Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
SOCIOLOGIA E DIREITO
NITERÓI
2005
Niterói, 2005
2
Alonso, Fábio Roberto Bárbolo
3
FÁBIO ROBERTO BÁRBOLO ALONSO
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Daizy Valmorbida Stepansky
________________________________________________________________
________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Sara Nigri Goldman
4
RESUMO
5
* ÍNDICE *
1. Introdução 09
2. Repensando o Direito: em busca da Cidadania 20
3. O Mundo que Envelhece: um Impacto Demográfico,
uma Transformação Social 35
3.1 – A I Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento 40
3.2 – Os Princípios das Nações Unidas para o Idoso 44
3.3 – A II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento 46
a) Pessoas Idosas e Desenvolvimento 49
b) Promoção da Saúde e Bem-estar na Velhice 57
c) Criação de Ambiente Propício e Favorável 62
d) O Outro lado do Plano de Ação Internacional 66
3.4 - A Declaração de Toronto: A Voz da Organização
Mundial de Saúde (OMS) 68
3.5 - A Aplicação dos Documentos Internacionais
de Proteção ao Idoso: Utopia ou Realidade? 70
6
5.1 - A Previdência Social no Brasil 100
5.2 - A Constituição Federal de 1988:
A Cidadania em Movimento 112
5.3 - A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS):
O Verdadeiro Assistencialismo do Estado 115
5.4 - O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH):
O Idoso Como um Grupo Vulnerável 117
5.5 - A Política Nacional do Idoso: A Institucionalização
dos Ideais 120
5.6 - O Estatuto do Idoso: Necessidade, Realidade e
Efetividade dos Direitos dos Idosos 124
a) As Garantias Fundamentais do Idoso:
A Responsabilidade da Família e o Papel do Estado 126
b) Os Serviços de atendimento à Saúde do Idoso:
Uma Difícil Realidade 129
c) Educação e Lazer: Em Busca do Tempo Perdido 135
d) Idoso e Trabalho: A Utopia da Não-exclusão 139
e) Habitação: Direitos dos Idosos e Deveres
das Entidades de Atendimento 142
f) A Gratuidade de Transporte: Entre o Direito
e a Humilhação 145
g) O Envelhecimento na Mídia 147
Bibliografia 169
7
Parte I: O Direito, o Idoso e
o Mundo
“Ninguém pode
envelhecer simplesmente
por viver muitos anos, mas
sim por abandonar seus
ideais”.
Douglas Macarthur
8
1. Introdução
O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial. Devemos
considerar como idoso aqueles indivíduos maiores de sessenta anos, com base no
critério de referência estipulado pela ONU e referendado por grande parte da
comunidade mundial.
Tanto os países considerados desenvolvidos, quanto aqueles considerados
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, apresentam uma mesma tendência
demográfica: o aumento do número de idosos, tanto em termos quantitativos quanto em
termos proporcionais em relação à população total do país.
Este fenômeno resulta, em geral, da queda das taxas de natalidade, em
virtude do aumento do uso de anticoncepcionais e a uma maior conscientização da
população em relação à estrutura familiar, combinada com a queda das taxas de
mortalidade, observadas devido aos avanços da medicina e à melhoria da qualidade de
vida dos indivíduos em geral.
O aumento da expectativa de vida, aliado à diminuição da natalidade,
configura um quadro onde, de um modo geral, nascem menos pessoas, e estas pessoas
tendem a viver mais. Desencadeia-se, assim, um processo de envelhecimento da
sociedade, caracterizado pelo aumento do percentual de indivíduos idosos nas
populações de praticamente todos os países do mundo.
Estima-se, segundo projeções, que em meados de 2030 a população mundial
de idosos ultrapasse a marca de um bilhão de pessoas, sendo que 75% deste contingente
estará localizado em países subdesenvolvidos.
A questão central neste ponto é que os países considerados desenvolvidos
possuem instituições e mecanismos que absorvem eficientemente este contingente
populacional, inserindo-o na rede de proteção e infra-estrutura social de forma a
proporcionar-lhe uma boa qualidade de vida. O aparelho estatal está preparado para este
impacto demográfico, e tem condições de se adequar às demandas sociais provenientes
desta nova estrutura populacional.
Inversamente, os países subdesenvolvidos geralmente possuem instituições
estatais desorganizadas e enfraquecidas, além de graves problemas sociais, como a má
distribuição de renda e a ineficaz rede de infra-estrutura social, o que resulta em grandes
disparidades no nível de vida das diversas classes sociais ali existentes. Desta forma,
estes países não conseguem se adaptar à nova dinâmica demográfica, fazendo com que a
9
emergente população idosa se encontre desamparada e desprotegida em relação aos seus
Direitos.
Um Estado baseado em instituições corrompidas, estagnadas e improdutivas
não possui, muitas vezes, recursos e mecanismos eficientes para consolidar uma
proteção social mínima para sua comunidade, agravando-se a situação em relação ao
segmento idoso, que demanda novas exigências e novos enfoques das políticas sociais
do Estado. Isso exige uma flexibilidade e uma organização ainda maior do poder
público, fazendo com que a população sofra as conseqüências da inexistência de tais
características.
Assim sendo, o impacto causado pelo aumento global da população idosa
levou à necessidade da implementação de políticas públicas específicas para o segmento
idoso. Percebe-se uma maior conscientização em relação às necessidades peculiares
deste grupo, que não poderia mais passar despercebido diante dos olhos dos Estado,
levando à sua inclusão nas políticas sociais de desenvolvimento e qualidade de vida.
O segmento idoso é específico, e suas necessidades igualmente específicas
exigem a adoção de políticas públicas diferenciadas, visando ao pleno atendimento das
demandas características da população idosa.
É importante ressaltar que vivemos em uma sociedade capitalista organizada
em função da produção material e da atividade profissional, onde a idéia de participação
e inserção social está diretamente ligada à força de trabalho. Este tipo de organização
sócio-econômica, estruturada sob a divisão de classes, coloca o idoso à margem da
sociedade, uma vez que ele não mais se constitui como mão-de-obra para impulsionar e
reproduzir o sistema.
O idoso constitui, desta forma, um segmento que se caracteriza
peculiarmente por não mais participar do processo produtivo, e passa a sofrer, com isso,
um forte estigma social. A aposentadoria pode ser apontada como o marco de entrada na
fase do envelhecimento, onde este próprio termo já está carregado de um valor
pejorativo, significando “retirar-se aos aposentos”, o que indicaria um período de vida
inerte e obsoleto para estes indivíduos, o que não condiz, necessariamente, com a
realidade.
O capitalismo exacerba a busca pelo lucro, onde tudo se torna uma
mercadoria, inclusive o trabalhador. E somente a mercadoria tem valor, fazendo com
que a ausência da atividade profissional represente a perda do valor atribuído ao
indivíduo pela sociedade. A população idosa é assim qualificada como improdutiva,
sendo desvinculada da dinâmica social que somente absorve e valoriza aqueles
10
indivíduos que estão inseridos na lógica da produção e do consumo, como destaca o
Professor Serafim Paz:
“A noção que temos de velhice decorre mais da luta de classes que do conflito de gerações.
É preciso mudar a vida, recriar tudo, refazer as relações doentes para que os velhos trabalhadores não
1
Haddad, Eneida (1989).
2
Neto, Antonio (2002).
11
sejam uma espécie estrangeira. Para que nenhuma forma de humanidade seja excluída da humanidade é
que as minorias têm lutado, que os grupos discriminados têm agitado”.
(Bosi, 1995:12)
12
Deveríamos abandonar a sombria relação existente entre envelhecimento e
morte, que enxerga esta etapa de vida simplesmente como o ponto derradeiro da
existência humana, onde nos resta apenas tentar torna-lo o menos doloroso possível.
Esta visão ultrapassada do envelhecimento foi exposta na funesta afirmação de Gabriel
García Marquez no seu livro “O Amor em tempo de Cólera”: “é o período da vida em
que a morte deixa de ser uma possibilidade remota para se transformar em uma
realidade mais imediata”.
Chama a atenção à nomenclatura oficial utilizada pelo IBGE em suas
pesquisas em relação à população idosa, onde define os anos de vida a partir dos 60
anos como “sobrevida”. Esta expressão transmite a idéia de que a vida útil terminaria
aos 60, e o que cada indivíduo conseguisse viver a partir daí poderia ser considerado
como uma espécie de “tempo extra”, e que já estaria vivendo além da normalidade.
É necessário repensar seriamente a utilização de expressões como esta, que
enfraquecem qualquer tipo de conscientização em relação à inclusão do idoso na
sociedade como um elemento ativo, participativo e merecedor de dignidade e respeito.
A velhice deve ser considerada como mais uma etapa de nossas vidas que, como
qualquer outra etapa anterior, combina aspectos positivos e negativos, não podendo
jamais ser considerada apenas como o fim de um processo, processo este que seria a
nossa história de vida.
O idoso de nossas sociedades atuais está longe de ser aquela figura entregue
à inércia, já que percebemos um movimento gradativo de integração deste segmento
com as demais gerações, através do envolvimento em atividades sociais, políticas e
culturais. Observamos um grande incentivo em relação à inserção do idoso nas
dinâmicas sociais, onde muitas vezes até se exagera em tentar formar uma imagem
altamente rejuvenescida destes indivíduos que ultrapassa os limites do bom senso em
relação às características naturais de uma pessoa idosa.
Temos que ter o cuidado de não tentar fazer do idoso aquilo que ele não é,
como ocorre no caso da massificação da propaganda de produtos estéticos e da indústria
da cirurgia plástica através da mídia, que força o idoso a negar suas características
naturais e a mergulhar em uma busca por um rejuvenescimento forçado e imposto pela
sociedade, o que o expõe, muitas vezes, ao ridículo:
13
Percebemos assim um movimento que tenta negar a velhice através de uma
falsa ideologia presente entre os próprios idosos de que se pode, e até mesmo deve-se
conviver com a velhice como se nada de diferente estivesse ocorrendo, o que não condiz
com a realidade particular de um indivíduo idoso. Este tipo de pensamento “entende a
velhice não como uma faixa etária que ganha reconhecimento no contexto de uma
sociedade pós-moderna ou pós-década de 70-80, mas sim que nega o envelhecimento,
que procura formas de adiá-lo”. (Marques, 1999:91)
O idoso tem que modificar esta maneira de enxergar a sua própria condição
social caso queira efetivamente defender os seus direitos e ter conquistas sociais
legitimadas. Não é mascarando a realidade que se irá obter algum avanço neste sentido,
mas sim assumir o envelhecimento naquilo que ele realmente é, e a partir daí lutar pela
construção de uma nova identidade social para o idoso que seja sinônimo de qualidade
de vida, respeito e cidadania, mas que não negue a si mesmo.
Não devemos assim renegar ou rejeitar a velhice, mas tentar enxergá-la e
vive-la sob uma nova ótica. Não podemos transformar um idoso em uma pessoa jovem,
sob pena de criarmos uma situação hipócrita e ilusória para estas pessoas. Mas podemos
transformar o quadro do envelhecimento se conseguirmos modificar a visão que o
restante da sociedade possui deste segmento, e principalmente, se vislumbrarmos o
milagre de transformar a lógica de produção material e organização social de nosso
mundo, que impiedosamente exclui quem não produz ou quem não consome.
A mudança de referencial da espera da morte para uma etapa de vida
produtiva pode ser ilustrada pela crescente substituição do termo “velhice” pela
expressão “terceira idade”, que melhor daria significado a esta fase da vida que teria
características peculiares como qualquer outra etapa da vida, e apresenta, sim,
problemas e dificuldades, mas também pode ser um período em que ainda se tem muito
a produzir para a vida coletiva, e muito também a se aproveitar individualmente.
Com o crescente aumento da expectativa de vida praticamente em todo o
mundo, propaga-se até mesmo o conceito de uma possível “Quarta idade” para
classificar aquela população que aumenta aceleradamente formada por indivíduos acima
dos 80 anos. A “terceira idade” seria ainda uma etapa de vida ativa e produtiva,
enquanto a “Quarta idade” poderia realmente estar ligada ao infeliz comentário de
Gabriel Garcia. Adia-se a morte e prolonga-se a vida útil, e já que não podemos ser
utópicos a ponto de falarmos em uma fantasiosa eterna juventude, que pelo menos esta
juventude seja permitida ao espírito de forma racional e equilibrada.
14
É importante ressaltar que a defesa de um argumento em torno de um
envelhecimento produtivo deve levar em consideração os aspectos particulares de cada
sociedade e também de cada indivíduo em singular. Estamos aqui falando de uma maior
inserção do idoso nas dinâmicas sociais de modo a melhorar sua qualidade de vida e a
torna-lo produtivo, mas não podemos colocar estes enfoques como uma obrigação para
a população idosa.
Embutir o segmento idoso de responsabilidades sociais, como trabalhar para
garantir o seu próprio sustento, por exemplo, pode servir como argumento para eximir o
Estado de suas responsabilidades perante o sistema previdenciário e as ofertas de
serviços essenciais, colocando a culpa no próprio idoso pela má qualidade de sua vida.
O idoso deve participar ativamente da sociedade, assim como o Estado deve cumprir
com as suas obrigações.
Temos que reconhecer a evolução do Estado nas últimas décadas no sentido
de uma maior conscientização em relação ao idoso, apesar de ainda estarmos muito
longe da qualidade de vida e do amparo social almejado para este grupo. Percebe-se a
partir de 1970 o início de uma movimentação mundial em prol das garantias sociais e de
uma tutela estatal mais eficiente para a população idosa.
Ocorreu assim no ano de 1982, em Viena, a Primeira Assembléia Mundial
da ONU sobre o envelhecimento, com o objetivo de traçar diretrizes básicas a serem
adotadas pelos países em relação à população idosa. É importante ressaltar que tal
Assembléia foi o primeiro encontro mundial de representantes governamentais a tratar
especificamente da questão do idoso, tendo como grande marco a elaboração do Plano
de Ação Internacional sobre o envelhecimento, um documento em que constam 62
recomendações voltadas para as políticas públicas de tratamento à população idosa.
A partir daí, emergem em todo o mundo programas sociais, instituições e
legislações voltadas para a proteção do idoso e para sua inserção na sociedade, onde o
Brasil também se insere neste contexto e acompanha a conscientização para este
problema global: a realidade da explosão demográfica da população idosa e a
necessidade urgente de se preparar um suporte estatal que esteja adequado às demandas
desta população.
E o Direito não poderia ficar de fora deste processo. O segmento idoso é
mais um grupo social que se organiza e luta pelas suas reivindicações, exigindo
reconhecimento, participação e dignidade. Surge assim, como parte da estrutura estatal
de amparo ao idoso, um conjunto de legislações especificamente direcionadas a este
15
grupo, ratificando um processo de especialização do Direito que segue rumo à garantia e
à defesa da afirmação das múltiplas identidades existentes na sociedade.
O Direito passa a atuar, então, não somente como um arranjo voltado para a
organização e a normatização da vida social, mas também como um instrumento que
tenha um compromisso junto à minimização das desigualdades sociais, ou que viabilize,
pelo menos, uma condição de vida digna e oportunidades igualitárias de
desenvolvimento para todos os indivíduos, funcionando assim como um canal para a
efetivação da cidadania e como um elemento atenuador das diferenças sociais
existentes.
Dentre os vários segmentos sociais especificamente tutelados pelo Direito, a
população idosa se mostra em uma realidade que exige medidas imediatas de atuação do
Estado visando ao aprimoramento e à criação de canais específicos para o atendimento
de suas necessidades, fazendo surgir assim o Direito dos Idosos no Brasil.
Não se trata propriamente de uma categoria nova de Direitos, já que sempre
existiram idosos, e conseqüentemente, sempre houve uma relativa proteção social a tal
parcela da sociedade, mas o diferencial atual é uma reivindicação crescente e mais
organizada em favor desta causa, mobilizando vários setores da sociedade em
proporções não observadas anteriormente, o que leva à formulação e à criação de
instrumentos voltados para a proteção do idoso.
Esta crescente demanda por um maior amparo social ao idoso decorre do
caráter extremamente peculiar da condição de ser idoso, condição esta que possui
características não existentes em outras categorias ou grupos sociais. Poderíamos
vislumbrar que tal preocupação decorre do fato de que a condição de ser idoso atinge
momentaneamente apenas uma parcela da população, mas invariavelmente atingirá a
toda a sociedade, uma vez que todos nós estamos fadados a esta mesma condição em
uma etapa futura de nossa vida.
Este é um debate novo, pois a população idosa é um problema social novo,
se caracterizando como um novo segmento a ser inserido nas políticas públicas e nos
planejamentos governamentais. E todo novo problema que se coloca presente suscita
investigações, debates e sugestões, principalmente quando tal problema está relacionado
à vida de 16 milhões de brasileiros. Estamos falando assim de um movimento social,
uma luta pela consolidação de direitos e garantias que devem ser legitimados à
população idosa e efetivamente cumpridos.
A situação específica da sociedade brasileira em relação ao idoso é
alarmante, já que o país pode ser enquadrado dentre aqueles que não se prepararam para
16
absorver o crescimento da população idosa, e com suas instituições funcionando em
condições precárias e em alguns casos até mesmo falidas, não consegue proporcionar
uma boa qualidade de vida para a grande maioria destes indivíduos.
O país parece estar em ebulição, pois ao ritmo acelerado de crescimento da
população idosa ocorrem paralelamente a crise da Previdência pública e a sua polêmica
proposta de reforma, orçamentos comprometidos que inviabilizam investimentos na
área social e uma absurda desigualdade social, onde o Brasil possui a 3a maior
concentração de renda do mundo. E logicamente a população idosa está inserida neste
contexto, sofrendo diretamente as suas conseqüências, se caracterizando como um
segmento extremamente vulnerável diante de uma sociedade injusta e desigual, como
chama a tenção Neri e Silva:
“A questão do Idoso no país deve merecer cada vez mais o interesse dos órgãos públicos,
dos formuladores de políticas sociais e da sociedade em geral, dado o volume crescente deste segmento
populacional, seu ritmo de crescimento e suas características demográficas, econômicas e sociais”.
(Berquó, 1996:32)
17
relação ao grupo, como a gratuidade nos transportes coletivos urbanos e a
regulamentação da aposentadoria por idade, por exemplo.
Finalmente é elaborada em 1994 a Política Nacional do Idoso, que se
caracteriza como um conjunto de diretrizes e orientações básicas para as políticas
sociais de proteção ao idoso, estipulando atribuições a cada órgão governamental e
determinando as funções dos conselhos dos idosos, em nível Federal, Estadual e
Municipal.
Chega-se ao ápice da proteção social ao idoso no Brasil com a
regulamentação do Estatuto do Idoso, em Outubro de 2003, estabelecendo-se toda uma
legislação especificamente voltada para este segmento, onde se atribui, inclusive,
competências e responsabilidades de instituições governamentais, como o Ministério
Público, por exemplo, para zelar pela efetividade de tal Estatuto.
O grande problema investigado neste trabalho surge, então, neste ponto.
Articulando-se toda o sistema de amparo e proteção ao idoso no país, o Brasil possui
atualmente umas das mais completas legislações do mundo, o que é praticamente
unanimidade entre analistas e pesquisadores. Porém, não observamos uma boa
qualidade de vida para a grande maioria da população idosa do país. Uma boa parcela
deste segmento, inclusive, vive sob precárias condições de subsistência. A indagação
central que se coloca, assim, é se realmente a legislação direcionada ao idoso e a rede de
proteção para ele criada funciona, e se obtém os resultados esperados em relação à
qualidade de vida desta população.
A investigação realizada neste trabalho foi orientada no sentido de
identificar as possíveis deficiências institucionais e a ausência de mecanismos que
inviabilizam a consolidação de toda uma construção jurídica, que se torna assim
ineficaz e obsoleta.
A hipótese tomada como reflexão inicial é de que a realidade de vida do
idoso não condiz com a proteção social que lhe é garantida, sendo este fato
desencadeado, principalmente, pela ineficácia das instituições públicas que deveriam
cumprir o papel que lhes é atribuído. De que adianta uma lei se as instituições
responsáveis pelo seu cumprimento não funcionam devidamente?
A partir daí, vislumbramos algumas soluções para os problemas
identificados, com o objetivo de viabilizar uma plena efetividade para as garantias
jurídicas e sociais concedidas ao segmento idoso. É importante ressaltar que estamos
aqui tratando de uma legislação recém-promulgada ainda em fase de implementação,
18
sendo assim perfeitamente compreensível que existam entraves e deficiências tanto nos
seus fundamentos quanto na sua concretização.
Este trabalho espera contribuir para o aperfeiçoamento da legislação e da
rede de proteção social ao idoso no Brasil, tornando assim possível uma sociedade em
que a lei esteja em consonância com a realidade, e a população idosa realmente tenha a
qualidade de vida e o respeito de que é digna.
19
2. Repensando o Direito: em busca da Cidadania
Para se entender o significado e a origem de uma proteção jurídica
especificamente destinada aos idosos, é necessário remontarmos à função social do
Direito, de maneira a avaliar a evolução e as transformações ocorridas nos
ordenamentos jurídicos ao longo do tempo.
Esta análise envolve a reflexão sobre o que é o Direito, que valores devem
estar nele inseridos e também o contexto social a que ele se aplica. Somente a partir daí
é que poderemos ter uma visão clara da necessidade de se legitimar um Direito dos
Idosos, analisando a dinâmica dos sistemas jurídicos segundo as novas demandas das
sociedades atuais.
Identidade, Direito e Cidadania. Estes três elementos se misturam nos novos
movimentos sociais que emergem nas sociedades modernas, configurando-se um
cenário onde se torna difícil delimitar as fronteiras entre os interesses em jogo e os
sujeitos em ação.
O resultado deste processo é a multiplicação das identidades sociais, a
emergência de novos conflitos e, principalmente, a proliferação de direitos, onde cada
vez mais se exige a proteção do Estado segundo as necessidades mais diversas de
grupos sociais cada vez mais heterogêneos.
O próprio indivíduo está inserido em uma multiplicidade de valores, onde
por um momento pode estar participando de um movimento de sua categoria
profissional, ou estar atuando a favor dos interesses de seu bairro, ou quem sabe estar
militando em prol da defesa do meio ambiente.
As instituições sociais sofrem uma grande mudança funcional a partir da
reorientação das referências dos indivíduos, fazendo com que seja necessário
estabelecer a relação entre as transformações sociais e a consolidação da cidadania.
Defendemos a idéia de que as sociedades modernas inovaram seu comportamento no
sentido de tolerarem cada vez mais as inevitáveis diferenças sociais existentes em uma
organização capitalista que produz desigualdades não só inerentes, como necessárias ao
sistema. Desta forma, os inúmeros e heterogêneos grupos sociais existentes passam a
ser dignos de reconhecimento e lutam pela afirmação de seus direitos, obrigando a
esfera jurídica a responder a esta demanda.
O Direito se torna, então, o mecanismo social mais indicado para inserir
efetivamente todos os indivíduos em uma lógica de proteção do Estado, na medida em
20
que procura garantir a dignidade e consolidar a cidadania para todos os segmentos
sociais, reconhecendo em cada um deles sua diversidade e peculiaridade.
Este artigo pretende analisar as mudanças institucionais provocadas na esfera
do Direito, provocadas principalmente pela crescente afirmação das múltiplas
identidades sociais, e que consolidaram, por sua vez, um conjunto de garantias sociais
mais especificamente voltadas para as reais necessidades de cada grupo social,
estendendo assim os direitos de cidadania.
Aqui nos interessa mostrar como se deu à passagem de uma concepção
universal e abstrata do Direito em relação ao indivíduo para uma concepção política e
socialmente contextualizada em relação às necessidades de cada sujeito ou grupo social,
levando ao surgimento de legislações e uma rede de proteção social especificamente
voltadas para as necessidades de cada grupo social em questão.
Podemos conceituar inicialmente o Direito pela definição clássica de Kant,
onde aparece como um sistema de normas e regras que visam essencialmente conjugar
os interesses individuais e os interesses coletivos de modo a coexistirem de forma
harmônica e pacífica, definindo-se assim a esfera do Direito como um “o conjunto das
condições por meio das quais o arbítrio de um pode entrar em acordo com o arbítrio de
outro, segundo uma lei universal de liberdade”. (Kant, 1993:46)
Observa-se na definição de Kant o caráter geral do Direito, enquanto um
conjunto de normas com o objetivo essencial de regular as ações e os interesses de um
indivíduo em consonância com as ações e interesses dos demais, de modo a garantir a
coexistência das liberdades individuais e consolidar o ordenamento social como o
principal fundamento de uma comunidade.
O Positivismo jurídico foi a primeira escola de pensamento filosófico a
fundamentar todo um arcabouço teórico para o Direito, tendo Kelsen como maior ícone.
A doutrina positivista definia a esfera jurídica como amoral e não-valorativa,
funcionando como uma técnica social de ordenamento. Segundo esta escola, o Direito
deve ser considerado como um fato e não como um valor, no sentido de ordenar as
relações sociais com base nas circunstâncias concretas de existência de determinada
sociedade, e não fundamentado em modelos ideais e abstratos de desenvolvimento
humano.
O Direito não teria, assim, qualquer responsabilidade sobre a conduta moral
dos indivíduos, e nem sobre os problemas decorrentes da estratificação social,
limitando-se a legitimar um conjunto de normas através do poder de coerção. O
ordenamento jurídico tem simplesmente a função de garantir a coesão social, havendo
21
assim direitos, na concepção positivista, mesmo em Estados autoritários, hierarquizados
ou repressivos.
Também não haveria, desta forma, ligação entre Direito e justiça, uma vez
que o conceito de justiça necessariamente englobaria as noções de bem e mal, enquanto
o Direito deve procurar adquirir um caráter científico e abster-se de empregar juízos de
valor. O Direito teria uma posição neutra em relação a juízos e valores, preocupando-se
estritamente com a realidade social concreta a sua volta, e não com uma realidade
abstratamente idealizada:
“O Positivismo jurídico representa, portanto, o estudo do Direito como fato, não como
valor: na definição do Direito deve ser excluída toda qualificação que seja fundada num juízo de valor e
que comporte a distinção do próprio direito em bom e mau, justo e injusto. O direito é aquele que
efetivamente se manifesta na realidade histórico-social: o juspositivista estuda tal direito real sem se
perguntar se além deste existe também um direito ideal”.
(Bobbio, 1995:136)
“A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da única prova através da
qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado, e portanto, reconhecido: e essa
prova é consenso geral de sua validade”
(Bobbio, 1992:26)
22
Deste modo, a sociedade global passa a ter uma base comum de valores e
princípios morais, na medida em que a Declaração Universal é aceita por praticamente
todas as sociedades. A Declaração de 1948 se tornou um ícone mundial, na medida em
que postula todo um universo de valores a serem consolidados no convívio social,
buscando inspirar as sociedades no sentido de um desenvolvimento mais humanitário e
solidário.
