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Pereira Coelho
1992
1
INTRODUÇÃO
§ 1.º
NOÇÕES FUNDAMENTAIS
2
À morte do “de cuius” abre-se a sucessão — e procede-
se ao chamamento ou vocação sucessória. E a herança fica em
situação de jacência, enquanto se aguarda resposta ao
chamamento. Se este obtém e quando obtiver resposta
afirmativa, ou seja, quando for aceite a herança, esta tem-se
como adquirida.
Com a aquisição da herança, não termina porém
necessariamente o fenómeno sucessório.
Estando os bens hereditários a ser possuídos por terceiro,
a titulo de herdeiro, por outro título ou mesmo sem título, o
verdadeiro herdeiro terá de pedir a herança ao herdeiro aparente.
A herança pode ser alienada. E se tem encargos ou há mais que
um herdeiro, há que administrar a herança, conservando-a
separada do património pessoal dos sucessores, a fim de a
liquidar e partilhar entre os co-herdeiros.
Após a partilha é que a situação se normalizará: a crise
que se abriu, por morte do “de cuius”, nas relações jurídicas de
que este era titular só então ficará definitivamente superada.
1
Sobre o modelo socialista do Direito das Sucessões, cfr. infra,, n.º 5.
3
Sendo tudo isto exacto, a verdade é que constitui um
dado irrecusável da experiência jurídica a existência de uma
massa, maior ou menor, de direitos e obrigações que não se
extinguem à morte do seu titular mas perduram para além dela.
E, na realidade, se aqueles direitos e obrigações se
extinguissem com o falecimento do seu titular chegaríamos a
soluções inaceitáveis.
Extintos os créditos, os devedores ficariam liberados das
suas dividas em consequência do falecimento do credor.
Extintas as dívidas, os credores do finado veriam frustrados os
seus direitos de crédito e seriam injustamente prejudicados. Se
assim fosse, quem quereria contratar? Os direitos reais limitados
(v. g., servidões) de que o falecido era titular extinguir-se-iam,
dilatando-se automaticamente os correspondentes direitos reais.
E as coisas móveis do de cuius, extintos com a sua morte os
direitos reais do falecido, tornar-se-iam res nullius à mercê do
primeiro ocupante.
Não podendo a lei, como sem dúvida não pode, admitir
estes resultados, ela liga à morte das pessoas um fenómeno de
sucessão, para que as relações jurídicas do de cuius vão
continuar após a sua morte na titularidade de outro sujeito.
Trata-se de uma sucessão em todas as relações jurídicas
de que era titular o falecido e que o legislador, segundo o seu
critério, acha conveniente que não se extingam mas justamente
perdurem para além da morte do respectivo titular.
Pode dizer-se que o fenómeno da sucessão por morte, na
sua modalidade mais característica, ou seja, como herança2, faz
face a esta exigência social de que a morte não afecte as relações
do “de cuius” e encontra aí a sua mesma justificação: trata-se de
assegurar a continuidade das relações jurídicas do finado —
2
Diversa é a função do legado: infra, n.º 16.
4
daquele núcleo de relações que devem perdurar mesmo depois
da morte dele —, evitando que as mesmas relações se extingam
com todos os prejuízos económico-sociais inerentes.
∗
Sobre os temas versados neste número, além das lições de GALVÃ0
TELLES, GOMES DA SILVA e OLIVEIRA ASCENSÃO referidas adiante
na bibliografia geral (n.º 8)), podem ver-se: GALVÃ0 TELLES,, Teoria
geral do fenómeno jurídico sucessório (1944), pp. 20-29 e Algumas
considerações sobre o conceito jurídico de sucessão (1965), NICOLÓ,
Succccessione nei dirittii, no Nuovo Digesto Italiano, XII, pp. 985 e segs. e
La vocazione ereditaria diretta e indiretta. nos Annali dell’ Istituto di
Scienze Giuridiche, Economiche, Politiche e Sociali (da Universidade de
Messina), vol. 8.°, pp. 3 e segs., e CARIOTA FERRARA, Le successioni per
causa di morte (1985), 1, 1, pp. 30 e segs.
3
O instituto da sub-rogação real (sucessão, não de pessoas, mas de bens), a
que se referem, v. g., os arts. l19.°, n..° 1, 1678.°, n.°2, al. c) e 1723º do Cód.
5
substituir ou subingressar em determinada posição que outra
pessoa ocupava.
E importa-nos destacar essa noção porque ela é,
devidamente acomodada à matéria de que se trata — aquela
posição em que uma pessoa se substitui a outra será
naturalmente, agora, uma posição jurídica, a posição de sujeito
de uma relação jurídica — a noção jurídica de sucessão no seu
sentido mais geral.
Podemos enunciá-la deste modo: há um fenómeno de
sucessão sempre que uma pessoa assume, numa relação jurídica
que se mantém idêntica, a mesma posição que era ocupada
anteriormente por outra pessoa.
Como se vê, o conceito jurídico de sucessão é assim
integrado por dois elementos.
A sucessão supõe, em primeiro lugar, que se opera uma
modificação subjectiva em determinada relação jurídica, que, v.
g., em certa relação obrigacional ou real, muda a pessoa do
credor ou do devedor, do proprietário, etc.
E supõe, em segundo lugar, que a relação jurídica se mantém a
mesma apesar da modificação operada4.
4
Não se trata aqui, como é evidente, de qualquer identidade natural entre o
direito do antigo e o do novo titular, mas de uma identidade normativa,
definida segundo critérios práticos e não estritamente lógicos. Assim, p. ex.,
o direito de crédito do novo titular será o mesmo do antigo se, sendo este
condicional ou a termo, aquele também o for, se se mantiverem as garantias
que asseguravam o pagamento da dívida e as excepções ou meios de defesa
que podiam ser opostos ao antigo titular continuarem a poder ser opostos ao
novo titular; diz-se que o direito de propriedade do comprador é o mesmo do
vendedor porque, estando o prédio hipotecado ou onerado com uma servidão,
o comprador adquire o direito com estas mesmas limitações; etc.
6
Neste sentido amplo do termo, são formas de sucessão
uma compra e venda, a expropriação por utilidade pública, a
cessão de créditos, a transmissão singular de dívida, a aquisição
de bens da herança pelo herdeiro ou legatário, etc.
E o emprego da palavra não é restrito, de resto, ao ramo
do direito civil que se chama Direito das Sucessões nem se quer
ao direito privado; fala-se ainda, por exemplo, em sucessão de
Estados, em sucessão num cargo público, em sucessão no
processo, etc.
5
A crítica sistemática ao conceito de sucessão parece remontar a KUNTZE ,
cuja controvérsia, a este propósito, com WINDSCHEID pode ver-se referida
em CARNEIRO PACHECO, Da Sucessão singular nas dívidas (1912), pp.
27-33. De entre os modernos adversários do conceito de sucessão, cfr. por
todos CARNELUTTI, Teoria generale del diritto, 3 ed. (1951), pp. 188 e
segs.
7
Segundo certa concepção doutrinal, todo o direito
pressupõe um dado sujeito, e se muda o sujeito (elemento
essencial do direito) extingue-se o direito. O que passaria para o
novo titular não seria pois o direito, mas apenas o seu objecto. O
direito do novo titular seria sempre um direito novo, embora de
conteúdo igual ao do direito que se extinguiu.
E, assim, não seria legítimo falar-se em sucessão nos
direitos.
Mas semelhante concepção não deve seguir-se.
A sucessão nos direitos só não seria possível se
concebêssemos o direito subjectivo como incindivelmente
ligado a um determinado sujeito.
Assim, se na definição de direito subjectivo optássemos
por aquela doutrina que o concebe como poder de vontade,
segundo a fórmula de SAVIGNY e WINDSCHEID, certamente
que não seria legítimo falar-se em sucessão.
Nem a sucessão seria concebível se o direito subjectivo
nos termos da conhecida definição de VON IHERING, se
identificasse com o interesse juridicamente protegido: na
realidade, e como relação quae inter est o sujeito e o respectivo
bem, o interesse ainda estará indissoluvelmente ligado ao
sujeito.
Mas as objecções precedentes perderão a sua razão de ser
se entendermos o direito subjectivo como estrutura objectiva,
uma estrutura de domínio ou de poder pela qual a Ordem
jurídica reconhece ou atribui a uma pessoa (o “sujeito do
direito”) o senhorio de determinado bem, material ou imaterial,
um bem que assim como que se torna pertença sua e de que ela
poderá dispor com maior ou menor amplitude.
8
E tal é, segundo nos quer parecer, a concepção preferível
do direito subjectivo6 expressão jurídica daquele suum próprio
— como escreve CASTANHEIRA NEVES — por que se
realiza a participação pessoal e a afirmação da autonomia
individual, como dimensão irredutível de toda a verdadeira
comunidade de direito7. Ora, concebido o direito subjectivo
como organização objectiva, não se vê porque não possa o
sujeito do direito dispor dele, transferindo para outrem aquela
estrutura de domínio ou de poder, como não se vê porque não
possa a lei proceder analogamente operando ela própria essa
transferência.
Na verdade, e à luz da concepção exposta, o direito
subjectivo será afinal uma realidade objectiva, abstracta
(independente da pessoa que for seu titular em certo
momento89); mesmo que não se aceite a tese de que pode haver
6
Na literatura nacional vejam-se nomeadamente GOMES DA SILVA, O
dever de prestar e o dever de indemnizar (1944), pp. 27-83, ORLANDO DE
CARVALHO, Direito Civil (Teoria Geral da Relação Jurídica), pp. 144 e
segs. e CASTANHEIRA NEVES, Lições de Introdução ao Estudo do Direito
(policop.), 1969, pp. 359-407.
7
Ob. cit.. p. 389.
8
Sob este aspecto, a fórmula direito subjectivo pode induzir em erro. Mas a
qualificação é muito sugestiva para exprimir a ideia de que o exercício do
direito é posto na dependência da vontade do seu titular: neste sentido é que o
direito é subjectivo.
9
Isto será mais uma prova da não coincidência entre o direito e o interesse. O
direito é objectivo, é abstracto (no sentido do texto); o interesse que lhe é
subjacente, pelo contrário, é subjectivo, é concreto. Assim, por exemplo, se A
transmite a B um seu direito, as consequências da violação, por C, do direito
de B podem ser muito diferentes daquelas que teria tido a violação do direito
de A pelo mesmo C. Pode, v. g., o dano causado a B ser muito maior do que
teria sido o dano causado a A. Isto justamente porque (em razão da particular
conexão entre o bem a que o direito se refere e outros bens de 13, da
particular utilização que B teria feito daquele bem, etc.) o interesse de B pode
ser muito diferente do interesse de A; e o dano a indemnizar é justamento o
9
direitos sem sujeito e a ligação com uma pessoa se lhe julgue
essencial, já não será essencial ao conceito de direito subjectivo
a sua ligação com uma determinada pessoa.
Assim, e quer se trate de sucessão ex voluntate quer ex
lege, não haverá qualquer impossibilidade lógica de um direito
mudar de sujeito e se transferir para outrem; essa
impossibilidade, quando existir, só poderá ser uma
impossibilidade teleológica. Ou seja: tudo depende da natureza e
dos fins, segundo a lei, do direito de que se trata. Se este servir
finalidades estritamente pessoais, também se extinguirá quando
se extinguir a personalidade jurídica do sujeito. Terá assim de
determinar-se caso a caso — por interpretação ou integração das
normas legais — o teor da ligação entre o direito e o respectivo
sujeito: normalmente essa ligação é cindível, e por isso é
possível a sucessão, mas outras vezes é incindível e então a
sucessão já é impossível10.
10
Na secção referente ao objecto da devolução sucessória (infra, nº 33-35)
serão expostos os princípios gerais sobre a hereditabilidade das relações
jurídicas e examinados alguns casos particulares.
10
Apurada a legitimidade do conceito de sucessão e
esclarecido este conceito, é agora fácil proceder à sua
delimitação.
Assim, vê-se logo que a aquisição originária de direitos não
implica qualquer fenómeno de sucessão.11 Essencial ao conceito
de sucessão, na verdade, é que o direito do sucessor se
identifique, segundo a lei, com o do anterior titular; e na
aquisição originária, mesmo quando o direito adquirido já
11
Os conceitos de aquisição originária e aquisição derivada, bem como as
várias formas que a aquisição derivada pode revestir (aquisição translativa,
constitutiva e restitutiva) são-nos já conhecidos da cadeira de Teoria Geral do
Direito Civil. A aquisição derivada é a que se funda ou filia num direito do
anterior titular (o mesmo ou outro mais amplo), cuja existência pressupõe; a
existência do direito do adquirente, tanto como a extensão deste direito,
dependem da existência e da extensão do direito do anterior titular
(nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet). Ao invés, diz-se
originária a aquisição a que não preexiste qualquer direito de um anterior
titular (v. g., ocupação de uma res nullius), ou a aquisição a que preexiste um
direito do anterior titular mas que não depende, nem no seu an nem no seu
quantum, deste direito (v. g., usucapião); a existência, como a extensão, do
direito do adquirente dependem agora só do facto aquisitivo (tantum
possessum quantum praescriptum). A aquisição derivada é, em regra,
translativa: direito adquirido é o mesmo direito que já pertencia ao anterior
titular, e que passa, tal como era, para o novo (v. g., compra de um prédio,
cessão de um crédito). Mas também é às vezes constitutiva: o direito
adquirido, fundando-se igualmente num direito do anterior titular (à custa do
qual se formou), todavia ainda não existia como tal (isto é, como direito
autónomo) na sua esfera jurídica (v. g., constituição de um usufruto, de uma
servidão). Por fim, a aquisição derivada diz-se em certos casos restitutiva
quando o titular de um direito real limitado (v. g., usufruto, servidão)
renuncia ao seu direito, fica o proprietário restituído ao seu pleno direito de
propriedade, graças à elasticidade deste direito. Assim no caso de renúncia
contratual (a título gratuito ou a título oneroso); os casos em que o titular do
direito real limitado se demite dele por acto unilateral, pretendendo apenas
alijar-se do direito e sendo-lhe indiferente o seu destino ulterior, qualificar-
se-ão mais exactamente como casos de aquisição originária restitutiva. Cfr.,
para todas estas noções, MANUEL DE ANDRADE, cit., II, pp. 15-18.
—
11
existia (o que nem sempre é o caso) na titularidade de outro
sujeito, não se verifica semelhante identificação. O direito do
adquirente é considerado por lei um direito novo, que não
depende do direito do anterior titular mas apenas do facto
aquisitivo.
Por outro lado, também não existe sucessão — tomada a
palavra no sentido rigoroso que lhe atribuímos — nos casos de
aquisição derivada constitutiva e restitutiva12.
Relativamente aos primeiros casos, consideremos, por
exemplo, a hipótese de constituição de uma servidão. Se virmos
bem, o que há aqui não é um fraccionamento do direito de
propriedade; não é que o dono do prédio serviente perca certos
poderes que sejam adquiridos (esses mesmos poderes) pelo
titular do direito de servidão. Nesta maneira de conceber as
coisas haveria efectivamente sucessão, mas ela não seria exacta.
Como se estudará melhor na disciplina de Direitos Reais, o que
há aqui é a constituição de um novo direito (o direito de
servidão), e a correspondente compressão ou limitação do
direito do dono do prédio serviente sobre este prédio. O direito
adquirido é, assim, um direito que não existia como tal na esfera
jurídica do dono do prédio sujeito à servidão, falhando aqui,
portanto, a exigência fundamental da identidade entre o direito
do sucessor e o do anterior titular que constitui, conforme
dissemos, um dos elementos do conceito de sucessão.
12
Há quem fale ainda de sucessão nos primeiros casos (“sucessão
constitutiva”), mas a terminologia não é correcta, pois na aquisição derivada
constitutiva, como a seguir se diz no texto, não existe aquela identidade entre
o direito do anterior titular e o direito do sucessor que é essencial ao conceito
de sucessão. E claro que, como forma de aquisição derivada que é, valem
para a aquisição derivada constitutiva os princípios próprios da aquisição
derivada e nomeadamente a regra nemo plus iuris. Mas a aplicação destes
princípios só exige justamente o conceito — mais lato — de aquisição
derivada e não o conceito — mais restrito— de sucessão.
12
Nem são de genuína sucessão as hipóteses de aquisição
derivada restitutiva, como se mostra através de uma ordem de
considerações análoga à precedentemente exposta. Imaginemos
agora que o titular do direito de servidão renuncia a este direito.
Nessa hipótese, e graças á elasticidade característica do direito
de propriedade, o dono do prédio serviente ficará restituído à
plenitude dos seus poderes sobre o prédio. Mas também não se
pode dizer agora que ele tenha adquirido o direito de servidão
como tal; o que aqui se verifica é a extinção do direito de
servidão, e a correspondente extensão ou dilatação do direito do
dono do prédio serviente.
Excluídas do âmbito do conceito de sucessão as
hipóteses de aquisição originária e de aquisição derivada
constitutiva e restitutiva, vem a resultar, assim, que aquele
conceito só cobre as restantes hipóteses de aquisição: as
hipóteses de aquisição derivada translativa. Sucessão nos
direitos e aquisição derivada translativa de direitos parecem ser,
afinal, a mesma coisa. Característico desta forma de aquisição,
com efeito, é que o direito adquirido é o mesmo direito que já
pertencia ao anterior titular; que este direito, assim como era,
assim passa para o adquirente. E não é senão isto mesmo que se
verifica na sucessão, cuja nota essencial, conforme dissemos, é a
identidade, segundo a lei, do direito do sucessor com o direito
do anterior titular.
Assim, e por uma elementar razão de economia de
conceitos, o conceito de sucessão pareceria, pois, dispensável.
13
herdeiro, como figura distinta da do legatário.
Remissão para o n. °15
14
como estático: o direito agora não passa, não se transmite para
ninguém. Podemos pensar que B é que se desloca e vai ocupar a
posição ou o lugar que A ocupava, sucedendo a A nessa posição
ou nesse lugar. Se o direito se liga a B — neste modo de ver —
não é senão porque B vai ocupar o lugar ou a posição que A
anteriormente ocupava. Quando falamos em sucessão nos
direitos, é esta a imagem que temos diante dos olhos13.
A distinção entre as duas perspectivas pode parecer
ociosa, mas na verdade não o é.
Em primeiro lugar, ela poderá lançar alguma luz na
distinção entre a herança e o legado que faremos adiante (nº 10-
17), pois se a figura do legatário pode compreender-se na 1ª
perspectiva aludida (a da aquisição ou transmissão) já a do
herdeiro só poderá compreender-se perfeitamente na 2.
perspectiva (a da sucessão). Estruturalmente, e como depois
explicaremos melhor, o herdeiro é um sucessor, ao passo que o
legatário é um mero adquirente ou transmissário. E, assim,
torna-se necessário ou, pelo menos, vantajoso registar um
conceito de sucessão distinto do de transmissão — o conceito de
sucessão como subingresso ou substituição nas relações
jurídicas do falecido (successio in locum et ius defuncti)—, para
explicar à luz desse conceito o regime da herança e algumas
particularidades deste regime em face do legado,
13
E é esta perspectiva que corresponde à etimologia da palavra sucessão (que
vem da palavra latina succedere, de sub + cedere). Succedere (ao contrário,
por exemplo, da palavra alemã Nachfolge que exprime uma pura sequência
temporal) significa, não só um vir depois, como também (o que o prefixo sub
claramente mostra) um ocupar o lugar do antecessor, e justamente suportar
ou sofrer os ónus, os riscos, os deveres inerentes à posição em que se sucede.
Succedere é, em latim, sinónimo de subire (atente-se no significado do verbo
francês subir); exprime o subentrar numa situação em que se tem mais em
vista o encargo a que se sujeita o sucessor do que a vantagem que dessa
sucessão derivará para ele; o subentrar numa posição donde podem derivar
direitos, mas a que mais facilmente se ligarão ónus, funções, deveres, danos,
riscos. Cfr. BONFANTE, Scritti giuridici vaii, I, pp. 278-285.
15
particularidades que doutro modo seriam incompreensíveis ou
haveria grande dificuldade em compreender (infra, n.º 14).
Por outro lado, a distinção é indispensável para bem
compreendermos o fenómeno da sucessão no seu
desenvolvimento histórico. Das duas perspectivas a que se
aludiu, a 1ª é uma perspectiva moderna, a 2ª é a perspectiva do
direito romano clássico (embora ainda hoje seja actual, enquanto
só ela permite explicar, no nosso modo de ver, a figura do
herdeiro nos sistemas jurídicos modernos). Os romanos,
efectivamente, não concebiam a princípio que um direito (ou
uma obrigação) se pudesse transmitir; repugnava-lhes a ideia de
um direito passar para outrem; os seus olhos não sabiam ver as
coisas assim. Para eles, o que se transmitia (por exemplo, numa
venda, numa doação) não era o direito, era o objecto do direito
(a coisa vendida, a coisa doada). Por isso eles não conheceram
(no período clássico) uma aquisição translativa de direitos, uma
transmissão de direitos como nós hoje a conhecemos.
Compreende-se, assim, que sucessão fosse para os romanos, nos
tempos clássicos, apenas a sucessão mortis causa, e que sobre
esta sucessão se modelassem as antigas formas de sucessão
universal inter vivos (adrogatio, conventium in manum); um
novo sujeito, enquanto investido no título de herdeiro (nomen
heredis) ou na qualidade de pater, subentrava na posição (in
locum) do defunto ou do capite deminutus e adquiria, em
consequência disso, os direitos, as obrigações e, em geral, todas
as situações jurídicas activas e passivas pertencentes ao de cuius
ou ao capite deminutus (successio in ius) — em qualquer caso
de sucessão universal (sucessão mortis causa ou sucessão inter
vivos) nenhuma transmissão de direitos existia. Pelo contrário, o
conceito de sucessão singular só se afirmou numa época
posterior, e justamente quando se passou a aceitar a ideia de
uma transferência, não da coisa objecto do direito, mas do
próprio direito em si mesmo. Neste momento passou a ser
possível ver as coisas, não apenas da 2.ª, mas também da 1.ª das
perspectivas a que fazemos referência, perspectiva a partir da
16
qual muitos passaram a considerar também, mas a nosso ver
erradamente, a sucessão universal mortis causa, vendo nela,
como na sucessão singular, ainda uma aquisição translativa —
uma transmissão de todo o património do de cuius ou de uma
sua quota para o herdeiro.
As duas razões precedentes aconselhariam, assim, a
distinguir entre sucessão e transmissão nos termos expostos.
E se usássemos linguagem de grande rigor, guardaríamos
o termo sucessão para designar a sucessão por morte e, dentro
desta, só a sucessão universal, ou seja, a sucessão em beneficio
do herdeiro. Verdadeiramente, apenas o herdeiro é sucessor,
pois só ele substitui o “de cuius” ou sub ingressa no lugar dele,
como acontece na sucessão nos termos em que a caracterizámos;
o comprador, o cessionário, o legatário são meros adquirentes14.
Não empregaremos terminologia tão rigorosa, pois
reconhecemos que “sucessão”, na linguagem da lei como na dos
juristas, tem sentido diferente e mais amplo, e, assim, ao
falarmos doravante cm abertura da sucessão, em vocação
sucessória, etc., reportar-nos-emos tanto à herança como ao
legado.
Quando fizermos, porém, a distinção entre o herdeiro e o
legatário no § 2. ° desta Introdução, voltaremos a ter em conta a
distinção de há pouco entre sucessão e transmissão,
considerando o herdeiro como sucessor e não transmissário, pois
só á luz daquela qualificação, conforme dissemos, poderão achar
explicação satisfatória aspectos muito importantes do seu regime
jurídico.
14
Dizemos assim porque o herdeiro também é adquirente, como é óbvio;
simplesmente, ele adquire o universum ius ou uma sua quota porque substitui
o “de cuius” ou subingressa no lugar dele. A aquisição é aqui só — por assim
dizer — reflexa e consequencial.
17
3. Sucessão em vida e sucessão por morte. Critério de distinção
e algumas hipóteses particulares
15
Há, porém, casos excepcionais em que a sucessão se dá sem a vontade do
antigo titular (v. g., expropriação por utilidade pública, venda judicial no
processo executivo) ou do novo (v. g., doações puras feitas a pessoas
incapazes de contratar, nos termos do art. 951º, nº 2).
16
Relativamente à sucessão legitimária, há quem pretenda que os herdeiros
legitimários já teriam um direito ainda em vida do autor da sucessão, pelo
que, de certo modo, se trataria aqui de sucessão em vida. Mas a construção
não parece exacta, como veremos no lugar apropriado (infra. n.º 29, II).
18
A fronteira entre sucessão em vida e por morte é porém
às vezes difícil de estabelecer. A questão discute-se
fundamentalmente no âmbito das doações17 a que se apõem
certas condições ou que são estipuladas com determinadas
cláusulas. E reveste-se aí de grande interesse, dado o princípio
expresso no art. 946. °. Há necessidade de ver, em múltiplos
casos, se se trata de doação em vida, e portanto permitida por
lei, ou antes de doação por morte, e nula como tal em face
daquele preceito.
O critério geral a partir do qual a distinção deve fazer-se
é o seguinte:
Há doação por morte se a doação é feita por causa da
morte (mortis causa), ou seja, se a morte do doador é causa —
ou concausa — da transmissão dos bens doados. Os efeitos da
doação, verdadeiramente, não são só efeitos dela, mas da doação
e da morte. E como nenhum efeito pode preexistir à sua causa,
antes da morte do doador a doação não produz efeitos; a doação
não vincula o doador, e, em vida deste, não tem ainda o
donatário qualquer direito sobre os bens doados.
Pelo contrário, há doação em vida se a doação produz
imediatamente os seus efeitos (atribuindo ao donatário, desde
logo, um direito sobre os bens doados), embora esses efeitos
possam ficar condicionados à morte do doador ou diferidos para
a data da morte dele.
À luz deste critério geral, consideremos agora algumas
hipóteses particulares cuja qualificação pode suscitar
dificuldades. Estas procedem de que não se trata aí — nas
hipóteses que analisaremos em seguida — de puras doações em
17
Mesmo fora do âmbito das doações pode haver casos duvidosos, como o de
venda com reserva do domínio até à data do falecimento do vendedor (uma
figura cuja validade parece indiscutível, em face do art. 409.º, n.º 1, in fine).
Conforme o critério a seguir delineado no texto, tratar-se-á aí de uma
hipótese de sucessão em vida.
19
vida ou por morte: a doação já produz certos efeitos em vida do
doador, mas outros só à morte dele irão produzir-se. Cremos que
as referidas dificuldades devem resolver-se a partir do critério
aludido: há sucessão em vida ou por morte consoante a doação
já atribui ou ainda não atribui ao donatário, em vida do doador,
um direito sobre os bens doados.
18
Note-se que a lei permite a reserva do usufruto, não só a favor do doador,
mas também a favor de terceiro ou de várias pessoas, simultânea ou
sucessivamente.
20
Também há doação em vida no caso de doação com
reserva do direito de dispor, figura prevista no art. 959.°. Como
o direito de dispor é de carácter pessoal, extinguindo-se por
morte do doador (art. 959.º, n. °2), só à morte deste é que o
donatário tem, aqui, um pleno direito de propriedade sobre os
bens doados a que a reserva se refere. Estes bens, contudo,
transmitem-se imediatamente ao donatário, embora sob a
condição resolutiva de o doador exercer o direito de dispor que
se reservou.
21
donatário e quando ele falecer. Não se trata pois de vulgar
doação a termo, mas de doação condicional, ou antes, como diz
certo autor italiano, de doação “sob condição a que vai acoplado
um termo”. A doação é feita para o caso de o donatário
sobreviver ao doador (condição) e para quando este, falecer
(termo).
Semelhante combinação negocial será permitida?
Pensamos que sim. Não se trata de doação por morte mas em
vida, que atribui ao donatário, desde logo, um direito actual,
embora condicional, sobre os bens doados, direito de que o
donatário pode dispor em vida do doador nos termos gerais do
art. 274.°. E, correspondentemente, o direito do doador sobre os
bens doados passa a ser um direito limitado, que se resolverá se
se verificar a condição prevista no contrato.
Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA19
doação si praemoriar é proibida pelo art. 948. °, mas não
cremos que a solução tenha fundamento legal. A proibição da
doação subordinada à condição suspensiva da pré-morte do
doador ao donatário não é abrangida na letra nem no espírito do
art. 946.°. Não é abrangida na sua letra, que só alude às doações
“por morte”, ou seja, às doações mortis causa no sentido
indicado. Às doações mortis causa se referia, aliás, o
Anteprojecto PIRES DE LIMA, e não parece que a 2ª revisão
ministerial, ao substituir aquele termo pela expressão vernácula,
tenha pretendido alargar o âmbito da proibição. Nem o art. 946.
° abrange no seu espírito a doação si praemoriar, pois a razão da
proibição está em a lei suspeitar que a doação seja imponderada,
produzindo os seus efeitos, como produz, só após a morte do
doador; ora, aqui, a doação produz efeitos logo em vida, o que já
é garantia de suficiente ponderação.
19
Cód. Civ. Anot., II p. 190.
22
V. Partilha em vida
20
Na Comissão Revisora a figura suscitou viva controvérsia, como pode ver-
se nas respectivas Actas, pp. 38-51.
23
vida feitas pelos pais aos filhos, pois, aí, os bens são avaliados e
entram na partilha pelo valor que tiverem à data da abertura da
sucessão (art. 2109.°, n.º 1). Em vista do segundo dos propósitos
dos pais acima referidos (o de evitar questões de partilhas),
parece que deve ser permitido aos pais fazer a partilha dos bens
doados entre todos os seus presumidos herdeiros legitimários
(ainda que o art. 2029.°, literalmente, só contemple a hipótese de
a doação ser feita a algum ou alguns). Os bens que forem
objecto de “partilha em vida” deverão ser conferidos, ou seja,
restituídos à massa da herança para igualação da partilha, nos
termos do art. 2104.°, n.º 1 ? A questão estava resolvida no
Anteprojecto GALVÃO TELLES em sentido negativo. E
supomos que assim deve ser, na realidade apesar de não ter
ficado no Código o respectivo preceito. Os bens de que se trata
não devem ser conferidos para efeitos de partilha, pois foram
logo partilhados pelo doador. De resto, a colação visa a
igualação da partilha e esta igualação não é afectada pela
“partilha em vida”, que foi feita com intervenção e
consentimento de todos os presuntivos herdeiros legitimários.
Mas parece que os bens devem entrar na massa de cálculo do
art. 2162.°, sem o que poderiam vir a considerar-se inoficiosas
outras liberalidades. O caso de sobrevir ou se tornar conhecido
outro presumido herdeiro legitimário está previsto no art.
2029.°, n.º 2: o contrato manter-se-á, mas o presumido herdeiro
legitimário superveniente pode exigir que lhe seja composta em
dinheiro a parte correspondente. Advirta-se, por último, que as
tornas em dinheiro, quando não sejam logo efectuados os
pagamentos, devem ser actualizadas (art. 2029.°, n.º 3), nos
termos prescritos no art. 551.°.
24
adiante no lugar respectivo. Trata-se de sucessão em vida ou por
morte? A qualificação é embaraço pois aquelas doações são
negócios mistos ou híbridos, como dizia MANUEL DE
ANDRADE. Se, pelo lado do doador a doação é inter vivos,
porque é irrevogável e cerceia logo os seus poderes de
disposição em certos termos, já pelo lado do donatário aparece
como mortis causa, dado que só à morte do doador é que o
donatário adquirirá um verdadeiro direito sobre os bens
doados21. Ora sendo este segundo aspecto decisivo, em face do
critério proposto, qualificaremos as aludidas doações como
doações por morte, que todavia a lei permite, a título
excepcional, nos casos que oportunamente consideraremos.
21
Isto mesmo nas doações de bens certos e determinados, em que —
como veremos adiante — o doador já não pode dispor dos bens doados a
título gratuito nem sequer a título oneroso, salvo na hipótese prevista no art.
1701º, n.°2.
25
falecida e a consequente devolução dos bens que a esta
pertenciam”22.
A noção de sucessão foi vivamente discutida na
Comissão Revisora do Anteprojecto de Direito das Sucessões23,
em que chegou a propor-se, inclusivamente, que o legislador se
deveria abster de formular qualquer definição no Código, dada a
dificuldade de encontrar uma definição satisfatória24; a 1ª
revisão ministerial, porém, introduziu a noção que, com pequena
diferença de redacção, se manteve na 2ª revisão e no Projecto e
ficou no Código, noção muito diversa da que estava no § 1.º do
art. 1.º do Anteprojecto GALVÃO TELLES25.
A análise da noção legal e o seu confronto com a do
Anteprojecto revelam-nos que o legislador teve o propósito de
definir a sucessão antes pela ideia de chamamento que pela de
transferência. O núcleo da sucessão não estará, na ideia da lei,
na transferência dos direitos e obrigações do falecido para outras
pessoas (como se dizia no Anteprojecto), mas sim (como ficou
no art. 2024.°) no chamamento dessas pessoas à titularidade
daquelas relações jurídicas, chamamento de que a devolução dos
bens — quando, já se vê, o chamamento obtenha resposta
afirmativa — será uma simples consequência26.
22
Para uma crítica minuciosa da noção legal, GALVÃO TELLES, Direito
das Sucessões, pp. 51-55
23
Actas, pp. 14-22 da separata
24
Actas, p. 17
25
O § 1.º do art. 1º .“ do Anteprojecto estava assim redigido: — “Quando
alguém falece, todos os seus direitos e obrigações, que não sejam
intransmissíveis por morte, se transferem a uma ou mais pessoas, nos termos
adiante declarados. É o que se chama sucessão”.
26
Note-se que “devolução” não tem aqui o sentido que lhe daremos adiante
(n.º 24), considerando “devolução” e “vocação” como termos
26
Assim, pode dizer-se que o Código consagra no art.
2024.° a noção de sucessão que fixámos no n.º 2 —quando
distinguimos entre sucessão e transmissão —, ou seja, a noção
de sucessão como substituição ou subingresso nas relações
jurídicas do falecido. Isto sem pretendermos, naturalmente,
exagerar o valor dessa indicação, ou sugerir que o conceito do
art. 2024.° possa determinar-nos na solução de problemas
práticos, o que relevaria de um pensamento dedutivista
metodologicamente ultrapassado.
É o fenómeno da sucessão por morte, assim
caracterizado, que iremos pois estudar nas normas jurídicas que
o disciplinam, e que, no seu conjunto, constituem o Direito
Sucessório ou Direito das Sucessões.
Um ramo do direito cuja autonomia, digamo-lo desde já,
não radica na particular estrutura das relações jurídicas a que
respeita — e que, de um modo geral, são relações patrimoniais,
de carácter obrigacional ou real —, mas na complexidade de que
se reveste a transmissão por morte dessas relações, o conjunto
dos factos ou fenómenos jurídicos que devem intercorrer desde
que aquelas relações se desenlaçam do respectivo sujeito, à
morte deste, até que se enlacem a um novo titular. É a
complexidade desses fenómenos jurídicos e a circunstância de
eles se encadearem em um processo ou todo unitário que
confere ao Direito das Sucessões — na conhecida classificação
germânica, em que assenta o ensino do Direito Civil nas nossas
Faculdades de Direito — a sua autonomia científica e
pedagógica.
27
Fenómeno de grande complexidade e que às vezes se
protrai por largo tempo, os vários momentos em que pode
analisar-se o fenómeno sucessório já foram referidos na
exposição anterior (supra, n.º 1). Os momentos essenciais são a
abertura da sucessão, a vocação e a aquisição sucessória, que se
dá pela resposta afirmativa ao chamamento, ou seja, pela
aceitação. Como momentos eventuais, temos porém ainda a
considerar a petição, a alienação e, sobretudo, a administração, a
liquidação e a partilha da herança. Dizemos que há a considerar
sobretudo estes três últimos momentos por que normalmente —
embora não necessariamente — a herança tem de ser liquidada e
partilhada, e há necessidade de a administrar até que se proceda
à sua liquidação e partilha.
28
disposição por morte sobre as coisas do seu dominium), o direito
sucessório é mero corolário do princípio da autonomia da
vontade e do direito de propriedade; revestindo este direito
carácter absoluto, há-de conferir ao seu titular o poder de dispor
para depois da morte, que assegurará ao direito de propriedade
uma espécie de perpetuidade. Em semelhante concepção, a
sucessão testamentária — considerada como forma de sucessão
mais perfeita, enquanto traduz a vontade do “de cuius” —
prevalece naturalmente sobre a sucessão legítima. Esta será, por
assim dizer, uma sucessão testamentária tácita, assente na
vontade presumida do autor da sucessão. E a legítima ou quota
indisponível, a existir, será simples limite, maior ou menor, que
a lei excepcionalmente porá à liberdade de testar, liberdade em
princípio absoluta.
Pelo contrário, o modelo familiar do Direito das
Sucessões (que entronca historicamente no direito germânico,
em que se admitia uma compropriedade familiar) fará prevalecer
sobre a conexão com a propriedade a conexão com a família,
seja esta a família conjugal, a família parental ou, até, um grupo
“familiar” que se estenda, inclusivamente, a outras pessoas que
o autor da sucessão tenha a seu cargo27. O direito sucessório
estruturado segundo este modelo visará assegurar a permanência
do “património familiar”, à morte do “de cuius”, e transmiti-lo
às pessoas da sua família. A sucessão ab intestato, a favor dos
familiares, considerar-se-á agora como a sucessão “legítima”,
quer dizer, a forma normal e mais perfeita que a sucessão pode
revestir; a sucessão testamentária só será admitida, se o for, em
termos restritos e excepcionais. O Direito das Sucessões em que
esta conexão com a família seja a dominante poderá entender,
designadamente, que só são herdeiros os familiares do autor da
27
Como teremos oportunidade de verificar, a Reforma de 1977 privilegiou a
família conjugal sobre a família parental — no âmbito deste “modelo
familiar” do Direito das Sucessões —, enquanto colocou o cônjuge ao lado
dos descendentes e antes dos colaterais na hierarquia dos sucessíveis (art.
