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MAYA HUGHES
ÍNDICE
Prologo
1. Ford
2. Liv
3. Ford
4. Liv
5. Ford
6. Liv
7. Ford
8. Liv
9. Ford
10. Liv
11. Liv
12. Ford
13. Liv
14. Liv
15. Ford
16. Liv
17. Ford
18. Liv
19. Ford
20. Liv
21. Ford
22. Liv
23. Ford
24. Liv
25. Ford
26. Liv
27. Ford
28. Liv
29. Ford
30. Liv
31. Ford
32. Liv
33. Ford
34. Liv
35. Ford
36. Liv
37. Ford
38. Liv
39. Ford
40. Liv
PRÓLOGO
E u ainda podia sentir o gosto dela. A pressão suave dos seus lábios
contra os meus e o cheiro de framboesa permaneceram na minha
pele. Olivia olhou para mim por cima do ombro e passou os dedos
pelo lábio inferior, os mesmos lábios que estavam inchados e brilhando por
causa do meu beijo.
As árvores do pátio se inclinavam e balançavam em um dossel que nos
separava das pessoas que vagavam pelo hotel. Só que não estávamos mais
sozinhos.
— Você está bem? — Colm se aproximou e ficou na frente dela,
cumprindo seu dever fraternal. Ele esfregou as mãos para cima e para baixo
nos braços dela. — Você está arrepiada. — Arrepios que eu dei a ela,
arrepios que não vieram da brisa leve de junho, mas do meu beijo forte e
meu toque prolongado em seu corpo, embora pudesse parecer que havia um
oceano de distância agora com ele parado entre nós. Ele era meu melhor
amigo, mas se soubesse o que eu estava fazendo, o gosto espesso e metálico
de sangue estaria enchendo minha boca.
O olhar dela desviou sobre os ombros dele para mim e caiu nos meus
lábios.
O beijo que eu queria dar a ela desde o verão anterior...
O beijo que abriu uma parte da minha alma e a uniu à dela...
Um beijo que eu nunca deveria ter roubado porque eu passaria o resto
da minha vida querendo mais um, e mais um nunca seria o suficiente.
Eu tinha visto as meias-calças nude escondidas sob o vestido rosa claro
que deslizava por seus joelhos. Ela atendeu a porta da suíte do hotel de
robe. O tecido se abriu e eu tive apenas um rápido vislumbre, mas foi
suficiente. Isso só tornou mais difícil conter o desejo fervendo dentro de
mim.
— Estou, e Ford me ofereceu a jaqueta dele, mas vou voltar para dentro.
— Ela ergueu o queixo, apontando para as portas de vidro que levavam de
volta ao caos lá dentro.
Balançando a cabeça, tentei me concentrar em suas palavras. A
conversa deles era secundária aos meus devaneios com Liv.
Seu pequeno sorriso acalmou Colm, mas o lampejo de seus olhos azuis
brilhantes quando eles se voltaram para os meus combinou com o puxão
que eu sentia por ela, aquele que eu tenho lutado contra desde que ela se
formou no ensino médio há pouco mais de um ano.
Ela disparou em direção ao salão de baile, nos deixando no pátio. O
baixo da música na recepção viajou no ar leve de verão. O casamento foi de
um dos nossos, um dos Kings.
Declan foi o primeiro a se apaixonar, e ele se apaixonou pra valer, mas
não havia muita escolha sabendo que Makenna era sua noiva. Eles faziam a
vida um do outro um inferno desde o ensino médio. Mak nunca deixava
nada barato e sempre chamava sua atenção quando ele estava sendo um
babaca. Era inevitável que suas faíscas se transformassem em um inferno
completo, e eu nunca os vi mais felizes.
— Ela está bem? — Colm se virou para mim, seus olhos cheios de
preocupação.
Um buraco se formou em meu estômago. Lambi meus lábios secos e
limpei minha garganta.
— Ver Mak e Declan na pista de dança com os pais a afetou. Eu a segui
até aqui para me certificar de que ela estava bem. — Uma fina camada de
suor que não tinha nada a ver com a temperatura do verão surgiu na minha
testa.
Os olhos de Colm se estreitaram por um segundo antes de um pouco da
tensão em seus ombros relaxar e ele apertar meu ombro.
— Eu deveria ter percebido. Estou feliz por você estar aqui. Ela tem
dois irmãos cuidando dela. — Ele encarou Liv através das portas de vidro.
Nada poderia estar mais longe da verdade. Eu não conseguia ver ela
como uma irmã, não importa quantas vezes Colm tentasse colocá-la nessa
categoria. Era como se ele subconscientemente soubesse o que estava
acontecendo e continuasse tentando, sem sucesso, impedir.
— Vá em frente. Eu te alcanço em breve. — Eu dei um passo para trás.
— Quando você vai superar essa coisa toda de multidões. Você é um
jogador profissional de hóquei. Você joga em estádios cheios de milhares de
pessoas gritando.
Dei de ombros.
— Prefiro estar enterrado sob dez jogadores adversários do que ficar
preso em uma pista de dança tentando fazer a dança da galinha. Eu te
encontro lá.
Ele parou e seus olhos se estreitaram. Antes, ele nunca teria duvidado
de nada que eu fizesse. Sempre confiou em mim de olhos fechados, mas
agora havia uma hesitação, uma pausa que outras pessoas poderiam nem
notar. Era o efeito colateral de dormir acidentalmente com a noiva de
alguém.
Sua testa suavizou e ele assentiu antes de voltar para dentro.
Enquanto eu caminhava no pátio, cercado por salões com diferentes
eventos acontecendo, eu observei através do vidro todas as pessoas ao meu
redor sorrindo e dando risadas. A melodia da banda ao vivo carregou o ar
quente de verão ao meu redor. Eu ainda podia sentir os lábios de Liv nos
meus. O jeito que ela olhou nos meus olhos me deixou bêbado e ansioso
para provar dela novamente. Mesmo depois da promessa que acabei de
fazer a mim mesmo, mesmo sabendo das consequências que viriam quando
Colm descobrisse, eu precisava vê-la.
Eu andei pelo hotel e peguei meu telefone.
Eu: Me encontre no jardim na entrada do hotel
Liv: Quando?
Uma resposta imediata, como se ela estivesse esperando por esta
mensagem.
Eu: Em dez minutos
Liv: Eu estarei lá.
Coloquei meu telefone de volta no bolso. Pegando uma garrafa de
champanhe e algumas taças de trás do bar abandonado da pré-recepção, me
mantive fora de vista. Eu me esquivei e desviei dos convidados do
casamento e hóspedes do hotel para voltar ao saguão.
Descendo correndo os degraus da frente de dois em dois, segurei meu
contrabando perto do peito. Cheguei ao térreo e localizei a entrada do
jardim. Alguém em um carro na longa fila ao longo da frente do prédio
baixou a janela. Ser reconhecido era meu pesadelo pessoal. Nas ruas, fora
do estádio, eu queria abaixar a cabeça e correr para as colinas no segundo
que alguém apertasse os olhos em minha direção, tentando reconhecer meu
rosto. Eu olhei duas vezes para o emaranhado de cabelo vermelho fluindo
para fora da janela aberta.
O sangue escorreu do meu rosto como se um vampiro tivesse grudado
no meu pescoço. Não era um vampiro de verdade, mas era algo próximo.
Angélica saiu do carro e cambaleou sobre os saltos altos e finos como um
lápis. Porra. Eu deveria ter sentido o cheiro de loucura a um quilômetro de
distância.
Eu me virei, procurando uma fuga. Se ela me visse, tudo iria pelos ares.
Seus saltos estalaram no pavimento e sua voz ricocheteou em todas as
superfícies disponíveis.
— Ford! — O grito dela cortou o ar espesso da noite como uma bala.
Girando, eu a encarei como se ela fosse o carrasco e minha hora tivesse
chegado.
— Angélica, o que você está fazendo aqui? — Envolvi minha mão em
torno de seu braço e a puxei para longe da entrada do hotel, mais perto do
jardim.
Liv estaria ali a qualquer segundo e eu precisava me livrar de Angélica.
Ela olhou para mim, piscando com os cílios postiços quilométricos.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei novamente. Por favor,
que ela esteja aqui para jantar ou algum outro evento, e não por mim.
— Você não está feliz em me ver? — Ela estendeu os braços e me
puxou para um abraço. Eu mantive minhas mãos coladas ao meu lado. —
Eu queria fazer uma surpresa para você.
A minha esperança acabou em um segundo. Eu encolhi os ombros
enquanto as pessoas saindo dos carros olhavam para nós.
— Como você sabia onde eu estava? — Eu a empurrei para longe da
fila de carros, mais para dentro do jardim. Considerei se devia fazer uma
cena ali na frente de todos e me envergonhar, ou tentar fazer com que seu
colapso acontecesse longe de olhos curiosos, mesmo que fosse estúpido
ficar sozinho com ela. A estupidez vencia repetidamente contra fazer um
espetáculo público de mim mesmo.
Ela ergueu o telefone, balançando a tela brilhante no meu rosto.
— Eu sigo todos os Kings nas redes sociais. Alguém postou sobre o
casamento e eu vi você nas fotos. — Ela parecia tão satisfeita consigo
mesma, como se tivesse seguido algumas migalhas de pão que eu havia
deixado para ela e agora estivesse esperando por seu prêmio.
— Se eu quisesse você aqui, eu teria convidado.
— Estou pronta para a segunda rodada. — Ela deslizou os braços em
volta do meu pescoço como se eu não tivesse acabado de deixar claro que
ela não havia sido convidada. O perfume dela obstruiu meu nariz e fez
meus olhos lacrimejarem. — Não consigo parar de pensar em nossa noite
incrível juntos.
Quando recuei, o cascalho do caminho do jardim rangeu sob meus
sapatos.
— Isso foi há meses. — Talvez eu tivesse bebido demais naquela noite e
de alguma forma não havia notado a loucura nos olhos de Angélica.
Normalmente eu conseguia identificar e evitar essas mulheres a todo custo.
Elas faziam as Marias Patins parecerem freiras, mas não, eu fui parar direto
nas garras dessa leoa.
— Eu sei que você é ocupado. Sou muito compreensiva. — Ela se
aproximou com os olhos focados no meu pescoço, como um predador
pronto para abater sua presa. — Podemos fazer isso dar certo.
— Não tem nada pra dar certo. Não se trata de ser ocupado. O que nós
tivemos foi coisa de uma noite. — Nunca fiz promessas idiotas só pra levar
alguém para a cama. Não era meu estilo e só complicava as coisas. — E não
existe nós.
— Ford, eu sei que você não quis dizer isso. — Ela se lançou para
frente com uma velocidade que eu não achava possível com toda aquela
oscilação. Os lábios de Angélica estavam nos meus em um piscar de olhos.
Ela tinha gosto de vodka barata e desespero. Virei minha cabeça, mas seus
lábios estavam grudados nos meus. Minhas pernas bateram em um banco de
pedra, interrompendo minha fuga.
— Ford? — O sussurro sufocado de Liv era como uma adaga sendo
enfiada no fundo do meu coração com as duas mãos no cabo.
Larguei as taças de champanhe e a garrafa e soltei Angélica. O vidro
explodiu contra o cascalho no caminho, cacos atingindo minhas calças, e o
olhar de Liv disparou para os restos da minha surpresa estilhaçada. O brilho
dos olhos dela refletidos no luar. Meu coração falhou.
— Liv... — Eu dei um passo em direção à ela, mas Angélica bloqueou
meu caminho, enrolando os braços em volta da minha cintura. Ela se mexeu
e intensificou o aperto.
— O que está acontecendo? — As palavras estavam presas na garganta
de Liv como se ela tivesse que empurrar para fora.
— Não tem nada acontecendo. Eu te encontro lá dentro. — Envolvi os
braços de Angélica com as mãos, tentando ser gentil, respirando fundo para
não jogá-la no chão.
— Ford, quem é a sua amiga? — Angélica se virou para Liv. Agora foi
a minha vez de agarrar a cintura dela. Até onde sei, ela poderia atacar Liv
ou fazer algo igualmente insano.
Liv, vá. Eu implorei com meus olhos. Não queria que Angélica soubesse
nada sobre Liv, nem mesmo seu nome. Apenas vá. Tentei forçar as palavras
na cabeça de Liv.
Angélica era muito mais forte do que parecia. Ela tentou dar um passo à
frente, seus saltos escorregando no cascalho, mas eu não desisti.
— É, corre, querida. Temos negócios para terminar.
— Cala a boca, Angélica. — Eu segurei enquanto seus músculos
ficaram tensos como se ela estivesse se preparando para um ataque.
— Só vai, Olive. — Minha voz saiu como um grito áspero quando
Angélica se retorceu em meu aperto e tentou me beijar outra vez. Eu
precisava manter ela contida e não deixar ninguém saber sobre isso. Essa
era a última coisa que eu precisava fazer – manchar o casamento de Declan
e Mak.
Liv tropeçou para trás.
Angélica passou a mão pela minha bochecha. Eu vacilei, não só por
causa do toque de Angélica, mas também com o olhar de Liv. Eu a observei
se virar e andar – não, sair correndo de mim. Grant apareceu no final do
caminho. Seu olhar disparou por cima do ombro dela na minha direção e na
maldita mulher polvo se contorcendo em meus braços.
Ele colocou Liv debaixo do braço e a acompanhou para fora do jardim.
O rosto dele era uma máscara de desapontamento e raiva que atravessou a
distância entre nós e me chutou na cara como só um irmão poderia fazer.
Obrigado, irmãozinho.
Consegui sinalizar para alguém da segurança vir colocar a situação de
Angélica sob controle. Eu também não precisava que Colm tivesse mais um
motivo para ficar chateado comigo por causa do meu passado sexual
voltando para me assombrar. Foi uma lição que aprendi do jeito mais difícil.
Era muito mais fácil falar com uma mulher no quarto onde nossos corpos
diziam tudo o que precisava ser dito do que à luz do dia, mas aquela trilha
de parceiras de quarto terminou abruptamente depois do que aconteceu com
Colm.
Correndo para fora da sala de segurança enquanto eles continham
Angélica, voltei para a recepção. Heath chamou meu nome e acenou para
mim, sua cabeça loira balançando na pista de dança.
Eu procurei Liv, mas nenhuma das loiras tinha o brilho que ela tinha.
Nenhuma com o penteado de Liv com fios deslizando ao longo de sua pele
lisa e macia. Eu tive aqueles cachos dourados e sedosos entre meus dedos
menos de uma hora atrás. O aperto no meu estômago se multiplicava a cada
minuto que ela pensava que algo estava acontecendo entre mim e Angélica.
— Você viu a Liv? — Eu agarrei o ombro de Emmett quando ele
passou. Parando, ele olhou ao redor e deu de ombros, deslizando o braço
sobre o ombro de sua noiva Avery, provavelmente tentando encontrar um
lugar tranquilo para se agarrarem.
Meu pulso latejava em minhas veias. Arrastei minhas mãos ao longo do
meu cabelo e as prendi atrás da minha cabeça, me afogando em um mar
cheio de pessoas. Correndo de volta para fora da sala de recepção, tive um
vislumbre rosa com o canto do meu olho.
Alcovas estavam espalhadas pelo corredor, cada uma com um banco
acolchoado. Eu corri até parar com tudo quando ouvi a voz de Grant.
