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FEARLESS KING

MAYA HUGHES
ÍNDICE

Prologo
1. Ford
2. Liv
3. Ford
4. Liv
5. Ford
6. Liv
7. Ford
8. Liv
9. Ford
10. Liv
11. Liv
12. Ford
13. Liv
14. Liv
15. Ford
16. Liv
17. Ford
18. Liv
19. Ford
20. Liv
21. Ford
22. Liv
23. Ford
24. Liv
25. Ford
26. Liv
27. Ford
28. Liv
29. Ford
30. Liv
31. Ford
32. Liv
33. Ford
34. Liv
35. Ford
36. Liv
37. Ford
38. Liv
39. Ford
40. Liv
PRÓLOGO

E u ainda podia sentir o gosto dela. A pressão suave dos seus lábios
contra os meus e o cheiro de framboesa permaneceram na minha
pele. Olivia olhou para mim por cima do ombro e passou os dedos
pelo lábio inferior, os mesmos lábios que estavam inchados e brilhando por
causa do meu beijo.
As árvores do pátio se inclinavam e balançavam em um dossel que nos
separava das pessoas que vagavam pelo hotel. Só que não estávamos mais
sozinhos.
— Você está bem? — Colm se aproximou e ficou na frente dela,
cumprindo seu dever fraternal. Ele esfregou as mãos para cima e para baixo
nos braços dela. — Você está arrepiada. — Arrepios que eu dei a ela,
arrepios que não vieram da brisa leve de junho, mas do meu beijo forte e
meu toque prolongado em seu corpo, embora pudesse parecer que havia um
oceano de distância agora com ele parado entre nós. Ele era meu melhor
amigo, mas se soubesse o que eu estava fazendo, o gosto espesso e metálico
de sangue estaria enchendo minha boca.
O olhar dela desviou sobre os ombros dele para mim e caiu nos meus
lábios.
O beijo que eu queria dar a ela desde o verão anterior...
O beijo que abriu uma parte da minha alma e a uniu à dela...
Um beijo que eu nunca deveria ter roubado porque eu passaria o resto
da minha vida querendo mais um, e mais um nunca seria o suficiente.
Eu tinha visto as meias-calças nude escondidas sob o vestido rosa claro
que deslizava por seus joelhos. Ela atendeu a porta da suíte do hotel de
robe. O tecido se abriu e eu tive apenas um rápido vislumbre, mas foi
suficiente. Isso só tornou mais difícil conter o desejo fervendo dentro de
mim.
— Estou, e Ford me ofereceu a jaqueta dele, mas vou voltar para dentro.
— Ela ergueu o queixo, apontando para as portas de vidro que levavam de
volta ao caos lá dentro.
Balançando a cabeça, tentei me concentrar em suas palavras. A
conversa deles era secundária aos meus devaneios com Liv.
Seu pequeno sorriso acalmou Colm, mas o lampejo de seus olhos azuis
brilhantes quando eles se voltaram para os meus combinou com o puxão
que eu sentia por ela, aquele que eu tenho lutado contra desde que ela se
formou no ensino médio há pouco mais de um ano.
Ela disparou em direção ao salão de baile, nos deixando no pátio. O
baixo da música na recepção viajou no ar leve de verão. O casamento foi de
um dos nossos, um dos Kings.
Declan foi o primeiro a se apaixonar, e ele se apaixonou pra valer, mas
não havia muita escolha sabendo que Makenna era sua noiva. Eles faziam a
vida um do outro um inferno desde o ensino médio. Mak nunca deixava
nada barato e sempre chamava sua atenção quando ele estava sendo um
babaca. Era inevitável que suas faíscas se transformassem em um inferno
completo, e eu nunca os vi mais felizes.
— Ela está bem? — Colm se virou para mim, seus olhos cheios de
preocupação.
Um buraco se formou em meu estômago. Lambi meus lábios secos e
limpei minha garganta.
— Ver Mak e Declan na pista de dança com os pais a afetou. Eu a segui
até aqui para me certificar de que ela estava bem. — Uma fina camada de
suor que não tinha nada a ver com a temperatura do verão surgiu na minha
testa.
Os olhos de Colm se estreitaram por um segundo antes de um pouco da
tensão em seus ombros relaxar e ele apertar meu ombro.
— Eu deveria ter percebido. Estou feliz por você estar aqui. Ela tem
dois irmãos cuidando dela. — Ele encarou Liv através das portas de vidro.
Nada poderia estar mais longe da verdade. Eu não conseguia ver ela
como uma irmã, não importa quantas vezes Colm tentasse colocá-la nessa
categoria. Era como se ele subconscientemente soubesse o que estava
acontecendo e continuasse tentando, sem sucesso, impedir.
— Vá em frente. Eu te alcanço em breve. — Eu dei um passo para trás.
— Quando você vai superar essa coisa toda de multidões. Você é um
jogador profissional de hóquei. Você joga em estádios cheios de milhares de
pessoas gritando.
Dei de ombros.
— Prefiro estar enterrado sob dez jogadores adversários do que ficar
preso em uma pista de dança tentando fazer a dança da galinha. Eu te
encontro lá.
Ele parou e seus olhos se estreitaram. Antes, ele nunca teria duvidado
de nada que eu fizesse. Sempre confiou em mim de olhos fechados, mas
agora havia uma hesitação, uma pausa que outras pessoas poderiam nem
notar. Era o efeito colateral de dormir acidentalmente com a noiva de
alguém.
Sua testa suavizou e ele assentiu antes de voltar para dentro.
Enquanto eu caminhava no pátio, cercado por salões com diferentes
eventos acontecendo, eu observei através do vidro todas as pessoas ao meu
redor sorrindo e dando risadas. A melodia da banda ao vivo carregou o ar
quente de verão ao meu redor. Eu ainda podia sentir os lábios de Liv nos
meus. O jeito que ela olhou nos meus olhos me deixou bêbado e ansioso
para provar dela novamente. Mesmo depois da promessa que acabei de
fazer a mim mesmo, mesmo sabendo das consequências que viriam quando
Colm descobrisse, eu precisava vê-la.
Eu andei pelo hotel e peguei meu telefone.
Eu: Me encontre no jardim na entrada do hotel
Liv: Quando?
Uma resposta imediata, como se ela estivesse esperando por esta
mensagem.
Eu: Em dez minutos
Liv: Eu estarei lá.
Coloquei meu telefone de volta no bolso. Pegando uma garrafa de
champanhe e algumas taças de trás do bar abandonado da pré-recepção, me
mantive fora de vista. Eu me esquivei e desviei dos convidados do
casamento e hóspedes do hotel para voltar ao saguão.
Descendo correndo os degraus da frente de dois em dois, segurei meu
contrabando perto do peito. Cheguei ao térreo e localizei a entrada do
jardim. Alguém em um carro na longa fila ao longo da frente do prédio
baixou a janela. Ser reconhecido era meu pesadelo pessoal. Nas ruas, fora
do estádio, eu queria abaixar a cabeça e correr para as colinas no segundo
que alguém apertasse os olhos em minha direção, tentando reconhecer meu
rosto. Eu olhei duas vezes para o emaranhado de cabelo vermelho fluindo
para fora da janela aberta.
O sangue escorreu do meu rosto como se um vampiro tivesse grudado
no meu pescoço. Não era um vampiro de verdade, mas era algo próximo.
Angélica saiu do carro e cambaleou sobre os saltos altos e finos como um
lápis. Porra. Eu deveria ter sentido o cheiro de loucura a um quilômetro de
distância.
Eu me virei, procurando uma fuga. Se ela me visse, tudo iria pelos ares.
Seus saltos estalaram no pavimento e sua voz ricocheteou em todas as
superfícies disponíveis.
— Ford! — O grito dela cortou o ar espesso da noite como uma bala.
Girando, eu a encarei como se ela fosse o carrasco e minha hora tivesse
chegado.
— Angélica, o que você está fazendo aqui? — Envolvi minha mão em
torno de seu braço e a puxei para longe da entrada do hotel, mais perto do
jardim.
Liv estaria ali a qualquer segundo e eu precisava me livrar de Angélica.
Ela olhou para mim, piscando com os cílios postiços quilométricos.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei novamente. Por favor,
que ela esteja aqui para jantar ou algum outro evento, e não por mim.
— Você não está feliz em me ver? — Ela estendeu os braços e me
puxou para um abraço. Eu mantive minhas mãos coladas ao meu lado. —
Eu queria fazer uma surpresa para você.
A minha esperança acabou em um segundo. Eu encolhi os ombros
enquanto as pessoas saindo dos carros olhavam para nós.
— Como você sabia onde eu estava? — Eu a empurrei para longe da
fila de carros, mais para dentro do jardim. Considerei se devia fazer uma
cena ali na frente de todos e me envergonhar, ou tentar fazer com que seu
colapso acontecesse longe de olhos curiosos, mesmo que fosse estúpido
ficar sozinho com ela. A estupidez vencia repetidamente contra fazer um
espetáculo público de mim mesmo.
Ela ergueu o telefone, balançando a tela brilhante no meu rosto.
— Eu sigo todos os Kings nas redes sociais. Alguém postou sobre o
casamento e eu vi você nas fotos. — Ela parecia tão satisfeita consigo
mesma, como se tivesse seguido algumas migalhas de pão que eu havia
deixado para ela e agora estivesse esperando por seu prêmio.
— Se eu quisesse você aqui, eu teria convidado.
— Estou pronta para a segunda rodada. — Ela deslizou os braços em
volta do meu pescoço como se eu não tivesse acabado de deixar claro que
ela não havia sido convidada. O perfume dela obstruiu meu nariz e fez
meus olhos lacrimejarem. — Não consigo parar de pensar em nossa noite
incrível juntos.
Quando recuei, o cascalho do caminho do jardim rangeu sob meus
sapatos.
— Isso foi há meses. — Talvez eu tivesse bebido demais naquela noite e
de alguma forma não havia notado a loucura nos olhos de Angélica.
Normalmente eu conseguia identificar e evitar essas mulheres a todo custo.
Elas faziam as Marias Patins parecerem freiras, mas não, eu fui parar direto
nas garras dessa leoa.
— Eu sei que você é ocupado. Sou muito compreensiva. — Ela se
aproximou com os olhos focados no meu pescoço, como um predador
pronto para abater sua presa. — Podemos fazer isso dar certo.
— Não tem nada pra dar certo. Não se trata de ser ocupado. O que nós
tivemos foi coisa de uma noite. — Nunca fiz promessas idiotas só pra levar
alguém para a cama. Não era meu estilo e só complicava as coisas. — E não
existe nós.
— Ford, eu sei que você não quis dizer isso. — Ela se lançou para
frente com uma velocidade que eu não achava possível com toda aquela
oscilação. Os lábios de Angélica estavam nos meus em um piscar de olhos.
Ela tinha gosto de vodka barata e desespero. Virei minha cabeça, mas seus
lábios estavam grudados nos meus. Minhas pernas bateram em um banco de
pedra, interrompendo minha fuga.
— Ford? — O sussurro sufocado de Liv era como uma adaga sendo
enfiada no fundo do meu coração com as duas mãos no cabo.
Larguei as taças de champanhe e a garrafa e soltei Angélica. O vidro
explodiu contra o cascalho no caminho, cacos atingindo minhas calças, e o
olhar de Liv disparou para os restos da minha surpresa estilhaçada. O brilho
dos olhos dela refletidos no luar. Meu coração falhou.
— Liv... — Eu dei um passo em direção à ela, mas Angélica bloqueou
meu caminho, enrolando os braços em volta da minha cintura. Ela se mexeu
e intensificou o aperto.
— O que está acontecendo? — As palavras estavam presas na garganta
de Liv como se ela tivesse que empurrar para fora.
— Não tem nada acontecendo. Eu te encontro lá dentro. — Envolvi os
braços de Angélica com as mãos, tentando ser gentil, respirando fundo para
não jogá-la no chão.
— Ford, quem é a sua amiga? — Angélica se virou para Liv. Agora foi
a minha vez de agarrar a cintura dela. Até onde sei, ela poderia atacar Liv
ou fazer algo igualmente insano.
Liv, vá. Eu implorei com meus olhos. Não queria que Angélica soubesse
nada sobre Liv, nem mesmo seu nome. Apenas vá. Tentei forçar as palavras
na cabeça de Liv.
Angélica era muito mais forte do que parecia. Ela tentou dar um passo à
frente, seus saltos escorregando no cascalho, mas eu não desisti.
— É, corre, querida. Temos negócios para terminar.
— Cala a boca, Angélica. — Eu segurei enquanto seus músculos
ficaram tensos como se ela estivesse se preparando para um ataque.
— Só vai, Olive. — Minha voz saiu como um grito áspero quando
Angélica se retorceu em meu aperto e tentou me beijar outra vez. Eu
precisava manter ela contida e não deixar ninguém saber sobre isso. Essa
era a última coisa que eu precisava fazer – manchar o casamento de Declan
e Mak.
Liv tropeçou para trás.
Angélica passou a mão pela minha bochecha. Eu vacilei, não só por
causa do toque de Angélica, mas também com o olhar de Liv. Eu a observei
se virar e andar – não, sair correndo de mim. Grant apareceu no final do
caminho. Seu olhar disparou por cima do ombro dela na minha direção e na
maldita mulher polvo se contorcendo em meus braços.
Ele colocou Liv debaixo do braço e a acompanhou para fora do jardim.
O rosto dele era uma máscara de desapontamento e raiva que atravessou a
distância entre nós e me chutou na cara como só um irmão poderia fazer.
Obrigado, irmãozinho.
Consegui sinalizar para alguém da segurança vir colocar a situação de
Angélica sob controle. Eu também não precisava que Colm tivesse mais um
motivo para ficar chateado comigo por causa do meu passado sexual
voltando para me assombrar. Foi uma lição que aprendi do jeito mais difícil.
Era muito mais fácil falar com uma mulher no quarto onde nossos corpos
diziam tudo o que precisava ser dito do que à luz do dia, mas aquela trilha
de parceiras de quarto terminou abruptamente depois do que aconteceu com
Colm.
Correndo para fora da sala de segurança enquanto eles continham
Angélica, voltei para a recepção. Heath chamou meu nome e acenou para
mim, sua cabeça loira balançando na pista de dança.
Eu procurei Liv, mas nenhuma das loiras tinha o brilho que ela tinha.
Nenhuma com o penteado de Liv com fios deslizando ao longo de sua pele
lisa e macia. Eu tive aqueles cachos dourados e sedosos entre meus dedos
menos de uma hora atrás. O aperto no meu estômago se multiplicava a cada
minuto que ela pensava que algo estava acontecendo entre mim e Angélica.
— Você viu a Liv? — Eu agarrei o ombro de Emmett quando ele
passou. Parando, ele olhou ao redor e deu de ombros, deslizando o braço
sobre o ombro de sua noiva Avery, provavelmente tentando encontrar um
lugar tranquilo para se agarrarem.
Meu pulso latejava em minhas veias. Arrastei minhas mãos ao longo do
meu cabelo e as prendi atrás da minha cabeça, me afogando em um mar
cheio de pessoas. Correndo de volta para fora da sala de recepção, tive um
vislumbre rosa com o canto do meu olho.
Alcovas estavam espalhadas pelo corredor, cada uma com um banco
acolchoado. Eu corri até parar com tudo quando ouvi a voz de Grant.
— Sinto muito por ele ter te machucado, Liver.
Liv soltou uma risada trêmula. Grant era o único que conseguia chamar
ela assim. Eles cresceram juntos, com menos de dois meses de diferença,
muito menos do que os quase cinco anos e uma tonelada de bagagem entre
ela e eu.
— Eu disse a você na oitava série que se você me chamasse assim mais
uma vez, eu nunca ia brincar de pega-pega com você de novo.
— Eu sei, mas isso te fez sorrir.
Eu espiei pelo canto.
Grant colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha e olhou para
ela como se ela fosse o ar que ele respirava. Minha mandíbula se flexionou,
e mordi o interior da minha bochecha com tanta força que senti o gosto de
sangue.
— Obrigada, Grant. Eu precisava disso. — Ela baixou a cabeça em seu
ombro. Ele fechou os olhos e passou a mão pela nuca dela.
Me afastando, pressionei minhas costas contra a parede e corri meus
dedos ao longo da minha barba.
Eu queria arrancar as mãos dele do cabelo dela.
Eu queria explicar tudo para ela e dizer que foi um mal entendido.
Eu queria não ser o cara que traiu o melhor amigo e o próprio irmão por
uma mulher que ele não deveria nem querer estar perto em primeiro lugar.
Olivia era tudo que eu queria e tudo que eu nunca deveria ter ousado
esperar que teria. A conversa murmurada deles mal alcançava meus
ouvidos. O soco amargo do arrependimento subiu em minha garganta
enquanto seu doce sabor queimava minha alma.
Entrando no meu quarto de hotel, tentei recuperar o fôlego. Meu peito
estava apertado, como se eu tivesse levado um chute nas costelas com um
par de patins afiados recentemente. Abri o frigobar e bebi cinco mini
garrafas de uísque. Eles provavelmente iriam querer um braço e uma perna
quando eu fizesse o check-out, mas esta era uma emergência alcoólica.
Sentado na beirada da cama, encarei a garrafa aberta na minha mão. Eu
tinha feito a mim mesmo uma promessa no jardim de que não a beijaria
novamente. Desta vez, ia dar certo. Tinha que dar certo.
E mantive essa promessa por mais 544 dias.
1

FORD

G irei o registro do chuveiro, desligando a cascata de água. Pegando


uma toalha, comecei a me secar, suando ainda mais conforme
minha frequência cardíaca diminuía. Relaxar depois dos jogos era
sempre uma dor de cabeça. Pegando minha camisa e shorts do gancho fora
do box, eu encarei minhas mãos. Eu as apertei com mais força em volta das
minhas roupas enquanto a adrenalina disparava por mim. O desastre era
inevitável. Eu coloquei minhas roupas. Cada segundo que eu ficava no
chuveiro me protegia do circo que era o caos dos vestiários pós-vitória: a
iluminação industrial, os repórteres e as câmeras.
Depois de um jogo eu precisava de silêncio. A energia do gelo me fazia
procurar por um refúgio. Odiava que aquilo era a única coisa que me
acalmava depois do tempo preso em frente a um gol apenas com o gelo e a
forte determinação de não decepcionar o time.
Sem os chuveiros para encobrir, o cheiro de suor e Gelol me atingiram
no segundo em que entrei no vestiário principal. Camisetas laranjas, pretas
e brancas estavam espalhadas por todos os bancos de madeira, e os
membros da equipe de funcionários corriam para limpar tudo. Alguns dos
meus companheiros de equipe entravam e saíam da reabilitação – também
conhecida como tortura – sessões que incluíam banhos de gelo e
alongamentos brutais que te faziam morder o punho para não gritar.
Deixei minha toalha cair no cesto cheio com outras – como se
pudéssemos lavar a intensidade do jogo somente com um banho rápido e
uma toalha. As luzes brilhantes das câmeras da imprensa faziam os cabelos
da minha nuca se arrepiarem, como se estivesse sob um microscópio,
embora eu estivesse no meio da sala.
Haviam muitas pessoas. Agora era quando o interruptor era desligado e
eu ficava fora de mim, observando e mantendo distância. Era mais fácil
desse jeito. No gelo, cercado por milhares de fãs gritando, com todos os
olhos em mim a cada chute para o gol, eu conseguia lidar, mas a coisa cara-
a-cara era como espremer limão com as mãos cheias de cortes.
Do outro lado da sala Heath correu e sorriu amplamente, pulando com
as mãos nos ombros de Emmett e quase o derrubando na frente da equipe
de câmera. O jeito surfista de Heath sempre chamava a atenção dos
repórteres, não importava onde fossemos. Emmett o afastou e terminou de
falar com o repórter com o microfone enfiado em seu rosto barbudo. Corri
minhas mãos sobre minha barba por fazer. Foi a única vez que deixei
Declan me convencer a ir a um barbeiro fazer a barba e o cara praticamente
tirou tudo. Eu me sentia exposto.
Passei por alguns dos meus companheiros de time, alguns dando
tapinhas nas minhas costas com gritos de “Bom trabalho”. Tentei sorrir e
mantive minha cabeça baixa, indo para o meu armário. Os flashes foram
desligados e a sala escureceu quando as câmeras foram guardadas e a
equipe de notícias local saiu após as entrevistas com o time. A minha
resposta era sempre não, então eles pararam de perguntar.
— Nosso último fim de semana livre por um tempo – o que você vai
fazer? — Heath se sentou no banco ao meu lado, me olhando como se
tivesse medo que eu tentasse desaparecer em uma nuvem de fumaça na
frente de seus olhos. Se fosse possível, eu teria aprendido esse truque há
muito tempo.
Dei de ombros. O que eu fazia com meu tempo livre? Lia, cozinhava,
visitava minha família e evitava a maioria das outras interações sociais.
Também tinha a minha atividade favorita: ficar longe de problemas.
— Vejo vocês amanhã. — Emmett acenou e desapareceu tão rápido que
eu não ficaria surpreso se uma nuvem de poeira aparecesse atrás dele.
— Avery tirou o dia de folga, então estou surpreso que ele tenha
aparecido para o jogo. — Heath riu e afastou o cabelo loiro do rosto, depois
o amarrou.
Emmett foi transferido de volta para a Filadélfia um ano atrás e
finalmente conseguiu morar com Avery. Eles deixaram de querer matar um
ao outro para ficarem perdidamente apaixonados no decorrer de alguns
meses, dois verões atrás. Uma reviravolta de proporções épicas.
— Ela é persuasiva. — Coloquei meus sapatos. Ela provavelmente disse
a ele que se faltasse ao jogo, ele ia ficar na seca essa noite.
— Quer dizer que ela o ameaçou. — Heath sorriu e puxou sua camisa
da bolsa ao lado dele. — Kara e eu vamos convidar todo mundo pra jantar
amanhã.
— E ele vai cozinhar. — Declan deslizou ao lado dele e colocou os
sapatos. Água pingava de seu cabelo castanho encaracolado, pontilhando
um padrão em sua camiseta. — Cabelo legal. — Ele deu um tapinha no
coque loiro no topo da cabeça de Heath.
— Cala a boca. — Heath o empurrou. — Se você quiser frango à
parmegiana com queijo e pão de alho, é melhor deixar meu coque em paz.
Declan ergueu as mãos em sinal de rendição simulada e se virou para
mim.
— Ford, você vem, certo?
Desculpas sobre montar meus novos móveis, pintar meu apartamento ou
explorar minha vizinhança não iam mais servir. Eu me mudei no início da
temporada. Soltando uma respiração profunda, encontrei o olhar dele.
— Eu estarei lá.
— Claro que sim. — Declan saltou do banco.
— E você acredita nele? Lembra da festa de Halloween? — Heath
ergueu a sobrancelha, olhando diretamente para mim. Eu abaixei minha
cabeça e fechei minha bolsa. — Aquela que ele furou com a gente porque
teve que levar o gato ao veterinário?
— Emergências acontecem. — Dei de ombros.
— Você nem tem um gato.
Era o gato da minha vizinha. Então me processe.
— Eu preciso da sua palavra que você vai estar lá. — Declan estendeu a
mão. — Sentimos sua falta, cara. A gente só te vê nos jogos e nos treinos.
Droga, eu estava decepcionando os caras. Eu agarrei sua mão e mudei o
aperto, puxando ele para um abraço.
— Eu vou estar lá. Eu prometo.
— Ah, e Mak convidou a Liv, então vocês dois podem se unir pela
felicidade conjunta de finalmente estarem livres do Colm. Ele está em um
avião, certo?
Essas palavras me atingiram como um cervo disparando na frente do
meu carro no meio da noite.
— No aeroporto. — As palavras saíram automaticamente, mas minha
mente voltava pro passado. Minha boca ficou seca e meus dedos se
apertaram ao redor da alça da minha bolsa. — Ele levanta vôo em algumas
horas.
Meu estômago deu um nó. Se Liv ia estar lá, eu precisava ficar longe. O
beijo no casamento de Declan e Mak, um ano e meio atrás, ainda me
mantinha acordado algumas noites. Ela me evitava desde aquela noite, ela
recuou como se eu tivesse mergulhado uma adaga em seu coração. Naquela
noite, ela decidiu ir a um encontro com meu irmão – não que eu a culpasse.
Eu provavelmente deveria agradecer a ela. O encontro deles enfatizou o
fato de que ela e eu nunca seríamos mais do que duas pessoas em comum
na vida de Colm: sua irmã e seu melhor amigo .
— Na verdade eu...
— Tarde demais para dar pra trás. Você disse sim. Você prometeu que
estaria lá. — Heath se juntou a Declan em uma encarada dupla.
Soltei o ar profundamente e balancei minha cabeça. A profundidade do
quanto eu estava ferrado ainda não havia sido descoberta pelos cientistas
que exploravam a Fossa das Marianas. Nós juntamos nossas coisas e fomos
para os carros, dando autógrafos para alguns fãs que ficaram por perto. As
Maria Patins estavam ali com força total. Se eu já não tivesse jurado que ia
me afastar delas um ano e meio atrás, aquela velha rotina com o plano
alternativo para relaxar depois de um jogo teria ido para o ralo. Eu vou ver
a Liv amanhã.
— Te vemos na casa do Heath, Ford — Declan gritou enquanto íamos
para caminhos opostos no estacionamento. O sol patinou ao longo do
horizonte, sendo absolutamente inútil na tarefa de aquecer alguma coisa.
Acenei e subi em minha Mercedes Classe S preta. Eu aposentei meu
Honda Accord quando me mudei para a Filadélfia. Eles tiveram que
encomendar um modelo especial sem bancos de couro. Eu preferia o tecido,
nada grudando em meus braços ou pernas quando estava quente. Se a
concessionária não tivesse feito uma proposta tão boa, eu provavelmente
teria optado por algo menos chamativo, mas tenho que admitir, era uma
viagem tranquila.
Soprando as minhas mãos, olhei para o estádio na minha frente. Como
podia estar mais frio lá dentro do que aqui fora? Às vezes parecia um sonho
do qual eu ia acordar. Eu estava vivendo o sonho do hóquei profissional. Na
minha cabeça, eu ainda era o mesmo menino ferrado de 12 anos com os nós
dos dedos machucados, segurando a culpa que eu sentia por meus pais se
separarem com tanta força que eu a usava como um escudo. O motor
ronronou e eu liguei o aquecedor.
A roda de hamster em minha mente estava acelerada. Horas com
minhas engrenagens trabalhando no gelo, mantendo meus olhos em tudo,
me deixavam incapaz de me acalmar. Meu telefone vibrou no porta-copos.
Eu o peguei e toquei na tela.
Colm: Bom jogo.
Eu: Dois passaram por mim
Colm: Você não pode vencer sozinho. Não é como se fosse tudo culpa
sua.
Eu: Tem certeza? Às vezes isso não importa...
Ele pulou direto sobre aquela merda como o campo minado que era.
Mesmo dois anos depois, ele ainda tinha aquela dor na manga – pelo menos
para mim. Ninguém mais via, mas eu sim.
Colm: Saiu pra pegar alguma estranha?
Eu: Eu parei com essa merda
Nossa amizade havia se tornado uma pílula envenenada, mas eu a
engoli porque era o que sempre fazia. Eu queria voltar a como as coisas
costumavam ser, antes de eu estragar o futuro dele.
Colm: Você age como se eu não soubesse quem você é.
Isso não merecia uma resposta. Ele machucou o joelho. Ele
provavelmente ainda estava chapado com analgésicos.
Saindo do estacionamento, dirigi sem rumo. A Filadélfia era onde eu
queria estar, era mais perto da minha mãe e do meu irmão mais novo, e do
resto dos Kings também.
Depois de estacionar na garagem sob meu prédio, atravessei a rua para
minha versão do Cheers, Fish's Bar & Grill. Empurrei as portas e Jack, o
barman, olhou para cima, acenando com a cabeça. Eu fui em direção ao
meu banquinho na outra extremidade do balcão. Fish's era um lugar onde,
mesmo que soubessem seu nome, com certeza não gritariam em voz alta.
— Ford. — Jack pendurou uma toalha no ombro e se apoiou no balcão.
— Jack. — Eu acenei com a cabeça para ele. — Vou querer um Forester
1920 e o de sempre. — Eu tamborilei meus dedos ao longo da madeira
entalhada e amassada.
Ele assentiu. O bar da velha guarda não era espalhafatoso e com certeza
não servia água artesanal, nem tapas, mas me salvava de beber sozinho em
meu apartamento. Embora Jack tivesse assumido o lugar do pai, ele parecia
contente em deixar tudo como estava, e tudo bem por mim.
Minha lista da Netflix estava me chamando. Eu teria que passar várias
horas com pessoas amanhã, então precisava economizar minhas reservas de
energia. Corri meus dedos ao longo do meu queixo. Como vou sobreviver
amanhã com Liv?
A decoração retrô de lâmpadas de vidro verdes penduradas sobre cada
mesa, painéis de madeira, estantes e bancos de couro desgastado
mantinham as multidões mais modernas longe. Também tornava o lugar
perfeito para mim. Eu posso ser um cara reservado, mas não vou me tornar
um alcoólatra. Eu já tinha visto alguns caras irem por esse caminho antes.
Os treinos duravam apenas algumas horas por dia quando não estávamos
viajando para jogos, e isso deixava muito tempo livre para fazer besteira.
Meu telefone tocou no balcão. Colm.
— Você não respondeu minha mensagem.
— Não achei que precisava de uma resposta. Você não vai entrar em um
avião daqui a pouco?
— Eu vou, mas precisamos conversar.
Como quando uma mulher dizia essas palavras para mim, os cabelos da
minha nuca se arrepiaram.
— Sobre o que?
— Olive.
Se eu estivesse usando uma camisa de botão, teria puxado meu
colarinho. Eu limpei minha garganta.
— O que tem ela? — Peguei meu copo, tentando engolir um pouco da
minha bebida com a minha garganta fechada.
— Ela está estranha ultimamente. — A preocupação em sua voz
sangrou pela frieza de suas palavras.
— Estranha como?
— Não responde às minhas mensagens de texto e chamadas. Ela fugiu
de nossos jantares de família pelo menos três vezes. Desde que me mudei
para a Filadélfia, ela desapareceu da face da Terra.
— O que você acha que está acontecendo? — Ela está saindo com
alguém? Está com algum tipo de problema?
— Não faço ideia, mas as notas dela estão caindo.
— Caindo para o quê?
— Ela tirou três notas -A no semestre passado.
Engasguei com meu bourbon.
— Você acha que um -A é decair? Você se lembra das minhas notas na
faculdade?
— Você tinha muitas outras atividades recreativas. — Havia um tom
áspero em sua voz que eu tinha me acostumado nos últimos dois anos, e eu
odiava isso pra caralho. — Além do mais você não estava tentando se
tornar um médico. Olha, me faz um favor... — Ele deu uma pausa tão longa
que eu verifiquei para ter certeza de que a ligação não tinha caído.
— O que você quer que eu faça? — Eu inclinei meu cotovelo contra o
balcão. Ele não me pedia um favor há muito tempo.
— Eu não queria pedir isso, mas ela vai ouvir você.
Meu punho apertou em torno do copo com a maneira como ele falou,
como se fosse um último recurso. A tensão corroeu meu peito.
Ele soltou um suspiro profundo.
— Fale com Olive. Veja se consegue descobrir o que está acontecendo
com ela. Ela está distraída. Pedi a Mak para descobrir, mas ela me disse
para perguntar a Liv. Olive está tão calada ultimamente, e eu preciso saber
se ela está bem, especialmente quando eu não estou por perto.
— Tenho certeza de que ela está bem. Você está agindo como se ela
ainda fosse uma criança. — Ele sempre a tratou como se ela fosse a mesma
criança assustada de 12 anos segurando a mão dele e parada ao lado do
túmulo de seus pais enquanto as lágrimas dela se misturavam com a chuva.
— Ela é minha irmãzinha. Eu a amo mais do que tudo. Eu preciso saber
que ela não está estragando o futuro dela. Ela é tudo que eu tenho, cara.
Um nó se formou em minha garganta. Colm não confiava em mim, não
mais. Se ele soubesse os pensamentos sobre Liv que estavam passando pela
minha cabeça, ele teria me dado uma surra – não que eu não merecesse isso
e muito mais.
— Ela é mais forte do que você pensa. — Meu apetite se foi. Fiz sinal
para Jack que levaria minha comida para viagem.
— Mas eu não quero que ela tenha que ser. Só faz isso por mim, por
favor. Tenho que ligar para ela antes do meu vôo. Falo com você mais tarde.
— Ele encerrou a ligação antes que eu pudesse dizer outra palavra. No dia
seguinte, eu a veria e Colm queria que eu arrancasse informações dela. Eu
era a última pessoa que ela gostaria de ver, quanto mais se abrir.
Jack estendeu a sacola para mim no balcão, e eu agarrei, abotoei meu
casaco e saí.
— Ainda estou procurando aquele Macallan — gritou ele, limpando o
balcão. Acenei e a porta bateu atrás de mim.
O elevador do meu prédio apitou e eu desci no meu andar. Eu não fazia
ideia de quem era a maioria dos meus vizinhos, além da senhora com o
gato. De qualquer forma, havia apenas três apartamentos neste andar. Era
bom e tranquilo, exatamente como eu gostava.
O loft com paredes de tijolos expostos já era um lar há meio ano, mas
ainda parecia que eu estava me ajustando. Mesmo com apenas um quarto, o
teto de seis metros e os acabamentos de primeira linha estavam muito longe
de como as coisas tinham sido para mim enquanto crescia. Fechei a porta
do meu apartamento.
Algumas garrafas sacudiram na minha geladeira e Grant apareceu de
repente, fechando a porta de aço inoxidável com uma fatia de pizza fria
enfiada na boca e segurando duas cervejas.
— O que você está fazendo aqui? — Como diabos ele entrou?
— Achei que você estaria comemorando depois do jogo. O que você
está fazendo aqui?
— O apartamento é só meu. Peguei sua chave depois que você trouxe
aquela garota no semestre passado. Como você entrou?
Ele mordeu outro pedaço de pizza.
— Você não pegou a chave da mamãe. — Ele sorriu, abrindo a cerveja
na beira da minha bancada de granito.
Eu deslizei minha comida no balcão.
— Comida fresca. — Ele pegou a sacola e eu soquei seu ombro. Ele
estremeceu e eu sorri com o baque oco.
Ele olhou para mim e esfregou o local.
— Isso foi por causa de que?
— Já é ruim o suficiente você invadir meu apartamento e roubar minhas
sobras – agora você está tentando roubar minha janta também?
— Não é como se você não pudesse comprar mais. Tenho certeza de
que eles viriam imediatamente para cá para entregar outro pedido para o
incrível goleiro da cidade.
— Esse cara podia ser você. — Abri minha comida e tirei um prato do
armário.
— Com o que sobrou dos seus protetores e tacos de segunda mão? Não,
obrigado. — Ele pegou uma batata frita do meu prato.
— Como está a faculdade?
— É a faculdade. — Se encostando no balcão, ele engoliu a cerveja.
— Calma, cara. Não é água.
— Poxa, obrigado, pai.
Eu odiava quando ele me chamava assim, principalmente porque eu
odiava aquele homem, odiava ele por ferrar com nossa família e me fazer o
guardião de seus segredos de merda.
— Por que você está aqui se está com um humor tão terrível? Você não
deveria estar se pegando com a sua namorada nas estantes da biblioteca?
Ele esfregou o rótulo da garrafa.
— Nós terminamos.
Eu balancei minha cabeça.
— De novo? É sério? Essa é o que, a terceira esse ano? Você precisa
parar de sacanear essas garotas.
— Como você sabe que não sou eu quem está sendo sacaneado? — Ele
bateu a cerveja com tudo no balcão e a espuma disparou da garrafa,
cobrindo sua mão.
— Porque eu conheço você. — Eu afundei meus dentes no hambúrguer
suculento e fechei os olhos, sentindo o sabor. Um hambúrguer muito bom.
— Talvez eu apenas não tenha conhecido a garota certa ainda. Falando
nisso, você sabe se Liv está namorando alguém? — Ele girou no banco do
balcão.
Minha raiva aumentou.
— Não vamos fazer isso de novo.
— Fazer o que? — Seus grandes olhos de cachorrinho não enganavam
ninguém.
— Essa paixonite que você tem por ela. Você está perseguindo a garota
desde a quarta série. Ela não está interessada. — Eu enfiei minha batata
frita em um pouco de ketchup.
— Ela disse sim para um encontro após o casamento de Declan.
Combinamos dois encontros naquele verão, antes que ela tivesse que voltar
às aulas e, antes disso, vivemos em estados separados por cinco anos. Você
não pode contar isso.
— E vocês estão na mesma cidade há dois anos e meio.
— Em faculdades diferentes.
— Colm arrancaria sua espinha pela boca.
— É por isso que você precisa falar bem de mim. — Ele apoiou os
cotovelos no balcão.
Eu apertei minha nuca.
— Existem coisas que nem eu posso fazer ele mudar de ideia.
— Só me promete que da próxima vez que você ver a Liv, vai dizer que
perguntei sobre ela. Pergunta como a faculdade está indo. Foi o que
atrapalhou tudo da última vez. Ela disse que se não fosse por todas as coisas
de pré medicina, ela definitivamente estaria disposta a namorar comigo.
— Ela disse isso? — Minha pele formigou e limpei as palmas das mãos
na calça jeans. Já era difícil saber que ela tinha saído com ele algumas
vezes, mas ouvir que a única razão pela qual ela parou foi por causa das
aulas... merda!
Ele encolheu os ombros.
— Bem, ela disse que ambos estaríamos ocupados assim que o ano
letivo começasse e que deveríamos nos concentrar em nosso futuro.
Agora isso soava mais como Liv.
— O cadáver do seu último relacionamento nem esfriou ainda.
— Tem sempre aquela pessoa no fundo da sua mente. — Ele olhou para
o balcão, limpando a cerveja derramada. Eu queria enfiar meu punho na
garganta dele, uma resposta totalmente irracional. Ele e Liv tinham a
mesma idade. Eles eram amigos antes de ela se mudar para Boston. Ele
sempre gostou dela, o que foi outra razão para eu me recompor e não deixar
o dia de amanhã muito estranho – bom, mais estranho do que já seria.
— Você pode comer meu hambúrguer. — Empurrei o prato na direção
dele, meu apetite fugindo como um ladrão desaparecendo na noite.
— Obrigado. — Ele largou a fatia de pizza, agarrou meu prato e foi para
a sala, ligando a TV. Peguei um copo e me servi de uma bebida.
Em menos de 12 horas, eu estaria no mesmo lugar que Liv pela primeira
vez desde o casamento e precisava fazer com que ela abrisse o coração. Se
ela não falasse, Colm se perguntaria o que estava acontecendo. Já que ele
voltou pra Filadélfia há poucos meses, ele não percebeu que as minhas
interações com Liv eram inexistentes. As coisas tinham sido mais fáceis
assim.
Acrescente Grant e a paixão dele na mistura e essa receita para o
desastre ficou ainda mais pegajosa. Ele falou sobre ela sem parar naquele
verão, sobre seus dois encontros, seu beijo. Depois que não houve um
terceiro encontro, ele ficou deprimido por meses.
O que diabos eu deveria dizer a ele? Ela estava tão fora de alcance que
os pensamentos sobre ela nem entravam mais na minha cabeça, pelo menos
não enquanto eu estava acordado, e isso precisava ficar assim.
Não existia nada que eu fosse fazer para quebrar a confiança de Colm...
de novo.
2

LIV

— É uma armadilha mortal e você sabe disso. — A voz de Colm se


transformou na voz de pai, como um casaco bem gasto com cotoveleiras.
Se ele estivesse parado na minha frente, eu teria revirado os olhos, algo
que ele odiava.
— Qualquer coisa com menos de 270 metros quadrados que não passa
por reformas anuais dificilmente é uma armadilha mortal. Você já esteve na
minha casa. Tá tudo bem. — Eu massageei a cãibra no meu pé com o
telefone apoiado no meu ombro. O frio intenso lá fora derretia conforme
pessoas de todas as formas e tamanhos corriam pelos corredores. Eu sorri
com seu barulho de desaprovação. — Eu juro que está tudo bem. Eu fiz
amizade com os ratos.
— Ratos? — A voz dele aumentou no outro lado da linha.
Eu afastei minha cabeça para longe da gritaria em meu ouvido.
— Foi uma piada. Eles nem chegam a ser camundongos. —
Flexionando meus dedos ainda congelados, parei do lado de fora da porta
da sala de aula. O volume aumentou enquanto as pessoas se acumulavam no
corredor esperando as portas se abrirem.
— Você é uma pirralha.
— É preciso ser um para reconhecer outro.
— E as suas notas, Olivia?
Passei meus dedos entre os fios do meu cabelo.
— Não me chame pelo nome completo, Colm. Quer parar com isso?
Minhas notas estão boas. — Química orgânica me dava vontade de gritar,
mas consegui superar isso com um -A.
— Você está refazendo o Teste de Admissão em Faculdades de
Medicina?
— Eu acertei noventa e dois por cento.
— Sempre dá pra melhorar. Você só tem um semestre até as inscrições
se encerrarem.
Eu rangi meus dentes. Esse percentual de noventa e dois levou um verão
inteiro das oito da manhã às oito da noite estudando. Tiveram dias que eu
nem saí do meu apartamento. Meu pescoço estava dolorido há semanas e
meus ombros pareciam pedra. Depois disso, comecei a ter mais aulas de
dança porque em alguns dias era a única coisa que me mantinha sã.
— Como eu posso esquecer? Você começou esta contagem regressiva
de inscrição na faculdade de medicina quando eu tinha treze anos. — A
faculdade de medicina era o fim do jogo. Essa foi a meta que traçaram para
mim desde o dia em que disse aos meus pais que queria ser médica quando
eu tinha onze anos. Estudar medicina quase parecia como se eu estivesse
mantendo uma parte deles viva, e era por isso que aguentava a insistência
constante de Colm.
— É o que você sempre quis. Estou garantindo que você não deixe seu
sonho passar. — A voz dele deixava as expectativas aparentes em cada
palavra.
Por um tempo ele se afastou e parecia mais focado em sua própria vida.
As coisas estavam indo tão bem com Felicity e ele estava tão feliz, muito
feliz pela primeira vez na vida. Quando ele me mostrou o anel que ia dar
para ela, mal podia esperar para ter uma espécie de irmã mais velha. Ela me
levou para fazer compras uma vez antes do início do ano letivo. Eu não
precisava de nada na verdade, mas queria conhecer a mulher com quem
meu irmão queria se casar. Eu fui a única que a conheceu e Colm me fez
jurar que ia manter segredo, então eu senti que ele finalmente confiava em
mim sobre algo importante.
É, eu estava um pouco desesperada para ter uma família, me processe –
e então ela simplesmente se foi. Ele até pegou meu telefone e apagou o
número de Felicity quando eu disse que ligaria para conseguir respostas.
Ela foi embora e ninguém a mencionou novamente. Ela foi excluída
completamente.
Eu quase criei coragem para falar sobre talvez adiar um pouco a
faculdade de medicina, mas então sua espiral pós-Felicity começou. Tentei
fazer com que ele se abrisse comigo, e ele exigiu que eu nunca mais
perguntasse sobre ela. Isso tinha me calado com certeza. Então seu foco
mudou de volta para mim completamente, como um holofote no pátio de
uma prisão. Ele se agarrou a esse sonho por mim com tanta força e eu não
queria acabar com tudo por consideração a ele, então os planos seguiram
em frente normalmente.
Ele era tudo que eu tinha.
— Você vai ficar fora por quanto tempo?
— Um mês ou algo assim. Esse problema no joelho é irritante pra
caralho. O time quer que eu esteja pronto para as finais. Eloise está vindo
comigo, então não vai ser tão ruim.
Bleh. Eloise era a nova namorada que tinha lábios de pato permanentes.
Todas elas eram assim desde Felicity. Bom, até ela faria cosplay de
Margarida na época.
— Por que você não pode ficar aqui para a reabilitação? Não está nem
quebrado. — Não que eu não me importasse de ter um pouco de espaço.
Desde que ele voltou para a Filadélfia, alguns meses antes, ele estava
colocando qualquer pai coruja no chinelo.
Segurando o telefone contra a orelha, eu curvo a cintura, dobrando meu
corpo ao meio e pressionando uma mão contra o chão de madeira. Minhas
costas estalaram em cinco lugares. Quase cinco horas na minha mesa e eu
só tinha lido metade do material. Infelizmente, eu havia descoberto a chave
do meu sucesso na faculdade: martelar o material na minha cabeça
repetidamente por horas a fio até que ele entrasse. Nenhum outro truque ou
dica de estudo funcionou. A faculdade consumia todo meu horário vago se
eu não abrisse espaço para outras coisas, como dançar. Agora todos ao meu
redor estavam em várias posições de alongamento, se aquecendo.
— Tem um especialista em uma clínica em LA que eles querem que eu
veja para reabilitação e algumas coisas de precaução.
— Não posso dizer que vou sentir falta de você me obrigando a ir para o
jantar em família enquanto você estiver fora. — O sangue subiu para minha
cabeça e respirei fundo no alongamento.
— Como se você tivesse vindo para qualquer um deles de qualquer
maneira. Você tá fazendo um barulho engraçado – o que está fazendo? E
onde você está? Por que tem tanto barulho? — Um anúncio de embarque
atravessou o telefone, interrompendo a enxurrada de perguntas.
— Estou esperando a aula começar. — Só não era o tipo de aula que ele
pensava. — Eu tenho uma prova enorme de bioquímica no final da próxima
semana.
— Estude bastante, Olive. Deixe mamãe e papai orgulhosos. — Ele
disse isso como se não fosse um peso que eu carregava comigo todos os
dias, como se eu não pensasse nisso toda vez que recebia um teste com
menos de A ou não conseguisse fazer com que os problemas se
resolvessem, não importava quanto tempo eu ficasse na minha mesa. O
estúdio de dança se tornou meu refúgio das expectativas esmagadoras que
lentamente ameaçavam me afogar. Dançar era natural. Não haviam dúvidas
ou estudos por horas sem fim, pode não estar salvando vidas, mas às vezes
parecia que estava salvando a minha.
Meu peito se apertou. Quando eu era pequena, andava pela casa com
um pequeno jaleco e um estetoscópio enrolado no pescoço. Papai era
cardiologista e mamãe neurocirurgiã. Eles satisfizeram meu interesse em
seu trabalho, na verdade arranjaram tempo para me mostrar coisas básicas.
Mamãe me mostrou como suturar o peru do Dia de Ação de Graças um ano
antes de ser chamada para a cirurgia.
Eu absorvi essa atenção como qualquer criança faria, e eles encontraram
alguém para seguir seus passos, já que Colm estava no gelo a cada segundo
que podia gastar. Levantando minha perna, fiz uma abertura quase total
contra a parede.
— Eu sei.
— É hora de embarcar. Te envio uma mensagem quando pousar. Os
caras vão ficar de olho em você enquanto estou fora.
Eu gemi.
— Sério, Colm? Eu não tenho mais treze anos. Tenho vinte, quase vinte
e um, e sabe o que isso significa? — Pelo menos ele não disse Ford. Por
favor, Ford, não. Minhas mãos ficaram úmidas, deslizando na parede de
concreto pintada.
— Deus nos ajude. Você é minha irmãzinha. Me processe por querer ter
certeza de que você não está morta na beira da estrada em algum lugar.
Somos nós dois contra o mundo, lembra? — Nosso mantra de infância,
geralmente dito no quintal usando fantasias de pirata, assumiu um
significado diferente quando nossos pais morreram.
— Eu sei. Melhore e vamos conversar em breve.
— Se comporte, Olive.
— Você também. — Encerrei a ligação e coloquei o telefone na bolsa.
As portas se abriram e uma música forte encheu o corredor.
Larguei minha bolsa perto da parede com a de todo mundo e fui para o
meu lugar na frente da sala. Empurrando o resto do mundo para longe, eu
rolei meus ombros e fechei meus olhos. Este era o meu lugar, onde eu não
me sentia diminuída, onde eu tinha algum controle. Eu estava em casa
dentro dessas paredes, nesta sala de quatro por quatro. Nossa sessão de suor
de uma hora estava prestes a começar. Os movimentos estavam passando
pela minha cabeça sem parar desde a última aula.
De pé e me olhando no espelho, balancei meu corpo, liberando a tensão
do dia. Colm me mataria se soubesse que estou no estúdio de dança quatro
noites por semana, mas depois de me acorrentar à minha mesa o dia todo, o
movimento era a única coisa que me mantinha sã. Ele me deixava dançar
quando eu era mais jovem, mas agora as expectativas eram muito
diferentes. Era hora de uma carreira “séria”, não tutu e meia-calça, segundo
ele.
Eu balancei meus braços, afrouxando os nós em meus ombros por causa
das horas presas na biblioteca. O calor na sala aumentou à medida que mais
corpos enchiam o espaço, sua energia crescendo em antecipação do que
estava por vir.
Aumentando a música, prendi meu cabelo em um rabo de cavalo alto e
repassei a coreografia na minha cabeça. Estava tudo tão claro na minha
mente, cada curva e torção do meu corpo executada com perfeição.
Batendo palmas, me virei.
— Todo mundo pronto para começar? — Eu gritei sobre o barulho da
conversa dos recém-chegados. As pessoas correram para a sala para pegar
seus lugares. — Eu vou mostrar a série pra vocês mais uma vez, dividir em
quatro contagens, e então é melhor vocês estarem prontos para suar. —
Todos olharam para mim com expressões que iam do puro terror à notável
excitação.
— Vamos!

Depois de uma hora, descansei com as mãos nos joelhos, dobrada sobre
a cintura. O suor escorria da ponta do meu nariz e pingava na madeira
macia embaixo de mim.
— Hoje foi incrível! Vejo vocês na próxima semana para outra rodada
de tortura. — Eu me joguei para trás no chão, desabando em uma pilha.
Todos na classe fizeram o mesmo, risos, gritos e grunhidos borbulhando dos
participantes completamente encharcados.
Meu peito arfava para cima e para baixo enquanto um pequeno sorriso
surgiu em meus lábios. Eu vivia para a exaustão extasiante que vinha de
deixar tudo na pista de dança. As pessoas eventualmente foram embora e a
sala ficou vazia. Juntei minhas coisas, coloquei meu casaco, luvas, gorro e
botas para enfrentar as temperaturas abaixo de zero lá fora.
O prédio foi esvaziando enquanto as pessoas corriam para casa para
tomar um banho e seguir para o frio em uma noite na cidade. Eu tinha
planos muito melhores em mente para aquela noite. Eu evitei meu telefone
tanto quanto foi possível, então não recebi nenhum spoiler do placar.
Mesmo com tudo o que aconteceu, nunca parei de assistir aos jogos. Eles
eram uma parte de mim. Sair por aí no gelo nunca foi minha praia, mas
crescer cercada pelo esporte fazia com que eu não conseguisse
simplesmente desligar isso. Havia outras coisas que eu gostaria de poder
desligar, como meus sentimentos por Ford, mas essas coisas estavam
determinadas a me assombrar em toda chance que tivessem.
Só vai, Olive. Ele usou aquele nome de infância comigo depois de
finalmente me chamar de Liv pouco antes de nos beijarmos. Foi como um
tapa na cara. O encontro que eu tinha combinado com Grant no calor do
momento tinha sido um grande erro. Tão distraída com o que estava
acontecendo com Ford, eu nem estava prestando atenção. Eu só queria que
Grant parasse de falar para que eu pudesse pensar.
Quando ele apareceu na minha casa com flores, eu sabia que não era um
encontro em grupo. Não tinha sido uma situação de “ei, vamos comprar
batatas fritas e passear um pouco”. Era um encontro de verdade. Foram só
dois encontros e um beijo, mas Grant sempre teve uma queda por mim. Eu
não deveria ter dito sim, mas a expressão nos olhos de Ford quando ele me
disse para deixar o jardim para que ele pudesse ficar sozinho com aquela
mulher… Aquela dor foi profunda como uma onda que bateu mais forte do
que qualquer outra que já veio antes.
Essas memórias voltando à minha mente fizeram meu estômago
embrulhar e as pontas das minhas orelhas queimarem. As palavras dele
ainda ecoavam na minha cabeça, junto com a imagem de seus braços em
volta de outra mulher.
Quando eu percebi que era um encontro encontro que Grant queria, eu
realmente esperei sentir algo além de amizade por ele, esperava que talvez
eu estivesse focando no irmão errado todo esse tempo, mas nosso beijo não
acendeu nenhuma faísca, não fez os dedos do meu pé se curvarem. Tinha
sido... legal. Eu peguei o caminho mais fácil e usei meus estudos de
medicina como desculpa do porquê não poderia ir a mais encontros. Achei
que era melhor do que “Estou secretamente apaixonada pelo seu irmão que
não quer nada comigo, então acho que estar com você pode fazer os
feriados ficarem meio estranhos.” Me mate agora.
Toda vez que eu atravessava uma faixa de pedestres, eu era lançada
direto em um turbilhão de ar que parecia vir direto da Antártica. Puxando
meu gorro mais para baixo na minha cabeça, atravessei a rua para o meu
apartamento. Minhas pernas pediam socorro quando cheguei ao patamar do
quarto andar. Um prédio sem elevador não era minha primeira escolha, mas
significava que eu poderia dividir o aluguel com minha colega de quarto,
Marisa, que se recusou terminantemente a me deixar pagar mais da metade,
embora isso pudesse ter aliviado parte da pressão financeira da situação
entre ela e o pai. Ela odiava que ele usasse o pagamento da faculdade como
uma forma de controle sobre ela.
Não era como se eu precisasse do dinheiro.
Tinha sido assim desde que nos conhecemos no primeiro ano, quando
dividimos alguns aperitivos em um restaurante. Ela se recusou a me deixar
pagar mais do que minha parte, e mesmo que isso me deixasse muito
frustrada às vezes, ela era uma amiga de verdade, uma das poucas que eu já
tive. Esse era o perigo de ter um irmão famoso e uma herança – as pessoas
inevitavelmente tentavam tirar vantagem.
A música dos outros apartamentos me atingiu quando cheguei ao nosso
andar. A reação exagerada de Colm à “miséria” em que eu morava me disse
que estava certa ao escolher morar fora do campus este ano. Enfiando
minha chave na fechadura, girei duas vezes e levantei a maçaneta ao mesmo
tempo antes do clique, então abri.
Empurrando a porta, gritei quando uma meia me atingiu no meio da
testa.
— Merda. Desculpa, Liv. Eu estava lavando um pouco de roupa. —
Marisa saltou do sofá. LJ, seu “melhor amigo, definitivamente não
namorado”, como ela disse cerca de cem vezes, se encostou nas almofadas
cinza escuro.
Fechei a porta e localizei o cesto de roupa suja.
— Tiroteio de meias?
— É a única forma de fazer com que ela faça algo tão chato quanto
lavar roupa. — LJ levantou e foi para a cozinha. O Henley cinza esticado
com força em seu peito combinava com seus olhos. O olhar de Marisa o
seguiu todo o caminho. Apenas amigos, claro...
Larguei minha bolsa ao lado da porta. Nossa mistura de móveis enchia a
sala de estar; pôsteres e gravuras de arte enfeitavam as paredes. Nós
realmente organizamos o lugar nos últimos meses.
— Vou assistir ao jogo em vinte minutos.
Ambos gemeram.
— Você tem que assistir a todo. Maldito. Jogo? — Marisa empurrou LJ
para fora do caminho para pegar uma bebida na geladeira.
— Diz a garota que assiste a cada um dos jogos dele. — Eu empurrei
meu polegar para ele, parado na frente da geladeira aberta bebendo
diretamente de uma caixa do meu suco de laranja.
Suas bochechas ficaram vermelhas, e ela bebeu sua cerveja, evitando
contato visual com ele.
— É por isso que pendurei os horários. — Apontei para o calendário de
parede com todos os jogos em casa claramente marcados em vermelho e
todos os jogos de LJ em um lápis quase ilegível.
— Aww, Risa, você assiste todos os meus jogos? — Ele correu atrás de
Marisa, que se esquivou de seu aperto e pulou sobre a mesa de centro para
se afastar dele.
— Muito obrigada, Liv. Agora ele nunca vai me deixar esquecer isso.
Peguei um punhado de Twizzlers do pote de cookies na bancada.
— Só estou tentando ter certeza de que todos estão sendo abertos e
honestos. Faz um pouco de pipoca. — Minhas roupas encharcadas
grudaram em mim. Me dirigi para o meu quarto para tirar.
As luzes brancas dos fios ao redor do meu quarto o iluminaram com um
brilho suave. Fileiras de barbante cobriam minhas paredes com prendedores
de roupa segurando fotos do verão anterior. Quase todas as superfícies
disponíveis estavam cobertas por uma memória, e estas eram apenas do ano
passado. A coleção de caixas de sapatos cheias de fotos debaixo da minha
cama havia crescido, uma caixa para cada poucos anos.
Eu tinha roubado todas as fotos que pude de nossa velha casa antes de
Colm limpar o lugar. Sempre adorei fotos. Tinha alguma coisa especial em
segurar as fotos impressas em minhas mãos. Enquanto lia as palavras de
minha mãe no verso, eu traçava meus dedos sobre a sua caligrafia terrível
de médica, geralmente rabiscada quando a encurralava depois de imprimir
as fotos.
Abrindo minha gaveta da mesinha de cabeceira, vi uma foto na pequena
lacuna entre minha cama e a mesa de cabeceira. Com o poder de um dedo
de pinça, agarrei a ponta, deslizei para fora e virei.
Era do casamento de Mak e Declan, dois verões atrás. Eu fui uma dama
de honra, segurando o braço de Ford. Ele e Colm geralmente eram unha e
carne, mas as coisas estavam estranhas no casamento. Eles ficaram estranho
por algum tempo, mas não era como se eu tivesse estado por perto de
qualquer um deles para descobrir o que tinha acontecido. Mas aquela noite
não foi sobre questões envolvendo Ford e meu irmão.
Enrolei meu braço no de Ford quando as portas da cerimônia se
abriram. Seu sorriso era grande e largo enquanto ele olhava nos meus olhos.
Por uma fração de segundo, fui capaz de fingir que não tínhamos sido
designados a ficarmos juntos para a cerimônia e recepção, fingi que ele me
escolheu – e então nosso beijo incrível estragou tudo.
Em tantos momentos importantes da minha vida, ele esteve lá para mim,
e agora ele se foi. De pé no mesmo lugar, eu pisquei para conter minhas
lágrimas quando ele deixou claro em termos inequívocos que não havia
nada mais do que amizade entre nós, e agora eu nem mesmo tinha isso.
Larguei a foto na cama e envolvi meus braços em volta da minha cintura.
O olhar horrorizado em seu rosto quando Colm quase nos viu deveria
ter sido minha primeira pista. Ford estava tentando me animar e eu me
joguei em cima dele. A mensagem dele provavelmente foi enviada para me
dar um pé na bunda gentilmente, para ter certeza de que eu não tivesse
entendido errado. Estúpida! Eu bati minha palma contra minha testa. Por
que o cérebro é tão bom em repetir momentos embaraçosos em detalhes de
alta definição? Talvez eu descubra na faculdade de medicina.
A temporada de hóquei era a única desculpa justificável e consistente
que eu tinha para ver Ford. Eu estava começando a me sentir como uma
Maria Patins stalker e psicopata. Eu sabia as estatísticas dele para a
temporada, que estava prometendo ser a melhor de todas para ele. Assistir a
Filadélfia jogar não era realmente uma escolha quando Declan, Heath e
Emmett também jogavam pelo time. Pelo menos é o que eu dizia a mim
mesma quando meu olhar se desviava para o homem mascarado em pé no
centro do gol de cada jogo. Balançando a cabeça, peguei minha toalha, corri
para o banheiro e pulei no chuveiro.
Enxugando o vapor no espelho, encarei meu reflexo. Por que eu faço
isso? Por que eu fico me torturando assistindo cada um dos jogos dele? Eu
poderia fingir que era apenas para assistir Colm e não fazia isso desde que
Ford se juntou ao time da Filadélfia, mas meus olhos o procuravam no gol,
cheio de protetores, a cada segundo que ele estava na tela.
Corri meus dedos sobre meus lábios. Já se passaram dois verões? Eu
ainda pensava naquele beijo, na sensação de suas mãos na minha cintura e
como meu coração quase saltou do meu peito quando eu fiquei na ponta dos
pés para provar o gosto dele. O momento se estendeu por uma eternidade.
Eu comparei cada beijo que tive desde então com a intensidade do dele.
Nenhum tinha atingido, mas a tristeza e a dor do que veio depois sempre
manchou essas memórias.
Minha pele ficou arrepiada. Ele deixou bem claro como se sentia por
estar perto de mim, e o fato de que ele desapareceu da minha vida falou
tudo o que eu precisava saber. Com minha toalha enrolada em mim, saí para
o corredor e entrei no meu quarto na ponta dos pés. Fechei a porta, tirei a
toalha e peguei meu pijama dobrado da cama. Os anúncios antes do jogo
ecoaram na sala de estar. Os idiotas estavam começando sem mim. Eu olhei
para cima e olhei para minha cômoda. Escondido dentro estava outro dos
meus dispositivos de tortura. Eu não usaria sua camisa. Eu não ia fazer isso.
Abrindo a gaveta do meio da cômoda, hesitei antes de enfiar as mãos e
tirar a camisa. Um suspiro explodiu de meus lábios e eu balancei minha
cabeça. Eu estava mentindo até para mim mesma agora. A camisa tinha
sido um presente dele quando ainda éramos amigos. Tínhamos sido
amigos? Ou eu era apenas a irmã mais nova que ele agradou e deu um beijo
arrepiante antes de me mandar embora?
Eu prendi meu cabelo em um rabo de cavalo. Olhando para mim mesma
no espelho, corri minhas mãos sobre a camisa larga.
Sim, eu estava irritada com ele.
Sim, eu precisava esquecê-lo.
Sim, eu seguiria meu próprio conselho... logo depois desse jogo. Essa
noite seria a última vez que eu pensaria em Ford, no beijo e no que veio
depois.
Siga em frente, Liv. Engole o choro e pare de ser obcecada.
Pegando a moldura em cima da minha cômoda, corri meu dedo ao longo
da borda da foto dos meus pais antes de sair para a sala.
— Você saberia me dizer o que fazer, mãe. — Bem, se eu tivesse
marcado uma consulta no escritório para ficar alguns minutos com ela.
Tudo foi arrumado na frente da TV. Eu rapidamente preparei um lote de
bebidas e voltei para o sofá. LJ e Marisa abriram espaço para mim. Bebidas,
pipoca, molho e batatas fritas junto com algum espírito esportivo
sanguinário vindo em minha direção – quem precisava de alguma coisa
além disso?
A multidão no estádio abafava os locutores. Cada posse e reviravolta os
colocava de pé, e eu levantava também. Eu derramei minha bebida em LJ
mais do que algumas vezes.
— Alguma coisa está entrando na sua boca? — Ele torceu a manga.
— Desculpe. — Eu me encolhi e voltei direto para o jogo.
Filadélfia estava ganhando de três por um quando um breakway
terminou com um lance passando pelas defesas de Ford. Eu cerrei meus
dentes com o barulho da campainha do gol.
— Juiz ladrão! — Eu pulei da minha cadeira e joguei um punhado de
pipoca na TV. Ignorando os olhares de LJ e Marisa, peguei meu copo e
esvaziei o resto. O doce sabor da framboesa guerreou com a pontada de
rum. Se Colm pudesse me ver, ele teria um ataque. Meus lábios se ergueram
em um sorriso malicioso. Um dia desses ele pararia de me ver como uma
criança.
Os segundos passaram no relógio do jogo. Filadélfia estava um ponto na
frente, mas um pequeno erro era a diferença entre uma vitória sólida e
arrastar o jogo para a prorrogação.
Dois wings passaram correndo no gelo na tela. Prendi a respiração com
a equipe dupla que Ford estava enfrentando. Ele bloqueou o primeiro lance
e se jogou para parar o segundo.
— Onde diabos está o resto do time?
Declan, Heath e Emmett deviam estar com os nervos à flor da pele no
banco. Ignorando os gritos de LJ e Marisa, enterrei meus dedos nos braços
deles enquanto o disco disparava direto para o espaço entre os patins de
Ford. Ele se mexeu, fechando o buraco, e a campainha soou, sinalizando o
fim do jogo.
— Cristo, Liv. Se eu quisesse perder o braço, teria sentado ao lado de
Marisa. — LJ esfregou o bíceps.
— Todos esses músculos e você se machucou por causa de mim. — Eu
coloquei meu melhor rosto inocente, colocando minhas mãos sob meu
queixo e piscando os olhos.
— Eu parei de cair nessa quando você me desafiou a fazer aqueles
movimentos malucos de balé. — Ele empurrou meu ombro.
— Aww, o grande jogador de futebol não consegue fazer alguns pliés?
— Cala a boca. — Ele jogou um travesseiro na minha cabeça. Eu me
abaixei e ele bateu no jarro de plástico meio cheio sobre a mesa,
derramando o resto da sangria em Marisa, que se agachou para segurar a
pipoca.
— LJ! — ela gritou. Ele pegou alguns guardanapos e começou a limpar
as manchas úmidas que se espalharam nos seios e virilha dela. Não,
realmente nada de estranho. Ela bateu nas mãos dele, e as bochechas dela
ficaram vermelhas como um tomate.
— Eu vou te matar. Por causa disso eu devia dizer à sua mãe que foi
você quem pichou a garagem quando tínhamos onze anos.
Ele deu um pulo e ela correu atrás dele. Eu desabei de volta no sofá.
Aquele pequeno nó se formando no meu estômago com lembretes do que
eu perdi veio à superfície. Eles eram melhores amigos desde a terceira série.
Na terceira série, a maior tragédia da minha vida foi não receber um convite
para uma festa da garota mais popular da minha classe. Eu mal sabia que só
alguns anos depois eu ia saber o que era uma perda real. Minha vida foi
destruída na sétima série. Às vezes parecia que uma parte da minha vida
havia congelado naquele ponto, e eu não sabia se algum dia me sentiria
inteira novamente.
3

