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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Início em novembro de 2021.


As partes grifadas de amarelo já foram questões de prova.

15/11/21

Paula Serman - Antropologia da moda

Aula 1 - A aparência como elemento de informação

Introdução Italo: A atitude e a aparência são notas importantíssimas para a nossa


adequação no mundo concreto e material. Não somos o que vestimos, mas a roupa é uma
mediação entre nossa intimidade e o olhar do outro. Saber a importância da vestimenta
ajuda no tratamento dos pacientes. É necessário encontrar o estilo adequado para cada
situação, sem nenhum tipo de imposição.
Aula: Antropologia da moda: área de estudo que visa entender a influência dos adornos na
vida humana. Toda a história humana foi contada com alguma roupa e adorno.
Todo e qualquer elemento de imagem comunica alguma coisa. Tudo é código visual que diz
alguma coisa e manda uma mensagem sobre quem está usando aquilo.
Quando se cuida de pessoas, é necessário observar a aparência delas. A aparência é um
elemento fundamental, que dá muitas informações sobre quem é aquela pessoa, qual é o
diálogo que ela quer estabelecer.
Moda: significa modo, maneira.
Começou-se a falar em moda na idade média, no século XV, quando as cidades
começaram a se desenvolver, a aproximação das pessoas da área urbana levou as
pessoas a quererem imitar. A nobreza criava, a burguesia copiava. Desde então, a moda
serve para distinguir e estratificar as pessoas. A moda acompanha o contexto social,
econômico. Ao analisar a moda é possível ver como está o mundo, as relações
interpessoais.
Recomendação de vídeo no youtube: 100 anos de moda em 100 minutos.
Moda não é somente tendência, o que está em alta e na passarela.
O protagonista da moda é quem veste a roupa, usa o acessório e o adorno, pois ela está
comunicando algo, ainda que de forma não intencional.
Algumas características importantes do ser humano:
1. Intimidade. Dela brotam as ideias, a criatividade, os sonhos, os desejos, o que se
tem de mais íntimo. Temos o desejo de manifestar intimidade. Mas também
queremos proteger nossa intimidade, por isso um instinto natural de cobrir (por
pudor ou vergonha). A intimidade é manifestada livremente, cada um decide o que
quer expor ou não.
2. A liberdade permite ao ser humano uma vida biográfica, superior às necessidades e
imperativos da realidade, permite que o ser humano ame.
3. Diálogo. Entregar o que se tem dentro para que alguém receba.

Tudo isso está relacionado ao ato de vestir-se, que é puramente humano. Só o ser humano
se veste e comunica a essência em vários níveis. Nós temos uma necessidade que vai
além de apenas se cobrir. A moda aparece quando se busca algo além de uma simples
satisfação material. Vestir carrega de sentido nossa presença física. Vestir-se é decidir
como se apresenta e controle de quem está vendo. Não diz respeito somente a quem veste.
É um ato de responsabilidade, porque provocamos no outro alguma reação. Está

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relacionada a diversos fatores, como financeiro, alimentar, etc. O cuidado com a imagem
pessoal é um dos centros da estrutura humana saudável; a pessoa saudável cuida da forma
como se veste, da própria imagem; o vestimento interfere no nosso comportamento, na
postura e na nossa consciência de nós mesmos. Se não nos vestimos de acordo com nosso
papel social, ficamos desencaixados, perdidos, sem direção.

O cuidado com a própria imagem pode ser uma ferramenta de amadurecimento. O que faz
com que a gente se vista bem? É preciso ter um pouco de conhecimento próprio: quem eu
sou, o que eu quero, pra onde eu vou? Como vou imprimir isso na minha indumentária?
Quais são os códigos visuais que vou imprimir na minha indumentária? Estão dentro dos
estilos pessoais.
Precisamos ter um domínio do nosso próprio corpo, o que nos cai melhor, pra não ter
descompasso entre silhueta e roupa. Quais são os elementos que sujam nossa imagem ou
que desconectam a imagem da nossa realidade?
Como me visto dentro do meu ambiente de trabalho? O que é beleza? O que é ser
elegante? O que é bom gosto? O que está envolvido na questão do vestir em termos de
comportamento? O ato deve estar impregnado de boas inclinações. Como aprender os
códigos visuais e comunicar melhor com nossa imagem e usar como ferramenta de
amadurecimento.

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Intervenções do Italo:

A moda não deve ser entendida como puro fashionismo. É preciso fazer uma reflexão mais
profunda sobre o tema.
Ele diz que sempre que entra em hospital percebe uma certa brutalidade com os pacientes,
com os panos que são colocados para cobri-los. A reflexão precisa ser feita pelo ângulo da
dignidade. O sujeito que já está à beira da morte torna-se um número.
Fale sobre modo de se vestir x dignidade x futilidade:
Paula: Algumas doenças comprometem a forma humana dos pacientes; o adorno que se
pode colocar no paciente resgata a forma humana; vem também para humanizar; há, sim,
um olhar pouco humano no hospital. Os pacientes terminais com dor que passavam por
cuidado com a aparência tinham menos necessidade de morfina; até mesmo os
profissionais de saúde os tratavam de forma melhor quando estavam melhor cuidados.
A moda tem um componente de futilidade sim, para algumas pessoas. Mas não podemos
seguir por esse pensamento, os adornos trazem uma consciência de nós mesmos,
humanizando a presença física. O profissional de saúde precisa ter uma visão do todo e das
partes e a aparência é o primeiro dado de diagnóstico; também é um caminho de
intervenção terapêutica. Ao devolver a forma, a cor, a beleza, o detalhe, o capricho,
devolve-se, também, um pouco de vida. Isso não se aprende normalmente.
Italo: existe um ponto ótimo do vestir. Estar desatento da vestimenta coisifica o ser humano.
O pano pode ganhar forma, cor, textura, revelar e esconder. No ponto ótimo a intimidade da
pessoa aparece e, depois, começa o campo da frivolidade com o acréscimo de supérfluos.
O objetivo da consultoria de imagem é achar esse ponto em que se mostra a intimidade, a
liberdade da pessoa. Os recursos técnicos ajudam a entender onde se dá esse lugar. Os
panos, em ação, podem revelar coisas completamente distintas.

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Paula: quem é mais importante na história é quem está dentro do pano. A roupa pode ser
uma armadura, mas não no sentido de prender, mas ao mesmo tempo que protege permite
mobilidade; a armadura não encarcera, ela ajuda a execução da função. A pessoa elegante
tem domínio de si, da própria vida, não se excede e não é insuficiente. O medo de se vestir,
a rejeição à beleza, à aparência bonita, não é uma preocupação da pessoa elegante. A
pessoa elegante sabe qual é sua função, seu serviço e busca o que não é nem mais nem
menos, elege o que é melhor para si e para seu serviço. Ela não incomoda, não aparece
nem mais nem menos, fala num bom tom de voz, ela agrada. O ponto crucial da elegância é
a adequação, é caber na função exercida. O verdadeiro conforto ao vestir não é estar com
uma roupa largada ou velha, é estar adequado às situações. Dialogar com a situação.
Italo: desconstrução. É um conceito teórico que funciona em teoria. Existe uma
desconstrução no campo das ciências sociais. Mas na vida prática isso pode até ferir os
sentimentos de outras pessoas. Existem determinantes de vida prática que não comportam
essas teorias. O terapeuta precisa saber conduzir o paciente para entender que existe
momento para tudo.
Paula: Estamos bem quando conseguimos articular estilo pessoal e adequação ao
ambiente, ao que a situação espera de nós. Sem articulação, a convivência não funciona.
Elegância é também eleger o que é melhor para o outro. A nossa imagem não é somente
sobre nós. Mesmo nas situações mais cotidianas, precisamos pensar na nossa função e no
que precisamos comunicar para as pessoas.

Aula 2 - Teoria das janelas quebradas

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Detox da imagem. Ao analisar uma pessoa, é preciso ver o todo e as partes. Alguns
elementos gritam que a imagem não está boa, eles sujam a imagem. Detalhes que
incomodam e perturbam a comunicação. Nós estamos em degeneração e, assim como nós,
as coisas, os objetos, os ambientes. O processo de detox é contínuo. Quando se fala em
excelência, fala-se em esforço. O que não ajuda é deixarmos as janelas quebradas sem
conserto. As janelas quebradas sem conserto não ajudam a amadurecer. A teoria das
janelas quebradas - de criminalidade - é um modelo norte-americano de política de
segurança pública no enfrentamento ao crime. Tem como visão fundamental a desordem
como fator de elevação dos índices de criminalidade. Universidade de Stanford: colocou
dois carros em bairros diferentes: Bronx e outro com baixo índice de criminalidade (Palo
Alto). O carro do Bronx foi rapidamente deteriorado, teve janelas quebradas, foi saqueado,
dilapidado. Durante o mesmo período, o carro do Palo Alto não sofreu nenhum ataque e os
próprios pesquisadores quebraram as janelas do carro e o mesmo processo de destruição
começou a acontecer com ele. A janela quebrada transmite imagem de descuido, de terra
de ninguém sem lei. A desordem gera desordem. Essa teoria pode ser aplicada em nossa
vida também, situações que acabam virando bola-de-neve. A gente se acostuma com a
desordem, que acaba se perpetuando de alguma forma. Se nos acostumamos com janelas
quebradas da nossa imagem, sem processo de detox contínuo, sempre teremos imagem
empobrecida que comunica desleixo, descuido. Precisamos consertar as janelas. O
ambiente de desleixo é caldo de cultura para vários transtornos, como depressão,
ansiedade, acúmulos, problemas psíquicos que nos enfraquecem.
Quais são os elementos que empobrecem?
Cabelo - raiz branca de quem não retoca a raiz há muito tempo; cabelo com aparência de
molhado e com odor forte; cabelo sujo e com raiz oleosa; cabelo sem corte.

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Dentes - mal cuidados, amarelados, não escovados, halitose.


Ela tem percebido o medo dos profissionais de atuarem nesses detalhes de imagem. Mas
se houvesse coragem de intervir, a pessoa não estaria mais saudável?
Pele - oleosa, descamada, ressecada.
Homens: barba - mal feita, desgrenhada, suja, mal cheirosa.
Acessórios - descascados, lascados, com elos abertos.
Sapato - couro descascado.
Cinto - couro quebrado.
Salto - salto solto, sola solta.
Adereços - barulhentos, grandes.
Roupas - desgaste, bolinhas, puídas, rasgadas, desbotadas, furadas, manchadas,
desfiadas, botões soltos, zíper aberto, bainha solta, bainha não feita, camisa que deixa
aparecer seios ou sutiã, camisas claras com mancha amarelada debaixo do braço,
manchas de desodorante, peça escura esbranquiçada, peças muito justas que marcam o
corpo excessivamente que marque as partes íntimas, decotes muito profundos,
transparências exuberantes. Não é normal usar roupa com mau estado de conservação. As
peças podem ser reparadas, reconstruídas.
A detecção dessas sujeiras na imagem exige atenção para construir nosso estilo, olhar para
o ambiente e perceber esses detalhes que precisam ser limpos e reparados. Quem me vê
pensa que também tenho essa falta de cuidado com o trabalho, a saúde, os
relacionamentos. Tudo comunica. Qualquer adorno, peça de roupa, acessório, comunica
algo. Bom estado de conservação também comunica.
Underwear - o que fica embaixo da roupa não tem que aparecer. Sutiã/cueca aparecendo,
marcar excessivamente o contorno da peça íntima, a proporção das peças, cinturas muito
baixas, blusas muito curtas. Descuido com a intimidade.
Quando vestir uma roupa, é preciso se movimentar com ela, levantar, agachar, abrir os
braços e levantar, para ver se a peça tem bom caimento. Bom caimento: parece que a peça
foi feita com a pessoa dentro da peça. Se tem muito desconforto com os movimentos
naturais, se ela perde muito da conformação dela, a peça não serve. Essas peças
comprometem a imagem.
É muito comum que pessoas com manequins muito pequenos ou muito grandes tenham
dificuldades com peças de roupas - o que pode ser resolvido com alguns ajustes ou fazer
peças sob medida. O que não podemos é nos contentar com peças que não são para nós.
Unhas - são consideradas acessórios se estão pintadas. Sujas, quebradas, descascadas,
grandes demais - acumulam sujeira, dificultam a própria movimentação, pode machucar
outras pessoas. Não podemos incomodar os outros com nossa imagem, adereço,
acessórios, roupas. Unha que não esteja de acordo com alguns ambientes de trabalho.
Unhas dos pés são negligenciadas com frequência. Podem ficar sujas e amareladas.
Hábitos - também podem empobrecer a imagem. Gestual, comportamento, expressões.
Maus hábitos: ficar de pijama o dia inteiro - caminho pra depressão, ansiedade, falta de
produtividade, clima familiar deteriorado.
O dia tem marcos. A nossa indumentária acompanha o movimento do avançar do dia, esse
movimento, essa rotina. É preciso tirar a roupa com que se dormiu. Ao trocar de roupa,
estamos vestindo nossa armadura pra lidar com o dia, com as batalhas e atividades do dia.
Ficar com roupa de academia o dia todo também não é interessante, a não ser que seja
profissional de esporte. Roupa de academia transmite imagem de que a pessoa não tem o
que fazer, que está à toa.

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Mesmo em casa, existem intercorrências, uma necessidade de sair de casa pro hospital,
receber uma visita.
Vídeo do youtube: O mendigo de Maiorca.
https://www.youtube.com/watch?v=-HhWBovZXGM
Pequenas coisas podem macular nossa dignidade, tiram um pouco da nossa humanidade.
Consertar isso pode ajudar a restaurar a ordem interior. Todos esses pontos devem ser
encarados com seriedade. As coisas grandes se fazem de coisas pequenas. Asseio, boa
conservação, limpeza, adequação, proporção. Eliminar é um auxílio importante pra beleza
da nossa imagem.
No processo de amadurecimento pensamos em mudanças grandes, mas isso se consegue
a partir do pequeno. A faxina exterior pode ser o primeiro passo pro amadurecimento. É
mais fácil e rápido investir nisso. A aparência bem cuidada é um ato de consideração com
quem está a nossa falta, é um elemento de boa convivência. O que não tem a ver com
poder aquisitivo alto e contribui para o equilíbrio psíquico. É fundamental para o
amadurecimento.
Intervenção Italo - a roupa não tem poder mágico, mas ao longo dos dias o desleixo começa
a trazer efeitos ruins pras pessoas. Tem uma coisa interior que se se está atento, a
aparência pode ajudar. Só se vestir direito não é suficiente para as relações melhorarem,
mas a dinâmica familiar pode melhorar a partir disso. Vestimenta não aumenta
produtividade, é um alimento entre outros diversos elementos.
Paula: esse cuidado é um braço terapêutico, pois o ser humano é muito complexo e possui
muitas dimensões. Precisamos de coisas concretas, palpáveis. A roupa é um aspecto
concreto da nossa vida. Ao olhar-nos no espelho é preciso ver uma coisa concreta,
palpável, para termos um certo domínio da nossa existência, dos nossos atos. É mais fácil
mexer no concreto, no material, que no imaterial, nas coisas abstratas. As atitudes
concretas podem ser muito boas pra gente começar, pra dar um pontapé inicial. Em muitas
pessoas falta uma atenção ao detalhe sensível na convivência, ainda que ela não tenha
problemas tão graves. Preocupar-se com a aparência é preocupar-se com o clima, com a
atmosfera. A beleza faz a gente perceber o mundo como um lar. O lar é um lugar ao qual
pertencemos, tem as nossas características. Nossa aparência ajuda a transformar o mundo
num lar, mesmo em meio ao caos. Essa é uma ferramenta concreta para harmonizar. A
disponibilidade ao paciente vem num primeiro momento pela imagem. Produtividade é
importante mas não vivemos apenas para funcionar, produzir, ganhar dinheiro, precisamos
humanizar o ambiente concretamente, materialmente.
Ítalo: às vezes pequenas mudanças na aparência pode já trazer grandes mudanças na vida
de algumas pessoas, com melhora de quadros de ansiedade, por exemplo.
Paula: o desencaixe da imagem pode gerar desânimo, tristeza, isolamento. Pessoas acima
do peso às vezes ficam sem norte. Conquista do domínio de si mesmo.
Ítalo: de boa intenção o inferno está cheio. A roupa é uma forma de materializar o que seria
apenas uma boa intenção. A intenção é princípio do movimento, mas ela precisa ser
materializada no mundo. Às vezes a pessoa está distante de trabalhar bem porque não é
capaz tecnicamente. Pra intenção não morrer e a pessoa não ir para o inferno
simbolicamente, a indumentária precisa encontrar uma boa intenção, precisa haver
coerência da vestimenta com a intenção. No mundo dos adultos, a roupa pode ter efeito de
manutenção da primeira intenção. Um gatilho de manutenção da intenção pode ser o ato de
vestir-se intencionalmente comprometido. Teoria de Freud: ato falho. O modo como a
pessoa se veste pode ser a cristalização de traumas, percepções, manifestações
inconscientes.

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Paula: o ânimo na vida vem depois da ordem. A desordem se perpetua até que uma
intervenção aconteça.
Ítalo: as pessoas se sentem invadidas quando se fala de aparência, é preciso ter muito
cuidado ao abordar esse assunto, não impor o gosto para outras pessoas. As possibilidades
de estilo variam muito. O terapeuta precisa montar seu próprio arsenal para tratar os
pacientes.
Paula: deixa o paciente trazer a queixa. Ter delicadeza ao ouvir, ter atenção na escuta. Não
aprendemos a escutar, mas é uma ferramenta muito valiosa. É preciso singularizar cada
atendimento, cada intervenção feita, pois é isso que trata o paciente. A diretriz é importante
até para sabermos sair dela, para se movimentar dentro de um caminho.

Aula 3 - A imagem como ferramenta terapêutica

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Imagem profissional. O que trata o paciente é a personalidade do terapeuta. A forma de se
vestir é uma expressão concreta dessa personalidade, é uma linguagem não verbal
eloquente dessa personalidade. O cuidado do terapeuta começa pela sua imagem. O
ambiente também precisa ser cuidado. Tudo que chega na inteligência passa pelos
sentidos. É importante que os sentidos recebam mensagens agradáveis que tratem. A
mensagem que precisa chegar pra uma pessoa que busca tratamento é de acolhimento, de
confiança, que gera autoridade, segurança, contentamento, alegria. É importante que a
vestimenta transmita todas essas mensagens. Pra executar bem essa função é preciso
estar dentro de um envoltório correto: a roupa. A indumentária é como uma armadura pra
um soldado: deve oferecer distinção, mobilidade, proteção. Sem a armadura, o soldado não
consegue exercer com excelência essa missão. Como se constrói uma boa imagem
profissional? A imagem como um todo envolve comportamento, linguagem verbal,
indumentária, presença digital (importantíssima atualmente).
Indumentária: a imagem adequada é uma articulação entre o estilo pessoal e a adequação
ao ambiente (sempre). Conjugação dos dois aspectos. Podemos usar como referência 1 ou
mais 1 estilo dos 7 estilos universais. Um profissional da área médica, por exemplo, tem o
estilo clássico como um pouco mais apropriado, em geral. Estilo seguro. Precisamos
oferecer seriedade, autoridade. Alguns códigos visuais são importantes para isso. Uma
pessoa que trata pessoas precisa ter autoridade e acolhimento. Quem busca tratamento
quer ser acolhido.
Autoridade: linhas retas, padronagens. Linha reta, estrutura, peso visual, escuro. Peças
estruturadas (dá forma ao corpo, não o contrário), de alfaiataria, sociais. Cores escuras
ajudam a transmitir peso, até um certo distanciamento, que também faz parte da relação
com o paciente. Um certo distanciamento é saudável. Verde escuro, azul marinho. Cores
sólidas (sem estampa) transmitem imagem mais limpa e sofisticada. Óculos são acessórios
importantes - armações com linhas retas e armações mais escuras, metálicas finas,
mensagem de precisão. Em algumas situações o jaleco pode ser uma ferramenta que vai
distinguir o profissional. Jaleco bem cortado, bem feito, todo branco, bem tradicional.
Calçados fechados de preferência, bico fino pras mulheres, oxford para os homens, couro.
Camisa pra dentro da calça. Blusas de manga comprida. Quanto mais pele é exposta, mais
mensagem de abertura se transmite. Acessórios discretos, que não façam barulho. Unhas
pintadas, vinho, nude, vermelho. Não cabe nessa mensagem unha azul, verde, amarela,
laranja - que seriam cores cabíveis em ambientes mais informais. Cabelo que esteja

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organizado, preso ou não. Dominado. Para homens, cortes mais tradicionais de cabelo e
barba.
Acolhimento: linhas mais curvas, movimento. Cores mais suaves, peças com caimento mais
fluido. Algodão, tecidos mais finos, seda, crepe, musseline. Cores quentes (pigmento mais
amarelado). Linhas mais curvas nos óculos, linhas inclinadas, armações com cores mais
claras. Peças com estilo mais descontraído. Tomar cuidado com a estampa - quanto mais
cor tiver, mais cansativa visualmente será e há risco de descoordenação. Em algumas
situações é cabível um tênis mais social, com cores mais neutras e sóbrias, sapatos baixos
também. Peças com textura. Tricô, lã, transmitem acolhimento.
O ideal é equilibrar os elementos dos dois. Ao tomar posse dessas ferramentas,
conseguimos dosar um pouco de cada peça. Não podemos incomodar os outros com a
nossa imagem.
1ª foto: formais femininas.
2ª foto: formais masculinos.
3ª foto: casuais femininos.
4ª foto: casuais masculinos.
É preciso saber avaliar o ambiente de trabalho. Formal e informal. Em consultório próprio é
possível construir uma imagem mais autoral, trazer mais personalidade à imagem e ao
ambiente. Incluir elementos de estilo criativo. O consultório faz parte da imagem, pode levar
elementos à decoração. No atendimento online, é preciso ter uma imagem adequada e
agradável. O capricho na produção da imagem profissional independe do nível social de
quem é atendido. É importante levar ordem e beleza ao paciente, pois isso também é
terapêutico. A imagem arrumada é necessária pra qualquer tipo de cliente. Quem recebe
esse profissional percebe a atenção e o carinho. Não se deve ostentar. O que ofende é o
desleixo, o descuido, a negligência. Nenhum dresscode deve encarcerar o profissional. As
orientações são um caminho. À medida que a pessoa amadurece, ela tem mais segurança
na construção da própria imagem, ter uma construção mais fluida. É importante
preocupar-se com a vestimenta dos colegas de trabalho. Não se deve inibir por causa da
vestimenta dos colegas, apesar de ser importante haver harmonia entre os profissionais.
Vestir-se adequadamente. Há mais chances de elevar o tom do ambiente, para ser imitado.
O que não cabe num ambiente profissional? Peças muito chamativas e extravagantes, que
fazem barulho, com correntes, franjas, estampas extravagantes, cores neon, unhas grandes
e coloridas demais. Peças muito justas e decotadas também devem ser evitadas, pois
transmitem mensagem de descuido da intimidade e também podem nutrir algum sentimento
pelo paciente de confusão com relação ao profissional. Não podemos permitir que a
confusão do paciente aumente.
100% de atenção ao paciente, não olhar o celular, pois isso quebra a confiança. Escutar
com paciência. Cuidado com a expressão e o tom de voz, evitar postura relaxada, jogada,
evitar movimentos repetitivos. Não atrasar.
Presença digital: é uma grande vitrine profissional. Muitos pacientes buscam pela referência
do perfil. Não basta ter uma imagem ilibada e na rede ter uma imagem relaxada, vulgar,
extravagante.
Cuidar da imagem profissional é cuidar, também, da carreira.

Aula 4 - Influência da mentalidade utilitarista

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Elegância, beleza e bom-gosto. Quem quer se vestir bem quer se vestir com elegância.
Beleza não é relativa e nós precisamos dela. Elegância não é privilégio de quem tem poder
aquisitivo alto. Bom gosto não vem de nascença, pode ser aprendido. São aspectos que
fazem parte de um ser humano dono de si, maduro. “A beleza é como a felicidade, o amor e
o entendimento, é para o que a pessoa humana foi feita. Uma orientação pra beleza é
intrínseca à nossa natureza, precisamos obte-la”. Roger Scruton tem um documentário
muito bom: Why Beauty Metters. A beleza é uma necessidade universal e nos faz ver o
mundo como um lar. Lar doce lar. Lar é aconchego, acolhimento, pertencimento. A beleza é
remédio para o sofrimento e o caos, é consolação da dor e afirmação na alegria. A utilidade
da beleza? Scrutton fala que as pessoas precisam de coisas inúteis tanto quanto de coisas
úteis. Não se pode comparar a beleza a algo utilitário. A beleza transcende a utilidade. Não
temos somente as necessidades básicas. O ser humano tem anseios mais profundos. O
homem contemporâneo tem a necessidade de trabalhar cada vez mais, e isso acaba se
tornando um fim, não um meio. Nossos sentidos ficam super-excitados, ficamos saturados
de imagens infinitas, barulhos incessantes. O trabalho extenua nossas forças e não
conseguimos contemplar e celebrar a beleza. Não sabemos mais reconhecer o belo. A
mentalidade utilitarista é fonte de depressão, ansiedade, compulsão, insônia, problemas
orgânicos também, infartos, AVCs. Podemos ter ritmo de trabalho intenso, com tempo
preenchido, pois não nascemos para não fazer nada. A falta de atenção e presença e
contemplação é causa de falta de bom gosto, de uma vestimenta ruim. Algumas pessoas
possuem necessidade de ostentar, muitas vezes, para preencher um vazio. A beleza é o
que agrada quando é visto: integridade, harmonia (consonância com o todo), reluzente
(esplendorosa). Apesar da beleza poder agradar aos sentidos, não se restringe a uma
experiência sensível. Em certo sentido, a beleza é a expressão visível do bem. O bem é a
condição metafísica da beleza (João Paulo II). A força do bem refugiou-se na natureza do
belo.
Elegância: não é luxo nem ostentação, nem a riqueza, é a finura no trato com quem nos
rodeia. É gostoso estar perto de uma pessoa elegante, com cada coisa em seu lugar, com
bom caimento. É gostoso ouvir a pessoa elegante, ela traz conforto ao ambiente, ela não
incomoda com sua movimentação, sabe escutar. O bom caimento da peça se vê quando
parece que ela foi feita para a pessoa. A peça é gostosa de tocar, com boa textura,
acabamento bem feito, costuras bem finalizadas. A elegância é uma característica de uma
pessoa. Com limpeza, asseio, composição, disposição de aparecer publicamente diante de
quem corresponda, e tenha ordem, um saber mover-se de modo conveniente, no momento
adequado. A pessoa tem medida, gestos adequados, com boas maneiras, ela tem uma
régua que mede e ordena, um sossego de estar dona de si. O domínio de si é uma
característica de uma pessoa madura, que fez boas escolhas. A elegância envolve a
naturalidade, não uma mera espontaneidade. Não é quem faz o que quer na hora que quer.
Também não é elegante manter postura introspectiva e anti-social em meio a amigos.
Magnanimidade, alma grande. Quem é elegante deseja elevar o tom, trazer uma atmosfera
agradável.
Bom gosto: capacidade que permite afirmar o que é bonito ou feio. Não se pode olhar a
peça de forma absoluta, precisa-se relacionar com o todo, inclusive o ambiente. Não é
inato, pode ser educado. Há pessoas que nasceram em ambiente com mais possibilidades,
com educação com experiências que apuraram mais o bom gosto, mas não existe regra
fixa. As coisas de mau gosto nunca são elegantes. Existem coisas que inegavelmente são
de mau gosto. O bom gosto mantém a medida, mesmo dentro da moda, não
necessariamente seguindo todas as tendências da moda. O ser humano vai degenerando,

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então a beleza natural precisa de um esforço, um comprometimento, um adorno, algo que


complete o que falta. A pessoa elegante tem um estilo próprio, não é neutra. Pessoas de
diferentes estilos podem ser elegantes, cada um dentro da sua realidade. Ser elegante
consiste em saber sempre expressar motivos por meio do adorno e a pessoa magnânima
sabe como fazê-lo.
Como treinar o olhar pro belo? Presença. Capacidade contemplativa. Observar a natureza,
que é uma fonte de beleza, de ordem, de harmonia, de esplendor, diversidade de cores e
formas. Momentos ao ar livre, pé na terra, na grama, observar a imensidão do céu, do mar,
ter momentos de silêncio. Somos bombardeados por barulhos incessantes, arrumar a cama
(implementar ordem), arrumar-se todos os dias sem exceção, mesmo que seja para ficar
em casa, dos pés à cabeça, comer à mesa com a mesa arrumada (fazer uma pausa),
maquiagem todos os dias (cor da vida, da ordem, da jovialidade), acessório, arrumar o
cabelo. São hábitos simples e concretos que nos ajudam a tocar a beleza e inseri-la na
nossa vida e no nosso ambiente. O gosto e a sensibilidade podem ser educados, precisam
ser treinados. Bom gosto não é padronizado, é diverso. A beleza, como a verdade, é o que
infunde alegria no coração dos homens. A beleza nos salva do desespero. A contemplação
pode trazer consolo, esperança, ânimo. A beleza é alimento. Que possamos nos nutrir de
beleza todos os dias pra escolher um caminho elegante e amadurecer. Um paladar mal
educado escolhe comida ruim. Aprender o que é elegível e desejável, com respeito ao
gosto.

Italo: o sujeito quer uma ordem interior. Pode-se partir de uma estrutura material, pode ser
um primeiro princípio de ordem. A beleza natural não precisa de toque humano para ser
realçada. O ser humano perde a ordem quando não se cuida. O homem largado na selva se
animaliza e perde sua humanidade pouco a pouco. Existe a natureza e a cultura, que fazem
a trama humana. A masculinidade e a feminilidade, ao mesmo tempo, de modo articulado,
um apontamento natural e uma concreção da cultura. Cultura é algo que se constroi, se
edifica, não é um dado da natureza, é algo conceitual, algo capturado pela inteligência do
homem. O homem precisa articular a natureza nele. Se o homem foge do transcendental,
foge da sua natureza própria, ele é menos homem, traição da própria natureza. O homem
precisa cuidar do campo conceitual e a beleza faz parte disso. O homem precisa se
alimentar também do universo dos conceitos. Roger Scrutton: consolação da filosofia.
Harmonia do transcendental do ser humano.

Aula 5 - O que são as virtudes

27/12/21
As virtudes do vestir. Virtudes são hábitos bons que, repetidos várias vezes, viram uma
segunda natureza e fazem parte do nosso caráter. Atitudes firmes, disposições estáveis,
perfeições habituais da inteligência e da vontade. Bons hábitos que nos levam à perfeição.
Virtus = força. Elas nos fortalecem, forjam o nosso caráter, perfilam cada vez mais a nossa
personalidade. Por isso, são causa do amadurecimento. Para nos tornarmos maduros,
livres, felizes, realizados, precisamos crescer em virtudes. Qual a relação com o ato de
vestir-se? Elas são obtidas no dia-a-dia, nas pequenas coisas do nosso cotidiano. O
vestir-se é um hábito puramente humano. Bastidores do look.

Exemplo: a mãe de família que acorda cedo, com sono, sem ânimo, mas sabe que muitos
precisam dela. Toma café rapidamente, veste uma roupa já escolhida na correria, toma um

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banho, fica pronta para cuidar da família. Quando a família acorda, gosta de vê-la bem
vestida, bem cuidada, com uma boa aparência. Todos gostam de estar perto dela, com um
ambiente tranquilo e agradável. Os demais passam a se vestir melhor por causa da
aparência dela. A comunicação familiar melhora. Essa melhora envolve esforço, não
acontece por acaso. Ela precisa de esforço, de se separar a roupa com antecedência, por
exemplo, de fazer as coisas com calma, de instigar uma boa comunicação. Se a intenção
dela for receber um elogio, ela pode se frustrar. Se ela ficar em casa, pode achar que não
tem obrigação de se arrumar; ou no trabalho ela pode achar que não precisa se vestir tão
bem porque já tem bastante competência profissional. O que faz com que essa dinâmica
corra bem são as virtudes. O esforço, o exercício para adquirir bons hábitos.
Virtudes envolvidas no bem vestir:
1. Ordem. Justa posição de cada coisa no seu devido lugar. Característica do que é
belo. Ordem das prioridades, hierarquia, ordem dos afetos, da inteligência e da
vontade. A ordem permite a organização da roupa no dia anterior, a programação da
sequência de acontecimentos, que geram pontualidade, tranquilidade. Na aparência,
denota asseio, higiene, respeito pelos outros. A engrenagem bem articulada facilita
tira o peso da vida dos outros e da nossa, poupa trabalho e desgosto aos que
convivem conosco. Disposição boa. Ajuda a aliviar a carga, facilita. Como alcançar a
ordem? Atitudes simples e concretas: ter horário fixo para acordar, arrumar-se todos
os dias, se vestir dos pés à cabeça, maquiar, arrumar o cabelo, ajuda na ordem
interior. Tirar o que suja a imagem, organizar o guarda-roupa, especificamente na
vestimenta para visualizar tudo que temos, separar a roupa no dia anterior ajuda a
economizar tempo.
2. Fortaleza. Robustece a nossa vontade para sermos capazes de enfrentar as
dificuldades sem medo. Busca do bem árduo sem desistir. Firmeza e constância na
procura do bem. É fundamental sermos fortes. O hábito de vestir-se bem, construir
uma boa imagem exige fortaleza. Precisamos vencer a preguiça, o desânimo, a falta
de dinheiro, não ficar parado em razão das dificuldades da vida. Para nos
embelezar, é preciso esforço. Como alcançá-la? Acordar mais cedo para se vestir,
vencer o sono, não comer tudo que tem vontade, não falar tudo que vem à cabeça,
sorrir mesmo em situações difíceis em meio ao caos, ser constante, não desistir.
3. Magnanimidade. Grandeza de alma. Vitória do amor e da fortaleza sobre a
pusilanimidade (pessoa de alma pequena, mesquinhez, conformismo). Força que
nos move a sair de nós mesmos para nos prepararmos para empreender obras
valiosas em benefício de outros. Não calcular tudo, buscar benefício em tudo,
poupar-se demais, querer colocar o mínimo esforço em tudo, calcular tempo,
esforço, recompensa; pessoa que acha que não vale a pena nenhum grande esforço
para nada; pessoa que não vai sair do acostamento; vai chegar ao fim da vida com
as mãos vazias. Evitar calculismo, pois isso se espalha para vários âmbitos da vida
da pessoa. Preguicinha de se vestir, achar que não vale a pena. Isso faz a vida ser
rasteira. Não se trata de aparecer no sentido de desfilar, fazer um espetáculo. Mas
aparecer implica uma responsabilidade, mostrar uma disponibilidade ao serviço. O
medo de aparecer pode ser mesquinhez de alma, não querer se envolver. Vestir-se
como uma pessoa madura e se colocar a serviço, fazer tudo por amor, para servir,
fomentar o desejo de uma vida elevada e comprometida. Não ter vergonha de
aparecer com uma imagem bem vestida e atraente para assumir as rédeas da vida.
Permanecer firme no desejo de fazer os outros mais felizes. Pensar que podemos
impactar positivamente a vida dos outros.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

4. Temperança. Modera as outras virtudes, atração dos desejos e prazeres sensíveis.


Onde pode faltar a moderação? Consumo, acúmulo, economia, não querer gastar,
investir: falta de medida (pode ser para mais ou para menos). Estabelece o
equilíbrio, harmonia entre a dimensão espiritual e a corporal. Nos ajuda a não
esquecermos que somos seres humanos. Para evitar o consumo excessivo e o
acúmulo, é necessário encarar os objetos como meios, ferramentas para
alcançarmos coisas boas, não é um fim. Desprendimento caminha junto com a
temperança. Ser desprendido é não viver para as coisas, é encarar as coisas como
elas são: coisas. Não é preciso ter pena de se desfazer de coisas. Desapegar, tirar o
excesso do guarda-roupa. Fazer lista para comprar o necessário. Hábitos que
ajudam: comer até saciar a fome e parar. Autodomínio não é para mostrar força ou
auto suficiência, é para servir melhor.
5. Caridade (principal) nos leva a amar sem limites, sem reservas. É a primeira de
todas as virtudes, sem a qual nenhuma outra virtude tem sentido. No aspecto da
beleza, é o que motiva todo o movimento. O hábito de se arrumar bem tem valor
verdadeiro se ele não se encerrar em si mesmos, se não fizer com que nos
afogamos em nossa própria imagem. Hábito para fora, para expandir o coração.
Esquecimento próprio para tornar a vida das outras pessoas mais feliz. Fazer as
coisas por amor, esquecer de si mesmo. Esquecer dos incômodos próprios. Nos
ajuda a crescer na caridade: doar para quem não tem, com generosidade, emprestar
os pertences sem apegos, sorrir e não reclamar. Fonte de animosidade na família:
reclamação infinita. A reclamação é uma atitude pouco generosa. Sorrir até do que
pode incomodar.

A entrega de nós mesmos foge da lógica humana calculista. O crescimento nas virtudes faz
com que sejamos mais livres e realizados. Uma pessoa realizada não é necessariamente
famosa ou tem muitos bens, ou poder aquisitivo alto. O que nos faz realizados é ter uma
vida virtuosa. Atitudes pequenas, hábito de desprender-se do que não é fim, não nos tira
nada, só expande o nosso coração. Preenche o coração. Vestir-se bem envolve todos os
bons hábitos e virtudes e é um passo importante no amadurecimento, nos ajuda a servir e
ser útil.

Intervenção Italo: O terapeuta deve destrinchar e colocar em prática essas questões


conforme o caso com cada paciente. A virtude de quem está do outro lado de quem se
veste: polo receptivo. Referencial teórico: Roman Ingarden, que criou o método da estética
receptiva alemã. Começa trabalhando as obras de arte literária, que é intencional e
heterônimo. Existe uma intenção do sujeito que escreve o texto, uma virtude com uma
intenção artística, simbólica, mas é heterônimo no sentido que a intenção artística só se
completa na receptividade de quem está lendo o texto, como se as obras de arte fossem
incompletas e só encontrassem completude naquele que a recebe. Extrapolar essa teoria
para a vestimenta, como uma história que se conta e uma história que se conta de modo
artístico, como se tem a virtude no vestir. Se não existe uma intenção de expressar beleza,
aquilo não é arte. Discussão sobre as artes desconstruídas contemporâneas. O polo
receptivo pode ser compreendido como uma obra de arte narrativa. Arte se for intencional e
narrativa se tem uma pessoa que está vestindo e está contando uma história através de um
símbolo estético específico que é a indumentária. As obras literárias mais realistas tem a
roupa como parte da cena na maior parte das vezes. A história poética também se conta a
partir da roupa. Existe uma virtude que é a intenção daquele se veste (pudor,

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

magnanimidade, caridade, continência), mas pela teoria receptiva, a teoria só se completa


quando tem um pólo receptivo. Isso deve ser trabalhado nos pacientes. A história se
completa quando os pacientes fazem o polo oposto daquele que se veste para eles, que na
vida prática e concreta é valorizar, apontar, comentar, de modo positivo, propositivo
sobretudo de modo alegre sobre a roupa dos outros. No nosso ambiente existe um clima de
fofoca, de maledicência, de inveja, de disse-me-disse, de tentar puxar o tapete do outro. O
mundo estético, da beleza, nunca se completaria desse modo; o que pode ser uma das
grandes causas de neurose dos nossos tempos. O pólo receptivo da estética está
corrompido porque a visão virtuosa está corrompida. Se não existe um olhar para receber
virtuosamente a estética oferecida, toda a dimensão estética triangular (o que emite, o
referencial, o que recebe) uma das pontas do triângulo está quebrada, então o triângulo da
virtude se frustra e, em se frustrando, o triângulo da virtude que refere ao transcendental
(beleza) vai haver um princípio de causa de desorientação. Existe uma conexão segura,
ainda em nível especulativo, pegando a teoria da estética receptiva do Ingarden e a
hermenêutica trabalhada por Hans Georg Gadamer, trabalhar tudo isso com a virtude,
apontando para a esperança, conectando com o transcendental da beleza. Na prática, é o
seguinte: no ambiente familiar, temos que ter o olhar receptivo da beleza oferecida pelo
mundo, como estamos num universo humano, o sujeito só repara que você recebeu a
estética e a completou em si, se isso for dito, comentado por meio de elogios. Somos bichos
de linguagem. Na prática, falar é elogiar, é comentar. Comentar destrutivo quebra um dos
tripés do triângulo da estética. O terapeuta precisa ver em seu paciente e propor para ele
trabalhar a virtude do olhar que completa a estética e que comunica isso pro mundo através
de uma fala amorosa e propositiva. Tentar quebrar o espírito de maledicência e inveja.
Quando alguém bem vestido, maquiado aparece, o ambiente pode receber de modo
negativo e o paciente pode ser um desses pés que quebra o processo, pode ser uma das
pessoas que faz isso. Ao fazer isso, ele é o maior prejudicado, porque não está
conseguindo completar em si aquilo que a estética tem a oferecer.
Paula: Na prática, muitas mulheres se empenham em estar mais bem apresentadas e não
são elogiadas na dinâmica familiar. É um ponto sensível. No ambiente familiar, pode-se
sinalizar o desejo de recepção da estética: estou me arrumando, quero ser elogiada.
Superar a falta de atenção do dia-a-dia. Trabalhar no sentido de ajudar a pessoa a perceber
o esforço em estar mais bem arrumada.
Italo: no fundo, é tudo muito banal. Sem excluir a culpa do que trai, o complemento estético
pode ser motivador de traições. Criar vínculos transcendentais com pessoas de fora do
relacionamento. É um fenômeno que acontece. O terapeuta precisa ter movimentos claros
em sua cabeça, pois a coisa pode ser banal. A teoria da receptividade estética dá conta de
resolver um monte de questões relativas ao relacionamento.

Aula 6 - Os sete estilos universais

02/01/22
Nesta aula, vamos falar sobre a personalidade, os estilos e a identidade. A personalidade é
a articulação entre o nosso interior e o mundo que nos cerca, ela é única. Existem alguns
códigos visuais que podemos colocar na roupa e que vão traduzir a nossa forma de se
expressar, a personalidade, e a forma como se colocar nas diferentes situações.
Os estilos visuais que nos ajudam a expressar aquilo que é único em nós. O que é estilo? É
a forma de dizer quem somos sem falar nada. Para fins didáticos, usaremos a classificação
da Alice Parson, que serve tanto para mulheres, quanto para homens. É uma ferramenta. A

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classificação não é um encarceramento, é uma direção, é um caminho, uma linguagem. As


pessoas podem transitar com fluidez. São 7 estilos universais, dentre os quais 3 são os
principais, que falam mais alto, possuem códigos visuais mais usados. Existem 4 estilos
complementares, que adicionam inovação à imagem. Todos podem ser usados da forma
mais conveniente para cada um, de acordo com o ambiente. Em geral, tentamos equilibrar 2
ou 3 estilos. Quais são os estilos e os códigos? Os três principais são:
1. Esportivo. Natural, confortável, comfy. Estilo que transmite mensagem amigável,
despretensiosa, despojada, simples. Em geral, usado pelas pessoas que primam
pelo conforto, praticidade, sem se preocupar tanto com detalhes. Peças que
oferecem mobilidade, de fácil manutenção, simples, combinações de cores pouco
elaboradas, sem muitos acessórios. Bolsa grande tipo sacola, ou sem bolsa, tênis ou
sapato baixo, maquiagem natural, barba não muito elaborada, cabelo bem natural,
pessoa que não se preocupa com a elaboração da imagem. Usado por pessoas que
precisam de mais mobilidade: fotógrafos, pessoas que trabalham com crianças
pequenas, mães, professoras, vendedores. Mesma bolsa para várias ocasiões. Não
é preciso perder a beleza e a elegância. O estilo despojado demais pode passar a
impressão de descuido ou desleixo.
2. Clássico ou tradicional. Transmite mensagem de discrição, seriedade, competência.
Em geral, usado por pessoas mais conservadoras, tradicionais ou que trabalham em
ambientes mais tradicionais, conservadores: médicos, advogados, altos cargos do
governo. Código visual: peças mais fechadas, não reveladoras, cores mais
discretas, sem extravagância, pouca ousadia, passa a impressão de uma pessoa
apropriada. Tem muitas linhas retas: alfaiataria, calça social, blazer, saia reta, saia
lápis. Maquiagem adequada, não chamativa, cabelo organizado, acessórios
pequenos, médios, com pedraria, metal discreto. Homens com cabelo organizado,
certinho, nada fashionista, linhas retas nos óculos. Gola alta, cor escura, look
discreto, sapato scarpin médio ou baixo, sapato fechado é mais comum. Cabelo
preso, bem controlado, maquiagem discreta. Tons neutros são mais presentes,
peças estruturadas, que dão forma ao corpo.
3. Contemporâneo ou elegante. Transmite mensagem de sofisticação, refinamento,
pessoa antenada. Não é fashionista, mas sabe o que tá acontecendo na moda,
pessoa in. Jornalistas, digital influencer, consultora de imagem, diplomata. Peças
com linhas simples, peças médio estruturadas, com um pouco de alfaiataria, mas
mais moderna, menos séria, tecidos sofisticados, tipo seda, musseline, couro,
maquiagem impecável, cores neutras, monocromática, cabelo impecável, peças de
alta qualidade, caimento perfeito. Tem alguma informação de mais estilo nos
acessórios - scarpin com estampa animal print, por exemplo. No homem, caimento
interessante, sai da seriedade do clássico, o jeans entra com caimento legal, mais
moderno, mais curto, com ousadia nas proporções.
Os quatro estilos complementares são:
1. Romântico. Transmite mensagem de doçura, delicadeza, gentileza. Aparece mais
nas mulheres que nos homens. Usado por pessoas que trabalham com crianças,
conselheiros, terapeutas. Peças com elementos bem delicados, babado, renda,
bolinha, saia, vestido com balanço, movimento, manga bufante. Nos homens pode
aparecer de uma forma mais sutil, cor suave, lavanda, tom pastel, cabelo um pouco
maior, estilo acolhedor, tricot. Cor clara, opaca. Fluidez, movimento. Mensagem de
leveza. Se usar muitos elementos, pode virar uma caricatura, transmitir uma
mensagem ingênua.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

2. Sexy. Transmite uma ousadia, provocação, atrevimento. Em geral, quem tem esse
estilo gosta de chamar atenção pro corpo, ser provocante, no olhar, na maquiagem,
pode até ser sutil. Sex appeal. As peças são mais justas, com mais decote, que
mostram mais pele, muito couro, animal print, transparência. Usado por dançarinos,
modelos, atores, personal trainer. Vestido acinturado, comprimento acima do joelho,
sandália alta, salto fino, chama a atenção. Nos homens, esse estilo tem mais
marcação no corpo, calça justa, cabelo desarrumado. Em excesso, pode transmitir
mensagem de muita abertura, muita facilidade.
3. Criativo. Transmite mensagem de originalidade, inovação e liberdade. A pessoa cria
em cima da imagem, não liga pra regra, proporção, ela quer performar, inventar em
cima da imagem. Mistura de estilos. Peças atrevidas, diferentes. Originalidade
marcada. Usada por pessoas que estão na mídia, produtores de moda, consultoras
de imagem, artistas plásticos, artes de forma geral. Códigos que aparecem: hi-low.
Combinação de diferentes estilos. Muita textura com pouca. Peça pesada com leve,
peça simples com sofisticada, peças opostas. Mistura de cores, brincadeira com a
imagem. A pessoa criativa quer ser livre, acessórios grandes, óculos, tênis florido.
Maquiagem colorida, cortes de cabelo assimétricos, acessórios étnicos, vintage. Se
exceder nas informações, pode transmitir mensagem de confusão ou
desorganização. Articulação entre o estilo pessoal e a adequação é importante.
4. Moderno. Dramático-urbano. Transmite mensagem de impacto e distanciamento.
Poucos amigos. Óculos escuros em ambientes fechados, tendências, passarelas,
usa o que está em alta. Usado por modelos, digital influencers, criadores de moda e
profissionais de marketing. Como essa pessoa se veste? Tecidos mais pesados,
couro, metalizado, acessórios grandes, óculos escuros, com ponta, tachinhas, bico,
ferragens, botões, fivelas, metais presentes. Roupas escuras: distanciamento.
Detalhes de metal no sapato, corte de cabelo assimétrico, muita assimetria,
contrastes. Se excederem os elementos: passar mensagem de distanciamento, ou
esnobe ou “fashion victim”, escravo da moda.