— Sinto muito por ele ter te machucado, Liver.
Liv soltou uma risada trêmula. Grant era o único que conseguia chamar
ela assim. Eles cresceram juntos, com menos de dois meses de diferença,
muito menos do que os quase cinco anos e uma tonelada de bagagem entre
ela e eu.
— Eu disse a você na oitava série que se você me chamasse assim mais
uma vez, eu nunca ia brincar de pega-pega com você de novo.
— Eu sei, mas isso te fez sorrir.
Eu espiei pelo canto.
Grant colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha e olhou para
ela como se ela fosse o ar que ele respirava. Minha mandíbula se flexionou,
e mordi o interior da minha bochecha com tanta força que senti o gosto de
sangue.
— Obrigada, Grant. Eu precisava disso. — Ela baixou a cabeça em seu
ombro. Ele fechou os olhos e passou a mão pela nuca dela.
Me afastando, pressionei minhas costas contra a parede e corri meus
dedos ao longo da minha barba.
Eu queria arrancar as mãos dele do cabelo dela.
Eu queria explicar tudo para ela e dizer que foi um mal entendido.
Eu queria não ser o cara que traiu o melhor amigo e o próprio irmão por
uma mulher que ele não deveria nem querer estar perto em primeiro lugar.
Olivia era tudo que eu queria e tudo que eu nunca deveria ter ousado
esperar que teria. A conversa murmurada deles mal alcançava meus
ouvidos. O soco amargo do arrependimento subiu em minha garganta
enquanto seu doce sabor queimava minha alma.
Entrando no meu quarto de hotel, tentei recuperar o fôlego. Meu peito
estava apertado, como se eu tivesse levado um chute nas costelas com um
par de patins afiados recentemente. Abri o frigobar e bebi cinco mini
garrafas de uísque. Eles provavelmente iriam querer um braço e uma perna
quando eu fizesse o check-out, mas esta era uma emergência alcoólica.
Sentado na beirada da cama, encarei a garrafa aberta na minha mão. Eu
tinha feito a mim mesmo uma promessa no jardim de que não a beijaria
novamente. Desta vez, ia dar certo. Tinha que dar certo.
E mantive essa promessa por mais 544 dias.
1
FORD
LIV
Depois de uma hora, descansei com as mãos nos joelhos, dobrada sobre
a cintura. O suor escorria da ponta do meu nariz e pingava na madeira
macia embaixo de mim.
— Hoje foi incrível! Vejo vocês na próxima semana para outra rodada
de tortura. — Eu me joguei para trás no chão, desabando em uma pilha.
Todos na classe fizeram o mesmo, risos, gritos e grunhidos borbulhando dos
participantes completamente encharcados.
Meu peito arfava para cima e para baixo enquanto um pequeno sorriso
surgiu em meus lábios. Eu vivia para a exaustão extasiante que vinha de
deixar tudo na pista de dança. As pessoas eventualmente foram embora e a
sala ficou vazia. Juntei minhas coisas, coloquei meu casaco, luvas, gorro e
botas para enfrentar as temperaturas abaixo de zero lá fora.
O prédio foi esvaziando enquanto as pessoas corriam para casa para
tomar um banho e seguir para o frio em uma noite na cidade. Eu tinha
planos muito melhores em mente para aquela noite. Eu evitei meu telefone
tanto quanto foi possível, então não recebi nenhum spoiler do placar.
Mesmo com tudo o que aconteceu, nunca parei de assistir aos jogos. Eles
eram uma parte de mim. Sair por aí no gelo nunca foi minha praia, mas
crescer cercada pelo esporte fazia com que eu não conseguisse
simplesmente desligar isso. Havia outras coisas que eu gostaria de poder
desligar, como meus sentimentos por Ford, mas essas coisas estavam
determinadas a me assombrar em toda chance que tivessem.
Só vai, Olive. Ele usou aquele nome de infância comigo depois de
finalmente me chamar de Liv pouco antes de nos beijarmos. Foi como um
tapa na cara. O encontro que eu tinha combinado com Grant no calor do
momento tinha sido um grande erro. Tão distraída com o que estava
acontecendo com Ford, eu nem estava prestando atenção. Eu só queria que
Grant parasse de falar para que eu pudesse pensar.
Quando ele apareceu na minha casa com flores, eu sabia que não era um
encontro em grupo. Não tinha sido uma situação de “ei, vamos comprar
batatas fritas e passear um pouco”. Era um encontro de verdade. Foram só
dois encontros e um beijo, mas Grant sempre teve uma queda por mim. Eu
não deveria ter dito sim, mas a expressão nos olhos de Ford quando ele me
disse para deixar o jardim para que ele pudesse ficar sozinho com aquela
mulher… Aquela dor foi profunda como uma onda que bateu mais forte do
que qualquer outra que já veio antes.
Essas memórias voltando à minha mente fizeram meu estômago
embrulhar e as pontas das minhas orelhas queimarem. As palavras dele
ainda ecoavam na minha cabeça, junto com a imagem de seus braços em
volta de outra mulher.
Quando eu percebi que era um encontro encontro que Grant queria, eu
realmente esperei sentir algo além de amizade por ele, esperava que talvez
eu estivesse focando no irmão errado todo esse tempo, mas nosso beijo não
acendeu nenhuma faísca, não fez os dedos do meu pé se curvarem. Tinha
sido... legal. Eu peguei o caminho mais fácil e usei meus estudos de
medicina como desculpa do porquê não poderia ir a mais encontros. Achei
que era melhor do que “Estou secretamente apaixonada pelo seu irmão que
não quer nada comigo, então acho que estar com você pode fazer os
feriados ficarem meio estranhos.” Me mate agora.
Toda vez que eu atravessava uma faixa de pedestres, eu era lançada
direto em um turbilhão de ar que parecia vir direto da Antártica. Puxando
meu gorro mais para baixo na minha cabeça, atravessei a rua para o meu
apartamento. Minhas pernas pediam socorro quando cheguei ao patamar do
quarto andar. Um prédio sem elevador não era minha primeira escolha, mas
significava que eu poderia dividir o aluguel com minha colega de quarto,
Marisa, que se recusou terminantemente a me deixar pagar mais da metade,
embora isso pudesse ter aliviado parte da pressão financeira da situação
entre ela e o pai. Ela odiava que ele usasse o pagamento da faculdade como
uma forma de controle sobre ela.
Não era como se eu precisasse do dinheiro.
Tinha sido assim desde que nos conhecemos no primeiro ano, quando
dividimos alguns aperitivos em um restaurante. Ela se recusou a me deixar
pagar mais do que minha parte, e mesmo que isso me deixasse muito
frustrada às vezes, ela era uma amiga de verdade, uma das poucas que eu já
tive. Esse era o perigo de ter um irmão famoso e uma herança – as pessoas
inevitavelmente tentavam tirar vantagem.
A música dos outros apartamentos me atingiu quando cheguei ao nosso
andar. A reação exagerada de Colm à “miséria” em que eu morava me disse
que estava certa ao escolher morar fora do campus este ano. Enfiando
minha chave na fechadura, girei duas vezes e levantei a maçaneta ao mesmo
tempo antes do clique, então abri.
Empurrando a porta, gritei quando uma meia me atingiu no meio da
testa.
— Merda. Desculpa, Liv. Eu estava lavando um pouco de roupa. —
Marisa saltou do sofá. LJ, seu “melhor amigo, definitivamente não
namorado”, como ela disse cerca de cem vezes, se encostou nas almofadas
cinza escuro.
Fechei a porta e localizei o cesto de roupa suja.
— Tiroteio de meias?
— É a única forma de fazer com que ela faça algo tão chato quanto
lavar roupa. — LJ levantou e foi para a cozinha. O Henley cinza esticado
com força em seu peito combinava com seus olhos. O olhar de Marisa o
seguiu todo o caminho. Apenas amigos, claro...
Larguei minha bolsa ao lado da porta. Nossa mistura de móveis enchia a
sala de estar; pôsteres e gravuras de arte enfeitavam as paredes. Nós
realmente organizamos o lugar nos últimos meses.
— Vou assistir ao jogo em vinte minutos.
Ambos gemeram.
— Você tem que assistir a todo. Maldito. Jogo? — Marisa empurrou LJ
para fora do caminho para pegar uma bebida na geladeira.
— Diz a garota que assiste a cada um dos jogos dele. — Eu empurrei
meu polegar para ele, parado na frente da geladeira aberta bebendo
diretamente de uma caixa do meu suco de laranja.
Suas bochechas ficaram vermelhas, e ela bebeu sua cerveja, evitando
contato visual com ele.
— É por isso que pendurei os horários. — Apontei para o calendário de
parede com todos os jogos em casa claramente marcados em vermelho e
todos os jogos de LJ em um lápis quase ilegível.
— Aww, Risa, você assiste todos os meus jogos? — Ele correu atrás de
Marisa, que se esquivou de seu aperto e pulou sobre a mesa de centro para
se afastar dele.
— Muito obrigada, Liv. Agora ele nunca vai me deixar esquecer isso.
Peguei um punhado de Twizzlers do pote de cookies na bancada.
— Só estou tentando ter certeza de que todos estão sendo abertos e
honestos. Faz um pouco de pipoca. — Minhas roupas encharcadas
grudaram em mim. Me dirigi para o meu quarto para tirar.
As luzes brancas dos fios ao redor do meu quarto o iluminaram com um
brilho suave. Fileiras de barbante cobriam minhas paredes com prendedores
de roupa segurando fotos do verão anterior. Quase todas as superfícies
disponíveis estavam cobertas por uma memória, e estas eram apenas do ano
passado. A coleção de caixas de sapatos cheias de fotos debaixo da minha
cama havia crescido, uma caixa para cada poucos anos.
Eu tinha roubado todas as fotos que pude de nossa velha casa antes de
Colm limpar o lugar. Sempre adorei fotos. Tinha alguma coisa especial em
segurar as fotos impressas em minhas mãos. Enquanto lia as palavras de
minha mãe no verso, eu traçava meus dedos sobre a sua caligrafia terrível
de médica, geralmente rabiscada quando a encurralava depois de imprimir
as fotos.
Abrindo minha gaveta da mesinha de cabeceira, vi uma foto na pequena
lacuna entre minha cama e a mesa de cabeceira. Com o poder de um dedo
de pinça, agarrei a ponta, deslizei para fora e virei.
Era do casamento de Mak e Declan, dois verões atrás. Eu fui uma dama
de honra, segurando o braço de Ford. Ele e Colm geralmente eram unha e
carne, mas as coisas estavam estranhas no casamento. Eles ficaram estranho
por algum tempo, mas não era como se eu tivesse estado por perto de
qualquer um deles para descobrir o que tinha acontecido. Mas aquela noite
não foi sobre questões envolvendo Ford e meu irmão.
Enrolei meu braço no de Ford quando as portas da cerimônia se
abriram. Seu sorriso era grande e largo enquanto ele olhava nos meus olhos.
Por uma fração de segundo, fui capaz de fingir que não tínhamos sido
designados a ficarmos juntos para a cerimônia e recepção, fingi que ele me
escolheu – e então nosso beijo incrível estragou tudo.
Em tantos momentos importantes da minha vida, ele esteve lá para mim,
e agora ele se foi. De pé no mesmo lugar, eu pisquei para conter minhas
lágrimas quando ele deixou claro em termos inequívocos que não havia
nada mais do que amizade entre nós, e agora eu nem mesmo tinha isso.
Larguei a foto na cama e envolvi meus braços em volta da minha cintura.
O olhar horrorizado em seu rosto quando Colm quase nos viu deveria
ter sido minha primeira pista. Ford estava tentando me animar e eu me
joguei em cima dele. A mensagem dele provavelmente foi enviada para me
dar um pé na bunda gentilmente, para ter certeza de que eu não tivesse
entendido errado. Estúpida! Eu bati minha palma contra minha testa. Por
que o cérebro é tão bom em repetir momentos embaraçosos em detalhes de
alta definição? Talvez eu descubra na faculdade de medicina.
A temporada de hóquei era a única desculpa justificável e consistente
que eu tinha para ver Ford. Eu estava começando a me sentir como uma
Maria Patins stalker e psicopata. Eu sabia as estatísticas dele para a
temporada, que estava prometendo ser a melhor de todas para ele. Assistir a
Filadélfia jogar não era realmente uma escolha quando Declan, Heath e
Emmett também jogavam pelo time. Pelo menos é o que eu dizia a mim
mesma quando meu olhar se desviava para o homem mascarado em pé no
centro do gol de cada jogo. Balançando a cabeça, peguei minha toalha, corri
para o banheiro e pulei no chuveiro.
Enxugando o vapor no espelho, encarei meu reflexo. Por que eu faço
isso? Por que eu fico me torturando assistindo cada um dos jogos dele? Eu
poderia fingir que era apenas para assistir Colm e não fazia isso desde que
Ford se juntou ao time da Filadélfia, mas meus olhos o procuravam no gol,
cheio de protetores, a cada segundo que ele estava na tela.
Corri meus dedos sobre meus lábios. Já se passaram dois verões? Eu
ainda pensava naquele beijo, na sensação de suas mãos na minha cintura e
como meu coração quase saltou do meu peito quando eu fiquei na ponta dos
pés para provar o gosto dele. O momento se estendeu por uma eternidade.
Eu comparei cada beijo que tive desde então com a intensidade do dele.
Nenhum tinha atingido, mas a tristeza e a dor do que veio depois sempre
manchou essas memórias.
Minha pele ficou arrepiada. Ele deixou bem claro como se sentia por
estar perto de mim, e o fato de que ele desapareceu da minha vida falou
tudo o que eu precisava saber. Com minha toalha enrolada em mim, saí para
o corredor e entrei no meu quarto na ponta dos pés. Fechei a porta, tirei a
toalha e peguei meu pijama dobrado da cama. Os anúncios antes do jogo
ecoaram na sala de estar. Os idiotas estavam começando sem mim. Eu olhei
para cima e olhei para minha cômoda. Escondido dentro estava outro dos
meus dispositivos de tortura. Eu não usaria sua camisa. Eu não ia fazer isso.
Abrindo a gaveta do meio da cômoda, hesitei antes de enfiar as mãos e
tirar a camisa. Um suspiro explodiu de meus lábios e eu balancei minha
cabeça. Eu estava mentindo até para mim mesma agora. A camisa tinha
sido um presente dele quando ainda éramos amigos. Tínhamos sido
amigos? Ou eu era apenas a irmã mais nova que ele agradou e deu um beijo
arrepiante antes de me mandar embora?
Eu prendi meu cabelo em um rabo de cavalo. Olhando para mim mesma
no espelho, corri minhas mãos sobre a camisa larga.
Sim, eu estava irritada com ele.
Sim, eu precisava esquecê-lo.
Sim, eu seguiria meu próprio conselho... logo depois desse jogo. Essa
noite seria a última vez que eu pensaria em Ford, no beijo e no que veio
depois.
Siga em frente, Liv. Engole o choro e pare de ser obcecada.
Pegando a moldura em cima da minha cômoda, corri meu dedo ao longo
da borda da foto dos meus pais antes de sair para a sala.
— Você saberia me dizer o que fazer, mãe. — Bem, se eu tivesse
marcado uma consulta no escritório para ficar alguns minutos com ela.