2133.°) e o considerou herdeiro legitimário do autor da sucessão (art. 2157º).
29
sucessão, não sendo permitido a este instituir um herdeiro por
testamento mas só um legatário universal; poderá permitir as
disposições testamentárias tão-só a favor dos herdeiros
legítimos, se estes existirem, e não de estranhos (como o direito
russo anterior a 1961); poderá distinguir (como o direito
costumeiro) entre os propres e os acquêts, ou seja, entre os bens
que o autor da sucessão recebeu da família e os que adquiriu por
outro meio, permitindo-lhe livremente, em principio, dispor dos
acquêts mas não dos propres por estarem reservados para os
herdeiros legais; etc.
Finalmente, o modelo socialista fará prevalecer sobre as
duas anteriores a conexão com o Estado. Claro que o Direito das
Sucessões que fizesse prevalecer em absoluto essa conexão
destruir-se-ia: os bens dos indivíduos, à sua morte, transmitiam-
se todos para o Estado. As coisas todavia não se levam tão
longe. As exigências de um modelo socialista do Direito das
Sucessões são mais limitadas: estreita-se o círculo dos herdeiros
legítimos e legitimários, põem-se restrições à liberdade de testar
a favor de outras pessoas, agrava-se a carga fiscal imposta aos
sucessores, etc., mas o Direito das Sucessões permanece.
Mesmo nas legislações dos países socialistas, que eram as que,
naturalmente, iam mais longe na execução deste modelo, o
instituto sucessório mantinha-se nos seus quadros fundamentais,
embora o âmbito do instituto se limitasse aí aos bens que eram
objecto de “propriedade pessoal”28. A conexão com o Estado era
28
Sobre a noção, fundamento e âmbito da “propriedade pessoal” nas
legislações dos antigos países socialistas, cfr. p. ex. “Le droit de propriété
dans les pays de L’ Est” (publicação do Instituto de Sociologia da
Universidade Livre de Bruxelas), 1964, pp. 53-55 e MOTA PINTO, Teoria
geral do direito civil (po1icop.), 1973, pp. 162-163. Relativamente ao direito
russo, o âmbito da “propriedade pessoal” estava definido nos arts. 105.º a
112.° do Código Civil (cfr. MEDER, Das Sowyetrecht, 1971, pp. 456-458).
De acordo com o art. 105.°, podiam constituir “propriedade pessoal” dos
cidadãos os bens destinados à satisfação das suas necessidades, materiais e
culturais: rendimentos do trabalho, economias, uma casa ou parte de casa —
cuja área, segundo o art. 106º, 4, não podia exceder em princípio 60 m — e o
30
contudo a dominante. Assim, na legislação soviética, o circulo
dos herdeiros legítimos abrangia apenas duas classes; o cônjuge
sobrevivo, os filhos e os pais, inclusive adoptivos (1ª classe), e
os irmãos e avós (2ª classe). Valia um principio de preferência
de classe; dentro de cada classe, porém, a herança repartia-se
igualmente por todos os herdeiros29. Eram as soluções do art.
532.°, n. 1 e 2, do Código Civil Russo. Há ainda a notar que,
segundo o art. 532,°, n.º 3, as pessoas incapazes de trabalhar e
que estivessem a cargo do falecido, pelo menos, no ano anterior
à sua morte lhe sucediam como seus herdeiros legítimos,
conjuntamente com os herdeiros da classe chamada à sucessão.
Quanto aos herdeiros legitimários, o seu número era ainda mais
restrito: a legítima, que era de dois terços da herança, era
estabelecida cm favor dos filhos menores ou incapazes de
trabalhar, incluindo os adoptivos, e ainda, mas só quando se
tratasse de incapazes de trabalhar, do cônjuge sobrevivo, dos
pais e das pessoas a quem o autor da sucessão prestasse
alimentos (art. 535.°). Finalmente, e no que se refere à sucessão
testamentária, já vimos que estava fortemente limitada na
legislação anterior a 1961, em que, havendo herdeiros legais, o
autor da sucessão não podia, em princípio, dispor em testamento
senão a favor deles30; na legislação mais recente, porém, já lhe
era permitido dispor a favor de qualquer pessoa (art. 534.°).
29
Admitia-se contudo o direito de representação, em beneficio dos netos e
seus descendentes (art. 532.°, 4). Cfr. MEDER, c p. 472.
30
Segundo um decreto de 14 de Março de 1945 (MEDER, cit. p.364), o autor
da herança só podia beneficiar em testamento, além dos seus herdeiros
31
Quanto ao direito português, se quiséssemos enquadrá-lo
no esquema proposto a qual dos modelos se ajustaria?
Um ponto é certo: a última conexão referida — a conexão com o
Estado — assume entre nós relevância pouco significativa,
embora deva notar-se que, sob certo aspecto, a Reforma de 1977
(Decreto-lei nº 496/77, de 25 de Novembro) introduziu uma
solução mais condizente com aquela conexão. Na realidade, a lei
só dá hoje direitos sucessórios, como herdeiros legítimos, aos
colaterais até ao 4.°grau, nos termos do art. 2133.°, n.º 1, al. d)
CC, que modificou, assim, o limite fixado pela legislação da I
República (Decreto de 31.10.1910, art. 7.°), segundo a qual os
colaterais tinham direitos sucessórios até ao 6.º grau, e que, por
sua vez, já alterara o preceituado no Código de 1867, onde os
parentes sucediam como herdeiros legítimos até ao 10º grau31,
Trata-se de um indicador favorável à relevância de um modelo
socialista em detrimento de um modelo familiar do Direito das
Sucessões, mas que não prejudica o alcance reconhecido ao
modelo individualista, pois o autor da herança, obviamente,
pode fazer testamento em que beneficie os seus colaterais no 5.°
ou no 6.° grau. Por outro lado, a taxa de imposto sucessório é
progressiva e tanto maior quanto mais afastado o parentesco32,
mas não chega a números muito elevados. O máximo é de 50%
32
Mais precisamente, a lei distingue entre: filhos menores; cônjuge e outros
descendentes; ascendentes ou irmãos; colaterais no 3.° grau; e quais quer
outras pessoas.
32
e só se atinge nas transmissões de mais de 50 mil contos entre
colaterais no 4º grau e seguintes e quaisquer pessoas estranhas à
família33.
Se perguntarmos agora qual das outras conexões — a
conexão com a propriedade ou a conexão com a família - é mais
forte no direito português, a resposta é já mais embaraçosa; de
certo modo, as soluções do nosso direito representam uma
transacção entre os dois modelos correspondentes.
No âmbito em que se admite a sucessão legitimária a
conexão familiar é a mais forte: como veremos, a liberdade de
dispor está limitada na medida da legítima, podendo ser
reduzidas, em quanto seja necessário, as liberalidades em vida
ou pôr morte que o autor da sucessão haja feito e que ofendam a
legítima dos seus herdeiros legitimários (arts. 2168.° e segs.),
uma legitima que a lei parece conceber, de resto, como pars
hereditatis e não como simples pars bonorum (infra, n.°101).
Fora daquele âmbito em que se admite a sucessão
legitimária, porém, o modelo individualista ajusta-se melhor que
o familiar ás soluções do nosso direito, O autor da sucessão goza
dos mais amplos poderes de disposição dos seus bens (se não
tiver herdeiros legitimários) ou da sua quota disponível (se os
tiver), a favor dos familiares ou de outras pessoas, estranhas à
família. E os herdeiros testamentários são herdeiros como os de
sangue, mesmo relativamente a direitos pessoais como os do art.
71.°, n.°2 do Cód. Civil. Por outro lado, pode argumentar-se no
mesmo sentido com a disciplina do direito de acrescer, em que
a lei atribui a “quota vaga” aos outros co-herdeiros instituídos na
totalidade ou numa quota dos bens do falecido (art. 2301.°) ou
aos outros co-legatários nomeados em relação ao mesmo objecto
33
Art. 40.° do Código do imposto sabre as Sucessões e Doações, na redacção
que lhe deu o Decreto-lei nº ° 252/89, de 98. Note-se que, nas transmissões
de mais de 50 mil contos, a taxa de imposto sucessório já foi de 75% (de
14.1.1976 a 9.4.1984) e 76% (de 10.4.1984 a 13.8.1989).
33
(art. 2302.°) — não a fazendo reverter, portanto, a favor dos
herdeiros legítimos do de cuius — presumindo que tenha sido
aquela a vontade do testador se ele não tiver disposto
diversamente (art. 2304.°)34. A conexão com a propriedade
parece assim ser a decisiva, dados os termos em que se admite a
sucessão testamentária e o relevo que aí assume a vontade do
testador (cfr., p. ex., o art. 2187.°). Não pode falar-se, porém, de
uma prevalência absoluta da referida conexão, pois a sucessão
legítima, que se abre na falta de testamento nos termos do art.
2131.°, não é uma sucessão testamentária tácita, assente na
vontade presumida do de cuius: não havendo testamento, os
bens do autor da sucessão transmitem-se aos seus familiares
segundo a ordem da sucessão legítima do art. 2l33.°, e isto
embora se mostre que era muito outra a sua vontade. Neste
aspecto pode dizer-se que é a sucessão legítima que prevalece,
uma ideia a favor da qual pode ainda invocar-se a doutrina do
art. 2226.°.
34
E isto — ao contrário do que acontecia na orientação romanista e
tradicional — mesmo que não haja instituição ou nomeação conjunta dos
vários co-herdeiros ou co-legatários (arts. 230 n.° 1 e 2302.°, n.° 1). Ver
infra, n.° 65.
34
por morte são permitidas), assim se fala em sucessão
testamentária ou contratual. Por sua vez, dentro da sucessão
legal lato sensu ainda se distingue entre a sucessão legítima e a
legitimária. Designa-se por sucessão legitimária a que se dá em
beneficio de determinados sucessores (os herdeiros
legitimários), aos quais a lei reserva uma fracção da herança de
que o autor da sucessão não tem a faculdade de dispor. Não
havendo herdeiros legitimários ou, havendo-os, nos limites da
quota disponível, o autor da sucessão dispõe livremente, por
testamento ou doação por morte; caso não disponha abre-se a
sucessão legítima, nos termos e segundo a ordem do art. 2133.°
do Cód. Civ.
Podem assim registar-se quatro espécies de sucessão por
morte, a saber: legítima, legitimária, testamentária e contratual.
À sucessão legítima, legitimária e testamentaria se referem,
respectivamente os Títulos II, II e IV do Livro V do nosso
Código Civil. Quanto à sucessão contratual, que só é admitida
nas convenções antenupciais, está regulada no Livro do Direito
de Família e na Secção relativa a estas convenções, arts. 1701.°
e segs.
É de notar que o Código de Seabra não dava autonomia
sistemática à sucessão legitimária, que concebia como limite à
liberdade de dispor, regulando-a, em conformidade, no capítulo
respeitante à sucessão testamentária. Era a tradução, no piano
sistemático, da doutrina tradicional, que recusava à sucessão
legitimária a sua autonomia substantiva.
A favor de semelhante concepção não autonomista, diz-
se que a legítima não é mais do que uma fracção da própria
sucessão “ab intestato”, transmitindo-se aos herdeiros
legitimários segundo as regras gerais da sucessão legítima.
Verdadeiramente, e deixando agora de parte a sucessão
contratual, só haveria duas espécies de sucessão por morte: a
sucessão testamentária e a legítima. A sucessão legitimária não
seria outra espécie de sucessão, mas simples limite à liberdade
35
de dispor por testamento ou doação inter vivos. E, assim, nos
casos normais, em que o autor da sucessão não dispõe da quota
disponível ou não a excede nas disposições que faz, a quota
indisponível transmitir-se-ia aos seus herdeiros legitimários
conjuntamente com a disponível (ou a fracção desta quota de
que ele não dispôs) de acordo com as regras da sucessão
legítima; se a quota disponível é excedida e há ofensa da
legitima dos herdeiros legitimários, do mesmo modo a legítima,
reintegrada pela destruição das disposições que a lesaram —
disposições inoficiosas e por isso ineficazes — se transmitiria
segundo as regras gerais da sucessão legítima aos herdeiros
legitimários.
Não parece correcto, porém, conceber a sucessão
legitimária como uma espécie particular da sucessão legítima, á
maneira da doutrina tradicional, vendo na legítima apenas uma
quota da própria sucessão “ab intestato”, que se transmite aos
herdeiros legitimários segundo as regras correspondentes.
Com efeito, as regras da sucessão legitimária são
imperativas para o autor da sucessão, e não simplesmente
dispositivas como as da sucessão legítima. Conforme diremos
oportunamente, a legítima é intangível no sentido do art. 2163.°.
Há regras próprias, que estudaremos adiante, a definir o círculo
dos herdeiros legitimários e a medida da sua legítima. Esta não
se calcula apenas sobre o relictum, como na sucessão ab
intestato, mas sobre a soma do relictum com o donatum.
Finalmente, os herdeiros legitimários podem ser deserdados, ou
seja, privados da sua legítima, verificados que estejam
determinados pressupostos legais.
Sob qualquer destes aspectos — e outros haveria a referir
—, as regras da sucessão legitimária são diversas das que
disciplinam a sucessão ab intestato. o que basta para dar àquela
espécie de sucessão autonomia científica e sistemática. Claro,
que esta autonomia é mais patente quando a legítima é violada,
tendo os herdeiros legitimários de reduzir as liberalidades
36
inoficiosas do autor da sucessão para haverem a legítima a que
têm direito. Só então se abre, efectivamente, aquele conflito
entre a vontade do autor da sucessão e a da lei a que se
reconduz, por assim dizer, o instituto da sucessão legitimária.
Quando pelo contrário, e tal é o caso normal, esse conflito não
surge e o autor da sucessão não dispõe ou não dispõe
inteiramente da sua quota disponível, a afirmação da autonomia
da sucessão legitimária tem alcance prático muito limitado. Os
herdeiros legitimários recebem aí a legítima ex lege
conjuntamente com a quota disponível. Nem por isso, todavia,
deixará de existir o seu direito à legítima, pois esse direito —
como qualquer outro — é independente da sua violação e
anterior a ela.
37
aspectos fiscais do fenómeno sucessório, há a referir as
disposições do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões
e Doações (Decreto-lei n.º 41 969, de 24 de Novembro de 1958,
alterado por numerosa legislação posterior).
Os trabalhos preparatórios do Livro das Sucessões do
novo Código Civil estão coligidos no volume Direito das
Sucessões — Trabalhos preparatórios do Código Civil (1973),
publicado pelo Centro de Estudos de Direito Civil da Faculdade
de Direito de Lisboa. O Anteprojecto do Prof. GALVÃO
TELLES e as Actas da Comissão Revisora estão publicados no
Bol. Min. Just., n.º 54 e 133, respectivamente.
8. Bibliografia
I. Bibliografia nacional
38
vol. II, 2.ª ed. (1986), e PAMPLONA CORTE REAL, Curso de
Direito das Sucessões, vols. I e II (1985). Veja-se também M. N.
LOBATO GUIMARÃES, Testamento e autonomia (sep. da
Rev. de Dir. e Est. Soc., 1972.
Da bibliografia anterior ao novo Código Civil
destacaremos: PAULO CUNHA, Direito das Sucessões (lições
publicadas por Lourenço Pereira, Arrobas Ferro e Agostinho de
Oliveira), 3 vols., 1947, PIRES DE LIMA e ANTUNES
VARELA, Noções fundamentais de direito civil, 2.° vol., 6. ed.
(1965), JOSÉ TAVARES, Sucessões e Direito Sucessório, 2.
ed., s/d (obra restrita à sucessão testamentária), GALVÃO
TELLES, Teoria geral do fenómeno jurídico sucessório (1944)
e Apontamentos para a história do direito das sucessões
português (sep. da Rev. da Fac. de Dir. de Lisboa), 1963.
39
Successione necessaria (vol. XLIII, t. 2 do “Trattato di diritto
civile e commerciale” dirigido por Cicu e Messineo), 1967.
Autores franceses: MAZEAUD (Henri e Léon) e
MAZEAUD (Jean), Leçons de droit civil, tomo 4.°, 2.° vol.
(Sucessions. Liberalités), 1966, e PLANIOL, e RUPERT, Traité
pratique de droit civil français, 2ª ed., tomos IV (19S6) e V
(1957), e Traité élémentaire de droit civil, tomo 3ª ed. (1948).
40
Repartiremos a matéria em 10 capítulos, segundo este
esquema:
Cap. I - A morte como pressuposto da sucessão.
Cap. II - Abertura da sucessão.
Cap. II - Vocação sucessória.
Cap. IV - Herança jacente.
Cap. V - Aquisição da herança. aceitação e repúdio da herança.
Cap. VI - Petição da herança.
Cap. VII - Alienação da herança.
Cap.VIII - Administração da herança.
Cap. IX - Liquidação da herança.
Cap. X - Partilha da herança.
Finalmente, na parte especial enunciam-se alguns
princípios fundamentais sobre as várias espécies de sucessão:
legítima, legitimária, testamentária e contratual.
§ 2.º
HERANÇA E LEGADO
41
10. Generalidades sobre a sucessão romana; a tese de
BONFANTE sobre a origem da “hereditas”
35
A admissão da doação sobre universalidade de facto (art. 942.°, n.° 2) não
contradiz a afirmação do texto. Cfr. também infra, n.° 12,IV.
36
Cfr. supra, pp. 19-20
37
A doutrina de BOMTE pode ver-se exposta no vol. I dos seus Scritti
giuridici varii, já referidos. Vejam-se nomeadamente os estudos intitulados
L’origine dell “Hereditas” e dei “Legata” nel diritto successorio romano,
pp. 101-151, e Il concetto dommatico dell ‘eredità nel diritto romano e nel
diritto moderno, pp.l52 – 187. Para uma apreciação sumária da doutrina de
42
Como se sabe, a família romana era um organismo social
de carácter político e religioso, cujo chefe (o pater famílias)
tinha amplos poderes sobre as pessoas sujeitas à sua potestas e
as coisas submetidas ao seu dominium. E também na família —
como na civitas — a transmissão da soberania se operava
através de uma designação feita pelo predecessor, pelo anterior
soberano, designação que só podia fazer-se medi ante a
atribuição formal do título de herdeiro (heres esto) no
testamento.
Sucessor na soberania familiar, o herdeiro teria assim
começado por ser, segundo esta tese, muito mais do que o
adquirente dum património, um sujeito investido numa
qualidade pessoal. Se assumia a titularidade das relações
patrimoniais do de cuius (com exclusão das que se extinguissem
à sua morte) não era senão porque tinha adquirido, em
consequência da designação feita no testamento, o título ou o
nome de herdeiro. A hereditas teria pois carácter
extrapatrimonial; a aquisição dos bens do defunto pelo herdeiro
seria consequencial e secundária.
É à luz desta ideia básica, de que a função da “hereditas”
não era a de realizar uma transmissão patrimonial mas a de
investir o “heres” num título pessoal, que Bonfante procura
explicar os princípios fundamentais do direito sucessório
romano.
Assim, desde logo, a prevalência do testamento em
relação à sucessão legítima, e a necessidade da nomeação do
herdeiro como caput et fundamentum totius testamenti.
43
Do mesmo modo, o princípio nemo pro parte testatus
pro parte intestatus decedere potest. A sucessão legítima não
poderia coexistir, no direito romano, com a sucessão
testamentária, porque instituir um herdeiro não significava
essencialmente dispor dos bens, mas atribuir a qualidade de
herdeiro. E quem era investido em tal qualidade adquiria, em
consequência disso, todo o património do de cuius, de modo que
já não havia lugar para a sucessão doutro herdeiro; seria
inconcebível a coexistência de dois soberanos, designados com
base em dois sistemas diferentes.
Também a intransmissibilidade do direito de aceitar a
herança se explicaria pela mesma ideia; a qualidade de herdeiro
era intransmissível no direito romano como qualidade pessoal
que era38. Assim, se o chamado à herança morria antes de ter
adquirido o património hereditário através da aditio, este
património não se transmitia aos seus herdeiros.
Por último, o princípio semel heres semper heres teria
explicação semelhante: adquirida pela aditio a qualidade pessoal
de herdeiro, o heres não podia mais, nem sequer cedendo a
herança, perder uma tal qualidade.
Ao longo de todo o direito romano clássico, a hereditas
teria assim sido considerada como uma successio in ius,
successio in locum et ius defuncti, isto é, como um subentrar do
heres na posição jurídica do defunto, a que só como
consequências estavam ligadas tanto a aquisição dos bens como
a responsabilidade pelas dívidas.
E tal successio in ius teria sido, durante muito tempo, a
única sucessão. No primitivo direito romano e durante toda a
época clássica, o termo successio só se aplicaria à sucessão
38
Não assim no direito moderno e, em particular, no nosso direito (art.
2058.°).
44
universal; o termo e o conceito de sucessão particular haviam de
ser criações do direito justinianeu.
Vê-se, pois, como a distinção entre herança e legado se
fazia com clareza no direito romano clássico, segundo a tese de
BONFANTE: o legado tinha natureza patrimonial, enquanto a
herança, pelo contrário, tinha um carácter e um fim estranhos a
qualquer ideia de patrimonialidade.
45
Por outro lado e quanto ao sentido da expressão “bens ou
valores determinados”, importa notar que bens determinados
não é a mesma coisa que objectos especificados ou designados
concretamente. Comprovam-no as disposições da lei que se
referem ao legado de coisa genérica (art. 2253.°.) e ao legado
alternativo (art. 2267.°), em que não há especificação ou
designação concreta dos bens deixados e nem por isso deixa de
existir legado. Como há legado se A deixa a B o recheio da sua
casa (art. 2263.°), ou uma fracção não aritmética da sua herança
embora sem designar concretamente os respectivos bens: os seus
bens móveis ou os móveis da sua casa, os seus bens imóveis, o
seu rebanho de ovelhas, os prédios que tem na freguesia da Sé
Nova, etc. Os bens deixados não são aqui especificados e, não
obstante, A deixa a B bens determinados em qualquer destes
exemplos.
Quando se pode dizer então que são deixados bens
determinados ?
O critério legal pode, segundo cremos, enunciar-se
assim: legatário é o que sucede em bens determinados
(especificados ou não), isto é, o que sucede apenas em certos
bens com exclusão, dos restantes bens do “de cuius”, pelo
contrário, o herdeiro não é chamado a suceder em bens
determinados, isto é, somente em certos bens e não nos outros,
mas o seu direito estende-se, real ou pelo menos virtualmente, à
totalidade da herança - ou duma quota-parte dela.
Com este alcance, e neste sentido, o herdeiro é um
sucessor a título universal, enquanto o legatário é apenas um
sucessor a título singular ou particular. O título de vocação do
legatário só o chama á sucessão de certos bens, ou de
determinadas relações jurídicas, ficando excluída a sua sucessão
nas restantes, que esse título não compreende. Mesmo que goze
de direito de acrescer — e não goza desse direito nas hipóteses
do artigo 2304.° —, o legatário só pode receber a totalidade do
46
objecto a que foi chamado, ao lado dos outros co-legatários (art.
2302.°), mas nunca mais do que esse objecto.
Pelo contrário, o título de vocação do herdeiro chama-o à
totalidade das relações jurídicas que constituem objecto da
devolução sucessória; o herdeiro sucede, real ou pelo menos
virtualmente, no universum ius ou numa sua quota. Pode o
herdeiro vir a receber uma parte muito pequena dos bens
deixados pelo de cujus, muito mais pequena, até, do que a que
recebem o legatário ou os legatários, pode ser chamado a
suceder, digamos, em um centésimo ou um milionésimo da
herança — mesmo assim é um sucessor a titulo universal. O
herdeiro recebeu realmente uma parte muito pequena da
herança, mas o seu direito estendia-se virtualmente a toda ela.
Na verdade, e em primeiro lugar, o herdeiro chamado a suceder
em certa quota da herança pode realmente vir a receber uma
parte maior ou mesmo a herança na sua totalidade, na medida
em que goze do direito de acrescer que a lei em princípio lhe
atribui (arts. 2301.° e segs.)39 . Sendo instituído, com outro ou
outros herdeiros, na totalidade ou numa quota dos bens, pode o
herdeiro vir a receber, afinal e graças ao seu direito de acrescer,
a totalidade do património ou da quota. Pode verificar-se, é
certo, que o herdeira instituído numa quota do património
hereditário não tenha possibilidades de vir a receber mais do que
essa quota. Assim será quando o testador lhe retire o direito de
acrescer, como a lei permite (art. 2304.°), ou ainda quando, não
tendo o testador disposto da restante parte dos seus bens, esta
seja atribuída aos herdeiros legítimos do de cuius nos termos
gerais. Mesmo nestes casos, porém, ainda o herdeiro poderá
considerar-se sucessor a título universal, enquanto, sendo
chamado a suceder em uma quota ideal ou abstracta do todo,
39
Cfr. infra, nºs 65-66.
47
não há sequer um elemento do património hereditário sobre o
qual não possa vir a recair o seu direito40.
48
exacto de vezes. Durante a vigência do Código de Seabra
chegou a apresentar-se esta hipótese como diversa da anterior e
capaz de suscitar um novo problema41. Mas nem valerá a pena
pô-lo, tão clara é a solução que se lhe deve dar. É evidente que
também é herdeiro quem sucede numa simples fracção
aritmética que não seja parte alíquota da herança, pois esta
fracção aritmética é igualmente uma quota da herança no sentido
do art. 2030.° n.º 2.
41
Cfr. PAULO CUNHA, cit.. p. 140. e AVELINO DE FARIA, na Rev. dos
Trib., 739 (1955), pp. 194 e segs.
42
Não é pois herdeiro aquele a quem o testador deixa o remanescente dos
seus bens móveis, dos seus bens imóveis, etc. Assim se A deixa a B o relógio,
a C a televisão e a D todos os seus outros móveis, claro que D será legatário
de A, pois sucede apenas em certos bens.
49
Se A deixa a B um relógio, um prédio, 200 contos, etc.,
claro que B é legatário de A. Na verdade em qualquer dos casos
a ideia de A é a de deixar a B apenas o relógio, o prédio, o
dinheiro e não os seus restantes bens. E, em qualquer dos casos,
não se trata de deixa de uma quota da herança, nos termos do
art. 2030.°, n.º 2.
43
Embora a qualificação “universalidade” não pareça aqui a mais rigorosa. É
claro que o estabelecimento supõe (como as universalidades um agregado de
coisas ou de bens. Mas os bens que integram o estabelecimento comercial
não formam simplesmente um agregado, estão ligados por um vinculo
funcional ou instrumental, que os constitui em uma organização adequada
para o exercício vantajoso do comércio: o estabelecimento é esta
organização, como coisa incorpórea. De qualquer modo e para o fim aqui
visado, o caso de deixa de estabelecimento comercial é idêntico aos
anteriores.
50
V. Deixa de herança ou quota de herança a que
foi chamado o testador
51
discutida na vigência do Código de Seabra, tanto na doutrina44
como na jurisprudência45 e nos trabalhos preparatórios do novo
Código a discussão persistiu46.
O Anteprojecto GALVÃO TELLES consagrava a tese do
usufrutuário-herdeiro47 e o Autor do Anteprojecto defendeu esta
tese, na Comissão Revisora, com base em três argumentos. Em
primeiro lugar, a circunstância de o usufrutuário ser titular de
um direito transitório, que se extingue por sua morte, não seria
decisiva para a qualificação de herdeiro, pois transitório é
também o direito do fiduciário e este não deixa de ser herdeiro,
quando, já se vê, o seu direito verse sobre a totalidade ou uma
quota da herança. Em segundo lugar, o usufrutuário da herança
representa o falecido até ao fim do usufruto, como o proprietário
da raiz o representa depois; a experiência revelaria “que o
testador, quando não quer ver no usufrutuário um continuador
seu, lhe deixa apenas bens determinados”48, Por último, só a
qualificação de herdeiro permitiria explicar que o usufrutuário
responda — como é justo que responda — pelos encargos
hereditários.
A tese do usufrutuário-herdeiro suscitou todavia na
Comissão Revisora forte oposição. VAZ SERRA e MANUEL
ANDRADE acentuaram a ideia de que o usufrutuário da herança
ou de quota de herança deveria ser tratado como herdeiro para
certos efeitos e como legatário para outros. Nesta conformidade,
44
Cfr. a Rev. Leg. Jur., 89º, pp. 87-90
45
Cfr PALMA CARLOS (M. J.), Das Sucessões, 1, pp. 13-21 e DIAS DA
FONSECA, Herança e legado, no Bol. Min. Just., n.º 20, notas (15) e (16),
46
Actas 52-73 da separata.
47
O art. 5.°, § 2.° do Anteprojecto estava assim redigido: “A sucessão
universal chama-se herança e versa sobre a universalidade ou uma quota dos
bens do falecido em propriedade ou em usufruto”.
48
Actas, p. 66.
52
sugeriu VAZ SERRA que se não fizesse qualquer qualificação
do caso na lei, resolvendo-se o problema a propósito de cada
ponto do regime e dando-se a solução que, caso a caso,
parecesse mais justa49. E, em termos semelhantes, MANUEL
ANDRADE defendeu que a solução legal deveria ser flexível,
pois seria perigoso vincular a jurisprudência a critério rígido: a
adoptar-se uma qualificação, deveria pôr-se esta ressalva:
“excepto quando houver testamento ou razão em
contrário”50.Postas a votação, porém, as questões de saber se a
figura jurídica cm causa deveria ser ou não qualificada na lei, e,
caso afirmativo, se essa qualificação deveria ser rígida ou
flexível e qual seria ela, a Comissão Revisora decidiu que o
usufrutuário da totalidade ou de uma quota da herança deveria
ser qualificado como legatário sem se admitir na própria
definição da figura a possibilidade ou restrições ao princípio,
embora se reconhecesse que a lei, num ou noutro ponto, poderia
atribuir-lhe o regime da herança51. Tal é, em traços gerais, a
história do art. 2030.°,n.° 4, do Cód. Civ., onde se consagrou a
doutrina de que “o usufrutuário, ainda que o seu direito incida
sobre a totalidade do património, é havido como legatário”52.
Cremos que esta doutrina é exacta53.
49
Actas p.61.
50
Actas pp. 62-63.
51
Actas, pp. 72-73.
52
O usufrutuário é legatário, portanto, não só no caso (que nunca suscitou
qualquer dúvida) de o seu direito recair sobre bens determinados, mas ainda
no caso de esse direito versar sobre uma quota ou mesmo a totalidade do
património hereditário.
53
A favor da mesma solução, no direito italiano, cfr. p. ex. PUGLIESE,
Usufrutto. uso, abitazione (1954),pp. 618-626, NICOLA COVIELLO, Corso
53
Em primeiro lugar, a solução do n.º 4 do art. 2030.° é a
que já resultaria do critério geral do n.º 2 do mesmo artigo. Se
herdeiro é “o que sucede na totalidade ou numa quota do
património do falecido”, o usufrutuário da herança ou de quota
da herança não é herdeiro, pois não sucede na totalidade ou
numa quota daquele património. O usufrutuário é legatário
porque “sucede em bens ou valores determinados”, ou seja,
apenas em certos bens com exclusão dos outros, no sentido de
que sucede apenas no usufruto da herança, só no usufruto e não
na raiz. Nem releva a circunstância de o seu direito versar sobre
a herança (ou uma quota da herança) e, portanto, sobre bens ou
valores indeterminados. Mesmo quando verse sobre bens
indeterminados, o direito do usufrutuário, como tal, é um direito
determinado, quer dizer, um direito limitado, sendo só esse
direito, e não outro, que o testamento ou a lei lhe conferem.
Em segundo lugar, o usufrutuário é titular de um direito
transitório, que acaba por sua morte ou, se o usufruto for
temporário, mesmo antes dela. A ser havido como herdeiro, o
usufrutuário seria pois uma espécie de herdeiro a termo
resolutivo, figura que como veremos a lei não permite54.
Nem pode dizer-se que o usufrutuário da herança ou
quota da herança realize verdadeiramente a função do herdeiro,
que é a de dar continuidade às relações jurídicas do falecido55.
54
Cfr. infra, n.º 14,1V,
55
Cfr. infra, n.º 16
54
Não é a ele — mas sim ao proprietário da raiz —que cabe
“continuar a vida jurídica e social do de cuius.5657
Advirta-se apenas, por último, que não parecem
decisivos os argumentos apresentados pelo Autor do
Anteprojecto, na Comissão Revisora, em favor da tese contrária.
A analogia com o fiduciário não é rigorosa, pois este não é
titular de direito determinado mas verdadeiro proprietário, como
resulta do art. 2293.°, n.º 2. Por outro lado, já dissemos que é o
proprietário da raiz quem verdadeiramente continua e
representa, para o futuro, a “personalidade” do de cuius, ou seja,
as relações jurídicas de que ele era titular. Quanto à
responsabilização do usufrutuário da herança ou de quota da
herança pelos encargos hereditários, não cremos que do art.
2072.° possa tirar-se argumento a favor ou contra a qualificação
do usufrutuário como herdeiro58. Trata-se manifestamente de
regime especial, diferente do que resultaria, em face dos
princípios gerais, da qualificação de herdeiro ou legatário
atribuída ao usufrutuário59.
O usufrutuário da herança ou de quota-parte da herança é
portanto legatário, e como tal deve ser havido para a
generalidade dos efeitos. Como legatário que é, não goza em
principio do direito de acrescer60 nem do direito de preferência
56
GOMES DA SILVA nas Actas, p 58.
57
Argumenta-se ainda, por vezes, que sucedendo o usufrutuário da herança,
como sucede, em direito novo, que não existia como tal na esfera jurídica do
de cuius (supra, n.º 2, III), não se entende como possa continuar as relações
jurídicas do falecido, e ser havido, portanto, como herdeiro deste. GALVÃ0
TELLES denuncia, porém, justamente, o conceitualismo desta linha de
argumentação: Direito das Sucessões, p. 218.
58
Sobre o regime do art. 2072.°, cfr. Actas, n.° 86.
59
Cfr. infra, n.º 14,II.
60
Cfr. infra, n.º 14, III. É claro, porém, que sendo o usufruto da herança
atribuído a várias pessoas cada usufrutuário tem direito de acrescer em
relação às quotas dos outros (cfr. o art. 2305°).
55
na venda da herança61, não lhe é atribuído o cabeçalato62, não é
admitido ás licitações nem é responsável pelas custas do
inventário63, etc.
Não deve excluir-se, porém, a possibilidade de o
usufrutuário da herança ou parte de herança ser considerado
herdeiro ou — se quisermos dizer assim — ser equiparado ao
herdeiro ou tratado como tal excepcionalmente e para certos
efeitos. Nem a história da lei afasta, como vimos, semelhante
possibilidade. Assim, nomeadamente, para efeitos de
inventário64 o usufrutuário de quota da herança deve ter
legitimidade para requerer inventário, pois é interessado na
partilha, tanto como o proprietário da raiz. Do mesmo modo,
deve entender-se que o inventário é obrigatório quando haja
usufrutuário de quota da herança em alguma das situações
previstas nos arts. 2053.° e 2102.°, n.º 2, ou seja, quando o
usufrutuário for menor, interdito, inabilitado, pessoa colectiva
ou, em razão de ausência ou incapacidade permanente, não
possa outorgar em partilha extrajudicial. É certo que aquelas
disposições legais falam em “herança”, em “herdeiros”. Mas a
razão da lei, ao distinguir entre herança e legado para o efeito,
está naturalmente em que só o herdeiro, regra geral, é
interessado na partilha e pode ser prejudicado por ela, só ele
carecendo, por isso, da protecção do inventário judicial; o
usufrutuário de quota da herança, porém, também pode ser
prejudicado e por isso é interessado na partilha, como o
proprietário da raiz, devendo, do mesmo modo e por identidade
de razão, beneficiar da protecção do inventário. As referidas
disposições legais devem pois interpretar-se extensivamente, em
61
Cfr. infra, n.º 14, IV. Cabe aqui, todavia, uma observação idêntica à da
nota anterior.
62
Cfr. infra, n.º 14, VII, al. a).
63
Cfr. infra, n.º 14, V.
64
Cfr. infra, nº 90.
56
termos de abrangerem todos os interessados na partilha que se
encontrem nas situações aí previstas: a letra da lei só assim
corresponderá ao seu espírito65.
65
Note-se que a solução preconizada tinha consagração expressa no art.
1369.°, § 2 do Cód. Proc. Civ. de 1939. O art. 1369.° dispunha que o
processo de inventário somente seria admitido em face da respectiva certidão
de óbito c mediante requerimento de algum interessado, ou do Ministério
Público quando houvesse interessado sujeito a jurisdição orfanológica, e a
palavra interessado abrangia, nos termos do § 2.°, “o herdeiro, o meeiro do
inventariado e as pessoas contempladas com o usufruto de parte da herança
sem determinação de valor ou de objecto”.
66
66 No caso já aludido de A deixar a B os bens imóveis, a doutrina dividia-
se sobre a questão: havia quem considerasse os instituídos herdeiros e quem
os considerasse legatários. A favor da 1ª solução, v. J. TAVARES, Sucessões
e direito sucessório, n.º 6, CUNHA GONÇALVES, Tratado, IX, p. 483 e
57
do Anteprojecto estava assim redigido: “A sucessão na
universalidade ou numa quota é sempre herança, ainda que dela
tenham sido excluídos bens determinados, e a sucessão nestes é
sempre legado, não importando que, num caso ou no outro, o
testador haja manifestado intenção diversa ou usado
denominações diferentes”. Afirmava-se pois claramente, nas
palavras sublinhadas, o propósito de resolver o problema no
sentido de não admitir no nosso direito a figura da instituição de
herdeiro ex re certa. Na Comissão Revisora, porém, VAZ
SERRA, MANUEL ANDRADE e PIRES DE LIMA
propuseram a eliminação daquelas palavras67, e a respectiva
proposta foi aprovada2 o que ficou no n.º 5 do art. 2030.° do
Código, correspondente ao art. 5.° do Anteprojecto, foi só a
irrelevância da qualificação dada pelo testador aos seus
sucessores, a qual não lhes confere o título de herdeiro ou
legatário em contravenção do disposto nos números anteriores
do art. 2030.°; nada ficou no Código sobre a relevância ou
irrelevância, nesta matéria, da intenção do testador. Assim, pode
dizer-se que o Código deixou a questão em aberto.