Essa classificação é uma ferramenta para interpretar a pessoa, de como é o estilo de vida
dela. A pessoa não precisa apresentar todos os elementos de um estilo só. O objetivo é ter
as ferramentas para reconhecer e sugerir e orientar para que as pessoas possam se
encaixar. Ter domínio ajuda a encaixar e transitar entre os estilos. A pessoa pode mudar de
estilo ao longo da vida, de acordo com os acontecimentos da vida, alguns marcos que
fazem com que a imagem também tenha que mudar. Cada mudança da vida requer uma
imagem de acordo com aquele novo momento, exemplo: graduação, mudança de país,
mudança de formação corporal.
Não existem só 7 tipos de pessoas, isso é só uma orientação que ajuda a entender um
pouco o comportamento. É importante que a imagem seja singularizada. Duas pessoas com
o mesmo estilo podem se apresentar de formas diferentes. Isso traz identidade, marca
pessoal pra imagem. Algumas pessoas tem essa marca mais evidente, pronunciada, pois
querem marcar mais e até usam elementos de forma repetida, para deixar registrada sua
marca. Entender os códigos visuais é uma ferramenta de diagnóstico, terapeuta, para
entender os pacientes. Uma pessoa encaixada no próprio estilo está encaixada na própria
realidade e isso nos ajuda a amadurecer, crescer, ser de fato quem é. Não se trata de
assumir um personagem ou agir de forma artificial. Pensar no desejo de imagem da pessoa
e adequar. Treinar o olhar pra captar os códigos visuais, que muitas vezes estão
desorganizados nas pessoas.

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Aula 7 - Observação e análise de traços

05/01/22
Linhas e dimensões de rosto e corpo. Nosso interior é manifestado por meio do nosso corpo
e o rosto é o protagonista da imagem, é o primeiro foco. Cabelo, olhos, expressão facial,
boca, nariz, queixo, tudo isso nos conta uma história. Alguns elementos do rosto passam
algumas mensagens. Os nossos traços físicos naturais não traduzem exatamente quem
somos, mas apontam alguma coisa, transmitem uma mensagem. Podem estar em
congruência com o que queremos emitir ou não. Se não estiver, podemos intervir.
Capturar algumas mensagens, ainda que não sejam definitivas para a caracterização.
1. Olhos. Janela da alma. Se a pessoa não quer se dar a conhecer, ela desvia o olhar.
O formato dos olhos traz uma mensagem. Olhos amendoados (forma de amêndoa)
transmitem vividez, algo de sensual e curioso, aptidão pelo novo. Olhos pequenos (a
pálpebra cobre a iris, a iris não aparece tanto, muito comum em asiáticos) transmite
um olhar suave, mas pode ser um olhar cansado, isso pode ser um ruído. Olhos
caídos são maiores que os pequenos, mas têm uma queda da pálpebra e
transmitem fragilidade emocional e cansaço. Olhos fundos (evidenciam as olheiras)
transmitem um olhar penetrante. Olhos grandes passam mensagem de
expressividade, atenção. Olhos claros trazem mensagem mais suave, penetrante,
olhos escuros podem trazer peso. Um acessório que pode ser um segundo olho são
os óculos. Critérios dos óculos: desejo de imagem, proporção das 3 partes do rosto
(parte superior, segundo terço e terceiro terço), o que me incomoda (usar o óculos
para tirar a atenção disso - essa é a grande estratégia de imagem), cor, armação
dos óculos, podem trazer seriedade, gravidade, precisão, levantar ou cair o olhar,
preencher linhas de expressão, ser mais masculino ou feminino. Óculos de armação
mais grossa trazem mais seriedade. As armações metálicas, finas, trazem ideia de
precisão. Os óculos que tendem a aumentar o olhar têm desenho mais pra cima, pro
céu, os óculos que são pra baixo abaixam o olhar. Alguns óculos transmitem uma
certa ousadia: gatinho. Energia masculina: estilo aviador (filme Top Gun). Energia
feminina: linhas mais curvas. Óculos redondos preenchem linhas de expressão, elas
podem ser mais acentuadas em rostos mais finos.
Nenhum elemento pode ser analisado de forma isolada, não traz a mensagem do todo.
Pensar nos elementos que estão em volta.
2. Cabelo. Moldura do rosto. Se estiver descompassado, transmite mensagem confusa.
Corte, cor, finalização. Cuidado com o cabelo para receber o paciente, pentear,
organizar, corte harmônico. Diferentes tipos de cabelo transmitem mensagens
diferentes. Fios lisos e retos transmitem mensagem mais organizada e séria.
Ondulados comunicam mais leveza e um pouco de sensualidade. Cabelos
cacheados passam ideia de descontração, liberdade. Fios curtos: pode ter energia
masculina. Fios longos: característica mais feminina. Loiros: luminosidade. Escuros:
peso, idade mais avançada. Fios coloridos: criatividade, originalidade. Alguns tipos
de penteados trazem algumas informações. Coque alto: atrevido, jovial. Coque
baixo: tradicional, conservador. Rabo de cabalo: despretensão, praticidade.
Raspado: força, desprendimento da própria imagem. Baixo: imagem organizada,
comportada. Cabelo grande no homem: romântico ou despojado. Franja: pode
infantilizar em alguns casos.

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3. Formatos do rosto. Arredondado, sem pontas: suavidade, aconchego, energia


feminina, mensagem pueril. Quadrangular, com linhas mais retas: assertividade,
força e energia mais masculina.
4. Homens: A barba é a maquiagem deles, que em geral traz mensagem de mais força,
masculinidade, idade; ela completa partes do rosto, pode disfarçar imperfeições,
alterações, equilibrar dimensões do rosto.
5. Corpo. É o grande mediador do nosso mundo interior com o exterior. Retângulo ou
ampulheta: ombros e quadris na mesma dimensão, com cintura mais fina no
segundo caso. Triângulo invertido. Triângulo ou pêra. Oval: abdômen mais
pronunciado. Saber o melhor modelo de peças para favorecer o corpo. No Brasil o
corpo triângulo é muito comum. Triângulo: disfarçar o quadril, trazer volume pra
cima, saia evasê. Corpo dos homens mais comum: triângulo invertido. Se tiver mais
abdômen, usar roupas para disfarçá-lo. Quando a pessoa descobre o biotipo e a
peça que mais a favorece, ela cura uma certa dor, pois é sofrido ficar procurando
peças para valorizar o corpo. Jogo de escuro e claro. Chamar atenção pra onde é
menor. Nem muito largo, nem muito justo, procurar o meio termo. Conferem força ao
visual: estatura alta, escala óssea mais robusta, pescoço mais grosso e curto,
ombros mais largos e contraste pessoal alto (diferença de claro e escuro entre
cabelo, pele e olho). Conferem suavidade ao visual: estatura baixa, escala óssea
mais delicada, pescoço comprido e fino, ombros estreitos, contraste pessoal mais
baixo. Postura: diz sobre nós, até sobre uma patologia e nosso posicionamento.
Postura ereta: segurança, confiança, abertura. Postura encurvada: tímida, temerosa,
fechamento, afastamento.
Olhe para o seu paciente. Uma pessoa que sorri é mais aberta e quer se conectar mais com
os outros. Conectar os traços naturais com os adornos. Conectar o rosto com o corpo.
Observar a estrutura corporal, como tá o caimento das peças, se elas estão de acordo com
o biotipo. Pode haver indícios de falta de percepção corporal e de autoconhecimento. Tudo
isso é linguagem mais eloquente que palavras, muitas vezes.

Aula 8 - Cores e características naturais

10/01/2022
Linguagem das cores. A cor é o primeiro elemento percebido pelo espectador. É
fundamental saber interpretar qual é a mensagem que ela vai transmitir e o efeito que ela
causa. A pessoa tem uma paisagem natural, as cores que já fazem parte dela - cabelo,
olho, boca, mãos, pele. Vemos mais elementos com cores no rosto. É importante perceber
as cores naturais.
1. Pele. Corada ou não, amarelada, opaca, acinzentada. Isso pode informar alguma
patologia. Além das cores próprias, tem as cores dos elementos, dos adornos
colocados, que vão interferir, principalmente os que estiverem da cintura pra cima.
As cores podem trazer ar de desânimo, cansaço. Um olhar atento consegue reparar
se a cor que a pessoa está usando a está valorizando: treinar o olhar. Observar a
pessoa sob a luz natural, pra ver com mais clareza a repercussão da roupa nela.
Cores próprias: o que cada coloração nos diz? Observar no rosto. Cores claras:
leveza, suavidade; contraste baixo (cabelo e olho claro). Contraste médio:
aconchego. Contraste alto: impacto, força. Cabelos ruivos trazem uma mensagem
mais exótica, mais quente e ousada. Coloração própria, diferença de claro e escuro.
No homem, a barba. Ela pode interferir no contraste da pessoa.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Mensagem que cada cor transmite - informação que não precisa ser usada só nas roupas,
mas também no ambiente:
1. Azul: mais aceita de todas. Agrada à maioria das pessoas. Tranquilidade,
estabilidade, serenidade.
2. Verde: vitalidade, saúde, esperança, dinheiro.
3. Amarelo: solar, calor, proximidade, descontração.
4. Laranja: exótica, prosperidade, sucesso.
5. Roxo: espiritualidade, magia, mistério.
6. Rosa: romantismo, feminilidade, dependendo do tom, impacto, atrevimento.
7. Vermelho: paixão, energia, excitação;
8. Marrom: seriedade, profundidade.
9. Cinza: neutralidade, estabilidade.
10. Branco: paz, pureza, limpeza.
11. Preto: distanciamento, morte, glamour.
Compreendemos a mensagem das cores dentro de um contexto. As cores possuem 3
dimensões:
1. Temperatura:
a. quente: pigmento amarelado. Amigável, acessível, proximidade.
b. fria: pigmento azulado. Sofisticação, distanciamento, clássica.
2. Intensidade:
a. mais intensas, mais saturadas, com mais brilho: dinamismo, energia.
b. mais opacas, menos brilho: timidez, conservadorismo, reserva.
c. neutras: acromáticas - sujas por outras cores. Adquiriram uma característica
neutra, que não se impõe, não atrapalha. Exemplos: cáqui, bege, azul
marinho, cinza mais pra médio, bordô, verde militar. São cores facilmente
coordenadas: mensagem de sofisticação, chiqueza.
3. Profundidade:
a. clara (mais adição de branco): revelam, um ambiente claro parece maior do
que é; uma pessoa com cor clara pode dar a impressão de que ela tem uma
dimensão corporal maior do que de fato tem, expandem, leveza.
b. escura: retraem, disfarçam, gravidade, drama.

Coordenação é a combinação de cores. Como saber se a cor está combinando? Olhar pra
natureza, se existe lá, ela funciona, mesmo não sendo do gosto de todo mundo. Existe uma
ferramenta para isso: círculo cromático (arco-íris fechado), que tem todas as cores e
podemos usar algumas direções dele pra combinar.
1. Cores complementares: opostas. Roxo e amarelo; verde e vermelho; laranja e azul.
2. Cores análogas: uma do lado da outra: azul e verde, verde e amarelo, rosa e
vermelho.
Qual é a mensagem das combinações de cores? A pessoa pode passar a impressão de que
é antenada para usar algumas cores, pode ser também um elemento de criatividade no
visual. Considerando a dimensão das cores também, a análise não deve ser isolada.
Quanto mais cores forem vistas na imagem da pessoa, mais ousadia e descontração há
nela ou até mesmo confusão. Quem quer ser discreto não pode pesar muito na quantidade
de cores.
Como usar essas informações? Como compreender a linguagem das cores? Analisar os
traços naturais e suas mensagens, mais a harmonia com os adornos, a roupa, os

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acessórios. Observar se as cores que a pessoa usa realçam os traços naturais ou apagam,
abatem, disfarçam. É estilo, intencional, é uma mensagem, um disfarce…?

Rennan Caminhoto - Nutrição

Aula 1 - Neurotransmissores: o que são?

27/11
Introdução - Ítalo: uma série de questões levantadas pelos pacientes, relativas a disposição,
por exemplo, tem a ver com uma base biológica. Sob vários aspectos, somos o que
comemos e nos comportamos na medida em que temos uma base biológica para isso. É
preciso conseguir identificar o que falta na nutrição do paciente.
Renan: o que são neurotransmissores? Começamos por relembrar o que é o sistema
nervoso. O cérebro é constituído por bilhões de células, as principais são os neurônios, que
é a base. Os neurônios se comunicam entre si e a função cerebral depende de uma boa
comunicação entre eles. A comunicação acontece por estímulos, que são ativados por
alguns compostos químicos, chamados neurotransmissores. Eles são importantes para o
sistema nervoso e para regulação do nosso humor. Os fármacos utilizados para tratamento
para melhorar o humor agem na função dos neurotransmissores - aumentando a
disponibilidade, na ativação, mimetizando a ativação, etc. O tratamento orgânico,
farmacológico do paciente se dá na função dessas moléculas. Como eles são feitos e quais
são seus efeitos? Temos que produzir nossos neurotransmissores a partir de algo: é o
precursor. Precursor é uma molécula química, em geral, adquirida pela alimentação.
1º neurotransmissor: DOPAMINA. Associada ao sentimento de recompensa, capacidade de
engajamento em alguma atividade, associada à nossa capacidade de desejo, está ligada ao
centro de recompensa do nosso cérebro. O estímulo faz com que o indivíduo tenha a
tendência a repetir aquele ato que gerou a recompensa. Dois eventos geram muita
dopamina: fazer sexo e comer. A ativação do centro de recompensa (prazer) é a garantia de
repetição do ato, querer sempre repetir o ato. A falta da dopamina prejudica a capacidade
de realizar as coisas próprias da vida. O ato de comer, a higiene pessoal, etc será
prejudicado se não houver dopamina suficiente no organismo. Todos os vícios
desequilibram a resposta da dopamina, pois o indivíduo se adapta a ter grandes
quantidades de dopamina. Para adquirir a dopamina, o cérebro precisa de FENILALANINA,
que é o precursor. É um aminoácido essencial. Alguns aminoácidos são produzidos pelo
corpo, outros não. A fenilalanina é convertida em tirosina - L-dopa - dopamina. Essas
reações químicas não acontecem espontaneamente, elas precisam de enzimas. Algumas
enzimas (catalisadores) necessárias são: tirosina hidroxilase e dopa descarboxilase. Para
as enzimas funcionarem, elas precisam de cofatores enzimáticos, que são: cobre e B6
(adquiridos pela alimentação). A deficiência dessas enzimas pode prejudicar o
funcionamento do organismo. O cobre pode ser antagonizado por outros metais, como
alumínio e zinco (acima de 30mg de zinco aumenta o risco da antagonização). Excesso de
estrogênio pode prejudicar a função da B6.

2º neurotransmissor: NORADRENALINA. Ela é produzida a partir da dopamina. É o


principal neurotransmissor associado à dor profunda, resposta aguda ao estresse. Nessas
situações ocorre uma descarga de noradrenalina e ajuda a adaptar o corpo ao estresse.
Essa descarga aumenta a glicemia, frequência cardíaca, pressão arterial, dilatação da
pupila, contração do esfíncter, aumenta a atenção. O desequilíbrio (falta ou excesso)

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

prejudica nessa adaptação, com aumento do medo, por exemplo. Pode desencadear crise
de ansiedade, sensação de descontrole e descompasso físico. Essa reação química
depende da vitamina C para acontecer, que ajuda até em transtorno de ansiedade.

3º neurotransmissor: SEROTONINA. É o neurotransmissor associado à depressão. É o que


causa sentimento de felicidade, sentido da vida, preenchimento interior. Muitos fármacos
agem com a serotonina. A falta dela causa tristeza, vazio, falta de sentido. Ela tem
precursores aminoácidos: triptofano (essencial - adquirido pela dieta) - 5HTP - serotonina.
Cofatores enzimáticos: B6 e magnésio.

4º neurotransmissor: GLUTAMATO (estimula). 5º neurotransmissor: GABA (inibe). Ambos


participam do processo de regulação da excitabilidade do nosso sistema nervoso central.
Glutamato é produzido na mitocôndria - que é convertido em Gaba, que volta pra
mitocôndria e alimenta outras reações químicas e vita glutamato de novo. Reações
dependem da B6. Há nutrientes que são responsáveis pela capacidade do
neurotransmissor exercer seu efeito biológico pelos receptores. A vitamina D é uma deles,
zinco e magnésio também.

É importante garantir que haverá a produção adequada dos neurotransmissores. Tanto por
meio da suplementação quanto por meio da alimentação.

Aula 2 - Vitaminas D e B12 na depressão

30/11
Vitamina D: tratada como hormônio pela endocrinologia; nosso corpo produz a partir da
exposição adequada ao sol. Ela tem efeitos no metabolismo ósseo. Ela influencia na
absorção do cálcio e na densidade mineral óssea. Ela tem inúmeras outras funções no
nosso organismo, inclusive no nosso humor e na depressão. Existe correlação entre a
deficiência da VitD e o aparecimento da depressão. A reposição da VitD em indivíduos com
depressão melhoram o quadro depressivo. Ela não age apenas no metabolismo do cálcio.
Interage em diversas estruturas do sistema nervoso central, aumenta a produção de alguns
neurotransmissores. Como avaliar a deficiência e como repor a VitD?
Quando o paciente chega com um quadro de depressão diagnosticado, é bom pedir exame
da VitD (25hidroxiVitD). Com o resultado, verificar a faixa de referência, que varia entre 20 e
90. Abaixo de 20, não há discussão, é um quadro de deficiência. Entre 20 e 40 existe um
limbo, alguns entendem que está tudo bem, outros entendem que não. Mas o desejável é
acima de 40, principalmente em pacientes com depressão. Acima de 100 pode haver
toxicidade. Não é qualquer tipo de exposição ao sol que gera a produção da VitD. Tem que
ser uma exposição adequada, entre 10h da manhã e 14h da tarde, o que pode apresentar
desvantagens dermatológicas. A reposição é feita por meio de suplementação. Como fazer
a reposição? Na deficiência: no mínimo 50.000ui/semanal ou 7.000ui/diário. Grávidas
devem fazer reposição diária. Algumas pessoas absorvem melhor que outras. É uma
vitamina lipo-solúvel: diluída em gordura. Melhor ser consumida junto com refeição com
gordura. Prescrição por 2-3 meses e, depois, refazer o exame para garantir que a
deficiência foi sanada. Depois, descobrir a dose de manutenção adequada para o paciente.
Testar na prática o que funciona melhor. Algumas pessoas precisam de 10.000ui/diário.

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Vitamina B12: está presente em casos interessantes. Está presente, em maioria, em


alimentos de origem animal. Exemplo: paciente anêmica tomava antidepressivos
(depressão refratária à depressão), não melhorava, e passou a se queixar de insônia
intermediária e despertar precoce, tristeza persistente, redução do apetite, falta de energia,
retraimento social, humor deprimido, sem problema de saúde aparente. Psiquiatra
aumentou a medicação, houve uma pequena melhora no apetite, mas sem grandes
melhorias gerais. Trocou de fluoxetina para paroxetina, sem melhora. Após mais de 1 ano
de tratamento sem resposta à medicação, identificou-se uma alteração hematológica. Ela
tinha hemácias com aumento de volume. Médico suspeitou da vitamina B12, que tem
função de favorecer o processo de hematopoiese (formação das hemácias). Dosada a B12,
ela estava em 41 mcg/ml. Valor de referência: 190 a 900 mcg/ml. Deficiência grave de B12.
Ela passou a fazer reposição intramuscular da vitamina. Resultado: em 6 meses ela
recebeu alta médica de todos os antidepressivos utilizados.
Pode haver deficiência de B12 onde não há alteração nenhuma de células sanguíneas. Se
o paciente apresenta fadiga mental, cansaço: dosar a B12.
Grupos de risco de deficiência da B12: pessoas que não comem alimentos de origem
animal, veganos, pacientes que fazem uso de algumas medicações específicas (ex:
citoprotetores gástricos, como omeprazol), pacientes com gastrite, diabéticos em uso da
metformina, pacientes que fazem uso de anticoncepcionais orais, bariátricos (tanto sleeve
quanto bypass - baixa absorção crônica).
Identificar a causa é importante para definir o melhor meio de reposição. O vegano não tem
problema de absorção, ele só não come, pode repor de forma oral. O bariátrico geralmente
tem prescrição de injeção intramuscular de B12 (citoneurin).
Como avaliar a deficiência? Não basta olhar o valor de referência. A principal função da B12
se dá dentro da célula. Confiar nos sintomas: cansaço, fadiga, fadiga mental. Se houver
sintomas, vale a pena suplementar. Pode dosar também a homocisteína (marcador
inespecífico da função da B12, que tende a subir - acima de 8), mas ela também pode subir
por baixa função da B6 e do ácido fólico. Pode dosar também ácido-metil-malônico. O
principal efeito adverso da suplementação é o aparecimento de acne. A suplementação é
bastante segura e tem efeitos enormes em casos de depressão. Reposição via oral: pelo
menos 1.000 mcg na forma ativa - metilcobalamina - até 5.000 mcg/dia. Fazer testes.
Intervenção Ítalo: exame de sangue é complementar, a clínica é soberana. A referência do
laboratório: melhor trabalhar com nível de 500. Cada laboratório tem um nível de referência
diferente. É preciso avaliar à luz de doenças psiquiátricas.
Renan: a B12 tem o papel de ajudar na fadiga como um todo.

Aula 3 - Fármacos para a ansiedade

02/12
Os ansiolíticos são os fármacos usados para tratamento da ansiedade. Existe uma classe
de fármacos que se chama benzodiazepínicos (alprazolam, rivotril..), principal classe de
ansiolíticos. A linha de frente, considerados fármacos de primeira escolha. São
relativamente seguros e mais eficazes quando comparados com outros fármacos, mas
possuem alguns efeitos adversos, pois funcionam à base de um estado de sedação. Pode
prejudicar um pouco o trabalho, a capacidade de dirigir… Quando se prolonga o uso deles,
aumenta o risco do uso abusivo, as pessoas começam a depender deles, tanto
organicamente quanto psicologicamente. Existem casos de dependência química, precisam
ser parados com desmame, não podem ser parados de supetão. O sono com ele não é

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100% reparador, a pessoa pode acordar cansada, como se não tivesse dormido bem, eles
diminuem a entrada do sono REM. Atrapalha a coordenação motora ao acordar também. O
uso abusivo e de longo prazo são ruins. Isso faz as pessoas procurarem alternativas de
tratamento. Como eles funcionam? Interagindo com o neurotransmissor GABA (principal
neurotransmissor inibitório do organismo), coloca a pessoa em estado de maior calma. Para
funcionar, o GABA precisa se ligar em um receptor de membrana celular. Eles agem
facilitando a ligação do GABA com o seu receptor. Como se precisasse de menos gaba
para ter o mesmo efeito biológico de inibição. Começa a precisar de maiores concentrações
de remédio para ter o mesmo efeito. Existe algo que pode substituir essa função? Existem
diversos fitoterápicos que possuem princípios ansiolíticos, que agem dessa mesma
maneira, facilitando a ativação do receptor induzido pelo GABA.
1. Passiflora incarnata (maracugina): longa história de uso na medicina tradicional.
Bastante descrito em modelos animais, mas sem muitos estudos em seres
humanos. Tem um pouco de efeito sedativo. Melhora da ansiedade: 4 semanas. 200
a 600mg/dia. Pode fracionar a dose ao longo do dia. Tem que testar.
2. Melissa officinalis (erva cidreira): Tem um pouco mais de efeito sedativo, pode ser
usado como indutor de sono. Pode piorar o teste cognitivo, por causa do efeito
sedativo mais pronunciado. Melhora: efeito agudo, imediato. Usar à noite. 300 a
600mg/dia.
3. Kawa kawa: tradicionalmente utilizada como bebida recreativa e chá da paz. Tem
efeito na agitação, estresse e a ansiedade, mas não se sabe exatamente como ela
age, pode ser no GABA mas também na serotonina e dopamina. É o menos
sedativo, pode ser usado de manhã. Pode ser utilizado durante o desmame dos
benzodiazepínicos como coadjuvante. 210 a 240mg/dia.
4. Suplemento: magnésio para regulação do glutamato e o GABA. A deficiência dele é
difícil de ser identificada. A dosagem padrão ouro de magnésio é dosada
intra-celular. É difícil saber a quantidade de magnésio que se está ingerindo pela
alimentação, pois a quantidade de magnésio do alimento varia. É importante garantir
a ingestão mínima de magnésio pela suplementação. 260 a 350mg/dia de magnésio
elementar. A deficiência causa agitação mental, dificuldade de iniciar e aprofundar
sono. Dimalato pode favorecer a produção de energia. Quelato (possui glicina) pode
favorecer o sono. Evitar a deficiência de magnésio. Melhor: dimalato e quelado, pois
possuem boa absorção. Verificar a quantidade pela tabela nutricional, não pelo peso
do comprimido. Cloreto, citrato e óxido de magnésio são sais e possuem pior
absorção e podem até causar diarreia. L-treonato: é melhor absorvido no intestino e
pelo sistema nervoso, favorece a entrada no sistema nervoso central. Age no
controle da quantidade dos neurotransmissores, regula os receptores. Ótima
aplicação na ansiedade, na insônia e na depressão.
L-teanina (Gota): diminui ansiedade, agitação, mas sem induzir o sono.

Aula 4 - Melatonina e cortisol

02/12
Ritmo circadiano: período de aproximadamente 24 horas. Temos ciclos que se repetem
nesse período, como o sono por exemplo. O que dá o ritmo é o núcleo…, presente no
hipotálamo. Os ritmos devem estar sincronizados com os ritmos que acontecem no
ambiente externo. Dormir à noite, acordar durante o dia. A luz ajuda na sincronização do

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ritmo interno com o externo, pela produção da melatonina e do cortisol. A luz inibe a
produção de melatonina no sistema nervoso central. Importante para a regulação do cortisol
também. São, de certa forma, antagônicos. O cortisol é produzido durante o dia, é o que
ajuda no nosso despertar; ajuda na adaptação do estresse. A passagem do sono para a
vigília é vista pelo organismo como um evento de estresse. O cortisol prepara o organismo
para a resposta do estresse, ele facilita a noradrenalina a conseguir adaptar o corpo ao
estresse. A adrenalina age de modo muito rápido, o corpo responde rápido. O cortisol
prepara para bem responder à noradrenalina, estimula a expressão de alguns genes e faz
com que a célula tenha receptores para bem responder à noradrenalina. A melatonina é um
hormônio que induz o sono. Um alto prejudica o outro. Ambos são essenciais para nosso
humor e disposição. Quanto mais cortisol, maior será a resposta ao estresse. Como
regulá-los?
1. Melatonina. Higiene adequada do sono. Não adianta somente apagar a luz para
dormir, pois o organismo demora pra entender para produzir melatonina em
quantidade suficiente. Ficar mais calmo perto da hora de dormir. É possível melhorar
por meio da suplementação, da maneira correta. Altas doses podem causas 2
efeitos adversos: transbordar para fases em que ela não deveria estar presente
(letargia, dificuldade de levantar da cama, cansaço); insônia intermediária (pois
induz um processo de sedação). Doses: 3, 5 e 10mg. Todas elas podem ser
consideradas altas e ser desaconselhadas. Fora do país encontram-se outras doses:
de reposição fisiológica. Sugestão: 0,3 a 0,7 mg. Há diversos tipos de insônia
tratadas com melatonina: inicial, intermediária, despertar precoce. O suplemento
serve mais para a insônia inicial. Carboidratos no jantar: pode ser uma ferramenta
para regular a produção endógena de melatonina. O carboidrato de alto índice
glicêmico aumenta a insulina, que diminui a quantidade de alguns aminoácidos na
nossa circulação e facilitam a entrada do triptofano no sistema nervoso central, que
é convertido em serotonina, que é precursor da melatonina.
2. Cortisol. Se estiver alto pode prejudicar muito pacientes que têm transtornos de
humor. Existe um grande pulso matinal que precede o despertar e depois tende a
cair. Tem relação com o estresse. Toda vez que estressamos, temos liberação de
cortisol. Uma pessoa que passa o dia inteiro estressada tem tantos picos que não
distingue bem a produção matinal da produção do resto do dia e acaba ficando
pré-disposto a situações de estresse. Alguns transtornos possuem relação com
excesso de cortisol: TAG (transtorno de ansiedade generalizada): têm pico
aumentado demais e produção constante mais alta que o normal; fobias: tem mais
produção de cortisol. Essas pessoas entram no ciclo vicioso: quanto mais estresse,
mais cortisol. Isso favorece a dessincronização da produção, prejudicando
principalmente a noite. Isso gera impacto metabólico, mudança de apetite, desejo de
comfort food, comidas com açúcar e gordura. Como regular? Por meio de
fitoterápicos adaptógenos:
a. Ashwagandha: da medicina indiana. Principal efeito é a diminuição do cortisol
(28% menos) em pessoas com estresse. Testada como terapia adjuvante no
tratamento do TOC. 120 a 600mg/dia. 500mg é boa dose.
b. Lavanda: óleo essencial. Não é para consumo, é para cheirar. Diminui o
cortisol e aumenta a produção de melatonina, inclusive em bebês. Via
olfativa. A ingestão dos óleos essenciais faz com que percam um pouco seu
efeito, por passarem pelo fígado. Cuidado com excesso.

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c. Rhodiola rósea (prima da ashwagandha): tem efeitos benéficos na


ansiedade, no aumento da disposição, do humor, em situações em que a
ansiedade coloca o indivíduo mais pra baixo, mais desanimado, sem ânimo,
dormindo demais. É serotoninérgica, motivo pelo qual pode até causar um
pouco de agitação. Dose crônica: 200, 300mg. Dose aguda: 600mg/dia (pode
causar insônia).

Aula 5 - Origem e sintomas da TPM

22/12
Humor na mulher. A TPM ou síndrome pré-menstrual. Tem uma origem multifatorial ainda
não bem elucidada, mas há indícios de alteração na produção de neurotransmissores
ocasionada por desequilíbrios ocasionados na mulher. Há características físicas,
comportamentais e afetivos, recorrentes, durante a segunda fase do ciclo menstrual e
desaparecem poucos dias após a menstruação. Sintomas leves que não interferem na
rotina diária da mulher não são considerados TPM. Algumas mulheres possuem sintomas
mais graves (3 a 8%) possuem alteração importante na fase pré-menstrual: transtorno
disfórmico pré-menstrual - requer diagnóstico médico-psiquiátrico e tratamento adequado.
27/12/21
A TPM ou o transtorno disfórmico pré-menstrual possuem poucas opções de tratamento:
contraceptivos orais que suspendem o ciclo, adiam o problema (não resolvem a base do
problema) e uso de antidepressivos (recaptadores de serotonina): ambos são eficazes até
certo ponto mas possuem efeitos adversos. Os anticoncepcionais aumentam o risco de
depressão. Os antidepressivos necessários no transtorno disfórmico pré-menstrual podem
não dar conta de resolver todo o problema.
Suplementação e dieta:
1. Suplementação.
a. Vitaminas do complexo B: ajudam no controle dos sintomas ou até mesmo na
base (causa) do transtorno, que são as alterações hormonais. Ciclo: primeira
fase tem mais estrogênio; segunda fase tem mais progesterona (em alguns
casos a produção estrogênio não diminui suficientemente - o que impacta
negativamente a produção de neurotransmissores). A vitamina B6 participa
da produção de diversos neurotransmissores, em principal a serotonina.
Precisamos dela para a boa produção dos neurotransmissores. O excesso
de estrogênio na segunda fase do ciclo acaba interagindo com a B6 e
impedindo-a ou dificultando-a de produzir a reação química dos
neurotransmissores. A mulher fica com pouca B6 funcionando. Como
combater a deficiência relativa? Saturar o sistema de B6, adicionar bastante
para que a B6 seja vitoriosa na luta contra o estrogênio. Desde a década de
70 já estava demonstrado que a B6 ajuda no restabelecimento do humor da
mulher. A vitamina B6 em excesso pode causar toxicidade. Como
suplementá-la? Recomendação: 1 a 2 mg/dia. Para saturar o sistema, a dose
indicada é de 50mg/dia. Acima de 100mg aumenta a chance de neuropatias.
Outras vitaminas importantes: B12 e B9 (ácido fólico) - importantes no
processo de detoxificação hepática do estrogênio. A B9 pode ser dosada no
sangue, mas pode ser verificada a homocisteína - que se estiver acima de 8,
suplementar todas as 3: B6, B9 e B12. A B1 (tiamina) também é importante,
tem função na saúde dos neurônios (sistema nervoso como um todo), o

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excesso de cólica pode ser tratado com a B1. É possível ajudar na regulação
do tônus muscular do útero, o que faz as dores diminuírem. Dose: 100mg/dia
- metilcobalamina. Sempre metilada.
b. Magnésio: também tem efeitos na regulação do humor pelos
neurotransmissores. É necessário evitar a deficiência do magnésio nesse
quadro, que tende a flutuar na circulação, junto com o cálcio. A flutuação dos
hormônios induz a uma flutuação da biodisponibilidade no sangue do
magnésio e do cálcio: resultado: sintomas de fadiga. Precisamos do
magnésio para produção de energia, para contração muscular adequada. Por
causa dessa flutuação a mulher passa por intensa fadiga perto da
menstruação. O magnésio também age no processo de detoxificação do
estrogênio. O cálcio influencia de modo benéfico nas cólicas menstruais.
Magnésio elementar: 300mg/dia. Cálcio: 500 a 1500mg/dia.
c. Vitamina E. Importante para a detoxificação hepática do estrogênio. A
suplementação dela está associada à melhora do humor e da cólica. Dose:
100 a 400ui/dia. Renan prefere a dose de 400ui.
d. Óleo de peixe ou Ômega 3. Possui ação intensa antiinflamatória, o que ajuda
a melhoria das dores de cólica. A suplementação precisa ser contínua para
surtir efeito. Dose: 1000 a 1500 mg de EPA e DHA.
e. Gengibre para cólicas. Pode ser usado como chá, em pó, extrato, em geral
perto da menstruação - 7 dias antes. Age nas cólicas e nas dores de cabeça
e enxaqueca. Extrato: 100mg. Em pó: meia colher de sobremesa.
f. Vitex (fitoterápico). Principal suplemento no combate à TPM, pois age em
todos os sintomas e age na regulação do desequilíbrio hormonal que
acontece na TPM. Age no sistema nervoso central e em diversos
neurotransmissores, tem ação dopaminérgica, é antiinflamatório, melhora o
humor, regula o equilíbrio hormonal. Dose: 30 a 300mg/dia. Renan prefere
doses mais altas.
2. Alimentação.
a. Excesso de carboidratos pode favorecer o desequilíbrio hormonal, porque a
insulina que aumenta com o consumo do carboidrato estimula a excreção da
enzima aromatase, que converte testosterona em estrogênio. A insulina
cronicamente elevada faz com que a aromatase seja muito excretada o que
gera excesso de conversão de testosterona em estrogênio. A mulher tá
precisando de serotonina, irritada e come carboidrato, o excesso de
carboidrato favorece a entrada do triptofano no sistema nervoso central, que
produz serotonina, mas piora o desequilíbrio hormonal. É um ciclo vicioso.
Tem que ajustar a ingestão de carboidrato. Pode ser feita uma dieta low carb.
b. Fibras na alimentação: além de diminuírem o pico da glicemia, ajudam na
detoxificação hepática do estrogênio. Diminuem a reabsorção da bile no
processo de digestão. Principalmente fibras do tipo psyllium, que tem
capacidade de formação de géis, que retém os sais biliares que não são
reabsorvidos e otimiza-se a detoxificação do estrogênio.
c. Vegetais crucíferos e frutas cítricas. Possuem alguns compostos bioativos
que estimulam o fígado no processo de detoxificação hepática do estrogênio.
Exemplo: brócolis, couve-flor, couve manteiga, aspargos, rabanete, laranja,
limão, tangerina, abacaxi, etc. Adicionar esses grupos alimentares é uma

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estratégia interessante que todo mundo pode fazer. Ajudam na causa da


TPM.
3. Outras mudanças que ajudam na causa da TPM: estilo de vida mais saudável, perda
de peso, boa qualidade do sono, atividade física.

Intervenção Italo: TPM não é incapacitante. A disforia (TDPM) chega a acometer até 10%
das mulheres em idade fértil, que incorre em incapacidade laboral. Algumas mulheres se
trancam em casa, choram, precisam ser medicadas por 15 dias no mês. Os sintomas
cessam com o início da menstruação. A mulher pode ficar irreconhecível.
Renan: Óleo de prímula (rico em ômega 6 muito parecido com o ômega 3) possui intensa
ação anti inflamatória e pode ajudar na melhoria do humor e do desequilíbrio hormonal.
Diferente do ômega 3, pode ser usado de forma quase pontual (7 a 15 dias antes da
menstruação), dose de 500mg/dia já pode ocasionar efeito benéfico na menstruação.
Italo: TPM está no campo da somatização ou algo puramente psicológico que pode dificultar
a abordagem da paciente no sentido de que haja uma causa orgânica. Existe relação direta
entre estrogênio e a formação de dendritos. Os “cabelinhos” dos neurônios ou ramificações,
onde são produzidos neurotransmissores algumas vezes. Quando sobe o estrogênio, os
dendritos tendem a diminuir. A queda do estrogênio faz os sintomas da mulher diminuírem.
O homem tem um sistema nervoso central que não sofre essas oscilações. A causa
orgânica da mulher pode ser profunda, isso também acontece na depressão pós parto,
época em que a mulher não menstrua. Com o parto a mulher tem uma queda brusca de
hormônio, por isso aparece essa depressão. Fator de risco é histórico prévio de transtorno
pré-menstrual, além de outros fatores psicológicos e sociais. Na prescrição da mulher com
TPM, todos esses elementos são usados?
Renan: seleciona os que são usados a partir dos sintomas. Cólica: feno grego. A mulher
não precisa tomar tudo, pode-se compor uma escolha dentre todas as possibilidades. Base:
B6, magnésio e vitamina E.
Italo: A psiquiatria tem poucos protocolos bem definidos.

Aula 6 - Fatores que causam deficiência de testosterona

02/01/22
Testosterona e seu impacto na saúde masculina. Em 2007, um estudo indicou que 1 entre 4
homens tem baixa concentração de testosterona no sangue, o que tem diversos efeitos na
saúde masculina. Baixa testosterona é definida em concentrações menores de 250 ou 300
mg/dcl. Além de sintomas na função sexual (baixo desejo sexual, disfunção erétil, ausência
de ereção matinal, baixa libido), sintomas relacionados a humor também. Incapacidade de
realizar atividades vigorosas, sintomas de depressão e fadiga. Existem algumas coisas que
todos nós podemos fazer e que podem impactar as concentrações de testosterona
masculinas. Causas da baixa testosterona:
1. Sobrepeso. A mulher produz estrogênio pelo ovário, com a enzima aromatase, que
converte a testosterona em estrogênio. O homem também possui essa enzima e a
capacidade de converter testosterona em estrogênio, porque ele tem gordura. O
tecido adiposo é um grande local de expressão da enzima aromatase, portanto, de
conversão de testosterona em estrogênio. Um homem que está acima do peso com
gordura corporal produz mais estrogênio espontaneamente, principalmente na
presença de aumento de insulina crônico (hiperinsulinemia - 20, 30, 40 de insulina).
Quanto mais insulina no sistema, maior será a expressão de atividade dessa

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enzima. Isso se resolve perdendo gordura corporal. Essa situação não se resolve do
dia pra noite, pois perder gordura corporal demanda esforço e tempo de tratamento,
pois as fases iniciais pro tratamento do sobrepeso podem prejudicar ainda mais a
testosterona. A restrição calórica, que é necessária para a perda de peso, é
encarada no organismo por um estresse, que está relacionado à baixa da
testosterona e aumento da dificuldade dela exercer o seu papel. É comum que os
pacientes passem por uma fase de piora do quadro de libido quando iniciam uma
restrição calórica intensa. Mas conforme acontece a perda da gordura corporal o
equilíbrio hormonal passa a ser estabelecido. É importante explicar o processo para
o paciente. O exercício físico é especialmente útil nesse caso, especialmente o de
força (musculação), que ajuda a direcionar a perda de peso para a perda da gordura
corporal e o próprio exercício é um estímulo para a produção da testosterona.
2. Privação de sono. Em um estudo verificou-se que em 8 dias dormindo menos do que
precisavam, homens tiveram diminuição de 15% de sua testosterona, o que foi
associado a um menor vigor também. Qualidade de sono é essencial pra que a
testosterona fique em níveis ótimos. Apneia também precisa ser tratada.
3. Estresse. O cortisol aumenta em períodos de estresse, ele é antagônico à
testosterona. A testosterona aumenta a massa muscular e o cortisol diminui. Um
facilita a queima de gordura, o outro facilita o armazenamento, um aumenta a libido,
o outro a diminui. Em estresse, a reprodução fica em segundo plano. Os chineses
acreditavam que todos os que consumissem a ashwagandha - 160 a 600 mg/dia -
(cheiro do cavalo) teriam o vigor e a vitalidade dela. É um bom auxiliar na
testosterona, até na quantidade de líquido seminal e a qualidade dos
espermatozoides. Homens submetidos a treinamento de força, quando estão usando
ashwagandha tem aumento maior da testosterona.
4. Deficiências nutricionais. Algumas deficiências podem baixar o nível de testosterona,
a primeira é a vitamina D - 7.000/dia ou 50.000/semana - (que, sozinha, já consegue
aumentar bem a testosterona. Suplementos bons: magnésio - 300 mg do elementar -
(deficiência associada a menores concentrações de testosterona livre, a parte
biologicamente ativa, que não está ligada à proteína transportadora, é a testosterona
livre - ativa biologicamente; o magnésio ajuda na liberação da testosterona do
complexo protéico); zinco - quelado 20 a 30 mg/dia (mas perto de 30 pode interferir
no cobre, aí precisa suplementar o cobre quelado também) - (quando está
deficiente, é importante suplementar), é bom quando está em valores próximos a
100, abaixo de 70 é deficiência.

Italo: nem sempre o paciente precisa da testosterona exógena. Reposição de testosterona


precisa da prescrição de um médico. Testosterona no homem está associada ao drive
sexual, mas ela não é importante só pra isso, ela tem relação com a cognição também
(memória que não consegue fazer registro claro das coisas que acontecem, desatenção
que não consegue captar informações nem manter o foco), também é promotor muscular
(tendência a sarcopenia, baixa densidade muscular - que é um preditor de morte, menor
recuperação de pneumonia e internação hospitalar), fator de proteção cardiovascular
(menor índice de infarto), ela rege boa parte da vida cinética (movimento) e psíquica.
Muitas mulheres têm testosterona quase zerada, mas ela também precisa e uma das
causas de bloqueio é o uso de anticoncepcional oral. Muitos homens fazem uso de
anabolizantes sem acompanhamento médico, casos em que é preciso dosar testosterona,
FSH e LH, para ver se o eixo dele está bloqueado ou não. Se os dois últimos estiverem

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muito baixos, o eixo está bloqueado, o testículo atrofia, pois parou de produzir testosterona.
É necessário fazer terapia pós-ciclo, quase sempre isso é reversível. Se o sujeito perde
peso, mas tem o eixo bloqueado, o paciente precisa de uma abordagem farmacológica. A
mulher com eixo bloqueado por causa do anticoncepcional tem que criar outra estratégia -
com testosterona próxima de zero.

Rennan: Na prática, na deficiência da vitamina D, ele prescreve uma dose de 10.000/dia,


com acompanhamento a cada 2 ou 3 meses com exames. O homem tem mais vigor quando
a vitamina D não está deficiente. Na maioria dos casos de hipoglonadismo, havia excesso
de peso também.

Italo: a testosterona baixa no homem em geral faz parte de um quadro mais complexo de
um estilo de vida bastante prejudicado, necessário regular hábitos alimentares, de sono,
sedentarismo, visão de mundo muitas vezes alterada (desesperança, trabalho é tudo,
prazer é tudo).

Rennan: existem estudos sobre posição corporal que indicam que posição de mulher
maravilha ou super homem por 2 minutos alteram de 20-30% a concentração de cortisol e
testosterona pra menos. “Ficar de peito aberto para o mundo”.

Italo: a ereção matinal precisa estar presente na anamnese, pois é um indicativo de saúde
masculina, pois ela deve estar presente na maior parte dos dias da semana. Emagrecer e o
treinamento de força são muito importantes, mas precisa treinar musculaturas maiores
também, como as musculaturas dos membros inferiores, por serem mais volumosas.

Aula 7 - Insulina e dinâmica metabólica

06/01/22
Conceito de resistência à insulina e dieta low carb. Impacto disso nos pacientes. Como é a
função da insulina no organismo: controle glicêmico. O carboidrato chega na nossa
circulação por meio do intestino - passa a ser glicose, que é a parte mais elementar do
nutriente. Glicose: muito útil para o organismo, uma das principais fontes energéticas para o
organismo, essencial para o sistema nervoso central, alimenta diversas outras células do
organismo. Mas o excesso de glicose na circulação é tóxico: glicotoxicidade. Exemplo:
diabetes. Ocorrem diversas lesões: renais, vasos sanguíneos, endotéreos, diversas funções
são prejudicadas, então ela não pode ficar ali no sangue, somente numa faixa adequada. O
excesso precisa ser direcionado para os tecidos, o que acontece por meio da insulina, que a
direciona para o músculo e para o tecido adiposo. A principal função da insulina no
organismo é manter esses níveis de glicose adequados na circulação, pois há eventos de
glicotoxicidade associados ao seu excesso. Entretanto, há situações em que a insulina
passa a não conseguir funcionar direito, é a resistência à insulina. O organismo passa a ser
resistente à ação do hormônio. O organismo precisa de concentrações cada vez maiores de
insulina para manter a glicose em níveis adequados. O excesso de insulina para manter a
glicose em níveis adequados começa a prejudicar diversas funções do organismo, tais
quais.
Fígado: começa a acumular gordura - esteatose hepática. Hepatite não alcoólica. Pode
progredir para uma disfunção hepática grave, insuficiência hepática, câncer. O fígado
produz a gordura por meio da glicose (dar fim a ela). Quando ele começa a acumular

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gordura em seu interior, ele começa a exportar o excesso para o exterior, por meio dos
triglicerídeos. O colesterol também começa a ficar desregulado. Dislipidemia.
Rins: a insulina age no controle do sódio.
Sistema arterial: influencia na pressão arterial.
Essa é a gênese da síndrome metabólica, que tem como gatilho a resistência à insulina
(gatilho dela na próxima aula).
Adaptação que ocorre em resposta à baixa insulina. O contraponto, extremo oposto, é o
jejum. Quando estamos em jejum, não absorvemos glicose, não há entrada de glicose na
circulação pelo intestino. Mas sem glicose, como o sistema nervoso se alimenta? O fígado
tem capacidade de produzir glicose. O carboidrato não é um nutriente essencial, nosso
corpo se adapta sem ele. O fígado libera glicose produzida por aminoácidos advindos da
musculatura. Gliconeogênese. A noradrenalina começa a funcionar bastante, pois o corpo
está numa situação de estresse, então o tecido adiposo começa a liberar gordura, como
ácidos graxos, que serão usados pela musculatura. O fígado começa a usar ácido graxo
como fonte de energia, ele se alimenta da gordura que aparece na circulação, e começa a
se adaptar. Se com excesso de insulina o fígado produz muita gordura, com baixa insulina
ele se habitua a usar gordura como fonte de energia e ocorre uma dinâmica metabólica
importante. Quando o fígado começa a usar muita gordura como fonte de energia, outra
reação química começa a ocorrer, ele devolve pra circulação outro metabólito (resquícios da
queima de gordura), que não existia numa condição de alimentação normal - corpos
cetônicos. A cetose é estabelecida, aparece outro substrato de energia. A glicose é o
principal combustível do sistema nervoso central em condições de alimentação; em
condições de jejum crônico, os corpos cetônicos passam a ser substratos do sistema
nervoso central. Metade da energia do SNC passa a ser advinda dos corpos cetônicos.
Toda a dinâmica metabólica muda num processo de jejum. Essa condição se estabelece
com 24 horas de jejum. Essa condição metabólica que ocorre no jejum, com os corpos
cetônicos, pode ser estabelecida pela dieta cetogênica - dieta low carb. A redução drástica
da ingestão de carboidrato na dieta, essa condição metabólica se instala no organismo.
Essa condição favorece o tratamento da síndrome metabólica e parece ter efeitos benéficos
no humor da pessoa.
Há pacientes que se beneficiam em fazer uma dieta low carb - os que têm síndrome
metabólica, excesso de triglicerídeos, gordura do fígado, resistência à insulina. É uma dieta
tão segura e eficaz quanto qualquer outra. Alguns estudos demonstram a sua
superioridade, principalmente em quadros em que há resistência à insulina.
Definição da dieta low carb. Normalmente nossa ingestão de carboidrato é alta, cerca de
60% da nossa ingestão de alimentos é de carboidrato. Consumir 30, 40% de alimentos na
dieta pode ser low carb, mas passa longe de uma dieta cetogênica. Para que essa condição
se estabeleça no organismo, é preciso fazer uma restrição severa de carboidratos (very low
carb) - 5% do valor calórico total da dieta vem de carboidratos. Poucas frutas e cereais se
encaixam nessa condição. Somente nesse quadro que essa condição metabólica se
enquadra. Quando o indivíduo está fazendo dieta cetogênica, a perda de peso é superior a
qualquer outro tipo de dieta. Se ele aumenta um pouco a ingestão de carboidrato e sai da
condição cetogênica, a dieta low carb parece ser uma opção viável, boa, mas igual a
qualquer outra opção de contagem de calorias. Existem apenas dois estudos relacionando
dieta low carb e humor: durante a fase de restrição de carboidrato severa, parece haver
uma melhora de humor nos pacientes. Hipótese principal: os corpos cetônicos são
associados a uma estabilização do SNC. Essa dieta é um tratamento para epilepsia.
Quando as pessoas saem da fase cetogênica, começam a introduzir o carboidrato, os

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benefícios do humor somem. A dieta low carb não cetogênica perde a alteração de humor,
não melhora o humor, pode até piorar.
Tanto o jejum, quando não muito prolongado, quanto em restrições de carboidratos não
severas, pacientes com transtorno de ansiedade, a dieta não melhora o humor e pode
piorar o quadro de ansiedade. Hipótese: quando tem corpos cetônicos o cenário muda, sem
eles a adaptação fica complexa e o resultado não é o mesmo. É bom fazer uma fase de
adaptação com esses pacientes, com suplementos, carboidratos à noite.
Procurar uma forma de tratar a síndrome metabólica sem piora no humor. Adaptar as
abordagens às situações concretas dos pacientes.