Tudo foi arrumado na frente da TV. Eu rapidamente preparei um lote de
bebidas e voltei para o sofá. LJ e Marisa abriram espaço para mim. Bebidas,
pipoca, molho e batatas fritas junto com algum espírito esportivo
sanguinário vindo em minha direção – quem precisava de alguma coisa
além disso?
A multidão no estádio abafava os locutores. Cada posse e reviravolta os
colocava de pé, e eu levantava também. Eu derramei minha bebida em LJ
mais do que algumas vezes.
— Alguma coisa está entrando na sua boca? — Ele torceu a manga.
— Desculpe. — Eu me encolhi e voltei direto para o jogo.
Filadélfia estava ganhando de três por um quando um breakway
terminou com um lance passando pelas defesas de Ford. Eu cerrei meus
dentes com o barulho da campainha do gol.
— Juiz ladrão! — Eu pulei da minha cadeira e joguei um punhado de
pipoca na TV. Ignorando os olhares de LJ e Marisa, peguei meu copo e
esvaziei o resto. O doce sabor da framboesa guerreou com a pontada de
rum. Se Colm pudesse me ver, ele teria um ataque. Meus lábios se ergueram
em um sorriso malicioso. Um dia desses ele pararia de me ver como uma
criança.
Os segundos passaram no relógio do jogo. Filadélfia estava um ponto na
frente, mas um pequeno erro era a diferença entre uma vitória sólida e
arrastar o jogo para a prorrogação.
Dois wings passaram correndo no gelo na tela. Prendi a respiração com
a equipe dupla que Ford estava enfrentando. Ele bloqueou o primeiro lance
e se jogou para parar o segundo.
— Onde diabos está o resto do time?
Declan, Heath e Emmett deviam estar com os nervos à flor da pele no
banco. Ignorando os gritos de LJ e Marisa, enterrei meus dedos nos braços
deles enquanto o disco disparava direto para o espaço entre os patins de
Ford. Ele se mexeu, fechando o buraco, e a campainha soou, sinalizando o
fim do jogo.
— Cristo, Liv. Se eu quisesse perder o braço, teria sentado ao lado de
Marisa. — LJ esfregou o bíceps.
— Todos esses músculos e você se machucou por causa de mim. — Eu
coloquei meu melhor rosto inocente, colocando minhas mãos sob meu
queixo e piscando os olhos.
— Eu parei de cair nessa quando você me desafiou a fazer aqueles
movimentos malucos de balé. — Ele empurrou meu ombro.
— Aww, o grande jogador de futebol não consegue fazer alguns pliés?
— Cala a boca. — Ele jogou um travesseiro na minha cabeça. Eu me
abaixei e ele bateu no jarro de plástico meio cheio sobre a mesa,
derramando o resto da sangria em Marisa, que se agachou para segurar a
pipoca.
— LJ! — ela gritou. Ele pegou alguns guardanapos e começou a limpar
as manchas úmidas que se espalharam nos seios e virilha dela. Não,
realmente nada de estranho. Ela bateu nas mãos dele, e as bochechas dela
ficaram vermelhas como um tomate.
— Eu vou te matar. Por causa disso eu devia dizer à sua mãe que foi
você quem pichou a garagem quando tínhamos onze anos.
Ele deu um pulo e ela correu atrás dele. Eu desabei de volta no sofá.
Aquele pequeno nó se formando no meu estômago com lembretes do que
eu perdi veio à superfície. Eles eram melhores amigos desde a terceira série.
Na terceira série, a maior tragédia da minha vida foi não receber um convite
para uma festa da garota mais popular da minha classe. Eu mal sabia que só
alguns anos depois eu ia saber o que era uma perda real. Minha vida foi
destruída na sétima série. Às vezes parecia que uma parte da minha vida
havia congelado naquele ponto, e eu não sabia se algum dia me sentiria
inteira novamente.
3
FORD
LIV
FORD
LIV
FORD
LIV
——INão
sso não é saudável. — Marisa parou na porta do meu quarto.
é como se eu tivesse escolha. — Larguei minha caneta no
caderno e estiquei as costas. Os ossos estalaram em toda a minha espinha.
— Claro que você tem uma escolha. A diversão também é uma parte
vital da faculdade. Lembra da diversão? Você tem estudado sem parar por
oito horas seguidas. Eu tô tentada a conferir se tem uma garrafa cheia de
xixi debaixo da sua mesa.
— Que nojo! Eu não estou tão mal assim.
— Liv, são quase nove da noite. — Ela estendeu o braço em direção à
minha janela.
Minha cabeça se ergueu e olhei para fora. O brilho das luzes da rua
abaixo e o céu escuro como breu eram as únicas coisas que eu podia ver.
Duas mensagens de texto estranhas para Ford antes de seu vôo foram minha
única pausa durante todo o dia antes de desligar meu telefone para evitar
distrações.
O clima estranho ainda estava lá, mas pelo menos ele parou com o
interrogatório.
— Me dá mais meia hora. — Eu girei de volta na minha cadeira.
— Não. — Ela fechou meu notebook. — Minha amiga Seph me disse
que os dados provam que estudar além de um certo limite é pior para a
retenção de informações. Cada minuto extra que você passa sentada nessa
cadeira deixa as coisas mais difíceis pra você.
— Você não entende o que vai acontecer se eu não for bem nesse teste.
— Eu precisava provar que podia fazer isso e deixar meus pais e Colm
orgulhosos.
Ela se sentou na minha cama.
— O esgotamento é uma coisa real e será o seu futuro se você não
diminuir o ritmo.
— Desacelerar não é uma opção.
— Você pode pensar nisso amanhã – com um cérebro bem descansado.
Vamos, Liv. Será apenas por algumas horas. LJ está aqui. Eles estão dando
uma festa no Brothel. Ficamos algumas horas, então você pode sair
correndo e estudar mais algumas horas. Você não pode ficar sentada ao lado
do telefone esperando outra mensagem do Ford.
— Eu não estou! — Eu sabia que não devia ter falado disso pra ela.
Acordar com uma mensagem dele no meio da noite parecia gritar um
pedido de sexo. Meu estômago revirou quando rolei e li a mensagem, não
que eu não soubesse como as coisas funcionam. Jogadores de hóquei
solteiros não eram exatamente conhecidos por se refrear no quarto. Mas,
aparentemente, não tinha sido uma mensagem pra uma rapidinha com outra
pessoa.
— Prove para mim, então.
— Mais dez minutos.
— Você tem dito isso há dias. Dá um tempo. Dançar e estudar é tudo o
que você faz. Vem sair comigo. Eu sinto sua falta.
Eu me dei um chute mentalmente. Eu não vou ter esses anos de volta. É
assim quando você tem amigos. Arranjar tempo para eles é tão importante
quanto estudar ou trabalhar. Eu caí no velho padrão que meus pais haviam
modelado para mim e ainda tinha muito a aprender.
— Ok, eu vou. Deixa eu me arrumar.
Ela jogou os braços em volta dos meus ombros e me apertou com força.
— Oba! Ah, e a torradeira explodiu, então precisamos comprar uma
nova.
— Que merda você fez? — Minhas palavras pararam sua retirada
apressada.
— Eu não fiz nada! Eu liguei e a maldita tomada da parede começou a
faiscar. Peguei uma luva de forno e desliguei, e aí deixei uma mensagem
pro zelador.
Talvez Colm estivesse certo sobre este lugar.
— Se apresse e se vista ou eu farei você ir com essa roupa. — Correndo
para fora do quarto como um cervo cheio de cafeína, ela fechou a porta
atrás dela.
Sair seria bom para mim. Como você se conecta com alguém quando
trabalha noventa horas por semana e lota as férias com cirurgias,
conferências e tudo mais? Mais da metade das fotos nas caixas embaixo da
minha cama foram tiradas durante nossas viagens anuais em família. Três
semanas, seis países – era a maior quantidade de tempo que passávamos
sozinhos com nossos pais, e então eles desapareciam por mais onze meses.
Sim, sou uma idiota por estar triste porque meus pais estavam salvando
vidas ao invés de vir para minha formatura do ensino fundamental, minhas
peças da escola ou qualquer coisa que não tivesse a ver com o fato de eu
querer ser médica, mas essas não são as coisas com que uma criança deve
se preocupar. Seus pais deveriam estar lá.
Coloquei o primeiro vestido que encontrei e tentei fazer algo no meu
cabelo. Uma festa era o último lugar que eu queria estar, mas eu arrastei
Marisa para tantas festas da companhia de dança durante o verão, e eu devia
a ela. Agora é a vez dela de me arrastar e a minha de lamentar.
Liguei meu telefone: três mensagens de Colm, uma de Grant e uma de
Ford. Eu abri a dele.
Ford: Pousei. A caminho de casa agora.
A tentação de responder era forte, mas não respondi. Me recuso a voltar
a esse padrão de absorver qualquer pedaço de atenção que ele jogasse na
minha direção.
Respondi o Colm primeiro.
Eu: Acabei de estudar por hoje. Indo me deitar e desligando meu
telefone para que eu possa dormir um pouco. Conversamos mais tarde?
Colm: Ok. Orgulhoso de você. Te amo.
Em seguida, Grant.
Eu: Ei, Grant, as provas estão comendo minha vida agora. Vou para a
cama daqui a pouco.
Grant: Eu poderia te levar um pouco de combustível para estudar.
Eu: Se eu beber mais cafeína provavelmente vou me lançar à lua.
Obrigada por pensar em mim.
Grant: Sempre.
Meu estômago deu um nó. Eu precisava falar com ele.
Independentemente do que aconteceu com Ford, Grant merecia saber que
nunca haveria nada entre nós.
Abrindo a porta do meu quarto, me verifiquei novamente no espelho da
minha cômoda. Eu andei pelo corredor.
— Podemos vir pra casa lá pela uma da manhã? Eu quero acordar antes
do meio-dia. E pelo amor de Deus, sem doses.
Virei a esquina no final do corredor para ver os dois virando doses de
licor marrom claro. Marisa estremeceu e colocou seu copo no balcão, em
seguida, deslizou um para mais perto de mim.
— Só uma?
LJ pegou sua cerveja no balcão. Marisa serviu outra dose, lambeu a mão
e salpicou um pouco de sal. Fatias de limão balançavam no balcão.
— Eu não vou segurar seu cabelo essa noite. — Eu apontei um dedo em
sua direção e peguei o copo. — Ficar agachada atrás de você não é como eu
quero terminar minha noite. Ele pode cuidar de você – certo, LJ? Você não
se importaria de ficar agachado atrás dela, não é?
Ele engasgou com a cerveja, espirrando uma névoa fina sobre nós duas.
Ele se curvou, segurando os joelhos enquanto tossia e respirava fundo.
Marisa pegou alguns guardanapos e os estendeu para ele, dando um
tapinha nas costas dele.
— Cuidado, L. Achei que vocês jogadores de futebol sabiam beber.
— Nós sabemos. — Suas palavras sairam agitadas e ofegantes. —Eu
sei. Só desceu pelo cano errado. — Enxugando as lágrimas de seus olhos,
LJ bateu em seu peito.
Marisa agarrou o casaco do gancho perto da porta. Tirei uma foto de nós
três com a minha câmera instantânea, em seguida, coloquei a foto na
colagem ao lado da porta. Os dois continuaram discutindo enquanto eu
colocava meu casaco e descíamos as escadas.
A forte rajada de ar gelado me atingiu no segundo em que a porta se
abriu, quase me jogando de volta para a escada. Enfiando minhas mãos
cobertas pelas luvas nos bolsos, balancei no mesmo lugar enquanto nosso
táxi parava.
LJ abriu a porta e Marisa e eu entramos primeiro. Então o táxi se
afastou do meio-fio e se juntou ao resto do tráfego da noite de quinta-feira.
Os zumbidos fantasmas do meu telefone me fizeram checar minha bolsa
algumas vezes no caminho. Pare de verificar. Não envie mensagens para
ele. Paramos na frente da casa, também conhecida como Brothel. O nome
era um lamentável resquício de quando o lugar era uma casa de
fraternidade, mas naquela noite parecia estar à altura da sua reputação.
A frente da casa mal era visível da rua. As pessoas se aglomeravam na
varanda e nos degraus que conduziam à casa. As temperaturas quase
congelantes não significavam muito quando as pessoas estavam chapadas.
A música forte vinda das fileiras de casas ao longo da rua fazia as
paredes vibrarem enquanto os estudantes universitários entravam e saíam.
Risos, assobios e gritos enchiam o ar.
— Senhoritas. — LJ desceu e segurou a porta aberta.
As pessoas nos degraus abriam caminho enquanto LJ subia, uma
vantagem de ser membro do time de futebol de maior sucesso dos últimos
dez anos. O cheiro de suor, cerveja barata e desodorante em excesso nos
atingiram no segundo em que cruzamos a soleira. Abrimos caminho através
da multidão de cem convidados, e a recepção para LJ não se estendeu a nós.
O calor de seus corpos transformou a casa em uma sauna. LJ cumprimentou
caras ao longo do caminho, e olhares apreciativos vieram de todas as
direções. As cabeças se viraram enquanto Marisa e eu caminhávamos pela
sala de estar, e eu pensei que talvez a festa fosse uma boa ideia afinal, pelo
menos para aumentar o ego.
Ele se virou quando chegamos à cozinha.
— Vocês querem algumas bebidas?
— Não, viemos aqui para uma conversa cativante. — Marisa empurrou
seu ombro e sorriu. — Claro que sim, queremos algumas bebidas.
— Já volto — ele gritou por cima do volume da festa, que aumentava a
cada minuto.
— Está um milhão de graus aqui. — O suor desceu pelas minhas costas.
Essa era a parte merda das festas de inverno: se vista pra uma sauna e torça
para não pegar hipotermia ao sair de casa, ou se vista para o clima e morra
de desidratação dentro da festa. Eu me abanei enquanto procurávamos um
bom lugar para ficar e ver as pessoas. LJ voltou com as bebidas e
desapareceu novamente.
O primeiro gole tinha gosto de álcool puro. Se fosse álcool para
limpeza, não teria me surpreendido.
— Jesus, eles estão fabricando isso na banheira? — Eu tossi na minha
mão.
— Provavelmente. — Ela estremeceu e tomou outro gole. — Eu ainda
tenho minhas sobrancelhas?
Eu ri e tomei outro gole. Dançamos junto com a música, cantando as
letras com toda a força de nossos pulmões, e nossas vozes podiam ser
ouvidas acima da música forte.
Marisa se inclinou e gritou em meu ouvido.
— Eu disse que isso era uma boa ideia.
Dançamos juntas e vagamos pela festa, meu corpo zumbindo com a
sensação quente e difusa que a bebida trazia. A cada bebida, o calor em
meu pescoço e bochechas aumentavam, mas eu não saía há muito tempo.
Achei melhor aproveitar ao máximo antes que Colm voltasse e me
mandasse para alguma câmara de isolamento com apenas um banheiro, pia
e meus livros.
Os companheiros de quarto de LJ pararam para abraços antes de serem
arrastados pela multidão. Droga, eles eram gostosos – para jogadores de
futebol. Meus gostos tendiam a cair mais para a variedade de hóquei.
Marisa me apresentou a Seph, abreviação de Persephone, que estava
namorando um dos colegas de time de LJ e desapareceu escada acima com
ele em poucos segundos. Alguém iria se dar bem.
