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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
SOCIOLOGIA E DIREITO

FÁBIO ROBERTO BÁRBOLO ALONSO

Envelhecendo com Dignidade: O


Direito dos Idosos como o Caminho
para a Construção de uma
Sociedade para Todas as Idades

NITERÓI
2005

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS E APLICADOS
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E
DIREITO
FÁBIO ROBERTO BÁRBOLO ALONSO

Envelhecendo com Dignidade: o Direito dos Idosos como o


Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas
as Idades

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do título de
mestre em Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Professora Doutora Daizy


Valmorbida Stepansky

Niterói, 2005

2
Alonso, Fábio Roberto Bárbolo

Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos


como o Caminho para a Construção de uma Sociedade
para Todas as Idades/ Alonso, Fábio Roberto Bárbolo,
UFF/ Programa de Pós-Graduação em sociologia e Direito.
Niterói, 2005.
172 f.

Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais)


– Universidade Federal Fluminense, 2005.

1. Direito e Cidadania. 2. Envelhecimento. 3. Direito


dos Idosos. I. Dissertação (Mestrado). II. Envelhecendo com
Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a
Construção de uma Sociedade para Todas as Idades

3
FÁBIO ROBERTO BÁRBOLO ALONSO

Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho


para a Construção de uma Sociedade para Todas as Idades

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Sociologia e Direito
da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a obtenção
do título de mestre em Ciências Jurídicas
e Sociais.

Aprovada em 14 de Julho de 2005

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Daizy Valmorbida Stepansky

________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Glória Márcia Percinoto

________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Sara Nigri Goldman

4
RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar criticamente a proteção


social existente para a população idosa em geral, procurando-se a partir daí estabelecer a
relação entre a teoria e a prática no que diz respeito à efetiva aplicação das leis voltadas
para este segmento.
Esta pesquisa procurou inicialmente definir as novas funções do Direito em
face de uma sociedade extremamente heterogênea e estratificada, onde a lei passa a
atuar em função da defesa e da afirmação das inúmeras identidades sociais que
emergem a cada momento apresentando diferentes demandas e conflitos.
Caracterizamos o idoso em um contexto de uma sociedade capitalista, onde
naturalmente perde o seu valor e a sua função social devido à lógica deste sistema que
exclui aqueles que não mais estão aptos a fornecerem sua força de trabalho. Sob este
contexto, procuramos analisar os Direitos dos Idosos apresentando toda esta legislação
em nível mundial e nacional, sob o olhar crítico de sua aplicação em nossa realidade
cotidiana.
Relacionamos, assim, todos os fundamentos e documentos internacionais
direcionados ao idoso com a recém-criada Legislação brasileira voltada a este segmento,
procurando caracterizar esta última como um reflexo e uma resposta a um movimento
em escala mundial em prol da defesa dos idosos.
Concluímos nosso trabalho analisando as atividades de algumas das
principais instituições responsáveis pela fiscalização e pelo zelo aos direitos dos idosos
no Brasil, procurando formular possíveis encaminhamentos que visem ao
aperfeiçoamento do exercício de suas funções e consolidem efetivamente as garantias já
previstas em lei e não aplicadas na prática.

5
* ÍNDICE *

Parte I: O Direito, o Idoso e o Mundo

1. Introdução 09
2. Repensando o Direito: em busca da Cidadania 20
3. O Mundo que Envelhece: um Impacto Demográfico,
uma Transformação Social 35
3.1 – A I Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento 40
3.2 – Os Princípios das Nações Unidas para o Idoso 44
3.3 – A II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento 46
a) Pessoas Idosas e Desenvolvimento 49
b) Promoção da Saúde e Bem-estar na Velhice 57
c) Criação de Ambiente Propício e Favorável 62
d) O Outro lado do Plano de Ação Internacional 66
3.4 - A Declaração de Toronto: A Voz da Organização
Mundial de Saúde (OMS) 68
3.5 - A Aplicação dos Documentos Internacionais
de Proteção ao Idoso: Utopia ou Realidade? 70

Parte II: O Brasil que Envelhece e o Idoso que Aparece

4. O Brasil na Era do Envelhecimento: uma Nova Realidade


Diante de Velhos Problemas 74
4.1 - O Perfil do Idoso na Sociedade Brasileira 76
a) O aumento da expectativa de vida no Brasil 77
b) Evolução demográfica da população idosa brasileira 78
c) O Idoso e a Família 81
d) A Saúde do Idoso 83
e) Idoso e (Má) Educação 85
f) Idoso e (Falta de) Trabalho 90
g) Os Rendimentos da População Idosa 93
h) O Idoso e a (Não) Participação Política 97
5. A Proteção Social ao Idoso no Brasil 99

6
5.1 - A Previdência Social no Brasil 100
5.2 - A Constituição Federal de 1988:
A Cidadania em Movimento 112
5.3 - A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS):
O Verdadeiro Assistencialismo do Estado 115
5.4 - O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH):
O Idoso Como um Grupo Vulnerável 117
5.5 - A Política Nacional do Idoso: A Institucionalização
dos Ideais 120
5.6 - O Estatuto do Idoso: Necessidade, Realidade e
Efetividade dos Direitos dos Idosos 124
a) As Garantias Fundamentais do Idoso:
A Responsabilidade da Família e o Papel do Estado 126
b) Os Serviços de atendimento à Saúde do Idoso:
Uma Difícil Realidade 129
c) Educação e Lazer: Em Busca do Tempo Perdido 135
d) Idoso e Trabalho: A Utopia da Não-exclusão 139
e) Habitação: Direitos dos Idosos e Deveres
das Entidades de Atendimento 142
f) A Gratuidade de Transporte: Entre o Direito
e a Humilhação 145
g) O Envelhecimento na Mídia 147

Parte III – Aplicando os Direitos dos Idosos: entre a Lei e a Realidade

6. O Papel do Estado na Defesa do Idoso:


Responsabilidades e Possibilidades Institucionais 150
7. A Sociedade Civil na Defesa do Idoso:
Participação, Mobilização e Atuação dos Conselhos e Fóruns do Idoso 159
8. Conclusão 164

Bibliografia 169

7
Parte I: O Direito, o Idoso e
o Mundo

“Ninguém pode
envelhecer simplesmente
por viver muitos anos, mas
sim por abandonar seus
ideais”.
Douglas Macarthur

8
1. Introdução
O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial. Devemos
considerar como idoso aqueles indivíduos maiores de sessenta anos, com base no
critério de referência estipulado pela ONU e referendado por grande parte da
comunidade mundial.
Tanto os países considerados desenvolvidos, quanto aqueles considerados
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, apresentam uma mesma tendência
demográfica: o aumento do número de idosos, tanto em termos quantitativos quanto em
termos proporcionais em relação à população total do país.
Este fenômeno resulta, em geral, da queda das taxas de natalidade, em
virtude do aumento do uso de anticoncepcionais e a uma maior conscientização da
população em relação à estrutura familiar, combinada com a queda das taxas de
mortalidade, observadas devido aos avanços da medicina e à melhoria da qualidade de
vida dos indivíduos em geral.
O aumento da expectativa de vida, aliado à diminuição da natalidade,
configura um quadro onde, de um modo geral, nascem menos pessoas, e estas pessoas
tendem a viver mais. Desencadeia-se, assim, um processo de envelhecimento da
sociedade, caracterizado pelo aumento do percentual de indivíduos idosos nas
populações de praticamente todos os países do mundo.
Estima-se, segundo projeções, que em meados de 2030 a população mundial
de idosos ultrapasse a marca de um bilhão de pessoas, sendo que 75% deste contingente
estará localizado em países subdesenvolvidos.
A questão central neste ponto é que os países considerados desenvolvidos
possuem instituições e mecanismos que absorvem eficientemente este contingente
populacional, inserindo-o na rede de proteção e infra-estrutura social de forma a
proporcionar-lhe uma boa qualidade de vida. O aparelho estatal está preparado para este
impacto demográfico, e tem condições de se adequar às demandas sociais provenientes
desta nova estrutura populacional.
Inversamente, os países subdesenvolvidos geralmente possuem instituições
estatais desorganizadas e enfraquecidas, além de graves problemas sociais, como a má
distribuição de renda e a ineficaz rede de infra-estrutura social, o que resulta em grandes
disparidades no nível de vida das diversas classes sociais ali existentes. Desta forma,
estes países não conseguem se adaptar à nova dinâmica demográfica, fazendo com que a

9
emergente população idosa se encontre desamparada e desprotegida em relação aos seus
Direitos.
Um Estado baseado em instituições corrompidas, estagnadas e improdutivas
não possui, muitas vezes, recursos e mecanismos eficientes para consolidar uma
proteção social mínima para sua comunidade, agravando-se a situação em relação ao
segmento idoso, que demanda novas exigências e novos enfoques das políticas sociais
do Estado. Isso exige uma flexibilidade e uma organização ainda maior do poder
público, fazendo com que a população sofra as conseqüências da inexistência de tais
características.
Assim sendo, o impacto causado pelo aumento global da população idosa
levou à necessidade da implementação de políticas públicas específicas para o segmento
idoso. Percebe-se uma maior conscientização em relação às necessidades peculiares
deste grupo, que não poderia mais passar despercebido diante dos olhos dos Estado,
levando à sua inclusão nas políticas sociais de desenvolvimento e qualidade de vida.
O segmento idoso é específico, e suas necessidades igualmente específicas
exigem a adoção de políticas públicas diferenciadas, visando ao pleno atendimento das
demandas características da população idosa.
É importante ressaltar que vivemos em uma sociedade capitalista organizada
em função da produção material e da atividade profissional, onde a idéia de participação
e inserção social está diretamente ligada à força de trabalho. Este tipo de organização
sócio-econômica, estruturada sob a divisão de classes, coloca o idoso à margem da
sociedade, uma vez que ele não mais se constitui como mão-de-obra para impulsionar e
reproduzir o sistema.
O idoso constitui, desta forma, um segmento que se caracteriza
peculiarmente por não mais participar do processo produtivo, e passa a sofrer, com isso,
um forte estigma social. A aposentadoria pode ser apontada como o marco de entrada na
fase do envelhecimento, onde este próprio termo já está carregado de um valor
pejorativo, significando “retirar-se aos aposentos”, o que indicaria um período de vida
inerte e obsoleto para estes indivíduos, o que não condiz, necessariamente, com a
realidade.
O capitalismo exacerba a busca pelo lucro, onde tudo se torna uma
mercadoria, inclusive o trabalhador. E somente a mercadoria tem valor, fazendo com
que a ausência da atividade profissional represente a perda do valor atribuído ao
indivíduo pela sociedade. A população idosa é assim qualificada como improdutiva,
sendo desvinculada da dinâmica social que somente absorve e valoriza aqueles

10
indivíduos que estão inseridos na lógica da produção e do consumo, como destaca o
Professor Serafim Paz:

“O acentuado desenvolvimento do capitalismo da era moderna vem desprezando a


tradição humana e sua memória, e culturalmente descaracterizando a velhice, pelo processo de
desprestigio, exclusão social e anulação, que este modelo impõe aos que não “servem”, aos que não
possuem uma perspectiva de imediatamente útil, ou vigorosamente produtivo, conforme as necessidades
lucrativas do capital, ou seja, aqueles que não se encontram diretamente nos meios de produção”.
(Paz, 2001:232)

Para sermos efetivamente considerados “cidadãos”, segundo a concepção


capitalista, é necessário produzirmos ou consumirmos, e de preferência produzirmos e
consumirmos, onde aqueles que não exercem estas funções perdem sua funcionalidade e
valoração diante da sociedade. Nada mais conta além da força de trabalho e do poder de
consumo.
A idéia de velhice está assim vinculada ao papel que este grupo desempenha
ou deixou de desempenhar na sociedade, não sendo o envelhecimento uma questão
meramente relacionada à idade biológica.
Esta idéia é reforçada pela disseminação de uma “ideologia da velhice”1,
onde se contextualiza o processo de envelhecimento segundo os interesses da classe
dominante e da lógica capitalista. Segundo esta ideologia, o idoso é caricaturado
genericamente como aquele indivíduo fisicamente incapaz e mentalmente debilitado,
tornando sua exclusão social uma contingência natural e irreversível. Estaríamos ainda
na época de Manu2, primeiro legislador da Índia, que em seus códigos elaborados
aproximadamente a 200 a.C tratava os idosos como indivíduos débeis e alienados, que
sequer poderiam emitir um simples testemunho?
Temos que concentrar nossa reflexão na idéia de que a ideologia capitalista
mascara uma outra realidade, onde a marginalização do idoso é um processo social e
não um processo natural, uma vez que decorre da organização do processo produtivo
que somente valoriza a capacidade de trabalho dos indivíduos, legitima a desigualdade
social através da acumulação de capital e defende a intervenção mínima do Estado na
concessão de benefícios e garantias sociais. Se vivêssemos sob outra forma de
organização social talvez tivéssemos um outro enfoque em relação a valores e à
condição humana de sobrevivência, como afirma Ecléa Bosi:

“A noção que temos de velhice decorre mais da luta de classes que do conflito de gerações.
É preciso mudar a vida, recriar tudo, refazer as relações doentes para que os velhos trabalhadores não

1
Haddad, Eneida (1989).
2
Neto, Antonio (2002).

11
sejam uma espécie estrangeira. Para que nenhuma forma de humanidade seja excluída da humanidade é
que as minorias têm lutado, que os grupos discriminados têm agitado”.
(Bosi, 1995:12)

Outra variável determinante para a caracterização de um indivíduo idoso é a


autonomia, onde se percebe naturalmente uma maior dependência destes indivíduos em
relação aos seus familiares ou até mesmo em relação ao Estado, devido à sua maior
vulnerabilidade física e, é claro, econômica, como explica Saad:

“Com freqüência, a pessoa é considerada idosa perante a sociedade a partir do


momento em que encerra as suas atividades econômicas. Em outras ocasiões, é a
saúde física e mental o fator de peso, sendo fundamental a questão da
autonomia: o indivíduo passa a ser visto como idoso quando começa a depender
de terceiros para o cumprimento de suas necessidades básicas ou tarefas
rotineiras”.
(Saad, 1990:4)

Este é, inclusive, um dos temas de destaque tanto nos Documentos


Internacionais quanto nos Documentos Nacionais de proteção ao idoso, onde se postula
como referência para o seu tratamento no âmbito social a garantia de sua autonomia e
independência, no mais alto grau em que isto for possível.
Tende-se também a generalizar a condição de vida da população idosa, o
que não condiz com a realidade de nossas sociedades, uma vez que o idoso, assim como
qualquer pessoa de outra faixa etária, possui sua individualidade que está ligada a uma
série de fatores que a determinam. Não podemos, assim, homogeneizar a figura do
idoso independentemente das circunstâncias sociais em que ele está inserido.
Apesar de algumas características comuns, este segmento populacional está
obrigatoriamente inserido em uma realidade concreta, variável e heterogênea. Assim
sendo, os problemas e as dificuldades relacionadas à população idosa dependem das
contingências estruturais de determinado contexto social. Existem idosos pobres e ricos,
graduados e analfabetos, saudáveis e doentes...
Devemos ter em mente, portanto, que a construção da imagem da velhice é
um fator determinante para a valorização ou a desvalorização deste grupo na sociedade,
vinculando-o ou excluindo-o das oportunidades sociais. Um discurso ideológico adquire
contornos que produz reflexos imediatos e concretos na vida dos indivíduos
relacionados a esta imagem, sendo assim de extrema importância procurarmos
desmistificar as concepções negativas generalizadamente difundidas sobre a condição
do idoso.

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Deveríamos abandonar a sombria relação existente entre envelhecimento e
morte, que enxerga esta etapa de vida simplesmente como o ponto derradeiro da
existência humana, onde nos resta apenas tentar torna-lo o menos doloroso possível.
Esta visão ultrapassada do envelhecimento foi exposta na funesta afirmação de Gabriel
García Marquez no seu livro “O Amor em tempo de Cólera”: “é o período da vida em
que a morte deixa de ser uma possibilidade remota para se transformar em uma
realidade mais imediata”.
Chama a atenção à nomenclatura oficial utilizada pelo IBGE em suas
pesquisas em relação à população idosa, onde define os anos de vida a partir dos 60
anos como “sobrevida”. Esta expressão transmite a idéia de que a vida útil terminaria
aos 60, e o que cada indivíduo conseguisse viver a partir daí poderia ser considerado
como uma espécie de “tempo extra”, e que já estaria vivendo além da normalidade.
É necessário repensar seriamente a utilização de expressões como esta, que
enfraquecem qualquer tipo de conscientização em relação à inclusão do idoso na
sociedade como um elemento ativo, participativo e merecedor de dignidade e respeito.
A velhice deve ser considerada como mais uma etapa de nossas vidas que, como
qualquer outra etapa anterior, combina aspectos positivos e negativos, não podendo
jamais ser considerada apenas como o fim de um processo, processo este que seria a
nossa história de vida.
O idoso de nossas sociedades atuais está longe de ser aquela figura entregue
à inércia, já que percebemos um movimento gradativo de integração deste segmento
com as demais gerações, através do envolvimento em atividades sociais, políticas e
culturais. Observamos um grande incentivo em relação à inserção do idoso nas
dinâmicas sociais, onde muitas vezes até se exagera em tentar formar uma imagem
altamente rejuvenescida destes indivíduos que ultrapassa os limites do bom senso em
relação às características naturais de uma pessoa idosa.
Temos que ter o cuidado de não tentar fazer do idoso aquilo que ele não é,
como ocorre no caso da massificação da propaganda de produtos estéticos e da indústria
da cirurgia plástica através da mídia, que força o idoso a negar suas características
naturais e a mergulhar em uma busca por um rejuvenescimento forçado e imposto pela
sociedade, o que o expõe, muitas vezes, ao ridículo:

“A idéia tecnológica de conservação e embelezamento coloca-se no lugar da concepção


biológica e moral da velhice. E a noção do velho sábio, destinada aos poucos que, vivendo mais,
passavam sua valiosa experiência, vem sendo amplamente substituída pela de que quem é sábio não
envelhece, para os que, na atualidade tem melhores condições sócio-econômicas e, de certo modo, se
disfarçam de jovens com os recursos técnico-científicos disponíveis”.
(Negreiros, 2003:19)

13
Percebemos assim um movimento que tenta negar a velhice através de uma
falsa ideologia presente entre os próprios idosos de que se pode, e até mesmo deve-se
conviver com a velhice como se nada de diferente estivesse ocorrendo, o que não condiz
com a realidade particular de um indivíduo idoso. Este tipo de pensamento “entende a
velhice não como uma faixa etária que ganha reconhecimento no contexto de uma
sociedade pós-moderna ou pós-década de 70-80, mas sim que nega o envelhecimento,
que procura formas de adiá-lo”. (Marques, 1999:91)
O idoso tem que modificar esta maneira de enxergar a sua própria condição
social caso queira efetivamente defender os seus direitos e ter conquistas sociais
legitimadas. Não é mascarando a realidade que se irá obter algum avanço neste sentido,
mas sim assumir o envelhecimento naquilo que ele realmente é, e a partir daí lutar pela
construção de uma nova identidade social para o idoso que seja sinônimo de qualidade
de vida, respeito e cidadania, mas que não negue a si mesmo.
Não devemos assim renegar ou rejeitar a velhice, mas tentar enxergá-la e
vive-la sob uma nova ótica. Não podemos transformar um idoso em uma pessoa jovem,
sob pena de criarmos uma situação hipócrita e ilusória para estas pessoas. Mas podemos
transformar o quadro do envelhecimento se conseguirmos modificar a visão que o
restante da sociedade possui deste segmento, e principalmente, se vislumbrarmos o
milagre de transformar a lógica de produção material e organização social de nosso
mundo, que impiedosamente exclui quem não produz ou quem não consome.
A mudança de referencial da espera da morte para uma etapa de vida
produtiva pode ser ilustrada pela crescente substituição do termo “velhice” pela
expressão “terceira idade”, que melhor daria significado a esta fase da vida que teria
características peculiares como qualquer outra etapa da vida, e apresenta, sim,
problemas e dificuldades, mas também pode ser um período em que ainda se tem muito
a produzir para a vida coletiva, e muito também a se aproveitar individualmente.
Com o crescente aumento da expectativa de vida praticamente em todo o
mundo, propaga-se até mesmo o conceito de uma possível “Quarta idade” para
classificar aquela população que aumenta aceleradamente formada por indivíduos acima
dos 80 anos. A “terceira idade” seria ainda uma etapa de vida ativa e produtiva,
enquanto a “Quarta idade” poderia realmente estar ligada ao infeliz comentário de
Gabriel Garcia. Adia-se a morte e prolonga-se a vida útil, e já que não podemos ser
utópicos a ponto de falarmos em uma fantasiosa eterna juventude, que pelo menos esta
juventude seja permitida ao espírito de forma racional e equilibrada.

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É importante ressaltar que a defesa de um argumento em torno de um
envelhecimento produtivo deve levar em consideração os aspectos particulares de cada
sociedade e também de cada indivíduo em singular. Estamos aqui falando de uma maior
inserção do idoso nas dinâmicas sociais de modo a melhorar sua qualidade de vida e a
torna-lo produtivo, mas não podemos colocar estes enfoques como uma obrigação para
a população idosa.
Embutir o segmento idoso de responsabilidades sociais, como trabalhar para
garantir o seu próprio sustento, por exemplo, pode servir como argumento para eximir o
Estado de suas responsabilidades perante o sistema previdenciário e as ofertas de
serviços essenciais, colocando a culpa no próprio idoso pela má qualidade de sua vida.
O idoso deve participar ativamente da sociedade, assim como o Estado deve cumprir
com as suas obrigações.
Temos que reconhecer a evolução do Estado nas últimas décadas no sentido
de uma maior conscientização em relação ao idoso, apesar de ainda estarmos muito
longe da qualidade de vida e do amparo social almejado para este grupo. Percebe-se a
partir de 1970 o início de uma movimentação mundial em prol das garantias sociais e de
uma tutela estatal mais eficiente para a população idosa.
Ocorreu assim no ano de 1982, em Viena, a Primeira Assembléia Mundial
da ONU sobre o envelhecimento, com o objetivo de traçar diretrizes básicas a serem
adotadas pelos países em relação à população idosa. É importante ressaltar que tal
Assembléia foi o primeiro encontro mundial de representantes governamentais a tratar
especificamente da questão do idoso, tendo como grande marco a elaboração do Plano
de Ação Internacional sobre o envelhecimento, um documento em que constam 62
recomendações voltadas para as políticas públicas de tratamento à população idosa.
A partir daí, emergem em todo o mundo programas sociais, instituições e
legislações voltadas para a proteção do idoso e para sua inserção na sociedade, onde o
Brasil também se insere neste contexto e acompanha a conscientização para este
problema global: a realidade da explosão demográfica da população idosa e a
necessidade urgente de se preparar um suporte estatal que esteja adequado às demandas
desta população.
E o Direito não poderia ficar de fora deste processo. O segmento idoso é
mais um grupo social que se organiza e luta pelas suas reivindicações, exigindo
reconhecimento, participação e dignidade. Surge assim, como parte da estrutura estatal
de amparo ao idoso, um conjunto de legislações especificamente direcionadas a este

15
grupo, ratificando um processo de especialização do Direito que segue rumo à garantia e
à defesa da afirmação das múltiplas identidades existentes na sociedade.
O Direito passa a atuar, então, não somente como um arranjo voltado para a
organização e a normatização da vida social, mas também como um instrumento que
tenha um compromisso junto à minimização das desigualdades sociais, ou que viabilize,
pelo menos, uma condição de vida digna e oportunidades igualitárias de
desenvolvimento para todos os indivíduos, funcionando assim como um canal para a
efetivação da cidadania e como um elemento atenuador das diferenças sociais
existentes.
Dentre os vários segmentos sociais especificamente tutelados pelo Direito, a
população idosa se mostra em uma realidade que exige medidas imediatas de atuação do
Estado visando ao aprimoramento e à criação de canais específicos para o atendimento
de suas necessidades, fazendo surgir assim o Direito dos Idosos no Brasil.
Não se trata propriamente de uma categoria nova de Direitos, já que sempre
existiram idosos, e conseqüentemente, sempre houve uma relativa proteção social a tal
parcela da sociedade, mas o diferencial atual é uma reivindicação crescente e mais
organizada em favor desta causa, mobilizando vários setores da sociedade em
proporções não observadas anteriormente, o que leva à formulação e à criação de
instrumentos voltados para a proteção do idoso.
Esta crescente demanda por um maior amparo social ao idoso decorre do
caráter extremamente peculiar da condição de ser idoso, condição esta que possui
características não existentes em outras categorias ou grupos sociais. Poderíamos
vislumbrar que tal preocupação decorre do fato de que a condição de ser idoso atinge
momentaneamente apenas uma parcela da população, mas invariavelmente atingirá a
toda a sociedade, uma vez que todos nós estamos fadados a esta mesma condição em
uma etapa futura de nossa vida.
Este é um debate novo, pois a população idosa é um problema social novo,
se caracterizando como um novo segmento a ser inserido nas políticas públicas e nos
planejamentos governamentais. E todo novo problema que se coloca presente suscita
investigações, debates e sugestões, principalmente quando tal problema está relacionado
à vida de 16 milhões de brasileiros. Estamos falando assim de um movimento social,
uma luta pela consolidação de direitos e garantias que devem ser legitimados à
população idosa e efetivamente cumpridos.
A situação específica da sociedade brasileira em relação ao idoso é
alarmante, já que o país pode ser enquadrado dentre aqueles que não se prepararam para

16
absorver o crescimento da população idosa, e com suas instituições funcionando em
condições precárias e em alguns casos até mesmo falidas, não consegue proporcionar
uma boa qualidade de vida para a grande maioria destes indivíduos.
O país parece estar em ebulição, pois ao ritmo acelerado de crescimento da
população idosa ocorrem paralelamente a crise da Previdência pública e a sua polêmica
proposta de reforma, orçamentos comprometidos que inviabilizam investimentos na
área social e uma absurda desigualdade social, onde o Brasil possui a 3a maior
concentração de renda do mundo. E logicamente a população idosa está inserida neste
contexto, sofrendo diretamente as suas conseqüências, se caracterizando como um
segmento extremamente vulnerável diante de uma sociedade injusta e desigual, como
chama a tenção Neri e Silva:

“O Idoso brasileiro é em geral pobre, com insuficiente acesso a precários serviços


públicos de bem-estar, e tem poucas perspectivas de melhora a curto e a médio prazo. Velhos pobres e
crianças pobres são e serão as principais vitimas da desorganização do Estado”.
(Neri e Silva, 1993:216)

A situação se torna ainda mais preocupante quando analisamos os dados


oficiais do IBGE, onde em 2002 a população idosa já atinge a marca dos 16 milhões de
brasileiros, o que representa cerca de 9% da população total do país, e segundo
estimativas, este segmento continuará a crescer em ritmo acelerado. As tendências
mostram que, possivelmente em 2015, a população idosa constitua cerca de 15% da
população brasileira, fazendo com que o Brasil venha a ter a 6a maior população idosa
do mundo, e tenha que redimensionar suas políticas públicas e sociais em vistas a
absorver esta parcela populacional e adaptar a sociedade em geral a este importante
impacto demográfico:

“A questão do Idoso no país deve merecer cada vez mais o interesse dos órgãos públicos,
dos formuladores de políticas sociais e da sociedade em geral, dado o volume crescente deste segmento
populacional, seu ritmo de crescimento e suas características demográficas, econômicas e sociais”.
(Berquó, 1996:32)

O país acompanhou o processo mundial de conscientização da realidade do


idoso e passou, a partir da década de 70, a promover e a implementar gradativamente
sua rede de proteção social voltada para este grupo. Os Ministérios do Planejamento e
Assistência Social (MPAS) e a Secretaria de Direitos Humanos passaram a elaborar
programas sociais e políticas públicas de atendimento ao idoso, culminando este
processo com a Constituição de 1988, que introduz alguns pontos específicos em

17
relação ao grupo, como a gratuidade nos transportes coletivos urbanos e a
regulamentação da aposentadoria por idade, por exemplo.
Finalmente é elaborada em 1994 a Política Nacional do Idoso, que se
caracteriza como um conjunto de diretrizes e orientações básicas para as políticas
sociais de proteção ao idoso, estipulando atribuições a cada órgão governamental e
determinando as funções dos conselhos dos idosos, em nível Federal, Estadual e
Municipal.
Chega-se ao ápice da proteção social ao idoso no Brasil com a
regulamentação do Estatuto do Idoso, em Outubro de 2003, estabelecendo-se toda uma
legislação especificamente voltada para este segmento, onde se atribui, inclusive,
competências e responsabilidades de instituições governamentais, como o Ministério
Público, por exemplo, para zelar pela efetividade de tal Estatuto.
O grande problema investigado neste trabalho surge, então, neste ponto.
Articulando-se toda o sistema de amparo e proteção ao idoso no país, o Brasil possui
atualmente umas das mais completas legislações do mundo, o que é praticamente
unanimidade entre analistas e pesquisadores. Porém, não observamos uma boa
qualidade de vida para a grande maioria da população idosa do país. Uma boa parcela
deste segmento, inclusive, vive sob precárias condições de subsistência. A indagação
central que se coloca, assim, é se realmente a legislação direcionada ao idoso e a rede de
proteção para ele criada funciona, e se obtém os resultados esperados em relação à
qualidade de vida desta população.
A investigação realizada neste trabalho foi orientada no sentido de
identificar as possíveis deficiências institucionais e a ausência de mecanismos que
inviabilizam a consolidação de toda uma construção jurídica, que se torna assim
ineficaz e obsoleta.
A hipótese tomada como reflexão inicial é de que a realidade de vida do
idoso não condiz com a proteção social que lhe é garantida, sendo este fato
desencadeado, principalmente, pela ineficácia das instituições públicas que deveriam
cumprir o papel que lhes é atribuído. De que adianta uma lei se as instituições
responsáveis pelo seu cumprimento não funcionam devidamente?
A partir daí, vislumbramos algumas soluções para os problemas
identificados, com o objetivo de viabilizar uma plena efetividade para as garantias
jurídicas e sociais concedidas ao segmento idoso. É importante ressaltar que estamos
aqui tratando de uma legislação recém-promulgada ainda em fase de implementação,

18
sendo assim perfeitamente compreensível que existam entraves e deficiências tanto nos
seus fundamentos quanto na sua concretização.
Este trabalho espera contribuir para o aperfeiçoamento da legislação e da
rede de proteção social ao idoso no Brasil, tornando assim possível uma sociedade em
que a lei esteja em consonância com a realidade, e a população idosa realmente tenha a
qualidade de vida e o respeito de que é digna.

19
2. Repensando o Direito: em busca da Cidadania
Para se entender o significado e a origem de uma proteção jurídica
especificamente destinada aos idosos, é necessário remontarmos à função social do
Direito, de maneira a avaliar a evolução e as transformações ocorridas nos
ordenamentos jurídicos ao longo do tempo.
Esta análise envolve a reflexão sobre o que é o Direito, que valores devem
estar nele inseridos e também o contexto social a que ele se aplica. Somente a partir daí
é que poderemos ter uma visão clara da necessidade de se legitimar um Direito dos
Idosos, analisando a dinâmica dos sistemas jurídicos segundo as novas demandas das
sociedades atuais.
Identidade, Direito e Cidadania. Estes três elementos se misturam nos novos
movimentos sociais que emergem nas sociedades modernas, configurando-se um
cenário onde se torna difícil delimitar as fronteiras entre os interesses em jogo e os
sujeitos em ação.
O resultado deste processo é a multiplicação das identidades sociais, a
emergência de novos conflitos e, principalmente, a proliferação de direitos, onde cada
vez mais se exige a proteção do Estado segundo as necessidades mais diversas de
grupos sociais cada vez mais heterogêneos.
O próprio indivíduo está inserido em uma multiplicidade de valores, onde
por um momento pode estar participando de um movimento de sua categoria
profissional, ou estar atuando a favor dos interesses de seu bairro, ou quem sabe estar
militando em prol da defesa do meio ambiente.
As instituições sociais sofrem uma grande mudança funcional a partir da
reorientação das referências dos indivíduos, fazendo com que seja necessário
estabelecer a relação entre as transformações sociais e a consolidação da cidadania.
Defendemos a idéia de que as sociedades modernas inovaram seu comportamento no
sentido de tolerarem cada vez mais as inevitáveis diferenças sociais existentes em uma
organização capitalista que produz desigualdades não só inerentes, como necessárias ao
sistema. Desta forma, os inúmeros e heterogêneos grupos sociais existentes passam a
ser dignos de reconhecimento e lutam pela afirmação de seus direitos, obrigando a
esfera jurídica a responder a esta demanda.
O Direito se torna, então, o mecanismo social mais indicado para inserir
efetivamente todos os indivíduos em uma lógica de proteção do Estado, na medida em

20
que procura garantir a dignidade e consolidar a cidadania para todos os segmentos
sociais, reconhecendo em cada um deles sua diversidade e peculiaridade.
Este artigo pretende analisar as mudanças institucionais provocadas na esfera
do Direito, provocadas principalmente pela crescente afirmação das múltiplas
identidades sociais, e que consolidaram, por sua vez, um conjunto de garantias sociais
mais especificamente voltadas para as reais necessidades de cada grupo social,
estendendo assim os direitos de cidadania.
Aqui nos interessa mostrar como se deu à passagem de uma concepção
universal e abstrata do Direito em relação ao indivíduo para uma concepção política e
socialmente contextualizada em relação às necessidades de cada sujeito ou grupo social,
levando ao surgimento de legislações e uma rede de proteção social especificamente
voltadas para as necessidades de cada grupo social em questão.
Podemos conceituar inicialmente o Direito pela definição clássica de Kant,
onde aparece como um sistema de normas e regras que visam essencialmente conjugar
os interesses individuais e os interesses coletivos de modo a coexistirem de forma
harmônica e pacífica, definindo-se assim a esfera do Direito como um “o conjunto das
condições por meio das quais o arbítrio de um pode entrar em acordo com o arbítrio de
outro, segundo uma lei universal de liberdade”. (Kant, 1993:46)
Observa-se na definição de Kant o caráter geral do Direito, enquanto um
conjunto de normas com o objetivo essencial de regular as ações e os interesses de um
indivíduo em consonância com as ações e interesses dos demais, de modo a garantir a
coexistência das liberdades individuais e consolidar o ordenamento social como o
principal fundamento de uma comunidade.
O Positivismo jurídico foi a primeira escola de pensamento filosófico a
fundamentar todo um arcabouço teórico para o Direito, tendo Kelsen como maior ícone.
A doutrina positivista definia a esfera jurídica como amoral e não-valorativa,
funcionando como uma técnica social de ordenamento. Segundo esta escola, o Direito
deve ser considerado como um fato e não como um valor, no sentido de ordenar as
relações sociais com base nas circunstâncias concretas de existência de determinada
sociedade, e não fundamentado em modelos ideais e abstratos de desenvolvimento
humano.
O Direito não teria, assim, qualquer responsabilidade sobre a conduta moral
dos indivíduos, e nem sobre os problemas decorrentes da estratificação social,
limitando-se a legitimar um conjunto de normas através do poder de coerção. O
ordenamento jurídico tem simplesmente a função de garantir a coesão social, havendo

21
assim direitos, na concepção positivista, mesmo em Estados autoritários, hierarquizados
ou repressivos.
Também não haveria, desta forma, ligação entre Direito e justiça, uma vez
que o conceito de justiça necessariamente englobaria as noções de bem e mal, enquanto
o Direito deve procurar adquirir um caráter científico e abster-se de empregar juízos de
valor. O Direito teria uma posição neutra em relação a juízos e valores, preocupando-se
estritamente com a realidade social concreta a sua volta, e não com uma realidade
abstratamente idealizada:

“O Positivismo jurídico representa, portanto, o estudo do Direito como fato, não como
valor: na definição do Direito deve ser excluída toda qualificação que seja fundada num juízo de valor e
que comporte a distinção do próprio direito em bom e mau, justo e injusto. O direito é aquele que
efetivamente se manifesta na realidade histórico-social: o juspositivista estuda tal direito real sem se
perguntar se além deste existe também um direito ideal”.
(Bobbio, 1995:136)

O Positivismo jurídico se opõe, desta forma, à corrente jusnaturalista, que se


fundamenta no pressuposto da universalidade da essência humana e na idealização de
uma sociedade baseada em valores, enumerando todo um conjunto de direitos inerentes
ao homem, que deveriam ser universalmente válidos em qualquer circunstância,
independentemente do período histórico e da realidade concretas em questão. Passa-se
assim de uma concepção histórica e amoral do Direito para uma concepção moral e
universal da proteção jurídica.
A origem dos chamados Direitos universais nos remonta à Revolução
Francesa, que sob os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, culminou com a
elaboração da Declaração dos Direitos do homem e do cidadão em 1789, que defendia
valores essenciais a serem garantidos a todos os indivíduos.
Esta categoria de Direitos foi consolidada mundialmente através da
promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela
assembléia geral da ONU em 1948. Estariam aí legitimados os Direitos Humanos,
fortalecendo a idéia de que as sociedades devem ter uma consciência moral e valorativa
em relação à vida de seus indivíduos, modificando-se assim a ideologia vigente sobre o
tratamento a ser dado a cada cidadão:

“A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da única prova através da
qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado, e portanto, reconhecido: e essa
prova é consenso geral de sua validade”
(Bobbio, 1992:26)

22
Deste modo, a sociedade global passa a ter uma base comum de valores e
princípios morais, na medida em que a Declaração Universal é aceita por praticamente
todas as sociedades. A Declaração de 1948 se tornou um ícone mundial, na medida em
que postula todo um universo de valores a serem consolidados no convívio social,
buscando inspirar as sociedades no sentido de um desenvolvimento mais humanitário e
solidário.
Volta-se a atenção para a importância de se tratar o indivíduo com respeito e
dignidade, qualquer que seja sua condição social, inaugurando assim uma nova maneira
de se pensar o Direito, na medida em que este passa a buscar, a partir de então, a
proteção dos valores básicos e essenciais de cada sujeito.
O Direito natural se fundamenta no pressuposto de que os homens são iguais
por natureza, baseando-se principalmente no direito à vida e no direito à liberdade, que
jamais poderiam ser cerceados ao homem em hipótese alguma. A condição de igualdade
humana é postulada logo no artigo I da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
onde se afirma que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
O artigo II da Declaração alerta ainda para o fato de que os direitos inerentes
ao homem são independentes da organização específica de cada Estado e também das
diferentes condições sociais de cada indivíduo, já que “não será também feita nenhuma
distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território
a que pertença uma pessoa”.
É igualmente importante destacar a ênfase dada pela Declaração à proteção
da liberdade privada, liberdade esta que engloba também a participação política, onde o
documento defende os sistemas participativos ou representativos de governo como os
ideais para o desenvolvimento humano, ao postular no artigo XXI, inciso 1 o, que “Todo
homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por
intermédio de representantes livremente escolhidos”.
O texto condena também práticas cruéis de punição e persuasão, como a
tortura, por exemplo, estendendo a todos os indivíduos a proteção da lei, o direito de
defesa e o acesso à justiça de forma igualitária e sem qualquer tipo de distinção.
Percebe-se, além disso, no artigo XXV, prenúncios de garantias que
futuramente viriam a formar os Direitos Sociais, como o direito ao trabalho, ao emprego
e à educação, além de garantias “a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua
família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em casos de

23
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência e circunstâncias fora de seu controle”.
Igualmente interessante é observar a menção à proteção da criança no
mesmo artigo, indicando a orientação do Direito no sentido de uma especialização da
tutela em relação a grupos específicos da sociedade, processo este que seria consolidado
mais tarde nas mudanças relativas aos direcionamentos dos conteúdos do Direito.
E, finalmente, discute-se muito o polêmico artigo XVII, que institui a
propriedade privada como um direito natural:

§ 1º Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

§ 2º Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Ao se conceber a propriedade privada como um direito natural do homem,


legitima-se na prática a desigualdade social, na medida em que dificilmente o acesso a
oportunidades de desenvolvimento e ascensão social será igual para todos os sujeitos.
Não está explícito nesta formulação o limite à propriedade, tornando lícita uma
acumulação desigual e a estratificação social entre os indivíduos, legitimando assim os
fundamentos capitalistas sob os pressupostos do direito natural.
Resultado desta polêmica é que nos documentos posteriores de
recomendações e tratados da ONU em relação aos direitos humanos estão excluídas
quaisquer referências à propriedade, tornando evidente que a desigualdade social não
pode ser concebida como parte de um processo natural de direito à propriedade.
Poderíamos vislumbrar com estas observações que os chamados Direitos
naturais não seriam assim tão “naturais” como se pensa, mas antes estão também
inseridos em um contexto ideológico e político de determinada sociedade e de
determinado período histórico.
Apesar de postular uma universalização do status do indivíduo, os valores e
ideais a que aspiram os direitos humanos também variam conforme a época e a
comunidade em questão, o que se torna claro com o problema da propriedade privada
citado anteriormente, confirmando a idéia de que “também os direitos do homem são
direitos históricos, que emerge gradualmente das lutas que o homem trava pela sua
própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas
produzem”.(Bobbio, 1992:32)
O que parece ser natural hoje poderia não ser assim considerado no passado,
e provavelmente pode também ser descartado deste status no futuro. Os homens
mudam, os pensamentos retrocedem ou evoluem e a sociedade se transforma, fazendo

24
com que as noções de “direito natural” ou “direito essencial” também estejam sujeitas
às especificidades sociais de determinada realidade.
Assim sendo, a idealização do homem abstrato passa pela análise da
realidade concreta deste homem, onde se observam suas condições de vida, suas
necessidades e suas dificuldades, elaborando-se um “direito natural” que passa a atuar
empiricamente como um conjunto de valores e ideais a serem consolidados no contexto
social da vida humana através de sua legitimação pelo poder dos aparelhos estatais:

“Uma coisa é um Direito; outra, a promessa de um Direito futuro. Uma coisa é um Direito atua; outra,
um Direito potencial. Uma coisa é ter um Direito que é, enquanto reconhecido e protegido, outra é ter
um Direito que deve, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, precisa transformar-se,
de objeto de discussão de uma assembléia de especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo
dotado de poder de coerção”.
(Bobbio, 1992:83)

A constatação de que os contextos histórico, social e político interferem


diretamente no ordenamento jurídico nos leva à reflexão de que não podemos
generalizar a condição humana como postula a corrente jusnaturalista, onde temos de
estar atentos para o fato de que os homens são diferentes e vivem de forma diferente.
São inúmeras as diferenças entre os homens, que ora podem ser naturais, ora
podem ter uma origem social. Como exemplo poderíamos citar o caso dos deficientes
físicos, naturalmente diferentes, e a extrema desigualdade econômica entre grupos de
indivíduos, diferença esta tipicamente social. O idoso, objeto de análise neste trabalho,
também pode ser considerado “diferente” na medida em que se caracteriza como um
indivíduo que está vivendo uma etapa particular da vida humana, o que requer cuidados
especiais e um tratamento diferenciado por parte do Estado.
As diferenças entre os indivíduos muitas vezes já colocam dificuldades
intrínsecas para a vida cotidiana, fazendo com que a consolidação da Cidadania e das
garantias sociais se torne um processo lento e complexo. Porém, é importante ressaltar o
processo tardio do Direito em reconhecer estas categorias sociais específicas como
objeto de tutela jurídica, já que somente em nossos dias atuais consolidam-se
legislações voltadas especialmente para atender às necessidades peculiares inerentes a
grupos sociais específicos.
Observando a realidade concreta e constatando a diversidade social
existente, John Rawls elaborou a sua Teoria da Justiça fundamentada nos princípios do
equilíbrio e da correção das desigualdades.