Italo: Corpos cetônicos relacionados com a estabilização do humor.


Rennan: Hoje em dia já existe suplementação de corpos cetônicos, para o corpo mimetizar
o estado de cetose sem restringir o carboidrato. Existem estudos experimentais que
demonstram que a presença dos corpos cetônicos é um grande estabilizador do SNC. Há
estudos de utilização dos corpos cetônicos para a estabilização do transtorno bipolar. É uma
área promissora.

Italo: É difícil para a pessoa se manter nessa condição, algumas pessoas relatam um certo
mal estar (gripe low carb).

Rennan: Esse mal estar aparece por um estado de diurese acentuado, a baixa da insulina
favorece a excreção de sódio na urina. A diurese baixa um pouco a pressão, por isso é uma
dieta boa para hipertensos. Tratamento: líquido e sal. Não pode restringir sal. A dificuldade
dos primeiros dias vem porque o corpo ainda não está em cetose, a pessoa fica mais pra
baixo até o estoque de carboidrato acabar. É difícil se manter, é uma mudança de vida.
Pode ser impraticável esse estilo de alimentação, a médio e longo prazo. Para pacientes
ansiosos: fazer fases de estabilização, terapia, suplementos, carboidrato na hora certa.

Italo: as pessoas estão sendo partidárias de uma coisa ou de outra. Cada coisa tem sua
indicação. Uma alimentação low carb é de ruptura, porque o padrão brasileiro não é de
comer pouco carboidrato. Mas o paciente se adapta? Porque nosso meio não é low carb.
Essas mudanças podem ser boas, pode haver casos em que se aplicam especificamente,
mas pode gerar uma ansiedade em razão da pessoa não conseguir manter o estilo. A
ruptura de padrão alimentar pode trazer alguma desnutrição - que está relacionada à
qualidade e quantidade de nutrientes fundamentais que a pessoa recebe para as funções
fisiológicas básicas.

Rennan: aplicação concreta. O profissional está diante de uma pessoa que pode não ter
condições de seguir aquela dieta.

Italo: o nutricionista precisa ter várias ferramentas na mão para não engessar o paciente.
Como recurso terapêutico, é uma ótima opção, mas como único recurso terapêutico, é
péssimo.

Aula 8 - Processo de digestão e inflamação

11/01/2022

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Intestino, inflamação e a repercussão disso no nosso humor. Qual é a função do intestino no


nosso sistema digestório? A comida entra na boca, desce pelo esôfago, passa por um
processo de digestão no estômago, onde as proteínas são digeridas, chega no intestino
delgado (duodeno), onde sofre ação de suco pancreático (enzimas de carboidratos,
gorduras e proteínas), e depois inicia-se o processo de absorção dos nutrientes, que se dá
por meio da barreira intestinal que tem uma permeabilidade seletiva. As moléculas que
constituem essa parede intestinal (enterócitos) formam uma barreira seletiva, não é
qualquer coisa que passa. A barreira seleciona o que vai ser absorvido ou não. A
permeabilidade intestinal é responsável por manter um bom estado do nosso organismo.
Quando a barreira intestinal seletiva é prejudicada e perde a sua função de ser seletiva,
problemas acontecem. Algumas coisas que não deveriam ser absorvidas passam a ser, o
que pode desencadear diversos prejuízos ao organismo.
Quando a permeabilidade intestinal é prejudicada de alguma forma e perde a capacidade
de absorver, moléculas do gênero endotoxina (lipopolissacarídeos - LPS) começam a ser
produzidas pela nossa microbiota intestinal que são tóxicas ao nosso organismo. Proteínas
não totalmente digeridas, que não eram pra ser absorvidas, também começam a ser
absorvidas, o que pode desencadear processos inflamatórios no organismo. Não é uma
inflamação local, mas sistêmica, que vai além do trato digestivo, mas começa ali.
LPS é utilizada para induzir sepse nos animais de tão tóxica que é. São gatilhos intensos de
inflamação no organismo, mas que escalam de forma lenta.
Existe um grau de inflamação crônica subclínica: as moléculas começam a entrar na
circulação e ativar células do sistema imune inato e a inflamação se espalha pelo
organismo. As características clássicas da inflamação não são visíveis, por isso é
subclínica. A inflamação permeia o organismo mas sem sinais claros de sua presença. Essa
condição está na base fisiopatológica de diversas doenças, como: síndrome metabólica,
diabetes, câncer, etc. É uma condição que precisa ser tratada e pode ser identificada por
exames: proteína c reativa ultra sensível (indica grau baixo, médio e alto de inflamação).
Causas: sedentarismo, sono ruim, excesso de peso.
A inflamação começa a permear todos os sistemas do organismo, inclusive o sistema
nervoso central - SNC, mesmo ele tendo uma barreira seletiva (a barreira
hemato-encefálica), que não deixa qualquer coisa passar. Mas o processo de inflamação
afrouxa a barreira, o que permite a entrada das células do sistema imune e das citocinas
inflamatórias. O que acontece no SNC: o metabolismo dos neurotransmissores é
prejudicado em todas as etapas - a síntese deles, a liberação e recaptação, etc. O SNC é
estimulado a produzir moléculas neuroprotetoras em doses baixas, que precisam de
precursores. O estado de inflamação canaliza a rota bioquímica para produção de
compostos que vão proteger o SNC, de forma que resta pouca quantidade de precursores
para a produção de serotonina. A inflamação faz o cérebro produzir menos serotonina.
O ácido cinurênico, apesar de em baixas concentrações ser neuroprotetor, em altas
concentrações em processos de inflamação, passa a ser inflamatório, oxidante. Ocorre
desvio de produção de neurotransmissores.
Tudo isso impacta no humor da pessoa. O consumo de glúten por pessoas celíacas e com
intolerância causa inflamações localizadas no intestino, que fazem com que a barreira fique
mais frouxa. 10% das pessoas celíacas são afetadas por distúrbios psiquiátricos - aumento
dos anticorpos relacionados ao glúten. Alterações de humor são encontradas em pessoas
que possuem algum tipo de sensibilidade ao glúten - não necessariamente celíacas ou
intolerantes, a simples sensibilidade (distensão abdominal, gases) é suficiente. Sintomas:
ansiedade, irritação, dificuldade cognitiva. Em longo prazo, dietas sem glúten foram eficazes

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em diminuir e normalizar sintomas depressivos em pessoas com qualquer tipo de


sensibilidade ao glúten. A eliminação do glúten pode ser uma estratégia eficaz para essas
pessoas.
Microbiota: diversos tipos de bactérias colonizam nosso intestino. De acordo com nossa
genética e hábitos, selecionamos algumas cepas de bactérias. Algumas são benéficas e
outras são ruins. O intestino colonizado por bactérias ruins é mais inflamado. Algumas
bactérias boas são capazes de fermentar alguns tipos de fibra e produzir ácidos graxos de
cadeia curta que têm ação antiinflamatória. Exemplo: butirato (composto antiinflamatório).
Isso desinflama todo o sistema, não somente o intestino. Pessoas que possuem depressão
refratária possuem alguns tipos de cepas de bactérias diferentes de pessoas que
respondem à medicação. Probióticos administrados: lactobacilos acidófilos, lactobacillus
casei, bífido bactéria em pacientes com depressão que apresentaram melhoras nos
sintomas. Antigamente se recomendava pros pacientes probióticos de diversas cepas. Mas
hoje se sabe que isso pode piorar a condição do paciente. Hoje a suplementação não é a
primeira tentativa de tratamento. É importante regularizar o intestino normalmente.
Cuidados de tratamento:
1. Probióticos. Especializar nessa área para prescrever de modo seguro;
2. Melhorar a alimentação. Excluir ou diminuir alimentos inflamatórios para cada
pessoa. Qual potencial inflamatório se concretiza em você? O que causa gases e
estufamento no paciente? O que muda a aparência e frequência das fezes? Limpar
a alimentação, reintroduzir aos poucos e observar a resposta do organismo.
3. Raspagem de língua. Muda a microbiota e a flora bacteriana da boca e melhora a
saúde bucal e aumenta nossa capacidade de digestão e a função intestinal.
4. Suplementação antiinflamatória para o intestino.
a. Glutamina. Aminoácido usado pelos enterócitos e leucócitos (se replicam
rápido e consomem muita glutamina). 5, 10, 15g/dia.
b. Ômega 3. Molécula anti inflamatória que se incorpora na membrana das
células, é um precursor de prostaglandinas. 1000 a 1500mg de EPA + DHA.
c. Quercetina. Antioxidante, antiviral. 250mg de 1 a 2 vezes por dia ou 500mg
de uma vez. Tem efeito estimulante semelhante à cafeína, tomar cedo.
d. Cúrcuma longa. 50 a 400mg/dia. Tem que ser suplementada junto da
pimenta preta (piperina - 1mg de piperina para cada 100mg de cúrcuma), que
facilita o processo de absorção da cúrcuma.
e. Vitamina A. Importante função restauradora e antioxidante. Até 10.000ui/dia.
f. Fibra. Psyllium. Fibra pouco fermentável. Aumenta bastante o bolo fecal e a
umidade das fezes, o que facilita o trânsito intestinal e facilita a evacuação. 5
a 15g/dia.
g. Inulina. É fermentável, será um alimento para a boa microbiota. Boa fonte de
ácidos graxos de cadeia curta. 1g/dia.

Cuidado com probióticos!

Italo: Semiologia das fezes. Tem que perguntar como está a saúde do paciente e as fezes
dele. As fezes têm que ter a cara do dono, nossa cara não muda todos os dias, nossas
fezes precisam ser reconhecidas por nós como nosso cocô. O cocô tem que ter um certo
padrão. Se o intestino está inflamado, o médico não sabe quanto do remédio está entrando
na corrente sanguínea do paciente. A saúde intestinal é fundamental. Tem que perguntar
pro paciente o que é melhor pra ele. Faz parte do tratamento fazer o sujeito tomar a

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medicação - cuidado clínico. A visão tem que ir além do que é feito no consultório, é preciso
conseguir imaginar a vida do paciente lá fora. O prestador de serviço vulgar não pode
reclamar que as coisas não vão bem e os pacientes não melhoram.

Rennan: não existe um hábito intestinal perfeito. Cada intestino tem suas particularidades.
Mas a rotina do cocô tem que ser sempre a mesma.

Roberto Mallet - Artes cênicas

Aula 1 - Os símbolos do teatro

Introdução: Ítalo - abordagem poética e teórica sobre o SER, condução do que é estar
presente no mundo. Atuação, presença e gesto. Teoria das 4 causas de Aristóteles. O
conhecimento filosófico é importante para orientar o paciente sobre a própria presença
física, para a posse da sua ação e do gesto (materialização da ação no mundo). Condução
teórica e poética e exercícios práticos e poéticos. Alguns dos atos que fazemos são
resultados de contraturas físicas (más posturas, gestos cristalizados, posicionamento
curvado, postura retraída…) se incorporam ao caráter. E a partir daí surgem nossas ações.
São padrões comportamentais, ambientes interiores, que podem ser modificados ao
observar a presença, ação e gesto.
29/11
Roberto Mallet: teatro, presença e gesto. A palavra teatro vem do grego e significa “lugar de
onde se vê”. Contemplar é a melhor tradução. Na Grécia, era feito numa coluna que era o
símbolo do próprio universo e os teatros eram construídos no meio da montanha. E as
pessoas se sentavam para ver/contemplar, o que era construído para ser iluminado pelo sol.
As representações eram feitas ao longo do dia. Simbolismo tradicional: montanha iluminada
pelo sol (inteligência). Para os gregos, Deus é aquele que vê e contempla. As pessoas viam
personagens em ação, fazendo coisas, realizando ações, em conflito, cada um buscando
seus objetivos, querendo alcançar determinada coisa. O teatro ficava no meio da montanha
entre o céu e a terra, como se a pessoa saísse de sua realidade cotidiana e fosse para um
lugar destacado. Olhar ampliado e menos contingente com coisas do dia a dia. Olhar de
cima. Ver a estrutura da cidade de cima, como que despojado das coisas cotidianas,
contingentes, que no fundo não importam muito. Em artes dramáticas, a referência
fundamental hoje é o cinema, onde as pessoas se comportam como no dia a dia. Ao olhar
de cima, vê-se o que é mais claro e se leva em conta todas as relações com um olhar mais
contemplativo e estilizado. Antes da invenção da luz elétrica, não havia o escuro no teatro
em que se ilumina somente a cena (realidade fantasmática). Isso nos faz pensar na
distinção entre a pessoa e suas ações. Essa confusão é muito frequente quando se pensa
em teatro, no ator, até na própria vida. A sua pessoa é uma coisa que possa ser construída?
Quem está construindo a personalidade? É possível construir-se a si mesmo? Cultivar a
autoimagem, ter mais consciência de si mesmo… a sua imagem não é você. Você não pode
se ver, por definição. Você tem consciência e se conhece, mas isso não é a sua visão. A
excessiva preocupação com o autoconhecimento é obtusa. Eu mesma querer me
compreender é complicado. O conhecimento da alma humana cresceu com o trabalho do
ator, que começou com Stanislavski. Se o homem vem do macaco, então o ator moderno
descende diretamente de Stanislavski. Foi o primeiro a sistematizar o trabalho do ator, o
que foi impregnado na nossa cultura, dele vem o termo “memória afetiva”. Antigamente era
comum que nos teatros houvesse atores amadores, sem preocupação com a técnica. A

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narrativa se dirige a ouvir, o teatro se dirige ao olhar. O trabalho do ator não era uma arte.
As pessoas se interessavam pelo que era mostrado, não o que era contado. Com
Stanislavski, o olhar do público começa a focar no trabalho do ator, pois ele começa a se
tornar mais sofisticado. Qual é o problema na construção da personagem? Construir um
personagem não é ser ele. Não é possível ser o Hamlet, por exemplo. É possível fazer o
que ele faria, como ele faria. Uma coisa é a ação, outra coisa é o modo como ela é feita.
Como deixar de ser orgulhoso? O orgulho não é uma substância.
Como ser mais humilde? Como insuflar humildade na pessoa?
A gente pode falsear nossa própria realidade ao imaginar que somos humildes. Dizer que é
humilde não é o mesmo que ser humilde. Uma qualidade não é uma ação. Não se pode
fazer uma qualidade, se pode fazer uma ação que tenha uma qualidade. A pessoa é aquela
que age, só quem faz a pessoa é Deus. A pessoa pode fazer ações. Fazer algo em direção
a um objeto. O trabalho do ator é agir, não ser. Você é capaz de modificar a qualidade física
do seu corpo. É possível colocar o corpo numa condição presente. Presença,
etimologicamente falando, é estar diante de alguém. Nossa relação se dá no espaço e no
tempo, é necessário ter noção clara de onde se está. Temos muito maus hábitos. Muitas
vezes nossa relação com as pessoas é mais mental que física. É importante desenvolver a
leitura corporal. O ator trabalha com escritura corporal. O ator precisa fazer as coisas como
se fosse o personagem.

Aula 2 - Emoções não podem ser produzidas (reassistir)

30/11
Livro: a preparação do ator. É um livro de Stanislavski, romanceado, sobre um aluno dele.
No início do curso os alunos precisam preparar uma cena, em que ele faz o Otelo. Após, o
diretor faz avaliação e comentários. Como iniciante, ele entendeu que tinha feito bem a
cena, e o diretor joga um balde de água fria, dizendo que ele tinha ficado o tempo inteiro se
mexendo, tentando sentir, mas somente em um momento da cena ele tinha conseguido
mostrar alguma coisa e no restante do tempo ele teria tentado sentir alguma coisa. O
trabalho do ator não é sentir-se como o personagem. O diretor diz: agora sinta tristeza,
alegria e angústia, para 3 alunos. Tente sentir isso. As emoções, por definição, não são
realizadas, elas acontecem. Uma emoção não se faz, se padece dela. Após a explicação,
os alunos dizem que perceberam o absurdo do que estavam tentando fazer, mesmo que
quando estavam em cena não parecia que era absurdo. Quando conversamos, ao dizer que
não se pode fazer uma emoção, todos concordam, mas ao atuar, acredita-se que é possível
produzir emoções. Por exemplo, em uma palestra: tentar produzir disponibilidade, tentar
insuflar emoções. O homem é o único animal que é capaz de fazer alguma coisa
acreditando piamente estar fazendo outra. É o privilégio do ser humano falar. Nós temos a
palavra. A palavra é nosso grande privilégio e perigo, pois somos capazes de produzir
frases que aparentemente tem sentido. Exemplo: vou desenhar um quadrado redondo. É
possível dizer, mas não é possível fazer. Mas, ainda assim, é possível acreditar nisso. O
exemplo é banal, mas existem inúmeros outros exemplos, como, por exemplo: eu vou ser
santo, eu vou ser humilde. Querer criar uma qualidade, uma humildade, isso não é possível
fazer. Cuidado com a virtude de falar. Muitas vezes cobrimos a realidade que vemos com
palavras. Os grandes escritores conseguem dizer coisas, expressar realidades sem
mascará-las. A máscara teatral é o oposto da máscara cotidiana. A máscara teatral revela o
que está acontecendo na alma da personagem. Tudo que conta para a vida humana são as
ações. No nosso organismo estão acontecendo inúmeras ações inconscientes. Tudo aquilo

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que existe é resultado de alguma ação. Materialismo raso: achar que tudo é estático. Muitas
vezes fazemos coisas sem perceber. Joga-se a responsabilidade nos outros, no cosmos,
mas somos nós que fazemos. O homem urbano perdeu a posse plena do corpo, perdemos
o contato com nosso próprio corpo, precisamos recuperar isso. No dia a dia esquecemos
que temos corpo. Se estiver muito tenso, tem que respirar. Respirar bem é expirar bem. O
pulmão é como uma bexiga. Se esvaziar o pulmão, o ar vai entrar até o fim. Expirar bem é
respirar bem. Boa parte do discurso mental que nos atordoa é falta de respiração, por
desconexão entre o ser e a cabeça. Quantos problemas que temos são puramente
discursivos? Muitos problemas são mentais, não reais. Na maioria de nós há um abismo
entre os problemas reais e os da cabeça. Processos corporais são lentos. Respirar com
mais amplitude faz desaparecer parte dos problemas. A maioria das pessoas levantando
problemas está desconectada da realidade concreta. A gente voa quando começa a pensar.
O que pode nos fazer perder uma boa fatia da vida. As preocupações mentais desconectam
da vida concreta. O agradável e gostoso aliena. A gente precisa sentar nos ísquios, não
abandonar o corpo ao sentar. Isso é fundamental para a presença. O ser humano é cheio
de contradições. Às vezes fala de amor quando quer dizer dependência. Densidade
existencial é densidade muscular. Estou presente porque estou em relação com você. Sente
sobre os ísquios. Isso melhora a postura e a respiração, consequentemente, a presença.

Aula 3 - A ação na perspectiva das quatro causas aristotélicas

01/12
O que é propriamente uma ação? Aristóteles chamou de 4 causas. Texto do Mário Ferreira
dos Santos que fala sobre ato, potência. Aristóteles: para que alguma coisa exista no
universo é necessária a concorrência de 4 causas distintas: ser feita de alguma coisa
(material), finalidade (objetivo, feita por alguma razão), alguém que faça (causa motora ou
eficiente), forma (ideia). O material também existe e também tem uma forma e uma matéria.
Escolher a matéria mais adequada ao objetivo. Como o objetivo determina a matéria com
que a coisa é feita?
A ação é o ato da causa eficiente. A ação de fazer uma cadeira é o que o carpinteiro está
fazendo. O agente age sobre um sujeito que não é o sujeito da ação. A ação se dá fora do
sujeito. Você não é uma coisa, você é um ato. A ação é o ato da causa eficiente. As
pessoas acham que a substância delas é a bondade (roussonianos). Eu não posso
modificar a mim mesmo, pois sujeito e objeto são a mesma coisa nesse caso. Ato e
potência são coisas diferentes.
Poema em linha reta - Fernando Pessoa.
Dá trabalho ser bom, porque ser bom é fazer coisas boas. A qualidade é uma ação,
especialmente no campo moral. Em vez de aplicar a categoria de bom e mau ao ser…. por
definição, tudo é bom. A quantidade de bem que temos é a quantidade de ser que temos. O
que somos é bom, o problema é o que fazemos. A qualidade da ação está relacionada com
a forma e o objetivo da ação. A forma está diretamente relacionada com o objetivo. De boas
intenções o inferno e o centro cultural estão cheios (opinião dele). Em geral, o público tem o
teatro que merece. A boa intenção sabe qual é o objetivo buscado e qual é a forma da ação
(ação adequada para alcançar aquele objetivo). Tudo que existe é composição de forma e
matéria. Uma ação pode ser composta de várias ações. O objetivo da ação vai determinar a
maneira como ela é feita. Vendo a maneira como ela é feita pode-se entender o objetivo.
Tudo que existe (Aristóteles) tem uma causa formal, material, final e eficiente.

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Aula 4 - Presença e neutralidade

02/12
A palavra presença significa estar diante de um ser. Estar diante de. Não é uma substância,
é uma situação. Ideia de neutralidade: não expressar nada. Neutro não é não ser nada,
vazio. Expressar = significar.
Imaginamos o universo de acordo com a descrição da física newtoniana. Não dá pra
imaginar uma coisa imaterial.
Para imaginar coisas imateriais, usam-se símbolos. O universo todo é simbólico. Somos
seres que pensamos por imagens (Aristóteles).
Fazer distinção entre ideia e imagem para não confundir. As pessoas, enquanto pessoas,
também são imateriais. Não confundir a pessoa do corpo, apesar de que no universo não
tem nada separado.
Estamos imbuídos da ideia do universo abstrato.
Boa parte da nossa vida psíquica se dá no campo das imagens.
Tudo no mundo contemporâneo nos traz para as relações horizontais e esquecemos das
relações verticais. A observação do universo nos dá certeza da permanência das coisas.
Relação entre sol e lua = aquilo que permanece e aquilo que muda. Algumas coisas são
imutáveis. O movimento dos astros ilumina o aspecto da permanência. Não captamos
apenas a imutabilidade, mas também o infinito. Lembrar do tamanho do universo e do
nosso tamanho. Todos os animais têm consciência corporal. Mas nós nem sempre temos.
Desconexão com o mundo concreto. Lembrar do mundo concreto é estar no mundo
concreto e não na mente raciocinante, que é onde temos a tendência de estar. Todo sujeito
insere-se num universo. Espaço vazio não existe. Quem entra em relação com o cosmos
sou eu como um todo.

Aula 5 - O caráter: elemento fixo

01/01/22
Caráter no sentido de personalidade, ou a relação do caráter com a personalidade. Os
temperamentos que fazem parte do caráter sejam uma caracterologia mais complexa, é um
elemento fixo do corpo humano. Raiz de carimbo, como que determinado no momento do
nascimento que, enquanto estrutura corporal, se mantém ao longo de toda a existência
neste mundo. Não é a mesma acepção moral do sentido de um hábito ou costume moral de
agir de forma boa ou má. Aqui se fala sobre caráter como determinação da individualidade
humana em termos corporais ou psico-físicos. Todas as paixões da alma são corporais.
Aula sob o ponto de vista teatral, do ator, para compreensão da distinção das dimensões da
realidade, que nos ajuda a nos movermos melhor dentro da realidade, para uma melhor
orientação. Um sinônimo de personagem é caráter.
O caráter é aquilo que é fixo na personagem, em nós, nossa estrutura fixa que não muda.
Pode mudar apenas superficialmente, pois a estrutura fixa mantém-se a vida inteira, é o que
nos individualiza. Nas situações diversas, podemos estar em estados de alma distintos.
Estados de alma são variações no plano das emoções que não modificam estruturalmente o
caráter. O que o ator imita? Ele imita caracteres em ação.
O caráter pode ser acrescido de determinadas tensões físicas que se tornam parte do corpo
(exemplo: ombro muito tenso). Como determinados elementos traumáticos se fixam na
personalidade? Reich. Alguns hábitos podem ser adquiridos e se mantém na estrutura física
sem que pensemos neles. Alguns exercícios de manipulação, ou massagem, diluição de

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

tensões podem nos ajudar na saúde corporal e psíquica. Algumas doenças vêm de uma
tensão muscular fixada. Alguns problemas de voz e de articulação são decorrentes de
algumas tensões. A estrutura física determina o modo como fazemos as coisas. Uma
pessoa que tem medo tende a recuar. O medo pode ser um símbolo encarnado na pessoa.
A pessoa se acostuma e tal maneira se torna o jeito de agir dela. E passa a fazer parte de
uma identidade falsa, doentia, alienada. É preciso desfazer o mal hábito para se recuperar a
organicidade.
O intrometido, que sempre quer saber o que está acontecendo, é sempre conduzido pelo
nariz, como se o nariz o puxasse. Alguém que é glutão pode usar mais a boca.
A leitura corporal é uma leitura de ações. Trabalho do ator: pensar ações que significam
ações internas. A memória tem a condição física dos sentimentos. Colocar o corpo numa
condição análoga à que ele fica quando está com aquele sentimento. Explorar como se age
naquela qualidade física, pela memória cinestésica. Agir sobre o corpo colocando-o numa
situação física análoga à que ele fica quando está naquela condição. Calcular só com a
mente leva ao erro.
O estado de alma e as emoções estão intimamente ligados a todos os elementos que
compõem uma ação humana, que não são vazios de significado. São símbolos de
realidades concretas que são invisíveis aos olhos do corpo, mas que estão se manifestando
na própria ação. Nos comunicamos através dos corpos, da palavra. Se eliminar o corpo,
não há comunicação possível entre nós seres humanos. Trabalho de consciência corporal
não é algo que se precisa ter o tempo todo, é recuperar a consciência natural que
precisamos ter sobre nosso corpo, do que a tecnologia e o urbanismo nos afastou. Às vezes
só de expirar melhor a tensão sai do corpo. Por uma ação física, podemos mudar nosso
estado de alma.

Aula 6 - Vontade e a causa final na vida humana

02/01/22
Tema: forma. Xícara. Na própria forma da xícara eu já captei a razão pela qual ela foi feita.
Aristóteles: causa final. A forma não é só a estrutura estática do objeto, mas ela tem uma
espécie de vetor, uma função, ela aponta para alguma coisa (não propriamente uma coisa,
mas um sentido). Vetor: uso, motivo. Hamlet mata o tio por que motivo? A ideia de mover,
de movimento, é muito essencial nessa teoria que estamos desenvolvendo. O movimento é
justamente o resultado de uma ação. A ação se traduz, se manifesta, se realiza em
movimento. Vejo a xícara e ao perceber a razão de ser dela - razão de ser que é a causa
final (finalidade) da xícara, que é beber. A forma da xícara tem um aspecto dinâmico, tem
uma força, que aponta para a finalidade dela. Ela pode ser usada para outra finalidade?
Sim. Isso seria uma traição da xícara na sua verdadeira finalidade. É como aproveitar a
forma para algo que não foi o projeto do fabricante de fazer a xícara, mas ela também serve
para colocar lápis, canetas, cinzas, etc. Mas não se pode usar a xícara para me bronzear,
pois ela não serve para isso, não é uma possibilidade dessa forma, também não pode ser
usada para escrever, pois ela não tem essa finalidade. Ela tem uma finalidade própria, mais
adequada, aquela que é essencial e ainda aquela forma me permite utilizá-la de outras
maneiras, porque é possível.
Ideia: De boas intenções o inferno está cheio. O que é uma boa intenção nessa frase? É
uma intenção discursiva, mental, que eu atribuo à coisa mas que ela não tem. Como usar a
xícara para colocar lápis, canetas, ou seja, a boa intenção (tender, ir para) da xícara.
A boa intenção é adequada à causa final da coisa - dessa o inferno não está cheio.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Pela sua própria estrutura, a xícara pode tender para outros objetivos. Falsear, trair o
sentido da coisa utilizando-a para uma outra coisa, que não é tão própria, mas que pode ser
usada.
Em teatro, um dos pontos principais ao olhar para a personagem é perguntar qual é o
objetivo. Em Stanislavski, essa noção de objetivo é fundamental. A obra dele é harmônica e
às vezes é literalmente o que está no Aristóteles. No teatro se estuda muito a poética de
Aristóteles, mas não se entende ele sem ter ideia da estrutura da obra dele como um todo,
da filosofia dele. É um problema com a filosofia antiga e medieval, quando ela é estudada,
por exemplo, a teoria das 4 causas. Não é necessariamente uma teoria, porque não é uma
construção mental, é uma descrição de uma coisa que foi captada na realidade. A teoria de
Aristóteles é assim. Teoria, em grego, é contemplação. A teoria das 4 causas é olhar e ver e
dizer o que viu. Aristóteles olhou pra realidade e percebeu que tudo que existe tem uma
forma, é composto por uma matéria, alguém pôs na existência (uma coisa não pode criar a
si mesma) e tem uma finalidade (tende para um objetivo). Ele aplicava isso ao cosmos
inteiro. Se existe, tem uma função, um sentido. Outra característica das 4 causas: a causa
formal (a ideia da xícara está na xícara, mesmo tendo estado antes na mente do fabricante)
e a material (o vidro está na xícara) estão no objeto. Mas a causa eficiente e a causa final
(objetivo da xícara) transcendem a xícara, pois não estão nela. O objetivo nunca pode ser a
própria coisa, por definição. A forma está apontando para uma realidade que transcende o
objeto, para a qual ele tende (intenção). A boa intenção da forma é aquela que está na sua
própria razão de ser, apesar dela poder ser usada para outras coisas.
O caráter, no sentido da estrutura psico-física (carimbo) do corpo (organismo psicofísico),
tem uma forma, portanto, fisicamente temos tendências. Essa forma aponta para
determinadas direções (temperamentos deixam isso claro, por exemplo, ou hábitos
adquiridos, tiques, manias). Até mesmo lapsos têm algum sentido. “O acaso é o nome
moderno do Espírito Santo”. O acaso não existe, apesar de serem séries causais que se
encontram. Mas é possível perceber, dentro de um ponto de vista mais amplo do próprio
universo, como faz sentido. A rigor, não existe nada absurdo, a não ser o nosso
pensamento, que pode ser absurdo, incoerente. Mas até mesmo o absurdo pode remontar
às causas.
Tudo começa com a causa final e termina, quando é bem sucedido, na causa final, quando
a coisa se realiza plenamente. Técnica é a capacidade de realizar um objeto.
No momento em que cada um de nós é concebido, temos a forma que toma corpo. A ideia
de alguém. Nossa existência é uma progressiva realização dessa forma, dessa intenção,
deve haver uma causa final. “A alma é a forma do corpo” - Aristóteles. Digamos que a causa
final seja a realização da nossa personalidade. Talvez não seja a causa final última. O
último suspiro é como completar uma história, que é a realização de possibilidades que
estão na nossa concepção. Na nossa forma, não podemos voar. A forma das coisas está
nos dizendo a finalidade delas. Quando eu entendo a forma, também percebo seu objetivo.
Quando eu capto uma ideia, uma forma, algo em mim percebe que o que a coisa tem. Às
vezes a forma move um desejo ou o corpo. A vontade é imaterial, não é corporal. Se
pensarmos nas peças de teatro, todas as histórias já contadas, vemos que os objetivos das
personagens, muitas vezes, entra em conflito, porque deseja um coisa mas quer outra.
Se eu ficar atento para as realidades, a forma das coisas e para onde as formas estão
apontando, o sentido daquelas realidades, que está inscrito na própria coisa, a intenção da
própria forma é uma chave pra compreensão da própria estrutura da vida humana, das
relações, de todas as dimensões da realidade.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Tudo aquilo que existe é uma composição de forma e matéria, posta na existência com uma
causa eficiente, com um sentido - Aristóteles.
Isso pode ser aplicado aos temas desenvolvidos no curso como a quaisquer outros temas.
Cada vida tem um sentido, que não é fixo, porque podemos escolher caminhos e traçar uma
trajetória, o sentido é definido de dentro pra fora, não somos mecânicos. Definido pelo
interior da nossa alma. As escolhas vão traçando o destino, realizando as possibilidades
que temos, num tempo espaço dado, no mundo concreto. As narrativas de vidas humanas
são realizações de possibilidades daqueles indivíduos e elas iluminam a nossa própria
existência.

Aula 7 - Discurso verbal e pensamento

07/01/2022
Quando as pessoas usam a palavra pensamento, elas pensam um pensamento discursivo,
que é um tipo de pensamento. Mas identificamos pensamento como discursivo, através de
palavras. Na verdade, identificamos como a teoria da coisa, o conceito. Mas o pensamento
não é discursivo, é a produção de uma imagem, imaginando, lembrando de alguma coisa.
Aristóteles diz que o homem pensa por imagens. As palavras são imagens. No sentido do
pensamento discursivo, posso dizer que o homem pensa com imagens. E vai traduzindo no
discurso verbal coisas que ele está compreendendo. Às vezes sem discurso verbal. O
pensamento discursivo às vezes é aleatório, sem o rigor lógico de uma demonstração
formal. O pensamento discursivo ocupa muito a mente das pessoas atualmente. Quando eu
penso que vou atravessar a rua, a ação de atravessar a rua se realiza como um
pensamento, mas não discursivo, um pensamento em ação. E isso cabe dentro da definição
de Aristóteles. Quando se fala em imagem, 90% das pessoas pensa em imagem visual,
mas imagem é tudo que passou pelos sentidos e está na memória. Existem imagens táteis,
auditivas e visuais. As imagens visuais acontecem muito mais na nossa consciência e
tomam o sentido de imagem como um todo. Existem imagens sinestésicas. Você tem a
imagem de uma dor no estômago ou de um abraço, que não são só da pessoa, mas
também da estrutura das tensões musculares que compõem o abraço. A maioria dos atores
levam um tempo pra perceber que existem imagens cinestésicas. Existem exercícios para
treinamento da memória cinestésica. No fundo, não dá pra fazer um gesto sem pensar e
sem sentido. Quando alguém diz “estou com uma bola no estômago”, está usando um
símbolo, uma imagem, uma metáfora. Se você for escrever discursivamente tudo o que
quer comunicar, você paralisa, é impossível fazer isso. A gente fala muito pouco
literalmente. O fato das pessoas acharem que estamos traduzindo as coisas de uma forma
objetiva já é metáfora, poesia. Você acha que está dizendo uma coisa, mas está dizendo
outra. O gesto é sempre significativo. Quando estamos de posse do nosso corpo, os gestos
se tornam mais significativos. Até mesmo os gestos menores são expressivos. Não existe
um depósito de gestos do qual sacamos os gestos. Os gestos são palavras também,
pensamentos e que num corpo vivo, orgânico e experiente vêm organicamente. O corpo
pensa. Todo gesto corporal é um pensamento e pode ser lido, portanto. Existem outros tipos
de pensamentos que não são puramente mental, são pensamentos em ação. Nem tudo é
interpretação. Algumas palavras falam coisas com outra intenção, pois não podem acreditar
naquilo. Quando se diz tudo é relativo, quer dizer “quero pensar assim e não enche meu
saco”. Quando a pessoa diz que a verdade não existe, ela quer dizer que ela não pode
captar a verdade absoluta do universo, ela está querendo alguma outra coisa - a depender
de cada situação. O orgulhoso sempre tem o queixo um pouco erguido, por se achar

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

superior. O gesto dele comunica um pensamento. Um pensamento pode atrapalhar na


comunicação, por dizer algo que não tem nada a ver com o assunto. As pessoas
confundem domínio com controle e são coisas diferentes. Tudo no fundo é pensamento.
Tudo que você faz, as ações humanas, são pensamentos. Você pode perceber uma
condição psíquica de alguém pela maneira de sentar. Nós somos muito mais transparentes
do que pensamos. O problema é que as pessoas são muito pouco atentas, por isso não
percebem. Toda ação humana faz sentido, é um pensamento, seja consciente, semi
consciente, inconsciente, ou cósmico, orgânico. Tudo faz sentido, desde que eu tenha olhos
para ver. A realidade é muito mais rica de sentido do que pode imaginar nossa vã filosofia.

Italo: Na idade média teorizaram que nada está na inteligência sem que antes tenha
passado pelos sentidos. Mas na prática os animais também têm sentido, mas não chegam a
formar conceitos, por isso respondem a estímulos imediatos. Dois teóricos surgem no
Século XX: Xavier Zubiri - inteligência senciente: por que o homem forma conceitos e os
animais não? Porque no homem, sentir já é inteligir. Há algo distinto entre a sensibilidade
humana e a do animal. Marcel Jousse - o grande pecado da nossa civilização é que nada
que não esteja na escrita seja valorizado. O gesto é uma grande dádiva e comunica algo. O
ator gestualiza de um modo diferente de nós, ele sobrepõe inteligências quando está em
cena. Se isso é verdade, o exercício profissional do gesto pode de que modo aumentar a
inteligência do homem no sentido de alcançar sua causa final: a salvação? Se tudo que é
material tem uma causa material, eficiente, formal e final, os gestos também têm uma causa
final, que pode se afinar com a causa final ou se afastar dela. O fato do Verbo ter se
encarnado e o sacrifício na Cruz tem um sentido também. Existe correlação entre a
perfeição do gesto do Cristo, o gesto humano e uma certa atividade humana de atuação,
que oferece um quê de maior perfeição pro gesto? Podemos extrair daí uma ferramenta
para que o homem consiga uma maior perfeição para se aproximar de sua causa final?

Mallet: o ser humano em geral, se adquire literariamente, amplifica seu vocabulário, não tem
só uma qualidade erudita ou cultural. As palavras são instrumentos de captação de
aspectos, detalhes, dimensões da realidade para as quais elas estão apontando. Ampliar o
vocabulário é ampliar a intelecção da própria realidade, como se os discursos verbais sejam
traduções de intelecções da própria realidade, expressas de uma forma mais ou menos
adequada, traduzidas pelos escritores numa frase, num gesto. Quando o ator desenvolve
possibilidades físicas não usadas normalmente, as possibilidades físicas de movimento
ficam aumentadas, principalmente as sutilezas, que não são muito usadas no dia a dia. O
gestual das pessoas comuns tende a ser meio estereotipado, esquemático. A vida é muito
rica de nuances e se eu não exercito, se não descubro tantas possibilidades, usamos
nossos músculos como blocos. Se eu começo a dominar essas sutilezas, naturalmente no
meu gestual impensado essas possibilidades ficam maiores, eu traduzo nuances do que
estou falando no gesto. Existe um enorme campo de desenvolvimento de expressão, que
corresponde a sentidos, portanto, captam-se mais detalhes e nuances da complexidade do
universo. A palavra logos quer dizer palavra, verbo, sentido. Quando se fala “o Verbo se fez
carne”, um dos sentidos é que o ser humano é um microcosmo, um corpo humano tem, por
analogia, todas as dimensões e aspectos do universo. O ser humano é um análogo, um
símbolo do universo (microcosmos e macrocosmos) e, por excelência, o corpo do Cristo (o
homem Jesus Cristo), portanto, a própria ideia do universo como um todo se encarna num
ser humano concreto, então o Cristo na cruz é também o próprio universo na cruz e por isso
o acontecimento da redenção tem uma dimensão universal, que abarca toda a realidade

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

física, corporal e temporal. A história do universo inteiro, do início ao fim, está sintetizada
naquela pessoa encarnada na Cruz (símbolo do universo). Quando ficamos em pé, nosso
corpo fica no eixo vertical, com o centro de uma cruz, um eixo vertical e um horizontal.

Italo: a grande contribuição do Zubiri e do Jousse é colocar a inteligência não no topo da


Cruz, mas no centro dela. Os anjos no topo, os demônios no fundo, os animais, os vegetais
e os minerais no horizonte. O ser humano é o sujeito que está no centro da cruz. Por um
lado, temos as ideias, acesso a forma (vertical), no eixo horizontal está a matéria, que é
gesto. É necessário que a inteligência esteja no centro disso tudo, portanto, perpassa o
nosso gestual, nosso corpo. Ouvimos que para aumentar o imaginário, temos que ler livros,
estudar literatura, poesia, mas isso é só uma parte do imaginário. Tem um outro imaginário
que passa pelo corpo, pelo gesto, pela instalação no mundo. Não devemos passar a agir
mecanicamente, de modo calculado. A leitura amplia nossas possibilidades de formação de
conceito, de imaginário. Se tivéssemos mais domínio do corpo isso também não
aconteceria?

Mallet: com certeza, pois o corpo humano também tem uma dimensão simbólica. Isso não é
só uma atribuição histórica exterior, é a analogia entre microcosmos e macrocosmos. No
mínimo o gesto tem uma direção e isso tem sentido. Isso se torna orgânico quando estamos
nos comunicando com domínio corporal, traduzindo sutilezas que não estão no conteúdo
das palavras, mas estão no conteúdo da fala, expressão. Como ator, isso pode ser
ampliado. A arte não está separada da vida, é uma espécie de concentração de sentido,
como se pegasse o cotidiano e o decantado de tudo aquilo que é acessório e chegasse em
algo que é mais essencial, intensificação simbólica e poética da vida. Nos ajuda a ver no
cotidiano aquilo que nos escapa pela nossa desatenção, cansaço, condição corpórea. O ser
da coisa não é visível, eu vejo a imagem da coisa, não é captado diretamente. O conceito já
é uma tradução da ideia. São Tomás chamava de forma inteligível. Santa Tereza dizia que
há saber e saber (um do animal e o outro o nosso). A realidade toda é pensamento. Quando
você abre seus braços pra alguém, você desenha uma cruz.

Aula 8 - Musculatura e respiração

12/01/2022
Aula sobre corpo e um exercício de alguns aspectos da presença física do corpo e a
estrutura das tensões musculares.
Exercício.
Postura-base. Corpo neutro. Postura natural do corpo, alinhada. Os pés ficam mais ou
menos da mesma abertura entre ombros e pelvis. Olhar no horizonte, sem queixo pra cima,
sem contrair a musculatura. Observar o corpo, soltar os ombros.
Inspirar e expirar soltando o peso do braço e liberando a tensão. Sempre que pensar olho
no horizonte, checar o pescoço, se não está rígido e tenso.
Soltar a coluna vertebral, vértebra por vértebra, braço solto, pesado, tem que doer um
pouquinho. Expirando embaixo. Sem deslocar o peso pro calcanhar. Não deslocar a pelvis
pra trás. Fica um tempo.
Subir devagar, vértebra por vértebra. Não terminar com o queixo pra cima.
A musculatura posterior (yang) é muito mais forte e volumosa que a anterior (yin).
Projetar o externo pra fora, não as costelas.
A posição normal em pé é com o joelho solto, sem ser empurrado pra trás.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Colocar as mãos nas coxas e empurrar o joelho pra trás - deixa a perna dura e tensa.
Exercício sobre voz.
Criar uma ressonância craniana da voz. Produzir um som semelhante ao que se produz
quando se sopra um cano colocando voz. Colocar a mão no crânio pra ver se ele vibra. Voz
projetada a partir da zona superior do crânio.
Mais exercícios no canal do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=evBD4A5gnSQ

Victor Sales Pinheiro - Filosofia

Aula 1 - Ética e crise da cultura

Introdução: Ítalo - a cultura aparece pra gente como uma progressão que aparece ao longo
da história. Que o terapeuta saiba sobre positivismo, naturalismo, mecanicismo, hedonismo,
definições clássicas de antropologia, para contar com algo além de seu bom senso.
Conhecer os fundamentos para orientar melhor os pacientes. A crise na cultura é o motivo
pelo qual os pacientes estão tendo muitas crises, depressão, ansiedade. O que as pessoas
esperam da vida, das amizades, dos relacionamentos? Pensar nos pacientes a cada aula.
Nós e os pacientes estamos vivendo no caldo da cultura. Fazer uma anamnese própria e
crítica.
30/11
Victor Sales: a ética é a ciência da vida boa, é a reflexão filosófica sobre os aspectos que
realizam a pessoa humana. É uma disciplina filosófica. Alcance filosófico: crítico e
propositivo (resgate de sabedoria clássica). A psicologia também é uma disciplina filosófica,
mas foi dissociada dela na modernidade e foi aderida à ciência. Estudaremos tensão entre
filosofia e ciência (tenta reduzir o escopo do conhecimento a uma dimensão material,
sensível ou empírica). A alma humana não se pode conhecer apenas pelas manifestações
sensíveis. Não é possível compreender algo humano sem a cultura humana na qual ela
está inserida. A percepção deve estar enquadrada num horizonte da cultura. A cultura
pós-moderna está em crise. A cultura moderna se caracteriza como uma crise, ruptura,
mudança. É preciso entender de onde ela parte, com que ela rompe. A cultura moderna é a
individualista, que valoriza e promove a liberdade individual como fator de realização do
indivíduo. Liberdade em relação à tradição, à experiência do passado, em instituições como
a família, o estado, a cultura como sentido estrito, o indivíduo livre fica desorientado,
perdido. Filosofia da cultura (dentro da qual está a moral), parte de uma crise de sentido. A
cultura, de acordo com José Ortega e Gasset, é o mapa da vida. Uma pessoa culta não é
necessariamente erudita. A cultura é a linguagem capaz de interpretar a contento os
fenômenos ao seu redor (linguagem normativa). Não só descreve as coisas como elas são,
mas percebe o horizonte final dela, sua realização ótima, o aperfeiçoamento. Na filosofia, a
ética serve para descrever os movimentos interiores da pessoa, além do seu modo pleno de
realização das faculdades. A crise de sentido é quando as pessoas não tem linguagem
suficiente para interpretar o mundo ao redor e se conhecer. Como se dá o
auto-conhecimento? Sócrates propunha auto-conhecimento pela maiêutica. A ciência tende
a considerar o mundo como um problema a ser solucionado, tal qual a matemática (uma
equação a ser solucionada). Há uma série de problemas que precisam ser resolvidos. A
tecnologia é uma grande projeção da matemática, numa escala infinitesimal. A tecnologia
mobiliza toda a ciência para resolver problemas, tipo mandar o homem para a lua,
estudando gravitação, locomoção, uma série de elementos. A alma humana nunca será
reduzida simplesmente a um problema que pode ser resolvido matematicamente, de um

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

modo simplesmente orgânico. Embora os problemas orgânicos existam e devam ser


enfrentados. A alma humana tem um aspecto de mistério. Heráclito de Éfiso: procurareis os
confins da alma e não os encontrareis. A alma é infinita, inexorável. Santo Agostinho: só se
pode conhecer a alma se se pode ver como Deus vê, pq a alma é infinita como Deus. A
linguagem que a cultura estabelece precisa estar proporcional ao objeto da alma. Precisa
ter uma linguagem que não se reduz à ciência. O positivismo (redução do conhecimento
humano das ciências lógicas) é uma das crises da ciência humana em geral. É preciso ter
um ambiente mais amplo de reflexão. A filosofia é anciã com experiência de vida, que já
atravessou diversas crises culturais e é aberta à linguagem simbólica da cultura. É preciso
estar muito atento à cultura, às linguagens usadas para interpretar a alma humana. A
cultura apresenta signos e símbolos que trazem eloquência ao que muita gente sente.
A crise de sentido: Caio Fernando Abreu (escritor da contracultura brasileira), ele sofreu
grande incapacidade de inserção social, incapaz de descrever a realidade como Clarice
Lispector. Muitas vezes as pessoas não possuem palavras para descrever o que se passa
no mundo interior. Conto: os sobreviventes. Sobre relativismo moral absoluto:

Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação
Cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito,
agora o que faço? Não é plágio do Pessoa, mas em cada canto do meu quarto tenho uma
imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesuzinho, um pôster de Freud, às vezes acendo
vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço
solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos de Sri Lanka depois me manda um
cartão-postal contando qualquer coisa como ontem à noite, à beira do rio, deve haver um rio
por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar nada,
de repente, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos oblíquos que. Hein? claro
que deve haver alguma espécie de dignidade nisso tudo, ,a questão é onde, ,não nesta cidade
escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? Ora não me venhas com
autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinqüenta ácidos fiz seis anos
de análise, já pirei de clínica, lembra? você me levava maçãs argentinas e fotonovelas italianas,
Rossana Galli, Franco Andrei, Michela Roc, Sandro Moretti, eu te olhada entupida de mandrix e
babava soluçando perdi minha alegria, anoiteci, roubaram minha esperança, enquanto você,
solidário e positivo, apertava meu ombro com sua mão apesar de tudo viril repetindo reage,
companheira, reage, a causa precisa dessa tua cabecinha privilegiada, teu potencial criativo, tua
lucidez libertária, bababá bababá. As pessoas se transformavam em cadáveres decompostos à
minha frente, minha pele era triste e suja, as noites não terminavam nunca, ninguém me
tocava, mas eu reagi, despirei, e cadê a causa, cadê a luta, cadê o potencial criativo? Mato, não
mato, atordôo minha sede com sapatinhos do Ferro’s Bar ou encho a cara sozinha aos sábados
esperando o telefone tocar, e nunca toca, ouvindo samba-canção e blues com caipira de vodka,
neste apartamento que pago com o suor do potencial criativo da bunda que dou oito horas
diárias pra aquela multinacional fodida. Mas eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que
você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que
você pensa que pode escapar, eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha
garganta seca, me passa o cigarro, não estou desesperada, ,não mais do que sempre estive,
não estou bêbada nem louca, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho
nenhuma saída, não se preocupe, depois que você sair tomo banho frio, lente quente com mel
de eucalipto e gin-seng, depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a
ban-chá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa,
depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o CVV às
quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas do tipo
preciso-tanto-de-uma-razão-para-viver-e-sei-que-esta-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-ba
babá, até o sol pintar atrás daqueles edifícios, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não
ser continuar, tem coisa mais destrutiva que insistir sem fé nenhuma? Passa devagar a tua mão
na minha cabeça, no meu coração, eu tive tanto amor um dia, pára e pede, preciso tanto, tanto,
tanto, bicho, não me permitiram, então estendo os dedos e ela fica subitamente pequenina
apertada contra meu peito, perguntando se está mesmo muito feia e meio puta e muito velha e

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completamente bêbada, eu não tinha essas marcas em volta dos olhos, eu não tinha esses
vincos em torno da boca, eu não tinha esse jeito de sapatão cansado, e eu repito que não, que
está linda assim, desgrenhada e viva, ela pede que eu coloque uma música e escolho o Noturno
número dois em mi bemol de Chopin, quero deixá-la assim, dormindo no escuro, sobre este
sofá, ao lado das papoulas quase murchas, embalada pelo piano remoto como uma canção de
ninar, mas ela se contrai violenta e peded que eu ponha Angela outra vez, então viro o disco,
amor meu grande amor, caminhamos tontos até o banheiro onde sustento sua cabeça sobre a
privada para que vomite, e sem querer vomito junto, ao mesmo tempo, os dois abraçados,
bocas amargas, fragmentos azedos sobre as línguas, ela puxa a descarga e vai me empurrando
para a porta, pedindo que me vá, e me expulsa para o corredor dizendo não esqueça então de
mandar um cartão de Sri Lanka, aquele rio lodoso, aquela tez azeitonada, que aconteça alguma
coisa bem bonita para você, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê,
como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa
qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em todos
de novo, que leve para longe da minha boca esse gosto podre de fracasso, de derrota sem
nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa
algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando. A chave gira na porta. Preciso me
apoiar contra a parede para não cair. Atrás da madeira, misturada ao piano e à voz rouca de
Angela, nem que eu rastejasse até o Leblon, consigo ouvi-la repetindo que tudo vai bem, tudo
continua bem, tudo muito bem, tudo bem. Axé, axé, axé! eu digo e insisto, até o elevador
chegar. Axé, odara!