Nunca faltava um bebida nova em nossas mãos com LJ cuidando de
nós. Puxando a frente do meu vestido para longe do meu corpo super suado,
fiz um gesto para o banheiro. Marisa enlaçou o braço no meu e fomos para
a escada.
Parando na parte inferior da escada, agarrei o corrimão. O mundo
pareceu girar e caí em cima da Marisa.
— Você está bem? — Ela me firmou.
— Estou bem, só me sentindo um pouco tonta. — Os passos se
multiplicaram com cada levantamento do meu pé. Quem diabos projetou
essas escadas?
Ela me firmou quando chegamos ao topo.
— Nós bebemos a mesma quantidade até agora, e eu estou bem.
Quando foi a última vez que você comeu?
Repassei minha agenda do dia.
— Café da manhã?
— Essa manhã? — Assentindo, eu apoiei minha mão no corrimão
enquanto ela falava. — Merda! Você está totalmente bêbada, não é?
Encostada na parede da fila do banheiro, ri da expressão de preocupação
em seu rosto.
— Eu não estou bêbada, você está bêbada. — Corri meus dedos sobre
os lábios dela, um ataque de risos a segundos de me dominar.
Sua mão disparou enquanto o chão parecia estar correndo para me
encontrar. Olá, chão. Marisa encostou o ombro em mim e me empurrou
contra a parede. Prazer em quase conhecê-lo, Sr. Chão. Marisa e eu
avançamos na fila do banheiro.
— Droga, eu achei que tinha uma barra de granola ou algo assim aqui.
— Ela remexeu na bolsa pendurada no ombro.
A porta do banheiro se abriu e a pessoa na minha frente correu para
dentro. Meu telefone se iluminou na minha mão. Eu dancei de um pé para o
outro. Existia uma pequena chance de eu ter bebido demais. Foram quatro
ou cinco bebidas? Fiquei olhando para a tela e minha respiração ficou presa
na garganta.
Ford: Como você está?
Eu me atrapalhei com o telefone, quase deixando cair no chão. Me
afastei de Marisa, eu digitei minha resposta.
Eu: Me sentindo incrível! Como você está?
Ford: Incrível é?
Eu: Totalmente. Eu me sinto incrível. Tão bem. Saí com a minha
colega de quarto.
Ford: Ah, vou parar de incomodar você então.
Eu: Espera! Como você está? Festejando? Pegando algumas Marias?
Eu ri da minha própria piada.
Ford: Tô de volta ao meu apartamento. Trânsito horrível. Quer comer
algo amanhã?
Alguém saiu do banheiro e eu entrei, fechando a porta na cara
preocupada de Marisa. Tocando em seu nome na minha tela, eu o segurei
em meu rosto. Tentei firmar meu corpo no piso irregular. Eles precisam
consertar este piso – não está nivelado. Me segurei na pia.
— Ei, Ford! — As palavras saíram muito mais altas do que eu
pretendia.
— Ei, Liv. Parece que você está se divertindo.
— Estou me divertindo pra carambo e sendo responsável com os meus
amigos. — Eu estalei meus lábios.
— E ficando bêbada pra caralho.
— Nem um pouco. — Fechei a tampa do vaso sanitário e me sentei,
mas a maldita coisa se mexeu quando eu não estava olhando e acabei no
chão do banheiro. Eu nem quero pensar sobre a última vez que ele foi
limpo.
Ele riu, e aquela risada profunda fez algo comigo. A sensação de calor e
formigamento se espalhando por todo o meu corpo viajou um pouco mais
para baixo.
Eu me levantei do chão.
— Você deveria vir para a festa! — Ficar toda suada pressionada contra
Ford parecia a maneira perfeita de terminar a noite. Eu já tinha tomado
decisões ruins o suficiente – por que não adicionar outra e fazer esse papo
de "vamos ser amigos" morrer no caminho? Eu não conseguiria ser amiga
do Ford. Era melhor mantermos distância, mas ele era a chama e eu a
mariposa, batendo minhas asas o mais forte que podia. Fomos pegos na
órbita um do outro e não conseguimos escapar de nossa atração
gravitacional.
— Para uma festa de faculdade? — O sorriso em sua voz me fez sorrir
ainda mais. — Eu não vou ser esse tipo de cara. — Ele riu.
Alguém bateu na porta.
— Vou sair em um segundo. Que cara?
— O velho em uma festa da faculdade.
— Você não é velho.
— Qualquer pessoa na faculdade pensaria que sim.
— Acho que não. — Houve uma batida mais forte na porta.
— Já vou sair. — Eu tropecei no tapete do banheiro e quase caí de cara
no chão. Meu telefone escorregou da minha mão e bateu nos ladrilhos preto
e branco.
— Você está bem? — Sua voz saiu do alto-falante.
Eu o peguei de volta.
— Estou bem. Só tropecei.
— Me manda a sua localização.
— Está tudo bem, Ford. Vou dançar e afogar minhas preocupações em
mais um pouco de bebida. Você não tem que vir. Esqueça que pedi. Tenho
certeza de que você tem outras coisas pra fazer.
— Não, eu não tenho. Me manda o endereço.
Depois de tirar acidentalmente algumas fotos minhas, toquei no botão
para compartilhar minha localização atual.
— Recebi. Não vá a lugar nenhum e não beba nada além de água até eu
chegar aí.
— Sim senhor. — Eu saudei o ar. Usando o banheiro rapidamente,
depois lavando as mãos, abri a porta e passei os braços em volta de Marisa.
— Ele está vindo.
Ela franziu as sobrancelhas.
— Quem está vindo?
— Ford. — Minha boca nunca esteve mais seca. Era como se eu tivesse
comido algodão seco a noite toda.
— Você ligou para ele?
— Ele me mandou uma mensagem primeiro. Eu preciso pegar um
pouco de água.
Ela colocou as mãos em volta dos meus braços e olhou nos meus olhos.
— Vou ao banheiro. Não se mova deste local até eu voltar.
Dancei com a música do andar de baixo, que fazia o chão vibrar,
enquanto ela desaparecia lá dentro. Talvez Ford tomasse alguns drinques e
relaxasse um pouco. Talvez eu conseguisse uma repetição do beijo do
casamento de Declan e Mak e Ford me rejeitaria novamente. Isso seria
divertido. Talvez meu estômago devesse parar de se revirar assim.
Marisa saiu pela porta do banheiro. A luz de dentro quase me cegou, e
eu fiz minha melhor personificação de um vampiro.
— A gente devia sair daqui. Vou pegar um pouco de água para você e
vou te levar para casa.
— De jeito nenhum – Ford está vindo. — Me sentei nos degraus, a
madeira lascada cutucando a parte de trás das minhas coxas.
— Mais uma razão pra ir embora. Se ele vir você destruída assim, seu
irmão vai estar no primeiro avião de volta para cá.
— Ford não vai me dedurar. Ele disse que é meu amigo agora. — Eu
cruzei meus braços sobre meu peito.
— Eu vou pegar um pouco de água para você. Fique bem aqui. Não
tente descer esses degraus sozinha.
Pessoas tropeçaram e caíram ao redor do meu lugar na escada; então
Marisa reapareceu com uma garrafa d'água. Ela a estendeu para mim e eu
tomei tudo, respingando água por todo o meu peito.
— Vamos te levar lá para baixo. — Ela agarrou meu braço e me ajudou
a ficar de pé; então descemos os degraus sinuosos. Eles estavam se
movendo antes? A casa estava mais cheia, se é que isso era possível. Errei o
último degrau e tropecei quando a porta se abriu. Emoldurado pela porta
estava o homem do momento.
— Ford! Você... — A escuridão subiu tão rapidamente que eu esperava
que não doesse quando eu beijasse o chão.
9
FORD
LIV
LIV
FORD
L iv: Claro, jantar seria bom. Vejo você em uma hora. Eu não estou
no meu apartamento. Vou mandar o local onde podemos nos
encontrar.
Eu: ok
O cronograma do time nas últimas duas semanas havia sido de matar e
não deixou tempo para nada além de aeroportos, hotéis, ônibus do time,
treinos e jogos. Períodos na estrada como esses deixavam todos esgotados,
com os olhos turvos e prontos para uma folguinha. Quatro dias de folga,
depois um jogo em casa, significava que não precisaríamos entrar em um
avião por uma semana, e isso é o mais calmo que as coisas ficavam durante
a temporada de hóquei profissional.
Liv tinha se insinuado em minha mente nas últimas semanas mais do
que nunca. Longos períodos longe de casa eram um pouco mais
complicados, e as mensagens eram tudo que eu tinha para me sustentar. A
conversa animada tarde da noite e as palavras cansadas que ela se esforçava
em mandar enquanto estudava não eram suficientes.
Os Kings se reuniram em um jantar com Colm enquanto estávamos em
LA para um jogo. Que foi interrompido quando ele pediu licença para sair
da mesa e não voltou. Eu me afastei da mesa e fui procurá-lo.
Ele estava parado no cais, observando a água.
— Você está bem? — Eu fiquei ao seu lado, encostado na grade.
— Por que eu não estaria? Vocês estão pegando fogo nesta temporada,
patinando melhor do que nunca, e eu não estou lá com vocês. — Pela cara
dele, parecia que ele estava chupando um pacote de Kriptonita.
— O jogo está sendo difícil pra mim sem você na linha de frente. —
Não tinha sido, mas o ritmo fácil que havíamos tido um dia, sumiu. — Você
vai voltar. O mês está quase acabando.
Ele virou o rosto.
— Minha reabilitação não terminou.
— Os treinadores disseram um mês.
— Parece que o dano é mais profundo do que eles pensavam. Vai levar
mais algumas semanas.
— Merda, sinto muito. — Eu coloquei minha mão no ombro dele.
Ele se virou, se afastando da minha mão. Eu apertei minhas mãos ao
meu lado.
— Pelo que você sente muito? Não é como se você tivesse feito alguma
coisa. Você nunca faz nada de errado. — Ele olhou para mim, e o fogo
agitado em minhas entranhas queimou mais forte.
— Você vai jogar isso na minha cara agora também? Já não paguei
minha penitência por uma coisa que você admite que não sou culpado?
— Você pode não ter sido o culpado, mas isso não significa que eu
ainda não estou chateado com isso, que ainda não estou com raiva das suas
mentiras. — As palavras amargas eram um ponto sensível entre nós. Ele
soltou um grande suspiro, balançando a cabeça, e passou as mãos pelos
cabelos. — Como está a Liv?
Um caroço se formou na minha garganta como um quebra-queixo
enfiado lá no fundo, deixando difícil de engolir.
— Ela está passando por algumas coisas.
A cabeça dele se ergueu.
— Mas ela está resolvendo isso. Não há nada com que se preocupar.
Ele assentiu, olhando para a água. O ar frio e salgado tomou conta de
nós, nenhum som, exceto o balanço suave das ondas e os grasnidos das
gaivotas circulando em busca de comida. Antes, o silêncio entre nós parecia
confortável, mas agora parecia sufocante.
— O que vocês dois estão fazendo aí? Voltem pra cá. — As mãos de
Declan estavam ao redor da boca enquanto ele gritava para nós.
— Eu preciso ir. — Colm acenou para ele e desapareceu na noite,
saindo sem dizer mais nada.
— Que bicho mordeu ele? — Declan segurou a porta aberta para mim.
Eu dei de ombros e voltei para dentro. Voltamos para a estrada no dia
seguinte e ele não respondeu nenhuma das minhas mensagens desde então.
No início, viajar era uma das minhas partes favoritas de jogar, porque
isso significava que ninguém que você conhecesse teria expectativas,
porque eles sabiam que você só estaria na cidade por uma ou duas noites.
Eu tinha minha família, os Kings eram uma extensão dela desde o colégio, e
isso era tudo de que eu precisava. Saber que eles estavam por aí e que me
apoiavam era o suficiente, mas agora viajar significava mais tempo longe
da família e dos amigos. Só havia uma certa quantidade de estacionamentos
de hotéis, vestiários de estádios e saguões de aeroportos que eu poderia
olhar até eles virarem um só.
Chegou uma mensagem de Liv com sua localização atual. Era um
estúdio de dança, de acordo com o mapa. Eu pesquisei o lugar e vi uma foto
dela na página inicial. Clicando na programação, localizei o seu nome. Ela
dá aulas de dança?
O celular ficou em branco e a tela de uma ligação apareceu.
Xinguei enquanto respirava fundo.
— Ei, Grant.
— Recebi uma mensagem de texto da Liv.
— Não ganho nem um oi. — A textura áspera do meu jeans raspou
contra minhas palmas enquanto eu as esfregava nas minhas pernas.
Ele me ignorou e continuou falando.
— Ela disse que queria falar comigo.
— Eu comentei que você queria falar com ela. — Eu travei minha
mandíbula.
Ele soltou um suspiro profundo.
— Perfeito. As provas do fim do semestre estão quase no fim. Vou ver
se ela quer jantar.
— Boa sorte. Eu tenho que ir. — Eu pressionei meu dedo contra a tela e
coloquei minhas mãos nos bolsos enquanto abri meu caminho para o
estacionamento. Peguei minha chave e fui em direção a localização dela.
Ela disse uma hora, então por que eu estou indo imediatamente? Desde
quando ela ensinava dança para alguém além das crianças? Colm sabe?
Que tipo de dança?
Durante todo o percurso, o mesmo loop que estava passando na minha
cabeça desde aquele jantar no Heath se repetiu. Seus lábios nos meus, tão
macios e suaves... O interruptor dentro de mim que só acendia quando as
luzes se apagavam não precisava de esforço nenhum ao redor dela. Meu
sangue latejava em minhas veias e meus dedos estavam ansiosos para tocá-
la, e era por isso que eu deveria ter dado meia volta e dito a Liv que a veria
no dia seguinte.
Em vez disso, estacionei e subi correndo os degraus da escola de dança,
empurrando as portas de vidro. Tirando meu boné da cabeça, verifiquei o
saguão. Fotos penduradas nas paredes. Fotos de Liv com um grande sorriso
no rosto cercada por outras pessoas. Eu não a via sorrir assim há muito
tempo.
Uma mulher na recepção levantou a cabeça.
— Posso ajudar?
— Estou procurando Olivia Frost.
— A aula começa em dez minutos.
— Não, eu não estou aqui...
— Segundo andar, segunda porta à direita.
Eu não tinha certeza de qual parte de mim gritava “dançarino”, mas eu
aceitei, acenando com a cabeça e subindo as escadas de dois em dois. As
pessoas se aglomeravam no corredor enquanto a música corria para fora da
porta e enchia o corredor com uma balada muda. Olhando pela pequena
janela, eu a localizei.
Em frente à parede espelhada, ela usava meia-calça e uma saia
transparente que flutuava ao redor dela como mágica enquanto ela dançava.
Ela correu de um lado para o outro na sala, se esticando em toda a sua altura
e levantando a outra perna por cima da cabeça quase em uma meia abertura
no ar. O tempo parou enquanto ela se movia no ritmo da batida.
O parceiro dela a seguiu durante os movimentos. Ela saltou no ar e foi
direto para os braços do cara com as pernas em volta da cintura dele. As
mãos dele cruzaram as costas dela.
Minha mandíbula se apertou com a maneira como ele olhou para ela.