25
O autor propõe que as instituições sociais devem corrigir possíveis
diferenças sociais, de modo a garantir a própria segurança da comunidade.
Reconhecendo que inevitavelmente as sociedades apresentarão graus de estratificação,
cabe às instituições formais concederem benefícios sociais de maneira que atenuem,
pelo menos, os níveis desta desigualdade.
Rawls defende, inclusive, que se deve até mesmo priorizar as classes mais
carentes em caso de desigualdades sociais extremas, afirmando que “para tratar
igualmente todas as pessoas, para permitir uma genuína igualdade de oportunidades, a
sociedade deve dar melhor atenção aos que nasceram em posições sociais menos
favorecidas”. (Rawls, 2002:95)
A justiça seria efetivamente alcançada através da correção das desigualdades
naturais e sociais, tornando assim possível o pleno exercício da cidadania e do usufruto
dos direitos sociais por todos os indivíduos. O autor não questiona uma possível justiça
ou injustiça no caso das desigualdades naturais e sociais existentes entre os homens,
mas julga como justa ou injusta a atuação das instituições sociais no processo de
reparação e minimização destas desigualdades.
Seria legítimo, desta forma, ocorrer um desequilíbrio na orientação das
garantias e dos benefícios sociais segundo a concepção de Rawls, desde que em favor
dos menos favorecidos. Podemos citar o caso de vagas especiais destinadas a portadores
de deficiências físicas em concursos públicos e o programa de destinação de cotas
universitárias para grupos sociais considerados excluídos e desprivilegiados como
exemplos da aplicação efetiva deste princípio.
O Direito estaria, então, inserido em um processo de responsabilidade
perante as diferenças sociais, cabendo também ao ordenamento jurídico viabilizar meios
que propiciem o equilíbrio social através da implementação de políticas sociais
especificamente direcionadas para grupos marginalizados.
O processo de especialização do Direito marca definitivamente a inserção da
esfera jurídica no reconhecimento e na valorização das múltiplas identidades sociais,
fortalecendo-as através da defesa de suas demandas específicas. A diferença passa a ser
defendida como um valor pessoal de cada indivíduo e de cada grupo social que deve ser
respeitado, fazendo com que o Direito evolua no sentido de legitimar uma sociedade
plural, heterogênea e minimamente igualitária.
A especialização do Direito marca definitivamente o processo de passagem
da tutela dos direitos do homem para os direitos do cidadão. Isto significa a reorientação
do olhar sobre o homem e sobre a própria noção de indivíduo, onde a partir de agora se

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contextualiza o ser humano enquanto um sujeito historicamente, socialmente e
temporalmente determinado, e não mais como um sujeito abstrato e universal dotado de
uma mesma essência e das mesmas necessidades.
Desta forma, o Direito não pode mais conceber o homem de maneira
universal e abstrata como propunha a teoria jusnaturalista, e muito menos se manter
neutro e amoral diante dos problemas sociais como defendia o positivismo jurídico,
adquirindo assim uma importante função de garantir e efetivar a cidadania através da
tutela das múltiplas identidades e grupos sociais existentes. Esta é nova face do Direito,
marcada pela especificação e pela ampliação dos grupos e sujeitos merecedores de
amparo jurídico.
Vivemos num momento histórico marcado pelo que Bauman chama de
“guerra de reconhecimento”, caracterizado pela constante e crescente emergência de
reivindicações de grupos sociais que lutam pela afirmação de seus direitos, abrindo-se
assim um variado leque de novas identidades que mostram a sua cara e exigem que
sejam ouvidos, realçando o caráter multifacetado existente em nossas sociedades atuais.
Isto significa que:

“Se o reconhecimento for definido como o direito à participação na interação social em


condições de igualdade, e se esse direito for por sua vez concebido como uma questão de justiça social,
isso não quer dizer que todos tenham direitos iguais à estima social, mas apenas que todos têm direito de
procurar a estima social em condições de igualdade”.
(Bauman, 2003:72)

A luta pelo reconhecimento pretende reforçar a idéia de um diálogo


multicultural que perpasse a estratificação das classes sociais, afirmando o direito de
cada grupo social lutar pelos seus respectivos interesses sem qualquer tipo de
discriminação ou impedimento social, mesmo que a sociedade ainda se mostre
empiricamente injusta e desigual. Agora todos participam, discutem e reivindicam, e
este se torna um Direito estendido a todas as formas de expressão cultural e identitária.
Desta forma, a consolidação da cidadania pelo Direito tem que levar em
consideração tais peculiaridades e diferenças existentes entre os indivíduos, de modo a
garantir a todos, indistintamente, os padrões mínimos de qualidade de vida e dignidade.
Esta mudança de sentido do Direito está envolvida, além da questão cultural,
no contexto de uma discussão acerca de possíveis soluções para problemas como a
desigualdade social e a miséria, presentes em praticamente todos os países do mundo.
Elaboram-se programas governamentais, acordam-se tratados internacionais e mobiliza-
se até mesmo a sociedade civil no debate em torno destas mazelas sociais.

27
Diante deste quadro, o Direito também passa a ser cobrado enquanto um
instrumento voltado para a consolidação da cidadania, tendo que dar sua contribuição à
solução de tais questões, fazendo com que os processos legislativos e a aplicação das
normas se voltem obrigatoriamente para um contexto de justiça social, passando a ter
responsabilidades diretas na mediação dos conflitos de classe e na diminuição das
desigualdades sociais.
O Direito evolui, então, no sentido de uma reconceituação funcional,
caminhando no sentido de passar de um instrumento meramente regulador e ordenador
da vida social para atuar como um elemento transformador, ligando-se diretamente à
busca pela qualidade de vida e pelas condições mínimas de bem-estar e sobrevivência.
Com a complexidade da estrutura social das sociedades modernas e com a
crescente estratificação existente dentro de um sistema de classes típico das sociedades
capitalistas, o Direito passa, então, a ser utilizado como um instrumento de luta pela
igualdade social e pela efetividade das garantias sociais.
Surgem assim os chamados Direitos Sociais, cada vez mais reivindicados
por todas as camadas da sociedade em nome de valores e condições de sobrevivência
que, em tese, deveriam ser comuns a todos os seres humanos, já que dignidade e
qualidade de vida seriam aspectos indispensáveis para o pleno desenvolvimento dos
potenciais humanos, desenvolvimento este que seria um direito inerente à própria
condição humana enquanto tal.
Os direitos sociais são definidos no conceito clássico de cidadania elaborado
por Marshall, que apresenta nesta definição três categorias principais de Direitos: os
direitos civis, que consistem basicamente na proteção do indivíduo contra possíveis
arbitrariedades do Estado; os direitos políticos, que se caracterizam pela liberdade de
participação dos indivíduos nos processos de discussão e decisão dos assuntos públicos;
e, finalmente, os direitos sociais, que consistem em garantias sociais que consolidem “o
direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por
completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os
padrões que prevalecem na sociedade”. (Marshall, 1967:63-64)
Observa-se claramente na definição de Marshall a preocupação com a
diminuição das desigualdades sociais, uma vez sua formulação ressalta o direito a todos
os indivíduos de terem condições de vida compatíveis com o padrão geral existente na
sociedade, ou pelo menos, de terem condições de vida próximas a este padrão,
excluindo-se assim diferenças extremas entre indivíduos de classes sociais diferentes.

28
Os Direitos sociais tendem, então, a se especializarem cada vez mais,
seguindo na “direção de uma maior especificação em termos seja de gênero, seja de
idade ou fases da vida, ou seja ainda em Estados particulares ou excepcionais da
espécie humana”. (Domingues, 2001:217)
Legislações específicas têm a importância de observar as diferenças
humanas em todos os seus aspectos, abrindo indicativos de soluções para problemas
sociais que têm causas múltiplas e diferenciadas. Os problemas de uma criança não são
os mesmos de um idoso, assim como as dificuldades de um indivíduo pertencente a uma
classe abastada não são as mesmas de um sujeito pertencente a uma classe empobrecida,
caracterizando assim situações completamente diversas dentro de uma mesma
sociedade.
Daí a necessidade de estatutos e leis específicas voltadas para grupos
particulares, onde a partir de demandas ímpares de cada grupo estipulam-se garantias
igualmente diferenciadas para cada um deles.
Exige-se assim que o Direito tenha que se multiplicar de acordo com cada
uma das necessidades que se mostram presentes. Demandas múltiplas pedem soluções
igualmente múltiplas, que não terão necessariamente correlação entre si, por estarem
tratando de questões relacionadas a um grupo peculiar, estando aí o espírito das
legislações específicas.
Bobbio apresenta três caminhos fundamentais pelos quais o Direito foi
conduzido à necessidade da especificação. Em primeiro lugar, “aumentou a quantidade
de bens considerados merecedores de tutela”, criando-se assim novos objetos passíveis
de proteção e análise jurídica. Em segundo lugar, “foi estendida a titularidade de
alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem”, e finalmente, “o próprio homem
não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na
especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade...”.
(Bobbio,1992:68)
O aumento dos bens merecedores de tutela significa a extensão e a
ampliação dos direitos individuais, como o incremento dos direitos sociais e o direito à
participação política. Passa-se da chamada liberdade negativa, onde o indivíduo tinha
apenas um conjunto elementar de direitos voltados para a sua proteção contra possíveis
ameaças do Estado e de outros sujeitos contra a sua vida, para a liberdade positiva, onde
cada indivíduo passa a ser dotado de um poder reivindicatório e de liberdade de atuação
dentro da dinâmica social. Reconhece-se e legitima-se uma série de garantias,

29
aumentando o status de cada cidadão através da ampliação de seus direitos de
participação.
Bobbio observa também a extensão de direitos ao que chama de “sujeitos
diversos do homem”, o que significa o reconhecimento e a proteção jurídica a grupos
sociais vistos como um todo, segundo as suas necessidades e aspirações, onde o Direito
passa a tutelar não somente direitos individuais a sujeitos isoladamente concebidos, mas
também a grupos que possuam identidade e necessidades comuns, demandando uma
proteção social que pode ser tutelada coletivamente. As garantias concedidas às
minorias étnicas podem ser um exemplo desta nova expressão do Direito.
A especificação inaugura um novo momento do Direito, onde o homem-
cidadão passa a ser observado agora segundo as suas condições particulares de vida,
seja em termos de gênero, idade ou deficiências, fazendo com que a própria luta pela
cidadania adquira contornos igualmente específicos, variando de sujeito para sujeito ou
de sociedade para sociedade. Os direitos fundamentais à vida e à liberdade não são mais
suficientes numa sociedade que se torna cada vez mais complexa, diversificada e
exigente de um modo geral.
Deste modo, quando se pretende garantir aos indivíduos proteção e
benefícios sociais através do Direito, deve-se pensar nas necessidades específicas e
contingentes que cada sujeito possui de modo a suprimir possíveis entraves e obstáculos
à sua plena cidadania e ao desenvolvimento, consolidando assim o equilíbrio social.
Desta forma, a igualdade será alcançada a partir da diferença. É preciso
minimizar as diferenças entre os indivíduos de modo que cada um possa, de alguma
forma, dar sua contribuição à sociedade e dela receber os benefícios a que tem direito,
cabendo à esfera jurídica consolidar garantias que visem a harmonia no exercício da
cidadania.
Surge, então, o Direito dos deficientes físicos e o Direito dos Idosos, por
exemplo, como expressões de garantir aos sujeitos pertencentes a cada um destes grupos
a possível redução de suas dificuldades, que os impedem de participar ativamente da
dinâmica social.
Utilizamos aqui o Direito dos Idosos como símbolo do processo de
especificação e adequação do Direito às novas demandas sociais, mostrando assim que a
elaboração jurídica deve estar em constante reflexão sobre as dinâmicas sociais a que
serve.
Longe de ser um sistema fechado e imutável, o Direito deve estar sempre
pronto a inserir, modificar ou reformular fundamentos que se mostrem

30
descontextualizados em relação à realidade social concreta. Assim, “todo Direito é
temporário: apenas transitoriamente constitui a expressão legítima das condições
adequadas de desenvolvimento”. (Wolkmer, 2001:68)
As necessidades do idoso no Brasil não são as mesmas necessidades do
idoso em outros países, assim como as demandas de hoje podem não ser as mesmas
demandas de amanhã, já que nossas sociedades se transformam de maneira profunda,
imprevisível e, muitas vezes, irreversível.
Isto obriga o Direito a uma constante reflexão sobre si próprio caso pretenda
atuar de forma determinante na sociedade de modo a não perder o contato com a
realidade, o que tiraria o seu significado e a sua importância, pois neste caso passaria a
representar simplesmente um ordenamento social minimamente necessário para a
coexistência pacifica, e não mais funcionar enquanto um instrumento de transformação
social, que deve ser sempre o seu referencial.
Transformação social e Direito devem estar obrigatoriamente relacionados, o
que deve resultar numa relação de interpendência entre ambos, onde o Direito deve
assimilar as demandas sociais provenientes de uma nova realidade que se faz presente,
assim como esta nova realidade deve igualmente se adaptar às novas exigências
impostas pelo Direito, de modo a orientar as relações sociais e dinamizar o
desenvolvimento coletivo.
A elaboração jurídica exige neste momento um olhar atento sobre a
sociedade, já que “o nascimento, e agora o crescimento dos direitos do homem são
estreitamente ligados à transformação na sociedade, como a relação entre a
proliferação dos direitos do homem e o desenvolvimento social o mostra claramente”.
(Bobbio,1992:73)
Quanto mais complexa a sociedade, maior a demanda por direitos, e quanto
mais diversificada economicamente e culturalmente, maior ainda as exigências e
também as dificuldades a serem enfrentadas pelo Direito.
O Direito do Idoso é um reflexo imediato da relação entre mudança social e
Direito, sendo resultado da observação de que os indivíduos situados nesta fase da vida,
no caso a idade avançada, necessitam de cuidados específicos, exigindo-se assim uma
legislação igualmente específica que remova quaisquer empecilhos que eventualmente
levem à exclusão destes indivíduos da sociedade.
Os idosos se tornam um objeto peculiar do Direito por possuírem
características físicas, naturais e sociais próprias da sua condição, e que
conseqüentemente demandam problemas e soluções igualmente singulares, não

31
podendo assim, serem incluídos em outra modalidade a não ser em um específico e
exclusivo Direito do Idoso.
A função do Direito dos Idosos seria, então, a de minimizar as diferenças
pertinentes a uma pessoa idosa de modo a permitir que esta condição não seja um
obstáculo para o exercício da cidadania, e mais do que isso, possibilite aos idosos uma
relativa igualdade de acesso às oportunidades e aos benefícios sociais em relação aos
demais indivíduos, tirando-os de uma situação de exclusão social e inserindo-o como
um elemento produtivo e funcional dentro da sociedade.
A dificuldade que se observa, porém, é que a relativa melhoria da qualidade
de vida em geral nas sociedades e o aumento da expectativa de vida, devido ao
incremento da tecnologia e do acesso a bens e serviços, não é acompanhada de um
equivalente planejamento social em relação à população idosa, fazendo com que a rede
de proteção social ainda se mostre extremamente deficiente em relação a esta parcela da
sociedade.
A busca pela efetividade dos Direitos dos Idosos se caracteriza, assim, como
um processo que adquire o caráter de um movimento social de luta pela afirmação
destes direitos, realçando novas maneiras de se pensar o idoso a partir de sua inserção
nas transformações ocorridas em uma sociedade marcada por novas dinâmicas, novas
problemáticas e por novos grupos de conflito.
A luta pela consolidação dos direitos dos idosos serve para ilustrar as
características marcantes dos movimentos sociais de nossos dias, que apresentam
sentidos diferenciados em relação aos movimentos sociais de épocas anteriores. Neste
ponto chama a atenção que “há uma tendência para a base social dos novos
movimentos sociais transcender a estrutura de classes”, já que emergem conflitos com
base em ideais que perpassam a questão econômica e o sistema de divisão de classes.
(Gohn, 1997:127)
Percebemos que a problemática dos idosos não é uma questão que possa ser
reduzida à esfera econômica e ao sistema sócio-econômico de divisão de classes, uma
vez que ser uma pessoa idosa é uma fase natural da vida que suscita dificuldades
inerentes a esta condição, independentemente da posição social de um indivíduo idoso.
Em geral, idosos pertencentes a classes consideradas ricas assim como
idosos pertencentes a classes consideradas pobres, passam por dificuldades semelhantes,
que demandam, desta forma, as mesmas soluções, como por exemplo, as dificuldades
de locomoção, que exigem adaptações em meios de transporte, habitações e espaços
públicos.

32
É claro que algumas dificuldades podem ser atenuadas pelo acesso a bens de
consumo e serviços de qualidade viabilizados por uma condição econômica favorável.
Porém, muitas vezes o aspecto financeiro não pode minimizar alguns problemas em
relação ao idoso, fazendo da sua luta um movimento que envolve questões econômicas,
culturais, políticas e naturais.
O aspecto cultural presente na demanda pelo Direito dos idosos explicita
mais uma vez o caráter peculiar da condição desta parcela da população, “envolvendo a
emergência de novas dimensões de identidade” e “aspectos íntimos da vida humana”.
(Gohn, 1997:127)
Podemos caracterizar a crescente mobilização pela causa dos idosos como
resultado do fortalecimento da identidade coletiva deste grupo, identidade esta reforçada
pelas suas características em comum que os tornam diferenciados do restante da
população. Ser idoso passa, então, a se configurar como uma nova identidade social que
supre todas as identidades anteriores da experiência de vida da pessoa, como as
identidades relacionadas à classe social ou ao trabalho, por exemplo.
Na identidade coletiva dos idosos não importa se nos referimos a médicos ou
operários, sujeitos ricos ou pobres ou a indivíduos brancos ou negros, ali todos são
idosos, e mais do que isso, todos são igualmente idosos que têm os mesmos problemas e
reivindicam os mesmos direitos, e esta é a identidade que prevalece neste momento,
criando assim uma nova identidade coletiva e um novo fenômeno social.
Infelizmente, nossas sociedades têm memória curta, e todo a história devida
de um indivíduo pode ficar deslocada para segundo plano e até mesmo completamente
esquecida em função de seu envelhecimento, onde tais sujeitos passam a ser vistos
simplesmente como “velhos”, marcados pela debilidade mental, pela invalidez física e
pela improdutividade, sendo assim completamente desintegrado da dinâmica social.
Olhamos para o mundo a nossa volta e enxergamos apenas aspirações
materiais, não existindo mais lugar para um indivíduo idoso em nossa organização
social. Nos esquecemos, porém, que inevitavelmente todos temos este destino comum: a
condição de idoso. Hoje são eles, amanhã somos nós.
O idoso se apresenta, então, como mais um grupo social que se mostra
excluído de oportunidades e benefícios em nossas sociedades atuais. O Direito dos
Idosos surge como uma alternativa para compensar ou, pelo menos, minimizar os danos
causados por uma organização sócio-econômica que não valoriza o que nós somos, mas
aquilo que nós produzimos. E se não produzimos não somos nada, praticamente não
participamos da vida social.

33
O Direito passa a ter a difícil missão de colocar-se contra a tendência à
degradação da espécie humana desencadeada pelo capitalismo, tendo que conceder
garantia e proteção contra as mazelas humanas que o sistema capitalista insiste em
caracterizar como inevitáveis ao processo de evolução das sociedades.
Pronto a se questionar no momento em que a sociedade se questiona, o
Direito se torna um instrumento de resgate da cidadania e da dignidade humana. Este é
o ponto de chegada do processo de evolução do Direito em nossos dias atuais, onde ele
se multiplica e se especifica na tentativa de resolver os problemas e as usurpações
sociais que igualmente se multiplicam e se especificam.
Temos que concordar com Weber quando percebemos a “Irracionalidade
ética do mundo”3, na medida em que os conflitos sociais se tornaram inevitáveis e
irreconciliáveis, tornando praticamente impossível a existência de um direito para todos.
A especialização do Direito carrega em si um lado negativo, onde os direitos de um
grupo podem estar em conflito com os direitos de outro grupo, cabendo à esfera jurídica
a inusitada missão de conciliar interesses inconciliáveis. Daí o caráter irracional de
nossas sociedades descrito por Weber, onde apenas uma parte da sociedade terá suas
necessidades plenamente atendidas às custas do desfavorecimento da outra parte.
O ideal dos Direitos dos idosos é exatamente resgatar o respeito a este grupo
de indivíduos que não pode mais passar despercebido. Os direitos já foram legitimados,
só nos resta agora lutar pela sua efetiva consolidação, e passar do discurso para a
prática, do texto para o cotidiano, da consciência para a ação...

3
Ver Freund, Julien: Sociologia de Max Weber,1975.

34
3. O Mundo que envelhece: um Impacto Demográfico, uma
Transformação Social
O envelhecimento da população mundial é o novo desafio a ser enfrentado
em nossas sociedades, atingindo tanto os países desenvolvidos quanto os países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Pelo caráter inédito da transformação do
perfil das populações mundiais, o mundo enfrenta agora a missão de se adaptar a esta
nova dinâmica demográfica e de enfrentar os problemas dela decorrentes.
Observando-se as transformações demográficas da população em todo o
mundo, percebemos dados que ratificam a urgência na implementação de um
planejamento social voltado para o amparo ser dado ao segmento idoso, que está
gradativamente deixando de ser uma minoria para se tornar um grupo que atinge
proporções quantitativas determinantes e relevantes para toda a estrutura social.
Em 1950, estimavam-se cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, já em
1998, quase cinco décadas depois, este contingente alcançava 579 milhões de pessoas,
um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. Calculados em torno de
600 milhões de indivíduos no ano 2000, os idosos podem atingir a marca de 2 bilhões
em 2050, o que significaria a duplicação da população idosa mundial, que passaria da
proporção de 10% para representar 21% da população mundial total.
Para termos uma idéia mais clara do crescimento da população idosa em
todo o mundo, dados nos mostram que atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60
anos de idade ou mais; para 2050, estima-se que a relação será de um para cinco para a
população global, e de um para três para o mundo desenvolvido.
Concretizando-se estas projeções, teremos um surpreendente perfil
demográfico da população mundial, onde o número de idosos será maior do que o
número de crianças, podendo-se chegar até mesmo ao dobro de idosos em relação à
população infantil no caso de alguns países desenvolvidos.
É interessante destacar também o aumento do número de idosos acima dos
80 anos, estimados em 70 milhões no 2000 e podendo alcançar a marca de 350 milhões
num período de 50 anos. Chama a atenção o fato de que este segmento da população
idosa é a que apresenta o ritmo mais acelerado de crescimento, projetando-se que passe
a representar cerca de 19% da população mundial acima dos 60 anos em meados de
2050.
Devido à idade extremamente avançada e às dificuldades inerentes a esta
etapa de vida, este grupo demanda uma atenção especial por parte do Estado, já que

35
necessitam de cuidados diferenciados ainda maiores em relação ao restante da
população em geral.
O quadro abaixo apresenta o percentual que a população idosa representa
nos países destacados, onde percebemos que são exatamente os paises mais
desenvolvidos que apresentam os maiores índices de indivíduos acima dos 60 anos:

País Proporção da população idosa


Itália 23,1%
Japão 22,3%
Alemanha 21,8%
Reino Unido 20,4%
França 19,7%
Estados Unidos 15,9%
Argentina 13,2%
Cuba 13%
China 10,8%
Brasil 8,6%
Fonte: Demografic Year Book, ONU, 1999.

As projeções indicam um crescimento maior da população idosa nos países


subdesenvolvidos, estimando-se que o segmento idoso destes países poderá se
quadruplicar nos próximos 50 anos, passando a representar cerca de 19% da população
total destes países. Podemos citar como exemplo a Ásia e a América Latina, onde se
espera um crescimento da população idosa de 8% para 15% neste período de tempo.
Este crescimento seria explicado pela crescente melhoria da qualidade de vida e da
infra-estrutura social destes países, o que elevaria a expectativa de vida.
Dentre os países classificados como desenvolvidos, que já apresentam um
percentual relativamente alto de idosos, devido à boa qualidade de vida e aos altos
níveis de desenvolvimento econômico, podemos tomar como exemplo a Europa, onde
se estima um aumento do percentual de idosos de 20% para 28%, e a América do Norte,
onde se projeta um crescimento proporcional do segmento idoso de 16% para 26% da
população total.
Dentre os dados mais relevantes em relação ao envelhecimento mundial da
população, merece destaque o fato de que a maioria destes indivíduos é do sexo
feminino, parcela que corresponde a 55% do total de idosos.
Além disso, observam-se também diferenças estruturais no perfil e nas
condições de vida da população idosa nos países desenvolvidos e nos países
subdesenvolvidos, o que acarreta na elaboração de políticas públicas específicas
segundo as necessidades e os problemas de cada país.

36
Um dos contrastes mais sérios observados consiste na distribuição da
população entre as zonas urbana e rural. A população idosa presente nos países
desenvolvidos concentra-se majoritariamente nas zonas urbanas, estimando-se que em
2025 cerca de 82% dos idosos vivam nestas regiões. Os países subdesenvolvidos, ao
contrário, apresentam uma grande concentração da população idosa nas zonas rurais,
projetando-se para 2025 um cenário onde menos da metade desta população estará
vivendo nas zonas urbanas.
A distribuição populacional desigual entre as zonas rural e urbana implica
em sérias conseqüências para o desenvolvimento e a proteção social dos idosos nos
países subdesenvolvidos.
Na medida em que possuem mecanismos estatais e institucionais deficientes
e insuficientes para resolver as demandas sociais, tais países tendem a apresentar
imensas discrepâncias entre as condições de vida na zona rural e na zona urbana. Muitas
vezes as zonas rurais encontra-se em estado de abandono, onde os benefícios sociais e a
estrutura de amparo do Estado não chegam a estas regiões, e muitas vezes nem são
conhecidas por seus moradores. Isso significa que a grande maioria da população idosa,
concentrada nestas áreas, pode estar condenada a viver em condições de vida precárias,
sem acesso a um mínimo de serviços essências à subsistência.
Não estamos aqui falando estritamente de números e dados estatísticos, mas
da qualidade de vida de milhares de indivíduos situados na condição de idoso, e
principalmente de uma nova sociedade que se forma, exigindo a reformulação das
políticas públicas e do planejamento estatal visando ao desenvolvimento deste novo
perfil social. Na situação dos países subdesenvolvidos, por exemplo, seria necessário
rever todo planejamento social de modo que os investimentos no desenvolvimento
social e na consolidação de benefícios fossem efetivamente estendidos à população
rural, onde estaria situada a maioria da população idosa, o que tornaria mais homogênea
a qualidade de vida no campo e na cidade.
A velhice é, assim, uma questão social que diz respeito a toda a sociedade,
e não unicamente às pessoas idosas. A mudança do perfil populacional provoca
mudanças em toda a estrutura e organização social, o que afeta indistintamente todos os
indivíduos, independentemente de sua idade.
O papel e as atribuições do Estado passam a ser relevantes para se
determinar o nível em que as transformações demográficas afetarão a população,
exigindo que o Estado se reformule diante de uma nova circunstância que surge e de
novas necessidades que se apresentam.

37
Por um lado, pode-se pensar em uma situação de desequilíbrio social onde o
Estado não será capaz de suportar o fardo do envelhecimento populacional, adotando
como saída a privatização de serviços e benefícios públicos, como o sistema
previdenciário, por exemplo, transferindo-se assim parte da responsabilidade do Estado
para a iniciativa privada e para a sociedade civil em geral. Por outro lado, vislumbram-
se alternativas para se adaptar às transformações demográficas, como a criação de mais
postos de trabalho através do fomento da economia proporcionado pelo incentivo ao
consumo e às atividades de lazer e cultura voltadas para o público idoso.
A atuação do Estado e de toda a sociedade sobre este novo mundo que se
apresenta diante de nós exige reflexão, discussão e atitude. Diante da constatação da
necessidade imediata de amparo e proteção social ao segmento idoso, este tema passou
a fazer parte da agenda oficial dos Estados através de Assembléias e Encontros
envolvendo representantes de praticamente todos os países do mundo, o que resultou na
elaboração de Documentos e Tratados Internacionais voltados para a atenção ao idoso.
A conscientização mundial sobre a necessidade de se discutir
especificamente as problemáticas relativas à população idosa se concretizou a partir de
1977, quando a ONU decide convocar uma Assembléia Geral para debater as questões
relativas à população idosa e propor, a partir daí, políticas públicas e programas sociais
que venham a proporcionar uma boa qualidade de vida para este segmento da sociedade.
Isto mostra que a discussão sobre os problemas sociais relacionados à
população idosa é um debate recém-inaugurado. Até antes do período citado, o idoso
raramente era objeto de discussão nas assembléias da ONU, sendo apenas
esporadicamente mencionado dentro de algum debate inserido em um tema mais amplo,
como trabalho ou saúde, por exemplo, mas nunca tratado isoladamente segundo os
problemas específicos de seu grupo.
O ano de 1999 foi instituído como o Ano Internacional do Idoso, marcado
por uma serie de atividades visando à conscientização mundial sobre as questões do
envelhecimento. O 1o de Outubro passou a ser celebrado em praticamente todo o mundo
como o Dia do Idoso, momento oportuno para lembrar as dívidas que a sociedade
possui junto a este segmento.
O marco deste movimento foi a instituição do tema “Uma sociedade para
todas as idades”, que passou a funcionar como o grande fundamento filosófico em
defesa dos idosos, no sentido de postular a construção de uma sociedade em que todas
as gerações obtenham benefícios da vida coletiva e tenham oportunidades de
desenvolvimento e participação.

38
Quando se fala em uma sociedade para todas as idades temos que pensar na
existência de uma estrutura social que adote políticas e programas sociais que
estimulem o desenvolvimento pessoal de todos os indivíduos, fundamentando-se na
noção de que a integração entre todos facilitará, por conseqüência, a evolução individual
de cada um.
É fácil perceber que ainda estamos longe de alcançarmos uma sociedade
organizada sob estes princípios, a não ser se pensarmos de maneira extremamente vaga
e utópica. O desenvolvimento do capitalismo exige uma sociedade materialista e
competitiva, enfraquecendo os laços de solidariedade e cooperação entre os indivíduos.
O individualismo impera, e a diferenciação entre os indivíduos e as classes sociais se
torna algo inerente ao sistema.
Quando se trata especificamente do idoso, a idéia de uma sociedade para
todas idades se torna um sonho ainda mais distante, na medida em que se unem fatores
negativos como a criação de estereótipos pejorativos, a exclusão do mercado de trabalho
e a deficiência da assistência social por parte do Estado. O idoso se coloca numa
posição de exclusão em praticamente todas as esferas sociais, perdendo seu poder
aquisitivo e a qualidade de vida que tinha ainda mais jovem.
Nos resta como esperança perceber que a idéia de uma sociedade que seja
realmente estruturada para todas as idades pode estar a caminho, pois os primeiros
passos já foram dados em relação à posição do idoso na sociedade. Nos serve como
consolo observar que toda a mobilização mundial em prol da proteção do idoso ocorrida
ao longo dos últimos 20 anos resultou na formulação de tratados, orientações e
legislações, que esperamos serem efetivamente consolidadas com a evolução deste
processo. O primeiro passo foi dado, restam muitos outros pela frente.
Analisaremos, então, os principais documentos e encaminhamentos
internacionais que foram resultado desta conscientização mundial em relação aos
idosos, procurando estabelecer em elo de ligação e evolução entre cada um deles. Além
do complexo Plano de Ação Internacional elaborado em 1982 e incrementado em 2002,
também merecem destaque os Princípios das Nações Unidas para o Idoso, formulado
em 1991, e a Declaração de Toronto, elaborada pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) em 2002.

3.1 - A I Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento

39
Ocorre no ano de 1982, em Viena, Áustria, a I Assembléia Mundial sobre o
envelhecimento, organizada com a finalidade de se discutir o processo de
envelhecimento populacional em uma sociedade organizada sob estruturas voltadas para
as vias de desenvolvimento econômico e tecnológico. Em outras palavras, era
necessário discutir formas de inserção e participação do idoso em uma sociedade
orientada para a produção material e para a acumulação de capital.
A I Assembléia Mundial sobre o envelhecimento contou com a participação
de 124 Estados, e estava envolvida em um contexto de conflitos ideológicos e políticos,
como a Guerra Fria, o regime do Apartheid na África do Sul e movimentos de luta pela
independência territorial. Este cenário levava à reflexão de que os idosos, por serem
considerados naturalmente mais vulneráveis, poderiam sofrer as conseqüências
negativas desta dinâmica de forma mais violenta.
O fundamento filosófico que cerceou o debate nesta primeira Assembléia foi
a Declaração Universal dos Direitos do Homem elaborada em 1948, e que até os dias
atuais ainda funciona como referência em qualquer lugar do mundo quando se discutem
os valores e os ideais do homem e da sociedade.
É importante destacar que esta declaração menciona especificamente o idoso
no artigo XXV, como um grupo socialmente vulnerável que passa, desta forma, a ser
suscetível de proteção especial por parte do Estado. Poderíamos dizer que a Declaração
realizou uma profecia ao vislumbrar um problema que viria à tona praticamente 50 anos
depois de sua elaboração, no caso, a situação peculiar do crescimento acelerado do
segmento populacional idoso.
Além disso, quando se fala em “Direitos do Homem”, pensa-se em garantias
inerentes a todo e qualquer sujeito, independentemente de sua condição. E foram estes
princípios universais que nortearam as recomendações elaboradas pela Assembléia ao
propor uma orientação ao tratamento a ser dado à população idosa.
Os princípios proclamados pela ONU em defesa da população idosa
procuram estabelecer uma rede de proteção social voltada especificamente para este
segmento, tratando-o enquanto um grupo social que merece uma atenção diferenciada,
assim como defende a adoção de políticas sociais que integrem o idoso às demais
gerações, participando e tendo oportunidades como qualquer outro segmento nas
dinâmicas sociais. Postula-se, desta forma, tratar o idoso diferencialmente de acordo
com suas necessidades assim como defender sua igualdade em relação aos demais
indivíduos no que diz respeito à garantia de benefícios e participação social.

40
O resultado da I Assembléia Mundial sobre o envelhecimento foi a
elaboração do Plano de ação Internacional para o Envelhecimento4, documento
composto por 62 recomendações voltadas para a proteção social a ser garantida ao
idoso, e que seria reformulado de forma mais complexa na II Assembléia Mundial sobre
o envelhecimento, realizada em Madri no ano de 2002.
Iremos aqui apresentar os elementos básicos que compõem o documento
sancionado em 1982, uma vez que nos deteremos em uma análise mais profunda do
atual Plano de Ação Internacional em vigor, implementado em 2002. O texto aprovado
em Viena é a base dos fundamentos postulados no documento de 2002, e também dos
Princípios das Nações Unidas para o Idoso, que viria a ser proclamado em 1991.
Dentre as recomendações mais relevantes deste documento, merecem
destaque as orientações voltadas para a manutenção da plena qualidade de vida do
idoso, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista emocional e intelectual,
buscando-se com isso manter a independência do idoso em relação aos demais
indivíduos no mais alto grau em que esta autonomia for possível.
Especificamente em relação à saúde, o Plano recomenda a prática
preventiva, como forma de minimizar as possíveis complicações biológicas decorrentes
da idade avançada. Além disso, deve ser dado um tratamento especial aos idosos de
idade mais avançada, por estarem em uma condição de maior vulnerabilidade e
debilidade física:
- Early diagnosis and appropriate treatment is required, as well as
preventive measures, to reduce disabilities and diseases of the ageing.5
- Particular attention should be given to providing health care to the very
old, and to those who are incapacitated in their daily lives.6

O documento cita ainda a importância de adaptação dos serviços de saúde,


como a disponibilidade de serviços hospitalares de emergência e a existência de
profissionais especializados para o atendimento ao idoso, por exemplo.
Já em relação ao ambiente de vida do idoso, o Plano destaca a importância
da adaptação das moradias, de locais públicos e dos meios de transporte de modo a
facilitar a acessibilidade do idoso e não priva-lo de qualquer oportunidade. A idéia é
fazer com que o idoso tenha condições de permanecer morando no seu próprio lar, e
apenas mudar para abrigos especializados quando não houver outra possibilidade de
manutenção de sua qualidade de vida, o que também pode ser observado pelo destaque
4
Utilizaremos a versão original do documento da ONU, editada em 1982, já que este texto não foi
publicado de forma traduzida na literatura brasileira.
5
Recomendation 3, International Plan of Ageing, ONU, 1982.
6
Recomendation 4, International Plan of Ageing, ONU, 1982.

41
dado nas orientações relacionadas à importância da família no amparo e nos cuidados
com o idoso:

- Helping the aged to continue to live in their own homes as long as


possible, provision being made for restoration and development and, where feasible
and appropriate, the remodelling and improvement of homes and their adaptation to
match the ability of the aged to get to and from them and use the facilities.7
- Special attention should be paid to environmental problems and to
designing a living environment that would take into account the functional capacity of
the elderly and facilitate mobility and communication through the provision of
adequate means of transport.8

Um dos pontos mais importantes do documento diz respeito às


recomendações voltadas para a provisão de benefícios sociais e geração de empregos
para a população idosa. O documento defende a garantia de uma renda mínima para os
indivíduos idosos como um dever do Estado, através da criação de um sistema
previdenciário. Em relação ao trabalho, devem ser incentivados programas de
atualização e requalificação profissional visando permitir a continuidade do exercício
profissional pelos indivíduos idosos:

- Create or develop social security schemes based on the principle of


universal coverage for older people. Where this is not feasible, other approaches
should be tried, such as payment of benefits in kind, or direct assistance to families and
local cooperative institutions.9
- Measures should be taken to assist older persons to find or return to
independent employment by creating new employment possibilities and facilitating
training or retraining.10

E finalmente, o Plano destaca também a importância do desenvolvimento de


uma consciência geral em relação às problemáticas dos idosos, e ao incentivo a
pesquisas sobre o envelhecimento visando aprimorar a qualidade do tratamento dado ao
idoso.
Podemos avaliar positivamente o Plano de Ação Internacional para o
Envelhecimento elaborado em 1982 pela sua característica de tratar o idoso de forma
global, no sentido de desmistificar a questão do envelhecimento como um tópico
unicamente relacionado à saúde, e inseri-la em uma discussão mais abrangente, tratando
de problemáticas que envolvem questões como a qualidade de vida, renda, trabalho e
ambiente de convívio, por exemplo.

7
Recomendation 19, International Plan of Ageing, ONU, 1982.
8
Recomendation 22, International Plan of Ageing, ONU, 1982.
9
Recomendation 36, International Plan of Ageing, ONU, 1982.
10
Recomendation 37, International Plan of Ageing, ONU, 1982.