E como deve ela resolver-se?
58
B e C , a quem A deixou em testamento, respectivamente,
os bens móveis e os bens imóveis, serão herdeiros ou legatários
de A?68
Sem dúvida, a segunda solução é a que o critério legal
sugere com mais insistência. A deixa de todos os móveis, como
a de todos os imóveis, não é herança mas legado (supra, n.º 12,
VI). Neste caso em que o testador dispõe de todos os seus bens,
é porém muito duvidoso o acerto da solução. Suponhamos que A
deixa a B os seus móveis e a C os seus imóveis, mas que este,
por qualquer motivo, não pode ou não quer aceitar os bens que
lhe foram deixados. Pergunta-se: para quem vão os bens
imóveis? Como o direito de acrescer não compete aos legatários
em casos destes, é claro que, se considerarmos B como legatário,
os imóveis de A irão para os seus herdeiros legítimos. Mas,
normalmente, esta solução será tudo quanto há de menos
conforme à vontade de A, o qual, chamando B e C à sucessão de
todos os seus bens, terá justamente querido excluir dela os seus
herdeiros legítimos. Pondere-se, por outro lado, que C é
legatário dentro da solução que agora pomos em dúvida, quando
a verdade é que já seria herdeiro (supra, n.º 12, III) se A tivesse
dito que deixava a B os seus móveis e a C o remanescente da sua
herança. Ora o certo é que num caso e noutro a vontade de A foi
ou pode ter sido a mesma.
Por outro lado, considerar B e C como herdeiros em
qualquer caso é também solução que não pode aceitar-se sem
reservas. Suponhamos que A só tinha, de bens imóveis, uma
casa em Coimbra e uma Quinta em Bencanta e a sua vontade foi
a de deixar a C apenas justamente estes bens. Só que em vez de
dizer que deixava a C “a sua casa de Coimbra e a sua Quinta de
Bencanta” (caso em que certamente todos estariam de acordo
68
Sobre o problema já em face do Código Civil de 1966, cfr., em orientação
semelhante à do texto, GALVÃO TELLES, Direito das Sucessões, pp. 187-
193.
59
em considerar C mero legatário), disse antes que deixava a C
“os seus bens imóveis”. Se, por hipótese, a vontade de A foi
aquela, estará certo considerar C como herdeiro?
O que dissemos até aqui já é bastante para sugerir a
solução que julgamos melhor, e que é a seguinte: neste caso B e
C tanto podem ser herdeiros como legatários; tudo depende de
qual tenha sido no caso concreto a vontade do testador.
Efectivamente, para sabermos se B é C são herdeiros ou
legatários, temos de saber (é o critério legal) se eles sucedem em
bens determinados, isto é, apenas em certos bens com exclusão
dos outros, ou se, pelo contrário, B e C sucedem virtualmente na
totalidade da herança de A.
Pois bem: há aqui duas possibilidades.
Deixando a B os bens móveis e a C os bens imóveis, a
ideia de A pode ter sido a de deixar a B só justamente os móveis
e a C só justamente os imóveis. E neste caso B e C serão
legatários. Será um caso em que A não terá querido excluir da
sucessão os seus herdeiros legítimos, os quais, não recebendo
actualmente nada, têm, a possibilidade de vir a receber tudo. É
esta uma 1ª possibilidade. Mas há também uma 2ª que cremos
ser a mais frequente e importa considerar. Deixando a B os seus
móveis e a C os seus imóveis, a ideia de A pode ter sido antes a
de lhes atribuir estes bens como quotas da herança, mas
procedendo ele logo à respectiva partilha69. E neste caso já B e C
serão herdeiros70. Por A ter procedido à partilha, indicando ele
69
Esta possibilidade (de o de cuius designar desde logo, ele mesmo, os bens
que hão-de compor ou preencher cada quota da herança) não pode admitir-se
sem reservas na sucessão legitimária (Rev. Leg. Jur.., 74.°, p. 69), mas parece
incontestável no domínio da sucessão testamentária.
70
Assim acontece no direito italiano e no direito alemão. A questão era muito
discutida em Itália no domínio do Cód. de 1865, mas hoje é pacífica em face
do art. 588º, II, do Código actual. Cfr. Por ex. GANGI, La successione
testamentaria nel vigente diritto italiano, II, Cap. V. A solução é a mesma no
60
próprio os bens com que as quotas de B e C hão-de ser
preenchidas, já estes não poderão ter-se como herdeiros? Não se
vê bem porque tenha de ser assim. Afinal, o problema é o de
saber se não pode interpretar-se o testamento no sentido de que
A quis atribuir a B os móveis e a C os imóveis, não como tais,
mas como quotas da herança. Ora não vemos razão para que este
problema tenha aqui solução diversa daquela que tem em geral.
E, como resulta do art. 2187.°, o que é decisivo na interpretação
dos testamentos é a vontade real do testador, revelada por
qualquer forma; ponto é que esta vontade esteja melhor ou pior
reflectida no contexto do testamento. Nestes limites
propendemos a admitir no nosso direito, embora a doutrina
portuguesa não aceite em geral uma tal possibilidade, a figura da
instituição de herdeiro ex re certa71.
Assim, se A deixa a B os seus móveis e a C os seus
imóveis, e diz que os institui herdeiros na proporção que da
avaliação que se faça de tais bens, é claro que B e C são
direito alemão, em que, com base no § 2.087 do BGB, a doutrina entende que
o que é decisivo, na qualificação herança ou legado, a vontade do testador.
Cfr. p. ex. FRANZ LEONHARD, Erbrecht, p. 241.
71
O limite que pomos (a vontade de atribuir os bens como quota da herança
há-de patentear-se no próprio testamento) basta, segundo cremos, para afastar
a objecção de que todo o legado, a ser como dizemos, poderia então
considerar-se como herança desde que se fizesse a respectiva prova.
Efectivamente, se se admite (como nós admitimos) que a quota ou fracção
aritmética não tem de ser expressamente indicada pelo testador mas pode
determinar-se a posteriori, com base na avaliação dos bens que agora se faça,
parece que tudo pode ser herança, mesmo os casos mais nítidos de legado.
Apurado o valor dos bens legados em relação ao valor da herança, aquele
valor pode sempre reduzir-se a uma quota ou fracção desta. E assim, se A
deixa a B o seu relógio parece que B será herdeiro de A se se mostrar que A
lho quis deixar como quota da herança, como ½.500 herança... Porém, é claro
que neste caso está excluída semelhante prova. A vontade de A deixar a B o
relógio como quota da herança de modo nenhum se reflecte no contexto do
testamento.
61
herdeiros de A. Mas se o testador não disse nada? Então tudo
depende de saber qual foi a sua vontade. Pode ser que Á tenha
dito “que quer que B e C sejam os seus únicos herdeiros”, ou
“que quer que B e C fiquem com todos os seus bens, o primeiro
com os móveis e o segundo com os imóveis” — estes casos
serão igualmente claros. Mas, mesmo para além deles, cremos
que na nossa hipótese deve admitir-se, quando senão mostre que
a vontade do testador foi diversa, que B e C são herdeiros de Á,
uma vez que do próprio testamento resulta que Á dispõe de
todos os seus bens a favor deles.
72
O principio comportará uma excepção na medida em que se julgue
admissível a chamada instituição de herdeiro ex re certa (cfr. o n.º anterior).
62
II. Responsabilidade pelos encargos da herança
73
A circunstância de a responsabilidade do herdeiro se circunscrever intra
vires hereditatis revela uma das faces da autonomia patrimonial da herança,
que é esta: a herança é um património autónomo porque só os bens da
herança (e não o património próprio do herdeiro) é que respondem pelos
encargos hereditários. Mas a herança é um património autónomo ainda
noutro sentido: no sentido de que os bens da herança só respondem pelos
63
contavam apenas (e razoavelmente só podiam contar) com o
património do de cuius: se ele não tivesse falecido, não tinham
os credores que satisfazer-se com os seus bens? Todavia, bem
pode o herdeiro querer solver os encargos da herança mesmo
com os seus próprios bens, e certamente que o art. 2071.° lhe
permite fazê-lo. Basta que o herdeiro, aceitando pura e
simplesmente, não faça a prova da insuficiência da herança para
fazer face aos encargos hereditários 74.
Assim, e quer a herança seja aceite pura e simplesmente
quer o seja a beneficio de inventário75, a responsabilidade do
herdeiro no nosso direito não se estende ultra vires hereditatis76.
74
Segundo parece, o pagamento dos encargos da herança ciente ou
deliberadamente feito pelo herdeiro à custa dos seus próprios bens não deve
considerar-se simples liberalidade (e, como tal, sujeito às condições de
revogabilidade ou rescindibilidade próprias destes negócios), mas verdadeiro
cumprimento ou pagamento (A. VARELA Sucessão do Estado nos bens dos
particulares, p. 53). É a solução que resulta dos princípios gerais dos arts.
2024.° e 2025.°. O herdeiro deve; a sua responsabilidade é que é limitada às
forças da herança. Trata-se de um caso de responsabilidade objectivamente
limitada, sendo esta, como se sabe, uma das soluções legais invocadas pelos
partidários da doutrina da dívida e da responsabilidade a favor da distinção.
75
A distinção entre as duas formas de aceitação só releva em matéria de ónus
da prova (art. 2071º). Se a herança for aceite a beneficio de inventário, a lei
presume que não há na herança mais bens além dos inventariados, pelo que
incumbe aos credores ou legatários provarem a existência de outros bens (art.
2071.°, nº 1); se, pelo contrário, a herança for aceite pura e simplesmente,
cabe ao herdeiro provar que nela não existem valores suficientes para
cumprimento dos encargos (art. 2071.°, n.º 2).
64
Quanto à responsabilidade do legatário pelos encargos da
herança, há que fazer desde logo uma advertência: é que o
legatário, se respondesse pelos encargos da herança, também só
responderia obviamente dentro das forças do legado. Mostra-o
de algum modo o art. 2276.°; e nem poderia ser de outra
maneira, uma vez que a responsabilidade do próprio herdeiro é
circunscrita às forças da herança, como vimos.
O legatário, ao contrário do herdeiro, não responde,
porém, em princípio, pelos encargos da herança; a sua
responsabilidade por estes encargos é uma responsabilidade
meramente eventual e subsidiária.
Efectivamente, não é outra a conclusão que se tira do art.
2276.°. Este só responsabiliza o legatário pelos encargos do
legado, que são coisa diversa dos encargos da herança.
Trata-se aí de cláusulas modais apostas ao próprio
legado, que se traduzem numa diminuição do seu valor. Por
76
Para o entendimento desta afirmação, ocorre salientar vários pontos. É
claro — em primeiro lugar — que ela não é contrariada por o herdeiro poder
solver os encargos hereditários com os seus próprios bens, isto não exclui que
a responsabilidade do herdeiro seja limitada aos bens hereditários (cfr. supra,
em nota). Em segundo lugar, a afirmação de que o herdeiro só responde intra
vires hereditatis também de certo modo não é desmentida no caso de o
herdeiro aceitar pura e simplesmente mas não conseguir provar a
insuficiência da herança para fazer face aos encargos hereditários e, portanto,
vir a responder por esses encargos com os seus próprios bens. Na verdade, o
herdeiro responde aqui com bens que não se prova que não sejam da herança,
com bens que juridicamente são bens da herança. Por fim, cabe advertir que o
herdeiro que aceite pura e simplesmente pode alienar os bens hereditários e,
se o fizer. pode ter de pagar com os seus próprios bens encargos da herança
dentro do valor dos bens hereditários que tenha alienado (sem aplicar o
respectivo produto em solver encargos da herança: art. 2069.°). Mas isto
mostra só que as forças da herança não são constituídas pelos próprios bens
hereditários em espécie, mas pelo seu valor.
65
estes encargos e dentro das forças do legado, é o legatário
responsável — a contrario sensu, pelos encargos da herança não
o é.
O legatário só é responsável pelos encargos da herança,
em primeiro lugar, na hipótese a que se refere o art. 2277.°. A
herança foi toda distribuída em legados; não há herdeiro; a quem
hão-de dirigir-se os credores do de cuius se não aos legatários?
Em segundo lugar, também o legatário é responsável
pelos encargos da herança (embora havendo herdeiro instituído
ou legítimo) se os bens da herança (stricto sensu, isto é,
excluídos os legados) forem insuficientes para o pagamento dos
encargos hereditários. A solução já se retiraria do art. 2070.°, n.º
1, por onde se vê que os credores da herança preferem aos
legatários77, e resulta com clareza do art. 2278.°.
Mas sendo a responsabilidade do legatário circunscrita
aos casos que acabamos de referir, a distinção entre herdeiro e
legatário tem manifesto interesse prático para este efeito.
77
Cabe ponderar, com efeito, que os legados são também encargos da
herança, mas são encargos especiais, sujeitos a regime de desfavor em
relação aos restantes encargos (art. 2070°, p 1, 2ª parte e art. 2068°, pára o
qual remete o n. °2 do art. 2070° Tal regime de desfavor traduz-se em o
cumprimento dos legados estar dependente de os bens da herança (stricto
sensu) serem suficientes para o pagamento dos restantes encargos da herança.
Só os legados remuneratórios é que são equiparados às dívidas da herança
(art. 2278.°).
66
aos modos de vocação. Por isso basta-nos agora reter esta ideia
muito geral: o direito de acrescer pressupõe uma vocação plural,
isto é, pressupõe que são chamadas à sucessão várias pessoas; e
pressupõe que estas pessoas são chamadas à sucessão
solidariamente, isto é, termos de cada uma delas vir receber
mais do que a quota a que foi chamada, poder vir a receber
também as quotas das outras pessoas chamadas à sucessão no
caso de estas não quererem ou não poderem aceitá-las.
Ora o direito de acrescer é um direito que a lei confere
aos co-herdeiros78 se algum ou alguns dos outros co-herdeiros
não quiserem ou não puderem aceitar a herança (art. 2301.°, n.º
1)79; os legatários, que sucedem em bens determinados, ou seja,
apenas em certos bens, só gozam do direito de acrescer se
tiverem sido nomeados em relação ao mesmo objecto (art.
2302.°, n.º 1).
78
Testamentários (art. 2301. °) ou legítimos (art. 2137.°, n.º 2). Mas segundo
a doutrina de PIRES DE LIMA, (na Rev. Leg. .Jur., 72°, pp. 373 e segs.) e
GALVÃ0 TELLES (Direito de representação, substituição vulgar e direito
de decrescer, n.º 103 e 128 a 130) o fenómeno do acrescer não tem a mesma
natureza no domínio da sucessão legítima e no caso da sucessão
testamentária. Só neste último caso haveria um verdadeiro direito de
acrescer; no primeiro, estaríamos em face de um direito de não acrescer.
Sobre esta doutrina e o sentido destas fórmulas, v. infra, n.º 64.
79
Cabe notar, porém, que o direito de acrescer que a lei dá aos herdeiros
testamentários lhes pode ser retirado pelo testador (como resulta do art.
2304.°, que confere ao testador essa faculdade). O herdeiro (testamentário) a
quem o testador retire o direito de acrescer não é, pois, herdeiro para este
efeito (embora continue a sê-lo, parece, para os outros): para este efeito será
tratado como legatário. Ficará numa situação intermédia entre a dos outros
herdeiros (que gozam do direito de acrescer) e a dos legatários.
67
Instituição de herdeiro e nomeação de legatário divergem
igualmente quanto ao ponto de saber se lhes pode ser aposto um
termo, conforme resulta do art. 2243.°.
Efectivamente, o testador não pode sujeitar a instituição
de herdeiro a termo inicial ou suspensivo, mas tal faculdade já
lhe é concedida em relação à nomeação de legatário80 pelo que
respeita ao termo final ou resolutivo, a declaração de termo final
na instituição de herdeiro ou na nomeação de legatário tem-se
por não escrita, excepto, quanto a esta nomeação, se a
disposição versar sobre direito temporário (art. 2243.°, n.º 2).
80
Note-se que, neste caso, o termo inicial apenas suspende a execução da
disposição, não impedindo que o nomeado adquira direito ao legado (art.
2243.°, n.º 1, 2ª parte).
81
Sobre a equiparação ao herdeiro, para este efeito, do usufrutuário de quota
da herança, cfr. supra, n.º 12.
68
inventário é muito diversa da do herdeiro. Assim, por exemplo,
os legatários não podem requerer o inventário (Cód. Proc. Civ.,
art. 1326.°, n.º 282, não podem acusar a falta de descrição de
bens (art. 1342.°), não podem reclamar contra o excesso da
avaliação (art. l362.°), em regra não são admitidos à licitação
(art. l371.°), não podem requerer a remoção do cabeça-de-casal
(art. 1399.°), etc.
82
Pois não são “directamente interessados na partilha”.
83
O Código de 1867 não regulava a venda da herança, ao contrário do que
acontece com o Código Civil de 1966 onde há disposições gerais relativas ao
negócio de alienação da herança (arts. 2124º e segs.)
84
Não obstante a lei equiparar o direito de preferência dos co-herdeiros ao
que assiste aos comproprietários, a herança indivisa não é uma vulgar
compropriedade, como veremos adiante. Cada co-herdeiro tem direito a uma
quota ou parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança,
mas da própria herança em si mesma considerada; enquanto se não proceder
à partilha, não se sabe sobre que bens virá a concretizar-se o direito de cada
co-herdeiro, podendo acontecer, até, que algum ou alguns dos co-herdeiros só
venham a receber tornas, ou seja, uma determinada importância em dinheiro.
69
a) Na falta de cônjuge sobrevivo que seja herdeiro ou
tenha meação em bens do casal, e de testamenteiro, a lei entrega
o cabeçalato aos herdeiros — aos herdeiros legais e, na sua falta,
aos testamentários (art. 2080.”). O legatório só é cabeça-de-casal
se a herança for toda distribuída em legados. nas condições do
art. 2081 .°.
b) A lei dá legitimidade aos herdeiros do falecido: 1)
para requererem as providências previstas no n.º 2 do art. 70.°
(art. 71.°. n.º 2): 2) para intentarem acções relativas à defesa do
nome do falecido (art. 73.°); 3) para requererem ao tribunal que
ordene a restituição de cartas-missivas confidenciais escritas
pelo falecido, no caso de morte do respectivo destinatário, assim
como a destruição das cartas, o seu depósito em mão de pessoa
idónea ou outras medidas apropriadas (art. 75.°, n.º 2); 4) para,
na falta de cônjuge ou dos parentes referidos no art. 71.°. n.º 2.
autorizarem a publicação das cartas-missivas confidenciais,
memórias familiares e pessoais e outros escritos que tenham
carácter confidencial ou se refiram à intimidade da vida privada
do falecido (arts. 76.º, n.º 2, e 77.º); 5) e para autorizarem, na
falta dos mesmos familiares, que o retrato do falecido seja
exposto, reproduzido ou lançado no comércio após a sua morte
(art. 79.°, n.° 1).
Pelo contrário, aos legatários do falecido não é atribuida
legitimidade para qualquer destes actos.
c) Há acções pessoais, como v. g. de anulação do
casamento, que a lei permite sejam intentadas (art. 1639.°) ou
continuadas (arts. 1640.°, n.º 2 e l641.°) pelos herdeiros mas não
pelos legatários.
70
Pois bem: estas diferenças de regime, ou algumas delas,
mal as explica o critério da lei.
E mal as explica porque este critério - dizendo as coisas
mais uma vez — é um critério prático, e na verdade não mais do
que isso: se queremos saber o que é o herdeiro, o art. 2030.° não
nos esclarece. O critério legal só serve para nos dizer quem é
herdeiro: se determinada pessoa, neste ou naquele caso concreto,
é herdeiro ou é legatário.
E na verdade era precisa uma norma que nos viesse dizer
quem é herdeiro.
No direito romano clássico, como vimos, a designação
do herdeiro não podia ser feita senão mediante a atribuição
formal desse título: heres esto. E daqui que não surgisse o
problema de saber quem era herdeiro: herdeiro era quem o de
cuius chamava assim.
Pelo contrário, hoje põe-se o problema de saber quem é
herdeiro, pois o critério de distinção entre herdeiro e legatário
não é já (como no direito romano) um critério formal mas
material, já não é. em certo sentido, um critério subjectivo mas
objectivo85. Herdeiro não é hoje a pessoa que o testador ou a lei
chamam por este nome; mas o destinatário de uma vocação
sucessória com determinado objecto. Qual objecto, é o que vem
dizer-nos — e não é outra a função desta norma — o art. 2030.°.
Herdeiro, no nosso direito, é a pessoa chamada (pelo testador ou
pela lei) à sucessão da totalidade ou de uma quota da herança.
Posta de parte a velha concepção extrapatrimonial da hereditas.
Hoje não é da qualidade de herdeiro que deriva a aquisição dos
bens; ao invés, da aquisição do universum ius ou de uma sua
85
Noutro sentido, porém, o critério de distinção entre herdeiro e legatário é
ainda hoje (e mais do que no direito romano) um critério subjectivo: infra, n.º
37.
71
quota é que deriva para o chamado a qualidade ou o nome de
herdeiro; a instituição de herdeiro não atribuirá este titulo se não
for acompanhada pela atribuição ao instituído da totalidade ou
de uma quota da herança.
Mas ao lado deste problema prático de saber quem é
herdeiro surge-nos o problema teórico de saber o que é o
herdeiro, qual a verdadeira qualificação jurídica do herdeiro,
problema este que não foi resolvido pelo legislador (que em
geral não resolve, nem tem de resolver, os problemas de
construção jurídica). É um delicado problema (a natureza
jurídica da sucessão universal), que não pretendemos versar com
minúcia86.
Numerosas soluções lhe têm sido dadas, mas — se bem
julgamos — são aqui possíveis duas orientações fundamentais e
apenas a elas vamos referir-nos.
Uma 1ª orientação (porventura a mais divulgada)
concebe a herança como universitas iuris, e o herdeiro ainda
como um adquirente, mas justamente um adquirente desta
universitas.
Ao invés para uma 2ª orientação o herdeiro é algo mais
do que um adquirente (ou até algo de diverso). É um sucessor,
no grave sentido romano desta palavra. É um sucessor na
posição jurídica do de cuius. Claro que quando se afirma que o
herdeiro “sucede na posição jurídica do de cuius” não se
pretende, de modo nenhum, que as relações jurídicas de que era
titular o de cuius sejam as mesmas relações de que é agora
titular o herdeiro. Há, por um lado, relações jurídicas que, com a
morte do de cuius, se extinguiram; por outro lado, o herdeiro é
sujeito das suas próprias relações jurídicas, O que se pretende
significar, quando se diz que o herdeiro “sucede na posição
jurídica do de cuius” é apenas isto: que naquela esfera de
86
Cfr. CARIOTA-FERRARA, ob. Cit. cap. V.
72
relações jurídicas que integram a herança o herdeiro sucede ao
de cuius, vindo ocupar em tal esfera de relações a mesma
posição ou o mesmo lugar que o de cuius ocupava.
Qual das duas orientações preferir? A nossa inclinação
vai para esta 2ª87, que de certo modo acentua a distinção entre
herdeiro e legatário (distinção que, pelo contrário, aquela lª
orientação apaga). Doutro modo terá de concluir-se — como
BONFANTE concluiu — que a figura do herdeiro é, no direito
moderno, um anacronismo. No direito romano o herdeiro era um
sucessor na soberania familiar; mas hoje, que a família perdeu o
carácter político que tinha no direito romano, a figura do
herdeiro será uma sobrevivência sem justificação e que só
razões de ordem histórica mantêm ainda. Afinal o herdeiro será,
como o legatário, um adquirente, não de bens singulares (como
este), mas de uma universalidade de bens.
Semelhante conclusão, todavia, não pode aceitar-se sem
grandes reservas, sobretudo num sistema jurídico, como o nosso,
em que a qualificação herdeiro é fonte de tantos e tão
importantes efeitos jurídicos.
As diferenças de regime entre o herdeiro e o legatário.
através de qual daquelas duas ideias se explicam melhor ?
Problema de construção jurídica, assim deve ser posto o nosso
problema. Pode ser que algumas das soluções da lei sejam
igualmente explicadas por uma ou por outra (princípio da
equivalência das construções jurídicas), mas cremos bem que
algumas delas não as explica suficientemente aquela 1ª ideia: a
ideia de que o herdeiro é um adquirente, como o legatário. mas
um adquirente de uma universitas. Assim, designadamente, a
proibição da instituição de herdeiro a termo, a sucessão do
herdeiro em acções pessoais, a possibilidade de os herdeiros
fazerem valer, depois da morte, os direitos de personalidade do
87
No sentido desta orientação, cfr. sobretudo CICU, Successioni per causa di
morte. Parte generale (1954), Cap. II e BARRERO, Sistema istituzionale del
diritto privato italino, II, n.°s. 1028 e 1030
73
falecido (art. 71 n.º 2), etc. Parece-nos que estas soluções se
explicam melhor pela ideia de que o herdeiro é ainda hoje um
sucessor pessoal do de cuius à maneira romana.
A estrutura da herança (se esta ideia for exacta) será,
pois, diversa da do legado. O legado será estruturalmente,
aquisição, enquanto a herança será, estruturalmente, sucessão.
Deste modo, o processo técnico mediante o qual se opera a
sucessão universal será ainda hoje o mesmo que era no direito
romano: a substituição de um sujeito por outro na titularidade de
certas relações jurídicas. A forma de designação do herdeiro é
certamente outra; é outra também (como vamos ver em seguida)
a função do herdeiro no direito moderno; mas esse processo ou
meio técnico não se terá modificado.
89
Deste ponto de vista (funcional) parece inteiramente justa a velha fórmula
(tão desacreditada, mas tão cara, ainda hoje, à doutrina francesa) de que o
herdeiro continua a personalidade jurídica do de cujus.
74
além da morte dos respectivos sujeitos. É preciso que estas
relações jurídicas (que há interesse social em que não se
extingam) sobrevivam à morte, que haja alguém que assuma,
sem solução de continuidade, a titularidade delas. Ora, como se
consegue isto? A lei consegue isto ligando à morte das pessoas
um fenómeno de sucessão, dando ao de cuius um sucessor, um
herdeiro. Bem diversa é a função do legado90. Não se trata agora
de dar ao de cuius um sucessor, um continuador das relações
jurídicas (de certas relações jurídicas) de que ele era sujeito.
Trata-se (no legado testamentário, o mais importante) de
permitir ao de cuius a satisfação dos seus interesses pessoais,
atribuindo vantagens91 económicas a outra pessoa e
modificando, assim, a posição jurídica na qual doutro modo (isto
é, se não fosse o legado) sucederia o herdeiro.
90
Cabe notar que o legatário nem sequer é sempre um sucessor em sentido
técnico. No caso de legado de usufruto (por exemplo) há uma aquisição
derivada constitutiva, que não é tecnicamente sucessão: supra, nº 3
91
Vantagens efectivas ou mesmo só eventuais. Na verdade, como veremos, o
legado é normalmente, mas não essencialmente, um acto de liberalidade: cfr.
por todos GANGI, I legati, I, n.° 10.
75
Diz-se muitas vezes que o critério de distinção entre herdeiro
e legatário, que era no direito romano um critério subjectivo, é
hoje antes um critério objectivo. Mas esta fórmula pode sugerir
uma ideia falsa, contra a qual devemos prevenir-nos. Deve antes
dizer-se que o critério de distinção entre herdeiro e legatário,
que era no direito romano um critério formal, é agora nos
direitos modernos um critério material ou substancial. No direito
romano, como vimos, herdeiro era todo aquele que o de cuius
assim designava no testamento, e só esse era herdeiro. Era um
critério formal: o que relevava era a forma ou a fórmula usada
pelo testador. Pelo contrario, hoje não releva o modo de
designação do herdeiro ou do legatário. O critério de distinção
entre as duas figuras é no direito moderno um critério material:
o que é decisivo é o conteúdo da disposição testamentária. Mas
isto não quer dizer que o critério de distinção entre herdeiro e
legatário seja hoje um critério objectivo, no sentido de que a
declaração do testador prevaleça sobre a sua vontade. No direito
romano, formal como era, é que isto acontecia. Hoje, porém, o
critério de distinção é um critério subjectivo, no sentido de que a
vontade do testador prevalece sobre a sua declaração. Herdeiro é
aquele a quem o testador quer deixar a totalidade ou uma parte
alíquota da sua herança, legatário aquele a quem o testador quer
deixar bens ou valores determinados, contanto que, num caso e
noutro, a vontade do testador encontre no testamento uma
expressão adequada92. O que dissemos há pouco, acerca da
92
Já vimos atrás (nº 11) que o art. 5.°. § 4.° do Anteprojecto GALVÃO
TELLES propunha se consagrasse a irrelevância, neste ponto, da intenção
manifestada pelo testador, mas que essa doutrina não foi aceite pela
Comissão Revisora. O que ficou no Código (art. 2030.°. nº 5) foi só a
irrelevância da qualificação dada pelo testador aos seus sucessores. Não
importa que o testador chame “herdeiro” à pessoa a quem deixa bens
determinados ou “legatário” àquele que recebe a totalidade ou uma quota do
seu património.
76
possibilidade de instituição de herdeiro ex re certa, é suficiente
para ilustrar esta primeira ideia que queríamos pôr em relevo.
77
direito de acrescer, não sendo herdeiros para este efeito,
continuam a sê-lo, todavia, para os outros. E nesta ordem de
ideias outros exemplos podiam ainda ser apontados93.
PARTE GERAL
Cap. I
A MORTE COMO PRESSUPOSTO DA SUCESSÃO
78
2031º; e esta fórmula logo sugere que morte e abertura da
sucessão são coisas diferentes. A morte é o facto jurídico que
produz o efeito “abertura da sucessão”; esta é um efeito jurídico
da morte, um dos vários efeitos jurídicos que a morte produz.
Que espécie de facto jurídico é a morte ?
A morte como pressuposto da sucessão é um facto
jurídico involuntário. Quer isto dizer que a vontade humana não
intervém na morte ou, mesmo que intervenha, é irrelevante. Para
outros efeitos, claro que a morte tanto pode ser um facto jurídico
voluntário como involuntário. Mas como pressuposto da
sucessão é sempre um facto jurídico involuntário, pois o
fenómeno sucessório tem lugar nos mesmos termos quer
intervenha ou não na morte uma vontade humana.
Por outro lado, a morte é um facto jurídico, ao mesmo
tempo, constitutivo, modificativo e extintivo.
Em 1.° lugar, a morte constitui relações jurídicas novas.
Assim, se o de cuius fez um seguro de vida a favor de certa
pessoa, o direito de esta pessoa exigir o capital segurado nasce
com a morte, como podem nascer com a morte um direito de
usufruto, um direito de indemnização, etc.
Em 2.° lugar, a morte modifica subjectivamente as
relações jurídicas do falecido, abrindo a sucessão relativamente
aos direitos e obrigações que forem objecto de devolução
sucessória. É este efeito da morte — a abertura da sucessão, que
estudaremos no capítulo seguinte - o que, naturalmente, se
reveste de mais destacado interesse no âmbito do nosso curso.
Finalmente, a morte extingue a personalidade jurídica do
finado, assim como todas as relações jurídicas que, pelo seu
carácter pessoal, não sobrevivem à morte do respectivo titular e
não são por isso objecto de devolução sucessória.
79
Advirta-se, por último, que a morte para o direito é
mesmo a morte, é a morte em sentido natural94. Este conceito
serve aos fins do direito, sem que se torne aqui necessária
qualquer reelaboração95.
Uma aplicação particular desta ideia é que a morte como
pressuposto da sucessão é só a morte natural, e não a morte
civil. O direito português não conhece hoje este instituto,
embora já o tenha conhecido. Sabemos como dantes os homens
podiam perder a sua personalidade ou capacidade jurídica — a
isso se chamava morte civil —, em consequência de certos votos
monásticos ou por força de determinadas condenações penais.
Reflexo desse velho instituto da morte civil eram os arts. 355.° a
358.° (que ainda estavam no Código mas tinham sido revogados
pela Reforma Penal de 1884) e os arts. 1764.°, nº 2.° e 4.° e
1779.° do Código de 1867, na redacção que tinham antes da
Reforma de 1930.
94
Saber em que consiste, porém, a morte em sentido natural (ou, por outras
palavras, qual seja o critério ou diagnóstico da morte) é questão que tem
suscitado dúvidas. Decerto que é necessário ter em conta o critério que vale
para efeitos de colheita de tecidos ou órgãos de pessoas falecidas para
transplantação ou outros fins terapêuticos, nos termos do Decr.-lei n.° 553/76,
de 13 de Julho (o qual, embora tenha revogado a Portaria n.°156/71, de 24 de
Março, parece não ter querido arredar as regras de semiologia médico-legal
enunciadas nesta Portaria): para os efeitos referidos, é suficiente que, apesar
de se manter alguma actividade respiratória e cardiocirculatória,
eventualmente por meios artificiais, se verifiquem lesões irreversíveis no
sistema nervoso central (a “morte cerebral”). Mas a questão de saber se o
critério da “morte cerebral” vale em termos gerais no nosso direito (como nos
inclinamos a crer) ou só quando se trate de pessoas sujeitas a técnicas de
reanimação tem sido objecto de controvérsia. V. o Parecer n.° 74/85. de
28.8., da Procuradoria-Geral da República, publ. no Bol. Min. Just. n.° 352,
pp. 136 ss., e OLlVEIRA SÁ, A propósito da colheita de órgãos e do
diagnóstico da morte, na “Coimbra Médica”, 1988, pp. 89 ss.
95
Sobre a reelaboração dos conceitos originariamente não jurídicos, cfr.
RADBRUCH, Filosofia do Direito (trad. port.), p. 172.
80
19. Sucessão das pessoas colectivas
96
Quanto às sociedades, em geral, regem os arts. 1010º e segs.
81
liquidatários, de qualquer associado ou interessado, ou ainda de
herdeiros do doador ou do autor da deixa testamentária, atribui-
los-á, com o mesmo encargo ou afectação, a outra pessoa
colectiva. É a hipótese prevista no nº 1 do artigo.
Se não se verificar aquela afectação teleológica — e na
ausência de disposição estatutária sobre o destino dos bens ou de
deliberação dos associados ou lei especial —, compete ao
tribunal, a requerimento do Ministério Público, dos liquidatários
ou de qualquer associado ou interessado, determinar que os bens
sejam atribuídos a outra pessoa colectiva ou ao Estado (art.
166.°, n.º 2), assegurando, “tanto quanto possível, a realização
dos fins da pessoa extinta”.
20 . Morte presumida
82
A primeira fase é a da curadoria provisória, cujo regime
consta dos arts. 89.° a 98.°. Ainda não há aqui qualquer suspeita
ou presunção de morte; trata-se apenas de defender os bens do
ausente e, reflexamente, as pessoas que têm interesse na
conservação do seu património (nomeadamente os credores e
herdeiros presumidos do ausente) e até o próprio interesse
público. O art. 89.° enuncia as condições ou pressupostos da
curadoria provisória, a qual pode ser requerida pelo Ministério
Público ou por qualquer interessado (art. 91º). O respectivo
processo consta dos arts. 1451.° e segs. do Cód. Proc. Civ.. O
curador provisório é escolhido pelo juiz, dentre as pessoas
mencionadas no art. 92.°. Pode apenas praticar “actos de
administração ordinária” (art. 1159º, n.º 1, para o qual remete o
art. 94.°); os actos de disposição a que se refere o art. 94.°, n.º 3,
só podem ser praticados mediante autorização judicial. Há ainda
a notar que a lei ordena aqui as cautelas e providências que, em
geral, se estabelecem cm casos de administração de bens
alheios: inventário, caução, prestação de contas (arts. 93.° e
95.°). O curador provisório é remunerado, nos termos do art.
96º.
Decorridos 2 anos sobre as últimas notícias, ou 5 se o
ausente tiver deixado representante legal ou procurador97, pode
ser requerida a justificação da ausência e a instalação da
curadoria definitiva. A esta se referem os arts. 99.° a 113.°. A
justificação da ausência pode ser requerida pelo Ministério
Público ou por qualquer dos interessados mencionados no art.
100º e o respectivo processo é o dos arts. 1103.° e segs. do Cód.
Proc. Civ.. Justificada a ausência, os bens do ausente são
entregues aos interessados que viriam a recebê-los no caso de
morte dele, e que ficam a administrar esses bens como curadores
97
Estes prazos eram de 4 e 10 anos no direito anterior. E. como vai ver-se,
também foram muito encurtados os prazos exigidos para a declaração de
morte presumida. Dadas as condições da vida actual. em que as
comunicações são muito rápidas e fáceis, a inovação parece justificada.
83
definitivos (art. 104.°). Os legatários, assim como todos aqueles
que por morte do ausente teriam direito a bens determinados,
podem requerer que estes bens lhes sejam entregues
independentemente da partilha (art. 102.°); a entrega dos bens
aos herdeiros do ausente é que só é feita depois da partilha,
pertencendo entretanto a administração ao cabeça-de-casal (art.