FORD

M e esquivando atrás da meia parede, rastejei pelo chão usando


apenas meus braços. Os sons pareciam mais próximos e eu
prendi a respiração, me mantendo o mais imóvel possível. Uma
manada de passos estava vindo direto na minha direção. Rolando de costas,
me preparei para o ataque.
Cinco cabeças apareceram na curva com enormes sorrisos em seus
rostos.
— Vocês me pegaram — gritei, erguendo as mãos em sinal de rendição.
Eles riram e pularam na minha barriga, errando por pouco o lixo. Oof.
Mais crianças dobraram a curva e aumentaram a pilha. Lembrete: as
crianças não têm noção das zonas de perigo.
Mãos pequenas e pegajosas foram direto para meu nariz e boca. Virando
de bruços, cobri minha cabeça. Eu abri meus olhos e olhei para as pernas
adultas em pé na minha frente.
— Ei mãe. — Eu sorri e fiquei de quatro. As crianças seguraram,
agarrando minha camisa e subindo a bordo do cavalo pessoal.
— Você sempre aparece antes da hora da soneca. — O sorriso dela era
brilhante e amplo, tão puro quanto todas as minhas memórias de infância,
mechas de seu cabelo grisalho voando para fora de sua trança.
Ela tinha lidado com tanta coisa desde que meu pai fugiu, mas ela nunca
deixou que isso a parasse. Eu não conhecia uma pessoa mais forte.
— Vou ajudar você a colocar eles na cama. — Eu me levantei e passei
meus braços em volta das minhas costas para pegar as crianças enquanto
elas soltavam minha camisa.
— É melhor você fazer isso ou Marianne vai chutar seu traseiro. — Ela
riu.
Abaixei a cabeça e acenei para Marianne, que estava sentada no canto
terminando o lanche com a outra metade das crianças.
— Não se preocupe, Mari. Posso levar eles para o quarto de brinquedos
se eles estiverem muito animados depois da nossa brincadeirinha de
esconde-esconde.
— Eles não estariam tão animados se alguém não tivesse entrado aqui
como se fosse o desfile do Dia de Ação de Graças da Macy's. — Os lábios
dela se estreitaram.
— Da próxima vez, vou reduzir ao mínimo o meu desfile.
Ela me lançou um olhar que podia queimar minhas sobrancelhas. Se
voltando para as crianças, ela era toda sorrisos.
Caminhando em direção à porta, eu dei passos exageradamente altos
com a carga adicional enrolada em minhas pernas.
— Vocês estão vindo para o quarto de brinquedos? — As duas crianças
em cada perna olharam para mim e acenaram com a cabeça. — Aguentem
aí, então. — Seus pequenos dedos se apertaram em volta das minhas
panturrilhas cobertas pelo jeans.
Saindo da sala arrastando os pés, atravessei o corredor até o quarto de
brinquedos. As paredes estavam cobertas de quadros emoldurados que as
crianças haviam feito e fotos das aulas ao longo dos anos. Havia um monte
de fotos Polaroids dispostas em forma de estrela com todas as crianças
fazendo seus melhores passos de dança, junto com as placas do prêmio de
creche local. A alegria irradiava das paredes. Este lugar era tão diferente do
que era quando nos mudamos pela primeira vez, mas tínhamos feito dele
um lar.
Mamãe se recusou a vender o lugar quando comprei uma casa nova pra
ela. Ela provavelmente passa mais tempo aqui do que em casa. Relaxar não
estava em sua natureza. Em vez de fazer o cruzeiro de um ano que eu havia
reservado, ela adicionou mais duas turmas e cuidados pós-escola para a pré-
escola usando seu quarto e o de Grant, e converteu meu quarto em um mini
planetário com mapas estelares projetados e chuvas de meteoros no teto e
nas paredes. Ela também introduziu um programa de mensalidades em
escala móvel para ajudar a dar às pessoas que normalmente não seriam
capazes de pagar uma chance por uma vaga, não que não houvesse uma
lista de espera de um ano.
Caindo nos blocos de espuma, lutei contra os quatro que se recusaram a
dormir.
Correr de joelhos em um monte de espuma era mais difícil do que
parecia. Se os treinadores de força e cardio da equipe pudessem me ver, eles
estariam balançando a cabeça. Porra, se Heath pudesse me ver ele teria me
banido para a esteira durante o próximo ano inteiro. Eu caí de volta nos
blocos macios, e as crianças se revezaram tentando me enterrar em uma
cova espumosa.
Suas vozes abafadas silenciaram ao redor enquanto eles lentamente me
cobriam. Talvez eu pudesse me esconder aqui? Fingir que adormeci até o
jantar acabar? Eu respirei fundo, os cubos de espuma se movendo em cima
de mim. As coisas vão ficar bem. Ela provavelmente se esqueceu
completamente do beijo. Claro que sim. Nem mesmo a voz na minha
cabeça podia me convencer disso.
Pelos próximos vinte minutos, as crianças me ajudaram com minha
sessão de terapia, também conhecida como distração de pensar em Liv,
completada com mãos babadas, espuma até o crânio e alguns arremessos de
nozes que quase me acertaram. Eu encarei a criança de cabeça para baixo
pairando sobre minha cabeça. Ele olhou para mim com pena antes de um
ataque furtivo com o dedo no nariz, seguido por um bocejo. Me sentei e
levantei da cova de espuma, me juntando às outras crianças bocejando.
— Ok, pessoal, parece que alguns de vocês estão cansados. — Todos
eles balançaram a cabeça com mechas de cachos, escuros e claros,
balançando. — Acho que é hora de tirar uma soneca. Vamos pegar um
pouco de água para vocês e depois eu vou ler uma história.
Nós nos demos as mãos, entrando na sala de aula agora vazia, todos os
outros já na sala da soneca. Peguei um livro e me sentei em um pufe. Havia
joelhos e cotovelos se debatendo enquanto tentavam ficar confortáveis, abri
o livro e li um pouco de A lagarta muito faminta.
— Você sabe que sempre vai ter uma carreira reserva quando parar de
jogar hóquei. — Mamãe estava parada na porta com os braços cruzados
sobre o peito.
Eu levantei minha cabeça da parede e olhei para as quatro crianças
empilhadas no pufe comigo.
— Elas estão todas dormindo. Você tem um toque mágico. — Ela pegou
um pouco da carnificina de brinquedos.
— Tá mais pra muita energia para queimar, mas estou exausto. Como as
crianças podem me cansar mais do que o hóquei?
— Elas drenam o poder do sol como o Superman. Na maioria das vezes,
é um poço de energia quase sem fundo até que eles caiam ou tenham um
colapso – ou ambos. — Ela ajudou a tirar as crianças de cima de mim;
então Marianne entrou e nos ajudou a colocá-las na sala da soneca. A
iluminação fraca, e as versões clássicas suaves de canções pop e camas
macias fizeram com que eu quisesse me enrolar ali também.
Rastejando para fora da sala, fechei a porta atrás de mim com apenas
um clique.
— Estou tão feliz por você estar de volta à cidade. — Mamãe apertou os
braços em volta do meu pescoço. — Agora eu tenho meus dois meninos
favoritos juntos de novo. — Mamãe e eu guardamos parte da explosão de
brinquedos na Sala das Borboletas. — Grant tem vindo com mais
frequência também, e não só para lavar roupa. Acho que ele está tentando
orquestrar um encontro casual com Olivia.
Eu congelei, inclinado enquanto pegava as fantasias do chão.
— Olivia? Olivia Frost? Você vê a Liv?
— Claro. Ela vem algumas vezes por mês para dar uma aula de dança
para as crianças. Elas sempre se divertem com isso. Grant sempre pergunta
antes de vir se ela está aqui.
Os músculos do meu pescoço se contraíram e eu olhei ao redor da sala
como se fosse capaz de sentir onde ela estava.
— Há quanto tempo ela tem vindo?
— Pelo menos um ano. Eu a ajudei com alguns conselhos maternais.
Deve ser muito difícil crescer e não ter uma mãe com quem conversar. Eu
sei que Colm dá o seu melhor, mas não é a mesma coisa. — Ela soltou um
suspiro e apertou os brinquedos contra o peito.
Naquela noite do casamento, Liv ficou chateada durante a dança pai e
filha de Mak. Claro que tinha sido difícil para ela. Como não pensei nisso?
Sobre como seria para ela, sozinha na cidade? E eu não tentei ajudar em
nada.
— Eu não a vi muito ultimamente. — Era mais como se eu a tivesse
evitado a todo custo.
— É uma pena. É bom ter ela por perto. Eu consigo fazer coisas de
garotas sem ter que ouvir meus homens reclamarem sobre estarem sendo
arrastados.
Liv estava passando tempo com a minha mãe e eu não fazia ideia.
— Ela geralmente liga para ver se você está por aqui. Ela
provavelmente quer ver você. — Ela sorriu, mas eu sabia que na verdade
era o oposto.
Parecia que eu não precisava evitar Liv, ela estava me evitando também.
Ela provavelmente se arrependeu do beijo, desejou que não tivesse
acontecido e não queria tornar as coisas estranhas. Claro, ela tinha uma
queda por mim no ensino médio, mas isso era coisa de criança. Quando eu a
beijei no casamento após seu primeiro ano de faculdade, ela provavelmente
percebeu que a realidade não correspondia à fantasia.
Meu estômago deu um nó com o pensamento do encontro na casa de
Heath mais tarde. Se eu desistisse, não tinha dúvidas de que eles iriam atrás
de mim. Talvez Liv desistisse se soubesse que eu estaria lá. Isso tornou o nó
mais apertado.
— O aniversário do seu pai está chegando.
— Ele ainda está vivo?
— Ele enviou um cartão de aniversário há algumas semanas. — Ela
suspirou, tirando do bolso.
— Não tenho nada pra falar com ele. — Eu não tinha falado com ele
desde que ele foi embora, desde que ele fez as malas depois que eu contei a
mamãe sobre o caso dele. Mamãe ainda estava no hospital, ela quebrou a
perna limpando as calhas, algo que ele deveria fazer. Ele fez as malas e
limpou a conta bancária da família. A imagem da minha mãe sentada à
mesa da cozinha, olhando para a pilha de contas com lágrimas escorrendo
pelo rosto, sempre ficaria comigo. Onde ele estava então? Tinha ido pra
casa do caralho. A culpa me consumiu por guardar esse segredo de minha
mãe por duas semanas, então eu o avisei que ia contar tudo pra mamãe,
contei cada detalhe e então ele nos abandonou.
Depois de tudo o que ele fez, ela tentou nos fazer falar com ele e
compartilhar novidades aqui e ali. Ele não merecia nosso tempo,
especialmente o dela. Peguei o cartão para que ela não se preocupasse com
isso e o coloquei no bolso de trás.
— Eu não gosto de você guardando essa raiva no seu coração, querido.
— Ela passou a mão no meu peito. Fechei minha mão sobre a dela e apertei.
Eu abracei a raiva; ajudou a dissipar parte da culpa. E se eu não tivesse
dito nada? Ele teria ficado? Teria poupado a mamãe de todo aquele estresse
e dor? Foi a culpa que carreguei comigo por muito tempo, crescendo pouco
a pouco com os novos segredos que guardei. Ela se agarrou a mim como
um ímã, me encontrando, não importa o quanto eu tente evitar. O divórcio
dos meus pais, aquele beijo com Liv, a ex-noiva de Colm – os ataques
contra mim continuavam se acumulando.
Mamãe arrumou a estante de livros e se aproximou de mim. Ela enlaçou
o braço no meu.
— Quando você vai nos apresentar a sua namorada?
— Isso de novo não, mãe. Eu preciso ter uma namorada primeiro. — Eu
gemi e diminuí meus passos, mas ela segurou firme em meu braço. Droga,
ela é forte. Deve ser resultado de levantar todas aquelas crianças o dia todo.
— Não tem nenhuma garota para apresentar. Se houvesse, você seria a
primeira a saber.
— E porque não? Você é muito bonito, um atleta profissional – um
partidão, se é que posso dizer. — Ela parou na minha frente com as mãos
nos quadris como se ela estivesse pronta para rasgar qualquer mulher que
não quisesse ficar comigo.
— É difícil, eu viajo muito e tem muitas pessoas falsas por aí pra evitar.
É melhor manter as coisas casuais. — Eu apertei minha nuca e olhei para o
chão.
Ela me agarrou pelo queixo, levantando minha cabeça.
— Isso significa que você está na pista, é?
Eu encontrei os olhos dela. Era o mesmo olhar de desaprovação que eu
costumava receber quando entrava em casa com os nós dos dedos
quebrados e machucados quando era criança.
Meu olhar disparou para longe dela.
— Estou pesando minhas opções.
— Não pese por muito tempo. Eu não gosto de você por aí sozinho.
Você não pode contar com os Kings tentando te fazer um eremita. Onde
Colm esteve? Ele está de volta à cidade, e eu mal o vi. Oh, isso é para você.
— Ela entregou uma caixa de cookies. Os granulados coloridos saíram de
baixo do plástico na parte superior da caixa.
— Ele está em LA agora por causa do joelho. Por que você está agindo
como se eu fosse um solteirão aos vinte e cinco anos? Eu prometo que você
será a primeira a saber quando eu encontrar aquela pessoa especial.
— É melhor eu ser.
— Estou saindo. Vejo você quando voltar da temporada de jogos fora.
Você precisa que eu faça alguma coisa antes de eu sair?
— Eu preciso de um abraço.— Ela deu um beijo na minha bochecha e
eu a apertei com força. Ela se contorceu em meus braços e riu. — E você
pode tirar o lixo? É sempre um pesadelo depois do almoço. — Ela beliscou
minhas bochechas antes de desaparecer em seu escritório pela porta da
frente. Sempre fugindo do trabalho sujo.
— Feito. — Equilibrando a caixa de cookies em uma mão, peguei meu
casaco, vesti, e peguei os sacos de lixo. Uma mulher empurrou a porta da
frente da escola e derrapou até parar quando me viu na entrada. Seu olhar
disparou das sacolas pretas na minha mão para o meu rosto.
— Você é o homem do lixo mais gostoso que já vi. — Ela fechou a boca
e suas bochechas ficaram ainda mais rosadas.
— Obrigado — eu murmurei, segurando as sacolas na minha frente.
— Não te conheço de algum lugar? — Ela franziu as sobrancelhas e eu
desviei meus olhos. — Eu geralmente não faço isso… — Ela lambeu os
lábios e eu fiz uma careta. — Mas aqui. — Ela rabiscou algo usando a
caneta da folha de registro de entrada/saída, e em seguida, enfiou um
pedaço de papel dobrado no meu bolso enquanto eu passava por ela. Havia
uma série de regras que eu estabeleci para mim mesmo sobre mulheres que
eram absolutamente proibidas, e qualquer pessoa cujo filho fosse para a
escola da minha mãe caía solidamente nesse território. Abrindo a porta com
o ombro, escapei para o ar frio e gelado de fevereiro.
Me certificando de que ela não estava olhando, joguei as sacolas e seu
número na lixeira junto com o cartão do meu pai. Ele não merecia nada
melhor do que isso. Entrei no carro e peguei um dos cookies do topo, me
banhando em cristais de açúcar rosa e roxo. Esfregando minha camisa, eu
devorei o cookie, que era a mistura perfeita de açúcar e baunilha.
Meu telefone apitou.
Declan: Se você não aparecer, vamos de carro até seu apartamento e
levaremos a festa até você.
Heath: Porra, se você não aparecer, pode ser que a gente decida fazer
uma festa do pijama na sua casa!
Emmett: É melhor você vir para que esses dois não tenham ideias
malucas...
Tudo que eu precisava fazer era conseguir que Liv me contasse o que
estava acontecendo com ela. Não era do feitio dela deixar Colm de fora e a
preocupação me incomodava no fundo da minha mente. Ela estava com
problemas? Ela sabia que poderia vir até mim se algo grande acontecesse,
certo? Como diabos ela saberia se eu me afastei tanto? Apertando minha
nuca, liguei meu carro e fui em direção à casa de Heath. Fique tranquilo,
está tudo bem. Tenho certeza de que ela pensa nisso como uma memória
distante.
Eu fiz uma careta e balancei minha cabeça. O que eu estava pensando?
Era só a Olive. Azeite de Olive para sempre. Faça algumas perguntas,
atualize Colm e dê o fora. Fácil assim.
4

LIV

M inhas botas pretas estalaram na calçada de pedra, e puxei minha


trança que estava pendurada no ombro, meus dedos formigando
dentro das luvas. Fechar meus livros mais cedo e desligar meu
cérebro foi o ponto alto da minha semana. Esses jantares eram difíceis de
organizar durante a temporada porque os caras estavam sempre viajando, e
ver todos em um cômodo era como ser transportada para uma época mais
simples, quando eu entrava furtivamente no quarto de Colm na nossa casa
enquanto eles ficavam jogando videogames e discutindo “coisas de
garotos”, espionando como qualquer boa irmã faria.
Eles conversavam sobre os jogos deles e garotas gostosas da escola.
Declan estava sempre reclamando de alguma coisa que Mak tinha feito pra
tirar ele do sério. As maiores preocupações deles eram os esportes, as notas
e quantas cervejas eles poderiam conseguir com as conexões de Emmett.
E então vinham as coisas interessantes de verdade. O inferno que
Declan, Heath e Colm davam à Ford por causa das expectativas que as
garotas do Rittenhouse Prep tinham depois de estar com ele sempre surgiam
nas conversas. Ele ficava na dele, nunca se exibia nas conversas dos
vestiários, mas parecia que as meninas não tinham problemas em falar
sobre o tempo que passavam com ele aos sete ventos. O meu ciúme
queimava intensamente, embora minha curiosidade não tivesse me
impedido de querer ouvir mais.
Esse grupo era o mais próximo que eu tinha de amigos de infância.
Claro, eles eram amigos de Colm na verdade, mas eu não me opunha a
aparecer nesses encontros quando eles vinham com uma comida
maravilhosa e memórias que eu queria gravar na minha mente. Além disso,
Ford geralmente não aparecia, então era uma situação ganha-ganha-ganha.
A manhã tinha sido difícil. Marisa teve uma discussão com a mãe no
telefone por causa de alguma coisa, a voz alta dela atravessando as portas
fechadas. Mesmo com a bagunça que era aquela relação, sem mencionar o
pai dela, ainda existia uma chance de mudança, a esperança de que eles
pudessem consertar as coisas. A possibilidade nem era uma opção para
mim, e eu odiava as pontadas de inveja arranhando minhas entranhas.
Esses sentimentos cresceram mais e mais ultimamente, e não era justo.
Eu tinha certeza de que teria os mesmos problemas com minha mãe – se ela
estivesse por perto e não trabalhasse 100 horas por semana. Era por isso que
minhas idas à casa da mãe de Ford tinham se tornado mais frequentes no
ano passado.
Afundando em seus abraços, eu podia fingir por um instante que ela era
minha mãe. Eu tinha medo de me formar na faculdade. Todos estariam lá
com os pais orgulhosos para tirarem fotos e irem em festas. A formatura do
ensino médio foi um golpe inesperado, um marco que as pessoas
consideravam natural enquanto reclamavam sobre o que vestir e posar para
fotos. Eu teria dado qualquer coisa para mamãe aparecer e limpar uma
mancha em minha bochecha com um dedo coberto de saliva.
A dança de pai e filha no casamento de Mak havia me mostrado as
coisas que eu perdi uma vez que minha mãe e meu pai já partiram. Parando
no meio da calçada, olhei para o céu e pisquei para segurar as lágrimas.
Vento estúpido, fazendo meus olhos lacrimejarem. Se recomponha, Liv. Esta
é uma história antiga. Não tem nada que você possa fazer sobre isso.
Continue em frente.
A casa de tijolos de Heath e Kara ficava ao lado de todas as outras casas
de tijolos vermelhos não muito longe de nossa antiga escola – bem, o que
teria sido minha antiga escola se eu não tivesse me mudado para Boston
com Colm pouco antes do meu primeiro ano.
Ser jogada no fundo do poço com garotas de internato no auge da
puberdade foi uma benção eterna. Meu álbum de fotos dos primeiros meses
incluía um monte de fotos da paisagem ao redor da escola e da biblioteca.
Aprender a fazer amigos, preparar bebidas e ter um irmão universitário que
me buscava para jantares semanais foi o que me salvou do lamentável
isolamento e afastamento.
Eu parei nos primeiros degraus na frente da casa e alisei minhas mãos
enluvadas na frente do meu casaco de caxemira caramelo. Haviam risos na
parte de dentro e eu sorri. Eu nunca estive mais feliz por ser envolvida em
um grupo de amigos como a irmãzinha à reboque do que eu era com os
Kings. Erguendo minha mão para bater na porta, eu congelei e os cabelos
da minha nuca se arrepiaram.
— Ei, Liv.
Minhas costas ficaram retas como uma vara. Eu girei no meu calcanhar.
— Ford. — A palavra foi quase engolida pelo ar cortante do inverno.
As mãos dele estavam enfiadas nos bolsos enquanto ele dava dois
passos hesitantes para perto de mim como se eu fosse um animal selvagem
que podia fugir a qualquer segundo.
Ele usava um casaco preto transpassado e calça jeans que abraçavam
suas coxas, músculos poderosos aprimorados ao longo de anos no gelo e
exercícios diários. Nossa respiração pairava entre nós em pequenas lufadas
de ar gelado. Por que ele tinha que ficar tão bem em roupas de inverno?
— Por quê você está aqui?
— Você parece bem.
Falamos ao mesmo tempo. Ele olhou para mim com os olhos
arregalados, como quando você diz aquela única coisa que ficava repetindo
para si mesmo não falar ou focar. Como naquele dia de aula que meu
estômago estava roncando e a professora me chamou e eu gritei “Pão!” –
exatamente assim. Ford provavelmente esperava que eu não levasse de
maneira errada e tentasse pular nele ali mesmo, na calçada.
— Obrigada.
— Por quê você está aqui? — Repeti esperando que talvez ele tivesse
decidido dar um passeio e por acaso estar na vizinhança e não fosse, de
fato, entrar, onde eu teria que estar com ele nas próximas horas.
Suas sobrancelhas caíram e se juntaram como se ele mesmo não tivesse
certeza. Alguém passou na calçada, lançando um olhar de soslaio para nós
dois fazendo imitações de estátuas vivas.
O olhar dele pousou no meu. Essa sensação faiscante de pele em
chamas percorreu meu corpo, e eu não conseguia me mover. A plenitude de
seus lábios contrastava com a barba em suas bochechas, me lembrando da
sensação dele na minha boca. Ver cada mancha castanha clara em seus
olhos cinzas foi como me familiarizar novamente com uma pintura que eu
uma vez admirava todos os dias. Meu coração bateu forte no meu peito.
Tudo o que eu prometi a mim mesma saiu pela janela no segundo em que
eu fiquei à um metro dele.
Meu estômago se contorcia como um balão de festa sendo moldado na
forma de um animal a cada segundo que passava. Eu o tinha visto na tela da
TV no dia anterior, mas este era o homem em carne e osso parado na minha
frente. Todos aqueles mesmos sentimentos vertiginosos que eu senti quando
descobri que estava me apaixonando, mas agora eles estavam tingidos com
a realidade. Eu reprimi essas sensações de colegial; eu não era mais aquela
garota. Eu não estou indo atrás dele cegamente, esperando por migalhas de
atenção. Eu tive tudo. Meus lábios sentiram o toque fantasmagórico do dele
por dias, e meu coração suportou as contusões de sua rejeição por meses.
A porta da frente se abriu e Kara parou na soleira. Seus cachos negros
estavam presos por um lápis enfiado no coque.
— Eu achei que tinha te visto chegando. Oi, Ford. Entra! Todo mundo
já está aqui. — Ela saiu da soleira e acenou para entramos. Ford tirou o
gorro. O cabelo desgrenhado dele. Com a barba curta, ele parecia um pouco
mais com o Ford que eu tinha uma queda quando estava no ensino médio, e
de alguma forma isso doeu um pouco mais. Naquela época, eu tinha
esperança nas possibilidades. Ele enfiou o gorro no bolso do casaco.
Desabotoei meu casaco e o tirei. Kara agarrou os dois e os colocou no
armário de casacos. Kara e Heath estavam juntos desde seu último ano de
faculdade, quando ela era aluna de mestrado e, escandalosamente, monitora
dele.
— Olha quem eu encontrei escondido na soleira! — Ela puxou Ford
pelo braço, e uma grande ovação veio do resto dos caras na sala de jantar.
Eles correram para frente e o cercaram em uma confusão de braços e
pernas, como se não tivessem se visto no dia anterior.
— Achei que a gente ia precisar colocar fogo na sua casa pra te tirar de
lá. — Declan deu um tapinha nas costas dele. Os músculos do pescoço de
Ford ficaram tão tensos que pareciam doer, então ele relaxou e sorriu de
volta.
— E também encontrei outra pessoa lá fora. — Kara me puxou para
frente. Saí das sombras e a pilha de jogadores de hóquei foi transferida da
Ford para mim.
— Olive!
— Liv!
Revirei os olhos com o grito coletivo. Meu apelido de infância não teve
a morte que merecia. Eu era alta para a minha idade aos onze anos e então...
parei de crescer. Azeite de Olive era meu nome naquela época, quando
todos pensavam que eu tinha herdado a altura dos meus pais. Colm tinha
mais de um metro e oitenta, assim como o resto dos caras. Eu, no entanto,
tinha passado pouco do um metro e sessenta, que não me deixava tão baixa
assim, mas fazia eu me sentir uma nanica perto deles.
Aromas deliciosos vinham da cozinha, o doce e o salgado duelando pelo
que eu devoraria primeiro. Ford escapou para o carrinho de bebidas,
conferindo a coleção de bourbons de Heath. Claro que sim.
— Vocês vão esmagar ela. — Mak os afastou de mim e me puxou para
um abraço. — Como vai a preparação para bioquímica? — Mak tinha sido
uma dádiva de Deus já que o pré-med tentava consumir minha vida,
tomando qualquer tempo livre e destruindo meu cérebro. O método dela de
cartões de anotação deixou tudo organizado. Ela seria uma médica incrível.
— Está indo. Fiz os simulados e estou atingindo notas acima de oitenta
neles, então não estou mais querendo arrancar meus cabelos, mas não estou
indo tão bem quanto deveria.
— Você vai chegar lá e sabe que estou a apenas um telefonema de
distância se precisar de alguma coisa.
— Se lembre disso quando a prova final de química orgânica estiver
chegando e eu estiver batendo na sua porta.
Avery se inclinou para fora da cozinha com uma jarra de vidro cheia de
folhas de hortelã.
— Liv, venha aqui e faça alguns mojitos de framboesa para nós. — O
uniforme padrão de jeans e moletom surrava mostrava que ela não tinha
mudado nada ao longo dos anos. Pode ou não ter alguns traços de glacê no
cabelo castanho dela, a consequência de ser dona de uma padaria.
A cabeça do Ford se ergueu do estudo intenso das cinco garrafas de
bebida alcoólica à sua frente no bar escondido no canto.
— O dever chama. — Eu saudei os caras e parti para minha rota de fuga
na cozinha.
— Jesus Cristo, você estava certa. É como se ela tivesse saído de uma
revista — foi a saudação que recebi no segundo em que cruzei a porta da
cozinha.
Eu me virei ao ouvir a voz da nova garota.
— Obrigada? — Botas pretas, jeans azul escuro e meu suéter com a
curva do ombro acentuada não pareciam dignos de revista para mim.
— Max, essa é Liv. Liv, essa é a Max. Ela trabalha na minha padaria e
cria coisas assim. — Avery empurrou sua amiga de cabelo turquesa para
fora do caminho e eu engasguei. Atrás dela, no balcão, havia um pequeno
bolo de duas camadas. A cobertura combinava com o cabelo de Max, e ela
também criou um padrão intrincado em dourado que parecia um
cruzamento entre desenhos de paisley e henna que você veria cobrindo as
mãos de alguém.
— Isso é maravilhoso. — Caminhei em direção ao bolo e juntei minhas
mãos na minha frente para vencer a tentação de tocar. Não era um bolo –
era uma obra de arte. — Você fez tudo isso?
A cabeça azul-pavão de Max balançou.
— Estou tentando uma coisa nova. Avery está tentando me convencer a
fazer bolos para festas de casamento da alta sociedade ou algo assim. — Ela
encolheu os ombros, pousando as mãos na calça jeans respingada de tinta.
— Provavelmente pagam melhor do que ela. — Um sorriso malicioso
curvou os lábios dela.
— Ei! — Um grito de indignação fingida veio de Avery.
Emmett, com a barba crespa desgrenhada, colocou a cabeça na cozinha
e foi até Avery imediatamente.
— Está tudo bem aqui? — Aninhando o rosto dela e envolvendo os
braços em volta da cintura dela, ele balançou os dois para frente e para trás
ao som de uma música que ninguém mais podia ouvir. Os dias sombrios de
um Emmett rabugento acabaram, e agora ele parecia um cachorrinho
ansioso sempre que ela estava perto dele.
— Estamos bem. Max está apenas sendo uma idiota, como sempre. —
Ela cobriu as mãos dele com as dela. O enorme anel em seu dedo captava
toda a luz disponível na cozinha, nos banhando em um caleidoscópio de
cores do arco-íris.
— Deixa a gente trabalhar, Cinderela. Seu anel está abrindo um buraco
direto nas minhas retinas. — Max se virou e pegou o menor saco de
confeitar que eu já vi, voltando ao seu trabalho detalhado no bolo.
— Eu já volto, Liv. Tudo que você precisa deve estar aí. — Emmett
arrastou Avery para fora da cozinha. Eles provavelmente iriam encontrar
um bom canto para se agarrarem.
Suspirei. Talvez eu precisasse de um encontro. Fazia quase cinco meses
desde que saí de casa com alguém que não fosse Marisa.
— Qual é a sua, princesa da Disney? — Max girou de volta, apoiando
os pés no degrau inferior do banquinho.
— A minha? — Eu franzi minhas sobrancelhas.
— Como você acabou nesse grupo todo misturado? Você é meio jovem,
não é? — Ela ergueu uma sobrancelha.
— Eu sou a irmã mais nova que veio de brinde. Todos os caras jogavam
hóquei com meu irmão, Colm, que recebeu um contrato pra cá alguns
meses atrás.
— Estranho estar perto de tantos atletas profissionais, né? — Ela espiou
pela porta aberta da cozinha.
— Estou acostumada. Estou perto desses caras desde a primeira vez que
eles entraram no gelo. Às vezes eu esqueço que eles são famosos agora. E
você? Qual é a sua, garota durona?
Ela inclinou a cabeça para trás e seus olhos se arregalaram. Um grande
sorriso apareceu no rosto dela.
— Eu sabia que gostava de você. — Ela largou a cobertura dourada e se
encostou no balcão. — Meu negócio é: órfã, confeiteira, fabricante de velas,
boca grande e garota durona, como você mencionou. — Ela flexionou o
braço e beijou seu bíceps. Olhando para mim, ela ergueu o queixo em
minha direção. Minha vez.
— Meu negócio: órfã, irmãzinha, dançarina, fashionista residente. —
Eu lancei meus braços na minha frente para mostrar a roupa que ela já havia
comentado.
— Sem faculdade? — Ela ergueu uma sobrancelha.
— Certo, tem isso também. Eu sou pré-med na faculdade. — Por que eu
não disse estudante universitária?
— E uma sabichona ainda por cima. Vá em frente. Ouvi dizer que você
também é uma mestre mixologista. Avery, Kara e Mak têm falado sem parar
sobre seus coquetéis desde que cheguei aqui. Estou animada para
experimentar, não economize na bebida. — Ela piscou para mim e se virou
para encarar sua obra-prima carregada de açúcar.
Seu trabalho era hipnotizante. A precisão de seus movimentos e os
padrões que ela criou me encantaram. Ela estava em um mundo onde nada
mais existia além de glacê e uma atenção meticulosa aos detalhes.
Peguei uma panela do armário, joguei um pouco de água e açúcar e
aumentei o fogo. Virando para pegar a jarra de folhas de hortelã, avistei
uma figura alta e de barba desalinhada na soleira. Respirei fundo e afastei a
agitação no meu estômago. Isso tinha que acontecer toda vez que eu o via?
Se passaram só oito minutos.
— Oi, Ford. — Isso soou indiferente, certo?
Ele congelou, como se caso ele não se mexesse, eu não o veria.
— Eles precisam de mais copos lá.
O ar ao nosso redor estalou. Era coisa da minha cabeça? Talvez tenha
sido. Ele me mandou ir embora depois do casamento com aquela Maria
Patins em cima dele, a mancha do batom dela em sua bochecha. Eu repeti
aquele momento na minha mente tantas vezes. Por que ele me beijou? Ele
estava apenas tentando me animar? Ele tinha feito a única coisa que sabia
que poderia me impedir de pensar em tudo que eu perdi? Nesse caso, ele fez
um ótimo trabalho. Meu corpo zumbiu em antecipação por mais, e então
aquele futuro foi destruído.
Senti o calor de seus dedos, que estavam a menos de dois centímetros
dos meus no balcão frio.
— Puta tensão sexual, Batman, vocês dois vão derreter a cereja do meu
bolo. — A risada de Max quebrou a linha tênue que se estendia entre mim e
Ford, nos libertando de suas garras. — Há quanto tempo isso tá rolando?
Eu a encarei com os olhos arregalados, balançando a cabeça. Meu peito
apertou.
— Não! — ele gritou.
— Nem um pouco. Nós nos conhecemos desde sempre. Ele... nós... não
tem nenhuma tensão sexual aqui, de jeito nenhum, e certamente não
estamos namorando. — Alguém havia disparado um lança-chamas? Porque
minhas bochechas estavam pegando fogo. Eu posso ter exagerado um
pouquinho na negação. Esse é meu pior pesadelo ganhando vida. Será que
ele acha que eu estava falando dele para Max? Ele acha que eu ainda estou
obcecada por ele? Quer dizer, eu meio que estou, mas ele não precisa saber
disso. Ele acha que eu estava lá esperando esbarrar com ele? Ou que eu
estava sofrendo por ele? Eu me agarrei a esse ultraje. Isso me impediria de
fazer algo estúpido, como tentar falar com ele.
— Se você diz... — Max cantarolou.
— Vou pegar os copos. — Eu abri o armário. O puxador voou da minha
mão e o vidro balançou. Estremeci com minha falta de jeito e peguei quase
todos os copos da prateleira, colocando todos suavemente no balcão.
Evitando contato visual, mexi na panela, que agora estava fervendo, e
desliguei o fogo.
Ele recolheu todos os dez copos de uma vez e saiu da cozinha, se
exibindo com as mãos enormes.
Eu levantei a panela e girei, parando de repente e quase espirrando o
xarope de açúcar quente em cima de nós dois quando ele reapareceu atrás
de mim.
— Como foi que você se tornou a mulher dos coquetéis? — Ele se
encostou na beirada do balcão como se fôssemos velhos amigos batendo um
papo. Bem, nós somos velhos amigos, mas essa era a primeira vez que
conversávamos em muito tempo.
— Eu aprendi um pouco aqui e ali. — Eu não ia contar que tinha sido
no colégio interno. Tudo que eu precisava era de uma bronca de Colm
quando ele descobrisse. Eu prometi a ele dois verões atrás que minhas
habilidades de mixologia estariam congeladas até que eu tivesse
oficialmente vinte e um. Peguei um punhado de folhas de hortelã e coloquei
no xarope de açúcar. — Bom jogo ontem. — Eu mantive meus olhos fixos
na jarra à minha frente.
— Você assistiu?
— Eu assisto todos os jogos de vocês. É uma compulsão que Colm me
incutiu ao longo dos anos. — Mas não era para observá-lo –
definitivamente não era para observá-lo.
Ford abriu a boca e então fechou. Ele era um tagarela, como nos velhos
tempos.
Voltei a trabalhar nas bebidas.
— Como está a faculdade? — Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos e
ele se balançava sobre os calcanhares.
— Por que você quer saber? — Eu levantei uma sobrancelha e suspirei.
— Está indo bem. Mak tem me ajudado a estudar.
— Isso é ótimo. Nenhum problema? Nada te incomodando?
Meu olhar se estreitou.
— Está tudo bem, Ford. — Peguei o socador do balcão.
— Nenhum cara problemático ou alguém te incomodando? — Seu olhar
se fixou no meu.
— Nada a relatar, inquisidor. — As framboesas encontraram seu fim
nos pequenos palitos de madeira.
— Eu só queria ter certeza de que você sabe que se precisar de alguma
coisa, você sempre pode pedir.
— Pedir pra quem? Pra você? Tá bom, claro. — Esse foi o maior tempo
que ele falou comigo em mais de um ano.
— Claro que pode pedir pra mim.
Fiz uma careta. Agora ele estava me irritando.
— Você deixou claro que eu não deveria contar com você para nada. —
A confusão vermelha rodopiante no fundo da jarra parecia uma cena de
crime. Não havia muitas pessoas de quem eu fosse próxima, e ele tinha sido
uma delas até que de repente não era mais.
— Liv, eu nunca quis...
Meu peito apertou e foi difícil recuperar o fôlego.
— Você pode ir agora? — Não tirei os olhos da minha tarefa. Fiquei
tentada a verificar a testa dele para ver se estava com febre e delirando. Ele
tinha levado uma pancada na cabeça ontem a noite e eu não vi?
Ele soltou um suspiro profundo e saiu da cozinha.
Fiquei olhando para ele, tentando descobrir o que diabos tinha
acontecido. Em um minuto ele estava fugindo de mim como se eu tivesse
um caso crônico de halitose, e no minuto seguinte ele estava jogando vinte
perguntas.
— Você sabe que ele é a fim de você. — A voz de Max interrompeu a
intensa sessão de esmagamento de frutas em que eu estava.
— Talvez ele tenha sido um dia, por uma fração de segundo, mas é
muito complicado agora. — Eu olhei para ela. Engolindo o nó na garganta,
fechei os olhos com força. Mesmo se estivesse, não havia nada que eu
pudesse fazer a respeito. As coisas que Grant confidenciou a mim... Fomos
ao playground da Rittenhouse Prep depois de comer alguma coisa. Sentado
nos balanços, ele falou sobre o quão aliviado estava por eu ter aceitado o
encontro, sobre o quanto ele sempre teve uma queda por mim e a
preocupação que ele tinha em nunca estar à altura do irmão superstar.
Eu baixei meu olhar para a cobertura de madeira que cobria o chão e
não disse nada. Ele imaginava que Ford já teria o vencido ao me convidar
para sair. Ford sempre foi o primeiro em tudo: campeonatos estaduais,
conseguir encontros, virar profissional. Grant havia falado sobre como ele
sentia que Ford havia se tornado o homem da casa e ele havia sido
rebaixado ao status de criança. Eu me identifiquei com toda aquela dureza.
Eu sufoquei o aperto no meu peito e disse a ele que definitivamente não
precisava se preocupar com Ford, disse que eu não estava mais interessada.
Fiquei repetindo isso várias e várias vezes pra mim mesma, balancei minha
cabeça pela forma como tentei me convencer por meio de Grant que eu
tinha superado Ford. Minha estupidez surpreendeu naquele dia.
E havia o relacionamento difícil entre Ford e Colm. Eu não tinha todos
os detalhes, mas as coisas tinham dado errado há muito tempo – tempo
demais. Mesmo que Ford tenha sido uma opção uma vez, ele não era mais.
Era hora de fechar aquele velho sonho e enterrar de vez.
Mesmo se isso não fosse suficiente, ele era um jogador de hóquei, e eu
conhecia essa vida: Marias patins se atirando nele, sempre na estrada, mais
de oitenta jogos por temporada. Não era uma vida estável, todas as ligações
ruins, os voos perdidos e atrasados e o caos geral. Mesmo se ele me
quisesse – e ele não queria – que tipo de vida seria essa quando eu desejava
estabilidade acima de tudo?
— Se você acha… Mas não viu a maneira como ele olhou pra sua
bunda quando estava espreitando na porta.
— Certo, para ter certeza de que eu não sentei acidentalmente em algo
ou sujei minhas calças brincando no trepa-trepa depois da escola. — Peguei
mais framboesas que haviam escapado do meu massacre de frutas
vermelhas e amassei na jarra. Qualquer coisa a ver com Ford era uma
viagem sem volta para o sofrimento. Já estive lá, fiz isso, peguei a camisa
dele.
5

FORD

S uave como um coice de mula. Eu resisti a vontade de bater minha


cabeça contra a parede.
Como eu ia conseguir ficar no mesmo cômodo que ela e não
observá-la? Não pensar em sua risada? Em seus lábios? Sem querer senti-la
pressionada contra mim? Seu cabelo estava preso em uma trança dourada
espessa sobre o ombro. Ela só ficou mais bonita com o tempo e agora me
odiava. Inferno, até eu me odiava às vezes.
A mecha de cabelo branco na nuca estava presa em seus fios loiros.
Colm tinha a mesma mecha no seu topete. Era uma das únicas coisas que
faziam as pessoas acreditarem que eram irmãos.
Quando ela estava parada na minha frente, ela não era a irmã mais nova
de Colm ou a garota por quem Grant tinha uma paixonite desde a terceira
série. Ela era Liv, a mulher que havia assombrado meus sonhos por tanto
tempo que parei de querer acordar porque, quando abria os olhos, sabia que
nunca poderia tê-la. Eu era o sapo e ela a água fervendo, lentamente
aumentando a temperatura, e logo eu estaria cozido, e foi por isso que a
afastei tão arduamente.
Um coro de cronômetros soou com telefones zumbindo sobre a mesa.
— O jantar está pronto! — Heath saltou da cadeira e correu para a
cozinha. Ele era um ótimo cozinheiro. Mesmo depois de comer os cookies
da minha mãe, o cheiro de comida no ar fez meu estômago roncar.
Os caras eram como uma família e eu não queria decepcioná-los e
aumentar ainda mais a distância entre mim e Colm. Era mais fácil me
manter afastado e não correr riscos. Segredos e mentiras sempre voltavam
no pior momento possível.
Como a não-exatamente noiva de Colm, para começar. Ninguém mais
sabia. Já era ruim o suficiente ficar com a filha do dono do time. Dormir
com alguém assim era encrenca. Se eu soubesse quem ela era, não teria
chegado nem perto. No fim, descobri que havia mais de um motivo para ter
sido uma noite da qual me arrependi.
Eventualmente, Colm decidiu me apresentar a mulher que ele estava
vendo em segredo. Ele achou que dormir com alguém do time adversário
podia pegar mal, então ficou quieto, tão quieto que nem me disse que estava
saindo com alguém. Felicity. Uma transa quando eu estava bêbado e era
novo na cidade se transformou em um dos piores momentos da minha vida
quando ele abriu a porta para o restaurante com sua namorada apoiada em
seu braço.
Os olhos dela se arregalaram quando pousaram em mim e havia tanto
medo no seu olhar. Eu era o cara que ela fodeu no armário de casacos do
clube após a celebração da abertura da temporada. Felicidade irradiava de
Colm e eu não disse uma palavra. Me sentei à mesa do lado oposto ao dele,
mastigando a comida que tinha gosto de serragem e mantendo minha boca
fechada. Eu não poderia quebrar o coração dele assim, não por uma história
de uma noite.
Ela me implorou para não contar a ele, prometeu que nunca mais
aconteceria. Eu deveria ter dito alguma coisa, deveria ter contado na mesma
hora, mas o ultimato que dei ao meu pai quando era criança tinha voltado
rugindo. Ele quebrou o coração da minha mãe. Eu a ouvi chorar sozinha
após o divórcio. Queria poupar Colm disso, mas no final só piorei a
situação.
— Você está examinando o lugar? Senta aí – tá deixando a gente
nervoso. — Emmett arrastou a cadeira ao lado dele para fora da mesa e fez
um gesto para que eu me sentasse. Me afastando da parede, enfiei meus
dedos entre os fios do meu cabelo. Afundei na cadeira. Declan deslizou um
copo de bourbon pela mesa para mim.
— Parece que você tá precisando disso. — Ele se deixou cair em uma
cadeira do outro lado da mesa e olhou por cima de nossos ombros para a
cozinha. — O que está acontecendo entre você e a Liv? — Os olhos dele se
fixaram nos meus.
Levei o copo de cristal aos lábios para ganhar mais tempo. A bebida
doce e com um gosto defumado desceu queimando pela minha garganta.
— Nada.
— Isso é papo furado, cara. É com a gente que você tá falando, e Colm
não está aqui. — Emmett olhou por cima do ombro para a cozinha, onde
corpos se cruzavam na frente da porta.
— Não tem nada para contar. Estou mantendo distância. Tudo está
como devia ser.
— Se não tem nada rolando, por que você precisa manter distância? —
O sorriso de te peguei de Declan me fez querer jogar algo nele.
— Você pode contar pra gente. — Emmett baixou a voz. — Nós vimos
vocês dois no casamento. Avery e eu vimos você beijar a Liv. — Suas
palavras sussurradas enviaram um choque pelo meu corpo. O Bourbon
espirrou na minha mão e o gosto da bebida azedou na minha boca.
Eu agarrei a borda da mesa.
— Foi um erro. — Minha mandíbula se apertou e eu pressionei meus
lábios juntos. Todo mundo podia ouvir meu coração batendo forte? Ou era o
sangue latejando em meus ouvidos e abafando todo o resto depois das
palavras vimos você beijar a Liv?
Meu momento de fraqueza... Estando tão perto dela com lágrimas
nadando em seus olhos, eu não fui capaz de me afastar. Eu deveria ter ido
atrás do Colm e dito a ele que Liv estava chateada ao invés de sair correndo
da recepção de casamento atrás dela. As lágrimas tinham acabado comigo e
fui eu quem as colocou nos olhos dela novamente mais tarde naquela
maldita noite.
Ela era minha fraqueza. Era tão fácil ceder, mas o rompimento da
barragem inundaria as planícies, afogaria minha amizade mais antiga e não
deixaria nada para trás.
— Cara, relaxa. Parece que a sua veia vai explodir. Não vamos te
entregar nem nada – ou Colm já sabe? É por isso que as coisas estão tão...
estranhas? — Emmett me encarou como se eu pudesse dar uma pista do que
estava acontecendo, mas não pude.
Respirei fundo e esfreguei a mão no rosto.
— Não, ele não sabe. Não é por isso que as coisas estão... estranhas. —
Esfreguei minhas mãos ao longo das laterais do meu copo, a condensação
do líquido frio não impediu o calor que subiu ao longo da minha nuca. — O
beijo — eu lambi meus lábios secos como cinzas — foi uma coisa de
momento. Ela estava chateada.
— Faz todo o sentido – você decidiu acalmar ela com a sua língua?—
Declan riu do outro lado da mesa.
Eu lancei um olhar que poderia derreter aço, e ele fez a melhor cara de
paisagem que conseguiu. Seu pomo de Adão balançava para cima e para
baixo enquanto o teto se tornava a parte mais interessante da sala.
— Olha, eu não estou te julgando. Ela está apaixonada por você desde
sempre.
Eu apertei minha nuca.
— Isso é parte do problema. É como se fosse um hábito para ela, desde
quando ela era pré-adolescente. Não vou ser o tipo de cara que vai atrás de
uma adolescente.
— Mas ela não é mais uma adolescente. Ela vai fazer vinte e um em
alguns meses. Se ela gosta de você e você dela, qual é o problema? —
Declan se recostou em sua cadeira como se fosse fácil assim.
— E quanto ao Colm? — Ele a trata que nem Jimmy Bolha desde que
os pais deles morreram. Ela era uma criança na época, mas ele achou que
podia protegê-la mesmo depois que uma das piores coisas que poderia
acontecer a uma criança já havia destruído qualquer sensação de que o
mundo poderia ser um lugar seguro.
Emmett deu um gole em sua bebida.
— Ele sabe que ela precisa crescer algum dia, certo?
— Não vou ser eu quem vai lembrá-lo disso. Você se lembra da casa de
praia. — Meu estômago embrulhou.
Voltando da nossa viagem de pesca dos caras, três verões atrás,
entramos na casa e demos de frente com Liv descendo as escadas com um
cara. Já tinha sido ruim o suficiente dividir o quarto com ela e Colm, mas
ver ela andando por aí de biquíni e shorts de pijama tinha sido uma
verdadeira tortura.
Estávamos entrando em casa enquanto ela colocava a alça de sua regata
de volta no lugar com aquele filho da puta descendo as escadas atrás dela, e
eu queria quebrar alguma coisa. Eu não tinha o direito de interferir sobre a
decisão dela de namorar, beijar ou fazer qualquer outra coisa, mas aquilo
me matou mesmo assim.
— Emmett provavelmente não se lembra porque ele estava fodendo
Avery no quarto dos fundos.
Emmett saltou sobre a mesa, jogando um garfo direto na direção da
cabeça de Declan. Declan desviou do utensílio voador, que bateu contra a
parede.
— Ei, não estraguem as paredes. A casa é nova. — Heath saiu da
cozinha com um prato enorme nas mãos com luvas de forno. Um fluxo
constante de comida seguia atrás dele, e Liv carregava uma jarra.
— Todo mundo vai querer mojito?— Ela sacudiu o recipiente.
— Essa é uma pergunta boba – claro que vamos! — Avery gritou
quando Emmett a puxou para baixo em seu colo, quase caindo sobre a
bandeja de copos. — Em, tire as mãos. Estou carregando copos. — Ela riu e
beijou o lado do rosto dele.
A mesa se transformou em um cenário de caos e confusão enquanto
todos avançavam na comida, tentando conseguir o maior pedaço de frango
à parmegiana. As mulheres saíram do caminho, protegendo as bebidas da
horda invasora.
Liv despejou mais da mistura vermelha e rosa nos copos de todos, se
esquivando e desviando da confusão toda. Ela parou na minha ponta da
mesa.
— Você quer?
Erguendo meu copo, eu o estendi para ela. Ela colocou a mão em volta
do meu copo, nossos dedos roçando um no outro. Eu puxei minha mão para
trás, embora quisesse colocar sob a dela e sentir sua palma pressionada
contra minha pele. A causa da minha morte seria por mil olhares e toques.
Seu olhar vagueou ao redor da sala, tentando encontrar outro lugar,
qualquer cadeira que não fosse aquela disponível à minha direita. Não havia
nenhuma. Apertando os lábios, ela sentou, todos os músculos de seu corpo
tensos como se eu pudesse atacar a qualquer segundo.
Uma conversa fácil fluiu ao meu redor enquanto o toque suave de sua
perna contra a minha a cada dois minutos enviava um latejar pulsante pelo
meu corpo.
A comida estava empilhada nas travessas, mesmo depois que os ladrões
de frango à parmegiana se fartaram. Heath sempre cozinhava para um
pequeno exército, o que devia significar alguma coisa, já que ele estava
cozinhando para atletas profissionais. Eles teriam sobras por semanas.
— Heath, se você não fosse um bom jogador de hóquei, eu diria que
você tem futuro como chef. — Avery deu um tapinha na barriga e Emmett
acariciou o pescoço dela. Eles davam tanta ânsia de vômito quanto no
ensino médio.
— Me dá mais um pouco, Liv? — Mak balançou o copo no ar e estalou
os lábios. Declan o arrancou da mão dela.
— Você já bebeu dois.
— Eu dou conta. — Ela estalou os lábios novamente e Declan balançou
a cabeça.
— Liv, que tal alguns mojitos virgens? Caso contrário, estarei de
plantão segurando cabelo essa noite. — Ele passou os dedos em torno dos
cachos avermelhados dela e os afastou do rosto. Ela mostrou a língua e
afastou as mãos dele. Tirando o copo dele, Mak o estendeu para Liv, que lhe
serviu meio copo.
— Prontos para a sobremesa? — A nova adição, Max, pulou da mesa e
desapareceu na cozinha. Um segundo depois, ela voltou equilibrando o bolo
de duas camadas com desenhos dourados e azuis sobre ele, todos fazendo
ooh e aah por causa dos detalhes intrincados. A cobertura dourada me
lembrou do cabelo de Liv, cintilante e de tirar o fôlego.
Max encolheu os ombros e colocou seu cabelo turquesa atrás da orelha.
Combinava com a cobertura.
— Esse é um bolo só de teste. Eu precisava ter certeza de que
conseguiria fazer as flores certas.
— Eu não quero cortar. — O olhar no rosto de Kara era de pura aflição.
— Como você consegue cortar isso? É tão bonito. — Seus dedos
deslizaram ao longo da borda das flores comestíveis empilhadas em cima.
Sem aviso, uma faca enorme cortou todas as pétalas delicadas. Max a
brandiu como se o bolo tivesse batido em sua mãe.
— Tem um gosto melhor do que parece.
— Mas... nós nem conseguimos tirar uma foto. — Kara olhou para Max
como se ela tivesse pegado um taco para bater em um bebê foca na sala de
jantar.
— Você se acostuma com isso. — Avery riu, estendendo o prato para
uma fatia. — Max faz as sobremesas mais lindas e adora ver o mundo
pegando fogo quando ela as destrói.
— O que posso dizer? Sou uma rebelde. — Max revirou os olhos e
continuou cortando e distribuindo os pedaços para todos na mesa. — Bolos
são feitos para serem comidos. São coisas bonitas de se olhar e depois vão
embora. — Com todos servidos, ela se sentou e comeu sua fatia.
Liv inalou seu pedaço.
— Alguém pegue o prato antes que ela acidentalmente coma ele
também — Heath gritou antes de enfiar outra garfada de bolo na boca.
Liv passou o dedo pelo prato para pegar até o último pedaço de
chocolate.
— Uau. — A palavra saiu antes que eu pudesse impedir.
Ela olhou para mim como um cervo na frente de faróis. Suas bochechas
ficaram vermelhas como uma beterraba e seus olhos se estreitaram.
— Está realmente bom. — O chocolate cobria seus dentes e o lado de
sua bochecha.
— Seu rosto está sujo de bolo. — Eu apontei para o local.
Ela pegou um guardanapo e passou pela bochecha, espalhando ainda
mais.
— Limpou? — Ela ergueu o queixo, se virando para Kara para olhar
melhor. Antes que Kara pudesse dizer qualquer coisa, eu me adiantei.
— Não, bem aqui.— Apontei para o mesmo ponto em meu rosto.
Seu olhar disparou de volta para o meu, e ela hesitou, como se falar
outra palavra para mim a machucasse. Ela esfregou o guardanapo e
espalhou ainda mais pela pele.
— Tem chocolate no guardanapo? Você está deixando pior. — Eu ri e
estendi um guardanapo novo.
Seus lábios se apertaram em uma linha firme. Como se minha mão fosse
uma armadilha para ursos, ela o tirou de minhas mãos. A tentação de limpar
o chocolate com os dedos me fez apertar o punho contra a minha perna por
baixo da mesa. Pelo jeito que ela olhou para mim, ela teria me apunhalado
com o garfo se eu tivesse feito isso – não que eu a culpasse.
Depois de mais alguns esfregões, ela estava sem chocolate no rosto e eu
estava preso em uma jaula com o que eu sabia que deveria fazer e o que eu
queria fazer desde a primeira vez que a beijei. Haviam duas coisas que eu
sabia: eu teria que reconquistar a confiança dela para que ela se abra
comigo, e essa era a última coisa que eu deveria fazer. Me abrir para ela era
uma passagem só de ida para algo do qual eu me arrependeria, e não sabia
se poderia me conter novamente se me deixasse levar por esse caminho.
6

LIV

— V ocê precisa fazer um teste para a companhia. Como assim você


não pode? Você só fala de dança e hóquei, e acho que já é um pouco tarde
demais pra entrar na carreira de hóquei profissional. — Marisa passou o
pincel na unha antes de mergulhar de volta no vidro de esmalte prateado.
— Eu não quero fazer dança profissionalmente. Eu gosto de dar aula. Se
eu estivesse na companhia, não ia poder dar tantas aulas e ia ter que sair em
turnê. Às vezes, eles ficam fora por meses. — Eu balancei o frasco
brilhante. Estar em um lugar e construir uma casa me chamava muito mais
a atenção do que vagar pelo país dançando na frente de estranhos todas as
noites. Trabalhar com meus alunos e ver a evolução deles é o que fazia
valer a pena o que eu faço.
— Pelo menos tente. Mesmo se você não quiser entrar, você deveria
tentar. Então, se houver alguma dúvida em sua mente, você vai saber, “Nah,
eu com certeza poderia ter dançado até cair pelo país todinho.” — Ela pulou
e balançou enquanto caminhava sobre os calcanhares com os dedos dos pés
molhados para cima.
— Vou pensar sobre isso. Como vai a tutoria de cálculo?
Ela soltou algo que estava entre um grito e um gemido.
— Eles vão me obrigar a beber. — O tilintar do gelo contra o vidro veio
da cozinha. — Eles acham que só porque sou a tutora eu deveria fazer tudo
por eles. Isso me faz querer estrangular alguém.
— As pessoas para quem você está dando a tutoria não estão se
esforçando?
— Se for um esforço para entrar nas minhas calças, então sim. LJ e seus
colegas de quarto podem ser chatos às vezes, mas alguns dos outros
jogadores do time de futebol são totalmente idiotas. Eu vou tirar todos eles
da minha agenda de tutoria no próximo semestre. Outra pessoa pode lidar
com as merdas deles.
— Conta pro LJ – ele vai colocá-los nos seus devidos lugares.
Ela riu e colocou um copo de sangria na minha frente.
— Ele já precisa lidar com coisas suficientes do time. Não vou colocar
mais uma coisa nas costas dele. — Ela olhou para o copo, girando o gelo na
mistura rosa.
Tomando cuidado com as minhas unhas, peguei e tomei um gole – tão
doce e delicioso.
— O que está acontecendo com o time?
Seu olhar foi para o meu como se ela tivesse esquecido que eu estava lá.
— Não é nada. — Ela acenou com a mão no ar. — Tem um cara, Kevin,
juro que vou esfaquear ele com uma lapiseira na próxima vez que o vir.
— Você está sendo a tutora dele?
Ela tomou um gole e assentiu.
— Ele fica me chamando para sair. No começo estava sendo bonitinho,
mas agora é simplesmente assustador. O hálito dele sempre tem cheiro de
comida de gato. Enfim, chega de falar de mim. Como foi o jantar? — Ela
habilmente mudou de a ssunto.
— Ford apareceu e eu quase morri de susto. Tivemos que sentar um ao
lado do outro! Foi estranho pra caramba.
— Isso é péssimo. Você acha que as coisas vão parar de ser estranhas
entre vocês?
—Não. — Eu arrastei minhas mãos pelo meu rosto. — Eu fui em alguns
encontros com o irmão mais novo dele. A gente só se beijou uma vez, mas
mesmo assim não vai sair nada de bom disso. — Uma pequena parte de
mim queria que meu beijo com Grant fosse do tipo que fazia os dedos do pé
se enrolarem e roubava meu fôlego, o mesmo tipo que tive com Ford.
Talvez no fundo eu achasse que isso iria consertar as coisas. Ford poderia
ter seguido seu próprio caminho e eu finalmente teria encontrado alguém
que eu realmente gostasse, que não sairia correndo para outra direção no
segundo em que eu entrasse na sala, mas isso não aconteceu. Foi um beijo
bom, agradável, como um beijo no parquinho sob o escorregador, não algo
que incendiou minha alma – não como quando os lábios de Ford estavam
nos meus.
— Droga, você conseguiu ser estranha pra caramba nessa.
— Você não faz ideia.
E também tinha aquela coisa estranha entre Ford e Colm. Era uma
receita geral para o desastre, mas se o padrão se mantivesse, eu não veria
Ford por mais um ano e meio. Eu podia lidar com isso, desde que os
pensamentos sobre ele parassem de tocar como uma música ambiente na
minha mente.
— O jogo já vai começar. LJ estava reclamando sobre dividir um quarto
de hotel na estrada, mas o treinador disse que é para construir um time
melhor. Eu disse pra ele engolir o choro. Ele só vai ter que bater uma no
chuveiro como um cara normal.
— Por que você enche tanto o saco dele? — Eu franzi minhas
sobrancelhas e olhei para ela.
Ela encolheu os ombros.
— Hábito. Também ajuda a manter os limites de nossa amizade bem
claros. Você vai assistir o jogo comigo?
— Não, eu tenho que estudar.
— Você estudou o dia todo.
— Não o dia todo. — Eu balancei minhas unhas recém-pintadas para
ela. — A química orgânica é uma assassina em série atrás de uma cortina de
chuveiro, e minha nota está prestes a ser fatiada e cortada em cubinhos se
eu não entender essa matéria.
Ela enrugou o nariz.
— É horrível. Me avise se precisar de ajuda, e por ajuda quero dizer
alguém para ajudar a colocar fogo nesses livros.
— Eu vou. — Fechei a porta do meu quarto e me sentei na mesa à qual
estive acorrentada por dias. Colm me mataria se eu não fosse perfeita nesse
semestre. Eu devia ter mudado de curso e acabado com isso, mudado para
algo que eu realmente poderia usar, como: negócios, arco e flecha ou
cestaria subaquática. Eu poderia vender minhas cestas em uma feira de
produtos artesanais ou fugir com o circo.
Abrindo os livros, respirei fundo e mergulhei de volta. Arranque esse
Band-Aid logo.
— Olivia!
O som alegre me atingia no centro do peito todas as vezes, do jeito que
eu imaginava como seria voltar para casa depois da faculdade se minha mãe
ainda estivesse por perto. Fechei a porta do táxi e sorri tanto que minhas
bochechas doíam.
— Oi, Sylvia.
Ela me envolveu em seus braços. Eu me inclinei para ela,
provavelmente mais do que deveria, e apertei suas costas.
— Como você está? — Ela afastou o cabelo do meu rosto e segurou
minha bochecha. — Entre; está tão frio. As crianças estão tão animadas.
Ela me puxou para dentro e fechou a porta atrás de nós. Tirando meu
casaco, mexi os dedos dos pés tentando me aquecer. O cheiro de cola
Elmer, cookies e cartolina sempre traziam de volta muitas memórias de
infância. Eu ajeitei meu collant. Eu normalmente não era o tipo de garota
que saía por aí de tutu, mas as crianças adoravam. Suas risadas e alegria
ricocheteavam nas paredes e se derramavam em todos os cantos e recantos
da casa.
— Eles estão energéticos como sempre e prontos para mostrar o que se
lembram da última aula.
— Perfeito. — Passei pela porta. As crianças gritaram e pularam antes
de me apressar. Eu me agachei e quase fui derrubada pela manada infantil.
É assim que uma estrela do rock se sente? — Mal posso esperar para ver o
que todos vocês se lembram e espero que estejam prontos para se divertir
hoje.
Gritos e ainda mais pulos. Como as crianças sempre têm tanta energia?
Com todos pulando pelas paredes meia hora depois, encerrei nossa aula.
Eu os colocaria contra qualquer um em minhas aulas regulares quando se
tratava de resistência. Essas crianças podiam correr por horas e não se
cansar. Fazendo uma reverência com minha saia de balé transparente, deixei
a professora assumir.
Peguei meu moletom da minha bolsa e entrei no escritório de Sylvia,
uma pequena sala ao lado da cozinha. Quando eles moravam lá, era a sala
de TV. Grant e eu ficávamos lá enquanto esperávamos que Colm e Ford
terminassem o treino ou voltassem de um jogo. As memórias de infância de
cookies recém-assados, pipoca de micro-ondas e desenhos animados eram
tão brilhantes e inocentes. Então as coisas ficaram complicadas. Bati meus
dedos contra a porta aberta.
— Eu tenho um pouco de chocolate quente com mini marshmallows e
posso fazer um sanduíche para você se estiver com fome. — Ela pulou da
mesa.
Meu estômago roncou.
— Parece que você está. — Sua risada sempre foi tão cheia de vida e
felicidade.
Eu a segui de volta para a cozinha.
— Você não precisa me fazer nada. Posso pegar algo no caminho de
volta para o campus.
— Bobagem, é claro que vou fazer algo para você. — Ela girou com o
frasco de maionese apertado contra o peito. — A menos que você precise ir.
Posso preparar algo rápido e você pode levar embora.
A única coisa que esperava por mim em casa era uma pilha de livros
que faziam meu cérebro doer. Marisa estava na biblioteca e depois iria para
o jantar torturante com o pai. Voltar para um apartamento vazio em vez de
ficar na casa de Sylvia?
— Não há nenhum outro lugar que eu prefira estar.
— Perfeito. Sente aí. — Ela bateu a mão no banco estofado preto e foi
até a geladeira.
Eu pulei para trás do balcão.
Sylvia se moveu pela cozinha como se pudesse fazer isso com os olhos
vendados, seu cabelo preto com fios grisalhos caindo nas suas costas como
uma cortina.
— Desculpe não ter mais, é tudo o que eu tinha à mão. — Ela deslizou
um prato com o maior BLT (sanduíche da bacon, alface e tomate) que eu já
vi pelo balcão para mim, e havia até uma porção de batata frita ao lado.
Minha boca encheu de água quando o cheiro de bacon subiu do pão
torrado.
— Nunca se desculpe por um BLT.
Ela riu e se sentou ao meu lado em seu próprio banquinho.
— Eu tenho alguns cookies também, quando você terminar. Eu fiz
muitos para a noite dos pais. Você pode levar uma caixa para casa se quiser.
Eles têm gotas de chocolate.
— Alguém na história do mundo já recusou uma caixa de seus cookies
de chocolate? Nunca. Talvez eu divida um pouco com a minha colega de
quarto. Talvez. — Eu também colocaria mais esforço nas minhas aulas para
queimar essas calorias extras.
— Que bom, porque cada um deles é mais dois quilos adicionados aos
meus quadris. — Rindo, ela deu uma mordida no sanduíche. — Como está
a faculdade?
Eu contei a ela minha inaptidão com biologia, química orgânica e
bioquímica. Era assim que eu imaginava que seria com minha mãe:
sentadas na cozinha, fazendo o almoço juntas, conversando sobre o que
estava acontecendo comigo na faculdade. Ela teria feito isso, certo? Tirar
um tempo pra mim quando eu ficasse mais velha? Talvez com o tempo ela
tivesse percebido como tínhamos pouco tempo antes que eu fosse embora
para sempre. Talvez... e talvez nem mesmo tivéssemos discutido minhas
aulas de ciências, porque eu nem mesmo estaria fazendo o pré-med. Talvez
eu a tivesse visto ainda menos à medida que envelhecia. Ela nunca fez dos
nossos momentos juntas uma prioridade...
Então veio a culpa. O que era mais importante para ela fazer, realizar
uma cirurgia cerebral ou comparecer ao meu recital de dança? Salvar vidas
ou sentar comigo na cozinha ao meio-dia de uma terça-feira e comer um
sanduíche?
— O que foi, Liv? Você parece estar a mil quilômetros de distância. —
Sylvia se inclinou com preocupação nadando em seus olhos.
— Desculpe, eu... eu estava pensando na minha mãe, preocupada em
estar deixando ela decepcionada... deixando os dois decepcionados.
Os olhos de Sylvia se suavizaram e ela chegou mais perto. O banquinho
raspou no chão de ladrilhos. Cobrindo minha mão com a dela, ela olhou nos
meus olhos.
— Não tem nada que você possa fazer para decepcioná-los. Eu não me
importaria se Ford fosse um varredor de rua ou estivesse fazendo o que faz
agora. Ele está feliz, adora seu trabalho e ganha um bom dinheiro. Seus pais
se importariam com a sua felicidade, não com o caminho exato que você
percorreu para encontrá-la.
— Você não entende o quão importante a medicina era para eles – é
para mim. — Foi uma das últimas conexões que tive com eles.
— Eu imagino que qualquer pessoa que passe por todo esse trabalho
para se tornar uma médica teria que se preocupar profundamente com isso.
— Eles ficaram muito orgulhosos quando eu disse que queria ser
médica.
— Que pai não ficaria? Mas essa não é uma jornada fácil. Eu conheço
meu quinhão de médicos, e às vezes é um estilo de vida implacável.
— É sim. — Esmaguei um batata debaixo do meu dedo. — E nem
sempre tenho certeza de que é a vida que eu quero. — Meu olhar correu
para o dela e meus olhos se arregalaram. Eu não queria dizer isso. Claro que
era a vida que eu queria.
— Não é algo que você deva encarar levianamente. Não há nada que
diga que você tem que tomar essa decisão hoje. Você é jovem e há tempo.
Não quando você é médico. Nunca existe tempo suficiente. Sem vida
por anos a fio, morando dentro de um hospital, dormindo em leitos de
plantão durante turnos de 24 horas, comendo em pé no balcão porque você
sabe que se sentar, vai desmaiar. É isso que eu quero?
— Esse sempre foi o tipo de coisa que eu pensei em conversar com ela.
Achei que ela iria me ajudar a entender tudo que estou sentindo.
— Sei que não sou uma substituta muito boa, mas você é sempre bem-
vinda aqui, Olivia. Sempre. Estou aqui para falar com você sempre que
precisar de mim.
Minha garganta fechou e eu cobri suas mãos com as minhas.
— Você não é uma substituta ruim. Você é uma mãe incrível. Ford e
Grant têm sorte de ter você. — Ela arranjou tempo para eles. Inferno, ela
arranjou tempo para mim e eu nem era filha dela. Nunca fui expulsa da sala.
Ela nunca desaparecia no meio da conversa, e ela não verificava o telefone
a cada poucos minutos, como se algo mais importante estivesse sempre a
um texto ou a uma chamada de distância.
O tempo que passei com ela era especial para mim. Se eu estragasse as
coisas com Grant ou Ford, poderia perder ela também, e já tinha perdido
gente suficiente. Eu não aguentaria perder mais.
Ela riu e pegou meu prato.
— Tente dizer isso a eles. Tudo o que recebo são resmungos sobre
minhas queixas de que eles não vêm me visitar com mais frequência. —
Seu telefone se iluminou no balcão. — Falando no diabo. — Ela bateu na
tela e o pegou, um grande sorriso se espalhando em seu rosto. — Suas
orelhas estavam queimando? Estávamos falando sobre você. — Uma breve
pausa. — Olivia. Ela está aqui.
Um balde de gelo poderia muito bem ter sido derramado sobre minha
cabeça. Exatamente o que eu precisava, Ford pensando que eu estava
falando sobre ele para sua mãe. Desci do banquinho e peguei meu moletom
do balcão. Apontando para o banheiro, corri para fora da cozinha. Tirando
rapidamente meu collant da morte, me olhei no espelho. Há quanto tempo
essas olheiras estão aí? Os longos dias de estudo estavam cobrando seu
preço. Coloquei minhas roupas e enrolei minha roupa de balé debaixo do
braço.
— Ela está de volta agora – você quer falar com ela? — Ela fez uma
pausa. — Ok, sem problemas. Te vejo em breve. Te amo. — Encerrando a
ligação, ela pegou nossos pratos e os colocou na máquina de lavar loças ao
lado de uma coleção de pratos, xícaras e utensílios de plástico brilhante.
— Era o Ford.
Por que ele iria querer falar comigo? Corri minha mão sobre a pontada
no centro do meu peito. Controle-se, Liv.
— Ele não sabia que você estava passando por aqui. — Ela me olhou do
fogão.
— Não é grande coisa. Ele está sempre viajando muito, e o assunto
nunca surgiu. — Dei de ombros.
— E quanto a Grant? Vocês três sempre parecem estar fazendo uma
dança para verificar quem está aqui e quem não está.
Eu encarei o chão. Ela sabia que eu beijei seus dois filhos? Meu
estômago revirou.
Ela enxugou as mãos no pano de prato e me deu um abraço.
— Está tudo bem, querida. Tudo vai se resolver.
Sylvia me mandou para casa com duas caixas de cookies de chocolate,
logo depois de eu comer cinco deles com um copo de leite. Eu era uma
criança de dez anos de novo. Colm e eu tínhamos tentado cozinhar para a
venda de bolos da minha escola uma vez, logo depois que nossos pais
morreram. Oitenta por cento dos cookies tinham acabado como uma
bagunça carbonizada no fundo da lata de lixo e ele desistiu, decidindo ir até
a padaria comprar algumas dezenas.
A bagunça não era tão fácil de limpar agora. A vida real pairava à
frente, e as escolhas que eu tinha que fazer ficavam cada vez mais difíceis.
Ford havia aparecido duas vezes em uma semana, após quase dezoito meses
de distância. Talvez a culpa finalmente tenha o alcançado. Que bom. Era um
teste e eu não iria falhar.
Era uma nova resolução, alguns meses atrasada, mas tanto faz. Eu não
passaria mais um minuto pensando nele. Eu tenho problemas suficientes
para lidar. Eu não preciso adicionar um goleiro com a barba por fazer de
quase um metro e noventa à mistura.
7

FORD

A bri minhas pálpebras com o chiado irritante que não parava.


