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RUTHLESS KING

MAYA HUGHES
ÍNDICE

1. Emmett
2. Avery
3. Emmett
4. Avery
5. Emmett
6. Avery
7. Emmett
8. Avery
9. Avery
10. Emmett
11. Avery
12. Emmett
13. Avery
14. Emmett
15. Avery
16. Emmett
17. Avery
18. Emmett
19. Avery
20. Emmett
21. Emmett
22. Avery
23. Emmett
24. Avery
25. Emett
26. Avery
27. Emmett
28. Avery
29. Emmett
30. Emmett
31. Avery
32. Emmett
33. Avery
34. Emmett
35. Avery
Epílogo
1

EMMETT

O vaso de cristal explodiu ao lado da minha cabeça contra a parede


branca.
— Você é um filho da puta! Como pode fazer isso comigo? —
Sua voz dividiu o ar como um chicote enquanto restos de champanhe
manchavam a mobília branca antes imaculada. Pelo menos não era vinho
tinto. — Eu deveria saber que você faria isso. — Ela colocou uma hesitação
em sua voz para arrancar um pouco mais de pena de mim.
Ela deveria imaginar que isso estava chegando. Minha reputação me
precedia com as marias-patins que costumam ficar próximo do rinque. Elas
sabiam no que estavam se metendo.
Há um tempo eu já me imunizei contra todo esse jogo de emoções,
especialmente quando a pessoa estava apenas fazendo um show. Era mais
fácil com pessoas que eu sabia que eram falsas, menos chance de se
envolver, menos chance de se apaixonar por elas – e de se machucar.
— Por que você me fez pegar um voo cruzando o país inteiro se ia
terminar comigo?
Porque eu esperava que não fosse terminar. Eu esperava que talvez,
desta vez, eu conseguisse passar dos três meses, passar de hoje.
Minha mandíbula doía como se eu estivesse mordendo algo duro.
Cruzei meus braços sobre meu peito.
— Eu disse que sentia muito e já comprei uma passagem nova para
você. O itinerário está na sua caixa de entrada. Seu voo sai em duas horas.
Há um carro esperando por você lá embaixo. Pode sair agora.
Ela pegou outro vaso.
— Preciso começar a detalhar o valor dos itens? — Eu levantei uma
sobrancelha. — Saia.
O olhar furioso dela provavelmente teria feito a maioria dos homens
correr da sala, mas a maioria não tinha feito isso tantas vezes quanto eu. Ela
girou sobre os saltos, seu cabelo geralmente muito bem arrumado chicoteou
o ar enquanto ela saía furiosa.
A porta se fechou atrás dela e eu prontamente liguei para a recepção
para trocar os códigos de acesso da porta. Ter fechaduras eletrônicas era
muito mais fácil do que tentar pegar as chaves de volta ou ligar para um
chaveiro a cada dois meses. Essa tinha sido uma dica útil dos veteranos do
time e foi super vantajoso terminar com ela aqui no apartamento da
Filadélfia, visto que era onde eu tinha a equipe do hotel para cuidar das
coisas.
Caminhando pelo apartamento na cobertura, meu corpo vibrava. Minhas
mãos coçavam enquanto eu as esfregava pelas minhas calças. Parando na
frente da porta do meu escritório, desejei não abri-la, não fazer isso… mas
eu sabia desde o início o que iria acontecer. Merda, eu tinha trazido a caixa
comigo de LA. Se isso não era uma confirmação da minha dedicação à
auto-tortura, eu não sabia mais o que era.
A sólida porta de carvalho se abriu. Eu entrei, o silêncio era tão alto que
eu podia ouvir meu próprio batimento cardíaco pulsando. Era como um
ritual de auto-escarificação toda vez que terminava as coisas com quem eu
estava namorando. Quem teria pensado que alguém poderia estar tão
cansado aos quase vinte e quatro anos?
Tendo crescido do jeito que cresci, fiquei surpreso por não ter me
transformado num caso perdido. Talvez eu tenha. Às vezes, parecia que eu
tinha sido criado num daqueles experimentos em que criavam um macaco
sem nenhum contato físico. A indiferença daqueles que deveriam tê-lo
amado era uma ferida difícil de se expressar. Diz o herdeiro mimado.
Existem algumas coisas que o dinheiro não pode comprar, não importa
o quanto você tente. Eu nem tinha acesso total à minha fortuna ainda. Só
mais um ano e alguns meses. Depois que fizesse vinte e cinco anos, teria o
prazer de nunca mais precisar me preocupar com dinheiro – não que eu
atualmente me preocupasse, mas não teria mais que me curvar para os meus
pais. As checagens anuais haviam se transformado em um contato real entre
nós nos últimos meses. Agora havia telefonemas – não muitos, mas
qualquer um era mais do que eu já tinha recebido antes. O que era uma
merda foi o fato de eu ter começado a ansiar por eles.
Os pais que me ignoraram durante os primeiros vinte e três anos da
minha vida demonstraram a forma mais branda de interesse, e eu estava na
fila com minha tigela estendida à minha frente, pedindo mais. Patético pra
caralho.
Despejando o uísque Macallan até que o copo de cristal quase
transbordasse, sentei à minha mesa e olhei pela janela de vidro enorme com
vista para o rio. As luzes da cidade piscavam e cintilavam enquanto as
lanternas vermelhas na parte traseira dos carros teciam seus caminhos pelas
ruas. O céu aberto acima disso tudo tornava minha cobertura um local
invejável.
Tomando um gole fortificante que queimou todo o trajeto da garganta
até o estômago, olhei para a gaveta fechada. Eu não deveria ter trazido a
caixa comigo. Era meu kit pessoal de remover coração, perfeito para
aqueles momentos em que eu precisava de um lembrete, para quando
achava que eu poderia continuar com o fingimento e pôr a pequena fachada
que costumava usar quando estava com alguém em meus braços. Relaxando
meu punho, abri a gaveta como se houvesse uma cobra dentro que pudesse
atacar a qualquer momento, envolver seu corpo em volta de mim e quebrar
algumas costelas antes de me devorar inteiro.
Tirei a tampa, as beiradas esfarrapadas e gastas da caixa eram um
testemunho das inúmeras vezes que eu tinha feito isso. Dentro da estrutura
de madeira escura, seu rosto brilhante e sorridente olhava de volta para
mim. Meus lábios se curvaram para cima. Eu quase podia sentir seu cheiro
doce, como se estivesse dentro de um pãozinho de canela. Agarrando os
resquícios de raiva que começava a desvanecer, eu a enrolei à minha volta
como um escudo.
Relembrando.
Meu peito se apertou. A queimação na minha garganta disparou com
uma agitação para o meu estômago. Hesitei antes de esticar a mão e puxar
tudo para fora. Joguei todas essas memórias na mesa.
Os porta-retratos e fotos soltas espalharam-se sobre a superfície
altamente brilhante. Eles se espalharam por toda a madeira escura, prontos e
ansiosos para que minha sessão de tortura começasse. Uma última coisa
estava no fundo da caixa: a aparentemente inócua caixinha de veludo. As
pessoas podem pensar que nada tão pequeno, suave e bonito poderia conter
algo tão perigoso, mas estão completamente erradas.
Cada vez que eu a tocava, era como segurar um pedaço de vidro em
chamas que me cortava um pouco mais fundo a cada segundo que ficava em
minha palma. Era uma ferida que eu continuava tocando porque era a única
maneira de garantir que ainda estava vivo, saber que a dor não tinha me
matado. Alguns dias, era a única coisa que me motivava a continuar, a única
coisa que me impedia em cair na armadilha de alguém, como tinha caído na
dela. Larguei a caixa na mesa e o baque suave não fez jus à bomba-relógio
que tinha dentro.
Folheando as fotos, encarei os olhos cor de caramelo da mulher que
roubou meu coração há quase sete anos atrás e o serviu de volta para mim
em uma bandeja de prata repleta de mentiras, engano e destruição. Mesmo
sabendo de tudo isso, não pude deixar de deslizar meu dedo pelo seu rosto.
Seu cabelo castanho estava preso em um coque no topo da cabeça, suas
pernas penduradas no meu colo no refeitório da nossa antiga escola. Declan,
um dos meus companheiros de equipe, um dos Kings, tirou essa foto
enquanto eu segurava os quadris dela ao mesmo tempo que ela se contorcia
na tentativa de escapar, porque pensava que estava horrível naquele dia. Ela
estava tão bonita que doía. A memória era clara e nítida, cortante e sem
deixar bordas irregulares para costurar.
Passei para a próxima foto: uma da trilha que tínhamos feito com sua
irmã mais nova, Alyson, em Wissahickon Valley Park. Ela estava no topo
do pequeno cume que havíamos escalado com o braço em volta dos ombros
da irmã. Quando eu a vi assim, eu a imaginei com nosso próprio filho. Que
tipo de garoto com dezenove anos pensa em merdas como essa? Um idiota,
algo que eu era quando se tratava dela.
Nossas fotos do baile com nós dois sentados na parte de trás da
limusine, depois que eu a surpreendi com o vestido. Ela não queria ir,
supostamente porque tinha que cuidar de Alyson, mas eu sabia que parte era
porque ela não iria conseguir um vestido como as muitas outras garotas da
escola que tinham procurado por toda parte. Um efeito colateral de ir para
uma escola que custava mais do que a maioria das faculdades, era que
ninguém – bem, quase ninguém – se importava em gastar cinco ou seis
dígitos para tornar uma noite perfeita. Eu não era exceção.
O vestido azul brilhante abraçava suas curvas e exibia tudo o que ela
normalmente mantinha em segredo em seu uniforme escolar ou jeans,
camiseta e moletom. Mas não naquela noite. Dei um peteleco na minha
testa na foto. Garoto idiota!
Como qualquer bom ritual, não estava completo sem que eu sangrasse
no chão. Abri a caixinha de veludo. Os diamantes brilhantes e cintilantes
piscaram de volta para mim. Mesmo com a pouca luz em meu escritório, as
pedras reluziam como se fossem alimentadas por sua fonte própria de luz
interna.
Eu nem me lembrava do quanto tinha gastado no anel. Não importava.
Eles abriram a joalheria especialmente para eu encontrar o anel ideal, e
imaginar deslizando-o no dedo dela foi o suficiente para que eu pegasse
meu cartão e comprasse, sem perguntas. Provavelmente era por isso que eu
não receberia toda a minha fortuna até completar vinte e cinco anos. Se eu
tivesse acesso ao dinheiro quando tinha dezenove anos, o anel
provavelmente teria sido cerca de cinco vezes maior.
Ela nunca tinha visto ele.
Pelo menos fui salvo dessa pequena humilhação, mas não de muito
mais.
Fechando a caixa, terminei a última gota da minha bebida e fui em
busca de mais. Meu coração foi escavado do meu peito, estava em carne
viva, angustiante e anestesiado, tudo ao mesmo tempo. Alguma parte disso
foi real? Por que ainda doía depois de todo esse tempo?
Ela tinha ficado parada com o meu coração batendo na mão enquanto
me deixava ir embora. Ela me deixava com falta de ar, gritando para o céu e
desejando seu toque. Avery Davis havia me destruído e me deixado vazio.
Mesmo sabendo da dor que ela causou, todas as noites que eu fechava meus
olhos, era com ela que sonhava.

— Você vai na nossa formatura, não é? — Heath patinou para o meu lado e
pousou as mãos em seu taco de hóquei.
O suor escorria em mim, fazendo com que as proteções leves sob a
minha camisa grudassem na minha pele. As temperaturas congelantes da
pista não faziam nada para contrabalançar o treino pesado pelo qual todos
nós nos submetemos. Obviamente como punição para os comilões,
deixamos Heath liderar o ataque.
— Sim, tenho a formatura da Rittenhouse Prep, porém estou tentando
me livrar disso. — Alyson, a irmã mais nova de Avery, estaria se formando.
Eu odiava que ainda sabia disso. Muito do meu tempo junto com Avery
ainda estava enraizado em minha mente, como o aniversário dela sendo
apenas um dia antes do meu em julho… O fato de que ela separava os
Skittles amarelos e verdes do resto do pacote… Como demorava cinco
minutos para comer um único Kit Kat por causa da forma como ela
desmontava a coisa toda, comendo parte por parte antes de lamber o
chocolate dos dedos – se eu não conseguisse pegar primeiro.
— Isso é por causa Daquela-Que-Não-Deve-Ser-Nominada? — Heath
se inclinou para trás, se preparando e abrindo caminho para minha habitual
fuga desesperada para toda e qualquer menção a Avery. Fios de seu cabelo
loiro estavam grudados em seu rosto.
Eu assenti severamente.
— Algo do tipo. Mas posso ir à sua formatura.
Eu precisava parar de deixar as merdas com Avery me afastar dos meus
amigos. Isso só iria piorar. A namorada do Declan, Makenna, era amiga de
Avery, o que significava que havia mais chance de eu me encontrar com ela.
Se nossa guerra fria continuasse, eles iriam começar a me excluir, parar de
me convidar para as coisas já que eu não estava por perto de qualquer
maneira, e antes que eu percebesse, eu me sentiria um estranho com os
caras.
Não vai acontecer.
— Você não precisa fazer isso. Essas coisas são chatas pra caramba –
não queremos te forçar a passar por isso. Só queríamos saber se você
poderia estar por perto para a festa. — Ele pegou uma das garrafas d’água
do banco e espremeu o líquido na boca. O restante dos caras estavam
deitados no centro do gelo, mal conseguindo se mover.
— Eu quero ir. Quero estar lá, e me avise se você quiser fazer uma festa
de formatura. Vou cuidar de tudo. — Bebi um pouco de água quando uma
lâmpada acendeu na minha cabeça. A ideia me atingiu tão rápidamente que
balancei minha cabeça e engasguei. A tosse que queimava os meus pulmões
arrancou algumas risadas sem fôlego dos caras que se levantavam
lentamente do gelo. — Talvez pudéssemos alugar algo durante o verão. É a
única época que todos nós temos uma folga, e seria uma ótima maneira de
comemorar.
— Emmett, eu não te contei isso para que você oferecesse algo e
pagasse a conta. A gente não quer te extorquir. — Ele tirou o capacete e o
jogou no banco, bagunçando o cabelo.
— Eu sei. Em alguns meses, quando vocês receberem seus primeiros
salários, não vai ter diferença. Você pode me pagar de volta. Estou fazendo
isso porque não tenho estado muito por perto. Pense nisso como um
presente de formatura. — Esse poderia ser o verão do século: uma casa de
praia foda, um bar ridiculamente super abastecido, curtindo como nos
velhos tempos, todo o bolo de funil que poderíamos comer. Sempre foi o
preferido de Avery – eu balancei minha cabeça. Pare!
— Em…
— Está resolvido. Me fale as datas que eu cuidarei de tudo.
— Cara, se acalma. Podemos fazer a coisa da casa de verão. É uma
ótima ideia, mas vamos resolver isso. Vamos juntar o nosso dinheiro e todo
mundo dar uma parte. Ok? — Ele apontou para os caras patinando em
nossa direção.
— Mas…
— Sem mas. Fazemos assim ou vamos roubar seus cartões de crédito e
destruí-los.
— Ok, tudo bem. Vou contribuir com apenas a minha parte. — Eu
pegaria todas as informações pessoais deles e pagaria antes que eles
conseguissem, e então me recusaria a receber o dinheiro deles. Grana não
importava para mim. Nunca importou, exceto pelo que eu conseguia fazer
com ela. Ajudar as pessoas me fazia sentir como se eu pertencesse ao
grupo, como se elas precisassem de mim para algo. Cuidar das coisas que as
pessoas precisavam com meu dinheiro se tornou minha segunda natureza.
— Contanto que você saiba que não precisa.
Ele soltou um longo suspiro de sofrimento como se eu estivesse pedindo
um rim, não se oferecendo para financiar um verão cheio de festa para
comemorar sua conquista e a primeira vez em anos que todos nós ficamos
juntos por mais do que alguns dias.
— Claro.
2

AVERY

— A lyson, anda, vamos logo! — Fico parada perto da porta da frente


aberta, batendo o pé e girando meu chaveiro. — Alyson!
— Estou indo, estou indo! — Ela pegou a torrada que eu tinha colocado
no balcão mais cedo e enfiou metade na boca. Encantador.
— Você tem dinheiro para o capelo, beca e anel de formatura?
— Sim, mãe. — Ela mostrou a língua para mim. Pirralha.
— E quanto ao seu pedido para o histórico final ser enviado para a USC
e a redação para a Bolsa de Estudos Samuels?
— Já foi enviado. — Ela enfiou o braço pela alça da mochila e passou
por mim.
— Que bom. — Puxei a porta com tudo para me certificar de que
fechou. Outra coisa para a lista de reparos – ela ficava abrindo o tempo
todo. Eu tinha zero vontade de ficar correndo atrás dos guaxinins quando
chegava em casa do trabalho.
O ar fresco da primavera estava rapidamente dando lugar ao calor
úmido e opressivo de junho. Eu teria que verificar a conta de luz para ter
certeza de que poderíamos ligar o ar-condicionado em breve.
— Vou chegar atrasada porque você estava muito ocupada virando a
noite jogando videogame. — Eu entrei no carro. Aly jogou sua mochila no
chão do carro e entrou.
— Eles ajudam na coordenação visomotora. Tenho certeza de que é uma
habilidade que será útil no ano que vem.
Revirei os olhos e saí da garagem.
— Onde está o papai?
— Não sei. Acho que ele teve que ir trabalhar cedo, talvez preparando
as coisas para formatura. Você sabe como ele fica ocupado durante essa
época do ano. — Rezei para que fosse onde ele estava. Pelo menos agora,
com a formatura da Alyson, a cortina de fumaça que eu consegui criar em
torno dele, dos seus problemas de impulsividade e dos desastres que ele
trouxe para nós, poderiam ter uma pausa – e eu também.
Ela colocou um fone no ouvido e escutou sua música enquanto
estávamos paradas no trânsito da manhã. Pelo menos era rápido entrar e sair
da via expressa para chegar no Centro da Cidade. As ruas arborizadas
passavam rapidamente à medida que nos aproximávamos da vizinhança
afluente escondida no canto da cidade.
— Não posso acreditar que você está se formando. — Apertei a sua
mão e ela colocou a outra em cima da minha.
— Eu nunca poderia ter feito isso sem você, Av. — O sorriso dela era
do tipo que só uma criança com o mundo na palma das mãos poderia dar a
você.
— Sim, eu sei! — Sorri e parei no meio-fio em frente à Rittenhouse
Prep, cujas construções de tijolos à vista abrigaram algumas das melhores e
mais brilhantes pessoas do estado. Os arbustos perfeitamente tratados
alinhavam a calçada como uma barreira entre o resto do mundo e o casulo
de privilégios por trás dessas paredes.
— Você não deveria dizer, “Sim, eu sei!”. Você deveria dizer: “Claro
que você poderia ter feito isso sem mim, Aly. Você é incrível e motivada e
eu sei que nada poderia ter impedido você.”
— Não preciso dizer porque você já sabe que é verdade. — Eu a puxei
sobre o console central e passei meus braços ao redor dela.
A fila para deixar os alunos estava repleta de carros luxuosos que quase
me cegavam com suas pinturas imaculadamente brilhantes. Minha lata
velha, Percy, estava quase batendo as botas, mas ele nos levava para onde
precisávamos. Meu Corolla azul bebê já tinha passado dos 300 mil km
rodados e ainda estava firme e forte. Por firme e forte, quero dizer se
arrastando pela cidade como um bicho preguiça idoso. Dirigí-lo até a
Rittehhouse Prep sempre trazia, com força total, as memórias à tona e de
repente que senti como se tivesse levado uma chicotada. Apertei Alyson
com mais força contra mim e dei um beijo em sua bochecha. Ela deixou
escapar um som de nojo, o que me fez dar outro beijo.
Alyson se desvencilhou do meu aperto e saiu do carro, limpando meus
beijos de sua bochecha. Fiquei a observando enquanto ela acenava para
mim antes de se juntar ao restante dos alunos que estavam chegando. Ela
tinha uma chance de verdade. Com suas notas, a bolsa de estudo estava
garantida e todo o dinheiro que eu tinha economizado nos últimos quatro
anos poderia ser, finalmente, o meu momento para dar o próximo passo e
me matricular na faculdade.
Por poucos anos, esbarrei com pessoas com fortunas maiores do que o
PIB de alguns países pequenos. Até teve um curto período de tempo que
pensei erroneamente que poderia ser uma delas. Foi o sonho de uma garota
desprivilegiada à procura de um cavaleiro quando o mundo real tinha se
tornado muito difícil.
Alguém buzinou para mim. Pedi desculpas com um aceno e saí para o
trânsito. Enquanto a maioria das pessoas com quem me formei no ensino
médio estavam concluindo o bacharelado em algumas semanas, eu
finalmente consegui concluir créditos suficientes na minha graduação
tecnológica, que eu poderia eventualmente transferir para uma universidade
para obter o meu bacharelado. Antes tarde do que nunca – não é isso que
sempre dizem?
Ao contrário da Alyson, eu não era inteligente o suficiente para entrar
em uma das melhores universidades do país. Também trabalhava durante a
noite e de manhã bem cedo durante o ensino médio para nos manter
alimentadas e garantir que as luzes permanecessem acesas.
Em questão de semanas, ela estaria vivendo sua própria vida, indo para
a faculdade com todos os seus colegas de turma e fazendo exatamente o que
adolescentes normais fazem. Minha privação de sono, as longas noites
sofrendo com o estômago vazio e mantendo a aparência de que éramos uma
família normal valeram a pena.
Eu me certifiquei de que ela não tivesse que trabalhar depois do horário
da escola ou perder uma viagem de turma, um baile ou qualquer outro
evento, ou projeto na escola. Poxa, eu até me certifiquei de que ela fosse
escoteira. Embora ela não tinha bolsas de grife ou algo assim, eu trabalhei
pra caramba para garantir que ela nunca se sentisse menos do que qualquer
outra pessoa.
Pareceu que meu pescoço parecia uma fogueira na primeira vez que
pisei nos corredores da Rittenhouse Prep. Era meu segundo ano e a primeira
vez que eles estenderam a isenção de mensalidades a todos os funcionários,
incluindo os não-professores e administradores.
Como meu pai trabalhava na manutenção, foi minha chance de estudar
em uma das escolas mais cobiçadas da cidade. Eu não me importava se
meus uniformes eram recolhidos das doações de caridade feitas no final do
ano letivo anterior ou se minha mochila era uma preta genérica em vez de
algo chique de grife. Eu só me importava em ir para uma das melhores
escolas da região. Eu andava por aqueles corredores desde meus oito anos,
quando visitava meu pai depois do expediente. Eu fingia que estudava lá,
olhava dentro dos armários de troféus e via meu reflexo, claramente uma
não estudante da Rittenhouse, olhando de volta.
Abaixo minha cabeça quando passo pelas reluzentes portas de carvalho
sólido no primeiro dia. Os primeiros risinhos e comentários sarcásticos
vêm de alguns alunos enquanto meus sapatos rangem nos pisos. Meu
estômago dá um nó e aperto as alças da minha mochila com mais força.
Isso é o que eu queria, não é? Estudar aqui tem sido meu sonho, só que
não parece muito como um sonho agora. Eu passo os olhos pelo corredor,
procurando por meu armário recém designado a mim. Outros alunos
circulam, lançando olhares em minha direção, para a garota nova.
Girando a combinação do cadeado, puxo a trava, mas ela não se move.
Giro o botão mais algumas vezes e tento de novo. Por favor, apenas abra.
Minhas bochechas estão quentes, meus dedos suados.
Dando um puxão com tanta força que minha mochila cai do meu
ombro, eu tropeço para trás quando minhas mãos escorregam do metal. O
rubor escarlate da minha pele sobe pelo meu pescoço enquanto mais
cabeças se viram para olhar para mim.
— Precisa de ajuda?
Eu dou um salto com a voz profunda que envia um arrepio pela minha
espinha.
Olho por cima do ombro, pronta para a frase final da piada, mas nunca
chega. Todo o barulho e olhares – tudo se dissolve em torno dele. Ele
segura uma das alças da mochila, sua mão fazendo o objeto parecer menor
quando repousa contra seu ombro largo. Mesmo em seu uniforme, posso
ver seu peito musculoso e rígido por baixo. Ele não parece um estudante.
Nada sobre ele grita ser do segundo ano. Talvez ele seja do terceiro? Ele
parece um estudante universitário ou um sonho erótico ambulante que
ganha vida.
O movimento da sua cabeça me dá uma dica do fato de que estou aqui
parada olhando, com lábios entreabertos, para esse estranho de cabelo
escuro e covinhas. Eu aceno estupidamente porque não confio que minha
voz seja mais que um guincho.
Ele passa os braços em volta de mim, me prendendo entre ele e o metal
frio do armário. Meu coração bate contra minhas costelas e um
formigamento viaja mais pra baixo. Tenho plena consciência de onde sua
pele toca a minha, do ponto em meu ombro onde as mangas dobradas de
seu uniforme expõem a pele bronzeada de seus antebraços. Eu poderia me
abaixar sob seus braços enquanto ele mexe no cadeado, mas não quero.
Gosto de estar cercada por ele, protegida. Ele é uma barreira entre mim e
tudo mais – todos os outros – no corredor.
Sem pensar, eu inspiro seu perfumo. Cheirando-o como se estivesse
tentando inspirar um daqueles marcadores fedidos do ensino fundamental,
fecho meus olhos. Ele tem cheiro de couro e menta. Um pequeno barulho
percorre seu peito.
Ele me encara com um sorriso que me deixa feliz por ele estar aqui
para me pegar caso meus joelhos cedam. Sei que covinhas são fofas, mas
eu nunca soube que elas eram gostosas – tão gostosas que você quer
morder… não. Eu me viro e meus olhos encontram os armários azul-
marinho em nossa frente. Seus dedos se movem habilmente enquanto ele
refaz a combinação, bate no canto e abre a porta.
Não consigo tirar os olhos de seus braços. Seus antebraços longos e
musculosos realmente não parecem com os de um cara do ensino médio.
Ele é um jovem professor, gostoso, que acabou de sair da faculdade? Eu
passei vergonha na frente de um professor?
— Eu tinha esse armário no ano passado e foi um verdadeiro pé no
saco. — Ele arruma a alça da mochila no ombro e estende a mão. Não, os
professores não têm armários e não usam mochilas. — Sou Emmett.
Eu me viro e deslizo minha palma contra a dele. As batidas no meu
peito ficam mais fortes no segundo que sua mão envolve a minha e me sinto
pequena. Sou mais alta do que a maioria das garotas da minha idade, mas
perto de Emmett me sinto pequenininha. Nossas mãos se movem para cima
e para baixo algumas vezes e ele levanta uma sobrancelha. O que eu estava
dizendo mesmo? Ah sim, meu nome!
— Sou Avery. — Eu solto sua mão e dou meia volta. Abrindo totalmente
a porta do armário, coloco algumas das minhas coisas lá dentro.
Apertando meus lábios com força, tento tirar o sorriso do rosto. Assim que
ele descobrir quem eu sou, sua simpatia desaparecerá.
— Você é nova?
— Hoje é o meu primeiro dia. Meu pai trabalha na manutenção e estou
aqui com uma bolsa de estudos. — Eu endireito meus ombros, pronta para
a risada. Arrancar esse band-aid é a única maneira de fazer isso. Não vou
fingir que sou alguém que não sou. Melhor descobrir agora se ele for um
idiota.
— Impressionante. Qual é a sua primeira aula?
E foi isso. Emmett tinha lidado com isso como se não fosse nada – e
não havia sido nada para ele. Só mais tarde, quando não conseguia imaginar
um dia sem ele, percebi que eu fingia ser alguém que não era, vivendo uma
vida que nunca poderia ter, com tanto medo de perder o que havia
encontrado com ele – um porto seguro.
Poucos meses depois, descobri que sua família estava no Conselho de
Diretores que tomou a decisão que me permitiu começar a frequentar a
Rittenhouse Prep. Descobri que sua família tinha mais dinheiro do que eu
poderia imaginar.
Qualquer distância que eu tentei colocar entre nós quando descobri isso,
quando os olhares e sussurros ficaram altos o suficiente para ouvir, foi
esquecida instantaneamente. Ele não se importava nem um pouco. Depois
disso, nos tornamos inseparáveis. Eu ficava com ele o máximo que podia
durante o horário escolar, porque depois da escola, o mundo real não parava
de girar.
Eu tinha que buscar Alyson todos os dias. Ela tinha começado o ensino
fundamental quando comecei meu ensino médio e a aula terminava no
início da tarde. Enquanto esperava por ela, Emmett e eu saíamos, dirigindo
em sua caminhonete ou pegando algo para comer. Naqueles dias, meu
estômago havia parado de roncar porque a fome havia se instaurado muito
profundamente. Sempre me certifiquei de que havia o suficiente para Aly, o
que significava que às vezes não havia nada para mim. Não importava
quantas vezes eu dissesse que não estava com fome ou que não precisava de
nada, ele me dava alguma coisinha – Skittles, Kit Kats, sanduíche,
hambúrguer. Talvez ele gostasse de ver a maneira como eu dissecava minha
comida. Ele ria de como eu a separava, mas era uma maneira de me
certificar que não devoraria o que quer que estivesse na minha frente ou de
enfiar na boca tão rápido que ele saberia que algo estava acontecendo.
Quando Alyson e eu íamos para casa, eu a ajudava com seu dever de
casa, tentava fazer alguns dos meus, e então fazia um jantar de tudo que eu
conseguia reunir e ia para a cama. Sem ele, alguns dias eu teria ido para a
cama com meus braços em volta do estômago, rezando para que o sono me
levasse para que eu não pudesse mais sentir aquele buraco vazio.
Depois de tudo isso, eu poderia finalmente começar meu próprio futuro
universitário. As aulas eram aceleradas na Rittenhouse, mas eu não tinha
percebido o quanto até aqueles primeiros meses. Eu dava conta, mas por
pouco, e então meu pai foi para o fundo do poço.
A luz foi cortada primeiro, depois a água. Depois de ir para a escola
com os uniformes borrifados com anti-odor por dois meses, tive que
resolver as coisas por conta própria. Saí em busca de emprego. Em vez de
fazer meu trabalho de casa depois que Alyson ia para a cama, comecei a
fazer faxina. Fazendo faxina em escritórios corporativos por algumas horas,
eu mantive a conta de luz em dia. Então, encontrei um trabalho ainda
melhor. A Padaria Pão & Manteiga salvou minha pele. Eu ficava lá das duas
às seis da manhã e aquele trabalho pagou por todas as coisas que a Alyson e
eu precisávamos. Acontece que muitas pessoas não eram confiáveis o
suficiente para trabalhar nesse horário, então o pagamento era muito bom,
mesmo sendo por baixo dos panos para uma adolescente do ensino médio.
Com isso dito, sobrava pouco tempo para dormir ou outras coisas,
exceto para Emmett. Eu criava tempo para ele sempre que podia.
Estacionando atrás da padaria, saí do carro e virei na esquina. Um
bando de universitários quase me atropelou e fiquei olhando para eles
conforme uma pontada de inveja dava as caras novamente.
Eles caminhavam pela calçada com suas mochilas e bolsas transversais,
rindo e brincando. Eu ainda não conseguia imaginar uma vida em que a
única coisa com que me preocupasse fosse minha próxima prova ou um
grande trabalho chegando. Minha lista de preocupações tinha mais de um
quilômetro de comprimento e parecia crescer a cada dia. Por mais que eu
quisesse continuar minha formação, era essa a gota d’água?
O cheiro de massa, açúcar e chocolate misturado com café me atingiu a
quase um quarteirão de distância. Uma calma tomou conta de mim no
segundo em que a loja apareceu. Era como se a cafeína entrasse nas minhas
veias por osmose.
As largas janelas de vidro na frente da padaria exibiam um punhado de
mesas verde e azul-marinho lá dentro. Era uma padaria simples que
produzia alguns dos melhores donuts e doces da cidade. Nós trabalhamos
com receitas passadas por duas gerações com alguns ajustes aqui e ali
quando meu chefe não estava observando.
— Ei, parabéns por ter sido aceita! — Max gritou no segundo em que
passei pela porta. Seu cabelo roxo e azul estava preso num coque em um
estilo bem mais conservador do que a cor demonstrava, que mudava
mensalmente. Ela tinha trabalhado ao meu lado nos últimos dois anos,
enquanto terminava a faculdade de gastronomia, seu sonho de se tornar uma
confeiteira estava muito mais perto. Seu talento era incrível. Sua arte
deveria estar em telas, em vez disso, ela escolheu produtos de panificação.
Tínhamos a sorte de tê-la no Pão & Manteiga.
— Obrigada. Ainda tenho que descobrir se vou conseguir pagar por
tudo. — Eu dei risada, mas foi algo que me manteve acordada durante a
noite. Eu não consegui solicitar um financiamento sozinha, nem mesmo um
financiamento estudantil que não cobriria tudo. O crédito do meu pai estava
zerado, então se Alyson não ganhasse a Bolsa de Estudos Samuels, eu teria
que adiar a faculdade por mais tempo ainda. É esse caminho mesmo que
quero seguir?
Alguns dias eu queria dizer dane-se e perguntar a Syd se poderia
trabalhar em tempo integral, mas ela realmente não tinha fluxo de caixa
para isso.
— Tenho certeza que você vai pensar em algo. Obrigada por deixar tudo
pronto hoje de manhã. Como está Aly?
— Sem problemas e ela está bem. Pronta para terminar e dar o próximo
grande passo. — Prendi meu cabelo e coloquei o avental. A correria da
manhã quase nos deixou sem pão doce açucarado e folheados. Eu precisava
colocar a calda de açúcar numa remessa de donuts totalmente nova e sovar
a massa para mais alguns croissants. Jordan já estava fazendo barulho na
parte de trás, nunca era sutil quando estava arrumando as coisas depois da
correria matinal.
As luzes se apagaram por um segundo, cobrindo o cômodo em
escuridão. A iluminação dos vidros da frente criava um raio de luz que
entrava pelas pequenas janelas nas portas giratórias que davam para a
cozinha.
— Merda. — Limpei minhas mãos. As luzes piscaram novamente
quando o zumbido do motor do gerador começou a funcionar. Eu convenci
Syd a comprar um, depois que um apagão, alguns anos atrás, tinha
estragado um carregamento novo de manteiga e creme.
— De novo não. — Max deixou cair uma bandeja no balcão de aço. A
cobertura colorida e a tinta comestível respingada em seu macacão a faziam
parecer uma pintora louca sob as luzes bruxuleantes.
— Não se preocupe, vou consertar. — Corri para o escritório e me
sentei atrás da mesa, que estava cheia de envelopes com grandes letras
vermelhas. Peguei um do topo e liguei para o número.
Ao entrar na conta de banco online da Pão & Manteiga que forcei Syd a
abrir três anos atrás, enviei um cheque eletrônico para a empresa de energia
para que tudo fosse ligado o mais rápido possível. Três horas depois,
cuidando de três cortes causados pelo papel, classifiquei tudo na mesa e
organizei tudo em pastas, assim como tinha feito nove meses atrás. De
alguma forma, eu continuava caindo nessa função, ou talvez eu ia em busca
dela, assumindo as coisas porque nunca sabia se outra pessoa iria resolver.
Eu precisava que a P&M continuasse funcionando, não apenas para ter um
emprego enquanto fosse para a universidade, mas por causa do quanto isso
importava para Syd, quem era muito importante muito para mim.
— Quando Aly vai saber sobre a bolsa? — Max encostou-se na porta.
Desliguei o computador e me levantei. — Semana que vem. Estou
pirando com isso. Ela está tão animada. Ela se empenhou tanto. O dinheiro,
mais o prestígio, a colocaria nas nuvens. — Às vezes, quando eu estava
sozinha em meu quarto olhando para o teto, não conseguia conter o sorriso.
O futuro dela era tão promissor e era melhor pensar nisso do que ser sugada
de volta para o passado. Essas memórias não terminavam com um sorriso.
Elas terminavam com uma dor aguda tão profunda que eu me perguntava se
algum dia ela iria embora.
— Você também. — Max bateu com o quadril no meu. — Você se
esforçou tanto quanto ela para conseguir isso tudo.
— Foi uma longa jornada. — Fui até a frente e deslizei algumas das
bandejas vazias para fora da vitrine, empilhando-as em meus braços.
— Syd adora contar a história de quando você apareceu aqui naquele
primeiro dia, procurando emprego. Muito corajosa para alguém de quinze
anos.
Syd “se você me chamar de Sydney, eu te mato” Avon era nossa chefe
sensata com um coração de ouro. Uma vez que você quebrava aquela
fachada super-extra-duro-parece-que-você-precisa-de-um-diamante-para-
cortá-lo, ela era um amor de pessoa… Na maioria das vezes.
O buraco no meu estômago quando vi a placa de “Temos vagas” na
porta era metade por preocupação e metade por fome. Eu tinha mantido os
almoços de Alyson bem recheados, mas não havia sobrado muito na
geladeira ou armários para mim. Eu geralmente roubava da bandeja de
Emmett.
Ele sempre se ofereceu para me pagar o almoço, mas sempre fingi que
não estava com fome e depois comia metade de seu hambúrguer e quase
todas as batatas fritas várias vezes. Ele começou a aparecer em nossa mesa
com uma pilha enorme em sua bandeja depois disso.
— Achei que ela ia me chutar para fora com certeza também, mas ela
disse para estar aqui às duas da manhã se eu estivesse falando sério. Acho
que a assustei muito quando apareci naquela primeira manhã em que ela
veio abrir a loja.
Eu sabia que tinha assustado. Ela gritou de susto e por pouco não me
queimou com a caneca de café bem quente que quase voou na minha
cabeça.
— Você me assustou pra caramba, garota. — Ela apertou a mão contra
o peito e, em seguida, abriu a loja.
Realmente se passaram seis anos desde que comecei a trabalhar na
P&M? Ela me pagou por baixo dos panos até que eu tinha idade suficiente
para estar oficialmente na folha de pagamento e o resto era história – muita
história. Eu irei trabalhar na loja durante a faculdade. Trabalhar com as
mãos, sovando e misturando os ingredientes, era uma forma de me relaxar.
Cada empurrão e puxão da massa doce ou salgada aliviava a tensão dos
meus ombros e me fazia sentir que poderia criar algo perfeito. Mesmo ao
raiar do dia, eu poderia entrar, amarrar um avental em volta da minha
cintura e sentir o sono agitado da noite anterior se dissipar.
Chegar ao trabalho antes que os galos cantassem significava que eu não
sonhava muito e não ficar muito tempo com a cabeça no travesseiro é o que
me fazia seguir em frente agora. Os sonhos tornavam difícil respirar. Eles
eram tão reais, tão viscerais e crus e sempre sobre Emmett, mesmo depois
de anos separados. Seu toque gentil. O ardor em seus olhos que fazia
minhas mãos coçarem para tocá-lo. Seu cheiro, como o couro limpo dos
protetores que ele usava para jogar hóquei e menta. Poderoso e puro como
roupas recém-lavadas.
Esses sonhos só aconteciam quando eu finalmente apagava. Quando
desmaiava de exaustão na cama e não era forçada a acordar algumas horas
depois. Quando eu tinha uma noite inteira para mim mesma – o que não
acontecia com frequência – eu era visitada pelos fantasmas do meu passado,
pelo homem que eu amei com todo o coração, mas que nunca tinha me
amado de verdade.
Se ele tivesse me escutado, ouvido e confiado em mim, ele teria
entendido. Ele teria sido meu para sempre. Mas ele não ouviu, então agora
eu fiquei só com os sonhos do que um dia fomos.
3