103.°). Também não há ainda aqui uma presunção de morte, mas
a lei como que já suspeita dela e prepara, por assim dizer, a
sucessão definitiva. Porque não há ainda uma verdadeira
sucessão98 e os curadores definitivos são simples
administradores de bens alheios — de bens do ausente —, não
podem eles dispor livremente destes bens, sobre os quais têm em
princípio, os mesmos poderes limitados que pertencem ao
curador provisório (art. 110º, que remete para o art. 94.°). Note-
se, porém, que só serão obrigados a prestar caução se o tribunal
o exigir, nos termos do art. 107.°, e que, por outro lado, lhes
pertence a fruição dos bens, conforme o art. 111º, podendo fazer
seus — se a curadoria definitiva for atribuída aos ascendentes,
aos descendentes ou ao cônjuge do ausente — a totalidade dos
frutos percebidos a contar do dia da entrega dos bens.
Finalmente, temos a fase da morte presumida, a que se
referem os arts. 114.° a 119.° A declaração de morte presumida
pode ser requerida, pelos interessados a que se refere o art.
100.°, decorridos 10 anos sobre a data das últimas notícias, ou 5
anos se entretanto o ausente houver completado 80 anos de
idade (art. 114.°)99. Produz os mesmos efeitos que a morte (art.
115.°), mas não dissolve o vínculo matrimonial, sem prejuízo do
98
Cfr., porém, o art. 109º, que, justificada a ausência admite o repúdio da
sucessão do ausente ou a disposição dos respectivos direitos sucessórios.
99
No direito anterior exigiam-se 20 anos de ausência ou que o ausente
houvesse completado 95 anos de idade.
84
disposto no artigo seguinte100. Os bens do ausente são pois
entregues aos seus sucessores (art. 117.°), que, aliás,
normalmente já estavam a administrá-los como curadores
definitivos101 mas podem agora dispor livremente desses bens,
que lhes pertencem, e portanto também aliená-los, como se
houvesse a certeza de ele ter morrido. Em princípio, portanto, a
morte presumida é equiparada à morte certa, operando como
esta o fenómeno sucessório. Todavia a equiparação não é
completa. A vocação sucessória que tem lugar no caso de morte
presumida é uma vocação resolúvel, e que se resolverá na
hipótese de o ausente regressar ou haver notícias dele102 Note-
se, porém, que a vocação não se resolve ex tunc mas só ex nunc
pois se o ausente regressar ou dele houver notícias ser-lhe-á
devolvido apenas “o património no estado em que se encontrar,
com o preço dos bens alienados ou com os bens directamente
sub-rogados, e bem assim com os bens adquiridos mediante o
preço dos alienados, quando no título de aquisição se declare
expressamente a proveniência do dinheiro” (art. 119.°, n.º 1). O
ausente poderá exigir, todavia, uma indemnização aos
sucessores no caso de estes terem agido de má fé, por saberem
que o ausente ainda era vivo à data da declaração de morte
presumida (art. 119, nºs 2 e 3).
100
Acerca dos efeitos da declaração de morte presumida sobre o casamento
do ausente, remetemo-nos para o que escrevemos no Curso de Direito da
Família (pp. 1986, pp. 269-271
101
Normalmente mas não necessariamente: art. 118.°.
102
Pode também acontecer que o ausente tenha falecido, mas em data
diversa da fixada na sentença de declaração de morte presumida. O caso está
previsto no art. 116º.
85
Para completar o estudo da morte como pressuposto da
sucessão faremos breve referência ao problema da prova da
morte. Sendo a morte o pressuposto da sucessão quem queira
fazer valer direitos sucessórios há-de provar a morte, e como é
que a morte se prova?
A morte prova-se, em regra, por uma certidão do registo
de óbito, extraída do respectivo livro (ao qual se refere o Cód.
Reg. Civ., no art. 20.°, n.º 1, al. c), ao enumerar os livros que
deve haver nas conservatórias). A matéria do registo de óbito
vem regulada detalhadamente nos arts. 239.° e segs. do Cód.
Reg. Civ., e às certidões dos vários actos do registo civil se
referem os arts. 262.° e segs. do mesmo Código. Se o cadáver
não for encontrado ou reconhecido, mas o desaparecimento se
tiver dado em circunstâncias que não permitam duvidar da morte
da pessoa, esta tem-se por falecida (art. 68.°, n.º 3 do Cód. Civ.),
cumprindo ao Ministério Publico promover, por intermédio da
conservatória competente, a justificação judicial do óbito (Cód.
Reg. Civ., arts. 247.° e 299.° e segs.). Julgada a justificação é
que o conservador lavrará o assento, do qual se extrairão
certidões por que se provará o óbito, nos termos gerais.
Um aspecto particular do problema da prova da morte é
o chamado problema da morte simultânea ou comoriência.
Dissemos que quem queira fazer valer direitos sucessórios há-de
provar a morte; mas a prova da morte compreende, não só a
prova de que a morte ocorreu, mas também a prova do momento
em que a morte se verificou103. E a prova do momento da morte
tem muito interesse pelo seguinte: é que, como veremos quando
tratarmos da vocação sucessória, para que uma pessoa seja
chamada à sucessão é preciso que ela exista no momento da
morte do de cuius. Ora, pode dar-se a coincidência de o
103
Cfr. o nº 1, al. a) do art. 240.° do Cód. Reg. Civ., por onde se vê que os
assentos de óbito devem conter, inclusivamente, a hora do falecimento.
86
sucessível e o autor da sucessão terem morrido justamente no
mesmo desastre, ou no mesmo dia104; e, em hipóteses destas,
para que tenha lugar o fenómeno sucessório é preciso que se
faça a prova de que o sucessível sobreviveu — nem que fosse
por um minuto, por um instante — ao autor da sucessão.
Suponhamos que A faz testamento a favor de B e morrem os
dois no mesmo desastre. É fácil ver como são diversas, nesta
hipótese, as consequências a que se chega no caso de pré-morte
de A e no de pré-morte de B. Se A morreu antes de B, este terá
sido chamado à sucessão daquele, e transmitido aos seus
herdeiros (de B) o direito de aceitar ou repudiar, nos termos do
art. 2058.°. Pelo contrário, se foi B que faleceu em primeiro
lugar e não deixou descendentes, a disposição testamentária terá
caducado (art. 2317.°, al. a)), sendo chamados à sucessão os
herdeiros legítimos de A, nos termos gerais (art. 2131.°). O
problema da morte simultânea não interessa apenas no âmbito
da sucessão testamentária ou da sucessão legítima, mas mesmo
fora do âmbito das sucessões. Assim, v. g., na hipótese de
doação com pacto de reversão em caso de pré-morte do
donatário (cfr. art. 960.°). Se doador e donatário morrem no
mesmo desastre ou no mesmo dia, para que os herdeiros do
doador possam pedir aos herdeiros do donatário a restituição dos
bens doados é preciso que façam prova da pré-morte do
donatário. O problema da morte simultânea interessa, assim, em
todos os casos em que alguém pretende fazer valer um direito
que dependa da pré-morte de uma pessoa a outra pessoa.
Ora, como resolve a nossa lei estes problema ?
O princípio geral é que a prova do momento da morte —
e portanto a prova da pré-morte — e faz por todos os meios
possíveis. Assim, naquele exemplo que demos, a prova da pré-
morte de A ou de B poderá fazer-se, eventualmente, por prova
104
Pode também supor-se a hipótese de uma vocação sucessória recíproca
das duas pessoas cuja morte ocorreu simultaneamente.
87
testemunhal das pessoas que assistiram ao desastre. E no caso de
nenhuma prova ser feita? Neste caso, e para a hipótese de pai e
filho morrerem no mesmo desastre, o direito romano estabelecia
uma presunção baseada sobre a maior ou menor resistência vital
das pessoas. Era uma presunção de pré-morte do pai em relação
ao filho púbere, e do filho impúbere em relação ao pai. Depois o
direito medieval seguiu e continuou este sistema, formulando
aqui uma vasta série de presunções, todas assentes naquela ideia
de maior ou menor resistência vital das pessoas, em conexão
com a idade, o sexo, o estado de saúde, etc. E um sistema
semelhante foi acolhido nos arts. 72l.° e 722.° do Código
Francês. Mas este critério abstracto — e sempre, por isso, mais
ou menos arbitrário — não foi seguido pelo nosso legislador.
A pré-morte do de cuius em relação ao herdeiro ou
legatário há-de ser provada pelos herdeiros deste último; de
certo que eles podem fazer valer aquelas presunções do antigo
direito, mas como simples presunções de facto, que o juiz
ponderará ao lado de todos os outros elementos atendíveis. Se
nenhuma prova se fizer, então a presunção da lei é a de morte
simultânea. O autor da herança e os seus herdeiros ou legatários
reputar-se-ão falecidos todos ao mesmo tempo, e não se
verificará entre eles a transmissão da herança ou do legado. É a
doutrina do n.º 2 do art. 68.°. Note-se que este texto contém um
principio geral de direito, válido para qualquer forma de
sucessão e mesmo fora das sucessões, onde quer que tenha
interesse a questão de saber qual de duas pessoas morreu
primeiro. Como é claro, a solução da nossa lei, na hipótese de
nenhuma prova se fazer, leva às mesmas consequências a que
levaria a prova positiva da pré-morte do herdeiro ou legatário
em relação ao de cuius.
Cap. II
ABERTURA DA SUCESSÃO
88
22. Conceito de abertura da sucessão
89
A abertura da sucessão é um efeito jurídico que se
produz num momento determinado. Este momento é o momento
da morte do autor da sucessão. A sucessão abre-se no momento
da morte do seu autor, diz o art. 203lº.
Tem muito interesse, para variados efeitos, saber qual é o
momento da abertura da sucessão e fazê-lo coincidir com o
momento da morte, podendo dizer-se que é um principio geral
do nosso direito sucessório, revelado em muitas das suas
disposições, o princípio de que o momento fundamental do
fenómeno sucessório é o momento da abertura da sucessão, a
este momento devendo ser referidos ou reportados os vários
actos e operações a que no decurso desse fenómeno houver de
proceder-se.
Assim, a aceitação retrotrai os seus efeitos ao momento
da abertura da sucessão (art. 2050. °, n.º 2).
E não só a aceitação como a vocação sucessória. Esta
faz-se, regra geral, no próprio momento da abertura da sucessão,
e, quando subsequente ou sucessiva, retroage a esse mesmo
momento (art. 2032.°, n.º 2).
A proibição dos pactos sucessórios revela-nos outro
aspecto em que tem muito interesse o momento da abertura da
sucessão: não se pode renunciar e, em geral, é proibido negociar
sobre uma sucessão ainda não aberta.
Notaremos ainda o seguinte: é no momento da abertura da
sucessão que a designação sucessória se fixa ou se concretiza na
vocação, e os termos em que ela se fixa ou se concretiza são
ainda determinados pelo momento da abertura da sucessão. Já
antes da abertura da sucessão — como veremos — há
expectativas sucessórias, pessoas indicadas ou designadas para
suceder. Mas a designação é inconsistente, flutuante, e é só
justamente no momento da abertura da sucessão que a
designação se fixa. E como é que ela se fixa, quem é chamado à
sucessão? Como diremos adiante, o destinatário da vocação é o
titular da designação prevalente no momento da abertura da
90
sucessão, contanto que nesse momento exista e tenha capacidade
sucessória. É este, assim, outro aspecto em que tem grande
relevo a determinação do momento da abertura da sucessão (por
este momento ser um e não outro, pode o chamado à sucessão
ser determinada pessoa e não pessoa diversa).
Por último, poderá acrescentar-se que se deve atender em
primeiro lugar, para o cálculo da legítima, ao valor dos bens
existentes no património do autor da sucessão à data da sua
morte (art. 2162.°, n.º 1), e que o valor dos bens doados, para
esse efeito como para efeitos de colação, é o que eles tiverem à
data da abertura da sucessão (art. 2109.°, n.º 1).
91
Civ., art. 77.°, n.º 1)105, para o chamado processo cominatório de
aceitação ou de repúdio (art. 2049.°, n.º 1; cfr. também o art.
l467.° do Cód. Proc. Civ.), etc. É ainda no lugar da abertura da
sucessão que deve ser cumprido o legado em dinheiro ou coisa
genérica que não exista na herança (art. 2270.°, 2ª parte).106
Quanto a saber como se determina o lugar da abertura da
sucessão, rege o art. 2031.° que estabelece a regra de que a
sucessão se abre no lugar do último domicílio do seu autor.
Tem pois aqui aplicação a doutrina do art. 82.°, que já foi
estudada na disciplina de Teoria Geral: a pessoa tem domicílio
no lugar da sua residência habitual e, se residir alternadamente
em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles;
na falta da residência habitual, considera-se domiciliada no lugar
da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser
determinada, no lugar onde se encontrar.
Cap. III
105
O n.º 2 do art. 770.° determina, porém, que, sendo aberta a sucessão fora
do país, se observará o seguinte:
“a) Tendo o falecido deixado bens em Portugal, é competente para o
inventário ou para a habilitação o tribunal do lugar da situação dos imóveis,
ou da maior parte deles, ou, na falta de imóveis, o do lugar onde estiver a
maior parte dos móveis;
b) Não tendo o falecido deixado bens em Portugal, é competente para a
habilitação o tribunal do domicílio do habilitando”.
106
O art. 59.° do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações
(Decreto-lei n.º 41.969, de 24 de Novembro de 1958) manda liquidar o
imposto sucessório, em principio, na repartição de finanças do concelho ou
bairro do domicílio do finado ao tempo da morte. Não se considera aqui
competente a repartição de finanças do lugar da abertura da sucessão, mas,
directamente, a do lugar do domicílio do falecido.
92
VOCAÇÃO SUCESSÓRIA
Secção 1
NOÇÕES FUNDAMENTAIS
§ 1.0
GENERALIDADES
107
Sobre os vários sentidos destes termos, cfr. CARIOTA-FERRARA, ob.
cit., n.°20, e entre nós GALVÃO TELLES, Teoria geral cit. §§ 12 e 13.
93
quadro dos sucessíveis, isto é, das pessoas que podem vir a
suceder-lhe. Designação sucessória é a indicação de um
sucessível, feita antes da morte do de cuius, pela própria lei ou
por um facto jurídico praticado de harmonia com ela, facto que é
normalmente um testamento, mas também pode ser, em certos
casos, uma doação mortis causa.
A vocação sucessória é (como a palavra diz) um
chamamento ou uma chamada à sucessão, feita pela lei ou pelo
de cuius no momento da morte; neste momento o sucessível, já
designado para suceder, é chamado à sucessão, isto é, é
chamado a suceder nas relações jurídicas que integram a
sucessão. Se se trata de herança, é chamado a suceder em todas
as relações jurídicas do de cuius que não se extingam com a sua
morte ou numa quota dessas relações; se se trata de legado, é
chamado a suceder em certas e determinadas relações jurídicas.
E a devolução sucessória? A devolução sucessória é,
para nós, fundamentalmente a mesma coisa que a vocação.
Vocação e devolução não são realidades diversas, mas diversos
modos de consideração de uma mesma realidade. Uma pessoa é
chamada a suceder em certas relações jurídicas: esta realidade
pode ver-se tanto dum ponto de vista subjectivo (do ponto de
vista da pessoa chamada a suceder) como dum ponto de vista
objectivo (do ponto de vista da posição jurídica que lhe é
atribuída em relação aos direitos e obrigações em que ela é
chamada a suceder). Quando falamos em vocação colocamo-nos
na 1ª perspectiva; quando falamos em devolução colocamo-nos
na 2ª. É chamada a pessoa; é devolvida (ao herdeiro ou ao
legatário) uma certa posição jurídica relativamente aos direitos e
às obrigações que integram a sucessão. À atribuição desta
posição jurídica ao chamado é que damos o nome de devolução
sucessória. A devolução é, assim, o reflexo ou a incidência
objectiva da vocação.
94
Nos termos do art. 2026.°, a sucessão é deferida por lei,
testamento ou contrato, sendo estes os títulos da vocação.
Não só podem, porém, ser chamadas à sucessão várias
pessoas cada uma por seu título, como a mesma pessoa pode ser
chamada por vários títulos: como herdeiro legítimo e
testamentário, como herdeiro testamentário e legitimário, etc. E
pergunta-se se neste caso há vários chamamentos, a que podem
ser dadas respostas diferentes, ou se o chamamento é um só e
como tal admite uma única resposta. Algumas questões que se
suscitam a este respeito estão resolvidas no art. 2055. °. Note-se,
por último, que não constitui caso de concorrência de títulos a
hipótese já referida do art. 2226. °.
§ 2.°
DESIGNAÇÃO SUCESSÓRIA
27. Noção
95
momento da morte hão-de ser chamadas já em vida do de cuius
estavam indicadas ou designadas para lhe sucederem. A
designação sucessória é, assim, um momento prévio em relação
à vocação propriamente dita. Pode dizer-se que a designação é
como que uma vocação virtual e que a vocação é uma espécie de
designação efectiva.
108
Pode dizer-se, assim, que a designação é umas vezes abstracta,
outras concreta. Abstracta é a designação feita pela lei, pois esta designa
categorias abstractas de pessoas (os descendentes, o cônjuge, etc.); pode
chamar-se concreta a designação feita em testamento (ou doação por morte),
em que são designadas para suceder pessoas individualmente designadas (cfr,
porém, os arts. 2182º, nºs 2 e 3, e 2225º). GALVÃO TELLES, Teoria geral,
cit. nºs 31 e 32, utiliza noutra acepção as expressões designação abstracta e
designação concreta.
96
é claro, que não possam ser chamadas à sucessão ao mesmo
tempo várias pessoas. Por exemplo, no caso tão vulgar de uma
pessoa fazer testamento em que dispõe só de parte dos seus
bens, são chamados à sucessão os herdeiros testamentários e, ao
mesmo tempo, os herdeiros legítimos do testador. Em relação às
mesmas relações jurídicas é que não pode haver mais que uma
vocação. E qual é a designação que se converte em vocação? O
principio geral (art. 2032.°, n.º 1) formula-se assim: só se
converte em vocação a designação sucessória prevalente no
momento da morte do “de cuius “. Só será chamado a suceder o
titular da designação sucessória prevalente109, e a prevalência
duma designação sobre as outras é apreciada no momento da
morte do autor da sucessão.
Entre as várias designações sucessórias estabelece-se,
assim, uma hierarquia, uma escala.
Como é ordenada esta escala?
Esquematicamente, podemos dizer que a hierarquia das
designações é a seguinte:
Em 1º lugar, e dentro da medida da sua legítima, estão os
herdeiros legitimários que são, no nosso direito, o cônjuge, os
descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras
estabelecidas para a sucessão legítima nos arts. 2133.° e segs.
(art. 2157.°).
Em 2.° lugar estão os herdeiros (ou legatários)
contratuais. Estes estão depois dos legitimários (arts. 1759.° e
l705.°, nº 3), mas antes dos testamentários. É o que se deduz da
maneira como a lei resolve os conflitos que porventura surjam
entre as designações contratual e testamentária. A designação
109
Desde que estejam cumpridos os restantes pressupostos da vocação. O
titular da designação sucessória prevalente só será chamado suceder — como
veremos — desde que exista e seja capaz no momento da morte do autor da
sucessão (art. 2032.°, n.º 1).
97
contratual prevalece sobre a designação testamentária anterior
(arts. 2311º e 2313º) ou posterior (art. 1710º, nº 1).
Estão em 3º lugar os herdeiros (ou legatários)
testamentários, as pessoas que o autor da sucessão designou no
seu testamento para lhe sucederem.
Em 4º lugar, e pela ordem do art. 2133.°, n.º 1, estão
finalmente todos os herdeiros legítimos mencionados neste
artigo, o quais são designados pela própria lei para sucederem ao
de cuius. Na base da designação legal está, umas vezes, uma
relação matrimonial (als. a) e b)), outras vezes uma relação de
parentesco (als. a). b), c) e d)), outras ainda uma relação de
soberania (al. e)).
A escala dos sucessíveis é, porém, até ao momento da
morte, de sua natureza movediça, instável. A designação
sucessória como tal é flutuante, inconsistente: até à morte não se
sabe nada. E por variadas razões. Se a designação é feita em
testamento, pode este ser livremente revogado ou modificado
pelo testador (art. 2311.º). E a hierarquia dos herdeiros legítimos
pode também sofrer contínuas oscilações. Por um lado, a todo o
momento pode ser modificada a norma que regula a ordem legal
da sucessão110; por outro lado, constantemente podem ocorrer
110
Por exemplo; a Reforma de 1930 veio colocar de novo os irmãos e
sobrinhos antes do cônjuge sobrevivo (como no primitivo regime do Código,
anterior ao Decreto de 31 de Outubro de 1910), embora atribuindo a este, no
caso de ao de cuius sucederem os irmãos ou sobrinhos, o usufruto vitalício da
totalidade da herança (art. 2003.º, § ún. do Código de 1867). Antes da
Reforma, e por força daquele Decreto de 1910, o cônjuge sobrevivo estava
colocado na hierarquia dos herdeiros legítimos antes dos irmãos e sobrinhos.
Também segundo a primitiva redacção do art. 1969.° do Código de 1867,
eram herdeiros legítimos os colaterais até ao 10º grau (e não apenas até ao
6.°). Por outro lado, a Constituição da República de 1976 consagrou o
princípio da não discriminação entre filhos nascidos do casamento e fora do
casamento, que teve ampla projecção no direito sucessório. E, mais tarde, a
Reforma de 1977 (Decr.-lei n.° 496/77 de 25 de Novembro) veio colocar o
cônjuge na 1ª classe de sucessíveis, ao lado dos descendentes (art. 2l33.°, n.º
1, al. a)), ou, se não houver descendentes e o autor da sucessão deixar
98
factos ou circunstâncias que venham modificar a hierarquia das
designações: podem nascer ou morrer pessoas, pode celebrar-se
ou ser dissolvido um casamento, etc. Tanto em relação aos
herdeiros testamentário como aos legítimos, deve ponderar-se
ainda que eles não têm, em qualquer caso, a certeza de virem a
receber, efectivamente, os bens do autor da sucessão, pois este
pode em vida dispor livremente dos seus bens, quer a título
oneroso, quer mesmo a título gratuito. Quanto aos herdeiros
legitimários decerto que ocupam sempre o primeiro lugar na
escala dos sucessíveis. E, conforme vimos já, o interesse dos
herdeiros legitimários prevalece sobre o dos donatários e ainda
sobre o dos herdeiros (ou legatários) testamentários (arts. 2l68.°
e segs.). Mas nem os legitimários têm a garantia de que
receberão a sua legítima à morte do autor ,da sucessão. Basta
pensar que este pode, em vida, vender os seus bens e gastar o
produto da venda em despesas improdutivas, assim como pode
contrair dívidas, vindo o seu património a ser integralmente
executado pelos credores111.
cônjuge e ascendentes ao lado destes, na 2.’ classe (art. 2133.°, n° l, al. b)), e
considerou o cônjuge herdeiro legitimário do autor da sucessão. Como
sabemos, a Reforma de 1977 limitou ainda os direitos sucessórios dos
colaterais, como herdeiros legítimos, ao 4.° grau de parentesco.
111
Contra estes actos do autor da sucessão só poderão os legitimários reagir
requerendo a sua inabilitação por habitual prodigalidade (desde que se
verifiquem os respectivos pressupostos). Embora não se trate aqui de uma
providência especialmente dirigida à protecção dos legitimários, como se
deduz facilmente dos arts, 141º e 156.°, este instituto funciona — ou pode
funcionar — como uma medida indirecta de protecção da legítima.
99
São estes os dados a ter em conta para resolver a questão
de saber que relevo jurídico deve atribuir-se à designação
sucessória.
A questão enuncia-se assim:
O designado para suceder já terá — ainda em vida do de
cuius — um direito subjectivo aos bens, sobre os bens ou, de
todo o modo, relativamente aos bens hereditários? Terá, ao
menos, uma expectativa jurídica de os vir a receber? Ou terá
apenas uma expectativa não jurídica, de facto, uma simples
esperança de que esses bens um dia sejam seus
Questão de natureza conceitual e cujo interesse prático
não deve exagerar-se, sempre lhe dedicaremos uns instantes de
reflexão.
Há necessidade de distinguir, a este respeito, entre a
situação dos herdeiros legítimos e testamentários, por um lado, e
a dos legitimários e contratuais, por outro lado.
112
Ou quase não tem relevo jurídico. Fazemos esta restrição porque há, pelo
menos, um efeito jurídico que a lei atribui à designação sucessória feita a
favor dos herdeiros legítimos e testamentários. Se o autor da sucessão está
ausente e é instalada a curadoria definitiva dos seus bens, são estes entregues
100
lhe dispensa qualquer protecção. É o que resulta das soluções
legais que há pouco foram evidenciadas.113
aos seus herdeiros (ou legatários) presumidos ao tempo das últimas notícias,
quer sejam legítimos, quer sejam instituídos em testamento (arts. 101º-103.°).
Os herdeiros legítimos ou testamentários do ausente são, pois, os curadores
definitivos dos seus bens. E note-se que não há ainda aqui qualquer ideia de
presunção de morte, de modo que se trata de um efeito jurídico atribuído à
designação sucessória como tal. Também o curador provisório dos bens do
ausente pode ser escolhido dentre os seus herdeiros presumidos (art. 92.°).
Para uma descrição geral do instituto da ausência no direito anterior ao
Código, cfr. ALBERTO DOS REIS, Processos especiais, vol. II, pp. 205-243
e 508-514.
113
É a doutrina comum. Cfr. por exemplo NICOLÓ, La vocazione ereditaria
diretta e indiretta (estudo muito importante) nos Annali da Univ. de Messina,
vol. 84, p. 37 e CARIOTA-FERRARA, ob. e vol. cits., pp. 68-74 (não muito
claro). Entre nós, cfr. GALVÃO TELLES, na Teoria Geral, cit. pp. 62- 63, e
no Direito, ano 90.° (1956), pp. 2-6.
114
Assim entre nós, PAULO CUNHA (lições de 1946-47, coligidas por
Lourenço Pereira e Agostinho de Oliveira, pp. 75-80), que todavia não
esclarece qual é o direito que os legitimários têm antes da abertura da
sucessão. Muito interessante é a construção elaborada por VERDIER (Les
droits éventueis, 1955), segundo o qual o legitimário já tem, em vida do autor
da sucessão, um direito à aquisição de um direito futuro (do seu futuro direito
à legitima) Não se trata, diz VERDIER, de um direito eventual (eventual é o
direito futuro); trata-se de um direito actual, puro e simples, e cujo objecto é a
aquisição da situação jurídica definitiva. A revogação ou redução
101
joga aqui apenas com o conceito de expectativa jurídica. É uma
querela conceitual, que não se reveste de interesse prático
apreciável, e cuja solução dependerá, até, do modo como se
caracterizem os dois conceitos em face um do outro115. Por nós,
não vemos razões para nos apartarmos da doutrina corrente de
que os legitimários apenas têm, em vida do autor da sucessão, a
expectativa de virem a receber a sua legítima à morte deste. Não
há soluções legais (ou nós não as vemos) cuja explicação exija
aquele conceito de um direito dos legitimários já existente em
vida do autor da sucessão. Levantaria muitas dificuldades a
caracterização e qualificação desse direito, ao qual, de resto, os
legitimários não poderiam renunciar e de que não poderiam
dispor por qualquer maneira (art. 2028.°). Uma expectativa e
não um direito, portanto. Mas uma expectativa jurídica enquanto
já tutelada pelo direito116. A protecção da expectativa dos
115
Sobre os conceitos de direito subjectivo, expectativa, direito eventual e
direito futuro, cfr. a monografia de VERDIER citada na nota anterior.
116
Como sabemos, nem a todos os interesses juridicamente protegidos
corresponde um direito subjectivo (sendo este um dos reparos que costumam
fazer-se à conhecida definição de VON IHERING). A atribuição de um
direito subjectivo não é senão uma das formas de o direito proteger interesses
humanos (cfr. supra, n.º 2).
102
legitimários é actuada sobretudo através do instituto da
inoficiosidade, de que falaremos com mais desenvolvimento
noutro passo do nosso curso117118. Em traços muito gerais, este
instituto traduz-se na possibilidade de os herdeiros legitimários
revogarem ou reduzirem, à morte do autor da sucessão, as
disposições gratuitas que este haja feito e envolvam prejuízo da
sua legítima, quer as disposições por morte (instituições de
herdeiro ou legados contidos em testamentos ou doações por
morte), quer as disposições entre vivos (doações). É esta
possibilidade concedida aos herdeiros legitimários que
sobretudo nos revela como a designação sucessória feita a favor
deles já tem relevo jurídico ainda em vida do autor da sucessão.
É certo que a acção de redução só pode ser intentada depois da
morte do de cuius (art. 2178.°); mas a verdade é que podem ser
revogadas ou reduzidas, conquanto só depois da sua morte, as
próprias doações em vida que o “de cuius” tenha efectuado.
Sendo assim, e embora este possa, enquanto vivo, dispor dos
seus bens como queira e mesmo fazer doações, pode dizer-se
que, na medida cm que as doações que faça estão sujeitas a ser
revogadas ou reduzidas, no todo ou em parte, já os seus poderes
de disposição estão, em vida, de algum modo limitados119. Este
cerceamento dos poderes de disposição do de cuius, e a
117
Cfr. infra, n.° 108.
118
Há ainda outros meios de protecção da legítima, mas, neste momento em
que estamos a estudar a designação sucessória, só nos interessam aquelas
providências que podem ser requeridas (como a acção de simulação) ou pelo
menos projectam os seus efeitos (como a acção de redução por
inoficiosidade) no período anterior à abertura da sucessão. Há porém ainda,
neste período, meios de protecção indirecta da legítima. Sobre os vários
meios de protecção da legítima no nosso direito. cfr. as 1ições de PAULO
CUNHA, já citadas, n.º 11-14.
119
A limitação traduz-se, praticamente, em o autor da sucessão não poder
conferir ao donatário um direito pleno sobre os bens doados.
103
correspondente atribuição aos legitimários de uma expectativa
juridicamente protegida — são os mais destacados efeitos
jurídicos que a designação dos legitimários produz já em ‘vida
do autor da sucessão.
Mas não é tudo ainda.
Nos termos do art. 242.°, n.º 2, a nulidade dos negócios
simulados pode ser arguida, não só pelos próprios simuladores
entre si, mas também “pelos herdeiros legitimários que
pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios
por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar”120.
E repare-se que, ao contrário do que há pouco acontecia, se trata
agora de uma providência que pode ser requerida pelos
legitimários mesmo em vida do autor da sucessão. É uma outra
forma de protecção da expectativa sucessória dos herdeiros
legitimários, que embora de alcance limitado, pois só diz
respeito aos negócios simulados, tem contudo apreciável
interesse prático.
104
doador, e nada mais. Tem apenas a expectativa de vir a receber
os bens doados, à morte do doador. Todavia também esta sua
expectativa é uma expectativa jurídica, juridicamente tutelada, e
tutelada em termos semelhantes àqueles em que é tutelada a
expectativa sucessória dos legitimários.
Para vermos quais são esses termos torna-se necessário
distinguir dois casos: o caso de doação de parte ou totalidade da
herança e o de doação de bens presentes certos e de
terminados, casos designados, respectivamente, como
“instituição contratual de herdeiro” e “nomeação de legatário”
no art. 1701.°, n.º 1.
Consideremos, em primeiro lugar, o caso de doação de parte
ou totalidade da herança.
Neste caso o doador continua a poder dispor dos bens
doados a título oneroso, mas deixa de poder dispor deles a título
gratuito, quer entre vivos (através de doações),quer para depois
da morte (em testamento ou nova doação mortis causa)122. É a
solução que, com algum esforço de interpretação, parece resultar
do art. 1701º, n.º 1123. E é de notar que o legislador, consagrando
uma tal solução, não se limitou — como já tem sido
122
Estas disposições (gratuitas) podem, pois, ser impugnadas pelo donatário.
Mas só depois da morte do doador, o que se compreende, pois o art. 1702°,
n.º 2 estabelece aqui uma reserva legal relativamente à qual o doador tem
amplos poderes de disposição.
123
Note-se que, relativamente às doações de parte ou totalidade da herança, o
2.° princípio do art. 1701º, n.º 1(o princípio de que não é lícito ao doador
prejudicar o donatário por actos gratuitos de disposição) integra e completa o
1º princípio (o princípio de que as disposições não podem ser unilateralmente
revogadas depois da aceitação). Já quanto às doações de bens presentes
certos e determinados, pelo contrário, o 2.° princípio está coberto pelo l.°: cfr.
infra.
105
observado124 - a tirar do princípio da irrevogabilidade da doação
(o qual pode deduzir-se com segurança dos arts. 969.° e 970.°)
as suas lógicas e naturais consequências. Com efeito, a ideia de
que a doação é irrevogável só seria capaz de explicar que não
fossem permitidas ao doador novas disposições por morte; já
não tem a virtualidade de explicar — logicamente — que
também não lhe sejam consentidas as doações entre vivos. É que
nas doações de que falamos, na verdade, o doador apenas
institui o donatário seu herdeiro, apenas lhe deixa a sua herança
(ou uma parte dela) — e a sua herança é constituída pelos bens
que deixar à sua morte. Os bens que fosse doando em vida, esses
já não seriam deixados e, portanto, não teriam sido objecto da
doação que fizera. Todavia, e compreensivelmente125 o
legislador ponderou que as alienações a título gratuito, não
sendo logicamente incompatíveis com a irrevogabilidade da
doação, viriam praticamente, se porventura fossem permitidas, a
comprometer essa irrevogabilidade em larga medida. Ora, a
mesma ideia de favor ao matrimónio — que é a que explica,
como se sabe, que a lei admita esta espécie de doações — essa
mesma ideia explica ainda que não sejam consentidas ao
disponente as doações inter vivos, pois, doutro modo, as
doações para casamento não seriam capazes de desempenhar a
função que lhes é reconhecida por lei.
Quanto às doações de bens presentes certos e determinados,
são ainda mais restritos os poderes de disposição do doador, a
quem fica cerceada, em princípio, a possibilidade de dispor
124
Cfr. MANUEL DE ANDRADE, na Rev. Leg. e Jur. 69°, pp. 81-83, e na
Teoria geral, cit., II, p. 53
125
Note-se, porém, que o Código alemão (2286º e 2287;°) permite ao doador
que disponha livremente dos seus bens por acto entre vivos, mesmo a título
gratuito, a menos que a alienação tenha sido feita com a única intenção de
prejudicar o donatário.
106
novamente dos bens doados, quer através de disposições por
morte (legado ou outra disposição mortis causa), quer através de
disposições inter vivos, a título gratuito ou mesmo a título
oneroso. Na realidade, e em qualquer caso, uma nova disposição
dos bens implicaria uma revogação da doação pelo doador,
contra o 1º principio expresso no art. 1701°, n.º 1 (o princípio de
que a nomeação contratual de legatário não pode ser
unilateralmente revogada depois da aceitação).
Devem ter-se presentes, contudo, os n.º 2 e 3 do art. 1701.°,
que admitem a possibilidade de o doador, nas doações mortis
causa — mas nas doações de parte ou totalidade da herança não
se vê como possa verificar-se a situação aqui prevista,
conservando o doador íntegros, como conserva, os seus poderes
de disposição a título oneroso —, alienar os bens doados com
fundamento em grave necessidade, própria ou dos membros da
família a seu cargo, desde que o donatário o autorize por escrito
a fazê-lo ou a sua autorização seja suprida judicialmente. Na
hipótese de o doador alienar os bens doados, nos termos do art.
1701.°, n.º 2, “o donatário concorrerá à sucessão do doador
como legatário do valor que os bens doados teriam ao tempo da
morte deste, devendo ser pago com preferência a todos os
demais legatários do doador” (n.º 3).
Secção II
107
CONTEÚDO DA VOCAÇAO
108
Pelo contrário, segundo a doutrina da aquisição mediante
a aceitação, como as palavras estão a dizer, a aquisição
sucessória só se dá após a aceitação e por força dela; a aceitação
não tem pois aqui papel de mera confirmação ou consolidação
da aquisição sucessória, relativamente à qual reveste carácter
constitutivo. Por outro lado, e à luz de semelhante concepção, o
repúdio conceber-se-á agora, não como acto positivo de que
resulta uma diminuição do património do repudiante, mas como
simples renúncia a uma aquisição, que ainda não se verificara.
É esta a doutrina que o Código consagrou no art. 2050.°,
n.º 1, segundo o qual o domínio e posse dos bens da herança se
adquirem pela aceitação, independentemente da sua apreensão
material126.
Advirta-se só, por último, que o alcance prático da
contraposição entre as duas doutrinas não deve porém exagerar-
se, dado o disposto no n.º 2 do art. 2050.°, que estabelece o
princípio da retroactividade da aceitação ao momento da
abertura da sucessão.
126
Os sucessores adquirem pois a posse dos bens hereditários
independentemente do “corpus” da posse, ou seja, sem que se torne
necessário qualquer acto material de apreensão
109
subjectivo propriamente dito): que se dirige à produção de
determinados efeitos jurídicos. É mediante o exercício desse
direito — exercício no sentido da aceitação — que o chamado
ingressa na titularidade dos bens ou direitos hereditários.
Assim, pode dizer-se que o conteúdo da vocação é o
seguinte: ela coloca aqueles bens ou direitos à disposição do
chamado127 - ainda não dentro da sua casa, como na doutrina da
aquisição ipso iure mas por assim dizer à sua porta —, em
termos de a aquisição dos direitos hereditários depender apenas
de um acto de sua vontade.
Se quisermos caracterizar agora a posição jurídica que a
vocação atribui ao chamado, poderemos dizer que se trata de
uma posição jurídica originária, provisória, instrumental e
actual.
Originária, porque o direito que a vocação lhe atribui —
fundamentalmente, o direito de aceitar ou repudiar — ainda não
existia como tal na esfera jurídica do falecido.
