o
porvir, como já ressaltado. Além de Rua do Futuro, também se chamou
Beco do Futuro, porque era, no seu início, muito estreito
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 248). Mais tarde,
no final dos tempos de Vila e início dos de Cidade, o termo utilizado –
não mais para essa, mas para outra – seria Rua Nova, denominação que
encontramos em Lisboa e em Fortaleza e em diversas cidades sergipanas,
evidenciando também a perda da poesia que antes surgia estampado no
nome recebido. Na Rua do Futuro, montou Tobias Barreto sua escola,
depois de sair da Rua das Flores (Sebrão, sobrinho, TOBIAS BARRETO,
O DESCONHECIDO, p. 67).
Rua da Tenda porque nela funcionavam várias tendas de ferreiro,
como já destacado.
Praça Santo Antonio em homenagem ao padroeiro da cidade. O
nome surgiu inspirado na segunda praça, a Praça da Santa Cruz. Como
uma praça era a da Santa Cruz, a outra, passou a ser de Santo Antonio.
Enfim, a Rua do Vapor, em função da presença de um vapor de
descaroçar algodão, aqui já referido.
Toda essa denominação veio do tempo da vila, sem ter recebido
de Armindo Guaraná, em artigo já citado e adiante reproduzido, datado
do ano de 1886, a menor referência, omissão profundamente lastimável
pelo que deixou de informar e registrar.
Na Vila, três prédios deveriam chamar a atenção: a Igreja, a
Câmara e a Cadeia.
Só um existiu.
A Igreja foi levantada, em sua maior parte, com o dinheiro
arrecadado da venda de terrenos no centro urbano, além de outras fontes
de receitas provenientes dos atos religiosos, e de doações. Depois, a
Igreja teria de ser maior que a do Arraial que se deixava para trás, como
uma página virada da história. Daí exigir muitos recursos para poder ser
edificada, o que implicava também em doações dos proprietários rurais
e dos componentes da Irmandade das Almas, que sempre ocorriam,
levando em conta toda a população ser eminentemente católica. Não se
tem a data exata do início de sua construção, se ocorrida no final do
século XVII ou nos prelúdios do século XVIII. Não há registro, a
respeito. Em 1740, estava edificada, mas era pequena, segundo Sebrão,
sobrinho (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 306).

165
A Igreja foi o principal prédio da Vila. Primeiro a ser erigido no
terreno da Irmandade, não foi uma obra sólida. Tanto que caiu, a ponto
dos moradores da vila terem erguido outra igreja, a segunda, então, no
mesmo local, nas primeiras décadas do século XVIII. Este, o novo, por
seu turno, em 1760, já estava arruinado. Nova igreja, isto é, a terceira
naquele local, foi construída, de pedra e cal, principiada na Capela-mor,
sacristia e casa da fábrica, sem ter ido sido concluída, por não haver
dinheiro (Vladimir Souza Carvalho, SANTAS ALMAS DE
ITABAIANA GRANDE, ps. 94-95). O padre Francisco da Silva Lobo,
vigário da freguesia, pediu ajuda ao Rei D. José que, em 1763, passou a
ordem ao Governador Geral do Brasil que, por seu turno, solicitou ao
juiz ordinário da vila, Antonio Machado Mendonça, que se procedesse à
avaliação do que era necessário.
Em 1764, a avaliação é feita. Praticamente, havia necessidade de
dinheiro para tudo: a conclusão da Capela-mor, retábulo, arco e forro,
sacristia, casa da fábrica, os alterares colaterais, forro, porta,
frontespício e corpo da Igreja, num total de um conto e seiscentos réis.
A reforma foi concluída, naturalmente, à custa da Real Fazenda
(Vladimir Souza Carvalho, SANTAS ALMAS DE ITABAIANA
GRANDE, ps. 94-95).
São desconhecidas outras reformas no correr do século XVIII e
primeiras décadas do século XIX. No entanto, é bem provável que
novos reparos tenham sido feitos na igreja em nível de conjunto,
escapando ao registro da história, não só em decorrência da necessidade
de manter o templo sempre novo, como pelos estragos que o
madeirame, utilizado no teto e nos altares, proporcionava.
De consertos internos, Carvalho Lima Júnior noticia um, na
Capela do Senhor Bom Jesus de Buiças, instituída pelo vigário Gregório
Martins Carneiro. Na descrição de Carvalho Lima Júnior, em 1808,
achando-se muito damnificada a Capella, foi restaurado o retábulo
respectivo, estragado pelo tempo, pois era o primitivo [ou seja, da
primeira igreja, conservada na edificação da segunda e da terceira
igrejas], arrancado o antigo ladrilho, “para substitutir por sepulturas
de taboado” para os devotos que pedissem o seu enterramento nas
capellas “dando alguma esmola” para as despezas do concerto (MAIS
DOUS PATRIMONIOS, Poeira dos Archivos, Diário da Manhã, 31 de
dezembro de 1926).

166
A informação mostra que a Igreja se preparava, internamente,
para abrir sepulturas no seu interior, ao redor da Capela referida,
recebendo da família do falecido alguma esmola que se destinava às
despesas do concerto. De outro lado, era sumamente importante para a
família do morto vê-lo sepultado no interior da Igreja, costume, aliás,
que imperou por todo o país, mostrando, de uma forma, a importância
do defunto. Há sempre sepulturas no interior das velhas igrejas.
As capelas se destacam como partes independentes dentro do
templo. Além do altar-mor, no centro, ao lado funcionavam duas
capelas. Uma, a do Senhor Bom Jesus de Buiças, chamada das almas,
conforme Carvalho Lima Júnior, e, do lado oposto, a capela de
Sant’Anna (MAIS DOUS PATRIMONIOS, Poeira dos Archivos, Diário
da Manhã, 31 de dezembro de 1926). Ambas recebiam doações dos
devotos, muito comum, à época, recursos que, muitas vezes, como
Carvalho Lima Júnior, mais tarde, chamaria à atenção, desapareciam:
Que fim tiveram tais patrimônios? Ignora-se. Tudo evaporou-se (MAIS
DOUS PATRIMONIOS, Poeira dos Archivos, Diário da Manhã, 31 de
dezembro de 1926).
No começo do século XIX, Marcos Antonio de Souza atestava
que Itabaiana tinha uma proporcionada matriz (MEMÓRIA SOBRE A
CAPITANIA DE SERZIPE, p. 32), evidenciando o tamanho da igreja, a
lhe merecer o elogio. Não era uma matriz qualquer, mas uma
proporcionada matriz. Isto é, nela o tamanho impressionava ou
chamava a atenção do visitante, ou porque fosse realmente grande, ou
porque as casas ao redor eram tão simples, pobres e baixas que o prédio
da Igreja se destacava.
No paroquiato do cônego Domingos de Melo Rezende, em 1870,
uma das torres da Matriz, que apresenta largas fendas (Vladimir Souza
Carvalho, SANTAS ALMAS DE ITABAIANA GRANDE, p. 98), exige
pedido do vigário ao presidente da Província. Apesar do aceno
governamental, a reforma precisou de lista popular, formalizada por
Francisco Melchiades de Cerqueiro, apelidado de o barateiro. Nesta
reforma, segundo Carvalho Lima Júnior, os resultados de um tiroteio
durante as eleições provinciais de 1849: ainda se contavam interior e
exteriormente, nas paredes, os buracos das balas desviadas do alvo no
calor da ação brutal (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO
DE ITABAIANA, p. 145). Pelo exemplo se observa que até para tiroteio

167
entre os grupos políticos locais, a praça servia de palco. As ajudas eram
solicitadas ao Presidente da Província, o que as tornavam mais rápidas.
Em 1883, nova reforma foi solicitada pelo cônego Domingos de
Melo Rezende ao presidente da Província, José Aires do Nascimento,
atinente aos consertos e reparos, de que necessita a Capela-Mor da
Matriz da freguesia de Itabaiana (Vladimir Souza Carvalho, SANTAS
ALMAS DE ITABAIANA GRANDE, p. 98).
Em 1886, no entardecer da Monarquia, ainda no longo
paroquiato do cônego Domingos de Melo Rezende, dois anos antes de
ser elevada à categoria de cidade, a situação da Igreja não era boa.
Tanto que Armindo Guaraná acentuava que a igreja apresentava um
nicho arruinado e um cemitério (COMARCA DE ITABAIANA –
DESCRIPÇÃO DA COMARCA), este localizado no seu fundo,
voltada para a Rua do Sol, em uma área bastante pequena, não
comportando mais de dez sepulturas. Além de enterrar pessoas em seu
interior, o que ocorreria até o início do século XX, a Igreja, ainda nos
tempos de vila, passou a ter, no fundo, um cemitério, que, de tão
pequeno, era chamado pela população de cemiterinho, conforme
Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS...,
p. 149).
Por outro lado, o poder público não conseguiu fazer os moradores
da vila construírem o prédio da Câmara Municipal, que funcionou em
imóvel particular, cedido ou alugado, terminando, ao ser proclamada a
República, em casa na esquina da Rua das Flores, seguimento da Praça da
Matriz, que, pela estreiteza, era denominado de beco, e, aliás, apertado,
segundo Sebrão, sobrinho (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO,
p. 107). Beco da Câmara, por estar a Câmara ali instalada. A edificação de
sua sede própria nunca foi levada adiante, pela falta de recursos, ou,
talvez, pela falta de interesse de seus membros. No depoimento de
Armindo Guaraná, datado de 1886, a casa da Câmara Municipal é
acanhadíssima (COMARCA DE ITABAIANA – DESCRIPÇÃO DO
MUNICÍPIO), isto é, muito aquém da grandeza do poder político que
representava. Na expressão utilizada, talvez o autor tenha tinha o respeito
devido pela Câmara Municipal daqueles tempos, procurando um termo
que não ferisse a sensibilidade da vila. Afinal, como juiz de direito da
comarca, Armindo Guaraná era então morador da vila.
A vila tinha também uma cadeia, único edifício do Governo
Provincial em Itabaiana, pela necessidade de ter celas próprias para a

168
prisão. O prédio da cadeia funcionou, durante muitos anos, na Rua da
Praça, de frente para a Igreja, do outro lado, correspondendo hoje ao
trecho onde está localizada a Prefeitura. Depois passou para o início da
Rua do Futuro, esquina com a Rua da Vitória. O prédio localizado na
Rua da Praça, por isso mesmo, ficou conhecido como Cadeia Velha,
segundo Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS, p. 274). Perto da vila ser elevada à categoria de cidade,
Armindo Guaraná denunciava que a cadeia [era] outra casa deteriorada
em péssimas condições higiênicas, não oferece garantia de segurança
(COMARCA DE ITABAIANA – DESCRIPÇÃO DO MUNICÍPIO).
O prédio da cadeia era uma preocupação constante da Província,
que, via da Resolução 752, de 16 de fevereiro de 1866, o Presidente da
Província ficava autorizado a mandar construir na vila de Itabaiana uma
casa de detenção, servindo-se do material existente da antiga cadeia. É
bem provável que não tenha sido construída, porque a cadeia continua
funcionando em imóvel particular. Tanto que foi adquirido pela
Província, por força da Resolução 1.165, de 5 de maio de 1880, a
Antonio Joaquim de Menezes. A casa, que ficava na Rua da Praça,
servia, ao mesmo tempo, de quartel e de prisão. A Resolução referida
estabelecia, para a compra, a quantia de 2:800$000 rs., a ser paga em
prestações trimensais pela exatoria, com o produto da arrecadação de rez
morta para o consumo, ou por quantia inferior a 2:500$000 rs., caso
convenha fazer a compra e venda a dinheiro de contado, nos termos da
dita resolução.
Não custa repetir que a Vila de Itabaiana era pequena,
permanecendo parada durante mais de um século. Em 1757, o Padre
Francisco da Silva Lobo certificava que hé o lugar da Vila e Matriz de
poucos moradores, por ser aridíssimo, e tão falto de agoas. Marcos
Antonio de Souza anotava que na vila (de Itabaiana) quase deserta e seu
termo se contam novecentos e noventa e nove habitantes, entrando
pessoas de todas as classes (MEMÓRIA SOBRE A CAPITANIA DE
SERZIPE, p. 32), observando que estes são os mais pobres de toda a
Comarca (MEMÓRIA SOBRE A CAPITANIA DE SERZIPE, p. 32).
Em 1847, convém relembrar, J. C. R de Milliet de Sainta-Adolphe
registrava no Correio Sergipense, edição de 17 de fevereiro, que a vila
era de pouco trato, só contando com 41 eleitores (DICIONÁRIO
SOBRE A PROVÍNCIA DE SERGIPE, p. 53).

169
Somente em 1860, mais ou menos, quase dois séculos depois de
sua instalação, segundo Carvalho Lima Júnior (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE ITABAIANA, p. 133), é que a
população cresceu, por um fator essencialmente econômico: a Guerra de
Secessão, impossibilitando o americano de plantar algodão, fez com que
Itabaiana cedesse suas terras, inclusive as matas inexploradas em
Ribeirópolis, Frei Paulo, Pinhão, Pedra Mole, para o plantio do algodão,
a fim de abastecer aquele mercado, como já ressaltado anteriormente. O
fato proporcionou o aumento da população, e, em conseqüência, da vila.
Ou seja, até aí era pequena e insignificante, paisagem que não foi
alterada nos tempos finais da vila, visto que nos dois últimos anos,
Armindo Guaraná registrava que quase todas as casas são de taipa,
notando entre elas 21 sobrados (COMARCA DE ITABAIANA –
DESCRIPÇÃO DO MUNICÍPIO), sendo que, até então, nenhum
possuía platibanda, diferentemente do que ocorria em Estância e
Laranjeiras, por exemplo. Os sobrados se erguiam na Rua da Praça, na
Rua do Sol, na Rua das Flores, no Beco do Cisco, no começo do Canto
Escuro e na Praça Santo Antonio. Não há registro de sobrados na Rua da
Tenda, depois Praça da Santa Cruz, nem tampouco na Rua do Vapor.
No começo do século XX, só doze sobrados se mantinham em pé: três
na Rua do Sol, um na Rua do Futuro, quatro na Rua da Praça, um na
Praça Santo Antonio, um na Rua das Flores, um na Rua do Cisco, e um
no começo do Canto Escuro. Não há registros dos outros. O sobrado, na
Rua da Vitória, já é construção dos tempos de cidade.
Sebrão, sobrinho, faria referência ao sobrado, na esquina da Rua
do Sol com o oitão da igreja, onde foi criado, como um grande sobrado
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 249).
A paisagem urbana da vila mostra um quadro pobre e precário,
com um número pequeno de casas, destacando-se o prédio da Igreja e
alguns sobrados, os últimos despojados de qualquer beleza estética. As
casas, na sua grande maioria, eram de taipa. Para completar a pobreza da
paisagem, as ruas não tinham calçamento, ostentando apenas calçadas, a
exceção de parte da Rua do Cisco, que se apresentava com pedras, de
tamanhos diferentes, mais altas para o lado da calçada e encontrando um
ponto mais baixo no meio da rua, por onde a água da chuva escorria
para a Rua da Vitória, descendo para a Praça Santo Antonio.
A paisagem humana acompanha a urbana. A última é decorrência
da primeira. Se a vila era constituída de poucas casas, perto da Igreja, e

170
alguns sitios, mais distantes, significava que a população era pequena, e,
mais que isso, pobre. Um exemplo está nas informações do padre
Francisco da Silva Lobo, já citadas, em 1757, ou seja, para os poucos
moradores da vila, se pode chegar à conclusão de que somente a
população pobre morava no centro urbano. Os ricos proprietários
permaneciam agregados as suas propriedades nos povoados, quadro que
se extrai das pesquisas de Sebrão, sobrinho, divulgadas em
FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., nos registros de
compra e venda efetuados durante o século dezoito, onde, geralmente, se
vê anotado o deslocamento do escrivão até a residência do vendedor,
sempre indicando o nome do povoado como de sua morada, e, depois,
com os tempos, em sitios ao arredor da vila.
Este quadro não se alterou na maioria das décadas do século XIX.
Tanto que Marcos Antonio de Souza, em 1808, viu nos moradores da
vila os mais pobres da Província, como já mencionado. Assim
continuou sendo até o final do século XIX, quando, enfim, muitos dos
proprietários rurais começaram a se fixar, em definitivo, na vila, como
aconteceu com Cassimiro da Silva Melo que só deixou a morada das
Flechas depois de 1857 (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 331), época em que as plantações do algodão, nas
Matas de Itabaiana, em terrenos hoje incluídos nos municípios de
Ribeirópolis, Frei Paulo, Pinhão, Pedra Mole, começaram a ser feitas,
acarretando o crescimento da vila, com o surgimento da Rua do Vapor,
fruto do trabalho de Francisco Bronzone, ao instalar o primeiro vapor
em terras itabaianenses.
Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 255) anota a residência, em 1849, do juiz de direito
da Comarca, bel. Júlio Cesar Belenguer de Bittencourt, em sítio, no pé
da Serra. Para a Vila ia, uma vez por semana, a fim de despachar um ou
outro processo, ou celebrar algum casamento, contado no dedo.
Uma conseqüência do surgimento da paisagem urbana, mercê da
presença humana, é a instalação da feira, na Rua da Praça. Não há
registro de seu início. É de se presumir que, no momento em que a vila
apresentou um certo número de habitantes, antes mesmo da construção
da Igreja, ainda no final do século dezessete, a feira, automaticamente,
tenha se instalado no outro lado da praça, voltado para o local onde a
Igreja seria edificada. Inicialmente, o abate de carne bovina e/ou de
carneiro, em pouca quantidade, para atender a pequena população. Os

171
poucos habitantes ali residindo exigiam uma feira para o seu
abastecimento. Depois, os demais produtos foram aos poucos chegando,
sobretudo quando a feira é resultado do excesso de produção que não
consegue ser consumido em casa, levando o colono a vender as sobras.
Ademais, cuidava-se de uma sociedade eminentemente agrícola,
produzindo verduras e hortaliças, fazendo farinha e preparando redes,
entre outras coisas, muitos dos quais, se não vendidos, se deteriorava e
se perdia. Como o progresso ficou por mais de cem anos afastado da
vila, a feira sofreu a conseqüência de ter, também, andado no mesmo
compasso, crescendo no momento em que a vila começa a ganhar mais
habitantes, aumentando, desta forma, a demanda. As datas, contudo,
permanecem ignoradas, até mesmo por falta de referência a matéria nas
informações do padre Francisco da Silva Lobo [1757] e nas observações
de Marcos Antonio de Souza [1808].
Quando o terreno da Irmandade começou a ser objeto de
construção, os habitantes pioneiros foram trabalhadores, representado
por pedreiros e marcineiros, sem os quais nenhuma casa poderia ter sido
erguida, e lenhadores, para tirar da mata próxima a madeira destinada às
cumieiras, ripas, portas e janelas. Ao tempo em que levantavam as
primeiras casas, foram aqui também se fixando, nos arredores do
terreno, certos de que muitas casas ainda seriam edificadas, necessitando
de seu concurso, sem se falar naqueles proprietários, sobretudo os mais
acanhados, que se viram inspirados a vestir também a camisa de
pedreiro, marcineiro e lenhador, a fim de participar também da
construção das casas que o terreno da Irmandade abria espaço e
proporcionava.
Uma vez instaladas as primeiras casas, com algumas pessoas nela
habitando, vão surgir as bodegas, embrião da feira, a fim de abastecer
essa pequena população, para depois culminar com a feira própriamente
dita, esta a atrair outro tipo de casa comercial, com as lojas de tecido e
os armazéns, mais bem sortidos que as bodegas. Tudo isso vai se
fazendo lentamente, sobretudo porque a população da vila era pequena e
constituída de pessoas essencialmente pobres, justamente a classe
operária, a depender de um serviço de construção para sobreviver,
embora alguns, os mais abastados, possuíssem, em sua grande maioria,
um pequeno sítio onde plantavam durante o inverno.
A primeira população fixa e permanente da vila, em
conseqüência, é constituída de pessoas essencialmente pobres, que vão

172
se fixando no centro urbano ou nos arredores, na busca de algo para
fazer e para o sustento, enquanto a população abastada constrói sua casa,
e depois seu sobrado, e se mantém nas suas propriedades rurais, se
deslocando a vila quando os acontecimentos religiosos, festas outras,
como batizados, casamentos, e fatos políticos, como eleições, assim
ditavam, porque não havia um motivo para ali residir, de forma
permanente. Durante todo o século XVIII, a vila não tinha nem ao
menos uma escola, quase todos os habitantes eram analfabetos, a
sociedade rica era predominante agrícola.
A partir dos anos trinta do século XIX, com a presença da escola,
inicialmente só para meninos, é que a vila começa a apresentar um
atrativo. A esta altura, um número considerável de pessoas já a habita. A
vila conta com sobrados, registrando-se, na passagem de Tobias Barreto
de Menezes, como professor, um bom número de homens com o hábito
de serestas noturnas, que vão ter por cenário as calçadas da Rua da
Praça, fato que já demonstra um certo grau de sociabilidade, como
Sebrão, sobrinho, registra em seu livro TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO. A vila vai aumentar com a instalação da primeira
fábrica de descaroçar algodão, a ponto de ter a sua população um tanto
incrementada, um comércio já contando com numerosas casas
comerciais, entre as quais lojas de tecidos, armazéns, bodegas e
padarias, oficinas de sapateiros, foguetereiros e ferreiros, alfaiates,
localizadas, em sua maioria, na Rua da Praça, mas já procurando outros
pontos da vila, como na Rua do Sol, na Praça Santo Antonio, na Rua da
Tenda, entre outras.
Quando a vila se transformou em cidade, a paisagem urbana,
constituída de sete ruas e alguns outros pequenos logradouros, ostentava
uma população mais urbana que rural, cujos costumes eram mais
citadinos, embora, na sua maioria, ainda fosse essencialmente rural ou
dependente direta do que se produzia no campo. Essa população vai
assistir, sem nenhum entusiasmo, a mudança da vila para cidade, e sem
entender o seu significado e a conquista alcançada.