42
Mais adiante, perceberemos também que o Plano de Ação Internacional,
reavaliado e aprofundado em 2002 durante a II Assembléia Mundial sobre o
Envelhecimento em Madri, se tornou um documento mais detalhado, procurando tratar
com profundidade cada característica de vida da população idosa de forma a englobar
todas as orientações necessárias para se alcançar resultados positivos na melhoria da
condição de vida deste segmento populacional.
Seguindo a evolução cronológica da discussão mundial sobre o
envelhecimento, analisaremos a seguir os Princípios das Nações Unidas para o Idoso,
uma pequena declaração onde constam cinco fundamentos filosóficos básicos onde se
definem a noção de envelhecimento e a imagem do idoso que se pretende consolidar em
nossas sociedades.

3.2 - Os Princípios das Nações Unidas para o Idoso

Nove anos após a Primeira Assembléia Mundial sobre o envelhecimento, a


ONU aprova, através de sua Assembléia Geral ocorrida em Dezembro de 1991, os
Princípios das Nações Unidas para o Idoso, um documento em que constam cinco

43
concepções básicas que devem servir como fundamento para as garantias sociais da
população idosa, propiciando as condições necessárias para o seu desenvolvimento e
sua inserção social: independência, participação, assistência, auto-realização e
dignidade.
A carta de princípios da ONU representa a construção da imagem do idoso
ideal que se pretende criar na dinâmica social, que possuiria características como o
dinamismo e a plena atividade mental e social. Pretende-se, assim, transformar em
realidade o perfil de um idoso que tenha ainda toda vitalidade e produtividade
necessária não somente para o seu próprio desenvolvimento e bem-estar, como também
contributiva para o desenvolvimento da sociedade em geral.
Por independência, entende-se garantir ao idoso uma autonomia de modo
que não seja submetido ao controle ou à dominação por parte de outrem, o que
comprometeria sua liberdade, sua individualidade e sua capacidade de escolha. Esta
autonomia seria garantida através da permanência do idoso no mercado de trabalho, e
no incentivo a oportunidades para o seu desenvolvimento e aprimoramento intelectual
através do permanente acesso à educação e à informação, como indicam os tópicos do
documento:

- Ter oportunidade de trabalhar ou ter acesso a outras formas de geração de renda.

- Poder determinar em que momento deverá afastar-se do mercado de trabalho.

- Ter acesso à educação permanente e a programas de qualificação e requalificação


profissional.11

A população idosa teria garantida, desta forma, a manutenção do seu poder


financeiro e da sua capacidade de inserção no mercado de trabalho de forma produtiva,
não precisando se subjugar ao sustento e aos cuidados por parte de parentes, por
exemplo.
O engajamento do idoso nas dinâmicas sociais também é postulado como
um princípio fundamental para o seu desenvolvimento, principalmente através da
participação política, pela qual o indivíduo idoso tomará parte nas discussões e nas
decisões relativas à sociedade:

- Permanecer integrado à sociedade, participar ativamente na formulação e


implementação de políticas que afetam diretamente seu bem-estar e transmitir aos mais
jovens conhecimentos e habilidades.12
11
ONU, Princípios da Nações Unidas para o Idoso, 1991.
12
ONU, Princípios da Nações Unidas para o Idoso, 1991.

44
O documento sugere, ainda, a adesão voluntária do idoso em atividades
comunitárias, de modo a torná-lo socialmente útil, integrá-lo com os demais grupos da
sociedade e mantê-lo funcionalmente ocupado, o que o preveniria, pelo menos em tese,
de danos psicológicos como depressão por se sentir só ou inútil, por exemplo.
A dignidade e a auto-realização do idoso são igualmente valorizadas com o
intuito de proporcionar qualidade de vida a este segmento populacional, defendendo-se
assim o desenvolvimento de atividades culturais e programas de lazer voltados para a
população idosa.
E finalmente, os Princípios das Nações Unidas para o Idoso passam do
campo abstrato para a realidade concreta ao defender algumas proteções sociais ao
idoso, como as garantias de acesso aos serviços de saúde e à assistência jurídica, direitos
estes fundamentais para a consolidação da independência e da inserção social do idoso,
preconizados anteriormente:

- Ter acesso a serviços sociais e jurídicos que lhe assegurem melhores níveis de
autonomia, proteção e assistência.
- Ser tratado com justiça, independente da idade, sexo, raça, etnia, deficiências,
condições econômicas ou outros fatores.13

Os Princípios das Nações Unidas para o Idoso defendem, deste modo, um


conjunto de valores essenciais para a dignidade da população idosa, e que devem ser
permanentemente garantidos em quaisquer circunstâncias. Tais princípios devem servir
como base para todas as legislações nacionais especificamente orientadas para este
segmento populacional, na medida em que postulam os ideais fundamentais que devem
ser perseguidos por todas as sociedades que realmente tenham como objetivo assegurar
a qualidade de vida e o efetivo exercício da cidadania da população idosa.
3.3 - A II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento

Realizada 20 anos depois do primeiro encontro, a segunda Assembléia


realizada pela ONU teve a intenção de avaliar os resultados concretos do Plano de ação
Internacional formulado em 1982, discutindo o nível de desenvolvimento das políticas
sociais em cada Estado no que diz respeito às propostas relacionadas à proteção ao
idoso. Desta forma, a II Assembléia serviu para amadurecer a reflexão em relação a
algumas considerações relativas aos problemas enfrentados pela população idosa,

13
Idem.

45
pensando de maneira mais complexa os possíveis encaminhamentos a serem traçados
para garantir qualidade de vida e dignidade a este segmento, que já apresentava neste
momento um quantitativo demográfico bem maior do que no período de realização da I
Assembléia.
O documento oriundo deste encontro especifica algumas áreas de atuação
que devem ser observadas pelos respectivos governos em relação ao segmento idoso,
como a saúde, a educação, o sistema de previdência e a assistência social, por exemplo.
Observa-se assim um processo de valorização dos direitos humanos e dos direitos
sociais, como forma de amenizar as conseqüências de uma estrutura social
prioritariamente voltada para a acumulação individual de capital.
A característica principal do Plano de ação Internacional para o
Envelhecimento formulado em Madri14 é propor alternativas para a atuação do Estado e
da sociedade civil no desenvolvimento de políticas públicas direcionadas
especificamente voltadas para a população idosa. O documento destaca a importância de
se adaptar as recomendações propostas às peculiaridades de cada país, ao mesmo tempo
em que busca contextualizá-las em relação à interdependência existente entre os países
em um mundo globalizado.
Busca-se, assim, desenvolver um processo de amparo ao idoso segundo as
demandas e os problemas específicos de cada região, ao mesmo tempo em que se
postula uma conscientização universal e uma atuação global integrada de proteção à
população idosa.
Pode se perceber claramente os fundamentos e os objetivos do Programa já
no discurso de abertura da Assembléia de Madri proclamado por Kofl Annan, Secretário
Geral da ONU, onde defende como máxima filosófica a instituição de uma sociedade
para todas as idades. Ou seja, se torna inadmissível excluir um segmento populacional,
agora expressivo em termos quantitativos, da participação e da inserção social. Não se
trata apenas de respeito em relação à figura humana do idoso, mas também de um
problema estrutural para a sociedade.
Postula-se, desta forma, a idéia do envelhecimento produtivo, procurando
representar um processo de conscientização social em relação ao idoso que culmine em
práticas efetivas de proteção e integração deste segmento nas dinâmicas sociais, de
maneira que o idoso não somente tenha sua dignidade garantida como venha a se tornar
um grupo que participe e que dê sua contribuição à comunidade nos processos de
desenvolvimento econômico, político e social.
14
Utilizaremos neste ponto a versão traduzida para a Língua Portuguesa publicada pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal Brasileiro.

46
Annan ressalta ainda a importância de se ter em mente que o
envelhecimento é algo que diz respeito a todos nós, na medida em o idoso está inserido
hoje nesta etapa de vida, assim como os jovens e adultos nela estarão no futuro. E mais
do que isso, alerta para o fato de que devemos enxergar o idoso como um segmento que
possui características e necessidades particulares como qualquer outro grupo social, e
não simplesmente caricatura-los segundo traços exclusivamente pejorativos:

“Todos envelheceremos algum dia, se tivermos esse privilégio. Portanto, não consideremos os idosos
como um grupo à parte, mas, sim, como a nós mesmos no futuro. E reconheçamos que todas os idosos
são pessoas individuais, com necessidades e capacidades particulares, e não um grupo em que todos são
iguais por que são velhos”.15

Os objetivos gerais do Plano de ação internacional estão expressos logo no


artigo 1º da Declaração Política proclamada em Madri, onde se defende a integração
entre o idoso e o desenvolvimento social, a promoção da saúde e do bem-estar na
velhice e a criação de ambientes propícios e favoráveis ao idoso como as orientações
prioritárias a serem seguidas tanto nas políticas nacionais quanto nas políticas
internacionais de desenvolvimento voltadas especificamente para o segmento idoso.
A questão da desigualdade sócio-econômica entre os países é destacada no
sentido de chamar a atenção para a peculiaridade das condições de vida das populações
idosas dos países mais pobres ou menos desenvolvidos, que tendem a enfrentar
problemas ainda mais graves no seu dia-a-dia.
Ao mesmo tempo em que o avanço tecnológico permite uma melhoria
substancial na qualidade de vida de grande parte da população mundial, ela desencadeia,
por outro lado, um processo de desequilíbrio global, uma vez que nem todos os países
terão o mesmo nível de acesso aos benefícios provenientes desta evolução. Assim
sendo, a miséria, o desemprego e deficiência dos serviços de assistência social podem
afetar com maior impacto o segmento idoso, naturalmente mais vulnerável e
socialmente mais indefeso.
Desta forma, a minimização dos efeitos perversos da globalização é
mencionada no artigo 7º da Declaração Política, que prevê a incorporação de programas
sociais voltados para o envelhecimento no contexto de uma política de inclusão dos
países menos desenvolvidos na economia globalizada de mercado:

“A menos que as vantagens do desenvolvimento social e econômico cheguem a todos os países, um


número cada vez maior pessoas, sobretudo idosos de todos os países, e mesmo de regiões inteiras,
ficarão à margem da economia mundial. Por esse motivo, reconhecemos a importância de incluir o tema

15
Kofl Annam , II Assembléia Mundial sobre o envelhecimento, 2002.

47
do envelhecimento nos programas de desenvolvimento, assim como nas estratégias de erradicação da
pobreza e de cuidar que todos os países consigam participar plenamente no desenvolvimento da
economia mundial.” ·

É interessante destacar nos artigos 15º e 17º a menção à participação da


sociedade civil em geral dos próprios idosos no desenvolvimento e no planejamento de
políticas públicas voltadas para este segmento, ratificando um processo onde se
conclama cada vez mais a participação de toda a comunidade na minimização dos
problemas. Ameniza-se a responsabilidade do Estado no que diz respeito às
transformações sociais, onde as possíveis soluções para as mazelas coletivas agora
dizem respeito a todos nós, sendo assim “essencial à existência de colaboração eficaz
entre os governos nacionais e locais, organismos internacionais, os próprios idosos e
suas organizações, outros setores da sociedade civil, incluídas as organizações não
governamentais e o setor privado”.16
Analisaremos a partir deste momento cada uma das três orientações
prioritárias especificadas no Plano de Ação Internacional, que devem servir como um
guia para as políticas públicas a serem adotadas pelos respectivos países: os idosos e o
desenvolvimento; a promoção da saúde e do bem-estar na velhice; e finalmente, a
criação de ambientes propícios e saudáveis para o idoso. É importante destacar, para
efeitos metodológicos, que cada um das três orientações prioritárias são subdivididas
em temas, especificando-se detalhadamente medidas e encaminhamentos segundo cada
ponto de discussão em questão.

a) Pessoas Idosas e Desenvolvimento

A primeira orientação prioritária do Plano de Ação internacional para o


Envelhecimento consiste na adoção de medidas que visem garantir aos idosos os
benefícios provenientes do desenvolvimento econômico e tecnológico em nível
mundial, de modo que estes avanços permitam a população idosa a alcançar o seu
próprio desenvolvimento, estabelecendo assim uma relação dialética, onde a evolução
social deve propiciar o desenvolvimento do idoso, assim como o desenvolvimento do
idoso deve contribuir para o desenvolvimento social.

16
Artigo 17º da Declaração Política do Plano de Ação Internacional para o envelhecimento, 2002.

48
Devem-se estabelecer medidas que busquem adaptar a estrutura sócio-
econômica ao envelhecimento da população, fazendo com que, por um lado, a força de
trabalho não seja comprometida pelo envelhecimento da mão-de-obra, e que, por outro
lado, o segmento idoso não seja prejudicado pela competitividade do mercado de
trabalho e nem pela deficiência do sistema previdenciário, que tende a se tornar
deficitário em conseqüência do aumento quantitativo de benefícios.
O primeiro tópico relativo à inserção do idoso nas políticas de
desenvolvimento reconhece a importância deste segmento populacional para a
sociedade, citando como exemplos as atividades voluntárias desenvolvidas por este
grupo e a sua extrema relevância para a sua família em particular, seja como suporte
financeiro ou como suporte moral.
As medidas indicadas neste ponto incentivam a elaboração de programas
que visem à integração do idoso com as demais gerações, principalmente através do seu
engajamento em práticas voluntárias, alternativa muito incentivada em todo o
Programa:

- Oferecer oportunidades, programas e apoio para estimular idosos a participarem ou continuarem


participando na vida cultural, econômica, política e social e em aprendizagem ao longo de toda a vida.17

- criar um ambiente que possibilite a prestação de serviços voluntários em todas as idades, que inclua o
reconhecimento público e facilite a participação dos idosos cujo acesso às vantagens de se dedicar a
atividades voluntárias possa ser limitado ou nulo18.

Além disso, este tópico aborda a relevante questão da participação política


dos idosos, que deve ser incentivada de forma a possibilitar a este grupo a discussão
acerca de seus problemas específicos, assim como engaja-los nas demais problemáticas
da sociedade, mencionando-se, inclusive, a necessidade do incentivo à participação da
mulher idosa nos processos decisórios:

- Estimular, caso ainda não as haja, a criação de organizações de idosos, em todos os níveis, entre
outras coisas para representá-los nos processos de tomadas de decisões.19

- Adotar medidas para permitir igual e plena participação dos idosos, particularmente das mulheres
idosas, na tomada de decisões em todos os níveis.20

Este é um tema de extrema importância, uma vez que ainda percebemos de


forma superficial e restrita a mobilização social do segmento idoso em relação à

17
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 1,
Medida “c”.
18
Idem. Medida “e”.
19
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 2,
Medida “b”.
20
Idem. Medida “c”.

49
conscientização de seus problemas e à reivindicação de seus direitos. Não se pode
pensar em uma consolidação efetiva dos Direitos os Idosos se o próprio grupo em
questão não estiver plenamente inserido em um movimento social que diz respeito a ele
próprio.
Já o segundo tema especificado na Orientação prioritária I propõe
encaminhamentos para uma questão decisiva em relação à qualidade de vida dos idosos,
tratando especificamente da inserção e da continuidade destes indivíduos no mercado de
trabalho.
O documento parte de uma análise realista do panorama global, onde se
observa uma tendência ao desemprego e à falta de oportunidades para a população idosa
devido aos avanços científicos e à imensa competitividade no mercado de trabalho, o
que relega este segmento ao mercado informal ou até mesmo o exclui de qualquer
atividade profissional.
Neste ponto é discutida a questão de gênero, já que se observa que a mulher
idosa sofre dificuldades ainda maiores de reinserção no mercado de trabalho do que o
homem idoso. Dentre outros fatores, a situação desfavorável da mulher idosa pode ser
relacionada a sua função de dedicação familiar ao longo da vida, o que pode ter levado a
uma formação educacional e profissional deficiente, tendo como conseqüência direta a
ausência de uma qualificação profissional ou até mesmo a inexistência desta.
Propõem-se medidas que visem à integração da mão-de-obra do indivíduo
idoso ao mercado de trabalho de modo que não sejam comprometidas as oportunidades
de trabalho para os mais jovens. Torna-se necessário consolidar uma organização social
que não tenha necessariamente que excluir um grupo para incluir outro.
Ao defender a permanência ou a reintegração do idoso ao mercado de
trabalho, o Plano pretende evitar uma situação de futura dependência financeira e
material da população idosa em relação à sua família ou ao próprio Estado, onde a
permanência do vinculo ao trabalho remunerado garantiria ao idoso sua independência e
individualidade.
Dentre as medidas propostas neste item, destaca-se o incentivo a programas
de assistência à saúde do idoso, o que lhe garantiria condições físicas favoráveis pra
continuar a exercer uma atividade profissional. Deve-se incentivar também a criação de
oportunidades de trabalho autônomo para a população idosa, através, por exemplo, da
concessão de linhas de crédito para a abertura de pequenas empresas:

- Adotar medidas para aumentar a participação na força de trabalho de toda a população idosa para
trabalhar e reduzir o risco da exclusão ou dependência num momento futuro da vida. Esta medida deve

50
ser promovida mediante políticas como, entre outras, o aumento da participação de mulheres idosas,
serviços sustentáveis de assistência à saúde relacionada com o trabalho, insistindo na prevenção, na
promoção da saúde e segurança ocupacional para manter a capacidade de trabalhar e o acesso à
tecnologia, ao aprendizado continuado, à educação permanente, à capacitação no emprego, à
reabilitação profissional.21

- Promover iniciativas de emprego autônomo para idosos, por exemplo, estimulando a criação de
pequenas e micro-empresas e garantindo o acesso ao crédito para os idosos, sem discriminação,
especialmente, por razões de sexo.22

O problema é que o documento apresenta uma ilustre solução filosófica para


a exclusão profissional do idoso ao postular a integração social entre todas as gerações,
mas não explica concretamente como isso seria possível em uma organização sócio-
econômica baseada na competitividade e na acumulação de capital. A concessão de
linhas de crédito seria uma alternativa para se criar oportunidades para os idosos sem
modificar a lógica do sistema, de tal forma que seria legitimada a exclusão deste
segmento do mercado de trabalho formal através do incentivo ao trabalho autônomo e
informal. Em outras palavras, deve-se buscar as soluções para os problemas dos idosos,
mas de modo que não modifique e nem atrapalhe a estrutura social já estabelecida.
Os encaminhamentos propostos no terceiro tema de discussão são de
extrema relevância para a realidade sócio-econômica brasileira. Aqui se propõem
medidas voltadas para a minimização das desigualdades existentes entre as zonas rurais
e as zonas urbanas, observadas principalmente em países subdesenvolvidos. Tais
diferenças refletem de forma imediata na qualidade de vida da população rural, que
sofre com a inexistência de serviços básicos, ficando entregues à miséria, à ausência de
qualquer perspectiva de desenvolvimento econômico e ao isolamento estrutural em
relação às zonas urbanas.
O problema da migração da população das zonas rurais para as zonas
urbanas é típico dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, provocando
fenômenos como o inchaço populacional e a incapacidade do mercado de trabalho de
absorver a população excedente, gerando um quadro de desemprego, favelização e
violência.
Diante deste cenário, incentiva-se a adoção de projetos que visem à
melhoria da qualidade de vida nas zonas rurais, por um lado, e também a adoção de
medidas que proporcionem a integração e a adaptação dos migrantes rurais nas zonas
urbanas, de modo que lhe sejam concedidas garantias sociais assim como o
desenvolvimento urbano absorva o aumento populacional ali observado.

21
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 2, Objetivo 1,
Medida “c”.
22
Idem. Medida “e”.

51
Dentre as medidas propostas, destaca-se o estímulo às cooperativas rurais, o
incentivo a instituições de concessão de crédito financeiro ao produtor rural e ao
fomento do estreitamento das ligações entre as zonas rurais periféricas e as zonas
urbanas centrais.

- Estimular a criação e a reativação de empresas em pequena escala mediante provisão financeira ou


apoio a projetos geradores de rendas e cooperativas rurais e por meio de diversificação econômica cada
vez mais ampla.23

- Promover o desenvolvimento dos serviços financeiros locais, inclusive planos de microcrédito e


instituições microfinanceiras nas regiões que não as possuem em quantidade suficiente para promover o
aumento dos investimentos.24

Em relação à adaptação do idoso proveniente da zona rural ao meio urbano,


indica-se a criação de centros de convivência especificamente voltados para os idosos,
como forma de integrá-los e fortalecê-los enquanto um grupo, o que facilitaria o seu
relacionamento social com os demais segmentos da sociedade e até mesmo favoreceria
a discussão de suas reivindicações:

- Adotar medidas de base comunitária para prevenir ou compensar as conseqüências adversas da


urbanização, como o estabelecimento de centros de reunião para idosos.25

É importante destacar que a extrema desigualdade existente entre o campo e


a cidade é um dos principais problemas sociais brasileiros, não dizendo respeito
unicamente aos idosos. Este é um tema que deveria estar presente em todas as
discussões relativas ao desenvolvimento da sociedade brasileira, e a utopia de uma
solução para este problema levaria realmente ao surgimento de uma nova sociedade.
Isto vale para mostrar que as questões relativas à população idosa estão inseridas no
contexto mais amplo dos problemas gerais da sociedade.
O quarto tópico de discussão neste ponto relaciona-se aos sérios problemas
educacionais enfrentados pela população idosa. Grande parte deste segmento
populacional em países em desenvolvimento possui um nível educacional mínimo,
tendo completado poucos anos de estudo ao longo de sua vida. Existe, inclusive, um
percentual consideravelmente alto de idosos analfabetos, situação que pode ser
observada no Brasil.

23
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 1,
Medida “b”.
24
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 1,
Medida “c”.
25
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 3,
Medida “c”.

52
Este quadro reflete diretamente na possibilidade de permanência do idoso no
mercado de trabalho, uma vez que ao despreparo funcional decorrente de um baixo
nível de conhecimentos e informações acrescentam-se as debilitações naturais e os
preconceitos existentes em relação à capacidade produtiva destes indivíduos. Somam-
se, assim, um conjunto de fatores que tendem a excluir impiedosamente a população
idosa do exercício profissional, o que desencadeia conseqüências negativas para a sua
qualidade de vida e para o seu desenvolvimento.
É necessário realizar programas constantes de atualização e reciclagem
educacional para a população idosa, já que seus conhecimentos tendem a se defasarem
rapidamente num mundo em que as inovações tecnológicas e as mudanças no mercado
de trabalho modificam constantemente as exigências em relação ao perfil de mão-de-
obra desejado. Desta forma, educação e trabalho caminham juntos, e onde a educação e
a informação são precárias, as oportunidades de trabalho diminuem, caso dos indivíduos
idosos.
Propõe-se, assim, a elaboração de programas que visem diminuir o alto
índice de analfabetismo entre a população idosa, dentre eles o interessante projeto que
orienta a produção de equipamentos e materiais impressos adaptados às peculiaridades
dos idosos, e o aproveitamento da experiência acumulada deste segmento nos processos
educacionais e culturais:

- Estimular e promover a capacitação fundamental nas primeiras letras e em aritmética dos idosos e dos
membros mais velhos da força de trabalho, incluída a alfabetização especializada e a capacitação em
informática para idosos com incapacidades.26

- Estimular o projeto de equipamentos de computadores e de materiais impressos e auditivos que


considerem as mudanças nas aptidões físicas e a capacidade visual dos idosos.27

O baixo nível educacional é um dos piores indicadores sociais em relação ao


segmento idoso. Principalmente nos países mais pobres, a baixa escolaridade observada
dentre esta população é herança de um passado aonde não se enxergava a educação
como um dos principais fatores para se alcançar tanto o desenvolvimento social quanto
o desenvolvimento individual. Aliados a isso, os aspectos peculiares da História de cada
país, onde ditaduras militares e governos corruptos, por exemplo, destruíram qualquer
possibilidade de uma formação educacional de qualidade.
A esperança está nos avanços consideráveis na área da educação em
praticamente todo o mundo, apesar dos paises menos desenvolvidos ainda enfrentarem
26
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 4, Objetivo 1,
Medida “b”.
27
Idem. Medida “f”.

53
grandes problemas em termos da qualidade do ensino. Provavelmente as próximas
gerações de idosos apresentarão um nível educacional bem melhor do que a geração
atual, e só nos resta esperar que este avanço tenha conseqüências positivas para a
qualidade de vida e para as oportunidades oferecidas a estas pessoas.
O Plano de Ação Internacional postula também a solidariedade como um
pressuposto obrigatório para a coesão e para o desenvolvimento social. O sentimento de
solidariedade, aqui entendido como o auxilio mútuo entre os indivíduos, seria o
fundamento para a criação de serviços sociais de assistencialismo, como o sistema de
Previdência Pública, por exemplo. É discutível, porém, a idéia de assistencialismo
proveniente dos benefícios previdenciários, tema que será discutido posteriormente
neste trabalho.
A importância da família é destacada no sentido de mostrar o papel
fundamental do idoso no relacionamento entre as diferentes gerações, seja no amparo
financeiro, seja no amparo moral e afetivo. Deve-se, assim, fortalecer os laços
familiares de forma a manter o idoso interagindo junto às demais gerações, postulando-
se neste ponto medidas visando ao bem-estar afetivo e emocional do indivíduo idoso,
como a conscientização da sociedade em relação a estes indivíduos:

- Tomar iniciativas com vista à promoção de um intercâmbio produtivo entre as gerações, concentrado
nas pessoas idosas como um recurso da sociedade.28

A importância da família e a necessidade de conscientização da sociedade


em geral serão pontos que estão presentes, inclusive, no Estatuto do Idoso, que utilizou
o Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento como fundamento para a sua
elaboração.
A miséria, um problema que atingiu proporções mundiais, atinge
particularmente as populações mais vulneráveis, onde poderíamos incluir o segmento
idoso. Mesmo os países bem desenvolvidos economicamente possuem segmentos
excluídos e desfavorecidos, além de sofrerem algumas conseqüências em relação à
extrema pobreza existente nos países subdesenvolvidos, uma vez que o mundo
globalizado provoca uma relação de interdependência entre todas as nações.
Tratando-se particularmente do idoso, percebe-se dentre esta população um
nível extremamente alto de indivíduos em péssimas condições econômicas de

28
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 5, Objetivo 1,
Medida “c”.

54
sobrevivência, não sendo observadas políticas de desenvolvimento econômico
especificamente voltadas para este grupo.
Além disso, a situação se torna ainda mais grave quando tratamos da
feminilização da pobreza, processo onde os mecanismos funcionais e institucionais da
sociedade contribuem para um desfavorecimento ainda maior da mulher em relação ao
homem, fazendo com que a população idosa feminina em geral tenha um padrão de vida
abaixo do padrão masculino. Exemplo disso é a imensa dificuldade da mulher idosa de
continuar a exercer uma atividade profissional, dificuldade esta bem maior em relação à
população idosa masculina. Na realidade, a mulher sempre foi desfavorecida em termos
profissionais, sendo este quadro agravado a partir do envelhecimento.
Diante disso, devem ser adotadas medidas que visem à consolidação de
programas sociais voltados especialmente para a situação de pobreza na velhice,
principalmente no que diz respeito à inclusão e à permanência do idoso no mercado de
trabalho como forma de obtenção de renda que minimizasse a sua condição econômica
desfavorável:

- Incluir os idosos nas políticas e programas destinados a alcançar o objetivo de redução da pobreza.29

- Promover a igualdade de acesso de idosos ao emprego e às oportunidades de geração de renda, de


crédito, aos mercados e aos bens ativos.30
O Plano Internacional destaca também a importância da criação de sistemas
de Previdência e Seguridade Social por parte de cada Estado. O problema básico destes
sistemas gira em torno da situação deficitária enfrentada pelos regimes previdenciários,
decorrentes do aumento do número de idosos beneficiados e dos problemas
orçamentários existentes em alguns países.
Este problema atinge mais uma vez em maior escala a população idosa dos
países em desenvolvimento, uma vez que a instabilidade econômica e as instituições
deficientes destes países levam à ocorrência da inflação e da perda do poder aquisitivo
dos benefícios previdenciários, comprometendo a qualidade de vida do idoso.
Sendo assim, é necessário incrementar os serviços de proteção social
relativos à seguridade e previdência, visando proporcionar um eficiente amparo social à
população de idade avançada, garantindo-lhes uma renda mínima e a efetiva proteção
dos direitos sociais básicos, como o acesso aos serviços de saúde de qualidade, por
exemplo.

29
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 6 Objetivo 1,
Medida “b”.
30
Idem. Medida “c”.

55
O Programa sugere, inclusive, a adoção de sistemas não-contributivos de
Previdência, o que contraria a lógica existente na maioria dos países, como o Brasil, por
exemplo. Além disso, deve-se procurar incluir também o trabalhador informal na rede
benefícios sociais e proteção do Estado, onde neste caso poderíamos realmente tratar da
Previdência como um serviço de responsabilidade assistencial do Estado, uma vez que
se caracterizaria como um benefício universal e independente de quaisquer exigências
contributivas para o seu recebimento:

- Assegurar, quando for o caso, que os sistemas de proteção social / seguridade social abarquem uma
proporção cada vez maior da população que trabalha no setor formal e informal.31

- Considerar a possibilidade de instituir, quando for o caso, um sistema de pensões que não
imponha contribuições dos interessados e um sistema de pensões por invalidez.32
-

b) Promoção da Saúde e Bem-Estar na Velhice

A segunda orientação prioritária do Plano de Ação Internacional para o


envelhecimento diz respeito aos encaminhamentos necessários para se garantir uma
condição de vida saudável para a população idosa. A saúde é aqui entendida como um
pressuposto básico para o desenvolvimento humano, uma vez que se trata de um fator
primordial para a realização de qualquer atividade de nosso dia-a-dia.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde como um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, não sendo assim uma questão unicamente
relacionada à prevenção de doenças. Uma vida saudável significa uma condição em que
estariam garantidas as oportunidades de desenvolvimento e integração social, onde não
existiriam quaisquer empecilhos para estas oportunidades.
É responsabilidade dos governos propiciar à população idosa os cuidados
necessários para a manutenção de uma vida saudável, já que, obviamente, se observam
maiores riscos de enfermidades neste segmento populacional devido à sua idade

31
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 7 Objetivo 1,
Medida “c”.
32
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 7 Objetivo 2,
Medida “a”.

56
avançada e à sua condição física naturalmente mais vulnerável. Em vista disso, o Plano
incentiva o desenvolvimento da pesquisa e do incremento da especialidade geriátrica,
como forma de atender mais adequadamente à população idosa.
A questão primordial em relação à saúde dos idosos consiste na adoção de
políticas públicas baseadas na saúde preventiva e na manutenção da qualidade de vida
durante todas as idades. Isso evitaria um quadro generalizado de problemas de saúde
para a população idosa, situação que obriga os governos a terem de dispor de um grande
gasto orçamentário para reverter este cenário.
Havendo um planejamento eficiente em relação aos cuidados com a saúde
da população em geral, estaria se evitando no futuro maiores gastos com a assistência ao
idoso, que atingiria esta etapa de vida em melhores condições de vida e menos
suscetível a enfermidades. É simples perceber que um idoso saudável significa uma
grande economia para os cofres públicos e para os orçamentos destinados à saúde.
Deve-se combater o problema pela causa, ou seja, evitar que as doenças apareçam. De
nada adianta investir maciçamente no atendimento à saúde da população se as
enfermidades persistirem através das gerações, o que caracterizaria um círculo vicioso
na relação entre as doenças e os tratamentos. Daí a importância da saúde preventiva.
Nos encaminhamentos propostos nesta parte do Plano Internacional, são
especificados seis temas relacionados aos planejamentos que devem ser adotados para o
tratamento adequado a ser dado à população idosa, propondo-se, como na orientação
prioritária anterior, objetivos e medidas para a solução das dificuldades observadas.
Partindo da idéia de uma condição saudável durante toda a vida, este ponto
de discussão estabelece como meta principal garantir ao idoso o pleno acesso aos
serviços de saúde, prevenindo-lhe do avanço de debilidades e concedendo um
atendimento adequado aqueles que já apresentam algum tipo de enfermidade:

- Determinar os principais fatores ambientais e sócio-econômicos que contribuem para o aparecimento


de doenças e incapacidades na velhice e enfrenta-los.33

Deve-se perceber a relação existente entre a saúde e as condições sócio-


econômicas de um individuo, uma vez que vários fatores influenciam na manutenção de
uma vida saudável, como o ambiente em que se vive e o nível de renda, por exemplo.
Assim, consolidar o sucesso nas políticas direcionadas à saúde significa proporcionar ao

33
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 1, Objetivo 1,
Medida “d”.

57
idoso uma série de benefícios em sua vida que perpassam o tratamento a doenças e o
acesso a hospitais.
Assim sendo, são propostas medidas que visam conscientizar a população
em geral em relação a um estilo de vida que garanta uma boa qualidade de vida no
futuro, combatendo-se, por exemplo, o hábito de fumar e uma alimentação inadequada.
Indiretamente, deve-se também combater a pobreza e os problemas sociais urbanos, que
afetam a qualidade da saúde da população, como a ausência de saneamento básico em
muitas regiões e a poluição ambiental, por exemplo. É importante lembrar que
condições inadequadas de sobrevivência e ambientes impróprios afetam com maior
intensidade a população idosa, física e biologicamente mais vulnerável:

- Concentrar as atividades de promoção da saúde, de educação sanitária, das políticas de prevenção e


das campanhas de informação nos conhecidos e importantes riscos decorrentes de uma dieta pouco
saudável, da falta de atividade física e de outras formas de comportamento perniciosos para a saúde,
como o hábito de fumar e abuso do álcool.34

O acesso a um sistema de saúde pública eficiente é um direito de todos os


indivíduos, não podendo haver qualquer tipo de discriminação neste ponto.
Desigualdades financeiras e sociais não podem ter como conseqüência um acesso
diferenciado aos serviços de saúde. O idoso, inclusive, não deve ser preterido nos
programas sociais voltados para a saúde em relação aos mais jovens, onde muitas vezes
se analisa absurdamente a situação do segmento idoso como irreversível, não se
mobilizando, assim, investimentos e atenção para esta parcela da sociedade.

- Melhorar o acesso de idosos à assistência básica de saúde e tomar medidas para eliminar a
discriminação à assistência à saúde por razões de idade ou outras formas de discriminação.35

É importante destacar o papel dos governos em garantir a assistência pública


de saúde para regiões mais empobrecidas, como as zonas rurais e localidades distantes
dos grandes centros urbanos, exigindo-se do Estado uma atenção maior na distribuição
de recursos suficientes para estas localidades.
Além disso, o programa postula que deve ser concebida uma política
adequada de controle sobre o preço de medicamentos, reforçando a idéia de que
qualquer tipo de produto está inserido na lógica do lucro, mesmo quando se trata de
uma mercadoria indispensável para a sobrevivência, em se tratando de um
medicamento:

34
Idem. Medida “e”.
35
Idem. Medida “f”.

58
- Adotar medidas para velar pela distribuição entre idosos em condições de igualdade,
dos recursos para a assistência à saúde e a reabilitação e, em particular, ampliar o acesso de idosos e
promover a distribuição de recursos para as zonas subatendidas, como as zonas rurais e remotas,
incluindo o acesso aos medicamentos essenciais e outras medidas terapêuticas a preços acessíveis.36

- Promover o acesso a medicamentos essenciais e outras medidas terapêuticas a preços acessíveis.37

A proposta em questão utiliza a expressão “acessível” para designar a forma


pela qual os preços dos medicamentos devem ser comercializados, o que ilustra, mais
uma vez, a legitimação da desigualdade social. O que seria um preço acessível, em
termos quantitativos? E se fosse possível estabelecer e mensurar um valor tido como
“acessível”, será que tal valor seria realmente acessível para toda a população, inclusive
para aquelas camadas mais pobres da sociedade?
É lamentável observar que o Plano Internacional não consegue se livrar das
amarras de uma sociedade capitalista rigidamente baseada na busca pelo lucro, onde as
medidas não postulam a obrigação do governo em prover medicamentos para a
população necessitada, mas sim garantir que este medicamento seja comercializado a
um preço acessível. Percebermos que os interesses econômicos privados estão mais uma
vez acima de questões humanitárias como o direito à sobrevivência e a defesa à própria
saúde. Torna-se difícil consolidar os Direitos Humanos e a dignidade para os indivíduos
em uma sociedade que somente pensa sob a lógica do lucro.
Percebemos assim uma grande hipocrisia neste momento, já que as medidas
propostas defendem veementemente a ausência de qualquer tipo de discriminação
contra o idoso em nome de sua dignidade, mas consolidam a desigualdade ao legitimar
o império da indústria farmacêutica que não possui qualquer compromisso com a
população, a não ser vender os remédios que fabrica.
Quando se legitima a comercialização dos serviços de saúde se consolida
por extensão a diferenciação no acesso a estes serviços, uma vez que se torna óbvio que
um idoso de maior possibilidades econômicas terá maior facilidade em prover a
manutenção de sua saúde, enquanto um idoso desfavorecido em termos financeiros
estará sujeito a maiores dificuldades, já que poderá não ter condições de comprar os
medicamentos de que necessita, o que é facilmente observável na realidade brasileira.
O incentivo à especialidade da geriatria e a preparação de assistentes sociais
voltada especificamente para o segmento idoso deve ser um dos objetivos a serem
alcançados, uma vez que o conhecimento adequado acerca das peculiaridades biológicas

36
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 2, Objetivo 1,
Medida “a”.
37
Idem. Medida “c”.

59
e sócio-econômicas do idoso permitiria a estes profissionais um atendimento eficiente e
de qualidade. Deste modo, deve-se investir na formação profissional com ênfase no
tratamento do idoso, principalmente na preparação técnica de profissionais da saúde:

- Instituir programas de educação continuada para profissionais da saúde e dos serviços sociais com
vistas a aplicar um enfoque integrado da saúde, do bem-estar e da assistência a idosos, assim como de
aspectos sociais e psicológicos do envelhecimento.38

Em relação a doenças específicas, cabe destacar as doenças mentais, comuns


em indivíduos em idade mais avançada, o que leva à necessidade de se estabelecer uma
orientação especifica em relação a este problema. O tratamento a idosos portadores de
deficiências mentais deve ser realizado por profissionais especializados, apoiados por
um suporte governamental que viabilize o acesso a medicamentos e a formação do
quadro técnico capacitado:

- Formular e aplicar estratégias nacionais e locais com vista a melhorar a prevenção à detecção precoce e
o tratamento de doenças mentais na velhice, com inclusão de procedimentos de diagnósticos, medicação
adequada, psicoterapia e capacitação de profissionais e demais pessoas que atendam os anciãos.39

Deve-se também levar em consideração a questão da incapacidade dos


indivíduos idosos, que deve ser entendida como aquela condição em que tal sujeito se
torna impossibilitado de exercer determinadas funções na sociedade e também nas
situações em que existam problemas físicos e biológicos que comprometam a plena
vitalidade da pessoa. Estas incapacidades seriam observáveis na população idosa,
devido a contingências naturais à sua idade avançada.
Porém, as limitações inerentes ao idoso não devem representar
obrigatoriamente uma condição de inatividade e exclusão, sendo necessária a adoção de
uma política social que vise adaptar e proporcionar oportunidades para os idosos que
possuam algum tipo de incapacidade.
Deve-se assim, proporcionar um ambiente e uma condição sócio-econômica
que retarde ao máximo possível o surgimento de incapacidades, assim como deve ser
obrigação do Estado adaptar o espaço público de modo a facilitar o dia-a-dia dos idosos
com algum tipo de limitação:

38
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 4, Objetivo 1,
Medida “b”.
39
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 5, Objetivo 1,
Medida “a”.

60
- Formular políticas, legislação, planos e programas nacionais e locais, conforme a conveniência, para
tratar e prevenir a incapacidade em que se tenha em conta o sexo e a idade, assim como os fatores de
saúde, ambientais e sociais.40

- Promover a construção de moradias para idosos incapazes em que se reduzam os obstáculos e se


aumentar os estímulos para levar uma vida independente e, sempre que possível, tornar acessíveis a
idosos incapazes espaços, transportes e outros serviços públicos, assim como os locais e serviços
comerciais que utilize o público em geral.41

c) Criação de Ambiente Propício e Favorável


A Assembléia Mundial da ONU definiu como um ambiente propício e
favorável àquela condição de vida que permite aos indivíduos plenas oportunidades de
desenvolvimento e participação. Este ambiente estabeleceria, assim, uma sociedade
justa e equilibrada, fundamentada em aspectos como a participação política, a defesa
dos direitos humanos e uma integração econômica global que favorecesse tanto os
países desenvolvidos quanto os países em desenvolvimento.
A consolidação deste ambiente esbarra em problemas como a divida externa
e a deficiência institucional existente, principalmente, nos países subdesenvolvidos, o
que torna inviável uma destinação de recursos suficiente para o desenvolvimento de
programas sociais que atendam às demandas existentes. Com os recursos
comprometidos, a questão social se torna apenas um projeto para o futuro, e não uma
realidade.

40
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 6, Objetivo 1,
Medida “b”.
41
Idem. Medida “f”.