Não era um olhar de apreciação profissional. Seus corpos pressionados
juntos, e eles balançaram com a música, cada movimento mais frenético,
mas fluido conforme a música crescia. A explosão final de som terminou
com ela enrolada em torno do cara, as mãos dele segurando sua bunda. Eu
apertei meus lábios juntos, a tensão subindo pelo meu pescoço enquanto
seus corpos se moviam juntos, se tocando, entrelaçados, completamente
focados um no outro.
Eles pararam, e o rosto de Liv abriu em um sorriso que podia iluminar o
céu. Ela saltou para cima e para baixo, cumprimentando o cara que estava
com as mãos em cima dela.
Mais pessoas subiram as escadas atrás de mim e passaram pela segunda
porta. Me voltei para a janela recortada na porta e o rosto de Liv apareceu,
seus lábios curvados para baixo resfriando um pouco da tensão que corria
por meu corpo.
Ela puxou a porta com uma mochila no ombro.
— Eu disse uma hora, não foi?
Eu concordei.
Ela puxou o telefone e verificou a mensagem.
— Você chegou cedo.
— Seu nome estava na programação de aulas no site.
Ela mordeu o polegar.
— Minha aula é de uma hora. Você pode querer ir tomar um café ou
algo assim até eu terminar. — O suor grudou em sua pele como um brilho
quente. Ela correu em direção aos vestiários.
— Posso ficar e assistir?
Ela se virou, andando de costas.
— Não é interessante. Você vai ficar entediado. — Ajustando a alça de
sua bolsa, ela mordiscou o lábio inferior.
Eu nunca poderia ficar entediado assistindo você.
— Eu não vou.
Ela hesitou como se fosse me dizer que eu não podia assistir, e seus
dedos apertaram em torno da alça.
— Eu preciso ir me trocar. Eu já volto. A segunda porta. — Ela apontou
para a sala em que todos os outros estavam entrando e saiu correndo.
As pessoas se aglomeraram no espaço, largaram as bolsas e foram se
alongar. Esse não era o meu lugar de jeito nenhum. Algumas cabeças se
viraram, olhando para mim. Não, eu não pertencia a este lugar. Sim, eu
também estava tentando descobrir por que estou aqui.
Liv irrompeu na sala irradiando uma energia que eu não tinha visto
antes. Ela trocou a malha de dança mais tradicional por calças que
abraçavam sua bunda como uma segunda pele e um top verde brilhante que
subia um pouco quando ela colocava os braços no ar, expondo uma faixa da
barriga lisa.
— Obrigada por virem esta noite! Teremos uma aula incrível. Eu tenho
uma nova coreografia que é matadora. Espero que vocês estejam prontos
para suar. — Seus lábios se curvaram em um sorriso malicioso.
Todos na sala estavam atentos a ela enquanto ela ligava a música com
seu telefone e a batida saía dos alto-falantes.
Ela guiou todos pela coreografia. O aquecimento era provavelmente a
única coisa que meu corpo poderia suportar. A atenção da classe inteira
seguiu cada movimento seu enquanto ela dividia a dança que havia
mostrado a eles em pedaços menores.
Eu a tinha visto dançar quando era mais nova, recitais de balé infantil
que se arrastavam eternamente, mas isso era diferente. A forma como seu
corpo se movia, ela estava tão em sintonia com cada músculo, cada linha
criando uma imagem que roubou meu fôlego.
Peguei uma cadeira e me sentei, não querendo perder um segundo de
sua dança. Ela dividiu a classe em grupos e saltou pela sala para cada um,
ajudando a trabalhar nos pontos onde não conseguiam entender.
Eu nunca a tinha visto assim antes, tão no controle, dirigindo a sala
como se fosse completamente natural. Essas pessoas estavam tão ansiosas
para aprender com ela. Seu sorriso e felicidade correndo de grupo em
grupo, retrabalhando os mesmos movimentos uma e outra vez, eram
absolutos.
Ela correu até mim assim que todos receberam a ajuda de que
precisavam.
— Tem certeza de que não quer participar?
— Seria uma experiência terrível para todos aqui. — Dançar era algo a
ser evitado a todo custo.
— Tenho certeza que você sabe alguns movimentos. — Seu olhar
correu para cima e para baixo em meu corpo, e a brincadeira de seu olhar
não impediu meus músculos de pularem por atenção.
— E é melhor deixar esses movimentos de lado. Há quanto tempo você
vem fazendo isso?
— Dançando?
— Ensinando.
Ela mordiscou o polegar.
— Quase um ano. Comecei no verão passado e peguei mais aulas no
outono. Fiquei por aqui muito tempo e pode ficar caro. Pareceu estranho
usar o dinheiro que Colm me dá para pagar as aulas de dança, então
perguntei se eles poderiam abrir uma vaga para instrutor.
— Simples assim.
— Simples assim. — Ela estalou os dedos. — Alguém desistiu no
último minuto e eu entrei. Era para acontecer. Aulas e workshops gratuitos
sempre que alguém importante vem à cidade, além disso, tenho a
oportunidade de ter novas ideias o tempo todo e ver esse pessoal trazendo
elas à vida. — Ela se virou com os braços cruzados sobre o peito,
parecendo uma mãe orgulhosa. — Eu amo isso. — Ela sorriu de volta para
mim como se eu tivesse acabado de prometer a ela uma viagem para a
Disneylândia. Não existia um décimo dessa alegria quando ela falava sobre
a faculdade de medicina.
— Eu consigo ver. Colm sabe o quanto isso é importante para você?
Ela empurrou a garrafa de água até os lábios tão rapidamente que
parecia um hamster em sua gaiola, engolindo em seco.
— Isso é um não. — Enxugando a boca com as costas da mão, ela
deixou a garrafa de lado. — É complicado. A faculdade de medicina
sempre foi o plano. — Ela passou a mão no rosto. — Esse sempre foi o
objetivo. Era o que eles iam querer, o que eu quero para eles. É uma parte
importante do legado que eles queriam para mim e para Colm. — A tristeza
cintilou em seus olhos.
— Eles ficariam orgulhosos, não importa o que você fizesse.
— Eles ficariam? Eles teriam prestado atenção em mim se eu não
quisesse algo a ver com medicina? — Seu olhar se encheu com a dúvida
honesta de se eles estariam ou não nos bastidores torcendo por ela, não
importa o caminho que ela escolhesse, e dado o que eu me lembrava deles,
era uma pergunta justa. Quantos jogos de Colm eles perderam? Quantas
vezes Liv e Grant ficaram enfurnados na minha casa sendo arrastados para
nossos jogos porque seus pais estavam presos no hospital?
O volume na sala aumentou à medida que as pessoas terminavam seus
exercícios.
— Tem certeza de que não quer participar? — Ela acenou com a cabeça
em direção à classe atrás dela.
— Nem se minha vida dependesse disso. — Me recostei no assento e
Liv voltou para a frente. Todos se moveram como um só quando ela ligou a
música novamente. O ritmo bateu mais alto e mais rápido, braços e pernas
se movendo em uníssono. Cabelo voava pelo ar, e todos seguiram os passos
de Liv, tomando os movimentos dela e os tornando seus.
Os grupos menores realizaram a coreografia para o restante da classe.
Liv pegou seu telefone e gravou todos eles. Gritos e vivas soaram quando
eles atingiram suas metas, colocando seus próprios movimentos de
improvisação na coreografia.
Houve uma última explosão de energia cinética enquanto todos faziam a
dança juntos. Ofegante e apoiando as mãos nos joelhos, Liv gritou.
— Até a próxima aula, pessoal! — ela declarou sobre as risadas e
aplausos. A turma saiu lentamente da sala, a empolgação vertiginosa sobre
o que tinham acabado de fazer juntos irradiando deles.
Eu a ajudei a pegar coisas que as pessoas tinham deixado para trás e
joguei na caixa de achados e perdidos. No espaço de uma hora, ela se
transformou em uma pessoa diferente, cada curva e mergulho muito mais
preciso do que eu percebi antes. Seus movimentos eram controlados e
fluidos ao mesmo tempo.
— Por que você não me mostra alguma coisa?
Sua cabeça se ergueu e um sorriso curvou seus lábios.
— Mudou de ideia?
Eu levantei meu queixo.
— Posso mostrar um pouco do que acabei de ensinar.
— Me mostra o que você estava fazendo antes... na outra sala.
— O elevador? Isso é muito avançado. Eu não quero acabar quebrando
meu cóccix. — Ela passou a palma da mão sobre a bunda.
— Você acha que eu não consigo te segurar?
Ela me olhou com ceticismo.
— Não estou dizendo que você não é forte o suficiente, mas lidar com o
peso de outra pessoa pode ser complicado.
Eu a puxei para perto de mim, meu peito colado contra o dela.
— Eu prometo que não vou deixar você cair.
Seus olhos se arregalaram e ela assentiu, lambendo os lábios.
— O-Ok. Eu confio em você.
Minhas mãos apertaram em torno da cintura dela.
— Eu sei. Agora me mostre, professora.
13
LIV
LIV
FORD
Entrar e sair da cidade com tanta frequência fazia parecer que meu
apartamento tinha uma porta giratória.
Mais uma semana se passou e outra longa viagem na estrada. Por que eu
ainda tenho um apartamento? Teria sido menos incômodo dormir no meu
carro e as viagens pareciam se estender muito mais quando eu sabia o que
me esperava em casa.
Não esperava o convite de Liv. Foi a primeira vez, vindo dela para mim,
em vez do contrário. Restos de chocolate quente e marshmallows estavam
no fundo de nossas canecas verdes e vermelhas em seu tapete. Era uma
sensação quentinha e agradável que me dava vontade de comer alguns
cookies. Esta era a sensação de sentar na cozinha da minha mãe um pouco
antes do Natal.
As caixas de fotos de Liv estavam empilhadas em cima da cama.
— Não era o que eu esperava quando você me convidou.
— Você achou que teria a ver com bebida? Talvez esculpir um bloco de
gelo em um trenó para fotos? — Ela riu, folheando mais fotos.
— Não, imaginei que você tentaria pintar minhas unhas ou algo assim.
Ela abriu a gaveta da cabeceira e agarrou o frasco de esmalte que rolava
lá dentro. Avistei a caixa de preservativos enfiada na parte de trás e meus
dedos se apertaram ao redor da pilha de fotos na minha mão. Chamando o
Sr. Hipócrita.
— Isso pode ser resolvido. Acho que azul elétrico pode ser a sua cor.
Tinha uma mulher na minha turma com cabelo nesse tom. Ela disse que
minha coreografia a fez pensar em uma festa dançante azul brilhante e
louca. — Ela bateu com o vidro na palma da mão.
Balançando a cabeça, olhei para o esmalte neon em sua mão e recuei,
escorregando para fora da cama. Ela disparou para frente, agarrando minha
mão. Apoiando minha mão contra a parede, parei minha queda.
Meus dedos envolveram os dela, e o salto de sua pulsação bateu contra
meus dedos calejados. Seus olhos se arregalaram e seus lábios carnudos e
rosados se separaram. Eles estavam brilhantes de onde ela os estava
mordiscando enquanto folheava as fotos.
O gosto dela, mesmo mascarado pelo álcool, inundou minha mente, o
calor de sua palma aquecendo minha pele através do meu jeans. Engolindo
o nó na garganta, eu soltei sua mão.
Ela balançou a cabeça gentilmente como se estivesse saindo de um
transe, o mesmo que me atingia sempre que eu estava perto dela. Era para
autopreservação, para manter minha sanidade e porque eu sabia o que
significaria dar aquele passo com Liv.
Minha amizade com Colm estava por um fio. Talvez nunca se
recuperasse do que tinha acontecido com Felicity, mas se eu fosse atrás de
Liv, ele provavelmente tentaria me matar – ou contaria a Liv todos os
detalhes de como eu me coloquei entre ele e sua noiva e como ela olharia
para mim? Primeiro Angelica e depois Felicity? Ela me odiaria. O que eu
precisava fazer era manter minhas mãos e meus lábios para mim mesmo.
Tinha funcionado até agora... bem, na maior parte do tempo.
Empurrando contra a parede do meu lugar estranho na lacuna ao lado de
sua cama, eu me levantei e agarrei sua cadeira.
— Como se eu não recebesse merda suficiente dos caras. Aparecer com
unhas azul-néon me renderia uma bronca.
Seu olhar disparou do meu lugar na cama para o meu novo assento
enquanto ela erguia os lábios em um meio sorriso que não alcançou seus
olhos.
— Diga a eles que ajuda na resistência ao vento no gelo. Do jeito que
você está jogando, todos eles vão estar usando em uma semana. — Ela
pegou outra caixa e abriu a tampa. Balançava com um baque surdo. — Você
se lembra dessa? — Ela jogou a foto na pilha que eu estava folheando e eu
a peguei, as pontas gastas e esfarrapadas. Olhando para mim estava uma
versão mais jovem de mim mesmo. Eu parecia tão estranho e
excessivamente grande, como se meu corpo tivesse superado minha
capacidade de controlá-lo.
— Eu pareço um maluco. Por que você tirou uma foto minha assim? E
por que diabos meu cabelo está todo puxado para cima de um lado? —
Virei a foto para que ela pudesse olhar novamente.
— Foi depois do campeonato estadual do sub-17. Você colocou a meia
da sorte no seu capacete, lembra?
Eu joguei minha cabeça para trás e ri. Tinha começado como uma piada
que alguém fez comigo, empurrando meu capacete para mim no último
minuto com uma meia usada nele, mas tínhamos ganhado aquele jogo,
matado o outro time por cinco a zero. Eles foram nossos maiores rivais e
mantiveram a Rittenhouse Prep fora dos campeonatos estaduais quase todos
os anos antes de começarmos o ensino médio.
O próximo jogo eu joguei sem a meia e tudo deu errado. No final do
tempo, Declan correu para o vestiário e voltou com uma meia. A essa
altura, já teríamos feito qualquer coisa e, no segundo em que nossos patins
atingiram o gelo, éramos um time diferente.
— Droga, como eu pude esquecer isso?
Meu braço estava em torno de Colm e o dele em torno de Liv, que
estava parada na nossa frente.
— Ele estava tão chateado que mamãe e papai não estavam lá. — Ela
deslizou mais fotos da frente de sua pilha para trás. Colm ficou olhando
para as arquibancadas o tempo todo. Eles prometeram a ele que iriam.
— Eles perderam muita coisa, não é? — Na última temporada, nosso
último ano, eles não compareceram a nenhum jogo, e o grande acidente
aconteceu no caminho para o campeonato estadual. Eles tentaram voltar
correndo para surpreender Colm.
— Sim, eles perderam muita coisa. — A voz dela parecia distante. —
Mesmo se eles aparecessem, nunca saberíamos se duraria mais do que
alguns minutos. Eles estavam constantemente a um passo de desaparecer no
meio de qualquer coisa que pudesse estar acontecendo.
— Não deve ter sido fácil.
Ela encolheu os ombros.
— Eles estavam fazendo um trabalho importante. O que é um jogo de
hóquei ou uma feira de ciências estúpida quando a vida de alguém está em
jogo? — Sua risada ficou presa em sua garganta e a umidade se acumulou
em seus olhos.
Rodei a cadeira para mais perto da beira da cama.
— Era importante porque importava para vocês. Sim, eles estavam
fazendo um ótimo trabalho, mas vocês dois também mereciam um pouco de
atenção
Ela enxugou o rosto com a manga.
— Não importa muito agora, não é? Eles se foram. Tenho certeza que
terei uma ideia melhor do que eles estavam passando assim que for médica.