CAPÍTULO V

173
O ITABAIANENSE

No centro da Capitania, cercado de serras e de matas, distante das


outros núcleos de habitação, fruto do processo natural do povoamento e
colonização, a região começa a ser palco do nascimento de pessoas, que,
em função do local, passam a ser os seus primeiros filhos, vestindo a
condição de itabaianenses, ou seja, filhos da região denominada de
Itabaiana. Destes filhos nascerão outros filhos e assim por diante,
alicerçando a figura do itabaianense, na consolidação da posse da
região. Os ali nascidos, primeiramente itabaianenses, para depois serem
sergipanos, até terem a idéia de serem também brasileiros, tiveram de
abrir caminhos com as próprias mãos, procurando um meio para
sobreviver, amoldando-se à região e as condições da terra, e,
enfrentando um inimigo permanente: o isolamento. O resultado foi o
aparecimento de uma população auto-suficiente, quer no campo, quer na
vila.
Entre os ciclos que marcam a economia brasileira, como o do
açúcar, o algodão, a borracha e o café, apenas o do algodão vai lhe
marcar, como veremos adiante. A criação do gado, um dos fatores da
conquista e ocupação do Nordeste, muito contribuiu para a colonização
de Itabaiana, que lhe foi apenas área de trânsito entre a Capitania da
Bahia e a de Pernambuco, na conquista do território desconhecido, na
proporção em que, aqui e ali, originou a edificação de uma casa e a
instalação de uma família. O itabaianense não cultivou a carne do sol,
nem foi criador de grandes rebanhos. Ao contrário do cearense, o gado
vai lhe servir para o leite e o consumo de carne fresca, nunca praticando
a charqueada nos moldes que o Ceará foi palco.
O itabaianense plantou a cana, em engenhos distantes do centro
urbano, atividade que, em nada contribuiu para o progresso da vila,
embora fortalecesse a economia da vila. Plantou o café, mas para
consumo próprio, sem se integrar ao ciclo econômico nacional.
Vendo, de um lado, a cana de açúcar se desenvolver na vizinha
Zona do Cotinguiba, com muitos engenhos encravados em seu território,
mas sem beneficiar seu centro urbano, e de outro, o gado passar pelo seu
território, sem nele se fixar em grande quantidade; sabendo, por outro
lado, que Maruim desenvolvia um comércio tão avançado que até firmas
de origens européia nela instalavam filiais, o itabaianense vai buscar nas
suas raízes luso-baianas inspiração para criar seu próprio tipo e se

174
adaptar a terra. Surge, neste processo, o itabaianense urbano, diferente e
característico, sagaz e comerciante, porque o itabaianense rural já existia
desde os primeiros primórdios da colonização.

O ITABAIANENSE RURAL

O colono que se instala em terras itabaianenses é,


eminentemente, camponês. Vem para cultivar a terra e viver de seu
fruto, de forma a ser, essencialmente, agricultor. Não havia notícias
de ouro nem tampouco existia centros comerciais que abrigassem
qualquer pessoa estranha a terra. O ouro era um sonho distante, que
as entranhas da Serra não se abriam, como nunca se abriram, para
exibi-lo. O que se oferecia nas novas terras era a agricultura e a
pecuária. Só. Nessa, os primeiros colonos a abraçam e a ela se
dedicam, durante muitas décadas. Depois de assim instalado e ver a
terra render frutos é que o itabaianense, filho ou neto do colono,
começa a se imiscuir em outras atividades, até mesmo por força da
própria subsistência e das necessidades que o tempo vai apontando.
De acordo com o passo alcançado, no campo e na vila, o itabaianense
avança, aprendendo a ser marcineiro, a ser pedreiro, a ser sapateiro, e
etc., por força das circunstâncias vividas, sem perder nunca, pelo
menos até a metade do século XX, a sua condição original de
lavrador.
No século XVII, a pecuária e a cultura de subsistência co-
existiram pacificamente, cada uma ocupando seu espaço, ambas
voltadas para a própria subsistência de cada família.
No entanto, já no século XVIII, os conflitos começam a surgir,
quando o gado, durante o tempo de seca, invade as plantações. O fato
chegou ao conhecimento do Reino português, que, em 1779, envia
ordens ao Governador da Bahia no sentido deste mandar o Ouvidor
sergipano demarcar as terras da pecuária e as terras da agricultura.
O resultado, depois de reunião com a Câmara Municipal de
Itabaiana, é a divisão das terras, levando em conta a Serra, em terras de
serra abaixo e terras de serra acima, entendidas as primeiras como as que
ficavam localizadas ao redor da Serra, nas áreas mais próximas, e as de
serra acima as que estavam mais distante, em região ainda não explorada,
de forma que o gado se mantivesse em espaço apropriado, distante das
plantações da agricultura.

175
Assim, as terras da serra abaixo seriam dedicadas a agricultura,
em plantações abertas, facultando-se a criação do gado, desde que em
pasto cercado. O inverso ocorreria nas terras da serra acima, ou seja, do
gado, em pastos abertos, facultando-se a lavoura em áreas cercadas, tudo
segundo Maria Thétis Nunes (SERGIPE COLONIAL I, p. 107).
Foi o primeiro passo para a implantação do minifúndio em terras
itabaianenses.
A solução, contudo, não representou o final dos conflitos entre
agricultores e criadores, exigindo, em 1814, a presença do Ouvidor
Geral da Província que, em nova reunião com a Câmara Municipal,
deliberou, de uma vez por todas, a retirada do gado, que perturbava as
plantações, das matas, isto é, dos terrenos da serra abaixo, para a
caatinga, ou seja, para as terras localizadas depois do centro urbano da
vila, conforme Maria Thétis Nunes (SERGIPE COLONIAL I, p. 108),
ou seja, para o lado de Frei Paulo e Ribeirópolis.
Se a solução não colocou ponto final, segundo Maria Thétis
Nunes (SERGIPE COLONIAL I, p. 108), pelo menos alicerçou o
minifúndio em Itabaiana, na região hoje compreendida pela Serra,
Gandu, Bom Jardim e adjacências, fortalecendo a agricultura de forma
preponderante.
O itabaianense rural não foi só plantador durante os tempos de
vila. Deixou também sua marca na pecuária, de várias formas.
No entanto, mesmo em pequena escala cuidou da pecuária, e
segundo Marcos Antonio de Souza, os itabaianenses criam pouca
porção de gado, que não chega para a sustentação dos habitantes, e da
mesma forma a mandioca e legumes que plantam (MEMÓRIA SOBRE
A CAPITANIA DE SERZIPE, p. 32).
A criação de ovelhas era outra atividade do itabaianense, com
repercussões:
É alimento quase comum a carne de ovelhas, a qual se atribui
certa virtude prolífica. É certo que as mulheres tem uma natural
fecundidade; costumam parir vinte e vinte cinco filhos. São muito
inclinados ao toro conjugal, mas a pobreza é um grande obstáculo à
criação dos filhos (MEMÓRIA SOBRE A CAPITANIA DE SERZIPE,
p. 32). A par da fecundidade, a numerosa prole é algo que vai perdurar
por toda a existência da Vila, invadindo os tempos de Cidade, a ponto
de, até a década de cinqüenta do século XX, ser comum a família
carregada de filhos, sobretudo nos povoados.

176
O gênio criativo do itabaianense já se notava no século XIX,
como registra o autor de Notícia Geográfica Histórica e Descritiva
desta Província, divulgada em 1847, em O Correio Sergipense, de
17.2.1847, de J. C. R. de Milliet de Saint-Adolphe, (DICIONÁRIO DA
PROVÍNCIA DE SERGIPE, p. 53):
Nele se cria certa espécie de cavalos pequenos e muitos ardentes,
que são muito estimados nas províncias vizinhas.
O itabaianense rural, desde os seus primórdios, foi um agricultor
de minifúndio, a ponto de merecer o município, séculos depois, o epíteto
de Celeiro do Estado, por fornecer seus produtos para o consumo de
quase todo o Estado, além de remetê-los para outras regiões.

O itabaianense urbano

Já na vila, o itabaianense, assentado na planície, cercado de serras


por todos os lados, sem grandes propriedades ao seu redor, sem poder
concorrer com a cana de açúcar dos rios Cotinguiba, Sergipe e
Japaratuba, e, também, com o comércio formal e organizado de Maruim,
só teve dois caminhos.
Em um, tornou-se auto-suficiente, fazendo tudo, de maneira que
Carvalho Lima Júnior afirma que tudo já possuía o itabaianista de um
século passado a mais, de modo a poder viver independente do mundo
se dele estivesse separado por uma muralha inexpugnável
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
133). Quer dizer, a vila estava estacionada, mas o itabaianense superava
o meio. Por outro lado, a expressão século passado deve ser entendida
como referente ao século XIX para trás, praticamente a partir do
momento em que o povoamento da vila atinge um bom número de
habitantes, o que demonstra a absoluta falta de possibilidade de ocorrer
um retrocesso.
É o grande exemplo da auto-suficiência que a vida, à época,
proporcionava. No quintal das casas, verdadeiros sítios, se criava a
galinha, que gerava ovos, com os quais se nutria a cozinha e se
preparava uma ninhada, se plantava inhame, batata, macaxeira, feijão,
algodão, amendoim e o milho, se criava uma vaca, que gerava leite, se
tinha mangueira, cajueiro, goiabeira, que geravam frutos, de maneira
que, da feira, o itabaianense só precisava da carne bovina. Sebrão,
sobrinho, afirmaria, a propósito: ... onde o homem se alia à terra,

177
dominando-a com a roça e com o criatório (TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, p. 90).
De fato, o itabaianense se desenvolveu em todas as áreas, como,
por exemplo, na indústria, e, nela, no cultivo e exploração do algodão.
Segundo o relato de Carvalho Lima Júnior, ... a indústria,
rudimentarissima, só quando foram abertas as estradas de
comunicação para todos os pontos do interior e estabeleceu-se o
comércio com as capitanias vizinhas, foi que deu os primeiros passos,
com a fiação do algodão pelas mulheres, em fuzos e rodas movidas a
pé, e a tecelagem de panos grossos, feita também pelas mulheres, em
teares rústicos, de que faziam uso ordinário também para a fabricação
das redes.
Serviam-se do algodão chamado – criolo, única espécie
conhecida, o qual, depois de apanhado era descaroçado a dedo, como
quem debulha o milho, ou em pequenos engenhos de madeira, com dois
cilindros, como os de espremer a cana. Depois deste processo penoso,
aberto em pastas, era batido com a corda de um arco, em todas as
direções até ficar todo igual, de onde ia para o fuso ou a roça, daí
tirado o fio em massarocas, em seguida novelados, e por fim tecidos
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, ps.
131-132.).
Marcos Antonio de Souza testemunhou a luta da mulher na área
da indústria:
São industriosas as mulheres de Itabaiana; suas grosseiras
manufaturas constituem o principal comércio de seus maridos e toda a
vantagem de seu país. Levam os itabaianistas para os sertões altos vinte
mil varas de pano de algodão, que se reputam em valor metálico dez mil
cruzados.
Com grande trabalho fiam o algodão em uns fusos movidos com
os dedos e uma pessoa mal pode fiar no espaço de um dia um quarto de
libra. Depois de fiado o dispõem em têas e uma deligente tecedeira
desde a manhã até a noite tece libra e meia de fio, ou nove varas de
pano de algodão (MEMÓRIA SOBRE A CAPITANIA DE SERZIPE,
p. 32).
Dentro da indústria, preparava tecidos e redes, para a venda e
troca lá fora, sobretudo na praça de Salvador (Bahia), chegando a levá-
las até São Paulo (São Paulo):

178
Os tecidos e as redes, aqueles em grandes rolos, dois para cada
cargo, eram exportados por terra, em comboios de animais, pelos
negociantes, para a Bahia, onde uma vez por ano iam fazer as suas
compras, recebendo em troca dessa manufatura grosseira, fazendas
finas e outros artigos.
Este costume decaiu a uns 40 anos [ou seja, em 1870, mais ou
menos] com a fundação das fábricas de fiação e tecidos da Bahia.
Contudo, ainda continua na roça a tecelagem rústica, mais
adiantada, para o uso doméstico e para o comércio, usados para a
tinturaria, vegetais de sua flora.
Como o lagartense, o itabaianista leva a sua indústria de redes e
panos, preparados já em cortes, a todos os cantos dos estados do sul até
São Paulo, tudo segundo Carvalho Lima Júnior (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 132).
O tecido de algodão e a rede eram vendidos fora da província
sergipana, fazendo surgir o itabaianense comerciante informal:
O comércio volante, ainda em voga, era uma particularidade do
itabaianista, que se dedicava a este genero de vida.
Tais eram as viagens, pelo menos duas vezes por ano,
percorrendo as povoações dos vastos sertões até Itapicuru,
Inhambupe, Monte Santo, Xorroxó, Juazeiro (na Bahia) e as
Capitanias do Ceará e Pernambuco, desenvolvendo grande atividade
de espírito em busca de fortuna e de aventuras como Belchior Dias,
com o gênio do antigo bandeirante paulista (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 133).
Ainda segundo Carvalho Lima Júnior, o itabaianista fazia tudo,
plantava, criava, fabricava, viajava, etc.: arroz, o algodão, a criação de
ovelhas, cabras, porcos, aves domésticas, até a carne do sertão (carne
do sol), a aguardente, todos os cereais inclusive o mendubim
(amendoim), o azeite de mamona para a candeia e o rôlo para servir de
vela; o carro de bois puxado por três ou quatro juntas (cangas) que
rodava em suas magníficas estradas para levar os produtos de sua
lavoura aos portos de Laranjeiras e de Sant’Anna; a indústria indígena
como a cerâmica, o fabrico de chapéus de palha, peneiras, urupemas,
abanos, tapitis, a prensa de espremer a massa, da mandioca, a roda, a
bolandeira, para o fabrico da farinha para o consumo e o comércio; os
medicamentos de sua flora e os seus curandeiros, que lembravam os
prodigios dos pagés; os seus artistas, e os seus viterinarios; a antiga

179
industria dos cortumes nos sertões;(...) (MONOGRAFIA HISTÓRICA
DO MUNICIPIO DE ITABAIANA, ps. 132-133).
Quando, dando enfase ao segundo caminho, se transforma em
viajante por excelência, não faz outra coisa senão expandir seu sangue
luso-baiano. Se o baiano pode ser considerado o bandeirante do
Nordeste, o itabaianense é, por excelência, o bandeirante sergipano, a
ponto de Sebrão, sobrinho, esclarecer que a Terra Vermelha devem suas
principais famílias Lagarto, Riachão, Campos [Tobias Barreto],
Anápolis [Simão Dias], São Cristóvão, Itaporanga, Capela, as matas de
Campo do Brito, à margem do Vaza-Barris, e Crato, no Ceará
(FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 133), bem como
a destacar que foram os itabaianenses que povoaram Lagarto, Simão
Dias, parte desgarrada da urbe papa-jaca, devendo a Itabaiana,
inclusive a sua freguesia, cuja origem foi capela, erecta pelo itabaianista
Simão Dias em 1655 e reconstruída pelos itabaianistas capitão Manuel
de Carvalho Carregosa e sua esposa d. Ana Francisca de Meneses, em
1784, e mais as terras em que se assenta, hoje, o município de Anápolis,
que já pertenceram a Itabaiana (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., P. 221).
Ainda, segundo Sebrão, sobrinho, as principais e mais antigas
famílias lagartenses, ramos das quais se destenderam por Anápolis
[Simão Dias], Riachão, Itabaianinha e Campos [Tobias Barreto],
oriundam-se de troncos itabaianenses e, como entre nós, moremente no
interior do Estado, se não modificam os costumes, senão em muita lenta
evolução, podemos afirmar que ontem, como hoje, costumes e gostos
dessa população se igualavam e aquele tipo antigo sergipano esperto,
inteligente, trabalhador, econômico, alegre, hospitaleiro, destemindo e
emigrante, pulula ali, como o faz em Dores, Aquidaban, Porto da Folha,
Cedro, parte de Gararu, San-Paulo [Frei Paulo], Campo do Brito,
Ribeirópolis, algo de Capela, de Itaporanga, de Laranjeiras, de
Riachuelo e de Divina Pastora, todos eles vergônteas itabaianenses. Dos
primeiros municípios aludidos, ao sul do Estado, nenhum, como
Lagarto, se assemelha à Itabaiana. Quem está num, se não sente
estranho em o outro. Só uma diferença há: a emigração, tão de comum a
essa gente aventurreira, porque o lagartense só retorna rico, para gozar
seus haveres na terra e o itabainista só o faz quando se dá mal além
(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 88).

180
Levando em conta o ano de 1914, data em que a MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA foi escrita, Carvalho
Lima Júnior acrescenta:
Ainda hoje não é raro encontrar-se destes, de vez quando, nos
Estados do Sul da República, ora localizados e cm fortuna, ora de
passagem como um meteoro; ou na longinqua região do Acre e no valle
do Amasonas, fasendo descobrimentos e enriquecendo como Hermelindo
Contreiras nas solidões do Juruá e outros competindo vantajosamente
com o genio Cearense (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICIPIO
DE ITABAIANA, p. 133).
O espírito aventureiro do itabaianense, aliado a sua capacidade de
trabalho, gerou também a figura de Hermilino Contreiras, que, no século
dezenove, montou no Estado do Pará um seringal com o nome de
Itabaiana. Sebrão, sobrinho, registra o fato: Itabaiana, seringal luxuoso,
residencial, na Amazonas, do notável cachorro da Velha-Loba, Coronel
Hermelino Contreiras (FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DE SERGIPE,
p. 104), seringal que era transformado em campo de trabalho para todo
sergipano que por ali aparecia, como Sebrão, sobrinho, informa: No
Pará, quando o vapor Contreiras demandava ao alto Amazonas, o
saudoso e benemérito Hermelino Contreiras vinha ao tombailho do
navio assistir à chamada dos seringueiros, que iam trabalhar no
Inferno Verde. Diziam o nome e o Estado de onde eram naturais.
Quando um respondia que era de Sergipe, mandava separa-lo do bando
e, assim, até ao fim. Despachava aos outros e, sorridente, espalhando
confiança, o digno sergipano exclamava sempre: Patrícios, voscêis
estão em casa, pisando em território sergipano! (TOBIAS BARRETO,
O DESCONHECIDO, p. 237). Hermelino Contreiras se dava ao luxo de
ter seu próprio paquet, no qual, de quando em quando, viajava para
Sergipe, a fim de rever a terra natal.
Uma outra prova do gênio itabaianense está estampada no item O
papel do algodão, a ser visto adiante.
Sergipanos e baianos participaram da colonização do sul do
Ceará, no início do século XVIII, quando os índios não ofereciam mais
perigo, e também dos sertões da Paraíba, a partir da serra da Borborema,
conforme informa Vinícius Barros Leal (A COLONIZAÇÃO
PORTUGUESA NO CEARÁ). Dentro do seu espírito aventureiro e de
conquistador, herança direta do português avoengo, o itabaianense
integrou o rol destes sergipanos, cf. Sebrão, sobrinho, esclarece:

181
Segundo, a cidade de Crato teve como um de seus primeiros habitantes
a um papa-cebola de Terra Vermelha e isso eu disse, o qual é da família
da Serra do Machado. A zona do Crato, não, mas as de Joazeiro a
Sobral, sim, foram desbravadas por membros da família que vossência
diminuiu, por gente de Itabaiana, por papa-cebolas legítimos, pelos
indomáveis guarajó Meneses, pelos proprietários na ribeira de Sergipe,
do engenho Nossa Senhora do Livramento, na passagem do Jacaracica,
do qual, mau grado a idade de vossência, senhorinha nunca ouviu
falar! (CONFIDÊNCIAS – á Exma. Sra. Paraguassu, O Nordeste, 28 de
julho de 1941). Sebrão, sobrinho, inclusive, cita dois ancestrais,
Francisco Antonio de Carvalho e Luiz Francisco Rodrigues Lima, que
tiveram negócios em Oeiras, no Piauí (O Nordeste, 30 de julho de
1941).
Nesta linha, as quatro sergipanas, Apolonia, Luzia, Desidéria e
Bárbara, que se mudaram para o Crato, na primeira metade do século
XVIII, plantando raízes no Ceará, objeto do livro do Padre F.
Montenegro, AS QUATRO SERGIPANAS, podem ser itabaianenses. É
uma presunção que não pode ser afastada.
Outra prova do espirito aventureiro do itabaianense se acha no
sítio denominado Itabaiana, de Josefa Coelho e seu genro João
Fernandes Lisboa, em 1757, no sertão de Curimataú, onde o futuro
município paraíbano de Itabaiana teve origem. O nome de Itabaiana
aparece, na história daquele município, pela primeira vez, no pedido de
sesmaria que sogra e genro, respectivamente, fizeram, conforme
Sabiniano Maia informa (ITABAIANA – SUA HISTÓRIA – SUAS
MEMÓRIAS – 1500-1975, p. 35). Dele, do sítio, é que viria a
denominação do futuro município paraíbano de Itabaiana, como já
destacamos anteriormente no tópico O NOME DE ITABAIANA, no
Cap. I.
As incursões do itabaianense no comércio informal, durante
muitas décadas, prepararam, com toda a certeza, a figura do comerciante
sagaz, do homem inteligente que mergulha no comércio, começando do
nada para montar empresas e empresas de negócios, deixando sua marca
em várias direções, além de plantar uma árvore que sabe se expandir e
caminhar por meios próprios, tudo de forma honesta, da mesma maneira
que, dessa legião, nascem aqueles que, ao criar um grande cabedal,
deixam no ar, eternamente, a dúvida acerca da origem da riqueza

182
acumulada durante tantos anos. São dons, no primeiro caso, e
circunstâncias, no segundo, que não se explicam.
Não só dentro do comércio, mas fora deste, uma figura
importante, nascida, provavelmente em 1822, foi a de José Vitório de
Souza, que, mais tarde, se tornaria sacerdote, e, nesta condição, vigário
da Freguesia de São José do Gorutuba, em Minas Gerais, onde terminou
assassinado. Natural, como ele próprio declarou, da Vila de Santo
Antonio e Almas de Itabaiana Grande, Província de Sergipe Del-Rei, o
seu envolvimento, em diversos processos, até a cena de sua morte,
foram objetos do livro GORUTUBA: O PADRE E A BALA DE
OURO, de Simeão Ribeiro Pires, Belo Horizonte, s/data, Barvalle Ind.
Gráficas Ltda, 157 ps.