61
O Plano de Ação Internacional distribui em quatro temas a discussão
relativa à criação de um ambiente propício para o segmento idoso, como forma de
consolidar o desenvolvimento e a qualidade de vista, almejados nos pontos anteriores.
Obviamente que as condições de moradia são determinantes para se avaliar
a qualidade de vida de um indivíduo ou de uma família. Em vista disso, compromete-se
o status do idoso ao se observarem graves problemas relacionados às condições de
habitação e acesso a serviços básicos para grande parte deste segmento.
As grandes metrópoles em todo o mundo sofrem com o problema do
inchaço populacional, que desencadeia sérios problemas como a falta de espaço em
condições regulares de habitação equivalente ao contingente populacional, o que obriga
as classes menos favorecidas a habitarem regiões inadequadas, podendo-se tomar como
exemplo deste fato o crescente processo de favelização em algumas cidades como o Rio
de Janeiro. Além disso, os sistemas de transporte, saúde e saneamento básico não são
suficientes para o atendimento do contingente populacional que cresce
desproporcionalmente à estrutura destes serviços.
Por outro lado, as zonas rurais ainda sofrem com o abandono e o descaso
das políticas sociais, onde muitas vezes nem mesmo serviços essenciais como transporte
e postos de saúde chegam a estas localidades de uma forma minimamente eficiente.
Este é o panorama global do século XXI, e deve ser analisado como pano de
fundo quando tratamos das questões especificamente relacionadas ao ambiente de vida
do idoso, que está inserido neste cenário e sofre suas conseqüências.
Assim sendo, é extremamente necessário reorganizar os espaços urbanos
para atender às necessidades específicas da população idosa, de modo que sejam
garantidas sua locomoção e sua independência, principalmente adaptando-se os meios
de transporte e a construção de moradias, por exemplo:

- Estimular investimentos em infra-estruturas locais como as de transporte, saúde, saneamento e


segurança, concebidas em apoio de comunidades multigeracionais.42

- Promover o projeto de moradias acessíveis e adaptadas à idade de seus ocupantes, e garantir a


facilidade de acesso a edifícios e locais públicos.43

A assistência ao idoso é relacionada como um importante tema a ser


considerado como parte de um ambiente saudável, o que leva a necessidade da
formação de quadros profissionais devidamente qualificados para atender a este
segmento. Deve-se levar em conta também a importância da assistência informal,
42
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 1, Objetivo 1,
Medida “c”.
43
Idem. Medida “g”.

62
aquela prestada pela família ou pela comunidade em geral à população idosa, em
conseqüência da ausência ou da deficiência de órgãos institucionais públicos para
realizar esta função.
Porém, o Estado tem a obrigação de suprir a possível inexistência de apoio
informal para o idoso, como nos casos de indivíduos que vivam sozinhos, por exemplo.
Sempre deve ser priorizada a independência do idoso, no mais alto grau em que esta
independência seja possível, devendo tanto a assistência formal do Estado, quanto à
assistência informal da família ou da comunidade serem prestadas com qualidade:

- Melhorar a qualidade da assistência comunitária, o acesso à assistência comunitária a longo prazo que
se presta a idosos que vivem sós, a fim de prolongar sua capacidade de viver com independência, como
possível alternativa de hospitalização e de internação em abrigo de idosos.44

- Tomar medidas para garantir a prestação de assistência a idosos que não disponham de apoio
informal, que tenham deixado de tê-lo ou não o desejem.45

É destacada neste ponto a importância da assistência ao idoso que vive


sozinho, cabendo ao Estado suprir a ausência da família em relação aos seus cuidados.
Porém, é importante ressaltar que a prioridade continua sendo manter a independência
do idoso, sendo a internação uma alternativa recomendada somente nos casos em que
realmente não seja mais possível a rotina saudável do idoso em seu próprio lar.
A proteção contra abuso e violência é destacada como o terceiro tema deste
modulo, já que são extremamente preocupantes as inúmeras situações onde se observam
idosos sujeitos a danos físicos, emocionais e psicológicos, principalmente por se
tratarem de pessoas mais vulneráveis e naturalmente mais indefesas.
Estas situações podem ser observadas tanto na esfera familiar quanto na
esfera institucional, onde abrigos e lares comunitários muitas vezes descumprem uma
série de exigências para o seu funcionamento ou até mesmo agem de má fé para
explorar ou usurpar os recursos dos idosos sob seus cuidados.
Diante deste quadro, torna-se necessário elaborar uma proteção jurídica que
seja capaz de proteger os idosos destas situações, podendo-se ter como exemplo a
legislação brasileira especificamente voltada para o idoso que prevê regras para o
funcionamento de asilos e estipula punições até mesmo para os próprios familiares que
maltratarem ou explorarem aqueles indivíduos idosos que estiverem sob sua tutela.
Também faz parte deste processo conscientizar a própria população idosa
sobre os seus direitos, de modo que saibam avaliar os casos em que estiverem sendo

44
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 1,
Medida “b”.
45
Idem. Medida “d”.

63
vítimas de maus-tratos e, principalmente, saber a quem e como recorrer destas
situações. É igualmente necessário investir na capacitação de profissionais para atender
e auxiliar os idosos em questão:

- Estimular os profissionais de saúde e de serviços sociais a que informem os idosos que possam ter
sofrido maus-tratos, sobre a proteção e o apoio de que dispõem.46

- Incluir na capacitação das profissões assistenciais como forma de encarar os casos de maus-tratos a
idosos.47

Este ainda é um tema que encontra bastante dificuldade em sua aplicação,


uma vez que dificilmente o idoso irá mover algum tipo de queixa ou processo contra sua
própria família, e, além disso, ainda existem imensas deficiências nas instituições
responsáveis pela fiscalização de asilos e abrigos, como o pequeno efetivo no quadro de
funcionários, por exemplo, o que torna recorrente a existência de infrações graves por
parte destes órgãos em relação às normas de atendimento ao idoso.
O quarto e último tema das orientações prioritárias diz respeito a
interessantes observações sobre as imagens coletivamente compartilhadas sobre a figura
do idoso, principalmente aquelas veiculadas pelos meios de comunicação. Tais imagens
refletem uma espécie de consciência que se tem em relação ao envelhecimento, o que
determina, por conseqüência, o tratamento que será dado a este grupo.
Desta forma, é de grande relevância a produção de imagens positivas da
velhice, de modo que tais imagens desencadeiem na sociedade em geral uma
consciência de respeito, valorização e atenção em relação ao idoso. Caso contrário, a
veiculação de elementos pejorativos sobre a idéia do envelhecimento agravaria mais
ainda as situações de negligência e desrespeito ao idoso, já que veicular uma imagem
negativa do idoso como indivíduos improdutivos e senis, por exemplo, legitimaria por
conseqüência um tratamento igualmente negativo a ser dado a este grupo.
Não se deve, assim, realçar o segmento idoso como responsável por déficits
no orçamento e na previdência, por exemplo, mas sim valoriza-lo por um outro ângulo,
através do qual se caracteriza o envelhecimento como uma etapa natural de nossas vidas
onde tais indivíduos representam todo o passado de nossa sociedade e devem ser
valorizados como símbolos de respeito e sabedoria:

- Estimular os meios de comunicação de massa a promover imagens em que se destaquem a sabedoria,


os pontos fortes, as contribuições, o valor e a criatividade de mulheres e homens idosos, inclusive de
idosos com incapacidades.48

46
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 3, Objetivo 2,
Medida “c”.
47
Idem. Medida “d”.

64
- Reconhecer que os meios de comunicação são precursores da mudança e podem atuar como fatores de
orientação na promoção do papel que toca aos idosos nas estratégias de desenvolvimento, inclusive nas
zonas rurais.49

Este é um movimento já observado no Brasil, onde percebemos


recentemente uma crescente preocupação da mídia em veicular uma imagem positiva da
população idosa, utilizando-se para isso até mesmo de programas de massa, como
novelas, por exemplo, que possuem um grande poder de influência sobre a sociedade
em geral. É uma maneira de chamar a atenção para os problemas e os preconceitos
sofridos pelos idosos de forma lúdica e agradável, uma vez que tais programas possuem
como característica marcante o despertar de sentimentos coletivos e a formação da
opinião pública.

d) O Outro lado do Plano de Ação Internacional

O Plano de Ação Internacional para o envelhecimento elaborado em 2002


não prevê apenas medidas de caráter assistencial para a população idosa que se mostra
necessitada de um amparo social mais eficiente. Percebemos em praticamente todo o
documento propostas de auxílio àqueles idosos que prestam assistência a outras pessoas,
seja na forma de trabalho voluntário ou através de trabalho formal.
Este conjunto de propostas tem o intuito de manter a inserção destes idosos
no desenvolvimento de suas atividades, assim como incentivar os demais a engajarem-
se em projetos semelhantes, caracterizando assim um outro aspecto no Plano de ação, na
medida em que o direciona para aquele grupo de idosos que está envolvido de alguma
forma nas dinâmicas sociais.
Ocorre, assim, uma reorientação na ênfase dada ao idoso, deslocando-se a
atenção das suas necessidades e debilidades para salvaguardar e amparar aqueles

48
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 4, Objetivo 1,
Medida “b”.
49
Idem. Medida “e”.

65
indivíduos idosos que exercem uma atividade produtiva, dando sua contribuição, desta
forma, para a sociedade em geral.
Destacamos aqui alguns pontos relevantes onde se incentiva a participação
dos idosos nas mais variadas atividades, principalmente as voluntárias:
- Criar um ambiente que possibilite a prestação de serviços voluntários em
todas as idades, que inclua o reconhecimento público e facilite a participação dos idosos
cujo acesso às vantagens de se dedicar a atividades voluntárias possa ser limitado ou
nulo.50

- Promover uma compreensão mais ampla da função cultural, social e econômica e da


constante contribuição dadas por idosos à sociedade, inclusive a do trabalho não remunerado.51

- Permitir a idosos atuar como mentores, mediadores e conselheiros.52

- Incentivar idosos a realizar tarefas de voluntariado que exijam seus conhecimentos, em


todas as esferas de atividade, especialmente as tecnologias da informação.53

- Promover a participação de idosos em atividades cívicas e culturais como estratégia de


luta contra o isolamento social, e facilitar sua capacitação.54

- Promover a auto-assistência de idosos e aproveitar ao máximo suas vantagens e


capacidades nos serviços de saúde e sociais.55

- Formular e aplicar estratégias para atender às necessidades especiais de idosos que


prestam assistência às pessoas com disfunções cognitivas.56

- Estimular a prestação de apoio social, os serviços para diminuir a carga de trabalho,o


assessoramento e a informação com vista a idosos que atendem a outros e a familiares sob seus
cuidados.57
- Fortalecer o papel positivo dos avós na criação de seus netos.58

Temos que fazer uma ressalva em relação ao incentivo ao trabalho


voluntário, veemente motivado pelo Plano de Ação Internacional. Tal atividade pode ser
extremamente válida se realizada por grupos de idosos que adquiriram uma condição

50
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 1,
Medida “e”.
51
Idem. Medida “f”
52
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 4, Objetivo 2,
Medida “c”.
53
Idem. Medida “e”
54
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 1, Objetivo 2,
Medida “f”.
55
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 2, Objetivo 4,
Medida “c”.
56
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 1,
Medida “f”.
57
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 2,
Medida “a”.
58
Idem. Medida “c”.

66
financeira estável ao longo de sua vida, o que lhes permite aproveitar e desfrutar de
atividades que garantam prazer e felicidade nesta etapa de suas vidas.
Esta situação, porém, pode ser uma alternativa apenas para uma minoria
privilegiada da população idosa, que conseguiu atingir tal patamar sócio-econômico e
tem condições de escolher o que vai fazer, quando vai fazer e onde vai fazer. Não é o
caso da grande maioria dos indivíduos idosos que não possuem uma condição financeira
tão favorável, que vivem sob os benefícios irrisórios das aposentadorias e têm de se
submeter aos humilhantes serviços públicos de saúde e assistência social. Para este
grupo, a rotina do dia-a-dia é lutar pela sobrevivência, e a realização de atividades
voluntárias visando ao bem-estar se torna uma utopia de mau gosto.

3.4 - A Declaração de Toronto: A Voz da Organização Mundial de


Saúde

Em Novembro de 2002, 6 meses após a realização da II Assembléia


Mundial sobre o Envelhecimento em Madri, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
em parceria com a Rede Internacional de Prevenção a abusos e maus-tratos na velhice
(INPEA) e a Universidade de Toronto, promulgam a “Declaração de Toronto para a
Prevenção Mundial de Maus-tratos das Pessoas Idosas”59, um documento que tem como
objetivo conscientizar e engajar a sociedade no combate aos maus-tratos contra o
segmento idoso.
O documento é extremamente interessante por apresentar as questões de
forma clara e direta, denunciando os principais problemas a serem enfrentados para se
alcançar a condição de vida desejada para os idosos. A própria Declaração se
59
No documento original: Declaración de Toronto para la Prevención Global del Maltrato de las
Personas Mayores, OMS, 2002.

67
autocaracteriza como um clamor à ação60, no sentido de mobilizar a sociedade a atuar na
defesa da população idosa.
Os maus-tratos são definidos no documento como toda aquela ação que
ocorra em um ambiente até então de confiança do idoso, e que lhe produza danos ou
sofrimentos que podem ser de diversas espécies, tais como os danos físicos, emocionais
e financeiros.
O primeiro tópico da Declaração já denuncia o principal problema
enfrentado pelos idosos, que consiste na proteção jurídica ausente ou deficiente em
relação às suas peculiaridades, o que faz com que agressões e transgressões contra estas
pessoas não possam ser punidas ou corrigidas devidamente:

“Faltan marcos legales. Cuando se identifican casos de maltratos de ancianos, con frecuencia no pueden
abordarse por falta de instrumentos legales apropiados para responder a ellos.”61

Outro importante destaque do manifesto é a denúncia de que a maioria dos


casos de maus-tratos contra idosos ocorre no seu ambiente habitual de moradia, sendo
os principais agressores os próprios familiares ou os responsáveis pelos asilos ou
abrigos em que reside o idoso, o que dificulta mais ainda a punição contra os agressores,
uma vez que o idoso se torna mais intimidado a denunciar uma pessoa de seu
conhecimento e convívio diário:

“el victimario suele ser conocido por la víctima,y es dentro del contexto familiar y/o en “la
unidad donde se proveen los cuidados ”, donde ocurren la mayoría de los casos de maltrato.”62

A solução para os problemas de maus-tratos contra os idosos é deslocada


também para a esfera cultural, onde seriam necessários uma mobilização em relação à
valorização de uma sociedade intergeracional, e também o combate a qualquer tipo de
violência contra este segmento.
Assim sendo, prevenir os abusos contra os idosos significa modificar
ideologicamente e estruturalmente a sociedade, de modo que a figura do idoso passe a
ser vista por outro ângulo, ao mesmo tempo em que se criem mecanismos sociais
eficazes para o combate a este tipo de violência, como já havia sido previsto no Plano
de Ação Internacional para o Envelhecimento de 2002:

“En definitiva, el maltrato de las personas mayores sólo se podrá prevenir en forma eficaz si se
desarrolla una cultura que favorezca la solidaridad intergeneracional y que rechace la violencia. No es
suficiente identificar los casos de maltrato de las personas mayores.Todos los países deben desarrollar

60
“Llamado a la Acción”
61
Pág. 2, Declaração de Toronto, OMS, 2002.
62
Pág. 2, Declaração de Toronto, OMS, 2002.

68
las estructuras que permitan la provisión de servicios (sanitarios,sociales, de protección legal,
policiales,etc.),para responder de forma adecuada y eventualmente”63

3.5 - A Aplicação dos Documentos Internacionais de proteção ao Idoso:


utopia ou realidade?
Quando procuramos estabelecer a relação entre o conteúdo dos documentos
internacionais relativos à proteção sócio-jurídica da população idosa e a realidade a
nossa volta, percebemos um grande contraste. Por um lado, observamos a
conscientização mundial traduzida em minuciosos tratados, que idealizam em
completude uma qualidade de vida digna para a população idosa. Por outro lado,
observamos uma organização social que ainda não absorveu estes ideais. Estamos assim
diante do problema existente entre a passagem do texto escrito para a efetividade
prática.
A elaboração do Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento até
mesmo levou em consideração a necessidade da criação de mecanismos que garantam a
efetividade das propostas em questão. O documento apresenta indicativos para orientar
a aplicação das medidas propostas através de políticas sociais a serem implementadas
tanto no âmbito nacional quanto no âmbito internacional.

63
Pág. 3, Declaração de Toronto, OMS, 2002.

69
Temos, que avaliar, porém, se as indicações previstas no Plano Internacional
se consolidarão efetivamente nas políticas internas de cada país, e se levarão realmente
aos resultados esperados.
Em relação às medidas a serem adotadas no âmbito nacional, o Plano prevê
apenas algumas recomendações básicas já citadas anteriormente, como incorporar a
problemática dos idosos nas políticas sociais voltadas para o desenvolvimento geral do
país, e a integração de todos os setores da sociedade neste processo, incentivando-se
assim a participação da sociedade civil e de organizações não-governamentais na defesa
e na proteção da população idosa.
Além disso, é igualmente incentivada a formação de organizações dos
próprios idosos e a criação de comitês nacionais visando à fiscalização e à discussão dos
encaminhamentos de medidas voltadas ao segmento idoso, o que já podemos observar
no Brasil, através da criação dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais do Idoso.
Já no âmbito internacional, o Plano indica mais uma vez a necessidade de
uma maior colaboração econômica entre os países, principalmente no que diz respeito à
integração dos países em desenvolvimento no processo de globalização. Seria
necessária uma reformulação da economia mundial e do sistema global de mercado de
modo que todos os países obtivessem benefícios com uma economia mundialmente
integrada, onde este processo de ajuda mútua deveria ser liderado pelos países de maior
potencial econômico em vistas a favorecer os países em maiores dificuldades, o que sem
dúvida alguma é uma grande utopia.
A cooperação internacional se fundamentaria, principalmente, na liberação
de recursos financeiros para programas e políticas sociais voltados para o segmento
idoso, onde a própria ONU teria a função de intermediar junto aos bancos e às
organizações internacionais a facilitação de empréstimos para países que apresentassem
maiores empecilhos para a aplicação do Plano de Ação Internacional.
O grande problema em relação à aplicação e à efetividade do Plano de Ação
Internacional está ligado à ausência de mecanismos formais que obriguem um
determinado país a adotar medidas internacionalmente sancionadas, e que ainda não
foram positivadas na organização jurídica de tal Estado.
Temos que reconhecer os princípios básicos de soberania política e
autonomia interna que cada país possui em nosso atual sistema mundial de Estados.
Cada país elabora seu próprio conjunto de leis da forma que lhes for considerada mais
legítima, e positiva aqueles valores que considera imperativos para a sua organização

70
social, não sendo permitido a qualquer outro Estado ou até mesmo às organizações
internacionais interferir neste processo.
Desta forma, os Tratados e Documentos Internacionais funcionam muito
mais como recomendações morais do que como Direitos propriamente ditos. Não existe
qualquer garantia de que tais princípios sejam efetivamente consolidados no âmbito
interno de cada pais, o que dependerá da disposição e da vontade dos Estados em
transformarem estas recomendações em leis positivas, o que lhes garantiria a efetividade
através da existência de mecanismos de coerção que obrigariam a sua aplicação.
Somente quando atingirmos este momento é que poderemos ter certeza de
que as recomendações internacionais efetivamente tomarão o rumo dos resultados
esperados, uma vez que enquanto ainda estiverem na forma de um incipiente Tratado
internacional nada estará garantido. Nem a própria ONU possui instrumentos legais ou
mecanismos que imponham os seus tratados, e muito menos possui o poder de punição
para aqueles que não os cumprem. Isto é prerrogativa da organização interna de cada
Estado.
O Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento se torna, deste modo,
um projeto a ser consolidado, onde não podemos de maneira nenhuma trata-lo como um
direito adquirido. Até mesmo pelo fato da discussão dos problemas relativos aos idosos
ser recente, ainda existe um longo caminho pela frente na legitimação e na consolidação
de um sistema de Direitos dos Idosos em cada Estado em particular.
O caminho a percorrer consiste na mobilização de toda a sociedade no
sentido de uma conscientização em relação à urgência de se colocar em prática uma
rede de proteção sócio-jurídica ao segmento idoso, contendo em si todos os mecanismos
necessários para a sua plena efetividade.
Estamos ainda em uma fase inicial neste processo, onde o objetivo neste
momento deve ser a consolidação do Plano de Ação Internacional na organização
interna de cada país, traduzindo-se os princípios e as medidas ali propostas para a forma
da lei positivada e protegida pelos mecanismos institucionais do Estado.
Poderíamos afirmar que o Brasil está adiantado neste processo, uma vez que
a regulamentação do Estatuto do Idoso marca exatamente a passagem da recomendação
para a positivação, garantindo-se assim a proteção social ao idoso sancionada pelo
Estado. Sem dúvida o país já deu um grande passo no que diz respeito ao tratamento a
ser dado ao idoso, mas ainda resta um longo caminho pela frente para se alcançar a
qualidade de vida desejada para a população idosa no país.

71
Ainda resta ao Brasil consolidar um segundo momento no processo de
proteção ao idoso, que consiste na aplicação eficiente do Estatuto do Idoso e das outras
formas de garantias sociais a este segmento através do aprimoramento das instituições
responsáveis, o que do contrário tornaria obsoleta toda a legislação aprovada. Nos resta
agora lutar pela consolidação deste segundo momento, tendo em mente que o primeiro e
importante passo já foi dado, a consolidação de uma legislação voltada especificamente
para o idoso.

72
Parte II: O Brasil que
envelhece e o Idoso que
aparece

“Qualquer que seja a


sua idade, o coração de cada
um abriga o interesse pelo
milagre e pelo inabalável
desafio que se sente frente
aos acontecimentos, pela
busca persistente e infantil
pelo elemento surpresa no
futuro, pela alegria, e pelo
jogo da vida”.
Douglas Macarthur

4. O Brasil na Era do Envelhecimento: uma Nova Realidade


Diante de Velhos Problemas

O Brasil está entre aqueles países que apresentaram nos últimos anos um dos
mais altos índices de crescimento da população idosa. Conforme já mencionado
anteriormente, estima-se que nosso país possa abrigar a 6a maior população idosa do
mundo em meados de 2025.
Por um lado podemos comemorar, uma vez que tal índice reflete uma
possível melhoria das condições de vida da maioria da população, o que fez aumentar a
expectativa de vida no país. Por outro lado, a realidade nos mostra uma situação caótica,
onde a população idosa cresce em descompasso com a proteção social que lhe seria
devida, criando um cenário de exclusão, pobreza e abandono para este segmento.

73
Podemos tomar como exemplos iniciais a situação de completa
desestruturação enfrentada pelo sistema de previdência pública, e o quadro crítico dos
sistemas de saúde, que afeta com grande intensidade a população idosa dependente
deste serviço, dado sua maior vulnerabilidade inerente à sua idade avançada.
Esta situação, porém, não ficou sem resposta. Nos últimos anos o idoso
mereceu uma atenção especial por parte das políticas públicas, processo resultante do
reflexo da mobilização mundial sobre estas questões, sobre as quais o Brasil não
poderia ficar de fora. Este processo culminou com a promulgação do Estatuto do Idoso
no final de 2003.
Devemos entender o quadro atual de nosso país como um momento em que
já foi dado o primeiro passo rumo a uma política eficiente de proteção à população
idosa. Resta ainda um longo caminho, que consiste em efetivar e consolidar para todo o
segmento idoso as garantias sócio-jurídicas já implementadas.
Acreditamos que o maior entrave a consolidação de uma vida digna à
população idosa consiste nas deficiências institucionais existentes no país, que
inviabilizam a aplicação efetiva das leis e das garantias sociais.
É necessário neste primeiro momento traçarmos o perfil da população idosa
em nosso país, de modo que possamos entender os seus problemas e,
conseqüentemente, suas necessidades. Não poderíamos falar das leis e da proteção
social para o idoso antes de definirmos de forma precisa as principais características
deste segmento no país, de modo que possamos relacionar as necessidades e as
demandas destes indivíduos com as garantias sociais existentes, o que nos permitirá
uma avaliação competente da efetividade do amparo social voltado para este grupo.
Pretendemos, assim, averiguar características específicas da população idosa,
no que diz respeito à sua condição de vida em geral, como por exemplo, as suas
condições de moradia, o seu nível de renda e sua participação no mercado de trabalho.
Torna-se igualmente importante destacarmos alguns recortes dentro do segmento idoso,
como analisarmos a questão de gênero e as diferenças existentes entre a população idosa
urbana e a população idosa rural, por exemplo.

74
4.1 - O Perfil do Idoso na sociedade Brasileira

a) O aumento da expectativa de vida no Brasil


Observamos nas últimas décadas um expressivo aumento da expectativa de
vida para a população brasileira, fato que pode ser comprovado estatisticamente pelos
mais recentes censos demográficos realizados pelo IBGE. De uma estimativa de 57 anos
para os homens e 64 anos para as mulheres em 1980, avançamos rumo a uma
expectativa de praticamente 64 anos de vida para a população masculina e 71 anos para
o segmento feminino. A tabela abaixo nos mostra a evolução da taxa de expectativa de
vida no Brasil ao longo dos últimos 20 anos:

75
Expectativa de vida da população brasileira
Período Homens Mulheres
1980 57,2 64,3
1985 59,3 65,8
1991 62,2 69,8
1996 63,3 71,0
1998 63,9 71,4
Fonte: IBGE/IPEA, 1980/1998

Podemos observar pela tabela acima que a expectativa de vida feminina já


supera em 8 anos a expectativa de vida masculina, o que representa uma diferença
substancial. Este fato traz conseqüências diretas para o planejamento social, uma vez
que este fator é um dado a ser considerado de forma determinante para os cálculos dos
benefícios da Previdência, por exemplo.
Houve também um considerável avanço na expectativa de vida dentro da
própria população idosa, o que pode ser observado através do conceito de “taxa de
sobrevida”, que significa o período de vida posterior aos 60 anos vivido por um
indivíduo. Um indivíduo do sexo masculino que atingisse 60 anos em meados de 1980
possivelmente teria mais 10 anos de sobrevida nesta época. Em 1998, esta taxa já
avançou para 13 anos de vida após a marca dos 60, sendo que para as mulheres esta taxa
já atinge a estimativa de 15 anos de sobrevida.
Sem dúvida alguma estes dados podem ser considerados positivos na
medida em que indicam genericamente um aumento na qualidade de vida da população
em geral. São dados positivos, porém, quando analisados friamente, sem qualquer
menção às conseqüências qualitativas do processo de envelhecimento social, onde se
discutiriam questões como a pobreza e a exclusão social, por exemplo.

76
b) Evolução demográfica da população idosa brasileira
Segundo o Censo demográfico realizado pelo IBGE em 2002, estima-se que
a população idosa brasileira, ou seja, indivíduos com 60 anos ou mais, atinja a marca de
15 milhões de habitantes. Analisando-se as condições de vida deste segmento, percebe-
se uma grande heterogeneidade entre a população idosa, onde uma parcela deste grupo
possui boas condições de acesso a serviços e à assistência social, enquanto outra parcela
ainda se encontra privada de condições mínimas de bem-estar e qualidade de vida.
Observa-se também um aumento da população com idade acima dos 80
anos, estimados em 1,8 milhões de pessoas em 2002, o que representa cerca de 12% da
população idosa e 1% da população total do país. Além disso, é importante destacar a
predominância do sexo feminino entre a população idosa, onde as mulheres representam
cerca de 55% deste segmento.

77
Os municípios brasileiros que apresentam o maior índice de idosos são Rio
de Janeiro, Porto Alegre, Recife e São Paulo, que possuem um percentual de 9% a 12%
de idosos em seus territórios. Os municípios com menores concentrações de idosos são
aqueles situados na Região Norte do país, no caso Manaus, Porto Velho, Macapá e Boa
Vista, além do Município de Palmas, na Região Centro-Oeste, que se destaca com a
menor população idosa do país. Estas cidades possuem menos de 5% de idosos em
relação à sua população total.
O gráfico abaixo nos mostra o crescimento da população idosa em relação à
população total do Brasil nos últimos anos, ao mesmo tempo em que destaca o
crescimento do segmento feminino em relação ao segmento masculino:

Evolução de m ográfica da população idos a no Bras il

10%
9%
8%
7%
6%
Homens idosos
5%
Mulheres idosas
4%
3%
2%
1%
0%
30

40

50

60

70

80

90
19

19

19

19

19

19

19

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2002.

Concomitantemente ao acelerado crescimento demográfico deste segmento,


ocorreu um processo de urbanização do país, onde a população idosa migrou
consideravelmente das zonas rurais para as zonas urbanas, provavelmente devido à
expectativa de melhores condições de vida existentes nestas regiões, o que pode ser
observado pelo gráfico comparativo abaixo:

78
Dis tribuição urbana e rural da população idos a

2000 18,6% 81,4%

População rural
População urbana
23,3% 76,7%
1991

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991/2000.

A superioridade de mulheres dentre o segmento idoso é outra variável


extremamente relevante a ser considerada, uma vez que tal circunstância exige a adoção
de políticas públicas voltadas especificamente para a população feminina. Pensando em
alguns diferenciais envolvidos na questão do gênero na dinâmica da sociedade,
podemos deduzir que a situação da mulher idosa não será a mesma do homem idoso.
Se pensarmos, por exemplo, na função tradicional de dedicação à família
desempenhada por grande parte das mulheres ao longo da sua vida, podemos perceber
possíveis desigualdades em termos de renda e condições sócio-econômicas em relação
aos homens, uma vez esta situação delinearia um quadro de dependência financeira e
impossibilidade de acumulação de bens ou de capital propriamente dito por parte da
mulher.
Este quadro exigiria uma ação governamental mais eficiente em relação à
proteção e às garantias sociais para a mulher idosa, que dependeria destes benefícios
muito mais do que a parcela idosa masculina, que possivelmente conta com benefícios
da previdência ou outras aquisições resultantes de uma vida produtiva dedicada ao
trabalho.
Estas observações reforçam a idéia de que a mudança do perfil demográfico
da sociedade decorrente do aumento do percentual de indivíduos idosos conduz
necessariamente a uma reformulação de todo o planejamento social, com vistas a
integrar e amparar o crescente segmento idoso na sociedade, assim como criar uma
estrutura a longo prazo que crie condições favoráveis para o envelhecimento das demais
gerações da sociedade.

79
c) O Idoso e a Família
O segmento idoso no Brasil exerce um papel determinante na estrutura
familiar de nossa sociedade. Tanto em termos quantitativos, quanto em termos
qualitativos, a figura do idoso permanece central nas relações existentes no âmbito
familiar.

80
Dentre a população idosa total, 62% destes indivíduos são chefes de família
ou responsáveis por domicílios, segundo a denominação técnica do IBGE, enquanto
outros 22% são cônjuges dos chefes de família, delineando um quadro onde 84% do
segmento idoso ocupa uma posição central em seus lares, o que pode ser observado no
gráfico abaixo:

Inserção do Idoso na Estrutura familiar


Responsáveis pelo
15% 1%
domicílio
Cônjuges

Filho, pai, mãe, neto


22% ou irmão
62% Agregado ou
empregado

Segundo os dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE no ano 2000,


20% dos domicílios do país possuem idosos como responsáveis, índice este que
aumentou em relação aos anos anteriores. Dentre estes idosos, cerca de 37% é do sexo
feminino, enquanto ainda predominam os homens idosos como responsáveis por
domicílios, representando cerca de 63% deste total.
Alem disso, observou-se também nos últimos anos um aumento nos
domicílios unipessoais, ou seja, aquelas residências onde convive apenas um indivíduo
idoso, sendo que este número passou de 15,4% em 1991 para 17,9 em 2000. Percebe-se
um predomínio de mulheres idosas vivendo sozinhas, fato este que pode ser justificado
pela viuvez da mulher ou também pela maior incidência de um segundo casamento por
parte dos homens viúvos ou divorciados, que deixam assim de viver sozinhos:

Idosos
responsáveis por
domicílios
Mulheres Idosas
Domicílios Homens Idosos
unipessoais

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Os indicadores mostram também que o índice de proprietários de casa


própria aumenta proporcionalmente à idade, onde cerca de 82% dos idosos chefes de
família situados entre 60 e 65 anos residem em domicílios já pagos ou quitados, sendo
que este índice tende a subir ligeiramente conforme faixa etária se torna mais velha.

81
O aspecto negativo neste ponto é que mais de 40% dos domicílios chefiados
por idosos não possuem saneamento básico ou o possuem de forma deficiente, o que
compromete seriamente as condições de vida desta população. Esta situação é mais
grave nas regiões Norte e Nordeste, onde apenas 24,1% e 30,8% dos domicílios,
respectivamente, possuem um sistema adequado de saneamento básico. Em contraste, a
Região Sudeste possui praticamente 80% dos domicílios com saneamento básico
adequado, ilustrando a extrema desigualdade regional em nosso país.

d) A Saúde do Idoso
Uma condição de vida saudável pode ser considerada um pressuposto para o
desenvolvimento de uma vida produtiva e prazerosa. Sem esta condição, o exercício de
uma atividade profissional e até mesmo a prática de atividades cotidianas podem ser

82
comprometidas. Daí a importância de se zelar pela manutenção do pleno funcionamento
de nossas funções físicas e biológicas.
Este deve ser um fator de maior atenção por parte da população idosa, que
inerentemente estará mais sujeita a debilidades devido a sua idade avançada, tornando
necessário tanto a conscientização individual por parte dos idosos em relação a este
problema, quanto a implementação de políticas públicas específicas voltadas para o
amparo a saúde do idoso.
Segundo dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio)
realizado em 1998, 83% da população idosa avaliou seu estado de saúde como regular
ou bom, o que se torna um índice no mínimo curioso, ao observarmos as condições dos
serviços públicos de saúde em nosso país.
Seguindo uma evolução natural de acordo com a idade, percebe-se um
aumento no número de indivíduos que deixam de realizar alguma atividade devido a
problemas de saúde. Mais uma vez os dados apresentados são surpreendentes, uma vez
que este índice permanece baixo mesmo para a população idosa acima dos 80 anos,
como indica o gráfico abaixo:

Pe rce ntual de idos os que de ixaram de re alizar algum a atividade de vido


à proble m as de s aúde

80+

75-79

Homens idosos
70-74
Mulheres idosas

65-69

60-64

0% 5% 10% 15% 20% 25%

Fonte: PNAD, 1998.

Analisando-se estes dados, apenas 20% dos idosos acima dos 80 anos
afirmaram ter abandonado alguma atividade, daí termos destacado o caráter inusitado
dos resultados desta pesquisa. Dentre os problemas de saúde mais comuns existentes
entre a população idosa, destacam-se os problemas de coluna, a pressão alta e as
doenças cardíacas, sendo estas as principais responsáveis pelos óbitos entre o segmento
idoso.

83
É importante destacar também a diferença de gênero em relação às
condições de saúde da população idosa, onde o índice de degeneração física e biológica
é bem mais acentuado na mulher do que no homem, já que podemos perceber
claramente que em todas as faixas etárias o percentual feminino é superior ao percentual
masculino. Este fato nos leva a indícios de que a qualidade de vida da mulher pode ser,
genericamente, inferior à qualidade de vida do homem, o que levaria a uma debilidade
física precoce.
Encontramos, neste momento, uma situação paradoxal. Conforme observado
anteriormente, as mulheres possuem uma expectativa de vida superior ao homem, ao
mesmo tempo em que apresentam uma degeneração das condições de saúde mais
acelerada em relação ao segmento masculino.
Pensando em uma hipótese primária, poderíamos aqui pensar que este seria
o caso em que a mulher vive mais, talvez por questões genéticas e biológicas inerentes
ao organismo feminino, porém sob piores condições de vida ao longo de sua existência,
o que explicaria sua maior vulnerabilidade na idade avançada. Sem dúvida esta situação
merece um estudo mais aprofundado, nos cabendo aqui apenas destacar a constante
disparidade encontrada quando se compara a qualidade de vida do homem e da mulher.
Estes dados devem ser analisados sob um olhar crítico, uma vez que uma
análise sumária dos dados aqui apresentados nos levaria a conclusão de que as
condições de saúde da população idosa no Brasil estariam próximas da perfeição, o que
não condiz com a realidade, principalmente se observarmos as camadas mais pobres da
população que não possuem condições financeiras para utilizar os serviços privados de
assistência à saúde.
Acreditamos ser uma constatação praticamente irrefutável de que o sistema
de saúde pública é um dos problemas mais graves de nosso país, visto o atendimento
precário e ineficiente a que a população é submetida. Se pensarmos que grande parte da
população é dependente destes serviços fica difícil imaginar que a situação da
população idosa, que depende mais ainda de uma boa assistência em relação à saúde,
esteja tão boa quanto dizem estes números. É importante destacar que estes resultados
se baseiam em autodeclarações dos idosos, e não em análises clínicas seguras que
transmitam dados confiáveis em relação à saúde deste segmento.

e) Idoso e (Má) Educação

84
Os indicadores relativos aos níveis educacionais do segmento idoso em
nosso país são extremamente negativos. Reflexo de um passado em que a educação
ainda era privilégio das classes sociais mais favorecidas, o idoso de nossos dias é
marcado pela falta de oportunidades de desenvolvimento e aprendizado que permeou a
sua vida.
Estima-se em aproximadamente 5 milhões o número de idosos analfabetos,
o que representa cerca de 35% do total deste segmento. Percebe-se também uma ligeira
superioridade de homens idosos alfabetizados em relação às mulheres idosas, o que não
representa, porém, mais de 5% de diferença. Este é um dos raros momentos em que não
se observam diferenças extremas entre o homem idoso e a mulher idosa.
Apesar deste índice ainda se mostrar negativo, o nível educacional da
população idosa evolui bastante nos últimos anos, uma vez que em 1991 os dados do
IBGE indicavam 45 % de idosos analfabetos no Brasil:

1991

44,2%

Alfabetizados
55,8%
Analfabetos

2000

35,2%

Alfabetizados
Analfabetos
64,8%

85
Além do analfabetismo, que é a situação extrema em termos de deficiência
educacional, a população idosa também índices baixíssimos em relação aos anos de
estudos desenvolvidos. Dentre os idosos responsáveis por domicílios, obtém-se uma
média de apenas 3,4 anos de estudo, o que significa o cumprimento de menos da metade
do ensino fundamental.
Mais uma vez a desigualdade regional existente no Brasil chama a atenção,
onde se observa que nas Regiões Sul e Sudeste a média de anos de estudo entre os
indivíduos idosos ultrapassa os 5 anos, enquanto nas demais regiões este índice se
concentra absurdamente em torno de 2 a 3 anos de estudo. O destaque negativo fica por
conta dos Estados de Tocantins e Maranhão, que apresentam a média de 1,5 anos de
estudo para cada idoso, ou seja, quase toda a população de idosos é semi-alfabetizada.
Com base nestes dados, observamos também que o Brasil enfrenta sérios
problemas em relação ao interior do país. Comparando-se as médias de anos de estudo
dos idosos residentes nas capitais com as médias dos idosos residentes no interior dos
Estados percebe-se diferenças extremas. O próprio Estado do Maranhão, citado
anteriormente, possui a média de 4,7 anos de estudo em sua capital, São Luís:

Estado Média de anos de estudo no Média de anos de estudo na


Estado capital do Estado
Santa Catarina 3,7 Florianópolis - 7,2
Rio de Janeiro 5,4 Rio de Janeiro - 6,9
Rio Grande do Sul 4,1 Porto Alegre - 7,1
São Paulo 4,4 São Paulo - 5,7
Pará 2,6 Belém - 5,1
Pernambuco 2,5 Recife - 5,6
Ceará 2,1 Fortaleza - 4,7
Goiás 2,7 Goiânia - 4,9
Paraíba 1,9 João pessoa - 5,3
Piauí 1,6 Teresina - 3,5
Fonte: IBGE, Censo demográfico 200.

Estes números ilustram a concentração de recursos e serviços nas regiões


mais desenvolvidas, tornando estagnadas e atrasadas as demais áreas do país.
Comparando-se o desenvolvimento e a qualidade de vida entre o interior e as capitais,
percebemos duas situações completamente distintas, onde as condições precárias de
sobrevivência nas cidades do interior levam grande parte da população destas regiões a

86
migrarem para as grandes metrópoles, desencadeando um processo de inchaço
populacional, favelização e desemprego nestas cidades.
Os dados referentes ao idoso são apenas alguns dentre vários outros que
poderiam ser tomados como exemplos das desigualdades existentes entre as regiões de
nosso país. Diante deste quadro, torna-se preocupante pensar de que forma os possíveis
benefícios sociais que gradualmente a população idosa está conquistando irão atingir as
populações destas regiões remotas, ou até mesmo se chegarão lá.
Sem dúvida, a população idosa urbana, principalmente aquela residente nas
grandes cidades, desfrutará dos serviços e das garantias sociais que lhe serão concedidas
com muito mais eficiência do que a população rural ou a população do interior, o que
compromete a validade dos benefícios e da proteção concedida ao segmento idoso. As
políticas públicas voltadas para um envelhecimento saudável devem estar atentas a esta
realidade do país, que nos mostra uma parcela da população idosa que praticamente
viveu toda a sua vida em condições degradantes, e provavelmente assim viverá também
sua velhice, afastada de todo e qualquer amparo social.
Se realmente pretende-se elaborar uma política séria de proteção ao idoso,
tem de se pensar em todos os idosos, o que acarretará na necessidade de um grande
investimento social em regiões do país marcadas pela exclusão e pelo abandono.
Além da desigualdade regional e das baixas médias de anos de estudo dos
indivíduos idosos, percebe-se uma quantidade mínima de idosos com alto nível de
instrução, o que pode explicar em grande parte as más condições de vida da maioria
desta população.
O índice equivalente há 15 anos ou mais de estudo, que corresponderia ao
nível superior completo, atinge apenas 4% da população idosa, caracterizando assim a
maioria absoluta da população idosa como um segmento desprovido de uma
qualificação profissional elevada. O gráfico abaixo nos mostra a distribuição dos idosos
segundo seus anos de estudos comparativamente entre o ano de 1991 e o ano 2000:

87
Dis tribuição da população idos a re s pons áve l por dom icílios s e gundo os
anos de e s tudos

50%
45%
40%
35%
30% 1991
25% 2000
20%
15%
10%
5%
0%
Sem 1 a 3 anos 4 anos 5 a7 8 a 10 11 a 14 15 anos
instrução anos anos anos ou mais
e menos
de 1 ano

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991/2000.