Levantando meu telefone, eu bati na tela brilhante.
— O que?
— Já liguei para você cinco vezes. — O mau-humor de Colm
combinava com o meu.
— Eu achei que não atender as quatro primeiras te daria uma dica. —
Estreitando os olhos, conferi a hora: quase três da manhã. — Por que
caralhos você está ligando tão tarde?
— Ah merda, esqueci do fuso horário.
Eu resmunguei baixinho.
— Você conseguiu falar com a Liv?
— Não. Quero dizer, sim. — Esfreguei meus olhos para afastar o sono,
me livrar dos sonhos com uma mulher de olhos azuis cuja cabeça se
encaixava perfeitamente sob meu queixo.
— Isso é um sim ou não?
— Eu falei com ela alguns dias atrás na casa do Heath. Ela disse que a
faculdade estava indo bem e ela está bem.
— Sério? Você acha que ela vai se abrir fácil assim? Preciso saber o que
está acontecendo com ela, preciso saber se ela está bem. Estar tão longe vai
me deixar maluco. Você me deve uma. — A preocupação em sua voz
sangrou através da linha. Eu empurrei de lado o gosto amargo de sua raiva,
me concentrando em por que ele precisava que eu fizesse isso.
— Vou me encontrar com ela novamente depois desses jogos fora da
cidade, e vou começar o interrogatório.
Ele soltou um suspiro profundo. No último ano a preocupação dele com
Liv disparou drasticamente. Eu sabia muito bem como era se sentir
superprotetor com um irmão mais novo, especialmente quando você se
transforma na figura paterna, mas a pressão que ele está colocando sobre ela
é loucura. Talvez conversando com ela, eu consiga descobrir por que ele
está enlouquecendo.
— Obrigado. Estou feliz que ainda posso contar com você.
Eu apertei a ponta do meu nariz. Antes, ele nunca teria dúvidas sobre
isso.
— Você sabe que pode. — A culpa se formou em meu estômago. Ele
poderia não pensar assim se soubesse com o que eu estava sonhando. Ele
provavelmente quebraria meu nariz.
Terminamos a ligação e eu peguei meu telefone novamente.
Eu: Ei Liv, quer tomar sorvete na quinta?
Quantos anos ela tinha, cinco? Excluir!
Eu: Liv, a gente podia ir no cinema essa semana
Essa seria a maneira perfeita de entrar na mente dela: sentar em um
cinema escuro por duas horas enquanto eu ficava extremamente focado
onde nos tocávamos no descanso de braço. Excluir!
Eu: Volto pra cidade na quinta. Podemos nos encontrar?
No segundo que eu apertei enviar, meu olhar disparou para a hora e eu
bati na minha testa. Quem manda uma mensagem dessas às três da manhã?
Esse idiota aqui manda. Batendo minha cabeça no travesseiro, o puxei de
trás da minha cabeça e o empurrei sobre o meu rosto. Se eu tivesse sorte,
até a manhã eu já teria sufocado. Os minutos passaram enquanto eu fingia
que não estava esperando sua resposta.
Por fim, o sol da manhã atravessou as cortinas. Nada.
Tutorial de como foder as coisas em menos de cinco segundos.

— Ford, se liga no jogo. — A voz do nosso treinador retumbou através


do gelo.
Emmett patinou em minha direção, parando bruscamente, disparando
um jato de gelo sobre mim.
— Acorda, cara. O que deu em você hoje?
— Cabeça cheia. — Como o fato de que, embora eu tenha enviado a
mensagem às três da manhã, Liv ainda não respondeu. Estávamos na
estrada há três dias, e ainda faltavam mais dois até eu voltar pra casa.
Quando trocávamos mensagens eu sempre recebia uma resposta imediata.
Isso era uma coisa boa, certo? Ela não estava mais presa a mim. Me
afastar funcionou, talvez até demais, mas pelo menos isso significava que
seríamos capazes de sair e conversar, sem nada além de sentimentos
platônicos – se é que ela vai conversar comigo. Então, por que eu estou
contando os minutos para poder ir ao vestiário ver se ela respondeu?
— Terra para Ford! — Heath bateu no meu capacete.
Minha cabeça se ergueu e levantei a proteção do meu capacete.
— Vocês podem me deixar em paz?
— Cara, você está viajando muito. Você tá ficando doente?
Afastei sua mão enquanto ele fingia preocupação, tentando tocar minha
testa.
— Caiam fora. Tenho umas coisas pra fazer, só isso.
— Talvez se você sair da sua concha, a gente possa te ajudar, pequeno
caranguejo eremita. — Emmett se encostou no gol.
Lançando um olhar mortal para ele, empurrei a proteção de volta para
baixo.
— Nada que eu não possa lidar. Vocês dois podem voltar para o treino e
parar de enrolar aqui comigo? — Eu empurrei meus pensamentos sobre Liv,
a mensagem e meu telefone para o fundo da minha mente até o treino
terminar.
Colocando minha camiseta enquanto estava no box do chuveiro, eu
marchei para o vestiário e sentei para colocar meus sapatos.
— Eu não conseguia mais nem enxergar direito, ela parecia a porra de
um aspirador no meu pau. — As palavras do idiota residente do nosso time,
Axel, foram carregadas pela sala cheia como unhas arranhando uma lousa.
Rangendo os dentes, enfiei os pés nos tênis.
— Eu ia ligar para ela de novo, mas ela me mandou uma mensagem no
dia seguinte. Pensa em uma garota desesperada. — A voz do Axno irritou
meus nervos.
Minha mandíbula travou. Uma coisa era dormir por aí, e eu já fiz isso.
Outra era gritar sobre suas conquistas dos telhados como um idiota
querendo aparecer.
— Talvez eu foda...
— Talvez você devesse calar a porra da boca! — As palavras saíram da
minha boca antes que eu pudesse impedir, e todos no vestiário congelaram.
Poderia muito bem estar cheio de manequins. — Por que você acha que
todo mundo quer ouvir essa merda, cara? Ninguém quer ouvir sobre você
ser um idiota em tempo integral.
— O que você tem haver com isso? — Axel se levantou do banco e
olhou para mim.
— Só cala a boca. — Eu me levantei e peguei minha bolsa do chão. —
Já sabemos que você é um idiota – não precisa repetir pra todo mundo no
vestiario o tempo todo.
— Só porque as Marias Patins dormem com você só porque sentem
pena não significa que você tem que acabar com a diversão de todo mundo.
— Ele ficou bem na minha cara.
A adrenalina do nosso treino bombeou em minhas veias. Eu estava
prestes a socar a cara dele.
— Gritar para todo mundo que possa ouvir o tipo de lixo que você é e
como trata as mulheres mostra exatamente o tipo de menino que você é.
Ele enfiou as duas mãos no centro do meu peito. A parte de trás do meu
joelho bateu no banco e eu tropecei. Virando de volta com meus punhos
prontos para tirar aquele sorriso presunçoso do rosto dele, meu braço foi
puxado para trás uma fração de segundo antes do meu punho acertar.
Olhando para trás, eu enrijeci meus músculos no aperto de Heath. Seu
braço inteiro envolveu o meu. Emmett e Declan apareceram, e suas mãos
apertaram meus braços e ombros, ficando entre nós.
— Você tem sorte de estarmos aqui — Emmett gritou para Axel. — Se
não estivéssemos, você perderia alguns dentes antes mesmo do próximo
jogo começar.
— Você precisa que seus amigos briguem por você, Ford? — Axel
provocou atrás da parede de rapazes.
Heath me segurou e Declan me empurrou para trás.
— Não faça isso. Você bate nele e não vai poder participar do próximo
jogo. Nós precisamos de você. — Declan então se virou para Axel. — Você
teria sorte se arrancasse um dos dentes dele, mas não sairia daqui com suas
próprias pernas se não tivéssemos aparecido. Caí fora, Axel. — As palavras
dele acalmaram meus nervos. Deixar os caras na mão era a última coisa que
eu queria fazer, mesmo que isso significasse que eu não conseguiria dar
uma surra no Axno.
Me livrando dos braços deles, eu apertei meus lábios com força e
respirei profundamente para me controlar. Passei a alça da minha bolsa
sobre a cabeça e saí do vestiário. No ônibus do time, meu sangue
desacelerou para uma batida lenta, toda aquela violência escorrendo de
volta pra dentro. Espaços pequenos eram uma merda quando estávamos na
estrada. Pelo menos Axel foi inteligente o suficiente para sentar na frente do
ônibus, e a viagem para o hotel foi silenciosa. Coloquei meus fones de
ouvido e os mantive até chegar ao meu quarto.
Meu telefone vibrou na minha bolsa no segundo que a porta se fechou
atrás de mim. Eu o peguei e olhei para a tela.
Liv: Pessoa errada?
Passei a mão no rosto. Três dias depois e foi isso que recebi. Droga, as
coisas estavam piores do que eu pensava. Se ela soubesse quantos
rascunhos eu fiz para enviar isso, e ela nem mesmo cogitou que eu quisesse
mesmo enviar.
Eu: Era para você
Liv: Ah...
Eu: Estamos de volta na quinta. Podemos fazer alguma coisa?
Liv: Os caras vão fazer outro jantar?
Eu: Não, quis dizer apenas eu e você
Liv: Por quê?
Eu: Por que não?
Liv: Não acho que isso precise de uma explicação. Você deixou tudo
bem claro.
Meus dedos pairaram sobre a tela, as palavras que já eram tão difíceis
de sair se enrolando mais do que nunca.
Liv: Você foi um fantasma no último ano e meio e me evitou a todo
custo. Entendi o recado.
Eu toquei em seu nome. Ela atendeu no quinto toque, como se tivesse
pensado em não atender. Meu coração batia forte contra minhas costelas.
— Alô?
Eu sorri com o som hesitante em sua voz.
— Oi? Sim, sou eu. Por que você está agindo como se a gente não
estivesse trocando mensagens agora mesmo?
— Porque você não me liga há anos.
Minha boca ficou seca e eu corri meus dedos ao longo do meu couro
cabeludo. Ela tinha razão.
— Estou ligando para você agora. — E eu não deveria. Grant ficaria
arrasado se soubesse e Colm nunca me perdoaria se eu fosse além de uma
conversa amigável, mas eu não conseguia parar de querê-la – mesmo que
fosse apenas para conversar. Eu não conseguia parar de pensar nela.
— Você bateu a cabeça no treino?
Bati a caneta do hotel contra a cama.
— O que? Não. Por que você acha isso?
Porque ela está irritada por você estar ligando para ela.
— Você de repente acha que voltamos dois anos no passado e eu devia
pular como um cachorrinho animado porque você ligou?
— Liv... — Eu apertei a base do meu pescoço.
— Não vem com Liv pra cima de mim, Ford. Foi você quem fez as
regras. Temos seguido elas direitinho. Por que você está mudando elas
agora? — Eu imaginei o vinco de raiva em sua testa entre as sobrancelhas.
— Eu nunca fiz nenhuma regra.
— Então por que você me evitou? — Ela falou comigo como se eu
fosse Hannibal Lecter a convidando para jantar.
— Não podemos ter uma conversa cordial?
— Certo. — A palavra saltou por entre os dentes cerrados. — Como foi
o treino? Pronto para o seu jogo? — Seu tom agradável foi como uma
chicotada.
— O de sempre. Por que você não foi em nenhum jogo nesta
temporada? Estou surpreso que Colm não reservou nenhum camarote para
você.
— Ele reservou, apesar de eu ter dito não. Eu não posso ir, mas você
sabe como ele é. Quando ele coloca algo na cabeça fica que nem um pit bull
e não quer saber de soltar o osso.
Eu não sabia disso. Fazem dois anos desde Felicity e ele ainda age
como se tivesse acontecido ontem.
— Ele adora desperdiçar dinheiro. Minhas noites geralmente estão
reservadas.
Isso deixou meus ouvidos atentos.
— Fazendo o que? — Se você disser namorado, vou morrer um
pouquinho.
— Coisas. Coisas da faculdade e trabalhos.
O alívio tomou conta de mim.
— Você tem aulas tarde da noite? — Era tranquilo para ela ir e voltar do
campus? Eu sabia que ela morava fora do campus agora porque Colm tinha
me enviado o endereço.
— Sessões de estudo e outras coisas. — Sua cautela deixou meus
sentidos de aranha formigando.
— Que tipo de coisas?
— Por que você está me ligando e fazendo mil perguntas?
Eu limpei minha garganta.
— Achei que com Colm longe, você podia estar precisando de alguém
para conversar.
— Eu não preciso de outra pessoa no meu pé o dia todo, entendeu?
Colm só voltou à cidade em setembro e eu estava bem sem ele. Você não
achou que eu pudesse precisar de alguém pra conversar antes. Não preciso
que você tenha pena de mim como uma criança do ensino médio que foi
deixada sozinha enquanto os pais estão fora da cidade. — As palavras
saíram dela como uma erupção vulcânica.
— Não é nada disso.
— Como não? Você não pode beijar outra mulher cinco segundos
depois de eu te beijar, e depois me dizer para ir embora. Você não pode
simplesmente enviar uma mensagem do nada, depois me ligar e começar a
me interrogar.
— Não estou te interrogando e não mandei você ir embora naquela
noite.
— Não foi o que pareceu. — A voz dela sumiu.
— Não é como se você não tivesse dado nenhum troco. — A maneira
como Grant entrou no quarto do hotel se gabando do encontro com Liv me
fez ter vontade de nocautear ele – meu próprio irmão, que eu protegi desde
que nasceu.
Ela respirou fundo.
— Grant não foi uma vingança. Só tivemos alguns encontros. — A voz
dela subiu uma oitava.
Alguns encontros demais.
— Talvez, mas ele não pensa dessa forma.
— Ele disse isso. — As palavras dela eram baixas e sussurradas.
— Ele me pediu para descobrir como você está. Não foi uma coisa de
momento pra ele, Liv. — Eu engoli o nó na minha garganta.
— Eu... nunca foi nada sério.
— Mas ele ainda é meu irmão. — Minha mandíbula travou. Era uma
linha que não podia ser cruzada, assim como não namorar a irmã do seu
melhor amigo.
— E Colm ainda é meu irmão. Por que deixar tudo mais difícil, Ford?
Estamos indo bem.
— Nem um pouco.
— Gosto de pensar nisso como uma guerra fria.
— Podemos pausar ou reiniciar ou algo assim? Colm está machucado e
em LA. Ele vai ficar fora por um tempo. Eu quero ter certeza de que você
está bem.
— Estou ótima e não preciso de uma babá.
— Não é isso que...
— Eu posso querer um amigo, no entanto. Se você decidir que está apto
para essa tarefa, você sabe meu número.
A ligação terminou antes que eu pudesse dizer outra palavra. Batendo o
telefone contra minha cabeça, eu caí na cama. Eu poderia ser amigo dela.
Eu com certeza posso ser amigo dela pra caralho. Eu vou descobrir o que
está acontecendo com ela, vou contar para o Colm e, em seguida, sair
silenciosamente da situação antes de cruzar uma linha que não devo – de
novo. Vou me certificar que ela não está com problemas e garantir que mais
ninguém se machuque – exceto talvez eu.
8

LIV

——INão
sso não é saudável. — Marisa parou na porta do meu quarto.
é como se eu tivesse escolha. — Larguei minha caneta no
caderno e estiquei as costas. Os ossos estalaram em toda a minha espinha.
— Claro que você tem uma escolha. A diversão também é uma parte
vital da faculdade. Lembra da diversão? Você tem estudado sem parar por
oito horas seguidas. Eu tô tentada a conferir se tem uma garrafa cheia de
xixi debaixo da sua mesa.
— Que nojo! Eu não estou tão mal assim.
— Liv, são quase nove da noite. — Ela estendeu o braço em direção à
minha janela.
Minha cabeça se ergueu e olhei para fora. O brilho das luzes da rua
abaixo e o céu escuro como breu eram as únicas coisas que eu podia ver.
Duas mensagens de texto estranhas para Ford antes de seu vôo foram minha
única pausa durante todo o dia antes de desligar meu telefone para evitar
distrações.
O clima estranho ainda estava lá, mas pelo menos ele parou com o
interrogatório.
— Me dá mais meia hora. — Eu girei de volta na minha cadeira.
— Não. — Ela fechou meu notebook. — Minha amiga Seph me disse
que os dados provam que estudar além de um certo limite é pior para a
retenção de informações. Cada minuto extra que você passa sentada nessa
cadeira deixa as coisas mais difíceis pra você.
— Você não entende o que vai acontecer se eu não for bem nesse teste.
— Eu precisava provar que podia fazer isso e deixar meus pais e Colm
orgulhosos.
Ela se sentou na minha cama.
— O esgotamento é uma coisa real e será o seu futuro se você não
diminuir o ritmo.
— Desacelerar não é uma opção.
— Você pode pensar nisso amanhã – com um cérebro bem descansado.
Vamos, Liv. Será apenas por algumas horas. LJ está aqui. Eles estão dando
uma festa no Brothel. Ficamos algumas horas, então você pode sair
correndo e estudar mais algumas horas. Você não pode ficar sentada ao lado
do telefone esperando outra mensagem do Ford.
— Eu não estou! — Eu sabia que não devia ter falado disso pra ela.
Acordar com uma mensagem dele no meio da noite parecia gritar um
pedido de sexo. Meu estômago revirou quando rolei e li a mensagem, não
que eu não soubesse como as coisas funcionam. Jogadores de hóquei
solteiros não eram exatamente conhecidos por se refrear no quarto. Mas,
aparentemente, não tinha sido uma mensagem pra uma rapidinha com outra
pessoa.
— Prove para mim, então.
— Mais dez minutos.
— Você tem dito isso há dias. Dá um tempo. Dançar e estudar é tudo o
que você faz. Vem sair comigo. Eu sinto sua falta.
Eu me dei um chute mentalmente. Eu não vou ter esses anos de volta. É
assim quando você tem amigos. Arranjar tempo para eles é tão importante
quanto estudar ou trabalhar. Eu caí no velho padrão que meus pais haviam
modelado para mim e ainda tinha muito a aprender.
— Ok, eu vou. Deixa eu me arrumar.
Ela jogou os braços em volta dos meus ombros e me apertou com força.
— Oba! Ah, e a torradeira explodiu, então precisamos comprar uma
nova.
— Que merda você fez? — Minhas palavras pararam sua retirada
apressada.
— Eu não fiz nada! Eu liguei e a maldita tomada da parede começou a
faiscar. Peguei uma luva de forno e desliguei, e aí deixei uma mensagem
pro zelador.
Talvez Colm estivesse certo sobre este lugar.
— Se apresse e se vista ou eu farei você ir com essa roupa. — Correndo
para fora do quarto como um cervo cheio de cafeína, ela fechou a porta
atrás dela.
Sair seria bom para mim. Como você se conecta com alguém quando
trabalha noventa horas por semana e lota as férias com cirurgias,
conferências e tudo mais? Mais da metade das fotos nas caixas embaixo da
minha cama foram tiradas durante nossas viagens anuais em família. Três
semanas, seis países – era a maior quantidade de tempo que passávamos
sozinhos com nossos pais, e então eles desapareciam por mais onze meses.
Sim, sou uma idiota por estar triste porque meus pais estavam salvando
vidas ao invés de vir para minha formatura do ensino fundamental, minhas
peças da escola ou qualquer coisa que não tivesse a ver com o fato de eu
querer ser médica, mas essas não são as coisas com que uma criança deve
se preocupar. Seus pais deveriam estar lá.
Coloquei o primeiro vestido que encontrei e tentei fazer algo no meu
cabelo. Uma festa era o último lugar que eu queria estar, mas eu arrastei
Marisa para tantas festas da companhia de dança durante o verão, e eu devia
a ela. Agora é a vez dela de me arrastar e a minha de lamentar.
Liguei meu telefone: três mensagens de Colm, uma de Grant e uma de
Ford. Eu abri a dele.
Ford: Pousei. A caminho de casa agora.
A tentação de responder era forte, mas não respondi. Me recuso a voltar
a esse padrão de absorver qualquer pedaço de atenção que ele jogasse na
minha direção.
Respondi o Colm primeiro.
Eu: Acabei de estudar por hoje. Indo me deitar e desligando meu
telefone para que eu possa dormir um pouco. Conversamos mais tarde?
Colm: Ok. Orgulhoso de você. Te amo.
Em seguida, Grant.
Eu: Ei, Grant, as provas estão comendo minha vida agora. Vou para a
cama daqui a pouco.
Grant: Eu poderia te levar um pouco de combustível para estudar.
Eu: Se eu beber mais cafeína provavelmente vou me lançar à lua.
Obrigada por pensar em mim.
Grant: Sempre.
Meu estômago deu um nó. Eu precisava falar com ele.
Independentemente do que aconteceu com Ford, Grant merecia saber que
nunca haveria nada entre nós.
Abrindo a porta do meu quarto, me verifiquei novamente no espelho da
minha cômoda. Eu andei pelo corredor.
— Podemos vir pra casa lá pela uma da manhã? Eu quero acordar antes
do meio-dia. E pelo amor de Deus, sem doses.
Virei a esquina no final do corredor para ver os dois virando doses de
licor marrom claro. Marisa estremeceu e colocou seu copo no balcão, em
seguida, deslizou um para mais perto de mim.
— Só uma?
LJ pegou sua cerveja no balcão. Marisa serviu outra dose, lambeu a mão
e salpicou um pouco de sal. Fatias de limão balançavam no balcão.
— Eu não vou segurar seu cabelo essa noite. — Eu apontei um dedo em
sua direção e peguei o copo. — Ficar agachada atrás de você não é como eu
quero terminar minha noite. Ele pode cuidar de você – certo, LJ? Você não
se importaria de ficar agachado atrás dela, não é?
Ele engasgou com a cerveja, espirrando uma névoa fina sobre nós duas.
Ele se curvou, segurando os joelhos enquanto tossia e respirava fundo.
Marisa pegou alguns guardanapos e os estendeu para ele, dando um
tapinha nas costas dele.
— Cuidado, L. Achei que vocês jogadores de futebol sabiam beber.
— Nós sabemos. — Suas palavras sairam agitadas e ofegantes. —Eu
sei. Só desceu pelo cano errado. — Enxugando as lágrimas de seus olhos,
LJ bateu em seu peito.
Marisa agarrou o casaco do gancho perto da porta. Tirei uma foto de nós
três com a minha câmera instantânea, em seguida, coloquei a foto na
colagem ao lado da porta. Os dois continuaram discutindo enquanto eu
colocava meu casaco e descíamos as escadas.
A forte rajada de ar gelado me atingiu no segundo em que a porta se
abriu, quase me jogando de volta para a escada. Enfiando minhas mãos
cobertas pelas luvas nos bolsos, balancei no mesmo lugar enquanto nosso
táxi parava.
LJ abriu a porta e Marisa e eu entramos primeiro. Então o táxi se
afastou do meio-fio e se juntou ao resto do tráfego da noite de quinta-feira.
Os zumbidos fantasmas do meu telefone me fizeram checar minha bolsa
algumas vezes no caminho. Pare de verificar. Não envie mensagens para
ele. Paramos na frente da casa, também conhecida como Brothel. O nome
era um lamentável resquício de quando o lugar era uma casa de
fraternidade, mas naquela noite parecia estar à altura da sua reputação.
A frente da casa mal era visível da rua. As pessoas se aglomeravam na
varanda e nos degraus que conduziam à casa. As temperaturas quase
congelantes não significavam muito quando as pessoas estavam chapadas.
A música forte vinda das fileiras de casas ao longo da rua fazia as
paredes vibrarem enquanto os estudantes universitários entravam e saíam.
Risos, assobios e gritos enchiam o ar.
— Senhoritas. — LJ desceu e segurou a porta aberta.
As pessoas nos degraus abriam caminho enquanto LJ subia, uma
vantagem de ser membro do time de futebol de maior sucesso dos últimos
dez anos. O cheiro de suor, cerveja barata e desodorante em excesso nos
atingiram no segundo em que cruzamos a soleira. Abrimos caminho através
da multidão de cem convidados, e a recepção para LJ não se estendeu a nós.
O calor de seus corpos transformou a casa em uma sauna. LJ cumprimentou
caras ao longo do caminho, e olhares apreciativos vieram de todas as
direções. As cabeças se viraram enquanto Marisa e eu caminhávamos pela
sala de estar, e eu pensei que talvez a festa fosse uma boa ideia afinal, pelo
menos para aumentar o ego.
Ele se virou quando chegamos à cozinha.
— Vocês querem algumas bebidas?
— Não, viemos aqui para uma conversa cativante. — Marisa empurrou
seu ombro e sorriu. — Claro que sim, queremos algumas bebidas.
— Já volto — ele gritou por cima do volume da festa, que aumentava a
cada minuto.
— Está um milhão de graus aqui. — O suor desceu pelas minhas costas.
Essa era a parte merda das festas de inverno: se vista pra uma sauna e torça
para não pegar hipotermia ao sair de casa, ou se vista para o clima e morra
de desidratação dentro da festa. Eu me abanei enquanto procurávamos um
bom lugar para ficar e ver as pessoas. LJ voltou com as bebidas e
desapareceu novamente.
O primeiro gole tinha gosto de álcool puro. Se fosse álcool para
limpeza, não teria me surpreendido.
— Jesus, eles estão fabricando isso na banheira? — Eu tossi na minha
mão.
— Provavelmente. — Ela estremeceu e tomou outro gole. — Eu ainda
tenho minhas sobrancelhas?
Eu ri e tomei outro gole. Dançamos junto com a música, cantando as
letras com toda a força de nossos pulmões, e nossas vozes podiam ser
ouvidas acima da música forte.
Marisa se inclinou e gritou em meu ouvido.
— Eu disse que isso era uma boa ideia.
Dançamos juntas e vagamos pela festa, meu corpo zumbindo com a
sensação quente e difusa que a bebida trazia. A cada bebida, o calor em
meu pescoço e bochechas aumentavam, mas eu não saía há muito tempo.
Achei melhor aproveitar ao máximo antes que Colm voltasse e me
mandasse para alguma câmara de isolamento com apenas um banheiro, pia
e meus livros.
Os companheiros de quarto de LJ pararam para abraços antes de serem
arrastados pela multidão. Droga, eles eram gostosos – para jogadores de
futebol. Meus gostos tendiam a cair mais para a variedade de hóquei.
Marisa me apresentou a Seph, abreviação de Persephone, que estava
namorando um dos colegas de time de LJ e desapareceu escada acima com
ele em poucos segundos. Alguém iria se dar bem.
Nunca faltava um bebida nova em nossas mãos com LJ cuidando de
nós. Puxando a frente do meu vestido para longe do meu corpo super suado,
fiz um gesto para o banheiro. Marisa enlaçou o braço no meu e fomos para
a escada.
Parando na parte inferior da escada, agarrei o corrimão. O mundo
pareceu girar e caí em cima da Marisa.
— Você está bem? — Ela me firmou.
— Estou bem, só me sentindo um pouco tonta. — Os passos se
multiplicaram com cada levantamento do meu pé. Quem diabos projetou
essas escadas?
Ela me firmou quando chegamos ao topo.
— Nós bebemos a mesma quantidade até agora, e eu estou bem.
Quando foi a última vez que você comeu?
Repassei minha agenda do dia.
— Café da manhã?
— Essa manhã? — Assentindo, eu apoiei minha mão no corrimão
enquanto ela falava. — Merda! Você está totalmente bêbada, não é?
Encostada na parede da fila do banheiro, ri da expressão de preocupação
em seu rosto.
— Eu não estou bêbada, você está bêbada. — Corri meus dedos sobre
os lábios dela, um ataque de risos a segundos de me dominar.
Sua mão disparou enquanto o chão parecia estar correndo para me
encontrar. Olá, chão. Marisa encostou o ombro em mim e me empurrou
contra a parede. Prazer em quase conhecê-lo, Sr. Chão. Marisa e eu
avançamos na fila do banheiro.
— Droga, eu achei que tinha uma barra de granola ou algo assim aqui.
— Ela remexeu na bolsa pendurada no ombro.
A porta do banheiro se abriu e a pessoa na minha frente correu para
dentro. Meu telefone se iluminou na minha mão. Eu dancei de um pé para o
outro. Existia uma pequena chance de eu ter bebido demais. Foram quatro
ou cinco bebidas? Fiquei olhando para a tela e minha respiração ficou presa
na garganta.
Ford: Como você está?
Eu me atrapalhei com o telefone, quase deixando cair no chão. Me
afastei de Marisa, eu digitei minha resposta.
Eu: Me sentindo incrível! Como você está?
Ford: Incrível é?
Eu: Totalmente. Eu me sinto incrível. Tão bem. Saí com a minha
colega de quarto.
Ford: Ah, vou parar de incomodar você então.
Eu: Espera! Como você está? Festejando? Pegando algumas Marias?
Eu ri da minha própria piada.
Ford: Tô de volta ao meu apartamento. Trânsito horrível. Quer comer
algo amanhã?
Alguém saiu do banheiro e eu entrei, fechando a porta na cara
preocupada de Marisa. Tocando em seu nome na minha tela, eu o segurei
em meu rosto. Tentei firmar meu corpo no piso irregular. Eles precisam
consertar este piso – não está nivelado. Me segurei na pia.
— Ei, Ford! — As palavras saíram muito mais altas do que eu
pretendia.
— Ei, Liv. Parece que você está se divertindo.
— Estou me divertindo pra carambo e sendo responsável com os meus
amigos. — Eu estalei meus lábios.
— E ficando bêbada pra caralho.
— Nem um pouco. — Fechei a tampa do vaso sanitário e me sentei,
mas a maldita coisa se mexeu quando eu não estava olhando e acabei no
chão do banheiro. Eu nem quero pensar sobre a última vez que ele foi
limpo.
Ele riu, e aquela risada profunda fez algo comigo. A sensação de calor e
formigamento se espalhando por todo o meu corpo viajou um pouco mais
para baixo.
Eu me levantei do chão.
— Você deveria vir para a festa! — Ficar toda suada pressionada contra
Ford parecia a maneira perfeita de terminar a noite. Eu já tinha tomado
decisões ruins o suficiente – por que não adicionar outra e fazer esse papo
de "vamos ser amigos" morrer no caminho? Eu não conseguiria ser amiga
do Ford. Era melhor mantermos distância, mas ele era a chama e eu a
mariposa, batendo minhas asas o mais forte que podia. Fomos pegos na
órbita um do outro e não conseguimos escapar de nossa atração
gravitacional.
— Para uma festa de faculdade? — O sorriso em sua voz me fez sorrir
ainda mais. — Eu não vou ser esse tipo de cara. — Ele riu.
Alguém bateu na porta.
— Vou sair em um segundo. Que cara?
— O velho em uma festa da faculdade.
— Você não é velho.
— Qualquer pessoa na faculdade pensaria que sim.
— Acho que não. — Houve uma batida mais forte na porta.
— Já vou sair. — Eu tropecei no tapete do banheiro e quase caí de cara
no chão. Meu telefone escorregou da minha mão e bateu nos ladrilhos preto
e branco.
— Você está bem? — Sua voz saiu do alto-falante.
Eu o peguei de volta.
— Estou bem. Só tropecei.
— Me manda a sua localização.
— Está tudo bem, Ford. Vou dançar e afogar minhas preocupações em
mais um pouco de bebida. Você não tem que vir. Esqueça que pedi. Tenho
certeza de que você tem outras coisas pra fazer.
— Não, eu não tenho. Me manda o endereço.
Depois de tirar acidentalmente algumas fotos minhas, toquei no botão
para compartilhar minha localização atual.
— Recebi. Não vá a lugar nenhum e não beba nada além de água até eu
chegar aí.
— Sim senhor. — Eu saudei o ar. Usando o banheiro rapidamente,
depois lavando as mãos, abri a porta e passei os braços em volta de Marisa.
— Ele está vindo.
Ela franziu as sobrancelhas.
— Quem está vindo?
— Ford. — Minha boca nunca esteve mais seca. Era como se eu tivesse
comido algodão seco a noite toda.
— Você ligou para ele?
— Ele me mandou uma mensagem primeiro. Eu preciso pegar um
pouco de água.
Ela colocou as mãos em volta dos meus braços e olhou nos meus olhos.
— Vou ao banheiro. Não se mova deste local até eu voltar.
Dancei com a música do andar de baixo, que fazia o chão vibrar,
enquanto ela desaparecia lá dentro. Talvez Ford tomasse alguns drinques e
relaxasse um pouco. Talvez eu conseguisse uma repetição do beijo do
casamento de Declan e Mak e Ford me rejeitaria novamente. Isso seria
divertido. Talvez meu estômago devesse parar de se revirar assim.
Marisa saiu pela porta do banheiro. A luz de dentro quase me cegou, e
eu fiz minha melhor personificação de um vampiro.
— A gente devia sair daqui. Vou pegar um pouco de água para você e
vou te levar para casa.
— De jeito nenhum – Ford está vindo. — Me sentei nos degraus, a
madeira lascada cutucando a parte de trás das minhas coxas.
— Mais uma razão pra ir embora. Se ele vir você destruída assim, seu
irmão vai estar no primeiro avião de volta para cá.
— Ford não vai me dedurar. Ele disse que é meu amigo agora. — Eu
cruzei meus braços sobre meu peito.
— Eu vou pegar um pouco de água para você. Fique bem aqui. Não
tente descer esses degraus sozinha.
Pessoas tropeçaram e caíram ao redor do meu lugar na escada; então
Marisa reapareceu com uma garrafa d'água. Ela a estendeu para mim e eu
tomei tudo, respingando água por todo o meu peito.
— Vamos te levar lá para baixo. — Ela agarrou meu braço e me ajudou
a ficar de pé; então descemos os degraus sinuosos. Eles estavam se
movendo antes? A casa estava mais cheia, se é que isso era possível. Errei o
último degrau e tropecei quando a porta se abriu. Emoldurado pela porta
estava o homem do momento.
— Ford! Você... — A escuridão subiu tão rapidamente que eu esperava
que não doesse quando eu beijasse o chão.
9

FORD

O táxi parou no meio-fio e era definitivamente uma festa de


faculdade. A única forma de deixar mais temático era se todos
estivessem usando togas, mas isso não combinava tanto com o
clima do final de fevereiro. Algumas cabeças se viraram enquanto eu
caminhava até a casa. Alguns fugiram, provavelmente pensando que eu era
policial ou algo assim.
Uma parede de cheiro de cerveja barata e calor bateu em mim quando
entrei, seguida por uma voz familiar.
— Ford! Você...
Esse foi o único aviso que recebi antes do corpo de Liv ser arremessado
em minha direção e no chão. Eu a agarrei, empurrando minhas mãos sob
seus braços e a embalando contra meu peito. A ergui e verifiquei seu rosto.
Suas bochechas estavam vermelhas e ela estava suada. Seus olhos se
abriram.
— Oi, Ford. — Sua amiga, que tentou agarrá-la antes de cair, desceu o
último degrau e me cumprimentou.
— Oi, Ford — Liv repetiu, passando a mão pelo meu peito.
— Quanto ela bebeu? — Eu olhei por cima do ombro para sua amiga.
— Quatro copos?
Liv aguentava beber muito mais que isso.
— Só quatro? Alguém colocou alguma coisa na bebida? — Eu chutaria
a bunda de todos os caras lá se eu precisasse.
— Não, ela só não comeu nada desde manhã. Ela ficou estudando no
quarto o dia todo. Eu não notei que ela não tinha comido nada ou eu teria
feito alguma coisa antes de sair. — Ela mordeu o lábio inferior, as
sobrancelhas franzidas de preocupação. — Eu sou Marisa. — Ela estendeu
a mão, então mudei a posição de Liv e apertei.
Algumas cabeças se viraram em nossa direção. Eu não sabia se era por
causa da Liv super bêbada ou de mim, mas não queria ficar por aqui para
descobrir.
— Estou totalmente bem; me coloca no chão. — Liv empurrou meu
peito.
Meus lábios se apertaram em uma linha sombria e eu a coloquei no
chão. Seu primeiro passo se transformou em uma oscilação, que então se
tornou um tropeço, e ela voltou para os meus braços.
— Me deixa levar ela para casa. — Marisa deu uma olhada ao redor da
festa.
— De jeito nenhum você vai conseguir levar ela para casa assim. — Liv
era um peso morto, um macarrão completamente flexível.
— Eu posso levar ela para minha casa. Colm vai pirar se souber que eu
a vi nesse estado e não cuidei dela.
Marisa mordiscou o polegar, provavelmente avaliando o fator de culpa
de tentar levar Liv pra casa sozinha ou me deixar levá-la.
— Me dá o seu número e eu envio uma mensagem quando estivermos
em casa em segurança. Eu não quero que você se preocupe. Meu telefone
está no bolso de trás. — Eu disse a ela a senha.
Ela o tirou e desbloqueou. Quando ela colocou o número, parte da
tensão diminuiu.
— Você pode pedir um táxi enquanto está com ele? — Dei meu
endereço a ela e deixei que ela chamasse o táxi.
— Vai chegar aqui em dois minutos.
As palavras hóquei, goleiro e mais alguns termos vieram da multidão.
Celulares apareceram e eu desejei estar de boné ou algo assim.
— Vou levar ela pra fora. — Embalando Liv contra o meu peito, eu a
levantei do chão.
— Eu vou também – não quero que o taxista pense que você está
pegando mulheres desmaiadas em festas de faculdade.
— Bom ponto.
O táxi chegou e eu coloquei Liv para dentro.
Marisa bateu na janela.
— Não se esqueça de me enviar uma mensagem.
— Eu não vou — gritei através do vidro.
Ela se afastou do carro e acenou para nós enquanto nos afastávamos.
A cabeça de Liv descansou contra o encosto do assento com os olhos
fechados. Eu ansiava por alcançar meu celular para ligar para Colm. Ele
gostaria de saber, mas eu fiz uma promessa a Liv.
— Como você está se sentindo? — Eu coloquei minha mão na parte de
trás de seu pescoço suado e aquecido. Ela estaria sofrendo de manhã.
— Eu me sinto incrível. — Sua cabeça tombou para o lado e seus olhos
se arregalaram, o reconhecimento iluminando seu rosto. — Ford, você veio!
Então estamos lidando com uma Dory Bêbada esta noite. O canto da
minha boca se ergueu.
— Eu disse que viria.
— Você tem me evitado por tanto tempo que imaginei que fosse tudo
mentira, que você nunca mais iria querer falar comigo.
A culpa martelou em meu estômago.
— O jeito que aquela noite terminou é algo de que sempre me
arrependi, Liv.
Ela ergueu a cabeça do encosto do assento.
— Estou bêbada pra caralho e até eu consigo reconhecer uma mentira
ruim quando ouço.
As luzes da rua inundavam o carro em um ritmo constante, cada
passagem mostrando seu perfil, a curva delicada de seu nariz, o
comprimento de seu pescoço, a forma como ela ficava bem naquele vestido.
Balançando a cabeça, olhei pela janela. Olhar para Liv enquanto ela
estava bêbada parecia tão errado, não que olhar pra ela enquanto ela estava
sóbria fosse melhor. A voz irritante na parte de trás da minha cabeça me
dizendo para ficar bem longe estava sendo abafada um pouco mais a cada
dia.
Uma mão macia e quente deslizou pela minha coxa e eu pulei. Me
voltando para Liv, eu me atirei de volta contra a porta enquanto ela se
inclinava mais perto. Sua mão avançou mais alto na minha perna, e o fluxo
de sangue direto para o meu pau era um desastre esperando para acontecer.
— Estou feliz que você veio hoje à noite.
— Estou feliz por ter vindo também. De jeito nenhum Marisa iria
conseguir te levar para casa. — Eu coloquei minha mão sobre a dela e parei
seu progresso constante para cima.
— Não é por isso. — Os seios dela pressionaram contra meu braço.
— Liv, você está bêbada. Você não sabe o que está fazendo agora.
— Eu sei exatamente o que estou fazendo. — Ela lambeu os lábios e se
aproximou ainda mais.
Minha cabeça estava presa entre as costas do banco e a janela. Tirar
vantagem de uma Liv bêbada não ia acontecer.
— Estou beijando você — disse ela com um pequeno sorriso.
— Vamos conversar sobre isso pela manhã. — Se eu tiver que me
afastar mais um pouco, vou ter que correr ao lado do carro.
— Chega de conversa.
— Liv… — Minhas palavras foram cortadas por seus lábios pousando
nos meus. O doce sabor de rum e Coca-Cola dançou em sua língua, e ela
tinha um cheiro tão bom, mesmo com o cheiro da festa da faculdade que
grudou em nós dois. Enfiei meus dedos em seu cabelo. Nossos lábios se
esmagaram. Seu puxão faminto em meus lábios enviou um tiro na minha
espinha, e eu queria arrancar o vestido do corpo dela.
O gemido sonolento me trouxe de volta aos meus sentidos. Ela estava
bêbada demais. Ela não sabia o que diabos estava fazendo, e eu não ia tirar
vantagem disso.
Eu empurrei minha cabeça para longe, batendo com força contra o
vidro.
— Viu só, eu te disse – péssimo mentiroso. Você não me quer. —
Mesmo em meio à embriaguez, as palavras repletas de tristeza me cortaram.
— Está tudo bem, no entanto. Eu não vou fazer você repetir isso. — Sua
cabeça caiu no meu ombro. Ela brincou com os botões da minha camisa
antes de sua mão parar no meu peito.
Esticando o pescoço, olhei para ela e tirei o cabelo de seu rosto. Um
ronco constante saiu de sua boca.
— Você não sabe o quanto isso me mata. Não tem mais ninguém que eu
queira no mundo, mas eu não posso ter você — ela murmurou, e eu passei
meu braço em volta de seu ombro. Seu corpo pressionou ainda mais contra
o meu enquanto ela se aconchegava do meu lado.
O táxi parou na frente do meu apartamento e eu a levantei, a embalando
em meus braços. Com alguma sorte, ela não se lembraria de nada disso,
mas eu com certeza lembraria.
Mudando seu peso, abri a porta do meu apartamento e chutei para
fechar. Acendi algumas luzes e ela ergueu a cabeça do meu ombro.
— Me trazendo para sua casa – isso deve ser divertido. — Seu olhar
bêbado e desfocado tentou travar no meu como se ela tivesse esquecido o
que foi dito no carro. — Não me sinto muito bem.
Ela apertou as mãos contra o estômago, e esse foi todo o aviso que
recebi antes de receber uma espécie de batismo. Fazendo o meu melhor
para nos limpar, mantive meus olhos focando em outras coisas enquanto eu
tirava o vestido de seu corpo.
Seus resmungos me tranquilizaram enquanto eu a colocava na cama
depois de fazer ela beber alguns copos de água. Eu respondi a mensagem de
sua colega de quarto e a deixei saber que Liv estava dormindo em
segurança na minha casa.
Pegando alguns travesseiros e cobertores, arrumei o sofá e me preparei
para uma longa noite cheia de inquietações, socos no travesseiro e
memórias de nosso último beijo sem vômito. Olhei para o teto antes de cair
no sono mais agitado que tive em muito tempo.
10

LIV

U nhas se arrastando sobre uma lousa misturadas com uma


britadeira e uma sensação de ter a boca cheia de aldogão como a
cereja do bolo. A única coisa que rivalizava com isso era o gosto
azedo de revirar o estômago na minha língua. Eu fiz gargarejo com um
punhado de moedas?
Eu apertei minha cabeça, pressionando a palma das minhas mãos nas
minhas têmporas. Era assim que eu geralmente me sentia depois de estudar
a noite toda para uma prova importante – ou inferno, a maioria das noites.
Bem, a parte da dor de cabeça latejante era mais comum, mas a parte em
que meu estômago estava tentando sair pela minha boca, não. Abrindo
minhas pálpebras lentamente, eu as fechei novamente diante da luz
brilhante do sol do lado de fora.
Meus olhos se abriram novamente e eu levantei meu braço para cobrir
meu rosto. Esta não era a minha cama. Empurrando os lençóis para trás,
encarei meu corpo, embrulhado em uma camiseta enorme. Ah, merda!
Eu ainda estava com minha calcinha e sutiã. Por favor, me diga que eu
não transei totalmente bêbada com alguém. Rolei duas vezes na cama e
meus pés pousaram no chão de madeira. A lata de lixo e o copo d'água ao
lado da cama me disseram tudo o que eu precisava saber sobre como minha
noite havia terminado.
Um estalo e chiado do outro lado da parede que não alcançava o teto de
altura industrial me tirou do sério. Tentei passar meus dedos pelo meu
cabelo e quase perdi meus dedos quando eles ficaram presos no
emaranhado.
Na ponta dos pés, desci os dois degraus que levavam à saída do quarto.
Virando o corredor, protegi meus olhos ainda mais do sol. Este apartamento
estava de alguma forma mais perto do sol do que as habitações humanas
normais? Eu tinha sido abduzida por um alienígena que estava perto de ter
um apartamento normal, mas com a iluminação errada?
Na minha frente, de pé ao lado do fogão, estavam as costas largas que
eu tinha memorizado. Seu cabelo despenteado e cheio, músculos
interligados sob a camiseta azul clara faziam coisas estranhas com o meu
estômago que não tinham nada a ver com o quanto eu bebi na noite passada.
Estou delirando. É isso. É um sonho febril e minha cabeça ainda está
enfiada no vaso do banheiro do Brothel. Por favor, que seja esse o caso, e
não que eu tenha desmaiado bêbada e vomitado na frente de Ford. Minha
oração silenciosa foi interrompida quando fiquei cara a cara com o chef.
— Bom dia. — Ford se virou com uma panela na mão, deslizando uma
panqueca marrom-dourada na grande pilha que já balançava em um prato.
— Bom dia. — Minha voz soou como se eu tivesse feito gargarejo com
vidro quebrado.
— Como você está se sentindo? — A pena inundava os olhos dele.
— Que nem morta? Isso seria muito dramático? Parece que eu fui
desenterrada depois de duas semanas debaixo da terra.
— Tem uma escova de dentes extra para você no banheiro. — Ele
apontou para o corredor atrás de mim.
As palavras mal saíram de sua boca antes que eu disparasse pelo
corredor escuro, fechando a porta atrás de mim.
Não surte. Está tudo bem. Ford viu você de roupa íntima, ouviu você
vomitar e colocou você na cama. Não é nada demais.
Vi o cesto de roupa suja no canto. Eu caminhei em direção a ele como
uma pessoa em um filme de terror abrindo a porta do armário que tem um
cabide balançando suavemente na maçaneta. Os cheiros que emanavam do
cesto, assim como do tecido emaranhado, ou seja, meu vestido e uma
camisa de botões masculina, eram meu próprio filme de terror silencioso.
Ele não só me ouviu vomitar, eu também expeli pedaços sobre ele.
Eu descansei minha testa cuidadosamente no balcão de granito frio. Em
qual andar estávamos? Será que eu consigo rastejar pela janela para escapar
e preservar um pouco da minha dignidade? Eu encarei meu reflexo com os
olhos turvos. Claro que não.
Escovando os dentes, passei os dedos pelo cabelo para me livrar do
resto do ninho de ratos o máximo possível e me virei para encarar a música.
Música de verdade soava pelos alto-falantes Bluetooth, e os aromas vindos
da cozinha fizeram meu estômago roncar.
— Aqui, tome isso primeiro e, em seguida, vamos te levar lentamente
para o topo da cadeia alimentar. — Ele empurrou um copo borbulhante com
um líquido rosa em minha direção.
Coloquei a mão sobre a minha boca.
— Não acho que seja uma boa ideia.
— É a cura perfeita para a ressaca. — Suas bochechas lutaram contra o
sorriso que ele conteve.
Olhando com desconfiança, levei até o nariz.
— Não cheire. Apenas beba. Até o fim.
Cobrindo meu nariz, engoli o copo de maldade pura e esperei pela
detonação, talvez um gêiser saindo de minha boca ou, se eu tivesse muita
sorte, sairia por outro lugar e a humilhação seria completa. A bebida se
acomodou em meu estômago como chumbo e me preparei para que ela
inevitavelmente voltasse, mas em vez de criar o sétimo círculo do inferno
no meu intestino, a agitação parou.
Ford colocou um prato de bacon na minha frente, e a delícia salgada me
chamou como querubins nas nuvens tocando harpa. Peguei um pedaço, sem
saber se a trégua em meu estômago se manteria. Minha primeira mordida
despertou todas as papilas gustativas. Cada mordida ficava mais rápida,
pois eu tinha certeza de que não teria uma repetição da noite anterior. Eu
devorei o prato como um zumbi em um buffet de cérebro, cada tira
restaurando algumas das minhas funções corporais.
— Como você está se sentindo agora?
Cheia, me inclinei contra o balcão e lambi meus dedos.
— Melhor. — A palavra saiu abafada por todo o bacon enfiado na
minha boca.
— Se isso assentou bem no seu estômago, experimenta essas. — Ele
pegou duas panquecas fofas da grande pilha e as colocou no meu prato.
Carboidratos, gloriosos carboidratos. Ele deslizou uma garrafa de xarope
para mim, mas peguei a panqueca quente e a parti com os dedos.
— Vai ajudar a amenizar a ressaca. — Ele se sentou no banquinho do
outro lado do balcão e comeu o outro prato cheio de panquecas e bacon.
Com a erupção iminente do meu corpo cancelada, a culpa e a
humilhação da noite anterior bateram em mim.
Eu vomitei nele.
Eu disse alguma coisa? Fiz alguma coisa de que eu deveria me
envergonhar? Ele não estava agindo estranho. Talvez a gente possa fazer
essa coisa de amizade funcionar. Ele tinha me salvado de mim mesma na
noite passada, afinal.
— Sobre a noite passada… — Eu peguei a panqueca no meu prato.
— Não se preocupe com isso. Você está na faculdade.
— Eu sei, mas vomitar em você… — Eu me encolhi. — Vou pagar pela
lavagem a seco ou por uma camisa nova ou o que você precisar.
Ele ergueu os olhos do prato.
— Sério, não se preocupe com isso. Já ajudei Grant muitas vezes antes.
— O rosto dele murchou no segundo que o nome de Grant passou pelos
seus lábios.
Sim, Grant. Eu estremeci. Eu precisava ter aquela conversa com ele e
lembrá-lo, mais uma vez, que éramos melhores como amigos. Isso me fez
lembrar da conversa que Ford queria ter comigo depois do nosso beijo... e
agora meu estômago revirou outra vez.
— Você vai contar pro Colm? Você já contou pra ele? — Meus ombros
dispararam até minhas orelhas enquanto eu me preparava para receber a
bronca do meu irmão. Ford provavelmente já tinha contado a ele. Só posso
imaginar as mensagens raivosas rolando no meu telefone.
— Eu não sou sua babá. Eu sou seu amigo, lembra? Ele não precisa
saber, a menos que você queira dizer a ele.
A tensão em meus ombros relaxou um pouco. Meu amigo. Eu brinquei
com essa frase na minha cabeça um pouco, e quase encaixou... quase. Era
uma peça de quebra-cabeça com a imagem certa, mas os encaixes estavam
errados.
— Então, o que aconteceu ontem à noite?
Ele olhou nos meus olhos e rezei para os deuses bêbados para que não
tivesse sido tão ruim quanto eu pensava.
— Eu trouxe você aqui, você vomitou e foi isso. — Ele enfiou uma
garfada de panquecas na boca.
— Só isso? — Me inclinei pra frente e mantive meus olhos fixos nele.
— Só isso. — As palavras dele foram abafadas por panquecas e xarope.
Um suspiro de alívio saiu de meus pulmões.
— Graças à Deus. Eu estava preocupada em ter tentado beijar você ou
algo assim.
Ele congelou com o garfo a meio caminho de sua boca, e uma tosse
aguda escapou de sua garganta. Ele pegou seu copo de suco de laranja para
engolir, e aquele pequeno raio que alimentava a esperança de que o que ele
disse ser o fim da história foi lavado quando ele bebeu, não exatamente
encontrando meu olhar. Enviei uma oração silenciosa. Por favor, me deixa
estar errada.
11

LIV

O cheiro pungente de medo, livros didáticos e lápis nº2 estavam


misturados com rabiscos de grafite nos livretos do teste. Correndo
meu lápis para baixo nas últimas equações em meu papel, eu olhei
para o relógio. Merda!
Não daria tempo de revisar as questões três vezes. O oxigênio na sala
diminuiu e foi difícil recuperar o fôlego. Minhas resposta em garrancho
cobertas de farelo de borracha e as marcas das respostas anteriores que eu
alterei teriam que servir.
Eu pulei da minha cadeira e deixei minha prova na pilha da mesa na
frente da sala antes de correr de volta para o meu lugar. Arrumei minhas
coisas, peguei meu casaco e saí correndo da sala. Lá fora, o frio intenso do
inverno não parecia se importar que março se aproximava rapidamente.
Liguei meu telefone e uma mensagem de Ford apareceu.
As coisas estavam diferentes desde minha noite de bebedeira. Não
recebi nenhuma mensagem raivosa de Colm sobre como eu era
irresponsável ou como estava estragando meu futuro. Ford manteve sua
palavra, e nossas mensagens eram menos formais. Eu parei de assumir que
suas ligações eram um engano até provado o contrário, mas de certa forma
isso tornava tudo mais difícil. Cada pequena piada me fazia sorrir. Cada
notificação fazia meu pulso disparar. O lado doce e forte dele que eu tinha
me apaixonado com força estava de volta batendo na minha cara.
Balançando a cabeça, corri os últimos quarteirões até o estúdio. Dentro
daquelas paredes, a tensão escoava para fora dos meus músculos, e o aperto
da minha mandíbula que eu não percebi até que entrei pela porta, relaxou. A
dança me mantinha sã. Provas, faculdade de medicina, Colm, Grant, Ford –
a vida estava jogando tudo o que tinha em mim.
A maçaneta de latão congelada da porta do estúdio fez meus dentes
baterem, a alcova entre as portas me aquecendo um pouco antes de eu
entrar. Minhas botas rangendo fizeram sua própria trilha sonora no meu
caminho até a minha sala de aula. A versão remix vai sair na semana que
vem. Verifiquei a hora novamente: apenas quinze minutos antes da aula. Eu
mal vou ter tempo de me trocar, alongar e executar a coreografia para ter
certeza que não vou estragar tudo. Se eu tiver sorte, vou ter alguns minutos
para enfiar uma barra de proteína na minha boca. Depois de entrar no
vestiário, coloquei minhas roupas de dança e enfiei minha roupa casual na
bolsa.
Eu corri de volta para o estúdio. Vozes ecoaram escada acima e as
pessoas subiram os degraus, se espalhando pelo andar.
Me inclinei para fora da porta enquanto eles se aproximavam da sala.
— Me deem cinco minutos.
Girando minha cabeça e esticando meu pescoço de concurseira, eu
balancei meus braços e ombros. Com meus olhos no meu reflexo, passei
toda a coreagrafia, minha facilidade de movimento voltando a cada passo,
trazendo à vida a dança que só existia na minha cabeça. No espelho,
observei meus braços e pernas, me corrigindo enquanto caminhava. Não
havia a mesma pressão que me assolava dentro da sala de aula ou nas
páginas do meu livro.
Finalizando o último movimento, eu ri de mim mesma no espelho. Meu
coração disparou, minha pele formigou e todas as preocupações que eu
tinha antes de entrar naquela sala se dissiparam.
A aula começou e, por sessenta minutos, não existia nada fora daquelas
paredes.
É aqui que eu me sinto viva.
Onde nada de ruim poderia me atingir.
Onde sempre encontrei pedaços de mim que estavam perdidos no
mundo real.
Ainda suada do estúdio, subi correndo as escadas para o meu
apartamento.
Abrindo a porta, parei de repente. Um emaranhado de membros e cores
brilhantes me cumprimentou no sofá.
— Ei, Liv — eles disseram juntos. Marisa soprou o cabelo do rosto, as
bochechas estavam vermelhas e seu corpo se contorcia metade em baixo do
LJ e a outra metade em cima.
— Ela tentou pegar os últimos Snickers. — As palavras dele saíram em
uma bagunça sem fôlego e agitada.
— Compartilhar é se importar. — Ela ofegou e empurrou os ombros
dele. Saindo debaixo dele, ela refez o rabo de cavalo, rindo e colocando um
pedaço do doce na boca. LJ resmungou e fez beicinho, mas a corrente de
carinho um pelo outro brilhou tanto que quase doeu. Eles tinham essa
conexão que não acontecia com muita frequência. Não consegui conter o
sorriso do fato de que eles tinham um ao outro, mas isso também me
lembrava constantemente do meu status de vela.
— Talvez sim, talvez não, mas você sabe o que é meu? — Ele se lançou
sob a mesa de café e enfiou os últimos Snickers pequenos e solitários em
sua boca, sorrindo o tempo todo.
— Você vai pagar por isso mais tarde. — Marisa pegou um travesseiro e
o jogou na cabeça dele antes de se virar para mim. — Como foi a aula?
— Eles vão acabar comigo. Eu continuo passando esses movimentos, e
a cada aula todo mundo está ficando cada vez melhor. Estou planejando
algumas sequências novas. Vai ser uma loucura. Eles vão me odiar no
começo, mas assim que tudo estiver fluindo, vou conquistar todos.
Ela riu e recolheu os livros da mesa de centro.
— Eu quis dizer a de bioquímica. Você não fez uma prova hoje?
— Nem me lembre. — Eu me joguei no sofá. — Foi um banho de
sangue. Se eu tirar um -A neste semestre vai ser um milagre, o que significa
que estou ferrada. — O nó em meu estômago e a tensão em meus ombros
que haviam relaxado ao longo dos sessenta minutos de dança estavam
firmemente de volta ao lugar. Se eu conseguir sair da faculdade sem uma
úlcera vou ficar chocada.
— Isso é o que acontece quando você fica no estúdio quase todas as
noites.
— Foi você quem me disse que não posso ficar acorrentada na minha
mesa todos os dias.
Ela ergueu as mãos fingindo uma rendição.
— Existe uma diferença entre fazer uma pausa e fugir do que está por
vir.
Encolhi os ombros quando LJ deu uma mordida em um Twizzler.
— Onde você conseguiu isso? — O olhar de Marisa disparou para o
doce em sua mão.
— Eu tenho meus segredos. — Ele balançou as sobrancelhas para ela.
— Você é uma pinhata. Talvez eu deva sacudir você para descobrir que
outros segredos você está escondendo.
— Talvez você deva. — Ele olhou para ela. Ela congelou com os dedos
posicionados ao lado dele, parando as cócegas no meio do caminho.
Limpando a garganta, ela recuou e se virou para mim.
— Quando seu irmão volta? Talvez você devesse falar com ele sobre
adiar um pouco a faculdade de medicina, pra viajar ou algo assim.
Eu me joguei para trás contra as almofadas.
— Não é tão fácil. Eu gostaria que fosse. Você não entende como a
faculdade de medicina é importante para ele, para nossa família.
— Mas não é ele quem vai para a faculdade de medicina de verdade.
Não é a importância que tem pra ele que deveria contar.
— Esse é o plano desde sempre. Seria uma grande mudança ir de “ei,
vou ser médica” para “que se dane, vou ser professora de dança”. Não é
exatamente fácil de dizer.
— Quanto mais você esperar, mais difícil vai ser – para vocês dois.
Pega leve. Pelo menos fala pra ele sobre as suas dúvidas. Você não pode
jogar isso nele na formatura. “Ei, lembra daquela coisa toda da faculdade de
medicina? Então, não vou fazer aquilo. Vou dar aula de dança. Tchau!”
— Eu sei. — Eu inclinei minha cabeça contra o encosto do sofá e fechei
meus olhos. Eu não deveria saber o que diabos estava fazendo quando
ficasse mais velha? Em vez disso, as perguntas ficaram mais difíceis e
alguém roubou meu guia de estudo. Meu telefone zumbiu no meu bolso.
Ford: Nem ferrando que você me venceria nas Palavras-Cruzadas.
Nossa discussão anterior começou exatamente de onde a havíamos
deixado. Ele não tinha fugido, mas eu voltei pra friendzone.
Tentei o meu melhor para esmagar a expectativa vertiginosa que
acompanhava cada notificação.
Eu: Teremos que esperar para ver porque sou a campeã neste
apartamento.
Marisa baniu todos os jogos de tabuleiro depois que eu a derrotei em
tudo, desde Banco Imobiliário a Detetive.
Ford: Eu como essas peças no café da manhã. Vou te dar uma surra
do caralho.
O telefone quase caiu da minha mão e eu bufei. Eu podia imaginar os
olhos dele se arregalando quando percebesse o que tinha digitado.
Ford: Quer dizer, você vai ficar de joelhos pra mim!
Ford: Merda, não para fazer o que você está pensando. Não que você
esteja pensando em alguma coisa
O “digitando” apareceu e sumiu pelo menos três vezes.
Ford: Vou chutar seu traseiro em um jogo justo de Palavras-Cruzadas
Eu: Vou gostar de te ver tentar!

Três dias depois, ele teve uma chance.