Provisória, porque aquela posição jurídica só dura
enquanto não for exercido — num sentido ou noutro — o direito
de aceitar ou repudiar; não é pois uma posição que lhe seja
atribuída para permanecer, mas para se extinguir com o
exercício daquele direito.
Instrumental, porque se trata de um puro meio ao serviço
da aquisição da posição definitiva, que é justamente a de titular
dos direitos do falecido.
Actual, porque não se trata de uma simples expectativa
ou direito eventual, mas de um direito realmente existente na
esfera jurídica do chamado. Este já tem no seu património o
direito de aceitar ou repudiar a herança, direito que transmite aos
seus herdeiros no caso de falecer sem o exercer (art. 2058º).
127
Em Itália os autores falam justamente a este respeito de uma “colocação à
disposição”.
110
32. Poderes de administração
Secção III
OBJECTO DA DEVOLUÇÃO SUCESSÓRIA
128
Poderá dizer-se que estes poderes não são atribuídos ao chamado no seu
próprio interesse; a lei pretenderá sobretudo tutelar o interesse abstracto da
conservação dos bens.
111
Estudado o problema do conteúdo da vocação, vamos
considerar agora a questão do objecto da devolução sucessória.
Trata-se de saber que direitos do autor da herança são
devolvidos ao chamado, quais os direitos hereditáveis e quais os
inereditáveis, qual é — numa palavra — o âmbito da sucessão.
O princípio geral, nesta matéria, é o do art. 2025.°,
segundo o qual “não constituem objecto de sucessão as relações
jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular,
em razão da sua natureza ou por força da lei”. E o n.º 2 do
mesmo artigo acrescenta que “podem também extinguir-se à
morte do titular, por vontade deste, os direitos renunciáveis”
Afirmam-se, deste modo, três fontes ou causas de
inereditabilidade: esta pode ser negocial, natural ou legal.
Em primeiro lugar, admite a lei uma inereditabilidade
negocial resultante da vontade do autor da sucessão, a quem é
permitido dispor que determinados direitos de que era titular
venham a extinguir-se à sua morte. A lei apenas exige aqui a
verificação do requisito da renunciabilidade do respectivo
direito.
Temos, em segundo lugar, uma inereditabilidade natural
relativamente aos direitos que se extinguem, em razão da sua
própria natureza, por morte do respectivo titular. Visam-se aqui
os direitos pessoais, tão intimamente ligados à pessoa do sujeito
que a lei nem considera necessário dispor expressamente acerca
da sua inereditabilidade
Por último, a inereditabilidade pode resultar directamente
da lei. Com efeito, existe certo número de direitos cuja natureza
não impõe necessariamente a sua não sobrevivência ao
respectivo titular, mas que o legislador entende que devem
extinguir-se com a sua morte. Ë em relação a estes direitos que
se fala de uma inereditabilidade legal.
112
Destas várias formas ou espécies de inereditabilidade não
é difícil achar exemplos.
Suponhamos que o autor da herança renunciou, em
testamento, a um direito de servidão (art. 1569.°, n.º 1, al. d)): é
um caso de inereditabilidade negocial.
Direitos inereditáveis por natureza são, v. g., os direitos
de personalidade e os direitos familiares pessoais.
Finalmente, como exemplos de direitos inereditáveis por
força da lei poderão mencionar-se, entre outros, o direito de
usufruto (art. 1476.°, n.º 1, al. a)), os direitos de uso e habitação
(arts. 1485.° e 1490.°), o direito do beneficiário de renda
vitalícia (art. 1238.°), o cabeçalato (art. 2095.°), a testamentaria
(art. 2334.°), o direito e a obrigação de preferência convencional
(art. 420.°), o direito de dispor de uma parte dos bens doados
quando o doador se reservou esse direito (art. 959.°, n.º 2), o
direito de alimentos e a correlativa obrigação de os prestar (art.
2013.°, n.º 1, al. a)), o direito de pedir o divórcio ou a separação
judicial de pessoas e bens (arts. 1785.°, n.º 3, e 1794.°)129, etc.
113
falecido, nos termos do art. 2024.°, que se transmitem como tais
aos respectivos herdeiros.
II. Mas a hereditabilidade do direito de indemnização
por danos não patrimoniais já se afigura duvidosa. Aliás a
dúvida é limitada — pode dizer-se — ao caso de o falecido não
ter proposto em vida a respectiva acção de indemnização. Se
esta acção já estava pendente em juízo, não se duvida que os
herdeiros da vítima a possam substituir’ na instância, que se
modifica então subjectivamente nos termos gerais (Cód. Proc.
Civ., al. a) do art. 270.°).
Os herdeiros da vítima podem pois continuar a acção de
indemnização por danos não patrimoniais, mas também poderão
intentá-la ?
Parte da doutrina responde negativamente a esta
pergunta, e a tese da inereditabilidade — que está consagrada
no Código Civil alemão — poderá abonar-se em algumas razões
ponderosas.
O dano não patrimonial é pessoal, dir-se-á, e quem o
sofreu foi o falecido. Só ele sabe se o sentiu e de que maneira.
Se a vítima intentou a acção antes de falecer, mostrou com isso
que sentiu o dano. E é justo que os herdeiros beneficiem da
indemnização, como beneficiariam dela se a sentença tivesse
sido proferida e a indemnização percebida antes de o de cuius se
finar. Mas se este morreu sem propor a acção, já não será justo
— dir-se-á — que os herdeiros possam propô-la.
Desde logo, o facto de a vítima ter falecido sem intentar
a acção significará normalmente que remitiu a dívida
indemnizatória — porque, verdadeiramente, não sentiu o dano
ou por quaisquer outros motivos —, e tanto mais quanto mais
tempo decorreu sobre a lesão sofrida.
Além disso, se os herdeiros pudessem propor a acção de
indemnização tenderiam naturalmente a propô-la sempre ou,
pelo menos, tenderiam a propô-la quando segundo o seu critério,
114
a vítima teria sofrido um dano não patrimonial; à semelhança do
que acontece com outros direitos pessoais, como v. g, o de
revogar uma doação por ingratidão do donatário (art. 976.°, n.º 1
e 2), não deverá a lei exigir aqui, porém, um acto pessoal da
vitima — o acto de propositura da acção —, por que se mostre
sem equívocos que o de cuius sofreu o dano, que a lesão o
atingiu na sua própria sensibilidade ou susceptibilidade, pessoal
e por isso insubstituível?
Tais são, fundamentalmente, as razões que levam parte
da doutrina a considerar inereditável o direito de indemnização
por danos não patrimoniais, ou até, numa posição ainda mais
radical, a qualificar a respectiva acção como constitutiva (cfr. o
art. 4.° n.º 2, al. c) do Cód. Proc. Civ.): a lesão, tratando-se de
danos não patrimoniais, não daria ao lesado um direito de
crédito à indemnização destes danos, mas tão-só o direito
potestativo — de carácter pessoal — de constituir aquele direito
de crédito.
Sendo ponderosas estas razões, não nos parecem contudo
decisivas.
Em primeiro lugar, o direito à indemnização dos danos
não patrimoniais — como dos patrimoniais — nasce logo que os
danos se verifiquem e estão preenchidos os demais pressupostos
da responsabilidade civil; uma distinção entre as duas espécies
de danos, a este respeito, não teria base legal ou racional em que
se apoiasse.
Por outro lado, o direito de indemnização, por danos não
patrimoniais tem indiscutível conteúdo patrimonial — a despeito
de todas as suas incidências de ordem pessoal —,
concretizando-se, como vem normalmente a concretizar-se, no
direito de exigir o pagamento de uma indemnização em
dinheiro. Não se vê razão, por isso, para o excluir das “relações
jurídicas patrimoniais” do falecido, que nos termos do art.
2024.° constituem objecto da sucessão.
115
Por último e posta ainda a questão no quadro da lei, não
parece que através da solução da hereditabilidade se chegue a
resultados injustos. Na verdade, o juiz deve fixar
equitativamente o montante da indemnização (art. 496.°, n.º 3,
1.ª Parte), e não pode, portanto, dispensar-se de analisar o
comportamento do lesado após a lesão, a sua reacção perante
esta, etc. Assim, decerto que o pedido dos herdeiros deve ser
indeferido se tiver havido remissão da dívida de indemnização,
por parte do de cuius, e essa remissão for válida nos termos
gerais (arts. 863.° e segs.). Independentemente disso, porém, as
referidas circunstâncias e o próprio facto de a indemnização não
ser pedida pela vítima mas pelos seus herdeiros não podem
deixar de contar-se, naturalmente, entre as “demais
circunstâncias do caso” — nos termos do art. 494º para o qual
remete o art. 496.°, n.º 3, 1ª parte — que o juiz deve ter em
conta para fixar equitativamente o montante da indemnização.
E, assim, se não houve uma válida remissão da dívida mas se
prova, v. g., que a vítima deixou passar muito tempo sem propor
a acção e não manifestou qualquer reacção perante a ofensa,
antes continuando a manter com o ofensor as mesmas relações
que mantinha, estará naturalmente indicado que o juiz arbitre
indemnização consideravelmente menor que a que daria à
própria vítima se tivesse sido esta a intentar a acção.
Concluímos, pois, embora nos termos e com os limites
referidos, pela hereditabilidade do direito de indemnização por
danos não patrimoniais.
III. A lei estabelece um regime particular, porém, para o
caso de “lesão de que proveio a morte”(art. 495º, n.º 1) — ou
seja, para o caso de lesão de que resultou como consequência
adequada, directa ou indirecta, a morte da vitima —, caso a que
parecem igualmente referir-se o n.º 2 do art. 496.° e o n.º 3, 2ª
parte, do mesmo artigo, ao determinarem, respectivamente, a
quem cabe o direito à indemnização por danos não patrimoniais
“por morte da vitima” e quais são os danos não patrimoniais que
podem ser atendidos “no caso de morte”.
116
Para não nos confundirmos nesta matéria, importa já
distinguir os dois problemas que o caso de “lesão de que proveio
a morte” suscita.
a) O 1º problema consiste em saber quem pode pedir
indemnização pelos prejuízos — patrimoniais e não
patrimoniais— que a morte da vítima pessoalmente lhe causou,
à pessoa que vem deduzir em juízo o pedido de indemnização.
Se A lesou B na sua integridade física e da lesão resultou a morte
da vítima, concebe-se que a morte de B prejudique ou possa
prejudicar muitas pessoas: os familiares, amigos e admiradores
de B, as pessoas a quem B costumava auxiliar ou prestava
alimentos, etc. Ora pergunta-se se todos esses prejuízos serão
indemnizáveis ou só o serão alguns, e quais.
Se virmos bem, não se trata aqui de um problema de
Direito das Sucessões mas de um problema geral de
responsabilidade civil, o problema da titularidade activa do
direito de indemnização, que, neste caso de lesão de que provém
a morte, suscita particulares dificuldades. De um modo geral, o
titular do direito de indemnização é o lesado imediato (ou seja,
nos termos do art. 483.°, o titular do direito ilicitamente
ofendido ou do interesse que a disposição legal violada se
destinava a proteger); compreende-se, porém, que o princípio
não funcione no caso de “lesão de que proveio a morte” e o
direito de indemnização seja agora atribuído a outras pessoas,
mediatamente lesadas.
Dizemos que não se trata aqui de um problema de direito
sucessório porque, na realidade, e ainda que aquele direito de
indemnização fosse concedido aos herdeiros da vítima, a
indemnização que estes pedissem, destinando-se, como se
destinaria, a reparar os danos sofridos por eles próprios e não os
danos sofridos pelo autor da sucessão, não seria recebida iure
hereditario mas iure proprio, não fazendo parte, portanto, da
herança que recebessem. E, assim, v. g., não se tratando de bens
da herança mas de bens pessoais dos herdeiros, a respectiva
indemnização nunca seria responsável pelos encargos
117
hereditários em face do princípio expresso no art. 2071.° (supra,
n.º 14, II).
O problema posto não suscita dificuldades apreciáveis
em face da lei, que o resolve nos arts. 495.° (quanto aos danos
patrimoniais) e 496.°, n.º 2 (quanto aos danos não patrimoniais).
Assim, no caso de “lesão de que provem a morte”,
podem pedir indemnização pelos danos patrimoniais sofridos
aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado (cfr. O art.
2009.°) ou a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma
obrigação natural (art. 495.°, n.º 3), assim como os que
socorreram o lesado e os estabelecimentos hospitalares, médicos
ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o
tratamento ou assistência da vítima (art. 495º nº 2), e,
finalmente, os que fizeram despesas para salvar o ofendido ou
outras relacionadas com a lesão de que proveio a morte,
incluindo as do funeral (art. 495º, n.º 1).
Quanto aos danos não patrimoniais, o direito de
indemnização cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos filhos ou
outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros
ascendentes; e, por último, na falta dos anteriores familiares, aos
irmãos ou sobrinhos que os representem (art. 496.°, n.º 2).
b) O 2º problema que o caso de “lesão de que proveio a
morte” suscita é o de saber se são indemnizáveis os danos não
patrimoniais sofridos pela vítima, quer os danos que ela sofreu
antes de morrer (no caso de a morte não ter sido imediata), quer
o dano da própria morte, ou seja, o dano da privação da vida. O
direito de indemnização por estes danos já existia na esfera
jurídica da vítima? Se existia, extingue à sua morte ou transmite-
se? E, caso afirmativo, a quem?
Todas estas questões estavam resolvidas no art. 759º, n.º 4 do
Anteprojecto VAZ SERRA, que dispunha o seguinte: “O direito
de satisfação por danos não patrimoniais causados à vítima
transmite-se aos herdeiros desta, mesmo que o facto lesivo tenha
causado a sua morte e esta tenha sido instantânea”.
118
E na 1ª revisão ministerial do Anteprojecto ainda aparece
a mesma doutrina (art. 476.”, n.º 2), embora com leve diferença
de redacção. Mas a 2ª revisão introduziu um novo texto (art.
498º, n.º 3), que veio a manter-se inalterado no Projecto e depois
no Código (art. 496.°, n.º 3):
“O montante da indemnização será fixado
equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer
caso as circunstâncias referidas no artigo 494.°; no caso de
morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais
sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito
a indemnização nos termos do número anterior”.
Reconstituir o pensamento legislativo a partir de texto
tão obscuro — e que tem posto, na prática, tão fundadas dúvidas
— é empresa cheia de dificuldades. Vamos tentar, em todo o
caso, definir aqui algumas orientações gerais, considerando, em
primeiro lugar, o problema de saber quem pode, e a que título,
no caso de “lesão de que proveio a morte”, exigir indemnização
dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, e, em segundo
lugar, o problema de saber se o “dano da privação da vida” está
incluído entre esses danos.
IV. Quanto à primeira questão, pode dizer-se que o art.
496.°, n.º 3, 2ª parte permite três leituras diferentes.
a) Uma primeira leitura seria esta: ao dispor que podem
ser atendidos, no caso de morte, não só os danos não
patrimoniais sofridos pela vitima como os sofridos pelas pessoas
mencionadas no art. 496.°. n. ° 2, a lei estaria a fazer —
implicitamente — uma distinção entre as duas espécies de danos
pelo que respeita ao titular activo do respectivo direito de
indemnização. O direito de indemnização pelos danos sofridos
pela vítima pertenceria, logicamente, aos seus herdeiros, que por
morte da vítima dela teriam herdado o mesmo direito; o direito
de indemnização pelos danos causados às pessoas mencionadas
no art. 496º, n. ° 2, pertenceria naturalmente a essas pessoas.
119
A solução seria lógica, sem dúvida, mas há argumentos
fortes que se lhe opõem.
O elemento literal não a favorece, pois a lei parece
querer dizer que uns e outros danos podem ser atendidos num
mesmo pedido de indemnização, a deduzir pelas pessoas
mencionadas no art. 496.°, n.º 2.
E no mesmo sentido está a história da lei: o Anteprojecto
VAZ SERRA, como se viu, consagrava expressamente a
solução da transmissibilidade aos herdeiros do “direito de
satisfação por danos não patrimoniais causados à vítima”,
solução que a 2ª revisão ministerial, omitindo toda a referência
aos herdeiros, parece ter tido justamente o propósito de arredar.
De resto, não se justificaria que a indemnização dos
danos não patrimoniais causados à vitima, no caso de “lesão de
que proveio a morte”, fosse beneficiar os seus herdeiros. Se o de
cuius chegou a propor acção de indemnização dos danos que
sofreu antes de morrer, estes danos autonomizaram-se e
compreende-se que a respectiva indemnização — que já estava
no património do falecido — vá beneficiar os seus herdeiros à
morte dele. Mas se o de cuius faleceu sem intentar a acção,
como normalmente acontecerá neste caso, os danos não
patrimoniais que precederam a morte são absorvidos ou
consumidos — pode dizer-se — pelo próprio dano da morte, e
parece mais razoável que a indemnização deste dano, a ser ele
indemnizável, seja concedida aos familiares referidos no art.
496.°, n.º 2. O direito à vida, de cuja lesão resulta aqui a
obrigação de indemnizar, é estritamente pessoal, e mal se
entende que os herdeiros do falecido, que até podem ser
herdeiros testamentários estranhos à família, venham a
beneficiar da indemnização correspondente.
b) Outra interpretação seria a seguinte: o direito de
indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima
transmitir-se-ia, não aos herdeiros legítimos ou testamentários
nos termos gerais, mas às pessoas referidas no art. 496. °, n. ° 2,
120
as quais, porém, adquiririam esse direito do autor da sucessão e,
portanto, iure hereditario.
O art. 496.°, n.º 3, 2ª parte constituiria, assim, excepção á
regra do art. 2133.°, enquanto estabeleceria para determinada
relação jurídica — o direito de indemnização dos danos não
patrimoniais sofridos pela vitima, no caso de “lesão de que
proveio a morte” — uma ordem sucessória diversa da fixada no
art. 2133.°.
É esta, sem dúvida, uma segunda leitura possível do
preceito.
c) Ao lado desta, porém, parece-nos haver ainda lugar
para uma terceira leitura, nestes termos; o direito de
indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima
não se transmite “iure hereditario” às pessoas mencionadas no
art. 496.°, n.º 2, mas pertence-lhes “jure proprio”, como lhes
pertence “iure proprio” o direito de indemnização dos danos não
patrimoniais que a morte da vítima pessoalmente lhes causou.
E é este o modo como hoje nos inclinamos a ler a lei.
Ao dispor que, “no caso de morte”, podem ser atendidos
não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima como os
sofridos pelas pessoas referidas no art. 496.°, n.º 2, a lei parece
querer significar (conforme dissemos) que uns e outros danos
podem ser atendidos num mesmo pedido de indemnização, a
deduzir pelos familiares referidos naquela disposição legal — e
deduzido por eles, quanto a uns e outros danos, a um mesmo
título e na mesma qualidade, e não, como aconteceria em face da
segunda leitura proposta a dois títulos ou invoca duas qualidades
diferentes130. Dir-se-á que a solução não tem lógica, pois,
130
Na verdade, segundo essa interpretação os familiares referidos no art.
4969, n.º 2 pediriam a indemnização dos danos não patrimoniais que
pessoalmente sofressem por direito próprio, como familiares do falecido, e
pediam a indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vitima
como herdeiros (ou “legatários legítimos”) dela; assim, a indemnização que
121
relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima,
não se entende que os familiares do art. 496.°, n.º 2, venham
pedir por direito próprio a respectiva indemnização.
Mas talvez a objecção não seja decisiva.
Na ideia da lei, e ao que nos quer parecer, a vítima, no
caso de lesão de que proveio a morte, não tinha um direito de
indemnização que pudesse transmitir a quem quer que fosse; a
lei achou razoável, porém, que os danos não patrimoniais
sofridos pela vítima também pudessem ser atendidos no pedido
de indemnização que os familiares do art. 496.°, n.º 2,
formulassem, ao lado dos danos não patrimoniais que eles
próprios tivessem sofrido pessoalmente.
E, assim, depois de ter prescrito que o montante da
indemnização, tratando-se de danos não patrimoniais, seria
fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção as
circunstâncias do art. 494.°, o legislador achou oportuno
esclarecer, na 2ª parte do art. 496.°, n.º 3, que no caso de morte o
juiz poderia atender, na indemnização que fixasse, às duas
espécies de danos, mesmo aos danos sofridos pela vítima; achou
oportuno esclarecê-lo por entender, naturalmente, que só assim
poderia fixar-se indemnização equitativa, conforme o critério
enunciado na lª parte da disposição.
Advirta-se só, por último, que a questão de saber se deve
preferir-se esta interpretação ou a anterior não é destituída de
interesse prático: assim, v. g., se, como nos inclinamos a crer, os
familiares referidos no art. 496.°, n.º 2 adquirirem iure proprio o
direito de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos
pela vítima, a respectiva indemnização não fará parte da herança
e, portanto, não será responsável pelos encargos hereditários o
princípio geral do art. 2071º.
122
V. Vejamos finalmente se entre os “danos não
patrimoniais sofridos pela vítima”, referidos no art. 496.°, n.º 3,
2ª parte, deve incluir-se também o dano da privação da vida.
A questão torna-se mais aguda no caso de morte
imediata, em que só há esse dano a indemnizar; mas claro que
também se põe quando decorre certo tempo, maior ou menor,
entre a data da lesão e a da morte, perguntando-se, nesse caso, se
o dano da privação da vida também é indemnizável, ao lado dos
outros danos que a vítima tenha sofrido antes de falecer.
Já vimos que o Anteprojecto VAZ SERRA resolvia o
problema, dispondo que o direito de satisfação por danos não
patrimoniais causados à vítima se transmitia aos herdeiros desta
mesmo que a morte tivesse sido instantânea; com esta última
referência, pretendia naturalmente consagrar-se a tese da
ressarcibilidade do “dano da morte”.
Mas o preceito não ficou no Código e a jurisprudência
dividiu-se sobre a questão, sobretudo até à publicação do Ac. do
S. T. J. de 17 de Março de 1971 (no Bol. Min. Just., n.º 205, p.
150), tirado em reunião conjunta de secções nos termos do art.
728.°, n.º 3 do Cód. Proc. Civ., que veio fixar a doutrina — hoje
largamente dominante — de que “a perda do direito à vida {... }
é, em si mesma, passível de reparação pecuniária”.
E, por nós, aderimos a esta ideia fundamental daquela
decisão do Supremo, ainda que ponhamos reservas a alguns dos
seus fundamentos e conclusões.
À tese da ressarcibilidade do “dano da morte” põe-se
sobretudo esta objecção lógica, que não se vê como superar:
como pode a vítima ter adquirido um direito de indemnização
pela sua própria morte se, com a morte, a sua personalidade
jurídica se extinguiu? O direito de indemnização pelo dano da
privação da vida não chegou a existir no património da vítima e,
portanto, não pode ela, logicamente, tê-lo transmitido por morte
a quem quer que fosse.
123
O Acórdão citado procura vencer esta objecção, jogando
com a ideia de que a obrigação de indemnizar nasce da própria
lesão (que se verificou, naturalmente, ainda em vida da vítima),
sendo o dano apenas a medida daquela obrigação de indemnizar.
Mas a ideia não nos parece fundada em face das regras da
responsabilidade civil: o dano não é só medida da obrigação de
indemnização, mas também pressuposto ou condição dela. Outro
argumento que se usa por vezes, para tentar superar a referida
objecção lógica, é o de que haverá sempre “um instante fugaz”
entre o facto danoso e a morte. Mas o argumento nada nos diz:
nesse “instante fugaz” a vítima pode ter sofrido outros danos,
pode ter tido medo da morte ou sentido a dor de ir morrer, mas
não o dano da própria morte, como é óbvio.
São mais fortes, porém, as razões que podem invocar-se
no sentido da ressarcibilidade do dano da privação da vida.
Se este dano não fosse indemnizável, o autor da lesão
ficaria em melhor situação no caso de morte instantânea do que
quando a morte não resultasse imediatamente da lesão: além
nada indemnizaria, ao passo que aqui teria de reparar os
prejuízos que a vítima sofresse antes de falecer. E, todavia,
quando a morte é imediata a lesão será normalmente mais grave.
Nem vale objectar que o lesante sempre teria de
indemnizar os danos causados aos familiares da vítima, nos
termos expostos, pois esses danos poderão não existir.
Por último, não se diga ainda que a ressarcibilidade do
“dano da morte” se viria a fundar, assim, numa ideia de sanção
que não é fim da responsabilidade civil mas da criminal: ao
direito criminal pertenceria, portanto, aplicar neste caso as
sanções adequadas. Parece-nos que a objecção também seria
improcedente. Um ilícito exclusivamente criminal justifica-se
quando o facto — digamos assim — causa um dano à sociedade
mas não um dano privado, e, aqui, é irrecusável a existência de
um dano deste último tipo. A imposição de uma obrigação de
indemnizar ao autor da lesão é assim inteiramente justificada do
124
ponto de vista do devedor da indemnização, que causou um
dano. E do ponto de vista do credor, também o será?
Verdadeiramente, é esta a dúvida. Mas supomos que também
por este lado a atribuição de um direito de indemnização pelo
“dano da morte” se compreende, desde que a indemnização seja
atribuída a quem mantenha com a vítima uma ligação pessoal
que a justifique. E tal é o caso, na nossa lei, dos familiares
referidos no art. 496.°, n.º 2, a quem pertence — segundo nos
quer parecer — o direito de indemnização daquele dano.
Quanto à objecção lógica referida, notaremos apenas que
ela não chega a pôr-se se for exacta a orientação defendida nas
páginas anteriores. O direito de indemnização do dano da
privação da vida não chegou a existir, efectivamente, no
património da vítima e esta não o transmite à sua morte; a lei,
porém, atribui esse direito iure proprio aos familiares
mencionados no art. 496.°, n.º 2, permitindo, no art. 496.°, n.º 3,
2ª parte, que no pedido de indemnização formulado por esses
familiares sejam atendidos os danos não patrimoniais sofridos
pela vítima — em que se compreende o “dano da morte” —, ao
lado dos danos por eles próprios pessoalmente sofridos.
Secção IV
PRESSUPOSTOS DA VOCAÇÃO
§ 1º
GENERALIDADES
125
36. Posição do problema.
131
Deve ter-se presente, porém, que às vezes a vocação sucessória não é
originária mas sucessiva ou subsequente (ao momento da abertura da
sucessão): infra, n.º 51. Nos casos de vocação subsequente ou sucessiva, a
morte não é o único pressuposto da vocação; para que esta surja, ocorre ainda
a verificação de outra circunstância.
126
§ 2.°
1.° PRESSUPOSTO: PREVALÊNCIA DA DESIGNAÇÃO
SUCESSÓRIA
132
“Cremos ser este o pensamento de Ruggiero (Instituições de Direito Civil,
trad. port., III, p. 441), que todavia não o desenvolve muito explicitamente.
Para a crítica desta orientação, cfr. NICOLÓ. ob. cit. pp. 54 e segs.. e entre nós
GALVÃO TELLES, Teoria geral, pp. 68 e segs.
127
simultaneamente com ele, seriam feitas tantas vocações quantas
as designações sucessórias, mas estas vocações, todas portanto
originárias, seriam também todas condicionais: no caso de falhar
a 1ª é que valeria a 2ª, no caso de falhar a 2ª é que valeria a 3ª,
etc.
Mas este modo de conceber as coisas, além de contrastar
flagrantemente com o preceituado no art. 2032.°, n.º 1, parece-
nos complicado e inexacto. Não vemos soluções na lei que
exijam — como sua explicação — semelhante conceito de uma
pluralidade de vocações sucessórias dirigidas aos titulares das
várias designações. Nem valerá argumentar com o facto de os
sucessíveis subsequentes poderem requerer que o chamado seja
notificado para declarar se aceita ou repudia a herança (Cód.
Civ., art. 2049.° n.º 1, e Cód. Proc. Civ., arts. 1467.° e 1468.°),
ou com o facto de eles poderem requerer a imposição de selos e
o arrolamento (Cód. Proc. Civ., arts. 421.° e segs.), ou ainda
com a circunstância de, no caso de ausência, poderem pedir a
instalação da curadoria provisória (art. 91.°) ou a justificação da
ausência (art. 99.°). Supomos que não se ajusta a estas soluções
o conceito de uma vocação feita a favor de todos os titulares das
várias designações no próprio momento da abertura da sucessão.
Basta pensar que tais providências são concedidas
genericamente aos interessados — e não apenas aos titulares das
designações subsequentes —, não reflectindo, por isso, qualquer
protecção específica do interesse dos vários sucessíveis
designados.
§3
2.° PRESSUPOSTO. EXISTÊNCIA DO CHAMADO
128
O 2º pressuposto da vocação é a existência do
chamado133. O chamado há-de existir, isto é, há-de existir como
pessoa jurídica no momento da abertura da sucessão. É este um
pressuposto em que podemos distinguir dois aspectos ou no qual
se contêm duas exigências diversas.
129
ainda da al. a) do art. 2317.°, que considera caducas — salvo
havendo representação sucessória — as disposições
testamentárias em relação aos herdeiros ou legatários falecendo
estes antes do testador. E o princípio vale, do mesmo modo, em
matéria de sucessão legitima. Pode argumentar-se neste sentido
com as disposições (cfr. os arts. 2039.° e segs.) que se referem
ao direito de representação no caso de pré-morte dos herdeiros
legítimos.
Se o titular da designação prevalente está ausente quando
se abre a sucessão, poderá dizer-se que ainda existe e que,
portanto pode ser chamado a suceder?
No caso de curadoria provisória, a solução afirmativa
não suscita dificuldades (art. 121.°, n.º 1). Integrados no
património do ausente, os bens a cuja sucessão este for chamado
serão administrados pelo curador provisório, nos termos gerais.
E em face do art. 12l.°, n.º 2, a solução é idêntica no caso
de curadoria definitiva: os bens a cuja sucessão o ausente for
chamado são entregues “às pessoas que seriam chamadas à
titularidade deles se o ausente fosse falecido” (art. 120.°), mas
estas pessoas são havidas “como curadores definitivos para
todos os efeitos legais” (art. 12l.°, n.º 2). Os bens deixados ao
ausente, ou a que este for chamado como herdeiro legal, não são
pois herdados pelos curadores definitivos, não ficam a
pertencer-lhes embora em propriedade resolúvel; os curadores
definitivos não são administradores de bens próprios mas de
bens alheios, ou seja, de bens do ausente. Assim como já lhes
tinham sido entregues os outros bens do ausente, assim lhes são
entregues agora estes, a cuja sucessão o ausente é chamado, para
que exerçam sobre eles os mesmos poderes de administração
(art. 110.°) e fruição (art. 111º) que a lei lhes dá.
Só no caso de morte presumida é que o ausente já não é
chamado, mas sim aqueles que o seriam se ele fosse falecido
(art. 120º), o que está de acordo com as regras gerais (art. 115).
130
41. 2ª aplicação do princípio: o chamado já há-de existir no
momento da morte do autor da sucessão
134
E não com a concepção. Nem mesmo é bastante o nascimento completo
(isto é, a separação da criança do ventre materno), sendo que é necessário
ainda que o indivíduo nasça com vida. É a doutrina que resulta do art. 66.°,
n.º 1, o qual já não exige, porém, o requisito da viabilidade ou vitalidade
(como, por exemplo, o código francês e o antigo Código italiano). Se o
indivíduo nasce com vida o direito atribui-lhe personalidade jurídica, se bem
que seja muito provável que venha a falecer daí a poucos dias ou a poucas
horas.
131
nascituros ainda não concebidos e o da sucessão (testamentária)
de pessoas colectivas ainda não reconhecidas.
135
No sentido de que não é necessária uma acção especialmente intentada
para o efeito, podendo fixar-se a época provável da concepção mediante a
respectiva alegação e prova, pelo autor ou pelo réu, em qualquer acção em
que o facto releve, cfr. GUILHERME DE OLIVEIRA, O estabelecimento da
filiação — Mudança recente e perspectiva (l985), pp. 4-5.
132
data136, não podendo, por isso, ser chamado à sucessão do
falecido.
No que respeita à administração dos bens deixados ao
nascituro já concebido, rege o art. 2240.°, n.º 2: a administração
da herança ou do legado compete a quem administraria os seus
bens se ele já tivesse nascido — portanto, em princípio, aos seus
pais (arts. 1878.°, n.º 1 e 1901.° e segs.).
Podendo os nascituros adquirir tanto por sucessão
testamentária como legítima — e contratual, como resulta do
mesmo art. 2033.° —, há necessidade de ver se a solução se
concilia com o princípio que enunciámos há pouco, segundo o
qual o chamado já há-de existir no momento da morte do autor
da sucessão. Estaremos aqui em presença de um caso em que
sejam chamadas à sucessão pessoas ainda não existentes?
É um problema de construção jurídica e, certamente,
podem fazer-se aqui várias construções.
Uma construção possível é a que jogue com a ideia de
uma antecipação da personalidade do nascituro137. Este já terá
personalidade jurídica desde o momento da concepção, não uma
personalidade plena, pois essa só a adquirirá no momento do
nascimento (art. 66. °, n.º 1), mas uma personalidade reduzida,
como que limitada ou fraccionária apenas138. A personalidade do
nascituro só valerá para determinados efeitos, referidos na lei,
podendo dizer-se, de um modo geral, que se tratará de efeitos
136
Mesmo que, tratando-se de filho de mulher casada, daí resulte que o filho
deixe de beneficiar da presunção de paternidade prevista no art. 1 826.°.
137
Assim, por exemplo, CARIOTA FERRARA, ob. Cit., II, p. 153.
138
Para outras aplicações do conceito de personalidade fraccionária, cfr. M.
ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, p.61.
133
favoráveis ao nascituro139. Os termos do art. 66.°, n.º 2, dão uma
sugestão qualquer no sentido desta construção. A ser ela exacta,
e esta nos parece ser a concepção preferível, a vocação
sucessória dos nascituros nada oferecerá de particular: será uma
vocação de pessoas já existentes. Os direitos hereditários
radicar-se-ão logo no nascituro, como pessoa jurídica actual,
embora subordinadamente à condição suspensiva (conditio
iuris) de ele vir a nascer com vida (art. 66.°, n.º 2).
Ainda que se pretenda, porém, tal como para os
nascituros ainda não concebidos tem sido defendido por alguns
autores, que a favor dos nascituros não há qualquer vocação
sucessória, sequer condicional, antes do momento do
nascimento e só neste momento se fará a vocação, ainda nesse
caso, como facilmente se vê, a vocação de nascituros já
concebidos se explicará à luz das regras gerais — não será uma
vocação de pessoas ainda não existentes.
134
Nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 2033.°, na sucessão
testamentária ou contratual têm capacidade sucessória os
nascituros não concebidos, que sejam filhos140 de pessoa
determinada141 viva142 ao tempo da abertura da sucessão143.
A instituição de nascituros ainda não concebidos não é
admitida em todas as legislações143-a, e na verdade oferece
140
Só podem ser instituídos, portanto, os filhos (e não os netos ou bisnetos)
de pessoa determinada. Filhos nascidos do casamento ou fora do casamento,
como deverá entender-se se o testamento só falar em “filhos”, mas nada
impedindo o testador de instituir apenas os filhos nascidos do casamento que
o herdeiro ou legatário vier a ter. Nem os princípios constitucionais excluem
esta solução, pois o art. 18º, n.º 1, da Constituição da República, segundo o
qual os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e
garantias, como o do art. 36. °, n. ° 4, são directamente aplicáveis e vinculam
as entidades privadas, tem de conciliar-se com o princípio da liberdade de
testar, manifestação do direito a propriedade privada e a sua transmissão em
vida ou por morte, igualmente garantido na Constituição (art. 62.°, n.º 1).
Cfr., a propósito, MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 3ª ed. (1985),
pp. 76-78.
141
Ou de várias pessoas (v. g., dos dois irmãos do testador).
142
Viva e não apenas concebida: TAVARES, ob. cit., p. 215
143
Portanto não é preciso — note-se bem — que a pessoa determinada já
exista no momento em que o testador faz o seu testamento, devendo
entender-se nestes termos o requisito da determinação do progenitor dos
nascituros, expressa no art. 2031°.
143-a
Não a admite o Código francês, que, todavia, permite as substituições
fideicomissárias em favor de netos e de sobrinhos do testador, nascidos ou
por nascer. Também segundo o Código alemão o nascituro ainda não
concebido só pode suceder como herdeiro fideicomissário. Mas a instituição
de nascituros ainda não concebidos é admitida na Itália, sendo de notar que já
o era no antigo Código (de 1865), e até já antes dele nos Códigos de Parma e
Albertino, que o precederam. Este último Código é que foi a fonte do art.
1777.° do Código de Seabra (Rev. Leg. Jur., 62.°, p. 91), que não diverge
substancialmente do art. 2033.°, n.º 2, al. a) do Código de 1966.
135
vários inconvenientes144. Que razões poderão justificá-la?
Costuma dizer-se que são duas. Em primeiro lugar, pode
acontecer que o testador não estime ou não tenha confiança em
determinadas pessoas e portanto não as queira instituir, mas não
queira deixar de beneficiar os filhos dessas pessoas. Tratar-se-á,
sobretudo, de alguém ter perdido a confiança ou afeição que
tinha pelo seu parente mais próximo (filho, irmão), mas não ter
perdido os sentimentos familiares e, por isso, não desejar que os
seus bens vão para parentes mais afastados ou até para pessoas
estranhas à família. Ora pode dar-se o caso de esse parente mais
próximo, que o testador quer excluir da sucessão, ainda não ser
casado, ou de todo o modo não ter ainda filhos (mas poder vir a
tê-los) no momento da morte do testador. Então, o meio
adequado à realização dos desejos do testador será permitir-lhe
instituir, directamente, os filhos que esse seu parente
eventualmente venha a ter. Pode, porém, também dar-se o caso
de já estarem nascidos ou concebidos alguns filhos a data da
morte do testador, mas ser possível que nasçam ainda outros. E
aqui intervém uma segunda razão a justificar a instituição dos
nascituros ainda não concebidos, que é a de evitar uma
desigualdade entre os filhos, certamente contrária à vontade do
testador. É que, como escreve a Rev. Leg. Jur.145, “não se
permitindo a instituição dos não concebidos, aconteceria que,
querendo o testador favorecer igualmente todos os filhos de 1
determinada pessoa, não poderia instituir senão os já concebidos
ficando fora da sucessão os que o não estivessem; e assim se
144
Inconvenientes que são idênticos aos dos fideicomissos. Todavia, deve
ter-se presente a distinção entre as duas figuras. Na substituição
fideicomissária há uma dupla vocação, e aqui há uma única vocação
sucessória, a favor dos nascituros ainda não concebidos, cujos progenitores
são excluídos da sucessão.