Volta-se a atenção para a importância de se tratar o indivíduo com respeito e
dignidade, qualquer que seja sua condição social, inaugurando assim uma nova maneira
de se pensar o Direito, na medida em que este passa a buscar, a partir de então, a
proteção dos valores básicos e essenciais de cada sujeito.
O Direito natural se fundamenta no pressuposto de que os homens são iguais
por natureza, baseando-se principalmente no direito à vida e no direito à liberdade, que
jamais poderiam ser cerceados ao homem em hipótese alguma. A condição de igualdade
humana é postulada logo no artigo I da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
onde se afirma que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
O artigo II da Declaração alerta ainda para o fato de que os direitos inerentes
ao homem são independentes da organização específica de cada Estado e também das
diferentes condições sociais de cada indivíduo, já que “não será também feita nenhuma
distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território
a que pertença uma pessoa”.
É igualmente importante destacar a ênfase dada pela Declaração à proteção
da liberdade privada, liberdade esta que engloba também a participação política, onde o
documento defende os sistemas participativos ou representativos de governo como os
ideais para o desenvolvimento humano, ao postular no artigo XXI, inciso 1 o, que “Todo
homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por
intermédio de representantes livremente escolhidos”.
O texto condena também práticas cruéis de punição e persuasão, como a
tortura, por exemplo, estendendo a todos os indivíduos a proteção da lei, o direito de
defesa e o acesso à justiça de forma igualitária e sem qualquer tipo de distinção.
Percebe-se, além disso, no artigo XXV, prenúncios de garantias que
futuramente viriam a formar os Direitos Sociais, como o direito ao trabalho, ao emprego
e à educação, além de garantias “a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua
família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em casos de
23
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência e circunstâncias fora de seu controle”.
Igualmente interessante é observar a menção à proteção da criança no
mesmo artigo, indicando a orientação do Direito no sentido de uma especialização da
tutela em relação a grupos específicos da sociedade, processo este que seria consolidado
mais tarde nas mudanças relativas aos direcionamentos dos conteúdos do Direito.
E, finalmente, discute-se muito o polêmico artigo XVII, que institui a
propriedade privada como um direito natural:
24
com que as noções de “direito natural” ou “direito essencial” também estejam sujeitas
às especificidades sociais de determinada realidade.
Assim sendo, a idealização do homem abstrato passa pela análise da
realidade concreta deste homem, onde se observam suas condições de vida, suas
necessidades e suas dificuldades, elaborando-se um “direito natural” que passa a atuar
empiricamente como um conjunto de valores e ideais a serem consolidados no contexto
social da vida humana através de sua legitimação pelo poder dos aparelhos estatais:
“Uma coisa é um Direito; outra, a promessa de um Direito futuro. Uma coisa é um Direito atua; outra,
um Direito potencial. Uma coisa é ter um Direito que é, enquanto reconhecido e protegido, outra é ter
um Direito que deve, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, precisa transformar-se,
de objeto de discussão de uma assembléia de especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo
dotado de poder de coerção”.
(Bobbio, 1992:83)
25
O autor propõe que as instituições sociais devem corrigir possíveis
diferenças sociais, de modo a garantir a própria segurança da comunidade.
Reconhecendo que inevitavelmente as sociedades apresentarão graus de estratificação,
cabe às instituições formais concederem benefícios sociais de maneira que atenuem,
pelo menos, os níveis desta desigualdade.
Rawls defende, inclusive, que se deve até mesmo priorizar as classes mais
carentes em caso de desigualdades sociais extremas, afirmando que “para tratar
igualmente todas as pessoas, para permitir uma genuína igualdade de oportunidades, a
sociedade deve dar melhor atenção aos que nasceram em posições sociais menos
favorecidas”. (Rawls, 2002:95)
A justiça seria efetivamente alcançada através da correção das desigualdades
naturais e sociais, tornando assim possível o pleno exercício da cidadania e do usufruto
dos direitos sociais por todos os indivíduos. O autor não questiona uma possível justiça
ou injustiça no caso das desigualdades naturais e sociais existentes entre os homens,
mas julga como justa ou injusta a atuação das instituições sociais no processo de
reparação e minimização destas desigualdades.
Seria legítimo, desta forma, ocorrer um desequilíbrio na orientação das
garantias e dos benefícios sociais segundo a concepção de Rawls, desde que em favor
dos menos favorecidos. Podemos citar o caso de vagas especiais destinadas a portadores
de deficiências físicas em concursos públicos e o programa de destinação de cotas
universitárias para grupos sociais considerados excluídos e desprivilegiados como
exemplos da aplicação efetiva deste princípio.
O Direito estaria, então, inserido em um processo de responsabilidade
perante as diferenças sociais, cabendo também ao ordenamento jurídico viabilizar meios
que propiciem o equilíbrio social através da implementação de políticas sociais
especificamente direcionadas para grupos marginalizados.
O processo de especialização do Direito marca definitivamente a inserção da
esfera jurídica no reconhecimento e na valorização das múltiplas identidades sociais,
fortalecendo-as através da defesa de suas demandas específicas. A diferença passa a ser
defendida como um valor pessoal de cada indivíduo e de cada grupo social que deve ser
respeitado, fazendo com que o Direito evolua no sentido de legitimar uma sociedade
plural, heterogênea e minimamente igualitária.
A especialização do Direito marca definitivamente o processo de passagem
da tutela dos direitos do homem para os direitos do cidadão. Isto significa a reorientação
do olhar sobre o homem e sobre a própria noção de indivíduo, onde a partir de agora se
26
contextualiza o ser humano enquanto um sujeito historicamente, socialmente e
temporalmente determinado, e não mais como um sujeito abstrato e universal dotado de
uma mesma essência e das mesmas necessidades.
Desta forma, o Direito não pode mais conceber o homem de maneira
universal e abstrata como propunha a teoria jusnaturalista, e muito menos se manter
neutro e amoral diante dos problemas sociais como defendia o positivismo jurídico,
adquirindo assim uma importante função de garantir e efetivar a cidadania através da
tutela das múltiplas identidades e grupos sociais existentes. Esta é nova face do Direito,
marcada pela especificação e pela ampliação dos grupos e sujeitos merecedores de
amparo jurídico.
Vivemos num momento histórico marcado pelo que Bauman chama de
“guerra de reconhecimento”, caracterizado pela constante e crescente emergência de
reivindicações de grupos sociais que lutam pela afirmação de seus direitos, abrindo-se
assim um variado leque de novas identidades que mostram a sua cara e exigem que
sejam ouvidos, realçando o caráter multifacetado existente em nossas sociedades atuais.
Isto significa que:
27
Diante deste quadro, o Direito também passa a ser cobrado enquanto um
instrumento voltado para a consolidação da cidadania, tendo que dar sua contribuição à
solução de tais questões, fazendo com que os processos legislativos e a aplicação das
normas se voltem obrigatoriamente para um contexto de justiça social, passando a ter
responsabilidades diretas na mediação dos conflitos de classe e na diminuição das
desigualdades sociais.
O Direito evolui, então, no sentido de uma reconceituação funcional,
caminhando no sentido de passar de um instrumento meramente regulador e ordenador
da vida social para atuar como um elemento transformador, ligando-se diretamente à
busca pela qualidade de vida e pelas condições mínimas de bem-estar e sobrevivência.
Com a complexidade da estrutura social das sociedades modernas e com a
crescente estratificação existente dentro de um sistema de classes típico das sociedades
capitalistas, o Direito passa, então, a ser utilizado como um instrumento de luta pela
igualdade social e pela efetividade das garantias sociais.
Surgem assim os chamados Direitos Sociais, cada vez mais reivindicados
por todas as camadas da sociedade em nome de valores e condições de sobrevivência
que, em tese, deveriam ser comuns a todos os seres humanos, já que dignidade e
qualidade de vida seriam aspectos indispensáveis para o pleno desenvolvimento dos
potenciais humanos, desenvolvimento este que seria um direito inerente à própria
condição humana enquanto tal.
Os direitos sociais são definidos no conceito clássico de cidadania elaborado
por Marshall, que apresenta nesta definição três categorias principais de Direitos: os
direitos civis, que consistem basicamente na proteção do indivíduo contra possíveis
arbitrariedades do Estado; os direitos políticos, que se caracterizam pela liberdade de
participação dos indivíduos nos processos de discussão e decisão dos assuntos públicos;
e, finalmente, os direitos sociais, que consistem em garantias sociais que consolidem “o
direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por
completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os
padrões que prevalecem na sociedade”. (Marshall, 1967:63-64)
Observa-se claramente na definição de Marshall a preocupação com a
diminuição das desigualdades sociais, uma vez sua formulação ressalta o direito a todos
os indivíduos de terem condições de vida compatíveis com o padrão geral existente na
sociedade, ou pelo menos, de terem condições de vida próximas a este padrão,
excluindo-se assim diferenças extremas entre indivíduos de classes sociais diferentes.
28
Os Direitos sociais tendem, então, a se especializarem cada vez mais,
seguindo na “direção de uma maior especificação em termos seja de gênero, seja de
idade ou fases da vida, ou seja ainda em Estados particulares ou excepcionais da
espécie humana”. (Domingues, 2001:217)
Legislações específicas têm a importância de observar as diferenças
humanas em todos os seus aspectos, abrindo indicativos de soluções para problemas
sociais que têm causas múltiplas e diferenciadas. Os problemas de uma criança não são
os mesmos de um idoso, assim como as dificuldades de um indivíduo pertencente a uma
classe abastada não são as mesmas de um sujeito pertencente a uma classe empobrecida,
caracterizando assim situações completamente diversas dentro de uma mesma
sociedade.
Daí a necessidade de estatutos e leis específicas voltadas para grupos
particulares, onde a partir de demandas ímpares de cada grupo estipulam-se garantias
igualmente diferenciadas para cada um deles.
Exige-se assim que o Direito tenha que se multiplicar de acordo com cada
uma das necessidades que se mostram presentes. Demandas múltiplas pedem soluções
igualmente múltiplas, que não terão necessariamente correlação entre si, por estarem
tratando de questões relacionadas a um grupo peculiar, estando aí o espírito das
legislações específicas.
Bobbio apresenta três caminhos fundamentais pelos quais o Direito foi
conduzido à necessidade da especificação. Em primeiro lugar, “aumentou a quantidade
de bens considerados merecedores de tutela”, criando-se assim novos objetos passíveis
de proteção e análise jurídica. Em segundo lugar, “foi estendida a titularidade de
alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem”, e finalmente, “o próprio homem
não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na
especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade...”.
(Bobbio,1992:68)
O aumento dos bens merecedores de tutela significa a extensão e a
ampliação dos direitos individuais, como o incremento dos direitos sociais e o direito à
participação política. Passa-se da chamada liberdade negativa, onde o indivíduo tinha
apenas um conjunto elementar de direitos voltados para a sua proteção contra possíveis
ameaças do Estado e de outros sujeitos contra a sua vida, para a liberdade positiva, onde
cada indivíduo passa a ser dotado de um poder reivindicatório e de liberdade de atuação
dentro da dinâmica social. Reconhece-se e legitima-se uma série de garantias,
29
aumentando o status de cada cidadão através da ampliação de seus direitos de
participação.
Bobbio observa também a extensão de direitos ao que chama de “sujeitos
diversos do homem”, o que significa o reconhecimento e a proteção jurídica a grupos
sociais vistos como um todo, segundo as suas necessidades e aspirações, onde o Direito
passa a tutelar não somente direitos individuais a sujeitos isoladamente concebidos, mas
também a grupos que possuam identidade e necessidades comuns, demandando uma
proteção social que pode ser tutelada coletivamente. As garantias concedidas às
minorias étnicas podem ser um exemplo desta nova expressão do Direito.
A especificação inaugura um novo momento do Direito, onde o homem-
cidadão passa a ser observado agora segundo as suas condições particulares de vida,
seja em termos de gênero, idade ou deficiências, fazendo com que a própria luta pela
cidadania adquira contornos igualmente específicos, variando de sujeito para sujeito ou
de sociedade para sociedade. Os direitos fundamentais à vida e à liberdade não são mais
suficientes numa sociedade que se torna cada vez mais complexa, diversificada e
exigente de um modo geral.
Deste modo, quando se pretende garantir aos indivíduos proteção e
benefícios sociais através do Direito, deve-se pensar nas necessidades específicas e
contingentes que cada sujeito possui de modo a suprimir possíveis entraves e obstáculos
à sua plena cidadania e ao desenvolvimento, consolidando assim o equilíbrio social.
Desta forma, a igualdade será alcançada a partir da diferença. É preciso
minimizar as diferenças entre os indivíduos de modo que cada um possa, de alguma
forma, dar sua contribuição à sociedade e dela receber os benefícios a que tem direito,
cabendo à esfera jurídica consolidar garantias que visem a harmonia no exercício da
cidadania.
Surge, então, o Direito dos deficientes físicos e o Direito dos Idosos, por
exemplo, como expressões de garantir aos sujeitos pertencentes a cada um destes grupos
a possível redução de suas dificuldades, que os impedem de participar ativamente da
dinâmica social.
Utilizamos aqui o Direito dos Idosos como símbolo do processo de
especificação e adequação do Direito às novas demandas sociais, mostrando assim que a
elaboração jurídica deve estar em constante reflexão sobre as dinâmicas sociais a que
serve.
Longe de ser um sistema fechado e imutável, o Direito deve estar sempre
pronto a inserir, modificar ou reformular fundamentos que se mostrem
30
descontextualizados em relação à realidade social concreta. Assim, “todo Direito é
temporário: apenas transitoriamente constitui a expressão legítima das condições
adequadas de desenvolvimento”. (Wolkmer, 2001:68)
As necessidades do idoso no Brasil não são as mesmas necessidades do
idoso em outros países, assim como as demandas de hoje podem não ser as mesmas
demandas de amanhã, já que nossas sociedades se transformam de maneira profunda,
imprevisível e, muitas vezes, irreversível.
Isto obriga o Direito a uma constante reflexão sobre si próprio caso pretenda
atuar de forma determinante na sociedade de modo a não perder o contato com a
realidade, o que tiraria o seu significado e a sua importância, pois neste caso passaria a
representar simplesmente um ordenamento social minimamente necessário para a
coexistência pacifica, e não mais funcionar enquanto um instrumento de transformação
social, que deve ser sempre o seu referencial.
Transformação social e Direito devem estar obrigatoriamente relacionados, o
que deve resultar numa relação de interpendência entre ambos, onde o Direito deve
assimilar as demandas sociais provenientes de uma nova realidade que se faz presente,
assim como esta nova realidade deve igualmente se adaptar às novas exigências
impostas pelo Direito, de modo a orientar as relações sociais e dinamizar o
desenvolvimento coletivo.
A elaboração jurídica exige neste momento um olhar atento sobre a
sociedade, já que “o nascimento, e agora o crescimento dos direitos do homem são
estreitamente ligados à transformação na sociedade, como a relação entre a
proliferação dos direitos do homem e o desenvolvimento social o mostra claramente”.
(Bobbio,1992:73)
Quanto mais complexa a sociedade, maior a demanda por direitos, e quanto
mais diversificada economicamente e culturalmente, maior ainda as exigências e
também as dificuldades a serem enfrentadas pelo Direito.
O Direito do Idoso é um reflexo imediato da relação entre mudança social e
Direito, sendo resultado da observação de que os indivíduos situados nesta fase da vida,
no caso a idade avançada, necessitam de cuidados específicos, exigindo-se assim uma
legislação igualmente específica que remova quaisquer empecilhos que eventualmente
levem à exclusão destes indivíduos da sociedade.
Os idosos se tornam um objeto peculiar do Direito por possuírem
características físicas, naturais e sociais próprias da sua condição, e que
conseqüentemente demandam problemas e soluções igualmente singulares, não
31
podendo assim, serem incluídos em outra modalidade a não ser em um específico e
exclusivo Direito do Idoso.
A função do Direito dos Idosos seria, então, a de minimizar as diferenças
pertinentes a uma pessoa idosa de modo a permitir que esta condição não seja um
obstáculo para o exercício da cidadania, e mais do que isso, possibilite aos idosos uma
relativa igualdade de acesso às oportunidades e aos benefícios sociais em relação aos
demais indivíduos, tirando-os de uma situação de exclusão social e inserindo-o como
um elemento produtivo e funcional dentro da sociedade.
A dificuldade que se observa, porém, é que a relativa melhoria da qualidade
de vida em geral nas sociedades e o aumento da expectativa de vida, devido ao
incremento da tecnologia e do acesso a bens e serviços, não é acompanhada de um
equivalente planejamento social em relação à população idosa, fazendo com que a rede
de proteção social ainda se mostre extremamente deficiente em relação a esta parcela da
sociedade.
A busca pela efetividade dos Direitos dos Idosos se caracteriza, assim, como
um processo que adquire o caráter de um movimento social de luta pela afirmação
destes direitos, realçando novas maneiras de se pensar o idoso a partir de sua inserção
nas transformações ocorridas em uma sociedade marcada por novas dinâmicas, novas
problemáticas e por novos grupos de conflito.
A luta pela consolidação dos direitos dos idosos serve para ilustrar as
características marcantes dos movimentos sociais de nossos dias, que apresentam
sentidos diferenciados em relação aos movimentos sociais de épocas anteriores. Neste
ponto chama a atenção que “há uma tendência para a base social dos novos
movimentos sociais transcender a estrutura de classes”, já que emergem conflitos com
base em ideais que perpassam a questão econômica e o sistema de divisão de classes.
(Gohn, 1997:127)
Percebemos que a problemática dos idosos não é uma questão que possa ser
reduzida à esfera econômica e ao sistema sócio-econômico de divisão de classes, uma
vez que ser uma pessoa idosa é uma fase natural da vida que suscita dificuldades
inerentes a esta condição, independentemente da posição social de um indivíduo idoso.
Em geral, idosos pertencentes a classes consideradas ricas assim como
idosos pertencentes a classes consideradas pobres, passam por dificuldades semelhantes,
que demandam, desta forma, as mesmas soluções, como por exemplo, as dificuldades
de locomoção, que exigem adaptações em meios de transporte, habitações e espaços
públicos.
32
É claro que algumas dificuldades podem ser atenuadas pelo acesso a bens de
consumo e serviços de qualidade viabilizados por uma condição econômica favorável.
Porém, muitas vezes o aspecto financeiro não pode minimizar alguns problemas em
relação ao idoso, fazendo da sua luta um movimento que envolve questões econômicas,
culturais, políticas e naturais.
O aspecto cultural presente na demanda pelo Direito dos idosos explicita
mais uma vez o caráter peculiar da condição desta parcela da população, “envolvendo a
emergência de novas dimensões de identidade” e “aspectos íntimos da vida humana”.
(Gohn, 1997:127)
Podemos caracterizar a crescente mobilização pela causa dos idosos como
resultado do fortalecimento da identidade coletiva deste grupo, identidade esta reforçada
pelas suas características em comum que os tornam diferenciados do restante da
população. Ser idoso passa, então, a se configurar como uma nova identidade social que
supre todas as identidades anteriores da experiência de vida da pessoa, como as
identidades relacionadas à classe social ou ao trabalho, por exemplo.
Na identidade coletiva dos idosos não importa se nos referimos a médicos ou
operários, sujeitos ricos ou pobres ou a indivíduos brancos ou negros, ali todos são
idosos, e mais do que isso, todos são igualmente idosos que têm os mesmos problemas e
reivindicam os mesmos direitos, e esta é a identidade que prevalece neste momento,
criando assim uma nova identidade coletiva e um novo fenômeno social.
Infelizmente, nossas sociedades têm memória curta, e todo a história devida
de um indivíduo pode ficar deslocada para segundo plano e até mesmo completamente
esquecida em função de seu envelhecimento, onde tais sujeitos passam a ser vistos
simplesmente como “velhos”, marcados pela debilidade mental, pela invalidez física e
pela improdutividade, sendo assim completamente desintegrado da dinâmica social.
Olhamos para o mundo a nossa volta e enxergamos apenas aspirações
materiais, não existindo mais lugar para um indivíduo idoso em nossa organização
social. Nos esquecemos, porém, que inevitavelmente todos temos este destino comum: a
condição de idoso. Hoje são eles, amanhã somos nós.
O idoso se apresenta, então, como mais um grupo social que se mostra
excluído de oportunidades e benefícios em nossas sociedades atuais. O Direito dos
Idosos surge como uma alternativa para compensar ou, pelo menos, minimizar os danos
causados por uma organização sócio-econômica que não valoriza o que nós somos, mas
aquilo que nós produzimos. E se não produzimos não somos nada, praticamente não
participamos da vida social.
33
O Direito passa a ter a difícil missão de colocar-se contra a tendência à
degradação da espécie humana desencadeada pelo capitalismo, tendo que conceder
garantia e proteção contra as mazelas humanas que o sistema capitalista insiste em
caracterizar como inevitáveis ao processo de evolução das sociedades.
Pronto a se questionar no momento em que a sociedade se questiona, o
Direito se torna um instrumento de resgate da cidadania e da dignidade humana. Este é
o ponto de chegada do processo de evolução do Direito em nossos dias atuais, onde ele
se multiplica e se especifica na tentativa de resolver os problemas e as usurpações
sociais que igualmente se multiplicam e se especificam.
Temos que concordar com Weber quando percebemos a “Irracionalidade
ética do mundo”3, na medida em que os conflitos sociais se tornaram inevitáveis e
irreconciliáveis, tornando praticamente impossível a existência de um direito para todos.
A especialização do Direito carrega em si um lado negativo, onde os direitos de um
grupo podem estar em conflito com os direitos de outro grupo, cabendo à esfera jurídica
a inusitada missão de conciliar interesses inconciliáveis. Daí o caráter irracional de
nossas sociedades descrito por Weber, onde apenas uma parte da sociedade terá suas
necessidades plenamente atendidas às custas do desfavorecimento da outra parte.
O ideal dos Direitos dos idosos é exatamente resgatar o respeito a este grupo
de indivíduos que não pode mais passar despercebido. Os direitos já foram legitimados,
só nos resta agora lutar pela sua efetiva consolidação, e passar do discurso para a
prática, do texto para o cotidiano, da consciência para a ação...
3
Ver Freund, Julien: Sociologia de Max Weber,1975.
34
3. O Mundo que envelhece: um Impacto Demográfico, uma
Transformação Social
O envelhecimento da população mundial é o novo desafio a ser enfrentado
em nossas sociedades, atingindo tanto os países desenvolvidos quanto os países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Pelo caráter inédito da transformação do
perfil das populações mundiais, o mundo enfrenta agora a missão de se adaptar a esta
nova dinâmica demográfica e de enfrentar os problemas dela decorrentes.
Observando-se as transformações demográficas da população em todo o
mundo, percebemos dados que ratificam a urgência na implementação de um
planejamento social voltado para o amparo ser dado ao segmento idoso, que está
gradativamente deixando de ser uma minoria para se tornar um grupo que atinge
proporções quantitativas determinantes e relevantes para toda a estrutura social.
Em 1950, estimavam-se cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, já em
1998, quase cinco décadas depois, este contingente alcançava 579 milhões de pessoas,
um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. Calculados em torno de
600 milhões de indivíduos no ano 2000, os idosos podem atingir a marca de 2 bilhões
em 2050, o que significaria a duplicação da população idosa mundial, que passaria da
proporção de 10% para representar 21% da população mundial total.
Para termos uma idéia mais clara do crescimento da população idosa em
todo o mundo, dados nos mostram que atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60
anos de idade ou mais; para 2050, estima-se que a relação será de um para cinco para a
população global, e de um para três para o mundo desenvolvido.
Concretizando-se estas projeções, teremos um surpreendente perfil
demográfico da população mundial, onde o número de idosos será maior do que o
número de crianças, podendo-se chegar até mesmo ao dobro de idosos em relação à
população infantil no caso de alguns países desenvolvidos.
É interessante destacar também o aumento do número de idosos acima dos
80 anos, estimados em 70 milhões no 2000 e podendo alcançar a marca de 350 milhões
num período de 50 anos. Chama a atenção o fato de que este segmento da população
idosa é a que apresenta o ritmo mais acelerado de crescimento, projetando-se que passe
a representar cerca de 19% da população mundial acima dos 60 anos em meados de
2050.
Devido à idade extremamente avançada e às dificuldades inerentes a esta
etapa de vida, este grupo demanda uma atenção especial por parte do Estado, já que
35
necessitam de cuidados diferenciados ainda maiores em relação ao restante da
população em geral.
O quadro abaixo apresenta o percentual que a população idosa representa
nos países destacados, onde percebemos que são exatamente os paises mais
desenvolvidos que apresentam os maiores índices de indivíduos acima dos 60 anos:
36
Um dos contrastes mais sérios observados consiste na distribuição da
população entre as zonas urbana e rural. A população idosa presente nos países
desenvolvidos concentra-se majoritariamente nas zonas urbanas, estimando-se que em
2025 cerca de 82% dos idosos vivam nestas regiões. Os países subdesenvolvidos, ao
contrário, apresentam uma grande concentração da população idosa nas zonas rurais,
projetando-se para 2025 um cenário onde menos da metade desta população estará
vivendo nas zonas urbanas.
A distribuição populacional desigual entre as zonas rural e urbana implica
em sérias conseqüências para o desenvolvimento e a proteção social dos idosos nos
países subdesenvolvidos.
Na medida em que possuem mecanismos estatais e institucionais deficientes
e insuficientes para resolver as demandas sociais, tais países tendem a apresentar
imensas discrepâncias entre as condições de vida na zona rural e na zona urbana. Muitas
vezes as zonas rurais encontra-se em estado de abandono, onde os benefícios sociais e a
estrutura de amparo do Estado não chegam a estas regiões, e muitas vezes nem são
conhecidas por seus moradores. Isso significa que a grande maioria da população idosa,
concentrada nestas áreas, pode estar condenada a viver em condições de vida precárias,
sem acesso a um mínimo de serviços essências à subsistência.
Não estamos aqui falando estritamente de números e dados estatísticos, mas
da qualidade de vida de milhares de indivíduos situados na condição de idoso, e
principalmente de uma nova sociedade que se forma, exigindo a reformulação das
políticas públicas e do planejamento estatal visando ao desenvolvimento deste novo
perfil social. Na situação dos países subdesenvolvidos, por exemplo, seria necessário
rever todo planejamento social de modo que os investimentos no desenvolvimento
social e na consolidação de benefícios fossem efetivamente estendidos à população
rural, onde estaria situada a maioria da população idosa, o que tornaria mais homogênea
a qualidade de vida no campo e na cidade.
A velhice é, assim, uma questão social que diz respeito a toda a sociedade,
e não unicamente às pessoas idosas. A mudança do perfil populacional provoca
mudanças em toda a estrutura e organização social, o que afeta indistintamente todos os
indivíduos, independentemente de sua idade.
