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Dedicatória

Para Claire, Kathryn e Pippa. Autoras que criam mundos e enaltecem as


mulheres. Sou completamente apaixonada por vocês, ladies.
01

A umidade do sul da Flórida me atingiu como um punho quente e suado no


segundo que meus saltos tocaram a calçada em frente ao prédio onde
trabalho. Estava um pouco cedo para passar por esse calor escaldante, mesmo
para os padrões de Miami.
Entre os mosquitos, os lagartos, os piores motoristas que já se sentaram ao
volante e o calor opressor, Miami tinha um sistema de defesa natural inerente
contra pessoas que não eram do lugar.
Eu, no entanto, era.
Minha mãe havia pressionado por um endereço mais respeitável, e meu pai,
um nativo de Miami, acabou ficando na cobertura da família em Manhattan
durante os meses de verão. Mas meu coração continuava preso firmemente às
luzes néon e palmeiras balançando.
— Obrigada, Jane. Eu devo estar pronta para ir almoçar à uma da tarde —
eu disse à minha assistente, e também motorista, além de segurança
ocasional.
Jane era menor do que o meu um metro e setenta, tanto que eu ficava bem
maior do que ela de salto. Livre das exigências do permanente escrutínio
público, ela sempre optava por usar tênis ou botas confortáveis e estava
sempre com o cabelo escuro em um coque apertado. Uma lembrança do seu
tempo nos fuzileiros navais.
Ela também tinha encontros como se isso fosse um esporte competitivo e se
interessava por esportes radicais nos dias de folga.
Às vezes, eu queria ter nascido uma Jane em vez de uma Emily.
— Precisa que eu mande cinquenta e seis mensagens para lembrá-la, chefe?
— ela brincou, fechando a porta do Range Rover atrás de mim.
Eu bati meu copo de café no dela.
— Acho que consigo me virar — eu disse secamente. — Agora, vá fazer o
que a Jane “faz-tudo” faz quando não está bancando a minha babá.
Seus olhos castanhos se iluminaram.
— Eu poderia encaixar um ficante no café da manhã. Ou um treino. Ou
talvez eu apenas dirija por aí e grite com as pessoas pela janela — ela
meditou.
Eu fiz uma careta por trás dos meus óculos escuros. Jane tinha uma
liberdade que eu nunca teria. E mesmo se a tivesse, eu não saberia o que fazer
com isso.
O ar-condicionado no lobby de mármore travava uma batalha sem fim
contra o calor lá fora. Acenando para a mesa de segurança, fui diretamente
para o elevador.
Verifiquei meus e-mails novamente a caminho do sexagésimo segundo
andar. Meu dia já começara horas antes da minha chegada ao trabalho. Eu já
havia cuidado dos e-mails marcados como “urgentes” e “prioridades” que
surgiram durante minhas cinco horas de sono.
Mas sempre havia mais.
As portas de vidro com as palavras “Flawless por Emily Stanton”, gravadas
em letras douradas, se abriram para me receber.
— Bom dia, Sra. Stanton. Vestido divino — disse a recepcionista.
Aos vinte e quatro anos, ela era uma beldade de tirar o fôlego que desejava
uma carreira na Flawless mais do que queria atenção por sua aparência. Eu
gostava disso nela, e assim que os seus dezoito meses na recepção
terminassem, ficarei feliz em remanejá-la para o departamento de marketing,
ou de pesquisa, ou onde quer que o seu coração formado com louvor pela
Universidade de Miami desejasse ir.
— Bom dia, Rosario — eu disse, com um aceno, enquanto passava pela
mesa.
Os escritórios da Flawless eram sofisticados e femininos. Fotos de mulheres
com rostos luminosos e sem marcas decoravam as paredes de marfim com
pesadas molduras prateadas e douradas. Os sofás eram de linho macio, em
tom cremoso. Vasos com flores frescas brancas e rosa-perolado eram
entregues duas vezes por semana. O carpete, uma luxuosa nuvem creme,
amortecia os pés em saltos stiletto.
Havia espelhos por toda parte para verificações discretas de batons e dentes.
E um lembrete do porquê estávamos ocupando o último andar de um dos
prédios mais exclusivos de Miami. Tínhamos uma tendência de contratar
mulheres em nossa equipe e não apenas porque vendíamos o redutor de rugas
mais eficaz do mundo.
Flawless era o meu bebê. Meu legado. Minha reputação. Para outros, minha
empresa era um divisor de águas de um bilhão de dólares para esse mercado
em específico. Para mim, era a minha vida. E eu só contratava pessoas que se
empenhariam nos empregos pelos quais eu lhes pagava generosamente.
Passei por duas salas de conferências cheias de pessoas que eu empregava
para que bolassem maneiras de ganharmos mais dinheiro com os produtos
que desenvolvemos. A essa altura, eu sabia os nomes de todos eles. Mas
havia mais centenas na distribuição, vendas e, é claro, pesquisa e
desenvolvimento.
Isso não me deixava acordada à noite tanto quanto antes. A sempre presente
responsabilidade de se ter funcionários. Pessoas e famílias que dependiam de
mim para fazer as escolhas certas em todas as áreas da minha vida. Este
trabalho, esta empresa, pagava suas hipotecas e mandava seus filhos para a
faculdade. Comprava casas e formava poupanças para aposentadorias.
O salão de dez cadeiras estava quase vazio. As funcionárias tinham a opção
de começar o dia com aplicação de maquiagem e escova profissional, uma
vantagem que muitas gostavam.
Eu preferia fazer o meu próprio cabelo e maquiagem de manhã, após o meu
treino. Não era tanto uma questão de orgulho, mas o fato de que, uma vez que
eu entrava por essas portas, cada minuto do meu tempo já estava
comprometido. Havia decisões e reuniões e intermináveis chamadas de
conferência. Todo mundo precisava de um pedaço de mim e era meu trabalho
lhes dar total atenção. Isso não deixava tempo para aplicações de rímel ou
uma chapinha.
— Bom dia, Sra. Stanton — meus assistentes saudaram em coro.
Easton estava comigo há quase cinco anos. Ele era perito em minhas
específicas exigências para um assistente. Ou seja, não ficava me seguindo e
protegia as portas do meu escritório e a minha agenda com a ferocidade de
um dragão desdenhoso. Nós nos entendíamos e trabalhávamos bem juntos.
Ele se vestia impecavelmente – melhor do que eu –, fofocava apenas quando
necessário e tinha que ser forçado a tirar férias todos os anos. E aterrorizava
quase tantas pessoas quanto eu.
Contudo, com minha carga de trabalho aumentando constantemente, um
segundo assistente era uma necessidade infeliz. Encontrar uma cópia de
Easton estava se revelando difícil. Estávamos em nosso sexto candidato. Ou
sétimo?
A Assistente #2, cujo nome me escapava no momento, estava ao lado de
sua mesa, as mãos cruzadas à frente como se para serem inspecionadas. Ela
começou na semana passada, e eu ainda não havia determinado se tinha ou
não potencial.
Não que eu fosse uma chefe extremamente difícil. Realmente, não era. Eu
era detalhista e dedicada à minha visão. Até agora, os candidatos não
atendiam aos meus requisitos. Eles se escondiam demais ou não se
disponibilizavam o suficiente. Eram muito animados pela manhã ou se
atrasavam com bastante frequência.
— Bom dia — retornei, parando para recolher as mensagens e lembretes de
reuniões da mesa de Easton. Assistente #2 apresentou a lista diária, que
documentava as principais prioridades de cada departamento, com um sorriso
profissional.
— Você tem reunião com a equipe de desenvolvimento de produtos, na
Ocean Conference Room, às nove. Vendas online às onze e meia. Almoço
com sua mãe a uma e meia no Palm. Depois, de volta aqui para um briefing
com o jurídico, às três. — Easton recitou o principal.
— Também pode querer dar uma olhada nos novos modelos para a
campanha de marketing — disse a Assistente #2. — Segundo o falatório do
escritório, eles estão pensando em seguir uma direção diferente.
Claro que estão. Escondi meu aborrecimento involuntário. Se todos
simplesmente fizessem a droga do trabalho que lhes dava, eu não precisaria
micro gerenciar cada coisinha que acontecia no sexagésimo segundo andar.
— Além disso, adorei o seu vestido — acrescentou ela.
Uma demonstração de lealdade e um elogio. Garota esperta.
— Obrigada. — Meu sorriso foi um pouco mais genuíno. Afinal, era um
vestido lindo. Fio de lã macio, na cor baunilha, em uma silhueta elegante. Eu
escolhi sabendo que minha mãe aprovaria.
Passei pelas portas de vidro fosco e entrei no meu santuário. Era um espaço
confortável e aconchegante. Menor do que o de um CEO típico, nada de
escritório de canto arejado para mim, mas fora decorado com perfeição para
compensar a falta de metragem quadrada. Havia mais marfim e creme aqui,
aquecidos por tons de cinza e bege. A cor mais viva vinha das janelas que
capturavam a Baía Biscayne em sua glória panorâmica.
Azuis e verdes que brilhavam tão intensamente que eu tinha que apertar os
olhos se quisesse olhar o horizonte. Mas eu raramente tinha tempo para olhar
e apreciar.
Também ficava a quilômetros de distância do laboratório no porão, com
iluminação fluorescente, onde tudo começou.
Larguei minha bolsa no aparador ao lado da porta e me dirigi para a minha
mesa, um design personalizado com tampo de vidro fosco e pernas brilhantes
de metal. Tinha quinze minutos para falar com Lita antes que o dia
terminasse em um furacão caótico de detalhes, questionamentos e exigências.
Peguei meu telefone e efetuei a chamada.
— Ei — disse quando ela atendeu.
— Argh! Você ligou cedo — ela gemeu.
— Eu posso ir até você — eu ofereci. Lita mencionou em mais de uma
ocasião que não gostava de ser “convocada” ao meu escritório como uma
subordinada, e eu levei a crítica a sério.
Afinal, não haveria uma Flawless sem ela.
— Você poderia, mas teria que ir ao café a dois quarteirões daqui — disse
ela. — Achei que tinha mais tempo.
— Sem problemas — eu disse, já reorganizando mentalmente os próximos
trinta minutos. Lita tinha um histórico consistentemente em estar atrasada.
Ela desistira de se desculpar, assim como desisti de esperar que ela
valorizasse a pontualidade. — Apareça quando chegar aqui.
— Vou te levar um latte — ela prometeu.

***

O latte e Lita chegaram vinte minutos depois.


Ambos estavam mornos.
— Qual o problema? — perguntei, enquanto ela desabava seu corpo
curvilíneo no sofá de linho de costas baixas.
— Só um pouquinho de ressaca — ela murmurou, bebendo seu próprio
café.
— É terça-feira — eu disse, mais divertida do que chocada.
Lita bufou deselegantemente.
— Não estamos mais na faculdade, Lady Stanton. Beber não é só para os
fins de semana. Você está perdendo a diversão.
O apelido, nascido no ano de caloura, quando cheguei ao campus com um
motorista e um jogo de malas Louis Vuitton, costumava me irritar. Ele me
lembrava que eu não me encaixava direito, mas eu não estava mais
preocupada em me encaixar.
Estremeci ao ver os seus olhos vermelhos.
— Posso ver que sim.
— Esqueça de mim e da minha necessidade insaciável de algo gorduroso
agora, — Lita insistiu. — Como diretora de marketing, tenho um pedido
urgente para você.
— Ahã — eu disse, percorrendo minha caixa de entrada novamente. Estava
esperando notícias. Boas notícias.
Lita e eu começamos a empresa juntas. Porém, foi meu fundo fiduciário que
fundou a Flawless. Lita veio de uma família da classe operária da Virgínia.
Quando ela não estava atrasada ou de ressaca, servia engenhosidade e
criatividade à mesa. Eu trazia a ciência e o dinheiro. No papel, o negócio era
meu. Mas eu não poderia ter feito isso sem ela. E ela sabe disso.
— Ei, você, senhora CEO — ela disse, estalando os dedos. — Preciso do
seu foco por dez segundos inteiros.
Relutantemente, me afastei do meu monitor e de todas as sinalizações
vermelhas no e-mail que atualmente exigiam minha atenção.
— Qual é o seu pedido urgente?
— A IPO é em 59 dias — ela começou.
— Estou ciente disso — eu disse, batendo as unhas com uma manicure
francesinha clássica na minha mesa. A Oferta Pública Inicial (IPO) era
apenas o resultado de quinze anos de sangue, suor e ciência. É usada para
caracterizar a primeira oferta pública de ações de uma companhia de capital
aberto no mercado.
— É um grande negócio, Emily — ela me lembrou.
— Nós já somos um grande negócio — indiquei.
Construímos uma empresa de bilhões de dólares juntas. Eu sentia que
aquela conquista monumental estava sendo ofuscada pelo potencial fluxo de
ainda mais dinheiro. Parecia... desesperado? Não. Talvez seja um pouco
impróprio salivar diante do que alguns veriam como “dinheiro sem esforço”.
Mas era o próximo passo lógico a se dar.
— Precisamos manter a imprensa positiva — disse ela, imperturbável.
— Claro.
— E como o rosto da empresa, você precisará intensificar suas aparições
públicas. Continuar lembrando ao mundo do quanto você é linda, talentosa e
genial.
Eu contive um suspiro.
— O que você quer que eu faça?
Lita endireitou as costas.
— É apenas um jantar com o filho solteiro de um hoteleiro.
Deixei minha compostura impecável escorregar um pouco e coloquei a
cabeça para trás, contra o couro branco da minha cadeira.
— Você quer que eu vá a um encontro para tornar a empresa mais atraente
para o público?
Minha barriga deu uma borbulhada de advertência. Eu nunca admiti para
ninguém, mas certas situações resultavam em um problema intestinal
induzido por ansiedade. Por isso, sempre carregava um estoque emergencial
de Imodium, esse remédio era um milagre.
— Aí está a minha amiga nerd e mal-humorada — Lita sussurrou. — É
uma tarefa difícil jantar nos braços de um empresário bonito e solteiro.
— Filho do empresário — corrigi.
— Tanto faz. Jantar. Um lindo vestido. Algumas fotos. Você estará em
casa, de pantufas de coelhinhos, às nove. Precisamos de cada grama de
atenção positiva que pudermos obter daqui até a IPO.
Pelo menos não era um baile de gala nem um torneio de golfe de caridade.
— O que ele ganha com isso?
— O cara está lançando uma linha de roupas íntimas de luxo — disse Lita
com uma expressão séria.
— É brincadeira, né?
Ela sorriu.
— Como desejar. Publicidade para ele, lindas fotos suas. É uma situação
em que todos ganham.
Suspirei e Lita soube que tinha vencido.
— Vou mandar uma mensagem com os detalhes — disse ela, triunfante.
— Mal posso esperar — menti.
02

— Querida, que vestido — minha mãe disse, em aprovação, enquanto nos


beijávamos sem encostar os lábios uma na outra e fingíamos não notar o
interesse das mesas vizinhas.
O The Palm era o lugar favorito da mamãe para ser vista almoçando. E por
“almoçar” estava entendido que ela empurraria sua salada de alface no prato
enquanto apreciaria sua vodca tônica e pressionaria sua filha em qualquer que
fosse o plano que melhoraria mais efetivamente o perfil da família Stanton.
— Você está linda — eu disse, observando suas bochechas brilhantes e seu
cabelo recém-penteado.
Nós duas éramos loiras e altas. Mas minha mãe tornou o trabalho de sua
vida agarrar-se a cada vestígio de juventude ou, como ela via, de valor. De
certa forma, eu imaginava que minha mãe havia plantado de maneira
subliminar, a ideia da Flawless em mim ainda criança. Certamente, não era o
meu sonho de infância desenvolver um redutor de rugas, apesar de aos cinco
anos, ter passado um fim de semana inteiro tentando desenvolver curativos
para robôs. No entanto, aqui estava eu, a rainha dos cuidados com a pele. Os
redutores de rugas levaram a produtos de prevenção, corretores de tom de
pele e hidratantes.
As mulheres agora tinham uma linha inteira de armas na luta contra o
processo de envelhecimento, provavelmente graças à influência precoce de
minha mãe.
Nunca coloquei muito esforço em minha aparência quanto mamãe gostaria,
e ela nunca se esforçou muito em fingir interesse pelo meu trabalho quanto eu
teria gostado. Era o equilíbrio perfeito de decepções vagas.
Mamãe acariciou seu cabelo com satisfação.
— Oh, eu estou a mesma bagunça de sempre. O salão de beleza teve
trabalho esta manhã — ela disse, despreocupadamente.
Venice “Temos Uma Responsabilidade” Markham-Stanton nunca esteve
uma bagunça em toda sua vida.
— Tenho pensado em fazer algo diferente com meu cabelo — pensei,
folheando o menu e me arrependendo instantaneamente.
— Emily! Não se atreva a fazer algo vulgar, como cortar tudo. Ou, Deus
me livre, colocar extensões baratas como as daquela sua amiga, Daisy. Ela
parece uma dançarina exótica.
Daisy, a rebelde compulsiva, apreciaria o horror da minha mãe.
Pedimos o de costume. Saladas de alface crespa com peito de frango
grelhado. Se eu estivesse aqui com amigas, teria escolhido peixe ou talvez até
mesmo um pequeno filé. Mas, desta forma, eu não tinha que suportar os
comentários incisivos da mamãe sobre dieta e tamanho da cintura. Nós,
mulheres Stanton, tínhamos que manter as aparências.
Esse princípio não se estendia aos membros masculinos da família. A
cintura do meu pai tinha se expandido de forma constante nos últimos anos,
transformando-se em uma pança confortável e redonda. E o bronzeado
playboy do meu irmão estava atingindo os tons de George Hamilton. Mas o
valor dos homens Stanton era calculado pelos saldos bancários, não pelo
tamanho da cintura ou pelo tom da pele.
Era fácil esquecer que minha mãe crescera sem dinheiro. Ela vestia a
riqueza tão bem. O pai dela, meu avô, abandonou a esposa e os dois filhos
para se casar com a herdeira de uma empresa de pneus. Quando eles
morreram em um acidente de carro, minha mãe de vinte e dois anos herdou
uma fortuna respeitável e investiu em se refazer. Aos 24, ela endireitou os
dentes, perdeu o sotaque vulgar do meio oeste e chamou a atenção de um rico
empresário de Chicago. Ela cumpriu como o esperado até o fim o acordo pré-
nupcial e embolsou quase dois milhões de dólares quando se divorciaram
civilmente, cinco anos depois. Então se casou com meu pai seis dias depois
que seu divórcio fora finalizado.
— Conte-me tudo sobre a sua vida — ela insistiu, os lindos olhos azuis
brilhando como se fôssemos amigas.
Sabendo muito bem que ela queria saber com quem eu estava saindo e
quando aceitaria me casar por um anel de diamante de dez quilates de bom
gosto, respondi de forma passiva-agressiva: — O trabalho está mais intenso.
Temos uma nova linha de produtos sendo lançada no terceiro trimestre e as
previsões para a IPO são sólidas. Este ano está se consolidando como um ano
excepcional.
— Argh — disse ela, com um revirar de olhos elegante. — Quero dizer,
com quem você está saindo? Não ouvi nada sobre você nas colunas de fofoca
das últimas semanas.
Para minha mãe não importava que eu tivesse mais dinheiro do que todo o
resto da família junto. Aos seus olhos, uma mulher não estava segura até que
ela rabiscasse sua assinatura em um acordo pré-nupcial favorável.
Olhei em volta do restaurante, calmo para os padrões de Miami. Toalhas de
mesa brancas e palmeiras em vasos. Hambúrgueres de quarenta dólares.
Poderia ser qualquer bistrô caro em Nova York ou Chicago, provavelmente
por isso minha mãe gostava daqui.
Houve alguns olhares sutis em nossa direção. Eu não era famosa pelos
padrões de Hollywood, graças a Deus. Mas era uma das bilionárias residentes
na cidade e isso vinha com um nível elevado de atenção.
— Poderia me enviar uma mensagem em vez de me perseguir nas colunas
— eu a lembrei.
— Preciso estar no controle da imagem da família.
— Falando em imagem, como vai Trey? — perguntei, pisando em outro
calo da minha mãe.
— Oh! Seu irmão não ficará satisfeito até que tenha arruinado esta família
— mamãe zombou dramaticamente. Para enfatizar seu ponto, ela acenou para
o garçom e pediu sua segunda vodca tônica. Sempre duas e apenas duas. O
suficiente para relaxar, mas não o bastante para ficar desleixada.
Os Stanton não toleravam desleixo.
A menos que fosse gerado pelo meu irmão.
— Viu a última postagem dele no Instagram? — disse ela, baixando a voz
como se revelasse segredos de estado.
— Eu não vi — disse, espetando um pedaço de frango sem gosto. Mais
vinte minutos e eu posso voltar para o escritório. Ainda posso conseguir
falar com Esther no laboratório.
— Seis mulheres de topless — ela assobiou.
Byron Stanton III, ou Trey, como era conhecido por seus quinze milhões de
seguidores no Instagram, era um charmoso e preguiçoso filhinho de papai,
contente por não fazer nada a não ser aproveitar o sol em iates e viver a vida
como uma grande festa. Ele já havia torrado o dobro de seu fundo fiduciário e
agora vivia da generosidade dos meus pais... e, ocasionalmente, da minha.
Eu o amava. De verdade. Da maneira que todas as irmãs amavam irmãos
que não entendiam.
Eu belisquei a ponte do meu nariz.
— Estou conversando com seu pai para bloquear os cartões de crédito dele
— disse mamãe, cortando cuidadosamente uma lasca microscópica de frango.
Era uma ameaça vazia, e todos, exceto ela, sabiam disso.
— Tenho certeza de que ele vai sossegar um dia — apaziguei.
Eu não tinha certeza disso.
Meu irmão fazia escolhas erradas como se fosse uma compulsão. E meus
pais o livravam de tudo, incapazes de suportar a ideia de seu filho sofrer as
consequências.
— Pior ainda — mamãe continuou — ele disse que não vai voltar para casa
para a festa de gala no final do mês. O que pode ser tão importante no
Mediterrâneo que ele não pode voltar para uma pequena aparição?
— Não sei, mãe — eu disse, desejando ao menos ter pedido uma taça de
vinho.
— Então você vai precisar ficar com os ingressos dele — ela continuou.
Eu abaixei meu garfo.
— Mãe, estou com a agenda lotada pelos próximos dois meses. Esta IPO
é...
— Querida, eu sei que não é justo que você tenha que viver compensando
as trapalhadas de Trey, mas é assim que as coisas são — disse ela, me
repreendendo com um movimento de pulso adornado por uma pulseira
Tennis Bracelet da Tiffany. — Nós temos uma...
— Responsabilidade — disse por ela. A palavra amargava mais a minha
língua do que minha salada. — Não tenho tempo na minha agenda para mais
responsabilidades.
— Emily, eu não peço muito de você — disse ela.
Exceto compensar os erros de Trey a vida inteira. Nunca fazer nada
divertido ou interessante que possa atrair uma atenção desagradável no
clube. Concentrar minha vida inteira em encontrar o marido adequado para
que você possa bancar a anfitriã em uma festa de casamento multimilionária.
— Precisamos formar uma frente unida. A ex-mulher do seu pai estará lá —
disse ela, como se isso explicasse tudo.
— Qual delas? — perguntei, jogando meu guardanapo no prato. Eu
encontraria uma barra de proteína no escritório.
Nunca tinha nada a ver com a causa, seja ela a proteção das florestas
tropicais ou os sem-teto. Não havia nada mais importante para a minha mãe
do que aparecer nos eventos sociais das ex-esposas do meu pai e esfregar o
talão de cheques dele em seus rostos.
Eu não tinha nada contra as duas mulheres que tentaram fazer com que o
grande Byron Stanton II sossegasse antes de Venice. Na verdade, eu era fã da
segunda. Ao contrário da minha mãe, eu não tinha o luxo do tempo extra que
uma boa vingança exigia.
— Então, você vem? É apenas uma noite da sua vida. O que poderia ser
mais importante?
Eu cerrei meus dentes, fazendo malabarismos mentais com os meus
eventos, aparições e reuniões agendados. Se eu dissesse não, só levaria a duas
semanas consecutivas de ligações feitas para me encher de culpa, culminando
com meu pai aparecendo em meu escritório e exigindo que eu aparecesse
para salvar o casamento deles. Era mais fácil dizer sim.
— Claro.
Algum dia, eu jurei, tiraria uma semana de folga em uma ilha particular
sem acesso à Internet, sem serviço de celular e com apenas um homem muito
atraente para me entreter.
— Esplêndido. Vou pedir a Esme que lhe envie uma foto do meu vestido.
Queremos complementar uma à outra, mas nada de irmos combinando. Ah, e
você precisa trazer um acompanhante. Ficarei feliz de encontrar um para você
— ela ofereceu, inocentemente.
Olhando para a tela apagada do meu smart watch, fingi estremecer.
— Oh-oh. Há uma crise no escritório — menti.
Mamãe ficou desconcertada.
— Sempre há uma crise — ela reclamou. — Eu nunca consigo passar um
tempo com você.
Almoçávamos todas as semanas. Uma excursão de compras uma vez por
mês. E jantar todos os domingos na casa dela.
— Preciso voltar. Tenho um encontro hoje à noite — eu disse, puxando o
telefone da bolsa e mandando uma mensagem para Jane.
— Um encontro? — Mamãe se animou. Eu quase podia imaginar as visões
de bebês de cabelos dourados em macacões Givenchy que dançavam em sua
mente.
— Um primeiro encontro — disse. Senti a habitual culpa de encurtar o
nosso almoço, de novo, e queria deixá-la com algo que a alegraria.
— Mande-me uma mensagem com os detalhes sobre ele — mamãe insistiu
enquanto eu pedia a conta. — Eu o conheço? Tenho certeza de que o
conheço.
— É Merritt Van Winston — eu disse, deslizando meu cartão de crédito na
caderneta de couro.
— Oh! Ele é amigo do seu irmão no Instagram — ela disse alegremente,
mexendo no celular.
Um ponto negativo para Merritt Van Winston.
— Ele é muito bonito.
A aprovação da minha mãe era mais um ponto negativo automático para um
homem no que me dizia respeito. Eu não estava procurando um parceiro de
vida agora. Mas se estivesse, minhas exigências seriam totalmente diferentes
das dela.
Um interesse pelas ciências. Um respeito sincero pela minha intensa agenda
de trabalho. E a capacidade de proporcionar orgasmos de fazer os dedos dos
pés se dobrarem.
Olhei para a foto que ela exibia em seu telefone e mantive o rosto neutro.
Outro playboy bronzeado de cabelo comprido. Mas era só um jantar. Eu
poderia sobreviver a isso.
— Talvez possa trazer Merritt para o baile! — Ela já estava toda feliz,
planejando uma festa de noivado.
Dei-lhe um beijo de despedida e me dirigi para a porta. Jane parou o Range
Rover no meio-fio assim que eu cheguei lá.
— Como foi o almoço? — ela perguntou, atrevidamente, quando deslizei
no banco do passageiro.
— Trey postou uma foto com seis mulheres de topless, e minha mãe precisa
que eu leve um acompanhante ao baile de gala, para o qual eu não tenho
tempo de ir, em duas semanas.
Jane me entregou uma sacola de papel de delivery.
Espiei dentro dela.
— Você é uma deusa — disse para ela, pegando metade do sanduíche de
peru com abacate no pão integral.
— Estou ciente disso — disse ela, entrando no tráfego.
03

O briefing jurídico atrasou, como eu esperava. Coloque sete advogados e


seus para legais juntos, em uma sala, e eles discutiriam a respeito de tudo,
desde onde conseguir o melhor café da cidade até o que uma sentença
obscura dos anos 1950 em um tribunal do Mississippi significava para um
conglomerado empresarial em Dover, Delaware.
Mantê-los atentos e falando em termos leigos era um exercício de
futilidade.
Eu me dirigi rapidamente na direção do departamento gráfico interno, do
outro lado do andar, com a intenção de subornar um designer para que me
mostrasse uma prévia da “nova direção” das embalagens de produto.
Esse era o tipo de coisa que Lita e eu faríamos enquanto bebíamos na minha
casa ou na dela, poucos anos atrás. Mas as circunstâncias mudaram. Os
horários ficaram mais ocupados e amizades se transformaram.
Atualmente, estávamos em uma dança desconfortável, com Lita insistindo
em nos desviar da visão da Flawless. Minha visão. Semana passada, eu tive
que bater o pé quando ela anunciou que a Flawless faria parceria com
Youtubers de vinte e poucos anos que faziam tutoriais de maquiagem, em
vídeos patrocinados de publicidade do nosso redutor de rugas. Uma jovem de
22 anos não tinha rugas e também não tinha um público para isso.
Meu suspiro saiu parecendo mais um gemido, e fez com que uma assistente
em uma saia rosa me olhasse com os olhos arregalados.
Me incomodava que Lita não estivesse interessada em aderir à minha visão.
Mas como todo o resto, eu lidaria com isso depois. Tínhamos abacaxis
maiores para descascar, por assim dizer.
De acordo com minha equipe jurídica, a IPO estava em andamento com a
Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos ou CVM. Temos
trabalhado para isso pelos últimos dois anos e a linha de chegada estava
visível. Em menos de oito semanas, estaríamos oferecendo até 1 bilhão de
dólares em ações ao público. Era o auge de anos de esforço e o início de uma
nova fase de crescimento da Flawless.
Meu relógio vibrou no pulso.
Lita: Não se esqueça do seu encontro quente desta noite!
Merda. Eu tinha esquecido. Mudei de direção e voltei para o meu escritório.
Poderia lembrar a Lita por e-mail sobre como a embalagem precisava refletir
nossa marca e visão enquanto me trocava para ir ao meu “encontro”.
Esse tipo de coisa era mais comum em certos níveis de fama do que na
simples riqueza de antigamente. Infelizmente, era uma linha que minhas
circunstâncias abrangiam. Sermos vistos juntos era um favor discreto e
mutuamente benéfico quando atenção era necessária. Já levei acompanhantes
que não conhecia para festas de gala. Fui acompanhante em casamentos de
estranhos e fui fotografada indo jantar com amigas com quem eu só
cumprimentava de longe.
No geral, eu evitava esse tipo de favor por princípio. Eu não gostava de me
“emprestar”. Meu valor, a meu ver, estava no escritório, não em ser vista de
braços dados com um homem ou na companhia de celebridades. No entanto,
Lita estava certa. Precisávamos manter o interesse público bem alto se
quiséssemos que a oferta de ações atendesse às expectativas. E isso queria
dizer que eu tinha que ser vista... fora do escritório ou do laboratório.
De volta ao escritório, tirei minha roupa de trabalho e passei o vestido que
Jane trouxe para mim sobre a cabeça.
Eu tiraria umas fotos. Pegaria algo para comer e trabalharia mais uma ou
duas horas no meu escritório em casa.
Olhando para o espelho, fiz uma careta para o sério coque baixo que eu
havia feito naquela manhã.
— Droga — sussurrei. Apanhando meu vestido descartado do chão e a
bolsa da mesa, deixei o escritório que nem uma bala.
As luzes do salão de beleza ainda estavam acesas. Maxim, o estilista-chefe,
ergueu a cabeça das ondas praianas que estava estilizando para uma mulher
que reconheci ser do nosso Departamento Pessoal.
— Droga, garota — disse Maxim, me dando uma olhada. — Quer deixar
alguém apaixonado esta noite?
Olhei para baixo.
Jane exagerou com o maldito vestido. Era curto e preto com um brilho nada
sutil. Falando em falta de sutileza, o V profundo entre meus seios quase o
fazia ir de elegante a “à caça de um acordo pré-nupcial”. Eu deveria usar um
colar. Dar às pessoas algo para olharem além do meu pequeno, porém
poderoso decote.
Era um vestido que comprei anos atrás pensando em ocasiões especiais com
uma pessoa especial. E aqui estava eu, desperdiçando-o na publicidade com
um estranho porque não havia ninguém especial na minha vida.
Sacrifícios.
— Tem dez minutos para rosto e cabelo? — perguntei a Maxim.
— Para você? — Ele me deu uma piscadela lenta enquanto ainda
empunhava o modelador de cabelo e produzia ondas perfeitas. — Tenho todo
o tempo que precisar. Sheila, minha linda, você está pronta. Dê uma boa
sacudida e depois vá deixar o tal fulano mudo.
Sheila do Departamento Pessoal me deu um aceno nervoso e saiu correndo
do salão, radiante na glória do cabelo novo.
— Obrigada — eu disse, desabando em uma cadeira e apreciando ter dez
minutos inteiros onde nada seria exigido de mim. — Estou atrasada desde
que cheguei aqui hoje.
— Você está se esforçando muito — disse ele, seus dedos já trabalhando no
meu cabelo loiro na altura dos ombros. — Quando vai fazer algo divertido
com esse cabelo? — questionou.
Pensei no comentário da minha mãe durante o almoço.
— Em breve — prometi. Talvez depois da IPO. Quem saberia que efeito
um corte de cabelo poderia ter em uma oferta pública inicial?
Ele suspirou e começou a trabalhar com grampos de cabelo.
Eu o tirei de um salão de beleza em South Beach, dobrando seu salário e
dando-lhe voz no desenvolvimento de produtos. Nosso relacionamento
profissional consistia em aparições minhas uma vez a cada poucas semanas,
quando trabalhava tarde demais para me preparar adequadamente para as
minhas responsabilidades noturnas, e Maxim reclamando do meu estilo
conservador. Para ser sincera, nem era meu estilo. Meu armário era uma
réplica do da minha mãe.
Simplesmente era mais fácil assim.
Fiel à sua palavra, dez minutos depois, meu cabelo estava com volume e
movimento. E eu estava com os olhos esfumados na cor cinza e os lábios
vermelhos. Não parecia em nada com a Emily Stanton perfeitinha que
passava o dia inteiro assustando todos.
— Você faz milagres, Maxy.
— Minha tela já era especialmente estonteante. Agora vá se divertir um
pouco antes que se esqueça como — ele gritou atrás de mim quando cheguei
correndo até a porta.
Jane estava esperando por mim na garagem, o ar-condicionado do Range
Rover no máximo.
— Tinha que escolher um vestido que vai fazer os meus seios pularem para
fora? — perguntei.
— Sua culpa por me encarregar de tarefas de guarda-roupa — ela sorriu. O
conhecimento de moda de Jane começava e terminava com tudo o que
aparecia no catálogo da LL Bean, especializada em roupas de lazer ao ar
livre. — Se não gosta, não deveria ter no armário.
— Justo — balancei a cabeça. — Qual é o plano?
— Vamos encontrar o Príncipe Encantado a duas quadras do restaurante.
Transferimos você para o carro dele para que possam ser fotografados
chegando juntos. Vou ficar para trás e esperar você ligar quando estiver
pronta para ir para casa.
Eu concordei com a cabeça, checando meu telefone. Nada ainda de Esther,
do laboratório. Então me perguntei se poderia encaixar uma visita amanhã,
mas, verificando meu calendário, estremeci. Amanhã eu teria sorte de
conseguir uma pausa para fazer xixi.
— Espero que esse cara dirija um carro normal — suspirei.
Meu interior deu uma lenta torcida. Odiava que minha ansiedade se
manifestasse de uma forma tão grosseira. Não era a síndrome do intestino
irritável, mas era algo similar. Sempre fui grata que minhas aspirações de
carreira tenham me rendido meu próprio banheiro particular, especialmente
antes de grandes reuniões que determinavam o futuro de milhares de pessoas.
Jane riu.
— Eu investiguei um pouco, só por diversão. Vamos apenas dizer que é
uma aposta segura que ele dirija uma nave espacial de 500.000 dólares, com
trem de pouso de luzes neon.
— Lita vai ficar me devendo — gemi. Algum dia, minha dívida com ela
seria paga.
— Vou te seguir até o restaurante — lembrou-me Jane, consultando o
retrovisor enquanto contornava um enorme Cadillac que serpenteava pelas
ruas. — Mande uma mensagem caso precise de uma fuga de emergência.
— Você é uma boa amiga — disse a ela.
— Sim.

***

Merritt Van Winston não dirigia um veículo normal.


Eu não conhecia carros esportivos de luxo, mas tinha quase certeza de que
este pedaço aerodinâmico de metal e plástico amarelo abelha era uma Ferrari.
Um carro estupidamente caro para um homem que, na verdade, não
trabalhava para viver. Maravilhoso.
A balança Emily-Lita definitivamente estava pesando mais a meu favor.
As duas quadras até o restaurante foram as mais intermináveis da minha
vida. E isso quer dizer muita coisa em Miami. O homem se vestia como um
playboy europeu e falava como uma garota rica do sul da Califórnia. Sua
calça jeans bootcut era tão apertada que me perguntei se o suprimento de
sangue para suas pernas estava cortado. E então havia a camisa roxa brilhante
com os botões tão abertos que poderíamos ser gêmeos de decote.
— Você é super gata — disse ele, pisando fundo e me dando um sorriso tão
branco que tive que desviar os olhos.
Um Bentley, com os pneus cantando, saiu de um beco na nossa frente.
Merritt pisou fundo no freio e o carro morreu.
— O que está fazendo na cidade? — eu perguntei, esticando o pescoço para
olhar pela janela. O carro era tão baixo que parecia que eu estava deitada na
rua.
— Eu tenho um pequeno negócio com meus irmãos — ele disse
cautelosamente. Ligou o motor novamente e avançamos.
Provavelmente pornografia, imaginei. Não, espere. Talvez uma festa de
iate com aspirantes a celebridade menores de idade? Concurso de abuso em
banheiras com sais de banho?
Eu estava sendo pouco generosa e estava me divertindo. Isso mantinha a
comida digerida dentro do meu corpo.
— Como conhece meu irmão? — perguntei.
— Trey? Ah, cara. Eu e ele temos uma longa história. Escola Preparatória.
Tahoe. Grécia.
Por um instante, fora do meu próprio corpo, me perguntei como seria se
minha própria história não tivesse se limitado às salas de aula, laboratórios e
salas de reuniões. Eu nunca fizera amigos no Lago Tahoe e nem tinha
histórias da Grécia.
Entretanto, eu também não precisava chegar a um restaurante em um carro
que custava mais do que a renda vitalícia da maioria das pessoas, só para me
divertir.
— Chegamos — cantarolou Merritt enquanto levava o carro até o posto do
manobrista. Os fotógrafos parados do lado de fora salivaram na hora, e os
flashes das câmeras me cegaram.
— Eu vou dar a volta, bela dama — disse ele, lutando para abrir a porta.
Jogou as chaves para o manobrista e atirou os braços para o ar formando um
V. Os transeuntes pararam para olhar.
Talvez eu possa ficar no carro, não? Esse tipo de atenção não poderia ser
valiosa para nenhum de nós. O que importava com quem eu ia jantar? Ou
com quem não ia?
Pensei, com saudades, no meu pijama e nas sobras de comida da minha
geladeira. Mas minha porta estava se levantando como uma asa de águia, e
não havia mais uma barreira entre mim e os fotógrafos famintos. Alguém,
Merritt ou um manobrista, me ofereceu a mão. Graças a Deus que hoje eu
estava com roupas íntimas adequadas. Sair desse maldito carro era como
solicitar um exame ginecológico público.
Era a mão de Merritt, percebi, quando me coloquei de pé na calçada.
Ele tirou o cabelo afrescalhado dos olhos e me ofereceu o braço.
— Dê um sorriso grande.
Pelo menos foi o que pensei que ele disse. Não poderia dizer com certeza
devido ao som das sirenes. Os flashes não eram apenas das câmeras agora.
Luzes vermelhas e azuis pintavam o exterior do restaurante, refletindo na
fachada de vidro.
— Alguém está com problemas — gritou Merritt acima do barulho.
— Este carro é seu, senhor? — questionou uma policial de uniforme, com a
mão na arma.
Eu precisava dessa voz para as reuniões do conselho.
A monstruosidade amarela de Merritt estava sendo cercada por mais
policiais.
— O que está acontecendo? — exigi.
Merritt encolheu os ombros, mas parecia preocupado.
— Senhor? Este carro é seu? Não me faça perguntar de novo!
— Sim, é o meu carro, e você não precisa dessa atitude comigo — ele
retrucou alto o suficiente para que todos os fotógrafos do quarteirão inteiro
ouvissem.
Ah, inferno. Ele ia dizer aquilo. Ele ia dizer, e eu estava bem ao lado dele.
Palavras como aquelas respingavam em qualquer pessoa nas proximidades.
— Mostre as mãos, senhor — gritou a policial. Ela apertou o botão de
pressão que guardava sua arma. Dei um passo decisivo para o lado e mantive
as minhas mãos visíveis.
— Você sabe quem eu sou? — ele gritou.
Mas que porra de idiota.
— Encontrei algo — disse um dos policiais que revistavam o carro. Ele
ergueu um saquinho com algo branco e em pó.
Ai, merda. Meu sistema digestório fez um ruído de alerta e eu abri a minha
bolsa para ligar para o meu advogado.
— Senhora! Coloque as mãos atrás da cabeça — gritou a primeira policial.
— Essa merda não é minha — berrou Merritt. Seu rosto bronzeado estava
vermelho de raiva.
— Está tudo bem — eu disse calmamente para a policial. — Vou pegar o
meu telefone.
— Mãos atrás da cabeça!
Coloquei as mãos em meu cabelo e, em seguida, controlei minhas feições
em uma máscara de impassibilidade enquanto uma policial puxava meus
braços para trás. Quando as algemas se encaixaram em meus pulsos, vi Jane
subindo o quarteirão, já ao telefone. Ela acenou a cabeça para mim com
seriedade.
Pelo menos, minha equipe jurídica já havia sido informada da minha
humilhação pública.
04

Meu encontro estava me irritando de várias maneiras diferentes, e ainda


nem tínhamos chegado à mesa. Durante as bebidas no pátio do restaurante
detrás da parede dos paparazzi capturando as idas e vindas das celebridades
da cidade, descobri que ela iniciava cada frase com um estalo de língua
distinto e terminava com uma pergunta.
Estalo. — Então, não venho aqui desde que Hidalgo saiu para trabalhar
naquele restaurante em Roma? Ele fazia meu risoto favorito?
Tudo era o favorito de Alicia.
Nos quinze minutos que conheci a mulher, ela me apresentou ao seu lip tint
favorito, às suas extensões de cílios de grife favoritas e ao seu membro
favorito do One Direction.
Fiquei bastante envergonhado por saber de qual ela estava falando.
Às vezes, eu me perguntava por que ainda me incomodava. Sair para
encontros em Miami tinha perdido seu brilho considerável.
Talvez eu estivesse ficando velho demais para tudo isso.
Estalo. — Ai. Meu. Deus — disse Alicia. Seus lábios magenta
perfeitamente pintados se moviam hipnoticamente. — Essa vodka com uva
diet é incrível? Quer experimentar?
— Não, obrigado.
Jurei que ficaria com a minha cerveja e com mulheres com a idade um
pouco mais próxima à minha a partir de agora.
Eu odiava pedir o favor de “me manda uma mensagem com alguma
emergência” de um irmão ou de alguém da minha equipe. Mas não conseguia
me imaginar sobrevivendo a um jantar inteiro com a mulher.
Ela disse que tinha trinta anos, se bem me lembro, quando nossos olhos se
encontraram por cima de um guardanapo em um bar da moda em South
Beach. Mas ela estava se esforçando para passar por uma descomplicada
garota de 21. O vestido era curto. O bronzeado, profundo. O cabelo não era
dela. Tudo isso estava ok. Eu amava uma mulher que se vestia ao seu bel
prazer. Me sentia tão atraído por pernas longas em shorts curtos quanto por
terninhos sóbrios de trabalho. Tinha uma queda por desabotoar botões e
revelar o que havia por baixo.
Não havia botões no minivestido lamê dourado de Alicia. Não havia
mistério a desvendar.
Ela me abordou quando estava empolgado depois de uma limpeza bem-
sucedida para um cliente e que havia consumido a maior parte do meu mês de
abril.
Um sorriso adorável e grandes olhos castanhos era tudo o que eu achava
que precisava para me livrar das responsabilidades de uma exigente empresa
de gerenciamento de crises. Eu não saía há mais de um mês. Estava ficando
cada vez mais fácil se concentrar apenas no trabalho. E agora estava
desejando ter decidido me concentrar nele um pouco mais.
Estalo. — Então, você é, tipo, britânico?
— Metade — eu disse, vagamente. Herdei um pouco do sotaque do meu pai
antes que ele nos abandonasse. Foi uma espécie de presente de despedida, eu
acho.
Um motor acelerou, e uma Ferrari amarela reluzente chegou ao meio-fio,
me tirando de minhas revelações deprimentes. Pelo menos eu não era aquele
idiota.
Ele saltou do carro como um lutador de MMA com um cinturão novo.
Arrogante e pronto para a festa.
— Uau — ronronou Alicia. — Que tipo de carro você dirige?
— Uma SUV — eu disse vagamente. E um BMW esportivo, mas não senti
a necessidade de adicionar qualquer outro item na coluna “Motivos para
Investir em Derek Price” de Alicia.
Estalo. — Aquele é Merritt Van Winston? — ela perguntou. — Ele é ainda
mais bonito pessoalmente!
Eu me perguntei se talvez devesse dar a Alicia um momento para se
apresentar ao entusiasta de carros esportivos com cabelo de surfista. O nome
me era familiar. Os cidadãos de elite de Miami eram conhecidos como
acontecia nas cidades pequenas. Merritt era o filho muito bonito e
imprestável de um hoteleiro. Se não me falha a memória, ele estava lançando
algum tipo de linha de meias ou camisetas.
Então, a porta do passageiro se abriu, distraindo a mim e ao resto da
multidão.
Fui recompensado com um vislumbre de uma perna muito, muito longa.
Demorei, admirando a vista, começando na ponta dos pés. O vestido
terminava alguns centímetros acima do joelho. Preto e justo. Enquanto o
vestido de discoteca de 24 quilates de Alicia era chamativo, aquele era
sofisticado e, ainda assim, ousado.
Aquele rosto. Eu o reconheci, não que frequentássemos os mesmos
círculos. Mas todos no mundo dos negócios a conheciam.
O pouco que eu sabia sobre ela certamente não me levaria a concluir que
seria do tipo a decorar o braço de Merritt Van Winston. Fiz uma careta,
observando enquanto o idiota de cabelo desgrenhado avançava em direção à
multidão arrastando a bilionária Emily Stanton como se fosse um acessório.
Havia desaprovação em seus lindos lábios, e eu vi a razão, quando duas
viaturas policiais pararam em frente à cabine do manobrista, fechando a
Ferrari.
Problemas.
— Oooh! Alguém importante deve estar vindo? — disse Alicia, batendo as
pontas de suas unhas pintadas de rosa.
— Este carro é o seu, senhor? — exigiu uma policial. Ela tinha uma mão na
coronha da arma e não parecia estar com medo de usá-la.
O surfista deu de ombros para algo que Emily disse. Ela estava tentando
tirar a mão da dele.
— Senhor? Este carro é seu? — a policial perguntou novamente.
Eu não pude ouvir a conversa porque os fotógrafos acampados do lado de
fora das portas do restaurante explodiram com perguntas e flashes de
câmeras, transformando a Ocean Drive em uma zona de guerra no tapete
vermelho.
Ao que quer que tenha dito, ele incluiu uma quantidade infeliz de
prepotência. Emily deu um passo muito inteligente para o lado, mantendo as
mãos visíveis.
Inteligente demais para ele.
O host do restaurante apareceu ao meu lado com dois menus no momento
que Van Winston gritou: — Você sabe quem eu sou?
Oh, seu estúpido, idiota prepotente.
O policial que revistava o veículo chamou sua parceira.
— Encontrei algo. — Ele ergueu um saco pequeno do que provavelmente
seria cocaína.
Eu já estava pegando meu telefone quando um dos policiais percebeu um
movimento de Emily.
— Senhora! Coloque as mãos atrás da cabeça — gritou a primeira policial.
— Essa merda não é minha — o verme gritou. Os fotógrafos começaram a
filmar.
Percorri os meus contatos na velocidade da luz.
— Está tudo bem. — Ouvi Emily dizer calmamente. — Vou pegar o meu
telefone.
— Mãos atrás da cabeça!
— Imani — eu disse ao telefone. — Você tem cerca de trinta segundos
antes de tomar conhecimento de um problema gigante. Acho que posso ser de
alguma ajuda.
As algemas se fecharam nos pulsos sofisticados de Emily como uma
maldição enquanto duas dúzias de paparazzi registravam cada segundo.
05

“A humilhação pública da bilionária! Presa por porte de drogas!”


“Filha do executivo de uma linha de cruzeiros de Miami, Byron Stanton,
presa por portar drogas!”
“CEO da Flawless liberada sem acusações em uma apreensão de drogas”
“A vida secreta movida a drogas da festeira Emily Stanton”
— Acorda, presidiária. — A voz alegre intrometeu-se nos trinta minutos de
sono que eu consegui obter após a pior noite da minha vida. E não foi a vez
que derrubei um frasco contendo leptospirose no chão do laboratório.
Abri um olho irritado e espiei por cima da luxuosa maciez da minha roupa
de cama.
— O que vocês estão fazendo aqui? — murmurei para as três figuras na
sombra que pairavam sobre minha cama.
Nunca devia ter dado a minha senha do alarme para elas.
— Uma emergência requer um trabalho em grupo — disse a sombra mais
alta, de braços cruzados.
— Sim. Agora, tire sua bunda linda da cama para que possamos deixar isso
tudo melhor — a figura do meio falou, me dando um tapa no bumbum. Luna
vivia escandalosamente alegre em todas as horas do dia.
Eu gemi, sentando-me e notando que ainda estava escuro lá fora.
— Vá se vestir, minha pequena vagilionária — a terceira disse, jogando
roupas de treino em cima de mim.
— Você quer malhar agora, Daisy? Só pode ser brincadeira. — Daisy não
gastava tempo voluntariamente em uma academia, a não ser que fosse para
paquerar um personal trainer gato.
— Luzes acesas.
As luzes do meu quarto se acenderam fracamente.
— Droga, Cam — reclamei. — Eu mereço pelo menos mais uma hora sem
fazer nada.
Meu telefone sinalizou da adorável mesa de cabeceira de cobre martelado.
Eu não tinha energia para pegá-lo e mergulhar na tempestade de merda que
certamente estava se formando.
— Levante-se e nos encontre na academia — disse Luna.
Elas saíram da sala, uma frente unida de mulheres destruidoras.
Encarei as roupas em meu colo. Estava exausta, humilhada e não apenas um
pouco preocupada. Eu estava surtando. Um passo em falso. Eu tinha acabado
de colocar em risco o futuro da minha empresa, a segurança dos meus
funcionários, com uma decisão terrivelmente ruim. E não estava preparada
para testemunhar a seriedade das consequências.
— Rápido, Ems! — falou Daisy.
Deixando meu telefone onde estava, me vesti rapidamente e coloquei o
cabelo em um rabo de cavalo solto enquanto caminhava pelo gramado até a
academia. Eu era o tipo de pessoa que se concentrava e trabalhava melhor e
com mais afinco depois de um treino pesado. Quando construímos o enclave,
quando tínhamos imaginado Bluewater, eu tive uma grande alegria em
projetar uma propriedade que se adequava a mim e a todas as minhas
necessidades.
Minhas amigas tinham uma relação mais livre e interpretativa com os
exercícios. Mas elas me apoiavam com treinos semanais, tipo sessões de
morte.
E lá estavam elas. A minha turma.
Na academia de última geração à beira-mar, onde eu começava meu dia
todas as manhãs, com uma música pop animada tocando no sistema de som.
Cameron Whitbury – empresária aeroespacial, amante de sapatos de luxo e
beldade de longas pernas e cabeleira ruiva – parecia feroz ao fazer
agachamentos livres. Sua bunda era a perfeição, pelo menos de acordo com a
pesquisa da Indulgence Magazine acerca dos melhores bumbuns do ano
passado. A revista havia esquecido de mencionar o império de construção de
foguetes de Cam com a Fortune 500.
Luna da Rosa – marca popular do Instagram, guru de estilo de vida e
conquistadora da indústria da maquiagem – estava fresca e adorável como
sempre em um short de ioga de algodão orgânico e uma regata amarrada
acima da barriga. Ela fluía em uma saudação ao sol, mais flexível do que
qualquer corpo humano tinha o direito de ser. Com longos cabelos negros, ela
era linda como uma princesa das fadas e dolorosamente meiga, o que levava
a maioria das pessoas a supor, erroneamente, que ela não tinha nada na
cabeça.
Daisy Carter-Kincaid era o tipo de socialite sobre a qual minha mãe me
prevenira toda a minha vida. Quando ela não estava experimentando
extensões ou tingindo o cabelo de prata para agitar as fofocas, estava
trabalhando que nem louca para administrar as significativas propriedades
imobiliárias da família. Os Carter-Kincaids eram donos de uma grande parte
de Miami, Manhattan e Atlanta. Ela estava no elíptico com o vestido e salto
alto da seção VIP do clube da noite de ontem. Havia um Bloody Mary no
porta-garrafa de água da máquina.
Sem dizer nada, Cam apontou para a esteira e eu obedeci, pisando no
rolamento e apertando os botões, até a correia zumbir sob meus pés.
Aumentei a velocidade e me deixei ir.
Meu privilégio impediu que minha bunda tocasse o banco de uma cela noite
passada. Minha advogada-chefe, Jenny, já estava na delegacia causando um
inferno quando fui puxada para fora da viatura. Infelizmente, quando fui solta
poucos minutos depois, todos os homens, mulheres e crianças com um
celular, tinham aparecido na estação para testemunhar a minha saída
vergonhosa.
A tempestade de merda nem mesmo começava a se aplicar à magnitude do
dano a essa altura. O escrutínio exigido para que uma empresa tivesse
permissão para encenar uma IPO era brutalmente rigoroso, e isso sem que a
CEO se envolvesse em uma prisão por porte de drogas. Não que eu tenha
sido detida. Fui interrogada, na presença da minha advogada amedrontadora,
e liberada sem acusações.
Mas não seria isso que as manchetes diriam.
Minhas amigas me deram cerca de dois quilômetros inteiros de silêncio na
esteira para que eu organizasse meus pensamentos, antes de começarem a
atacar.
— OK. Conte o que aconteceu ontem à noite — disse Cam, colocando suas
anilhas no lugar e se preparando para dar passadas frontais. Ela conquistou
aquela bunda à moda antiga.
Tomei um gole de água da garrafa que Luna me passou e diminuí a
velocidade. Não confiava em muitas pessoas. Mas essas mulheres haviam
conquistado seus lugares nesse círculo íntimo.
— Foi uma mão lava a outra — comecei. — O pai de Merritt é um grande
hoteleiro em Vegas. O filho está lançando uma linha de roupas íntimas. O
publicitário de Van Winston entrou em contato com a Flawless. Preciso
aparecer aos olhos do público antes da IPO.
— Você já está fazendo uma campanha publicitária nacional e a Flawless
está aparecendo em todas as publicações econômicas e de negócios
conhecidas pela humanidade — destacou Daisy.
— Mas eu sou o rosto da empresa — disse, repetindo as palavras de Lita.
— Queremos movimentar um bilhão de dólares em ações. Algumas matérias
de revistas corporativas que provocam bocejos não vão fazer isso. Tudo que
eu puder fazer para permanecer no boca a boca do público beneficiará a IPO.
Bem, quase tudo.
Apertei o botão Parar na esteira e coloquei a cabeça nas mãos.
— Eu nem sei o quanto eu estraguei tudo, pessoal. Nem mesmo consegui
olhar o meu telefone. — Ele sinalizava mensagens de texto, chamadas e e-
mails até que o coloquei para vibrar e o escondi debaixo de um travesseiro
durante a maior parte da noite.
— Ok, vamos parar com a autopiedade — Luna insistiu rapidamente. —
Concentre-se no positivo. Não era o seu saco gigante de cocaína...
— E ecstasy — acrescentou Daisy de modo prestativo.
— Sério? — Merritt Van Winston era um idiota da mais alta patente.
— Só um saquinho — disse Daisy, como se isso tornasse tudo melhor. —
Pelo menos não era metanfetamina. Não tem como fazer aquela merda ter
alguma classe.
Luna lançou a ela um olhar do tipo: cala a boca.
— Obrigada, Pollyanna — zombou Cam.
— Então — disse Luna incisivamente. — As drogas não eram suas. Você
manteve o controle na frente das câmeras. Sua advogada já divulgou uma
declaração fazendo o controle dos danos sobre o “mal-entendido”. Todos
estão fazendo as coisas certas.
— O que os blogs estão dizendo? — perguntei, sem realmente querer saber.
— Vamos nos concentrar em qual será o seu próximo passo — disse Cam,
evasivamente, enquanto se virava para percorrer o caminho de volta com as
passadas.
Isso queria dizer que a coisa estava ruim. Muito, muito ruim.
— Melhor ou pior do que a fita de sexo a três que vazou da Zoey Grace?
Minhas amigas trocaram um olhar. A centelha de esperança que estava
tentando acender em meu peito se apagou. E minhas entranhas congelaram.
— Oh, Deus. — Enterrei o rosto em uma toalha de enxugar suor.
— Olha — disse Daisy, brandindo o seu Bloody Mary para mim. — A
questão é a seguinte: você nunca pisou na bola antes. Passou a vida
completamente limpa. O público odeia isso. Eles a odeiam por ser rica, bonita
e inteligente. E querem que você pague o preço por ser perfeita.
Ai.
— Então, porque trabalhei pra caramba desde a faculdade, porque construí
uma empresa e literalmente mudei a cara dos cuidados com a pele para
mulheres, eu mereço isso? — Estava gritando.
Luna fez uma inalação profunda e purificadora em meu lugar. Ela
provavelmente estava fazendo uma meditação mental para mudar a minha
vibração.
— Você tem o direito de estar chateada — disse Cam. — Mas só porque é
injusto e horrível não significa que não esteja acontecendo. Tem que lidar
com isso.
— E você não está vendo o lado bom — observou Daisy, sacudindo o gelo
em seu copo agora vazio. — Qual é a única coisa que o mundo ama mais do
que uma queda feia?
Eu pausei meu discurso interno por um momento. “Um retorno,” eu
respirei.
Luna concordou.
— Uma empresária imperfeita, vulnerável, real e durona é muito mais
interessante do que uma garota rica perfeita.
— Eu não deveria ser interessante — eu disse, pensando em quantas pílulas
para os nervos minha mãe provavelmente havia tomado desde a noite
passada.
— Há muitas coisas que não deveríamos ser — disse Cam. — Não quer
dizer que não possamos.
— Isso tudo pode ser salvo — disse Luna suavemente. — Estamos aqui
para te ajudar. No que você precisar.
— É isso mesmo — disse Cam, segurando sua garrafa de água em uma
simulação de um brinde.
— Vamos começar agora — disse Daisy, tirando o celular de seu decote
considerável.
— Não vamos tirar uma selfie disso — argumentei.
— Se sua empresa estivesse entrando em colapso e você tivesse um sério
problema com drogas, estaria acordada ao nascer do sol fazendo exercícios
com suas amigas lindas e bem-sucedidas? — perguntou Daisy com um
sorriso malicioso.
— Entendi.
— Ok, meninas. Digam virada no três.
— Um. Dois. Três.
— Virada!
06

“Socialite difamada compartilha uma foto de treino pós-prisão”


“Emily Stanton suada e sorridente depois do namorado ser preso com
drogas”
“Empreendedora bilionária de volta à rotina normal depois de uma quase
prisão”
Depois de um treino, uma meditação guiada por Luna e de um shake
proteico, criei coragem de ligar meu telefone novamente.
Treze mensagens da minha publicitária.
Duas mensagens de voz com a minha mãe soluçando e se perguntando onde
errou como mãe. Ela também enviou uma de texto informando que hoje
visitaria o seu médium favorito para determinar por qual carma de vidas
passadas ela estava sendo punida. Fui convidada a participar da sessão.
Eu tinha meia dúzia de chamadas perdidas de membros do conselho. Graças
a Deus, meu pai estava na Grécia. Não acho que poderia enfrentar sua
decepção ou ira, seja qual fosse a arma com a qual ele decidisse avançar.
Byron Stanton II era um empresário astuto que aplicava suas táticas de
reuniões de conselho na mesa de jantar.
Havia várias mensagens de um cara britânico de voz rabugenta exigindo
que eu ligasse para um tal de Grupo Alfa, que eu não fazia ideia do que seria.
Eu adicionaria “Descobrir quem deu o meu número pessoal para ele e demitir
essa pessoa” à minha lista de tarefas se a minha vida não estivesse em ruínas.
Havia uma mensagem de voz de Lita.
Ai, meu Deus. O que aconteceu? Você está bem? Não posso acreditar que
isso aconteceu. Eu vou matar quem checou esse cara para você. Jane não
passou por cima dele? O que estou dizendo? Isso é tudo culpa minha. Por
favor, não me odeie! Me ligue se eu puder ajudar!
Por falar em Jane, ela também mandou uma mensagem.
Jane: Voltamos ao normal, ou você precisa que eu enterre um corpo ou
talvez tenha uns seis martinis prontos no carro?
Suspirei. Pelo menos eu poderia confiar que Jane me trataria da mesma
forma. Jane e as minhas meninas eram sólidas como rochas, não importava
que eu tivesse estragado tudo de forma tão épica.
Eu: Acho que vou no Porsche hoje.
Se ia para a guerra, eu mesma iria dirigindo.
Jane: Use spray de cabelo. Não coma insetos. Além disso, Van Winston
pagou fiança. Nenhuma palavra sobre possíveis acusações.
Ótimo. A especulação pública poderia durar semanas.
Demorei no cabelo e maquiagem. Em um dia bom, eles eram armas. Mas
hoje seriam um escudo. Escolhi uma calça de cintura alta azul-marinho, uma
blusa sem mangas em V e sandálias Jimmy Choo de camurça macia de um
vermelho poderoso.
Profissional, formal, orgulhosa. Lábios vermelhos, coque elegante. Estava
apostando no estilo Grace Kelly dos dias atuais. O exato oposto do caos.
Acenando para o meu reflexo no espelho dourado, parti para a guerra.
Quando a porta da garagem zuniu para cima, meu bebê apareceu. Um
Porsche 356 Speedster 1956 em um azul água-marinha metálico. Foi o
presente insanamente extravagante que dei a mim mesma quando a Flawless
alcançou a cotação do bilhão de dólares.
Ele, assim como esta casa ampla e arejada, era um lembrete do que eu havia
construído.
E de jeito nenhum eu deixaria um erro – um grande e estúpido erro –
arruinar tudo. Eu tinha funcionários, diretores e consumidores que dependiam
de mim para consertar isso. Eu era Emily “Fodona” Stanton e não os
decepcionaria.
Minha barriga deu uma borbulhada queixosa quando deslizei atrás do
volante.
— Eu não tenho tempo para diarreia — gritei para o meu sistema digestivo.
Mantive essa resolução até parar na frente do prédio da minha empresa. O
frenesi foi instantâneo. Fotógrafos e jornalistas disputavam uma posição atrás
de cavaletes que os seguranças colocaram. Caos. O shake proteico exigiu
uma saída imediata.
Saí e caminhei em direção à porta da frente. Uma mulher com uma missão.
Uma CEO calma e composta indo comandar seu império.
Flashes explodiram. Perguntas foram lançadas.
“Você tem problema com drogas, Emily?”
“Que acusações está enfrentando?”
“Você arruinou as chances da Flawless em ter uma IPO de sucesso?”
Meus intestinos se apertaram e eu pressionei a mão na barriga enquanto os
seguranças me empurravam pelas portas da frente, deixando os flashes e as
acusações berradas atrás de mim. Aquilo seria pior do que eu pensava.

***

— Eu entendo, e posso garantir que este foi um infeliz mal-entendido que


será retificado — disse, ciente de que meu tom saiu irregular.
Minha paciência havia evaporado horas atrás. Pela primeira vez na vida,
cancelei todas as obrigações da minha agenda e passei o dia pedindo
desculpas. Bem, dançando em volta de desculpas, se fosse completamente
honesta. Eu não tinha feito nada de errado além de entrar no carro errado com
o cara errado.
— Uma empresa tem tanto sucesso quanto sua liderança, Emily. E você já
sabe que é julgada dez vezes mais porque é mulher. — A frustração de Imani
Stackhouse saiu alta e clara. — Eu entendo que você esteja frustrada, mas
não temos espaço para que faça nada além de dar duro para consertar isso.
Ela era minha diretora favorita do conselho. Isso dizia muito, já que meu
pai também tinha um assento no conselho. Uma executiva com um
mecanismo de busca, Imani tinha visão de futuro e flexibilidade. Ela também
era uma das poucas diretoras que não me menosprezava.
Meu conselho diretor era composto por homens e mulheres executivos
aposentados de várias vertentes. A maioria desconfiava de mim com base na
minha idade. Trinta e seis para eles praticamente equivalia a alguém no
ensino médio.
Havia uma pequena minoria que me julgava pelo fato de eu vir de família
rica. Meu pai tinha uma fortuna familiar respeitável. Seu tio-avô foi dono de
uma das empresas de cruzeiros mais bem-sucedidas do mundo, e meu pai era
executivo dessa empresa. Mas, quando me dava um minuto livre para
desfrutar de uma clareza mental absoluta, sabia que havia usado os cofres da
família Stanton e exponenciado seus fundos. Meu pai estava tão orgulhoso de
mim quanto ressentido com o meu sucesso.
— Imani, estou levando isso a sério — assegurei a ela.
— Eu não sei se está. Isso é um código vermelho. Eu sei que você gosta de
participar de tudo o que acontece na Flawless, mas agora é a hora de focar
nas prioridades. E desfazer essa bagunça é a sua única prioridade. O que for
preciso — insistiu. — Você tem trabalhado para isso desde que começou a
empresa. Não deixe uma decisão errada arruinar tudo.
— Eu vou consertar isso — prometi.
— Ótimo, porque eu sei que você não iria gostar se o conselho decidir
intervir.
Não, eu não iria.
Me desconectei da incerteza de Imani a respeito da minha dedicação que
soava em meus ouvidos.
— Senhorita Stanton, estou com o Alpha Group na linha novamente —
disse Easton, apressando-se com minha dose de cafeína do meio da manhã.
— E sua amiga Luna enviou isso.
— Não estou interessada em ligações de ninguém que não seja membro do
conselho — reiterei.
Ele colocou a entrega especial de suco verde na minha mesa como se fosse
plutônio e me entregou o bilhete que veio com ele.
— Tem cheiro de terra e grama — disse, franzindo o nariz empinado. — Eu
tomaria o café primeiro e espero que queime suas papilas gustativas para que
consiga engolir o suco.
Ems, Abasteça-se com boas vibrações! O post da Daisy no Insta é um
sucesso!
Amor e luz, Luna Não saí do escritório desde que cheguei naquela manhã.
Assistente #2 – Valerie, descobri depois de me lembrar de consultar os
registros de RH – me manteve abastecida com sushi do refeitório na hora do
almoço e um fluxo constante de águas smart water.
Ninguém em todo o edifício me disse uma palavra acerca da noite de
ontem.
Não tinha certeza se era porque estavam com medo de mim ou preocupados
que eu arrebentasse como a haste delicada de cristal de uma taça de vinho. E
a essa altura, eu também não tinha certeza.
Minhas desculpas não tranquilizavam ninguém. Pior ainda, estavam me
irritando.
Tinha uma ligação de emergência com minhas equipes jurídica e de
publicidade em quinze minutos. Esperava que elas tivessem uma carta
milagrosa na manga, porque eu sentia que estava piorando ainda mais as
coisas.
Se eu pudesse fechar os olhos por cinco minutos...
A porta do meu escritório se abriu e Lita entrou correndo.
— Estou farta disso — disse ela, correndo até mim. Eu me levantei e me
submeti ao seu abraço. Não me sentia confortável com demonstração de
afeto, e Lita não era a melhor em dar abraços. Ela era reservada demais.
Não havia consolo algum no abraço.
Mas não havia consolo em lugar nenhum. Eu a decepcionei. Decepcionei a
todos neste edifício. Todos em armazéns e laboratórios de fabricação e
centros de distribuição em todo o país. Decepcionei cada um deles e estava
percebendo só agora que não tinha ideia de como consertar. Apenas fazer o
meu trabalho não consertaria coisa alguma.
— Isso é tudo minha culpa — disse ela, me soltando.
Ela foi até a sala de estar e serviu-se de uma trufa de chocolate
primorosamente embrulhada. Eu me permitia uma por dia. A de hoje foi
ingerida em desespero trinta segundos depois que entrei pela porta.
— Não é culpa sua. — Suspirei, sentando-me na poltrona estofada de seda
ao lado dela.
— Eu deveria ter desenterrado mais sobre ele — disse, balançando a
cabeça, colocando o doce inteiro na boca.
— Esta foi a primeira prisão dele — eu disse, categoricamente.
Não havia nada para desenterrar sobre Merritt. Jane tinha me enviado por e-
mail um dossiê assustadoramente completo sobre o cara hoje manhã. Claro,
ele era um playboy folgado e preguiçoso. Um parasita da fortuna do pai. Mas
essa foi a sua primeira colisão com a lei. Não houve nada antes da noite
passada que fosse sinalizado com uma bandeira vermelha.
Passei trinta segundos inteiros me perguntando se alguém havia armado
para ele ou se ele tinha desprezado alguém próximo que decidira executar
uma vingança muito pública e muito cara. E então eu tive que voltar a
tranquilizar os diretores de que eu não estava saindo de controle.
— Eu deveria ao menos ter checado com o seu irmão. Não posso deixar de
sentir que tudo isso é culpa minha — disse ela, pegando outro chocolate. Eles
custavam 40 dólares cada.
— Não é — eu disse novamente, observando-a desembrulhar o chocolate.
No final, tudo o que acontecia dentro da minha empresa ou envolvendo ela
caía sobre os meus ombros. Eu era a responsável. E precisava descobrir a
melhor forma de seguir em frente.
— Bem, estou disposta a fazer o que for preciso para ajudar todos a
esquecer isso e seguir em frente. Disse isso a Helen esta manhã — falou Lita.
— Você falou com Helen? — perguntei de maneira cansada. Helen Krueger
era a publicitária da Flawless, uma artista em “reenquadramento” e “manter a
mensagem”. Ela também era responsável por quarenta por cento do
faturamento de sua empresa, que ia de uma costa a outra.
— Ela mencionou que talvez eu precise me adiantar e assumir alguns
eventos e saídas públicos. Dar algumas entrevistas. Mostrar que as coisas
ainda estão indo bem. Esse tipo de coisa — disse Lita, examinando as unhas.
— OK. Faz sentido — eu disse. Pelo menos havia uma executiva na
Flawless que não estava envolvida em drama.
Uma dor de cabeça começava a se formar na minha nuca e ameaçava ficar
muito pior.
Meu telefone de mesa tocou.
— Senhorita Stanton? Estou com seu irmão na linha — disse Valerie.
Eu verifiquei meu relógio. Quatro minutos para a minha próxima reunião.
Não havia tempo suficiente para fechar os olhos de qualquer maneira.
— Obrigada, Valerie.
— Diga oi para Trey por mim — disse Lita, dando um tapinha no meu
joelho. — Nós vamos superar isso. Pode contar comigo.
— Obrigada, Lita.
Ela tirou outro chocolate da tigela e se dirigiu para a porta. Lá se foram 120
pratas.
Afundei atrás da mesa e apertei o botão do viva-voz.
— Oi, Trey. Eu só tenho um minuto.
— Como foi o sermão? — A voz do meu irmão encheu a sala de risada.
Trey seria o único Stanton a achar o escândalo hilário.
— É bom ver você tão preocupado com sua irmã e seu amigo — eu disse
secamente.
Trey nunca teve que se preocupar com coisas como responsabilidade e
reputação. Ele havia assumido o título de ovelha negra da família sem
nenhum constrangimento. Nada era esperado dele. E neste momento, eu o
odiava só um pouquinho por isso.
— Por favor — zombou. — Isso vai passar por você da mesma forma que
óleo de bronzear desliza pela bunda de uma modelo de biquíni brasileira.
Você sempre sai de situações ruins novinha em folha.
— Há esperança — eu disse, tomando um gole d’água.
— De qualquer forma, da próxima vez que tentar sair com um dos meus
amigos/inimigos, me fale primeiro que eu entrego o ouro. Não posso deixar
que a minha irmã mais velha me afaste do papel de vergonha da família.
— Você não é a vergonha da família — menti.
— Claro que sou. É por isso que preciso ficar com você quando voltar.
Eu não precisava do meu irmão como companheiro de quarto. A última vez
que ele ficou comigo, tive que dar um bônus à equipe de limpeza e fazer uma
generosa doação ao condomínio para compensar as reclamações de som alto.
— Isso quer dizer que pode voltar para o baile de gala? — Certamente
minha mãe não iria querer que eu mostrasse o rosto desgraçado por lá agora.
— Ha-ha. Que hilário. Isso é com você. Estou trabalhando na produção de
um festival de música em Malta.
— Desde quando você está na cena musical?
— Você não me segue no Insta? — troçou. — Se atualiza, maninha. Agora
sou um coordenador de eventos de alto nível. Eu e meus parceiros estamos
contratando os maiores nomes do rock, pop e rap para esse evento.
— Bom para você, Trey. — Ele tinha sido DJ no Rio de Janeiro. Modelo na
Itália. Promotor de clubes em Vegas. Agora, organizador de festivais de
música.
— Avise se quiser que eu faça uma reserva num condomínio de luxo na
praia — disse ele. — Vou conseguir ingressos VIP para você.
— Obrigada.
— Escuta, eu preciso de algum apoio para este show — começou.
E aí estava. O pedido. Sempre havia um pedido.
— Ouça, me envie um e-mail sobre isso, ok? — eu pedi.
— Sim, claro. Sem problemas. Mas você vai ler imediatamente, certo?
Valerie bateu na minha porta e apontou para o telefone.
— Eu tenho que ir, Trey. Tenho outra ligação.
— Sim, sim. Você é muito requisitada. Entendi. Tente não ser presa duas
noites seguidas.
— Não tem graça, Trey.
— Você fala igualzinho ao papai — reclamou meu irmão.
— Falou com ele? — Obedientemente, uma camada escorregadia de
ansiedade revestiu meu estômago.
— Sim, ele estava entrando em um avião. Indo até você — disse Trey. — E
ele não estava feliz.
07

Meus tênis chiaram no mármore italiano da entrada. Meu lar. Meu


santuário. Tudo no enclave foi cuidadosamente projetado com privacidade e
personalidade em mente.
Esta casa não era diferente. Eram três estruturas separadas de pedra branca
unidas por passarelas com tetos de palha. A área de estar principal ficava no
centro. Cozinha, quartos e grande sala, tudo sob o mesmo teto. Meu escritório
em casa e minha academia ficavam em “alas” distintas. Era uma necessidade
para alguém como eu, que não sabia separar o trabalho de lazer.
— Vou fazer uma varredura rápida antes de sair — disse Jane, fechando a
porta da frente atrás de nós.
Eu estava cansada demais para discutir. Foi um dia longo que nem mesmo
uma hora de treinamento individual de kickboxing foi capaz de apagar.
Precisava de um banho e de uma taça de vinho. Não, uma dose de uísque.
Uma gigante. Talvez bebesse direto da garrafa.
— Vou tomar um banho — disse a ela por cima do ombro.
Humilhar-se era exaustivo. E o plano que a firma de publicidade da
Flawless traçou envolvia muito disso. Enquanto eu estava ocupada me
desculpando e falando baixo, eles planejaram elevar o perfil de Lita,
pintando-a como a liderança responsável dentro da Flawless. Eu entendia a
tática, mas simplesmente não gostava dela.
Minha posição com o conselho estava instável, para dizer o mínimo. Um
movimento errado e eles poderiam me tirar da minha própria empresa, graças
àquele estúpido contrato de ética. Quando eu o assinei, anos atrás, a ideia de
que eu pudesse fazer algo “antiético” era ridícula. Agora, não havia nada que
eu pudesse achar engraçado na situação.
Desci o corredor, passei pela sala de estar de dois andares com suas vistas
espetaculares do oceano, pela cozinha e o seu estado imaculado.
Meu quarto era o único cômodo no andar principal. Optei por tons neutros
limpos aqui porque a cor vinha da água e do céu através da longa parede de
vidro sanfonada. Normalmente, era como entrar em um sofisticado spa. O
relaxamento era instantâneo.
No entanto, a alta adrenalina que corria pelas minhas veias me rendeu uma
bola gigante de pressão. Se alguém me abraçasse com muita força, eu tinha
quase certeza de que minha cabeça estouraria.
Fui direto para o carrinho de bar que eu deixava na porta do banheiro
principal. Não havia nada como um banho quente de banheira e algumas
doses de uísque. Tirei minha regata suada e deixei que caísse no chão.
Alcançando o decantador, o cheiro de fumaça me atingiu. Tarde demais,
percebi que as portas do terraço do meu quarto estavam abertas. Eu não
estava sozinha. Abri a gaveta da penteadeira e peguei um babyliss. Não era o
ideal, mas se um intruso escolhesse o dia de hoje para mexer comigo, ele
viveria para se arrepender de uma escolha tão infeliz.
O barulho da água me fez girar.
Emoldurada por uma grande janela em forma de nicho ficava a banheira de
cobre com pedestal, que eu mandei fazer sob medida. Era um dos meus
lugares favoritos de toda a casa.
E atualmente estava ocupada por um homem totalmente nu.
— Olá, Emily.
Um homem totalmente nu com o um leve sotaque britânico. Meu cérebro
estava lutando para avaliar a situação e formular hipóteses. Estava prestes a
ser morta por um assassino em série pelado?
Um cigarro balançava em seus lábios de forma indolente. Seu cabelo era
farto e escuro, ondulando negligentemente no topo. Os olhos que me
estudavam eram de um azul glacial. Sua mandíbula era esculpida
aristocraticamente, destacada por cavidades delicadas bem abaixo de maçãs
do rosto de tirar o fôlego. A metade inferior do seu corpo estava coberta por
uma camada grossa da droga da minha espuma de banho Prosecco.
— O que diabos pensa que está fazendo? — demandei, segurando o
modelador como se fosse um pequeno taco de beisebol. Precisava ligar para
Jane vir algemar esse cara e expulsá-lo da minha casa, nu.
Meus vizinhos iriam adorar.
Havia uma cicatriz embaixo do seu olho esquerdo que lhe dava uma
aparência malandra. Preguiçosamente, ele tirou o cigarro da boca com dedos
longos. Exalou uma nuvem azul e olhou para o meu pequeno top esportivo
como se tivesse todo o direito.
— Estou aqui para te ajudar — anunciou.
Seria assim que acabaria tudo. Sendo assassinada por um homem louco e
nu. Ontem, eu estava mais propensa a morrer em um acidente, em um avião
particular. Que decadência.
— Você tem cinco segundos para sair da minha banheira e outros dez para
sair da minha casa, ou eu vou chamar a polícia e mandar minha equipe de
segurança usar armas de choque até que você morra nessa banheira — eu
disse.
Ele sorriu, um tipo de sorriso convencido, e a vontade de arrancá-lo de seu
rosto foi tão avassaladora que quase mordi meu lábio.
— Qual seria a graça nisso? — perguntou. Sua voz era suave, divertida.
— Como diabos entrou aqui? — Tive que desarmar o alarme quando entrei
com Jane.
Jane. Mais zangada que assustada, fui até a mesinha lateral estilo
Hepplewhite ao lado da banheira e peguei o telefone. Se esse idiota
presunçoso e eu não nos matássemos em um combate, eu teria uma longa
conversa com Daisy sobre a segurança em Bluewater.
Inclinando a cabeça, o estranho nu soprou outra nuvem de fumaça em
direção ao lustre Baccarat e me ignorou.
— Jane? Preciso da sua arma de choque no meu banheiro.
— Outra aranha? — ela perguntou.
— Não, não é outra aranha — sibilei, olhando o homem prestes a morrer na
minha banheira. — É pior.
— Está correndo perigo? — ela perguntou, seu tom cortante.
— Provavelmente apenas de cometer assassinato. — Desliguei.
O movimento me aproximou do meu perseguidor. Imprudente pela raiva,
tirei o cigarro de sua boca e o joguei nas bolhas que mal cobriam seu colo.
— Não permito cigarros dentro da minha casa. Nem estranhos sem roupa.
— Que pena — disse ele, e uma covinha apareceu em sua bochecha. —
Mas isso torna meu trabalho mais fácil, acredito. — Apoiando as mãos nas
laterais da banheira, ele se levantou, derramando bolhas e água em cascata
pelo corpo.
Ele saiu da banheira e entrou no meu espaço pessoal.
Mantive minha posição, mas não fiz nenhum esforço para desviar o olhar
do pau ensaboado entre suas coxas musculosas.
Se eu tivesse que ser assassinada em minha própria casa por um homem
louco nu, pelo menos ele era a personificação da forma masculina perfeita.
Teria sido mais deprimente se meu assassino tivesse barriga de cerveja e
dedos peludos. Filmes feitos para a TV sobre a minha morte seriam
reprisados por anos se o ator fosse um vilão homicida tão bonito assim.
Seus lábios se curvaram de um lado enquanto ele deixava a água empoçar
todo o meu chão de mármore.
Eu realmente adoraria testemunhar Jane eletrocutá-lo. Então tomaria um
uísque enquanto assistia aos seguranças arrastando-o para longe, decidi.
Talvez pudesse instruí-los a arrastá-lo por um dos arbustos com mais
espinhos?
Ele se aproximou de mim com um braço musculoso.
Eu vacilei, me perguntando se havia julgado mal o fator de perigo.
Isso o divertiu.
— Te deixo nervosa, Emily? — perguntou, puxando uma toalha adornada
com monograma da prateleira atrás de mim. Ele começou um show lento e
sensual para se secar. Meus olhos se grudaram a todos os lugares que a toalha
secava.
Dei um passo para mais perto dele e pisei em seus pés descalços. Ele era
bem maior que o meu um metro e setenta, mas a raiva me tornou
estupidamente corajosa.
— Vou gostar de assistir o meu time de segurança acabar com você. E
tenha certeza de que vou apresentar queixa. Invasão. Perseguição. Estou
temendo pela minha vida agora.
Eu queria lutar, percebi. O kickboxing não suprimiu a sede de sangue que
mantive trancada o dia todo.
— Emily, Emily, Emily — censurou. — Como eletrocutar um funcionário e
exibi-lo nu saindo da sua casa ajudará com a sua situação? — Ele estendeu a
mão e brincou com a alça do meu top. O toque de seu dedo contra minha pele
ainda suada acendeu algo que parecia quente como raiva, mas derretido. Mais
perigoso.
— Empregado? — Parecia que eu estava sendo sufocada.
— Sou Derek Price, do Alpha Group. O homem contratado para te ajudar a
continuar com a sua empresa.
Porra.
Jane ninja rolou para o banheiro vinda do terraço, aterrissando agachada e
apontando a arma de choque para o homem nu.
— Uau. — Foi o som efusivo que Jane emanou.
— Concentre-se mais no aspecto criminoso do que no pau, Jane — eu a
lembrei, quando seus olhos castanhos desceram ao sul do peitoral bem
formado do cara para o que pareciam vários centímetros decadentes de puro
pecado.
— Sou multitarefa — insistiu ela.
Derek sorriu para ela e passou por mim, irresponsavelmente desinteressado
na arma apontada para ele e no modelador que eu ainda segurava. No
carrinho do bar, ele derramou dois dedos de uísque em três copos.
— Quem diabos é você? — exigi saber.
Ele empurrou um copo na minha mão.
— Acredito que mencionei que sou Derek Price — disse ele novamente. —
Eu sou o cara que sua diretoria contratou para limpar a sua bagunça. Imani
pode confirmar.
Porra em dobro.
— Então você aparece aqui, invade minha casa e toma um banho?
— O que tem para o jantar? — Frank, o papagaio que nunca se calava,
grasnou mal-humorado da palmeira lá fora.
— Cale a boca, Frank — dissemos juntas, eu e Jane.
— Você evitou minhas ligações o dia todo. E, uma coisa você que não tem,
nessa... — Aqueles olhos azuis da cor do mar percorreram meu corpo da
cabeça aos pés e retornaram à cabeça. — Situação — decidiu ele — é tempo.
Agora que tenho sua atenção, podemos começar.
Eu abri a boca e fechei novamente.
Usando dois dedos, ele empurrou o copo em minha mão para os meus
lábios. Engoli por reflexo.
— Boa menina. Você tem outro bilhão de dólares em jogo e a reputação de
uma empresa que construiu com as próprias mãos encantadoras. Meu
trabalho é garantir que fique com tudo pelo qual trabalhou. O seu é me ouvir
e fazer tudo o que eu digo.
— Boa sorte com isso — zombou Jane de sua posição agachada.
Ainda nu, Derek pegou um dos copos que restavam no carrinho e o
entregou a Jane. Ela aceitou com a mão que não empunhava a arma de
choque.
— Isso não está acontecendo — sussurrei.
— Tenho certeza de que está — insistiu Jane, olhando para o pau dele
novamente. Ela tomou um gole. — Sim. Definitivamente está acontecendo.
Obedientemente, Derek pegou o terceiro copo e deu uma volta lenta. Deus.
Sua bunda era a bunda de homem mais perfeita que eu já vi em toda a minha
vida. E eu o odiei por isso. Que desperdício uma bunda como aquela em um
idiota.
Ele estendeu a mão.
— Telefone.
Foi o pau. Ou a bunda. Ou aqueles olhos tão azuis. Fosse o que fosse, eu
estava hipnotizada. Larguei o modelador de cachos e entreguei meu celular a
ele.
Seus polegares voaram pela tela, e então ele o devolveu.
— Pronto. Agora estou nos seus contatos. Quando eu ligar, você atende.
— Quando você ligar, eu atendo? — repeti, com desdém. Eu queria quebrar
meu celular naquele rosto perfeito.
Nada disso estava acontecendo. Minha vida cuidadosamente regrada não
estava saindo de controle repentinamente, dançando perigosamente perto do
fundo do poço. Eu havia trabalhado tão arduamente que agora estava
alucinando.
Ele se inclinou tão perto que pude sentir o calor saindo de sua pele úmida.
Ai, Deus. Eu não tinha imaginação para alucinar tão bem assim.
— Se não atender, perderá tudo — disse ele.