Os índices relativos ao nível educacional da população idosa podem nos


explicar, por exemplo, a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho e os baixos
de níveis de renda que iremos observar no próximo tópico. Fica difícil imaginar que
indivíduos com baixíssimos níveis de escolaridade consigam bons empregos em uma
sociedade capitalista baseada em uma forte competitividade no mercado de trabalho. Se
para os jovens e adultos a competição pode significar o desemprego, o que dizer de uma
pessoa idosa, que naturalmente tem sua capacidade de trabalho comprometida devido à
idade avançada? A este fator alia-se uma baixa ou inexistente qualificação profissional,
conforme observado nos índices acima analisados?
Provavelmente este não será o quadro das futuras gerações do
envelhecimento futuro, uma vez que a sociedade brasileira está gradativamente
conseguindo elevar seus níveis de escolaridade e até mesmo estender a qualificação
profissional e a informação para classes sociais até então carentes.
Mas é necessário pensar no presente e nestes milhões de idosos que se
encontram em situação de total desamparo, onde não existe qualquer perspectiva de
melhoria ou mudança, restando como esperança o dever do Estado em proteger e
validar as garantias sociais voltadas para este segmento. Daí o caráter urgente de
implementar mecanismos eficientes de controle e fiscalização para o cumprimento dos
direitos e das garantias sociais do idoso.
Parece que a população idosa já esperou por oportunidades a sua vida
inteira, e até então elas não apareceram. A sociedade mudou muito, a ciência avançou e
vários grupos políticos se revezaram no poder, fazendo com que, finalmente, a
88
conscientização em relação ao envelhecimento ganhasse força e os resultados
começassem a surgir. Só nos resta esperar que os resultados do Censo demográfico de
2050 nos mostrem que a sociedade realmente evoluiu, e que a população idosa
apresente outros indicadores que realcem uma comunidade que tenha aprendido a
valorizar o seu passado, e principalmente, a valorizar as pessoas.

89
f) Idoso e (Falta de) Trabalho
A população idosa brasileira apresenta um grande percentual de indivíduos
que ainda realiza algum tipo de atividade profissional. Esta taxa é bem superior para o
segmento masculino, onde os índices do IBGE nos mostram que praticamente metade
da população idosa masculina ainda trabalha, enquanto este número não chega a 20%
entre o segmento feminino, como nos mostra o gráfico abaixo:

Proporção de idos os ins e ridos no m e rcado de trabalho

1998

1994

Homens idosos
1990
Mulheres idosas

1986

1982

0% 10% 20% 30% 40% 50%

Fonte: PNAD, 1981/1998.

O alto índice de participação masculina no mercado de trabalho pode ser


explicado pelo ineficiente sistema de Previdência Pública, o que obriga os indivíduos
idosos a continuarem exercendo uma atividade profissional como forma de compensar o
baixo valor do beneficio da aposentadoria.
Em relação às mulheres, retornamos novamente à questão do papel
tradicional da mulher como chefe do lar, o que provavelmente lhe impossibilitou de
desenvolver uma atividade profissional, fazendo com que as mulheres idosas
apresentem neste ponto um índice baixo em comparação com os dados masculinos.
Já é difícil para a população idosa em geral encontrar oportunidades no
mercado de trabalho, sendo pior ainda quando a população em questão se trata de
mulheres que não tiveram condições de investir no seu desenvolvimento profissional.
Este é mais um fato peculiar que deve ser levado em consideração ao se elaborarem
políticas públicas de assistência ao idoso, principalmente em relação à parcela feminina
deste segmento que se mostra ainda mais debilitada.
A situação das mulheres idosas ilustra muito bem o cenário de desamparo e
exclusão enfrentado pelo segmento idoso em nosso país, já que:

90
“Os idosos têm um status diferente das demais faixas etárias, e isto é igualmente
verdadeiro para homens e mulheres. A situação das mulheres idosas, possivelmente, reflete em grande
medida a estratificação social mais ampla e a discriminação da sociedade contra os idosos”.
(Veras, 2001:16)

A falta de oportunidades de trabalho para a população idosa pode ser


claramente percebida quando observamos o tipo de atividade exercida por este
segmento populacional. Praticamente metade dos idosos em atividade profissional
trabalha por conta própria, o que lhe priva das garantias trabalhistas e de condições
dignas de trabalho:

Atividade profissional Mulheres Idosas Homens Idosos


Trabalho por conta própria 41% 55,1%
Empregado 13% 28,2%
Empregador 4% 11%
Trabalho doméstico 13,4% 2%
Atividade não-remunerada 22,5% 3%
Fonte: PNAD, 1998.

Outro dado interessante consiste no índice de trabalho não-remunerado,


como atividades voluntárias, por exemplo, onde mais de 20% das mulheres idosas
encontram-se nesta categoria. Reforçando a idéia da falta de desenvolvimento
profissional da mulher ao longo de sua existência e de condições de vida degradantes na
velhice, observamos nestes dados um alto índice de mulheres idosas que exercem
atividade doméstica, o que significa uma remuneração baixa e um trabalho árduo.
A isto se acresce o fato dos idosos não acompanharem, em sua maioria, as
inovações tecnológicas nos modos de produção e nas atividades profissionais em geral,
onde cerca de 20% da população idosa afirma ter tido dificuldades de se adaptar a novos
equipamentos64.
Percebemos em relação à população masculina uma situação bem mais
confortável, onde uma boa parcela é dona de seu próprio negócio (Empregadores), e um
segmento considerável trabalha como empregado, o que configura um quadro bem mais
favorável do que a situação da mulher idosa. Interessante perceber que apenas uma
parcela ínfima do segmento masculino desenvolve atividade não-remunerada, o que
contrasta claramente com a proporção feminina neste ponto.
É importante destacar que, dentre os indivíduos idosos que continuam a
exercer uma atividade profissional, 60% do segmento masculino recebe o beneficio da
64
IPEA, Acesso ao capital dos idosos brasileiros, 1999.
91
aposentadoria, enquanto 40% da parcela feminina também já está aposentada,
reforçando a hipótese da necessidade de complementação de renda por parte destes
indivíduos.
O quadro de degradação do idoso ainda pode ser ilustrado pelo fato de que
mais de 70% dos homens idosos afirmaram trabalhar em uma jornada de 40 horas
semanais, enquanto cerca de 40% das mulheres também se submete a esta carga horária
excessiva. Ressaltamos, mais uma vez, a importância de um sistema de Previdência
Pública que faça jus à contribuição que o trabalhador pagou durante toda a sua vida
produtiva, e que deveria lhe garantir um envelhecimento saudável e prazeroso, o que
não condiz com a realidade observada em nosso país.

g) Os Rendimentos da População Idosa

92
As condições econômicas dos idosos no Brasil melhoraram muito ao longo
das últimas duas décadas. Apesar de ainda distante de uma situação ideal, percebemos
atualmente um quadro positivo em decorrência, dentre outros fatores, à extensão dos
benefícios da Previdência à grande maioria do segmento idoso. Podemos observar um
crescimento substancial em comparação aos níveis de rendimento da população idosa de
alguns anos atrás.
Comparando a situação atual com o passado recente do idoso no Brasil,
tínhamos em 1981 um quadro alarmante, onde 37,4% das mulheres idosas não possuía
qualquer tipo de fonte de renda, enquanto entre a população idosa masculina este índice
não atingia 3%. Já em 1998, o percentual de mulheres idosas que não possuíam
rendimentos caiu para 18,1%, índice este que, apesar de significar uma melhoria na
condição de vida deste segmento, ainda pode ser considerado um número alto, uma vez
que significa que quase 1/5 das mulheres idosas de nosso país vivem sob a dependência
de outras pessoas e sem a garantia de beneficio social por parte do Governo.
Além disso, a população idosa é bastante heterogênea em relação ao nível
de seus rendimentos, observando-se grandes diferenças entre as zonas rural e urbana, e
também uma extrema disparidade comparando-se as regiões do Brasil.
Em um nível geral, a renda média da população dos idosos responsáveis por
domicílios no Brasil passou de R$403,00 em 1991 para R$657,00 no ano 2000, o que
significa um crescimento relativo de 63% no nível de renda deste segmento. Porém, este
quadro se torna desfavorável quando comparamos os rendimentos segundo alguns
referenciais internos do país.
A renda média encontrada no Sudeste, por exemplo, chega a R$536,00,
enquanto este índice não passa de R$224,00 no Nordeste, o que equivale a menos da
metade do valor encontrado na primeira região. Além deste referencial, a situação se
torna ainda mais grave quando analisamos os mesmos dados em relação à zona rural do
país, encontrando-se extremas disparidades em comparação com as zonas urbanas.
O nível dos rendimentos dos idosos responsáveis por domicílios
especificamente localizados nas zonas urbanas alcança a média de R$739,00, contra
uma renda média de apenas R$297,00 nos domicílios rurais, o que representa uma
diferença de aproximadamente 40% entre os níveis de renda.
Mesmo quando analisadas separadamente, todas as regiões do Brasil
apresentam grandes disparidades entre as zonas urbana e rural, independentemente das
diferenças de desenvolvimento entre elas. A região Sudeste, por exemplo, apresenta um
desnível de 63,7% entre os rendimentos das zonas rural e urbana.

93
O quadro abaixo mostra detalhadamente a heterogeneidade entre os níveis
de rendimento da população idosa no Brasil no ano 2000, merecendo destaque tanto a
desigualdade entre as 5 grandes regiões quanto à desigualdade urbano-rural observada:

Região Total (R$) Zona Urbana (R$) Zona Rural (R$)


Brasil 657,00 739,00 297,00
Região Sudeste 835,00 879,00 398,00
Região Sul 661,00 730,00 399,00
Região Nordeste 386,00 474,00 198,00
Região Centro-oeste 754,00 789,00 546,00
Região Norte 438,00 502,00 280,00
Fonte: IBGE, PNAD 2000

Confirmamos, mais uma vez, a absurda situação de desigualdade existente


em nosso país, de modo que não seria exagerado afirmar que existem vários “Brasis”
dentro no nosso Brasil, senso que o idoso está inserido neste contexto e sofre suas
conseqüências. Sorte daqueles que residem nas áreas mais favorecidas, azar dos outros
que vivem uma luta diária pela sobrevivência em áreas remotas e esquecidas de nosso
país.
Reforçando este comentário, podemos tomar como exemplo a renda
nominal média dos idosos responsáveis por domicílios segundo os Estados de nosso
país, onde no Distrito Federal obtém-se a excelente média de R$1796,00, em São Paulo
alcança-se a marca de R$893,00, e no Maranhão o ínfimo índice de R$287,00.
Ainda em termos de renda nominal, percebemos a grande maioria da
população idosa concentrada na faixa daqueles que recebem apenas 1 salário mínimo,
surgindo assim mais um dado que ilustra a situação degradante deste segmento em
nosso país.
Outra característica importante a ressaltar em relação aos rendimentos
nominais da população idosa é novamente a discrepância entre as zonas rural e urbana,
onde cerca de 65% do segmento idoso localizado nas zonas rurais ganha até 1 salário
mínimo, enquanto dentre a população urbana este índice não passa de 40%. Por outro
lado, mais de 20% dos idosos urbanos possuem uma renda acima de 5 salários mínimos,
enquanto dentre a população rural estes indivíduos não chegam a 5%.
O gráfico abaixo, elaborado a partir dos dados do Censo demográfico
realizado pelo IBGE no ano 2000, expressa claramente a situação degradante do
segmento idoso, principalmente nas áreas menos favorecidas do país:

94
Re ndim e nto nom inal e m s alários m ínim os dos idos os re s pons áve is
por dom icílios no Bras il
70%
60%
50%
40%
30% Zonas urbanas
20% Zonas rurais
10%
0%
to

5
2

5
en

de
a

a
im

s
e

ai
nd

M
re
em
S

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.

A análise dos indicadores dos rendimentos da população idosa no Brasil tem


que ser observada enquanto uma conseqüência da situação de desamparo e exclusão
enfrentada por estes indivíduos ao longo de sua vida. Quando analisamos a renda como
uma conseqüência das oportunidades de desenvolvimento proporcionadas aos
indivíduos, queremos dizer que tal indicador é reflexo das condições de acesso ao
conhecimento, à qualificação profissional e à inserção social, dentre outros fatores.
Isso significa que a consolidação de oportunidades de desenvolvimento
social minimamente igualitárias para todos os indivíduos provavelmente terá como
resultado boas oportunidades de atividade profissional, e conseqüentemente, um bom
nível de renda. Como observamos indicadores extremamente negativos em relação à
população idosa em geral no Brasil, é simples perceber que tal segmento não poderia
realmente apresentar indicadores positivos em relação à renda, uma vez que seus níveis
de escolaridade e inserção no mercado de trabalho formal são muito baixos, o que afeta
diretamente a sua possibilidade de evolução ou ascensão social.
Sendo assim, para se modificar este quadro é necessário um planejamento a
longo prazo, onde as políticas públicas devem atuar sobre os indivíduos de modo que os
capacitem em termos de informação, educação e qualificação suficiente para o
desenvolvimento de suas potencialidades, o que viabilizaria boas oportunidades de
inserção no mercado de trabalho. Quanto maior o nível do status adquirido ao longo da
vida maior será, provavelmente, a qualidade de vida na velhice. Somente desta forma
seria possível pensar em uma população idosa com qualidade de vida, obtida ao longo
de toda a sua trajetória através da sua capacidade produtiva e de seu potencial
intelectual.

95
h) O Idoso e a (Não) participação política
A conscientização social e o nível de engajamento político da população
idosa devem ser indicadores igualmente relevantes a serem considerados na análise das
condições de vida deste segmento. É a partir da mobilização da sociedade civil que
importantes mudanças sociais começam a se concretizar. Daí a importância de se

96
conscientizar a população idosa em relação aos seus problemas e aos seus direitos,
como forma de motivá-los a reivindicar e participar ativamente das discussões que
envolvem questões diretamente relacionadas à sua vida.
Podemos perceber um crescente aumento na mobilização dos idosos,
representada principalmente pela maior organização de ONG’s e associações voltadas
para os problemas do envelhecimento, o que ganhou força a partir da regulamentação
do Estatuto do Idoso em 2003.
Porém, esta mobilização ainda é extremamente superficial, sendo que em
muitos casos a reivindicação dos idosos se volta unicamente para questões relacionadas
ao transporte público e atendimento médico, que afetam diretamente o dia-a-dia do
idoso, não havendo uma conscientização maior em relação a outros problemas que
envolvem o envelhecimento e a sociedade.
Percebemos até mesmo uma desinformação muito grande em relação ao
próprio Estatuto do Idoso, onde grande parte destes indivíduos não conhece muitos dos
instrumentos legais que possuem a seu favor instituídos neste documento. Muito menos
conhecem ou participam de Conselhos e fóruns que deveriam funcionar como seus
canais de discussão e representatividade.
Os dados obtidos a partir de pesquisas do IPEA mostram que a
conscientização diminui conforme a idade avança, fazendo com que a grande maioria
dos idosos acima dos 70 anos se encontre desinformada, despolitizada e desmobilizada
socialmente.
Como características da consciência política do idoso no Brasil destacamos
algumas informações:
• Aproximadamente de 2% a 4% dos idosos são filiados a partidos
políticos.
• Cerca de 30% dos idosos entre 60 e 70 anos participam de atividades
relacionadas a partidos políticos, onde este número cai para menos de
8% quando se trata de indivíduos acima de 70 anos.
• Cerca de 45% dos indivíduos na faixa entre 60 e 70 anos de idade não
utilizam nenhuma fonte para decidir o seu voto, enquanto este número
aumenta para 56% entre os idosos acima dos 70 anos.
• Aproximadamente 20% dos idosos até 70 anos e 30% daqueles acima
desta idade não sabem o nome do Presidente, sendo que este índice sobe
para 35% e 45%, respectivamente, quando se trata dos nomes dos
Governadores e dos Prefeitos.
97
• Apenas cerca de 15% a 18% dos idosos com até 70 anos de idade são
filiados a sindicatos de suas categorias profissionais, decrescendo este
número para 8,8% dentre aqueles acima desta faixa etária.65

Estes números ilustram o quadro de ausência de participação e


conscientização política por parte da população idosa, principalmente no que diz
respeito ao uso inconsciente do voto. Quando observamos que 56% das pessoas acima
de 70 anos que votam utilizam este instrumento sem qualquer recurso à informação,
podemos vislumbrar que se trata de um voto que se caracteriza como arbitrário, acrítico
ou manipulado, ou até mesmo esteja provido das três características citadas.
Aliando o desinteresse e a desinformação, o segmento idoso perde grande
parte de sua força na medida em que não possui e não fomenta canais adequados de
participação e reivindicação pelas suas causas.
Talvez o primeiro passo a ser dado para se mudar a situação do idoso em
nosso país seja exatamente conscientiza-lo, para que seja desencadeado todo o processo
de consolidação de seus direitos e de suas garantias sociais a partir da organização do
idoso enquanto um grupo que possui problemas e interesses comuns.
Nada vale implementar um Estatuto do Idoso e todo um conjunto de
garantias sociais se os próprios beneficiários deste processo não o conhecem ou não
sabem como fazer uso dele. Como diz aquele velho ditado, a união faz a força, e isso
vale mais do que nunca quando se trata da mobilização popular em busca dos seus
direitos. Este é o caminho a ser seguido, pois a transformação tem que começar de
dentro, a partir do conhecimento da população idosa sobre si próprio, sobre as garantias
existentes para o seu bem-estar, e principalmente, sobre o que pode e o que deve
realizar para fazer valer aquilo que é de seu direito.

5. A Proteção Social ao Idoso no Brasil


A Proteção sócio-jurídica relativa à população idosa é um fenômeno recente
no Brasil, visto que o processo de regulamentação de garantias sociais específicas ao
idoso é somente desencadeado em meados da década de 90. A Legislação
previdenciária foi a primeira garantia institucionalizada do Estado em relação ao
segmento idoso de nosso país, datando de 24 de Janeiro de 1923 a Lei Elói Chaves, a
primeira lei brasileira de Previdência Social, dando assim origem a esta instituição.

65
IPEA, Pesquisa Mensal de Emprego (PME), 1996.
98
A origem dos Direitos dos Idosos no Brasil é a recente conscientização
mundial em relação aos problemas deste segmento populacional, podendo-se afirmar
que o Brasil acompanhou o processo global de discussão e institucionalização da
proteção social à população idosa, e até mesmo adiantando-se a ele, uma vez que o
Estatuto do Idoso foi um instrumento jurídico que procurou traduzir e legitimar em
termos concretos as recomendações morais e valorativas dos Documentos
Internacionais.
A Constituição Brasileira de 1988 já havia introduzido alguns dispositivos
de proteção à população idosa, não se aprofundando, porém, nas questões específicas a
este segmento da sociedade. Mesmo assim, é necessário considerar que o texto
constitucional chamou a atenção para os problemas sociais que viriam a se agravar anos
depois em relação aos idosos, funcionando assim como um importante elemento para
uma posterior conscientização da necessidade de um Direito especificamente dos
Idosos, consolidados, principalmente, com a regulamentação do Estatuto do Idoso em
2003.
O Estatuto foi antecedido pela Política Nacional do Idoso, documento
elaborado em 1994 que traçava as diretrizes gerais para a assistência à população idosa,
principalmente na atribuição de funções a cada ministério e a cada órgão governamental
para atuarem como mecanismos de proteção à população idosa.
É igualmente importante destacar a formulação do Programa Nacional dos
Direitos Humanos, elaborado pelo Governo Federal em 1996, que visa amparar os
grupos socialmente vulneráveis de nossa sociedade, dentre eles os idosos, que
mereceram um tópico especial neste documento.
O objetivo desta discussão é apresentar e comentar criticamente as garantias
sociais do Idoso no Brasil ao longo de nossa história recente, com base na análise da
realidade cotidiana de nosso país e na comparação paralela com as recomendações
internacionais existentes, já discutidas anteriormente neste trabalho.
5.1 - A Previdência Social no Brasil

O sistema previdenciário no Brasil teve origem com a Lei Elói Chaves,


implementada em 1923 durante o período da República Velha. Este decreto criou a
Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAPs), que atendiam inicialmente apenas aos
trabalhadores ferroviários, e posteriormente se estendeu aos trabalhadores marítimos e
portuários.

99
Remontando ao nosso passado distante, a expressão “aposentadoria” já
havia sido utilizada na Constituição de 1891, referindo-se aos casos de invalidez para o
exercício de atividades produtivas, única espécie de aposentadoria concebida até então.
Utiliza-se a partir da Constituição de 1946 o termo Previdência Social, que passa a
englobar os direitos à assistência nos casos de envelhecimento, invalidez, doença e
morte, através do sistema contributivo de arrecadação de recursos.
Os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) sucederam os CAPs a partir
de 1933, evoluindo no sentido de atenderem a um maior número de categorias
profissionais e, por conseqüência, a um maior quantitativo de trabalhadores. Os
benefícios oferecidos pelos IAPs incluíam desde a aposentadoria até auxílios relativos a
doenças ou funerais, dando corpo a um sistema previdenciário que iria se complexificar
com o passar dos anos e formar a estrutura que conhecemos nos dias atuais. Além disso,
estas instituições funcionavam através de uma gestão colegiada, contando assim com a
participação de representantes da sociedade civil nos processos administrativos e
decisórios do órgão.
A Lei Orgânica da Previdência Social, sancionada pelo então Presidente
Juscelino Kubistchek em 1960, regulamentou o sistema previdenciário em nível
nacional, sendo destinada a amparar todo aquele grupo de indivíduos que por motivos
variados não pudessem subsidiar as condições mínimas para sua sobrevivência, e
necessitariam, portanto, da assistência do Estado. Posteriormente foram introduzidas
algumas modificações no texto original, já consideradas para efeito de nossa análise.
Não se trata aqui, portanto, de uma garantia social especificamente voltada para os
idosos.
Estava formada, a partir de então, a grande estrutura de uma Previdência
Social que iria amparar socialmente a classe trabalhadora do país. É importante ressaltar
que os sistemas previdenciários de que estamos tratando referem-se unicamente aos
trabalhadores urbanos, onde a população rural possui regulamentos específicos de
benefícios sociais e aposentadorias. Os funcionários públicos também possuem um
regime de Previdência diferenciado, que também não nos interessa neste momento
averiguarmos em separado, sendo de maior importância para os nossos objetivos, no
caso a situação dos idosos no Brasil, a análise do regime geral da Previdência Social.
O Sistema Previdenciário foi instituído com a finalidade de prover os
benefícios necessários à manutenção da sobrevivência daqueles que não possam mais
viabiliza-la por esforços próprios, como no caso da perda da capacidade decorrente do

100
envelhecimento e da invalidez, conforme indica o artigo 1 da Legislação Previdenciária
de 1960:

“Art. 1º A previdência social, organizada na forma desta lei, tem por fim assegurar aos
seus beneficiários os meios indispensáveis de manutenção, por motivo de idade avançada, incapacidade,
tempo de serviço, prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente, bem como a prestação
de serviços que visem à proteção de sua saúde e concorram para o bem estar”.66

Em nossas sociedades atuais, organizadas sob o modo capitalista de


produção, a Previdência Social se torna uma instituição primordial de amparo aos
idosos, uma vez que devido à sua exclusão do mercado de trabalho inerente à lógica do
sistema, não resta alternativa a estes indivíduos senão a cobertura e as garantias dos
benefícios previdenciários.
A criação de um sistema previdenciário foi assim uma forma menos violenta
de atender aos interesses do mercado em maximizar a sua produção e o seu lucro, onde
não mais se poderia admitir uma mão-de-obra improdutiva como a de um indivíduo
idoso. Assim sendo, “a institucionalização da aposentadoria foi um dos diversos meios
disponíveis para uma cultura empresarial comprometida com a reestruturação da
composição etária da força de trabalho”. (Simões, 1997:176)
A aposentadoria acarreta também profundas mudanças sociais e psicológicas
na vida do indivíduo, uma vez que a perda da função produtiva traz como conseqüência
a perda da identidade social e da própria auto-estima, já que vivemos em uma sociedade
organizada para o trabalho. Como afirma Santos:

“A exclusão do mundo do trabalho é ao mesmo tempo perda de lugar no sistema de


produção, reorganização espacial e temporal da vida do sujeito, e reestruturação de identidade pessoal.
A aposentadoria obriga o sujeito a reorganizar as identificações habituais, que estruturam o eu”.
(Santos, 1991:02)

Porém, tais benefícios são destinados exclusivamente aqueles indivíduos que


exerceram atividade profissional remunerada ao longo da sua vida e contribuíram
financeiramente para a sua seguridade futura, o que está previsto no artigo 2 do
documento, que define como beneficiários da Previdência "todos os que exercem
emprego ou atividade remunerada no território nacional...”.67
Já os indivíduos que não exercem atividade profissional, e não possuem
meios de subsistência própria têm como alternativa recorrer à Lei Orgânica de
Assistência Social, não se enquadrando como beneficiários da Previdência, sendo aqui
66
Artigo 1 da Lei Orgânica da Previdência Social, Lei Nº 3.807, de 26 de Agosto de 1960.
67
Artigo 2, tópico I da Lei Orgânica da Previdência Social, Lei Nº 3.807, de 26 de Agosto de 1960.
101
incluídos como excluídos da Previdência os trabalhadores domésticos e os trabalhadores
rurais, que como já foi mencionado anteriormente, possuem regimentos próprios
relativos à Previdência Social. .
Podemos vislumbrar desde já uma situação paradoxal. Em termos gerais,
espera-se que aqueles indivíduos que tiveram uma vida produtiva ao longo de sua
existência não se encontrem em extremas necessidades, mas apesar disso são amparados
pelo Sistema Previdenciário, e com toda justiça, uma vez que contribuíram ao longo de
sua vida para esta instituição.
Aqueles indivíduos que não possuem oportunidades de trabalho ou não mais
trabalham, e que possivelmente precisariam de um amparo social ainda maior por parte
do Estado, não se encaixam como beneficiários da Previdência, estando sujeitos a uma
assistência social que nem sempre é suficiente para a demanda que dela necessita. Em
um cenário de extrema desigualdade e exclusão social como o Brasil de nossos dias,
temos que pensar também no não-trabalhador, segmento que atualmente se torna cada
vez maior, e conseqüentemente, cada vez mais desamparado.
Sendo assim, podemos pensar que os benefícios da Previdência Social não
seriam uma proteção social propriamente dita, mas sim uma conquista do indivíduo
através da sua força de trabalho ao longo de sua vida. Recebemos porque contribuímos,
e se não contribuirmos não receberemos, caracterizando-se assim os benefícios da
Previdência mais como uma prestação de um serviço pago por nós mesmos do que
como uma função protetora ou benevolente por parte do Estado.
Este é mais um motivo para reivindicarmos um sistema previdenciário que
trate seus beneficiários com dignidade e eficiência, o que não é o quadro de nossa
realidade, principalmente em relação ao tratamento recebido pelos idosos, que beira a
humilhação. Em muitos casos se paga muito ao longo da vida produtiva, por um serviço
que não condiz com esta contribuição, caracterizando assim a Previdência Social como
uma instituição que deveria sofrer uma séria e profunda reformulação de modo a
atender devidamente àqueles que tem um direito legítimo de assim serem atendidos.
Os benefícios da Previdência Social, previstos nesta lei, são destinados
unicamente aqueles trabalhadores que não possuam vínculos com regimes
previdenciários privados, sendo excluídos dos benefícios aqui previstos os que façam
parte de tais regimes, como sistemas previdenciários de determinada categoria
profissional, por exemplo.
São também considerados trabalhadores, para efeito desta lei, os sócios ou
proprietários de empresas e indústrias, o que caracteriza o exercício de atividade

102
profissional remunerada, e conseqüentemente, incluída na proteção previdenciária. É
importante destacar que cada indivíduo somente poderá usufruir um único beneficio de
aposentadoria, mesmo que continue exercendo alguma atividade profissional na
condição de aposentado, o que está previsto no art.5 da Lei Orgânica, que postula que
“Aquele que conservar a condução de aposentado não poderá ser novamente filiado à
previdência social, em virtude de outra atividade ou emprego”.68
Outro dispositivo importante do documento diz respeito à extensão dos
benefícios aos dependentes, sendo estes entendidos como os cônjuges e os filhos
inválidos ou menores de idade, cabendo ao segurado a opção de indicar outro
dependente para a extensão dos benefícios, desde que ocorra a falta ou a inexistência
dos dependentes diretos anteriormente relacionados.
Dentre os benefícios previstos na lei, o artigo 22 enumera as garantias
previdenciárias de acordo com a categoria em questão, no caso segurado ou dependente,
sendo aqui importante especificar os benefícios a que tem direito cada uma destas
categorias:
a) Segurado: auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria
por velhice, aposentadoria especial, aposentadoria por tempo de serviço,
auxílio-natalidade, pecúlio e assistência financeira.
b) Dependentes: pensão, auxílio-reclusão, auxílio-funeral e pecúlio.
O regime de funcionamento da Previdência Social sofreu algumas mudanças
a partir de 1991, sendo introduzidas na lei algumas alterações determinantes para o
calculo dos benefícios e para as regras gerais para a aposentadoria. Em relação ao
benefício a ser pago nos casos de aposentadoria, os cálculos partem da análise do
“salário benefício”, que consiste na média dos maiores salários de contribuição
correspondentes a 80% de todo o período contributivo multiplicada pelo fator
previdenciário, conforme alteração na lei ocorrida em 1999.69
O fator previdenciário se tornou, a partir de então, um elemento primordial
para o calculo do valor da aposentadoria, sendo um índice que leva em consideração a
idade, a expectativa de sobrevida (período de vida após os 60 anos de idade) e o tempo
de contribuição do segurado ao postular sua aposentadoria.
Especificamente em relação ao idoso, a Lei Orgânica da Previdência Social
de 1960 já tratava no capítulo IV da aposentadoria por velhice, ponto que aqui mais nos
interessa. Tem direito a esta espécie de aposentadoria todo indivíduo que completar 65

68
Artigo 5, tópico IV, inciso 3o da Lei Orgânica da Previdência Social, Lei Nº 3.807, de 26 de Agosto de
1960.
69
Lei No 9.876 de 26 de Novembro de 1999.
103
anos de idade sendo do sexo masculino e 60 anos de idade no caso de pessoas do sexo
feminino, que tenham contribuído com, pelo menos, 60 contribuições mensais,
conforme previsto no artigo 30 do respectivo capítulo. Esta norma foi ratificada pela Lei
No 9.032 de 28 de Abril de 1995. Os valores dos benefícios a serem pagos nesta espécie
de aposentadoria estão prescritos no artigo 50 da lei de 1991, onde se afirma que:

“Art. 50. A aposentadoria por idade, observado o disposto na Seção III deste Capítulo,
especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de 70% (setenta por cento) do salário-de-
benefício, mais 1% (um por cento) deste, por grupo de 12 (doze) contribuições, não podendo ultrapassar
100% (cem por cento) do salário-de-benefício”.70

Tal modelo não seria de alguma forma tão injusto, uma vez que se recebe
um benefício proporcional ao valor das contribuições pagas, o que reforça a idéia de que
a Previdência Social é uma obrigação do Estado mediante um seguro contratado e
devidamente pago pelos indivíduos, não se caracterizando assim qualquer tipo de
assistencialismo ou benevolência por parte dos respectivos Governos.
Aqui também nos interessa a aposentadoria por tempo de serviço, que A Lei
de 1960 prescrevia que têm este direito aqueles indivíduos que tenham completado 55
anos de idade, e que tenham atingido a marca de 35 anos de trabalho no caso dos
homens e 30 anos no caso das mulheres. Porém, este período mínimo de exercício
profissional foi reduzido para 25 anos de trabalho no caso da mulher e para 30 anos no
caso do homem nas alterações feitas em 1991.71
Neste caso, a renda mensal a ser concedida consiste em 70% do salário
benefício ao se completarem os 25 anos de trabalho, acrescido de 6% a cada ano a mais
de exercício profissional no caso das mulheres, e o mesmo valor em relação aos
homens, sendo que neste caso a partir dos 30 anos de trabalho completados.
Tanto a aposentadoria por idade quanto à aposentadoria por tempo de
serviço exigem uma carência mínima de 180 contribuições mensais para se fazer jus aos
benefícios destes regimes.72
É importante destacar a institucionalização da Previdência Social
consolidada a partir da criação do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) em
1966, que posteriormente se tornaria INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). A
criação destas instituições significou também o afastamento da classe trabalhadora da
participação no controle do sistema previdenciário, que ficaria a partir de então a cargo
da burocracia estatal.
70
Lei 8.213 de 24 de Julho de 1991.
71
Artigo 52 da Lei 8.213 de 24 de Julho de 1991.
72
Lei No 8.870 de 15 de Abril de 1994.
104
A criação do INPS significou a extinção de todas as demais organizações
previdenciárias existentes até este período, os antigos IAPs, que foram unificadas no
Instituto recém-criado, fazendo com que os segurados das extintas instituições se
tornassem agora filiados ao INPS.
A organização da Previdência Social tem sido um dos temas mais discutidos
atualmente no cenário político, principalmente no que diz respeito à polêmica proposta
de reforma da Previdência pública. Tal reforma foi inicialmente formulada durante o
governo de Fernando Collor em 1991, e consistia basicamente na proposta de transferir
recursos do setor público para o setor privado, com o objetivo de diminuir a esfera de
atuação da Previdência Social pública, que ficaria responsável somente pelos
trabalhadores que tivessem uma renda de, no máximo, 5 salários mínimos.
É importante ressaltar que a Previdência privada interessa aqueles que
recebem um salário maior do que o teto estipulado pela Previdência pública e, por
conseguinte, receberiam um benefício menor do que o salário base que serviu de
referência para o cálculo do valor das contribuições. No caso dos sistemas privados de
seguridade, haveria uma contribuição maior, que daria direito, porém, a uma
aposentadoria equivalente ao salário integral, o que não seria possível na Previdência
pública.
O principal problema enfrentado pela Previdência Pública no Brasil é o
imenso déficit financeiro do INSS e do sistema de Previdência dos Servidores Públicos,
estimado em R$74 bilhões. A base deste déficit está relacionada ao desequilíbrio entre
as contribuições e os benefícios, onde se observa um valor muito superior dos segundos
em relação aos primeiros.
Um aspecto peculiar da população brasileira é a obtenção da aposentadoria
em uma faixa etária mediana por grande parcela da sociedade, fazendo com que o
aposentado brasileiro seja um dos mais jovens do mundo. Aposenta-se no Brasil, em
média, com 53 anos de idade, havendo inclusive indivíduos aposentados com menos de
50 anos.
Isto se deve ao fato da sociedade brasileira apresentar a característica de
ingressar no mercado de trabalho muito jovem, em média entre 14 e 15 anos, devido à
situação de extrema pobreza de grande da população que obriga crianças e adolescentes
a abandonarem a vida estudantil e trabalharem para manter a sua sobrevivência e a de
sua família.
Há também os casos de algumas atividades peculiares, que concedem
aposentadorias especiais com um tempo mínimo de serviço, como o exercício de cargos

105
políticos, onde se tem direito à aposentadoria após 2 mandatos, por exemplo. Além
disso, é importante lembrar a existência de aposentadorias por invalidez, acidentes de
trabalho e pensões, por exemplo, que podem ocorrer precocemente e fazer com que o
beneficiário receba um valor durante praticamente toda a sua vida tendo contribuído
durante um período mínimo.
A aposentadoria em uma faixa etária ainda jovem faz com que o indivíduo
receba o beneficio durante um longo período de tempo, uma vez que associado à
aposentadoria precoce temos o aumento da expectativa de vida da população em geral.
Desta forma, obtém-se o direito ao benefício da aposentadoria cada vez mais cedo, ao
mesmo tempo em aumenta-se o tempo de vida, o que significa a diminuição do período
de contribuição e o aumento do período de recebimento do benefício.
A situação se agrava quando relacionamos o déficit da Previdência ao
desemprego e ao crescimento do trabalho informal, o que representa menos
contribuições para o sistema. O funcionalismo público apresenta um quadro onde
existem mais aposentados e pensionistas do que trabalhadores na ativa, e na sociedade
em geral o Brasil possui o equivalente a 1,23 trabalhadores contribuintes para cada
beneficiário.
Além disso, é essencial levarmos em consideração também o destino dos
recursos financeiros arrecadados pelo INSS, e que, muitas vezes, não são utilizados no
sistema previdenciário, e sim em outras áreas sociais.
Ainda mais grave é o inchaço do funcionalismo público, que a partir da
década de 70 absorveu um imenso contingente de mão-de-obra de qualidade duvidosa,
principalmente nos chamados “cargos de confiança”, comprometendo, inclusive, a
qualidade dos serviços da administração pública do país. O grande problema é que
muitos destes funcionários foram efetivados posteriormente à condição de servidores
públicos, o que fere, inclusive, o principio constitucional que prevê a admissão de
técnicos para o quadro estatal apenas por meio de concurso realizado por meios de
provas ou de avaliação de títulos.
Desta forma, um grande contingente de funcionários obteve a possibilidade
de aposentar-se após um curtíssimo período de atividade profissional, mesmo tendo
assumido a função de maneira irregular. Não obstante a nomeação irregular para a
função, ainda tiveram direito à aposentadoria sem terem contribuído o suficiente, já que
alguns cargos permitem a aposentadoria com menos de 10 anos de exercício.
Ainda em relação ao funcionalismo público, percebemos outro fator de
desajuste para os cofres da Previdência no que diz respeito a situações de mudança de

106
cargo, onde aquele profissional que porventura tenha sido promovido próximo da sua
época de aposentadoria e, obviamente, passe a receber um salário superior ao da sua
função anterior, terá direito a se aposentar com base neste último salário, mesmo tendo
contribuído durante todo o seu exercício profissional com base no salário menor. O
sujeito deste exemplo contribuiu proporcionalmente sobre um salário menor, mas
receberá um benefício proporcional a um salário bem maior.
Ilustra-se o quadro de desorganização do serviço público com o fato de que
não existe qualquer tipo de coleta de dados sobre os funcionários públicos, onde o
Ministério da Previdência não possui, por exemplo, informações básicas sobre
aproximadamente um terço dos servidores da União. Não se obteve informações sobre
os funcionários do Legislativo, e apenas metade dos funcionários do Poder judiciário
está devidamente relacionada em termos de dados informativos.
Este é o lado obscuro da crise da Previdência Pública que os grupos
políticos que estão no poder esquecem, e mais do que isso, não querem mencionar,
sendo mais fácil colocar toda a culpa na classe efetivamente trabalhadora que contribuiu
durante toda a sua vida para o sistema, e agora “ousam” envelhecer e viver uma vida
mais longa e receber o benefício durante um período maior de tempo! É nítido o caráter
capitalista deste processo, onde o desmantelamento da Previdência Pública possui como
objetivos obscuros os interesses comerciais privados das empresas de Previdência
Privada, passando à sociedade em geral a imagem de que o trabalhador aposentado é um
imenso ônus social a ser mantido pelo Estado, como teoriza o Professor Serafim Paz:

“O que está por detrás desse mecanismo é o pensamento privatista e uma intenção
mercantilista, através das restrições sociais públicas e privadas, para um único interesse dos setores
econômicos pelo acumulo de capital e maior produção de bens de consumo. Essa prática, além de
reforçar o caráter da improdutividade ao velho, traz a possibilidade de mercado para a Previdência
Privada. Dessa forma, também, promove conteúdos ideológicos de embate, pois ao trabalhador velho se
atribui um ônus social, impondo-lhe a culpa pelos altos custos tanto para o Estado quanto para as
empresas, estas em especial, as dos Planos Privados de Saúde”.
(Paz, 2001:63)