LITÍGIO DOS COMERCIANTES

No seu comércio diário, montado em cavalo, percorrendo longos


e longos trechos, o itabaianense aprendeu a tirar lucro, a se insurgir
contra a cobrança de impostos, enfim, a defender seus direitos contra
qualquer ação pesada do Governo em nível de fixação de tributos.
Uma prova se verifica em 1883, via da Câmara Municipal,
quando está brigando neste terreno:

Informamos, que a camara municipal da vila de Itabaiana,


representou o exmo. sr. presidente da província, contra o coletor e
exator daquela vila (capitão José Caetano Rio Paramopama), pelo
lançamento exorbitante que acaba de fazer para o exercício de 1883-
1884. Já não é esta a primeira vez que aquela Camara assim pratica,
mas sem resultado algum, porque, segundo consta, o exator, tem carta
branca para fazer o que bem entender. Vale a verdade (O Guarany, 29
de setembro de 1883).
A questão é levada ao conhecimento do presidente da Província:
Os abaixo assinados, residentes neste município, vêm por meio
da imprensa queixar-se a v. ex. do atual coletor e exator desta vila,
capitão José Caetano Rio Paramopama, pelos fatos que passam a
expor.
Esse funcionário; exm. sr. antigo ex-negociante da cidade de
Laranjeiras, que por sua vida prodiga de regalias nunca pode fazer
fortuna, obtendo os empregos que ora ocupa, entende de fazer grandes

183
capitais para si com a opressão de intitulados impostos vexatórios, que
em sua mente entende impor ao povo deste município.
Entende esse empregado, exm. sr. de por um freio no progresso
desta Vila, privando as oficinas de aceitarem discípulos, impondo um
grande onus aqueles que assim o fizer; motivo porque ouve-se
geralmente um clamor de todos os pais de família, maxime da pobreza
de quem mais se compõe essa classe de artistas.
Outro motivo de ordem superior ao clamor do povo, exm. sr. é o
oneroso imposto de estabelecimento de fumo nesta vila, que entende o
atual coletor cobrar daqueles, que faltando-lhes os meios de
subsistência em outro giro de negócios buscam a vila de Inhambupe,
trazendo uma carguinha de fumo para cortar a retalho na feira desta
vila; é deste imposto, sr. que entende o coletor Paramapama auferir
grandes lucros, por ser avultado o número de mercadores de fumo a
retalho; pagando cada um de per si trinta e tantos mil réis.
A forma por que tem sido interpretada a lei do lançamento dos
décimos urbanos e impostos sobre casas de negócio pelo atual coletor e
exator, é um horror, exm. sr. dando nas vistas de todos, que a camara
municipal desta vila entendeu, em suas sessões, de por meio de
representações levar ao conhecimento de v. ex. como delegado de S. M.
I. e ao mesmo Imperador, as tropelias e vexações, postas em prática por
esse empregado que caprichosamente diz, que o faz porque quer, pode e
manda.
O município de Itabaiana, exm. sr. é um dos que mais concorrem
constantemente com o seu quantum para o tesouro público, sem que
mesmo seja preciso tanta vexação das repartições arrecadadoras.
Os abaixo-assinados já esquivam-se de levar ao conhecimento da
tesouraria de fazendas os fatos expostos das arbitrariedades do coletor
desta vila, por jactar-se este mesmo coletor, que qualquer
representação que contra si for dirigida aos srs. inspetores, esta tem
por certo de vir para a sua gaveta fazer parte dos seus alfarrábios,
como uma vez já assim aconteceu; e não é de estranhar, quando é
sabido, que atualmente por informações ao tesouro, pode o coletor
desta vila conseguir 35% nas arrecadações de sua repartição; regalia
esta que só conta com ala nesta província o coletor de Itabaiana.
Os abaixo assinados, confiados na sábia justiça de v. ex. pedem
enérgicas providências, fazendo retirar desta vila o atual coletor,
substituindo-o por outro, o que, compenetrando-se do alto cargo que

184
lhe foi confiado, longe de se tornar um azourrague do povo, seja o
primeiro a promover o seu bem estar, dando asas ao progresso, do qual
tudo devemos esperar.
Itabaiana, 22 de setembro de 1883.
Manuel de Araújo, José Francisco de Mendonça, Francisco
Barbosa de Vasconcelos, Esperidião da Costa Azevedo, Belmiro José
de Brito, José Francisco de Almeida, Juvenio José da Costa, Manoel
Maximino de Jesus, João Antonio da Mota, Manuel Emiliano da
Silveira, José Francisco de Rezende, João Preto de Gois, Manuel A. da
Costa Fagundes, Antonio Teles de Andrade, Benvindo José Barbosa,
Manoel Pereira de Oliveira, Manoel Thomé de Almeida, João
Francisco de Melo, Eugênio José Teles, Antonio dos Santos Leite, José
Joaquim de Andrade, Gonçalo Tavares da Mota, Martinho José de
Menezes, Manuel J. de Carvalho Lima, Cassiano Pereira de Araújo,
João Francisco de Mendonça, Manuel Paixão Silva Porto, Januário C.
da Fonseca, Manuel da Lapa Trancoso, Felismino José Teixeira,
Antonio Martinho de Santiago, Brasiliano Ney Cardoso, Belisiano
Damázio Leite, José Verano de Carvalho Lima (O Guarany, 29 de
setembro de 1883).

A expressão – uma carguinha de fumo – evidencia um pouco de


esperteza característica do itabaianense comerciante, característica que
esteve sempre ao seu lado. Como entender que uma simples carguinha
de fumo detonasse tanto protesto e argimentasse tantas assinaturas? No
fundo, revela a união de comerciantes em torno de uma questão que a
todos interessava. Unidos seriam mais fortes, não conseguindo, com
esse expediente, esconder a sua ironia, que, doravante, ia se manifestar
de várias e culturais formas.
O comerciante itabaianense também discute e troca farpas nos
jornais da Capital, quando ferido em seus interesses pessoais, nos seus
relacionamentos com o fisco. Uma prova está na solene discussão entre
João Pereira de Oliveira, proprietário de uma loja de tecidos na Rua da
Praça, e o capitão Miguel Teotonio de Castro.
Do primeiro para o segundo:

Itabaiana, 19 de setembro de 1883.


Ilmo. sr. Capm. Miguel Theotonio de Castro.

185
Em amor à verdade, e para salvaguardar os meus direitos
conspurcados por empregado que, não sabendo colocar-se na esfera de
suas atribuições, quer tirar vinganças daqueles que contribuem para o
fisco, peço-lhe, queria responder-me ao pé desta, si em 27 de Julho do
corrente ano, requeri ao sr. Exator das rendas provinciais deste
município capitão José Caetano Rio Paramopama, pedindo-lhe, como é
de lei, para não ser elevado o lançamento de minha loja de fazendas;
declarando-me, v. s. o que respondeu o mesmo exator.
Permita-me usar de sua resposta para o uso que me aprouver.
D. s. s. amigo e criado,
João Pereira de Oliveira (O Guarany, 29 de setembro de 1883).

Do segundo para o primeiro:

Ilmo. sr. Capm. João Pereira de Oliveira


Em resposta a sua prezada carta sou a dizer-lhe que é verdade
ter v. s. reclamado à exatoria desta vila, na época, a que alude, sobre o
lançamento por ela procedido, relativamente à sua loja de fazendas
nesta mesma vila, por uma petição que mostrou-me na Repartição, o sr.
Exator, a qual pedi-lhe em confiança para por deferência a v. s.
corrigir a redação.
Fui portador da falada petição, que efetivamente apresentei a v.
s. Dias depois, ouvi do mesmo sr. Exator a declaração de que
dispensava a petição de v. s. e de outros reclamantes, por isso que
estava resolvido a modificar o falado lançamento na parte relativa aos
reclamantes. É esta a expressão da verdade, sobre a qual não vacilo
prestar um juramento, e desta minha resposta pode v. s. fazer uso que
lhe convier.
Subscrevo-me de v. s. amigo e criado
Miguel Theotonio de Castro
Itabaiana, 20 de setembro de 1883 (O Guarany, 29 de setembro
de 1883).
O comerciante itabaianense, desde os tempos de vila, começou a
procurar as praças devidas, para a compra de produtos a fim de
revende-los em Itabaiana. J. Fraga Lima esclarece que Bento José de
Carvalho, quando moço, carrgou muito dinheiro para Salvador, dos
comerciantes de Itabaiana, para pagamento aos grossistas da Bahia,
na sua maioria portugueses (marotos). Não havia banco, e Bento

186
levava por vezes grandes importâncias. Nunca foi assaltado, porque
naquele tempo não havia assaltante e o homem ainda tinha vergonha
de roubar (MINHA PASSAGEM PELA VIDA, p. 94).
Eram filhos de comerciantes os primeiros itabaianenses que
obtiveram diploma superior em Salvador, levados no início do ano
letivo por seus pais, ao lado de outros comerciantes, mantendo
contato com comerciantes baianos a fim de custearem as despesas
mensais, que só seriam quitadas no final do ano, quando, os
comerciantes iam buscar os filhos para o gozo de férias em casa,
aproveitando, também, para adquirir mercadorias a fim de traze-las
para o comércio local, levando o algodão para a venda no mercado de
Salvador. Bento José de Carvalho formou um filho em Farmácia em
Salvador; Agostinho José de Oliveira estudou Odontologia, não
chegando a concluir o curso; Guilhermino Amâncio Bezerra formou-
se também em Farmácia, fatos ocorridos ao tempo de vila.

O PAPEL DO ALGODÃO

O espírito de comerciante do itabaianense tira proveito da crise do


algodão, vivida pelos Estados Unidos da América, durante a Guerra da
Secessão, no século dezenove, quando os conflitos bélicos
impossibilitaram o americano de plantá-lo.
Aproveitou-se da crise para aumentar o cultivo do algodão,
visando suprir o mercado americano, como de fato supriu. No aspecto, é
bom ressaltar que, com o algodão, pela primeira vez, o itabaianense se
integra num ciclo econômico nordestino, visto que, à época, todo o
Nordeste brasileiro plantou e vendeu algodão para o mercado
americano.
Segundo Carvalho Lima Júnior,
... data de 1860, mais ou menos, o aumento prodigioso de sua
população, com a grande cultura do algodão, a oeste da vila,
triplicando anos depois, quando a guerra da separação nos Estados
Unidos, fez subir a 30$000 a arroba de algodão descaroçado; quando
Ettingir, Carneiro, e outros proprietários de serras a baixo, atraídos
pela fascinação do lucro espantoso, estabeleceram-se na Bemfeita,
Pedra-Molle e outros sítios hoje pertencentes ao município de São
Paulo [atual Frei Paulo].

187
Alguns chegaram a colher 6 a 9000 arrobas de algodão herbáceo
em caroço em uma safra.
Devastaram-se então as afamadas matas seculares, que serviram
de pasto ao fogo destruidor, que devorou as mais preciosas madeiras de
lei, afluindo para lá em busca do salário remunerador, jornaleiros de
todas as partes, sobretudo simondieiros levados pela fama do novo
Eldorado.
Daí o engrandecimento de Itabaiana, atingindo ao auge em 1870,
mais ou menos, quando o genio comercial e aventureiro de Francisco
Brozzoni generalizou o uso da máquina a vapor para descaroçar
algodão no município, onde este serviço era feito a braço em máquinas
rudimentares, e estabeleceu uma poderosa máquina nas imediações da
vila, a rua do Tanque do Povo por ele edificada.
Seguiram os outros o seu exemplo, de modo que em 1874, possuía
o município cerca de 50 vapores (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS, ps. 133-134).
Sebrão, sobrinho, viu assim a plantação do algodão em terras
itabaianenses:
Resultado da carestia, da valorização do algodão, por isso
chamado ouro branco, foi a guerra civil desencadeada por quatro anos,
de 1861 a 1865, nos Estados Unidos, quando os estados do norte ou
federais, anti-escravagistas, se empenharam na guerra da secessão
contra os onze estados do sul, que formavam a separatista confederada.
Trechos enormes das matas de Itabaianassu foram destruídas
para a plantio do herbáceo.
Ao vapor de Francisco Brozone, casado com d. Ursula Brozone,
plantado num arrebalde da vila de Itabaiana, junto ao tanque do Povo,
que se transformou na praça chamada rua do Vapor e, após, Batista
Itajahy, cresceu, vertiginosamente, a indústria algodoeira e dezenas de
máquinas se espalharam naqueles latifúndios (TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, ps. 99-100).
Sebrão, sobrinho, inclusive, destaca o papel de Itabaiana na
economia sergipana, não fora Itabaiana, em suas famosas Matas do
Genipapo ou de Itabaiana, durante o período das guerras de Secessão
da América do Norte, com a valorização do algodão, a ponto de
ressaltar que duas vezes, com terras e taboleiros, o itabainista salvou
Sergipe: ontem, na Secessão, com o algodão; hoje, abastecendo os

188
mercados de Sergipe, de Bahia, Minas, San-Paulo, Rio, Pernambuco,
Alagoas (LAUDAS DA HISTÓRIA DO ARACAJU, p. 249).
Entre os maiores proprietários de terras, nas matas de Frei Paulo,
Pinhão e Pedra Mole, estavam Cassimiro da Silva Melo, José Antonio
de Carvalho Lima e José Cornélio da Fonseca.
A integração da província sergipana ao plantio do algodão
mereceu referência de Josué Modesto dos Passos Subrinho, a enfatizar
que a partir da Guerra da Secessão, e por alguns anos, o algodão em
Sergipe deixará de ser uma “cultura de quintal” e passará a ser a
atividade mais rentável da Província, gerando verdadeira “febre de
ouro branco”, levando alguns pequenos comerciantes a abandonar sua
profissão e internarem-se pelos municípios de Itabaiana, Frei Paulo,
Simão Dias, Itabaianinha, Nossa Senhora das Dores, Aquidabã, Gararu
e Porto da Folha, dispostos uns, a aumentar o plantio do algodão e
outros, a inicia-lo (HISTÓRIA ECONÔMICA DE SERGIPE – 1850-
1930), p. 31).
A maior conseqüência interna da plantação do algodão foi o
surgimento de vários pontos de povoamento, dela decorrente. A cidade
de Pedra Mole é o maior exemplo, tendo suas terras sido percorridas e
utilizadas, pela primeira vez, graças ao plantio do algodão.
Frei Paulo, a esta altura já pequeno centro urbano, embora ainda
na roupagem de povoado, teve aumento de sua população e mais
aproveitamento do seu território. Ribeirópolis, então Saco do Ribeiro,
também povoado, foi atingido pelo algodão, e, com esse, sua população
encontra relativo aumento, como registra José Gilson dos Santos:
Por outro lado, merece também ser ressaltado que o povoamento
da região não ficou apenas restrito ao lugar Saco do Ribeiro, pois um
pouco mais ao norte, nas imediações da área que os antigos chamavam
de caatinga, em consequencia de condições mais propícias ao cultivo
do algodão, milho e feijão, por lá mjuitos já estavam estabelecidos,
mormente a figura de um certo Cavalcantem grande incentivador da
cultura do algodão naquela zona e principal responsável pelo
desenvolvimento pioneiro da localidade, cuja atividade veio a adquirir
maior expanção a partir da década de 1860, em decorrência da
recessão provocada pela eclosão da Guerra de Secessão dos Estados
Unidos, quando o algodão passou a ter grande cotação no mercado
internacional e a produção sergipana só era superada pela cana-de-

189
açúcar (SACO DO RIBEIRO (RIBEIRÓPOLIS) – PEDAÇOS DE SUA
HISTÓRIA, p. 11).
Somente Carira, mais distante, foi vai ter suas terras exploradas
pelo algodão quando o ciclo já tinha acabado, em nível nacional, no
começo do século XX, segundo informa João Hélio de Almeida
(CARIRA, p. 28).
A povoação e aproveitamento do solo das Matas de Itabaiana
permitiam o surgimento e crescimento de núcleos populacionais,
impulsionados pela presença do algodão, fato que, se diminuía o
tamanho das Matas, por outro lado, se revelava positivo, a medida em
que estes núcleos iam surgindo (como Pedra Mole) ou aumentando
(como Ribeirópolis e Frei Paulo), ou seja, as Matas de Itabaiana iam
sendo, gradativamente, povoadas.

CAPÍTULO VI

O PODER RELIGIOSO

A igreja caminhava ao lado do Governo Real na colonização das


novas terras. Impossível pensar na conquista do território sem a
presença da Igreja, a atuar entre o terreno social e o político-
administrativo.
Resumindo sua atividade, Elcio de Gusmão Verçosa ressalta:
A ela (isto é, a Igreja) irá caber desde a regulamentação das
alianças matrimoniais e o registro dos nascimentos até a presença
consoladora na morte. A assistência social será tarefa quase exclusiva
sua, por seu clero ou por suas Irmandades. O ensino será monopólio
seu, como sua há de ser a regulação da vida através dos ritos litúrgicos
e dos tribunais eclesiásticos. A Igreja logo virá a ser, também, a grande
animadora da vida social, através dos laços construídos por suas
Irmandades e pelas festividades que congraçavam as populações
dispersas. Nas vilas, nos engenhos e fazendas, os clérigos, aliados aos
senhores, irão ajudar a quebrar a resistência ao despotismo da dura e
cruel realidade colonial, fazendo um contraponto aos padres
burocratas que, num mundo carente de letrados, irão ter muitas tarefas

190
a executar no Governo (CULTURA E EDUCAÇÃO NAS ALAGOAS
..., ps. 34-35).
A importância da Igreja era tamanha que Sebrão, sobrinho,
chegava a comentar que ser amigo do vigário da paróquia [de
Itabaiana] era, então, a maior das venturas (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 304).
Uma prova da ação da Igreja congregando, com suas festividades,
as populações dispersas, é oferecida pelo padre Francisco da Silva Lobo,
em suas Informações à Coroa, em 1757. Ao ressaltar a falta de água na
sede da vila, pede, de forma sutil, ao Rei a construção de uma fonte e
mostra que, só com as festas religiosas é que todos para ali se
deslocavam. Fora das festas religiosas, a população rural não aparecia
na vila com a mesma intensidade.
Da criação da freguesia até a transformação desta em cidade, doze
padres passaram pela paróquia.
O primeiro, conforme Sebrão, sobrinho, foi o padre Salvador da
Costa Zuzarte, em ano que a história não guardou, encerrando-se seu
paroquiato em maio de 1710, dado ao seu falecimento. Era português, de
local desconhecido. Teve como coadjutor, inicialmente, o padre Bento de
Sousa e depois, em 1708, o padre Gregório Martins Carneiro, cujo
paroquiato, por seu turno, teve inicio em 1710 e foi encerrado em 1740,
com o seu falecimento. O padre licenciado Gregório Martins Carneiro,
português também, natural da balneária vila do Senhor Bom Jesus de
Boiças do Matozinho, à margem esquerda do rio Leça, na província do
Porto, entre a cidade desse nome e a de Maragaia, no fértil vale do
Doiro, segundo informa Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS...., ps. 303-304). Deixou prole, como era
costume, à época, costume que perdurou por todo o tempo de vila,
destacando-se, como seu filho, Joaquim José Carneiro, que chegou a ser
tabelião na vila, função que em 1789 ocupava, adotando o sobrenome
paterno. O padre Gregório Martins Carneiro soube ocupar espaço na
sociedade da vila, aparecendo como testemunha em escrituras de compra
e venda, implantando no interior da igreja a Capela do Bom Jesus de
Boiços de Matozinhos, que veio a ser extinta quando Itabaiana já era
cidade (Sebrão, sobrinho, FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., ps. 314, 305, 306 e 319). Foi, segundo Sebrão,
sobrinho, virtuoso e diligente vigário da Paróquia (FRAGMENTOS DA
HISTÓRIA DE SERGIPE, p. 245).

191
Depois veio o padre Antonio da Costa Cerqueira, que além do
período em que esteve a frente da freguesia, de 1741 a 1745, nada se
sabe.
Em seguida, vem o padre Francisco da Silva Lobo, de 1745 a
1768, nome que ficou ligado a nossa história de forma intensa, quer por
ter sido autor de importantes informações sobre o município, em 1757,
já focalizadas; quer pela reforma que empreendeu na Igreja, já referida;
quer por ter introduzido uma orquestra sacra, que, no século seguinte,
ganharia pancadaria, se transformando na Filarmônica Eufrosina, como
veremos adiante; quer por ter trazido vários irmãos, como Serafina de
Jesus (cf. Sebrão, sobrinho, TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, p. 130), que plantaram na vida do município as
raízes da família Lobo, que já atravessa mais de dois séculos,
destacando-se muitos de seus descendentes, quer no campo musical,
quer no campo cultural, quer no campo político, quer no campo
comercial, figurando, entre outros, o nome de João Teixeira Lobo
(Joãozinho Retratista). É, até então, entre os vigários, o nome mais
destacado, a ponto de Sebrão, sobrinho, ressaltar a sua atuação na vila
de Itabaiana: O Vigário Lobo, ao tempo em que servia de Mestre-Escola
para ilustrar a mocidade, orientar o Juízo Trienal Ordinário, os
Capitães de Milícia, em suma, plenamente, era o Espírito Santo de
orelha no Senado da Câmara do Termo! (FRAGMENTOS DA
HISTÓRIA DE SERGIPE, ps. 171-172).
Foi substituído pelo padre Francisco Tavares da Mota Menezes,
que comandou a freguesia no período de 1768 a 1769. Há um padre
Francisco Tavares Menezes, apontado por Sebrão, sobrinho (TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, P. 91), como padrinho de batismo,
no dia 6 de março de 1792, em Itabaiana. Fica a dúvida se seria o
mesmo, visto seu paroquiato ter se encerrado vinte e três anos antes.
Depois o padre Manoel da Fonseca, de 1769 a 1783.
Substitui-o o padre José de Santana Correia Araújo, de 1783 a
1799.
Em seguida o padre Manoel de Jesus Cordeiro Loureiro, de 1799
a 1802.
Após o padre Dionísio José Gabiano Gil, de 1802 a 1810.
Depois o padre Alexandre Pinto Lobão, de 1810 a 1840. Foi o
último vigário português a dirigir a freguesia de Santo Antonio e Almas
de Itabaiana. Segundo Luiz R. B. Mott, era natural de Lamego, nos

192
Trás-os-Montes, nascido em 1776, tendo recebido o presbiterato na
Bahia, residindo em Sergipe desde o ano de 1799, respondendo,
inicialmente, pela freguesia de Nossa Senhora dos Campos do Rio Real,
depois pela de Itabaiana. Foi indiciado em processo perante o Santo
Ofício por suas paqueras no confissionário ( A INQUISIÇÃO EM
SERGIPE, p. 82). No aspecto, Sebrão, sobrinho, aponta um dos filhos
do vigário Alexandre Pinto Lobão, de nome João José de Góis
(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 112), bem como um
sobrinho afim (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS ..., p.
218). O vigário, à época da independência do Brasil, como bom
português, colocou-se contra o fato. O padre Lobão não deixou boa
impressão nos paroquianos itabaianenses, que, através de suas
autoridades, assim o descrevem: Desonrador de mulheres casadas,
exvirginador de donzelas cujos nomes por modéstia se omitem, é
homicida, pois com faca de ponta penetrante matou um seu escravo
mulato de nome Pedro, e ainda que desumano, imprudente, falto de
caridade, excessivamente ambicioso até o extremo de não querer
batisar os infantes sem que primeiramente lhe entreguem por um cada
um deles $480 réis, sem os quais não batisa (Luiz R. B. Mott, A
INQUISIÇÃO EM SERGIPE, p. 133).
Depois o padre Felix Barreto de Vasconcelos, de 1840 a 1851,
natural de Capela, deste Estado, chegando a ser deputado provincial.
Aliás, nesta condição, é o primeiro vigário local a se imiscuir na política
de forma ostensiva. Teria saído desgostoso da freguesia, em razão do
enforcamento de João Gomes, inocente do crime de que era acusado. O
padre Felix Barreto de Vasconcelos ouviu a confissão do verdadeiro
assassino. É o único vigário da vila a ser biografado por Armindo
Guaraná, no DICIONÁRIO BIO-BIBLIOGRÁFICO SERGIPANO,
tendo sua obra literária focalizada por Jackson da Silva Lima, em
HISTÓRIA DA LITERATURA SERGIPANA, vol. I. Era irmão de
Antonio Dinis Barreto, que foi professor de Latim, de 1841 a 1853.
Terminou a vida como professor da Faculdade de Direito de Recife, em
Pernambuco.
Foi coadjutor do padre Felix Barreto de Vasconcelos o padre
Antonio José Barbosa Guimãres, por um ano, de 1848 a 1849. Nascido
em Laranjeiras, segundo Sebrão, sobrinho, o coadjutor deixou-se
enlevar pela beleza de d. Mariquinha (d. Maria Francisca de
Mendonça), casado com o tabelião Antonio Gutardo de Brito, que não