***

— Então ele estava falando a verdade? — perguntou Jane quando desliguei


o telefone.
Meu pai não estava respondendo às minhas ligações. Ele provavelmente
ainda estava no voo. Mas chamei outra diretora ao telefone e ela me garantiu
friamente que Derek Price era de fato meu novo anjo da guarda e babá.
— Parece que sim.
Afundei no balcão da ilha da cozinha e observei com apatia Jane servir duas
doses de alguma coisa.
— O que é isso? — perguntei.
— Bola de fogo — disse ela. — Peguei emprestado de Daisy. É meio
reconfortante saber que bilhões de dólares ainda não podem comprar um
paladar sofisticado. Aquela garota tem o pior gosto para bebida.
Ela me entregou um copo e, pela segunda vez naquela noite, bebi sob
comando.
— Então, o plano é o seguinte — disse Jane. — Você e eu vamos tomar
algumas doses e depois vou passar a noite aqui, caso o ladrão pelado volte
para experimentar a sua ducha de vapor.
— Bom plano — ofeguei e deslizei meu copo vazio de volta para ela. —
Você vai atirar nele da próxima vez, certo?
— Prometo.
08

Parei meu carro na entrada da garagem de cascalho de conchas de Emily e


saltei do veículo assobiando. Era um belo dia. A umidade havia diminuído
um pouco, deixando a costa da Flórida desfrutar do céu azul e da brisa do
oceano. O melhor de tudo, eu tinha um quebra-cabeça novinho em folha para
resolver.
E ela ficaria muito triste em me ver.
Com as mãos nos bolsos, caminhei pela passarela sinuosa até a porta da
frente.
Poderia entrar novamente, mas já escandalizei Emily o suficiente ontem.
Apertei a campainha com um dedo e dei as costas à porta para admirar a
vizinhança. Bluewater era um enclave fechado exclusivo que, de acordo com
minha pesquisa, o meu belo quebra-cabeça havia desenvolvido com três de
suas amigas. Seis anos atrás, esses 2.500 hectares eram pouco mais do que
uma confusão pantanosa de lixo e vegetação alta.
Agora, era o lar de algumas das residentes mais ricas e ecléticas que Miami
tinha a oferecer.
Elas haviam construído algo incrível aqui. Mansões à beira-mar escondidas
atrás de um paisagismo exuberante. Caminhos para carrinhos de golfe e
ciclovias. Construções luxuosas. Uma marina isolada e uma pista de pouso
particular. Até mesmo uma vila colorida de boutiques e restaurantes
exclusivos.
Era impressionante. Ela era impressionante.
A porta se abriu e a segurança da noite anterior me olhou com
desconfiança. Jane Gonzalez. Filha única de pais cubanos. Ela foi fuzileiro
naval ativa por vários anos antes de se dedicar à consultoria de segurança e
assistência pessoal.
— Você voltou — afirmou ela, baixando o olhar para a minha virilha.
— Receio que vim totalmente vestido desta vez — disse, oferecendo meu
sorriso mais encantador.
— Ela ficará decepcionada — previu Jane.
— Que eu esteja de volta ou de calça? — brinquei. O humor era uma das
minhas melhores armas. Eu era bem charmoso e engraçado quando as
circunstâncias exigiam.
Os lábios da Jane séria se curvaram como se estivessem considerando um
sorriso.
— Estamos nos preparando para irmos ao escritório — disse ela.
Passei em volta dela, esfregando as palmas das mãos.
— Bem na hora. Estou aqui para levá-las.
— Oh, ela realmente não vai gostar disso — cantarolou Jane baixinho.
Ela me seguiu até o saguão de dois andares. Escadas de cada lado subiam
até o segundo piso e um mezanino que dava para o vestíbulo e a sala de estar,
ou como quer que os extremamente ricos chamavam.
Minhas contas bancárias não eram, de forma alguma, anêmicas. Mas este
era outro nível... Contudo, não achei a casa fria ou luxuosa demais. Havia um
par de tênis de corrida ao lado da porta, jornais e uma embalagem de bala na
mesa de entrada. Eles estavam próximos a um requintado arranjo de
orquídeas. Mas os detalhes sugeriam que havia um humano em algum lugar
debaixo das camadas de Emily Stanton.
— Chefe? O motorista chegou — chamou Jane.
— Tudo o que posso dizer é que se esse dia for tão ruim quanto ontem, vou
vender tudo e comprar uma casinha em uma ilha. — Emily apareceu com os
sapatos de salto alto em uma das mãos. Ela estava vestida como se fosse ao
clube almoçar com as amigas. Uma saia e uma jaqueta de linho rosa claro.
Uma madame indo almoçar.
Seus pés descalços derraparam até pararem no mármore frio.
— Não! — Ela apontou para mim como se eu fosse um cachorro
malcomportado.
Eu sorri.
— Precisa se trocar — insisti, dando uma olhada nela.
— Absolutamente não — retrucou. — Eu me recuso a fingir ser outra
pessoa apenas para distrair a atenção de um erro estúpido que não deveria ter
relação com...
— Sua roupa, amor. Mude a sua roupa — esclareci.
Emily perdeu a fala e olhou para baixo.
— Minha roupa?
— Você está mesmo parecendo que vai a um jantar de Páscoa da igreja —
observou Jane.
Eu realmente estava começando a gostar dessa mulher que não havia me
eletrocutado.
— Estou respeitável.
— O que mais há em seu closet? — perguntei, pegando a mão de Emily e
puxando-a pelo corredor em direção à suíte master que bisbilhotei ontem à
noite.
Ela tentou fincar os pés no chão, mas não conseguiram encontrar tração no
mármore liso.
— Me solta!
Soltando-a, abri as portas duplas de seu closet.
— Precisa parecer humana — eu instruí, remexendo nas prateleiras
meticulosamente organizadas. — Aparecer como a Barbie da sala de diretoria
não vai ajudar o seu caso. Aqui. — Joguei um par de jeans cropped para ela.
Ela pegou a calça por reflexo.
— Jeans? Você está louco?
Seu horror era risível. Eu me virei para encará-la.
— Nunca foi de calça jeans para o escritório?
— Aos domingos, quando não tem mais ninguém lá. Eu tenho uma
imagem...
— Esse é exatamente o problema. Sua imagem é de princesa corporativa de
gelo. Quem não gostaria de ver rachaduras nessa armadura? Precisamos
humanizar você e tirar vantagem da atenção.
— Tirar vantagem? Eu quero que ela suma — disse ela, ainda segurando a
calça contra o peito.
— O que vestiria se fosse sair com as amigas? — perguntei.
— O quê?
— Camisas. Algo divertido. Casual. — Estalei meus dedos.
Ainda fervendo de raiva, ela apontou para a outra extremidade do closet. Eu
vasculhei um punhado de camisetas e suéteres cuidadosamente dobrados.
— Aqui. — Joguei um suéter acinturado preto e sem mangas para ela.
— Vamos nos atrasar — reclamou, me olhando com raiva do outro lado do
provador.
Sua raiva era... divertida. E um pouco excitante. Eu esperava uma anfitriã
educada e perfeitinha. Encontrar uma mulher temperamental em vez disso era
um bônus.
— Reorganizei a sua manhã — disse a ela, examinando sua seleção de
sapatos.
— Você fez o quê?
Enrolei os dedos em um par de sandálias de tiras magenta e com salto.
— Emily, amor, entendo o seu desejo de permanecer no controle. Porém,
embora revolucionar o cuidado com a pele possa ser a sua área de expertise,
recuperar imagens e gerenciar crises é a minha. Isso seria mais eficiente se
simplesmente confiasse em mim.
— Confiar em você? Você invadiu minha casa e tomou um banho de
banheira!
— Podemos discutir no carro. Vá se trocar.
— De todas as pessoas, eu nunca confiaria em você. Nem se você fosse o
último ser humano na face do planeta.
Eu teria apostado dinheiro que ela bateria o pé descalço no chão, mas ela se
conteve. Outro ponto a seu favor. Restrição significava que era capaz de ser
persuadida.
Ela desapareceu do provador, murmurando uma série de palavras
censuradas.
— Use o cabelo solto — gritei para suas costas.
Eu ouvi um distinto “vai para a merda” antes que ela fechasse a porta do
banheiro e a trancasse com um estalo.
Dei uma olhada rápida dentro de algumas gavetas na grande ilha
personalizada no meio do closet e encontrei muitas delas vazias. Peguei um
cinto e, em seguida, escolhi uns óculos de sol de aviador de sua coleção bem
insignificante. Obviamente, Emily Stanton tinha outros interesses na vida que
iam além de roupas e acessórios.
Eu a senti na porta antes que ela falasse.
— Bem? — disse, emanando irritação.
A calça jeans era justa e terminava a poucos centímetros de seus tornozelos.
O suéter acentuava sua cintura e o corte a deixava descontraída, mas ainda
assim estilosa.
— Exatamente o que queremos — eu disse, entregando-lhe as sandálias.
Ela se firmou no granito da ilha e colocou os pés dentro delas. Eu achava
que esse modelo amanhã já estaria esgotado.
— Muito bom. Não se parece em nada com uma viciada em drogas.
— Sua aprovação significa muito para mim — disse ela, com secura.
Em resposta, peguei a ponta do cinto e passei pela primeira casa em sua
cintura. Emily deu um tapa em minhas mãos e assumiu a tarefa.
— Não acredito que estou te dando ouvidos — murmurou.
— Confie em mim, amor. Eu não vou te desencaminhar. — Enfiei os dedos
em seu cabelo e baguncei suas mechas loiras.
Ela bateu em minhas mãos e quase caiu em cima de sua coleção de calças.
— O que está fazendo?
Joguei seu cabelo para o lado de um jeito bagunçado.
— Perfeito.
— Achei que esse fosse o problema — disse Emily maliciosamente,
afivelando o cinto com um puxão violento.
— Vamos. Estamos atrasados — eu disse, passando por ela.
— Você é irritante! Vou te matar e mandar Jane te dar de comer para Steve!
Saí de seu quarto na frente, notando que a cama enorme estava arrumada
com precisão.
— Steve? — Fiquei intrigado.
— É melhor não saber — disse Jane da cozinha onde estava verificando as
fechaduras das portas do terraço. A casa inteira oferecia uma vista
panorâmica da água azul.
— Vamos, senhoras. Temos opiniões para mudar hoje.
— Não vejo por que você precisa nos levar ao trabalho — reclamou Emily,
enquanto eu meio que a empurrava para o banco do passageiro do Escalade.
— Você não é muito amigável pela manhã, não é? — provoquei.
— Ela precisa de cafeína para ser educada. Açúcar e carboidratos se quiser
que seja amigável — falou Jane do banco de trás.
— Posso fazer isso acontecer — prometi. Eu podia ser encantadoramente
dissimulado quando a ocasião exigia, mas não descumpria as minhas
promessas.
09

Derek dirigia por Bluewater como se estivesse intimamente familiarizado


com a minha comunidade. Eu não gostei. Ele serpenteou pela Tequila Lane e
cruzou a Tiki Bar Drive como se tivesse nascido desviando-se dos exercícios
de tai chi e do congestionamento de pedestres nas pistas de carrinhos de golfe
do início da manhã.
— Bela escultura — observou ele, quando passamos pelo galo esculpido à
mão de quase dois metros e meio de altura perto do portão.
— Aham. Estava pensando a mesma coisa — meditou Jane do banco de
trás.
Ha ha. Tão engraçado. Hilário. Cruzei os braços sobre o peito e fiz uma
lista mental de todas as maneiras que poderia desovar o corpo de Derek.
Uma empresa de gerenciamento de crises? Eu não gostava disso. E
realmente não gostava de nada em Derek Price. Ele era arrogante.
Condescendente. Gostava de assumir o comando.
Certo. Algumas mulheres gostavam disso.
Algumas mulheres provavelmente também gostariam de sua invasão sem
roupa.
Mas eu não era uma dessas mulheres. Eu era Emily Stanton, droga, e estava
pendurada num precipício pelas unhas.
Merda, precisava marcar uma manicure.
Digitei o lembrete no meu telefone enquanto atravessávamos Bluewater.
Minha casa, junto com as casas das minhas companheiras, ficava bem na
ponta do enclave acessada por uma pequena ponte. Uma bela lagoa separava
a nossa rua sem saída do resto da comunidade. Oferecia o isolamento que eu
queria, embora Cam fosse a nossa mini intrometida do bairro. Ela controlava
todas as nossas idas e vindas. Órfã, ela havia nos adotado como família e
tomava conta de nós como uma mamãe gansa.
Como se ela estivesse lendo meus pensamentos, meu telefone vibrou na
minha bolsa.
Eu o pesquei.
Cam: Quem é o colírio para os olhos, capa da GQ?
Revirei os olhos mentalmente.
Eu: Só o cara que invadiu minha casa pelado a noite passada. Longa
história.
Quatro segundos depois, recebi mensagens de texto com pontos de
interrogação de Luna e Daisy no nosso grupo.
Eu: Gente, é uma longa história, e espero me livrar dele hoje.
Cam: Eu fiz uma pesquisa de imagens. Esse pedaço de feromônios é O
Derek Price.
Daisy: Você o contratou! Estou tão orgulhosa. Eu ia te presentear com ele,
mas sei como se sente quando as pessoas se metem nos seus assuntos.
Luna: Espera. Emily contratou um garoto de programa?
Daisy: Assuntos = vida profissional. E não, assuntos = vida pessoal. Ele é
um especialista em gestão de crises e um muito bom, por sinal. Faz os
denegridos voltarem a brilhar. Usei os seus serviços depois do desastre do
furto em 2016.
Cam: Estou vendo o site dele e as contas nas redes sociais. Ele parece
legítimo. E também muito, muito lindo. Como se esculpido por anjos em um
lindo mármore celestial. Pergunta: não é um crime seres humanos serem tão
atraentes assim?
Eu revirei os olhos. Desde quando alguém legítimo se apresenta pelado
depois de uma invasão de domicílio?
Meu conselho havia me colocado com um criminoso para evitar que eu
fosse rotulada como tal.
Lancei um olhar para Derek e seu perfil “celestial”. Droga. OK. Eu podia
admitir que ele era atraente. Até mesmo bonito. Ele tinha aquelas pequenas
cavidades debaixo das maçãs do rosto que deixavam sua figura pensativa e
angulosa. Sua mandíbula era marcada e levemente sombreada pela barba por
fazer, como se ele fosse muito descuidado para se preocupar em se barbear
regularmente. Por trás de seus óculos de sol, eu sabia que havia olhos com
cílios fartos, mais azuis do que a Baía de Biscayne. A cicatriz abaixo do olho
era aceitável. As covinhas... não eram repulsivas.
Ele usava um terno feito sob medida sem gravata, e sua pele tinha o tom de
bronze escuro de um residente de Miami. Tudo bem. Ele não era horrível.
Mas isso não significava que era bom em seu trabalho. Ou que eu precisava
de seus serviços.
Daisy: Diga a ele que eu mandei um oi.
Ela adicionou um emoji soltando beijinho e piscando.
Eu não diria nada. Não deixaria esse Derek Price invadir mais a minha vida
do que ele já havia feito à força.
Chegamos ao passadiço, deixando meu refúgio repleto de palmeiras para
trás. Imediatamente, uma minivan enferrujada cortou três faixas de tráfego e
freou com força na nossa frente. Apoiei minha mão no painel e gritei em
alerta.
Jane geralmente respondia mostrando o dedo do meio pelo teto solar aberto.
Mas Derek era mais legal. Ele simplesmente girou o volante para a esquerda
e acelerou em torno do... aquela criança tinha idade suficiente para dirigir?
— Todo mundo ao volante em Miami é um animal — observou
alegremente.
Como se tivesse aparecido para provar seu argumento, uma caminhonete
que provavelmente não tinha passado na inspeção há menos uma década
ricocheteou no divisor de concreto do acostamento e continuou a deslizar por
uns cem metros antes de voltar para a pista.
— Devíamos ter ido de helicóptero — disse Jane.
— Se fôssemos de helicóptero, não conseguiríamos passar por um drive-
thru — disse Derek.
Ela se animou no banco de trás.
— Carbs ‘n Coffee?
Era uma rede local de donuts com drive-thrus rápidos e confeitaria com
sabores especiais como Coco com Chia e Chocolate com Limão. Meu
estômago rosnou automaticamente. Quando foi a última vez que eu comi um
donut? Mamãe tinha feito aquele comentário ferino sobre o meu quadril estar
se expandindo na noite de Natal. Eu não comia carboidratos desde então.
Era triste que desistir do açúcar fosse mais fácil do que desafiar minha
própria mãe.
Não disse nada quando Derek se espremeu perfeitamente entre um
Lamborghini e um carro familiar e pegou a saída para o centro de Miami.
— Deus te abençoe — falou Jane quando ele entrou no Carbs ‘n Coffee e
abaixou a janela.
— O que vai ser, senhoras? — disse com um sorriso deslumbrante.
Eu fiquei deslumbrada. Mas só porque estava com fome.
Jane fez um pedido doce de apodrecer os dentes, que Derek retransmitiu ao
alto-falante.
Quando foi a última vez que passei por um drive-thru? Eu tinha um chef
três dias por semana em casa, e entregas de refeições saudáveis preenchiam
as lacunas.
— Vou querer o wrap de clara de ovo de espinafre — disse, enquanto meu
estômago implorava por algo mais doce. Estava no meio do pior escândalo da
minha vida. Não merecia algo delicioso. — E café preto.
— Também vamos querer mais dois cafés pretos, dois donuts de canela e
baunilha e... — Ele me lançou um olhar que cheirava a desapontamento. —
Um wrap de clara de ovo de espinafre.
Nós avançamos, e o atendente do drive-thru empurrou uma bandeja de
cafés e sacolas brancas de padaria para Derek. O aroma. Aquele aroma
quente de gloriosa massa frita doce me encheu com uma pontada aguda de
arrependimento.
Eu precisava me controlar se um saco de donuts me fazia começar a
lamentar minhas escolhas de vida.
Derek distribuiu os cafés e jogou a sacola para Jane.
— Aqui — disse.
Ele me ofereceu um donut cuidadosamente embrulhado em um guardanapo.
— Não, eu pedi o wrap — insisti. Ele tinha deficiência auditiva?
— E receberá seu wrap depois de comer seu doce como uma boa menina.
Jane bufou do banco de trás.
— Eu gosto mesmo desse cara, chefe — disse com a boca cheia.
— Vamos, Emily — disse Derek, balançando o donut na frente do meu
rosto. Meus olhos piscavam e piscavam, seguindo o caminho da massa. —
Você sabe que me quer.
Eu o arranquei de sua mão assim que o carro atrás de nós buzinou.
— Desconte o dinheiro para o nosso pedido e o resto fica para quem pedir
depois — disse Derek à caixa, entregando-lhe duas notas de vinte novinhas.
A caixa sacudiu o dinheiro, provavelmente cega pela sua beleza. Eu me
acalmei com o pequeno pedaço de canela e açúcar.
— Hummm. — Não havia nada sutil na minha reação vocal ao açúcar
quente explodindo na minha boca.
— Gosto bastante desse som — disse Derek ao sair do estacionamento.
— Cale a boca — disse e dei uma mordida maior.
— Agora que estamos devidamente abastecidos — disse ele —, vamos falar
sobre a sua entrada no trabalho nesta manhã.
— Sair do carro. Entrar no prédio — eu disse, espalhando migalhas por
todo o painel do carro do homem.
Ele me passou outro guardanapo.
— Isso foi ontem. Você não sorriu, acenou ou respondeu a qualquer
pergunta. Você parou o carro como a Grace Kelly e deixou que os seguranças
a levassem para dentro.
— E como a sua visão diverge? — perguntei, perdendo o nível apropriado
de sarcasmo por causa da delícia do donut. Gostaria de saber se as reuniões
do conselho seriam mais agradáveis se eu servisse esse tipo de iguaria.
— Nós vamos sair, dando risada e sorrindo como se não tivéssemos
nenhuma preocupação no mundo. Você vai segurar esse donut da mesma
forma que está fazendo agora. E vai sorrir para os fotógrafos como se eles
fossem seus melhores amigos.
— Por que eu faria isso? Só vai incentivá-los a fazerem perguntas.
— É por isso que estou aqui.
— E se eles perguntarem sobre você? Eu deveria dizer, “Oh, meu conselho
contratou uma babá invasora de domicílios para garantir que eu não arruíne
um império de bilhões de dólares”?
— Bem, vamos esperar que algo saia da sua língua com um pouco mais de
naturalidade. Se começar a tomar essa direção, vou interferir e cuidar disso
— disse Derek presunçosamente.
Eu odiava as pessoas que “cuidavam” das coisas para mim e tinha a nítida
impressão de que ele já tinha notado.
— Não quero passar o dia na calçada respondendo a perguntas sobre
cocaína e encontros ruins. Quero entrar no prédio e fazer a porra do meu
trabalho.
Era quase ridículo que tudo pelo que trabalhei tanto estivesse em jogo. Um
pequeno passo em falso e eu poderia perder tudo.
— Basta lembrar, você precisa das pessoas e suas câmeras aqui — disse
ele, parando em frente ao meu prédio.
Eu zombei.
— Ah, tá. Certo.
— Você quer algo delas. Sua absolvição. Seu apoio. Sua ajuda. Você quer
que comprem ações da Flawless quando ela for a público porque gostam de
você e porque acreditam em você.
Minha expressão lhe disse com absoluta clareza para onde ele e o resto das
pessoas na calçada poderiam ir.
— Tente ser um pouco humana — sugeriu.
Jane bufou.
— Boa sorte com isso.
— Ei!
— Desculpe, chefe — disse ela, claramente não se arrependendo.
Derek se inclinou sobre mim para alcançar a maçaneta da porta.
— Agora, levante o seu donut, querida, e sorria.
10

O sorriso que Emily forçou no rosto estava quase congelado.


— Me dê a sua bolsa — insisti, pegando-a para que ela pudesse segurar seu
café e donut para a multidão incontrolável que aguardava seu vislumbre.
A bilionária com café de drive-thru e calça jeans surrada parecia
quilômetros mais acessível do que no dia anterior.
— Emily! — Havia duas dúzias de fotógrafos posicionados em cada lado
da entrada do prédio. A segurança os impedia de bloquear a porta de entrada
com cavaletes e carrancas ferozes.
Minha protegida pigarreou e percebi que, por baixo daquela brilhante
camada de coragem, ela estava nervosa.
— Olá — falou fracamente.
— Emily! — Mais fotógrafos disputaram sua atenção, gritando seu nome
enquanto a alinhavam em suas câmeras. Eu lhe dei um pequeno empurrão
para a frente. Jane e eu a flanqueamos quando ela se aproximou da porta.
— Você se sente com sorte por ter evitado uma prisão? — berrou uma
mulher da primeira fila.
O sorriso de Emily vacilou e eu senti um instinto protetor raramente ativado
ganhar vida. A maioria dos meus clientes merecia as tempestades de merda
que caíam sobre si mesmos. Mas meus instintos estavam me dizendo que
aquilo não foi culpa dela.
— Que sabor de donut é esse? — falou outra pessoa.
Emily se virou para o homem.
— É um donut de baunilha polvilhado com açúcar e canela da Carbs ‘n
Coffee — disse ela, segurando-o com orgulho. — O café-da-manhã dos
campões.
Houve algumas risadas. O suficiente para encorajá-la.
— Se eu soubesse que todos vocês estariam aqui perdendo tempo, teria
trazido um para todos — disse ela.
— Amanhã! — gritou um piadista nos fundos.
Emily sorriu em sua direção.
— Emily, de quem são os sapatos que está usando? — alguém da direita
ligou.
— Meus.
Eu escondi meu sorriso e dei-lhe uma cotovelada sutil.
— Meus via Sophia Wang. Ela é relativamente nova — corrigiu.
— Quem é a beldade? — questionou uma mulher por trás da câmera que
estava documentando cada milésimo de segundo.
— Eu sou Jane — disse Jane.
A multidão explodiu em risos.
— Prazer em conhecê-la, Jane. E você, lindo? — tentou a mulher
novamente.
Apontei para mim mesmo, fingindo confusão e olhando por cima do ombro.
— Eu? Oh, eu sou apenas um dos queridos amigos de Emily.
Emily se virou para me olhar e arqueou uma sobrancelha. Eu sorri para ela,
totalmente ciente da imagem que estávamos passando.
— Nenhum dos meus amigos se parece com você — disse outra mulher
atrás da câmera.
— Estou aqui apenas para carregar a bolsa dela — assegurei à multidão.
O sorriso de Emily se apertou.
— Se nos dão licença, hoje temos um grande dia na Flawless e estou
animada para começar — disse ela, com apenas um toque de tensão em seu
tom.
— A IPO ainda está ativa? — gritou alguém.
— Você e Derek estão namorando?
— Você já se desculpou com sua família pelo constrangimento?
— As drogas eram suas ou de Van Winston?
Fomos levados rapidamente para dentro do prédio pelos seguranças. O
sorriso tenso de Emily permaneceu no lugar enquanto ela agradecia aos
guardas, mas desapareceu assim que as portas do elevador se fecharam.
— Jane?
— Sim, chefe?
— Poderia desenterrar alguns caldeirões extragrandes e um pouco de óleo
quente para mim? — perguntou Emily. — Estou pensando em fazer algumas
reformas no telhado.
Escondi o meu sorriso.

***

Eu a segui até os escritórios da Flawless.


— Bom dia, uau— suspirou a mulher atrás da mesa, os papéis em sua mão
caindo despercebidos no chão. Jane sorriu ao meu lado.
— Bom dia, Rosario. Este é o Sr. Price. Não se acostume com ele — disse
Emily secamente.
Eu acenei na direção da mulher. Ela mexeu os dedos com os olhos
arregalados.
— Deve ser bom ser tão bonito a ponto de transformar o cérebro das
pessoas em purê de couve-flor — refletiu Jane ao meu lado.
— É mesmo muito útil.
Emily nos conduziu por uma rede bem decorada de corredores, cubículos e
salas de conferência, até outro conjunto de portas de vidro. Duas
escrivaninhas imaculadas com dois assistentes imaculados flanqueavam as
portas.
— Easton, Valerie, este é Derek Price. Ele é muito bonito e está ciente
disso. Portanto, podemos todos seguir em frente agora — disse Emily. —
Derek, estes são meus assistentes.
— Valerie — disse, estendendo minha mão. — Nos falamos esta manhã.
— Sim. Bom dia, Sr. Price — respondeu Valerie, apertando minha mão
rapidamente. Ela parecia nervosa.
— Easton — saudei, apertando a mão dele.
Ele me deu uma olhada cautelosa.
— Senhorita Stanton? Seu pai está esperando em seu escritório — disse
Valerie.
— Droga. — Emily fez uma pausa, olhou para o donut e enfiou o resto dele
na boca.
Ela e Jane tomaram grandes goles de café e endireitaram os ombros.
— O meu taser no modo “torrar” — disse Jane.
Conhecer o pai no primeiro dia. Isso vai ser divertido.
Emily me lançou um olhar demorado e ilegível.
— OK. Vamos acabar logo com isso — suspirou.
Eu a segui para dentro. Seu escritório era menor do que eu esperava.
Significativamente menor. A CEO de uma empresa multibilionária não tinha
nem mesmo um escritório de canto?
A sala em si foi feita no que eu assumi ser a marca registrada de Emily, em
brancos e cinzas claros. A parede de vidro dava aos visitantes um lembrete
espetacular de tudo o que Miami tinha a oferecer lá embaixo. A mobília era
de metal inoxidável e branca. Moderno. Pacífico. Feminino. Ou, ao menos
seria, se não fosse pelo homem enorme encarando com raiva um jornal atrás
da mesa.
— Está na minha cadeira, papai — observou Emily.
Ela gosta de marcar o território. Ótimo.
O homem ergueu os olhos. Ele era careca, um pouco barrigudo e com
bochechas rosadas. Parecia um boxeador aposentado, mas o terno de seis mil
dólares e o Rolex diziam o contrário.
— Alguém tem que bancar o líder por aqui, já que você está muito ocupada
sendo presa.
A travada de mandíbula de Emily sugeria que havia uma torrente de
palavras implorando para serem liberadas.
— Eu não fui presa — disse ela secamente, largando o café na mesa e
cutucando a cadeira. — Fui interrogada e liberada.
Byron Stanton levantou-se e fechou a cara para a filha.
— Tem alguma ideia do completo caos que isso é?
— Sim, pai. Eu tenho uma ideia muito boa do completo caos.
— Eu esperava esse comportamento do seu irmão — começou ele.
Emily revirou os olhos.
— Quando eu já te decepcionei?
— Terça-feira — retrucou.
Eu vi a expressão de mágoa pouco antes que desaparecesse.
— Quando eu não consegui me recuperar? Estou fazendo tudo ao meu
alcance para consertar isso.
— Se essa IPO não for aprovada por causa de sua pequena proeza...
— Não foi a minha pequena proeza. Foi uma aparição pública que a
diretoria e o marketing estavam desesperados para que eu fizesse. Você tem
ideia de quantas coisas tenho na minha agenda agora? Eu não precisava ficar
me exibindo para os fotógrafos para que o público pudesse se lembrar da
minha existência. Sabe o que vamos fazer hoje, pai?
Ele cruzou os braços sobre o peito largo.
— O quê? Você e Jane vão sair dirigindo por aí pegando prostitutas antes
do noticiário das cinco?
— Vamos revisar os resultados da bio bandagem. Lembra no tratamento de
cicatrizes no qual passei quinze meses trabalhando? Hoje, descobrimos como
funciona bem.
— Se funciona. — Byron deu um sorriso falso.
— Como funciona bem — insistiu Emily insistiu, mantendo sua posição. —
Agora, você pode muito bem parar de me castigar para que eu possa voltar a
administrar a minha empresa.
— Esta pode ser a sua empresa, mas não se esqueça de que você responde
por um conselho de diretores e algumas centenas de funcionários. Se foder
com todos nós, a Flawless não será a única com cicatrizes. Então é melhor ir
arrecadar dinheiro para os órfãos ou dar batons de graça para os sem-teto. O
que for preciso para manter as aparências. Faça isso sumir. — Ele apontou
um dedo forte para a filha.
— Sugiro que tenha um pouco de fé em mim, em vez de me contratar uma
babá pelas minhas costas — retrucou Emily.
Pela primeira vez, Byron registrou minha presença. Tive a sensação de que
ele não notava a maioria das pessoas que cruzavam seu caminho. Servos
calados, funcionários invisíveis. As pessoas que faziam o seu mundo girar.
— Então, você é o famoso Derek Price — disse ele.
— Sou — eu disse, colocando a bolsa de Emily em sua mesa. Nenhum de
nós estendeu a mão para o outro.
— Eu certamente espero que a taxa exorbitante que você cobra cubra mais
do que carregar bolsas.
— Derek, conheça meu pai, um moleque mal-educado quando está
rabugento e com fome. Pai, conheça Derek, um criminoso invasor de
domicílios decidido a me irritar. Agora, se vocês dois desaparecerem da
minha frente, posso voltar a dirigir esta empresa.
Byron resmungou.
A arrogância de sua filha obviamente o agradava, e eu me perguntei se suas
ameaças eram só fachada.
— É melhor ligar para sua mãe hoje — disse ele, abotoando o paletó. —
Ela não para de reclamar que tem vergonha de mostrar o rosto no clube. E eu
preciso que ela vá ao clube, Emily. Se ela passar mais tempo em casa, um de
nós vai matar o outro.
A frieza de Emily aqueceu alguns graus.
— Aposto meu dinheiro na mamãe.
— E eu aposto o meu em você. Me deixe orgulhoso, punhos de ferro. —
Ele deu um soco leve no braço dela.
— Vou deixar — disse ela, sentando-se atrás de sua mesa e dispensando-o
de maneira efetiva.
Pela primeira vez, Byron sorriu em aprovação.
— Jane, você parece feliz em apertar o gatilho, como sempre — disse ele.
— Sempre pronta e disposta a atirar em qualquer um que precise de uma
correção de comportamento — respondeu Jane com um olhar maligno.
— Senhor Price, espero que mantenha minha filha nos eixos pelas próximas
sete semanas.
— Vou providenciar para que Emily tenha tudo o que precisa — disse.
— Espero que sim. Admiro a maneira como subiu rastejando até uma
posição que não sabíamos que precisávamos que você ocupasse. — Foi tanto
sarcasmo quanto um elogio.
Ele ofereceu a mão e eu devolvi o cumprimento. Éramos dois lutadores
medindo um ao outro, imaginando o que o outro estava tramando. Eu vi a
minha abertura quando ele desviou o olhar.
— Tem umas migalhas de donut aqui — disse, limpando o seu paletó.
— O quê?
— Se os dois acabaram com a troca de farpas, hoje o meu dia será muito
ocupado — disse Emily, parecendo irritada por trás de seu monitor.
11

“CEO difamada contrata o tubarão publicitário Derek Price para


recuperar a imagem”
“Derek Price está muito ocupado com o desastre Emily Stanton”
“O fundador do Alpha Group sugere relacionamento com bilionária-
problema”
Meu pai saiu furioso do escritório procurando outra pessoa para aterrorizar,
e eu relaxei na cadeira.
— Falando nisso, vou voltar para Bluewater e me encontrar com a
segurança para descobrir como o nosso bem dotado senhor Price entrou na
noite de ontem — anunciou Jane.
Derek riu.
— Poderia simplesmente perguntar a ele — sugeri, examinando os
cinquenta novos e-mails que chegaram até agora.
— É muito mais divertido assim — disse ele, sentando-se no meu sofá e
abrindo seu notebook.
— Jane, vou chamar um carro para você. Você pode me pegar hoje à
noite...
— Não precisa, Jane. Vou deixar a chefe em casa — disse Derek, sem tirar
os olhos da tela.
Com um elegante movimento de pulso, mostrei o dedo do meio para ele.
Jane riu.
— Se comportem, vocês dois.
— Finalmente a sós — disse ele quando Jane saiu.
— Você não tem outra mulher desavisada para mostrar o pênis? —
perguntei, com recato.
— Senhorita Stanton, o que o seu departamento de RH diria? — ele
perguntou, fingindo horror.
Não estava a fim de brincar com ele. Sua presença era um lembrete de que
meu próprio conselho não confiava em mim para dirigir a porra da minha
própria empresa.
Bati com a ponta da caneta no caderno que sempre deixava à mão para
anotações e fórmulas.
— O que meu pai quis dizer com você rastejando para entrar?
— Ah, aquilo. Eu por acaso testemunhei pessoalmente aquelas algemas se
fechando em seus lindos pulsos. Acontece que também conheço Imani, que
faz parte da sua diretoria.
Fechei meus olhos.
— Então você ligou para ela.
— Então eu liguei para ela.
De repente, eu estava muito, muito cansada.
— Derek, por que você está no meu escritório? Essa “arrumação” com
certeza não exige que você me acompanhe 24 horas por dia, 7 dias por
semana?
— Minha querida Emily, de que outra forma eu poderia ajudá-la?
— Está mexendo na minha agenda agora? — gritei. Os compromissos
estavam sendo alterados e os horários mudavam diante dos meus olhos.
— Sim, estou.
— Como conseguiu acesso?
— Quer mesmo que eu te entedie com os detalhes de como faço as coisas?
— perguntou.
Minha impressora ganhou vida e cuspiu várias páginas.
— Pare de usar o meu equipamento!
— Você pode usar meu equipamento quando quiser, Emily.
Eu encontraria uma maneira de destruir aquele homem. De algum jeito. De
alguma maneira. Eu o faria lamentar o dia em que concordou ser a minha
babá.
Peguei os papéis da bandeja e marchei até ele.
— Derek, quero dizer isso da maneira mais agradável possível. Se você não
sair do meu escritório e me deixar trabalhar, vou perder a cabeça em uma
cena tão nada Stanton que o prédio todo falará sobre ela por anos.
— É melhor comprar dois donuts para você amanhã — ele pensou em voz
alta.
Eu joguei os papéis em seu rosto e tive que me conter para não colocar as
mãos em volta de seu pescoço e estrangulá-lo até a morte.
— Pega leve, amor — ele disse, cedendo. — Eu tenho algumas coisas para
revisar com você primeiro. Vou ser rápido. Prometo.
— Te dou cinco minutos e você me deixa em paz? — pressionei.
— Tudo com você é uma negociação? — perguntou, divertido.
— Sim. Agora saia.
— Você me dá cinco minutos e eu paro de te distrair.
Aquela definitivamente não era uma promessa para deixar o meu escritório,
observei.
Ele deu um tapinha na almofada ao lado dele.
Respirei fundo e contei de trás para frente a partir de dez. Luna jurava que
contar ajudava a controlar a raiva. Mas nunca funcionou comigo. Só me
deixava mais irritada por ter perdido dez segundos nos quais poderia ter feito
algo mais produtivo.
— Cinco minutos — repeti e me sentei, certificando-me de deixar vários
centímetros entre nós no sofá.
— Em primeiro lugar, um acordo de não divulgação — disse ele,
espalhando a papelada.
— Quer que eu assine um acordo de confidencialidade?
— Não, eu vou assinar um para você. Algo que a sua equipe deveria ter
feito no segundo em que me contratou. — Ele puxou uma caneta-tinteiro do
bolso e rabiscou seu nome no contrato.
Sua assinatura era ousada, confiante. Exatamente como o homem a quem
pertencia. Isso me irritou. Exatamente como o homem em questão me
irritava.
Derek levantou os olhos e nossos olhares se encontraram e se fixaram.
— Pronto. Agora sou todo seu. Você pode me contar seus segredos mais
íntimos e sombrios, e eu nunca contarei a ninguém.
Ele estava usando a atração que seu físico exercia contra mim, e eu não
estava exatamente caindo nessa, mas o meu alicerce parecia um pouco
instável.
— Não tenho segredos — menti.
Ele bateu no meu nariz com a caneta. Eu me imaginei pegando-o
desprevenido com um golpe de palma em seu nariz dolorosamente perfeito.
— Você com certeza tem — disse. — Mas vou deixar que fique com eles
um pouco mais. Por enquanto, me deixe dar uma demonstração visual dos
serviços que pretendo lhe oferecer.
Por uma fração de segundo, eu estava convencida de que ele iria me
mostrar um vídeo de sexo. Foi um milésimo de segundo imaginando sua
bunda perfeita enquanto ele investia em uma mulher muito sortuda que fez
meu rosto ficar da cor de um tomate.
Estava quente no meu escritório e estávamos próximos demais.
Ele apertou um botão com um floreio e um vídeo passou na tela. Era eu,
chegando ao trabalho ontem.
— Embora eu admire seu gosto impecável para veículos — espero que me
deixe dirigir essa belezinha —, observe ontem em comparação a hoje.
Com o áudio desligado, observei quando parei na frente do prédio e saí do
Porsche. Desfilei como uma supermodelo furiosa em direção à porta da frente
sem reconhecer a presença dos fotógrafos. Eu parecia... feroz. Poderosa. Com
raiva.
— E hoje — disse Derek, abrindo um segundo vídeo.
Lá estava eu de novo, casual em meus jeans e cabelo bagunçado. Sorrindo,
dando risada. Eu me virei e dei um sorriso genuíno de algo que Derek disse –
quando foi que já sorri assim em público? Stantons não sorriem, nem riem
das piadas de Jane. Eu não estava sozinha. Não estava com uma comitiva. Eu
parecia uma mulher se divertindo com os amigos.
— Agora, não vou insultar sua inteligência apontando a diferença gritante
entre ontem e hoje — disse ele. — Mas vou provar ainda mais o meu ponto
com algumas fotos.
Ele clicou em algumas imagens. Indo e voltando da minha chegada
implacável de ontem para o meu passeio segurando um donut de hoje.
— Literalmente entramos pela porta dez minutos atrás. Como você
conseguiu isso tão rapidamente?
— Com meus minions — disse ele, com uma sobrancelha levantada.
Ele era estupidamente bonito.
— Este é o meu objetivo — continuou ele. — Levá-la de inacessível e
gelada para pé no chão e amável.
— Eu não preciso que gostem de mim, Derek. Preciso de espaço para fazer
meu trabalho. Não perder tempo entregando à Lynetta Dirk, o Prêmio
Mulheres de Negócios — disse, olhando para um evento que ele hackeou na
minha agenda para daqui a poucas horas.
Se meu tempo fosse gasto fazendo um tour público de desculpas, eu ficaria
para trás no que realmente importava. Meu trabalho. A Flawless não era um
hobby. Um capricho. Não se tratava apenas de produtos para suavizar rugas.
Ou uma IPO de bilhões de dólares. Era ciência e desenvolvimento. E era
minha.
— A apresentadora cancelou no último minuto, e você fez a gentileza de ser
rápida em aparecer.
— Você matou a apresentadora original?
Ele zombou.
— Ela está viva e bem.
Meu smartwatch tocou e vi uma mensagem.
Luna: Super fofa e acessível! Amei a roupa!
— Droga — murmurei baixinho.
— Emily — chamou Derek, olhando profundamente nos meus olhos. Eu
desviei o olhar, fingindo estudar minha agenda. — Você não é uma socialite
viciada em drogas à beira da destruição, e também não é um manequim do
tipo “milionárias que almoçam em clubes”.
— Eu sei disso — atirei.
— Ótimo — disse ele amigavelmente.
— Tenho coisas para fazer, Derek. Coisas sem fim para manter esta
empresa funcionando perfeitamente. Não preciso me tornar amigável e
acessível de repente. Preciso provar que sou mais do que capaz de dirigir esta
empresa.
— Não estou aqui para interferir nas suas tarefas do dia a dia. Estou aqui
para mostrar ao público que mulher inteligente, experiente e interessante você
é. Você não investe apenas em negócios, amor. Você investe nas pessoas. E
você escapou por pouco de uma prisão por posse de drogas.
— Os publicitários querem voltar a atenção para Lita. Deixe que ela
entregue o prêmio e me deixe trabalhar — disse. — Por que não podemos
fazer isso?
— Seguir com uma Emily Stanton substituta e abaixo do padrão não vai
gerar confiança — disse Derek, afundando-se no sofá. Seu braço descansou
na almofada atrás de mim. — Lita não é dona desta empresa. Lita não é o
rosto da empresa.
— Lita não é uma substituta abaixo do padrão — argumentei.
Ele dispensou meu comentário com um aceno.
— Você quer sentar aqui e discutir a injustiça de tudo, ou quer fazer algo a
respeito?
Não conseguia acreditar que estava com vontade de fazer biquinho. Culpei
Derek... e os efeitos emocionais de uma longa abstinência de açúcar.
— Fazer alguma coisa. — Suspirei.
— Bom. Agora vamos ao que interessa. — Ele segurou minhas mãos. —
Seu conselho de diretores me contratou. Mas, no que me diz respeito, você é
a minha cliente. Meu trabalho é te dar o que você deseja. Então, o que você
quer, Emily?
Ele pronunciou cada palavra como se estivesse me fazendo a pergunta mais
importante da minha vida.
— Eu quero que isso vá embora. Quero que tudo volte a ser como era antes
de entrar naquele carro idiota.
Ele me estudou com uma intensidade que me deixou com vergonha.
Mantive contato visual por uma questão de princípio. Ninguém me deixava
envergonhada.
— Então vou fazer isso para você. Mas você tem que confiar em mim para
que eu faça meu trabalho.
— Eu nem conheço você — argumentei.
— Eu sou Derek Price. Quarenta e três anos. Solteiro charmoso por
escolha. Abandonei a faculdade para administrar uma empresa especializada
em reparar imagens manchadas de figuras públicas. Cobro taxas exorbitantes
sem a menor parcela de culpa porque tenho confiança que o serviço que
presto é inestimável. Abomino qualquer um que não tem interesse em ser
verdadeiro. Se você é um idiota, seja corajoso o bastante para ser um idiota.
Puxei minhas mãos das dele e cruzei os braços. Algumas pessoas não
tinham escolha de como eram vistas.
— E, no ensino médio — continuou ele —, quase destruí minha vida com
uma série de decisões terríveis que culminaram comigo roubando o carro
particular de um policial da entrada de sua garagem.
— Fala sério. — Se ele queria me chocar, conseguiu.
— Verdade. Fiz um excelente currículo de pequenos roubos até colocar
meus olhos gananciosos naquele SUV — disse Derek, quase com carinho.
— O que aconteceu?
— Ah, eu fui preso e arrastado pelo centro da cidade para enfrentar meu
pior pesadelo.
— A prisão? — perguntei. Não queria estar interessada, mas não pude
evitar.
— Minha mãe solteira muito zangada. Meu pai nos abandonou quando eu
tinha doze anos. Minha mãe trabalhava sete dias por semana em um salão de
beleza para sobreviver. Meus irmãos e eu assumimos a responsabilidade de
ajudar. Meu irmão mais velho conseguiu um emprego servindo mesas. Minha
irmã do meio começou um negócio de tutoria. A mais nova recortava cupons.
E eu...
— Roubava carros? — Fiquei horrorizada. E estranhamente intrigada.
Ele abriu as mãos, um mágico distraindo sua audiência.
— No fundo, eu sou um ladrão. Felizmente, vencer nos negócios é quase
tão divertido. Além disso, deu certo.
— Como?
— O detetive Michael Perez acabou sendo a melhor coisa que aconteceu à
minha família. — Derek suspirou. — Todos nós o chamamos de pai agora. E
os filhos dele são meus irmãos, independentemente do sangue. Acontece que
não sou o único ladrão na família. Bastou um olhar para a minha linda e
zangada mãe, que ainda empunhava uma tesoura enquanto ameaçava a minha
vida, para o coração dele ser roubado.
Vou admitir. Uma parte feminina de mim suspirou nos confins do meu
coração bastante ocupado.
— Então ele simplesmente sumiu com as acusações?
Derek riu.
— Claro que não. Nenhum dos meus pais permite que uma boa ação passe
impune. Tive duzentas horas de serviço comunitário para me manter
ocupado.
— Seus clientes não se importam com o seu... passado duvidoso? —
pressionei. Parecia muito improvável que os ricos e poderosos dessem adeus
de bom grado a punhados de dinheiro para entregá-los a um homem com uma
ficha criminosa.
— Isso me torna real, querida Emily. Sou abertamente falho, até mesmo
vulnerável. Há uma segurança nisso que nenhuma máscara educada e
socialmente aceitável pode oferecer. Você sabe que pode confiar em mim.
Eu confiava em pouquíssimas pessoas na minha vida, e uma história
comovente sobre um crime na adolescência não me faria incluir o homem em
meu círculo de confiança.
— Você ainda rouba?
Um sorriso cintilou seu rosto.
— Só quando absolutamente necessário — disse ele, enfiando a mão no
paletó.
Ai, meu Deus.
— Essa é a... do meu pai...
— A carteira? Sim. Parece que ele a deixou para trás. Uma pena.
12

Eu dei a Emily uma hora para brincar de se atualizar no trabalho e entreguei


a carteira de seu pai para Valerie, a atenciosa e ambiciosa assistente.
Eu me sentei em sua mesa, ativando o meu charme, e questionei-a sobre os
hábitos diários da senhorita Stanton. Consegui tirar muito pouco da mulher e
nada além de olhares presunçosos de Easton, o outro assistente.
Aprovei ambos. Eles eram do tipo de pessoa de quem alguém como Emily
precisava ter ao redor. Leal, perspicaz, imune aos encantos sorrateiros de um
estranho bonito.
Jane voltou depois de aterrorizar a equipe de segurança de Bluewater e,
juntos, requisitamos uma pequena sala de conferências para debater –
argumentar em voz alta – a nova programação de Emily, já que tomei a
liberdade de adicionar algumas aparições e atividades necessárias à agenda da
chefe.
— Estou lhe dizendo, Chá e Bolinhos — disse Jane, recostando-se na
cadeira da cabeceira da mesa. — Ela não vai aceitar isso. Quer que ela faça
uma aparição na quarta à noite em algum show. Isso não vai rolar. E que
CEO bilionário tem tempo para participar de um almoço de arrecadação de
fundos para... — Ela passou o dedo pelo telefone. — Ah, espere, STEM
Girls? Ela bem que pode ir mesmo. A chefe adora esse negócio.
— Tenha um pouco de fé em mim, Jane — insisti, tamborilando meus
dedos no tampo da mesa de madeira brilhante. — E quem não gostaria de ver
Beyoncé ao vivo?
Ela bufou.
— Não é a parte da Beyoncé. É a quarta-feira. Ela nunca tem planos para as
noites de quarta-feira.
— Por quê?
Jane encolheu os ombros.
— Pergunte a ela você mesmo.
Jane era fechada, grosseira e não pedia desculpas. Eu gostava imensamente
dela. Além disso, o fato de ela não me contar nada dizia muitas outras coisas.
Ela era outra seguidora leal de Emily, o que significava que havia uma
mulher interessante que conquistara a lealdade de sua equipe debaixo daquela
brilhante camada de refinamento.
A porta se abriu e a sala se encheu com a adorável brisa fresca que era a
senhorita Emily Stanton.
— Derek — ela disse, lançando a Jane um olhar que dizia: é bom que não
esteja revelando meus segredos. — Lita tem tempo para nos encontrar se
formos agora.
— Formos? — perguntei, percebendo o brilho de aborrecimento nos olhos
de Jane.
— Sim. Para o escritório dela — explicou Emily como se eu fosse uma
criança irritante de cinco anos. Me agradava que pudesse irritá-la tão
facilmente.
Eu me levantei e abotoei meu paletó.
— Jane, acredito que você tenha o suficiente para começar a trabalhar o
transporte e a segurança.
— Sim, sim. Um tchauzinho britânico — gritou Jane atrás de mim.
— Eu gosto da sua Jane — disse a Emily enquanto ela seguia o caminho de
volta à recepção na minha frente.
Ela me lançou um olhar cauteloso por cima do ombro.
— O que foi? — pressionei.
— Não sei o que você quer dizer com isso.
Eu ri.
— Exatamente o que eu disse. Eu gosto dela.
— Hum.
Passamos pela recepção. Emily foi mais calorosa com sua saudação desta
vez – eu assumi o crédito por aliviar um pouco seu estresse – e notei que a
recepcionista quase floresceu sob aquela fração de simpatia.
— Enquanto tenho toda a sua atenção — disse, entregando a Emily uma
pasta. — Isto é para você.
Franzindo a testa, ela a abriu enquanto caminhávamos.
— Você já escreveu um discurso para o evento do almoço?
— Apenas o principal.
Ela fechou a pasta com o que só poderia ser descrito como um grunhido e
bateu com força na porta de vidro antes de abri-la.
Este era o escritório que eu esperava para uma CEO. Espaçoso, luxuoso, em
um canto invejável. Lita podia apreciar a vista da baía de Biscayne e do
centro de Miami girando sua cadeira. Era facilmente três vezes do tamanho
do escritório de Emily e decorado de uma forma bastante extravagante. A
vibração eclética de um viajante do mundo era de alguma forma inadequada.
Havia algo um pouco estranho na mobília escura e imponente e na colorida
arte oriental.
— Achei que meus olhos estavam me enganando quando vi as manchetes,
Emily. Essa roupa.
A mulher atrás da mesa era curvilínea e lustrosa como uma modelo pin-up.
Seu cabelo caía em uma cascata escura sobre um ombro. Ela usava um
vestido vermelho que dava atenção especial a todos os lugares certos. Batom
escuro sobre lábios sutilmente preenchidos, cílios grossos, unhas compridas.
Lita Smith não tinha medo de se exibir.
— Decidi que hoje é um dia casual — disse Emily despreocupadamente. —
Queria apresentá-la a Derek Price. Derek trabalhará conosco para conter a
situação.
Lita me ofereceu um sorriso brilhante.
— Derek. Pelo que vi em todos os blogs de fofoca esta manhã, você é um
excelente carregador de bolsa. Ouvi muito sobre o seu trabalho com os
decaídos — disse ela, oferecendo a mão.
— Os decaídos? — apertei a mão dela.
— Os poderosos. Aqueles que caem de seus pedestais.
— Não me diga que é isso que pensa de Emily — falei.
Lita soltou uma gargalhada estrondosa e apertou minha mão entre as dela.
— Não seja ridículo. Nossa Emily é impecavelmente perfeita. Na verdade,
estou disposta a apostar que este será o seu trabalho mais fácil. A coisa toda
foi um mal-entendido, pelo qual me sinto totalmente responsável —
acrescentou ela, liberando minha mão e colocando uma própria sobre o
coração de maneira teatral.
— Não vamos repetir tudo isso — disse Emily energicamente. — Derek foi
contratado para limpar a minha imagem. O que significa que farei mais
aparições públicas.
Percebi que ela deixou de fora a parte do conselho ter agido por suas costas.
Nada de bancar a vítima aqui.
Lita apertou os lábios.
— Entendo. Suponho que já tenha visto isso com Helen — disse ela,
dirigindo-se a mim.
— Helen e eu conversamos. Eu sou a pessoa encarregada agora —
interrompi.
— Bem, tudo o que puder fazer para ajudar, sou toda sua, Derek. — Seus
lábios se curvaram em um sorriso felino.
A diretora de marketing da Flawless era uma especialista em flerte.
— Tenho algo que preciso — interrompeu Emily. — Preciso que você
sonde a temperatura do conselho. Fale com alguns dos diretores e veja como
se sentem a respeito dessa bagunça.
— Com prazer — falou alegre. — Estou sempre dizendo que posso
aguentar mais. Você não tem que fazer todo o trabalho sozinha, Lady
Stanton.
Emily revirou os olhos daquele jeito familiar que fazem as amigas.
— Falando nisso, ainda está disponível para ir ao laboratório hoje?
Lita estremeceu.
— Hoje está um pouco apertado. Estarei em reuniões consecutivas. O que
está acontecendo no laboratório?
Emily parou por um momento.
— Vamos remover os curativos biológicos hoje. Pode ser bom ter o
marketing lá — disse ela. Eu pensei ter detectado uma ponta de irritação em
seu tom.
Lita franziu a testa, mas esta permaneceu sem marcas. Os modernos
milagres da ciência.
— Tenho isso marcado na minha agenda para a próxima semana — disse,
vasculhando o telefone.
— É hoje. Às três — disse Emily.
— É aquele maldito Roderick. Ele não sabe como funciona uma agenda —
gemeu Lita.
— Eu disse para não contratar um assistente baseado na aparência —
lembrou Emily.
— Eu não o contratei por causa de sua aparência — argumentou Lita de
forma pouco convincente.
— O apelido dele é Ram Rod, e ele pode fazer supino com você —
observou Emily.
Lita sorriu descaradamente.
— Sim. Acho que pode. Olha, vou mandar um vice-presidente e um
fotógrafo hoje.
— Se tudo correr bem, vou querer dar uma olhada no rascunho do material
para a imprensa do produto — explicou Emily.
— Claro que vai querer — disse Lita com um revirar de olhos que terminou
em uma piscadela amigável.
— Só quero ter certeza de que está tudo certo — disse Emily levemente.
— Derek, você descobrirá que a Emily aqui tem dificuldade em confiar que
as pessoas façam seu trabalho. Mas essa é uma das coisas que mais amamos
nela — brincou Lita.
Antes que Emily pudesse responder, fomos interrompidos por uma batida.
— Toque-toque, senhoras, Chá e Bolinhos — chamou Jane da porta. —
Chefe, é hora de sair para o almoço.
— Derek, como eu disse, se precisar de alguma coisa, não hesite em me
ligar — disse Lita, nos seguindo até a porta. Ela colocou um cartão na minha
mão e me lançou um olhar significativo. — Meu celular está atrás.
— Obrigado. Não vejo a hora de trabalhar com você. — Coloquei o cartão
no bolso e segui Jane e Emily com a nítida sensação de que Lita estava
olhando para minha bunda.
— Miau. Ela nem chegou a ver o material como nós vimos, e já está indo
atrás dele — falou Jane, apertando o botão do elevador.
— Eu emito uma vibração de quem tem um material grande — expliquei.
Emily bufou indelicadamente.
— Podemos parar de discutir o pênis de Derek antes que também
precisemos lidar com um escândalo de RH?
Entramos no elevador juntos. Emily pegou seu telefone e fez uma ligação.
— Valerie, preciso que você entre em contato com Bill Haddad do
marketing. Faça com que ele vá ao laboratório com um fotógrafo às três.
Obrigada.
Ela enfiou o telefone de volta na bolsa.
— Lita tem muito que fazer — disse ela.
— Sim, tipo comer Chá com Bolinhos — disse Jane.
Emily deu uma cotovelada nela.
— Por que o escritório da sua diretora de marketing é três vezes maior que
o seu? — perguntei.
— Porque ela é um ativo importante para esta empresa e uma amiga valiosa
para mim — disse Emily. Parecia que já havia dado essa resposta antes. — E
eu confio nela.
Eu sorri para a indireta.
Virando-se para mim, ela levantou os olhos.
— Por que carregou minha bolsa esta manhã?
Olhei para ela enquanto ela colocava seus óculos de sol.
— Além de ser perfeitamente seguro da minha masculinidade - se você
precisar de um absorvente interno de emergência, pode contar comigo - eu
estava deixando claro que o mundo soubesse quem é a chefe.
Ela franziu os lábios, mas eles resistiram, curvando-se levemente.
— Você já fez alguma coisa sem qualquer motivo?
— Gosto de pensar nisso como multitarefa.
13

A personalidade pública que Emily usou na apresentação poderia ser um


pouco mais relaxada, mas o discurso correu bem. A audiência foi
calorosamente educada e ninguém exigiu que ela respondesse perguntas
sobre a quase prisão.
Considerei isso meio que um ponto positivo.
Quando terminasse de quebrar o seu adorável exterior casca dura, tinha a
sensação de que o mundo se apaixonaria pela senhorita Emily Stanton. Eu só
tinha que descobrir onde ela escondia exatamente a sua humanidade.
Enquanto duzentas de mulheres comiam suas saladas Ceasar, puxei Emily
para fora da porta lateral do salão onde Jane nos esperava no meu carro.
Deslizei para o banco de trás com ela e alcancei o banco da frente.
Os dedos de Jane tamborilaram no volante no compasso de uma salsa
sensual de uma playlist que ela sincronizou com meu veículo.
— Prefere o frango com molho de coentro e limão ou a salada de atum? —
Ofereci os dois recipientes a Emily.
Ela piscou.
— Oh. Ah. Vou querer o frango.
— Ele perguntou quais eram os seus favoritos. Só para você não achar que
ele tem o pauzão, é lindo e ainda por cima vidente — disse Jane, descendo a
rua estreita.
Um sorriso apareceu nos lábios rosados de Emily.
— Então, como foi? — perguntou Jane.
— Recebi aplausos de pena. — Emily suspirou, o sorriso evaporando.
— Melhor do que uma bota na cara — disse Jane com alegria.
— Você se saiu muito bem — assegurei a Emily. — Demora um pouco
para reconquistar a confiança. Este foi apenas um passo de bebê na direção
certa. Próximo evento na agenda... — disse, tirando meus óculos de leitura do
bolso e folheando o calendário do meu telefone.
— O laboratório — anunciou Emily com a boca cheia de comida. Ela
parecia um pouco mais animada e eu estava curioso para saber se era a
comida ou a expectativa da ida ao laboratório.
— Me conte mais — implorei, removendo meus óculos e guardando meu
telefone.
Ela largou o garfo cuidadosamente no recipiente.
— Há dezoito meses, descobrimos um fenômeno interessante envolvendo a
barreira de umidade da pele com cicatrizes — começou, e era como se o sol a
tivesse iluminado por dentro. — Me pare se eu for muito técnica.
Jane sorriu maliciosamente no banco do motorista e pisou fundo nos freios
quando um homem idoso com um andador saiu do meio de dois carros
estacionados na rua.
— Não te resta muito tempo! Fique na calçada! — gritou Jane pela janela
aberta.
— A barreira da umidade é o que mantém as células da nossa pele unidas
— continuou Emily, imune aos problemas de tráfego. — Como cola ou
argamassa. Mas o que vimos no tecido cicatrizado é que a própria barreira de
umidade foi danificada. Então, começamos a experimentar maneiras de
revigorá-la. Agora, no presente, temos o que acredito ser uma nova maneira
de tratar e, essencialmente, curar cicatrizes.
— Isso é importante — observei.
Ela me presenteou com um sorriso, e não um daqueles moderados e
adequados. Este foi um sorriso que iluminou o seu belo rosto. Uau. Era um
coro de anjos que eu estava ouvindo?
— É — concordou. — Estamos testando essas bio bandagens em três
voluntários. Um é um atleta que fez uma cirurgia do ligamento cruzado
anterior há um ano. Outra é uma jovem de vinte e poucos anos com cicatrizes
severas de acne no rosto. E a última é uma sobrevivente de violência
doméstica. Suas cicatrizes são particularmente desafiadoras.
— Por quê? — pressionei. Eu estava interessado no que ela estava dizendo
e em como parecia animada com o assunto.
— A idade das cicatrizes, por exemplo, é um obstáculo que a maioria dos
tratamentos tópicos não consegue vencer ou melhorar de forma eficaz.
Quanto mais velha a cicatriz, mais difícil é torná-la menos perceptível. E
Mallory, nossa voluntária, tem cicatrizes antigas e muito profundas. A
cientista em mim está cruzando os dedos para que elas melhorem. O ser
humano em mim está esperando que aconteça um milagre com Mallory.
Porra, eu literalmente me arrepiei.
— Quando diz “nós’”? — cutuquei.
— Minha equipe. Este é o meu laboratório — disse, quando Jane parou em
um prédio inócuo de pedra branca. — Temos biólogos de sistemas, químicos,
cientistas pesquisadores e técnicos de laboratório. É aqui que todos os nossos
produtos são desenvolvidos e testados.
— Oh, Deus. Não estou prestes a entrar em uma sala com cinquenta beagles
em gaiolas, estou? — perguntei. Isso seria o fim do nosso relacionamento
profissional, por mais adorável que fosse o sorriso dela.
Em um movimento atípico, Emily empurrou meu ombro.
— Nada de testes com animais — disse afetadamente. — O laboratório na
faculdade foi uma experiência emocionalmente marcante. Lita e eu juramos
que nunca testaríamos produtos em animais. Também faz parte do motivo
pelo qual Luna e eu somos amigas. Sua empresa de cosméticos Wild Heart é
vegana e livre de crueldade.
— Portanto, o teste é mais caro e provavelmente leva muito mais tempo —
previ.
Emily assentiu, alcançando a maçaneta da porta. — Sim, mas assim posso
dormir à noite sabendo que não tenho um monte de ratos ou cachorros fofos
enjaulados só para ganhar outro bilhão.
— Nesse caso, ainda podemos ser amigos — disse a ela.
— Que ótimo. — Ela revirou os olhos e saiu do carro.
O laboratório era, na minha opinião leiga, de última geração. Havia vários
espaços de trabalho de aparência sofisticada. Tudo parecia novo, impecável.
O aço inoxidável cintilava, as mesas de trabalho brilhavam e um rebanho
inteiro de pessoas de aparência científica moviam-se por todo lado parecendo
importantes e acadêmicas.
— Aqui — disse Emily, entregando-me um jaleco. — Vista isto. — Ela já
estava usando um e prendeu o cabelo em um coque prático. Gostei mais do
visual do que faria sentido.
Encolhi os ombros e decidi me perguntar o que exatamente me atraiu nela
assim, mais tarde. Eu não tinha um tipo. Amava mulheres, ponto final. Era
bem possível que eu estivesse tão seduzido pelo quebra-cabeça quanto pela
mulher.
— Eu pareço um cientista? — perguntei, alisando a mão sobre o tecido.
— Parece protegido contra respingos — disse ela com um sorriso
malicioso.
— Você parece animada — observei, deslizando meu telefone no bolso do
jaleco.
Ela mordeu o lábio em uma empolgação adorável de nerd, e a atração
passou de uma cutucada para um soco.
— Estou — confessou.
— Isso pode ser um produto revolucionário para a sua empresa.
— Isso pode mudar a vida de Mallory — rebateu.
Eu a segui pelas entranhas do laboratório até uma sala menor e bem
iluminada. Seus voluntários estavam sentados na frente da sala. Um fotógrafo
montava seu equipamento de iluminação. O resto dos habitantes era uma
mistura estranha de executivos de terno e gênios de jaleco. Todo mundo
parecia animado.
— Se importa se eu falar com os voluntários? — perguntei a Emily.
Ela estava franzindo a testa vendo alguns dados em um iPad que um técnico
lhe havia dado.
— Claro. Seja educado — disse ela.
Como se eu não fosse ser.
— E não grave nada — disse ela.
— Você está estragando a minha diversão — reclamei.
— A patente está pendente e os voluntários têm direito à privacidade —
disse Emily. — Não mexa comigo nem com eles.
Eu me apresentei aos voluntários. A nervosa e enérgica Nina tinha vinte e
três anos e uma bandagem cor de pele em ambas as bochechas. Dewayne não
era apenas qualquer atleta, mas o armador estrela do Miami Buzz. Sua última
temporada terminou abruptamente devido a uma ruptura no ligamento e
consequente cirurgia no joelho.
E Mallory, que estava, na melhor das hipóteses, na metade dos quarenta.
Ela se sentava com os ombros retos como uma régua. Seu cabelo comprido
estava penteado para o lado esquerdo do rosto. Quando ela olhou para mim,
vi por quê. Sua bandagem moldava ao redor de sua mandíbula até envolver a
linha de seu nariz. Seu sorriso superficial me fez pensar que ela preferia estar
em qualquer lugar, menos aqui.
— O que espera ver quando as bandagens forem retiradas? — perguntei a
Nina.
Ela revirou os olhos para o teto.
— Eu quero ser normal. Não quero gastar uma hora todos os dias
encobrindo cicatrizes de acne nem horas nos finais de semana vasculhando o
YouTube em busca de novos produtos ou soluções. Sabe como é? Essas
cicatrizes estúpidas estão afetando a minha vida. Não aguento mais.
Fui para o próximo.
— E você, Dewayne?
Ele inclinou seu grande corpo para trás.
— Cara, eu só quero deixar a última temporada para trás, sabe? Estourei o
meu joelho. Fiz a cirurgia. Agora estou treinando. Eu quero voltar mais
rápido e mais forte. Não quero viver com esse tremendo lembrete do pior
momento da minha carreira gravado no meu joelho.
— E você, Mallory? — pedi.
Ela ficou em silêncio por um longo momento, e pensei que talvez não fosse
me responder.
— Eu só quero ver uma melhora — disse suavemente. — Não sou
gananciosa. Não estou pedindo perfeição ou que eu volte a ser como era
antes. Só quero que minhas cicatrizes melhorem. Eu estou melhor e quero
que meu rosto reflita isso.
Emily se juntou a nós, dando-me um olhar suspeito. Eu levantei as mãos
para mostrar que eu não havia gravado ou roubado nada.
— Vocês três estão prontos? — perguntou Emily, voltando a atenção para
os seus voluntários.
Eles assentiram e ela repassou os detalhes.
— Os sensores que colocamos sob as bandagens têm monitorado coisas
como umidade e bactérias. Esses dados parecem ótimos. Estamos todos
animados para ver quais são os resultados visíveis. Alguém precisa de água
ou qualquer coisa antes de começarmos?
Todos negaram, então Emily pediu a todo mundo na sala que se sentassem.
— Não fique nervosa — sussurrou para Nina quando a enfermeira começou
a puxar suavemente a ponta da primeira bandagem.
Nina soltou um suspiro e fechou os olhos com força enquanto a enfermeira
retirava a bandagem com eficiência.
Ela estava dizendo a Nina para não ficar nervosa, mas a maneira como
colocou a mão em sua própria barriga me disse que ela estava ficando. Mas o
momento passou e a bandagem foi se soltando.
Eu pude ver pelo brilho nos olhos de Emily, a separação de seus lábios que
indicava que ela gostava do que estava vendo. Sua mão deixou sua barriga.
— Vamos tirar a outra também — disse Emily, inclinando-se.
— Como está? — perguntou Nina, tentando não mover os lábios.
A multidão na sala riu suavemente e o fotógrafo dançou pelo ambiente,
capturando reações.
— Parece ótimo — disse Emily. — Muito bom.
— Bom como? Bom como se eu não precisasse espalhar seis camadas de
minimizador de poro todos os dias?
Emily sinalizou para o fundo da sala e as fotos do antes de Nina apareceram
nas telas atrás deles.
— Adeus à boa e velha base — disse Emily, entregando à garota um
espelho compacto.
— Puta merda — engasgou-se Nina. A sala retumbou em risadas
novamente enquanto os ocupantes se esticavam para ver melhor.
— Deixe-me tirar essas rapidamente — disse Emily, tirando uma foto de
cada lado do rosto de Nina. Momentos depois, as novas imagens apareceram
nas telas, lado a lado com as anteriores.
A diferença era nada menos que notável. O labirinto vermelho de cicatrizes
de Nina tinha se tornado um rosa saudável como se ela tivesse acabado de
fazer um tratamento facial. Até mesmo as cicatrizes de grandes buracos
pareciam mais regulares, como se a pele tivesse milagrosamente ressurgido.
— Puta merda — disse ela de novo, olhando as fotos. — Eu não posso
acreditar!
Ela surpreendeu Emily com um abraço saltitante, e a risada de Emily foi
alegre. Meus dedos coçaram para capturar o momento.
— Vamos lá, pessoal. Eu sou o próximo — insistiu Dewayne.
A enfermeira colocou seu banquinho com rodinhas na frente dele e
começou a trabalhar na bandagem em seu joelho.
— Vamos lá, dinheirão — murmurou Dewayne como um mantra.
O sorriso de autossatisfação da enfermeira entregou. Emily deu um soco no
ar, um momento de pura satisfação. Aquela era a cesta de três pontos dela.
Sua infusão de adrenalina após vencer o jogo.
A pele escura de Dewayne estava brilhante com resíduos onde a bandagem
estava. A cicatriz cirúrgica irregular foi reduzida, alisada. A descoloração
diminuiu. Não estava perfeita, mas estava muito melhor.
Dewayne pulou da cadeira e fez uma dancinha, puxando Emily para si. Ela
riu, leve e confortável. A alegria da conquista enchendo suas bochechas.
Nina estava ocupada tirando selfies e Dewayne insistiu em entrar na onda.
Fiz uma nota mental para encontrar e seguir as suas redes sociais.
Mallory, entretanto, estava sentada com a mandíbula apertada, olhando para
o chão à sua frente.
— Mallory — disse Emily suavemente. — É sua vez.
— Tenho medo de ter esperança — confessou ela em uma voz um pouco
acima de um sussurro, e meu coração se partiu em pedaços por ela. A
dimensão dos danos que os humanos podiam infligir uns aos outros
permanecia um terrível mistério.
Emily se agachou na frente dela.
— Você está livre há sete anos de um relacionamento que poderia ter te
matado. Fez seu mestrado e conseguiu o emprego que sempre quis. Colocou
seus filhos em uma escola particular. E faz belos trabalhos de cerâmica nos
fins de semana. Com cicatrizes ou não, você é a esperança.
Senti minha garganta apertar desconfortavelmente quando Mallory
entrelaçou seus dedos com os de Emily. Ela assentiu.
— OK. Vamos fazer isso.
A enfermeira trabalhou lenta e cuidadosamente. Eu podia sentir toda a sala
atrás de mim prendendo a respiração. A tensão aumentou. Antecipação.
Esperança.
— Oh, meu Deus — disse a enfermeira, abandonando seu profissionalismo.
— Está muito bom, Mallory.
— Mesmo?
Emily não conseguiu se conter e se inclinou.
Ela estendeu a mão para trás. Um técnico de laboratório lhe entregou a
câmera.
— Mallory? — disse Emily enquanto tirava uma foto.
Ela apareceu nas telas e todos na sala respiraram fundo.
— Sim — sussurrou. Seus olhos estavam fechados com força.
— Abra seus olhos.
A enfermeira ergueu o espelho de mão e Mallory abriu seus lindos olhos
verdes. Eles se alargaram com o choque.
A cicatriz antes era um caminho de marfim que ia da mandíbula ao nariz,
ramificando-se debaixo do olho em forma de teia de aranha. Agora estava...
menor, mais fino, mais lisa. Algumas das marcas finas haviam desaparecido
completamente.
— Isso é depois de uma semana, Mallory. Imagine como estarão em três
semanas — disse Emily, enquanto a mulher diante dela respirava com
dificuldade.
Mallory se virou para olhar as fotos. Ela estava balançando a cabeça
devagar, bem devagar. E havia um pequeno e terno sorriso brincando nos
cantos de sua boca sem batom. Reconhecendo uma nova realidade, um novo
futuro, que Emily lhe havia dado.
Sim. Alguns membros da raça humana assumiam para si a tarefa de acabar
com os outros, de tentar destruí-los. E então existiam as Emily Stantons do
mundo. Aqueles que se importavam, consertavam e tentavam tornar as coisas
melhores.
Isso é suor nos meus olhos?
Olhei ao redor. Parecia que todos tinham os olhos suados. Ou alergias. As
pessoas assoavam o nariz enquanto outras enxugavam o rosto com as
mangas.
Mallory estava abraçando Emily agora. Um abraço forte e apertado, mais
poderoso do que qualquer palavra de agradecimento.
Minha cliente era a porra de um gênio, e se ela continuasse sorrindo assim,
seria quase impossível não me apaixonar por ela.
14

Mãe: Emily, precisa me ligar imediatamente.


Mãe: Preciso falar com você sobre essa situação lamentável.
Mãe: Kerrigan Mortimer está procurando uma terceira esposa. Um
casamento seria a melhor coisa para tirar a atenção de todos do seu passo
em falso, não acha?
Mãe: Nunca mais poderei mostrar a cara no clube. Crystal Fordham teve a
audácia de perguntar para qual centro de reabilitação vamos mandar você.
Me ligue!
Deixando o feliz caos do laboratório para trás, entrei em uma sala de
depósito por um momento de silêncio.
Era um hábito que desenvolvi anos atrás. Às vezes, as coisas na minha vida
eram tão intensas, tão emocionantes, que eu precisava de alguns minutos para
assimilar. Para dizer um obrigada ao universo e sentir muito orgulho de mim
mesma. Então, eu compartimentalizava a coisa em questão dentro de mim e
mergulhava de volta nos milhares de detalhes seguintes que exigiam minha
atenção.
Assoei o nariz no lenço de papel que tirei da caixa perto da porta. Não seria
bom para minha equipe ver a Emily Stanton chorando, bem, por qualquer
coisa.
Nós conseguimos. As fórmulas precisariam ser refinadas e testadas
posteriormente. Mas foi uma vitória. Eu já estava pensando em faixas de
preço e em como manter essas pequenas maravilhas mágicas acessíveis.
Todos mereciam a chance de curar suas cicatrizes. Eu não queria que aquilo
acabasse como uma atualização de cirurgia plástica de última geração
disponível apenas para quem tinha o saldo correto na conta bancária.
Dinheiro era uma presença física na minha vida. Mas, às vezes, a fome que
outros tinham dele me oprimia. Haveria uma disputa. Um tratamento de
cicatriz de baixo custo não combinava exatamente com o resto de nossos
produtos de alta qualidade. Mas eu estava confiante de que poderíamos
encontrar uma maneira de contornar isso. Talvez lançando uma marca mais
econômica com uma nova linha de produtos?
Ri baixinho para mim mesma.
Minha visão para a empresa já vinha evoluindo há bastante tempo. E em
momentos de silêncio como este, eu temia perder a capacidade de lutar por
essa visão, uma vez que tivesse acionistas para os quais me justificar.
— Aceita que dói menos, Stanton — sussurrei em voz alta. Eu enfrentaria
quaisquer desafios que surgissem, como sempre fiz.
As paredes da sala estavam abarrotadas de prateleiras de arame com
equipamentos e acessórios para estudos científicos. Cada tubo de ensaio, cada
quadro branco, cada pipeta, eram meus. E eu os usaria bem. Esse era apenas
o começo dos avanços possíveis. Queria ter certeza de que a Flawless estava
na vanguarda do desenvolvimento.
Havia muito mais a se fazer.
— Emily?
A porta se abriu atrás de mim e eu rapidamente passei o lenço sob os olhos.
Por um minuto inteiro, esqueci completamente da confusão que exigiu a
presença de Derek Price em minha vida.
— Só fazendo um inventário rápido — disse sem me virar. — Sairei em um
minuto. — Uma resposta rápida que qualquer pessoa sintonizada com a
natureza humana saberia que significava: “Vá embora, agora”.
Ele fechou a porta, mas eu ainda podia senti-lo na sala comigo. Minha
percepção aguda de sua presença era outro aborrecimento.
Senti mãos em meus ombros, e então ele me virou para encará-lo. Tocar
sem permissão era algo que eu não tolerava. Mas, em vez de chutá-lo nas
suas partes espetaculares, eu estudei as pontas dos meus sapatos.
Estava vagando por um laboratório com sapatos de salto agulha abertos. Eu
era uma vergonha para todos os cientistas.
— Emily — disse ele novamente, cutucando meu queixo com um polegar
arrogante.
Encontrei seu olhar com hostilidade. Odiava ser qualquer coisa próxima a
vulnerável. E ser vulnerável na frente de um homem que conhecia há menos
de vinte e quatro horas? Bem, isso era inédito. Uma impossibilidade. Um bite
de dados falso que seria impiedosamente destituído de significado.
— O quê? Por que está aqui? — Minha voz saiu fria, curta.
— Aquilo foi do caralho. Você me deslumbra — disse ele, passando as
mãos pelas mangas do meu jaleco.
Senti minhas sobrancelhas arquearem. Opa.
— Como é que é? — disse rigidamente.
— Vou cruzar uma linha profissional aqui — ele me avisou. — A culpa é
sua porque aquilo lá foi como testemunhar um milagre.
— Cruzar uma linha profissional? Você? — zombei, mais nervosa do que
gostaria de admitir. Eu já havia lidado com avanços indesejados com uma
eficiência glacial antes. Mas isso parecia... diferente. — Vai invadir a minha
casa e tomar um banho de novo?
— Não. Vou beijar você bem aqui neste armário de ciências.
— É um depósito, não um armário de ciências. E não. Você não vai —
disse, as mãos voando para seu peito. Lá se foi a minha eficiência glacial.
— Estou com medo. E eu pediria desculpas, mas nós dois sabemos que eu
não vou me arrepender de verdade.
Ele estava se inclinando para frente. Meu corpo, já agitado pelas conquistas
científicas, felizmente se pôs em marcha acelerada. Seu peito, firme e
tonificado, pressionou minhas palmas, testando minha resistência.
— Eu não te conheço — disse baixinho enquanto sua boca se aproximava.
Eu não beijava estranhos. Certamente não estranhos que invadiram casas e
roubaram. Deus, o que ele tiraria de mim?
Meu coração bateu forte o suficiente para que eu tivesse certeza de que ele
podia ouvir.
— Estou começando a conhecer você e estou gostando bastante — rebateu
ele.
Eu estava usando um jaleco com meu “coque de bibliotecária”, como Jane
gostava de chamá-lo, e o homem mais sexy que eu já tinha visto estava dando
em cima de mim. Meu cérebro lutava para raciocinar.
Ele está te usando.
Ele quer algo de você.
Ele vai te machucar.
Ele não é o cara para você.
— Você pode me dar um tapa depois, eu prometo — disse ele pouco antes
de seus lábios tocarem os meus.
Oh, aqueles lábios. Firmes, exigentes, insistentes.
A biologia assumiu o controle. E não do tipo que exige uma autodefesa
automática. Foi uma reação química instantânea.
— Deslumbrado — ele sussurrou a palavra novamente, sua boca movendo-
se sobre a minha. E então fui eu quem ficou deslumbrada.
Ouvi o barulho do meu sangue bombeando em minhas veias. Tentei ficar
parada. Ficar indiferente. Não podia permitir que ele pensasse que era
aceitável me beijar assim.
Mas, ah, era.
Até minha barriga parou a acrobacia que vinha realizando na última hora e
ficou morna e líquida.
Eu o agarrei pelas lapelas de seu casaco e retribuí o beijo como se não
houvesse mais nada no mundo que preferisse estar fazendo. Como se não
houvesse demandas me esperando do outro lado daquela porta. Sem
responsabilidades familiares. Sem preocupações com a captação ou com os
próximos passos.
Eu o beijei como se este momento fosse o único que importasse.
O corpo de Derek pressionado contra o meu era a única sensação com a
qual eu tinha que me preocupar.
Desculpe, mãe. Estou ocupada demais sendo seduzida para me preocupar
com imagem e reputação.
Ele era alto e esguio. Feito para usar ternos finos e gravatas justas. Sua
altura era adorável. A maioria dos homens com quem namorei ficava cara a
cara comigo quando eu estava de salto. Mas Derek tinha centímetros de
sobra.
Nossas línguas se entrelaçaram em uma dança instintiva e meus sentidos se
encheram dele.
Lutando contra o autocontrole, ele me beijou completamente, avidamente.
Línguas se acasalando, lábios se machucando. Minha respiração era dele.
Suas mãos deslizaram para dentro do meu jaleco e passaram por minha
cintura e quadris.
— Precisamos parar — disse, beijando-o com um desespero que,
francamente, era assustador.
— Totalmente. É vital que paremos de nos beijar imediatamente. — Sua
língua dançou de volta em minha boca.
Ai, Deus. Ele estava duro. Sua ereção pressionava contra minha barriga. Eu
já o tinha visto nu. E agora o estava sentindo. Foi uma sedução planejada?
Alguma conspiração mestre bolada para me persuadir a baixar a guarda?
Se fosse, estava funcionando bem rápido. Em menos de vinte e quatro
horas, eu estava permitindo que ele me beijasse. Inferno, eu o estava
forçando a me beijar.
O que o conselho diria se pudessem nos ver agarrados? Derek um dia em
seu trabalho de babá. Eu, dois dias depois de um escândalo que
desestabilizou a empresa. Se eu estava tão ávida assim por contato físico,
poderia pedir que Daisy ou Luna me arranjassem alguém para um sexo casual
aceitável. Eu não poderia viver um relacionamento físico com o cara que veio
limpar a minha bagunça.
Como se sentisse minha ginástica mental, Derek se afastou e segurou meu
rosto com as mãos. Ele roçou o polegar sobre meus lábios inchados e meio
devorados.
— Você é incrível — sussurrou.
Minha cabeça se moveu em um meio aceno, meio tremor.
— Não podemos fazer isso de novo — disse a ele. — Seus avanços são
oficialmente indesejados.
— Sim, essa foi a mensagem que recebi em alto e bom som — disse ele
com leveza. Seu polegar roçou meu lábio e ele me olhou quase com carinho.
— Tire essa expressão do rosto imediatamente — ordenei.
Ele sorriu e meus joelhos quase cederam. Um sorridente Derek Price era
perigoso, uma arma de destruição em massa.
— Estou falando sério, Price. Isso aqui não vai rolar. Nós não vamos rolar.
— Não até que esteja pronta — prometeu.