A instituição do fator previdenciário no cálculo do valor dos benefícios foi o


primeiro passo dado na tentativa de equilibrar o déficit do sistema, na medida em que ao
se levar em consideração a expectativa de vida do indivíduo diminui-se o valor do
benefício adquirido na medida em que se vive mais. Isto afetou principalmente as
mulheres, já que a sua elevada taxa de sobrevida, ou seja, o período de vida além dos 60
anos, faz com que tenha o valor de sua aposentadoria extremamente diminuído.
Culpam-se as mulheres, inclusive, como uma das responsáveis pelo déficit
da previdência, porque vivem mais e são mais numerosas do que os homens. É uma
107
argumentação que se apresenta extremamente absurda ao observamos a realidade social
que ainda nos mostra um quadro de desigualdade de gênero, onde a mulher em geral
não só trabalha mais como também ganha menos do que o homem, mesmo no exercício
de funções similares. Além disso, é falso afirmar que existam mais mulheres com idades
superiores à dos homens vinculadas à Previdência Social, o que pode ser comprovado
estatisticamente.
Desta forma, a mulher ainda nos dias de hoje usufrui uma condição de vida
inferior em relação aos homens, e ainda pagará caro por ter uma expectativa de vida
maior, no que diz respeito à diminuição do valor da aposentadoria devido ao efeito do
fator previdenciário. Resumindo, a mulher trabalha mais, ganha menos, e receberá ainda
menos na sua aposentadoria, criando um cenário onde “as mulheres são as que estão
em maior número, excluídas da seguridade social pelo desemprego, pela
informalidade, pelo desrespeito às leis trabalhistas...”. (Maccalóz, 2003:54)
Diante deste panorama sócio-econômico, a Reforma da Previdência surge
como um projeto ainda indefinido e impreciso visando propor alterações na estrutura do
sistema que minimize o gigantesco déficit financeiro atual. O certo é que, mesmo
obtendo sucesso nas possíveis medidas a serem adotadas, a reforma somente produzirá
efeitos substanciais a longo prazo, já que é necessário um longo período de tempo para
que a maioria da população esteja integrada ao sistema sob a nova lógica funcional a ser
implementada.
A principal medida a ser implementada pelo projeto de reforma consiste no
chamado “efeito represamento”, que propõe o aumento da idade mínima para a
concessão da aposentadoria através da exigência de mais sete anos de vida ativa do
servidor antes de sua aposentadoria. Desta forma os indivíduos contribuiriam por um
maior período de tempo, e receberiam o benefício durante um menor período,
minimizando-se assim o desequilíbrio entre contribuições e benefícios.
Outro encaminhamento refere-se a mudanças no teto dos benefícios. Como
já observado anteriormente, a estipulação de um teto máximo de 10 salários mínimos
para o valor do benefício incentiva aqueles que ganham um salário superior a este valor
a procurarem o sistema previdenciário privado, para receber, no futuro, uma
aposentadoria equivalente ao salário recebido em atividade. Além disso, a legislação
tributária prevê uma dedução de 12% no valor do imposto de renda caso a pessoa esteja
integrada a um plano de Previdência Privada, o que incentiva ainda mais a adesão a
estes sistemas. É importante ressaltar que, na prática, o valor máximo pago por um

108
benefício equivale exatamente a R$1561,56, um valor inexplicavelmente menor do que
a referência estipulada de 10 salários mínimos.
O aumento do teto das aposentadorias está assim previsto no projeto de
reforma, onde o valor máximo do benefício passaria para R$2,4 mil. Pretende-se com
isso aumentar o número de contribuições a partir da adesão de novos segurados que
estariam migrando para a Previdência Privada devido ao baixo teto estipulado pela regra
anterior, sendo interessante observar que tais contribuições seriam substanciais, já que
proporcionais ao valor dos altos salários desta parcela da população.
E finalmente, a proposta mais ultrajante da reforma consiste na taxação dos
inativos, que passariam a contribuir com a alíquota de 11% sobre o valor de seu
benefício. Tal medida é tal forma tão absurda que distorce a própria lógica do sistema
previdenciário, que consiste na contribuição durante a vida ativa para a aquisição de um
benefício durante o período inativo. Concretizando-se esta medida, o trabalhador
contribuirá durante toda a sua vida para receber um benefício pelo qual terá que
continuar pagando infinitamente. O que haveria, então, de “benefício” neste sistema,
pensando-se no sentido literal da palavra?
Provavelmente nada, pois trabalhar-se-ia mais e se pagaria uma contribuição
maior durante toda a vida para se receber, no final das contas, o mesmo valor do
benefício. Fica nítido, então, o caráter abusivo das propostas de reforma da Previdência,
uma vez que comprometeria diretamente a qualidade de vida da classe trabalhadora, que
seria obrigada a adiar o seu período de usufruto do benefício, e mesmo assim continuar
pagando por ele.
Desde que foi aprovada na Reforma da Previdência, a taxação foi alvo de
sete ações que contestam a sua validade. O presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) Ministro Nelson Jobim, foi favorável ao Governo do estado do Rio de Janeiro em
ação relacionada à taxação de inativos, onde a partir de então poderão ser cobrados os
11% de contribuição dos pensionistas e aposentados. A decisão foi tomada com base no
argumento de que o não pagamento da contribuição poderia lesar a estabilidade
econômica do Estado.
O grande entrave que se tem apresentado à reforma previdência é que os
benefícios desta instituição se enquadram na categoria dos direitos adquiridos73, ou seja,
aquelas garantias constitucionais que não podem ser modificadas por se tratarem de
princípios supremos consolidados a partir do processo constituinte originário. Na

73
Constituição Federal de 1988, artigo 5o.
109
hipotética passagem de um regime para outro, não se pode tirar os direitos daqueles que
iniciaram sua vida profissional no regime inicial e contribuíram sob estas regras.
Assim sendo, os indivíduos que ingressaram no mercado de trabalho sob um
regime da Previdência Social têm todo o direito de receber os seus benefícios futuros de
acordo com as normas vigentes no inicio de sua adesão ao sistema. Isso significa que
quaisquer reformas que forem introduzidas no sistema previdenciário somente se
aplicarão àqueles trabalhadores que se integrarem a partir deste momento no sistema, o
que resultará em efeitos concretos na Previdência Social somente daqui a, no mínimo,
35 anos, quando estas pessoas se aposentarem sob o novo regime em que estiverem
inseridos.
Desta forma, a reforma da Previdência somente pode ser pensada a longo
prazo, uma vez que não se poderá modificar as condições de aposentadoria daqueles que
estão em exercício no momento. Isto agrava mais ainda a situação, uma vez neste
período de tempo a tendência é aumentar ainda mais o déficit do sistema, atingindo-se,
talvez, um quadro insustentável.
Os mais prejudicados serão obviamente os trabalhadores, que sujeitos a um
sistema corrompido e falido vislumbram um futuro sombrio, onde a possibilidade de um
desamparo da Previdência Social se torna maior do que a possibilidade de amparo.
Tudo isso graças à corrupção, desvios ilícitos de verbas e privilégios inconcebíveis para
uma minoria da população, fazendo com que o capitalismo mostre toda a sua face
negativa ao excluir uma grande parcela da população de oportunidades de
desenvolvimento e de condições dignas de sobrevivência.
As soluções para os problemas da Previdência Social teriam que passar
necessariamente pela reformulação da organização sócio-econômica do Estado, de
forma que fossem garantidas oportunidades de trabalho e desenvolvimento para toda a
população, vislumbrando-se assim o equilíbrio entre contribuições e benefícios. Como
afirma Milko Matijascic, pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
(Nepp) da Unicamp, "Inclusão. É disso que se trata no fundo. Essa população que é
excluída, que não participa, não tem direitos sociais, precisa ser incluída".74
Ainda mais necessária seria a moralização das nossas instituições, sendo
inviável pensar em soluções para um problema do porte do sistema previdenciário
aonde persistem privilégios absurdos para uma parcela ínfima da sociedade em
detrimento da grande maioria excluída e desamparada.

74
In Vogt, Carlos. Envelhecimento não é causa da crise da previdência. Disponível em
http://www.comciencia.br
110
De outra forma, as medidas adotadas se tornam meras válvulas de escape,
no sentido de solucionarem momentaneamente o problema, que inevitavelmente
persistirá no futuro. Não se pode fugir do problema e tentar esconde-lo ou simplesmente
ameniza-lo, é necessário enfrenta-lo em suas causas reais, o que levaria à reformulação
de toda a estrutura de nossa sociedade. Resta saber se existe coragem e vontade de
nossos grupos políticos em se engajarem nesta empreitada, que seria, sem dúvida
alguma, uma grande revolução social.
Persistindo a organização atual de nosso Sistema Previdenciário, que
impede qualquer possibilidade de uma vida digna para aqueles que dependem
efetivamente deste benefício na sua idade avançada, restaria apenas decretar a morte
social de nossos idosos, uma vez que não bastando terem se submetido à impiedosa
ditadura do trabalho durante toda a sua vida, sofrem agora com a falta de perspectiva
psicológica e também financeira que os esperam na velhice:

“A constatação da incapacidade para a produção, bem como sua


exclusão do ciclo de rentabilidade equivale a uma condenação, ou seja, a morte social pelo
fato de ter percebido que ele foi apenas um instrumento de trabalho sem ter tido tempo e
condições de usufruir daquilo que fazia e gostava”.
(Garcia, 1999:37)

5.2 - A Constituição Federal de 1988: a cidadania em movimento

A promulgação da Constituição Brasileira em 5 de Outubro de 1988


significou uma grande vitória para a nossa sociedade. Concebido em um processo
calcado em uma ampla participação popular, o documento resgatou a liberdade política
e a soberania de nossa sociedade civil, consolidando, finalmente, a democracia em
nosso país.
Isto porque a elaboração da Constituição foi realizada com a participação de
todos os segmentos da sociedade civil, que tiveram a oportunidade de discutir e
formular propostas a serem encaminhadas para a futura legislação. Daí a Constituição

111
de 1988 ser até hoje lembrada como a “Constituição Cidadã”, como uma forma de
expressar o seu caráter democrático e participativo.
Provavelmente não havíamos tido até então em nossa História tamanha
mobilização popular, onde praticamente toda a sociedade demonstrava um grande
interesse em participar dos debates acerca da Constituição. Tal participação foi
ordenada através das chamadas Emendas Populares, que consistiam em abaixo-
assinados contendo, no mínimo, 30 mil assinaturas, que apresentavam as reivindicações
e propostas de cada segmento em questão. Vários dispositivos constitucionais de suma
importância foram sancionados a partir de tais Emendas, como por exemplo, a
regulamentação de garantias trabalhistas e a concessão de alguns tipos de pensões e
benefícios.
O segmento idoso não poderia ficar de fora deste processo, e estiveram
presentes através das associações de aposentados, que elaboraram uma pauta de
reivindicações envolvendo as regras para os reajustes dos benefícios de aposentadoria,
que apesar de consolidadas esbarravam em tramites burocráticos para sua efetiva
consolidação.
A Constituição inseriu alguns dispositivos especificamente voltados para a
população idosa, que apesar de serem poucos, possuem um significado especial, na
medida em que chama a atenção para a necessidade de proteção e conscientização em
relação a este segmento e inaugura o que poderíamos definir como Direito dos Idosos
propriamente dito.
Como pressuposto básico, a Constituição se fundamenta na plena igualdade
entre todos os indivíduos, não sendo assim admitida qualquer forma de discriminação,
inclusive aquela por idade, o que está previsto no artigo 3 o, inciso IV do documento.
Além disso, também é garantido a todo indivíduo o direito à dignidade e ao exercício da
cidadania, o que obviamente inclui o idoso.
Estes tópicos se tornam meros valores morais a serem consolidados em um
futuro próximo, uma vez que se mostram extremamente utópicos quando analisados sob
o olhar da realidade cotidiana de grande parte da população. Porém toda Constituição
democrática tem que se fundamentar nestas premissas, que devem servir de base para a
orientação e para a organização das práticas coletivas existentes.
As peculiaridades em relação ao segmento idoso surgem no artigo 14 o, onde
se faculta a obrigatoriedade do voto aos maiores de setenta anos, o que não se
caracteriza como algum tipo de benefício. Tendo uma visão mais pessimista,
poderíamos até avaliar este indicativo constitucional como uma premissa pejorativa da

112
capacidade dos idosos, uma vez que não é colocado no mesmo patamar de obrigações
cívicas e eleitorais do restante da sociedade. A opção de escolha seria, assim, um
privilégio ligado a concepções de senilidade e debilidade em relação à população idosa.
Seria a participação política do idoso tão dispensável assim? Este é um
importante ponto de discussão, uma vez que defendemos neste trabalho a idéia de que a
mobilização do segmento idoso ainda é superficial e dispersa, fazendo com que se torne
mais lento o processo de consolidação de seus direitos. O voto facultativo pode
contribuir ainda mais para esta desmobilização do idoso enquanto um grupo, tornando
vagas e desmotivadas as discussões relativas aos problemas da sociedade para estes
indivíduos.
Já que vivemos sob uma organização social que fundamenta seus processos
de escolha para os cargos políticos através da obrigatoriedade do voto, que os idosos
sejam colocados, então, no mesmo patamar de importância de todos os demais cidadãos.
O exercício do voto aumentaria sua conscientização e também seu interesse pelas
questões sociais, o que poderia modificar a atuação política do segmento idoso em
relação aos seus problemas.
Já o artigo 203 da Constituição Federal enuncia a necessidade de um sistema
de assistência social que atenda aos indivíduos necessitados independentemente de
contribuições ou pagamentos, citando-se a velhice como uma condição de vida em que
seja necessária uma maior atenção por parte do Estado. Este dispositivo constitucional
seria um prenúncio da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) que viria a ser
regulamentada em 1993, e que inclui o segmento idoso como um de seus beneficiários,
o que mostraremos mais adiante.
E finalmente, a Constituição de 1988 cita especificamente o idoso nos
artigos 229 e 230, atribuindo-lhe garantias de assistência por parte do Estado, e
responsabilidades por parte da família, onde “Os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais
na velhice, carência ou enfermidade”.75
Cabe assim à família a responsabilidade primária de proteção ao idoso, onde
este indicativo da Constituição também seria ratificado no Estatuto de 2003. Adotando
outra premissa que também estaria presente nos documentos internacionais de proteção
ao idoso e no Estatuto do Idoso a ser regulamentado em 2003 no Brasil, a Constituição
determina no artigo 230 que os idosos recebam o atendimento necessário às suas
especificidades preferencialmente em seus lares, como forma de preservar o seu

75
Constituição Federal do Brasil, 1988, artigo 229.
113
convívio social e sua independência. No mesmo artigo é concedido o direito à
gratuidade nos transportes coletivos urbanos, fazendo com que este tópico contenha o
que há de mais concreto em relação aos idosos em nossa Constituição Federal:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes
o direito à vida.
§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus
lares.
§ 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes
coletivos urbanos.

Percebemos assim que a elaboração da Constituição de 1988 lembrou de


forma superficial da população idosa, até porque este segmento ainda não se mostrava
tão expressivo quanto nos dias atuais, tornando seus problemas secundários ou até
mesmo despercebidos. O aumento quantitativo e a conscientização mundial em relação
aos idosos obrigaram o Brasil a rever sua proteção sócio-jurídica a estes indivíduos,
desencadeando um processo de aprimoramento interno paralelo à orientação global para
o desenvolvimento de mecanismos sociais especificamente voltados para o amparo à
população idosa.

5.3 - A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS): o Verdadeiro


Assistencialismo do Estado

Sancionada em 07 de Dezembro de 1993, a Lei Orgânica de Assistência


Social possui um caráter tipicamente assistencial. Tal dispositivo prevê uma série de
benefícios sociais que não exigem qualquer espécie de contribuição do cidadão,
viabilizando assim condições mínimas de sobrevivência para os segmentos mais
carentes da sociedade. Tal princípio é expresso no artigo 1o da referida lei, onde se lê
que:

“A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade


Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de
ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.76

76
Lei Orgânica de Assistência Social, 1993, artigo 1o.
114
A Lei estabelece, desta forma, a responsabilidade primária para o Ministério
do Bem-Estar Social na execução de políticas sociais que consolidem os benefícios aqui
estabelecidos, incentivando também a inserção da sociedade civil neste processo através
da participação nas discussões a respeito da condução das políticas públicas e,
principalmente, por meio das organizações de assistência social, aqui entendidas como
aquelas entidades sem fins lucrativos que realizam atividades com vistas à execução das
garantias previstas neste lei.
Os principais destinatários dos benefícios garantidos nesta lei são as pessoas
portadoras de deficiências e os idosos, que comprovadamente não possuam uma fonte
de renda mínima capaz de prover a sua subsistência e nem tenham familiares com
condições para tal provisão. Estes indivíduos teriam assim o direito a 1 salário mínimo
mensal enquanto persistir a incapacidade de subsistência por meios próprios:

“O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à


pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família”.77

Estabeleceu-se inicialmente a idade de 70 anos para a concessão dos


benefícios para os idosos, o que foi modificado pela Lei 9.720 de Novembro de 1998,
que reduziu a idade mínima para o recebimento de benefício para 67 anos. Além disso,
é importante destacar que a lei estabelece a renda familiar como critério para avaliação
da possibilidade de recebimento do benefício, estipulando-se como incapazes de prover
a subsistência do idoso aquelas famílias cuja renda per capita mensal seja inferior a ¼
do salário mínimo. O benefício é revisto a cada dois anos, onde deve ser periodicamente
comprovada pelo beneficiário a sua incapacidade de manutenção da própria
subsistência.
Desta forma, a LOAS atende às necessidades básicas daqueles segmentos
sociais mais necessitados, que não possuem condições de pagar por serviços essenciais
e também não vislumbram perspectivas futuras de desenvolvimento ou ascensão social.
Ao contrário do sistema previdenciário, onde se recebe porque se paga, a LOAS reflete
a responsabilidade assistencialista do Estado em garantir condições mínimas de
dignidade e sobrevivência a todos os indivíduos, independentemente de sua condição
sócio-econômica.
A Previdência Social é um privilégio para aqueles que estão inseridos no
mercado de trabalho e possuem uma condição econômica minimamente estável,
enquanto a LOAS é benefício que visa consolidar a justiça social àqueles que não
77
Lei Orgânica de Assistência Social, 1993, artigo 20o.
115
obtiveram chances e oportunidades de desenvolvimento, estando neste dispositivo o
verdadeiro caráter de responsabilidade e atuação do Estado na minimização das
desigualdades sociais.

5.4 - O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH): o idoso como


um grupo vulnerável

Fundamentado na Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em


Viena em 1993, o Programa Nacional de Direitos Humanos foi elaborado pelo Governo
Brasileiro em Maio de 1996, sendo atualizado em 2002 através da formulação do
PNDH II.
Os princípios do Programa giram em torno da desigualdade e da injustiça
social existente em nosso país, onde diversos segmentos se encontram em uma situação
de abandono e exclusão diante das oportunidades de desenvolvimento. Os documentos
tratam especificamente de grupos sociais historicamente desfavorecidos como a
população negra, a mulher e o idoso, dentre outros. Apresentamos aqui unicamente os
aspectos relativos à terceira idade, objeto de discussão deste trabalho.

116
Partindo de um discurso consciente e politizado, o PNDH postula o combate
à banalização da violência e à discriminação de minorias, eventos que deturpam os
pressupostos de democracia e igualdade existentes em nosso país. Os Direitos Humanos
são assim entendidos como um conjunto de prerrogativas que todo indivíduo deve
possuir de modo a ser tratado com respeito e competência pelo Estado e por toda a
sociedade civil, independentemente de sua raça, condição social ou gênero.
Tais direitos estariam bem exemplificados pela existência de um sistema
judiciário eficiente e imparcial, o que daria condições a todo cidadão de defender os
seus direitos com a força da justiça e com o amparo do Estado, o que preveniria a
sociedade contra arbitrariedades e usurpações entre as classes sociais.
O Programa baseia-se em questões pragmáticas de conflito social,
estipulando, inclusive, medidas a curto, médio e longo prazo a serem adotadas visando à
resolução das injustiças sociais existentes. Em relação à população idosa, o Programa
Nacional de Direitos Humanos I apresenta de forma direta um conjunto de políticas
sociais que devem ser consolidadas para garantir qualidade de vida a este segmento.
Dentre as medidas propostas, destaca-se a estipulação do atendimento
preferencial aos idosos nas repartições públicas e a adaptação de meios de transporte e
dos espaços públicos visando à maior facilidade de acesso destes indivíduos a estes
locais. Tais encaminhamentos seriam regulamentados no Estatuto do Idoso de 2003,
como veremos adiante.
Além disso, o Programa incentiva também o fortalecimento das
organizações representativas deste grupo, de modo a fortalecê-los em suas lutas sociais
e reivindicações. Como este é um movimento que deve surgir a partir do próprio grupo
e não do Estado, a conscientização e a participação política dos idosos ainda são
questões que se mostram superficiais e insuficientes, formando um quadro que precisa
ser modificado caso se queira realmente transformar a condição de vida da população
idosa no Brasil.
O Programa Nacional de Direitos Humanos II veio seis anos depois a
discutir mais detalhadamente os problemas relacionados no primeiro documento,
acrescentando novas questões sociais a serem debatidas, como a necessidade de
aperfeiçoamento na formação técnica do corpo policial responsável pela segurança
rotineira da sociedade. Além disso, o documento trata minuciosamente dos problemas
enfrentados pelo sistema judiciário, como as condições críticas das penitenciárias do
país e também as condições de acesso à justiça por parte das classes sociais mais
carentes.

117
Em relação aos idosos, o Programa acrescenta importantes temas de
discussão que não foram mencionados no primeiro documento. É reforçada a idéia da
necessidade de fortalecimento das organizações representativas do segmento idoso,
mencionando-se especificamente o funcionamento dos Conselhos dos idosos, nos
âmbitos nacional, municipal e estadual, como um fator primordial para o avanço da
participação política e da conscientização deste grupo:

“Apoiar a instalação do Conselho Nacional do Idoso, a constituição de conselhos


estaduais e municipais de defesa dos direitos dos idosos e a implementação de programas de proteção,
com a participação de organizações não-governamentais”.78

Esta é uma discussão de suma importância, uma vez que os conselhos


representativos dos idosos ainda se encontram em estado de implementação, e em
alguns casos nem chegaram a este ponto, situação observada em muitos municípios.
Além disso, o PNDH II chama a atenção para a necessidade de qualificação
profissional para aqueles que exercem atividades de atendimento ao idoso, e também
para um maior controle sobre os centros de abrigo e tratamento dos idosos:

“Estimular a fiscalização e o controle social dos centros de atendimento a idosos”.79


“Apoiar programas destinados à capacitação de cuidadores de idosos e de outros
profissionais dedicados ao atendimento ao idoso”.80
Estas recomendações obtiveram resultado, uma vez que foi regulamentada
posteriormente em 1996 a Portaria 73 que prevê todo um conjunto de normas que cada
um dos tipos de abrigos para idosos deve atender, consistindo num documento
extremamente minucioso que estipula medidas, materiais e instalações obrigatórias para
estas instituições. Resta saber se a fiscalização existente sobre estes estabelecimentos é
suficiente e eficiente para fazer valer o que diz a lei.
E finalmente, o PNDH toca num ponto extremamente polêmico, que seria
consolidado futuramente no Estatuto do Idoso, que consiste na responsabilização da
família sobre possíveis males causados ao idoso. O documento é enfático ao destacar o
problema, indicando a necessidade de se “adotar medidas para assegurar a
responsabilização de familiares pelo abandono de pessoas idosas”.81
Quando falamos em medidas para se assegurar a responsabilidade sobre os
familiares, voltamos ao problema da conscientização do idoso, uma vez que grande
parte deste segmento não sabe da existência deste dispositivo, assim como acreditamos

78
Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 283.
79
Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 284.
80
Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 285.
81
Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 293.
118
que dificilmente denunciaria a própria família em situações de abuso ou agressão. Mais
uma vez esta é uma atitude que tem de vir de dentro do segmento idoso, daí a
necessidade de uma maior mobilização e conhecimento de seus direitos.
Podemos avaliar positivamente o PNDH na medida em que suscita para
discussão importantes temas relacionados à população idosa, denunciando alguns
problemas e indicando alguns caminhos que foram extremamente valiosos para a
formulação das políticas sociais voltadas para o segmento idoso. Muitos dos pontos
enumerados pelo PNDH foram positivados na forma da lei através do Estatuto do Idoso,
o que indica que a elaboração do Programa não foi em vão.Os problemas foram
apresentados e as soluções estão sendo discutidas, resta coloca-las em prática.

5.5 - A Política Nacional do Idoso: a institucionalização dos ideais

Consolidada através da Lei N° 8842, a Política Nacional do Idoso, que ficou


conhecida como a Lei do Idoso, foi sancionada em 1994 pelo Governo Itamar Franco,
sendo o primeiro documento jurídico brasileiro voltado especificamente para a
população idosa. Apesar do texto resumido, o documento apresenta os principais
problemas a serem enfrentados no país para se garantir uma boa qualidade de vida ao
segmento idoso, enunciando temas que se mostrariam de grande importância nos anos
que se seguiriam.
Podemos citar o movimento de reivindicação dos 147% de aumento dos
aposentados no início dos anos 90, e o escândalo da Clínica Santa Genoveva em 1996,
onde foram encontradas centenas de idosos em terríveis condições de sobrevivência,
como fatores determinantes para a concretização da Lei do Idoso, uma vez que tais fatos
tornaram pública a situação de descaso e abandono pela qual passavam a grande maioria
dos idosos de nosso país, o que movimentou a opinião pública a respeito da discussão
sobre envelhecimento.

119
Além disso, vale ressaltar a importância das Cartas Abertas no que diz
respeito à conscientização da população acerca das questões envolvendo o
envelhecimento. Tais documentos consistem em manifestos elaborados em Simpósios,
Congressos e Encontros em geral que debatiam os problemas do segmento idoso, sendo
assim formas de mostrar o trabalho desenvolvido por profissionais e especialistas na
área da Gerontologia, assim como se tornaram meios de reivindicação por uma efetiva
cidadania para a população idosa.
A Política Nacional do Idoso é uma orientação para as ações
governamentais que devem ser desenvolvidas em vistas a amparar socialmente a
população idosa, procurando definir as concepções básicas que se deve ter em relação
ao envelhecimento, assim como indicar estratégias que melhor solucionariam os
problemas enfrentados por este segmento.
Assim sendo, o documento defende tanto os aspectos essenciais à dignidade
da pessoa idosa, como também apresenta alguns tópicos especificamente relacionados
ao processo de envelhecimento, caracterizando-se desta forma pela abrangência na
abordagem dos temas relativos à condição de vida da população idosa.
A Lei do Idoso ratifica a condição de idoso para aqueles indivíduos maiores
de sessenta anos, estabelecendo como princípios básicos de orientação para as políticas
sociais para este segmento a consolidação da autonomia e a integração e participação
destes indivíduos na sociedade. Tais princípios estão em consonância com as diretrizes
dos documentos internacionais, já que neste período o Primeiro Plano de Ação
Internacional para o Envelhecimento elaborado em 1988 na Assembléia de Madri
funcionava como referência para o amparo social a ser garantido ao idoso.
A PNI teve uma importância primordial ao incentivar e organizar a
representatividade dos idosos, através da criação institucional dos Conselhos
participativos, em âmbito nacional, estadual e municipal. Tais órgãos devem ser
formados por igual número de representantes de entidades públicas e organizações da
sociedade civil ligadas à área, consistindo assim em uma esfera deliberativa democrática
de discussão e mobilização.
São atribuídas aos conselhos importantes funções, como a “formulação,
coordenação, supervisão e avaliação da Política Nacional do Idoso, no âmbito das
respectivas instancias político-administrativas”.82
Percebe-se assim que os Conselhos dos Idosos não são meras esferas de
discussão, mas possuem relevantes responsabilidades para a plena efetividade das

82
Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 7o.
120
políticas sociais voltadas para o segmento idoso. A lei menciona, inclusive, as funções
de elaboração e avaliação, onde os Conselhos teriam, desta forma, legitimidade para
interferir no processo de legislação em relação aos dispositivos voltados para o idoso,
assim como teriam o dever de fiscalizar o cumprimento e a eficácia da atuação do
Estado no amparo a este segmento.
Infelizmente esta atuação é utópica, uma vez os Conselhos ainda
permanecem na fase de implementação e organização, e em muitas regiões nem sequer
foram instaurados. Sem dúvida alguma este é um fator que tem grande influência na
distância existente entre a teoria e a prática da proteção sócio-jurídica do idoso no
Brasil, já que a conscientização e a mobilização social dos idosos em relação aos seus
próprios problemas ainda é mínima.
Este cenário pode se modificar no momento em que os Conselhos passarem
a funcionar como verdadeiras esferas de participação e reivindicação por parte dos
idosos, o que aumentaria não somente a conscientização em relação aos seus direitos,
mas também criaria um mecanismo institucional que realizaria uma pressão permanente
sobre o Estado para o cumprimento de suas responsabilidades. Dificilmente a lei terá o
efeito esperado se os seus próprios beneficiários pouco conhecem sobre ela, e
principalmente se a sociedade civil não conseguir manter a supervisão e a avaliação
adequada do cumprimento de tais leis devido à inoperância das instituições
representativas existentes, no caso os conselhos. Não se modificará o cenário atual
enquanto os Conselhos permanecerem no papel ou mantiverem uma atuação meramente
burocrática, e não cumprirem devidamente o seu papel enquanto instituição deliberativa
e fiscalizadora.
Além da questão da participação e da representatividade do idoso, a PNI
também dá uma grande ênfase na necessidade de desenvolvimento de uma mão-de-obra
especializada e qualificada que viabilize um atendimento de qualidade à população
idosa. Com este objetivo, são indicadas medidas como o investimento na formação de
profissionais especializados em Geriatria e Gerontologia, o apoio a pesquisas
relacionadas ao envelhecimento e o estabelecimento de normas de funcionamento
adequadas para hospitais e quaisquer outros centros de atendimento que abriguem
idosos.
É importante destacar também a menção feita às universidades abertas da
terceira idade, que devem tanto promover o convívio social do idoso através do lazer e
da cultura quanto atualiza-lo em relação aos novos conhecimentos produzidos na
sociedade, tendo assim o Estado a função de “apoiar a criação de universidade aberta

121
para a terceira idade, como meio de universalizar o acesso às diferentes formas do
saber”.83
Além disso, é igualmente relevante discutir o papel desempenhado pelas
Universidades Abertas da Terceira Idade na vida do idoso, onde deve sempre haver a
preocupação de não tornar estas instituições meros centros de lazer e desenvolvimento
artístico. As oportunidades oferecidas pelas instituições universitárias para o
desenvolvimento de programas que possibilitem e motivem discussões cientificas,
políticas e sociais entre o segmento idoso, conduziriam ao aumento da capacidade de
reflexão destes indivíduos e contribuiriam de forma valiosa para a sua condição social.
A Política Nacional do Idoso postula também a continuidade do idoso no
mercado de trabalho sem qualquer tipo de discriminação, o que é um fundamento
extremamente utópico, na medida em que tenta “garantir mecanismos que impeçam a
discriminação do idoso quanto a sua participação no mercado de trabalho, no setor
público e privado”.84
Afirmamos ser utópico este fundamento devido ao caráter dinâmico de
transformações técnicas e cientificas inerentes ao sistema capitalista, o que torna uma
contingência inevitável a exclusão do mercado de trabalho daqueles indivíduos que não
acompanham e não se adaptam às inovações introduzidas, caso típico do idoso, que
possui geralmente um conjunto de conhecimentos defasados e que não são mais
utilizados.
E finalmente, a PNI alerta para adoção de mecanismos que garantam a
efetividade das legislações de proteção ao idoso, indicando a necessidade de “zelar pela
aplicação das normas sobre o idoso determinando ações para evitar abusos e lesões a
seus direitos”.85
A própria Política Nacional do Idoso reconhece a fragilidade das garantias
existentes em relação à plena efetividade da proteção social em vigor, chamando assim
a atenção para este fato. Na medida em que foi formulada como um conjunto de
orientações fundamentais para a implementação de políticas sociais voltadas para a
população idosa, a PNI obteve sucesso com a regulamentação do Estatuto do Idoso
nove anos depois. O Estatuto representou a positivação das recomendações aqui
enunciadas, transformando assim em lei as questões sociais que até este momento ainda
se caracterizavam como aspirações para um direito futuro.

83
Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico III, medida “ f ”.
84
Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico IV, medida “ a ”.
85
Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico VI, medida “ b ”.
122
5.6 - O Estatuto do Idoso: Necessidade, Realidade e Efetividade dos
Direitos dos Idosos

O Estatuto do Idoso, regulamentado em Outubro de 2003, consolidou na


forma da lei uma série de garantias sociais para a população idosa, passando-se assim
do nível de recomendações morais para o direito positivado em relação ao amparo a este
segmento.
A Política Nacional do Idoso orientou e determinou os principais
fundamentos para um planejamento social voltado para o idoso, enquanto o Estatuto
veio a legitimar estas recomendações na forma jurídica, que a partir deste momento
passam a contar com o aparelho estatal para a sua proteção e também com as sanções
penais previstas nos casos de descumprimento de tais direitos.
Devemos assim entender o Estatuto do Idoso como resultado de um
processo de conscientização e discussão em relação aos problemas enfrentados pela
população idosa, fazendo com se consolidassem neste documento todas as garantias
postuladas anteriormente em Tratados e Declarações, caracterizando desta forma o
Estatuto como o ponto de chegada do caminho percorrido até então.

123
Por outro lado, devemos entender também o Estatuto do Idoso como um
ponto de partida para a obtenção de melhores condições de vida para a população idosa,
uma vez que conquistada a consolidação jurídica dos Direitos dos Idosos através deste
documento, deve-se a partir deste momento introduzir-se uma nova espécie de
mobilização, que se baseia na busca pelo efetivo cumprimento da lei estabelecida,
procurando-se cobrar das instituições por ela responsáveis a sua devida competência
neste processo.
Não podemos de maneira alguma achar que a situação dos idosos no Brasil
está resolvida com o Estatuto do Idoso, o que seria um raciocínio extremamente
ingênuo e superficial. Temos que reconhecer que este documento representa uma grande
conquista para a população idosa, mais existe um longo caminho pela frente a ser
perseguido que consiste no efetivo cumprimento desta legislação, o que torna necessária
a conscientização, a mobilização e a integração da sociedade civil em vistas deste fim.
Analisando os direitos consolidados no Estatuto, percebemos que a grande
maioria provém das indicações propostas nos Tratados Internacionais e na Política
Nacional do Idoso, onde o texto procurou legitimar juridicamente as principais
recomendações para o pleno desenvolvimento do idoso postuladas nestes documentos.
O Estatuto do Idoso consiste em um total de 118 artigos que abrangem as
mais variadas esferas da vida humana, tratando assim de temas como trabalho, saúde e
moradia no que se relaciona especificamente ao cotidiano da população idosa. O texto
estabelece a responsabilidade do Ministério Público em garantir a efetividade da lei,
além de prescrever também as penas previstas em casos de transgressão destas normas.
Como uma premissa básica, o Estatuto conclama toda a sociedade a
defender e proteger os Direitos dos Idosos, postulando que “todo cidadão tem o dever
de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que
tenha testemunhado ou tomado conhecimento”.86
Assim sendo, zelar pelo efetivo cumprimento do Estatuto passa a ser uma
obrigação de toda a sociedade, e não exclusivamente do Estado, já que todo indivíduo
tem o dever de avaliar e denunciar quaisquer indícios de transgressões contra a lei,
conforme previsto no artigo citado anteriormente.

86
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 6o.
124
a) As garantias fundamentais do idoso: a responsabilidade da família e o papel do
Estado

O documento apresenta inicialmente as garantias fundamentais do indivíduo


idoso, que consistem naqueles direitos inerentes a qualquer cidadão que não devem ser
violados sob hipótese alguma, como a liberdade e o direito de ir e vir, por exemplo. No
caso do idoso, é importante a atenção a estas garantias básicas devido à vulnerabilidade
maior destes indivíduos em relação aos demais, o que pode levar à violação de seus
direitos fundamentais por parte de outrem.
Um dos princípios fundamentais previstos no Estatuto é proteção dos idosos
contra quaisquer tipos de discriminação ou situações de menosprezo, onde estão
previstas contra este tipo de atitude penas de reclusão de 6 meses a 1 ano, além do
pagamento de uma multa87. A discriminação aqui poderia incluir um atendimento em
algum estabelecimento comercial ou até mesmo um tratamento familiar impróprio, por
exemplo, o que poderia aumentar ainda mais a pena, já que neste caso o idoso estaria
sob os cuidados do próprio infrator.
87
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 96o.
125
A responsabilidade da família é observada logo no artigo 3o do Estatuto, que
a menciona em conjunto com o Estado e com a sociedade em geral como responsáveis
pelo amparo ao idoso:

“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público


assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à
dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.88

O documento postula assim como uma obrigação da família o amparo ao


idoso, onde na impossibilidade deste amparo caberá ao Estado a devida proteção,
através, por exemplo, da Lei Orgânica de Assistência Social, já comentada
anteriormente. O amparo ao idoso é, assim, responsabilidade primária da família, onde a
internação asilar só deve ser realizada em hipóteses últimas, nos casos em que haja
impossibilidade da família em prestar o atendimento adequado ou em circunstâncias em
que seja necessário o acompanhamento profissional em instituições especializadas.89
Sobre estes casos é importante observar que na maioria dos casos os
responsáveis não sabem lidar adequadamente com as deficiências mentais e com as
doenças degenerativas de seus familiares idosos, onde não só têm dificuldade em aceitar
a difícil realidade como também vêem seus próprios objetivos particulares de vida
serem afetados pela necessidade de atenção e cuidados que o parente idoso passa a
exigir:

“O quadro crônico-degenerativo da demência é um elemento crítico da situação do


cuidador, pela grave quebra da expectativa nos seus planos e projetos para um período que seria
marcado pelo afastamento das exigências da vida cotidiana e a realização de um estilo de vida mais
tranqüilo...saem desesperados em busca de todo tipo de tratamento, gastam todas suas reservas
financeiras disponíveis, mas principalmente exigem do portador mais do que ele pode oferecer, isto é,
querem a todo custo que ele se mantenha bem, que apresente algum tipo de melhora, que dê conta das
atividades que comumente desempenhava com grande habilidade”.
(Santos, 2003:153-154)

É importante destacar que os responsáveis primários pelos cuidados com o


idoso geralmente são determinados pelos laços de afetividade existente entre eles, se
tratando principalmente de familiares de parentesco próximo que residem no mesmo
ambiente que o idoso. Situações de conflito são mais comuns quando o cuidador
primário não possui laços sanguíneos de parentesco com o idoso, como no caso de uma
nora se tornar a responsável pela sua sogra devido a situações contingenciais do dia-a-
dia familiar, por exemplo. (Mendes, 1998)

88
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o.
89
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o, tópico V.
126
Porém, caso haja condições por parte da família de prover às necessidades
do idoso e esta não a faça por negligência, caberá ao Ministério Público a aplicação das
devidas penalidades aos responsáveis após a averiguação de tal transgressão. Neste
caso, o familiar está à pena de 6 meses a 3 anos de prisão e multa90. Além disso, também
é passível de penalidades a exposição do idoso a condições inadequadas de
sobrevivência, como uma alimentação deficiente, por exemplo.
Este ainda é um tipo de sanção extremamente raro no Brasil, uma vez que o
Poder Público não possui quadro técnico suficiente para realizar uma fiscalização
minuciosa das condições de vida dos idosos no país, fazendo com que somente ocorra
algum tipo de averiguação no momento em que exista uma denúncia, o que é mais raro
ainda, pois teria de ocorrer a acusação de um idoso contra o próprio familiar.
Além disso, o Estatuto prevê também a responsabilidade da família perante
a provisão de alimentos aos indivíduos idosos, onde a lei determina mais uma vez a
família como responsável por esta função. Em caso de inexistência de condições
materiais adequadas por parte dos familiares responsáveis caberá ao Estado o
suprimento adequado desta necessidade, através das políticas de assistência social.
Em relação ao papel do Estado, é sua obrigação garantir um envelhecimento
saudável à população, através do desenvolvimento de políticas públicas que atendam às
necessidades dos indivíduos nesta etapa de vida. O Estatuto aumenta a responsabilidade
do Estado ao defender a prioridade de atendimento e assistência ao idoso em diversos
âmbitos, desde a prestação de serviços públicos até a destinação de verbas para projetos
sociais voltados ao idoso, tópico que se mostra altamente fantasioso quando analisamos
os orçamentos públicos destinados às áreas de assistência social e atendimento ao idoso:

“Atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados


prestadores de serviços à população”.91
“Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao
idoso”.92

A primeira determinação é observada com grande regularidade na maioria


dos estabelecimentos, uma vez que é extremamente simples a sua aplicação através da
destinação de funcionários ou locais específicos de atendimento ao idoso, como nos
casos de agências bancárias e estabelecimentos comerciais. Já a segunda prescrição se
torna uma utopia na medida em que as verbas para projetos sociais sempre estão
comprometidas com dívidas públicas, existindo ainda uma demanda muito grande para
90
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 98o.
91
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o, parágrafo único, tópico I.
92
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o, parágrafo único, tópico III.
127
a destinação de recursos para outras áreas, como a educação, a saúde e até mesmo a
infância, por exemplo.
Temos que observar também que provavelmente grande parte da sociedade
em geral não concorda com a prioridade de aplicação das verbas em projetos de amparo
ao idoso, onde percebemos nos mais variados discursos outras esferas sociais
consideradas como prioritárias. A efetiva aplicação deste artigo do Estatuto do Idoso
encontra assim entraves tanto nos planejamentos orçamentários quanto na opinião
pública.

b) Os Serviços de Atendimento à Saúde do Idoso: Uma Difícil Realidade

A partir dos princípios fundamentais comentados anteriormente, o Estatuto


especifica uma série de garantias ao idoso de acordo com as diversas esferas da vida
individual e coletiva. Sem dúvida alguma, a área da saúde é uma das maiores
responsáveis por episódios de humilhação e sofrimento do segmento idoso, onde se
junta à precariedade do sistema de saúde pública o descaso e a falta de sensibilidade dos
organismos governamentais para adotar medidas que efetivamente minimizem, pelo
menos, esta situação absurdo a que população idosa é submetida.
Como destaca Moreira,

“Esta questão apresenta-se como um problema de enorme seriedade, configurada,


entre outras coisas, pela falta de hospitais geriátricos, pela subtração dos leitos
hospitalares e pela falta de profissionais de saúde especializados em Geriatria e
Gerontologia. Por outro lado, a incidência dos quadros crônico-degenerativos, que
atingem principalmente este segmento populacional, demandam internações
mais freqüentes e maior uso de medicamentos , muitas das vezes impossíveis de
serem obtidos, tendo em vista as aposentadorias aviltantes que impedem a
aquisição de produtos farmacêuticos”.
(Moreira, 1998:8)

128
Assim sendo, o Estatuto do Idoso procurou garantir a maior qualidade
possível no atendimento ao idoso, o que não condiz necessariamente com a realidade
observada. Este é um dos momentos em que acreditamos ser mais difícil e lenta a
obtenção de resultados positivos concretos para a vida dos idosos, uma vez que as atuais
circunstâncias exigem mudanças radicais, tanto na estrutura institucional existente
quanto na atuação direta dos responsáveis pela administração dos organismos públicos
de assistência à saúde.
Cabe ao Sistema Único de Saúde (SUS) a devida prestação de serviços na
área da saúde, sendo responsável por repassar verbas para hospitais particulares
credenciados que atendam à população idosa. Surge aí o primeiro problema, que
consiste na insuficiência de verbas proporcionais à demanda, e também no atraso na
liberação dos recursos financeiros, o que inviabiliza um atendimento de qualidade.
O atendimento ao idoso deve ser exercido em instituições que tenham
profissionais especializados na área de geriatria e gerontologia, o que está previsto no
artigo 15o do documento, que define que o tratamento à saúde do idoso deva ser
realizado através de “atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios” e em
“unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e
gerontologia social”.93
Uma boa iniciativa é o curso de formação de Cuidadores de Idosos
oferecido pela Associação dos Hospitais do Estado do Rio de Janeiro, que capacita
profissionais da área de saúde para o atendimento a este segmento. Com duração de 30
horas, o curso oferece aulas teóricas e práticas em relação ao atendimento ao idoso,
baseando-se em um conjunto de informações interdisciplinares visando ao pleno
tratamento do idoso em todas as suas necessidades e particularidades, sejam físicas,
sociais ou psicológicas. Temas como Política de Saúde do Idoso, Legislação do
Cuidador de Idosos, Principais Patologias que Acometem a Terceira Idade,
Procedimentos e Técnicas na Assistência ao Idoso, Ambiente e Arquitetura para a Casa,
Psicologia e Alimentação do Idoso são os destaques do curso.
Merece destaque também a criação de enfermarias exclusivas para o
tratamento de idosos pelo Instituto de Traumato-Ortopedia (INTO), no Estado do Rio de
Janeiro. O hospital passa a contar a partir de então com duas enfermarias femininas e
uma enfermaria masculina para atender especificamente pacientes idosos, com o
objetivo de fornecer o tratamento adequado às necessidades peculiares destes
indivíduos, através do acompanhamento de uma equipe interdisciplinar formada por

93
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 15o, tópicos II e III.
129
geriatras, assistentes sociais, terapeutas e fisioterapeutas. O projeto é de extrema
relevância não somente por se mostrar de grande respeito e consideração com a
população idosa, mas também por apresentar possibilidades efetivas de melhoria no
tratamento de fraturas comuns a estes indivíduos, provenientes da osteoporose, por
exemplo.
Além disso, o Estatuto prevê também o atendimento domiciliar ao idoso em
casos de impossibilidade de sua locomoção para os centros de atendimento, o que está
garantido no artigo 15o do documento.94
Estas prescrições esbarram mais uma vez nos entraves orçamentários, que
não permitem investimentos maciços nos serviços de saúde, fazendo com que os
atendimentos públicos neste setor garantam apenas os cuidados mínimos e
emergenciais, ainda assim de forma deficiente. O atendimento domiciliar, por exemplo,
exigiria uma grande infra-estrutura que está muito distante da nossa realidade concreta,
além do que os processos de privatização de serviços até então estatais desencorajam os
investimentos neste setor.
O mesmo artigo 15o enuncia duas garantias que provavelmente se
caracterizam como as mais polêmicas do Estatuto do Idoso, no sentido de suscitarem
grandes discussões e verdadeiras batalhas processuais em vistas de seu cumprimento.
Tais são os direitos expressos nos incisos 2o e 3o de tal artigo, que afirmam que:

“§ 2° Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos,


especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao
tratamento, habilitação ou reabilitação.
§ 3° É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores
diferenciados em razão da idade.”