— Parece que alguém estava um pouco confiante demais. — Ford
sorriu para mim do outro lado do tabuleiro.
— Você teve sorte — resmunguei antes de enfiar outro punhado de
pipoca na boca.
Ele parecia enorme sentado à minha frente em nossa pequena mesa de
jantar.
— Essas cadeiras podem ser usadas para tortura. — Ele esticou as
costas.
— É assim que consigo minha vantagem competitiva. Quanto tempo até
o treino?
— Mais algumas horas. A pista de treino está toda bagunçada, então
pelo menos eu não tenho que ir até Jersey.
Meu telefone tocou no meu quarto, onde eu o coloquei para carregar. Eu
levantei, parei e olhei para ele. Ford assobiou uma melodia desafinada,
olhando para o teto, girando os polegares. Corri de volta e agarrei minhas
peças, levando comigo. Me esticando para o meu telefone, toquei na tela.
— E aí, como vai?
— Graças a Deus você está aí. — Consegui sentir o alívio da
recepcionista do estúdio de dança mesmo pelo telefone.
— Estou aqui com certeza. — Ford passou pelo meu quarto e a porta do
banheiro se fechou.
— Situação de emergência – você pode, por favor, dar aula para a turma
das três horas?
Aquilo ia ser em breve, e Ford estava na minha casa não fazia muito
tempo. Fiquei olhando para o corredor. Não passamos muito tempo juntos.
Eu queria dizer não pra ela, talvez fingir que ela estava ouvindo uma versão
convincente do meu novo correio de voz, mas os alunos ficariam
desapontados. Cancelar uma aula com pessoas vindo de toda a cidade era
uma droga, principalmente quando eu podia fazer isso, mesmo que naquele
momento eu preferisse estar enrolada na minha cama com Ford. Verifiquei
o relógio: meia hora para me arrumar e chegar lá.
— Claro, eu posso fazer isso.
— Você é uma salvadora, Liv!
Ela desligou antes que eu pudesse dizer outra palavra, provavelmente
esperando que eu não desistisse.
— O que é aquilo? — Ele se encostou na porta e apontou para as caixas
embaixo da minha cama.
Girando meu corpo, olhei para onde ele apontou.
— Fotos. Eu estou acumulando desde sempre. Essas — bati na parte de
trás de duas caixas — são dos meus pais antes de nós nascermos. Minha
mãe escreveu histórias inteiras na parte de trás. São as minhas favoritas,
mas tenho medo de ficar mexendo muito nelas. Antes de mamãe e papai
começarem a faculdade de medicina, eles eram pessoas totalmente
diferentes. Faziam caminhadas, jantares na cidade, celebrações com amigos
que nunca conhecemos. Quando Colm vendeu a casa dos nossos pais, tive
que ir lá salvá-las.
— Por que ele não queria as fotos?
Dei de ombros. Colm e eu lidamos com a perda de nossos pais de
maneiras diferentes. Às vezes, era como se ele quisesse apagar os dois da
memória, como quando vendeu a casa, e outras vezes ele se agarrou ao
legado deles como se fosse a única coisa que o impedisse de afundar.
— Você fez backup delas?
— São muitas fotos para digitalizar. — Eu nunca tinha tempo suficiente.
Eu calculei que levaria quase três dias para fazer tudo isso, e a ideia de
deixar as caixas com outras pessoas me assustava. E se eles as perdessem?
— Alguém pode fazer isso por você. — Ele se encostou no batente da
porta.
— E custa um braço e uma perna. Confie em mim, eu verifiquei. Colm
não adicionou diversão e futilidades no que ele me envia a cada semestre.
— Fiz uma breve pausa. — Era uma ligação do laboratório de química. Um
dos assistentes de laboratório fugiu e eles precisam que eu substitua. — Ele
não precisava saber sobre minha dança. Coloquei meu cabelo atrás da
orelha. Podia haver mais perguntas, talvez algo como: Posso assistir?
— Sem problemas, eu posso ir embora.
— Não faz sentido você ir pra casa e ter que voltar pra esse lado da
cidade só pra treinar. Fica um tempo por aqui e tranca a porta quando sair.
Vou dizer pra Marisa não se assustar se um homem excessivamente grande
estiver descansando em nossa sala de estar.
— Obrigado por me manter seguro. — Ele piscou.
— Eu vou até deixar você comer alguns brownies com pedaços de
chocolate que estão escondidos no fundo da geladeira. Eu não divido eles
facilmente, então você devia se sentir honrado.
Ele se curvou.
— Eu com certeza me sinto. — Olhando para mim, ele sorriu. —
Agora, onde estão esses brownies? — Ele esfregou as mãos.
— Vou sair daqui alguns minutos, então não vá vasculhar a geladeira
como um urso. Além disso, estou levando minhas peças comigo. Vamos
terminar esse tal de chute na bunda da próxima vez.
Ele bufou e desapareceu da porta. Passei minhas mãos pelo meu cabelo
e fiquei olhando para ele. Estávamos andando na corda bamba, mas quanto
mais eu ficava com ele, mais me convencia de que não era um sentimento
unilateral. Não estava tudo na minha cabeça. Os olhares de esguelha, os
toques persistentes que enviaram arrepios na minha espinha – era real, mas
o que poderíamos fazer sobre isso? Não era a hora. Correndo ao redor do
quarto, juntei tudo que precisava.
Joguei minha bolsa por cima do ombro e corri para a sala. Abrindo a
porta da geladeira, empurrei o suco e o aipo de lado e tirei o pequeno saco
de Edamame.
As sobrancelhas de Ford se franziram; então ele sorriu quando tirei dois
brownies embrulhados do pacote.
— Disfarce perfeito.
— Tempos desesperadores pedem medidas desesperadas. — Eu
coloquei o quadrado de chocolate na mão dele. — Eu falo com você mais
tarde. Tenha um bom treino. — Eu me inclinei. Ele tinha cheiro de favo de
mel, que ele costumava levar na bolsa de couro no ensino médio. Ele ainda
usa? Já fazia muito tempo que eu não ficava perto o suficiente para saber.
Como se eu estivesse fora de mim, a cena na minha frente se desenrolou:
correndo para o trabalho e dando um beijo no meu namorado para lembrar
de mim até que eu voltasse para casa, para ele.
Os olhos de Ford se arregalaram e percebi como meus lábios estavam
perto dos dele.
— Desculpe. — Eu corri pela sala. — Até logo. — Meus dedos se
atrapalharam com a maçaneta, abri a porta e quase fechei ela em mim antes
de fazer uma pausa para descer os degraus.
Ficar longe dele não deveria ser a parte mais difícil? Isso era pior. Isso
era muito pior, estar tão perto, mas não reagir a cada pequena vontade de
tocar nele que se passasse pela minha cabeça. Não pular em seu colo e
sentir suas mãos no meu corpo, deitados no sofá juntos assistindo TV,
saborear seus lábios macios, mas firmes nos meus enquanto ele tirava cada
pedacinho de prazer de mim...
Com uma nova determinação, desci o último lance de escadas. Este
novo Ford havia entrado na minha cabeça. Mensagens de texto tarde da
noite, jogos de tabuleiro, assistir TV – tínhamos caído em uma rotina
confortável quando ele estava na cidade, e isso não fazia sentido para mim.
Eu não sabia até onde poderíamos empurrar as coisas, mas não queria
perdê-lo novamente.
12

FORD

L iv: Claro, jantar seria bom. Vejo você em uma hora. Eu não estou
no meu apartamento. Vou mandar o local onde podemos nos
encontrar.
Eu: ok
O cronograma do time nas últimas duas semanas havia sido de matar e
não deixou tempo para nada além de aeroportos, hotéis, ônibus do time,
treinos e jogos. Períodos na estrada como esses deixavam todos esgotados,
com os olhos turvos e prontos para uma folguinha. Quatro dias de folga,
depois um jogo em casa, significava que não precisaríamos entrar em um
avião por uma semana, e isso é o mais calmo que as coisas ficavam durante
a temporada de hóquei profissional.
Liv tinha se insinuado em minha mente nas últimas semanas mais do
que nunca. Longos períodos longe de casa eram um pouco mais
complicados, e as mensagens eram tudo que eu tinha para me sustentar. A
conversa animada tarde da noite e as palavras cansadas que ela se esforçava
em mandar enquanto estudava não eram suficientes.
Os Kings se reuniram em um jantar com Colm enquanto estávamos em
LA para um jogo. Que foi interrompido quando ele pediu licença para sair
da mesa e não voltou. Eu me afastei da mesa e fui procurá-lo.
Ele estava parado no cais, observando a água.
— Você está bem? — Eu fiquei ao seu lado, encostado na grade.
— Por que eu não estaria? Vocês estão pegando fogo nesta temporada,
patinando melhor do que nunca, e eu não estou lá com vocês. — Pela cara
dele, parecia que ele estava chupando um pacote de Kriptonita.
— O jogo está sendo difícil pra mim sem você na linha de frente. —
Não tinha sido, mas o ritmo fácil que havíamos tido um dia, sumiu. — Você
vai voltar. O mês está quase acabando.
Ele virou o rosto.
— Minha reabilitação não terminou.
— Os treinadores disseram um mês.
— Parece que o dano é mais profundo do que eles pensavam. Vai levar
mais algumas semanas.
— Merda, sinto muito. — Eu coloquei minha mão no ombro dele.
Ele se virou, se afastando da minha mão. Eu apertei minhas mãos ao
meu lado.
— Pelo que você sente muito? Não é como se você tivesse feito alguma
coisa. Você nunca faz nada de errado. — Ele olhou para mim, e o fogo
agitado em minhas entranhas queimou mais forte.
— Você vai jogar isso na minha cara agora também? Já não paguei
minha penitência por uma coisa que você admite que não sou culpado?
— Você pode não ter sido o culpado, mas isso não significa que eu
ainda não estou chateado com isso, que ainda não estou com raiva das suas
mentiras. — As palavras amargas eram um ponto sensível entre nós. Ele
soltou um grande suspiro, balançando a cabeça, e passou as mãos pelos
cabelos. — Como está a Liv?
Um caroço se formou na minha garganta como um quebra-queixo
enfiado lá no fundo, deixando difícil de engolir.
— Ela está passando por algumas coisas.
A cabeça dele se ergueu.
— Mas ela está resolvendo isso. Não há nada com que se preocupar.
Ele assentiu, olhando para a água. O ar frio e salgado tomou conta de
nós, nenhum som, exceto o balanço suave das ondas e os grasnidos das
gaivotas circulando em busca de comida. Antes, o silêncio entre nós parecia
confortável, mas agora parecia sufocante.
— O que vocês dois estão fazendo aí? Voltem pra cá. — As mãos de
Declan estavam ao redor da boca enquanto ele gritava para nós.
— Eu preciso ir. — Colm acenou para ele e desapareceu na noite,
saindo sem dizer mais nada.
— Que bicho mordeu ele? — Declan segurou a porta aberta para mim.
Eu dei de ombros e voltei para dentro. Voltamos para a estrada no dia
seguinte e ele não respondeu nenhuma das minhas mensagens desde então.
No início, viajar era uma das minhas partes favoritas de jogar, porque
isso significava que ninguém que você conhecesse teria expectativas,
porque eles sabiam que você só estaria na cidade por uma ou duas noites.
Eu tinha minha família, os Kings eram uma extensão dela desde o colégio, e
isso era tudo de que eu precisava. Saber que eles estavam por aí e que me
apoiavam era o suficiente, mas agora viajar significava mais tempo longe
da família e dos amigos. Só havia uma certa quantidade de estacionamentos
de hotéis, vestiários de estádios e saguões de aeroportos que eu poderia
olhar até eles virarem um só.
Chegou uma mensagem de Liv com sua localização atual. Era um
estúdio de dança, de acordo com o mapa. Eu pesquisei o lugar e vi uma foto
dela na página inicial. Clicando na programação, localizei o seu nome. Ela
dá aulas de dança?
O celular ficou em branco e a tela de uma ligação apareceu.
Xinguei enquanto respirava fundo.
— Ei, Grant.
— Recebi uma mensagem de texto da Liv.
— Não ganho nem um oi. — A textura áspera do meu jeans raspou
contra minhas palmas enquanto eu as esfregava nas minhas pernas.
Ele me ignorou e continuou falando.
— Ela disse que queria falar comigo.
— Eu comentei que você queria falar com ela. — Eu travei minha
mandíbula.
Ele soltou um suspiro profundo.
— Perfeito. As provas do fim do semestre estão quase no fim. Vou ver
se ela quer jantar.
— Boa sorte. Eu tenho que ir. — Eu pressionei meu dedo contra a tela e
coloquei minhas mãos nos bolsos enquanto abri meu caminho para o
estacionamento. Peguei minha chave e fui em direção a localização dela.
Ela disse uma hora, então por que eu estou indo imediatamente? Desde
quando ela ensinava dança para alguém além das crianças? Colm sabe?
Que tipo de dança?
Durante todo o percurso, o mesmo loop que estava passando na minha
cabeça desde aquele jantar no Heath se repetiu. Seus lábios nos meus, tão
macios e suaves... O interruptor dentro de mim que só acendia quando as
luzes se apagavam não precisava de esforço nenhum ao redor dela. Meu
sangue latejava em minhas veias e meus dedos estavam ansiosos para tocá-
la, e era por isso que eu deveria ter dado meia volta e dito a Liv que a veria
no dia seguinte.
Em vez disso, estacionei e subi correndo os degraus da escola de dança,
empurrando as portas de vidro. Tirando meu boné da cabeça, verifiquei o
saguão. Fotos penduradas nas paredes. Fotos de Liv com um grande sorriso
no rosto cercada por outras pessoas. Eu não a via sorrir assim há muito
tempo.
Uma mulher na recepção levantou a cabeça.
— Posso ajudar?
— Estou procurando Olivia Frost.
— A aula começa em dez minutos.
— Não, eu não estou aqui...
— Segundo andar, segunda porta à direita.
Eu não tinha certeza de qual parte de mim gritava “dançarino”, mas eu
aceitei, acenando com a cabeça e subindo as escadas de dois em dois. As
pessoas se aglomeravam no corredor enquanto a música corria para fora da
porta e enchia o corredor com uma balada muda. Olhando pela pequena
janela, eu a localizei.
Em frente à parede espelhada, ela usava meia-calça e uma saia
transparente que flutuava ao redor dela como mágica enquanto ela dançava.
Ela correu de um lado para o outro na sala, se esticando em toda a sua altura
e levantando a outra perna por cima da cabeça quase em uma meia abertura
no ar. O tempo parou enquanto ela se movia no ritmo da batida.
O parceiro dela a seguiu durante os movimentos. Ela saltou no ar e foi
direto para os braços do cara com as pernas em volta da cintura dele. As
mãos dele cruzaram as costas dela.
Minha mandíbula se apertou com a maneira como ele olhou para ela.
Não era um olhar de apreciação profissional. Seus corpos pressionados
juntos, e eles balançaram com a música, cada movimento mais frenético,
mas fluido conforme a música crescia. A explosão final de som terminou
com ela enrolada em torno do cara, as mãos dele segurando sua bunda. Eu
apertei meus lábios juntos, a tensão subindo pelo meu pescoço enquanto
seus corpos se moviam juntos, se tocando, entrelaçados, completamente
focados um no outro.
Eles pararam, e o rosto de Liv abriu em um sorriso que podia iluminar o
céu. Ela saltou para cima e para baixo, cumprimentando o cara que estava
com as mãos em cima dela.
Mais pessoas subiram as escadas atrás de mim e passaram pela segunda
porta. Me voltei para a janela recortada na porta e o rosto de Liv apareceu,
seus lábios curvados para baixo resfriando um pouco da tensão que corria
por meu corpo.
Ela puxou a porta com uma mochila no ombro.
— Eu disse uma hora, não foi?
Eu concordei.
Ela puxou o telefone e verificou a mensagem.
— Você chegou cedo.
— Seu nome estava na programação de aulas no site.
Ela mordeu o polegar.
— Minha aula é de uma hora. Você pode querer ir tomar um café ou
algo assim até eu terminar. — O suor grudou em sua pele como um brilho
quente. Ela correu em direção aos vestiários.
— Posso ficar e assistir?
Ela se virou, andando de costas.
— Não é interessante. Você vai ficar entediado. — Ajustando a alça de
sua bolsa, ela mordiscou o lábio inferior.
Eu nunca poderia ficar entediado assistindo você.
— Eu não vou.
Ela hesitou como se fosse me dizer que eu não podia assistir, e seus
dedos apertaram em torno da alça.
— Eu preciso ir me trocar. Eu já volto. A segunda porta. — Ela apontou
para a sala em que todos os outros estavam entrando e saiu correndo.
As pessoas se aglomeraram no espaço, largaram as bolsas e foram se
alongar. Esse não era o meu lugar de jeito nenhum. Algumas cabeças se
viraram, olhando para mim. Não, eu não pertencia a este lugar. Sim, eu
também estava tentando descobrir por que estou aqui.
Liv irrompeu na sala irradiando uma energia que eu não tinha visto
antes. Ela trocou a malha de dança mais tradicional por calças que
abraçavam sua bunda como uma segunda pele e um top verde brilhante que
subia um pouco quando ela colocava os braços no ar, expondo uma faixa da
barriga lisa.
— Obrigada por virem esta noite! Teremos uma aula incrível. Eu tenho
uma nova coreografia que é matadora. Espero que vocês estejam prontos
para suar. — Seus lábios se curvaram em um sorriso malicioso.
Todos na sala estavam atentos a ela enquanto ela ligava a música com
seu telefone e a batida saía dos alto-falantes.
Ela guiou todos pela coreografia. O aquecimento era provavelmente a
única coisa que meu corpo poderia suportar. A atenção da classe inteira
seguiu cada movimento seu enquanto ela dividia a dança que havia
mostrado a eles em pedaços menores.
Eu a tinha visto dançar quando era mais nova, recitais de balé infantil
que se arrastavam eternamente, mas isso era diferente. A forma como seu
corpo se movia, ela estava tão em sintonia com cada músculo, cada linha
criando uma imagem que roubou meu fôlego.
Peguei uma cadeira e me sentei, não querendo perder um segundo de
sua dança. Ela dividiu a classe em grupos e saltou pela sala para cada um,
ajudando a trabalhar nos pontos onde não conseguiam entender.
Eu nunca a tinha visto assim antes, tão no controle, dirigindo a sala
como se fosse completamente natural. Essas pessoas estavam tão ansiosas
para aprender com ela. Seu sorriso e felicidade correndo de grupo em
grupo, retrabalhando os mesmos movimentos uma e outra vez, eram
absolutos.
Ela correu até mim assim que todos receberam a ajuda de que
precisavam.
— Tem certeza de que não quer participar?
— Seria uma experiência terrível para todos aqui. — Dançar era algo a
ser evitado a todo custo.
— Tenho certeza que você sabe alguns movimentos. — Seu olhar
correu para cima e para baixo em meu corpo, e a brincadeira de seu olhar
não impediu meus músculos de pularem por atenção.
— E é melhor deixar esses movimentos de lado. Há quanto tempo você
vem fazendo isso?
— Dançando?
— Ensinando.
Ela mordiscou o polegar.
— Quase um ano. Comecei no verão passado e peguei mais aulas no
outono. Fiquei por aqui muito tempo e pode ficar caro. Pareceu estranho
usar o dinheiro que Colm me dá para pagar as aulas de dança, então
perguntei se eles poderiam abrir uma vaga para instrutor.
— Simples assim.
— Simples assim. — Ela estalou os dedos. — Alguém desistiu no
último minuto e eu entrei. Era para acontecer. Aulas e workshops gratuitos
sempre que alguém importante vem à cidade, além disso, tenho a
oportunidade de ter novas ideias o tempo todo e ver esse pessoal trazendo
elas à vida. — Ela se virou com os braços cruzados sobre o peito,
parecendo uma mãe orgulhosa. — Eu amo isso. — Ela sorriu de volta para
mim como se eu tivesse acabado de prometer a ela uma viagem para a
Disneylândia. Não existia um décimo dessa alegria quando ela falava sobre
a faculdade de medicina.
— Eu consigo ver. Colm sabe o quanto isso é importante para você?
Ela empurrou a garrafa de água até os lábios tão rapidamente que
parecia um hamster em sua gaiola, engolindo em seco.
— Isso é um não. — Enxugando a boca com as costas da mão, ela
deixou a garrafa de lado. — É complicado. A faculdade de medicina
sempre foi o plano. — Ela passou a mão no rosto. — Esse sempre foi o
objetivo. Era o que eles iam querer, o que eu quero para eles. É uma parte
importante do legado que eles queriam para mim e para Colm. — A tristeza
cintilou em seus olhos.
— Eles ficariam orgulhosos, não importa o que você fizesse.
— Eles ficariam? Eles teriam prestado atenção em mim se eu não
quisesse algo a ver com medicina? — Seu olhar se encheu com a dúvida
honesta de se eles estariam ou não nos bastidores torcendo por ela, não
importa o caminho que ela escolhesse, e dado o que eu me lembrava deles,
era uma pergunta justa. Quantos jogos de Colm eles perderam? Quantas
vezes Liv e Grant ficaram enfurnados na minha casa sendo arrastados para
nossos jogos porque seus pais estavam presos no hospital?
O volume na sala aumentou à medida que as pessoas terminavam seus
exercícios.
— Tem certeza de que não quer participar? — Ela acenou com a cabeça
em direção à classe atrás dela.
— Nem se minha vida dependesse disso. — Me recostei no assento e
Liv voltou para a frente. Todos se moveram como um só quando ela ligou a
música novamente. O ritmo bateu mais alto e mais rápido, braços e pernas
se movendo em uníssono. Cabelo voava pelo ar, e todos seguiram os passos
de Liv, tomando os movimentos dela e os tornando seus.
Os grupos menores realizaram a coreografia para o restante da classe.
Liv pegou seu telefone e gravou todos eles. Gritos e vivas soaram quando
eles atingiram suas metas, colocando seus próprios movimentos de
improvisação na coreografia.
Houve uma última explosão de energia cinética enquanto todos faziam a
dança juntos. Ofegante e apoiando as mãos nos joelhos, Liv gritou.
— Até a próxima aula, pessoal! — ela declarou sobre as risadas e
aplausos. A turma saiu lentamente da sala, a empolgação vertiginosa sobre
o que tinham acabado de fazer juntos irradiando deles.
Eu a ajudei a pegar coisas que as pessoas tinham deixado para trás e
joguei na caixa de achados e perdidos. No espaço de uma hora, ela se
transformou em uma pessoa diferente, cada curva e mergulho muito mais
preciso do que eu percebi antes. Seus movimentos eram controlados e
fluidos ao mesmo tempo.
— Por que você não me mostra alguma coisa?
Sua cabeça se ergueu e um sorriso curvou seus lábios.
— Mudou de ideia?
Eu levantei meu queixo.
— Posso mostrar um pouco do que acabei de ensinar.
— Me mostra o que você estava fazendo antes... na outra sala.
— O elevador? Isso é muito avançado. Eu não quero acabar quebrando
meu cóccix. — Ela passou a palma da mão sobre a bunda.
— Você acha que eu não consigo te segurar?
Ela me olhou com ceticismo.
— Não estou dizendo que você não é forte o suficiente, mas lidar com o
peso de outra pessoa pode ser complicado.
Eu a puxei para perto de mim, meu peito colado contra o dela.
— Eu prometo que não vou deixar você cair.
Seus olhos se arregalaram e ela assentiu, lambendo os lábios.
— O-Ok. Eu confio em você.
Minhas mãos apertaram em torno da cintura dela.
— Eu sei. Agora me mostre, professora.
13

LIV

E le chegou mais cedo. Deveríamos nos encontrar depois da aula,


talvez pegar um pouco de comida, tentar entender o que estava
acontecendo. Eu talvez pergunte a ele como devo lidar com a
situação de Grant. A última coisa que eu queria fazer era causar problemas
entre eles; já havia disfunção suficiente de irmãos em nosso pequeno grupo.
Isso deveria ter sido fácil. Eu estava no meu território no estúdio, mas
não havia onde me esconder com o vidro espelhado mostrando cada parte
de você para qualquer pessoa na sala. Meu estômago deu um nó desde que
ele chegou.
Seu olhar pousou em mim e eu o senti. Mesmo através da porta,
espiando pela pequena janela, meu corpo sabia que ele estava lá. A energia
crepitante da sala havia mudado. Eu estive a uma fração de segundo de dar
a desculpa de que fui atingida por um ataque repentino de intoxicação
alimentar e cancelar a aula inteira, mas no fundo, talvez eu esperasse que
ele viesse.
Eu poderia ter enviado a ele a localização de alguns quarteirões de
distância, mas enviei este local. Talvez aquela voz no fundo da minha
cabeça soubesse que ele iria aparecer e me ver, não como qualquer Liv que
ele tenha visto antes, mas como alguém diferente. Alguém que ele não
conhecia e pensava ser a irmã mais nova de seu amigo.
Ele não me olhou como um amigo. Ele me olhou como na noite em que
nos beijamos, o calor crepitante do desejo saindo de cada poro em poças tão
profundas que ameaçava me afogar. Esse era o Ford que conheci e
realmente vi pela primeira vez depois do casamento e queria que ele me
visse novamente.
Durante a aula, eu dancei para ele, querendo que ele me visse de uma
forma que não poderia ser negada. Este era o lugar que eu sabia mais sobre
mim mesma do que jamais pensei ser possível. Não eram as mãos de outro
dançarino em mim; eram as de Ford, e agora não estava apenas na minha
cabeça.
E agora estávamos sozinhos em meu território.
— Coloque suas mãos aqui. — Cobri suas mãos com as minhas e as
pressionei contra minha cintura. Ele reajustou seu aperto, seus dedos
afundando mais profundamente. A blusa que eu estava usando subiu um
pouco e as pontas dos seus dedos roçaram minha pele.
Houve um leve puxão de seu braço como se quisesse se afastar, mas ele
não se afastou. Os fios de cabelo que se soltaram do meu rabo de cavalo
roçaram meu pescoço no mesmo ritmo de sua respiração enquanto a
ascensão e queda de seu peito tocavam minhas costas, carregando a sala e a
energia entre nós.
— Assim? — Suas palavras lamberam a curva do meu pescoço.
Eu assenti, não confiando em minha voz. Eu nunca duvidei de sua força.
As sessões de treinos incansáveis e as horas na academia cuidaram disso,
mas ter as mãos dele novamente em mim só nos traria de volta ao que nós
dois lutamos tanto para evitar. Eu estava a um passo de arrastar Ford para o
armário de vassouras mais próximo para atacá-lo. Me conter seria um feito
de força da minha parte.
— Vamos começar devagar.
— Devagar é bom.
— Tem a ver tanto com a emoção quanto com o movimento.
Seus dedos se apertaram contra meu corpo.
Respirando fundo, empurrei aquelas borboletas para baixo e as
bloqueei. Eu o acompanhei durante os movimentos a um décimo do ritmo,
me certificando de que ele captou todos os movimentos antes de passarmos
para o próximo.
Seus braços me envolveram e nos movemos juntos por um tempo antes
de eu dar a ele espaço para vê-lo se mover sozinho. Seu trabalho solo não
era tão ruim, mas eu não pude segurar minha risada ao ver o rosto sério no
espelho. Ele nunca fazia nada pela metade.
— Podemos parar aqui. — Eu caminhei até ele do meu lugar no meio da
sala.
— Como fui? — Seu olhar pousou no meu. Aquela faísca de fogo
percorreu meu corpo e eu não conseguia me mover. Meu coração bateu
forte no meu peito. Corri minhas mãos sobre minhas leggings.
— Foi ótimo. Você tem um talento natural.
— Você também tem. — Ele correu os dedos ao longo de sua
mandíbula. — Vamos tentar o elevador.
Eu dei risada.
— Isso não é uma boa idéia.
— Por que não?
— Você pode se machucar. É mais complicado do que parece.
— Vamos, Liv. Me dê uma chance.
Eu teria te dado todas as chances do mundo.
— E o que acontece se eu cair sobre você e você quebrar um osso ou
algo assim?
— Se você cair em cima de mim, eu mal vou suar. Me deixa tentar pelo
menos uma vez. Eu juro que se eu deixar você cair, você pode chutar as
minhas bolas. Por favor. — Ele lambeu os lábios, e a palavra alcançou um
lugar profundo dentro de mim, adicionando um pouco mais de força à
chama que eu estava tentando apagar há anos.
Eu fechei a lacuna entre nós.
— Você precisa colocar as mãos aqui. — Eu fiquei de frente para ele,
nossos peitos quase se tocando. O calor de seus dedos se infiltrou na minha
pele. Por que eu escolhi esse top hoje? Devia ter ficado com o collant
clássico de antes. Assim, depois de ter dançado um pouco, é o jeito mais
sexy que eu já o tinha visto.
— Quando eu dobrar meus joelhos, é quando você levanta. Vou pegar
impulso do chão para ajudar. — Eu descansei minhas mãos em seus
ombros.
Eu não pude conter meu sorriso ao ver o olhar em seu rosto: a mesma
concentração máxima igual a toda vez que ele pisava no gelo.
— Não é algo tão sério. Isso deveria ser divertido. — Corri minha mão
ao longo de sua mandíbula. A maciez de sua barba recém crescida acariciou
minha mão, e seus olhos derrubaram as últimas camadas de proteção que eu
havia colocado ao meu redor.
— Isso já é mais diversão que eu tive em muito tempo. — Seu domínio
sobre mim aumentou. Nossos corpos pressionados juntos.
Meus pés escorregaram entre os dele, nossos corpos eram as peças
perfeitas do quebra-cabeça, mesmo com nossa diferença de altura. O
martelar do meu coração abafou a música tocando em loop.
— Eu também. — Meus lábios estavam a um sussurro de distância dos
dele. O calor de sua respiração se espalhou pelo meu rosto.
Uma de suas mãos levantou da minha cintura e correu ao longo da
lateral do meu rosto. Ele segurou minha bochecha, e fomos transportados
do estúdio para o jardim sob o luar do verão. Meu vestido fluía ao meu
redor, e seus lábios eram a única coisa que importava.
— Liv. — Meu nome era uma oração sem resposta que eu queria saciar.
A lacuna entre nós desapareceu quando sua mão deslizou para a parte
de trás do meu pescoço, me puxando para mais perto. Nossos lábios
colidiram como dois planetas que estiveram circulando um ao outro por
eras. Ele tinha gosto de frutas cítricas picantes, como minhas margaritas de
gengibre e limão.
Meus lábios se separaram e ele aprofundou o beijo. Seu corpo cobriu o
meu e ele me dobrou para trás, invadindo cada parte da minha boca. Meu
aperto ficou mais forte em torno de seu pescoço. Isso foi mais do que antes.
Era opressor, consumia tudo, com a possibilidade de ser esmagador.
Eu me afastei de seu aperto, ofegante com meus olhos focados no chão.
Meu corpo inteiro tremia com a energia reprimida que se recusava a se
dissipar.
Ele deu um passo em minha direção e eu dei um passo para trás.
Estávamos dançando uma nova dança agora.
— Desculpe. — Ele se aproximou de mim e eu evitei seu toque.
— Não há nada para se desculpar. Às vezes, as pessoas se empolgam
quando dançam. Acontece. — Minha tentativa de desconversar estava
falhando muito. Corri para minha bolsa. — Eu vou me trocar. Posso
remarcar nosso jantar? Tenho uma grande prova chegando e preciso estudar.
— Eu encarei a parede, tentando me recompor.
Ele tocou meu ombro.
— Liv...
— Não se preocupe. — Eu balancei minha cabeça e me virei, forçando
um sorriso de porcelana no meu rosto. — Você não precisa me esperar. —
Corri para fora da sala, deixando a porta se fechar atrás de mim.
Dentro do vestiário, descansei minha cabeça contra a parede. O que
diabos foi toda aquela conversa sobre não se apaixonar por ele de novo?
Não vou deixar ele me afetar. Não vou cometer os mesmos erros. Não, desta
vez é ir até o fim ou ir pra casa.
Tirando rapidamente o uniforme e colocando minha bela roupa de
inverno que cobria totalmente a minha pele, espiei para fora do vestiário.
Ford estava encostado na parede com uma perna apoiada. Ele baixou o pé
quando me viu.
Eu abri minha boca, tentando encontrar as palavras.
— Que bom que você queria remarcar porque eu não posso ir jantar de
qualquer maneira.
— Ah. — Por que isso doeu? Eu já cancelei, já disse a ele para ir
embora. — Parece que o timing pra remarcar foi perfeito.
Seus lábios se apertaram em uma linha fina e sombria.
— Certo, perfeito. Eu te acompanho.
Fechei o zíper da minha jaqueta e caminhei em direção a ele,
mordiscando meu lábio inferior. Rezei para que meu gorro cobrisse as
pontas vermelhas das minhas orelhas.
Ele moveu para o alto dos degraus, parado estoicamente com as mãos
nos bolsos. Seus ombros largos e músculos grossos apareciam através de
seu casaco de inverno. Como eu poderia não o querer quando ele olhava
nos meus olhos daquele jeito, como se não houvesse mais ninguém que o
visse como eu?
As luzes da escada lançaram uma sombra sobre ele. Sempre houve uma
barreira entre nós, haviam as coisas que queríamos dizer e fazer, e também
um campo de força que disparava sempre que as palavras surgiram. A única
vez que não consegui segurar foi quando ele me tocou. Os desejos e
necessidades dentro de mim guerreavam com os deveres.
Saímos em silêncio. As estações eram uma batalha constante. Um dia a
primavera estava chegando, no outro o vento gelado atravessava meu
casaco. Minha respiração pairava no ar em baforadas entre nós.
— Eu vou viajar amanhã outra vez.
Empurrando minhas mãos nos bolsos, eu balancei em meus calcanhares.
— Tenho todos os jogos marcados no meu calendário.
— Você vai assistir? — Ele baixou a cabeça e olhou nos meus olhos.
— Eu sempre assisto. Tenha uma boa viagem. — Eu girei nos
calcanhares e me afastei, um pé na frente do outro. Continue andando e não
olhe para trás. Um pouco de separação seria bom, me ajudaria a colocar
minha cabeça no lugar. Era como uma imunização do Ford. Eu estava aos
poucos aumentando minha imunidade, mas tinha a sensação de que estava
prestes a pegar um caso completo de Ford, e a recuperação deixaria danos
permanentes em minha cabeça e coração.
14

LIV

— E u desisto, Mak. Sério, isso é loucura. — Eu joguei meu lápis pro


lado e fechei meu livro com força. Histeria borbulhou em direção à
superfície. O desastre surgiu no horizonte, e uma onda de tontura passou
por mim. Enrolei minha mão com mais força em torno da borda da minha
mesa. Você tem que fazer isso, Liv. Você consegue. Talvez eu deva cancelar
minhas aulas de dança esta semana. Eu posso fazer mais algumas horas de
estudo antes da próxima prova...
— Estava tudo bem dez minutos atrás. O que aconteceu? — Ela
empurrou o livro para o lado e se inclinou para olhar o meu.
— Meu cérebro não quer segurar a informação. É uma peneira. Em um
segundo está lá e no outro se foi. — Fechei o livro e me recostei na cadeira,
esfregando os olhos, as pontadas de desespero arranhando o fundo deles.
Chorar na frente de Mak não seria legal.
— Por que não fazemos uma pausa? Podemos dar um passeio e jantar.
— Eu não posso sair até entender isso. — Com determinação
queimando em minhas entranhas, eu levantei a capa do meu livro. Meu
método usual de me-amarrar-na-cadeira-até-entender não estava
funcionando, não estava funcionando há dias, não desde que Ford partiu...
não desde a nossa dança.
Ela fechou o livro, prendendo minha mão sob a capa.
— Respirar vai ajudar, vai dar ao seu cérebro um tempo para absorver o
conteúdo. Vamos. — Ela apertou minha mão.
Meus ombros caíram em derrota, e apertei a ponta do meu nariz.
— Você está certa. Não como nada desde as sete.
— Da manhã? Liv! Isso foi há quase dez horas.
— Sério? — Verifiquei duas vezes a hora. Depois de acordar, fui direto
para a biblioteca para me encontrar com ela. — Eu nem percebi. — Meu
estômago discordou, roncando.
O toque de Darth Vader tocou no meu telefone. Apertando meus lábios,
respirei fundo e toquei na tela.
— Olá, guarda.
— Muito engraçado. O que você está fazendo?
— Cheirando linhas de coca no tanquinho de um stripper.
— O que você está fazendo de verdade? — Se Colm apertasse a
mandíbula com mais força, ele quebraria um dente.
— O que você está fazendo?
— Acabei de voltar de uma consulta médica. Como foi sua prova de
biologia? E onde você está?
Saindo da mesa, fui para a sala de estar para andar direito.
— Eu não devia ter te contado sobre a prova. — Eu resmunguei.
— Toda a programação do seu curso está online. Eu teria pesquisado de
qualquer maneira.
— Você nunca se cansa de monitorar cada coisa que eu faço?
— Para de ser tão dramática. Você é minha irmã. Somos nós contra o
mundo. Estou aqui para cuidar de você. — Ultimamente, esse mantra
parecia mais um estrangulamento do que um conforto. — O que você está
fazendo?
Ele não ia desistir, e desligar o telefone só iria piorar as coisas.
— Estou na casa de Mak e Declan. Mak está me ajudando com a
química orgânica. Estou com uma camiseta regata azul, cardigã preto, jeans
azul escuro e estou usando botas pretas. Vamos buscar um pouco de comida
e talvez até uma taça de vinho.
— Olive… — O tom de aviso em sua voz me irritou.
— Existem cinquenta e dois dias entre mim e meu vigésimo primeiro
aniversário – supera.
— Você preferiria que eu não me importasse? Que depois que mamãe e
papai se foram, eu deixasse você no colégio interno e você nunca mais me
visse?
— Agora quem está sendo dramático? Existe um espaço entre o
abandono e a prisão, um meio-termo feliz onde você consegue viver sua
vida e eu consigo viver a minha e não temos que contar os menores detalhes
de nossos dias o tempo todo. Como quando você estava namorando Felicity.
Se lembra disso? Você estava pronto para pedir ela em casamento.
Tínhamos nossos jantares semanais para colocar as coisas em dia,
conversávamos algumas vezes por semana. Você estava tão feliz. Você me
mostrou o anel, e então puf, ela se foi e você iniciou sua operação de
vigilância solo sobre mim.
— Para com isso.
— Não, você não pode saber cada coisa que está acontecendo comigo e
não me deixar saber nada sobre você. Cada vez que tento falar com você
sobre ela, você simplesmente se fecha. Se você quer continuar me
interrogando, talvez eu queira fazer o mesmo com você.
— Não é nada para você se preocupar.
— É sim. Obviamente te machuca, mas você não vai falar comigo sobre
isso. Como vou me abrir quando você me exclui completamente?
Eu podia ouvir a respiração calma dele do outro lado da linha, a que ele
soltava quando eu continuava provocando. Normalmente era minha deixa
para recuar, mas eu não queria.
— Você não vai simplesmente de "Vou casar com ela" para "quem?" em
segundos.
— Ela não era quem eu pensei que fosse, ok? Estávamos construindo
algo e então ela puxou o tapete debaixo de mim, e eu terminei com ela.
— Simples assim? Sem compromisso?
— Não, não quando se trata de traição
Meu estômago deu um nó.
— Ela te traiu? Com quem? Por que você não me disse isso antes?
— Não é importante. — A mandíbula dele apertou.
— Pare de esconder coisas de mim. Pare de me tratar como criança.
— Estou do outro lado do país e me preocupo com você.
— Você não precisa. Estou estudando muito. Estou preocupada com
você.
— Sei que é difícil. — Ele soltou um suspiro profundo e cansado. —
Mas você é inteligente. Se lembra como a mamãe e o papai ficaram quando
você foi aceita no curso de pré-graduação do ensino fundamental? Eles
faltaram meio dia de trabalho para te levar na sessão de orientação.
Provavelmente foi um dos períodos ininterruptos mais longos que estive
com os dois fora de nossas férias anuais.
— Eles ficariam tão orgulhosos de você estar seguindo seus passos.
Você sabe o quanto eles queriam que você se tornasse uma médica. Inferno,
tem dinheiro reservado expressamente para isso. Eles cuidaram de tudo que
você precisava, e parte da minha responsabilidade é cuidar de você.
— Eu sei.
— É muita pressão, mas você consegue. Você não vai deixar eles
decepcionados.
Afundei no sofá da sala. Meus dedos cravaram nas almofadas macias
enquanto minha garganta apertava.
— Colm, eu preciso ir. Tenho muito material para cobrir e não tenho
muito tempo.
— Estude bastante. Podemos fazer isso, Olive. Somos nós contra o
mundo. Falo com você mais tarde. Eu te amo.
— Também te amo. — Encerrei a ligação e me recostei, cobrindo o
rosto com as mãos. Um barulho à minha esquerda chamou minha atenção e
minha cabeça se ergueu. Mak parou na porta.
— Eu não pude deixar de ouvir. — Ela se sentou na mesa de café na
minha frente com nossos casacos pendurados em seu colo. — Se martirizar
não vai fazer as coisas melhorarem. Depois do nosso intervalo, tenho
certeza que vai ser muito mais fácil.
Eu encarei o teto.
— Talvez.
Ela me entregou meu casaco e saímos de casa em silêncio. Descendo a
rua, coloquei minhas mãos nos bolsos, o vento gelado rachando minhas
mãos.
— Liv, eu nunca perguntei isso antes, mas talvez eu devesse. — Ela se
virou para mim enquanto guiava o caminho para o restaurante. — Você
quer mesmo ser médica?
— É o único caminho que existe para mim.
— Não foi isso que perguntei. Você quer ser médica? Quer terminar o
curso, fazer mais quatro anos de faculdade de medicina e mais três à sete
anos de residência médica? A medicina incendeia sua alma? Você não
consegue pensar em mais nada que você prefira fazer?
Lágrimas encheram meus olhos.
— É a única coisa que me permiti pensar que podia fazer.
Ela envolveu seu braço em volta do meu e nos fez parar.
— Você tem uma escolha, Liv. Tive as mesmas dúvidas. Dediquei um
tempo para mim mesma e percebi que era o que eu queria. Você precisa
fazer isso também. Você não pode se tornar uma médica para ninguém além
de você. Nem por seus pais, nem por Colm, só por você.
— O legado de nossos pais é a coisa mais importante para ele. A vida
que eles imaginaram para nós está congelada no tempo há oito anos. Colm
nem consegue pensar em outras opções.
— Mas você é uma adulta, como você disse. Ele não pode forçar você a
ir para a faculdade de medicina.
— Não, mas também não quero decepcioná-los. É o meu primeiro
sonho. — E eu acho que ele nunca mais falaria comigo se eu não fizesse
isso.
— Sonhos mudam o tempo todo. É por isso que tirei um ano de folga
antes de ir para a faculdade de medicina. Eu precisava ter certeza de que era
o que eu queria, não algo que eu estava fazendo por obrigação. Ele é seu
irmão mais velho e faria qualquer coisa por você.
Eu balancei minha cabeça.
— Você não entende o quanto isso significa para ele, o quanto
significava para eles.
— Talvez não, mas essa é a sua vida. Converse com ele – converse de
verdade. Não essas briguinhas que vocês têm, mas uma conversa de adultos
de verdade, onde ele vai te ver como a adulta que você é.
Eu pisquei para conter minhas lágrimas.
— Eu nem sei se ele consegue. Estou congelada no tempo como a
garotinha que segura a mão dele no funeral dos nossos pais.
— Quando ele voltar, você precisa encontrar uma maneira de fazer ele
entender o que você quer da sua vida ou você nunca vai ser feliz.
Dei de ombros. Nós chegamos ao restaurante e pedimos nossa comida.
Ford estava jantando? Convidando alguém para sua cama? Assistindo
Netflix em seu quarto de hotel sozinho?
— É estranho estar com Declan quando ele fica fora por tanto tempo?
Mak sugou o macarrão pendurado em sua boca.
— Demorou um pouco para me acostumar. Nunca percebi quantos
jogos os jogadores profissionais de hóquei têm a cada temporada.
— Como vocês dois estão administrando isso? — Meu ramen girou em
torno da minha tigela enquanto eu cutucava com meus hashis. Eu odiava
ficar longe de Ford e não estávamos nem namorando, muito menos casados.
— Nós nos tornamos criativos. — Ela limpou a garganta e tomou um
gole de sua bebida.
Eu olhei para ela com um sorriso. Descansando minhas mãos sob meu
queixo, puxei minha cadeira para mais perto.
— Criativos como?
— Você sabe. — Seu olhar disparou para longe.
Larguei meus hashis e me inclinei sobre a mesa.
— Acho que você vai ter que explicar para mim.
Ela jogou uma cebolinha em mim.
— Vamos dizer que é bom que a gente não tenha que pagar nossa conta
de telefone por minuto.
Eu ri e comi mais do macarrão salgado com caldo.
— Você está operando sua própria linha de sexo por telefone, hein?
— Praticamente. Estar separados não é tão ruim. A escola de medicina é
uma loucura na maioria das vezes, então é bom que ele esteja viajando.
Então não me sinto tão mal quando preciso estudar por dez horas seguidas
e, quando ele está em casa, posso manter os estudos o mínimo possível para
que possamos passar um tempo juntos.
— Parece que vocês dois já resolveram.
— Sim, mas nós dois vivemos com medo mortal de que ele seja
mandado pra outro lugar, ou acontecer de eu só encontrar residência fora da
Filadélfia e então ficaremos separados por oito meses no ano. — Ela
empurrou o frango em sua sopa.
— Se tem alguém que pode fazer isso, são vocês dois. — Eles eram
aquele tipo de casal que irradiava aquela sensação de pombinhos
apaixonados do outro lado da sala.
— Declan ia se matar pra tentar voar até mim sempre que eu tivesse
doze horas inteiras de folga.
— Ele fretaria um avião próprio se precisasse.
Ela riu e pegou o cardápio de sobremesas.
— Não dê a ele nenhuma ideia.
De volta a casa, nos sentamos juntas e voltamos para os outros
conjuntos de problemas. Como ela disse, o conteúdo estava mais claro e
finalizei a última série de perguntas em uma hora.
— Da próxima vez, faça uma pausa antes de ter um ataque do coração,
por favor.
— Eu vou. — Fechei minha mochila assim que meu telefone tocou. —
O táxi está aqui. Eu não teria conseguido sem você.
— Você teria se virado. — Ela me deu um grande abraço. Talvez eu
tivesse uma irmã mais velha, afinal. Mak me soltou e olhou nos meus olhos.
— Vamos nos encontrar semana que vem?
— Semana que vem. — Caminhamos até a porta da frente.
Abrindo, ela colocou a mão no meu ombro quando eu saí.
— Respire fundo algumas vezes e se lembre de fazer uma pausa.
Eu respirei fundo e expirei, o ar agarrando cada baforada e levando para
o céu noturno escuro.
— Viu só, você já está aprendendo. Boa noite, Liv.
— Boa noite. — Eu entrei no táxi e acenei para ela. Ela ficou na porta
até que eu desaparecesse de vista.
Deslizando meu telefone para fora do bolso, localizei a notificação do
jogo no meu aplicativo recém-baixado. Deslizando pela tela, verifiquei a
palavra postada mais recentemente.
E-S-F-I-R-R-A, pegando uma pontuação de três letras no F, cruzou com
o meu E-S-T-I-L-O. Então, ele queria jogar duro. Examinando as diferentes
opções ao longo do caminho, me decidi por P-A-R-R-E-I-R-A.
Ford: É assim que vai ser esta noite? Sem festas ou sessões de
coquetel?
Eu: Eu não bebo todas as noites.
Ford: Eu sei, mas achei que já que é fim de semana...
Eu: Não depois dos resultados da minha prova. Colm não vai me
deixar em paz. Por favor, não se junte a ele.
Durante minha corrida de táxi, jogamos mais algumas palavras.
Enquanto eu subia os degraus do meu apartamento, meu telefone tocou na
minha mão.
— Eu não faria isso. Eu sei que você está dando duro com as coisas da
faculdade e separando bastante tempo pra dança também.
Abri a porta do meu apartamento e coloquei minha bolsa ao lado da
porta.
— Talvez eu não devesse. Provavelmente vou reduzir as aulas que dou
no próximo mês. Obviamente, três vezes por semana é demais. — Outra
pessoa poderia assumir por um tempo. Eu posso mostrar a eles as
coreografias e garantir que todos mantenham o progresso.
— Você não pode fazer isso. — Suas palavras saíram apressadas e
fortes.
— Por que não?
— Eu vi você naquela aula na frente de todos. Você ama isso. E... você
estava diferente lá. Eu nunca te vi tão feliz.
— Mas a faculdade de medicina...
— A faculdade de medicina ainda vai estar lá, mas se você não fizer
algo que te faça reviver, de que adianta?
O silêncio pairou entre nós. Parecia que todo mundo estava me dando
esse conselho ultimamente.
— Você está aí?
— Sim, estou aqui.
— Só pensa sobre isso. Eu odeio a ideia de você desistir de algo que
ama para perseguir um futuro que você nem mesmo deseja. Eu tenho que ir
– está na hora do embarque. — Sua voz travou como se ele quisesse dizer
mais.
— Tchau, Ford.
— Boa noite, Liv.
Me sentei na beira da cama com as palavras dele passando pela minha
cabeça. A ideia de desistir de dar aula me dava vontade de gritar, mas era
muito tempo que eu podia dedicar aos estudos. Era tempo que eu devia ter
me dedicado em estudar, tempo perdido e toda a minha força devotada a
novos movimentos e coreografia e energia gasta até que eu estivesse suada
e mal conseguisse respirar... tempo que eu nunca estive mais feliz. Qual
sonho eu vou deixar viver? Aquele que sempre esteve lá e deixou minha
família orgulhosa, ou aquele que faz meu coração cantar?
15

FORD

C ansado e sem fôlego, patinei para fora do gelo.


— As defesas estavam insanas hoje. — Emmett me deu um
tapa no ombro. Saímos do rinque e passamos por entre a multidão
de fãs que vieram nos assistir jogar.
Eu concordei. Algumas crianças sacudiram uma camisa com meu
número na frente do túnel. Ainda me impressionava que as pessoas
pagassem para usar minha camisa, que as crianças pequenas ficavam
animadas em me ver no gelo.
Largando meu equipamento, peguei a caneta e rabisquei meu nome no
número. Seus rostos se iluminaram e eles pularam. Eu dei a eles um “toca
aqui”, então mergulhei dentro do túnel para o vestiário.
Todos se trocaram e entraram no ônibus para o hotel. Foi um longo
período na estrada. O ônibus ficou quieto no caminho para lá, jogos e
viagens consecutivas tem acabado com todo mundo. Estaríamos em casa
em breve, mas não breve o suficiente.
Eu estava com meus fones de ouvido, mas não estava tocando nenhuma
música. Eu não precisava aumentar o caos em meu cérebro. Declan,
Emmett e Heath correram para seus quartos antes que o ônibus parasse
completamente em frente ao hotel, provavelmente procurando alguma
tranquilidade com suas outras metades. Virei à direita e entrei no bar do
hotel. Talvez uma bebida acalmasse minha mente. A dança com Liv
passava pela minha cabeça em um loop constante. Eu não podia escapar,
não que eu quisesse. Ela olhou nos meus olhos, descansando sua bochecha
contra minha mão, e eu queria congelar naquele momento, preservar ele
para sempre e nunca mais deixar ir embora. O beijo do casamento ficou
gravado na minha mente, mas o do estúdio de dança ficou gravado na
minha alma.
Examinando as prateleiras, procurei um bourbon em que pudesse cravar
os dentes. Depois de pedir uma bebida e um pouco de comida, peguei um
lugar na outra extremidade do bar, o mais longe possível da porta. No canto,
uma repetição silenciosa do jogo e comentários de pessoas falando em um
programa de esportes passavam na TV.
Verifiquei a hora, pensando que talvez devesse ligar para Liv. Não era
tarde demais.
— O que você está fazendo aqui sozinho?
Eu fiz uma careta enquanto dedos longos e finos correram ao longo das
minhas costas até meu ombro e pelo meu braço.
— Não se preocupe, querido. Eu não mordo. — A morena alta e esguia
se sentou, escolhendo o banquinho ao lado do meu entre os trinta outros
lugares vazios pelo bar, e ela não tirou a mão do meu braço. Desejo encheu
seus olhos – e reconhecimento. Eu reprimi um xingamento. Maria Patins.
Era a desvantagem dos hotéis para o time – mulheres como ela sabiam
exatamente onde estaríamos.
Normalmente isso não era um problema e diminuía muito a conversa
necessária para levar alguém para a cama, mas esse não tem sido meu
modus operandi há algum tempo. Aquele olhar ansioso geralmente
significava uma noite de sexo sem sentido e suado, mas o dela era
acompanhado de um brilho ganancioso, como se ela fosse uma rottweiler
faminta e eu uma costeleta de porco carnuda.
Afastei meu braço do balcão e escorreguei para fora do aperto dela. O
barman deslizou um copo para mim junto com um prato com um
cheeseburger e cheio de batatas fritas. Meu estômago roncou no segundo
que o cheiro atingiu meu nariz. Droga, eu estava com mais fome do que
pensava. Eu me virei e peguei com as duas mãos, transmitindo todos os
sinais de me deixe em paz. O peso do hambúrguer tinha toda a minha
atenção quando dei uma mordida. Não era tão bom quanto o do Fish, mas
acertou o ponto.
— Foi um grande jogo hoje à noite — ela ronronou ao meu lado.
— Um passou por mim — eu resmunguei, empurrando algumas batatas
fritas na minha boca.
— Mas você parou outros oito lances. — Ela se aproximou, se
inclinando. Seu peito esfregou contra meu cotovelo.
Os músculos das minhas costas se contraíram. Um ano atrás, eu poderia
ter considerado sua atenção. Eu teria extraído um pouco da minha energia
reprimida em uma sessão cheia de suor e luxúria que a deixaria com uma
incapacidade de andar e um sorriso satisfeito que ela usaria por uma
semana, mas tudo que eu queria fazer no momento era comer minha comida
e esperar que Liv pudesse arranjar um tempinho para falar comigo antes
que eu capotasse.
— Se você ainda está se sentindo mal por causa daquele gol, tenho
certeza de que posso encontrar uma maneira de te ajudar a superar. — Ela
passou a mão pelo meu joelho. Garotas entusiasmadas demais eram sempre
más notícias. Eu aprendi essa lição na faculdade. Me levantei do banquinho
e virei meu bourbon para dentro, um gosto de carvalho seguido por uma
forte queimação. Era uma pena – algo assim merece ser saboreado.
— Vou querer isso pra viagem. — Chamei a atenção do barman, joguei
algumas notas no balcão e fui para o banheiro. Eu mal tinha colocado meu
pau no mictório quando a porta do banheiro masculino se abriu. Os
músculos do meu pescoço ficaram tensos com o clique revelador dos saltos
contra o piso de ladrilhos preto e branco. Merda!
— Menino travesso. — Mais uma vez, suas mãos estavam no meu
braço. Que parte do fato de não manter contato visual e sair menos de um
minuto depois de ela se sentar a fez pensar que eu queria transar com ela em
um banheiro de bar? Eu apertei minha mandíbula e desejei que a urina mais
longa do mundo acabasse. A única coisa pior do que ficar preso ali com ela
seria voltar para casa com as roupas encharcadas de mijo.
Sacudindo meus ombros, tentei soltar o braço dela. Ela deu a volta na
minha frente e eu fiz o meu melhor para me proteger usando a barreira entre
os mictórios enquanto ela ficava na ponta dos pés, olhando para mim como
se eu fosse um animal no maldito zoológico.
— As histórias são verdadeiras. Eu deveria ter me assegurado de que
você estivesse no topo da minha lista, docinho. Restam apenas quatro de
vocês.
Eu encarei seus olhos e o olhar dela saltou para encontrar o meu.
— Que parte de você me dizendo que dormiu com a maioria dos meus
companheiros de time faz você pensar que eu gostaria de ir para qualquer
lugar com você? E posso garantir que você não vai chegar nem perto de
Declan, Heath ou Emmett, então parece que sua coleção vai continuar
incompleta.
Eu fechei o zíper e saí de lá antes que ela tentasse me jogar no chão.
Aquela garota era louca.
De volta ao meu quarto, olhei para o meu telefone, esperando que Liv
mandasse uma mensagem ou ligasse. Me levantei, deixei ele cair na cama e
comecei a andar. Não a sufoque. Você pode passar a noite sem falar com
ela. Eu entrelacei meus dedos atrás da minha cabeça e olhei para o meu
telefone como se fosse uma bomba pronta para explodir. Nós nos beijamos
– de novo. Ela invadiu minha mente, e eu estava meio que bem em ser
empurrado à beira da loucura por ela. Eu estava ficando totalmente louco
com o quanto eu queria vê-la novamente.
Ela assistiu ao jogo como ela disse que faria? Peguei meu telefone e bati
contra a palma da mão. Apenas faça. Enviei a mensagem antes que a parte
racional do meu cérebro entrasse em ação, e sua resposta foi imediata.
Liv: Você arrasou hoje à noite!
Meu sorriso largo fez minhas bochechas doerem. Eu escrevi uma
mensagem e sabia que provavelmente ia dormir no gelo no dia seguinte,
mas também sabia que valeria a pena.
Eu: O que você achou da primeira jogada no segundo tempo?

Entrar e sair da cidade com tanta frequência fazia parecer que meu
apartamento tinha uma porta giratória.
Mais uma semana se passou e outra longa viagem na estrada. Por que eu
ainda tenho um apartamento? Teria sido menos incômodo dormir no meu
carro e as viagens pareciam se estender muito mais quando eu sabia o que
me esperava em casa.
Não esperava o convite de Liv. Foi a primeira vez, vindo dela para mim,
em vez do contrário. Restos de chocolate quente e marshmallows estavam
no fundo de nossas canecas verdes e vermelhas em seu tapete. Era uma
sensação quentinha e agradável que me dava vontade de comer alguns
cookies. Esta era a sensação de sentar na cozinha da minha mãe um pouco
antes do Natal.
As caixas de fotos de Liv estavam empilhadas em cima da cama.
— Não era o que eu esperava quando você me convidou.
— Você achou que teria a ver com bebida? Talvez esculpir um bloco de
gelo em um trenó para fotos? — Ela riu, folheando mais fotos.
— Não, imaginei que você tentaria pintar minhas unhas ou algo assim.
Ela abriu a gaveta da cabeceira e agarrou o frasco de esmalte que rolava
lá dentro. Avistei a caixa de preservativos enfiada na parte de trás e meus
dedos se apertaram ao redor da pilha de fotos na minha mão. Chamando o
Sr. Hipócrita.
— Isso pode ser resolvido. Acho que azul elétrico pode ser a sua cor.
Tinha uma mulher na minha turma com cabelo nesse tom. Ela disse que
minha coreografia a fez pensar em uma festa dançante azul brilhante e
louca. — Ela bateu com o vidro na palma da mão.
Balançando a cabeça, olhei para o esmalte neon em sua mão e recuei,
escorregando para fora da cama. Ela disparou para frente, agarrando minha
mão. Apoiando minha mão contra a parede, parei minha queda.
Meus dedos envolveram os dela, e o salto de sua pulsação bateu contra
meus dedos calejados. Seus olhos se arregalaram e seus lábios carnudos e
rosados se separaram. Eles estavam brilhantes de onde ela os estava
mordiscando enquanto folheava as fotos.
O gosto dela, mesmo mascarado pelo álcool, inundou minha mente, o
calor de sua palma aquecendo minha pele através do meu jeans. Engolindo
o nó na garganta, eu soltei sua mão.
Ela balançou a cabeça gentilmente como se estivesse saindo de um
transe, o mesmo que me atingia sempre que eu estava perto dela. Era para
autopreservação, para manter minha sanidade e porque eu sabia o que
significaria dar aquele passo com Liv.
Minha amizade com Colm estava por um fio. Talvez nunca se
recuperasse do que tinha acontecido com Felicity, mas se eu fosse atrás de
Liv, ele provavelmente tentaria me matar – ou contaria a Liv todos os
detalhes de como eu me coloquei entre ele e sua noiva e como ela olharia
para mim? Primeiro Angelica e depois Felicity? Ela me odiaria. O que eu
precisava fazer era manter minhas mãos e meus lábios para mim mesmo.
Tinha funcionado até agora... bem, na maior parte do tempo.
Empurrando contra a parede do meu lugar estranho na lacuna ao lado de
sua cama, eu me levantei e agarrei sua cadeira.
— Como se eu não recebesse merda suficiente dos caras. Aparecer com
unhas azul-néon me renderia uma bronca.
Seu olhar disparou do meu lugar na cama para o meu novo assento
enquanto ela erguia os lábios em um meio sorriso que não alcançou seus
olhos.
— Diga a eles que ajuda na resistência ao vento no gelo. Do jeito que
você está jogando, todos eles vão estar usando em uma semana. — Ela
pegou outra caixa e abriu a tampa. Balançava com um baque surdo. — Você
se lembra dessa? — Ela jogou a foto na pilha que eu estava folheando e eu
a peguei, as pontas gastas e esfarrapadas. Olhando para mim estava uma
versão mais jovem de mim mesmo. Eu parecia tão estranho e
excessivamente grande, como se meu corpo tivesse superado minha
capacidade de controlá-lo.
— Eu pareço um maluco. Por que você tirou uma foto minha assim? E
por que diabos meu cabelo está todo puxado para cima de um lado? —
Virei a foto para que ela pudesse olhar novamente.
— Foi depois do campeonato estadual do sub-17. Você colocou a meia
da sorte no seu capacete, lembra?
Eu joguei minha cabeça para trás e ri. Tinha começado como uma piada
que alguém fez comigo, empurrando meu capacete para mim no último
minuto com uma meia usada nele, mas tínhamos ganhado aquele jogo,
matado o outro time por cinco a zero. Eles foram nossos maiores rivais e
mantiveram a Rittenhouse Prep fora dos campeonatos estaduais quase todos
os anos antes de começarmos o ensino médio.
O próximo jogo eu joguei sem a meia e tudo deu errado. No final do
tempo, Declan correu para o vestiário e voltou com uma meia. A essa
altura, já teríamos feito qualquer coisa e, no segundo em que nossos patins
atingiram o gelo, éramos um time diferente.
— Droga, como eu pude esquecer isso?
Meu braço estava em torno de Colm e o dele em torno de Liv, que
estava parada na nossa frente.
— Ele estava tão chateado que mamãe e papai não estavam lá. — Ela
deslizou mais fotos da frente de sua pilha para trás. Colm ficou olhando
para as arquibancadas o tempo todo. Eles prometeram a ele que iriam.
— Eles perderam muita coisa, não é? — Na última temporada, nosso
último ano, eles não compareceram a nenhum jogo, e o grande acidente
aconteceu no caminho para o campeonato estadual. Eles tentaram voltar
correndo para surpreender Colm.
— Sim, eles perderam muita coisa. — A voz dela parecia distante. —
Mesmo se eles aparecessem, nunca saberíamos se duraria mais do que
alguns minutos. Eles estavam constantemente a um passo de desaparecer no
meio de qualquer coisa que pudesse estar acontecendo.
— Não deve ter sido fácil.
Ela encolheu os ombros.
— Eles estavam fazendo um trabalho importante. O que é um jogo de
hóquei ou uma feira de ciências estúpida quando a vida de alguém está em
jogo? — Sua risada ficou presa em sua garganta e a umidade se acumulou
em seus olhos.
Rodei a cadeira para mais perto da beira da cama.
— Era importante porque importava para vocês. Sim, eles estavam
fazendo um ótimo trabalho, mas vocês dois também mereciam um pouco de
atenção
Ela enxugou o rosto com a manga.
— Não importa muito agora, não é? Eles se foram. Tenho certeza que
terei uma ideia melhor do que eles estavam passando assim que for médica.
Suas palavras eram monótonas, memorização mecânica sem nada mais
por trás disso, algo dito tantas vezes que mal fazia sentido. Ela se esforçou
demais. Colm a fez se esforçar ainda mais.
— Você quer ser médica?
Sua cabeça se ergueu.
— Por que todo mundo fica me perguntando isso?
— Colm fala sobre isso o tempo todo, mas você quase nunca fala, a
menos que esteja falando sobre seus pais ou Colm. A única coisa que você
fala por conta própria é a dança.
Ela pegou as fotos e as colocou na caixa.
— E como você saberia? Tivemos, o quê, dez conversas nos últimos
dois anos e de repente você acha que sabe o que eu quero? — Pulando da
cama, ela arrancou a foto da minha mão. — Eu não sento naquela mesa —
ela apontou o dedo em direção à mesa atrás de mim — porque estou
tentando decidir. Não me enterro em livros até que quase não consiga ver
direito, pra passar nos meus exames para não me tornar uma médica. Você
acha que eu não aguento?
Eu levantei minhas mãos, as palmas voltadas para ela em sinal de
rendição.
— Foi uma pergunta, só isso. Só uma observação.
— Uma observação baseada em quê? Ir a uma aula de dança? Eu vou
fazer faculdade de medicina. É o que eles gostariam. É o que Colm quer e é
o que eu quero. — Ela apertou o dedo no centro do peito.
— Eu só quero que você seja feliz. — Era tudo o que eu sempre quis
para ela, mesmo que não fosse comigo. Mesmo que ela arrancasse meu
coração e patinasse sobre ele mil vezes, ela merecia encontrar alguém que
pudesse lhe dar a lua e as estrelas.
— Você é da polícia da felicidade? Como você sabe o que me faz feliz?
Você deixou bem claro que algo que eu pensei que me deixava feliz não era
para mim.
— Eu não estava falando sobre isso...
— Talvez você não estivesse, mas precisamos esclarecer isso. — Ela
bateu na tampa da caixa, esmagando as laterais rígidas de papelão. —
Estamos dançando em torno disso desde que você decidiu que queria ser
meu amigo. — Seus dedos se ergueram em aspas no ar em torno da última
palavra. — Quão feliz você acha que me deixou quando beijou aquela
mulher? Quando você me disse para ir embora para ficar sozinho com ela?
Quantas lágrimas você acha que foram derramaram por causa disso?
Ela saltou da cama e saiu furiosa para a sala de estar.
Meu coração batia forte no meu peito e eu corri atrás dela.
— Eu nunca quis machucar você. Angélica simplesmente apareceu. Ela
estava bêbada e fez uma cena. Eu tinha que tirar ela de lá. — Minha
inutilidade com as palavras estava pesando sobre mim mais uma vez. Eu
queria empurrar o fato de que dormi com alguém como Angélica na cara
dela? Eu queria que ela pensasse em mim como aquele cara? De jeito
nenhum. Na época, parecia a melhor maneira de lidar com as coisas, mas
foi um movimento errado que me assombrou como um fantasma do passado
natalino.
— E o que você disse?
— E o que você fez? — O lampejo de raiva e mágoa que eu tinha
afastado voltou estalando.
Ela deu um passo para trás.
— O que eu fiz?
— Você saiu com Grant. — Eu cerrei meus dentes.
— Eu... foram dois encontros.
— Dois encontros demais. Pedi ao segurança do hotel que colocasse
Angélica em um táxi quinze minutos depois de ver você, e então voltei para
um Grant flutuando pelo hotel, contando a todos sobre o encontro dele com
você.
— O que eu devia fazer?
— Eu não sei, não chamar meu irmão pra sair?
Ela apertou os punhos e gritou para o teto.
— Eu não chamei ele. Ele me chamou. Eu estava distraída. Eu não
estava pensando direito, olhando para você com outra mulher em seus
braços, sem dizer uma única palavra enquanto ela falava sobre o que queria
fazer com você. Achei que fosse uma coisa em grupo, e então ele apareceu
na minha porta com flores. Foi quando eu soube que era algo a mais pra ele.
Minha respiração saiu curta e entrecortada, combinando com a dela. Se
ela não tivesse saído com Grant, eu podia ter falado com Colm. Talvez ele
tivesse tentado me apagar, talvez não, mas depois do que aconteceu com
Felicity quando me mudei para a Filadélfia, não havia nenhuma maneira no
inferno de ele me deixar chegar perto de Liv.
— E ainda é algo mais para ele. — Meus ombros caíram.
— Eu sei. — O rastro de dor nos olhos dela combinavam com o meu, as
feições angustiadas. Ela se aproximou, olhando nos meus olhos. — O que
fazemos agora?
— Eu não sei. — Arrastei meus dedos pelo meu cabelo e balancei
minha cabeça.
A porta da frente bateu atrás de nós e o ar frio do corredor soprou
quando ela se abriu.
— Então, danças no colo são medicinais – é isso que você está me
dizendo? — Marisa riu e deixou cair a bolsa ao lado da porta.
O olhar de Liv disparou para Marisa, que parou quando nos viu.
— Talvez devêssemos ir. — Marisa empurrou o cara atrás dela.
— Não, está tudo bem. Estou indo embora. — Peguei minha jaqueta do
sofá. — Falo com você mais tarde, Liv.
— Boa noite — ela disse quando a porta se fechou.
Parei no Fish's e peguei uma bebida antes de voltar para minha casa. As
coisas não podiam continuar como estavam. Eu tenho que falar com Grant,
esclarecer as coisas e fazer ele entender o quanto ela significa para mim.
Quanto mais as coisas se estendiam, mais difícil era de imaginar minha vida
sem ela.
16