***

— Parece que você acabou de dar uns pegas no armário, chefe — disse
Jane, nos olhando pelo espelho retrovisor quando Derek e eu subimos no
banco de trás do Range Rover.
Eu atirei um olhar gelado para ele. Ele sorriu diabolicamente.
— Emily recebeu inúmeros abraços dos participantes de seu estudo — disse
Derek suavemente. Ele puxou o laço do meu cabelo, e enquanto eu
empurrava sua mão, me perguntava se estava imaginando uma
possessividade naquele movimento.
O erro de um beijo não dava ao homem direito a nenhum contato físico
posterior.
— Deve ter ganhado alguns beijos de vitória também — ponderou Jane.
Resmungando em voz baixa, tirei meu batom e o estojo compacto para
corrigir o dano que um certo Derek Price, com feromônios usuários de
esteroides, causou.
Eram quatro horas da tarde e eu enfrentei a imprensa, entreguei um prêmio,
confirmei uma conquista científica significativa e fui beijada até quase perder
os sentidos em um depósito.
Pela primeira vez na minha vida adulta, tive vontade de encerrar o dia e
voltar para casa para me esconder no meu quarto.
15

“Modelo de sapatos Sophia Wang se esgota depois de Emily Stanton


desfilar com eles após prisão”
“Conselho da Flawless luta para salvar IPO”
— Então você invadiu a casa dela e usou o velho Diga Olá para o meu
Amiguinho?
Um punho musculoso veio na minha direção. Eu me esquivei e acertei um
golpe na mandíbula do gigante.
Jude Ellis era do tamanho de um pequeno país. A piada recorrente era que
seus enormes bíceps deveriam ser registrados como armas. Nós treinávamos
juntos desde antes das ressacas durarem três dias e fecharmos clubes, indo
para o trabalho nos achando o máximo, cheios de batom e glitter em nossos
colarinhos.
— Tinha que chamar a atenção dela — grunhi, absorvendo o golpe no meu
estômago.
Esta era uma partida amistosa na nossa lúgubre academia de luta favorita
em Miami. O armazém consistia em dois ringues de boxe erguidos no meio
de pisos de concreto rachado. Prateleiras com pesos e sacos de pancada
ocupavam o resto do espaço. As paredes de tijolos estavam cobertas de
artigos de jornal amarelados comentando lutas antigas.
Era suja. Realista. Cheirava a suor e testosterona. E me lembrava com
carinho da minha juventude. Sempre buscando uma briga, um desafio.
— Você tem coragem, irmão. Ela poderia ter mandado a segurança atirar
em você — disse Jude, evitando meu ataque pela esquerda.
Esse era o problema de conhecer alguém tão bem. O pôquer e o boxe se
tornaram mais uma dança coreografada do que uma competição.
— Tenho a sensação de que a senhorita Stanton teria preferido atirar em
mim ela mesma — disse eu.
— Um pouco de fogo debaixo de todo aquele gelo? — Ele era um homem
de poucas palavras. Ex-militar. Sua história ficava trancada num cofre. Mas
nossa amizade não exigia o conhecimento enciclopédico do passado um do
outro. Ambos desfrutamos de um bom desafio e de cervejas geladas depois
de uma luta justa.
Trocamos golpes rápidos.
— Acredito que pode haver — me abaixei quando ele deu um soco na
minha cabeça e deu um uppercut —, um dragão debaixo daquele exterior
muito comportado. — Aquele beijo que demos não foi nada frio e civilizado.
Suor brilhava em meu torso e umedecia meu cabelo. Meus músculos
estavam quentes. Adorava me livrar da civilidade de um terno e entrar na
energia bárbara do ringue.
No ringue ao lado, a campeã local de peso pena treinava com seu técnico. O
som de golpes ressoava pelo concreto.
Não querendo ficar de fora, demos o nosso próprio show de passos rápidos
e golpes.
— Price! — A voz era aguda e autoritária. E decididamente feminina.
— Oh-oh. Seu dragão está aqui — disse Jude no meio da luta.
A ação em torno do ginásio foi interrompida.
Já empolgado com a luta, senti meu pulso acelerar. Havia algo muito
atraente em Emily Stanton, e ia muito além de seus bilhões. Nós nos
separamos e eu caminhei até as cordas, respirando pesadamente.
Ela se destacava. Cercada por homens e mulheres em meio à adrenalina de
verter suas agressões em uma luta, Emily estava calma, em saltos altos, calça
justa e um suéter de mangas curtas em grafite que conseguia ser recatado e
sexy. Tudo nela era decididamente feminino, até mesmo o poder, o
temperamento que irradiava dela.
Seus braços estavam cruzados e a linha afiada de sua mandíbula estava
tensa. E eu me lembrei em detalhes vívidos do gosto daqueles lábios.
— Emily, que surpresa adorável. — Estava curioso para saber como ela
havia me encontrado.
— Até parece — disse ela sucintamente. — Você me confirmou na festa de
praia de Malcolm Ellison.
Malcolm Ellison era um empresário de reputação duvidosa. Mas seus
saraus eram extremamente famosos. Os participantes continuavam sendo
notícia dias depois das festas e geralmente incluíam os mais notórios
residentes de Miami. Seria uma divulgação considerável e controlável para a
nossa bilionária difamada.
— Confirmei — disse, pegando minha garrafa de água.
— Está com problemas — sussurrou Jude atrás de mim.
Coloquei a mão atrás da cabeça e lhe mostrei o dedo do meio.
— Eu não vou — disse Emily.
— Ah, sério? — perguntei, fascinado.
— Ei, cara, eu tenho que ir. Reunião com um cliente em uma hora — disse
Jude. Ele era um relutante segurança que trabalhava sozinho e parecia não
conseguir parar de receber propostas.
— Obrigado pelos rounds — eu disse, deliberadamente me afastando da
mulher que estava prestes a cuspir fogo.
— Que nada. Cerveja na próxima semana? — ele ofereceu, pegando sua
bolsa de academia.
— Marcado. — Nós nos abraçamos, no estilo masculino de um braço só.
Quando voltei minha atenção para Emily, ela estava atravessando as cordas
para entrar no ringue, seus sapatos de 1.200 dólares cuidadosamente
colocados no canto.
— Está vindo lutar comigo? — perguntei.
— Eu vou, se você acha que vou para a festa daquele idiota.
— CEOs difamados não têm escolha — eu a lembrei.
A ação em torno do ginásio tinha voltado, deixando nós dois no ringue.
— Meu trabalho é pintar uma nova imagem para o público. E a única
maneira de fazer isso é expondo você.
— O homem agarrou a minha vice-presidente de finanças e me chamou de
vadia estúpida em uma festa de arrecadação de fundos para levar água
potável à África subsaariana.
Idiota.
— Um open bar, eu presumo?
— Eu não vou. O que me leva ao item mais importante: agora eu exijo a
aprovação de todos os eventos que você adiciona à minha agenda.
— Esqueça a festa. Você esfaquear Ellison com um Jimmy Choo não
ajudaria muito a restaurar sua reputação. Mas você vai ter que fazer coisas
que não quer fazer se quisermos limpar isso.
Ela deu um passo à frente e ergueu o queixo aristocrático.
— Tudo que faço são coisas que não quero fazer — ela rebateu.
Seus lábios se curvaram sobre si mesmos como se ela estivesse tentando
voltar atrás no que disse.
— Conte mais — pressionei.
Mas as muralhas estavam de volta. O temperamento se abrandou.
Estávamos perto demais. Ela estava no meu espaço, e eu podia sentir o
cheiro do perfume delicado que ela usava, sentir a energia saindo dela. Se
alguém precisava mesmo de alguns rounds, era a ferida e frustrada Emily
Stanton.
— Quero poder vetar — disse ela.
— Lute comigo por isso.
Seus olhos se arregalaram.
— Como é que é?
— Você me ouviu. — Bati minhas luvas uma na outra. — Lute pelos vetos.
Vamos lutar um round.
Eu esperava que ela zombasse da sugestão. Jogasse o cabelo por cima do
ombro e fosse embora correndo. Me despedir.
— Vou me trocar — disse ela com um aceno rápido.
Minha cliente era cheia de surpresas.
Eu deveria saber que estava em apuros quando ela voltou ao ringue usando
short curto, top esportivo, capacete e luvas próprios.
Mas eu era um homem. Um homem muito, muito estúpido.
Estava distraído demais por aquela forma flexível e atlética. Seus seios
eram pequenos e firmes. Seu abdômen, espetacular. As pernas longas eram
fortes e definidas. Sua pele tinha aquele brilho dourado do sol de Miami.
Quem diria que existia uma atleta sob todas aquelas roupas de grife?
— Vou pegar leve com você — prometi.
O dragão se mexeu por trás daqueles olhos azuis acinzentados. Foi meu
último aviso.
Ela me atacou no queixo, atirou o corpo e caiu no tatame para me dar uma
rasteira.
Eu caí como o grande idiota burro que era.
Ela rolou, deslizando seu corpo ao redor do meu. Minha reação de bater ou
correr não conseguia decidir se estava incrivelmente ativada ou apavorada.
No momento em que percebi o perigo, ela trancou as pernas ao meu redor por
trás e me deu uma gravata com um braço refinado.
Ouvi gritos e risos vindos de todos os cantos do ginásio.
Eu não era desleixado no ringue. Mas havia subestimado a minha oponente.
— Eu quero vetos — enunciou em meu ouvido.
Ela apertou com mais força, e minha visão ficou um pouco cinza nas
laterais.
— Você nem está suando — me engasguei. Meus dedos estavam tentando
tirar o seu braço em volta da minha garganta.
— Eu faço kickbox por diversão — ela disse maldosamente. — Agora,
sobre os vetos.
Eu não tinha muito à disposição contra o Muay Thai dela, mas de jeito
nenhum a deixaria vencer tão facilmente. Ficando os calcanhares no tatame,
fiz uma ponte com o corpo e forcei todo o meu peso contra seu peito. Ela
poderia me estrangular, mas eu poderia sufocá-la.
Encontrei o ponto de pressão em seu pulso e o apertei descaradamente. Sua
gravata afrouxou e eu rolei, montando-a no tatame.
Não havia nada de frio naqueles olhos agora. O dragão estava acordado e
possivelmente até se divertindo.
Ela puxou os quadris e envolveu as pernas em volta da minha cintura,
prendendo-as nas minhas costas. Então percebeu seu erro. Aqueles olhos se
arregalaram novamente.
A biologia deu sinal de vida. Jude e eu não dávamos golpes abaixo da linha
da cintura. Não havia necessidade de usar um protetor genital quando eu
treinava com ele.
Também não havia perigo de eu ficar de pau duro no ringue com ele.
Estávamos deitados atarracados e suando, nossas respirações pesadas. Meu
peso a pressionava contra o tatame, meu pau endurecendo como concreto
entre suas pernas abertas, onde eu a havia prendido. Podia sentir o calor de
seu centro através do elastano de seu short e da malha do meu.
Suas pernas não diminuíram a pressão.
Ela resistiu contra mim uma vez, talvez para deslocar o meu peso, talvez
para sentir o toque superficial contra seu sexo.
Eu estava rangendo os dentes. Eu estava por cima, mas com certeza não era
quem estava no controle.
A sensação dela embaixo de mim estava brincando com a parte do meu
cérebro que não era totalmente civilizada. Eu queria fechar a mão em sua
garganta e roçar meu pau como um animal. Senti-la se entregar. Eu queria
dominá-la. Me submeter a ela. Dar prazer a ela.
Sua mão esquerda bateu no tatame, e eu olhei naquela direção. Não cheguei
a ver direito o que bateu em meu rosto. Foi o suficiente para que eu perdesse
o equilíbrio, e então estávamos rolando e lutando novamente.
Desta vez, ela conquistou o topo.
Eu a superava em mais de quarenta e cinco quilos. Poderia derrubá-la.
Provavelmente. Mas ela estava montada em mim, suas coxas apertando meus
quadris como uma jiboia.
Seu peito arfava com o esforço.
Já levei um respeitável número de mulheres para a cama. Gostava
imensamente de sexo. Mas nunca em todos os meus quarenta e três anos
tinha visto algo tão sexy quanto Emily Stanton, suada e vitoriosa em cima de
mim.
— Um veto — ofereci.
Ela me apertou com aquelas coxas mágicas, e meu pau esfregou com
entusiasmo contra seu corpo. A exalação que ela deu saiu trêmula.
— Cinco — rebateu.
Dei uma pequena investida experimental. Eu era uma fera. Um animal.
Estava a segundos de ver exatamente até onde ela me deixaria ir.
Seus olhos estavam ilegíveis.
Com nojo de mim mesmo, tentei tirá-la de cima de mim, mas suas coxas se
contraíram novamente. Santo Deus. Esta mulher iria me matar. Eu só
esperava que me deixasse fazê-la gozar antes disso.
— Não até que tenhamos um acordo. — Sua voz estava rouca, a respiração
quente no meu queixo.
— Três vetos. Última oferta — eu disse.
Desta vez, foi ela quem deu uma pequena investida superficial. Mesmo
totalmente vestido, eu era o conquistador espanhol, Ponce de León, da
anatomia feminina. Eu sabia que meu pau estava passando por suas dobras
abertas. Havia pessoas com uma visão fácil deste quadro. Testemunhas que
poderiam me assistir roçar na minha cliente sem dar a mínima.
— Porra — soltei. Onde estava aquele controle do qual eu tinha tanto
orgulho?
— Você deve ter deixado nas outras calças — sussurrou Emily.
E agora eu estava falando meus pensamentos íntimos em voz alta. A mulher
era uma bruxa. Uma sedutora encantadora.
— O que está fazendo? — perguntei com os dentes cerrados.
Ela baixou mais até ficarmos nariz com nariz.
— Ganhando.
Porra. Porra. Porra.
— Amor, três vetos ou não serei capaz de me controlar e farei algo que irá
arruinar não apenas a sua reputação, mas também sua capacidade de desfrutar
de outros homens na cama.
Ela arqueou uma sobrancelha.
Eu grunhi com a fricção contra meu pau.
— Alguém se acha o fodão — sussurrou.
— Isso é um trocadilho? — falei entredentes de novo.
— Três vetos e me permita reafirmar que não haverá qualquer
relacionamento físico entre nós dois. Você não faz meu tipo.
A mulher era uma mentirosa manipuladora e eu já estava meio que
apaixonado por ela. Só precisava ser paciente, dar tempo suficiente com a
minha sensualidade latente para que essa sua decisão caísse por terra.
— Um relacionamento físico com você é a última coisa na minha mente —
gemi. Com a minha mentira, meu pau se contraiu dolorosamente contra ela.
— Ótimo. Temos um trato — disse ela. E então a grande e poderosa CEO
bilionária me beijou de brincadeira no nariz antes de ficar de pé.
Fiquei deitado de costas, olhando para as lâmpadas fluorescentes
penduradas no teto de seis metros de altura. O que diabos acabou de
acontecer comigo?
Você teve um vislumbre da verdadeira Emily Stanton. Foi isso que
aconteceu.
Eu: Favor de vingança.
Rowena: Meu favorito. Contra quem?
Eu: Malcolm Ellis.
Rowena: Nível de vingança?
Eu: Babacas comum. Faça doer. Garanta que ele saiba que fui eu.
Rowena: Deixe ver o que temos ...
Rowena: Parece que o Sr. Babaca está dando lances em uma específica
obra de arte que a artista não está interessada em vender. Artista mulher.
Ela se ofendeu com seus comentários sobre os “lábios de boquete” de uma
jornalista que o entrevistou. Ele está com tesão na pintura e continua
aumentando o lance.
Eu: Compre e mande uma nota de agradecimento por deixar a artista tão
receptiva à minha oferta.
16

“Das drogas às cicatrizes: a história dos bastidores da herdeira Emily


Stanton”
“Novo tratamento de cicatrizes revolucionário em desenvolvimento na
Flawless”
“Profissionais apostam nas perspectivas de reabilitação da bilionária”
— Escutem, meninas. Se ficarmos focadas e não deixarmos nenhuma
dessas pessoas nos atrapalhar, podemos sair de lá em apenas quarenta
minutos — disse Daisy com um otimismo incomum.
Estávamos no terraço dela, nos preparando para a assembleia trimestral da
prefeitura do bairro Bluewater. Alguém poderia pensar que um enclave de
vizinhos ricos estaria ocupado demais para participar de uma assembleia
comunitária chata. Mas não. Não em Bluewater. Nós acidentalmente
construímos uma comunidade de esquisitões excêntricos e adoráveis que
investiam tanto na comunidade quanto em suas fundadoras.
Era encantador, até fofo.
Mas esta noite, eu só queria rastejar para a minha cama, assistir a algo
imprestável e fingir que era um ser humano normal.
Estava tão – mas tão – cansada.
Foram duas semanas com Derek me levando de aparições públicas a
entrevistas e sessões de fotos. Duas semanas espremendo horas de trabalho
tarde da noite em casa. Duas semanas tentando não pensar no beijo... e na
ereção.
As coisas pareciam mais fora de controle do que no dia que se seguiu à
minha quase prisão. Houve uma boa divulgação, mas não o suficiente para
salvar o Titanic Emily.
Eu me sentia exausta de uma forma que era totalmente nova para mim.
Precisava dormir. E de comida caseira. E de férias.
— Vamos falar como o cara das Micro Máquinas. — A sugestão de Cam
me tirou da minha festinha de autocomiseração interna.
— Pré-jogo? — sugeri, indo fundo por algo um pouco semelhante a
energia. Muitas vezes me perguntava como a realeza fazia isso, apresentando-
se em suas aparições públicas quando estavam desconfortavelmente grávidas
ou oscilando à beira da exaustão. Seja uma duquesa, droga, disse a mim
mesma.
— Pré-jogo — concordou Daisy. Ela produziu uma garrafa de vodca
francesa orgânica. — Para os paladares veganos esnobes.
— Uh! Orgânico — disse Luna, sacando o celular para capturar as fotos.
Já fomos para assembleias sem álcool em nossos corpos. E elas eram muito
mais dolorosas sóbrias.
— Para a assembleia mais rápida da história de Bluewater — brindou Cam.
— Um brinde!
Brindamos as taças de vidro com aros dourados nas bordas e bebemos a
vodca.
— Mais um? — murmurou Cam.
Eu concordei.
— Mais um brinde e Emily pode nos contar tudo sobre ser perseguida pelo
homem mais sexy do mundo — sugeriu Daisy, com um sorriso mercenário.
Depois de ignorar seus interrogatórios velados por duas semanas seguidas,
eu sabia que isso aconteceria. Não estava prestes a confessar que beijei o
homem poucas horas depois de conhecê-lo. Nem mencionaria nossa luta no
ringue que terminou comigo quase tendo um orgasmo só com algumas
investidas por cima das roupas.
Existiam algumas fantasias obscuras e safadas que deveriam permanecer
particulares.
— Eu prefiro esquecer que ele e seu propósito na minha vida existem por
uma noite — disse, indicando minha taça para que Daisy a enchesse.
— Ele é gentil? — perguntou Luna. Ela estava deitada de barriga para
baixo em um sofá-cama, chutando os pés descalços para trás. A piscina tinha
a forma de testículos. Era uma indicação nada sutil do fato de que havíamos
projetado e desenvolvido Bluewater no formato do sistema reprodutor
feminino.
A maior parte foi um acidente até que um dia, enquanto estávamos
analisando as filmagens do drone, Luna tinha dito: — Isso parece um...
— Sistema reprodutivo? — completou Cam. — Sim.
Então, adicionamos as trompas de falópio. Uma servia como marina da
comunidade. A outra foi onde construímos nossas quatro casas... incluindo a
piscina de pau e bolas de Daisy.
— Gentil? — zombou Daisy. — Como essa é a primeira pergunta que você
faz sobre um homem com a aparência dele?
Luna jogou o cabelo sobre o ombro.
— É o que realmente importa, não é? Ele pode ser tão bonito quanto o
David Beckham, mas se ele for um idiota, isso não vale nada.
— Mas idiotas podem ser muito divertidos na cama — insistiu Daisy.
Cam e eu demos risadas em nossas taças enquanto a estátua de um homem
urinando constantemente devolvia água para a piscina atrás de nós de sua
uretra de mármore.
— Espera. Saiu errado — riu Daisy. — O que quero dizer é que não deve
ter a mente fechada contra os idiotas do mundo.
Daisy gostava de tentar discutir moral com Luna, mas o conceito zen
aplicado literalmente no mundo inteiro da última tornava isso impossível.
— Gostaria de salientar que Emily ainda não respondeu à nossa pergunta —
disse Cam, apontando um dedo acusatório em minha direção.
Eu engoli a segunda dose, um fogo suave cobrindo minha garganta e me
revivendo temporariamente.
— Ele é extremamente imperturbável — falei.
Minhas amigas me olharam com expectativa.
— Só isso? — questionou Cam. — Nada de “ele é um nojento
insuportável”? Nada de “ele é o Príncipe Encantado de terno”? Nada de “ele
é um deus na cama”? Apenas “ele é muito bom em seu trabalho”?
— Nenhuma descrição detalhada do que eu só posso imaginar que seja um
pau incrível? — brincou Daisy, ignorando as cadeiras e sentando-se no
ladrilho do terraço.
Imediatamente lutei contra a visão do pau incrível de Derek que emergiu de
onde estava estampada em meus bancos de memória.
— Nesse caso, o que importa é o quanto ele é bom no seu trabalho —
insisti. — Como ele foi com a história do seu furto?
A nova assistente de Daisy na época ficou com ciúmes quando seu
namorado disse que Daisy era “totalmente comível”. Em uma trama de
vingança que não fazia sentido para ninguém, a assistente enfiou uma
pulseira Cartier de 40 mil dólares na bolsa de Daisy.
— Aquilo foi terrível — suspirou Cam.
— Terrível mesmo — concordou Daisy com um elegante encolher de
ombros. — Derek era brutalmente lindo. Incrivelmente eficiente. Mas eu não
estava pagando pelo serviço de babá. Na época, meu escândalo foi um pouco
menos grave do que o seu.
Me perguntei se ela já o teria encontrado nu em sua casa.
— Vocês dois já... você sabe? — Cam, lendo minha mente, fez um
movimento de quadril em sua cadeira. O gesto era incongruente com seu
terno de corte impecável.
Daisy riu e bateu no ladrilho da piscina com a mão anelada.
— Eu teria, mas ele foi muito claro sobre o assunto de “nada de
relacionamentos pessoais com os clientes”. Ele perdeu tudo isso aqui. — Ela
apontou para os seios.
Contra minha vontade, eu me animei. Então ele não ativava o charme e os
feromônios em todas as clientes? Eu era especial?
Pelo amor das mulheres fortes do mundo inteiro, controle-se, ordenei a
mim mesma.
— Então, que negócio foi esse dele aparecer nu na minha casa?
Daisy franziu os lábios rosados de cor framboesa.
— Ele é um tipo de cara pouco ortodoxo. Meu palpite é que ele estava
tentando chamar sua atenção de uma forma que não permitiria que
simplesmente o desprezasse.
— Eu não desprezo as pessoas.
Minhas amigas, comediantes que eram, fingiam estremecer.
— Muito engraçado, idiotas.
Cam olhou no relógio.
— Temos que ir, idiotas.
— Eu não quero — gemi. Choramingar não era nada do feitio Stanton, mas
eu queria ceder apenas desta vez.
— Da última vez que nos atrasamos, eles ficaram chapados de smoothies, e
agora Bluewater tem um papagaio de quase 2,5 metros ao lado da discoteca,
já que os residentes decidiram que a estátua do galo estava solitária. Além
disso, tivemos que trocar o nome da boate para discoteca — destacou Luna.
— Quem vai dirigindo? — perguntei.
— Vamos no meu carrinho — ofereceu Cam ofereceu. — Fiz algumas
modificações que acho que você vai gostar.
Dava para tirar a mulher do escritório de engenharia aeroespacial, mas não
dava para tirar a engenheira aeroespacial do seu projeto de carrinho de golfe.
As modificações de Cam em seu veículo para quatro pessoas incluíam
spoilers automotivos, bancos ventilados para combater a bunda sempre suada
de Miami e uma franja de luzes de neon que dançavam na brisa onde
ficavam, penduradas no teto.
— É como voar em um tapete voador — Luna suspirou feliz quando Cam
disparou em direção ao clube. Cruzamos a ponte e descemos a rua ladeada de
palmeiras, passando por casas luxuosas e chegando ao pequeno centro do
condomínio.
Sentia o mesmo ao dirigir por Bluewater que sentia ao caminhar pelos
corredores de Flawless. Orgulho.
Os dois os lugares eram um lembrete de que eu estava fazendo alguma
coisa no mundo. Estava deixando uma marca. Ou, no caso da Flawless,
removendo-as.
Cam apertou a buzina, que tocou um verso alegre de “Never Gonna Give
You Up”, do Rick Astley. Fiz uma nota mental para ver se poderia aprimorar
o meu carrinho de golfe instalando um blender de margarita nele.

***

Não chegamos cedo o suficiente. Os shakes de morango veganos do bar


tinham acabado. A única evidência da sua existência eram manchas rosa
solidificadas deixadas para trás nas toalhas brancas. As sobremesas, exibidas
em uma mesa com tema de praia, provavelmente estavam magníficas. Não
havia sobreviventes por lá também. Apenas migalhas tristes e solitárias.
Daisy, a nossa magnata do mercado imobiliário residente e incorporadora
de Bluewater, decorou a sede do clube no sofisticado estilo do sul da Flórida.
Muitas venezianas de rattan e madeira, pedra de coral branca, estuque. A
personalidade aparecia em pontos generosos de cor, obras de arte inesperadas
e em nossos próprios vizinhos ecléticos.
Hoje a casa estava cheia.
Tínhamos artistas boêmios com seus estúdios de exibição sulistas. Os
proprietários de uma rede nacional de supermercados orgânicos que
compraram o lote de 2 milhões de dólares ao lado da casa estilo fazenda de
nove quartos deles apenas para cultivar um jardim. Tínhamos o reservado
para o casal Joneses, ambos extremamente vagos acerca de tudo. Eu tinha
certeza de que esse não era o sobrenome verdadeiro deles e nenhum de nós
engolia a história de que eram “executivos aposentados”.
Então havia o ex-príncipe herdeiro da Suazilândia. Sua alteza havia
abdicado polidamente de seu direito real de primogênito após conhecer uma
editora de revista de moda bem esquentadinha. Eles passavam os invernos
aqui em Bluewater, os verões em Paris e Milão e a primavera e o outono em
Suazilândia.
As VR, ou Viúvas Ricas, haviam confiscado uma ala inteira do luxuoso
edifício do condomínio de Bluewater e deixavam todos em alerta
organizando eventos por todo o enclave, incluindo jantares progressistas,
workshops de pole dancing e, claro, o Dia da Mentira, dois anos atrás,
quando elas contrataram secretamente uma tropa de mímicos e os soltaram no
enclave.
Em seguida, vinham os nossos gênios tecnológicos. Alguns aposentados,
outros ainda trabalhando setenta horas por semana para trazer ao mundo os
próximos avanços em tecnologia. Os presentes estavam agrupados em torno
das portas do pátio do outro lado do salão, discutindo algo que os deixava
como nerds empolgados.
Eu gostaria de poder me juntar a eles. Mas em uma assembleia de
Bluewater, era essencial manter o foco.
— Ok, meninas — disse Luna. — Vamos nessa. Quarenta minutos para
sairmos.
Em um ataque de loucura, nós quatro nos tornamos administradoras das
propriedades de Bluewater. Poderíamos ter contratado uma empresa de fora.
Deveríamos ter contratado uma empresa de fora. Mas isso seria abrir mão do
controle.
Teremos uma opinião sobre tudo, pensamos.
Vai ser ótimo, pensamos.
Acontece que fomos bem burras.
Claro, podíamos examinar os compradores para garantir que cada vizinho
se encaixasse bem em Bluewater. Não tínhamos socialites que davam festas
todos os dias. Nenhuma subcelebridade de reality show fazendo petições para
filmar na comunidade. Nada de fofoqueiros vendendo fotos de nossos
residentes mais famosos aos tabloides.
Mas dava muito trabalho. Muito. Muito. Trabalho. Administrar uma
empresa e uma comunidade equivalia a três empregos de tempo integral. E
isso sem adicionar um escândalo à mistura.
Sentei-me atrás da longa mesa na frente da sala. Cam, Daisy e Luna se
alinharam ao meu lado. Lancei um olhar para a mesa vazia menor no canto e
contive um tremor. A mesa de negociação. Esperava que ela não fosse
necessária esta noite.
Com algumas centenas de empresários, executivos do esporte e advogados
extremamente bem pagos como residentes, não havia sim ou não em
Bluewater. Apenas acordos.
Daisy apontou um dedo bem cutilado para o tocador de bongo no canto do
salão – uma negociação anterior, quando os residentes decidiram que não
gostavam das batidas de martelo de Daisy. O aparelho emitiu uma batida para
chamar a atenção e os residentes tomaram seus assentos. Não havia cadeiras
dobráveis cafonas aqui. Não, os participantes da assembleia se acomodavam
em cadeiras giratórias acolchoadas no estilo concha em uma variedade de
azul-esverdeado e turquesa. Descobrimos que as pessoas ficavam menos
propensas a pular e a discutir quando estavam sentadas confortavelmente.
— Ok, moradores de Bluewater, o primeiro item na pauta é a alimentação
de Steve. Os Joneses ficarão na Grécia por uma semana e precisam que
alguém assuma a tarefa — começou Daisy.
17

— Quer um pouco de pipoca? — Jane empurrou a sacola gordurosa na


minha direção. Eu me servi de um punhado e observei o desenrolar do
espetáculo. Ela me convidou para a prefeitura de Bluewater para que eu
pudesse ter um vislumbre do que era a Emily Stanton fora da sala de
diretoria. Ou para que pudesse continuar o interrogatório de lapso temporal
que havia começado comigo desde que eu assumi o meu posto.
As duas possibilidades eram espetacularmente divertidas.
— Onde você disse que fez faculdade mesmo? — ela perguntou como se
tivéssemos sido interrompidos no meio de uma conversa.
— Na Florida State. Quem é Steve? — perguntei.
— O crocodilo residente com deficiência. Perdeu parte de uma perna
dianteira para uma hélice de barco. Elas o encontraram em uma lagoa quando
começaram a construir. Ele não sobreviveria na natureza, então o deixaram
ficar. Fizeram um acordo com ele. Um frango assado por dia, desde que ele
não coma o cachorro de ninguém — explicou Jane.
— Não está falando sério.
— Com certeza estou. Seja legal comigo ou te dou de almoço para ele.
Decidi que definitivamente exigiria uma foto de Emily alimentando o seu
crocodilo de estimação.
— Interessante.
— Só porque aquelas garotas valem alguns bilhões coletivamente, não
significa que não tenham um coração grande — insistiu Jane. — Toda a
comunidade segue o exemplo. Aquele cara ali que não sabe abotoar a
camisa?
Eu segui seu dedo.
— O senhor Na Crista da Onda?
— Sim. Ele é um guru de prototipagem em 3D. Fez uma prótese nova para
o Steve.
Eu limpei a garganta.
— Como alguém coloca uma prótese num crocodilo?
— Injetando remédio para dormir no café da manhã do filho da puta o
suficiente para mandá-lo para a cidade do cochilo dos crocodilos por umas
três horas — explicou Jane.
— Fascinante.
— Então, você vai mostrar à chefe o seu equipamento de novo? — ela
perguntou, colocando mais pipoca na boca.
Olhei em sua direção, mas a atenção de Jane estava no debate animado
sobre a entrega de cocos frescos que acontecia na frente do salão.
Limpei minha garganta.
— Fui relegado para a Zona Proibida.
Ela bufou.
— Vai ter que se esforçar mais do que dar uns beijinhos no armário se
quiser conquistar a chefe.
— Ela te contou?
— Não precisava. — Jane pegou seu refrigerante diet e deu um gole
barulhento. — Mas contou de qualquer maneira.
Eu ri.
— Ela não deixa muitas pessoas se aproximarem o bastante para uns
afagos. O fato de não ter te chutado nas bolas prova que há interesse.
— É mesmo?
Ela me lançou um olhar sem graça.
— Não finja que não está babando por ela.
— Ela é uma mulher fascinante — admiti.
— Disse o homem lutando contra ereções o dia todo, todos os dias.
— Bluewater tem um departamento de RH? — questionei.
— Sim.
Voltamos nossa atenção para a frente da sala, onde Emily e suas três amigas
exibiam diversos estados de frustração.
— Você por acaso não tem nenhuma dica sobre como fazer com que ela
abaixe a guarda? — perguntei.
— E em vez de guarda você quer dizer calcinha?
— Engraçado.
— Eu sou muito hilária — concordou Jane. — Ainda não me decidi sobre
você. Até que me decida, está por conta própria. A chefe é bastante
impressionante no papel. Mas a verdadeira Emily? Além dos extratos
bancários e do calendário comercial? Ela é a melhor pessoa que conheço e
qualquer um que não vê isso não a merece.
— Justo.
Uma agitação na multidão chamou nossa atenção. O debate começou
quando um homem com cabelos brancos e ralos usando uma camisa com
tema de abacaxi fez uma reivindicação para que as propostas fossem expostas
em intervalos de 45 minutos, em oposição aos 60 segundos padrão.
Daisy Carter-Kincaid, minha ex-cliente, estava esparramada na cadeira,
revirando os olhos. A linda morena à sua esquerda – a guru de estilo de vida e
CEO de cosméticos, Luna da Rosa – respirava lenta e profundamente e
parecia estar cantarolando baixinho. A mulher imprensada entre Emily e
Daisy – Cameron Whitbury – parecia estar mentalmente desejando que o
cronômetro digital terminasse a contagem.
O único sinal externo de Emily sobre sua crescente frustração era o dilatar
de suas narinas delicadas. Eu admirava seu controle tanto quanto ansiava pela
oportunidade de abalá-lo.
— Tempo esgotado! — gritou Cameron triunfante.
O tocador de bongo soltou uma batida animada.
— Negociação! — alguém com um forte sotaque do Oriente Médio gritou
da primeira fila.
— Isso! — sibilou Jane. — Essa é a melhor parte.
— Apoio a chamada para negociação. — Uma senhora idosa vestida com o
que parecia ser um pijama de seda acenava freneticamente da terceira fileira.
— Essa é a Sra. Chu — sussurrou Jane, enfiando outro punhado de pipoca
na boca. — Sul-coreana. Ela é proprietária de uma rede de joalherias. E esse
fã de Jimmy Buffet é Chipper Bergman. Ele tem três daqueles casacos verdes
Masters no armário. Mas também foi presidente do clube de debate do ensino
médio. Adora uma boa discussão.
Observei fascinado enquanto Emily se levantava. Alisando a mão sobre a
saia, ela foi até a pequena mesa no canto. Bergman a encontrou lá e eles
apertaram as mãos solenemente.
— Podemos marcar dois minutos no relógio? — perguntou Cameron,
cansada.
O cronômetro na parede reiniciou, e Emily e seu oponente sentaram-se
frente a frente.
— Discutam com ouvidos e corações abertos — Luna lembrou a todos.
— Namastê — Daisy bocejou em sua mão.
A julgar pelo olhar frio que Emily lançou ao pobre Bergman, esta não seria
uma conversa amigável. Ela estava atrás de sangue.
O tocador de bongo sinalizou o início da contagem regressiva.
— Valendo! — A multidão aplaudiu.
Eles se inclinaram, se posicionando. Eu não conseguia ouvir o que estava
sendo dito, mas Emily parecia formidável. Depois de algumas trocas de
palavras, Chipper tirou um lenço do bolso e enxugou a cabeça.
— Ninguém quer enfrentar Emily — explicou Jane. — Ela é um tubarão.
É preciso ser um para reconhecer outro. E eu a reconheci no segundo em
que ela me deu aquele olhar de rainha do gelo em seu banheiro.
Era isso que éramos. Dois tubarões se rodeando.
Enquanto o relógio marcava, Emily estendeu a mão por cima da mesa. Uma
oferta foi feita.
Bergman limpou a careca mais uma vez. Finalmente, ele acenou com a
cabeça. Eles apertaram as mãos assim que o tempo acabou.
— Qual é o resultado da negociação? — questionou Cameron, toda
profissional.
— O senhor Bergman e eu decidimos estender as petições para sessenta e
cinco segundos — disse Emily, um sorriso convencido aparecendo no canto
dos lábios.
— Impiedosa — disse Jane com orgulho.
— E o Sr. Bergman também concordou com uma emenda de proposta para
um limite de duas horas de assembleias na prefeitura — anunciou Emily.
Daisy deu um soco no ar da mesa principal.
— E, como concessão, a senhorita Stanton concordou em trazer um chef de
sushi para providenciar nossos lanches aqui na prefeitura — Bergman
anunciou.
A multidão foi à loucura.
Todos comemorando o resultado.
Senti o peso do olhar de Emily em mim enquanto aplaudia com Jane. Ela
não parecia feliz em me ver ali. Pisquei para ela.
Ela franziu a testa e passou seu olhar para Jane.
— Oh-oh — falou Jane, pegando outro punhado de pipoca. — A chefe tá
brava.
— Acho que ela vai superar — previ.
O cantarolar de boca fechada de Jane me fez acreditar que ela não achava
provável.
— Então, você acha que alguém de dentro está tentando sujar a imagem
dela? — ela perguntou.
A mulher que mais parecia um aspirador de pipoca era muito astuta.
— Para falar a verdade, sim.
— Eu sabia que você era mais inteligente do que parece.
— Eu sou muito inteligente e muito bonito — assegurei a ela. — Você tem
um suspeito?
Ela sorriu.
— Tenho alguns. Claro, qualquer um pode criar qualquer coisa. Alguém
poderia até achar conveniente que um especialista em gestão de crises
simplesmente estivesse disponível quando um escândalo de bilhões de
dólares acontecesse.
— Conveniente? — brinquei. — Pergunte a sua chefe se há algo de
conveniente em mim.
— Acho que nós dois sabemos a resposta disso.
— E, como fez com suas dicas de como cortejar Emily, presumo que não
vai compartilhar suas suspeitas comigo?
— Você é um cara inteligente, Chá e Bolinhos. Você vai descobrir.
— E se eu não for o caso?
— É melhor que descubra senão vai me irritar realmente.
— Presumo que uma arma de choque estará envolvida.

***

Saí do salão na segunda hora da reunião, enquanto um debate se


desenrolava sobre o que fazer com os dois golfinhos amorosos que
aparentemente estavam dando um show da natureza todas as tardes ao longo
da costa de Bluewater.
Observar Emily em um habitat mais natural foi, para dizer o mínimo,
fascinante. Primeiro no laboratório e depois na comunidade que ela construiu.
Jane estava certa. Havia muito mais na fria e profissional senhorita Stanton.
Já tinha visto isso no laboratório e na academia.
E era meu trabalho expor aquele lado humano dela para o mundo.
Ela brigaria comigo, mas eu venceria.
E uma vitória para mim era uma vitória para ela.
Esse será o próximo passo, decidi, entrando em meu condomínio. Tentar
abri-la como uma ostra.
O horizonte de Miami se desenrolou na minha frente através da parede de
vidro. Eu não era bilionário. Mas certamente ganhava bem. Construí meu
negócio e minha vida de uma forma que me agradava. Trabalhando muito no
que eu gostava de fazer. Eu morava em um condomínio de luxo no centro da
cidade e usava roupas feitas sob medida. Minha empresa empregava uma
equipe pequena e agressivamente leal. Sustentava minha família de uma
maneira que os fazia se sentirem mimados, em vez de rebaixados.
O resto do meu tempo era só para mim, para fazer o que quisesse. Eu lutava
boxe, navegava e lia. Saía com mulheres interessantes e passava um tempo
com amigos e família.
Jogando minhas chaves e carteira no prato de vidro designado para isso ao
lado da porta, tirei meus sapatos.
Despi a jaqueta no caminho para o meu quarto.
No banheiro, abri a torneira do chuveiro e tirei a roupa, a cabeça cheia de
possíveis caminhos. O quebra-cabeça da opinião pública e a forma de
manipulá-lo sempre me fascinou. Nesse caso, meu instinto me dizia que o
mundo queria ver a verdadeira Emily Stanton. Não uma fachada brilhante.
A questão era como quebrar aquele verniz muito correto e oferecer ao
mundo uma espiada.
Meu telefone sinalizou e eu olhei para ele.
Emily: Pare de ficar rondando Bluewater.
Eu sorri.
Eu: Fui convidado.
Emily: Me lembre de demitir Jane amanhã. Você acompanha todos os seus
clientes tão de perto?
Eu: Apenas aqueles em que estou mais interessado. Sua assembleia
acabou?
Houve a pausa esperada. Eu tinha uma política de ser honesto, pelo menos
quando não estava mentindo para obter ganhos profissionais. Descobri que,
de uma forma irônica, as pessoas geralmente ficavam felizes em lhe dar o que
você queria, se você fosse sincero.
Emily: Acabou. Três horas e vinte e dois minutos. O limite de tempo só será
aprovado na próxima reunião.
Eu: Mal posso esperar pelo sushi.
Emily: Espero que a minha “situação” esteja resolvida até lá.
Eu: Então, eu talvez esteja lá em uma função diferente.
Eu estava flertando com ela. Descaradamente. Isso a deixava
desestabilizada e me divertia.
Houve outra longa pausa, durante a qual me senti um adolescente esperando
a resposta da crush.
Emily: Temos mesmo uma vaga para tocador de bongo. Eu aviso para onde
enviar o seu currículo.
Uma piada da senhorita Stanton. E uma vitória para mim.
Eu: Boa noite, Emily.
Emily: Boa noite, Derek.
Ainda sorrindo, peguei uma cerveja da mini geladeira do bar do quarto e a
levei comigo para o chuveiro. O vapor ondulou ao meu redor, apagando o
resto do mundo.
O beijo foi um erro. Eu não misturava negócios com prazer. Isso tornava as
coisas... difíceis. No entanto, eu também não seguia as regras rigidamente.
Qual era a graça nisso?
Meu pau se mexeu.
Tinha o hábito de fazer isso quando eu pensava em Emily. Seus olhos
vigilantes, as lascas de humor e orgulho que ela fazia o possível para
esconder sob a superfície. Manter a verdadeira Emily escondida. Era uma
proteção? Ou simplesmente o resultado de pressão?
Segurei meu membro, deslizando a mão sobre ele.
Muito tentador. Pensar nela desesperada por mim. Desabotoando aquela
blusa muito comportada enquanto eu assistia avidamente.
Não.
Por mais que Emily Stanton me deslumbrasse, mexesse comigo e entrasse
em meus pensamentos como uma ladra à noite, ela precisava que eu prestasse
um serviço profissional para ela.
E até que ela me desse permissão para um serviço mais pessoal, minha mão
ficaria longe do meu pau.
Tomei um longo gole da garrafa e baixei a temperatura da água.
18

“IPO da Flawless enfrenta o escrutínio da Comissão de Valores


Mobiliários (CVM) após a quase prisão da CEO”
“Emily Stanton não engana ninguém com a sua turnê de boazinha”
“Cinco coisas que você precisa saber sobre Derek Price, começando com
como ele fica de sunga”
— Por que diabos não? — exigi ao telefone.
— A senhorita Stanton recusou seu convite para comparecer à inauguração
da galeria — disse Valerie, com educação.
— Ela tem algo melhor para fazer do que restaurar a própria reputação? —
Esta era a terceira quarta-feira em que a mulher se recusava a participar de
qualquer coisa, e isso estava começando a me irritar. Isso e o fato de que ela
permanecia friamente profissional comigo.
— Creio que terá que perguntar a ela, senhor Price.
— Passe para ela — insisti. — Por favor.
— Ela já foi embora — disse Valerie, e eu pensei ter ouvido uma pitada de
diversão em seu tom. — Acredito que ela tem um encontro marcado todas as
quartas-feiras.
Soltei uns palavrões bem pesados, e então me desculpei com um pouco de
sinceridade. Um encontro?
— Tenha uma boa noite, senhor Price — cantarolou Valerie antes de
desligar com alegria.
Apesar de ser apenas quarta-feira, já havia sido uma longa semana.
Até eu estava cansado. Mas os dias imediatamente após um escândalo eram
os mais importantes. Estávamos avançando, apesar de ser um avanço lento. E
encerrar o dia às 19h em uma noite no meio da semana, quando havia lugares
a serem visitados, não estava ajudando Emily.
Liguei para meu escritório.
— Rowena — falei quando a minha chefe de pesquisa nerd atendeu.
— Fala, D? — ela perguntou com a boca cheia.
Convenientemente, a minha chefe de pesquisa e o meu contato com a
imprensa se gostavam e “trabalhavam até tarde” flertando enquanto comiam
comida tailandesa várias noites por semana. Eu não estava nem aí que meus
funcionários namorassem. Contanto que ninguém permitisse que um
rompimento prejudicasse o trabalho em equipe, eles poderiam fazer o que
quisessem.
Eu acreditava firmemente que os relacionamentos e as separações que se
seguiam não precisavam ser complicados. As pessoas complicavam os seus
relacionamentos com expectativas ridículas. Se você for sincero sobre quem é
e o que quer, ninguém pode acusá-lo de ter se mostrado ser uma coisa que
não é, certo?
— Qual é a análise?
— Hum, deixe eu checar. — Ela mastigou. — Eu estava acabando de traçar
alguns pontos de dados que Lance me deu.
Rowena havia desistido de uma universidade da Ivy League e, sob minha
tutela, desenvolveu um programa para digerir e medir relatórios da imprensa,
e então cuspir complexas probabilidades de opinião pública.
Ela fazia os índices de aprovação presidencial parecerem um voto de escola
primária do tipo levante a mão quem concorda.
— Estamos entrando em um percentual sólido de 26% positivo — disse ela.
— Quatro pontos acima da semana passada.
Quatro pontos. Bom. Mas não o suficiente. Uma aparição sorridente em
uma galeria poderia alavancar mais um ponto. A senhorita Stanton e eu
teríamos uma discussão sobre prioridades. Uma discussão bem alta. Na frente
da pessoa com quem ela estivesse tendo um encontro.

***

Meia hora depois, encostei o carro na portaria de Bluewater.


— Quer que eu avise para a senhorita Stanton que você chegou, cara? —
perguntou o guarda no portão.
— Ela está me esperando — menti. — Estou na lista.
— Tenha uma boa visita — ele disse, me animando.
Com certeza.
Ela estava em casa, notei, entrando na garagem circular. As luzes estavam
acesas e eu podia ouvir música ao longe. Estava recebendo o convidado em
casa? Eu estava prestes a topar com ela e com algum homem misterioso?
O pensamento me irritou mais do que deveria. Esse era o tipo de coisa que
eu precisava saber sobre meus clientes. Um namorado secreto?
Definitivamente, algo que eu deveria saber.
E eu ia explicar isso de forma bem clara para ela.
Evitando as câmeras de segurança na frente da casa, contornei o prédio. Era
uma série de caixas de estuque branco, conectadas por passarelas em arco.
Cruzei entre a garagem e o quarto principal e saí ao lado da praia. Se a frente
da propriedade era luxuosa, a parte de trás era absolutamente decadente.
Emily tinha duzentos pés de praia particular e intocada. Espreguiçadeiras sob
quiosques pontilhavam a areia branca. Seu terraço de pedra coral branca
incluía uma piscina em forma de feijão com uma plataforma para banhos de
sol e uma banheira de hidromassagem, uma churrasqueira profissional e
assentos suficientes para uma classe inteira de férias de primavera.
Nada parecia ter sido usado.
Atravessei o terraço, ficando perto da casa. As portas sanfonadas de vidro
da cozinha estavam abertas e a música jorrava.
Então Emily estava dando uma festinha.
Que legal, pensei com raiva.
Entrei, pronto para chocá-la, irritá-la. Pronto para enfatizar com o tal
namorado, a importância de que fizesse exatamente o que eu mandasse. Ou
seja, que desse o fora.
Mas não havia namorado. Nem havia uma festa.
A porta da geladeira comercial estava aberta. Por baixo dela, avistei pés
descalços e pernas compridas.
A música – Abba, se não me engano – tocava em alto-falantes escondidos.
E então a porta se fechou, e lá estava Emily Stanton, bilionária, CEO,
princesa da alta sociedade, em um short boxer masculino e uma camiseta
regata, cantando uma versão verdadeiramente terrível de “Dancing Queen”
enquanto sacudia uma coqueteleira.
Havia uma taça de martini – apenas uma – com duas azeitonas espetadas
em cima da bancada de granito azul brasileiro ao lado de um notebook aberto
e pilhas organizadas de papelada.
Emily dançava e cantava, girando em um círculo fechado. Seu cabelo loiro
batia atrás de si.
— Aí! Arrasou — ela disse com uma pequena dancinha de ombro.
— Com certeza — concordei.
Ela gritou e, por instinto, jogou a coqueteleira em mim. Eu a segurei, mas a
tampa voou.
Eu notei que não foi um grito de medo quando a vodca gelada encharcou
minha camisa e calça. Foi um grito de guerra.
Ela se lançou para cima da tesoura de cozinha no balcão. Eu não tinha
certeza se era um reflexo ou se ela realmente pretendia me matar.
— Calma. Sou eu — berrei acima do Abba.
Emily estava empunhando a tesoura para mim, embora seus olhos
estivessem iluminados de reconhecimento.
— Eu sei que é você!
— Calma, Emily — eu comecei com tranquilidade, colocando a
coqueteleira na bancada.
— Não me venha com calma, Emily — gritou ela. — Não pode entrar
quando quiser na minha casa!
Ela tinha razão. Então fui para a ofensiva.
— O que está fazendo em casa numa quarta-feira à noite com uma cueca
boxer que é muito mais importante do que reparar o dano que causou à sua
reputação? — Minha voz se ergueu para continuar a música.
Ela jogou um pano de prato em mim. A julgar pelo material, custava mais
do que a roupa de cama da maioria das pessoas.
— O que te faz pensar que eu te pagar, te dá o direito de entrar na minha
casa quando tiver vontade? — gritou.
— Abaixe a música!
— Saia da minha casa!
— Não até que você pare de arriscar intencionalmente a IPO que diz que
tanto quer!
Ela pegou o telefone do balcão e digitou um código. A música foi cortada
abruptamente, deixando mais espaço para que o nosso silêncio raivoso
preenchesse.
— Escute aqui, Price. Eu posso tirar uma noite de folga. Uma noite. Isso é
tudo que eu tenho. Eu não tiro férias. Trabalho nos finais de semana.
Raramente saio do escritório ou do laboratório antes das nove todas as noites.
Eu mereço passar uma noite sozinha e sem interrupções.
A raiva piscando em seus olhos codificava P-E-R-I-G-O em código Morse
para mim.
— Valerie me disse que tinha saído mais cedo para ir a um encontro — eu
disse.
— Sim, comigo mesma. Você está interrompendo e me deve um martini.
Olhei para minha camisa Oxford molhada. Os vapores que o álcool
emanava eram fortes.
— Então farei outro para você — disse, desabotoando minha camisa.
— Pare! — falou, ainda apontando a tesoura para mim.
Deixei a camisa cair na bancada e desafivelei meu cinto.
— Por que você fica tirando a roupa na minha casa?
— Você é tão acolhedora, Emily. Uma anfitriã tão adorável. Eu me sinto
muito confortável aqui.
— Me esquece.
Abaixei a calça e a desafiei a olhar.
Ela não decepcionou. Pude sentir o calor de seu olhar quando se arrastou
pelo meu peito e torso antes de parar na minha cueca Dolce & Gabbana.
— Onde está a vodka? — perguntei.
— Em uma poça no chão. O que está fazendo aqui, Price? — perguntou,
repentinamente cansada.
Também me senti assim quando tirei os sapatos e deixei a calça no chão.
Passaram-se duas semanas longas e meu desejo de lutar se foi tão rápido
quanto havia surgido.
— Ah, aqui está — eu disse, encontrando um estoque de bebidas
sofisticadas em um dos armários. — Gosta muito ou pouco forte?
— Não seja idiota — falou, caindo em um dos bancos.
Eu me servi de gelo e comecei a trabalhar no martini.
— Não está nem um pouco envergonhado? — ela me perguntou, me
observando enquanto eu trabalhava.
— De jeito nenhum. Acontece que acho que tenho um corpo excelente.
— Você entrou aqui pensando que eu estava com alguém, Derek.
— Entrei aqui porque você não sentiu a necessidade de me explicar que
precisava de uma pausa. Eu teria resolvido isso. Se precisar de alguma coisa,
me diga. Eu dou o que você quiser, se fizer o favor de ser sincera comigo. —
Tampei a coqueteleira e a enrolei em uma toalha de mão muito cara.
— Se precisar de algo, eu mesma providencio.
— Ah, mas, Emily, querida, nós somos uma equipe. Lembra? — O som
animado de gelo derretendo no álcool encheu a cozinha.
— Não consigo te olhar sacudindo isso — disse ela, virando-se para
apreciar a vista do mar, ignorando meus músculos peitorais e abdominais
flexionados.
— Então, como vou ganhar a minha gorjeta?
— Vou te dar uma dica. Uma bem afiada enterrada no seu peito —
ofereceu. Aquela não era a pétala de flor pura e fresca que o resto do mundo
via. Aquela era a verdadeira Emily Stanton, e eu estava apaixonado.
— Você é um pouco mais malvada na sua noite de folga. Gostei.
— Às vezes, eu realmente quero dar um soco em você. Só um murro no
meio de uma frase. Tenho fantasiado com isso — meditou.
— Sim, vamos falar sobre fantasias — eu disse, em tom de conversa,
enquanto servia o martini em sua taça. Em seguida, deslizava a mesma em
sua direção.
Ela olhou para a taça por um instante, teimosa demais para saborear o
drinque e me dizer que barman incrível eu era.
Abri a geladeira e procurei uma cerveja.
— Está contraindo propositalmente as nádegas agora? — ela exigiu.
— Ah, você percebeu? Talvez não esteja morta por dentro, no fim das
contas.
— Vou assistir ao pôr-do-sol — disse. — Você pode sair. Ou posso ligar
para Jane e pedir que ela te dê um choque de verdade desta vez.
Encontrei uma cerveja belga na porta da geladeira.
— Promessas vazias. — Mas ela já havia saído do ambiente e estava
subindo as escadas no foyer.
Eu a segui.
A escada subia para outro andar decorado com bom gosto, antes de levar a
um deck na cobertura.
— Incrível — comentei, apreciando a vista da Baía de Biscayne.
Emily olhou para mim.
— Por que está aqui?
— Para ser franco, te acho irresistível de uma forma bem irritante.
Seus olhos voaram para a minha virilha novamente.
— Pelo amor de Deus, você poderia, por favor, colocar uma calça antes que
Cam me ligue? A criatura tem um telescópio.
Olhei para baixo em uma contemplação simulada.
— Com certeza não está querendo dizer que ela precisaria de um telescópio
para ver isso aqui, não é?
Uma toalha de praia me atingiu no rosto.
— Cubra-se, Sr. Confiante.
Eu obedeci, envolvendo a toalha listrada azul e branca em volta do quadril e
me sentando ao seu lado. Para ser desagradável, cheguei mais perto.
— Realmente, não gosto de você no momento — disse ela.
— Infelizmente, isso parece não afetar em nada a atração que eu sinto por
você — observei.
19

Emily não disse nada, tomando um gole do martini e olhando


silenciosamente para o horizonte.
— Fiquei com ciúmes — admiti finalmente.
— Vamos deixar o assunto morrer antes que um de nós se humilhe ainda
mais — ela sugeriu de modo afetado.
— Não. O que é a vida sem um pouco de humilhação, um pouco de dor?
Um pouco de sinceridade?
— Um pouco de sinceridade? Ok, tudo bem. Você está fazendo a suposição
ridícula de que eu sou uma flor delicada que precisa de uma dose de
confiança — ela zombou.
— Com certeza, não foi o que eu disse.
— Não precisou. Está escrito na sua capa de herói do dia.
Gesticulei para a toalha.
— Você quer que seja uma calça ou uma capa? Porque estou disposto a
fazer tudo o que te deixar feliz.
— Então me deixe em paz na única noite em que eu posso ser eu mesma
sozinha. — Pronunciou cada palavra como se fosse uma ameaça.
— Não.
Ela se levantou e pensei por um momento que tentaria me estrangular. Mas,
mais uma vez, seu controle magnífico entrou em ação.
— Você é uma figura, Price.
— Quer me chocar? Então me mostre. Mostre a verdadeira Emily — exigi,
ficando de pé.
Ela abriu os braços, a vodca roçando a borda da taça, mas sem ousar
derramar.
— É essa. Estou usando uma cueca que roubei de um ex-namorado que
pensava que queria se casar comigo até descobrir que eu me importava
menos com ele do que em começar meu próprio negócio. Eu imprensava uma
aula de kickboxing entre a rotina daqui e do escritório porque passar o dia
todo, todos os dias, me controlando para o mundo é frustrante. Reservo todas
as quartas-feiras à noite para ficar sozinha. E você está estragando tudo.
Compareci a todas as aparições que você programou. Me vesti do jeito que
pediu. Sorri do jeito que instruiu. Eu mereço a minha quarta-feira.
— Se controlando? — repeti, ignorando propositalmente o resto.
— Não sou uma violeta que pode murchar ou outra flor delicada. Sou uma
fodona, Price. Sou agressiva, muito, muito inteligente e poderosa. Sou
intimidante. E se eu não “me controlar”, as pessoas vão começar a sussurrar
coisas do tipo “essa puta” e “se preparem” quando eu passar. Tenho coisas
que preciso realizar. E não posso fazer todas elas se todos estiverem com
medo de mim ou muito ocupados fazendo piada e me chamando de a chefe
do Diabo Veste Prada.
Ela finalmente estava entrando em foco para mim. E, ah, eu gostava do que
via.
— Se você é tão durona, por que está deixando pessoas como eu, Lita e sua
mãe dizerem aonde ir e o que fazer?
Inesperadamente, ela caiu para trás na cadeira.
— Essa é a pergunta de um bilhão de dólares. Não é? Qual é a sua teoria,
cara inteligente?
— Ah, você não vai gostar da minha teoria — ri.
— Tem muitas coisas que eu não gosto em você. O que é mais uma? — ela
disse com leveza.
Ah, sim. Se a fingida e comportada Emily Stanton era tentadora, essa
versão não editada e confiante era irresistível para mim. Eu cometeria um
grande erro e provavelmente me custaria muito caro.
E aproveitaria cada segundo.
— Passei três semanas observando você. Você é uma camaleoa.
Competente na frente dos diretores. Assustadora com os seus assistentes.
Uma adolescente temperamental com seu pai. A boa filha passivo-agressiva
com a mãe. A CEO inalcançável com os seus outros colegas de trabalho. A
questão é: quem é você de verdade?
— Não sei do que está falando, Price.
— Ah, sabe, sim — eu disse, entrando em seu espaço. — Sabe exatamente
do que estou falando.
Eu podia ver seu temperamento queimando bem abaixo daquela superfície
perfeita.
— Seu trabalho é fazer com que essa situação desapareça, não entrar na
minha cabeça — ela me lembrou.
— Vamos discutir a psicologia da vulnerabilidade, certo? — pedi.
Estávamos o mais perto que podíamos ficar sem nos tocar.
— Você viu a minha agenda. Não tenho tempo para uma aula de psicologia.
— Você está no ramo de vendas — eu disse. — Me diga, Emily, mente
sobre seus produtos? Faz propaganda enganosa?
— Cuidado, Price — avisou. — Questionar minha integridade não é o
caminho certo para uma vida longa e saudável.
Meu sorriso estava tenso.
— Ou é transparente? Autêntica? Tem certeza absoluta do que seus
produtos fazem?
— Você já sabe a resposta para isso e se é assim que ganha sua comissão
astronômica, vou pedir um reembolso.
— Como eu vou te vender, Emily? — perguntei.
— Me vender?
— É para isso que fui contratado. Para te vender ao público. Tornar você
identificável, desejável, confiável. Mostrar ao mundo que o dinheiro deles
está seguro com você. E não posso fazer isso com uma máscara. Não posso
deixar uma fachada identificável. Se quer vencer, precisa fazer isso sendo
você mesma.
— Você está sendo ridículo. — Ela cruzou os braços sobre o peito.
— E você está se escondendo detrás da bela rainha do gelo. Se não me
mostrar quem realmente é, então como vou te vender?
— Você não pode estar falando sério. O mundo inteiro gira em torno de
filtros e retoques de imagem. Textos escritos por manipuladores
profissionais. Publicidade paga. Nada é mais real — ela disparou de volta.
Eu ri sem humor.
— Só quando você é um peixe pequeno, amor. E você está longe disso.
Ela bufou de raiva.
— Não tenho tempo para uma discussão filosófica. Exponha sua insanidade
para mim.
— Com prazer. Quando você é vulnerável e autêntica, as pessoas gravitam
automaticamente em sua direção. Elas são reprogramadas para gostar de você
porque você não está usando uma máscara. Não está se escondendo deles. É
corajosa o bastante para ser real em um mundo cheio de pessoas apavoradas
demais para serem elas mesmas.
— Quer que eu vá para esse mundo cheio de pessoas que já me odeiam
abertamente? Que dariam qualquer coisa para me ver fracassar e ser destruída
no processo?
— Você já foi destruída — lembrei. — Agora é hora de se reconstruir. E se
reconstruirmos você como você é, você será intocável.
— Intocável? Você tem uma confiança extrema nas suas habilidades.
— Confie em mim, Emily — insisti. Eu precisava que ela confiasse em
mim.
Ela balançou a cabeça e tomou um gole da bebida.
— Esta é a sua abordagem com todos os clientes?
Eu ri.
— Deus, não. Alguns deles são nada mais que pessoas terríveis. Para esses,
eu dou máscaras brilhantes. Mas você? Você está arriscando muito pouco.
Seja por medo ou simplesmente por tudo o que sabe, existe um mundo muito
maior e melhor para pessoas como você lá fora.
— Pessoas como eu — repetiu.
— Não estou aqui para te bajular, querida. Estou aqui para te despir e fazer
o mundo se apaixonar por você. Isso não é possível com todos os meus
clientes.
— Prefiro uma máscara.
— Você quer mudar o mundo ou se esconder dele? — perguntei.
— Por que não posso fazer as duas coisas?
— Porque você é A Emily Stanton, e você tem algo a dizer. Não é um
magnata de meios de comunicação com duas amantes e uma esposa zangada.
Não é uma celebridade insossa que foi pega dirigindo bêbada e tem problema
com drogas.
— Acredita mesmo que pode me tirar dessa bagunça? — ela perguntou,
mostrando o primeiro indício real de vulnerabilidade.
— Eu sei que posso. Na verdade, vou garantir que você esteja em um lugar
melhor do que o que estava antes de entrar na Ferarri daquele idiota. Mas
para que isso aconteça, você tem que confiar em mim.
Ela olhou para o horizonte por um longo momento.
— O que vê quando olha para mim? — finalmente perguntou.
— Você é passiva-agressiva em vez de direta — falei. — Suas desculpas
são propositalmente medíocres. Você faz coisas apenas para irritar a sua mãe,
porque precisa fazer algo para que ela perceba que não manda em você. Você
deixa Lita, sua gerente de operações, assumir o escritório que deveria ser seu
e então ir se encontrar com ela no dela porque “tem mais espaço”.
Emily sorriu para seu martini.
— Fica cara a cara com seu pai em uma disputa de gritos e em seguida, usa
uma cor que sua mãe insiste em dizer que te deixa sem vida. Ao mesmo
tempo, você sai do seu caminho para elogiar um funcionário de baixo escalão
pelo nome. Você vai atrás do que quer usando todos os meios possíveis. E eu
respeito isso.
— Respeita? — zombou.
Inclinei-me em seu espaço, impulsionado quando ela não recuou.
— Seu autocontrole não é apenas admirável. É um puta tesão.
Ela me estudou, aquele sorriso sexy e presunçoso ainda puxando os lábios
que eu queria desesperadamente beijar novamente.
— E por quê? — perguntou por fim.
Me inclinei ainda mais perto.
— Porque eu quero arrancar esse seu autocontrole elaborado e ver o que
está por baixo. Quero você nua e implorando porque a única coisa que te
importa no mundo é o meu pau se acomodando entre suas coxas perfeitas —
confessei. — Quero te conquistar porque você é inconquistável.
Estávamos tão próximos que pude sentir sua respiração em minha
bochecha.
Seus mamilos endureceram sob o tecido fino da camiseta. Eu ansiava
estender a mão e passar meu polegar sobre os dois. Queria ouvir aquele ofego
na primeira vez que a tocasse de uma forma que nenhum de nós pudesse
resistir.
Ela ergueu a taça como se não se importasse que eu estivesse a um
centímetro de distância e que meu pau tivesse se transformado em pedra.
— O que te faz pensar que eu deixaria você me conquistar?
— Ah, Emily — falei, cedendo e acariciando sua bochecha com um dedo.
Eu segui pelo pescoço e pela clavícula pronunciada, então mergulhei mais
abaixo, sobre a regata e a curva de seu seio. — Essa é a parte divertida. Não
acha? Ver qual de nós conquista o outro?
Podia sentir seu batimento cardíaco acelerando sob meu dedo. Seu peito
estava subindo em silêncio, respirações curtas. Eu estava mais duro que
mármore. Queria beijá-la novamente. Prová-la. Descer aquela boxer e lambê-
la.
Depois eu queimaria a cueca do ex-namorado e daria a ela qualquer peça
que quisesse, contanto que fosse minha.
— Você não dorme com as suas clientes — ela ressaltou.
— Antes eu não queria.
— Nós dois juntos somos uma péssima ideia — ela me lembrou.
— Concordo. Mas não seria um erro divertido de se cometer?
— Não tenho espaço para cometer mais erros — disse ela.
Dando a mim mesmo o espaço necessário, voltei a me sentar onde estava.
— Como você decide em quem você confia? — perguntei, mudando
abruptamente de assunto. Delicado.
— Pare de tentar me desestabilizar.
— Basta responder à pergunta.
Ela deu as costas para o céu e me encarou.
— Da mesma forma que todo mundo escolhe. Só porque tenho uma faixa
de impostos mais elevada, não significa que existo em um mundo com
relacionamentos diferentes — disse.
— Faça o favor de me explicar — insisti secamente.
— Experiências passadas geralmente são um bom indicador de quem é
confiável — disse ela.
— É mesmo?
— Vá direto ao ponto, Price.
— Jane — falei. — Dá completo acesso à sua vida para ela. Confia nela.
— Confio cegamente em Jane — disse Emily.
— E quanto às suas amigas? Daisy. Cameron. Luna?
— Sim, claro.
— Confia no seu pai? — pressionei.
— Claro — disse ela, exasperada.
— Mesmo que ele – e o resto da sua diretoria – tenha me contratado pelas
suas costas? Muito generoso da sua parte.
Ela controlou sua expressão no clássico de Rainha do Gelo.
— Objetivo, Price?
— Lita — disse. — Como sabe que pode confiar nela?
— Lita? — Emily riu como se a pergunta fosse ridícula. — Porque ela
segurou meu cabelo quando vomitei champanhe Cristal no meu aniversário
de 21 anos. Porque ela estava comigo no laboratório desde o início. A
Flawless é a nossa visão. Ela é a única que acreditou em mim. E porque ela
sabe guardar segredos.
— Mesmo assim, ela não é sua sócia. Nem seu pai — apontei.
— Está me irritando com suas perguntas — disse ela.
— Estou fazendo perguntas simples e diretas. Você diz que confia nas
pessoas, mas me parece que mantém todas a uma distância medida com
precisão.
Ela ficou em silêncio por um longo tempo, e eu me perguntei se tinha
pressionado muito, mas no fim decidi que não importava.
— Tanto seu pai quanto Lita são acionistas minoritários. Seu pai poderia ter
investido em sua empresa. Você poderia ter dado um pedaço maior a Lita.
— Derek, como eu estruturo a minha empresa não é da sua conta — falou,
seu tom frio.
— Emily — respondi em uma imitação exata de seu próprio aborrecimento
frio. — Estou só fazendo o meu trabalho. Preciso saber em quem você confia
e por que confia, se vamos te tirar dessa situação.
Ela se voltou para o pôr-do-sol. Parecia cansada e eu me perguntei se tudo
aquilo estava cobrando dela um preço invisível.
— Meu pai tem tendência de ser um rolo compressor e nenhuma
compreensão – ou interesse – na indústria de cuidados com a pele feminina.
Como diretor, ele é incentivado a fornecer orientação e feedback, não a
direcionar a visão da minha empresa.
— E Lita? — pressionei.
Ela suspirou e escolheu as palavras com cuidado.
— Embora ela esteja lá desde o início da Flawless, ela não tem – perdoe o
trocadilho – cacife pro jogo. Ela não teve a sorte de nascer com um fundo
fiduciário como eu. Eu entrei com o dinheiro. Eu sou a dona da empresa.
— Tem mais, e você está fingindo ser educada demais para mencionar —
apontei.
— Lita nunca foi do tipo de sangrar ou suar por uma causa. — Seus ombros
ficaram tensos. — Ela se preocupa só o quanto é conveniente. Não estou
dizendo isso de forma petulante. Ela se preocupa profundamente comigo e
com a Flawless. Mas nem todo mundo está interessado em fazer do seu
trabalho a principal prioridade para cada uma das vinte e quatro horas do dia.
Eu entendo e respeito isso.
— Existe um ressentimento aí?
— Você quer dizer se Lita se ressente de mim? — ela esclareceu. — Acho
que ela está bastante confortável com o nosso acordo. Na verdade, muitas
vezes invejo sua capacidade de priorizar a vida pessoal. Ela não hesita em
escapar para passar um fim de semana num spa ou em aproveitar cada um de
seus dias de férias. A vida dela é a sua prioridade. A Flawless é a minha.
— E você se pergunta se alguém pode se importar tanto quanto você se esse
alguém não estiver disposto a investir todo o tempo — adivinhei.
Ela fez uma pausa.
— Talvez.
— Eu me importo — falei. — E não vou parar até que você consiga o que
quer.
O último raio de sol mergulhou abaixo do horizonte.
Ela voltou para a cadeira ao meu lado e se sentou.
— Sem querer ofender, mas só vou acreditar quando ver — disse ela.
— Que tal uma aposta ganha? — ofereci.
— Quer que eu aposte que você não vai salvar a minha reputação? — ela
perguntou com uma risada.
— Sou muito competitivo. Quanto maior o risco, melhor o meu
desempenho.
— Não vamos discutir os seus hábitos entre quatro paredes — disse ela
com altivez.
— Engraçadinha. Está vendo? Ninguém no mundo sabe que senso de
humor perverso você tem. Eu posso mostrar isso a eles.
— Eu sou uma verdadeira comediante — disse Emily com secura.
— Se for tão inteligente quanto sei que é, verá isso como uma oportunidade
de vencer, não importa o que aconteça. Escolha algo que te faça sentir que já
ganhou.
— Quais são os termos? — ela perguntou, franzindo os lábios.
— Eu te presenteio com a sua IPO.
— E se não fizer isso?
— O que quer de mim? — perguntei. — Só diga.
Um sorriso lento e tortuoso transformou seu rosto.
— Tudo bem. Quero cinquenta por cento do Alpha Group. Você salva a
minha empresa ou perde metade da sua.
Era um peixinho em comparação com a Flawless, e nós dois sabíamos
disso. Mas a Alpha Group era minha. Eu não iria perdê-la sem lutar até o fim,
e Emily sabia disso. Seu cérebro calculista era fascinante.
— Apostado — eu disse, levantando a garrafa para ela.
Ela ergueu a taça.
— Apostado — repetiu.
20

“Van Winston revela que drogas pertenciam a Emily Stanton”


“O longo histórico de abuso de drogas de Stanton”
“Advogado de Van Winston dá a entender que vai processar bilionária”
Longo nem começava a descrever o dia que eu tive. Depois que Derek saiu
de sua segunda invasão ao meu domicílio na noite passada, eu fiquei
acordada até as três trabalhando em tarefas e e-mails atrasados. Depois
arrastei meu corpo para fora da cama às seis para fazer um treino meia-boca
antes de começar tudo de novo.
Eu era uma máquina. Um robô, deixando Derek ou Jane ou Easton me
escoltar para onde precisava ir. E minhas baterias estavam perigosamente
baixas.
Me dei ao luxo de descansar a testa no vidro frio da minha mesa.
Aproveitando cinco segundos inteiros do santuário que meu escritório
proporcionava. Se pudesse apenas tirar uma soneca rápida. Talvez fazer um
lanche? Ficaria recarregada.
A porta do meu escritório se abriu e senti a presença irritante de Derek. O
homem emitia um tipo de energia que não dava para ignorar. Daisy chamava
de Energia do Pau Grande.
— Bela adormecida — sussurrou Derek. Aquele sotaque leve, como se não
pudesse se comprometer totalmente com o da Inglaterra ou com o do sul da
Flórida, deixava tudo o que ele dizia mais sexy. O que me irritava ainda mais.
— Argh. Vá embora — resmunguei.
— Não posso. Eu preciso de você, amor. — Eu o ouvi se sentar em frente à
minha mesa.
Todo mundo precisava de mim, pensei ironicamente enquanto me
endireitava e arrumava meu cabelo.
Ele colocou uma xícara de café na minha mesa.
Se eu não estivesse tão cansada, teria refletido sobre a estranheza de como
minha mera presença física era essencial em uma sala.
Participei de um evento de networking para mulheres empresárias no café
da manhã. De terninho profissional e sexy, sem tempo para comprar omeletes
prontos. De lá, viajamos pela cidade para dar uma entrevista de rádio sobre a
Flawless e a sua missão na indústria de cuidados com a pele. Calça jeans e
um top moderno com joias e sandálias de tiras. Uma dose dupla de expresso.
No carro, aprovei a contratação de um novo químico e do diretor de design
de varejo global sem as pesquisas profundas que normalmente fazia sobre o
currículo de um candidato. Eu estava confiando – esperando – que a minha
equipe tivesse feito as devidas diligências.
Em seguida, fomos para um almoço com dois dos meus membros mais
rabugentos do conselho. Vestido azul-marinho com uma bolsa vermelha que
gritava “Eu estou no comando”. Passei tanto tempo sorrindo de forma
tranquilizadora que me esqueci de comer qualquer coisa.
De volta ao escritório, havia fechado a porta, tirado os sapatos e levado
quase noventa minutos para examinar os itens mais urgentes da minha lista
de assuntos.
Em seguida, voltei para o carro para encontrar uma equipe de jornalistas de
negócios escolhidos a dedo para um tour particular no laboratório. Demorou
duas horas, e meus pés e minha cabeça estavam em uma guerra para ver qual
doía mais. Minha visão também começava a ficar manchada. Pequenos
pontos de luz dançavam na frente dos meus olhos toda vez que eu me
levantava.
Eram seis da noite e eu estava correndo sem parar há doze horas seguidas.
Cansada nem chegava perto de descrever como estava me sentindo.
— Do que você poderia precisar agora? — perguntei, abrindo o relatório
que estava no topo da pilha na minha mesa. Fiquei encarando sem ver os
gráficos coloridos, palavras e números nadavam diante dos meus olhos.
— Do nome do seu acompanhante para o baile de gala de amanhã à noite
— disse Derek, tamborilando os dedos no braço da cadeira de visitante.
Ele parecia impecável como sempre. Um terno azul marinho, camisa
listrada sutilmente aberta na gola. O azul da camisa combinava com os olhos
assustadoramente azuis que estavam fixos em mim agora. Me irritava que ele
não tivesse precisado fazer várias trocas de roupa hoje.
— Não tenho um acompanhante — disse, me perguntando se ao menos
tinha um vestido.
— Eu aceito — ele disse alegremente. — Você vai de preto, a propósito. Eu
usarei um Tom Ford.
— Emily Stanton não consegue nem arrumar um acompanhante —
brinquei. Os blogs de fofoca fariam festa com isso.
— Ou eu sou o seu acompanhante e você está se apaixonando perdidamente
por mim? — Seu sorriso foi letal.
— Você deve estar desesperado para ganhar a nossa pequena aposta se
estiver disposto a jogar a própria reputação pela janela. — As manchetes
mais recentes não eram muito mais lisonjeiras do que três semanas atrás e ele
não parecia nem remotamente preocupado para o meu gosto.
— Emily, querida, você já manobrou um navio porta-contêiner?
Olhei para ele com frieza e tomei um gole de cafeína.
— É preciso ir com cuidado. E quando você pensa que é tarde demais, que
está condenado a bater em um píer, matando centenas de pessoas, ele começa
a girar. Imperceptivelmente no início. E então, antes que perceba, está indo
na direção oposta.
— Não está nem um pouco preocupado? — pressionei. — Estão me
acusando de esconder um problema com drogas. Aquele idiota do Van
Winston está dizendo aos tabloides que as drogas eram minhas. As pessoas
estão acreditando nessa merda.
— Confie em mim — disse ele. — As coisas estão indo conforme o
planejado e até um pouco além. Você não está jogando gasolina na fogueira.
Está pintando lindas imagens de uma mulher capaz, poderosa e inteligente
que dirige um império inovador. Os rumores vão acabar... ou serão
esmagados.
— Gostei dessa opção.
Os lábios de Derek se curvaram.
— Ótimo. Porque já me encontrei com a sua consultora jurídica que
felizmente está redigindo uma petição aterrorizante de difamação. Vamos
exigir uma retratação e um pedido público de desculpas. E se os blogs e
jornais realmente quiserem demonstrar sua sinceridade, farão uma doação
para a causa de amanhã à noite.
— Qual é mesmo? — Eu não conseguia me lembrar.
Ele pegou seu telefone e óculos de leitura, e meus dedos do pé se curvaram
no tapete. Eu gostava de como ele ficava com eles.
— Ah, sim, as reformas da ala de câncer infantil do hospital — disse ele.
Recostei-me na cadeira. Era uma boa causa. Precisava verificar com meu
pai a doação da família. Mas significaria uma noite interminavelmente longa
após outro dia interminavelmente longo.
— E por que você está se oferecendo para ser meu par?
— Achei que tivesse deixado bem claro que pretendo fazer amor com você.
Me lembre de ser mais direto.
— Derek.
— O que todos amam mais do que um escândalo de uso de drogas? — ele
perguntou, juntando os dedos.
— Um affair.
— Exatamente.
— Então, vamos a um baile de gala juntos e seremos suspeitos com a nossa
química...
— Ah, você admite que temos química — disse triunfante.
— Não consigo ver como alimentar a especulação sobre a minha vida
amorosa vai distrair alguém do x da questão. A CVM solicitou mais
documentação para apoiar o nosso requerimento. O que é um código para
“podemos não autorizar”.
— Você dá à CVM o que ela precisa e eu darei à imprensa o que ela quer.
Um desvio de atenção clássico. Dar ao público algo mais apimentado para
falar enquanto o escândalo original morre de forma fria e solitária. —
Aqueles olhos azuis estavam me queimando, me aquecendo por dentro.
— E a sua reputação, senhor Price? Dormir com um cliente cria uma
imagem pouco profissional da sua empresa.
— Ah, mas se apaixonar é uma história completamente diferente. — Ele se
levantou e passou para trás da minha mesa. Mãos grandes repousaram em
meus ombros. Lentamente, elas começaram a massagear os nós que haviam
fixado residência ali há um longo tempo.
Mordi meu lábio, mas o gemido ainda escapou.
Senti a satisfação em sua risada suave.
— Então, agora estamos apaixonados? Isso é ridículo, Derek. Os obstáculos
que estou tendo que vencer por causa de um erro estúpido. Tem ideia de
quanto tempo estou perdendo com algo que não deveria ser um problema?
— Sei exatamente quanto tempo está perdendo. É meu trabalho minimizar
isso. Já desfilamos a boa moça Emily por aí. Independentemente das
manchetes, as opiniões estão mudando. Agora vamos alimentar essas
opiniões com algo mais suculento. Vamos adicionar outra camada a você.
— Você me disse que nada vende melhor do que a verdade — lembrei.
Ele se inclinou, seus lábios roçando minha orelha. Eu estremeci.
— Quem disse que isso não é verdade? É claro que temos algo aqui. — Ele
passou um dedo na pele arrepiada do que pontilhava meu pescoço.
— Não estamos em um relacionamento.
— Não significa que não estejamos contemplando a ideia de um.
— Minha diretoria vai ficar chateada. Eles te contrataram para reerguer a
minha reputação, não para “se apaixonar e me dar orgasmos” — disse,
sinalizando as com os dedos.
— Os orgasmos são de graça.
— Não brinque. O seu negócio é tão importante para você quanto o meu é
para mim. — E foi exatamente por isso que exigi cinquenta por cento dele.
Eu precisava dele investido na minha causa. No meu sucesso.
— Mas a diferença é que eu sei com que facilidade a opinião pode ser
influenciada e manipulada.
— Hum. — Estava cansada demais para discutir.
— Por que está debruçada sobre os dados de campanha das mídias sociais?
— ele perguntou, olhando por cima do meu ombro.
Ah. Então era isso que esses papeis eram.
— Não sei. Porque é meu trabalho. — Para um cara inteligente, às vezes
ele conseguia dizer coisas incrivelmente estúpidas.
— Com certeza, não é — zombou. Suas mãos abandonaram meus nós e
vasculharam a pilha de relatórios na minha mesa. — Por que ainda está
fazendo tudo isso?
— Porque é minha empresa. Ninguém mais vai dar o sangue por ela. Oprah
assinava cada cheque — eu disse.
— Até ela não poder mais, senão passaria o dia todo só assinando cheques
— ele rebateu. — Você subiu de nível anos atrás, mas ainda está tentando
segurar as rédeas.
— Para quem devo entregá-las? Lita? — Eu me senti culpada assim que o
nome dela escapou da minha boca.
— Não. — Sua resposta foi abrupta.
— Espera. Por que não? — Ele já almoçou com Lita duas vezes e
participou de várias reuniões com ela. Eu sabia por que eu não daria mais
responsabilidades para ela, mas estava curiosa para saber por que Derek
concordava.
— Porque ela não levaria esse trabalho a sério — disse simplesmente.
— Começamos esta empresa juntas — falei, automaticamente pulando em
defesa de Lita. E ela havia testemunhado a pior coisa que já aconteceu
comigo e nunca deixou que ninguém ficasse sabendo.
— Sim, e você tem sido mais do que generosa com ela.
— Ela estava naquele laboratório comigo. Criamos o nome juntas.
— E é o seu nome no escritório — apontou.
— Eu tinha o capital. Ela não. E já tivemos essa conversa — salientei.
— Você protegeu o que era seu por direito — disse ele, empoleirando-se no
canto da minha mesa. — Foi uma jogada inteligente. Você é uma mulher
inteligente. Não fique na defensiva por isso.
— Eu não estaria aqui sem Lita — insisti.
— Estaria, mas ela não estaria aqui sem você.
— Éramos melhores amigas. — Eu estava exausta. Por isso que a verdade
que nunca tinha falado antes escapou.
— As pessoas mudam, Emily.
— Não preciso que você entre aqui e tente lançar dúvidas sobre uma das
únicas pessoas em quem sei que posso confiar. — A exaustão deixava o meu
pavio microscopicamente curto.
— Estou concordando com você e você está ficando na defensiva. Acho
que o problema está com você.
Empurrei minha cadeira para trás da mesa, fazendo-o sair do caminho no
processo. Aborrecida. Frustrada. Com fome.
— Olha. Eu preciso voltar a isso — falei, apontando para a pilha de pastas
na minha mesa. Como se para enfatizar meu ponto, minha caixa de entrada
carregou automaticamente o que parecia ser vinte novos e-mails.
Droga. Eu nunca conseguiria manter o ritmo. Nunca venceria.
Eu me levantei rapidamente.
Os pontos na visão estavam de volta. Mas eles não eram pontos brancos e
cintilantes agora. Eram bolhas grandes e pretas que mesclavam.
— Emily.
Derek chamou meu nome, mas ele estava muito distante.
21