O papel e as atribuições do Estado passam a ser relevantes para se
determinar o nível em que as transformações demográficas afetarão a população,
exigindo que o Estado se reformule diante de uma nova circunstância que surge e de
novas necessidades que se apresentam.
37
Por um lado, pode-se pensar em uma situação de desequilíbrio social onde o
Estado não será capaz de suportar o fardo do envelhecimento populacional, adotando
como saída a privatização de serviços e benefícios públicos, como o sistema
previdenciário, por exemplo, transferindo-se assim parte da responsabilidade do Estado
para a iniciativa privada e para a sociedade civil em geral. Por outro lado, vislumbram-
se alternativas para se adaptar às transformações demográficas, como a criação de mais
postos de trabalho através do fomento da economia proporcionado pelo incentivo ao
consumo e às atividades de lazer e cultura voltadas para o público idoso.
A atuação do Estado e de toda a sociedade sobre este novo mundo que se
apresenta diante de nós exige reflexão, discussão e atitude. Diante da constatação da
necessidade imediata de amparo e proteção social ao segmento idoso, este tema passou
a fazer parte da agenda oficial dos Estados através de Assembléias e Encontros
envolvendo representantes de praticamente todos os países do mundo, o que resultou na
elaboração de Documentos e Tratados Internacionais voltados para a atenção ao idoso.
A conscientização mundial sobre a necessidade de se discutir
especificamente as problemáticas relativas à população idosa se concretizou a partir de
1977, quando a ONU decide convocar uma Assembléia Geral para debater as questões
relativas à população idosa e propor, a partir daí, políticas públicas e programas sociais
que venham a proporcionar uma boa qualidade de vida para este segmento da sociedade.
Isto mostra que a discussão sobre os problemas sociais relacionados à
população idosa é um debate recém-inaugurado. Até antes do período citado, o idoso
raramente era objeto de discussão nas assembléias da ONU, sendo apenas
esporadicamente mencionado dentro de algum debate inserido em um tema mais amplo,
como trabalho ou saúde, por exemplo, mas nunca tratado isoladamente segundo os
problemas específicos de seu grupo.
O ano de 1999 foi instituído como o Ano Internacional do Idoso, marcado
por uma serie de atividades visando à conscientização mundial sobre as questões do
envelhecimento. O 1o de Outubro passou a ser celebrado em praticamente todo o mundo
como o Dia do Idoso, momento oportuno para lembrar as dívidas que a sociedade
possui junto a este segmento.
O marco deste movimento foi a instituição do tema “Uma sociedade para
todas as idades”, que passou a funcionar como o grande fundamento filosófico em
defesa dos idosos, no sentido de postular a construção de uma sociedade em que todas
as gerações obtenham benefícios da vida coletiva e tenham oportunidades de
desenvolvimento e participação.
38
Quando se fala em uma sociedade para todas as idades temos que pensar na
existência de uma estrutura social que adote políticas e programas sociais que
estimulem o desenvolvimento pessoal de todos os indivíduos, fundamentando-se na
noção de que a integração entre todos facilitará, por conseqüência, a evolução individual
de cada um.
É fácil perceber que ainda estamos longe de alcançarmos uma sociedade
organizada sob estes princípios, a não ser se pensarmos de maneira extremamente vaga
e utópica. O desenvolvimento do capitalismo exige uma sociedade materialista e
competitiva, enfraquecendo os laços de solidariedade e cooperação entre os indivíduos.
O individualismo impera, e a diferenciação entre os indivíduos e as classes sociais se
torna algo inerente ao sistema.
Quando se trata especificamente do idoso, a idéia de uma sociedade para
todas idades se torna um sonho ainda mais distante, na medida em que se unem fatores
negativos como a criação de estereótipos pejorativos, a exclusão do mercado de trabalho
e a deficiência da assistência social por parte do Estado. O idoso se coloca numa
posição de exclusão em praticamente todas as esferas sociais, perdendo seu poder
aquisitivo e a qualidade de vida que tinha ainda mais jovem.
Nos resta como esperança perceber que a idéia de uma sociedade que seja
realmente estruturada para todas as idades pode estar a caminho, pois os primeiros
passos já foram dados em relação à posição do idoso na sociedade. Nos serve como
consolo observar que toda a mobilização mundial em prol da proteção do idoso ocorrida
ao longo dos últimos 20 anos resultou na formulação de tratados, orientações e
legislações, que esperamos serem efetivamente consolidadas com a evolução deste
processo. O primeiro passo foi dado, restam muitos outros pela frente.
Analisaremos, então, os principais documentos e encaminhamentos
internacionais que foram resultado desta conscientização mundial em relação aos
idosos, procurando estabelecer em elo de ligação e evolução entre cada um deles. Além
do complexo Plano de Ação Internacional elaborado em 1982 e incrementado em 2002,
também merecem destaque os Princípios das Nações Unidas para o Idoso, formulado
em 1991, e a Declaração de Toronto, elaborada pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) em 2002.
39
Ocorre no ano de 1982, em Viena, Áustria, a I Assembléia Mundial sobre o
envelhecimento, organizada com a finalidade de se discutir o processo de
envelhecimento populacional em uma sociedade organizada sob estruturas voltadas para
as vias de desenvolvimento econômico e tecnológico. Em outras palavras, era
necessário discutir formas de inserção e participação do idoso em uma sociedade
orientada para a produção material e para a acumulação de capital.
A I Assembléia Mundial sobre o envelhecimento contou com a participação
de 124 Estados, e estava envolvida em um contexto de conflitos ideológicos e políticos,
como a Guerra Fria, o regime do Apartheid na África do Sul e movimentos de luta pela
independência territorial. Este cenário levava à reflexão de que os idosos, por serem
considerados naturalmente mais vulneráveis, poderiam sofrer as conseqüências
negativas desta dinâmica de forma mais violenta.
O fundamento filosófico que cerceou o debate nesta primeira Assembléia foi
a Declaração Universal dos Direitos do Homem elaborada em 1948, e que até os dias
atuais ainda funciona como referência em qualquer lugar do mundo quando se discutem
os valores e os ideais do homem e da sociedade.
É importante destacar que esta declaração menciona especificamente o idoso
no artigo XXV, como um grupo socialmente vulnerável que passa, desta forma, a ser
suscetível de proteção especial por parte do Estado. Poderíamos dizer que a Declaração
realizou uma profecia ao vislumbrar um problema que viria à tona praticamente 50 anos
depois de sua elaboração, no caso, a situação peculiar do crescimento acelerado do
segmento populacional idoso.
Além disso, quando se fala em “Direitos do Homem”, pensa-se em garantias
inerentes a todo e qualquer sujeito, independentemente de sua condição. E foram estes
princípios universais que nortearam as recomendações elaboradas pela Assembléia ao
propor uma orientação ao tratamento a ser dado à população idosa.
Os princípios proclamados pela ONU em defesa da população idosa
procuram estabelecer uma rede de proteção social voltada especificamente para este
segmento, tratando-o enquanto um grupo social que merece uma atenção diferenciada,
assim como defende a adoção de políticas sociais que integrem o idoso às demais
gerações, participando e tendo oportunidades como qualquer outro segmento nas
dinâmicas sociais. Postula-se, desta forma, tratar o idoso diferencialmente de acordo
com suas necessidades assim como defender sua igualdade em relação aos demais
indivíduos no que diz respeito à garantia de benefícios e participação social.
40
O resultado da I Assembléia Mundial sobre o envelhecimento foi a
elaboração do Plano de ação Internacional para o Envelhecimento4, documento
composto por 62 recomendações voltadas para a proteção social a ser garantida ao
idoso, e que seria reformulado de forma mais complexa na II Assembléia Mundial sobre
o envelhecimento, realizada em Madri no ano de 2002.
Iremos aqui apresentar os elementos básicos que compõem o documento
sancionado em 1982, uma vez que nos deteremos em uma análise mais profunda do
atual Plano de Ação Internacional em vigor, implementado em 2002. O texto aprovado
em Viena é a base dos fundamentos postulados no documento de 2002, e também dos
Princípios das Nações Unidas para o Idoso, que viria a ser proclamado em 1991.
Dentre as recomendações mais relevantes deste documento, merecem
destaque as orientações voltadas para a manutenção da plena qualidade de vida do
idoso, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista emocional e intelectual,
buscando-se com isso manter a independência do idoso em relação aos demais
indivíduos no mais alto grau em que esta autonomia for possível.
Especificamente em relação à saúde, o Plano recomenda a prática
preventiva, como forma de minimizar as possíveis complicações biológicas decorrentes
da idade avançada. Além disso, deve ser dado um tratamento especial aos idosos de
idade mais avançada, por estarem em uma condição de maior vulnerabilidade e
debilidade física:
- Early diagnosis and appropriate treatment is required, as well as
preventive measures, to reduce disabilities and diseases of the ageing.5
- Particular attention should be given to providing health care to the very
old, and to those who are incapacitated in their daily lives.6
41
dado nas orientações relacionadas à importância da família no amparo e nos cuidados
com o idoso:
7
Recomendation 19, International Plan of Ageing, ONU, 1982.
8
Recomendation 22, International Plan of Ageing, ONU, 1982.
9
Recomendation 36, International Plan of Ageing, ONU, 1982.
10
Recomendation 37, International Plan of Ageing, ONU, 1982.
42
Mais adiante, perceberemos também que o Plano de Ação Internacional,
reavaliado e aprofundado em 2002 durante a II Assembléia Mundial sobre o
Envelhecimento em Madri, se tornou um documento mais detalhado, procurando tratar
com profundidade cada característica de vida da população idosa de forma a englobar
todas as orientações necessárias para se alcançar resultados positivos na melhoria da
condição de vida deste segmento populacional.
Seguindo a evolução cronológica da discussão mundial sobre o
envelhecimento, analisaremos a seguir os Princípios das Nações Unidas para o Idoso,
uma pequena declaração onde constam cinco fundamentos filosóficos básicos onde se
definem a noção de envelhecimento e a imagem do idoso que se pretende consolidar em
nossas sociedades.
43
concepções básicas que devem servir como fundamento para as garantias sociais da
população idosa, propiciando as condições necessárias para o seu desenvolvimento e
sua inserção social: independência, participação, assistência, auto-realização e
dignidade.
A carta de princípios da ONU representa a construção da imagem do idoso
ideal que se pretende criar na dinâmica social, que possuiria características como o
dinamismo e a plena atividade mental e social. Pretende-se, assim, transformar em
realidade o perfil de um idoso que tenha ainda toda vitalidade e produtividade
necessária não somente para o seu próprio desenvolvimento e bem-estar, como também
contributiva para o desenvolvimento da sociedade em geral.
Por independência, entende-se garantir ao idoso uma autonomia de modo
que não seja submetido ao controle ou à dominação por parte de outrem, o que
comprometeria sua liberdade, sua individualidade e sua capacidade de escolha. Esta
autonomia seria garantida através da permanência do idoso no mercado de trabalho, e
no incentivo a oportunidades para o seu desenvolvimento e aprimoramento intelectual
através do permanente acesso à educação e à informação, como indicam os tópicos do
documento:
44
O documento sugere, ainda, a adesão voluntária do idoso em atividades
comunitárias, de modo a torná-lo socialmente útil, integrá-lo com os demais grupos da
sociedade e mantê-lo funcionalmente ocupado, o que o preveniria, pelo menos em tese,
de danos psicológicos como depressão por se sentir só ou inútil, por exemplo.
A dignidade e a auto-realização do idoso são igualmente valorizadas com o
intuito de proporcionar qualidade de vida a este segmento populacional, defendendo-se
assim o desenvolvimento de atividades culturais e programas de lazer voltados para a
população idosa.
E finalmente, os Princípios das Nações Unidas para o Idoso passam do
campo abstrato para a realidade concreta ao defender algumas proteções sociais ao
idoso, como as garantias de acesso aos serviços de saúde e à assistência jurídica, direitos
estes fundamentais para a consolidação da independência e da inserção social do idoso,
preconizados anteriormente:
- Ter acesso a serviços sociais e jurídicos que lhe assegurem melhores níveis de
autonomia, proteção e assistência.
- Ser tratado com justiça, independente da idade, sexo, raça, etnia, deficiências,
condições econômicas ou outros fatores.13
13
Idem.
45
pensando de maneira mais complexa os possíveis encaminhamentos a serem traçados
para garantir qualidade de vida e dignidade a este segmento, que já apresentava neste
momento um quantitativo demográfico bem maior do que no período de realização da I
Assembléia.
O documento oriundo deste encontro especifica algumas áreas de atuação
que devem ser observadas pelos respectivos governos em relação ao segmento idoso,
como a saúde, a educação, o sistema de previdência e a assistência social, por exemplo.
Observa-se assim um processo de valorização dos direitos humanos e dos direitos
sociais, como forma de amenizar as conseqüências de uma estrutura social
prioritariamente voltada para a acumulação individual de capital.
A característica principal do Plano de ação Internacional para o
Envelhecimento formulado em Madri14 é propor alternativas para a atuação do Estado e
da sociedade civil no desenvolvimento de políticas públicas direcionadas
especificamente voltadas para a população idosa. O documento destaca a importância de
se adaptar as recomendações propostas às peculiaridades de cada país, ao mesmo tempo
em que busca contextualizá-las em relação à interdependência existente entre os países
em um mundo globalizado.
Busca-se, assim, desenvolver um processo de amparo ao idoso segundo as
demandas e os problemas específicos de cada região, ao mesmo tempo em que se
postula uma conscientização universal e uma atuação global integrada de proteção à
população idosa.
Pode se perceber claramente os fundamentos e os objetivos do Programa já
no discurso de abertura da Assembléia de Madri proclamado por Kofl Annan, Secretário
Geral da ONU, onde defende como máxima filosófica a instituição de uma sociedade
para todas as idades. Ou seja, se torna inadmissível excluir um segmento populacional,
agora expressivo em termos quantitativos, da participação e da inserção social. Não se
trata apenas de respeito em relação à figura humana do idoso, mas também de um
problema estrutural para a sociedade.
Postula-se, desta forma, a idéia do envelhecimento produtivo, procurando
representar um processo de conscientização social em relação ao idoso que culmine em
práticas efetivas de proteção e integração deste segmento nas dinâmicas sociais, de
maneira que o idoso não somente tenha sua dignidade garantida como venha a se tornar
um grupo que participe e que dê sua contribuição à comunidade nos processos de
desenvolvimento econômico, político e social.
14
Utilizaremos neste ponto a versão traduzida para a Língua Portuguesa publicada pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal Brasileiro.
46
Annan ressalta ainda a importância de se ter em mente que o
envelhecimento é algo que diz respeito a todos nós, na medida em o idoso está inserido
hoje nesta etapa de vida, assim como os jovens e adultos nela estarão no futuro. E mais
do que isso, alerta para o fato de que devemos enxergar o idoso como um segmento que
possui características e necessidades particulares como qualquer outro grupo social, e
não simplesmente caricatura-los segundo traços exclusivamente pejorativos:
“Todos envelheceremos algum dia, se tivermos esse privilégio. Portanto, não consideremos os idosos
como um grupo à parte, mas, sim, como a nós mesmos no futuro. E reconheçamos que todas os idosos
são pessoas individuais, com necessidades e capacidades particulares, e não um grupo em que todos são
iguais por que são velhos”.15
15
Kofl Annam , II Assembléia Mundial sobre o envelhecimento, 2002.
47
do envelhecimento nos programas de desenvolvimento, assim como nas estratégias de erradicação da
pobreza e de cuidar que todos os países consigam participar plenamente no desenvolvimento da
economia mundial.” ·
16
Artigo 17º da Declaração Política do Plano de Ação Internacional para o envelhecimento, 2002.
48
Devem-se estabelecer medidas que busquem adaptar a estrutura sócio-
econômica ao envelhecimento da população, fazendo com que, por um lado, a força de
trabalho não seja comprometida pelo envelhecimento da mão-de-obra, e que, por outro
lado, o segmento idoso não seja prejudicado pela competitividade do mercado de
trabalho e nem pela deficiência do sistema previdenciário, que tende a se tornar
deficitário em conseqüência do aumento quantitativo de benefícios.
O primeiro tópico relativo à inserção do idoso nas políticas de
desenvolvimento reconhece a importância deste segmento populacional para a
sociedade, citando como exemplos as atividades voluntárias desenvolvidas por este
grupo e a sua extrema relevância para a sua família em particular, seja como suporte
financeiro ou como suporte moral.
As medidas indicadas neste ponto incentivam a elaboração de programas
que visem à integração do idoso com as demais gerações, principalmente através do seu
engajamento em práticas voluntárias, alternativa muito incentivada em todo o
Programa:
- criar um ambiente que possibilite a prestação de serviços voluntários em todas as idades, que inclua o
reconhecimento público e facilite a participação dos idosos cujo acesso às vantagens de se dedicar a
atividades voluntárias possa ser limitado ou nulo18.
- Estimular, caso ainda não as haja, a criação de organizações de idosos, em todos os níveis, entre
outras coisas para representá-los nos processos de tomadas de decisões.19
- Adotar medidas para permitir igual e plena participação dos idosos, particularmente das mulheres
idosas, na tomada de decisões em todos os níveis.20
17
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 1,
Medida “c”.
18
Idem. Medida “e”.
19
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 2,
Medida “b”.
20
Idem. Medida “c”.
49
conscientização de seus problemas e à reivindicação de seus direitos. Não se pode
pensar em uma consolidação efetiva dos Direitos os Idosos se o próprio grupo em
questão não estiver plenamente inserido em um movimento social que diz respeito a ele
próprio.
Já o segundo tema especificado na Orientação prioritária I propõe
encaminhamentos para uma questão decisiva em relação à qualidade de vida dos idosos,
tratando especificamente da inserção e da continuidade destes indivíduos no mercado de
trabalho.
O documento parte de uma análise realista do panorama global, onde se
observa uma tendência ao desemprego e à falta de oportunidades para a população idosa
devido aos avanços científicos e à imensa competitividade no mercado de trabalho, o
que relega este segmento ao mercado informal ou até mesmo o exclui de qualquer
atividade profissional.
Neste ponto é discutida a questão de gênero, já que se observa que a mulher
idosa sofre dificuldades ainda maiores de reinserção no mercado de trabalho do que o
homem idoso. Dentre outros fatores, a situação desfavorável da mulher idosa pode ser
relacionada a sua função de dedicação familiar ao longo da vida, o que pode ter levado a
uma formação educacional e profissional deficiente, tendo como conseqüência direta a
ausência de uma qualificação profissional ou até mesmo a inexistência desta.
Propõem-se medidas que visem à integração da mão-de-obra do indivíduo
idoso ao mercado de trabalho de modo que não sejam comprometidas as oportunidades
de trabalho para os mais jovens. Torna-se necessário consolidar uma organização social
que não tenha necessariamente que excluir um grupo para incluir outro.
Ao defender a permanência ou a reintegração do idoso ao mercado de
trabalho, o Plano pretende evitar uma situação de futura dependência financeira e
material da população idosa em relação à sua família ou ao próprio Estado, onde a
permanência do vinculo ao trabalho remunerado garantiria ao idoso sua independência e
individualidade.
Dentre as medidas propostas neste item, destaca-se o incentivo a programas
de assistência à saúde do idoso, o que lhe garantiria condições físicas favoráveis pra
continuar a exercer uma atividade profissional. Deve-se incentivar também a criação de
oportunidades de trabalho autônomo para a população idosa, através, por exemplo, da
concessão de linhas de crédito para a abertura de pequenas empresas:
- Adotar medidas para aumentar a participação na força de trabalho de toda a população idosa para
trabalhar e reduzir o risco da exclusão ou dependência num momento futuro da vida. Esta medida deve
50
ser promovida mediante políticas como, entre outras, o aumento da participação de mulheres idosas,
serviços sustentáveis de assistência à saúde relacionada com o trabalho, insistindo na prevenção, na
promoção da saúde e segurança ocupacional para manter a capacidade de trabalhar e o acesso à
tecnologia, ao aprendizado continuado, à educação permanente, à capacitação no emprego, à
reabilitação profissional.21
- Promover iniciativas de emprego autônomo para idosos, por exemplo, estimulando a criação de
pequenas e micro-empresas e garantindo o acesso ao crédito para os idosos, sem discriminação,
especialmente, por razões de sexo.22
21
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 2, Objetivo 1,
Medida “c”.
22
Idem. Medida “e”.
51
Dentre as medidas propostas, destaca-se o estímulo às cooperativas rurais, o
incentivo a instituições de concessão de crédito financeiro ao produtor rural e ao
fomento do estreitamento das ligações entre as zonas rurais periféricas e as zonas
urbanas centrais.
23
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 1,
Medida “b”.
24
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 1,
Medida “c”.
25
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 3,
Medida “c”.
52
Este quadro reflete diretamente na possibilidade de permanência do idoso no
mercado de trabalho, uma vez que ao despreparo funcional decorrente de um baixo
nível de conhecimentos e informações acrescentam-se as debilitações naturais e os
preconceitos existentes em relação à capacidade produtiva destes indivíduos. Somam-
se, assim, um conjunto de fatores que tendem a excluir impiedosamente a população
idosa do exercício profissional, o que desencadeia conseqüências negativas para a sua
qualidade de vida e para o seu desenvolvimento.
É necessário realizar programas constantes de atualização e reciclagem
educacional para a população idosa, já que seus conhecimentos tendem a se defasarem
rapidamente num mundo em que as inovações tecnológicas e as mudanças no mercado
de trabalho modificam constantemente as exigências em relação ao perfil de mão-de-
obra desejado. Desta forma, educação e trabalho caminham juntos, e onde a educação e
a informação são precárias, as oportunidades de trabalho diminuem, caso dos indivíduos
idosos.
Propõe-se, assim, a elaboração de programas que visem diminuir o alto
índice de analfabetismo entre a população idosa, dentre eles o interessante projeto que
orienta a produção de equipamentos e materiais impressos adaptados às peculiaridades
dos idosos, e o aproveitamento da experiência acumulada deste segmento nos processos
educacionais e culturais:
- Estimular e promover a capacitação fundamental nas primeiras letras e em aritmética dos idosos e dos
membros mais velhos da força de trabalho, incluída a alfabetização especializada e a capacitação em
informática para idosos com incapacidades.26
53
grandes problemas em termos da qualidade do ensino. Provavelmente as próximas
gerações de idosos apresentarão um nível educacional bem melhor do que a geração
atual, e só nos resta esperar que este avanço tenha conseqüências positivas para a
qualidade de vida e para as oportunidades oferecidas a estas pessoas.
O Plano de Ação Internacional postula também a solidariedade como um
pressuposto obrigatório para a coesão e para o desenvolvimento social. O sentimento de
solidariedade, aqui entendido como o auxilio mútuo entre os indivíduos, seria o
fundamento para a criação de serviços sociais de assistencialismo, como o sistema de
Previdência Pública, por exemplo. É discutível, porém, a idéia de assistencialismo
proveniente dos benefícios previdenciários, tema que será discutido posteriormente
neste trabalho.
A importância da família é destacada no sentido de mostrar o papel
fundamental do idoso no relacionamento entre as diferentes gerações, seja no amparo
financeiro, seja no amparo moral e afetivo. Deve-se, assim, fortalecer os laços
familiares de forma a manter o idoso interagindo junto às demais gerações, postulando-
se neste ponto medidas visando ao bem-estar afetivo e emocional do indivíduo idoso,
como a conscientização da sociedade em relação a estes indivíduos:
- Tomar iniciativas com vista à promoção de um intercâmbio produtivo entre as gerações, concentrado
nas pessoas idosas como um recurso da sociedade.28
28
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 5, Objetivo 1,
Medida “c”.
54
sobrevivência, não sendo observadas políticas de desenvolvimento econômico
especificamente voltadas para este grupo.
Além disso, a situação se torna ainda mais grave quando tratamos da
feminilização da pobreza, processo onde os mecanismos funcionais e institucionais da
sociedade contribuem para um desfavorecimento ainda maior da mulher em relação ao
homem, fazendo com que a população idosa feminina em geral tenha um padrão de vida
abaixo do padrão masculino. Exemplo disso é a imensa dificuldade da mulher idosa de
continuar a exercer uma atividade profissional, dificuldade esta bem maior em relação à
população idosa masculina. Na realidade, a mulher sempre foi desfavorecida em termos
profissionais, sendo este quadro agravado a partir do envelhecimento.
Diante disso, devem ser adotadas medidas que visem à consolidação de
programas sociais voltados especialmente para a situação de pobreza na velhice,
principalmente no que diz respeito à inclusão e à permanência do idoso no mercado de
trabalho como forma de obtenção de renda que minimizasse a sua condição econômica
desfavorável:
- Incluir os idosos nas políticas e programas destinados a alcançar o objetivo de redução da pobreza.29
29
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 6 Objetivo 1,
Medida “b”.
30
Idem. Medida “c”.
55
O Programa sugere, inclusive, a adoção de sistemas não-contributivos de
Previdência, o que contraria a lógica existente na maioria dos países, como o Brasil, por
exemplo. Além disso, deve-se procurar incluir também o trabalhador informal na rede
benefícios sociais e proteção do Estado, onde neste caso poderíamos realmente tratar da
Previdência como um serviço de responsabilidade assistencial do Estado, uma vez que
se caracterizaria como um benefício universal e independente de quaisquer exigências
contributivas para o seu recebimento:
- Assegurar, quando for o caso, que os sistemas de proteção social / seguridade social abarquem uma
proporção cada vez maior da população que trabalha no setor formal e informal.31
- Considerar a possibilidade de instituir, quando for o caso, um sistema de pensões que não
imponha contribuições dos interessados e um sistema de pensões por invalidez.32
-
31
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 7 Objetivo 1,
Medida “c”.
32
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 7 Objetivo 2,
Medida “a”.
56
avançada e à sua condição física naturalmente mais vulnerável. Em vista disso, o Plano
incentiva o desenvolvimento da pesquisa e do incremento da especialidade geriátrica,
como forma de atender mais adequadamente à população idosa.
A questão primordial em relação à saúde dos idosos consiste na adoção de
políticas públicas baseadas na saúde preventiva e na manutenção da qualidade de vida
durante todas as idades. Isso evitaria um quadro generalizado de problemas de saúde
para a população idosa, situação que obriga os governos a terem de dispor de um grande
gasto orçamentário para reverter este cenário.
Havendo um planejamento eficiente em relação aos cuidados com a saúde
da população em geral, estaria se evitando no futuro maiores gastos com a assistência ao
idoso, que atingiria esta etapa de vida em melhores condições de vida e menos
suscetível a enfermidades. É simples perceber que um idoso saudável significa uma
grande economia para os cofres públicos e para os orçamentos destinados à saúde.