LIV

D epois que Ford saiu, coloquei as fotos de volta nas caixas e me


juntei a Marisa e LJ no sofá para uma maratona de filmes dos
anos 80. Não tinha como eu me concentrar nas provas. Poucos
dias depois, peguei algumas das fotos reveladas que ainda não tinha
colocado nas caixas. Deslizando-as para fora do envelope de papel cartão,
tirei as fotos.
Virando cada uma, escrevi as datas, o local e o que estava acontecendo
na foto. O verão na casa de praia, o amor estava no ar quando Heath e Kara,
e Declan e Mak nos afogaram com as demonstrações de afeto públicas.
Havia também uma grande quantidade de bebida e a ameaça de homicídio
quando Emmett e Avery chegaram. Tudo isso foi suavizado ao longo do
verão. Se ao menos minha vida amorosa tivesse seguido o mesmo caminho.
Peguei as próximas fotos.
Meu chapéu azul-marinho, meu vestido e minha borla de ouro
balançavam na frente do meu rosto. Colm estava ao meu lado, radiante de
felicidade. Eu estava olhando para Ford com o canto do olho. Balançando a
cabeça, virei e escrevi no verso.
Minha formatura, na foto: Colm, Ford e eu.
Peguei a próxima foto da pilha: as mulheres descansando em toalhas de
praia, tomando banho de sol no verão antes do casamento de Mak e Declan.
Verão após a formatura na praia, foto: Kara, Avery, Mak e eu.
Virei outra e o sorriso no meu rosto sumiu.
Verão após a formatura do colégio, foto: eu e Mason. Bati a foto contra
minha mão. No verão depois que Heath e Declan se formaram na faculdade,
eles alugaram uma bela casa na praia, bem na areia.
Ter um caso de verão com Mason, escapulir sob o olhar atento de Colm
foi meu pequeno ato de rebelião, mas saiu pela culatra quando todos os
caras voltaram de uma viagem de pesca mais cedo, interrompendo nossa
sessão de amassos. A expressão no rosto de Ford quando eu tropecei escada
abaixo foi um soco no estômago. Ele escondeu bem, mas a expressão era
difícil de esconder. Era a mesma que eu escondia sempre que as mulheres
se aproximavam dele vez após vez em busca de um autógrafo e algo mais
naquele verão.
Talvez se eu não tivesse tanto medo naquela época, eu poderia
simplesmente ter arrastado ele para baixo do calçadão e o beijado até
morrer, provando que isso não era uma paixonite de escola antes de tudo
ficar ainda mais complicado. Eu olhei para a foto novamente e a rasguei ao
meio. Jogando no lixo, examinei o resto do pacote. A garrafa de vinho ao
lado da minha cama desapareceu lentamente, roubada pelos elfos durante a
noite.
Nossas conversas têm sido tensas desde que ele saiu. Era estranho, mas
eu não queria perder o pequeno pedaço de nós que havíamos recuperado.
Eu: Você voa hoje à noite ou amanhã de manhã?
Ford: Amanhã de manhã. Estou no meu quarto agora
O zumbido quente da bebida fluiu por mim. Eu o imaginei na cama do
seu hotel com uma calça de moletom cinza e uma camiseta esticada no
peito, praticamente a visão mais obscena e deliciosa que eu podia imaginar.
Eu: Sozinho?
Eu me bati na cabeça com um travesseiro. Por que eu perguntei? Eu
não queria saber. Na verdade, sim, mas uma resposta pode me matar.
Ford: É claro
Eu: Você diz isso como se não houvesse a possibilidade de não estar
sozinho.
O telefone zumbiu na minha mão.
— Por que você acha que eu teria alguém aqui comigo?
— Qual é Ford. Estou perto de vocês há tempo suficiente para saber
como vocês operam.
— O que isso quer dizer? Você bebeu? — Havia um toque de
provocação em seu tom.
— Talvez um pouco. O que eu quero dizer é que as pessoas falam sobre
coisas, mesmo quando pensam que você não está ouvindo.
— Você está caindo de bêbada. Coisas como o quê?
— Como seus rituais pós jogos.
Ele deu uma risadinha.
— Eu dificilmente acho que tomar banho, pegar um pouco de comida,
talvez um bom bourbon e desmaiar no meu quarto de hotel ou em casa seja
digno de notícia.
— Não isso. — Eu engoli o nó na minha garganta e apertei minhas
coxas juntas. Houve muitas noites em que pensei em todas as histórias que
ouvi sobre Ford e sua atenção total aos detalhes quando se tratava do sexo
oposto. Não era como se eu quisesse pensar nele saindo com outras
mulheres, mas houve mais do que algumas noites de bebedeira em que os
caras o provocaram sobre suas atividades noturnas.
— O que eu faço? — A voz dele estava baixa do outro lado da linha.
— Você as leva de volta para o seu quarto e fode até que elas mal
consigam andar e elas fiquem com um sorriso enorme no rosto.
— Uau, onde diabos você ouviu isso?
— Heath.
Ele murmurou um xingamento sob sua respiração.
— Então é verdade.
— Liv… — Havia um tom de aviso na voz dele.
— Só me diz se é verdade. — Lambi meus lábios e rolei de costas.
— Você está bêbada e dificilmente acho que...
— Eu quero saber. Quando você faz amor com elas...
— Eu não faço amor. Eu fodo com elas.
Arrepios se espalharam por todo o meu corpo e minha respiração ficou
presa.
— Então, os rumores são verdadeiros.
— Me disseram que vou além em certas áreas, sim.
— Vou precisar de mais detalhes do que isso. — Subindo mais na cama,
descansei minha cabeça no travesseiro e apertei minhas coxas uma contra a
outra.
— Você não vai conseguir.
— Talvez eu só imagine como é, então. — Meu peito subia e descia
enquanto minha respiração acelerava. Todos os sonhos que tive, a forma
como minha imaginação tinha disparado pensando em uma noite sozinha
com Ford, sem as barreiras que sempre estiveram entre nós...
Houve um silêncio mortal do outro lado da linha.
Afastei o telefone do ouvido. O tempo de chamadas ainda estava
rodando.
— Alô?
— Estou aqui. — As palavras dele saíram tensas.
— Uma narração tem que acontecer, você não acha? — Não houve
objeções. — Vocês tomam alguns drinques, agradáveis e saborosos.
— Nunca mais do que dois.
— Bom. Ninguém gosta de um bêbado desleixado com problemas pra
levantar o pau. — Houve uma forte exalação de ar que soou um pouco
como uma risada, e meu cérebro bêbado acelerou. Não era uma mulher sem
nome que ele estava levando para seu quarto de hotel; era eu. — Você a
leva para o seu quarto e fecha a porta atrás de você. Ela está na sua frente e
começa a tirar as roupas.
— Eu faço isso. Eu sempre faço isso.
— Ok, você desliza suas mãos sob a bainha da camisa dela e puxa para
cima e sobre a cabeça. O bojo de renda branca do sutiã dela está em
exibição completa. Você corre seus lábios ao longo da curva do pescoço
dela, sentindo o cheiro e mordiscando a pele. Como estou indo até agora?
— Meu corpo estava em alerta máximo, um formigamento viajando da
cabeça aos pés. Meus mamilos endureceram quando sua respiração
profunda e áspera encheu o outro lado da linha.
— Você está indo bem.
— Então talvez você a leve para a cama. Você tira seu jeans.
Ele fez um som de desaprovação.
— Eu a empurro contra a porta e corro meus dedos ao longo da parte
interna das coxas antes de deslizar meus dedos sob a saia dela.
— Ela sente a brisa fresca do ar-condicionado na pele dela e sua mão
quente pressionada contra a boceta dela.
Se fez silêncio novamente.
— Você desliza sua mão sob o elástico da calcinha dela e traça o
contorno dos lábios. Ela está molhada?
— Ela está quente e molhada, mas é só o começo. Quando eu terminar,
ela não vai se lembrar do próprio nome.
Eu deslizei minha mão pelo meu corpo e segui minhas próprias
instruções.
— Você aperta o clitóris no ritmo de uma batida que vive em sua cabeça
e desliza dois dedos dentro dela.
— Três.
Um gemido que eu estava segurando escapou de meus lábios enquanto
eu empurrava três dedos dentro de mim.
— Então o que?
— Então eu ouço seus gemidos e encontro o ritmo de seu corpo. Isso a
deixa ainda mais molhada em meus dedos. Trocando de mãos, lambo seu
calor da minha pele. O sabor é melhor do que qualquer coisa que já provei.
O som inconfundível de sua mão em seu pau enviou ondas de desejo
correndo pelo meu corpo.
— Eu belisco e esfrego seu clitóris até que suas pernas estejam
tremendo. Prendendo suas coxas abertas com uma mão, eu continuo,
enrolando meus dedos dentro dela até encontrar o local que tantos homens
não são pacientes o suficiente para encontrar. Sua boceta aperta em torno
dos meus dedos, e eu continuo bombeando dentro dela, lhe dando essa
sensação e a esticando o quanto posso. — Suas palavras saíram agitadas e
tensas.
— E depois?
— Achei que você estivesse me contando.
— E então você tira sua calça jeans.
— Não, mas como é tarde, vou te dar a versão abreviada. Ela teria pelo
menos mais um orgasmo na minha língua antes de eu tirar meu pau para
fora, não porque não é o mais duro que eu já estive, não porque eu não
estou me matando para me conter, mas porque eu não quero deixar ela
assustada pra caralho.
— Não é possível. — Lambi meus lábios secos. — Não é possível. Ela
está pronta para tudo que você tem pra dar e muito mais. — Corri meus
dedos sobre meu clitóris e minhas pernas saltaram.
— Eu quero dar tudo a ela. — Ele gemeu, um som gutural profundo que
me deixou tonta.
Eu enrolei meus dedos dentro de mim e quase pulei da cama. O
orgasmo me pegou de surpresa, batendo em mim com tanta força que deixei
cair o telefone e gritei. Minhas costas arquearam e eu montei as ondas do
meu clímax enquanto espasmos disparavam pelo meu corpo.
Pareceu terem passado vinte minutos quando eu finalmente voltei a
mim. Empurrando os cobertores, encontrei a tela brilhante do meu celular.
— Ford?
FORD
— Eu quero dar tudo a ela. — Meus quadris saltavam da cama. Eu
bombeei minha mão para cima e para baixo conforme a respiração trêmula
dela do outro lado da linha. Não era minha mão em volta de mim; era da
Liv, e seu grito agudo me jogou na linha de chegada.
Seus gemidos e meu nome sussurrado em seus lábios... Mordi meu lábio
com o som úmido de sua excitação. Minha boca encheu d'água, querendo
saboreá-la até que ela gritasse novamente e continuar provando e tocando
até que ela não aguentasse mais.
Minha mandíbula se fechou e cada terminação nervosa gritou junto com
seus gemidos. Ofegante como se tivesse patinado sem parar na última hora,
diminuí o movimento da minha mão. Meu pulso batia tão forte em meus
ouvidos que eu só podia esperar não estar dizendo todas as coisas sujas que
passavam pela minha cabeça.
Eu bati minha cabeça contra os travesseiros. Se ela era tão boa no
telefone, quão boa ela seria pessoalmente? Quando eu poderia deslizar
meus dedos ao longo de sua pele e provar sua pele arrepiada? Enrolar meus
dedos em seus cabelos e inalar cada pedaço dela? A vontade de lutar contra
isso estava me deixando. Eu não queria mais lutar contra o que havia entre
nós.
Grant não importava. Colm ia ter que engolir. Eu quero – não, eu
preciso de Liv. Eu preciso sentir ela em torno de mim, enterrar meu rosto na
curva de seu pescoço e me enterrar nela. Eu precisava envolver meus dedos
em torno de seus pulsos e prendê-los acima da cabeça dela enquanto
empurro em sua boceta aveludada. Ela é um vício, e eu nem tinha provado
o gosto real ainda.
— Ford? — Sua voz trêmula me tirou da deriva.
— Estou aqui. — Lambi meus lábios.
— Isso foi…
— Sim, foi. Estou de volta na segunda de manhã. Eu preciso ver você.
— Tenho uma sessão de laboratório às oito da manhã. Estou livre
depois disso – podemos almoçar.
— Liv… — Minha garganta se fechou, subindo e descendo.
— Eu sei. Não diga mais nada. Vejo você na segunda-feira e vou assistir
seus jogos. Descanse um pouco. Boa noite, Ford. — Ela apressou as
palavras como se soubesse exatamente o que estava passando pela minha
mente: que as dúvidas iriam se insinuar uma vez que a euforia do orgasmo
passasse. Ela encerrou a ligação.
— Boa noite, Liv.

Três dias excruciantes depois, o carro que saía do aeroporto parecia


estar andando para trás. Os gemidos dela se infiltraram sob mim de forma
tão profunda que eu não achei que seria capaz de apagar. Eles foram a trilha
sonora de cada vez que envolvi minha mão em volta do meu pau. Sua
respiração irregular e seus doces gemidos eram uma parte inescapável de
mim agora. Eu nunca seria capaz de apagar da memória e não queria.
Minhas mãos abriram e fecharam em um ritmo involuntário. A tensão
rolou pra fora de mim em ondas, e soltei um suspiro profundo. Talvez tenha
sido melhor eu não a ter visto ainda. Eu preciso me acalmar.
— Cara, você precisa transar.
Meu olhar desviou para Declan, sentado ao meu lado na parte de trás do
carro. Normalmente, essa era uma chance de relaxar sem o resto da equipe
por perto, mas agora me dava vontade de gritar.
— Você não precisa se preocupar com meus hábitos no quarto.
— Se você sair da rede daquele jeito outra vez, o treinador vai acabar
com você.
— Eu vi uma abertura e peguei. — Dei de ombros. Sim, sair da rede da
maneira que eu saí poderia ter sido um erro fatal, mas vi minha chance de
encerrar o jogo e aproveitei.
— Não encha o saco dele. Ele é o goleiro com a maior pontuação da
liga depois daquela travessura. — Heath se virou do banco da frente. — E
eu nunca estive mais orgulhoso. — Ele enxugou uma lágrima falsa do olho.
Era exatamente o tipo de merda que ele amava.
— É um pouco fora do personagem. — Declan olhou para mim com
suspeita nadando em seus olhos.
— Talvez eu esteja tentando ir mais longe, tentando parar de me
esconder na rede.
— Você definitivamente não pode se esconder agora – eles estão
repetindo aquele gol no SporTV sem parar. Bem-vindo ao centro das
atenções, amigo. — Emmett me cutucou com o cotovelo.
Eu olhei pela janela para a cidade que descongelava lentamente. As
palavras de Liv ecoaram na minha cabeça durante os jogos. Eu vou estar
assistindo. Esse tinha sido o meu foco, não tentar me destacar. O tom
especial de Liv tocou no meu telefone. Me afastando dos caras, verifiquei
minha tela.
Liv: Ótimo jogo! Eu nunca vi você jogar assim antes. Os clipes estão
rodando na TV sem parar.
Parecia que eu tinha conseguido fazer as duas coisas.
Liv: Você quer comer alguma coisa?
Provavelmente era o mais seguro. Em algum lugar lotado, bem
iluminado, onde eu não pensaria em colocar ela na superfície mais próxima
e enterrar meu rosto entre as coxas dela. Precisávamos de um lugar onde o
único problema em que eu me metesse fosse o chute mental na minha
cabeça. O cansaço da viagem passou e conteve a coceira em minhas mãos
para correr meus dedos por seu cabelo e colocá-la na minha cama. Desta
vez, ela teria um tipo diferente de ressaca.
17

FORD

L iv: Você quer comer alguma coisa?


Um simples convite tinha muito mais peso agora.
Normalmente, eu ficaria na minha casa até o treino em alguns dias,
mas sua mensagem enviou uma onda de energia corrente por mim.
Não conversamos muito após aquela ligação, apenas algumas
mensagens de texto e bate-papo por meio do Palavras-Cruzadas online que
jogamos. A última palavra dela foi D-E-D-O-S. Parecia que nós dois
estávamos com aquela noite presa em nossas mentes. Palavras como gemer,
chupar, tocar e beijar continuavam aparecendo quando haviam palavras
muito mais difíceis e de maiores pontuação disponíveis.
Ela desceu as escadas de seu prédio, seu sorriso radiante iluminando
tudo ao seu redor. Vestindo as luvas, ela se abaixou sob meu braço enquanto
eu segurava a porta aberta para ela. A neve que sobrou do fim de semana
tinha se transformado em pilhas marrons doentias e pontilhava a rua e a
calçada. Suas bochechas estavam vermelhas e eu queria colocá-la contra o
meu peito para aquecê-la.
— Como foi a prova?
— Tão bem quanto se pode esperar quando você está com os olhos
turvos depois de noventa horas de estudo. É por isso que eu precisava sair
de casa. — As mãos dela estavam enfiadas nos bolsos. — Podemos
caminhar?
— Certo. — Mandei o carro embora e me virei para ela. — Onde nós
vamos comer?
Ela se virou para mim e sorriu, o tipo de sorriso em que você
compartilha um segredo com outra pessoa. Desta vez aconteceu que o
segredo era que eu sabia como ela soava quando gozava e mal podia esperar
para ouvir de novo. O sorriso era contagiante e não consegui conter o meu.
— Você vai adorar. — Ela enlaçou o braço no meu e eu contei as
últimas notícias dos bastidores da estrada enquanto caminhávamos.
Tacos noturnos poderiam muito bem ser heroína, baseado em quão
lotado o lugar estava. A pequena loja de tacos tinha dez mesas amontoadas
em um espaço que mal podia conter cinco. Alguém se levantou assim que
entramos pela porta, então eu peguei uma mesa para nós.
As luzes fluorescentes acima de nós apagaram todo o lugar, exceto Liv.
Ela era como um farol brilhante no mar lotado de pessoas precisando de um
pedaço de carne picante. Eu sorri para sua pequena dança do balcão até a
nossa mesa com a nossa comida. Ela quase derrubou a cadeira quando
chamaram o número dela. O seu corpo inteiro entrou na vertigem dos tacos,
e ela nem estava bêbada como metade das pessoas que entraram e fizeram
pedidos.
Empurrando o forro de papel da cesta de plástico com os tacos, ela
parecia ter encontrado o Santo Graal.
— Eu juro, como pelo menos dez desses por semana. — Pegando um
amorosamente, ela acariciou a lateral da concha e olhou para ela como se
fosse o novo Messias.
— Tem certeza que a única coisa que você faz é comer eles? Porque
agora tá parecendo que eu devia deixar vocês sozinhos pra terem um pouco
de privacidade. — A brisa lutava contra o interior superaquecido do
restaurante sempre que alguém abria a porta. Liv continuou com o casaco e
eu desabotoei o meu.
Algumas cabeças se viraram quando entramos, e alguém parou na mesa
e pediu um autógrafo. Sendo uma figura esportiva, eu estava acostumado
com isso, e Liv não parecia se importar. Tendo crescido com Colm como
seu irmão, ela esteve no centro de tudo isso por muito tempo.
Eu odiava quando eles ficavam encarando, as pessoas em algumas
mesas não estavam nem mesmo sendo discretas ao tirar algumas fotos. Esse
era outro motivo pelo qual eu odiava sair. Atrás da máscara no gelo, eu
poderia fingir que eles não estavam olhando para mim. A energia motriz do
jogo afastava os pensamentos sobre quantos pares de olhos estavam em
mim a cada segundo no gelo. Mas de perto, uma vez que a máscara saia, eu
não podia fingir. Eu era um inseto em uma lâmina sob o microscópio
coletivo da cidade.
— Você vai parar de falar merda quando provar, então aí vai se
arrepender. — Ela soltou a melhor risada maligna.
Eu me inclinei na minha cadeira, contente em ver Liv saborear a
refeição.
— Eu pedi esses pra você. Vão ser os melhores tacos que você já
comeu.
— Não é possível. Eu viajei por todo o país e comi alguns tacos muito
bons. — Eu ainda nem tinha digerido meu jantar, mas o amor dela pelos
tacos era contagiante.
— Estou te dizendo. — Ela o estendeu para mim.
Eu olhei para o taco.
— Parece bem básico. — Empurrei a tortilha e verifiquei o conteúdo:
carne desfiada, vinagrete, um pouco de alface. Sem queijo? Eu sofreria com
isso. Minhas tentativas de esconder meu ceticismo não pareciam estar
funcionando.
— Dê uma chance — Liv cantou ao meu lado.
Do lado de fora das grandes janelas de vidro, as pessoas olhavam. Eu
me sentia como um animal de zoológico em exibição. Flashes
ricocheteavam na superfície e eu esperava que isso acabasse com as fotos.
Pelo menos as costas de Liv estavam voltadas para as janelas; ela não
precisava entrar no circo do mundo do hóquei mais do que já estava.
— Ford Kenneth Atherton… — Ela o empurrou em direção ao meu
rosto. — Coma. Agora!
Me inclinei para a frente, os cotovelos na mesa. Ela usou meu nome
completo. Minhas bochechas não estavam cooperando com a carranca que
eu estava tentando fazer. Malditos músculos da bochecha me traindo.
Apertando meus lábios, eu dei uma olhada séria, minha melhor tentativa.
Eu tirei o taco das mãos dela e dei minha primeira mordida. Eu congelei
quando os sabores invadiram minha boca e saquearam minhas papilas
gustativas. Meus olhos se arregalaram.
— Viu, eu te disse. — Com a mão livre, ela pegou outro da cesta e
mordeu. — Ótimo, não é?
O sorriso no rosto dela contou toda a história.
Pegando um guardanapo, murmurei baixinho:
— Nada mal.
Ela colocou a mão sobre a orelha.
— Desculpe, o que você disse? Eu não ouvi você.
Largando meu guardanapo, me inclinei sobre a mesa, colocando minhas
mãos em volta da boca.
— Eu disse: nada mal.
Um pouco de molho picante escorria no queixo dela. Alcançando, eu
limpei a mancha em seu rosto com meu polegar, segurando sua bochecha
com minha mão. Seus olhos se arregalaram e eu puxei minha mão de volta.
Haviam muitas pessoas lá. As cabeças giravam do lado de fora, mais
telefones com câmera sendo retirados. Nossa temporada estava melhor que
o normal, o que significava mais atenção para nós. E a notícia do meu gol
estava circulando, então ainda mais pessoas pareciam estar me
reconhecendo. Nenhuma boa ação fica impune, certo?
Os lábios dela se curvaram e ela amassou o guardanapo, depois o jogou
na cesta de comida vazia.
— Por que alguém não pode inventar uma casca de taco que não se
desintegre no caminho até em casa? Eu pegaria cem e os guardaria no
freezer.
— Talvez seja por isso. Você nunca mais ia sair do seu apartamento, e
eles teriam que usar um guindaste pra te tirar de lá.
Ela jogou a cabeça para trás e riu.
— Você não está errado. — Colocando as luvas, ela afastou a cadeira da
mesa. Em um segundo ela estava lá, e no outro um cara estava se jogando
sobre ela, o casaco dele a cobrindo.
Eu pulei da minha cadeira e agarrei a parte de trás do casaco dele. Que
porra é essa?
— Liv! Essa é a minha extraordinária torturadora de dança? — As
palavras dele estavam arrastadas.
Eu o afastei de Liv, o segurando pelo colarinho, e ele me encarou de
volta, com os olhos vidrados.
— Ford, está tudo bem. A gente se conhece. Ele assiste minhas aulas.
— Ela tirou meu aperto mortal das costas do casaco dele. — Ei, Tyler,
parece que você se divertiu hoje à noite. — Se levantando da cadeira, ela o
ajudou a se endireitar.
— Um pouco. Não loucamente. — Ele cambaleou e ela manteve as
mãos sobre ele.
Isso não deveria ter me incomodado. Não tinha motivo para me
incomodar, mas porra se eu não queria que ela tirasse as mãos dele.
— Você está em um encontro? — Ele passou os braços ao redor dela. —
Homem de sorte! Cara, você devia ver como ela é flexível! Ou talvez você
já saiba.
Joguei minha cabeça para trás. Esse cara estava falando sobre a
flexibilidade dela dentro ou fora da sala de aula? E quão flexível ela é? A
enxurrada de imagens inundou meu cérebro.
— Ela é a melhor professora de dança que existe. Eu não conseguia
fazer isso antes. — Ele tentou levantar a perna acima da cabeça e tombou,
quase levando Liv com ele.
Eu agarrei seu braço e o estabilizei, me colocando entre eles. Ele era um
de seus alunos. Um pouco da tensão em meu pescoço diminuiu.
— Você está em um encontro? — As palavras dele eram uma bagunça
arrastada.
O olhar de Liv disparou para o meu e de volta para o dele.
— Não, não é um encontro. Só estou saindo com um amigo. — Um
choque direto para o meu sistema nervoso central – e ego. Pressionei meus
lábios para não dizer nada de que me arrependesse.
Colm teria me matado se soubesse as coisas que passam pela minha
cabeça naquele momento: exigir minha reivindicação, levar ela de volta
para casa comigo, ver exatamente como ela era flexível.
Ela deu a ele o sorriso condescendente de lidar-educadamente-com-
uma-pessoa-bêbada.
— Com quem você está? Seus amigos estão procurando por você? —
Ficando na ponta dos pés, ela olhou ao redor.
— Eles estão lá em algum lugar. Eu vi você e tive que vir dizer oi. —
Ele balançou o braço, e eu me abaixei sob seu membro que se debatia
descontroladamente.
— Vamos te devolver pra eles. — Ela acenou com a cabeça na direção
dele, e eu a ajudei a pegar o seu amigo incrivelmente bêbado e conhecedor
da sua flexibilidade que estava no balcão; então, nós o escoltamos de volta
ao seu grupo de amigos.
Liv estremeceu ao meu lado quando saímos. Os flashes de câmeras de
celulares dispararam, iluminando a frente do restaurante. Enfiei minhas
mãos nos bolsos para resistir a tentação de envolver meu braço em torno
dela e puxá-la para perto, para o meu lado. Mais pessoas se aglomeraram ao
redor.
— Você é Ford Atherton?
— Você é o goleiro?
— Ótimo jogo!
— Vocês estão arrasando nesta temporada.
— Essa é a sua namorada? — alguém gritou.
Eu balancei minha cabeça.
— Não, não é a minha namorada. — Olhando por cima do ombro para
Liv, meu estômago deu um nó com a expressão ilegível em seu rosto. Eu
acabei de foder com tudo? Ela não é minha namorada e acabou de dizer
para o Tyler que não estávamos em um encontro. Nós nem sabemos que
merda nós somos, e a última coisa de que precisamos enquanto tentamos
descobrir são nossas fotos espalhadas por todas as redes sociais.
As poucas pessoas ao nosso lado se tornaram uma multidão na
velocidade de uma chicotada. Selfies se transformaram em autografar
qualquer coisa que os bêbados tivessem à mão. Como é geralmente o caso,
essas pessoas beberam demais e se fixaram demais em algo, e esse algo era
eu.
Pessoas que provavelmente nunca assistiram hóquei em suas vidas
disputaram por um lugar para tirar uma foto comigo no caso de eu ser
alguém que pudesse fazer seu perfil nas redes sociais bombar. Nada atrai
pessoas bêbadas como mais pessoas bêbadas. Eles são como um bando de
formigas pulando sobre um pedaço de doce, e eu era o pirulito
desembrulhado jogado na calçada.
Liv recuou e deixou a multidão embriagada me dominar. Flashes
pontilhavam minha visão muito depois de as fotos terem sido tiradas. Eu
não ficava cego assim desde minha última visita ao oftalmologista.
Tirando mais uma foto, acenei para o círculo de pessoas ao meu redor e
ofereci tacos grátis. Correndo para dentro, joguei um maço de notas no
balcão, contei a eles o negócio e mal consegui passar pela onda de pessoas
que correram atrás de travessas de tacos grátis.
Liv assistiu a tudo, se mantendo praticamente livre do caos.
Saí em meio à multidão e me juntei a ela na calçada.
— Desculpe, não pensei no que aconteceria se as pessoas
reconhecessem você. — Ela mordiscou o lábio inferior.
— Não se preocupe com isso. Geralmente as coisas não são assim pra
mim.
— Você teve uma das melhores temporadas dos últimos tempos. Além
disso, eles transmitiram seu gol várias vezes, não só nos canais de esportes,
mas também nas notícias regulares.
Arrastei meus dedos pelo meu cabelo.
— Perfeito. — Eu não estava exatamente sumindo no plano de fundo.
— Nós provavelmente deveríamos ir. Você não quer que mais pessoas
descubram que você está aqui. Afinal, você é uma celebridade. — Ela
estendeu o telefone. Postagens nas redes sociais começaram a chover e
marcaram a conta que a equipe havia exigido que eu fizesse. Eu só tinha
duas postagens, uma foto de um disco de hóquei e minha camisa, mas as
notificações de tag pingavam no telefone de Liv continuamente.
— Vamos. — Eu coloquei minha mão em seu ombro e abaixei minha
cabeça até dobrarmos a esquina.
— Aquilo não acontece com você com frequência? — Ela apontou o
dedo em direção à multidão.
Eu balancei minha cabeça.
— Nem um pouco. O bar perto da minha casa é super silencioso.
Ninguém nunca vai lá. Eu tendo a ser uma pessoa caseira.
— Talvez seja por isso que Colm é sempre inflexível sobre fazer os
jantares em família na casa dele. Nunca pensei nisso antes. — Suas
sobrancelhas franziram e ela manteve as mãos nos bolsos.
A menção de seu nome deveria ter jogado um balde de água fria sobre
minha cabeça, mas não jogou. Nos aproximamos da entrada do apartamento
dela. Vem pra minha casa dançou na ponta da língua. Eu abri minha boca e
meu telefone zumbiu no meu bolso ao mesmo tempo que o dela tocou. Ela
pegou o dela e eu tirei o meu.
— Grant — dissemos ao mesmo tempo. Eu respondi a mensagem e ela
atendeu a sua chamada.
— Sim, me marcaram em alguns posts. Nada, a gente acabou se
encontrando. Fomos comer um pouco. Não foi um encontro. Alguém na
multidão gritou aquilo.
Grant: Você saiu com Liv.
Não foi uma pergunta. Claro que ele me seguia nas redes sociais. Com
todos aqueles chacais circulando com telefones, era um milagre que eu
pudesse mijar sem que o mundo soubesse.
Eu: Eu encontrei com ela.
Grant: Ela disse alguma coisa sobre o encontro que eu marquei com
ela?
Ele a convidou para sair de novo? Eu fechei meus olhos com força. Por
que isso não podia ser só apenas uma paixonite de escola que passou? Meu
olhar foi para Liv. Era a mesma coisa que eu esperava dela, e olhe onde
estávamos agora. Como eu poderia impedi-lo de se machucar?
Ela encerrou a ligação e bateu o telefone na palma da mão. Se virando
para mim, seus lábios desapareceram dentro boca enquanto ela parecia estar
tentando engoli-los.
— Ele me convidou para sair de novo. — O pescoço dela se esticou e
seus olhos se encheram da mesma sensação de perda e preocupação que
invadiu os meus quando pensei nele perto dela. Arrastando as mãos pelo
seu cabelo, jogando mechas douradas pelo ar, ela me olhou como se eu
tivesse as respostas. — Eu... eu não tenho ideia do que fazer.
— Eu sei. — Corri as costas dos meus dedos ao longo do meu queixo.
— Isso é tudo minha culpa. Não achei que, depois de todo esse tempo,
ele ainda me visse assim.
Fechei a distância entre nós e corri meus dedos ao longo da bochecha
dela.
— Como ele não poderia? Você é impossível de esquecer, impossível de
parar de pensar.
Seus dedos se apertaram na frente do meu casaco.
— Eu sinto o mesmo por você.
Nossos olhos se encontraram, e aquela corrente baixa contra a qual eu
estava lutando cortou todas as distrações ao nosso redor enquanto tudo
desaparecia.
Sua respiração soprou em meu rosto, esquentando o frio do inverno. Eu
deslizei minha mão ao longo de sua nuca. Seus fios suaves correram pelos
meus dedos. Ela lambeu os lábios, me convidando a provar. Molhados,
cheios, lindos. Seus cílios tremeram e ela olhou profundamente nos meus
olhos.
Abaixando minha cabeça, capturei os seus lábios. Ela os separou e eu
saboreei o gosto. Pressionando-a contra a parede atrás dela, eu a coloquei
entre meus braços, o tijolo frio e áspero um contraste contra sua suavidade
doce e quente.
Ela mordeu meu lábio, e a mordida afiada fez meu corpo acelerar. Meu
pau esticou contra a perna da minha calça jeans. Quanto tempo se passou
desde que eu a provei? Tempo demais. Deixar seus lábios por mais de um
segundo era tempo demais. Até mesmo uma lufada de ar era muito longa.
Nós nos separamos, ofegantes, olhando nos olhos um do outro. Eu
queria mais sem casacos de inverno, pedestres bêbados ou qualquer pessoa
ou qualquer outra coisa em nosso caminho. O universo estava conspirando
para impedir que isso acontecesse, e os bloqueios no caminho estavam me
deixando louco.
Descansando minha testa contra a dela, sorri contra seus lábios.
— Senti sua falta quando você estava fora. — Ela olhou nos meus olhos
como se eu tivesse pendurado a lua e as estrelas.
Suas mãos deslizaram sob meu casaco e ela colocou os braços em volta
de mim. Seus dedos percorreram minhas costas em um caminho curto e
suave. Engolindo o nó na minha garganta, fechei os olhos.
— Liv... — O som gêmeo de nossos telefones tocou novamente. Nós
resmungamos. Ela se segurou em mim, me apertando com mais força. Por
um segundo, pensei que ela deixaria tocar e tentar preservar este momento.
Então ela afrouxou o aperto e deixou cair os braços, pegando o telefone.
— Marisa está um pouco nervosa. O jantar com o pai dela não foi bem.
É melhor eu subir. — Ela olhou para o prédio ao nosso lado.
Xinguei baixinho. Partir nossos telefones ao meio ou jogar eles no vaso
sanitário na próxima vez que nos víssemos parecia uma ideia melhor a cada
minuto.
Ela riu e me deu outro beijo na bochecha.
— Parece que nosso tempo acabou de novo. — Um sorriso triste
apareceu no canto dos lábios dela. — Um dia desses nós vamos achar o
momento certo. — Ela abriu a porta de seu prédio e entrou.
O toque no meu bolso começou novamente. Eu a observei ir, então
peguei meu telefone, a frustração borbulhando na superfície.
— O que foi?
18

LIV

R isos e gritos vinham da rua abaixo. As pessoas caminhavam e


corriam nas calçadas, desfrutando de um intervalo quente que
logo seria engolido pelo frio que a cidade parecia não conseguir
afastar. Os últimos bolsões de neve se agarravam ao pavimento, tentando se
segurar a sua vida suja, quase derretendo.
Ford estava viajando de novo, percorrendo o país e agora estava em um
avião de volta para casa, o que significava que eu não ia receber uma de
suas ligações noturnas para me afastar dos meus livros antes de dormir.
Essa noite, porém, recebi outra ligação para me arrastar para longe da pilha
de exames práticos com uma corda em volta do pescoço – uma ligação de
Grant. Eu me atrapalhei com meu telefone quando a tela se iluminou. Meu
joelho saltou para cima e para baixo quando toquei no botão verde na tela.
Eu temia essa conversa e não conseguia mais me esquivar.
— Ei, Grant.
Eu belisquei a ponta do meu nariz e caminhei por todo o comprimento
do meu quarto. Não havia muito espaço para caminhar, mas teria que servir.
Não era assim que eu queria terminar minha sessão de estudo de sete horas.
— Ei, Liv. — Ele estava em um lugar lotado, as vozes se misturando e
se unindo ao fundo na trilha sonora da vida universitária. — Eu sei que
você está ocupada, mas eu queria saber se você gostaria de ver um filme
nesse fim de semana.
— Não posso neste fim de semana. — Eu nunca vou poder. Só diga as
palavras. Isso o faria me odiar, e então Ford e eu realmente nunca
poderíamos acontecer – pelo menos não até a poeira baixar. Uma vez que
Grant encontrasse outra pessoa, ele ia esquecer até que já me chamou pra
sair.
— Que tal na semana que vem? — Mesmo através do telefone, eu
poderia dizer que ele estava com aquele sorriso fingindo desinteresse no
rosto. Era um conta-gotas instantâneo para muitas pessoas, mas não para
mim.
— Não é um bom momento. Os exames de fim de semestre vão
começar em breve. E eu tenho que estudar para o MCAT outra vez. — Eu
encarei a foto da praia emoldurada ao lado da minha cama. Grant tinha
vindo em um fim de semana. Nós quatro sorrimos para a câmera com o
vento batendo em meus cabelos, nossos braços em volta dos ombros um do
outro e sorrisos grandes e largos que só vinham de tempos despreocupados
como aqueles.
— Só estou te chamando pra um jantar.
— Eu sei, mas eu estou muito ocupada com as coisas. Tenho certeza de
que você está passando pela mesma coisa.
— Você não estava muito ocupada para comer com Ford. — A tristeza
se infiltrou nas palavras dele.
Eu encarei o teto. Eu estou me mantendo entre eles. Estou deixando
tudo pior. Alguém bateu na porta da frente. Olhei para fora da porta do meu
quarto e vi Marisa sair do quarto dela para atender.
— Aquilo foi só sair pra comer com um amigo.
Fechando a porta pela metade, me sentei na beira da cama.
Minha porta se abriu com um rangido e Ford ficou lá bloqueando a
maior parte da luz do corredor. Meu corpo todo ficou consciente que ele
estava ali. Eu não pude conter meu sorriso. Sua testa se enrugou e ele
entrou no quarto, fechando a porta atrás de si.
Cobri a extremidade do telefone com a mão.
— O que você está fazendo aqui?
— Eles adiantaram meu voo. Com quem você está falando? — Ele
apontou para o telefone.
Meus olhos se arregalaram e um nó se formou na minha garganta.
— Eu não sou seu amigo? — Dor irradiava da voz dele. — Eu
realmente preciso de alguém para conversar. Nós nos conhecemos desde
sempre. Compartilhei coisas com você, Liv, coisas que não compartilhei
com mais ninguém. — A voz de Grant me trouxe de volta a este problema.
Meus ombros afundaram.
— Eu sei, e é claro que você é meu amigo, um dos meus mais velhos, e
eu não gostaria de perder isso. — Eu respirei fundo. O sucesso e a
reputação de Ford sempre lançaram uma sombra sobre Grant. Estar sempre
em segundo lugar, não importa o que você faça, pode bagunçar com a
cabeça de alguém. — Eu não quero perder isso. — Corri minha mão ao
longo da minha nuca, apertando a tensão acumulada lá. — Podemos tomar
um café semana que vem, depois da minha aula de terça-feira? Tem um
lugar no seu campus. Podemos nos encontrar no meio do caminho?
— Excelente. Você só precisa me enviar uma mensagem quando e onde
eu estarei lá.
Encerrei a ligação e coloquei o telefone na cama.
— Você acabou de marcar um encontro com meu irmão?
Erguendo a cabeça, olhei para Ford. Ele enfiou as mãos nos bolsos.
— Não é um encontro. Preciso dizer a ele pessoalmente que nunca vai
existir nada de romântico entre nós, explicar pra ele que somos melhores
como amigos. Eu devia ter dito isso antes mesmo de concordar com aquele
primeiro encontro.
A cama afundou ao meu lado enquanto Ford se sentava. Suas pernas
faziam as minhas parecerem pequenas.
— Você estava distraída... chateada e machucada. — Os lábios dele se
apertaram.
— Não é desculpa para arrastar outra pessoa para isso, e seu irmão… —
Eu coloquei minha cabeça em minhas mãos.
As mãos fortes de Ford massagearam meus ombros. A tensão lá
lentamente cedeu sob seu toque metódico e persistente. Mordi meu lábio
para não gemer.
— Nós vamos resolver isso. Vou falar com Grant. — Ele me virou de
lado na cama e se mexeu para que eu ficasse aninhada entre suas coxas. —
Talvez eu possa ajudar ele a entender. — Ele deu um beijo na minha nuca e
meus olhos se fecharam. Outro beijo ao longo da curva do meu pescoço e
eu encostei minhas costas nele. Meu corpo pressionado contra o dele,
enviando faíscas de eletricidade através de mim. Deve ser a coisa mais fácil
que eu já fiz.
— E o Colm?
Seu corpo ficou rígido atrás de mim. Merda! Eu não deveria ter dito
isso. Já era ruim o suficiente lidar com Grant; por que eu tive que
mencionar Colm? A carga elétrica da sala mudou e ele tirou as mãos dos
meus ombros.
Se deslocando para trás, ele plantou os dois pés no chão. Agora era a
vez dele de surtar em silêncio.
— Isso vai ser mais difícil de lidar. — Ele olhou para mim com tristeza
em seus olhos.
— O que aconteceu entre vocês dois? Em um minuto vocês eram
inseparáveis e no outro tinha toda essa estranheza. — Corri minha mão ao
longo de seu antebraço. Seus músculos se contraíram sob meu toque.
Ele balançou a cabeça e olhou para o chão.
— Às vezes as coisas ficam complicadas muito rápido e você não sabe
como consertar.
— Complicadas como?
— É uma coisa que eu preciso resolver com ele primeiro. Já vem
caminhando para isso faz algum tempo.
— Ford, me diga. Seja o que for, talvez eu possa ajudar. — Eu olhei em
seus olhos e vi que eles estavam nublados com dúvidas. Correndo minha
mão por seu braço, deslizei minha outra mão sob a dele e enrosquei nossos
dedos.
Ele colocou a outra mão em cima da minha e sorriu de volta.
— Eu juro, vai ficar tudo bem. — Encostando sua testa na minha, ele
olhou nos meus olhos, abanando as brasas brilhantes da minha alma.
Meu telefone apitou, mas eu não ia deixar outra pessoa se intrometer no
nosso momento outra vez.
— Você não vai ver o que é? — Ele se inclinou para trás, quebrando o
contato.
— Eu não quero. — As interrupções vindas do meu telefone nunca
eram boas notícias. Era sempre mais uma coisa adicionada à pilha oscilante
que crescia sobre minha cabeça.
Ele pegou meu telefone da cama e me entregou. Eu encarei a
notificação na tela. Meu coração deu um salto e minha boca ficou seca. Eu
soltei suas mãos e pulei. Com minhas mãos tremendo, eu cliquei. Minha
nota no exame havia chegado: 99. Meu coração martelava no peito e meus
dedos formigavam. As luzes estão apagando ou sou eu?
Ford correu de volta para mim. Suas mãos agarraram meus ombros.
— Liv, o que há de errado?
Ele parecia tão distante. Eu estava no fundo de um poço e a água
escorria sobre mim, enchendo meu nariz e garganta. Não consegui
recuperar o fôlego e a tela nadava na frente dos meus olhos.
— Liv. — Ele me sacudiu e meu olhar disparou para o dele.
Tentei respirar com o aperto no peito. Lambendo meus lábios, levantei o
telefone e o virei para ele. Ele o agarrou e o trouxe para mais perto de seu
rosto, olhando para a tela.
Seu olhar saltou do telefone para mim e de volta para o telefone,
mantendo uma mão no meu ombro.
— Você tirou A. Essa é uma ótima pontuação. — Ele abriu seu sorriso
megawatt, que sempre parecia me tirar de qualquer depressão que eu
estivesse, mas não estava funcionando agora.
Lambi meus lábios secos.
— É sim. — Então, por que senti que precisava de uma intervenção
médica? Fiquei esperando aquele primeiro indício de que não poderia fazer
isso, de que não fui feita para a faculdade de medicina. Não seria muito
mais fácil se eu simplesmente fosse muito mal? Se eu não conseguisse
aprender as matérias e aí não passasse?
Balançando minha cabeça, peguei o telefone da mão dele.
— Eu tenho um A na turma, uma combinação perfeita com o GPA
médio de um aluno de medicina da UPenn – um 3,8. Com química orgânica
e biologia, vou ter um A. — Eu me inclinei contra a porta do meu armário,
descansando minha cabeça contra a madeira fria. — Colm vai ficar tão
feliz. Posso refazer o MCAT pra ter uma chance de aprovação ainda maior.
Eu vou ter que parar com a dança. Meu cérebro estava uma bagunça
depois de um exame prático de sete horas. De jeito nenhum eu vou ser
capaz de fazer uma coreografia, muito menos me arrastar para fora do meu
apartamento depois disso.
Toquei o aplicativo de compras no meu telefone.
— Posso conseguir alguns guias de estudo e começar a trabalhar nisso
esse fim de semana. Eu ia esperar até o final do semestre, mas preciso
começar agora. — Minha voz estava cheia de desespero misturado com
histeria. Uma enxurrada de opções de preparação para o teste MCAT
encheu meu telefone; que então foi arrancado de minhas mãos. — Devolva!
— Me estiquei atrás da tela brilhante.
— Por que parece que você está caminhando para sua própria
execução?
— Eu não estou. Estou bem. — Essa é a minha vida agora. Minha boa
nota cimentou meu futuro.
Ford viajar o tempo todo torna as coisas mais fáceis. Eu não precisava
fazer nenhuma escolha difícil. Eu vou ficar enterrada no curso pelos
próximos sete anos da minha vida. O quarto inteiro começou a piscar. Quem
está mexendo nas luzes?
— Você precisa se acalmar, Liv. — Ford agarrou meus braços e me
ergueu. — Você está respirando rápido demais.
— Colm vai ficar emocionado. — Eu vou ter que ligar pra ele para
contar, quero ouvir a emoção na voz dele. Olhei para a nossa foto em cima
da minha cômoda, eu parada ali com meu jaleco, Colm em seu uniforme de
hóquei, nossos pais ao lado dele. Foi um dos poucos jogos que eles
assistiram no primeiro ano dele.
— E você? — Ford abaixou a cabeça para chamar minha atenção.
Lambi meus lábios novamente.
— E eu? — Quem era eu sem esse plano?
— Não é assim que alguém normalmente reage a grandes notícias como
essa. Você tem se esforçado pra caralho, trabalhando muito, e parece que
alguém acabou de te dizer que o Papai Noel não é real.
— Papai Noel não é real?
Seus lábios se estreitaram em uma linha suave.
— Mesmo sabendo o que aconteceu da última vez que perguntei isso,
vou perguntar de novo: você quer ir para a faculdade de medicina? — Seus
músculos se contraíram, se preparando para minha reação.
— Você não acha que eu consiga?
— Não foi isso que eu disse. Para de procurar um motivo para evitar a
minha pergunta, e é claro que eu acho que você consegue. Você pode fazer
qualquer coisa que definir em sua mente e você provavelmente é uma das
pessoas mais determinadas que já conheci, mas deixar algo sugar sua alma,
se entregar a algo que você nem mesmo gosta – isso soa como uma
passagem só de ida para odiar sua vida.
— O que mais eu posso fazer? Este sempre foi o plano. — Minhas
costas caíram contra a porta.
— Plano de quem? Seu plano? Porque você não parece alguém que vive
de acordo com um plano feito por si mesma.
— Meus pais…
Ford interrompeu e soltou meus braços.
— Exatamente. Seus pais não deixavam as prioridades deles se
alterarem só por causa de você e do Colm.
Me inclinei, apoiando as mãos nos joelhos, sentindo como se tivesse
corrido cinco quilômetros.
— Olha só como conseguir uma nota pela qual a maioria das pessoas
mataria te fez se sentir. Como esse caminho vai te deixar feliz? Eu vi você
quando você dança, e você brilha. Cada palavra que sai da sua boca sobre
isso é como se você injetasse felicidade direto nas veias.
— Mas não posso viver da dança.
— Esse é o Colm falando. Seus pais deixaram para vocês dois mais do
que o suficiente para se virarem sozinhos, não importa o que vocês decidam
fazer.
— Como não virar médica. — Foi a primeira vez que disse essas
palavras em voz alta. Meu peito se apertou e o quarto girou ao meu redor.
Ford me segurou e me ajudou a ir para a cama.
— Deita. Deita e respira, respirações profundas e longas.
Eu me segurei nele como uma tábua de salvação em uma tempestade
violenta.
— E o Colm? — O tecido da camisa de Ford se amontoou sob o aperto
das minhas mãos.
— Não se preocupe com isso agora. Só fecha os olhos.
Um cansaço avassalador me dominou, como se eu não dormisse há
anos. Usando seu braço como travesseiro, enrosquei meus dedos nos dele e
deixei a batida de seu coração contra minhas costas quebrar a histeria
nublando minha mente.
Ele correu suas mãos para cima e para baixo em meus braços antes de
envolver minha barriga e me puxar para perto. A sensação de queda livre
desapareceu com Ford como minha âncora, e caí no sono, me deleitando
com seu calor e seu cheiro. Se eu não estivesse à beira de um colapso
nervoso, poderia ter tentado algo com ele. Afinal, estávamos finalmente em
uma cama juntos. Talvez pela manhã, eu teria mais disso, pulasse em cima
dela e o amarrasse na cama, mas até lá a segurança de seus braços era tudo
que eu precisava. Envolvida neles, eu sentia que o mundo poderia não ser
tão assustador quanto eu imaginava, tão severo e cruel quanto eu já sabia
que podia ser.
19

FORD

— I sso está beirando a obsessão. Já se passaram dois anos desde que


vocês tiveram dois encontros. — Cortei meu bife. Minha boca encheu de
água com a carne perfeitamente cozida enquanto eu tentava sentir o aroma.
Deixar Liv naquela manhã antes que ela acordasse foi uma das coisas mais
difíceis que eu já fiz. Deixei um bilhete para ela e corri para o treino,
embora tivesse pensado em aceitar a multa da equipe por faltar ao treino e
ficar na cama com ela o dia todo.
Havia mais clientes no Fish’s que o normal, não que eu viesse muito no
final de semana. Parecia mais com um dos bares badalados mais próximos
do centro da cidade do que minha jóia escondida.
— Não é como se eu não tivesse namorado ninguém desde então, mas
sempre gostei de Liv. — Grant deu uma mordida no hambúrguer,
espalhando ketchup por todo o queixo no processo.
Deixei cair minha faca no prato.
— E as coisas acabaram.
— Você acha que eu não sei disso? — Ele largou o hambúrguer e
limpou o rosto.
— Não parece.
— Eu gosto dela. Ela disse que não podíamos namorar porque o pré-
med era intenso e ela queria se dedicar à faculdade. Pelo que você disse, ela
está arrasando nos estudos, então isso nem é mais um problema. Eu não
estou namorando ninguém. Ela não está namorando ninguém. Parece que as
estrelas estão se alinhando.
— Talvez você precise dedicar mais tempo aos estudos. — Apontei uma
batata frita para ele.
Grant revirou os olhos.
— Minhas aulas estão indo bem, e você conseguiu aquele estágio pra
mim durante esse verão, pai, então está tudo encaminhado.
— Você não está se formando com honras, você sabe.
— A faculdade não é só sobre notas. É também diversão. Você saberia
disso se tivesse alguma.
Eu dei outra mordida no meu bife.
— Não esqueça do nosso acordo: se você ficar abaixo de 2.0 tem que
pagar metade da conta.
— Eu tenho um 3.0, mas obrigado pelo lembrete. — Ele olhou para
mim do outro lado da mesa. — Não preciso que você me lembre que não
sou um gênio. Confie em mim, eu sei.
— Ninguém disse que você precisa ser um gênio.
— Isso poderia ter me enganado. Não é como se eu tivesse os genes
atléticos da família. — Ele espetou o garfo nas batatas fritas. — Você não
entenderia. O mundo não coloca tudo em uma bandeja de prata para mortais
como eu.
— De onde está vindo isso? De que jeito o mundo serviu coisas em uma
bandeja de prata pra mim?
— Mamãe sempre se acabou por você. Ela viajava para seus jogos de
hóquei, pagava por todos os novos equipamentos para você toda temporada
e, depois que você começou a jogar profissionalmente, tudo se tornou
passagens aéreas, hotéis elegantes e camarotes para ela. Claro que ela ainda
queria te apoiar. Que se foda o que Grant pode estar fazendo. Ele tem uma
competição de mergulho? Talvez algum outro evento que mamãe poderia
querer comparecer? Tanto faz. Não importa. — Ele manteve o olhar no
prato.
Eu congelei com minha mão a meio caminho do meu rosto. Ele nunca
tinha ido às viagens para as quais eu convidei os dois, sempre dizendo que
estava ocupado. Eu tinha levado isso como ele não querendo sair com a
mãe e irmão mais velho.
— Por que você só está dizendo isso agora? Como eu saberia se você
não me contasse?
— Talvez você devesse saber que seu irmão pode ter coisas
acontecendo na vida dele que não giram em torno de você.
— Eu sinto muito. Eu queria que a nossa mãe pudesse aproveitar as
coisas depois de tudo que ela sacrificou por nós.
— Por você – o que ela sacrificou por você. Não precisei ser levado
para um rinque às cinco da manhã com trinta quilos de equipamento todos
os dias. Eu não a fiz ficar sem nada no Natal para que ela pudesse comprar
novos protetores e equipamentos quando você precisava substituir os
antigos.
A culpa roeu as bordas da minha mente.
— E eu estava fazendo o meu melhor para garantir que esses sacrifícios
valessem a pena.
— Talvez eu esteja cansado de tudo sempre ser sobre Ford. Você está
por todo o lado na porra do noticiario com seu "gol surpreendente", então
aparecem fotos online suas e de Liv.
— Quantas vezes eu tenho que dizer isso? Foi só um jantar. Não tem
nada acontecendo entre nós. — Eu com certeza quero mudar isso logo, no
entanto.
— Mas você gostaria que houvesse. Eu vi a maneira como você olha
para ela.
Eu abaixei minha cabeça.
— Esse é o verdadeiro motivo pelo qual ela está sempre em sua mente,
não é? — Olhando para ele, deixei cair meu garfo. — É por isso que você
está mandando mensagens e ligando o tempo todo.
— Talvez pelo menos uma vez eu gostaria que houvesse algo que eu
pudesse ter e você não, diferente de todas as outras garotas com quem
namorei. A maioria delas deixou bem claro para mim por que começaram a
falar comigo em primeiro lugar.
Por mais irritado que eu estivesse com ele, aquilo era realmente uma
merda.
— Lamento que você tenha que lidar com isso. Eu não sabia. — Por
que eu sempre levo a culpa por coisas que não sei? Embora eu soubesse que
queria Liv. Eu quero meu nome nos lábios dela quando ela gozar. Eu quero
senti-la em meus braços e lutei contra esse conhecimento enquanto olhava
nos olhos de Grant e jurava que não queria.
Ele encolheu os ombros.
— Mas agora você sabe, então chega de jantar taco tarde da noite e
outros encontros.
— O que eu faço e com quem faço não é da sua conta.
— E eu poderia dizer o mesmo. Você sabe por que eu a convidei para
sair daquela vez?
Me recostei na cadeira e cruzei os braços sobre o peito. Meu queixo
travou e eu o encarei.
— Porque eu vi como ela ficou magoada quando você estava se
agarrando com aquela garota, Angélica, no casamento de Declan. Imaginei,
caramba, talvez agora ela veja que você sempre vai estar brincando com
ela, nunca vai levar a sério, só amando essa atenção. Você ama fazer o papel
de tímido, adora todo mundo sempre te convidando pra fazer as coisas, pra
tentar te tirar da sua concha. É o maior golpe do mundo – por que mais você
jogaria em uma posição onde os holofotes estão sempre sobre você?
— Eu fico em frente a uma rede atrás de uma máscara coberto de
equipamentos. Eu não estou lá para chamar a atenção. — Me levantei da
mesa e joguei alguns dólares. — Não estou fingindo ser algo que não sou.
Ele olhou para mim com um olhar que eu nunca tinha visto antes.
Deixei o bar e saí para o ar fresco da noite. Parecia que eu tinha levado
um disco direto no peito. Descobrir que meu irmão mais novo, que eu
pensava que me admirava, na verdade se ressente de mim é algo difícil de
engolir.
Vapor parecia subir do meu corpo. Eu só estava com uma camisa
Henley, não peguei meu casaco antes de sair do apartamento, mas não quero
voltar lá agora. Minhas mãos abriam e fechavam enquanto eu caminhava, o
sangue batendo em minhas veias com tanta força que meu corpo pulsava no
ritmo acelerado do meu coração.
Mamãe sacrificou uma porrada de coisas por mim. Foi por isso que fiz
tudo que pude para agradecer a ela, mas isso o magoou. Eu nunca pensei
sobre como o holofote estar sobre mim poderia mexer com a cabeça dele.
Nenhum dos outros caras tinha irmãos. Eu era o único, quão péssimo irmão
isso me tornava?
Andei três quarteirões antes que a primeira olhada de alguém que
passava se transformasse em um pedido de uma foto. Não tinha como se
misturar. Eu estremeci internamente quando coloquei meus braços em volta
dos ombros dos fãs, mas mantive meu rosto neutro. O anonimato não estava
mais nas cartas para mim. Depois de dar alguns autógrafos e posar para
uma foto, voltei para o meu apartamento.
Chutando a porta fechada atrás de mim, pude respirar novamente. Eu
caí no sofá. Uma mensagem chegou. Se fosse de Grant, não havia nada que
pudesse me impedir de lançar meu telefone pela janela. Quando eu
desbloqueei, a tensão se dissipou.
Liv: Você acha que estou muito velha para fugir com o circo?
Eu: Você daria uma ótima domadora de leões
Eu toquei em seu nome. Ela atendeu no primeiro toque.
— Eu tinha pensado na pessoa que limpa os animais.
— Tão ruim assim, é? Como estão os estudos?
Ela gemeu.
— Eu fiz todos os exames práticos que pude fazer e tenho pontuado na
faixa de 97 por cento. Tem mais uma seção que preciso revisar antes de ir
dançar esta noite.
— Estou feliz que você não abandonou as aulas de dança. — Parecia ser
a única coisa que a mantinha sã naqueles dias difíceis de estudo.
— Eu também. Você estava certo. Às vezes parece que a faculdade e a
dança são as únicas coisas que me fazem sair do meu apartamento.
— E para comer tacos tarde da noite.
— E para comer tacos tarde da noite com jogadores de hóquei
mundialmente famosos que estão constantemente cercados por seus fãs
apaixonados.
— Mundialmente famoso é um exagero. Temporariamente, localmente
famoso seria mais apropriado.
— Não do jeito que você está jogando. — Ela fez uma pausa. — Senti
sua falta esta manhã. — Eu podia ouvir ela mordiscar o lábio.
— Senti sua falta o dia todo. Quando posso te ver? — Fazer charme
nunca foi meu forte.
— Esse fim de semana?
— Eu vôo na sexta-feira de manhã.
— Merda, eu esqueci. Quinta à noite?
— Que tal agora?
As vozes ficaram mais altas ao fundo.
— Liv, vamos lá, vamos.
— Eu não posso. — O arrependimento estava amarrado na voz dela. —
Eu disse a Marisa que ia ajudar ela a estudar para as provas de fim de
semestre. Temos um timing espetacular, como de costume.
— Nem me fale. — Eu coloquei minha cabeça no encosto do sofá. —
Vou ficar na estrada cinco dias dessa vez.
— Vou deixar o dia todo livre quando você voltar. — Silêncio pairou
entre nós. — Vou sentir sua falta.
— Vou sentir sua falta também.
— Liv, temos que ir ao laboratório.
— Estou indo — ela gritou para a colega de quarto dela. — Eu falo com
você mais tarde. Boa noite, Ford.

Os telefonemas noturnos de Liv se estendiam até a manhã seguinte


enquanto eu estava na estrada. Posso ser um atleta profissional, mas ela tem
se forçado ao máximo entre a faculdade e a dança.
A maior parte das noites termina com o ritmo suave da respiração dela
do outro lado da linha, uma respiração que ouço por um tempo
embaraçosamente longo. Se tornou a trilha sonora constante do meu sono,
seus pequenos ruídos invadindo meus sonhos enquanto eu visualizava meus
braços em volta dela, enrolados nos lençóis da minha cama.
Nas noites em que jogava, a energia tornava difícil me concentrar em
qualquer coisa que não fosse ela depois que eu saía do gelo. Ela limpava a
agenda para assistir e não estava prestes a desmaiar assim que a ligação era
desligada. Naquelas noites os gemidos e gritos dela eram os sons mais
doces que eu podia ouvir. Não era a campainha da vitória do jogo ou o
rugido da multidão; era meu nome nos lábios dela.
O som úmido dos dedos bombeando em si mesma por mim e a dolorosa
necessidade de me enterrar nela eram em partes igualmente frustrantes e
satisfatórias. Toda vez eu jurava que ia esperar até que pudesse ver ela
pessoalmente, que não ia me torturar daquele jeito, mas depois de cada jogo
eu corria para o meu quarto de hotel para fazer uma ligação.
Suado de novo, eu ficava lá com meu pau na mão, gozo na minha
barriga e as palavras obscenas e doces dela soando em meu ouvido.
— Quando você voltar amanhã à noite, preciso sentir você dentro de
mim.
— Exceto por um evento à nível de extinção, não existe nada nessa
Terra que vai me impedir. — Peguei uma toalha e me limpei. Cada reserva
que eu tinha, cada hesitação, era corroída a cada ligação.
Ela bocejou.
— Não sei porque estou tão cansada. Fiquei sentada o dia todo.
— Você está se esforçando demais. — Noite após noite, o tom cansado
na voz dela piorava. Entre nossas ligações e sua programação, ela não podia
estar dormindo mais do que quatro horas por noite. Um cara cavalheiresco
teria encerrado as ligações mais cedo e deixado que ela dormisse um pouco.
Aparentemente, o cavalheirismo estava morto e enterrado.
— Só mais alguns meses e vai ser verão. — Ela bocejou novamente.
— E depois do verão? Só vai ficar mais difícil.
Levei um tempo para perceber que ela não estava meditando sobre
minhas palavras.
— Liv? — O ritmo constante que eu conhecia tão bem veio através da
linha. — Boa noite, Liv. — Colocando o telefone no travesseiro, coloquei
minhas mãos atrás da cabeça e olhei para o teto do quarto de hotel. A noite
seguinte estava muito longe. Não havia jogo ou treino, e eu precisava ver
ela naquele momento, e foi assim que acabei amontoado em um carro com
a maioria dos Kings.
Os fones de ouvido eram o sinal de isolamento perfeito, a maneira
perfeita de evitar conversas indesejadas. Ninguém falava com você quando
estava com fones de ouvido – contanto que as pessoas ao seu redor
realmente pensem que você estava ouvindo alguma coisa.
Amaldiçoei ter mencionado a Declan, Heath e Emmett que estava
pensando em voltar mais cedo. Parecia que eu não era o único ansioso para
voltar para casa depois de um longo período na estrada, e eles invadiram
minha viagem solo de volta.
— Ele provavelmente está morando no carro, tomando banho no rinque
de treino ou no estádio. — Heath se inclinou, o cabelo loiro balançando
entre os assentos. Ele olhou para mim e sorriu.
— Talvez ele esteja morando em um camarote atrás do estádio. Sair de
carro depois dos jogos e treinos é um grande estratagema para nos
confundir. — Emmett se virou em seu assento, me dando um olhar de pena.
— Talvez seja por isso que ele é um mulherengo. Tudo o que ele quer é
um lugar quente para dormir à noite. — Declan se inclinou sobre o assento
de Emmett e olhou para mim com um olhar de cachorrinho abandonado.
Parecia que a armadilha estava pronta. Eu arranquei os fones de ouvido
das minhas orelhas.
— Tudo bem, venham ao meu apartamento. Podemos tomar alguns
drinques, farei o jantar e vocês podem finalmente ver minha casa, meu
apartamento real com quatro paredes, um telhado e móveis. — Isso os calou
pelo resto da viagem.
Com os olhos turvos, finalmente cheguei em casa.
20

LIV

A
amanhã.
extravagância da dança mensal de Sylvia se tornou um elemento
permanente no meu calendário, na primeira quinta-feira de cada
mês. Também ajudou a me distrair do fato de que vou ver Ford

Meu telefone tocou no segundo em que entrei na casa de Sylvia.