— Estou bem. — A voz de Emily saiu fraca, mas irritada, do meu banco do
passageiro.
Tudo bem. Ótimo. Eu também estava puto.
— Quando foi a última vez que fez uma refeição de verdade? — perguntei,
pegando a ponte e deixando o centro de Miami para trás. A porta de trás da
van branca na nossa frente se abriu e uma pilha de latas vazias com respingos
de tinta caiu. Eu desviei e abaixei a janela do passageiro.
— Porta de trás! — gritei para o outro motorista.
— Foi mal, cara. Eu não curto isso — ele gritou de volta.
— Isso só acontece em Miami. — Emily suspirou, endireitando-se. —
Aonde estamos indo? Além disso, o que aconteceu exatamente?
— Você desmaiou no escritório porque é uma idiota teimosa — expliquei.
— Vou te levar para casa.
Ela tinha ficado pálida como um fantasma e com os olhos vidrados antes de
cair graciosamente em um desmaio. O susto tirou cinco anos da minha vida.
— Os relatórios — disse ela, olhando para o colo e, em seguida, esticando o
pescoço para ver no banco de trás. — A equipe de mídias sociais precisa da
minha opinião amanhã de manhã. Tenho que reagendar o tour de integração
da nova química. Não liguei de volta. E deve haver um relatório de fim de dia
do departamento jurídico.
Ela estava trabalhando até cair. Como eu ousava afastá-la de seu trabalho?
— Tudo o que pôde ser feito, foi. Qualquer coisa que reste pode esperar até
amanhã — retruquei.
— Você não pode dar as cartas, Price. Não tem ideia do que é necessário
para manter uma empresa desse tamanho coesa — ela atirou de volta,
cruzando os braços sobre o peito e fechando a cara para o para-brisa.
— Você não tem o direito de quase me matar de susto revirando os olhos e
desmaiando porque é teimosa demais para se livrar de tarefas que deveria ter
delegado anos atrás.
Provavelmente existia uma regra sobre não gritar com uma mulher que
ficou inconsciente recentemente. Mas, no fundo, eu era um cara que violava
regras.
— A culpa é inteiramente sua. Você sabe que pode me dizer quando
precisar fazer uma pausa. Quando precisar de um momento. Uma merda de
refeição. Ainda assim, você se martiriza em uma agenda lotada porque não
suporta ser franca sobre seus próprios limites.
Ela abriu a boca em um suspiro justo de indignação.
— Todo mundo tem limites, Emily. Você não ganha um bônus por fingir
que não tem.
Rodamos em um silêncio duro e raivoso por vários minutos até que meu
telefone tocou nos alto-falantes do SUV.
— Jane — atendi em saudação.
— A chefe está bem? Quer que eu seja a babá esta noite?
— A chefe está bem aqui, e desde quando você faz o que Derek pede? —
cortou Emily, mal-humorada.
— Oi, chefe — respondeu Jane, extremamente despreocupada.
— Eu vou ser a babá da noite — falei a Jane. — Descanse. Tenho certeza
de que ela amanhã estará terrível.
— Entendido.
—Vocês dois estão demitidos — disse Emily.
— Seja uma boa menina com o bom rapaz — Jane disse a ela. — Boa sorte,
Chá e Bolinhos.
— Obrigado — respondi secamente. Desliguei e peguei o desvio para
Bluewater. O guarda acenou para que passássemos e voltamos ao nosso
silêncio absoluto. Ela estava dando uma boa demonstração de raiva, mas eu
sabia que estava abalada também.
— Fique parada — eu disse quando parei na frente de sua casa.
Eu saí e dei a volta para o seu lado do SUV. Ela abriu a própria porta,
provando inutilmente que era capaz disso. Mas eu ri por último quando seus
joelhos cederam.
— Não está mais tão durona agora, não é, amor?
— Cale a boca, Chá e Bolinhos.
Fiz um movimento para pegá-la nos braços, mas ela me impediu.
— Não. Ouse. Vou aceitar um braço para apoio, mas só isso — insistiu com
firmeza.
Revirando os olhos, deslizei meu braço em volta da sua cintura e lhe ofereci
minha mão livre. Ela a pegou com força e caminhamos juntos até a porta da
frente.
Digitei a senha enquanto ela reclamava sobre a necessidade de alterá-la
novamente e sobre como eu precisava parar de invadir o seu sistema de
segurança.
— Aonde estamos indo? — ela perguntou quando eu a conduzi passando
pela cozinha.
— Para a cama.
— Derek, estou morrendo de fome. — Ouvi a necessidade crua em sua voz
e suavizei levemente.
— E eu vou cuidar disso em um minuto. Pela primeira vez na vida, apenas
faça o que lhe mandam. — Eu a empurrei não muito suavemente para baixo
na cama e então fiz meu caminho até o armário. Vasculhei algumas gavetas
antes de encontrar a maldita boxer de outro homem e uma regata macia.
— Aqui — falei, retornando e jogando as peças para ela. — Troque de
roupa. E não saia desse quarto.
— Mandão — murmurou baixinho quando eu saí.
Voltei para a cozinha que era impecável, sem exagero. Os armários brancos
complementados por balcões de mármore azul brilhante. O teto era de uma
madeira meio cinza que combinava com o espaço. Como na maior parte da
casa, portas de vidro se abriam para a vista da Biscayne Bay.
Fui até a despensa. Dá para saber tudo o que se precisa saber sobre alguém
dando uma olhada no armário de remédios ou na despensa.
A despensa de Emily, disfarçada por duas portas combinando com o resto
do armário, revelava que ela era obsessivamente organizada e tinha
absolutamente zero imaginação quando o assunto era comida.
Era quase do tamanho do meu quarto principal. Mas não havia alimentos
convenientes nem guloseimas. Nada de sacos de batatas fritas. Nada de
pipoca de micro-ondas ou cereal de marshmallow com corante vermelho.
Nenhum esconderijo cheio de chocolates. Havia prateleiras meticulosamente
preenchidas com potes de vidro, cheios de aveia, farinha e sementes de chia.
Eletrodomésticos de cozinha menores e panelas e frigideiras maiores ficavam
atrás de portas de vidro fechadas, todos tão limpos que eu duvidava que já
tivessem sido usados.
Não encontrando nada de útil, me aventurei de volta à cozinha e abri a
geladeira. A-há! Refeições prontas cuidadosamente embaladas e empilhadas
em recipientes de vidro. Abri um, cheirei o conteúdo e o considerei aceitável.
Uma espécie de prato tailandês de frango com legumes e arroz. Peguei um
segundo recipiente do mesmo e coloquei os dois no micro-ondas.
Minutos depois, voltei ao quarto de Emily com uma bandeja, comida e
minha pasta.
Ela olhou para a comida da cama, morrendo de fome.
— Graças a Deus, você escolheu isso. Cristoff fica insuportavelmente
irritado quando eu não como até o último grão do que ele me deixa.
Coloquei a bandeja em seu colo e chutei meus sapatos.
— Cristoff? Ele é outro crocodilo de três patas sob seus cuidados?
Ela bufou deselegantemente.
— Ele é pior do que um crocodilo. Mais rabugento também. Daisy e eu o
compartilhamos.
Eu arqueei uma sobrancelha em brincadeira.
— Que moderno.
— Ele é um chef, não um gigolô. Por falar nisso, é o que Luna pensava que
você era. Cristoff é um chef mal-humorado, barulhento e assustador que faz
criações divinas e tem pitis violentos.
— Ele parece encantador.
Ela comeu seu frango.
— Hum... — Revirou os olhos. — Delicioso.
Contornei a cama e deslizei no lado oposto do colchão.
— O que está fazendo? — ela perguntou com a boca cheia.
Afofando os travesseiros atrás da cabeça – por que as mulheres insistem em
ter uma porção de travesseiros na cama? –, peguei o segundo prato de frango.
— Cuidando de você.
— Estou alimentada. Estou na cama. Seu trabalho está feito — disse ela.
Dei-lhe um olhar demorado e firme.
— Claramente, não está. Vou ficar aqui e garantir que você tenha pelo
menos nove horas de sono e um café da manhã farto. Você despencando no
chão de novo não faz parte do meu plano.
— Não pode estar falando sério — disse Emily, cuidadosamente pegando
um pedaço de arroz.
— Totalmente sério, querida.
— Tudo bem. Mas não vamos transar — insistiu.
— No momento, estou mais propenso e te estrangular do que a fazer sexo
com você. — Encontrei o controle remoto na mesa lateral e liguei a TV. —
Agora, vamos ver o que a adorável Emily Stanton assiste quando está na
cama.
Passei pelos seus programas assistidos recentemente e sorri.
— Eu me recuso a ter vergonha do que costumo assistir — ela fungou
enquanto eu clicava em um reality show de construtores de minicasas.
— Não pode esperar que eu não comente a ironia — eu disse secamente. —
Tive de deixar migalhas de pão para conseguir encontrar o caminho da sua
cozinha para o seu quarto.
— Cale a boca, Price.
— É bom ver que nem tudo é documentário ou biografia — ponderei.
— Você me faz parecer muito chata — ela reclamou.
Mas não havia nada de chato na mulher na cama ao meu lado.
— Bem, isso é aconchegante. E confuso.
Cameron Whitbury, bilionária aeroespacial e vizinha do lado, enfiou a
cabeça pela porta aberta do quarto.
— Cam! — disse Emily surpresa. — O que está fazendo aqui?
— Eu vi o cavalheiro aí meio que te arrastando para dentro de casa. Você
parecia doente ou algo assim. Está se sentindo bem?
— Não está — eu disse ao mesmo tempo que Emily disse, — Estou bem.
— Opa.
— Emily decidiu dar de cara com o chão por ficar sem comer por quem
sabe quanto tempo — informei.
— Posso atestar que ela também não tem dormido. As luzes do seu
escritório não se apagam antes das três nas últimas noites — disse Cam.
— Vou dar uma ideia, que tal vocês dois pararem de meter seus belos
narizes na minha vida? — resmungou Emily.
Olhei com raiva para ela.
— Pare de me olhar assim — reclamou. — Estou tentando administrar meu
negócio e apaziguar a diretoria, e ser legal com a imprensa e conquistar o
público. Estou tentando fazer tudo.
— Talvez deva parar — sugeriu Cam. Claramente à vontade, ela veio até a
cama e se jogou aos pés de Emily. Ela estava usando um terninho feito sob
medida e chinelos, que presumi que tenha calçado depois de tirar um par de
saltos espetaculares.
— Eu esperaria que você, de todas as pessoas, me apoiasse, Cam — disse.
— Ei, não sou eu desmaiando no trabalho. Quando eu fizer isso, você pode
vir esfregar na minha cara.
— Jane tem uma boca enorme.
— Meninas, meninas. Não vamos brigar enquanto estamos todos na cama
juntos — eu disse, servindo-me de mais frango. Queria conhecer esse
Cristoff. Ele era excelente com aves.
Cam sorveu o ar e enfiou o rosto no jantar de Emily.
— Isso está com um cheiro divino.
— Tem outro na geladeira — falei para ela.
— Já volto — disse Cam, deslizando da cama e caminhando para fora do
quarto.
— Cristoff vai ficar muito feliz — Emily suspirou.
Quando Cam voltou com seu jantar, abri meu laptop para trabalhar um
pouco enquanto as meninas assistiam a um casal de Seattle construir um
galpão de cinquenta e seis metros quadrados em uma floresta.
— Você fica ótimo com óculos de leitura — falou Cam com aprovação.
— Não é? Isso dá uma vibe nerd de deus do sexo, não dá? — Emily
bocejou.
Eu as ignorei.
Tinha que recuperar o meu atraso. Meu negócio era pequeno, mas prestava
serviço completo. Quando tínhamos uma cliente como Emily, minha equipe
trabalhava sem parar fazendo o que era necessário para alcançar o resultado
desejado. Rowena estava investigando toda a história de Merritt Van
Winston, bem como a de sua família mais próxima.
Lance estava escrevendo posts e artigos brilhantes sobre Emily, a Flawless
e Bluewater e espalhando-os amplamente em nossa rede de mídia amigável.
Meus outros clientes estavam sendo “reparados” por minha pequena equipe
de subalternos. Tínhamos um escândalo de um vídeo de sexo de uma
subcelebridade que estava se revelando um pouco delicado e um divórcio
complicado que precisava ser resolvido.
Mas a situação de Emily Stanton atualmente era a principal prioridade da
minha empresa.
Recebi o e-mail da assessora da Flawless, que encaminhava a lista diária de
solicitações da mídia. A maioria eram tabloides e blogs de fofoca na
esperança de pregar nossa bela líder na cruz em nome de cliques e
publicidade. Mas hoje, apareceu um pedido interessante. Eu o encaminhei
para Rowena e solicitei uma investigação detalhada.
Os últimos números mostravam uma recuperação lenta, mas significativa.
Se pudesse manter Emily de pé daquele jeito por mais algumas semanas,
estava confiante de que tudo ficaria para trás.
Lidei com uma série de e-mails, solicitações e o trabalho penoso que
acompanha uma empresa. Os números e cifrões não me empolgavam da
mesma forma que as estatísticas de uma história viral. Mas reconhecia o seu
valor e fazia o que pudesse com eles. Confiava em contadores para que
lidassem com os detalhes mais enfadonhos. Mas sabia de onde vinha e para
onde estava indo cada centavo.
Emily bocejou novamente ao meu lado. Sua cor estava melhor, seu corpo
abastecido. Se eu pudesse apenas forçar uma boa noite de sono nela,
começaríamos do zero pela manhã. E eu iria monitorá-la mais de perto, já que
aparentemente ela era incapaz de cuidar de si mesma.
Cam terminou sua refeição e o episódio do programa e se preparou para ir
para casa. Mas não sem antes forçar Emily a fazer promessa de dar notícias
amanhã.
— Cuide bem dela — ordenou Cam da porta.
— Prometo que cuido.
Levei a bandeja com pratos sujos para a cozinha e coloquei-os em uma das
duas máquinas de lavar louça. Reiniciei o alarme de segurança e fiz um
rápido tour pelo primeiro andar, garantindo que as portas e janelas estavam
trancadas.
Voltando ao quarto, encontrei Emily dormindo profundamente sob o
edredom. A tela da TV piscava e eu a desliguei. Tinha certeza de que havia
algum tipo de veneziana automática que cobria as portas francesas que
levavam ao terraço, mas não consegui descobrir como funcionavam. Havia
coisas piores do que acordar com o nascer do sol, decidi.
Tirei minha roupa de baixo e puxei as cobertas do que agora considerava o
meu lado da cama. Encontrando um carregador de telefone na gaveta da
mesinha de cabeceira, me perguntei quantos convidados já o usaram. Embora
isso realmente não importasse, já que planejava deixar claro que eu seria o
mais inesquecível.
Deslizando entre os lençóis de seda, recostei-me nos travesseiros.
Ao meu lado, Emily respirava devagar, respirações regulares. Coloquei as
mãos sob a cabeça e contemplei o mural abstrato em tons brilhantes de rosa e
azul pintado à mão no teto do quarto.
Sim, a partir de amanhã várias coisas iriam mudar.
22

“Desmaio de Emily Stanton: drogas, gravidez ou os dois?”


“Bilionária desmaia sob o peso do escândalo”
“Stanton ameaça Merritt Van Winston com processo por difamação”
Acordei gradualmente e em estágios decadentes. Nenhum alarme me
despertou. Essa foi a primeira dica de que algo estava muito errado. A
segunda foi a luz. Havia luz. Luz natural e suave entrando pelas cortinas
penduradas nas portas do terraço.
Todas as manhãs, eu acordava antes do amanhecer com um alarme
estridente e começava o meu dia sem reclamar.
Sim, algo estava muito, muito errado.
Então me lembrei.
Meus olhos se abriram. Bati a mão no travesseiro ao meu lado. Derek. Não
estava ali. Talvez nunca tivesse estado? Eu tinha alucinado tudo? O desmaio
– que humilhante –, a discussão no carro, o jantar na cama com ele e Cam?
Sentei-me e limpei o sono dos olhos. Um par de sapatos masculinos estava
junto à porta. Os travesseiros do outro lado da cama tinham uma marca
distinta de uma cabeça.
Ouvi vozes, vozes masculinas profundas, vindo da direção da minha
cozinha.
Antes que pudesse decidir se deveria sair da cama e chutar aquelas pessoas
da cozinha da minha casa ou ir primeiro ao banheiro, Derek apareceu na
porta. Ele estava com as roupas de ontem e carregando outra bandeja.
Passei a noite com ele.
Já passei a noite com muitos homens antes. Mas nunca me senti tão
estranha... ou insatisfeita.
— Ah, ela está acordada — ele anunciou alegremente. Puxei os lençóis até
o peito, sentindo-me desconfortavelmente vulnerável.
— Por que ainda está aqui? — resmunguei.
O que quer que tivesse na bandeja tinha um cheiro fenomenal, e eu queria.
— Oh, vamos chegar lá — disse ele, o mais leve indício de um aviso em
seu tom. — Mas primeiro, está bem o suficiente para comer em outro lugar
que não na cama?
Com o orgulho ferido, joguei minhas pernas para o lado da cama.
— Não sou uma inválida — funguei com altivez.
— Ótimo. Então vamos comer ao ar livre — decidiu ele. Fazendo
malabarismo com a bandeja e as maçanetas das portas, Derek abriu o
caminho para o terraço.
O calor da manhã foi bem-vindo na minha pele. As águas, da piscina e do
oceano, brilhavam sob o sol que já havia despontado no horizonte.
— Que horas são? — perguntei, procurando meu relógio e encontrando
meu pulso nu.
— Seis e meia.
Droga. Já estava uma hora atrasada. Embora fosse difícil ter
arrependimentos quando meu corpo parecia tão descansado. Mas ainda assim
havia cronogramas a cumprir e tarefas a serem concluídas.
Derek colocou a bandeja na mesa com um floreio.
— Fiz amizade com o Cristoff. Ele ficou tão feliz que você comeu tudo o
que ele preparou para você no início desta semana que fez ovos Benedict e
saladas de frutas para nós.
Meu estômago soltou um ronco descarado. Mas não da variedade usual de
distúrbios intestinais. Esta era uma fome crua e primitiva. Derek pressionou o
êmbolo da prensa francesa e o cheiro de café fresco invadiu minhas narinas.
Era difícil ficar com raiva quando um homem com a aparência de Derek me
servia o café da manhã do lado de fora em uma perfeita manhã de primavera
em Miami. Mas eu ainda daria o meu melhor.
Ele colocou um prato na minha frente e desenrolou um guardanapo de pano
azul cor de jeans, colocando-o cuidadosamente no meu colo.
— Posso cuidar de mim mesma, muito obrigada — reclamei, pegando uma
faca e um garfo.
— Por nada — disse ele, fingindo que meus agradecimentos eram sinceros.
— Mas acredito que provou ontem que é, na realidade, incapaz de tal tarefa.
— Alguém é mal-humorado de manhã — eu disse, enfiando um pedaço
perfeito de ovos, carne e bolinho inglês na boca. — Oh, meu Deus, esse
molho hollandaise do Cristoff!
— Para reafirmar meu argumento de ontem à noite, que provavelmente está
exausta demais para se recordar, você precisa parar de tentar provar para o
mundo que pode fazer tudo. Você vai se micro gerenciar até uma morte antes
do tempo.
Mastiguei em silêncio e olhei para ele. Obviamente, o homem tinha um
pouco de razão. Talvez até bastante. Mas isso não significava que eu poderia
estalar os dedos e me livrar das responsabilidades, simples assim.
— Derek — suspirei, aceitando com gratidão a delicada caneca de vidro de
café que ele me entregou. — Mesmo que você tenha o mínimo de razão, não
tenho tempo para iniciar o processo de absorção. Treinamento.
Acompanhamento.
— Estou ouvindo problemas, não soluções — disse ele, interrompendo seu
café da manhã.
Atirei uma uva nele. Presunçosamente, ele a colocou na boca.
— Emily, amor. É preciso ser um visionário para administrar uma empresa
como a sua. E você não pode ter visões quando está ocupada demais com os
detalhes. Se você cair, a Flawless vai fracassar, eu terei uma pequena falha
bem feia no meu currículo de sucessos sem mácula, e todos que já disseram
que você não conseguiria vão vencer, se sentirão realizados.
— Você se esqueceu de mencionar que, nesse caso específico, também vou
ser dona de metade da sua empresa — apontei.
— Para que você possa entender por que estou motivado.
Eu semicerrei os olhos nas águas turquesas da baía e suspirei.
— Você é excepcional em me irritar — falei.
Ele se exibiu.
— Essa é o melhor elogio que você já me fez.
Eu ri e bebi meu café. Podia ouvir Cristoff destruindo minha cozinha. O
homem cozinhava escutando Metallica e ameaçava qualquer pessoa que o
interrompesse com violência física. Jane estava meio que apaixonada por ele.
As manhãs sem pressa eram agradáveis. Me perguntei se era por causa da
noite de sono ou de Derek. Eu me sentia totalmente alegre.
— Eu digo isso com todo o amor, desejo e adoração que sinto por você —
começou meu companheiro platônico de cama. — Precisa escolher uma
direção. Essa oferta de ações vai definir você e as próximas três gerações da
sua família. Talvez seja hora de rever a questão sobre o que você realmente
quer.
— Olha — disse, mordendo o morango mais perfeito da história dos
morangos. — Nada mudou, só quero expandir a Flawless. Quero ver essa
IPO ir até o fim porque, não só é o próximo passo, mas agora é uma questão
de orgulho. Também quero mostrar a todas as pessoas do contra que estavam
tão erradas, que me devem desculpas públicas.
Derek tomou um gole de suco de laranja espremido na hora. Cristoff tinha
mãos assustadoramente fortes.
Ele ficou em silêncio por um longo momento, me olhando como se pesasse
minha resposta.
— Se é isso que você quer, então é isso que vou ajudá-la a conseguir —
disse simplesmente. — Dinheiro. Poder. Um legado.
Pareceu um pouco vazio, um pouco sem imaginação quando ele dizia em
voz alta.
— Por que estou sentindo uma desaprovação?
— Dinheiro, poder e legados são bons para algumas pessoas. Para a
maioria. Acho que você não está sendo honesta consigo mesma. Talvez esteja
se jogando de cabeça no trabalho para não ter que pensar sobre o quanto se
sente insatisfeita.
Ele limpou a boca presunçosa com um guardanapo e pensei em jogá-lo na
lagoa e deixá-lo lá para que Steve cuidasse ele.
— Talvez você esteja errado sobre mim e eu seja apenas mais uma
executiva sedenta por poder lutando para chegar ao topo.
— Agora, não vamos ficar irritados — provocou.
Eu queria espetá-lo com meu garfo, mas não queria estragar meus ovos com
respingos de sangue. Afinal, eu tinha prioridades.
— Já que você deixou bem claro que manterá o curso, é nele que
concentraremos nossos esforços — disse ele.
— Estou muito feliz que esteja resolvido — rosnei.
— Posso dizer pelos seus esforços em ter uma conversa animada que já está
se sentindo melhor. Vamos tentar não desmaiar de novo hoje.
Mostrei o dedo do meio para ele em um gesto imaturo, mas satisfatório de
desdém.
Ele sorriu para mim e eu me vi sorrindo de volta. Dormir ao lado do homem
não fez nada para diminuir seu efeito em mim. Eu duvidava que passar
cinquenta anos casada com ele diminuiria o seu apelo sexual.
Previ que a esposa dele seria uma mulher sortuda e perpetuamente
enfurecida.
— Então, qual é o plano diabólico de manipulação pública de hoje? —
perguntei.
Uma série de palavrões explodiu na cozinha atrás de mim.
— Não é interessante como Cristoff não sente a necessidade de diminuir o
tom? — questionou Derek. — Mesmo assim, ele ainda é um grande sucesso.
— Chega de lições de vida por hoje, Price. Enfie na sua cabeça dura. Vou
continuar a trabalhar muito. Nós, Stantons, não fazemos nada pela metade.
Meu pai e eu somos workaholics. Minha mãe é uma mestre na manipulação.
E meu irmão está totalmente empenhado em passar a vida se divertindo. Não
tem nada do tipo navegar ao pôr-do-sol para uma ilha particular com uma
casa minúscula e começar a tricotar nos meus planos. Então, vamos nos
concentrar em me levar para onde preciso ir.
— Como desejar — disse agradavelmente.

***

Depois do café da manhã, Derek se apossou da minha ducha... deixando a


porta do banheiro aberta para caso eu decidisse entrar e ganhar outra visão de
sua nudez.
Seguiu-se uma luta interna e, no final, o decoro venceu. Entrei no meu
closet para encontrar algo poderoso que não dissesse que eu desmaiei de
exaustão ontem.
Precisava emagrecer, já que boatos de gravidez estavam rolando. E
precisava ser fotografada bebendo álcool – com responsabilidade, é claro – o
mais rápido possível.
Senti uma pontada de aborrecimento.
Por quê? Por que eu tinha que empregar tanta energia e tempo tentando
ficar um passo à frente da opinião pública? Eu era a chefe da minha própria
empresa. Era eu quem mandava. Por que tinha que me esforçar tanto para
deixar as outras pessoas mais confortáveis?
— Droga — sussurrei. O homem nu no meu chuveiro mexeu comigo... de
novo.
Escolhi uma calça skinny preta e uma blusa preta justa sem mangas. Em
caso de dúvida, vá de preto da cabeça aos pés. Estava mexendo nas minhas
gavetas de joias, procurando as pulseiras certas, quando ouvi Derek gritar do
banheiro.
Um grito viril, ligeiramente britânico, é claro.
Corri do closet para o banheiro e prontamente me dobrei de rir.
O chuveiro era de pedra polida em três lados, com uma alta parede de vidro
separando-o do resto do banheiro. Derek estava parado embaixo de uma das
duchas, as mãos agarrando as partes estimadas. Na entrada do chuveiro
estava Brutus, o gigantesco São Bernardo.
— Fico tão feliz que ache isso engraçado — disse Derek, tentando um tom
seco.
Eu não conseguia parar de rir.
— O que diabos é tão engraçado? — Jane entrou no banheiro, comendo
uma das tortas de pêssego especiais de Cristoff e se engasgando
imediatamente.
Eu dei um tapa nas costas dela, e nós nos agarramos, histéricas.
— Alguém quer remover essa fera gigante antes que ele me transforme em
um eunuco? — Derek exigiu.
— Precisamos parar de nos encontrar assim, Bolinhos — brincou Jane. —
Vem cá, Bruty.
Ela ofereceu um pequeno pedaço de torta. Brutus cambaleou para fora do
chuveiro e sacudiu-se, fazendo chover água em um raio de três metros.
Limpei os cantos dos olhos com uma toalha.
Derek desligou a água e estendeu a mão para pegar uma toalha, mas não
antes de Jane e eu termos outra visão apreciativa de sua nudez frontal.
— Não tenha medo. Brutus está apenas procurando alguém para se
aconchegar — sussurrou Jane.
Brutus colocou delicadamente a mão que segurava o resto da torta na boca.
— Inofensivo? Ele acabou de morder a sua mão — disse Derek, amarrando
a toalha no quadril.
Eu ainda estava rindo. Meu rosto doía.
Jane soltou a mão sem torta.
— Ele só ama tudo que vai ao forno. Sempre sabe quando Cristoff está aqui
e vem caçar.
— Ei, amigão — eu disse, despenteando o pelo da cabeça gigante de
Brutus. — Você fez um novo amigo?
— Ele enfiou o nariz muito frio na minha bunda despreparada — reclamou
Derek.
Apertei o rosto do cachorro nas mãos.
— Você assustou o homem mandão, Brutus? Assustou? Que bom menino!
— Como algo desse tamanho entra furtivamente na sua casa? — perguntou
Derek, pegando outra toalha e movendo-se para o secador de corpo instalado
na parede.
— Se houver uma porta aberta em Bluewater, Brutus aqui vai encontrá-la e
se sentir em casa — expliquei acima da lufada suave de ar mais seco. — Os
pais dele moram do outro lado da ponte em uma das casas da Tequila Lane.
Eles o resgataram quando ele tinha dois anos e tentaram de tudo para contê-
lo. Mas ele é um Houdini. É uma espécie de mascote do enclave — eu disse,
pegando outra toalha e esfregando o cachorro.
— Ele apareceu para jogar bridge no condomínio de Mai Ling ano passado.
Há imagens de segurança dele apertando botões do elevador — disse Jane.
Relutantemente, Derek se aproximou.
— Você não tem medo de cachorros, tem? — perguntei, surpresa.
— Tenho medo de coisas grandes que invadem meu banho.
— Nossa, agora você sabe como me sinto — falei, batendo meus cílios.
— Piada velha de pau — bufou Jane. — Vamos, Bruty. Vamos ver se o
malvado Cristoff tem alguma daquelas quesadillas de cachorro orgânicas
para você.
Com uma saudação dirigida à virilha de Derek, Jane saiu do banheiro
seguida por um Brutus de setenta e oito quilos, deixando-me sozinha com um
Derek quase nu.
— E aqui estamos nós de novo — disse ele, enganchando o dedo na gola
drapeada da minha camisa.
— Coloque uma calça, Price. Tenho trabalho a fazer agora que parei de rir
histericamente de você. — Imitei seu grito viril.
— Querida, um dia vamos contar essa história em nosso quinquagésimo
aniversário de casamento como o momento exato em que você percebeu que
estava louca por mim — brincou.
— Bateu com a cabeça no chuveiro? — perguntei com doçura.

Daisy: Que porra é essa, Stanton? Você desmaia no trabalho e não se


incomoda em avisar ao pelotão?
Luna: Você está bem? Precisa de uma consulta com a minha aroma
terapeuta?
Cam: Calma, galera. O senhor Sonho Pelado cuidou bem dela. E se minhas
confiáveis habilidades de vigilância forem precisas, o carro dele ainda está
na garagem.
Daisy: Ooooooooooh! Fotos de pau ou nada aconteceu?!
Luna: Enviando o contato da minha aroma terapeuta e um pacote com 30
camisinhas orgânicas livre de látex.
23

Jane chegou em Bluewater a quase vinte quilômetros acima do limite de


velocidade. O tráfego hoje estava ainda pior do que o normal. Era como se
todos os motoristas sem carteira da cidade tivessem enchido o tanque de suas
latas velhas não regularizadas e colocado todas na estrada, estacionando um
veículo em duas vagas e cortando os motoristas cumpridores da lei sem dar a
mínima.
Minha mãe ia me matar. Ela me ligou quatro vezes hoje, extraindo minha
promessa em cada uma delas de que eu iria ao baile e chegaria no horário.
A insanidade do tráfego aparentemente se infiltrou no enclave. Nós
entramos pelo portão de segurança apenas para frear bruscamente quando o
carrinho de golfe da senhora Montecito desviou na nossa frente. Ela tinha o
velho hábito de começar o happy hour mais cedo, e parecia que hoje era um
dia de duas margaritas por uma no bar da praia de Bluewater.
— Tudo bem, posso tomar banho, me vestir em dois minutos, fazer o
cabelo e metade da maquiagem no carro — decidi, recalculando minha lista.
— Você quase perdeu um olho da última vez que se maquiou no carro —
disse Jane. — Segura aí, chefe.
Eu agarrei a alça de teto e apertei os olhos enquanto Jane passava por cima
do meio-fio e acelerava pela trilha de carrinho de golfe. Folhas de palmeira e
flores perfumadas chicoteavam a lateral do Range Rover.
Íamos ser presas e eu não sabia quem ficaria mais bravo. Minha mãe ou
Derek.
Jane desviou novamente, achatando uma palmeira ao voltar para a pista,
deixando o carrinho de golfe da senhora Montecito ziguezagueando atrás de
nós.
— Jane!
— Estou dirigindo como todo mundo em Miami.
— Você vai fazer com que nos expulse de Bluewater. — Soltei a mão da
alça e tentei massagear os dedos para fazer a circulação voltar.
Ela fumegou.
— Você é a dona do lugar. Pode expulsar todo mundo se reclamarem
demais.
Eu temia a próxima assembleia.
Jane freou bruscamente na garagem, atirando uma nuvem de conchas
esmagadas na estratosfera. Eu pulei para fora e corri para a porta. Foi um dia
agitado, garanti a todos que eu me sentia ótima e acompanhei todas as tarefas
que Derek jogou para cima dos outros membros da equipe.
Depois de me servir o almoço na minha mesa, ele saiu para cuidar das
coisas em seu próprio escritório com a promessa de que me pegaria
prontamente às... Oh, inferno. Agora.
— Chá e Bolinhos chegará aqui a qualquer momento — gritou Jane atrás de
mim enquanto eu entrava pela porta da frente.
— Enrole ele! — devolvi por cima do ombro e corri para o meu banheiro.
Meu telefone tocou. Era a minha mãe.
— Mãe, não posso falar agora — disse, abrindo a torneira do chuveiro.
Chutei os sapatos pelo caminho. Um pousou no pufe em forma de
margarida. O outro, entre as penteadeiras. Graças a Deus eu tinha pessoas
muito boas e organizadas que limpavam tudo para mim, caso contrário, nunca
mais encontraria os dois.
— Já está pronta? Quero uma foto do seu vestido.
— Não estou pronta ainda — rosnei, tirando a camisa pela cabeça e
atirando-a na direção dos meus sapatos.
Merda. Eu estava sem sabonete líquido. Estava na minha lista de compras.
— O que quer dizer com ainda não está pronta? Você deve estar aqui em
uma hora! — Ela fazia parecer que eu estava atrasada para uma cirurgia que
salvaria a minha vida.
Peguei um roupão curto do armário do banheiro e corri para fora do quarto.
— O trânsito estava ruim. Estou em casa agora me arrumando, o que seria
muito mais rápido se você parasse de me ligar.
— Não se atreva a se atrasar, Emily. Não vou posar com a ex-mulher do
seu pai com meus dois filhos visivelmente ausentes. O que todos vão dizer?
O lema da minha mãe na vida.
Encontrei Jane e Luna na minha cozinha comendo queijo e bolachas.
Peguei um da mão de Luna e coloquei na minha boca.
— Talvez digam que é ótimo você se dar bem com a ex-mulher do seu
marido? — supus.
— Emily, não fale de boca cheia!
Eu a imitei, limpando as migalhas do meu corpo inteiro.
Jane apontou para as sacolas no balcão da cozinha. Pelo menos uma coisa
tinha dado certo para mim. A minha personal shopper havia deixado seu
presente como uma fada mágica.
— Tenho que ir, mãe — disse, vasculhando a primeira sacola e desligando
na cara da minha mãe.
— Bem, é um visual pouco ortodoxo. Mas você certamente vai dar o que
falar — anunciou Derek atrás de mim.
— Trânsito — gritei, encontrando o sabonete líquido e saindo pelo corredor
em uma corrida descalça. — Oi, Luna!
Pulei no chuveiro e lavei o cabelo batendo o recorde da história da
humanidade.
Me secando com a toalha, percebi que ainda não sabia o que vestiria.
Voltei para a cozinha.
— Vestido? — perguntei com expectativa.
Derek se juntou às meninas para o lanche e o que parecia ser um bom vinho
branco.
— Na sacola na sua cama — disse ele.
Peguei a taça de vinho de sua mão, amaldiçoei o caimento perfeito do seu
smoking e arrastei a bunda de volta para o meu quarto.
Deslizei para dentro do vestido, esquecendo o sutiã e a calcinha. Nem seria
bom marcar o vestido, de qualquer maneira. Ele não havia saído do meu
closet, eu o teria reconhecido. Era um vestido preto elegante com os ombros
de fora que se moldava muito bem aos meus seios.
— Está decente, chefe? — chamou Jane.
Estava com o cabelo molhado, o rosto sem maquiagem e o vestido aberto.
— O suficiente.
Ela apareceu na porta do banheiro.
— Más notícias. O pessoal do cabelo não vai chegar. Eles ficaram presos
no trânsito do centro da cidade e, veja só, um Bentley de 250 mil bateu na
traseira deles.
— Merda. — Meu cabelo estava molhado e colado no meu rosto. Minha
mãe iria me matar. — Ok, tudo bem. Vou apenas fazer algum tipo de coque
— decidi.
Talvez um chignon ou um nó simples.
— Encontre algumas joias grandes que possam tirar a atenção do meu
cabelo — eu a instruí, ligando meu secador no máximo.
— Derek já está cuidando disso — gritou sobre o ruído.
Revirei meus olhos. Estava começando a achar que o homem tinha um
fetiche em vasculhar meu armário.
Derek enfiou a cabeça no banheiro, segurando brincos de safira sobre os
próprios lóbulos.
— Sim?
— Você é ridículo. Sim.
Meu telefone vibrou. Uma mensagem da minha mãe.
Mãe: Estamos saindo agora. É melhor que já esteja a caminho!
— Argh!
Ele sorriu e entrou. Largou os brincos na penteadeira e fechou o zíper do
meu vestido.
— Sabe que eu não vou pensar em nada a noite toda além do fato de você
estar totalmente nua debaixo desse vestido — ele brincou.
— Derek, a menos que você seja secretamente um cabeleireiro, preciso que
dê o fora do meu banheiro agora mesmo — gritei sobre o zumbido do
secador de cabelo.
— Parece que, mais uma vez, sou exatamente o que você precisa. — Ele
arrancou o secador da minha mão e pegou uma escova da gaveta.
— Uma cadeira para mim, Jane — pediu.
Jane apareceu um momento depois com um dos pufes turquesa do meu
quarto, uma fatia de queijo pendurada na boca.
— Dê bolacha e queijo para a chefe, Jane — falou Derek, me empurrando
para baixo no pufe e começando a trabalhar no meu cabelo.
— Você só pode estar brincando — murmurei enquanto ele habilmente
secava, dava volume e alisava.
— Produtos? — perguntou, desligando o secador.
Apontei para o armário estreito ao lado da pia. Enquanto remexia nele,
coloquei os brincos.
— Adorável — ele anunciou.
Jane voltou com um prato de queijo e biscoitos e um copo grande de água.
— Como foi o seu dia? — perguntei, enfiando o primeiro biscoito na boca.
— Produtivo — disse. Ele colocou um pente entre os dentes enquanto
enterrava as mãos no meu cabelo. — O seu?
— O mesmo — respondi, tentando não fechar meus olhos enquanto seus
dedos massageavam meu couro cabeludo. Eu me perguntei como seria se ele
lavasse meu cabelo.
— Acho que vamos fazer algo que seja um pouco marcante — disse ele,
movendo o meu cabelo de um lado para o outro. — Algo que diga patroa.
Involuntariamente, meus lábios responderam em um sorriso presunçoso.
Eu relaxei e lanchei enquanto ele torcia e dobrava, os dedos trabalhando de
forma rápida e competente.
— Como aprendeu a fazer isso? — perguntei quando o estilo começou a
tomar forma.
— Depois que meu padrasto me fez desistir da vida de ladrão, tive que
ganhar a vida de alguma forma e minha mãe fazia questão de ficar de olho
em mim. Me fazia trabalhar em seu salão depois da escola. Peguei algumas
coisas nos anos em que passei lá.
— Algumas coisas significam mulheres? — perguntei.
Ele me deu um olhar dissimulado, de quem come quieto, pelo espelho.
— Talvez. Você tem que admitir, sou ótimo com as mãos.
— Já vi você roubar carteiras e fazer penteados de cabelo. Essa é a extensão
da minha experiência com as suas mãos.
Eu estava flertando com ele? Essa não era uma jogada inteligente, não
importava como jogasse. Encorajar Derek só iria machucar um de nós.
— Talvez você experimente algo um pouco mais prático esta noite.
— Para as câmeras, é claro — eu disse.
Ele afofou o cabelo no topo da minha cabeça e borrifou.
— Não só para as câmeras, amor. — Seus olhos eram de um azul hipnótico
no espelho. Eu queria que ele pressionasse aqueles lábios na minha nuca.
Mordesse a pele onde meu pescoço e ombro se encontravam. Arrastasse a
língua ali.
Senti algo delicioso entre as pernas.
— Você paquera assim todas as suas clientes?
Ele colocou outro friso na minha nuca, em seguida, inclinou-se para que eu
pudesse sentir sua respiração em meu ombro.
— Só com você, Emily querida — sussurrou. — O que me diz?
— Acho que a gente transar seria um grande erro.
Entretido, ele riu.
— Alguns erros valem a pena se cometer. Mas eu estava falando do seu
cabelo.
Ele fez um estilo pompadour na parte de cima e um coque elegante atrás.
Era diferente, interessante. Minha mãe odiaria.
Eu amei.
— Nada mal, Price.
— É melhor fazer uns olhos esfumados e deixar os lábios mais discretos —
falou. — Infelizmente, com maquiagem eu só sou bom na remoção, então
você está por conta própria.
— Vou fazer o rosto no carro — disse a ele, dando outro olhar satisfeito ao
meu reflexo.
— Faça agora. Eu faço com que cheguemos a tempo —prometeu.
E por alguma razão eu acreditei nele.
24

Emily parecia decididamente desanimada quando chegamos ao campo de


pouso privado de Bluewater.
O helicóptero estava pronto e esperando por nós. Um comissário passou um
fone de ouvido para cada um de nós, e fomos conduzidos a bordo, baixando
as cabeças ao passar sob as lâminas giratórias.
— Um helicóptero, Derek? — reclamou Emily, sua voz estalando em meus
ouvidos, enquanto tirava o lenço da cabeça.
— Querida, qual é a graça de ser uma bilionária se não pode ir de um
helicóptero para um baile?
Ela ajeitou a saia do vestido de maneira recatada.
— Diga que não vamos pousar no telhado do hotel.
Eu ri.
— Vamos pousar a dez minutos do evento e um carro estará esperando por
nós. Ninguém saberá que era Emily Stanton contornando o trânsito desta
noite.
Nós decolamos, saindo do solo em um desafio à gravidade, e em segundos
já sobrevoávamos a baía.
Emily estava colada à janela. Até os bilionários podiam parar um momento
para apreciar as águas azuis à medida que o sol afundava no horizonte.
— Obrigada por isso, Derek — ela disse baixinho no meu ouvido.
Estendi a mão e peguei a sua. Ela não se afastou da janela, nem puxou a
mão de volta. E também não arrancou minha cabeça com uma mordida. Foi
uma vitória muito pequena e satisfatória.

***

O Baile de Gala do Hospital Infantil Forsythe-Lowenstein foi realizado no


elegante Club Indigo Hotel. A entrada do hotel foi montada como um tapete
vermelho de Hollywood, porque se os ricos de Miami iam aparecer e abrir os
seus talões de cheques, obviamente queriam ser fotografados fazendo isso.
Meus dedos coçaram para furtar uma carteira ou bugiganga brilhante. Só
por diversão. Só para me lembrar que eu poderia.
Emily se inclinou ao meu lado no banco de trás da limusine.
— Nem pense em bater a carteira de alguém, Price.
Leitora de mentes. Ela me conhecia muito bem.
— Estou surpreso e arrasado por você pensar assim — provoquei.
— Hã-hã. — Soou como um ronronar.
A limusine avançou o espaço de mais um carro.
— Está pronta para ser romanticamente ambígua? — perguntei, mudando
de assunto.
— Não vai usar isso como desculpa para apalpar a minha bunda, vai?
Eu não precisava de desculpa. Eu precisava de uma abertura clara e direta
dela. Até que recebesse tal mensagem, em alto e bom som, meu flerte seria
inteiramente de palavras e olhares longos e ardentes.
— Não, mas você apertar uma das minhas nádegas perfeitas não faria mal.
Lembre-se da dinâmica de poder, amor. Você é a chefe. Você está no
comando. É você quem está sendo adorada.
— E aquela que apalpa. — Ela parecia absolutamente alegre com isso. —
Tem certeza de que espalhar boatos de que estamos envolvidos é a melhor
estratégia?
— Absoluta.
A limusine chegou à frente da fila e fomos expulsos para um rico tapete
dourado repleto de fotógrafos e blogueiros de fofoca. Emily impressionava
com o vestido preto elegante.
Mantive minha mão na parte inferior de suas costas por mais tempo do que
o necessário. Tempo suficiente para que alguns dos jornalistas mais astutos
perguntassem se estávamos aqui juntos profissionalmente ou em um nível
pessoal.
Emily fixou os olhos nos meus, permitindo que um sorriso secreto
iluminasse seu rosto.
— O senhor Price e eu somos bons amigos. Gostamos de passar o tempo
juntos — ela disse, seus dedos pousando levemente na minha lapela. Os
flashes das câmeras explodiram em um show de fogos de artifício.
Não foi um aperto de bunda, fora uma exibição de posse com mais classe.
Ofereci meu braço e juntos subimos os degraus, deixando as perguntas para
trás.
Lá dentro, fomos guiados por recepcionistas de luvas brancas até o salão de
baile. O tema da sala era South Beach Comedida. Pilares e arcos flanqueavam
uma dúzia de portas francesas. As paredes de estuque branco estavam
banhadas por iluminação roxa de boate. Toalhas de damasco dourado
estavam postas sobre mesas cobertas por elaborados arranjos de velas e
flores. Pesados lustres dourados gotejavam cristais do teto acima.
Eu estava no nível de riqueza que preferia preencher um cheque e evitar
jantares de 20 mil dólares o prato. Mas esse nível de responsabilidade
financeira exigia aparições, vestidos, joias e uma noite inteira para que o
dinheiro fosse bem gasto.
— Aí está você, Emily. — Venice Stanton entrou atrás de nós, bela em uma
seda cremosa de Hollywood. Os ombros largos de chefe da máfia de Byron
Stanton lutavam contra a restrição de um terno Hugo Boss. Seu tom
expressava leve desaprovação.
— Olá. Acho que chegamos antes de vocês. Conseguimos chegar em tempo
recorde — disse Emily, inclinando-se para beijar a mãe na bochecha. Foi uma
saudação encenada para câmeras.
— Não seja boba, querida. Chegar cedo demais faz a pessoa parecer
desesperada — falou Venice com a voz tremulada.
Emily parecia prestes a quebrar o nariz da mãe. Por precaução, peguei sua
mão e apertei.
Ela mostrou os dentes no que poderia ter passado por um sorriso. Se o
indivíduo fosse estúpido. E estivesse embriagado. Ou não soubesse ler
expressões.
Eu entendia mulheres como Venice Stanton. Elas podiam amar ferozmente
as próprias filhas e ao mesmo tempo sentir que viviam em competição
constante.
— E aí, lutadora — disse Byron, dando um beijo na bochecha da filha. —
Price — disse com um aceno rápido.
— Derek. — Venice suavizou as arestas de seu tom e me olhou de cima a
baixo. — Que bom que você finalmente conheceu um homem que entende o
quanto a percepção é importante. — Foi um elogio dirigido a mim e uma
alfinetada ao resto da família.
Ela ofereceu a mão, os nós dos dedos para cima. Obedientemente, eu a
beijei, ciente do flash da câmera de um fotógrafo.
— Isso é ridículo — ouvi Emily rosnar ao meu lado.
— Oh, lá está Bethenny — disse Venice, acariciando seu penteado perfeito
enquanto olhava de soslaio para a ex-mulher de seu marido a vários metros
de distância.
Bethenny Stanton – Ela manteve o sobrenome no que eu só poderia supor
ser um grande “vá se foder” para Venice, que tentara Byron a abandonar seus
votos de casamento e a levá-la para a sua cama – fez investimentos acertados
com o dinheiro que levou com o pré-nupcial e agora liderava o conselho de
duas instituições de caridade. Enquanto Venice era bronzeada e loira,
Bethenny era uma linda mistura de origens vietnamitas e galesas.
Ela se aproximou em um vestido cinza cintilante e simples. Seu cabelo
escuro cortado com precisão de navalha na altura dos ombros. Suas mãos não
levavam anéis. O único adorno que ela usava era um par de brincos em
formato de lustres que brilhavam como seu vestido.
— É de uma daquelas designers novas? — Venice disse a palavra “novas”
como se tivesse sabor de sumo de limão em sua língua.
— Claro — disse Bethenny, inclinando-se para um abraço mais sincero de
Emily. — Gosto de apoiar novos artistas onde quer que os encontre.
Venice franziu os lábios e ficou pensando em como nivelar o jogo.
— Emily, você está deslumbrante como sempre. Qual é o seu segredo? —
perguntou Bethenny, dando-lhe um aperto afetuoso.
— Ora, ela usa os próprios produtos religiosamente — disse Venice,
voltando a conversa para algo em que poderia ganhar. — Claro, é uma pena
que a pobre Emily não tenha herdado os meus genes.
— Bethenny, é ótimo te ver. Derek, que tal uma bebida? — ofereceu Emily
de repente. Ela apertou minha mão em um pedido de socorro.
— Você leu minha mente.
— Oh, querida, primeiro precisamos de uma foto — insistiu Venice.
Ela acenou para um fotógrafo e se posicionou entre seu marido e eu. Emily
e Bethenny foram empurradas para os cantos.
— Senhora Stanton, olhe para cá — persuadiu o fotógrafo.
— Estou olhando, querido — vibrou Venice.
— Eu quis dizer a outra senhora Stanton — disse ele.
Se olhares matassem, o fotógrafo teria sido empalado por um dos espetos
de camarão que estavam sendo servidos.
— Sempre há espaço de sobra para mais senhoras Stantons neste mundo —
disse Bethenny com leveza.
Emily tossiu para disfarçar uma risada e todos nós demos grandes e falsos
sorrisos para a câmera.
— Que tal aquela bebida, Price? — disse Emily quando acabou.
— Que tal várias?
Abandonamos o que poderia ser chamado de o navio afundando que eram
os planos de Venice Stanton para uma noite de dominação do evento e
seguimos na direção do bar.
— Ou o número do seu cirurgião plástico na discagem rápida — fumegou
Emily em voz baixa.
— O que foi isso?
— Apenas a resposta perfeita para minha mãe.
— Ela parece ser um pouco... competitiva — ofereci.
— Durante toda a minha vida, ela exigiu que eu tivesse sucesso em tudo o
que fizesse, embora ainda me menosprezasse por não ser exatamente como
ela. — Emily pediu um champanhe. Optei por cerveja.
— É uma mensagem bem confusa.
— E nem me faça começar a falar sobre como meu pai gostaria que eu
fosse o filho que ele nunca teve, ou melhor, uma versão melhor do filho inútil
que ele tem que carregar nas costas. Eu continuo esperando que eles se
mudem para Nova York ou Paris ou qualquer outro lugar, longe aqui. Seria
bom ter um pouco de espaço para respirar.
— Já experimentou hipnose?
— O quê? Levar um hipnoterapeuta para um jantar em família e pedir que
implante sugestões? — Emily riu.
— Por favor, passe as batatas. Seattle é ótima nesta época do ano —
provoquei.
— Se eu ficar desesperada, vou considerar.
Pegamos nossas bebidas e encontramos nossa mesa na frente e no centro, é
claro, perto do palco.
Emily olhou para o palco e estremeceu.
— Por que isso?
— Oh, só me lembrando de como conheci Cam, Daisy e Luna.
— Gostaria de ouvir essa história. — Como quatro bilionárias se
conheceram? Foi acaso? Dinheiro? Elas fizeram amizade falando das contas
bancárias ou foi mais profundo?
— Talvez um dia — refletiu Emily. — Por enquanto, deixe eu te manter a
par dos ricos presentes.
Enquanto eu esvaziava minha cerveja, ela começou um resumo, leve no
currículo, mais forte nas fofocas atuais, me deixando entretido.
Eu conhecia a maioria. Miami era uma cidade menor do que as pessoas
imaginavam. Já trabalhei para várias pessoas no salão. Com algumas
discretamente sobre – digamos – questões delicadas. Esses clientes me davam
um aceno sutil antes de desaparecerem de volta na multidão.
Era realmente fascinante. Eu dirigia um negócio de sucesso. Tinha dinheiro
no banco. Talvez não com o mesmo número de zeros, mas ainda era
respeitável.
No entanto, para alguns deles, eu não passava de um mero servo. Eles me
pagavam para suprir as suas necessidades. Era um pensamento perturbador.
Um que me fez oferecer um agradecimento mais pessoal à mulher de colete
xadrez que passou apressadamente e recolheu a minha garrafa de cerveja
vazia.
Ela sorriu para mim.
— Alguém tem uma fã — falou Emily, vendo a garçonete desaparecer no
mar de ricos e bem vestidos.
— Acredite ou não, tenho uma ideia de como é quando outras pessoas
estabelecem expectativas um tanto ridículas para você — disse, ansioso por
outra cerveja. Me conformei com a taça de champanhe de Emily.
— Isso é meu — falou ela quando tomei um gole. — Vá pegar um para
você.
— Eu prefiro o seu.
— Nem sempre podemos ter o que queremos — ela me lembrou.
— Mas certamente podemos tentar.
— Todo mundo está olhando para nós — disse ela, fazendo uma varredura
sutil da sala.
— É porque estão especulando se estamos dormindo juntos — rebati.
— Acabamos de chegar aqui. A notícia não teve tempo de se espalhar.
Peguei meu telefone e abri um blog de fofoca aleatório.
Bilionária Emily Stanton mistura negócios e prazer com o namorado,
Derek Price.
— Nunca subestime a rapidez com que as más línguas correm —
aconselhei, mostrando-lhe a tela.
— É melhor que esteja certo sobre isso, Price. Caso contrário, meu pai pode
tentar te matar com um desses arranjos de mesa hoje.
25

O baile foi um típico evento de arrecadação de fundos. Os mesmos


participantes, os ricos e os notáveis. As mesmas escolhas divinas de vestiário.
As mesmas conversas sobre política, fofoca, treinadores de celebridades e
lucros líquidos. A mesma comida cara e ainda assim decepcionante. E, claro,
os murmúrios de “uma causa tão importante”, enquanto os residentes mais
ricos de Miami competiam pelo título de mais generoso.
Derek foi chamado por uma ex-cliente, uma bela jovem que uma vez foi
acusada de destruir o casamento de um casal de celebridades. Ele apertou a
mão do noivo da moça com entusiasmo e ouviu os planos do casamento
parisiense do casal feliz.
Felizmente, livre por um momento, voltei ao bar e peguei outra taça de
champanhe. Era para mostrar que estava bebendo álcool, não para beber de
verdade. Com a idade e a responsabilidade vinham a obrigação de não ficar
espetacularmente bêbada em público.
Me enfiei em um canto atrás de uma cortina de veludo pesada para verificar
meu telefone. Minha mãe teria um ataque de raiva se me visse com ele nas
mãos. Não que ela exigisse minha atenção completa. Era mais por abominar a
lembrança física do meu apego ao trabalho. Como eu poderia encontrar um
solteiro elegível se estivesse ocupada demais respondendo à minha diretoria
financeira? Que homem iria me querer se eu não pudesse me dar ao trabalho
de deixar de lado meus registros na CVM e sorrir lindamente enquanto ele
contava piadas engraçadas para uma multidão atenta?
Eu tinha uma dúzia das usuais mensagens de texto. E uma que realmente
me entusiasmou.
Esther: Obtivemos alguns resultados que podem te interessar. Vai passar
pelo laboratório no domingo?
Eu: Vou achar esses resultados muito interessantes? Domingo está ótimo.
Ela respondeu imediatamente, e eu pude imaginá-la no laboratório, um tênis
Converse nos pés apoiados em uma mesa de trabalho enquanto os dados
rolavam nos monitores. Provavelmente estava comendo comida chinesa fria.
E eu daria tudo para estar lá com ela.
Esther: Estou executando novamente algumas coisas para checar, mas
acho que te devo 5 pratas.
Abracei meu telefone no peito. Sentindo aquela velha e familiar
empolgação que costumava tomar conta de mim toda vez que eu cruzava a
porta do meu laboratório da faculdade. Era irônico que ter sucesso na ciência
pudesse me distanciar tanto de um laboratório. Mas eu tinha habilidades que
iam além de examinar microscópios e analisar resmas de dados.
Cedi à emoção e dancei um pouco em comemoração.
— Ops. Tento me esconder da festa e entro em outra — disse uma mulher
com um vestido da cor do céu da meia-noite abraçando suas curvas
voluptuosas.
Envergonhado por ter sido flagrada, ofereci a ela um sorriso educado.
— Bem-vinda à seção VIP. Me chamo Emily Stanton.
— Franchesca Baranski — ela respondeu, apertando minha mão com
entusiasmo. Ela apontou com o polegar por cima do ombro em direção a um
homem cuja beleza rivalizava a de Derek. — Aquele pedaço de mau caminho
ali é o meu marido, Aiden Kilbourn. Ele provavelmente está negociando o
preço de um país pequeno.
— Ele é muito bonito — disse.
Franchesca ergueu um ombro, seus cachos grossos e escuros espalhando-se
sobre ele.
— Sim, ele é ok — disse ela com carinho. — Quem te pertence?
Gostei que ela não perguntou a quem eu pertencia. Avistei Derek do outro
lado do salão batendo papo com uma diplomata e seu marido artista.
— Aquele cavalheiro ali que provavelmente está batendo carteiras.
Ela assentiu com aprovação.
— Excelente. Ele é tão bonito que fere meus olhos.
— Ele tem esse efeito — concordei. — Está se escondendo de alguém em
particular?
— É, essas coisas não são minha praia. Sou mais do tipo pijama e pantufas
de coelho numa sexta à noite. Mas, aparentemente, apenas preencher e
assinar cheques para causas é visto com desaprovação. Você tem que ser
vista fazendo isso. O preço do privilégio e tudo mais. Então, aqui estou eu,
roubando um sanduíche de geleia com pasta de amendoim porque sei que
esses babacas não vão servir uma Parmigiana que valha vinte mil. Você quer?
Ela tirou metade de um sanduíche da bolsa. Gostei imensamente dela.
Balancei a cabeça.
— Não, obrigada. Vou tomar um milkshake depois disso aqui.
Ela mordeu e mastigou.
— Boa decisão. A propósito, amei o cabelo. Muito a poderosa chefona.
Afaguei minha nuca.
— Obrigada. Cortesia do homem muito bonito.
— Ele tem essa aparência e sabe fazer penteados? Oh, querida, agarre ele
com as duas mãos e não solte nunca mais.
Rimos um pouco sinceramente demais, atraindo olhares curiosos.
— Parece que o seu homem está te procurando — observou Franchesca.
Derek de fato estava examinando a multidão. E quando ele me viu, senti um
tremor de energia tremular sobre mim. Ele não parecia alegre. Parecia...
faminto. Tão faminto quanto eu. Havia algo mais sexy do que essa troca
demorada de olhares em um salão lotado onde todos os outros simplesmente
desapareciam no papel de parede?
— Uau — exclamou Franchesca atrás de mim.
Eu o queria. Mesmo que não fizesse sentido. Mesmo que fosse uma má
ideia. Eu queria Derek Price na minha cama.
— Filho da puta!
Desviando o olhar de Derek, me virei para Franchesca, que estava limpando
uma gota de geleia do decote.
Eu sorri.
— Precisa de um guardanapo?
— Nada. Aide limpa isso mais tarde — disse com um movimento perverso
de sobrancelhas.
— É melhor eu voltar — eu disse, sentindo uma pontada de
arrependimento.
— Vá nessa, tigresa — disse ela, dando outra mordida no sanduíche. —
Vou vigiar o forte aqui para qualquer outro fugitivo.
— Foi um prazer conhecer você.
— Igualmente — disse ela, com a boca cheia.
Encontrei Derek no centro do salão. As pesadas vigas de madeira do teto
cintilavam acima de nossas cabeças. Ele passou as mãos pelos meus braços
nus, do bíceps ao pulso. Um gesto íntimo e amigável. Eu tinha visto o homem
nu, mas fisicamente nós permanecemos em nosso próprio espaço, exceto por
aquele beijo. Compartilhamos segredos. Ele arrumou meu cabelo e me
comprou um vestido que me caía como uma luva, mas eu não sabia o dia do
seu aniversário nem para que time de beisebol torcia ou o que estudou na
faculdade.
Era um tipo estranho de intimidade.
— Como está a social? — perguntei.
— Não tão agradável quanto a sua companhia — ele me disse, levando
minha mão aos lábios.
— Que paquerador — comentei. — Já esvaziou o bolso de alguém?
A curva que seu lábio fez acelerou meu pulso.
— Atendi seu pedido e me contive.
As coisas estavam esquentando no meu âmago. Interruptores acionados.
Botões pressionados. Senti um desejo antigo e bom reacender. Ele estava
percebendo. Dava para dizer pelo brilho daqueles olhos injustamente azuis.
— É só dizer a palavra, amor, e minhas mãos vagarão por onde você
permitir.
Aquela bela imagem ativou um vulcão em erupção entre minhas pernas. O
que havia neste homem que me fazia sentir essas coisas?
— Derek?
Inclinei-me para frente até que meus seios roçassem a elegância de sua
jaqueta. Meus mamilos se contraíram instintivamente.
— Sim, Emily?
— Você gosta de milkshakes? — perguntei.
Aqueles olhos azuis aumentaram a temperatura da fogueira glacial em um
ou dois graus.
— Amo.
— Quer tomar um depois...
— Depois de quê? — perguntou Derek. A pergunta foi praticamente um
sussurro. Um ofego tranquilo geralmente reservado para lençóis de seda e
luares.
O zunido do prazer era um motor a jato ao máximo em meus ouvidos. Era
simples biologia. Eu fui programada para achar um homem em um smoking
aceitável para dividir minha cama. Mas com muito bom gosto. Com velas,
um acordo de não revelação e numa suíte de hotel. Não o tipo de foda num
beco escuro, meio-vestida e de calcinha rasgada que eu estava imaginando
estrelando Derek Price.
— O que se passa nessa cabeça? — ele perguntou, segurando meu queixo.
— Surpresa!
A voz do meu irmão nunca foi tão indesejada na minha vida. Isso incluía a
vez em que ele caiu bêbado dentro do meu quarto pela janela quando eu
estava entretendo o meu par do baile de formatura.
26

— Trey? — Era muito difícil mudar de marcha entre ficar irracionalmente


excitada e ser surpreendida por um irmão inesperado. Foi quando me lembrei
que a ausência do meu querido irmão era o motivo pelo qual fui forçada a
comparecer ao evento desta noite. — O que está fazendo aqui? Achei que
estivesse organizando um festival de música?
— Músicos são vadias inconstantes. É um cluster. Você conhece
Theolonia? Ela é famosa no Insta. — Trey empurrou uma beldade de seios
grandes para mim. Ela estava mascando chiclete e mandando mensagens de
texto. Mamãe iria amá-la.
— Ainda não tive o prazer — eu disse.
— E aí? — falou Theolonia com um gritinho surpreendentemente suave.
Ela ainda não tinha tirado os olhos do telefone. Embora, para ser justa, a capa
de seu celular fosse um atraente design de bola de discoteca rosa brilhante
com unicórnios saltitantes.
Atrás de mim, Derek disfarçou uma leve risada com uma tosse.
— Trey, este é Derek Price — eu disse, arrastando-o para enfrentar o
decote que estava considerando uma fuga explosiva do vestido rosa pastel de
Teolônia.
— Ah, certo. O reparador de imagens. Este provavelmente é um trabalho
fácil para você, já que Em é tão limpa — disse meu irmão, mostrando dentes
de um branco não encontrado na natureza.
— Sua irmã está se provando ser um desafio fascinante — falou Derek,
olhando para mim.
Trey jogou o braço em volta dos ombros de seu par.
— Ah tá — ele riu.
Meu estilo de vida de trabalhar com afinco, treinar e depois voltar para casa
e trabalhar um pouco mais era tão abominável para Trey quanto o dele era
para mim. Ficávamos frustrados um com o outro.
Mesmo agora, ambos impecavelmente vestidos, nossas diferenças eram
mais pronunciadas do que nunca. Ele tinha um bronzeado de garoto praieiro.
Sua gravata borboleta estava desatada e pendurada frouxamente contra o
colarinho aberto de sua camisa. Seu cabelo, um loiro sujo beijado pelo sol,
batia na gola. Ele tinha a mandíbula do nosso pai e a obsessão da nossa mãe
com a imagem. Pelo que eu sabia, ele nunca teve um emprego. Seu salário
vinha em forma de pagamentos regulares do fundo fiduciário que ele já havia
drenado “acidentalmente” duas vezes. Ele estava usando o Rolex que eu lhe
dei de presente no seu vigésimo quinto aniversário.
Em vez do agradecimento que eu esperava, ele fez uma careta. Este não era
o que eu queria. Toda vez que eu via aquele relógio em seu pulso, tinha
vontade de socar alguma coisa.
— Mamãe já viu você? — perguntei.
— Não. Resolvi surpreender todos vocês, assim como naqueles vídeos de
soldados voltando para casa — cantarolou. Meu irmão realmente acreditava
que ele aparecendo no país com uma modelo de mídia social de seios grandes
nos braços era exatamente a mesma coisa.
Às vezes, eu me perguntava por que o amava. Por outro lado, acredito que
seja algo que me foi ensinado. Tentar resistir era inútil.
Fiz um lembrete mental de ir ao banheiro quando Trey surpreendesse meus
pais.
— Ei, escuta, você tem um segundo? — perguntou, repentinamente sério.
Eu sabia exatamente o que estava por vir.
— Claro — suspirei. — Volto logo — disse a Derek.
— Vou pegar uma bebida para você — disse ele, os olhos passando
rapidamente para a taça de champanhe ainda cheia em minha mão.
— Talvez algo mais forte?
O homem era bom. Intuitivo. Sorrateiro. Inteligente. Sexy. Seria a pior
coisa do mundo deixar a paquera “para as câmeras” passar para trás de
portas fechadas?
Trey me levou para fora do salão de baile e para um corredor. Aqui, o chão
estava coberto por tapetes grossos e luxuosos. As pinturas foram penduradas
em paredes douradas texturizadas e destacadas por luminárias.
— Preciso falar com você sobre um trabalho. — A esperança resiliente do
homem, sua capacidade de ignorar a realidade em favor da bela imagem que
pintava de si mesmo, me lembrava de um golden retriever esperando que seu
prato de comida fosse reabastecido magicamente a cada hora.
— Você conseguiu um emprego? — perguntei, fingindo entusiasmo.
— Quero trabalhar com você — disse ele, lançando-me aquele sorriso
digno do Instagram. — Estou pronto para sossegar e entrar para o negócio da
família.
Pousei minha taça com um tinido forte no aparador de mármore sob a
pintura de uma mulher de seios nus sendo cortejada por um homem com uma
harpa.
— O negócio da família — repeti, esperando ter ouvido mal.
— Sim. A Flawless. Não estava pronto antes. Mas agora estou. Quero
trabalhar com você e com o papai.
Minha garganta queimou com a necessidade de soltar um grito de guerra.
Mas eu o reprimi. Como sempre fiz.
— Trey, a Flawless é minha. Não é um negócio da família.
— Sim, mas papai...
— Está no conselho de administração. Sim. Mas eu sou a dona da empresa.
A Flawless é minha, e nenhuma conexão familiar garantirá a alguém um
emprego lá. — Eu ainda precisava gritar.
Trey sorriu.
— Aposto que Lita não ia gostar de te ouvir dizendo isso.
O problema dos irmãos é que eles sempre sabiam exatamente em que calos
pisar.
— Não estamos falando de Lita. Estamos falando de você.
— De nós, Ems — disse ele, passando o braço em volta do meu ombro. Ele
apontou para o corredor, para uma visão distante que só ele conseguia ver. —
Vamos lá, os dois pirralhos Stanton trabalhando juntos. Tornando o mundo
mais bonito, um rosto enrugado de cada vez.
Trey estava acreditando realmente nisso tudo que falava.
— E é exatamente por isso que não vou te dar um emprego — falei,
encolhendo os ombros. — Você não tem ideia do que eu faço. Do que minha
empresa faz. Vá trabalhar para o papai se está tão pronto e disposto a ter um
emprego remunerado.
— Ah, qual é, Ems — ele gemeu. Chutou a perna da mesa lateral,
marcando a madeira com seu mocassim de veludo. — Não posso trabalhar
para o papai.
— Por que não? — Eu tinha uma ideia do exato porquê.
— Porque eu já pedi a ele e ele disse que não. Então ele ficou dando
discurso sobre conquistar o meu próprio caminho e blá, blá, blá. De que
adianta ter uma fortuna familiar e uma irmã bilionária se não posso entrar na
ação?
Eu queria agarrá-lo pelo cabelo muito comprido e bater sua testa na parede.
As câmeras e as pessoas dali não iam adorar isso? Assim, assumi o padrão da
minha marca registrada de frieza.
— Oh, não banque a “Lady Stanton” comigo. — Ele sorriu.
Eu precisaria espremer outra aula de kickboxing neste fim de semana ou
encontrar outra maneira de desabafar.
Pensei em Derek, nu e duro. Meus lençóis se enrolando em suas pernas.
Opa.
— Olha, Trey — disse, mudando de marcha. Afinal, o homem era meu
irmão. Estávamos destinados a passar o Dia de Ação de Graças juntos para
sempre. Isso não lhe dava direito a um emprego, mas lhe concedia o meu
vasto conhecimento de negócios. — Eu não vou te dar um emprego. Mas se
estiver falando sério, vou ajudá-lo a encontrar algo que se adapte a você. Se
estiver falando sério — repeti.
— É, eu não sei. Talvez. — Ele deu de ombros. Um gesto que eu sabia
significar que ele já havia encerrado a conversa. Ele não estava falando sério.
Nunca falava. E eu acabei de lhe dar a única coisa que ele não suportava: a
palavra “não”.
— Está sem dinheiro? — perguntei.
— Nem tudo é dinheiro — respondeu com desdém. — De qualquer forma,
tanto faz. Vou falar com a mamãe.
Ele me deixou parada ao lado de um arranjo artístico de rosas gotejadas
com cristais e musgo verde. Eu ainda sentia vontade de gritar.
De volta ao salão do baile, evitei a mesa da família e fui direto para Derek.
De alguma forma, em um salão com algumas centenas das pessoas mais
chamativas que Miami tinha a oferecer, ele ainda conseguia se destacar.
— Como foi a conversa? — Derek perguntou, entregando-me um martini.
— Instigante. Mudou a minha vida — murmurei. — Aonde foi a nossa
amiga curvilínea?
— Eu tomei conta dela até que ela disse, e cito, “Hashtag você tem Insta?”
— falou Derek, em uma impressão precisa da ofegante Teolônia. — E então
eu tive que sair antes de arrancar o telefone da mão dela e ensiná-la a fazer
contato visual com as pessoas.
Rimos até que eu tive que segurar seu braço para ficar de pé.
— Deus, isso foi bom — eu disse, limpando o canto dos meus olhos.
— Me permita. — Ele pescou um lenço do bolso e enxugou gentilmente
sem borrar a maquiagem dos meus olhos. Estávamos próximos de novo.
Cercados por pessoas, mas de alguma forma sozinhos no centro de tudo.
Eu me sentia leve. A mensagem de Esther. Encontrar uma alma gêmea que
amava geleia. Não cedendo ao meu irmão. E agora ver Derek Price rir.
A orquestra tocou, anunciando o início do serviço de jantar e – com um
pouco de relutância – nós voltamos para a mesa da família. Minha mãe estava
encantada com a aparência surpresa de Trey. Meu pai, tendo problemas para
desviar o olhar dos seios de Teolônia. Felizmente, ela ainda não tinha
levantado os olhos do telefone e não havia notado.
— Você é tão terrível! Surpreendendo sua mãe assim — sussurrou mamãe.
Mais duas cadeiras foram produzidas. Porque, é claro, Trey não havia
confirmado a presença no evento. Eu me perguntei quem pagaria os 40 mil
do jantar dele e de sua acompanhante. Todos nos esprememos na mesa. Teria
sido aconchegante se fosse qualquer outra família que não a nossa.
Estávamos sentados com a reitora de medicina do hospital e sua esposa, bem
como Bethenny e seu namorado, Ed, um produtor de música country que
usava botas de cowboy com o smoking.
Minha mãe mexeu o dedo para um garçom que passava e apontou para o
copo vazio.
Meu joelho estava pressionado contra o de Derek embaixo da mesa e,
caramba, aquele contato parecia me ancorar.
— Você não acreditaria no que esses blogs ridículos da alta sociedade estão
dizendo agora — anunciou mamãe sem fôlego. — Nossa Emily é uma notícia
e tanto — explicou ela em um comentário à parte para a reitora.
— Sim, tão popular com sua prisão mais recente — disse Trey. Ele brindou
a taça com a de Teolônia. — Saúde, bebê.
— Espere! Deixe-me fazer um boomerang — choramingou Theolonia.
Derek se recostou na cadeira e segurou o braço de um dos garçons.
— Vamos precisar de uma garrafa bem grande de tequila e vários copos —
ele sussurrou. — É uma emergência.
O garçom olhou por cima de Derek na direção onde Trey e seu par estavam
se beijando enquanto tiravam selfies.
— É pra já — prometeu.
— Não vamos encher a cara — sibilei para Derek.
— Não é para nós — disse ele. — É para o resto da mesa.
— Como eu estava dizendo, parece que os repórteres acham que nossa
Emily e Derek estão tendo um caso escandaloso — falou minha mãe,
desapontada com o fato de a atenção ter diminuído. — Já ouviu algo tão
ridículo?
A mão de Derek se moveu da mesa para as costas da minha cadeira.
Possessivamente, como se um desafio tivesse sido lançado.
— O que há de tão ridículo nisso? — perguntou um Trey ainda irritado. —
Ela teve que subornar os policiais para escapar de uma apreensão de drogas.
Acha que dormir com a criadagem está abaixo dela?
— Reitora Winters — disse Derek, dirigindo-se à reitora de medicina. —
Para o que serão usados os fundos arrecadados esta noite?
Dean Winters, uma mulher escultural em um terninho azul brilhante,
parecia aliviada. Sua esposa girou na cadeira para bloquear o resto da mesa.
O garçom voltou com uma garrafa de tequila em uma bandeja de prata e
uma porção de copos.
Enquanto Derek cuidava da conversa bem-educada, eu me inclinei.
— As opiniões dos dois são indesejáveis e totalmente desnecessárias —
disse. Meu tom saiu tão frio que jurei que as flores do arranjo central
murcharam nas bordas.
— Oh, querida. Não seja tão dramática — disse minha mãe, acenando a
mão com desdém. — Eu estava apenas dizendo que esses tabloides estão
desesperados para empurrar você para qualquer um.
Isso não era, de modo algum, o que ela estava dizendo.
— Porque se recusa a encontrar um homem respeitável para se casar
simplesmente está além da minha compreensão. — Minha mãe estava
lavando a roupa suja da família na frente de Bethenny enquanto o que,
definitivamente, não era a sua segunda vodca tônica chegava.
Oh, ela teria muitos, muitos arrependimentos amanhã.
— Venice, ela está administrando um império. Não pode estar falando sério
que quer que Emily mude seu foco apenas para encontrar um homem —
zombou Bethenny.
Sempre pude contar com a ex-mulher do meu pai para me entender de uma
forma que minha própria mãe não conseguia.
O primeiro prato chegou e foi ignorado por todos.
— Por que ela não pode fazer as duas coisas? — Mamãe exigiu, aceitando a
dose de tequila que Derek deslizou em sua direção. — Dê sua opinião aqui,
querido. — Ela deu uma cotovelada na barriga do meu pai. Ele largou o
telefone na mesa e enfiou os óculos de leitura de volta no bolso.
— Sobre o que estamos conversando? — resmungou.
— A nova ala da UTI pediátrica — disse Derek.
— Sua filha se casar e começar uma família — mamãe insistiu com um
bufo deselegante. Ela estava acostumada com papai não dando ouvidos a ela.
— Por que diabos ela faria isso? — ele pigarreou. — Ela tem bilhões em
jogo, e você quer que ela faça o quê? Comece a namorar pela internet?
As saladas mal tocadas foram eliminadas com eficiência e substituídas por
tigelas de caldo claro.
— Exatamente — disse Bethenny, sorrindo para mim. — Emily tem coisas
mais importantes para fazer.
— Não seja ridícula. — Mamãe riu. — O que é mais importante do que o
amor?
Por amor, minha mãe queria dizer segurança financeira. E por segurança
financeira, ela se referia a um homem endinheirado. Não importava que eu
tivesse meu próprio dinheiro. Na mente de Venice Stanton, uma mulher
estava a um passo da miséria sem um marido associado ao clube e com
bolsos bem fundos.
Derek empurrou mais doses de tequila para a reitora e a senhora Winters
com um sorriso encantador. Apenas ignorem o elefante bêbado na mesa,
parecia dizer.
— Então, mana — começou Trey. — Estava com quantas gramas quando
foi presa?
Meu irmão nunca havia amadurecido muito além da quarta série. E embora
eu reconheça que ainda goste de uma piada de peido na hora certa, há muito
aprendi a arte de não ter acessos de raiva.
Eu lhe disse que não, e ele estava se vingando, completamente inconsciente
do fato de que só reforçava a minha decisão.
— Uau, mano — disse Theolonia, seus cílios postiços pesados tremulando.
— Por que você está hashtag odiando?
— Com licença, Pedialyte — rugiu meu pai em sua direção. — O que
diabos você acabou de dizer para sua irmã? — perguntou ao meu irmão.
Meu pai não tinha conexões com a máfia. Eu havia checado, contratando
um investigador particular quando era adolescente. Mas ele ainda emitia
aquela vibração assustadora, e eu senti um leve prazer em assistir meu irmão
se encolher miseravelmente sob seu olhar.
— Nada, pai — murmurou. Ele pegou a tequila.
— É isso mesmo. Você não tem o direito de insultar ninguém. Você é a
porra de uma esponja, meu garoto. Então, até que resolva ganhar a droga de
um dólar à moda antiga, não abra essa boca para falar da sua irmã.
— Hashtag grosso — disse Theolonia, passando a mão pelo cabelo.
— São extensões no seu cabelo? — Mamãe perguntou a ela.
Theolonia estourou uma bolha de chiclete e concordou com a cabeça,
olhando para o telefone.
— Quando vai crescer? — Papai se inclinou agressivamente. — Quando
vai se tornar alguém?
— Ele é apenas um menino! — argumentou minha mãe. — Não precisa se
apressar para arranjar um trabalho... ou um relacionamento sério. — Ela deu
um olhar penetrante para Theolonia.
— Ele tem trinta e três anos! Porra, Venice! — meu pai anunciou alto o
suficiente para que deficientes auditivos captassem.
Os caldos sumiram e em seus lugares apareceram pequenos pratos de
frango com verduras. Bethenny e Ed comentaram em voz alta sobre como a
chicória estava perfeitamente murcha.
A iluminação do salão lançava um brilho roxo, fazendo com que todos
parecessem um pouco doentes, um pouco estranhos.
— Só para você saber — Derek disse, seus lábios roçando minha orelha. —
Agora vou querer um hambúrguer além daquele milkshake.
27

Graças à crescente tensão de expectativas frustradas e à segunda garrafa de


tequila, o jantar havia piorado. Bethenny e Ed conduziram sabiamente a
reitora e sua esposa a um território de conversas mais seguras, enquanto os
Stantons circulavam entre si como tubarões.
Bem, três dos quatro faziam isso. Emily, o gênio sem roupa íntima, sentava-
se no meio deles como uma esfinge, absorvendo o péssimo comportamento
da família. Quando as vozes se ergueram no brinde que Byron fez com um
campeão de tênis profissional, Emily dobrou o guardanapo cuidadosamente
sobre a vitela intocada e se virou para mim.
— Derek, gostaria de dançar?
Eu cocei para tocá-la a noite toda. Era tentação demais. Um homem não
poderia resistir por muito tempo.
Não era de virar as costas às oportunidades. Oportunidades abriram portas.
Oportunidades mudavam vidas.
— Eu ficaria encantado.
Isso era mentira. Não havia nada de encantador, ou mesmo razoavelmente
aceitável socialmente, em relação aos meus sentimentos por ela. Eu queria
arrancar o seu vestido. Enfiar os dedos em seus cabelos, fazendo os fios
voarem. Queria derrubar todos os muros que ela já havia erguido até que não
houvesse nada entre nós. Queria vê-la gozar. Observá-la relaxar. Ser humana.
Queria que me deixasse possuí-la.
Ela não fazia a menor ideia dos pensamentos sujos e aniquiladores que eu
tinha quando deslizou a mão com confiança na minha. Ela liderou o caminho
até a pista de dança e eu fiquei feliz em segui-la.
Havia outros casais balançando ao som da orquestra. Movendo-se no ritmo.
Adequado e calmo. E eu tinha uma fera furiosa debaixo da pele.
Eu a parei no meio da pista e puxei-a para mim com uma violência contida.
A necessidade havia me despojado de minhas maneiras. Da minha civilidade.
Sua respiração ficou presa na garganta e eu saboreei aquele pequeno ruído.
Precisava me lembrar de qual era o meu lugar. Não estava aqui para agarrar
a minha cliente, por mais linda e irresistível que fosse.
— O que está se passando nessa sua mente? — Emily perguntou, colocando
a mão no meu peito. Oh, tão comportada. Pude sentir os anos de aulas de
etiqueta e dança naquele movimento delicado e contido.
— Querida, não acho que realmente queira saber.
Suas narinas dilataram-se delicadamente como uma corça farejando o
perigo.
— Acho que quero, sim — ela disse baixinho.
Ela não era frágil ou dócil. Emily Stanton era um desafio. Um desafio
afiado como navalha e com muros protetores bem altos. E não havia nada
nesta vida que eu apreciasse mais.
— Estou pensando em rasgar isso aqui em pedaços — falei, passando a
mão por suas costas, pela pele, para apalpar a alça de ombro pendurada em
seu braço. — Depois te perseguir até algum canto escuro e ver seu vestido
deslizar por esses seios perfeitos.
Seus olhos se estreitaram, o azul-acinzentado cristalino deles cintilando
para mim por baixo de seus cílios grossos. Seus lábios se separaram uns
centímetros, e eu podia imaginá-los, rosa perolado e carnudos, envolvendo a
cabeça do meu pau.
Endureci na velocidade da luz. E sabia que se ela não me deixasse dormir
em sua cama esta noite, eu acabaria violando minha regra e passaria uma hora
no chuveiro me masturbando com cada fantasia que criei em torno da
senhorita Emily Stanton.
Estávamos mais próximos do que o apropriado. As pessoas olhavam para
nós. E pela primeira vez, eu não me importei.
— Está apenas tentando vender a história, Price? — ela perguntou, sua voz
rouca.
— Estou tentando ir para a sua cama — confessei, roçando meus lábios em
sua orelha. Ela era tão macia assim em todos os lugares? Eu precisava
descobrir.
— Isso é contra as regras — me lembrou. — Você nunca levou uma cliente
para a cama antes. A menos, é claro, que só seja conversa fiada.
Balancei a cabeça, deixando minha mão em suas costas deslizar para baixo
para descansar na sutil curva superior de sua bunda.
— Nada de conversa fiada, amor. Nunca fiz isso. Mas vou viver me
arrependendo se não me deixar tocar em você.
Nosso aperto nas mãos um do outro aumentou. Eu queria puxá-la contra
mim, pressionar minha ereção na carne de sua barriga. Mostrar a ela
exatamente o que fazia comigo.
Seus seios se moviam com a respiração.
— Não posso acreditar que jantar com a minha família disfuncional não te
brochou — disse ela levemente. Ela estava revirando tudo naquele grande
cérebro dela. Pesando decisões. Analisando dados.
Eu estava tão duro que tinha medo de respirar fundo. Meu orgasmo há
muito negado estava quase acionando o gatilho. E percebi que queria dar a
ela um pouco do amor e do respeito que sua família deveria ter lhe
proporcionado por anos. As pessoas que deveriam amá-la e protegê-la eram
as que causavam mais danos. Queria consertar isso. Ser o que ela precisava.
— Você é um milagre ainda maior do que eu pensei — confessei. — Vir
disso? — Balancei a cabeça na direção de onde Byron e Trey se encaravam
por cima da segunda garrafa de tequila vazia.
— Não saí ilesa — ela me garantiu com uma risada. — Eu sou cruel.
Agressiva. Fria.
— Você é aterrorizante — concordei.
Ela riu, encantada. Meu pau se contraiu entre nós e tive o prazer de ver seus
olhos se arregalarem.
— O que é mais importante para você, Derek? Suas regras ou seus impulsos
carnais? — perguntou, a voz um ronronar baixo em sua garganta. Eu queria
beijar o caminho até aquela coluna e mordiscar a pele atrás de sua orelha.
Queria prová-la, para depois me empanturrar com ela. Ela não estava mais
com medo ou magoada. Ela era uma sobrevivente.
— Ter você é o que eu preciso para permanecer vivo. Um homem poderia
morrer de tanta fome.
— Está me pressionando?
Balancei a cabeça.
— Não foi minha intenção, mas sim.
— Sexo não é um tipo de ato espontâneo. Não no meu mundo — explicou.
— Exames de sangue, controle de natalidade, um ambiente controlado, um
acordo de sigilo para ambas as partes. — Ela marcou os itens.
— Quem diria que bilhões de dólares poderiam acabar com o prazer do
sexo? — Considerei.
— Você me provoca, mas na minha posição, tenho que ser mais cuidadosa
do que uma mulher normal.
— Você me fascina.
— O quê? Nenhuma declaração do tipo “você sabe que pode confiar em
mim”? — perguntou. Ela disse isso para me provocar, mas havia uma história
pesada ali. Ninguém protegia a sua posição com tanto cuidado sem que
tivesse se queimado antes.
— Emily, a única coisa que exijo de você é a permissão para te fazer chegar
ao orgasmo tantas vezes quanto possível durante o tempo que estiver disposta
a me conceder.
Suas pupilas dilataram e eu senti sua respiração quente em meu queixo.
Queria me inclinar e devorá-la inteira em meio ao brilho, à beleza e ao
decoro.
— Diga que você não me quer — sussurrei, implorando que ela mentisse
para mim. — Diga que não quer saber como é me sentir enterrado dentro de
você, dizendo como você é perfeita, como é gostosa. Diga que não quer me
deixar te fazer gozar até ficar toda mole e sem fôlego. Diga que você não
quer ser adorada simplesmente por ser mulher.
— Jesus, Derek — ela arfou.
— Eu quero você, Emily. Mas não quero apenas sexo. Quero te desnudar,
camada por camada, e até mais. Ver você de verdade.
O pulso na base de sua garganta vibrou sob a pele. As moléculas de ar entre
nossos corpos estavam carregadas com eletricidade. Eu estava ciente de cada
respiração que ela dava.
— Não quero ser vista. E não sei se quero ser fodida até perder os sentidos
por você — disse ela, destruindo meu mundo com suas palavras.
— Com todo o respeito, querida, você é uma péssima mentirosa.
Seu sorriso foi devastador.
— Não estou pedindo um relacionamento. Nem um passe de acesso total à
sua vida...
— Você já se deu isso — reclamou.
Dei um sorriso de lobo.
— Pode me culpar? Eu quero estar perto de você. Tão perto que te sentiria
se fechar em torno de mim como um punho enquanto chama o meu nome.
Você vai gritar? Sussurrar? Como será que você é quando goza?
A cor em suas bochechas se intensificou.
— Isso é totalmente inapropriado — ela me lembrou.
— É a vida, Emily. Duas partes consentindo que concordam que não é
preciso um relacionamento totalmente funcional para viverem bons
momentos.
— E do que precisamos? — ela perguntou com partes iguais de interesse e
suspeita.
— Horas. Ininterruptas. Sem inibições. Sem impedimentos.
Seus lábios, pintados com aquele tom rosa brilhante e tentador, se
curvaram.
— Preciso pensar no assunto — disse devagar. Sua mão brincou com o
cabelo do meu pescoço e eu me deliciei com o toque.
— Quando descobrir o que exatamente precisa que eu faça para responder
que sim, é só dizer.
— E depois?
— Vou remover todo e qualquer obstáculo — prometi.
Uma gargalhada chamou nossa atenção. Venice Stanton estava pendurada
em seu filho enquanto dançavam um tango mal coreografado em torno de sua
mesa.
— Por falar nisso, acho que é hora de ir para casa. Tenho que pensar em
algumas coisas — disse Emily.