Deve-se combater o problema pela causa, ou seja, evitar que as doenças apareçam. De
nada adianta investir maciçamente no atendimento à saúde da população se as
enfermidades persistirem através das gerações, o que caracterizaria um círculo vicioso
na relação entre as doenças e os tratamentos. Daí a importância da saúde preventiva.
Nos encaminhamentos propostos nesta parte do Plano Internacional, são
especificados seis temas relacionados aos planejamentos que devem ser adotados para o
tratamento adequado a ser dado à população idosa, propondo-se, como na orientação
prioritária anterior, objetivos e medidas para a solução das dificuldades observadas.
Partindo da idéia de uma condição saudável durante toda a vida, este ponto
de discussão estabelece como meta principal garantir ao idoso o pleno acesso aos
serviços de saúde, prevenindo-lhe do avanço de debilidades e concedendo um
atendimento adequado aqueles que já apresentam algum tipo de enfermidade:
33
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 1, Objetivo 1,
Medida “d”.
57
idoso uma série de benefícios em sua vida que perpassam o tratamento a doenças e o
acesso a hospitais.
Assim sendo, são propostas medidas que visam conscientizar a população
em geral em relação a um estilo de vida que garanta uma boa qualidade de vida no
futuro, combatendo-se, por exemplo, o hábito de fumar e uma alimentação inadequada.
Indiretamente, deve-se também combater a pobreza e os problemas sociais urbanos, que
afetam a qualidade da saúde da população, como a ausência de saneamento básico em
muitas regiões e a poluição ambiental, por exemplo. É importante lembrar que
condições inadequadas de sobrevivência e ambientes impróprios afetam com maior
intensidade a população idosa, física e biologicamente mais vulnerável:
- Melhorar o acesso de idosos à assistência básica de saúde e tomar medidas para eliminar a
discriminação à assistência à saúde por razões de idade ou outras formas de discriminação.35
34
Idem. Medida “e”.
35
Idem. Medida “f”.
58
- Adotar medidas para velar pela distribuição entre idosos em condições de igualdade,
dos recursos para a assistência à saúde e a reabilitação e, em particular, ampliar o acesso de idosos e
promover a distribuição de recursos para as zonas subatendidas, como as zonas rurais e remotas,
incluindo o acesso aos medicamentos essenciais e outras medidas terapêuticas a preços acessíveis.36
36
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 2, Objetivo 1,
Medida “a”.
37
Idem. Medida “c”.
59
e sócio-econômicas do idoso permitiria a estes profissionais um atendimento eficiente e
de qualidade. Deste modo, deve-se investir na formação profissional com ênfase no
tratamento do idoso, principalmente na preparação técnica de profissionais da saúde:
- Instituir programas de educação continuada para profissionais da saúde e dos serviços sociais com
vistas a aplicar um enfoque integrado da saúde, do bem-estar e da assistência a idosos, assim como de
aspectos sociais e psicológicos do envelhecimento.38
- Formular e aplicar estratégias nacionais e locais com vista a melhorar a prevenção à detecção precoce e
o tratamento de doenças mentais na velhice, com inclusão de procedimentos de diagnósticos, medicação
adequada, psicoterapia e capacitação de profissionais e demais pessoas que atendam os anciãos.39
38
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 4, Objetivo 1,
Medida “b”.
39
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 5, Objetivo 1,
Medida “a”.
60
- Formular políticas, legislação, planos e programas nacionais e locais, conforme a conveniência, para
tratar e prevenir a incapacidade em que se tenha em conta o sexo e a idade, assim como os fatores de
saúde, ambientais e sociais.40
40
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 6, Objetivo 1,
Medida “b”.
41
Idem. Medida “f”.
61
O Plano de Ação Internacional distribui em quatro temas a discussão
relativa à criação de um ambiente propício para o segmento idoso, como forma de
consolidar o desenvolvimento e a qualidade de vista, almejados nos pontos anteriores.
Obviamente que as condições de moradia são determinantes para se avaliar
a qualidade de vida de um indivíduo ou de uma família. Em vista disso, compromete-se
o status do idoso ao se observarem graves problemas relacionados às condições de
habitação e acesso a serviços básicos para grande parte deste segmento.
As grandes metrópoles em todo o mundo sofrem com o problema do
inchaço populacional, que desencadeia sérios problemas como a falta de espaço em
condições regulares de habitação equivalente ao contingente populacional, o que obriga
as classes menos favorecidas a habitarem regiões inadequadas, podendo-se tomar como
exemplo deste fato o crescente processo de favelização em algumas cidades como o Rio
de Janeiro. Além disso, os sistemas de transporte, saúde e saneamento básico não são
suficientes para o atendimento do contingente populacional que cresce
desproporcionalmente à estrutura destes serviços.
Por outro lado, as zonas rurais ainda sofrem com o abandono e o descaso
das políticas sociais, onde muitas vezes nem mesmo serviços essenciais como transporte
e postos de saúde chegam a estas localidades de uma forma minimamente eficiente.
Este é o panorama global do século XXI, e deve ser analisado como pano de
fundo quando tratamos das questões especificamente relacionadas ao ambiente de vida
do idoso, que está inserido neste cenário e sofre suas conseqüências.
Assim sendo, é extremamente necessário reorganizar os espaços urbanos
para atender às necessidades específicas da população idosa, de modo que sejam
garantidas sua locomoção e sua independência, principalmente adaptando-se os meios
de transporte e a construção de moradias, por exemplo:
62
aquela prestada pela família ou pela comunidade em geral à população idosa, em
conseqüência da ausência ou da deficiência de órgãos institucionais públicos para
realizar esta função.
Porém, o Estado tem a obrigação de suprir a possível inexistência de apoio
informal para o idoso, como nos casos de indivíduos que vivam sozinhos, por exemplo.
Sempre deve ser priorizada a independência do idoso, no mais alto grau em que esta
independência seja possível, devendo tanto a assistência formal do Estado, quanto à
assistência informal da família ou da comunidade serem prestadas com qualidade:
- Melhorar a qualidade da assistência comunitária, o acesso à assistência comunitária a longo prazo que
se presta a idosos que vivem sós, a fim de prolongar sua capacidade de viver com independência, como
possível alternativa de hospitalização e de internação em abrigo de idosos.44
- Tomar medidas para garantir a prestação de assistência a idosos que não disponham de apoio
informal, que tenham deixado de tê-lo ou não o desejem.45
44
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 1,
Medida “b”.
45
Idem. Medida “d”.
63
vítimas de maus-tratos e, principalmente, saber a quem e como recorrer destas
situações. É igualmente necessário investir na capacitação de profissionais para atender
e auxiliar os idosos em questão:
- Estimular os profissionais de saúde e de serviços sociais a que informem os idosos que possam ter
sofrido maus-tratos, sobre a proteção e o apoio de que dispõem.46
- Incluir na capacitação das profissões assistenciais como forma de encarar os casos de maus-tratos a
idosos.47
46
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 3, Objetivo 2,
Medida “c”.
47
Idem. Medida “d”.
64
- Reconhecer que os meios de comunicação são precursores da mudança e podem atuar como fatores de
orientação na promoção do papel que toca aos idosos nas estratégias de desenvolvimento, inclusive nas
zonas rurais.49
48
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 4, Objetivo 1,
Medida “b”.
49
Idem. Medida “e”.
65
indivíduos idosos que exercem uma atividade produtiva, dando sua contribuição, desta
forma, para a sociedade em geral.
Destacamos aqui alguns pontos relevantes onde se incentiva a participação
dos idosos nas mais variadas atividades, principalmente as voluntárias:
- Criar um ambiente que possibilite a prestação de serviços voluntários em
todas as idades, que inclua o reconhecimento público e facilite a participação dos idosos
cujo acesso às vantagens de se dedicar a atividades voluntárias possa ser limitado ou
nulo.50
50
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 1,
Medida “e”.
51
Idem. Medida “f”
52
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 4, Objetivo 2,
Medida “c”.
53
Idem. Medida “e”
54
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 1, Objetivo 2,
Medida “f”.
55
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 2, Objetivo 4,
Medida “c”.
56
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 1,
Medida “f”.
57
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 2,
Medida “a”.
58
Idem. Medida “c”.
66
financeira estável ao longo de sua vida, o que lhes permite aproveitar e desfrutar de
atividades que garantam prazer e felicidade nesta etapa de suas vidas.
Esta situação, porém, pode ser uma alternativa apenas para uma minoria
privilegiada da população idosa, que conseguiu atingir tal patamar sócio-econômico e
tem condições de escolher o que vai fazer, quando vai fazer e onde vai fazer. Não é o
caso da grande maioria dos indivíduos idosos que não possuem uma condição financeira
tão favorável, que vivem sob os benefícios irrisórios das aposentadorias e têm de se
submeter aos humilhantes serviços públicos de saúde e assistência social. Para este
grupo, a rotina do dia-a-dia é lutar pela sobrevivência, e a realização de atividades
voluntárias visando ao bem-estar se torna uma utopia de mau gosto.
67
autocaracteriza como um clamor à ação60, no sentido de mobilizar a sociedade a atuar na
defesa da população idosa.
Os maus-tratos são definidos no documento como toda aquela ação que
ocorra em um ambiente até então de confiança do idoso, e que lhe produza danos ou
sofrimentos que podem ser de diversas espécies, tais como os danos físicos, emocionais
e financeiros.
O primeiro tópico da Declaração já denuncia o principal problema
enfrentado pelos idosos, que consiste na proteção jurídica ausente ou deficiente em
relação às suas peculiaridades, o que faz com que agressões e transgressões contra estas
pessoas não possam ser punidas ou corrigidas devidamente:
“Faltan marcos legales. Cuando se identifican casos de maltratos de ancianos, con frecuencia no pueden
abordarse por falta de instrumentos legales apropiados para responder a ellos.”61
“el victimario suele ser conocido por la víctima,y es dentro del contexto familiar y/o en “la
unidad donde se proveen los cuidados ”, donde ocurren la mayoría de los casos de maltrato.”62
“En definitiva, el maltrato de las personas mayores sólo se podrá prevenir en forma eficaz si se
desarrolla una cultura que favorezca la solidaridad intergeneracional y que rechace la violencia. No es
suficiente identificar los casos de maltrato de las personas mayores.Todos los países deben desarrollar
60
“Llamado a la Acción”
61
Pág. 2, Declaração de Toronto, OMS, 2002.
62
Pág. 2, Declaração de Toronto, OMS, 2002.
68
las estructuras que permitan la provisión de servicios (sanitarios,sociales, de protección legal,
policiales,etc.),para responder de forma adecuada y eventualmente”63
63
Pág. 3, Declaração de Toronto, OMS, 2002.
69
Temos, que avaliar, porém, se as indicações previstas no Plano Internacional
se consolidarão efetivamente nas políticas internas de cada país, e se levarão realmente
aos resultados esperados.
Em relação às medidas a serem adotadas no âmbito nacional, o Plano prevê
apenas algumas recomendações básicas já citadas anteriormente, como incorporar a
problemática dos idosos nas políticas sociais voltadas para o desenvolvimento geral do
país, e a integração de todos os setores da sociedade neste processo, incentivando-se
assim a participação da sociedade civil e de organizações não-governamentais na defesa
e na proteção da população idosa.
Além disso, é igualmente incentivada a formação de organizações dos
próprios idosos e a criação de comitês nacionais visando à fiscalização e à discussão dos
encaminhamentos de medidas voltadas ao segmento idoso, o que já podemos observar
no Brasil, através da criação dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais do Idoso.
Já no âmbito internacional, o Plano indica mais uma vez a necessidade de
uma maior colaboração econômica entre os países, principalmente no que diz respeito à
integração dos países em desenvolvimento no processo de globalização. Seria
necessária uma reformulação da economia mundial e do sistema global de mercado de
modo que todos os países obtivessem benefícios com uma economia mundialmente
integrada, onde este processo de ajuda mútua deveria ser liderado pelos países de maior
potencial econômico em vistas a favorecer os países em maiores dificuldades, o que sem
dúvida alguma é uma grande utopia.
A cooperação internacional se fundamentaria, principalmente, na liberação
de recursos financeiros para programas e políticas sociais voltados para o segmento
idoso, onde a própria ONU teria a função de intermediar junto aos bancos e às
organizações internacionais a facilitação de empréstimos para países que apresentassem
maiores empecilhos para a aplicação do Plano de Ação Internacional.
O grande problema em relação à aplicação e à efetividade do Plano de Ação
Internacional está ligado à ausência de mecanismos formais que obriguem um
determinado país a adotar medidas internacionalmente sancionadas, e que ainda não
foram positivadas na organização jurídica de tal Estado.
Temos que reconhecer os princípios básicos de soberania política e
autonomia interna que cada país possui em nosso atual sistema mundial de Estados.
Cada país elabora seu próprio conjunto de leis da forma que lhes for considerada mais
legítima, e positiva aqueles valores que considera imperativos para a sua organização
70
social, não sendo permitido a qualquer outro Estado ou até mesmo às organizações
internacionais interferir neste processo.
Desta forma, os Tratados e Documentos Internacionais funcionam muito
mais como recomendações morais do que como Direitos propriamente ditos. Não existe
qualquer garantia de que tais princípios sejam efetivamente consolidados no âmbito
interno de cada pais, o que dependerá da disposição e da vontade dos Estados em
transformarem estas recomendações em leis positivas, o que lhes garantiria a efetividade
através da existência de mecanismos de coerção que obrigariam a sua aplicação.
Somente quando atingirmos este momento é que poderemos ter certeza de
que as recomendações internacionais efetivamente tomarão o rumo dos resultados
esperados, uma vez que enquanto ainda estiverem na forma de um incipiente Tratado
internacional nada estará garantido. Nem a própria ONU possui instrumentos legais ou
mecanismos que imponham os seus tratados, e muito menos possui o poder de punição
para aqueles que não os cumprem. Isto é prerrogativa da organização interna de cada
Estado.
O Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento se torna, deste modo,
um projeto a ser consolidado, onde não podemos de maneira nenhuma trata-lo como um
direito adquirido. Até mesmo pelo fato da discussão dos problemas relativos aos idosos
ser recente, ainda existe um longo caminho pela frente na legitimação e na consolidação
de um sistema de Direitos dos Idosos em cada Estado em particular.
O caminho a percorrer consiste na mobilização de toda a sociedade no
sentido de uma conscientização em relação à urgência de se colocar em prática uma
rede de proteção sócio-jurídica ao segmento idoso, contendo em si todos os mecanismos
necessários para a sua plena efetividade.
Estamos ainda em uma fase inicial neste processo, onde o objetivo neste
momento deve ser a consolidação do Plano de Ação Internacional na organização
interna de cada país, traduzindo-se os princípios e as medidas ali propostas para a forma
da lei positivada e protegida pelos mecanismos institucionais do Estado.
Poderíamos afirmar que o Brasil está adiantado neste processo, uma vez que
a regulamentação do Estatuto do Idoso marca exatamente a passagem da recomendação
para a positivação, garantindo-se assim a proteção social ao idoso sancionada pelo
Estado. Sem dúvida o país já deu um grande passo no que diz respeito ao tratamento a
ser dado ao idoso, mas ainda resta um longo caminho pela frente para se alcançar a
qualidade de vida desejada para a população idosa no país.
71
Ainda resta ao Brasil consolidar um segundo momento no processo de
proteção ao idoso, que consiste na aplicação eficiente do Estatuto do Idoso e das outras
formas de garantias sociais a este segmento através do aprimoramento das instituições
responsáveis, o que do contrário tornaria obsoleta toda a legislação aprovada. Nos resta
agora lutar pela consolidação deste segundo momento, tendo em mente que o primeiro e
importante passo já foi dado, a consolidação de uma legislação voltada especificamente
para o idoso.
72
Parte II: O Brasil que
envelhece e o Idoso que
aparece
O Brasil está entre aqueles países que apresentaram nos últimos anos um dos
mais altos índices de crescimento da população idosa. Conforme já mencionado
anteriormente, estima-se que nosso país possa abrigar a 6a maior população idosa do
mundo em meados de 2025.
Por um lado podemos comemorar, uma vez que tal índice reflete uma
possível melhoria das condições de vida da maioria da população, o que fez aumentar a
expectativa de vida no país. Por outro lado, a realidade nos mostra uma situação caótica,
onde a população idosa cresce em descompasso com a proteção social que lhe seria
devida, criando um cenário de exclusão, pobreza e abandono para este segmento.
73
Podemos tomar como exemplos iniciais a situação de completa
desestruturação enfrentada pelo sistema de previdência pública, e o quadro crítico dos
sistemas de saúde, que afeta com grande intensidade a população idosa dependente
deste serviço, dado sua maior vulnerabilidade inerente à sua idade avançada.
Esta situação, porém, não ficou sem resposta. Nos últimos anos o idoso
mereceu uma atenção especial por parte das políticas públicas, processo resultante do
reflexo da mobilização mundial sobre estas questões, sobre as quais o Brasil não
poderia ficar de fora. Este processo culminou com a promulgação do Estatuto do Idoso
no final de 2003.
Devemos entender o quadro atual de nosso país como um momento em que
já foi dado o primeiro passo rumo a uma política eficiente de proteção à população
idosa. Resta ainda um longo caminho, que consiste em efetivar e consolidar para todo o
segmento idoso as garantias sócio-jurídicas já implementadas.
Acreditamos que o maior entrave a consolidação de uma vida digna à
população idosa consiste nas deficiências institucionais existentes no país, que
inviabilizam a aplicação efetiva das leis e das garantias sociais.
É necessário neste primeiro momento traçarmos o perfil da população idosa
em nosso país, de modo que possamos entender os seus problemas e,
conseqüentemente, suas necessidades. Não poderíamos falar das leis e da proteção
social para o idoso antes de definirmos de forma precisa as principais características
deste segmento no país, de modo que possamos relacionar as necessidades e as
demandas destes indivíduos com as garantias sociais existentes, o que nos permitirá
uma avaliação competente da efetividade do amparo social voltado para este grupo.
Pretendemos, assim, averiguar características específicas da população idosa,
no que diz respeito à sua condição de vida em geral, como por exemplo, as suas
condições de moradia, o seu nível de renda e sua participação no mercado de trabalho.
Torna-se igualmente importante destacarmos alguns recortes dentro do segmento idoso,
como analisarmos a questão de gênero e as diferenças existentes entre a população idosa
urbana e a população idosa rural, por exemplo.
74
4.1 - O Perfil do Idoso na sociedade Brasileira
75
Expectativa de vida da população brasileira
Período Homens Mulheres
1980 57,2 64,3
1985 59,3 65,8
1991 62,2 69,8
1996 63,3 71,0
1998 63,9 71,4
Fonte: IBGE/IPEA, 1980/1998
76
b) Evolução demográfica da população idosa brasileira
Segundo o Censo demográfico realizado pelo IBGE em 2002, estima-se que
a população idosa brasileira, ou seja, indivíduos com 60 anos ou mais, atinja a marca de
15 milhões de habitantes. Analisando-se as condições de vida deste segmento, percebe-
se uma grande heterogeneidade entre a população idosa, onde uma parcela deste grupo
possui boas condições de acesso a serviços e à assistência social, enquanto outra parcela
ainda se encontra privada de condições mínimas de bem-estar e qualidade de vida.
Observa-se também um aumento da população com idade acima dos 80
anos, estimados em 1,8 milhões de pessoas em 2002, o que representa cerca de 12% da
população idosa e 1% da população total do país. Além disso, é importante destacar a
predominância do sexo feminino entre a população idosa, onde as mulheres representam
cerca de 55% deste segmento.
77
Os municípios brasileiros que apresentam o maior índice de idosos são Rio
de Janeiro, Porto Alegre, Recife e São Paulo, que possuem um percentual de 9% a 12%
de idosos em seus territórios. Os municípios com menores concentrações de idosos são
aqueles situados na Região Norte do país, no caso Manaus, Porto Velho, Macapá e Boa
Vista, além do Município de Palmas, na Região Centro-Oeste, que se destaca com a
menor população idosa do país. Estas cidades possuem menos de 5% de idosos em
relação à sua população total.
O gráfico abaixo nos mostra o crescimento da população idosa em relação à
população total do Brasil nos últimos anos, ao mesmo tempo em que destaca o
crescimento do segmento feminino em relação ao segmento masculino:
10%
9%
8%
7%
6%
Homens idosos
5%
Mulheres idosas
4%
3%
2%
1%
0%
30
40
50
60
70
80
90
19
19
19
19
19
19
19
78
Dis tribuição urbana e rural da população idos a
População rural
População urbana
23,3% 76,7%
1991
79
c) O Idoso e a Família
O segmento idoso no Brasil exerce um papel determinante na estrutura
familiar de nossa sociedade. Tanto em termos quantitativos, quanto em termos
qualitativos, a figura do idoso permanece central nas relações existentes no âmbito
familiar.
80
Dentre a população idosa total, 62% destes indivíduos são chefes de família
ou responsáveis por domicílios, segundo a denominação técnica do IBGE, enquanto
outros 22% são cônjuges dos chefes de família, delineando um quadro onde 84% do
segmento idoso ocupa uma posição central em seus lares, o que pode ser observado no
gráfico abaixo:
Idosos
responsáveis por
domicílios
Mulheres Idosas
Domicílios Homens Idosos
unipessoais
81
O aspecto negativo neste ponto é que mais de 40% dos domicílios chefiados
por idosos não possuem saneamento básico ou o possuem de forma deficiente, o que
compromete seriamente as condições de vida desta população. Esta situação é mais
grave nas regiões Norte e Nordeste, onde apenas 24,1% e 30,8% dos domicílios,
respectivamente, possuem um sistema adequado de saneamento básico. Em contraste, a
Região Sudeste possui praticamente 80% dos domicílios com saneamento básico
adequado, ilustrando a extrema desigualdade regional em nosso país.
d) A Saúde do Idoso
Uma condição de vida saudável pode ser considerada um pressuposto para o
desenvolvimento de uma vida produtiva e prazerosa. Sem esta condição, o exercício de
uma atividade profissional e até mesmo a prática de atividades cotidianas podem ser
82
comprometidas. Daí a importância de se zelar pela manutenção do pleno funcionamento
de nossas funções físicas e biológicas.
Este deve ser um fator de maior atenção por parte da população idosa, que
inerentemente estará mais sujeita a debilidades devido a sua idade avançada, tornando
necessário tanto a conscientização individual por parte dos idosos em relação a este
problema, quanto a implementação de políticas públicas específicas voltadas para o
amparo a saúde do idoso.
Segundo dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio)
realizado em 1998, 83% da população idosa avaliou seu estado de saúde como regular
ou bom, o que se torna um índice no mínimo curioso, ao observarmos as condições dos
serviços públicos de saúde em nosso país.
Seguindo uma evolução natural de acordo com a idade, percebe-se um
aumento no número de indivíduos que deixam de realizar alguma atividade devido a
problemas de saúde. Mais uma vez os dados apresentados são surpreendentes, uma vez
que este índice permanece baixo mesmo para a população idosa acima dos 80 anos,
como indica o gráfico abaixo:
80+
75-79
Homens idosos
70-74
Mulheres idosas
65-69
60-64
Analisando-se estes dados, apenas 20% dos idosos acima dos 80 anos
afirmaram ter abandonado alguma atividade, daí termos destacado o caráter inusitado
dos resultados desta pesquisa. Dentre os problemas de saúde mais comuns existentes
entre a população idosa, destacam-se os problemas de coluna, a pressão alta e as
doenças cardíacas, sendo estas as principais responsáveis pelos óbitos entre o segmento
idoso.
83
É importante destacar também a diferença de gênero em relação às
condições de saúde da população idosa, onde o índice de degeneração física e biológica
é bem mais acentuado na mulher do que no homem, já que podemos perceber
claramente que em todas as faixas etárias o percentual feminino é superior ao percentual
masculino. Este fato nos leva a indícios de que a qualidade de vida da mulher pode ser,
genericamente, inferior à qualidade de vida do homem, o que levaria a uma debilidade
física precoce.
Encontramos, neste momento, uma situação paradoxal. Conforme observado
anteriormente, as mulheres possuem uma expectativa de vida superior ao homem, ao
mesmo tempo em que apresentam uma degeneração das condições de saúde mais
acelerada em relação ao segmento masculino.
Pensando em uma hipótese primária, poderíamos aqui pensar que este seria
o caso em que a mulher vive mais, talvez por questões genéticas e biológicas inerentes
ao organismo feminino, porém sob piores condições de vida ao longo de sua existência,
o que explicaria sua maior vulnerabilidade na idade avançada. Sem dúvida esta situação
merece um estudo mais aprofundado, nos cabendo aqui apenas destacar a constante
disparidade encontrada quando se compara a qualidade de vida do homem e da mulher.
Estes dados devem ser analisados sob um olhar crítico, uma vez que uma
análise sumária dos dados aqui apresentados nos levaria a conclusão de que as
condições de saúde da população idosa no Brasil estariam próximas da perfeição, o que
não condiz com a realidade, principalmente se observarmos as camadas mais pobres da
população que não possuem condições financeiras para utilizar os serviços privados de
assistência à saúde.
Acreditamos ser uma constatação praticamente irrefutável de que o sistema
de saúde pública é um dos problemas mais graves de nosso país, visto o atendimento
precário e ineficiente a que a população é submetida. Se pensarmos que grande parte da
população é dependente destes serviços fica difícil imaginar que a situação da
população idosa, que depende mais ainda de uma boa assistência em relação à saúde,
esteja tão boa quanto dizem estes números. É importante destacar que estes resultados
se baseiam em autodeclarações dos idosos, e não em análises clínicas seguras que
transmitam dados confiáveis em relação à saúde deste segmento.
84
Os indicadores relativos aos níveis educacionais do segmento idoso em
nosso país são extremamente negativos. Reflexo de um passado em que a educação
ainda era privilégio das classes sociais mais favorecidas, o idoso de nossos dias é
marcado pela falta de oportunidades de desenvolvimento e aprendizado que permeou a
sua vida.
Estima-se em aproximadamente 5 milhões o número de idosos analfabetos,
o que representa cerca de 35% do total deste segmento. Percebe-se também uma ligeira
superioridade de homens idosos alfabetizados em relação às mulheres idosas, o que não
representa, porém, mais de 5% de diferença. Este é um dos raros momentos em que não
se observam diferenças extremas entre o homem idoso e a mulher idosa.
Apesar deste índice ainda se mostrar negativo, o nível educacional da
população idosa evolui bastante nos últimos anos, uma vez que em 1991 os dados do
IBGE indicavam 45 % de idosos analfabetos no Brasil:
1991
44,2%
Alfabetizados
55,8%
Analfabetos
2000
35,2%
Alfabetizados
Analfabetos
64,8%
85
Além do analfabetismo, que é a situação extrema em termos de deficiência
educacional, a população idosa também índices baixíssimos em relação aos anos de
estudos desenvolvidos. Dentre os idosos responsáveis por domicílios, obtém-se uma
média de apenas 3,4 anos de estudo, o que significa o cumprimento de menos da metade
do ensino fundamental.