Suas palavras eram monótonas, memorização mecânica sem nada mais
por trás disso, algo dito tantas vezes que mal fazia sentido. Ela se esforçou
demais. Colm a fez se esforçar ainda mais.
— Você quer ser médica?
Sua cabeça se ergueu.
— Por que todo mundo fica me perguntando isso?
— Colm fala sobre isso o tempo todo, mas você quase nunca fala, a
menos que esteja falando sobre seus pais ou Colm. A única coisa que você
fala por conta própria é a dança.
Ela pegou as fotos e as colocou na caixa.
— E como você saberia? Tivemos, o quê, dez conversas nos últimos
dois anos e de repente você acha que sabe o que eu quero? — Pulando da
cama, ela arrancou a foto da minha mão. — Eu não sento naquela mesa —
ela apontou o dedo em direção à mesa atrás de mim — porque estou
tentando decidir. Não me enterro em livros até que quase não consiga ver
direito, pra passar nos meus exames para não me tornar uma médica. Você
acha que eu não aguento?
Eu levantei minhas mãos, as palmas voltadas para ela em sinal de
rendição.
— Foi uma pergunta, só isso. Só uma observação.
— Uma observação baseada em quê? Ir a uma aula de dança? Eu vou
fazer faculdade de medicina. É o que eles gostariam. É o que Colm quer e é
o que eu quero. — Ela apertou o dedo no centro do peito.
— Eu só quero que você seja feliz. — Era tudo o que eu sempre quis
para ela, mesmo que não fosse comigo. Mesmo que ela arrancasse meu
coração e patinasse sobre ele mil vezes, ela merecia encontrar alguém que
pudesse lhe dar a lua e as estrelas.
— Você é da polícia da felicidade? Como você sabe o que me faz feliz?
Você deixou bem claro que algo que eu pensei que me deixava feliz não era
para mim.
— Eu não estava falando sobre isso...
— Talvez você não estivesse, mas precisamos esclarecer isso. — Ela
bateu na tampa da caixa, esmagando as laterais rígidas de papelão. —
Estamos dançando em torno disso desde que você decidiu que queria ser
meu amigo. — Seus dedos se ergueram em aspas no ar em torno da última
palavra. — Quão feliz você acha que me deixou quando beijou aquela
mulher? Quando você me disse para ir embora para ficar sozinho com ela?
Quantas lágrimas você acha que foram derramaram por causa disso?
Ela saltou da cama e saiu furiosa para a sala de estar.
Meu coração batia forte no meu peito e eu corri atrás dela.
— Eu nunca quis machucar você. Angélica simplesmente apareceu. Ela
estava bêbada e fez uma cena. Eu tinha que tirar ela de lá. — Minha
inutilidade com as palavras estava pesando sobre mim mais uma vez. Eu
queria empurrar o fato de que dormi com alguém como Angélica na cara
dela? Eu queria que ela pensasse em mim como aquele cara? De jeito
nenhum. Na época, parecia a melhor maneira de lidar com as coisas, mas
foi um movimento errado que me assombrou como um fantasma do passado
natalino.
— E o que você disse?
— E o que você fez? — O lampejo de raiva e mágoa que eu tinha
afastado voltou estalando.
Ela deu um passo para trás.
— O que eu fiz?
— Você saiu com Grant. — Eu cerrei meus dentes.
— Eu... foram dois encontros.
— Dois encontros demais. Pedi ao segurança do hotel que colocasse
Angélica em um táxi quinze minutos depois de ver você, e então voltei para
um Grant flutuando pelo hotel, contando a todos sobre o encontro dele com
você.
— O que eu devia fazer?
— Eu não sei, não chamar meu irmão pra sair?
Ela apertou os punhos e gritou para o teto.
— Eu não chamei ele. Ele me chamou. Eu estava distraída. Eu não
estava pensando direito, olhando para você com outra mulher em seus
braços, sem dizer uma única palavra enquanto ela falava sobre o que queria
fazer com você. Achei que fosse uma coisa em grupo, e então ele apareceu
na minha porta com flores. Foi quando eu soube que era algo a mais pra ele.
Minha respiração saiu curta e entrecortada, combinando com a dela. Se
ela não tivesse saído com Grant, eu podia ter falado com Colm. Talvez ele
tivesse tentado me apagar, talvez não, mas depois do que aconteceu com
Felicity quando me mudei para a Filadélfia, não havia nenhuma maneira no
inferno de ele me deixar chegar perto de Liv.
— E ainda é algo mais para ele. — Meus ombros caíram.
— Eu sei. — O rastro de dor nos olhos dela combinavam com o meu, as
feições angustiadas. Ela se aproximou, olhando nos meus olhos. — O que
fazemos agora?
— Eu não sei. — Arrastei meus dedos pelo meu cabelo e balancei
minha cabeça.
A porta da frente bateu atrás de nós e o ar frio do corredor soprou
quando ela se abriu.
— Então, danças no colo são medicinais – é isso que você está me
dizendo? — Marisa riu e deixou cair a bolsa ao lado da porta.
O olhar de Liv disparou para Marisa, que parou quando nos viu.
— Talvez devêssemos ir. — Marisa empurrou o cara atrás dela.
— Não, está tudo bem. Estou indo embora. — Peguei minha jaqueta do
sofá. — Falo com você mais tarde, Liv.
— Boa noite — ela disse quando a porta se fechou.
Parei no Fish's e peguei uma bebida antes de voltar para minha casa. As
coisas não podiam continuar como estavam. Eu tenho que falar com Grant,
esclarecer as coisas e fazer ele entender o quanto ela significa para mim.
Quanto mais as coisas se estendiam, mais difícil era de imaginar minha vida
sem ela.
16
LIV
FORD
LIV
FORD
LIV
A
amanhã.
extravagância da dança mensal de Sylvia se tornou um elemento
permanente no meu calendário, na primeira quinta-feira de cada
mês. Também ajudou a me distrair do fato de que vou ver Ford
FORD
LIV
FORD
— V ocê sabe que está tecnicamente quebrando a lei, não sabe? — Ela
balançou o copo para mim, o gelo tilintando contra a lateral do vidro. Eu
estava a segundos de escalar a mesa e arrancar a calcinha do corpo dela.
Desde o segundo em que descemos do táxi, isso estava fadado a
acontecer. Não havia nada no mundo que me impediria. Isso não significa
que eu não sabia que vinha com suas complicações, mas naquele momento
não me importei com elas. Tudo o que me importava era ouvir meu nome
nos lábios de Liv enquanto ela gritava o prazer que estava sentindo em
meus dedos, na minha língua, no meu pau.
— Como se você não tivesse um bar cheio em seu apartamento.
— Verdade. Então, por que você pegou esta garrafa depois que todos os
outros foram embora?
— Esta é uma garrafa de bourbon de vinte e cinco anos. — Era uma
coisa linda, feita para ocasiões especiais.
— Mesma idade que você. E mais velha do que eu. — Ela ergueu uma
sobrancelha como um desafio, para ver se eu desistiria outra vez.
— Esse merece ser saboreado.
Virando o copo para trás, ela bebeu como eu tinha mostrado. Ela deixou
os sabores se estabelecerem em sua língua, sua expressão mudando quanto
mais ela o segurava em sua boca.
— Tem uma queimação suave. Existem muitas camadas nisso. Eu posso
ver por que você gosta.
— Pare de enrolar – é a sua vez. — Eu levantei meu queixo em direção
ao tabuleiro do jogo.
Com o sorriso mais largo de todos, ela abaixou as peças. B-E-Z-I-Q-U-
E.
— Que porra é um bezique?
— Não faço ideia, mas sei que é uma palavra matadora e obtém uma
pontuação de palavras triplas.
— De jeito nenhum. Me dá aquele dicionário. — Estiquei a mão para o
livro grosso do lado dela na mesa.
Ela deu um pulo, segurando contra o peito.
— Você não confia em mim? — ela provocou.
— Não quando se trata de Palavras-Cruzadas. Passa para cá. — Eu me
levantei da cadeira e ela pulou para trás. — Me dá. — Fiz um gesto para ela
me entregar.
— Acho que não. — Ela se virou e saiu correndo. — É uma palavra.
Aceite sua derrota com elegância.
Meu apartamento era um loft, então não havia muitos lugares para onde
ela pudesse correr. Ela correu para o canto da sala de estar de plano aberto
onde o tijolo encontrava a parede de gesso, refinado encontrando o rústico.
Com o dicionário enrolado em seus braços, ela se inclinou para o canto
como se fosse capaz de manter ele longe de mim.
Vindo por trás, passei meus braços ao redor dela e agarrei o livro que
segurava em suas mãos. Meu corpo pressionou contra ela, e nossas risadas
encheram a sala.
— Só me dê e aceite uma derrota honrosa. — Estendi a mão em torno
dela, as costas da minha mão raspando contra o tijolo.
— Não vai acontecer. É uma palavra! — Ela empurrou a bunda para
trás e tentou abrir o dicionário.
Duas coisas aconteceram quando ela fez isso. Minha mão caiu de seu
braço e bateu em sua perna – sua perna nua – e a parte de seu corpo
pressionada contra mim entrou em foco . Sua bunda, naquela saia, estava
bem contra mim.
Meus dedos deslizaram logo abaixo da bainha de sua saia. Eu apertei
sua coxa e sua cabeça caiu para trás contra meu peito. O fogo que eu
apaguei enquanto todos estavam aqui voltou rugindo como se tivéssemos
apertado o botão de soneca e finalmente estivéssemos prontos para acordar.
Eu me aproximei, prensando ela entre mim e a parede. Eu levantei sua
saia, meus dedos avançando mais alto em suas coxas. Corri meus lábios ao
longo da sua nuca exposta. Arrepios cobriram a pele dela e sua respiração
parou quando meus dedos roçaram o tecido que cobria sua boceta.
O calor que irradiava de seu corpo estava nas alturas. Meu pau
engrossou e eu reprimi um gemido quando ela se apertou contra mim.
Empurrando minha mão mais alto, cobri a única coisa que estava entre
mim e o pedaço dela que eu tentei resistir. Suas pernas se separaram. O
clunc do dicionário de Palavras-Cruzadas caindo no chão não fez nada para
me deter.
Meus dedos dançaram ao longo dos lábios de sua boceta, lentamente
ficando molhados através do tecido de sua calcinha. Seus quadris
balançavam contra mim em um ritmo suave, e eu queria estar mais perto.
Corri meus lábios ao longo da sua pele, e seus gemidos aumentaram
ainda mais minha necessidade de estar dentro dela. Eu estava indo com
tudo. Eu precisava ter ela toda – essa noite.
24
LIV
FORD
LIV
FORD
— A próxima vez que você jogar desse jeito, Atherton, vou te colocar
pra fora — gritou o treinador para mim quando entrei no box no final do
período. Tínhamos vencido – por pouco. Eles podiam muito bem ter um
pedaço de papelão amarrado ao gol que conseguiria fazer o mesmo que eu.
O time marchou para o vestiário e eu arranquei meus protetores. Eu não
conseguia respirar nessas coisas. Jogando tudo no banco, agarrei minhas
roupas e corri para o chuveiro.
Meu telefone estava no fundo da minha bolsa. Chamadas e mensagens
de texto para Grant ficaram sem resposta. Eu não usava muito o telefone há
dias, o que era uma volta de 180º em comparação com o quanto eu usei nas
últimas semanas. A falta da rotina de ligações noturnas entre Liv e eu
deixou outro buraco na minha vida que eu não conseguia preencher com
treinos, bebidas ou outras mulheres.
Pendurei minhas roupas e toalha e tirei meu uniforme encharcado.
Jogando em uma pilha no fundo do chuveiro, liguei a água. O jato forte
parecia mais uma lavadora de alta pressão do que um chuveiro. Aumentei o
calor, minha versão de autoflagelação.
A dor nos olhos de Grant e a maneira como Liv enterrou o rosto no meu
cabelo antes de me deixar se repetiram na minha cabeça. Talvez fosse
melhor; Colm não teria que saber. Eu não teria que ficar na frente dele e
dizer que eu tinha quebrado a confiança dele outra vez e cruzado uma linha
que ambos sabíamos que estava lá. Talvez se eu continuasse dizendo isso a
mim mesmo, eu acreditasse que era verdade.
Fazia quase uma semana desde que fomos para meu apartamento juntos.
Ela parecia tão em paz na minha cama. Com minha cabeça apoiada no
braço, eu a observei dormir, seu cabelo dourado espalhado pelos meus
lençóis azul-marinho. Fechando meus olhos com força, coloquei os
pensamentos de lado. Isso só fazia a dor piorar ainda mais. Desliguei a água
e descansei minha testa contra o azulejo frio. Eu me vesti de forma
automática.
Peguei minha mochila e meu telefone tocou. Meu estômago deu um nó
a cada passo mais perto do telefone. Era o toque de Colm.
— Alô. — Esse Colm está bêbado? É um Colm irritado? Colm
deprimido? Talvez eu tenha a sorte grande e ganhe os três.
— Ei, você tem um minuto? — Colm sóbrio e frio como uma pedra.
Acenei para os caras, saí do vestiário e me dirigi para o meu carro.
— Acabei de terminar um jogo.
— Certo. A diferença de horário ainda me deixa confuso. Eu fico
pensando “qual a necessidade de me acostumar com o horário se eu já vou
voltar”, e então minha reabilitação se estende.
— Deve estar bagunçando sua cabeça. — Eu destranquei a porta e
entrei no meu carro.
— Você não faz ideia. Aluguei esta casa grande para Eloise e agora eu
fico revirando ela o tempo todo, me lembrando da minha estupidez.
— Você não é estúpido. Você tem um grande coração.
— Um coração grande e estúpido que não consegue escolher uma
mulher fiel nem por reza.
Minha garganta se apertou. Não liguei o carro, apenas fiquei sentado
esperando o próximo golpe, o surto começar.
— Desculpe, estou despejando tudo isso em você.
— É o que os amigos fazem – eles ouvem quando você precisa.
— Você tem ouvido minhas merdas desde a nona série.
— Eu nunca reclamei antes. — Finalmente ligando o carro, saí do
estacionamento.
— Não, você não reclamou. Eu tenho sido um amigo de merda. Joguei
uma merda em você que não foi sua culpa. Estar aqui sozinho... droga.
Jogar em Boston sem você por um ano já foi ruim o suficiente, mas não tem
ninguém do time aqui. Dia após dia, estou sozinho. Isso me fez perceber
algumas coisas. Tenho sorte de ter vocês.
— Nós sabemos. — O canto da minha boca se ergueu.
— Idiota.
— Não sou eu que ligo para as pessoas repetidamente de madrugada.
— Merda, eu sei. Desculpe.
— Para de se desculpar. Só não esquece de se cuidar. Pare de beber,
conserte esse joelho e traga sua bunda de volta pra cá.
— Estou trabalhando nisso, e desculpa por empurrar toda a coisa com
Olive para você.
Minhas mãos congelaram no volante.
— Não se preocupe com isso. Não se preocupe com nada até você
voltar aqui. Tem algumas coisas sobre as quais quero falar com você. —
Como acabar com essa coisa de Felicity entre nós de uma vez por todas e
dizer a você o quanto me importo com Liv, mesmo que meu próprio irmão
tenha acabado como um dano colateral.