145
Ano 62.°, pp. 92-93. As mesmas razões estão esboçadas em TAVARES,
ob. cit, p. 214.
136
contrariaria um legítimo desejo do testador, ficando alguns
irmãos em pior situação em virtude apenas da circunstância de,
ao tempo da morte do testador, se não acharem ainda
concebidos”.
Tem muito interesse saber a quem pertence a
administração dos bens deixados aos nascituros não concebidos.
Estes podem vir a nascer muitos anos depois da morte do
testador, e, entretanto, quem há-de administrar os respectivos
bens? A lei não descurou este ponto, pois, no art. 2240.°, n.º 1,
mandou aplicar às heranças deixadas aos nascituros ainda não
concebidos146 as disposições dos arts. 2237.° a 2239.°, relativas
à administração da herança deixada sob condição suspensiva147 ,
e, no art. 2239.°, dispôs que os direitos e obrigações dos
administradores de herança deixada sob condição suspensiva são
os mesmos que pertencem ao curador provisório dos bens do
ausente (cfr. supra, n.º 20). A herança deixada a nascituro ainda
não concebido é, pois, posta em administração, nos termos do
art. 2237.°, e assim se conserva até que nasçam os instituídos ou
haja a certeza de que o nascimento não se dará.
E quem é o administrador da herança? Conforme o art.
2238.°, o administrador é o co-herdeiro testamentário, se o
houver e entre ele e os nascituros ainda não concebidos puder
dar-se o direito de acrescer148 se não houver co-herdeiro
testamentário ou se, havendo-o, ele não gozar do direito de
146
Se o herdeiro ou legatário já estiver concebido, a administração da herança
ou legado competirá a quem administraria os seus bens se ele já tivesse
nascido (art. 2240º, n.º 2).
147
A administração da herança ou legado deixado sob condição resolutiva (e
de legado dependente de condição suspensiva ou termo inicial) rege-se pelos
preceitos dos arts. 2236º, 2237.°, n? 2. e 2238°, n.º 2.
148
Em regra assim acontecerá (art. 2301º), a menos que o testador tenha
disposto outra coisa (art. 2304.°).
137
acrescer, o administrador da herança deixada a nascituros ainda
não concebidos será o herdeiro legítimo presumido. O regime do
Código traduz-se, pois, em entregar a administração dos bens
deixados a nascituros não concebidos às pessoas que virão a
recebê-los na hipótese de o nascimento não se verificar149. De
um modo geral, poderá dizer-se que este regime se explica pela
ideia de confiar a administração a quem tenha na conservação
dos bens um maior interesse. A administração da herança
pertence, em principio, ao co-herdeiro testamentário com direito
de acrescer, porque este receberá sempre uma parte da herança e
poderá até recebê-la toda (se os nascituros não concebidos não
vierem a nascer), desejando a lei, como deseja, que haja uma
única administração da herança, o co-herdeiro testamentário está
naturalmente indicado para lhe ser entregue esta administração.
Na falta de co-herdeiro testamentário com direito de acrescer,
então o administrador é o herdeiro legítimo presumido. De
algum modo, ainda aqui poderá dizer-se que o interesse do
herdeiro legítimo, que receberá os bens se os nascituros ainda
não concebidos não chegarem a nascer, é o interesse de maior
qualificação, pois o nascimento dos instituídos é uma simples
eventualidade, às vezes muito remota150.
149
Se o testador, portanto, tiver nomeado substituto aos nascituros instituídos,
a ele pertencerá a administração da herança segundo o art. 2336º (que, como
norma supletiva, parece não excluir, porém, a possibilidade de o testador
entregar a administração a outra pessoa).
150
GALVÃO TELLES (Teoria geral, p. 90) não refere esta explicação, e
considera antes o regime do Código como revelação da ideia de que a
vocação sucessória dos nascituros ainda não concebidos só opera ex nunc
(desde o momento do nascimento dos instituídos), não retroagindo os seus
efeitos à data da abertura da sucessão. A consideração que, neste sentido,
principalmente o impressiona é (como escreve o ilustre Professor) a da
“impossibilidade de a devolução retroceder a um momento em que o seu
destinatário não tinha personalidade jurídica” (p. 80). Consideração que não
supomos decisiva, pois a retroactividade da vocação subsequente, como a da
aceitação ou a do repúdio, é sempre de alguma maneira uma ficção da lei. De
resto, cremos que a retroacção dos efeitos da vocação ao momento da morte é
138
Quanto aos poderes do administrador, o art. 2239.°
remete, como já vimos, para as normas que definem os direitos e
obrigações do curador provisório dos bens do ausente. Há, pois,
só que aplicar aqui estas normas (arts. 89.° e segs.). Os poderes
do administrador da herança limitam-se aos actos de
administração ordinária (arts. 94º e 1159.°, n.º 1)151, da qual
prestará contas ao tribunal (art. 95.°); além disso, o
administrador pode propor as acções conservatórias e urgentes e,
correspondentemente, pode também ser demandado. Tudo isto
nos termos do art. 94.°. Só poderá tomar conta dos bens
mediante inventário e caução (art. 93.°), e tem direito a receber
uma remuneração pelo exercício do seu cargo (art. 96.°).
Este particular regime de administração a que a herança
fica sujeita termina, como parece decorrer do art. 2237.°, n.º 1,
quando se dê o nascimento dos instituídos ou haja a certeza de
que esse nascimento se não pode dar. Certeza que existe, pelo
menos e seguramente, no caso de morte do progenitor designado
no testamento, do nascituros instituídos152. Logo que tal certeza
se obtenha, a herança deixada aos nascituros ainda não
151
Sobre o conceito de actos de administração ordinária, cfr. M.
ANDRADE, Teoria Geral, ob. Cit. p. 7 l e segs
152
Ao caso de morte parece dever equiparar-se o de impotência do
progenitor, desde que a impotência esteja provada em acção de anulação do
casamento (art. 1636°) ou de impugnação da paternidade (als. 1839.°). Mas
não o caso de velhice (sobre este caso v. as considerações feitas na Rev. Leg.
Jur., 75.°, p. 391).
139
concebidos será devolvida (quando não haja substituto dos
instituídos ou co-herdeiro testamentário com direito de acrescer)
aos herdeiros legítimos do testador153.
Merece referência especial o problema da partilha da
herança deixada (no todo ou em parte) a nascituros ainda não
concebidos. Suponhamos que A institui seus herdeiros “os filhos
que B venha a ter” ou “os filhos de B, os já nascidos e os que
venham a nascer”, e que, no momento da morte de A, já existem
um ou alguns filhos de B mas é possível que nasçam outros. Em
casos destes, põe-se a questão de saber quando e como há-de
proceder-se à partilha da herança entre os co-herdeiros
instituídos.
A doutrina costuma referir três possíveis soluções para a
questão154.
Há quem diga que a partilha não é possível155 senão
depois de haver a certeza de que não nascem mais filhos. Mas
esta solução, que parece razoável quando aplicada aos nascituros
já concebidos156, se se tratar de nascituros ainda não concebidos
oferece manifestos inconvenientes. Na verdade, a certeza de que
153
Aos herdeiros legítimos que o eram no momento da morte do testador, e
não no momento em que se tome certo que os instituídos não nascerão. Para a
justificação deste ponto, cfr. a Rev. Leg. Jur., 62.°. p. 94.
154
Cfr. STOLFI, La successione dei non concepiti, na Riv. di dir. civ.. 1924.
p 473 e segs., J. TAVARES, ob. cit. pp. 216 e segs.. e CASTRO MENDES,
Acerca da situação da herança atribuída a nascidos e nascituros, no Jornal
do Foro, 21 (1957). pp. 135 e segs.
155
Por haver uma comunhão temporária obrigatória entre os herdeiros já
existentes (STOLFI); ou por a herança se conservar sob administração, nos
termos dos arts. 2237º e segs. (CASTRO MENDES).
156
Cfr. L0PES CARDOSO, Partilhas Judiciais, I, pp. 57-58.
140
não nascem mais filhos só se obtém normalmente com a morte
do progenitor dos instituídos. Sendo assim, a solução vai
retardar o momento da partilha por muito tempo, às vezes por
dezenas de anos, isto mesmo em hipóteses em que a
probabilidade de que nasçam mais filhos é tão pequena que
ninguém razoavelmente conta com ela. É, pois, uma solução que
desacautela os interesses dos herdeiros já existentes. De resto,
pode invocar-se contra ela o princípio do art. 1412.° (aplicado
directamente ou por analogia). E a solução não se ajustará
normalmente à provável intenção do testador.
Já se pretendeu também que à morte do testador se
deveria fazer uma partilha aproximativa dos bens entre os filhos
já nascidos nesse momento, isto é, uma partilha em que se
tomasse em conta o número de filhos que provavelmente ainda
viriam a nascer. O juiz, tomando em conta a idade do progenitor
dos instituídos e todos os outros elementos ou circunstâncias
atendíveis, procuraria determinar o número provável de filhos
que ainda nasceriam, e sobre essa base faria a partilha, que
todavia seria corrigida se não resultasse certa a previsão
efectuada157. Mas também esta doutrina não deve aceitar-se. Sob
pena de se cair pura e simplesmente no arbítrio, como é que o
juiz há-de saber, ou prever, quantos filhos é que o progenitor dos
nascituros instituídos terá ainda?
Finalmente, outros defendem a solução da partilha sob
condição resolutiva. À morte do testador, a herança será
repartida pelos herdeiros já existentes nesse momento, mas a
157
É a solução defendida entre nós por CUNHA GONÇALVES, Tratado, IX,
pp. 709 e 710, que exemplifica: “...calcula-se que o casal terá 6 filhos, e o
primeiro terá 1/6 da herança; o resto continuará em administração, e cada
filho posterior receberá 1/6; mas se o número dos filhos for superior, a cada
uma das sextas partes se fará a dedução precisa para compor o quinhão dos
outros; se, pelo contrário, o número for inferior, as sobras serão acrescentadas
às sextas partes já distribuídas”.
141
partilha fica sujeita à condição resolutiva de posteriormente
nascerem mais filhos. Havendo, por exemplo, dois filhos já
nascidos, a herança partilha-se entre os dois filhos, que
receberão os respectivos bens em propriedade, mas em
propriedade resolúvel, sendo, aliás, incerta e não podendo
determinar-se a medida em que os direitos de cada um estão
sujeitos a resolver-se158. E esta nos parece ser a melhor (ou a
menos má) das soluções que têm sido dadas ao problema. Ponto
é que fiquem salvaguardados os interesses dos filhos que
eventualmente venham a nascer depois da partilha. Mas os
interesses dos nascituros ficarão garantidos se entendermos que
lhes assiste uma tutela real, podendo eles reivindicar os bens que
lhes pertencerem ainda que estes já se encontrem nas mãos de
terceiro, para quem tenham sido transferidos159.
Assim entendida, cremos que a solução oferece, em
confronto com as outras duas, menores inconvenientes. Em todo
o caso, ainda tem alguns. Um destes inconvenientes é o de se
admitir, assim, mais um caso de propriedade resolúvel, a qual é
sempre desvantajosa. Mas já sabemos que a figura da 1ª
propriedade resolúvel, conquanto excepcional, tem várias
aplicações no nosso direito160. Outro inconveniente da solução é
o de que deste modo se multiplicam as partilhas, pois há
158
É a solução defendida por JOSÉ TAVARES ob. cit, p. 218 e por LOPES
CARDOSO, Partilhas judiciais, I, p. 80 e SANTOS MARTINS, Processos
sucessórios, 1, p. 89.
159
E assim o entendem os autores referidos na nota anterior. É de notar,
porém, que também não devem ficar desprotegidos os interesses dos terceiros
a quem os bens tenham sido alienados. A forma prática de proteger esses
interesses será sujeitar a registo a condição resolutiva, como ónus real e grava
os respectivos bens, e a solução é viável mesmo de lege lata em face dos arts.
2.°. n.° 1, al. a) e 94.°, al. b) do Código do Registo Predial
160
Cfr. os arts. 119.°,. 1307°, 1650º, etc.
142
necessidade de proceder a nova partilha por cada filho que
nasça.
Assim estudadas, nos seus traços gerais, as soluções da
lei relativas à sucessão de nascituros ainda não concebidos,
importa agora construí-las adequadamente. É este um delicado
problema, sobre que existe uma abundante literatura161, mas ao
qual só faremos uma alusão. A instituição de nascituros ainda
não concebidos, nos termos em que a nossa lei a admite, poderá
conciliar-se com o 2º pressuposto da vocação que enunciámos
acima, ou seja, com o princípio de que o chamado já há-de
existir no momento da morte do de cuius? Tudo depende da
construção que se faça das soluções da lei e várias construções
podem fazer-se.
Uma será a que afirme a existência de uma vocação pura
e simples dos nascituros ainda não concebidos, feita no próprio
momento da abertura da sucessão. E, neste quadro, poderá
explicar-se o nosso caso à luz dos princípios gerais. Mas uma
vocação pura e simples, enquanto atribuição ao chamado de uma
certa posição jurídica actual relativamente aos direitos e
obrigações que integram a sucessão, parece exigir um
destinatário também actual, que seja titular dessa posição
jurídica. Semelhante ideia postula pois, a ficção da antecipação
da personalidade a qual, em relação aos nascituros ainda não
concebidos, se afigura demasiado artificiosa. E por último, não
se vê que os efeitos que a lei liga à instituição de nascituros
ainda não concebidos (e que, fundamentalmente, consistem na
colocação da herança sob administração, nos termos expostos)
revelem a existência de uma vocação actual a favor deles.
161
Sobretudo italiana. Cfr. STOLFI e CARIOTA-FERRARA, cits, e ainda
OPPO, Note sull’istituzione di non concepiti, na Riv. trim. di dir. proc. civ.,
2.° (1948), pp. 91 e segs. Entre nos, pode ver-se uma alusão ao problema na
Rev. Leg. Jur.. 62.°, p 92,
143
Outra construção é a que joga com o conceito de uma
vocação condicional, subordinada a uma condição legal
(conditio iuris), que é o do nascimento dos instituídos. É talvez
esta a construção mais divulgada162. E, a ser ela exacta,
estaremos aqui em face de um caso em que se admitirá —
excepcionalmente — a vocação, embora condicional, de pessoas
ainda não existentes.
Todavia, temos dúvidas sobre se a esta construção não
deve preferir-se uma outra, elaborada por OPPO e segundo a
qual a favor dos nascituros ainda não concebidos não se actua
qualquer vocação sucessória, sequer condiciona), anteriormente
ao nascimento. Segundo OPPO, nem o próprio negócio
testamentário existe ou está completo antes que surja o seu
destinatário. Antes do nascimento dos instituídos, o testamento
seria, não apenas um negócio ineficaz, mas mais do que isso (ou
menos do que isso), um negócio em via de formação, e portanto
ainda inexistente. Deste modo,. a vocação de nascituros ainda
não concebidos seria uma vocação sucessiva, que só surgiria no
momento do nascimento dos instituídos, pelo que o presente
caso não constituiria um exemplo de vocação de pessoas ainda
não existentes.
Deverá aceitar-se esta construção ou a anterior? Tudo
está em saber, como diz OPPO163, se os efeitos que a lei liga à
instituição de nascituros ainda não concebidos deverão explicar-
se ou conceber-se como efeitos de uma vocação já realizada ou
antes como efeitos preliminares de uma vocação em via de
formação ou de aperfeiçoamento. A favor desta 2ª construção,
162
Neste sentido (mas não muito claramente). v. a Rev. Leg. Jur, loc. Cit.. Da
aproximação feita pela lei (pelo art. 2240.°) entre a instituição de nascituros e
a instituição condicional, cremos que nenhuma conclusão pode tirar-se com
segurança. Até se pode dizer que se a instituição de nascituros fosse uma
instituição condicional a norma do art. 2240.° seria desnecessária.
163
Loc. Cit. p. 103
144
pode dizer-se que aqueles efeitos (a colocação da herança sob
administração) são essencialmente diferentes dos efeitos típicos
da vocação, que estudámos nos nºs 31 e 32, além de que não
visam directamente a tutela do interesse do nascituro mas a
tutela do interesse abstracto do futuro titular dos respectivos
direitos, quem quer que ele seja164165.
164
Só nos referimos no texto às construções que nos parecem mais
significativas. Mas há ainda outras. Uma doutrina que já foi defendida na
Itália (mas que é claramente de rejeitar) é a que afirma tratar-se aqui de um
fideicomisso: os bens hereditários seriam atribuídos aos administradores da
herança, os quais teriam a obrigação de os conservar e transmitir aos
nascituros, quando estes nascessem.
165
Admitida esta última construção, ainda se porá com mais acuidade um
outro problema de construção jurídica, a que só vamos aludir, e que consiste
em saber a quem pertencem os bens hereditários (ou, por outras palavras,
quem é o titular dos respectivos direitos) no intervalo que medeia entre o
momento da morte do testador e o momento do nascimento dos instituídos.
Tais bens já não são do de cuius nem são ainda dos instituídos; também não
são dos administradores; então a quem pertencem? Uma construção possível
é a de que se trata de direitos que estão temporariamente sem sujeito. Uma
outra é a de que não se trata aí de verdadeiros direitos, mas de “meros estados
de vinculação de certos bens, em vista da possível superveniência de um
titular para eles, e portanto de um direito que lhes corresponda” (MANUEL
DE ANDRADE, Teoria Geral, I, p. 35). Decerto que não tem interesse
prático optar pela 1ª formulação ou pela 2ª mas esta última parece-nos
complicada e obscura. Se não há aí direitos, é porque se extinguiram; mas se
se extinguiram, como se compreende que depois renasçam na esfera jurídica
dos instituídos tais como eram na do autor da sucessão? Parece mais simples
a explicação de que os direitos hereditários não se extinguiram, mas apenas
viveram algum tempo sem sujeito. Nem isto contrastará com a natureza
objectiva que atribuímos ao direito subjectivo (supra, n.º 2). A ideia de
“vinculação dos bens” terá todavia a virtude de explicar, logicamente, que os
direitos hereditários se extingam apesar de não terem um sujeito actual.
145
45. e) Sucessão de pessoas colectivas ainda não
reconhecidas
§ 40
3.° PRESSUPOSTO: CAPACIDADE SUCESSÓRIA
166
Sobre tudo isto v. M. ANDRADE, Teoria Geral, cit. pp. 111-115.
167
Para elaborar os estatutos da fundação (se o testador não o fez), bem como
para os fazer aprovar pela autoridade competente para o reconhecimento,
deve agir o testamenteiro, se o houver; se não há testamenteiro ou se ele se
mantém inactivo, aquela autoridade pode agir oficiosamente para o efeito
(art. 187.°).
146
O terceiro e último pressuposto da vocação é a
capacidade sucessória. Para ser chamado à sucessão, o titular da
designação prevalente não só há-de existir como há-de ainda ser
capaz, capaz de suceder ao de cuius no momento da morte deste.
Se quisermos dar uma noção de capacidade sucessória
poderemos dizer que se trata da idoneidade para ser chamado a
suceder, como herdeiro ou como legatário168. É esta mais uma
aplicação particular da noção genérica de capacidade jurídica, ao
lado das que já conhecemos169.
Quanto à determinação da capacidade sucessória, o
princípio geral é o mesmo que domina toda a matéria da
capacidade jurídica. Ainda aqui, a capacidade é a regra, a
incapacidade a excepção. São, pois, capazes de suceder todas as
pessoas, singulares ou colectivas, que a lei não declare
incapazes. O princípio está expresso no art. 2033°. E as
incapacidades sucessórias são relativamente pouco numerosas.
Como ser chamado à sucessão não implica para o chamado
obrigações, responsabilidades ou riscos170, a lei não exige aqui
168
A capacidade sucessória, assim entendida, não se confunde pois com a
capacidade exigida para a prática dos vários actos ou negócios a que haja
lugar no decurso do fenómeno sucessório. Uma é a capacidade sucessória
(isto é, a capacidade para ser chamado à sucessão); outra é a capacidade
exigida para fazer testamento, para aceitar ou repudiar a herança, para intervir
na partilha, etc. A capacidade para a prática destes vários actos é regida por
outros princípios, que de resto podem ser, e são muitas vezes, os princípios
gerais da capacidade negocial.
169
A mais importante destas aplicações é a capacidade negocial, que
estudámos na cadeira de Teoria Geral do Direito Civil. Mas tomámos
contacto com outras aplicações particulares da noção de capacidade jurídica,
como as de capacidade delitual (cfr. art. 489º), capacidade processual ou
judiciária Cód. Proc. Civ., arts. 5.° e segs.), etc.
170
A não ser ónus de repudiar a herança no caso previsto no art. 2049.°, pois
a lei presume a aceitação nesse caso (infra, nº 69).
147
qualquer capacidade natural do chamado. Têm capacidade
sucessória os menores, os dementes e, em geral, todos os
incapazes de contratar e de realizar negócios jurídicos.
Como acontece com os dois pressupostos da vocação que
estudámos anteriormente, também é no momento da abertura da
sucessão que se aprecia a capacidade sucessória; esta deve
existir nesse momento e só nele. É o princípio geral, que pode
ver-se expresso no art. 2033.° e ainda no art. 2035.°, al. a).
O princípio de que a capacidade sucessória há-de existir
no momento da abertura da sucessão, e só nele, sofre contudo
determinadas limitações.
Em primeiro lugar, é claro que o princípio não pode
aplicar-se nas hipóteses, já referidas, de vocação de pessoas que
ainda não existam no momento da abertura da sucessão. Assim,
nos casos de sucessão de nascituros ainda não concebidos e de
pessoas colectivas ainda não reconhecidas, não pode exigir-se
que seja capaz no momento da morte uma pessoa que neste
momento ainda não existia. A capacidade sucessória, nessas
hipóteses, há-de existir no momento ulterior em que for feita a
vocação sucessória.
Por outro lado, o princípio também não valerá quando à
instituição de herdeiro ou ao legado for aposta uma condição
suspensiva, caso em que a lei parece exigir a capacidade
sucessória, não apenas no momento da morte, senão também no
momento de verificação da condição171, como se poderá
depreender do art. 2035.°, n.º 2 (generalizado)172.
171
Do mesmo modo, no caso de instituição condicional a existência do
chamado é exigida tanto no momento da morte do de cuius como no da
verificação da condição (art. 2317º al.b)), apenas cumprindo ressalvar a
doutrina do art. 2033.°, n.º 2, al. a), que já conhecemos.
172
E justifica-se que a capacidade seja exigida nos dois momentos.
Compreende-se que se exija a capacidade sucessória no momento do
148
Finalmente, notaremos ainda que há determinadas causas
de incapacidade sucessória que podem ser (ou até mesmo têm de
ser, dada a sua natureza) posteriores ao momento da abertura da
sucessão. Temos em vista, designadamente, os casos previstos
na al. d) do art. 2034.°173. Quando versarmos, daqui a pouco, a
matéria das incapacidades para adquirir por testamento (as quais
se filiam, como veremos, numa ideia de indignidade),
estudaremos estes casos de “atentado contra o próprio
testamento”174. Eles revelam-nos que a capacidade sucessória,
existente no momento da morte, pode posteriormente
173
Algo diverso é o caso de atentado contra a vida ou a honra do testador
(art. 2034.°, als. a) e b), embora a sentença condenatória possa ser posterior à
morte deste (art. 2035.°, n.º 1)
174
Na terminologia de JOSÉ TAVARES, ob. Cit. p. 221.
149
desaparecer; se se verificar alguma das circunstâncias referidas
naquela alínea, o capaz torna-se incapaz, resolvendo-se
retroactivamente a vocação já verificada.
175
Cfr. infra, n.° 107.
176
A afirmação do texto carece de alguns esclarecimentos Pode dizer-se que
há uma incapacidade sucessória (a do ausente), a que é estranha qualquer
ideia de indignidade. E sem dúvida que é assim; simplesmente, não se trata aí
de um caso de verdadeira incapacidade, mas de um caso em que falta a
própria existência do chamado, pois a lei presume que o ausente já não existe
a partir da data da declaração de morte presumida: supra. n.º 20. Por outro
lado, também as incapacidades previstas nos arts. 2192.° e segs. não são
verdadeiras incapacidades de adquirir por testamento. Trata-se de
incapacidades de editor, antes que de verdadeiras incapacidades de receber
por testamento. Com efeito, a razão dessas incapacidades é a de ser suspeita
150
legatário legal ou testamentário que o tornam incapaz de receber
o benefício sucessório encontram-se descritos nas várias alíneas
do art. 2034.°)177. Compreende-se que o legislador não faça
distinção entre sucessão legítima e testamentária, pois o
comportamento do sucessível, mesmo nos casos previstos nas
als. e) e d) do art. 2034.°, assim como o torna indigno de receber
por testamento, assim não o faz merecedor de receber o que lhe
pertenceria como herdeiro legítimo.
O comportamento indigno do herdeiro ou legatário pode
revestir várias formas. Na sistematização proposta por JOSÉ
TAVARES178 pode tratar-se de um atentado contra a vida do
autor da sucessão, de um atentado contra a liberdade de testar ou
de um atentado contra o próprio testamento. Na exposição
subsequente tomaremos por base esta classificação tripartida, a
que acrescentaremos, porém, uma quarta espécie de
comportamento indigno, o atentado contra a honra do autor da
sucessão ou seus familiares, dado o disposto no art. 2034.°, al.
b) do nosso Código.
ou duvidosa (à parte os casos do art. 2192. °, n.º 3 — cfr. o art. 2195.°, al. b))
a liberdade e espontaneidade da declaração de vontade do testador, dada a
particular relação entre ele e o herdeiro instituído ou o legatário nomeado e o
possível ascendente destes sobre aquele. Tratando-se, pois, aí, de formas de
protecção da vontade ou da liberdade de testar, estas incapacidades filiam--se
em razões conexas, não com a pessoa do herdeiro ou do legatário nomeado,
mas com a pessoa do testador. O mesmo pode talvez dizer-se (mas o ponto é
duvidoso) quanto às incapacidades sucessórias derivadas dos impedimentos
referidos nas als. h), e) e d) do art. 1604° (art. 1650°, nº 2).
177
É ainda a ideia de indignidade que está na base dos institutos da
deserdação (de que falaremos adiante) e da revogação das doações por
ingratidão do donatário (arts. 970º e 974.°).
178
Ob. cit., p. 221.
151
Ao atentado contra a vida do autor da sucessão se refere
a al. a) do art. 2034.°, segundo o qual “o condenado como autor
ou cúmplice do homicídio doloso, ainda que não consumado179,
contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente,
ascendente, adoptante ou adoptado” carece de capacidade
sucessória, por motivo de indignidade. Deve ter-se presente,
porém, a doutrina do art. 2038.°, n.º 2, segundo a qual, sendo o
indigno contemplado em testamento quando o testador já
conhecia a causa da indignidade, o indigno poderá receber
dentro dos limites da disposição testamentária.
O atentado contra a liberdade de testar está previsto na
al. c) do art. 2034.°, segundo a qual não pode adquirir por
sucessão “o que por meio de dolo ou coacção induziu o autor da
sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o
impediu”, norma que deve ser entendida em correlação com o
art. 2201.°, que considera anulável a disposição testamentária
determinada por erro, dolo ou coacção180.
179
Abrangem-se aqui, pois, todas as formas ou graus puníveis do iter
criminis (não só a consumação como também a frustração e a tentativa), mas
não todas as formas de comparticipação, pois o preceito exclui o
encobrimento.
180
Como não havia no Código de Seabra norma correspondente à do art.
2034.°, al. e), mas só uma norma que correspondia à do art. 2201.°, houve
quem entendesse, em face desta última norma (o art. 1748.° do Código de
1167), que a hipótese de extorsão do testamento não constituía um caso de
verdadeira incapacidade ou indignidade sucessória. A anulabilidade do
testamento seria simples medida de protecção da liberdade de testar: assim,
TAVARES, ob. Cit. p. 225. Mas outra era a opinião de C. GONÇALVES
(ob. e vol. cits, p. 719), para a qual nos inclinávamos. Na realidade, não faria
sentido que pudessem suceder como herdeiros legítimos os parentes que
tivessem extorquido um testamento ao autor da sucessão, e já não pudessem
suceder os que se tivessem limitado a impedir a revogação de um testamento
livremente feito a favor deles. E claro que hoje a questão não se põe, dado o
disposto na al. c) do art. 2034.°.
152
Finalmente, podem reconduzir-se à ideia de atentado
contra o próprio testamento as hipóteses mencionadas na al. d)
do art. 2034.°. Perde qualquer direito à herança do testador o
que dolosamente subtraia, oculte, inutilize, falsifique ou suprima
o testamento — naturalmente, o testamento cerrado - antes ou
depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveite de algum
modo desses factos.
Em tudo o que dissemos até agora visámos apenas as
pessoas singulares. Mas as pessoas colectivas e as sociedades
também podem suceder por testamento, como herdeiras ou
legatárias (art. 2033.°, n.º 2, al. b))181, e o Estado pode
igualmente suceder, como herdeiro legítimo (arts. 2033.°, n.º 1,
2133.°, n.º 1, al. e) e 2152.° e segs.) e, claro, como herdeiro
testamentário182. Não há hoje quaisquer incapacidades
sucessórias específicas das pessoas colectivas, pelo que devem
aqui ser aplicadas, na parte em que o puderem ser, as mesmas
normas que valem para as pessoas singulares.
181
Mesmo as pessoas colectivas ainda não reconhecidas. Como sabemos
(supra. n.º 45). Por outro lado, pode notar-se já que a herança deferida a
pessoa colectiva só pode ser aceite a beneficio de inventário, como dispõe o
art. 2053.°, n.º 1 (infra, n.°72).
182
No direito anterior ao Código de 1966 havia legislação especial que
chamava à sucessão de certas pessoas como seus herdeiros legítimos
determinadas pessoas colectivas. Tratava-se, nomeadamente de
estabelecimento de assistência e beneficência, quanto à sucessão dos
internados nesses estabelecimentos. Em face do art. 3.° da lei preambular do
Código Civil (Decr.-lei nº 47 344), cremos porém estar revogada essa
legislação especial, que não foi ressalvada no Código.
153
Segundo parece depreender-se do art. 2036.° as
incapacidades sucessórias não operam automaticamente,
tornando-se necessária uma acção judicial destinada a obter a
declaração de indignidade do herdeiro ou do legatário183.
A lei é omissa no que se refere à legitimidade activa para
a acção de declaração de indignidade, que fica sujeita, sob este
aspecto, às regras gerais do Cód Proc. Civ. (arts. 26.° e segs.).
Quanto ao prazo para a propositura da acção o sistema da
lei é flexível, marcando-se no art. 2036.° vários prazos de
caducidade. A acção só pode ser intentada dentro do prazo de
dois anos a contar da abertura da sucessão, ou dentro de um ano
a contar da condenação pelos crimes previstos nas als., a) e b)
ou do conhecimento das causas de indignidade previstas nas als.
c) e d) do art. 2034.°.
183
Mesmo nas hipóteses previstas nas als., a) e b) do art. 2034º como resulta
do art. 2036.°.
184
Na sucessão legal a representação tem lugar, na linha recta, em beneficio
dos descendentes de filho do autor da sucessão, e, na linha colateral, em
beneficio dos descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja, num
caso ou noutro, o grau de parentesco (art. 2042.º).
154
indignidade, como resulta do art. 2041.° e do mesmo art. 2037.°,
n.º 2, a contrario sensu), se o instituído se tornar incapaz são
chamados à sucessão os substitutos ou os outros co-herdeiros
testamentários, se os houver e tiverem direito de acrescer (arts.
2031.°, nº 1, e 2304.°), e, na sua falta, os herdeiros legítimos do
testador. Declarada a indignidade, é havida como inexistente a
devolução da herança ao indigno, o qual é considerado, para
todos os efeitos, possuidor de má fé dos respectivos bens (art.
2037.°, n.º 1).
Secção V
MODOS DE VOCAÇÃO
Subsecção 1
GENERALIDADES
155
O chamamento sucessório pode ser feito de modos
diferentes: a vocação pode ser originária ou subsequente, pura e
simples ou condicional, directa ou indirecta.
Diz-se originária a vocação que se verifica no próprio
momento da abertura da sucessão; subsequente a que se opera
em momento posterior a este.
A vocação é normalmente originária mas há casos de
vocação subsequente; o mais típico é o de o primeiro chamado
repudiar a herança. Nos termos do art. 2032.°. nº 2, “se os
primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar,
serão chamados os subsequentes, e assim sucessivamente”. E
como o repúdio só raramente coincidirá com o momento da
morte do autor da sucessão, a vocação do designado ulterior é
um caso típico de vocação subsequente185.
Ao lado deste, porém, outros casos poderão configurar-se
como de vocação sucessiva, tudo dependendo da construção que
se faça de determinadas figuras a que já fizemos referência.
Assim, segundo a tese de OPPO acerca da instituição de
nascituros não concebidos, a vocação dos nascituros só se faria
no momento do nascimento dos instituídos, pelo que estaríamos
aqui perante uma vocação sucessiva; e seria essa também a
natureza da instituição condicional de herdeiro segundo certa
doutrina, a que aliás não aderimos, exposta na nota (172) da pág.
83 e que se dá como reproduzida neste lugar.
185
Subsequente mas juridicamente originária, dado o princípio de
retroactividade expresso no art. 2032.°, nº2.
156
Por outro lado, a vocação pode ser pura e simples ou
condicional.
A hipótese de disposição testamentária sujeita a
condição, suspensiva ou resolutiva, está prevista nos arts. 2236.°
a 2239º do Código.
No caso de condição resolutiva, o tribunal pode impor ao
herdeiro ou legatário — a quem, naturalmente, pertence em
princípio a administração dos bens — a obrigação de prestar
caução, a menos que o testador o dispense de a prestar, no
interesse daqueles a favor de quem a herança ou o legado será
deferido no caso de a condição se verificar (art. 2236.°, nºs 1 e
3); não sendo prestada a caução exigida, a administração da
herança ou do legado competirá àquele em cujo interesse a
caução devia ser prestada (art. 2238.°, n.º 2).
Se o herdeiro for instituído sob condição suspensiva, a
herança é posta em administração até que a condição se cumpra
ou haja a certeza de que não pode cumprir-se (art. 2237.°, n.º 1).
A administração pertence ao próprio herdeiro condicional e, se
ele a não aceitar, ao seu substituto; se não existir substituto ou
este também a não aceitar, a administração pertence ao co-
herdeiro ou co-herdeiros incondicionais com direito de acrescer,
e, na sua falta, ao herdeiro legítimo presumido (art. 2238.°, n.º
1).
No caso de legado dependente de condição suspensiva, o
tribunal pode igualmente impor a obrigação de prestar caução,
no interesse do legatário, àquele que deva satisfazer o legado
(art. 2236.°, n.º 2), sob pena de a administração do legado ser
atribuída ao próprio legatário (art. 2238.°, n.º 2).
Em princípio, os administradores da herança ou do
legado estão sujeitos às regras aplicáveis ao curador provisório
dos bens do ausente (art. 2239.°).
Merece breve referência a cláusula si sine liberis
decesserit. Parece não se tratar aqui de fideicomisso mas de
157
instituição de herdeiro ou legado sob condição resolutiva
(conforme decidiu, na vigência da legislação anterior, o Assento
de 14 de Dezembro de 1937186). Assim, se A deixa a B certos
bens mas prevê a hipótese de B morrer sem filhos, dispondo que
nesse caso os bens irão para C, B faz seus os frutos que os bens
produzirão em vida dele (arts. 277.°, n.º 3 e 1270.°, n.º 1), como
aliás os faria seus se de fideicomisso se tratasse (art. 2290.°, n.º
1); mas, ao contrário do que aconteceria se existisse aqui um
fideicomisso (arts. 2290.°, n.º 2 e 1468.°, al. b)), só é obrigado a
prestar caução se o tribunal lho impuser (art. 2236.°, n.º 1). Se B,
neste caso não prestar a caução que o tribunal lhe imponha, a
administração da herança ou do legado competirá a C (art.
2238.°, n.º 2).
186
Na Rev. Leg. Jur., ano 70º, p. 270
187
A vocação directa corresponde à generalidade dos casos e não tem pois
de ser definida; a noção resulta da de vocação indirecta, por contraposição
158
coisas se passam. Na vocação indirecta os bens transmitem-se
directamente para o chamado indirecto. A interposição da
pessoa que não pôde ou não quis suceder é meramente ideal e
não real: há aqui só um fenómeno sucessório, e não dois, como a
expressão “vocação indirecta” poderia fazer supor.
Quando se fala em vocação indirecta, a ideia que se
pretende exprimir é simplesmente esta: a de que a posição
jurídica do sucessível que não pôde ou não quis suceder é o
ponto de referência a partir do qual se define a posição jurídica
do chamado “indirectamente” à sucessão; os direitos e
obrigações de quem sucede “indirectamente” são os mesmos
direitos e obrigações da pessoa que sucederia directamente, se
esta tivesse realmente sucedido.