***

O trânsito havia se dissipado e a limusine estava esperando por nós na


frente. Deslizei para o banco de trás ao lado dela. Seu braço nu roçou a
manga da minha jaqueta, e eu pensei no quanto estávamos perto, mas, graças
a algumas camadas de tecido e a todos os impressionantes muros invisíveis
de Emily Stanton, ainda estávamos a quilômetros um do outro.
A fenda de seu vestido se abriu sobre a perna quando nos afastamos do
meio-fio. Admirei as linhas compridas e esguias. Incapaz de resistir,
descansei minha palma em sua coxa, logo acima do joelho. Juntos, olhamos
para minha mão em sua perna sedosa.
No que dizia respeito a toques, era praticamente platônico. Exceto pelos
movimentos microscópicos do meu polegar.
Ela poderia pensar o quanto quisesse, mas eu queria que esses pensamentos
estivessem nublados pelo perfume da luxúria. O material de seu vestido
ouviu meus desejos mais sombrios e se abriu, expondo mais carne.
Eu a testei, deslizando a palma um centímetro mais acima. Meu dedo
mindinho descansou indecentemente em sua coxa. Mesmo na penumbra,
podia ver seus mamilos se enrugando contra o tecido de seu vestido. Sua
respiração estava entrecortada.
— Só para que saiba, Emily — disse em tom de conversa —, passarei a
noite pensando. Aguentei o máximo que pude.
Ela se mexeu levemente no assento, e o movimento levou minha mão ainda
mais para cima. Meu dedo mindinho estava tão perto do céu, que eu podia
sentir seu calor. Um movimento e eu seria capaz de acariciar diretamente
aquelas dobras macias.
Ela estava molhada? Estava latejando de necessidade como eu?
Meu pau se transformara em pedra durante a nossa dança e não dava sinais
de que voltaria a ser de carne tão cedo.
— O que você vai fazer enquanto pensa em mim? — ela perguntou, o olhar
ainda colado à minha mão.
Meus dedos apertaram sua coxa.
Olhei para o vidro de privacidade da limosine e de volta para ela. Estava
inclinado em sua direção, atraído por uma atração gravitacional. Só conseguia
ouvir um batimento cardíaco e me perguntei se talvez pertencesse a nós dois.
— Vou chegar em casa, entrar no chuveiro e acariciar meu pau enquanto
penso em abrir suas pernas e me banquetear com você.
Sua inspiração foi forte. O tecido de seu vestido desceu mais em seus seios.
Aqueles picos dourados estavam a poucos centímetros da minha boca.
— Vou pensar neste momento, quando estou quase em cima de você. —
Passei os lábios suavemente sobre a curva de seu seio, a milímetros do
mamilo que se esticava para escapar do confinamento. — Vou pensar em
como você estaria molhada para receber os meus dedos.
Meu dedo roçou delicadamente por cima da abertura de suas dobras.
Seus seios se ergueram com a respiração, implorando por mais. Tracei a
língua ao longo da borda do vestido, dançando sobre o círculo de sua aréola.
Estava torturando nós dois, mas ela tinha o poder.
— E depois? — Sua voz era apenas um sussurro.
— Depois vou gozar nas minhas mãos, desejando que fossem você.
Não lhe dei nada além do que a ponta da minha língua e dedo, mas nos
deixei tremendo de necessidade. Quando o carro parou em frente à sua casa,
nos separamos como dois adolescentes culpados.
Eu a ajudei, discretamente ajustando meu pau enquanto ela puxava o
vestido para cobrir melhor as pontas rosadas que começavam a aparecer.
A dor era terrível, e eu sabia que uma punheta no chuveiro não faria nada
por minhas frustrações reprimidas.
— Me acompanha até a porta, Price? — sugeriu.
Mandei a limosine ir embora e a segui, passando pelo meu carro,
percorrendo o caminho sinuoso até a porta da frente.
— Bons sonhos, Emily — disse, lutando contra o desejo de tocá-la. Eu lhe
dei o suficiente. Minhas bolas e pau dolorido agora só dependiam dela.
Ela se virou para mim. Perto. Muito perto.
— Obrigada por esta noite, Derek — disse, passando os dedos pela minha
lapela. Em seguida, eles estavam prendendo o tecido, e ela me puxava para
perto e para baixo.
E seus lábios. Deus, aqueles lábios se chocaram contra os meus e me
devoraram.
28

Ele tinha gosto de pecado. Exatamente como eu previ e de alguma forma


ainda melhor. Tudo era melhor. Ele não me devolveu o beijo como um
cavalheiro. Não, Derek Price bateu minhas costas na porta da frente. Uma
fera sem coleira.
Eu poderia impedi-lo. Sabia que sim. Uma palavrinha e ele iria embora. Ele
esperaria por mim até que eu estivesse pronta. Até que minhas exigências
fossem atendidas. Até que eu acabasse com toda a paixão que poderíamos
viver com essas mesmas exigências.
— Se vai me mandar para casa, tem que ser agora — ele rosnou contra
minha boca enquanto a devastava. — Vamos, Emily. Me mande embora.
Eu balancei a cabeça, deslizando as mãos sob seu terno e cravando as unhas
em suas costas.
— Não vá. Me faça gozar, Derek.
A fera rugiu. Ou talvez fosse apenas o sangue na minha cabeça. Ele se
cansou de ser comedido. Enfiando uma mão na parte de cima do meu vestido,
mergulhou a outra na fenda da minha saia. Ele encontrou meu seio e minhas
dobras lisas ao mesmo tempo.
Eu dei um suspiro feminino, um ruído que tinha certeza de nunca ter
emitido antes, quando sua língua entrou na minha boca ao mesmo tempo que
um dedo grosso deslizou dentro de mim. Ele separou minhas pernas com o
joelho até eu ficar montada em sua coxa.
— Porra — arfou. — Porra.
— Exatamente — concordei, lambendo sua língua enquanto ele me invadia
em todos os lugares. Dedos quentes se fecharam em volta do meu mamilo e
puxaram. Com força.
Por falar nisso, a ereção enraizando-se contra meu abdômen era um milagre
da natureza. Eu vinha acompanhando o pau de Derek de perto a noite toda. E
pelos meus cálculos, o homem estava duro há quase duas horas.
A cientista em mim mal podia esperar para estudar o espécime de perto. A
mulher em mim estava desesperada pelo prazer que sabia que ele
proporcionaria.
— Emily, se não abrir essa porta, eu vou te foder contra ela, e tenho uma
fantasia com você espalhada naqueles seus lindos lençóis. — Ele acrescentou
um segundo dedo ao meu canal, abrindo caminho com insistência.
— Porta. Entendi — eu disse. Cegamente, eu digitei o código de segurança
com uma mão enquanto agarrava seu membro espetacular com a outra. — A
propósito, eu tomo pílula. E meus exames estão em dia.
Podia sentir a pulsação em sua ereção.
— Deus. — Ele investiu avidamente na minha mão. — Estou limpo. Posso
provar. Baixei os resultados dos exames. Te encaminho por mensagem.
— Confio em você. — Eu me perguntei se ele entendia o que estava lhe
dizendo, o tipo de permissão que estava lhe dando. Mas então a porta na qual
eu ainda estava imprensada se abriu e nós dois tropeçamos para dentro de
casa. Ele a fechou com um chute estrondoso.
— Graças a Deus — ele ofegou, ainda me fodendo com os dedos.
Havia uma finesse bruta na maneira como ele os dobrava dentro de mim,
metendo ritmicamente. Ele ainda estava se controlando, embora por pouco.
Procurei seu cinto e zíper e, ao fazer isso, meu vestido desistiu de lutar,
escorregando logo abaixo dos meus mamilos.
O ruído que saiu de sua garganta foi primitivo.
— Se eu começar a te chupar agora, não vou conseguir parar. — Ele roçou
o polegar sobre um pico, que se endureceu como uma reação química
instantânea, uma combustão.
Ninguém nunca tinha falado assim comigo. Ninguém nunca foi assim tão
cru. Meu corpo claramente apreciava isso.
A casa estava escura, a única luz vinda da lua refletindo na água lá fora.
Senti algo duro nas minhas costas. A mesa do saguão. Um lindo pedestal com
tampo de mármore e com lírios, nada de ranúnculos vistosos esta semana.
— Vire — disse ele, tirando os dedos de mim e me empurrando. Ele me
curvou sobre o mármore chocantemente frio contra meus seios.
— O que você...
Mas minha pergunta se perdeu quando Derek levantou a saia do meu
vestido em volta da minha cintura. Eu o senti se abaixar, e então sua língua
larga estava lambendo minha p por trás.
— Ah! — Minhas mãos tatearam o mármore frio. Ele passou as mãos pela
parte de trás das minhas coxas, sobre as bochechas da minha bunda,
separando-as levemente. E então sua língua estava me penetrando.
Eu estava exposta. Vulnerável. Completamente à sua mercê. E tão excitada
que não tinha certeza se sobreviveria a esse encontro.
— Derek!
— Gosta disso, amor? — perguntou entre lambidas impacientes.
— Deus, sim. Bote o seu pau para fora. Quero que se masturbe — ordenei.
Ele mordeu minha bunda com aprovação.
— Oh, Emily. Que surpresa você é.
— Está se tocando? — exigi.
Ouvi a tensão em sua voz.
— Sim. — Então sua língua estava cutucando minhas dobras novamente.
Eu podia ouvir o som suave como um sussurro de carne tocando carne. Podia
imaginá-lo de joelhos atrás de mim. Me dando prazer. Dando prazer a si
mesmo.
Isso não era real. Era uma fantasia depravada que, de alguma forma, eu
desejei a vida inteira.
Ele não me queria por causa do meu sobrenome. Por causa da minha
empresa ou da minha conta bancária. Derek Price queria conquistar meu
corpo.
Ele grunhiu baixinho atrás de mim, e meus músculos ondularam ao redor da
ponta de sua língua.
— Goze, querida — disse ele, lendo meu corpo como um mapa do tesouro.
Ele largou o pau e usou as mãos para me abrir mais, proporcionando-lhe um
ângulo mais profundo.
Eu não poderia gozar assim. Era uma impossibilidade física. E então o
orgasmo explodiu do nada, vibrando em torno daquela língua muito talentosa
enquanto ela acariciava e mergulhava, me provando.
Bati minha mão contra o mármore enquanto o orgasmo me percorria. Não
foi o suficiente. Eu precisava de mais. Precisava dele.
— Derek, por favor — implorei.
— Quer o meu pau, amor? — ele sussurrou entre lambidas hábeis.
— Sim — chiei.
Ele se afastou de mim, o eco do orgasmo ainda tamborilando em meu
corpo. Eu me apoiei na mesa e chutei meus sapatos. Ele se levantou, me
olhando com aqueles olhos azuis de oceano. Seus dedos soltaram o nó da
gravata e ele tirou o paletó, jogando-o descuidadamente no chão do saguão.
Aquele pau magnífico balançando entre o seu zíper aberto.
Afastei-me dele, meus seios ainda expostos, meu vestido ainda quase todo
no lugar.
Vi o brilho em seus olhos. O desejo de uma perseguição. E oh, Deus. Eu
queria ser perseguida.
— Aonde pensa que vai, Emily? Estou apenas começando.
A pressão entre minhas pernas se transformou em dor.
Eu me virei e corri, os pés descalços estapeando o chão enquanto ia em
direção ao quarto. Ele me pegou. Claro que me pegaria, aquelas pernas
compridas devoraram a distância entre nós. Seus braços me envolveram por
trás, e eu me deliciei com a sensação de seu pau nas minhas costas.
Brutalmente ereto.
Enjaulada em seus braços, Derek me levou até o espelho do meu quarto. Eu
queria ficar horrorizada ante o meu reflexo. Desgrenhada e com os olhos
vidrados. Meus lábios estavam inchados, batom manchado. Enquanto
observava, ele abriu o zíper do meu vestido. Nossos olhos se encontraram e
se fixaram no espelho. O som da nossa respiração e do zíper quando ele o
puxou para baixo eram os únicos sons.
— Fique olhando — ele ordenou, colocando minhas mãos no vidro frio. Ele
deslizou o vestido pela minha cintura, quadril, coxas, até que ele se
acumulasse inutilmente aos meus pés. Lentamente, de forma decadente,
Derek inverteu o caminho com suas mãos largas. Começando nos meus
tornozelos, elas passaram pelas minhas panturrilhas, coxas, sobre as curvas
da minha bunda e cintura e mais alto até que tocaram meus seios.
Ele se inclinou sobre meu ombro, mostrando os dentes em um sorriso. Eu
ofeguei com o beliscão.
— Eu vou devorar você, Emily.
Não duvidei dele nem por um minuto.
Enquanto eu assistia. Enquanto minhas unhas raspavam a superfície lisa do
espelho, ele puxou meus mamilos. Vai e vem. Mais rápido. Com mais força.
Pressionei o quadril contra ele e ele grunhiu no meu ouvido.
— Quem está no comando aqui, amor? — perguntou.
— Vamos lutar por ele. — Tirei uma mão do espelho e a levei para trás,
para agarrar seu membro. Umidade vazou da abertura do pau dele,
umedecendo minhas costas. Derek fechou os olhos no espelho enquanto eu
trabalhava a mão até a base.
— Droga, mulher — sussurrou, segurando minha mandíbula por trás.
Juntos, nossa imagem era como uma pintura erótica no espelho. Eu precisava
dele dentro de mim. Precisava dele metendo em mim, me levando ao
orgasmo.
Liberei seu pau e agarrei meu seio.
— Porra — ele rosnou. Ele me girou, seu aperto machucando. Decidi me
preocupar com o quanto gostei disso mais tarde. Sua camisa estava aberta,
mas ainda no lugar. Eu a tirei de seus ombros enquanto ele me empurrava em
direção à cama.
— Calça, Price.
Ele segurou meu braço e usou a mão livre para abaixar a calça. Sua cueca,
de um vermelho ousado, estava enrolada debaixo do orgulhoso volume de
sua ereção. O colchão bateu na parte de trás das minhas pernas e Derek caiu
nele comigo, me cobrindo.
— Quero você na minha boca — sussurrei.
— Não desta vez, Emily. — Ele se abaixou e se agarrou um mamilo.
Apertei os lençóis, tentando manter a consciência.
Ele chupou mais forte, meu quadril se levantou do colchão. Eu precisava
senti-lo em mim. Queria guiar a cabeça nua do seu pênis para dentro da
minha abertura. Queria tanto que temia que um ser humano não pudesse
satisfazer a magnitude de tal necessidade.
— Fique parada, amor. — Sua voz era áspera e baixa.
Flexionei meus músculos internos ao roçar seu pênis enquanto ele o
alinhava contra mim. A ponta, aquela ponta volumosa e gloriosa beijou meu
núcleo. Minha respiração estava ofegante, e Derek tinha me transpassado
com um olhar intenso e ardente. Era tarde demais. Eu sabia que essa não seria
uma foda rápida para relaxar um pouco ou apenas gozar.
Isso era algo totalmente diferente. Algo para o qual não estava preparada.
Ele foi me dando centímetro por centímetro do seu pau delicioso. Grande.
Grande demais, percebi. Mas havia algo além do ardor perverso enquanto eu
lutava para acomodá-lo. Algo satisfatório demais em sentir cada cume e veia
daquele membro grosso.
Me senti extremamente preenchida.
Ele grunhiu. Agonia. Êxtase. Ambos estavam delicadamente entrelaçados
no momento em que Derek Price chegou ao meu máximo.
Nós trememos enquanto ele se manteve lá, meus joelhos bem abertos
enquanto ele acomodava o quadril entre minhas pernas.
Ele estava sem nada. Sem camisinha. E eu queria me arrepender. Fui
condicionada a me arrepender. Mas esse sentimento. Esse deslizar fluido e
molhado quando lentamente puxava para fora do meu corpo foi bom demais
para que me arrependesse.
— É tão bom que dói — sussurrei.
— Exatamente — ele respondeu, pressionando os lábios na minha garganta.
— Exatamente isso.
Lentamente, ele deslizou de volta, desta vez levantando meu quadril e se
ajustando. Antes ele não tinha entrado todo. Mas desta vez ele entrou. A dor e
o prazer inexplicável se uniram em uma experiência que eu sabia que nunca
esqueceria.
— Nem consigo te dizer o quanto isso é gostoso, Emily.
Cravei minhas unhas em suas costas nuas, arranhando sua pele. Eu o incitei
com o quadril, encorajando-o a ir um pouco mais rápido. A me levar um
pouco mais além. A me tomar um pouco mais.
— Me mostre — incitei.
Eu o agarrei pelos cabelos e o puxei para um beijo, e então estávamos
rolando. Estocadas superficiais enquanto nos movíamos de lado e depois de
costas. Acabei por cima, e a sensação de deslizar para baixo em seu pau, de
me encher com ele, fez meus olhos rolarem para trás.
Era demais.
Derek ergueu o torso e passou os braços em volta de mim.
Ele fechou a boca no meu peito e eu comecei a cavalgar. O suor brilhava
em nossa pele. Palavras sussurradas e hálitos quentes. Bocas firmes. Línguas
sedentas se encontravam e se enrolavam. Eu precisava disso. Precisava dele.
Ele segurou meu quadril, ajudando-me a definir um novo ritmo, seu pau me
penetrando cada vez que descia nele.
— Bom pra caralho — ele gemeu.
Cavei os dedos em seus ombros e segurei como se minha vida dependesse
disso. Estávamos entrelaçados, conectados, unidos. A sensação de seu pau nu
estirando-se em minhas paredes internas era demais.
— Derek. Vou gozar — avisei.
— Goza, amor. Goza pra mim.
Ele sussurrou promessas safadas no meu ouvido enquanto eu rebolava nele.
Choraminguei quando ele meteu um pouco mais fundo, e pronto. Isso foi o
suficiente. O orgasmo explodiu dentro de mim.
Seu grunhido gutural me fez gozar mais forte. E então ele ficou tenso,
flexionando-se contra mim, até gozar. Meu orgasmo forçou o dele, tomando-
o como refém. Ele estremeceu embaixo de mim e eu senti o sêmen me
preenchendo quando ele gozou dentro. Gemendo mais baixo, mesmo quando
suas mãos agarravam meu quadril com mais força.
Nunca. Eu nunca permiti que isso acontecesse em toda a minha carreira
sexual. Fiquei tão feliz por ser ele. Por compartilharmos esse momento de um
sexo sem camisinha. Por estarmos tão próximos quanto duas pessoas
poderiam estar fisicamente.
Os tremores foram diminuindo e acabamos exaustos, mas ainda conectados.
29

Pela segunda manhã consecutiva, acordei na cama de Emily. No entanto,


desta vez eu estava sozinho entre os lençóis. Ainda estava escuro lá fora, e eu
mal pude distinguir uma figura saindo do quarto na ponta dos pés.
Acendi a luz de cabeceira.
— Indo para algum lugar?
Emily, segurando um par de tênis contra o peito, parecia culpada enquanto
tentava se esgueirar para fora do próprio quarto.
Eu me apoiei no cotovelo e levantei a sobrancelha em censura.
— Eu treino cedo — ela disse, sua voz rouca mesmo na defensiva. Ela
estava com um short de corrida e uma regata justa por cima de um sutiã
esportivo vermelho.
— Vou me juntar a você — falei, empurrando as cobertas e saindo da cama.
Eu tinha uma bolsa de academia no carro.
— Oh ... Hum. — Emily parecia hipnotizada pelo meu corpo nu. — Não
precisa.
No código de Emily Stanton isso queria dizer: “Estou me sentindo
totalmente vulnerável agora e quero ficar um tempo sozinha para poder
reerguer minhas muralhas”.
Eu não ia deixar que isso acontecesse.
— Qual é. Achei que já estivesse acostumada — eu disse presunçosamente,
gesticulando em direção ao meu pau, que decidiu que também estava
acordado e pronto para saudar a manhã.
— Você não precisa mesmo ficar se não quiser — rebateu ela, mordendo o
lábio inferior. Seu cabelo estava desgrenhado e havia uma distinta marca de
chupão em seu ombro. Ela parecia totalmente devastada. E em conflito.
Peguei minha calça do chão e coloquei-a.
— Vou ficar — insisti.
— Tudo bem. Ok. Eu, hum, te encontro... — Ela apontou na direção geral
da academia, ainda me observando.
Depositei um beijo casto no topo de sua cabeça e me dirigi para o meu
SUV.
Minutos depois, vestido com minhas próprias roupas, eu a encontrei na
academia envidraçada. O céu estava começando a clarear, e eu podia ver um
grupo de golfinhos brincando – ou transando, eu não tinha certeza – no mar.
Abri a porta e estava tocando uma playlist de treino animada. Era um
espaço elegante e utilitário. O chão era de cortiça salpicada e corria debaixo
de todos os equipamentos de ginástica imagináveis. Escondida sob uma
bancada, havia uma pequena geladeira com porta de vidro abastecida com
água e bebidas eletrolíticas. As toalhas foram cuidadosamente enroladas e
empilhadas em cubículos. As portas do pátio se abriam diretamente para a
área da piscina.
Tudo foi projetado com elegância e eficiência. Assim como todo o resto da
vida de Emily.
Suas pernas longas sob shorts curtos devoravam a cinta de uma das esteiras.
Ela já estava suando, os olhos fixos na água a poucos passos das janelas.
Sentei-me em um banco de supino e a observei enquanto amarrava os
cadarços.
— Fazer isso não queima calorias, Price — ela gritou.
— Estou tentando me lembrar se já vi uma vista mais bonita logo de manhã
— respondi.
Ela arquejou e balançou a cabeça, fazendo seu rabo de cavalo balançar.
Escolhi o simulador de remo ao lado de sua esteira e prendi os pés nos
suportes.
Respirando fundo, empurrei as pernas e retrocedi, sentindo os músculos das
minhas costas se contraírem e relaxarem a cada remada. Malhamos em
silêncio, suando e respirando ao ritmo da música. Gostava de começar o dia
com um treino. A academia no prédio do meu condomínio era adequada. Mas
certamente não era tão bem equipada quanto esta. Não havia vista
panorâmica da baía. Não havia Emily.
Não...
— Aqueles golfinhos estão...
— Cruzando — completou Emily com um sorriso. — Eles são muito
traquinas.
— Mamíferos sortudos.
O suor gotejava em minha pele enquanto eu impulsionava cada remada.
Ao meu lado, a velocidade de Emily jamais vacilou.
Quando ela finalmente saiu da esteira e passou para os pesos livres, eu me
servi de água e coloquei anilhas em uma barra.
— Ali tem munhequeiras e prendedores de anilha — ela disse, apontando
em direção a um conjunto de armários de metal cinza ao longo de uma
parede.
Eu me servi e trabalhei em uma série de arremessos, fingindo não notar seu
olhar colado na minha bunda pelo espelho. Ela poderia bancar a fria o quanto
quisesse, mas eu sabia que a noite passada tinha mexido com ela. Assim
como mexeu comigo.
Tirei a camisa e a joguei na direção da porta.
O haltere vacilou na mão de Emily e caiu, derrubando sua garrafa de água.
Quando nossos olhares se encontraram no espelho, eu pisquei e ela revirou
os olhos.
— Ok. Tudo bem. Eu estou desconfortável. Feliz agora? — perguntou ela,
trocando os pesos por um colchonete.
Eu sorri.
— Em êxtase.
— Não estou acostumada com... seja lá o que isso for.
— Intimidade? — cutuquei.
— Invasão — ela corrigiu.
Larguei minha barra e coloquei outro colchonete ao lado do dela. Ela
começou uma série de abdominais. Fiz o mesmo.
— Você poderia me mandar embora — disse a ela, soltando o ar e
contraindo o abdômen.
— Poderia — ela concordou, mudando para abdominais em V.
Eu a imitei.
— Mas não quer?
— Não estou certa do que quero — corrigiu ela.
— Quer mais do que rolou na noite passada? — Meu pau ficou
instantaneamente duro na minha bermuda, lembrando de alguns dos detalhes
mais vívidos da noite.
Ela desabou de volta no colchonete.
— Não sei se vou conseguir sobreviver a mais daquilo — ela riu
fracamente.
— Estou disposto se quiser tentar — ofereci heroicamente.
Ela me deu um tapa de brincadeira na minha barriga, fazendo meu pau se
contorcer.
— Foi bom — disse.
— Muito bom — concordei, rolando de lado.
Aqueles olhos azuis acinzentados estudaram os meus seriamente.
— Eu quero mais — ela admitiu. — Mas não sei dizer se é uma ideia
catastrófica ou apenas muito, muito ruim.
— E não vai ser divertido descobrir? — Testando, eu me inclinei e passei
os lábios contra os dela. Com gentileza. Provocando. Quando eu me afastei,
ela chupou o lábio inferior.
— Não tenho tempo para me divertir — admitiu.
— Você esquece que eu administro a sua agenda. Ficarei feliz em
acrescentar sexo, cochilos, talvez alguns happy hours sem roupa.
Seu sorriso foi lento enquanto ela arrastava os dedos do meu peito para a
minha barriga.
— Sua falta de camisa é um argumento convincente.
— Deixa eu tirar o short — me ofereci.
Ela riu. Uma risada verdadeira e eu senti um aperto no peito.
— Deveria fazer isso com mais frequência — disse a ela.
— O quê? Suar no chão?
— Rir. — Eu a beijei novamente, apreciando o sal e a suavidade. Ela era
espetacular.
— Steve — falou, colocando a mão no meu peito.
— Não. Derek.
— Não — ela riu. — Steve. Tenho que dar comida a Steve. Ele não gosta
quando eu me atraso.

***

Steve era um crocodilo sibilante de quase 2,50 metros que habitava o final
de uma longa doca da lagoa no centro do enclave, onde havia um letreiro
escrito “Casa do Steve”.
— Então existe mesmo um crocodilo com uma pata protética — comentei,
observando o réptil enquanto ele abria suas enormes mandíbulas.
— Sim. Um dos residentes mandou imprimir em seu laboratório uma pata
artificial 3D para ele. O pobre coitado a perdeu para a hélice de um barco e
vivia nadando em círculos. Ele não poderia sobreviver na natureza, então
deixamos que ficasse — explicou Emily. — Pronto, garotão?
Ela segurou um frango assado sobre a grade. Tirei meu telefone do bolso do
short de ginástica e tirei uma foto.
— Ele já comeu algum residente? — perguntei.
Steve sibilou como se estivesse ofendido e Emily jogou o frango para ele.
Ele o agarrou no ar com um bote pré-histórico. Consegui uma foto em
pleno salto.
— Nós temos um acordo. Ele é alimentado todos os dias, desde que não
coma nenhum animal de estimação de Bluewater. Ele é bem tranquilo.
— Quero um mai tai, querida!
Virei-me com o flash de cor e penas que pousaram na grade do cais.
— Oi, Frank — disse Emily ironicamente.
— Bela tatuagem, idiota — disse o papagaio gordo.
— Estou tendo alucinações agora? — perguntei, fascinado.
— Receio que não — ela me disse. — Frank é o nosso fdp de penas. Seu
dono anterior era um idiota. Como você já deve ter adivinhado.
— E agora ele mora aqui em Bluewater?
— O dono morreu – numa briga de bar, que surpresa – e o Frank aqui
escapou do resgate de animais que veio atrás dele. Mordeu o oficial de
controle de animais na orelha e saiu voando. Ele acabou aqui quando
começamos o paisagismo.
— E deixaram que ficasse?
— Tá olhando o quê, idiota? — Frank perguntou a Steve, balançando a
cabeça colorida.
O crocodilo sibilou sua resposta.
— Não descobrimos como nos livrar dele — confessou ela.
— Mas que tetas! — Frank gritou antes de voar próximo a Steve e voar em
direção à praia.
— Sabe, nunca fico entediado perto de você, amor — eu disse.
Ela bateu no meu ombro e, juntos, fizemos o caminho que levava de volta à
casa dela. A vegetação ficava exuberante ao sol da manhã. Palmeiras
replantadas criavam um dossel natural acima de nós. Arbustos, buganvílias e
outras plantas de um verde brilhante formavam uma vegetação rasteira rica,
semelhante a de uma floresta, que fazia tudo ali parecer isolado. Apesar das
mansões de milhões de dólares escondidas atrás de vegetação e portões,
Bluewater parecia um paraíso deserto de humanos.
Sozinhos em algum paraíso tropical. No que dizia respeito ao local, este
entraria para o meu livro de história. Embora eu desejasse que Emily me
desse alguma pista de como estava se sentindo depois da noite de ontem.
Nossa reclusão romântica foi interrompida por uma senhora em traje de
corrida rosa segurando halteres minúsculos e bufando forte enquanto trotava
em nossa direção. Havia um homem significativamente mais jovem e
musculoso seguindo-a em um carrinho de golfe, gritando instruções com um
megafone.
— Bom dia, senhora Esteban — disse Emily.
— Parece que alguém teve uma boa noite — respondeu a mulher com um
sorriso malicioso. Ela tinha uma bandana de estampa de flores amarrada
debaixo dos cachos de cor azul acinzentada. Brincos de diamantes de dez
quilates balançavam em suas orelhas.
Emily deu a sua vizinha um sorriso culpado. A senhora Esteban olhou por
cima dos óculos de sol bifocais e me deu uma piscadela atrevida.
— Menos paquera. Mais corrida — gritou o treinador bronzeado.
Ela acelerou o passo e o carrinho de golfe passou zunindo por nós.
— Você mora em um bairro muito estranho — eu disse.
Emily riu. Ficamos em silêncio por alguns minutos enquanto vagávamos na
direção de sua casa. Meus músculos estavam quentes e meu corpo parecia
deliciosamente solto e bem usado.
— Sobre ontem — ela começou.
Finalmente. Minha paciência havia se esgotado e eu estava a trinta
segundos de exigir uma conversa do tipo, “vamos dar um nome a isso”.
— Sim?
Emily parou e, hesitante, passou os braços em volta do meu pescoço.
— Foi bom. Ótimo.
E ou mas. Eu não sabia para qual dos dois ela se voltaria.
— E? — cutuquei, cheio de esperança.
— E eu acho que estou a fim de repetir.
Eu a peguei nos braços, tirando seus pés do chão. O alívio foi como um
farol de luz em meu peito.
— Vou marcar uma hora para você — provoquei.
— Faça isso, Price — disse ela com uma risada.
— O que vamos fazer hoje?
Ela mordeu o lábio.
— Acho que posso me dar ao luxo de chegar um pouco atrasada ao
escritório esta manhã.
— Trabalhando no sábado, amor? — Estalei a língua em censura. — Eu me
lembro de insistir que levasse sua saúde mais a sério.
— Graças a você, tive duas das melhores noites de sono dos últimos
tempos. E estou disposta a permitir que traga o café da manhã — disse de
modo indulgente.
Eu a beijei. Com menos suavidade dessa vez. Exigindo mais. Deixando seu
corpo roçar o meu, eu a coloquei no chão.
— Ontem à noite — ela começou. — Quando você disse que eu te
deslumbrava?
— Sim? — Beijei-a novamente.
— Bem, o sentimento é mútuo — confessou.
— Isso quer dizer que você estaria aberta a rotular esse... lance? —
perguntei, acariciando sua mandíbula com os polegares.
— Sempre negociando — ela suspirou.
— Isso é especial, Emily.
— Nenhum de nós tem tempo para coisas especiais — ela me lembrou.
— Seremos idiotas se não arrumarmos um tempo — avisei.
— Oh, ei, Emily — cantou uma voz.
— Merda — sibilou Emily.
Luna e Cam, de pijama e segurando o que pareciam ser mimosas, estavam
sentadas em um carrinho de golfe todo turbinado. Elas estavam sorrindo
loucamente.
— Uh, oi, pessoal — disse Emily sem jeito. — Todo mundo conhece o
Derek, certo?
— Oi, Derek — ronronaram as garotas.
— Meninas — eu disse, me recusando a permitir que Emily se afastasse de
mim.
— Que coincidência te encontrar aqui, Emily — disse Luna com um sorriso
malicioso. — Cam e eu estávamos conversando, e vamos convocar um DQB
de emergência amanhã.
— Esteja lá — Cam insistiu.
Emily estremeceu.
— Sim, acho que vou poder.
— Ótimo! Até mais! — falou Luna, girando o volante do carrinho de golfe
e dando a volta.
— Suas amigas com certeza sabem como fazer uma entrada. O que é um
DQB?
— Drag Queen Brunch.
30

Isso foi um erro, pensei enquanto observava Luna e Cam se afastarem no


carrinho de golfe. Mas, pelo menos, foi um que eu estava cometendo
intencionalmente. Esse não foi um passo em falso acidental. Esse foi um
desastre proposital. E eu planejava aproveitar cada momento, decidi,
enquanto Derek entrelaçava os dedos nos meus.
Estava dando um passeio matinal por Bluewater com o homem que me deu
tantos orgasmos na noite passada que eu tinha perdido a conta em uma névoa
de saciedade relaxada.
O conselho ficaria furioso. Minha mãe ficaria horrorizada. Minhas amigas
exigiriam detalhes. E eu simplesmente não estava tão preocupada com tudo
isso quanto deveria estar.
— Como se saiu a nossa pequena farsa de “fingir” na frente das câmeras?
— perguntei a ele.
Não estava muito interessada em me expor às garras afiadas dos trolls,
ainda não tinha olhado meu telefone. Também não queria lidar com o
interrogatório da manhã seguinte da minha mãe. Se houvesse um deus, a
mulher ainda estaria dormindo e acordaria com uma forte ressaca que a
deixaria incapaz de me ligar.
Ele tirou o telefone do bolso novamente e passou o polegar na tela enquanto
andávamos.
Eu gostava dele assim. Em roupas casuais de ginástica, com o cabelo
bagunçado e uma barba por fazer irresistível. Sim, haveria um sexo no
chuveiro no meu futuro bem próximo.
— Muito lisonjeiro — falou olhando para a tela.
Virou o telefone para mim.
Emily Stanton aparece com acompanhante babá Derek Price, o babá da
bilionária Stanton e Price abalam baile de gala As fotos nos favoreciam.
Meu cabelo e vestido formavam uma declaração e tanto. Eu parecia mesmo a
dona da porra toda. E Derek em seu smoking e boa aparência reservada era o
complemento perfeito.
— Parecemos um casal de propaganda de perfume. — Ri.
— Pintando uma imagem, querida. Agora, o que não foi mencionado em
nenhuma dessas manchetes?
— Nenhuma menção rude sobre drogas, prisões ou desmaios — observei,
impressionada. — Você não dormiu comigo só para acrescentar autenticidade
aos seus boatos, não é?
Ele me deu um tapa na bunda.
— Muito engraçado.
— Meu cabelo — falei, ainda estudando as fotos. — Eu amei.
— Ficou muito bonito em você — disse, colocando o telefone de volta no
short e um braço em volta dos meus ombros.
Nesse momento, éramos apenas duas pessoas normais desfrutando de uma
preguiçosa manhã de sábado juntos.
— Não sei se o seu talento para cabelo se estende a cortes — pensei,
puxando a ponta do meu rabo de cavalo ainda úmido.
Ele me deu – ou, mais precisamente, deu ao meu cabelo – um olhar
contemplativo.
— O que tem em mente?
— Algo curto e agressivo.
Ele me parou no caminho e segurou meu queixo, movendo minha cabeça
para um lado e para o outro.
— Posso ter uma ideia — disse com um sorriso lento e sexy.
Ele começou a andar novamente, me puxando atrás de si.
— Espera! Você não confirmou se é ou não capaz de operar uma tesoura de
forma responsável!

***

— Tem certeza de que confia em mim? — Derek perguntou,


movimentando a tesoura na minha cara. Eu estava sentada em uma bancada
no meu pátio. Uma toalha de piscina enrolada em meus ombros. O
nervosismo, em forma da voz de desaprovação da minha mãe, fazia meu
pulso martelar.
Eu confiava?
O homem costumava invadir minha casa. Furtava bolsos como hobby.
Profissionalmente, manipulava a opinião pública. E ainda assim…
Assenti com a cabeça.
— Eu confio em você... com o meu cabelo — falei, sentindo a necessidade
de adicionar a limitação.
— Bem, é um começo.
Ele penteou meu cabelo com os dedos, ainda úmido do nosso – ã-hã –
banho pós-treino. O homem era uma maravilha biológica. Meu corpo
respondia como se tivesse faminto pelo dele. Fechei os olhos com força
enquanto uns bons dez centímetros de cabelo loiro bem tratado caiam
flutuando no terraço.
— Você costuma cortar o cabelo das suas ficantes? — perguntei, sentindo o
nervosismo e a empolgação na barriga. Felizmente, o nervosismo não se
intensificou e meus intestinos ficaram sem nós. Para a maioria, era apenas um
corte de cabelo. Para mim, era uma declaração bastante atrasada.
— Minhas habilidades pertencem exclusivamente ao cabelo da minha mãe
— disse ele, cortando com alegria.
— Você corta o cabelo da cabeleireira? Esse é o maior elogio da indústria.
Ele se moveu na minha frente, os olhos ainda no meu cabelo. Ergueu meu
queixo e prendeu um pente entre os dentes.
Amava a sensação de suas mãos em meu cabelo. Tão competentes.
Confiantes. Íntimas.
Eu realmente confiava nele e isso não fazia sentido. Mas pouca coisa na
minha vida fazia sentido no momento.
— Ela ficou doente tem alguns anos — explicou ele ao redor do pente.
Rec. Rec. Rec. Ele tirou o pente da boca e passou pelo meu cabelo.
— Câncer. Quimioterapia. Cortei o cabelo para ela. Depois raspei quando
chegou a hora. Mas ela se recusou a deixar que qualquer um de nós raspasse
a cabeça em solidariedade — ele disse carinhosamente. — Cabelo,
especialmente o de outras pessoas, é muito importante para minha mãe.
— Como ela está agora? — perguntei.
— Saudável como uma égua puro-sangue — disse ele com orgulho.
Rec. Rec.
Ele fez uma pausa e esguichou algum produto na mão. Esfregando as
palmas, ele me estudou. Com arrogância agora.
— Sim. Isso vai dar certo — decidiu, enfiando as mãos no meu cabelo e
massageando a raiz.
— Sua família parece próxima — arrisquei.
— Nós somos — concordou. — Sempre estivemos no mesmo time. Minha
mãe exige lealdade total. Você verá quando a conhecer.
— Eu não vou conhecer sua mãe — trocei.
— Eu já conheci seus pais. É justo. Além disso, você vai gostar dos meus.
— Nós passamos exatamente uma noite juntos. Ainda não estamos no
território do “vamos conhecer nossos pais”.
Ele passou os dedos pelo meu cabelo muito, mas muito mais curto,
novamente.
— Relaxe, amor. Não estou tentando declarar meu amor eterno por você.
Estou tentando encontrar uma maneira de mostrar este corte incrível para a
minha mãe — disse ele, entregando-me um espelho.
Meu cabelo ainda estava úmido, mas com o corte e o produto, ah, gostei do
que vi. O cabelo terminava abruptamente na minha mandíbula. Vindo da
lateral, ele atingia minha testa com volume e atitude. Parecia confiante, sexy.
Fodão.
— Um pouco de modelador e uma secagem e pronto — disse Derek,
cruzando os braços e admirando sua obra.
Eu mordi meu lábio.
— Ficou ótimo, Derek. Muito bom.
— Querida, você poderia raspar a cabeça e tatuar o couro cabeludo que
ainda ficaria deslumbrante. Mas isso — ele bagunçou meu cabelo, deixando-
o cair sobre meu olho. — Este corte é você.
Senti minha boca se curvar em um sorriso de satisfação.
— É mesmo, não é?
— Fico feliz que se reconheça — falou com um sorriso malicioso.
— O que isso quer dizer? — perguntei, ainda admirando o corte, as
camadas, a textura.
— Você passa a maior parte do tempo escolhendo máscaras. É bom te ver
sendo você pela primeira vez.
— Eu não uso máscaras — argumentei, devolvendo o espelho para ele. Me
levantei e limpei os fios de cabelo que caíram em mim.
— Você tem a Emily Escritório, a Emily Almoço com a Mãe, a Emily Dia
do Laboratório — disse ele, contando nos dedos.
— Existem expectativas — comecei, escorregando para fora do banco e
sacudindo a toalha.
— As únicas expectativas com que me preocupo são com as suas.
— Eu espero que os meus estilistas guardem suas opiniões para si mesmos
— retruquei.
Ele sorriu perigosamente para mim.
— Por que começar agora? Você tem uma tremenda oportunidade aqui,
Emily. Está começando do zero.
Eu recuei quando ele fez um movimento em minha direção, mas ele foi
mais rápido. Eu me vi sendo puxada contra seu peito.
— Você, Emily Stanton, é única. Seria uma pena se você perdesse mais um
segundo fingindo ser algo que não é, para deixar alguém mais confortável.
Seja você mesma em todas as situações. Use o seu batom vermelho no
laboratório. Dirija-se ao seu conselho diretor com seu equipamento de
kickboxing. Tire um dia de folga. Corte o seu cabelo quando quiser. Você
está no comando. E você vai vencer.
Eu inspirei seu cheiro. Sentindo o sol na minha pele. A brisa levantando o
meu novo cabelo. Meu corpo aqueceu com seu toque. Tudo isso parecia tão
novo. Havia uma energia aqui. Um impulso linear. Uma vibração de
excitação pelo que estava por vir.
O medo que tinha sido meu companheiro sombrio das últimas semanas
estava se dissipando. E pela primeira vez, eu senti como se pudesse ver a luz
do sol no final de um túnel muito longo.
— Mal posso esperar — sussurrei.
— Para quê? — ele perguntou, dando beijos indecentes no meu pescoço
exposto.
— Para dizer às garotas que você cortou meu cabelo. Haverá alguns
desmaios — previ.
Ele riu suavemente.
— Você gostou?
Eu balancei a cabeça.
— Amei.
Achei que ele fosse me beijar, mas aqueles olhos azuis rivalizando com a
água salgada atrás dele se fixaram em meu rosto.
Deslizando meus braços ao redor de seu pescoço, puxei os cabelos que
cresciam lá.
— Obrigada por me enxergar.
— Obrigado por me deixar enxergar você.
Seus lábios eram quentes e firmes enquanto se moviam sobre os meus.
— Quer mostrar aos golfinhos como é que se faz? — provoquei.
31

Normalmente, em minhas saídas pessoais, opto por ficar incógnita. Óculos


de sol de tamanho normal. Uma bolsa que não gritava “Sou muito, muito
cara.” Um SUV em oposição ao Porsche ou a uma limusine com motorista.
Mas essa não era uma simples saída.
Era Drag Queen Brunch.
O Mordecai’s Bistro na Las Palmas Boulevard oferecia um brunch semanal
com os melhores artistas e atendentes drag queen do mercado. As Bilionárias
de Bluewater – ou vagilionárias, como Daisy nos chamava – escolhiam um
domingo por mês e nunca perdiam um.
Entrei cinco minutos atrasada em um short de grife, um top branco e
sandálias plataforma vermelhas. Meus óculos de sol eram enormes. Minhas
joias de bom gosto, mas chamativas. Meu cabelo, uma perfeição curta e
volumosa.
Cam, Luna e Daisy estavam amontoadas em uma das cabines de couro
preto em forma de ferradura que ficava na parede dos fundos, sem dúvida
fofocando sobre o meu convidado noturno.
— Meninas — saudei, deslizando ao lado de Cam, que, apesar do dia da
semana, estava usando um de seus ternos impecáveis.
— Seu cabelo! — arfou Luna, agitando as mãos na frente do rosto como se
estivesse com pouco oxigênio. As doze pulseiras em seus pulsos tilintaram.
— Não sei lidar.
— Sua filha da puta fodona — gritou Daisy. Ela estava com uma jardineira
de pijama de seda e joias que pareciam valer seis dígitos. Na realidade, ela
era a filha da puta fodona.
Coloquei meus óculos de sol em minha bolsa e Cam se inclinou em meu
espaço pessoal.
— Qual é a dessa cara convencida? — exigiu.
— Não posso ficar convencida com um corte de cabelo? — perguntei
inocentemente.
Cam me olhou com desconfiança e então me fungou.
— Sinto o cheiro de Derek Price.
Peguei meu menu, o retrato da inocência.
— Derek cortou para mim — disse casualmente. — Oh, olha! Eles
trouxeram o Bloody Mary de volta.
Daisy esticou o braço por cima da mesa e arrancou o menu da minha mão.
— Um homem com quem você supostamente está tendo um caso ardente te
deu esse corte foda? — ela exigiu.
— Não é mais uma suposição — falei.
— Eu quero muito, muito, te odiar agora. — Cam suspirou, dissolvendo-se
contra o estofado da cabine.
— Você só precisa parar de trabalhar tanto e transar — falei com
conhecimento de causa.
— Eu definitivamente te odeio — decidiu Daisy.
— O que todas nós estamos tentando dizer é que estamos muito felizes por
ver você finalmente se expressando sexualmente — disse Luna de maneira
diplomática.
— Eu já me expressei sexualmente antes — zombei.
— Querida, você entrou aqui com uma contagem de orgasmos tatuada na
testa — disse Daisy. — Essa é a primeira vez.
— Conte tudo — Cam insistiu. — Seja generosa com os detalhes.
— Eu vi as fotos daquele baile da sexta à noite — comentou Daisy,
esvaziando a taça de champanhe. — Você estava divina. Todo mundo estava
ocupado demais prevendo a data do casório e do anúncio de gravidez para
falar daquele lixo do Merritt Van Merda.
— Seu cabelo está tão fabuloso que vou morrer, literalmente. — Lady
Raquel era nossa garçonete favorita no Mordecai’s. Ela tinha um metro e
oitenta e cinco em suas plataformas prateadas favoritas. Hoje, seu cabelo era
um platinado Marilyn Monroe com reflexos turquesa e roxos que
combinavam perfeitamente com o traje e a capa de sereia. Ela usava uma
gargantilha de diamantes falsos de uns sete centímetros de espessura e
brincos de lustre que pesavam tanto quanto halteres.
Afofei meu cabelo. Elogios de cabelo ou de maquiagem vindos de uma
drag queen eram um negócio sério.
— Obrigada, Lady Raquel.
— Você não elogiou as minhas extensões rosa, Lady Raquel — reclamou
Daisy.
— Oh, querida. É porque elas parecem roupas de quem frequenta balada de
quinta. Eu espero mais de você — disse Raquel, lançando a Daisy um olhar
imperioso por baixo dos cílios da perna de aranha. — Agora, quem está
pronta para uma rodada de bebidas?
Nós pedimos e nos acomodamos para colocar o papo em dia. Mesmo
morando no mesmo bairro, na mesma trompa de Falópio, nossas agendas
eram tão ocupadas que às vezes recebíamos notícias umas das outras de blogs
de fofoca e manchetes de sites.
Passávamos os DQBs separando o que era verdade e mentira.
Luna nos contou sobre suas últimas aventuras no mundo dos encontros. Ela
era um doce açucarado debaixo do seu exterior vegano perfeito. Mas, estando
ocupada e constantemente representando a própria marca, ela sempre parecia
atrair instrutores de surf e ioga com tanquinhos e apreciação por maconha
que tinham nomes tipo Kale.
Cam nos deu informações não específicas sobre um novo contrato que ela
assinou com o governo. E Daisy nos contou sobre a flotilha de iates à qual ela
se juntaria para um longo fim de semana nas Bahamas.
— Chega de falar sobre a minha fabulosa vida de solteira — disse Daisy.
— Conte mais sobre o pedaço de mal caminho Price.
Ruby DeeLicious, uma queen baixinha em um espartilho arco-íris e meias
arrastão, conduziu um grupo de mulheres para a mesa aberta ao nosso lado.
— Elas chegaram — Luna sibilou de alegria.
Havia três razões pelas quais gostávamos do Mordecai. Número um, as
omeletes eram perfeitas. Número dois, Lady Raquel e companhia eram
fabulosas demais para expressar em palavras. Três, as escritoras de romance.
Três mulheres passaram pela mesa em meio a várias conversas diferentes.
A primeira, de óculos turquesa, estava quase saltando para fora da própria
pele.
— Então, eu pensei, claro que um boquete é a resposta! — gritou duas
vezes acima do decibel apropriado.
A próxima mulher era mais alta e usava calça de pijama que precisavam
desesperadamente de uma lavagem. Ela estava xingando para a tela do
telefone.
— Eu disse às crianças que se elas não parassem de peidar uma na cara da
outra, eu confiscaria os seus Legos. Agora estão me enviando selfies tristes,
prometendo um fim de semana sem peidos.
— Não caia nessa — aconselhou a terceira mulher. Ela estava com uma
camiseta escrito Give Me Coffee ou Give Me Death. — Eles querem dizer
isso agora, mas vão ficar doidões com o açúcar dos cereais, e todo o bom
senso vai embora.
— Como você sobreviveu ao ensino domiciliar? — A primeira mulher
perguntou.
— Meus filhos são estranhamente comportados. Tipo, ao ponto da gente
realmente se preocupar com isso. Agora, de volta ao boquete...
Elas se sentaram na cabine ao nosso lado e fingimos não escutar cada
palavra que diziam.
— Onde está a minha favorita? — perguntei em voz baixa. — Espero que
ela não esteja tentando cumprir o prazo de entrega outra vez.
— Argh! Desculpem o atraso. Eu aparentemente não sei como os relógios
funcionam. — Outra mulher ainda usando óculos escuros apareceu na cabine.
Sua regata de treino suada estava do avesso. Ela estava remexendo na bolsa.
— Acho que perdi meu telefone de novo.
— Está na sua mão — indicou a primeira.
— Estou tão feliz agora. — Luna suspirou.
— Shh! — Daisy sibilou. — Eu quero descobrir o que acontece com Salvio
no livro cinco.
Na noite seguinte do dia que nos conhecemos, seis anos atrás, nosso
quarteto de ressaca tropeçou no Mordecai’s em busca de comida e de umas
doses que aliviassem a ressaca. O que descobrimos foi uma afinidade e
quatro escritoras de romance na cabine ao lado.
A princípio, pensamos que estávamos ouvindo uma conspiração de
assassinato.
— Então eu pensei, “Ok, talvez possa simplesmente esfaquear o cara até a
morte”, sabe? Tipo, bem violento porque ele merece, certo?
— Totalmente. Ele é um lixo, e todo mundo vai concordar com a morte
dele.
— Mas então eu pensei, “Como pode haver sexo logo depois desse
esfaqueamento super violento?”.
— Boa pergunta. Isso seria um pouco sociopata.
— Mas se eu matar o cara de uma forma divertida e alegre? Digamos que
ele seja atropelado por um caminhão de salsicha, então...
— Boquetes para todos!
Luna e eu nos perguntamos se deveríamos chamar a polícia.
Daisy estava mais interessada em quem elas iam matar porque pareciam
estar falando de um cara com quem ela ficou uma vez e, de acordo com ela,
ele totalmente merecia ser assassinado.
Enquanto isso, Cam havia tirado uma foto das ocupantes da mesa e feito
uma busca por imagens.
E foi assim que descobrimos que elas eram escritoras de romance
contemporâneos no meio de um projeto. Desde então, ocupamos a cabine ao
lado da delas, lendo seus livros e espionando suas conversas.
Nunca tínhamos compartilhado mais do que acenos educados sobre os
menus ou quando nos encontrávamos no banheiro. Acho que nenhuma de nós
queria arruinar o mistério. Mas havia algo em oito mulheres, vivendo o
melhor de suas vidas, sorvendo jarros de Bloody Marys e compartilhando
histórias que me assegurava de que o mundo poderia ser um lugar muito
bom.
— Droga. Elas estão falando de entrega de supermercado — suspirou
Daisy. — Preciso descobrir se Salvio vai pirar quando descobrir que seu
irmão gêmeo se casou acidentalmente com a sua paixão em Las Vegas.
— Eu queria poder escrever histórias de amor — Luna suspirou.
— Parece que Emily está vivendo uma — Cam salientou.
— Não estamos apaixonados. Estamos com tesão. É muito saudável e cheio
de limites e expectativas explícitas.
— Hum, muito explícito — disse Daisy, mexendo-se no banco.
— O que vai acontecer com o conselho? — Cam perguntou. — Eles não
vão ficar satisfeitos com o fato da ajuda que contrataram agora estar passando
uma boa parte desse tempo na cama com você.
Fiz careta.
— Era para ser uma jogada. Dar algo mais atrativo do que falar de uma
quase prisão. E a gente se empolgou.
Daisy bateu palmas.
— Já era hora de Emily Stanton se deixar levar por algo além de resmas de
dados e relatórios.
Eu revirei os olhos.
— Espero que a parte encenada desvie todos os rumores que cercam o meu
pequeno desmaio.
Minhas amigas trocaram um olhar revelador. Eu só podia imaginar as
manchetes que estava evitando. Overdose de Emily Stanton. O bebê secreto
de Emily Stanton. Ou pior, a verdade: Emily Stanton fraca demais para
carregar a empresa que construiu.
Mas não precisava perder meu tempo me preocupando com a opinião
pública. Para isso que servia Derek. E para provocar orgasmos agressivos.
— Então, deixa eu contar do convidado de banho de Derek e de sua bunda
despreparada — falei, mudando de assunto antes que o clima pudesse vacilar.
— Você comeu o rabo dele? — A boca de Cam formou um O perfeito —
Não me importa quem você é. Isso é quente — disse Daisy.
— Explorações anais podem levar os relacionamentos a um novo nível de
vulnerabilidade — acrescentou Luna.
— Oh, não fui eu. Foi Brutus.
Lady Raquel passou e colocou outra jarra de Bloody Marys sobre a mesa.
Ela deu uma piscadela cheia de glitter.
As escritoras da cabine ao lado explodiram em risadas por causa de uma
cena de sexo que deu errado.
No momento, tudo estava bem. E eu faria tudo ao meu alcance para manter
as coisas assim.
32

Meu escritório em um domingo parecia muito com meu escritório em uma


quarta-feira. Eu teria que reestabelecer os finais de semana de folga
necessários para a equipe.
Não que eu fosse um chefe exigente daqueles que praticamente seguram um
chicote. Eu apenas contratava pessoas que se preocupavam profundamente
com os seus empregos.
Era o motivo pelo qual eu estava no meio de uma reunião informal de
equipe regada a comida chinesa em uma tarde de domingo.
Rowena apontou seus hashis para uma das telas na parede. Seus pés,
calçados com coturnos de cadarços magenta, estavam apoiados no tampo de
metal da mesa de conferência.
— Ok, tela um — disse ela com a boca cheia de lo mein de porco. — Essas
são as postagens de maior desempenho nas redes sociais de Emily Stanton no
mês passado. Pré e pós-comoção.
Não gostamos do termo “escândalo”. Criada por minha equipe muito
criativa, nossa escala de classificação de situações indesejáveis começava em
um Opa e ia até um PQP. PQP era reservado para ameaça de bomba,
multidão enfurecida e precipitação nuclear. A situação de Emily se encaixava
como uma comoção na extremidade superior de um desafio, mas era algo que
ainda poderia ser vencido.
Rowena nos guiou através dos dados, nenhuma surpresa de fato. Uma
grande mudança da atenção geral. Um aumento significativo na percepção
negativa. Trolls rastejando de suas tocas para postar suas opiniões inúteis.
Mesmo depois de todos esses anos de “reparações”, ainda me surpreendia
ao ver quantas pessoas sentiam um prazer tão cruel em estripar seus
semelhantes. Frequentemente, por infrações que incluíam a audácia de
estrelar um filme, escrever um livro ou – Deus me livre – não caber em um
manequim ٣٨ ou menor. Se eu fosse uma pessoa melhor, teria pena deles.
Mas eu não era. Então, simplesmente desejei uma crise terrível de herpes a
cada um deles e continuei com o meu dia.
— Então, as nossas amadas vadias dos dados tossiram essa joia — disse
Rowena, passando para o próximo slide.
As vadias dos dados – ou analistas, como eram chamadas para fins de
recursos humanos – eram Ancarla, uma ex-analista da CIA, e Roger, um
jogador campeão mundial barra hacker semiprofissional, que eu atraí para o
mundo corporativo com bônus generosos e horários flexíveis. Na metade do
tempo, eles nem iam ao escritório e, quando o faziam, um deles
invariavelmente estava usando calça de pijama. De alguma forma, acabei
com os dois presentes em um domingo.
Ancarla mastigava uma bala de alcaçuz negro, a sobremesa depois de sua
carne com brócolis, e então apontou para a tela.
— Você vai ver o aumento nas menções nas mídias aqui na noite da
comoção. Desde então, elas têm permanecido consistentemente altas. A linha
com o emoji sorridente estipula a nossa medida de positividade pública –
curtidas, comentários bons, itens de guarda-roupa esgotados etc. A linha com
o emoji vomitando representa os trolls, os maldosos, os juízes de “como ousa
ser chamado de humano”.
Cada vez que o emoji vomitando aparecia a linha negativa se redesenhava,
um ruído de peido soava.
Eu era o único membro da equipe com mais de trinta anos e às vezes, eles
faziam eu me sentir como se tivesse mais de setenta.
— Stanton tinha uma reputação estelar antes dessa situação — disse Roger,
retomando o assunto. Ele tinha uma bebida energética aberta em seu cotovelo
e dois iPads na frente de sua sopa agridoce. — Totalmente limpa, meio chata.
Deveria ter nos chamado antes desse negócio para que a deixássemos mais
agradável.
Eu concordava com essa avaliação. Mas a maioria dos líderes não percebia
que poderia usar um pouco de humanização na percepção do público até que
fosse tarde demais.
— A galera do mal prevalece nessas datas. E depois...
— Aparece Derek Price em um smoking com a mão quase encostando em
um território impróprio — observou Rowena.
A imagem que postei no Instagram de Emily na noite passada apareceu na
tela.
— Caraaaamba — disse Lance, fingindo que seus óculos tinham embaçado.
Formávamos mesmo um casal atraente, pensei presunçosamente. Emily
com sua aparência de platina polida. E eu também não era nenhum
desleixado.
— Não nos deixe em suspense — falei.
O próximo slide girou na tela com um “u-hu” digital.
Os emojis sorridentes foram os vencedores claros por volta das 19 horas da
noite passada. Deixando os de vômito despencarem docilmente.
— Derek, gostaria que você considerasse sair com todos os futuros clientes
— brincou Rowena.
— Todos a favor — rugiu Roger.
— Sim.
— Os “sim” venceram. Sir Derek vai se prostituir pelo bem da empresa
daqui em diante. — Roger também gostava muito de feiras da época
renascentista.
Suspirei.
— Não sei, não. E se isso acabar sendo pra valer? — Ancarla perguntou,
pegando outra bala de alcaçuz.
— É falso. Não dá para construir nada de verdadeiro com coisas falsas —
argumentou Lance.
— Sim, mas olhe para o rosto do D — disse Rowena. — Ele está todo
brilhante e feliz.
— Talvez ele só tenha feito uma limpeza de pele? — Roger sugeriu.
Um dos hobbies favoritos da minha equipe era falar de mim como se eu não
estivesse presente.
— Talvez ele tenha tirado a sorte grande.
— Com uma cliente?
— Talvez ela seja mais do que uma cliente.
— Talvez ele esteja tendo uma crise de meia-idade?
— Ele não é muito velho para isso?
Eu belisquei a ponta do meu nariz e me perguntei se poderia escapar da
prisão matando todos eles.
— Não me façam começar a colocar todo mundo para trabalhar nos finais
de semana — ameacei.
— Eu não sei. Acho que foi tudo uma encenação e que, uma vez que
Stanton estiver de volta ao topo, o D estará de volta ao velho lema de “Eu
amo a vida de solteiro” — conjeturou Lance.
— E se ele gostar de estar nesse relacionamento falso e decidir que está
perdendo viver um de verdade? — questionou Ancarla.
— Quem não gostaria de ter um relacionamento falso com uma bilionária?
— Roger entrou na conversa.
— Não, o cara tem “felizes para sempre” escrito no rosto — decidiu
Rowena. — Acho que poderia ser mesmo pra valer. Pelo dossiê, Stanton é
excelente.
— Obrigada. Eu concordo.
Todos nós giramos em nossas cadeiras em direção à porta da sala de
conferências.
Emily estava encostada no umbral da porta sorrindo educadamente. Ela saiu
de casa esta manhã vestida para o brunch com as amigas. Agora estava de
volta a uma calça preta e regata simples. Havia trocado o salto usual por tênis
pretos.
— Uau. Que cabelo lindo! — falou Rowena, pegando o telefone. — Você
já postou uma foto dele?
— Tire uma com as janelas ao fundo — Roger sugeriu. — Braços cruzados
tipo “Sou uma bilionária do mal. Tem algum problema com isso?”
Esfreguei as mãos no rosto com irritação.
— Descansem uns cinco minutos, crianças. Ou, melhor ainda, vão para
casa.
Os clientes nunca ficavam sabendo dos bastidores tipo fabricação de
salsichas do Alpha Group. E eu não fiquei especialmente feliz com Emily
entrando no meio de uma conversa sobre se eu estava ou não apaixonado por
ela.
Imperturbável, minha equipe empacotou comida e eletrônicos e se
apresentou a Emily na saída.
Emily fechou a porta após o último deles sair.
— O lema da vida de solteiro? — ela me perguntou, tomando o assento que
Rowena havia desocupado e cruzando os braços. Ela parecia mais divertida
do que irritada. Talvez eu não tivesse que matar a minha equipe.
Olhei por cima do ombro, certificando-me de que a equipe pelo menos
estava fingindo não escutar.
— Essa não é uma conversa apropriada para se ter com uma...
— Uma o quê? — ela pressionou. — Uma cliente? Uma ficante?
Qualquer que fosse o feitiço que ela lançou em mim estava em pleno vigor.
Foi só olhar para ela ocupando espaço de um jeito presunçoso na cabeceira da
minha mesa de conferência que eu fiquei duro.
— O que posso fazer por você, amor? — perguntei, não encontrando uma
resposta adequada para sua pergunta.
— Achei que fosse gostar de fazer uma viagem de campo comigo — falou
ela, tamborilando os dedos nos braços da cadeira. — A menos que esteja
ocupado manipulando o mundo.
— Meu tempo é todo seu — prometi.
— Ótimo. — Ela ergueu um molho de chaves e as balançou. — Quer
dirigir?
33

A meu comando, o Porsche acelerou como a droga de um sonho. Emily


estava me direcionando ao norte da cidade.
Estava sentada ao meu lado, de óculos escuros e um sorriso pairando sobre
aqueles lindos lábios enquanto navegávamos o tráfego. Um domingo quase
perfeito na minha opinião.
— Vire na próxima à esquerda — disse ela, apontando para o semáforo.
A cor de South Beach e a agitação do centro de Miami ficaram para trás. Os
edifícios daqui eram menos preocupados com a estética e mais preocupados
com função e durabilidade. Lojas de conveniência familiares invadiam
lentamente bairros da classe trabalhadora. Prédios comerciais ocupavam
canais estreitos.
— Aqui — falou, apontando para um prédio comprido e baixo pintado de
branco brilhante.
DIY AHA, dizia a placa.
Entrei em uma das últimas vagas restantes no estacionamento ao lado do
prédio.
— Exatamente onde você me trouxe? — perguntei, desligando o motor. —
Além disso, eu quero este carro.
— Você vai ver, e não vai ficar com ele — disse ela, sorrindo enquanto
descia.
— Eu poderia roubá-lo — pensei.
Ela arrancou as chaves da minha mão.
— E eu poderia mandar te prenderem.
— Que bem isso faria a qualquer um de nós? Talvez pudéssemos fazer uma
troca?
Ela inclinou a cabeça com altivez.
A rainha de gelo avaliando seu servo.
— Que tipo de troca?
— Quilômetros rodados por orgasmos? — sugeri.
— Mais tarde conversamos — ela disse com uma piscadela, abrindo a porta
de aço. — Ah, e sem fotos. Nada de documentar as próximas duas horas.
— Você torna o meu trabalho muito difícil — reclamei.
— Você faz a mesma coisa, Price.
Intrigado, eu a segui para dentro.
Pensamentos de orgasmos evaporaram da minha mente imediatamente com
os gritos de garotas pré-adolescentes que ocupavam uma grande sala de aula
semelhante a um laboratório. Havia uma dúzia delas em jalecos brancos e
óculos de proteção. Não parecia haver adultos o suficiente para conter a
energia instável e exaltada.
— Emily! — Garotas com luvas de látex azuis acenaram em alegria.
— Ei, meninas! Espero que não se importem, mas eu trouxe um parceiro de
laboratório hoje. Este é Derek.
— Oi, Derek — quinze garotas disseram em coro antes de caírem na risada.
— Fico feliz que tenha vindo. — Uma mulher com um jaleco tie-dye se
aproximou. Seus óculos de proteção estavam no topo de sua cabeça, fazendo
o papel de uma faixa em seu cabelo curto e grisalho. Ela estava usando um
tênis Converse e uma camiseta de um cachorro da raça Dachshund.
— Eu também — Emily sorriu. — Derek, esta é Esther. Ela é bioquímica e
dirige as coisas aqui na DIY AHA. Esther, este é meu amigo Derek.
Ela vacilou um pouco ao falar “amigo”. Fiquei egoisticamente feliz por ela
não ter um rótulo fácil para classificar o nosso relacionamento.
— É um prazer — eu disse, apertando a mão estendida de Esther.
— Acho que não temos tempo para que eu dê uma olhada nos dados? —
Emily perguntou a ela.
— Não — Esther disse alegremente. — Vai nos atrasar. — Ela voltou sua
atenção para mim. — Vamos vestir você antes que essas garotas te devorem
vivo.

***

— E qual é a regra mais importante do AHA? — Emily perguntou da frente


do laboratório de aprendizagem. Ela estava de jaleco branco e óculos de
proteção. Seu cabelo amarrado para trás em um quase rabo de cavalo. Mais
uma vez, achei o visual desconfortavelmente atraente.
— Seguir todos os protocolos de segurança — uma nova geração de
cientistas iniciantes respondeu em coro.
— Ótimo — ela disse. — Porque vamos fazer fogo.
As meninas falaram: “oh”.
Eu me perguntei que tipo de seguro Emily tinha e se a apólice envolvia
crianças de 12 anos e pirotecnia.
Assisti de uma distância segura enquanto Emily explicava passo a passo o
que estava fazendo enquanto colocava uma pequena quantidade de etanol de
um béquer em uma garrafa térmica de água vazia. Ela girou o líquido várias
vezes, cobrindo o interior da garrafa.
— Quem sabe o que é combustão? — perguntou.
Cerca de metade das mãos na sala dispararam no ar.
Emily sorriu para seus alunos atentos.
— Combustão é uma ignição. Uma combinação química rápida que produz
calor e luz. Depois que começa, você não pode pará-la até que se apague.
Seu olhar voou para mim e depois para longe novamente, e eu me perguntei
se ela pensava que o que tínhamos era tão simples quanto uma reação
química.
A energia na sala estava atingindo um nível febril.
Emily, uma verdadeira apresentadora, segurou a garrafa de cabeça para
baixo. As garotas ofegaram de entusiasmo quando nenhuma gota de líquido
caiu.
— Acabei de criar vapor de etanol. Transformei um líquido em um gás.
Agora, vou acendê-lo.
Todos nós assistimos extasiados enquanto ela acendia uma vela longa e fina
com um isqueiro.
— Do comprimento do braço — disse.
— Do comprimento do braço — repetimos.
Com outro sorriso, ela segurou a vela na boca da garrafa, e todos na sala,
exceto Emily, pularam quando chamas químicas em tons de azul e laranja se
dispararam. Queimou rápido e brilhante por um ou dois segundos e então
desapareceu.
Houve um pandemônio controlado na sala. Foi uma versão muito mais
sofisticada do experimento de fogo de peido que meu irmão e eu tínhamos
realizado uma ou duas vezes em nosso quintal, e eu vi pelos rostos dos pais
na sala – principalmente os pais – que eles estavam revivendo suas próprias
juventudes gasosas.
— Mas esperem — disse Emily, erguendo a mão. — A garrafa não está
mais vazia.
Enquanto ela a segurava de cabeça para baixo, a turma assistia em
fascinação extasiada quando um líquido claro pingou no béquer.
— Fizemos água do fogo — anunciou.
Eu podia ouvir todas as garotas na sala decidindo se tornar uma cientista.
— Agora é a vez de vocês — disse ela, apontando para as mesas do
laboratório. — Configure suas câmeras em câmera lenta primeiro para que
possam capturar as reações. Esther, Lala e eu vamos ajudá-las, uma mesa de
cada vez, começando da parte de trás.
Emily reivindicou sua primeira mesa e puxou conversa com suas novas e
jovens parceiras de laboratório. Esther e Lala, uma versão de mais de 1,80
metro de Salma Hayek com doutorado em química, fizeram o mesmo.
Eu amei. Eu ansiava documentar o laboratório, o experimento, as meninas.
Emily.
Ela estava resplandecente. Não havia nada para não se amar nela.
Era essa a Emily Stanton que o mundo precisava ver. E ela teimosamente se
recusava a ser revelada.
— Jasmine, entregue o béquer para Atlas. Não jogue ele. — A mulher alta e
esguia segurando um e-reader suspirou ao meu lado. Ela revirou os olhos
para mim. — Crianças.
— Elas parecem estar se divertindo — observei. Eu tinha sobrinhas e
sobrinhos, quase uma dúzia deles. Estava acostumado com o caos
relacionado a crianças.
— Não é a melhor coisa de todas? Um clube de ciências para meninas —
ela continuou. — Eu sou a Amal, a propósito.
— Derek — devolvi. — É a minha primeira vez aqui.
— Oh, a sua filha vai adorar. Elas deixam a ciência muito divertida aqui.
As garotas curtem muito. E quando elas completam dezesseis, podem se
inscrever para usar o espaço do laboratório para seus próprios experimentos.
— Mesmo? — perguntei, intrigado. Maldita Emily e seu decreto de não
publicidade. Isso seria a mina de ouro das relações públicas.
— A prima de Jasmine ficou na AHA por três anos — continuou Amal. —
Agora ela está na CalTech no programa de engenharia biológica. É uma
ótima introdução da profissão fora da sala de aula. As meninas começam a
trabalhar com cientistas de verdade em um laboratório de verdade. Com
programas como este, ajudaremos a triplicar o número de mulheres nos
campos de STEM, Sistema de aprendizado científico, até 2030.
Era engenhoso e, se eu tivesse que adivinhar, a ideia fora toda de Emily.
Quanto mais fundo eu cavava, mais atraente ela se tornava para mim.
Estava acostumado a sentir uma atração breve e intensa por uma mulher. Mas
ela sempre se extinguia. Sem complicação. Fácil.
Emily não era nenhuma dessas coisas.
Eu a considerei quando ela se inclinou sobre os ombros de duas jovens
cientistas. Ela era bonita. Sim, nas áreas de cérebro e genética, é claro que ela
era atraente. Mas havia algo magnético nela aqui nesse ambiente. Ela estava
quase eufórica e as meninas se alimentavam dessa animação.
No momento, eu tinha certeza de duas coisas. Uma, eu não havia terminado
com Emily Stanton, e dois, isso não iria terminar bem.
— Qual delas é a sua? — perguntou Amal, examinando a sala.
— A loira alta com um intelecto estonteante — respondi, apontando para
Emily.
— Ah. O namorado de Emily — Amal assentiu com aprovação. — Eu sou
muito hetero, casada com um homem e tudo mais, mas posso apreciar o seu
excelente gosto. Ela é algum tipo de bioquímica, certo?
— Algo assim — me esquivei. A identidade secreta de Emily era a de uma
cientista dominical. Sim, eu definitivamente não estava nem perto de terminar
com aquela mulher.
— Tudo bem, turma — disse Emily, voltando para a frente do laboratório.
— Agora, vamos trabalhar na documentação de nossas descobertas.