O esvaziamento dos valores, a indiferença substancial entre os valores. Se os valores todos


se equivalem, não há norte, não há mapa. Resultado: estado blasé de tanto faz. A vida
perde sentido. As ações não realizam valores que satisfaçam a natureza. A felicidade é
impossível no relativismo, pois é um estado que se alcança a partir das virtudes, daquilo
que é bom, que é correto, que é justo, que faz sentido. O trecho acima é de uma pessoa
que não possui nenhuma expectativa de cura, nenhuma esperança de solução pro vazio em
que imergiu. Vazio cultural e moral = niilismo (absoluto nada do ponto de vista ontológico). A
consequência é a demissão da ética, da psicologia, da política, de todas as instituições que
realizam a pessoa humana, da beleza, da bondade, da verdade, ética, estética, ciência,
religião. Consequência avassaladora do pluralismo moderno. A crise da cultura tem um
ponto importante na religião, pois ela lida com aquilo que transcende a própria vida. A perda
existencial deflaciona a inteligência, capacidade de pensar. A crise da personagem proveio
da crise da cultura, que tem como princípio a crise de sentido real pras coisas, que veio da
defesa da liberdade; a personagem gostaria de ser livre, mas está absolutamente
encarcerada em si mesma, ela não consegue encontrar uma verdade objetiva fora dela, à
qual ela deva se adequar. A educação é livrar a pessoa da própria ignorância. A
personagem nega a possibilidade de aprender alguma coisa, inclusive com o terapeuta
(Cazuza também fez isso). Não acredita mais na possibilidade de saber quem é. O auto
conhecimento sempre esteve ligado com o auto aperfeiçoamento, que não é solitário, não é
dizer eu quero, eu faço, eu conquisto, eu sou virtuoso e feliz, se dá com a integração com a
sociedade e pelo que ela oferece.
Há dois modelos básicos de ética: ou se tem um modelo de ética clássica em que a
realização humana depende da prática de determinadas virtudes que implicam a força para
alcançar algo maior (modelo clássico - Ítalo Marsili) ou o modelo moderno em que há uma
redução profunda da expectativa e da proposta de realização humana pela formação do
caráter, pelo amadurecimento da personalidade.
Há uma verdade transcendente de que a alma humana e que a natureza humana se dá por
meio de uma pessoa. Temos certas faculdades a serem desenvolvidas pela virtude e pela
capacidade de amar, como ato de liberdade e comunhão. A mudança filosófica no

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

fundamento da ética faz toda diferença. Somos pessoas livres, racionais e capazes de amar
e de nos unirmos com outras pessoas. A personagem acima se alienou. Mas só se perde
quem se tinha antes. Se a personalidade humana é líquida, tudo se esvai no ar, evapora. A
vida se esvazia com muita facilidade, e o niilismo se torna uma realidade, pelo
esvaziamento dos valores, decomposição da estrutura social/moral que antes tínhamos.
Essa visão não é pessimista ou derrotista. No passado as coisas não eram perfeitas. O
drama da humanidade sempre teve uma tensão da ordem da alma e a ordem da polis.
Sempre houve uma tensão para alcançar a ordem da alma. A ética se beneficia de uma
reflexão da cultura, da linguagem das experiências morais e sociais que temos.
Intervenção do Ítalo Marsili - existe algo que está pra além do bom senso? Bom senso não
é a escola da filosofia moral. Existem escolas que exploram a arte do bem viver.
Victor Sales - a ética das virtudes é a escola que tem a possibilidade de responder com
mais propriedade os dilemas, por analisar o ser humano na sua completude. Tudo que
fazemos pode ser melhor feito se tivermos um padrão de excelência, que depende de
modelos. É sábio se inspirar em alguém mais maduro que já desenvolveu a faceta
disponível da personalidade, mas ela não é perfeita em todos os aspectos da vida. Parte da
ideia pedagógica da natureza humana. O ser humano é fraco e, portanto, precisa de ajuda
de uma instituição que lhe dê critérios de excelência, precisa de caminhos concretos e
pessoas concretas. Virtudes cardeais de Platão: fortaleza (equaliza o medo), justiça (como
servir aos outros), temperança, prudência (equaliza a impetuosidade). Quais são os meios
pra realizar os princípios? A virtude permite o aperfeiçoamento da vida humana.

Aula 2 - Cultura edificante e cultura diversionista

01/12
Fisionomia geral da cultura digital em que nos encontramos. Consequências da cultura de
massa, midiática na nossa autopercepção. Começar por livro do Mário Vargas Llosa: a
civilização do espetáculo, uma radiografia do nosso tempo. Ideia de espetáculo como
adjetivo positivo “esporte foi um espetáculo”, fenômeno da espetacularização da realidade,
promoção midiática, propagandização da vida corrente, que ocorre com uso das redes
sociais. Diferença entre cultura edificante e cultura diversificante. Cultura edificante: padrão
de excelência formal, atualização das potências de uma determinada linguagem ou
conduta, grandes obras do cinema e das artes em geral têm 2 características
sobressalentes: 1. apuro técnico ou formal, linguagem refinada; 2. conteúdo moral perene.
As pessoas se sentem órfãs do ponto de vista moral, não tem a quem recorrer do ponto de
vista moral. A obra de arte em sentido geral, na dimensão edificante serve para registrar no
horizonte da cultura um modelo ou um padrão. A primeira grande epopeia da cultura
ocidental: a Ilíada. Houve nela o estabelecimento de um grande modelo padrão. Foi muito
importante pra cultura grega manter viva a chama do heroísmo moral. Temos que buscar
sempre a superação, a excelência e a perfeição da nossa existência. A cultura pop torna-se
fruto de mera fruição e esquecimento. Mas certamente não se esquece Platão e seu heroi
(Sócrates). Deseja-se ser como Sócrates: honesto, íntegro, pedagógico e maiêutico. Fazer
as pessoas despertarem de um senso comum. Desenvolveu por meio do personagem um
modelo de linguagem. A igreja estabelece santos que possuem padrão de excelência real,
mostrando que é possível. Materialismo: comprar produtos e consumá-los. Produtos que
logo se esquecem em proveito de novos produtos. A lógica do consumismo é, mesmo sem
tempo de consumir, continuar comprando. Obsoletização constante, ideia de
descartabilidade das coisas, que pertence à lógica econômica das coisas. A lógica do

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

consumo acaba sendo projetada nas relações sociais, tornando-as descartáveis. O


resultado da cultura do espetáculo consumista é a total alienação. Não ter um eixo, um
núcleo, um eixo de gravitação existencial sob o qual a órbita da existência acontece.
Perde-se a estrutura. A cultura do espetáculo também se dá no âmbito da informação.
Informação do dia: prisão ao hoje. Queremos saber o que acontece hoje. O hoje domina a
atenção. Hoje, hoje. Prisão no agora. Temos 3 dimensões de tempo: passado, presente e
futuro. O hoje escraviza e as coisas não têm duração e ficamos embriagados com a notícia
do dia. Somos produtores das notícias. O mecanismo da inspiração do post de um story é
eloquente sobre isso: desaparece em 24 horas. A lógica da ciência contemporânea de
atualização periódica implodiu o conhecimento científico. A informação constante obstrui a
inteligência, que precisa de algo estável, precisamos de formação. 3 níveis: informação,
conhecimento, sabedoria. Hoje quase que temos só a informação. Falta conhecimento para
interpretar as informações. Precisamos de uma hierarquia de valores, para saber o que é
nobre, honrado e belo e o que é vil. Perdemos a capacidade de orientar estavelmente nossa
vida, por causa dessa vida comercial. Isso se dá pela primazia do visual sobre o verbal. Até
o século XX, desenvolveu-se a linguagem verbal, dizer o mundo por palavras, traduzir o
mundo pela palavra. A capacidade de imaginar, desenvolver as imagens a partir dos signos
verbais. O fundamento da linguagem verbal era o português e a matemática. Verbal e
pensamento lógico-analítico: era a proposta básica. Com a ascensão da televisão, do
cinema, dos smartphones em geral, aconteceu uma saturação de imagens
progressivamente e proporcionalmente a uma decadência verbal. As pessoas perderam
capacidade verbal. Perda da capacidade racional e especulativa de usar o pensamento na
modalidade verbal. Exposição excessiva a telas e imagens, que priva as pessoas da
capacidade de imaginação. A multiplicação do vocabulário dado pela literatura torna a
pessoa capaz de articular as palavras. A cultura vem se esvaziando no mundo virtual.
O mecanismo das redes sociais no contexto do hedonismo e exibicionismo: há uma
inclinação gregária do ser humano de se integrar. Queremos sempre nos integrar; a
integração se dá por imitação. Aprendemos imitando e desejamos o que os outros nos
fazem desejar. Mecanismo básico da moda e da propaganda. Todo desejo é inspirado num
modelo, que pode ser invejado. Nós invejamos/emulamos/admiramos. Há modelos que são
distantes de nós no tempo e espaço. Não nos comparamos com modelos muito acima de
nós. Uma pessoa aristocrática (não tem relação com a nobreza), tem relação com o
reconhecimento da excelência das pessoas. Na sociedade moderna, todo mundo estaria
igualado de base, no mesmo nível, de uma crise mimética em que um critica o outro, quer
estar no lugar do outro, ostentar mais que o outro. Essa lógica se complementa com o
exibicionismo. O ímpeto originário é gregário, positivo, o de quem posta. O vício é a vaidade
e orgulho que isso acarreta. Inveja de querer estar no lugar do outro e o orgulho de ser
cobiçado. As redes sociais são uma recorrente curtição. A gente gosta, mas também
compartilha, emula, quer participar do que está acontecendo. Existe uma simbiose entre o
aprovar e o compartilhar e imitar. As redes sociais são uma cadeia de repetição. Nada mais
vaidoso que querer ser compartilhado, seguido. Isso joga com as tendências do narcisismo.
Voyerismo é querer invadir a vida privada das pessoas. Não precisamos mais de uma
invasão de uma câmera em casa para sermos invadidos. Alienamos nossa intimidade. É
uma crise que esvazia a personalidade humana, pois ela tem uma intimidade que merece
ser preservada. O autoconhecimento depende de uma introspecção. Silêncio, interiorização.
Temos um teatro das sombras, uma sociedade espectral da aparência, da imagem, da
vaidade.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Italo: com a entrada da Tv e do cinema nas grandes comunicações de massa entra um


realismo. Virtude: eu tenho modelos, mas eu sou eu, pra não virar caricatura, sem neurose.
O amor aos modelos não faz com que percamos nossa intimidade. Onde eu posso chegar?
Victor: forma: possibilidade de um ente. A grandeza está na dinâmica da imitação. Cuidado
para não idolatrar pessoas.

Aula 3 - O homem: ser intermediário entre animal e Deus

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A psicologia moral de Platão, que interpretou a crise da cultura de seu tempo a partir de
uma análise do interior da alma humana. Para Platão, a política é uma questão psicológica.
O modelo de ética normativa, que precisa ser recuperado num contexto de crise. As
funções da alma são descritas sem que se considere como uma faculdade a ser
aperfeiçoada por uma virtude. Traço distintivo da psicologia clássica e moderna. Equacionar
os nossos desejos, vontades, apetites e inclinações numa unidade, que é a ordem do amor.
O ideal moral em jogo é de humanização e divinização do ser humano. O homem é um ser
intermediário entre o animal e Deus, então temos 2 possibilidades na vida: descer e subir.
Existe um movimento de animalização do ser humano - pessoas entregues às paixões mais
primitivas e elementares, selvageria, barbaridade. Por outro lado, em algumas pessoas há
uma obediência a uma dimensão superior da alma - pessoas que se santificam, que
ascendem a um patamar de divindade. Ambas são possibilidades fundamentais. Platão
falou sobre isso na alegoria da caverna. Esse modelo inspirou boa parte dos ideiais morais
da psicologia ocidental. A caverna tem uma lareira, que projeta uma luz e que alguns
intelectuais manipulam por imagens espectrais. Um filósofo percebe que isso é uma farsa
ideológica e busca a verdade das coisas fugindo da caverna, subindo uma montanha
íngreme, até chegar fora da caverna e é capaz de contemplar a verdade das coisas e
depois retornar para tentar libertar outros prisioneiros do erro da manipulação, da
ignorância. Nunca somos plenamente ignorantes, sempre preenchemos nossa imaginação
com algum conteúdo, mas isso é verdade ou não? Nosso problema é moral: como praticar,
viver a verdade? A verdade moral depende da consecução das faculdades básicas do ser
humano. Os antigos dividiam o mundo entre gregos e bárbaros, visão fechada da cultura
helênica. Muitos povos que tinham ligação espiritual de derivação homérica pertenciam à
civilização, que é a palavra que significa as coisas da cidade, que é o local em que
resolvemos nossos problemas pela linguagem, onde há direito, Judiciário, polícia, é o lugar
da cultura humana, em que a alma humana é cultivada pela educação, teatro, linguagem
refinada. Fora da cidade, tanto gregos quanto romanos eram homens bárbaros,
animalizados. A visão dos bárbaros, que caiu no século V, era de um homem violento
(vândalos). Associamos barbárie a violência, é a pessoa que não conversa, que não se
comunica,que não tenta resolver, que não tenta entender o outro e nem a si mesmo,
entender a motivação de destruir. Tem o ímpeto de destruição. Platão dizia que tudo
depende do interior, da alma, de como ela é formada, de como a pessoa organiza sua vida
do ponto de vista interno. Platão é filho da medicina, tinha 2 grandes modelos básicos:
Pitágoras (matemática) e Hipócrates (medicina). Ele queria integrar os conhecimentos
universalmente, daí a ideia da Universidade. É o que Platão fez ao tentar fundar a
academia. Filosofia é amor ao conhecimento, amor à realidade, que é complexa. A pessoa
humana é o microcosmos, que participa de diversas dimensões do ser. A alma humana tem
3 dimensões: vegetal, animal e intelectual. O corpo tem um ideal de perfeição - saúde - que
não negamos na cultura contemporânea, cultura muito preocupada com a saúde. Saúde é

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critério para ter mais prazer e reforçar o hedonismo (gozo imediato, prazer pelo prazer, que
precisa ser recuperado a cada dia, numa busca incessante), tem uma ciência para
promovê-la, chamada medicina, que tem diagnóstico e prognóstico; então deve haver uma
ciência para tratar da saúde da alma. A psicologia é ciência demonstrada por conhecimento
empíricos. No banquete de Platão, o médico é debochado, que quer explicar o amor por
motivos orgânicos e promove um discurso altamente cômico. O verdadeiro psicólogo
(filósofo) é o que entende que o amor é um desejo de perfeição e de união com o que é
perfeito e de aperfeiçoamento. Para entender a alma humana, é preciso entender o amor e
a ordem do amor. Não se pode ter uma sociedade sadia com pessoas doentes e vice-versa.
Uma sociedade sadia gera pessoas sadias. Pessoas sãs (santos - curados) geram virtudes
e modelos de saúde em outras pessoas. Platão percebe que há um ciclo virtuoso ou
vicioso. Mas não há pessoa perfeita. Há pessoas que conseguem superar para estabelecer
padrões superiores. Muitas pessoas utilizam a internet de forma saudável e fecunda. Nunca
há uma absoluta servidão ao meio, porque somos livres, mas não somos livres em absoluto.
Para Platão, temos 4 desejos básicos/inclinações naturais. Já que a alma é intangível,
precisamos pensá-la. A melhor maneira de ver a alma é representando 3 partes do corpo.
Esse modelo clássico é válido para o Cristianismo (tradição filosófica herdeira dos gregos) e
pode ser mais completo que outros modelos modernos. 3 partes: baixo ventre (abdômen
entre genitália e estômago), peito e cabeça. 4º lugar: uma alma ordenada junto com outras
almas ordenadas em comunhão (justiça). 4 virtudes cardeais. Faculdades:
1. Baixo ventre: desejo de vida, individual e da espécie. Eros. Prazer. Fome (apetite
para a mesa) e desejo sexual (apetite do sexo para reprodução). São os desejos
mais poderosos da vida humana, pois ela depende disso. Isso não depende da
escolha, pois ninguém escolhe ter fome e apetite sexual. Podemos falar de instinto,
libido, um eros que nos atravessa. Somos passivos em relação a esses desejos.
Num primeiro momento, a criança é completamente passiva - ela grita e mama, pois
não tem faculdade superior ainda. Não pode se abster, jejuar, renunciar. Parte baixa
da alma. Platão propõe redimensionamento dos desejos. Imagem de um monstro
policéfalo - cabeça da medusa - dispersão, difusão, não saber pra onde se vai, o que
se quer. Esses desejos podem ser facilmente auto-contraditórios, pois podem
conflitar consigo mesmos. Toda faculdade pode ser bem (virtude) ou mal
desenvolvida (vício). Ambos podem ser desenvolvidos, por isso a educação é tão
importante pra alma humana. Pra Platão, a alma tem que ter um senhor, um
governador, quem mande. Jamais vai se propor que quem mande é o baixo ventre.
O homem democrático era instável, volúvel, dispersivo, obedecia a parte baixa da
sua alma. A virtude dessa faculdade é o autodomínio, temperança, continência,
autocontrole dos prazeres, não se deixar governar por eles, pois eles quererão
dominar a alma.
2. Dimensão da pessoa singular que tem honra, nobreza, ideal de permanência,
vontade desenvolvida. Faculdade: vontade. Espírito irascível. Ímpeto que não está
ligado ao prazer, que percebe o bem e mobiliza o corpo. Virtude: coragem, fortaleza.
Virtude dos guerreiros, da virilidade, da resistência ao desprazer. Resistência ao frio,
fome, apetite sexual. Ainda está ligado ao corpo (palpitação, suor, força física). Essa
nobreza já está ligada à cabeça, um ideal intelectual, revelado pela inteligência, de
perfeição, de bondade, regula a paixão do medo. Só seremos ativos quando
desenvolvermos a prudência. Até aqui somos animais semi-domesticados,
conseguimos conter um pouco os instintos como um cachorro bem treinado. Isso era
muito valorizado pelos gregos, por serem atléticos e guerreiros, por terem que

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domar o próprio corpo, sacrificar o próprio corpo, jejum, abstinência, competição. A


tradição cristã mobiliza esse combate para uma luta interior, para combater a si
mesmo. A chave é que é intermediária. Desejo de poder - pode ser para dominação
ou serviço. Para o bem ou para o mal.
3. Cabeça: dimensão propriamente filosófica e psicológica. Desejo de verdade. Na
própria estrutura anatômica é a parte alta do homem, imaterial. O que se coloca
dentro da cabeça não é tangível, não tem materialidade. Platão percebeu que a
inteligência pode ser alimentada e guardada. A inteligência se volta a verdades
eternas e imutáveis. Temos um padrão de excelência superior, verdadeiro prazer.
Regular o prazer a partir da verdade. Transcendental do ser: verdade. É o oposto do
que a modernidade chama de verdade subjetiva, que é uma contradição em si
mesma. Momento do amadurecimento, da ascenção da personalidade ao que é
universal e eterno. Tudo isso é um exercício da parte alta da alma humana,
reconhecer que existe prazer, vontade e verdade. A inteligência é, por definição,
teórica e prática. A modernidade aposta as fichas na razão teórica e despreza a
prática. Quando o homem se autoconhece, teoricamente, também passa a agir
sobre si. O homem é um animal passional e egoísta, que precisa ser contido -
policiamento da sociedade, que não consegue se autogovernar, nem se pode
governar pela linguagem. O direito é baseado nesse ideal, de que as leis podem
regular as relações sociais. Virtude: prudência (alma saudável e íntegra é prudente)
e inteligência. Prudência não é cautela, nem previdência. Os gregos diziam que a
prudência é a inteligência prática que governa todas as nossas ações, diante do
imprevisto, do novo, do diferente. Faz um plano de vida, organização da nossa
existência. Constante relação entre os princípios gerais de vida e os casos concretos
e particulares que reforçam ou desafiam os valores. O homem prudente é o homem
examinado.
4. Justiça. Corpo organicamente integrado. Ideal de saúde, ideal de harmonia das
partes do corpo, dos humores do corpo, que estão integrados no nosso corpo. O
ideal de saúde individual corresponde a um ideal social. Cada um recebe o que lhe é
devido. A ideia do corpo social. Cada pessoa exerce suas funções e estão
integradas em uma ordem. Estabelecer critérios, padrões de excelência, buscar o
domínio dos prazeres, o ímpeto de poder e de verdade e de adaptação e dar aos
outros tudo isso. Por isso uma personalidade madura é altamente útil aos demais. A
transposição da filosofia para a política é problemática, pois vai contra o dinamismo
da alma humana. Todos podem ser filósofos, se tiverem a educação devida. Filhos
de filósofo podem ser trabalhadores manuais. Dinamismo da sociedade.

O que temos hoje? Que partes da alma são valorizadas na nossa cultura? Quais são os
ideais de excelência? Elevar o homem da animalidade primitiva e inata dos desejos baixos
para um patamar superior de desejo universal. Eu conquisto poder sobre mim e portanto eu
tenho poder sobre os outros. Quem tem poder sobre si é ativo. Só somos ativos no patamar
superior. A nossa sociedade é predominantemente pautada na satisfação dos prazeres
baixos: consumismo (avareza, ganância), gula, luxúria (desejo sexual desenfreado), música
que ouvimos. A alma humana depende do tipo de música que ela escuta. Somos
interiormente o tipo de música que escutamos, pois ela não tem efeito apenas do conteúdo
moral transmitido, mas da vibração dos sons, da harmonia. A música, se for de vibração, é
uma música que nos animaliza e nos deixa presos na caverna dos sentidos elementares e
ela excita, dá fome e apetite sexual, deixa nosso corpo vibrando e nos faz querer repetir a

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experiência. Quem está acostumado com boate não consegue praticar yoga. Há tipos de
músicas que acalentam o nosso corpo, que nos consolam e permitem elevação da alma. O
tipo de música é importante pro que defendemos aqui, não somente como arte das musas,
mas como alimento cultural da nossa alma, o que desenvolvemos. A ciência tem uma
prioridade pela quantidade curricular em relação à música e à educação física. A música
que escutamos vai moldando e formando nossa alma. Isso nos ajuda a ter mais consciência
da nossa cultura contemporânea. O nexo que une a alma humana é o amor. O nível
humano é o do amor integrado com as nossas faculdades superiores. A inteligência, por si
só, não tem força. Todas as dimensões da alma são formas de amor. Maniqueísmo é um
grande erro antropológico, que gera extremos. A vida do espírito depende da união da
carne. A filosofia não se dá por carta, por livro.

Italo: por um lado existe uma parte no homem que é perfeita em si (faculdades superiores);
por outro lado, faculdade que busca objetos em si (faculdades inferiores). Nada está na
inteligência sem que tenha passado pelos sentidos. Formam-se fantasmas dentro de nós e
começamos a pensar a partir deles. Os animais também têm sentidos, também sentem,
mas não formam conceitos, não teoriza. Xavier Zubiri propõe a ideia da inteligência
senciente - precisar captar de modo inteligente a realidade, como se a própria sensibilidade
tivesse uma inteligência também. Deveria haver uma educação própria das partes
inferiores. Numa pessoa saudável deveria haver uma fruição da inteligência nas partes
baixas também, não se encontra só infelicidade lá embaixo. No homem existe algo de
transcendente na própria operação da sensibilidade. Não precisa haver essa disjuntiva.
Operações intelectuais não necessariamente levam a um lugar bom. Pessoas com
sensibilidade organizada sem voos intelectuais podem ser saudáveis. O corpo também
precisa ser trabalhado, ele precisa de uma manifestação inteligente ordenada.

Aula 4 - Iluminismo e Romantismo

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Problema da ciência. A modernidade veio com base num projeto de iluminar pelas luzes da
razão, por meio do movimento iluminista. Movimento importante para entendermos a crise
da cultura, que é também da ciência e da moral. A crise da ciência é o seu sucesso, nossa
época é cientificista, positivista. É bem sucedida no âmbito da realidade, quando
considerarmos o corpo, a medicina é a ciência do corpo, que tem sucesso em muitos
aspectos. Basta um pouco de história pra saber que nos últimos 2 séculos houve um grande
sucesso das telecomunicações, da construção civil, da indústria alimentícia.
Aperfeiçoamento da vida humana pela ciência. Iluminismo = projeto de desenvolvimento da
ciência ao limite, que deve servir à sociedade, aos seres humanos. A primeira dimensão é
propriamente científica, a segunda é moral (expandir a ciência para a sociedade). A
Universidade serve para pesquisa, ensino e extensão = projeto iluminista ao qual
pertencemos. Na medicina é muito didático: pesquisamos e servimos a sociedade com o
resultado da pesquisa. Esse projeto estava sendo bem sucedido até uma crise iniciada na
Segunda Guerra Mundial, na aplicação política e moral da ciência, que se tornou um
conhecimento do tipo neutro, que reivindicava uma neutralidade moral, concedendo um
grande poder. O iluminismo começou a se tornar uma busca pelo conhecimento com vistas
à dominação. As experiências totalitárias da política do século XX (Hitler e Stalin) eram
pautadas em supostas ciências (história marxista e racista, eugenista), não haveria nazismo
e comunismo se não fossem pseudociências por trás. Então, existe medicina que cura e

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medicina que mata. Isso gera um nó na cabeça. A ciência se tornou um grande método e
passou a ser uma grande inimiga (genocídio), com base numa suposta ciência. O
materialismo histórico-dialético não é ciência, que não se sustenta. Mas muito se acreditou
nessas ciências e muito mal se fez com base nelas. A ciência está em crise. Mas ela ajuda
ou piora, simplifica ou complica? Surge, no século XIX, a ressaca do iluminismo.
Ressentimento de ter perdido algo que não cabe na bitola da ciência. O romantismo foi um
movimento cultural de amplo alcance na sociedade. Tudo que chamamos de
sentimentalismo hoje, todo relativismo subjetivista que atribui as emoções, toda
espetacularização de querer coisas belas, impactantes, está ligada ao romantismo. As
pessoas tendem atribuir aos sentidos as sensações, emoções, paixões, importância
formidável. Não à toa elas querem se emocionar com as coisas. Na modernidade temos
robôs e animais. Por um lado, razão instrumental capaz de conhecer a verdade do mundo e
intervir sobre a natureza e por outro lado uma incapacidade de razão moral. A ética é uma
ciência moral, é um tipo de conhecimento sobre a verdade moral. Sem verbalizar o que se
passa na alma (teologia, psicologia), é melhor não ter ciência sobre o homem. Essa é a
crise da ciência. De um lado, ciências naturais que não param de crescer, nós avançamos
no conhecimento sobre a natureza e na capacidade de dominá-la, aumento da perícia
técnica, de outro lado, as ciências humanas foram taxadas de ideológicas (nazismo, por
exemplo). Pensadores da Escola de Frankfurt pensaram como a sociedade alemã, tão
escolarizada, pôde acreditar numa teoria como o nazismo. A escolarização das crianças é
uma proposta tipicamente iluminista e estatista. Não deveriam as crianças da juventude
hitlerista resistirem a uma ideologia como a nazista? A população russa era muito menos
escolarizada que a alemã, acreditou-se que ela era analfabeta e baseada em superstição,
por isso acreditou numa teoria comunista. É fácil substituir uma religião por uma ideologia
do tipo religioso, tipo o comunismo, com culto ao ídolo fundador (Lenin - líder da revolução).
Crise das ciências humanas por serem consideradas ideológicas, gerou ceticismo. Ciência
sem consciência é a ruína da alma (mote da modernidade). A ciência é muito boa, mas
depende da consciência moral, de saber o que se fazer com ela - isso foi desaprendido. O
cientificismo é um erro não por estar errada, mas por se afogar num delírio de onisciência e
onipotência. Por isso a ciência foi divinizada, idolatrada. A implicação sócio-política do
cientificismo: cultuar a deusa razão. Os revolucionários que vão superar a superstição das
trevas substituindo pelo reino da ciência, que se arvora num poder político de dominar a
sociedade toda. A alma humana é um mistério, não um problema a ser resolvido pela
ciência. A alma humana pra ser decifrada precisa de disciplinas altamente elaboradas e
refinadas que não passam pelo crivo da ciência moderna, passam pela filosofia, simbologia,
religião, história, literatura (tradicionais). A modernidade estabeleceu um padrão
absolutizante e excluiu o que não entra em seu escopo limitado. A simbologia não é uma
ciência natural, matemática. O positivista exclui a sagrada escritura, as tragédias gregas, as
cartas do tarot, a filosofia. Os autores falam do fim da filosofia, mas a filosofia sempre
enterra seus coveiros e renasce. A história não vai morrer, nem a literatura. Tudo isso são
discursos sobre o mistério que é a alma humana, esse enigma que está em nosso peito.
Por isso o existencialismo é uma corrente muito importante e influente que resgata alguma
sabedoria da existência subjetiva e tem origem religiosa, quando todo mundo cultivava
ciência. Quando todo mundo atribuía a grande capacidade da decifração do mundo natural,
Kikgard afirma a irredutível complexidade da alma humana, que só pode ser pensada pela
religião. Nietzsche sabia que os problemas da existência não são resolvidos pela ciência,
por isso o psicólogo está numa fronteira complexa entre o corpo, a alma e o espírito. Numa
intercessão altamente complexa que exige conhecimento de um tipo de ciência, experiência

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de vida, o papel subjetivo do terapeuta. A dimensão pedagógica dessa relação. Grande


ilusão das ciências humanas, que não podem ser neutras, jamais, nem impessoais. Não se
pode lidar com uma pessoa de forma impessoal, isso a priva da dimensão propriamente
humana. Mas não se precisa trabalhar de forma enviesada, pode-se buscar objetividade,
isenção, mas nunca neutralidade. Muitas ciências humanas foram marcadas por algum
extremo: positivismo (desprezo ao conhecimento humanístico - disciplinas hermenêuticas -
literatura, história e filosofia - cultura clássica - isso educa e expande nossos conhecimentos
com atenção ao fenômeno humano de forma mais complexa - percepção aprofundada).
todo esse conhecimento foi ignorado como se fosse negativo. O ser humano não é um ente
positivo, apenas. Ele tem observação, experimentação, dogmatização e … Por outro lado, a
alma humana … Não é possível mensurar a alma humana individual e o conjunto infinito de
variedade da vida social, que é marcada pela interação de pessoas humanas livres. Mesmo
a sociedade mais massificada possível ainda não é previsível como a chuva. Isso se perdeu
na modernidade. A ética não é cognoscível como as ciências matemáticas. O ideal
epistemológico é a ciência da natureza, em relação à humanidade fica um grande ceticismo,
relativismo, romantismo. Ciência: objetiva. Homem: subjetivo. Paradoxo da nossa época,
em que se afirma a ciência da natureza e a impossibilidade de uma ciência humana.
Existem mecanismos de relativização do discurso. A ciência foi esvaziada em fala. A
verdade objetiva, a busca de conhecimento real é esvaziada. A universidade como local de
produção da ciência foi igualmente esvaziada e criticada, isolada da sociedade. Aspecto
relevante da crise da ciência: barbárie da especialização. A ciência na modernidade
precisou se especializar: é uma coisa boa por ser abstração das partes que compõem o
todo para a concentração em um dos elementos para se aprofundar nele, o que aprofunda o
conhecimento dessa parte. É uma coisa ruim porque aliena o especialista do todo, da
totalidade da realidade. O homem condensa em si a complexidade de todo o universo.
Perder de vista o todo gera crises. O símbolo condensa o que estava disperso, é um feixe
de intelecções, por isso o pensamento simbólico precisa ser resgatado. Não queremos
retroceder a um conhecimento superficial. O generalista não tem valor também. O dilema é:
conhecer um pouco de tudo ou de tudo um pouco? Quem dá a visão geral do mundo é a
filosofia e a religião. Quando a ciência, enfatizando as partes, nega o todo, atua como
sendo um fator de desordem, desorientação: é a crise da ciência. O materialismo é um
reducionismo. O ceticismo é uma renúncia do pensamento. O terapeuta tem que ser
humanista diante de um ser humano que reflete a humanidade.

Italo: existe uma causa material para a depressão, mas também tem outras causas, como
tudo quanto existe. O cientificismo é uma das causas do estado de ânimo das pessoas do
nosso tempo, é um dos males que precisa ser colocado no lugar. Pelo cientificismo, a
finalidade das coisas sai da pergunta.

Aula 5 - A crise no fundamento da realidade cultural

01/01/22
Filosoficamente chamada de niilismo (a crise), ou morte de Deus (Nietzsche). Ateísmo e
niilismo. Refletir sobre pseudo-verdades que obscurecem nossa compreensão acerca do
comportamento humano, refletir a ética no âmbito da crise da cultura. A crise da cultura é do
fundamento de todo o conhecimento, valor possível. O ser que é fundamento de toda
realidade em nossa tradição é Deus, que deve ser pensado numa dupla perspectiva -
religiosa (criador do mundo, redentor do mundo, espírito santo) e filosófica. Nietzsche

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

percebeu no século XIX que a sociedade europeia já não era mais cristã e não tinha mais a
religião no centro de sua valoração moral e social. O positivismo passou a considerar o
conhecimento religioso como superstição, historinha, mito. Há vários autores do século XIX
que passam a professar o ateísmo esclarecido: Nietzsche, Marx, Freud, Froerbar. Há uma
série de intelectuais que estão interpretando a realidade do seu tempo e propondo uma
nova forma de experiência humana e social, em que Deus não desempenha um papel
protagonista na realidade social, moral, cultural.
Como Nietzsche interpreta a morte de Deus? Isso já é uma expressão irônica e jocosa,
porque Deus é imortal. Primeiro lugar fez uma neutralização de Deus para a sociedade. A
igreja perdeu seu papel pedagógico normativo e influente na sociedade, na formação das
famílias pelo sacramento do matrimônio, nas escolas e no currículo das escolas das
crianças, a influência nos valores morais que serão veiculados pelos parlamentos e pela
política. A religião passa a ser vista como um fenômeno individual, é tolerada como um
direito individual. O sujeito pode ter uma religião, mas não vai mudar nada na sociedade,
que não é mais pautada pela religião, que não tem força normativa na vida social, cultural e
política. Ela pode ser importante na vida individual. Nietzsche diz que não faz sentido ser
importante para mim e não ser para a realidade. Nossa época não é somente de um
ateísmo individual, não é questão de descrença pessoal. Nietzsche diz que desvalorizamos
a ideia de Deus e não conseguimos mais viver como se Deus de fato existisse. Porque no
fundo desvalorizamos metafisicamente o fundamento que é Deus, portanto, Deus está
morto. Não como um fenômeno religioso, nem como um fenômeno político de laicismo, mas
como um indiferentismo metafísico pelo fundamento. Deus seria a ideia (não mental e
subjetiva de cada um de nós), a realidade formal e imaterial que estrutura toda a realidade.
Deus no sentido mencionado por Aristóteles, que Platão chamava de ideia do Bem, no
banquete de ideia do belo. A forma eterna, imutável, perfeita, que estrutura o
aperfeiçoamento de toda a realidade. Para que todo ente tenda a sua perfeição, é
necessário que haja um ser perfeitíssimo, um ser que realiza em si mesmo todas as suas
possibilidades, que está em puro ato. Um ser que não conhece mudança nem para pior,
nem para melhor, que está num patamar transcendente. Que articula a possibilidade de
uma perfeição moral, educacional, intelectual. Por isso não temos mais ideais normativos de
perfeição e excelência, por isso perdemos a crença cultural de que há Deus. Nietzsche,
numa obra chamada H é ciência, falava de um homem louco, que foi pra praça do mercado
com uma lanterna (alusão a Diógenes, o cínico, que andava pela praça da cidade grega
procurando um homem com uma lanterna ligada) perguntando “pra onde foi Deus?, já lhes
direi, nós o matamos, vocês e eu, somos todos seu assassino, mas como fizemos isso,
como conseguimos esvaziar o mar, quem nos deu a esponja para apagar o horizonte
inteiro, que fizemos nós para desatar a terra do seu sol, para onde ele se move agora, para
onde ela se move, para onde nos movemos nós, para longe de todos os sóis, não caímos
continuamente para trás, para os lados, para frente e todas as direções, existem ainda em
cima, em baixo, não erramos com o que através de um nada infinito, não nos baceja o
espaço vazio, não se tornou mais frio, não anoitece eternamente?”. - Descrição do niilismo
contemporâneo. Ateísmo prático. Indiferentismo moral. Crença de que a vida não tem um
sentido útil de que a morte apaga tudo, esgota tudo, de quem não tem nenhum valor
supremo, como o amor na tradição cristã e, principalmente, tudo é uma questão de valor.
Nietzsche percebe que a transvaloração de todos os valores é a mudança na maneira de
aquilatar o valor das coisas, que eram consideradas como bens. A palavra virtude é oposta
a essa tradição moderna porque é diferente da palavra valor. Virtude é a capacidade da
alma, a verdade moral da alma. Depende de uma natureza humana, que depende de um

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

criador, necessariamente de alguém ou de uma inteligência que estruturou a regulação


formal desse fenômeno. Tudo que é natural tem uma lei que o regula. Se não tem Deus, as
coisas são frutos do acaso. Sem uma inteligência suprema governando e ordenando a
natureza, não há natureza humana. E se não há natureza humana, a liberdade é vazia.
Sartre, leitor de Nietzsche, percebeu essa problemática e proferiu uma palestra “o
existencialismo é um humanismo”, em que propõe um ateísmo esclarecido - não há Deus
pra ter criado uma natureza, o ser humano não tem essência, só tem existência, ou melhor,
a existência precede a essência (o que é um jogo de palavras, uma contradição, é um ferro
de madeira). Segundo o existencialismo de Sartre, estamos lançados num mundo sem
sentido, sem princípio de perfeição, porque ela é uma transcendência e estamos presos na
imanência. Segundo Sartre, estamos presos numa caverna sem saída, um conjunto de
sombras, de aparências, de enganos… “a vida é uma paixão inútil”. Qual é o resultado
disso? Ele era uma pessoa triste, que amargurava as dores da guerra. Muitas concepções
dele são profundamente pessimistas, porque não consegue ter nenhuma esperança, nem
transcendente nem imanente. Bombas e mortes ao seu redor. Muitas pessoas hoje podem
ceder ao pessimismo, pela falta de modelos que plasmam as virtudes e a inteligência da
alma humana, que podem considerá-las impossíveis de serem alcançadas e podem ceder
ao pessimismo.
Nietzsche percebe que a ausência de Deus, de sentido último da vida, de inteligência, de
fundamento,

Viktor Frankl disse que cada época tem sua neurose coletiva e a da nossa época é o
niilismo, o esvaziamento de todos os valores, principalmente porque os valores são
fundados no próprio sujeito e não se sustentam, porque o sujeito não é estável o suficiente
pra estabelecer seus próprios valores. O ideal de autonomia se mostrou frágil, junto com o
ideal de autenticidade, que é a ideia de que eu sou eu mesmo e não sigo outras pessoas.
Posso reivindicar a minha autenticidade em relação a uma moda aderindo a outra. Não sou
o único homem no primeiro dia da criação, sempre me relaciono com propostas. A proposta
da serpente, de Adão e Eva, é exatamente ser senhor do bem e do mal. Nietzsche propôs
uma moral pra além do bem e do mal, que é o relativismo absoluto, que não tem nem em
cima, nem embaixo, nem o bom, nem o pior, nem o melhor, porque a valoração é subjetiva.
O niilismo gera um subjetivismo, uma auto idolatria, uma auto divinização “eu me torno o
Deus da minha própria vida”. Se isso fosse capaz de saciar o coração humano, todos os
relativistas, niilistas estariam felicíssimos. Mas talvez isso seja o contrário na prática. Os
valores se tornaram infundados.
Podemos ter valores, mas se forem só um valor, amanhã podemos desvalorizar aquilo. A
transvaloração de todos os valores é uma mudança no modo de valorar a realidade e
encarar a própria ética. Diferente de encarar bens e virtudes e principalmente com base na
verdade que só Deus pode conferir ao comportamento, pois Deus é absoluto,
transcendente, eterno, imutável, perfeito, inteligente, bom, então tudo que dele deriva e com
ele se articula tem uma bondade, uma beleza, que não é minha, mas da qual eu participo
pelo amor. Nietzsche percebeu muito bem isso, a participação em Deus pelo amor, mas
agonizou, sofreu muito inclusive psiquiatricamente, e que ele mesmo não era mais capaz de
viver com base naquela perspectiva, que foi neutralizada pelo positivismo e romantismo.
Nietzsche estava no movimento romântico alemão típico. Schopenhauer na filosofia e
Beethoven, Shoven, … na música e Wagner, que ele amava. Até Wagner demonstrar que
não é possível viver sem Deus. Ou você tem Deus ou tem ídolos (um Deus substituto).

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Wagner transformou sua música e o estado germânico em deuses e começou o


anti-semitismo (Nietzsche odiava).
Você deixa de acreditar em Deus e passa a acreditar em todo o resto. Precisamos de um
polo estável, uma gravidade, para enfocar todo o resto. Não é que Wagner fosse
pós-cristão, mas ele tinha outra religião, pagã, que cultuava o estado e que tinha na música
a sua liturgia. A liturgia e o teatro são menos realistas do ponto de vista representacional,
mas nos apresentam uma forma superior de vida, ao passo que a crise da representação
gerou um hiper-realismo em que nós nos expomos uns aos outros e passamos a nos
idolatrar. Se antes uma procissão religiosa lotava as ruas, hoje uma banda de rock lota as
ruas. Hoje existem grandes procissões lotando lojas, comícios políticos, atividades
esportivas. Nietzsche se fez a pergunta: é igual, tanto faz, é a mesma coisa ir pra uma
procissão religiosa ou pra uma procissão esportiva? Uma procissão econômica ou uma
política? Tudo é igual? Ele disse que sim, tanto faz, cada um na sua, a gente se tolera, essa
é a ideia do liberalismo. Nietzsche perguntou: será que não tem alguma coisa melhor que
outra? Um produto melhor que outros produtos? Ou tudo é uma questão de propaganda,
retórica? Lembrar: a caverna de Platão, onde estamos presos, é um horizonte de
relativismo. A consequência do niilismo é o relativismo, porque não há mais hierarquia,
verticalidade, não há mais nada acima ou abaixo, tudo está encaixotado. Nietzsche percebe
que cada ser humano quererá ser seu próprio Deus. No Zaratustra (filosofia niilista),
Nietzsche afirma: dizia-se Deus, outrora, quando se olhava para mares distantes, mas
agora eu vos ensino a fizer super-homem, mas deixai que vos abra totalmente meu
coração, meus amigos, se houvesse deuses, como toleraria eu não ser um deus?, logo, não
há deuses. Há uma compreensão de que o sujeito passa a ocupar o local que antes era de
Deus e esse subjetivismo exacerbado considerar o sujeito individual como fonte máxima de
valores é completamente estéril, infecundo, fraco, pelo fato de que não há capacidade de
fundar os valores na própria subjetividade.
Filósofo Alan Renaut, no livro A Era do Indivíduo, sobre o antropocentrismo do humanismo
moderno: o que na antiguidade, ainda mais na época medieval, era o lugar de Deus,
torna-se na modernidade o lugar do homem, que logo reivindica para si os dois atributos
tradicionais de Deus, ou seja, a onisciência (representação da cultura moderna como
marcada pela relevância concedida pelo conhecimento científico e ao pensamento em sua
feição meditativa) e a onipotência (ou poder total, que deverá expressar-se por meio da
dimensão técnica da nossa cultura, fato que ultimamente significa a mobilização do
pensamento enquanto puramente voltado ao cálculo), é o positivismo afeiçoado à
tecnologia de transformação do mundo.
Esse gesto também pode ser considerado, nas palavras de Eric Voegelin, um gesto
gnóstico. A gnose, que vem do antigo maniqueísmo, é o conhecimento científico iluminado,
capaz de transformar a realidade pra melhor. O projeto gnóstico é o projeto de
transformação da sociedade para o progresso social, mas isso tem um custo. Ele percebe
que as guerras mundiais e os totalitarismos são as religiões políticas gnósticas da
modernidade. O custo é o poder total do estado e da ciência. Por isso o positivismo sem
limite na lei natural e na lei divina, que é o poder da ciência (tudo conhecer e excluir o que
ela não pode conhecer) e excluir aquilo que possa impedir o estado ou as instâncias de
desenvolver e aplicar e praticar esse progresso. É o imperativo do progresso em dois
âmbitos: a ciência pode progredir sem conhecer mais da realidade material, não há limite. A
religião sempre foi um limite ao conhecimento científico, não que limitasse o conhecimento
científico, mas, como diz Blaise Pascal, o último passo da razão é entender que infinitas
coisas a transcendem. Por isso, o verdadeiro sábio é aquele que percebe a limitação do

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conhecimento científico, da sua capacidade de conhecer. Isso significa que se precisa


chegar ao último passo da razão, antes de dizer se existe Deus ou não, ou uma inteligência
suprema. Einstein dizia: Deus não simplesmente joga os dados. A maioria dos grandes
cientistas reconheceram a existência de Deus, de uma inteligência suprema que ordena o
cosmos. Essa realidade transcendente impediu a divinização e a sacralização do mundo
secular. O cristianismo separou com mais perfeição e clareza os âmbitos de César e de
Deus “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Porque antes César era
Deus. Em todas as tradições o poder político estava intrinsecamente associado ao poder
religioso, à autoridade religiosa. O político era o responsável por regular o cosmos social,
como Deus regula o cosmos natural. O reconhecimento de que Deus existe ou não existe é
fundamental pra vida humana, pra essa dimensão da liberdade como obediência, como
adesão a um projeto de aperfeiçoamento, de felicidade e de plenitude, como a sabedoria
clássica e tradicional propõe ou da inexistência de Deus, portanto, o ônus que o próprio
homem tem de seguir as modas do seu tempo, os ídolos do seu tempo, ou o ídolo que ele
mesmo se transforma a si mesmo de um narcisismo auto idolátrico. O indiferentismo
religioso, o niilismo (total negação do fundamento), gera patologias que os terapeutas
enfrentam no consultório, na vida prática em geral, não somente depressão, tristeza,
ascídia, tibieza, tédio, não somente todas as manifestações evidentes do niilismo, mas
também uma idolatria positiva do estado, da economia, da história ou da ciência.