Mais uma vez a desigualdade regional existente no Brasil chama a atenção,
onde se observa que nas Regiões Sul e Sudeste a média de anos de estudo entre os
indivíduos idosos ultrapassa os 5 anos, enquanto nas demais regiões este índice se
concentra absurdamente em torno de 2 a 3 anos de estudo. O destaque negativo fica por
conta dos Estados de Tocantins e Maranhão, que apresentam a média de 1,5 anos de
estudo para cada idoso, ou seja, quase toda a população de idosos é semi-alfabetizada.
Com base nestes dados, observamos também que o Brasil enfrenta sérios
problemas em relação ao interior do país. Comparando-se as médias de anos de estudo
dos idosos residentes nas capitais com as médias dos idosos residentes no interior dos
Estados percebe-se diferenças extremas. O próprio Estado do Maranhão, citado
anteriormente, possui a média de 4,7 anos de estudo em sua capital, São Luís:
86
migrarem para as grandes metrópoles, desencadeando um processo de inchaço
populacional, favelização e desemprego nestas cidades.
Os dados referentes ao idoso são apenas alguns dentre vários outros que
poderiam ser tomados como exemplos das desigualdades existentes entre as regiões de
nosso país. Diante deste quadro, torna-se preocupante pensar de que forma os possíveis
benefícios sociais que gradualmente a população idosa está conquistando irão atingir as
populações destas regiões remotas, ou até mesmo se chegarão lá.
Sem dúvida, a população idosa urbana, principalmente aquela residente nas
grandes cidades, desfrutará dos serviços e das garantias sociais que lhe serão concedidas
com muito mais eficiência do que a população rural ou a população do interior, o que
compromete a validade dos benefícios e da proteção concedida ao segmento idoso. As
políticas públicas voltadas para um envelhecimento saudável devem estar atentas a esta
realidade do país, que nos mostra uma parcela da população idosa que praticamente
viveu toda a sua vida em condições degradantes, e provavelmente assim viverá também
sua velhice, afastada de todo e qualquer amparo social.
Se realmente pretende-se elaborar uma política séria de proteção ao idoso,
tem de se pensar em todos os idosos, o que acarretará na necessidade de um grande
investimento social em regiões do país marcadas pela exclusão e pelo abandono.
Além da desigualdade regional e das baixas médias de anos de estudo dos
indivíduos idosos, percebe-se uma quantidade mínima de idosos com alto nível de
instrução, o que pode explicar em grande parte as más condições de vida da maioria
desta população.
O índice equivalente há 15 anos ou mais de estudo, que corresponderia ao
nível superior completo, atinge apenas 4% da população idosa, caracterizando assim a
maioria absoluta da população idosa como um segmento desprovido de uma
qualificação profissional elevada. O gráfico abaixo nos mostra a distribuição dos idosos
segundo seus anos de estudos comparativamente entre o ano de 1991 e o ano 2000:
87
Dis tribuição da população idos a re s pons áve l por dom icílios s e gundo os
anos de e s tudos
50%
45%
40%
35%
30% 1991
25% 2000
20%
15%
10%
5%
0%
Sem 1 a 3 anos 4 anos 5 a7 8 a 10 11 a 14 15 anos
instrução anos anos anos ou mais
e menos
de 1 ano
89
f) Idoso e (Falta de) Trabalho
A população idosa brasileira apresenta um grande percentual de indivíduos
que ainda realiza algum tipo de atividade profissional. Esta taxa é bem superior para o
segmento masculino, onde os índices do IBGE nos mostram que praticamente metade
da população idosa masculina ainda trabalha, enquanto este número não chega a 20%
entre o segmento feminino, como nos mostra o gráfico abaixo:
1998
1994
Homens idosos
1990
Mulheres idosas
1986
1982
90
“Os idosos têm um status diferente das demais faixas etárias, e isto é igualmente
verdadeiro para homens e mulheres. A situação das mulheres idosas, possivelmente, reflete em grande
medida a estratificação social mais ampla e a discriminação da sociedade contra os idosos”.
(Veras, 2001:16)
92
As condições econômicas dos idosos no Brasil melhoraram muito ao longo
das últimas duas décadas. Apesar de ainda distante de uma situação ideal, percebemos
atualmente um quadro positivo em decorrência, dentre outros fatores, à extensão dos
benefícios da Previdência à grande maioria do segmento idoso. Podemos observar um
crescimento substancial em comparação aos níveis de rendimento da população idosa de
alguns anos atrás.
Comparando a situação atual com o passado recente do idoso no Brasil,
tínhamos em 1981 um quadro alarmante, onde 37,4% das mulheres idosas não possuía
qualquer tipo de fonte de renda, enquanto entre a população idosa masculina este índice
não atingia 3%. Já em 1998, o percentual de mulheres idosas que não possuíam
rendimentos caiu para 18,1%, índice este que, apesar de significar uma melhoria na
condição de vida deste segmento, ainda pode ser considerado um número alto, uma vez
que significa que quase 1/5 das mulheres idosas de nosso país vivem sob a dependência
de outras pessoas e sem a garantia de beneficio social por parte do Governo.
Além disso, a população idosa é bastante heterogênea em relação ao nível
de seus rendimentos, observando-se grandes diferenças entre as zonas rural e urbana, e
também uma extrema disparidade comparando-se as regiões do Brasil.
Em um nível geral, a renda média da população dos idosos responsáveis por
domicílios no Brasil passou de R$403,00 em 1991 para R$657,00 no ano 2000, o que
significa um crescimento relativo de 63% no nível de renda deste segmento. Porém, este
quadro se torna desfavorável quando comparamos os rendimentos segundo alguns
referenciais internos do país.
A renda média encontrada no Sudeste, por exemplo, chega a R$536,00,
enquanto este índice não passa de R$224,00 no Nordeste, o que equivale a menos da
metade do valor encontrado na primeira região. Além deste referencial, a situação se
torna ainda mais grave quando analisamos os mesmos dados em relação à zona rural do
país, encontrando-se extremas disparidades em comparação com as zonas urbanas.
O nível dos rendimentos dos idosos responsáveis por domicílios
especificamente localizados nas zonas urbanas alcança a média de R$739,00, contra
uma renda média de apenas R$297,00 nos domicílios rurais, o que representa uma
diferença de aproximadamente 40% entre os níveis de renda.
Mesmo quando analisadas separadamente, todas as regiões do Brasil
apresentam grandes disparidades entre as zonas urbana e rural, independentemente das
diferenças de desenvolvimento entre elas. A região Sudeste, por exemplo, apresenta um
desnível de 63,7% entre os rendimentos das zonas rural e urbana.
93
O quadro abaixo mostra detalhadamente a heterogeneidade entre os níveis
de rendimento da população idosa no Brasil no ano 2000, merecendo destaque tanto a
desigualdade entre as 5 grandes regiões quanto à desigualdade urbano-rural observada:
94
Re ndim e nto nom inal e m s alários m ínim os dos idos os re s pons áve is
por dom icílios no Bras il
70%
60%
50%
40%
30% Zonas urbanas
20% Zonas rurais
10%
0%
to
5
2
5
en
de
a
a
im
s
e
ai
nd
M
re
em
S
95
h) O Idoso e a (Não) participação política
A conscientização social e o nível de engajamento político da população
idosa devem ser indicadores igualmente relevantes a serem considerados na análise das
condições de vida deste segmento. É a partir da mobilização da sociedade civil que
importantes mudanças sociais começam a se concretizar. Daí a importância de se
96
conscientizar a população idosa em relação aos seus problemas e aos seus direitos,
como forma de motivá-los a reivindicar e participar ativamente das discussões que
envolvem questões diretamente relacionadas à sua vida.
Podemos perceber um crescente aumento na mobilização dos idosos,
representada principalmente pela maior organização de ONG’s e associações voltadas
para os problemas do envelhecimento, o que ganhou força a partir da regulamentação
do Estatuto do Idoso em 2003.
Porém, esta mobilização ainda é extremamente superficial, sendo que em
muitos casos a reivindicação dos idosos se volta unicamente para questões relacionadas
ao transporte público e atendimento médico, que afetam diretamente o dia-a-dia do
idoso, não havendo uma conscientização maior em relação a outros problemas que
envolvem o envelhecimento e a sociedade.
Percebemos até mesmo uma desinformação muito grande em relação ao
próprio Estatuto do Idoso, onde grande parte destes indivíduos não conhece muitos dos
instrumentos legais que possuem a seu favor instituídos neste documento. Muito menos
conhecem ou participam de Conselhos e fóruns que deveriam funcionar como seus
canais de discussão e representatividade.
Os dados obtidos a partir de pesquisas do IPEA mostram que a
conscientização diminui conforme a idade avança, fazendo com que a grande maioria
dos idosos acima dos 70 anos se encontre desinformada, despolitizada e desmobilizada
socialmente.
Como características da consciência política do idoso no Brasil destacamos
algumas informações:
• Aproximadamente de 2% a 4% dos idosos são filiados a partidos
políticos.
• Cerca de 30% dos idosos entre 60 e 70 anos participam de atividades
relacionadas a partidos políticos, onde este número cai para menos de
8% quando se trata de indivíduos acima de 70 anos.
• Cerca de 45% dos indivíduos na faixa entre 60 e 70 anos de idade não
utilizam nenhuma fonte para decidir o seu voto, enquanto este número
aumenta para 56% entre os idosos acima dos 70 anos.
• Aproximadamente 20% dos idosos até 70 anos e 30% daqueles acima
desta idade não sabem o nome do Presidente, sendo que este índice sobe
para 35% e 45%, respectivamente, quando se trata dos nomes dos
Governadores e dos Prefeitos.
97
• Apenas cerca de 15% a 18% dos idosos com até 70 anos de idade são
filiados a sindicatos de suas categorias profissionais, decrescendo este
número para 8,8% dentre aqueles acima desta faixa etária.65
65
IPEA, Pesquisa Mensal de Emprego (PME), 1996.
98
A origem dos Direitos dos Idosos no Brasil é a recente conscientização
mundial em relação aos problemas deste segmento populacional, podendo-se afirmar
que o Brasil acompanhou o processo global de discussão e institucionalização da
proteção social à população idosa, e até mesmo adiantando-se a ele, uma vez que o
Estatuto do Idoso foi um instrumento jurídico que procurou traduzir e legitimar em
termos concretos as recomendações morais e valorativas dos Documentos
Internacionais.
A Constituição Brasileira de 1988 já havia introduzido alguns dispositivos
de proteção à população idosa, não se aprofundando, porém, nas questões específicas a
este segmento da sociedade. Mesmo assim, é necessário considerar que o texto
constitucional chamou a atenção para os problemas sociais que viriam a se agravar anos
depois em relação aos idosos, funcionando assim como um importante elemento para
uma posterior conscientização da necessidade de um Direito especificamente dos
Idosos, consolidados, principalmente, com a regulamentação do Estatuto do Idoso em
2003.
O Estatuto foi antecedido pela Política Nacional do Idoso, documento
elaborado em 1994 que traçava as diretrizes gerais para a assistência à população idosa,
principalmente na atribuição de funções a cada ministério e a cada órgão governamental
para atuarem como mecanismos de proteção à população idosa.
É igualmente importante destacar a formulação do Programa Nacional dos
Direitos Humanos, elaborado pelo Governo Federal em 1996, que visa amparar os
grupos socialmente vulneráveis de nossa sociedade, dentre eles os idosos, que
mereceram um tópico especial neste documento.
O objetivo desta discussão é apresentar e comentar criticamente as garantias
sociais do Idoso no Brasil ao longo de nossa história recente, com base na análise da
realidade cotidiana de nosso país e na comparação paralela com as recomendações
internacionais existentes, já discutidas anteriormente neste trabalho.
5.1 - A Previdência Social no Brasil
99
Remontando ao nosso passado distante, a expressão “aposentadoria” já
havia sido utilizada na Constituição de 1891, referindo-se aos casos de invalidez para o
exercício de atividades produtivas, única espécie de aposentadoria concebida até então.
Utiliza-se a partir da Constituição de 1946 o termo Previdência Social, que passa a
englobar os direitos à assistência nos casos de envelhecimento, invalidez, doença e
morte, através do sistema contributivo de arrecadação de recursos.
Os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) sucederam os CAPs a partir
de 1933, evoluindo no sentido de atenderem a um maior número de categorias
profissionais e, por conseqüência, a um maior quantitativo de trabalhadores. Os
benefícios oferecidos pelos IAPs incluíam desde a aposentadoria até auxílios relativos a
doenças ou funerais, dando corpo a um sistema previdenciário que iria se complexificar
com o passar dos anos e formar a estrutura que conhecemos nos dias atuais. Além disso,
estas instituições funcionavam através de uma gestão colegiada, contando assim com a
participação de representantes da sociedade civil nos processos administrativos e
decisórios do órgão.
A Lei Orgânica da Previdência Social, sancionada pelo então Presidente
Juscelino Kubistchek em 1960, regulamentou o sistema previdenciário em nível
nacional, sendo destinada a amparar todo aquele grupo de indivíduos que por motivos
variados não pudessem subsidiar as condições mínimas para sua sobrevivência, e
necessitariam, portanto, da assistência do Estado. Posteriormente foram introduzidas
algumas modificações no texto original, já consideradas para efeito de nossa análise.
Não se trata aqui, portanto, de uma garantia social especificamente voltada para os
idosos.
Estava formada, a partir de então, a grande estrutura de uma Previdência
Social que iria amparar socialmente a classe trabalhadora do país. É importante ressaltar
que os sistemas previdenciários de que estamos tratando referem-se unicamente aos
trabalhadores urbanos, onde a população rural possui regulamentos específicos de
benefícios sociais e aposentadorias. Os funcionários públicos também possuem um
regime de Previdência diferenciado, que também não nos interessa neste momento
averiguarmos em separado, sendo de maior importância para os nossos objetivos, no
caso a situação dos idosos no Brasil, a análise do regime geral da Previdência Social.
O Sistema Previdenciário foi instituído com a finalidade de prover os
benefícios necessários à manutenção da sobrevivência daqueles que não possam mais
viabiliza-la por esforços próprios, como no caso da perda da capacidade decorrente do
100
envelhecimento e da invalidez, conforme indica o artigo 1 da Legislação Previdenciária
de 1960:
“Art. 1º A previdência social, organizada na forma desta lei, tem por fim assegurar aos
seus beneficiários os meios indispensáveis de manutenção, por motivo de idade avançada, incapacidade,
tempo de serviço, prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente, bem como a prestação
de serviços que visem à proteção de sua saúde e concorram para o bem estar”.66
102
profissional remunerada, e conseqüentemente, incluída na proteção previdenciária. É
importante destacar que cada indivíduo somente poderá usufruir um único beneficio de
aposentadoria, mesmo que continue exercendo alguma atividade profissional na
condição de aposentado, o que está previsto no art.5 da Lei Orgânica, que postula que
“Aquele que conservar a condução de aposentado não poderá ser novamente filiado à
previdência social, em virtude de outra atividade ou emprego”.68
Outro dispositivo importante do documento diz respeito à extensão dos
benefícios aos dependentes, sendo estes entendidos como os cônjuges e os filhos
inválidos ou menores de idade, cabendo ao segurado a opção de indicar outro
dependente para a extensão dos benefícios, desde que ocorra a falta ou a inexistência
dos dependentes diretos anteriormente relacionados.
Dentre os benefícios previstos na lei, o artigo 22 enumera as garantias
previdenciárias de acordo com a categoria em questão, no caso segurado ou dependente,
sendo aqui importante especificar os benefícios a que tem direito cada uma destas
categorias:
a) Segurado: auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria
por velhice, aposentadoria especial, aposentadoria por tempo de serviço,
auxílio-natalidade, pecúlio e assistência financeira.
b) Dependentes: pensão, auxílio-reclusão, auxílio-funeral e pecúlio.
O regime de funcionamento da Previdência Social sofreu algumas mudanças
a partir de 1991, sendo introduzidas na lei algumas alterações determinantes para o
calculo dos benefícios e para as regras gerais para a aposentadoria. Em relação ao
benefício a ser pago nos casos de aposentadoria, os cálculos partem da análise do
“salário benefício”, que consiste na média dos maiores salários de contribuição
correspondentes a 80% de todo o período contributivo multiplicada pelo fator
previdenciário, conforme alteração na lei ocorrida em 1999.69
O fator previdenciário se tornou, a partir de então, um elemento primordial
para o calculo do valor da aposentadoria, sendo um índice que leva em consideração a
idade, a expectativa de sobrevida (período de vida após os 60 anos de idade) e o tempo
de contribuição do segurado ao postular sua aposentadoria.
Especificamente em relação ao idoso, a Lei Orgânica da Previdência Social
de 1960 já tratava no capítulo IV da aposentadoria por velhice, ponto que aqui mais nos
interessa. Tem direito a esta espécie de aposentadoria todo indivíduo que completar 65
68
Artigo 5, tópico IV, inciso 3o da Lei Orgânica da Previdência Social, Lei Nº 3.807, de 26 de Agosto de
1960.
69
Lei No 9.876 de 26 de Novembro de 1999.
103
anos de idade sendo do sexo masculino e 60 anos de idade no caso de pessoas do sexo
feminino, que tenham contribuído com, pelo menos, 60 contribuições mensais,
conforme previsto no artigo 30 do respectivo capítulo. Esta norma foi ratificada pela Lei
No 9.032 de 28 de Abril de 1995. Os valores dos benefícios a serem pagos nesta espécie
de aposentadoria estão prescritos no artigo 50 da lei de 1991, onde se afirma que:
“Art. 50. A aposentadoria por idade, observado o disposto na Seção III deste Capítulo,
especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de 70% (setenta por cento) do salário-de-
benefício, mais 1% (um por cento) deste, por grupo de 12 (doze) contribuições, não podendo ultrapassar
100% (cem por cento) do salário-de-benefício”.70
Tal modelo não seria de alguma forma tão injusto, uma vez que se recebe
um benefício proporcional ao valor das contribuições pagas, o que reforça a idéia de que
a Previdência Social é uma obrigação do Estado mediante um seguro contratado e
devidamente pago pelos indivíduos, não se caracterizando assim qualquer tipo de
assistencialismo ou benevolência por parte dos respectivos Governos.
Aqui também nos interessa a aposentadoria por tempo de serviço, que A Lei
de 1960 prescrevia que têm este direito aqueles indivíduos que tenham completado 55
anos de idade, e que tenham atingido a marca de 35 anos de trabalho no caso dos
homens e 30 anos no caso das mulheres. Porém, este período mínimo de exercício
profissional foi reduzido para 25 anos de trabalho no caso da mulher e para 30 anos no
caso do homem nas alterações feitas em 1991.71
Neste caso, a renda mensal a ser concedida consiste em 70% do salário
benefício ao se completarem os 25 anos de trabalho, acrescido de 6% a cada ano a mais
de exercício profissional no caso das mulheres, e o mesmo valor em relação aos
homens, sendo que neste caso a partir dos 30 anos de trabalho completados.
Tanto a aposentadoria por idade quanto à aposentadoria por tempo de
serviço exigem uma carência mínima de 180 contribuições mensais para se fazer jus aos
benefícios destes regimes.72
É importante destacar a institucionalização da Previdência Social
consolidada a partir da criação do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) em
1966, que posteriormente se tornaria INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). A
criação destas instituições significou também o afastamento da classe trabalhadora da
participação no controle do sistema previdenciário, que ficaria a partir de então a cargo
da burocracia estatal.
70
Lei 8.213 de 24 de Julho de 1991.
71
Artigo 52 da Lei 8.213 de 24 de Julho de 1991.
72
Lei No 8.870 de 15 de Abril de 1994.
104
A criação do INPS significou a extinção de todas as demais organizações
previdenciárias existentes até este período, os antigos IAPs, que foram unificadas no
Instituto recém-criado, fazendo com que os segurados das extintas instituições se
tornassem agora filiados ao INPS.
A organização da Previdência Social tem sido um dos temas mais discutidos
atualmente no cenário político, principalmente no que diz respeito à polêmica proposta
de reforma da Previdência pública. Tal reforma foi inicialmente formulada durante o
governo de Fernando Collor em 1991, e consistia basicamente na proposta de transferir
recursos do setor público para o setor privado, com o objetivo de diminuir a esfera de
atuação da Previdência Social pública, que ficaria responsável somente pelos
trabalhadores que tivessem uma renda de, no máximo, 5 salários mínimos.
É importante ressaltar que a Previdência privada interessa aqueles que
recebem um salário maior do que o teto estipulado pela Previdência pública e, por
conseguinte, receberiam um benefício menor do que o salário base que serviu de
referência para o cálculo do valor das contribuições. No caso dos sistemas privados de
seguridade, haveria uma contribuição maior, que daria direito, porém, a uma
aposentadoria equivalente ao salário integral, o que não seria possível na Previdência
pública.
O principal problema enfrentado pela Previdência Pública no Brasil é o
imenso déficit financeiro do INSS e do sistema de Previdência dos Servidores Públicos,
estimado em R$74 bilhões. A base deste déficit está relacionada ao desequilíbrio entre
as contribuições e os benefícios, onde se observa um valor muito superior dos segundos
em relação aos primeiros.
Um aspecto peculiar da população brasileira é a obtenção da aposentadoria
em uma faixa etária mediana por grande parcela da sociedade, fazendo com que o
aposentado brasileiro seja um dos mais jovens do mundo. Aposenta-se no Brasil, em
média, com 53 anos de idade, havendo inclusive indivíduos aposentados com menos de
50 anos.
Isto se deve ao fato da sociedade brasileira apresentar a característica de
ingressar no mercado de trabalho muito jovem, em média entre 14 e 15 anos, devido à
situação de extrema pobreza de grande da população que obriga crianças e adolescentes
a abandonarem a vida estudantil e trabalharem para manter a sua sobrevivência e a de
sua família.
Há também os casos de algumas atividades peculiares, que concedem
aposentadorias especiais com um tempo mínimo de serviço, como o exercício de cargos
105
políticos, onde se tem direito à aposentadoria após 2 mandatos, por exemplo. Além
disso, é importante lembrar a existência de aposentadorias por invalidez, acidentes de
trabalho e pensões, por exemplo, que podem ocorrer precocemente e fazer com que o
beneficiário receba um valor durante praticamente toda a sua vida tendo contribuído
durante um período mínimo.
A aposentadoria em uma faixa etária ainda jovem faz com que o indivíduo
receba o beneficio durante um longo período de tempo, uma vez que associado à
aposentadoria precoce temos o aumento da expectativa de vida da população em geral.
Desta forma, obtém-se o direito ao benefício da aposentadoria cada vez mais cedo, ao
mesmo tempo em aumenta-se o tempo de vida, o que significa a diminuição do período
de contribuição e o aumento do período de recebimento do benefício.
A situação se agrava quando relacionamos o déficit da Previdência ao
desemprego e ao crescimento do trabalho informal, o que representa menos
contribuições para o sistema. O funcionalismo público apresenta um quadro onde
existem mais aposentados e pensionistas do que trabalhadores na ativa, e na sociedade
em geral o Brasil possui o equivalente a 1,23 trabalhadores contribuintes para cada
beneficiário.
Além disso, é essencial levarmos em consideração também o destino dos
recursos financeiros arrecadados pelo INSS, e que, muitas vezes, não são utilizados no
sistema previdenciário, e sim em outras áreas sociais.
Ainda mais grave é o inchaço do funcionalismo público, que a partir da
década de 70 absorveu um imenso contingente de mão-de-obra de qualidade duvidosa,
principalmente nos chamados “cargos de confiança”, comprometendo, inclusive, a
qualidade dos serviços da administração pública do país. O grande problema é que
muitos destes funcionários foram efetivados posteriormente à condição de servidores
públicos, o que fere, inclusive, o principio constitucional que prevê a admissão de
técnicos para o quadro estatal apenas por meio de concurso realizado por meios de
provas ou de avaliação de títulos.
Desta forma, um grande contingente de funcionários obteve a possibilidade
de aposentar-se após um curtíssimo período de atividade profissional, mesmo tendo
assumido a função de maneira irregular. Não obstante a nomeação irregular para a
função, ainda tiveram direito à aposentadoria sem terem contribuído o suficiente, já que
alguns cargos permitem a aposentadoria com menos de 10 anos de exercício.
Ainda em relação ao funcionalismo público, percebemos outro fator de
desajuste para os cofres da Previdência no que diz respeito a situações de mudança de
106
cargo, onde aquele profissional que porventura tenha sido promovido próximo da sua
época de aposentadoria e, obviamente, passe a receber um salário superior ao da sua
função anterior, terá direito a se aposentar com base neste último salário, mesmo tendo
contribuído durante todo o seu exercício profissional com base no salário menor. O
sujeito deste exemplo contribuiu proporcionalmente sobre um salário menor, mas
receberá um benefício proporcional a um salário bem maior.
Ilustra-se o quadro de desorganização do serviço público com o fato de que
não existe qualquer tipo de coleta de dados sobre os funcionários públicos, onde o
Ministério da Previdência não possui, por exemplo, informações básicas sobre
aproximadamente um terço dos servidores da União. Não se obteve informações sobre
os funcionários do Legislativo, e apenas metade dos funcionários do Poder judiciário
está devidamente relacionada em termos de dados informativos.
Este é o lado obscuro da crise da Previdência Pública que os grupos
políticos que estão no poder esquecem, e mais do que isso, não querem mencionar,
sendo mais fácil colocar toda a culpa na classe efetivamente trabalhadora que contribuiu
durante toda a sua vida para o sistema, e agora “ousam” envelhecer e viver uma vida
mais longa e receber o benefício durante um período maior de tempo! É nítido o caráter
capitalista deste processo, onde o desmantelamento da Previdência Pública possui como
objetivos obscuros os interesses comerciais privados das empresas de Previdência
Privada, passando à sociedade em geral a imagem de que o trabalhador aposentado é um
imenso ônus social a ser mantido pelo Estado, como teoriza o Professor Serafim Paz:
“O que está por detrás desse mecanismo é o pensamento privatista e uma intenção
mercantilista, através das restrições sociais públicas e privadas, para um único interesse dos setores
econômicos pelo acumulo de capital e maior produção de bens de consumo. Essa prática, além de
reforçar o caráter da improdutividade ao velho, traz a possibilidade de mercado para a Previdência
Privada. Dessa forma, também, promove conteúdos ideológicos de embate, pois ao trabalhador velho se
atribui um ônus social, impondo-lhe a culpa pelos altos custos tanto para o Estado quanto para as
empresas, estas em especial, as dos Planos Privados de Saúde”.
(Paz, 2001:63)
108
benefício equivale exatamente a R$1561,56, um valor inexplicavelmente menor do que
a referência estipulada de 10 salários mínimos.