EMMETT

E nsopado de suor mais uma vez, não conseguia tirar o sorriso do


rosto. Saímos do gelo com um placar de 4x5, um jogo amigável.
— Da próxima vez, vocês precisam me deixar fazer o
aquecimento. — Os olhos azuis de Heath brilharam com a travessura
maníaca de um homem com a intenção de torturar seus amigos.
Uma toalha suada voou pelo ar e acertou-o bem no rosto.
Declan riu e saiu do gelo.
— Nunca mais. Eu juro, prefiro fazer dois treinos profissionais
consecutivos do que ser submetido a você de novo. — Pegamos nosso
equipamento e avançamos em direção ao vestiário; andar fora do gelo de
patins sempre foi como cambalear em uma corda bamba. Minha temporada
acabou, então a viagem para a Filadélfia era um capricho. Todos do meu
time fugiram de Los Angeles no segundo em que a temporada terminou,
voltando para casa com suas famílias e amigos. A cidade ficou muito quieta
para aguentar por mais do que algumas semanas.
— Taylor. — Uma voz severa, mas delicada, ecoou no rinque quase
vazio – não exatamente de como estávamos acostumados no gelo. Era uma
mulher pequena e loira, com um casaco de inverno fechado.
Heath virou a cabeça para ela.
— Preste atenção de como você está indo para a parede colocando força
demais nesse joelho. Você vai rompê-lo antes do início da temporada. —
Ela sorriu para ele e balançou nos calcanhares.
Heath assentiu.
— Vou prestar atenção.
— Você também deveria dar uma olhada nisso, número 15. — Ela jogou
o cabelo por cima do ombro com seus olhos cor de mel apontado
diretamente para Colm enquanto ele tirava o capacete. Sua listra de gambá,
como todos nós a chamávamos, projetava-se para o alto. Aquela mecha
branca bem no centro de seu cabelo tinha sido nossa única munição contra
ele no ensino médio, a única imperfeição em sua aparência de cavaleiro
branco. Era um traço genético, entretanto, para sorte de sua irmã, ela tinha
na parte de trás cabeça – não que isso o tenha prejudicado com as mulheres.
Colm parou e se virou.
— Quem diabos é você? — Suas narinas dilataram-se.
— Você não é um dos meus, então eu provavelmente deveria manter
minha boca fechada, mas achei que você poderia usar um pequeno conselho
de amiga. Se você quiser jogar após sua próxima lesão, você tem que
observar a força nisso. — Ela girou o chaveiro e sorriu antes de sair com as
mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta.
— Obrigado, Bailey, — Heath gritou para as costas dela.
— Quem era aquela? — Colm esticou o pescoço enquanto ela subia as
escadas entre duas seções e saía por um dos túneis.
— Bailey Grisom. Fisioterapeuta. Pode ser que você queira dar uma
olhada nisso. — Heath apontou para o joelho de Colm.
— Tenho jogado do meu jeito desde que pisei no gelo. Meu corpo ainda
não me decepcionou. Nem uma única maldita lesão.
Heath deu de ombros e nos dirigimos para o vestiário com Colm
resmungando o caminho todo. Ford balançou a cabeça e pegou o resto de
seu equipamento.
Entrei debaixo do jato do chuveiro, deixando a água lavar o suor e a
sujeira da nossa hora no gelo. Foi estranho entrar na pista. Nosso último
jogo havia sido com Preston, o capitão do time de UPhil e companheiro de
equipe de Declan e Heath. Ele tinha sido o melhor cara, habilidades
incríveis no gelo, e então num piscar de olhos, ele se foi – acidente de carro,
atingido por um motorista bêbado. Ele conseguiu desviar para proteger sua
namorada, Imogen, mas não teve tanta sorte. Parecia que ele se recuperaria
totalmente e então bam, partiu. Foi uma maneira difícil de terminar a
temporada.
Era estranho como um lugar podia parecer, cheirar e ser exatamente o
mesmo, mas estar totalmente diferente.
— Quando vocês vão para a casa de praia? — Enrolei minha toalha em
volta da cintura. Eu tinha feito um pouco de mágica e escolhido um lugar
incrível para a gente a alguns passos do mar. No final da temporada,
normalmente era impossível conseguir uma casa assim, mas o dinheiro
falou mais alto.
— Kara e eu iremos no sábado depois da formatura na Rittenhouse.
Quando vocês vão? — Heath tirou seus sapatos de um armário.
— Mak quer ir no meio da semana. Ela sabe que o trânsito até a praia
será um inferno no sábado. — Uma toalha passou pela minha cabeça
quando saí do chuveiro. Declan reprimiu um sorriso e voltou a amarrar os
sapatos.
— Tenho certeza de que Kara e eu encontraremos uma maneira de nos
manter ocupados durante a longa viagem. — Heath balançou as
sobrancelhas. Os caras estavam encontrando seus pares: primeiro Declan,
que pensei que resistiria até o final, e agora Heath. Era apenas uma questão
de tempo até que Colm e Ford abandonassem o navio também. E depois?
Eu estaria do lado de fora olhando para dentro, a vela com um alguém novo
ao meu lado a cada poucos meses.
— Posso providenciar carros que levem vocês até a casa de praia, para
que ninguém tenha que se preocupar com o trânsito.
Um gemido coletivo encheu o vestiário e alguém jogou outra toalha na
minha cabeça.
— Cara, quantas vezes temos que te dizer? Para de tentar comprar essas
merdas pra gente. Melhor tomar cuidado ou as pessoas vão começar a
pensar que você é nosso sugar daddy. — Heath balançou a cabeça e fechou
o zíper de sua mochila.
— Enquanto estivermos lá, nós faremos uma festa em julho, por volta
do dia 4… E por nós, quero dizer nós. — Colm gesticulou para todos os
outros no vestiário, exceto para mim.
— Mas… — Tentei interromper, porém Declan falou por cima de mim.
— Parece bom para mim. — Ele calçou o outro tênis.
— Vocês querem beber alguma coisa? — Esfreguei a toalha no meu
cabelo úmido.
— Não posso. Vou me encontrar com a Mak para jantar mais cedo,
antes de visitarmos os pais dela. — Declan tirou o pé do banco e pegou sua
mochila.
— Heath?
— Vou até a estufa para pegar a última das minhas plantas e depois vou
encontrar Kara para assinar o contrato de aluguel da nossa nova casa. —
Ele puxou sua bolsa por cima do ombro.
— Colm?
Ele ajeitou a gravata e vestiu um blazer azul-marinho.
— Não posso. Tenho que levar Liv para uma orientação de calouros. Foi
mal, cara.
— Ford? — Eu me virei para ele quando ele saiu do banheiro em seu
short e camiseta. Nós paramos de zoar sobre isso há muito tempo. Ele era o
único que entrava e saía do chuveiro totalmente vestido.
— O quê? — Seus olhos estavam arregalados como se alguém tivesse
perguntado se ele queria roubar um banco, não apenas dito o seu nome.
— Bebidas?
Ele relaxou visivelmente.
— Ah, claro. Estou faminto. E o resto? — Ele apontou para Declan e
Heath, que praticamente já estavam do lado de fora da porta.
— Eles são uns babacas. Nós não precisamos deles. Eles já estão
adestrados. — Fiz um gesto como se estivesse estalando um chicote
enquanto eles saíam do vestiário com uma continência de um dedo só.
— Todo mundo rejeitou você? — Ele correu os dedos pelos cabelos
molhados com um sorriso surgindo em seus lábios. Atravessando o espaço,
ele jogou a toalha no cesto de roupa suja.
Dei de ombros.
— Não é como se você não fosse receber um convite de qualquer
maneira.
— Ok.
Nos vestimos e fomos para o bar. Ainda era cedo, então não estava
muito cheio, o que era bom. Embora estivéssemos na Filadélfia, de vez em
quando alguém nos reconhecia. Não passou despercebido os olhares que
recebemos quando entramos no local, mas felizmente ninguém veio até nós
ou eu tinha noventa por cento de certeza de que Ford teria entrado em
combustão espontânea de vergonha. Foram alguns drinques e petiscos
rápidos, tornados ainda mais rápidos pelo monossilábico Ford. Se Colm não
estava por perto, ele realmente não tinha muito o que dizer.
— Um dia desses, alguém que não seja Colm vai arrancar mais do que
cinco palavras de você.
Seus dedos se apertaram ao redor da garrafa de cerveja em sua frente
com o nome de Colm. O que foi isso?
Ele relaxou seu aperto e se recostou.
— O que você quer dizer? Eu normalmente sou um tagarela do caralho.
— Seus lábios se curvaram num sorriso malicioso.
— Você está certo. Meus ouvidos estão caindo com todas as suas piadas
e histórias sem fim.
— Sou um eterno ataque de riso. — Suas palavras foram tão secas que
sugaram a umidade da minha boca.
A risada que saiu dos meus lábios virou mais do que algumas cabeças.
Peguei um guardanapo e enxuguei os cantos dos olhos.
— Cara, eu juro que algum dia desses a timidez ou introspecção ou o
que quer que seja vai finalmente cair e todos nós vamos morrer de choque.
— Algumas pessoas adoram dizer cada palavra que lhes vem à cabeça.
— Ele deu de ombros e esvaziou a garrafa de cerveja.
— Você sem dúvidas vai para casa da praia, não é?
— Até eu já cansei de sair só com Colm o tempo todo. Vai ser ótimo
estarmos todos juntos novamente por um tempo.
— Ah vai. Vai sim!
O garçom deixou a conta e eu peguei para deslizar meu cartão para
dentro.
Ford o arrancou de mim, enfiou seu cartão e devolveu para o garçom
enquanto me encarava.
— Não estamos mais no ensino médio. Não precisamos que você
continue pegando todas as contas.
— Eu sei. É força do hábito — resmunguei e coloquei minha carteira de
volta no bolso. Nós nos levantamos da mesa e os olhos nos seguiram
enquanto saíamos. Meu celular vibrou no bolso. Dei um tapinha nas costas
de Ford e atendi a ligação sem olhar para a tela.
— Alô.
Ford puxou o capuz sobre a cabeça e fez o possível para desaparecer na
multidão na calçada. Não estava funcionando.
— Oi, Emmett.
— Pai? — Parei no meio do caminho, fazendo com que alguém
colidisse nas minhas costas e soltasse um xingamento. Eu dei-lhe um olhar
fuzilante, apertando meu celular contra meu ouvido.
— Sim. Quem mais poderia ser?
Eu franzi as sobrancelhas e tentei pensar na última vez que ele tinha me
ligado… Um – não, dois meses atrás. Era a terceira ligação em seis meses,
então era um novo recorde.
— Praticamente qualquer outra pessoa no planeta que me conhece.
Ainda recebo mensagens de feliz aniversário da moça da cantina da
Rittenhouse Prep.
— Ah, bem, falando em Rittenhouse, a formatura é em algumas
semanas. Eu queria ter certeza de que você estará lá. — O desconforto em
sua voz aumentou um grau.
— Estou lá todos os anos.
Ele limpou a garganta.
— Sim, mas gosto de garantir que você se lembre, já que está do outro
lado do país. — Eu tinha estado do outro lado do país nas últimas três
formaturas e tinha ido em todas. Além disso, o quão triste era que ele nem
sabia que eu estava, neste exato momento, na mesma cidade que ele?
— Certo, excelente. Bem, temos mais do que cordialidades para discutir
quando você estiver lá. Talvez tenhamos que providenciar algo para fugir de
todas as distrações. Você sabe, há dois meses atrás, com meu infarto…
— Você teve um infarto?! — Suas palavras mal faziam sentido para
mim. Meu pai, desprendido e estoico, deitado em uma cama de hospital – a
imagem não computava em minha mente.
— Sim. Sua mãe não te contou?
— Não, eu… não. Se ela tivesse me contado, eu teria voltado para casa.
— Como ela poderia ter escondido isso de mim?
— Não seja idiota. Não há necessidade disso. Estou bem.
— Pai, você poderia ter morrido.
— Eu… poderia ter morrido, mas estou bem agora. Não precisa se
preocupar.
Eles sempre foram distantes. Meus pais não foram aos meus jogos do
campeonato no ensino médio, nem mesmo me ligaram quando fui
convocado. Eles foram a vários jogos meus desde que entrei para a NHL,
geralmente levando um cliente se achavam que isso os impressionaria. Seus
mundos giravam em torno deles apenas. Eles nunca me deram a menor pista
de que se importavam comigo. Uma pontada aguda me atingiu no peito.
Meu pai poderia ter morrido, mas por que eu me importava? Que evidência
eu tenho de que eles se importam comigo? Um telefonema a cada poucos
meses? Por que eu ainda deixava que eles me atingissem?
— Certo — murmurei, tentando controlar minhas emoções.
— Excelente. Nos vemos na formatura. Vai ser bom ver você. Tchau,
Emmett. — O silêncio do outro lado tocou em meus ouvidos até que uma
buzina estridente me tirou do meu estupor. Eu levantei minha mão antes de
sair do meio da rua.
E assim, ele desligou a ligação, como se não tivesse jogado a bomba de
todas as bombas segundos antes. Eu ficava extremamente triste quando os
pais do Heath, Declan e Ford torciam por eles, quando eu olhava para as
arquibancadas e pensando que talvez um dia eu pudesse ter a atenção dos
meus pais. Esse dia nunca chegou.
Antes dos pais de Colm morrerem, eles tentavam ir a todos os jogos que
podiam. Não foram em muitos, mas pelo menos tentaram. Eu tentei não
deixar isso me incomodar, mas está fadado a te ferrar quando as pessoas
que supostamente deveriam te amar, não dão a mínima pra você.
Enquanto cresciam, os caras sempre reclamavam sobre o quanto era
chato ter que dar satisfação para seus pais. Eles evitavam e se esquivavam
de telefonemas e mensagens quando estávamos fazendo algo que não era
certo, mas eles não sabiam o quão sortudos eram. Alguém se importava
com eles, se importavam se eles estavam vivos ou não. Pensei que tinha
isso com alguém que se tornou minha família, mas ela me traiu também.
Aparentemente, eu era péssimo em qualquer coisa além de hóquei.
A distância e desatenção deles não foram completamente prejudiciais. O
único lado bom deles serem pais tão ruins era que minha carreira no hóquei
havia se tornado o que era hoje. Eles haviam se esquecido de me matricular
no jardim de infância quando eu tinha cinco anos, o que significava que não
comecei até os seis e ser um ano mais velho que todo mundo veio a calhar
quando era hora de jogar hóquei. Meu tamanho e destreza sempre foram
uma vantagem que eu tinha conseguido me apoiar.
Passamos pelo rinque todos os dias no caminho para casa e um dia pedi
à minha babá para parar. Marcamos algumas aulas e pronto. A ilustre
carreira de hóquei de Emmett Cunning tinha começado quando eu apontei
pela janela, um dia, saindo da escola primária porque a ideia de ir para uma
casa fria e vazia me deixou procurando por outro lugar para ir depois do
colégio. Assim que percebi que um time, uma espécie de família, vinha com
o jogo, fui comprado.
Voltei para o silêncio da cobertura, a quietude era como unhas em uma
lousa. Peguei o controle e liguei a TV.
Me irritava mais e mais que a saúde do meu pai me preocupasse, que
nossa distância me incomodasse. Trocamos algumas ligações, mas não era o
suficiente para desfazer anos de negligência. Por que eu deveria esperar
uma proximidade? Um afeto? Mas esse medo estava lá.
Sua morte… E se ele morresse? E depois, o que aconteceria? De alguma
forma, coloquei na cabeça que talvez um dia as coisas melhorariam. Talvez
seu infarto mudasse as coisas. Ele disse que queria falar mais, uma vez que
eu estivesse lá.
Uma hora depois, chegou o e-mail com as informações da Rittenhouse
Prep. A Bolsa de Estudos Samuels existia na escola desde que eu conseguia
me lembrar. O orador e a oradora sempre ganhavam, o que me causava
ainda mais incômodo estar lá.
A bolsa era algo importante para meu avô, Samuel Cunning, então eu
estaria lá mesmo que fosse uma formalidade. Cliquei nos anexos e abri os
formulários de inscrição para bolsas. Alunos do último ano do ensino médio
sorriram de volta para mim, parecendo pré-escolares na minha opinião. Eu
poderia ter saído há apenas quatro anos do ensino médio, mas eles pareciam
novos demais.
Cliquei no penúltimo formulário de inscrição, depois de rir até doer de
uma redação sobre as provações e tribulações de uma viagem de safári à
Namíbia no verão anterior. Parece que alguém se esqueceu que, talvez, não
haveria chuveiros cinco estrelas no deserto. Nunca mude, Rittenhouse Prep.
Nunca mude. Quando eu estava no ensino médio, havia garotas que viam
uma unha quebrada como um grande acontecimento na vida e parecia que
não estava muito diferente agora.
Passei para a página inicial do formulário sem nem mesmo olhar para o
nome. Tomando um gole da minha cerveja, me engasguei. Meu peito
queimava como fogo enquanto eu tinha um ataque de falta de ar. Como se
meus sonhos com ela na noite anterior a tivessem conjurado, uma imagem
sorridente de Avery olhou para mim com o braço em volta de uma garota.
Rolando de volta para o topo do formulário, vi o nome: Alyson Davis.
Aly. Irmã da Avery. Todas às vezes que tínhamos dirigido pela cidade com
Aly saltitando no banco de trás da minha caminhonete me atingiram com
força. Ela pulava para cima e para baixo quando Avery e eu a buscávamos
na escola, tentando andar de cavalinho nas minhas costas sempre que podia.
Eu não pude conter o sorriso quando essas memórias tomaram conta de
mim. Sempre pareceu que era nosso próprio treino para quando Avery e eu
tivéssemos um filho nosso. A dor aguda estava de volta, tão forte que tive
que agarrar a ponta da mesa.
Alyson era a oradora da turma e sua redação era sobre a viagem com a
irmã. Elas dirigiram até DC para ver os fogos de artifício no fim de semana
de quatro de julho do verão anterior. Ela falou sobre sua irmã levá-la ao
Instituto Smithsonian e o pneu furado que elas tiveram no caminho de volta.
Meu estômago embrulhou imaginando Avery e Alyson sentadas na beira da
estrada, esperando que alguém parasse e as ajudasse.
E então o fogo veio, aquela chama ardente e crepitante que queimava
sempre que pensamentos ternos sobre Avery vinham até mim. Eu não
deveria ter me importado. Não deveria ter importado nem um pouco para
onde ela foi e com quem ela foi. Ela me disse de várias maneiras que não
queria ficar comigo nunca, embora nenhuma tenha sido tão alta e clara
como quando eu a tinha flagrado na minha festa, de joelhos na frente de
outro cara. A rachadura e o estilhaçar da porta de entrada enquanto eu saía
furiosamente antes de destruir Fischer, o traficante residente na Rittenhouse
Prep, foi um reflexo perfeito do que ela fez com meu coração e alma.
Foi bom que meus pais não tivessem planejado ir à minha formatura do
ensino médio, porque eu também não fui. Eu pulei em um avião para
Sydney na primeira chance que tive.
Li rapidamente o resto do formulário de Alyson. Sempre que tinha
chance, havia um comentário sobre sua irmã e como ela não poderia ter
feito isso sem Avery. Qualquer pessoa que estivesse lendo pensaria que sua
irmã era perfeita, mas eu tinha experienciado essa perfeição. Avery tinha se
armado com paixão e amor e abriu um buraco no meu peito.
Há quanto tempo estava acontecendo aquilo que testemunhei? Há
quanto tempo ela estava transando com Fischer? Ela estava rindo com ele
pelas minhas costas?
Muitas vezes eu a tinha segurado em meus braços ou ela ficou sentada
em meu colo tarde da noite. A maneira como a luz sempre a encontrava
para aquecê-la com um brilho agradável… Me apaixonei tão
profundamente que não tinha visto sinal nenhum. Pensei que tudo o que ela
havia dito sobre eu ir para a faculdade e deixá-la para trás foi baseado em
suas inseguranças sobre eu deixá-la se fosse embora. A piada estava em
mim, porque ela estava tentando me rejeitar de pouco em pouco, eu acho.
Balancei minha cabeça. Ser sugado para o buraco que era pensar nela de
novo não era o que eu precisava, mas talvez houvesse outra coisa, uma
maneira de finalmente me livrar dos sonhos e pesadelos, para provar a mim
mesmo que eu não ficaria preso a ela para sempre. Eu não teria a
necessidade de imaginá-la em cima de mim com minhas mãos em concha
sobre seus seios suaves e gentis, correndo meus dedos para cima e para
baixo em seus braços enquanto ela ria, descansando contra mim no sofá e
roubando todos os meus Skittles vermelhos.
Essa coisa com Avery precisava acabar de uma vez por todas. Eu estava
cansado de deixar que pensamentos sobre ela me expulsassem da cidade
onde minha família de verdade estava.
4

AVERY

— E u posso voltar hoje à noite e ajudá-la a resolver as próximas


contas. — Eu fiz malabarismo com meu telefone e o convite da formatura.
O auditório com ar-condicionado era um refúgio do calor do verão.
Entregando ao porteiro, peguei dois panfletos com as programações e os
coloquei debaixo do braço.
— Você acha que eu não consigo lidar com isso sozinha. — A voz
rouca e mal-humorada de Syd reverberou em meu ouvido. — Só porque
você vai me deixar no final do verão, não significa que você não precisa
mais puxar meu saco.
— Eu disse que não vou embora. Ainda estarei trabalhando.
Afastando meu celular do ouvido, vi se tinha mensagens. Nada do meu
pai. Mesmo sem colocar a chamada no viva-voz, eu ainda podia ouvir a voz
de Syd do outro lado da linha.

Eu: Pai, você vai vir?

— Como você vai para as aulas de manhã e fazer todas as coisas da


faculdade se vai ficar aqui até às seis da manhã?
Dei de ombros, embora ela não pudesse me ver.
— Vou dar um jeito. Não é como se eu não tivesse dado antes.
— E olha onde isso te levou. Você pode pegar alguns horários aqui se
quiser, mas não quero que você perca a oportunidade para me ajudar. Às
vezes acho que estou ficando velha demais para esse lugar. Talvez eu deva
fechá-lo.
Meu coração saltou na minha garganta.
— Syd, você ama a padaria. Por que você diria algo assim?
Ela deixou escapar um suspiro profundo.
— Está precisando de muitas, muitas horas…
— Posso ir mais. — Deslizei para um assento no corredor e coloquei
meu panfleto ao lado do meu para a Mak.
— Não, na verdade, você precisa vir menos.
Minha garganta se apertou. A Pão & Manteiga foi por muito tempo a
minha segunda casa.
— Mas, Syd…
— Não fique toda sentimental comigo. Não estou te expulsando nem
nada. Você simplesmente não tem uma folga há anos. Você finalmente vai
ter um pequeno recesso nesse verão. Talvez tire férias. Você precisa disso,
garota. Pense nisso.
Eu tinha pensado nisso. Era a primeira vez que não fazia malabarismo
com aulas e trabalho desde os quinze anos. No outono, imaginei que a aula
seria muito mais intensa. Talvez uma viagem até ao litoral ou uma trilha
onde eu pudesse acampar um pouco seria bom.
— Ok, vou pensar sobre isso.
Mak passou por mim e foi para o seu assento, mas ela não estava
sozinha. Declan segurava sua mão e se sentou, seguido pelo resto do trem
do grupo dos Kings. Merda!
— A cerimônia já vai começar. Falo com você depois.
— Dê um grande abraço em Alyson por mim e diga a ela que um bolo
de ganache de chocolate amargo está esperando por ela sempre que quiser.
— Vou dizer.
Desligando a ligação, coloquei meu celular na bolsa. Passei o olho no
palco, tentando localizar Alyson e então prendi um suspiro cortante. Me
encarando como se ele estivesse tentando me queimar com uma visão à
laser, sentado no palco ao lado de seus pais, estava o homem que evitei nos
últimos quatro anos.
O buraco no meu estômago cresceu. Ele sentava ao lado deles, os três
parecendo a parte de uma família perfeita – uma família perfeitamente fria.
Pelo menos eu tinha lembranças do meu pai, uma vez, tentando colocar
suas merdas no lugar e deixando a família em primeiro lugar. Os pais de
Emmett eram víboras em pele de cordeiro. Um arrepio frio correu pela
minha pele.
Para piorar as coisas, os olhos de Emmett varreram todos na minha
fileira e minhas costas ficaram eretas. Eu estava sentada com todos os seus
amigos. Se olhares pudessem matar, eu teria virado uma pilha fumegante de
cinzas da Avery.
Fechei meus olhos e respirei fundo. Era um país livre. Eu poderia ir para
onde quisesse. Não deixaria Emmett me afastar daqui nesse dia especial. A
orquestra – sim, eles tinham uma maldita orquestra – começou a música
processional e os alunos entraram em fila. Por alguns minutos, fui capaz de
esquecer o homem sentado no palco e assisti minha irmãzinha coberta com
cordas de honra, borlas e faixas prosseguindo com o resto da classe e
tomando seu assento no palco com os outros destinatários das honras.
Assistimos a uma lista dolorosamente longa de pessoas discursando;
felizmente, Emmett não era uma delas. Era difícil evitar seu olhar com seu
assento quase diretamente na minha frente. Olhando para o panfleto, toquei
no braço de Mak.
— O discurso de Alyson é o próximo.
Mak abriu seu panfleto.
— Eu sei que ela vai arrebentar. É tão incrível que ela esteja se
formando. Vocês duas vão jantar fora depois?
— Não, as malas dela já estão feitas e na casa de uma amiga. Elas
estarão indo para o preparatório para a faculdade amanhã de manhã juntas.
Ela já está me deixando pra trás. — Limpei algumas lágrimas falsas com as
costas da minha mão. Alyson acenou para mim.
— Ah, então definitivamente deveríamos jantar. Achei que você tinha
algo planejado.
O diretor se levantou e anunciou o nome de Alyson. A multidão
aplaudiu e Mak enfiou dois dedos na boca para soltar um assobio
ensurdecedor.
Minha irmã estava no pódio com as mãos apoiadas em cada lado da
superfície plana. Eu dei a ela um sutil sinal de positivo enquanto ela
respirava fundo e um sorriso iluminou seu rosto.
Seus passos determinados enquanto ela caminhava para frente e para
trás em seu quarto tinham perfurado o discurso em minha cabeça. Ela havia
feito doze rascunhos para aperfeiçoá-lo. Não havia nada que ela não fizesse
com o melhor de sua capacidade. Eu trabalhei pra caramba para ter certeza
de que ela chegasse a esse ponto, mas ela também. Ela mereceu isso.
Mesmo que eu tivesse prometido a mim mesma que não ficaria
emocionada, puxei alguns lenços de papel da bolsa. Suas palavras de
incentivo para sua classe me fizeram limpar os cantos dos olhos. A
garotinha com quem eu tinha rolado no gramado da escola e sentado por
tantas noites trabalhando em projetos de ciências e tarefas de matemática
estava me deixando em menos de uma hora. Muito de quem eu era girava
em torno de criar uma vida para ela, uma vida em que ela não estivesse com
medo ou passasse vontade, mas o que sobrou para mim? Eu ainda não
sabia.
— E há uma pessoa que sei que eu não conseguiria ter feito nada disso
se não fosse por ela – minha irmã mais velha, Avery. Ela esteve lá para mim
durante cada passo, desde o dever de casa na mesa da cozinha até se
certificar de que eu tenha protetor solar extra para um dia na praia. Nunca
houve uma irmã mais incrível e carinhosa no mundo. Eu te amo, Ave.
Meu sorriso estava tão largo que minhas bochechas doíam. Ela cresceu
tão rápido. Parecia que foi ontem que eu estava saindo da sua cama depois
que ela finalmente dormiu logo assim que acabava de assistir seu primeiro
filme de terror. Eu pisquei para conter as lágrimas, tentando não me tornar
uma bagunça chorona. Sem querer, encontrei o olhar de Emmett.
Ele me encarava, seus olhos perfurando os meus tão profundamente que
roubou meu fôlego. Ele tinha uma expressão estranha no rosto que eu não
conseguia identificar, como uma nuvem passando sobre seu piquenique em
um dia ensolarado e depois desaparecendo. Meus músculos se recusaram a
cooperar e quebrar a conexão parecia impossível até que seus olhos
voltaram para Alyson.
Todos aplaudiram e saudaram quando ela terminou o discurso. Bati
palmas com tanta força que minhas mãos doíam, mas não me importei. Eu
teria subido em cima da minha cadeira para aplaudi-la se não achasse que
ela ficaria morrendo de vergonha. Eu tinha certeza de que ela já estava
envergonhada o suficiente.
O diretor e outros administradores levantaram-se e leram os nomes dos
alunos que se formavam. Não era uma turma enorme, mas a lista era longa
o suficiente para o olhar de Emmett chamuscar minha pele a seis metros de
distância. Arrepios subiram em meus braços.
Foi o tempo mais longo que ficamos no mesmo espaço desde a noite em
que terminamos. Não importava que houvesse centenas de pessoas ali
conosco; quando olhei em sua direção, parecia que éramos os únicos no
lugar.
Dessa vez, não fui capaz de sair correndo, de fugir no segundo que tive
a oportunidade, como sempre fazia. Minhas palmas estavam suadas.
Enxugando-as na saia do vestido, desejei estar usando jeans, algo que me
fazia sentir mais como eu mesma, como se estivesse no controle. Eu me
sentia exposta com a estampa floral brilhante, o decote arredondado e saltos
altos. O estresse de chegar a esse ponto, de Alyson conseguir a bolsa e eu
ser aceita na UPhil, era quase insuportável. Talvez fosse por isso que
parecia que meu coração estava tentando sair da minha boca pela garganta.
Talvez eu precisasse parar de correr. Eu não tinha sido exatamente uma
freira desde que terminamos, mas as pilhas de trabalho e cuidar de Alyson
não deixava muito tempo para relacionamentos. Minha chance de um novo
começo estava ao meu alcance – apenas Avery, não-mais-a-de-dezoito-
anos que não precisava se preocupar com ninguém além de si mesma
pela primeira vez.
As pessoas puxaram imediatamente suas câmeras e telefones enquanto
seus graduados caminhavam pelo palco. Eu já tinha comprado todo o
pacote de fotos da formatura que vinha com fotos dela por um fotógrafo. O
dia seria imortalizado para sempre e pendurado no meu apartamento assim
que eu tivesse um.
O diretor encerrou a cerimônia e todos os alunos se levantaram e
jogaram seus capelos para o alto. Era um mar de quadrados azul-marinho,
cada um pertencendo a um adolescente que tinha um futuro repleto com
mais bolas curvas do que eles poderiam imaginar.
— Owwn, eu não posso acreditar que ela já está se formando. Não
acredito que eu me formei. — Mak passou seu braço no meu.
— Eu sei. É louco. Desculpa por não ter conseguido ir à sua formatura.
Syd precisava de mim na padaria e estou tentando acumular o máximo de
horas extras que posso. — Você nunca poderia ter um fundo de emergência
grande o suficiente, mas eu realmente queria estar lá para apoiá-la.
— Não se preocupe com isso. Tenho certeza de que terá outras no
futuro. — Ela bateu com o ombro no meu. — Foi muito chato.
Provavelmente foi melhor você não ter ido.
— Talvez você esteja certa. Onde está Declan?
Esticamos nossos pescoços para ver Ford, Colm, Declan e Heath no que
parecia uma competição de encarar com Emmett no palco. Eles estavam
todos olhando entre seus celulares e uns para os outros.
— Problemas no paraíso? — Dei de ombros e sorri para ela.
Ela balançou a cabeça e revirou os olhos.
— Quem vai saber.
Eu deixei cair o braço dela enquanto a multidão aumentava. Todos os
amigos e familiares saíram do auditório para tirar fotos, correr para jantares
em todos os melhores restaurantes da cidade e passear ao pôr do sol. Eu só
esperava por um hambúrguer e que meu carro não quebrasse no caminho
para casa.
— Você poderia ter guardado um lugar para mim, Avery. — Meu pai
reclamou quando me alcançou no momento em que eu estava quase na
metade das fileiras de assentos macios azul-marinho.
Os músculos do meu pescoço ficaram tensos e diminuí meus passos
para que Mak fluísse com o resto da multidão.
— Eu não sabia se você ia vir. Enviei várias mensagens e não tive
resposta de nenhuma. — Coloquei meu panfleto na bolsa. — Tenho um
para você. — Entreguei para ele.
Ele o enfiou no bolso.
— Nem sempre posso responder a cada mensagem que você me manda.
— Sua voz estava rouca e mal-humorada ao mesmo tempo.
Eu apertei a ponte do meu nariz. Eu não o deixaria me atingir hoje. O
alívio era quase avassalador. Ela se formou. Ela iria para a faculdade depois
do programa de verão. Eu não estava mais presa àquela casa, não estava
presa aos caprichos impulsivos de nosso pai por mais um dia. Se eu
pudesse, estaria fora de casa na mesma noite, mas poupar meu dinheiro para
o aluguel assim que as aulas começassem significava ficar com ele por mais
alguns meses.
Se a luz ou a água do meu pai fossem cortadas depois disso, eu não
sabia o que faria, mas não teria que ir para a cama usando três moletons e
meias grossas de lã enquanto ele gastava nosso dinheiro.
Ele não estava usando mais, porém suas decisões precipitadas ainda
voltavam para puxar nossos pés. Eu o fiz jurar para mim depois que ele
ficou limpo no meu último ano que não usaria novamente.
Aparentemente, não foram as drogas que o tornaram incapaz de voltar a
ser o pai de quem eu me lembrava vagamente. Mesmo limpo, ele quase
conseguiu nos afundar com uma combinação de jogos de azar e várias
outras decisões ruins. Agora que Aly havia se formado, não precisávamos
mais do endereço dele para a isenção das mensalidades da Rittenhouse
Prep.
Isso machuca. No fundo do meu coração, me machucava. Não havia
mais ele me carregar nas costas ou abraços apertados culminando com um
beijo no topo da minha cabeça. Ele sempre costumava me chamar de
Biscoitinho. Mamãe e eu fazíamos as melhores tortas e sobremesas depois
da escola. Ele voltava para casa com grandes abraços para nós duas e um
beijo para Alyson. Ei, Biscoitinho, o que você está assando? Ele achava o
ápice do humor.
Encontrei Alyson na multidão de pessoas subindo e descendo os
corredores. Ela me viu e seu rosto se iluminou instantaneamente. Pisquei
para conter as lágrimas que ameaçavam cair. Ela era tão bonita e seu futuro
era tão brilhante.
Seus braços me envolveram e eu apertei de volta com a mesma força.
Todas as cordas e faixas de sua beca de formatura foram esmagadas entre
nós. Eu a soltei e coloquei minhas mãos ao lado de seu rosto.
— Foi um discurso incrível. — Enxuguei as lágrimas que não conseguia
mais segurar.
— Estou surpresa que você não se levantou para recitar comigo, de
tantas vezes que você me ouviu falando. — Lágrimas brilharam em seus
olhos e seu sorriso derreteu meu coração.
— Ficou cada vez melhor.
— Que tal um abraço no seu velho? — Nosso pai estendeu os braços e
Alyson se soltou e colocou os braços em volta dele. — Vamos jantar fora?
— Ele olhou dela para mim.
— Estou indo para a casa de Mikayla depois e, em seguida, para uma
festa de formatura. — Alyson sorriu fracamente para ele. Idiota sortuda.
Ela tinha como sair disso sem culpa.
O medo escorreu pelas minhas costas quando a cabeça do meu pai virou
em minha direção. Meu celular vibrou.