Intervenção Italo: em uma carta de juventude de Freud a seu amigo Silverstein, ele conta
um pouco da sua biografia, na qual deixa claro que ele leu Nietzsche e ele disse que tudo
que estava dizendo podia se concretizar se aparecesse um médico filósofo que colocasse
as coisas em prática. Freud pensou que isso articula sua vontade de ser filósofo, mas
precisava de uma faculdade pra se sustentar e fez medicina e entendeu aquilo como se
fosse uma profecia de Nietzsche. Freud - transvaloração moral e impossibilidade da
coexistência da psicanálise de Freud com a tradição antropológica clássica. Na obra de
Freud não existe uma explicação do que é o homem. Ele fala sobre o homem sem se
perguntar o que ele seria. Ele usa a termodinâmica para explicar o que é o homem - visão
materialista do homem. Freud é um niilista cansado, perplexo, quase vivendo o tédio.
Mesmo assim, é um dos pensadores mais influentes do nosso tempo. Ele aposta num
hedonismo. Será que Nietzsche não sabia que estava falando pra além do bem e do mal?

Victor: Em relação ao Freud, parece que ele é um Platão invertido. O eros, pra Platão, é
uma força ascensional, que busca beleza, perfeição e transcendência (saída de si). A libido
do Freud parece uma força que move a alma para a gratificação, para o prazer. Como o
princípio do prazer é cerceado pelo princípio da realidade, pela formação dos tabus e pelo
superego, há uma tensão psíquica que precisa da famosa sublimação. Essa é uma forma
difícil de compreender a realidade humana, errada, incompleta, imperfeita, considerar que
tudo tem origem sexual. Sexualidade infantil com desejos de satisfação de uma libido, uma
punção inscrita no corpo que vai gerar a linguagem, que a linguagem é fruto de tudo isso,
que a produção cultural, a religião, a grande arte, os grandes códigos de lei, que tudo de
grandioso se produz, vem no fundo dessa castração originária, é muito contraintuitivo, frágil,
e só encontra ressonância no erro de Marx, ao achar que a superestrutura é projeção da
infraestrutura material. Com esses dois materialistas, mecanicistas, tem um ponto de partida
tão errado, que não temos capacidade de entender a dimensão superior da vida humana, a
dimensão espiritual, cultural, moral. Eles estariam aquém do bem e do mal. Na Alemanha
do século XIX se falava muito de progresso, pra além, a consumação, a consecução,

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evolução. A superação de um modelo metafísico em que há bem e mal, em que o bem está
no topo e o mal está abaixo. E que há uma gradação e uma elevação da alma. Pra ele, isso
é negar o humano, demasiado humano. Que há só terra, não há céu. Há só baixo, não há
alto. Se não há alto, nem o baixo é baixo, porque o baixo é baixo em relação ao alto. A
morte exclui tudo, esgota todas as possibilidades, o que sobra é o corpo pulsante. Mas
Nietzsche não era tão reducionista quanto Freud, pois ele achava que existia uma vontade
de poder que atravessava a pessoa, as sociedades, que é absolutamente irracional, que é
um vetor sem telos, sem destino, sem ordem, sem finalidade, mas que arrasta e permite
fazer coisas grandes. Nietzsche tinha uma noção de grandeza relativa, mas não se sabe se
isso pode ser dito de Freud, pois pra ele quem seria grande, realizado? É o homem
adaptado. A Hannah Arendt tem uma frase que diz “a prática da psicanálise tem como
consequência a adaptação, a normalização de uma sociedade doente”. Reconhecer que
todo mundo tem traumas, neuroses, psicoses e precisamos nos adaptar minimamente e
aceitar uma sociedade que nunca realizaria. Essa concepção é profundamente pessimista,
derrotista. É o reconhecimento de uma doença incurável. Isso depende de um gnosticismo,
de um Deus mau. Se existe uma doença incurável, que realidade é essa? Que plano é
esse?

Italo: Ele acha que a proposta de Freud, que tem o inconsciente como centro agente do
homem, seria o mito da caverna ao contrário. Platão dizia que na luz estava o fundamento e
a possibilidade de ação do homem, o livramento dos fantoches, Freud vai no caminho
contrário da caverna, ele afunda e chega num lugar totalmente fundo, um lugar que não
pode ser dito, porque aí deixa de ser inconsciente. Visão do homem profundamente niilista.

Victor: é o princípio do caos. No princípio, é a ordem, era o Verbo. Se o núcleo agente é o


inconsciente, o escuro, sem possibilidade de ordenação, se ele é aquilo que subjaz numa
iluminação parcial, não tem possibilidade de lidar com esse princípio de modo construtivo e
articulado com os demais. Por isso que o inferno são os outros, a relação humana é
insuportável, e a política virará guerra, ainda que contida. Deixa de existir uma esperança
de humanidade. Toda filosofia moderna que tem a ideia do indivíduo preso nele mesmo, que
não dá a mão aos outros para alcançar alguma coisa juntos, fica preso em si.

Italo: o final da vida de Freud - ele se mata bebendo veneno. Ele não aceita mais as dores,
a realidade de sua vida.

Victor: o suicídio passa a ser um tema filosófico (Mito de Císifo) bastante compreensível
para essa geração que já não vê sentido em tudo. Há um suicídio real, de vida, mas há
também um suicídio em vida, a perda da vitalidade, da energia vital, da esperança, que vai
obscurecendo o mundo. Morte de Deus = apagamento do sol. Deus é o único sol de luz
própria. Simbolicamente. Não havendo isso, trevas.

Italo: essa é a aposta freudiana. Morte auto imposta. Trevas.

Victor: só cogitar o suicídio já é ter partido de uma premissa falsa de que a vida é gratuita,
arbitrária, ociosa do ponto de vista metafísico. A desvalorização da vida dos outros também:
homicídio, aborto, genocídio.

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Italo: desconfiar de algum modo de todas as filosofias que prepararam as grandes guerras e
que vieram logo após elas. Primeira e segunda grande guerra.

Victor: Filme que ele gosta - Apocalipse now - gratuidade da violência. Brincar de se matar,
ver quem mata mais. Sinal extremo da patologia, da gratuidade da vida. Acaba virando
realidade. Existe uma causa de fundo nesse niilismo, que é um grande fundo do cinema.
Nessa perspectiva, a redenção é odiosa.

Italo: filme Fita Branca - história que se passa na geração que precede a grande guerra,
com jovens e crianças que cometiam erros e eram punidas e marcadas com uma fita
branca, elas não podiam pedir desculpas e não havia ninguém para desculpá-las. Existe
uma tese de que foi essa geração que causou a grande guerra.

Victor: esse filme trata da formação de crianças que não tinham a possibilidade de errar.
Ideal da perfeição neurótica, que cria pessoas rígidas. A educação humana é muito
complexa.

Italo: nesse filme há ausência completa do amor.

Victor: visão do pai freudiano como censor e castrador, superego, oprime, que gera
ressentimento, temor, medo, recalque. Visão da tradição judaica de um Deus vigilante que
está me atormentando e vigiando a todo momento, que me apequena. Nietzsche: num
mundo em que há Deus os homens são pequenos.

Italo: Freud: Deus manda Abraão sacrificar seu filho Isaque, o mesmo Deus que lhe oferece
um cordeiro. O mesmo Deus mata seu próprio filho, mas ele ressuscitou de modo glorioso.
Existe uma desonestidade intelectual no Freud.

Victor: desonestidade ou um estágio da civilização em que o cristianismo perdeu sua


inteligibilidade. Pode-se especular sobre isso. Parece que eles não sabem mais o que é o
cristianismo, parece que estão falando de uma caricatura. Falar que a existência de Deus
apequena os homens é inverídico, pois há grandes homens, grandes santos.

Italo: esses autores estavam se levantando claramente contra a tradição cristã. Nesse
sentido, Lacan é muito honesto no final da sua vida: toda minha vida foi uma tentativa de
destruir o cristianismo, mas ele tem recursos, perdi.

Victor: ele tem recursos porque trabalha com a ideia de redenção, renovação, o polo
positivo da vida. A morte não vence, tem uma palavra intermediária para um plano de vida.
A sabedoria clássica é preservada por meio do cristianismo. Dependeria de uma tese
romântica de recuperação da antiguidade sem a idade média (Lutero). É romântico querer
retroceder e recuperar Platão ou Aristóteles, sem a tradição cristã que os recepcionou a
uma verdade maior, por isso o tema da morte de Deus, do niilismo, do ateísmo, pressupõe
um reconhecimento da abertura do espírito humano ao transcendente e isso é fator de
sanidade. Chesterton: o homem que tem misticismo é saudável, o homem que é racional
enlouquece. O homem que se subtrai do mistério enlouquece, por querer compreender tudo
e o resultado pode ser o suicídio.

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Italo: O cristianismo não acaba na sexta nem no sábado. Os sofrimentos humanos podem
ter 6 causas (seis causas do sofrimento humano), o que é uma análise que não se ensina.
Simbólica, física, afetiva baixa, afetiva alta, ignorâncias intelectuais e espirituais, por isso
toda essa temática é importante para a formação do terapeuta.

Aula 6 - O processo de massificação

04/01/22
Aula sobre um dos fenômenos mais salientes da crise da cultura, que tanto afeta a nossa
vida moral e principalmente a noção de responsabilidade individual pelos próprios atos e
pelo destino da sociedade, que é a massificação: uma característica típica de uma
sociedade industrial avançada e tecnológica.
Sempre houve, nas sociedades em geral, um processo de padronização do pensamento e
da linguagem pelas instituições que inserem o indivíduo na sociedade. É natural, normal,
esperado que os indivíduos tenham pensamento mais ou menos comum e um
comportamento mais ou menos comum frequentando as mesmas instituições, como a
escola, a igreja, as famílias, o estado, a cultura, que haja um pensamento afinado. A própria
língua já homogeneiza e padroniza o comportamento e o pensamento. De fato, a própria
ética pode ser considerada a inserção dum novo indivíduo no comportamento comum,
normal, “natural”, o comportamento que é normativo. Então, ao chegar num país
desconhecido, se começa a se comportar, até mesmo por mimetismo, como os demais
cidadãos, como as demais pessoas. O que muitos psicólogos perceberam é que, no século
XX, há um processo de massificação, que é muito mais do que a mera padronização do
pensamento ou da linguagem. É muito mais do que simplesmente pensar ou falar como os
outros. Mas é ser afogado, mesmo fagocitado, num mar de uma massa que passa a agir de
uma forma semelhante, senão igual, mas que não se sente responsável por isso.
Responsabilidade individual. Um filósofo importante na esteira do Nietzsche é Martin
Heidegger, que percebeu que a personalidade individual, a pessoa humana precisa se
conquistar, se afirmar de modo autêntico pela sua liberdade contra um fluxo de
massificação, inautêntico de pessoas que se comportam simplesmente como as demais e
que não têm coragem (ou força) pra assumir uma própria identidade, personalidade, porque
se sentem confortavelmente reclinadas numa maré, numa moda, numa grande massa. O
que ele chama de “ditadura do impessoal”, em alemão a gente é “dasman”. Mas quem é, do
ponto de vista individual, esse agente (junto), quem está fazendo tudo isso? Quem é o
diretor da massa? Ele percebe que é ninguém. Existe um paradoxo filosófico do “dasman”.
“A gente” é todo mundo e ninguém. Todo mundo se reúne nessa argamassa social,
reproduz comportamentos, pensamentos, linguagens, mas ninguém se sente pessoalmente
responsabilizado por ela. Por isso, a massificação despersonaliza, impessoaliza. Deixa de
haver uma pessoa por trás da ação e responsabilidade por ela. Isso é extremamente
relevante para a assunção da responsabilidade que a maturidade pessoal exige. Assumir os
influxos geracionais, genéticos, hereditariedade social, cultural, o influxo do meio, das
instituições normativas que normatizam e normalizam o nosso comportamento. Por outro
lado, há sempre uma assunção de uma responsabilidade pessoal sobre tudo isso.
Heidegger: “Na utilização dos meios de transporte público, no emprego do meio de
comunicação e notícias (jornal) cada um é como o outro. Esse conviver dissolve
inteiramente a própria existência num modo de ser dos outros e isso de tal maneira que os
outros desaparecem ainda mais em sua possibilidade de diferença e expressão. O
impessoal desenvolve sua própria ditadura nessa falta de surpresa e de possibilidade de

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constatação. Assim, nos divertimos e nos entretemos impessoalmente como se faz. Lemos,
vemos e julgamos como impessoalmente se vê e julga. Também nos retiramos das grandes
multidões como impessoalmente se retira. Achamos revoltante o que impessoalmente se
considera revoltante”. Obra Ser e Tempo (1927). Época em que os meios de comunicação
de massa, de difusão e de massificação ainda eram radicalmente menores do que os
nossos.
Hoje em dia nós temos uma possibilidade de massificação ainda maior, porque estamos
infinitamente mais conectados. A ideia de rede social é interessante, pois rede é algo que
liga, mas é também algo que prende. Estamos interligados, podemos nos conectar com
todo o mundo em tempo real e podemos registrar o vídeo para qualquer pessoa em
qualquer lugar. Temos hiperconectividade, queremos saber tudo que acontece a todo
momento, toda hora. Os canais de televisão com notícias 24 horas. A internet não para, é
um fluxo contínuo de informações e notícias. Por outro lado, estamos presos nesta rede
(caverna), nesta novidade. Precisamos nos informar, acompanhar, odiar em cadeia na
forma de haters, do deslike. O mesmo mecanismo do like é o do deslike. Eu gosto como
todo mundo gosta e desgosto como todo mundo desgosta; eu me indigno como todo mundo
se indigna, eu apoio como todo mundo apoia. “Você não está acompanhando isso, vendo
isso, aplaudindo aquilo?”. Paradoxo. A pessoa que não está integrada na massa se sente
alienada, ao passo que no fundo a integração massificante a aliena. Essa é a inversão
metafísica da massificação. “Se você não está integrado nas redes sociais (basta encontrar
uma pessoa que não tenha rede social e dizer: então você não existe, não está alfabetizado
na linguagem contemporânea), você está alienado”. Mas o contrário também pode ser dito -
que quem está nas redes sociais é que está alienado. Esse é o paradoxo. Os dois são
parcialmente alienados e parcialmente integrados em outras realidades.
Tem muita coisa acontecendo nas redes sociais, no mercado de informações, de debates
políticos. A política se resolve nas redes sociais. A ágora do debate público é as redes
sociais e os meios de comunicação em massa da internet.
A massificação torna a existência humana inautêntica e irresponsável. Inautêntica porque
eu não busco de fato ser quem eu sou, quem eu deveria ser, quem eu poderia ser. A
massificação gera uma existência resignada, conformada e derrotada. “Eu não posso fazer
nada, eu não sou nada, eu não tenho meios, todo mundo pensa assim, é o espírito do
tempo, é a nossa época, é a nossa geração”.
Nós não somos servos do nosso tempo, não somos obrigados a fazer o que todos fazem. A
massificação é dizer: não tem solução, vou seguir o que todo mundo faz. É a redução do
nosso horizonte a um destino inexorável. Todo mundo que quer participar da vida intelectual
associa de imediato a possibilidade de ir à universidade: “como assim você estuda filosofia
sem ir à universidade?”. É possível valorizar os livros, não as aulas. É importante saber o
que ler. É importante romper com o determinismo e a ideia de um destino necessário.
Existem experiências autênticas, existe a possibilidade de resistir à massificação, o que
exige força, resistência e fortaleza. Mas, principalmente, o reconhecimento de que o nosso
destino não é socialmente determinado, nem socialmente obrigatório.
Outro ponto importante: o tédio. A massificação costuma nos impor um ritmo de alternância
entre trabalho e ócio, negócio e ócio, tempo produtivo e tempo improdutivo. O tempo
produtivo na sociedade burguesa industrial é o do trabalho utilitário, que serve para alguma
coisa que gera um prestígio social e um reconhecimento econômico ou reconhecimento
social e retorno econômico; o tempo em que se está com a mão na massa, produzindo. O
tempo em que não se está atuando na vida profissional seria inútil. A palavra ócio, que era
valorizada na antiguidade, passa a ser vista como perda de tempo, tempo inútil, algo inútil,

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vazio, sem sentido e relegado às idiossincrasias e as particularidades. Os antigos achavam,


ao contrário, que o tempo livre e os cidadãos livres eram aqueles desobrigados às funções
materiais de subsistência econômica, aplicavam o tempo em atividades edificantes,
realmente liberais, de contemplação da realidade, reflexão, significação da realidade.
Portanto, esse tempo é das artes, da religião, da política pensada no sentido nobre. O
diálogo entre amigos para fins de bem comum, para equacionar as diferenças e verificar
como integrá-las e harmonizá-las, se possível, no corpo social.
A vida massificada é uma vida em que a pessoa exaure todas as suas energias no trabalho,
esgota suas energias físicas e mentais no trabalho e sente que não tem tempo mais para
nada e esvazia por completo o seu tempo ocioso na diversão, no passatempo. Aqui surge a
grande indústria cultural de entretenimento que massifica a sociedade.
Cada profissão tem a sua particularidade, característica. É normal que as pessoas se
padronizem na mesma profissão, falem a mesma linguagem, tenham o mesmo
pensamento. Isso é normal, é impossível que não seja assim. No tempo livre, que seria
libertado da massa do trabalho (o trabalho é uma micro comunidade coesa e relativamente
fechada), sair das atividades profissionais é a possibilidade de fazer algo único,
diversificado, empregar o tempo ocioso em alguma atividade construtiva, edificante, em que
se tenha energia, vitalidade, garra. Mas geralmente, nessa hora, as pessoas vão consumir o
que a indústria cultural de entretenimento e espetáculo tem a oferecer. O tempo livre é
considerado inútil e um fator de massificação - assistir ao filme da vez, da notícia do dia, o
vídeo mais curtido, acompanhar as redes - alienação. Ele sai do ciclo restrito do trabalho
pra outro ciclo de massa (do entretenimento), o que o priva do silêncio necessário para que
ele reflita sobre o sentido último da vida, pra participar da vida com mais intensidade e
profundidade.
Pascal (XVII): “a única coisa que nos consola das nossas misérias é a diversão que,
entretanto, é a maior das nossas misérias, porque é ela que principalmente impede-nos de
pensar em nós mesmos”. Ele está dizendo basicamente que todos nós temos que resolver,
não um problema científico, mas como lidar com o mistério da vida, com as perguntas
metafísicas fundamentais (quem sou eu, de onde vim, pra onde vou?), que é o sentido
último da vida, o que não posso dispensar, o que ilumina de forma radiante e efusiva todos
os aspectos da minha vida. O que está de fato dentro de mim, o que EU (com carga
ontológica) devo fazer? Quem sou EU? Essa é a pergunta mais incômoda que existe, por
isso condenaram Sócrates, porque ele passava pelas ruas de Atenas tentando despertar as
pessoas de seu sono dogmático da massificação. Se eu tercerizo o que eu sou, se coloco
uma condição pessoal massificada, sem assumir uma experiência real, intensa sobre a
minha vida e a minha responsabilidade, o que depende de um tempo dedicado ao silêncio,
à introspecção, à reflexão, à crítica no bom sentido, …
Estamos buscando critérios para criticar, avaliar, aquilatar o valor das coisas. Precisamos
cultivar a nossa interioridade, mediante o silêncio, a meditação, a reflexão da vida num
momento ocioso. Se você está num ritmo frenético de trabalho, comida, sono; depois
diversão, entretenimento, viagem, atividades sociais, sem um minuto pra pensar na sua
vida, pra colocá-la em perspectiva, você não está desenvolvendo a virtude da prudência, da
ponderação do exame de consciência de quem de fato você é, e pode estar muito funcional,
trabalhando muito bem, sendo bom cidadão, bom pai, marido, trabalhador, mas com uma
vida interior murcha, amortecida, apequenada.
Tomás Melendo: “um grande trágico jogo para entreter-se ilusoriamente dia após dia e não
olhar para dentro, um grandioso e complicado passatempo com um preço muito alto: a fuga
de si mesmos. Fazer da diversão um ofício o homem se desembaraça de seu destino,

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

abdica da própria grandeza e se dilui nas situações e realidades exteriores”. Essa é uma
pessoa ocupada, entretida, com passatempos, que patina em várias atividades e não para,
não tem tempo pra si. Um dia ela explode, sucumbe, cai, se pergunta “mas pra que tudo
isso?”. A boa literatura é repleta dessas tomadas de consciência, crises existenciais que
chegam em níveis diferentes mais cedo ou mais tarde. Diferente do que se pensa, a
diversão não é o oposto do tédio, mas a causa dele. Só quem se diverte se entedia. A
geração entediada, que temos hoje em dia, é uma geração saturada de diversão. Geração
que de tanto se divertir e se entorpecer com ocupações de entretenimento e diversão se
entedia. Esse é o paradoxo que os filósofos percebem.
Nossa época tem uma quantidade extraordinária de coisas pra fazer e as pessoas estão
entediadas e sem ter o que fazer. Não é algo natural o ritmo, mas é o atendimento de uma
expectativa. “Férias: você vai viajar? Nos termos em que todo mundo viaja, exatamente pra
fazer as coisas que todo mundo faz?”.
Cecília Meireles tem um texto chamado “Roma, turistas e viajantes”, em que compara os
turistas com as suas máquinas a tiracolo, fotografando e atendendo todas as expectativas
previstas para o turista: Vaticano, Coliseu, foro romano, fontana di trevi. Fazer um checklist
de atitudes esperadas dos turistas. Ela se perdeu em Roma e perdeu o mapa de Roma pra
tentar ter uma experiência que ninguém tinha, ela queria ter naturalidade, uma
temporalidade, para escrever e pensar e refletir sobre a vida em seu ritmo, sem cumprir
tabela. A vida não é cumprir prazeres. Desimcumbir-se do drama da existência, o mistério
que se dá com o cultivo da interioridade. Se não cultivarmos o interior mediante o silêncio e
a arte que nos faz pensar (não ocupações artísticas e religiosas, que podem ser reduzidas a
mais entretenimento, podendo ser feito inclusive pela televisão). A religião não tem como
finalidade entreter as pessoas, não é uma diversas, é uma imersão na vida que está sempre
diante da morte. A grande arte suscita questões existenciais e nos faz pensar. Precisamos
de um tempo para digerir e fermentar a religião e a arte, a cultura em geral, tempo que
nossa sociedade costuma considerar vão, ocioso, inútil, vago. Com isso perdemos em boa
parte a nossa humanidade, responsabilidade, autenticidade e lavamos as mãos e
delegamos a nossa responsabilidade à massa, à “gente”, à impessoalidade. Todo mundo é
ninguém.

Italo: Heidegger define o homem massa como aquele sujeito que, percebendo a sua
vulgaridade, exige que ela seja validada por não reconhecer mais instâncias superiores e se
pergunta: Quem manda no mundo? Quem mandou no mundo em diferentes épocas
históricas? Exemplo de Napoleão que invadiu a Espanha mas não mandou na Espanha.
Na terapia: se eu já reconheço que ninguém manda mais em mim, isso leva o sujeito a uma
trivialidade, tédio, disfunções cognitivas, afetivas e espirituais. A massificação como
resultado desse esvaziamento, perda da noção de quem manda, não há nada mais
confortável do que reconhecer que existem autoridades, tanto intelectuais, religiosas, etc.
De fato há uma dificuldade em reconhecer quem são as autoridades, existe um motivo
histórico para que isso aconteça. Mas mesmo que haja autoridade, o sujeito não medita
mais sobre isso. Cadê o tempo de meditação, em silêncio. Muitos problemas podem vir do
fato do homem não conseguir ficar sozinho meditando. O que é alguém com autoridade? O
sujeito consegue reconhecer a autoridade e declarar que é saudável reconhecer que existe
uma autoridade? Existe uma série de acontecimentos querendo planificar as coisas. Os
sujeitos vulgares, se agrupados, têm toda uma capacidade de mandar no governo… O
impacto dessas coisas na alma do homem. A massificação é a vulgaridade (perda da
capacidade de contemplar a hierarquia das coisas) e essa vulgaridade leva, no fundo, à

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

perda do referencial que leva ao medo, o medo leva ao desespero e o desespero leva a
encolhimentos e tiranias.

Victor: o mais tragicômico de tudo isso é que a demissão da autenticidade se dá no exato


momento em que se nega a autoridade. A autenticidade é a capacidade de ser quem se é,
mas sem reconhecimento dos padrões, dos modelos, das hierarquias, não sou autêntico,
porque vou seguir a massa, esse eu coletivizado. (eu anônimo coletivizado, massa) O
regime político democrátivo promove a massificação política, porque ninguém tem
responsabilidade, mas quem é o povo? o povo é uma abstração política. Todo poder emana
do povo que o exerce por meio dos representantes nos termos desta Constituição. Mas será
que o poder exerce do povo só porque ele o elege? Existe uma tensão com a dignidade da
pessoa humana, porque a pessoa é individual, única, irrepetível, que está numa hierarquia
do cosmos. Em tudo há hierarquia e graus de perfeição e realização. Os temas estão
conectados entre si. O homem massa reconhece a autoridade do especialista, que tem
autoridade nas suas práticas, nas suas profissões. Mas o que é felicidade? Aqui não tem
especialista, não tem autoridade sapiencial, sacerdotal. Esse dilema nos massifica cada vez
mais. A gente nega a autoridade e ao invés de conquistar autenticidade, eu não acredito em
ninguém e me trivializo, me vulgarizo. Esses autores passados se tornaram mais ainda
presentes, quanto mais o tempo passa. Ortega viu a massificação no jornal. Na leitura do
jornal pelos homens minimamente engajados numa atividade, que liam o mesmo jornal. A
internet é uma revolução no sentido de dispersar e formar bolhas. As massas hoje são as
bolhas. Depois veio o rádio: um canal. Agora já temos infinitos jornais, agências
internacionais de informações, pólos de difusão.

Italo: Em certo momento na Espanha a venda dos jornais caiu vertiginosamente, um dos
motivos foi a entrada dos derivados de petróleo no consumo diário, os sacos plásticos, o
forro do chão. Muitas pessoas compravam o jornal para embalar as frutas quando iam à
feira, pros cachorros fazerem xixi. O jornal perdeu a sua função, o que é sintomático. O
homem massa já não reconhece a autoridade, repara que é vulgar e dá autoridade pra essa
vulgaridade.

Victor: e rechaça o grande, tem ódio ao distinto, o que se alça pra além da vulgaridade, que
é hostilizado pelo homem massa, porque é uma ameaça à sua vulgaridade. O homem
distinto denuncia a vulgaridade do homem massa com a sua própria vida, tanto quanto o
santo incomoda o pecador. O santo é crucificado e a massa grita “crucifica-o!”. Um joga a
primeira pedra, todo mundo joga pedra. Agitação das massas.

Italo: isso está completamente conectado com o nosso dia a dia, rechaçar o ócio traz a
massificação. O negócio todo mundo faz igual, se não existe um passo atrás de realização
do ócio contemplativo, das dimensões superiores, sem isso o sujeito se massifica
necessariamente.

Victor: A ciência se apresentou como uma libertadora do trabalho massante das pessoas.
Agora a ciência nos ia dar tempo livre, tempo de sobra para o amor, a confraternização, a
contemplação. A ciência aplicada na tecnologia faz muito por nós. Por uma lógica atribuída
ao capitalismo do lucro pelo lucro que quer se reinvestir constantemente numa roda de um
ciclo vicioso, numa sociedade industrial que quer cada vez mais, há um crescimento do
trabalho. Paradoxo. A gente trabalha mais no momento histórico em que poderíamos

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

trabalhar menos. Aí vem a desvalorização do ócio. Você deveria trabalhar mais. Vem uma
lógica do empreendedorismo baseada numa massificação da produtividade - patologia do
vício no trabalho, crescimento ininterrupto do trabalho, como se tivesse sempre de melhorar
e aperfeiçoar. Nietzsche dizia que quem não dispõe de 2 terços do seu dia é escravo.

Italo: do mesmo jeito que se romantiza as consequências do comunismo como ideologia,


igualmente as do capitalismo.

Victor: o senso de utilidade da pessoa depende do quanto ela produz de riqueza, que é
convertida em cifra, o que reduz toda a existência humana. As pessoas sofrem por não
conseguir atender as expectativas da sociedade.

Italo: massificação é a incapacidade reconhecer que existem instâncias superiores do


espírito.

Aula 7 - Política como uma forma de amizade

04/01/22
Crise da política e o quanto ela influencia na composição dos afetos, emoções, desejos,
vontades e comportamento individual em geral. O moto do nosso módulo tem sido a crise
da cultura e o quanto ela gera um estado de desorientação, desnorteamento dos indivíduos
que não sabem de onde vêm, pra onde vão, e que têm a sua alma desarrumada,
completamente desordenada, porque não conseguem estabelecer uma ordem interior, uma
unidade interior dos seus desejos de prazer, de poder, de verdade e de harmonia. Na
primeira aula, ele propôs uma antropologia clássica, que se contrapunha a uma noção
moderna de individualismo baseada num hedonismo, materialismo, secularismo, ateísmo,
positivismo e em uma série de ideologias que deixavam de algum modo o homem
abandonado a si mesmo, aos seus pequenos prazeres. É claro que este modelo moderno
dificilmente encontra uma forma de composição do bem comum, de harmonia social. Nessa
dialética do modelo clássico da pessoa humana como animal racional e social, a gente
lembra que o desejo de poder está a serviço do bem comum, porque está articulado ao
desejo de verdade, então, a vontade que determina essa dimensão intermediária da alma
humana se liga à razão, a vontade é um apetite racional do bem e a política articula o bem
comum.
Todos os bens são comuns porque existe uma natureza humana comum e a integração dos
bens entre as pessoas se dá pela virtude da amizade. Então, os clássicos pensavam a
política como uma forma qualificada de união e amizade, em que os amigos compartilham
um bem comum.
Aristóteles pensava na amizade em três modos básicos, sendo dois extrínsecos e um
intrínseco (caso central da amizade). Ele achava que havia uma amizade baseada no
prazer, exatamente na troca de prazeres e na relação que gerava prazeres recíprocos, mas
prazeres, que é uma relação que eu não estou de algum modo preocupado com o amigo,
ele é alguém que me dá prazer e é alguém a quem eu dou prazer e temos prazeres juntos,
mas a pessoa dele não é determinante, porque pode ser outra pessoa que me dê o mesmo
prazer (amizade extrínseca, não é uma amizade perfeita, no seu caso central, amizade
propriamente dita).
O segundo tipo extrínseco é a amizade utilitária, em que há uma utilidade, uma troca, por
exemplo, o comércio, eu quero dar aula, você quer receber a aula, eu não quero saber

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

quem é você, você não tem grandes interesses em mim, não pensamos essa relação a
partir de um bem, que é o bem do conhecimento (em comum), mas apenas eu estou
preocupado com meu salário e você está preocupado com sua nota e seu diploma e temos
uma relação de tipo econômica, comercial, igualmente extrínseca.
A amizade no seu caso central, do ponto de vista intrínseco, é a amizade virtuosa, entre
pessoas virtuosas que, juntas, buscam o bem. É uma amizade pedagógica, em que os
amigos se ajudam mutuamente a alcançarem o bem e a se ajudarem a buscar cada vez
mais o bem comum, o bem do amigo. É a amizade que é o modelo das relações humanas
íntegras, em que o amigo quer o bem do outro, é insubstituível, é uma pessoa humana
única e irrepetível. Para Aristóteles, a amizade é uma condição indispensável da felicidade
humana, que não é possível sem uma verdadeira amizade. Poucos e bons amigos com
quem compartilhamos nossa vida e a quem ajudamos a desenvolver todas as capacidades
morais de sua personalidade e de quem recebemos um grande préstimo, grande favor e
ajuda para desenvolvermos nossa amizade. Desse tipo é baseada no bem comum.
Na antiguidade, a polis (cidade ou comunidade política) era uma espécie de comunidade
espiritual em que os cidadãos estavam unidos numa espécie de espírito comum, de alma
coletiva em que a saúde da polis dependia da saúde individual dos cidadãos e
reciprocamente, havia uma sinergia entre a vida individual, a vida familiar (da casa) e a vida
da sociedade, havia uma inter relação, o homem era sempre pensado como cidadão. A
melhor maneira de se entender esse modelo não-individualista de comunidade é pensar na
comunhão dos santos da teologia cristã, que é uma inter relação mística de uma bondade
compartilhada no tempo e no espaço e na eternidade por todos os cristãos que compunham
o corpo de Cristo, de modo que não se consegue pensar um sem os outros, não tem a
possibilidade de pensar o isolamento e a autonomia e a separação, por exemplo, de um
membro de uma família, há uma sinergia, a imagem é de uma alma coletiva.
O que acontece na modernidade é o surgimento do individualismo, de um modelo
antropológico em que o homem não é mais pensado como um animal racional e social, no
modelo de Aristóteles. Thomas Hobbes (anti aristotélico por excelência, assim como
Maquiavel era o anti cristão por excelência na política) dizia que nós não somos animais
sociais e irracionais, mas animais anti-sociais e egoístas e passionais. Surge o egoísmo
moral e o individualismo político e agora o desafio da polis vai ser como equacionar seres
egoístas e passionais. Hobbes fala que a primeira lei natural é o medo de morrer de morte
violenta, que nos dá uma possibilidade de matar. Então somos assassinos potenciais
porque nós somos vítimas potenciais. O modelo dele é da guerra de todos contra todos. A
guerra com possibilidade iminente de dissolução do pacto social. Hobbes está num
momento de profunda crise social e guerra religiosa no século XVII, antes da revolução
gloriosa, cujo grande filósofo é John Locke, seu sucessor, que tem um modelo menos
beligerante, menos litigioso, que trabalha com a ideia da tolerância, que é tão cara ao
liberalismo político moderno. O modelo da tolerância é a forma que temos de conviver
baseados na diferença, a ênfase da liberdade moderna é na diferença, é o pressuposto de
que, se nós formos livres, se estivermos desobrigados e descompromissados com vínculos
comuns, vamos divergir, se cada um se deixar levar por suas idiossincrasias, por suas
paixões, seus prazeres, vamos chegar a caminhos próprios, diferentes e se valorizarmos a
individualidade, a diferença e não a unidade e a amizade, o que vai restar para que
convivemos pacificamente é o princípio da tolerância. O próprio Locke reconhece que é o
princípio da caridade cristã secularizada, que é a consecução da amizade perfeita pelo
amor oblativo, doação, sem nenhuma expectativa de reciprocidade, desinteressado por
completo.

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A tolerância é um princípio político em que eu não estou preocupado com o bem do outro,
mas deixo que ele se preocupe com o seu próprio bem e aceito. A palavra tolerar é aceitar
algo ruim. O modelo da tolerância é o modelo de resistir à perseguição, ao ataque e à
guerra civil. Eles estavam vivendo uma guerra religiosa muito profunda, que rasgou por
completo os laços que uniam a sociedade inglesa e propôs o modelo da tolerância.
Esse modelo da tolerância liberal e individual entrou em crise no século XIX e culminou
numa grande crise das guerras mundiais do século XX e é um modelo que está em crise,
embora não tenhamos uma alternativa viável ou que tenha o mesmo nível de elaboração
teórica e de consecução prática na história do ocidente.
O liberalismo político está em crise. É a crise do individualismo radical, em que cada um
persegue o seu próprio objetivo e o estado, respeitando os direitos individuais, e os
cidadãos respeitando os direitos individuais, passam a litigar. Nosso estado passa a ser
um regime profundamente litigioso e beligerante. O direito não é mais o nexo de
harmonia social, mas um instrumento de luta jurídica, disputa jurídica. O bárbaro era
aquele que lutava porque não tinha a capacidade de mediação racional do logos, da
lex, do direito, da lei, da justiça, é aquele que nega o desejo de harmonia da alma e da
sociedade. A ordem do amor é o ideal de ordem e de harmonia, de unidade. Essa
unidade é dupla: unidade na alma e na polis. É a intuição fundamental de Platão e Leo
Strauss e Eric Voegelin - que atualizam os desafios de uma democracia liberal
moderna. O problema consiste no fato de que a alma do homem democrático é uma
alma dispersa, desintegrada internamente. No começo da República, de Platão, há
uma imagem do Deus Eros como sendo um monstro policéfalo, de várias cabeças,
Platão é cheio dos trocadilhos irônicos, céfalo é o velho que já não tem mais a
servidão, que já não é mais servo do erotismo desordenado dos jovens democratas.
Os jovens democratas, segundo Platão, na República, de forma alusiva e irônica e
dramática, eram aqueles jovens impetuosos, vaidosos, erotizados ao extremos, que
queriam expandir, imperialisticamente, a democracia grega sem se preocupar com o
cuidado da alma. Sócrates teria sido o terapeuta, mestre, mentor, que dizia a
Alcebíades (existem dois diálogos sobre Alcebíades - jovem impetuoso que teve uma
desastrada expedição a Cecília, que culmina com a morte de Sócrates em 399). Platão
percebe que a crise da democracia, que se torna uma passagem para a tirania,
porque o homem democrático é tirânico, porque os seus desejos são tirânicos,
porque ele não encontra limites aos seus desejos. Na leitura de Ortega (XX) e Platão (V
aC) possuem semelhanças. O homem massa do XX que não reconhece nenhuma
autoridade, que quer vulgarizar, banalizar toda autoridade constituída, encontra ressonância
naquele homem democrático cuja alma é completamente dispersiva. E é dispersiva porque
é governada pela parte baixa dela, aquele desejo elementar de vida e prazer. Por isso deus
Eros (no nível mais elementar - o Eros de Alcebíades. Segundo Platão, Eros era uma força
de elevação e ascensão da alma e alcança o nível da vontade e da inteligência. O Eros
filosófico é a própria filosofia - erosofia). Eros começa baixo mas sobe para as alturas da
alma, para os patamares superiores da contemplação das verdades sociais, universais,
comuns. O resultado é que a política democrática é uma política na caverna. Na caverna
das redes sociais, o reino da aparência, do espetáculo, da sensação, a notícia
sensacionalista, dispersiva e ideológica, o reino da retórica tem uma contrapartida direta na
política.
A política democrática se torna uma política da opinião, do achismo, da impressão e nós
somos movimentados de acordo com as impressões.

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O resultado das eleições de 2022 vai depender de algumas questões circunstanciais que
aconteçam no mês anterior, do movimento de algumas peças no xadrez que manipulam as
opiniões.
Democratas: alma dispersa nos prazeres. Aqueles que não reconhecem a autoridade.
República, Platão (IV a.C.), psicologia moral clássica, mostra que certas percepções da
alma humana são permanentes, neutralização de toda a autoridade e de toda estabilidade
numa democracia. Em Platão e a ambiguidade da democracia, livro Crise da Cultura e a
Ordem do Amor (do Victor): “Para aqueles jovens hedonistas, a filosofia é apenas mais um
dos prazeres dispersivos com que entretém os momentos soltos de sua vida que não
compõem uma unidade orgânica e ordenada. Na minuciosa análise da psique do homem
democrático, Platão percebe que ele é incapaz de hierarquizar valores segundo uma ordem
de prioridade e importância, relativizando-os constantemente ao sabor das contingências.
Ora o homem democrático se dedica à música, ora à dieta para emagrecer, ora dedica-se
ao esforço da ginástica, ora rende-se à preguiça, ocupa-se com a filosofia ou com a política,
para em seguida abandoná-las no repente. Platão disse: Quando fica com inveja de
guerreiros, vira-se para esse lado; se se trata de comerciantes, para o destes; numa
palavra, nem a ordem nem a necessidade lhe definem a conduta, chama de livre
semelhante vida, agradável, perfeitíssima, comportando-se dessa maneira até o fim. Como
observa Martha Nussbaum, o governo da maioria, rindo da razão, impõe seus caprichos
desordenados pela força da lei. Em nome da liberdade individual, a política democrática
institucionaliza o relativismo moral, que nega a capacidade de a razão discernir os valores
verdadeiros e disciplinar eticamente o indivíduo.”. O amor à sabedoria, para o homem
democrático, é apenas um prazer momentâneo. Isso se conecta com o que foi dito na
primeira aula - nesta aula com uma voltagem social e política.
Aquele homem democrático conturbado, internamente desordenado não vai ser capaz,
naturalmente, de ordenar a sociedade. Pelo contrário, usará a instituição social e política
para impor a sua desordem, os seus caprichos e vai considerar os seus desejos direitos.
Hoje em dia há um movimento jurídico de considerar os desejos humanos direitos. E
quando nós reivindicamos um direito a contrapartida é que os outros têm os deveres de
respeitar esses direitos e que o estado tem que tutelar esses direitos. Só que esses direitos
vêm de desejos absolutamente arbitrários. A sociedade não tem como se ordenar, não tem
como respeitar os desejos, quaisquer que sejam, uns dos outros, porque desejos não
configuram direitos, segundo a tradição clássica, porque direitos dependem de uma
ordenação racional da justiça, que é uma virtude. Sem a harmonia da alma, sem a
ordenação interna de temperança, fortaleza e prudência não há justiça, que é a ordem na
polis, que é a prudência aplicada a dar a cada um o que lhe é devido. O resultado é que o
excesso de liberdades resulta na escravidão, na tirania.
Platão percebe que a democracia é intrinsecamente instável, não é capaz de fincar raízes e
de estabelecer-se por longo prazo. A crise da democracia que vivemos se estende há vários
séculos. Uma dificuldade de manter o regime democrático ao longo do tempo, sempre há
percalços, golpes, quedas, revoluções, rebeliões, mudanças de regimes que querem
redemocratizar, super democratizar, repensar a democracia e ela fica com essa dificuldade
de manter a ordem. Para Platão, como os desejos do homem democrático são desejos
tirânicos, esses desejos não conseguem estabelecer a ordem.
Maquiavel tentou suspender a ética na política e considerar como se a política tivesse as
suas próprias regras, como se a virtuo do político não pudesse ser avaliada pela virtude
humana em geral. No modelo que estamos estudando, é como se o desejo de poder não
estivesse integrado ao desejo de verdade, perfeição, harmonia e mesmo de prazer.

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Maquiavel se volta claramente contra o modelo cristão de ética política vigente na idade
média, tentou inaugurar um novo ideal de homem político e provavelmente o ideal do
homem político que vingou ou que vinga em grande parte na modernidade. Por exemplo,
Maquiavel considera que o governante tem que aprender quando e o melhor modo de não
ser bom, do ponto de vista moral. De praticar a crueldade, se necessário, e ser temido, não
apenas amado. Mentir, subornar, trapacear e roubar para ser bem sucedido, mas parecendo
íntegro e piedoso. Maquiavel estabelece um modelo de cinismo político que ele considera
realismo político. Ele considera que a realidade não é o ideal de consecução das potências
de um ente, de um agente moral; a realidade, por exemplo, de um professor é dar boas
aulas, um mau professor, que não consegue dar uma boa aula, sem clareza de
pensamento, linguagem e comunicação, não é um bom professor, mas essa é uma
realidade apequenada, diminuída. O professor real é o ideal com uma possibilidade
imanente desse próprio professor. No caso da política, ao falar da realidade política, não
podemos estar presos aos fatos de uma época em crise. É como dizer que a doença é a
realidade do corpo. A realidade do corpo, do ponto de vista ideal, é a saúde; uma pessoa
doente não é critério de saúde, porque ela está carecendo de funções orgânicas. Uma
sociedade em crise, como a Florença de Maquiavel, não pode ser considerada modelo de
realidade política. Então ele considerava o realismo político uma submissão aos fatos de
uma época em crise. Aqui está o problema da psicologia. Se a gente está numa época em
profunda crise, em que as pessoas estão psicologicamente doentes, desordenadas, não
podemos elevar este estágio crítico à regra geral, que foi exatamente o que Maquiavel fez.
Se os políticos são corruptos na Florença do século XVI não quer dizer que os políticos
sempre sejam corruptos ou devam ser corruptos, até porque a palavra corrupção, que ele
abole do vocabulário político, que pressupõe a saúde, a perda, a decadência, então o corpo
corrompido pressupõe que ele estava antes íntegro, porque se não estivesse íntegro não
poderia ser corrompido. Falar em corrupção é pressupor que o estágio natural e normal do
político é a honestidade, a integridade, é o poder para o serviço do bem comum. A gente
acaba herdando (Maquiavel não venceu plenamente) o ideal de poder como serviço. Pra
Maquiavel o modelo de fundo é a guerra, tanto quanto para Hobbes, a política é vista como
um grande xadrez, uma grande estratégia, em que se tem que dominar os rivais, no âmbito
da rivalidade mimética da mediação interna, que é aquela em que os indivíduos estão no
mesmo nível espiritual e social e podem, portanto, ocupar os mesmos espaços. Então, o
Príncipe, de Maquiavel, tem que conquistar o poder e cuidar para que ninguém conquiste o
poder como ele, porque ele sabe que mimeticamente se ele tomou o poder, outro pode
querer tomar o poder, mas desta vez, dele. Por isso, o princípio de ordem de Maquiavel é
tomar o poder e não deixar que ninguém tome o poder de você. Mas por que eu não vou
tomar o poder de você, que agora o tomou? Maquiavel tenta suspender essa possibilidade
de revolução, o que para ele é a pior coisa que pode haver; pois a estabilidade política se
dará com a mão de ferro de um político que seja perspicaz, que seja uma serpente e um
leão ao mesmo tempo, com a astúcia da serpente e a força do leão.
Se analisar o modelo florentino de dois séculos antes, Dante Alighieri é o modelo
radicalmente oposto de resposta à crise política, de uma Florença que já estava numa crise
talvez pior do que a crise de Maquiavel. Pior e mais radical. Dante talvez tivesse mais
razões para um pessimismo político radical do que Maquiavel, mas não teve, por dois
motivos. Pela religião de fundo que o sustentou (catolicismo) e pela filosofia de fundo que o
sustentou (tomismo). No começo da comédia, ele encontra no inferno, antes de entrar
propriamente, 3 animais, que representam propriamente os 3 vícios dos quais derivam os

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pecados capitais que vão desordenar a alma e a polis: uma loba (avareza), uma onça
(concupiscência) e um leão (poder).
Maquiavel diz: sejamos poderosos como leão e astutos como a serpente. O que não tem
nesse Príncipe?
A resposta de Dante é o amor, a harmonia, a amizade, a luz, a ordem, que emanam do
próprio Deus. E que é derramada pela luz do sol, numa colina do purgatório. O inferno é um
lugar profundamente escuro. A caverna criada pela queda de Lúcifer.
A comparação desses modelos é interessante, pois Dante reconhece a importância do
poder e os desejos fundamentais, de prazer e de verdade, mas tenta integrá-los pelo amor.
O radicalismo político que o individualismo exacerbado pode causar. O que acontece com
as bolhas no espaço público democrático? Depois de se isolarem, afirmam sua identidade
pela diferença rivalitária com os outros grupos. A esquerda se afirma contra a direita e
vice-versa, cristãos contra pagãos, jovens contra velhos, capitalistas contra comunistas,
liberais contra conservadores. A identidade grupal das bolhas se dá pela oposição ao rival
mimético. E quando essas bolhas vêm para deliberação pública comum, não vêm com a
tentativa de encontrar o bem comum com base na amizade, mas vêm com armas jurídicas
no primeiro momento, no segundo momento pode ser uma guerra, vêm para considerar que
a exclusão e a eliminação do inimigo é necessária para a sobrevivência da polis. Portanto,
considerando sempre que o outro, o inimigo merece ser eliminado ou não pode permanecer
na mesma sociedade política. O outro é sempre uma ameaça à própria democracia e por
isso surge a exceção da regra, o estado de exceção, a ideia de suspender a ordem
constituída para alcançar uma nova ordem, porque é sempre o outro que não permite mais
a continuação da ordem. Sem a amizade política, sem o ideal de justiça como equação em
que há amor, fraternidade (como princípio político), tolerância política, o que sobra? O que
temos hoje? Um risco de estado de exceção permanente. Rivalidade que acirra e radicaliza
a diferença, portanto, a política é a busca pela ordem, unidade, justiça, harmonia.