O aumento do teto das aposentadorias está assim previsto no projeto de
reforma, onde o valor máximo do benefício passaria para R$2,4 mil. Pretende-se com
isso aumentar o número de contribuições a partir da adesão de novos segurados que
estariam migrando para a Previdência Privada devido ao baixo teto estipulado pela regra
anterior, sendo interessante observar que tais contribuições seriam substanciais, já que
proporcionais ao valor dos altos salários desta parcela da população.
E finalmente, a proposta mais ultrajante da reforma consiste na taxação dos
inativos, que passariam a contribuir com a alíquota de 11% sobre o valor de seu
benefício. Tal medida é tal forma tão absurda que distorce a própria lógica do sistema
previdenciário, que consiste na contribuição durante a vida ativa para a aquisição de um
benefício durante o período inativo. Concretizando-se esta medida, o trabalhador
contribuirá durante toda a sua vida para receber um benefício pelo qual terá que
continuar pagando infinitamente. O que haveria, então, de “benefício” neste sistema,
pensando-se no sentido literal da palavra?
Provavelmente nada, pois trabalhar-se-ia mais e se pagaria uma contribuição
maior durante toda a vida para se receber, no final das contas, o mesmo valor do
benefício. Fica nítido, então, o caráter abusivo das propostas de reforma da Previdência,
uma vez que comprometeria diretamente a qualidade de vida da classe trabalhadora, que
seria obrigada a adiar o seu período de usufruto do benefício, e mesmo assim continuar
pagando por ele.
Desde que foi aprovada na Reforma da Previdência, a taxação foi alvo de
sete ações que contestam a sua validade. O presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) Ministro Nelson Jobim, foi favorável ao Governo do estado do Rio de Janeiro em
ação relacionada à taxação de inativos, onde a partir de então poderão ser cobrados os
11% de contribuição dos pensionistas e aposentados. A decisão foi tomada com base no
argumento de que o não pagamento da contribuição poderia lesar a estabilidade
econômica do Estado.
O grande entrave que se tem apresentado à reforma previdência é que os
benefícios desta instituição se enquadram na categoria dos direitos adquiridos73, ou seja,
aquelas garantias constitucionais que não podem ser modificadas por se tratarem de
princípios supremos consolidados a partir do processo constituinte originário. Na
73
Constituição Federal de 1988, artigo 5o.
109
hipotética passagem de um regime para outro, não se pode tirar os direitos daqueles que
iniciaram sua vida profissional no regime inicial e contribuíram sob estas regras.
Assim sendo, os indivíduos que ingressaram no mercado de trabalho sob um
regime da Previdência Social têm todo o direito de receber os seus benefícios futuros de
acordo com as normas vigentes no inicio de sua adesão ao sistema. Isso significa que
quaisquer reformas que forem introduzidas no sistema previdenciário somente se
aplicarão àqueles trabalhadores que se integrarem a partir deste momento no sistema, o
que resultará em efeitos concretos na Previdência Social somente daqui a, no mínimo,
35 anos, quando estas pessoas se aposentarem sob o novo regime em que estiverem
inseridos.
Desta forma, a reforma da Previdência somente pode ser pensada a longo
prazo, uma vez que não se poderá modificar as condições de aposentadoria daqueles que
estão em exercício no momento. Isto agrava mais ainda a situação, uma vez neste
período de tempo a tendência é aumentar ainda mais o déficit do sistema, atingindo-se,
talvez, um quadro insustentável.
Os mais prejudicados serão obviamente os trabalhadores, que sujeitos a um
sistema corrompido e falido vislumbram um futuro sombrio, onde a possibilidade de um
desamparo da Previdência Social se torna maior do que a possibilidade de amparo.
Tudo isso graças à corrupção, desvios ilícitos de verbas e privilégios inconcebíveis para
uma minoria da população, fazendo com que o capitalismo mostre toda a sua face
negativa ao excluir uma grande parcela da população de oportunidades de
desenvolvimento e de condições dignas de sobrevivência.
As soluções para os problemas da Previdência Social teriam que passar
necessariamente pela reformulação da organização sócio-econômica do Estado, de
forma que fossem garantidas oportunidades de trabalho e desenvolvimento para toda a
população, vislumbrando-se assim o equilíbrio entre contribuições e benefícios. Como
afirma Milko Matijascic, pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
(Nepp) da Unicamp, "Inclusão. É disso que se trata no fundo. Essa população que é
excluída, que não participa, não tem direitos sociais, precisa ser incluída".74
Ainda mais necessária seria a moralização das nossas instituições, sendo
inviável pensar em soluções para um problema do porte do sistema previdenciário
aonde persistem privilégios absurdos para uma parcela ínfima da sociedade em
detrimento da grande maioria excluída e desamparada.
74
In Vogt, Carlos. Envelhecimento não é causa da crise da previdência. Disponível em
http://www.comciencia.br
110
De outra forma, as medidas adotadas se tornam meras válvulas de escape,
no sentido de solucionarem momentaneamente o problema, que inevitavelmente
persistirá no futuro. Não se pode fugir do problema e tentar esconde-lo ou simplesmente
ameniza-lo, é necessário enfrenta-lo em suas causas reais, o que levaria à reformulação
de toda a estrutura de nossa sociedade. Resta saber se existe coragem e vontade de
nossos grupos políticos em se engajarem nesta empreitada, que seria, sem dúvida
alguma, uma grande revolução social.
Persistindo a organização atual de nosso Sistema Previdenciário, que
impede qualquer possibilidade de uma vida digna para aqueles que dependem
efetivamente deste benefício na sua idade avançada, restaria apenas decretar a morte
social de nossos idosos, uma vez que não bastando terem se submetido à impiedosa
ditadura do trabalho durante toda a sua vida, sofrem agora com a falta de perspectiva
psicológica e também financeira que os esperam na velhice:
111
de 1988 ser até hoje lembrada como a “Constituição Cidadã”, como uma forma de
expressar o seu caráter democrático e participativo.
Provavelmente não havíamos tido até então em nossa História tamanha
mobilização popular, onde praticamente toda a sociedade demonstrava um grande
interesse em participar dos debates acerca da Constituição. Tal participação foi
ordenada através das chamadas Emendas Populares, que consistiam em abaixo-
assinados contendo, no mínimo, 30 mil assinaturas, que apresentavam as reivindicações
e propostas de cada segmento em questão. Vários dispositivos constitucionais de suma
importância foram sancionados a partir de tais Emendas, como por exemplo, a
regulamentação de garantias trabalhistas e a concessão de alguns tipos de pensões e
benefícios.
O segmento idoso não poderia ficar de fora deste processo, e estiveram
presentes através das associações de aposentados, que elaboraram uma pauta de
reivindicações envolvendo as regras para os reajustes dos benefícios de aposentadoria,
que apesar de consolidadas esbarravam em tramites burocráticos para sua efetiva
consolidação.
A Constituição inseriu alguns dispositivos especificamente voltados para a
população idosa, que apesar de serem poucos, possuem um significado especial, na
medida em que chama a atenção para a necessidade de proteção e conscientização em
relação a este segmento e inaugura o que poderíamos definir como Direito dos Idosos
propriamente dito.
Como pressuposto básico, a Constituição se fundamenta na plena igualdade
entre todos os indivíduos, não sendo assim admitida qualquer forma de discriminação,
inclusive aquela por idade, o que está previsto no artigo 3 o, inciso IV do documento.
Além disso, também é garantido a todo indivíduo o direito à dignidade e ao exercício da
cidadania, o que obviamente inclui o idoso.
Estes tópicos se tornam meros valores morais a serem consolidados em um
futuro próximo, uma vez que se mostram extremamente utópicos quando analisados sob
o olhar da realidade cotidiana de grande parte da população. Porém toda Constituição
democrática tem que se fundamentar nestas premissas, que devem servir de base para a
orientação e para a organização das práticas coletivas existentes.
As peculiaridades em relação ao segmento idoso surgem no artigo 14 o, onde
se faculta a obrigatoriedade do voto aos maiores de setenta anos, o que não se
caracteriza como algum tipo de benefício. Tendo uma visão mais pessimista,
poderíamos até avaliar este indicativo constitucional como uma premissa pejorativa da
112
capacidade dos idosos, uma vez que não é colocado no mesmo patamar de obrigações
cívicas e eleitorais do restante da sociedade. A opção de escolha seria, assim, um
privilégio ligado a concepções de senilidade e debilidade em relação à população idosa.
Seria a participação política do idoso tão dispensável assim? Este é um
importante ponto de discussão, uma vez que defendemos neste trabalho a idéia de que a
mobilização do segmento idoso ainda é superficial e dispersa, fazendo com que se torne
mais lento o processo de consolidação de seus direitos. O voto facultativo pode
contribuir ainda mais para esta desmobilização do idoso enquanto um grupo, tornando
vagas e desmotivadas as discussões relativas aos problemas da sociedade para estes
indivíduos.
Já que vivemos sob uma organização social que fundamenta seus processos
de escolha para os cargos políticos através da obrigatoriedade do voto, que os idosos
sejam colocados, então, no mesmo patamar de importância de todos os demais cidadãos.
O exercício do voto aumentaria sua conscientização e também seu interesse pelas
questões sociais, o que poderia modificar a atuação política do segmento idoso em
relação aos seus problemas.
Já o artigo 203 da Constituição Federal enuncia a necessidade de um sistema
de assistência social que atenda aos indivíduos necessitados independentemente de
contribuições ou pagamentos, citando-se a velhice como uma condição de vida em que
seja necessária uma maior atenção por parte do Estado. Este dispositivo constitucional
seria um prenúncio da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) que viria a ser
regulamentada em 1993, e que inclui o segmento idoso como um de seus beneficiários,
o que mostraremos mais adiante.
E finalmente, a Constituição de 1988 cita especificamente o idoso nos
artigos 229 e 230, atribuindo-lhe garantias de assistência por parte do Estado, e
responsabilidades por parte da família, onde “Os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais
na velhice, carência ou enfermidade”.75
Cabe assim à família a responsabilidade primária de proteção ao idoso, onde
este indicativo da Constituição também seria ratificado no Estatuto de 2003. Adotando
outra premissa que também estaria presente nos documentos internacionais de proteção
ao idoso e no Estatuto do Idoso a ser regulamentado em 2003 no Brasil, a Constituição
determina no artigo 230 que os idosos recebam o atendimento necessário às suas
especificidades preferencialmente em seus lares, como forma de preservar o seu
75
Constituição Federal do Brasil, 1988, artigo 229.
113
convívio social e sua independência. No mesmo artigo é concedido o direito à
gratuidade nos transportes coletivos urbanos, fazendo com que este tópico contenha o
que há de mais concreto em relação aos idosos em nossa Constituição Federal:
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes
o direito à vida.
§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus
lares.
§ 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes
coletivos urbanos.
76
Lei Orgânica de Assistência Social, 1993, artigo 1o.
114
A Lei estabelece, desta forma, a responsabilidade primária para o Ministério
do Bem-Estar Social na execução de políticas sociais que consolidem os benefícios aqui
estabelecidos, incentivando também a inserção da sociedade civil neste processo através
da participação nas discussões a respeito da condução das políticas públicas e,
principalmente, por meio das organizações de assistência social, aqui entendidas como
aquelas entidades sem fins lucrativos que realizam atividades com vistas à execução das
garantias previstas neste lei.
Os principais destinatários dos benefícios garantidos nesta lei são as pessoas
portadoras de deficiências e os idosos, que comprovadamente não possuam uma fonte
de renda mínima capaz de prover a sua subsistência e nem tenham familiares com
condições para tal provisão. Estes indivíduos teriam assim o direito a 1 salário mínimo
mensal enquanto persistir a incapacidade de subsistência por meios próprios:
116
Partindo de um discurso consciente e politizado, o PNDH postula o combate
à banalização da violência e à discriminação de minorias, eventos que deturpam os
pressupostos de democracia e igualdade existentes em nosso país. Os Direitos Humanos
são assim entendidos como um conjunto de prerrogativas que todo indivíduo deve
possuir de modo a ser tratado com respeito e competência pelo Estado e por toda a
sociedade civil, independentemente de sua raça, condição social ou gênero.
Tais direitos estariam bem exemplificados pela existência de um sistema
judiciário eficiente e imparcial, o que daria condições a todo cidadão de defender os
seus direitos com a força da justiça e com o amparo do Estado, o que preveniria a
sociedade contra arbitrariedades e usurpações entre as classes sociais.
O Programa baseia-se em questões pragmáticas de conflito social,
estipulando, inclusive, medidas a curto, médio e longo prazo a serem adotadas visando à
resolução das injustiças sociais existentes. Em relação à população idosa, o Programa
Nacional de Direitos Humanos I apresenta de forma direta um conjunto de políticas
sociais que devem ser consolidadas para garantir qualidade de vida a este segmento.
Dentre as medidas propostas, destaca-se a estipulação do atendimento
preferencial aos idosos nas repartições públicas e a adaptação de meios de transporte e
dos espaços públicos visando à maior facilidade de acesso destes indivíduos a estes
locais. Tais encaminhamentos seriam regulamentados no Estatuto do Idoso de 2003,
como veremos adiante.
Além disso, o Programa incentiva também o fortalecimento das
organizações representativas deste grupo, de modo a fortalecê-los em suas lutas sociais
e reivindicações. Como este é um movimento que deve surgir a partir do próprio grupo
e não do Estado, a conscientização e a participação política dos idosos ainda são
questões que se mostram superficiais e insuficientes, formando um quadro que precisa
ser modificado caso se queira realmente transformar a condição de vida da população
idosa no Brasil.
O Programa Nacional de Direitos Humanos II veio seis anos depois a
discutir mais detalhadamente os problemas relacionados no primeiro documento,
acrescentando novas questões sociais a serem debatidas, como a necessidade de
aperfeiçoamento na formação técnica do corpo policial responsável pela segurança
rotineira da sociedade. Além disso, o documento trata minuciosamente dos problemas
enfrentados pelo sistema judiciário, como as condições críticas das penitenciárias do
país e também as condições de acesso à justiça por parte das classes sociais mais
carentes.
117
Em relação aos idosos, o Programa acrescenta importantes temas de
discussão que não foram mencionados no primeiro documento. É reforçada a idéia da
necessidade de fortalecimento das organizações representativas do segmento idoso,
mencionando-se especificamente o funcionamento dos Conselhos dos idosos, nos
âmbitos nacional, municipal e estadual, como um fator primordial para o avanço da
participação política e da conscientização deste grupo:
78
Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 283.
79
Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 284.
80
Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 285.
81
Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 293.
118
que dificilmente denunciaria a própria família em situações de abuso ou agressão. Mais
uma vez esta é uma atitude que tem de vir de dentro do segmento idoso, daí a
necessidade de uma maior mobilização e conhecimento de seus direitos.
Podemos avaliar positivamente o PNDH na medida em que suscita para
discussão importantes temas relacionados à população idosa, denunciando alguns
problemas e indicando alguns caminhos que foram extremamente valiosos para a
formulação das políticas sociais voltadas para o segmento idoso. Muitos dos pontos
enumerados pelo PNDH foram positivados na forma da lei através do Estatuto do Idoso,
o que indica que a elaboração do Programa não foi em vão.Os problemas foram
apresentados e as soluções estão sendo discutidas, resta coloca-las em prática.
119
Além disso, vale ressaltar a importância das Cartas Abertas no que diz
respeito à conscientização da população acerca das questões envolvendo o
envelhecimento. Tais documentos consistem em manifestos elaborados em Simpósios,
Congressos e Encontros em geral que debatiam os problemas do segmento idoso, sendo
assim formas de mostrar o trabalho desenvolvido por profissionais e especialistas na
área da Gerontologia, assim como se tornaram meios de reivindicação por uma efetiva
cidadania para a população idosa.
A Política Nacional do Idoso é uma orientação para as ações
governamentais que devem ser desenvolvidas em vistas a amparar socialmente a
população idosa, procurando definir as concepções básicas que se deve ter em relação
ao envelhecimento, assim como indicar estratégias que melhor solucionariam os
problemas enfrentados por este segmento.
Assim sendo, o documento defende tanto os aspectos essenciais à dignidade
da pessoa idosa, como também apresenta alguns tópicos especificamente relacionados
ao processo de envelhecimento, caracterizando-se desta forma pela abrangência na
abordagem dos temas relativos à condição de vida da população idosa.
A Lei do Idoso ratifica a condição de idoso para aqueles indivíduos maiores
de sessenta anos, estabelecendo como princípios básicos de orientação para as políticas
sociais para este segmento a consolidação da autonomia e a integração e participação
destes indivíduos na sociedade. Tais princípios estão em consonância com as diretrizes
dos documentos internacionais, já que neste período o Primeiro Plano de Ação
Internacional para o Envelhecimento elaborado em 1988 na Assembléia de Madri
funcionava como referência para o amparo social a ser garantido ao idoso.
A PNI teve uma importância primordial ao incentivar e organizar a
representatividade dos idosos, através da criação institucional dos Conselhos
participativos, em âmbito nacional, estadual e municipal. Tais órgãos devem ser
formados por igual número de representantes de entidades públicas e organizações da
sociedade civil ligadas à área, consistindo assim em uma esfera deliberativa democrática
de discussão e mobilização.
São atribuídas aos conselhos importantes funções, como a “formulação,
coordenação, supervisão e avaliação da Política Nacional do Idoso, no âmbito das
respectivas instancias político-administrativas”.82
Percebe-se assim que os Conselhos dos Idosos não são meras esferas de
discussão, mas possuem relevantes responsabilidades para a plena efetividade das
82
Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 7o.
120
políticas sociais voltadas para o segmento idoso. A lei menciona, inclusive, as funções
de elaboração e avaliação, onde os Conselhos teriam, desta forma, legitimidade para
interferir no processo de legislação em relação aos dispositivos voltados para o idoso,
assim como teriam o dever de fiscalizar o cumprimento e a eficácia da atuação do
Estado no amparo a este segmento.
Infelizmente esta atuação é utópica, uma vez os Conselhos ainda
permanecem na fase de implementação e organização, e em muitas regiões nem sequer
foram instaurados. Sem dúvida alguma este é um fator que tem grande influência na
distância existente entre a teoria e a prática da proteção sócio-jurídica do idoso no
Brasil, já que a conscientização e a mobilização social dos idosos em relação aos seus
próprios problemas ainda é mínima.
Este cenário pode se modificar no momento em que os Conselhos passarem
a funcionar como verdadeiras esferas de participação e reivindicação por parte dos
idosos, o que aumentaria não somente a conscientização em relação aos seus direitos,
mas também criaria um mecanismo institucional que realizaria uma pressão permanente
sobre o Estado para o cumprimento de suas responsabilidades. Dificilmente a lei terá o
efeito esperado se os seus próprios beneficiários pouco conhecem sobre ela, e
principalmente se a sociedade civil não conseguir manter a supervisão e a avaliação
adequada do cumprimento de tais leis devido à inoperância das instituições
representativas existentes, no caso os conselhos. Não se modificará o cenário atual
enquanto os Conselhos permanecerem no papel ou mantiverem uma atuação meramente
burocrática, e não cumprirem devidamente o seu papel enquanto instituição deliberativa
e fiscalizadora.
Além da questão da participação e da representatividade do idoso, a PNI
também dá uma grande ênfase na necessidade de desenvolvimento de uma mão-de-obra
especializada e qualificada que viabilize um atendimento de qualidade à população
idosa. Com este objetivo, são indicadas medidas como o investimento na formação de
profissionais especializados em Geriatria e Gerontologia, o apoio a pesquisas
relacionadas ao envelhecimento e o estabelecimento de normas de funcionamento
adequadas para hospitais e quaisquer outros centros de atendimento que abriguem
idosos.
É importante destacar também a menção feita às universidades abertas da
terceira idade, que devem tanto promover o convívio social do idoso através do lazer e
da cultura quanto atualiza-lo em relação aos novos conhecimentos produzidos na
sociedade, tendo assim o Estado a função de “apoiar a criação de universidade aberta
121
para a terceira idade, como meio de universalizar o acesso às diferentes formas do
saber”.83
Além disso, é igualmente relevante discutir o papel desempenhado pelas
Universidades Abertas da Terceira Idade na vida do idoso, onde deve sempre haver a
preocupação de não tornar estas instituições meros centros de lazer e desenvolvimento
artístico. As oportunidades oferecidas pelas instituições universitárias para o
desenvolvimento de programas que possibilitem e motivem discussões cientificas,
políticas e sociais entre o segmento idoso, conduziriam ao aumento da capacidade de
reflexão destes indivíduos e contribuiriam de forma valiosa para a sua condição social.
A Política Nacional do Idoso postula também a continuidade do idoso no
mercado de trabalho sem qualquer tipo de discriminação, o que é um fundamento
extremamente utópico, na medida em que tenta “garantir mecanismos que impeçam a
discriminação do idoso quanto a sua participação no mercado de trabalho, no setor
público e privado”.84
Afirmamos ser utópico este fundamento devido ao caráter dinâmico de
transformações técnicas e cientificas inerentes ao sistema capitalista, o que torna uma
contingência inevitável a exclusão do mercado de trabalho daqueles indivíduos que não
acompanham e não se adaptam às inovações introduzidas, caso típico do idoso, que
possui geralmente um conjunto de conhecimentos defasados e que não são mais
utilizados.
E finalmente, a PNI alerta para adoção de mecanismos que garantam a
efetividade das legislações de proteção ao idoso, indicando a necessidade de “zelar pela
aplicação das normas sobre o idoso determinando ações para evitar abusos e lesões a
seus direitos”.85
A própria Política Nacional do Idoso reconhece a fragilidade das garantias
existentes em relação à plena efetividade da proteção social em vigor, chamando assim
a atenção para este fato. Na medida em que foi formulada como um conjunto de
orientações fundamentais para a implementação de políticas sociais voltadas para a
população idosa, a PNI obteve sucesso com a regulamentação do Estatuto do Idoso
nove anos depois. O Estatuto representou a positivação das recomendações aqui
enunciadas, transformando assim em lei as questões sociais que até este momento ainda
se caracterizavam como aspirações para um direito futuro.
83
Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico III, medida “ f ”.
84
Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico IV, medida “ a ”.
85
Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico VI, medida “ b ”.
122
5.6 - O Estatuto do Idoso: Necessidade, Realidade e Efetividade dos
Direitos dos Idosos
123
Por outro lado, devemos entender também o Estatuto do Idoso como um
ponto de partida para a obtenção de melhores condições de vida para a população idosa,
uma vez que conquistada a consolidação jurídica dos Direitos dos Idosos através deste
documento, deve-se a partir deste momento introduzir-se uma nova espécie de
mobilização, que se baseia na busca pelo efetivo cumprimento da lei estabelecida,
procurando-se cobrar das instituições por ela responsáveis a sua devida competência
neste processo.
Não podemos de maneira alguma achar que a situação dos idosos no Brasil
está resolvida com o Estatuto do Idoso, o que seria um raciocínio extremamente
ingênuo e superficial. Temos que reconhecer que este documento representa uma grande
conquista para a população idosa, mais existe um longo caminho pela frente a ser
perseguido que consiste no efetivo cumprimento desta legislação, o que torna necessária
a conscientização, a mobilização e a integração da sociedade civil em vistas deste fim.
Analisando os direitos consolidados no Estatuto, percebemos que a grande
maioria provém das indicações propostas nos Tratados Internacionais e na Política
Nacional do Idoso, onde o texto procurou legitimar juridicamente as principais
recomendações para o pleno desenvolvimento do idoso postuladas nestes documentos.
O Estatuto do Idoso consiste em um total de 118 artigos que abrangem as
mais variadas esferas da vida humana, tratando assim de temas como trabalho, saúde e
moradia no que se relaciona especificamente ao cotidiano da população idosa. O texto
estabelece a responsabilidade do Ministério Público em garantir a efetividade da lei,
além de prescrever também as penas previstas em casos de transgressão destas normas.
Como uma premissa básica, o Estatuto conclama toda a sociedade a
defender e proteger os Direitos dos Idosos, postulando que “todo cidadão tem o dever
de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que
tenha testemunhado ou tomado conhecimento”.86
Assim sendo, zelar pelo efetivo cumprimento do Estatuto passa a ser uma
obrigação de toda a sociedade, e não exclusivamente do Estado, já que todo indivíduo
tem o dever de avaliar e denunciar quaisquer indícios de transgressões contra a lei,
conforme previsto no artigo citado anteriormente.
86
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 6o.
124
a) As garantias fundamentais do idoso: a responsabilidade da família e o papel do
Estado
88
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o.
89
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o, tópico V.
126
Porém, caso haja condições por parte da família de prover às necessidades
do idoso e esta não a faça por negligência, caberá ao Ministério Público a aplicação das
devidas penalidades aos responsáveis após a averiguação de tal transgressão. Neste
caso, o familiar está à pena de 6 meses a 3 anos de prisão e multa90. Além disso, também
é passível de penalidades a exposição do idoso a condições inadequadas de
sobrevivência, como uma alimentação deficiente, por exemplo.
Este ainda é um tipo de sanção extremamente raro no Brasil, uma vez que o
Poder Público não possui quadro técnico suficiente para realizar uma fiscalização
minuciosa das condições de vida dos idosos no país, fazendo com que somente ocorra
algum tipo de averiguação no momento em que exista uma denúncia, o que é mais raro
ainda, pois teria de ocorrer a acusação de um idoso contra o próprio familiar.
Além disso, o Estatuto prevê também a responsabilidade da família perante
a provisão de alimentos aos indivíduos idosos, onde a lei determina mais uma vez a
família como responsável por esta função. Em caso de inexistência de condições
materiais adequadas por parte dos familiares responsáveis caberá ao Estado o
suprimento adequado desta necessidade, através das políticas de assistência social.
Em relação ao papel do Estado, é sua obrigação garantir um envelhecimento
saudável à população, através do desenvolvimento de políticas públicas que atendam às
necessidades dos indivíduos nesta etapa de vida. O Estatuto aumenta a responsabilidade
do Estado ao defender a prioridade de atendimento e assistência ao idoso em diversos
âmbitos, desde a prestação de serviços públicos até a destinação de verbas para projetos
sociais voltados ao idoso, tópico que se mostra altamente fantasioso quando analisamos
os orçamentos públicos destinados às áreas de assistência social e atendimento ao idoso:
128
Assim sendo, o Estatuto do Idoso procurou garantir a maior qualidade
possível no atendimento ao idoso, o que não condiz necessariamente com a realidade
observada. Este é um dos momentos em que acreditamos ser mais difícil e lenta a
obtenção de resultados positivos concretos para a vida dos idosos, uma vez que as atuais
circunstâncias exigem mudanças radicais, tanto na estrutura institucional existente
quanto na atuação direta dos responsáveis pela administração dos organismos públicos
de assistência à saúde.
Cabe ao Sistema Único de Saúde (SUS) a devida prestação de serviços na
área da saúde, sendo responsável por repassar verbas para hospitais particulares
credenciados que atendam à população idosa. Surge aí o primeiro problema, que
consiste na insuficiência de verbas proporcionais à demanda, e também no atraso na
liberação dos recursos financeiros, o que inviabiliza um atendimento de qualidade.