Neste sentido, constituem exemplos de vocação indirecta
o direito de representação, a substituição directa ou vulgar e o
direito de acrescer188 é a primeira destas figuras, o direito de
representação, que iremos estudar com mais desenvolvimento
nas páginas que se seguem.
Subsecção II
VOCAÇÃO INDIRECTA
§ 1.º
DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
188
A ideia de que a substituição directa ou vulgar e o direito de acrescer são
formas de vocação indirecta está expressa, respectivamente, nos arts. 2284.° e
2307.°
159
Nos termos do art. 2039.°, “dá-se a representação
sucessória quando a lei chama os descendentes de um herdeiro
ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não
quis aceitar a herança ou o legado”.
O Código de 1966 introduziu nesta matéria duas
alterações muito importantes.
A primeira consiste em o direito de representação
também se admitir agora no caso de o representado repudiar a
herança (“não pôde ou não quis”, diz o art. 2039.°), ao contrário
do que sucedia na vigência da legislação anterior. Embora a
doutrina criticasse a solução, ela era por demais evidente, de
jure constituto, para que pudesse ser afastada por qualquer
expediente interpretativo189.
Outra inovação introduzida pelo legislador de 1966 foi a
de admitir o direito de representação, não só no âmbito da
sucessão legítima (e legitimária), mas também no da sucessão
testamentária (art. 2041.°).
O alcance desta inovação, porém, não é tão grande como
poderia parecer. Dizemos assim porque a jurisprudência
chegava anteriormente a resultado, se não igual, pelo menos
semelhante àquele a que se chega hoje através do direito de
representação na sucessão testamentária. A ideia de substituição
vulgar tácita era o expediente utilizado. Quer dizer: entendiam
os tribunais que a substituição directa ou vulgar não necessitava
de ser expressa; desde que a vontade do testador, reflectida de
189
O fundamento que se entendia estar na base do não reconhecimento, pelo
Código de Seabra, do direito de representação no caso de repúdio era a ideia
de que não seria admissível nessa hipótese — em face de uma declaração
expressa de repúdio — fazer de conta que o representado tinha efectivamente
sucedido. Esta justificação, de carácter puramente formal, estava assim ligada
àquela ideia de ficção em que, tradicionalmente, se fazia assentar o direito de
representação (infra, n.º 57).
160
algum modo no testamento, fosse favorável à substituição do
instituído pelos seus descendentes, a jurisprudência admitia a
ideia de uma substituição vulgar tácita em favor destes, pelo que
os bens que por morte do de cuius caberiam ao instituído
deveriam passar aos seus descendentes quando aquele não
pudesse aceitar a herança. Os tribunais admitiam, assim, que por
vezes os testamentos não caducassem — apesar da regra
expressa no art. 1759.°, n.º 1 do Código de Seabra — pelo
predecesso do herdeiro ou legatário ao testador190.
Sendo isto exacto, a verdade porém é que há entre as
duas soluções - a do Código de 1867 e a do Código de 1966 —
uma diferença fundamental: enquanto na vigência da legislação
anterior, em que se fazia apelo à ideia de substituição vulgar
tácita, tinha sempre de ser provada uma vontade do testador
favorável à substituição, hoje essa substituição admite-se em
princípio, por determinação da lei; o que é preciso provar, para
que o direito de representação não funcione, e uma vontade do
testador contrária ao mesmo direito, a revelar o propósito de
beneficiar pessoalmente o herdeiro instituído ou o legatário
nomeado no testamento.
190
Talvez até levando-se as coisas longe demais, pois os tribunais não eram
muito exigentes quanto à prova de que a vontade do testador, favorável à
substituição do instituído pelos seus descendentes tivesse no testamento “um
mínimo de correspondência” (como agora se exprime o art. 2187.°). Certos
julgados pareciam aceitar a ideia de que “quem deixa ao pai também quer
deixar aos filhos”, o que, no quadro do direito anterior, traduzia uma
orientação menos correcta.
161
Antes de versarmos o problema da extensão do direito de
representação, cumpre-nos distingui-lo de outras figuras
jurídicas com que poderá eventualmente confundir-se.
Desde logo, o direito de representação é figura distinta
da representação que estudámos na Teoria Geral do Direito
Civil. Na verdade, a representação supõe o exercício de um
direito em nome de outrem: os efeitos jurídicos dos actos
praticados pelo representante vão produzir-se na esfera jurídica
do representado. Pelo contrário, no direito de representação há
uma actuação em nome próprio: quando aceita a herança,
quando intervém na partilha ou no inventário, etc., o
representante não age em nome do representado mas em seu
próprio nome. Nem o representante é sucessor do representado,
mas do autor da sucessão cuja posição jurídica vem ocupar.
162
B+1 C+3
D E F G
Suponhamos que, p. ex., num mesmo desastre de
automóvel, morreram B, A e C, pela ordem indicada. B era viúvo
e deixou dois filhos, D e E, e C deixou também dois filhos, F e
G.
Como B morreu antes de A, D e E sucedem
representativamente ao avô segundo o art. 2042°.
Pelo contrário, F e G não sucedem por direito de
representação mas por direito de transmissão. O direito de
aceitar ou repudiar a herança de A, de que C era titular mas que
não chegou a exercer, transmitiu-se a F e G nos termos do art.
2058.°.
São situações muito diferentes.
Enquanto no direito de representação há um só fenómeno
sucessório, na transmissão do direito de aceitar operam-se dois
fenómenos sucessórios. Além, os bens passam directamente de
A para D e E; aqui C adquire de A, não propriamente as relações
jurídicas de que este era titular, mas o direito de aceitar ou
repudiar a sua herança191, e este direito de aceitar ou repudiar
transmite-se de C para F e G.
Daqui resultam consequências importantes, p. ex. quanto
à capacidade sucessória. Assim, D e E precisam ter capacidade
em relação a A, mas não em relação a B (art. 2043.°); pelo
191
Trata-se de uma aquisição originária, como já vimos: supra, nº 31
163
contrário, F e G carecem de ter capacidade em relação a C,
como este tem de ter capacidade em relação a A.
Por outro lado, enquanto o direito de representação é
exclusivamente atribuído (na sucessão legal) aos descendentes
dos filhos ou dos irmãos do “de cuius” (art. 2042.°), o direito de
aceitar ou repudiar transmite-se genericamente aos herdeiros
(legítimos ou testamentários) do chamado que não chegou a
exercer aquele direito (art. 2058.°).
164
Em face do art. 2042.°, o direito de representação na
sucessão legal depende de dois pressupostos.
O primeiro é a falta de um parente da 1ª ou da 3ª classes
de sucessíveis do nº 1 do art. 2133. °, abrangendo o termo
“falta” as cinco situações seguintes: a pré-morte (o caso de
longe mais vulgar), a incapacidade por indignidade, a
deserdação192, a ausência e o repúdio.
O segundo pressuposto é a existência de descendentes do
parente excluído da sucessão.
Quando, portanto, falta um parente da 1ª ou da 3ª classes
de sucessíveis, mas este deixa descendentes, os descendentes do
parente que falta são chamados à sucessão em lugar dele.
Tanto na linha recta como na linha colateral, a
representação tem lugar qualquer que seja o grau de parentesco
e, por outro lado, quer sejam nascidos do casamento ou fora do
casamento os descendentes do parente que não pôde ou não quis
suceder193.
192
Cfr. art. 2166.°. n.º 2.
193
Excepto se, tratando-se de parentes da 3ª classe de sucessíveis, a herança
se abriu antes de 25 de Abril de 1976, pois naquela classe os parentes
“legítimos” excluíam os “ilegítimos” segundo os arts. 2143.° e 2144.° do
Cód. Civil, antiga redacção.
165
Em primeiro lugar, depreende-se do art. 2041.° que a
representação tem lugar, na sucessão testamentária, nos casos de
pré-morte e repúdio (e ainda no de ausência, conforme o
disposto no art. 120.°), mas não no caso de incapacidade. À
mesma solução já se chegaria, de resto, por argumento tirado do
art. 2037.°, n.º 2, a contrario sensu. O legislador terá entendido
que, no caso de indignidade do instituído, será mais conforme à
vontade hipotética do testador não se admitir o direito de
representação a favor dos descendentes do indigno.
Em segundo lugar, ao contrário do que acontece na
sucessão legal, a representação não se admite na sucessão
testamentária quando se verifique alguma das circunstâncias
referidas nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 2041.°, ou em
qualquer outro caso — pois não parece que a do n.º 2 seja
taxativa — em que o testador manifeste uma vontade contrária à
representação.
Assim, como é natural, a representação não se verifica
“se tiver sido designado substituto ao herdeiro ou legatário” (al.
a)).
Por outro lado, também não se verifica a representação
(al. b)) em relação ao fideicomissário. nos termos do nº 2 do art.
2293.°, segundo o qual, “se o fideicomissário não puder ou não
quiser aceitar a herança, fica sem efeito a substituição, e a
titularidade dos bens hereditários considera-se adquirida
definitivamente pelo fiduciário, desde a morte do testador”.
Solução que bem se compreende, pois o fiduciário, se na
aparência é um simples usufrutuário, na realidade é um
verdadeiro proprietário dos bens fideicomitidos, um proprietário
ad tempus, cujos direitos se acham comprimidos mas retomarão
toda a sua plenitude no caso de o fideicomissário não poder ou
não querer aceitar a herança.
Por último, a representação não se verifica “no legado de
usufruto ou de outro direito pessoal” (al. c), solução que se
justifica pela ideia de que a intenção do testador é aqui a de
166
beneficiar pessoalmente o instituído; a representação não
corresponderia, por isso, à sua vontade conjectural.
167
B C +1
D E
168
Vimos, porém, que o art. 2045.° é muito expresso no
sentido de que a representação tem lugar “ainda que todos os
membros das várias estirpes estejam, relativamente ao autor da
sucessão, no mesmo grau de parentesco”194; e, na verdade, o
direito de representação ainda neste caso tem consequências
muito importantes.
De um modo geral, pode dizer-se que o direito de
representação leva neste caso a uma partilha por estirpes, o que
tem interesse (ainda que as várias estirpes tenham o mesmo
número de membros) para efeitos de direito de acrescer, e obriga
o representante a conferir na sua legitima os bens doados ao
representado pelo autor da sucessão.
Daremos sucessivamente três exemplos, para mostrar
como o direito de representação opera - nesta hipótese de
igualdade de graus sucessórios com pluralidade de estirpes - os
efeitos enunciados.
a) Consideremos em primeiro lugar este esquema:
A
B C
D E F G
H
194
A questão foi discutida na vigência do Código de Seabra, anteriormente à
Reforma de 1930
169
A faleceu no estado de viúvo e deixou dois filhos, B e C,
que, todavia, faleceram antes do pai ou repudiaram a herança
deste; B tem dois filhos, D e E, e C tem três filhos, F, G e H.
Num caso como este — de igualdade de graus
sucessórios com pluralidade de estirpes e desigualdade do
número de membros de cada estirpe —, torna-se manifesto o
interesse do direito de representação.
Pois havendo representação — nos termos do art. 2044.°,
n.º 1 — “cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o
ascendente respectivo”.
Assim, e admitindo que a herança de A era de 6.000
contos, 3.000 contos caberão à estirpe de B e outros 3.000 à de
C, pelo que D e E receberão cada um 1.500 contos, enquanto F,
G e H só receberão cada um 1.000 contos.
Se não existisse direito de representação e a partilha se
fizesse por cabeça, a solução seria muito diversa. A herança
dividir-se-ia em partes iguais pelos cinco netos, recebendo cada
um 1.200 contos.
b) Consideremos agora o caso de igualdade de graus
sucessórios com pluralidade de estirpes e igualdade do número
de membros de cada estirpe.
Este esquema pode ilustrar a hipótese:
A++
B+ C+
170
D E F G H
I
171
Pode servir este esquema:
A
B+ C+
D E
Suponhamos que A faleceu e deixou dois netos, D e E,
filhos de dois filhos de A pré-falecidos, B e C, respectivamente.
E suponhamos que A fizera a B uma doação de 1.000 contos e
deixou bens no valor de 3.000 contos, quando faleceu.
Como D sucede representativamente a A — e, portanto,
no lugar de B, sendo a posição deste o ponto de referência a
partir do qual se definem os seus direitos e obrigações —, D será
obrigado a conferir na sua legítima a doação feita a B195, assim
como este seria obrigado, se tivesse sucedido a A, a fazer a
mesma conferência. É a solução que resulta do art. 2106.°, e que
vale, conforme aí se diz, ainda que D não haja tirado beneficio
da doação feita ao seu pai.
195
A doação que A tenha feito a D, em vida de B, essa não terá de ser
conferida por D. E a solução que está na lógica do direito de representação
(pois D sucede no lugar de B) e resulta claramente do art. 2105.°, que só
sujeita à colação “os descendentes que eram à data da doação presuntivos
herdeiros legitimários do doador”. Assim, D só será obrigado a conferir a
doação que A lhe tenha feito depois da morte de B, quando D já era, portanto,
“presuntivo herdeiro legitimário” de A.
172
Assim, dos 3.000 contos deixados por A, D só receberá
1.000 contos, pois terá de trazer à colação os 1.000 contos
doados a B, enquanto E receberá 2.000 contos.
Se não houvesse aqui direito de representação e os netos
sucedessem por direito próprio, a forma da partilha seria
diferente: nesse caso, os 3.000 contos deixados por A dividir-se-
iam, em partes iguais, por D e E.
173
D B +1
196
Sobre a imputação ex se e sua distinção da colação cfr. infra, n.º 91.
174
não ultrapassado — a quota disponível do doador, da qual não
terá saído a doação feita a B.
A solução diversa se chegaria se C não sucedesse
representativamente. A doação a B seria então imputada na
quota disponível e a doação a D poderia ser reduzida por
inoficiosidade. Com efeito, sendo a doação a B imputada na
quota disponível, A teria disposto de 4.000 contos (1.000 +
3.000) por conta daquela quota, que era de 3.000 contos apenas.
Sendo a legítima de C de 3.000 contos, C poderia reduzir em
1.000 contos a doação feita a D para acabar de a preencher.
175
Na 2ª. hipótese (desigualdade de graus sucessórios e
pluralidade de estirpes) leva a uma partilha por estirpes, o que
tem interesse mesmo que as várias estirpes tenham o mesmo
número de membros, para efeitos de direito de acrescer, e obriga
o representante a conferir na sua legitima (nas relações dos
legitimários entre si) os bens doados ao representado.
Finalmente, na 3ª hipótese (unidade de estirpe) o direito
de representação obriga o representante a imputar na sua
legítima (nas relações com terceiros) os bens doados ao
representado pelo autor da sucessão197.
§ 2.°
SUBSTITUIÇÃO DIRECTA
63. Noção
197
Sobre os efeitos da representação e, em geral, sobre o direito de
representação e as outras formas de vocação indirecta, há um estudo
fundamental de GALVÃO TELLES, Direito de representação, substituição
vulgar e direito de acrescer (1948).
176
Outra forma de vocação indirecta é a substituição directa,
também chamada vulgar por ser a mais corrente das formas de
substituição, que o art. 2281º define nestes termos:
“O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro
instituído para o caso de este não poder ou não querer aceitar a
herança: é o que se chama substituição directa”.
§ 3º
DIREITO DE ACRESCER
65. Noção
177
instituídos na totalidade ou numa quota dos bens, seja ou não
conjunta a instituição, e algum deles não puder ou não quiser
aceitar a herança, acrescerá a sua parte à dos outros herdeiros
instituídos na totalidade ou na quota. E já sabemos que também
há direito de acrescer entre legatários que tenham sido
nomeados — seja ou não conjunta a nomeação — em relação ao
mesmo objecto (art. 2302.°).
199
Como se vê, o direito de representação prevalece sobre o direito de
acrescer.
200
Quanto ao fenómeno do acrescer na sucessão legítima (cfr. o art. 2137.°,
n.º 2), é corrente a ideia de que se trata de simples direito de não decrescer.
178
mesmo título por que recebeu a sua parte, fala-se em direito de
não decrescer. Aqui, o título de vocação sucessória do herdeiro
já o chamava virtualmente a receber toda a herança, a quota ou a
totalidade do objecto; se recebia apenas uma parte (concursu
partes fiunt), era só porque havia e na medida em que havia
outros herdeiros ou legatários a concorrerem com ele.
A construção que parece harmonizar-se melhor com as
soluções do Código é esta última. Na teoria do ius acrescendi,
não se entendia que a aquisição da parte acrescida se desse “por
força da lei, sem necessidade de aceitação do beneficiário”
como diz o art. 2306.°: um novo título de vocação e um novo
chamamento sucessório implicariam — logicamente — uma
nova aceitação relativamente à parte acrescida. Como não se
compreendia que o chamado não pudesse repudiar
separadamente essa parte — em qualquer caso, que não apenas
no de sobre ela recaírem “encargos especiais impostos pelo
testador”, nos termos do mesmo artigo.
Cap. IV
HERANÇA JACENTE
179
Nos termos do art. 2046.°, “diz-se jacente a herança
aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado”.
Cumpre distinguir pois entre herança jacente e herança
vaga.
Vaga, diz-se da herança deferida ao Estado, por o de
cuius ter falecido sem testamento e não haver herdeiros
1egítimos das categorias ou classes sucessórias anteriores.
A inexistência de outros sucessíveis, além do Estado,
deve ser reconhecida judicialmente, a fim de que a herança seja
declarada vaga para o Estado (art. 2155.°). O processo de
liquidação em beneficio do Estado, no caso de herança vaga,
está regulado nos arts. 1132.° a 1134.° do Cód. Proc. Civ..
180
Não tendo personalidade jurídica, a herança jacente — a
“herança cujo titular ainda não esteja determinado”, como se
exprime o art. 6.° do Cód. Proc. Civ. — goza todavia de
personalidade judiciária nos termos da referida disposição.
201
Os credores do repudiante podem porém aceitar a herança em nome dele,
nos termos que adiante estudaremos (infra. n.° 73).
181
Cap. V
AQUISIÇÃO SUCESSÓRIA.
ACEITAÇÃO E REPÚDIO DA HERANÇA
Secção 1
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
182
A ideia de que a aceitação é acto livre só comporta a
excepção do art. 2154.°, relativo à sucessão do Estado como
herdeiro legítimo, pois aqui a aquisição sucessória opera-se por
força da lei e sem necessidade de aceitação, não podendo o
Estado repudiar a herança.
Note-se, por último, que a aquisição se dá pela aceitação
mas esta retrotrai os seus efeitos à data da abertura da sucessão.
183
A aceitação diz-se expressa quando em algum
documento escrito o sucessível chamado à herança declara
aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a
adquirir (art. 2056.°, n.º 2); tácita quando resulta de factos
concludentes, segundo as regras gerais (cfr. art. 217.°, n.º 1).
Deve ter-se em conta, porém, que “os actos de
administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação
tácita da herança” (art. 2056.°, n.º 3), o que bem se compreende,
pois os herdeiros podem praticar esses actos sem pretenderem
comprometer-se no sentido da aceitação.
Por outro lado, a aceitação pode ser pura e simples ou a
beneficio de inventário (art. 2052.°). Em principio o herdeiro
escolhe entre as duas formas de aceitação, mas já vimos que a
herança só pode ser aceite a beneficio de inventário nas quatro
hipóteses referidas no art. 2053.°, n.º 1 (supra, n.º 14, V).
204
Sobre a aceitação de herança ou legado deixado a menor, cfr. os arts.
1889.°, n.º 1, al. 1) e 1890.°. Os pais devem aceitar a herança ou o legado,
mas carecem de autorização do tribunal se a disposição estiver onerada com
encargos.
184
Como acto jurídico que é, a aceitação pode ser nula ou
anulável nos termos gerais. A lei refere-se especialmente aos
vícios da vontade como fundamento de anulabilidade (art.
2060.°), mas deve entender-se que se lhe aplicam, em princípio,
todas as demais causas de nulidade ou anulabilidade dos
negócios jurídicos. A regra comporta todavia uma excepção
quanto ao simples erro (espontâneo, não provocado), que é
irrelevante neste caso.
Secção II
185
REPÚDIO DA HERANÇA
205
Cfr. supra, nº 58 e 59.
206
Mas aceitação e repúdio estão às vezes sujeitos a regimes diferentes.
Assim, os cônjuges não precisam do consentimento um do outro para aceitar
186
79. Caracteres
207
Cfr., porém, o art. 2067º, que permite aos credores do repudiante aceitar a
herança em nome deste, como já vimos.
187
Os princípios gerais sobre nulidade ou anulabilidade dos
negócios jurídicos também se aplicam ao repúdio, com ressalva
do art. 2065.°. Não é pois anulável o repúdio com fundamento
em simples erro (erro espontâneo, não provocado), à semelhança
do que acontece quanto à aceitação.
Cap. VI
PETIÇÃO DA HERANÇA
Cap. VII
ALIENAÇÃO DA HERANÇA
208
Para o estudo da matéria pode consultar-se CAPELO DE SOUSA, Lições
de direito das sucessões, II, pp. 39-45.
188
83. Alienação da herança: ideia geral
Cap. VIII
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
209
Para o estudo da matéria pode consultar-se CAPELO DE SOUSA, cit., II,
págs. 89 – 91.
189
do cabeça-de-casal e em que casos pode ele pedir escusa ou ser
removido das suas funções, etc.210.
Cap. IX
LIQUIDAÇÃO DA HERANÇA
210
Para o estudo da matéria pode consultar-se CAPELO DE SOUSA, cit. II
pp. 51-88
190
dividas do falecido e só em quarto lugar pelo cumprimento dos
legados.
Pela satisfação de todos estes encargos, respondem os
bens referidos nas várias alíneas do art. 2069.°211.
Quanto ao modo como são satisfeitos os encargos, já
conhecemos as preferências do art. 2070°, n.º 1: os credores da
herança e os legatários gozam de preferência sobre os credores
pessoais do herdeiro, e os credores da herança gozam de
preferência sobre os legatários. A primeira preferência — dos
credores da herança e dos legatários sobre os credores pessoais
do herdeiro — é uma das manifestações da autonomia
patrimonial da herança, que já estudámos. As preferências
aludidas mantêm-se durante os cinco anos subsequentes à
abertura da sucessão ou à constituição da dívida, se esta é
posterior, ainda que a herança tenha sido partilhada; e
prevalecem mesmo que algum credor preterido tenha adquirido
garantia real sobre os bens hereditários (art. 2070°, n.º 3).
211
Além (evidentemente) dos bens deixados A função do art. 2069.° será só a
de esclarecer que da herança fazem parte ainda os bens referidos nas suas
quatro alíneas, embora rigorosamente não se trate aí de bens deixados pelo
autor da sucessão e existentes no seu património à data da morte.
212
Supra, nº 14, II.
191
O usufrutuário da totalidade da herança é obrigado a
pagar por inteiro o legado de alimentos ou pensão vitalícia e o
usufrutuário de quota da herança a contribuir para o pagamento
dos alimentos ou pensões vitalícias em proporção da sua quota
(art. 2073.°, nºs 1 e 2)213 . A solução explica-se pela qualificação
que a lei atribui ao usufrutuário: não sendo herdeiro (art. 2030.°,
n.º 4), achou-se necessário responsabilizá-lo, todavia, por
aqueles encargos. E a sua responsabilidade justifica-se, pois se
trata de encargos que hão-de ser pagos periodicamente, com o
rendimento dos bens e, por outro lado, responsabilizando por
estes encargos o usufrutuário (que recebe os rendimentos)
melhor garantido ficará o cumprimento dos encargos.
Quanto aos outros legados e aos encargos da herança em
geral214, vale o art. 2072.°. Pelos encargos da herança é justo que
responda o titular da nua propriedade, o herdeiro, mas só é justo
que responda chegado o termo do usufruto. É claro, porém, que
o interesse dos credores e dos legatários exige o pagamento
imediato. Assim, a quem hão-de eles dirigir-se? Segundo a lei,
devem dirigir-se ao herdeiro, ao titular da raiz, e só podem
dirigir-se a ele. Todavia, o herdeiro não deve sofrer prejuízo por
ter de pagar imediatamente. Para o herdeiro não ser prejudicado
é que a lei estabeleceu o regime do art. 2072.°, que vamos
descrever sumariamente.
213
Quanto ao usufrutuário de bens certos e determinados, só é obrigado a
contribuir para o pagamento do legado de alimentos ou de pensão vitalícia se
tal encargo lhe for imposto expressamente (art. 2073.°, n.º 3).
214
Saber se o usufrutuário da herança tem também o usufruto dos bens
legados é questão de facto, que só se pode resolver por interpretação da
vontade do testador em cada caso concreto.
192
Em primeiro lugar, a lei (art. 2072.°, n.º 1) dá ao
usufrutuário a faculdade215 de adiantar as somas necessárias,
conforme os bens que usufruir, para pagamento dos encargos
hereditários. O usufrutuário pode assim adiantar ao proprietário
a soma necessária para este pagar os encargos da herança, como
pode pagar directamente, com dinheiro seu216. Pode — digamos
— emprestar aquela soma ao proprietário: como não é ele,
porém, quem verdadeiramente deve, poderá exigir do
proprietário, findo o usufruto, a restituição da quantia que
despendeu. Simplesmente, não pode exigir-lhe juros. Assim, o
usufrutuário, perde (ou deixa de ganhar) os juros que teria
recebido se tivesse dado outra aplicação ao seu dinheiro. A lei
terá entendido que o usufrutuário já recebeu, em compensação,
os rendimentos dos bens usufruídos.
Se o usufrutuário não quiser usar desta faculdade, então a
lei (art. 2071°, n.º 2) põe nas mãos do proprietário duas
possibilidades, entre as quais ele escolherá livremente.
Se o proprietário tiver interesse em conservar os bens,
pode pagar os encargos com dinheiro seu. Mas como, segundo a
lei, só era justo que os pagasse depois do termo do usufruto, o
proprietário fica neste caso com o direito de haver do
215
É uma faculdade, não uma obrigação. Mas poderá falar-se aqui de ónus
jurídico: o usufrutuário tem de adiantar as referidas somas se quiser evitar a
venda dos bens usufruídos.
216
É discutido se o usufrutuário ficará nestes casos sub-rogado nos direitos
dos credores, o que tem interesse, nomeadamente, para o efeito de se poder
prevalecer das garantias que asseguravam o pagamento das dívidas. Em
sentido afirmativo, L. COVELLO, cit. pp. 110 e segs., e a doutrina
dominante em França e Itália. Cremos que também entre nós assim deve ser,
por força do art. 592.°, n.º 1, tanto mais que, segundo a nossa lei, o
usufrutuário fica com o direito de exigir do proprietário a restituição da soma
despendida mas o Cód. Civ. não lhe dá (como o art. 1011º do Código
italiano) o direito de retenção sobre os bens usufruídos.
193
usufrutuário os juros correspondentes, Em princípio, será
indiferente para o usufrutuário adiantar ele próprio as somas
necessárias para o pagamento dos encargos hereditários ou
satisfazer ao proprietário, que pagou os encargos, a importância
dos respectivos juros. Além, perdia todos os anos os juros da
soma que emprestara ao proprietário; aqui, terá de pagar todos
os anos os juros da soma com que o proprietário satisfez os
encargos.
Se o proprietário não tiver interesse em conservar os
bens, então pode fazer vender dos bens usufruídos os que forem
necessários para o pagamento dos encargos217. E se o
proprietário optar por esta alternativa, também o usufrutuário
perderá o usufruto dos bens vendidos. Perderá o rendimento que
tiraria destes bens durante todo o tempo do usufruto. É claro que
não se pode dizer agora que a situação em que é colocado o
usufrutuário seja equivalente àquela em que ele ficará nas duas
hipóteses anteriores. O rendimento que o usufrutuário tiraria dos
bens pode naturalmente ser superior ou inferior à importância
dos juros. Mas no primeiro caso certamente o usufrutuário fará o
adiantamento a que se refere o art. 2072.°, n.º 1, para evitar que
os bens sejam vendidos.
São estas, nas suas linhas gerais, as soluções que a lei dá
ao problema da responsabilidade do usufrutuário da totalidade
ou de uma quota da herança pelos encargos hereditários. Como
se vê, são soluções muito diversas das que valeriam se o
usufrutuário fosse herdeiro. À parte os legados de alimentos ou
217
E parece que o proprietário pode fazer a venda sem o consentimento do
usufrutuário, pois a lei não exige este consentimento. O Cód. italiano (art.
10l°, IV) exige que a venda se faça por acordo entre os proprietários e o
usufrutuário e, no caso de não se chegar a acordo, permite a intervenção do
juiz. Mas no nosso direito cremos que o proprietário pode escolher
livremente os bens a vender. Se o usufrutuário quiser evitar a venda de certos
bens, o que tem a fazer é, nos termos do art. 2072.°, n.º 1, adiantar a soma
necessária para o pagamento dos encargos.
194
pensões vitalícias (art. 2073.°), vemos que o usufrutuário
rigorosamente não responde pelos encargos da herança. Não
responde por eles directamente, em face dos credores e dos
legatários. Responde por eles (se quisermos dizer assim) só
indirectamente, perante o próprio herdeiro e nos limitados
termos do art. 2072.°. De resto, pertencendo-lhe essa
responsabilidade como usufrutuário, a todo o momento poderá
liberar-se dela renunciando ao usufruto (art. l476.°, n.º 1, al. e)).
195
algum ou alguns deles; mas tal deliberação só obriga os credores
e os legatários nos termos fixados no n.º 3 do art. 2098.°.
Cap. X
PARTILHA DA HERANÇA
218
Ou seja ao cônjuge que era casado com o falecido em regime de comunhão
(comunhão de adquiridos ou comunhão geral). Note-se que a partilha que,
conforme o disposto no art. 2101.°, n.º 1, pode ser exigida por qualquer dos
co-herdeiros ou pelo cônjuge meeiro é a partilha global, que se desdobra, por
assim dizer, em duas operações de partilha distintas: em primeiro lugar, a
partilha do casal, ou seja, a separação das meações; e, em segundo lugar, a
partilha da herança do cônjuge falecido (meação nos bens comuns e bens
próprios) pelos seus herdeiros. Como veremos adiante, o cônjuge sobrevivo,
seja ou não meeiro nos bens do casal, é ele próprio herdeiro do falecido,
integrando, em princípio, a 1ª classe de sucessíveis, ao lado dos descendentes
(art. 2133.°, n.º 1, al. a)).
196
89. Carácter declarativo da partilha. Retroactividade da
partilha
219
Sem prejuízo (diz ainda o art. 2119.°) do disposto quanto a frutos. Cfr. o
art. 2069.°, al. d).
220
No preenchimento das quotas dos herdeiros (e na separação de meações
que eventualmente o preceda) há a ter em conta o art. 1731.°, que dá a cada
um dos cônjuges o direito a ser encabeçado no momento da partilha nos
instrumentos de trabalho que tenham entrado no património comum por força
do regime de bens mas de que necessite para o exercício da sua profissão; e,
ainda, as atribuições preferenciais previstas nos arts 2103.°- A e 2103 - B que
dão ao cônjuge sobrevivo direito a ser encabeçado no momento da partilha no
direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do
197
A partilha faz-se extrajudicialmente se houver acordo de
todos os interessados, e tem de revestir a forma de escritura
pública se da herança fizerem parte coisas imóveis (art. 89.°, al.
p) do Código do Notariado.
Em princípio, só há lugar à partilha judicial, em processo
de inventário, quando a mesma for requerida por algum dos
interessados. É o chamado inventário facultativo. Há porém
casos de inventário obrigatório, em que a partilha tem de ser
feita judicialmente. São os casos, referidos no art. 2053.°, em
que a lei exige aceitação beneficiária da herança, e ainda os
casos em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de
ausência ou incapacidade permanente, outorgar em partilha
extrajudicial (art. 2102.°, n.º 2).
O processo de inventário é normalmente um processo de
partilha, mas às vezes não desempenha esta função e limita-se à
relacionação ou descrição dos bens hereditários. A distinção
entre inventário-partilha e inventário-arrolamento faz-se nestes
termos. De um modo geral o processo de inventário tem duas
fases: a da relacionação dos bens (o “inventário” propriamente
dito) e a da partilha dos mesmos bens. Mas só comporta estas
duas fases quando há já mais que um interessado; de contrário,
confina-se à primeira fase e tem simples função de arrolamento.
Como dispõe o art. 2103.°, havendo um único interessado, o
inventário a que haja de proceder-se “tem apenas por fim
relacionar os bens e, eventualmente, servir de base à liquidação
da herança”.
198
Sobre os termos do processo de inventário, que está
regulado no Cód. Proc. Civ., arts. 1326.°-1403.°, deve consultar-
se a exposição de CAPELO DE SOUSA, cit., 11, pp. 134-148,
que se dá como reproduzida neste lugar.
199
imputação a atribuição de qualquer liberalidade do de cuius a
uma das duas quotas a quota disponível ou indisponível — em
que se divide a herança de quem tem herdeiros legitimários223.
Uma questão que, naturalmente, só se põe quando a liberalidade
é feita a um desses herdeiros. Definida nestes termos, vê-se bem
que a imputação ex se é figura distinta da colação. Abrange
todas as liberalidades, não só as doações inter vivos mas
também as disposições mortis causa. E não visa, como a
colação, a igualação da partilha entre os herdeiros legitimários a
imputar na sua legítima, em certos termos, as liberalidades com
que o autor da sucessão os tenha beneficiado, o interesse que a
lei defende é o da liberdade de dispor do de cuius e o respeito
das liberalidades que ele tenha feito, aos seus herdeiros ou a
estranhos, por conta da quota disponível. Repare-se ainda que
havendo um único herdeiro o problema da colação não se põe,
obviamente, mas pode continuar a pôr-se o problema da
imputação224.
Finalmente, a colação distingue-se da redução por
inoficiosidade, regulada nos arts. 2168.° e segs. Enquanto só as
doações feitas aos descendentes estão sujeitas a colação,
verificados os requisitos que estudaremos adiante, a redução por
inoficiosidade aplica-se a quaisquer liberalidades do autor da
sucessão, feitas em vida ou por morte, aos herdeiros legitimários
ou a estranhos. A redução não visa a igualação da partilha entre
os herdeiros legitimários, mas a defesa da integridade da
legítima. E sendo esta de ordem pública, as normas sobre
redução são imperativas para o autor da sucessão. Não assim as
normas sobre a colação. Como veremos em seguida, o
223
O instituto não está regulado na lei em termos gerais, mas a lei resolve
alguns problemas de imputação, v. g. nos arts 2114,°, n.º 1, 2114.°, n.º 2 e
2165.°, n.º 4.
224
Pode recordar-se a propósito o exemplo que demos supra, n.º 80, III.
200
ascendente pode dispensar o herdeiro legitimário descendente de
trazer à colação os bens doados. Mas claro que não lhe é
possível dispensá-lo da redução, se se apurar que a doação é
inoficiosa por ofender as legítimas dos outros herdeiros
legitimários.
225
Sendo este o fundamento da colação, os arts. 2104.° e 2108.°. n.º 2 devem
pois considerar-se normas supletivas, que não se aplicarão quando o doador
tenha manifestado vontade diversa (sobre os regimes convencionais,
relativamente ao âmbito da obrigação de conferir, cfr. infra, V, als. b) e c).
226
E não propriamente antecipação da legítima, pois a doação que exceda a
legítima também deve ser conferida nesse excesso, até onde for possível
realizar a igualdade na partilha. Só se não for possível realizar esta igualdade
é que se entende que o autor da sucessão quis fazer uma verdadeira
liberalidade, beneficiando o donatário em face dos seus outros descendentes
(embora esta liberalidade possa ser reduzida por inoficiosidade, nos termos
gerais, se ofender a legítima dos outros herdeiros que concorram à sucessão).
E o que parece depreender-se do art. 2108.°, n.º 2, que deu assim ao problema
solução diversa da que, segundo a doutrina dominante, lhe era dada no art.
2111.° do Código anterior.
201
A obrigação de conferir recai sobre os descendentes
presuntivos herdeiros legitimários do doador227 que pretendam
entrar na sucessão deste228 e não tenham sido dispensados de
conferir os bens doados229.
Não estão pois obrigados a conferir os ascendentes que
queiram entrar na sucessão do descendente, quer concorram à
sucessão com o cônjuge (art. 2142.°, n.º 1), quer, na falta de
descendentes e de cônjuge, sejam chamados à totalidade da
herança (art. 2142.°, n.º 2): como neste caso, segundo a
normalidade da vida, o doador virá a morrer depois do
donatário, não se pode aqui presumir que a doação seja mera
antecipação da quota hereditária deste.
Nem está obrigado a conferir o cônjuge, mesmo que,
como dispôs a Reforma de 1977, integre com os filhos a
primeira classe de sucessíveis, nos termos do art. 2139º, n.º 1.
Em primeiro lugar, só um legislador inepto, no plano da
expressão, teria mantido intocadas as normas referentes à
227
Assim, a doação que o avô faça ao neto em vida do pai não estará sujeita
a colação: cfr. supra, pág. 97, nota 195
228
O repudiante não tem pois de trazer à colação os bens doados (embora,
claro, a doação possa ser reduzida se for inoficiosa e na medida em que o
for). O descendente a quem o ascendente já tenha beneficiado em vida pode
até repudiar a herança, à morte do ascendente, para não ter de conferir os
bens doados: é o que se chama repúdio para escusa de colação. Note-se,
porém, que no caso de repúdio, a doação é imputada na quota indisponível,
nos termos do art. 2114.°, n.º 2.
229
A colação pode ser dispensada pelo doador no próprio acto da doação ou
posteriormente (art. 2113°. n.º 1): a lei presume a dispensa, porém, nas
doações manuais e remuneratórias (n.º 3). Quanto à forma da dispensa, rege
o n.º 2 do artigo: a dispensa da colação deve fazer-se em testamento ou, se a
doação tiver sido acompanhada de alguma forma externa, obedecer a essa
forma.