Mak: Onde você está? Quer comer?


O alívio tomou conta de mim. Espera, Emmett vai estar lá? Eu a
encontrei com o resto dos caras, sem Emmett à vista. Eu teria corrido direto
para as mandíbulas de um leão para me afastar do meu pai naquele
momento, mas a culpa e a responsabilidade eram uma droga e tanto.
— Claro, pai, podemos jantar, mesmo que Alyson não possa ir. — Olhei
para trás, mas ele já estava indo embora. — Papai?
E lá se foi.
Mak e Declan se aproximaram e deram um grande abraço em Alyson,
assim como em Grant, o irmão mais novo de Ford. Ele tirou algumas fotos
com ela e conversamos um pouco, então segurei Alyson enquanto
caminhávamos para o carro de sua amiga.
— Por favor, pelo amor de Deus, se for beber, não entre no carro com
outra pessoa que está bebendo. Me ligue todos os dias quando estiver na
estrada e quando chegar no dormitório. Me fala se você precisar de alguma
coisa. — Eu a abracei com força, ficando de pé no meio-fio, realmente não
me importando se eu a envergonharia na frente de seus amigos.
— Que belo jeito de mudar para o modo superprotetor, mana. — Ela
sorriu para mim e deslizou para o banco do passageiro. — Onde está nosso
pai?
Dei de ombros.
— Não sei. Talvez precisaram dele para ajudar em alguma coisa?
— Tente se divertir nesse verão. — Ela apertou minha mão.
— Você me conhece, uma verdadeira foliona. — Eu balancei meus
cabelos e ela revirou os olhos.
— Tente de novo, Avery! — Ela gritou enquanto o carro se afastava na
fila de outros veículos que saíam do estacionamento.
Eu pulei quando meu celular tocou novamente.

Mak: Estamos tentando encontrar um lugar que não esteja lotado


agora. Você está vindo, não está?
Ela me enviou suas localizações ao vivo enquanto eles pulavam de um
restaurante para o outro. O alívio que senti antes de me safar do jantar com
meu pai diminuia a cada passo mais perto do ponto piscando no mapa do
meu celular. Fiquei olhando para ele, esperando que talvez desaparecesse,
esperando que ela cancelasse ou me dissesse que não conseguiram
encontrar nada. E se eu tiver que sentar ao lado dele durante todo o jantar?
E se ele disser que quer que eu vá embora?
As decisões que a jovem Avery tinha feito para proteger o homem que
roubou seu coração estavam voltando para me assombrar com força total
agora. As emoções envoltas de Emmett Cunning nunca eram simples ou
fáceis, e eu não sabia por que esperava que fossem mais fáceis depois de
quatro anos de raiva e ressentimento que se instalaram profundamente nele.
O ponto piscando me disse que Mak deveria estar à vista. Meu pulso
disparou quando levantei os olhos do celular e examinei a rua.
Finalmente me encontrei com ela na movimentada calçada da Filadélfia.
O rosto sorridente de Mak me cumprimentou junto com o restante imparcial
dos Kings parados do lado de fora de um restaurante. Eu queria dar meia
volta e fugir. Em vez disso, sorri fracamente e continuei andando. Por favor,
não esteja aqui. Por favor, não esteja aqui…
5

EMMETT

— V amos para os Hamptons nesse verão. Gostaríamos que você


viesse junto. — Minha mãe sorriu para mim mostrando os dentes, eu juro
por Deus que ela realmente fez isso. Parecia que suas bochechas poderiam
explodir a qualquer segundo com o tamanho de seu sorriso. Como que uma
expressão facial ainda era possível com a quantidade de Botox que ela
tinha?
Quase caí da cadeira quando ela cobriu minha mão com a dela na mesa
da sala de jantar e fez seu convite na manhã anterior à formatura da
Rittenhouse.
— Vocês o quê? — Tentado enfiar o dedo no ouvido para tentar limpá-
lo, meus olhos estavam arregalados como se eu tivesse visto o Coiote
finalmente pegar o Papa-léguas.
Sentado à mesa de jantar na casa da minha infância, olhei para os meus
pais. Parecia estranho vê-los ali, como manchas deixadas na parede quando
você remove uma pintura. Eles foram ausentes com tanta frequência que
geralmente pensava nela como minha casa, não nossa casa – ou até mesmo
a deles. Mesmo assim, eu geralmente ficava no meu apartamento sempre
que estava de volta à cidade.
Não havia nada para mim naquela casa e as memórias embutidas nas
paredes apenas tornavam tudo mais difícil. Por muito tempo, não houve
nada lá, mas a partir do primeiro dia do segundo ano, guardou muitas
memórias felizes. As tardes preenchidas comigo enrolado nos cobertores
junto da Avery, ela cozinhando na cozinha… aquelas foram as únicas vezes
que parecia um lar. O verdadeiro pé na bunda era a memória da noite que eu
sabia que mudaria minha vida, a noite que deveria terminar com meu anel
em seu dedo e nós fazendo amor. Aquilo, com certeza, não saiu como
planejei.
Limpei minha boca com o guardanapo.
— Desculpe, acho que ouvi errado.
— Gostaríamos de ter uma férias em família, tempo para todos nós nos
reaproximarmos. Gostaríamos que você viesse conosco. — Meu pai
tamborilou os nós dos dedos na mesa de cerejeira.
Eles nunca me convidaram para ir a lugar nenhum. Minhas primeiras
memórias deles foram de portas se fechando na minha cara.
— Vocês dois não deveriam estar se divorciando?
Os olhos deles se arregalaram.
— Momentos difíceis acontecem, querido. Seu pai e eu ainda estamos
muito apaixonados. — Minha mãe colocou a mão em volta da mão do meu
pai e sorriu para ele.
— Ir por quanto tempo?
— Por todo o verão. — Meu pai se inclinou para frente em sua cadeira.
— Até o seu aniversário no final de julho.
Eles olharam para mim, esperando por uma resposta, mas eu não tinha
uma. Seu infarto afetou o cérebro dele? Fiquei tentado a perguntar, mas
contive a vontade de questionar se ele sabia minha data de aniversário real
ou apenas um dia aproximado.
— Sabemos que estivemos… ocupados no passado, mas pensamos que
essa seria uma boa chance para todos nós nos reconectarmos, passar um
tempo com alguns velhos amigos e uns com os outros.
— Ocupados? — Isso não cobre nem a metade. — Que tal
completamente ausentes?
Se a testa com botox da minha mãe pudesse se mover, tenha certeza de
que estaria franzida.
— Bem, então, que melhor hora do que agora para nos
reaproximarmos? Acho que seria bom para todos nós. — Com a cabeça
virando, sem um fio de cabelo fora do lugar, ela olhou entre mim e meu pai.
Parecia que eu finalmente conseguiria um pouco daquele tempo com a
família que sempre quis, apenas cerca de duas décadas tarde demais.
Todos do conselho subiram ao palco para a cerimônia de formatura. Com
Alyson como oradora, Avery estava lá na multidão. Eu podia sentir isso
mesmo que não pudesse vê-la. Era como se um farol de localização me
atraísse direto para ela, não importa onde eu estivesse.
Tentei me preparar o máximo possível. De jeito nenhum ela perderia a
cerimônia. Tentei resistir ao impulso de examinar a multidão em busca de
seu rosto, mas não pude evitar. Primeira fileira – olhei diretamente para ela.
O clarão de reconhecimento em seu olhar combinou com o fogo no meu.
A queimação no meu corpo não era apenas no meu estômago, que era
outra razão que me irritava vê-la. Por que ela tinha que ser bonita assim
como era antes? Cada parte da imagem da garota por quem me apaixonei,
só que agora ela era uma mulher. Era pior. As poucas vezes que a vi desde o
ensino médio só tornaram mais difícil estar perto dela.
Minha mãe olhou para mim e sorriu, em seguida, colocou a mão em
cima da minha novamente. Estava se tornando um pouco perturbador que
não me chocava mais quando isso acontecia. Batemos palmas para outro
palestrante falando monotonamente e meu pai me deu um tapinha no
ombro. Fiquei tentado a verificar atrás de suas orelhas para ter certeza de
que não eram pessoas do mal usando máscaras.
O convite deles ricocheteava em minha cabeça. Eu deveria passar o
verão com os caras, mas isso era o que eu olhava para o teto e esperava
quando criança. Eu tinha escrito cartas de verdade para o Papai Noel
pedindo para que meus pais me vissem, que quisessem passar tempo
comigo.
Uma agitação começou no meu estômago, do mesmo tipo que eu sentia
toda vez que corria para casa da escola com alguma nova conquista para
mostrar a eles, esperando que isso os deixassem orgulhosos. Não deixava e
parei de tentar, mas eu não era mais uma criança. Eles nem me conheciam.
Eu com certeza não os conhecia. Eu quero que isso mude? E se essa for a
chance do relacionamento que sempre quis?
Dividir o verão seria a maneira mais fácil de lidar com as coisas: ir com
meus pais para os Hamptons e depois ir para a casa de praia com os caras.
Se eu recusasse meus pais, eles poderiam nunca mais fazer o convite
novamente. Depois desse verão, a agenda dos meus amigos não iria
melhorar, e eles seriam capazes de pagar o que quisessem assim que a
temporada começasse e houvesse novos salários bem gordos para todos,
agora que seriam profissionais. Onde isso me deixava? Meus pais são
minha família, e a família fica unida, certo?
Bati palmas automaticamente enquanto todos ao meu redor começaram
a aplaudir. Alyson se levantou em frente ao pódio, ela parecia tão diferente.
A corajosa, às vezes um carrapatinho irritante foi embora, substituída por
uma aluna completa do terceiro ano.
Como se a barragem finalmente tivesse estourado, não consegui evitar e
olhei para Avery novamente. Seus saltos azul-elétrico atraíram meus olhos
para suas pernas imediatamente e a saia de seu vestido deslizava logo acima
dos joelhos. Eu amava suas pernas. Suas calças jeans rasgadas sempre
mostravam os lugares perfeitos para eu correr meus dedos quando ela se
sentava ao meu lado na caminhonete. A maneira como ela as envolvia em
torno de mim enquanto eu estava dentro dela, como ela jogava uma sobre
meu quadril enquanto dormíamos – ela era a personificação em cores vivas
de cada sonho e pesadelo que eu já tive. Reunindo essas memórias, tentei
trancá-las em um lugar longe.
Seus olhos brilhavam com lágrimas não derramadas. Havia muito amor
em seu rosto enquanto ela olhava para sua irmã. Eu ansiava por uma gota
daquilo. Como ela poderia ser tão diferente quando se tratava de sua irmã e
de mim, o homem que ela disse que amava? Ouvindo o discurso de Alyson,
eu sabia que Avery tinha feito tanto por ela, sacrificado tanto por ela – por
que ela não poderia ter me deixado ajudar? Ter me deixado cuidar dela?
Em vez disso, ela se ajoelhou na frente daquele idiota do Fischer e acabou
com o nosso futuro juntos. Eu coloquei minhas mãos em meu colo e minha
mandíbula apertou com tanta força que meus dentes doeram.
A cena se repetiu na minha cabeça enquanto eles chamavam os nomes
dos alunos. Eu foquei nisso e afastei a raiva, tentando enxugar a dor, aquela
dor cortante em meu peito que esqueci apenas por um breve momento,
quando me forçava a esquecer, ou pior, quando beijava outra pessoa e fingia
que era ela. Sim, eu era fodido da cabeça.
Quando todos ficaram de pé no final da cerimônia, dei outra olhada para
Avery e na maneira fácil como ela interagia com Mak e Declan. Decisão
tomada. Puxando meu celular do bolso do meu blazer, enviei uma
mensagem enquanto todos os alunos saíam.
Emmett: Não vou poder ir para a casa de praia. Espero que todos
vocês se divirtam.
Colm: Você está dando pra trás no primeiro verão em séculos, onde
todos nós podemos curtir juntos?
Ford: …
Declan: Cara, tire sua cabeça do cu! Você vai sim
Heath: Se acalma… Não nos faça ir buscá-lo!

— Emmett! — Declan gritou, colocando as mãos ao redor da boca. Me


recusei a olhar. Todos no palco seguiram seus caminhos em direção às
saídas.

Emmett: Meus pais me convidaram para passar as férias com eles,


então estou indo.
Colm: Sério?
Ford: ?!

Sim, a surpresa do ano, meus pais me convidaram para algum lugar.


Não olhei para o mar de amigos e familiares dos formandos.

Emmett: Eu não vou.


Declan: Ela não vai estar lá
Colm: Você vai ter que vê-la eventualmente. Talvez fosse melhor se
vocês dois finalmente tivessem aquela conversa que nunca tiveram.

Colm, sempre a voz da razão.


Emmett: Eu não vou. Vou para os Hamptons com meus pais.

Flexionei minha mandíbula. Era realmente tão louco passar algum


tempo com meus pais? Bem, sim. Os caras provavelmente pensaram que eu
estava sob coerção mental.
— Emmett, você está pronto? — Minha mãe colocou a mão no meu
braço.
Fiquei tenso, mas não recuei completamente como da última vez. Os
caras estavam descendo o corredor em minha direção com a multidão
fluindo na direção oposta.
— Estou pronto.
Se meus amigos chegassem até mim, eles me interrogariam sobre o que
estava acontecendo e, francamente, eu não tinha ideia.

Uma semana na viagem, eu ainda não entendia o que estava acontecendo. A


proximidade e união familiar me assustava. Fomos pescar, jogar tênis e
golfe. Havia uma equipe de cinco pessoas que nos seguiam por toda parte.
Perguntas que chegavam a ser estranhas eram lançadas na conversa,
geralmente durante as bebidas. “Teve namoradas na faculdade?” “Algum
problema com alguma delas?” “Alguém te colocou numa saia justa fora do
gelo?” “E alguma discussão?” Eu aprendi a não ficar encurralado pelas
pessoas que meus pais convidaram para nossas férias “em família”. Harold
era o pior, de longe. Seus ternos sob medida não podiam esconder a
corrente de desprazer que irradiava dele.
Um barco alugado nos levou para uma viagem durante a noite e foi só
quando me disseram que teríamos ainda mais convidados assim que
voltássemos para casa que a vozinha na parte de trás da minha cabeça falou
um pouco mais alto. Eles convidaram um amigo de longa data da família,
Arthur Chadwell, e sua filha, Sloane, também. Quanto mais eu ficava lá,
mais meu estômago revirava, como se eu estivesse sendo alimentado à
força com uma dieta constante de leite quase vencido.
— Estamos muito orgulhosos do Emmett e de como ele tem se saído
bem na NHL. — Meu pai tomou um gole de seu uísque.
— Ele é um excelente goleiro — minha mãe acrescentou, tomando um
gole de seu gim. Seu cordeiro assado não foi tocado. Ela estava fazendo um
jantar líquido.
Eu deixei cair meu garfo. Ele bateu no meu prato e todas as cabeças se
viraram para mim.
— Eu sou um winger.
— Ah, é claro. Como eu poderia ter esquecido? — As bochechas da
minha mãe pareciam como se alguém tivesse ligado um lança-chamas na
frente delas. Não porque ela estava com vergonha de ter esquecido minha
posição. Elas ficavam progressivamente mais vermelhos com cada copo
interminável de gim.
— Excelente pergunta.
Sloane conseguiu desviar a conversa do tópico tenso sobre mim e quão
pouco meus pais pareciam saber sobre mim. Limpando a boca com o
guardanapo de pano, coloquei-o sobre a mesa enquanto o pessoal da
cozinha vinha limpar tudo e depois me dirigi para o meu quarto.
Verifiquei meu celular novamente. Uma mensagem de vídeo chegou
alguns minutos antes.
— É melhor você trazer sua bunda para cá durante Quatro de Julho ou
nós iremos aí te buscar — Declan gritou para a câmera com um fone de
ouvido na cabeça e um microfone na boca. Ele virou para a câmera traseira
e o resto dos caras sorriu enquanto cada um me dava um joinha, antes de
apontar para a praia pela janela. Pessoas e guarda-sois formavam um padrão
pontilhado na areia.
Eu precisava ir para lá. O que eles estavam planejando para o dia da
Independência? Eles queriam fazer uma festa? Eu totalmente poderia
planejar uma festança.
Já estava tirando minhas roupas de uma gaveta quando Sloane se
esgueirou para dentro do meu quarto e se sentou na cama. Sua saia levantou
um pouco quando ela saltou no colchão. Ela era a mulher-propaganda de
princesa do clube de campo: impecavelmente penteada, em forma e podia
se virar na quadra de tênis. Eu não estava nem um pouco interessado.
Ela olhou para mim por um momento enquanto eu enfiava mais roupas
na minha bolsa.
— Você sabe que eles estão tentando nos juntar, certo?
Eu revirei meus olhos.
— Sim, juntei as peças. Eu deveria ter imaginado que meus pais
estavam tramando alguma coisa.
— Eh, acontece. Você tem que dançar conforme a música. — Ela
brincou com sua pulseira de pedrinhas cintilante.
Eu inclinei minha cabeça e a encarei.
— Você está ok com seu pai tentando juntar você comigo?
— Você é definitivamente algo bom para se olhar, especialmente
quando está saindo da piscina.
Os músculos das minhas costas ficaram tensos. Eu olhei para a porta
fechada.
— Nem se estresse com isso. Meu pai também não é o melhor em
prestar atenção. Se fosse, ele saberia que estou namorando a mesma garota
durante os últimos três anos. — Ela sorriu. Eu sabia que gostava dela.
Eu soltei uma risada enquanto balancei minha cabeça e ela riu junto
comigo. Me sentei na cama ao lado dela, guardando as últimas das minhas
roupas.
— Então, o que você ganha com tudo isso? — Fechei minha bolsa.
— Ele me prometeu que pagaria por uma viagem de primeira classe ao
redor do mundo se eu viesse aqui e fizesse o meu melhor para convencer
você que nós dois poderíamos ser um bom casal. Vou trocar a passagem por
uma de classe econômica para duas pessoas e terei o melhor momento da
minha vida.
— E o que vai acontecer quando eu não for devidamente convencido?
Sem represálias?
— Não, vou apenas dizer a ele que acho que você provavelmente é gay
— ela sussurrou com a mão do lado da boca.
Isso deixaria meus pais confusos pra caramba.
Ela riu e pulou para fora da cama. Na porta, ela se virou e estendeu a
mão.
— Obrigada por me dar minha viagem ao redor do mundo, Emmett.
— Foi um prazer convencê-la, Sloane.
Corri para fora de casa o mais rápido que pude. Fechando com tudo o
porta-malas de um dos carros na garagem, fiquei cara a cara com meu pai.
O olhar de preocupação em seu rosto quase me fez rir. Quantas vezes eu
desejei a rotina de pais preocupados?
— Para onde você vai? — Ele parou ao meu lado na traseira do carro.
— Vou descer até o litoral para ver os caras por um tempo.
— Mas você já está no litoral. Temos convidados, Emmett. — As
palavras do meu pai saíram rapidamente. Eu olhei de volta para a casa.
Harold estava parado na escada da frente com os braços cruzados.
Como se eu me importasse com o que ele pensava.
— Eu entendo, mas prometi a eles que estaria lá. Eu entendo que não é
o ideal, mas terei que encurtar minha estadia. Você disse que ficariam aqui
o verão todo. Posso voltar depois para que possamos passar mais algum
tempo de qualidade juntos. — Eu contornei o pára-choque do Lexus prata.
— Isso não vai parecer algo bom. — Meu pai olhou para mim como se
minhas palavras não estivessem saindo da minha boca.
— Eu realmente não me importo com a aparência disso, pai. Essa foi
uma viagem de última hora que vocês jogaram para cima de mim e eu não
deveria ter dado para trás com os caras em primeiro lugar. — Além disso,
não gostei que meus pais tentaram me arranjar com alguém. Eu era mais
que capaz de começar meus próprios relacionamentos complicados sozinho.
— Você prefere passar um tempo com seus amigos do que passar um
tempo tão necessário com seus pais?
Eu encarei meu reflexo no vidro.
— Aqueles caras também são minha família, pai, e estão ao meu lado há
muito tempo.
Ele cruzou os braços sobre o peito.
— Esse é um momento muito importante, Emmett – um verão que pode
determinar o seu futuro. — Sua preocupação paternal deu lugar a uma
irritação latente.
— Eu sei o que determina meu futuro. — Em dois anos, eu conseguiria
pegar o dinheiro da minha poupança e então quem sabe o que diabos eu
estaria fazendo. — Vejo você depois, pai.
Entrei no carro e fechei a porta sem esperar pela sua resposta. Embora
eu o apreciasse por contemplar sua própria mortalidade, me atrair até lá
para me arranjar com alguém não era a maneira certa de fazer as pazes. Eles
mal me conheciam – como diabos eles saberiam quem ou o que era melhor
para mim? Eu precisava ir até a minha família de verdade.
Eu já tinha o endereço de quando arrumei tudo antes de desistir e não
liguei para ninguém para avisar que estava chegando. Eu mal podia esperar
para ver os olhares em seus rostos quando os surpreendesse. Com alguns
Red Bulls e café na veia, saí da rodovia em direção a Shore Points.
Já era tarde, quase meia-noite, quando a pequena ponte bem fora da
cidade finalmente apareceu. Cruzando o pântano no lado da baía da ilha,
finalmente cheguei. Eu tamborilei meus dedos ao longo do volante
enquanto descia a rua principal, fazendo meu caminho através da pequena
cidade litorânea que fazia fronteira com um dos maiores destinos costeiros,
o que significava que não estava tão movimentado tão tarde da noite.
Baixando minhas janelas, deixei os sons e cheiros do oceano encherem meu
carro.
Haviam bicicletas de cores claras estacionadas fora da metade das casas,
do tipo que você veria em um filme dos anos 80. Era como se um mini túnel
do tempo tivesse acontecido na pequena ilha. Verifiquei duas vezes o
número da casa e parei em uma das vagas na garagem. As luzes ainda
estavam acesas. Sorrindo, desliguei o motor e subi correndo as escadas ao
longo da lateral da casa que levava à porta. O baixo da música alta
retumbou na madeira sob meus pés.
Abri a porta, pronto para a diversão começar. Seria um verão incrível.
— Eu disse aos meus pais que de jeito nenhum eu ia perder nosso épico
verão juntos, então aqui estou. — Fiquei parado com os braços abertos e um
sorriso enorme no rosto.
A bola de pingue-pongue que Ford tinha em sua mão caiu no chão,
quicando algumas vezes antes de rolar para debaixo da mesa. Todo mundo
estava congelado no lugar, nenhum sorriso ou um abraço de ninguém. Eles
realmente ainda estavam bravos?
— Não fiquem todos tão felizes em me ver. — Eu deixei cair meus
braços e caminhei para mais perto de onde todos estavam.
— Ok, pessoal, acho que vocês vão adorar isso. Estávamos querendo
um sabor de algodão-doce. — Mak saiu do que deveria ser a cozinha e
parou com tudo. O sorriso em seu rosto diminuiu imediatamente quando ela
me viu.
Engoli um xingamento. Eu sabia que ela me odiava, mas precisávamos
superar isso. Meu passado com Avery não deveria manchar o que Declan
tinha com Mak. Eu só teria que tirar Avery da minha mente durante esse
verão, não é grande coisa. Porém, não era apenas Mak saindo da cozinha e
quem estava atrás dela parou e soltou um grito.
— Jesus, Mak, você quase me fez deixar cair a bandeja.
Os cabelos da minha nuca se arrepiaram. Eu teria reconhecido aquela
voz em qualquer lugar. Saindo de trás de Mak e se atrapalhado com uma
bandeja de doses equilibrada em sua mão, estava a última pessoa que eu
esperava ver ali. Ok, talvez não a última, mas se o Papa tivesse saído, eu
teria ficado menos chocado. Meu olhar se voltou para o de Avery.
— O que diabos você está fazendo aqui? — gritamos ao mesmo tempo,
olhando com os olhos arregalados um para o outro. Eu só estive fora por
algumas semanas e eles já estavam convidando ela para tomar meu lugar?
— Ah, merda. — Ford e todos os outros olharam de um lado para o
outro frente entre nós.
Kara saiu de trás de Mak e Avery.
— Ok, alguém pode explicar isso para mim agora? Estou morrendo de
vontade de saber o que diabos está acontecendo!
Colm se aproximou e tirou a bandeja de doses das mãos trêmulas de
Avery.
— Todo mundo, bora beber - exceto Olive. Nós vamos precisar disso.
6

AVERY

C olm colocou um copo na minha mão e passou o resto para todos os


outros. Ele mesmo teve que levantar a mão de Emmett e envolver
os dedos em torno da dose para fazê-lo segurá-la.
Aqueles velhos sentimentos de enfrentar ou fugir aceleraram. Minha
cabeça girou rapidamente, a adrenalina bombeando enquanto eu procurava
a saída mais próxima. Talvez alguém me ajude a escapar pela janela da
cozinha?
Emmett estava entre mim e a saída. Como se eu estivesse presa em uma
casa com um urso pardo, eu tinha quase certeza de que ele roeria meu fêmur
se eu fizesse qualquer movimento repentino. Seus olhos claros não estavam
cheios do desprazer ou desgosto casual que ele normalmente usava tão bem.
Agora eles estavam queimando, como na cerimônia de formatura. Ele
olhava com os olhos estreitos para mim com tanta força que passei a mão
no peito para ter certeza de que não estava, de fato, chamuscado.
Depois que parou de ser nosso garçom de doses generosas, Colm ergueu
o copo. O cacho do homem fazendo cócegas em sua testa era de um branco
brilhante, assim como a listra que subia por trás do cabelo de Liv.
— Para um verão maravilhoso com velhos e novos amigos. Que todos
nós possamos aproveitar o tempo que resta antes que a verdadeira a vida
adulta comece. Saúde! — Ele bebeu sua dose de uma vez. — Droga, isso é
gostoso. Bom trabalho, Avery. Eu preciso dessa receita. — Ele colocou o
copo de volta na bandeja equilibrada na borda da mesa. Todos estavam
simplesmente fingindo que Emmett e eu não nos encontramos no mesmo
cômodo que-não-era-do-tamanho-de-um-auditório pela primeira vez em
anos?
Quebrei o concurso de encarar e bebi com tudo minha dose. Talvez eu
devesse voltar para a cozinha e pegar a garrafa inteira, embora a queimação
doce não ajudou nem um pouco em me distrair do nó no meu estômago.
— Beba, estamos dando uma festa. — Heath deu um tapinha no ombro
de Emmett e ele olhou para sua mão como se tivesse estado completamente
inconsciente de toda a troca com Colm. A linha sombria da boca de Emmett
ficou ainda mais profunda e ele colocou o copo na mesa.
— Eu preciso falar com vocês. — Os músculos de sua mandíbula
flexionaram três vezes mais. Ele agarrou Declan e Heath pelo braço e os
arrastou pelo corredor.
Eu pulei para trás, dando a eles um amplo espaço.
— Vocês dois também. — Ele acenou com a cabeça e Colm e Ford
seguiram atrás dele. A porta no final do corredor - a do meu quarto - se
fechou com tanta força que foi como se um tiro tivesse sido disparado na
casa. O nó no estômago se transformou como de uma corda amarrada por
um caminhoneiro. Instintivamente, dei um passo em direção à porta da
frente.
Mak me agarrou pela cintura.
— Ah não, nem pense nisso. Você não vai fugir. Eu convidei você e
todos concordaram. Esse é um problema dele. — O fogo em seus olhos era
suficiente para derreter aço. Os olhares de algumas pessoas dispararam para
o teto, sem ousar nem em pensar em desafiá-la.
— Mak… — Minhas palavras fugiram tão rapidamente quanto minha
coragem de seguir em frente e deixar o passado para trás. — Ele me odeia.
— Aquela dor crua ameaçou me consumir. — Não vou deixar isso se
transformar em uma viagem miserável só porque me juntei no último
minuto.
— Não vai ser uma viagem miserável. É algo que vocês dois precisam
lidar. Pare de fugir disso. Ele não vai embora e nem você. — Ela agarrou
minha mão, apertando-a com firmeza. — Conte tudo a ele.
Eu balancei minha cabeça tão rápido que me deixou tonta. Ele não
podia saber de tudo. Havia tantas coisas que mantive escondidas por tanto
tempo que não sabia as palavras até mesmo para expô-las. Se eu contasse a
ele, causaria ainda mais dor do que já causei. Ele nunca perdoaria a traição
e então houve a sensação de revirar o estômago de que ele pensava o pior
de mim. Sua primeira reação era me ignorar. Era mais fácil assim.
Meus olhos ardiam. Eu pisquei para conter as lágrimas. Não, tudo nunca
daria certo. Eu poderia contar a ele um pouco, mas mesmo nos meus piores
pesadelos, eu não gostava de pensar em tudo o que havia acontecido até
aquela noite. A bile subiu pela minha garganta. Eu afastei essas memórias,
fechando os olhos com força.
— Eu paguei por essa porra de casa! — Sua voz explodiu e nossos
olhares nervosos dispararam em direção ao corredor escuro e à porta
fechada.
Eu empalideci.
— Ele pagou? — Meu olhar se virou com tudo para encontrar o de
Mak. — Por que você não me disse isso?
— Porque ele não pagou.
— O quê? — Agora eu estava confusa.
— Os caras o deixaram pensar que ele estava pagando, mas todos
contribuíram. — Eu abri minha boca, mas ela me cortou. — E antes de você
dizer algo, não, você não está contribuindo com nada. Você não está criando
mais despesas e teria custado o mesmo, independentemente se você viesse
ou não.
— Mas…
— Sem “mas”. Você não vai embora. Se ele quiser agir igual uma
criança sobre isso, ele pode ir embora. Eu não vou deixar ele botar você pra
correr. — Ela passou o braço pelo meu e me arrastou para o sofá. — Liv,
você pode nos trazer mais algumas bebidas? Acho que vamos precisar
delas.
Olivia correu para fazer algumas, antes que Colm voltasse e a chutasse
até a lua. Kara se jogou no sofá ao meu lado e Mak a contou sobre a versão
curta do nosso passado. Fiquei olhando para a frente. Nenhum grito veio do
quarto dos fundos, mas a tensão viajou até a sala de estar.
Liv colocou um copo alto e frio na minha mão.
— É um Long Island Iced Tea1. Achei que poderíamos usar algo que
tenha um impacto. — Ela bebeu o dela em menos de um minuto, mantendo
um olho no corredor.
— Droga, Liv, isso é incrível. — Mak deu longos goles antes de eu tirar
o canudo da sua boca.
— Calma aí, Srta. Bebum. — Eu dei risada e ela riu entre seus soluços.
Declan ia estar ferrado mais tarde.
— Eu acho que vocês totalmente se dariam bem com meus amigos da
pós-graduação — Kara ofereceu antes de tomar mais um pouco de sua
bebida. — Isso é perigosamente bom.
A porta do quarto se abriu com muito menos força do que foi usada para
fechá-la. Como se estivessem a caminho de um funeral, os cinco vieram
pelo corredor.
— Eu não queria ter que fazer isso, mas vou ser direto e estou fazendo
vocês escolherem.
Respirações afiadas e olhos arregalados acompanharam a declaração de
Emmett.
— Avery. — A mão da Mak disparou para cima enquanto ela ficava
com os lábios em volta do canudo.
Ele lançou um olhar para ela.
— Eu quis dizer os caras.
— Por que só os caras? Todos vamos ficar aqui durante o verão. Essa
não é só a sua viagem, Emmett. — Ela apontou o dedo para ele, sua bebida
respingando pela borda do copo.
Eu queria abraçar Mak e derrubá-la no chão ao mesmo tempo.
— Emmett, se acalma. Não faça isso. Podemos reorganizar algumas
coisas e tudo ficará bem. Eu posso dormir no sofá. Avery pode ficar com a
outra cama no treliche e você pode ficar com o quarto ali. — Heath passou
os dedos pelos fios claros devido à luz do sol e apontou para o corredor de
onde eles haviam saído.
— Não. — Eu praticamente podia ouvir o esmalte de seus dentes
rangendo com a tensão em sua mandíbula. Ainda era estranho vê-lo sem
nenhuma barba no rosto.
— Cara, seja razoável. — Declan parou na minha frente, mas isso não
impediu o olhar mortal do Emmett. Era o tipo de olhar que deixaria
hematomas em seu rastro.
— Você quer que eu seja razoável? Você, de todas as pessoas? Você
estava lá naquela noite - você sabe o que aconteceu. — As palavras de
Emmett cortaram o ar e parecia que ele estava se segurando por pouco.
— Eu sei disso, mas também sei que foi há muito tempo. — Declan
estendeu as mãos na frente dele como se estivesse tentando apaziguar um
animal selvagem.
Emmett lhe lançou um olhar como se ele tivesse dado um soco no rosto
dele. Seus bíceps se contraíram.
Colm interrompeu a disputa acontecendo entre nós.
— Escutem, está tarde. Por que não vamos todos para a cama e
podemos resolver isso amanhã?
— Não há nada para resolver. Ela vai ou eu vou. É simples assim.
Todos sabiam do voto da Mak. Ninguém mais escolheu nenhum dos
lados, o que provavelmente era o melhor que eu poderia esperar dada a
situação.
— Uau. — Emmett olhou ao redor da sala, passando sobre mim com
um olhar tão afiado de traição em seu rosto, uma parte minha queria ir até
ele e ajudar a aliviar a dor.
Viu, era exatamente por isso que eu não precisava estar em nenhum
lugar perto dele. Sentimentos antigos como aqueles eram indesejáveis e
desnecessários. Ele me odiava e eu não poderia culpá-lo nem um pouco. Eu
aceitaria e colocaria um grande laço no seu ódio, como aqueles em
comerciais de carro.
Os caras se aglomeraram ao redor dele, tentando acalmá-lo.
Eu abri minha boca, pronta para admitir a derrota. Eu deveria ir embora
de qualquer maneira, mas Mak me beliscou.
— Se você disser uma palavra, vou colocar creme depilatório no seu
shampoo. Fica quieta. Está tudo bem.
— Não, não está. Ele vai embora — eu sussurrei de volta.
— Não, ele não vai.
Emmett se separou deles e saiu pela porta da frente.
7

EMMETT

E u mal conseguia respirar, mesmo com a praia à minha frente.