***

Meia hora depois, quando o futuro da ciência saiu da sala, encontrei a


mulher que consumia a maior parte do meu cérebro diante de mim.
— O que acha? — ela perguntou.
— Acho que deveria ter me deixado tirar fotos.
— Nem tudo deve ser consumido pelo público. Não é nada pessoal.
— Pelo contrário, é muito pessoal — rebati. — Este é a verdadeira você.
Aquela que o mundo teria dificuldade de derrubar. Aquela que o público
americano pode apoiar e desembolsar seus dólares ganhos com suor em um
pedaço do seu sonho.
— Essas meninas não concordaram com esse tipo de exposição — disse. —
Estou aqui porque elas estão aqui. Não o contrário.
— Certo — falei. — Porque você é Emily, a bioquímica.
Ela mordeu o lábio.
— Eu sei que não posso manter isso em segredo para sempre e que alguns
dos pais já descobriram. Mas, por enquanto, funciona melhor assim.
— Você é a dona deste lugar, não é? — perguntei, pegando uma pipeta.
Ela assentiu.
— Os laboratórios DIY são a onda do futuro. Eles podem ser mais flexíveis
com seus protocolos do que um laboratório privado ou financiado por
subsídios do governo. Podem fazer parceria com laboratórios semelhantes de
todo o país e lidar com conjuntos massivos de dados e... estou falando que
nem nerd com você — disse ela, sorrindo constrangida.
— Se todos pudessem ver você assim agora, ficariam loucos por você —
disse, correndo meus dedos sobre os botões de seu jaleco.
— Nem todo mundo — ela disse, me dando um olhar penetrante.
— Todo mundo — reiterei.
— A última Mini Marie Curie foi embora — disse Esther, voltando a enfiar
a cabeça na sala. — Está pronta para alguns dados chatos?
— Me dê! — Emily estendeu as mãos como uma criança na manhã de
Natal.
— Lala, você dá conta da limpeza? — chamou Esther por cima do ombro.
Lala levantou o polegar e soprou uma bolha com o chiclete.
Seguimos Esther pelo corredor até o segundo laboratório. Ela acendeu as
luzes do teto e foi até uma estação de trabalho com dois computadores de
mesa. Uma pilha gorda de papéis estava ordenadamente posicionada ao lado
de um descanso de mouse com a tabela periódica estampada. Ainda dizia,
Uso isso periodicamente.
Emily atacou o relatório da mesma forma que um gato atacava uma luz
laser.
Ela folheou os papéis, passando os olhos rapidamente. Seus lábios se
moviam enquanto ela absorvia o que estava nas páginas.
Esther sentou-se em um banquinho com rodas e esperou, um sorriso
presunçoso puxando os cantos de seus lábios.
— Estão presentes — disse Emily, sem tirar os olhos dos dados.
— Estão presentes — Esther concordou, girando na cadeira para mostrar
um pouco de jargão de difícil compreensão em um dos monitores.
Ainda segurando os papéis, Emily olhou por cima do ombro de Esther.
— Nós somos gênios — Emily respirou.
— Puta gênios.
Eu limpei a garganta.
— Um leigo pode perguntar o que está acontecendo? — perguntei.
Emily se virou, com um brilho nos olhos. Eles eram mais cinzas do que
azuis sob as luzes fluorescentes do laboratório.
— Enzimas — disse ela.
— Temo que vou precisar de uma explicação maior.
Ela praticamente pulou para um quadro branco e alegremente pegou um
marcador, desenhando em linhas rápidas e confiantes.
— Ok, então quando alguém sofre um episódio cardíaco significativo,
podemos medir altos níveis de certas enzimas no sangue que indicam danos
aos músculos do coração. No que Esther e eu e algumas equipes em
laboratórios semelhantes em todo o país temos trabalhado é em encontrar
indicadores que possam prever um episódio cardíaco.
— E encontraram um? — Fiquei intrigado com a hipótese e com o
entusiasmo de Emily. Seu desenho era terrível, mas sua paixão era cativante.
Ela sorriu.
— Encontramos alguns. Atualmente, existem exames que identificam um
indício de inflamação, a proteína C reativa de alta sensibilidade, por exemplo.
Mas descobrimos uma enzima específica que tem um desempenho
consistente como indicador mensurável de um episódio cardíaco grave no
futuro.
— Com que antecedência foram capazes de prever?
Ela sorriu, e eu senti um fogo quente de desejo se instalar em meu peito.
— Seis meses — Esther interrompeu com orgulho.
— Seis meses é um tempo adequado para intervenção. Para mudanças de
dieta, exercícios e estilo de vida. Para que coágulos e bloqueios sejam
identificados e tratados. Este exame de sangue pode ser o maior fator
preventivo na medicina cardíaca em quase uma década — disse Emily. — O
melhor de tudo é que podemos fazer isso de maneira econômica. Pode vir a
fazer parte do exame de sangue completo nas avaliações periódicas. Os
consultórios médicos podem exigi-lo nos exames físicos de atletas do ensino
médio e universitários. Estamos perdendo cada vez mais crianças e jovens
para defeitos cardíacos desconhecidos. Isso poderia...
— Salvar vidas — completei.
Eu não conhecia Emily Stanton há muito tempo. Não a conhecia bem o
suficiente como queria conhecer. Mas não conseguia pensar em outra pessoa
de quem senti mais orgulho em toda a minha vida.
— Exatamente — disse ela. Seus olhos brilhavam.
— E também não vai me deixar usar isso, vai? — Suspirei.
Ela veio até mim e enganchou os dedos de forma brincalhona no cós da
minha calça.
— Não.
— Isso pode realmente mover a opinião pública a seu favor — eu a
lembrei.
— Derek, isso é muito maior do que a opinião pública. É maior do que a
Flawless e a IPO. É totalmente separado delas. Não quero começar a
polinização cruzada da CEO Emily com a Rata de Laboratório Emily. Essa é
a única coisa que tenho que é inteiramente minha. Não vou compartilhar isso
com alguns milhões de seguidores nas redes sociais.
Eu entendia. Eu não gostava. Mas entendia.
— Isso é impressionante — falei, observando Esther rolar por planilhas de
dados sem sentido.
— Estamos apenas começando — disse Emily.
Sim. Estamos.
34

— Para onde está me levando? — perguntei, bocejando no banco do


passageiro enquanto puxava o elástico do meu cabelo. A empolgação de mais
de uma dúzia de garotas pré-adolescentes combinada com realizações
científicas fez a minha adrenalina despencar agora.
Eu precisava de café antes mesmo de pensar em encarar a minha lista de
tarefas do domingo à noite. O trabalho de uma CEO nunca acabava. Algumas
pessoas conseguiam construir seus impérios, depois passar as rédeas e ir a um
campo de golfe. Eu não era uma dessas pessoas.
Derek havia vencido o breve, mas divertido round de luta livre pelas chaves
do Porsche. Eu não tinha resistido muito. Odiava admitir, mas ainda não
estava operando em capacidade máxima. Mesmo cansada, esse era o preço
que pagava pelo que conquistei. O trabalho não se fazia sozinho.
— Jantar — disse ele, pegando minha mão e levando-a aos lábios.
Salsa, descontroladamente romântica, tocava nos alto-falantes.
Este momento, com o sol se pondo no céu de primavera, a brisa de Miami
bagunçando meu corte de cabelo muito ousado e o atraente Derek Price
dirigindo o conversível que comprei com os meus esforços, era a perfeição.
— Jantar parece maravilhoso. — Suspirei.
— Será. Meu padrasto está fazendo churrasco.
Demorou alguns segundos para as palavras serem absorvidas.
— Não. Absolutamente não — insisti, sentando-me ereta. Escolhi aquele
momento para perceber que hoje era a primeira vez que ia no banco do
passageiro.
— Conheci sua família — ele ressaltou.
— Isso foi trabalho. Não um jantar familiar aconchegante!
— Não há nada de aconchegante nele. Tenho um irmão e duas irmãs,
meios-irmãos e cerca de trinta sobrinhos — disse em tom de conversa.
— Derek, não pode me apresentar para a sua família. — Fiquei horrorizada.
— Por que não?
Por que não? Havia uma grande quantidade de razões. Eu era sua cliente,
não sua namorada. Em segundo lugar, para o público, eu era a vadia rica que
se livrava de acusações de posse de drogas. E para completar a tríade perfeita
do porquê eu não deveria conhecer seus pais: nós acabamos de transar.
Transar. Não houve conversas sobre onde isso daria nem sobre quais seriam
os resultados esperados. Tivemos um sexo glorioso e agora eu deveria
apertar a mão da mãe do homem? Eu provavelmente ainda cheirava
vagamente ao seu filho nu.
— Quer dizer, por que está fazendo isso? — Tentei esmagar os nervos que,
de repente, eletrizavam o meu intestino. Oh, Deus, eu tinha um estoque
emergencial de Imodium nesta bolsa?
— Acho que você vai achar a minha família mais relaxante do que algumas
da sua situação social — disse ele. Ele foi educado demais para mencionar o
fato de que minha família era como um encontro de final de reality show,
onde invariavelmente alguém acabava levando um soco na boca.
— Não estou arrumada para “conhecer novas pessoas” — argumentei.
— Isso não é uma oportunidade para fotos nem qualquer outra coisa que
não seja uma boa refeição em uma companhia interessante — ele prometeu.
Esfreguei as mãos no rosto, desejando ter feito mais do que um esforço
mínimo na minha maquiagem desta manhã. Claro, esta manhã eu só estava
pensando no brunch e no laboratório. Não em conhecer os pais de Derek
Price.
Ele estava me colocando em uma posição impossível. Se as coisas dessem
errado, eu não tinha uma estratégia de saída fácil. Não tinha Jane. Inferno,
nem mesmo tinha as chaves do meu próprio carro.
— Emily — chamou ele.
— O quê?
— Relaxe e confie em mim. Eu gosto de você e acho que vai gostar deles.
Não há exigências. Se não estiver confortável, me dê um sinal que eu te levo
para casa. Sem perguntas.
O homem entrou na minha vagina há menos de vinte e quatro horas e, de
alguma forma, isso lhe concedia um passe de acesso total aos meus
pensamentos mais íntimos?
— Confie em mim — pediu. Ele enfiou a mão no bolso e tirou um pequeno
pacote. Estendeu o pacote para mim.
— O que é isso? — perguntei, aceitando. Eu o virei na minha mão. Era uma
dose única de Imodium.
— Só para garantir — disse.
— Como você…
— Realmente quer falar sobre isso? — Derek perguntou, seus olhos na
estrada.
— Deus não! — Eu estava humilhada. Mortificada. E algo mais.
— Pode confiar em mim, Emily Stanton, chefe formidável, bela bilionária e
ser humano de verdade.
Não foram flores ou um bilhete de amor, mas um remédio para diarreia
que fez meu coração dar um salto mortal lento e inevitável no peito.
Deus me ajude. Deus ajude nós dois.
Limpei minha garganta, surpresa com a emoção que a obstruía.
— Vou dar quinze minutos. Qual é o nosso sinal?
— Deve ser algo sutil como, “Derek, preciso do seu pau latejante no meu
útero agora” — disse ele, trocando suavemente a marcha e acelerando em
torno de um ônibus escolar grafitado que passava pela ciclovia. — Minha
família vai entender.
Revirei meus olhos com tanta força que foi audível.
— Seu ego não conhece limites.
— Confiança, amor. Não ego — corrigiu.
— Que tal uma emergência de trabalho? — sugeri.
— Hum, um pouco menos crível, mas acho que poderia convencer. Pelo
menos com os Price menos esclarecidos.
— Você é ridículo.
— Querida, estou levando a mulher que redefiniu fazer amor para mim no
carro mais sexy do mundo depois que você revelou um avanço científico que
pode mudar a saúde cardíaca para sempre. Isso é ridículo. Você é
extraordinária. Eu apenas sou muito, muito comum.
Possuída pelo espírito de Daisy, eu acariciei sua coxa até sua virilha.
— Querido, não há nada comum em você — ronronei.
Distraído, ele deslizou para o acostamento da rodovia antes de se recuperar
rapidamente.

***
A casa Price era de estuque bege da Flórida, com uma palmeira
indispensável no jardim da frente. Havia carros estacionados na rua e quase
meia dúzia de homens, cervejas em mãos, sentados em cadeiras de gramado
no pedaço de grama entre o meio-fio e a calçada.
— Um comitê de boas-vindas — observei.
— Os membros masculinos da família. Posso ter enviado uma foto do seu
carro para eles — Derek confessou.
— Pela primeira vez, você não estava exagerando, Derek — gritou um
homem com uma camisa de flamingo rosa acima da rotação do motor. Ele
tinha ombros largos e um charuto apagado preso entre os dentes. Usava um
boné com a aba virada para trás.
— Ele está falando de você — Derek me provocou.
Enfiei os remédios para diarreia na bolsa e torci pelo melhor.
Saímos e meu carro foi atacado por uma multidão de admiradores enquanto
o lado cheio de testosterona da família de Derek o admirava. As
apresentações foram feitas entre perguntas sobre potência e itens de série.
Michael, o padrasto, era o cara de charuto e camisa de flamingo. Depois
vieram o irmão Will, o meio-irmão Alberto – ou Berto – e os cunhados Pete e
Carmine. Todos expressaram sua opinião sobre meu carro e um desejo
descarado de dirigi-lo em voz alta. Derek devolveu as chaves para mim.
— Não nessa vida, senhores — ele brincou. — Não deixe que a enganem
para darem uma volta nele — sussurrou para mim.
— Sua garota tem bom gosto para motores, hein? — Pete disse, mascando
um chiclete como se fosse sua última refeição.
— Ela ainda não decidiu se é minha garota — disse Derek, passando o
braço pela minha cintura e me guiando em direção à casa. — Espero que
você me ajude a convencê-la.
— Fuja — Will tossiu fingidamente cobrindo a boca com a mão. Seu
sorriso era uma cópia do de Derek, seu sotaque mais americano do que
britânico.
— Boa sorte lá dentro, Em — gritou Michael atrás de nós. — Lembre de
não deixar que sintam o cheiro do seu medo.
— Ela lida com um conselho de diretores todos os dias. Tenho certeza de
que consegue lidar com o lado feminino da família — disse Derek com
secura.
— Você bateu com a cabeça ou algo assim recentemente, D? — Carmine
perguntou com uma piscadinha em minha direção.
Meu conselho de diretores nem chegava perto das damas do clã Price-
Perez. A irmã de Derek, Tanya – modelo de meio período e mãe de três filhos
em tempo integral – balançava uma criança soluçante de dois anos no quadril
e me perguntou quais eram as minhas organizações sem fins lucrativos
favoritas. Liz, com um corte pixie e pulseiras de couro nos dois pulsos, deu
ao meu corte de cabelo um aceno de aprovação e perguntou qual era
exatamente o meu relacionamento com seu irmão. Verita, a meia-irmã
empolgada, colocou uma taça de vinho em minha mão e sugeriu que eu me
juntasse a eles no pátio para que todos ficássemos mais confortáveis para o
interrogatório.
A mãe de Derek, Daniella, foi calorosa e acolhedora. Junto com as boas-
vindas veio uma vibração muito sutil que dizia que poderíamos ser amigas,
desde que eu não mexesse com a família dela. Ela era linda. Seu cabelo cor
de pelo de visom estava cortado em um bob na altura do queixo. Ela usava
um short xadrez preto e branco e uma blusa branca sem mangas. Seus pés
estavam descalços, mas seu rosto, habilmente maquiado.
— Eu prometo que não vou te abandonar — sussurrou Derek em meu
ouvido enquanto me guiava para fora. As crianças, com idades variando de
adolescentes a pré-escolares com boias, entravam e saíam da piscina no que
parecia ser uma caótica competição de mergulho amador. Cachorros, três
deles de portes diferentes, corriam pelo quintal cercado, se revezando em
pular na piscina e depois sacudirem violentamente os pelos para o deleite das
crianças.
Os homens tinham acabado de babar em cima do meu carro e estavam se
reunindo ao redor da churrasqueira, virando carne e bebendo cerveja.
— Eu vou ficar bem — assegurei a ele, embora meu intestino emitisse um
ruído baixo de protesto. — Vá brincar com seus amigos. — Eu baguncei seu
cabelo, ganhando seu sorriso e um “aw” das suas irmãs.
— Se comportem — ele as avisou, dando um beijo na bochecha de cada
uma antes de cruzar o concreto para a Área dos Machos.
Salsa tocava nos alto-falantes sem fio e alguém colocou um prato de homus
e vegetais frescos na minha frente. Sotaques vagamente britânicos e
espanhóis davam às conversas mais cor e energia.
— Então, Emily — disse Daniella, pegando seu copo de Chardonnay.
Eu aprendi há muito tempo que a primeira pergunta que uma pessoa me
fazia geralmente era um indicador certeiro de seu caráter e de suas
expectativas em relação a mim.
— Me diga, o que meu filho está fazendo por você? — questionou ela,
arqueando uma sobrancelha perfeita.
Havia muito o que interpretar ali. A possessividade implícita no uso de
“meu filho”. A pergunta vaga, que abrangia um grande número de respostas
possíveis.
Bem, tem o lance do gerenciamento do escândalo. O aconchego na cama.
As refeições regulares. O corte de cabelo. E então, é claro, os orgasmos. Ah,
e ele me faz rir.
— Minha empresa contratou a firma dele, e estamos passando muito tempo
juntos — disse evasivamente.
As mulheres estavam sentadas como estátuas, esfinges esperando que eu
falasse mais.
Eu sorri de forma benigna e tomei um gole do meu vinho.
O silêncio reinou por um minuto inteiro.
— Ela não está cedendo — sussurrou Tanya pelo canto da boca.
— Encare mais fixamente — Verita sussurrou de volta.
— Ela é boa — observou Liz. — Assustadoramente boa.
Daniella deu um aceno de cabeça majestoso e ergueu a taça em minha
direção.
— Eu confio no julgamento do meu filho. Namorando ou não, você é bem-
vinda aqui.
— Você não quer conhecer a minha mãe e explicar a ela esse tipo de atitude
de não se meter nos relacionamentos dos filhos? — perguntei.

***

Em algum momento durante a minha segunda taça de vinho, percebi que


meu intestino havia desistido de suas ameaças vazias. Agora, era meu
estômago que roncava enquanto o cheiro de hambúrgueres grelhados pairava
sobre o pátio.
Derek se aproximou quando sua mãe ficou admirando meu corte de cabelo.
— Gostou da minha obra, mãe? — perguntou.
— Sempre — Daniella disse, virando a bochecha para seu marido, Michael,
enquanto ele entregava um beijo e uma travessa de hambúrgueres que
acabaram de sair da grelha.
— Como esse corte de cabelo ainda não parou a internet? — Liz perguntou,
entregando uma criança para o marido.
— Não estive em lugar nenhum além de um brunch e um laboratório —
admiti.
— Derek, me dê seu telefone — pediu Tanya, estendendo a mão.
Ele obedeceu.
— Perto da cerca viva — Tanya apontou decisivamente. — Você também,
querido irmão.
— Por que eu? — perguntou Derek.
— Uma pose platônica. Algo que não confirme nem negue o joguinho
“estão se pegando ou não” de vocês — decidiu ela.
Liz e Verita, com os direcionamentos de Tanya, nos colocaram contra a
parede de vegetação, bebidas nas mãos.
— Todos os churrascos na sua família são assim? — perguntei enquanto
Verita afofava meu cabelo.
— Com uma cabeleireira, um policial, uma modelo e 47 filhos e cachorros,
você ficaria surpresa — ela brincou.
— Ok, olhem um para o outro e sorriam como se estivessem escondendo
um segredo bem safado — falou Tanya.
35

— Casa? — perguntei a Emily acima do ronco do Porsche enquanto


acenávamos para a minha família em despedida.
— Eu gostaria de ver a sua casa — ela decidiu presunçosamente.
— Gostaria, não é?
Fiz um inventário mental do estado do meu apartamento. O serviço de
limpeza passou lá ontem, o que minimizava a possibilidade de ela se deparar
com qualquer coisa desagradável, como embalagens de comida para viagem
de uma semana ou uma montanha de roupas jogadas no sofá.
— É culpa sua, Price. Você me apresentou à sua família e agora estou
redigindo um anúncio de noivado na minha cabeça — ela brincou. — Vi seu
escritório e agora preciso descobrir que segredos você esconde em casa antes
que isso fique mais sério.
Dirigi o Porsche na direção do meu prédio no centro da cidade.
— Tudo bem, mas vou te levar para o meu apartamento, não para o meu
covil sinistro na masmorra. Só vai poder ver a masmorra depois do
casamento.
— Vamos a passos de bebê — disse ela.
Dirigimos para meu apartamento em um silêncio confortável. O prédio era
um arranha-céu brilhante no horizonte de Miami. Um pouco desalmado, mas
a proximidade com meu escritório e com quase tudo no centro da cidade era
conveniente.
Estacionei o carro na garagem e a conduzi até o elevador, uma mão na parte
inferior de suas costas. Só descobri recentemente o quanto gostava de tocar
Emily e não tinha planos de desacelerar nesse quesito.
— Andar? — ela perguntou, seu dedo pairando sobre os botões.
Eu disse o número, e ela apertou o botão de modo triunfante.
Quando as portas se fecharam, Emily se virou para mim. Ela colocou os
braços em volta do meu pescoço.
— Gostei muito da sua família — disse.
— Eu também tenho uma certa preferência por eles — falei a ela.
— Vocês estão todos tão... no mesmo time. Ninguém aparece para jantar
com segundas intenções. Foi refrescante — continuou. — Seus pais estão
muito orgulhosos de você.
O desejo por algo que ela não tinha por trás de suas palavras fez o meu
coração doer por ela.
— Eu sou uma prova do trabalho que tiveram para me manter no caminho
certo — falei, afastando o cabelo de seu olho. Amava olhar assim para ela.
De perto, com ela relaxada, branda. Ela era uma mulher complicada. E eu
descobri que gostava muito disso.
Senti algo ao vê-la sentada com minhas irmãs e minha mãe no pátio, com
uma garrafa de vinho circulando entre elas. Algo que parecia… certo. Disse a
mim mesmo que a levei até lá para mostrar o que uma família poderia ser.
Que havia pessoas capazes de amar sem segundas intenções. Pelo menos, foi
o que achei no momento.
Mas agora, eu me perguntava se estava testando sua presença em minha
vida. Testando-a como uma peça de quebra-cabeça para ver se ela se
encaixava.
As portas se abriram com um leve ding no décimo quinto andar, e eu fui na
frente até o meu apartamento.
— Depois de você — disse, abrindo a porta da frente com um floreio.
Eu não era um homem sem opiniões. Minha casa refletia isso. Paguei um
designer de interiores, é claro, como todo mundo faz. Mas eu era um filho da
mãe do microgerenciamento, avaliando cada peça de mobília, cada pintura,
cada almofada.
No final, valeu a pena. Minha casa era elegante, funcional e confortável.
Pisos de concreto polido. Detalhes em aço inoxidável. Uma parede de vidro
com vista para a cidade.
Mas tudo suavizado pelas estantes de livros de três metros de altura que
emolduravam uma necessária tela de TV bem masculina. A mobília era
simples, mas confortável.
Emily entrou na sala de estar e estudou minha coleção.
— Um leitor — considerou em voz alta. — Interessante.
— Ficção científica e fantasia principalmente — falei enquanto ela
examinava as prateleiras.
— Um geek. — Ela me rotulou com uma satisfação arrogante.
— Vindo de uma nerd, vou aceitar como um elogio — provoquei.
Me perguntei o que mais ela descobriria sobre mim aqui em casa.
— Vinho? — ofereci.
Ela balançou a cabeça.
— Água, por favor. — Puxou um volume da prateleira, estudou-o e o
devolveu.
— Por que não coloca algo mais confortável enquanto eu sirvo a bebida? —
sugeri.
Ela olhou para a própria roupa e riu.
— Eu não trago roupas comigo.
— Eu tenho a roupa certa. — Entrando no quarto, coloquei uma calça de
pijama e uma camiseta e encontrei algo que considerei apropriado para ela.
— Uma boxer? — ela perguntou, tirando-a de mim.
— Uma cueca boxer — corrigi. — Vai ficar com essa e destruir aquela
outra detestável que estranhamente gosta tanto. Em troca, pode ficar com
quantas quiser das minhas.
Ela olhou para a peça íntima, seu polegar acariciando o tecido cinza de
seda. Sua expressão era suave.
— Antidiarreicos e roupas íntimas masculinas — falou. — Você dá os
presentes mais interessantes, Price.
— Você pode comprar todos os diamantes do tamanho da mãozinha de um
bebê do mundo, amor. Estou te cortejando ao mostrar que posso suprir todas
as suas necessidades — falei, empurrando-a na direção do banheiro.
Coloquei água em copos para nós dois enquanto ela se trocava. Nos
encontramos na sala de jantar. Ela parecia mais tímida de alguma forma
usando minha cueca e sua blusa. Uma mão segurando o cotovelo oposto
enquanto admirava a pintura de Alexandra Ballard acima do bufê. Trocando
em miúdos, esta Emily era mais terna, acessível. Outra faceta da joia preciosa
que era a mulher em quem eu não conseguia parar de pensar.
— Linda — ela disse suavemente, estudando a pintura.
A onda feroz de posse me pegou desprevenido. A forma do que eu queria se
cristalizou para mim. Emily Stanton. Na minha vida. Na minha casa. Na
minha família. Eu não estava mais jogando. Estava apostando tudo.
— É, não é? — comentei com leveza. As camadas complexas de tintas a
óleo em uma trama de azuis e cinzas me lembravam Emily.
Ela não fazia ideia de que eu só tinha essa fusão ousada de cor aqui por
causa dela. A artista tinha sido decisiva ao se recusar a vendê-lo para aquele
“traste” do Malcolm Ellison.
— Me diga uma coisa — disse ela, aceitando o copo que lhe entreguei. —
Já usou esta mesa?
Era uma mesa comprida de madeira em um tom cinza que poderia
facilmente acomodar dez pessoas.
— Claro que usei. Espalho arquivos em cima dela, junto a minha
correspondência. Até embrulhei os presentes de Natal nela.
— Mas nenhum jantar de verdade? — Emily esclareceu.
— Já comi delivery nela. — Provavelmente.
— Eu também nunca usei minha sala de jantar formal — ela confessou. —
Minha mesa tem vinte lugares. Foi feita sob medida por um carpinteiro
Amish em Ohio. Quando estava construindo a casa, queria ter certeza de que
poderia acomodar toda a minha família nas férias.
— E nunca a usou? — perguntei, pegando sua mão e levando-a para a
varanda. Meu espaço interno era calmo, masculino. Mas na varanda, era
como se um bar de South Beach tivesse vomitado. Graciosamente, é claro.
Vasos de turquesa e amarelo canário brilhantes enchiam o espaço com
plantas mantidas vivas pela gentileza do serviço de limpeza. Havia uma
pequena mesa de jantar de teca perto das portas do pátio e um par de cadeiras
almofadadas em torno de uma mesa de centro redonda.
— Acontece que minha família não é muito fã de Dia de Ação de Graças e
Natal... ou de família em si. Trey nunca está por perto e mamãe prefere passar
as férias em Nova York. Ela diz que parece mais festivo.
Pensei nas férias da família Price. Com dezenas de pessoas amontoadas em
torno de mesas dobráveis, todos imprensados atacando perus e pernis. Os
bolos de aniversário. As jarras de margarita e as caçarolas de chili.
— Você vai com eles no Natal? — perguntei.
Ela balançou a cabeça e saiu para a varanda de concreto e vidro. O sol
estava baixando, pintando o céu de um rosa escuro.
— Para mim, é difícil ter tempo — disse ela, acomodando-se em uma
cadeira de almofada azul e branco listrada. A resposta evasiva de um político.
— Mas você arranjaria se quisesse — adivinhei.
— Sim. Eu te invejo pela sua família — admitiu. — Espero que saiba dar
valor a ela.
— Minha mãe não permitiria que eu não desse — provoquei.
Emily tomou um gole de água em silêncio. Uma melancolia de sonhos não
realizados extinguindo lentamente a animação do dia.
— Ei — eu disse, me sentando na cadeira ao lado dela e cutucando seu pé
com o meu.
— Hum?
— Sou o primeiro a admitir que família não tem nada a ver com sangue.
Você pode formar uma. Escolher uma.
Ela sorriu com um pouco de tristeza. — Eu tenho Jane. E Cam, Daisy e
Luna — ela concordou. — Mas…
Aquele “mas” pairou no ar entre nós enquanto assistíamos o sol deslizar por
trás do horizonte da cidade que amávamos.
As luzes da varanda se acenderam acima de nós.
— Você quer uma família? — perguntei a ela.
Ela tomou um gole pensativa e colocou o copo na mesa na nossa frente.
— Quer a resposta que dou à minha mãe ou a verdadeira?
— O que você acha?
— A minha família é a Flawless — disse finalmente. — Eu nunca fui a
garotinha que sonhava com vestidos de noiva nem a que andava para todo
lado com uma boneca. Eu era a criança com o microscópio e a caloura de
faculdade empolgada porque ia passar o sábado no laboratório.
— E se arrepende disso? — pressionei.
Ela franziu o nariz enquanto refletia sobre a questão.
— Não. Mas isso não significa que eu não quero uma coleção de pessoas
que amo em uma casa que construí para elas passarem a manhã de Natal. Ou
que uma pequena parte minha sente que posso estar perdendo alguma coisa.
Eu amo crianças. Amo mesmo — insistiu.
— Você não precisa me convencer. Eu vi você cativar 15 meninas de 12
anos colocando fogo em uma garrafa de água. Você adora crianças. Você
adora ciência.
— Ando tão focada em meu império que negligenciei colocar qualquer
esforço em relacionamentos. Eu não sou uma boa filha nem uma boa amiga.
Vivo ocupada e distraída. Temo que adotaria a mesma abordagem em relação
ao casamento e à maternidade. Agora que existe a possibilidade de perder
tudo o que construí... — Ela suspirou. — Acho que só estou percebendo que
não tenho mais nada. E, sim. Sei exatamente o que parece, vindo de alguém
com o meu portifólio financeiro. Coitada de mim.
Essa foi a maior quantidade de sinceridade que obtive dela de uma vez.
— Dinheiro não compra felicidade — eu a lembrei, lutando contra o desejo
de tocá-la. Qualquer estímulo poderia interromper o fluxo da verdade.
— Todo mundo diz isso, mas poucas pessoas realmente entendem. Dinheiro
pode comprar segurança. Mas não vai entregar amor.
— Tenho certeza de que não preciso lembrá-la de que está no controle —
falei. — Você dá as cartas. Toma as decisões. Se quiser desviar do curso,
então desvie do curso. Especialmente se for na minha direção.
— Eu não sou boa em dividir meu foco, Derek — disse ela, olhando para
mim. — Isso é algo que provavelmente deveríamos discutir.
— Senhorita Stanton, não está tentando ter uma conversa do tipo “aonde
isso vai dar” comigo, está? — perguntei, fingindo horror.
Ela riu. — Estou tentando ter uma conversa do tipo “controle suas
expectativas” com você.
Eu peguei a mão dela.
— Venha aqui — pedi.
Relutantemente, ela se levantou. Eu a coloquei no colo e passei meus
braços em volta dela. Finalmente. Tocá-la, segurá-la assim desacelerava tudo.
Deixava tudo fazendo sentido.
— Eu só não quero que você pense que vou mudar magicamente e me
tornar...
— O quê? Uma namorada?
Ela encolheu os ombros.
— Você sabe melhor do que ninguém o quanto eu sou ocupada. Se ganhar a
nossa aposta e a IPO for aprovada, o ritmo não vai diminuir. Para falar a
verdade, ficarei ainda mais ocupada. Terei que dar satisfação aos acionistas.
Isso sem falar na papelada, que com certeza custou um desmatamento,
exigida pelas empresas públicas. Eu vou ter que desistir das minhas noites de
quarta — disse com melancolia.
— É isso que você quer? — perguntei de forma neutra.
— É para isso que venho trabalhando.
E estávamos de volta às respostas evasivas.
Mudei de tática.
— Sabendo o que sei sobre você, Emily Stanton, estou surpreso que esteja
abrindo a Flawless a terceiros.
— Essa é uma forma indireta de me chamar de maníaca por controle. —
Ela riu.
— Não tem nada de errado em ser maníaca por controle. Eu acho bastante
atraente — falei, beijando o topo de sua cabeça.
— Você acha quase tudo atraente.
— Não é minha culpa que você torna tudo sexy — provoquei. Ela se
aconchegou mais e eu saboreei o momento. A Emily chefe aterrorizante era
sedutora. A Emily CEO competente era charmosa. A Emily eufórica no
laboratório era uma delícia de se ver. Mas esse lado mais suave era algo
totalmente diferente. Eu não tinha defesa contra a Emily vulnerável.
— O que você realmente quer, Emily? — perguntei baixinho.
Ela enterrou o rosto no meu pescoço e senti seus lábios em mim.
— Você. Agora.
Eu queria uma resposta mais abrangente. Queria que ela recuasse um passo
e realmente olhasse para a vida que estava construindo. Que decidisse se era
isso que queria ou se existia outra coisa. Algo mais. Algo diferente.
Mas daí ela começou a raspar os dentes no meu queixo, e eu estava ficando
duro.
— Você ainda não me mostrou o seu quarto — sussurrou.
— Vamos corrigir isso — eu disse, me levantando com ela nos braços.
36

“Bilionária quebra a internet com um novo corte atrevido”


“Salões de toda a cidade relatam uma enxurrada de pedidos do corte
Emily”
“Mais gata antes ou depois? O agressivo corte de cabelo de Emily
Stanton”
Hoje, eu não estava no meu melhor dia. Acidentalmente passei a noite no
apartamento de Derek depois de algumas horas de sexo sem pressa, mas
alucinante. O homem era um deus do sexo e estava à minha disposição. Eu
exagerei, acordei enroscada nele como uma vinha e tive que correr que nem
uma louca para tomar banho e me trocar em casa.
As coisas tinham mudado nesse fim de semana. A marcha mudou. Eu não
conseguia definir exatamente o que havia acontecido, mas me sentia
vagamente ansiosa e animada.
Coloquei a culpa na hora, já estava tarde demais para um café. Adentrei os
escritórios da Flawless como uma guerreira atacando o inimigo. Jane
precisou correr um pouco para me acompanhar.
Derek estava em seu escritório, cuidando da crise de outra pessoa para
variar. E eu iria aproveitar o tempo livre de babá para fazer parte do meu
trabalho de verdade.
— Rosario, você pode mandar dois expressos duplos para o meu escritório?
— perguntei ao passar pela recepção.
— Claro que sim, senhorita Stanton. Seu corte está matador.
Eu mesma estilizei meu cabelo às pressas esta manhã e tinha que admitir
que realmente ainda estava fantástico.
— Obrigada — agradeci por cima do ombro.
Foi o primeiro de muitos elogios ao meu corte de cabelo que vieram
enquanto eu me dirigia para o meu escritório. É só um corte de cabelo,
pessoal. Se controlem.
— Vejo que você brincou com uma tesoura neste fim de semana.
Maxim estava na porta do salão com uma camisa roxa que parecia estar
faltando alguns botões e um coldre de couro que armazenava suas
ferramentas de profissão. Seu bigode se mexeu.
— Aprova? — perguntei, afofando as camadas curtas.
Ele fez uma longa análise folicular.
— Aprovo — disse finalmente. — Quem é esse maestro do cabelo? Me
diga o nome para que eu possa adicionar à minha lista de inimigos mortais.
Miami não é grande o suficiente para nós dois.
— Acho que sua reputação está intacta — disse revirando os olhos. —
Derek não está no ramo profissionalmente.
— Ora, ora, ora — considerou Maxim. — O Senhor Resolve Problema
parece ser excelente com as mãos.
Jane bufou e eu lhe dei uma cotovelada, ganhando um chiado e depois seu
silêncio.
— Bom dia, senhorita Stanton — meus assistentes saudaram em coro.
— Belo cabelo — Valerie sorriu.
— Amei — disse Easton, para não ficar atrás.
— Obrigada — falei secamente, recolhendo os meus recados.
Jane e eu entramos e me encostei na porta.
— A quantidade de tempo e energia que as pessoas gastam falando do meu
cabelo é ridícula — reclamei para ela. — Por que estão interessados no meu
cabelo? Por que comprariam uma camisa só porque a usei?
— Porque eles querem ser como você — disse Jane, estourando uma bolha
de chiclete.
Larguei a bolsa em seu lugar de costume e fui direto para minha mesa. —
Então vá para a faculdade, estude bioquímica e passe todos os minutos do dia
construindo uma empresa.
Jane arfou.
— Isso é irreal.
— Irreal é pensar que uma camisa nova ou um sapato caro vão te deixar
famoso — zombei. — Por que as pessoas não podem ser apenas elas
mesmas?
Ela desabou no sofá.
— Logo você, de todas as pessoas, está fazendo essa pergunta?
— Não seja babaca.
— Estou salientando que você, mais do que todas as pessoas, deveria
entender o porquê, chefe. Você coloca a sua máscara de filha obediente ou a
sua máscara de chefe assustadora. Eles colocam a maquiagem da Emily
Stanton ou fazem o treino da Emily Stanton na esperança de capturar parte da
sua essência.
Eu pisquei para ela.
— Você tem andado muito com Derek.
— Acho que tem razão. Estou ficando parecida com ele. Preciso levá-lo
para um campo de tiro ou para um bar sujo para que ele fique mais ao estilo
Jane — refletiu.
— Vocês dois ficaram muito próximos — observei.
Jane inclinou a cabeça para o lado no encosto do sofá.
— É você quem está fazendo sexo gostoso com Chá e Bolinhos.
— Mas você gosta dele? Quero dizer, o que acha dele? — perguntei.
Ela apoiou os pés calçados com botas na mesa de centro.
— Gosta mesmo dele, não é?
Eu respirei, soltei.
— Gosto. Muito. E isso me assusta. Eu sinto que estou deixando passar
algum sinal de perigo gigantesco.
— Nem todo mundo está atrás de você pra te usar ou prejudicar — disse
ela.
— É essa a leitura que faz dele?
Ela me lançou um olhar maligno.
— Se está perguntando à sua cética chefe de segurança, o cara ganha a vida
manipulando os sentimentos e as opiniões das pessoas. Ele bate carteira e
pinta imagens falsas.
— E se estiver perguntando à minha amiga? — pressionei.
— Minha leitura é que os sentimentos dele por você são de verdade, e isso
está dando um medo do caralho nele.
Afundei na cadeira, o alívio suavizando a rigidez dos meus ombros. Tudo
bem, contanto que nós dois estivéssemos cagando de medo. Que
estivéssemos investidos nessa. Contanto que fosse real e não algum tipo de
desafio, conquista ou enrolação.
A opinião de Jane importava. Eu confiava nela, e ela estava me dizendo que
eu podia confiar em Derek.
— Droga, agora estou perdendo uma manhã livre de Derek analisando meu
relacionamento com ele em vez de pôr a mão na massa — reclamei — Você
está transando com um deus do sexo e seu cabelo é a definição da perfeição.
Não consigo sentir pena — disse ela.
Um momento depois, Valerie entrou com os expressos e, sentindo minha
impaciência, saiu correndo.
— Finalmente — murmurei para mim mesma. Tomei um gole do meu café
e abri uma série de arquivos para a reunião com a equipe de desenvolvimento
de produtos desta tarde. Estava com os novos designs do departamento de e-
commerce aguardando minha aprovação e com o péssimo relatório de TI
sobre as atualizações recomendadas para nossa infraestrutura. A minha
coluna de tarefas urgentes estava imensa.
Eu também precisava entrar em contato com os gerentes de vendas. Uma
chamada em conferência bastaria. Mas essas chamadas tinham a tendência de
demorarem muito, muito tempo. O pessoal de vendas adorava falar. E falar. E
falar.
Também havias as minhas atualizações intermináveis do jurídico. Até a
noite de ontem, a CVM não havia pedido mais nenhuma documentação
adicional, e eu estava interpretando isso como um sinal de esperança de que
todos os nossos “is” e “ts” estavam com seus respectivos pingos e riscos.
Dada a melhora na percepção do público, essa IPO poderia acontecer, afinal.
Pensei em Esther no laboratório, dançando ao som de The Grateful Dead
enquanto avançava pelos dados que chegavam dos laboratórios parceiros. O
suspiro que exalei foi forte.
— Está enchendo bexigas aí, chefe? — concluiu Jane, me olhando por cima
da xícara de café e da revista de autodefesa.
— Não. Só amando o meu trabalho — falei, passando os olhos pelas vendas
do nosso creme Nouveau Face do último trimestre. Ele estava vendendo
como pão quente batizado com crack no mercado europeu. Vendíamos mais
do que o nosso concorrente direto – o Skin Riche, da La Sophia – com uma
margem de dois para um. Isso era satisfatório. La Sophia era uma empresa
com setenta anos de história e a Flawless estava superando essa tradição. Pelo
menos, internacionalmente. Eles ainda nos venciam internamente, mas esses
dias estavam contados. Quando o tratamento de cicatrizes da Flawless
chegasse ao mercado, eu planejava atrair a atenção para o reconhecimento de
toda a marca.
Houve uma batida na minha porta e, em seguida, Easton colocou a cabeça
para dentro.
— Com licença, senhorita Stanton? — Ele entrou, fechando a porta atrás de
si.
— Sim? — falei sem erguer os olhos.
— Há uma jornalista da Building Fortunes aqui. Ela diz que tem um horário
marcado.
Larguei meu marca-texto.
— Por que ela tem horário marcado?
Jornalistas não marcavam hora comigo. Eles recebiam ligações do meu
publicitário, que lhes fornecia informações positivas e enfadonhas. A
Building Fortunes era a maior revista online de negócios do país. Era
administrada por uma herdeira da mídia que teve a visão de mudar o acervo
de impressão da família para o digital. Enquanto os jornais de todo o país
deixavam de circular ou reduziam as equipes ao mínimo, a Building Fortunes
abocanhava leitores e anunciantes com agressividade.
Easton parecia desconfiado.
— O senhor Price marcou o horário na semana passada.
O senhor Price era um homem morto.
— Oh, que bom — Jane murmurou do sofá. — Ontem eu lembrei de
carregar o meu taser.
— Por que ela está aqui? — perguntei.
Easton trocou o pé que suportava a maior parte do peso.
— Ela está aqui para uma entrevista detalhada de três dias. A história sairá
na página inicial do site na próxima semana. Acesso total.
Entrevista detalhada. Acesso total. Eu odiava todas essas palavras ecoando
na minha cabeça.
Houve uma batida rápida, e nós três assistimos com horror quando a porta
se abriu.
— Senhorita Stanton, tenho três dias com você e gostaria de aproveitar ao
máximo meu tempo. Posso entrar? — Ela já estava dentro. A temida
jornalista parecia menos com os paparazzi desarrumados que eu esperava que
se parecesse e mais com uma professora de colégio interno sempre
expressando sua desaprovação.
Seu terninho era careta. Sua blusa de gola alta abotoada até a base da
garganta. Ela tinha pele escura e olhos frios e avaliadores que pareciam já ter
feito várias avaliações desfavoráveis a meu respeito.
Eu me levantei, rangendo os dentes. Prefiro enfrentar uma multidão de
pessoas que me odeiam abertamente do que ser seguida e julgada por uma
estranha que se alega neutra. Pelo menos, com a multidão, eu sabia com o
que estava lidando.
— Senhorita…
— Geiser. Lona Geiser. — Ela veio até minha mesa e estendeu a mão.
Geiser. Claro que era um. Um gêiser jorrando os detalhes da minha vida
pessoal, era o que ela estava prestes a fazer. Ela já tinha se decidido e eu não
tinha tempo para ter alguém me seguindo.
Apertamos as mãos. Meu cabelo caiu sobre meu olho e eu o afastei. O meu
cabelo fodão. Eu tinha um corte de cabelo foda porque era foda. As palavras
passaram pelo meu cérebro como um raio. Eu era foda.
— Lona — falei, escolhendo usar o seu primeiro nome. — Eu sou Emily e
não estou preparada para a sua visita.
— Eu não preciso de preparação. Apenas acesso total a você — ela disse
com suavidade. — Eu agradeceria se pudesse ter uma cópia da sua
programação para os próximos três dias. Deixei minhas malas na sua
recepção. O senhor Price me garantiu que alguém as levaria para a suíte de
hóspedes que ele disponibilizou para mim em Bluewater.
Ela estava hospedada em Bluewater? No único lugar em que eu estava a
salvo dos olhares indiscretos dos jornalistas e do público? Um disparo com o
taser de Jane seria bom demais para Derek. Sim. Eu iria torturá-lo antes de
assassiná-lo.
— Claro — eu disse com um pequeno sorriso tenso. — Easton. Eu preciso
cuidar de uma coisa. Pode mostrar os escritórios a Lona e cuidar dos
preparativos para o envio das malas dela? — Mantenha ela ocupada. Eu
telegrafei a mensagem.
— Com prazer. Por aqui, senhorita Geiser. Como prefere o seu café? —
Easton aumentou o charme em nove milhões.
Lona levantou uma sobrancelha questionadora para mim por cima do
ombro antes de Easton fechar a porta com firmeza. Peguei minha bolsa da
mesinha.
— Vamos fazer uma visita ao senhor Price — rosnei.
— Talvez devêssemos só ligar para ele? — sugeriu Jane. Ela odiava pagar
pela lavagem a seco para tirar manchas de sangue de suas roupas.
— O que eu tenho a dizer é melhor ser dito pessoalmente.
— Ai, caramba — ela murmurou baixinho.
37

— VETO! — invadi o escritório de Derek sob os olhos atentos de toda a


sua equipe.
Um dos funcionários de calça de pijama ficou tão assustado que caiu da
cadeira.
Derek me olhou do outro lado da mesa, o telefone preso entre a orelha e o
ombro.
— Vou ter que ligar de volta. Acabou de acontecer uma coisa. — Ele
desligou o telefone e sorriu. — Posso te ajudar, Emily?
— Se pode me ajudar? Você pode se levantar para eu poder te chutar no
saco. Uma entrevista com acesso total de três dias à minha vida? Sem me
contar? O que estava pensando?
— Estava pensando que essa seria uma excelente forma de usar a mídia
para mostrar o quanto você é brilhante e competente. Claro, isso antes de
você entrar no meu escritório dando golpes de caratê.
— Veto — repeti, enunciando cada letra com veneno.
— Se bem me lembro, você está sem vetos.
Era verdade. Eu havia usado os meus três vetos em um tempo recorde.
— Não se atreva a bancar o presunçoso comigo. Você agiu pelas minhas
costas de novo! Não posso acreditar que confiei em você. Depois deste fim
de semana... — Desisti de completar a frase e o pensamento. Esqueça o
último fim de semana. Ele havia se infiltrado que nem um verme no meu rol
de confiança e agora era hora de remover a praga.
— Está na sua agenda — disse ele sem se importar. Seu tom me fez querer
dar um soco em sua garganta.
— Como é que é? — questionei friamente.
— Coloquei a entrevista na sua agenda. Sua confiança não foi mal
empregada, apenas a sua capacidade de ler uma agenda e o meu
esquecimento de ter mencionado pessoalmente. O que é imperdoável.
Tirei meu telefone da bolsa e quase furei a tela com o dedo.
Filho da puta.
— Você acabou de colocar isso aqui, não é?
— A revista confirmou na sexta. Eu adicionei ao seu calendário no mesmo
dia.
— Estou ocupada desde sexta-feira. Você nem pensou em mencionar isso?
— Estive ocupada fazendo sexo com Derek e conhecendo sua família.
Usando sua cueca. Abrindo o coração para ele. Droga. O bastardo era uma
distração gigantesca, dissimulada e não confiável.
Ele se levantou e deu a volta em sua mesa.
Eu levantei um dedo de advertência.
— Mantenha a distância, porque estou puta o suficiente para desfigurar a
sua cara — avisei.
— É verdade — disse Jane da porta. — A chefe está ansiosa para desfigurar
as fuças de alguém há anos. Seria uma pena se fosse o seu lindo rostinho.
Ele ergueu as mãos em uma demonstração de rendição.
— É uma das maiores organizações de mídia online do mundo — disse ele.
— O número de leitores deles é enorme, e a única maneira de concordarem
em fazer o artigo seria se você lhes concedesse acesso total.
— Ela vai ficar em Bluewater — retruquei. — Vai me acompanhar nas
reuniões. Vai me acompanhar até o banheiro também?
— Do que você tem medo? — ele perguntou.
— Ai, garoto — murmurou Jane atrás de mim. — Isso foi burrice.
— Não estou com medo — cuspi as palavras.
— É assim que vou conseguir a sua IPO, Emily. Lamento não ter explicado
explicitamente o que estava acontecendo. Esse foi meu erro. Um erro
colossal. Mas eu não quero te ferrar. Estou salvando a sua pele. Então, me
diga, do que você tem medo?
De perder o último resquício de privacidade que eu tinha. De perder a
minha dignidade e implorar por aprovação. De me expor ao julgamento de
uma pessoa que poderia influenciar milhares. E se eu perdesse o controle? Os
pensamentos rodavam na minha cabeça como roupas encharcadas em uma
secadora. Eu detestava que ele pudesse me ler bem o suficiente para ver que
era medo por trás da raiva.
— Tenho medo de colocar a opinião pública nos ombros de uma mulher
que já decidiu que não gosta de mim — retruquei.
— Você é uma mulher incrível, Emily, e é hora do resto do mundo ver além
dessa fachada selecionada. Essa é a sua chance de mostrar quem é.
— Por que não me contou, Derek?
— Eu estava um pouco distraído esse fim de semana — falou ele,
deslizando a mão em volta do pescoço. — Muito distraído. E eu esqueci.
Aquilo era ensaiado? Uma mentira? Ele invertia a situação de forma
natural? Apesar de toda sua conversa sobre honestidade e vulnerabilidade, ele
era capaz de praticar o que pregava?
— E talvez estivesse com um pouco de medo de como você reagiria —
admitiu.
Ao menos isso parecia verdade.
— Sinto muito — continuou. — De verdade. Do fundo do coração. Eu quis
tocar no assunto da melhor maneira...
— Você quis me manipular para que eu dissesse sim — eu o corrigi.
Ele fez uma pausa e escolheu suas palavras com cuidado.
— Eu quis apresentar a oportunidade da melhor maneira para que você
pudesse ver os méritos dela.
— E você esqueceu.
Pareceu quase involuntário quando seus olhos, azuis e cautelosos,
percorreram meu corpo. Como a carícia de um amante.
— Eu esqueci. Eu me permiti me distrair com o baile e... tudo o mais.
Prometo que não vai acontecer de novo.
— O D nunca se esquece — acrescentou Rowena de maneira prestativa de
sua estação de trabalho do lado de fora. — E já que esqueceu dessa vez, não
vamos deixar que aconteça novamente.
As pessoas me decepcionam. Sempre. Mais cedo ou mais tarde, todos
decepcionam de uma forma ou de outra. E eu aprendi a não deixar que
passassem pelas minhas muralhas. No entanto, de alguma maneira, um
homem que eu conhecia há apenas algumas semanas, um homem que invadiu
minha casa para provar que podia, um homem que furtou a carteira do meu
pai, havia escalado aquelas muralhas. Eu estava com raiva. Mas sentia mais
raiva de mim mesma.
Eu sabia. Eu sabia que não devia me colocar em situações vulneráveis e
sem controle. Não tinha aprendido nada desde que fiz 21?
— Me diga como melhorar a situação — Derek disse com seriedade. — Me
diga como quer que eu conserte isso, que faço o que me pedir.
Eu queria que ele cancelasse a entrevista. Que implorasse. Que me deixasse
em paz.
— Me dê espaço — disse friamente. As palavras perfuraram como gelo
cortante.
Ele estremeceu. A rainha do gelo fez outra vítima. Finalmente.
— Pare — disse, quando me virei para sair. Ele me pegou pelo braço e me
girou. — Jane, nos dê um momento e feche a porta.
Jane esperou pelo meu aceno antes de sair do escritório e fechar a porta.
— Emily — chamou Derek.
Eu permaneci em silêncio. Um distanciamento de afeto e atenção muitas
vezes era mais poderoso do que um acesso de raiva.
— Não se atreva a me tratar com frieza — disse ele, com frustração em seu
tom. Seu aperto no meu braço aumentou.
— Não me diga o que posso ou não posso fazer. Eu te dei uma chance.
Você me decepcionou. Lição aprendida.
— Você é uma idiota teimosa se pensa que vou deixar que isso seja o fim
do que temos. De nós. — Sua voz saiu baixa, controlada.
Ninguém em toda a minha vida me chamou de idiota. Teimosa, sim. Fria,
claro. Difícil, “aquela vadia”, puta, princesa metida a santa. Mas nunca de
idiota. Nunca de burra.
Esquecendo minha ofensa favorita, deixei meu temperamento vencer.
Empurrei o seu peito.
— Do que você me chamou?
— Aí está você. — Ele tinha um brilho nos olhos. Aquele brilho.
— Pare de me olhar assim — rebati. Ele não tinha o direito de me olhar
assim. Não mais.
— Eu esqueci. Foi um erro estúpido. Eu não cometo erros estúpidos.
Nunca. Mas você...
— Claro que você vai me culpar — debochei.
— Emily, como diabos vou lembrar de alguma coisa quando tudo que
consigo ver é você embaixo de mim, gozando no meu pau, chamando meu
nome?
Ele não estava sendo petulante. Derek Price estava falando muito sério.
— Falando em erros — falei com divertimento.
Ele parecia que ia me matar. Aqueles olhos glaciais queimaram com um
calor gélido.
— Não se atreva a usar o que compartilhamos nesse fim de semana contra
mim — alertou.
Devolvi o olhar de ódio.
— Emily, eu queria te dizer da maneira certa que minimizasse a questão. E
então, eu esqueci.
— Oh, você esqueceu. Como é que simplesmente evapora da sua cabeça o
fato de que me colocou para fazer algo que você sabia que ia me irritar? Três
dias, Derek. Uma estranha seguindo cada passo meu por três dias!
Ele teve a graça de parecer envergonhado.
— Esse fim de semana foi... agitado.
— Você não esquece as coisas.
— Lá estava você na sexta à noite correndo pela casa seminua e precisando
de mim. E eu esqueci. Evaporou da minha cabeça em uma névoa de luxúria e
tesão e no impulso egoísta de ter você se abrindo pra mim. Eu sou humano,
Emily. E a “você” por trás daquelas muralhas monumentais é um maldito
milagre. Você me destruiu.
Eu engoli em seco. Ele era tão bom em inverter a situação que nem eu
conseguia dizer se era uma mentira ensaiada.
Ele me soltou e passou a mão pelo cabelo, um tique nervoso que eu não
tinha visto antes.
— Me diga que as coisas não mudaram esse fim de semana. Me diga que
você não sentiu — desafiou.
Eu cruzei os braços sobre o peito. As coisas tinham mudado. Eu senti isso.
— Talvez. — Dei de ombros. Ele pegou a confiança tênue que eu lhe havia
dado e a arruinou.
— Não vou deixar que se afaste de mim, Emily — disse. Ele estendeu a
mão para mim novamente, tentando me puxar para mais perto. Eu o empurrei
de volta com mais força.
— Você não tem poder de decisão sobre o assunto — devolvi. Meus braços
tremiam com o esforço.
— Verifique seu e-mail — falou ele. — Por favor.
O por favor foi uma reflexão tardia acrescentada a um comando que ele
sabia que eu não seguiria.
— Acho que você não tem mais o direito de me dizer o que fazer.
— Maldição, Emily. Veja o seu e-mail. — Desta vez o comando veio
sozinho.
Revirando os olhos de um jeito extravagante, tirei o telefone da bolsa e abri
minha conta de e-mail.
Para: Emily Stanton De: Derek Price Assunto: Eu sou um idiota
inescrupuloso Emily, Tentei ligar, mas não consegui. Esqueci de dizer algo
importante que você odiará. Sinto muito de verdade, e você pode literalmente
me destruir depois. Mas, primeiro, me deixe dizer que uma jornalista
chegará ao seu escritório a qualquer momento. Tenho uma chamada em
conferência, mas estarei aí imediatamente depois que ela acabar...
Aquilo tinha sido enviado vinte minutos antes de eu invadir seu escritório.
Eu demorei para levantar os olhos da tela.
— Não use esse erro honesto como desculpa para parar de confiar em mim
— ele disse suavemente. Seus olhos azuis, sérios. — Eu não aguentaria. E,
com certeza, vou acabar fazendo algo ridículo.
Droga.
A raiva sumiu de mim como se alguém tivesse puxado a tampa de um ralo.
Ninguém nunca havia brigado assim por mim antes. As pessoas rachavam e
se estilhaçavam como pedaços de gelo sob a minha desaprovação. Ou, no
caso da minha família, simplesmente nem se importaram.
— Mais ridículo do que invadir minha casa e tomar um banho de banheira?
— perguntei em voz baixa.
Alívio e esperança guerrearam ferozmente em seu rosto, e eu senti aquele
aperto novamente. Desta vez, eu não lutei quando ele me puxou para seus
braços.
— Você quase me matou de susto. — Ele respirou contra meu cabelo.
— Você me irritou.
— Querida, não vai ser a última vez. Então, vamos precisar trabalhar em
algumas regras básicas de briga.
— Regras básicas? Para quê?
— Para o futuro — disse ele, acariciando minhas costas com suas mãos
rápidas e talentosas para apalpar minha bunda.
— Derek Price não vamos discutir sobre o futuro — argumentei.
— Ah, doce e teimosa Emily. Você ainda não aceitou. — Sua voz era uma
carícia, e eu tive dificuldade de lembrar por que estava tão furiosa a poucos
segundos atrás.
— Aceitei o quê? — indaguei. Minha frequência cardíaca acelerou
novamente, mas desta vez não tinha nada a ver com o meu temperamento.
— Que você é o meu par perfeito, amor. As coisas nunca serão maçantes ou
normais. Mas eu lhe prometo a aventura que você merece.
— Você não pode estar falando sério, Derek. Nós transamos. Não
prometemos amor eterno um ao outro! — Senti as ondas de pânico na minha
região intestinal. — Você sabe que não tenho tempo.
— Isso não é um “Eu não gosto de você porque você é um monstro horrível
que me dá ânsia de vômito” — ressaltou. Ele afastou meu cabelo da testa.
— Já discutimos sobre o item “não estamos dispostos a arrumar tempo para
um relacionamento” da nossa agenda — eu o lembrei, sem fôlego.
Seu olhar me penetrou, atirando punhais em meu coração.
— Eu vou aceitar tudo o que estiver disposta a dar. É isso que você
significa para mim.
— Você está bêbado? — exigi.
— Está com medo? — ele respondeu.
Sim! Meu intestino estava se contraindo e eu não gostava da ideia de não ter
acesso a um banheiro particular.
— Não estou com medo — menti. — Estou chocada. Passamos um fim de
semana juntos e você está mudando tudo.
— Esse fim de semana é que mudou tudo — corrigiu. — Só estou tentando
acompanhar. Diga que você não quer mais. Diga que não quer mais noites
como a de ontem. Diga que não quer mais jantares com um homem que não
apenas tolera o seu jeito mandão, mas que o adora.
— Você está me manipulando — acusei.
Ele nem parecia culpado.
— Estou pintando um quadro. Eu quero mais de você, Emily. Me deixa eu
te ganhar.
Meu sistema digestivo deixou escapar um gorgolejo pesaroso.
— Está com fome? — ele perguntou, divertido.
— Não exatamente — respondi de modo evasivo.
— Ainda está com raiva?
Estávamos parados no meio de seu escritório com paredes de vidro,
abraçados à vista de Jane e de toda a equipe do Alpha Group.
— Não exatamente.
— Eu sei como é difícil para você confiar — ele disse em um tom baixo. —
Eu não levo isso na brincadeira. Foi um erro de verdade, e eu me arrependo
sinceramente.
— Então, eu ganho um veto?
Seu sorriso foi letal.
— Não nesta vida, amor. Isso é o chantilly e cereja no topo de uma semana
inteira de imprensa positiva. Receio que você terá que se despedir dos seus
sonhos de possuir metade da minha firma.
Derek traçou a ponta dos dedos pela linha da minha mandíbula.
— Veremos quanto a isso — falei levemente. A maré mudava rapidamente,
e quem sabe o que uma entrevista com acesso total faria? Poderia provocar
um tsunami. — Você está extremamente confiante de que o meu verdadeiro
eu, vai agradar.
— Você é mais do que simpática, querida. Você é admirável. Formidável.
Fascinante. Real.
— Estou com medo. — Admitir em voz alta aliviou um pouco do peso do
meu peito.
— Do quê? — ele perguntou com gentileza.
— De deixar alguém entrar na minha vida para que me julgue ou me odeie
ou me use. Para que possa descobrir que não sou perfeita.
— Perfeito é chato e desagradável. Você está longe disso — afirmou.
Tentei dar um passo para trás, mas ele me segurou mais perto. Minha mãe
argumentaria que a ilusão de perfeição era a única coisa que importava.
— Você é melhor do que perfeita. Você é incrivelmente brilhante e
frustrantemente dedicada. Esta é a nossa chance de mostrar o seu verdadeiro
eu ao mundo. E sinto muito por ter jogado isso em cima de você assim.
Suspirei um pouco.
— Eu vou te perdoar com uma condição.
— Qualquer coisa. Diga.
— Quero hambúrgueres para o jantar.
— Vou comprar hambúrgueres para o nosso jantar — prometeu. — Você
está bem?
Estava?
Eu fiz uma varredura. Mentalmente: dura como o aço. Fisicamente:
faminta. Emocionalmente: um pouco abalada.
— Estou bem — decidi.
— Ótimo. Então, vamos levar a nossa amiga jornalista para almoçar.
— Posso usar o seu banheiro primeiro?
38

Lona Geiser era uma entrevistadora formidável. Eu escolhi o Tia’s, um


aconchegante café cubano com um toque boêmio, por causa da atmosfera
amigável. No entanto, minhas convidadas do almoço estavam posicionadas
como lutadoras de boxe, inocentes tigelas de salsa e tortillas que acabaram de
sair do forno entre elas.
Eu queria um pouco de salsa, mas tinha medo de levar uma mordida.
— O que você vê como seu dever, na posição de líder empresarial, quando
o assunto é ser um modelo para jovens mulheres? — perguntou Lona. Seu
gravador digital estava apontado na direção de Emily como uma arma.
— Você faz essa pergunta aos CEOs homens que entrevista? — Emily
atirou de volta.
Eu deveria ter pedido tequila.
— Geralmente, não se cobra dos homens os mesmos padrões exigentes que
são impostos às mulheres no poder — recitou Lona, seu olhar deslizando para
mim.
Eu me senti injustamente julgado.
— Não é meu trabalho explorar a injustiça dos padrões duplos existentes —
continuou. — Meu trabalho é pintar uma imagem precisa da mulher que não
faz nem um mês, evitou por pouco uma prisão em conexão com uma batida
policial.
Inclinei-me para frente, pronto para interpor uma defesa. Lona Geiser era
conhecida por ser agressiva, mas justa. No entanto, a minha fonte na Building
Fortunes não mencionou que muito mais da energia da entrevista tendia para
a agressividade.
O salto muito afiado de Emily encontrou meu pé debaixo da mesa.
— Alguns podem ver uma mulher que não foi presa porque não fez nada de
errado — corrigiu Emily suavemente. — Quando eu acordo de manhã, sou
uma CEO que tem centenas de funcionários e suas famílias contando comigo
para que faça boas decisões. Tenho milhões de clientes em todo o mundo que
me responsabilizam quando se trata dos produtos que desenvolvo e vendo. Eu
levo isso muito a sério. Mais a sério do que acusações infundadas e fofocas.
Se você não está na arena comigo, não tenho tempo para ouvir as suas
críticas. Metaforicamente, é claro.
— Claro — disse Lona com o que poderia ser um aceno de aprovação.
— Lona, vamos deixar isso claro — disse Emily, liberando seus utensílios
do guardanapo enquanto dois garçons se aproximavam com nossas refeições.
— Eu não preciso que você goste de mim.
— Não sou obrigada a gostar de você — Lona respondeu com calma.
Ela me lembrava da minha implacável professora de inglês da sétima série,
uma mulher que eu pensei que me odiava até o último dia de aula, quando ela
friamente me disse que eu tinha potencial se fosse inteligente o suficiente
para não acabar com ele.
— Você também não é obrigada a pintar um quadro bonito meu. Eu não
sou boazinha. Não sou uma chefe amigável. Eu sou forte. Sou inteligente.
Sou ocupada. Mas também sou muito, muito justa. E eu me preocupo
profundamente com meus funcionários e clientes. Nem todo bilionário,
mulher ou não, pode dizer isso. Eu conquistei meu lugar aqui e não vou
permitir que ninguém questione minhas realizações.
— Sua empresa certamente revolucionou o tratamento de rugas — disse
Lona. Eu detectei uma alfinetada. A implicação era clara: rugas não eram
câncer.
Emily sorriu perigosamente, e pensei em mandar uma mensagem avisando
a Jane que se preparasse para uma partida apressada com uma pá e uma lona.
— Minha empresa doou dezenas de milhões de dólares para programas
STEM para meninas, departamentos de ciências de universidades e
programas de sustentabilidade ambiental. Nosso novo tratamento de
cicatrizes dará a dezenas de milhares de pessoas – incluindo veteranos feridos
e sobreviventes de violência doméstica – uma chance de serem vistos por
algo que não seja os seus passados.
— Alguns se perguntariam se isso é o suficiente — disse Lona, ignorando
as fajitas de bife que chiavam na frente dela. — Especialmente com uma
oferta pública inicial que pode lhe render ainda mais dinheiro.
Emily cruzou as mãos na frente do prato de modo primoroso.
— Algumas pessoas não têm o direito de opinar sobre como gasto meu
dinheiro e que causas apoio. Seu propósito de estar aqui...
— É escrever um perfil imparcial sobre a mulher que construiu sozinha um
império e não permitiu que um escândalo a desacelerasse, muito menos que a
desviasse do curso — completou Lona, pegando o garfo. Um sorriso genuíno
pairou sobre seus lábios.
— Então, temos um acordo — falou Emily, sorrindo sobre seu arroz com
camarões.
Recostei-me na cadeira, certo de que havia perdido uma parte vital da
conversa. Chamei um membro da equipe de garçons.
— Sim, gostaria de pedir três tequilas, por favor.
As sobrancelhas de Emily se arquearam.
— Não aprendeu nada da última vez?
Eu levantei as mãos.
— Não tenho certeza do que acabou de acontecer, mas sinto que
precisamos de tequila.
— Vamos falar sobre seus anos de faculdade — disse Lona, consultando
seu caderno. — Você se formou em biologia e química na Johns Hopkins
University e foi lá que conheceu sua diretora de marketing, Lita Smith.
— Eu praticamente era um rato de laboratório. Nós nos conhecemos em
uma aula de biofísica — recordou Emily com carinho. — Lita é responsável
por me arrastar para fora do laboratório de vez em quando.
— Você ainda gosta de passar tempo no laboratório? — Lona perguntou.
— Sempre que posso.
Tomei um gole de tequila enquanto elas conversavam sobre educação e as
primeiras descobertas que levaram ao humilde início da Flawless. Sem a pose
assustadora de hostilidade, Emily parecia relaxada. Pelo menos até Lona nos
surpreender ao tirar uma foto com o seu telefone. — Para o artigo —
explicou. — Será uma combinação de fotos espontâneas e, claro, uma sessão
profissional.
— Sessão de fotos? — Emily repetiu. Seu salto cravou no couro italiano do
meu mocassim. O cara que cuidava dos meus sapatos gastaria um bom tempo
polindo isso. Fiquei quieto e tomei o meu remédio.
— Tenho a impressão de que você não foi informada dessa entrevista —
adivinhou Lona.
Eu limpei minha garganta.
— Houve um pequeno erro de comunicação com a agenda de Emily —
confessei.
— É por isso que, depois que este adorável almoço terminar, vocês dois se
juntarão a mim em cinco horas de reuniões remarcadas e conferências —
disse Emily de forma amigável.
Meu castigo por me deixar cometer um erro: passar mais tempo com Emily.
Achei completamente aceitável.
Comemos em silêncio por alguns momentos. E então Lona passou para a
página seguinte de seu caderno.
— Vamos falar sobre as especulações em torno de seu relacionamento com
o senhor Price — disse ela, espetando um pedaço de bife com o garfo. O
reparador em mim queria mediar a questão. O homem em mim queria a
sinceridade brutal de Emily.
— Derek foi contratado pelo meu conselho para ajudar a gerenciar a
imprensa em torno da minha recente situação — disse Emily.
Lona e eu aguardamos com expectativa.
— Acontece que ele não é apenas um profissional consumado e tão
dedicado ao seu trabalho quanto eu sou ao meu, mas também é bastante... —
Aqueles olhos azuis acinzentados me percorreram e se aqueceram
significativamente. — Irresistível.
— Hum — ponderou Lona.
— Via de regra, não faço comentários sobre minha vida pessoal —
explicou Emily. — Aqueles com quem compartilho minha vida não deveriam
ser obrigados a fazer os mesmos sacrifícios de privacidade que eu.
— Irresistível. Vida pessoal. Privacidade. Entendi — disse Lona, pesando a
não confissão. — Extraoficialmente, eu questionaria sua inteligência se vocês
dois não estivessem aproveitando as horas de folga juntos. Oficialmente,
minha pesquisa para este artigo renovou meu conhecimento de química, e
vocês dois têm química suficiente para provocar um acidente de laboratório
bem significativo.
— Extraoficialmente, andamos sempre com um colírio — brincou Emily e
pegou sua tequila.

***

Verita: Entããão, já esperamos o bastante antes de cobrarmos sinos de


casamento de Derek?
Liz: verificando o relógio Já se passaram mais de doze horas. Que
comecem as cobranças de casório!
Will: Amarra aquela garota, mano. Ela tem ótimo gosto para carros e
gosto medíocre pra homens. CHUPA!
Berto: Não Parente, se vocês dois malucos se casarem, quer dizer que você
ganha uma chave extra?
Eu: Muito engraçado, família. Nenhum de vocês está convidado para o
casamento.
Tanya: EU SABIA! VOCÊS DOIS ESTAVAM TÃO ÓBVIOS! Quando vou
poder dar uma olhada no closet dela? Ela tem um bom gosto que é a
perfeição.
Pai: Pessoal, relaxem, sim? Então o senhor solteirão está se derretendo
todo por uma bela gênio com um gosto realmente excelente para carros.
Grande coisa. Isso acontece o tempo todo.
Mãe: Michael! Eu te disse que sarcasmo não se traduz em mensagem!
Mãe: Derek, se você não deixar a relação séria com essa mulher, ficarei
profundamente desapontada com você.
Eu: Gostaria de salientar que nada disso é da conta de vocês.
Verita: É fofo Derek pensar que sua vida amorosa é inacessível pra gente.
Pai: Você é novo aqui, Derek?
Berto: Voltando a falar do Porsche...
Tanya: Voltando a falar do closet...
Liz: Eu voto para começarmos a mandar fotos com sugestões de anéis de
noivado para Derek. #vamosseruteis Mãe: O que vocês acham desse? O
corte esmeralda é muito nobre.
Will: Mãe, isso é um GIF de palhaço.
Mãe: O que é um GIF?
Pai: Jesus Cristo! Você sabe que eu odeio palhaços!
Eu: Eu vou deserdar todos vocês.
Mãe: Tudo bem. Mas fizemos uma votação em família e vamos ficar com a
Emily.
Berto: E com o Porsche dela.
Pai: Boa sorte, Órfão Derek.
39

Mãe: O que você fez com o seu lindo cabelo??? Você parece tão agressiva.
Arrastei Derek e minha nova sombra em forma de jornalista de uma sala de
conferência a outra durante toda a tarde. Uma ligação após a outra. Instituí
trinta minutos de silêncio em meu escritório somente para que nós três
pudéssemos checar os nossos e-mails.
Em algum momento entre a reclamação passivo-agressiva de um gerente
sobre a reunião de atualização de mercado da próxima semana e um
cronograma de eventos “caso a IPO vá em frente”, meu telefone sinalizou
uma mensagem.
Derek: Ela gosta de você.
Levantei os olhos e o encontrei no sofá franzindo a testa sobre seu telefone
e notebook. Lona estava digitando como uma máquina em uma das poltronas.
Eu: Isso é o equivalente a passar bilhetes em sala de aula, só que em
ambiente corporativo?
Seus lábios se curvaram.
Derek: Você esteve magnífica hoje.
Eu: Não está me elogiando para não ter que comprar os hambúrgueres,
está?
Derek: Querida, não vou comprar hambúrgueres para você. Eu vou fazer
hambúrgueres para você. Jane está comprando os ingredientes agora
mesmo.
Eu: Eu aprovo.
Eu: A propósito, sua bunda fica ótima nessa calça.
Seus ombros tremeram com uma risada silenciosa.
Derek: Hora de irmos. Eu quero te ver em um biquíni minúsculo e
impróprio enquanto acendo aquela sua churrasqueira gigantesca que
suspeito que nunca tenha sido usada.
Eu: Não é verdade. Cristoff grelha bifes de atum nela.
Derek: Preciso te dar um pedido de desculpa na forma de um oral e
gostaria de fazer isso na sua piscina.
Deixei meu telefone cair na mesa.
Lona ergueu os olhos e tirou os fones de ouvido.
Eu ainda precisaria de uma hora para me atualizar aqui no escritório. Mas…
Era um belo dia. Pessoas normais teriam saído do trabalho mais cedo hoje.
Pessoas normais se encontrariam para tomar cerveja na Ocean Drive.
— Acho que estou começando a ter uma dor de cabeça — menti. — Vamos
encerrar o dia.

***

Uma hora depois, Lona estava acomodada em um dos apartamentos de


hóspedes do outro lado do enclave com direito a jantar e uma recepção pronta
para atender os seus pedidos. E eu estava descansando em meu terraço de
frente para a baía entre a areia branca e a borda da minha piscina de água
salgada enquanto meu amante grelhava hambúrgueres.
Jane e a equipe de limpeza foram dispensadas com alegria de suas
obrigações naquela noite. Éramos apenas eu e Derek. E Brutus, que havia
aparecido para criticar a habilidade de Derek na churrasqueira.
Eu coloquei um biquíni vermelho escandalosamente pequeno e óculos de
sol grandes, então gostei da atenção total que Derek me deu quando caminhei
pelo pátio até minha espreguiçadeira favorita.
Estava com um livro de ficção científica que peguei emprestado dele,
aberto. Meu telefone – a tábua de salvação para meu império – estava em
algum lugar da casa. Milagrosamente, eu ainda não exibia nenhum sintoma
de abstinência.
De alguma forma, minha vida deu uma guinada drástica em apenas algumas
semanas. Em momentos como este, era difícil ficar com raiva de Merritt Van
sei lá o quê. Porque se ele não fosse um idiota, Derek Price não estaria me
estudando sobre o seu Ray-Ban com um olhar que sugeria que eu era o
próximo prato.
Claro, eu só tinha mais uma hora reservada para esse relaxamento. Então,
voltaria ao trabalho.
— Posso ouvir as engrenagens girando — Derek disse, caindo na minha
espreguiçadeira. Ele passou as mãos pelas minhas pernas nuas.
Irresistível. A palavra ainda se aplicava a ele.
Ele havia tirado as roupas de trabalho e escolhido um calção de banho e
uma camisa sem manga curta de botões num tom azul escuro. Ele não se
incomodou em fechar os botões.
— Só contemplando a tensão superficial do creme antienvelhecimento —
provoquei.
— Não tenho certeza se você percebe o quanto eu te acho atraente. Não
apenas pelo seu corpo que nasceu para usar esse biquíni, mas pela sua mente
— falou Derek.
Olhei para a ereção visível em seu short.
— Acho que posso fazer algumas suposições seguras.
Gentilmente, ele se abaixou sobre mim e deu um beijo suave e sedoso na
minha boca.
Os arbustos se separaram e Brutus atravessou o pátio até a grelha.
— Seu sous chef está exigindo sua atenção — falei, acariciando sua
mandíbula.
— Como você está? — ele perguntou, tirando meu cabelo da testa. —
Cansada?
Pensei no assunto.
— Sim, mas de uma forma boa. Não estou no caminho de uma exaustão
física — prometi.
— Muita coisa aconteceu hoje — ele me lembrou.
Pude sentir a cutucada que sua ereção deu na minha perna.
— Tenho a sensação de que há mais por vir.
Ele tirou os óculos do rosto e levantou os meus para que ficássemos cara a
cara.
Foi um olhar longo e carregado.
— Você me apavora — ele admitiu finalmente.
— Do que está falando? — brinquei.
— Você não precisa de mim. Não precisa de ninguém.
Ele estava sério demais, preocupado demais.
— Um relacionamento não se resume a necessidade, Price.
— Como você sabe? Já faz dois anos que namorou alguém.
Uma informação do dossiê que ele tinha sobre mim, supus. Eu queria ter o
dele. Me perguntava se Jane tinha.
— Faz quanto tempo que você teve um namoro monogâmico com alguém
por mais de um mês?
Ele pressionou sua virilha na minha mão e brincou com o cordão da parte
de cima do meu biquini.
— Não tenho a menor ideia.
Alcancei entre nós e segurei seu membro. Ele sibilou com o contato.
— Prefere que precisem de você ou que desejem você?
— Prefiro ser o que quer que me deixe ficar perto de você — confessou. —
E isso também me mata de medo.
Hoje eu confessei um medo para ele, e agora ele estava retribuindo o favor.
Uma vulnerabilidade por outra.
Brutus deu um breve rugido de aviso. Chamas subiam da grelha.
— Eu gosto do meu hambúrguer malpassado, não carbonizado.

***

A segunda rodada de hambúrgueres saiu perfeita, e conseguimos dar um


mergulho rápido antes que Derek insistisse em limpar tudo. Voltei à minha
espreguiçadeira para mais alguns minutos de relaxamento. O sol poente me
conduziu a um limbo abençoado. Estava quase dormindo quando senti o
puxão na taça do meu biquíni.
— Hum — murmurei enquanto uma boca quente se fechava em torno do
mamilo.
Eu abri um olho e observei as bochechas de Derek afundarem.
Impacientemente, ele tirou a outra taça do biquini e tocou meu mamilo com
os dedos.
Foi tão bom. Tão decadente. O sol do fim de tarde. O barulho constante das
ondas. A sucção da boca de Derek em mim.
Sua ereção mal conseguia ser contida por seu calção de banho.
— Alguém pode nos ver — repreendi, minha voz ofegante.
— Que pena.
Ele acariciou meu mamilo com a língua e, em seguida, inclinou-se sobre
mim, pulando para o outro. Parecia fogo rodando em espiral pelo meu corpo.
Meu centro pulsava vazio ao redor de nada, e eu juntei e apertei os joelhos,
tentando encontrar algum alívio para a pressão crescente.
— Você tem um gosto tão bom — disse ele, fazendo uma pausa no meio da
sucção.
O homem era um mago. Cinco segundos brincando com meus seios e eu já
estava pronta para gozar.
A cabeça do seu pau apareceu para fora do cós do calção. Estendi a mão
para lá, mas ele agarrou meu pulso.
— Eu pensei nisso por um tempo — disse ele, acariciando meu seio com o
nariz.
Ele apertou meu pulso e o soltou. Escovando a barba por fazer em meu
mamilo, ele desatou a parte de baixo do meu biquíni.
Eu separei meus joelhos.
— E como vai ser? — provoquei, abrindo mais as pernas.
Leve demais para ser a fricção que eu precisava, ele passou a mão debaixo
do tecido e sobre o meu monte. Para frente e para trás, me fazendo tremer.
— Bem, já que você perguntou — ele disse, ficando de joelhos e se
acomodando entre as minhas pernas. Ele desamarrou a corda do outro lado,
dobrando meu biquíni para baixo, me expondo à luz do dia que se desvanecia
e ao seu olhar. — Vou chupar esses mamilos rosados — falou, apertando um
entre os dedos.
— E? — incitei.
Ele se inclinou sobre mim, seu pau não perto o suficiente para que eu
roçasse nele.
— E você vai se tocar.
— E? — guinchei.
— E eu vou me tocar.
Fiquei tonta com a ideia.
— E vamos gozar juntos? — perguntei.
Ele acenou com a cabeça, já se abaixando para o meu seio.
— Gozamos juntos — prometeu.
Foi meu último pensamento coerente quando aqueles lábios brutais se
fecharam sobre o bico do meu seio. Meus mamilos o adoravam, competindo
por atenção.
Os raios do sol aqueciam minha pele nua, e parecia natural para mim,
deslizar uma mão entre as pernas para provocar entre as dobras que já
estavam tão desesperadamente úmidas.
Derek rosnou sua aprovação no meu mamilo.
Assisti com fascinação quando ele tirou o pau do calção de banho. Tão
poderoso e masculino. Cheio de veias e rígido. A cabeça estava quase roxa.
Ele acariciou até a base e parou lá, apertando com uma pontada de violência.
Oh, sim.
— Eu fantasiei em te encontrar aqui assim. Tirando um cochilo ao sol —
ele disse, voltando para o outro mamilo. Ele o acariciou com a parte plana da
língua e o observou endurecer e se esticar em sua direção.
Deslumbrada e necessitada, coloquei dois dedos dentro de mim.
— Que garota boazinha, Emily — falou, sua voz áspera por se conter.
Ele começou a mover a mão que agarrava seu pau. Quando seu punho
atingiu a cabeça, um fio de umidade apareceu, forçado para fora pelo poder
de seu aperto, e pingou no meu estômago.
Nós dois gememos.
— Com você deitada aí como uma deusa, não vai demorar muito para eu
gozar — me avisou. Sua mão grande trabalhando em seu pau. Para cima e
para baixo.
Eu mesma estava quase lá. Com a forma agressiva na qual ele pairava sobre
mim. Sua boca provocando meus seios até eles doerem. Com meus próprios
dedos trabalhando sua magia em meu clitóris. Aquilo era uma fantasia muito
vívida.
Ele grunhiu de novo, e eu senti mais líquido pré-ejaculatório pingar na
minha pele. Empurrei o quadril contra minha mão, desejando que fosse seu
pau mergulhando em mim.
Mais um puxão magistral no meu mamilo e senti meus músculos
começarem a tremer em torno dos meus dedos.
— Derek!
— Porra — ele rosnou.
E então estava guiando seu pau para dentro de mim. Eu gozei
instantaneamente. Fechando em torno de seu membro grosso como um
punho.
— Que gostoso — gritei com a voz entrecortada. Não me importava se
alguém pudesse nos ver. Não me importava se havia um navio de cruzeiro
cheio de paparazzi transmitindo Derek me fazendo gozar ao vivo. Tudo o que
me importava era o orgasmo que estava fritando minhas sinapses.
— Ah, porra. Porra — ele gemeu. Senti o primeiro pulso de sua liberação
quando ele gozou dentro de mim. Então ele tirou o pau e terminou a punheta.
Ele me pintou com o seu orgasmo. Tiras pegajosas de gozo se entrelaçavam
em minhas dobras, clitóris e barriga. Eu nunca tinha visto nada mais erótico
do que um Derek desenfreado gozando em cima de mim.
Ele grunhiu, gemeu como se sentisse dor e me penetrou novamente. Ainda
duro o suficiente. Ainda no ângulo certo. Eu gozei de novo, e desta vez ele
ficou enterrado em mim até que as ondas do meu orgasmo desapareceram
lentamente.
Quando ele desabou ao meu lado na espreguiçadeira, lambi seu corpo na
direção que tanto queria.
— Emily — ele sibilou quando minha boca encontrou a cabeça de seu pau.
Alisei seu pau com a boca e o senti resistir contra mim.
— Não acho que seja fisicamente possível eu gozar de novo tão cedo —
declarou entredentes.
— Vamos descobrir.
40

O maquiador reaplicou meu batom com pequenas pinceladas leves.