202
colação e, em particular, o art. 2104.° se fosse sua intenção
impor ao cônjuge a obrigação de conferir os bens doados. Em
segundo lugar, uma observação minimamente realista diz-nos
que a doação ao cônjuge é feita normalmente com o intuito de o
beneficiar e, portanto, por conta da quota disponível, não
podendo aceitar-se aqui a mesma presunção que a lei admite
quando se trata de doação a descendentes, ou seja, a presunção
de que a doação é feita como antecipação da quota hereditária
do donatário. Nem o facto de a lei dar ao cônjuge, em princípio,
uma quota igual à dos filhos permite concluir que o cônjuge
deva ser obrigado, como estes, a conferir os bens doados. Tanto
mais que a equiparação entre o cônjuge e os filhos não é
completa, pois a lei dá às vezes ao cônjuge tratamento mais
favorável (a quota do cônjuge não pode inferior a uma quarta
parte da herança), outras vezes mais desfavorável (os
descendentes afastam os ascendentes, o cônjuge não).
Fundamentalmente por estas razões, e sem desconhecermos que
parte significativa da doutrina defende solução oposta230,
entendemos que o cônjuge não é obrigado a conferir, e que, se o
autor da sucessão tinha feito a um dos seus descendentes uma
doação sujeita a colação, o cônjuge também beneficia da
conferência, como os outros descendentes, segundo as regras
gerais231.
230
No sentido de que o cônjuge e obrigado a conferir, podem ver-se
OLIVEIRA ASCENSÃO, Dir. das Suc., 4ª ed., p. 546, LEITE DE CAMPOS,
Dir. da fam. e das suc. pp. 585-587, e sobretudo. CAPELO DE SOUSA,
Lições de dir. das suc., vol. II. 2ª ed., pp. 338-357, que faz uma análise
minuciosa da questão.
231
Em sentido diferente quanto a este ponto, FERNANDO NOGUEIRA, A
reforma de 1977 e a posição sucessória do cônjuge sobrevivo, na Rev. da
Ordem dos Advog., 1980, pp. 690 e segs.
203
IV. Objecto da colação
204
e a legítima do donatário, está sujeita a redução por
inoficiosidade nos termos gerais.
232
Como dispõe o art. 2109°, n.º 1, o valor dos bens doados é o que eles
tiverem à data da abertura da sucessão.
205
compreende, os frutos percebidos antes da abertura da sucessão,
pois o doador terá querido justamente antecipar ao donatário o
uso ou fruição dos bens doados (é esse, fundamentalmente, o
valor económico da doação sujeita a colação).
233
Embora a expressão seja usada em sentido impróprio: M. HENRIQUE
MESQUITA, Obrigações reais e ónus reais (1990), pp. 459-463.
234
Cfr. ainda o art. 2.°, n.º 1, al. g) do Cód. Reg, Pred., que sujeita a registo
“o ónus de eventual redução das doações sujeitas a colação”.
235
As doações feitas a descendentes presuntivos herdeiros legitimários do
doador mas com dispensa de colação (art. 2113.°) e as doações feitas a
quaisquer outras pessoas.
206
PARTE ESPECIAL
Cap. I
SUCESSÃO LEGÍTIMA
207
oportunamente referido236. Na realidade, e ainda que se mostre
com segurança que o de cuius não quereria que os seus bens
fossem para determinado sucessível, nem por isso a ordem do
art. 2133.°, n.º 1 — se o autor da sucessão não fez testamento —
deixará de ter estrita aplicação. Isto mostra que aquela ordem
sucessória não se baseia numa presumida vontade do de cuius,
mas vale por ser a ordem mais justa, segundo as concepções do
legislador.
236
Cfr. supra, n.º 5
208
a herança divide-se pelos descendentes (arts. 2139.°, n.º 2, e
2140.°). Na falta de descendentes é que há que fazer uma
distinção: se também não houver ascendentes sucede só o
cônjuge; se houver ascendentes, a herança divide-se pelo
cônjuge e pelos ascendentes nos termos do art. 2142.°, n.º 1,
integrando, pois, o cônjuge, ao lado dos ascendentes, a segunda
classe de sucessíveis.
Em qualquer caso, o cônjuge não é chamado à herança se
se verificar alguma das três situações previstas no art. 2133.°, n.º
3: a) se à data da morte do autor da sucessão já tinha transitado
em julgado a sentença que decretou o divórcio ou a Separação
judicial de pessoas e bens; b) se a sentença já tinha sido
proferida àquela data, embora só mais tarde tivesse transitado
em julgado; c) se a acção ainda estava pendente à data da morte
do autor da sucessão, mas a sentença de divórcio ou separação
veio a ser proferida posteriormente, nos termos do art. 1785º237.
Há ainda a referir que o art. 2133.° ressalva o disposto no
título da adopção, pelo que devem ter-se em conta as
disposições legais respectivas.
No que toca à adopção plena, já sabemos que o adoptado
plenamente adquire a situação de filho do adoptante ou dos
adoptantes, integrando-se, com os seus descendentes, na família
destes (art. 1986.°); se concorrer à sucessão do adoptante ou dos
adoptantes, competem-lhe, por isso, os mesmos direitos
sucessórios que a lei atribui aos filhos. E, correspondentemente
os direitos sucessórios do adoptante ou dos adoptantes que
concorram à sucessão do adoptado são os mesmos que a lei
confere aos pais.
237
P. COELHO, Curso de dir. de fam. (polic.), 1986, pp. 554-555
209
Relativamente à adopção restrita, os direitos sucessórios
dela decorrentes são os que vêm expressos no artigo 1999.°238.
Estamos aqui fora da sucessão legitimária, pois nem o adoptado
é herdeiro legitimário do adoptante nem este daquele (n.º 1).
Mas o adoptado e, por direito de representação, os seus
descendentes são chamados à sucessão como herdeiros legítimos
do adoptante na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes
deste (n.º 2); por seu lado, o adoptante é chamado à sucessão
como herdeiro legítimo do adoptado ou dos seus descendentes
na falta de cônjuge, descendentes, ascendentes, irmãos e
sobrinhos do falecido (n.º 3).
210
ascendentes, adoptados em adopção restrita, irmãos e sobrinhos;
etc.
239
Cfr. supra, nº 60, I, e 62
211
Outra excepção é a do art. 2146.°: no caso de
concorrência de irmãos germanos (filhos do mesmo pai e da
mesma mãe) com irmãos consanguíneos (filhos do mesmo pai)
ou uterinos (filhos da mesma mãe), o quinhão dos primeiros é
igual ao dobro do quinhão dos segundos.
240
Cfr. supra, nº 94.
241
Cfr. supra, nº 5.
212
É indiferente, tratando-se de herança aberta depois de
25 de Abril de 1976242 que se trate de filhos nascidos do
casamento ou fora do casamento243 como é indiferente que se
trate de filhos do primeiro ou de segundo ou ulterior
casamento244.
Pode acontecer que não concorram à sucessão filhos,
mas netos, bisnetos, etc., do falecido; a hipótese está prevista no
art. 2140.”, segundo o qual os descendentes dos filhos que não
puderem ou não quiserem aceitar a herança são chamados à
sucessão nos termos do art. 2042.”. Já vimos que neste caso os
242
Se a herança se abriu antes de 25 de Abril de 1976, embora venha a ser
partilhada só depois, a partilha ainda deve fazer-se de acordo com a lei
antiga: P. COELHO, Curso de dir. de fam., cit., p. 78 e nota3. Como se sabe,
antes da Reforma de 1977 o cônjuge integrava a 4ª classe de sucessíveis,
depois dos descendentes, dos ascendentes e dos irmãos e sobrinhos, embora,
no caso de sucederem estes últimos (irmãos e sobrinhos), a lei só lhes desse a
raiz da herança, ficando o cônjuge com o usufruto. Só os descendentes
integravam a 1ª classe de sucessíveis. A partilha entre os filhos fazia-se por
cabeça, em princípio, mas no caso de concorrência de filhos “legítimos” com
filhos “ilegítimos” cada um destes tinha o direito a uma quota igual a metade
da de cada um dos outros (art. 2139.º n.º 2, antiga redacção). Quanto à
sucessão de descendentes do segundo grau e seguintes, havendo
representantes “legítimos” e “ilegítimos” o quinhão de cada estirpe
representada por algum descendente “legítimo” era duplo do da estirpes
representadas só por descendentes “ilegítimos”, e dentro de cada estirpe em
que concorressem descendentes “legítimos” e “ilegítimos” cada um dos
últimos recebia metade do que recebiam os outros (art. 2140º n.º 2, antiga
redacção).
243
Como é óbvio, á necessário que tanto num caso como noutro a
maternidade ou a paternidade se encontrem estabelecidos. Sobre os modos de
estabelecimento da maternidade e da paternidade, cfr. P. COELHO, Curso,
cit., nº 198 e segs. e 231 e segs.
244
Só quanto ao regime de bens é que a lei concede protecção aos filhos do
primeiro casamento, não permitindo que nesse caso seja convencionado o
regime da comunhão geral (art. 1699.”, n.º 2).
213
descendentes do segundo grau e seguintes sucedem por direito
de representação, qualquer que seja o grau de parentesco,
cabendo a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente
respectivo e procedendo-se do mesmo modo para o efeito da
subdivisão, quando a estirpe compreenda vários ramos (art.
2044.°).
b) Se o autor da sucessão não deixar cônjuge sobrevivo
e concorrerem só os filhos, a herança divide-se por eles em
partes iguais (art. 2139.°, n.º 2). Não importa, também agora,
que uns tenham nascido do casamento e outros fora do
casamento, que uns tenham nascido de primeiras e outros de
segundas núpcias. Se algum dos filhos não puder ou não quiser
aceitar a herança, os respectivos descendentes são chamados à
sucessão por direito de representação, nos termos e com as
consequências que já referimos.
c) Finalmente, se não houver descendentes e o autor da
sucessão também não tiver deixado ascendentes, o cônjuge é
chamado à totalidade da herança (arts. 2141.° e 2145.°).
214
Tanto no caso de concorrerem com o cônjuge como no
de a herança lhes ser deferida na totalidade, são aplicáveis à
sucessão de ascendentes o princípio da preferência de grau de
parentesco dentro de cada classe (art. 2135.°) e o princípio da
sucessão por cabeça (art. 2136.°). É o que dispõe o art. 2142.°,
n.º 3. Não funciona aqui, pois, o direito de representação (cfr.
art. 2042.°).
Deve ainda ter-se em conta o disposto no art. 2l43.°. No
caso de concorrerem à sucessão cônjuge e ascendentes, e se
algum ou alguns dos ascendentes não puderem ou não quiserem
aceitar, a sua parte acresce apenas às dos outros ascendentes que
concorram à sucessão; só se estes não existirem é que acrescerá
à do cônjuge sobrevivo.
245
Salvo se a herança se abriu antes de 25 de Abril de 1976, pois os irmãos
“legítimos” excluíam os “ilegítimos” segundo o art. 2144.°, antiga redacção.
215
Na falta de cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos
e sobrinhos, são chamados à sucessão os outros colaterais até ao
4.° grau246.
Não há aqui direito de representação, preferindo os
parentes mais próximos aos mais remotos em qualquer caso (art.
2147.°). E a partilha faz-se sempre por cabeça, mesmo no caso
de duplo parentesco (art. 2148.°).
246
Como vimos noutra oportunidade (supra, n.º 5), a questão do limite da
relevância do parentesco, para efeitos sucessórios, foi vivamente debatida na
Comissão revisora. A Comissão elaboradora do Código sugerira, na sua
primeira sessão, que a sucessão legitima acabasse no 4. ° grau da
linha colateral, só podendo ir, porventura, até ao 6.° grau se houvesse uma
manifestação de vontade do de cuius nesse sentido, embora uma
manifestação expressa em termos singelos — quer dizer, sem as formalidades
de um testamento —; os parentes além do 6.° grau é que só poderiam suceder
por testamento. A sugestão da Comissão elaboradora do Código, no sentido
de a sucessão legítima acabar no 4.° grau da linha colateral, foi defendida por
MANUEL ANDRADE e FERRER CORREIA (embora este admitisse a
sucessão de parentes até ao 6º grau quando o autor da herança fosse incapaz
de testar); a proposta que fez vencimento na Comissão revisora, porém, foi a
de manter em qualquer caso o limite do 6º grau, que fora introduzido no
nosso direito pelo art. 7.° do Decreto de 3l de Outubro de 1910
216
legítimo, opera-se de direito: não há necessidade de aceitação e
o repúdio não é possível (art. 2154º).
Reconhecida judicialmente a inexistência de outros
sucessíveis a herança é declarada vaga, seguindo-se o processo
de liquidação em beneficio do Estado, regulado nos arts. 1132° a
1134º do Cód. Proc. Civ. e a que atrás se fez referência.
Cap. II
SUCESSÃO LEGITIMÁRIA
217
(global) é de 6.000 contos, como que é de 3.000 contos a
legítima (o quinhão legitimário) de cada herdeiro.
A natureza jurídica da legitima é discutida e há aqui duas
grandes orientações.
Segundo a teoria da pars hereditatis, o direito à legitima
é um direito a uma parte dos bens da herança.
Segundo a teoria da pars bonorum, é um direito a uma
parte do valor desses bens. Verdadeiramente, para esta tese o
legitimário é um simples credor da herança, tem direito a um
valor abstracto correspondente à sua legítima.
O Código não resolve expressamente a questão, mas há
dados legais favoráveis à concepção da legítima como parte da
herança247. À parte o argumento que poderia tirar-se da própria
definição da legítima como “porção de bens de que o testador
não pode dispor”, poderá invocar-se no mesmo sentido o
principio da intangibilidade da legítima, na versão que dele dá o
art. 2163.°, e ainda a circunstância de a redução das
liberalidades inoficiosas se fazer em espécie, nas hipóteses
previstas no n.º 1 e na 1ª parte do n.º 2 do art. 2174° (infra, n.º
108, II). A redução em espécie não se justificaria, em caso
algum, se o direito à legítima fosse um simples direito a um
valor abstracto e nada mais.
218
grau de parentesco dentro de cada classe que valem na sucessão
legítima (supra, n.º 95).
103. Medida da legitima dos herdeiros legitimários
248
Foi o Código de 1966 que introduziu no nosso direito o sistema da
legítima variável, em contraposição ao da legítima fixa que valia no Código
anterior.
219
seu ascendente, sendo a parte de cada um fixada nos termos
prescritos para a sucessão legítima (art. 2161.°).
c) Finalmente, se o cônjuge não concorrer com
descendentes nem ascendentes, a sua legítima é de metade da
herança (art. 2158.°).
220
O cálculo da legítima, a que se procede segundo o art.
2161°, desdobra-se em quatro operações distintas:
221
A herança para efeitos de sucessão legitimária, é pois
constituída pelos relicta e pelos donata, não só pelos bens
deixados mas também pelos bens doados249.
A restituição fictícia não abrange, porém, o valor dos
bens que tenham perecido em vida do autor da sucessão por
facto não imputável ao donatário, e por isso não são objecto de
colação (arts. 2112.° e 2162.°, n.º 2).
Por outro lado, também fica excluída a restituição das
despesas que não estejam sujeitas a colação nos termos do art.
2110.°, n.º 2.
249
Embora estes bens continuem a ser administrados pelos donatários, não
pertencendo a sua administração ao cabeça-de-casal (art. 2087.°, n.º 2).
222
105. Intangibilidade da legítima
250
Nos termos do art. 6039, al. e) do Cód. Proc. Civ., o valor do usufruto
obtém-se multiplicando por 10 o rendimento anual, mas o produto pode ser
corrigido pata mais ou para menos, conforme a duração provável do
respectivo direito.
251
A designação provém do nome do jurista Mariano Socino jun. (1482-
1566), que sustentou a validade da cláusula num célebre parecer
(MENGONI, Succ., p. 370).
223
107. Legado “por conta” e “em substituição” da legítima
224
Distinto do legado por conta da legítima é o legado em
substituição da legítima (ou em vez, em lugar ou em satisfação
dela), o Código regula no art. 2165.”.
No legado por conta da legítima, o herdeiro legitimário
não perde o seu direito à legítima por aceitar o legado: se a conta
não ficar fechada, ou seja, se o legado não preencher a legítima
do herdeiro, pode este exigir o que falte para o seu
preenchimento integral.
Pelo contrário, no legado em substituição da legítima “a
aceitação do legado implica a perda do direito à legítima, assim
como a aceitação da legítima envolve a perda do direito ao
legado” (art. 2165.°, n.º 2)252. Tal como no legado por conta da
legitima, há aqui uma proposta do testador que o herdeiro pode
aceitar ou não; a aceitação da proposta, porém, no legado em
substituição da legítima, priva o legatário de exigir seja o que
for como legítima, ainda que o valor do legado seja inferior.
Por outro lado, enquanto no legado por conta da legítima
o legatário não deixa de ser herdeiro — é como herdeiro
legitimário que pode, como vimos, exigir o excesso da legítima
sobre o legado —, já no legado em substituição da legítima,
desde que aceita o legado, o legatário deve ser havido como tal
para a generalidade dos efeitos253. Assim, não poderá exigir
partilha, não será responsável pelos encargos da herança, etc..
252
Entende-se que o herdeiro legitimário aceita o legado se, notificado nos
termos do art. 2049., n.º 1, nada declarar (art. 2165., n.º 3). Sobre o processo
do art. 2049.”, cfr. supra, n.º 69.
253
Dizemos assim porque, segundo nos quer parecer, o herdeiro legitimário,
que aceita o legado em substituição da legítima, não deixará de ser herdeiro
para alguns dos efeitos referidos supra, n.º 14, VII.
225
O problema da imputação do legado — na quota
disponível ou na indisponível — não levanta dificuldades no
legado por conta da legítima, que deve imputar-se nesta segunda
quota, como é óbvio. Quanto ao legado em substituição da
legitima, porém, a lei já achou a questão duvidosa e resolveu-a
no art. 2165.°, n.º 4. Como aí se diz, o legado deixado em
substituição da legítima é imputado na quota indisponível do
autor da sucessão; mas, se exceder o valor da legítima do
herdeiro, é imputado, pelo excesso, na quota disponível.
I. Ordem da redução
226
O art. 2174.° faz uma distinção, conforme os bens deixados
ou doados forem divisíveis ou indivisíveis.
Se forem divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte
necessária para preencher a legítima.
Se forem indivisíveis, há ainda que distinguir: se a
importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes
pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário
ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os
bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo
este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância
da redução.
A reposição, em consequência da redução, do que se tenha
despendido gratuitamente a favor dos herdeiros legitimária é
feita igualmente em dinheiro.
IV. Prazo
254
Como já vimos, não gozam os legitimários porém, de qualquer direito real
de garantia sobre os bens doados (supra, n. ° 91, IX).
227
A acção de redução de liberalidades deve ser proposta
dentro dos dois anos seguintes à aceitação da herança pelo
herdeiro legitimário.
109. Deserdação
255
Corrigimos, assim, opinião diversa que sustentáramos nas lições de 1973-
74.
256
Cfr. supra, n.° 47.
257
Na linguagem corrente diz-se que uma pessoa deserda os irmãos, os
sobrinhos, etc., quando faz testamento em que deixa os seus bens a outras
pessoas. Mas o Código usa o termo em sentido mais restrito, para designar o
acto em que o autor da sucessão priva da legítima os seus herdeiros
legitimários.
258
O confronto entre os dois preceitos mostra que as causas de deserdação,
previstas no art. 2166.°, n.º 1, vão para além das incapacidades por
indignidade a que se refere o art. 2034.°. Como bem se compreende, a lei é
228
A deserdação tem de ser feita em testamento, com
expressa declaração da causa que a justifica. O deserdado é
equiparado ao indigno para todos os efeitos legais (art. 2166.°,
n.º 2), carecendo, pois, como este, de capacidade sucessória (art.
2034.°); pode, todavia, impugnar a deserdação com fundamento
na inexistência da causa invocada, nos dois anos seguintes à data
da abertura do testamento (art. 2167.°).
Cap. III
SUCESSÃO TESTAMENTARIA
229
Pode o testador, porém, utilizar o testamento para fazer
disposições relativas ao seu cadáver, para nomear tutor ou
revogar a tutela (art. 1928.°, n.º 3), para fazer uma perfilhação
(art. 1853.°, al. b)), etc.. E pode utilizá-lo só para isso sem que o
testamento deixe de ser válido (art. 2179.°, n.º 2).
Assim, ao lado ou independentemente do seu conteúdo
típico, o testamento tem ou pode ter um conteúdo atípico, que
não se torna possível definir: verdadeiramente, o testamento é
uma forma em que podem caber os conteúdos mais diversos.
230
a nomeação de legatário, a escolher entre pessoas
compreendidas em certo circulo delimitado pelo testador.
c) O testamento é negócio individual: é acto de vontade
de uma pessoa e não de duas ou mais. Não são pois admitidos os
testamentos de mão comum, em que duas ou mais pessoas
façam as suas disposições de última vontade em proveito
recíproco ou em favor de terceiro (art. 2181.°). É certo que pode
haver testamentos recíprocos, e, na prática, os testamentos
recíprocos entre cônjuges são até muito vulgares. Mas não
podem os cônjuges testar no mesmo acto um a favor do outro;
só poderão faze-lo em actos distintos. A proibição dos
testamentos de mão comum baseia-se, fundamentalmente, na
preocupação de evitar o ascendente ou a influência de um dos
testadores sobre o outro; por outro lado, é uma garantia da livre
revogabilidade do testamento.
d) Em quarto lugar o testamento é negócio mortis causa,
no sentido de que só tem efeitos após a morte do testador. E isto
não só do ponto de vista deste (pois o testamento é livremente
revogável), corno do ponto de vista do herdeiro ou legatário
(que só à morte do doador adquire um verdadeiro direito sobre
os bens deixados).
e) Em quinto lugar, é um negócio livremente revogável
(art. 2179.°, n.º 1). Nem é válida, tendo-se por não escrita, a
cláusula em que o testador renuncie à faculdade de o revogar
(art. 2311º).
f) Além disso, o testamento é um negócio formal ou
solene.
As formas comuns do testamento são o testamento
público e o testamento cerrado (art. 2204.°).
O testamento público é o que é escrito pelo notário no
seu livro de notas (art. 2205.°).
231
O cerrado é normalmente escrito e assinado pelo
testador259, mas deve ser apresentado por este ao notário para
fins de aprovação, lavrando-se o respectivo instrumento. O
testador pode conservar o testamento em seu poder, confiá-lo à
guarda de terceiro ou depositá-lo em qualquer repartição notarial
(art. 2209.°); neste último caso entregá-lo-á ao notário, para que
seja lavrado o instrumento de depósito (Cód. Not., art. 120.°),
podendo porém retirá-lo quando lhe aprouver (art. 121º). A
pessoa que tiver em seu poder o testamento é obrigada a
apresentá-lo ao notário em cuja área o documento se encontre,
dentro de três dias contados desde o conhecimento do
falecimento do testador (art. 2209.°, n.º 2), procedendo-se então
à respectiva abertura260, que compreende os actos referidos nas
três alíneas do n.º 1 do art. 124º do Cód. Not.261. Se a pessoa que
tiver em seu poder o testamento cerrado não cumprir a
obrigação de o apresentar, incorre em responsabilidade civil e
torna-se incapaz de suceder, por indignidade, se tiver procedido
dolosa mente (art. 2034.°, al. d))262.
As formas especiais de testamento são o testamento
militar, o testamento marítimo ou feito a bordo de aeronave e o
259
A lei permite, porém, que o testamento seja escrito por outra pessoa a
rogo do testador e assinado por este, ou até, caso o testador não saiba ou não
possa assinar, escrito e assinado por outra pessoa a rogo, do testador (art.
2206.°, n.º’ 1 e 2).
260
Trata-se de abertura jurídica e não necessariamente material, só havendo
lugar para esta se o testamento estava cosido e lacrado ou encerrado em
qualquer invólucro (Cód. Not., art. 124.°, n.º 1, al. a)).
261
O art. 126.° do Cód. Not. prevê ainda uma abertura oficiosa quando o
notário tem conhecimento do falecimento de alguma pessoa cujo testamento
cerrado está depositado na sua repartição, e não se apresenta qualquer
interessado, dentro do prazo legal, a solicitar a sua abertura.
262
Cfr. supra, n.º 47
232
testamento feito em caso de calamidade pública, e estão
reguladas nos arts. 2210.° e segs..
g) Finalmente, o testamento é um negócio estranho ao
comércio jurídico.
O sentido geral desta qualificação é o seguinte: como se
sabe, a teoria geral do negócio jurídico tem evoluído no sentido
de uma orientação objectivista, em ordem a protecção da
confiança do declaratário e, reflexamente, dos interesses gerais
da contratação, sendo a essa luz que se explicam, v. g., a
prevalência, em certos termos, da declaração sobre a vontade, a
interpretação objectiva dos negócios jurídicos (doutrina da
impressão do destinatário), etc.; ora estas ideias não valem
quanto a certo número de negócios jurídicos, os negócios
estranhos ao comércio jurídico (como diz certa doutrina alemã),
em que justamente não surge aquela oposição entre os interesses
do declarante, por um lado, e, por outro lado, os interesses do
declaratário e os interesses gerais da contratação.
O principio é susceptível de várias aplicações, mas
referiremos apenas duas delas.
Em primeiro lugar, e como resulta do confronto entre os
arts 236.° e 2187.°, a interpretação do testamento obedece a
critérios muito diversos dos que valem para os negócios
jurídicos em geral. O intérprete deve procurar descobrir a
vontade real do testador, mesmo através de prova complementar
ou extrínseca ao testamento, e é com esse sentido que ele deve
valer, contanto que tal vontade tenha no contexto do testamento
“um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente
expressa”.
Em segundo lugar, em matéria de capacidade há também
especialidades muito importantes. Pode notar-se, p. ex., que o
testamento feito por quem se encontrava incapacitado de
entender o sentido da declaração ou não tinha o livre exercício
da vontade por qualquer causa, ainda que transitória, é anulável,
segundo o art. 2199°, independentemente das exigências feitas
233
no art. 257.°, que se justificam, precisamente em ordem à tutela
do interesse do declaratário e dos interesses gerais da
contratação.
Cap. IV
SUCESSÃO CONTRATUAL
263
Supra, n.º 29, al. c).
234
antenupcial. Essas disposições tinham sido permitidas pelo
Assento do S. T. J. de 16 de Dezembro de 1927, mas a doutrina
divergia quanto a saber se tinham valor meramente
testamentário (sendo portanto revogáveis) ou constituíam
verdadeiros pactos sucessórios (e eram irrevogáveis como tais).
A lei distingue agora consoante a disposição é feita em favor de
pessoas indeterminadas ou de pessoa certa e determinada que
não intervenha no acto como aceitante (1.° caso) ou em favor de
pessoa certa e determinada que intervenha como aceitante na
convenção antenupcial (2º caso). Os dois casos estão previstos,
respectivamente, nos arts. 1704º e 1705º. Naquele a disposição
tem valor meramente testamentário, neste tem carácter
contratual.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
págs
§1ºNOÇÕES
FUNDAMENTAIS………………………………………………
………
235
identidade………………………………………………
………………………….
II. Referência ás concepções subjectivas do direito
subjectivo, para as quais o conceito de sucessão seria
legitimo; legitimidade do conceito de sucessão à luz de
uma noção objectiva de direito
subjectivo…………………………………......
III. Identidade fundamental dos conceitos de sucessão e
aquisição translativa…...
IV. Necessidade, porém, de registar um conceito de
sucessão distinto do de transmissão o conceito romanista
de sucessão como substituição ou subingresso nas
relações jurídicas do falecido (successio in locum et ius
defuncti) —, para compreender à luz desse conceito a
figura do herdeiro, como figura distinta da do legatário.
Remissão para o n.º
15…………………………………………........
3. Sucessão em vida e sucessão por morte. Critério de distinção
e algumas hipóteses
particulares………………………………………………………
………………………...
I. Doação com reserva de
usufruto………………………………………………..
II. Doação com reserva do direito de
dispor…………………………………........
III. Doação cum
moriar…………………………………………………………...
IV. Doação si praemoriar
…………………………………………………….......
V. Partilha em
vida………………………………………………….....................
.
236
VI. Doações por morte para
casamento…………………………………………...
4. Noção — de sucessão por morte. O Direito das Sucessões e
os vários momentos do fenómeno
sucessório………………………………………………………
…………........
5. Conexões fundamentais do Direito das Sucessões:
propriedade, família e Estado…….
6. Alusão às várias espécies de sucessão por morte: sucessão
legítima, legitimária, testamentária e contratual. Autonomia da
sucessão legitimária em face das outras espécies de
sucessão…………………………………………………………
………........
7. Fontes do direito das
Sucessões………………………………………………………...
8.
Bibliografia………………………………………………………
……………………..
9. Plano geral do
curso……………………………………………………………
…........
§ 2.°—RERANÇA E
LEGADO…………………………………………………..
10. Generalidades sobre a sucessão romana; a tese de
BONFANTE sobre a origem da
“hereditas”………………………………………………………
………………………...
11. Critério legal de distinção; enunciação e esclarecimento do
critério…………………
237
12. Algumas aplicações do
critério………………………………………………………..
I. Deixa da totalidade ou de uma quota (alíquota ou não
alíquota) da herança…...
II. Deixa do remanescente da herança ou de quota da
herança…………………...
III. Deixa de bens
determinados…………………………………………………..
IV. Deixa de universalidade de
facto……………………………………………...
V. Deixa de herança ou quota de herança a que foi
chamado o testador………….
VI. Disposição de todos os móveis ou de todos os
imóveis…………………........
VII. Deixa do usufruto da herança ou de quota da
herança……………………….
13. A questão da instituição de herdeiro “ex re
certa”………………………………........
14. Aspectos em que se revela o interesse prático da
distinção…………………………..
I. Direito de exigir
partilha………………………………………………………..
II. Responsabilidade pelos encargos da
herança…………………………………..
III. Direito de
acrescer…………………………………………………………
….
IV. Inaponibilidade de termo inicial á instituição de
herdeiro………………........
238
V. Relevo da distinção em matéria de
inventário……………………………........
VI. Direito de preferência na venda da
herança…………………………………...
VII. Outros
aspectos…………………………………………………………..
......
15. Estrutura da herança e do legado. O herdeiro como sucessor
pessoaldo “de cuius” e o legatário como mero adquirente de
bens……………………………………………...
16. Função e herança do
legado…………………………………………………………...
17. Observações
complementares…………………………………………………
…........
I. Em que termos pode relevar na qualificação na
qualificação “herança” ou “legado” a vontade do
testador……………………………………………………….......
.
II. Possibilidade de a qualificação “herança” ou “legado”
não valer para todos mas só para alguns dos efeitos indicados no
n.° 14……………………………………….
PARTE GERAL
Cap. I- A MORTE COMO PRESSUPOSTO DA
SUCESSÃO………………….........
239
19. Sucessão das pessoas
colectivas……………………………………………..………..
20. Morte
presumida………………………………………………………
………………
21. Prova da morte.
Comoriência……………………………………………………
……
Cap. II - ABERTURA DA
SUCESSÃO…………………………………... …...
Cap.III - VOCAÇÃO
SUCESSÓRIA……………………………………..........
Secção I- NOÇÕES
FUNDAMENTAIS………………………………………..
§ 1.° —
GENERALIDADES……………………………………………
……….
25. Fixação de terminologia: designação, devolução e
chamamento ou vocação………...
26. Títulos de vocação sucessória. Concorrência de
títulos………………………………
240
§ 2.° - DESIGNAÇÃO
SUCESSÓRIA………………………………………….
27.
Noção……………………………………………………………
…………………….
28. Como se estabelece a hierarquia das
designações…………………………………….
29. Consistência da designação
sucessória………………………………………………..
I. No âmbito das sucessões testamentárias e
legítima…………………………….
II. No âmbito da sucessão
legitimária…………………………………………….
III. No âmbito da sucessão
contratual……………………………………………..
Secção II - CONTEÚDO DA
VOCAÇÃO……………………………………
30. Princípio
geral……………………………………………………………
……………
31. Direito de aceitar ou
repudiar…………………………………………………………
32. Poderes de
administração……………………………………………………
………..
241
Secção III - OBJECTO DA DEVOLUÇÃO
SUCESSÓRIA………………….
33. Princípio
geral……………………………………………………………
……………
34. Algumas aplicações do
princípio……………………………………………………...
35. Hereditabilidade do direito de
indemnização………………………………..........
Secção IV - PRESSUPOSTOS DA
VOCAÇÃO…………………………..........
§ 1º -
GENERALIDADES……………………………………………
………….
36. Posição do
problema…………………………………………………………
…..........
37. Enunciado geral dos pressupostos da
vocação…………………………………..........
242
38. Critério da prevalência: remissão para o n.°
28……………………………………….
39. Doutrina da pluralidade de vocações: exposição e
crítica…………………………….
§ 4º - PRESSUPOSTO: CAPACIDADE
SUCESSÓRIA ………………..........
243
46. Princípios
gerais……………………………………………………………
…………
47. Incapacidades
sucessórias………………………………………………………
……..
48. Declaração judicial de indignidade
…………………………………………………...
49. Efeitos da indignidade
…………………………………………………………..........
50. Reabilitação do
indigno…………………………………………………………
…….
244
54. Noção e inovações introduzidas pelo Código de
1966………………………………..
55. Direito de representação e representação na prática de actos
jurídicos……………….
56. Direito de representação e transmissão do direito de
aceitar………………………….
57. Natureza jurídica do direito de
representação………………………………………
58. Pressupostos do direito de representação na sucessão
legal…………………………..
59. Pressupostos do direito de representação na sucessão
testamentária…………………
60. Extensão do direito de
representação…………………………………………………
I. Desigualdade de graus
sucessórios……………………………………………...
II. Igualdade de graus sucessórios com pluralidade de
estirpes…………………..
III. Unidade de
estirpe…………………………………………………………….
61. Fundamento do direito de
representação……………………………………………...
62. Efeitos do direito de
representação……………………………………………………
§ 2.° - SUBSTITUIÇÃO
DIRECTA…………………………………………….
245
63.
Noção……………………………………………………………
…………………….
64. Regime jurídico: ideia
geral……………………………………………………..........
§ 3.° - DIREITO DE
ACRESCER………………………………………………
65.
Noção……………………………………………………………
…………………….
66. Regime jurídico: ideia geral. Direito de acrescer e direito de
não acrescer…………..
Cap. I - HERANÇA
JACENTE…………………………………………………
246
Secção I. ACEITAÇÃO DA
HERANÇA……………………………………….
70. Necessidade da aceitação. Retroactividade da
aceitação……………………………...
71. Natureza jurídica da
aceitação………………………………………………………...
72. Espécies de aceitação: aceitação expressa e tácita; aceitação
pura e simples e aceitação a beneficio de
inventário…………………………………………………..........
73. Caracteres da
aceitação………………………………………………………….
.........
74. Nulidade e anulabilidade da
aceitação………………………………………………...
75. Transmissão do direito de
aceitar………………………………………………..........
76. Caducidade do direito de
aceitar……………………………………………………...
247
80. Forma de
repúdio…………………………………………………………
…………...
81. Nulidade e anulabilidade do
repúdio………………………………………………….
Cap. VI - PETIÇÃO DA
HERANÇA…………………………………………..
Cap. IX - LIQUIDAÇÃO DA
HERANÇA……………………………………..
248
85. Encargos da herança. Ordem por que devem satisfazer-
se…………………………...
86. Responsabilidade pelos
encargos………………………………………………..........
87. Liquidação dos encargos da
herança………………………………………………….
Cap. X - PARTILHA DA
HERANÇA………………………………………….
249
III. Quem está obrigado à
colação………………………………………………...
IV. Objecto da
colação…………………………………………………………
….
V. Âmbito da obrigação de
conferir………………………………………………
VI. Como se faz a conferência. Colação em valor e em
espécie………………….
VII. Alienação e perecimento dos bens
doados…………………………………...
VIII. Os frutos e a obrigação de
conferir………………………………………….
IX. A colação e o registo
predial………………………………………………….
PARTE ESPECIAL
Cap. I- SUCESSÃO
LEGÍTIMA……………………………………………….
250
I. Princípio da preferência de classe
282………………………………………….
II. Princípio da preferência de grau de parentesco dentro
de cada classe…………
III. Princípio da sucessão por
cabeça………………………………………….
96. Sucessão de cônjuge e
descendentes………………………………………………….
97. Sucessão de cônjuge e
ascendentes…………………………………………………...
98. Sucessão de irmãos e seus
descendentes……………………………………………...
99. Sucessão de outros colaterais até ao 4.°
grau…………………………………………
100. Sucessão do
Estado…………………………………………………………….
.........
Cap. II - SUCESSÃO
LEGITIMARIA…………………………………………
251
II. Sucessão de cônjuge e
ascendentes…………………………………………….
104. Cálculo da
legítima…………………………………………………………
………..
105. Intangibilidade da
legitima……………………………………………………..........
106. Cautela
sociniana…………………………………………………………
………….
107. Legado “por conta” e “em substituição” da
legítima………………………………..
108. Acção de redução por inoficiosidade: aspectos
fundamentais………………………
I. Ordem da
redução…………………………………………………………
…….
II. Como se efectua a redução: redução em valor e em
espécie……………..........
III. Alienação e perecimento dos bens
doados……………………………………
IV.
Prazo……………………………………………………………
……………..
109.
Deserdação………………………………………………………
…………………...
252
110. Noção de
testamento………………………………………………………
…………
111. Caracteres gerais do
testamento………………………………………………..........
Cap. IV - SUCESSÃO
CONTRATUAL………………………………………..
253