193
ligava importância nenhuma ao conúbio de ambos e tanto que, ao
falecer, deixou, como seus, três filhos, mas que a maledicência
afirmava ser do padre, o que não é de duvidar-se, porquanto, após a
morte do tabelião Menelau, a viúva tabelioa houve de sua
revenrendíssima outros três reconhecidos por ele (TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 306).
Finalmente, o cônego Domingos de Melo Rezende, de 1852 a
1902, também natural de Capela, nascido em 4 de agosto de 1817, com
cinquenta anos a frente da freguesia de Santo Antonio e Almas, no mais
longo paroquiato de toda a história local. Foi deputado provincial, pelo
partido liberal, do qual participava do diretório municipal. Deixou
numerosa prole, ainda tendo descendentes na cidade, como netos,
bisnetos e trisnetos, falecendo em Itabaiana, ainda no comando da
paróquia, mas sem exercer as atividades sacerdotais em função de
doença, desde o ano de 1897, no dia 06 de janeiro de 1902, já no tempo
de cidade. Foi sepultado no interior da Igreja, em sepultura que a
reforma empreendida pelo Monsenhor José Curvelo Soares, na década
de setenta do século XX, não respeitou, colocando piso em cima da
pedra que continha o epitáfio. O sobrenome Melo Rezende, ainda hoje
encontrado na cidade, vem dele, através dos filhos que fez em escravas,
de sua propriedade.
O único itabaianense sacerdote a pertencer a freguesia de Santo
Antonio e Almas foi o padre Francisco Antonio de Carvalho, que atuou
como coadjutor do cônego Domingos de Melo Rezende, sendo pai do
historiador Francisco Antonio de Carvalho Lima Júnior, aqui várias vezes
citado sob a denominação de Carvalho Lima Júnior. O padre Francisco
Antonio de Carvalho é bisneto do português Francisco Antonio de
Carvalho, que trouxe para Itabaiana o sobrenome Carvalho, tendo sido
capelão da Capela de San-Paulo [hoje Frei Paulo], em 1877, extinta, por
motivos políticos, em 1878, segundo Sebrão, sobrinho (TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 105).
Era comum os sacerdotes fazerem filhos em mulheres, com quem
viviam, aberta e publicamente, tidas como comadres, sendo os filhos
conhecidos como afilhados, quer em escravas. Apesar da sociedade ser
eminentemente religiosa, ninguém se ruborisava com tal situação,
plenamente aceita por todos.
Os atos religiosos eram poucos e limitados, de forma que o
próprio pároco podia registrar todos os batistérios realizados nos livros

194
paroquiais, salvando-se apenas os lavrados no século dezenove, visto
terem os demais se extraviado ou se perdido ao longo dos anos.

AS FESTAS RELIGIOSAS

Sociedade eminentemente católica, até então sem nenhuma igreja


de outra seita, a vila vivia os acontecimentos religiosos com grande
entusiasmo, não só pela tradição recebida, como por se tratar, enfim, de
um ato que reunia toda a sua população, urbana e rural, se constituindo,
afinal, em uma verdadeira festa. As moças tinham oportunidade de ir as
ruas, os rapazes de vê-las por mais tempo, homens e mulheres vestiam
seus principais trajes. As festas eram limitadíssimas, todas sob a sombra
da Igreja. Desta época o costume de, nas janelas por onde as procissões
passavam, colocar uma toalha branca, geralmente bordada, com um
vaso de flores.
Sebrão, sobrinho, referindo-se as festas religiosas, apontaria as da
Semana Santa, Mês Mariano, Nossa Senhora da Graça, Santo Antonio e
Nossa Senhora da Conceição, acrescentando que eram excepcionais e
diziam da cultura daquela gente! (TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, p. 158).
Para melhor se ter uma idéia do fervor religioso que impregnava a
todos, a narração de uma procissão no mês de Maria, divulgada no
Jornal do Comércio, de Aracaju, edição de 16 de outubro de 1877:
Logo na véspera ao levantar-se o mastro na porta da Matriz no
alto do qual se via a coroa da Santa Virgem, subiram ao ar girandolas
de foguetes ao som de repiques dos sinos da Matriz, e tocando peças
agradáveis e de bom gosto a modesta Filarmônica (Eufrosina)
habilmente dirigida pelos inteligentes professores (Teodorico)
Noronha e Samuel (Pereira de Almeida).
Durante toda a noite da véspera quase que o povo não dormiu:
tal era o desejo de ver-se o alvorecer do dia seguinte, que foi recebido e
festejado com outras tantas girandolas e foguetes e toques de sinos.
Ao meio dia começou a festa, estando a igreja perfeitamente
iluminada e seus altares cobertos de odoríficas flores, tendo sido
celebrante o vigário da freguesia (conego Domingos de Melo Rezende),
que foi o cantor, e que, justiça lhe seja feita, em matéria de cerimônia
da igreja católica romana, nenhum outro lhe leva a palma.

195
Rompeu a Glória produzindo viva emoção nos que assistiam a
festa, por isso que a bela orquestra nesta ocasião principalmente
eletrizou-nos.
Voaram pássaros, choveram flores, etc.
Cantou a Epístola o padre Euzébio e o Evangelho o insigne
vigário Felício, cuja voz sonora encanta e prende os ouvintes.
Era dever-se para apreciar-se como ficaram extasiadas e
contentes 25 meninas trajadas com singela e decência ao receberem a
Sagrada Comunhão!
A exma. sra. D. Esmeralda (de Araújo Melo, esposa do professor
Marcelino de Melo Cardoso, patrocinador dos festejos) possuiu-se tanto
contentamento, que não pode conter o pranto!
Foi nesta ocasião, que a inteligente aluna da sra. professora D.
Josefa Honorata do Amor Divino expoz uma breve alocução que
agradou sumamente.
A procissão saiu da Matriz às 4 horas da tarde, composta com
um cortejo imenso de povo, e um extraordinário número de Madalenas
todas vestidas de branco, com grinaldas muito bonitas, produzindo um
efeito encantador.
O S. S. foi conduzido pelo nosso pastor, que grave e sincero,
impunha respeito a todos.
A imagem da Santa Virgem foi conduzida por quatro moças
vestidas de branco, havendo troca durante o trajeto, por isso que todas
elas por sua vez queriam ter o prazer de carregarem ao ombro a
Virgem da Graça.
Recolheu-se a procissão às 6 horas, e lançada abenção do
costume, os reverendos párocos cantaram a respectiva ladainha
concluindo sua missão, fazendo as demais solenidades recomendadas
pela Igreja: D. Maria Fontes, D. Maria do Sacramento, D. Rita de
Almeida, D. Ana Barbosa, D. Josefa Olinda, d. Maria Joaquina de
Campos e D. Josefa Honorata do Amor Divino, fizeram as costumeiras
súplicas a Santa Virgem.
O que é certo é que a festa agradou ao povo, e aproveitamos a
ocasião para darmos os nossos parabéns ao distinto vigário Rezende
por ter gratuitamente concorrido e se esmerado para o brilhantismo de
uma festividade importante, como é a festa, que se fez a N. S. da Graça.

196
Nossas embóras a distinta e inteligente professora D. Esmeralda
por ter cada vez mais mostrado de quanto espírito religioso é dotado
seu nobre coração.
Por fim, o articulista arremata:
Já nos esquecíamos de dizer, que acompanharam a procissão
vestidinhas de anjos, três lindas e mimosas meninas, duas filhas do nosso
juiz de direito interino, dr. Esperidião Z. de S. Lopes, e uma filha do sr.
tenente-coronel José Antonio de Carvalho Lima.
As festividades religiosas congregavam na sede da vila as
populações dispersas.

O DESCASO PARA COM A IRMANDADE DAS ALMAS

O tempo fez surgir um profundo descaso para com a Irmandade


das Almas, apagando da memória de seus componentes, ou dirigentes, o
que é mais provável, as suas raízes para com o passado distante e sua
importância na história local.
Primeiro, ao tempo do paroquiato do conego Domingos de Melo
Resende foi aprovado, pela Presidência da Província, via da Resolução
674, de 3 de junho de 1864, o seu compromisso – Compromisso da
Irmandade das Santas Almas do Fogo do Purgatório, erecta nesta Igreja
Matriz de Santo Antonio e Almas da vila de Itabaiana –, destacando-se
ter sido criada em 1855. Sepultou-se aí um passado de quase dois
séculos de atuação da Irmandade, em verdade criada em 1665. Toda a
tradição histórica transmitida de geração em geração sucumbiu ante uma
data irreal, que absorvia cento e noventa anos de existência da
Irmandade das Almas.
É ainda Carvalho Lima Júnior que relata a dissipação do
patrimônio da Irmandade das Almas durante os velhos tempos por ação
dos vigários locais, que ocupavam a sua presidência. Um exemplo: em
1800, o capitão mor José Matheus da Graça Leite Sampaio e sua
mulher d. Francisca das Chagas de Jesus, por escritura de 29 de abril,
passada em São Cristóvão, pelo Escrivão da Camara Municipal da vila
de Itabaiana e de Órfãos, Victor Manuel de Jesus e Vasconcelos,
doaram a Irmandade um sítio de terras denominado Barracão,
representando a Irmandade o vigário Manuel de Jesus Cardoso de
Loureiro. Em 1859, o vigário Felix Barreto de Vasconcelos solicitou ao
juizo autorização para permutar o imóvel Barracão por um, de sua

197
propriedade, denoninado Boa Hora. Depois, quando já afastado de
Itabaiana, morando na província do Pará, o padre Felix Barreto de
Vasconcelos doou a onde residia e tem sido residência de todos os
vigários até hoje à Irmandade do Sacramento, como indemnização e
pagamento de dinheiros recebidos de diversos para a Irmandade,
nunca os tendo entregue (PATRIMONIO DA IRMANDADE DO S. S.
DA FREGUESIA DE ITABAYANA, Poeira dos Archivos, Diário da
Manhã, 30 de dezembro de 1926).
Outras doações recebidas pela Irmandade das Almas são
mencionadas por Carvalho Lima Júnior: a) o sítio Mangabeira, em 14
de setembro de 1744, por doação do alferes Antonio Mahado de
Mendonça e sua mulher D. Francisca Gomes de Oliveira. Tal doação
se fez para a Capela do Senhor Bom Jesus de Mattozinho, construída
pelo Vigário da Freguesia, Gregrório Martins Carneiro
(PATRIMONIO DA IRMANDADE DO S. S. DA FREGUESIA DE
ITABAYANA, Poeira dos Archivos, Diário da Manhã, 30 de
dezembro de 1926); b) a quantia de 200$000, em virtude de uma
sentença do Juiz Ordinário Manoel Ferreira da Silva, que condenou o
Ajudante Antonio da Silva Macedo, confirmado pelo Ouvidor Geral da
Comarca (PATRIMONIO DA IRMANDADE DO S. S. DA
FREGUESIA DE ITABAYANA, Poeira dos Archivos, Diário da
Manhã, 30 de dezembro de 1926); c) a fazenda Candeal, com 40
cabeças de gado, para o patrimonio da Capela do Senhor Bom Jesus de
Guiças, no valor de 300$000; d) a quantia de 100$000, em 31 de maio
de 1796, pelo licenciado Thomé Correia Dantas.
Carvalho Lima Júnior pergunta e responde: Que fim tiveram taes
patrimonios? Ignora-se. Tudo evaporou-se (PATRIMONIO DA
IRMANDADE DO S. S. DA FREGUESIA DE ITABAYANA, Poeira
dos Archivos, Diário da Manhã, 30 de dezembro de 1926). Evaporou-se,
evidentemente, no bolso de alguém.

CAPÍTULO VII

O PODER JUDICIÁRIO

198
A criação da vila, entre outros fins, objetiva oferecer a todos um
aparelho judiciário eficiente, com juízes instalados na sede da vila, a fim
de evitar que entre o fato e a decisão, o tempo torne o decisório inútil.
Dentro dessa política, o itabaiansense sempre pode contar com o poder
judiciário funcionando, independentemente das limitações da época.
Neste contexto, quatro períodos aparecem.
O primeiro, se inicia com o processo de colonização, quando o
domínio português se materializa com a implantação do homem na
terra, indo até a criação da Ouvidoria e Provedoria sergipana. O
aparelhamento judiciário estava instalado em Salvador (BA). Não havia
nenhum judiciário local à disposição dos colonos. Quem precisasse de
Justiça teria de se locomover até Salvador, o que era, na prática,
inviável. Por outro lado, como tudo ainda estava em fase inicial,
naturalmente que os conflitos de interesse devem ter ocorrido numa
escala bem pequena ou não devem ter ocorrido.
O segundo, iniciado com a criação da Ouvidoria e Provedoria
Geral de Sergipe, fruto da Carta Régia de 26 de dezembro de 1695. A
Ouvidoria e Provedoria, uma vez instalada, teve sede em São Cristóvão,
capital da província, que foi devidamente dividida em termos. Os
núcleos habitacionais existentes em terras do futuro município de
Itabaiana, ainda não transformado em vila, passam a depender do
Judiciário de São Cristóvão, situação que não era agradável, pela
distância. Com a criação da vila, fruto da presença da Ouvidoria e
Provedoria, Itabaiana passou a ser termo de São Cristóvão, embora, em
função da condição de vila, tivesse em sua sede um juiz ordinário e de
órfãos, não havendo, desta forma, necessidade do itabaianense se
deslocar até São Cristóvão em suas querelas judiciais.
O primeiro juiz ordinário e de órfãos foi o alferes Francisco
Tavares da Mota [1698], tendo como substituto o coronel Florentino
Borba de Almeida.
De 1698 a 1847, cento e sessenta e uma pessoas ocuparam o
cargo de juiz ordinário e de órfãos da vila de Itabaiana.
Dentro do século dezessete, desempenharam dito cargo as
seguintes pessoas: José Pinheiro Lobo [1699], capitão Domingos
Ferreira Leite [1700], alferes Francisco da Mota Rabelo [1701], capitão
Teodósio Ferreira Pinto [1702], alferes Manuel de Moura [1703 e 1704],
Manoel Jorge [1705], alferes Manuel de Moura [1706], capitão
Teodósio Ferreira Pinto [1707], João Moreira [1708],

199
Esse período engloba a criação da Comarca de Sergipe, fruto da
emancipação política brasileira. Em lugar da Ouvidoria e Provedoria,
que foi extinta, surgiu a Comarca de Sergipe, via de ato de 8 de maio de
1833, com três comarcas: a de São Cristóvão, a de Estância e a de Santo
Amaro das Brotas. Itabaiana continuou sendo termo de São Cristóvão,
ao lado do de Laranjeiras. Neste período galga a posição de termo
especial, em 1841, passando a ter juiz municipal e de órfãos.
O primeiro juiz municipal e de órfãos designado para a vila de
Itabaiana foi o bel. Antonio Buarque de Gusmão, em outubro de 1847,
não chegando a assumir.
Foi então efetuada a nomeação do bel. Júlio César Berenguer de
Bittencourt [1848], tendo como substitutos o alferes José Tenório de
Albuquerque, o capitão José Francisco de Menezes, o tenente Manuel de
Jesus Barreto e o capitão Manuel José de Andrade Júnior. Na ausência ou
impedimento do titular, o substituto ia sendo convocado, o que era muito
comum, à época.
Foram juizes municipais e de órfãos os bacharéis Antonio
Caetano de Almeida Bahia [1851], Antonio Freire de Matos Barreto
[1855], João Manuel Lopes de C. Pimentel [1856], Manuel Lima A. de
Lobão [1862], Benvindo Pinto Lobão [1866], Gervásio Rodrigues
Dantas [1871], Esperidião Zamiro de Souza Lopes [1876], Tito Lívio
Vieira Dortas [1880], Constantino da Costa Pereira [1884], José Aguiar
Boto Barros [1886], Antonio Barreto de Oliveira Ribeiro [1886],
Manuel dos Passos de Oliveira Teles [1887] e o tenente José Cornélio
da Fonseca [1892].
Dentro ainda do segundo período, quando a vila de Itabaiana é
simples termo de comarca, sai em 1857 da jurisdição de São Cristóvão,
passando para o de Laranjeiras, ao lado de Divina Pastora.
O terceiro período começa com a criação, enfim, da Comarca de
Itabaiana, fruto de projeto do deputado itabaianense Tertuliano Manuel
de Mesquita, convertido no decreto 49, de 14 de junho de 1859,
resultando na Resolução 569, de 9 de julho de 1859, cujo artigo
primeiro rezava:
Fica criada nesta província uma comarca que se denominará de
Itabaiana, compreendendo os termos de Itabaiana e Simão Dias, e o
município de N. S. das Dores. .
O primeiro juiz de direito da comarca foi o bel. Luiz Duarte
Pereira, que jurisdicionou de 1859 a 1861. Foi substituído pelo bel.

200
Francisco Antonio de Oliveira Ribeiro, de 1861 a 1866. Neste ano
assume o bel. Candido Augusto Pereira Franco, que fica na comarca até
1873, ano em que passa a ser juiz de direito de Itabaiana o bel. José
Martins Fontes. Em 1884 aparece o nome de Manuel Armindo Cordeiro
de Guaraná como juiz de direito, em cujas mãos estava o comando da
comarca quando a vila é elevada à categoria de cidade.

A INFLUÊNCIA DOS MAGISTRADOS

Os juizes nomeados para Itabaiana, quer os municipais, quer os de


direito, se integravam a vida da vila de forma intensa, a ponto de
deixarem marcas de sua passagem.
O juiz municipal Júlio Cesar Berênguer de Bittencourt foi o autor
da denominação de papa-cebola para o itabaianense. Na revelação de
Sebrão, sobrinho, morava em um sítio, no pé da Serra, cultivando muita
cebola. Daí chamar a si próprio de papa-cebola, terminologia que
terminou usando para todos os itabaianenses (FRAGMENTOS DE
HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 307).
O juiz municipal Manoel dos Passos de Oliveira Teles casou-se,
em Itabaiana, com Maria Pastora Muniz Teles, filha da terra, e é autor
do poema épico Itabaiana, publicado inicialmente na Gazeta de Sergipe,
de 15, 16, 17 e 21 de setembro de 1893, e depois na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe, de nº 13, vol. VIII, 1929. Itabaiana
focaliza a trajetória de um cacique que engravida, na força, a índia
Miaba, sendo castigado por Tupã, que o transforma em pedra, ou seja,
na Serra, de Itabaiana. Graças a Manoel dos Passos de Oliveira Teles,
Itabaiana é o único município sergipano a possuir um canto épico,
embora completamente desconhecido.
O juiz de direito Armindo Guaraná escreveu, em 12 de abril de
1886, o artigo Comarca de Itabaiana – Descripção do município,
publicado no Diário de Notícias, de 14 de maio de 1886. É um trabalho
importante pela visão que oferece do município durante os dois últimos
anos de vila, a ponto de se constituir em um único retrato de Itabaiana
no crepuscular da vila e da monarquia, estando adiante transcrito.

CAPÍTULO VIII

201
O PODER POLÍTICO

No tempo de vila, as autoridades eram locais e provinciais.