Italo: a transposição dessas questões políticas para a vida cotidiana do terapeuta. Os


teóricos estão falando sobre o que encontram na polis em que estão. Sempre desconfiar
das filosofias que geram a guerra, ou são concebidas durante ela, porque concebidas por
uma alma amedrontada, cética talvez, niilista. Ele vê seus entes queridos morrendo,
cidades ao lado com notícias de saques, estupros, assassinatos e tudo isso deixa uma
marca na alma das pessoas, e eles são teóricos com paixões semelhantes às nossas.
Desesperança acerca do homem. Temos que colocar os filtros de atenuação, ler para pegar
o que tem de verdadeiro, mas sem imaginar que são oráculos. Se por um lado é isso, por
outro lado é verdade que alguns casais se comportam ao modo romeno, guerra de todos
contra todos, estão numa arena competindo pra ver quem tem razão sobre o restaurante,
sobre a educação dos filhos. O terapeuta não pode tomar isso com uma naturalidade de
que é assim mesmo. Parece mesmo que algumas pessoas estão em guerra, por outro lado
parece o oposto. A vida trivial, cotidiana… Se o princípio da guerra fosse o princípio
constitutivo do mundo, não haveria uma segunda geração, pois ao nascer uma criança a
mãe, que está em guerra contra todos, teria a capacidade de matar o filho. O princípio
fundante não é a guerra, mas o amor. Uma mãe cuida do seu filho, as pessoas se juntam
para que a vida seja mais confortável, facilitada, amena, para que troquem tecidos,
marcenaria, etc. Se a realidade da guerra oferece um terror, a verdade é que o exército A
está unido e os soldados se amam e se protegem. Se a guerra fosse de todos contra todos,
não haveria fronteira. Nem na guerra o princípio do Hobbes funciona.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Victor: o papel da filosofia como visão de mundo que inspira uma época. Maquiavel e
Hobbes, por mais errados que estivessem, influenciaram muito a visão do político moderno
e da fundação do estado moderno, como um estado que contém uma violência a partir de
uma ordem civil em que há autoridade de um Leviatã, que precisa ter mais poder do que
toda a sociedade junta, que é a base do totalitarismo moderno. O estado tem instituições
capazes de dominar toda a sociedade. Nossa vida individual e social é toda pautada pelo
direito do estado, que pode nos proteger uns dos outros, o estado pode ser usado como
arma de litígio de uns contra os outros. Hobbes acha que a guerra de todos contra todos,
por um lado, é o fundamento; mas a guerra é a crise do amor, por outro lado, a guerra de
todos contra todos é o risco iminente da dissolução da unidade da polis.
Quando se perdem os princípios constitutivos da relação, o casal pode se separar, brigar e
não encontrar mais pontos de intercessão. Imagina se isso acontece com todas ou a
maioria das pessoas da sociedade. Os indivíduos naufragam, ficam soltos, sem laços. Por
um lado, a consequência; por outro, a causa do individualismo. Não tem família, nem
sociedade, nem estado, tem indivíduos.

Italo: Algumas pessoas hoje enxergam a família, seus relacionamentos no trabalho, no


clube, na igreja, como se eles fossem leviatãs ou se houvesse um leviatã ali. Isso é uma
disfunção grave do relacionamento humano. Hobbes e Maquiavel têm muita influência
social, por isso é importante que eles sejam discutidos. Sem saber, os terapeutas estão
sendo assediados todos os dias pelo Hobbes e por Maquiavel.

Victor: de uma ideologia derivada desse modelo belicoso que deforma a veia das pessoas:
feminismo radical. Uma coisa é a consequência liberal da igualdade de direitos, educacional
e de participação econômica. Uma coisa é as mulheres serem senhoras de suas próprias
vidas; outra coisa é considerá-las inimigas dos homens por princípio e considerá-los os
seus dominadores por natureza. É a guerra dos sexos do feminismo radical. Se os sexos
têm, por princípio, uma disputa de poder, numa relação litigiosa não é possível ter uma
união matrimonial. Porque a própria sexualidade é vista como um falo dominador que deve
ser castrado pela mulher emancipada. O feminismo radical politiza algo que cujo
fundamento não é política. Pode ter uma dimensão política. Essa radicalidade implode a
possibilidade de uma união real. Existem erros históricos profundos de diminuição da
mulher, mas a lógica do feminismo é de desintegração, rivalidade. O radicalismo político e
sexual é que a lógica é que é o amigo/inimigo. Se não há possibilidade de coexistência, o
laço social se perde.

Italo: o que é uma amizade verdadeira, como o homem pode se relacionar de modo mais
amplo de digno com outro homem? O terapeuta pode ser amigo do paciente? A simples
pergunta denota desconhecimento de como funciona a relação com o terapeuta. A relação
com o terapeuta pode ser muito profunda.

Victor: o modelo positivista de Freud era marcado por uma impessoalidade, neutralidade.
Não é possível tratar uma pessoa de modo impessoal, como se coisa fosse. Kant: as
pessoas não são coisas e não podem ser meios para outras pessoas, porque cada pessoa
pode estabelecer seu próprio fim. Lacan, quando explica o banquete de Platão, a filosofia é
uma prática de amizade. Aristóteles achava que a amizade filosófica era a mais nobre,
porque era aquela em que se buscavam as virtudes.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Italo: o amor do psicólogo é sempre sacerdotal.

Victor: um amigo verdadeiro é um outro eu. A relação terapêutica é vertical. A amizade


pressupõe reciprocidade. Sem a amizade é impossível ser feliz. O monge tem um único
amigo, que é Deus. O desejo do infinito, do absoluto, só é saciado com Deus.

Italo: um professor tem que ter capacidade para resistir à burrice e ignorância. Uma das
formas de orientação vocacional é entender a que o sujeito resiste. Um terapeuta tem que
ter resistência à solidão, assim como o sacerdote, a solidão não pode ser algo que ele evite.
O terapeuta não pode ficar com vontade de falar de si. Tem gente que tem resistência à
solidão, que ela não o afeta no sentido que ele precisa falar. Um terapeuta, mais que
qualquer outro, é um sujeito que para exercer sua função profissional precisa estar sozinho
diante de outra alma, por isso ele precisa ter uma vida espiritual como a de um monge, do
contrário, ele não terá condições de ser terapeuta. A vida espiritual é uma ferramenta de
trabalho.

Aula 8 - Os quatro tipos de amor

12/01/22
O amor. A crise da cultura que desorienta, desnorteia o homem contemporâneo é também
uma desordem no amor. As virtudes são a consecução das faculdades morais e a saúde da
vida humana depende do funcionamento adequado, íntegro e harmônico dessas
faculdades. Santo Agostinho de Hipona conceitua virtude como a ordem do amor. É
adequado se considerar que o amor é movimento fundamental da vida humana. Somos
quem amamos, somos como amamos. O grande drama da existência é o amor. As nossas
diferenças são do que amamos, quem e como amamos.
“Meu peso é o meu amor, eu serei levado por ele aonde quer que eu seja levado” - Santo
Agostinho - “Dois amores geraram duas cidades: o amor de Deus recusando-se a si mesmo
gerou a cidade de Deus, o amor de si, recusando a Deus, gerou a cidade dos homens”.
Temos levantado o argumento de que a alma humana tem o anseio intrínseco, inscrito no
seu próprio núcleo, de algo eterno. O amor, para ele, estava diretamente ligado a ilimitude.
Se o amor tem prazo de validade, é estranho. Mesmo o amor de amizade tem uma
dimensão de perpetuação, de permanência, o amor carrega consigo um ideal de
definitividade. Por isso, filósofos pensaram a complexidade do amor, relacionado à afeição,
ao sexo, à amizade e à doação.
C S Lewis escreveu uma obra chama “Os quatro amores” que serve para distinguir a
gradação do amor e até onde podemos chegar com esse afeto e essa vontade de realizar a
vida humana pelo amor. Como realizar a vida humana?
Como reunir todos os aspectos da vida humana de forma ordenada?
Amor é uma palavra polissêmica, plurívoca, por isso, tem vários significados que podem ser
ambíguos. Posso falar que amo estudar, escrever, meus amigos, meus filhos, um partido
político, um time de futebol, animais, a Deus. Existe amor às coisas, aos animais. A palavra
é usada para um afeto muito profundo. O terapeuta precisa tentar conceituar experiências
distintas desse mesmo núcleo de união. O amor está ligado a uma inclinação para a união,
que se dá de formas diferentes da plenitude dessa relação.
C S Lewis tentou explicar o cristianismo numa época em que não se entendia mais o que
era o cristianismo. Na época em que muitos autores criticam o cristianismo. Ele tentou

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

mostrar o cristianismo de uma nova forma, muito profunda. Existe uma sabedoria muito
profunda no cristianismo. A fé não é um ato arbitrário, ela está acompanhada pela razão.
Amor ágape: doação de si para a felicidade do amado, amor caridade.
O amor mais comum, natural, espontâneo, mais difundido na família e na sociedade: amor
storgue - afeição - laço empático. Representado pela mãe amamentando seu filho. Abrange
tanto o amor-necessidade (do filho pela mãe) quanto o amor doação (da mãe pelos filhos),
é o mais humilde dos amores. É a afeição que se tem pelas pessoas com as quais se
convive, é um certo companheirismo, uma certa empatia com o vizinho, colega de trabalho,
um sentimento espontâneo, porém fraco. É o mais humilde dos amores, não se dá muita
importância a ele, ninguém se orgulha tanto dele como faz com a paixão (eros) e à
amizade. É um coleguismo. Há uma relação desse amor com os outros amores. É normal
que, com a perpetuação desses amores, possa surgir uma amizade, que é uma relação
muito mais profunda. Aristóteles considerava a amizade a mais importante das relações
humanas e fundava a própria política na amizade do bem comum. A convivência afetiva
pode gerar o amor eros, quando há um envolvimento com uma pessoa particular, amor
focado, individualizado, que exclui os outros. “Há, sem dúvida, um charme peculiar, tanto na
amizade quanto em eros, nestes momentos em que o amor apreciativo (afeição) adormece
enrodilhado e a mera comodidade e normalidade do relacionamento livre como a solidão,
mas sem que ninguém esteja sozinho … não é preciso conversar, não é preciso fazer amor,
nem é preciso fazer nada, exceto, talvez, alimentar o fogo”.
Ninguém sente saudade de um colega de trabalho nas férias, ninguém sente falta se o
colega faltar num dia de doença dele, então é um amor natural, simples, apequenado, mas
que é importante. Um clima profissional sem o mínimo de coleguismo e amor seria horrível,
se todo mundo desconfiasse, hostilizasse, odiasse um ao outro seria horrível. É um amor, é
uma coisa importante. É baseado nas virtudes da empatia, da convivência, da alegria, do
bom humor, da generosidade, da tolerância, é extremamente importante. “A afeição
produzirá a felicidade se, e somente se, existir bom senso, reciprocidade e decência. O
mero sentimento não basta, é preciso bom senso, isto é, razão, prudência; é preciso
reciprocidade, isto é, justiça, estimular constantemente a mera afeição quando ela
desaparece e restringi-la quando se esquece constantemente da arte de amar ou a
desacatar; é preciso decência. Não há como esconder o fato de que isso signifique
bondade, paciência, abnegação, humildade e intervenção contínua de uma espécie de amor
muito superior ao que a afeição, por si mesma, é capaz de ser. Esse ponto é essencial,
quando tentamos viver só da afeição, a afeição nos faz mal.”
A afeição não basta, não conseguimos viver como colegas apenas. É como se nosso
coração quisesse alguma coisa a mais, a gente não consegue viver só entre vizinhos. É
natural que desse amor mais ou menos difuso entre primos, colegas, vizinhos,
companheiros de viagem nasça uma amizade.
O segundo tipo de amor é o amor amizade (em grego filia - profunda afeição). Apreço,
apoio, ligação profunda entre as pessoas com interesses ou vida em comum. O bem
comum que une os amigos. Amizade é um triângulo, são dois amigos juntos olhando pra um
ponto em comum. Todo mundo é amigo a partir de alguma coisa em comum. É o menos
natural dos amores, não está ligado a impulso ou a emoção. Ele se dá essencialmente entre
indivíduos que se decalcam da multidão e se individualizam na alteridade “eu e tu” e esse tu
que se torna um outro eu por uma abertura da alma. Eu abro a minha alma e acolho a alma
do meu amigo aberta a mim - momento em que há uma união entre duas pessoas muito
profunda. A amizade parece ser o mais feliz e o mais plenamente humano de todos os
amores, coroa da vida e escola da virtude (ou do vício). Nós somos mimeticamente

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

influenciados por nossos amigos e companhias, por isso é extremamente importante


entender o círculo social que frequentamos, o tipo de música, de diversão, porque temos
influência muito profunda desse ambiente e das pessoas em que nos espelhamos como
modelos miméticos. Nossos amigos têm uma influência muito profunda na nossa alma.
Somos influenciados por nossos amigos na mesma medida em que os influenciamos. Nos
dramas psicológicos, há relacionamentos problemáticos, corrosivos, que fazem mal e
precisam ser compreendidos pelo terapeuta para serem tolhidos. O mundo moderno ignora
completamente ou predominantemente a amizade porque trabalha com a ideia de uma
massificação, de um individualismo, por causa das pessoas que se consideram autônomas.
“Naqueles tempos, a ideia mais profunda e permanente era a de ascetismo no mundo, era o
único dos amores que parecia levá-los ao nível dos deuses ou dos anjos, para além das
emoções e instintos animais de reprodução e conservação”. O caso central da amizade em
Aristóteles é exatamente a união de almas por um bem comum, de modo que já não
consegue se separar o amigo do amigo. O amigo se regozija com o bem do amigo como se
fosse próprio. É como se a felicidade do meu amigo fosse a minha própria felicidade e eu
não percebesse mais uma alteridade radical, mas uma identidade. É como se a minha
personalidade estivesse ampliada, dilatada no coração do meu amigo.
“A amizade é desnecessária, como a filosofia, a arte, como o próprio universo, pois Deus
não precisava criá-la, ela não tem valor de sobrevivência, não tem valor utilitário, ela é antes
uma das coisas que dão valor à sobrevivência, que serve pra nós celebrarmos a vida,
comemorarmos a existência”. Se pensarmos na função da arte, da liturgia, da religião, não
são funções utilitárias que promovem um bem material à sociedade, mas dão sentido
espiritual pela contemplação da beleza e da verdade, sem as quais não conseguimos
trabalhar. É necessário ter amigos com quem compartilhar, com quem contar a vida, com
quem contemplar a vida. Diz o Lewis: “Exatamente por ser o mais espiritual dos amores, o
risco que o assedia também é espiritual, talvez possamos tentar descobrir por que as
escrituras usam tão raramente a amizade como imagem do amor supremo. Na verdade, ela
já é espiritual demais pra ser um bom símbolo das coisas do espírito, o superior não vive
sem o apoio do inferior, Deus pode representar para nós como pai e esposo.” Não é
recorrente a representação de Deus como amigo, mas muito mais como pai e como esposo,
porque a amizade já é um tipo de amor espiritual.
O terceiro tipo de amor é o eros. Já foi falado sobre o desejo de vida individual, cujo prazer
se dá na mesa com a alimentação, cujo vício é a gulo e sobre o desejo de vida geracional
ou coletiva ou da espécie, cujo prazer se dá na cama e cujo vício é a luxúria, a
concupiscência ou o sexo irracional e desordenado. O eros é um dos temas mais relevantes
da poesia, da literatura em geral, da filosofia e da psicologia. A própria fundação da
psicanálise, em Freud, é uma teoria de amor, de eros - tudo provém de uma concepção de
que tudo provém na vida humana de um erotismo primordial, uma libido primordial, que é
sublimada em criações da linguagem, do espírito, e que move a vida humana - punção de
vida sexual e dos interditos pelas imagens do incesto.
Um homem e uma mulher se abraçando de frente, olhando um para o outro, num enlace
erótico. Todos os filósofos percebem que o eros é uma paixão muito intensa, é um fogo que
aquece e queima. Lewis contrasta eros de vênus (desejo impessoal por qualquer mulher, do
ponto de vista do homem, e por qualquer homem, do ponto de vista da mulher). “O desejo
sexual vênus, sem eros, deseja isso, a coisa em si, o sexo, o prazer. Eros quer a amada e
não só o prazer que ela franqueia. A coisa é um prazer sensorial, ou seja, um fato que se
passa dentro do corpo. É uma expressão extremamente infeliz dizer que o homem lascivo
perambulando pelas ruas quer uma mulher. Estritamente falando, uma mulher é exatamente

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o que ele não quer. Ele quer um prazer para o qual o instrumento necessário, por acaso, é
uma mulher. O quanto ele se importa com a mulher, enquanto tal, pode ser medido em sua
atitude em relação a ela cinco minutos depois da fruição. Não se guarda o maço vazio
depois de fumar os cigarros. De algum modo misterioso, mas indiscutível, o amante deseja
a amada mesma e não o prazer que ela pode dar”. O sexo é afrodite (vênus - mãe de eros)
ou eros. O aspecto afrodisíaco é o aspecto da sensualidade e da atração erótica e o eros
seria o sexo bruto. Para Lewis, é o oposto, a afrodite é o sexo bruto, com a prostituta em
busca do orgasmo, para ser mais preciso, é a masturbação. É a possibilidade de conseguir
o orgasmo e ter o prazer sexual independentemente de quem seja o parceiro, por isso pode
haver uma masturbação a dois, por isso pode haver uma autogratificação ou um
autoerotismo da masturbação - isso é vênus. Procurar a mulher apenas para a coisa em si é
estar com vênus. Lewis percebe que eros é muito mais do que simplesmente a consumação
dos corpos ou o prazer franqueado pelo corpo; é também um desejo muito profundo pela
pessoa amada e um desejo de ficar com ela pra além do coito. Eros transforma
maravilhosamente assim, diz Lewis, aquilo que é necessidade por uma excelência no mais
apreciativo de todos os prazeres. Há uma necessidade sexual inscrita na nossa
corporeidade, uma necessidade de propagação da espécie. Em eros, a necessidade, em
seu nível mais intenso, vê mais intensamente o objeto como algo admirável em si mesmo,
digno de ser contemplado e não só consumido, com uma importância que ultrapassa sua
relação com a necessidade do amante. Eros se torna o fator de união com a pessoa e não
com o prazer que ela franqueia.
A revolução sexual que trouxe a separação da conjugalidade da parentalidade, com a ideia
de que se pode ser pai sem ser marido e vice-versa, e que as relações não estão ligadas
mais a uma união de tipo procriativo é o descarte e a despersonalização do sexo e a
proliferação da indústria pornográfica. A pornografia é uma ilusão, uma simulação, uma
fantasia, é o apelo à imaginação como a gratificação masturbatória.
É um livro de 1958.
O quarto amor é o mais perfeito, divino, incondicional, não é baseado em nenhuma
condição. Os 3 primeiros são naturais e não bastam a si mesmos, precisam ser elevados
para que conservem sua própria natureza de doçura e bondade, são como matos que
dependem da poda para serem jardins, cuja beleza depende da poda que extirpa suas
ervas daninhas. Deus é amor, Cristo amou profundamente os homens para a nossa
salvação e redenção. “Deus, como criador da natureza, implanta em nós amores doações e
amores necessidades. Os amores doações são imagens naturais dele mesmo,
proximidades por semelhança que não são necessariamente para todos os homens
proximidade por acesso. A mãe dedicada, ou o governante ou professor benéfico podem
doar sempre, manifestando continuamente a semelhança sem proceder ao acesso. Deus
comunica aos homens uma parcela de seu próprio amor doação. O amor doação de Deus,
amor absoluto em doação no homem, é inteiramente desinteressado e deseja simplesmente
o que é melhor para o amado.”
O amor caridoso supera o egoísmo que os outros amores ainda podem ter, porque Deus
não ganha nada nos amando, a ele não falta nada pra ser complementado com nosso amor
recíproco, é completamente desinteressado. Este amor lhe permite amar o que não é
naturalmente amável: os leprosos, os criminosos, os inimigos, os idiotas, os ressentidos, os
arrogantes e os cínicos. Deus permite ao homem ter um amor doação voltado para o
próprio criador. É o único amor capaz de perdoar e reconciliar com qualquer ultraje em que
a justiça exigiria uma ruptura definitiva. A palavra final é a redenção. Queremos ser amados
por nossa beleza, generosidade e bondade. O orgulho inscrito no nosso egoísmo quer que

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nós não sejamos amados por caridade, mas por necessidade, porque merecemos ser
amados. O amor caridade é o amor a quem não merece ser amado e o caridoso não pensa
num eventual merecimento da pessoa. Tudo perdoa, tudo suporta, não se envaidece, não
se ensoberbece - São Paulo. É eterno e supera o tempo.
O próprio nome natureza implica algo transitório. Os amores naturais só tem esperança de
eternidade na medida em que se permitirem ser assumidos pela eternidade da caridade.
O amor matrimonial é de amizade e sexual e afetivo, os 3 amores estão ligados, e é
redimensionado pelo amor caridade, que é o amor de Cristo em nós e nos atravessa e vem
do próprio Deus e a Ele retorna. O amor caridade redimensiona todos os amores inferiores
os elevando a uma dimensão de eternidade. E se subtrai do poder corrosivo do tempo,
porque o tempo tudo destrói.
Não é nos nossos amores naturais ou na ética que está o verdadeiro centro de toda a vida
humana e angélica. Quando não podemos praticar a presença de Deus, já é alguma coisa
praticar a ausência de Deus e tomando consciência de nossas inconsciências.

Italo: O tema mitologia (grega e da escritura) era de certa forma proibida, mas foi algo que
ele colocou na mesa e ajudou muito na sua fala para os terapeutas. É impossível fazer
psicologia de outro modo. Até Freud (fundador da psicologia contemporânea) usa como
mito fundacional da sua teoria nada científico mas a mitologia grega como fundamento de
toda a sua especulação. Complexo de édipo, por exemplo. Não dá pra analisar o homem de
outra forma, ele não pode ser segmentado como um ente biológico. Cristo pode ser
entendido como homem ou como arquétipo.

Victor: o positivismo é a crença de que conhecemos o mundo a partir dos nossos órgãos
dos sentidos e que conseguimos descrever os fenômenos naturais a partir de uma
elaboração daquilo que nossos sentidos alcançam, de modo que nossa razão é sempre
debitária dos sentidos. Isso gera um empirismo e um materialismo. As ciências da natureza
se desenvolveram muito à custa de ignorarem a sabedoria tradicional dos símbolos, de
excluírem as disciplinas humanísticas tradicionais, literatura (incluindo poesia e religião),
história e filosofia. É inadmissível um psicólogo, que vai lidar com o que há de mais
misterioso no mundo que é a alma humana, os desejos dela, a imaginação humana, os
apetites, sem recorrer ao manancial da sabedoria tradicional. O maior paradoxo é que vão
ler Freud, Yung sem recorrer ao que eles estudaram, por exemplo, a mitologia grega, as
sagradas escrituras. O psicólogo se castra da possibilidade de reconhecer a alma humana,
que é um símbolo segundo Platão, porque participa de uma esfera superior. O símbolo está
ligado ao espírito. Lewis tem um tratado acadêmico sobre o amor na idade média em que
faz distinção de símbolo e alegoria. Uma alegoria é uma metáfora em que uma coisa menor
fala de uma maior. Uma coisa que não existe fala de uma coisa que existe. O símbolo é
algo menor que exprime algo maior, por participação e por presença. Uma alma é um
símbolo porque abre a uma realidade espiritual imaterial e participa dessa inteligibilidade. É
importante cultivar a imaginação simbólica, para perceber o que transcende aos sentidos. A
realidade não se exaure no material, é símbolo de algo transcendente. O livro Chapéu do
Mago ajuda muito no exercício de imaginação simbólica. O símbolo é uma abertura de
intelecções da realidade.

Italo: Existe uma incapacidade contemporânea de entender o que é o amor. Existe uma
aceitação quase gososa aos defeitos e incapacidades, uma amor a eles, isso seria empatia
pra muita gente. Mas existe uma diferença enorme entre o amor verdadeiro e isso que as

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pessoas chamam de empatia e tomam a empatia pelo amor, empatia entendida do modo
vulgar como se fala. A visão profunda do amor é: eu olho pra você com seus defeitos, meu
olhar te atravessa, batendo num anteparo daquela projeção daquilo que você pode ser
perfeitamente, da perfeição que você pode ter. Essa visão do amor é mais profunda. Sem
ignorar, sem atropelar, sem desrespeitar o que o paciente apresenta como incapacidade,
inconsistência, fonte de sofrimento, imperfeição, sem ignorar. O olhar tem que bater no
anteparo da projeção da perfeição e o olhar amoroso vai arrastando pra esse lugar. Articular
tudo isso pra fazer o sujeito tender à perfeição para a qual ele foi criado.

Victor: o amor é intrinsecamente pedagógico. A tolerância liberal revela uma indiferença.


Não se deve tolerar, no sentido liberal, os defeitos dos amigos. Você deve se esforçar ao
máximo para, respeitando profundamente a sua liberdade, atingir a sua plenitude. Todo ente
tem a sua perfeição, temos que buscar no máximo a sua voltagem. “Não seja um pneu
furado”. A personalidade humana incompleta é a busca de todas as faculdades. Entender a
completude. Se tem uma grande conquista da ética clássica é a ideia de que a formação é
contínua e perene. A educação não é o ensino escolar. O terapeuta é um educador
remodelando a alma humana. O verdadeiro educador quer que o educando se liberte para
uma vida mais plena, por isso a educação precisa ser pensada por uma verdade.
Pressuposto de que há verdade moral, não apenas uma ideologia. Deve haver uma
unidade.

Italo: o relativismo leva ao ódio em relação às pessoas. Até 2 séculos atrás, o que se
ensinava era: odiar o erro e amar aquele que erra. Existem balizas muito claras sobre o que
é mentira e verdade; certo e errado. Odiar o erro faz possível amar aquele que erra, pra que
ele não volte a errar, pra que exista ordem social e pra que ele seja feliz. Quando o
relativismo entra e o erro passa a ser tolerado, as pessoas deixam de ter fronteiras entre o
que é certo e o que é errado, passam a tolerar o erro e até a jogar confete sobre ele “Quem
é você pra dizer que algo é errado?”. O que vemos hoje é a relativização do erro e ódio às
pessoas. Era para todo mundo se amar mais, mas não é isso que acontece, porque o
coração do homem precisa de balizas claras, porque essa é a estrutura da realidade. Baliza
no sentido de orientação. Quando se está orientado acerca da verdade, da falsidade, do
bem e do mal, se torna possível amar outra pessoa, se deseja que ela tenda para o lugar de
bem, de verdade. Quando as balizas caem, acontece rechaçamento, por causa do medo,
medo de quem está ao lado.

Victor: o outro é visto como uma ameaça a mim, o amigo inimigo. Eu preciso eliminar o
outro pra sobreviver, porque eu acho que ele quer me eliminar. O erro, a culpa é nele.
Surgem os processos de vitimizações, que são acusações (Renee Girard - tu és o meu
agressor e eu sou a tua vítima). A vítima condena o agressor e legitima que ele seja bode
expiatório da sociedade. Guerra de todos contra todos. Dissolução do amor.

Italo: todos se tornam bodes expiatórios uns dos outros. O terapeuta deve estar atento a
isso. As pessoas carregam para o consultório exatamente essa dinâmica interior. O
terapeuta não pode validar a vitimização do outro, porque isso não é terapêutico, é
alienante e pode tornar o paciente mais disfuncional ainda. Mesmo em circunstâncias
profundamente adversas existe uma liberdade interior de se tornar melhor a cada ato, de
atuar com mais amor, de olhar pra um amigo e fazer um pacto. O terapeuta tem que ter um

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campo de concentração na cabeça, pra não validar um vitimismo. Se você está vivo hoje,
há esperança.

Victor: o seu problema é você. É o conjunto de erros que você promove a partir de
realidades problemáticas. O processo de vitimização, infantilização, culpabilização dos
outros, busca de bodes expiatórios pros seus próprios problemas é muito comum numa
sociedade mimada. Como adquirir a liberdade interior?

Italo Marsili - Psicopatologia

Aula 1 - Desafios no domínio das técnicas de psicopatologia

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Origem etimológica: doenças da psique. Geralmente, os médicos pensam “pra que saber
das minúcias se ao final eu vou ter que aplicar fármacos ao paciente?”. A psicopatologia
perdeu prestígio nos últimos tempos. Mas sem ela é impossível entender as manifestações
patológicas da psique. É importante distinguir as nuances dos fenômenos patológicos. A
farmacologia, sozinha, não consegue resolver grande parte das doenças psicopatológicas.
Algumas doenças psiquiátricas muito graves podem confundir o profissional. O terapeuta
não deve ser amigo do paciente, embarcando no pensamento difuso dele. Deve ter uma
técnica para explicar e aplicar uma ferramenta adequada para cada paciente.
Precisamos saber o que é um homem e uma mulher disfuncional. Psicologia não é
bate-papo, não é ser legal e entender o paciente. O profissional tem responsabilidades, tem
que conhecer as ferramentas da sua arte. O bom profissional tem que articular uma
apresentação moral, da convivência boa e um conhecimento técnico profundo. As pessoas
precisam de ajuda e precisamos de pessoas sólidas e maduras para serem porto-seguros
para elas, um chão estável diante do qual essas vidas possam se desenvolver. Não basta
bom senso, nem boa vontade, nem desejo, nem interesse de conhecimento. Não basta só
vontade de ser uma boa pessoa. O terapeuta precisa articular tudo isso dentro de si. O
terapeuta precisa da visão articulada sempre presente. O terapeuta segue sendo terapeuta,
mesmo de férias, com a família, em casa. O comprometimento do terapeuta continua
mesmo fora de sua sala de trabalho, ele deve ser terapeuta 24 horas por dia. É um trabalho
semi-sacerdotal, é disponibilidade de alma e de percepção; olho atento à realidade. Ou o
nosso universo interior é amplo e cheio de referências, com conexões intrínsecas, ou
estaremos sempre aquém às questões do paciente. A prática terapêutica não é uma
atividade de pessoas imaturas, sem experiência de vida. É fundamental fazer distinção dos
fenômenos do paciente: corporais e interiores. Nós temos também um espelho da
corporeidade em outro lugar com impressões sobre o mundo material no qual estamos
instalados. Como terapeuta, é preciso ter ferramentas que possibilitem visualizar o corpo e
perceber o que é normal e o que são alterações; e para perceber o que é normal e o que
são alterações. Essa é a disciplina da psicopatologia, que é uma técnica fenomenológica
(ferramentas para visualizar universo interior e do corpo). Algo em nós integra o mundo
material para acessar o espelho. A psicopatologia investiga como está a saúde do
componente material do corpo, tenta acessar por meio dos fenômenos demonstrados todo o
universo interior e busca analisar a qualidade em você da integração do corpo, do mundo
interior e do exterior, agindo no mundo material. Ferramentas para conseguir a visualização
do paciente ou de qualquer pessoa. Pode ser explicativa (parte de um conceito do que é o
homem) ou descritiva (não parte de referencial teórico, preocupa-se em observar e

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

descrever). Princípio de organização. É preciso conseguir descrever as manifestações dos


fenômenos - necessário ter capacidade de linguagem. Exercício prático: observar tudo isso
dentro de nós. Tudo que é material deixa alguma referência em nós. Exercício de
contemplação.

Aula 2 - Atitude e aparência

01/12
Começa a aula discorrendo sobre a sua mudança de postura durante as aulas e como isso
pode levar o interlocutor a fazer inferências. A aparência, a atitude, comunicam muito, dão
indícios de abordagem, do que se passa dentro das pessoas. O que não é óbvio é o
terapeuta conseguir descrever os fenômenos de modo a decidir uma abordagem e
descrever algum fenômeno psíquico.
Súmula psicopatológica: tem 16 a 18 itens. Não se ensina a ordem interna de uma súmula.
Coloca-se em ordem aleatória. Os primeiros itens da súmula dizem respeito à primeira
manifestação do corpo: atitude e aparência. As pessoas já se mostram no momento em que
entram no consultório. Simbólica da aparência e atitude: as coisas materiais nos comunicam
um verbo, não um substantivo. A coisa material é presença de um verbo, que não é
material. As coisas materiais evocam verbos. O verbo é imaterial, não tem matéria. O verbo
indica uma ação, uma alteração de movimento. As coisas podem até ter a mesma matéria,
mas não necessariamente evocam o mesmo verbo. Isso é a grandeza do mundo material.
O mundo do corpo é uma presença de verbos, de ações; é a manifestação de algo que não
é corpo. As coisas nos evocam a presença do verbo, por isso, quando estamos diante de
uma pessoa, que é material, precisamos descobrir de que essa pessoa é presença. Treinar
o olhar para isso. Nós percebemos o mundo de modo material. Se não conseguimos
perceber isso, não podemos ser terapeutas. Olhar uma pessoa como um amontoado de
células nos tira da qualidade de terapeuta. Se formos julgar as pessoas, precisamos ser
juízes, não terapeutas. O primeiro que se apresenta para nós é o corpo do paciente: atitude
e presença.
Compreensão do que é um corpo diante de um terapeuta. A simbólica é um ramo da
filosofia que estuda os entes como manifestação de uma intelecção possível. As coisas
materiais são presenças de verbos que se conectam em uma história. Precisamos ter
sensibilidade para isso. As coisas conversam entre si.
Simbólica dos números: 4 é o símbolo do inteiro material. Quente, frio, seco e úmido. Norte,
sul, leste, oeste. Terra, fogo, água, ar. Todo material pode ser indicado pelo número 4.
Existe uma classificação tradicional em separar o corpo em 4 partes.
A aparência mostra como a pessoa está percebendo o mundo.
4 partes do corpo: cabeça, tronco, braços, pernas. Classificação quaternária.
Cabeça: é o ar. Simbolicamente é o centro de comando. É o trono simbólico da
pessoalidade, da linguagem. Ao olharmos um paciente, é preciso avaliar se ele está
escondendo o próprio rosto, pode ser que ela não queira revelar alguma coisa. É o centro
de comando de onde se expande pro resto do corpo, é o que comunica. A cabeça não tem
força, não mexe, mas ela comunica, assim como o ar. A aparência e a atitude da cabeça
comunicam. Olhar para cabelo, olho, boca, adereços, óculos, dentes. Atitude da cabeça: pra
trás: suspeito; pra frente: imposição; baixo: tristeza, desesperança. Movimentos de dúvida,
obediência, desatenção, inquietude. Verificar se ela não tem disposição para agir ou não.
Aparência: foto. Atitude: filme.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Tronco: é uma parte nobre do homem. É onde ocorrem os mecanismos de troca (ar,
comida, vida, fornalha alquímica). Símbolo da fornalha; fogo. Expande, aquece, ilumina,
energia. Tronco curvado: chama se apagando, baixa energia vital. Aparência do tronco é
difícil descrever, mas a atitude dele pode ser descrita.
Braços e mãos: falam muito. Quem molda a realidade, suas necessidades, envolve a
realidade. Símbolo da água, envolve, limpa. Os braços dizem muito. Braços inquietos
podem indicar uma pessoa que quer fazer algo mas não consegue. Qual é o cuidado que a
pessoa dá em si para o elemento de transformação da realidade?
Pernas: terra. É o que sustenta o tronco, os braços e a cabeça. É o que faz as pessoas irem
de um lado pro outro, é o que dá solidez para ação. Quanto a pessoa percebe que pode ir e
vir? Expansão, conquista de território. Pernas cuidadas ou descuidadas? Fracas ou fortes?
Como estão as unhas? O calcanhar? Inquietas ou paradas? Atitude formal nas pernas?
Indicam esperança na conquista ou retraimento, acanhamento, medo?

Aula 3 - Psicomotricidade e patologias

03/12
2 notas que faltam para as características do corpo:
1. Psicomotricidade: visa olhar como um todo o movimento do sujeito, sem distinguir as
partes. O sujeito se move de modo agitado ou contido? Buscar relação entre cabeça
e tronco e membros superiores e inferiores. Existe coerência? Relação com a
postura, como ele se comporta, como age? Marcel Jousse: a antropologia do ato. De
que os atos em conjunto são presença? Em regra, as psicomotricidade não é
estudada pelos médicos, psicólogos. Qual é a presença corporal? Qual é o aspecto
geral do movimento do sujeito? Calmo, agitado? Quem se move pouco pode estar
agitado e o contrário é verdadeiro também. Mexer-se muito não necessariamente é
agitação. A postura do paciente muda quando ele chega no cerne da questão que
ele quer relatar. Ecopraxia, flexibilidade séria, maneirismos (à maneira de - pacientes
bipolares).
2. Sensopercepção. Nota de fronteira. É o que prende as coisas materiais e joga pras
imagens no espelho. O paladar distingue claramente entre doce, salgado, insosso,
amargo. A visão distingue claramente entre o perto, o longe, o grande, o pequeno. 5
sentidos. O que distingue o doce do longe? Recebemos o mundo pelos 5 sentidos,
as qualidades sensitivas. O mundo entra na gente capturado pelos 5 sentidos, nada
está dentro de nós sem passar pelos sentidos. O que distingue as qualidades
sensitivas? Existe um outro sentido interno que agrupa e distingue, dando
percepção. O mundo oferece os sinais sensíveis. Internamente temos o sentido
comum (lua) que é responsável pela percepção, organizando, estabilizando as
imagens dentro de nós. Descreve como está a qualidade dos sentidos externos e do
interno. Podem acontecer alterações quantitativas das sensações = hiperestesias
(acontece com alucinógenos - percepção mais agudas da realidade), disfuncional;
hipoestesias - alteração quantitativa muito presente na depressão - o sujeito sinta o
mundo menos colorido, com menos sabor, menos intensidade, mundo apagado,
universo interior cinza, pequeno, a depressão lesa o senso comum; o terapeuta
conduz à tomada de decisões numa noite de lua cheia; o terapeuta precisa iluminar
como o sol. Anestesia (aparelho sensitivo diminuído - induzida por fármacos - lesão
total do sentido) e agnosia (lesões corticais - percebe as coisas mas não conecta -
lesão total do senso comum). Alterações qualitativas da sensopercepção: ilusão

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

(completa com a imaginação (espelho) de modo errado algo que a realidade material
não mostrou com clareza - aparece algo que não fica claro o que é); alucinação
(costuma ser auditiva, não visual - ver gente é muito difícil - pode ser completa (voz
fora da cabeça) ou pseudoalucinação (ouve dentro da cabeça - esquizofrenia),
pseudo não é falsa); em geral os sentidos não nos traem, o problema costuma
acontecer na passagem.

A qualidade do mundo se dá, também, naquilo que não prestamos atenção, porque
comunica muito. Descobrir os recônditos que estão tentando chamar atenção.

Aula 4 - A “inteligência” mineral, vegetal e animal

03/12
Funções que integram o mundo no que estamos chamando de espelho. São 4 funções:
atenção e inteligência nesta aula.
1. Atenção. Vigilância (capacidade de mudar o foco de atenção) e tenacidade
(capacidade de manter o foco). Se uma aumenta, a outra diminui. Os testes de
inteligência focam nisso, semelhanças e diferenças.
2. Inteligência. É uma das faculdades humanas (ferramentas) mais nobres do ser
humano. Existência não é o mesmo que inteligência. A inteligência do reino mineral
é manter-se em ordem. A inteligência do reino vegetal é organizar os elementos da
natureza, articulam os 4 elementos. Os animais evidentemente têm inteligência, têm
presença, fazem operações alquímicas de crescimento, se movem no espaço,
reconhecem padrões. O ser humano tem presença, faz operação alquímica, tem
poucos ou quase nenhum instinto de orientação no mundo (instinto = resposta
necessária a um estímulo. é duvidoso que o homem tenha instintos); o homem olha
pra realidade e diante dela ele é capaz de formar conceitos. No homem a
inteligência aparece como clareza na formação de conceitos narrativos. Conseguir
extrair de histórias os seus princípios. Isso é diferente de julgar. Criar um universo
interior repleto de pontos de referência estáveis. Conceito: fórmula necessária de
ser. Uma pessoa inteligente consegue perceber as histórias por trás dos elementos
dados a ela. Uma das funções do terapeuta é conseguir fazer com que o paciente
seja inteligente. O mundo material, para o homem, oferece poucas orientações. A
inteligência do homem é essa faculdade que consegue furar o mundo material e
tocar o mundo dos conceitos (imaterial) consistente e anterior à própria possibilidade
de existência da matéria.
(Assistir essa aula novamente)

Aula 5 - A linguagem propriamente humana

01/01/22
Aula sobre as notas psicopatológicas que estão entre o posicionamento pra fora da matéria
e não está presente no campo do espelho. Duas funções:
1. Linguagem. Tem um componente direto e um afetivo. Analisar primeiramente o
componente afetivo: prosódia, que é o modo como um paciente fala alguma coisa.
Existem diversas formas de se dizer alguma coisa, com a impostação de
sentimentos diferentes. É importante conseguir fazer essa distinção. O terapeuta
não pode ser uma pessoa que não se importa com a forma como as coisas são

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

ditas, não pode analisar as palavras isoladamente. As palavras são conectadas com
a prosódia, pois o modo como as coisas são ditas comunica tanto quanto o que é
dito. A palavra, sozinha, tem pouco poder de comunicação. A prosódia é tudo. O
terapeuta tem que estar atento à prosódia e não se pode deixar contaminar por
ideologias. É importante capturar o que o paciente está tentando comunicar. O
paciente precisa conseguir dar nomes aos seus estados interiores, mas existe um
grau de inconsciência profundo na utilização da linguagem. Uma das maiores
tragédias do nosso tempo é a perda do domínio da linguagem, incapacidade de
descrever as coisas como elas são. Ler o material e analisar a aplicação clínica. Não
adianta saber apenas as questões filosóficas para analisar um paciente. Pessoas
que só conseguem falar de coisas que estão acontecendo agora mostram sinais de
linguagem diminuída. Muitos problemas que acontecem no universo feminino
ocorrem por falta de tempo para elaborar uma pessoalidade no trato. O dimorfismo
sexual do ser humano não é muito grande. Os problemas masculinos da nossa
geração são de linguagem feminina, que se tentou introduzir no universo masculino.
É preciso um esforço cultural para manter homens no lugar dos homens e mulheres
no lugar das mulheres, sem feminismo e sem patriarcado, sem tirania, com
complementaridade. O terapeuta precisa conhecer a linguagem, as alterações
específicas da fala e a afetividade da fala, para entender o paciente. Para ser
humano, o ser humano precisa conseguir falar do prato de comida, do sabor do café,
se vai chover ou não, dos seus estados interiores e do dos demais, das realidades
imateriais, dos conceitos abstratos. Para dominar a linguagem, o homem precisa ir
do grunhido, passando pela prosa até a poética épica. Intervalo de possibilidades da
realidade humana. Visível e invisível. Tem gente que não fala nada com nada, não
conecta nada com nada. Falar das coisas do alto é importante para a linguagem. O
homem vai ser mais feliz quanto mais ele ascender. Se a linguagem não está
desenvolvida, ele não pode nomear.
2. Conação ou vontade. Símbolo do sol. Os sentidos são o símbolo da lua. Sol que
ilumina a Terra, planeta que está no topo, no centro. O sol e a inteligência são os
dois distintivos do homem, distinguem a gente dos outros animais. A vontade faz
com que possamos agir ou não. A pessoa que tem vontade é normobúlica. A pessoa
que tem muita vontade é hiperbúlica. A pessoa que não tem vontade é hipobúlica.
Analisar para que a vontade está voltada. Está iluminando os lugares certos de
funcionalidade do sujeito? O sol pode queimar ou estar escondido atrás das nuvens.
Muitas respostas sobre os problemas dos pacientes estão na vontade.

Toda a psicologia moderna foi feita com base no simbolismo. Não podemos estranhar
quando símbolos são usados, pois precisamos recorrer a eles para entender melhor. Entre
a sua posição existencial (Terra) e o céu, existem coisas muito interessantes. Muitas coisas
estão fixas e outras que andam, ainda que devagar. Tudo que é de fronteira entre o visível e
o invisível ou o mutável e o imutável aparece em número de 7: cores do arco-íris (união
entre o que vem do céu e o que está na terra, o que vem de cima e o que vem de baixo);
notas fundamentais que conectam a gramática universal com som gerando uma música -
notas musicais. Quantos são os planetas girantes entre o visível (Terra) e o invisível
(estrelas)? Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno - 7 corpos girantes.
Correlação entre os modos de operação do ser humano (será explicado posteriormente).
Lua: senso comum (integra os sentidos e faz perceber o mundo de certo modo); Mercúrio

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

(faz um cálculo); Vênus (apetite concupiscível); Sol (símbolo da vontade); Marte (apetite
irascível); Saturno (inteligência - captura e nos orienta no mundo dos conceitos).
A inteligência é uma das faculdades de fronteira, está no limite último; é o que o distingue
das demais coisas criadas, é o que toca na fronteira dos conceitos. É o que se conecta com
a fronteira da estabilidade dos conceitos.

Aula 6 - Memória e fantasmas

01/01/22
Vamos entrar na fronteira (espelho). O espelho tem dois andares: o dos conceitos e o andar
onde estão os fantasmas. Duas características que sempre são avaliadas na súmula
psicopatológica: memória e imaginação. Não são os elementos que estão mais próximos do
corpo. Existe um lugar no espelho que é muito próximo do mundo material, um que está um
pouco pra cima (fantasmas - ao modo grego - formas que têm uma correspondência com
que percebemos no mundo material) e afetividade (próxima aula) e um que está quase pra
fora da gente (onde ficam os conceitos).
Estado imaterial intermediário. O conceito vem de cima e a memória vem de baixo. O
conceito não foi criado por nós, a memória sim. As coisas materiais existem porque existe
uma fórmula para que elas sejam criadas. Quando se acessa, por meio da inteligência, as
coisas na matéria, adicionam-se fantasmas à memória. Em algum momento, conseguimos
estabelecer semelhanças nos fantasmas para extrairmos conceitos. O universo dos
fantasmas é o lugar chamado memória, que tem a característica de que primeiro
precisamos estar expostos a algo, percebermos algo, passamos pelo processo de fixação
do fantasma na memória; algumas informações são absorvidas com pouca atenção. O
domínio da memória é importante, pois é com base nele que conseguimos formar os
conceitos. Se a minha orientação no mundo se baseia apenas nos meus sentidos, eu serei
como a lua, cada hora de um jeito, torno-me uma pessoa instável. Quem quer amadurecer
precisa criar outras referências para suas ações. A memória some. A referência que não
some é o conceito. Quando a pessoa consegue formar o conceito, ela se torna uma pessoa
com possibilidade de estabilidade, as neuroses diminuem, a ansiedade, o medo, o vazio
diminuem. A formação dos conceitos é fundamental para as pessoas. A memória é o lugar
intermediário dos sentidos com os conceitos, então, sem ela, sem um trabalho de
valorização da memória, não conseguimos formar conceitos precisos. Quem não tem
memória acumulada não tem conceitos. Por isso muitas pessoas têm conceitos de pai e
mãe diferentes, pois é um dos primeiros conceitos que a criança tem, ainda que não saiba
dar o nome. Em algum momento, na maturidade do homem ele vai aprimorando os
conceitos, ele não para no conceito primário. Pessoas com disfunções param diante dos
conceitos primários. É normal fazer conceitos provisórios acerca das coisas. Não nos
orientamos somente com memória, nos orientamos mais com conceitos. Temos que estar
abertos aos fantasmas, para entendermos os pacientes, tudo com respeito, pois é o
respeito que o paciente tem com aquela questão. O terapeuta tem que fazer um trabalho de
memória, tem que ver muitas figurinhas pra fazer seu trabalho. Saber quais conceitos
orientam os pacientes. Preencher a memória para conseguir imaginar. Imaginação se
distingue de pensamento (operação que costura memória, conceito e mundo concreto).
Imaginação é a operação dentro da memória - relacionamento de memórias. A imaginação
é uma ferramenta de expansão da memória e formação de conceitos - é a louca da casa. A
imaginação gera outras memórias. O problema é que os conceitos formados a partir da
imaginação podem ser falsos, por não terem relação com o mundo concreto. Imaginação:

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

processo de correlacionar memórias. Existem algumas forças orientadoras que estão


apenas na imaginação, não na realidade. A imaginação precisa sempre ser confrontada. A
memória é o lugar de fixação da experiência sensível. É possível ter um mundo interior
muito amplo para qualquer um dos lados. Saber identificar as dificuldades de fixação da
memória. Usar a imaginação a favor da construção de memória e de conceitos que não
dependam da realidade material. Descrição da imaginação: boa, ruim. Memória: consegue
evocar, não tem memórias, memórias difíceis.