Saindo da casa, pulei os degraus de três em três e voltei para o meu
carro. Meu coração trovejou contra minhas costelas e minhas mãos
tremiam. Foi um pesadelo que se tornou realidade.
Eles a escolheram. Meu peito estava tão apertado que eu lutava para
respirar. Eles não haviam dito as palavras, mas não expulsá-la era toda a
resposta que eu precisava. Passei meus dedos pelo meu cabelo. Porra!
Minha mão disparou, batendo no volante. Eles haviam encaixado Avery
no buraco-do-tamanho-do-Emmett no grupo. Como diabos eles acharam
que isso era ok? Depois de tudo que aconteceu nos últimos quatro anos? Eu
não conseguia nem ouvir o nome dela; era muito difícil, tão difícil que eu
tive que fugir ou estaria arriscando sangrar por todo o chão e ela foi
perdoada simples assim. Em um piscar de olhos eles a receberam de volta?
A luz do carro acendeu quando a porta do passageiro se abriu e Heath
entrou. Passei meus dedos ao redor do volante com tanta força que minhas
juntas doeram.
— Não posso ficar na casa com ela.
Heath soltou um suspiro, do tipo sofrido que me fez querer socar algo.
— Eu não sei o que te dizer. Nós a convidamos.
— E de quem foi essa ideia? — Eu olhei para ele.
Ele me deu um olhar que dizia quem você acha.
— Claro que foi a Mak.
Ele deu de ombros.
— Para ser justo com ela, você deu pra trás e não disse nada sobre vir
depois. Você estava tipo, estou indo para os Hamptons com meus pais,
tchau.
— Então, vocês simplesmente deixaram minha ex traíra se meter nos
nossos planos de verão? — Essas velhas inseguranças borbulharam do
passado, aquelas de uma criança sem amigos ou família para falar sobre.
Isso me fez sentir pequeno e insignificante, como se eles estivessem me
jogando fora. Me deixando de lado.
— Talvez seja hora de vocês enterrarem o passado e não quero dizer um
enterrar o outro. Olhe para Declan e Mak - eles se odiavam e agora estão
juntos. Não vejo isso mudando tão cedo. Ela é amiga da Avery e você é um
de nós. Isso também não vai mudar, mas ter essa animosidade constante vai
foder com tudo.
Eu bati minha cabeça para trás contra o encosto de cabeça.
— Você tem alguma ideia do que significa para mim vê-la lá dentro? —
Fechando meus olhos com força, tentei manter meu pulso acelerado sob
controle. — Ver ela rindo e se divertindo sabendo como tudo isso é falso?
Sabendo como ela não teve problemas em me dizimar? E vocês a
escolheram.
— Não se trata de escolhê-la. Não é isso. — Seu olhar tinha uma
convicção que quase me convenceu.
Um pouco do aperto no meu peito diminuiu, mas ainda não fazia
sentido, não fazia isso estar certo.
— Eu não estava lá naquela noite e não consigo nem imaginar o que
aconteceu, mas vocês dois também nunca tiveram um encerramento. Você
fugiu antes da formatura e nunca mais falou sobre isso. Você literalmente
saltou de um carro em movimento quando tentamos falar com você sobre
isso.
— Aquilo só aconteceu uma vez. — Eu cruzei os braços sobre meu
peito.
— Essa é a chance de conversar, colocar tudo para fora e seguir em
frente. Lembra daquela coisa que você disse sobre seu problema de
relacionamento de três meses? Talvez isso seja parte de tudo. Não é fácil
perdoar as pessoas que te machucaram. Você pode perguntar a Kara sobre
isso, mas sei que às vezes não se trata de perdoá-las e elas irem embora
impunes. É sobre se libertar do dano que a mágoa delas estava te causando,
ao fazer uma promessa a si mesmo de que não isso vai machucá-lo mais.
Eu levantei minha cabeça do encosto do banco e olhei para ele.
— Desde quando você se tornou um guru?
Ele deu de ombros.
— Ajudou em algumas coisas com meu pai. Eu não sei, apenas pense
um pouco nisso. Queremos você aqui. Sentimos sua falta. Não será o
mesmo sem você. — Ele apertou meu ombro com tanta força que
estremeci.
Eu dei um soco no braço dele.
Puxando a maçaneta da porta, ele saltou do carro e voltou para dentro.
Acendi a luz do teto e peguei meu celular.
Mãe: A Sloane está muito triste que você foi embora mais cedo. Ela
está perguntando quando você pode voltar.
Ah, eu tinha certeza de que Slone estava “sentindo minha falta”, certo…
e também, eu nem sabia que minha mãe sabia como enviar mensagens.
Como eu poderia saber, já que essa foi a primeira que eu recebi dela?
Pai: Seria maravilhoso se você pudesse voltar em breve, talvez antes
do 4 de Julho.
Eu: Vou tentar.
Eu não poderia voltar lá e ser submetido a essa brincadeira estranha de
cupidos que eles estavam fazendo. Quão estranho era que, agora, eu estava
me esquivando deles? A ironia não passou batida. Voltar para LA ou para a
cobertura, perambular pela casa vazia sozinho quando todos estavam
aqui… o pensamento de qualquer um desses cenários revirou meu
estômago.
Só sobrou uma opção.
Declan: Entra. Podemos te ver no seu carro. Está começando a ficar
estranho…
Olhando para o para-brisa, não pude conter meu meio sorriso. Seus
rostos estavam pressionados contra a porta da varanda no segundo andar
como uns totens estranhos. A risada explodiu de meus lábios antes que eu
pudesse detê-la. Era por isso que eu estava lá. Meu novo time estava cheio
de caras ótimos, mas eles não eram os Kings, não eram os caras que foram
mais irmãos do que companheiros de equipe. Não importa o que aconteça,
eles sempre poderiam me fazer rir.
Emmett: Eu preciso de um minuto.
Colm: Você vai ficar?
Ford: ?
Eu fechei meus olhos. Ir embora significava deixá-la vencer, significava
que eu estava fugindo como se tivesse feito algo errado. Dane-se isso! Ela
teria que ver meu rosto, confessar o que fez e não fingir que nada
aconteceu.
Eu: Eu vou ficar.
Fiquei sentado no carro até que as luzes da casa começaram a se apagar.
Ela ainda estava acordada? Ela ficou com o meu quarto? Ela colocou um
pijama? Deixando minha cabeça cair nas minhas mãos, eu me endireitei
rapidamente quando minha cabeça bateu na buzina, me fazendo encolher
com o barulho. Desculpa, vizinhos durante esse verão.
Caminhando para a parte de trás do carro, peguei minha bolsa do banco
de trás. Olhando para a casa que tinha promessas de noites bêbadas,
pegadinhas hilárias e muita bebida, agora eu me sentia como se estivesse
entrando em uma cova de lobos furiosos prontos para me rasgar pedaço por
pedaço.
Meus passos soaram como tiros na escada de madeira. Abri a porta de
tela e pressionei contra a porta da frente. Todas as luzes estavam apagadas,
nenhum som em nenhum lugar. Naturalmente, eu bati meu pé em uma das
mesas de canto.
Xingando e sugando uma respiração afiada, coloquei uma mão nos
meus lábios para me impedir de gritar com toda a força. Larguei minha
bolsa ao lado do sofá e agarrei meu pé. De que diabos essa mesa é feita –
de titânio?
— Que diabos?
Era como se água gelada tivesse sido derramada nas minhas costas.
Minha bolsa rolou para o chão e o amontoado no sofá arrancou os
cobertores de sua cabeça. Olhando para mim, estava uma Avery irritada. Ela
passou a mão na lateral da cabeça.
A dor no meu pé evaporou e quando meus olhos se adaptaram à
escuridão, pude distinguir sua forma.
Ela lambeu os lábios e falou, suas palavras saindo com pressa.
— Eu não vim aqui para te irritar.
— Não é como se você tivesse se oferecido para sair quando soube que
eu estava aqui. — A resposta saiu disparada da minha boca.
— Fale baixo — ela sussurrou asperamente.
Os músculos do meu pescoço ficaram tensos.
— Você não tem o direito de tirar esse verão de mim.
— Eu… eu não quero transformar isso em um verão infernal, mas não
irei embora até que minhas duas semanas acabem. Não estou tentando tirar
nada de você, Emmett. — Ela cruzou os braços sobre o peito.
Meus olhos se estreitaram. Eu não iria desviar o olhar primeiro. Era
quase um reflexo.
— Eu não esperaria nada menos de você. Você é uma aproveitadora,
Avery. Você finge que não é, mas é o que você faz de melhor. — Meu
coração bateu forte. Tudo que eu disse a mim mesmo no carro sobre ignorá-
la evaporou em uma nuvem de fumaça com a expressão de choque em seu
rosto.
Ela tirou o cobertor das pernas e se ajoelhou nas almofadas do sofá, de
frente para mim.
— Você não sabe que diabos está falando. Você não tem ideia do que eu
passei. Você nem sabe quem eu sou – mas fiquei sabendo disso há muito
tempo. Não tiro férias desde… bem, desde sempre, então vou ficar. — Seu
olhar mortal bateu com tudo de frente a raiva fundida fermentando em mim.
— Para onde você quer ir? — Peguei meu celular, abrindo um
aplicativo de viagens.
Suas sobrancelhas se franziram.
— O que você quer dizer?
— Para onde você quer ir passar suas férias? Vou pagar por duas
semanas de férias para você e um acompanhante em qualquer lugar do
mundo. — Eu cerrei meus dentes. — Uma acompanhante.
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Você está tentando me subornar? Pagar para me fazer sair?
— Eu pensei que era bastante óbvio. Vou pagar para você ir a qualquer
lugar que quiser – qualquer lugar que não seja aqui.
— Uau, Emmett. Eu não achei que você fosse capaz disso. — Seu olhar
viajou para cima e para baixo em meu corpo. — Parece que você é. Filho de
peixe, peixinho é. — Ela cruzou os braços novamente, a tensão irradiando
dela como uma máquina a vapor pronta para explodir. Que bom, porque eu
já estava explodindo.
— Que diabos isso significa? — Meu sussurro áspero se chocou com
seu olhar penetrante.
— Nada. — Seus olhos dispararam para longe dos meus antes de
retornar com todo o fogo crepitante de antes. — Não há nada que você
possa fazer para que eu saia dessa casa. Eu vou ter as melhores férias da
minha vida, bem aqui. — Ela apontou o dedo para o sofá.
Por que ela não podia ser razoável? Esse era um trato fantástico pra
caralho, um que ela não merecia, mas além de arrastá-la para fora da porta
da frente, eu não tinha muitas outras opções.
— E eu planejo fazer exatamente a mesma coisa. Você fica fora do meu
caminho e eu ficarei fora do seu.
— Perfeito. — Ela caiu de costas no sofá e puxou o cobertor sobre si
mesma.
Peguei minha bolsa e saí pelo corredor. Eram minhas férias e ela era a
intrusa, não eu. Eu não iria deixá-la me atingir mais do que ela já atingiu.
8

AVERY

— V amos lá, Percy, você consegue. — Eu dei um tapinha no painel


irregular do meu carro enquanto se rastejava pelas ruas imaculadas perto da
praia. Percy esteve comigo nos bons e maus momentos e não iríamos nos
separar por nada tão bobo quanto um sistema de transmissão ferrado,
pastilhas de freio quase inexistentes e pneus rodando por pouco. Me
oferecer para dirigir por duas cidades para obter os melhores bolinhos de
siri em oitenta quilômetros provavelmente não foi a melhor ideia quando eu
tinha oitenta por cento de certeza de que o chão do meu carro ia cair, mas eu
queria contribuir da maneira que pudesse.
Com minhas janelas abertas, o ar fresco da costa soprou pelo carro.
Gaivotas grasnaram e voaram atrás das casas e lojas que ladeavam a rua
principal. Aqueles ratos voadores provavelmente estavam roubando bolo de
funil ou batatas fritas de alguma criança infeliz.
A previsão do tempo falou que teria uma tempestade e quase continuei
dirigindo para o mais longe que pude da costa quando ouvi isso, mas a
ameaça de violência da Syd me manteve na busca pelo bolinho de siri. Até
agora o horizonte estava claro. Eu provavelmente teria um ataque cardíaco
se uma tempestade irrompesse.
Um arrepio rastejante de pavor atingiu meu estômago. A última vez que
fui pega por uma tempestade, procurei refúgio na padaria e fiz cerca de dez
dúzias de cookies, mantendo as batedeiras funcionando no máximo para
abafar os sons. Não foi o suficiente para bloquear o estrondo sob meus pés
que me fez agarrar as bancadas de aço inoxidável e travar meus joelhos.
Outra coisa que eu tinha que agradecer ao meu pai – uma vez ele me
trancou no carro com Alyson enquanto ele foi comprar mantimentos… em
um cassino, quando eu tinha dez anos. A tempestade havia chegado forte e
rápido. Alyson estava dormindo no assento ao meu lado.
Eu coloquei minhas mãos na cabeça quando os trovões e relâmpagos
ficaram muito altos. Acabou acordando Alyson, que começou a chorar. Eu
tirei seu cinto de segurança e a segurei no meu colo enquanto o carro
sacudia e balançava. Quando o relâmpago atingiu um poste telefônico ao
nosso lado, eu apertei meus lábios com força para não gritar e assustá-la
ainda mais do que o barulho já tinha assustado. As faíscas dos fios de
energia caídos se espalharam ao nosso redor e o poste quebrou ao meio,
batendo no chão em frente ao carro, o sacudindo.
A chuva estava caindo tão forte que era como se milhares de pregos
atingissem o carro a cada segundo. Nos abraçamos com força, com medo de
sair do hatchback2, e tentamos bloquear os sons cantando nossas canções
favoritas.
Papai finalmente apareceu uma hora depois, encharcado e com os olhos
turvos. Ele se desculpou e nos levou para comer fast food, o que raramente
fazíamos porque cada dólar era gasto com sabedoria. Alyson parecia ter
esquecido toda a experiência. Ela só se lembrava dos hambúrgueres, mas
desde aquele dia, as tempestades me deixavam nervosa.
Verificando três vezes o número da casa, estacionei meu carro em um
dos lugares livres da garagem, quase apoiando o queixo no volante
enquanto olhava para a linda casa de três andares. Eu respirei fundo.
O dia anterior foi certamente um show de merda, com a minha primeira
vez passando um tempo com os caras para algo mais do que uma refeição e
com nosso visitante inesperado. Todos nós éramos tão próximos na escola.
Eu até comecei a pensar neles como meus amigos também, mas com tudo
que aconteceu com Emmett, eu não disse mais do que uma ou duas palavras
para nenhum deles até Mak começar a namorar Declan, o que ainda era
estranho de se pensar. Eles se odiavam no ensino médio.
Virei no meu assento e peguei minha sacola na parte de trás. Puxando a
maçaneta, empurrei meu ombro na porta e ela se abriu. O ar salgado do mar
encheu meus pulmões e fechei os olhos, o absorvendo. Olhando para as
outras belas casas com carros novos na garagem, agarrei a porta da garagem
e a arrastei para baixo, escondendo minha lata velha como fiz no dia
anterior.
Subindo os degraus para a porta, levantei minha mão para bater quando
ela se abriu com tudo. Quase caindo para frente, soltei um grito. Mãos
fortes dispararam para me pegar.
— Avery, você chegou. Mak jurou que teríamos que ligar para
Associação Automobilística Americana para te rebocar. Você poderia ter
ido com um dos nossos carros. — Declan sorriu largamente para mim com
os olhos brilhando. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, toda a força
de Mak veio se chocando contra mim. Seus braços me envolveram e eu me
firmei na grade.
— Você chegou! Eu disse ao Declan que se você não chegasse aqui às
três, eu iria dirigir por aí procurando por você. Ahhh, os bolinhos de siri
estão com um cheiro tão bom! — Ela me balançou para frente e para trás
com os braços apertados em volta da minha cintura.
— Quantas cervejas ela bebeu?
A cabeça de Mak se levantou e lançou um olhar mortal para mim.
— Uma. — Declan sufocou uma risada. O resto dos caras e Olivia
apareceram na porta atrás dele.
— Uma cerveja, Mak? Sempre fraca pra bebida. — Eu dei risada e olhei
para todos os outros aglomerados ao redor da porta, seus sorrisos largos me
deixando à vontade.
Ela se virou e mostrou a língua.
— Traidor.
— Eu comprei trinta. Espero que seja suficiente.
— Ah, vai ser sim, mas podemos comer eles durante o jantar.
Precisamos sair para almoçar. Se você não tivesse saído daqui como se a
casa estivesse pegando fogo, teria nos ouvido dizer que íamos dirigir até lá
amanhã para o almoço, mas trazê-los aqui é ainda melhor.
Minhas bochechas esquentaram. Não ajudou que eu estava sob o olhar
dissecante de Emmett, cujos braços estavam cruzados sobre o peito.
Pensei em ficar para trás e não ir com eles, mas o ronco do meu
estômago anunciou a todos que eu estava faminta e que eles provavelmente
deveriam ter cuidado com os membros de seus corpos, porque eu poderia
devorá-los a qualquer momento.
— Você está vindo. — Mak passou seu braço no meu, então eu apenas
assenti.
Emmett bebeu uma cerveja e se recusou a olhar para mim.
— Ótimo, estamos indo para o Surf Shack. É o restaurante dos pais do
Preston. — Declan passou o braço em volta dos ombros de Mak.
Tentei sair do caminho e fiz aquela estranha dança de robô em que você
não tem certeza de qual direção deve ir. Felizmente, alguém me tirou do
meu sofrimento.
— Eu pego isso. — Ford tirou a sacola de comida de meus braços.
— Vou colocar na geladeira. — Liv pegou a sacola das mãos dele,
deixando as dela cobrirem totalmente as suas. Ford escapou de seu toque e
enfiou as mãos nos bolsos.
— Obrigada — gritei atrás dela, pensando em como estava feliz por
Mak ter me contado tudo o que havia acontecido com o ex-capitão do time
de hóquei da UPhil.
Enquanto caminhávamos até o início do calçadão, as pessoas passavam
por nós em bicicletas retro de cores pastel. Eu sempre quis uma igual
quando era mais nova. O ar salgado do mar fez meu cabelo voar em volta
do meu rosto e arrepios subiram em meus braços enquanto eu olhava para o
horizonte. As nuvens escuras da tempestade ameaçadora se juntaram, mas
pareciam estagnadas onde estavam. A preocupação com a tempestade foi
deixada de lado por aquelas que eu tinha sobre o homem atrás de mim. Meu
estômago deu um nó a cada passo e lutei contra todos os instintos que eu
tinha de me virar e olhar para ele.
— Não se preocupe – disseram que fica longe da costa. — Mak
balançou nossos braços para frente e para trás como se tivéssemos cinco
anos e correndo no parquinho. Ela sabia que eu não gostava de tempestades,
mas muitas outras pessoas não conheciam as profundezas do meu medo –
bem, ninguém além de Alyson e Emmett. Eu peguei um vislumbre da
carranca profunda em seu rosto com o canto do meu olho.
Nós pisamos no agitado calçadão de tábuas de madeira, oficialmente
começando o verão de diversão. A música filtrava das lojas que vendiam
camisetas e outras coisas aleatórias, como caranguejos-eremitas e chapéus
de espuma enormes. As crianças passavam comendo balas de caramelo,
algodão doce, maçãs caramelizadas e bolo de funil. Meu estômago roncou
novamente. Eu definitivamente ia devorar algumas daquelas nuvens
crocantes de açúcar antes de deixar a costa.
Mais do que algumas cabeças se viraram enquanto avançávamos pelo
calçadão. Nenhum dos caras eram exatamente discretos e algumas garotas
se inclinaram da maneira certa para tirarem algumas selfies clandestinas.
Todos entraram em um restaurante bem próximo ao píer que se projetava
para a água. Surf Shack foi escrito em duas pranchas de surfe sobrepostas
penduradas na porta da frente.
— Gente, vocês não precisam continuar vindo aqui me checar. — Uma
mulher de altura média que parecia ter a nossa idade parou na frente do
nosso grupo usando um meio avental na cintura e uma camiseta amarela
brilhante do Surf Shack.
— Ei, Imo. — Declan e Heath a envolveram em um grande abraço de
urso.
— Só estamos aqui porque vocês têm as melhores batatas fritas da
costa. — Heath sorriu.
— Só da costa? — Ela esboçou um pequeno sorriso. — Vocês têm sorte
de chegarem aqui cedo. Vocês podem pegar algumas mesas e juntá-las. O
horário de pico só será mais tarde. Aqui estão seus menus.
Ela nos entregou um monte de cardápios bem usados e encontramos
algumas mesas vazias, que Ford e Colm juntaram.
— Aquela era a Imogen, de quem eu te falei. Ela era namorada do
Preston. — O olhar triste nos olhos de Mak enviou uma pontada direto ao
meu coração. Perder alguém tão jovem assim, deve ter sido muito difícil.
— Fico feliz em ver que você voltou em segurança, Avery. — Colm
examinou seu menu.
— Eu também. Fiquei muito tentada a comer todos os bolinhos
enquanto voltava.
— Que bom que você não fez isso.
— Normalmente, eu estaria batendo nas mãos da Alyson enquanto ela
tentava roubar um pedaço do que quer que tenhamos comprado. — Ela
ainda não havia me ligado e a preocupação se amontoou em meu estômago.
— Não sei o que vou fazer comigo mesma agora que não estou lutando
constantemente para que ela acorde para ir à escola.
— Nem me fala. — Ele sorriu. Seus dentes brancos e retos quase me
cegaram do outro lado da mesa. Colm tinha aquela aparência de modelos da
GQ, não importa onde ele estivesse. Ele nunca pareceu um jogador de
hóquei de verdade e sim mais como uma versão de revista de como um
deveria ser. Não era como se ele não fosse incrível no gelo como o resto dos
caras, mas até mesmo quando ele tirava o capacete, seu cabelo estava
perfeito. Sentado à mesa de um restaurante na praia, eu esperava ouvir o
clique de uma câmera atrás de mim a qualquer segundo, como se tivesse
acidentalmente entrado no meio de uma sessão de fotos.
Olivia empurrou o braço dele.
— Você está brincando comigo? Estive no internato desde os treze anos.
Quando você teve que me acordar?
— Eu tive que te acordar várias vezes. — Ele abaixou o menu e deu a
ela o olhar de irmão mais velho.
— Ah, você quer dizer às vezes que me acordou depois de voltar tarde
de uma festa com os caras e me deixar presa em casa? Há uma diferença
distinta entre ser acordada para o café da manhã e ser perturbada por um
irmão chato que tenta bancar o sóbrio. — Olivia revirou os olhos e voltou a
folhear o menu. Embora Colm e Olivia não se parecessem muito, sem
mencionar a diferença de altura, não havia dúvida de que eram irmãos. Só
irmãos podiam irritar um ao outro assim.
— Mak disse que você vai começar a faculdade no outono.
Quase involuntariamente, meu pé disparou e a acertou por baixo da
mesa – ou tentou.
— Ai, caramba — Heath gritou antes de se inclinar para esfregar sua
canela.

Deixe a crosta da Terra se abrir e uma nuvem de lava me sugar para seus
poços de fogo. Minhas bochechas estavam tão quentes que jurei que tinha
um sol dentro de cada uma.

— Opa. Meu pé escorregou. Desculpa, Heath. — Todos os olhos


estavam em mim. Agora seria um excelente momento para o calçadão se
abrir e me engolir por inteira. Limpei minha garganta e evitei olhar para
Emmett. Exatamente o que eu precisava – outro exemplo do porquê nunca
teríamos dado certo. Não, eu não tinha ido para a faculdade e não tinha a
desculpa de desistir para me juntar à NHL como Colm, Ford e Emmett
fizeram.
— Esse é o plano. Vamos ver. — Dei de ombros. Era um objetivo que
eu tinha há um tempo, mas não conseguia me imaginar saindo da padaria.
As aulas do curso técnico de administração me ajudaram a apanhar outras
coisas nas quais Syd precisava de ajuda e nos tornamos uma espécie de
equipe – quando ela não estava me empurrando pela porta dos fundos e me
dizendo para não voltar por algumas semanas.
— É incrível! Você vai arrasar. — Mak sorriu.
Pedimos nossas bebidas e comidas. Todo mundo estava conversando,
rindo e planejando o resto do verão. Eu mantive minha cabeça baixa quando
eles falavam sobre alugar um barco e fazer uma viagem de um dia inteiro.
A comida chegou e todos comeram.
— …e então ele me pediu para jogar meu copo vazio para ele. —
Declan enxugou as lágrimas de seus olhos.
— Tenta você beber uma batida gigantesca e ficar preso naquela coisa.
Maldita roda-gigante da morte — Heath resmungou, mas uma risada o
escapou.
— Todos se separaram como o Mar Vermelho quando ele finalmente
saiu do brinquedo e foi direto para a lata de lixo. — Os talheres saltaram e
fizeram barulho enquanto Declan ofegava, tentando terminar a história.
— Você acha que foi ruim para as outras pessoas – eu tive que segurar o
copo para que ele pudesse sair. — Kara jogar esse pedaço de informação
fez até Ford rir. — Tava tão quente. — Ela estremeceu e passou a mão pela
perna.
— Você deveria me defender, não dar a eles mais munição. — Heath
deu a ela seu melhor olhar de afronta.
— Eu digo as coisas como elas são. — Ela o beijou na bochecha.
A facilidade e familiaridade de estar perto de todos era algo que eu nem
percebi que senti falta. Era como se tivéssemos sido transportados de volta
no tempo para uma viagem durante o ensino médio, quando as coisas eram
muito mais simples – para a maioria das pessoas, pelo menos. O peso da
responsabilidade sempre pesou ao redor do meu pescoço. Finalmente a
fome em meu estômago foi saciada e os garçons limparam nossa mesa.
Cabeças se viraram quando pratos e copos caíram no chão com um
estrondo bem próximo à nossa mesa. Imogen guiou um homem mais velho
com cabelos grisalhos de volta para a cozinha antes de se abaixar para pegar
os pedaços quebrados do chão.
— Arthur, está tudo bem. Eu cuido disso. — Imogen estava com as
mãos nos ombros dele.
Todos os caras da nossa mesa se levantaram.
— Sr. Elliott, nós cuidamos disso. — Eles ajudaram a limpar tudo do
chão junto com outros funcionários do restaurante.
— Desculpa, gente. Vocês não precisavam fazer isso. — Ela enfiou a
toalha de volta no bolso do avental com preocupação no fundo de seus
olhos. Eu sabia tudo sobre estar tão cansada assim. Ela parecia estar
aguentando tudo por um fio.
— Imo, nos deixe ajudar. — Declan colocou a mão em seu braço.
— Estou bem. Está tudo bem. Eu disse ao Arthur descansar e não descer
para o serviço de jantar, mas às vezes ele fica um pouco teimoso. Ele ainda
está um pouco fora de si.
— Aquele é o pai do Preston, que é o dono do lugar. — Olivia se
inclinou sobre a mesa. — Nós o conhecemos quando viemos no restaurante
da última vez.
Eu assenti, não tendo ideia do que ele deveria estar passando. Às vezes,
era difícil lembrar da minha mãe, difícil suportar a dor aguda que fazia você
se esquecer de como agir. Eu tinha apenas oito anos quando ela morreu, e
Alyson tinha apenas o mais leve vislumbre de memória. No entanto, perder
um filho era diferente de perder um dos pais.
Alguém veio entregar a conta. Tentei dar uma olhada no total, mas Ford
cobriu tudo com a mão.
— Deixa comigo. — Ele jogou um cartão no meio.
— Não, sério, Ford. Eu estou ok em pagar. Você não precisa fazer isso.
— Eu sei. — Ele me deu um meio-sorriso por baixo da barba que logo
depois sumiu. Bem, acho que isso resolve tudo.
Eu teria que assar algumas guloseimas intensamente enquanto estivesse
na casa para compensar as refeições pelas quais as pessoas estavam
pagando. Eu não estava lá para confiar na generosidade de ninguém.
— Imo, você sabe que o convite está sempre aberto. A casa não é muito
longe. — Mak a puxou para um grande abraço e depois a soltou.
Imogen afastou alguns fios de cabelo do rosto e os colocou atrás da
orelha. — Talvez. Vou tentar, mas é o auge da alta temporada e as coisas
ficam um pouco malucas. — Ela pegou uma pilha de menus para o grande
grupo que entrava pela porta da frente.
— Você precisa de uma folga algum dia. Não me faça te arrastar para
fora daqui. — Mak estava totalmente séria quando disse isso e eu acreditei
nela.
Enquanto todos nós caminhávamos de volta para a casa, respirei o ar
fresco do oceano. Eu mal podia esperar para ir até à praia no dia seguinte.
Dei um tapinha no meu estômago cheio, pensando que provavelmente
deveria ter pegado leve com as batatas fritas com queijo e chili. Talvez eu
conseguisse convencer Mak a construir um castelo de areia, simplesmente
ser boba e ridícula.
Meu celular vibrou no bolso quando meus pés atingiram o topo da
escada.
Max: Ei, queria te avisar – alguns homens de ternos passaram por
aqui hoje. Acho que está acontecendo alguma coisa com a loja.
Pedindo licença, virei à esquerda e entrei na outra vaga aberta da
garagem. Sem enviar uma resposta, liguei para ela.
— O que você quer dizer com algo está acontecendo com a loja? — Eu
disse as palavras antes que Max pudesse dizer alô.
— Eu não sei. Syd estava mais mal-humorada do que de costume. Ela
disse algo sobre os impostos da propriedade.
Vasculhei meu cérebro tentando lembrar dos últimos documentos
financeiros que vi.
— Não vi nada sobre impostos de propriedade quando examinei os
livros.
— Não faço ideia, mas achei que já que você ajuda com essas coisas,
talvez gostaria de saber.
— Vou voltar amanhã. — Eu ainda tinha meio tanque de gasolina, o que
me levaria muito longe antes de precisar reabastecer.
— Avery, não seja boba. Eu só te disse isso para que você ficasse
preparada caso Syd precisasse de sua ajuda. Eles disseram que não voltarão
por algumas semanas. Aproveite suas férias e não ligue para Syd. Ela
ameaçou me afogar em uma cuba de creme se eu contasse a você.
— Obrigada por me avisar. — Apertando minha nuca, olhei para o céu
escuro sobre a água. Nada nunca foi simples. Soltei o tipo de suspiro
profundo que só vinha quando as preocupações que você carregava não
eram aquelas que você podia ignorar e deixar para trás. Eu estou fora só por
um dia e as coisas já estavam dando errado.
— Avery, traga sua bunda para cá — Mak gritou para mim da porta da
frente.
Eu estava determinada a me divertir, pelo menos por alguns dias,
mesmo que isso me matasse.
Música do nosso último ano da escola saiu dos alto-falantes da sala de
estar. Voltei para dentro e não consegui tirar o sorriso dos meus lábios.
Houve algumas rodadas de pingue-pongue de cerveja, Cards Against
Humanity e karaokê improvisado, e praticamente qualquer coisa que fizesse
o grupo rir dominou a noite.
— Vamos fazer mais algumas doses — Mak anunciou antes de arrastar
eu e Kara para a cozinha. A divisória sanfonada do outro lado do balcão do
café da manhã nos protegia da visão daqueles na sala de estar. Emmett
estava do outro lado, provavelmente tentando me incinerar com raios lasers.
— Mak, talvez você deva deixar a gente se servir. — Kara arrancou as
garrafas de leite e vodca de suas mãos.
— Não é assim que você faz um White Russian? — Mak parecia
genuinamente perplexa.
— Não em copos de doses separados. — Eu verifiquei a seleção de
garrafas alinhadas no balcão da cozinha. Eles certamente beberam quase
tudo.
— Que tal algo doce como os de ontem à noite? — Olivia vasculhou as
garrafas e deslizou algumas para a frente. — Isso terá gosto de suco de
maçã: uísque, licor de maçã e suco de cranberry.
Todas nós olhamos para Olivia enquanto ela habilmente misturava tudo
usando uma coqueteleira. Ela olhou por cima do ombro.
— O quê? Só porque Colm pensa que ainda sou uma criança não
significa que não sei como fazer uma boa bebida. — Ela piscou e voltou
para sua preparação especializada. Servindo a mistura vermelha, ela encheu
um copo na bandeja.
— Aqui, experimenta. — Ela empurrou a dose na minha direção.
Eu senti o cheiro e minha boca encheu de água.
— Uau, isso tem um cheiro ótimo. — Tomei um gole e o sabor frutado,
doce e acentuado explodiu na minha boca.
— Não é?
— Aqui, todo mundo experimenta. — Kara e Mak deram um pequeno
gole.
— Se Colm perguntar, não fui eu que fiz isso. — A mistura vermelha
fluiu para fora da coqueteleira e para os oito copos de dose.
— Você sabe que ele nunca vai deixar você beber uma dose.
— Eu sei. — Ela piscou e bebeu a dela. — Vamos tirar uma foto. — Ela
nos puxou para cercá-la e tirou duas fotos com sua câmera instantânea. Eu
não via uma há anos, mas estava colada em sua mão até agora. Batendo o
copo de dose de volta no balcão, ela pegou a bandeja com uma mão e a
empurrou para mim. — Vamos ir para lá e deixá-los impressionados.
Meu estômago deu um nó como sempre acontecia quando Emmett
estava por perto. Antes foi com uma paixão e uma palavra que eu não
tocava nem com uma vara de três metros. Eu não queria que acabasse.
Agora eram os nervos envoltos em raiva e medo de tudo que eu queria dizer
a ele, mas nunca poderia.
9

AVERY

P ulei do sofá quando os raios de sol abriram caminho através das


cortinas parcialmente fechadas. Onde estou? Uma dor cegante
passou pela minha cabeça. Liv maluca e suas malditas doses. Juro
que ela estava tentando matar todos nós.
Estou atrasada!
Me abaixando para calçar os sapatos, congelei.