— Ei, você está indo para o aeroporto?
— Não exatamente.
Meu estômago embrulhou. Por favor, um atraso não.
— Você vai para a casa da minha mãe hoje?
— Já estou aqui. — Eu olhei pela janela na porta, rindo enquanto as
crianças pulavam do outro lado. — Eles são um bando voraz. Se eu não
chegasse aqui de manhã, provavelmente desmaiaria. Não tenho como
sustentar esse tipo de energia à tarde.
Ele deu uma risadinha.
— Acho que vou te ver lá.
— Você voltou? — Minha voz subiu três oitavas. Os batimentos
cardíacos de um beija-flor assumiram o controle.
— Eu cancelei o vôo com o time. Tenho certeza de que vou levar uma
surra por isso, mas tinha que voltar mais cedo.
— Você cancelou? — Eu me encolhi com o rangido em minha voz.
— Cancelei. Te vejo em breve.
Ele encerrou a ligação e eu me encostei na parede com o telefone
apertado contra o peito. Ele estaria ali em breve, e eu finalmente
conseguiria ver ele em carne e osso, iria finalmente poder tocá-lo, não só
imaginar o seu toque.
— Você está pronta, Liv? — A voz de Sylvia me tirou do meu devaneio
sobre todas as coisas obscenas que eu queria fazer com o filho dela.
— Sim, pronta. — Entrei na sala com crianças pulando para cima e para
baixo e gritando meu nome, pensando que essa deve ser a sensação de
entrar no rinque de gelo antes de um grande jogo.
Suada e com as bochechas doendo de tanto rir, saí da sala uma hora
depois. Ford havia passado enquanto eu ainda estava lá dentro e levou tudo
de mim para ficar focada nas crianças na minha frente e não sair correndo
da aula.
Olhando para cima e para baixo no corredor, procurei por ele.
Ele saiu da cozinha e me viu. Eu contive meu desejo de correr para ele.
— Ei. — Minha voz estava ofegante, mas não tinha nada a ver com a
correria que eu acabei de fazer.
— Parece que não sou o único que essas crianças levam à exaustão.
— Não. — As risadas e o clamor das salas ao meu redor desapareceram.
Depois de quase uma semana de conversas tarde da noite com as palavras
dele extraindo cada grama de prazer do meu corpo, tudo que eu queria fazer
era tocá-lo, tê-lo me tocando e finalmente cumprir as promessas que ele
tinha feito enquanto clamava o próprio alívio . Eu queria viver os sonhos
que tive antes mesmo de termos nosso primeiro beijo.
Ele cruzou o corredor e ergueu a mão para o lado do meu rosto.
— Vocês, crianças, gostariam de almoçar, Liv? — Sylvia gritou da
cozinha.
Ele deixou cair a mão, e os cantos de seus olhos se enrugaram, a
travessura brilhando forte e atrevida. Seus ombros tremeram e ele baixou a
cabeça, dando um passo para trás.
Eu balancei os meus e pressionei as pontas dos meus dedos na minha
boca para conter o riso. Toda maldita vez. Juro que vamos ter que encontrar
um abrigo em algum lugar e ficar lá até eu não conseguir mais andar. Será
que existe o equivalente de bolas azuis para mulheres? Porque eu estou com
um par, que ótimo. As opções eram rir do jogo que o universo estava
jogando ou chorar de frustração.
— Aí estão vocês. — Sylvia saiu da cozinha enxugando as mãos na
toalha. — Alguém com fome?
— BLTs? — Minha voz soou muito mais esperançosa do que eu
pretendia. Ela provavelmente achava que eu ficava por ali só pra conseguir
comida.
— Chegou perto. Sanduíches de bacon duplo. — As portas de todas as
salas se abriram e as turmas de crianças saíram pela porta no final do
corredor para o parquinho nos fundos.
— Você está falando minha língua, Sylvia. — Deixando meu corpo
roçar no de Ford enquanto eu passava, eu a segui até a cozinha.
Sentamos no balcão, nossos bancos distantes o suficiente, mas de vez
em quando eu estendia minha perna e a corria ao longo da panturrilha dele.
Ele soltou a mão do balcão e esticou abaixo dele para apertar minha coxa.
Seus dedos dançaram ao longo da meia-calça que eu usava, e meu corpo
aqueceu sob seu toque. Vingança era uma merda.
Cinco minutos, ele murmurou quando Sylvia estava de costas.
— Ford, você pode verificar a sala do planetário? Eu não queria subir a
escada, mas algumas estrelas caíram e não está parecendo muito celestial.
Ele puxou a mão de volta quando ela se virou.
— Claro, vou fazer isso agora. — Ele girou na cadeira, escorregando do
assento. Com uma protuberância perceptível em sua calça jeans, ele se
esquivou para fora da sala.
— Obrigada, querido. — Ela colocou os pratos na máquina de lavar
louça.
— Eu vou me trocar. — Joguei minha bolsa no ombro e saí pela porta,
mantendo meus passos lentos e regulares. No segundo em que eu estava
fora da linha de visão da porta, Ford agarrou meu braço e me girou,
passando a mão nas minhas costas.
— Me provocar daquele jeito vai te colocar em um mundo de
problemas. — Ele agarrou minha mão e me puxou ao longo do corredor.
— Promessas, promessas — eu sussurrei atrás dele.
A energia vibrante e faminta irradiou dele. Ele estendeu a mão, girando
a maçaneta, e caímos em uma sala escura como breu. Estrelas que
brilhavam no escuro cobriam o teto e parte das paredes.
Ele deslizou seus dedos ao longo da base do meu pescoço.
— Você está me deixando louco, Liv.
Meus olhos se ajustaram à luz quase inexistente. O calor de seu aperto
em mim enviou pulsações trovejantes de prazer correndo pelo meu corpo.
— Eu poderia dizer a mesma coisa sobre você. — Corri minhas mãos
ao longo de seu peito largo e sólido. Seus músculos rígidos se contraíram
sob meu toque.
— Não era eu quem estava brincando com os pés debaixo do balcão. —
Sua cabeça abaixou e a respiração se espalhou pela curva do meu queixo,
logo abaixo da minha orelha.
Meu corpo todo arrepiou.
— Estamos sempre sendo interrompidos. Achei melhor tirar vantagem
enquanto podemos. — Envolvendo meus dedos em sua camisa, fechei a
lacuna entre nós.
A brasa se transformou em uma cascata de fogo que percorreu meu
corpo. Seus lábios caíram sobre os meus, e ele intensificou o puxão no meu
cabelo na base do pescoço.
Eu choraminguei e ele usou meus lábios entreabertos para assumir o
controle total da minha boca. Sua língua imitou a dança que suas palavras já
haviam feito para trazer aquela sensação ardente entre minhas pernas para o
primeiro plano da minha mente.
Não havia nada além das chamas que ele alimentou em meu corpo, e
não havia ninguém mais que pudesse apagar. Só havia o Ford.
Ele me empurrou contra a parede. Meu corpo preso sob o dele, coloquei
minha perna em seu quadril e o apertei mais perto, cavando meu calcanhar
em sua bunda coberta com jeans.
— Precisamos ir pra minha casa. — Ele chupou o ponto sensível no
meu pescoço. — Agora. — Dando um aperto firme na minha bunda, ele me
soltou e deu um passo para trás. Soltei minha perna da cintura dele e
assenti.
Trabalhando rapidamente, pegamos as estrelas do chão e Ford as
prendeu na parede, quase as enfiando com força na parede de gesso. Entrei
no banheiro e troquei de roupa, me juntando a ele e Sylvia na cozinha.
Devoramos nossa comida como se fosse nossa última refeição na Terra.
Sylvia me observou com a boca aberta.
— Você tem comida em casa? Posso fazer um prato para você levar.
— É que está muito gostoso. — Tentei sorrir com minhas bochechas
recheadas como um esquilo.
Ela não parecia convencida.
— Eu tenho que ir, mãe. Estou cansado da viagem. Eu não consegui
nem dirigir até aqui. — Ele a beijou na bochecha.
— Tudo bem, querido.
— E Liv, podemos dividir um táxi – que tal? — Suas palavras eram
normais e uniformes, mas seus olhos faziam promessas que meu corpo
esperava que ele cumprisse.
21

FORD

— E u devia ter pedido um enquanto a gente ainda estava lá dentro, no


calor. — Eu desci rapidamente o caminho da entrada. Liv riu atrás de mim,
tentando acompanhar. Olhando para o meu telefone, eu desejei que o ícone
do táxi piscando na minha tela se movesse muito mais rápido.
Ela deu um passo mais perto do meio-fio, e um clarão cintilante ao
longo do concreto chamou minha atenção.
Você sabia que não existe um consenso entre os cientistas sobre o que
torna o gelo escorregadio? Alguns dizem que é a pressão de alguém pisar
nele e derretê-lo instantaneamente, outros dizem que é uma fina película de
água que se acumula no topo. Considerando o tempo que eu passo no gelo,
você pode pensar que eu devia saber um pouco mais sobre ele, mas a única
coisa que sei é que dói pra caralho quando você cai.
Os braços de Liv se agitaram como um moinho de vento, seu telefone
agarrado em sua mão enquanto os pés escorregavam abaixo dela naqueles
sapatos roxo sexy.
Me esticando até ela, eu estendi meus braços para firmá-la, mas tudo
que consegui fazer foi encontrar minha própria amostra de pedaços de gelo.
Como um jogador de hóquei, gosto de pensar que consigo ser bem gracioso
em uma queda, mas tudo muda quando você está tentando não esmagar
alguém.
Me dobrando sobre ela tanto quanto possível, mudei meu peso para
aguentar a maior parte do impacto. Minhas costas bateram no chão frio e
Liv pousou bem no meu peito. A dor ricocheteou nas minhas costas e eu
sabia que deixaria um hematoma. Houve um salto e uma derrapagem,
depois silêncio. Até mesmo o chilrear dos pássaros parou para nos observar.
Eu mantive meus braços em volta dela, seu rosto enterrado no meu
peito. Houve um leve tremor que percorreu o corpo dela, e meu medo
aumentou.
— Você está machucada? Eu esmaguei você?
Ela olhou para mim com lágrimas nos olhos e um sorriso enorme no
rosto. Seus ombros tremeram e ela ofegou por ar.
— Cara, achei que você fosse mais gracioso do que isso. — Sua risada
continuou enquanto ela enxugava as lágrimas do rosto.
— Eu mereço um pouco de crédito. Quem que te salvou de cair de cara?
— Você, embora você não tenha evitado que eu mostrasse minha
calcinha para toda a vizinhança. — Ela passou as mãos nas costas do
vestido e empurrou meu peito.
Um flash de sua pele nua com meus dedos afundando em sua bunda
passou pela minha cabeça. Eu gemi com o peso de seu corpo passando
sobre o meu. Ela era feita oitenta por cento de cotovelos e joelhos?
— Ah cala a boca, bebezão. Você tem jogadores de hóquei de cem
quilos batendo em você sem parar. — Ela plantou o pé, que escorregou
novamente, e tudo se moveu em câmera lenta enquanto seu joelho descia
novamente.
Existe um momento em que você sabe que a dor está chegando e é
quase pior do que a dor real – quase.
O joelho mais pontudo de toda a humanidade fez contato direto e
inabalável com minhas bolas. A sensação nauseante de estômago
embrulhado me atingiu.
— Ah merda. — Ela saiu de cima de mim.
Fiquei ali deitado na calçada fria, orando pela morte enquanto me
enrolava em uma bola.
— Ford, meu Deus, sinto muito. — Ela ficou em cima de mim com os
punhos cerrados pressionados contra a boca, tentando sem sucesso não me
deixar ver ela rir. Estendendo a mão, ela agarrou meu braço.
Eu me inclinei contra ela enquanto ela me ajudava a levantar do chão.
Rangendo os dentes, puxei o ar para meus pulmões.
Curvado sob a cintura, eu acenei para ela.
— Estou completamente bem. — As palavras saíram como um chiado
sibilante.
— O táxi está aqui. Vamos entrar. Eu sinto muito.
— Tranquilo. Assim que eu conseguir sentir as minhas pernas nós
vamos. — Mal conseguindo ficar totalmente de pé, coloquei minhas mãos
nos quadris.
— Eu me sinto mal. — Ela ficou na minha frente, iluminada por trás
pelo sol do meio-dia, parecendo uma portadora de dor angelical. — Acho
que sou mais forte do que pareço.
Eu segurei a porta aberta, e ela deslizou pelo assento com uma
expressão preocupada no rosto, lançando olhares nervosos para mim.
Fechei a porta e o táxi se misturou ao tráfego leve da tarde.
— De verdade eu estou bem. Não vai ser a última vez que alguém vai
me acertar.
Ela olhou para mim, mordiscando o lábio.
— Sério. — Estendi a mão para lhe dar um tapinha reconfortante na
perna. Meu erro ficou claro como cristal no segundo que minha mão fez
contato com sua pele. O chiado de eletricidade que foi quebrado pela
joelhada nas minhas bolas reacendeu e pulsou entre nós.
Ela sustentou meu olhar. Sua língua saiu disparada e ela mordeu o lábio
inferior. A extensão de pele que eu empurrei para fora da minha mente até
aquele momento exato aqueceu sob meu toque. Cada célula do meu corpo
gritou: Não pare de tocar nela. Todo o ar foi sugado para fora do táxi, e os
únicos sons eram do meu batimento cardíaco trovejante e da sua respiração
acelerada.
Meu polegar traçou um caminho ao longo de sua perna e intensifiquei
meu aperto em sua coxa quando o táxi passou por um buraco. O caminho
lento do meu polegar se tornou uma carícia suave com toda a minha mão.
Não consegui interromper a conexão. Dentro desse lugar estávamos
separados do resto do mundo. Era a nossa bolha, onde tudo o que já
tentamos segurar veio correndo. O caminho do meu toque ficou mais
aberto, assim como as coxas dela. Seu vestido foi subindo mais quando ela
deixou os joelhos desmoronarem, e por conta própria, minha mão viajou
mais alto em sua perna.
O tecido rosa claro de sua calcinha apareceu por baixo da saia do
vestido. Minha calça jeans ficou desconfortavelmente apertada enquanto
meu pau latejava no ritmo do meu pulso. Foi uma má ideia começar algo
que não podíamos terminar naquele momento.
A porra da melhor pior ideia do mundo. Outra interrupção iria
acontecer, então vou aproveitar o que eu puder. Minha mão se moveu para
cima, o esfregar muito mais que um conforto, uma provocação, mas eu não
sabia para quem, eu ou ela. Sua respiração trêmula era uma trilha sonora
que eu já conhecia tão bem, mas pessoalmente era ainda mais doce.
Ela cobriu minha mão com a dela, me empurrando ainda mais perto do
ápice de suas coxas, para o prêmio coberto de tecido que me manteve
acordado até tarde da noite. Meus dedos dançaram ao longo da borda da
renda enquanto eu cambaleava para frente, quase batendo na divisória de
acrílico.
22

LIV

E u nunca quis tanto estrangular alguém. Os dedos de Ford eram


como um fantasma através do tecido esticado sobre meu centro
úmido, e o motorista parou com um guinchado. Foi a freada de táxi
mais brusca da história. Ele podia pelo menos ter circulado o quarteirão.
Sério, ajude uma garota aqui, cara.
Corremos para o saguão do prédio dele. O aperto de Ford se intensificou
em volta da minha mão e seguimos em linha reta para o elevador.
— Aí está você. — Vozes altas e familiares nos tiraram de nossa neblina
de embriaguez nas preliminares.
Nós soltamos nossas mãos como se elas tivessem pegado fogo e nos
viramos.
— Ei, Liv! — Mak me abraçou. Não que eu não a amasse, mas por que
caralho eles estavam lá?
— Eu sei que chegamos bem cedo. — Declan sorriu.
Se eu pudesse, eu teria agarrado ele pelas costas do casaco e lançado
pela porta da frente. Eu queria ficar de joelhos e gritar para o céu, O que eu
fiz para você, universo? Por que dificultar tanto assim um pau?
As narinas de Ford se dilataram e ele cerrou os braços ao lado do corpo.
Pelo menos eu não era a única sofrendo. Deixe a tortura começar.
— Eu notei. Felizmente, nós também. Liv estava com minha mãe e
queria vir também.
O olhar de todos se voltou para mim. Minhas bochechas fizeram a
melhor imitação de tomate possível.
— Então, o que tem para o jantar? — Emmett se sentou no braço das
espreguiçadeiras de couro no saguão com Avery em seu colo.
Os olhos de Ford se arregalaram e ele cerrou os dentes, respirando
fundo.
— Hambúrgueres e bourbon?
— Isso aí!
— Parece bom para mim.
— Eu sabia que você tinha esquecido.
Parecia que o grupo estava de acordo que este era um plano excelente.
— Eu só preciso atravessar a rua correndo pra pegar. Eu volto já. Aqui
está a chave da minha casa. Nono andar. Liv sabe o caminho. — Ele jogou
as chaves e elas pousaram em minhas mãos quando ele saiu correndo pelas
portas de vidro. Eu lentamente girei nos calcanhares com um sorriso tímido.
Mais uma vez, os olhos de todos estavam em mim.
— Ele me resgatou depois de uma festa e me trouxe pra cá porque
talvez eu estivesse um pouco bêbada. — Eu levantei meu polegar e o dedo
indicador ligeiramente separados.
Todos nós entramos no elevador e subimos para o apartamento de Ford.
— Não se preocupe Liv, todos nós já passamos por isso – alguns de nós
mais recentemente do que outros. — Declan sorriu para Mak, que empurrou
o ombro dele.
Não era exatamente assim que eu imaginava que seria minha nova visita
na casa de Ford. Eu imaginei que seria mais um borrão nebuloso, um
emaranhado de membros, e certamente não contava com o esquadrão de
Kings junto.
Eu destranquei a porta e a segurei enquanto todos entravam.
As garotas se reuniram em torno do arranjo do bar enquanto os caras
tiravam dos pacotes um pouco da comida que trouxeram e vasculhavam o
apartamento.
— A expedição acaba de se encontrar em uma rara posição. — Heath
narrou com um microfone imaginário enquanto andava na ponta dos pés
pelo apartamento. — Eles estão vendo o habitat natural do esquivo goleiro
dos Kings. Muito poucos exploradores tiveram um vislumbre de seu
território, muito menos foram convidados para dentro de sua toca. — Ele
puxou a porta de um armário e saltou em uma posição de luta como se ele
imaginasse que um tigre selvagem poderia pular sobre ele. — Por que
diabos ele tem tantos jogos de tabuleiro se nunca convida ninguém? — Ele
puxou uma pilha de cinco jogos clássicos. — Ou ele está nos traindo? — Os
olhos de Heath se arregalaram e ele cheirou os jogos como se fosse capaz
de sentir o cheiro de outros amigos invadindo a relva dos Kings. — Ele tem
convidado outras pessoas para jogar sem nós? Tem saído para beber com
elas? — Ele largou os jogos na mesa. — Como ele ousa?
A porta da frente se abriu de repente e Ford a fechou com suor
escorrendo pelo rosto.
— Os hambúrgueres estarão aqui em meia hora.
Invadindo a área do bar em sua cozinha, fiz algumas bebidas para todos.
Os hambúrgueres chegaram com uma batida forte na porta. Um cara suado
com uma expressão desinteressada no rosto entregou a sacola gigante de
comida e Ford deu a ele um enorme maço de notas.
Ajudei Ford a desempacotar tudo e colocar nos pratos. Na cozinha,
trabalhamos juntos, cada roçar, cada toque me levava de volta para o táxi,
de volta para onde suas mãos estavam e onde eu as queria novamente.
Eu tinha que ficar me lembrando de não deixar meu olhar demorar
muito, de não estender a mão e tocá-lo como eu queria.
Com a barriga cheia, todos bebericavam as bebidas, incluindo as
mimosas de amora e laranja que preparei para a sobremesa. Quem disse que
as mimosas são só para o brunch?
— Vocês dois são quase a mesma pessoa. Isso não é justo. — Declan
jogou suas peças de Palavras-Cruzadas na mesa se afastou em desgosto.
— Está tudo bem; você é melhor do que eu. Eu só tenho trinta pontos.
— Mak riu e baixou suas últimas peças: E e U. Ela deu de ombros. — Eu
tentei, e estou muito orgulhosa dos meus trinta pontos.
— Você tá acabando comigo, Livros. Você devia estar limpar o chão
com esses dois. — Declan passou os braços em volta da cintura dela e a
abraçou.
— Se estamos falando de fazer suturas com fios de costura para fechar
uma ferida, sou sua garota, mas Palavras-Cruzadas... Vou deixar isso para
os profissionais. — Mak levou os pratos deles para a cozinha.
As duas últimas jogadas eram minhas e de Ford. Eu tinha 438 pontos.
Ele tinha 442.
Seu olhar saltou do tabuleiro do jogo para as peças à sua frente. Ele
passou a mão pela testa antes de apertar as têmporas. A concentração
intensa ficava sexy nele. Ele não era um competidor digno só em Palavras-
Cruzadas online.
Eu reorganizei minhas peças no meu suporte e me sentei ereta enquanto
os deuses das Palavras-Cruzadas sorriam para mim. Batendo duas peças na
mesa, olhei ao redor da sala. Barrigas cheias, boas bebidas e ótimos amigos
– isso era o que eu sempre quis. Coloquei duas das minhas peças de volta
no suporte e abaixei o resto: R-A-I-V-A, deixando o Q-U ainda no meu
suporte.
— Competidores ferozes estão travando uma batalha pelo domínio. —
Heath voltou ao modo de comentarista.
Emmett e Avery já haviam saído do jogo há muito tempo. Ele estava a
um segundo de re-consumar o noivado quando ela o usou como sua
poltrona reclinável pessoal. Aquele anel dela quase me cegou do outro lado
da sala. Eu ainda não conseguia acreditar que ele comprou aquilo no ensino
médio. Colm nunca foi tão imprudente com o dinheiro que nossos pais
deixaram para trás, mas acho que as pessoas fazem coisas malucas quando
estão apaixonadas.
Ford ergueu uma sobrancelha na minha direção e colocou uma palavra
no tabuleiro: P-R-E-S-A.
Heath pegou o bloco de notas e rabiscou as pontuações.
— Temos um vencedor. — Ele caminhou para o lado da mesa entre nós
e se inclinou para uma pausa dramática. Cobrindo nossas mãos com as dele,
ele ergueu a de Ford no ar. — O campeão continua invicto.
O olhar de Ford disparou para o meu e meu coração acelerou.
Com o primeiro bocejo de Avery, Emmett falou.
— Nós vamos te deixar em paz. — Emmett se levantou, trazendo Avery
com ele. Ela empurrou contra o peito dele até que ele a soltou. — Obrigado
por nos receber.
Todos os casais pegaram seus casacos.
— Vamos fazer isso de novo algum dia — disse Ford, recolhendo a
louça do apartamento.
— Não se preocupe, cara. Agora que sabemos onde você mora, não
vamos sair do seu pé. — Declan deu um tapinha nas costas dele.
— Especialmente com hambúrgueres tão bons logo ali na esquina. —
Kara colocou a mão ao lado da boca, evitando Heath. — Eu acho que eles
são ainda melhores do que os dele. — Ela apontou o dedo na direção de
Heath.
— Eu ouvi isso. — Heath abriu caminho em nossa direção. — Da
próxima vez, vamos competir.
Ford sorriu.
— Estou ansioso por isso.
— Liv, você precisa de uma carona? — Mak abotoou o casaco. Todos
os outros estavam na porta.
— Não, está tudo bem. Vou para a casa de um amigo no caminho de
casa. É logo virando a esquina, então posso ajudar o Ford a limpar e depois
sair daqui. — Eu esperava que soasse convincente.
Todos se abraçaram e saíram. O silêncio no apartamento estava mais
alto do que quando todos estavam lá.
— Você está pronta para uma revanche? — O timbre profundo de Ford
fez cócegas na minha orelha e um arrepio percorreu meu corpo. Seu peito
pressionou contra minhas costas, e o calor de seu corpo acendeu o meu. —
Não se segure dessa vez. Eu vi as peças que você guardou. Não vou aceitar
uma vitória por pena. — Ele colocou o cabelo atrás da minha orelha e deu
um beijo rápido na curva do meu pescoço.
Eu não pude conter meu sorriso. Ah, isso vai ser divertido.
23

FORD

— V ocê sabe que está tecnicamente quebrando a lei, não sabe? — Ela
balançou o copo para mim, o gelo tilintando contra a lateral do vidro. Eu
estava a segundos de escalar a mesa e arrancar a calcinha do corpo dela.
Desde o segundo em que descemos do táxi, isso estava fadado a
acontecer. Não havia nada no mundo que me impediria. Isso não significa
que eu não sabia que vinha com suas complicações, mas naquele momento
não me importei com elas. Tudo o que me importava era ouvir meu nome
nos lábios de Liv enquanto ela gritava o prazer que estava sentindo em
meus dedos, na minha língua, no meu pau.
— Como se você não tivesse um bar cheio em seu apartamento.
— Verdade. Então, por que você pegou esta garrafa depois que todos os
outros foram embora?
— Esta é uma garrafa de bourbon de vinte e cinco anos. — Era uma
coisa linda, feita para ocasiões especiais.
— Mesma idade que você. E mais velha do que eu. — Ela ergueu uma
sobrancelha como um desafio, para ver se eu desistiria outra vez.
— Esse merece ser saboreado.
Virando o copo para trás, ela bebeu como eu tinha mostrado. Ela deixou
os sabores se estabelecerem em sua língua, sua expressão mudando quanto
mais ela o segurava em sua boca.
— Tem uma queimação suave. Existem muitas camadas nisso. Eu posso
ver por que você gosta.
— Pare de enrolar – é a sua vez. — Eu levantei meu queixo em direção
ao tabuleiro do jogo.
Com o sorriso mais largo de todos, ela abaixou as peças. B-E-Z-I-Q-U-
E.
— Que porra é um bezique?
— Não faço ideia, mas sei que é uma palavra matadora e obtém uma
pontuação de palavras triplas.
— De jeito nenhum. Me dá aquele dicionário. — Estiquei a mão para o
livro grosso do lado dela na mesa.
Ela deu um pulo, segurando contra o peito.
— Você não confia em mim? — ela provocou.
— Não quando se trata de Palavras-Cruzadas. Passa para cá. — Eu me
levantei da cadeira e ela pulou para trás. — Me dá. — Fiz um gesto para ela
me entregar.
— Acho que não. — Ela se virou e saiu correndo. — É uma palavra.
Aceite sua derrota com elegância.
Meu apartamento era um loft, então não havia muitos lugares para onde
ela pudesse correr. Ela correu para o canto da sala de estar de plano aberto
onde o tijolo encontrava a parede de gesso, refinado encontrando o rústico.
Com o dicionário enrolado em seus braços, ela se inclinou para o canto
como se fosse capaz de manter ele longe de mim.
Vindo por trás, passei meus braços ao redor dela e agarrei o livro que
segurava em suas mãos. Meu corpo pressionou contra ela, e nossas risadas
encheram a sala.
— Só me dê e aceite uma derrota honrosa. — Estendi a mão em torno
dela, as costas da minha mão raspando contra o tijolo.
— Não vai acontecer. É uma palavra! — Ela empurrou a bunda para
trás e tentou abrir o dicionário.
Duas coisas aconteceram quando ela fez isso. Minha mão caiu de seu
braço e bateu em sua perna – sua perna nua – e a parte de seu corpo
pressionada contra mim entrou em foco . Sua bunda, naquela saia, estava
bem contra mim.
Meus dedos deslizaram logo abaixo da bainha de sua saia. Eu apertei
sua coxa e sua cabeça caiu para trás contra meu peito. O fogo que eu
apaguei enquanto todos estavam aqui voltou rugindo como se tivéssemos
apertado o botão de soneca e finalmente estivéssemos prontos para acordar.
Eu me aproximei, prensando ela entre mim e a parede. Eu levantei sua
saia, meus dedos avançando mais alto em suas coxas. Corri meus lábios ao
longo da sua nuca exposta. Arrepios cobriram a pele dela e sua respiração
parou quando meus dedos roçaram o tecido que cobria sua boceta.
O calor que irradiava de seu corpo estava nas alturas. Meu pau
engrossou e eu reprimi um gemido quando ela se apertou contra mim.
Empurrando minha mão mais alto, cobri a única coisa que estava entre
mim e o pedaço dela que eu tentei resistir. Suas pernas se separaram. O
clunc do dicionário de Palavras-Cruzadas caindo no chão não fez nada para
me deter.
Meus dedos dançaram ao longo dos lábios de sua boceta, lentamente
ficando molhados através do tecido de sua calcinha. Seus quadris
balançavam contra mim em um ritmo suave, e eu queria estar mais perto.
Corri meus lábios ao longo da sua pele, e seus gemidos aumentaram
ainda mais minha necessidade de estar dentro dela. Eu estava indo com
tudo. Eu precisava ter ela toda – essa noite.
24

LIV

E u estava suspensa, presa entre a sólida parede de tijolos e a força


imóvel de Ford atrás de mim. O peso de seu desejo estava
desabando sobre mim, ameaçando me deixar de joelhos, mas não
fiquei porque ele estava lá. Ele estava me segurando enquanto ainda me
dava mais do que eu podia aguentar.
No momento em que seus dedos roçaram o topo do elástico, me
preparei para ele parar, hesitar. Eu cerrei meus punhos contra a parede para
me impedir de colocar a mão dele onde eu queria, mas pela primeira vez ele
não parou. A necessidade latejante ameaçou me consumir. Um alívio agudo
e maravilhoso tomou conta de mim quando seus dedos mergulharam dentro
de mim. Quando ele separou minhas dobras escorregadias, o som da minha
excitação foi quase abafado pela minha respiração superficial.
Ele gemeu e dois de seus dedos afundaram mais profundamente, me
esticando e me provocando. O peso de seu pau pressionado contra minha
bunda. Eu queria ainda mais dele. Esta era uma dança que estávamos
fazendo há muito tempo, e a única maneira de terminar era com ele me
esticando como só ele poderia.
— Você está tão molhada. — As palavras dele eram cruas e primitivas,
como se um interruptor dentro dele tivesse sido acionado. Era um lado de
Ford que eu nunca tinha visto antes. Eu tinha ouvido uma sugestão disso no
telefone, mas foi apenas uma amostra. Eu ansiava por mais.
Lambi meus lábios.
— Eu estou sempre assim perto de você.
Ele gemeu quando seus dentes afundaram no meu ombro, não forte o
suficiente para deixar mais do que uma marca leve, mas o suficiente. Um
arrepio percorreu meu corpo. Minha boceta apertou em torno de seus dedos
invasores. Saqueando o controle que eu tinha sobre meu corpo trêmulo, ele
acrescentou outro dedo. As palavras eram uma memória distante. Eu já tive
a habilidade de falar, mas agora havia apenas gemidos e arranhões no tijolo
à minha frente. Eu gozei forte e rápido. Pontos dançaram em minha visão
enquanto todo o ar deixava meus pulmões.
A textura áspera do tijolo me deixou hiper consciente de todos os
pontos de contato, todos os pontos ásperos e lisos nele. O clímax brutal não
parou e nem seus dedos, me levando ainda mais alto do que eu pensava ser
possível. Minhas coxas se apertaram em torno de sua mão, mas ele
continuou. Eu estava dividida entre implorar por misericórdia e pedir mais
– muito mais.
— Porra, é um som lindo.
Não foi até ele dizer isso que percebi que havia outro som sobre a
minha respiração ofegante e o calor úmido entre minhas pernas revestindo
seus dedos. A tagarelice absurda saindo da minha boca enquanto sua mão
diminuía a velocidade e minha testa caia contra a parede, o tijolo áspero
raspando contra minha pele.
Não me dando tempo para me recuperar, Ford me girou. Seu olhar
percorreu meu corpo, enviando um arrepio incontrolável por mim. Minhas
pernas estavam gelatinosas sob mim, mal suportando meu peso.
Ele caiu de joelhos, levando minha calcinha encharcada com ele.
Agarrando a barra da minha camisa, ele a empurrou no meu peito, expondo
meu estômago e sutiã, que desapareceram como uma invenção da minha
imaginação. Ele correu suas bochechas ásperas pela minha barriga. Meus
mamilos endureceram e doeram com sua lenta tortura. Colocando um na
boca, ele o rolou entre os dentes, passando a língua sobre a ponta. Meu
outro mamilo recebeu o mesmo tratamento. Ondas tremulantes de prazer
me deixaram tonta, e cada mordida de seus dentes e cada golpe de sua
língua me levavam mais alto.
Ele colocou a mão no centro do meu peito para me firmar e prendeu
minhas pernas em seus ombros. Minha saia enrolada em volta da minha
cintura e eu estava completamente exposta pra ele. Minhas coxas
esfregaram contra o algodão macio de sua camiseta. Seu hálito quente
contornou minhas coxas molhadas. Cada expiração enviou outro
estremecimento através de mim.
Como ele tinha todo o tempo do mundo, ele beijou seu caminho ao
longo de minhas pernas separadas. Suas mãos seguraram e apertaram minha
bunda como a cadeira mais inadequada do mundo. Cada toque de seus
lábios o levava para mais perto do meu interior quente. Ele era o mestre da
antecipação.
Lambi meus lábios e afundei meus dedos em seus cabelos.
Ele rosnou e mordeu a parte interna da minha coxa.
Eu gritei e sibilei, e minha boceta teve um espasmo com a sensação de
vazio por dentro. Meus punhos cerraram em seu cabelo, puxando as raízes.
— Você vai gozar na minha boca. — Suas palavras arranharam minha
pele, ásperas como a parede de tijolos atrás de mim.
Era um fato, uma conclusão precipitada. Provavelmente não demoraria
mais do que uma passada da língua dele. Fechei os olhos com força,
tentando não ficar envergonhada com a reação do meu corpo a ele.
— Olhe para mim, Liv. Você precisa me dizer se for demais. — O
grunhido profundo em sua voz enviou uma faísca que percorreu meu corpo
ainda mais rápido.
Olhei para o vale dos meus seios, passando por sua mão que me
pressionava contra a parede e então para os olhos dele. A fome nadando
neles fez minha cabeça girar. Uma respiração estremecida escapou pelos
meus lábios enquanto eu prendia meus olhos no homem que eu queria
desde que conseguia entender esse tipo de coisas, então acenei.
Sua boca agarrou minha boceta. Chupando meu clitóris, ele cantarolou
um som de apreciação antes de pintar minha pele com sua língua. Ele era
um homem faminto, e eu era seu banquete.
Foi a invasão mais doce, e minhas paredes se fechavam em torno da
língua dele com uma pressão inadulterada. Foram cinco segundos, talvez
menos. Se eu fosse um cara, provavelmente ficaria envergonhada com a
rapidez com que gozei. A tensão estremecedora atormentou meu corpo e
minhas pernas tremeram.
Colocando um beijo carinhoso no meu clitóris sensível, ele massageava
minha bunda, me segurando no lugar.
— Se você continuar gozando assim, não vou conseguir parar. — Outro
golpe de sua língua naquele ponto aquecido e meus dedos do pé enrolaram.
— Eu não quero que você pare. Eu não vou ser capaz de parar de gozar.
— Minhas palavras foram um grito agudo na cauda de um orgasmo
aparentemente sem fim provocado por mais um movimento suave de sua
língua.
Então eu estava flutuando, não apenas metaforicamente, mas de forma
literal, enquanto ele me carregava em seus braços, nos movendo através da
sala até o quarto.
Ele gentilmente me colocou no edredom macio em sua cama. Sentei e
tentei recuperar o fôlego. Olhando para as vigas expostas, respirei fundo,
estremecendo. Cada tilintar da fivela de seu cinto me dava água na boca.
Ele já tinha me dado mais orgasmos em uma hora do que eu tive em muito
tempo; retribuir o favor era o mínimo que eu podia fazer. Fiquei de joelhos
e estendi a mão para ele.
Ele deu um passo para trás, evitando meu toque.
— Não, ainda não. Não se mova. — Ele me prendeu com seu olhar.
Me sentei sobre os meus calcanhares com fome, esperando
impacientemente que ele viesse até mim, precisando finalmente sentir ele
dentro de mim, dentro da minha boca, dentro da minha boceta. O incômodo
entre minhas coxas só podia ser saciado por ele.
Ele tirou a calça jeans e a boxer. Sua ereção grossa bateu contra o seu
estômago quando finalmente se libertou.
Me aproximei mais da beira da cama. Ele fez um som de desaprovação.
— Liv. — O aviso em sua voz enviou um zumbido direto ao meu
clitóris. Arrepios explodiram em mim. — Não faça isso. — O comando em
sua voz não podia ser desconsiderado.
Um arrepio de prazer percorreu minha espinha. Eu concordei. As
palavras fugiram da minha cabeça.
Pegando seu pau com uma mão, ele deslizou a outra pelas minhas
pernas, desenrolando e agarrando meu tornozelo. A cama afundou quando
seu joelho bateu na cama.
— Você me levou ao meu limite com sua provocação. — Ele tirou
minha saia e estendeu a mão para pegar uma mecha do meu cabelo entre os
dedos. As costas de sua mão deslizaram ao longo da minha clavícula
enquanto ele a traçava até a ponta do meu cabelo.
— Tempos desesperados requerem medidas desesperadas. — Mordi
meu lábio inferior.
— Você tem alguma ideia… — Ele balançou a cabeça. — Isso pode…
— Um lampejo de dúvida refletiu nos seus olhos.
Pressionei meus dedos contra os lábios dele.
— Isso – eu preciso disso. Eu preciso de você. Por favor. — Lá estava
eu implorando para ele me foder e não estava nem com vergonha. Eu
poderia sair da minha própria pele em breve se não conseguisse senti-lo.
— Ford. — Inclinando minha cabeça para cima, escalei o espaço entre
nós. As faíscas ardentes de eletricidade me dominaram. Seu domínio sobre
mim afrouxou enquanto ele devorava minha boca. Seus lábios eram
exigentes, tirando cada respiração de mim como se não houvesse mais nada
que pudesse mantê-lo ativo. Meu corpo estava à beira de outra explosão.
Suas mãos correram ao longo do lado do meu rosto e subiram no meu
cabelo. Eu engasguei e abri mais minha boca com o puxão afiado de seus
dedos em meu cabelo. Me mexendo, me inclinei para ele, pronta para
devorá-lo naquele momento. Ele tinha gosto de toda bebida doce que subia
direto para sua cabeça.
Ele puxou sua camiseta apertada esticada sobre seu peito musculoso.
— Você queria me ver, Liv. Aqui estou. — Ele estendeu os braços ao
lado do corpo, se exibindo. Seu corpo em toda a sua glória musculosa em
exibição para que eu mergulhasse nele. O show acabou muito rápido, mas
foi esquecido quando ele caiu sobre mim. O peso dele se estabeleceu entre
as minhas pernas, seus quadris espalhando minhas coxas, me abrindo para
ele.
Eu encarei o espaço entre nós. Ele deslizou seu pau ao longo da minha
abertura encharcada, provocando e me atormentando com seu controle.
Estremeci e agarrei os lençóis debaixo de mim.
Cavando em suas calças descartadas, ele colocou uma camisinha. Se eu
pudesse, eu o teria virado e me empalado em seu membro sempre crescente.
Ele ergueu a cabeça e chamou minha atenção.
— Segure em mim.
Passei meus braços em volta do pescoço dele e ele me segurou perto.
Seus braços envolveram minhas costas. Eu o inspirei com o nariz
pressionado contra seu pescoço. Meu coração bateu forte contra o meu
peito enquanto ele se guiava para dentro de mim sem suas mãos, nossos
quadris e pernas se encaixando perfeitamente.
Eu intensifiquei meu aperto quando ele me abriu. O ar em meus
pulmões sumiu enquanto a cabeça de seu pau me esticava até o meu limite.
Ele afundou em mim como uma força implacável me empurrando para mais
perto da borda a cada centímetro, nos unindo.
— Você é muito doce, Liv.
Eu queria responder, mas não tinha palavras. Apenas gemidos lambiam
seu ombro enquanto eu segurava, com medo de quebrar em um milhão de
pedaços se eu o soltasse.
Ele foi até o fundo, iluminando partes minha que só eu fui capaz de
encontrar.
Erguendo a cabeça, ele olhou nos meus olhos.
— Você está bem? — A preocupação o fez franzir a testa.
Eu assenti enquanto minha cabeça caiu para trás, saboreando as
investidas suaves de seus quadris.
— Me deixa ouvir as palavras, Liv.
Seu tom me tirou do meu torpor e eu lambi meus lábios secos.
— Sim, estou bem.
Então a suavidade se foi, voou direto para fora da janela. Seus quadris
bombeavam em estocadas fortes. Era diferente de tudo que eu já senti. Cada
parte minha estava sendo iluminada por ele de uma vez. Cada empurrada
enviava prazer pela minha carne inchada, extraindo as sensações até que
elas rolaram juntas em uma onda em cascata que roubou meu fôlego.
O alívio foi como nada que eu já tenha experimentado. Um clímax
brutal me rasgou, lágrimas agudas e avassaladoras encheram meus olhos.
Meu grito ficou suspenso na minha garganta. Corri minhas unhas por suas
costas, arranhando sua pele. Foi uma sensação de felicidade embalada e
apresentada a mim em uma bandeja, uma bandeja tão pesada que eu mal
conseguia respirar.
Eu respirei fundo e liberei meus braços ao redor dele. Eu era um peso
morto, mas a força motriz dele continuou. Me virando de bruços, ele ergueu
meus quadris. Gemi e tentei ajudar tanto quanto alguém com ossos feitos de
gelatina poderia.
Seus dedos cravaram em minha pele, apertando enquanto seus quadris
batiam em mim. Seu pau se expandiu, me esticando ao máximo. A pulsação
de sua ereção me deixou oscilando à beira de um blecaute. Ford rugiu
quando gozou, me segurando apertado contra ele enquanto gozava no látex
entre nós. Seu peso se acomodou nas minhas costas antes que ele nos
rolasse de lado.
Eu ainda estava voltando da minha missão para o espaço quando ele
saiu, o ar fresco da sala esfriando a carne superaquecida entre minhas
pernas. Eu poderia ter desmaiado e não acordado por um mês. A cama
afundou, e então ele estava ao meu redor, pressionado contra minhas costas,
seus braços me segurando. Ele murmurou no meu cabelo.
Seu toque suave afastou o cabelo grudado no meu rosto. Ele me girou.
— Liv… — Suas palavras morreram em sua garganta. Seu pomo de
Adão balançou para cima e para baixo.
— Não faça isso. Deixa a gente ter essa noite. Se não puder me dar mais
nada, me dê isso.
Ele acenou com a cabeça e agarrou os cobertores, arrastando sobre nós.
Suspirei quando ele envolveu seus braços com mais força em volta de mim.
Eu me aconcheguei mais profundamente em seu peito e afastei as dúvidas
persistentes que tentavam abrir caminho em minha cabeça.
Eu lidaria com elas no dia seguinte. Eu mostraria a Ford que isso
poderia funcionar. Depois do que acabamos de ter juntos, como ele poderia
negar? Me negar?
25

FORD

H avia cabelo roçando em mim, fazendo cócegas na minha pele, um


leve peso repousando no meu braço. Tudo voltou para mim de
uma vez. Eu abri meus olhos e sorri. O aperto no meu peito com o
qual eu acordei tantas vezes não estava lá. O brilho de Liv me cercou, e sua
respiração suave e uniforme me fez querer nunca mais sair da cama.
Enterrei meu rosto em seu cabelo e a inspirei.
Eu deslizei para fora da cama e peguei minhas calças. Liv rolou,
apertando o travesseiro contra o peito. Os lençóis escorregaram, expondo
suas costas e o arco suave de seu quadril. A cama quente e suas curvas
deliciosas me chamavam. Eu balancei minha cabeça.
Minha geladeira era uma vergonha depois de estar na estrada por tanto
tempo. Eu precisava pegar algo para comermos antes que ela acordasse.
Descendo as escadas correndo para a sala de estar o mais silenciosamente
que pude, localizei meu telefone. Peguei do balcão e verifiquei a hora.
Desde a oitava série eu estava programado para acordar ao amanhecer para
treinar e mesmo depois de todo esse tempo eu ainda não havia largado o
hábito.
Peguei um pedaço de papel e rabisquei uma nota antes de fazer meu
caminho de volta silenciosamente para o quarto. Correndo as costas dos
meus dedos em sua bochecha, coloquei meu bilhete no travesseiro ao lado
dela. Abotoei minha calça jeans e peguei minhas chaves do balcão.
Ser reconhecido nunca esteve na lista de coisas de que gostei. Mas
agora? Eu definitivamente não queria encontrar fãs com uma Liv quentinha
esperando na minha cama. Olhando para fora das minhas enormes janelas,
me estiquei enquanto o sol da manhã aparecia no horizonte da cidade.
Depois de calçar os sapatos, entrei no corredor e saí do prédio.
Haviam poucos lugares ao redor do quarteirão que abriam tão cedo.
Com um saco de rosquinhas recém-assadas, três tipos de cream cheese, café
e suco de laranja, voltei para o apartamento. Meu telefone tocou no meu
bolso. Equilibrando os copos e a sacola em uma das mãos, tirei com a outra.
— E aí cara. — A voz que eu temia explodiu do outro lado da linha alto
demais, suas palavras arrastadas.
— Ei, Colm. — Parei na esquina da rua. Alguns caminhões de entrega
pontilhavam a rua.
— Você está fazendo alguma coisa? — O tilintar de gelo contra vidro
atravessou a linha e chegou até mim.
— Não. O que você precisa?
— Não posso ligar para o meu amigo? — A palavra gotejava com
desdém.
— Por que você está acordado tão cedo? — Rangendo os dentes,
segurei o telefone contra meu ombro.
— Onde você está?
— Saí pra comprar café da manhã.
— Você acabou de fugir da casa de alguma garota, não é? Se
abastecendo depois de uma longa noite.
— Eu estava em casa e estou voltando para lá agora. — Verificando o
tráfego, comecei a caminhada de volta para minha casa.
— Você levou alguém ao seu apartamento? Achei que não era seu
estilo. Você não é mais o tipo de cara que fode e foge? — Havia um tom
inconfundível em sua voz.
Indo até o fim do quarteirão, parei. O que diabos está acontecendo?
— Porque você acordou tão cedo?
— Não acordei cedo – ainda não fui dormir. — Ele bebeu de seu copo
com mais um tilintar de gelo. — Não consigo dormir.
— Seu joelho não te deixa dormir? — A reabilitação estava indo bem
pelo que eu ouvi.
— Eloise caiu fora, pegou as merdas dela e foi embora algumas horas
atrás... ou talvez tenha sido ontem. Eu não lembro.
Xinguei sob minha respiração.
— Quanto você bebeu?
— Não o suficiente. Nem perto de ser suficiente. Ela decidiu que LA é
o lugar dela, quer continuar atuando, sair com um produtor, e foi isso.
Minha utilidade acabou. — Uma risada sem humor saiu da boca dele.
Eu estremeci. Seu histórico de relacionamentos não era estelar. Com
tudo a favor dele – dinheiro da família, carreira profissional e sua aparência
– ele sempre acabava com alguma interesseira. Eu sabia disso melhor do
que ninguém. A bile subiu pela minha garganta.
— Sinto muito, cara.
— Era de se esperar, né? Pelo menos isso acabou melhor do que da
última vez. Pelo menos ela não me deixou por você.
Eu fiz uma careta.
— Não foi assim. Eu nunca teria tentado algo com Felicity, nunca em
um milhão de anos se soubesse. Não era uma competição.
— Você está certo. Você nem sabia que outra pessoa estava
concorrendo, mas ainda assim ganhou.
A história de Felicity era como uma bomba-relógio em nossa amizade,
sempre lá, cada segundo contando até a próxima explosão.
— Descanse um pouco, cara. Você está bêbado.
O tilintar agudo do gelo contra o vidro quase abafou sua risada.
— E por que diabos eu não deveria estar bêbado? Meu joelho ainda dói
pra caralho. Fui chutado outra vez por uma namorada. Minha irmã está se
escondendo de mim, e meu melhor amigo não consegue nem tirar um
tempo da programação de Marias Patins querendo foder para falar comigo.
— Você precisa dormir. — Minha mandíbula apertou. Mesmo que ele
não soubesse quem estava na minha cama, ele dizendo essas palavras nas
proximidades de Liv me fez querer bater nele.
— Onde está Olivia e por que ela não atende minhas ligações?
— Eu não sei. — Ela não disse nada sobre estar evitando ele, mas com
seus quase ataques de pânico por causa da faculdade de medicina, eu
conseguia entender.
— Você não deveria estar falando com ela? Descobrindo o que há de
errado com ela? E agora ela parou de falar comigo.
— Talvez ela não queira lidar com a sua atitude de merda.
— Talvez eu não devesse ter confiado em você para me ajudar.
Eu apertei o telefone com tanta força que meus dedos doíam.
— Se é assim que você está falando com ela, não vou culpá-la por te
evitar.
— Ela te disse alguma coisa? — Sua voz ficou mais aguda.
— Ela está bem, melhor do que bem, e a cabeça dela está muito mais no
lugar do que a sua.
— Ela ainda é uma criança. Ela é minha responsabilidade.
— Ela é adulta, uma mulher – talvez seja hora de você começar a tratar
ela como tal. — Minha voz ecoou na calçada e a mulher atrás da banca de
jornais deu um pulo.
— Desculpe.
— Não pense que não vi o jeito que você olha para ela. — As palavras
sussurradas dele gotejavam com uma ameaça silenciosa.
Meu estômago deu um nó. O Colm Bêbado provavelmente causaria
algum dano sério se soubesse que Liv estava na minha cama. Essa era uma
conversa que precisávamos ter pessoalmente, sóbrios. Eu engoli o nó na
minha garganta.
Silêncio mortal da parte dele, e então ele soltou um suspiro profundo.
— Escuta, eu sinto muito. Existem algumas linhas que nem você
cruzaria. — A raiva evaporou de sua voz em um instante. — Essa merda
com meu joelho tá mexendo comigo. Cada vez que coloco meus patins fico
assustado achando que vou torcer meu joelho de novo. Eloise me pegou de
surpresa, e agora Olivia sumiu da face da Terra. Eu não consigo lidar com
tudo isso de uma vez.
Eu fiquei em silêncio. Que porra eu devia dizer?
— Toda essa merda aqui me fez pensar sobre o que aconteceu com
Felicity. Não foi sua culpa, só é uma merda que eu tenha perdido pra
alguém que nem sabia que estava no jogo. Porra, estou tão bêbado.
Um pouco do aperto no meu peito diminuiu. Essa foi a primeira vez que
ele disse essas palavras, não foi sua culpa. E tudo isso seria apagado
quando ele descobrisse. O aperto no meu peito voltou, como vingança.
— Só durma um pouco. De manhã tudo vai estar melhor.
— Você está certo. Desculpe por te acordar. Volte para sua última
conquista e se divirta. Até mais tarde.
— Até.
Encerrei a ligação e fiquei parado no meio da calçada, a alguns
quarteirões do meu prédio, congelado como se raízes tivessem crescido da
sola dos meus sapatos. Liv estava lá em cima, gostosa e quentinha na minha
cama. Eu queria correr de volta para lá como se não tivesse acabado de
receber aquela ligação. À luz do dia com o sol nascendo no horizonte e
espiando por entre os prédios, a merda que eu tinha feito bateu em mim
com tanta força que quase me derrubou.
Eu o machuquei uma vez, mesmo sem querer, mas Liv tinha sido tudo
menos um erro. Não foi como se tivéssemos caído nisso. Eu tinha ido atrás
dela, não conseguia ter o suficiente. Talvez se tivéssemos esperado, se eu
tivesse sido capaz de adiar até consertar meu relacionamento com Colm,
então ele seria capaz de aceitar Liv e eu. Ele pode estar percebendo que eu
não era um idiota por dormir com Felicity, mas não existia jeito no inferno
dele me perdoar por dormir com Liv. Não em seu atual estado emocional.
Isso não era algo do qual eu seria capaz de voltar.
O frio cortante do inverno tinha diminuído, mas o túnel de vento entre
os prédios ainda era intenso. Eu dei os últimos passos em direção à minha
casa. Minhas mãos ainda estavam ocupadas com o café da manhã de Liv,
então abri a porta da frente do prédio com o ombro. Meu telefone vibrou
novamente e respirei fundo. Por favor, que não seja outra ligação de Colm
bêbado.
Minhas sobrancelhas franziram quando vi o nome na tela.
— Grant? — Fiquei parado no saguão do meu prédio equilibrando
minha cesta de café da manhã.
— Bom dia, irmãozão.
— Por que você está me ligando tão cedo?
— Você sempre reclama que eu não digo quando estou chegando, então
aqui está o seu aviso. Fiquei preso nesse lado da cidade ontem à noite.
— Você está vindo para a minha casa? Onde você está agora?
— Na porta da frente. To entrando.
Meu estômago embrulhou.
Avancei pelo saguão e subi dois degraus de cada vez para chegar ao
meu andar. Café quente e suco de laranja espirraram na minha mão. Não era
assim que eu queria que ele descobrisse. Droga! A porta do meu
apartamento estava fechada. Empurrando para abrir, eu derrapei até parar lá
dentro. Joguei a sacola e os copos na mesa ao lado da porta.
Grant estava parado no meio da sala de estar, Liv a poucos passos dele,
vestindo uma de minhas camisetas que ia até os joelhos dela.
Ele lentamente se virou para mim, suas narinas dilatadas e um brilho
aguado nos seus olhos. Traição queimava tão forte neles, que chamuscou
minha pele.
— Você está fodendo a Liv?
26

LIV

A porta da frente se abriu.


— Por que demorou tanto? Estou morrendo de fome. — Eu
desci as escadas e virei o corredor para a cozinha. — Um certo
alguém acabou comigo ontem à noite. — Derrapando até parar, meu corpo
ficou tenso, meu sorriso sumindo do meu rosto enquanto eu focava meus
olhos em Grant.
Ele ficou ao lado da cozinha, prestes a jogar as chaves no balcão. Elas
caíram no chão com um baque surdo. Seus olhos se arregalaram quando
pararam em mim. Seu olhar caiu para os meus pés e viajou pelo meu corpo.
Eu cruzei meus braços em volta da minha cintura, me encolhendo sobre
mim mesma. Como se isso fosse ajudar. Não havia dúvidas do por que eu
estava lá e o que tinha feito.
A porta se abriu novamente e Ford irrompeu no apartamento. Seus
olhos estavam selvagens e saltaram de mim para Grant.
— Você está fodendo a Liv? — A dor na voz de Grant machucou como
mil cortes de papel.
Abaixei minha cabeça e fechei os olhos com força. Não era assim que
ele deveria ter descoberto.
Ele se voltou para mim. As lágrimas nos olhos dele me dilaceravam.
— Você está dormindo com ele? — A voz dele falhou.
Eu abri minha boca, mas as palavras morreram na minha garganta.
— Depois de tudo que eu te disse? Depois de como ele te machucou? E
agora você está dormindo com ele?
— Simplesmente aconteceu. Não era nossa intenção. — Eu estremeci.
A mentira estava clara até para meus próprios ouvidos. Fechei a distância
entre nós, mas Grant recuou.
— Você acha que eu sou estúpido?
— Grant, se acalme. Podemos resolver isso. — Ford deu um passo à
frente na sala.
— Resolver o quê? — Grant se virou, apontando o dedo na direção de
Ford. — Você sabia o que eu sentia por ela. Eu te disse e você ainda fez
isso.
— Não fizemos isso para machucar você. — Ford se aproximou com as
palmas para cima.
— Nós? Vocês são um nós agora? Há quanto tempo isso vem
acontecendo? Há quanto tempo vocês dois estão rindo pelas minhas costas
enquanto eu venho até você pedir conselhos? — As palavras de Grant
ricocheteavam nas vigas. Seu peito subia e descia, e suas mãos abriam e
fechavam em punhos ao lado do corpo.
— Eu nunca faria isso. — Os olhos de Ford imploraram a ele.
— Há muitas coisas que eu pensei que você nunca faria. — Grant virou
a cabeça e olhou direto para mim.
Meu estômago deu um nó, e eu fiquei ali desejando poder desaparecer
em uma nuvem de fumaça.
— Eu nunca quis te machucar. Eu... o que você compartilhou comigo –
eu nunca ri de você. Nunca foi assim. Eu sei como é difícil crescer com
alguém como eles. — Eu balancei a cabeça em direção a Ford.
— E daí? Isso não te impediu de ir pra cama com ele. — Ele piscou
para conter as lágrimas.
Meus ombros cederam.
— Vamos conversar sobre isso. — Ford colocou a mão no ombro de
Grant.
Ele encolheu os ombros.
— O que tem pra falar? Mais uma vez, você provou que sou o segundo
melhor e sempre serei. — Ele baixou a cabeça e olhou para mim. A dor em
seus olhos bateu no meu estômago. As coisas nunca deveriam ser assim.
— Eu sinto muito. — As palavras ficaram presas na minha garganta.
Os músculos de seu pescoço se contraíram e ele olhou de mim para
Ford. Balançando a cabeça, ele saiu correndo do apartamento.
Eu pulei com o bang ensurdecedor quando a porta bateu com tanta força
que se abriu de novo. As luzes suspensas no teto tremeram e balançaram
com a força de sua saída.
Envolvendo meus braços em volta de mim, peguei minhas roupas, que
estavam espalhadas pelo apartamento, e as segurei contra o peito. Ford
ficou olhando para a porta em um silêncio atordoado.
Lágrimas encheram meus olhos e limpei o nariz com as costas da mão.
Nunca quisemos machucar ninguém. Eu entrei no quarto e joguei minha
camisa pela cabeça. Meus dedos tremeram quando abotoei minha saia.
Sentando na cama onde acordei mais feliz do que nunca, coloquei minha
cabeça em minhas mãos.
O colchão afundou ao meu lado. Eu levantei minha cabeça e olhei para
as longas pernas de Ford ao meu lado. Ele correu as mãos para cima e para
baixo nas coxas. O que Grant havia confidenciado a mim deveria ter sido o
suficiente para eu impedir o que havia acontecido com Ford. Eu ainda tinha
feito isso. Que tipo de pessoa de merda isso me tornava? Tudo em que eu
estava focada era em Ford e eu, o quanto eu o queria, o quão bom seria.
— Ele está sofrendo. — Eu funguei.
Ford concordou.
— Eu sinto muito. — Minhas palavras saíram finas e esganiçadas.
Ele ergueu a cabeça.
— Para de dizer isso. É minha culpa.
Eu soltei um longo suspiro para tentar me segurar.
— É nossa culpa, então. — Calçando meus sapatos, olhei para o teto.
Com as pernas trêmulas, me levantei da cama. Passei por Ford e sua mão
disparou, envolvendo em volta do meu braço.
— Liv, não vá. — Sua mão deslizou para baixo e ele passou o polegar
na parte interna do meu pulso.
— Como posso ficar? Você viu os olhos dele. — Lágrimas brotaram nos
meus. — Isso não é algo que ele vai perdoar.
— Posso falar com ele.
— Você é a última pessoa com quem ele quer falar. Esse é apenas mais
um exemplo para ele de como você sempre sai por cima. Você pode não
saber, mas as pessoas são atraídas por você. — Eu me coloquei entre seus
joelhos e corri meus dedos em sua bochecha. — Você luta com unhas e
dentes, com a barba e as palavras calmas, mas as pessoas ainda se
aglomeram ao seu redor, e ele sempre se sentiu o segundo melhor.
— Nunca tentei fazer ele se sentir assim. — Ele olhou nos meus olhos.
— Claro que não, mas isso não significa que ele não sinta, e eu apenas
acrescentei outro exemplo de como você sempre consegue exatamente o
que quer, porque eu não parei para pensar, realmente pensar sobre como
estarmos juntos pode machucar ele.
Ele cobriu minha mão com a sua, o calor de seu toque enchendo cada
célula do meu corpo.
— Não estou pronto para isso acabar.
— Nem eu, mas não posso fazer isso se for separar vocês dois. Ele é
seu irmão. Você ama ele.
Seu pomo de adão balançou para cima e para baixo, e ele apertou minha
mão com mais força.
— Temos um timing incrível, não é?
Soltei uma risada chorosa.
Ele fechou os olhos com força e me puxou para mais perto. Enterrando
o rosto na minha barriga, ele se segurou em mim. Passei meus braços em
volta de sua cabeça e sufoquei as lágrimas obstruindo minha garganta.
— Não precisa terminar assim. — Seus dedos se apertaram em volta da
minha cintura, muito apertados, mas eu não disse nada. Saborear esse
momento era tudo que eu podia fazer. Seu cheiro invadiu meu nariz e nos
agarramos um ao outro.
— De que outra maneira pode terminar? Vamos aparecer na casa de
Sylvia juntos? O que ela vai pensar de mim? — Eu me encolhi. Eu tinha
colocado um obstáculo direto no relacionamento dos filhos dela, aqueles
que ela tanto amava. Como ela poderia não me odiar?
— Minha mãe nunca odiaria você, Liv. — Era como se ele tivesse lido
minha mente.
— Talvez não, mas ela me culparia, assim como eu me culpo.
— Não foi só você. Não é como se você tivesse se atirado em mim.
Estou bem aqui com você também. — Ele olhou nos meus olhos.
Afastei o cabelo de sua testa.
— Eu nunca vou esquecer a noite passada. — Enterrei meu rosto em
seu cabelo, segurando ele perto.
Beijando o topo de sua cabeça, eu o soltei, e ele deixou cair os braços
em volta da minha cintura. Inclinando sua cabeça para cima, pressionei
meus lábios nos dele. A urgência e o desespero do beijo trouxe mais
lágrimas aos meus olhos.
Me afastando dele, peguei minha bolsa da beira da cama e corri para
fora do apartamento. Desci as escadas e saí para a rua. Mesmo ao ar livre,
eu mal conseguia respirar. Pedi um carro e rezei para que Ford não saísse.
Deixar ele uma vez já tinha sido difícil o suficiente.
Entrando na parte de trás do carro, não tentei impedir as lágrimas que
caíram dos meus olhos. Eu inclinei minha cabeça para trás contra o assento
de couro quente. O interior confortável não fez nada para impedir a tristeza
e a culpa que assolavam a guerra dentro do meu peito. Não era apenas pela
maneira como seu coração tinha feito o meu cantar, mas também para
lamentar a perda do amigo que eu tinha acabado de ter de volta. Não tinha
como voltar atrás. Em um piscar de olhos, perdi o homem que amava e o
amigo com quem pude contar a maior parte da minha vida.
Assoei meu nariz e enxuguei meus olhos. O motorista olhou para mim
algumas vezes no espelho. De alguma forma, vou fazer Grant me perdoar e
talvez um dia Ford possa fazer parte da minha vida outra vez.
27

FORD

— A próxima vez que você jogar desse jeito, Atherton, vou te colocar
pra fora — gritou o treinador para mim quando entrei no box no final do
período. Tínhamos vencido – por pouco. Eles podiam muito bem ter um
pedaço de papelão amarrado ao gol que conseguiria fazer o mesmo que eu.
O time marchou para o vestiário e eu arranquei meus protetores. Eu não
conseguia respirar nessas coisas. Jogando tudo no banco, agarrei minhas
roupas e corri para o chuveiro.
Meu telefone estava no fundo da minha bolsa. Chamadas e mensagens
de texto para Grant ficaram sem resposta. Eu não usava muito o telefone há
dias, o que era uma volta de 180º em comparação com o quanto eu usei nas
últimas semanas. A falta da rotina de ligações noturnas entre Liv e eu
deixou outro buraco na minha vida que eu não conseguia preencher com
treinos, bebidas ou outras mulheres.
Pendurei minhas roupas e toalha e tirei meu uniforme encharcado.
Jogando em uma pilha no fundo do chuveiro, liguei a água. O jato forte
parecia mais uma lavadora de alta pressão do que um chuveiro. Aumentei o
calor, minha versão de autoflagelação.
A dor nos olhos de Grant e a maneira como Liv enterrou o rosto no meu
cabelo antes de me deixar se repetiram na minha cabeça. Talvez fosse
melhor; Colm não teria que saber. Eu não teria que ficar na frente dele e
dizer que eu tinha quebrado a confiança dele outra vez e cruzado uma linha
que ambos sabíamos que estava lá. Talvez se eu continuasse dizendo isso a
mim mesmo, eu acreditasse que era verdade.
Fazia quase uma semana desde que fomos para meu apartamento juntos.
Ela parecia tão em paz na minha cama. Com minha cabeça apoiada no
braço, eu a observei dormir, seu cabelo dourado espalhado pelos meus
lençóis azul-marinho. Fechando meus olhos com força, coloquei os
pensamentos de lado. Isso só fazia a dor piorar ainda mais. Desliguei a água
e descansei minha testa contra o azulejo frio. Eu me vesti de forma
automática.
Peguei minha mochila e meu telefone tocou. Meu estômago deu um nó
a cada passo mais perto do telefone. Era o toque de Colm.
— Alô. — Esse Colm está bêbado? É um Colm irritado? Colm
deprimido? Talvez eu tenha a sorte grande e ganhe os três.
— Ei, você tem um minuto? — Colm sóbrio e frio como uma pedra.
Acenei para os caras, saí do vestiário e me dirigi para o meu carro.
— Acabei de terminar um jogo.
— Certo. A diferença de horário ainda me deixa confuso. Eu fico
pensando “qual a necessidade de me acostumar com o horário se eu já vou
voltar”, e então minha reabilitação se estende.
— Deve estar bagunçando sua cabeça. — Eu destranquei a porta e
entrei no meu carro.
— Você não faz ideia. Aluguei esta casa grande para Eloise e agora eu
fico revirando ela o tempo todo, me lembrando da minha estupidez.
— Você não é estúpido. Você tem um grande coração.
— Um coração grande e estúpido que não consegue escolher uma
mulher fiel nem por reza.
Minha garganta se apertou. Não liguei o carro, apenas fiquei sentado
esperando o próximo golpe, o surto começar.
— Desculpe, estou despejando tudo isso em você.
— É o que os amigos fazem – eles ouvem quando você precisa.
— Você tem ouvido minhas merdas desde a nona série.
— Eu nunca reclamei antes. — Finalmente ligando o carro, saí do
estacionamento.
— Não, você não reclamou. Eu tenho sido um amigo de merda. Joguei
uma merda em você que não foi sua culpa. Estar aqui sozinho... droga.
Jogar em Boston sem você por um ano já foi ruim o suficiente, mas não tem
ninguém do time aqui. Dia após dia, estou sozinho. Isso me fez perceber
algumas coisas. Tenho sorte de ter vocês.
— Nós sabemos. — O canto da minha boca se ergueu.
— Idiota.
— Não sou eu que ligo para as pessoas repetidamente de madrugada.
— Merda, eu sei. Desculpe.
— Para de se desculpar. Só não esquece de se cuidar. Pare de beber,
conserte esse joelho e traga sua bunda de volta pra cá.
— Estou trabalhando nisso, e desculpa por empurrar toda a coisa com
Olive para você.
Minhas mãos congelaram no volante.
— Não se preocupe com isso. Não se preocupe com nada até você
voltar aqui. Tem algumas coisas sobre as quais quero falar com você. —
Como acabar com essa coisa de Felicity entre nós de uma vez por todas e
dizer a você o quanto me importo com Liv, mesmo que meu próprio irmão
tenha acabado como um dano colateral.
Droga, as coisas eram muito mais simples no colégio. Naquela época,
minha maior preocupação era ficar de pé na frente de uma classe para fazer
uma apresentação ou ferrar as coisas no hóquei com tanta força que podia
perder minha bolsa de estudos da Rittenhouse Prep.
— Você está certo. Tenho que ir para minha sessão de fisioterapia em
alguns minutos. Podemos ter sua conversa profunda e misteriosa quando eu
estiver de volta à cidade. — Ele deu uma risadinha.
Encerrei a ligação com Colm e parei no estacionamento do meu
apartamento. A solidão em que encontrei conforto serviu apenas como um
lembrete do que eu perdi e do que continuaria a perder. Quando abri a porta,
meu telefone acendeu novamente.
Mãe: Você tem tempo de passar por aqui esta tarde?
Eu estava evitando a casa desde a situação com Grant. Ele contou a
mamãe o que aconteceu? Ela iria me partir em dois no segundo que eu
pisasse na porta da frente? Mesmo se ela fizesse isso, eu ainda iria. Estar
sozinho não tinha o mesmo conforto que normalmente tinha. Em vez disso,
fiquei sozinho com meus pensamentos... pensamentos sobre Liv.