Droga, as coisas eram muito mais simples no colégio. Naquela época,
minha maior preocupação era ficar de pé na frente de uma classe para fazer
uma apresentação ou ferrar as coisas no hóquei com tanta força que podia
perder minha bolsa de estudos da Rittenhouse Prep.
— Você está certo. Tenho que ir para minha sessão de fisioterapia em
alguns minutos. Podemos ter sua conversa profunda e misteriosa quando eu
estiver de volta à cidade. — Ele deu uma risadinha.
Encerrei a ligação com Colm e parei no estacionamento do meu
apartamento. A solidão em que encontrei conforto serviu apenas como um
lembrete do que eu perdi e do que continuaria a perder. Quando abri a porta,
meu telefone acendeu novamente.
Mãe: Você tem tempo de passar por aqui esta tarde?
Eu estava evitando a casa desde a situação com Grant. Ele contou a
mamãe o que aconteceu? Ela iria me partir em dois no segundo que eu
pisasse na porta da frente? Mesmo se ela fizesse isso, eu ainda iria. Estar
sozinho não tinha o mesmo conforto que normalmente tinha. Em vez disso,
fiquei sozinho com meus pensamentos... pensamentos sobre Liv.
LIV
FORD
LIV
FORD
Nunca estive mais feliz com o fim da temporada. Ficamos na cama por
dois dias inteiros. Jack, a contragosto, nos forneceu hambúrgueres do Fish's,
e eu peguei meu notebook e o coloquei no quarto para que pudéssemos
assistir a filmes. Caixas de comida espalhadas pelo chão ao redor da minha
cama. Na primeira noite, ela acordou com pesadelos, e eu tomei o caminho
longo e vagaroso para banir esses pensamentos de sua mente com orgasmos
ofegantes e devastadores.
Ela mordiscou o lábio inferior, se sentando de pernas cruzadas no centro
da minha cama. Me deitei com a cabeça apoiada nos braços atrás da cabeça.
Meu olhar rastreou cada separação de seus lábios enquanto ela tentava
organizar seus pensamentos. As engrenagens estavam girando em sua
cabeça.
— Eu não vou para a faculdade de medicina — ela deixou escapar.
Mantendo minha expressão neutra, me sentei.
— Por que não? Grant disse que você tinha se decidido.
— Eu tinha. Comecei a procurar prazos de inscrição, até mesmo
terminei alguns online na noite do... você sabe. — Ela puxou os cobertores
embaixo dela.
— O que mudou entre antes e agora?
Ela olhou para mim.
— O incêndio. Eu tinha certeza de que seguir esse caminho era o mais
seguro. Era o que se esperava de mim. Era o caminho que eu precisava
seguir para provar a mim mesma que eu poderia fazer isso, e quando eu
estava engasgando com a fumaça e rastejando para fora do meu
apartamento com o mundo inteiro em chamas ao meu redor, você sabe o
que passou pela minha cabeça?
— Corre?
Ela sorriu e jogou um travesseiro na minha cabeça.
— Bom, depois disso. Foi você. Eram você e Colm, Heath, Declan,
Mak, Kara, Emmett, Avery, Sylvia... — Sua garganta apertou. — Grant. Era
que eu não seria capaz de dançar novamente se algo acontecesse comigo.
Eu não tocaria em você de novo, e não faria margaritas para todos ou
chutaria sua bunda nas Palavras-Cruzadas. Isso é o mais importante para
mim. É isso que eu preciso valorizar, não fugir me enterrando em meus
livros pelos próximos sete anos e nunca ter tempo para ninguém. Sempre
quis ser como meus pais, mas não quero mais isso. Eles nunca estiveram lá
para mim e Colm, não como deveriam estar. Tentar viver de acordo com
algum ideal que eles tinham em suas mentes é uma loucura. Eu não quero
isso.
— Que bom. — Cobri as costas da mão dela com a minha. — Você
seria uma médica incrível, mas não era isso que você deveria ser.
— Agora só preciso descobrir como contar ao Colm. — Ela caiu de
costas na cama, jogando o cabelo esvoaçante pela minha cama em uma
cascata dourada.
— Nós podemos fazer isso juntos. — Enlacei meus dedos nos dela e a
puxei para o meu colo. — Então você pode me ensinar alguns movimentos,
e talvez eu me junte à sua próxima turma. Eu posso ser seu assistente.
Ela jogou a cabeça para trás.
— Eu pensei que você odiava as pessoas olhando para você.
— Por você, eu faria esse sacrifício. — Me sentei e salpiquei seu rosto
com beijos. A risada dela era a coisa mais linda do mundo, e eu passaria o
resto da minha vida garantindo que ela risse todos os dias.
Pulei da cama e peguei uma calça de moletom para ela. Depois de
amarrar na cintura e enrolar as pernas umas dez vezes, elas eram utilizáveis.
Eu precisava pegar algumas roupas para ela, não que eu não gostasse de vê-
la andar pelo meu apartamento com minhas roupas – ou melhor ainda, sem
nada.
Parados lado a lado na cozinha, preparamos o café da manhã. Música
tocava no meu telefone e dançávamos enquanto fazíamos salsichas e ovos.
A torrada saltou da torradeira e ela assumiu o serviço de passar manteiga.
Sentamos à mesa, ambos comendo com uma das mãos, olhando pela
janela e vendo as nuvens se afastarem, revelando um lindo céu azul. Sentar
em cadeiras separadas depois de estar na cama quase que o tempo todo
parecia longe demais. Ela esfregou o polegar nas costas da minha mão. Eu
queria isso pelos próximos setenta anos. Ela bebeu o resto de seu suco;
então eu peguei seu prato e coloquei na máquina de lavar louça. O telefone
de Liv tocou no balcão. Ela o pegou e mastigou o último pedaço de bacon.
Meu telefone apitava com cada mensagem recebida no bate-papo em
grupo que alguém deve ter feito. Eu rolei até o topo da conversa.
Mak: Liv! Vimos o jornal, você está bem?
Avery: Liv, onde você está?
Kara: Isso aconteceu há 2 dias e só descobrimos agora?!
Declan: Você precisa de alguma coisa?
Heath: Você fez isso pra tentar se livrar das provas?
Liv: Estou bem, obrigada por virem me checar.
Emmett: Onde você está?
Kara: Você está segura?
Liv: Estou segura.
Ela fez uma pausa e olhou para mim.
Liv: Vou ficar com um amigo.
Mak: Você precisa de roupas? Você precisa substituir seus livros?
Enviar e-mail para seus professores?
Liv: Tudo isso, mas posso me virar.
Avery: Pelo menos deixa a gente te levar para comprar roupas novas.
*Abraços*
Emmett: Avery se oferecendo para fazer compras. Finalmente,
peguem meu cartão de crédito!
Eu: Ela pode usar o meu
Heath: Bem-vinda à conversa, bela adormecida!
Meus lábios se apertaram.
Liv: Obrigada por todas as ofertas, mas sei que todos estão ocupados.
Mak: Nem tente. A temporada de hóquei acabou. Nos diga onde você
está e nós vamos te buscar.
Sua cabeça se levantou com tudo e seus olhos se arregalaram.
Liv: Eu posso encontrar vocês na Quadra Rittenhouse.
Kara: Em uma hora?
Liv: Perfeito!
Passei meus braços em volta dela por trás.
Liv: E todos podem, por favor, não contar ao Colm? Ele só vai pirar e
voar de volta para cá e não tem motivo para isso.
Todos responderam que guardariam para si.
— Eu ia levar você para fazer compras.
Ela riu e se empurrou contra mim, sem dúvida sentindo o empurrão
insistente do meu pau contra suas costas.
— Prefiro não ser presa por atentado ao pudor.
Mordiscando seu lóbulo da orelha, dei um tapa em sua bunda.
— Sou incrivelmente discreto.
Se virando em meus braços, ela passou as mãos nas laterais do meu
rosto.
— Não tenho dúvidas disso, mas vai ser bom para mim ver elas. Talvez
eu até compre algumas surpresas para você. — Ela piscou.
LIV
FORD
T entei ligar para Colm, mas ele deixava todas as chamadas caírem
na caixa postal. Liv não estava pirando, então eu esperava que isso
significasse que ele decidiu seguir o que eu pedi a ele para fazer e
não dizer nada para Liv até que ele pousasse, até que eu tivesse a chance de
falar com ele.
Ela saiu do banheiro e girou no corredor. Sua maquiagem fazia com que
ela parecesse como a Liv, mas não a Liv.
— Eu disse que tinha uma surpresa. — Ela pousou as mãos no meu
peito e, de salto, não precisou ficar na ponta dos pés para me beijar. Eu
passei meus braços em volta dela. Minhas mãos traçaram para cima e para
baixo em suas costas. O tecido liso deslizou sob o meu toque, e eu queria
arrancá-lo com meus dentes.
— E se a gente ficasse aqui para o seu aniversário? Tenho certeza que
posso fazer disso uma celebração que você não vai esquecer.
— Nem pense nisso. Vou sair para tomar minha primeira bebida dentro
da lei e você vai comprar para mim, lembra? — ela disse contra meus
lábios. Ela tinha gosto de morango.
— Se é isso que você quer, talvez não devesse estar usando esse vestido.
— Eu espalmei sua bunda e a levantei na ponta dos pés.
Rindo, ela empurrou contra meu peito até que eu a deixei cair, e então
ela pegou sua bolsa.
— Vamos. — Ela atravessou a rua na minha frente e eu descansei minha
mão na parte inferior de suas costas, guiando-a para o Fish’s.
Seu vestido verde apertado virou mais do que algumas cabeças. Eu
estava igualmente orgulhoso e pronto para rosnar para qualquer um que
olhasse por muito tempo, mas ela estava no meu braço esta noite, e ela
estaria na minha cama em algumas horas.
Jack deixou alguns copos no meu lugar habitual na outra extremidade
do bar. Peguei os dois e estendi um para ela.
Ela se aproximou, a luz captando a cor de seus olhos e refletindo em seu
vestido, iluminando-a como uma joia.
— Obrigada pela minha primeira bebida dentro da lei. — Seus lábios se
curvaram em um sorriso malicioso, do mesmo tipo que ela sabia que me
deixava louco. Deixando seus dedos permanecerem nos meus, ela pegou o
copo da minha mão.
O ruído de fundo do bar desapareceu. Nosso cantinho tranquilo se
tornou meu mundo inteiro. Não havia cabines ali. Era o meu local favorito
onde, mesmo que estivesse cheio, nunca tinha ninguém por perto.
— Feliz Aniversário. — Beijei cada sílaba contra o lado de seu rosto.
Fish's era o lugar perfeito para levá-la para sua primeira bebida. Estava
silencioso, embora uma crítica recente da Revista da Filadélfia sobre sua
excentricidade pitoresca tenha trazido novos visitantes.
Flashes dispararam na frente do bar enquanto as pessoas tiravam selfies
e fotos de seus pratos. Aparentemente, comida de bar que realmente parecia
comida de bar era a nova moda. Algumas cabeças se viraram quando
entramos, mas, fora isso, ninguém pareceu me notar, o que era exatamente
como eu gostava. Eu não queria lidar com os fãs essa noite, não quando eu
tinha tantos planos para Liv.
— Eu digo que devemos pular a celebração em grupo e apenas voltar
para o apartamento. — Ela traçou as mãos ao longo da barra da minha
camisa. Seus dedos roçaram minha pele e o sangue correu para o meu pau.
Envolvi meus dedos em torno de seu pulso.
— Isso é um teste? Você é quem queria sair. Você não vai me provocar.
O barulho da multidão ficou mais alto e mais flashes dispararam na
frente do bar. O lugar estava se transformando em uma sessão de fotos.
— Qual é a graça se eu não fizer isso? — Ela abaixou a mão, trazendo a
minha com ela. Inclinando suas costas para bloquear a visão de qualquer
pessoa por perto, ela deslizou minha mão entre suas coxas.
Eu tracei meus dedos ao longo da pele macia entre suas pernas. Eu
coloquei uma mão sobre sua bunda para manter seu vestido abaixado e corri
meus dedos mais alto. Ela respirou fundo, estremecendo, e envolveu meu
antebraço com as mãos.
Apoiando minhas costas contra a parede, eu encarei seus olhos. Eles
queimavam com um desejo que eu conhecia tão bem, que eu provei em
meus lábios e mal podia esperar para provar novamente. Eu empurrei meus
dedos mais alto e rocei contra sua pele nua. Ela não estava usando calcinha.
A evidência do quanto ela gostou da minha provocação revestiu a parte
interna das suas coxas. Meu polegar roçou ao longo da abertura da boceta.
Ela soltou um longo suspiro e apertou meu braço com força.
— Assim que eu chegar em casa, não vou parar até tirar o último
orgasmo de você. — Corri minha outra mão ao longo de sua nuca e
pressionei minha boca contra sua orelha. A umidade cobriu meus dedos e
empurrei dois dentro dela. Sua boceta apertou em torno dos meus dedos
invasores.
Ela lambeu os lábios.
— Isso é um desafio?
Seu corpo tremia e seus joelhos cederam. Passei meu braço ao redor
dela e a segurei.
— Vou passar a noite toda com o seu cheiro nos dedos. Cada vez que eu
tomar uma bebida ou comer, vou estar pensando em você e fazendo planos
para o que vai acontecer quando a porta da frente se fechar atrás de mim.
Seus lábios se separaram e ela olhou para mim com um olhar atordoado.
Ela balançou com mais força contra mim.
Passei meu polegar em seu clitóris e ela abafou seu gemido. Meu pau
pressionou contra meu jeans, mas o desconforto valeu totalmente a pena.
Corri meu polegar ao longo de sua mandíbula; seu pulso trovejou contra
minha palma. Meu pau latejava com seu gemido suave e a maneira como
ela mal conseguia manter a compostura. Seus tornozelos balançavam em
seus saltos altos. Eu segurei sua boceta e arrastei meu polegar em seu
clitóris novamente.
Ela tremeu e sua mão disparou, agarrando minha camisa. Agarrando o
tecido em seu punho, suas costas se arquearam e seus olhos se fecharam.
— Eu acho que você gostou disso — eu sussurrei em seu ouvido.
Seu gemido baixo e quase desabamento em meus braços confirmaram
isso. Eu puxei para baixo a saia de seu vestido, me certificando de que
ninguém visse nada.
— Acho que criei um monstro. — Ela riu e encostou a bochecha no
meu ombro.
LIV
A manhã chegou rápido demais. O vídeo estava fora do ar. Não esteve
no ar por mais do que algumas horas durante a noite. A maioria das pessoas
não tinha visto, e a maioria das pessoas não conseguiam nem dizer que era
eu. Nem os caras perceberam que era eu. Isso me fez rir no banheiro da sala
VIP quando Mak e Avery me disseram que precisaram dizer isso pra eles
antes de nós chegarmos.
Me deu algum consolo que as milhares de pessoas que viram Ford
distribuindo prazer digital no bar talvez não juntassem os pontos. Eu puxei
uma mecha do meu cabelo. Talvez uma pintura esteja a caminho. Não era o
fim do mundo. Eu ainda consigo andar e falar. Ninguém apareceu na porta
com forquilhas prontos para me colocarem no tronco, mas, droga, era
constrangedor. Isso elevou o pesadelo de ficar nua na frente da escola toda à
um novo nível.