Atrasada para o quê? Eu não tinha turno para trabalhar e Alyson estava
dirigindo através do país para a faculdade. Sentei na ponta do sofá em
silêncio tentando me lembrar da última vez que tive um momento para mim
mesma, um momento em que não havia coisas mais urgentes no fundo da
minha mente me dizendo Vai! Vai! Vai! Talvez tenha acontecido quando eu
tive uma terrível intoxicação alimentar alguns anos antes. Eu achei que ia
morrer de tanto chamar o Raul, mas consegui sobreviver

Cambaleando até a cozinha, liguei a máquina de café, coloquei-a no


modo de preparação automática e pré-aqueci o forno. Eu examinei os
armários ontem – havia mais do que o suficiente para fazer um bom café da
manhã. Cantarolei para mim mesma e tirei um pouco de manteiga da
geladeira para amolecer. Pegando minha bolsa, corri para um dos banheiros
do térreo.
Eu me arrepiei quando meus pés atingiram o azulejo branco frio.
Tremendo, eu me encarei no espelho acima da pia, passando minhas mãos
pelo rosto. Eu parecia muito mais velha do que vinte e dois anos. Eu
também me sentia muito mais velha. Senti como se tivesse corrido tão
rápido que cheguei à meia-idade antes da maioria dos meus amigos se
formarem na faculdade.
Depois de tomar um banho rápido, voltei para a cozinha. Vindo
preparada com meu próprio avental, o enrolei na cintura e prendi o cabelo
para cima. O café se infiltrou e o cheiro me deu vontade de encher uma
jarra com creme e açúcar para estar preparada quando a doçura deliciosa
estivesse pronta.
Com o mínimo de batidas de panelas e potes possíveis, localizei uma
frigideira na parte de trás. Caramba. O lugar tinha tudo o que um
cozinheiro caseiro poderia desejar, todas as engenhocas imagináveis.
Arrumando tudo, untei o ferro fundido com manteiga até começar a
borbulhar. Usei minha receita de panqueca testada-e-aprovada e a coloquei
na superfície preta escaldante. Conectando meus fones de ouvido, encontrei
uma lista de reprodução dos sucessos enquanto estávamos no ensino médio.
Impossível não amar as boy bands.
O fluxo constante de café parou de ferver, então peguei o bule e enchi
minha caneca preta e dourada do tamanho de uma tigela. Enchendo-a de
açúcar e creme, me inclinei contra o balcão, saboreando o sabor rico e
completo. Não havia nenhum lugar para estar, nenhuma pressa para fazer
nada e uma calma tomou conta de mim. Deixando de lado as complicações
que espreitam no quarto dos fundos, eu poderia ficar lá e beber quantas
xícaras eu quisesse pelo tempo que quisesse.
Alguns goles depois, meu cérebro começou a funcionar totalmente.
Bacon, ovos e panquecas – seria um excelente café da manhã. Ligando o
segundo forno, peguei o bacon da geladeira e coloquei o conteúdo de dois
pacotes em algumas assadeiras. Era a única maneira de cozinhar para tantas
pessoas ao mesmo tempo. Vendo tudo espalhado, peguei outra caixa da
geladeira; havia muitos caras para alimentar.
As panquecas foram todas para o forno quente quando eu as terminei.
Trocando pelas bandejas de bacon, roubei um pedaço crocante e muito
quente. O robô Avery do café da manhã estava em alta velocidade,
abastecido por café e o sal do bacon dos Deuses.
Uma ligação interrompeu minha música. Eu deslizei meu celular para
fora do meu sutiã e toquei na tela.
— Oi, e aí?
— Você já está se divertindo ou eu vou ter que ir aí e te forçar? — A
voz rouca de Syd berrou do outro lado.
Eu revirei meus olhos.
— E bom dia para você também.
— É um bom dia quando não tenho que acordar às duas da manhã, o
que significa que nunca é um bom dia.
— O que seus clientes regulares fariam sem sua personalidade brilhante
e borbulhante para fazê-los passar pela manhã?
Ela soltou uma gargalhada rouca.
— Dançariam nas ruas.
— Eles se revoltariam se você não estivesse lá para recebê-los. —
Apoiei o celular no ombro e coloquei mais massa na frigideira. O barulho e
o chiado nas bordas encheram o ar.
— Acho que não. Você nem percebe quanto tempo eles ficam lá quando
é você quem abre. É como um maldito jardim de estátuas. Todo mundo fica
encantado.
Eu bufei.
— Ok, sei. Você precisa de algo ou só está ligando para ver como
estou?
Houve um silêncio mortal do outro lado da linha e olhei para o telefone
para me certificar de que a chamada não tinha caído.
— Eu preciso de algo. Eu estava olhando alguns dos papeis que você
organizou. Obrigada, como sempre, e não me diga para não me preocupar
com isso.
Eu fechei minha boca.
— Estou procurando algumas declarações de impostos antigas, de
talvez três anos atrás?
— Tentei manter todos os impostos que vi juntos. Eles devem estar na
pasta vermelha na gaveta do meio do arquivo amarelo, mas também estão
no computador. Salvei-os em uma pasta chamada Impostos em Documentos
Financeiros.
Ela bufou. Sim, Deus me livre dela usar tecnologia moderna.
— Ok, garota, obrigada pela dica. Eu vou atrás deles.
— Eu posso voltar, Syd. Se você precisar de mim, estarei aí.
Os cabelos da minha nuca se arrepiaram. Eu apertei minha mão em
torno do cabo da espátula e me virei como o personagem principal de um
filme de terror.
Com um olhar mortal na porta e os braços esticados sobre o peito largo,
Emmett olhava para mim, sua pele bronzeada e calças de moletom verde-
militar contrastando com o ambiente em tons pastéis. Sem uma camisa, seus
músculos estavam em exibição, cada protuberância e músculos à vista. A
expressão estranha em seu rosto fez meu estômago revirar.
— Não, era tudo que eu precisava. Você se divirta aí e nem pensa em
voltar mais cedo.
— Ok. — Encerrei a ligação e me virei para ficar de frente para o
balcão, focando no backsplash3 de vidro azul e verde. Tirei meu outro fone
de ouvido. Apenas seja civilizada.
— Já tem café pronto. Eu estava prestes a fazer alguns ovos mexidos, se
você quiser esperar. Se não, tem bacon e panquecas nos fornos. — Eu me
virei e apontei e ele me prendeu com seu olhar. Fiquei paralisada com o
braço estendido.
Os segundos se estenderam por uma eternidade… e então acabou. Ele
cortou a conexão e foi até o gabinete. Pegando uma caneca e batendo no
balcão, ele agarrou a cafeteira e serviu-se de uma xícara como se fosse a
substância mais odiada conhecida pelo homem e a caneca tivesse
atropelado seu cachorro.
Eu me virei, mas pude sentir seu olhar o tempo todo. Você é uma
aproveitadora, Avery. Eu nunca pensei em socar alguém na cara antes, mas
naquele momento, eu queria pular sobre o maldito sofá e derrubá-lo. Uma
aproveitadora… Eu não conseguia nem imaginar estar em posição de me
aproveitar de alguém ou de algo dos outros, o luxo que isso seria.
— Puta merda, há muitos cheiros deliciosos competindo agora. Quero
adorar o chão em que você anda, mas primeiro, café. — Mak entrou na
cozinha bocejando e pulou quando viu Emmett encostado no balcão o mais
longe possível de mim. — Bom dia, Emmett.
— Bom dia, Makenna.
Ela fez uma careta para mim. Ihhh, usando o nome completo dela, eu
entendi. Ele estava puto.
— Você precisa de alguma ajuda? Sou excelente em virar panquecas. —
Mak esfregou as mãos.
Fiz uma reverência e entreguei a espátula como se fosse um cetro real.
— Vou começar a fazer os ovos.
Mais ou menos na metade da primeira dúzia de panquecas, outro casal
sonolento chegaram na cozinha.
— Acho que meu nariz me levou até a metade da escada antes mesmo
de eu perceber que estava acordado. O que cheira tão bem assim? — Heath
entrou com uma Kara com os olhos turvos atrás dele. A partir de então, foi
uma sucessão de pessoas semi-adormecidas chegando na cozinha.
— Já tem bacon e panquecas prontos, e em cerca de dois minutos terei
alguns ovos mexidos. Alguém quer ovos com queijo?
Metade das cabeças assentiram. Eu ri enquanto Declan tentava
furtivamente pegar um pouco de bacon do forno.
— Você pode simplesmente tirar a bandeja e colocar em um prato. Tem
mais na geladeira.
— Graças a Deus. Minha boca está salivando aqui. — Declan pegou o
bacon do forno. Enquanto ele tentava tirar da bandeja, as pessoas
continuavam pegando tiras. — Vocês, idiotas, poderiam me dar dez
segundos para pegar um prato? — Ele deu uma cotovelada em Heath e Liv
para se afastarem.
Eu ri e empilhei os ovos perfeitamente fofos em uma travessa gigante.
Alguém pegou as panquecas do forno e estávamos prontos. Coloquei os
ovos na mesa e todos comeram – quase todos.
Havia muita testosterona amontoada em volta da mesa da cozinha; era
bom que tudo naquele lugar parecesse enorme. Ombros largos, toneladas de
músculos e olhos sonolentos abundavam. O doce cheiro de calda se chocou
e se fundiu com o ar salgado de bacon.
Por vários minutos, nenhum som além de garfos e facas cortando, bacon
sendo mastigado e pequenos gemidos de apreciação vieram de todos
sentados ao redor da mesa.
— Avery, cada mordida está incrível. Eu preciso da receita dessa
panqueca — Heath disse com a boca cheia, tentando cobri-la com a mão.
Seu cabelo loiro caiu na frente de seus olhos e uma gota de calda estava no
final de uma das mechas.
— Você está limpando o prato com o cabelo?
— Seja legal comigo e eu farei essas panquecas quando você quiser. —
Ele sorriu para Kara.
Ela abaixou a cabeça.
— Quão legal?
— Muito. — Ele limpou um pouco de calda do queixo dela.
Kara pegou um guardanapo e tentou limpar.
— Acho que terei que ser muito legal, então.
— Parem de se olhar assim. Estamos tentando comer aqui — Liv
resmungou.
— Emmett, pare de se lamentar e sente-se. Estamos desfrutando de uma
refeição deliciosa juntos e você está parado no balcão como se estivesse
pronto para nos assaltar. Senta. — Colm empurrou uma cadeira para ele.
Emmett olhou para baixo e seus lábios pressionaram juntos em uma
linha reta. Eu mantive minha cabeça baixa, sem fazer contato visual,
minhas panquecas de repente viraram a coisa mais interessante do mundo.
Sua cadeira rangeu no chão quando ele se sentou à mesa, pegando a
contragosto algumas panquecas.
— Você acha que eu poderia pegar a receita também, já que você ia
passar para o Heath? — Ford abaixou a cabeça e enfiou mais pedaços de
panquecas na boca. Ele segurou o garfo em um aperto total de homem das
cavernas com o punho apertado ao redor do utensílio, de alguma forma
parecendo adorável fazendo isso.
— Claro. Vou mandar por mensagem para você.
— Valeu. — Suas palavras eram suaves enquanto ele pegava outro
pedaço de bacon.
Com os estômagos cheios, todos se recostaram nas cadeiras, mas houve
um confronto final para o último pedaço de bacon.
— Colm, se você tirar ele de mim, vou jogar fora suas abotoaduras, uma
de cada par. Pense no horror – nenhum par igual na gaveta inteira — Liv
zombou de seu irmão, que a olhou com uma careta.
— Faça isso e eu jogarei fora cada maquiagem que você possui.
— Pode jogar – são sombras do ano passado de qualquer maneira.
Uma mão grande apareceu e agarrou o pedaço perfeitamente crocante,
em seguida, o enfiou na boca. Ford deu de ombros, mal conseguindo
esconder o sorriso.
— Ah, tava muito bom.
“Ford!” e “Cara!” foram disparados sobre a mesa de seus companheiros
de quarto indignados.
— Alguém tinha que quebrar o impasse. Isso é o que vocês dois
ganham por estarem sempre brigando. — Ele se afastou da mesa e saiu da
cozinha. Todo mundo caiu na gargalhada.
Saindo da mesa, todos se espalharam. Heath e Kara lavaram as louças.
Tentei ajudar, mas fui sumariamente expulsa da cozinha e me falaram para
não voltar até que tudo estivesse limpo. Como eu realmente não tinha nada
para fazer enquanto todos estavam tomando banho e se arrumando, saí para
a varanda com outra xícara de café e observei o mundo acordar.
10

EMMETT

A observando na cozinha, fiquei paralisado. Ela se moveu pelo


espaço como se fosse dona do lugar. A cozinha sempre foi seu
domínio, sua preferência – ela ficava em frente ao forno da minha
casa com uma espátula em uma das mãos, me banindo do cômodo quando
tentava provar a massa de brownie muitas vezes.
Por um segundo eu esqueci onde e quando eu estava, quando a vi com o
short jeans que abraçava seu quadril, exibindo tanto suas pernas e uma
blusa larga caída no ombro que ainda era seu estilo característico. Ao entrar
naquela cena, minha garganta se apertou e as memórias foram tão intensas,
tão semelhantes às poucas manhãs em que observei o nascer do sol com ela
em meus braços. Ela fez a mesma coisa naqueles dias, preparando um
grande café da manhã enquanto eu observava, sentado à mesa da cozinha e
me sentindo contente em observá-la por horas.
Meu devaneio foi interrompido quando percebi que ela estava falando
com alguém – alguém chamado Syd. A maneira familiar como ela falou e a
preocupação em sua voz me deixou arrepiado. Era o namorado dela? Se
fosse, por que ela estava conosco e não onde quer que ele estivesse?
— Eu posso voltar, Syd. Se você precisar de mim, estarei aí. — A
preocupação em sua voz fez minhas mãos se fecharem em punhos.
Ela se virou, os olhos arregalados de surpresa. Sim, eu definitivamente
vejo você, Avery. A ligação dela terminou e eu esperei pelo “Eu te amo”. Eu
teria perdido a cabeça se ela falasse, mas não falou.
Peguei uma xícara de café enquanto ela divagava sobre a comida no
forno. Todos os outros acordaram e era a imagem de aconchego. A
contragosto, comi um pouco de sua comida e, caramba, estava bom. Eu mal
consegui conter um gemido quando coloquei algumas garfadas de
panquecas e ovos na minha boca. Ela não tinha perdido seu toque.
A cozinha ficou vazia e um clarão verde na varanda chamou minha
atenção. Sem querer, eu a encarei enquanto ela saboreava seu café. Suas
mãos estavam enroladas firmemente nas laterais de sua caneca e ela ficou
imóvel, deixando o vento passar em torno dela.
Um conjunto de mãos pesadas apertou meus ombros.
— Talvez você precise admitir exatamente o que está fazendo com que
você aja assim com ela. — Colm acenou com a cabeça em direção a Avery,
mas eu dei de ombros para tirar suas mãos. Ele não poderia nem começar a
entender.
— Não acho que estou agindo de outra forma a não ser como deveria
para alguém que foi traído e depois colocado de lado para que ela pudesse
ser bem-vinda nas minhas férias com meus amigos.
Eu girei nos calcanhares e caminhei em direção à porta da frente.
— Eu acho que vocês dois precisam sentar e ter uma conversa adulta.
Passar por tudo. Exponha suas queixas e a tensão diminuirá. — A voz de
Colm seguiu atrás de mim e ele obviamente não entendeu que me afastar
significava que eu não queria mais conversar.
— Expor nossas queixas? O que é isso, uma reunião do RH?
— Você nunca quis conversar com a gente sobre isso. Eu sei que isso te
afeta.
— Talvez porque na única vez que tentei, vocês me disseram que
namorar alguém quando ia para a faculdade era a coisa mais estúpida que
vocês podiam imaginar.
— Tínhamos dezoito anos – o que caralhos nós sabíamos? — Ele deu
de ombros.
— Às vezes parece que não mudou muito. — Empurrando a porta da
frente, desci os degraus e saí para a rua. As bicicletas passaram zunindo por
mim quando me curvei para amarrar meus sapatos. Uma corrida era o que
eu precisava, para clarear minha cabeça e me livrar de um pouco desse
excesso de energia. Comecei a correr, deixando Colm para trás, chamando
meu nome.
Um quilômetro depois, eu sabia exatamente o que precisava acontecer.
Sentando em um banco na beira da areia, eu passei pelo meu celular,
procurando por tudo que precisaríamos para um quatro de julho que
nenhum de nós esqueceria.
Algumas ligações depois, as coisas começaram a caminhar para uma
noite épica da qual falaríamos por muitos anos. Depois de descansar, voltei
para casa e meu celular tocou no caminho.
— Oi pai. Como você está?
— Oi, Emmett. Quero saber se você pensou sobre quatro de julho.
— Você quer dizer desde, tipo, trinta e seis horas atrás? Eu pensei.
Posso ir depois. Os caras têm uma grande festa planejada, então quero estar
aqui. Talvez algumas semanas depois eu possa ir aí. — Parei do lado de fora
da porta aberta da garagem e me encostei no capô do meu carro, que estava
estacionado na entrada.
— Seria melhor se pudéssemos vê-lo antes disso, mas se esse é o mais
cedo que você consegue, vamos fazer dar certo. Para o seu aniversário,
talvez? — Havia um tom estranho em sua voz, não que eu tivesse muita
experiência com ele além de algumas conversas monótonas. Provavelmente
falei mais com meus pais naquele verão do que nas últimas duas décadas
juntas. Eles ainda estavam tentando me juntar com a Sloane? Eles não me
conheciam, não tinham ideia de que tipo de mulher eu estaria interessado.
Porra, se Sloane dissesse a eles que eu era gay, eles provavelmente
acreditariam. Então, por que eu queria voltar lá? Eu acho que estava um
pouco animado com eles se intrometendo na minha vida como pais normais
deveriam fazer. Eu era tão estúpido assim? Tão fodido que meus pais me
atormentando estava me deixando feliz? Idiota.
— Ok, pai. Vejo você depois do dia quatro.
— Tchau, Emmett.
— Tchau.
Encerrei a ligação e um som de metal contra metal vindo da garagem
chamou minha atenção.
Minha sombra encheu o espaço e Avery ficou tensa. Ela estava do lado
de fora da porta do motorista segurando o espelho com um tubo de cola na
mão. Percy parecia um pouco desgastado.
— Vejo que Percy ainda está firme e forte.
Ela se virou lentamente, como se tivesse virado de costas esperando que
se ela não pudesse me ver, eu não pudesse vê-la. Sua careta combinava com
a que imaginei preencher meu próprio rosto.
— Sim, ele está. — Seus lábios se separaram e ela hesitou. — Você
estava falando com seu pai no telefone?
— Sim. — Ela sabia tudo sobre nosso passado. Houve muitas noites em
que ela passou as mãos pelo meu cabelo e olhou nos meus olhos, me
dizendo que era azar dos meus pais que eles nunca estiveram por perto, que
um dia eles perceberiam o erro que cometeram. Embora eu não quisesse,
sempre esperei que ela estivesse certa.
— E você vai passar um tempo com eles depois que sair daqui?
Tentei não olhar para a curva de seus quadris exposta por seu short ou a
forma como seus lábios se separaram enquanto ela esperava pela minha
resposta.
— Sim. Meu pai teve um ataque cardíaco e meus pais têm feito um
grande esforço comigo ultimamente.
O mais fraco dos sorrisos ergueu seus lábios.
— Isso é bom. Eu sei que a distância… machuca. Acho que isso vai ser
bom. — Ela cuidadosamente removeu a mão do espelho e ele ficou parado,
caindo apenas um pouco. — Vejo você lá dentro. — Limpando as mãos no
jeans, ela passou por mim.
— Avery — eu chamei atrás dela.
Ela parou e se virou lentamente. Seus músculos estavam tensos, prontos
para um ataque.
Eu empurrei para baixo o nó no meu estômago com a maneira que ela
olhou para mim, tão vulnerável e cautelosa ao mesmo tempo.
— Você pode ficar com a cama hoje a noite. Podemos trocar.
— Obrigada. — Com um aceno de cabeça, ela desapareceu ao virar
para a direita. O baque suave de seus passos soou na escada e então a porta
se fechou. Me encostei no carro e passei os dedos pelo cabelo.
O que estou fazendo?
Eu me levantei e virei a cabeça com o barulho afiado de metal batendo
no concreto. Virando-me completamente, vi que o velho Percy estava no
limite e faltando algo. Merda. Peguei o espelho do chão e tentei colocá-lo
de volta. Pelo menos isso me daria um motivo para não entrar, para não
pensar em Avery e cama na mesma frase… a maneira como ela se afundaria
nos cobertores para ficar confortável… suas mãos correndo pelo meu peito
enquanto estávamos ambos cobertos de suor, ainda ofegantes pela forma
explosiva como nossos corpos se uniram…
Eu era um viciado em Avery tendo uma recaída depois de quatro anos.
Eu fiz tudo que pude para me inocular contra sua presença avassaladora em
minha mente. Eu mantive distância. Ao longo dos anos, as pessoas
aprenderam a nem mencionar o nome dela perto de mim.
Sempre que eu estava de volta à cidade, se nossos caminhos se
cruzassem, eu ia na outra direção e me certificava de nunca deixá-la entrar
em meus pensamentos por muito tempo. Aqueles momentos fugazes em
que eu não conseguia tirá-la da minha mente estavam se tornando cada vez
mais frequentes, no entanto, estendendo-se por noites agitadas, e lá estava
eu, do lado de fora e preparando a agulha, pronto para injetá-la direto nas
minhas veias.
11

AVERY

O sol brilhante de verão estava alto no céu azul claro, nenhuma


nuvem à vista, o tipo de dia que me faria olhar pela janela da
padaria e sonhar com piqueniques no parque.
Com meu livro ao meu lado, deitei na toalha com os olhos fechados,
deixando o sol me aquecer enquanto absorvia tudo ao meu redor: os sons da
praia e amigos rindo, o suor escorrendo da minha pele. O oceano, que me
fez voltar correndo para a areia depois de um violento ataque de algas
marinhas uma hora antes, parecia mais convidativo a cada minuto que se
passava.
Estar um pouco longe do calçadão fez com que nossa parte na areia
ficasse tranquila durante a semana, não tão abarrotada como em alguns
lugares tipo o Wildwood, que tinha um calçadão e atrações ainda maiores.
A paz e o silêncio eram exatamente o que eu precisava, embora parecesse
que alguns de nós estavam inquietos. Inclinei minha cabeça para o lado com
a conversa ininterrupta de Liv e a tiração de fotos.
— Só consigo imaginar que é essa a sensação quando as pessoas na
escola falavam sobre seus pais se divorciando, mas não querem que eles
saibam disso.
— Qual é, é do Ford e Colm que estamos falando. Eles são unha e carne
desde o fundamental.
— E eu estou te dizendo, parece uma guerra fria acontecendo naquele
quarto. Se Avery não tivesse aparecido quando apareceu, eu teria começado
a dormir no sofá.
Acho que algumas coisas de fato mudaram. O que diabos colocaria
Colm e Ford um contra o outro?
— Dá uma olhada nele. — Liv se sentou ao meu lado, apoiando o
queixo na mão apoiada.
Eu levantei meu chapéu quando um Frisbee verde neon voou em cima.
Estreitando os olhos por causa do sol, peguei meus óculos de sol e os
coloquei, seguindo seu olhar.
Havia um grupo de caras brincando não muito longe de nós,
provavelmente da nossa idade, talvez passando o fim de semana aqui. Já
tínhamos ido à praia algumas vezes e não tínhamos os visto antes. Nosso
grupo não era exatamente discreto, então chamávamos um pouco de
atenção, principalmente do sexo feminino para os rapazes.
Eu tentei não me irritar quando um grupo de mulheres veio até o
Emmett pedindo autógrafos. Ele ficou mais do que feliz, sorrindo e posando
para fotos com o braço em volta deles. Foi uma coisa estúpida de me irritar
e não era como se eu não tivesse visto fotos dele nos jornais com outras
mulheres antes.
O que realmente me irritou foi quando ele percebeu que eu estava
olhando e me deu um sorriso malicioso enquanto fazia isso. Ele estava
tentando me deixar puta, tentando me incitar a deixá-lo vencer, talvez ficar
com raiva o suficiente para ir embora. Não vai rolar.
Nenhum dos rapazes estavam conosco agora, enquanto Liv babava nos
caras bronzeados com a ponteira de seus óculos de sol encostado no lábio.
— Encare com mais força e eles podem entrar em combustão
espontânea. — Eu empurrei seu braço.
Ela ergueu uma sobrancelha e se abanou.
— Eles são super gostosos. — Ela se endireitou quando eles começarem
a jogar o Frisbee mais perto.
— Ah, acho que eles são ok. — Mak sentou, se apoiando nos braços ao
lado dela.
Liv bufou.
— Ok? Eu sei que você está namorando o Declan, mas isso não
significa que você precisa fingir que está morta. Só dá uma olhada neles. —
Ela tirou outra foto minha. Sua pilha de fotos Polaroids aumentava a cada
minuto.
— Se você ao menos falasse com eles, Colm tentaria te prender em um
cinto de castidade. — Mak riu e bebeu um gole d’água.
— O que Colm não sabe não pode machucá-lo.
O Frisbee caiu bem entre mim e Liv – imagine só. Era quase como se
eles estivessem tentando chamar nossa atenção ou algo assim.
Liv o pegou e se levantou da sua toalha. Alguns caras vieram correndo,
um com um boné azul e short preto e outro com uma bermuda laranja.
— Eu podia ter jogado de volta.
— Não, está tudo bem. Eu queria vir aqui e pegá-lo. — O olhar do cara
de boné azul caiu dos olhos dela para os meus.
Me sentei e puxei meus joelhos contra o peito. Ficar deitada como um
bufê me deixou um pouco desconfortável. Eu não usava biquíni há muito
tempo.
— Eu sou Liv. — Sua mão disparou para frente. — E essas são Avery,
Mak e Kara. Você está passando o final de semana aqui ou só veio visitar
por um dia?
Todos trocaram as gentilezas de sorriso-e-aceno. O Bermuda Laranja
fez questão de se aproximar e apertar a mão de Liv.
— Eu sou Noah e esse é o Mason. Meu irmão alugou uma casa por uma
semana, mas ele ficou preso no estúdio, então ele me disse para vir e
aproveitar. Chegamos no sábado. — Ele apontou para o Bermuda Laranja,
também conhecido como Mason.
— Legal. Seu irmão é músico? — Olivia sorriu.
Ele desviou o olhar passou a mão na nuca.
— Sim, ele toca guitarra.
— Isso é demais. Se ele conseguir vir pra cá, talvez ele possa tocar uma
música para nós. Estamos ficando ali. — Ela se virou e apontou para nossa
casa, xingando baixinho quando viu quem estava vindo em nossa direção.
— A festa acabou — Kara sussurrou e riu ao lado de Mak. Todos os
caras estavam vindo em nossa direção com toalhas penduradas em seus
pescoços e um cooler entre Ford e Emmett.
— Casa incrível. Vamos dar uma festa no final desta semana – talvez
vocês, damas, gostariam de ir. — O olhar sorridente de Noah pousou em
mim.
— Talvez. Todas estão comprometidas, mas eu ficaria mais do que feliz
em ir. — Liv endireitou os ombros, empurrando os peitos para cima mais
um pouco.
— Ei, eu não estou comprometida. — Eu bati em sua perna, então me
encolhi com o quão desesperado isso soou.
Ela inclinou a cabeça para mim.
— Não está?
Eu revirei meus olhos.
— Não, definitivamente não estou.
Noah sorriu e estendeu a mão.
— Nesse caso, foi muito bom conhecer todas vocês. Mal posso esperar
para ver você em breve, Avery.
Eu coloquei minha mão na dele. Era quente e forte. Ele era bonito, mas
definitivamente não houve uma faísca ali. Mesmo assim, isso não significa
que eu não poderia apreciar a vista enquanto eles voltavam para o resto do
grupo.
O cooler caiu atrás de mim, banhando minhas costas com a areia que
voou. Minha cabeça girou quando Ford grunhiu, a mão esquerda ainda
segurando um lado do cooler e um Emmett irritado olhava para mim.
— Estão vendo? — Liv cantou antes de deixar cair o chapéu e correr
em direção à água, provavelmente para evitar o interrogatório que seu
irmão tinha em mente.
— Quem eram eles? — Emmett reclamou. Parecia que isso era tudo o
que ele fazia – resmungava, murmurava, reclamava e rangia os dentes.
Aquela água com certeza parecia convidativa. Embora não fosse um
oceano azul claro, eu preferia ela do que assar na praia.
— Você sabe que ele está só esperando que você volte para sua toalha
para começar o interrogatório. — Entrei na água ao lado de Liv.
— Eu poderia dizer o mesmo sobre você. — Ela puxou os óculos para
baixo.
Me recusei a olhar para trás.
— Ele está me deixando louco.
— Vocês dois precisam brigar e transar, tirar isso de seus sistemas.
Eu rapidamente passei minha mão pela água, enviando um spray de
água direto em sua direção. Ela gritou e jogou em mim de volta.
— Nem sempre é tão fácil assim.
Ficamos na água até que eu finalmente fiquei cansada e me arrastei para
a areia. Pegando minha toalha extra, sequei meu rosto e mexi no cooler em
busca de algo gelado, me perguntando se Nova Jersey havia sido puxada
para mais perto do sol de repente. Encontrando a garrafa de água mais
gelada disponível, comecei a beber, quase terminando a coisa toda de uma
vez.
— Quem está pronto para comer? — Heath gritou.
Todas as mãos se levantaram. Liv se afastou de Colm, que a estava
importunando sobre protetor solar.
Arrumamos nossas coisas e voltamos para casa.
— Precisamos de mais pães. Nós só temos, tipo, dois de cada. — Heath
ergueu as sacolas quase vazias.
— Vou ir comprar. — Corri para fora de casa e desci as escadas antes
que alguém pudesse me impedir. Estar na casa com Emmett era uma
tortura, o espaço confinado me deixando super consciente de cada olhar,
careta e movimento que ele fazia.
Às vezes, eu sentia que estava tentando me mover imperceptivelmente
devagar para que ele não me notasse. Não funcionou. Assim como eu
estava ciente de cada palavra e risada dele, seu foco em mim fez arrepios
percorrerem todo o meu corpo.
Havia uma loja não muito longe. Usando uma das bicicletas, subi nela e
pedalei até a loja. O caixa passou minhas compras e eu peguei minhas
sacolas.
— Avery. — Eu me virei ao ouvir meu nome. Era o Sr. Boné Azul, só
que sem o boné. Seu cabelo loiro mel estava espetado em todas as direções.
— Noah, certo?
— Sim, estou feliz que você se lembrou. — Seu largo sorriso me deixou
à vontade.
— Teria sido muito constrangedor se eu não lembrasse, especialmente
porque você se lembrou do meu. — Larguei as sacolas na cesta na frente da
minha bicicleta. — Você está voltando para sua casa?
— Sim, precisávamos de mais gelo. — Ele ergueu a sacola gigante em
seus braços.
— Por que você não usa a cesta? Eu posso carregar os pães. Não é
muita coisa, mas isso vai destruir seus braços se você carregar todo o
caminho de volta para sua casa.
Ele sorriu.
— Você salvou minha vida. Andar até aqui não pareceu tão ruim, mas
com essa sacola enorme tentando congelar meus braços, seria uma merda.
— Sem problemas. — Peguei os pães e ele colocou a sacola na cesta.
Caminhando com a bicicleta, voltamos para o nosso lado da praia.
Ele me contou tudo sobre seu irmão mais velho, o músico – bem, nem
tudo sobre ele, apenas que tocava guitarra e estava trabalhando em um novo
álbum. Ele mencionou o nome, mas eu nunca ouvi sobre e meu encolher de
ombros quando ele disse o nome pareceu deixá-lo à vontade.
Eu disse a ele tudo sobre Alyson e a padaria. Esses eram os assuntos
mais seguros – minha receita de brownie de bourbon, como é chato fazer
massa folhada, quantos croissants um homem adulto pode comer antes de
vomitar, etc.
Ele puxou o saco de gelo da cesta quando chegamos na casa.
— Vou cobrar a sua oferta do brownie, embora eu realmente devesse
oferecer algo para você por ter me ajudado a não carregar essa coisa de
volta. — Ele ergueu a sacola, que já pingava água por toda parte.
— Sem problemas. Vou fazer alguns em breve para os caras e não é
nada demais fazer extras. Espero que seu irmão consiga vir.
— Eu também. — Ele se afastou, me dando um daqueles olhares por
cima do ombro quando estava a cerca de meio quarteirão de distância.
Agradável, descomplicado, fácil – esses eram os sentimentos que eu tinha
quando estava perto dele. Ele era um cara legal.
Meu celular vibrou no meu bolso. Colocando todas as sacolas em uma
mão, puxei meu telefone.
Pai: Por que estamos sem luz?
Meu estômago afundou. Nem um oi ou um olá. Eu não ouvi dele desde
seu desaparecimento na formatura e foi assim que ele me cumprimentou.
Eu: Não sei, pai. Você pagou a conta?
Pai: Por que eu faria isso? Você paga todas as contas.
Eu queria gritar e berrar para o céu. Porque é a porra do seu trabalho!
Porque você é um maldito adulto e isso implica ter responsabilidades reais.
O acidente não levou só minha mãe embora; levou meu pai também. Lesões
cerebrais traumáticas não eram apenas traumáticas para o paciente; elas
afetavam a todos. Ele nunca mais foi o mesmo. O pai carinhoso e amoroso
que nos levava de cavalinho nas costas, cozinhava quase todas as noites e
fazia tudo o que podia pela mamãe foi levado embora. Eu havia perdido os
dois naquela noite.
Eu: Lembra. Nós conversamos sobre isso. Vou embora para a
faculdade no outono, então estou economizando. Você deveria assumir
todas as contas a partir de junho.
Pai: Economizando? Você não está na praia agora?
Eu: Meus amigos me convidaram generosamente e estão cobrindo
tudo.
Pai: Isso significa que você tem bastante dinheiro…
Um cansaço que não senti durante meus poucos dias de folga se
instalou. Abri meu aplicativo do banco e toquei em “Transferir”.
Eu: O dinheiro logo estará na sua conta. Se ficou sem luz por muito
tempo, você tem que olhar os alimentos na geladeira. Pode ter estragado.
Pai: Não tem comida lá. Traga um pouco quando voltar.
Eu queria jogar meu telefone no oceano. Eu não respondi. Se eu tivesse
respondido, teria sido uma mensagem só de palavrões tão grande que eu
teria que inventar alguns novos. Era por isso que tive que sair de casa,
mesmo que a faculdade estivesse sugando as minhas economias e era por
isso que eu precisava trabalhar na padaria o máximo possível. Cada hora
contava.
Eu precisava de um banho e uma soneca. O sol e a água me deixaram
exausta. Uma dor de cabeça estava chegando, a julgar pelo latejar na minha
testa. Talvez eu pudesse dormir na padaria assim que começasse a
faculdade. Subi os degraus da casa. Seria o melhor dos dois mundos se eu
ficasse lá – transporte fácil e todos os croissants e donuts que eu pudesse
comer. Talvez eu nunca mais saísse da padaria. O que mais alguém
precisava? Granulados? Sim. Glacê para durar dias? Sim. Mais donuts do
que você poderia consumir? Tantos “sim” de dar água na boca.
— Quem era aquele?
As palavras severas me tiraram do meu devaneio de dormir em um
travesseiro feito inteiramente de muffins.
Eu agarrei o corrimão para me equilibrar enquanto meu coração quase
saiu pela minha garganta.
— Você me assustou pra caramba. — Eu encontrei o olhar mortal do
Emmett de frente.
— Quem era aquele? — Ele disse mais devagar, como se eu não tivesse
ouvido da primeira vez. Ah, eu ouvi bem.
Passando por ele, entrei na casa.
— Comprei os pães — gritei para ninguém em particular, sacudindo-os
triunfantemente.
Heath colocou a cabeça para fora da cozinha.
— Perfeito, Declan já está com a grelha pronta. Estou colocando os
hambúrgueres agora. — O estrondo de passos soou nas escadas do segundo
andar e Mak, Kara e Liv apareceram.
— Você disse que os hambúrgueres estão prontos? — Liv mordeu um
Twizzler.
— Não, eu disse que vou colocá-los agora.
— Estamos morrendo de fome aqui.
— Bom, então por que você não sai e nos ajuda?
Kara desceu o resto das escadas e pegou os pães de mim, em seguida, os
quatro saíram para o terraço.
— Você vai simplesmente me ignorar?
Minhas costas ficaram retas. Eu olhei por cima do ombro.
— Achei que estava deixando isso bem claro.
— Eu realmente vou ter que perguntar de novo? — O aborrecimento em
sua voz me irritou.
— Não sei porque você achou que tinha o direito de perguntar da
primeira vez.
Peguei minha bolsa ao lado do sofá e caminhei pelo corredor até o
banheiro. O baque pesado dos passos de Emmett atrás de mim me fez cerrar
os dentes. Entrando no banheiro, tirei algumas roupas novas da minha
bolsa.
— Você ama ficar pairando nas portas? — Eu não olhei para cima.
— Parece que me lembro de descobrir algumas coisas sobre você
enquanto estava pairando nas portas. — Suas narinas dilataram-se.
Eu me aproximei dele, cara a cara. Estava na ponta da minha língua
simplesmente deixar tudo sair, jogar tudo na cara dele, mas as perguntas
que apareceriam – aquelas sobre meu pai, o dinheiro dos pais dele, com
quem ele parecia estar se dando bem com agora – embora eu me ressentisse
deles, não queria estragar isso para ele.
— Você realmente não sabe do que está falando. — Eu desviei o olhar e
me inclinei no chuveiro para ligar o jato de água quente. Agarrando a porta,
fiquei esperando ele sair. — Eu tenho que tirar a roupa para fazer você sair?
— Quem era o cara? — Ele não iria desistir.
— Que cara? — Minha testa franziu.
— O cara de antes – aquele com quem você estava na praia.
Eu vasculhei meu cérebro e soltei um suspiro.
— Noah? — Ele estava realmente falando sobre um cara com quem eu
conversei por dez minutos no total? — Ele era um cara, Emmett, apenas um
cara da praia. Pare de agir como um idiota ciumento e caia fora. — Usando
meu corpo para bloquear a porta e forçando-o a recuar, fechei a porta. Com
o clique forte, girei a fechadura. Batendo minha cabeça contra a porta, orei
por uma noite tranquila. Deveria ter tirado uma soneca quando tive a
chance.