As autoridades locais se concentravam na Câmara Municipal,
composta de camaristas, eleitos pelo povo, em eleições diretas e
periódicas. Era o principal poder político da vila. O presidente da
Câmara era escolhido entre os camaristas, na primeira sessão ordinária,
recaindo a escolha, geralmente, no mais votado. Durante a época
colonial, a Câmara era chamada de Senado da Câmara ou de Câmara do
Senado, expressões utilizadas por Sebrão, sobrinho (FRAGMENTOS
DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 255).
A Câmara tinha feições legislativas e executivas.
As primeiras se refletiam nas posturas que eram aprovadas,
regulando as relações entre os habitantes e o poder público, incidindo
sobre os impostos cobrados dos comerciantes, dos feirantes, dos
proprietários de casas, de terrenos baldios, de sítios, das multas por
animais soltos nas ruas, etc.
As executivas se concentravam nas mãos do seu presidente, que,
além de presidir as reuniões da Câmara, representava o lado
administrativo, cumprindo as posturas que a Câmara editava, cobrando
os impostos, limpando as ruas, conservando os tanques sem sujeiras e
sem mato – tarefa, aliás, fundamental num lugar onde a habitação se
abastecia dessa água –, já focalizada anteriormente, mantendo o
mercado limpo para a realização da feira. O serviço público, na sua
essência, se concentrava em círculo bem pequeno.
Na palavra de José Octávio, a administração colonial girava em
torno do(s) Senado(s) da Câmara cujas responsabilidades
ultrapassavam, de muito, as atuais Câmaras de Vereadores dos
municípios. Integradas pelos chamados “homens bons e cidadãos de
posses”, essas câmaras também exerciam atribuições administrativas
ao estabelecerem e executarem posturas para o trânsito de carroças e
animais, feiras, mercados, conservação de vias públicas, chafarizes,
pontes e pinguelas. Dispondo de procurador e tesoureiro, juízes
singular e ordinário, e escrivão de órfãos, todos eleitos, essas Câmaras
nomeavam os Almotacés, que eram os fiscais municipais, e juízes de

202
vintena que, nas aldeias, decidiam pequenas questões entre os
moradores (HISTÓRIA DA PARAÍBA, ps. 32-33).
O poder das Câmaras Municipais, segundo V. N. Leal, citado por
Elcio de Gusmão Verçosa, se desenvolveu à margem dos textos legais e
muitas vezes até contra eles. O Governo Municipal, sendo exercido por
um colegiado eleito dentre todos os “homens bons” que habitavam a
circunscrição e que eram os únicos elegíveis, detinha uma gama imensa
de prerrogativas, algumas decorrentes muito mais do quotidiano
dominado pelos senhores de terra do que prescrito na lei. Na verdade,
constituíam os “homens bons” originariamente todos os nobres de
linhagem. Esse conceito, porém, foi se alargando também no Brasil,
incorporando os senhores de engenho e terras e a burocracia civil e
militar. Dentre eles estavam teoricamente excluídos os operários, os
mecânicos, os degredados, os judeus, os estrangeiros e todos os
pertencentes à classe dos peões (CULTURA E EDUCAÇÃO NAS
ALAGOAS..., p. 31).
Em Itabaiana predominou, no início, o proprietário de terras e o
dono de sítio. Depois veio a classe dos comerciantes, que, aos poucos,
foi assumindo posição de destaque nos destinos da Câmara Municipal,
embora, na maioria das vezes, o camarista fosse proprietário de terras e
comerciante, ao mesmo tempo.
A Câmara Municipal, de um lado, levava aos dirigentes
sergipanos, quer nos tempos de Capitania, quer nos tempos de
Província, a palavra do cidadão itabaianense.
Neste sentido, a Câmara Municipal marcou presença fundamental
nos acontecimentos que culminaram com o desligamento de Sergipe da
Bahia, como relata Carvalho Lima Júnior:
Dada a restauração da Capitania e a nova sujeição à Bahia, com
a deposição e prisão de Cesar Burlamarque, os acontecimentos
seguintes reservaram a Itabaiana um importante papel na História da
Província.
Não se conformando com o novo estado de cousas, e recebendo
ordem circular, como as demais camaras, da Junta Provincial da
Bahia, para fazer marchar para lá os eleitores paroquiais a fim de
elegerem no dia 1º de fevereiro de 1822, sob suas vistas, o Governo de
Sergipe e dar-lhe posse, procedimento contrário ao Dec. de 8 de Julho
de 1820, a Câmara Municipal de Itabaiana protesta por meio da
desobediência formal, e sem conspirar nas trevas, levanta a bandeira

203
da revolta, – contra a dominação ilegal dos usurpadores, – no dia 27 de
dezembro de 1821.
Neste sentido dirigiu-se a todas as outras camaras, convidando
as a acompanha-la reunindo-se em São Cristóvão para eleger o
Governo da província, de acordo com o Dec. de 1820, que havia
restaurado a Capitania.
Essa nobre atitude ecoou de modo simpático para todos os
patriotas, e se não deu logo o resultado almejado, contribuiu para a
solução definitiva com o Dec. de 24 de dezembro de 1822, um ano
depois (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE
ITABAIANA, ps. 140-141).
De outro lado, a Câmara Municipal era o palco das reuniões da
comunidade, sempre que algum problema, de ordem política ou
econômica, aflorava. Como os povos antigos, se reuniam para debater
os problemas, utilizando a sede da Câmara. Geralmente os problemas se
ligavam a fatores econômicos, como a cobrança, por parte de fiscais
provinciais, de impostos e taxas considerados exorbitantes. Os nomes
mais representativos da sociedade local se reuniam para lavrar protesto
perante o Governo Provincial.
A Câmara estava atenta a todos os acontecimentos, entrando,
muitas vezes, em rota de colisão com outras autoridades locais,
suscitando críticas sobre sua atuação, como ocorreu em 1877, na
descrição feita pelo Jornal do Comércio, de Aracaju, edição de 18 de
outubro de 1887:
Tem preocupado a atenção das pessoas criteriosas e imparciais
desta terra o voto de desconfiança, que em sessão solene consignou a
ilma. camara ao dr. juiz municipal do termo e juiz municipal interino,
determinando que durante o exercício deste não se promovesse nem
uma questão de edilidade...
Corifea de uma medida tão insólita, quão surpreendente, o sr.
presidente da camara tem dado que pensar aos mais perspicazes; e não
há descobrir o quid confessável de um rompimento tão grave no correr
de tantas aflições e confiança.
O pomo da discórdia foi um processo de infração contra o
capitão Francisco Antonio de Carvalho Lima, processo que em
apelação aquele juiz julgou nulo.

204
Provando o capitão Lima – que os bois multados eram de carro, e
pastavam em suas capoeiras peados e pastorados, nem uma vantagem
tirou desse julgamento que não o isenta de novo processo.
O que se segue, pois, é que o magistrado zelou, como devia as
leis do processo, castigando assim o desleixo da camara, somente
solícita em vingar ódios particulares e aumentar sua receita de nula
aplicação ao bem público.
Assim praticou ad-instar do sr. dr. Franco, dr. Fontes e
suplentes, que todos tem por vezes anulado as embrulhadas dessa
camara sem procurador apto.
Além do que, não correndo dúvida sobre a honestidade desse
juiz, nem se podendo aventar suspeita de dedicação pela parte
vencedora, esse voto de confiança será para todos um ato de
inqualificável precipitação, de flagrante injustiça – um ressábio de
desprezo do cão que se vê escapar-lhe a presa...
Singular contraste!...
Enquanto o presidente da camara e seus compadres trovejam
imprecações, até mesmo em linguagem pouco decente, contra o
magistrado, que diz que a camara deve ser melhor representada para não
perder os processos por mera ignorância; o público moteja o seu
desespero, vitoria o magistrado que nem uma quebra teve ainda em sua
vida pública, e pede a este que continue a ensinar a esta corporação que
é sua missão perseguir desafeto com multas injustas e impostos tão
pesados, sem ao menos resultar de tanta apressão um pequeno
melhoramento para o município.
As autoridades provinciais eram o juiz, o promotor, o delegado e
o exator, por serem nomeadas pelo Governo da Província, a quem ali
representavam.
Afora a Câmara Municipal, o poder político se espalhava nas
mãos do Juiz Ordinário e de Órfãos, inicialmente, encarregado de
resolver as lides entre os particulares, no âmbito civil e penal, eleito,
com os respectivos suplentes, pelos camaristas. Depois, criadas as
figuras do Juiz de Direito da Comarca, do Juiz Municipal e do Juiz
de Paz, cada um com função específica, que se encarregavam de
espalhar a Justiça e representá-la. O titular do cargo de Juiz de
Direito e de Juiz Municipal era formado em Direito, o mesmo não
ocorrendo com os substitutos, escolhidos entre as pessoas da
sociedade local, de forma que, na ausência do titular, por viagem a

205
Aracaju – fato que era muito comum – ou por motivo de saúde, o
substituto, de imediato, entrava em exercício, como já destacado.
Sebrão, sobrinho, ressalta que, no século dezoito, o maior cargo
hierárquico era o de juiz ordinário e de órfãos, que presidia ao
“Senado da Câmara” local e era exercido trienalmente ou anualmente,
quando mero suplente, sendo seus cargos recíprocos de membros do
mesmo Senado da Câmara (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 307). Tanto que, focalizando a vida do alferes
Antonio Machado Mendonça, chega a enfatizar que nunca chegou a ser
juiz ordinário trienal (FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS
MUNICIPAIS..., p. 309).
Ao lado do Judiciário, a figura do Promotor Público, nomeado
entre os bacharéis, tendo como substituto pessoas leigas da comunidade.
Para Juiz e Promotor não existia concurso, nem impedimentos
político-partidários, de forma que quase todos vestiam,
escancaradamente, camisas políticas.
O outro representante do poder político era o Delegado de Polícia,
cargo essencialmente político, recaindo no chefe local de maior
prestígio. Além da preocupação com os crimes mais comuns, em voga,
como homicídio, lesão, os delegados se concentravam na perseguição de
ladrões de cavalo, delito que causava aversão em todos os habitantes,
visto ser o cavalo o transporte mais usado. Nos primeiros tempos, o
Delegado de Polícia tinha a denominação de Capitão-Mor ou alcaide.
Outro poder era o Exator, representando o fisco provincial, a
arrecadar impostos, entrando sempre em colisão com os habitantes, a
ponto de suscitarem ofícios de protestos dos moradores a considerarem
exorbitantes os impostos fixados.
Sem ostentar nas mãos nenhum poder político, mas dotado de
grande importância no mundo local, estava o vigário. A propósito,
Sebrão, sobrinho, chega a ressaltar que ser amigo do vigário era, então,
a maior das venturas (FRAGMENTOS DE HISTÓRIA MUNICIPAL E
OUTRAS HISTÓRIAS, p. 304), como já frisado, referindo-se ao
ambiente da vila durante o século dezoito. Entre os párocos, não custa
repetir, dois em particular ingressaram na política e se elegeram
deputado provincial: o padre Felix Barreto de Vasconcelos e o cônego
Domingos de Melo Rezende, ambos naturais da vila de Capela.

IMPORTÂNCIA POLÍTICA

206
Vila, a partir de 1697, permaneceu pequena, fechada e isolada na
planície cercada pela cordilheira de montanhas, sem exercer nenhuma
influência nos destinos políticos da Capitania. Forneceu alguns nomes
importantes no meio político, como o do alferes Antonio Machado de
Mendonça, presidente da Câmara Municipal em 1757, mas sem alcançar
notoriedade na Província.
A Província só passa a conferir importância a vila a partir de
1822, quando sua Câmara Municipal se bate pela emancipação da
Província em relação à da Bahia.
Carvalho Lima Júnior cita que, em 1836, como as demais
localidades da Província, tomou parte na Revolução de Santo Amaro
em favor da legalidade, mandando forças contra os sediciosos,
comandadas pelo Major Tertuliano Manoel de Mesquita
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
143).
A vila começava a figurar nos acontecimentos políticos da
Província, dado o número de seu eleitorado, a ponto de Carvalho Lima
Júnior arrematar ter Itabaiana se tornado um dos maiores baluartes
políticos, quase sempre árbitro nas eleições (MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 145). No entanto,
o número de eleitores locais era apenas de quarenta e um em 1843.

AS CENAS DE VIOLÊNCIAS

Com a áurea de importante centro político, a vila passou a ser


palco de eleições violentas, marcadas pelo sangue, onde a fraude foi a
tônica, e de conflitos políticos, acentuando a rivalidade entre liberais e
conservadores, partidos imperantes à época. Uma coisa atraía a outra.
Carvalho Lima Júnior aponta as eleições de 1849, cujo terreno foi
preparado cinco anos antes. Uma prova é o discurso do deputado padre
Felix Barreto de Vasconcelos, então vigário local, em 1844,
denunciando pela imprensa laranjeirense as irregularidades ocorridas,
como assinaturas falsas, modificação da lista de eleitores,
desaparecimento da lista verdadeira pregada à porta da Igreja Matriz.
Na narração de Carvalho Lima Júnior, com a mudança política de
1848 e ascensão do partido conservador, Itabaiana foi um dos
departamentos da Província que mais sofreram os efeitos das

207
perturbações da ordem pública com a administração do Presidente
Zacharias de Góes e Vasconcelos, que encetava a sua gloriosa carreira
com atos de verdadeira demência.
Tal foi o que aconteceu, depois do célebre caso do relógio de
Laranjeiras, com a imposição de seu próprio nome às eleições para
deputados gerais em 1849.
Numerosa era a oposição, e corria agitado o pleito. Onde a
vitória devia ser dos liberais, maior foi a concentração de forças do
partido e do governo.
Era preciso vencer a todo transe. O resultado foi o que se viu
para vergonha da nova situação; a praça da matriz da velha Itabaiana
transformada num campo de batalha começada dentro da igreja e
terminada em plena praça pública.
Deram-se então cenas canibalescas, vergonhas que a História
não registrou.
De um lado as forças governistas, soldados e povo em forma, a
espera da voz de fogo; do outro a falange liberal disposta a vender caro
a vida na defesa dos seus direitos políticos. Dente por dente, orelha por
orelha.
Não se fez demorar a ordem sinistra e com a ela a hecatombe.
O campo da luta na vasta praça da matriz ficou juncado de
mortos e feridos. Aqueles em número de 12 mais ou menos
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, ps.
144-145).
O deputado padre Felix Barreto de Vasconcelos enfrentou os
fatos, em discussão na Assembléia Provincial:
Perdoe-me o nobre deputado; esta sua confusão é uma prova
exuberante de que a sua causa não tem defesa e se o nobre deputado
nega, depois de o ter confessado, que na Itabaiana não houve uma
verdadeira sedição, pergunto eu agora, senhores, se não é sedição
aparecer inesperadamente em uma vila, às oito horas da manhã, um
grupo de mais de trinta homens armados uns de bacamarte, e espada,
outros de cacete e de foice, se não é sedição postar-se esse grupo armado
à porta da Igreja Matriz, gritando em altas vozes viva este, e morra
aquele partido; se não é sedição obstar esse grupo armado a que se
reunissem na matriz os membros da mesa paroquial, interrompendo-os
assim no andamento dos trabalhos eleitorais; se não é sedição haverem
para mais de cento e cinquenta tiros, ficarem três mortos no campo da

208
sedição, e uma imensidade de feridos, que senão pode contar; se não é
sedição finalmente desobedecer esse grupo armado às vozes das
autoridades locais, que repetidas vezes lhes mandaram depor as armas, e
que deixassem de perturbar a paz, e o sossego público; se nada é sedição,
senhores, eu certamente não entendo que coisa seja sedição e, muito
desejaria que o nobre deputado m’o explicasse (Jackson da Silva Lima,
HISTÓRIA DA LITERATURA SERGIPANA, vol. I, p. 266).
A violência voltou a ocorrer em 1871, conforme Carvalho Lima
Júnior, que, inclusive, ainda morava em Itabaiana:
Em 1871 e 1872, as dissenções políticas em Itabaiana chegaram
ao extremo pela reação contra os liberais, exercida pelos
conservadores desde que ascenderam ao poder em 1868 com o
Gabinete 16 de Julho presidido pelo Visconde de Itaborahy.
Os maiores excessos e perseguições foram então praticados pelos
situacionistas contra os seus adversários, que por sua vez também
empregavam processos violentos na imprensa, passando não poucas
vezes, da defensiva para a agressão.
Era o ponto para convergia a atenção da Província e do
Governo, pelas notícias que circulavam sobre graves acontecimentos a
cada hora esperados.
Em conseqüência deu-se em plena feira, às 4 e meia horas da
tarde, o grande conflito, a cacete e tiros de revólver, do qual resultou a
morte de Olimpio da Cunha, sendo processados como autores os irmãos
Pinho, Emidio, Casemiro e João, que responderam a jury, presidido
pelo Dr. Candido Augusto Pereira Franco, juiz de Direito da Comarca,
sendo Promotor o Dr. Francisco Rodrigues Seixas, e Advogado dos
réus o Dr. Domingos de Oliveira Ribeiro. Foram absolvidos
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE ITABAIANA, p.
148).
A partir daí, até a elevação da vila em cidade, as violências
deixam de ocorrer, embora o bate-boca entre os liberais e conservadores
continuasse firme, a dividir a pequena sociedade em duas alas distintas.

PRINCIPAIS POLÍTICOS

Na catalogação dos principais políticos da vila, necessário deixar


patente dois quadros.

209
O primeiro, que se inicia com a criação da vila e vai até os anos
de 1822.
O mais importante é o do alferes Antonio Machado Mendonça,
que foi juiz ordinário e de órfãos, a presidir o Senado da Câmara
Municipal durante muitos anos, quer como suplente, quer como juiz
trienal, de 1745 a 1782.
Também aparece como juiz suplente o capitão Gonçalo Camelo
do Rêgo, filho do alferes Antonio Machado Mendonça, nos anos de
1785, 1793 e 1818.
Outros nomes de políticos, ou, de, pelos menos, membros da
Câmara, são os de João Paes da Costa, alferes Nicolau de Macedo
Passos, Custódio Pereira de Abreu e Carlos Francisco de Jesus, que
assinaram as informações de 1757.
Ainda o nome do capitão Antonio Machado de Mendonça, neto
do alferes Antonio Machado Mendonça, que chegou a Juiz Ordinário e
de Órfãos nos anos de 1804 e 1810, tudo segundo Sebrão, sobrinho
(FRAGMNENTOS DE HISTÓRIAS MUNICIPAIS..., p. 314), e, enfim,
o de Manuel de Deus Machado, Capitão-mor do 3º de Ordenanças da
vila, toma assento no Governo provincial.
O primeiro grupo é pequeno, como pequena era Itabaiana,
escondida no centro da Província, sem condições alguma de alçar
grandes vôos perante a política sergipana.
O segundo quadro começa em 1822, indo até 1888, quando a vila
passa a ser cidade. O número de políticos sofre um grande aumento.
Os políticos deste segundo período são, segundo a lista de
Carvalho Lima Júnior: Manuel da Cunha de Mesquita, Manuel
Raimundo, Manoel Gaspar de Melo Menezes, João Antonio, Francisco
Antonio de Carvalho Lima, José Teixeira Lobo, Tertuliano Manuel de
Mesquita, Antonio Carneiro de Menezes, José Antonio de Carvalho
Lima, José de Souza Contreiras.
Dentro deste grupo, como prova de que a política do tempo
apresentava as duas faces da moeda. De um lado, o sangue na disputa
pelo poder. Do outro lado, gestos de um cavalheirismo sem igual,
sobretudo quando adversários políticos, chocados com a situação de
penúria do major Tertuliano Manoel de Mesquita, ou, como textua
Sebrão, sobrinho, condoídos de sua adversidade (TOBIAS BARRETO,
O DESCONHECIDO, p. 130), lhe oferecem um mandato de deputado

210
provincial em 1882-83. Um ato de grandeza ímpar, a divergir do
panorama imperante.
A esse grupo, Sebrão, sobrinho, acrescenta os nomes do cônego
Domingos de Melo Rezende, Geminiano Rodrigues Dantas, coronel
Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro, os irmãos Guilhermino Amâncio
Bezerra, José Amâncio Bezerra e Antonio de Oliveira Bezerra, e ainda o
do capitão Cassimiro da Silva Melo.
Também devem ser incluídos os do padre Felix Barreto de
Vasconcelos, Manoel Alves Teixeira, Antonio Cornélio da Fonseca e o
do padre Vicente Ferreira dos Passos.
Entre eles, necessário ressaltar que alguns não moraram na vila de
Itabaiana, como Manoel Raimundo, Manoel Gaspar de Melo Menezes,
João Antonio e o coronel Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro, que tinham
engenhos em terras itabaianenses, mas distantes da sede. No aspecto, é
bom frisar que, durante os tempos futuros de cidade, quando o país já
adotava o regime republicano, não vai mais se repetir a liderança
política de pessoas residentes em outros municípios, sem conexão direta
com o centro urbano itabaianense. Outros, como o padre Felix Barreto
de Vasconcelos, conseguiram impor o nome à assembléia provincial,
sem terem raízes familiares na vila. Alguns, como Guilhermino
Amâncio Bezerra, iniciaram a carreira política na vila, mudando-se,
depois, para Aracaju, mas sem perder os laços com a terra mater.
Em torno deles giraram todos os acontecimentos políticos
ocorridos na vila de então.
Alguns itabaianenses, nascidos à época de Vila, como Olintho
Rodrigues Dantas, Francisco Antonio de Carvalho Lima Júnior, Antonio
Gervásio de Sá Barreto, padre Vicente Ferreira dos Passos, João Canuto
dos Passos, só vão ocupar posições políticos com o advento republicano,
todos sem guardar nenhuma ligação política com Itabaiana.
Outros, como Guilhermino Amâncio Bezerra, Antonio de
Oliveira Bezerra, José Amâncio Bezerra, Antonio Cornélio da Fonseca,
vão ter vida política na fase republicana, mantendo laços com Itabaiana.
A Vila, ainda, vai servir de palco para o nascimento de José
Sebrão de Carvalho, que, durante os tempos de cidade, já na fase
republicana, se torna um dos principais nomes da vida política local,
bem como vai ter como morador, na condição de médico, ainda como
Vila, o lagartense Manoel Baptista de Jesus, que trocaria o último
sobrenome para Itajahy, ficando, em definitivo, Manoel Baptista Itajahy,

211
que também veste a camisa partidária, tornando-se chefe de um grupo
político e se rivalizando com o coronel José Sebrão de Carvalho durante
quase três décadas, agora sob o chapéu de cabaús e de pebas.
A Vila teve a grande proeza de ter visto nascer em suas entranhas
a figura de um escravo, de nome Quintino, em 8 de junho de 1836, que,
vendido para a província de São Paulo, incorporou ao nome o
sobrenome da família que o adquiriu, Lacerda, passando a ser chamado
de Quintino de Lacerda, tornando-se em Santos senhor do quilombo de
Jabaquara e maior herói da abolição da escravatura, a ponto de ter sido
conselheiro municipal, sendo o dia 13 de maio considerado em Santos
como o dia de Quintino de Lacerta, por força de lei local. Falecido em
10 de agosto de 1898, em Santos, foi o nome que mais se destacou fora
das hostes itabaianenses.

CAPÍTULO IX

O ENSINO PÚBLICO E PARTICULAR

O itabaianense durante muito tempo ficou distante da educação.


Nenhuma escola foi criada no século dezoito, fazendo com que a vila
permanecesse alheia a qualquer ensinamento, mesmo porque, nos
primeiros tempos, era quase impossível conseguir da Província baiana a
instalação de qualquer escola. O certo é que, na observação de Carvalho
Lima Júnior, o itabaianista não cuidava do cultivo das letras, apesar de
naturalmente inteligente (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO
MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 142).
É comum encontrar em escrituras de compra e venda do século
dezoito o registro de pessoas, entre compradores, vendedores e
testemunhas, que não sabiam assinar o nome.
A instalação da primeira escola pública suscita três opiniões.
Para Maria Thétis Nunes, ocorreu a partir de 1816, com a criação
da cadeira de Língua Latina, como conseqüência da chegada da família
real portuguesa ao Brasil (HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM SERGIPE,
p. 33). Para Carvalho Lima Júnior (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO
MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p. 142), a instalação da primeira escola

212
se deu em decorrência da constituição definitiva da Província sergipana,
em 1824. Para Sebrão, sobrinho (TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, p. 97), a sua criação ocorreu por portaria da
Secretaria do Conselho do Império, de 17 de março de 1828.
Contudo, não se pode perder de vista o fato de o padre Francisco
da Silva Lobo ter instalado a primeira escola na vila de Itabaiana,
durante o seu paroquiato, dado ao fato de ter sido Mestre Escola (cf.
Sebrão, sobrinho, FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DE SERGIPE, p.
171). Foi o responsável pela primeira escolar particular.
Um fato, observado por Maria Thétis Nunes (HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO EM SERGIPE, p. 33), em nível de ensino público.
Criavam-se escolas de Língua Latina, sem que funcionasse nenhuma
escola de Primeiras Letras, quando o lógico seria o contrário. Tanto
que várias localidades levantaram o problema, como Socorro.
Itabaiana, via de seus moradores, pedia a criação de uma cadeira de
Primeiras Letras em agosto de 1824, evidenciando, de forma notória,
o interesse que a pequena comunidade passava a ter com relação a
necessidade de se implantar a educação.
O certo é que o nível de aprendizagem dos alunos era bastante
precário. E não poderia ser diferente. Em lugar das Primeiras Letras,
aprendiam a Língua Latina. Tanto que o professor Antonio Correio de
Araújo Cedro, em relatório datado de 1832, registrava:
Abri Aula nesta Villa no dia 29 de Março de 1829, e os discípulos
que achei estavam bem mal principiados, porque usava-se do antigo
ABC da ruim pronúncia efe, eme, erre, xis, et cetera.(...)
Das silabas só se usavam – ba e bam, e estas mesmas se
pronunciavam com o péssimo abuso da partícula hû andar de permeio,
donda resultava lerem todos gemendo, o que muito me custou a extirpar
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
143).
Segundo Carvalho Lima Júnior, era uma coisa medonha.
Pronunciavam com o acento na penúltima sílaba as seguintes palavras
esdruxúlas: catalógo, prológo, metódo, zodiáco, com o que não se
conformou o professor, que recuou o acento para a antepenúltima
sílaba (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE
ITABAIANA, p. 143).
Até então a cadeira de Língua Latina era só para o sexo
masculino. As meninas só puderam estudar em 1838, com a

213
transferência da cadeira de Socorro para Itabaiana. As cadeiras eram
isoladas. Menino em uma escola. Menina em outra, circunstância que a
vila vai transferir para o período de cidade.
Nos primeiros tempos ensinaram na vila de Itabaiana o
seminarista e depois padre Manuel Joaquim Nunes, Gonçalo Pinto
Lobão, Antonio Correia de Araújo Cedro, Antonio Dinis Barreto,
Tobias Barreto de Menezes, Fabrício Carneiro dos Tupinambás Vampré,
entre outros.
Sebrão, sobrinho, critica alguns destes mestres, como Gonçalo
Pinto Lobão, qualificando-o de latinista de fancaria, que não sabia o
vernáculo, sem nada ter feito em prol da instrução dos itabaianistas
seus patrícios (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, ps. 97-98).
Antonio Dinis Barreto, por seu turno, apesar de homem culto e
inteligente, foi absorvido no partidarismo local, deixando à margem
seus alunos (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 98).
Em decorrência da falta de rendimento, a cadeira de Latim foi
supressa em 18 de março de 1844, restaurada em 22 de maio de 1848.
É de registrar, também, o ensino da língua francesa, por
Guilhermino Amâncio Bezerra, na Vila de Itabaiana, tendo como um
dos principais alunos o futuro general José de Calazans, cf. anota
Armindo Guaraná (DICIONÁRIO BIO-BIBLIOGRÁFICO
SERGIPANO, p. 161).