Apesar de ser um direito consolidado na lei, o fornecimento gratuito de


medicamentos encontra empecilhos na própria burocracia administrativa do Estado, que
submete o idoso a uma verdadeira via-crúcis para tentar obter aquilo que é um direito
seu. O árduo caminho para a obtenção deste benefício passa pelas inúmeras perícias
médicas que são exigidas, inacabáveis entregas de comprovantes e documentos, e
exaustivas filas de protocolo.
Em pesquisa desenvolvida pela FIOCRUZ95, revelou-se que entre os mais
pobres, 61% dos gastos com saúde são destinados à compra de medicamentos, um
percentual considerado alto por quem está aposentado e recebe uma restituição, que
muitas vezes chega somente a um salário-mínimo. Os gastos com saúde pesam tanto no
94
Tópico IV.
95
Jornal O Dia, disponível em www.odia.com.br
130
orçamento mensal das famílias que 9,1% dos entrevistados disseram ter vendido algum
bem ou pedido um empréstimo para pagar despesas com saúde. A pesquisa destaca
ainda que cerca de 19% dos idosos entrevistados disseram estar insatisfeitos com a
disponibilidade de medicamentos oferecida gratuitamente.
O mais inusitado é que estamos aqui falando de um direito a obtenção de
medicamentos, bens de necessidade maior e imediata em que na maioria dos casos os
indivíduos que dele necessitam não podem esperar por um longo período de tempo para
sua utilização, sob pena de risco de vida. Este é um típico caso onde a lei esbarra na
própria lei, e a efetividade de um direito encontra entraves nos próprios processos
administrativos e legais para a sua obtenção.
Em relação aos valores cobrados pelos planos de saúde, o Estatuto utilizou o
termo “discriminação” para condenar os abusos cometidos pelas instituições deste ramo
ao estipularem os valores das mensalidades dos indivíduos idosos, substancialmente
mais altos do que os valores cobrados para indivíduos mais jovens. Porém, não é tão
simples comprovar juridicamente que um determinado ato se caracteriza como
discriminatório, uma vez que se pode elaborar uma serie de interpretações diferentes
acerca de uma mesma atitude de acordo com a idéia que se pretende defender.
O termo discriminação é definido pelo dicionário Aurélio como “ato de
distinguir, estabelecer diferença, separar”, onde se transmite assim a idéia de um
tratamento desigual a ser dado a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos em função
de suas características particulares.
Porém, o cálculo utilizado para a determinação do valor das mensalidades
de um plano de saúde funciona com base na previsão de riscos que a empresa assumira
em relação ao seu segurado, da mesma forma que um seguro de um automóvel, por
exemplo. Pessoas mais jovens e carros mais novos pagam um valor mais alto devido a
maior probabilidade de acidente ou roubo, respectivamente.
A lógica é a mesma no caso dos planos de saúde, onde a empresa estima o
grau de utilização que o segurado fará dos serviços oferecidos pela empresa,
aumentando-se a mensalidade conforme a estimativa de uso do seguro. Desta forma, o
idoso utilizaria o plano de saúde com maior freqüência do que um sujeito mais jovem,
aumentando-se assim o valor de sua mensalidade. Do mesmo modo, crianças recém-
nascidas pagam valores altíssimos de planos de saúde, pois se inserem no mesmo
raciocínio de uma alta probabilidade de utilização dos serviços.
Este critério de elaboração do cálculo para o valor das mensalidades baseia-
se desta forma em um raciocínio fundamentado em estimativas de estatísticas e

131
probabilidades que são a base da lógica econômica e empresarial, e que estão de acordo
com a legislação vigente, que legitima os cálculos de quaisquer espécies de seguro
fundamentadas nos critérios acima.
Por isso se torna difícil comprovar juridicamente uma situação de
discriminação neste caso, visto que os planos de saúde são serviços privados para que, o
cliente pague de acordo com a sua expectativa de uso, e não necessariamente pela sua
idade. Não existiria assim discriminação contra o segmento idoso em geral, mas antes
eles pagariam um valor maior devido ao maior uso que farão dos serviços fornecidos,
assim como outros segmentos já citados anteriormente.
De outra forma existiria “discriminação” em todos os tipos de seguro
existentes, e caso fosse confirmada esta característica provavelmente esta modalidade
de serviço deixaria de existir. Assim, é inerente ao idoso utilizar os serviços de saúde
com maior freqüência, o que tona licita a cobrança de uma mensalidade maior destes
indivíduos.
Este é o argumento das empresas de plano de saúde, e que têm obtido
sucesso nos processos judiciais relativos a estas situações. Para se combater os abusos
das empresas de plano de saúde contra o segmento idoso seria necessária a formulação
de outras estratégias que coibissem um aumento exagerado nas mensalidades devido à
idade avançada, uma vez que a utilização do termo discriminação para caracterizar esta
situação se tornou obsoleta diante dos argumentos contrários que lhe foram contrapostos
pelas empresas de planos de saúde. Os detalhes são altamente relevantes em uma lei, e
uma palavra mal utilizada pode torná-la insignificante e reduzir o seu efeito.
Ainda em relação à saúde, cabe destacar também o direito garantido ao
idoso de ter um acompanhante em caso de internação, sendo que caberá ao médico
responsável conceder a autorização para o acompanhamento96. É mais uma garantia
ambígua, uma vez que ao mesmo tempo em que é concedido um benefício para o idoso,
é retirado o seu poder de decisão sobre este benefício, já que não cabe a ele a palavra
final em relação a ter ou não um acompanhante.
Tal direito se torna ainda mais polêmico quando entram em cena os
interesses das empresas de plano de saúde, que obviamente não têm nenhum interesse
em arcar com as despesas de um possível acompanhante, fazendo com que possam
exercer algum tipo de influência sobre os profissionais responsáveis para que não seja
indicada a necessidade de acompanhamento. Além disso, os profissionais de saúde têm

96
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 16o.
132
também o dever de comunicar às autoridades competentes quaisquer suspeitas de maus-
tratos contra os idosos que se submeterem aos seus cuidados.97
Percebemos assim que o Estatuto do idoso procurou garantir a autonomia do
idoso mesmo no caso de enfermidade, onde os direitos primários de realizar escolhas e
decidir até mesmo quanto ao tipo de tratamento a que será submetido refletem este
pensamento.
Daí a valorização da ideologia presente no conceito de capacidade
funcional, que postula que o idoso deve ser capaz de manter a suas habilidades físicas e
mentais de modo a garantir a sua autonomia e a sua independência.
O principal problema a ser enfrentado ainda é a questão orçamentária, onde
o sistema de saúde pública sofre com a imensa defasagem entre a disponibilidade da
oferta de atendimento e a demanda existente para tal serviço. O planejamento ideal
indicaria a necessidade de investimento na prevenção da saúde, o que é postulado,
inclusive, pelo Plano de Ação Internacional de Envelhecimento, como forma de evitar a
formação de um segmento idoso debilitado fisicamente e, por conseqüência, oneroso
para os serviços públicos, já que “não existem recursos capazes de suportar
indefinidamente a lógica atual dos sistemas de saúde, orientado antes pela “doença”
do que pela “saúde””. (Veras, 2001:21)
Programas de prevenção à saúde não somente aumentariam a qualidade de
vida dos idosos como também viabilizariam a longo prazo o equilíbrio orçamentário dos
serviços de saúde. Somente desta forma é que a sociedade poderá se adaptar às
transformações demográficas que tendem a tornar o segmento idoso cada vez mais
expressivo, fazendo que o aumento quantitativo desta parcela da população não
sobrecarregue demasiadamente as despesas públicas, e que, principalmente, a população
idosa receba um tratamento digno e responsável por parte do Estado.

97
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 19o.
133
c) Educação e Lazer: Em Busca do Tempo Perdido

O próximo tema a ser abordado pelo Estatuto refere-se ao direito do idoso


em ter acesso à educação, cultura, esporte e lazer, conforme inserido no capitulo V do
documento.O ponto que aqui mais nos interessa diz respeito à educação, onde os
resultados vislumbrados por esta lei poderiam melhorar profundamente a qualidade de
vida da população idosa.
Levando-se em conta o baixíssimo nível educacional da população idosa em
nosso país, faz-se extremamente necessário atualizar e fornecer conhecimentos a estes
indivíduos de modo a integra-los à sociedade em geral. O Estatuto concede este direito,
postulando que:

“Art. 21. O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação,


adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados.
§ 1º Os cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas de
comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna”.

Tais medidas poderiam aumentar as chances de continuidade ou reinserção


do idoso no mercado de trabalho, uma vez que lhe seriam fornecidos instrumentos que
lhe capacitariam a exercer atividades produtivas, como o conhecimento de informática,
citado no artigo acima. Estes projetos teriam, no mínimo, efeitos psicológicos positivos
para os indivíduos idosos, e contribuiriam também para uma melhor socialização deste
134
segmento, na medida em que tais atividades proporcionariam uma maior integração e a
ocupação do tempo ocioso destas pessoas. Estariam aqui conciliados o lazer e o
aprendizado, o que, sem dúvida alguma aumentaria o bem-estar destas pessoas em sua
fase de vida.
Como sugestão, poderíamos propor que fossem criados cursos específicos
para a população idosa, como uma forma de motivá-la a continuar ou a recomeçar os
seus estudos. Seria uma maneira de se evitar um possível constrangimento destes
indivíduos, o que é comum acontecer quando são colocados em salas de aula regulares
majoritariamente formadas por indivíduos jovens, o que poderia levar o idoso ao
abandono da atividade.
Um exemplo de sucesso é o Espaço da Terceira Idade, projeto mantido pela
Prefeitura da Cidade de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro, que oferece à
população carente com mais de 60 anos uma piscina aquecida para aulas de
hidroginástica e hidroterapia, uma biblioteca e aulas de alfabetização, além de
atendimento psicológico, informática e um salão de cabeleireiro profissionalizante.
Lembramos que a primeira instituição brasileira a desenvolver programas de
atividades voltadas para o segmento idoso foi o SESC, que em 1964 criou um grupo de
aposentados, e em 1977 deu origem às Universidades da Terceira Idade, ao fundar a
Escola Aberta da Terceira Idade.
O Estatuto estimula também a criação das Universidades Abertas da
Terceira Idade, assim como a adequação de livros e publicações editoriais às
particularidades do idoso, de modo que este segmento mantenha-se atualizado em
relação ao conhecimento e a informação veiculada na sociedade:

“Art. 25. O Poder Público apoiará a criação de universidade aberta para as pessoas
idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados ao
idoso, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da capacidade visual”.

Merece destaque o trabalho desenvolvido pela UNATI (Universidade


Aberta da Terceira Idade) na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), que
prevê, dentre outras atividades, a realização de cursos para os idosos e para a
capacitação de recursos humanos; a prestação de assistência jurídica, médica e física aos
idosos.
Atividades deste tipo tendem gradualmente a diminuir o impacto produzido
pela criação de estereótipos negativos para o idoso, onde é crescente a difusão de uma
imagem ativa e atuante deste segmento nas dinâmicas sociais, fazendo com que o

135
conceito de “velhice” perca espaço para o conceito de “terceira idade”, que melhor
representaria uma nova etapa de vida que se inicia ao invés de uma velha vida que se
vai. Como observa Marcelo Lima:

“A visão de que a idade cronológica é fundamental é relativizada pela noção de terceira


idade, que, ao mesmo tempo, reforça a idéia de que é possível, com esforço individual, avançar na idade
sem ficar velho”.
(Lima, in Veras, 2001:37)

Desta forma, as atividades desenvolvidas pelos centros de integração de


idosos e pelas Universidades Abertas da Terceira Idade funcionam tanto como
instrumentos de socialização e participação dos idosos na vida coletiva, assim como
proporcionam a estes indivíduos uma vida mais saudável, viabilizada a partir da
manutenção do desenvolvimento de atividades físicas e cognitivas.
É importante destacar que este tipo de atividade deve ter como fundamento
a integração social e o desenvolvimento psicológico dos idosos, de modo que aceitem a
nova etapa de suas vidas e saibam aproveita-la da melhor maneira possível, mas sem
negar a sua condição ou mascara-la sob falsas promessas e ideologias.
Neri (1998) ressalta que as pessoas precisam se conhecer novamente, saber
que podem viver de maneira independente para não cair em mitos ou modelos de
envelhecimento que muitas vezes se perdem na ilusória noção de virilidade ou na
aquisição de bens característicos de jovens. Caso contrário, o indivíduo vai, durante
toda sua vida, assumir papéis impostos automaticamente pela sociedade, esquecendo-se
de refletir sobre eles e sobre si próprio.
As Universidades Abertas da Terceira Idade possuem, desta forma, o
objetivo primordial de promover a integração entre o idoso e as demais gerações da
sociedade, tentando assim evitar ao máximo o isolamento existente entre este segmento
social e o restante da sociedade.
É necessário também distinguirmos os centros de convivência de idosos das
Universidades da Terceira Idade. É importante destacar que ambos desenvolvem
atividades de grande relevância para a qualidade de vida da população idosa, porém os
centros de convivência consistem em instituições que priorizam a realização de
atividades voltadas para a integração e a ocupação do tempo ocioso dos idosos,
enquanto as Universidades possuem, além desta função, o compromisso com a
transmissão de informação e conhecimento para este segmento, de modo a melhor
prepara-lo para defender os seus direitos e participar ativamente da vida social.

136
Especificamente em relação ao lazer, é concedido ao idoso o desconto de
50% no ingresso em eventos de natureza artística, cultural ou esportiva98. Cabe aqui
mais uma sugestão, que concerne à extensão deste benefício ao pagamento de
instituições de ensino e estabelecimentos de saúde privados, que seriam situações de
maior relevância para a vida do idoso. Ter acesso à educação e tratamento de saúde de
qualidade seria extremamente valioso para a condição de vida deste segmento, onde um
possível privilégio financeiro no acesso a estes serviços poderia produzir mudanças
significativas no perfil dos idosos de nosso país.
Desta forma, o Estatuto levou em consideração que a participação em
eventos culturais e educacionais são importantes para a manutenção de atividades
produtivas e integradoras por parte dos idosos. Porém, o documento pensou de forma
mínima ao conceder como direito um desconto de 50% apenas em atividades restritas.
Além do mais, o segmento idoso não é bem aproveitado pelo setor de
comércio e lazer, uma vez este grupo possui um percentual considerável de participação
no consumo observado na sociedade em geral. Recente pesquisa realizada por
importante empresa de marketing de alimentos demonstra que 18% da clientela dos
supermercados do Grande Rio é composta por pessoas maiores de 60 anos99. O novo
percentual afirma o crescimento de consumidores idosos e aponta para a necessidade de
um tratamento cada vez mais especializado por parte do comércio a esses cidadãos. Este
setor pode estar perdendo a chance de atrair um segmento com um grande potencial de
consumo caso não invista particularmente na população idosa.
É importante ressaltar que a concessão do desconto de 50% reflete
indiretamente a condição de vida precária deste segmento em nosso país, principalmente
no que diz respeito à sua situação financeira, onde a grande maioria dos idosos somente
consegue ter acesso a eventos desta espécie graças a este desconto, pois não teriam
possibilidade de arcar com os custos normais destes eventos. O ideal seria que a
população idosa tivesse uma renda digna que fosse suficiente para subsidiar a sua
participação em eventos culturais e educacionais, sem que houvesse a necessidade de
recebimento de benefícios como este, que possuem mais um caráter de esmola do que
propriamente de um direito.

98
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 23o.
99
Jornal O Dia, disponível em www.odia.com.br.
137
d) Idoso e Trabalho: A Utopia da Não-exclusão

Em relação ao trabalho, o Estatuto determina como direito do idoso o


exercício de atividade profissional, sem que haja discriminação por motivo de idade
avançada. Sem dúvida alguma são os itens mais utópicos do documento, ao postularem
garantias vagas que se distanciam enormemente da realidade cotidiana.
O texto prevê que haja “estímulo às empresas privadas para admissão de
idosos ao trabalho”100, sendo que não somente inexiste este estímulo assim como é
remota a possibilidade deste estímulo vir a existir dentro da lógica da organização
sócio-econômica vigente em nossa sociedade. Como já discutido anteriormente, o
sistema capitalista valoriza a força de trabalho e o poder de consumo, excluindo desta
forma os indivíduos idosos que não mais possuem estas características de forma
potencial. Interessa ao mercado de trabalho de trabalho aquele indivíduo jovem,
vigoroso e atualizado, e a sabedoria de um idoso não tam mais valor onde esta sabedoria
não é mais utilizada, como observa Oliveira:

“O sistema econômico vale-se da enorme força de trabalho que dispõe para substituir
pessoas ainda em idade de trabalhar por outras mais jovens às quais pagam menos; o sistema
econômico unificou os mercados de mão-de-obra sob os conceitos de idade e sexo, valendo-se dessas
distinções sempre que é possível para tirar vantagens de menor remuneração”.
(Oliveira, 1977:41)

100
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 28o, tópico III.
138
O próprio texto assume que existem exceções em algumas profissões que
realmente excluem a possibilidade de seu exercício por indivíduos de idade avançada,
como a atividade policial, por exemplo.
A saída poderia ser o estímulo a atividades produtivas autônomas, onde o
segmento idoso pudesse trabalhar e garantir uma fonte de renda sem ter que depender
do mercado de trabalho que o exclui. O Espaço Terceira Idade, já citado anteriormente,
é mais uma vez um bom exemplo de um investimento no desenvolvimento de uma
função produtiva para o idoso, através do curso de formação de cabeleireiros, uma boa
alternativa para a ausência de oportunidades para este segmento.
Existem ainda alguns projetos que visam atualizar os indivíduos idosos em
relação às exigências do mercado de trabalho, de forma a torná-los aptos à concorrência,
se é que isto seja mesmo possível. Um bom exemplo é o curso de informática para a
terceira idade desenvolvido pelo Centro de Processamento de Dados do Estado do Rio
(Proderj), que oferece cursos adequados ao perfil da população em questão.
Desta forma, só seria possível transformar realmente as condições de
inserção do idoso no mercado de trabalho caso se modifique toda a ideologia capitalista
vigente fundamentada no individualismo e na competitividade, que segrega os
indivíduos que não mais se enquadram nas exigências do mercado de trabalho, o que é
precisamente esclarecido por Simone de Beauvior:

“Exigir que os homens permaneçam homens em sua idade mais avançada implicaria uma
transformação radical. Impossível obter esse resultado através de algumas reformas limitadas que
deixariam o sistema intacto: é a exploração dos trabalhadores, é a atomização da sociedade, é a miséria
de uma cultura reservada a um mandarinato que conduzem essas velhices desumanizadas”.
(Beauvior, 1990:14)

Porém, ainda se trata de uma utopia pensarmos em uma sociedade que


transformasse radicalmente sua maneira de produção e sua organização sócio-
econômica, o que torna obsoleta qualquer iniciativa de integração efetiva do idoso no
mercado de trabalho, idéia que contraria a lógica imposta pelo sistema. O idoso pode ser
considerado, desta forma, como uma das grandes vitimas do capitalismo no que diz
respeito às mazelas sociais desencadeadas intrinsecamente por este sistema, reforçando
a conclusão de que “o drama da velhice vivido por crescentes segmentos da população
constitui a mais contundente denúncia da trajetória de vida imposta pelo reino do
capital”. (Haddad, 1993)
O ponto positivo do Estatuto acerca desta discussão é o incentivo aos
programas de preparação para a aposentadoria, que foram concebidos como atividades

139
em que o indivíduo seja orientado para as mudanças que acontecerão em sua vida com a
interrupção da atividade profissional, e se adapte da melhor maneira possível à sua nova
condição de vida enquanto aposentado. Tais programas já vêm sendo desenvolvidos por
várias empresas junto a seus funcionários, obtendo uma avaliação positiva por parte dos
egressos destes projetos.
Isto porque percebemos uma tendência atual da população brasileira a se
aposentar em uma faixa etária bem próxima da terceira idade, visto que os limites
etários tendem a ser ampliados pela reforma da Previdência, estendendo-se para os 60
anos para os homens e 55 anos para as mulheres, o que faz com que a introdução desta
temática nos ambientes de trabalho seja imprescindível, já que:

“É através dos programas de preparação para aposentadoria implantados que o


trabalhador será mais esclarecido quanto a seus direitos e possibilidades de vida
futura, afastando o receio de passar a ‘sobreviver’ tão somente, negando a si
mesmo uma maior possibilidade de vida”.
(Rey et alli, 1996: 16)
Assim sendo, a aposentadoria é um momento de extrema importância na
vida de um indivíduo, uma vez que a sua realidade sofre grandes transformações a partir
deste momento, influenciando a sua rotina diária e até mesmo podendo causar
problemas psicológicos, como a depressão, por exemplo. Daí a necessidade de uma
adaptação a esta nova etapa de vida, aonde se devem buscar novos projetos e novos
objetivos para o momento que se inicia, já que “criar uma razão para o significado de
estar vivendo parece uma questão sempre presente na velhice. A concretização do
projeto dá uma resposta possível a essa questão”. (Barros, 1991:66)

140
e) Habitação: Direitos dos Idosos e Deveres das Entidades de Atendimento

Outro ponto que merece destaque no Estatuto do Idoso é a referência às


necessidades relacionadas à habitação do indivíduo idoso, prescritas no capítulo IX do
documento. A Lei destaca a obrigatoriedade na estipulação de uma cota para idosos no
caso de construções de conjuntos habitacionais pelo poder público, onde temos um
exemplo concreto desta situação em programa de habitação popular realizado pelo
Governo do Estado do Rio de Janeiro, que reservou seis casas para idosos e deficientes
de um total de 104, parcela dentro dos 3% estipulado pela lei101.
Em caso de condições precárias de moradia no âmbito familiar, o idoso
poderá optar pelo abrigo nas entidades de longa permanência mantidas pela assistência
social do Estado, cabendo à família comprovar a ausência de recursos suficientes para
prover o amparo ao idoso.
Tais entidades deverão estar devidamente cadastradas junto aos órgãos
municipais responsáveis para efeito de fiscalização, assim como manter uma
identificação externa de suas atividades. Em caso de entidades privadas, a despesa de
manutenção a ser paga pelo idoso não pode ultrapassar o valor de 70% dos benefícios
recebidos pelo idoso, sejam eles oriundos da previdência ou da assistência social102.
Além disso, as instituições também têm a obrigação de relatar e fornecer
recibo de quaisquer objetos ou bens pertencentes ao idoso que receberem no momento
101
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 38o, tópico I.
102
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 35o, § 2o.
141
de sua entrada na entidade103, como forma de proteger estas pessoas contra abusos ou
usurpações por parte da instituição. A apropriação indébita de bens ou recursos do idoso
está prevista como crime no Estatuto, resultando em pena de 1 a 4 anos de prisão, além
de multa104. Neste caso poderiam estar incluídos mais uma vez os próprios familiares
que, porventura, fizesse uso individual dos benefícios financeiros do idoso acarretando
no prejuízo deste, assim como as instituições de longa permanência que se apropriassem
dos recursos do idoso sem repassá-los ao atendimento fornecido.
É importante destacar também a proteção garantida ao idoso contra
possíveis coações ou constrangimentos em relação às suas posses, onde o Estatuto prevê
penalidades em situações em que o idoso, por exemplo, assine uma procuração que
transfira a administração de seus recursos para outrem sem plena consciência e livre
arbítrio de sua atitude105, o que tiraria sua autonomia e seu usufruto sobre os benefícios a
que tem direito.
Ainda em relação às entidades privadas de atendimento, existe a
possibilidade de subvenção do Estado a entidades privadas de atendimento ao idoso em
situações onde comprovadamente não haja condições de custeio por parte do próprio
indivíduo.
Dentre as obrigações previstas no Estatuto em relação às atividades a serem
exercidas por estas instituições, cabe destacar a preservação do vínculo familiar do
idoso com sua família e a inserção do idoso em atividades comunitárias106. Pretende-se
com isso manter a integração destes indivíduos com o restante da sociedade, inclusive
com seus familiares, de modo que as entidades de atendimento não se tornem
“depósitos” de idosos em absoluto isolamento e reclusão.
O Estatuto prevê, inclusive, a responsabilidade sobre as entidades de
atendimento em denunciar ao Ministério Público quaisquer suspeitas de abandono do
idoso por parte da família, seja ele moral ou material107. O profissional de saúde
responsável pelo atendimento ao idoso pode ser penalizado juridicamente por omissão
na prestação deste tipo de informação aos órgãos competentes. Assim sendo, não visitar
um parente idoso ou não acompanhar o seu atendimento dentro da instituição
responsável pode ser caracterizado como infração, com multa prevista no Código Penal
Brasileiro.

103
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 50o, tópico XIV.
104
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 102o.
105
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigos 106o e 107o.
106
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 49o, tópicos I e IV.
107
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 49o, tópico XVI.
142
Estas entidades têm ainda a obrigação de prestar contas publicamente de
suas despesas, seja através da sua publicação em jornais de grande circulação assim
como através de publicação nos diários oficiais da União, do Estado ou do Município.
Em caso de descumprimento das normas estabelecidas para o seu
funcionamento, as instituições de atendimento ao idoso estarão sujeitas desde a
aplicação de multas até o a proibição da continuidade no atendimento a idosos em
situações onde forem encontradas infrações de maior gravidade, o que está previsto
detalhadamente no artigo 55o do Estatuto.
É importante destacar novamente a existência de uma Portaria Federal
especificamente orientada para regulamentar as normas de funcionamento das diversas
espécies de entidades voltadas para o atendimento ao idoso, cabendo aos órgãos
municipais a devida fiscalização em relação ao cumprimento das regras, dentre elas os
Conselhos do Idoso e a Vigilância Sanitária. Percebemos assim que a lei é
extremamente detalhada em relação ao funcionamento das instituições de amparo ao
idoso, cabendo apenas consolidar uma fiscalização igualmente eficiente para se efetivar
um atendimento digno e de qualidade nestas entidades.

143
f) A Gratuidade de Transporte: Entre o Direito e a Humilhação

O capítulo X do Estatuto do Idoso trata da questão do transporte, tema


bastante polêmico e muito explorado pela mídia no que diz respeito ao dia-a-dia do
idoso, principalmente por este ser um dos pontos onde encontramos habitualmente um
grande número de transgressões por parte das empresas responsáveis pela prestação de
serviços neste setor.
O Estatuto reforça a garantia constitucional de gratuidade nos transportes
coletivos urbanos, benefício que não se estende, porém, aos veículos considerados
especiais:

“Aos maiores de sessenta e cinco anos fica assegurada a gratuidade nos transportes
coletivos públicos, urbanos e semi- urbanos, exceto nos serviços seletivos, especiais, quando prestados
paralelamente aos serviços regulares.”108

A gratuidade refere-se assim somente aos serviços regulares de transporte,


excluindo-se tal benefício nos casos de micro-ônibus ou veículos com ar-condicionado,
por exemplo. Também estaria incluído nesta categoria o transporte intermunicipal, onde
não é concedido, desta forma, o benefício da gratuidade.
Para fazer jus à gratuidade, basta ao idoso apresentar qualquer documento
de identidade, que pode ser a própria carteira de identidade, o CPF ou a carteira de
habilitação109, norma que usualmente é transgredida pelas empresas de ônibus, que
108
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 39o.
109
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 39o, § 1o.
144
colocam empecilhos ao embarque de idosos e exigem comprovantes não previstos nesta
lei.
O Estatuto prevê normas específicas para o transporte interestadual, onde se
torna obrigatória a reserva de duas vagas gratuitas para idosos acima dos 65 anos e que
possuam renda inferior a dois salários mínimos110. Neste caso é exigida do idoso a
apresentação de comprovante de renda para a aquisição de sua passagem. Além disso, é
igualmente obrigatória a concessão de desconto de 50% para os idosos que
ultrapassarem as duas vagas gratuitas previstas, sob as mesmas condições de
comprovação de renda estabelecidas no caso anterior111.
Concluímos assim que o benefício estendido ao idoso em relação ao seu
transporte é restrito e superficial, uma vez que se refere unicamente aos meios básicos
de locomoção, excluindo até mesmo os transportes de longa distância, nos casos dos
trajetos intermunicipais e interestaduais.
Sem dúvida alguma que este é um dos pontos de maior agressão à dignidade
do idoso, já que os transportes públicos não estão adaptados às suas necessidades, como
os degraus elevados, por exemplo, fazendo com que tenham que passar por grandes
dificuldades para conseguir um simples embarque em um ônibus.
Acrescenta-se a isso a relutância de muitos profissionais responsáveis pela
condução dos veículos em atender com um mínimo de respeito aos indivíduos idosos, o
que se torna inexplicável e inadmissível se observarmos que para o exercício cotidiano
da atividade destes profissionais é indiferente a idade do passageiro embarcado, seja ele
jovem ou idoso. Não faz diferença alguma para um motorista dirigir um veículo com 50
idosos ou 50 jovens, mas muitos fazem questão de intimidar e humilhar aqueles de
idade avançada. Nem mesmo uma possível pressão por parte dos empresários e patrões
do setor justificaria tal atitude.
Mas este não é um problema da lei e nem do Direito, e sim um defeito da
natureza humana, que não nos cabe aqui tentar entender. Para a solução deste problema
teríamos que conciliar a efetividade da lei com a evolução moral da sociedade, em
vistas a valorizar o idoso como um indivíduo como qualquer outro e que merece até
uma maior quantidade de respeito devido à sua idade avançada, mas estes são valores
pouco difundidos em nossa sociedade capitalista de consumo.

110
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 40o, tópico I.
111
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 40o, tópico II.
145
g) O Envelhecimento na Mídia

O Estatuto teve a preocupação de garantir a veiculação de imagens positivas


e favoráveis ao desenvolvimento dos idosos, como forma de combater uma cultura de
discriminação e menosprezo veiculada pela mídia em geral que piorava ainda mais a
posição do idoso dentro de seu grupo social.
Em vista disso, passa a ser crime a veiculação de imagens negativas ou
depreciativas em relação à população idosa, conforme prescrito no artigo 105o do
documento, e que prevê, inclusive, detenção de um a três anos de prisão, além do
pagamento de multa:

“Exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens


depreciativas ou injuriosas à pessoa do idoso”.112

Analisando algumas pesquisas sobre a veiculação de imagens relativas ao


envelhecimento na mídia em geral, observamos que os estudos confirmaram o
predomínio na difusão de estereótipos negativos em relação à população idosa.
O pesquisador Northcott113, por exemplo, conclui em sua pesquisa na década
de 70 que a imagem negativa da velhice na televisão era uma constante e os poucos
personagens idosos sempre representavam papéis de menor importância e de menor
visibilidade. Já o estudo de Dail114 em 1988, destacou que os idosos, muito mais do que
qualquer outro grupo social, eram retratados na mídia de forma desagradável e negativa,
112
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 105o.
113
Northcott, H. (1975); Swayne, L. E. & Greco, A. J. (1987).
114
Dail, P. W. (1988).
146
principalmente com relação às suas habilidades físicas, seu estado de saúde,
sociabilidade, personalidade e capacidade de trabalho. Daí a relevância de se modificar
este quadro.
A realidade brasileira não é tão diferente. Pesquisas realizadas por Calabi e
Mascaro115 mostraram que até a década de 70 os idosos eram tratados de forma
pejorativa pela mídia, onde eram retratados como indivíduos dependentes e debilitados
fisicamente. Este quadro se modificou a partir da década de 80, quando a imagem do
idoso passou a estar associada com o poder e o prestigio social, ressaltando-se que
geralmente era a figura do homem idoso que carregava estes valores, em detrimento da
falta de valorização da mulher idosa.
O modismo atual de se tentar rejuvenescer a qualquer custo o idoso tem
levado a mídia e a publicidade em geral a mostrar novas faces do envelhecimento,
através da associação do idoso à tecnologia moderna, ao lazer e à atividade sexual. Este
tipo de mensagem busca mostrar que ser “velho” passa então a ser uma opção
individual, onde existem inúmeras alternativas para fazer desta etapa de vida um
momento de alegria e novas fontes de prazer. Como afirma Debert:

“A juventude, por um lado, perde conexão com um grupo etário específico, deixa de ser um
estágio na vida para se transformar em valor, um bem a ser conquistado em qualquer idade, através do
envolvimento em atividades motivadoras e da adoção de estilos de vida adequados. Por outro lado. a
velhice é resultado de uma espécie de lassitude moral, um problema de indivíduos descuidados que não
souberam se envolver em atividades motivadoras e consumir bens e serviços capazes de combater o
envelhecimento”.116

É importante lembrar que a preocupação com as imagens dos idosos


veiculadas pela mídia foi abordada pelo Plano de Ação Internacional para o
envelhecimento, e tem como objetivo tentar difundir sentimentos de respeito e
valorização em relação a estes indivíduos.
Isso seria possível através da construção de imagens positivas do
envelhecimento, que poderiam a partir daí abrir espaço tanto para a integração do idoso
na sociedade em geral, assim como aumentar o sentimento de auto-estima e a motivação
dos próprios idosos em relação à sua nova identidade. Como destaca Debert, “as novas
imagens do envelhecimento são, sem dúvida, expressão de um contexto marcado por
mudanças culturais que redefinem o modo de construção das identidades”. (Debert,
1997:127)

115
Ver CALABI, A. C. (1994) e MASCARO, S. A. (1993).
116
Debert, G. – O Idoso na mídia. Disponível em www.comciencia.com.br
147
Desta forma, as questões sociais relativas ao processo de envelhecimento
também são culturais, e o sucesso ou o fracasso de projetos voltados para a inclusão e a
dignidade do idoso depende em parte da construção de sua identidade e dos valores que
nela estão presentes.