Aula 7 - Consciência e pensamento

10/01/22
Consciência e pensamento são duas funções psíquicas muito importantes.
Identificar o que é importante para dar um diagnóstico concreto e específico para o
paciente. A aula não tratará os aspectos da consciência moral. A abordagem será técnica.
A clareza da consciência tem 3 aspectos. Karl Jaspers definia a consciência como o todo
momentâneo da vida psíquica.
1. Aspectos materiais da consciência: clara, obnubilada, torporosa, comatoso.
Classificação muito usada na emergência. Em consultório dificilmente esses
aspectos estão alterados. Quando o paciente entra no consultório, ele pode estar
com a consciência rebaixada por estar com sono; nesse estado, as coisas não nos
são claras, há um rebaixamento da consciência por um motivo fisiológico. Ele pode
estar embriagado e dar respostas imprecisas, sem consciência.
2. Consciência de morbidade. Insight que o sujeito tem acerca do seu próprio
problema. O paciente pode ir porque o cônjuge, pais pediram pra ele ir, ele pode ir
pra cumprir com a família mas ter uma disfunção em sua vida - esse sujeito não tem
consciência de morbidade. Sem feri-lo, deprimi-lo, julgá-lo, o terapeuta precisa
conseguir indicar alguns aspectos que podem melhorar a vida dele. Muito comum
em adolescentes. Analisar possíveis disfuncionalidades na vida do paciente,
estabelecer um critério dentro de si, não pode ter pressa em julgar para não emitir
opinião vazia pra não viciar o próprio pensamento. Saber um itinerário para precisar
articular em consulta, talvez as respostas não aconteçam rapidamente. Manobra:
reforçar pontos positivos do ambiente disfuncional e vai tentando fazer a migração
pouco a pouco pro ambiente não disfuncional, pra que o paciente “cresça” na
funcionalidade.
3. Consciência do EU:
a. Existência. Alguns pacientes no limite da doença não percebem que o eu
deles têm uma existência, exemplo: esquizofrênicos - nesse caso não é uma
figura de linguagem. Em pacientes funcionais que não são esquizofrênicos, a
existência do eu pode ser posta em xeque pela visão de mundo niilista. Pra
ele, tanto faz existir ou não.
b. Atividade. Alguns pacientes não acham que são eles que estão agindo -
esquizofrenia, por exemplo, ele não nota que é autor de suas ações. O
paciente funcional pode ter esse sintoma de modo menos dramático - ocorre
em todos os movimentos de vitimismo, em que o autor não se reconhece
como autor de suas ações. No limite, quem age é você, a gente faz as coisas
porque quer. Pra algumas pessoas, não são elas que estão agindo. Essa
percepção pode ser conduzida em terapia. Por que algumas pessoas negam
a atividade do eu? Porque isso leva a uma percepção muito clara da solidão.

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A atividade humana é sempre solitária sob o aspecto da atividade do eu.


Todo ato humano é solitário. Há pessoas que não declaram ou não percebem
a atividade do eu por uma imaturidade, por não assumirem que é quem
pratica os atos. Não admitir que o eu tem uma atividade própria é um sintoma
de imaturidade.
c. Unidade. O eu não se divide, é único. Alguns pacientes têm alterações
graves da unidade do eu, por exemplo, esquizofrênicos, podem achar que
são ele e outra pessoa. Identidade - não é um subcapítulo da unidade, mas
está junto dela - o paciente pode achar que é outra pessoa. Pode acontecer
quando o paciente olha pra sua vida e não se percebe, não tem clareza da
própria biografia, da própria história, não sabe qual história está contando.
Muitas pessoas não têm um argumento vital, em geral agem conforme o dia
pede. Se cada dia ela age de um jeito, ela não tem identidade. É preciso
fazer o paciente anunciar qual é seu argumento vital. Todas as histórias são
de pessoas que estão procurando ou se afastando de uma vida de prazer e
conforto; ou pessoas que estão servindo; ou pessoas que estão protegendo
os outros; ou pessoas que estão procurando conhecer algo - e os inversos.
Argumentos vitais possíveis. A pessoa que não sabe em qual caminho está,
em algum momento terá uma dúvida sobre a identidade do eu, por não viver
um argumento claro. A vida do eu é narrativa, é uma história sendo contada.
d. Limites. Pacientes esquizofrênicos graves não notam os limites do próprio
eu. “Publicação de pensamentos” - o paciente pensa que as pessoas sabem
o que ele está pensando. O paciente sente dor ao ver algo acontecendo fora
dele.

Pensamento: é a função que articula e confronta os conceitos com as memórias mais


recentes e com o mundo material, vê se existe uma correlação entre uma coisa e outra,
forma novos conceitos que se contrapõem aos conceitos anteriores e formam novos
conceitos, juízos (silogismo). Formar conceitos mais claros, sólidos, elevados, robustos que
sejam ideais de orientações mais precisos para orientação no mundo. É essa função
psíquica que cruza a memória, os conceitos antigos, confronta com as realidades materiais,
gera novos conceitos, volta pra realidade, formar silogismo, dialética, retórica.
1. Curso. Acelerado ou retardado? Perceber como a pessoa pensa por sinais externos:
movimento do olho, velocidade da fala, capacidade de articular informações do
ambiente com o que está falando agora. Velocidade do pensamento.
2. Forma:
a. Linear. Explica as coisas na ordem lógica ou sucessão cronológica.
Pensamento reto. Pessoas que pensam assim oferecem conforto na
conversa. Muito bom para questões técnicas.
b. Radial. Tem uma unidade, ela quer mostrar um ponto, explora um lado
biográfico, depois um técnico, depois um poético, histórico, depois um
anedótico, um cômico, o interlocutor fica ansioso por achar que o
pensamento não se fechará. Mas depois ele volta pro ponto que quer
demonstrar.
c. Aleatória. Não tem uma unidade, o pensamento é expandido, ela não quer
abordar um ponto. O interlocutor não consegue entender o que a pessoa
está pensando, ela não consegue formar juízos e conceitos. A pessoa não
quer mostrar nada, só está falando.

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3. Conteúdo. Catastrófico, triste, alegre, o que ela está pensando. A vida humana é
ampla, multiarticulada, não deveria ser monotemática. Os monotemas de conteúdo
levam a empobrecimentos vitais, pois a pessoa não explora todas as dimensões que
tem na vida dela. A terapia ajuda a explorar os diversos conteúdos do pensamento.
Uma pessoa que sempre procura fantasmas terá conceitos assombrosos. A vontade
pode iluminar a formação de fantasmas mais alegres. Propor novos conceitos e
juízos que irão orientar as pessoas no mundo.

Aula 8 - Formação e funcionamento do afeto

12/01/22
Afetividade. É uma das notas da súmula psicopatológica que é analisada por um ângulo
específico. Os psicopatologistas não buscam conhecer e descrever os conteúdos da
afetividade, mas a forma como ela é expressa. Ele quer ver o brilho afetivo.
O sujeito tem uma exaltação (brilho pra cima) ou um embotamento afetivo (brilho pra
baixo)? Como percebe a quantidade de afeto? Eles são adequados às situações?
Tem afeto lábil, continente, tem paratinia (ambivalente), neotimia, …?
Sem esses conceitos não sabemos ver os afetos. Terapeutas não podem ser amadores
sobre isso.
Onde está o afeto em nós? A memória da sensibilidade = afeto. As imagens vão sendo
impressas no espelho (fantasma) pelo mundo concreto da sensibilidade. No início da
formação do mundo interior da criança, ela tem pouca informação, ela forma pequenos e
simples fantasmas, que vão se fundindo, ampliando e começam a primeira formação do
mundo interior da criança. Aos 3/4 anos a criança começa a dar os primeiros sinais de ter
pequenas abstrações, e começa a conseguir agir baseado no mundo de memórias,
imagens e fantasmas. As memórias mais vívidas são o que chamamos de afeto. Algumas
memórias já não são tão carregadas de concretude, não são tão semelhantes ao paladar,
ao ouvir. O mundo interior tem uma imagem tátil, sensitiva (afeto); uma imagem abstrata
(memória) e os conceitos - são os três níveis do mundo interior.
1. O afeto é o que está mais próximo do mundo sensível; é o que, no mundo interior, se
assemelha mais ao que acontece no mundo material. Se o mundo afetivo está
exaltado, a vivência dos afetos está exaltada, se a memória está muito viva,
brilhante, você será conduzido pelos afetos e os conceitos não aparecerão - a
pessoa passa a ser conduzida pela afetividade. O problema é que o mundo sensível
muda o tempo todo. Agir com base só no que vemos, no que é material, é péssimo,
porque isso muda a toda hora. Se só agir com base no que está sentindo,
experimentando, vendo, em 2/3 anos ocorre um vazio na vida, porque o referencial
muda o tempo todo, pois o mundo material degenera, quebra, decompõe.
2. O mundo da memória é um pouco mais estável, porque é uma lembrança abstrata,
algo do mundo concreto foi abstraído, há um traço mais ou menos fixo e
característico das coisas; o conceito é o que há de mais sólido e estável. A
maturidade consiste em progredir nessa escala.
Quando o mundo afetivo está muito exaltado, ele assume a rédea do comando da
vida; pessoas que estão no império dos estímulos; agem baseado nos afetos. Os
afetos são importantes porque dão um brilho material pro nosso mundo interior,
porque somos seres materiais. O terapeuta precisa perceber se o sujeito está
exaltado ou embotado.

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Exaltado: tudo que acontece materialmente toma uma vida interior grande a ponto de fazer
com que o sujeito fale grande parte sobre isso. O mundo material entra em nós e tem uma
transitoriedade, mas os afetos têm uma duração e precisam sumir e formar memória e
conceitos. Super estimulação pelo mundo sensível. Depressões e manias. O deprimido
sente mais, o que lhe falta é conação, vontade, impulso, ele tem uma formação afetiva
negativa.
É normal que o sujeito que acabou de passar por algo no mundo que imprima um fantasma
forte, com brilho muito concreto, passe uma parte da consulta falando sobre isso. Falar
sobre isso por 4 dias pode ser exagero.
O afeto pode roubar a atenção dos conceitos.
Uma vida afetiva embotada é perigosa, porque o sujeito não consegue formar memória. A
pessoa que tem embotamento tem um sistema de orientação da sensibilidade pura e
simples. Se nada do mundo sensível estimula a pessoa, ela tem um embotamento.
Esquizofrenia e retardos em geral.
Labilidade afetiva: sensibilidade inconstante. Às vezes afeta muito, às vezes afeta pouco.
Formação errática dos fantasmas.
Incontinência: agravamento da labilidade. O sujeito se mantém muito tempo na labilidade -
alteração quantitativa dela.
Se os fantasmas do mundo afetivo têm tamanhos diversos, os conceitos são alterados, de
forma que o sistema de orientação vital do paciente é problemático.
Paratimia. Muito comum na esquizofrenia e na demência. Reação de um modo não
esperado, a sensibilidade gera um afeto contrário ao esperado. Reação anômala.
Ambivalência. Acontece em pacientes bipolares. Querer e não querer duas coisas
excludentes ao mesmo tempo. Não acontece só nas doenças psiquiátricas. Fazer o sujeito
recrutar o conceito ou a memória para a tomada da decisão. Quando problemática, a
pessoa não consegue acessar a memória e os conceitos, a pessoa fica presa e não toma
decisão até tirar um dos estímulos sensíveis, ela fica presa afetivamente. Tem gente que
tem muita ambivalência afetiva.
Neotimia. Acontece em pacientes esquizofrênicos e dementes. Você dá um estímulo
sensível e o paciente cria um afeto completamente anômalo. Acontece no trema - momento
da descoberta da esquizofrenia pelo paciente. É um dos momentos mais dramáticos da
psiquiatria. A pessoa faz uma estrutura conceitual totalmente desvinculada do mundo
sensível. LSD (ácido) pode causar isso também.

Últimas notas:
Orientação e prospecção.
O ângulo pelo qual os psicopatologistas enxergam a orientação é querer saber se o sujeito
está orientado no tempo, no espaço, em relação às outras pessoas, em relação à situação.
Orientação é o referencial onde se está. Paciente sabe que dia é hoje? O paciente sabe
onde está? O paciente sabe quem são as pessoas? Na mania a pessoa tem uma
pseudo-orientação delirante, ela sabe onde está, mas tem orientação errada e acha que
está em outro lugar.
Situação: por que você está aqui?
Geralmente a orientação é vista sob um ponto de vista do exagero, mas na prática cotidiana
da terapia pode-se excluir os transtornos mais graves e perceber que as pessoas possuem
desorientações mais leves, não psiquiátrica, mas existencial.
Antes de colocar num sistema, é preciso relatar.
Prospecção. Projeto. Para onde se vai.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Quais são seus planos futuros? A pessoa pode ter uma prospecção diminuída, não saber
quais são os planos futuros, para onde vai, qual é o próximo passo, não parou pra investigar
com profundidade onde está, não conhece o mapa dos afetos, das memórias, que é afetada
pelas sensibilidades, olha pra própria vida e vê um vazia, uma ausência de senso de
orientação. É uma pergunta fundamental. Aqui se encerra a súmula psicopatológica. É a
ferramenta de início para iniciar a jornada da entrada na terapia propriamente dita.

Italo Marsili - Estudo de Caso Clínico

Aula 1 - Como escrever um caso clínico

30/11
É importante que o terapeuta consiga traduzir o que o seu paciente sente para poder passar
o caso para algum colega. O profissional não pode ser contaminado por seu subjetivismo.
Há uma certa estética ao falar com outro profissional, que precisa ser formal, para mostrar
ao outro que se domina a técnica e que sabe conduzir o caso. A autoridade é revertida em
novos encaminhamentos. A comunicação precisa ser eficaz para que os dois profissionais
se entendam. É preciso dominar o esqueleto de uma anamnese bem feita.
Modelo de caso clínico (sem exame físico):
1. Identificação: Nome (iniciais), idade, gênero, cor, estado civil, profissão,
naturalidade, residência.
2. Queixa principal: o que trouxe o paciente até mim? O que o paciente falou.
Motivação que saiu da boca dele.
3. HDA (história da doença atual): perguntar sobre a cronologia da queixa. Perguntar
como e quando ela notou isso. Perguntar se aumentou ou diminuiu, se foi e voltou,
como o quadro foi mudando no tempo. Escrever segundo informa o consulente. Sem
desprezar as palavras do paciente.
4. Anamnese dirigida: perguntas gerais. Questionar o sono, outras doenças (urinária,
cardíaca, metabólica, gástrica, pulmonar, circulatória, …), hábitos intestinais,
sistemas orgânicos em geral.
5. HPP (história patológica pregressa): quais são as doenças que o paciente já teve?
Hipertensão, diabetes, internações pregressas, DSTs, alergias.
6. História fisiológica: via de parto, crescimento e desenvolvimento na infância, primeira
relação sexual, data da primeira menstruação, data da última menstruação, quantas
gestações teve, quantos abortos teve (espontâneos ou provocados), vacinas.
7. História social: hábitos sexuais da pessoa, hábitos alimentares, tabagismo, etilismo,
uso de drogas, ambiente da casa, onde mora, relação com os familiares, relação no
trabalho, nível de estresse.
8. História familiar de doenças: doenças crônicas na família, filhos, irmãos e pais.
9. Ectoscopia: o que o olho do médico vê. Não tem utilidade neste curso.
10. Sinais vitais: peso, altura, pressão arterial, frequência cardíaca, frequência
respiratória, temperatura.
11. Exame físico.
12. Exame psíquico. Escrever todos os pontos observados pelo terapeuta com relação
ao paciente. Relato quase poético. Postura, atitudes, inseguranças, fatos, aparência,
textura, tipo, marca, tempos, cadência. Fazer uma avaliação global do paciente,
identificando os motivos para o paciente ter procurado o terapeuta. Descrever as
fontes do sofrimento humano. Existe uma fonte de sofrimento simbólica. Exemplo:

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

um colérico numa profissão em que não pode queimar, iluminar. Descompasso que
pode gerar sofrimento. Astrocaracterologia. Dimensão física. Dimensão afetiva.
Dimensão intelectual - conjunto de crenças, o que ela conhece e sabe. Dimensão
espiritual.

Semana 9

Método terapêutico - Aula 1 - A vida humana é narrativa

21/01/22
O conteúdo a partir de agora será mais profundo sobre o método de tratamento. Antes
fomos apresentados a 4 grandes pilares, com assuntos de abordagem mais prática do
paciente. Esses elementos, sozinhos, são insuficientes pra dar conta de responder a
qualquer questão mais séria. É necessário aprofundar o conhecimento para ter uma visão
mais séria e totalizante do paciente.
O que é a vida? Essa pergunta pode ser difícil de ser respondida. A resposta precisa ser
verdadeira, pessoal, profunda, prática, que leve em consideração todas as dimensões da
vida da pessoa. Um biólogo poderá responder com suas ferramentas: a vida é uma
transição de composições químicas, um amarrado ou uma sucessão de eventos químicos.
Um físico poderá responder que é movimento, por causa da cinética. Nós somos pessoas
que precisamos responder a sério essa pergunta para que nossa vida não seja frustrada.
Só se pode tratar qualquer questão tendo o mínimo de conhecimento das diversas
dimensões dela. Só se pode aprender e usar aquilo que a gente conhece os limites, os
tamanhos das possibilidades. Tamanho no sentido de todas as possibilidades. Sem
conhecer, como utilizar? Essa é a primeira tomada de consciência da vida. Precisamos
entender e investigar a sério esse assunto para não nos perdemos e não saber o que fazer,
como padecer, como projetar. Até aqui as ferramentas apresentadas foram fundamentais
para abordar o paciente: crenças, posturas, atos, vestimentas, biologia e a súmula
psicopatológica para formar um diagnóstico do paciente. É uma pena que hoje a
psicopatologia não seja mais tão estudada, pois ela é muito importante. Mas sem investigar
a vida, sem conseguir entendê-la, essas ferramentas podem se tornar supérfluas. O sujeito
pode estar absolutamente competente do ponto de vista biológico: hormônios, vitaminas,
nutrição, sono, tudo perfeito, com vigor, funcional, bem disposto, no auge da vitalidade
física, sem nenhuma degeneração, mas, ainda assim, estar desorientado sem conseguir dar
uma resposta sobre o que é a vida. Basta um pouco de atenção para saber que, por
definição, em algum momento vamos perder nossa saúde. Morrer é isso. Perder a saúde,
seja pouco a pouco ou de forma rápida. Não importa quão boa a saúde esteja. Por
definição, morrer é perder a saúde. A aposta na biologia como a grande rainha que vai dar o
sentido da vida pode ser furada. Muitas pessoas podem ter esta visão da vida: viver é ter
saúde. Mas em algum momento, mais cedo ou mais tarde, o sujeito vai se confrontar com
um mundo intransponível chamado doença, adoecimento, morte. Se a aposta do sujeito é
uma vida saudável, ele perdeu a aposta. Ninguém conserva a saúde física pra sempre. Nas
semanas 1 a 8 vimos pontos separados que serão amarrados nas semanas de 9 a 12.
Independente da linha terapêutica de base, o método pode ser usado como base de
trabalho para desenvolver a vida do paciente. Se o olhar para a pessoa diante da pergunta
“o que é a vida?” cai nesse primeiro nível (biológico) haverá pouquíssimas ferramentas para
lidar com os dramas reais da vida do paciente. O paciente pode perceber que tem dúvidas
existenciais que nunca serão respondidas pelo prato saudável que ele come, pela

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

quantidade de repetições dos exercícios. Isso nunca é a fonte de resposta para as


perguntas fundamentais. O sujeito pode não ter anseios últimos também, algumas pessoas
são mais superficiais, práticas, mas elas podem ter também dramas práticos. Tem gente
que tem espírito filosófico, mais profundo, que vai se fazer perguntas diariamente acerca
das questões últimas, algumas pessoas não têm o espírito tão profundo, mas mesmo para
elas aparecem questões que não são as questões triviais do que elas estão comendo,
sobre sua existência. “Por que trabalho tanto e não tenho dinheiro pra viajar com a
família?”. Não são questões últimas, mas que já estão um pouco além das superficiais, que
revelam algo sobre a vida delas. Por “recebermos” tantas vidas na prática profissional,
precisamos ter uma resposta mais ou menos bem formulada para essa pergunta. Não é
necessário dar a resposta, mas é importante conhecê-la. Diante dessa pergunta, alguém
que trabalha com isso precisa ter uma resposta mais ou menos totalizante, não excludente,
que seja como que uma rede que possa receber as mais diversas pessoas que tem ali. Não
existe uma única forma de ver a vida. A maior parte das pessoas deste mundo, incluindo
pessoas vulgares e grandes gênios do pensamento, acham que a vida não é um vazio e
percebem o oposto disso. O sujeito universalista pode dizer que a vida é transcendência. O
materialista pode dizer que a vida é comer, beber, dormir. O niilista pode dizer que a vida é
um vazio. O terapeuta tem que ter dentro de si um tamanho que não exclua as diferentes
questões que se apresentam em consultório. Sob certos aspectos, se cristalizar em algum
polo é ideologia. Se Nietzsche, um niilista ativo, for seu paciente, você tem que ter um
tamanho superior ao dele, se não você não pode ajudá-lo. Diante dessa pergunta, vamos
dar uma resposta que não é espertinha, não é uma figura de linguagem, não é uma saída, é
o inverso. A vida, pro ser humano, é narrativa. A substância da vida humana é narrativa, é
uma história que está sendo contada. É uma resposta em que cabem todas as outras
respostas. O que importa é que a gente conheça quais são os elementos que o homem e a
mulher utilizam para contar essa história. Vamos enquadrar todas as ferramentas dentro de
uma história possível. Prestar atenção em algumas coisas: ao contar uma simples história
perceber que toda história tem uma estrutura, um personagem principal, uma missão, os
antagonistas, os amigos, personagens secundários que ajudam o personagem principal,
cenário, tempo, indumentária. Alguns elementos podem estar implícitos. Quando o paciente
chega, ele tem uma vida e ele não sabe contar a própria história e, por isso, não tem a
própria vida nas próprias mãos (simbolicamente). Tamanho é as possibilidades. Tal qual um
lápis quando quebra a ponta pode ser apontado, se a ponta da vida do paciente se quebra,
ele sabe como apontá-la? Você sabe como apontá-la? Você conhece o tamanho da vida do
paciente, a história dele? Se na nossa atuação, na nossa técnica, não percebemos isso,
não conseguimos ajudar.
Primeira ferramenta: perceber a vida do paciente como uma história que está sendo
contada. O paciente sempre começa com uma queixa principal, ainda que não fale com
tanta clareza. É preciso anotar a queixa principal, como o problema é apresentado, a partir
de onde a história começa a ser contada dentro do consultório. Nas primeiras sessões é
importante mapear os cenários principais nos quais o paciente se move. Entender o que é a
vida dele. Cenário físico: onde ele trabalha, qual é o trabalho… Família, casa, onde ele
mora, quantos quartos a casa tem. As mudanças de cenários são importantes - por
exemplo, ir de um cenário organizado para um desorganizado pode causar ansiedade. A
desorganização material pode fazer algumas pessoas ficarem permanentemente ansiosas e
estressadas. O terapeuta tem que estar atento a tudo, como um escritor que está
escrevendo a história, mas não somos os autores, somos leitores críticos ou revisores do
texto. É possível adicionar alguma coisa no meio do caminho, mudar o cenário? O terapeuta

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

ouve e lê histórias e começa a perceber o que está fora de lugar. Onde as pessoas se
mexem? Quais são os ambientes principais? Existem lugares nos quais as pessoas vão
pouco, mas são determinantes pra vida delas, são lugares que elas não contam
espontaneamente, o terapeuta tem que descobrir. O terapeuta precisa saber investigar os
lugares que a pessoa frequenta. Lugares são: o restaurante que a pessoa almoça sozinha,
pode ser onde ela se permite pensar certas coisas, os finais de semana tem visitas que não
são cotidianas, as mudanças de padrão comportamental. O terapeuta tem que ser aberto
para que a pessoa não tenha vergonha de contar nada. Cuidado com a postura! Os lugares
frequentados podem ser desde um strip club até um culto religioso. Não é com cinismo, é
com interesse. Tem que ouvir as histórias! Não é para julgar, é para ler a história e fazer
com que a história tenha sentido. O paciente está contando a história dele, não a sua. Ter
sensibilidade de perceber pontos cegos na história. Ninguém vai só do trabalho pra casa.
Investigar os lugares.
No trabalho, o paciente é, sob determinados aspectos, o personagem principal. Sob outros
aspectos, é o personagem secundário. Em algumas cenas no trabalho, é a chapeuzinho
vermelho, em outras, o lobo-mau, em outras, o caçador. Não sob o ponto de vista moral, do
ponto de vista de localização: personagem principal, antagonista, coadjuvante. O terapeuta
tem que ter esses critérios em mente. No trabalho, em quais momentos ela é o personagem
principal, o antagonista e o coadjuvante? Todo trabalho é duplo e isso precisa estar na
mente do terapeuta. Não é ambivalência, é a natureza da vida. Muitos desajustes
existenciais no paciente estão no fato dele achar que está posicionado no lugar de
antagonismo, de coadjuvância ou de protagonismo. O terapeuta precisa conseguir dar essa
habilidade para o paciente. É mais ou menos tudo junto ao mesmo tempo. A natureza do eu
nas diferentes cenas é ambivalente no sentido de que coexiste antagonismo, protagonismo
e coadjuvância. O sujeito que pretende ser coadjuvante sempre está aquém das situações,
porque muitas vezes é principal. O sujeito que pretende ser sempre protagonista é soberbo,
porque muitas vezes o que se espera dele é coadjuvância, que ele ajude algo a acontecer,
sem ser o promotor direto. O sujeito que não se percebe contra nada não está instalado na
vida direito. A natureza da vida é essa, sempre estamos antagonizando, protagonizando e
coadjuvando. O terapeuta precisa ter um olhar agudo sobre isso. O paciente é, ao mesmo
tempo, chapeuzinho vermelho, caçador e lobo. Um dos elementos que fazem com que uma
história seja infantil é a simplicidade dos personagens, a chapeuzinho não tem um elemento
de maldade, tem um elemento de inocência. Nas histórias mais elaboradas o heroi é
também hesitante, tem egoísmos, parece mais com a nossa natureza, ele titubeia. Nós não
somos cristalinos o tempo todo. Qualquer heroi de uma história complexa, tal como os da
mitologia grega, tem naturezas misturadas. Por exemplo: Zeus tem desejos carnais. As
pessoas criam expectativas infantis com relação aos heróis. A mitologia grega nos mostra a
complexidade do ser humano. A história de Jesus Cristo também tem isso: ele é perfeito,
porém chora. A história é complexa, não é infantil. O heroi encerra em si essa ambivalência.
O terapeuta exposto às narrativas infantis e sem cultura literária, mitológica e sagrada tem
pouquíssimos recursos pra entender a vida. Porque não está familiarizado com narrativas.
Ele precisa estar atento às narrativas, tanto às das vidas acontecendo ao seu redor, quanto
às de romance, textos literários profanos, pra pegar as estruturas narrativas. Os romances
têm estrutura muito clara com início, meio e fim, os dramas são cristalinos. Começar pela
alta literatura, porque nela a estrutura do romance, do texto, é fácil de ser capturada, os
traços das personagens são fáceis de serem percebidos. Não confundir dificuldade do texto
com dificuldade de vocabulário. Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Machado de Assis
tem algumas palavras desconhecidas, mas não têm texto difícil. Em Aristóteles todas as

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palavras são conhecidas, mas o texto é difícil. Ler 20 minutos por dia de algum livro. Ler
Cervantes, Balzac, Camões, Shakespeare, Thomas Mann, clássicos da Espanha, França,
Inglaterra e Rússia. Ler livro é trabalho pra se familiarizar com as estruturas das narrativas.
Aparecem ferramentas de semiologia. Thomas Mann, por exemplo, descreve moedas.
Ainda que eu não me interesse por moedas, alguém se interessa e quando eu percebo
como alguém descreve um colecionador de moedas eu percebo como alguém se interessa
por algo absolutamente desinteressante para mim. Como alguém pode se interessar por
alguém que tem interesse em moeda? A mitologia nos conta possibilidades de romances,
ela fala sobre arquétipos, “quando a vida de apresenta, em última análise, ela se apresenta
assim”. As narrativas mitológicas não têm clareza de espaço, da discrição, não é concreta,
ela fala dos tipos, dos traços possíveis do antagonismo e da coadjuvância. Ao ler a
mitologia não se está buscando a realidade do que está acontecendo no Olimpo, mas os
traços de possibilidades, do que é possível acontecer, ter uns 20 tipos mitológicos
decorados. Não é para ficar enquadrando os outros, mas pra ter as possibilidades. O
romance tem uma clareza a mais do que as vidas que estão acontecendo, porque estas
ainda não terminaram, não se sabe se a missão, o interesse foram completados. No nível
mitológico as histórias não estão tão claras, não tem início, meio e fim, não tem os tipos e
traços de possibilidades, para o terapeuta são as possibilidades psíquicas. Tanto mitologia
grega quanto sagrada escritura, que tem também uma função mitológica para o terapeuta.
Muitas pessoas praticam a religião de Abraão, Isaac e Jacó; de Ismael; a Cristã. O
terapeuta não deixa sua própria religião, mas precisa entender que existe um nível de
significado do texto sagrado que é simbólico. O nível superior é religioso, é o que será
aplicado à vida do terapeuta, ele não deixa de ser o que é, esse é o nível superior do texto
sagrado. Pro terapeuta a utilização está no nível simbólico. O nível simbólico que existe no
texto sagrado é profundo e quase totalizante, com muitos referenciais arquetípicos. O
terapeuta tem que estar familiarizado com o texto sagrado, com a mitologia grega, com os
romances universais, as vidas concretas acontecendo ao lado dele, esses são os
instrumentos de trabalho. Quando eu domino a forma das histórias, quando eu sei ler uma
história, sei quando um autor é ruim (com histórias inverossímeis, sem pedaços). A política
e a ideologia não pode ser maior que a arte literária para o terapeuta. Ganhar familiaridade
com os textos faz bater o olho e entender quais histórias têm começo, meio e fim ou se
faltam pedaços da história, se ela é fraca, falsa, inverossímil. As histórias que se
apresentam no consultório não estão completas e sempre são mais ou menos assim,
diferente da literatura, da mitologia, do texto sagrado. Sempre vai haver incerteza se aquela
história é boa ou ruim. O terapeuta tem que ter habilidades de uma pessoa habilitada a ler e
ouvir histórias e conhecer a validade delas. Sem intervir como roteirista ou diretor, mas
como crítico.
A história verdadeira é a que o paciente quer contar, ele escolhe o ângulo. Gusdorf diz:
“Toda história é boa, desde que seja bem contada”. Muitas pessoas estão ansiosas, com
sentimento de vazio, deprimidas, tristes, desorientadas porque contam suas histórias
pessimamente. “A grama do vizinho é mais verde que a minha” faz todo sentido, porque a
história do vizinho tem início, meio e fim. Na minha história eu posso me perder quando eu
estou contando. Ouvir a história do paciente, encontrar os protagonismos, antagonismos e
coadjuvâncias, com interesse de “montar a cena”. Perceber o que está acontecendo,
desenrolar as histórias, os backstages existenciais. Reconhecer os espaços e os
personagens. Esses elementos são básicos da terapia.
Qual é o argumento? Pra que o paciente está aqui? É fundamental conhecer os meios de
ação. Levar em consideração as armas, ferramentas para agir. Grande parte das vidas pela

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metade, das vidas vazias, das frustrações acontecem porque existe um desajuste entre o
meio de ação de alguém (a possibilidade de agir) e o que o sujeito espera, pretende,
deseja, quer. Meio de ação não é só dinheiro.

Semana 10

Aula 2 - Os meios de ação humanos

22/01/22
Os meios de ação são determinantes para definir se a pessoa vai conseguir ser feliz ou não,
se ela vai passar os próximos anos ou meses ou semanas ou dias ou minutos angustiada
com uma sensação de vazio, por querer, desejar, esperar algo que não consegue realizar.
Os meios de ação são mais um componente da narrativa importantes e determinantes pra
pessoa conseguir cumprir pra que ela acha que está aqui.
Os meios de ação são as ferramentas que as pessoas têm em mão para realizar algo.
Quase tudo requer meios de ação para poder agir. As ações neste mundo sempre são
mediadas. Não existem ações neste mundo imediadas.
Faça um inventário sobre os seus meios de ação. Quais são seus meios de ação no
mundo? Como você age? O que você utiliza para agir no mundo? Exemplos: voz, braço,
olho, … As nossas ações são mediadas. Para que eu não me torne uma pessoa frustrada,
vazia, para que eu conte uma história e tenha uma vida eu preciso agir. Sem ação não há
movimento, sem movimento não há história. Sem história não há vida. Os cadáveres estão
parados. Thomas Mann e Dante Aliguieri fazem as descrições mais acertadas sobre o
inferno, em termos simbólicos. Eles dizem que o inferno é frio. O frio é compatível com a
falta de movimento, a paralisia. O que congela faz com que a coisa não se mexa, não se
expanda. Não se mexer é um sinônimo de falta de vida e uma das formas de não se ter
movimento é não ter meios para agir. Sem meios de ação eu não me movo. Ou se eu não
recolho meios de ação mais humanos eu não me movo como um ser humano, eu me movo
de outro modo. Existem movimentos que aparecem dentro de nós. A fome é um movimento.
A vontade de comer também é um movimento. Você pode perceber esses dois movimentos
dentro de si. Onde a fome aparece? A fome aparece na barriga, no corpo. Com fome não se
escolhe muito o que comer. A fome dá no corpo. E a vontade de comer? A fome passa
quando comemos. A fome é subtraída quando a comida entra no corpo. Onde a vontade de
comer aparece? Aparece em você e quando você come, ela nem sempre some. Vontade de
comer não é fome. Posso estar com fome e com vontade de comer. Posso estar com fome
e sem vontade de comer. Posso estar sem fome e com vontade de comer. A vontade de
comer aparece em outro lugar, não é na barriga, e eu posso me alimentar e a vontade não
passar; ela aparece num lugar em que os corpos não são capazes de suprir
necessariamente e só passa mesmo quando ela encontra um corpo ou alimento que esteja
ajustado com as minhas expectativas. De um lado, a fome é um movimento físico, corporal.
A vontade de comer é um movimento mental, de expectativa. Ela só pode ser atendida com
outro corpo, um alimentando entrando. Existem outras vontades que não têm a ver com
algo material, tem a ver com a contemplação de uma proporção.
Proporção é material ou imaterial? Onde está a proporção? Proporção é algo imaterial.
A estética avalia os entes proporcionais. Por que reconhecemos algumas coisas como feias
ou como belas? É pelo gosto, que se adequa à proporção. Reconhecer coisas belas é estar
diante de proporções bem definidas. Um retângulo que exista sempre segue uma proporção
(teorema de Pitágoras). O que acontece entre nossa percepção e o mundo quando vemos

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algo? Ela está capturando uma proporção mediada pelo mundo (nosso olho é material). O
homem repousa, se alegra e se acalma diante das coisas belas. Existe em nós uma
vontade de beleza, uma vontade de bondade. A bondade e a maldade são proporções de
um ato narrativo.
A justiça e a injustiça são percebidas por mim no mundo pela mediação de uma história que
está sendo contada, que tem proporções narrativas específicas, com densidades narrativas
que, agrupadas de um certo modo, me dão um referencial da justiça ou da injustiça.
A proporção é sempre imaterial, está fora do tempo. Existe mas não está na matéria.
Existem coisas que existem e não são materiais. O teorema de Pitágoras antecede a
matéria, ele existe antes que pudesse haver quadrados e retângulos. A declaração de uma
realidade imaterial não é um ato religioso, de crença, de fé. A existência de uma realidade
imaterial que existe tanto quanto a matéria é um ato da inteligência, da percepção. Não é
necessário ter fé para isso. A fé não tem relação com isso. Um apontador que cai: onde
está a queda dele? Ele cruzou o espaço, onde está o ato da queda dele? Está na memória?
E se você tiver Alzheimer, o apontador deixa de ter caído? E se você deixasse de existir, ele
deixaria de ter caído? Existir é diferente de conhecer. Onde está o ato do apontador ter
caído agora? É um exercício que pode determinar o tamanho da visão diante do mundo
para atender gente. As pessoas concretas de carne têm coisas muito reais imateriais: todo
o passado dela que influi sobre ela e todo o futuro não vivido, pra onde ela pode ir. Coisas
que não têm consistência material atual, mas têm presença, resistência, realidade, ser,
portanto, têm ação, porque existem. Negar isso é um problema para o terapeuta. Confundir
memória com o ato é normal, mas não é normal insistir nessa confusão. É o mesmo que
confundir o cardápio com a comida. A queda do apontador não está na memória, a memória
é um suporte abstrato, um registro de algo que é extrínseco à memória. O paciente muitas
vezes se move pelas memórias, não pelo que aconteceu. Um dos caminhos para a
maturidade é um ajuste entre a memória e a realidade mesma. Uma pessoa madura se
orienta muito mais pela realidade concreta do que pelos registros de memória que ela tem,
que sofrem muitas alterações ao longo do tempo e que são registradas de modo muito
impróprio. A queda do apontador está no passado? Pode ser, desde que se tenha na
cabeça a realidade mesma a que se refere essa palavra. O passado é um modo de se
referir à existência da realidade material que não é mais material. Onde está a queda do
apontador? Pode estar no passado, desde que ao falar passado não se pense que isso não
aconteceu. O apontador caiu, isso é, isso existe, só não tem realidade material. Agora o
apontador não está caindo, mas isso aconteceu, tem consistência e nunca vai deixar de ser.
Quando se percebe que há proporções, tanto físicas quanto narrativas, que há existências
que não somem, que são profundamente, mesmo sem a matéria. Todo o conjunto de coisas
que tem existência e não tem matéria estão no mesmo lugar, que é extrínseco a mim, que
não está em mim, mas eu estou nele também, porque eu também tenho proporções, forma,
vontade de comer, movimentos interiores que são imateriais. Há movimentos em mim que
não são materiais mas que se direcionam a algo imaterial; mas tenho em mim também
movimentos que não se direcionam a algo material. Há em mim um corpo que deseja corpo.
Há um aspecto imaterial em mim que também deseja coisas imateriais. A beleza é a
proporção das coisas estáticas e a bondade é a proporção das narrativas. No homem há
corpo e elementos imateriais, que podem desejar coisas materiais e imateriais. Esse é o
tamanho do homem, esses são os meios de ação do homem. O homem age a partir do seu
corpo e dos seus elementos imateriais. Cada uma dessas coisas tem um nome técnico. O
mundo pro homem é tanto as coisas materiais quanto o mundo das proporções e dos
registros que existem mas não têm mais matéria. Existe no mundo uma realidade concreta

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mas também uma “nuvem” que não tem matéria, são as possibilidades. É a proporção do
quadrado que faz com que outros quadrados possam entrar na existência. A gente age com
o corpo e com a consciência imaterial, que age na matéria e fora dela. Os meios de ação
são tudo pra gente e contamos nossa história a partir das potências do personagem. Se eu
faço uma aposta que meu personagem é só corpo, eu excluo da minha história todos os
elementos imateriais. Porque corpo só move corpo e o corpo só é movido pelo corpo. Se eu
perco a visão de que há em mim algo imaterial que deseja, aspira, move, se contrapõe,
frustra, constroi, destroi, eu conto uma história puramente material. Se eu percebo o homem
na sua dimensão mais completa, começo a contar histórias que não são só materiais. Qual
é o problema de contar uma história só material? Além de faltar um pedaço, tem o problema
do corpo que se corrompe, não dura, muda e tudo que muda perde o referencial. E se eu to
contando uma história e o meu referencial tá mudando, porque o corpo muda toda hora,
quando eu olho pra trás e vejo essa história, ela não tem unidade, porque não tem
referencial, logo, não tem sentido. Um dos motivos mais frequentes das neuroses do nosso
tempo são as histórias sem unidade e sem sentido por se perder a dimensão hilemórfica do
homem (o homem é forma e matéria), por não perceber toda a complexidade e potência da
dimensão imaterial do homem. Quando se aposta na dimensão corporal, tem-se uma vida
sem sentido, porque o corpo muda, se decompõe. Quando a coisa muda, quem olha pra
história vê uma história sem unidade, sem sentido, o que é desesperador, angustiante,
perturbador. Daí a necessidade do terapeuta olhar pro homem com o tamanho que ele tem.
Isso não é ideologia.
Existem modos específicos de classificar essas dimensões (material e imaterial).

Aristóteles percebeu uma coisa que não sistematizou, mas ele olhou pro ser humano
investigando a justiça. Ele fez uma classificação: existe no homem uma coisa chamada
paixões, que são os movimentos do corpo (não dos amantes), a parte mais baixa que se
move; vontade e inteligência ou intelecto. Esses são os meios de ação do homem, de
acordo com Aristóteles.
Corpo, imaterial (distinção do bem e do mal) e imaterial (distinção do verdadeiro e do falso):
são os meios de ação do homem. Braço, coração e cabeça.
As paixões estão sempre agindo, sempre se inclinando pro prazer e pro desprazer. O
desejo de bem e mal não aparece sempre e a distinção do verdadeiro e do falso aparece
tardiamente. Há pessoas que têm as paixões desordenadas, a vontade desordenada e não
querem saber o que é verdadeiro e falso. É possível começar na terapia com algumas
pessoas mostrar certas realidades acerca do que é falso e do que é verdadeiro. A pessoa
começa a querer distinguir o que é verdadeiro do que é falso, mas não encontra em si a
faculdade intermediária bem formada, percebe o que é verdadeiro e falso mas ainda erra
quando vai desejar o bem e o mal e ainda tem as paixões inferiores desorganizadas. Se
continuar investindo na formação intelectual da pessoa, ela em algum momento consegue
ordenar a faculdade intermediária mas ainda tem uma certa fraqueza na parte inferior, com
as paixões desorganizadas. Se continuar formando a pessoa intelectualmente, ela começa
a ter uma prática na adesão do bem e do mal e começa a ter uma ordem sobre seu corpo -
isso é um homem maduro. Com isso, é possível perceber que existem 4 formas humanas
possíveis básicas.
Northrop Frye percebeu esse esquema de Aristóteles e fez um trabalho bastante
significativo de crítica literária, percebeu esses traços em todos os personagens da
literatura. Todos eles se enquadram em alguma dessas possibilidades. Ainda tem o
personagem que tem tudo isso e ainda a ajuda de Deus.

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

Esse é o itinerário terapêutico. Algumas pessoas chegam ao consultório tão desorientadas


sobre suas histórias que não sabem sequer o que pensar sobre sua própria história. Ela não
consegue contar ainda, não sabe qual é seu argumento vital.
1º caso: a pessoa não sabe, não deseja e não faz. Não sabe seu argumento vital.
Precisa sempre da validação externa, não tem força interior, não se percebe como uma
unidade. O desejo dela acerca da própria vida é a busca pela validação do que ela acha
que os outros esperam dela. Não são inseguros violentos, são inseguros totais,
inconstantes, buscam validação externa todo o tempo. São pessoas facilmente
manipuláveis, altamente inconstantes, a tristeza aparece porque o outro não olhou pra ela.
Se o outro não olha pra ela, ela não sabe pra onde tem que olhar.
2º caso: a pessoa sabe, não deseja e não faz. É o mais comum. Tem uma grande
insegurança e sabe que não sabe fazer nada. Acabou de descobrir seu argumento vital.
São pessoas violentas, porque não há nada que deixa a pessoa mais violenta do que ter
uma ideia na cabeça, um coração inconstante e braços fracos, ela tem medo de perder
aquilo que ela acabou de descobrir, ela se torna reativa. Os inseguros têm uma inconstância
grande no coração.
3º caso: a pessoa sabe, deseja e não faz. Já é uma pessoa confiável. Sob certos
aspectos é estável, mas ainda não cumpre seu papel social. Ela se move, em regra,
baseada no seu desejo. Tem alguma estabilidade, mas faz mais por si. É um egoísta útil,
que defende os seus, funciona para o seu grupo. Faltam ferramentas para realizar o
argumento vital.
4º caso: a pessoa sabe, deseja e faz. É uma pessoa estável em quem se pode
confiar. É uma pessoa que diz que vai fazer e faz. Sabe qual é seu papel social, não
costuma mudar muito.
Para analisar, ajudar, deixar mais claro o modo de agir no mundo, é preciso ter um
conhecimento melhor dessas 3 ferramentas. Se eu não entender, esse esquema não serve
para nada. De que modo as paixões são um meio de ação? Isso pode ser uma ferramenta
terapêutica.
Meios de ação. O ser humano tem um tamanho específico. Qual é o tamanho da coisa
toda? Existe um mundo que oferece corpo, e uma dimensão imaterial (transcendental). Na
dimensão imaterial estão as proporções, o passado e as possibilidades. O nosso sistema de
orientação neste mundo é muito mais imaterial do que material. Nos movemos muito mais
baseados no que podemos fazer do que daquilo que está acontecendo. O que está
acontecendo imaterialmente move muito mais o homem. É entre uma conversa entre
possibilidade, passado e proporção que surge o conceito, que é estável no mundo imaterial,
permanente, fixo.
O mundo é corpo, tem uma dimensão imaterial, em que são percebidos o passado, as
proporções e as possibilidades, tudo isso, articulado, faz com que acessamos o mundo dos
conceitos, onde existe uma imaterialidade absolutamente estável e permanente, fixa, que a
gente percebe e nos orienta.
Eu tenho um corpo e uma dimensão imaterial. Agora vamos investigar isso. É a articulação
dessas coisas que aparece o que chamamos de vida. A vida é história e ela se dá num
lugar com alguém nesse lugar. Se eu não tenho dimensão do tamanho do mundo ou do
meu tamanho, ou se eu acho que o mundo é menor, ou eu sou menor, eu vou ter uma vida
anômala ou pequena, uma vida falsa, porque é uma história ruim, inverossímil, com
elementos importantes que estão faltando. Por isso essa investigação é necessária.
Colocar tudo isso no nosso campo de visão nos faz ver quais tipos de vida são mais
prevalentes ou possíveis. O que será investigado agora: quais são os argumentos e quais

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

são as forças corporais e imateriais do eu. Qual é a história e quem eu sou do ponto de
vista operacional e prático.