O rosto de Ford quando abri a porta do box era o de alguém que não só
teve o cachorro chutado, mas uma ninhada inteira de filhotes. Ele rastejou
de volta para a cama não muito tempo depois de sair, deslizando os braços
em volta de mim e me puxando para perto. Eu não tinha conseguido dormir
sem ele lá de qualquer maneira, mas não queria que ele se sentisse mais
culpado. O sono tomou conta de mim quando sua respiração se equilibrou.
Perto do amanhecer, me apoiei no cotovelo e passei a mão no cabelo
caindo sobre sua testa. Tão forte e tão frágil, ele tinha um coração enorme e
muito medo de deixar que as pessoas o vissem por inteiro. Houve raros
momentos em que ele se deixou levar, um raro momento como na noite
anterior, quando aquele que ele era quando estava sozinho comigo vinha a
luz do dia. Agora eu teria sorte se ele não jogasse aquele pedaço em um
baú, o prendesse com correntes e o jogasse no rio.
Descansando minha cabeça em seu peito, deixei meus olhos fecharem.
Tivemos um longo dia e, se não merecíamos uma soneca, não sabia quem
merecia.
FORD
LIV
FORD
LIV
FORD
Eu cheguei ao pé da escada e puxei meu colarinho, mas não era o tecido
claustrofóbico me sufocando; era saber que eu a tinha perdido. Caindo, me
sentei nos degraus. As pessoas entravam pelas portas da frente e subiam as
escadas, fluindo ao meu redor. Eles olharam, provavelmente tentando
descobrir quem diabos era o cara sentado ali prestes a perder a cabeça, mas
eu não me importava.
Estar sendo exibido ali veio como um plano de fundo distante à ter meu
coração arrancado do peito. Eu faria o que quer que ela precisasse. Eu me
certificaria de que todos os outros soubessem o que estava acontecendo com
ela para que ela não ficasse sozinha. Eu nunca quis que ela pensasse que
tinha perdido o lugar no nosso grupo, uma parte na nossa família Kings por
causa do que tinha acontecido.
Me afastei dos degraus, a pedra fria deixando o vazio em meu coração
ainda mais fundo. Vá em frente, Ford. Mostre a ela o quanto ela significa
mantendo sua palavra. Minha mão envolveu a maçaneta da porta e eu
fiquei parado, congelado. Alguém se aproximou da porta e tentou abri-la,
mas meu aperto a manteve fechada.
Eles levantaram uma sobrancelha para mim como se eu fosse uma
pessoa louca, e eu era. Meu coração martelou contra minhas costelas, e a
ideia de deixar este lugar sem ela fez o chão se mover sob meus pés.
Girando, corri para os degraus. Não pode terminar assim. Nosso timing
sempre foi uma merda, mas adivinha só? Eu não me importo. Esbarrando
em alguém, deslizei até parar na parte inferior da escada quando, no meio
do caminho, Liv estava na ponta dos pés, parando quando nossos olhares
colidiram. Outras pessoas estavam na escada, ao longo do corrimão acima
dela e atrás de mim.
— Você estava voltando — disse ela, o sorriso em sua voz tão brilhante
que baniu a tristeza em meu coração.
— Eu estava. Estou.
— Achei que você tivesse dito que ia embora.
— Eu ia, mas não consegui. Não consegui abrir a porta.
A voz de uma mulher veio atrás de mim.
— Ele realmente não conseguia. Tipo, ele estava segurando a porta
fechada. Eu pensei que ele era um psicopata ou algo assim tentando roubar
o lugar.
Soltei uma risada que soou mais como um latido.
— Por que você não podia sair? — Ela desceu um degrau e eu subi um.
— Tem muitas promessas que fiz pra mim mesmo na semana passada, e
uma delas é que não vou mais mentir, não só para outras pessoas, mas para
mim mesmo, e dizer que eu poderia ficar longe de você foi uma mentira – a
maior que já contei. Não tem nada neste mundo que eu queira mais do que
estar ao seu lado, te amar e mostrar o quanto você significa para mim.
— E se eu não quiser isso? — Ela desceu um degrau e eu subi outro. As
pessoas ao nosso redor ficaram olhando. Ninguém disse uma palavra. Todos
os olhos do lugar estavam em nós, e mais pessoas vieram atrás de mim. As
vozes morreram enquanto outras pessoas sussurravam relatos do que tinham
visto até agora. Qualquer outro dia, teria me mandado correndo pela porta,
mas por ela, eu suportaria qualquer coisa.
— Eu faria qualquer coisa para te convencer de que você não precisa
fazer isso sozinha. Você é forte o suficiente para isso, cem por cento, mas
eu não posso fazer isso sem você.
Minha subida lenta e sua lenta descida se encontraram na metade do
caminho. Ela estava um passo à frente, sua cabeça no nível da minha.
Ela engoliu em seco.
— E se eu tiver medo de perder você de novo?
— Eu também tenho medo de que um dia você perceba que isso é só
uma quedinha de infância e não queira nada comigo.
— Estamos muito além do território de quedinha de infância. — Ela se
moveu para a borda de seu degrau, seu corpo ainda mais perto do meu.
— Em que território estamos? — Eu me inclinei.
Suas mãos pousaram no meu peito.
— Amor. — Com os olhos abertos, ela pressionou seus lábios contra os
meus, o tom vermelho ao redor de seus olhos derretendo enquanto ela
afundava no beijo.
Eu a puxei contra mim, segurando com força em torno de sua cintura. O
calor de seu corpo pressionando contra o meu e eu me segurei nela e no que
quase perdemos. Ela fechou os olhos e se inclinou ainda mais para mim.
O aperto no meu peito deu lugar a uma sensação de êxtase que não se
comparava nem mesmo à maior vitória de retorno no gelo. Ela estava em
meus braços. Seu calor pressionou contra minha pele, e eu não queria nada
mais do que marcar esse beijo em sua mente para que ela nunca pudesse
passar um dia sem meus lábios nos dela novamente.
Todos ao nosso redor explodiram em gritos e aplausos. Correndo minha
mão por suas costas, eu segurei seu pescoço e a inclinei para trás. Se eles
queriam um show, nós daríamos um show a eles. Ela riu, segurando meus
ombros.
— Eu acho que temos uma plateia — ela sussurrou contra meus lábios.
— Eu não dou a mínima. — Beijando-a novamente como ela merecia
ser beijada, meu mundo se centrou nela. Cada toque. Cada gosto. Cada
respiração.
As pessoas ao nosso redor não importavam nem um pouco para mim.
Eu queria que eles nos vissem. Queria meu amor por ela em exibição para o
mundo e queria que ela soubesse que eu sempre estaria lá.
39
FORD
Saí do vestiário de patins. Andar assim era sempre tão estranho. Meus
tornozelos sempre pareciam que iam se quebrar a qualquer momento
enquanto se equilibravam nas proteções de plástico que protegiam a lâmina
dos meus patins, mas era bom tê-los de volta.
Com o fim da temporada, não fiquei praticando sozinho como
costumava fazer no período fora da temporada, não quando Liv estava
esperando por mim em casa. Eu havia me oferecido para alguns eventos de
caridade para a equipe nas últimas semanas, visitando hospitais e
participando de jantares para arrecadar dinheiro para abrigos de animais
locais. Ter um perfil mais público não era tão horrível quanto eu imaginava
que seria, especialmente não com Liv no meu braço.
Ela brilhava nesse tipo de evento, ao lado de pessoas de seu círculo
social, e isso me deu a chance de mimá-la e comprar alguns vestidos novos.
Ela foi inflexível sobre eu não pagar seus problemas, e ficar por conta
própria era o que ela precisava fazer. Levei quase um mês para convencê-la
a morar comigo.
Pelo menos ela não ficou no Brothel, como ela e Marisa chamavam, por
mais que poucas semanas. No segundo em que ela deixou escapar o nome,
eu estava pronto para chutar a porta para tirá-la de lá. Cada um daqueles
filhos da puta era muito bonito para o próprio bem, e eles me lembravam
muito dos Kings e de nossas palhaçadas da faculdade. Não acho que tive
uma noite de sono decente até ela sair de lá. Eu confiava nela, mas não
tinha tanta certeza sobre aqueles caras, ou sobre as pessoas aleatórias que
apareciam nas festas.
Agora, voltar para o silêncio da minha casa me enchia de inquietação.
Eu adorava falar com ela ao telefone, assistir TV ou ouvir algumas músicas
de estudo enquanto ela fazia o curso para as aulas de verão.
Ela ainda trabalhava duro, mas não precisava ficar acorrentada à mesa.
Exploramos a cidade. Eu cresci aqui, mas nunca tinha visto metade das
atrações turísticas. O zoológico, os cannoli no mercado do Terminal
Reading e uma extensa pesquisa sobre o melhor cheesesteak da cidade
estavam no topo da lista. Até agora, havia um empate entre as lanchonetes
de Jim e Woodrow.
Com a mão dela na minha, eu não me importava se estávamos no meio
de um restaurante movimentado ou sentados em casa no sofá. Qualquer
lugar com ela era onde eu queria estar.
O resto dos caras estiveram ocupados. Emmett e Avery estavam se
preparando para o casamento do século no final do verão, e Declan e Mak
estavam uma viagem rápida antes que ela voltasse para a faculdade de
medicina. Kara foi convidada para uma residência de verão como escritora
em Nova York, então Heath foi com ela. Já fazia muito tempo que não
tínhamos um amistoso dos Kings.
— Por que demorou tanto? — Declan chamou do gelo.
Heath deu a volta no rinque em Mach 5, sempre um feixe de energia.
Um xingamento alto ecoou pelas vigas do rinque de treino. Patins
cortaram o gelo e o rosto irritado de Colm apareceu entre as portas abertas
do rinque.
— Essa é a sua tentativa de merda pra gente se beijar e fazer as pazes?
— Colm jogou o taco dentro do box de penalidades, que estalou contra
lateral do banco.
— Eu não quero brigar com você. — Levantei minhas mãos.
— Talvez eu queira brigar com você. — Suas palavras foram afiadas e
cuspidas como pregos.
O resto dos caras ficaram atrás dele no gelo como se estivessem a
caminho de um funeral. Talvez eles estivessem. Talvez tenha sido a morte
dos Kings como os conhecíamos.
— Onde está Olivia? — Ele tirou a luva e jogou no chão.
— Ela não está aqui. — Eu recuei, balançando minhas mãos na minha
frente.
— Onde ela está? — ele rosnou.
— Ela sente sua falta, cara.
Ele largou a outra luva e olhou por cima do ombro. Eu pensei que talvez
ele tivesse recuperado o bom senso. Em vez disso, ele se virou e investiu
contra mim. Seu olhar para trás foi para se certificar de que os caras
estavam longe o suficiente para que ele pudesse chegar até mim, mas desta
vez eu estava pronto para ele. Ele deu o primeiro soco e eu me inclinei para
trás, me esquivando.
— Colm, para, merda. Ela está em casa. — Pelo menos até decidirmos
nos mudar para outro lugar.
Seu rosto se contorceu, e esse não era o Colm com quem eu cresci,
aquele que me colocou sob sua proteção como um calouro no colégio. Esse
era um animal ferido. Ele correu em minha direção, batendo seu ombro em
meu estômago. Coloquei minha mão sob seu braço e o empurrei para evitar
uma briga.
Houve um estalo nauseante e um uivo. Uma de suas pernas apareceu
pelo topo do box. Meu cérebro correu para juntar as peças. Quando eu o
empurrei, ele deve ter caído por cima da parede para dentro do box.
Espiando por cima da parede que tinha a altura da cintura que Colm
capotou, eu encarei o com os olhos arregalados.
Ele agarrou o joelho, gritando. A bile subiu pela minha garganta. Eu
provavelmente acabei de encerrar sua carreira. Minhas mãos tremeram.
Corri em sua direção.
Eu deslizei minhas mãos sob seus braços para tentar levantá-lo.
— Tira essa porra de mão de mim — ele gritou, se contorcendo de dor.
O resto dos caras apareceram.
— Está tudo bem, cara. A gente assume daqui. — Heath colocou a mão
no meu ombro, parecendo mais sério do que eu o vi há muito tempo. Recuei
e os deixei colocar Colm de pé. Declan saiu correndo e voltou alguns
minutos depois com Bailey, nossa fisioterapeuta da equipe, enquanto eu
estava ali indefeso com minhas mãos atrás da minha cabeça.
Eles o amarraram em uma maca e o levaram a uma ambulância. Seus
olhos encontraram os meus, e ele parecia pronto para pular e quebrar meu
nariz. Eu tinha certeza que ele teria feito isso se não tivesse sido amarrado.
Emmett foi junto com ele. Heath, Declan e eu ficamos lá em estado de
choque enquanto a ambulância se afastava.
— Todos nós vimos o que aconteceu. Ninguém te culpa. — Declan se
virou para mim com olhos sombrios.
— Eu não deveria ter empurrado ele.
— Ele não deveria ter ido pra cima de você, especialmente agora, fazem
poucas semanas que ele voltou pro gelo.
— Merda, cara, o que eu vou dizer pra Liv?
Heath olhou para mim.
— A verdade.
Eu assenti e todos nós nos trocamos em silêncio. Não era assim que o
dia deveria ter sido.
— Estamos indo para o hospital. Vamos atualizando você.
A viagem de volta ao meu apartamento foi a mais longa da história,
com exceção daquela que corri para o apartamento de Liv na noite do
incêndio. Cada entalhe na minha chave soava como uma bigorna caindo.
Virei a maçaneta e entrei.
Música tocava nos alto-falantes Bluetooth e a voz de Liv enchia a casa.
Virei o corredor para a cozinha onde ela dançava, cantando com a espátula.
Meus lábios se curvaram pra cima.
Ela se virou e seus olhos brilharam. Passando os braços em volta do
meu pescoço, ela ficou na ponta dos pés.
— Alguma coisa errada? — Seu olhar percorreu meu rosto.
— Colm estava lá.
Seus braços caíram do meu pescoço.
— Como ele está? — Ela esfregou os dedos nas costas da mão.
— Com dor. Ele se machucou.
Seus olhos se arregalaram.
— O que? O que aconteceu?
Contei toda a história para ela depois que ela pegou uma cerveja para
mim e se sentou no braço do sofá ao meu lado.
— Não parece que foi sua culpa. Colm está passando por algumas
coisas. — Ela olhou para o teto. — Talvez eu deva ir ao hospital para vê-lo.
— Ela apertou as mãos no colo.
— Emmett, Declan e Heath estão lá agora, e eles disseram que vão me
atualizar assim que souberem de algo.
Meu estômago embrulhou. O que ela pensa de mim? Eu não só a afastei
do irmão, como mandei ele pro hospital.
— Ei. — Ela agarrou meu queixo e virou meu rosto para ela. — Eu não
culpo você. Eu sei que você nunca tentaria machucá-lo de propósito. Foi
culpa dele por perder o controle. — Ela correu os dedos ao longo da barba
nas minhas bochechas. — Eu te amo, e nada vai mudar isso. — Inclinando-
se para mim, ela pressionou sua boca contra a minha. Separando os lábios,
ela me deixou entrar, se abrindo para mim, e eu bebi sua beleza em um gole
de cada vez. — Ele vai ficar bem. Só vai levar algum tempo.
Corri minha mão ao longo de seu cabelo.
— Eu espero que você esteja certa.
40
LIV