EVOLUÇÃO DO ENSINO

Apesar de ter demorado a receber o ensino em suas entranhas, a


vila de Itabaiana apresenta alguns pontos importantes na sua história
educacional, integrada também por alguns acontecimentos, que bem lhe
retratam o ambiente cultural. São fatos que, se se mostram despidos de
qualquer importância, no mundo de hoje, tinham um valor profundo há
cem anos atrás, centralizando a atenção de todos e se constituindo num
ponto altíssimo do mundo de então.

A PRIMEIRA PROFESSORA DA VILA

Segundo Sebrão, sobrinho (TOBIAS BARRETO, O


DESCONHECIDO, p. 126), a primeira professora do sexo feminino
de Itabaiana foi Carolina Júlia de Vasconcelos, natural de São

214
Cristóvão, que aqui chegou em 1838, transferida de Socorro, face a
extinção da cadeira de primeiras letras daquela localidade. A
transferência tanto foi da cadeira como da mestra. A cadeira foi,
depois, extinta em 1844, por questões de perseguição partidária,
tendo sido restaurada quatro anos depois, em 1848, tendo a
professora Carolina Júlia de Vasconcelos sido jubilada em 1850. A
primeira mestra local casou-se com o capitão Manuel da Cunha de
Mesquita, tendo falecido, em conseqüência do parto de trigêmeos,
em 3 de dezembro de 1858. Tobias Barreto de Menezes, por ocasião
de sua morte, escreveu um poema, Nenia, publicada no Correio
Sergipense de 8 de janeiro de 1859, divulgado em TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO.

O PROFESSOR TOBIAS BARRETO DE MENEZES

Um dos pontos importantes é a passagem de Tobias Barreto de


Menezes como professor da cadeira de Latim, por força de concurso
público, nos anos de 1857 a 1859. Sua escola funcionou inicialmente
na Rua das Flores, com a frente voltada para a Rua do Sol. Depois na
Rua do Futuro. Entre os seus alunos, nomes que mais tarde se
projetariam na história do município e da província, como
Guilhermino Amâncio Bezerra, Antonio de Oliveira Bezerra, Antonio
Cornélio da Fonseca, futuros deputados estaduais; Francisco Alves de
Carvalho, duas vezes Intendente Municipal; Francisco Antonio de
Carvalho Júnior (Senhor Sarameu), membro do Conselho de
Intendência Municipal de São Paulo (hoje Frei Paulo) e de Itabaiana.
Tobias Barreto de Menezes integrou a sociedade local, de forma
intensa, fazendo parte da orquestra sacra da Igreja, participando de
festas e de serenatas constantes nas principais ruas ao lado de pessoas
das melhores famílias da terra (TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, p. 126), se fez amigo de autoridades locais, como o
cônego Domingos de Melo Rezende, o major Tertuliano Manuel da
Mesquista, namorou, amou, fez versos as musas itabaianenses (Rita de
Cássia de Jesus Noronha, a noiva branca, e Felismina Amélia de
Vasconcelos, a noiva roxa), polemizou, iniciou-se nas lides forenses,
etc. Deixou Itabaiana em 1859, depois de obter licença do Governo da
Província por seis anos para estudar em uma das faculdades de Direito
do país, em 22 de junho de 1858.

215
A passagem de Tobias Barreto de Menezes por Itabaiana está
abordada, com detalhes, no livro TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, 1º volume, de Sebrão, sobrinho.

POEMAS, MODINHAS E SÁTIRA

Entre os poemas e modinhas de autoria de Tobias Barreto,


quando de sua passagem por Itabaiana, os últimos recolhidos por
Sebrão, sobrinho, uma poesia em especial retrata a ligação amorosa
entre Tobias Barreto e Rita de Cássia de Jesus Noronha. É o poema
Criança, que aparece em todas as edições de DIAS E NOITES, seu
único livro de poesias.

Criança

Em tenra e frágil vergonta


de uns treze anos que tem,
agora é que a alma desponta
no viço e n olhar ... pois bem!

E se eu lhe chamo menina,


ela me chama senhor!
Se eu a toco, ela s’inclina...
Será respeito, ou amor?

Se a rosa estremece ao dedo


da aragem que na tocou;
é de ternura ou de medo?
Quem diz que ela não gostou?

Chego-me à bela e lhe digo:


Vamos casar-nos, amor?
“Mas como casa comigo?
Como? Não vai ser doutor?”.

Típico de Tobias Barreto, um poema satirizando o padre


Benvindo Tito de Jesus, tio de Ritinha, que chamou o poeta de negro,
em face de ter sido divulgado o beijo dado por Tobias Barreto na

216
sobrinha, durante um piquinique, embaixo da Moita Formosa, no
Tabuleiro dos Caboclos, então zona rural da vila. Coube a Chica
Fogo soltar a fofoca. Em resposta ao epíteto de negro, lançado pelo
padre Benvindo Tito de Jesus, Tobias qualificou-o, na revelação de
Sebrão, sobrinho (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p.
112), de burro, dizendo que o sacerdote não sabia latim. Escreveu,
mesmo, um diálogo bilingue, antevendo a cena que se passaria à
porta do Céu entre o chaveiro San-Pedro e o padre, quando
morresse. Dizia-lhe o santo que se não soubesse latim, falasse em
português, enquanto o padre respondia dispautérios. Da colcheia, só
se salvou a quadra:

– “Si necis latinam lingua,


Dicamus in lusitana!
– Sim, senhor, eu sou um burro,
Escória de Itabaiana!...”

O GABINETE DE LEITURAS (1875-1880)

O Gabinete de Leituras foi a primeira experiência do ensino


particular na vila de Itabaiana. Criado em 1875, sob o comando e
inspiração do professor Manuel Damásio Pereira Leite, contava com a
participação, na condição de mestres, de Olimpio Pereira de Araújo,
Guilhermino Amâncio Bezerra e Antonio Joaquim de Oliveira Noronha.
Era um misto de escola e biblioteca, sendo absolutamente gratuito,
abrangendo várias matérias, como as primeiras letras, matemáticas
elementares, – como aritmética, álgebra até equações de 2º grau e
geometria retilínea, – língua e literatura nacional, História do Brasil e
geografia moderna, língua francesa, música e religião.
Funcionou, inicialmente, num dos melhores sobrados da vila, à
Rua das Flores, passando-se, depois, para uma casa térrea, contígua,
segundo Sebrão, sobrinho (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO,
ps. 111-112). Depois foi transferido para à Praça da Matriz, em um
sobrado que, nas décadas de 50 e 60 do século XX, abrigou a
Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, tendo sido demolido para a
construção do Forum Dr. Maurício Gracho Cardoso, em 1969.
Na palavra de Sebrão, sobrinho, de caráter eminentemente
popular, o “Gabinete Literário” era alheio a política íncola, pelo

217
menos se estatuíra assim e, lógicamente, tal congraçamento deixaria de
ser reflexo das hostes dispersas do partido Conservador, se o
partidarismo local fosse capaz de sacrificar-se a bem da coletividade.
Exclusive Guilhermino Bezerra e, talvez por intermédio seu, o dr. José
Martins Fontes, juiz de direito da Comarca e o tenente-coronel Antonio
Carneiro de Menezes, conservador, nenhum dos outros chefes locais,
como o major Tertuliano Manuel de Mesquita (conservador), tenente-
coronel José Antonio de Carvalho Lima, comendador conego Domingos
de Melo Rezende e o major Geminiano Rodrigues Dantas (liberais),
tomou parte naquele certame cultural, onde moços de todos os dois
credos políticos se concentraram, no intuito de melhorar Itabaiana
(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 154).
O Gabinete de Leituras teve pouca duração, provocado por vários
fatores. Na narração de Sebrão, sobrinho, sem nenhum auxílio dos cofres
públicos, vitalizando-se das módicas contribuições de seus sócios,
naturalmente arrefecido dos primeiros entusiasmos, já tendo contra si
duas mortes de sócios fundadores (Olimpio Pereira de Araújo e dr.
Francisco Dias Cesar), uma tragédia (o incêndio na foguetaria de Manuel
Teixeira Neu) e um caso de politicalha local (problema ligado a inscrição
eleitoral), seu declínio era certo, ainda que tivesse a ampará-la a vontade
férrea de um moço pobre, como Manuel Damásio (Pereira Leite), que era
apoiado por Guilermino Bezerra e pelo dr. Fontes (José Martins Fontes)
(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 155).
Encerrou o Gabinete de Leituras suas atividades em 1880, ficando
o letreiro forte, que, na estação invernosa, transparece sob as camadas
de cal, como que querendo lembrar ao itabaianista de sucessivas
gerações, que seus antepassados amavam as boas-letras, eram amigos
dos livros, estimavam cultuar-se, no depoimento de Sebrão, sobrinho
(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 156).

UM EXAME DE FINAL DE ANO

Um fato essencialmente pitoresco, retratando o ambiente cultural


e social dos últimos anos de vila, era o exame de final de ano nas
escolas, a ponto de merecer o registro nos jornais de Aracaju. A esta
altura, as escolas particulares começam a surgir, aos poucos, sobretudo a
partir da década de 80, depois da extinção do Gabinete Literário.

218
A primeira que se tem notícia é a do capitão João Capristano da
Cunha Rego. Outra é da professora Maria da Soledade de Araújo.
Um desses fatos está estampado no jornal O Guarany, edição de
19 de janeiro de 1881:
Há nesta vila uma senhora, prototipo da honestidade, tanto mais
destituída dos haveres, que a fortuna soi dispensar a quem lhe apraz,
quanto mais rica de virtudes morais.
Dotada de um espírito empreendedor, adaptou, como profissão, a
sublime missão de educadora da infância, tendo-se previamente
habilitado pelos turnos legais.
Em abril do ano p. iniciou o cultivo do terreno, do qual, com
vantagem já vai colhendo os frutos almejados.
Aludidos à exm. sra. D. Maria da Soledade de Araújo, de cujos
alunos assistimos as férias do primeiro ano letivo.
Um crescido número de educandos, decentemente trajados,
enviam a espaçosa sala, onde funcionava a aula particular, regida pela
jovem D. Soledade.
O edifício, decorado do melhor gosto, representava um painel
encantador.
Uma banda de música da filarmônica itabaianense, sob a direção
do hábil professor tenente Samuel Pereira de Almeida, colocada na sala
contígua a da aula, formava o repertório, executando de quando em vez
harmoniosas peças, cujos trinados maviosos se deixavam perder no
espaço.
Para maior esplendor do festim, para maior realce do ato um
crescido número de senhoras e jovens educados de outras escolas,
assistiam as férias. Presidia o ato o sr. Capitão Miguel Theotonio
Castro, no caráter de delegado literário substituto, servindo de
examinadores a exm. sra. professora pública do ensino misto do
povoado Olhos d’Agua, D. Laurinda Aquilina Barbosa do Sacramento,
os srs. tenente Antonio de Araújo Lobão e Tranquilino de Araújo
Lobão, com a professora particular. Procedeu-se ao exame de classe,
revelando as examinandas muito adiantamento, respondendo as
arguições com prontidão e clareza.
Sobressaíram dentre as examinadas as jovens D. Maria de Deus
Cedro Marques e S. Angélica Maria da Conceição Fontes, que estão
quase proveitas nas matérias, que constituem o curso de ensino
elementar do primeiro grau.

219
Findos os exames, algumas das examinadas (cada uma por sua
vez) subiram à tribuna e recitaram poesias concernentes ao ato.
Depois do que, o sr. Capitão Miguel Theotonio de Castro fez
um discurso análogo ao mesmo ato, concluindo por animar a
professora particular no cultivo que se impos, de educar a mocidade,
despertando as educandas a ganhar as dificuldades e não temer-se
dos espinhos, que parecem semeados nas veredas e caminhos dos
aprendizes, suavisando as fadigas escolares na presente com a
lisonjeira esperança de colher no futuro saborosos frutos.
Lavrado o auto de exame, para ter o destino legal, deu-se por
terminado o tirocínio do primeiro ano letivo das educandas da sra.
Soledade, dissolvendo-se a reunião.
À noite houve uma partida em casa da mesma sra. professora, a
que concorreu um crescido número das principais famílias desta vila, a
qual terminou-se por uma hora da manhã, debaixo da melhor ordem,
moralidade e harmonia.
Itabaiana, janeiro de 1884.
Um assistente.

ESCOLA COM INTERNATO

A escola, com internato, não era novidade em São Cristóvão,


Estância e Laranjeiras. Mas era na vila itabaianense. A única que se
tem conhecimento pertencia ao Antonio de Araújo Lobão que
divulgava aviso pela imprensa aracajuana, dirigido aos senhores pais
de família, ressaltando:
O abaixo firmado, tendo aula particular do ensino primário para
externos e internos, oferece aos srs. pais de família deste município e de
fora dele o seu préstimo, garantindo a todos o bom resultado que
sempre tem exibido, e assegurando o preço mais comodo possível a par
do mais cuidadoso tratamento (Jornal do Comércio, 16 de outubro de
1887).
Sebrão, sobrinho, qualifica-o de importante colégio (TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 157), indicando o sobrado, sito à
Praça da Matriz, no local onde, no final da década de 60, do século XX,
funcionou o Forum Dr. Maurício Gracho Cardoso, como sua sede.

220
CAPÍTULO X

FILARMÔNICA EUFROSINA

Inicialmente, no paroquiato do padre Francisco da Silva


Lobo, de 1745 a 1768, foi criada, segundo Sebrão, sobrinho, uma
orquestra a fim de acompanhar os atos religiosos, datando desse
tempo a arte musical em Itabaiana (FILARMÔNICA NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO, p. 6).
Sebrão, sobrinho, aponta os nomes dos mestres ou regentes.
Primeiro, o padre Francisco da Silva Lobo. Depois o seu sobrinho, o
licenciado Vitor Manuel de Jesus e Vasconcelos. Em seguida, o neto
deste, Francisco Manuel Teixeira (Néu Fogueteiro). Finalmente, a
orquestra sacra foi regida por Samuel Pereira de Almeida.
A Samuel Pereira de Almeida coube a primazia de dotar a
orquestra sacra de pancadaria, trazida de Salvador (Bahia), onde o
maestro esteve em 1874, levando-a a tocar nas ruas.
Com a pancadaria, nasceu a Filarmônica Eufrosina.
Apesar de só ter sido fundada, sob a denominação de Filarmônica
Eufrosina, em fevereiro de 1879, data anotada por Sebrão, sobrinho, os
jornais da Capital, dois anos antes, isto é, em 1877, já noticiavam a
participação, em procissões em Itabaiana, de uma modesta Filarmônica
habilmente dirigida pelos inteligentes professores (Antonio Joaquim de
Oliveira) Noronha e Samuel (Pereira de Almeida) (TOBIAS
BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 11). Como a notícia não apontava
o nome da filarmônica, e, além do mais, qualificando-a de modesta, é
bem provável que, até então, ela estivesse em fase de experiência, só
sendo, oficialmente, criada em 1879. Nesta condição, a sua primeira
tocata, fora da sede, na rua, foi nas exéquias do sócio dela, o advogado
alferes Joaquim José de Oliveira Mesquita, falecido aos trinta e três
anos, a 13 de março de 1879 (FILARMÔNICA NOSSA SENHORA
DA CONCEIÇÃO, p. 11).
A partir daí, a Filarmônica Eufrosina passou a tocar em todos os
acontecimentos sociais, culturais e políticos, indo as ruas sempre que os
fatos assim exigiam. A presença de uma pessoa importante, as festas
religiosas, as procissões, a festa de formatura de alunos, as festas

221
políticas, tudo era motivo para tirar a Filarmônica Eufrosina de sua sede.
As notícias sempre falam de harmoniosas peças, algumas das quais de
sua lavra, ou seja, do maestro Samuel Pereira de Almeida (O
Laranjeirense, 13 de janeiro de 1877).
A Filarmônica Eufrosina foi se enchendo de músicos,
arrebanhados da mocidade local, dela fazendo parte marcineiros,
pedreiros, padeiros, sapateiros, mecânicos, alfaiates, funcionários
públicos, profissionais liberais, etc. A música era uma atração, por ser a
única em uma comunidade que só tinha o ensino primário. Aí a
explicação para o grande número de músicos. A música não rendia
nenhum lucro financeiro. Os músicos atuam gratuitamente. A atração,
exercida para o elemento masculino, se explicava por ser a música, quer
antes com a orquestra sacra, quer agora com a Filarmônica Eufrosina, a
única atração artística na Vila, além de proporcionar ao homem a
possibilidade de poder, à noite, sair de casa para poder participar dos
ensaios.
O nome de peso, congregador da mocidade itabaianense em torna
da Filarmônica Eufrosina, é o maestro Samuel Pereira de Almeida, que,
nas palavras de Sebrão, sobrinho, era artista e músico, como quase todo
itabaianista daquele tempo (FILARMÔNICA NOSSA SENHORA DA
CONCEIÇÃO, p. 11).
Fundada em 1879, a Filarmônica Eufrosina atravessou todo o
período de vila. Quando a cidade surgiu, em 28 de agosto de 1888, ainda
era Filarmônica Eufrosina e no seu comando imperava o maestro e
compositor Samuel Pereira de Almeida, embora, naquele exato
momento, estivesse em Aracaju, como oficial da Polícia Militar.
Evidentemente que a Filarmônica Eufrosina não se reunia
semanalmente, possibilitando, desta forma, que o seu regente
trabalhasse, durante algum tempo, como oficial militar, na capital
sergipana.

CAPÍTULO XI

FATOS ESPECIAS

222
Diversos fatos caracterizam a vida da vila, dando-lhe uma
tonalidade especial.
A forca foi utilizada por duas vezes, em caráter oficial. As duas
ocorreram nos anos de 1847 e 1848, respectivamente. A Rua da Praça
serviu de palco para os dois enforcamentos, por ordem da Justiça.
O primeiro enforcado, conhecido por Mata Escura, que, na
palavra de Carvalho Lima Júnior, era emulo de Chicão, seu
contemporaneo, e o mais famoso sucessor de Antonio Hilário
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
144). Mata Escura era calvo, solteiro, carreiro, natural de Divina
Pastora, analfabeto e tinha 25 anos de idade. Cometeu cinco mortes e
quatro tentativas (Jornal do Povo, 08 de março de 1916). O seu nome
era Antonio José Dias, tendo o enforcamento ocorrido uma hora da tarde
do dia 8 de março de 1847.
O segundo enforcado foi João Gomes de Rezende, acusado de ter
assassinado Manoel José, de setenta e sete anos de idade, em cuja casa
se encontrava foragido há quatro meses, no lugar denominado Piabinha,
no dia 5 de dezembro de 1843. O acusado fugia da vila de Propriá, onde
tinha batido em uma cunhada. Foi levado a três juris, em outubro de
1846, em maio e em 10 de setembro de 1847, respectivamente, tendo
sido condenado em todos eles a pena capital. Pediu a graça do
Imperador D. Pedro II, que lhe foi negada. A execução da pena ocorreu
no dia 24 de janeiro de 1848. A pedido seu, já saiu da Delegacia vestido
em uma mortalha, tendo atravessado as poucas ruas da vila. O
enforcamento falhou na primeira tentativa, por ter a corda se quebrado.
O réu, depois de alguns minutos, passou a respirar. Ajudado por duas
pessoas, foi novamente conduzido a forca, falecendo na segunda
tentativa. O padre Félix Barreto de Vasconcelos, que acreditou em sua
inocência, o ouviu por duas vezes, em confissão, acompanhou toda a
cena, a pedido do condenado. A execução da sentença foi presidida pelo
juiz municipal (cf. Carvalho Lima Júnior, MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA).
A morte de João Gomes de Rezende causou um profundo impacto
na vila, face ter sido descoberto, depois, o verdadeiro assassino. A
tragédia ocorrida com João Gomes, registrada por Carvalho Lima
Júnior, passou de geração em geração, a ponto de ter sido focalizada, já
no século seguinte, por Garcia Moreno, em DOCE PROVÍNCIA, pp.
19-21; e por J. Fraga Lima, em MINHA PASSAGEM PELA VIDA, pp.