Havia dez de nós acampados no laboratório da AHA, em vez do ambiente
de alta segurança da Flawless. O laboratório educacional do outro lado do
corredor fervilhava com uma excursão do fundamental. As alunas do nono
ano estavam analisando em microscópios, as amostras de água que coletaram
de suas casas e bairros.
Os fotógrafos, estilistas, técnicos de iluminação, cabeleireiros e
maquiadores de Lona confiscaram o laboratório em que estávamos e
transformaram a sala no que parecia ser uma sessão de fotos de alta-costura.
Só que a “alta-costura” era um jaleco.
Eu não dei detalhes da minha conexão com o local, dizendo apenas que a
proposta do laboratório DIY e as iniciativas de prática de educação científica
eram causas que eu tinha orgulho em apoiar.
Mas Lona era esperta e mais do que um pouco sorrateira.
Seu estilo de entrevista era rápido, disparando várias perguntas fáceis uma
atrás da outra, ludibriando o entrevistado em uma atmosfera tranquila e
despojada. E então, ela atacava.
— Por que possui duas instalações de laboratório? — indagou depois que
eu revelei o meu restaurante favorito para comer um sushi tarde da noite em
South Beach.
— Droga, Lona — retruquei, tentando não mover os lábios. — Nem tudo é
para consumo público.
— Extraoficialmente, então. Me chame de curiosa.
O maquiador terminou seu retoque e saiu apressado para espiar por cima
dos ombros do fotógrafo e do diretor, que repassavam as imagens da primeira
hora de fotos.
Acabei de adquirir um recente respeito por supermodelos e de descobrir
como o trabalho delas era incrivelmente chato. Fique parada. Mova um
centímetro para esse lado. Agora, para o outro lado. Faça cara de atraente e
interessante. Eu queria estar do outro lado do corredor procurando chumbo e
microrganismos nas amostras.
Meu telefone vibrou no bolso do meu casaco e olhei para a tela. Trey.
Ignorei a ligação e me encostei na mesa de trabalho.
— Eu gosto de ciências, ok? Não consigo brincar no laboratório da
Flawless. Então venho aqui.
— Você é a dona da empresa que possui este prédio. É um investimento
grande demais para um hobby — insistiu Lona.
— Eu posso bancar — brinquei.
— Hum — ela cantarolou de forma evasiva. — Você trabalha nos novos
produtos aqui antes de levá-los para a Flawless?
— Claro que não. Do outro lado fica o nosso laboratório educacional.
Existe, principalmente, para fazer as crianças – especialmente as meninas –
se entusiasmarem com a educação STEM. Fazemos excursões, clubes de
ciências, esse tipo de coisa. E com nosso equipamento, elas podem executar
experimentos mais complexos e interessantes do que na maioria dos
laboratórios de escola.
Na mesma hora, um coro de gritos irrompeu pelo corredor.
— Isso geralmente significa que alguém encontrou um parasita ou algo
nojento — falei para Lona.
— E quanto a este espaço? — ela perguntou, implacável.
— Extraoficialmente — repeti. — Este espaço específico é um laboratório
DIY. Cientistas ou aqueles com interesses científicos podem se inscrever para
usar o espaço e compartilhar equipamentos comunitários. Estamos vinculados
a grupos semelhantes em todo o país, para que cada laboratório possa
trabalhar em seus próprios conjuntos de dados e compartilhar com os demais.
— Parece o projeto de uma paixão — ela insistiu, sem desanimar com a
minha irreverência. — Você é mais feliz aqui do que em seu escritório.
Por que as pessoas sentiam a necessidade de continuar enfatizando isso?
É claro que trabalhar em um laboratório cercado por outros nerds era mais
emocionante do que cochilar em uma reunião sobre o trabalho de outras
pessoas. Mas eu era uma CEO. Eu comandava o navio, não alimentava os
motores. Eu sustentava a visão.
— Eu gosto de experimentar — falei com cautela. Extraoficialmente ou
não, esse era um pedaço da minha vida que mantive em segredo. — Mas eu
não sou o foco aqui.
— Disse a mulher que vai para a segunda hora da sua sessão de fotos — ela
me lembrou.
— O que eu quero dizer — disse secamente. — É que o foco aqui está na
educação e no processo. Não em quem é dono do quê e nem como o cabelo
dela está hoje. Abri essas portas para que crianças que queiram aprender e
colegas nerds que não têm acesso a um laboratório de última geração possam
ter um lugar para experimentar e crescer.
— OK. Tudo bem. Me diga algo que eu possa usar oficialmente sobre os
laboratórios DIY — pediu.
— Todos os dias surgem grandes coisas dos laboratórios DIY. Eles não
precisam de doações e financiamento e podem se especializar em áreas nas
quais as empresas privadas e as grandes empresas farmacêuticas não estão
interessadas. Os laboratórios DIY são o futuro da erradicação de doenças
porque podem separar a ciência da gestão de negócios. Eles podem
desenvolver uma vacina barata contra a malária ou estudar a resistência aos
antibióticos porque não há nenhuma grande empresa por trás tomando
decisões com base em lucros e perdas.
— Então, no que este laboratório DIY está trabalhando? — ela pressionou.
— Senhorita Stanton, estamos prontos — disse, do cenário cinza que
montaram, o diretor assistente.
— Isso é sigiloso — respondi a ela, indo para a frente da sala. — E mais
que incrível.
— Você gosta de provocar.
Meu telefone sinalizou outra vez no meu bolso. Trey novamente.
— Só preciso de um segundo — disse ao assistente e saí para o corredor. —
Trey, o que foi? Estou no meio de uma coisa.
— Ei, escute. Aquela oferta de dinheiro ainda está de pé?
Não tínhamos nos falado desde o baile. Mais especificamente, desde o piti
que ele deu no baile. E na ocasião, eu não tinha oferecido dinheiro
exatamente. Mas isso era a cara de Trey.
Pensei em Derek, na sua família, em Jane e Cam e Luna e Daisy. Enfiei a
mão no cabelo e me lembrei. Eu era a chefe.
— Na verdade, Trey, eu estou ocupada e não teve uma oferta. Não haverá
uma. Está na hora de você resolver seus próprios problemas.
— Uau, alguém faz um corte de cabelo diferentão e de repente, pensa que
está acima de tudo. Golpe bem baixo, Ems.
Meu irmão estava tão acostumado a conseguir o que queria que nem era
capaz de pedir com educação. Era triste, nojento.
— Disso você entende — devolvi, mantendo a voz baixa. — Você não
pensa em mim como irmã. Pensa em mim como um cheque em branco. Você
nem sabe o que uma família deveria ser.
— Vamos falar a verdade. Nenhum de nós dois sabe. Não é nossa culpa.
Ouça, estou com problemas, Em. O festival não deu certo e não há dinheiro
suficiente para reembolsos. Advogados estão envolvidos.
Eu fechei os olhos. Respirei fundo. Meu irmão adulto não era minha
responsabilidade. Eu não poderia consertá-lo. Meu dinheiro e minha ajuda
não poderiam fazer dele um irmão melhor, um filho melhor ou uma pessoa
melhor. A única chance que ele tinha era sofrendo as consequências de suas
ações.
— A bagunça é sua, você limpa.
Ele bravejou no meu ouvido.
— Você não entende. Essa merda é séria. Estão falando de acusações de
fraude.
Meu coração apertou no meu peito.
Eu provavelmente poderia fazer esse problema desaparecer. Poderia salvá-
lo. Mas isso teria um custo. E não só monetário. E, no fim das contas, teria
um custo ainda maior para Trey.
— Eu não posso te ajudar, Trey. Mas você consegue cuidar disso.
O silêncio foi ensurdecedor. Nele, eu ouvi as rachaduras que sempre
existiram em nosso relacionamento se abrirem totalmente.
— Então está escolhendo o seu dinheiro em vez do seu único irmão? — Sua
risada saiu triste. — Isso é cruel, até mesmo vindo de você. Você tem
dinheiro de sobra.
— O que é meu não é seu. Você não ganhou nada, exceto problemas. Arque
com as consequências. Supere isso. E saia da situação como uma pessoa
melhor.
— Deus. Qual é o seu problema? — ele estourou, toda aquela jovialidade
casual desaparecendo. — Você é a porra da minha irmã. Eu preciso de ajuda.
Preciso de dinheiro. Preciso de advogados. Preciso que me mande a porra do
dinheiro. Uns duzentos mil. Preciso que você resolva isso! — Ele parecia
desesperado, mas ainda certo demais de que receberia ajuda.
— Desta vez não, Trey. Não vou ajudar mais. Cansei de salvar a sua pele.
Ligue quando quiser ter um relacionamento de verdade.
Eu queria desligar na cara dele, cortá-lo no meio do discurso. Mas também
precisava ouvi-lo. Ouvir os palavrões, as ameaças. Ouvir de verdade dessa
vez. Porque a partir desse momento, eu não tinha mais espaço para o meu
irmão na minha vida. Nada que fosse além de um conhecido casual sentado à
mesa de jantar uma ou duas vezes por ano. Ele era tóxico e eu estava ocupada
demais para ser desrespeitada.
Ele desligou com um amargo: — Vá se foder!
Eu me escorei na parede, as mãos caindo para os lados. Sozinha no meio de
dois mundos. Alunas da nona série esboçavam superbactérias alegremente
em quadros brancos à minha esquerda. À minha direita, uma dúzia de pessoas
aguardava para tirar fotos minhas.
Senti uma estranha ansiedade invadindo meu sistema. Minha reputação
estava se recuperando. A IPO parecia ter voltado aos trilhos. Tudo pelo que
trabalhei estava dando frutos. Para completar, eu finalmente enfrentei uma
das pessoas mais desrespeitosas da minha vida.
E ainda assim, senti aquela ponta de dúvida. Algo estava estranho. Errado.
Eu cometi um erro? Dei outro passo em falso?
Desejei que Derek estivesse aqui. Sua franqueza que era uma marca
registrada me tiraria dessa. Ninguém sentia pena de uma CEO de um império
que estava prestes a adicionar mais zeros ao seu portfólio.
Espiei o laboratório educacional novamente. Era uma imagem de energia
caótica. De interesse.
Mas parecia que havia mais do que apenas uma parede e uma janela de
vidro entre mim e aquela vibração. Porque meus dois maiores ativos agora
eram minha marca e minha conta bancária. Não o meu cérebro. Não as
minhas ideias. Não a minha liderança. Não as minhas contribuições para a
porra da ciência. Não a minha capacidade de operar um laboratório e
vasculhar os dados.
Não havia ninguém que eu pudesse culpar além de mim mesma.
Mas isso era necessário. Esse era o custo dos negócios, do progresso, do
crescimento. Às vezes, você tinha que dar um passo para trás e se afastar do
que amava para poder fazer o que precisava ser feito.
Meu telefone tocou novamente. Era a minha mãe. Mandei a ligação direto
para o correio de voz. Não conseguiria lidar com mais um confronto esta
manhã.
— Senhorita Stanton, estamos prontos — disse o assistente, da porta do
laboratório.
Eles teriam que retocar o batom, já que eu comi metade dele.

***

Emily, é a sua mãe. Eu estava em uma sessão com uma taróloga e recebi
uma mensagem de Trey. O pobrezinho se meteu em alguns problemas.
Preciso que você entre em contato com ele e acerte tudo com a sua equipe
jurídica. Seu pai está sendo ridiculamente teimoso e fingindo que não vai
pagar. Então, é claro, você precisará cobrir o custo até que ele veja o erro
que está cometendo. Sinceramente, eu não sei o que deu naquele homem. Ele
age como se a família não merecesse... espere. Trey está me ligando de volta.

Emily! Como pôde dar as costas ao seu irmão desse jeito? Estou chocada.
Ele precisa da nossa ajuda. Eu não sei o que deu em você, mas não é nada
bonito. Você cortou o seu cabelo todo, começou a namorar um homem
duvidoso e de repente, decidiu que está ocupada demais para ajudar a
família? Ligue para o seu irmão e conserte isso. Imediatamente. Você sabe
que ele estaria ao seu lado em um piscar de olhos se você precisasse de
alguma coisa. Estou enjoada com essa atitude. Precisa remediar isso.
41

Esquivando-me do briefing com a assessora e a equipe jurídica da Flawless,


chamei o número de Emily para saber como ela estava. A IPO estava
oficialmente de volta aos trilhos. Contanto que nada mais desse errado de
uma maneira catastrófica.
Dada a minha profissão, eu estava perfeitamente ciente das centenas de
desastres que ainda poderiam acontecer com Emily e jurei fazer o que fosse
necessário para protegê-la.
A chamada foi direto para o correio de voz. Ela provavelmente estava
dando sorrisos falsos durante o que havia considerado ser uma sessão de
fotos desnecessariamente demorada.
Era bastante irônico que eu tivesse me apaixonado por uma mulher que não
se importava demais com a imagem.
— Só liguei para dizer para você não acrescentar o seu sobrenome no
timbre do Alpha Group ainda. Parece que a IPO está oficialmente pronta —
disse ao telefone. — Estou pensando em você. Jantar hoje à noite?
Desliguei e comecei a chamar o escritório.
— O que um homem bonito como você está fazendo vagando por esses
corredores? — A voz sensual de Lita me pegou desprevenido. Ela estava
usando uma calça boca de sino branca e uma regata de caxemira justa que
abraçava suas curvas. Eu me perguntei se ela havia se apropriado
propositalmente de um dos looks icônicos de Emily na tentativa de mostrar
que nela ficava melhor.
Tomei uma decisão rápida.
— Estou fugindo de mais uma reunião. Não sei como você e Emily
conseguem passar tanto tempo em salas de conferências.
Ela veio para mais perto e passou o braço pelo meu.
— Vou lhe contar nosso segredo — disse de modo tímido. — Almoços
muito longos. Com martinis muito secos.
— Me fale mais sobre esse mecanismo de defesa secreto — incitei,
aumentando o meu charme.
— Prefiro te mostrar.
Valerie, a segunda assistente de Emily, passou por nós no corredor. O olhar
que ela me lançou foi bem direto: “Não brinque com a minha chefe”.
— Está livre para almoçar agora? — perguntei a Lita depois que Valerie
desapareceu no corredor. Não tinha para quê irritar a chefe
desnecessariamente.
Estava fazendo isso por ela.

***

O flerte era uma arma que Lita e eu alternávamos de mãos. Eu tinha que
admitir, ela estava ganhando. Eu estava obrigado, metaforicamente falando, a
fazer uso de todos os meus poderes. Cada vez que procurava algo para dizer a
Lita, o rosto de Emily aparecia na minha cabeça.
Seja digno de mim, Price.
Lita mexeu o seu segundo martini com seu palito de azeitonas e me olhou
com expectativa.
— Parece que você tem o toque mágico. Você colocou a Lady Stanton de
volta ao seu pedestal. — Ela ergueu a taça em um brinde que pereceu
zombador.
Eu levantei meu próprio copo.
— Agora vocês duas estão de volta ao curso. A IPO pode prosseguir e a
Flawless pode crescer — falei.
Suas unhas escuras dançaram contra a haste do vidro.
— Mais uma vitória.
— Já deve estar acostumada com isso — salientei. — A Flawless é
imparável.
— Hum — refletiu Lita. Ela tomou um gole de sua bebida e esperou até que
eu estivesse observando antes de lamber o lábio superior com lentidão.
Involuntariamente, eu lembrei que as fêmeas de louva-a-deus decapitavam
os seus amantes machos.
Eu sabia que estava caminhando sobre uma linha tênue entre obter as
informações que precisava e não irritar uma mulher que havia me derrubado
de cara no chão, literalmente.
— Como vai comemorar? — perguntei, puxando a gravata e me
assegurando de que minha cabeça ainda estava presa ao pescoço.
Flertando novamente, ela abanou os dedos sobre a boca e fingiu pensar a
respeito.
— Talvez eu aceite um novo amante.
Cuidado, Price. Não chegue muito perto do fogo.
Eu queria voltar para a cama de Emily sem mácula… e também com uma
cabeça.
— Que europeu de sua parte — provoquei.
— Você é mesmo impressionante, Derek — ela falou, colocando a mão na
minha. Ela virou nossas mãos para que a minha ficasse por cima.
Socorro! Socorro! Recuar! Senti o cheiro de uma armadilha, mas não
consegui decifrar o jogo.
— Sou? — tirei a mão da dela e peguei minha bebida.
— Poucas pessoas poderiam ter tirado Emily daquela situação. Você a
salvou sozinho. É um herói e tanto — discorreu, pegando uma azeitona de
sua bebida e sugando-a entre os lábios.
Eu limpei a garganta.
— Faço tudo para agradar. — Eu não conseguiria jogar este jogo. Não em
boa consciência.
— Achei que ninguém seria capaz de limpar aquela bagunça — ela
prosseguiu.
— Sou muito bom no que faço.
Ela me lançou um olhar longo e cheio de calor.
— Tenho certeza de que é — ronronou. Senti seu pé deslizar pela minha
canela e todos os músculos do meu corpo ficaram tensos.
Perigo! Perigo! Eu não podia continuar jogando. O preço era alto demais.
Teria que ir pelo caminho mais direto.
— Lita, tenho sentimentos muito fortes por Emily — confessei, deslizando
a perna para longe de seu pé exploratório.
— Não temos todos? — Seu tom era leve, mas havia uma ponta de
aborrecimento. Eu vi isso em seus olhos. Aquele lampejo chocante de ódio.
— Como sabia que Merritt Van Winston seria preso naquela noite? —
perguntei.
Ela se inclinou para perto, parecendo presunçosa.
— Não tenho ideia do que você está falando, Derek. — Seus dedos
escalaram minha gravata até chegarem ao nó. Ela deu um puxão
desconfortável. — Mas antes que comece a me acusar de qualquer coisa,
lembre-se que Emily e eu temos uma longa história. Ela confia em mim. E se
chegar ao ponto de ter que escolher um lado, não vai ficar bom para você.
— Você está extremamente confiante — falei, segurando a mão dela e
esperando não precisar me defender fisicamente de uma bela mulher em um
restaurante bem exposto ao público.
— Eu a conheço melhor do que ninguém.
— Foi assim que a manipulou a ir àquele encontro? — pressionei. Eu
queria que ela dissesse as palavras.
O telefone de Lita zumbiu baixinho na toalha de mesa branca. Eu fiz uma
careta para o nome que vi na tela antes de ela pegar o celular e escondê-lo de
mim.
— Odeio ter que interromper isso, mas eu preciso ir. — Ela acabou com o
resto da bebida e se levantou. — Se mudar de ideia sobre... outras coisas,
sabe onde me encontrar.
Agarrei seu braço quando ela começou a se afastar.
— Não mexa com ela, Lita — avisei.
Ela aproximou o corpo, os olhos brilhando.
— Não mexa comigo, Derek.

***

Eu a observei sair e então fui até o bar, afrouxando a gravata no caminho.


Havia um assento ao lado de um homem que mais parecia um touro.
Ninguém chegava muito perto de Jude Ellis. Não quando ele estava no modo
profissional.
— Ainda está preocupado? — ele perguntou, empurrando uma cerveja
gelada na minha direção.
— Agora estou mais que apavorado — admiti.
— Bom, porque eu acho que ela é suja — disse ele. — O assistente burro
como uma porta dela, comprou a desculpa de “problemas de TI” e me deixou
entrar no escritório.
— Encontrou algo interessante?
— Ela é cuidadosa. Tem mais do que um antivírus no desktop. Tem um
script no computador que codifica todos os e-mails recebidos e enviados. Não
tive tempo suficiente para quebrar o código, mas encontrei algumas pistas.
Uns contatos com algumas pessoas da La Sophia, rival da Flawless. Não foi
possível obter o conteúdo dos e-mails, mas muitos envios dos dois lados.
— Negociando outro emprego? — cogitei.
Jude acenou com a cabeça.
— É possível.
— Se encaixa — murmurei. — Ela está cansada de viver debaixo da
sombra de Emily.
— Cansada o bastante para tentar destruir a amiga?
Pensei no nome que apareceu na tela de seu telefone.
— Sim. E ela não teve sucesso com Van Winston.
— Eu odeio essa porra de facada nas costas. Por que nem todos conseguem
resolver suas diferenças de maneira civilizada no ringue? — Jude reclamou.
— Aí você e eu estaríamos desempregados — concluí, dando um tapa em
seu ombro.
— Isso seria tão ruim assim?
— Me faça um favor — pedi. — Antes de começar a planejar sua
aposentadoria, verifique esse nome em qualquer banco de dados pavoroso ao
qual tenha acesso. — Rabisquei o nome em um guardanapo de bar e
entreguei.
As sobrancelhas de Jude se ergueram.
— Sério?
— Temo que sim. Tem alguma coisa acontecendo e precisamos nos
antecipar. — Eu tinha um pressentimento muito ruim.
— Você vai alertar a Lady Dragão? — Jude perguntou, enfiando o
guardanapo no bolso.
As palavras de Lita ecoaram na minha cabeça.
— Primeiro preciso de provas.
42

Fechei os olhos e gostei de estar completamente sozinha pela primeira vez


em todo o dia. Tirei meus sapatos e esmaguei meus pés sofridos no carpete
grosso debaixo da minha mesa. Derek, que esteve enigmaticamente
“ocupado” na noite anterior, estava cuidando de algo em seu próprio
escritório. Lona, minha sombra constante, foi ao escritório dela. E Jane ou
estava comendo um burrito ou paquerando algum homem.
Meu celular e telefone fixo tocaram simultaneamente. No celular, era
Derek.
— Oi, como vai? — perguntei.
— Emily. — Tensão em sua voz ao dizer essa única palavra, meu nome.
— O que foi?
Jane irrompeu pela porta do meu escritório, Valerie e Easton bem atrás
dela. Ela parecia irritada. Meus assistentes, pálidos.
— Estou te enviando um artigo por e-mail — disse Derek de forma sucinta.
Assunto: Emergência.
Com pavor escorrendo em meus intestinos, abri a mensagem.
Tratamento de cicatrizes “milagroso” da Flawless é um desastre
imperfeito.
— O que diabos é isso? — indaguei, folheando o artigo. Nina.
— Tem outros — disse ele.
— De onde está vindo isso? Por que a minha voluntária está dizendo à
imprensa que ela ficou com cicatrizes com o tratamento? — exigi. Eu era um
vulcão perto da erupção. Nina, a garota extrovertida que havia tirado dúzias
de selfies depois que as bandagens biológicas foram removidas, agora estava
dizendo que meu tratamento de cicatrizes desfigurou seu rosto
permanentemente.
— Eu vou descobrir — respondeu Derek.
— Quem você quer que eu vá eletrocutar? — Jane perguntou.
— Ligue para mim assim que souber de algo — disse para Derek.
— Eu ligo. Ela não vai ganhar, Emily — prometeu.
Não tive tempo de perguntar o que ele quis dizer com aquilo porque meu
telefone de mesa ainda tocava.
Encerrei a ligação com Derek.
— Liguem para Nina, agora — pedi aos meus assistentes.
— Já está chamando — Valerie me assegurou enquanto saía apressada da
sala.
— Ei, Luna. Estou no meio de uma crise... — comecei.
— La Sophia tem sua fórmula — falou ela, sem fôlego, ao telefone.
— O quê? Que fórmula? — Agarrei o telefone com mais força.
— Eu tenho um distribuidor que trabalha com a minha linha e uma linha da
La Sophia. Ele deixou escapar que a La Sophia estava correndo para lançar
um tratamento de cicatrizes no mercado — confidenciou Luna, as palavras
saindo como uma torrente de sua boca. — Então é claro que fiquei curiosa.
Ninguém guarda um segredo tão bem assim nesse negócio. Eu soube do CC
cream deles quando estava só há alguns dias em desenvolvimento em 2016.
Eles acabaram de lançar esse creme no outono passado.
Eu me segurei à minha sanidade com as unhas. A narrativa de Luna
costumava ser etérea e desconexa.
— De qualquer forma, tenho uma fonte no departamento de marketing
deles que venho tentando atrair para minha equipe. Estou divagando
totalmente, mas estou tão chateada que não consigo pensar direito.
— O que está dizendo, Luna? — perguntei, sentindo algo formigar na
minha nuca.
— Para resumir, alguém foi até eles com a sua fórmula e se ofereceu para
vendê-la. Não sei se o negócio está fechado ou não.
Droga. A patente. Em que pé estávamos com ela? Eu poderia brigar na
justiça?
Não importava. Eu brigaria de todo jeito. Isso era espionagem corporativa.
A raiva despertou em mim como um dragão adormecido.
Alguém roubou algo meu, da minha equipe, do meu pessoal. Das famílias
dos meus funcionários, e eu faria essa pessoa pagar.
— Quem foi? — perguntei, minha voz baixa e controlada enquanto minha
raiva disparava fogos de artifício na minha cabeça.
— A minha colega não sabia, mas ficou tão horrorizada eticamente que deu
aviso prévio de duas semanas e vai embarcar no Wild Heart no próximo mês.
Então, que bom para mim. Ela ouviu rumores de que estão abrindo espaço
para algum grande executivo. Não é um negócio fechado, mas tem
acontecido uma porção de reuniões secretas.
Algo tocou de maneira mística do outro lado da linha.
— Isso é um gongo? — questionei, surpresa que meu cérebro tivesse
espaço para outra coisa além da raiva incandescente.
— Sim, estou comprando um novo para minha sala de estar.
Claro que ela estava. Porque Luna era do tipo que tinha um gongo na sala
de estar e do tipo que o usava até que quebrasse.
— Eu preciso ir, Luna — falei. A raiva estava subindo pela minha garganta
procurando uma saída. — Obrigada por me avisar.
— Vou cantar mantras para você esta noite — ela prometeu.
Ela cantaria, e de uma forma estranha, eu provavelmente sentiria as boas
vibrações.
— Obrigada, Luna.
O telefone ainda estava na minha mão quando minha porta se abriu. Lita
entrou como um furacão. — Emily, estou me sentindo péssima com isso.
Posso explicar tudo.
— Só um momento — falei, cansada. — Valerie? Alguma sorte?
— O número que tínhamos no arquivo dela está desconectado. Vou ver se
consigo encontrar o endereço — ela respondeu de sua mesa.
— Jane, vá ajudar — pedi.
Jane olhou para Lita antes de sair da sala.
— Emily, isso é... eu simplesmente não sei como dizer. — Lita torceu as
mãos. — Então, vou apenas dizer. Você e eu temos algo que homem nenhum
jamais poderia separar.
— Lita, do que está falando? Easton, chame Jenny do departamento
jurídico agora. Preciso saber como estamos com aquela patente — gritei.
— Derek — disse Lita com expectativa.
— O que tem Derek?
Suas mãos foram até a boca.
— Oh, Deus. Você não sabe. Você não viu. — Seu lábio inferior, pintado
perfeitamente de vermelho, estremeceu.
— Vi o quê? Estou um pouco ocupada tentando pôr um fim em uma
espionagem corporativa. — Foi duro. Eu era dura. Mas eu não tinha tempo
para os seus dramas.
— Derek me procurou. Ontem na hora do almoço. Eu pensei que era apenas
um flerte inofensivo, mas... Deus. — Ela foi até o sofá e afundou-se
graciosamente, cobrindo o rosto com as mãos. — Ele sugeriu que fôssemos
ao seu apartamento traçar algumas “estratégias”.
Meu estômago gelou. Meus intestinos deram nós como fios de luzes de
Natal.
— Traçar algumas estratégias? — perguntei roucamente.
Lita assentiu e piscou para conter as lágrimas.
— Emily, ele queria falar sobre a minha posição na empresa assim que você
saísse de cena. Eu juro que nada aconteceu. Disse a ele para ir para o inferno
e o deixei no restaurante. Mas alguém nos viu. Tiraram fotos.
— Fotos — repeti.
— Elas fazem com que pareçamos... íntimos — disse Lita. — Eu sinto
muito. Eu deveria ter contado. Só não queria que você se machucasse. Oh,
Deus. — Ela levou os dedos à boca mais uma vez. — Não acha que Derek
está por trás daquela garota alegando que a enchemos de cicatrizes, acha? O
que ele poderia ganhar com isso? O que ele ganharia com tudo isso?
Ela estava divagando. As palavras estavam sendo vomitadas como a chuva
sendo escoada em uma galeria, e eu só precisava que ela calasse a boca.
— Você não me responsabiliza, não é? Oh, eu não aguentaria se você
pensasse que eu tive alguma parte nisso. Eu morreria por dentro. Nós somos
uma equipe, Emily.
— Senhorita Stanton, seu pai está na linha querendo falar com a senhorita
— disse Easton da porta.
— Eu preciso atender — falei. Minha garganta doía do grito que queria ser
liberado.
— Claro. — Lita se levantou e veio até mim. Ela colocou a mão sobre a
minha, que estava fechada em punho sobre a mesa. — Se precisar de alguma
coisa, você sabe que estou aqui para te ajudar. Sempre estou disponível para
você. Sempre estive.
— Obrigada, Lita — falei sem emoção.
Num impulso, ela se inclinou e deu um beijo na minha bochecha.
— Você vai ficar bem. Sempre fica.
Entorpecida, peguei o telefone. Derek. O nome ecoou várias e várias vezes
na minha cabeça.
— Papai?
— O que diabos está acontecendo? — ele demandou. — Membros do
conselho estão me ligando. Repórteres estão me ligando. Além de você e do
seu irmão, sua mãe me enviou cinquenta e quatro mensagens esta manhã.
— Pai, alguém roubou a minha fórmula. A pessoa está vendendo para a La
Sophia. Eu preciso encontrar a garota que está fazendo a alegação e descobrir
o que está acontecendo.
Eu confiei no homem errado.
O suspiro do meu pai foi pesado.
— Não, não precisa.
— O meu jurídico está vendo a papelada da patente. Vou jogar tudo o que
tenho neles. Não vou tolerar espionagem. Vou encontrar Nina. Estou
checando com os outros voluntários. Vou provar que isso é uma mentira e
depois processarei todos os malditos meios de comunicação que se atreverem
a dizer o contrário.
Jane correu de volta para o escritório parecendo mais irritada do que eu já a
tinha visto. Ela me entregou uma impressão. Era uma postagem de um blog
de fofoca.
A diretora de marketing Lita Smith e o guru de relações públicas Derek
Price se aconchegam em um almoço tranquilo. Emily Stanton, amiga de
Smith e suposta namorada de Price, não estava presente.
As fotos.
Derek estava inclinado com o queixo apoiado na mão e olhando nos olhos
de Lita como se ela fosse a mulher mais fascinante do planeta. A cabeça dela
estava de lado como se fizesse uma pergunta. A mão dele pousada
sugestivamente na dela. Não era um beijo. Não era um vídeo de sexo. Mas a
intimidade que vi naquela foto me cortou profundamente. A próxima foi pior.
Derek segurando a mão de Lita em sua gravata, parecendo pegar fogo de
sensualidade.
Eu ia vomitar. Só não sabia ao certo por qual orifício iria sair.
Com os lábios apertados, Jane arrastou a folha na mesa e bateu o dedo na
seguinte. Era uma coleção de manchetes.
Colegas de faculdade relembram que as festas pesadas de Stanton já
custaram a vida de um amigo.
Crise de Cristal: Noites de bebedeira na faculdade da herdeira terminam
em morte criminosa.
A CEO estava dirigindo alcoolizada? Stanton conectada a um acidente
fatal.
Havia outra foto. Essa do meu aniversário de vinte e um anos. Eu estava
desmaiada na minha cama no meu apartamento. Meu vestido, um dourado
chamativo que Lita escolheu para mim, estava levantado em volta do meu
quadril, exibindo a meia-calça rasgada e uma calcinha vermelha. Eu estava
segurando uma garrafa vazia de Cristal.
Eu lembrava vividamente das circunstâncias. Você precisa sair do
laboratório de vez em quando antes que se transforme em um dos ratos. É
seu aniversário. Essa devia ser a melhor noite da sua vida.
Não foi. Na verdade, quase acabou sendo a pior.
— Emily, o conselho tomou uma decisão — meu pai disse rispidamente.
Minha frequência cardíaca aumentou. Cólicas abdominais transformaram
minhas entranhas em uma bagunça retorcida.
— Decisão sobre o quê? — perguntei com os dentes cerrados. Não
conseguia me concentrar no que ele estava dizendo. Embaralhei os papéis
para olhar para Derek e Lita juntos novamente. Íntimos. Íntimos. Íntimos.
Aquele não era um almoço casual entre parceiros de negócios.
— Eles querem sua renúncia amanhã às nove da manhã.
— Só pode ser brincadeira — eu ia explodir.
— Olha, garota, você teve uma boa temporada. Ganhou muito dinheiro.
Mas não pode continuar fodendo as coisas assim. Se quer que a IPO seja
realizada, se quer segurança no emprego para todos os seus funcionários, o
conselho precisa da sua cabeça em uma bandeja.
Eu estava fervendo.
— Uma porra.
— Então, você não será mais a CEO, grande coisa. Eles não podem tirar as
suas ações. Você ainda vai ganhar dinheiro como acionista.
— Não é pelo dinheiro!
— Não há necessidade de gritar. Eu posso te ouvir muito bem, artilheira.
Ah, Jesus Cristo. Sua mãe está me ligando de novo. Amanhã às nove. Não
deixe isso mais difícil do que deve ser.
Ele desligou, me deixando tremendo de raiva.
— Muito ruim? — Jane perguntou. — Ruim tipo tacos de beira de estrada
com uma pitada de salmonela?
Eu balancei a cabeça enquanto meu estômago embrulhou.
— Nenhuma comida poderia remediar isso — sussurrei para não gritar.
Meu celular tocou novamente. Derek.
Meti o dedo com força no “Ignorar”.
Ele imediatamente começou a tocar novamente. Peguei o telefone e o atirei
do outro lado da sala. Ela ricocheteou na parede e se estilhaçou no chão.
Todo mundo congelou.
A implacável Jane tirou um chiclete do bolso da calça e o desembrulhou.
Meus assistentes ficaram parados, boquiabertos, na porta.
Lona, porque é claro que havia uma jornalista aqui para testemunhar a
minha morte humilhante, ficou em silêncio atrás deles.
— Estou falando com Jenny — disse Easton. — Ela está vindo.
— Eu consegui o endereço de Nina — acrescentou Valerie, seu olhar
deslizando para o cadáver do meu telefone e para o amassado na parede de
gesso. Praticamente pude ouvi-la adicionar “ligar para o pessoal da
manutenção” à sua lista de tarefas.
— Eu vou lá — decidiu Jane, lançando-me um olhar que dizia claramente
que eu não era confiável.
— Ligue para Lita e peça para ela voltar, está bem, Valerie? — pedi com
calma.
— Claro. — Sua cabeça balançou em seu pescoço.
— Podemos fazer mais alguma coisa? — inquiriu Easton, sua voz quase um
chiado.
— Traga uma cópia do meu contrato — pedi e fui para o banheiro.

***

Executivos da empresa francesa de cosméticos deram uma declaração


sobre os resultados chocantes do novo tratamento de cicatrizes da
concorrente, Flawless. “É uma pena que a senhorita Stanton e a Flawless
tenham se precipitado com os seus produtos ainda em testes. Nós, da La
Sophia, acreditamos que não há nada mais precioso do que a pele e tratamos
os testes dos nossos novos produtos de acordo. Temos trabalhado em uma
fórmula especial que exibe um grande potencial que lançaremos no mercado
neste outono...”
43

“Aniversário de 21 anos de Emily Stanton terminou com um morto”


“CEO bilionária sofre críticas pesadas por imprudências do passado”
“Esse é o fim da IPO e da CEO da Flawless?”
— Estamos sob ataque — anunciou Rowena, os lábios presos em torno do
palito de um pirulito que ela havia mastigado em pedacinhos já fazia uma
hora. — Essas histórias estão por toda parte.
— Mas que merda, eu quero falar com o seu editor agora — explodi ao
celular com o antipático atendente do serviço ao cliente. Lutei para afrouxar a
gravata. — Então, diga a ele que se trata de um processo de difamação
pendente. — Uma música de espera insuportável não fez nada para apaziguar
meu mau humor.
Peguei o telefone fixo e disquei o número de Emily novamente. Sem
resposta.
As histórias estavam por toda parte. Alguém havia orquestrado uma blitz de
mídia, distribuindo fotos antigas da faculdade e acusações novas mais rápido
do que eu poderia ameaçar com processos.
Emily estava sendo atacada por todas as frentes e eu não tinha poder para
impedir isso.
— Porra. — Desliguei os dois telefones e apertei a ponta do nariz. — Ok,
turma. O que vai acontecer é o seguinte. Rowena, você vai ligar para Jenny
Langosta da equipe jurídica da Flawless. Traga a mulher aqui. Não me
importa o que precise fazer.
— Pode deixar — acatou ela, colocando um novo pirulito na boca. —Eu
sempre quis raptar alguém.
— Ancarla! — gritei.
Ela girou para fora de sua estação de trabalho.
— D?
— Pesquise as fontes da faculdade desses malditos artigos e me passe tudo
sobre elas. Depois, coloque Nina Nowak no telefone.
— Tá.
— Jude? — chamei na direção do telefone. — Onde ela está?
A voz de Jude encheu a sala de conferências, vinda do alto-falante.
— Em movimento. Acabou de sair. — Um sorriso grande de gato com a
boca cheia de penas de canário no rosto. Estou seguindo.
— Fique com ela. — Chamei o número de Emily novamente. Foi direto
para o correio de voz. Desliguei e mandei uma mensagem.
Eu: confie em mim. Por favor.
Não houve resposta.
Isso me matou. Emily precisava de mim agora mais do que nunca. Mas ela
não me deixava chegar perto. E eu não poderia culpá-la. Eu a decepcionei.
Falhei com ela. De uma maneira espetacular.
— A filha da puta dessa Lita — Ancarla reclamou, acertando a rediscagem
com uma violência contida. — Ela armou tudo isso só para derrubar a melhor
amiga. Quem faz isso?
A filha da puta dessa Lita.
Chamei o número dela.
— Ora, ora, ora, — Lita ronronou. — Como vai consertar essa, Derek?
— Vou dizer ao mundo que você está por trás disso. Vou deixar que te
rasguem em pedaços.
— Ah, que pena. Eu esperava algo um pouco mais criativo de você. Além
disso, já disse a Emily que isso é tudo culpa sua. Você me procurou. Eu
resisti bravamente. Porque eu sou a amiga leal. Você roubou a fórmula do
laboratório. Você tem uma destreza para isso, não é? Uma vez ladrão, sempre
ladrão. E Emily e eu temos história. Estamos juntas desde o início.
— Você vem só esperando pela oportunidade de destruir a sua amiga desde
o início.
— E veja como a paciência compensa. Eu tenho duas escolhas: ser a CFO
do mercado americano da La Sophia ou, há meia hora, os membros do
conselho da Flawless sabiamente me ofereceram o cargo de CEO. Não é um
enigma?
Ela escolheria a Flawless. Só para se sentar na cadeira de Emily.
— Parece que está ganhando exatamente o que merece.
— É mesmo, não é? — Ela deu uma risadinha infantil.
— Isso foi sarcasmo, sua idiota abominável.
— Meu primeiro ato como CEO será rescindir seu contrato com a Flawless.
Seus serviços não são mais necessários, visto que destruí sua namorada, que
provavelmente não está atendendo suas ligações depois que essas fotos
nossas surgiram. Você com certeza é fotogênico.
— O que ela está dizendo? — Roger sibilou do outro lado da mesa.
— Ele a chamou de idiota abominável — sussurrou de volta Rowena. —
Não acho que está indo bem.
— Você não vai se safar dessa, Lita.
— Sabia que aquela repórter que a está seguindo como um cachorrinho
estava lá quando a notícia surgiu? Não tem jeito de consertar isso. Não tem
como contornar. Emily finalmente vai cair. Você devia ter aceitado minha
oferta, Derek. Eu deixaria você ficar por cima.
Eu deveria ter batido nela naquele restaurante.
— Se queria ser CEO, por que rejeitou a oferta de ações? Mais dinheiro no
seu bolso — perguntei.
Ela riu sem alegria.
— Eu não queria ser a CEO. Pelo menos não especificamente. Eu queria
que ela falhasse. A IPO será adiada. Após a investigação necessária,
finalmente serei a única colhendo os frutos. E não tem como você mudar isso.
— Você não mereceu nada disso, Lita.
— Estou lá desde o início. A Flawless é minha.
Desliguei e liguei para Emily novamente. Sem resposta.
Eu precisava pensar. Precisava consertar isso. Precisava de Emily.
— Mas que porra das porras foi essa que você fez, Price? — Jane invadiu o
escritório com a mão em sua arma de choque.
— Ai, merda — Roger sussurrou.
— Jane, não tenho tempo para brigar com você agora. Pode me dar um
choque com a arma mais tarde.
— Você é burro assim? — ela exigiu, ignorando a oferta de me eletrocutar
depois. — Você tinha que saber que Lita estava tramando alguma coisa!
— Eu não sabia que era sobre roubar fórmulas e encenar um caso comigo
— gritei de volta. Frustração e raiva e, pior, impotência guerreavam dentro de
mim. De fato, eu deveria saber ou pelo menos suspeitar. Eu a subestimei
como sendo apenas mais uma víbora gananciosa e invejosa. — Você sabia?
— Claro que não — ela gritou. — Eu teria enfiado ela em um baú e jogado
para Steve se eu soubesse o que ela estava fazendo. Você precisa consertar
isso!
Eu não sabia se poderia. Poderia contornar algumas coisas e ameaçar com
processos. Mas como poderia reconquistar a confiança de Emily? Era uma
coisa tão delicada e tênue. E eu tinha caído direto na armadilha.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, cansado.
— Estou com o endereço de Nina Nowak. Achei que você gostaria de ir
junto e ver por que ela, de repente, decidiu destruir a mulher que consertou o
seu rosto. Se eu não gostar do que ela diz, talvez eu possa estragar a sua cara
de novo.
Pelo menos havia algo que eu poderia fazer por ela. Algo que poderia
reparar. E eu poderia impedir que Jane fosse para a cadeia.
— Rowena, quando a advogada chegar aqui, conceda acesso a qualquer
coisa que ajude a fazer com que isso desapareça.
— Pode deixar! Aonde você vai?
— Vou consertar isso.
— Não seja preso! Não temos dinheiro para a fiança.
Eu segui Jane porta afora.
— Onde Emily está? — exigi saber.
— Ela foi para casa mais cedo porque tem até as nove de amanhã para se
demitir da Flawless.
Meu punho deixou um buraco considerável e satisfatório no gesso da
parede.
44

A traição pesava muito. Muito mais do que a densidade familiar da


expectativa e da responsabilidade. A traição me deixava com uma sensação
de desamparo, desesperança, apatia. Eu queria encontrar aquela raiva que me
dava energia e trazê-la de volta à vida.
Ficar irada era melhor do que devastada.
— Tome, minha linda amiga. — Luna dançou até onde eu estava, descalça
e charmosa em uma saia esvoaçante e um top curto. Ela colocou uma taça
com um líquido espesso e roxo escuro em minhas mãos.
— O que é isso? — perguntei.
— É uma mistura com ervas e sucos de frutas para dar serenidade. O
colágeno que tem nele vai fazer coisas incríveis pela sua pele.
Minha pele parecia estirada. Tudo havia mudado. Em apenas um dia, perdi
tudo e até meu corpo me parecia estranho.
Além disso, passei tanto tempo no banheiro esta tarde que fiquei
desidratada.
Nós nos reunimos na casa de Luna. Ninguém falou em voz alta, mas devido
ao fato de Derek ser tão adepto a invadir a minha casa, eu não me sentia
segura lá. Eu não conseguiria vê-lo. Eu vacilaria e, ou acabaria estilhaçada
em mil pedaços ou matando o desgraçado. Daisy teria me ajudado a desovar
o corpo, mas ela estava em seu iate nas Bahamas.
A casa de Luna era como se sua alma tivesse explodido de forma triunfante
a cada metro quadrado. Estávamos em seu terraço coberto ouvindo o bater
das ondas. Lanternas coloridas e deslumbrantes fios de luzes pendiam do teto
sem um padrão específico. A mobília era baixa e acolchoada em tons de roxo,
vermelho e dourado. Me recordava um estúdio de meditação à beira-mar, só
que bem exagerado.
Sua fonte borbulhava feliz no terraço de ladrilho. Mais à frente, a piscina
brilhava suavemente sob a luz do luar. Velas acesas flutuavam em sua
superfície.
Tomei um gole de serenidade e fiz uma careta quando Luna não estava
olhando. A mulher exagerava no açafrão.
— Luna, como funciona esse estéreo? — Cam quis saber de um dos lados
da lareira ao ar livre.
— Deixa comigo — disse Luna, dançando até lá.
Cam se juntou a mim no sofá baixo de madeira com almofadas da cor de
romã.
— Toma isso — falou ela, entregando-me uma taça de vinho bem grande.
— Não derrame sua serenidade diretamente nas plantas senão elas vão
murchar e morrer. Cave um buraco pequeno na areia.
— Obrigada — agradeci.
— Estamos preocupadas com você — falou, tomando um gole de sua taça
de vinho.
— Também estou preocupada comigo mesma — falei secamente. — Foi
um dia daqueles.
A música veio dos alto-falantes não visíveis acima de nós. Eram cânticos de
monges.
Cam deu uma risadinha em seu vinho.
— Deus ama essa garota.
— Vamos rever parte por parte — sugeriu Luna, voltando para nós e se
sentando em uma poltrona de vime. — É importante se permitir sentir o
trauma, ou ele pode se enraizar em seu corpo.
— A influenciadora vegana de beleza do Instagram fala a verdade —
provocou Cam.
— Vocês não vão querer ouvir — suspirei.
— Sim. Nós queremos — Luna disse com firmeza. — Comece do início.
Então, eu despejei tudo. Tudo. Começando com a revelação que tive no
corredor da AHA, depois passando para o telefonema de Trey, as exigências
da minha mãe e a tempestade de merda da imprensa. E então Derek. Ou, mais
precisamente, Derek e Lita.
Elas ouviram até o fim, sem me interromper.
— E, para completar, meu pai me liga e diz que o conselho está esperando
que eu apresente a minha demissão da Flawless amanhã às nove.
— Mas que palhaçada — rebateu Cam.
— E como se sente com isso? — perguntou Luna, apoiando o queixo na
mão.
— Como me sinto? Extremamente péssima, Luna.
Eu me sentia pressionada e derrotada. E talvez apenas um pouco,
minimamente melhor por ao menos colocar as palavras para fora.
— Ótimo. É exatamente assim que deve se sentir — concluiu Luna com
aprovação. Os monges acima de nós atingiram uma nota especialmente
monótona.
— Gostaria de salientar que a Ems aqui parece estar muito mais chateada
com aquele deus britânico do sexo do que com o lance da Flawless — disse
Cam.
— Não estou — argumentei.
— Querida, você está — falou Luna com suavidade. — Ele magoou você.
Profundamente. Irreparavelmente. Assustadoramente.
Cam levantou um dedo.
— Escuta, não estou querendo ser desleal, mas você não acredita que ele
realmente trepou com Lita, não é?
— Você viu as fotos — rebati.
— Tecnicamente, isso não responde à pergunta — apontou Luna. — Todas
nós vimos as fotos e ainda estou inclinada a concordar com a bela Cam aqui.
Soltei um suspiro e pensei na habilidade barra superpoder de Lita quando o
assunto era seduzir um homem. No charme sedutor de Derek.
— Olha, mesmo se eles não transaram, essas fotos deixaram muito claro
que algo além de negócios estava rolando. — Minha barriga revirou
novamente. Santo Deus, ainda tinha algum líquido no meu corpo? — Algo
que ele escondeu de mim depois que eu deixei bem claro que qualquer coisa
menos do que transparência total era um fator impeditivo para mim.
— Justo. Ele estragou tudo — concordou Cam. — Mas estou vendo uma
campanha difamatória bem orquestrada e multifacetada. Todo o resto é
mentira. Então, por que essas fotos não seriam mentira também?
Odiei a centelha desprezível de esperança que se acendeu de um modo
patético em meu peito. Eu quis matá-la.
— Eu não sei. Isso importa mesmo? — Ele ainda estava fazendo algo
errado, meu instinto de sobrevivência gritava comigo.
Cam pegou a minha taça de vinho vazia e a encheu do vinho que estava no
carrinho de bar. Havia uma árvore de bonsai ao lado de uma garrafa da sua
vodca orgânica favorita.
Luna balançou o cabelo rebelde sobre os ombros.
— Cam tem razão. Não tem como todas essas histórias terem aparecido
independentemente umas das outras. Alguém quer te ferrar.
— Sim, e esse alguém teve sucesso.
O som do motor de um pequeno barco chamou nossa atenção. Vimos as
luzes se apagarem na baía. O barco estava acelerando em nossa direção.
— Se isso são paparazzi, eu vou atirar neles com um sinalizador —
declarou Cam, ficando de pé.
Juntas, descemos para a praia, empunhando as taças de vinho como se
fossem armas. Um pequeno barco de madeira lustrosa atracou a alguns
metros de nós. Algo tão brilhante quanto uma bola de discoteca se moveu
atrás do leme.
— É todo seu, Martin.
Daisy, usando um chapéu de capitão, um vestido de festa midi em um prata
reluzente e colete salva-vidas, desceu a popa e pulou na água.
— Sandálias! — ela pediu.
Um par de sandálias prateadas de salto voou pelo ar e pousou na areia aos
meus pés.
— Champanhe! — pediu Daisy novamente. Um comissário carregou uma
caixa de champanhe até a margem e a colocou ao lado das sandálias. Ele fez
uma saudação para mim, depois para Daisy, antes de retornar ao barco.
— Garota, você com certeza sabe como fazer uma entrada — Luna disse,
abraçando Daisy na arrebentação.
— Como se eu não fosse abandonar uma flotilha quando minha amiga pode
precisar das minhas conexões com o submundo do crime para fazer um
monte de pessoas desaparecerem? — ela bufou.
— Obrigada, Dais — agradeci, dando-lhe um abraço. As lantejoulas do seu
vestido espetaram a minha pele, mas o abraço mais do que compensou o
desconforto.
Um longo gongo soou.
— Que diabo é isso? — Cam perguntou.
— Campainha — respondeu Luna, saltitando alegremente de volta para a
casa.
— Provavelmente é o delivery — falou Daisy, jogando a cauda encharcada
de seu vestido sobre o braço. — Eu pedi um bufê do Village. Comida cubana,
sushi e queijo grelhado.
Champanhe, comida que acalentava e um vestido de festa de seis mil
dólares em ruínas. Essa era Daisy. Esse era a minha amiga.
— Então, quem armou para você? — demandou Daisy enquanto
marchávamos de volta ao terraço. — Foi Derek? Ele tem os contatos para
isso, obviamente, mas ele tem uma alma tão covarde?
— Sinceramente, não tenho a capacidade mental para resolver isso agora.
Vamos deixar para amanhã.
Eu sabia.
Aquela foto havia provado uma verdade para a qual eu não estava
preparada. Doía muito para examinar. Se eu pudesse ignorá-la por mais
algumas horas, quem sabe eu estaria preparada para enfrentá-la. Quem sabe
eu teria um plano.
— Doce Jesus, que diabo de música é essa? — Daisy reclamou. — Deixe
que eu tomo conta do aparelho de som.
— Deixe que eu tomo conta do champanhe. Caramba, garota, uma caixa de
Veuve Clicquot? — Cam entrou em êxtase.
— Só o melhor serve para corações partidos.
Pedi licença e entrei na casa. Eu precisava jogar um pouco de água fria no
rosto, talvez falar com Jane. Não tive notícias dela desde que ela saiu atrás de
Nina, a garota que alegou que o produto que desenvolvi deixou o seu rosto
permanentemente marcado.
Aquilo era demais. Tudo era demais.
Eu ouvi a voz de Luna vindo da porta da frente.
— Escute, Derek. Eu agradeço a intensidade de sua emoção no momento.
Minhas entranhas gelaram. Derek estava aqui. Lutar ou fugir? Eu queria
desesperadamente fazer as duas coisas. Em vez disso, me abaixei atrás de um
pilar como uma covarde, fora de vista, mas ainda podendo ouvir a conversa.
— Ela não está atendendo o telefone, nem respondendo as mensagens. Ela
não está em casa. — Ele parecia desesperado e, de alguma maneira, sua dor
diminuiu um pouco da minha.
— Você obviamente se preocupa profundamente com ela — continuou
Luna. — Mas não é hora de falar com ela. Você precisa ir embora e quero
que pense sobre o papel que desempenhou em tudo isso. Descubra quais
lições você pode aprender com isso.
Ela estava dando uma lição de casa para Derek Price. Teria sido ridículo se
eu não estivesse prestes a chorar ou a bater minha testa no mármore.
— Luna — ele chamou o nome dela com desespero. — Eu só preciso olhar
pra ela. Preciso saber se ela está bem.
— Eu entendo, mas agora, as necessidades da minha amiga vêm em
primeiro lugar, e se você tentar ultrapassar esse limite, vou ter que te chutar
nas partes baixas. E eu realmente não gosto de violência.
Luna era a amiga que toda mulher no mundo precisava.
— Não aconteceu nada. Com Lita, quero dizer — disse ele. — Não importa
o que essas fotos digam, eu sou de Emily.
Eu pude ouvir Luna amolecer.
— Eu sei disso. E acho que, no fundo, Emily também sabe. Mas você não
pode apressar essa dor que ela está sentindo.
Ambos ficaram em silêncio por tanto tempo que eu quis espiar pelo
mármore e ver o que estava acontecendo.
— Você vai cuidar dela, então? — Derek perguntou, sua voz áspera.
— Eu vou. Vá se cuidar.
— Vai dizer a ela que eu... que estou pensando nela? — ele perguntou.
— Provavelmente, não — ela respondeu com alegria.
Eu olhei pelo canto da coluna. Derek estava parado na porta, as mãos nos
bolsos, os ombros caídos. Ele abaixou a cabeça.
— Eu só preciso vê-la — disse tão suavemente que não tive certeza de que
essas foram suas palavras.
Ele ergueu a cabeça e aqueles olhos azuis se fixaram em mim.
— Emily — murmurou.
— Soco nos países baixos, Derek — lembrou Luna, batendo a mão em seu
peito. — Não me obrigue a fazer isso. Eu prometo que vou cuidar dela. Ela
não precisa de você no momento.
Ele ainda estava olhando para mim. Eu não conseguia tirar meus olhos dele.
Havia tanta dor e frustração agitando o ar entre nós.
— Me diga o que fazer. — Ele estava dizendo isso para mim.
Custou tudo o que eu tinha, virar as costas e ir embora.
Machucava. Muito mais do que qualquer outra coisa. Derek Price tinha a
chave da minha destruição.
— Tem algo que pode fazer. — A voz de Luna veio até mim. — Estamos
quase sem gelo e vamos passar para a parte de champanhe gelado e bebidas
mistas da noite. Pode deixar dois sacos de gelo na porta da frente. E pode ir
para a casa de Emily, já que é muito bom em invadir, e trazer as coisas dela
numa bolsa. Ela vai passar a noite aqui — disse com firmeza.
Entrei no lavabo e fechei a porta. Caindo contra ela, fechei meus olhos, não
tendo certeza se queria rir ou chorar. Derek parecia tão devastado quanto eu.
Mas era por ter pedido a aposta ou por ter me perdido?
Me demorei lavando o rosto. Deixando a água fria se chocar contra minha
pele.
Quando saí do lavabo, Luna carregava dois sacos de comida na direção do
terraço.
Tirei um dos sacos de sua mão.
— Você não tem uma máquina de fazer gelo profissional na cozinha do
bufê? — perguntei.
Ela fingiu inocência.
— Hum, pensando bem, tenho. E você já trouxe as coisas para passar a
noite, não é?
Já.
— Que jogo é esse, mestre das marionetes? — indaguei, seguindo-a na
direção de Bruno Mars e do estalo de uma rolha de champanhe.
— Só estou dando a ele a chance de mostrar como se sente, sem que você
tenha que enfrentá-lo antes de estar pronta.
— E se ele não fizer nada? — perguntei, meus intestinos ainda fervendo
lentamente.
— Então, você vai ficar sabendo.
E se ele fizesse o que foi encarregado de fazer? Nesse momento, eu não
tinha certeza do que era pior.
Não tinha certeza de nada além do fato de que não estava pronta para
encará-lo. Não até que estivesse imune àqueles olhos azuis devastadores.
45

Nós comemos. Bebemos. Dançamos ao som de música dance e trocamos


histórias de corações partidos.
E ninguém disse uma palavra quando quatro sacos de gelo, uma caixa com
todos os ingredientes para Bloody Marys e uma bolsa de viagem Louis
Vuitton com quatro hambúrgueres de fast food enfiados em um dos bolsos
apareceram na porta da frente.
Eu não consegui dormir. O quarto de hóspedes de Luna era lindamente
decorado em um completo estilo de estúdio de ioga Zen, com aparelho de
ruído branco, difusor de aromaterapia e um travesseiro com essência de
lavanda. A roupa de cama era de pelúcia macia. A arte era relaxante e havia
uma pilha de livros de poesia na mesa de cabeceira cromada.
E eu não conseguia parar de pensar.
Depois de pensar demais por uma quantidade vergonhosa de tempo, abri a
bolsa que Derek tinha feito para mim. Meu conjunto de pijama favorito, um
short de algodão orgânico e uma camiseta de manga comprida, estava
cuidadosamente dobrado por cima. Ele incluiu roupas de academia e tênis,
um vestido e sandálias de tiras, três pacotes de Imodium e uma bolsa com
meus produtos habituais de maquiagem e cabelo.
O homem fez uma mala para mim melhor do que eu.
Havia um cartão de anotações dobrado entre as camadas de roupas.
Emily.
Meu nome estava rabiscado no envelope. Avançando um pouco, eu queria
meu nome passando pelos lábios de Derek Price?
Encostei-me na grande cabeceira de travesseiros com revestimento de seda
orgânica e fechei os olhos.
O que você quer?
A pergunta favorita de Derek ecoou na minha cabeça enquanto eu
dedilhava o envelope.
O que eu quero? Agora que tudo havia explodido. Que não havia mais
paredes, nem estrutura. O que eu quero?
Meu iPad, outro acréscimo atencioso à bolsa de viagem, vibrou.
Mensagens. Presumi que havia muitas.
Debati durante mais um longo momento, porque, o que mais eu tinha para
fazer? Além de escrever minha carta de demissão, é claro. Tirei o aparelho da
bolsa.
Me perguntei se Derek tinha feito alguma coisa o dia todo além de me ligar
e me mandar mensagens. Havia dezenas de mensagens dele. Pulei todas elas.
Ainda não existia parte minha preparada para ter qualquer contato direto com
o homem. Não quando eu estava tão... ferida. Minhas defesas estavam baixas,
e eu não poderia raciocinar com ele até que minha cabeça estivesse clara.
Argh. Havia mais mensagens de voz da minha mãe. Me preparando, cliquei
na última, de uma hora atrás. Parecia que eu não era a única com dificuldades
para dormir esta noite.
— Emily. É sua mãe. Não sei por que você não está retornando minhas
ligações, mas temos uma emergência familiar. Trey precisa sair do país. Tem
alguma bobagem sobre um mandado e, francamente, só precisamos ganhar
tempo até que sua equipe jurídica possa se envolver. Eu preciso que você
apronte um avião para ele esta noite. Ele diz que o Vietnã não tem extradição
e tem praias lindas. E tenho certeza de que ele pode sobreviver com uns 300
mil.
Nada de “Seu pai me contou o que aconteceu e eu sinto muito estou com
raiva magoada por você.” Nada de “Você está bem? Isso deve ser
devastador.”
Ela era incapaz de me amar da maneira que eu precisava ser amada. A
compreensão foi tanto dolorosa quanto um alívio.
Usei o telefone na mesa de cabeceira e liguei para minha mãe.
Ela atendeu imediatamente.
— Oi, mãe.
— Emily, graças a Deus! Por onde você andou? Preciso da sua ajuda.
— Falou com o papai? — perguntei, interrompendo-a.
— Ele insiste que Trey resolva isso sozinho — ela zombou como se fosse a
ideia mais ridícula que já tinha ouvido.
— Estou falando de mim. Sobre a Flawless, mãe.
— O quê? Oh, ele mencionou algo sobre você renunciar. Você fica com o
dinheiro e não precisa fazer nenhum trabalho — ela disse com leveza. Eu
podia imaginá-la espantando a questão para longe como um pequeno
mosquito não digno de sua atenção. — Emily, isso é uma emergência. Eu
preciso que você prepare o seu avião. Já conversou com seus advogados?
Não consigo fazer os nossos retornarem as minhas ligações. Acho que seu pai
os proibiu de se envolver.
Eu estava perdendo membros da família a torto e a direito. Seus títulos e
sangue de repente não eram mais suficientemente bons para ganharem um
lugar na minha vida.
Minha mãe continuou seu discurso sobre a injustiça de Trey ser
responsabilizado.
— Eu nunca mais seria capaz de mostrar minha cara em público. Bethenny
com certeza iria salivar com um pedaço suculento de fofoca desses.
— Não, ela não faria isso, mãe. Porque Bethenny não está nem aí para você
e a sua imagem. Ela está ocupada demais vivendo a vida e sendo feliz.
Deveria tentar algum dia.
— Emily — ofegou minha mãe.
Mas eu segui em frente, alimentada por já ter perdido tudo. Não havia
sentido em fingir ser a filha boa e obediente. Não mais.
— Não vou ajudar Trey. Se ele defraudou pessoas, então merece qualquer
punição que receber.
— Como pode dizer isso? Ele é seu irmão! Ele precisa de você!
— Isso é o que acontece quando você constrói a vida dependendo do
patrimônio líquido de outra pessoa. No final, você é apenas impotente. Algo
que eu nunca serei.
— Não é tão fácil para todo mundo, Emily — disse minha mãe com frieza.
— Fácil? — Eu ri sem um pingo de humor. — Você acha que o que eu fiz é
fácil? Tem ideia dos sacrifícios que fiz para construir essa vida? As coisas
que desisti de fazer para ser a boa filha, a líder forte, a impecável Stanton?
— Não seja tão sensível — sussurrou Venice. — Nem todo mundo quer
construir um negócio. Seu irmão simplesmente não é empreendedor. É difícil
para ele ficar feliz ou orgulhoso de você porque ele não a entende. E,
francamente, querida, eu não o culpo. Ultimamente, você não fez nenhum
esforço para que gostem de você.
Tomei isso como um elogio. Não havia poder em ser querida.
— E você, mãe? Está feliz por mim? Está orgulhosa de mim? Você, ao
menos se importa que minha vida esteja desmoronando porque pessoas que
não fizeram por merecer uma vida como a minha pensam que têm direito ao
que é meu?
— Nem tudo é sobre você, Emily! Isso é uma crise familiar, e preciso que
faça o que for necessário para manter o seu irmão longe de problemas e o
nome da família longe da lama.
— Estou perdendo tudo por causa de algo que não fiz. Trey vai ser punido
por algo que fez, e você está mais preocupada com isso.
E, embora Trey fosse o favorito dela, minha mãe ainda não conseguia vê-lo
como algo além de um peão encantador.
— Não seja tão dramática. Você vai ficar com as suas ações. Trey é seu
irmão!
— Ele é pouco mais que um estranho que não me trata com respeito —
atirei de volta.
— Não tenho tempo para lidar com seus problemas agora.
— Você nunca teve. Então, vou facilitar para você. De agora em diante,
você, Trey e eu somos conhecidos. Nada mais. Não estou mais disponível
para sua escalada social nem para suas manipulações familiares. Acabou para
mim.
— O que isso significa, Emily? — ela perguntou de um jeito mordaz. —
Você está sendo mais do que egoísta. Honestamente, não consigo acreditar
que você é minha filha.
— Também não consigo acreditar. Boa sorte, Venice.
Desliguei o telefone e puxei o fio da tomada. Não havia necessidade de
acordar a casa com as demandas incessantes da minha mãe no meio da noite.
Sentindo-me mais forte, voltei ao iPad e subi a tela procurando mais
mensagens.
Havia uma mensagem de texto de Bethenny.
Bethenny: Nunca vi tanta mentira. O que você precisar de mim e de Ed, é
só dizer. Vou formar um exército de advogados ou contratar o primo terceiro
de Ed, Louie, que pode ou não ter laços questionáveis em Nova Jersey. Estou
aqui para você. O que precisar. P.S. Falei com seu pai, que não parecia
preocupado o bastante com a situação para o meu gosto. Ele está em posição
fetal chorando em algum campo de golfe agora.
Senti vontade de chorar.
O meu círculo era pequeno. Muito pequeno. Mas era poderoso.
Eu: Isso significa muito para mim. Obrigada. Almoço em breve.
Larguei o tablet, peguei o bilhete ainda fechado e cruzei até as portas do
terraço. Eram portas francesas em arco, românticas, cobertas por delicadas
cortinas em cores de aquarela. Abri os dois conjuntos e fiquei no umbral,
absorvendo a umidade que se demorava nas horas mais tardes da noite, o
barulho constante das ondas na praia.
Eu não era impotente. E eu não era estúpida.
A foto do meu aniversário de 21 anos foi uma que Lita tirou de mim. “Lady
Stanton no seu melhor”, ela tinha provocado enquanto eu vomitava o álcool
do meu organismo. Ela prometeu que aquela foto nunca veria a luz do dia.
Amigos não faziam isso.
Foi ela quem insistiu que saíssemos. Insistiu para que bebêssemos. Insistiu
para que caras pagassem bebidas para nós. “Você sabe quem ela é, não é?”,
ela havia sussurrado de modo conspiratório no ouvido de cada barman.
“Você está desperdiçando esta grande vida privilegiada”, reclamou.
“Deveria ir ao Mediterrâneo nas férias de primavera. Ou alugar um
condomínio no Cabo para o Natal. Não estudar e se enfurnar em laboratórios.
Está perdendo tempo.”
Eu acreditei nela e concordei em passar meu aniversário de uma forma mais
tradicional.
Eu quase fui para casa com alguém. Um estranho. Eu estava bêbada e
paquerando geral. E o cara, amigo de um amigo de Lita, foi bem... insistente.
No último segundo, eu desisti. E ele morreu.
Lita tinha orquestrado isso. Tudo isso. Eu soube no segundo que vi a foto.
As perguntas incisivas de Derek sobre confiança. Os comentários
depreciativos de Jane sobre Lita. Eu era a única que ficou surpresa com a
traição?
Mas qual foi o papel de Derek em tudo isso?
Eu não conseguia imaginá-lo com ela. Não conseguia vê-lo caindo em suas
artimanhas. Ele tinha as suas próprias e usou todas em mim. De alguma
forma, de um jeito que não fazia sentido lógico, eu ainda não duvidava de
seus sentimentos por mim.
Mas ele agiu pelas minhas costas. Ele se colocou em uma situação que
forçava a dúvida. E mais uma vez, não tinha me dito nada.
Eu tinha me cercado de muitas pessoas que não me amavam e não queriam
o que era melhor para mim. E esse era o preço que estava pagando.
Mas eu não cometeria mais esse erro. E agora que o expurgo havia
começado, eu estava pronta para mais. O fundo do poço não passava de uma
base. E eu faria a reconstrução. Mas dessa vez, seria da vida que eu queria.
Bati o cartão contra a palma, debatendo.
— Dane-se — suspirei para a escuridão. Enfiei meu polegar debaixo da
dobra do papel e abri.
Emily, Ainda temos assuntos a tratar. Me diga o que você quer.
Com amor, Derek Claro, não era um pedido de desculpas nem mesmo um
apelo para se explicar. Esse não era o estilo de Derek Price. Aquilo era um
lembrete de que ainda não tínhamos terminado.
— Au. — Uma forma escura avançou pesadamente em minha direção.
— Jesus, Brutus! Você nunca dorme na sua própria casa? — perguntei
quando o São Bernardo entrou no quarto e subiu na cama.
Eu tinha trabalho a fazer. Me joguei no colchão ao lado do cachorro do
tamanho de uma rua inteira e peguei o telefone. Era hora de acordar algumas
pessoas.
— Jenny? — falei quando minha advogada atendeu no segundo toque.
— Me diga o que posso fazer — ela anunciou rapidamente.
— Como está acordada agora? São duas da manhã.
— Estou no meu sétimo cappuccino. Tenho nove pedidos de cessação de
ato violador com ameaça de processo elaborados e prontos para serem
pleiteados amanhã. Depois comecei os processos de difamação de fato apenas
para ter algo para fazer. Também passei 20 minutos matando aquela Nina
Nowak de susto para que ela revelasse tudo depois que Jane e Derek a
encontraram. E você? — Suas palavras voavam em uma explosão de excesso
de cafeína.
— Pois é. Quanto a isso. Está disposta a fazer mais algumas manobras
legais esta noite?
— Claro que sim. Estou pronta para reorganizar legalmente os rostos de
algumas pessoas. Pode mandar!
— Isso pode ser visto como conflito de interesses, visto que estou sendo
demitida — eu a lembrei.
— Estou aquecendo meus dedos médios para a minha partida amanhã.
— Você não precisa deixar a empresa só porque eu vou sair.
— Emily, eu acredito em você. Não em um nome ou uma marca. E, com
certeza, não acredito em um grupo de traíras mesquinhos e avarentos. Para
onde você for, eu vou.
— Nesse caso, terei uma posição de advogada interna aberta em um novo
empreendimento, se estiver interessada...
— Aqui! É minha! Me dê!
— Jenny, talvez você devesse beber um pouco de água ou algo assim?
Duas horas depois, saí na ponta dos pés da ala de hóspedes para a sala de
estar principal. A sala de estar de Luna era um santuário para todas as coisas
brilhantes, orientais e de ioga. A revista Architectural Digest vinha
implorando uma sessão de fotos há anos. Mas Luna permanecia firme em sua
crença de que um lar só deve ser compartilhado com amor.
Daisy estava roncando no sofá. Seu colete salva-vidas pendurado em uma
cadeira de vime. Uma garrafa vazia de champanhe rosa barato estava caída
em um tapete de lã vegana que mais parecia uma nuvem.
Amor.
Daisy e o resto das meninas tinham largado tudo. Por mim. Eu não estava
causando inconveniência. Elas não me pediam nada em troca. Porque nos
amávamos.
Círculos pequenos e fortes.
Coloquei um cobertor de alpaca em cima dela e rabisquei apressadamente
um recado no bloco de papel reciclado de Luna, deixando-o na cafeteira onde
alguém com certeza o encontraria.
46

Invadir o apartamento de Derek no meio da noite não foi tão difícil quanto
achei que seria. A atendente da recepção, uma mulher injustamente animada
às quatro da manhã, me cumprimentou pelo nome quando entrei furtivamente
no saguão.
— Senhorita Stanton, que bom ver você! — Aderindo ao código de conduta
das pessoas que serviam aos protagonistas de escândalos, ela não mencionou
minha desgraça pública por educação.
Eu apreciei isso.
No seu crachá estava escrito Kimmy, e ela balançava para frente e para trás
em seu banquinho como uma criança que não conseguia ficar parada.
— Oi, Kimmy — falei, apoiando-me na mesa. — Esqueci a minha chave do
apartamento do senhor Price e ele está dormindo. Não quero acordá-lo
batendo na porta ou ligando. Você pode me ajudar?
Significado implícito: Você está disposta a ajudar uma bilionária que em
breve ficará desempregada a invadir o apartamento do ex?
— É claro! — respondeu Kimmy, provavelmente feliz por ter algo para
fazer além de terminar o seu Sudoku.
Garanti que meu sorriso fosse um de agradecimento, não de desespero.
— Obrigada.
— Deixa eu fazer um cartão temporário para você. Basta que o senhor Price
me avise se precisar de um permanente novo.
— Você é a melhor, Kimmy.
— Amei o cabelo, a propósito. Super fodão.
Minutos depois, encarei a porta da frente de Derek, com o cartão novinho
nas mãos. Essa era a escolha. Eu poderia me virar, ir embora e encontrar uma
maneira de reconstruir a minha vida em ruínas. Ou…
Passei o cartão e entrei.
Estava escuro, mas a lua lançava luz suficiente para eu ver a bagunça. A
pasta dele estava caída no chão perto da porta. A gravata ao lado dela. Havia
uma trilha de roupas e objetos pessoais descartados que ia da porta da frente
até a sala de estar. A mesinha de centro estava cheia de garrafas de cerveja e
uma garrafa vazia de uísque.
O notebook estava aberto. O telefone no chão, a tela rachada.
E ali, roncando no sofá, estava Derek Price bêbado e inconsciente. Ele
dormia com um braço enfiado atrás da cabeça, vestindo nada além de uma
calça de moletom de cintura baixa e óculos de leitura, docemente tortos. Seu
cabelo apontava para todos os ângulos, como se tivesse enfiado os dedos nele
muitas vezes.
Pela primeira vez em horas, o desejo de sorrir foi irresistível.
Eu fiz a escolha certa.
Ele deu outro ronco baixo e eu pude sentir o cheiro do álcool quando ele
flutuou em minha direção.
Se isso ia acontecer, eu precisava do homem acordado. E sóbrio.
Puxei uma manta de caxemira de uma poltrona e coloquei sobre ele. Foi
quando percebi a camisa enfiada debaixo do braço. Era minha. Uma que eu
deixei aqui. Qualquer gelo que restava nas rachaduras do meu coração se
derreteu.
— Droga, Price — sussurrei.
Na cozinha, liguei sua máquina de café expresso. Enquanto esperava pela
magia da cafeína, bisbilhotei descaradamente as pastas abertas em cima da
bancada.
O dossiê completo e oficial de Emily Stanton estava ali, bem grosso e
tentador. Mas foi uma pasta vermelha aberta debaixo de outra garrafa de
cerveja vazia que chamou minha atenção. Tirei a garrafa e virei a pasta.
Lita.
Claro que ele sabia. A julgar pela pesquisa, ele havia suspeitado desde o
início.
Eu deixei passar. Não enxerguei a inveja dela nem seu ataque velado e
traiçoeiro. Ela nunca fora uma amiga. E Derek percebeu isso de imediato.
Ele tentou me dizer, eu lembrava. “Por que confia na Lita?” E eu ignorei.
Folheei o arquivo. Ele pediu para o amigo do boxe, Jude, segui-la. Contato
suspeito observado com a La Sophia. Droga. Havia anotações de seus
almoços com ela.
Ela tentou me seduzir sob o pretexto de um flerte inocente. Inclinando o
corpo para perto. Sussurrando. Acariciando meu braço. Até tentou bancar a
donzela em perigo. Resumindo: ela quer tudo o que é da E. Isso me inclui.
Espero que E tenha a oportunidade de dar um chute na cara dela. Preciso
encontrar uma maneira de contar a E antes que L ataque.
Eu já tinha visto o suficiente da traição de Lita e abri a pasta seguinte.
Contudo, não estava preparada para o que encontrei.
Parecia que o dossiê de Lita era bem mais completo do que o meu. Tentei
respirar fundo. Não tinha certeza do que era pior: a traição ou o fato de não
ficar surpresa.
Havia mais anotações ali.
Quero cuidar pessoalmente dessa aqui. Ou assistir Jane usar a sua arma
de choque. Derek tinha pressionado a caneta com tanta força que as palavras
foram entalhadas no papel.
O cheiro do expresso fresquinho penetrou a minha névoa de
autocomiseração. Eu tinha trabalho a fazer e precisava do homem
inconsciente abraçando a minha camisa de ginástica para fazer isso acontecer.
No mesmo momento, ele gemeu.
Era o ruído áspero e rouco dos derrotados e desidratados. Eu o conhecia
muito bem.
Peguei a xícara de café expresso e a minha bolsa e levei os dois para a sala.
— Emily? — ele murmurou em minha camiseta. Coloquei a xícara na
mesinha de café com um tinido. Um de seus olhos se abriu. Estendi o braço
acima dele e acendi o abajur.
— Acorda, Price.
— Você está aqui. — Ele se sentou ereto, balançando as pernas para fora do
sofá. Seus pés chutaram três garrafas, que se quebraram.
— Puta que pariu — ele gemeu, segurando a cabeça entre as mãos.
— Você está péssimo — suspirei, levando um monte de garrafas vazias da
sala para a cozinha.
— Não vá embora — pediu.
Ele estava de pé, cambaleando.
— Sente aí e tome o seu café — insisti.
— Acho que isso é um sonho — ele murmurou para si mesmo.
— Price, sente-se. Beba a droga do seu café. E fique sóbrio porque temos
trabalho a fazer.
Ele semicerrou os olhos do outro lado da sala.
— Você é mandona como a Emily de verdade.
O homem era mais que frustrante. E, ok, adorável. Além disso, tão lindo
que olhar para ele doía.
Sua calça estava desamarrada, pendurada em seu quadril e exibindo aquele
torso definido da melhor forma. Seu cabelo sedoso estava arrepiado em tufos,
e a barba escura em sua mandíbula lhe dava uma vibe de bad boy. Minha mãe
insistia que homens que não se barbeavam eram inadequados. A mulher não
sabia o que estava perdendo.
Joguei os vidros em sua lixeira de recicláveis e voltei para a sala. Parei na
ponta do sofá, sem confiar em mim mesma para me aproximar mais.
Tínhamos negócios a tratar, e ele estava um pouco vulnerável e atraente
demais desse jeito.
— Sente-se — pedi novamente.
Ele se beliscou na barriga.
— Ai.
— O que está fazendo? — Eu o empurrei de volta ao sofá. Ele pousou sem
graça e jogou a cabeça para trás contra a almofada. Sentei-me na extremidade
oposta, mantendo uma distância segura entre nós dois.
— Vendo se você é real.
— Ah, eu sou muito real. Agora beba o seu café.
Obedientemente, ele pegou a xícara e deu um gole, ainda me olhando.
Ficamos sentados assim, em silêncio, por longos minutos.
— Está aqui pelo meu pedido de desculpa ou pelo seu? — questionou ele,
finalmente quebrando a quietude.
— O meu? — zombei.
— Tudo bem, vamos ouvir então.
— Ainda está bêbado?
— Posso estar vagamente bêbado e com muita, muita ressaca, mas ainda sei
que nós dois devemos um pedido de desculpas um ao outro.
E era por isso que eu amava aquele homem.
— Por que decidiu encher a cara essa noite? — perguntei, mudando
abruptamente de assunto.
— Por quê? — Sua voz ecoou pelo espaço. — Minha namorada estava sob
ataque e não confiava em mim o suficiente para me deixar ajudar!
— O que quero dizer é: você ficou bêbado porque me perdeu ou porque
perdeu a aposta?
Sua testa se enrugou.
— Está fazendo perguntas muito complexas quando eu tenho mais álcool
que sangue nas veias.
— Não é tão complexa.
— É quando você assume que os dois são independentes um do outro. Eu te
decepcionei — confessou. — Subestimei a ameaça. Não te protegi dela. E me
permiti ser colocado em uma posição que fez parecer que minha lealdade
estava dividida.
— Lita. — Falei o nome sem nenhuma das emoções que sentia.
— É uma psicopata manipuladora que tem tanta inveja de você que não vai
parar até te destruir. E você acreditou nela mais do que em mim.
Talvez o homem merecesse um pequeno pedido de desculpas.
— Ainda acredita? — perguntou com raiva.
— No quê?
— Acredita que eu fui atrás dela? Que fui o mentor por trás de tudo isso?
Que nunca me importei com você?
Eu não estava pronta para lidar com tudo isso. Havia trabalho a fazer. Uma
vingança para se obter.
— Vamos manter isso profissional por enquanto — falei. Deslizei o
contrato na mesa até ele.
— Profissional? — Foi a sua vez de ironizar. — Você quer falar de
negócios?
— Parece que você não cumpriu sua parte no trato, senhor Price — falei,
tirando a tampa de uma caneta. Eu a coloquei em cima do contrato. — Tenho
alguns papéis que você precisa assinar.
47

A mulher era uma mercenária. E aquela mercenária estava preparando uma


xícara de café, bem descontraidamente, enquanto eu lia aquela blasfêmia em
forma de contrato.
O contrato que dava a Emily Stanton cinquenta por cento do Alpha Group.
Eu perdi a aposta. Tinha prometido a sua IPO e, em vez disso, ela perderia
tudo em umas – olhei para o relógio em cima do rack – quatro horas.
Eu falhei com ela. Ela perdeu. E ainda assim…
Eu a observei voltar da cozinha. Ela afundou no sofá e se sentou na posição
de lótus. Não vi a mesma tristeza ou medo naqueles olhos que assombravam
a minha alma. Olhos da cor de jeans e platina.
Eu vi fogo.
— Bem? — Ela arqueou uma sobrancelha fina.
Sem palavras, peguei a caneta.
Esse contrato me ligaria a ela e vice-versa. Não havia nada que me
impedisse de fazer isso acontecer. Eu lutaria para voltar ao coração e à cama
dela. E essa parceria me proporcionaria uma posição segura. Agora, ela não
podia simplesmente desaparecer. O contrato era minha esperança, e ela o
entregou de bandeja para mim.
Se isso era o necessário para provar minha lealdade, meus sentimentos,
então ela poderia ter tudo o que eu possuía.
— Espere — falou, parando minha mão com a dela. — Tem algo que você
precisa saber primeiro. Aquelas manchetes sobre o meu aniversário de vinte e
um anos. É tudo verdade.
— Acho difícil de acreditar — disse com aspereza.
Ela se afastou.
— Para mim, é importante que você saiba a verdade primeiro.
— E, para mim, é importante assinar sem saber a verdade. Você está
arruinando o meu gesto nobre.
— Como pode ter senso de humor em um momento como esse?
— É parte do meu notável charme — respondi, rabiscando minha assinatura
na primeira página.
— Droga, Derek — murmurou. — Você não pode realizar um gesto nobre
quando não sabe tudo. A verdade pode te fazer mudar de ideia.
Uma parte dela esperava que fizesse.
Eu continuei assinando.
— Conte o seu segredo — solicitei.
— Lita queria sair no meu aniversário de maioridade. Ela não gostou nada
que eu estivesse planejando ficar em casa. “Você merece se divertir um
pouco, Lady Stanton”.
Eu estremeci, reconhecendo a manipulação dela.
— “Ele é fofo”, ela me disse. “Vá ser um ser humano normal. Encha a cara.
Passe a noite com um estranho”. Eu era jovem. Estava bêbada. E facilmente
influenciada pela minha amiga. — Emily disse a palavra “amiga” com
amargura.
— Eu não fazia esse tipo de coisa. E por um bom motivo. Mas naquela
noite, eu me senti mais uma Lita Smith do que uma Emily Stanton. E por um
bom motivo. Estava entrando no carro do cara quando uma garçonete me
tirou dele. “Acredite em mim, querida, você não vai gostar de si mesma
quando acordar amanhã.”
Ela esfregou os joelhos com as palmas das mãos.
— O barman tentou convencê-lo a ir de táxi para casa. Houve uma briga
pelas chaves, mas no final ele foi embora no carro. Encontrei Lita dentro do
bar. Ela parecia quase com raiva por eu não ter ido com ele. “Você é
boazinha demais para o seu próprio bem”, ela reclamou. Eu senti que a
decepcionava, então paguei outra rodada. É assim que eu geralmente
compensava Lita. Comprando coisas para ela. Ela gostava de presentes. E eu
gostava de ter uma amiga.
Meu coração se partiu um pouco mais pela garota solitária de jaleco.
— Quando eu estava em casa vomitando enquanto Lita assistia, eu nem
conseguia me lembrar da aparência do cara. Para o horror da minha mãe,
algumas fotos acabaram em blogs de fofoca de quinta. A pior delas me
mostrava dançando em cima do bar de um clube drag em South Beach. Mas o
escândalo maior nunca chegou ao conhecimento público. Até agora —
retificou, mirando o olhar em mim.
— Só descobri alguns dias depois que o cara com quem não passei a noite
morreu. Ele passou direto por um posto policial de controle de velocidade, a
polícia o perseguiu e ele perdeu o controle do veículo. Bateu em um dique de
concreto e morreu no local.
— Jesus, Emily. Você poderia estar lá com ele — ofeguei.
— Foi isso que Lita disse. Só agora, em retrospecto, sei que ela disse
querendo que eu estivesse. Ela me mostrou o artigo. Na hora, eu nem
reconheci o nome dele. Ela o conhecia. E acho que ela planejou que nos
encontrássemos. Talvez já estivesse jogando esse joguinho desde aquela
época.
Lita estava. Eu tinha certeza disso. Eu a odiava. Odiava seu ódio, inveja e
ganância. Odiava que tivesse magoado a mulher que eu amava.
— Mas ela nunca contou a ninguém. Ela guardou esse segredo. Achei que
isso queria dizer que poderia confiar nela.
— Em vez disso, queria dizer que ela estava esperando o momento certo
para usar esse segredo contra você — presumi. — Você não é responsável,
sabe. Pelo que aconteceu com ele.
— Agora, eu sei. Talvez pela primeira vez — sussurrou Emily. — Então,
agora você sabe.
— Está me vendo correndo para a porta?
— Está com muita ressaca para correr.
Ela deslizou para mais perto até que nossas pernas se tocaram. Eu tive que
apertar as mãos para não tocá-la. Colocando sua xícara na mesa, ela tomou a
caneta de mim e repetiu o processo de assinatura. Ela estava com olheiras. Já
que eram cinco da manhã, supus que ela não tinha pregado o olho.
Mas havia uma energia crepitante vinda dela, e eu precisava estender a mão
e sentir essa energia. Tocá-la.
O desejo me atravessou como um raio. Ela era o que eu queria, e eu só
precisava saber que jogo estávamos jogando para que eu pudesse bolar uma
maneira de vencer.
— Excelente — ela disse de maneira artificial. — Agora, vamos para o
próximo.
Outro contrato? Era uma ordem de restrição? Uma oferta de compra de
controle acionário? Um acordo pré-nupcial?
Tudo que eu precisava saber sobre o nosso futuro seria friamente esboçado
em jargão jurídico.
Ela me entregou papéis e esfregou as palmas das mãos nos joelhos
novamente.
Fiz uma careta ao ler a primeira página, me perguntando se eu precisava de
uma prescrição de óculos nova.
— O que... — Mas a pergunta nunca chegou a se materializar totalmente.
— Assine. — Emily agarrou meu pulso com firmeza.
— Não posso assinar isto — contestei.
— Por que não? Você acabou de me dar metade da sua empresa.
— Jesus, Emily. Eu pensei... — Em vez de assinar eu a agarrei e a puxei
para o colo. Enterrei meu rosto em seu peito e prendi os braços em volta de
sua cintura.
Pude ouvir o ruído baixo de sua risada, e então ela estava beijando o topo
da minha cabeça e retribuindo meu abraço. Os pedaços do meu coração
estilhaçado e idiota se fundiram novamente com o toque. Não querendo ficar
de fora, meu pau ganhou vida.
— Achei que tivesse estupidamente pensado que poderia escapar impune de
terminar comigo e roubar a minha empresa — declarei, abraçando-a com
mais força.
Ela riu novamente.
— Pensei estupidamente nisso por uns dez segundos. Mas eu sou uma
mulher muito inteligente, Derek. Você não teve culpa de nada além de
estupidamente me deixar no escuro outra vez.
— Volte para a parte que sabe que eu não tive culpa.
Ela riu de novo, e o som saiu mais leve do que deveria, dadas as
circunstâncias.
— E quanto à Flawless? E o conselho e a IPO?
— Termina hoje. É isso que eu quero.
— Eu sei que é — falei.
— Cala a boca. Você não sabe nada — ela rebateu, me dando um tapa de
brincadeira no peito.
Tomei sua mão na minha e dei um beijo em seus dedos.
— Você é um tremendo gênio — declarei.
— Sabia que diz “tremendo” quando está bêbado? — ela ressaltou.
— Estou de ressaca agora, não bêbado, querida.
— Então, o que me diz? — perguntou, colocando as mãos em meus
ombros.
— Parceiros? — pressionei.
— Em tudo. — Seus dedos brincaram com as pontas do meu cabelo.
— Eu sei que não vale muita coisa agora — falou ela. — E pode não
parecer uma troca justa nem mesmo um bom investimento. Mas eu te
prometo...
— Cale a boca, amor. Você é a porra da Emily Stanton, e isso é tudo o que
eu quero.
Ela segurou meu rosto com ternura.
— Esperava que você dissesse isso. — Seus lábios dançaram sobre os meus
suavemente. Mas eu não suportaria nada suave ou tenro. Não com o alívio e a
esperança ardendo tão forte por dentro.
Assumi o beijo, exigindo sua rendição. Mas Emily nunca se entregava sem
lutar.
Ela era agressiva e selvagem. Sem limitações. Do jeito que eu a amava.
Sua língua varreu a minha boca. Emaranhou-se com a minha, fazendo-me
esquecer a ressaca e a mágoa.
Eu amava essa mulher com ferocidade. E eu faria qualquer coisa que ela
pedisse.
— Devia ter me contado sobre Lita.
— Eu deveria ter me esforçado mais para tentar te contar sobre Lita —
refutei.
— Não pode me proteger das coisas me deixando no escuro — disse.
Quando fiz menção de falar, ela pressionou a palma na minha boca.
— Vamos pular a parte em que você me lembra que eu não estava aberta a
aceitar qualquer crítica sincera e focar em como vamos dar o troco.
Tirei sua mão da minha boca.
— Preciso que você saiba que nada aconteceu entre Lita e eu. Eu sei o que
aquelas fotos aparentam. Mas foram encenadas. Eu não... eu não...
A compreensão me atingiu. Se Emily acreditasse que eu tinha dado em
cima de Lita, ela teria me chutado no saco e me dado uma joelhada no rosto.
Não haveria uma invasão domiciliar com direito a café de manhã cedo.
— Você já acredita em mim — concluí.
Ela fez uma cara de “dã”.
— Claro que acredito em você. Tive que lutar para superar a loucura inicial.
Mas você deixou o que sente por mim muito claro.
— Deixei? — Eu a beijei novamente.
— Me diga de novo mesmo assim — ela disse, se afastando.
— Acho sua mente infinitamente fascinante — eu disse, beliscando seu
pescoço.
— Hum.
— O seu corpo é a minha perfeição, o meu playground — exalei, enfiando
a língua debaixo da gola de sua camisa para provar a curva de seus seios.
— Nossa.
— No que diz respeito ao seu tempo, não estou disposto a me contentar
com nada menos do que todos os dias da sua vida. — Deslizei a mão por
baixo da bainha de sua blusa, passando a palma sobre sua barriga plana e
quente até que meus dedos roçaram o começo do seu sutiã.
— Quer mais alguma coisa? — perguntou sem fôlego.
— Quero alimentar Steve.
— Apenas residentes alimentam Steve — ela sussurrou com o fantasma de
um sorriso brincando em seus lábios inchados.
— Isso não me parece um problema. Cristoff iria gostar de cozinhar para
dois.
— Tem certeza? — indagou, os olhos esperançosos.
— Absoluta.
Contorcendo-se, ela se curvou para trás, puxou o segundo contrato da mesa
e bateu no meu peito com ele.
— Então, assine isso.
— Tem certeza de que é isso que você quer? — perguntei. Ela tinha
construído aquilo. Ela continuaria a construir, e nós dois sabíamos que Emily
Stanton não fazia nada pela metade.
— Eu quero que você fique com cinquenta por cento do AHA. Isso inclui o
prédio e o equipamento, o que não é muita coisa agora. Mas existem futuras
patentes. E antes de aceitar, precisa saber que tenho planos para ...
Eu a cortei e pressionei o contrato contra seus seios, assinando com um
floreio de caneta. Aquilo precisava ser assinado agora, antes que eu ouvisse
qualquer plano brilhante que ela tinha para trilhar o seu novo caminho na
vida. Ela precisava saber que eu confiava cegamente nela. Que eu a amava
sem uma fortuna ou uma empresa.
Ela ficou muito quieta.
Encontrei seu olhar.
— E agora somos parceiros — resumi baixinho.
Ela assentiu e mordeu o lábio inferior.
— Meio a meio.
— Você e eu.
Ela assentiu novamente.
— Como seu intestino está?
Ela balançou a cabeça e riu com pesar.
— Nada te escapa.
— Nada.
— Surpreendentemente bem para uma mulher prestes a perder sua empresa
de bilhões de dólares e os últimos quinze anos de cada minuto que viveu.
— Pois é. Se ganha uma coisa, se perde outra.
Ela jogou a cabeça para trás e riu. O movimento a fez deslizar pelas minhas
coxas para se encaixar bem em cima de mim.
— Você devia fazer isso todos os dias pelo resto da vida — falei para ela,
passando a mão da sua cintura até o seu ombro.
— O quê? Rir? Ou isso? — Ela rolou o quadril contra minha virilha.
Cerrei os dentes quando meu pau latejou.
— Tire a porra da calça agora, Emily, e vamos nos comprometer de
verdade.
— Oh, por que assinar mais de cinquenta por cento de nossas empresas não
foi suficiente? — brincou.
Mas eu estava tirando a sua blusa e pressionando o rosto em seus seios.
— Me mostre o quanto quer estar comigo — exigi.
Juntos, lutamos para tirar sua calça, que caíra em cima do abajur.
Provavelmente haveria um perigo de incêndio, mas ela estava segurando meu
membro e liberando-o da minha calça de moletom. E eu não me importava se
incendiássemos toda a Miami.
Segurei a respiração e o seu quadril quando ela guiou a cabeça até o ápice
de suas coxas. Molhada. Quente. Amei.
Pelas janelas, o céu estava ficando mais claro. Um novo dia amanhecendo.
Cheio de possibilidades. E então Emily me levou para dentro dela com um
gemido baixo. Eu a segurei em mim, minha boca apertando um mamilo rosa
atrevido. Isso era certo. Isso era assustador. Isso era real.
— Me mostre, Emily. Mostre como se sente. O que você quer. — Minha
voz era como vidro quebrado. — Mostre enquanto eu te falo.
— Derek — ela engasgou quando começou a se mover.
— Eu te amo — falei. — Eu te amo demais.
Falei várias e várias vezes enquanto ela me cavalgava rápido, com força, até
nós nos perdermos. Até ela gozar e me arrastar ao ápice junto com ela. Eu
explodi, meu gozo me deixando oco, ao passo que a enchia.
Todas as nossas peças quebradas se fundiram, formando algo novo. Algo
inquebrável.
— Eu te amo, Emily — sussurrei novamente contra seu seio úmido de suor.
Ela ficou calada por um bom tempo. Ainda se recuperando dos tremores de
sua liberação.
— Eu sei.
Rosnei, apertando seu quadril com força, e ela riu.
— Eu te amo, Derek.
48

Cada diretor sentado à mesa estava exibindo a saúde bucal atual. As bocas
de todos os doze membros estavam bem abertas.
— Perdão, senhorita Stanton — disse o financista de 83 anos e terno Hugo
Boss. Ele foi o primeiro a quebrar o silêncio. — O que quer dizer quando
afirma que está recusando a nossa oferta de demissão?
— Exatamente isso, Warren — anunciou Emily. — A Flawless é a minha
empresa. Eu sou a proprietária majoritária e, infelizmente para você, não
pode simplesmente me expulsar. Eu sempre terei influência na política da
empresa.
— A CVM não aprovará a IPO se você estiver no comando — disse a
executiva desenvolvedora de aplicativos de penteado elaborado, batendo a
unha bem feita na mesa de conferência em um ritmo staccato.
— Estou ciente disso — concordou Emily com um sorriso sem humor.
— Não há necessidade de tornar a coisa feia, artilheira — Byron falou
acima do barulho da confusão.
— Não poderia concordar mais — disse Emily. — É por isso que estou
propondo uma contraoferta.
Eu estava de pé com Jane, cada um de nós flanqueando a porta da sala de
conferências, e assisti a fodona Emily Stanton desentranhar o conselho de
diretores que havia se voltado contra ela.
— É assim que vai ser...
Ela explicou para eles, e eu tive o prazer de ver rostos pálidos ficarem
vermelhos. Ela agarrou todos pelas bolas, e eu não poderia estar mais
orgulhoso.
— Esse é um pedido e tanto — falou um dos diretores, enxugando a testa e
a nuca com um lenço.
— Não estou pedindo — rebateu Emily.
— Eu sou hetero, mas ela nunca esteve tão atraente quanto agora —
sussurrou Jane.
— Estou no mesmo barco — concordei baixinho.
Ela estava magnífica, e eu mal podia esperar para levá-la para casa e dizer
exatamente isso enquanto beijava cada centímetro de seu corpo.
— Se vocês querem aquela IPO, e eu sei que querem, essa é a única
maneira de conseguir.
— Precisamos de tempo para discutir — começou um dos diretores.
— Vocês têm cinco minutos — disse Emily.
Eu estava tão excitado que tive medo de me envergonhar tendo uma ereção
na sala de diretoria.
Ela olhou por cima do ombro para mim e meu coração despencou. Isso era
amor. Quer fosse ficar no canto assistindo com orgulho enquanto ela acabava
com alguém ou lutando uma batalha por ela.
— Tenho mais uma condição — Emily anunciou enquanto o conselho
ainda tentava se recuperar.
— Qual é? — Imani perguntou.
— Lita Smith nunca mais ocupará um cargo nesta empresa. Nem mesmo no
nível de produtos de maquiagem de farmácia.