O atendimento ao idoso deve ser exercido em instituições que tenham
profissionais especializados na área de geriatria e gerontologia, o que está previsto no
artigo 15o do documento, que define que o tratamento à saúde do idoso deva ser
realizado através de “atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios” e em
“unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e
gerontologia social”.93
Uma boa iniciativa é o curso de formação de Cuidadores de Idosos
oferecido pela Associação dos Hospitais do Estado do Rio de Janeiro, que capacita
profissionais da área de saúde para o atendimento a este segmento. Com duração de 30
horas, o curso oferece aulas teóricas e práticas em relação ao atendimento ao idoso,
baseando-se em um conjunto de informações interdisciplinares visando ao pleno
tratamento do idoso em todas as suas necessidades e particularidades, sejam físicas,
sociais ou psicológicas. Temas como Política de Saúde do Idoso, Legislação do
Cuidador de Idosos, Principais Patologias que Acometem a Terceira Idade,
Procedimentos e Técnicas na Assistência ao Idoso, Ambiente e Arquitetura para a Casa,
Psicologia e Alimentação do Idoso são os destaques do curso.
Merece destaque também a criação de enfermarias exclusivas para o
tratamento de idosos pelo Instituto de Traumato-Ortopedia (INTO), no Estado do Rio de
Janeiro. O hospital passa a contar a partir de então com duas enfermarias femininas e
uma enfermaria masculina para atender especificamente pacientes idosos, com o
objetivo de fornecer o tratamento adequado às necessidades peculiares destes
indivíduos, através do acompanhamento de uma equipe interdisciplinar formada por
93
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 15o, tópicos II e III.
129
geriatras, assistentes sociais, terapeutas e fisioterapeutas. O projeto é de extrema
relevância não somente por se mostrar de grande respeito e consideração com a
população idosa, mas também por apresentar possibilidades efetivas de melhoria no
tratamento de fraturas comuns a estes indivíduos, provenientes da osteoporose, por
exemplo.
Além disso, o Estatuto prevê também o atendimento domiciliar ao idoso em
casos de impossibilidade de sua locomoção para os centros de atendimento, o que está
garantido no artigo 15o do documento.94
Estas prescrições esbarram mais uma vez nos entraves orçamentários, que
não permitem investimentos maciços nos serviços de saúde, fazendo com que os
atendimentos públicos neste setor garantam apenas os cuidados mínimos e
emergenciais, ainda assim de forma deficiente. O atendimento domiciliar, por exemplo,
exigiria uma grande infra-estrutura que está muito distante da nossa realidade concreta,
além do que os processos de privatização de serviços até então estatais desencorajam os
investimentos neste setor.
O mesmo artigo 15o enuncia duas garantias que provavelmente se
caracterizam como as mais polêmicas do Estatuto do Idoso, no sentido de suscitarem
grandes discussões e verdadeiras batalhas processuais em vistas de seu cumprimento.
Tais são os direitos expressos nos incisos 2o e 3o de tal artigo, que afirmam que:
131
probabilidades que são a base da lógica econômica e empresarial, e que estão de acordo
com a legislação vigente, que legitima os cálculos de quaisquer espécies de seguro
fundamentadas nos critérios acima.
Por isso se torna difícil comprovar juridicamente uma situação de
discriminação neste caso, visto que os planos de saúde são serviços privados para que, o
cliente pague de acordo com a sua expectativa de uso, e não necessariamente pela sua
idade. Não existiria assim discriminação contra o segmento idoso em geral, mas antes
eles pagariam um valor maior devido ao maior uso que farão dos serviços fornecidos,
assim como outros segmentos já citados anteriormente.
De outra forma existiria “discriminação” em todos os tipos de seguro
existentes, e caso fosse confirmada esta característica provavelmente esta modalidade
de serviço deixaria de existir. Assim, é inerente ao idoso utilizar os serviços de saúde
com maior freqüência, o que tona licita a cobrança de uma mensalidade maior destes
indivíduos.
Este é o argumento das empresas de plano de saúde, e que têm obtido
sucesso nos processos judiciais relativos a estas situações. Para se combater os abusos
das empresas de plano de saúde contra o segmento idoso seria necessária a formulação
de outras estratégias que coibissem um aumento exagerado nas mensalidades devido à
idade avançada, uma vez que a utilização do termo discriminação para caracterizar esta
situação se tornou obsoleta diante dos argumentos contrários que lhe foram contrapostos
pelas empresas de planos de saúde. Os detalhes são altamente relevantes em uma lei, e
uma palavra mal utilizada pode torná-la insignificante e reduzir o seu efeito.
Ainda em relação à saúde, cabe destacar também o direito garantido ao
idoso de ter um acompanhante em caso de internação, sendo que caberá ao médico
responsável conceder a autorização para o acompanhamento96. É mais uma garantia
ambígua, uma vez que ao mesmo tempo em que é concedido um benefício para o idoso,
é retirado o seu poder de decisão sobre este benefício, já que não cabe a ele a palavra
final em relação a ter ou não um acompanhante.
Tal direito se torna ainda mais polêmico quando entram em cena os
interesses das empresas de plano de saúde, que obviamente não têm nenhum interesse
em arcar com as despesas de um possível acompanhante, fazendo com que possam
exercer algum tipo de influência sobre os profissionais responsáveis para que não seja
indicada a necessidade de acompanhamento. Além disso, os profissionais de saúde têm
96
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 16o.
132
também o dever de comunicar às autoridades competentes quaisquer suspeitas de maus-
tratos contra os idosos que se submeterem aos seus cuidados.97
Percebemos assim que o Estatuto do idoso procurou garantir a autonomia do
idoso mesmo no caso de enfermidade, onde os direitos primários de realizar escolhas e
decidir até mesmo quanto ao tipo de tratamento a que será submetido refletem este
pensamento.
Daí a valorização da ideologia presente no conceito de capacidade
funcional, que postula que o idoso deve ser capaz de manter a suas habilidades físicas e
mentais de modo a garantir a sua autonomia e a sua independência.
O principal problema a ser enfrentado ainda é a questão orçamentária, onde
o sistema de saúde pública sofre com a imensa defasagem entre a disponibilidade da
oferta de atendimento e a demanda existente para tal serviço. O planejamento ideal
indicaria a necessidade de investimento na prevenção da saúde, o que é postulado,
inclusive, pelo Plano de Ação Internacional de Envelhecimento, como forma de evitar a
formação de um segmento idoso debilitado fisicamente e, por conseqüência, oneroso
para os serviços públicos, já que “não existem recursos capazes de suportar
indefinidamente a lógica atual dos sistemas de saúde, orientado antes pela “doença”
do que pela “saúde””. (Veras, 2001:21)
Programas de prevenção à saúde não somente aumentariam a qualidade de
vida dos idosos como também viabilizariam a longo prazo o equilíbrio orçamentário dos
serviços de saúde. Somente desta forma é que a sociedade poderá se adaptar às
transformações demográficas que tendem a tornar o segmento idoso cada vez mais
expressivo, fazendo que o aumento quantitativo desta parcela da população não
sobrecarregue demasiadamente as despesas públicas, e que, principalmente, a população
idosa receba um tratamento digno e responsável por parte do Estado.
97
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 19o.
133
c) Educação e Lazer: Em Busca do Tempo Perdido
“Art. 25. O Poder Público apoiará a criação de universidade aberta para as pessoas
idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados ao
idoso, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da capacidade visual”.
135
conceito de “velhice” perca espaço para o conceito de “terceira idade”, que melhor
representaria uma nova etapa de vida que se inicia ao invés de uma velha vida que se
vai. Como observa Marcelo Lima:
136
Especificamente em relação ao lazer, é concedido ao idoso o desconto de
50% no ingresso em eventos de natureza artística, cultural ou esportiva98. Cabe aqui
mais uma sugestão, que concerne à extensão deste benefício ao pagamento de
instituições de ensino e estabelecimentos de saúde privados, que seriam situações de
maior relevância para a vida do idoso. Ter acesso à educação e tratamento de saúde de
qualidade seria extremamente valioso para a condição de vida deste segmento, onde um
possível privilégio financeiro no acesso a estes serviços poderia produzir mudanças
significativas no perfil dos idosos de nosso país.
Desta forma, o Estatuto levou em consideração que a participação em
eventos culturais e educacionais são importantes para a manutenção de atividades
produtivas e integradoras por parte dos idosos. Porém, o documento pensou de forma
mínima ao conceder como direito um desconto de 50% apenas em atividades restritas.
Além do mais, o segmento idoso não é bem aproveitado pelo setor de
comércio e lazer, uma vez este grupo possui um percentual considerável de participação
no consumo observado na sociedade em geral. Recente pesquisa realizada por
importante empresa de marketing de alimentos demonstra que 18% da clientela dos
supermercados do Grande Rio é composta por pessoas maiores de 60 anos99. O novo
percentual afirma o crescimento de consumidores idosos e aponta para a necessidade de
um tratamento cada vez mais especializado por parte do comércio a esses cidadãos. Este
setor pode estar perdendo a chance de atrair um segmento com um grande potencial de
consumo caso não invista particularmente na população idosa.
É importante ressaltar que a concessão do desconto de 50% reflete
indiretamente a condição de vida precária deste segmento em nosso país, principalmente
no que diz respeito à sua situação financeira, onde a grande maioria dos idosos somente
consegue ter acesso a eventos desta espécie graças a este desconto, pois não teriam
possibilidade de arcar com os custos normais destes eventos. O ideal seria que a
população idosa tivesse uma renda digna que fosse suficiente para subsidiar a sua
participação em eventos culturais e educacionais, sem que houvesse a necessidade de
recebimento de benefícios como este, que possuem mais um caráter de esmola do que
propriamente de um direito.
98
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 23o.
99
Jornal O Dia, disponível em www.odia.com.br.
137
d) Idoso e Trabalho: A Utopia da Não-exclusão
“O sistema econômico vale-se da enorme força de trabalho que dispõe para substituir
pessoas ainda em idade de trabalhar por outras mais jovens às quais pagam menos; o sistema
econômico unificou os mercados de mão-de-obra sob os conceitos de idade e sexo, valendo-se dessas
distinções sempre que é possível para tirar vantagens de menor remuneração”.
(Oliveira, 1977:41)
100
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 28o, tópico III.
138
O próprio texto assume que existem exceções em algumas profissões que
realmente excluem a possibilidade de seu exercício por indivíduos de idade avançada,
como a atividade policial, por exemplo.
A saída poderia ser o estímulo a atividades produtivas autônomas, onde o
segmento idoso pudesse trabalhar e garantir uma fonte de renda sem ter que depender
do mercado de trabalho que o exclui. O Espaço Terceira Idade, já citado anteriormente,
é mais uma vez um bom exemplo de um investimento no desenvolvimento de uma
função produtiva para o idoso, através do curso de formação de cabeleireiros, uma boa
alternativa para a ausência de oportunidades para este segmento.
Existem ainda alguns projetos que visam atualizar os indivíduos idosos em
relação às exigências do mercado de trabalho, de forma a torná-los aptos à concorrência,
se é que isto seja mesmo possível. Um bom exemplo é o curso de informática para a
terceira idade desenvolvido pelo Centro de Processamento de Dados do Estado do Rio
(Proderj), que oferece cursos adequados ao perfil da população em questão.
Desta forma, só seria possível transformar realmente as condições de
inserção do idoso no mercado de trabalho caso se modifique toda a ideologia capitalista
vigente fundamentada no individualismo e na competitividade, que segrega os
indivíduos que não mais se enquadram nas exigências do mercado de trabalho, o que é
precisamente esclarecido por Simone de Beauvior:
“Exigir que os homens permaneçam homens em sua idade mais avançada implicaria uma
transformação radical. Impossível obter esse resultado através de algumas reformas limitadas que
deixariam o sistema intacto: é a exploração dos trabalhadores, é a atomização da sociedade, é a miséria
de uma cultura reservada a um mandarinato que conduzem essas velhices desumanizadas”.
(Beauvior, 1990:14)
139
em que o indivíduo seja orientado para as mudanças que acontecerão em sua vida com a
interrupção da atividade profissional, e se adapte da melhor maneira possível à sua nova
condição de vida enquanto aposentado. Tais programas já vêm sendo desenvolvidos por
várias empresas junto a seus funcionários, obtendo uma avaliação positiva por parte dos
egressos destes projetos.
Isto porque percebemos uma tendência atual da população brasileira a se
aposentar em uma faixa etária bem próxima da terceira idade, visto que os limites
etários tendem a ser ampliados pela reforma da Previdência, estendendo-se para os 60
anos para os homens e 55 anos para as mulheres, o que faz com que a introdução desta
temática nos ambientes de trabalho seja imprescindível, já que:
140
e) Habitação: Direitos dos Idosos e Deveres das Entidades de Atendimento
103
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 50o, tópico XIV.
104
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 102o.
105
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigos 106o e 107o.
106
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 49o, tópicos I e IV.
107
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 49o, tópico XVI.
142
Estas entidades têm ainda a obrigação de prestar contas publicamente de
suas despesas, seja através da sua publicação em jornais de grande circulação assim
como através de publicação nos diários oficiais da União, do Estado ou do Município.
Em caso de descumprimento das normas estabelecidas para o seu
funcionamento, as instituições de atendimento ao idoso estarão sujeitas desde a
aplicação de multas até o a proibição da continuidade no atendimento a idosos em
situações onde forem encontradas infrações de maior gravidade, o que está previsto
detalhadamente no artigo 55o do Estatuto.
É importante destacar novamente a existência de uma Portaria Federal
especificamente orientada para regulamentar as normas de funcionamento das diversas
espécies de entidades voltadas para o atendimento ao idoso, cabendo aos órgãos
municipais a devida fiscalização em relação ao cumprimento das regras, dentre elas os
Conselhos do Idoso e a Vigilância Sanitária. Percebemos assim que a lei é
extremamente detalhada em relação ao funcionamento das instituições de amparo ao
idoso, cabendo apenas consolidar uma fiscalização igualmente eficiente para se efetivar
um atendimento digno e de qualidade nestas entidades.
143
f) A Gratuidade de Transporte: Entre o Direito e a Humilhação
“Aos maiores de sessenta e cinco anos fica assegurada a gratuidade nos transportes
coletivos públicos, urbanos e semi- urbanos, exceto nos serviços seletivos, especiais, quando prestados
paralelamente aos serviços regulares.”108
110
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 40o, tópico I.
111
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 40o, tópico II.
145
g) O Envelhecimento na Mídia
“A juventude, por um lado, perde conexão com um grupo etário específico, deixa de ser um
estágio na vida para se transformar em valor, um bem a ser conquistado em qualquer idade, através do
envolvimento em atividades motivadoras e da adoção de estilos de vida adequados. Por outro lado. a
velhice é resultado de uma espécie de lassitude moral, um problema de indivíduos descuidados que não
souberam se envolver em atividades motivadoras e consumir bens e serviços capazes de combater o
envelhecimento”.116
115
Ver CALABI, A. C. (1994) e MASCARO, S. A. (1993).
116
Debert, G. – O Idoso na mídia. Disponível em www.comciencia.com.br
147
Desta forma, as questões sociais relativas ao processo de envelhecimento
também são culturais, e o sucesso ou o fracasso de projetos voltados para a inclusão e a
dignidade do idoso depende em parte da construção de sua identidade e dos valores que
nela estão presentes.
148
“Você é tão jovem
quanto a sua fé, e sua velhice
é determinada pela sua
dúvida. Sua juventude
depende da sua
autoconfiança, e são seus
temores que determinam
quão velho você é. O homem
é tão moço quanto a sua
esperança, tão velho quanto
a falta dela”.
Douglas Macarthur
118
Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, Capítulo II, Título VI.
150
Atendimento e na Proteção ao Idoso – como um serviço criado pela Defensoria Pública
do Estado do Rio de Janeiro para atender exclusivamente a casos envolvendo idosos.
Maus-tratos sofridos por um indivíduo idoso no âmbito familiar, por exemplo, poderiam
ser tratados nesta esfera, pois tal fato se caracterizaria como um caso individual onde o
familiar responsável pelas agressões seria responsabilizado criminalmente.
Em pesquisa realizada junto à 7a Promotoria da Capital destinada a estes
fins, tivemos a oportunidade de conhecer melhor o trabalho da Instituição, contando
com a honrosa colaboração do Doutor Rogério Pacheco, um dos promotores em
atividade neste órgão do Ministério Público.
Pudemos perceber que grande parte das denúncias que chega à Promotoria
está relacionada às transgressões cometidas por abrigos de idosos e pelas empresas de
transporte coletivo.
Em relação aos abrigos, além de más condições de tratamento dos idosos,
existe também o problema de relocação de indivíduos, que ocorre normalmente quando
determinada instituição encerra seus serviços por falta de verbas ou pelo fim de algum
convênio com o Estado, por exemplo, o que pode deixar parte dos idosos ali alocados
sem terem para onde ir. Cabe então ao Ministério Público intervir nesta situação e
garantir aos idosos a melhor solução possível para este problema.
No caso das empresas de transporte é comum a existência de um impasse
relativo à apresentação do documento necessário à aquisição da gratuidade, uma vez
que o Estatuto determina que qualquer documento de identidade serve para fazer jus ao
benefício, enquanto em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, por exemplo, as
empresas determinaram a utilização de um cartão eletrônico que permite o acesso à
gratuidade. Mais uma vez cabe à Promotoria resolver este impasse, tendo que levar em
consideração tanto os direitos individuais do idoso quanto os interesses das empresas
privadas de transporte, que afinal são entidades privadas com interesses comerciais.
Esta é uma das questões mais polêmicas envolvendo o Direito dos Idosos, uma vez que
se trata de um serviço essencial e muitas vezes indispensável que atinge praticamente
toda a população idosa, ao mesmo tempo em que conflita com os objetivos financeiros e
comerciais das megacorporações de transporte coletivo.
A atuação da Promotoria é baseada principalmente na averiguação de
denúncias que são levadas à Instituição, seja a partir de relatos individuais,
encaminhamentos de órgãos representativos ou até mesmo através de serviços do tipo
Disque-denúncia, que dão assim início ao trabalho da Promotoria. No caso de denúncias
individuais, o órgão oferece um plantão permanente de atendimento à população em
151
geral para o recebimento dos relatos, através do destacamento de um Promotor para
atuar exclusivamente nesta função, viabilizada por meio de rodízio entre os
profissionais da Instituição.
A partir da denúncia, a Promotoria entra em contato com outras instituições
visando à averiguação dos fatos relatados em denúncia. Em uma situação de más
condições de atendimento em um abrigo para idosos, por exemplo, a Promotoria
relatará o fato para a Vigilância Sanitária, que deverá realizar uma inspeção a fim de
constatar as irregularidades denunciadas, e encaminhar o seu parecer de volta à
Promotoria. Em caso de confirmação das irregularidades, o Ministério Público expedirá
um oficio ao abrigo em questão solicitando sua adequação às exigências previstas em lei
para o seu funcionamento, estabelecendo um prazo para que nova inspeção da
Vigilância Sanitária seja realizada a fim de constatar se houve ou não a correção das
infrações existentes. Caso seja constatado que nada se modificou, caberá então à
Promotoria a instauração de um processo judicial contra a instituição em questão.
Já em caso de algum tipo de denúncia relativa ao sistema de transportes, a
Promotoria entrará em contato com a Secretaria Municipal de Transportes para que
sejam tomadas as devidas providências contra a empresa em questão. O problema que
aqui se apresenta é que em muitos casos existe uma estreita ligação entre a Secretaria de
Transportes e as empresas de ônibus, o que indica uma relação mais de parceria do que
de que fiscalização.
Percebe-se assim que a Promotoria da Cidadania possui mais uma função de
prevenção e encaminhamento do que uma atitude punitiva propriamente dita, uma vez
que o caminho percorrido pela ação da Promotoria acarreta em processo judicial apenas
em último caso, quando todos os procedimentos de alerta e intimidação já foram
realizados e não surtiram efeito.
E mesmo nestes casos em que seja instaurado um processo judicial contra
um possível transgressor dos direitos dos idosos, cairíamos em um outro problema que é
a lentidão que afeta toda a esfera judicial de nosso país. O que nos leva à triste
conclusão de que um idoso possivelmente terá que passar por uma árdua e longa espera
para garantir os seus direitos caso dependa da atuação da Promotoria, tendo assim que
continuar convivendo com uma transgressão ou uma agressão enquanto não sai uma
solução para o seu problema.
A pergunta que deve ser feita é se um indivíduo idoso poderá suportar o
sofrimento que lhe é causado por uma violação de um direito seu ou por estar exposto a
maus-tratos, por exemplo, enquanto aguarda uma decisão judicial que pode levar anos.
152
Alguns problemas não podem esperar muito tempo por uma solução, principalmente
quando estamos falando de indivíduos naturalmente mais vulneráveis como os idosos, o
que levaria à necessidade de se repensar a atuação do Ministério Público no que diz
respeito à agilização de sua atuação e ao aumento de seu poder de coerção e punição.
Concluímos que a grande dificuldade existente para a consolidação das
garantias dos idosos é, antes de tudo, a conscientização do idoso em relação aos seus
direitos, o que o levaria a denunciar e buscar a efetividade do Estatuto que lhe ampara.
Como vimos anteriormente, a Promotoria da Cidadania, responsável pela tutela dos
direitos dos idosos, atua de forma estática, ou seja, age a partir das denúncias que lhe
são encaminhadas. E quando percebemos que a população idosa ainda carece
imensamente de conscientização, e muitas vezes básica, em relação aos seus direitos,
concluímos que as denúncias provavelmente serão mínimas e escassas, ou até mesmo
nem existirão. Como denunciar se não se sabe os direitos que se tem? Ou ainda, como
denunciar se não se sabe a quem procurar, ou ainda não se sabe sequer que existem
instituições representativas como os Conselhos Estaduais e Municipais do Idoso, por
exemplo?
Outro problema crucial no que diz respeito à atuação da Promotoria é a
ausência de uma comunicação eficiente com outras instituições, como os Conselhos do
Idoso, por exemplo. As exceções ficam por conta da Vigilância Sanitária e da Secretaria
Municipal de Transportes, que possuem uma relação de trabalho direta com a
Promotoria.
Constatamos também que pouquíssimas demandas foram encaminhadas à
sua Promotoria pelo Conselho Estadual do Idoso, o que representa uma grande
deficiência desta instituição em cumprir o seu papel de zelador e fiscalizador dos
direitos dos idosos. É necessária uma maior integração entre todas as instituições que
desempenham algum tipo de papel na proteção ao idoso, de modo que seja possível
resolver as transgressões contra este segmento de forma mais ágil e eficiente. Esta
situação ainda é mais grave quando se trata do Conselho Estadual, que seria por
natureza a instância de representatividade e participação da sociedade civil na defesa
das garantias da população idosa.
Um passo mais adiante na busca da efetividade dos direitos dos idosos
estaria em reestruturar o Ministério Público de forma que esta instituição fosse capaz de
atender à demanda de infrações existentes, e principalmente, passasse de uma posição
estática para uma posição dinâmica. O ideal seria que o Ministério atuasse de maneira
diligente, ou seja, que buscasse a infração, que fiscalizasse e estivesse em busca
153
constante contra transgressões ao Estatuto e crimes contra os idosos, o que dispensaria a
necessidade de denúncia, uma vez que o próprio Ministério Público estaria averiguando
e combatendo as práticas ilícitas existentes. Aí sim poderíamos falar em uma efetiva
proteção ao idoso. Isso demandaria, porém, um grande incremento no quadro técnico e
no aparato administrativo destas instituições, o que seria uma situação ainda utópica nos
dias atuais.
Cabe lembrar que recentemente foram criadas as Promotorias do Idoso, que
como o próprio nome já diz, estarão atuando especificamente na proteção e na defesa
deste segmento. Sem dúvida alguma é um grande passo para a consolidação das
legislações específicas para o idoso, uma vez que o grupo passa a ser tratado
isoladamente, o que possivelmente trará a tona com maior nitidez os problemas sociais
enfrentados por este segmento. A tendência é que os próprios Promotores responsáveis
por estas seções possam se dedicar com mais eficiência à defesa dos interesses dos
idosos, visto que estarão trabalhando unicamente sobre este segmento, o que não
acontecia anteriormente na Promotoria de tutela coletiva, que abrigava problemáticas e
segmentos diversos.
Estamos assim no caminho de uma atuação mais efetiva do Estado na
proteção ao idoso, e quem sabe muito perto da proposta de uma Promotoria diligente,
que funcione como uma constante ameaça à transgressão e à infração. Não se tem que
levar o crime ao Ministério Público, mas sim levar o Ministério Público ao crime, o que
sem dúvida alguma contribuiria de forma substancial para a plena efetividade do
Estatuto do Idoso.
Além da esfera judiciária, o Idoso pode contar também com a Delegacia do
Idoso, criada especialmente para prestar atendimento ao idoso que se encontre em
situação de risco ou perigo. Infelizmente constatamos que tal serviço é o maior exemplo
de inoperância institucional no que diz respeito à proteção dos idosos, o que pode ser
percebido com as observações que fizemos em nossa visita119.
Existe apenas uma Delegacia do Idoso na Cidade do Rio de Janeiro, mal
localizada geograficamente em uma rua comercial no centro da cidade, caracterizada
por um grande movimento de pedestres que torna difícil a locomoção e onde também
não existe especo apropriado para estacionamento. Estas observações são importantes,
pois estamos falando de uma Delegacia voltada para atender idosos, que naturalmente
podem ter dificuldades de locomoção e deslocamento em grandes distâncias.
119
A visita foi recebida pelo Inspetor-Delegado Paulo Batista, responsável naquele momento pelo
atendimento na Instituição, e com o qual pudemos conversar sobre os procedimentos da Delegacia.
154
A atuação da Delegacia se dá sob o crime consumado, ou seja, desenvolve
o seu trabalho a partir de uma agressão ou uma violação já cometida, não exercendo
função de prevenção ou fiscalização contra possíveis crimes contra o idoso. Atua, desta
forma, através da instauração de inquérito policial a partir de queixa ou denúncia de um
idoso contra o seu agressor. Inicia-se, então, o procedimento de averiguação, baseado na
tomada dos depoimentos de todos aqueles envolvidos na questão, encaminhando-se
posteriormente o processo ao Juizado Especial Criminal, responsável pela avaliação e
pelo julgamento de tal conflito.
Percebemos que não existe sequer uma estrutura mínima de atendimento ao
idoso nesta Instituição, uma vez que sequer existiam viaturas ou profissionais
disponíveis para o amparo a algum idoso que surgisse em uma situação de risco, com
exceção da pessoa que nos atendeu. A Delegacia também não possui intercâmbio com
nenhuma outra instituição de proteção ao idoso, com exceção do Disque-denúncia, que
funciona em um andar acima.