Semana 11

Aula 3 - Quatro vetores da ação humana e os argumentos vitais

05/02/22
Aula sobre os argumentos. Ainda no esquema da aula anterior, com a progressão de
ascensão de algumas faculdades, ferramentas, instrumentos ou meios de ação do homem.
Naquele esquema houve uma aposta no saber (na cabeça), o que pode ser curioso: por que
esse esquema não é invertido?
É importante exercitar o pensamento dialético, o Italo gosta quando os alunos levantam
questões que podem colocá-lo em saia justa, pois ele conversa, discute, ouve. É um
exercício, é importante que o aluno não se torne uma pessoa chata. As perguntas feitas ao
professor têm que ter um certo aspecto de malícia, de desafio, como quem diz “será que
esse cara sabe mesmo esse negócio?”. Mas se todo o conteúdo da pergunta for malicioso,
o aluno não aprende nada. Mas se houver uma certa dúvida se a pergunta é 100% genuína,
no sentido de querer saber aquilo mesmo ou se a intenção é derrubar o professor, o aluno
aprende mais, pois a pergunta tem um quê de audácia e impertinência. Perguntas muito
fáceis e generosas não fazem com que o aluno aprenda e não estimulam o professor a
responder. Durante as sessões clínicas, quando a pergunta vier com um pouco de malícia é
hora dela sair, quando a pergunta for muito inocente, o aluno quer chamar atenção do
professor ou talvez ser um bajulador e a turma não curte aquele aluno. Provavelmente o
professor já respondeu aquelas perguntas simples demais. Mas se a pergunta for feita com
muita malícia, o aluno desagrada a turma e se torna um par que as pessoas não querem
estar próximas e o professor é obrigado a responder para colocar o aluno no lugar dele. O
professor precisa ser desafiado intelectualmente. Se o professor recebe uma pergunta um

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

pouco maliciosa e não consegue responder, ele não é professor coisa nenhuma, é um
sujeito que aprendeu alguma coisa e não consegue ensinar direito.
Voltando ao esquema da aula anterior: por que a progressão da pessoa começa na linha de
baixo? Na realidade, as pessoas às vezes fazem coisas que parecem boas mas não
entendem por que elas estão fazendo aquilo. Há pessoas que até fazem coisas boas,
controlam suas paixões, mas não conhecem seu argumento vital.
Por que a progressão que ele pretende que o paciente faça é dessa forma e não o
contrário?
Fazer está no campo das paixões, é algo que aparece a partir da manipulação da matéria.
Braço.
Desejar é uma fronteira entre a matéria e o campo totalmente transcendente (campo de
fronteira). Coração.
Saber está no campo dos conceitos. Cabeça.
Se a minha vida é escrita com o meu braço, manipulando a matéria e fazendo coisas, o
resultado dessa jornada é de tipo material, portanto, mutável, porque a matéria é mutável e
se corrompe. Mesmo que eu faça coisas boas, mas sem desejar e sem saber por que eu
faço aquilo, o resultado da minha vida não tem forma, muda. Se a minha vida é conduzida
diante de um eixo material, eu faço, mas não desejo, quando eu olho pra trás, do ponto de
vista do eu, minha vida não tem sentido, ainda que eu seja uma pessoa que não incomode
muito os outros, por fazer coisas decentes, ajeitadinhas. Mas diante do eu minha vida não
tem consistência. Existem certas pretensões biográficas que são vitorianas, ou moralistas:
eu faço coisas que não incomodam, não é que eu ame essa vida virtuosa, nem que eu
saiba o que é virtude. Numa sociedade composta por pessoas assim as coisas não fogem
muito da regra. Do ponto de vista da minha biografia, da minha história, da minha alma, do
eu, da minha narrativa, é uma vida vazia, sem sentido, vivida em função dos outros. Viver
em função dos outros não é um problema, desde que você queira isso, saiba disso. Você
vai olhar pra trás e pensar: que vida é essa que eu tenho? É um tipo de moralismo, é um
erro. A nossa aposta é que a tomada de consciência da vida venha a partir do
conhecimento, do saber o que deveria estar fazendo. O eu é uma pessoa: um indivíduo ou
substância, racionalis naturae, substância individual de natureza racional, é uma identidade.
Quando a minha ação é inconsciente, indesejada, mas coerente com a sociedade, eu perdi
minha substância individual e me tornei uma substância social apenas, estou abaixo,
desconfigurado, despersonalizado, por isso que entender os motivos pelos quais se age é
fundamental pra se perceber como pessoa. Depois que se tem uma natureza racional,
racionalis naturae, convocar as dimensões superiores do espírito (inteligência e vontade)
para perceber, saber em que medida os atos estão articulados com a convivência, a
pessoalidade, com o tempo e com o espaço - virtudes da justiça, fortaleza, prudência e
temperança, respectivamente.
Se eu perco de vista que eu sou um indivíduo, uma substância individual, e não uma
substância social, um eu que age, eu vou agir diante dos outros, de mim mesmo, no tempo
e no espaço; não sou individual no sentido de ser individualista (o que seria um desvio).
Também somos animais políticos, pois estamos nesse mundo em comunidade, sociedade,
e nossa personalidade se desenvolve de modo mais profundo diante da convivência, da
pessoalidade, do tempo e do espaço. Eu neste mundo (tempo e espaço) agindo diante de
outros eus. Eu sempre vou agir diante de outros eus, comigo mesmo, no tempo e no espaço
- são os quatro vetores possíveis da ação humana. Existe uma ordem específica de cada
um desses vetores: a perfeição da minha ação diante de mim é regida pela virtude da
fortaleza; minha ação diante dos outros eus é regida pela virtude da justiça; minha reta ação

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“Transcrisumo” feito por Caroline Vaz de Melo (@carolinevazdemelo).

no tempo (existe um tempo adequado pra cada coisa) é regida pela virtude da prudência; e
o modo como eu ajo com as coisas espaciais, materiais, é regido pela virtude da
temperança.
O seu eu é uma substância individual (não individualista) e você tem uma natureza racional;
pra você é necessária a percepção de que o mundo é hierárquico, de que existe uma
dimensão corporal, de fronteira, e uma dimensão imaterial, conceitual. Os animais não
hierarquizam a realidade, pois não têm natureza racional, eles têm uma percepção muito
aguda da dimensão material da realidade e uma percepção nula dos conceitos. Como nós
somos animais racionais com uma substância individual, apostar numa narrativa, portanto,
numa vida que não perceba o sentido ou que é necessário saber é apostar numa história
ainda não humana.
Ainda que o paciente não consiga mexer em nada na própria vida, o terapeuta precisa dar
pra ele a capacidade de saber algumas coisas, para começar a desenvolver a capacidade
racional, ainda que ele não consiga amar o que conhece ou fazer o que ama. O problema é
que ele não consegue amar o que não conhece. O terapeuta tem que ter claro que o fato de
conhecer não faz com que o paciente faça amanhã a coisa, mas ele precisa mostrar pro
paciente o grande panorama das possibilidades narrativas, para saber a história, conhecer
o seu argumento vital. Esse é um dos primeiros pontos do método. É preciso ter uma visão
antropológica ampla, o homem não é só reação bioquímica, tampouco só sonho e
arquétipo, é um arquétipo que faz reação bioquímica. De acordo com os gregos, é matéria e
forma. De acordo com os religiosos, corpo e espírito. Qualquer dessas visões (natural,
filosófica ou religiosa) que esteja ordenada, leva em consideração pelo menos essa dupla
dimensão do homem. O método leva em consideração que existe essa visão antropológica,
mas também existe uma visão cosmológica, a cosmovisão de que existe a matéria e esse
lugar no qual há o passado, as formas e as possibilidades. É um lugar de existência de
realidade sem matéria. Esses são os princípios do método. Em primeiro lugar, o tamanho do
homem e o tamanho do mundo. É importante estabelecer uma hierarquia na importância
das coisas que o homem tem, hierarquizar é fundamental para que se possa orientar. A
nossa hierarquia não pode ser impositiva, tirânica, arbitrária, tem que estar ordenada com a
visão que estamos estudando, pois a nossa vida é narrativa, e a história precisa ter um
sentido para ser reconhecida enquanto história, para não ser uma coisa solta. Se a história
de uma pessoa com os elementos da substância individual com natureza racional, eu
preciso estar atento para que um ente individual e racional seja o protagonista e protagonize
a história com os elementos centrais, que são a individualidade sem individualismo e a
racionalidade, sem racionalismo. Individualidade: é você. Racionalidade: existe uma
hierarquia. Os protagonistas das histórias sempre são pessoas. Se nessa história, eu sou
individual e racional, essas dimensões sempre têm que estar presentes, pois sem elas já
não é a história de uma pessoa. No método: o homem tem este tamanho, o mundo tem
essas dimensões e o eu, enquanto protagonista, precisa ser respeitado nas suas
características de pessoa pra que a história seja funcional de uma pessoa. É necessário
que haja uma visão de individualidade (sem individualismo), ações justas com fortaleza,
prudência e temperança - é o desejável. Enquanto terapeuta, eu preciso dar para o paciente
o argumento, para que ele saiba por que está vivendo, ainda que não deseje os atos que
são consequência desse saber. Por esses motivos, a ordem do amadurecimento é aquela
que foi passada na última aula e não o inverso. É importante saber que temos uma
substância racional, para que a história tenha uma unidade, porque o saber é conceitual,
imaterial, que dá o referencial para as ações. Mesmo que não consiga desejar com
perfeição ou fazer com perfeição, consegue identificar que existe uma história sua,

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individual, com consistência e sentido, ainda que seja desastrosa do ponto de vista material,
tem uma qualidade, que é o saber, que é um ponto firme e sólido.
Existem algumas possibilidades de enredo, de argumento vital, a serem consideradas. Uma
pessoa pode ter uma vida que seja melhor explicada por acumular possibilidades de prazer,
o que é um eixo narrativo, um argumento vital possível. Muitos personagens possuem esse
argumento: acumular possibilidades de prazer. Necessariamente prazeres imorais? Não.
Muitas vidas podem ser explicadas por esse eixo. Por que o sujeito acorda todos os dias?
Pra trabalhar sério, com competência e consistência, mas com argumento vital de acumular
possibilidades de prazer.
Talvez você já tenha meditado sobre as possibilidades do prazer ou talvez você só tenha
gozado o prazer. Mas o terapeuta precisa estar atento. O prazer, por um lado, gera aquilo
que é identificado com o aspecto do gozo. Se você tiver meditado um pouco sobre qualquer
coisa que traz prazer, percebe que não é possível controlar o prazer. Qualquer coisa que na
maior parte das vezes dá prazer pode não dar prazer também. O prazer é um efeito que
não controlamos. Nada é sempre prazeroso. Logo, acumular prazer é impossível. Você
pode tentar acumular meios que por probabilidade, intenção, expectativa ou ingenuidade
você acha que podem te dar esse efeito que às vezes acontece, às vezes não. E quando o
prazer acontece? É bom investigar o que é o prazer, estar atento aos movimentos da alma,
do espírito. O prazer é bom? Investigue.
Analisar o fenômeno do prazer, não o conceito, ou alguma ideologia, mas a coisa em si. Por
quanto tempo e a partir de que momento aquilo deixa de ser bom? Quanto tempo dura um
gozo e qual é a natureza dele enquanto ele está acontecendo? Sempre existe
intrinsecamente ao prazer o elemento da angústia da perda do estado de euforia, durante o
prazer. O prazer não é algo, mas é a consequência de atos que não se controla (às vezes
tem, às vezes não tem) e depois, quando você tem, intrinsecamente esse efeito é
ambivalente: por um tempo prevalece o gozo e depois o gozo diminui; mas já no início do
gozo, já começa a subir uma percepção de angústia, agonia, que ocorre necessariamente
pela perda do gozo, pois o gozo não se mantém. A percepção da falta do gozo já é um tipo
de angústia, de ansiedade, de falta. Essa é a natureza do prazer. E é por isso que a pessoa
se engaja novamente numa atividade que possa dar um novo gozo, que pode ser frustrante
na origem. Acumular possibilidades de prazer é um argumento vital perigoso por alguns
motivos: porque não se pode acumular aquilo que não tem forma. Nesse tipo de vida, na
maior parte das vezes a percepção de frustração é maior que a percepção de gozo. Se a
pessoa conseguir, em algum momento vai perder, nem que seja na hora da morte, pois
estar para morrer é não ter prazer. O prazer é uma consequência errática de atos, nem
sempre vem. Essa narrativa é bastante material e contém uma frustração intrínseca, pois a
matéria muda e não tem consistência.
Existe um outro argumento possível que se desloca um pouco da matéria e já traz uma
estabilidade maior, já não é mais uma consequência de atos errática, já é o ato em si, inclui
dentro de si um eu (você). Esse EU tá no mundo e convive com outros eus.
Quando eu faço qualquer coisa, quem faz a coisa sou eu, ainda que milhares de pessoas
vejam, assistam ou estejam ao lado. Quando eu bebo, respiro, amo, acordo, eu faço tudo
isso sozinho. Algumas pessoas podem tomar consciência de modo mais claro e mais agudo
de que existe algo neste mundo que se chama solidão. A solidão não é algo que pode
acontecer ou não, ela é a constituição ontológica do homem. Se por um lado existe uma
coisa chamada companhia, por outro lado existe uma coisa chamada existência e você é
uma substância individual. Na constituição do homem existe uma coisa chamada solidão,
pois o homem é um bicho sozinho. Se para você tristeza e solidão são sinônimos, você não

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entendeu isso ainda. A solidão, como constituição ontológica, não pode ser motivo de
tristeza, mas de tomada de consciência. O homem tem uma constituição, que é a solidão,
os eus são universos, microcosmos.
Uma história humana contada em primeira pessoa é uma das coisas mais fantásticas que
existe.
A gente pode sucumbir à solidão e se entristecer, pela consciência de estar sempre
sozinho. Os que tomaram consciência disso podem se colocar na existência para servir aos
outros. Há pessoas que perceberam que sozinho é mais difícil, então vão ajudar os outros,
não serão um peso, não empurrarão mais pra baixo. Nos lugares em que é colocado, vai
olhar para cada eu individual e notar a carência ontológica e tentar nas vidas particulares
completar aquilo que falta de algum modo.
As pessoas podem servir completando, conscientemente, o que falta nos outros eus. O
argumento do servir faz a história fazer sentido. O primeiro dos argumentos vitais que não
está colado na matéria é o do serviço, o servir. O dia é a unidade mínima da história vital,
em que há o vislumbre de uma vida - um nascimento (despertar) e uma morte (adormecer).
Se num dia eu consigo completar uma história com um argumento e no outro dia também,
pela coesão de unidades mínimas com sentido, a pessoa começa a ter uma vida com
sentido. Um mês vivido com sentido dá sentido pra toda uma vida anterior vivida sem
sentido - é a benevolência da composição humana. O sujeito que adquire essa narrativa por
pouco tempo, essa narrativa informa toda a história passada, como se essa narrativa fosse
explicada ou renovada ou englobada nessa história nova. Sempre há esperança. Uma
unidade mínima com sentido pode dar sentido pra toda uma história dispersa. Se for com
sentido mesmo.
Em um dia é possível cumprir o dever, tratar as pessoas como pessoas, não ser injusto,
falar direito, perceber que existem buracos e lacunas na existência dos outros, que são
unidades sozinhas e sua presença, de algum modo, faz com que eles repousem, se
iluminem, que vivam um pouco melhor - é uma vida de serviço. Esse talvez seja o grande
argumento que alguém terá na vida.
Existe um outro argumento vital possível, também imaterial, que é um pouco mais
sofisticado. Um eu sozinho e outros eus no mundo. Tem um ponto a mais que o argumento
do serviço e não é para todos. É o argumento da proteção: proteger. Está no mesmo eixo
do serviço. Ambos falam sobre a mesma coisa: a solidão. No serviço a pessoa já está na
solidão e alguém vai dar um conforto pra essa solidão que já está instalada. O argumento
vital da proteção é mais raro, pois para exercer esse argumento vital a pessoa tem que ter
recursos, não só materiais, mas tem que ter a visão da antecipação do sofrimento, da
solidão, uma consciência mais clara sobre o lugar dela e dos outros no mundo e antecipa a
percepção da solidão no coração dos outros. Pai e mãe precisam ter esse argumento vital
diante dos filhos, protegendo-os. Algumas pessoas desenvolvem uma paternidade
espiritual: como se todos os outros eus fossem como filhos.
A solução para um casal que quer ter filhos mas não consegue é dar para ele uma posição
análoga à de pai e mãe. Pai e mãe se apresentam como aqueles que antecipam os
sofrimentos causados em outros eus. Quando um casal consegue fazer o caminho que vai
desde projeções de argumentos materiais, passando pelo serviço e chegando à proteção e
desenvolvem esse argumento vital, o sofrimento por não ser pai e mãe some, porque eles
se tornam pais e mães, argumentalmente, não materialmente. Logo, percebem sua própria
vida como sendo pais e mães, porque ser pai e mãe é isso.
O quarto argumento possível: eu conheço outro eu, mas não conheço os eus que se
relacionam com esse eu. Quando se olha uma pessoa, não se vê só essa pessoa, mas

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todas as pessoas que estão ao redor dela. Fazer com que esse eu seja um polo de
iluminação de outros eus. Os eus que me tocam, não basta que eles não sofram os efeitos
da solidão, mas têm que ser polos emanadores pra cuidar da solidão daqueles que estão ao
redor deles. Eu percebo que existem muitos eus no mundo e eu sozinho não dou conta e
preciso de outros eus sendo polos emanadores e pra que eu possa despertar nesses outros
eus essa mesma visão, vou precisar entender e explicar.
Fazer coisas que são coerentes com esses argumentos, com o coração das pessoas, e o
resultado no mundo passa a ser propriamente MEU. Se para o homem a vida é narrativa,
ele passa a ter uma vida com sentido.

Semana 12 - Aula 4 - As sete faculdades humanas

07/02/22
Até aqui foi usado o modelo ternário: cabeça, coração e as paixões (partes inferiores), que é
uma forma de esquematicamente se falar dos movimentos que se passam dentro do
homem.
Essa distinção ternária pode ser ampliada ou reduzida. No começo foi falado de corpo e
mente. Depois foi feita uma distinção da parte material e duas partes transcendentais
(imateriais).
A expansão pode ser feita de modo descritivo ou fenomenológico (olhar para o homem a
partir de como ele se manifesta). Existe uma outra forma, que é a simbólica. Essa última é
mais sólida, robusta e mais prática, mais fácil de fazer uma relação entre a descrição e
aquilo que se apresenta de fato na realidade.
Nesta aula serão apresentadas as faculdades do homem e o quadro com todas as
possibilidades do homem.
A divisão ternária é simbólica também. O símbolo não pode ser algo distante ou teórico ou
esotérico. O símbolo é uma realidade que foi trabalhada pela filosofia ao longo de muitos
séculos e que desde o século XVI poucos simbolistas trabalharam, a simbólica saiu do
círculo da filosofia e passou a ser vista no círculo esotérico. A psicologia não pode ser feita
sem essa visão da realidade, ela não pode ser somente empírica ou somente dar respostas
triviais do dia a dia. A psicologia é mais profunda, ela tende a ver o homem com seus
movimentos interiores, articulados com a realidade, em vista à execução da causa final
desse mesmo homem. A psicologia profunda tem essa pretensão de observar o homem
inserido no mundo, um mundo entendido como um lugar material e transcendente, e o
homem com seus meios de ação agindo no mundo, padecendo e se desenvolvendo em
vista de uma finalidade. Todo ente tende a sua perfeição. Tudo que é tende a ser aquilo que
é.
Existe uma densidade de presença no lápis que se eu tiver num estado calmo de meditação
acerca da realidade, um estado de comunhão com a realidade, eu consigo perceber qual
que é o próprio do lápis, consigo tocar no ser do lápis - o que o lápis é. O lápis pode ser um
instrumento de escrita ou um instrumento para coçar a olheira. Mas qual é o próprio do
lápis? O terapeuta precisa meditar diante da realidade.
O terapeuta não pode se deixar confundir pelas aparências, pelas ideologias, entender a
causa final dos entes, ele precisa levar a sério a teoria das 4 causas aristotélicas:
Tudo que é material tem uma matéria, uma forma (conjunto de possibilidades), é feito por
alguém, uma fonte que o gera (causa eficiente), é para algo (uma finalidade). Esse é o
grande campo de meditação do terapeuta, que ele não pode confundir. O lápis pode várias
coisas. Um violino, por exemplo, pode ser tomado numa roda de samba e pode ser

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percutido como um pandeiro. O lápis pode ser usado como instrumento de percussão. Tudo
isso é possível ao lápis.
A realidade é generosa. Os entes materiais, por causa da sua forma (não é a figura externa,
é o conjunto de possibilidades).
A atividade do terapeuta é jamais isolar a forma da eficiência, da finalidade e da
materialidade. Ele precisa ser profundamente atento às 4 causas em articulação. Pessoas
atentas observam as causas, os motivos de existência dos entes de modo atento. A falta da
visão articulada da realidade é uma das grandes causas de neurose e sofrimento. Tudo
aquilo que é é para algo dentro de um quadro de possibilidades com uma intenção e uma
base material.
Um violino pode ser usado como instrumento de percussão? Sim. Ele foi criado para isso?
Não. A forma dele não foi feita pra aguentar pancada. Ele foi feito para uma finalidade, é um
instrumento de corda, não de percussão. A finalidade do violino, como se houvesse uma
interseção com outros entes, existe uma conversa generosa na realidade, uma interseção
com um pandeiro (por exemplo), que também tem uma forma e uma finalidade. A finalidade
do pandeiro tem uma interseção com a forma do violino. Tem algo da finalidade do
pandeiro, que é ser percutido, tem uma interseção com a forma do violino, mas a finalidade
do violino é ser cruzado por um arco com uma crina de cavalo que bate nas cordas e
produz um som próprio dele.
Isso é a meditação profunda acerca da realidade dos entes que dá pra gente essa acuidade
diante da realidade. Esse conceito é o que se chama de dignidade. Os entes têm uma
dignidade própria. Dignidade é quando a forma encontra a finalidade. Percutir o violino é
tratá-lo de modo indigno, por usurpação da finalidade de outro ente.
A expressão do ser e a dignidade são sinônimos, são coisas unidas. O próprio do terapeuta
é, diante da matéria, de cada ente, de cada coisa, se deixar penetrar por essa matéria
sendo assaltado pela seguinte pergunta: essa xícara, esse lápis, o pandeiro, o violino, a
régua, no fim, eu, sou presença de quê? Essa é a pergunta fundamental do terapeuta.
O terapeuta que não esteja diante da realidade com essa pergunta não vai conseguir
orientar coisa nenhuma. De que as coisas são presença? Tudo que é material é presença
de um verbo. A realidade inteira tem uma gramática intrínseca. A realidade inteira fala por
meio de um verbo, não de modo psicótico, não se ouve um som, mas ela fala pedindo pra
que eu alcance a sua finalidade. “Pra que é a mesa?”.
Tudo quanto é material é presença de um verbo. O verbo é movimento, é ação.
O terapeuta que tem uma visão materialista do mundo não consegue cumprir a sua missão,
por não ter o mínimo para seu trabalho.
Não é apenas o lápis que é presença do verbo escrever, a caneta, o livro, também são
presença do verbo escrever.
Então, o que a simbólica estuda? Justamente essa presença. As coisas são presença do
quê? Nesse verbo estão vários entes. Cada ente não tem a presença de só um verbo. A
simbólica estuda a união dos entes por meio dos verbos. Ou seja, caneta, lápis, livro,
escritor, todos eles estão unidos numa grande cadeia do ser (logos). Simbolicamente há
uma união. Quando eu to diante de um lápis, ele é uma matriz de intelecções. O lápis
simboliza não apenas o lápis, mas tudo quanto escreve. A simbólica estuda a presença do
que as coisas são. O símbolo é uma matriz de intelecções. Tudo que se vê materialmente
tem uma finalidade, uma forma, uma matéria, uma eficiência e uma presença. Essa
presença é presença de algo, de um verbo e mais coisas são presenças desse mesmo
verbo e essas coisas estão unidas na grande cadeia do SER. Isso é a visão do terapeuta.

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O terapeuta, diante de uma pessoa, tem uma presença de algo, de um verbo, porque ela é
matéria, de mais de um verbo. Ela está se desenvolvendo, fazendo coisas.
As ferramentas humanas, os meios de ação humana, não são três. Aqui tem um homem
material que se decompõe, mas ao mesmo tempo esse homem material tem dimensões
nele, no seu eu, que são imateriais. Sua inteligência é imaterial. As ações que ele executou,
que ele não fez, estão num lugar imaterial, tudo isso é ele, o homem é uma história, pois
sua vida é narrativa. Apesar da narrativa ter uma base material, assim que acontece ela vai
pro mesmo lugar onde está a queda de um apontador. O homem tem desde sua presença
material, e uma presença imaterial.
O homem tem uma ação que vai desde a mais material possível.
No homem, existem movimentos absolutamente materiais e existem outros movimentos que
a gente sequer acessa - um movimento imaterial. É invisível, está por dentro, toca
realidades eternas. O homem se move desde aquilo que é mais chão àquilo que é mais
elevado e está na fronteira dos conceitos. Interiormente, perceber o que é justiça é algo que
é profundamente humano, uma lembrança afetiva, mesmo que um cachorro demonstre
algum sentimento, só o homem tem uma ascensão que vai desde aquilo que é visível até
aquilo que é invisível.
O que vai desde o visível até o invisível tem uma presença numérica. O número 7 é
presença disso, ele indica as fronteiras entre o visível e o invisível, entre o material e o
imaterial, entre este mundo e o outro mundo. Exemplos: cores do arco-íris, notas musicais.
E o homem tem sete faculdades.
Não é à toa que o poeta Dante Alighieri tenha feito uma relação entre os planetas e os céus
com as possibilidades humanas. O homem pode agir desde a terra até o mundo dos
conceitos fixo das estrelas que quase não se movem. Pra cima das estrelas fixas existe
uma abóbada preta que não se move. Essa simbólica é profunda e luminosa, pois nos
explica diversas coisas.
Sujeitos que são agudos na percepção do homem percebem que o homem tem em si
movimentos que são sempre dele, são fixos, constantes. O homem é material, mas existe
algo nele que é quase imaterial e que a característica das coisas imateriais são as coisas
que não mudam. Exemplo: a fórmula de báskara, o teorema de Pitágoras, a proporção
narrativa de justiça, da lealdade, do ódio, da traição, da vilania, têm sempre a mesma
proporção. A repercussão material muda.
Existem poucas coisas neste mundo visível que, mesmo sendo materiais, não mudam, não
se decompõem, não se degeneram. O homem é material mas tem uma dimensão em si
quase imutável, que são nossos meios de ação.
Dante e os poetas e os homens de profunda acuidade espiritual (toda psicologia é feita
baseada na mitologia, na poesia), com uma grande precisão psicológica, ele observa o
cosmos e diz que tem coisas materiais que não mudam.
Quais são as coisas materiais que não mudam, são circulares?
Olhar pro céu é um exercício que o terapeuta precisa fazer. Olhar pras estrelas, ver
algumas coisas paradas e outras se mexendo. O terapeuta precisa ter uma certa acuidade,
visão aguda dessas coisas.
No Brasil não vemos tanto a passagem das estações do ano, pois aqui não há muita
oscilação de temperatura.
Poucas coisas no mundo são cíclicas, permanentes e, mesmo sendo materiais, acontecem
poucas coisas sujeitas a mudanças. A primeira dessas coisas, o símbolo: abaixo da
abóbada celeste, abaixo do céu azul, existe uma mudança cíclica, que é percebida de modo
quaternário, são 4 pólos de mudança (4 é o símbolo da totalidade material), que muda e

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muda sempre do mesmo jeito: as estações do ano. As estações são, pra gente, a presença
das qualidades da matéria. Quais são as qualidades da matéria? Quente, fria, seca e
úmida.
Quando existe umidade que vai ficando fria é a água, fria e seca é a terra, seca e quente é
o fogo, quente e úmida é o ar. Percebe-se claramente a passagem.
Existe um momento do ano que é muito frio e úmido: gelo (água) - inverno. A frieza vai se
tornando calor, vai se aquecendo aos poucos - primavera - que já marca uma certa
expansão. A umidade vai secando e dá as mãos pro calor e vem o verão. No verão
acontece uma mudança do calor pro frio e vem o outono. Qualquer relação humana tem
essas características.
No início de um relacionamento, as primeiras expressões do amor são quentes, em algum
momento a umidade vai se tornando secura, mas ainda é quente, a próxima etapa do
relacionamento humano é, ainda existindo expansão do calor, os indivíduos voltam a se
perceber como indivíduos e é quando começam as primeiras crises, e começam a enfrentar
o frio, existe um mergulho na interiorização que o frio produz, é o outono dos
relacionamentos. É o momento em que cada um dos dois, já se percebendo como
indivíduos, cada um observa em si os efeitos que o relacionamento deixou neles, é quando
surge a decisão de continuar ou não. O verão deixou marcas que precisam ser analisadas
pra decidir se faz sentido que ambos continuem juntos. Passado o outono dos
relacionamentos, entram no inverno, que é frio mas já tem uma umidade, o casal volta a se
identificar, mas cada um se reconhecendo profundamente enquanto indivíduo, mas com
uma re-comunhão entre as pessoas.
Eu sou material mas existem coisas em mim que são cíclicas e constantes, assim como as
estações do ano. Os trabalhos também são assim. Primeiro começa como estagiário -
primavera - depois vem uma secura, um outono, se resiste ao outono e entra no inverno,
amadurece. Isso é o que está abaixo da abóbada celeste.
Pra cima da abóbada celeste, Dante e os poetas e os homens de profunda acuidade
espiritual (que olham pra presença da matéria) percebem que pra cima do céu azul existe
uma outra coisa, que é a única coisa material e constante e sempre acontece do mesmo
jeito, que são os corpos girantes, que é a lua. A lua está sempre lá, sempre igual, não está
em decomposição. Por estar muito próxima da abóbada celeste, tem uma constância que
não diminui. A lua nova cresce, se torna cheia, diminui, míngua e continua. Pra cima da lua
estão outros planetas girantes: Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno. São 7 ao todo.
Os 7 planetas foram associados às possibilidades de manifestação do homem. A
classificação ternária pode ser expandida pra essa classificação de 7 meios de ação.
Existem movimentos muito terrenos que são semelhantes às quatro estações. Pra cima o
homem tem 7 faculdades, meios de ação, até que chegue ao mundo dos conceitos, da
transcendência fixa e estável.
1. Lua: sentido comum.
2. Mercúrio: razão.
3. Vênus: apetite concupiscível.
4. Sol: vontade.
5. Marte: apetite irascível.
6. Júpiter: intelecto ativo.
7. Saturno: intelecto passivo.

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Sem conseguir abrir a nossa percepção à visão simbólica, nunca vamos conseguir entender
o ser humano. Isso não é astrologia, é simbólica.
Quando a pessoa entra no consultório, ela tem movimentos interiores que são análogos,
semelhantes, são presença e estão unidos na grande cadeia do ser, como os movimentos
da estação do ano. Pra cima disso tudo, ela tem movimentos parecidos com essa
ascensão, escala simbólica dos planetas.
Jung dizia que existe liberdade humana ou o homem está condicionado pelas cartas e pelos
astros? Quando Freud fala de id, ego e superego, ele está falando de astrologia. Platão
falava do conceito da carruagem, que tem uma estrutura: os cavalos (negro e branco), o
cocheiro e um rei dentro da diligência. O rei é o sol, não aparece, mas tá lá. O cocheiro é
aquele pelo qual (numa diligência, o rei vai a um novo reinado com seu cocheiro e seu
cavalo), quando chega no reino novo e é visto, toma as qualidades do reino não pelo rei que
está dentro escondido, mas pelo cocheiro (ascendente) e os cavalos são a lua. Isso é o que
Freud chama de id, ego e superego - estrutura ternária psíquica. Isso não é astrologia
adivinhatória, preditiva.
O homem que se decompõe e degenera é objeto de estudo da medicina, não da psicologia.
A psicologia é uma ciência superior à medicina. O fato do psicólogo ser mais barato que o
médico e ser mais fácil ser psicólogo que médico, do ponto de vista da formação
acadêmica, é um sintoma do nosso tempo, que valoriza mais o aspecto material que o
aspecto final e formal do homem.
O homem não tem somente sete meios de ação, essa é uma forma simbólica de se ver.
O sistema é geocêntrico ou heliocêntrico? O referencial é heliocêntrico, porque de todos os
planetas o sol sempre foi colocado do lado de fora. O sol é um planeta que ilumina em
primeiro lugar a lua - são o rei e a rainha do nosso sistema de orientação. Metade do dia é
governado pelo sol e metade do dia é governado pela lua. À noite a lua é o sistema de
referência. No dia o sol é o sistema de referência.
Mercúrio, que é o segundo planeta mais próximo da Terra, também iluminado pelo sol, mas
de forma mais fraca, depois vêm os outros dois planetas: Vênus e Marte.

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O sol ilumina todas as faculdades humanas. Faculdade humana do sol: vontade. A vontade
ilumina os meios de ação do homem. A vontade cresce conforme vamos tomando posse
das nossas faculdades humanas.
Quais são nossos meios de ação? A realidade nos aparece como que em três níveis. Existe
um primeiro nível que é o das proporções materiais. Quando elas aparecem pra mim, tenho
duas faculdades que estão pegando essa realidade, que eu posso chamar de beleza ou
estética. A proporção do mundo é capturada por duas faculdades: senso comum e razão,
iluminadas pela vontade, Lua e Mercúrio. Existe uma segunda camada de mundo, que não
é mais a proporção apenas, mas o bem e o mal, é a moral. O que captura essa
comunicação do que é bem e mal, desse limite entre o aspecto formal e o aspecto final,
quem em mim percebe isso são os apetites, o concupiscível e o irascível, Vênus e Marte. A
ferramenta do terapeuta não é o bom senso. Quando olhamos para o céu, vemos os
movimentos constantes do ser humano, existe uma correlação simbólica entre Marte e eu.
Em cima existem outras faculdades que capturam o verdadeiro e o falso, é a dimensão
intelectual, são as inteligências. Essas são as ferramentas do homem no mundo.
A luz da vontade cresce à medida em que eu desenvolvo cada uma das faculdades. É
necessário desenvolver no paciente as faculdades inferiores: senso comum e razão, dando
instrumentos, guias, exercícios. Apreensão da beleza e da estética, organização. O homem
precisa estar treinado pra conseguir absorver isso. Quando o sujeito tem uma base sólida,
consegue ter uma base sólida para os apetites e consegue reconhecer o bem e o mal, o
melhor e o pior em cada situação e começa a ter uma vida moral, vida ética. Quando o
sujeito tem uma base moral, começa a distinguir o que é verdadeiro e o que é falso, tem
uma estrutura mais próxima das estrelas fixas, da transcendência do invisível, dos
conceitos, atividade intelectual, vida de amor, de caridade, entrega amorosa. O mundo
oferece as possibilidades de beleza, organização, do bem e do mal, do verdadeiro e do
falso, essas são as linhas que usamos pra costurar.
A personalidade é um bordado feito em você, que é como se fosse um pano, com algumas
agulhas, que são essas faculdades, com as linhas, que são os fios (estruturas de mundo -
estética, moral e intelectualidade). As linhas podem ser de chumbo, de prata ou de ouro
(princípio da alquimia). Princípio da alquimia é um símbolo extensamente trabalhado por
Jung, com 2 livros completos.
O chumbo é o metal que está mais próximo do chão, do mundo. A prata tem uma
característica: o bem e o mal pode ser um bem que seja tão próximo da materialidade que é
quase como se fosse chumbo e existe uma dimensão do bem e do mal que já está quase
chegando a um brilho quase tão cristalino e nobre quanto o ouro. Uma prata limpa parece
ouro.
É como se o mundo oferecesse três linhas pra tecermos nossa personalidade, podemos ser
toscos, só com senso comum e razão, e tecer nossa personalidade com fios de chumbo,
podemos desenvolver nossos meios de ação com uma técnica que será discutida nas
sessões clínicas e começar a conseguir capturar as linha de prata no mundo e bordar uma
personalidade que seja mais semelhante àquilo que dura e podemos pegar as agulhas do
intelecto pra bordar uma personalidade com linhas de ouro. Dimensão do fazer, desejar e
conhecer.
É importante nos puxarmos e puxar o paciente, investigar o paciente e se auto investigar.
Nesse sistema cabem todas as abordagens de terapia.

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Aula 5 - A perspectiva simbólica das estações do ano

10/02/2022
O que acontece por baixo do céu sublunar, a ciclicidade das estações do ano são
importantes para entendermos a evolução cíclica da própria história, e tem a ver com a
realidade material e, portanto, total do homem.
As estações do ano são: primavera, verão, outono e inverno. Esse será o símbolo da
ciclicidade possível do homem. O ciclo do homem pode ser entendido desse modo. Tudo
tem início, meio e fim, simbolicamente falando. Inclusive, cada estação tem seu início, meio
e fim. Simbolicamente falando, isso também é o símbolo da progressão do homem.
Materialmente falando existe uma mudança do que está por baixo do céu sublunar.
No início da primavera: existe uma primeira manifestação do nascimento, aparecem os
primeiros brotos, a primeira possibilidade de manifestação. Retoma o início do ciclo, é uma
ignição do que vai acontecer pra diante. No início da primavera, aqueles que estavam em
suas casas no inverno saem pela primeira vez quando o sol brilha, e o sol brilha de um jeito
específico na primavera. Sobretudo no hemisfério norte, onde as estações do ano são mais
bem marcadas, o início da primavera é sentido fisicamente inclusive. Num certo dia parece
que a pessoa tem um convite pra ficar dentro de casa, no outro dia, no início da primavera o
sol brilha de um certo modo e te convida a sair pra limpar o terreno, pra tirar os gravetos
que ficaram jogados ao longo do inverno (quando não se pôde cuidar da vegetação por
causa do frio, do gelo derretendo), é um início de convite à saída, a aparecer. Dependendo
de como a primavera comece, vai se dar todo o restante das estações do ano e do ciclo. É
uma ignição, uma esperança, ainda não determinou o que vai acontecer, dá uma energia
frágil de início. Frágil por estar desgastada pela desesperança do inverno, mas a pessoa
age porque o sol brilhou.
No segundo momento da primavera, a pessoa já limpou o terreno, que já está mais ou
menos limpo, já está cuidado de algum modo pelo que foi feito no início da primavera e vai
cuidar do terreno materialmente falando. Vai pegar o campo, arar o campo, cuidar da terra,

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plantar as sementes. Momento de cuidado com o corpo do que está acontecendo, cuidado
com a questão material.
No terceiro momento da primavera, é um dos momentos mais gostosos do ano. Você já
teve a primeira ignição, já cuidou, trabalhou, olhou pro solo, pro corpo, pras sementes,
enterrou as sementes, cuidou do que tá no quintal, no terreno, e tá um clima delicioso, não
é um clima seco do verão, nem calor, o trabalho já está feito, você vai se encontrar com as
pessoas que ficaram também nas suas casas. O homem sai à rua pra falar sobre o que
aconteceu, ele conta as coisas, fala como foi o inverno pra ele, quais foram as sementes
que ele plantou, como está a qualidade do solo, começa a projetar como será a colheita, faz
umas negociações com os amigos. É um falar baseado na realidade mas sobre coisas que
ainda não apareceram na realidade, são projetos, projeções.
Começa o verão. Existe uma precipitação das chuvas no verão, aquela limpeza do terreno,
aquela ignição inicial, o plantar as sementes no terreno, as negociações feitas as projeções
feitas, o que a pessoa contou pros amigos precisa ser cuidado, pois podem vir os bichos e
podem vir as chuvas, o sujeito sai da praça e da casa dos amigos e volta pro terreno pra
cuidar, pra espantar os bichos. Começam a nascer os primeiros brotos, cuida da chuva, ele
cuida do terreno, cria uma carapaça em volta e cuida de uma parte frágil que está ali dentro.
No segundo momento do verão, começam a aparecer os brotos do que foi plantado,
semente é tudo meio parecido, então se eu plantei milho, é somente no meio do verão que
o milho se exibe. Se eu plantei figo, é no meio do verão que o figo será exibido. É pelos
frutos que a gente reconhece as árvores. A gente consegue reconhecer pela folha, mas é o
fruto que dá a qualidade mesma do que foi plantado. Existe um princípio de exibição, de
demonstrar aquilo que foi plantado.
No final do verão, o homem pega os grãos, colhe e ensaca, organiza aquilo tudo, põe
dentro dos sacos organizando aquilo tudo, conta. E depois que os sacos estão prontos, eles
serão negociados.
No início do outono, o homem precisa fazer a negociação. Ele sabe que precisa começar a
recolher o dinheiro porque em breve virá o inverno. Pesar, medir, negociar o preço justo das
coisas.
Depois de negociar o preço justo das coisas, o homem pega aquele dinheiro e guarda,
porque o dinheiro é dele. Não guarda por egoísmo, mas por cuidar daquilo, não deixa que
ninguém chegue perto daquilo, pois o inverno está chegando. O outono é sempre uma
expectativa da vinda do inverno. É no outono que o homem vai negociar e depois de
negociar, guardar já não mais o fruto, a semente, mas o dinheiro, aquilo que veio da troca.
Depois de guardar, o homem começa a fazer planos e projetos, a projetar de fato um
aquecimento pro inverno que vai acontecer. Pega aquilo e compra, gasta com coisas que
serão úteis. Faz uma projeção pra cima, um aquecimento pro que está vindo. O
aquecimento é importante. Ele precisa comprar e organizar a casa, não de modo egoísta,
mas apontando, projetando um calor que vai tentar vencer o que acontece no inverno.
Depois o homem se fecha dentro de uma pedra (a casa) e sempre que tenta sair pra fazer
alguma coisa precisa voltar porque está frio. Depois de levar as pancadas do inverno, o
homem começa a ficar preocupado, não sabe quanto tempo vai durar o inverno, não sabe
se o inverno vai durar mais que o anterior. O homem tenta fazer alguma coisa, projeta,
calcula, preocupa, mas precisa voltar, porque o frio é implacável.
No meio do inverno, o homem começa a lembrar que os invernos acabam, o inverno
começa a acabar e começa a conversar com as pessoas que estão em casa. Ele já tentou
sair e não conseguiu. O elemento de ar volta a aparecer (no sentido da conversa), numa
conversa de sabedoria, as pessoas precisam estar unidas pela conversa, porque a ação

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não deu certo, não funcionou, não adianta querer colher no inverno, o inverno é tempo de
voltar. Essas conversas são orações, de esperança, de sabedoria.
Acontece uma coisa no final do inverno: o gelo começa a derreter. Pequenos brotos
começam a aparecer. O final do inverno encerra uma dualidade do mistério, é a morte e a
vida ao mesmo tempo. De longe pode parecer que a plantação está morta, mas de perto
percebe-se que os brotos pequenininhos estão puxando da terra com toda esperança que
aparece depois plenamente no início da primavera.
Simbolicamente falando, o inverno é a morte, ele cobre as possibilidades, ele resseca, faz
com que as vegetações estejam contraídas.
Os antigos deram nomes pra essas etapas: áries, touro, gêmeos, câncer, leão, virgem, libra,
escorpião, sagitário, capricórnio, aquário, peixes.
Isso não é astrologia, é a conversa da evolução simbólica de um ciclo que começa com a
esperança, passa pelo cuidado com a terra, vai pra conversa, volta pro cuidado com os
frutos, exibição dos frutos, separação meticulosa dos frutos, negociação, apego material,
aquecimento que se pretende pro inverno que entra, uma tentativa material e um
pensamento que vai pra fora, escorrega e volta, retorno da palavra com sabedoria e, por
fim, dúvida ambivalente entre a morte e a ressurreição e volta pro início de um novo ciclo
humano.
Todos os ciclos humanos e projetos, desde um projeto pra construir uma casa, um projeto
pontual no trabalho, até o projeto chamado história da sua vida passa por isso aqui.
O terapeuta precisa visualizar que essa é a história do amadurecimento vital. Sem essa
visão, ele terá uma percepção diminuída do homem, ele precisa entender o que é o ciclo
vital.
Na quarta camada ainda existe uma imaturidade total, o sujeito ainda não sabe, porque não
apareceu fruto. Na quinta etapa é que aparece o primeiro fruto. Na quinta camada tem uma
bolinha azul. Na sexta, tem duas bolinhas azuis. Na sétima, eu já sei qual é o fruto, já
ensaquei, agora eu vendo. Essas etapas são uma preparação para que o sujeito possa ter
um contorno do terreno. Mas sem saber o que é joio e trigo que ele poderá, sabendo quais
plantas vingaram e quais não vingaram, ter um contorno, uma primeira experiência de força,
quando ele acha que vai conseguir vender, ter recursos pra enfrentar o final do outono e
início do inverno. A depender da negociação da sétima etapa, o sujeito terá vida ou morte,
se negociou mal, vai morrer. Se negociar bem, sobreviverá. Só então aparece o homem
diante da morte. Depois que o sujeito passa diante da morte, se negociou mal, vai morrer de
frio por não ter lenha pra iluminar e sem iluminar não aquece, não consegue agir no calor e
na luz. E se não agir diante da luz, vai perecer sem deixar uma ação histórica. Sem fazer
tudo isso, não consegue visualizar a dualidade entre aparência de morte e ressurreição, o
retorno de um ciclo.
Os pacientes geralmente estão na quarta e na quinta, alguns na quinta e na sexta,
raramente na oitava. Tudo isso será tratado com mais detalhes nas sessões clínicas. Tudo
que é completo, perfeito, está no número 12.
Cada escola da psicologia está falando de uma das etapas.

Místicos: entrada no mundo. Constelação familiar e Zondi: separação das sementes,


hereditariedade, solo mais perfeito de desenvolvimento. Na terceira etapa o homem começa
a falar e fala sobre o que foi herdado, as pessoas têm dificuldades na fala que carrega pra
vida e tem problema de aprendizado, de fala, de negociação interior. Depois o sujeito está
tentando criar uma carapaça, um cuidado. Na quinta etapa o sujeito já sabe de alguma
coisa, mas está tentando descobrir sua potência, se tiver força pra crescer, é útil e

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conseguirá colher e será reconhecido como aquele que vende batata, trigo, etc. Então ele
passará a ser reconhecido socialmente como o sujeito que tem essa força. Depois ele fica
diante da morte, então, pode pensar, tudo isso que eu fiz vai me livrar da morte? Se eu
morrer, as coisas que eu fiz valem? Com estabilidade, o sujeito usa a estabilidade interior
pra iluminar e conhecer seu interior e os outros. Com o ambiente iluminado, o sujeito passa
a agir, não com medo de perder o que plantou, nem com insegurança, mas diante de uma
segurança de quem ele é, por estar vendo. Depois começa a perceber que os troncos
ficarão negros. Ele começa a agir de outro modo, com projeção pra cima. No final da
jornada, ele olha pro tronco negro, que parece morte, mas que se aventura como
ressureição, diante de uma trnascendência. Um comunicado vital, da graça, da luz, daquilo
que vem das profundezas da terra, querendo brotar novamente pra reiniciar um novo ciclo
cheio de esperança. Esse é o itinerário de amadurecimento, esse é o método.
Ajudar as pessoas, localizando onde elas estão, ajudando elas a progredir e se instalar e
encontrar uma vida cheia de sentido, todas as ferramentas apresentadas serão utilizadas e
tudo será executado nas sessões clínicas acadêmicas.

Estudo de caso # 1 - 12.01.2022

Teremos encontros semanais ao vivo nas quartas às 16h.


3 e 4/2 encontro presencial em SP. Será colocado na plataforma posteriormente.

Instituto Julian Marias em Madrid e Instituto Xabier Zubiri. Será um ano de pesquisa. Em
Roma também tem alguns institutos.

Ideia é ser mestre na redação de caso clínico.


Queixa principal: não é história nem diagnóstico. São as palavras da paciente.

Livro do Nobre de Melo - Psiquiatria 2 volumes - descrição sobre a consciência do eu.

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Estudo de caso # 2 - 19.01.2022

Sugestão: fazer grupos de negócios além de grupos de estudos, para fazer negócios.
Caso clínico da Yasmin Gomes.

Estudo de caso # 3 -

Estudo de caso # 4 - A personalidade, a liberdade e os caminhos da terapia -


02/02/2022

Pedro Augusto, amigo do Italo, tem algumas aulas sobre o material do professor Olavo de
Carvalho e dará uma aula na CIM como tributo a ele, em razão da morte recente dele.

Consciência e liberdade

Um dos problemas fundamentais de toda a ciência que hoje toca o homem é um certo
desconhecimento do seu objeto de estudo, do que é o homem. Hoje, no mundo da
psicologia e da psiquiatria, acontece o equivalente a uma situação que o mecânico
conseguisse manusear certas peças de um carro mas não entendesse como funciona um
motor a combustão ou qual a finalidade de um motor a combustão ou qual a natureza das
peças do motor que está manuseando.

A realidade não pode ser reduzida a uma ciência.

Estudo de caso # 5 - 09/02/2022

Os 4 ecos interiores.

Tarefas:
Escutar as 4 estações do Vivaldi
Olhar por 15 minutos (cronometrado) o horizonte - o céu - tentando perceber o vento. Em
algum lugar em que não tenha nada atrapalhando a visão do horizonte.
Olhar por 15 minutos pra uma chama de vela (não serve lareira), pro fogo.
Olhar por 15 minutos pra um punhado de terra.
Olhar por 15 minutos pra um quadradinho de gelo em cima de um prato sem desenho.

Para ter percepção intelectual ativa, atenta para entender os 4 elementos. São 15 minutos
sem tirar o olho.

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