Parte III – Aplicando os


Direitos dos Idosos: entre a
Lei e a Realidade

148
“Você é tão jovem
quanto a sua fé, e sua velhice
é determinada pela sua
dúvida. Sua juventude
depende da sua
autoconfiança, e são seus
temores que determinam
quão velho você é. O homem
é tão moço quanto a sua
esperança, tão velho quanto
a falta dela”.
Douglas Macarthur

6. O papel do Estado na defesa do Idoso: Responsabilidades e


Possibilidades Institucionais

Esta seção se dedica à apresentação e à análise do papel das Instituições do


Estado na proteção aos Direitos dos Idosos, procurando relacionar os seus
procedimentos técnico-administrativos à garantia de aplicação das conquistas
legitimadas na lei. Esta pesquisa foi desenvolvida a partir de visitas às Instituições aqui
citadas, e também na análise de material teórico relativo ao tema em questão,
destacando o papel esclarecedor de algumas entrevistas que foram realizadas junto a
profissionais que atuam nestas entidades em atividades diretamente ligadas à defesa do
segmento idoso.
O Ministério Público é o principal responsável pelo zelo e pelo
cumprimento das normas estabelecidas no Estatuto do Idoso, o que é detalhadamente
postulado no Capítulo II do Título V do documento. Tal responsabilidade está indicada
no artigo 74o do documento, que prevê a competência desta instituição em “instaurar o
inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos
ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso”.
Antes de mais nada, é importante lembrar que o idoso tem prioridade no que
diz respeito ao acesso à justiça, o que torna em tese mais rápida a solução de seus
problemas e conflitos judiciais, conforme previsto no Estatuto:

“É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos


atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou
superior a sessenta anos, em qualquer instância”.117
117
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 71o.
149
Esta resolução tem obtido efeito junto ao poder judiciário, uma vez que os
processos instaurados por indivíduos idosos são submetidos aos órgãos responsáveis
com a indicação de prioridade na capa do processo, o que agiliza o encaminhamento dos
processos administrativos e burocráticos de praxe.
Assim sendo, infrações, denúncias ou transgressões ao Estatuto do Idoso
devem ser encaminhadas ao Ministério Público para a instauração do procedimento
legal correspondente, sendo aí principalmente responsáveis neste processo as
Defensorias e as Promotorias Públicas.
Tais Instituições são responsáveis pela averiguação das circunstâncias em
que ocorreu a possível penalidade, colher depoimentos e até mesmo solicitar reforço
policial em caso de necessidade. Percebe-se assim que a instituição tem
responsabilidade sobre todo o processo investigativo, sendo de importância fundamental
que tal instituição esteja preparada tecnicamente para uma atividade deste porte.
É importante lembrar que qualquer cidadão tem o direito de procurar o
Ministério Público para denunciar possíveis transgressões contra o Estatuto, existindo a
possibilidade, inclusive, da instauração de Ação Civil Pública, garantida pela
Constituição Federal em seu artigo129. É importante lembrar ainda que o Estatuto do
Idoso dedica todo um capítulo118 às punições previstas em caso de infrações a esta lei,
como forma de garantir o seu cumprimento por toda a sociedade.
A proteção aos idosos está vinculada às Promotorias de Tutela Coletiva,
denominadas de Promotorias de Justiça de Defesa da Cidadania. Tal instituição se
dedica a toda situação de conflito que atinja de alguma forma um grupo social como um
todo, estando assim ligada a problemáticas como as questões relativas à área de Saúde,
Patrimônio Público, Deficientes Físicos e é claro, Idosos. Os problemas relacionados ao
acesso aos transportes coletivos por parte dos idosos, por exemplo, deve ser tratado por
esta Promotoria, uma vez que se deve entender que não se trata neste caso de uma
situação isolada, mas sim em um problema que possivelmente deve atingir toda a
população idosa em geral.
É importante ressaltar que no caso de infrações envolvendo a figura do
Idoso que se configure como um caso individual, haveria assim o encaminhamento
desta situação à Defensoria Pública, que trataria da questão com base no Código Penal
em vigor, caracterizando tal ato como crime e enquadrando o transgressor dentro das
punições previstas. Destaca-se a existência do NEAPI – Núcleo Especializado no

118
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, Capítulo II, Título VI.
150
Atendimento e na Proteção ao Idoso – como um serviço criado pela Defensoria Pública
do Estado do Rio de Janeiro para atender exclusivamente a casos envolvendo idosos.
Maus-tratos sofridos por um indivíduo idoso no âmbito familiar, por exemplo, poderiam
ser tratados nesta esfera, pois tal fato se caracterizaria como um caso individual onde o
familiar responsável pelas agressões seria responsabilizado criminalmente.
Em pesquisa realizada junto à 7a Promotoria da Capital destinada a estes
fins, tivemos a oportunidade de conhecer melhor o trabalho da Instituição, contando
com a honrosa colaboração do Doutor Rogério Pacheco, um dos promotores em
atividade neste órgão do Ministério Público.
Pudemos perceber que grande parte das denúncias que chega à Promotoria
está relacionada às transgressões cometidas por abrigos de idosos e pelas empresas de
transporte coletivo.
Em relação aos abrigos, além de más condições de tratamento dos idosos,
existe também o problema de relocação de indivíduos, que ocorre normalmente quando
determinada instituição encerra seus serviços por falta de verbas ou pelo fim de algum
convênio com o Estado, por exemplo, o que pode deixar parte dos idosos ali alocados
sem terem para onde ir. Cabe então ao Ministério Público intervir nesta situação e
garantir aos idosos a melhor solução possível para este problema.
No caso das empresas de transporte é comum a existência de um impasse
relativo à apresentação do documento necessário à aquisição da gratuidade, uma vez
que o Estatuto determina que qualquer documento de identidade serve para fazer jus ao
benefício, enquanto em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, por exemplo, as
empresas determinaram a utilização de um cartão eletrônico que permite o acesso à
gratuidade. Mais uma vez cabe à Promotoria resolver este impasse, tendo que levar em
consideração tanto os direitos individuais do idoso quanto os interesses das empresas
privadas de transporte, que afinal são entidades privadas com interesses comerciais.
Esta é uma das questões mais polêmicas envolvendo o Direito dos Idosos, uma vez que
se trata de um serviço essencial e muitas vezes indispensável que atinge praticamente
toda a população idosa, ao mesmo tempo em que conflita com os objetivos financeiros e
comerciais das megacorporações de transporte coletivo.
A atuação da Promotoria é baseada principalmente na averiguação de
denúncias que são levadas à Instituição, seja a partir de relatos individuais,
encaminhamentos de órgãos representativos ou até mesmo através de serviços do tipo
Disque-denúncia, que dão assim início ao trabalho da Promotoria. No caso de denúncias
individuais, o órgão oferece um plantão permanente de atendimento à população em

151
geral para o recebimento dos relatos, através do destacamento de um Promotor para
atuar exclusivamente nesta função, viabilizada por meio de rodízio entre os
profissionais da Instituição.
A partir da denúncia, a Promotoria entra em contato com outras instituições
visando à averiguação dos fatos relatados em denúncia. Em uma situação de más
condições de atendimento em um abrigo para idosos, por exemplo, a Promotoria
relatará o fato para a Vigilância Sanitária, que deverá realizar uma inspeção a fim de
constatar as irregularidades denunciadas, e encaminhar o seu parecer de volta à
Promotoria. Em caso de confirmação das irregularidades, o Ministério Público expedirá
um oficio ao abrigo em questão solicitando sua adequação às exigências previstas em lei
para o seu funcionamento, estabelecendo um prazo para que nova inspeção da
Vigilância Sanitária seja realizada a fim de constatar se houve ou não a correção das
infrações existentes. Caso seja constatado que nada se modificou, caberá então à
Promotoria a instauração de um processo judicial contra a instituição em questão.
Já em caso de algum tipo de denúncia relativa ao sistema de transportes, a
Promotoria entrará em contato com a Secretaria Municipal de Transportes para que
sejam tomadas as devidas providências contra a empresa em questão. O problema que
aqui se apresenta é que em muitos casos existe uma estreita ligação entre a Secretaria de
Transportes e as empresas de ônibus, o que indica uma relação mais de parceria do que
de que fiscalização.
Percebe-se assim que a Promotoria da Cidadania possui mais uma função de
prevenção e encaminhamento do que uma atitude punitiva propriamente dita, uma vez
que o caminho percorrido pela ação da Promotoria acarreta em processo judicial apenas
em último caso, quando todos os procedimentos de alerta e intimidação já foram
realizados e não surtiram efeito.
E mesmo nestes casos em que seja instaurado um processo judicial contra
um possível transgressor dos direitos dos idosos, cairíamos em um outro problema que é
a lentidão que afeta toda a esfera judicial de nosso país. O que nos leva à triste
conclusão de que um idoso possivelmente terá que passar por uma árdua e longa espera
para garantir os seus direitos caso dependa da atuação da Promotoria, tendo assim que
continuar convivendo com uma transgressão ou uma agressão enquanto não sai uma
solução para o seu problema.
A pergunta que deve ser feita é se um indivíduo idoso poderá suportar o
sofrimento que lhe é causado por uma violação de um direito seu ou por estar exposto a
maus-tratos, por exemplo, enquanto aguarda uma decisão judicial que pode levar anos.

152
Alguns problemas não podem esperar muito tempo por uma solução, principalmente
quando estamos falando de indivíduos naturalmente mais vulneráveis como os idosos, o
que levaria à necessidade de se repensar a atuação do Ministério Público no que diz
respeito à agilização de sua atuação e ao aumento de seu poder de coerção e punição.
Concluímos que a grande dificuldade existente para a consolidação das
garantias dos idosos é, antes de tudo, a conscientização do idoso em relação aos seus
direitos, o que o levaria a denunciar e buscar a efetividade do Estatuto que lhe ampara.
Como vimos anteriormente, a Promotoria da Cidadania, responsável pela tutela dos
direitos dos idosos, atua de forma estática, ou seja, age a partir das denúncias que lhe
são encaminhadas. E quando percebemos que a população idosa ainda carece
imensamente de conscientização, e muitas vezes básica, em relação aos seus direitos,
concluímos que as denúncias provavelmente serão mínimas e escassas, ou até mesmo
nem existirão. Como denunciar se não se sabe os direitos que se tem? Ou ainda, como
denunciar se não se sabe a quem procurar, ou ainda não se sabe sequer que existem
instituições representativas como os Conselhos Estaduais e Municipais do Idoso, por
exemplo?
Outro problema crucial no que diz respeito à atuação da Promotoria é a
ausência de uma comunicação eficiente com outras instituições, como os Conselhos do
Idoso, por exemplo. As exceções ficam por conta da Vigilância Sanitária e da Secretaria
Municipal de Transportes, que possuem uma relação de trabalho direta com a
Promotoria.
Constatamos também que pouquíssimas demandas foram encaminhadas à
sua Promotoria pelo Conselho Estadual do Idoso, o que representa uma grande
deficiência desta instituição em cumprir o seu papel de zelador e fiscalizador dos
direitos dos idosos. É necessária uma maior integração entre todas as instituições que
desempenham algum tipo de papel na proteção ao idoso, de modo que seja possível
resolver as transgressões contra este segmento de forma mais ágil e eficiente. Esta
situação ainda é mais grave quando se trata do Conselho Estadual, que seria por
natureza a instância de representatividade e participação da sociedade civil na defesa
das garantias da população idosa.
Um passo mais adiante na busca da efetividade dos direitos dos idosos
estaria em reestruturar o Ministério Público de forma que esta instituição fosse capaz de
atender à demanda de infrações existentes, e principalmente, passasse de uma posição
estática para uma posição dinâmica. O ideal seria que o Ministério atuasse de maneira
diligente, ou seja, que buscasse a infração, que fiscalizasse e estivesse em busca

153
constante contra transgressões ao Estatuto e crimes contra os idosos, o que dispensaria a
necessidade de denúncia, uma vez que o próprio Ministério Público estaria averiguando
e combatendo as práticas ilícitas existentes. Aí sim poderíamos falar em uma efetiva
proteção ao idoso. Isso demandaria, porém, um grande incremento no quadro técnico e
no aparato administrativo destas instituições, o que seria uma situação ainda utópica nos
dias atuais.
Cabe lembrar que recentemente foram criadas as Promotorias do Idoso, que
como o próprio nome já diz, estarão atuando especificamente na proteção e na defesa
deste segmento. Sem dúvida alguma é um grande passo para a consolidação das
legislações específicas para o idoso, uma vez que o grupo passa a ser tratado
isoladamente, o que possivelmente trará a tona com maior nitidez os problemas sociais
enfrentados por este segmento. A tendência é que os próprios Promotores responsáveis
por estas seções possam se dedicar com mais eficiência à defesa dos interesses dos
idosos, visto que estarão trabalhando unicamente sobre este segmento, o que não
acontecia anteriormente na Promotoria de tutela coletiva, que abrigava problemáticas e
segmentos diversos.
Estamos assim no caminho de uma atuação mais efetiva do Estado na
proteção ao idoso, e quem sabe muito perto da proposta de uma Promotoria diligente,
que funcione como uma constante ameaça à transgressão e à infração. Não se tem que
levar o crime ao Ministério Público, mas sim levar o Ministério Público ao crime, o que
sem dúvida alguma contribuiria de forma substancial para a plena efetividade do
Estatuto do Idoso.
Além da esfera judiciária, o Idoso pode contar também com a Delegacia do
Idoso, criada especialmente para prestar atendimento ao idoso que se encontre em
situação de risco ou perigo. Infelizmente constatamos que tal serviço é o maior exemplo
de inoperância institucional no que diz respeito à proteção dos idosos, o que pode ser
percebido com as observações que fizemos em nossa visita119.
Existe apenas uma Delegacia do Idoso na Cidade do Rio de Janeiro, mal
localizada geograficamente em uma rua comercial no centro da cidade, caracterizada
por um grande movimento de pedestres que torna difícil a locomoção e onde também
não existe especo apropriado para estacionamento. Estas observações são importantes,
pois estamos falando de uma Delegacia voltada para atender idosos, que naturalmente
podem ter dificuldades de locomoção e deslocamento em grandes distâncias.

119
A visita foi recebida pelo Inspetor-Delegado Paulo Batista, responsável naquele momento pelo
atendimento na Instituição, e com o qual pudemos conversar sobre os procedimentos da Delegacia.
154
A atuação da Delegacia se dá sob o crime consumado, ou seja, desenvolve
o seu trabalho a partir de uma agressão ou uma violação já cometida, não exercendo
função de prevenção ou fiscalização contra possíveis crimes contra o idoso. Atua, desta
forma, através da instauração de inquérito policial a partir de queixa ou denúncia de um
idoso contra o seu agressor. Inicia-se, então, o procedimento de averiguação, baseado na
tomada dos depoimentos de todos aqueles envolvidos na questão, encaminhando-se
posteriormente o processo ao Juizado Especial Criminal, responsável pela avaliação e
pelo julgamento de tal conflito.
Percebemos que não existe sequer uma estrutura mínima de atendimento ao
idoso nesta Instituição, uma vez que sequer existiam viaturas ou profissionais
disponíveis para o amparo a algum idoso que surgisse em uma situação de risco, com
exceção da pessoa que nos atendeu. A Delegacia também não possui intercâmbio com
nenhuma outra instituição de proteção ao idoso, com exceção do Disque-denúncia, que
funciona em um andar acima.
E finalmente chamamos a atenção mais uma vez para a falta de
conscientização da população idosa sobre os seus direitos e sobre a existência de
Instituições para a sua proteção, pois ali obtivemos a informação de que a Delegacia
recebe, em média, 10 queixas por dia, o que é um número irrisório em se tratando de
uma cidade com um imenso contingente populacional como o Rio de Janeiro, onde se
observam facilmente problemas cotidianos na vida dos idosos e transgressões ocorrendo
a todo o momento contra seus direitos. É uma cena no mínimo curiosa encontrar uma
Delegacia completamente vazia na Cidade do Rio de Janeiro.
A Delegacia do Idoso é, desta forma, mais um instrumento de marketing
político, onde foi idealizada e criada com o objetivo de promover o seu criador, e não de
atender à população. A Instituição já existe a cerca de 6 anos, e até hoje encontra-se
abandonada e desprovida de qualquer estrutura que viabilize um funcionamento
adequado. Ma ela está lá, e é um ótimo cartão postal em período de processo eleitoral.
Investigamos também as possibilidades de atuação dos representantes
políticos do Estado na defesa dos direitos do idoso, principalmente no que diz respeito à
utilização do aparato administrativo estatal no combate às infrações cometidas contra
este segmento populacional.
Tivemos a oportunidade de colher algumas informações junto à atual
Vereadora do Rio de Janeiro Cristiane Brasil, ex-secretária municipal da terceira idade
que fez da defesa do segmento idoso a sua plataforma política, e assim foi eleita apara o
mandato atual.

155
A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro criou há alguns anos a Secretaria
Municipal da Terceira Idade, que se caracteriza por ser uma Secretaria especial, ou seja,
não possui ainda o status de uma Secretaria institucionalizada em caráter definitivo,
funcionando assim de forma instável e desestruturada.
A Secretaria possui um orçamento reduzido e indeterminado, podendo estar
a disposição em alguns momentos e escasso em outras ocasiões. Também não possui
condições objetivas adequadas para a realização de um trabalho eficiente, como um
quadro de funcionários reduzido e a ausência de uma estrutura material adequada, por
exemplo.
Desta forma, a atuação da instituição se limita a serviços de
encaminhamento de denúncias a outras instituições, como o Ministério Público, por
exemplo, e na tentativa de apurar possíveis transgressões contra os idosos que estejam
ao seu alcance. Porém, a falta de infra-estrutura impossibilita uma atuação mais
eficiente da Secretaria, que se torna assim um órgão do governo por onde simplesmente
passam algumas denúncias, não havendo maiores possibilidades de atuação.
Lembramos que esta Secretaria tem um caráter político, ou seja, depende da
boa vontade e da competência do administrador em exercício em tentar efetivamente
resolver os problemas da população idosa, onde em muitos casos este tipo de Secretaria
funciona como um importante artefato político do governo, que faz sua propaganda
como defensor da cidadania e da terceira idade, mas que na prática delega à Secretaria
uma função praticamente burocrática, não dando realmente a devida proteção social a
este segmento da população.
É importante lembrar que a Vereadora Cristiane Brasil defende junto à
Câmara Municipal a consolidação da Secretaria da Terceira Idade como uma Secretaria
definitiva, o que lhe traria um incremento em sua estrutura funcional e possibilitaria
uma atuação mais eficaz na defesa ao idoso.
O Poder Legislativo também possui outras possibilidades de atuação na
defesa e na proteção aos direitos dos idosos, como a criação da Comissão Permanente
da Terceira Idade junto à Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Tal comissão
terá a missão de fiscalizar e apurar possíveis infrações e situações de maus-tratos que
envolvam idosos, e a partir daí encaminhar os fatos constatados aos órgãos competentes
para sua averiguação, como o Ministério Público, por exemplo.
Porém, a Comissão não possui poder de punição, uma vez que é constituída
por Vereadores que integram o corpo legislativo do Município, não possuindo assim a
atribuição de força executiva para demandar ações mais diretas no combate às infrações,

156
o que não tira o mérito de sua existência, uma vez que são iniciativas como esta que
podem levar à efetiva proteção dos direitos dos idosos, ainda mais quando se trata de
uma instituição oficial do Estado.
Apesar das limitações existentes no âmbito de atuação tanto da Secretaria
Municipal da Terceira Idade quanto da Comissão instaurada na Câmara Municipal,
devemos lembrar que estas instituições possuem um forte poder de influência na mídia,
fato que pode levar à intimidação contra possíveis infrações contra os idosos. Desta
forma, uma inspeção em um determinado abrigo de idosos, por exemplo, ou até mesmo
uma simples solicitação proveniente destas instituições, pode levar à solução de um
problema devido à capacidade de coerção que possuem. Independentemente de não
possuírem efetivos meios de punição por sua própria conta ou ainda de não possuírem
uma estrutura adequada por estarem em fase de implementação, uma iniciativa de uma
instituição governamental sempre terá um grande potencial em si.
Ainda em relação à atuação do órgão legislativo, cabe destacar também
iniciativas isoladas, como o trabalho desenvolvido pela Vereadora Cristiane Brasil
visando à conscientização da população idosa a respeito do Estatuto do Idoso, onde
foram realizadas até mesmo campanhas itinerantes em locais públicos para a divulgação
deste material. Este é um trabalho de imenso valor, uma vez que já o mencionamos o
problema da falta de conscientização em relação aos seus próprios direitos por parte dos
idosos, o que leva à dificuldade de atuação das instituições competentes para a solução
de possíveis infrações.
Percebemos assim que estamos ainda na fase de criação e de
desenvolvimento das ações voltadas para a proteção do idoso no âmbito do Estado, que
parece ainda tentar se adaptar às novas exigências e demandas impostas pelo segmento
idoso. As iniciativas aqui descritas devem ser analisadas neste momento como um ponto
de partida para uma atuação séria do Estado em relação à defesa dos Direitos dos
Idosos, uma vez que o aperfeiçoamento das instituições já existentes, assim como a
criação de outras mais, pode levar efetivamente ao cumprimento do Estatuto do Idoso.
Isto depende, é claro, de um trabalho político sério e comprometido de nossos
representantes em defesa da população idosa, o que dependeria da consolidação de
novos juízos e valores no seio da sociedade que passassem a conceber o idoso como um
dos alvos prioritários para o desenvolvimento de políticas públicas e de ações sociais.

157
7. A Sociedade Civil na Defesa do Idoso: Participação,
Mobilização e Atuação dos Conselhos e Fóruns do Idoso

Os Conselhos e os Fóruns do Idoso possuem funções institucionais


determinantes para a efetiva consolidação dos direitos do idoso. Recém-criados pela
Política Nacional do Idoso em 1994, teriam a missão de formular, coordenar e fiscalizar
a aplicação das leis do idoso, conforme prescrito neste próprio documento.
Em fase de implementação, alguns Estados e Municípios ainda não criaram
os seus Conselhos, sendo que em alguns casos estas instituições foram criadas em lei,
mas não estão em funcionamento. Todos os Estados das regiões mais desenvolvidas do
país, no caso Sul e Sudeste, já criaram seus Conselhos, enquanto apenas o Estado do
Amazonas o instituiu na Região Norte, por exemplo. Cabe lembrar também que a
cidade do Rio de Janeiro, um dos mais populosos e expressivos municípios do país,
ainda não criou o seu Conselho Municipal do Idoso. É importante lembrar também que
o Conselho Nacional do Idoso foi um dispositivo criado pela lei de 1994, mas ainda não
foi efetivado instalado e ativado devido ao veto do capítulo V do documento,
exatamente aquele que estabelecia a composição e as funções do Conselho Nacional.
A lentidão neste processo de instalação dos Conselhos dificulta
imensamente a consolidação dos direitos do idoso no país, uma vez que a fiscalização e
a cobrança sobre a sua aplicação ficam comprometidas diante da falta de mobilização
social que deveria estar institucionalizada e organizada no âmbito dos Conselhos. A
participação e a atuação da sociedade civil se torna fluida e dispersa, diante da
inoperância dos Conselhos, que deveriam centralizar e fortalecer o processo de
avaliação das políticas voltadas para o Idoso.
Podemos remontar a origem dos Conselhos à Constituição Nacional, que
defende como princípios básicos para a organização do Estado brasileiro a participação
e discussão popular nos processos decisórios da vida pública, indicando assim a

158
necessidade de criação de mecanismos institucionais de mobilização social, como os
Conselhos, por exemplo.
Desta forma, a participação é a base para a integração social e para a
formulação de políticas públicas que perpassem aos interesses individuais, e que
vislumbrem as demandas coletivas através de objetivos e necessidades comuns,
caracterizando-se assim os Conselhos como uma esfera de associação voltada para a
articulação de um determinado grupo social:

“Participação é a força social organizada segundo os interesses e uma base social


determinada...passa a ser vista não como uma questão individual, mas como questão de classe, onde a
convivência democrática em grupo se torna assim como o lugar privilegiador da sugestão, discussão,
decisão e ação”.
(Faleiros, 1985:36)

Os Conselhos têm assim a função primordial de zelar pela democracia, na


medida em que garantem o poder de participação e discussão a todos os indivíduos na
esfera coletiva, realçando também a responsabilidade de cada sujeito na construção de
uma ordem social mais justa e igualitária:

“Aprimoram os Conselhos de defesa de direitos a democracia, constituindo a organização


de um Estado de direito através da maior e mais próxima participação da sociedade na condução da
vida pública, difundindo os direitos fundamentais do homem e garantindo o respeito a tais direitos, como
também, de forma habitual e objetiva, alertando governantes e governados para a responsabilidade na
condução da ação política”.
(Deleuze, 1999:10)

Desta forma, é extremamente necessária a mobilização em prol da criação e


da instalação dos Conselhos, assim como também é necessário o incentivo à
participação dos idosos nos debates realizados nestas instituições, através da
conscientização acerca de seus direitos e dos canais de representatividade existentes
para o controle destes direitos.
O problema, porém, é que os Conselhos possuem uma estrutura
organizacional que burocratiza demais o seu funcionamento, fazendo com que possa
ocorrer um distanciamento e um desinteresse do idoso em relação à instituição que
deveria lhe representar.
A formação do Conselho se dá de forma institucional e paritária, ou seja, é
constituída por representantes de instituições que desenvolvam atividades com idosos e
por representantes do Estado, geralmente membros das Secretarias de Governo ligadas à
área de desenvolvimento social. A escolha das instituições representativas da sociedade

159
civil ocorre através dos Fóruns, esferas de debate que se caracterizam por serem mais
abertas e acessíveis à população em geral, e que estabelecem os critérios para a
candidatura de determinada instituição à ocupação de uma das cadeiras do Conselho.
Os Fóruns seriam os instituintes dos Conselhos, e geralmente não possuem
personalidade jurídica e nem estão sob controle do Estado, se caracterizando assim
como típicas arenas de debate e discussão acerca das questões relativas ao
envelhecimento. Uma maior participação popular nos Fóruns, em especial do próprio
segmento idoso, seria de extrema relevância para o enriquecimento da mobilização
social em torno desta causa, sendo igualmente necessário uma melhor articulação entre
os Fóruns e os Conselhos de modo que estes se tornem efetivos receptores das
demandas oriundas dos primeiros.
Desta forma, os Conselhos teriam como base a integração entre a sociedade
civil e o Estado no que diz respeito à defesa dos direitos do idoso. A instituição possui
ainda o FUNDEPI (Fundo para a Defesa da Pessoa Idosa), verba destinada ao
funcionamento e manutenção do Conselho. O problema é que a finalidade deste fundo
nunca esteve bem definida, onde se questiona se deveria ser utilizado na infra-estrutura
do Conselho ou no apoio a projetos e ações sociais voltadas ao idoso, já que iniciativas
deste tipo deveriam ser financiadas com as verbas das respectivas Secretarias de
Governo. E pior ainda, o FUNDEPI não pode ser utilizado pelas entidades
representativas da sociedade civil, somente pelas do Estado.
Esta situação leva à falta de condições objetivas de atuação da entidade, que
além de não possuir cargos remunerados especificamente voltados para a fiscalização de
possíveis denúncias, também não possui poder de punição, se limitando assim ao
encaminhamento das denúncias que ali chegam aos órgãos competentes, como o
Ministério Público, por exemplo.
O Conselho passa, desta forma, a atuar de forma burocrática, e não cumpre
suas funções de fiscalização e avaliação das ações sociais voltadas para o idoso, e
menos ainda participa da formulação destas políticas, como estava previsto em lei.
Exemplo disto é o fato de que todas as iniciativas do Estado voltadas para o segmento
idoso deveriam passar pela supervisão dos Conselhos, mas apesar disso são
desenvolvidas sem qualquer consulta à entidade, que na realidade é apenas comunicada
sobre as atividades do Governo voltadas para este segmento.
Segundo a Professora Sara Nigri, ex-suplente do Conselho Estadual do Rio
de Janeiro através da Associação Nacional de Gerontologia, esta articulação entre
Estado e sociedade civil é prejudicada pelo desinteresse das entidades representativas do

160
Estado, onde muitas vezes seus representantes sequer estavam presentes às reuniões,
enquanto as entidades da sociedade civil se faziam muito mais atuantes e participativas.
Isto não significa necessariamente avanços em termos de resultados, uma
vez que as entidades representativas da sociedade civil poderiam estar ali buscando
benefícios particulares para suas próprias instituições, ao invés de estarem ali a serviço
do segmento idoso em geral, tornando obsoleta a atuação do Conselho:

“Conselhos e Fóruns, quando precariamente constituídos ou inadequadamente


representados, também podem ser meros cenários na teatralização do idoso indefeso, quando não se
revelam em espaços legítimos e de canais de expressão do idoso”.
(Paz, 2001:240)

A Professora alerta ainda para o fato de que o Conselheiro não tem um papel
bem definido em relação à sua atuação, o que pode ser conseqüência da imprecisão das
atribuições do próprio Conselho nesta fase inicial de criação e implementação. Os
Conselheiros teriam uma função de defesa dos direitos dos idosos, sendo geralmente
profissionais ou representantes de instituições que trabalhem com as questões relativas
ao envelhecimento. Esta categoria de profissionais dedicados à proteção dos idosos vem
se aprimorando cada vez mais, formando um corpo técnico que parece substituir o
próprio idoso nas suas reivindicações e causas sociais.
Este panorama nos leva a questionar a composição dos Conselhos no que
diz respeito à participação do próprio idoso nesta entidade, que aparece extremamente
tímida em um cenário dominado por instituições públicas e privadas, fazendo com que a
formulação e avaliação das políticas públicas voltadas para o idoso não contem com a
reflexão e com a mobilização daqueles a quem estas políticas mais interessariam, no
caso o próprio idoso, como questiona mais uma vez o Professor Serafim Paz:

“Quando os Conselhos ou Fóruns não potencializam uma maior organização social do


idoso e sua participação, de modo que cada vez mais o idoso se torne o seu próprio porta-voz, acabarão
se perpetuando apenas como lugares para que outros decidam ou se expressem por ele, roubando-lhes
então seu próprio espaço e sua história”.
(Paz, 2001:240)

A atuação efetiva dos Conselhos pode ficar assim comprometida por este
formato de representação institucional talvez levar em consideração apenas questões
que envolvam determinados idosos de segmentos sociais específicos, não tratando,
desta forma, das problemáticas da velhice em geral, uma vez que, ao mesmo tempo em
que os idosos compartilham algumas características comuns, possuem também

161
diferenças entre si inerentes à composição de uma sociedade altamente estratificada. Os
Conselhos devem, então, ter a preocupação de englobar em suas discussões e na sua
atuação, as variadas condições de vida na velhice, que podem facilmente ser observadas
em um país com extremas desigualdades sociais como o Brasil:

“Fóruns e Conselhos devem atuar com as diferentes velhices e impedir que se difunda
apenas uma única imagem da velhice, geralmente associada a velhos de segmentos de média ou alta
renda, que são estimulados pela maioria dos programas e ações e/ou pela mídia, a ideais de vida ativa e
saudável distanciados da maioria dos idosos, e que tornam visível um padrão de velhice que não
contempla a todas as velhices”.
(Paz, 2001:85)

Seria necessário, então, que se pensasse uma melhor composição técnica e


organizacional dos Conselhos que refletisse efetivamente as características de toda a
população idosa de nosso país, e não somente algumas partes dela. A maior inserção e
conscientização dos idosos nos processos de discussão, a diminuição da burocratização
das atividades do Conselho, e uma maior interação entre esta entidade e as demais
instituições voltadas para a proteção ao idoso, principalmente com os Fóruns e com o
Ministério Público, seriam os indicativos fundamentais para levar os Conselhos do
idoso a efetivamente cumprirem as funções que lhe foram determinadas, e se tornarem
assim uma legítima esfera representativa da população idosa e, principalmente, de todos
os idosos.

162
8. Conclusão

O objetivo deste trabalho foi apresentar e analisar criticamente a proteção


social existente para a população idosa em geral, procurando-se a partir daí estabelecer a
relação entre a teoria e a prática no que diz respeito à efetiva aplicação das leis voltadas
para este segmento.
Observamos aqui que o crescimento da população idosa é um fenômeno
mundial, o que demanda uma reorientação das políticas públicas de modo a absorver
este segmento populacional e inseri-lo nas dinâmicas sociais. Isto se torna ainda mais
importante no caso do Brasil, caracterizado pela forte desigualdade e pela inoperância
de grande parte de suas instituições, o que pode tornar a inserção social do idoso um
processo lento e deficiente.
Vimos aqui que o idoso brasileiro em geral é pobre, dependente e possui um
baixíssimo nível de escolaridade, o que contraria todos os postulados mundialmente
concebidos para estes indivíduos como a autonomia e a participação social. Impossível
consolidar estes ideais na realidade brasileira que nos mostra um idoso abandonado e
excluído, tanto em termos de valorização moral quanto em termos de oportunidades
reais de inserção social.
Encontramos aqui o grande paradoxo da situação do idoso no Brasil, onde
observamos péssimas condições de vida para a grande maioria deste segmento, ao
mesmo tempo em que o país possui uma das legislações mais completas e abrangentes
do mundo, no caso o Estatuto do Idoso.
Assim sendo, ficam aqui algumas observações que podem acrescentar ao
debate visando à real inserção do idoso na sociedade e à concretização dos direitos que
este segmento conquistou, mas que não foram ainda efetivamente consolidados.
Antes de mais nada, é primordial a conscientização da população idosa
sobre os seus direitos, o que levaria a um maior volume de denúncias que chegariam às
entidades competentes, e também desencadearia um processo de aprimoramento das
instituições responsáveis na solução dos problemas deste segmento, na medida em que
163
possivelmente haveria uma maior cobrança da sociedade perante a atuação e a
responsabilidade destas instituições.
Maior exemplo da falta de conscientização deste segmento é o mau
aproveitamento da Delegacia do Idoso, que se encontra habitualmente vazia e
inoperante. Em relação a esta Instituição, poderíamos sugerir uma atividade itinerante,
onde periodicamente poderiam ser montados postos de atendimento à população idosa
em locais públicos, como praças, por exemplo, que tornassem visível o funcionamento
do serviço. Mas isto depende, é claro, da vontade de nossos grupos políticos em fazer da
Delegacia um serviço de proteção ao idoso, e não um instrumento de propaganda
política.
Alertamos, desta forma, que é essencial a participação do próprio idoso na
discussão e na reivindicação acerca de suas questões sociais, de forma a alinharem-se
com os profissionais atuantes na área da Gerontologia em busca de um objetivo comum,
no caso a dignidade e a cidadania da população idosa.
Várias Instituições podem contribuir para a conscientização da população
idosa em relação aos seus direitos, dentre elas as Universidades Abertas da Terceira
Idade e ONG´s em geral, que poderiam incrementar suas atividades direcionadas à
atuação política e à defesa da cidadania, e não se dedicarem unicamente a projetos
voltados para a área do entretenimento e da saúde. É preciso desmistificar a idéia criada
no imaginário social que generaliza uma condição de debilidade física e mental do
idoso, que estaria desta forma, incapacitado para uma participação política ativa na
sociedade, devendo assim se dedicar exclusivamente à ocupação do seu tempo ocioso
com lazer e cuidados com a preservação da saúde.
Em termos de políticas públicas, é necessária uma atuação mais eficiente do
Estado principalmente na área da Saúde, uma vez que é justamente neste setor que o
idoso mais precisa de um atendimento de qualidade, e encontra, inversamente, uma rede
pública completamente deficiente e estagnada. Quando se fala dos problemas do sistema
de saúde pública, muitos se esquecem de que são exatamente os idosos aqueles que
mais sofrem com a precariedade deste serviço, já que precisam muito mais de um
acompanhamento constante de sua condição física do que qualquer outro grupo social.
Sem esquecer, é claro, que são também os idosos que pagam os valores mais altos em
Planos Privados de Saúde, tornando-os grandes reféns do sistema de Saúde. Precisam
muito, o Estado não é competente e os Planos de Saúde se aproveitam disso tudo. Esta é
a lógica perversa do sistema.

164
É necessário um trabalho a longo prazo, onde o desenvolvimento de
programas de saúde preventiva desde a infância, passando pela fase adulta, e finalmente
alcançando a velhice, poderiam modificar completamente o cenário sombrio da saúde
em nosso país. É uma questão muito simples perceber que uma criança saudável
provavelmente se tornará um adulto saudável, e conseqüentemente um idoso saudável, o
que levaria os cofres públicos a economizarem grandes fortunas em investimentos em
hospitais e postos de saúde públicos voltados para atender uma população debilitada
fisicamente.
Além disso, frisamos neste trabalho a importância de uma análise
institucional, já que acreditamos que a principal dificuldade encontrada neste momento
para a consolidação dos direitos dos idosos no Brasil é o despreparo das Instituições
responsáveis pela sua fiscalização e pelo seu cumprimento, já que ainda estamos na fase
de adaptação, e até mesmo na fase de criação de algumas destas Instituições, o que
demanda tempo para a obtenção de resultados concretos em suas atividades.
Acreditamos também que não caberiam, neste momento, críticas em relação
às Instituições que estão iniciando suas atividades, ou que ainda estão em uma fase de
reorientação estrutural que viabilize a proteção aos idosos, fazendo com que a nossa
análise esteja mais voltada para a concepção de encaminhamentos institucionais no
sentido de vislumbrar possíveis estratégias administrativas e também ideológicas que
venham a aprimorar o atendimento ao idoso e consolidar efetivamente os direitos já
conquistados por este segmento.
O Estado está cumprindo seu papel, através da criação de Promotorias do
Idoso e da implementação de serviços como o Disque-Idoso, já existentes em algumas
cidades para a apuração de denúncias. Esperamos que sejam criadas condições objetivas
nestas Instituições que permitam o desenvolvimento de um trabalho sério e competente
voltado para os idosos, e principalmente, que estes conheçam estas entidades, e as
enxerguem como um efetivo canal de defesa de seus direitos.
Esperamos também que os quadros legislativos de nosso país também se
mobilizem em torno do ideal de um envelhecimento com dignidade, e que Comissões
como a da Câmara Municipal do Rio de Janeiro se multipliquem e atuem de forma
vigorosa na coerção contra possíveis agressões e transgressões contra os idosos. Afinal,
os representantes legítimos da sociedade têm a obrigação de zelar pelo segmento idoso,
podendo utilizar seu status e seu poder de coerção para consolidar as garantias sociais
deste grupo.

165
Em relação à sociedade civil, é fundamental o aprimoramento das atividades
dos Conselhos, sendo necessária antes de tudo à criação dos Conselhos Municipais e
Estaduais naquelas localidades aonde não tenham sido ainda implantados. E mesmo
naquelas onde já existe, vimos aqui desenvolvem atividades meramente formais e
burocráticas, e mais do que isso, não absorvem devidamente a participação dos idosos
em sua estrutura, onde estes em sua maioria sequer sabem da existência de tal
Instituição. Os Conselhos deveriam ser o canal de interação entre Estado e Sociedade
Civil, funcionando como o instrumento de participação política do idoso, e ainda está
muito longe de cumprir este papel.
Seria necessário, então, uma maior divulgação das atividades dos Fóruns e
dos Conselhos, de modo a aproximar a população e estas entidades, que poderiam se
tornar assim efetivos canais de expressão popular e porta-voz junto ao Estado. Além
disso, seria também fundamental um aprimoramento no intercâmbio entre as
Instituições de defesa e representação do idoso, onde o Ministério Público, os
Conselhos, as Secretarias de Ações Sociais e até mesmo as Universidades, por que não,
deveriam manter uma relação de permanente troca de informações e atividades
conjuntas.
De nada adianta a existência de varias instituições se estas permanecem
isoladas em seu próprio meio, o que retarda e muitas vezes impede a solução de
determinado problema relacionado à população idosa. Uma maior aproximação entre os
canais de informação, representatividade, denúncias e apuração pode ser o caminho para
a passagem da teoria a pratica, onde a lei estaria assim cada mais vez próxima da sua
efetiva aplicação.
O que percebemos nesta fase de implementação dos direitos dos idosos é um
grande jogo de encaminhamentos entre várias Instituições, onde uma denúncia é
transmitida a um determinado órgão, que por sua vez o transmite a outro, que talvez
exerça algum tipo de intimidação e aguarde o retorno desta atitude. A Instituição retorna
posteriormente para uma averiguação, confirma se houve ou não solução para o
problema, e a partir daí recomeça o vai-e-vem de encaminhamentos. Percebemos que a
instauração de processo judicial só ocorre em ultimo caso, e ainda assim demora muito
para ser desencadeado, podendo prejudicar seriamente o idoso ou os idosos em questão
por se tratar talvez de problemas que não necessitem de uma resolução imediata.
Punição, então, ainda é algo utópico quando se trata de transgressões contra idosos.
Sabemos que a ideologia vigente dificilmente mudará, e o reino do capital
ainda persistirá por muito tempo, excluindo impiedosamente aqueles que não mais

166
possuem vigor físico e capacidade produtiva. Também é igualmente difícil vislumbrar
uma maior valorização moral para os idosos em uma sociedade egocêntrica e
materialista como a de nossos dias, onde valores morais e solidariedade parecem ser
esmagados pela violenta competição que marca as nossas vidas, onde desde a nossa
infância já somos preparados para estudar, se especializar, lutar pelo seu lugar ao sol,
estudar mais ainda, trabalhar mais ainda e tentar estar sempre em um lugar mais alto
daqueles que estamos no momento. E nesta guerra não importa aqueles que ficaram
para trás, faz parte da lógica capitalista que uns aproveitem as oportunidades e outros
fracassem, tornando a pobreza e a desigualdade social extrema elementos inerentes ao
sistema.
Diante disso, só nos resta cobrar permanentemente do Estado que sejam
cumpridas todas as garantias conquistadas pela população idosa, de forma que sua
condição de exclusão e desvalorização seja minimizada por um tratamento de dignidade
que deve ser entendido, pelo menos, como uma recompensa por uma história de vida
que tenham traçado ao longo de sua existência, e que neste momento tenham a
oportunidade de desfrutar de uma velhice saudável.
Devemos vislumbrar o sonho de uma sociedade para todas as idades como
um ideal ainda longe de ser atingido, como uma meta a ser alcançada em um futuro
indeterminado, onde os idosos não seriam incluídos na lógica do sistema, o que seria
uma grande utopia, mas poderiam ter seus direitos respeitados e garantidos como outras
gerações os têm. Acreditamos ser possível uma sociedade para todas as idades no
sentido de que todos tenham uma vida digna e exerçam plenamente os seus direitos de
cidadania.
Imaginamos também que o futuro nos indica grandes possibilidades de
avanço na qualidade de vida da população idosa, uma vez que atualmente percebemos
gradativas melhoras no acesso à educação, no funcionamento de algumas Instituições, e
também em um maior desenvolvimento de políticas públicas voltadas para grupos
sociais mais vulneráveis, o que pode fazer do idoso de amanhã um indivíduo muito
melhor preparado para enfrentar os obstáculos da vida do que os idosos de hoje, que
sofrem com a herança do passado e com o descaso do presente. Por outro lado,
observamos o desmonte da Previdência Pública e a crise do trabalho formal, nos
levando a pensar que o idoso de amanhã talvez se encontre em uma posição ainda mais
desamparada em termos de benefícios e garantias sociais.
A luta pelos idosos é assim uma batalha constante, uma vez que a sua
situação de exclusão provavelmente ainda perdurará por muito tempo, o que coloca

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todos aqueles comprometidos com a defesa dos idosos em uma árdua missão, que
consiste em lutar contra o sistema e contra a lógica vigente. Isto exige de nós uma
perseverança ainda maior, onde cada conquista deve ser vista como apenas um passo em
uma luta que ainda está longe de ser finalizada, que é aquela luta por transformações
que modifiquem a estrutura social e a mentalidade dos indivíduos, onde os idosos
passem a ser vistos com dignidade e respeito. Os idosos não devem lutar sozinhos, e
nem devemos lutar por eles, mas devemos sim, lutar com eles.

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