Uma nuvem de fumaça da grelha flutuou pela mesa na varanda.


— Você está tentando nos matar asfixiados ou algo assim? — Mak
afastou a fumaça forte de seu rosto.
— Os hambúrgueres estarão prontos em cinco minutos. Quem quer
queijo? — Declan girou a espátula em sua mão e as mãos de todos se
ergueram. Ele distribuiu uma fatia para cada hambúrguer na grelha. Liv
estava bancando o barman secreto de novo e, caramba, ela era boa. Eu
nunca provei metade das coisas antes, mas fez meus lábios formigarem e
ela fez todos rirem.
Me recostei na cadeira e virei a cabeça na direção dos passos subindo as
escadas. Estávamos todos aqui.
— Toc, toc. — A cabeça de Noah apareceu no canto da varanda e
Mason estava bem atrás dele.
— Ei, Noah e Mason. — Liv se levantou e saiu de sua cadeira em um
piscar de olhos. — A que devemos o prazer desta visita?
Noah abaixou a cabeça e puxou uma garrafa das costas.
— Para os brownies. Achei que se você está cozinhando, eu poderia
pelo menos fornecer a bebida. — Ele me entregou a garrafa.
— Uau, não! — Uma voz estrondosa me fez pular quando Ford se
lançou sobre a mesa para resgatar a dita bebida das minhas garras. — Cara,
você não faz com esse bourbon. Isso custa cerca de 500 dólares, a garrafa.
Meus olhos deviam estar tão arregalados quanto os de Noah e os dele
pareciam que estavam prestes a pular para fora da sua cabeça.
— Você está falando sério? Eu não fazia ideia. Meu irmão teve uma
caixa entregue hoje. Achei que era normal.
— Não. Isso está longe de ser normal. — Ford embalou a garrafa contra
o peito como se fosse um bebê recém-nascido. Ele sempre foi tão frio e
reservado, e todos se entreolharam com os olhos arregalados.
— Tenho certeza de que temos algumas aqui que podemos beber, mas
obrigada por trazê-la. — Eu sorri para Noah.
Ele sorriu de volta, mostrando seus dentes brancos e retos. Ele estava
com uma camisa polo cinza escura e bermuda cargo.
Cautelosamente, como se estivesse entregando uma bomba desativada,
Ford colocou a garrafa de volta nas mãos de Noah.
— Cuide disso.
— Vou cuidar — Noah prometeu com uma seriedade que fez todo
mundo cair na gargalhada – quase todo mundo. Os músculos no pescoço do
Emmett estavam tão tensos que eu não ficaria surpresa se ele estivesse
fabricando uma faca sob a mesa – para Noah ou para mim, eu não tinha
certeza.
— Ford, eu não tinha ideia de que você era tão entendido sobre bebida.
Onde você esteve quando eu ia atrás das minhas cervejas artesanais, meu
caro? — Heath deu um tapinha nas costas dele.
Ele encolheu os ombros.
— Vejo que vocês estão prestes a comer. Mason e eu vamos voltar para
a casa.
— Temos bastante comida, se vocês quiserem um hambúrguer — Heath
entrou na conversa.
Emmett fez um barulho insatisfeito, como um animal avisando alguém
que eles estavam prestes a ser mordidos, e eu praticamente podia ouvir a
conta do seu dentista aumentando graças aos seus dentes rangendo. Uma
parte minha se sentiu mal com isso, mas a outra estava irritada por ele achar
que tinha algum direito de reivindicar. A última parte minha se deleitou
com sua raiva. Bem feito pra ele.
— Obrigado. — Eles pegaram algumas cadeiras e as puxaram para a
mesa. Copos de dose surgiram do nada e a garrafa de bourbon de 500
dólares foi uma ótima adição à nossa refeição do churrasco.
Eu mantive meu olhar afastado, propositalmente não fazendo contato
visual com Emmett. Alguém pegou Cards Against Humanity, o que levou a
alguns ataques de riso quase-sufocantes e cheios de lágrimas.
— Elogios aos chefs, Declan e Heath. Esses hambúrgueres estão tão
bons. — Cobri minha boca com a mão, terminando a última mordida da
minha comida. — Você vai ficar trabalhando na grelha pelo resto do verão
agora.
— Eu acho que posso negociar. — Declan recostou-se na cadeira e
colocou o braço nas costas da cadeira de Mak.
— Quem quer outro hambúrguer? — Heath estava perto da
churrasqueira, compartilhando a tarefa do hambúrguer. Todas as mãos se
levantaram, exceto a de Noah, que pousou na minha coxa, me dando um
pequeno susto.
— Você vai ter que passar essa receita para mim se ele algum dia contar.
— Ele sorriu para mim de forma conspiratória.
O arranhar forte de uma cadeira no terraço aconteceu no instante em
que Noah se inclinou. Engoli em seco e mantive os olhos fixos na comida.
Noah olhou para cima, as sobrancelhas franzidas. Os passos pesados de
Emmett enviaram seus baques direto para o meu estômago.
Eu não ia deixar que ele me fizesse sentir mal por ser legal com alguém,
mas também não queria que Noah tivesse uma ideia errada. Mexendo-me,
eu deixei cair minha perna para que sua mão ficasse livre. O estrondo de um
trovão que explodiu um segundo depois foi tão inesperado que gritei,
derrubando minhas cartas na mesa.
Levantei da cadeira e olhei para as nuvens que se formavam à distância.
Ao contrário da minha primeira noite lá, essa tempestade estava vindo
direto na nossa direção.
— Oh, uau, essa parece que vai ser ruim. — Noah se virou para Mason.
Um raio ao longe fez os pelos nos meus braços se arrepiarem.
— Devíamos voltar. Foi ótimo ver todos vocês. — Seus olhos
permaneceram em mim e eu acenei distraidamente enquanto eles
desapareciam nos mesmos degraus que Emmett havia descido não muito
tempo atrás. Pelo menos eu não tive que ver o olhar em seus olhos, um que
eu sabia que doeria com acusação, embora eu não tivesse feito nada de
errado.
— Vamos colocar tudo lá dentro.
Com dedos dormentes, carreguei meu prato. Pequenas gotas molharam
minha pele e o trovão fez o chão tremer. Eu deveria ter me sentido melhor
por ele ter saído, mas me preocupei de que não fosse seguro dirigir. A
tempestade estava chegando rápida e furiosa, a garoa transformando-se em
aguaceiro em segundos. Uma notificação piscou na tela do meu celular.
Alyson: Sã e salva! Te ligo mais tarde. Não se preocupe tanto comigo.
Divirta-se!
Eu: eu te amo, saudades.
A tensão enrolada no fundo do meu estômago intensificou. Rezei para
ser capaz de abafar os sons com um filme ou outra coisa, porque o único
lugar em que me sentia a salvo de uma tempestade, que ameaçava virar
minha mente a qualquer minuto, era nos braços de Emmett, e isso não era
uma opção há muito tempo.
12

EMMETT

A chuva me atingiu com tanta ferocidade que senti que poderia me


afogar a qualquer momento. Se eu soubesse que dirigiria para a
maldita tempestade da década, não teria tentado sair da ilha
quando tentei. Empurrando meu carro para fora de uma enchente repentina
do tamanho de Delaware, tentei ligá-lo por quase duas horas. A caminhada
de volta pareceu muito mais longa quando você mal conseguia ver três
metros à frente do rosto. Eu estava encharcado, ensopado com água da
enchente e chuva.
Um relâmpago cruzou o céu, ainda mais perto do que antes. A casa de
praia nunca foi uma visão tão bem-vinda. Entrar, ir direto para o chuveiro e
capotar era o que eu precisava. Talvez ainda houvesse um pouco daquele
uísque de primeira qualidade. Eu beberia o resto da maldita garrafa.
O cara da praia não parava de aparecer e, toda vez que ele aparecia, eu
queria destruir algo, queria pegá-lo e rasgá-lo com minhas próprias mãos
até que não fosse nada. Quando sua mão pousou na perna de Avery, ou eu
saia de lá, ou jogava ele pela grade da varanda. O fato de que ela flertaria
assim na minha frente? Sim, eu fiz o mesmo com as mulheres que
procuravam autógrafos antes, mas não era a mesma coisa. Ok, talvez fosse
um pouco.
Abrindo a porta, me esforcei para ouvir algum movimento. Mais
trovões estrondosos e relâmpagos iluminaram a sala por uma fração de
segundo e eu vi um pacote de cobertores em forma de Avery no sofá. Fiquei
surpreso por ela ter adormecido. Tempestades sempre a deixavam nervosa –
ou costumavam deixar na época da escola. Talvez ela tenha superado quase
ao mesmo tempo que me superou.
Usando meu celular para iluminar o caminho, só bati o pé na mobília
uma vez. Jurei que estava pulando na minha frente naquele momento.
Minhas roupas estavam encharcadas e deixando um rastro enquanto eu
fazia meu caminho para o quarto. Eu voltaria e limparia mais tarde ou
talvez adormecesse em pé. Estremeci quando a rajada fria do ar-
condicionado atingiu minha camisa encharcada.
Eu precisava de um banho e de uma cama. O dia foi de mal a pior
quando eu cheguei à praia só para ver Avery conversando com aquele cara,
ainda mais terrível quando ela se levantou e correu para as ondas. A forma
como a parte de baixo do biquíni abraçou sua bunda, mostrando apenas o
suficiente de pele tentadora para me fazer calcular as estatísticas de hóquei
na minha cabeça para não ficar duro – eu odiava que ela ainda pudesse
fazer isso comigo.
Andei pelo corredor e localizei minha bolsa na cadeira no canto do
quarto dos fundos. O trovão foi tão alto que um estrondo viajou pelo chão.
Eu tomaria o banho mais rápido conhecido pelo homem e desmaiaria,
esperando que talvez no dia seguinte melhorasse.
Tirando minha camisa molhada, a joguei em uma pilha com meu jeans
molhado. Fiquei feliz por Avery ter dormido. Ela teria odiado isso. Eu
nunca vi alguém odiar mais as tempestades, mas sempre amei a forma como
a chuva soava. Também me dava uma desculpa para mantê-la na minha
casa o maior tempo possível. Sempre que havia uma previsão para uma
tempestade, eu me certificava de levá-la à minha casa para que pudéssemos
ficar presos juntos por um tempo.
Peguei minhas coisas na minha mochila e entrei no banheiro. A luz já
estava acesa, o que era estranho, mas não pensei duas vezes sobre isso,
presumindo que alguém tivesse deixado assim. Alcançando o chuveiro, eu
liguei a água e um grito agudo me fez tropeçar nos meus próprios pés. Eu
me segurei na pia, meu coração martelando no meu peito.
Puxando a cortina, fiquei cara a cara com uma Avery balbuciante,
completamente encharcada e chocada. Ela se levantou e torceu um pouco as
roupas. Virando-se, sua boca se transformou de aberta para uma linha fina e
sombria quando a realidade caiu sobre ela. Meu coração batia forte no meu
peito por outro motivo agora. Bem, merda…
— Achei que você fosse embora. — Ela disse isso como se não fosse
estranho que ela estivesse sentada na banheira completamente vestida e
agora estava completamente encharcada.
Ficamos parados ali, olhando um para o outro com nossos peitos
subindo e descendo enquanto a adrenalina do nosso susto se fundia na
compreensão de que estávamos um na frente do outro, mais perto do que
estivemos todo esse tempo.
Me recusei a deixar meus olhos caírem para sua camisa encharcada e eu
definitivamente não estava olhando para os bicos dos seus seios, que eu
conhecia tão bem, aparecendo debaixo de seus braços em volta de seu peito.
Seus olhos se abaixaram, me observando e eu pulei, me lembrando da
minha própria nudez. Pegando uma toalha do cabide, enrolei em volta da
minha cintura. A raiva ardente que muitas vezes vivia na boca do meu
estômago quando eu a via não estava lá, o que me deixou desorientado. Era
um sentimento que passei a associar a ela, me obriguei a sentir sempre que
estávamos no mesmo cômodo, mas o brilho das chamas estava diminuindo.
Isso era perigoso.

Ela é uma traidora. Ela não dá e nunca deu a mínima para mim. Repeti
essas palavras na minha cabeça.

— A ponte estava inundada. Tive que tirar o carro de uma inundação


repentina e voltar andando. — Deixando minhas mãos caírem dos meus
lados, olhei para ela enquanto ela saia da banheira.
— Ah. — Ela cobriu o corpo molhado e vestido com a outra toalha.
— É a minha vez de ter o quarto, então vou precisar que você saia.
Seus olhos se estreitaram em fendas raivosas.
— Na verdade, eu acho que o fato de você ter saído como saiu deveria
significar que você perdeu seu lugar hoje à noite — ela disse entre dentes
cerrados.
Fios do seu cabelo molhado grudaram em sua clavícula como um retrato
pintado para capturar sua beleza simples, só que foi sua raiva que veio
agora, explodindo fortemente.
— Tínhamos um acordo, não era? Mas, novamente, eu sei quantos
problemas você tem em manter promessas. — Eu lancei um olhar mortal de
volta. Os músculos do meu pescoço estavam tão tensos que pensei que
fosse quebrar alguma coisa. Minha mandíbula se flexionou.
Ela cerrou os punhos ao lado do corpo. Quando outro barulho alto
reverberou pelo pequeno banheiro, suas mãos tremeram e seus olhos se
arregalaram, e não era mais apenas por estar encharcada.
Eu estudei toda a cena. Quando um pensamento entrou na minha mente,
inclinei minha cabeça para o lado. Por que ela estava sentada na banheira
totalmente vestida?
Houve outro estrondo ensurdecedor de trovão e Avery saltou. O sangue
sumiu do seu rosto e ela apertou a toalha, os nós dos dedos brancos prontos
para rasgar o tecido a qualquer segundo.
No calor do momento, seu medo nem mesmo foi registrado. Pensar na
maneira como ela choramingava e se aninhava no meu lado se fôssemos
pegos do lado de fora ou no carro durante uma tempestade… os resquícios
da minha raiva foram suavizados por aqueles antigos sentimentos de
proteção.
— Avery… — Eu dei um passo para frente antes de pensar melhor.
Ela deu um passo para trás, batendo o quadril contra a pia e
estremecendo. Passando os dedos trêmulos pelos cabelos, ela balançou a
cabeça.
— Quer saber? Tudo bem, você fica com o quarto. Está tarde. — Seus
ombros caíram. — Não quero brigar.
Minhas narinas dilataram.
— Tá.
— Só deixa eu me trocar, já que estou encharcada. — Ela me lançou
outro olhar com os braços travados na frente dela e parecia que o medo
anterior havia sido superado pela raiva. Ela passou por mim e entrou no
quarto.
— Vou tomar um banho. Você se veste.
Ela lançou um olhar feroz por cima do ombro, olhando para cima depois
de remexer em sua bolsa.
— Só vou ficar aqui mais uma semana, então podemos tentar fazer com
que isso seja o mais tranquilo possível.
Eu respirei fundo. Se ela trouxesse aquele cara Noah de volta para casa,
manter minha calma estava fora de questão. Do jeito que as coisas estavam
indo, nenhum de nós seria convidado para outros eventos em grupo se não
parássemos de querer pular na jugular um do outro. Isso deveria ser o passe
livre dela? Ah, desculpe por ter te traído, mas vamos apenas fingir que isso
nunca aconteceu para que eu possa ter um verão divertido brincando na
água com meu amigo. Um flash da Avery de biquíni, rindo nas ondas,
invadiu minha mente. Eu o tranquei em um baú e o afundei no fundo do
oceano.
Ela se encolheu quando o quarto foi iluminado por mais raios. A
tempestade lá fora se intensificou, se é que isso era possível, e a chuva batia
no vidro que rangia.
Peguei algumas das minhas roupas da minha bolsa e voltei para o
banheiro. Quase arrancando as maçanetas do box, entrei sob o jato d’água e
tentei não pensar muito sobre o fato de que ela estava do outro lado da porta
– nua. Eu estava procurando encrenca, mas o que diabos eu poderia fazer?
Era automático, tão difícil de impedir.
Eu descansei minha testa contra o azulejo frio e úmido. Passe por isso
um dia de cada vez. Essa era minha única opção. Já aguentei uma semana.
Se aquele cara Noah voltasse, entretanto, eu faria com que isso fosse um
erro que ele não cometeria novamente. Eu não a deixaria ficar com algum
cara aleatório na minha frente. Eu tive que traçar a linha em algum lugar,
por minha própria dignidade e sanidade.
Secando-me, coloquei minha calça de moletom e entrei no quarto.
Avery mudou de roupa. Curvada, ela dobrou as roupas em sua mala. A
camiseta larga com uma gola extra larga escorregou por cima do ombro,
expondo uma extensão de pele lisa – a mesma que eu deslizava meu polegar
enquanto estávamos sentados no sofá juntos assistindo a um filme ou
quando ela adormecia. Eu não pude deixar de observá-la. Cada respiração
passava por seus lábios carnudos, me atraindo. A cueca boxer que ela vestia
não fazia nada para esconder as longas pernas que eu conhecia tão bem,
aquelas nas quais eu corri meus lábios e mãos mais vezes do que eu poderia
contar, a cada vez vendo algo novo e diferente.
Ela se endireitou e fechou o zíper da bolsa.
Me virei para longe dela e fechei os olhos com força. A tempestade lá
fora ilustrou perfeitamente o redemoinho acontecendo no quarto. Passar
mais tempo com ela era uma ideia terrível pra caralho, especialmente sem
ninguém por perto. Eu estava perdendo a cabeça, já me afogando em sua
beleza excruciante. Era como se ela tivesse sido criada como a mulher
perfeita para desmantelar toda proteção que criei sobre meu coração depois
de anos de decepção e negligência. Estávamos perto um do outro há uma
semana, tornando tão fácil lembrar de tudo que eu tentei dizer a mim
mesmo que não sentia saudades.
Deixando sua bolsa cair no chão, ela apertou a mão em torno da alça
quando um relâmpago cruzou o céu. A tensão irradiava de seu corpo
enquanto ela se virou em direção à porta com um cobertor debaixo do
braço.
— Onde você vai?
Ela mordiscou o lábio inferior.
— Vou para a sala de estar. É a sua vez de ficar com a cama, como você
disse.
A casa retumbou e ela agarrou o cobertor contra o peito. Fechando os
olhos, ela soltou um suspiro profundo e trêmulo.
Eu resisti à vontade de puxá-la para os meus braços. Isso era o que eu
fazia sempre que havia uma tempestade. Às vezes, eu pensava que talvez
ela usava as tempestades como desculpa para ficar comigo, mas eu podia
ver agora que era um medo profundo, algo que ela não havia superado ou
conseguido escapar. Eu nunca pensei em perguntar o porquê ela tinha tanto
medo de tempestades antes; eu estava tão feliz com a desculpa para abraçá-
la.
Assistíamos a um filme ou aumentávamos a música e dançávamos pela
casa, ou eu a levava para cima e a chupava até que ela ficasse tão molhada
que meu rosto ficasse coberto com seu calor escorregadio. Essa era minha
maneira favorita de ajudá-la a esquecer.
— Você quer assistir um filme? — As palavras saíram da minha boca
antes que eu pudesse detê-las.
Sua cabeça se ergueu.
— Um filme?
— Estou um pouco nervoso depois de meu carro ter ficado preso e
dormir um pouco com a tempestade vai ser difícil. Acho que vi alguns
clássicos na estante.
Ela mordiscou o lábio inferior. Lá fora, um clarão cruzou o céu,
iluminando a casa ao lado tão claramente como se fosse meio-dia.
— Ok. — Saiu apressado. Ela ficou melhor em fingir que a tempestade
não a afetava e eu não sabia se alguém mais notaria seus músculos tensos
ou pequenos saltos, mas eu notei. Eu notei tudo.
Recuei, dando espaço a ela. Ela passou por mim no corredor, com
cuidado para não me encostar.
Seguindo-a, tentei não olhar para a bunda dela naquele short.
— Você quer escolher um? — Enfiei minhas mãos nos bolsos da minha
calça de moletom.
— Claro, vou ver o que tem ali. — A água de seu cabelo escorria pela
parte de trás de sua camisa.
Me sentei no sofá enquanto ela foi escolher um, sabendo que deixá-la
escolher iria distraí-la das coisas. O que eu não lembrava é que os DVDs
estavam todos embaixo da TV em uma bela fileira reta na prateleira de
baixo. Ela se agachou de joelhos e se inclinou para frente para ler os títulos.
A posição expôs ainda mais suas pernas, incluindo a leve sugestão da
curva de sua bunda quando ela esticou a mão para dentro do armário. Pura
tortura do caralho.
Seus dedos traçaram ao longo da lombada dos DVDs e uma faísca de
dar água na boca dançou ao longo da minha espinha. Ela puxou uma caixa e
deslizou o disco no aparelho, em seguida, voltou para o sofá e se sentou
com as pernas debaixo dela.
— Esse é ótimo. Faz muito tempo que não vejo e só assisti à versão
para a TV.
— Você terá uma surpresa então. — Os créditos de abertura de Mulher
Nota 1000 rolaram pela tela. Peguei uma tigela meio cheia de pipoca sobre
a mesa e coloquei um pouco na boca. Ela se mexeu, movendo as almofadas.
— Eu esqueci totalmente que Robert Downey Jr. estava nesse filme.
— E ele é um babaca total.
— Ele sempre interpreta alguém um pouco babaca. Posso comer um
pouco? — Ela apontou para a tigela no meu colo.
Eu estendi a tigela para ela. Ela pegou um punhado e enfiou na boca. Eu
não pude conter meu sorriso. Suas bochechas coraram. Ainda bem que a
tempestade não afetou seu apetite.
Eu não pude deixar de observá-la pelo canto do olho: seu cabelo
amarrado no topo de sua cabeça, o sinal do lado de dentro de sua coxa
direita me provocando, o pequeno sorriso curvando os cantos de seus
lábios. Seus olhos estavam fixos no filme.
Eu empurrei a tigela em sua direção. Rindo da cena que se desenrolava
na tela, ela olhou para mim, seus olhos disparando em direção à minha
oferta.
Ela pegou alguns bocados e segurou-os na mão, comendo-os um a um.
— Uma pena que eles não têm aqueles pacotes de cinema de Kit Kats
ou Skittles aqui.
Os cantos de seus olhos enrugaram quando ela sorriu.
— Eu acho que eles nem vendem mais. Agora, todos os cinemas
oferecem lanches gourmet e refeições completas. Normalmente, eu me
contento em comprar os doces na loja com antecedência e entrar escondido.
Aposto que você ainda compra todos os seus lanches no balcão.
— É difícil enfiar nachos e queijo nos bolsos sem fazer bagunça.
Ela riu.
— Justo. — Pegando mais pipoca, sua mão roçou a minha. Ela a puxou
de volta e a segurou no colo, em seguida, gritou quando um raio caiu perto
da casa. — Eu sei que esse é o último lugar que você gostaria de estar
agora, mas obrigada por ficar sentado aqui comigo. — Sua voz estava um
pouco acima de um sussurro, tão doce e gentil, como nas manhãs em que
ela dormia em casa e me acordava para provar algo que ela preparou na
cozinha. Essas memórias eram tão fortes que eu efetivamente me bani da
cozinha depois que terminamos. Muitas emoções.
Agora ela estava tão aberta e vulnerável e se eu pudesse ver seus olhos
na penumbra, teria jurado que ela estava à beira das lágrimas. Essas foram
as palavras mais gentis que ela disse para mim em muito tempo e também
foi a primeira vez que eu realmente dei a ela um motivo para ser civilizada.
Ela pulou quando um trovão explodiu e um raio iluminou a sala. Corri
minhas mãos ao longo das minhas pernas para não estendê-las até ela.
— Eu amo essa parte. É sempre tão incrível quando eles enfrentam um
valentão. — Ela balançou os ombros com felicidade quando as bocas dos
dois valentões ficaram abertas enquanto os heróis entravam em um carro
esportivo com uma linda mulher criada por computador.
— Certamente tem seu apelo. — A mulher na tela era nada comparada
com Avery.
Lentamente, ela relaxou enquanto a tempestade se transformava em
ruído de fundo. Seus pés esticados na frente dela ao longo do sofá, perto da
minha coxa, mas não perto o suficiente. Era familiar e estranho ao mesmo
tempo. Quando estávamos namorando, ela se aninhava no meu peito para
que eu pudesse inspirá-la, absorver seu calor e talvez uma mão boba.
Na tela, a loucura gerada por computador foi revertida e tudo ficou bem
no momento certo para a chegada dos pais das crianças, suas lições de
autodescoberta e como se defenderem embrulhadas em uma bela reverência
enquanto cavalgavam para o pôr do sol.
Os créditos rolaram e Avery se virou para mim, segurando os joelhos
contra o peito. Tentei não olhar para o espaço entre suas coxas e para a
boxer que desaparecia no lugar que eu conhecia tão bem por tanto tempo.
Por que ela tinha que ser assim? Entre o discurso da Alyson e o fato de
que todos os outros pareciam tê-la recebido de braços abertos, foi realmente
difícil reviver a velha raiva. A dor estava lá, era constante – tão constante
que às vezes eu esquecia que haviam outras coisas – mas a raiva tinha
sumido no segundo em que ela olhou para mim com seus olhos castanhos
claros rodeados por manchas verdes e eu vi o medo em seu olhar quando
estávamos no quarto. Essas eram perguntas que eu deveria ter feito na noite
da festa. Mesmo antes disso, eu deveria ter perguntado mais sobre o que
realmente estava acontecendo com Aly. Muitas coisas pareciam não ter sido
ditas entre nós.
— Parece que a tempestade já passou. — A amargura em minha voz
com a percepção desagradável e indesejável me pegou desprevenido. Eu
não queria que isso acabasse. Limpei minha garganta e olhei para a janela
atrás dela.
Ela se virou e observou os respingos silenciosos de chuva contra a
janela, não mais acompanhados pelo rugido estridente de trovões e
relâmpagos.
— Parece que sim. Você pode ir para a cama. — Sua expressão se
fechou novamente, endurecida, como se ela pensasse que eu a estava
dispensando. — Você deve estar cansado. Vou ficar bem aqui.
— Eu posso ficar aqui por mais um tempo. Ainda estou um pouco
nervoso. — Meus olhos estavam pesados, mas eu não queria sair. — Posso
colocar outro filme.
Ela assentiu, seu olhar me seguindo enquanto eu escolhia um filme
diferente para nós – uma loucura pós-apocalíptica com motos arrasando
com tudo.
Me sentei ao lado dela, tão perto, mas tão longe. Como se um par de
mãos invisíveis estivessem em volta do meu peito, me abraçando como um
urso sempre que eu tentava me aproximar dela, ela estava me deixando
louco lentamente. Minuto a minuto, hora a hora, eu estava perdendo o
controle de todas as promessas que fiz para mim mesmo quando se tratava
dela. A frustração estava ficando mais difícil de ignorar. Nem mesmo
usando minha mão no chuveiro eu pude gozar desde que ela chegou. Eu
estava a minutos de surtar.
Doía olhar para ela, mas eu não conseguia desviar os olhos, como olhar
para o sol durante um eclipse – sabia que estava causando danos, mas como
poderia desviar o olhar de algo tão raro e espetacular? Olhar para ela me
levou de volta a algumas das minhas melhores memórias.
A maneira como ela resmungava quando saímos em nossas caminhadas
para deixar todo o resto para trás… ela de pé nas arquibancadas, gritando a
plenos pulmões por uma má decisão que um árbitro havia feito durante um
jogo… abrindo meus braços e ela pulando neles no final do oitavo
período… O bombardeio de felicidade me atingiu tão rápido que tive que
engolir o caroço se formando na minha garganta.
Eu pensei que aqueles momentos eram apenas o começo, mas descobri
que eles eram apenas um ponto brilhante fugaz em uma existência vazia.
Dinheiro e privilégio compravam muitas coisas, mas não compravam
alguém que o amava sem sombra de dúvida.
Ela se aconchegou mais, os dedos dos pés cobertos por um cobertor
roçando a lateral da minha perna um pouquinho. O minúsculo fragmento de
conexão enviou um choque pelo meu corpo.
Ela encostou a cabeça nas costas do sofá. A ameaça da tempestade
havia passado e Avery desmaiou em segundos, seu peito subindo e
descendo continuamente. Eu estava sob seu feitiço novamente, como eu
estava durante anos quando ela dormiu na minha cama. As mechas de
cabelo que eu tinha enrolado em meus dedos muitas vezes para contar
estavam mais longas, alcançando o meio de suas costas. Algumas
escaparam de seu coque e se enrolaram em torno de seu rosto.
Sua pele era tão macia quanto eu me lembrava? Eu precisava me
levantar e ir para o quarto. Levante-se, Emmett. Em vez disso, inclinei
minha cabeça para trás e fechei os olhos. Eu esperaria um pouco mais para
ter certeza de que a tempestade não tinha apenas atingido uma calmaria. O
que você está fazendo? Por que você está se torturando assim? Você não
aprendeu o suficiente da primeira vez?
13