E finalmente chamamos a atenção mais uma vez para a falta de
conscientização da população idosa sobre os seus direitos e sobre a existência de
Instituições para a sua proteção, pois ali obtivemos a informação de que a Delegacia
recebe, em média, 10 queixas por dia, o que é um número irrisório em se tratando de
uma cidade com um imenso contingente populacional como o Rio de Janeiro, onde se
observam facilmente problemas cotidianos na vida dos idosos e transgressões ocorrendo
a todo o momento contra seus direitos. É uma cena no mínimo curiosa encontrar uma
Delegacia completamente vazia na Cidade do Rio de Janeiro.
A Delegacia do Idoso é, desta forma, mais um instrumento de marketing
político, onde foi idealizada e criada com o objetivo de promover o seu criador, e não de
atender à população. A Instituição já existe a cerca de 6 anos, e até hoje encontra-se
abandonada e desprovida de qualquer estrutura que viabilize um funcionamento
adequado. Ma ela está lá, e é um ótimo cartão postal em período de processo eleitoral.
Investigamos também as possibilidades de atuação dos representantes
políticos do Estado na defesa dos direitos do idoso, principalmente no que diz respeito à
utilização do aparato administrativo estatal no combate às infrações cometidas contra
este segmento populacional.
Tivemos a oportunidade de colher algumas informações junto à atual
Vereadora do Rio de Janeiro Cristiane Brasil, ex-secretária municipal da terceira idade
que fez da defesa do segmento idoso a sua plataforma política, e assim foi eleita apara o
mandato atual.
155
A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro criou há alguns anos a Secretaria
Municipal da Terceira Idade, que se caracteriza por ser uma Secretaria especial, ou seja,
não possui ainda o status de uma Secretaria institucionalizada em caráter definitivo,
funcionando assim de forma instável e desestruturada.
A Secretaria possui um orçamento reduzido e indeterminado, podendo estar
a disposição em alguns momentos e escasso em outras ocasiões. Também não possui
condições objetivas adequadas para a realização de um trabalho eficiente, como um
quadro de funcionários reduzido e a ausência de uma estrutura material adequada, por
exemplo.
Desta forma, a atuação da instituição se limita a serviços de
encaminhamento de denúncias a outras instituições, como o Ministério Público, por
exemplo, e na tentativa de apurar possíveis transgressões contra os idosos que estejam
ao seu alcance. Porém, a falta de infra-estrutura impossibilita uma atuação mais
eficiente da Secretaria, que se torna assim um órgão do governo por onde simplesmente
passam algumas denúncias, não havendo maiores possibilidades de atuação.
Lembramos que esta Secretaria tem um caráter político, ou seja, depende da
boa vontade e da competência do administrador em exercício em tentar efetivamente
resolver os problemas da população idosa, onde em muitos casos este tipo de Secretaria
funciona como um importante artefato político do governo, que faz sua propaganda
como defensor da cidadania e da terceira idade, mas que na prática delega à Secretaria
uma função praticamente burocrática, não dando realmente a devida proteção social a
este segmento da população.
É importante lembrar que a Vereadora Cristiane Brasil defende junto à
Câmara Municipal a consolidação da Secretaria da Terceira Idade como uma Secretaria
definitiva, o que lhe traria um incremento em sua estrutura funcional e possibilitaria
uma atuação mais eficaz na defesa ao idoso.
O Poder Legislativo também possui outras possibilidades de atuação na
defesa e na proteção aos direitos dos idosos, como a criação da Comissão Permanente
da Terceira Idade junto à Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Tal comissão
terá a missão de fiscalizar e apurar possíveis infrações e situações de maus-tratos que
envolvam idosos, e a partir daí encaminhar os fatos constatados aos órgãos competentes
para sua averiguação, como o Ministério Público, por exemplo.
Porém, a Comissão não possui poder de punição, uma vez que é constituída
por Vereadores que integram o corpo legislativo do Município, não possuindo assim a
atribuição de força executiva para demandar ações mais diretas no combate às infrações,
156
o que não tira o mérito de sua existência, uma vez que são iniciativas como esta que
podem levar à efetiva proteção dos direitos dos idosos, ainda mais quando se trata de
uma instituição oficial do Estado.
Apesar das limitações existentes no âmbito de atuação tanto da Secretaria
Municipal da Terceira Idade quanto da Comissão instaurada na Câmara Municipal,
devemos lembrar que estas instituições possuem um forte poder de influência na mídia,
fato que pode levar à intimidação contra possíveis infrações contra os idosos. Desta
forma, uma inspeção em um determinado abrigo de idosos, por exemplo, ou até mesmo
uma simples solicitação proveniente destas instituições, pode levar à solução de um
problema devido à capacidade de coerção que possuem. Independentemente de não
possuírem efetivos meios de punição por sua própria conta ou ainda de não possuírem
uma estrutura adequada por estarem em fase de implementação, uma iniciativa de uma
instituição governamental sempre terá um grande potencial em si.
Ainda em relação à atuação do órgão legislativo, cabe destacar também
iniciativas isoladas, como o trabalho desenvolvido pela Vereadora Cristiane Brasil
visando à conscientização da população idosa a respeito do Estatuto do Idoso, onde
foram realizadas até mesmo campanhas itinerantes em locais públicos para a divulgação
deste material. Este é um trabalho de imenso valor, uma vez que já o mencionamos o
problema da falta de conscientização em relação aos seus próprios direitos por parte dos
idosos, o que leva à dificuldade de atuação das instituições competentes para a solução
de possíveis infrações.
Percebemos assim que estamos ainda na fase de criação e de
desenvolvimento das ações voltadas para a proteção do idoso no âmbito do Estado, que
parece ainda tentar se adaptar às novas exigências e demandas impostas pelo segmento
idoso. As iniciativas aqui descritas devem ser analisadas neste momento como um ponto
de partida para uma atuação séria do Estado em relação à defesa dos Direitos dos
Idosos, uma vez que o aperfeiçoamento das instituições já existentes, assim como a
criação de outras mais, pode levar efetivamente ao cumprimento do Estatuto do Idoso.
Isto depende, é claro, de um trabalho político sério e comprometido de nossos
representantes em defesa da população idosa, o que dependeria da consolidação de
novos juízos e valores no seio da sociedade que passassem a conceber o idoso como um
dos alvos prioritários para o desenvolvimento de políticas públicas e de ações sociais.
157
7. A Sociedade Civil na Defesa do Idoso: Participação,
Mobilização e Atuação dos Conselhos e Fóruns do Idoso
158
necessidade de criação de mecanismos institucionais de mobilização social, como os
Conselhos, por exemplo.
Desta forma, a participação é a base para a integração social e para a
formulação de políticas públicas que perpassem aos interesses individuais, e que
vislumbrem as demandas coletivas através de objetivos e necessidades comuns,
caracterizando-se assim os Conselhos como uma esfera de associação voltada para a
articulação de um determinado grupo social:
159
civil ocorre através dos Fóruns, esferas de debate que se caracterizam por serem mais
abertas e acessíveis à população em geral, e que estabelecem os critérios para a
candidatura de determinada instituição à ocupação de uma das cadeiras do Conselho.
Os Fóruns seriam os instituintes dos Conselhos, e geralmente não possuem
personalidade jurídica e nem estão sob controle do Estado, se caracterizando assim
como típicas arenas de debate e discussão acerca das questões relativas ao
envelhecimento. Uma maior participação popular nos Fóruns, em especial do próprio
segmento idoso, seria de extrema relevância para o enriquecimento da mobilização
social em torno desta causa, sendo igualmente necessário uma melhor articulação entre
os Fóruns e os Conselhos de modo que estes se tornem efetivos receptores das
demandas oriundas dos primeiros.
Desta forma, os Conselhos teriam como base a integração entre a sociedade
civil e o Estado no que diz respeito à defesa dos direitos do idoso. A instituição possui
ainda o FUNDEPI (Fundo para a Defesa da Pessoa Idosa), verba destinada ao
funcionamento e manutenção do Conselho. O problema é que a finalidade deste fundo
nunca esteve bem definida, onde se questiona se deveria ser utilizado na infra-estrutura
do Conselho ou no apoio a projetos e ações sociais voltadas ao idoso, já que iniciativas
deste tipo deveriam ser financiadas com as verbas das respectivas Secretarias de
Governo. E pior ainda, o FUNDEPI não pode ser utilizado pelas entidades
representativas da sociedade civil, somente pelas do Estado.
Esta situação leva à falta de condições objetivas de atuação da entidade, que
além de não possuir cargos remunerados especificamente voltados para a fiscalização de
possíveis denúncias, também não possui poder de punição, se limitando assim ao
encaminhamento das denúncias que ali chegam aos órgãos competentes, como o
Ministério Público, por exemplo.
O Conselho passa, desta forma, a atuar de forma burocrática, e não cumpre
suas funções de fiscalização e avaliação das ações sociais voltadas para o idoso, e
menos ainda participa da formulação destas políticas, como estava previsto em lei.
Exemplo disto é o fato de que todas as iniciativas do Estado voltadas para o segmento
idoso deveriam passar pela supervisão dos Conselhos, mas apesar disso são
desenvolvidas sem qualquer consulta à entidade, que na realidade é apenas comunicada
sobre as atividades do Governo voltadas para este segmento.
Segundo a Professora Sara Nigri, ex-suplente do Conselho Estadual do Rio
de Janeiro através da Associação Nacional de Gerontologia, esta articulação entre
Estado e sociedade civil é prejudicada pelo desinteresse das entidades representativas do
160
Estado, onde muitas vezes seus representantes sequer estavam presentes às reuniões,
enquanto as entidades da sociedade civil se faziam muito mais atuantes e participativas.
Isto não significa necessariamente avanços em termos de resultados, uma
vez que as entidades representativas da sociedade civil poderiam estar ali buscando
benefícios particulares para suas próprias instituições, ao invés de estarem ali a serviço
do segmento idoso em geral, tornando obsoleta a atuação do Conselho:
A Professora alerta ainda para o fato de que o Conselheiro não tem um papel
bem definido em relação à sua atuação, o que pode ser conseqüência da imprecisão das
atribuições do próprio Conselho nesta fase inicial de criação e implementação. Os
Conselheiros teriam uma função de defesa dos direitos dos idosos, sendo geralmente
profissionais ou representantes de instituições que trabalhem com as questões relativas
ao envelhecimento. Esta categoria de profissionais dedicados à proteção dos idosos vem
se aprimorando cada vez mais, formando um corpo técnico que parece substituir o
próprio idoso nas suas reivindicações e causas sociais.
Este panorama nos leva a questionar a composição dos Conselhos no que
diz respeito à participação do próprio idoso nesta entidade, que aparece extremamente
tímida em um cenário dominado por instituições públicas e privadas, fazendo com que a
formulação e avaliação das políticas públicas voltadas para o idoso não contem com a
reflexão e com a mobilização daqueles a quem estas políticas mais interessariam, no
caso o próprio idoso, como questiona mais uma vez o Professor Serafim Paz:
A atuação efetiva dos Conselhos pode ficar assim comprometida por este
formato de representação institucional talvez levar em consideração apenas questões
que envolvam determinados idosos de segmentos sociais específicos, não tratando,
desta forma, das problemáticas da velhice em geral, uma vez que, ao mesmo tempo em
que os idosos compartilham algumas características comuns, possuem também
161
diferenças entre si inerentes à composição de uma sociedade altamente estratificada. Os
Conselhos devem, então, ter a preocupação de englobar em suas discussões e na sua
atuação, as variadas condições de vida na velhice, que podem facilmente ser observadas
em um país com extremas desigualdades sociais como o Brasil:
“Fóruns e Conselhos devem atuar com as diferentes velhices e impedir que se difunda
apenas uma única imagem da velhice, geralmente associada a velhos de segmentos de média ou alta
renda, que são estimulados pela maioria dos programas e ações e/ou pela mídia, a ideais de vida ativa e
saudável distanciados da maioria dos idosos, e que tornam visível um padrão de velhice que não
contempla a todas as velhices”.
(Paz, 2001:85)
162
8. Conclusão
164
É necessário um trabalho a longo prazo, onde o desenvolvimento de
programas de saúde preventiva desde a infância, passando pela fase adulta, e finalmente
alcançando a velhice, poderiam modificar completamente o cenário sombrio da saúde
em nosso país. É uma questão muito simples perceber que uma criança saudável
provavelmente se tornará um adulto saudável, e conseqüentemente um idoso saudável, o
que levaria os cofres públicos a economizarem grandes fortunas em investimentos em
hospitais e postos de saúde públicos voltados para atender uma população debilitada
fisicamente.
Além disso, frisamos neste trabalho a importância de uma análise
institucional, já que acreditamos que a principal dificuldade encontrada neste momento
para a consolidação dos direitos dos idosos no Brasil é o despreparo das Instituições
responsáveis pela sua fiscalização e pelo seu cumprimento, já que ainda estamos na fase
de adaptação, e até mesmo na fase de criação de algumas destas Instituições, o que
demanda tempo para a obtenção de resultados concretos em suas atividades.
Acreditamos também que não caberiam, neste momento, críticas em relação
às Instituições que estão iniciando suas atividades, ou que ainda estão em uma fase de
reorientação estrutural que viabilize a proteção aos idosos, fazendo com que a nossa
análise esteja mais voltada para a concepção de encaminhamentos institucionais no
sentido de vislumbrar possíveis estratégias administrativas e também ideológicas que
venham a aprimorar o atendimento ao idoso e consolidar efetivamente os direitos já
conquistados por este segmento.
O Estado está cumprindo seu papel, através da criação de Promotorias do
Idoso e da implementação de serviços como o Disque-Idoso, já existentes em algumas
cidades para a apuração de denúncias. Esperamos que sejam criadas condições objetivas
nestas Instituições que permitam o desenvolvimento de um trabalho sério e competente
voltado para os idosos, e principalmente, que estes conheçam estas entidades, e as
enxerguem como um efetivo canal de defesa de seus direitos.
Esperamos também que os quadros legislativos de nosso país também se
mobilizem em torno do ideal de um envelhecimento com dignidade, e que Comissões
como a da Câmara Municipal do Rio de Janeiro se multipliquem e atuem de forma
vigorosa na coerção contra possíveis agressões e transgressões contra os idosos. Afinal,
os representantes legítimos da sociedade têm a obrigação de zelar pelo segmento idoso,
podendo utilizar seu status e seu poder de coerção para consolidar as garantias sociais
deste grupo.
165
Em relação à sociedade civil, é fundamental o aprimoramento das atividades
dos Conselhos, sendo necessária antes de tudo à criação dos Conselhos Municipais e
Estaduais naquelas localidades aonde não tenham sido ainda implantados. E mesmo
naquelas onde já existe, vimos aqui desenvolvem atividades meramente formais e
burocráticas, e mais do que isso, não absorvem devidamente a participação dos idosos
em sua estrutura, onde estes em sua maioria sequer sabem da existência de tal
Instituição. Os Conselhos deveriam ser o canal de interação entre Estado e Sociedade
Civil, funcionando como o instrumento de participação política do idoso, e ainda está
muito longe de cumprir este papel.
Seria necessário, então, uma maior divulgação das atividades dos Fóruns e
dos Conselhos, de modo a aproximar a população e estas entidades, que poderiam se
tornar assim efetivos canais de expressão popular e porta-voz junto ao Estado. Além
disso, seria também fundamental um aprimoramento no intercâmbio entre as
Instituições de defesa e representação do idoso, onde o Ministério Público, os
Conselhos, as Secretarias de Ações Sociais e até mesmo as Universidades, por que não,
deveriam manter uma relação de permanente troca de informações e atividades
conjuntas.
De nada adianta a existência de varias instituições se estas permanecem
isoladas em seu próprio meio, o que retarda e muitas vezes impede a solução de
determinado problema relacionado à população idosa. Uma maior aproximação entre os
canais de informação, representatividade, denúncias e apuração pode ser o caminho para
a passagem da teoria a pratica, onde a lei estaria assim cada mais vez próxima da sua
efetiva aplicação.
O que percebemos nesta fase de implementação dos direitos dos idosos é um
grande jogo de encaminhamentos entre várias Instituições, onde uma denúncia é
transmitida a um determinado órgão, que por sua vez o transmite a outro, que talvez
exerça algum tipo de intimidação e aguarde o retorno desta atitude. A Instituição retorna
posteriormente para uma averiguação, confirma se houve ou não solução para o
problema, e a partir daí recomeça o vai-e-vem de encaminhamentos. Percebemos que a
instauração de processo judicial só ocorre em ultimo caso, e ainda assim demora muito
para ser desencadeado, podendo prejudicar seriamente o idoso ou os idosos em questão
por se tratar talvez de problemas que não necessitem de uma resolução imediata.
Punição, então, ainda é algo utópico quando se trata de transgressões contra idosos.
Sabemos que a ideologia vigente dificilmente mudará, e o reino do capital
ainda persistirá por muito tempo, excluindo impiedosamente aqueles que não mais
166
possuem vigor físico e capacidade produtiva. Também é igualmente difícil vislumbrar
uma maior valorização moral para os idosos em uma sociedade egocêntrica e
materialista como a de nossos dias, onde valores morais e solidariedade parecem ser
esmagados pela violenta competição que marca as nossas vidas, onde desde a nossa
infância já somos preparados para estudar, se especializar, lutar pelo seu lugar ao sol,
estudar mais ainda, trabalhar mais ainda e tentar estar sempre em um lugar mais alto
daqueles que estamos no momento. E nesta guerra não importa aqueles que ficaram
para trás, faz parte da lógica capitalista que uns aproveitem as oportunidades e outros
fracassem, tornando a pobreza e a desigualdade social extrema elementos inerentes ao
sistema.
Diante disso, só nos resta cobrar permanentemente do Estado que sejam
cumpridas todas as garantias conquistadas pela população idosa, de forma que sua
condição de exclusão e desvalorização seja minimizada por um tratamento de dignidade
que deve ser entendido, pelo menos, como uma recompensa por uma história de vida
que tenham traçado ao longo de sua existência, e que neste momento tenham a
oportunidade de desfrutar de uma velhice saudável.
Devemos vislumbrar o sonho de uma sociedade para todas as idades como
um ideal ainda longe de ser atingido, como uma meta a ser alcançada em um futuro
indeterminado, onde os idosos não seriam incluídos na lógica do sistema, o que seria
uma grande utopia, mas poderiam ter seus direitos respeitados e garantidos como outras
gerações os têm. Acreditamos ser possível uma sociedade para todas as idades no
sentido de que todos tenham uma vida digna e exerçam plenamente os seus direitos de
cidadania.
Imaginamos também que o futuro nos indica grandes possibilidades de
avanço na qualidade de vida da população idosa, uma vez que atualmente percebemos
gradativas melhoras no acesso à educação, no funcionamento de algumas Instituições, e
também em um maior desenvolvimento de políticas públicas voltadas para grupos
sociais mais vulneráveis, o que pode fazer do idoso de amanhã um indivíduo muito
melhor preparado para enfrentar os obstáculos da vida do que os idosos de hoje, que
sofrem com a herança do passado e com o descaso do presente. Por outro lado,
observamos o desmonte da Previdência Pública e a crise do trabalho formal, nos
levando a pensar que o idoso de amanhã talvez se encontre em uma posição ainda mais
desamparada em termos de benefícios e garantias sociais.
A luta pelos idosos é assim uma batalha constante, uma vez que a sua
situação de exclusão provavelmente ainda perdurará por muito tempo, o que coloca
167
todos aqueles comprometidos com a defesa dos idosos em uma árdua missão, que
consiste em lutar contra o sistema e contra a lógica vigente. Isto exige de nós uma
perseverança ainda maior, onde cada conquista deve ser vista como apenas um passo em
uma luta que ainda está longe de ser finalizada, que é aquela luta por transformações
que modifiquem a estrutura social e a mentalidade dos indivíduos, onde os idosos
passem a ser vistos com dignidade e respeito. Os idosos não devem lutar sozinhos, e
nem devemos lutar por eles, mas devemos sim, lutar com eles.
*Bibliografia*
168
_____________________. – Lei 8.742 de 07 de Dezembro de 1993 – Lei
Orgânica de Assistência Social.
_____________________. - Lei 8.842 de 04 de janeiro de 1994 – Política
Nacional do Idoso.
_____________________. - Lei 10.741 de 01 de Outubro de 2003 - Estatuto do
Idoso.
Brasil, República Federativa do - Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos – Programa Nacional dos Direitos Humanos – Brasília, 1996.
__________. - Programa Nacional dos Direitos Humanos II – Brasília, 2002.
Calabi, A. C. - As Imagens do Envelhecimento nos Anúncios Publicitários de
Televisão. Relatório PIBIC/CNPq, IFCH, UNICAMP, 1994
Camarano, A. (Org.) – Muito além dos 60: os novos idosos brasileiros – Rio de
Janeiro, IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 1999.
Dail, P. W. - Prime-time television portrayals of older adults in the context of
family life. The Gerontologist, 28, 700 – 706, 1988.
Debert, G. – Envelhecimento e curso da vida. Revista de Estudos Feministas. Vol.
5., n.1, 1997.
_________ - A Reinvenção da velhice: Socialização e Processos de
reprivatização do envelhecimento – São Paulo, EDUSP/FAPESP, 1999.
__________ - O Idoso na mídia. Disponível em www.comciencia.com.br
Demo, P. – Introdução à Metodologia Científica – São Paulo, Editora Atlas, 1985.
Faleiros, V.P. – O Saber Profissional e o Poder Institucional – São Paulo, Editora
Cortez, 1985.
FIBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) –Pesquisa Mensal
de Emprego (PME) - Rio de Janeiro, 1996.
_________ - Programa Nacional por Amostra de Domicílio – Rio de Janeiro,
1998.
_________ - Relatório sobre o Envelhecimento – Rio de Janeiro, 2002.
_________ - Perfil dos Idosos responsáveis pelos domicílios no Brasil 2000 –
Rio de Janeiro, 2002.
Freund, J. - Sociologia de Max Weber - São Paulo, Ed. Forense, 1970.
Garcia, M. T. - Auto-imagem na aposentadoria: mito e realidade. In: Revista da
Terceira Idade. São Paulo: SESC, 1999.
Gohn, Maria da Glória - Teoria dos Movimentos Sociais - São Paulo: Editora
Loyola, 1997.
169
Gramsci, A. – Cadernos do Cárcere - Volume 1: Introdução ao estudo da
Filosofia. A Filosofia de Benedetto Croce – Rio de Janeiro, Editora Civilização
Brasileira, 1999.
Haddad, E. - A ideologia da Velhice - São Paulo, Editora Cortez, 1989.
_________ - O Direito à Velhice: Os aposentados e a Previdência Social – São
Paulo, Editora Cortez, 1993.
Marques, A. – Paradoxos do envelhecimento: entre velhice e terceira idade, in
Revista Interação, v.3, Curitiba, 1999.
Márquez, G. – Amor em tempo de cólera – Bogotá, Oveja Negra, 1985.
Marshall, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Editora Jorge
Zahar, 1967.
Marx, K. – O Capital -Volume I - São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988.
Mascaro, S. A. - Imagem de Velhos e da Velhice nas Páginas do Jornal O Estado
de S. Paulo 1988-1991. Tese de Doutorado, ECA, USP, 1993.
Mendes, P.M. – Cuidadores:heróis anônimos do cotidiano. In Karsch, U.M. –
Envelhecimento com dependência:revelando cuidadores – São Paulo, Educ, 1998.
Moreira, M. M. S. - Saúde e Qualidade de Vida na Terceira Idade: um Estudo dos
Aspectos Biopsicossociais e dos Programas Destinados a este Segmento da
População Brasileira. Monografia do curso de especialização em Serviço Social e
Saúde, Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1998.
Negreiros, T. (Org.) – A Nova velhice – Rio de Janeiro, Editora Revinter, 2003.
Neri, A.L. – Qualidade Vida e Idade Madura – Coleção Vivaidade, Campinas, São
Paulo, Editora Papirus, 1993.
_________ - A preparação para a aposentadoria. Revista A Terceira Idade,
15, 1998.
Néri, M.; Nascimento, M.; Pinto, A. – O acesso ao capital dos idosos brasileiros:
uma perspectiva do ciclo da vida – Rio de Janeiro, IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada), 1999.
Neto, A.R. - As Leis de Manu - São Paulo, Fiuza editores, 2002.
Northcott, H. - Too young, too old - Aging in the world of television. The
Gerontologist, 15, 184 –186, 1975.
Oliveira, Franscisco – A economia da dependência imperfeita – Rio de Janeiro,
Editora Graal, 1977.
ONU (Organização das Nações Unidas) - International Plan of Action on Ageing –
Viena, 1982.
170
________ - Princípios das Nações Unidas para o Idoso – Madri, 1991.
________ - Plano de ação internacional sobre o envelhecimento - tradução de
Arlene Santos, revisão de português de Alkmin Cunha; revisão técnica de Jurilza M.B.
de Mendonça e Vitória Gois. – Brasília, Secretaria Especial dos Direitos Humanos,
2003.
OMS (Organização Mundial da Saúde) - Declaración de Toronto para la
Prevención Global del Maltrato de las Personas Mayores – Toronto, 2002.
Paz, S.F. – Dramas, Cenas e Tramas: a situação de Fóruns e Conselhos de Idosos
no Rio de Janeiro – Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação, Campinas, São Paulo, 2001.
Rawls, John – Uma Teoria da Justiça – São Paulo, Editora Martins Fontes, 2002.
Rey, B. F.; Silva, J. R.; Pezzi, M. P.; Jorge, S. V. T.; Costa, S. P.; Meneses, T. M. &
Fritsch, V. R. C. - A preparação para a aposentadoria e a implantação de
programas nesta área. Gerontologia, 1996.
Saad, P. - O Idoso na Grande São Paulo - São Paulo, Coleção Realidade Paulista,
1990.
Santos, M. – Identidade e Aposentadoria – São Paulo, EPU, 1991.
Santos, S.M. – Cuidadores familiares de idosos dementados: uma reflexão sobre o
cuidado e papel dos conflitos na dinâmica da família cuidadora. In Cachioni, M.;
Neri, A.; Simson, O. (Org.) – As Múltiplas faces da velhice no Brasil – São Paulo,
Editora Alínea, 2003.
Simões, J.A. - Solidariedade intergeracional e reforma da previdência. In: Revista
de Estudos Feministas. Vol. 5., n.1, 1997.
Swayne, L. E. & Greco, A. J. - The portrayal of older Americans in television
commercials. Journal of Advertising, 16, 47-54, 1987.
Veras, R.(Org.) - Velhice numa perspectiva de futuro saudável – Rio de Janeiro,
UERJ/UNATI, 2001.
Vogt, Carlos - Envelhecimento não é causa da crise da previdência - Disponível
em http://www.comciencia.br
171