223
109-111. Sebrão, sobrinho, antes, já tinha se manifestado pela inocência
do acusado. Já Carvalho Lima Júnior, que ouviu menino a história do
crime e do enforcamento, registra, em 1914: No referido anno [1847] foi
suppliciado no mesmo instrumento de morte, o infeliz João Gomes,
celebre nos annaes dos erros judiciários, por crime de morte. Ainda se
falla de sua innocencia, apesar das provas que se accumularam contra
o desgraçado (MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICIPIO DE
ITABAIANA, p. 144).
Pela vila de Itabaiana, passou Antonio Conselheiro, no ano de
1874, no registro de Euclides da Cunha, no capítulo O homem, IV,
intitulado Peregrinações e martírios:
Dos sertões de Pernambuco passou aos de Sergipe, aparecendo
na cidade de Itabaiana em 1874 (OS SERTÕES).
Entenda-se, no centro urbano da vila de Itabaiana, porque, a esta
altura, Itabaiana não era ainda cidade, o que só vai ocorrer em 1888. A
passagem foi tão discreta que não deixou maiores marcas, nem chamou
a atenção de ninguém, a ponto de não se constituir em fato que passasse,
pela sua importância, de boca em boca, mesmo porque, naquele
momento, ainda não carregava nenhuma fama, como vai acontecer
depois, quando se instala em Canudos. Contudo, dele tomou
conhecimento o padre José Gumercindo Santos, passado por sua mãe,
que registrou, inclusive, um ato decorrente da queda de Canudos:
Em Itabaiana havia uma festa toda esquisita. No aniversário da
queda de Canudos, que se deu em 1897, no vizinho Estado da Bahia, a
Praça da Matriz se enchia toda de ranchos de palha, imitando à
Canudos de Antonio Conselheiro, homem venerado em Itabaiana,
porque ali estivera nas suas andanças por Sergipe
E, justamente na rua (da Pedreira) onde eu nasci, ele passara um
mês em uma casa em construção, apenas coberta. Minha mãe que era
menina, naquela época, o ouviu muitas vezes.
Lá pelas 9 horas do dia, havia uma batalha simulada na Praça. A
população se apostava pela frente da Matriz, debaixo das palmeiras do
reino e de outras árvores. Algumas pessoas da janela de seus sobrados
engalanados, tinham o privilégio da melhor visão.
Quando eu pela primeira vez vi o fogaréu do incêndio simulado e
a polícia e os soldados do exército esmulambados, a correr atrás dos
jagunços e a correria do mata-mata, do prega-pega, por entre as
labaredas e a gritaria geral, deixei minha mãe e corri para atravessar a

224
rua e me esconder. Nesse momento, um bando de jagunços, atirando de
seus bacamartes para o ar, desmebocava ao meu lado. Eu aturdido
chorava e gritava, correndo, sem saber para onde (PEDAÇOS
D´ALMA – MEMÓRIAS, p. 15).
O depoimento do padre José Gumercindo Santos confirma a
assertiva de Euclides da Cunha, sobretudo porque a passagem de
Antonio Conselheiro passou despercebida pela vila de Itabaiana, não
sendo alvo, desta forma, de nenhum comentário da população.
Calcado em OS SERTÕES, Mario Vargas Llosa, ao focalizar a
vida de Antonio Conselheiro, destacaria: Mês após mês, ano após ano,
as noites de Alagoininhas, Uauá, Jacobina, Itabaiana, Campos,
Itabaianinha, Geru, Riachão, Lagarto, Simão Dias foram se povoado de
conselhos (A GUERRA DO FIM DO MUNDO, p. 18).
As doenças endêmicas incomodavam a vila, levando de roldão
centenas de vítimas. O ano de 1849 foi, na qualificação de Carvalho
Lima Júnior, terrível, visto que, com efeito, foi nele que passou pela
primeira e última vez pelas suas habitações como por toda a Província,
o flagelo da febre amarela, que dizimou grande parte de sua população
(MONOGRAFIA HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, p.
146).
Depois, em 1855, foi a vez do colera morbus, que tornou a atacar,
em dosagem fraca, em 1863, causando um número menor de
passamentos.
Nessas ocasiões, o poder público construía um lazareto, afastado
da sede do município, para onde eram transportados os doentes. Toda a
atenção da vila se concentrava no cuidado com as vítimas, prejudicadas
pela falta de condições médicas a altura das doenças. A autoridade
encarregada de tomar a frente era o Delegado de Higiene.
Ao lado dessas doenças contagiosas, um outro fato relacionava-se
com o grande número de mortes provocadas pelos partos, o que ocorreu
durante todo o período de vila, se estendendo pelas quatro primeiras
décadas do tempo de cidade. Em estudos genealógicos empreendidos por
Sebrão, sobrinho, há, com uma freqüência assustadora, a presença de uma
mãe falecendo de parto, desde os primórdios da colonização. O fato era
comum no país, merecendo de Gilberto Freire a abordagem devida no
livro CASA GRANDE & SENZALA. Além da morte da mãe, por
ocasião do parto, predominava também o mal dos sete dias, a que o
nascido se submetia, resistindo ou não. Muitas e muitas famílias tiveram

225
filhos natimortos, falecidos logo depois do parto ou antes dos sete dias. O
falecimento da esposa levava, em geral, o viúvo a casar com uma irmã
desta, ficando tudo em família.
Muito específico da época era a falta de observação dos
sobrenomes de família. Não havia a obrigatoriedade de adoção dos
patronímicos familiares, aliado ao fato de a criança só ser registrada
com o prenome. O complemento do nome, com os sobrenomes, viria
depois.
Assim, no estudo genealógico das famílias itabaianenses, todo
cuidado é pouco, face a adoção de sobrenomes estranhos a família.
Só para se ter um exemplo, José Cornélio da Fonseca é filho de
Antonio José de Góis; Francisco Alves de Carvalho e Aprigio de Melo
Rezende são filhos de Cassimiro da Silva Melo; Manoel Alves Teixeira
é irmão germano de Cassimiro da Silva Melo; Francisco Antonio de
Carvalho Júnior é filho do Joaquim Pereira Lavres.
Dentro deste contexto, as pessoas também mudavam de sobrenome
com freqüência, bastando publicar uma nota em jornal comunicando o
fato. Manoel Baptista Itajahy, em verdade, se chamava Manoel Baptista
de Jesus.
Um fato comum, à época, era a publicação nos jornais de
protestos de qualquer cidadão inconformado com algum fato ou alguma
ação política.
A Província passou a ter jornal em 1832, em Estância. Depois São
Cristóvão e Laranjeiras tiveram seu jornal. Aracaju, com a condição de
capital, passou a ter imprensa. Justamente nestes é que o itabaianense
foi lavrar seu protesto sempre que algum fato surgia a provocar a
indignação de alguém. Nada escapava da vigilância do cidadão. Sem
jornal local e sem outro meio de comunicação, as publicações da capital
eram o veículo certo para os protestos.
Quando se rebatia uma notícia, o contestante referia-se a verrina
local.
Também se divulgavam as notícias da comunidade, sobretudo nas
últimas três décadas do século dezenove, quando o número de
publicações em Aracaju aumentou. O noticiário era sempre rebuscado.
O fato, para ser comunicado, como uma procissão ou o exame de uma
turma de estudantes, era objeto de uma crônica, com elogios, com
detalhes. A notícia saia no meio de um festival de palavras bonitas, onde
a preocupação com a forma era maior que com o próprio fato noticiado.

226
O costume dos protestos e das notícias pelos jornais foi altamente
positivo, na medida que deixou registrado nas suas páginas fatos que
oferecem uma visão mais próxima da realidade vivida naquele tempo.
Os responsáveis pelo recebimento e divulgação dos jornais, da
capital, eram os chefes políticos. Tanto o dr. Manoel Baptista Itajahy
como o coronel José Sebrão de Carvalho ocuparam tal posição.
A viagem Itabaiana-Aracaju se fazia a cavalo, de carro de boi ou
de carroça, utilizando-se de picadas abertas em meio do mato. Primeiro
se dirigia a Laranjeiras, onde os animais eram mantidos em cocheira. A
viagem demorava cerca de cinco horas no verão e de oito no inverno,
face a lama predominante em terras da Fazenda Brejo. Em Laranjeiras
se mudava de transporte, pegando-se um barco que, via do Rio
Cotinguiba, ia desembarcar no Rio Sergipe e aí, na Rua da Frente, em
Aracaju.
Laranjeiras era, desta forma, passagem obrigatória do
itabaianense que se dirigia a capital sergipana. Justamente, nessa
passagem, o itabaianense ganhou o apelido de ceboleiro ou papa-cebola,
como esclarece Carvalho Déda:
A mordacidade laranjeirense não é sopa... Era preciso acabar
com o orgulho dos itabaianenses, que proclaram ser a cidade serrana o
celeiro de Sergipe, enquanto a vizinha laranjeiras não contribuía,
senão, com meia dúzia de literatos preguiçosos...
Os laranjeirenses começaram a descobrir, nos vastos cebolais,
o motivo para uma perfídia em regra. Das reuniões da porta da
farmácia local, partiam os comentários de que certas fortunas
acumuladas ao pé da serra teriam sido o resultado de uma
parcimônia que atingia às raias da sordidez, porque, para juntar
dinheiro, os itabaianenses não vacilavam em abondonar o açougue,
passando a uma alimentação barata de farinha acebolada...
Nas rancharias de Laranjeiras, caminho de Aracaju, se
conheciam os itabaianenses na hora da refeição, pelo cheiro acre que
se desprendia dos seus alforjes. Pura cebola!...
Um dia, quando uma caravana de mercadores atravessava as
tortuosas ruas da cidade de João Ribeiro, em demanda de Aracaju,
para o abastecimento semanal do mercado metropolitano, um gaiato
espirituoso gritou a plenos pulmões: – Ceboleiros!...
Estava criado o apelido que se tornou tradicional (BREFÁIAS E
BURUNDANGAS DO FOLCLORE SERGIPANO, ps. 83-84).

227
Evidentemente que não há indicação do ano, não se sabendo se tal
fato ocorreu nos tempos em que Itabaiana era vila ou já tinha se tornado
cidade.
A vila não tinha telégrafo, não tinha jornal, não tinha ensino
ginasial.
A vila foi berço da infância do poeta José Jorge de Siqueira
Filho, nascido em Laranjeiras. Filho do escrivão José Jorge de
Siqueira e d. Rosa Maria de Siqueira, passou a residir em Itabaiana
em face da nomeação do pai para Escrivão da Comarca. Aos sete
anos, em 1852, era aluno do professor Joaquim Domingos de
Trindade e do padre Alexandre Pinto Lobão, de primeiras letras e
língua latina, respectivamente. Fez o curso de direito na Faculdade
de Recife, ao lado de Tobias Barreto e Castro Alves. Itabaiana, que
foi palco de sua infância, mereceu referência no poema A Lua de
Pernambuco,de 1863, do livro ESPARSOS E INÉDITOS, p. 42 .
(.....)
Gigante – lá se ergue a serra
Soberba de Itabaiana,
Portento de minha terra,
Da terra sirigipana,
Clara fonte cor de leite,
Das aves doce deleite,
Rasga-lhe a rígida entranha;
As pétreas fibras afrouxa,
E em cristal se desabrocha
O coração da montanha.

O poeta José Jorge de Siqueira Filho, que integra a Escola


Candoreira do Recife, faleceu na Vila de Itabaiana, onde se encontra
sepultado, em 4 de janeiro de 1870, com vinte e cinco anos, vítima de
uma gripe contraída durante o retorno de Penedo (Alagoas), onde foi
batizar uma criança, em viagem de cavalo.
Além das festas religiosas, as moças tinham oportunidade de se
mostrarem nas janelas de suas casas, sobretudo por se cuidar de época
em que andar na rua, sozinha, não era permitido a nenhuma delas.
Ficando na janela, poderiam ser vistas pelos rapazes, e, na troca de um
olhar se constituía o namoro.

228
Sebrão, sobrinho, relata um caso, nos idos de 1856 a 1858, na
passagem de Tobias Barreto, como professor de Latim. Um delegado ...
deu ordem para que ... se extinguisse o namoro em Itabaiana, isto é, que
as moças estavam proibidas de chegar à janela de suas residências, fato
que inspirou em Tobias Barreto a letra e música de uma modinha,
intitulada Modinha das Moças:

– Moça, saia da janela!


A janela não é tua!
– Oxente! senhor Tenente,
não quer que a gente olhe p´ra rua!

– Moça, saia da janela!


Deixe de falar asneira!
– Oxente! Senhor tenente,
só quer que a gente fique solteira!

– Moça, saia da janela!


Se não eu conto a teus pais!
– Oxente, senhor tenente,
não quer que a gente namore mais!

– Moça, saia da janela!


Deixe de namorar!
– Oxente! senhor tenente,
Como é que a gente há de casar!

(TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 116).

CAPÍTULO XII

NOMES IMPORTANTES

Na vila nascem pessoas importantes, não só em termos de história


local, como dentro da história sergipana, nomes que vão ganhar relevo,

229
a ponto de muitos terem sido biografados por Armindo Guaraná, no
DICIONÁRIO BIO-BIBLIOGRÁFICO SERGIPANO, sobretudo
aqueles que, vencendo as naturais dificuldades da época, conseguem
sair da vila para estudar em Aracaju e daí fazer o curso superior, quer
em Salvador (Bahia,) quer em Recife (Pernambuco).
Na sombra do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO
SERGIPANO,
a) formaram-se em Ciências Jurídicas e Sociais Alexandre Pinto
Lobão, Antonio Gervásio de Sá Barreto, Benvindo Pinto
Lobão, Ernesto Pinto Lobão Cedro, João Antonio de Oliveira e
José Diniz Barreto,
b) formaram-se em Medicina Gentil Martins Fontes, Manoel
Raymundo de Mello Menezes, Olyntho Rodrigues Dantas e
Sebastião da Silveira Andrade,
c) formaram-se em Farmácia Guilhermino Amâncio Bezerra e
Mário de Oliveira Lobão,
d) seguiram carreira militar João Pereira de Oliveira e José
Calazans,
e) seguiu carreira sacerdotal Vicente Ferreira dos Passos,
f) formou-se em Agronomia Felismino Moniz Barreto,
g) formou-se em Humanidades Feliz Diniz Barreto,
h) formou-se normalista Etelvina Amália de Siqueira.
Entre os que não chegaram a alcançar o grau superior, Francisco
Antonio de Carvalho Lima Júnior e Leoncio Contreiras Fontes.
Dentro desse grupo, muitos trilharam por caminhos políticos,
chegando a ser deputados provinciais (Alexandre Pinto Lobão,
Benvindo Pinto Lobão, Guilhermino Amâncio Bezerra e Vicente
Ferreira Passos) e estaduais (Antonio Gervásio de Sá Barreto, Francisco
Antonio de Carvalho Lima Júnior, Guilhermino Amâncio Bezerra e
Vicente Ferreira dos Passos).
Um deles chegou a fazer parte da Junta Governativa do Estado
com a implantação da República (Olyntho Rodrigues Dantas), outro
chegou a ser presidente do Estado (General José de Calazans). Muitos
ingressaram na magistratura, chegando a ser desembargadores
(Alexandre Pinto Lobão e Benvindo Pinto Lobão).
Entre todos, Etelvina Amália de Siqueira foi a primeira poetisa
sergipana, e, Francisco Antonio de Carvalho Lima Júnior, primeiro
historiador itabaianense, a legar importante obra na história sergipana,

230
destacando-se, no que se refere a sua terra, a MONOGRAFIA
HISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE ITABAIANA, que se constitui no
primeiro trabalho sistemático sobre a história de Itabaiana, aqui bastante
citado.
Nascem também, entre outros,
Antonio Agostinho de Oliveira – dentista prático, promotor público,
chegando a ser, por duas vezes, intendente;
Antonio Cornélio da Fonseca – advogado provisionado,
presidente do primeiro conselho de intendência na instalação da
República, deputado estadual por duas legislaturas;
Antonio de Araújo Lobão – professor, funcionário público
estadual e membro do Conselho Municipal de Intendência na primeira
fase republicana;
Antonio de Oliveira Bezerra – ourives, advogado provisionado,
camarista na Monarquia, deputado estadual por três vezes na República
Velha.
Antonio dos Santos Leite – comerciante;
Antonio Dultra de Almeida – comerciante, intendente municipal por
duas vezes na República Velha;
Antonio Joaquim de Oliveira e Silva – alfaiate, músico e compositor;
Boanerges de Almeida Pinheiro – marcineiro, fogueteiro, músico
e compositor;
Cassiano Pereira de Araújo – professor;
Cassimiro da Silva Melo – proprietário rural, camarista, presidiu
o primeiro Conselho de Intendência de Frei Paulo durante os tempos
republicanos, tendo presidido a Câmara Municipal de Itabaiana na
sessão em que esta aderiu o regime republicano;
Cícero Alves de Carvalho – funcionário estadual e federal,
promotor público substituto, comerciante;
Eduardo Gonçalves da Silveira – comerciante;
Esperidião Noronha – conselheiro municipal; músico e
compositor, juiz de paz, conselheiro municipal na República Velha,
delegado de polícia, e deputado estadual na Constituinte de 1934 e na de
1946;
Domingos Garangao – artista e ourives.
Felismino da Costa Fontes – padre. Segundo Sebrão, sobrinho,
ordenou-se presbítero da ordem de San-Pedro, virtuosíssimo e muito
inteligente, foi o primeiro vigário da sergipana paróquia de San-Paulo.

231
Em sua vida sacerdotal, sem mácula, pouco a pouco insidiosa moléstia
mental atacou-lhe o cérebro e, sobe essa ação, sem que logo o
apercebessem seus superiores, criou visionária religião entre os matutos
das Matas de Itabaiana, que foi a chamada seita dos Caipiras. Foi
internado no Hospício San-João de Deus, na Baía, onde concluiu
tristemente sua existência em dias do ano de 1892, sem que o acreditem
os caipiras, que, sebastianicamente, ainda lhe esperam o retorno
redentor (TOBIAS BARRETO, O DESCONHECIDO, p. 89). Carvalho
Deda, focalizando o significado do termo caipira, afirmaria, depois: Os
adeptos do Padre Felismino, antigo Vigário da Freguesia de Frie Paulo,
Sergipe, o qual, tendo enloquecido, começou a pregar sobre o fim do
mundo, iniciando uma seita baseada no Apocalipse e na “Missão
Abreviada” F(BREFÁIS E BURUNDANGAS DO FOLCLORE
SERGIPANO, p. 241).
Francisco Alves de Carvalho – comerciante, membro do
Conselho Municipal de Intendência e Intendente na República Velha;
Francisco Alves de Carvalho Júnior – músico e compositor;
Francisco Antonio de Carvalho – sacerdote;
Francisco Antonio de Carvalho Júnior – proprietário rural,
membro do Conselho de Intendência Municipal na primeira fase
republicana;
Francisco Antonio de Carvalho Lima Júnior – poeta, cronista,
contista e, sobretudo, historiador;
Francisco de Sousa e Meneses – padre;
Fulgêncio de Souza Monteiro – pecuarista e industrial;
Guilhermina Pereira Leite – professora;
Hermelino Contreiras – empresário, estabelecendo no Estado do
Pará. Abrigou muito sergipano em suas plantações, uma das quais tinha
o nome de Itabaiana. Profundamente rico, costumava se deslocar para
Sergipe em navio de sua propriedade. Foi homenageado pela
Filarmônica Nossa Senhora da Conceição na década de dez do século
XX.
Hilário de Melo Rezende – funcionário público e músico;
João Canário de Oliveira, – cego, violeiro popular, citado por
Carvalho Deda como o maior trovador repentista sergipano
(BREFAIAS E BURUNDANGAS DO FOLCLORE SERGIPANO, p.
164), que dele cita:
Sou Canário de Oliveira,

232
Pau que amarga, flor que cheia;
Poeta na Itabaiana,
Namorado em Laranjeiras,
Sou querido das casadas,
Namorado das soltiras...
E, ainda:
João Canário quando canta,
Dentro de Itabaianinha,
Padre Jonas veste calça,
E batiza sem madrinha,
Com seis méis não canta galo,
Nem mulher deita galinha. (idem, p. 167)
Gilberto Amado o conheceu em Itaporanga, com o nome de
Canário Pardo, dele recitando versos quases idênticos:
Vadeia Canário Pardo
Dentro de Itabaianinha
Seis mesis não canta galo
Quatro não canta galinha
Nem o cego pede pede esmola
Nem aleijado caminha (HISTÓRIA DA MINHA INFÃNCIA, p.
135).
João Canuto dos Passos – comerciante na praça de Aracaju,
deputado estadual nas duas últimas legislaturas da República Velha;
João Capristano da Cunha Rego – professor primário e secretário
da Câmara;
João de Sousa e Meneses – padre;
João Rodrigues Pereira – ourives, intendente municipal por duas
vezes, serventuário da Justiça;
Jorge Americano Rêgo – militar, músico e compositor;
José Ademar de Carvalho – músico e compositor;
José Amâncio Bezerra – proprietário rural, deputado estadual por
uma legislatura, exercendo chefia política no município de Frei Paulo.
José Cornélio da Fonseca – proprietário rural;
José Cornélio da Fonseca Filho – comerciante;
José de Calazans – militar e político, primeiro presidente
constitucional de Sergipe;
José Joaquim da Fonseca – desembargador;

233
José Sebrão de Carvalho – comerciante, funcionário público
estadual, conselheiro, intendente, deputado estadual por mais de dez
legislaturas na República Velha, integrando a Constituinte de 1934,
advogado provisionado;
José Ferreira Gomes de Melo – proprietário rural, industrial,
intendente;
José Verano de Carvalho Lima – comerciante e escrivão;
José Vitório de Souza – padre;
Joviniano da Cunha Melo – funcionário público estadual, músico
e desportista;
Laurinda Pereira Leite – professora;
Manoel Alves Teixeira – comerciante e político;
Manoel Damásio Pereira Leite – professor;
Manoel de Araújo – professor, funcionário público, conselheiro e
intendente;
Manoel Francisco Leite Sampaio – proprietário rural, conselheiro
e intendente;
Manoel Garangao – artista, fabricante de relógio de igreja. Na
palavra de Orlando Dantas, Garangau era mecânico prático, de
grande vivacidade e inteligência dedicada à arte mecânica. Sabia
tudo de engenho de açúcar, desde o conserto das taxas, caldeiras,
burrinhos de vapor, encanamentos de água, xarope, carrinhos de
mão, pás, picaretas, torno de mão e engrenagens de ferro. A sua
especialidade, todavia, consistia na confecção de balanças de cana.
Procurando imitar as balanças inglesas, especializou-se nas célebres
“balanças Garangau”, sem contudo atingir a precisão das originais.
O sr. Garangau, pequeno franzino, branco, quase louro, de olhos
azuis, gozava de grande prestígio em toda a região açucareira.
Somente em Maroim e Larajeiras apareceram os mecânicos ingleses
e aliemãs, sob o patrocínio dos agentes comerciais (VIDA
PATRIARCAL DE SERGIPE, os. 95-96).
Manoel Joaquim Nunes – padre;
Manoel Vieira de Souza (capitão) – empresário e político;
Manoel Vieira Neto – empresário;
Miguel Teixeira da Cunha (seu Teixeirinha) – fotógrafo;
Olimpio Araújo – professor;
Olintho Rodrigues Dantas – médico e político;

234
Paulino Aristides de Menezes – músico, alfaiate, comerciante,
conselheiro e intendente;
Paulo Cordeiro de Oliveira – comerciante, funcionário público
estadual, conselheiro;
Quintino de Lacerda – escravo, abolicionista na cidade de Santos,
São Paulo;
Samuel Pereira de Almeida – militar, funcionário público
estadual, músico e compositor;
Sebastião Silveira Andrade – médico e político;
Simião de Souza Monteiro – pecuarista e político;
Sizínio Pereira de Almeida – músico;
Tertuliano Manuel de Mesquita – major, político, chegando a ser
deputado provincial;
Tranquilino de Araújo Lobão – professor, funcionário público
estadual, músico, membro do Conselho de Intendência Municipal na
primeira fase republicana;
Vicente Ferreira dos Passos – sacerdote e político.
Entre estes, poucos tiveram atuação ao tempo da vila, como
Cassimiro da Silva Melo, que presidiu a última sessão da Câmara
Municipal de adesão à causa republicana, e Samuel Pereira de Almeida,
que fundou a Filarmônica Eufrosina em 1877, oficializando-a em 1879.
Os demais, na sua grande maioria, vão atuar durante os tempos em que
Itabaiana já era cidade, embora alguns já tenham destaque nos anos de
vila, como José Ferreira Gomes de Melo, José Sebrão de Carvalho,
Manoel de Araújo, entre outros.
Muitas das pessoas citadas estão biografadas em A REPUBLICA
VELHA EM ITABAIANA, de nossa autoria.