AVERY

E u me aninhei mais profundamente na suavidade ao meu redor. O


cheiro familiar e fresco de roupa lavada me fez me enterrar mais
fundo, tentando absorver mais conforto. Eu queria envolvê-lo
ainda mais apertado em volta de mim e nunca mais acordar, uma Bela
Adormecida ao contrário. Eu esperava que meu alarme não tocasse. Eu
tenho dinheiro para o almoço da Alyson? Dormi demais e estou atrasada
para o meu turno na padaria? Dane-se – eu nem me importo.
Meu rosto estava pressionado contra a superfície plana e dura de um
peito e a pele lisa esfregou contra minha bochecha. Minha cabeça se movia
no ritmo de cada respiração de seu peito subindo e descendo.
— Eu acho que eles reclamam demais. — As palavras altas me tiraram
do meu casulo quente e eu lentamente consegui me orientar. Outros sons
afundaram lentamente – gaivotas, nenhum carro passando…
Eu não estava em casa. Eu estava na casa de praia. Eu abri meus olhos e
me levantei com tudo, minha cabeça girando para ver Declan, Mak, Heath e
Kara olhando para mim. O braço dele estava em volta do meu ombro e meu
rosto estava aninhado na curva de seu pescoço. Meus braços estavam em
volta de sua cintura com minhas pernas em seu colo. Eu podia sentir seu
cheiro de couro e menta, já que meu nariz estava bem contra sua pele, e o
desejo de jogar minha perna sobre a dele e montar em seu corpo, tirá-lo de
dentro das calças – o que diabos eu estou pensando? Isso era o que
acontecia quando eu ficava desprovida de sexo por muito tempo.
Virei minha cabeça com os olhos arregalados, tão grandes que eu
poderia muito bem ser um personagem do Looney Tunes, e olhei para meu
próprio travesseiro aconchegante.
Emmett.
A noite anterior veio para mim rapidamente – a praia, o churrasco,
Noah passando na casa, Emmett saindo e a tempestade… a forma horrível
que meu estômago deu um nó… tentando não surtar na banheira antes que
ele aparecesse… e então nós assistindo filmes.
Nós nos soltamos um do outro e pulamos do sofá. Emmett apertou sua
nuca. Pelo menos ele parecia tão perturbado quanto eu me sentia.
Cruzei meus braços sobre o peito, de repente me sentindo mais nua do
que na noite anterior na frente de Emmett com minhas roupas encharcadas.
Kara se aproximou, ficando na frente de todos os outros e estendeu a
mão, apontando para nós.
— Esse verão foi melhor do que qualquer programa de tv que eu jamais
poderia ter imaginado.
Todos concordaram e sorriram. Seus sorrisos gigantes para toda a nossa
situação eram enlouquecedores.
— Que bom que vocês estão achando isso tão hilário. — As farpas de
Emmett eram parte cortantes, parte suaves como algodão doce. Havia um
tom áspero em sua voz, mas ele não estava cuspindo ácido como na
primeira noite.
— Você voltou. — Declan o agarrou em um abraço de urso que se
transformou em um combate corpo a corpo.
— É óbvio.
Heath contornou o sofá e deu um soco no braço de Emmett.
— Eu fiquei preso na enchente da tempestade. Eu não consegui sair,
então voltei. — Ele não olhou para mim. Certo. Ele me odiava, pensava que
eu o trai e nada mudou só porque ele tinha sido legal comigo na noite
anterior.
A estranheza estava de volta, como aquela sensação de quando você
tropeça na frente de uma multidão de curiosos.
Declan deu um passo à frente.
— Por que você não nos ligou? Teríamos ido te buscar.
— Está tudo bem. Era tarde. Eu precisava de espaço.
Dobrei o cobertor e coloquei sobre o braço do sofá. A proximidade da
noite anterior evaporou tão rapidamente que meus lábios se contraíram.
Declan balançou para trás em seus calcanhares.
— Vamos para algum lugar fora da ilha hoje, se a ponte estiver limpa —
Emmett sugeriu.
Heath sugou o ar entre os dentes e fez uma careta como quando sua avó
lhe oferece outro prato cheio de almôndegas com passas.
— Ia ser incrível, mas temos uma coisa de casais e caiaques
acontecendo hoje.
— Uau, que bela forma de estender o convite. — Emmett olhou para
eles como se tivessem chutado seu cachorro. — Não é como se eu não
tivesse pago por tudo isso para que pudéssemos passar um tempo juntos. —
Ele disse isso como se realmente tivesse esquecido que ele não pagou pelas
férias de verão. Era um padrão para ele que ele sempre pagasse. Desde o
primeiro momento em que eu o conheci, ele nunca tentou submeter as
pessoas à sua vontade com seu dinheiro, mas o medo de que ele fizesse isso
sempre esteve em segundo plano na minha cabeça, especialmente depois do
confronto com seus pais. Eu sempre me preocupei que fosse apenas uma
questão de tempo antes que ele esfregasse na minha cara o fato de que ele
estava pagando por coisas para mim.
— Uau, que legal, Emmett. — Eu cruzei os braços sobre meu peito,
fervendo. Parecia que a tempestade que passou não tinha apenas varrido os
relâmpagos e trovões, mas também meu medo para correr e me esconder
quando ele estava perto.
— É verdade. — Havia fogo em seus olhos.
— Tecnicamente, não é — Heath disse, se intrometendo enquanto
avançava em direção a Emmett como se estivesse se aproximando de um
animal ferido.
A cabeça de Emmett girou.
— O que?
— Dissemos para você não se preocupar em pagar por tudo isso, então
dividimos e todos contribuíram. Já que você não ia ficar aqui o verão
inteiro, nem fazia sentido você pagar por tudo. Queríamos devolver,
finalmente pagar por algo por você.
— Vocês estão alugando o lugar sem mim? — O tom de sua voz era
uma mistura de descrença e traição. Seus ombros se curvaram e ele fixou os
olhos em mim.
— Não é grande coisa. Demos o dinheiro a corretora de imóveis e está
tudo certo. Há um cheque de reembolso esperando por você no escritório
dela. Eles iam enviá-lo essa semana. — Heath colocou o braço em volta do
ombro de Kara e Emmett parecia ainda mais confuso do que antes.
— Achei que pudesse aguentar, mas essa situação é fodida.
— Emmett…
Seus olhos se fixaram nos meus. Meu estômago embrulhou. Achei que
talvez depois da noite passada, conseguiríamos passar por isso. Mas não era
apenas raiva em seus olhos. Era mágoa. Eu estar aqui estava o machucando.
— Vou sair para uma corrida. — Ele desapareceu no quarto e voltou
segundos depois com uma camisa na mão, calçando os tênis.
— Ei, Emmett… — Heath gritou.
— Onde ele está indo? — Liv perguntou do fim da escada.
A porta se fechou com força atrás dele, muito menos dramaticamente do
que da última vez que ele saiu correndo de perto de mim.
— Ele vai ficar bem. Apenas dê a ele um pouco de espaço. Quem está
pronto para o café da manhã? — Declan bateu palmas e as esfregou.
Todos os outros foram para a cozinha. Armários foram abertos e
fechados. Eletricidade percorreu meu corpo. Isso não acabou. Ele iria
voltar. O peso no meu peito tornava difícil respirar. Eu não aguentava mais
isso, não aguentava a raiva e o ódio em seus olhos. O pior de tudo era a
mágoa. Foi por isso que eu fiquei longe, porque eu iria sair assim que
pudesse, mas Mak não ia me deixar fazer isso mais. Eu não iria forçá-la a
ficar entre nós, enviando-nos para os nossos cantos do ringue.
Seguindo o cheiro do café, entrei na cozinha e Mak empurrou uma
caneca para mim. Um pequeno sorriso foi tudo que consegui reunir.
Levantando o bule, eu congelei enquanto me servia. Todos os outros se
moveram, puxando as coisas e rindo juntos.
Pela janela da cozinha, vi que alguém havia parado na garagem com o
carro de Emmett, seguido por uma caminhonete com “Funilaria do Mike”
pintada na lateral. Um cara de macacão estava ao lado de Emmett e
entregou-lhe as chaves, e ele assinou a prancheta que o mecânico estendeu.
O carro de Emmett estava estacionado ao lado do Percy, que parecia um
pedaço de lata velha ao lado do novo Mercedes Classe S Coupe do Emmett.
— Merda. — Eu sacudi o café super quente da minha mão e corri para
fora da porta. Eu não poderia deixá-lo ir embora. Eu não ia deixar isso
acabar assim. Ele estava se afastando por minha causa e por mais que eu
quisesse odiá-lo para sempre, eu não poderia tirar os caras de Emmett, não
quando eu sabia o quanto eles significavam para ele. Eu tinha descartado
seus pais como uma causa perdida; a solidão foi algo que eu sempre vi nele.
Ele tentava fingir, mas mostrava descaradamente sempre que eu estava por
perto, nunca com medo de me dizer o quanto ele sentia minha falta e
gostava que eu estivesse por perto, ao contrário da maioria dos caras da
nossa idade, que estavam desesperadamente tentando agir tranquilamente.
Meu pai pode não ter sido o melhor, mas ele geralmente estava por perto e
eu sempre tive Alyson.
Emmett foi gentil comigo na noite anterior; eu poderia fazer isso por
ele.
Com minhas mãos no corrimão, desci correndo os degraus, meus pés
descalços batendo contra o pavimento de tijolos quando cheguei na calçada.
O motor ligou. Eu abri a porta do passageiro e me joguei dentro do carro.
O braço do Emmett estava atrás do encosto de cabeça do banco do
passageiro enquanto ele se preparava para dar ré.
— Que diabos você está fazendo? Sai do carro. — Ele olhou para mim
como se tivesse visto um fantasma, assombrado e com raiva.
— Não, ouça bem, não podemos continuar fazendo isso – declarar uma
trégua e depois acabar com ela.
Ele olhou para frente e apertou as mãos no volante.
— Eu preciso que você saia. — Os músculos de sua mandíbula se
contraíram.
— Me escuta. — Havia uma ponta de desespero na minha voz, mais do
que o normal. — Nós convivemos bem o suficiente até agora. Não vou ficar
aqui o verão todo. Eu só tenho mais uma semana de férias. Com Declan e
Mak namorando, vamos ter que descobrir como superar nosso passado. Eu
sei que você não acha que isso seja verdade, mas não estou tentando te
manter longe dos caras.
Ele olhou para mim antes de voltar o olhar para o volante novamente.
— Eu não quero superar nada. Eu não quero você aqui. Deixe meus
amigos em paz. — Suas palavras raivosas ricochetearam no interior luxuoso
do carro, que não se parecia em nada com Percy, cuja suspensão estava tão
solta que fiquei surpresa por meus dentes não terem caído com o balanço.
Eu me irritei. Isso não funcionaria se eu fosse a única tentando impedir
que o barril de pólvora explodisse.
— Eles eram meus amigos também, sabe. Quem diabos Heath procurou
para pedir conselhos em relação àquela professora? E o Declan no baile
com a Mak? Eles foram meus amigos por três anos. — Só na semana
passada eu percebi o quanto sentia falta deles. Eles eram o mesmo grupo
bobo com quem eu passava tantas noites na casa do Emmett ou no rinque.
— Você não tem o direito de me dizer onde posso ou não posso ir.
— Eu aluguei essa casa, eu paguei…
— Você não pagou. Você guardou esse fato no bolso de trás por um
tempo, não é? Sempre pronto para pegá-lo e esfregar na cara de alguém.
Todos contribuíram para pagar por essa casa. — Eu apontei meus dedos em
direção à casa. As persianas da janela balançaram quando quem estava lá se
afastou do vidro.
— Nunca usei o fato de que paguei algo contra alguém.
— Mas você poderia. Você sempre teve esse poder e sabia disso – todos
nós sabíamos.
— Eu nunca usaria isso contra os caras.
— Parece que ninguém queria arriscar que isso acontecesse. — Eu
lancei um olhar mortal. Esperava que ele não fosse esse cara, ou talvez eu
estivesse cega de amor para pensar que ele era mais parecido com seus pais
do que eu queria admitir. Eu odiava pensar nisso, nunca quis acreditar, mas
eu tinha me enfiado em um cantinho bonito com um cara que seria
exatamente como o Sr. e a Sra. Cunning? Um arrepio passou por mim.
O calor de seu olhar foi um soco no estômago.
— Eu… — Seus ombros cairam, seu corpo curvado, mas seu aperto no
volante não diminuiu.
— Ambos estamos aqui por causa dos convites graciosos deles.
— Eu não quero você aqui. — Suas palavras mal conseguiram passar
por sua mandíbula cerrada.
— Já falamos sobre isso mais de uma vez: você se diverte, eu me divirto
e então nós dois vamos embora. — Alguns meses atrás, eu teria me virado e
corrido no segundo em que houvesse uma pista de Emmett nas
proximidades, mas eu não faria mais isso.
— É disso que se trata, certo? Um momento de diversão? — Ele olhou
para mim, uma explosão gelada quebrando a superfície de suas emoções
mal controladas.
— Você está certo. Isso é tudo que faço, nada além de me divertir.
Avery Divertida Pra Caralho.
Ele não tinha ideia do que eu passei. Ele não conseguia nem começar a
compreender as merdas que a vida colocou no meio do meu caminho. Você
já contou a ele? Eu empurrei esse pensamento de lado.
— É isso que você estava fazendo naquela noite?
Não precisei perguntar que noite. Eu fechei meus olhos.
— É isso que você tem feito com as marias-patins penduradas em você
toda vez que é fotografado? As dos jantares? Nos clubes? Nos eventos de
caridade? E quase nunca a mesma. — Eu odiava saber disso, odiava ter sido
compelida a olhar, incapaz de desviar os olhos, era como assistir a um trem
em câmera lenta colidir com um semi parado nos trilhos.
Sua cabeça virou para mim.
— Eu nunca olhei para ninguém quando estávamos juntos. O
pensamento nunca nem passou pela minha mente. Minhas mãos em outra
pessoa… — Ele fez uma careta. — Eu não conseguia nem compreender
algo assim. Foi você quem…
Minhas palmas estavam úmidas. Dane-se. Se ele não queria se dar bem,
eu não o arrastaria de volta para dentro.
— Bem, você com certeza compensou o tempo perdido. — Eu coloquei
minha mão na maçaneta da porta.
Seu aperto forte envolveu meu pulso.
— Não, você não pode fingir que é a pessoa ferida dessa historia. O que
eu fiz depois que nos separamos não teve nada a ver com o que você fez.
Eu tive pesadelos sobre aquela noite por meses depois. Foi somente no
último ano, mais ou menos, que eles diminuíram, e eu tinha a sensação de
que agora isso iria mudar.
— Teve tudo a ver com o que eu fiz. Você teve tudo o que merecia. — A
vida perfeita sem mim nela.
— Que diabos isso significa? Você está dizendo que foi minha culpa?
Que eu te obriguei a fazer isso?
— Me solta. — Eu puxei meu braço para longe dele, mas seu aperto
firme não se moveu. Meu coração estava batendo tão forte contra minhas
costelas que pensei que fosse quebrar uma. Eu precisava sair daquele carro.
Era como se todo o ar tivesse sido sugado para fora. Ir até ele foi um erro.
Eu deveria tê-lo deixado ir embora, deixado ele dirigir em direção ao pôr do
sol. Era isso que eu ganhava por tentar fazer as pazes.
— Não! Você… — Seus lábios se moveram, mas nenhum som saiu. Os
dedos em volta do meu pulso tremiam com uma raiva desenfreada. — Eu
nunca te traí! — Ele gritou, seu rosto uma máscara distorcida de dor e raiva.
— Nem eu! — Eu cuspi de volta na cara dele, deixando escapar as
palavras que eu estava segurando por tanto tempo, aquelas que eu implorei
para ele acreditar naquela noite no quarto com Fischer. Então saímos na
frente de todos e era tarde demais para entrar em detalhes. Eu não podia
confessar o que realmente aconteceu para Emmett, não na frente de todos,
seus olhos focados em nós. A verdade teria destruído minha vida – a vida
da minha irmãzinha – em pedaços. A determinação fortalecendo seu olhar
quando eu me recusei a dizer uma palavra ainda me assombrava.
Lágrimas brilharam em meus olhos enquanto os dele se alargavam,
raiva vincando os cantos deles antes que o olhar mudasse. Confusão e
descrença encheram seu rosto.
Eu acabei de dizer a ele a verdade.
Merda.
Com mais um puxão forte, tirei meu braço de seu aperto e abri a porta
do carro. Minha cabeça se ergueu com o som de metal contra metal – outro
arranhão bom e novo no Percy.
Tanto faz. Eu precisava sair dali. Correndo de volta escada acima, eu
entrei na sala de estar, ignorando os olhares lançados para mim através da
abertura do balcão de café da manhã.
Como se ele tivesse sido um santo. Como se eu não tivesse visto fotos
dele por toda Los Angeles com uma nova mulher em seu braço em quase
todas as fotos. Eu me imunizei depois de um tempo, raciocinei que fiz
minha escolha ao deixá-lo pensar no que tinha sido tão fácil para ele
acreditar, ao deixá-lo pensar que não tinha me matado deixá-lo partir. Isso
foi o que mais doeu – bastou um mal-entendido para ele explodir e jogar
tudo fora. Então, eu dei a ele o que eu nunca pude, o que ele não poderia
dar a si mesmo – um futuro com tudo que ele sempre quis – e eu protegi
minha família.
A porta da frente se abriu com tudo, me fazendo pular. Suas narinas
dilataram-se e ele ocupou todo o vão da porta. O buraco no meu estômago
cresceu e se tornou uma caverna. Os olhos de todos passaram entre nós.
— Avery… — Mak saiu da cozinha e protetoramente colocou a mão no
meu braço.
— Não. — Eu balancei minha cabeça, mas não conseguia desviar o
olhar de Emmett. Essa tragédia era inevitável. Talvez tenha sido por isso
que eu fiquei, para limpar a velha ferida que eu continuava reabrindo. O
antigo medo me fez correr, mas eu não precisava mais. Alyson estava na
faculdade. Meu pai poderia encontrar outro emprego se precisasse, mas
isso? Isso acabava hoje.
— Você não pode mais correr, fugir disso. O que diabos você quis dizer
com “Nem eu”?
Lágrimas queimaram a parte de trás dos meus olhos. Todos os discursos
que eu pratiquei ao longo dos anos fugiram da minha mente. Eu o pratiquei
tantas vezes. Nunca deveria ter deixado ele acreditar naquilo. Eu nunca quis
que terminássemos do jeito que terminamos. Nunca quis que terminássemos
de jeito nenhum, mas e depois? O que teria acontecido? O lento
desmantelamento do que tínhamos? Teria sido muito mais doloroso.
Eu teimosamente apertei meus lábios. A sensação dolorida, trêmula e
crua estava abrindo caminho para fora do meu peito. Éramos um barril de
pólvora encharcado de líquido inflamável em cima de uma fogueira.
Deixando a noite quente e aconchegante de lado, isso era o que eu
precisava ver. Aqueles pensamentos que passaram pela minha cabeça
enquanto estava no sofá com ele, foram um erro. Sua gentileza foi uma
cortesia – nada mais.
Ele não acreditou em mim, naquela noite quando eu estava na sua
frente, implorando para que ele acreditasse em mim enquanto aquele olhar
frio enchia seus olhos – o olhar dos Cunnings que antes só tinha sido
direcionado para mim por seus pais.
A humilhação daquela noite tinha queimado ainda mais forte quando
suas palavras me cortaram. Era como se ele estivesse esperando que aquilo
acontecesse, esperando que houvesse o menor indício de dúvida para que
pudesse me colocar de lado.
— Você estava lá – você viu o que aconteceu! — Emmett apontou um
dedo com raiva no centro do peito de Declan.
— Você viu o que queria ver. — Minhas palavras saíram afiadas e
cheias de veneno.
— Eu vi o que você estava fazendo. — Suas mãos se abriram e
fecharam, a raiva vibrando dele. Que bom, porque eu estava igualmente
irritada.
— Você não viu nada porque nada estava acontecendo.
— Ele colocou as mãos na porra do seu cabelo, Avery. Você estava de
joelhos na frente dele. Que porra você chama isso? — Ele gritou e as
janelas sacudiram. A tempestade estava do lado de dentro agora.
Eu não me encolhi, não recuei. Eu o encontraria no campo de batalha,
encontraria seu fogo com o meu. Cometi erros, mais do que poderia contar,
mas eu não estava errada sobre mim. Sobre como ele realmente me via,
sobre os sussurros e olhares de todos ao nosso redor. Como isso teria
mudado assim que ele se tornasse um atleta profissional? No cenário
nacional, indo aos eventos que ele ia? Eu vi as mulheres que estavam em
seus braços nos últimos anos.
Elas não eram nada como eu. Elas eram elegantes, lindas. Ninguém
nunca ficou surpreso quando o viu com elas, não como eles ficariam ao me
ver. Seria apenas uma questão de tempo antes que ele achasse a mesma
coisa. O pensamento me fez querer envolver meus braços em volta do meu
estômago e correr para fora da sala, me enterrar sob as cobertas e nunca
mais sair, mas eu não podia. Eu não iria fazer isso.
Eu dei dois passos para mais perto dele. Declan caiu fora.
Mak sempre ficou no meu pé para finalmente colocar tudo para fora.
Bem, aqui estava.
— A pior noite da porra da minha vida.
— Porque você foi pega.
Eu balancei minha cabeça, mas mantive meus olhos nele. Ele queria
ficar irritado com alguém? Ele precisava se olhar em um maldito espelho.
— Não, porque o cara que eu amava e que dizia me amar não acreditou
em mim quando contei o que aconteceu. Eu te implorei. Você preferiu
acreditar em um traficante de drogas do que em mim. Eu não te traí, porra.
— Minha garganta estava tão apertada que eu mal conseguia pronunciar as
palavras.
— Caramba — Kara sussurrou.
Sim, tivemos uma audiência, mas eu não iria continuar ali com todos
ainda pensando, no fundo de suas mentes, que eu era uma babaca infiel.
Alguns segredos não importavam mais. Alyson havia se formado, então eu
não precisava protegê-la, não precisava mais manter meu pacto com o
diabo.
Não foi exatamente como eu imaginei que isso iria acontecer, mas desde
quando alguma coisa que eu planejei aconteceu do meu jeito?
Os olhos de Emmett se arregalaram. A raiva em seu rosto foi coberta
com confusão novamente, então se transformou em raiva.
— Eu não acredito em você. — Suas palavras saíram brutas e
irregulares.
A bile subiu pela minha garganta. Essas mesmas palavras quase me
quebraram antes, mas agora apenas me irritaram.
— Isso é exatamente o que você disse naquela noite e foi quando eu
soube que todas as suas lindas palavras sobre me amar e querer que
fiquemos juntos para sempre não significaram nada. — A decepção pesou
em meu estômago, embora não tão forte e pesada quanto antes – naquela
noite, ela me levou ao meu limite pessoal. Eu balancei minha cabeça em
desgosto e olhei para Mak. — É por isso que eu não contei a ele antes. Não
adianta nada quando alguém já se decidiu.
Eu me virei para ir embora, então uma mão pesada agarrou meu braço,
não dolorosamente, mas foi um aperto forte. Emmett pairou sobre mim, me
encarando.
Eu levantei meu queixo, esperando por um insulto. Durante a
tempestade da noite anterior, eu estive vulnerável, fraca e com medo. Eu
não estava assim mais.
Suas palavras foram ferozes, cortando enquanto faziam seu caminho
através de mim. Ele apontou o dedo para a porta da frente.
— Todo mundo para fora.
14

EMMETT

— Q
anunciou.
ue tal tomarmos um café da manhã no Shack — Declan

O tilintar de canecas sendo colocadas no balcão não fez nada para


quebrar minha concentração. Fiquei olhando para ela com minha respiração
irregular, lutando para encher meus pulmões.
— Mas ainda estou de pijama — reclamou Olivia.
— Vamos. — Colm segurou seu braço e todos saíram. Mak parou ao
lado de Avery, que assentiu para ela.
Mak passou por mim e parou.
— Se você a machucar… — Ela parou de falar, suas ameaças morrendo
em sua língua quando olhei em seus olhos.
— Eu vou ficar bem. — A voz de Avery quebrou o impasse entre mim e
Mak.
A careta severa no rosto de Mak ficou ainda mais profunda antes que
ela soltasse um suspiro, balançando a cabeça e se afastando. A porta da
frente clicou atrás deles.
— Me conta o que você quis dizer — grunhi.
— Não há nada para contar. Você sabe de tudo, não é mesmo? Você
sabe cada coisa que aconteceu. Já que esse é o caso, talvez eu devesse
simplesmente sair também. — Ela girou para longe de mim, dando apenas
dois passos.
Como se ela estivesse acenando pra mim com uma capa vermelha, eu
avancei em sua direção.
— Você não vai fugir disso. — Fechei o espaço entre nós com apenas
um passo. — Você não me diz algo assim e depois me fala para esquecer. O
que você quis dizer com “nem eu”? Que eu não sei o que realmente
aconteceu naquela noite? Eu estava lá. Eu vi. — Minha voz retumbou na
sala e ela endireitou os ombros. Suas costas estavam eretas como uma
vareta, mas ela não se moveu. — Ele estava com as mãos no seu cabelo, o
punho envolto nele – intimamente. Você estava de joelhos na frente dele
com a braguilha aberta. Como diabos você chama isso? — A cena se
repetiu na minha cabeça. Como dar uma volta no ringue com um boxeador
campeão, cada segundo era como um golpe direto no peito, arrancando o
fôlego de mim.
— Eu não te traí. — As palavras saíram como socos curtos, fortes e em
câmera lenta direto no meu estômago. Eu estava contra as cordas do ringue.
— Não. Talvez você não tivesse me traído ainda, mas estava prestes a
trair. Foi na hora que eu entrei e não vou deixar você fazer isso comigo. Eu
não acredito em você. — Minhas palavras saíram brutas e irregulares.
Minha confusão não parou a dor cortante em meu peito aberto, meu coração
batendo tão forte que pensei que fosse vomitar. Se isso fosse verdade, por
que ela me deixou acreditar que havia traído? Por que ela me deixou ficar
lá, implorando para que ela me dissesse que foi um erro, e se recusou a
dizer algo na frente de todos na minha casa?
— Sim, você já disse isso, mas o negócio é o seguinte: eu fiquei de
joelhos naquela noite implorando por um grama da porra da decência
humana e não faria aquilo por você também. Eu não iria se você não
pudesse nem mesmo confiar em mim e me dar o benefício da dúvida. Não
deveria ter importado como aquilo parecia – a verdade deveria ter sido a
parte importante. — Sua voz vacilou.
Indo para frente, envolvi minha mão em torno de seu braço, com
cuidado para não apertar muito, mas essa conversa não havia acabado e eu
não a deixaria cair fora. Eu a prendi entre meus braços, minhas mãos
pressionadas contra a parede sobre seus ombros.
Fiquei olhando para ela, procurando um traço de mentira em seus olhos.
Não havia nada além de raiva e mágoa – ou talvez fosse um pensamento
positivo, esperando que as orações que eu fiz por tantas noites tivessem sido
atendidas e tudo tivesse sido um grande erro. Esses apelos patéticos
estavam sendo feitos muito mais tempo do que deveriam.
O que ela estava vendo era a mesma que eu via em meus olhos toda vez
que me olhava no espelho. Meu cérebro tentou dar sentido a isso, tentou
descobrir que tipo de pegadinha ela poderia estar fazendo, mas eu não
encontrei nada.
Ela ergueu o queixo, esperando um insulto.
— Por quê? Por que você faria algo assim? Por que você me deixou
acreditar em algo tão terrível? Algo que me fez te odiar? — Minha voz
falhou. Tentei engolir através dos anos de dor em suas mãos.
Alguém havia sugado o ar da sala. Eu senti que deveria estar flutuando
no vácuo do espaço, porque não conseguia ouvir suas palavras. Meus dedos
pressionaram a parede de gesso com tanta força que jurei que ficariam
marcas de mãos para trás.
— Você não ouviu…
Eu bati meu punho contra a parede.
— Não foi só isso. Não foi. Você não pode ficar parada aqui e me dizer
que no calor do momento, quando meu pior pesadelo estava se tornando
realidade, quando no meu bolso tinha… — Lágrimas que eu não sentia
desde aquela noite nublaram minha visão. Pisquei forte, as forçando de
volta. — Foi tão fácil assim me ver ir embora? Um erro, uma noite fodida e
você me deixou ir embora. Não, você me empurrou da porra do penhasco.
— A raiva em minhas palavras a fez estremecer. Tantas emoções passaram
pela minha cabeça que era difícil captar apenas uma, mas a dor irradiava
profunda e poderosamente.
Ela engoliu em seco e lambeu os lábios.
— Você acha que foi fácil? Ver aquela dor em seus olhos… o ódio em
seus olhos… — Ela balançou a cabeça.
— Você teve quatro anos para dizer algo – quatro longos anos. — Os
músculos do meu pescoço estavam dolorosamente tensos.
— Eu não ia implorar para você acreditar em mim. Eu não queria te
causar nenhuma dor, mas você não acreditou em mim, não quis ouvir a
verdade porque não queria me escutar. Eu te disse naquela noite e você me
afastou. Você pensou que eu era capaz de te trair. Qual era o objetivo disso?
Teria acabado de qualquer maneira. Eu não ia deixar você jogar tudo fora
porque estava tão determinado a ficar para trás por mim.
Meus olhos se arregalaram.
— Jogar o quê fora? — Não havia nada que eu quisesse mais do que
ela.
— Você teria ficado para trás comigo e depois o quê? Não iria para a
faculdade? Não seria convocado para a NHL? — Ela olhou para mim como
se eu fosse um idiota em sugerir que ficar com ela e não ir para a faculdade
teria sido a escolha certa.
— Eu te disse antes, aquilo não importava para mim. — Muitas vezes,
eu disse essas palavras para ela.
Uma risada sem humor explodiu de seus lábios.
— Eu sempre esqueço que você não vive na terra de meros mortais.
— Por que diabos você diria isso? — Eu bati minha mão contra a
parede novamente. — Eu estava feliz. Nós estávamos felizes.
— Éramos crianças brincando de faz de conta e adivinha só? Você
conseguiu viver uma vida que a maioria das pessoas nem consegue
imaginar. Você conseguiu ir para a faculdade e jogar hóquei profissional,
então não me diga que nem tudo deu certo para você. Você conseguiu a vida
dos seus sonhos!
— Não, eu não consegui. — Meu tom era mordaz e cáustico. — Você
era o meu sonho, Avery. Era você! — Minhas mãos estavam em cada lado
de seu rosto, as pontas ásperas dos meus dedos pressionadas contra suas
bochechas. Eu queria amaldiçoá-la em um segundo e levá-la para a cama no
outro. — Eu não precisava de nada daquilo. Eu não queria nada daquilo. Eu
só precisava de você. — Minha voz estava rouca. As emoções colidiram na
minha cabeça e fez com que pensar se tornasse difícil, a raiva e a dor
confrontando, mas a maior e mais brilhante de todas – tão brilhante que eu
queria proteger meus olhos – era a felicidade avassaladora, tão intensa que
quase desmaiei. Ela não tinha me traído. Eu não sabia o porquê ela tinha
feito o que fez, mas a verdade era tão nítida. A dor aguda cortou através dos
anos da névoa que se instalou sobre mim como álcool em uma ferida aberta,
a limpando.
— Emmett… — Ela olhou para mim com lágrimas nos olhos. Não
havia palavras… nenhuma palavra entre nós para tornar isso melhor.
Antes que eu pudesse me conter, minha boca caiu sobre a dela. Com
força e feroz, esse não foi um beijo doce entre dois amantes – foi uma
punição, um gostinho da dor infligida em mim mesclada com o desejo sem
fim que quase me fez cair de joelhos. Nossos lábios se fundiram e um
suspiro saiu de seus lábios quando a empurrei contra a parede com meu
corpo.
Minhas mãos estavam em seus cabelos, agarrando-os, deixando a
maciez sedosa deles cair como cascata pelos meus dedos enquanto minha
língua mergulhava mais fundo em sua boca.
— Emmett… — Suas mãos agarraram o tecido da minha camisa, a
puxando nas minhas costas.
— Você roubou nosso futuro. — Essas palavras desbloquearam a
fantasia que eu tive por tanto tempo – que tudo foi um erro, que ela não
tinha feito o impensável – mas guerreou com tanta fúria que eu mal pude
conter. Eu precisava mostrar a ela o que ela tinha feito.
Seus lábios se separaram e ela me segurou tão perto quanto eu a segurei.
Era como voltar para casa – a respirando, a provando, sentindo seu corpo.
Imprensada entre mim e a parede, eu subi minha mão sob sua camisa e a
tirei pela sua cabeça.
Me atrapalhando com o botão de seu jeans, o puxei para baixo sobre
seus quadris. Seu pequeno suspiro de choque e desejo aumentou a
carnalidade existente entre nós. Mantendo minha mão atrás de sua cabeça,
agarrei o cabelo na base de seu pescoço. Ela não estava fugindo.
— Nós não havíamos terminado. Isso ainda não terminou. Nós não
terminamos — eu rosnei contra sua pele.
Calafrios percorreram seu corpo e arrepios subiram ao longo de seus
braços. Ela também não estava imune ao que estava acontecendo entre nós.
— Emmett… — Meu nome em seus lábios, sua voz tão clara e
necessitada. — Sim, por favor.
Suas mãos me agarraram. Tirando minhas calças de moletom com uma
mão, eu a soltei por tempo suficiente para tirar minha camisa. O tempo que
fiquei sem a tocar não foi muito longo. Enjaulando-a entre meus braços, eu
levantei suas pernas, as envolvendo ao redor dos meus quadris. Seu centro
quente descansava logo acima do meu pau ereto, tão duro que eu podia
sentir o sangue pulsando e acelerando entre minhas pernas.
Apalpando sua bunda, eu não pensei, não parei quando seus quadris se
moveram e a ponta da cabeça do meu pau encontrou sua abertura. Envolvi
minhas mãos sobre seus ombros, em seguida, entrei nela com um impulso
sólido e feroz. Estrelas explodiram na minha cabeça.
— Mais, preciso de mais. — Seus dentes roçaram minha bochecha.
A cabeça dela bateu contra a parede. Seus gritos foram selados com
meus lábios, que exigiam retribuição por anos de privação. Eu queria seu
prazer puro. Movendo minha mão, puxei seu cabelo e inclinei sua cabeça
para encontrar minha boca. Trabalhamos juntos e um contra o outro em
uma batalha selvagem travada com nossos corpos. O desespero pulsou entre
nós em uma onda inebriante preenchida com a faísca de tudo o que tinha
acontecido desde aquela noite.
Rolando e empurrando meus quadris, os lampejos de intenso prazer
fizeram meu pau engrossar dentro dela.
— Você é linda pra caralho — eu disse asperamente em sua boca.
Nossos lábios e dentes estavam colidindo e incapazes de acompanhar o
ritmo dos nossos corpos. Seus quadris e pernas me incitaram, caindo no
ritmo que eu conhecia tão bem, culminando a borda daquele penhasco
inevitável.
Eu a empurrei mais forte e mais alto. O barulho das fotos emolduradas
da praia caindo da parede não me deteve. Eu não me importava com quem
sabia, quem ouviu. Eu queria que todos soubessem que ela ainda era minha
– nunca tinha deixado de ser minha.
Meus olhos queimaram com lágrimas não derramadas. Ela roubou isso
de nós. Suas coxas apertaram em torno de mim e suas paredes se fecharam
no meu pau. Eu soltei uma respiração afiada entre dentes cerrados. Era tão
bom. Seus braços se envolveram com mais força em volta do meu pescoço
e ela gritou meu nome. Com o seu corpo rígido, continuei bombeando
dentro dela.
Eu queria estar com ela, queria me juntar a ela naquele lugar onde um
clímax feliz esperava, mas não consegui. Meu pau engrossou, cheio de uma
luxúria indefesa que eu não conseguia controlar.
Ela arranhou minhas costas enquanto seu clímax se estendia. Seu tremor
aumentou. Seu corpo estremeceu.
— Você me deixou. — Minha voz estava rouca de desejo e uma
brutalidade que sempre esteve sob a superfície. A acusação pesou na minha
voz.
Seus olhos brilharam com o prazer infinito percorrendo sua pele, se
focando nos meus. Um lampejo de remorso lutou com o desejo em seus
olhos.
— Você me deixou ir embora. — Eu a levantei, afastando da parede e a
carreguei para a cama. Colocando-a debaixo de mim entre meus braços, eu
estava me movendo novamente, caindo em direção a um precipício enorme.
Meu corpo se lembrava de cada curva, inclinação e cavidade. Seus seios de
bicos amarronzados que passei horas apreciando com minha língua estavam
ainda mais cheios em minhas mãos.
— Emmett, eu vou…
Eu estiquei minha mão entre nós. Beliscando e batendo em seu clitóris,
eu cerrei meus dentes e bati meus lábios nos dela.
Suas costas dispararam para fora da cama. Ofegando por ar, ela se
contorceu embaixo de mim. Suas coxas ficaram tensas ao meu redor, me
apertando desesperadamente. Meus movimentos eram incontroláveis e meu
pau enterrado dentro dela não conseguia parar. O orgasmo que eu estava
perseguindo ainda estava fora do meu alcance. Eu cerrei meus dentes.
— Eu não posso. Eu vou… — Suas palavras foram cortadas quando ela
agarrou minha nuca e gritou meu nome novamente.
— Você me fez deixar você ir. — As lágrimas nublaram minha visão,
mas não consegui parar.
Ela olhou nos meus olhos, sua suavidade quase me fazendo desmaiar.
Ela se levantou da cama, usando meu pescoço para se segurar, sua
respiração abanando o suor em minha pele.
— Sinto muito, Em. Eu sinto muito. — Suas palavras foram suaves e
gentis contra meus lábios. Com os olhos abertos, ela pressionou seus lábios
nos meus. A ternura contrastava com os movimentos viscerais e brutos dos
meus quadris. Como uma maldita explosão, espasmos me agarraram na
base do meu pau.
Eu a segurei perto. Puxando ela em meus braços, eu a apertei contra
mim enquanto cavalgava para um orgasmo tão forte que minha visão
escureceu. Prendendo-a embaixo de mim, engoli o ar que foi espremido dos
meus pulmões.
Lentamente, voltei do clímax. Descansando minha testa contra a dela,
eu ofeguei e rolei para o meu lado, a levando comigo. Ainda não conseguia
quebrar a conexão. Eu não queria deixá-la ir. O que acontecia agora? O que
isso significa? Eu não conseguia descobrir as respostas para essas
perguntas, mas esse era um momento que eu queria viver dentro dele.
As respirações ofegantes diminuíram. Um vento do ar condicionado
percorreu sua pele e ela se arrepiou. Eu precisava aquecê-la. Nós gememos
quando eu deslizei para fora de seu corpo e minha cabeça se ergueu com
tudo quando percebi o que estava faltando entre nós. Nossas essências
combinadas estavam coladas em nossa pele.
— Estou tomando anticoncepcional.
Meu olhar disparou para o dela.
— E eu faço um check-up anual. Sem problemas. — Ela desviou o
olhar.
— Eu nunca deixei de usar proteção e o meu último exame não deu
nada.
Ela assentiu e se levantou da cama.
Eu estendi a mão, segurando seu pulso.
— Onde você vai? Não estamos nem perto de terminar.
15