A geladeira e as paredes estavam cobertas com novas obras de arte das


crianças. Molduras que montei com pequenas aberturas na parte superior
facilitou a troca das fotos. O cheiro de cookie recém-assado encheu a sala
inteira e me levou de volta a quando eu era criança, ou melhor ainda,
quando ela me mandou para treinar com uma banheira deles para jogos de
estrada no colégio. Eu era um rei entre os Kings quando a tampa da
Tupperware era aberta.
— Aqui, experimenta esse. — Ela deslizou um cookie quente da
espátula para minhas mãos. Eu joguei para frente e para trás, dando uma
mordida a cada dois lançamentos. O chocolate derretido cobriu minha
língua, seu sabor profundo e escuro se misturando perfeitamente com o
açúcar mascavo e baunilha.
— Tão bom como sempre, mãe. — Comer tinha sido a última coisa em
minha mente nos últimos dias, mas que se dane se esses cookies não
ajudaram pelo menos um pouco.
— Eu conversei com seu irmão. Ele veio lavar algumas roupas e estava
muito chateado. — Ela olhou para mim por cima do ombro, do fogão.
Empurrando mais cookie em minha boca, eu parei. Eu fui atraído por
doces direto para uma armadilha.
— Sempre foi difícil para ele viver na sua sombra. — Ela colocou outra
bandeja de cookies e fechou o forno. — E eu não ajudei com isso. — Seus
ombros caíram.
— A culpa não é sua, mãe.
Seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso.
— É minha sim. Quando seu pai foi embora... — Ela colocou as mãos
no balcão e abaixou a cabeça. — Quando ele partiu, me manter ocupada foi
a única maneira de evitar que eu desmoronasse, e o que vai deixar você
mais ocupada do que nunca? Ser mãe de um jogador de hóquei. Todos os
jogos e os treinos e tudo mais que veio junto. Eu me joguei nisso porque era
o que eu precisava para manter minha mente longe de seu pai.
— Mas teve um custo. Seu irmão sempre ficou na sombra. Ele não
conseguia fazer muitas coisas porque eu não podia estar em dois lugares ao
mesmo tempo, então ele foi colocado de lado para abrir espaço para sua
agenda e meu medo de desacelerar. — Ela deixou escapar um suspiro
profundo.
— Ele te contou por que estava chateado? — Eu engoli o nó na minha
garganta.
Ela balançou a cabeça.
— Não exatamente, mas eu tenho uma ideia. Ele me disse que tinha a
ver com você, sobre sempre vir em segundo lugar.
— Como eu não percebi que ele se sentia assim até agora?
— Porque você está vivendo sua vida. Você está lá fora, fazendo suas
próprias coisas, cometendo seus próprios erros, abrindo seu próprio
caminho. Eu quero que você saiba que isso vai passar. Ele vai ficar bem.
— Eu preciso falar com ele.
— Sim, você precisa. Amo vocês e quero que sejam felizes – vocês
dois. — Ela deu a volta na ilha e me abraçou, me dando um beijo na
bochecha. — E eu quero que Olivia seja feliz também.
Engasguei com o cookie na boca.
— Eu não sou cega, você sabe. — Ela acenou com a espátula na minha
direção.
— Mãe...
— Eu vi vocês dois com ela, e não se compara. Tem uma faísca aí que
você não pode esconder – talvez de outras pessoas, mas não de mim,
querido. — Ela passou a mão pela minha bochecha. — Eu sei como esse
tipo de conexão é rara.
— Isso não significa que eu possa machucar Grant dessa maneira. Ele
sempre teve uma queda por ela.
— Uma paixão de parquinho não é a mesma coisa que química
verdadeira e você sabe disso. Não se preocupe com ele. Ele vai resolver as
coisas, e você vai ficar feliz em saber, eu peguei sua chave de volta. — Ela
piscou para mim. — Eu preciso deixar as coisas prontas para o jantar. Quer
um risoto?
O nó que eu tinha no estômago cedeu um pouco. Talvez o cookie o
tenha desamarrado com alguns poderes mágicos.
— Certo.
O cronômetro apitou no forno, e ela tirou a próxima bandeja de doces
assados.
— Ei, Sylvia… — Liv parou abruptamente na porta da cozinha. O
sorriso sumiu de seu rosto no segundo que seu olhar pousou no meu.
— Olivia, entre! Estou tão feliz por você estar aqui. — Mamãe saiu do
balcão, deslizando os cookies para a prateleira de resfriamento e dando um
abraço de urso em Liv.
— Acho que você está ocupada. Vou voltar mais tarde. — Liv recuou.
— Ocupada? Não, eu convidei você. — A mão da minha mãe abanou
para longe as preocupações de Liv e a puxou para a cozinha. — Estou só
conversando com o Ford.
O olhar de Liv disparou para o meu. Meu coração trovejou no meu
peito. Fazia só uma semana desde a última vez que eu a vi? Ouvi a voz
dela? Parecia muito mais tempo do que isso. Os dias se estenderam à minha
frente em um longo caminho sinuoso sem ela, e eu não tinha um mapa.
Ela desviou o olhar e ficou ao lado de minha mãe no fogão.
— Eu preciso correr lá em acima e ajudar um dos professores que está
precisando de ajuda durante o almoço. Você pode mexer esse risoto, Liv?
Achei que você ficaria enjoada e cansada de sanduíches toda vez que
passasse por aqui. Continue mexendo até que o caldo esteja incorporado e
depois coloque outra meia xícara e faça novamente. Você não pode parar de
mexer ou vai estragar tudo. — Mamãe se virou para mim e entregou a
espátula. — E Ford, você pode terminar os cookies?
A boca de Liv ficou aberta, então se fechou.
— Claro, Sylvia. — Os músculos de seu pescoço saltaram. Sua mão
agarrou a colher de madeira na panela, e ela a apertou como se pudesse
quebrá-la a qualquer segundo. Virando as costas para mim, ela mexeu a
panela como se um portal para o inferno pudesse se abrir se ela parasse.
Mamãe colocou a mão no meu ombro, acenou com a cabeça em direção
a Liv, e então ela se foi. Ela não estava chateada, não estava nem um pouco
zangada. Talvez a conversa franca dela com Grant tenha ajudado a acalmá-
lo.
Eu vou ligar pra ele assim que sair daqui. Pegando a mini colher de
sorvete, fiquei ao lado dela e coloquei bolas de massa na assadeira.
Sua agitação diminuiu quando alcancei a tigela para pegar outra colher.
O cronômetro apitou e eu peguei a assadeira.
— Eu disse a Colm que precisamos conversar quando ele voltar.
Liv recuou e se inclinou para frente para continuar mexendo enquanto
eu abria o forno. A explosão de calor de dentro atingiu nós dois. Coloquei a
nova bandeja em uma prateleira inferior e tirei a que estava pronta,
colocando no fogão ao lado da panela que Liv mexia. Meu ombro roçou no
dela.
Ela engoliu em seco, com um aperto na garganta.
— Para falar sobre o que está acontecendo entre vocês dois?
— Isso faz parte, e também falar sobre você.
A colher estremeceu na mão dela e alguns grãos de arroz dispararam da
panela. Ela pegou um pano de prato e limpou a bagunça.
— Por que sobre mim? — Seu olhar se fixou no arroz e no caldo
girando.
Eu engoli o nó na minha garganta.
— Quer exista um nós ou não, preciso dizer a ele o que sinto por você.
— É uma ideia terrível. Por que tornar isso pior? — A colher em sua
mão bateu contra a lateral da panela, atingindo um ritmo constante. — Já é
ruim o suficiente que Grant tenha se machucado e eu esteja entre vocês
dois. Não quero que sacrifique seu relacionamento com Colm também por
algo que ambos concordamos ser um erro.
— Eu nunca disse que era um erro. — Pisando atrás dela, peguei a
concha da panela no fogão e derramei outra xícara de caldo no arroz. — Eu
gostaria que as coisas tivessem acontecido de forma diferente? Sim, mas
nunca pense que eu olho para aquela noite e acho que foi um erro.
Pegando sua mão livre na minha, entrelacei nossos dedos. Ela não
recuou ou se afastou. Talvez ainda possamos consertar isso.
28

LIV

P arei em frente a parede de espelhos como eu fiz centenas de vezes.


O suor escorria pelo meu rosto enquanto me forçava mais e mais. O
frio no ar foi levado embora quando meu corpo atingiu seu limite.
O estúdio de dança era a única coisa que poderia me tirar de uma deprê,
mas esse não era um humor causado por uma nota ruim em uma prova ou
pela pressão que eu coloquei sobre mim mesma para seguir o caminho que
havia sido traçado. Era uma dor esmagadora que penetrava profundamente
os meus ossos.
As palavras de Ford ecoaram em minha cabeça. Eu corri no segundo em
que Sylvia voltou para a cozinha, fazendo minha fuga. Soltar seus dedos
dos meus foi como soltar uma parte da minha alma, mas eu não conseguia
respirar quando ele estava tão perto. Eu fechei a porta em seu rosto chocado
e corri dois quarteirões antes de pedir que um carro viesse me buscar. Eu
não podia voltar lá. E se Sylvia descobrisse o que aconteceu entre mim,
Ford e Grant e me expulsasse da vida dela?
Lamentei a perda do refúgio na casa dela. Era isso o que eu recebia,
certo? Essa era a minha penitência por cruzar uma linha que eu sabia que
causaria problemas. Eu estive tão cega pelo toque de Ford e pela
necessidade de senti-lo.
Com a minha frustração crescendo, arrumei minhas coisas. Com minha
bolsa no ombro, caminhei de voltar para o meu apartamento, pensando em
me perder em equações e reações químicas. Aquelas eram fáceis de
entender depois de boas noventa horas de estudo. Outra onda de frio me
atingiu e eu apertei a gola do meu casaco enquanto dobrava a esquina do
meu apartamento.
Enfiei a mão no bolso e enrolei o dedo no chaveiro. Puxando para fora,
repassei os conjuntos de problemas que eu precisava completar esta noite.
Minhas chaves brilharam na luz fraca e eu olhei para cima. Um choque
passou por mim e não pude mais sentir meus dedos. Minhas chaves caíram
no chão. Eu me levantei, congelei quando uma figura sentada nos degraus
da frente do meu prédio se levantou. O pequeno pânico se dissipou,
substituído por um nó no estômago. Seus membros longos e esguios eram
inconfundíveis, mesmo à sombra do sol poente. Meu coração batia forte no
peito e engoli a culpa que crescia na minha garganta.
— Ei, Liv. — Grant se levantou e enfiou as mãos nos bolsos. Suas
bochechas e nariz estavam vermelhos por causa do ar intenso do inverno.
— Há quanto tempo você está sentado aqui?
O olhar dele caiu.
— Tempo suficiente.
— Por que você não me ligou para dizer que estava vindo?
— Achei que você provavelmente procuraria qualquer chance de
escapar de mim, como você tem feito nos últimos dois anos. — Um olhar
de dor cruzou seu rosto.
Os músculos do meu pescoço se contraíram. Pisquei para conter as
lágrimas crescendo em meus olhos. A dor em seus olhos naquela manhã me
atingiu.
— Eu realmente sinto muito. Eu quero que você saiba disso. Há muita
coisa que eu gostaria de poder mudar, e machucar você está no topo da lista.
— Eu apertei meus lábios.
Seu rosto se suavizou.
— Podemos caminhar? — Ele tirou as mãos dos bolsos e estendeu um
braço para a calçada.
— Por que não vamos para dentro? Está congelando. — Enfiei minhas
mãos mais fundo nos bolsos.
Seu olhar se voltou para o meu prédio.
— Estou bem com uma caminhada, tudo bem pra você? — Ele se virou
para mim com as luzes da rua captando a incerteza em seus olhos.
Assenti e caminhei ao lado dele. Caminhamos em silêncio por alguns
quarteirões. A cada poucos passos, eu olhava para ele, tentando descobrir
por que ele apareceu. As mensagens que eu enviei a ele ficaram sem
resposta, mas ele não parecia com raiva agora. Ele dobrou a esquina e eu
mexi nos botões do meu casaco.
Olhando para cima, eu congelei, ficando cara a cara com a cerca de
arame.
O canto de sua boca se ergueu.
— Vi isso no mapa. Eu tive um pouco de tempo para matar enquanto
esperava. — Ele entrou no parquinho, indo direto para os balanços e
sentando no banco de plástico duro balançando ao vento.
Eu o segui e sentei ao lado dele. As correntes chacoalharam quando me
sentei no banco gelado.
Ele enrolou os dedos nas correntes e se inclinou para o lado.
— Essas coisas são muito menores do que eu me lembrava. — Ele se
mexeu, tentando encaixar o corpo esguio no assento.
O som suave dos elos das correntes se esfregando enquanto nossos
balanços balançavam para frente e para trás criou uma trilha sonora ao ar da
noite.
— Você cresceu muito desde a última vez que sentamos neles.
Ele apertou os lábios e assentiu antes de respirar fundo.
— Eu queria me desculpar.
— Você não tem nada pelo que se desculpar. — Respondi rapidamente.
— Não, eu preciso...
— Por favor...
— Para de interromper, Liver. — Ele olhou para mim e sorriu um pouco
mais.
— Desculpe. — Eu empurrei meus pés do chão, balançando para frente
e para trás.
— Quando eu vi você no Ford… — Ele parou e engoliu em seco,
olhando para a mão. — Eu perdi a cabeça.
Resisti ao impulso de me desculpar novamente e deixei ele dizer o que
precisava dizer.
— Mas você não me deve nada só porque eu gosto de você. Só porque
sempre gostei de você, não significa que você também deva. Eu não sou um
desses “cara legal” idiotas que mudam da água pro vinho quando os
sentimentos não são correspondidos.
— Eu sei.
— Não, você não sabe, mas é como eu me sinto. Eu estava com tanta
raiva de vocês dois, tão magoado.
A dor em sua voz desgastou os limites da minha determinação, e eu abri
minha boca, então a fechei quando ele olhou para mim.
— Mas isso tem tanto a ver comigo quanto com vocês dois. Eu sabia
que você não sentia por mim o mesmo que eu sentia por você. Eu sei disso
desde o primeiro dia no parquinho, quando cedi meu balanço para você e
você me abraçou. Eu vou admitir, eu estava totalmente pronto pra
aproveitar minha deixa no casamento de Declan quando vi minha
oportunidade. Ford magoou você, e eu pensei que talvez então eu teria
minha chance de mostrar a você como poderíamos ser bons juntos, mas eu
sabia desde o primeiro beijo, não estava iluminando você como aconteceu
comigo.
Minha garganta apertou e eu pisquei para afastar a umidade em meus
olhos.
— Eu sinto muito.
Ele encolheu os ombros.
— Não é como se eu pudesse forçar você a se importar comigo.
Minha mão disparou e agarrei seu braço.
— Eu me importo com você. Claro que me importo.
— Só não daquele jeito.
Eu encarei seus olhos. Sem se esconder. Sem mais meias verdades. Eu
balancei minha cabeça e baixei meu olhar para as lascas de madeira
congeladas no chão.
— Teria sido muito mais fácil se eu conseguisse.
Ele soltou uma risada.
— Nem me fale, pra nós dois. Assim eu não teria que fazer o grande
gesto de dar minha bênção pra vocês dois.
Minha cabeça se ergueu e eu o encarei com os olhos arregalados.
— Não que você precise. Quero dizer, você não precisa da minha
permissão para fazer qualquer coisa, mas eu queria que você soubesse que
estou bem... — Ele respirou fundo. — Eu ficarei bem. Só, por favor, não
comecem a se beijar na minha frente. — Ele riu, mas a corrente de dor
estava lá. — Não estou nem perto de estar pronto para isso ainda.
— Obrigada, Grant. — Eu me levantei e o abracei. — Eu agradeço, de
verdade, mas não acho que faça diferença. — Minhas palavras foram
abafadas por seu ombro.
Ele recuou.
— Por que não?
— Porque eu tomei minha decisão. Vou para a faculdade de medicina e
preciso de uma ruptura. Preciso recomeçar sem todos esses fios da minha
infância que venho tentando manter. Talvez eu vá para a Califórnia ou
Chicago. Eu meio que me enfiei na vida de Colm, assumindo o controle de
seus amigos e voltando para a Filadélfia, e então fico chateada quando ele
continua tentando ditar o que eu faço. Preciso parar de me submeter a ele e
mostrar que sou uma adulta. Eu preciso parar de tentar dizer as palavras e
realmente fazer o que eu quero.
— Eu entendo o que quer dizer sobre estar sempre na sombra de outra
pessoa.
Balançamos por mais alguns minutos enquanto o sol se punha, enviando
raios de luz pelas lacunas entre os prédios.
— Embora tenha sido divertido, eu preciso entrar antes que minhas
bolas caiam do meu corpo. Está congelando. — Grant saltou do balanço.
— Quanto tempo você ficou esperando lá fora?
Ele apertou a nuca.
— Tempo demais. Se eu soubesse quanto tempo ia levar, teria pedido
pra um dos seus vizinhos me deixar sentar na escada, mas imaginei que me
encontrar na sua porta seria mais dramático. — Ele bateu no meu ombro.
Eu ri e voltamos para o meu apartamento. Nos degraus da frente do meu
prédio, arrumei a gola do casaco dele.
— Obrigada por ter vindo falar comigo. — Passei meus braços em volta
do pescoço dele.
— Obrigado por ser uma amiga. — Ele me apertou com força, deixando
cair a cabeça na curva do meu pescoço antes de se endireitar. — Eu sei que
você disse que as coisas acabaram entre você e Ford, mas ele realmente se
preocupa muito com você. Ele se culpou por isso por um tempo. Achei que
ele nunca ia tomar nenhuma atitude de tanto que ele lutava contra isso.
— Às vezes você luta contra as coisas porque sabe como elas podem ser
um grande problema se você ceder.
— Não estou mais atrapalhando.
— Não é só você.
Os lábios de Grant se estreitaram em uma linha.
— Certo, Colm.
— E se estou tentando provar a ele que não sou mais uma criança, cair
de volta em uma paixão do ensino médio não vai ajudar no meu caso. Vou
falar com ele quando ele voltar.
— Boa sorte. — Grant acenou e saiu andando pela rua.
Subindo os degraus para o meu apartamento, larguei tudo no segundo
em que entrei. O lugar estava silencioso. Espiei pela porta entreaberta do
quarto de Marisa. Ela desmaiou na cama cercada por cartões de estudo. A
luz da mesa dela piscou, então eu desliguei. Pequenas marcas escuras
estavam queimadas na tomada. Era a terceira vez neste mês. Eu não vou me
mudar e dar a Colm a satisfação de estar certo sobre este lugar. Fazendo
uma nota mental para enviar uma mensagem ao proprietário sobre todas as
coisas que sempre estavam estragadas, fui na ponta dos pés para o meu
quarto.
Coloquei meu pijama e, embora minha cama chamava meu nome, abri
meu notebook. Indo na planilha de faculdades de medicina que Colm havia
me enviado quase um ano antes, encarei a tela. Meus dedos pairaram sobre
as teclas. Antes que eu pudesse me questionar, apaguei todas as opções
listadas. Uma folha em branco. Meu estômago deu um nó quando pesquisei
a classificação de faculdades de medicina e preenchi a folha novamente.
Outros sete (ou mais) anos de escola. Eu posso fazer isto. Quantas
pessoas matariam para estar na posição em que estou? Tenho a chance de
me tornar uma médica. Eu trabalhei duro pelas notas. Eu trabalhei pra
caramba e sacrifiquei cada minuto livre que pude, consistentemente me
sentando e me enterrando nos livros.
Isso não te faz feliz. Bem, a felicidade é superestimada.
A felicidade me meteu nessa confusão. Depois do que aconteceu com
meus pais, você pode pensar que eu aprendi que a felicidade era uma ilusão.
Ficava tão feliz por uns dez minutos livres para realmente conseguir falar
com meus pais. Fiquei feliz por um beijo de Ford. Fiquei feliz com uma
noite em sua cama. Talvez isso seja tudo que eu vá conseguir, pequenos
vislumbres de felicidade para me manter em movimento.
Salvar vidas pode me fazer feliz. É um trabalho importante. O que é
mais importante do que ter a vida de alguém em suas mãos? Quanto tempo
eu poderia viver como professora de dança, afinal? O que faz mais sentido a
longo prazo? O que é mais estável e sensato? Claro que era a medicina.
Parecia um erro agora, mas com o tempo eu veria que era a escolha certa.
As longas horas no hospital seriam mais do que suficientes para me fazer
companhia. Faça um turno de trinta e seis horas, ajude as pessoas, desmaie
assim que chegar em casa, tome um banho e repita.
Era hora de parar de fugir do futuro que havia sido colocado na minha
frente. Eu preciso provar a mim mesma, aos meus pais e a Colm que sou
capaz de fazer isso. A felicidade pode vir mais tarde, e eu só posso torcer
para que quando Ford encontrar alguém que não venha com a bagagem que
eu tenho, eu poderia engolir aquela dor sufocante de ver suas mãos em
outra pessoa, estampar um sorriso e ficar feliz por ele.
29

FORD

P arando na varanda da casa no campus, bati e me afastei da porta. Os


dias estavam se arrastando agora, cada um adicionando outra marca
de contagem aos meus dias sem Liv. Enfiei minhas mãos nos bolsos
e balancei para frente e para trás em meus calcanhares. Pequenos pedaços
de verde se projetaram dos galhos das árvores ao longo da rua, e eu
esperava que a onda de frio não os matasse. Meu avião havia pousado há
algumas horas. Nossa quase ida até as finais tinha morrido entre meu
desempenho de merda como goleiro e um colapso geral no desempenho do
time. Pelo menos isso significava que não havia mais viagens até a próxima
temporada. Oitenta e dois jogos por temporada não facilitava as coisas.
A porta se abriu e um dos colegas de quarto de Grant olhou para mim e
gritou por cima do ombro.
— Grant, é para você. — Ele segurou a porta aberta e eu entrei.
Passos pesados na escada sacudiram o chão. Seus passos diminuíram na
parte inferior da escada quando ele me viu.
— O que você está fazendo aqui?
— Vim conversar.
— Não tem muito mais para conversar. — Ele cruzou os braços sobre o
peito.
— Tem sim.
— Tudo bem, mas eu preciso de cerveja para isso. — Ele passou por
mim e entrou na cozinha. Seguindo ele, limpei minha garganta. Ele abriu a
geladeira e pegou duas cervejas. As garrafas ainda dentro sacudiram quando
ele fechou a porta com um chute. Ele tirou as tampas usando a borda do
balcão e me entregou uma.
— Obrigado. — Eu reconheci o rótulo. — Mamãe disse que vocês dois
conversaram.
Ele engoliu um pouco da cerveja.
— Conversamos.
Ele se encostou no balcão e eu me sentei na beira da mesa, encostada na
parede.
— Fala — disse ele bruscamente. — Ou você veio até aqui só para
pegar uma cerveja?
Ele não ia tornar isso fácil, e por que deveria?
Eu respirei fundo.
— E para me desculpar.
Ele olhou para mim com o rosto impassível.
— Não por estar com Liv. Não posso me desculpar por isso. — Eu
tamborilei meus dedos ao longo da lateral da minha garrafa. — Mas eu
deveria ter dito a você o que eu sentia por ela. Ela não é um segredinho
sujo, e eu não deveria ter tratado ela como se fosse.
— Não, você não deveria. — Grant me lançou um olhar severo. Eu
encontrei seu olhar. Ele balançou a cabeça e olhou para o teto.
— Eu não percebi que você se sentia como se estivesse vivendo na
minha sombra enquanto crescia. Nunca me passou pela cabeça que mamãe
estar lá para mim significava que ela não estaria lá para você. Eu sinto
muito. Sou seu irmão mais velho, e foi egoísmo da minha parte nem mesmo
pensar em como tudo isso afetaria você.
— Você está certo. — Ele olhou para mim e eu fiz uma careta. — Eu
contei tudo para a mamãe também. — Ele arrancou o rótulo da garrafa em
suas mãos. — Tenho a sensação de que vou receber porções extras de
cookies de agora até o fim dos tempos. Eu também disse a ela que estava
tendo problemas com garotas novamente. Eu não disse que era sobre Liv
especificamente, mas ela acabou descobrindo.
— Ela não é exatamente sutil. Ela jogou convites surpresa pra mim e
pra Liv aparecermos na casa dela.
— Eu sei. — Seus lábios se estreitaram em uma linha dura. — Droga,
eu odeio ser o irmão gracioso e compreensivo.
Minhas sobrancelhas se juntaram.
— Eu já conversei com Liv e mamãe. Você pode ficar em paz, menino
de ouro. — Ele deu um tapa no meu ombro.
Balançando minha cabeça, fiquei tentado a deslizar meu dedo em minha
orelha e mexer para ter certeza de que o ouvi corretamente.
— Simples assim?
Ele riu e tomou outro gole de sua cerveja.
— Não tão simples assim. Acredite em mim, houve alguns bons dias em
que eu queria bater em você. — Enquanto ele olhava nos meus olhos, vi um
lampejo de raiva ainda nos dele. — Mas eu tive uma longa conversa com a
mamãe, finalmente tirei algumas coisas do meu peito que estavam me
incomodando há muito tempo.
— Coisas como eu ser o irmão idiota que recebe toda a atenção, assume
o controle da família com seu esporte que exige muito tempo e dinheiro, e
depois se apaixona por uma garota por quem você tem uma queda desde os
dez anos?
Ele assentiu.
— Algo assim, embora tenha sido desde que eu tinha nove anos. Você
tem que admitir, eu gostei dela primeiro.
— Ela tinha nove anos quando vocês se conheceram. Eu tinha quinze
anos. Todo mundo teria ficado muito mais preocupado se eu tivesse me
apaixonado por ela naquela época.
— Você não está errado, e não posso dizer que o fato de ela ser a única
garota que eu sabia que você gostava e que concordou em sair comigo não
desempenhou parte do motivo de ela ter ficado na minha cabeça por tantos
anos.
— Eu não posso te culpar por isso. Ela é diferente de qualquer mulher
que eu já conheci.
Ele olhou para mim.
— Você a ama?
— Eu não teria feito o que fiz se eu só meio que gostasse dela. Estou
apaixonado por ela desde o casamento do Declan, talvez um pouco antes
disso, mas então vocês dois saíram em alguns encontros e eu não queria...
não queria piorar as coisas. Eu tentei não piorar.
— E eu aqui pensando que tinha tirado a sorte grande daquela vez. —
Ele esvaziou o resto da cerveja. — Você está apaixonado por ela, e ela está
decidida a ficar longe de você. Muito irônico, dado o quão duro você a tem
afastado desde sempre. — Colocando sua garrafa vazia na mesa, ele me
olhou no fundo dos olhos. — Ela disse que não quer ficar entre nós, mas
fugir para a Costa Oeste para estudar medicina não é a solução. Você não
conseguiu falar com ela? — Ele olhou para mim.
Meu estômago embrulhou. A costa oeste? Ela estava indo embora?
Sempre achei que teria mais tempo. Ela estava indo embora. Os pulmões
podem entrar em colapso sem que nada toque você? Porque era quase
impossível para mim respirar naquele momento.
Talvez um dia pudéssemos acertar o timing, acertar as coisas com Grant
e Colm e fazer isso funcionar, mas se ela fosse embora, não haveria chance,
nenhum encontro “acidental”. A faculdade de medicina não é a coisa certa
para ela. Ela vai estar em uma nova cidade, fazendo algo que odeia,
tentando encontrar um lugar para se encaixar.
Ninguém tinha ataques de pânico porque amavam tanto algo que não
podiam viver sem isso. Grant e eu tomamos uma cerveja e saí, dando a ele
um grande abraço antes de entrar no meu carro. O ar da noite não estava
mais frio de congelar, mas que se dane se esse inverno não estava se
arrastando pra durar mais.
Parei no Fish's para pegar um hambúrguer e algumas pessoas me
pararam no caminho para o meu lugar na outra extremidade do bar. Isso não
tinha acontecido antes. Algumas fotos e um autógrafo depois, fiquei
sozinho. Embora normalmente fosse exatamente como eu queria as coisas,
agora isso me deixava inquieto. O silêncio e a solidão significavam que eu
não precisava tentar manter uma conversa ou fingir estar interessado em
coisas de que não gostava, mas eu sinto falta das conversas com Liv. Eu
embrulhei minha comida e fui para casa.
Durante nossas ligações noturnas, ela falava sobre qualquer dança nova
em que estava trabalhando ou sobre os alunos da turma dela. Eu contaria a
ela sobre minha busca pela próxima melhor garrafa de bourbon. Mesmo que
eu não tivesse ideia do que ela estava falando, eu sempre me interessei
porque era importante para ela. Seus planos podem incluir a faculdade de
medicina e uma mudança para outro estado, mas eu não vou deixar que ela
vá embora sem uma luta.
Deitei na cama, olhando para o teto e tentando descobrir como diabos
fazê-la ver que não havia como escapar de nós. Ela sabia disso antes de
mim, mas com o quão inteligente ela era, eu deveria saber que ela
descobriria antes de mim. Nós pertencemos um ao outro. Colm teria que ver
a razão quando se tratava de nós e da faculdade de medicina.
Meu telefone se iluminou na mesa ao meu lado. Eu olhei para baixo e
meu coração deu um pulo. Tocando no botão, meu coração disparou com o
nome que brilhou na tela.
Eu peguei. Um uivo de sirenes soou do alto-falante, e meu sangue
trovejou em minhas veias.
— Liv! — Eu pulei da cama. As vozes abafadas tornavam difícil ouvir
qualquer coisa além das sirenes e a comoção. Tampei o outro ouvido com
um dedo, meu coração martelando contra minhas costelas. — Liv!
— Ford!
30

LIV

A comoção do lado de fora da ambulância parecia tão distante, como


algo acontecendo em um set de filme. Tentei limpar a garganta,
mas isso só fez a fumaça em meu nariz disparar mais fundo em
meus pulmões, como se eu tivesse enfiado a cabeça dentro de uma chaminé
ou inalado a torrada queimada que Marisa sempre fazia. O uivo das sirenes
havia morrido. Eles não precisavam mais delas, todos os caminhões de
bombeiros já haviam chegado.
Eu consegui sair e isso era o mais importante, certo? Então, por que eu
sinto como se uma parte de mim tivesse morrido? Como se tivesse perdido
uma coisa que nunca seria capaz de recuperar? Estremeci e envolvi minhas
mãos com mais força em torno do cobertor áspero jogado sobre meus
ombros. Que horas são? O paramédico colocou o estetoscópio nos ouvidos.
— Liv! — Eu ouvi a voz que eu reconheceria em qualquer lugar, até
mesmo através das paredes de uma ambulância. Eu pulei da maca, batendo
no paramédico. — Liv! — A urgência em sua voz fez minha pele arrepiar,
que não tinha nada a ver com o frio.
Abrindo as portas do veículo, examinei a área em busca dele.
— Senhorita! — O chamado urgente do paramédico atrás de mim não
me impediu.
Saltei da ambulância. Meus pés atingiram o pavimento úmido e gelado,
enviando um arrepio por mim.
— Ford. — Minha voz falhou. Fumaça e gotas de água encheram meu
nariz.
— Liv! — Seus gritos foram interrompidos. Eu o vi. O que parecia ser
cinco bombeiros e policiais o agarraram. Ele ainda estava tentando avançar,
em direção ao prédio em chamas. Alguém colocou o braço em volta do
pescoço dele para tentar manter ele afastado.
— Ford! — Água gelada de uma poça entrou em meus sapatos.
Colocando minhas mãos sobre a boca, gritei seu nome novamente.
Sua cabeça girou rapidamente, e todo o peso acima dele se mexeu e
desabou no chão. Ele saiu debaixo da pilha de oficiais irritados, correndo
em minha direção.
Gotículas de água criaram uma névoa fina e congelante enquanto a
batalha contra o fogo crescia ao meu redor. Tudo se moveu em câmera
lenta. A névoa em minha cabeça não se dissipou enquanto eu olhava para o
prédio que eu chamava de casa, envolto em chamas. Eles levaram Marisa
para outra ambulância. Eu precisava encontrá-la. Onde ela está? A histeria
borbulhou em direção à superfície da minha mente.
Os olhos de Ford estavam selvagens quando ele chegou até mim,
passando por qualquer um em seu caminho. O medo diminuiu um pouco
agora que ele estava lá. Seus braços me envolveram, me apertando contra
seu peito. O seu coração trovejante bateu contra o meu. Seu aperto
aumentou e eu mal conseguia respirar. Eu bati em suas costas e ele
afrouxou o aperto.
— Você está bem? O que aconteceu? — Sua voz estava frenética.
— Nós saímos antes que ficasse muito ruim. — Poderia ter sido muito
pior. Poderíamos ter morrido. As lágrimas que eu consegui manter sob
controle correram para a superfície. Um pânico que eu tinha afastado
enquanto estava sentada do lado de fora no frio escaldante bateu em mim, e
eu balancei meus pés. Eu poderia ter morrido.
Suas mãos apertaram meus braços. Me soltando por um segundo, ele
tirou o casaco e o envolveu em volta dos meus ombros, puxando em volta
de mim.
Eu precisava sentir ele. Pressionando meu rosto contra seu peito,
respirei fundo, estremecendo.
— Eu fui para a cama depois de voltar do estúdio. Tentei dormir um
pouco. A luz da Marisa estava piscando, mas coisas assim acontecem há
semanas, então não pensamos em nada.
— Finalmente adormeci e acordei tossindo. Quando abri os olhos, quase
não consegui ver nada. A fumaça era tão densa que rolei da cama para o
chão. Calcei os sapatos, peguei meu telefone e gritei por Marisa. Ela dorme
como uma morta e tive que arrastar ela para fora da cama. Assim que ela
caiu no chão, ela acordou e nós duas rastejamos para fora de lá. Tinha fogo
na escada. Eu pensei que estávamos presas. — Meus dedos tremeram
enquanto envolvi minhas mãos em suas costas. Seus músculos se
contraíram e ele apoiou o queixo no topo da minha cabeça.
Ele me apertou ainda mais forte, e desta vez eu precisava disso.
Ficamos parados lá, enrolados um no outro até que o paramédico veio,
insistindo para que ele terminasse de me examinar.
O paramédico tentou fazer Ford se afastar, mas ele se recusou a sair do
meu lado.
— Está bem. Ele pode ficar. — Meus dedos se envolveram com mais
força em torno de seu braço.
— Eu não vou a lugar nenhum. — Ele olhou nos meus olhos com uma
intensidade que me tirou do meu pânico crescente. Eles fecharam a parte de
trás da ambulância, e o paramédico puxou o estetoscópio do pescoço. Me
concentrei na minha respiração e em Ford estar tão perto para não perder o
controle enquanto eles terminavam o exame. Ford segurou minha mão
enquanto o paramédico me examinava. Seu polegar traçou um caminho ao
longo das costas da minha mão.
Sua camiseta preta estava esticada com força sobre o peito, todos os
músculos em plena exibição. Era muito mais fácil me distrair dos
pensamentos do que poderia ter acontecido olhando para ele.
O que Colm teria feito se algo tivesse acontecido comigo? Ele estaria
sozinho. Um arrepio percorreu meu corpo. O que diabos faríamos sem o
outro? E Ford – e quanto às coisas que não foram resolvidas entre nós?
Haviam tantas coisas não ditas.
— Sem grande inalação de fumaça. Seus pulmões e coração estão bem.
Você está livre para ir, se tiver um lugar para ficar, mas precisa ir a um
pronto-socorro imediatamente se tiver qualquer dificuldade para respirar – e
quero dizer qualquer dificuldade. — Seus olhos se fixaram em mim. A
seriedade não passou despercebida por mim, eu assenti.
— Ela vai voltar para casa comigo. — As palavras saíram da boca de
Ford nem mesmo um segundo depois que o paramédico terminou sua frase.
— Eu preciso encontrar Marisa. Não sei onde ela está. — Meu telefone
zumbiu na maca ao meu lado.
Marisa: Não consegui te encontrar. Você ainda está aqui? Você está
bem?
Eu toquei em seu nome. Ela atendeu no meio do primeiro toque.
— Estou bem. Eles acabaram de me checar. Onde você está?
Me esforcei para entender suas palavras.
— Na rua agora. LJ está aqui e está prestes a levar um chute na bunda.
Ele está pairando como se eu fosse cair morta a qualquer segundo.
O paramédico abriu a porta e Ford estendeu a mão, me guiando para
fora da ambulância. Eu engasguei com o vento gelado chicoteando minhas
pernas. Calças de pijama não foram exatamente feitas para serem usadas em
temperaturas próximas de zero. Enquanto eu descia, a voz dela estava em
som ambiente. Ford ajustou o cobertor em volta de mim sobre seu casaco e
eu virei para o lado.
Um par de braços me envolveu e Marisa me apertou contra ela.
Cuspindo seu cabelo escuro da minha boca, eu a abracei de volta.
— Eu fiquei tão preocupada quando você desapareceu de vista. — Ela
nos balançou para frente e para trás.
— Eu posso dizer o mesmo sobre você. — Eu me inclinei para trás,
sorrindo para ela. Lágrimas nublaram meus olhos.
— Pare de chorar – você vai me fazer chorar, e então ele vai
enlouquecer de novo. — LJ ficou perto de seu ombro como se estivesse
pronto para pegá-la se as pernas dela fraquejassem. — Ele está tentando me
fazer ir para o Brothel, mas não vou deixar você aqui.
— Liv pode ir também. — Seu tom de barítono filtrou o barulho ao
nosso redor.
— Está bem. Eu sei que a casa do time de futebol é apertada. Eu vou
com Ford. — Eu olhei por cima do ombro para ele.
Ele olhou nos meus olhos.
— Ela está vindo comigo. Você também pode vir, se precisar — ele
ofereceu para Marisa.
— Eu estou bem. Eu vou com LJ. — Marisa me olhou. — Você tem
certeza? — Havíamos passado mais do que algumas horas nas últimas
semanas revendo minha última noite com Ford.
— Tenho certeza.
— Então te vejo no campus? Precisamos achar um lugar para morar
permanente e o que diabos vamos fazer sobre nossas coisas... — Ela olhou
para o prédio ainda fumegante.
Um buraco fundo se abriu no meu estômago. Nossas coisas... minhas
fotos... Eu passei meus braços com mais força em volta de mim.
— Vamos apenas passar por essa noite e pensar nisso amanhã. Eu
preciso tomar um banho. Estou fedendo a fumaça. — Marisa puxou a
camisa para longe do corpo.
Eu cheirei meu cabelo.
— E eu preciso dormir. — Minha energia diminuiu, drenada como se
um vampiro tivesse se agarrado ao meu pescoço. A adrenalina não corria
mais em minhas veias, me deixando uma morta de pé. O vento na minha
frente competia com o calor que irradiava do prédio atrás de mim entre
rajadas de vento.
Ford passou o braço em volta do meu ombro e me puxou para perto
dele. Ele estava tão quente. Eu deslizei meus braços em volta de sua
cintura, e ele envolveu a ponta de seu casaco mais apertado em torno de
mim enquanto navegávamos pela multidão e equipes de notícias para
chegar ao seu carro.
Ele abriu a porta e eu entrei. Descansando minha cabeça contra o
encosto de cabeça, minhas pálpebras tremeram. Ele entrou e o motor
ganhou vida com um ronronar. Ainda tinha aquele cheiro de carro novo.
Minhas pálpebras ficaram mais pesadas a cada segundo enquanto as
luzes da rua enchiam o carro com um estroboscópio amarelo rítmico.
— Durma um pouco, Liv. Eu vou te acordar quando estivermos em
casa. — Sua mão correu ao longo da minha perna, do joelho à coxa, como
se estivesse tentando me aquecer mais rápido do que o aquecedor. Casa.
Casa com Ford.
Eu bocejei e me virei no assento para encará-lo. O tecido macio
amorteceu minha bochecha. Sua barba havia crescido. Eu não assistia aos
jogos desde aquela noite, mas sabia que a temporada deles havia acabado.
Não pude deixar de me sentir parcialmente responsável.
Ele olhou fixamente pelo pára-brisa e passou a mão ao longo do lado do
meu rosto.
— Feche seus olhos. Você está segura agora. — Seus dedos fortes
colocaram meu cabelo atrás da orelha. Colocando a mão de volta na minha
perna, ele se segurou em mim como se tivesse medo que eu pudesse
desaparecer em uma nuvem de fumaça, e eu acho que quase desapareci.
Agora eu estava indo para casa com Ford, e vamos resolver todo o resto
pela manhã.
31

FORD

C om cuidado para não acordá-la, tirei Liv do carro. Meu coração


bateu forte contra o meu peito enquanto a carregava para o
elevador e para o meu apartamento. Foi preciso tudo de mim para
não esmagá-la contra meu peito. Eu poderia tê-la perdido esta noite. Ela não
se mexeu o tempo todo. A queda de adrenalina é uma merda. Fechando a
porta da frente com o pé atrás de mim, a levei para o meu quarto. Deitando-
a, me levantei para pegar algo para ela usar, e sua mão disparou e envolveu
meu pulso.
— Não vá — ela murmurou.
— Eu não estou indo a lugar nenhum. Só estou pegando algo para você
vestir. Suas roupas estão com cheiro de fumaça.
Ela olhou para si mesma e para suas roupas cobertas de fuligem, então
as arrancou como se estivessem pegando fogo.
— Shhh, deixa que eu faço isso. — Pegando suas pernas, tirei seus
sapatos. Eles caíram no chão com um baque. Enfiei minhas mãos sob o cós
da calça do pijama e arrastei para baixo de seu corpo. Ela parou de se
debater e me observou, levantando os quadris para me ajudar a despi-la.
Lágrimas brilharam em seus olhos.
Seu moletom e camiseta estavam emaranhados com meu casaco ainda
meio nela. Eu tirei todas as camadas até que ela estivesse completamente
nua para mim, devagar e metodicamente verificando-a, embora eu soubesse
que o paramédico já tinha feito isso.
— Você quer se limpar para poder dormir melhor?
— Você pode vir comigo?
— Claro. — Eu a peguei da cama e a levei até o banheiro. Ela
descansou a cabeça nos meus ombros, a mão apoiada no meu braço. Eu não
quero que ela saia da segurança do meu abraço nunca mais.
— Vamos entrar no chuveiro para tirar toda essa fumaça de você.
Ela assentiu.
— Então posso tomar um banho de banheira?
— Qualquer coisa que você precise. — Eu coloquei minha mão em sua
bochecha.
— Você vai entrar comigo?
Mesmo dentro do meu apartamento, havia medo em seus olhos, o tipo
de olhar assombrado que eu não poderia ter me afastado mesmo se quisesse.
Eu a coloquei no chão e abri a água.
Sem outra palavra, tirei os sapatos, abaixei meu jeans e a cueca e, em
seguida, tirei a camisa pela cabeça. Liguei a água da banheira para deixá-la
encher. Pegando sua mão, eu a levei para o chuveiro, a água correndo sobre
seu corpo e cabelo. A água gotejou em sua pele e empapou seu cabelo.
Quando todas as manchas de fuligem em sua pele desapareceram, eu a
deixei sair do chuveiro.
Ela entrou na água morna da banheira sem esperar que ela se enchesse
completamente. Peguei algumas toalhas e uma esponja, e as coloquei ao
lado da banheira. A tensão em meus ombros diminuiu quando ela fechou os
olhos e colocou os braços ao longo da borda.
Corri de volta para o meu quarto e peguei uma camiseta da minha
gaveta para ela, então voltei para o banheiro.
Ela estava com os joelhos puxados até o peito e a cabeça apoiada em
cima deles. Sentando na borda, eu deslizei atrás dela. A água subiu pelas
laterais, e ela a desligou quando ameaçou chegar à borda.
Quando ela se sentou, estava diretamente em cima do meu colo. A
ereção que eu estava tentando manter sob controle agora estava aninhada
entre os globos suaves de sua bunda.
— Desculpa, só não dê atenção e ele vai embora. — Peguei a esponja e
esfreguei no sabonete antes de passar nas costas dela.
— Talvez eu não queira que ele vá embora. — Ela apoiou as mãos na
lateral da banheira e se ergueu para posicionar meu pau direto na abertura
dela. Mesmo com a água agitada da banheira, eu podia sentir sua umidade
cobrindo minha cabeça.
Passei meu braço em volta de sua cintura.
— Liv, você está cansada e já passou por muita coisa esta noite.
— Eu sei. Eu poderia ter morrido. — Sua voz falhou.
Puxando-a para perto de mim, passei os dois braços em volta dela, mas
ela tinha outras idéias. Quando me movi, ela mexeu os quadris e afundou
em mim. Ela estava apertada ao meu redor e eu gemi. O êxtase elétrico de
estar dentro dela novamente quase quebrou meu controle.
A abraçando fortemente contra meu peito, mordisquei seu ombro e
apertei mais forte quando sua bunda estava totalmente assentada no meu
colo, seu aperto aveludado forte enviando arrepios de felicidade por todo o
meu corpo.
— Pulamos alguns passos. — Corri meus dentes ao longo da curva de
seu pescoço.
— Vai ter muito tempo para compensar isso. Mas agora, eu preciso de
você. — Ela me olhou por cima dos ombros.
Como se eu pudesse negar qualquer coisa a ela. Levantando-a, eu guiei
meu pau mais forte dentro dela. Meus braços estavam apoiados em seu
peito, e ela se segurou neles. Deixei cair uma das minhas mãos na água e
corri meus dedos ao longo de seu clitóris.
— Eu sabia que você ia conseguir improvisar. — Sua risada ricocheteou
nas paredes do banheiro de azulejos. A água espirrou pela borda da
banheira enquanto nossos movimentos febris aumentavam.
— Não vou perder uma única oportunidade de fazer você gozar. — Eu
belisquei seu clitóris e ela sibilou. Suas pernas dispararam para a frente e
sua boceta apertou em torno do meu pau. Eu segurei um xingamento e
mantive meu ritmo. Seus dedos cravaram em meu antebraço, mas eu
continuei, determinado a tirar as lembranças ruins de sua mente.
— Ford! — ela gritou e estremeceu contra mim. O aperto brutal no meu
pau quase me levou ao limite. Eu tirei seu prazer, mas deixei seu clitóris
sensível em paz. Provocando e beliscando, eu rolei seus mamilos entre
meus dedos enquanto ela estremecia em meus braços.
Meus dedos correram sobre sua barriga, acariciando-a enquanto eu
deslizava em um ritmo mais lento, mudando os ângulos de minhas
estocadas. Sua cabeça caiu no meu ombro e ela tremia enquanto um
orgasmo lento e constante a percorria.
Quando ela alcançou outro pico, eu me soltei e a apertei com mais força
contra mim, bombeando dentro dela. Sua bunda macia bateu nas paredes de
ladrilhos.
— Eu sempre estarei aqui para você. Nunca pense que eu estaria melhor
sem você. — Eu a abracei contra mim, desejando estar olhando em seus
olhos.
Ela assentiu. Seu cabelo úmido esfregou contra meu peito.
Peguei a esponja e o sabão novamente. Suas pálpebras tremeram
enquanto eu a lavava. Eu a ajudei a sair da banheira, tomando cuidado com
a água derramada no chão, e a enxuguei. Deslizando a camiseta sobre sua
cabeça, deixei meus dedos deslizarem sobre sua pele. Peguei sua mão e a
coloquei na minha cama, exatamente onde ela pertencia.

Nunca estive mais feliz com o fim da temporada. Ficamos na cama por
dois dias inteiros. Jack, a contragosto, nos forneceu hambúrgueres do Fish's,
e eu peguei meu notebook e o coloquei no quarto para que pudéssemos
assistir a filmes. Caixas de comida espalhadas pelo chão ao redor da minha
cama. Na primeira noite, ela acordou com pesadelos, e eu tomei o caminho
longo e vagaroso para banir esses pensamentos de sua mente com orgasmos
ofegantes e devastadores.
Ela mordiscou o lábio inferior, se sentando de pernas cruzadas no centro
da minha cama. Me deitei com a cabeça apoiada nos braços atrás da cabeça.
Meu olhar rastreou cada separação de seus lábios enquanto ela tentava
organizar seus pensamentos. As engrenagens estavam girando em sua
cabeça.
— Eu não vou para a faculdade de medicina — ela deixou escapar.
Mantendo minha expressão neutra, me sentei.
— Por que não? Grant disse que você tinha se decidido.
— Eu tinha. Comecei a procurar prazos de inscrição, até mesmo
terminei alguns online na noite do... você sabe. — Ela puxou os cobertores
embaixo dela.
— O que mudou entre antes e agora?
Ela olhou para mim.
— O incêndio. Eu tinha certeza de que seguir esse caminho era o mais
seguro. Era o que se esperava de mim. Era o caminho que eu precisava
seguir para provar a mim mesma que eu poderia fazer isso, e quando eu
estava engasgando com a fumaça e rastejando para fora do meu
apartamento com o mundo inteiro em chamas ao meu redor, você sabe o
que passou pela minha cabeça?
— Corre?
Ela sorriu e jogou um travesseiro na minha cabeça.
— Bom, depois disso. Foi você. Eram você e Colm, Heath, Declan,
Mak, Kara, Emmett, Avery, Sylvia... — Sua garganta apertou. — Grant. Era
que eu não seria capaz de dançar novamente se algo acontecesse comigo.
Eu não tocaria em você de novo, e não faria margaritas para todos ou
chutaria sua bunda nas Palavras-Cruzadas. Isso é o mais importante para
mim. É isso que eu preciso valorizar, não fugir me enterrando em meus
livros pelos próximos sete anos e nunca ter tempo para ninguém. Sempre
quis ser como meus pais, mas não quero mais isso. Eles nunca estiveram lá
para mim e Colm, não como deveriam estar. Tentar viver de acordo com
algum ideal que eles tinham em suas mentes é uma loucura. Eu não quero
isso.
— Que bom. — Cobri as costas da mão dela com a minha. — Você
seria uma médica incrível, mas não era isso que você deveria ser.
— Agora só preciso descobrir como contar ao Colm. — Ela caiu de
costas na cama, jogando o cabelo esvoaçante pela minha cama em uma
cascata dourada.
— Nós podemos fazer isso juntos. — Enlacei meus dedos nos dela e a
puxei para o meu colo. — Então você pode me ensinar alguns movimentos,
e talvez eu me junte à sua próxima turma. Eu posso ser seu assistente.
Ela jogou a cabeça para trás.
— Eu pensei que você odiava as pessoas olhando para você.
— Por você, eu faria esse sacrifício. — Me sentei e salpiquei seu rosto
com beijos. A risada dela era a coisa mais linda do mundo, e eu passaria o
resto da minha vida garantindo que ela risse todos os dias.
Pulei da cama e peguei uma calça de moletom para ela. Depois de
amarrar na cintura e enrolar as pernas umas dez vezes, elas eram utilizáveis.
Eu precisava pegar algumas roupas para ela, não que eu não gostasse de vê-
la andar pelo meu apartamento com minhas roupas – ou melhor ainda, sem
nada.
Parados lado a lado na cozinha, preparamos o café da manhã. Música
tocava no meu telefone e dançávamos enquanto fazíamos salsichas e ovos.
A torrada saltou da torradeira e ela assumiu o serviço de passar manteiga.
Sentamos à mesa, ambos comendo com uma das mãos, olhando pela
janela e vendo as nuvens se afastarem, revelando um lindo céu azul. Sentar
em cadeiras separadas depois de estar na cama quase que o tempo todo
parecia longe demais. Ela esfregou o polegar nas costas da minha mão. Eu
queria isso pelos próximos setenta anos. Ela bebeu o resto de seu suco;
então eu peguei seu prato e coloquei na máquina de lavar louça. O telefone
de Liv tocou no balcão. Ela o pegou e mastigou o último pedaço de bacon.
Meu telefone apitava com cada mensagem recebida no bate-papo em
grupo que alguém deve ter feito. Eu rolei até o topo da conversa.
Mak: Liv! Vimos o jornal, você está bem?
Avery: Liv, onde você está?
Kara: Isso aconteceu há 2 dias e só descobrimos agora?!
Declan: Você precisa de alguma coisa?
Heath: Você fez isso pra tentar se livrar das provas?
Liv: Estou bem, obrigada por virem me checar.
Emmett: Onde você está?
Kara: Você está segura?
Liv: Estou segura.
Ela fez uma pausa e olhou para mim.
Liv: Vou ficar com um amigo.
Mak: Você precisa de roupas? Você precisa substituir seus livros?
Enviar e-mail para seus professores?
Liv: Tudo isso, mas posso me virar.
Avery: Pelo menos deixa a gente te levar para comprar roupas novas.
*Abraços*
Emmett: Avery se oferecendo para fazer compras. Finalmente,
peguem meu cartão de crédito!
Eu: Ela pode usar o meu
Heath: Bem-vinda à conversa, bela adormecida!
Meus lábios se apertaram.
Liv: Obrigada por todas as ofertas, mas sei que todos estão ocupados.
Mak: Nem tente. A temporada de hóquei acabou. Nos diga onde você
está e nós vamos te buscar.
Sua cabeça se levantou com tudo e seus olhos se arregalaram.
Liv: Eu posso encontrar vocês na Quadra Rittenhouse.
Kara: Em uma hora?
Liv: Perfeito!
Passei meus braços em volta dela por trás.
Liv: E todos podem, por favor, não contar ao Colm? Ele só vai pirar e
voar de volta para cá e não tem motivo para isso.
Todos responderam que guardariam para si.
— Eu ia levar você para fazer compras.
Ela riu e se empurrou contra mim, sem dúvida sentindo o empurrão
insistente do meu pau contra suas costas.
— Prefiro não ser presa por atentado ao pudor.
Mordiscando seu lóbulo da orelha, dei um tapa em sua bunda.
— Sou incrivelmente discreto.
Se virando em meus braços, ela passou as mãos nas laterais do meu
rosto.
— Não tenho dúvidas disso, mas vai ser bom para mim ver elas. Talvez
eu até compre algumas surpresas para você. — Ela piscou.

Eu pesquisei online por um lugar onde poderíamos ir quando o semestre de


Liv terminasse, algum lugar para fazer uma pausa e reiniciar, deixar nossos
telefones em casa e apenas ficarmos juntos.
Meu telefone tocou ao meu lado. Deslizando meu dedo pela tela, levei
até o ouvido.
— Você viu a Liv?
— Oi, Colm. Vi. Ela está fazendo compras com as meninas agora.
— Compras? Ela não tem roupas suficientes?
Eu apertei meus dentes. Ele não sabia da situação, e eu prometi a Liv
que não contaria a ele.
— Ela está acompanhando. Uma pausa vai ser bom pra ela. Ela
trabalhou muito neste semestre.
— Mas ela pode fazer melhor.
— Por que você está sempre no pé dela? É uma enxurrada ininterrupta
de expectativas e ela nunca é boa o suficiente pra você. Dê a ela um pouco
de espaço.
— O que diabos faz de você uma autoridade nisso? Ela é minha irmã.
Eu quero o melhor para ela.
— Você quer o que é melhor para você. Você quer que ela corte um
pedaço de seu coração para cumprir esta visão ideal que você tem em sua
cabeça que não existe. — Eu não deveria ter dito isso, mas ela passou por
um desastre e quase morreu. Ela precisava de uma pausa em toda aquela
pressão antes que ela quebre.
— Foi isso que ela te disse?
— Ela não precisa. Qualquer pessoa que a viu dançar sabe como isso é
importante para ela.
Ele bufou.
— Isso não é uma carreira de verdade.
— Talvez possa ser. Ela é uma ótima professora e pode fazer o que for
preciso para que isso funcione.
— Ela não é professora. Isso não depende de você.
— Não depende de você também. Depende dela, e ela iria para a
faculdade de medicina só para agradar você. — Saltando da minha cadeira,
joguei minha mão para o ar. — Ela se colocou sob pressão esmagadora por
algo que ela não queria. Você deveria estar feliz por ela não estar indo para
a faculdade de medicina porque, se fosse, seria do outro lado do país para
ficar longe de você e de suas expectativas. Você está tentando empurrar ela
nesse papel de criança e controlar a vida dela, mas você só está a afastando.
— Minha respiração pesada preencheu o silêncio da sala.
Ele ficou quieto por um momento.
— Ela não vai para a faculdade de medicina?
Eu estremeci e fechei os olhos com força. Porra!
Arrastando minha mão pelo meu cabelo, eu desabei na minha cadeira.
— De tudo que eu acabei de dizer, é nisso que você se concentra? Você
está pressionando ela demais.
— Eu a verei quando pousar no final da semana. — Ele encerrou a
ligação e eu abaixei minha cabeça. Adicione outro ponto à coluna de
merdas que Ford fez.
Eu tive as próximas horas para repassar isso na minha cabeça. A porta
da frente se abriu e eu me repreendi enquanto respirei fundo. Liv voltou das
compras com algumas sacolas cheias até o topo, e eu deixei cair as luvas de
forno com a angústia em seu rosto.
Ela colocou as sacolas no chão e se afastou delas como se estivessem
cheias de cobras vivas.
— Elas disseram que era um pagamento por todas as maquiagens que
fiz para elas ao longo dos anos. — Ela mordeu o polegar. — Eu ficava
dizendo que não precisava de tudo isso. Eu disse que vou conseguir novos
cartões de crédito no banco. Posso substituir todas as minhas coisas
sozinha...
Um arco-íris de cores e tecidos transbordou das bolsas.
— Elas estão preocupadas e querem fazer algo de bom para você. Você
já passou por muita coisa. Eles querem mimar você. — Passei meu braço ao
redor dela e deslizei meus dedos ao longo de sua clavícula. — Eu quero
mimar você.
32

LIV

A música final triunfante saiu pelo notebook e a cena cortou para a


tela preta. Os nomes rolaram para cima na tela em branco. Os
Bandidos Molhados sempre me assustaram quando eu era
pequena, mas assistindo agora, Kevin McCallister praticamente cometeu
pelo menos umas quinze tentativas de homicídio nesse filme. Ford riu de
mim por ainda assistir os créditos. Essas pessoas contribuíram para o filme,
então o mínimo que eu podia fazer era ver seus nomes passando pela tela.
— Não acredito que você não tem TV no quarto — gritei, passando o
dedo pelo trackpad do computador dele.
— Minha sala de estar fica literalmente a três passos do meu quarto —
ele gritou através da parede do quarto que acabava em três metros de altura.
— Mas você não tem uma cama na sua sala de estar.
— Não vou colocar uma TV no quarto. — O microondas apitou. O
cheiro deliciosamente amanteigado e salgado flutuou no ar até o quarto
elevado. Os sons de Ford se mexendo na cozinha também chegaram.
Deitada no meio da cama, rolei a lista de filmes para encontrar outro.
Filmes e programas de TV barulhentos ajudaram a me manter distraída,
sem falar nas próprias técnicas de distração de Ford.
Eu estive em um embargo estrito de comunicações desde o incêndio.
Tudo parecia muito mais alto e caótico desde aquela noite. Eu precisava
ficar escondida em um casulo. As ligações de Colm estavam começando a
ficar demais. Enviei uma mensagem.
Eu: Eu te amo, estou lidando com algumas coisas agora, e preciso
que você confie em mim que tudo vai ficar bem.
Mentir para ele nunca veio naturalmente; portanto, havia apenas uma
solução. Eu desliguei meu telefone. Ha! E ele achava que eu não era boa
em resolver problemas. Ele vai estar na cidade no fim de semana, e eu vou
poder sentar com ele para conversar pessoalmente. Na verdade, talvez não
fosse uma boa ideia.
Talvez eu pudesse enviar um pombo-correio e fazer com que ele
entregasse um bilhete meu enquanto ele estivesse no aeroporto de LA. Ficar
trancado dentro de um tubo de metal por oito horas o ajudaria a acalmar os
nervos. Nenhum lugar para correr. Ou eu encaro isso e tenho a conversa,
faço ele entender o quanto significava forjar meu próprio caminho.
A gola da camiseta enorme do Ford – bem, enorme para mim – pendia
sobre meu ombro. Ford encheu meu pescoço com beijos, os jogando sobre
mim e deixando minha pele em chamas. Ele deslizou a tigela de pipoca
sobre a mesa ao lado da cama e fechou o notebook.
— Pensando no que?
Virei minha cabeça e ele capturou meus lábios sem perder um segundo.
Como passei semanas sem isso?
— Em você — eu sussurrei contra sua boca.
— Vai ser difícil conseguir se livrar de mim agora.
Meu estômago embrulhou. Eu nunca quis me livrar dele. Não era só a
forma com que ele falava com o meu corpo; era a vida que ele soprou em
minha alma. Havia uma parte de mim que ganhava vida sempre que ele
olhava fundo nos meus olhos.
Desabotoando meu sutiã, que eu estava usando apenas por cerca de
vinte minutos, ele fez um som de desaprovação e o arrancou do meu corpo.
Seus dedos mergulharam sob a malha de algodão macio e ele empurrou a
camisa até o meu pescoço. Minha pele arrepiou quando o ar frio correu
sobre meus seios. Ele baixou os lábios para o meu mamilo, sugando em sua
boca e provocando com os dentes.
Eu engasguei e corri minhas mãos ao longo de suas costas. Minha
boceta latejava, pulsando e exigindo atenção. Corri minhas mãos por seu
cabelo, aumentando meu aperto com cada beliscada. Ele mudou de lado,
rolando meu mamilo entre os dentes e girando sua língua em torno do meu
pico tenso.
Levantando mais o peso, ele se abaixou, descendo pelo meu corpo até
que seus dedos brincaram com o cós da calça de moletom que eu ainda
usava, embora eu tivesse a minha agora. Como se a calça e a calcinha nem
estivessem lá, ele as abaixou e tirou de mim em um piscar de olhos,
jogando-as por cima do ombro.
Ele passou as mãos pelas minhas coxas.
— Faltam mais três dias até que eu precise deixar este apartamento. Vou
te prender na cama até lá.
— E as minhas aulas? — Eu empurrei meus cotovelos.
— Tudo bem, você pode ir dar as aulas, mas vou lá te buscar e trazer de
volta pra cá. — Faíscas de excitação percorreram meu corpo. Quando
estávamos separados, me tocar só me fazia pensar nele e em nossas ligações
tarde da noite que sempre terminavam comigo gritando meu alívio em meu
travesseiro. Eu não precisava abafar meus sons agora. Ele colocou a mão na
minha barriga e separou meus joelhos com os ombros.
— E meus estudos? — Minhas palavras saíram ofegantes e trêmulas.
— O único estudando serei eu – estudando cada centímetro de você e
tentando ver de quantas maneiras eu posso fazer você gozar. — Ele arrastou
os dedos da minha barriga e provocou meu clitóris.
Eu o encarei entre as minhas pernas com minha cabeça girando.
Enganchando suas mãos atrás dos meus joelhos, ele levantou minhas
pernas, abriu e as empurrou em direção ao meu peito. Eu estava
completamente exposta e à mercê da deliciosa promessa em seus olhos. Se
eu conseguisse passar a noite sem me perder totalmente para ele, seria um
milagre.
Meus músculos se contraíram em antecipação ao seu toque. Sua
respiração deslizou pela umidade que cobria minhas coxas e minha boceta.
— Senti sua falta.
Eu ri e seu olhar se fixou no meu.
— Você está falando comigo ou com minha boceta?
— Com as duas — ele rosnou antes de deixar cair a cabeça, pintando
minha abertura com a língua. Meu corpo tremia enquanto ele chupava meu
clitóris em um ritmo longo e pulsante que fez meus dedos do pé se
curvarem. Eu agarrei a cama embaixo de mim e gritei, cravando meus
calcanhares em seus ombros. Ele tirou uma mão de trás do meu joelho.
Usando o polegar, ele esfregou meu clitóris e afundou dois dedos em mim,
mergulhando profundamente e me esticando, mas nada me preenchia como
seu pau.
— Você sabe o que eu quero.
Minhas coxas se apertaram em torno de sua cabeça, o raspar da barba
macia contra minha pele hipersensível. Minhas costas arquearam para fora
da cama e gritei o nome dele. Ecoou no teto de altura industrial, e eu
empurrei contra ele. Plantando mais um beijo no meu clitóris, ele soltou
minhas pernas. Estremeci e as deixei cair sobre os cobertores frios embaixo
de mim.
Ele abriu um caminho com beijos pelo meu corpo até a minha boca. O
peso de sua ereção cutucou minhas dobras já lisas abertas.
Levantando seu corpo, ele me prendeu embaixo dele. O movimento de
seus quadris significava que eu nunca ia me recuperar totalmente do meu
último orgasmo.
— Você não disse que sentia minha falta também. — A cabeça coberta
de látex me esticou. Guiando como um míssil em busca de calor, ele nem
precisava das mãos.
— Já faz dias. Pensei que você soubesse. — Meus olhos rolaram para
trás e minhas pálpebras tremeram. Eu engasguei com seu impulso firme e
gemi. Engatando minhas pernas em volta de sua cintura, eu me abri ainda
mais, cavando meus calcanhares em sua bunda musculosa.
— Você precisa dizer. — Ele mordiscou meu queixo.
Seu osso púbico se chocou contra meu clitóris, enviando rajadas de
prazer arrepiantes pelo meu corpo. Agarrei a roupa de cama embaixo de
mim e em suas costas, o tecido amontoado sob meu controle.
— Também senti sua falta. — Eu deslizei meus braços sob os dele e
agarrei sua nuca. Mordi seu ombro, gritando para ele enquanto tremia e
estremecia. Suas estocadas aceleraram, enquanto ele se esfregava em mim e
prolongava meu orgasmo até minha visão tremeluzir.
Ele aumentou seu aperto nas minhas costas, gemendo no meu pescoço.
A pulsação de seu pau me enviou em outro orgasmo, me partindo. Eu
estava caindo aos pedaços. Me desfazendo com o clímax sem fim que
roubou minha respiração.
Rolando para o lado, sua garganta subiu e desceu. Ele me puxou para
perto de seu peito. Nossos corações batiam em uníssono enquanto nos
acalmavámos da explosão.
Eu descansei minha cabeça contra seu peito e corri meus dedos ao longo
de sua pele. Contentamento se estabeleceu profundamente nas rachaduras
em minha alma que eu não sabia que estavam lá. Não havia inquietação ou
preocupação de que eu precisasse fazer algo. Só havia a ascensão e queda
de seu peito e sua posse completa do meu coração.