CAPÍTULO XII

A ÚLTIMA DESCRIÇÃO DA VILA DE ITABAIANA

235
Coube ao juiz de direito Armindo Guaraná descrever todo o
município quando a vila e a monarquia já estavam nos seus últimos
anos.
Sob o título COMARCA DE ITABAIANA – DESCRIPÇÃO
DO MUNICÍPIO, datado de 12 de abril de 1886, Armindo Guaraná
oferece uma visão quase que completa de Itabaiana, urbana e rural
que, pelo seu valor histórico, merece citação completa, respeitada a
grafia da época:
ASPECTO FÍSICO
O município de Itabaiana é em geral montanhoso notadamente
ao N e L, por onde corre a cordilheira de Itabaiana.
A S o terreno é acidentado, e ao O observa-se freqüentes
elevações e matos que se estendem até N, terrenos férteis e em sua
totalidade cultivados, compreendendo uns ares de 12 léguas de N a S e
10 de L a Oeste, sem contar o terreno agreste e a catinga de criar gado.
MAR, PORTOS E ILHAS
Sobre estes pontos, nada há que dizer, porque o município é
central e não tem rios em que se encontrem ilhas.
SERRAS
O sistema orográfico é formada pela serra de Itabaiana que
circula para assim dizer todo o município, tomando diversos nomes
em suas ramificações, como sejam: ao N, Capunga, Serras pretas,
Machado, Moita, Cova da Onça, Saco e os Serrotes do Sítio; ao
Sudoeste, o pico da Cajaíba; a L à Serra Grande de Itabaiana,
Cajueiro, Quisango; a N E, o Alecrim; a O o Sobrado, a Miaba,
compreendendo a Barra, Candeias, Taurá, Junca e Bico.
RIOS E LAGOAS
Regam o município os rios: Vassabaris que nasce na Serra da
Tiuba, província da Bahia e desagua no Oceano, servindo de limite
meridional entre esta Comarca e a de Lagarto; o Sergipe, que nasce ao
N da Serra de Itabaiana no lugar denominado Cipó de Leite e
desemboca na margem esquerda do rio Cotinguiba, que nasce ao S da
mesma Serra, e desagua no Ocenao.
Além destes que são os mais notáveis, há os seus afluentes cujas
principais são: o Jacoca, Lomba, Pedras do Vasa-Barris.

236
O primeiro toma esse nome na confluência dos ribeiros Taquari e
Massaramduba e vai despejar acima da passagem deste, para o
município de Simão Dias.
O segundo tem sua origem na Catinga Redonda, e o último nasce
na Serra de Itabaiana.
É confluente do rio Sergipe o rio Jacaracica que nasce no
Sangradouro do tanque do Barejo.
São afluentes do rio Cotinguiba o rio Salobro que nasce abaixo
do rio das Pedras e o Poxim Grande que nasce na Cajaiba.
Notam-se no município as lagoas do Gama, d’Agua, Pimenta,
Fonseca, Real, Ponta, Marianga, e outros menores, cujos nomes não
são conhecidos.
SALUBRIDADE
O município é salubre e de um clima ameno e temperado.
Os beribéricos e afetados do peito, residentes em diversos pontos
da província, procuram este lugar para se restabelecerem.
No inverno a classe pobre do campo é muito perseguida pelas
febres interminentes, de que frequentemente são vítimas à falta de
tratamento.
MINERAIS
É crença geral que na cordilheira de Itabaiana existem grandes
mananciais de ouro e prata, de que já se tem extraído importantes
amostras.
Há também diamantes, cristais e muitos outros minerais, cuja
existência presume-se pelos estudos geológicos feitos em diversos
pontos da Serra.
Por uma tradição antiquíssima acredita-se que na Serra da
Miaba há abundantes minas de prata.
Tudo, porém, está ainda por explorar, de sorte que não se pode
atestar o grau de veracidade de todas estas conjecturas.
MADEIRAS
As principais são: cedro, peroba, putumuju, arapiraca, quiri,
sucupira, baraúna, aroeira, gonçalo alves, landim, lavro, coração de
negro, amoreira, jurema, pau d’arco, caraíba, angelim, catuaba,
bálsamo, rajadinho, angico, massaranduba, murianga, ou murangica,
miroró, itapicuru, jatobá, carne d’anta, etc.
FRUTAS SILVESTRES

237
Jaboticaba, pinha ou ata, caju, araçá de moça, maracujá, jaca,
araticum, guabiroba, melancia, laranja, camboi, mangaba, pitomba,
massaranduba, mamão, banana, lima, ananaz, cambucá, goiaba,
murici, ingá, oiti, genipapo, umbu, abacate e outros.
ANIMAIS SILVESTRES
Caititu, tatu, veado de duas espécies, coelho, preá, capivara,
paca, tamanduá, onça, guigó, macaco, saguim. Entre as aves contam-
se: a araquam, jacu, inhapupé, zabelê, perdiz, nambu, juriti, asa-
branca, pacaçu, papagaio, cordiniz, pacapora, maracau, periquito,
seriema, carocará, gavião, picapau, quero-quero ou espanta boiada
(chamado no Norte téu-téu), arara, etc.
Dos cantores os mais conhecidos são: sabiá, canário, checheu,
sofrê (chamado no Norte currupião), patativa, curió, viuvinha, cancão,
cabeça vermelha ou cardeal, papacapim, pêga, saracura, caboclinho,
azulão ou virabosta, jesus-meu-deus, ferreiro, também conhecido por
araponga.
Quanto as abelhas notam-se diversas espécies como sejam:
uruçu, mandassaia, gitabi, moça-branca, papa-terra, mumbaça,
arapuá, sanhará e tohu.
HISTÓRIA
O terreno ocupado pela vila foi outrora chamado caatinga de
Ayres da Rocha, onde existiu um sítio com um quarto de léguas, o qual
fora vendido por 60$000 a 9 de julho de 1675 pelo vigário Sebastião
Pedroso de Gois à irmandade das almas, com a condição de no dito
sítio edificar-se uma igreja para as almas.
O bispo D. Marcos Antonio de Sousa em sua memória sobre a
Capitania de Sergipe, diz que esta paróquia foi ereta pelos
governadores do Arcebispado da Bahia na ausência do Arcebispo D.
Gaspar Barata de Mendonça em 30 de outubro de 1675, e elevada à
Vila pelo Ouvidor Diogo Pacheco.
A vila está situada na latitude de 11 graus – 22 m ao Sul do
equinoxial e desta do litoral 45 leguas.
Pela lei provincial de 19 de fevereiro de 1835, foi declarado que
o termo da vila era o de sua freguesia.
A resolução n. 878 de 5 de maio de 1870 fixou os limites da
freguesia.
Em 9 de julho de 1859 foi elevada a Comarca, que ainda
subsiste, mas alterados os limites primitivos.

238
Hoje só se compreende no território da comarca esta vila, o
Campo do Brito, hoje freguesia N. S. da Boa Hora, desmembrado desta
freguesia por lei provincial n. 135 de 30 de janeiro de 1845 e o
florescente povoado de S. Paulo.
TOPOGRAFIA
Esta vila está situada numa planície, distante uma légua da serra
que lhe o nome: a Serra Grande de Itabaiana, – que na língua tupi quer
dizer – homem mudado em pedra, das palavras indígenas: – ita-pedra,
aba-homem, oane-agora.
Quase todas as casas são de taipa, notando-se entre elas 21
sobrados.
Tem uma igreja matriz sob a invocação de S. Antonio e almas,
um nicho arruinado e um cemitério.
A casa da Câmara Municipal é acanhadíssima, e a cadeia outra
casa deteriorada em péssimas condições higiênicas, não oferece
garantia de segurança.
Existem aqui alguns estabelecimentos comerciais.
O lugar é seco e não tem água potável, que só se encontra nas
imediações da Serra.
Dois antigos tanques já existentes no princípio do século, para
melhoramento de um dos quais muito concorreu com sua bolsa Manoel
Rodrigues Gameiro Pessoa, Visconde de Itabaiana; um outro tanque
feito depois, e um açude em que se depositavam as águas pluviais,
tornam mais fácil à população a aquisição desse elemento que não
raras vezes falta no verão, quando os invernos não são abundantes.
POPULAÇÃO
Segundo o cálculo do Engenheiro Pimenta Bueno em seu
relatório apresentado ao Conselheiro Pedro Luiz, a população deste
município em 1881 subia a 40.000 habitantes.
Dos dados oficiais existentes na coletoria em dezembro próximo
passado verifica-se que a população escrava é de 1.683 indivíduos,
sendo destes 89 sexagenários.
Estima-se a população desta vila em 3000 almas, mais ou menos.
AGRICULTURA
Lavoura – Cultiva-se no município a cana de açucar em pequena
escala, a mandioca, o algodão, o milho, o arroz e o feijão.
CRIAÇÃO

239
A criação do município consiste em gado vacum e allarlanigero,
cabrum, suíno e aves domésticas.
INDÚSTRIA FABRIL
A indústria fabril limita-se a algum açucar, farinha de mandioca,
tecidos grossos de algodão, obras de olaria, como sejam: telhas, tijolos,
potes, etc...
COMÉRCIO
O município exporta algodão, farinha, milho, feijão, arroz e lã
extraída de árvore denominada barriguda, recomendável pela sua
macieza para enchimento de colchões e almofadas, mas ainda pouco
conhecida mesmo nos mercados do país.
A importação consiste em ferragens, fazendas, lanças, vinhos,
charques em grande quantidade, bacalhau, farinha de trigo e muitos
outros artigos nacionais e estrangeiros.
Os gêneros exportados vão para a cidade de Laranjeiras em
animais e carros puxados a bois, e os importados vêm do Aracaju por
esta cidade, e de Alagoinhas por terra.
O comércio abastece-se na praça da Bahia e alguma coisa na do
Recife.
INSTRUÇÃO
Em todo município existem 18 cadeiras para a instrução
primária, que se distribuem pelo modo seguinte: uma do sexo masculino
nesta vila com 20 a 25 alunos de freqüência; outra do sexo feminino
com 30 a 35 e outra do ensino misto com 25 a 30.
No povoado de S. Paulo há uma cadeira do sexo masculino com
25 a 30 alunos de freqüência, e outra do sexo feminino com 20 a 25.
No lugar Terra Vermelha, há uma do ensino misto com 35 a 40;
na Varzea do Gama, outra com 40 a 50; nos Olhos d’Agua outra com 8
a 10; no Saco do Ribeiro, outra com 6 a 10; na Moita, outra com 6 a
10; no Gandu, outra com 20 a 25.
No Campo do Brito existe uma cadeira do sexo masculino com 20
a 30 alunos de freqüência; outra do sexo feminino com 20 a 25; na
Pedra Mole da mesma freguesia, uma do ensino misto com 25 a 30; a
da Gamaleira, que é do ensino misto, com 30 a 35; e no Cajueiro, outra
com 20 a 30.
Além destas escolas públicas há duas particulares, uma do sexo
masculino com 15 almas de freqüência; e outra do sexo feminino com
21, ambas nesta vila, somando ao todo 18 escolas.

240
DIVISÃO ECLESIÁSTICA
Pertence este município ao Arcebispado da Bahia, e se divide em
duas paróquias, que são: a de S. Antonio e almas desta vila, a de N. S.
da Boa Hora do Campo do Brito e uma capelaria de S. Paulo, que
tendo sido criado pela Resolução Provincial n. 1053 de 18 de abril de
1877 fora extinta, e depois restaurada por outra Resolução de 28 de
abril de 1881.
DIVISÃO POLICIAL
O município de Itabaiana conta: uma delegacia, cinco
subdelegacias, que são: a desta vila, a de Campo do Brito, a de Rajas, a
de S. Paulo e a da Boa Vista, contando trinta quarteirões.
OBRAS PÚBLICAS
Não existem outras, além das mencionadas sob a epígrafe –
Topografia.
RENDAS
A Câmara Municipal rendeu no último exercício de 1884 a 1885
a quantia de 2.306$758 e a Exatoria no mesmo exercício rendeu
7.993$162 rs.
A coletoria nunca rendeu anualmente mais de 6 contos de réis.
CURIOSIDADE NATURAL
Em cima da Serra de Itabaiana em uma planície talvez de uma légua
de circumferência, existe um belo lago, donde se derivam vários córregos,
cujas águas puros e cristalinos completam o admirável panorama que se
observa naquele eminência, sobre a qual se avistam quase todos os pontos
da Província, divizando-se no Crisante Oriental uma faixa azulada
formada pelas águas do Oceano.
DISTÂNCIA
Esta vila dista da capital da Província 12 léguas a sudoeste.
Da cidade de Laranjeiras 7 léguas ao sudoeste. Do Campo do
Brito 2 léguas ao sudoeste. De S. paulo 4 léguas a noroeste. Da vila a
Itaporanga 8 léguas ao Sul. Da cidade do Lagarto 9 léguas à sudoeste.
Da vila da Capela 10 léguas a nordeste. Da vila de N. S. das Dores 7
léguas à nordeste.
Suas estradas são: a de Laranjeiras que é a mesma que conduz à
capital; a de Itaporanga; a do Lagarto por onde se vai também para a
Bahia por Alagoinhas; a de Capela, chamada estrada do rio por ser em
direção do Rio S. Francisco e a do Sertão que começa com o centro de
Pernambuco e Bahia.

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A descrição aludida foi publicada no Diário de Notícias, edição
de 14 de maio de 1886.

CAPÍTULO XIII

OS MOTIVOS PARA A ELEVAÇÃO À CATEGORIA DE


CIDADE

A vila gostava de ser vila. Não queria ser cidade, porque esta
representava um degrau muito alto, simbolizando um centro urbano
progressista, com grandes prédios, praças e ruas em abundância,
concepção que o colono trouxe, passando-a de geração em geração. A
cidade representava, na legislação reinol, a cadorabeça, a cabeça, a
sede, segundo Sebrão, sobrinho, (ANIVERSÁRIO CITADINO DA
VELHA LOBA), a estabelecer a diferença, importante à época, entre
cidade e vila:
Cidade é civilidade, é cultura, é sumo grau de civismo, enquanto
Vila é habitação, fogos de vilões, de artesanato ou de bodegueiros, de
gente dedicada o trabalho manual. O título de Cidadão tem similitude
com o de Patrício, o patriciado latino.
Itabaiana preferia continuar como vila, com vida simples,
porque o itabaianense não via no seu pequeno centro urbano nada de
especial que justificasse a elevação da vila para a categoria de
cidade. Melhor ser vilão, ou seja, habitante da vila, do que habitante
da cidade, ou seja, praciante.
Independentemente do sentimento do itabaianense, em geral,
o deputado provincial Guilhermino Amâncio Bezerra, aproveitando
projeto que elevava a vila de Capela à categoria de cidade,
ofereceu emenda, na tentativa de elevar também a condição de
cidade a vila de Itabaiana. A emenda, apresentada em 1886, só
conseguiu aprovação dois anos depois, em 1888, via da Resolução
n. 1331, de 28 de agosto de 1888, assinada pelo Presidente
Francisco de Paula Prestes Pimentel:

Resolução n. 1331, de Agosto de 1888

242
Eleva à categoria de cidades as vilas de Itabaiana e Capela
Francisco de Paula Prestes Pimentel, bacharel em letras pelo
Colégio de Pedro II, bacharel em ciências jurídicas e sociais pela
faculdade de S. Paulo, juiz de direito avulso e presidente da província
de Sergipe
FAÇO SABER a todos os seus habitantes que a Assembléia
Legislativa Provincial decretou e eu sancionei a Resolução seguinte:
Art. 1º – Ficam, desde já elevadas à categoria de cidades as vilas
de Capela e Itabaiana.
Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário.
MANDO, portanto, a todas as autoridades a quem o
conhecimento e execução da referida Resolução pertencer, que a
cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nela se contém. O
secretário da província a faça imprimir, publicar e correr.
Palácio do Governo de Sergipe, em 28 de Agosto de 1888, 67º da
Independência e do Império.
Francisco de Paula Prestes Pimentel
Selada e publicada na Secretaria do Governo de Sergipe, em 28
de agosto de 1888.
O secretário
Oséas d’Oliveira Cardoso

Pela redação do art. 1º, percebe-se que Capela vem na frente,


embora, na ementa da norma, Itabaiana apareça em primeiro lugar, num
cochilo que o Palácio do Governo não percebeu. Vale o nome no art. 1º,
de maneira que, na ordem de antiguidade, Capela tem preferência.
A elevação da vila à categoria de cidade encontra um só motivo, que
predominou na época, se verificando não só no caso de Itabaiana, como em
outras localidades do império: o aumento do ordenado do professor
primário, pertencente aos quadros de ensino da Província. Ou seja, não
havia nenhuma alteração da paisagem urbana a justificar a inclusão de
Itabaiana no projeto.
Sebrão, sobrinho esclarece:
O título de Cidadão decaiu tanto que ninguém, vilão nenhum
dava importância honorífica ao título nóvel auferido, pois que as vilas
eram elevadas a cidades por melhoria econômica do Magistério
Primário, melhoramento de classe do Professorado, que, em Povoado,
era de 4ª Categoria; de Vila, de 3ª Categoria; de Cidade, de 2ª

243
Categoria; da capital, de 1ª, o mais elevado. A ninguém, que aos
interessados, importava honra o título de Cidadão e de tal sorte que os
camponêses e vilões de Itabaiana e de Lagarto, quando se referiam, e
tal até bem pouco tempo, às Cidades de seus Municípios, chamavam-
nas de Vilas, que é o mesmo que Praça e, ao invés de vilões ou de
citadinos, os habitantes das ruas chamados praciantes. Municípios mais
cultos chacoteavam de tal sorte essa honra, que a culta Vila de Capela
não pensava, de-leve, em ser elevada à Cidade, quando a Campinas,
onde o velho rio Aldeia faz barra no Japaratuba-Grande, (...), foi dada
a quixotesca adjetivação de Cidade dos Carrapatos! (ANIVERSÁRIO
CITADINO DA VELHA LOBA).
Os professores beneficiados eram Amélia de Miranda Lima
Guimarães, João Amâncio Bezerra e Laurinda Barbosa Bezerra. Dos
três, um, o professor João Amâncio Bezerra, era irmão de Guilhermino
Amâncio Bezerra, e Laurinda Barbosa Bezerra era sua cunhada, morta
antes da lei ser promulgada.
O fato de ter passado a ser cidade não empolgou o itabaianense,
levando o cônego Domingos de Melo Rezende, vigário local, membro
do Partido Liberal, adversário, portanto, do deputado Guilhermino
Amâncio Bezerra, do Partido Conservador, do púlpito da igreja, em
meio a um sermão, conforme Sebrão, sobrinho (TOBIAS BARRETO, O
DESCONHECIDO, p. 159), deixar patente a sua crítica:
Civilidade!... Civilidade! Quando perdeu, agora, Itabaiana ao
deixar sua vida simples de vila! Civilidade! Civilidade sem civilização!
A indignação do cônego Domingos de Melo Rezende ficou
gravada na mente do itabaianense, a ponto de, via testemunhal, ter sido
conservada por muitas pessoas nascidas depois de 28 de agosto de
1888. A elevação a categoria de cidade não foi fato, à época,
comemorado no centro urbano, sendo recebida a notícia como uma
imposição do Governo Provincial.
A passagem não fez com que todos, sendo nativos ou não,
deixassem de referir-se a Itabaiana como vila. Até em documentos
oficiais, décadas depois, já na República, ainda denominavam-na de
vila, sem que carregassem nenhuma crítica nem tom pejorativo
imprimissem ao termo. Era a força do hábito, o costume de ser vila
durante quase dois séculos era mais forte. Todos estavam acostumados a
se referir a vila de Itabaiana, não a (recente) cidade de Itabaiana, mesmo
porque, se a criação da vila foi algo extraordinário, a sua elevação à

244
categoria de cidade deixava o itabaianense e o lindeiro espantados, visto
que a paisagem continuava a mesma. Ou seja, faltava um fato notório,
traduzido no crescimento urbano da vila, que justificasse o evento.
Itabaiana continuava vila, para todos, particulares e oficiais do governo.
De Campo do Brito, por exemplo, os mais velhos, quando vinham a
Itabaiana, afirmavam que iam a vila, porque essa denominação já tinha
se consolidado no tempo e no espaço, mercê de cento e noventa anos de
vila, de forma que bastava referir-se a vila para se saber que era
Itabaiana. A invocação do termo cidade pareceria ao itabaianense,
consciente da sua insignificância urbana, um pedantismo que seu gênio
irônico preferia evitar, como se o itabaianense, não encontrando nenhum
motivo justo que autorizasse a mudança, dela, no fundo, tivesse
vergonha, ou dela não se vangloriosse, principalmente quando não era
um projeto nascido da sociedade local, em seu todo.
Em nível estadual, Itabaiana e Capela passavam a ser a oitava e
nona cidades, respectivamente. Antes delas, sete já ostentavam o título
citadino, sendo, por ordem cronológica, São Cristóvão, Maruim,
Estância, Laranjeiras, Aracaju, Lagarto e Propriá. Destas, São Cristóvão,
Aracaju, Estância e Laranjeiras foram criadas como cidades. As demais,
Maruim, Lagarto e Propriá, galgaram inicialmente a condição de vilas
para depois se transformarem em cidades.
No espaço limitado das poucas cidades sergipanas, Itabaiana
passava a ser uma delas.

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