AVERY

A profunda promessa em suas palavras enviou um arrepio pela


minha espinha.
Parei de tentar fugir quando seus dedos se fecharam em volta
do meu pulso. O calor de suas mãos aqueceu meu corpo, mesmo em uma
manhã quente de verão. Cada célula clamava por ele. Eu sabia que tinha o
machucado, vi isso naquela noite, mas quando toquei meus lábios nos dele
e me desculpei, a dor crua em seus olhos foi o suficiente para tirar meu
fôlego. De alguma forma, eu me permiti acreditar que sua raiva era mais
por vergonha e ressentimento, não enraizada nas mesmas emoções que eu vi
em seus olhos quando ele me disse que me perdoaria se eu contasse a ele
que minha traição inexistente foi um erro.
Mas ainda estava lá, tão perto da superfície que eu não sabia como não
tinha visto antes. Talvez eu tenha ignorado de propósito, não querendo
acreditar que eu poderia infligir tanta dor a alguém que amava tanto.
Olhei para trás por cima do ombro. Ele se endireitou, não me soltando.
Mesmo depois de tudo o que fizemos, ainda havia desejo em seus olhos.
A sensibilidade entre minhas pernas não impediu que tal desejo
percorresse minha pele.
— Você não pode fugir disso. — Ele se acomodou nas minhas costas.
Pesado e musculoso, seus braços me envolveram, me puxando contra seu
peito.
Eu abaixei minha cabeça. As respostas que ele queria eram aquelas que
eu não podia dar a ele.
— Eu não estou fugindo.
— Sim, você está. Olhe para mim, Avery.
Eu mantive meus olhos fixos no tapete bege sob meu pé que consegui
tirar da cama. Eu não tive escolha naquela época. As palavras agressivas de
seus pais ficaram gravadas no fundo da minha mente. “Você não consegue
entender o que nosso filho precisa e um dia ele vai perceber isso também.”
E o acordo que eles me ofereceram era um que eu não poderia recusar. A
culpa corroeu meu estômago.
Capturando meu queixo entre seus dedos, Emmett virou minha cabeça,
então fui forçada a encontrar seu olhar.
— Eu não vou deixar você fugir.
Eu levantei meu queixo. Sua respiração fez cócegas no meu rosto, nos
meus lábios. Eu queria saboreá-lo, senti-lo em mim da maneira que não dei
valor antes. Uma vez não era o suficiente. Seu cheiro estava tão enraizado
em mim que parecia que eu estava voltando para casa, a necessidade tão
poderosa que levou lágrimas aos meus olhos. Eu queria acreditar nele, mas
sabia o que estava em jogo para nós dois. Havia tantas coisas que eu não
podia contar. O universo nos deu uma trilha cruel para seguirmos que só
poderia levar a um coração partido e eu só havia acelerado as coisas antes
que ele percebesse o quão pouco tínhamos em comum, o quanto do que ele
pensava saber sobre mim era uma fachada que eu coloquei para me
esconder atrás.
— Não deveríamos ter feito isso.
Ele levantou a cabeça com tudo.
— Nós nunca deveríamos ter parado. Eu não vou parar agora. — Seu
sussurro rouco quebrou a linha tênue entre nós, partiu ao meio, e então seus
lábios estavam nos meus. A paixão ardente que estava escondida,
fermentando por tanto tempo, agora crescia nas ondas do nosso desejo.
Minhas mãos pressionaram contra seu peito sólido e as dele foram ao
redor da minha nuca, me segurando como se ele tivesse medo que eu
pudesse evaporar no ar. Eu o segurei porque temia a mesma coisa. Talvez
eu tivesse batido minha cabeça e não estivesse de volta em seus braços,
com minhas mãos e boca nele.
Se fosse um sonho, eu iria com tudo por enquanto, algo que nós dois
negamos a nós mesmos, algo que ele precisava.
Uma das minhas mãos se abaixou, espalmando sua ereção sólida. Ele
gemeu contra meus lábios, tirando a mão do meu pescoço. Seus dedos
percorreram minhas costas e subiram pela minha espinha enquanto
pressionava seu corpo mais perto, me puxando com mais força contra ele
com meu braço preso entre nós.
— Se eu tiver que fazer isso dia e noite, vou me certificar de que você
nunca pense que isso é um erro.
Nossos corpos se chocaram, contorcendo-se e tremendo em uma pilha
suada e ofegante. Eu caí no sono com minha cabeça contra seu peito, como
tinha feito muitas vezes antes, vezes demais para contar. Seu batimento
cardíaco era uma canção de ninar gravada em meu coração.
Ele ficou tão sobrecarregado com a minha confissão que não fez as
perguntas da quais eu tinha fugido por tanto tempo. Porém, as perguntas
viriam eventualmente e eu não sabia se poderia respondê-las porque as
respostas poderiam machucá-lo ainda mais do que eu já machuquei.
Percy foi com o motor engasgando até os degraus da frente da casa do
Emmett. Saí do carro e destranquei a pesada porta de vidro fosco com a
chave que ele me deu há muito tempo. Era por isso que eu odiava ficar aqui
– sempre esquecia algo. Emmett estava fora da cidade para um jogo e eu
precisava do meu dever de física. Eu já estava atrasada com tantos
trabalhos e outro significaria que eu seria reprovada na avaliação do
bimestre, o que significaria que não iria me formar e eu não poderia deixar
isso acontecer.
Subindo as escadas de dois em dois degraus, corri até o quarto do
Emmett. Meu caderno e livro didático aparecendo debaixo da cama. A
indecisão guerreou dentro de mim quando peguei os livros – ir para casa
para terminar meu trabalho ou simplesmente ficar lá. Eu não gostava de
ficar na casa sem ele; era tão grande e vazia, embora não de bens. Havia
muitas deles – pinturas, móveis personalizados, esculturas e quem sabe o
que mais escondido – mas isso não significava que a casa parecia outra
coisa senão um museu. O único cômodo com algum sinal de vida era seu
quarto.
Mesmo assim, meu pai estava em casa e Alyson não, e isso respondeu à
minha indecisão. Largando minha mochila no chão, me sentei em frente a
sua mesa e trabalhei nos conjuntos de problemas que não havia terminado.
Estava tão quieto que facilitou com que eu terminasse rapidamente os
últimos. Guardando minhas coisas na minha mochila, fechei o zíper e olhei
ao redor do quarto do Emmett. Guardava tantas memórias especiais, tanto
tempo que passamos juntos. Passei minhas mãos pela colcha. O que
aconteceria quando ele fosse para a faculdade? Talvez da próxima vez que
ele me pedisse em casamento brincando, eu simplesmente dissesse sim.
Ele não estava falando sério. Mesmo que ele dissesse que estava, como
poderia? Ainda éramos tão jovens e havia tantas coisas sobre mim que
nunca o deixei saber.
Meu estômago roncou. Se o Emmett já não tivesse comido a coisa
inteira, eu sabia que haveria um pote de cookies de chocolate no andar de
baixo. Jogando minha mochila no ombro, fui em busca de algumas delícias
assadas.
— Isso! — Eu localizei o pote e arranquei a tampa. Empilhando três na
palma da minha mão, coloquei outro na boca, dando uma grande mordida.
Mesmo que fossem minha própria receita, eu tinha que dizer que eram
cookies muito bons.
Segurando a guloseima entre os dentes, estiquei a mão para a maçaneta
da porta, mas ela girou antes que eu pudesse tocá-la. Uma grande figura
sombreada apareceu do outro lado da porta de vidro. O jogo do Emmett foi
cancelado?
Recuei e a porta se abriu. Minha garganta se apertou.
Os olhares astutos e frios de duas pessoas que eu evitei a todo custo
focaram em mim. Tirei o cookie da boca, engolindo o que já estava na
minha boca.
— Sr. e Sra. Cunning, o que vocês estão fazendo aqui? — Meu
estômago se enrolou em um nó que era muito pior do que fome.
A mãe dele arqueou a sobrancelha ainda mais alto.
— Acho que essa deveria ser a nossa pergunta para você.
O pai dele fechou a porta assim que entraram. Minha rota de fuga foi
bloqueada.
— Eu deixei um dos meus livros aqui. Voltei para pegá-lo.
— Onde está o Emmett?
Minhas sobrancelhas franziram.
— Ele está em Pittsburg.
Eles olharam para mim, ainda mais confusos do que eu.
— Para o jogo dele? As semifinais do campeonato estadual… — Eu
queria ter ido, mas tinha que trabalhar. Mas por que diabos eles não
estavam lá? Infelizmente, era algo que eu sempre pensava quando via o
quanto a ausência deles afetou Emmett, o quanto o machucou. Ele tentou
esconder, mas eu vi a verdade.
— Certo. — A mãe dele colocou a bolsa na mesa ao lado da porta.
— Foi bom ver vocês dois, mas eu tenho que ir.
Respirei fundo e desci os dois degraus logo depois da porta da frente.
— Você sabe que não vai colocar as mãos no dinheiro dessa família,
não sabe?
Meus ombros se endireitaram e girei nos calcanhares.
— Perdão? — Meu coração disparou. Eu deveria ter saído correndo no
segundo que tive a chance.
— Eu sei que você acha que afundou suas garras em um vale-refeição
de verdade com Emmett, mas isso não é nada mais do que um namorico de
ensino médio para ele, uma fantasia sobre o-lado-pobre-da-cidade.
— O quê?
— Eu disse, você não vai colocar suas mãos sujas em nenhum dinheiro
Cunning.
— O que te faz pensar que tenho alguma intenção de tirar qualquer
coisa do Emmett? E por que você se importa? Não é como se você estivesse
aqui o tempo todo. Você nem sabia que ele tinha um jogo. — Fechei minhas
mãos em punhos dos meus lados. Meu pai era fodido, mas pelo menos ele
tinha a desculpa de ser um viciado, não apenas um ser humano terrível.
Quando ele não estava bêbado ou drogado, ele realmente conseguia dar o
menor sinal do pai atencioso – às vezes.
— Nós acompanhamos bem o suficiente as coisas importantes da vida
dele — retrucou o Sr. Cunning com desdém.
— Tudo que eu quero é que o Emmett seja feliz. Não deveria ser isso o
que vocês querem para ele?
— Ele sempre negou a realidade e a realidade é que quem ele é e o que
tem, sempre atrairá pessoas que se aproveitarão dele — a Sra. Cunning
bufou.
Eu subi as escadas novamente como um furacão, pronta para ficar cara
a cara com ela. Seus olhos ficaram o mais arregalados que podiam dada à
cirurgia plástica que ela tinha feito.
— Eu nunca me aproveitei dele, nunca pedi nada e talvez se você
conhecesse seu filho um pouco melhor, saberia que ele nunca deixaria
ninguém fazer isso com ele.
— Como você chama isso no seu pescoço?
Minha mão disparou para o pingente de chave pendurado na corrente
fina. Eu estava lavando pratos na pia algumas semanas atrás, quando ele
veio por trás de mim e o colocou em volta do meu pescoço. Fechando a
corrente, ele correu os dedos ao longo dela e salpicou minhas costas com
beijos. Eu tentei devolver, mas ele consegue ser persuasivo quando quer.
— Você sabe quanto custou essa pequena joia?
Eu cerrei meus dentes e envolvi minha mão com mais força em torno da
chave pontilhada com o que eu esperava ser zircônia cúbica, mas sabia que
não era.
— Digamos que provavelmente é seis salários de um zelador. — Seu
olhar frio enviou um arrepio pela minha espinha. Tão diferente do de
Emmett. Se eu descobrisse que ele é adotado, não teria ficado nem um
pouco surpresa.
— Eu não pedi que ele me desse isso. Nunca pedi nada para ele.
— Não? Aposto que você está apenas esperando o momento certo,
esperando para tentar roubar essa família. — O Sr. Cunning parou ao lado
dela.
— Nunca roubei nada na minha vida. — Eu odiava como seus olhares
rígidos me faziam sentir – como se eu não fosse boa o suficiente, como se
nunca estivesse à altura.
Os olhos dela caíram para minha mão.
— Eu fiz isso. Eu os fiz aqui, com Emmett. — As gotas de chocolate dos
cookies derreteram contra minha palma, sujando minhas mãos.
— Eu odiaria que o emprego do seu pai fosse ameaçado porque a filha
dele insistiu em permanecer com aqueles acima de seu nível.
Meu sangue ferveu. Quem realmente falava coisas assim? Não
estávamos em nenhum programa de TV da era vitoriana. Mesmo assim, a
ameaça pousou solidamente, enviando o ar para fora dos meus pulmões.
— Acreditamos que você é capaz de sair sozinha. — A voz do pai dele
me tirou do meu silêncio atordoado.
Eles estavam ameaçando o trabalho do meu pai, o que precisávamos
para manter Alyson na escola. Meus cookies se esfarelaram na minha mão
e caíram no cascalho do lado de fora da casa enquanto eu me afastava com
as pernas dormentes, nem mesmo fechando a porta atrás de mim.
Sentei atrás do volante e limpei as mãos na minha calça jeans.
Lágrimas que eu não deixei se acumularem lá dentro finalmente se
acumularam. Eu dirigi pela rua arborizada deles, a sombra que a cobria
parecia uma condenação iminente se acumulando em cima. Parando no
acostamento, soquei meu volante e Percy soltou um pequeno grito. Com
minha cabeça apoiada no volante, as lágrimas caíram.
O que eu deveria fazer?
Corri meus dedos ao longo do peito dele, sua respiração estável sob
mim. A ameaça de seus pais contra o meu pai e Alyson não tinham mais
efeito, porém o que aconteceria se os pais de Emmett descobrissem que
estávamos juntos? Ele estava finalmente se aproximando deles e contar essa
parte do motivo pelo qual eu me afastei o faria escolher, o forçaria a tomar
uma decisão que mancharia qualquer coisa que tentássemos começar. Isso
também poderia fazer com que ele me deixasse para trás, na poeira, e
realmente não havia dúvida em minha mente que iria. Tirar dele a felicidade
de passar um tempo com seus pais parecia cruel depois de ele querer aquele
relacionamento por tanto tempo. E como eu expliquei o dinheiro para ele?
O acordo com os pais dele pela minha cooperação? Essa foi uma traição
que ele nunca perdoaria. Onde isso nos deixou? Houve um “nós”? O que
aconteceu quando o verão acabou?
16

EMMETT

Q uando acordei, os pássaros pareciam cantar do lado de fora da


janela, trazendo-me uma xícara de café e alguns donuts. A única
maneira que poderia ter sido mais perfeito, seria se Avery
estivesse em meus braços. Em vez disso, ela estava empoleirada na cadeira
perto da janela, olhando para fora. Já é de manhã? Nossa manhã juntos se
transformou em tarde e em uma noite toda.
— Ei. — Eu me sentei. Ela era a perfeição absoluta e sair correndo do
quarto para pegar um pouco de comida e bebidas na cozinha tinha sido o
único motivo para sair nas últimas 18 horas ou mais.
— Ei, bom dia. Você quer um pouco de café? Posso pegar um pouco
para você. — Ela se levantou, já vestida com uma regata e uma cueca
boxer.
— Eu vou te dizer o que preciso. — Indo para frente, a puxei para
baixo, fazendo com que ela caia em cima de mim. — De um bom dia
adequado. — Capturando seus lábios com os meus, eu não parei até que
seus dedos se curvaram contra minha pele, suas unhas arranhando minhas
costas. — Agora você pode ir. — Eu a endireitei e bati em sua bunda.
Ela estreitou os olhos para mim e esfregou a nádega esquerda.
— Ei! Você percebeu que está me enviando lá para pegar uma xícara de
café bem quente para você, certo? Seria uma pena se eu tropeçasse no
caminho de volta para cá.
— Vou correr esse risco. — Recostei-me na cama e apoiei minha cabeça
nas mãos.
— Vou ligar a cafeteira e já volto.
Avery saiu do quarto e fechou suavemente a porta atrás dela. Eu tive
minha melhor noite de sono em muito tempo enquanto estava agarrado a
ela. As perguntas que eu queria fazer foram dissolvidas quando minhas
mãos estavam sobre ela. Ainda havia tanta coisa para falar, mas naquele
momento, eu não me importei. Eu não dei a mínima se isso iria tirar a
felicidade que eu estava sentindo, mesmo que seja um pouco.
Eu descobriria suas razões com a mesma certeza que ela lutaria contra
isso, mas eu não estava deixando nada prejudicar o contentamento que se
instalou profundamente em meus ossos. Na verdade, foi um pouco
assustador o quão rápido isso aconteceu. Vestindo calças de moletom, eu a
segui até a cozinha.
O cheiro de baunilha, café e açúcar me deixou com água na boca.
— Como diabos você fez tudo isso tão rápido?
Ela deu um pulo e se virou.
— Você é igual um maldito gato. Eu não fiz isso agora. Eu deveria ter
cozinhado ontem de manhã, então tudo que tive que fazer foi colocar no
forno. Vim aqui mais cedo, antes de você acordar.
— Eu mal consigo manter meus olhos abertos agora – por que você
acordou tão cedo?
— Força do hábito. Vou para a padaria às duas da manhã às vezes, então
acordar depois das seis parece luxuoso. Vai ajudar quando a faculdade
começar porque terei um horário flexível para as aulas, então vou poder
fazer a lição de casa, comer e depois ir para a padaria. — Ela abriu o forno
e o cheiro de rabanada ficou ainda mais forte. Meu estômago roncou.
— E dormir.
— Hã? — Ela fechou o forno.
— Você esqueceu de “dormir”.
— Ah, claro. Vou fazer isso em algum momento. — Ela deslizou uma
caneca de café para mim. — Um cubo de açúcar. Eu ia fazer bacon. Você
quer bacon? Não sei se todo mundo vai gostar de rabanada, então eu estava
pensando em fazer alguns ovos também.
— Avery…
— Deve ter um pouco de massa de panqueca sobrando. — Ela abriu a
geladeira e se agachou para olhar as prateleiras. Se levantando, ela pegou
uma tigela, enormes pacotes de bacon que os caras iriam rasgar em
segundos e algumas frutas.
— Avery…
— Eu posso cortar algumas frutas também.
Minha cadeira raspou no chão enquanto eu me levantava. Passei meus
braços em volta da cintura dela, a girando.
— Você pode parar?
Seus olhos se arregalaram e ela os levantou para me olhar.
— Parar com o quê?
— Parar de pensar que você tem que servir todo mundo. Você não
ficava me dizendo como merece estar aqui tanto quanto todo mundo,
inclusive eu? Acho que todo mundo vai sobreviver se eles não tiverem “só”
rabanada e bacon para comer. Sente-se e beba seu café. Deixa comigo.
— Mas…
— Não, eu cuido disso. — Virei ela e a empurrei em direção a sua
cadeira. Pegando sua caneca do balcão, coloquei na frente dela. — Deixe
outra pessoa cuidar das coisas um pouquinho.
Uma melodia suave veio do celular da Avery e ela atendeu.
— Ei, Syd.
Os músculos da minha nuca ficaram tensos, uma reação involuntária.
Eu respirei fundo e coloquei as tiras de bacon na assadeira enquanto aqueles
velhos sentimentos borbulhavam novamente. O que fizemos na noite
anterior foi totalmente inesperado, nada planejado. Se alguém tivesse me
dito que eu sentiria o gosto dela novamente, sentiria ela pressionada contra
mim e me deixando selvagem, eu teria dito que este alguém não estava
batendo bem da cabeça, mas o olhar em seus olhos enquanto ela encarava a
janela… como eu soube que ela não estava saindo com alguém – não estava
traindo ele, só para ficar comigo agora?
O latejar entorpecente se transformou em algo me corroendo. Eu engoli
o nó na minha garganta.
— Eu posso voltar.
Uma voz rouca e áspera soou do outro lado da linha. Ela afastou o
celular do rosto.
— Jesus, se acalma. Foi só uma sugestão. E os caras de terno? Isso tem
algo a ver com eles?
Abri o forno, deslizando na bandeja de tiras salgadas bem arrumadas ao
lado dos dois pratos de rabanadas assadas. Eu podia praticamente ouvir seu
maxilar rangendo, então eu sabia que a ligação não tinha caído.
— Sim, Max tem uma boca grande. Qual é o problema?
Ela olhou para mim e se virou um pouco. Isso machuca. Ela estava se
escondendo de mim? Pelo que fizemos? Por causa de quem estava do outro
lado da linha?
— O quê?! Estou indo embora agora mesmo. — Ela se afastou do
balcão, batendo em sua caneca, espirrando café por toda parte. Seu lado da
discussão continuou. Cada “não” era recebido por um grito veemente da
outra pessoa.
Eu odiava esse pânico indefeso, odiava não ter ideia de quem ela era
agora, o que estava acontecendo em sua vida, o que nossa noite significava
para ela.
Avery ficou parada olhando pela janela.
— Tá bom, mas por favor me ligue se algo mudar. Posso chegar aí em
uma hora. Te amo. — Largando o telefone, ela pressionou as mãos contra o
balcão com a cabeça baixa.
Tentei respirar através das dúvidas e da raiva crescente causada pelo
pensamento de que tudo o que tínhamos feito tinha sido uma miragem que
eu desejei que existisse para satisfazer minha necessidade infinita por ela.
— Quem era? — Eu mantive minha voz baixa e uniforme.
— Syd – é quem manda em tudo.
— Você está dormindo com seu chefe? — A pergunta saiu da minha
boca antes que eu pudesse pensar duas vezes.
Ela se virou, toda a ternura e afeto de antes evaporando em um instante.
— Você acha que eu teria dormido com você ontem à noite se estivesse
saindo com outra pessoa? Dormindo com outra pessoa?
Eu gaguejei, tentando agarrar o menor pedaço de desculpa.
— O que aconteceu ontem à noite não foi planejado. Simplesmente
aconteceu. Talvez você não tivesse a intenção.
— Vai se foder, Emmett. Sério. — Ela foi até o forno, pegou um pano
de prato e verificou a bandeja de rabanada. Puxando para fora, ela jogou em
cima do fogão com tanta força que eu esperei que o vidro se espatifasse. Ela
fechou a porta do forno a chutando.
Fui até Avery no segundo em que a bandeja quente estava fora de suas
mãos. Envolvendo meus braços em torno dela, eu a segurei, mesmo quando
ela congelou, seus músculos tensos de raiva.
— Eu… eu não quis dizer aquilo. — Meu corpo cobriu suas costas, a
impedindo de fugir de mim, ambas as mãos segurando seus ombros.
— Você quis. Você pensou que eu estava traindo outra pessoa com você.
— A acusação em sua voz me machucou.
— Esses últimos anos foderam com a minha cabeça. É como se eu
tivesse voltado para um velho padrão. Eu não pensei que você estivesse
realmente… nem sei porque disse isso.
— Eu sei.
— Me desculpe por não ter confiado em você. Não conversamos sobre
muitas coisas ainda. Não te dei exatamente muito tempo para me contar
tudo o que não sei. — Eu respirei as palavras contra sua pele. A
preocupação de que eu destruí a coisa que começamos a remendar rasgou
minha alma.
Seu corpo relaxou infinitesimalmente e ela soltou um suspiro.
Estendendo a mão, ela colocou os dedos em volta do meu braço. A
princípio, achei que fosse para me afastar, mas então ela se encostou em
mim.
As batidas frenéticas do meu coração diminuíram quando ela não tentou
me fazer soltá-la. Eu algum dia deixei? Eu seria capaz de fazer isso? Eu
com certeza não queria. Virando-a em meus braços, afastei os cabelos de
um lado de seu rosto e os coloquei atrás de sua orelha.
Ficamos em silêncio, olhando nos olhos um do outro.
— Sydney é minha chefe. Ela é dona da padaria.
— Pão & Manteiga? Você ainda trabalha lá?
Ela assentiu, seu cabelo fazendo cócegas no meu nariz. A única coisa na
cozinha que cheirava melhor do que a rabanada, era ela. Enterrei meu rosto
em seu cabelo.
— Era do avô dela. Há um problema com impostos ou algo assim. Syd
é desorganizada e as coisas às vezes passam por ela. Eu me ofereci para ir lá
e realmente ajudar, mas ela negou. Talvez eu deva simplesmente dirigir até
lá de qualquer maneira… — Ela mordiscou o lábio inferior.
O pânico me fez prender a respiração. Ela não podia ir embora, ainda
não. Como era, só tínhamos uma semana. E mesmo isso era pouco tempo.
— Não, ela disse que cuidaria disso. Se ela precisar de você, vai te
avisar. — Plantei meus pés no chão. Um dia atrás eu teria enchido o tanque
dela com gasolina e carregado suas malas para ajudá-la a ir embora. Agora,
a ideia de estarmos separados me encheu de pavor. Aqui estávamos em um
casulo, nos escondendo de tudo e de todos enquanto resolvíamos as coisas.
O que aconteceria quando o mundo real invadisse?
— Fica aqui comigo. Não vai — eu sussurrei em seu ouvido.
Ela passou a palma da mão na minha bochecha.
— Ok.
— Avery, eu juro que todas as manhãs você encontra uma nova maneira
de me fazer acordar babando.
Nós dois pulamos com a intrusão repentina quando Olivia entrou na
cozinha como se fosse sonâmbula. Ela arrastou os pés pela cozinha,
preparou sua xícara de café e se sentou à mesa. Avery limpou o café
derramado, pegou sua caneca e puxou uma cadeira. Sentei logo ao lado
dela, puxando sua mão para o meu colo por baixo da mesa.
— O que está rolando? — Olivia olhou para nós por cima da borda de
sua xícara bem quente. — Além do sexo louco e intenso que vocês dois
fizeram nas últimas vinte e quatro horas.
— Liv! — Avery jogou um punhado de guardanapos na cabeça dela.
— Quero dizer, se vocês não queriam que soubéssemos, não deveriam
ter transado contra a porta daquele jeito. Acho que ouviram vocês lá do
calçadão. Colm até colocou as mãos sobre meus ouvidos em um certo
momento. — Ela caiu na gargalhada e derramou um pouco de café na mão
no processo, mas nem mesmo a pele queimando a impediu de quase
explodir em lágrimas de riso. — Imaginamos que íamos voltar e a casa ia
estar em chamas ou com vocês dois transando iguais coelhos. Estou feliz
que tenha sido o último.
Avery olhou para mim e não pude conter meu sorriso. Não era como se
eu estivesse tentando manter as coisas quietas durante nossa discussão ou
sexo.
Ela empurrou meu ombro.
— Você é tão besta quanto ela. — Suas bochechas estavam coradas. —
Isso é tão constrangedor. — Avery enterrou o rosto nas mãos.
— Você não se lembra daquela vez no restaurante? Tenho certeza de
que você ficou um pouco mais constrangida aquele dia. — Rosnei contra o
lado do rosto de Avery e mordi sua orelha. Ela gritou e seus braços ficaram
arrepiados. Flashes do nosso jantar de aniversário no ensino médio e das
minhas mãos que vagaram nela encheram minha mente.
— Por favor, não comecem a fazer sexo nessa mesa. É onde comemos.
Mas, falando sério, o que tem para o café da manhã? Está com um cheiro
tão bom que talvez eu tenha que me casar com isso.
Avery foi até o fogão para verificar o prato.
— Rabanada assada, mas ainda preciso fazer a cobertura de cream
cheese para jogar sobre ela – a menos que você goste apenas de calda. —
Ela se virou para ver Olivia colocando uma garfada de comida recém-saída
do forno na boca diretamente da assadeira.
— Estou bem com isso do jeito que está — disse Olivia, respirando pela
boca, tentando esfriar a mistura de pão, açúcar, leite e canela com o vapor
saindo de seus lábios.
Nós três deixamos tudo pronto e mais pessoas acordaram, descendo as
escadas se arrastando e entrando na cozinha. Completamente diferente dos
cafés da manhã anteriores, dessa vez tudo parecia perfeito – absolutamente
perfeito. Avery jogou a cabeça para trás e riu de algo que Mak disse, agora
eu não tinha que negar o que havia sentido o tempo todo. Qualquer dor que
ainda persistisse poderia ser curada com suas mãos. Ela tinha um poder
sobre mim que eu tentei ignorar por muito tempo, mas dessa vez íamos
fazer isso direito. Eu não ia deixar nada ficar no nosso caminho.
17

AVERY

O cheiro de areia e sal me envolveu em seu abraço quente e arejado


na varanda para duas pessoas no final do corredor. O aroma do
meu café quente-demais subiu até meu nariz e respirei ainda mais
fundo. Havia algumas barreiras entre mim e Emmett, e não era uma
separação que oferecia conforto agora; era uma distância que cr