***

— Então essa é a sensação de não ser uma bilionária. — Emily suspirou,


entrelaçando o braço no meu enquanto saíamos da sala de conferências,
deixando o caos para trás. Jenny, sua advogada, distribuía papelada e canetas,
cuspindo ordens.
— Ainda tenho emprego ou isso é trabalho voluntário agora, chefe? —
indagou Jane atrás de nós.
Emily ergueu uma sobrancelha por cima do ombro.
— Acho que setecentos milhões ainda bancam o seu salário.
Ela havia chantageado o próprio conselho para que fizessem uma compra.
Uma compra muito atraente. Decidi que vou me casar com essa mulher. Só
não tinha certeza de como faria para ludibriá-la.
— Posso ganhar um aumento? E uma bebida? — Jane perguntou.
— Depois daqui, vamos comer um brunch — decidiu Emily. — Um brunch
com bebida. Eles ainda não pediram meu cartão corporativo de volta, então
será um presente de despedida da Flawless.
Paramos do lado de fora do escritório de Emily. Valerie e Easton se
levantaram como se fossem um só.
Emily sorriu.
— Hoje é o meu último dia.
Seus rostos mostraram vários graus de choque, confusão e preocupação.
— Está tirando uma com a minha cara? — exigiu Easton.
— Temo que não. O conselho comprou minhas ações e a empresa ficará
sob uma nova liderança. E assim que vocês dois arrumarem todas as minhas
coisas, podem tirar o resto do dia, pegar o cartão corporativo e sair para
beber. Bebam bastante. Seus empregos estão seguros. Vocês dois vão receber
um aumento e uma semana extra de férias. E a boa notícia é que o próximo
chefe pode ser mais legal.
Valerie, com os olhos marejados, jogou os braços em volta do pescoço de
Emily.
— Você é a minha heroína.
— Wind beneath my wings, tema do filme Amigas para Sempre. — Easton
começou a cantar.
— Certo, certo. — Emily deu um tapinha nas costas deles, meio sem jeito.
— Arrumar as coisas. Sair para beber.
Ela se virou para mim e esfregou as palmas das mãos.
— Pronto para a segunda rodada?
— Por favor, me diga que eu finalmente vou usar a arma de choque? —
choramingou Jane.
Eu também tinha bastante esperança de que isso acontecesse.
— Vamos quebrar esses ovos. Eu gosto de omelete — disse a ela.
Sorrindo, ela ficou na ponta dos pés e me beijou com gosto na boca.
— Obrigada — sussurrou.
Quando ela tentou se afastar, eu a impedi.
— Eu te amo, Emily.
— Estou ciente disso. — Ela sorriu.
Apertei sua bunda, aliviado pelas exigências de decoro de escritório não
existirem mais.
— Vá quebrar a cara de mais gente, amor.
— Vá fazer reservas para nós — ela devolveu com uma piscada de olho.
49

Apoiei meus pés na mesa e admirei o bico agressivo dos meus sapatos. Eu
provavelmente passaria mais tempo de Nike do que de Prada no futuro. Ou
completamente nua se Derek pudesse opinar.
Muitas coisas seriam diferentes. E a única coisa entre mim e aquele futuro
escancarado estava entrando pela porta usando um vestido de alta costura da
Givenchy. O tipo de vestido que você gostaria de ser fotografada usando
quando fosse nomeada CEO.
Lita parou quando me viu atrás de sua mesa, mas se recuperou bem rápido.
— Emily? O que está fazendo aqui? — ela perguntou, tirando os óculos de
sol enormes e examinando a sala.
— Estou aqui apenas para parabenizar a minha melhor amiga por sua nova
promoção — falei. — CEO. Tem certeza de que está pronta para isso?
Toda inocência e confusão fingida evaporaram como uma cobra ao trocar
de pele.
— Estou pronta para isso há anos. O resto da empresa também. Você não
tem visão, nem direção.
— Ah, e você tem? — Eu ri. — Você trabalha talvez umas vinte e cinco
horas por semana, e isso se eu contar seus almoços “de trabalho”. Sua equipe
faz todo o trabalho pesado. Você é preguiçosa. Se acha no direito e não tem
lealdade.
— Que lindo — ela riu sem alegria.
Eu senti como se estivesse em uma novela excessivamente dramática.
— Eu fiz mais por essa marca do que qualquer outra pessoa, incluindo
você. Você ainda estaria no laboratório brincando com pipetas se eu não
tivesse te tirado de lá.
Revirei os olhos.
— Então, você é uma traidora que sofre delírios? Engraçado. Me diga, a La
Sophia realmente esperava que você trabalhasse para eles, ou estavam só
comprando a minha fórmula com um salário e um cargo falso?
— Eles pagaram diretamente pela fórmula. Um salário e um cargo eram o
bônus — disse Lita. Ela largou a bolsa em uma mesa e remexeu nela,
retirando um espelho. — Mas isso não é nada em comparação a ser a CEO da
Flawless. A propósito, você deveria ir embora. Tenho uma reunião com o
meu conselho.
— Sim, sobre isso — falei, oferecendo uma careta falsa. Tirei meus pés de
sua mesa e me levantei. — Essa reunião vai ser um pouco diferente do que
você esperava.
Ela parou de delinear os lábios tempo suficiente para me olhar com desdém.
— Sério, em que mundinho de fantasia você está vivendo? Eu sei que eles
pediram a sua renúncia. Não acredita que ainda está no comando, não é? —
Ela fez beicinho. — Buá, que triste.
— Oh, eu não estou mais no comando, Lita. Pelo menos, não depois dessa
última tarefinha. O conselho me deu uma coisa a mais para fazer antes de
partir.
— E qual é? Empacotar as suas coisas? Vou ficar com esses chocolates
deliciosos para que você não precise levá-los para casa.
— Você está despedida, Lita. A Flawless não requer mais os seus
“serviços”.
Seus olhos se endureceram. E, pela primeira vez, eu a vi. Eu a vi realmente.
Debaixo das extensões, dos cílios postiços, da maquiagem. Ela não tinha
nada demais. Isso deveria incomodar.
— Só por diversão. Você me odiava mais pelo quê? Que eu sempre
chamava a atenção quando saíamos? Que eu tinha um fundo fiduciário? Que
eu só tirava a maior nota? Porque eu sei que não começou com a Flawless.
Você sempre me odiou.
De maneira eficiente, ela tampou o batom e o colocou de volta na bolsa.
Todas as máscaras se foram.
— Você não merece coisa nenhuma — ela sibilou. — Acha que apenas
nascer com um fundo fiduciário te torna digna ou interessante? Não torna. —
Ela deu um passo em minha direção e eu cruzei os braços para não bater nela.
— Você poderia ter tido muito mais. Tudo o que precisava fazer era
trabalhar para isso. Fazer por merecer. Mas você não fez isso. Eu te dei um
cargo e uma equipe, e ainda assim você não conseguiu fazer o seu trabalho.
Você não é melhor do que Trey, esperando por esmolas em todo lugar que
vai. É patético.
— Patético? Vá se foder, Emily. Patético é você se trancar em um
laboratório ou escritório e viver e morrer analisando dados. Você não merece
sua fortuna. É um desperdício você ter uma.
— Trabalho árduo nunca é desperdício. Você mal conseguiu terminar a
faculdade. Sem a minha ajuda, não teria se formado. E sem a minha
generosidade, certamente não estaria onde está agora.
— Generosidade? Você me lembrava o tempo todo que se achava melhor
do que eu. Eu te odeio — ela sibilou.
— É uma pena. Porque eu realmente me importava com você. — Era
verdade. E tinha confundido sua presença constante em minha vida com
lealdade.
— Você não se importa com nada nem ninguém — acusou.
— Isso não é verdade. Eu me importo com Derek.
— E eu o tirei de você — ela disse de forma presunçosa.
— Não, não tirou. Não dá para destruir lealdade de verdade, Lita.
— Você sabe o que ele sussurrou no meu ouvido quando me fodeu? —
indagou Lita, dando mais um passo. Estávamos cara a cara e, ai, como eu
queria quebrar aquele nariz cirurgicamente reto dela.
Um movimento atrás dela na porta chamou minha atenção. Derek, com o
rosto cheio de fúria, pairava na entrada. Eu balancei ligeiramente a cabeça,
mas ele não se mexeu. Então Jane puxou o seu braço. Empurrou. E quando
isso não funcionou, ela pulou nas costas dele e colocou um braço em volta do
seu pescoço.
Quase ri. Quase.
— Está vendo, Lita? Você nem se dá ao trabalho de fazer a própria lição de
casa. Eu sei que Derek não dormiu com você.
— Como pode ter certeza? Como pode saber que ele não está mentindo
para você?
Eu me inclinei, cheia de alegria.
— Ele não sussurra nada na cama. Ele fala bem alto se você não faz o tipo
dele.
Lita ironizou.
— Você continua tentando se convencer de que vive em um conto de fadas.
Já tirei outros homens de você antes. Por que Derek Price seria diferente?
Você viu as fotos.
— A minha advogada também conversou com o fotógrafo que você
contratou para tirar aquelas fotos. Ah, e ela falou com Nina Nowak, que tinha
um monte de coisas interessantes para dizer sobre você e a sua
“generosidade”. A equipe de Derek rastreou todos aqueles colegas de
faculdade que te ajudaram usando informações dos artigos. Todos eles
tinham depósitos suspeitos em suas contas bancárias. Dez mil dólares cada?
Não é um pouco barato para uma futura CEO?
— Vá se foder, Emily — Lita cuspiu. Ela estava perdendo a calma, a
confiança. E geralmente era nessa hora que ela atacava.
— E aí tem a La Sophia. Eles têm uma hora para emitir um pedido público
de desculpas e abandonar a reivindicação da minha patente. Imagino que vão
querer aquele pagamento que te fizeram. Então, no final, você não tem nada,
Lita. Exatamente o que você merece.
— Sua puta nojenta. Pelo menos tirei de você esse título do qual tanto se
orgulhava. Pelo menos eu tenho isso. — Ela cerrou os dentes.
Ainda não era o suficiente para ela. Eu podia ver em seus olhos, brilhantes
de raiva.
— Quem diria. Na verdade, eu não pedi demissão. Orquestrei uma
transferência de controle acionário. Muito generosa. Ah, e Derek e eu somos
sócios agora. Da empresa dele e do meu laboratório — falei com animação.
— Então tudo deu muito certo para mim. Eu deveria te mandar um cartão de
agradecimento.
Eu podia ouvir os dentes dela rangendo.
— Eu te odeio. Eu sempre te odiei. Você deveria estar naquele carro.
Deveria ter morrido também. — Suas narinas se dilataram.
— Eu queria te perguntar sobre isso. Realmente queria que eu morresse ou
havia outra coisa na jogada?
Seu sorriso era maníaco.
— Instalei câmeras no seu quarto. Eu poderia ter recebido uma boa quantia
por um vídeo de sexo estrelado por Emily Stanton.
Fiquei enojada. Dessa vez, foi Jane quem apareceu na porta, brandindo uma
arma de choque. Derek a segurou pela cintura, mas ela se agarrou aos lados
da porta e silenciosamente lutou por sua liberdade.
— Em vez disso, você perdeu o seu vale-refeição porque uma garçonete
que eu nem conhecia cuidou de mim como uma amiga deveria ter feito.
— Você sempre cai em pé, e estou aqui por causa disso, porra! Quando vai
chegar a minha vez? — ela se enfureceu.
— Nunca. Porque você não é boa o bastante.
Ela me deu um tapa. Com força. O som de carne batendo em carne ecoou
no vidro.
— Oh, isso é o melhor que consegue fazer? — perguntei.
Com um uivo de raiva, ela me atacou, cravando as unhas no meu braço e
jogando o cotovelo no meu queixo. Eu vi estrelas, mas foi o suficiente. Eu
finalmente impus um limite que não permitiria que ela cruzasse.
Me posicionei e enterrei o punho naquele lindo nariz dela.
Ela caiu no chão como um saco de martelos.
— Droga, isso dói sem luva — murmurei, sacudindo minha mão.
O escritório se encheu de gente. Derek e Jane entraram correndo, seguidos
de perto pelos seguranças do prédio.
Derek passou por cima de Lita e me envolveu em seus braços.
— Você está me abraçando ou me impedindo de bater nela de novo? —
perguntei acima da comoção.
Ele deu um beijo no topo da minha cabeça.
— Os dois. Você está bem?
Ele levantou o meu queixo e olhou para a marca que florescia em minha
mandíbula. Suas mãos deslizaram pelos meus braços, e ele franziu a testa
ferozmente para os arranhões cheios de sangue.
— Estou muito bem, Price.
— Nesse caso, acho que precisamos agendar uma reunião — falou.
— Sobre o quê?
— Sobre a perspectiva de um empreendimento conjunto.
— Já somos sócios meio a meio.
Ele apertou meus braços.
— Casamento, Emily. Eu quero me casar com você.
— Jane privou seu cérebro de oxigênio por muito tempo?
— Sim.
Eu sorri para ele e dei um beijo em sua boca.
— Estou disposta a discutir os benefícios potenciais de uma... fusão em
algum momento no futuro. Mas, primeiro, quero o maior jarro de Bloody
Mary disponível para a humanidade.
— Eu nunca vou conseguir usar essa arma de choque — Jane choramingou,
de pé acima da forma chorosa de Lita.
Seu sorriso desapareceu.
— Emily, tem outra coisa que você precisa saber. Lita não estava
trabalhando sozinha.
Eu o interrompi com a mão em seu peito.
— Eu sei. Eu vou lidar com isso mais tarde.
A porta do banheiro se abriu e Lona, a jornalista imperturbável, saiu.
— Já é seguro sair? — ela perguntou, olhando para Lita, que gritava sobre
processos com as mãos cobrindo o rosto ensanguentado.
— Lona, quase esqueci que você estava aí — falei animada. — Ah, e seu
gravador ficou ligado o tempo todo. Que vergonha. — Entreguei o aparelho a
ela.
— Na Flórida, as duas partes precisam consentir — Lita retrucou enquanto
o segurança a colocava de pé. Lindas, grandes gotas de sangue pingavam no
crepe branco de seu vestido. — Você não pode me gravar sem o meu
conhecimento. A senhorita perfeitinha deveria saber disso — disse cheia de
malícia.
— Bem, nós não podemos. Mas a CVM pode, se suspeitar de fraude. Você
conhece o agente Busto? — perguntei.
Na mesma hora, um dos homens que havia entrado com os seguranças se
apresentou. Ele tinha a cabeça raspada e o pescoço quase da mesma
circunferência.
— Senhorita Smith? — falou com todo o charme de um Steve rabugento
quando Frank, a arara, se recusava a calar a boca. — A CVM tem algumas
perguntas sobre os seus negócios com a La Sophia.
50

— Eu acho que seu trabalho aqui está feito — eu disse, colocando Emily
debaixo do meu braço enquanto Lita era escoltada para fora do prédio pela
CVM e pela segurança.
— Ha. Literalmente. — Sua risada soou um pouco frágil nas bordas. “Ela
provavelmente não vai conseguir nenhuma pena de prisão — previu.
— Talvez não — eu concordei. — Mas ela também não vai entrar em outro
emprego confortável de sete dígitos. Eu vou ter certeza disso.
— O que diabos aconteceu com Lita? — Trey Stanton, em shorts rosa e
chinelos, correu até Emily. — O que você fez com ela?
Eu a senti enrijecer sob meu braço e me coloquei entre eles.
— Você já lidou com o suficiente hoje — eu disse a ela. — Deixe-me ficar
com este.
O olhar de Emily deslizou sobre mim para seu irmão e depois de volta para
mim.
— Ele é todo seu — disse ela. — Jane? Me ajuda a carregar as coisas?
— Mas, mas, mas. Arma de choque. — Jane fez beicinho.
Emily colocou o braço em volta da amiga.
— O que é mais satisfatório, fazer meu irmão mijar nas calças com uma
arma de choque ou assistir Chá e Bolinhos fazer isso apenas com um rosto
assustador?
Jane deu um suspiro. Eles pegaram as caixas da vida corporativa de Emily e
se dirigiram para o Range Rover do lado de fora.
— Emily! Você tem que falar comigo — Trey gritou.
Então o idiota cometeu o erro de tentar ir atrás dela.
— Você vai conversar comigo — eu disse, agarrando-o pela nuca como um
cachorrinho. Ele ainda estava de óculos escuros dentro do prédio, o que me
deixou ainda mais furioso.
— Saia de cima de mim, cara. Eu preciso falar com minha irmã! — Ele
tentou se livrar do meu aperto, então apertei com mais força. Não cheguei a
me vingar de Lita. Mas Trey era uma história diferente.
— Sua irmã está ocupada.
Eu o conduzi em direção ao escritório do gerente de segurança do prédio.
Era uma pequena sala com duas escrivaninhas, uma estante de livros cheia de
pastas e duas cadeiras de visitas surradas. Eu o empurrei para baixo em uma.
— Onde Lita está indo? O que está acontecendo? — ele perguntou,
tentando se levantar. Eu o empurrei novamente e me sentei no canto de uma
das mesas.
— Isso realmente não é mais da sua conta.
Ele esfregou as mãos no rosto e no corte de cabelo de $ 300.
— Olha, apenas me diga o que está acontecendo.
— Você conspirou com Lita Smith para roubar e vender a fórmula de
tratamento de cicatriz de Flawless porque sua irmã não quis pagar sua dívida.
Trey piscou.
— Não foi assim que aconteceu.
— Você trabalhou com Lita para destruir a reputação de Emily, para que
ela fosse demitida.
Surpreendentemente agora, ele chutou para trás na cadeira.
— Ela precisava aprender uma lição. Primeiro a família.
— Como você coloca sua família em primeiro lugar, Trey?
Ele sorriu, e eu não pude evitar. Tirei os óculos escuros de seu rosto e os
joguei contra a parede.
— Jesus, cara! Custam quatro mil!
— Homens de verdade não usam óculos de sol dentro de um prédio e não
fazem outras pessoas pagá-los para eles, seu idiota.
— Qual é o seu problema?
— Você, seu idiota purulento. Qual é a contribuição para a sua família,
Trey? O que você devolve aos seus pais, sua irmã? Não, espere, deixe-me
adivinhar, — eu insisti quando ele abriu sua boca estúpida. — Sua
contribuição familiar é exigir que eles limpem sua bagunça, seu idiota
patético.
Ele revirou os olhos.
— Eu sou a criança, o bebê da família.
— Você tem trinta e três anos. Você parou de ser uma ‘criança’ há quinze
anos. Legalmente, pelo menos. Mentalmente e emocionalmente, você parece
ter cerca de quatro anos.
— Parceiro. Que diabos? Você não pode falar comigo assim.
— Você armou para sua irmã. — Eu agarrei a borda da mesa para não
sufocá-lo.
— Isso de novo. Ela merecia isso. Tão metida e poderosa sobre seu
dinheiro e seu trabalho. Jesus. Você pensaria que ela estava curando câncer
ou algo assim.
— Na verdade, ela está trabalhando com doenças cardíacas, não que você
dê a mínima, seu merdinha inútil.
— Parceiro. Não podemos parar com os insultos?
— Parceiro. Você tem sorte que sua irmã não me deu permissão para
destruir seu rosto, — eu atirei de volta.
— Olha, cara. Eu vou esclarecer isso com ela. Foi um mal-entendido.
Deixe-me falar com ela.
— Você não entende, não é? — Perguntei.
— Entendo o que? — ele perguntou, exasperado.
— Você estragou isso. Essa foi sua última interação com sua irmã. Para
sempre. Não há como voltar depois do que você fez.
— Então, ela perdeu o emprego. Lita vai me dar um cargo e alguma
influência. Talvez eu crie uma posição para Em depois que ela se desculpar.
Eu ri. A idiotice desenfreada desse idiota estava me deixando louco.
— Você já fez algum teste de QI? Fez vestibular? — Perguntei.
— Meu tutor fez o vestibular para mim. Meu tempo não é melhor gasto em
alguma sala de aula. — Trey bufou.
— Eu posso ver isso. — Ele era um idiota do caralho, e foi tudo culpa de
Venice Stanton. —Deixe-me soletrar para você. Você tentou tirar o que mais
importava para Emily. E agora você nunca mais a verá.
— O que diabos isso quer dizer?
— Eu me pergunto como seu pai vai se sentir? Ele é quem controla os
cordões da bolsa, não é? Ele não estava muito interessado em ajudar você a
sair dessa encrenca antes. Como ele vai se sentir quando descobrir que você
tentou sabotar o Flawless? A empresa de sua irmã. Ele está no conselho de
administração aqui. Ele tem um interesse pessoal. Então, realmente, você
ferrou com ele também.
— Olha, não é um grande negócio — insistiu Trey. — Emily estava sendo
uma vadia. Lita e eu ensinamos uma pequena lição a ela. Qualquer que seja.
— Agora é a minha vez de lhe ensinar uma pequena lição — disse
amigavelmente. — Você viu Lita saindo?
— Sim, o que diabos aconteceu com o rosto dela?
— Você verá em um ou dois minutos — eu previ. — Lita está sendo
questionada pela CVM. Você sabe o que é isso?
— A melhor pergunta é: eu me importo com o que é?
— Oh, eu acho que você vai se importar. Mas é melhor deixar algumas
coisas como surpresa. Sua namorada Lita...
— Nós apenas trepamos algumas vezes — ele esclareceu.
Eu balancei minha cabeça para clarear isso. — Muito bem, sua amiga Lita
está sendo investigada por cometer fraude.
— Jesus, o que há com todo mundo e essa besteira de fraude? — Trey
exigiu.
— O governo não gosta quando você fode com as pessoas — expliquei.
— Você pensaria que eles teriam coisas melhores para fazer.
— Certifique-se de deixar isso claro quando eles questionarem você.
— Eu?
— Lita está sob sua custódia por... o quê? — Eu olhei para o meu relógio.
— Cinco minutos inteiros agora. Quanto você quer apostar que seu nome foi
a primeira coisa que saiu da boca dela? Oh, eu esqueci. Você não tem
dinheiro. Você não pode apostar.
— Ela não iria... — Mas suas rodas lentas e desajeitadas estavam
começando a girar. Eu podia ouvir o ranger de máquinas não utilizadas.
Olhei para cima e localizei o homem que estava esperando.
— Então, para recapitular, você não só está enfrentando acusações de
fraude por seu pequeno festival de música inexistente, mas também vai
enfrentar algumas acusações muito sérias da CVM porque decidiu derrubar
sua irmã e ajudou Lita Smith a roubar e vender uma fórmula patenteada.
— Isso é besteira. É tudo besteira — disse Trey, pondo-se de pé.
— Isso é verdade? — Byron Stanton grunhiu da porta. Os olhos de Trey se
arregalaram de esperança. O idiota.
— Pai. Tudo isso foi um mal-entendido.
— A porra da sua vida foi um mal-entendido — Byron rebateu. — Você
não está recebendo nada de mim, seu filho da puta estúpido.
— Pai! Você não entende. Eles querem me prender! Eu não posso ir para a
cadeia!
A pior coisa do mundo para Trey Stanton seria ouvir o que fazer e quando
fazer.
— Tente usar isso em sua defesa — sugeri, movendo-me em direção à
porta.
Trey pegou o monitor do computador da mesa atrás dele e o arremessou na
minha direção. Atingiu a parede perto da minha cabeça. Minhas mãos se
fecharam em punhos.
— Um acesso de raiva? Mesmo?
— Cristo, esse garoto — Byron gemeu. Um teclado se chocou contra o
arquivo, as teclas voando em todas as direções.
— Esse é o primeiro problema — disse a ele. — Ele não é a porra de uma
criança.
Eu agarrei Trey pelo braço e ele tentou me dar um soco.
— Ele deu o primeiro soco — eu disse em tom de conversa. E então, eu
golpeei meu punho na barriga tanquinho de Trey e segui com um golpe
rápido em sua mandíbula famosa no Instagram.
Ele desabou no tapete, murcho e derrotado. Mas isso era totalmente
insatisfatório.
— Byron — eu disse enquanto passava pelo homem.
— Price — ele grunhiu de volta.
Saí sem dizer mais nada.
Jane me encontrou no corredor.
— Qual foi a sensação de acertar o filho da puta?
— Não foi satisfatório o suficiente — eu admiti.
Uma cadeira quebrou a janela de vidro do escritório e parou no corredor
atrás de mim. Trey estava gritando incoerentemente.
— Calma, porra, seu filho da puta — gritou Byron.
Em seguida, um monitor de computador passou voando pelo vidro
quebrado.
— Agora eu posso? — Jane perguntou.
— Fique à vontade — eu disse, saindo de seu caminho.
Saí com o som delicioso dos gritos de Trey e a risada maníaca de Jane
soando em meus ouvidos.
— Como foi? — Emily perguntou quando eu deslizei para o banco de trás
ao lado dela.
— Como era de se esperar — eu disse alegremente.
Ela pegou minha mão e comparou os nós dos dedos. Ambas as nossas mãos
direitas estavam feridas.
— Um bom dia — ela sussurrou.
Eu levantei sua mão machucada aos meus lábios, beijei cada junta
levemente.
— Um dia muito bom — concordei.
— Vamos pegar uma bebida — disse Jane, abrindo a porta do motorista.
— Sinto cheiro de carne carbonizada — disse Emily.
— Huh. Imagina — Jane meditou, colocando o SUV em marcha.
— Aqui — eu disse, cavando em meu bolso. — Trouxe algo para você. —
Peguei o relógio de Trey e entreguei a Emily.
Jane bufou.
51

— Para Emily-Fodona-Stanton — Cam disse, segurando um Bloody Mary


no alto.
— Desempregada fodona — eu corrigi.
— Para Emily-Desempregada-Fodona-Stanton — o resto da mesa disse em
coro.
Meu círculo – Cam, Luna, Daisy, Jane e Derek – ergueu seus copos no
meio do Bistrô do Mordecai. Também convidamos Lona para se juntar a nós,
desde que tudo permanecesse em sigilo.
E já que ela estava sentada na maior história de sua carreira, parecia feliz
em obedecer.
— Espere um minuto — disse Daisy. — Já que Emily não tem mais o status
de vagillionária, ainda podemos ser amigas dela?
— Garota, por favor — Luna riu. — Dê a essa mulher cinco minutos e ela
terá doze patentes, quatro testes em andamento e outra empresa de bilhões de
dólares.
— Vou beber por isso — Daisy cantou.
— Querida, você com certeza sabe como estrear um escândalo — Lady
Raquel em um macacão de lantejoulas rosa disse, inclinando-se para beijar no
ar minhas bochechas. — Orgulho de você.
— Obrigada, Lady Raquel. Estou me sentindo muito orgulhosa de mim
também.
— Tudo bem, crianças, vamos anotar alguns pedidos. Quem quer algo para
absorver o álcool?
Meu telefone vibrou na mesa.
Bethenny: Você e Derek têm planos para o jantar? Ed e eu adoraríamos se
você viesse. Podemos colocar o barco para fora.
Mostrei a mensagem a Derek e ele sorriu.
— Sem ofensa, mas gosto muito mais da ex-mulher do seu pai do que da
atual.
Eu ri e, pela primeira vez na minha vida, não me senti uma traidora quando
concordei.
Eu: Parece perfeito. Vamos levar o vinho.
Por reflexo, verifiquei meu e-mail e descobri que minha caixa de entrada
estava desativada. Eu soltei um suspiro. Não começaria todos os dias da
minha vida com o objetivo de processar os primeiros cem e-mails. Eu não
estaria sentada em reuniões de conselho ou revisando números de vendas,
aprovando campanhas de marketing.
Outra mensagem de texto chegou.
Esther: Tenho pensado. Se podemos identificar essas proteínas que indicam
danos, por que não poderíamos criar uma sintética projetada para corrigir o
dano muscular?
Mordi meu lábio para impedir o sorriso. Um novo desafio. Uma nova
direção. Uma nova família.
— Então, deixe-me dizer a vocês sobre ser assaltada — Cam disse.
— O que você acabou de dizer? — Luna perguntou, trazendo minha
atenção de volta para a mesa.
— Você disse assaltada ou apanhada? — Daisy interrompeu.
— Assaltada. Na verdade, tentativa de assalto. Um cara tentou pegar minha
bolsa no estacionamento do trabalho — disse Cam. — Eu acertei o pé dele
com meu stiletto.
— Meu Deus — eu disse. — Você precisa melhorar a segurança.
— Eu conheço um segurança — Derek acrescentou.
— Você está perdendo o ponto — disse Cam, exasperado. — Eu me sai
bem.
— Encontraremos para você um segurança gostoso — prometeu Daisy.
— Eu não quero um segurança, gostoso ou não — Cam protestou.
— Derek, seu amigo é gostoso? — Daisy perguntou, ignorando-a.
Ele encolheu os ombros.
— Eu não tinha pensado muito sobre isso, mas sim. Se eu gostasse de
homens, transaria com ele.
Daisy deu um tapa na mesa.
— Problema resolvido. Segurança gostoso.
Cam revirou os olhos.
— Isso não está acontecendo, seus esquisitos. Eu vou lidar com isso
sozinha.”
— Oh, porque isso sempre funciona tão bem — eu disse.
— Estou sentindo um sarcasmo — Cam meditou.
— Aí está você!
Jenny, com o terno amarrotado e o cabelo despenteado, puxou uma cadeira.
— Ooh! Hora da atualização — disse Luna, mexendo os dedos com
entusiasmo.
— Deixe-me começar por cima — disse Jenny, abrindo uma pasta na mesa.
— Dê uma bebida para a mulher — Derek sugeriu.
— Eu não diria não — disse Jenny. — Primeiras coisas primeiro. Sua
patente não está completa, mas é acionável o suficiente. Podemos provar que
a fórmula que La Sophia está comprando pertence à Flawless e você tem
todos os dados desde o início. Não há como eles replicarem isso a tempo para
a intimação que providenciei. Eles têm quarenta e oito horas para produzir
todas as suas ‘pesquisas’. Se não conseguirem fazê-lo, podemos prosseguir
com a ação legal e a CVM pode entrar em ação. — Ela virou a página com
gosto.
— Próximo item. Você sabia que a patente do seu redutor de rugas está em
seu nome, não da Flawless? — Jenny perguntou.
Mordi meu lábio e Derek riu baixinho ao meu lado.
— Pode ter me ocorrido — admiti.
— Para que a Flawless continue a vender esses produtos, eles terão que
comprar a patente de você.
— Que pena — disse Derek.
— Eu estaria aberta a uma troca justa — eu disse. — Eu dou a eles o
redutor de rugas se eles me derem o tratamento da cicatriz. — Derek apertou
minha perna em aprovação por baixo da mesa.
— Considere feito — disse Jenny. — A CVM não está inclinada a permitir
um IPO neste momento. Não com uma investigação pendente sobre Lita. O
mais cedo que pode ser aprovado é no primeiro trimestre do próximo ano.
— Bem feito para esses ingratos de merda — disse Daisy com desdém.
— Para ingratos de merda! — Luna disse, erguendo seu copo. Luna era
uma adorável peso leve para bebidas.
— Falando em investigações, Lita enfrentará acusações — continuou
Jenny. — Uma tonelada delas. Na minha opinião profissional, se ela foi tão
longe, há outras coisas que não descobrimos. Mas a CVM pode.
— Butt-ton! — Daisy deu vivas.
— E o meu querido irmão? — Perguntei.
— Bem, ele tentou convencer seu pai a abrir um processo contra o Sr. Price
por, e cito, ‘reorganizar o rosto dele’e Jane por fazê-lo ‘mijar nas calças’.
Mas seu pai não estava inclinado. Na verdade, ele mesmo chamou a polícia e
entregou Byron Stanton III para policiais uniformizados e, em seguida,
chamou um advogado de divórcio.
Engasguei com meu Bloody Mary. Parecia que novos começos estavam
acontecendo em todos os lugares.
— Você faz um bom trabalho, Jenny, — eu disse, enxugando minha boca
com um guardanapo.
— Eu sou muito, muito cara. Estou feliz que você ainda pode me pagar.
— Isso pede champanhe — eu disse. Beijei Derek na bochecha e deslizei
para fora da cabine. No bar, pedi algumas garrafas e um bolo. Eu queria bolo
hoje.
— Celebrando alguma coisa?
Eu me virei para a mulher ao meu lado e quase escorreguei do meu
banquinho. Era uma das autoras.
— S-sim — eu gaguejei.
Eu tinha acabado de ter um confronto com o conselho de diretores, uma
briga física com meu nêmesis, e agora estava com a língua presa por falar
com uma mulher em calças de ioga e uma camisa Tequila Tacos and Naps.
— De fato, eu estou.
— Parabéns, seja o que for. Eu amo um final feliz — disse ela, os dedos
voando sobre o teclado de seu laptop.
— Aí vem o meu, agora, eu disse enquanto Derek se aproximava.
— Hmm, mandíbula cinzelada coberta de restolho. Terno cortado
descuidadamente. Ooh. Olhos como o ponto mais profundo do Caribe.
— Eu gosto de pensar neles como uma geleira azul — eu disse a ela.
— Geleira. Legal. — Seus dedos dançaram sobre o teclado.
— Estou bem aqui — disse Derek.
— E nós estamos sentadas bem aqui apreciando você — disse a autora. Ela
tomou o resto de sua bebida e sinalizou para outra. — De repente, estou me
sentindo inspirada.
— Boa sorte — eu disse a ela.
— Você também — disse ela sem tirar os olhos da tela. — Vocês têm tacos
no menu? — ela perguntou ao barman.
Peguei a primeira garrafa aberta de champanhe e deslizei para fora do
banquinho.
Derek serpenteou seus braços em volta de mim.
— O que você acha de nós pegarmos essa garrafa e fugirmos para o
banheiro?
— Os banheiros são meio nojentos. Talvez o terraço da cobertura, já que
está fechado até o jantar? — a escritora sugeriu.
— Vamos, querida — Derek disse, me puxando em direção às escadas. —
Vamos encontrar nosso final feliz.
Atrás de nós, meus amigos, meu círculo, ainda estavam brindando.
— Para Derek, estou tão feliz por não ter que socar você.
— Para Derek.
Epilogo

— Eu tenho alguns papéis para você revisar quando tiver um momento,


amor. — O caloroso afeto na voz de Derek desviou minha atenção do
microscópio ao qual eu estava colada.
— Esta é uma boa surpresa — eu disse, levantando meus lábios para um
beijo no meu namorado sexy, inteligente, bem vestido e devastadoramente
bonito.
Era uma manhã de sábado, ou pelo menos tinha sido duas horas atrás,
estremeci, observando a hora no relógio. Um dia lindo e quente lá fora, e eu
estava feliz, trabalhando em uma amostra de sangue e novos dados que
mudariam vidas.
— Está quase na hora de parar — disse ele, deixando cair uma pilha de
documentos legais ao meu lado na mesa de trabalho de aço inoxidável. —
Pensei em buscá-la e poderíamos ir para o bar da praia para um almoço
tardio. Talvez terminar a tarde nadando pelado e bebendo em casa?
O homem sabia como me afastar do trabalho como nenhum outro.
— Isso soa perfeito — eu disse, levantando do banquinho e deslizando
meus braços ao redor de seu pescoço. — O que está errado?
Ele parecia... nervoso? Um Derek nervoso era um Derek suspeito.
— O que você está tramando? — Eu exigi. — Você roubou as chaves do
Porsche de novo?
Ele riu, os olhos azuis brilhando e me deu um susto saber que em breve, eu
poderia conhecer outra pessoa com seus lindos olhos.
— Você é uma pessoa desconfiada, não é? — ele disse, acariciando a mão
afetuosamente sobre meu cabelo. Eu o puxei para trás em uma tentativa de
mantê-lo fora do meu caminho enquanto fazia testes e absorvia os dados.
— É você que está aí parado como se tivesse um segredo — eu apontei.
— Talvez meu segredo esteja nesses documentos — ele incitou.
Com um suspiro, eu o soltei. — É melhor não ser mais um contrato de
palestra.
Seis meses depois que saí da Flawless e depois que o artigo detalhado de
Lona saiu dos bastidores, eu ainda estava rejeitando ofertas para discursos e
entrevistas. Mas eu estava muito ocupada preparando o exame de sangue da
AHA para a fase um do ensaio clínico.
Para mim, o passado estava no passado. A desgraçada e sob investigação
Lita havia deixado a cidade e a última equipe de pesquisa de Derek me disse
que estava ocupada levando Merritt Van Winston ao casamento. Meu irmão,
Trey, estava se preparando para o julgamento por fraude. Sua nova
namorada, a atriz Zoey Grace, estava pagando seus honorários advocatícios
porque nossos pais estavam envolvidos em seus próprios procedimentos de
divórcio.
— Emily, querida, eu perderia seu tempo com isso? — Derek perguntou
secamente.
— Sim. Você faria.
— Não é uma palestra. É uma fusão. Importante. E está faltando uma coisa.
— Ele enfiou a mão no bolso e retirou uma caixa de veludo preto e colocou-a
em cima dos papéis.
Meu coração pulou uma batida.
Casada. Casamento com Derek. Outra camada de parceria. Eu estava
pronta? Ele estava? Ele sabia meu adorável segredinho? Era por isso?
— Antes de analisar demais isso até a morte, leia o acordo — disse ele,
empurrando os papéis e a caixa do anel para perto de mim.
Com dedos trêmulos e cuidadosos, peguei a caixa do joalheiro e coloquei-a
cuidadosamente sobre a mesa.
— Não vai morder — ele me provocou.
— Isso é grande, Derek.
— Isso foi o que ela disse.
— Você precisa retirar isso imediatamente porque não contarei isso para
nossos filhos quando eles perguntarem como ficamos noivos — eu o alertei.
— Você não pode dizer sim, sem pelo menos ler o acordo.
Eu li as primeiras frases.
— Derek, isso é um acordo pré-nupcial.
Eu tinha finalmente encontrado o limite para a perfeição do homem? Ele
era um ombro sólido para se apoiar, um melhor amigo com quem contar, um
maestro de orgasmos, mas horrível em propor casamento?
Ele se apoiou na mesa de trabalho, a imagem da confiança casual em um
dos muitos ternos refinados que agora estavam pendurados em nosso armário
em Bluewater.
— Parece que sim.
— Você está me propondo casamento com um acordo pré-nupcial? Porque
se sim, eu realmente esperava algo mais estiloso.
— Você estava esperando minha proposta? — ele perguntou, as
sobrancelhas erguendo-se em inocência.
— Acordei há dois meses com você medindo meu dedo anelar.
— Leia o acordo, Emily — ele insistiu.
— É melhor você ter algo muito bom nessa sua manga sob medida — eu
provoquei. — Ou então, vou dizer a todos que você é apenas humano, afinal.
Para ajudar, ele empurrou os papéis para cima até que estivessem a uma
polegada do meu nariz.
— Por favor leia.
Limpei a garganta, escolhendo uma seção ao acaso.
— Ambas as partes concordam que as disputas conjugais serão resolvidas
no ringue — li com uma risada. — O ringue?
— Não poderá acertar abaixo da cintura, amor. — Seus olhos não eram
apenas quentes, eles estavam escaldantes. — Continue.
Com uma voz um pouco mais trêmula, continuei.
— Ambas as partes concordam em fazer tudo ao seu alcance para amar,
honrar e apoiar o outro, incluindo, não se limitar a encontros noturnos,
desfrutar de refeições ocasionais durante as quais nenhum trabalho é
discutido por qualquer uma das partes, aconselhamento ou mediação se
necessário se os conflitos não forem acertados no ringue.
— Derek promete reduzir ao mínimo as funções sociais e de negócios
irritantes para Emily.
— Emily promete sempre deixar Derek cortar o cabelo dela.
— Derek promete encher a mesa da sala de jantar de Emily nos feriados —
eu li, minha voz falhando. Eu amava esse homem além das palavras.
Ele pegou os papéis de mim.
— Emily promete sempre contar a Derek quando ela estiver estressada e
que precisar dele — ele leu, com uma mão acariciando minhas costas.
Eu pisquei para conter as lágrimas.
— Ambas as partes concordam em fazer o que for preciso para ficarem
juntas e realizarem os sonhos um do outro — disse ele, com a voz rouca
agora.
— Isso nunca vai se sustentar no tribunal — eu disse com uma risada
sufocada.
— Não é para tribunal. É para um juiz muito mais rigoroso — disse Derek,
puxando-me para seus braços. — Nós.
— Eu te amo, Derek — eu sussurrei.
— E eu te amo, Emily. Você continua a me deslumbrar todos os dias.
Agora, gostaria de ver seu bônus se assinar? — Ele arrancou a caixa da mesa.
— Espere — eu disse. — Eu tenho um bônus próprio se você assinar.
— O que é, amor?
— Como você se sente em ser pai?
— Ficarei muito animado quando chegar a hora — ele prometeu. — Eu
quero uma família com você, Emily. Eu quero criar uma nova geração de
cientistas batedores de carteira.
— Bom, porque vamos ter nossa primeira chance de ser pais em cerca de
36 semanas. — Ele piscou.
— O que?
— Isso é o que eu estava fazendo aqui hoje — eu disse, gesticulando em
direção ao microscópio.
Sua testa franziu.
— Bom Deus. Você não nos fez algum tipo de bebê clone de tubo de
ensaio, não é?
Eu ri.
— Não seja um idiota incrivelmente bonito. Acabei de fazer o exame de
sangue sozinha.
— Você está falando sério, não é? — Seus dedos apertaram meus braços.
— Teremos um bebê?
Eu balancei a cabeça, as lágrimas ainda nublando minha visão.
— Acho que preciso me sentar.
Eu o empurrei no banquinho que havia desocupado.
— Você está bem? — Perguntei.
Ele balançou a cabeça, então continuou balançando, estrelas em seus olhos.
— Que aventura teremos juntos — disse ele. — Claro, teremos que vender
seu Porsche e obter uma minivan à prova de balas.
— Oh, claro — eu concordei.
Ele deslizou as mãos dentro do meu jaleco e reverentemente colocou as
palmas sobre a minha barriga. — Como você está se sentindo?
— Exaltada. Apavorada. Surpresa. Com fome.
— Como estão os intestinos? — ele perguntou.
— Sem problemas desde o dia em que saímos da Flawless — eu disse
presunçosamente.
— Meus pais vão ficar na lua para conhecer este pequenino — ele disse,
levantando o olhar para encontrar o meu.
— Pelo menos podemos contar com uma reação positiva de alguns pais —
brinquei. Tive uma trégua tênue com minha mãe, que não exigia mais que eu
cedesse a seus caprichos e também revogara seu direito de me criticar. Ainda
não passávamos as férias juntas, mas isso estava ótimo para mim.
— Talvez sua mãe aceite nossas núpcias iminentes e notícias do bebê como
uma distração de tentar destruir seu pai no tribunal de divórcio.
— Improvável. Mas Bethenny e Ed vão contratar um designer de berçário
— previ.
— E Jane vai comprar para ele uma minúscula arma de choque — Derek
disse, um sorriso se espalhando por seu belo rosto.
— E Cam, Luna e Daisy serão tias estranhas e maravilhosas — eu disse.
— Nosso bebê não conhecerá nada além de amor, Emily — ele me
prometeu, sua voz falhando com a palavra bebê.
— Você está feliz, Price? — Eu perguntei a ele.
— Deslumbrado. — Ele abriu a caixa de joias e eu fiquei deslumbrada.
Nas facetas e no brilho das pedras preciosas e do metal, vi nosso futuro.
Nossa vida juntos brilharia.
— Esse é um grandão — eu respirei.
— Calma, amor. Não na frente do bebê — ele brincou, deslizando o anel
em meu dedo. — Claro que estou supondo que sua resposta seja sim.
Eu olhei do anel, para os papéis e vice-versa.
— Você tem uma caneta?
Epilogo estendido

Dez anos depois...


Eu me estiquei luxuosamente contra o couro do assento do meu avião e me
deleitei com a completa falta de crianças discutindo. Não havia demandas
incessantes por “mamãe!” ou “Pai!” Nenhum pedido de reunião de última
hora ou um monte de arquivos ou desastres de laboratório.
Só eu, meu marido e uma boa garrafa de champanhe.
— Você está fazendo poucas perguntas — Derek – já mencionado marido,
parceiro e pai de nossas três filhas precoces de cabelos loiros – meditou na
cadeira à minha frente. Seu polegar afundando deliciosamente em meu arco
nu.
— Você me resgatou de um fim de semana de festas de aniversário de
outras crianças, reuniões de diretoria e uma festa de gala para arrecadação de
fundos com minha mãe e o Marido Número Quatro. Eu não me importo se
pousarmos em um pântano, contanto que sejamos apenas você e eu, sem
serviço de celular. — Suspirei apreciativamente.
Meu marido só ficou mais bonito com a idade. Um salpicado de branco em
seu cabelo e a barba bem aparada o tornavam impossivelmente mais elegante.
As rugas ao lado de seus olhos eram mais profundas agora por cada sorriso
dado em minha direção, cada gargalhada com nossas filhas.
E eu estava inacreditavelmente, esmagadoramente louca pelo homem.
Ainda.
— Estou levando você embora — disse ele, abaixando a cabeça para espiar
pela janela do avião, absorvendo as águas azul-turquesa e azul-celeste abaixo
de nós.
— Você poderia apenas ter trancado a porta do quarto e eu ficaria feliz —
provoquei. Ele invadiu o ginásio esta manhã segurando duas malas prontas e
me deu quinze minutos para tomar banho e me trocar antes de me levar
rapidamente para o campo de aviação de Bluewater.
— Você precisa de uma pausa, amor — disse ele, colocando meu pé em sua
mão.
— E você não?
— Qualquer coisa que me proporcione um fim de semana ininterrupto com
você, Emily.
Aquela faísca naqueles lindos olhos azuis era tão excitante, tão cativante
quanto tinha sido a primeira vez que ele me nivelou com o olhar.
Vivemos juntos, trabalhamos juntos e fizemos o nosso melhor para criar
filhas que não eram idiotas uma com a outra. As descobertas da AHA na
prevenção de doenças cardíacas nos mantiveram ocupados na última década,
e nossa crescente família devorou facilmente o resto das horas de nossos dias.
Enquanto eu gerenciava o laboratório e as aprovações do FDA, Derek
cuidava do lado do marketing e continuava a dirigir sua muito lucrativa
empresa de gerenciamento de crises, embora reconheça que agora está um
pouco mais distante. Sua equipe era a melhor do ramo. O mesmo com a
minha. E Derek e eu juntos? Bem, éramos imparáveis.
Senti a descida e dei uma espiada pela janela.
— Isso foi rápido. Mal estivemos no ar por vinte minutos. O que é aquilo?
— Eu perguntei, apontando para o pedaço de verde, a faixa de areia branca.
Seus lábios se curvaram.
— Você vai ver, amor.
Estiquei o pescoço para ver melhor, mas o avião já estava se afastando da
ilha.
Cinco minutos depois, estávamos tocando em uma estreita faixa de grama
cercada pelo azul ofuscante do Oceano Atlântico.
— Estamos nas Bahamas? — Eu perguntei, soltando meu cinto de
segurança.
— É mais afastado — Derek disse evasivamente. Ele colocou minhas
sandálias de volta em meus pés e me guiou até a porta.
— Ok, estou prestes a começar a fazer as mil perguntas que você esperava
— avisei-o.
A comissária de bordo abriu a porta e a pressão da umidade me atingiu após
nossa breve viagem com ar-condicionado.
— Depois de você, Sra. Price, — Derek disse, colocando seus óculos de
sol.
Desci as escadas até o chão, uma mistura de areia dura e tufos de grama. À
nossa frente, a ilha se curvava em forma de J. A vegetação e as palmeiras
cresciam espessas e verdejantes na elevação sutil no centro. A praia, uma
faixa de areia acariciada por ondas suaves, estava completamente deserta.
Havia um cais com uma cabana no final. Daqui, consegui distinguir duas
redes amarelas balançando nas vigas. Eu já estava escolhendo mentalmente o
primeiro maiô que usaria e me perguntando quais bebidas o bar serviria.
— Nos vemos às cinco no domingo — disse Derek, apertando a mão do
piloto.
— Onde está todo mundo? — Eu perguntei enquanto ele me levava para
longe do avião.
— Todo mundo quem? — Derek sorriu afetadamente.
— Outros convidados. Pessoas. Isso é um resort? Onde é o hotel?
Ele sorriu benignamente, e eu o cutuquei no peito.
— Derek.
— Emily.
Ficamos ao lado de nossas malas e observamos o pequeno jato dar meia-
volta e decolar, voltando na direção de Miami.
— Você ouviu isso? — ele perguntou, inclinando a cabeça.
— O que? — Escutei, mas só pude captar o som das ondas, as cócegas das
palmas na brisa perpétua.
— Silêncio — ele respirou, puxando-me para perto.
Sem fôlego, passei meus braços em volta do seu pescoço.
— Faz tanto tempo que esqueci como é o silêncio — confessei.
— É todo seu pelas próximas ٣٦ horas — disse meu marido, dando um
beijo em meus lábios. — Agora, vamos tirar você dessa camisa.
Suas mãos deslizaram sob a bainha da minha blusa e tentei afastá-las com
um tapa.
— Derek! Alguém vai ver. Nós realmente não precisamos de outro
escândalo de fotos nuas ao sol?
Ignorando-me, ele deslizou minha camisa pela minha cabeça e começou a
trabalhar nos botões da sua própria. — Ah, mas para que haja fotos, tem que
haver alguém para tirá-las.
— Sempre há alguém. — Olhei por cima do ombro, procurando uma prova.
— Aqui não. — Suas mãos foram para o cós do meu short. — Somos só
você e eu e os cocos nas árvores.
Dei outra boa olhada ao redor. Além do cais e da cabana, e um quiosque,
não havia sinais de civilização. Duas redes. Duas espreguiçadeiras.
— Derek. Onde estamos?
— Estamos na sua ilha, amor — disse ele, deslizando meu short pelos meus
quadris e deixando-o cair no chão.
— Você me comprou uma ilha? — Eu gaguejei.
— Dez acres de paz e tranquilidade — disse ele, enterrando o rosto no meu
pescoço. — Sem internet. Sem serviço de celular. Completamente fora da
rede. Apenas o seu lindo corpo nu e o meu.
A emoção da liberdade guerreou com a pressão da responsabilidade.
— E se houver uma emergência? E se as meninas precisarem de algo?
— Há um telefone via satélite na minha bolsa. Estamos a vinte e cinco
minutos do continente. — Isso estava mais perto das crianças do que do meu
laboratório.
— E a comida? Mais importante, há um bar? — Eu pressionei.
— É self-service, receio — disse ele, levando-me em direção ao longo
anzol da praia.
— Onde vamos dormir?
— Vejo que você encontrou suas perguntas — ele brincou.
— E as nossas malas? — Eu perguntei, olhando por cima do ombro para as
duas malas que pareciam solitárias e fora do lugar no paraíso desabitado.
— Vão ficar aqui. Não há ninguém aqui para roubá-los. Venha ver sua
outra surpresa — Derek disse, puxando-me junto com ele.
— Você está falando sério, não está? Isso é nosso?
— Nosso e somente nosso — disse ele.
Meu coração disparou. Mesmo depois de todos esses anos, o homem ainda
podia me surpreender. Eu queria tirar minha calcinha. Mergulhar de cabeça
nas ondas. Rolar na areia. E olhar para ele e agradecê-lo adequadamente.
Ele cobriu meus olhos com as mãos e me empurrou para frente vários
passos.
— Você está pronta para a o prato principal?
— O que poderia ser melhor do que minha própria ilha?
— Que tal agora? — Suas mãos caíram dos meus olhos.
— Oh. Minhas. Deus. — Eu respirei. — É aquela…
— Sua própria mini casa — disse ele com orgulho.
Lá, construído em uma plataforma de madeira que espiava por entre as
árvores e a vegetação, havia uma casa de campo em amarelo brilhante e
turquesa. A varanda envolvia três lados. As janelas e portas estavam abertas,
as venezianas de madeira abertas para permitir que a brisa passasse.
Eu abri minha boca. Então fechei. Em seguida, abri novamente.
Havia uma grelha. Uma fogueira. Uma pequena mesa posta para dois na
varanda da frente.
— Telhas solares. Um pequeno sistema de dessalinização. Um gerador. E
um moinho de vento do outro lado da ilha. Estamos totalmente fora da rede
— disse ele, destacando o que era evidente.
— Derek — eu respirei.
— Emily. — Ele estava sorrindo para mim. Encantado com meu deleite.
— Isto é incrível. — Eu me senti tonta. Todos os meus sonhos até agora se
tornaram realidade. Tinha uma carreira que amava. Um trabalho que
alimentava minha alma. Um homem que me amava mais do que jamais
pensei ser possível. Uma família barulhenta e bagunceira. Amigos com quem
sempre poderia contar.
E agora, meu próprio paraíso.
— Venha para dentro — ele persuadiu.
Eu estava rindo e chorando. Quase hiperventilando.
— Você pegou seu Imodium? — Derek perguntou enquanto subíamos os
degraus da varanda.
— Muito engraçado. — Eu bufei.
As portas da frente foram mantidas abertas, permitindo-me uma vista do
interior praiano. A sala de estar era pequena, mas os tetos altos com vigas de
madeira deixavam-na clara e arejada. Havia um sofá e uma cadeira enorme.
Uma parede de estantes emolduradas nas janelas que davam para a varanda.
A cozinha era do tamanho de um selo postal, com uma ilha de teca e
armários azuis. Duas banquetas de metal distribuídas sob a borda da bancada.
Um pequeno bar fora construído na parede.
Eu vaguei por uma porta e me encontrei em um quarto aconchegante com
vista para o oceano além da varanda da frente. A cama king-size ocupava a
maior parte da metragem quadrada.
— Este é o mais incrível...
— Ah ah ah. Espere até ver o banheiro — Derek advertiu e apontou para
outra porta.
Eu entrei e saí. O banheiro, de mármore branco e paredes de vidro, dava
para um terraço coberto que abrigava uma banheira de imersão. Atrás dele,
um chuveiro se projetava de uma alcova de pedra.
— Eu poderia simplesmente me deitar aqui e morrer — decidi.
— Não se atreva. Não antes de batizarmos a praia, as redes e, pelo menos, o
chuveiro externo.
— Apenas um quarto? — Eu perguntei, virando-me para encará-lo.
Ele acenou com a cabeça presunçosamente.
— E quanto às meninas? — Eu egoisticamente ousei ter esperança.
— Eles nunca saberão sobre este lugar. Ninguém irá. Só você e eu.
— E nós apenas dizemos a elas que estamos indo para onde? — Eu ri.
— Embora.
A perfeição disso. A mera consideração do gesto me fez pular em seus
braços.
O homem que me conhecia por dentro e por fora e me amava de qualquer
maneira envolveu seus braços fortes em volta de mim.
— Eu nunca vou superar isso, vou? — Perguntei.
— Oh, eu não sei. Eu tive essa fantasia sobre você saindo da água nua e
vindo em minha direção na espreguiçadeira... — Derek meditou.
— Você acha que um boquete vai recompensá-lo pela surpresa mais
atenciosa e extravagante da história de nosso relacionamento?
— Talvez vários boquetes.
— Não acredito que você fez isso por mim — eu disse.
— Para nós. Sempre nós, amor.
Lágrimas picaram atrás dos meus olhos, fazendo-os queimar
deliciosamente.
— Eu adoro você, Derek. Obrigada por tudo. Pelo nosso trabalho. Por
aquelas três lindas garotas das quais precisamos escapar. Por me conhecer tão
bem e me amar de qualquer maneira.
Ele balançou sua cabeça.
— Este é o meu agradecimento a você, querida. Você é meu milagre.
Mordi meu lábio e coloquei meus polegares no cós da minha calcinha.
— Aposto corrida com você para a água.
Se eu tivesse que classificá-lo, os orgasmos em “espreguiçadeiras de praia,
sob um quiosque com o barulho constante do mar ao fundo”, agora estavam
no topo da minha lista de experiências sexuais favoritas.
Emily, com os membros soltos e sonolentos, suspirou em meu peito. Nossas
pernas estavam entrelaçadas na cadeira à beira-mar.
— Às vezes, acho que estou sonhando.
Eu escovei meus lábios sobre seu cabelo úmido de água salgada, respirando
os cheiros de mar e protetor solar.
— Sonhando com o quê, amor?
— Tudo isso. Tudo. Vocês. Nossa vida. A ironia de que devo tudo isso a
Lita.
Eu bufei.
— Você não deve nada àquele kraken.
— Kraken? — Ela riu. —Você está levando essa coisa de ilha deserta um
pouco longe demais.
— Se eu quiser ser um pirata aqui, serei um maldito pirata. E você pode ser
minha mulher.
— Que tal o primeiro imediato?
— Arrrrr.
— Eu sou uma péssima mãe por estar tão feliz por escapar de nossas filhas?
— ela meditou.
Seu polegar brincou com os anéis em seu dedo. O anel de noivado. A
aliança de casamento. E a mais recente adição de um anel de diamantes
brilhantes pelos dez anos de aventura. Ela me perguntou se eu tinha roubado.
Eu zombei com o pensamento.
— Qualquer pai que não precisa de tempo para não ser pai, não é humano
— disse secamente. O bocejo me pegou de surpresa.
Finley, nossa precoce filha de três anos, havia me acordado naquela manhã
às 5h30 para anunciar que sentia fortemente que era hora de começar o dia e
precisava da minha ajuda na cozinha para fazer waffles.
— Não é que eu não as ame tanto que dói — Emily acrescentou
rapidamente.
Eu ri.
— Mas, às vezes, você também entende por que alguns animais comem
seus filhotes.
Seu sorriso foi cegante.
— Eu já te disse que Poppy anunciou ontem que quer estudar ciência
forense e ser uma investigadora de cena de crime?
Nossa Poppy, de quase dez anos, a mais velha, era uma mistura
desconcertante de morbidez e autoconfiança que a tornava imune aos ventos
de popularidade que mudavam diariamente em sua escola primária. Ela
ficava mais feliz com o nariz metido em livros de não ficção, em assuntos
que deveriam estar além de sua idade. Seu intelecto nos deslumbrou e
aterrorizou.
— Ela vai fazer isso também — eu previ. Nossa filha vivia por sua
obstinação. — Só espero que ela continue focada nas ciências, em vez de
repentinamente desviar o curso e se tornar uma adolescente diabólica. Não
digo isso sobre muitas pessoas, mas tenho quase certeza de que Poppy
poderia nos superar sem que você ou eu soubéssemos. — Imaginei nossa
garota sardenta organizando algum tipo de apostas ilegais no colégio.
Emily deu um estremecimento fingido, mas a suavidade em seus olhos me
atingiu onde sempre acontecia, diretamente no meu coração.
Se havia uma coisa que rivalizava com o amor de Emily por mim, era seu
amor por nossas filhas. Juntos, nós cinco éramos um time bagunçado,
barulhento e divertido. A cada feriado, nossa mesa de jantar estava cheia de
pessoas que amávamos sem sombra de dúvida. Todas as noites, a mulher dos
meus sonhos se aninhava em meus braços e suspirava de satisfação por mais
um dia de muito trabalho e diversão.
Era bem possível que eu também tivesse uma dívida com Lita - a vilã
desleal. Não que eu fosse pagar.
— O acampamento de ciências só para meninas dará certo para Poppy neste
verão— ela decidiu. — O que você e Nora estavam cochichando ontem à
noite depois do jantar?
Meu sorriso foi instintivo.
— Parece que nossa filha de sete anos decidiu lhe dar uma festa surpresa no
seu aniversário.
Ela traçou um dedo sobre meu estômago.
— Faltam meses.
— Ela terá rascunhos de conceitos de convites prontos para minha
aprovação quando voltarmos. Ela também pediu uma fonte de chocolate e
pássaros brancos.
— Pássaros brancos?
— Eu acho que ela quer dizer cisnes. Ela tem uma visão completa da coisa
toda. Algo tipo conto de fadas, eu acredito.
— Sete anos e já é uma planejadora de festas melhor do que eu, — Ela
suspirou. — Ainda sinto o julgamento dela sobre o segundo aniversário de
Finley.
— Hora da pizza e da piscina — lembrei.
— Não vou convidar um circo inteiro para se apresentar nas festas de
aniversário de nossos filhos.
— É culpa de Daisy. Ela perguntou a Poppy o que ela achava apropriado
para uma festa de aniversário infantil.
— Foi realmente espetacular — ela meditou. — Ainda assim, toda essa
coisa de criar seres humanos é mais difícil do que eu esperava.
Eu tracei meus dedos por suas costas nuas, apreciando a maciez de sua
carne.
— Lembre-se sempre do nosso objetivo.
— Criar adultos de bom coração, generosos e produtivos, não babacas —
ela recitou.
— Pessoalmente, acho que estamos fazendo um excelente trabalho.
— Diz o homem que construiu uma sala acolchoada para Finley — zombou
Emily.
— Eu cansei de ter ataques cardíacos toda vez que ela escalava a lareira na
sala de estar. Algum dia, eu não estarei lá para pegá-la. Quero ter certeza de
que ela pode se controlar. Então, ela está aprendendo a cair de pé.
Emily deu um beijo no meu peito.
— É exaustivo?
— O que?
— Ser tão perfeito.
Eu belisquei sua bunda – o que, em minha mente, era a verdadeira
perfeição.
— Há há há.
— Estou apenas brincando, parcialmente. Você tem que admitir que é um
belo partido. Marido, pai, parceiro de negócios.
DIY AHA, não tinha o valor líquido que a antiga empresa de Emily,
Flawless, tinha no auge, mas estava realizando coisas muito mais importantes
no mundo. As taxas de doenças cardíacas já eram mensuravelmente menores
apenas 18 meses após o lançamento do novo teste de marcador de proteína
em exames médicos anuais. E pelo que pude entender com o jargão científico
espalhado pelo laboratório, parecia que sua equipe estava focando na
previsão do câncer de pâncreas.
Pessoalmente, ajudamos a financiar laboratórios DIY em todo o país e
estabelecemos bolsas STEM para meninas. Há dois anos, nossa primeira
turma de mulheres se formou em seus programas de quatro anos com
diplomas em física, bioquímica, geologia e engenharia ambiental. Emily
discursou em uma das graduações. E assim como eu sempre fazia quando ela
estava sendo particularmente magnífica, eu estava com os olhos um pouco
turvos.
— Você só está se sentindo piegas porque comprei uma ilha para você —
acusei.
Ela começou a rir e não conseguia parar.
Emily Stanton-Price era melhor do que qualquer fantasia que eu pudesse ter
conjurado. Ela era real. Ela era brilhante. Ela era o tipo de bela que ficava
cada vez mais fascinante.
— Vamos dar um mergulho e depois vamos tentar aquele chuveiro ao ar
livre juntos — sugeriu ela maliciosamente.
— Emily — eu disse seriamente, segurando-a com minha mão em seu
pulso.
— Derek — ela disse.
Levantei-me e segurei seu rosto em minha mão suavemente.
— O último a chegar à água faz o jantar. — Eu a empurrei na areia e corri
nu para a água azul cristalina, minha linda esposa rindo e gritando ameaças
atrás de mim.
Próximos livros
As Melhores amigas de Emily obtêm seus Felizes para Sempre!
Cameron relutantemente aceita um guarda-costas superprotetor no segundo
livro, por Claire Kingsley.
Luna perde a adoração do público depois de um escândalo corporativo e há
apenas um homem - um motoqueiro grande e barbudo que resgata cães - que
pode ajudá-la a salvar tudo no terceiro livro, por Kathryn Nolan.
A amante da vida noturna, Daisy, é forçada a entrar na vida de mãe quando
herda um bebê... e consequentemente o sério e sexy guardião do bebê no
quarto livro, por Pippa Grant.
Nota da Autora
Caro leitor,
Bem-vindo a Bluewater, onde as mulheres são bilionárias, os crocodilos
têm próteses e os homens são... bem, o que posso dizer sobre Derek?
desmaiada no sofá
Este projeto nasceu há mais de um ano em um bate-papo no Facebook
quando Pippa Grant disse: “Estou tão cansada de todos os bilionários serem
homens”. E aqui estamos. Agora, você tem mais três histórias de mulheres
bilionárias pela frente! Kathryn Nolan, Claire Kingsley, Pippa Grant e eu nos
divertimos muito trazendo este mundo e essas mulheres à vida. Tanto que
tivemos que nos colocar nas histórias. Hehehe.
Se você amou a história de Emily e Derek, sinta-se à vontade para gritar seu
amor a todos os seus amigos leitores ávidos. Ou você pode resenhá-lo em sua
plataforma favorita!
Pronto para mais Bluewater? Prepare-se para ficar bilionariamente
ocupado!
Xoxo,
Lucy
Sobre a autora

Lucy cresceu na zona rural da Pensilvânia com muito tempo disponível e


uma grande imaginação. Ela é a mais velha de três em uma família literária.
Os jantares costumavam ser passados em silêncio enquanto os membros da
família enfiavam o nariz nos livros. A paixão por escrever começou aos cinco
anos, quando ela ensinou o irmão a escrever o nome na porta do banheiro.
Ela começou a escrever (no papel) na segunda série, primeiro sobre
peregrinos em Mayflower e, com o passar dos anos, passaram para ensaios,
artigos, blogs e, finalmente, livros.
Antes de se tornar uma escritora em tempo integral, Lucy fingia ser uma
adulta normal mantendo empregos que incluíam planejadora de eventos,
bartender, faz tudo em um jornal e instrutora de ioga.
Lucy e o Sr. Lucy gostam de passar o tempo com suas dez sobrinhas e
sobrinhos e estão determinados a aprender a navegar, para que um dia
possam viver em um veleiro no Caribe.
Copyright © 2019. The Price of Scandal by Lucy Score.
Copyright da edição brasileira © 2021 L3 Book Publishing
Este livro foi negociado mediante acordo com a Bookcase Literary Agency.

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte do conteúdo deste livro pode ser reproduzida por qualquer
meio eletrônico ou mecânico, incluindo sistemas de armazenamento e
recuperação de informações, sem permissão da editora, exceto pelo uso de
breves citações em uma resenha literária.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares ou eventos são
produtos da imaginação do autor e usados de maneira fictícia. Qualquer
semelhança com pessoas, lugares ou eventos reais é mera coincidência.

Produção Editorial: Luiza Cintra e Alice Garcia


Tradução: Annair Freire
Diagramação: Maria Fernanda Araújo
Design de Capa: Mariana Felix
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L943
Score, Lucy
O Preço do Escândalo / Lucy Score;
Tradução Annair Freire. - 1. ed. - Rio de Janeiro: L3 Book Publishing,
2021.
457 p. (As Bilionárias de Bluewater : 1)
Título original: The Price of Scandal
ISBN: 978-65-990980-5-5
1. Literatura Americana. 2. Ficção. 3. Romance Contemporâneo. 4.
Adulto. I. Score, Lucy. II.
Freire, Annair. III. Título. IV. Série.
CDD: 813.54
Larissa Aguiar de Oliveira - Bibliotecária CRB-7/010119 (Provisório)
Sobre a editora

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Namorado Irresistível
Kingsley, Claire
9786599098048
278 páginas

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Razões pelas quais preciso parar de fantasiar sobre Linnea: 1. Ela é


jovem demais para mim. 2. Ela é a babá da minha filha. Eu poderia
parar por aí, não? Já sou um clichê ambulante. O pai solteiro que
gosta da babá. Mas, calma, que piora. 3. Ela é minha cunhada. Minha
esposa morreu quando nossa filha era bebê, e Linnea era apenas
uma adolescente. Eu mal a conhecia. Quando meus sogros insistem
que ela se mude para Seattle para ser a babá, depois de uma série
de babás que não deram certo, acabo concordando, mas com
relutância. Eu não imaginava que ela seria uma loira gostosa com
curvas pecaminosas, lábios beijáveis e sorriso tímido. Linnea é
perfeita para minha filha – divertida, paciente e gentil. Ela pode ser
perfeita para mim também, mas não posso nem pensar nisso. Ela
precisa viver sua própria vida, não se envolver com um cara que já
vem com uma família. Estar perto dela é um tipo especial de tortura.
Não posso me apaixonar pela babá da minha filha. Mas já pode ser
tarde demais.

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Namorado Literário
Kingsley, Claire
9786599098000
256 páginas

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Ele é muito sexy para descrever em palavras. Mia Alex Lawson pode
muito bem ser o mais sexy namorado literário imaginável. Um homem
divertido, romântico, possessivo e irresistível. E a melhor parte? Ele é
real. Para uma garota como eu, viciada em livros e um pouco
desajeitada, Alex é um sonho se tornando realidade, direto das
páginas dos meus romances favoritos. Nossa história está se
transformando em um romance arrebatador, do tipo que só existe nos
livros. Será que vamos alcançar o nosso felizes para sempre? Ou ele
é bom demais para ser verdade? Alex O negócio é o seguinte: eu não
sou um cara mau. Mentir para Mia não fazia parte do plano. Fazer
sucesso como autor de romance usando um pseudônimo feminino
também não fazia parte do plano. Mas, às vezes, a vida faz curvas
inesperadas. Como perceber que a mulher pela qual você está se
apaixonando é a melhor amiga virtual de seu alter-ego? Online, ela
acha que eu sou uma mulher chamada Lexi. Pessoalmente, ela sabe
que sou todo homem. Eu quero adorar seu corpo e reivindicar cada
centímetro dele, mas se ela descobrir meu segredo, posso perder
tudo.

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Namorado Arrogante
Kingsley, Claire
9786599098024
290 páginas

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Essa história de dividir a casa não vai dar certo. Kendra é uma mulher
atrevida que sempre está com o cabelo bagunçado e tem uma paixão
por calças de pijama. A primeira coisa que ela faz é tentar ficar
amiguinha da garota que peguei à noite passada, dando a ela uma
impressão errada da situação. Eu não namoro. Não uso palavras do
tipo "namorada" ou "digo que mandarei mensagem mais tarde". Eu
não curto relacionamentos. Dou às mulheres uma noite que elas
jamais esquecerão, mas quando acaba, eu caio fora. Mantenho as
pessoas afastadas e tenho minhas razões, só que Kendra começa a
me atingir. E quando a minha vida vai pelos ares, literalmente, ela é a
única pessoa com quem posso contar. Relacionamento não é a
minha praia, e Kendra não é uma mulher de uma noite só. Morar com
ela dormindo no quarto ao lado poderá acabar comigo.

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Sr. Delícia
Gray, Khardine
9786599098031
146 páginas

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Quem perderia a chance de ir para Paris, em uma inesperada


aventura romântica com um homem deliciosamente lindo? Essa é a
pergunta passando pela mente de Wren, mesmo quando feita pelo
lindo bilionário que ela apelidou de Sr. Delícia. Com seu mundo
virado de cabeça para baixo depois de descobrir que seu namorado
era um trapaceiro mentiroso, e a terrível situação financeira em que
está, a última coisa que Wren deveria fazer é voar pelo mundo com
um homem que ela mal conhece. Mas ele é completamente
irresistível, e ela não conseguiria dizer não. Afinal, quantas vezes
uma chance como essa aparece?

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O Resto de Mim
Munoz, Ashley
9786599098017
307 páginas

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A morte nunca se contenta apenas com a vida daquele que leva. Ela
é gananciosa. Roubou todas as nossas vidas na noite que enterrei o
meu marido, deixando-me sozinha com os meus quatro filhos. Após
um tempo de sofrimento, nos mudamos para o Wyoming. Um lugar do
interior, com muitos campos abertos, céu estrelado e ar fresco.
Descobri que o convívio com cavalos era uma forma eficiente de
terapia para crianças com traumas e esse foi o principal motivo que
me trouxe até ali. Foi uma coincidência que nosso vizinho fosse o
instrutor de equitação que eu precisava para ajudar meus filhos.
Porém, eu não poderia imaginar que as habilidades de Reid, um peão
de rodeio aposentado, iam além do trato com os animais. Ele se
revelou o apoio que os meus filhos precisavam para seguir em frente
e finalmente começarem a se curar. Distraída pelo rumo que a
situação tomou, eu não notei que os demônios de Reid dançavam
colados aos meus. E, quando o deixei que roubasse meu coração,
era tarde demais para perceber... que ele já o havia roubado.

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