Me inclinando sobre o console central, beijei Ford novamente. Ele segurou


minha nuca e me puxou para seu colo. Eu pulei com a buzina aguda quando
meu quadril bateu no volante.
— Vou levar você para sair no seu aniversário hoje à noite.
Eu sorri.
— Você lembrou.
— Eu nunca esqueceria.
— Com tudo o que aconteceu, eu quase esqueci. As garotas me
lembraram quando estávamos fazendo compras e já te colocaram nessa
também – Mak e os caras me convidaram para sair com eles. Quando liguei
meu telefone de novo, Marisa estava tão chateada. — Eu vou compensar ela
por isso.
Ele apertou seus braços em volta de mim e esfregou seu nariz contra o
meu.
— Então eu vou te levar pra tomar a primeira bebida legal.
Eu o beijei nos lábios e alcancei a maçaneta da porta.
— Combinado! — Abrindo, pulei para fora do carro. Se eu não fugisse,
acabaríamos nos agarrando no carro. — Te ligo quando terminar. — Fechei
a porta e ele baixou a janela. Me inclinando, corri meus dedos por seu
cabelo. — São só algumas horas.
— Tem certeza que não quer que eu espere com você?
Eu ri e descansei minha testa contra a dele.
— Posso cuidar disso. Falar com o meu reitor não vai ser a conversa
mais difícil. Isso parece certo, como uma fênix renascida das cinzas. — Se
eu não tivesse acordado e sentido o cheiro da fumaça ou a tivesse sentido,
mas a tivesse afastado como das outras vezes em que o cheiro de queimado
invadiu nosso apartamento, onde eu estaria agora? O medo borbulhou e eu
o empurrei para baixo. Pensar no que podia ter acontecido só iria me deixar
louca. Me deixou louca depois que meus pais morreram, e eu não iria fazer
isso comigo. Esses seriam os primeiros passos na minha nova vida.
— Vá fazer o que precisa e eu estarei aqui quando você terminar.
Eu o soltei e me voltei para o meio-fio em frente ao prédio do meu
reitor acadêmico, acenei para Ford. Ele olhou para mim enquanto eu subia
os degraus. Isso deveria ser assustador. Deveria ser loucura. Mudar de curso
no final do primeiro ano? Quem faria isso? Eu, eu vou fazer.
Minha perna balançou para cima e para baixo na sala de espera. Isso era
o que eu queria. Por que ficar nervosa?
Minha boca estava tão seca que peguei um copo de papel e enchi até o
topo. A recepcionista chamou meu nome. Eu engasguei com minha água,
derramando na minha camisa. Minhas palmas estavam úmidas e a sensação
era que eu havia colocado elas debaixo de uma torneira.
O reitor abriu a porta e me convidou para sentar. Minhas mãos
tremeram e me sentei na beirada da cadeira. Respirando fundo, eu vomitei a
coisa toda antes que ele pudesse dizer uma palavra.
Completamente sem fôlego, me recostei na cadeira e me preparei para o
julgamento.
— Estou contente por você estar segura. Se você precisar de alguma
coisa deste escritório ou dos professores, por favor nos avise. Estamos aqui
para garantir que você não precise lidar com este momento difícil sozinha.
— Tenho amigos e família me ajudando.
— Que bom, mas não hesite em mandar uma mensagem. Não estou
dizendo isso só pra parecer legal.
Eu concordei.
— Em que curso você está pensando? — Ele se virou na cadeira e
clicou no computador.
— Só isso? Você não vai tentar me convencer do contrário?
— Você sabe quantos alunos de medicina vêm aqui querendo um novo
curso? Você não é a primeira e certamente não vai ser a última. Não posso
dizer que a maioria deles chega perto das notas que você tem, mas apenas
uma pequena porcentagem das pessoas que pensam que querem ser médicas
realmente se formam. Não se preocupe com isso. — Ele acenou com a mão
como se não fosse grande coisa.
Uma risada vertiginosa saiu de meus lábios.
— Não é a primeira que eu ouvi isso também. Com suas notas e
algumas das disciplinas eletivas que você tem, você pode mudar de curso
para praticamente qualquer coisa. Você vai precisar fazer algumas aulas de
verão, dependendo de qual escolher. Há muitas ofertas online agora, mas
você ainda vai poder estar na formatura com o resto da sua turma. O que
você tem em mente? — Ele girou em sua cadeira para me encarar
totalmente.
Minha boca estava aberta e eu vasculhei meu cérebro. Com a medicina
fora da jogada, minha mente ficou em branco. Muito bem, Liv. Eu poderia
pelo menos ter bolado um plano para o que viria a seguir.
Eu soltei a primeira coisa que me veio à mente.
Trinta minutos depois, eu era oficialmente uma estudante de
administração. Desci correndo os degraus, praticamente pulando.
Administração é a combinação perfeita do que eu preciso. Eu não quero dar
aula para sempre, mas dirigir minha própria escola de dança é uma
possibilidade real. Talvez isso convencesse Colm de que estava falando
sério. Eu não seria apenas uma professora de dança, mas uma empresária.
O dinheiro da herança estava lá, e agora eu tinha um plano para o que
poderia fazer com ele. Qualquer medo do que eu faria quando não estivesse
no caminho traçado para mim se dissipou. Com algumas aulas de verão
online, minha formatura iria ser adiada até o próximo verão, mas isso não é
grande coisa.
Qualquer carga horária depois da que eu tinha ia ser moleza. Eu vou
terminar o último semestre forte para manter meu GPA alto, e um novo
capítulo da minha vida vai começar no verão.
Peguei meu telefone e toquei em meus contatos.
Ela atendeu no primeiro toque, parecendo grogue, embora já passasse
das duas da tarde.
— Você ainda estava dormindo?
Afastei o telefone da minha orelha com seu bocejo enorme.
— Tenta dormir um pouco quando esses caras dão festas com tanta
frequência que parecem pensar que é um esporte olímpico.
Eu ri.
— O Brothel não é o bastião de noites tranquilas que você esperava?
Marisa suspirou.
— Não acreditei neles quando disseram que as festas acontecem do
nada, mas já vi acontecer. Agora eu acredito. As pessoas trazem seus
próprios barris e os colocam na sala de estar. É insano.
— Além de não conseguir dormir, como você está?
— Escondida dentro de casa. Recebi prazo extra pra todos os trabalhos
que tinha para entregar esta semana, então estou hibernando e fazendo LJ
me alimentar para manter suas tendências superprotetoras sob controle.
— Estou feliz que ele esteja aí pra você.
— Eu também. — Eu mal conseguia entender as palavras. — Como
você está lidando com essa pausa nos estudos? Você fez Ford criar uma sala
de estudos para você na casa dele?
— Não, acabei de sair do escritório do reitor. Adivinha quem vai se
especializar em administração agora?
— Passou da hora! Se eu tivesse que te ouvir sobre a sua obrigação de
ser médica mais uma vez eu ia te estrangular.
— Ei! — Saí do meio-fio e atravessei a rua em direção ao café logo
depois do campus.
— O senhorio ligou e disse que devemos conseguir entrar em nossa
casa para ver o que pode ser recuperado amanhã.
O calor das chamas lambendo meus braços enquanto descíamos
correndo as escadas voltou para mim. O que pode ter sobrado?
— É o número um na lista de coisas que não quero fazer.
— Nem todos nós podemos substituir todos os nossos bens materiais de
uma hora para outra.
Eu me encolhi com o quão ruins minhas palavras soaram.
— Desculpa.
— Não se preocupe com isso. Você tem permissão para um comentário
de garota rica privilegiada de vez em quando. Estou bem vestindo boxers e
camisetas do LJ até o meu próximo pagamento.
Agora eu realmente me sinto uma amiga de merda.
— Podemos fazer compras quando meus cartões novos chegarem.
Pensa nisso como um presente de aniversário pra mim.
— Achei que eu devia te dar alguma coisa de aniversário.
— Nah, eu posso escolher o que eu quero e eu quero te dar algumas
coisas.
— Eu normalmente diria não, mas visto que a maioria das minhas
coisas é provavelmente uma pilha carbonizada de entulho, vou te deixar
fazer isso dessa vez. Então, para onde estou levando você no seu
aniversário?
— Os Kings vão me levar para sair. Posso te mandar uma mensagem
sobre onde me encontrar assim que me disserem.
— Parece bom. Alguém acabou de sair do banheiro. Esses caras são
piores que garotas e eu preciso tomar um banho, então tenho que ir.
Conversamos depois. — Ela encerrou a ligação e eu pedi meu café.
Talvez Ford estivesse pronto para umas férias em algum lugar.
Poderíamos passar o verão em um lugar com uma boa conexão de Internet
para que eu pudesse assistir às minhas aulas, e poderíamos descansar na
piscina, comer uma comida incrível e passar o tempo que quiséssemos na
cama. O que quer que fosse, as coisas finalmente estavam se encaixando.
Eu não conseguia tirar o sorriso do meu rosto. Tudo estava perfeito.
33

FORD

T entei ligar para Colm, mas ele deixava todas as chamadas caírem
na caixa postal. Liv não estava pirando, então eu esperava que isso
significasse que ele decidiu seguir o que eu pedi a ele para fazer e
não dizer nada para Liv até que ele pousasse, até que eu tivesse a chance de
falar com ele.
Ela saiu do banheiro e girou no corredor. Sua maquiagem fazia com que
ela parecesse como a Liv, mas não a Liv.
— Eu disse que tinha uma surpresa. — Ela pousou as mãos no meu
peito e, de salto, não precisou ficar na ponta dos pés para me beijar. Eu
passei meus braços em volta dela. Minhas mãos traçaram para cima e para
baixo em suas costas. O tecido liso deslizou sob o meu toque, e eu queria
arrancá-lo com meus dentes.
— E se a gente ficasse aqui para o seu aniversário? Tenho certeza que
posso fazer disso uma celebração que você não vai esquecer.
— Nem pense nisso. Vou sair para tomar minha primeira bebida dentro
da lei e você vai comprar para mim, lembra? — ela disse contra meus
lábios. Ela tinha gosto de morango.
— Se é isso que você quer, talvez não devesse estar usando esse vestido.
— Eu espalmei sua bunda e a levantei na ponta dos pés.
Rindo, ela empurrou contra meu peito até que eu a deixei cair, e então
ela pegou sua bolsa.
— Vamos. — Ela atravessou a rua na minha frente e eu descansei minha
mão na parte inferior de suas costas, guiando-a para o Fish’s.
Seu vestido verde apertado virou mais do que algumas cabeças. Eu
estava igualmente orgulhoso e pronto para rosnar para qualquer um que
olhasse por muito tempo, mas ela estava no meu braço esta noite, e ela
estaria na minha cama em algumas horas.
Jack deixou alguns copos no meu lugar habitual na outra extremidade
do bar. Peguei os dois e estendi um para ela.
Ela se aproximou, a luz captando a cor de seus olhos e refletindo em seu
vestido, iluminando-a como uma joia.
— Obrigada pela minha primeira bebida dentro da lei. — Seus lábios se
curvaram em um sorriso malicioso, do mesmo tipo que ela sabia que me
deixava louco. Deixando seus dedos permanecerem nos meus, ela pegou o
copo da minha mão.
O ruído de fundo do bar desapareceu. Nosso cantinho tranquilo se
tornou meu mundo inteiro. Não havia cabines ali. Era o meu local favorito
onde, mesmo que estivesse cheio, nunca tinha ninguém por perto.
— Feliz Aniversário. — Beijei cada sílaba contra o lado de seu rosto.
Fish's era o lugar perfeito para levá-la para sua primeira bebida. Estava
silencioso, embora uma crítica recente da Revista da Filadélfia sobre sua
excentricidade pitoresca tenha trazido novos visitantes.
Flashes dispararam na frente do bar enquanto as pessoas tiravam selfies
e fotos de seus pratos. Aparentemente, comida de bar que realmente parecia
comida de bar era a nova moda. Algumas cabeças se viraram quando
entramos, mas, fora isso, ninguém pareceu me notar, o que era exatamente
como eu gostava. Eu não queria lidar com os fãs essa noite, não quando eu
tinha tantos planos para Liv.
— Eu digo que devemos pular a celebração em grupo e apenas voltar
para o apartamento. — Ela traçou as mãos ao longo da barra da minha
camisa. Seus dedos roçaram minha pele e o sangue correu para o meu pau.
Envolvi meus dedos em torno de seu pulso.
— Isso é um teste? Você é quem queria sair. Você não vai me provocar.
O barulho da multidão ficou mais alto e mais flashes dispararam na
frente do bar. O lugar estava se transformando em uma sessão de fotos.
— Qual é a graça se eu não fizer isso? — Ela abaixou a mão, trazendo a
minha com ela. Inclinando suas costas para bloquear a visão de qualquer
pessoa por perto, ela deslizou minha mão entre suas coxas.
Eu tracei meus dedos ao longo da pele macia entre suas pernas. Eu
coloquei uma mão sobre sua bunda para manter seu vestido abaixado e corri
meus dedos mais alto. Ela respirou fundo, estremecendo, e envolveu meu
antebraço com as mãos.
Apoiando minhas costas contra a parede, eu encarei seus olhos. Eles
queimavam com um desejo que eu conhecia tão bem, que eu provei em
meus lábios e mal podia esperar para provar novamente. Eu empurrei meus
dedos mais alto e rocei contra sua pele nua. Ela não estava usando calcinha.
A evidência do quanto ela gostou da minha provocação revestiu a parte
interna das suas coxas. Meu polegar roçou ao longo da abertura da boceta.
Ela soltou um longo suspiro e apertou meu braço com força.
— Assim que eu chegar em casa, não vou parar até tirar o último
orgasmo de você. — Corri minha outra mão ao longo de sua nuca e
pressionei minha boca contra sua orelha. A umidade cobriu meus dedos e
empurrei dois dentro dela. Sua boceta apertou em torno dos meus dedos
invasores.
Ela lambeu os lábios.
— Isso é um desafio?
Seu corpo tremia e seus joelhos cederam. Passei meu braço ao redor
dela e a segurei.
— Vou passar a noite toda com o seu cheiro nos dedos. Cada vez que eu
tomar uma bebida ou comer, vou estar pensando em você e fazendo planos
para o que vai acontecer quando a porta da frente se fechar atrás de mim.
Seus lábios se separaram e ela olhou para mim com um olhar atordoado.
Ela balançou com mais força contra mim.
Passei meu polegar em seu clitóris e ela abafou seu gemido. Meu pau
pressionou contra meu jeans, mas o desconforto valeu totalmente a pena.
Corri meu polegar ao longo de sua mandíbula; seu pulso trovejou contra
minha palma. Meu pau latejava com seu gemido suave e a maneira como
ela mal conseguia manter a compostura. Seus tornozelos balançavam em
seus saltos altos. Eu segurei sua boceta e arrastei meu polegar em seu
clitóris novamente.
Ela tremeu e sua mão disparou, agarrando minha camisa. Agarrando o
tecido em seu punho, suas costas se arquearam e seus olhos se fecharam.
— Eu acho que você gostou disso — eu sussurrei em seu ouvido.
Seu gemido baixo e quase desabamento em meus braços confirmaram
isso. Eu puxei para baixo a saia de seu vestido, me certificando de que
ninguém visse nada.
— Acho que criei um monstro. — Ela riu e encostou a bochecha no
meu ombro.

O táxi parou no meio-fio do clube. Liv passou o braço pelo meu e o


segurança ergueu a corda de veludo. Entramos, passando pela longa fila de
pessoas que se estendia pelo quarteirão. A música batia e martelava,
retumbando no meu peito.
— Eles precisavam deixar isso tão alto? — Enfiei o dedo no ouvido.
— Diz o velho. — Ela bateu com o quadril na minha perna. — Esse é o
ponto principal – deixar tão alto que ninguém consegue pensar nas decisões
ruins.
Me puxando pela pista de dança, ela subiu os degraus até uma pequena
área elevada que estava isolada por cordas. As pessoas ao nosso redor se
moviam como um mar ondulante de confusão bêbada. Ela soltou minha
mão e eu lutei contra a vontade de segurar novamente.
Contar a todos sobre nós antes de dizermos a Colm não era certo. O
resto da noite seria estritamente controlado. Corri minha mão pelo meu
queixo e senti o cheiro dela em mim. Era tão inebriante quanto qualquer
bebida. Eu estaria bêbado de Liv até o final da noite.
Ela acenou para os Kings e suas rainhas além da corda, e o segurança do
segundo nível nos deixou passar. Todo mundo tinha olhares sombrios em
seus rostos. Olhando por cima do ombro para mim, suas sobrancelhas
baixaram.
Dei de ombros.
— Por que parece que vocês acabaram de descobrir a verdade sobre o
Papai Noel? — Ela sorriu para eles.
Seus olhos dispararam entre nós dois, e meu estômago afundou. Eles
sabiam.
Emmett pegou o telefone e o entregou a Avery como se não quisesse ser
aquele quem entregasse a notícia diretamente. Avery colocou nas mãos de
Liv enquanto Mak e Kara fechavam as fileiras, envolvendo os ombros de
Liv com os braços.
Me aproximei e Declan colocou as mãos contra meu peito, me
mantendo longe.
— Que porra está acontecendo? — Eu perguntei.
— Não é bom. — Heath balançou a cabeça e parecia que alguém havia
dito que ele não podia mais olhar as estrelas. Ele quase sempre encontrava
uma maneira de ver o lado bom das coisas, então ele não fazer isso agora
fazia uma bola de pavor se formar em meu estômago.
As mãos de Liv dispararam para cobrir o rosto, e o telefone de Emmett
caiu no tapete azul marinho. Tirando todos do caminho, eu gentilmente
envolvi minhas mãos em torno de seus braços.
— O que foi? — Eu olhei dela para o vídeo repetindo na tela no chão.
A bile subiu na minha garganta enquanto eu observava o momento
íntimo entre nós no bar sendo reproduzido nas redes sociais.
— Merda! — Liv olhou para mim e eu cruzei meus braços em volta
dela. Eu falhei com ela, fui tão estúpido. Havia câmeras em todos os
lugares, o tempo todo, e eu sabia disso. Eu vivia isso.
Eu relaxei muito no Fish's quando deveria ter mantido minha guarda
alta. Eu sabia que deveria sempre manter quando se tratava de proteger Liv.
As garotas a levaram para o banheiro. Afundei no sofá de couro que
percorria toda a extensão da área isolada e coloquei minha cabeça em
minhas mãos.
— Acho que isso significa que vocês dois estão tendo algum rolo? —
Heath balançou para frente e para trás nos calcanhares e esfregou a nuca.
Eu assenti.
Emmett pigarreou.
— Você pode querer contar isso para Colm mais cedo ou mais tarde,
especialmente se isso estiver circulando por aí.
Circulando – isso parecia tão casual, como se não fosse grande coisa
que alguém com um celular pudesse ver um vídeo dela me segurando
enquanto eu a provocava, como se eu já não tivesse coisas suficientes pra
contar pra Colm, segredos corrosivos, até que a única coisa que restou
foram membros machucados e espancados.
Tudo ao meu redor se movia como se tivéssemos mergulhado no
oceano. Talvez seja por isso que eu senti como se o ar em meus pulmões
tivesse sido substituído por água das profundezas. Eu pulei do sofá e segui
para onde as garotas tinham desaparecido.
Batendo na porta do banheiro, eu semicerrei os olhos enquanto a luz
brilhante de dentro se derramava no pequeno corredor. Avery abriu a porta,
seus lábios apertados em uma linha sombria.
— Como ela está?
Ela abriu mais a porta e ergueu o queixo com os olhos correndo de volta
para o banheiro atrás dela. Meu estômago deu um nó. Eu queria correr até
Liv e quebrar alguma coisa ao mesmo tempo, queria voltar para o Fish’s e
destruir o lugar, depois desmontar o celular de quem quer que tenha feito
isso.
Kara e Mak ficaram de pé protetoramente do lado de fora da única
cabine fechada. Seus braços estavam cruzados sobre o peito como
sentinelas em seus postos. Meu estômago deu um nó e meus passos
ecoaram junto com a batida abafada distante do clube. As pessoas estavam
lá fora rindo, dançando e bebendo como se nosso mundo não tivesse virado
de cabeça para baixo, como se alguém não tivesse roubado um momento
nosso e o deixado contaminado para sempre.
— Todos nós denunciamos o vídeo. — Mak estendeu o celular. — Não
sei o que isso pode fazer de bom, mas é um começo.
— Ela vai ficar bem. — Kara pousou a mão no meu ombro. Conforto
não era o que eu merecia naquele momento. Na verdade, foi um chute no
peito que me deixou sem fôlego, mas isso já aconteceu. Eu ainda estava
debaixo d'água e nem queria voltar à superfície.
Bati na madeira pesada da porta fechada da cabine com os nós dos
dedos.
— Vamos deixar vocês dois conversarem. — Mak, Avery e Kara
partiram. A porta do banheiro fechou, deixando apenas a música abafada do
lado de fora e o silêncio lá dentro comigo e Liv.
O distribuidor de papel higiênico chacoalhou, e o som dela assoando o
nariz atingiu notas agudas no pequeno banheiro. Quando ela abriu a porta, a
vermelhidão em seus olhos me fez querer me jogar nos restos carbonizados
de seu apartamento.
Eu a puxei em meus braços e a apertei com força contra mim. Suas
mãos subiram ao meu peito – eu pensei que ela iria querer me afastar, mas
em vez disso, ela se encolheu, deixando meu corpo cobri-la.
— Parece que não fomos tão furtivos quanto pensávamos. — Ela soltou
uma risada apertada, do tipo que só vem depois de lágrimas tão cegantes
que você mal consegue respirar.
— Eu acho que você está certa. — Passei minha mão sobre seu cabelo.
— Eu não sei nem como te dizer o quanto eu estou sentindo muito.
Ela olhou nos meus olhos.
— Vamos para casa.
Foi a sugestão dela de antes que eu havia a provocado sobre, uma que
eu deveria ter aceito ansiosamente, porque assim teríamos evitado tudo isso.
Em vez disso, eu a deixei me convencer a sair com ela uma vez. Eu a
coloquei no holofote em frente de milhares de pessoas sem estar em guarda,
e foi isso que aconteceu. Eles viram a maneira como seu corpo estremeceu
e como ela se segurou em mim, a maneira como eu olhei para ela como se
estivesse pronto para devorá-la.
Eu peguei sua mão na minha. Todos se aglomeraram ao redor do
banheiro e nos ajudaram a sair pela porta dos fundos do clube e entrar em
um táxi. Suas palavras de conforto não ajudaram muito, mas a cabeça de
Liv apoiada no meu peito podia muito bem ter sido um chicote nas minhas
costas. Ela se enterrou ao meu lado como se eu tivesse qualquer proteção
para dar a ela, como se eu já não a tivesse exposto para o mundo, como se
já não tivesse exposto ainda mais seus segredos.
34

LIV

L evantei minha cabeça e abri meus olhos. Minha cabeça latejava. As


lágrimas pararam de cair mais cedo do que eu esperava. Estando
próxima dos Kings, nunca faltou atenção, mas nunca esteve focada
em mim. Nem mesmo na noite anterior; estava focada em Ford. Ele tinha
sido o alvo, e sua hesitação em se expor, sua necessidade de se enterrar bem
fundo fazia ainda mais sentido.
Para o resto dos caras, eles prosperaram com a atenção que vinha de
jogar hóquei. Isso os mantinha em movimento e os estimulava. Eu tinha
visto em primeira mão como isso drenava Ford, no entanto. Isso sugou algo
dele que só foi recarregado quando estávamos sozinhos e aninhados juntos.
Nosso flerte no bar parecia tão privado, o que era estúpido, mas Fish’s era
como uma extensão de sua casa. Ele se sentia seguro lá. Foi um dos poucos
lugares que ele se sentia assim, e foi tirado dele – não apenas tirado, mas
arrancado dele.
Meus olhos se ajustaram à luz fraca. O calor da cama não estava
completo sem ele. Ford estava de costas para mim, ele se sentou na beirada
do colchão. Empurrando os lençóis, me inclinei e corri minha mão em suas
costas.
Ele saltou e se virou. A expressão severa em seu rosto fazia parecer que
alguém tinha morrido.
Ficando de joelhos, passei meus braços ao redor de seu pescoço e corri
meus lábios ao longo de seu rosto. Ele cobriu minha mão com a dele e
esfregou o polegar em pequenos círculos.
— Não consegue dormir?
— O que me entregou? — Ele sorriu o tipo de sorriso forçado que você
dá no trabalho quando mal consegue se segurar. Mas eu não sou uma colega
de trabalho. Eu não queria que ele pensasse que tinha que esconder alguma
coisa de mim.
Sentando ao lado dele, puxei seu braço no meu colo e corri minhas
mãos ao longo da parte inferior de seu antebraço. Os músculos fortes se
contraíram e relaxaram sob meus dedos.
— Estraguei tudo. — Seu olhar estava preso no chão como se um peso
de cem quilos estivesse enrolado em seu pescoço, arrastando-o para baixo,
afogando.
— Eu estava bem ali com você. Porra, eu praticamente coloquei suas
mãos debaixo do meu vestido. Pensando bem, eu fiz isso mesmo. —
Esfreguei meu rosto em seu pescoço. O cheiro dele era fresco e limpo,
como roupa recém-dobrada.
Ele fez um barulho agudo e balançou a cabeça.
— Você não é o protetor do mundo. Você não é o idiota que decidiu
filmar. Foi um erro estúpido. Ninguém viu meu rosto. Talvez de manhã eu
me sinta diferente, mas tenho certeza que em outro dia, isso será notícia
velha e outra pessoa vai ter feito algo muito mais escandaloso.
— Como você pode estar tão calma sobre isso? — Ele inclinou a
cabeça, o brilho em seus olhos captando a luz fraca da sala de estar. — As
pessoas me viram tocando em você. Eu deixei que eles vissem você
vulnerável daquele jeito, tão confiante e aberta.
Eu levantei sua mão e a levei até minha boca.
— Ninguém que estava assistindo estava focado na minha franqueza ou
confiança. — Uma pequena risada saiu da minha boca. — Eles me viram,
viram o quanto eu gostei e a expressão em seu rosto quando gozei em seus
dedos. No que diz respeito às gravações de sexo, eles nem tiveram um
vislumbre das partes boas. — De alguma forma, ele estar tão assustado me
fez colocar a coisa toda em perspectiva. Poderia ter sido pior, muito pior,
mas aprender esta lição não foi tão doloroso quanto poderia ter sido.
Ele recuou. Eu aumentei meu aperto.
— Você não pode se esconder de todos para sempre. — Beijei as
palavras nas costas de sua mão, tentando aplicar uma pomada para a dor
que irradiava dele e se espalhava pelo ar. — E eu não quero que você se
esconda. Pense em como qualquer outra aparição pública que você fizer não
será assustadora depois disso. — Eu bufei.
— Eu preciso dar uma volta. — Ele se levantou, mas eu segurei sua
mão.
— Volta para a cama. Tudo vai ficar melhor pela manhã.
Ele olhou para mim, seus olhos perfurando os meus, retirando as
camadas de si mesmo para mim, e aquela dor crua trouxe lágrimas aos
meus olhos.
— Vai ficar tudo bem.
Ele assentiu.
— Eu sei. Volta a dormir. Isso vai me ajudar a limpar minha cabeça. —
Ele libertou sua mão da minha e correu ao longo do lado do meu rosto,
segurando minha bochecha. — Não vou demorar. — Arrastando o polegar
ao longo do meu lábio inferior, ele olhou nos meus olhos. Meu coração se
apertou com a incerteza e preocupação em seus olhos.
Ele abaixou a mão e saiu do quarto com as mãos enfiadas nos bolsos. A
porta da frente se fechou alguns segundos depois, e eu me enterrei
profundamente nos cobertores. Isso era um redutor de velocidade, e nós
poderíamos lidar com isso. Assim que ele voltasse, iríamos descobrir como
enfrentar isso juntos.

A manhã chegou rápido demais. O vídeo estava fora do ar. Não esteve
no ar por mais do que algumas horas durante a noite. A maioria das pessoas
não tinha visto, e a maioria das pessoas não conseguiam nem dizer que era
eu. Nem os caras perceberam que era eu. Isso me fez rir no banheiro da sala
VIP quando Mak e Avery me disseram que precisaram dizer isso pra eles
antes de nós chegarmos.
Me deu algum consolo que as milhares de pessoas que viram Ford
distribuindo prazer digital no bar talvez não juntassem os pontos. Eu puxei
uma mecha do meu cabelo. Talvez uma pintura esteja a caminho. Não era o
fim do mundo. Eu ainda consigo andar e falar. Ninguém apareceu na porta
com forquilhas prontos para me colocarem no tronco, mas, droga, era
constrangedor. Isso elevou o pesadelo de ficar nua na frente da escola toda à
um novo nível.
O rosto de Ford quando abri a porta do box era o de alguém que não só
teve o cachorro chutado, mas uma ninhada inteira de filhotes. Ele rastejou
de volta para a cama não muito tempo depois de sair, deslizando os braços
em volta de mim e me puxando para perto. Eu não tinha conseguido dormir
sem ele lá de qualquer maneira, mas não queria que ele se sentisse mais
culpado. O sono tomou conta de mim quando sua respiração se equilibrou.
Perto do amanhecer, me apoiei no cotovelo e passei a mão no cabelo
caindo sobre sua testa. Tão forte e tão frágil, ele tinha um coração enorme e
muito medo de deixar que as pessoas o vissem por inteiro. Houve raros
momentos em que ele se deixou levar, um raro momento como na noite
anterior, quando aquele que ele era quando estava sozinho comigo vinha a
luz do dia. Agora eu teria sorte se ele não jogasse aquele pedaço em um
baú, o prendesse com correntes e o jogasse no rio.
Descansando minha cabeça em seu peito, deixei meus olhos fecharem.
Tivemos um longo dia e, se não merecíamos uma soneca, não sabia quem
merecia.

Uma batida estrondosa sacudiu todo o apartamento. Era como se alguém


estivesse tentando derrubar o prédio inteiro pela porta. Corri para lá, na
esperança de parar quem quer que fosse antes que acordasse Ford. Por que
diabos eles estão batendo assim? Uma pequena pontada de medo me
atingiu que talvez o prédio pudesse estar em chamas.
Eu a abri e todo o sangue foi drenado do meu rosto. Parado no corredor
como um touro pronto para atacar, Colm olhou para mim como se tivesse
visto um fantasma. Num segundo eu estava na porta e no outro sendo
levantada do chão.
— Graças a Deus você está bem. — Suas palavras saíram com pressa.
— Fui ao seu apartamento e o lugar estava destruído pela metade por causa
do fogo. Você não estava atendendo ao telefone. Eu me apavorei. Nunca
estive mais assustado na minha vida. — Seu aperto aumentou em meus
ombros e eu mal conseguia respirar. Ele enterrou o rosto no meu pescoço,
tremores sacudindo seu corpo.
— Você não devia estar aqui até o final da semana. Estou bem — eu
resmunguei depois de puxar um pouco de ar em meus pulmões. Não avisar
ele foi meu erro. Eu deveria ter deixado ele saber, mas eu sabia exatamente
o que ele teria feito: entrado no modo de super protetor e tentado consertar
as coisas do jeito dele. Eu o segurei com mais força e corri minhas mãos em
suas costas.
— Feliz aniversário, Olive. — Ele me apertou com mais força contra
ele, me girando.
— Obrigada, irmãozão. — Sob a minha mão, seu coração batia forte
como se ele tivesse corrido uma maratona. — Colm, estou bem.
Ele afrouxou o aperto e me colocou de volta no chão.
— O que você está fazendo aqui? Achei que você estaria com a Marisa.
Ela está bem? — Seu olhar viajou sobre mim, e as peças se encaixaram no
lugar como a combinação de uma fechadura.
Pés descalços – clique. Sem calças – clique. Vestindo a camiseta do
Ford – clique. Cabelo bagunçado – a fechadura se abriu.
Os olhos de Colm se arregalaram e seu olhar saltou dos meus pés para o
topo da minha cabeça.
Meu olhar disparou sobre o ombro de Colm. Ford estava atrás dele com
os braços cruzados sobre o peito. A tensão irradiava dele como alguém
esperando uma cobra atacar.
Eu estremeci. Ford cruzou a sala e parou ao meu lado. Seu braço roçou
a manga grande da camisa que eu estava usando, o contato gentil me
sufocando enquanto Colm estava na nossa frente parecendo que estava a
segundos de perder a cabeça.
— Vamos tomar um café da manhã. Temos muito o que conversar. —
Ford colocou a mão no ombro de Colm.
Colm o afastou como se tivesse sido queimado, e seu olhar saltou de
Ford para mim.
— Você está fodendo Olive? — A raiva disparou por suas palavras
como veneno.
— Você fez uma longa viagem. Você está cansado. — Ford tentou
encurralá-lo em direção à cozinha, mas Colm o empurrou para trás.
— Não me trate com condescendência. Você acha que isso é porque
estou cansado? Isso é porque você mentiu pra mim – de novo. — Os
ombros de Colm tremeram enquanto sua raiva aumentava.
— Se acalme. — Ford colocou as mãos na frente dele, movendo-as para
cima e para baixo como se pudessem dissipar a tensão no ar. Em vez disso,
elas atiçaram as chamas.
— Eu entro no primeiro avião que consigo depois que eles finalmente
me libertam da minha prisão que foi a reabilitação, e o que eu encontro? O
apartamento de Liv virou uma pilha de entulho em chamas, e você nem me
liga? — Seu olhar voltou para mim. — E você não atendia minhas ligações.
Você sabe o que aconteceu quando eu apareci no seu apartamento? Achei
que você tivesse morrido. — As pessoas provavelmente podiam ouvir a voz
dele à três quarteirões de distância. — Como que eu ia saber que aquilo não
tinha acabado de acontecer? Liguei para todo maldito hospital no caminho
para cá. Eu estava pesquisando nos jornais online procurando seu nome em
algum tipo de notificação de óbito. — A raiva e a angústia lutavam pelo
domínio a cada respiração dele.
Eu estremeci.
Ele empurrou o peito de Ford.
— Você não está só trepando com minha irmãzinha, você nem mesmo
me avisou sobre o incêndio, nem disse que ela estava bem.
— Nós não sabíamos que você ia voltar mais cedo.
— Eu não me importo! — Colm rugiu. — Eu não me importo se você
achava que eu ia voltar em um dia, uma semana ou um mês. Eu merecia
saber.
— Você não podia fazer nada. Mak, Kara e Avery me levaram para
comprar roupas. Elas me deram como presente de aniversário. Meus livros
foram substituídos e estou bem aqui com Ford.
— Uau, parece que todo mundo sabia sobre isso, menos eu. Todo
mundo está cuidando de você – menos eu. Você aceita a ajuda deles, mas
não deixa seu próprio irmão resolver as coisas para você. — Mágoa tingia
as palavras dele.
— Eles estavam aqui e ofereceram ajuda. Contar só ia te deixar
preocupado e fazer você pirar.
— Olha o que não me contar fez. — Ele apontou para o centro do peito.
— Olha o que descobrir que meu ex-melhor amigo tem fodido minha irmã
pelas minhas costas fez.
Ford ficou parado como uma estátua enquanto Colm o atacava, mas o
arqueamento de seus antebraços e a tensão no pescoço me disseram que ele
mal conseguia se segurar. Eu me coloquei entre eles, colocando minhas
mãos no peito de Colm.
— É por isso que não contamos pra você. Eu sabia que você iria pirar.
— E por que não devia? Depois do que ele fez, ele tem sorte que eu
ainda fale com ele.
O corpo de Ford ficou tenso como uma corda, a ponto de os fios
começarem a se desfiar. Sua respiração acelerou e ele abriu e fechou os
punhos ao lado do corpo. Pressionei uma mão no centro de seu peito para
tentar acalmá-lo e mantive uma em Colm para mantê-los separados.
— O que ele fez? O que merda ele pode ter feito para abrir essa cisão
entre vocês dois?
O olhar feroz de Colm caiu de Ford para mim.
— Ele dormiu com a minha noiva.
As coisas desaceleraram. Se houvesse um beija-flor na sala, eu não
tinha dúvidas de que teria visto cada bater de suas asas.
Minha cabeça girou e olhei para os olhos castanhos-acinzentados cheios
de terror que pensei conhecer tão bem.
— Você dormiu com a Felicity? — Se Colm tivesse me dito que este era
o doppelgänger malvado do Ford que se livrou do Ford real anos atrás, eu
não ia ter ficado tão chocada.
Eu puxei minha mão de volta de seu peito. Seus dedos envolveram meu
pulso para me manter no lugar.
— Não foi assim. Eu não sabia quem ela era.
Minha voz disparou uma oitava.
— Como você não sabia?
— Eu não sabia que ele estava saindo com ela.
— Mas quando você descobriu, você me contou? Você confessou tudo e
veio até mim pedindo perdão?
Ford abaixou a cabeça enquanto segurava meu pulso com mais força.
Meu peito queimava como se eu estivesse me afogando e chutando em
direção à superfície, morrendo de vontade de respirar.
— Não, eu não contei.
— Você ia ter mantido o segredo e me deixado casar com ela. Eu
confiei em você. — O olhar de Colm voltou para mim. — Mas posso ver
mais uma vez que confiei na pessoa errada.
— Felicity não foi minha culpa. Quantas vezes vou ter que me
desculpar? Ela me prometeu que foi um lapso de julgamento, uma coisa de
uma noite, disse que nunca mais ia acontecer. Você estava tão feliz.
— Feliz em uma mentira! Deveria ter sido minha escolha. Em vez
disso, precisei descobrir por outra pessoa, sentado lá com a humilhação
queimando em minhas entranhas enquanto outro cara falava sobre vocês
dois dormindo juntos.
— Achei que estava fazendo a coisa certa.
— E então eu peço que você descubra o que está acontecendo com
Olive e você não só começou a dormir com ela, mas ela também não vai
mais pra faculdade de medicina? Você só fode com a minha vida.
As palavras dele dispararam para frente e para trás. Meu peito estava tão
apertado que era como se alguém tivesse me enfiado nas mandíbulas de um
torno, mas então finalmente registrei as palavras.
Eu tirei minha mão das de Ford.
— Parece que ele é bom em guardar alguns segredos, afinal – segredos
onde ele cobre a própria bunda. — Colm fervilhava atrás de mim. Se ele
pudesse cuspir fogo, eu teria me abaixado para me proteger.
Eu olhei para Ford sem acreditar.
— Você contou a ele sobre a faculdade de medicina?
35

FORD

A li estavam as palavras que eu sabia que viriam. Segredos


equilibrados em cima de mentiras, polvilhados com omissões –
era só uma questão de tempo até o baque. Eles caíram no chão ao
meu redor, deixando estilhaços espalhados por toda a minha vida.
Liv olhou para mim como se estivesse me vendo com novos olhos, e
por que não? Eu dormi com a noiva do irmão dela. Eu a coloquei em todas
as redes sociais e disse ao irmão dela o único segredo que ela precisava
contar pra ele sozinha.
— Eu não queria. Eu estava tentando mostrar pra ele como aquela
pressão toda estava te afastando dele.
— Você acha que sabe do que ela precisa mais do que eu. — Colm
bateu nas costas dela, em minha direção, quase a derrubando em mim.
Eu agarrei os ombros dela, firmando-a.
— Sim! Você continua tratando ela como uma criança de doze anos, na
antiga vida de vocês, mas não vai mais funcionar. Ela é uma adulta. Ela
merece viver uma vida que a faça feliz.
— Parem de falar de mim como se eu não estivesse aqui. — Ela
empurrou nós dois para longe e deu um passo para trás. — Não era seu
papel contar pra ele.
Eu apertei meus olhos e cerrei meus punhos na frente do meu rosto,
batendo na minha testa.
— Eu sei. Eu estava tentando dizer que ele estava te afastando, que você
o ama, mas essa pressão que ele coloca sobre você te deixa muito infeliz. E
aí escapou.
— Isso escapou, mas você não podia me dizer que eu ia me casar com
alguém que me traiu?
— E como eu devia ter feito isso, Colm? Você tinha finalmente me
contado sobre a garota que estava saindo. Estava mais feliz do que nunca e
eu apareço naquela mesa e... o quê? Eu te digo o que? Que ela é uma
traidora? Você ia querer saber como eu sabia disso, e eu ia ter que confessar
para você, teria que partir o coração do meu melhor amigo. Você nunca
teria me perdoado. — Minha voz estava rouca enquanto as palavras saíam,
me sufocando.
Colm me encarava, a respiração compassada. Naquele momento, um
alfinete caindo ia soar como um avião a jato.
Liv me encarou como se eu fosse um cara diferente daquele que ela
abraçou ontem à noite, como se eu não fosse a pessoa que ela pensava que
eu era, e talvez eu não fosse.
— Na noite passada, você podia ter me contado. Quando eu estava
falando sobre ter aquela conversa com ele, você poderia ter me dito que já
tinha falado. — A dor de Liv ecoou em sua voz.
— Ontem à noite… — Colm congelou com a mão no meio do cabelo.
Todos os músculos de seu corpo ficaram rígidos e então algo estalou. Ele se
lançou para frente. — Foi você. O vídeo... o vídeo em todas as redes sociais
ontem à noite – era você. — Ele estendeu a mão trêmula para Liv.
Ela se esquivou, deixando cair o queixo no ombro como se tivesse
levado um tapa.
— Você está tentando foder completamente a vida dela? — Colm rugiu
para mim antes de se virar para Liv. — Você está tentando estragar sua
vida? É esta a sua maneira de garantir que não vai entrar na faculdade de
medicina? Um vídeo de sexo?
— Não foi um vídeo de sexo. Você mal consegue ver alguma coisa.
Você nem sabia que era eu até agora.
— O que mamãe e papai pensariam se estivessem aqui? Como você
explicaria isso a eles?
Ela recuou e olhou para ele com os olhos arregalados. Balançando a
cabeça, ela jogou as mãos para cima.
— Eu provavelmente agendaria uma consulta e esperaria uma semana
só pra eles cancelarem e nem notarem.
— Esse é o seu jeito de se vingar deles? De se vingar de mim?
— Me vingar de você por que? Você é meu irmão e eu te amo, mas só
quero viver uma vida que amo. Eu quero fazer algo que me deixe feliz. Por
que isso é tão difícil de entender?
Colm se virou e enfiou as mãos nos cabelos.
— Se você fizer isso, se você não for para a faculdade de medicina, e
seja lá o que for essa coisa com Ford – se você fizer isso… — Ele olhou
para ela por cima do ombro. — Não vou mais te bancar. — Se virando, ele
cruzou os braços sobre o peito como se a palavra dele fosse o fim da
discussão. Eu nunca quis ver esse lado feio e controlador dele, mas acho
que sempre esteve lá. Ele só apoiava os sonhos que ele tinha para Liv. Ela
escondeu uma grande parte da vida dela. Ele falou sobre ela dançar como
uma coisa descartável, que não importava, mas era importante para ela.
Ela fez um som como se alguém a tivesse atingido bem no peito. Eu já
tinha ouvido aquele som antes, quando levei um disco direto para o plexo
solar.
— Essa é a minha vida.
Eu me coloquei entre eles.
— Não faça isso, cara.
— Eu não vou deixar ela arruinar a vida e jogar fora tudo pelo que ela
trabalhou – nós trabalhamos ao longo dos anos.
— Eu sei que você se sente culpado, mas ela ir para a faculdade de
medicina não vai trazer seus pais de volta. — Nos dias sombrios após o
funeral, ele quase se dobrou sob a intensa culpa que o agarrou. Não foi
apenas a dor de perder um dos pais. Eu tinha visto aquela dor penetrando
profundamente em Liv, mas a de Colm era diferente. A dele era culpa, e eu
sabia disso porque já havia sentido o mesmo tipo de culpa esmagadora
antes.
— Isso não é da sua conta. Isso é entre mim e minha família, eu e Liv.
— Sua mandíbula estalou.
— Você não vai ter uma família sobrando se continuar pressionando ela
assim. Deixe ela fazer as próprias escolhas. — Eu fui de igual para igual
com ele. Colm tentar ressuscitar seus pais através de Liv vai esmagá-la. Ela
já tinha muito com que lidar sem ele tentar consertar algo que nunca
poderia ser consertado. Olhamos um para o outro, a respiração saindo como
dois animais prontos para se despedaçarem.
— Uma escolha que sou perfeitamente capaz de fazer.
Nós dois olhamos para o lado ao som de sua voz.
Liv estava ao pé da escada do meu quarto totalmente vestida, e a
mochila em seu ombro fez meu coração mergulhar direto para o desespero.
Seu olhar queimou no meu.
— Eu contei tudo pra você, todas as coisas pequenas e feias que eu
escondi ou mantive trancadas, e você escondeu isso de mim. — Ela ergueu
o queixo. — Eu perguntei claramente o que aconteceu entre vocês dois, e
você encolheu os ombros. Então você contou pro Colm sobre a faculdade
de medicina antes que eu pudesse contar a ele. Depois de ontem à noite,
pensei que poderíamos lidar com qualquer coisa como um time, mas não
posso confiar em você. — Seus dedos se apertaram ao redor da alça de sua
bolsa. — E Colm, eu não posso ser quem você quer que eu seja. Me
matando para seguir os passos de duas pessoas que nunca pensaram que
éramos dignos de atenção... Não consigo mais viver com isso na minha
cabeça. Se você quiser me deixar sem nada, tudo bem. Vou resolver isso
sozinha.
— Você consegue; você pode ser uma médica. Só cumpra o que
dissemos que faríamos. Fizemos promessas a eles, Liv.
— Eu também estava no hospital, bem ao seu lado, mas você não pode
esperar que eu siga um plano criado quando eu era criança.
— Eu posso. Não me obrigue a fazer isso.
— Você está fazendo isso. Vocês dois estão. Parece que vocês dois são
muito mais parecidos do que pensavam. Vocês dois acham que são os
únicos que sabem o que é melhor para as pessoas que afirmam amar. — Ela
olhou nos meus olhos com uma dor e mágoa que atingiu minha pele, e
então não havia nada além de um espaço em branco onde ela estava.
Colm se virou para mim no segundo em que a porta se fechou.
— Você fez isso.
— Você fez isso pra você mesmo. — Meu sangue pulsava forte em
minhas veias como uma correnteza. — E agora ela se foi. — Eu cerrei meus
dentes e encontrei seus olhos, fogo contra fogo.
— Eu pedi que você fizesse só uma coisa, e você não conseguiu fazer
nem isso.
— Estou farto de pedir desculpas por coisas pelas quais não sou
culpado. Eu deveria ter te contado sobre Felicity? Sim, mas dormir com ela
não foi errado. Eu não sabia que ela estava com você. Você escondeu seu
relacionamento de mim. Se eu soubesse, não teria chegado perto dela.
Desde então, tem sido uma série de relacionamentos fracassados para você.
Você diz que é porque tem problemas de confiança, mas talvez seja porque
está encontrando o tipo exato de mulher que merece. Você é um idiota que
acabou de cortar laços com a única família que tem por causa de uma
obsessão pra realizar os sonhos de seus pais que já se foram. Eles se foram.
Não há nada que você e Liv possam fazer para trazê-los de volta. Ela
precisa de você. Você é a única família que ela tem. Não faça isso. —
Deixei cair minha mão em seus ombros curvados.
Ele se livrou do meu aperto.
— Você acha que eu não sei disso? Eu tenho uma responsabilidade, no
entanto. Eu prometi a eles que ela estaria segura, prometi a eles que a
protegeria e olha o que aconteceu. Ela quer dar aula de dança. — Ele cuspiu
as palavras como pregos rachando madeira. — Ela quer ficar com você, um
amigo que não posso nem confiar para não transar com ela em público?
Eu cerrei meus punhos ao meu lado.
— Foi um erro, algo do qual vou me arrepender pelo resto da vida, mas
foi um erro que nunca mais cometerei. Eu amo ela, cara.
Houve uma fração de segundo em que seus olhos se iluminaram, e
pensei que talvez fosse tudo o que ele precisava ouvir: que isso não era uma
aventura entre mim e ela, que eu a amava com todo o meu coração e faria
qualquer coisa para ela.
Isso foi antes de seu punho acertar minha mandíbula.
A dor explodiu na lateral do meu rosto e eu tropecei para trás. A
explosão metálica de sangue encheu minha boca. Limpei as costas da minha
mão contra os lábios e olhei para o sangue manchando minha pele.
Colm ficou na minha frente com o peito arfando e as mãos dançando ao
lado do corpo.
— Você não vai tirar outra pessoa de mim. Fique bem longe dela. —
Suas palavras foram baixas e perigosas. Teria sido melhor se ele tivesse
gritado comigo, mas ele não gritou. Ele olhou para mim como se quisesse
derreter a carne dos meus ossos. — Eu te perdoei uma vez, mas isso… —
Ele olhou ao redor do apartamento. — Você não vai se livrar dessa. Fique
longe dela e fique bem longe de mim. — As paredes sacudiram quando a
porta bateu atrás dele. Estava se tornando uma coisa cotidiana; talvez eu
precisasse reforçar as paredes ou algo assim.
Abrindo o freezer, peguei um punhado de gelo e joguei em um pano de
prato. Liguei para Liv. A chamada caiu direto na caixa postal. O silêncio do
lugar rugiu em meus ouvidos. Sentado no sofá com o gelo no rosto, encarei
as fotos na parede.
Tantas coisas que eu deveria ter feito de forma diferente.
Muitos erros cometidos.
Tantas coisas que eu precisava consertar.
36

LIV

F iquei na calçada do lado de fora da casa de Ford tremendo como se


o chão debaixo de mim estivesse se mexendo. Colm acabou de me
abandonar, Ford dormiu com a noiva de Colm e eu terminei as
coisas com Ford. Eu não tinha para onde ir.
Andando pelas ruas com minha bolsa batendo na parte de trás da minha
perna, tentei limpar a nuvem em minha mente. A onda de frio da noite do
incêndio tinha derretido como a geada no chão. A primavera finalmente
chegou. Os pássaros ecoavam seu canto matinal, e as pessoas viviam seu
dia como se o mundo não tivesse simplesmente implodido.
Eu estava preparada para a sensação de perda após o incêndio. Todos
pareciam muito surpresos com a forma que me recuperei. Nem aquele vídeo
tinha pesado nas minhas costas, mas isso era muito mais. A pessoa que
tinha sido a base da minha vida tinha acabado de cortar a linha que nos
prendia como se não fosse nada.
Liguei meu telefone e toquei no primeiro nome da minha lista.
— Bom dia. — Sua voz grogue era a âncora de que eu precisava.
— Ei.
— O que há de errado?
— Nada está errado.
— Não vem com essa pra cima de mim. O que há de errado? O que
aconteceu? Posso ouvir na sua voz.
— Eu meio que preciso de um lugar para ficar.
—E quanto ao F… ah. Ok, onde você está?
Olhei para as placas das ruas e disse a ela as ruas transversais.
— Estou me vestindo, chamei um carro, chego aí em vinte minutos.
Assentindo, procurei um lugar para esperar.
— Tem um café na esquina. Vou ficar ali até você chegar.
Rostos preocupados atrás do balcão da cafeteria me fizeram querer me
virar e sair correndo. Em vez disso, pedi meu café e me sentei perto da
janela, esperando Marisa. Eu tomei um gole do café preto e tentei não me
queimar. Olhando pela janela, vi meu reflexo. Agora fazia sentido porque
todo mundo estava olhando para mim como se eu fosse uma aberração
secundária. Meus olhos estavam vermelhos e meu cabelo uma bagunça.
Minha escova tinha ficado com Ford.
Marisa irrompeu pela porta como uma super-heroína fazendo sua
grande entrada. Seus olhos percorreram as pessoas tomando café e
digitando em seus computadores. Ela estava com uma calça de moletom
cinza enrolada várias vezes nos tornozelos e uma camiseta branca grande
demais que ela amarrou na cintura.
No segundo em que ela viu meu rosto, ela correu para mim.
— Vamos tirar você daqui. — Ela colocou os braços em volta dos meus
ombros e me guiou para fora como os paramédicos fizeram logo após o
incêndio, como se eu estivesse prestes a enlouquecer. Era apropriado
porque eu estava.
Entramos no carro e ela deu ao motorista nosso antigo endereço. Eu
olhei para ela.
— Nosso senhorio ligou. Podemos voltar pra casa e salvar o que
pudermos.
— Vamos.
Parada em frente ao prédio que chamávamos de casa, não pude deixar
de sentir gratidão por termos conseguido sair. A maioria das janelas ao
longo da frente estavam quebradas e marcas de carvão tinham subido pelo
exterior de tijolo de metade do edifício.
Meu estômago afundou quando pensei em Colm parando na frente deste
prédio sem conseguir falar comigo. Se esconder dos problemas não é como
você os corrige; isso só os deixa ainda piores quando forem trazidos para a
luz do dia.
Marisa jogou os braços em volta do meu pescoço, aparentemente
tentando cortar o fluxo de sangue para o meu cérebro.
— Pra que isso? — Eu disse contra seu braço, que estava esmagado
contra minha bochecha.
— Por me tirar de lá. Eu nunca vou reclamar de você ficar acordada até
tão tarde para estudar outra vez.
Eu ri e soltei sua chave de braço. Caminhamos pela parte de trás do
prédio até a escada dos fundos. Fita adesiva isolou as áreas que estavam
fora dos limites. Muitos apartamentos tinham fita adesiva em suas portas.
Analisando o quadro geral, tivemos sorte de poder voltar e ver o que era
recuperável.
Batentes de portas vazios exibiam os restos carbonizados de móveis,
pertences enegrecidos e fuligem cobrindo o chão. Muitos objetos não eram
mais reconhecíveis, e o cheiro de plástico queimado e madeira
sobrepujavam todos os outros sentidos.
Empurrando a porta quebrada, ficamos olhando para os restos da vida
que construímos juntas ali. Seus dedos envolveram os meus e entramos.
— Uau. — Marisa olhou ao redor de nossa sala de estar – bom, o que
restou dela. O sofá que LJ sempre reclamava era uma casca do que já havia
sido. A tinta estava descascando das paredes e marcas de queimado cobriam
o teto.
Ela entrou no quarto e eu congelei do lado de fora do meu, seguindo a
trilha ardente de destruição com meu olhar. A porta, quebrada das
dobradiças, estava apoiada do outro lado do batente, encostada na parede.
Minha cama, minha mesa e tudo o mais pareciam quase normais. A madeira
rangeu sob meus pés, e as pranchas de madeira rangeram onde haviam se
dobrado.
Os livros na minha mesa estavam empilhados como eu os deixei, mas as
bordas estavam deformadas. Peguei um e a capa inteira soltou. As palavras
na página estavam borradas e desbotadas.
Abrindo a porta do meu armário, um pequeno fluxo de água saiu
correndo, deve ter ficado preso atrás de todas as roupas enfiadas ali dentro.
O cheiro forte de mofo me atingiu. Irrecuperável
— Parece que seu quarto evitou a maior parte do incêndio. — Marisa
parou na frente da porta com algumas coisas aninhadas em seus braços e
sua mochila pesada pendurada em seu ombro.
— Mas não a mangueira pra apagar o incêndio. — Fechei a porta e
localizei as caixas embaixo da minha cama. Como se meus pés estivessem
envoltos em blocos de cimento, fui até minha cama. Tudo desacelerou, mas
minha respiração ficou mais alta e mais rápida com cada arrastar de meus
pés.
O olhar de Marisa seguiu o meu e ela estremeceu, dando um passo mais
para dentro do quarto.
Me agachei, meus dedos tremiam enquanto eu puxava as caixas
amassadas para fora. O papelão impresso desmoronava mais a cada
centímetro que eu movia. Abrindo a tampa, olhei para a caixa de memórias
de infância. O rosto sorridente aguado de minha mãe e meu pai me encarou
de volta. Levantando a foto, mais algumas vieram com ela, presas na parte
de trás. A tinta mexeu, deslizando a fotografia inteira para os meus dedos.
Eu sufoquei uma respiração, a imagem nadando ainda mais enquanto meus
olhos se enchiam de lágrimas. Memórias que eu me agarrei foram embora
em um instante... era como ter as imagens fisicamente apagadas lentamente,
afastando a imagem nítida delas da minha cabeça.
Marisa engasgou e cobriu a boca com a ponta dos dedos.
— Oh Deus, Liv. — Ela estava com o mesmo rosto que as pessoas
tinham no funeral dos meus pais, como se ela estivesse me vendo perdê-los
de novo – e ela estava. Eu estava perdendo a imagem mental que construí
deles montada a partir de caixas de fotos e fragmentos da época deles. Colm
nem queria ficar com essas fotos. Talvez ele estivesse certo. Isso não era
verdade; isso era parte do passado fabricado que eu tentei criar para mim
mesma, para superar meu futuro destruído.
Tudo ali era parte da velha Liv. Algumas das fotos recentes ainda
estariam salvas no meu telefone, e eu poderia criar novas memórias sem o
peso do passado tentando competir. Deixei cair as caixas dos meus dedos
dormentes. Engolindo de volta contra a espessura da minha garganta, eu
limpei meus olhos. Era isso. A última parte deles que carreguei comigo
desde que eles se foram. A casa se foi, e agora as fotos que eu tinha me
agarrado para preservar essas memórias se foram. Foi difícil recuperar o
fôlego. Onde isso me deixa? O que acontece agora?
— Vamos.
— Não tem nada que você possa salvar?
— Não há nada aqui para mim. Vamos.
A viagem de carro até a casa do LJ foi absolutamente silenciosa. Marisa
e eu olhamos para a frente como se tivéssemos acabado de fugir de nossos
próprios casamentos, em estado de choque e tentando descobrir o que viria
a seguir. Percebi que eu nunca realmente pensei que dinheiro importava
para mim antes, parte do motivo era que eu sabia que ele sempre estava lá.
Colm estava lá para me salvar se eu estragasse tudo de forma majestosa. Se
eu precisasse de alguma coisa, era uma questão de quando o dinheiro
chegaria à minha conta, não se.
Eu tenho dez camisas, cinco calças, alguns pares de sapatos, algumas
meias, calcinhas, alguns sutiãs e livros didáticos. Minha vida inteira cabia
na mochila no meu colo. Depois de anos querendo um lugar para chamar de
lar e tentando construir uma vida estável para mim, eu estava sentada no
banco de trás de um táxi sem dinheiro, sem casa e quase sem pertences.
— Eu acionei o seguro do locatário, mas não tenho ideia de quanto
tempo vai demorar para eles nos mandarem um cheque.
— Quando a aula acabar, posso trabalhar mais no estúdio de dança,
pegar quantas aulas eu precisar.
Ela se virou para mim com as sobrancelhas arqueadas.
— Por que diabos você ia precisar fazer isso? Eu achei que Colm ia te
dar tudo que você precisasse.
— É uma longa história. — O táxi parou na frente do Brothel e nós
descemos.
— Desembucha.
Do lado de fora da casa de LJ, ela andou de um lado para o outro como
uma lutadora se preparando para o título dos pesos pesados. Ao longo da
narrativa do que aconteceu naquela manhã, Marisa soltou uma série de
maldições familiares e algumas recém-inventadas.
— Eu vou matar os dois. Sério, vou colocar meus dedos em volta do
pescoço dos dois ao mesmo tempo e apertar até eles sufocarem.
Algumas pessoas passaram e olharam para ela, provavelmente tentando
descobrir se eles precisavam chamar o segurança do campus. Os poucos
itens recuperados de nosso apartamento estavam nos degraus do Brothel, e
ela jogou as mãos para o ar.
— Não, isso é bom demais para eles. Eu poderia simplesmente amarrar
os dois juntos, cobrir com mel e deixar bem do lado de um formigueiro. —
A intensidade de sua expressão e o fato de que seu cérebro criou esse
cenário enviou uma risada saltando pela minha boca.
— Ela está prometendo enterrar alguém até o pescoço e passar manteiga
de amendoim em sua cabeça para atrair insetos e criaturas da floresta? —
LJ desceu os últimos dois degraus e sentou no último degrau atrás dela.
— Quase.
— Esses tipos de punições são apenas para pessoas que realmente
merecem, e agora Ford e o irmão dela merecem.
— Me lembre de nunca ficar do seu lado ruim. — Me encostei no
corrimão que levava aos degraus da frente.
— Ela só late, não morde. — LJ sussurrou.
— Ela foi abandonada pelo irmão. Um ano pra formatura e ele puxa o
tapete debaixo dela, a menos que ela vá para a faculdade de medicina. Isso
é uma besteira completa pra mim.
Me empurrando do degrau, levantei meu dedo no ar.
— Concordo.
— Isso é péssimo, Liv. Sinto muito por isso.
Dei de ombros.
— Marisa mencionou que você talvez tivesse um lugar pra mim aqui?
Se não, tudo bem, mas se você tiver eu ia apreciar muito.
— Claro. — Ele protegeu os olhos do sol da tarde. — O sofá é grátis. —
Ele ergueu a mão enquanto Marisa tentava interromper. — E podemos
conseguir novos cobertores para você.
— Por que você não quer ficar com os outros caras do hóquei? Os
Kings? — Marisa olhou para mim.
— Seria o primeiro lugar que Ford ou Colm iriam me procurar. Eu
preciso de um pouco de espaço.
— Vamos entrar. Nix e Reece estão grelhando nos fundos.
— Grelhando? – A primavera mal começou.
— Eles grelham mesmo se houver meio metro de neve no chão. — Ele
segurou a porta aberta para nós.
Pegamos nossas coisas e entramos. A casa parecia muito diferente
quando não havia duzentos corpos bêbados empilhados de parede a parede.
Havia uma espreguiçadeira de couro que parecia ter visto dias melhores,
dois sofás cobertos com mais manchas do que eu gostaria de pensar, uma
TV montada na parede e alguns consoles de videogame. LJ voltou para
verificar a comida.
— Você pode deixar suas coisas lá em cima. — Marisa parou na base da
escada. — Eu vou te mostrar.
— Vou pegar alguns hambúrgueres e bebidas para vocês duas. — LJ
voltou para a sala.
— Vou deixar Liv colocar as coisas dela no nosso… no seu quarto. A
gente já volta.
Subimos os degraus. Um cara com cabelo castanho desgrenhado saiu do
banheiro com vapor saindo atrás dele. Sua toalha estava enrolada na cintura,
mostrando aquele V e o abdômen super em dia. Desviei meus olhos e olhei
para Marisa.
— Ei, Berk. — Ela revirou os olhos e abriu a porta do quarto, me
arrastando para dentro. Havia alguns pôsteres pendurados na parede e uma
mesa no canto. Marisa colocou seu celular para carregar na mesa ao lado da
cama. Os lençóis estavam amarrotados e amassados no canto da cama.
— Você pode colocar suas coisas aqui. — Ela abriu a primeira gaveta da
cômoda. — LJ limpou para mim, mas eu não tenho nada ainda, então você
pode usar.
— Você pode usar qualquer uma das coisas que eu tenho. O que é meu é
seu. Então, onde você dorme? — Não havia sofá, futon ou qualquer coisa
aqui.
— Na cama. — Ela se ocupou tirando minhas roupas da bolsa,
dobrando – embora já estivessem dobradas – e colocando na gaveta.
— E onde LJ dorme?
— É uma cama grande. — Ela sacudiu uma camisa e continuou
dobrando.
— Vocês dois estão dormindo juntos? — Eu não pude conter meu
sorriso.
— Não dormindo juntos, mas dormindo juntos. Fazíamos isso o tempo
todo no ensino médio.
— No ensino médio, ele não era um gostosão com um corpo duro como
pedra.
— Ele é ok agora. — Ela encolheu os ombros e seus olhos dispararam
para os lençóis amarrotados.
— Eu sinto que depois de quase morrermos juntas, eu mereço a
verdade. Além disso, eu ia gostar muito de uma fofoca divertida agora. Por
favor? Eu preciso disso. — Eu apertei a mão dela.
Ela suspirou e olhou para mim.
— Ok, é um pouco diferente do ensino médio.
Estávamos amontoadas juntas, e ela me deu um resumo das poucas
surpresas da madrugada que a cutucaram nas costas durante aquelas festas
do pijama. E teve uma vez em que ela o encontrou no chuveiro. Vamos
apenas dizer que foi uma grande surpresa – enorme. Ela me contou como o
colega de quarto dele, Berk, tinha um pau amigo secreto e como Nix
continuava desaparecendo agora que a temporada de futebol havia acabado.
Já tínhamos terminado de arrumar minhas poucas peças de roupa há um
tempo quando LJ bateu na porta.
Pulamos com a intrusão repentina.
Ele se inclinou, balançando no batente da porta, seu cabelo castanho
bagunçado apenas para a direita e seus olhos claros brilhando com diversão.
— Hambúrgueres estão prontos, senhoritas.
— Nós já vamos descer — Marisa respondeu muito alto.
Ele bateu os nós dos dedos contra a porta e sorriu antes de descer
correndo.
— Parece que não sou a única chamando atenção ultimamente.
— Não começa. Não é nada. Nada mesmo. Vamos, estou com fome.
Ela agarrou minha mão e me arrastou escada abaixo. Aqueles poucos
minutos me ajudaram a esquecer o que me esperava depois.
37

FORD

N em mesmo o cheiro dos cookies no forno podia me tirar dos


pensamentos que eu não tinha sido capaz de fugir, não queria
fugir.
Liv desapareceu. Todas as ligações e mensagens de texto ficaram sem
resposta – não que eu achasse que ela fosse responder, mas eu ia gostar de
receber até uma bronca dela. Nenhum dos caras sabia onde ela estava. Não
era como se eu pudesse perguntar pro Colm, embora eu duvidasse que ele
tivesse ouvido falar dela também. Eu estive no estúdio de dança durante
alguns dias, e ela não apareceu nem lá.
Ela estava se escondendo, fazendo um grande esforço para ter certeza
de que eu não ia ficar de joelhos e implorar por perdão, o que eu teria feito
sem um momento de hesitação.
Um prato de cookies bem quentes deslizou pela mesa e parou bem
embaixo do meu nariz. Eu olhei para minha mãe. Ela puxou uma cadeira e
sentou à minha frente na mesa.
— Parecia que alguns desses podiam fazer bem pra você.
— Eu estou distraído assim? Quando você fez a massa?
Ela sorriu e apontou o polegar por cima do ombro em direção à
geladeira.
— Eu faço porções grandes e congelo, prontas para momentos como
este. Uma das crianças leva uma pancada ou algo assim, e isso faz
maravilhas com o humor deles.
— É isso que você está fazendo por mim? — Eu peguei um. O
chocolate quente cobriu meus dedos.
Ela encolheu os ombros.
— Tempos desesperados requerem medidas desesperadas. O que está
acontecendo? — Ela cobriu minha mão com a dela, aquele pequeno gesto
de amor e conforto. Minhas primeiras memórias eram dela agachada na
minha frente quando eu me levantei do chão depois das minhas primeiras
tentativas no escorregador para crianças grandes. Seus olhos suavizaram
nas bordas, enrugando nos cantos, e meu peito apertou.
— Estraguei tudo. — Eu engoli e olhei para o prato.
— Me diga algo que eu não sei. Você não ficou com essa cara nem
quando foi eliminado nas finais.
Larguei o cookie no prato e me recostei na cadeira.
— Não consegui fazer nem isso certo.
— Pare com isso. Não foi uma acusação, mas o que estou dizendo é que
você nem ficou chateado quando sua temporada acabou. O que está
acontecendo? — A risada das crianças foi filtrada pelas paredes. — É Liv,
não é? Algo aconteceu? Falei com Grant e achei que ele estava bem.
Acenando com a cabeça, encarei as migalhas de chocolate e cookies em
meus dedos.
— Ele está. Desta vez foi eu quem fodeu com tudo.
— Vou pegar o alicate se precisar, ou você vai me dizer de bom grado?
— Você acha que seria mais feliz se não soubesse que papai estava
tendo um caso? — Eu olhei para ela.
Seu rosto se transformou. O pequeno sorriso desapareceu, engolido por
aquelas memórias difíceis de nosso passado, e tão rápido quanto a tristeza
apareceu, se foi.
— Você queria que eu nunca tivesse te contado? — Sussurrei a pergunta
que nunca tive coragem de fazer, as palavras se agarrando no caminho para
fora. Eu realmente me perguntei se ela gostaria que eu não tivesse
implodido nossa família contando a ela o que tinha acontecido. Meu pai
tinha prometido que aquilo nunca ia acontecer de novo, mas a raiva que
queimou dentro de mim quando eu o vi beijar aquela outra mulher tinha me
consumido por completo. Eu não poderia ter me impedido se eu quisesse –
e eu não queria.
O som que a minha mãe fez quando eu contei a ela ainda me
assombrava. Eu nunca soube o que era quebrar uma pessoa, mas ao ficar ao
lado dela enquanto ela estava de joelhos plantando o novo canteiro de
begônias, eu descobri.
Eu apertei meus olhos, me recusando a deixar as lágrimas caírem.
Ela deu a volta na mesa e se agachou ao meu lado, segurando minha
mão como se eu tivesse cinco anos de novo.
— Querido, nada do que aconteceu entre seu pai e eu foi sua culpa.
Claro que estou feliz que você me contou. Eu sei que as coisas foram
difíceis por um tempo, mas eu jamais ia querer ficar com seu pai outra vez
depois daquilo. Não conseguia lidar com aquilo outra vez. — Sua voz
estava rouca de emoção, assim como quando ela sentou comigo e Grant e
nos disse que papai não iria mais morar com a gente.
Então suas palavras clicaram em minha cabeça, como uma chave
girando na fechadura de uma porta que estava quase fechada com a
ferrugem. Minha cabeça tombou para trás.
— Outra vez?
Ela deu um tapinha nas costas da minha mão, agarrou sua cadeira e
deslizou de volta para mim.
— Outra vez. — Ela balançou a cabeça e passou as mãos nas minhas
costas. Elas eram macias e um pouco secas, mostrando sua idade, embora
seu rosto não fizesse isso.
Balançando a cabeça lentamente, ela olhou para mim.
— Você provavelmente não se lembra, mas aquela não foi a primeira
vez. Enquanto eu estava grávida de Grant, fomos morar com a vovó por um
tempo.
Memórias vagas de brincar em seu quintal em um verão gotejaram.
— Foi durante o verão?
— Seu pai me traiu. Eu o flagrei e fui embora. — Ela soltou um suspiro
profundo, do tipo que você exala como se estivesse expirando uma parte da
sua alma. — E então eu voltei. — Seus lábios se contraíram. — Ele voltou
depois de alguns meses, implorou pelo meu perdão. Ele fez promessas e
professou seu amor, disse que nunca mais aconteceria.
— Você tinha seis anos. Eu estava grávida de Grant e queria que
fôssemos uma família, então voltei. As coisas estavam boas, ótimas até, por
um tempo. É por isso que quando você me contou – quando você me
contou, aquilo quebrou meu coração. — Seus olhos se fixaram nos meus e
seu aperto aumentou. — Você não quebrou meu coração. Você me entende?
Não teve nada a ver com você, absolutamente nada. Você não fez nada de
errado, mas seu pai quebrou meu coração.
— Quando você me contou – quando alguém reconstrói a sua
confiança, essa quebra dói ainda mais porque você não foi só ferido e
traído, mas também se sente idiota. Apesar disso, eu precisava saber, e
obrigada por ser corajoso o suficiente para me dizer. — Ela colocou os
braços em volta do meu pescoço e me apertou com força. Foi o tipo de
abraço de mãe que ameaçava quebrar suas costelas. Mesmo quando você já
a ultrapassou em tamanho há muito tempo, ela ainda conseguia mostrar
quem é que manda.
Ela afagou minhas costas e esfregou, como nas noites em que eu era
criança e passava a noite inteira acordado com febre.
— Foi um dos momentos de maior orgulho da minha vida. Você sabia o
que estava errado e veio até mim e me contou o que havia descoberto. Isso
é tudo que uma mãe pode pedir.
A culpa bateu com mais força contra minhas costelas. Eu não tinha feito
isso desta vez, não por Colm.
Ela se sentou em sua cadeira e estendeu o prato até que eu peguei um
cookie.
— Agora você vai me dizer o que está acontecendo?
Comecei a contar toda a história e mamãe me impediu no meio do
caminho.
— Ok, isso pede por leite. — Dois copos curtos de leite gelado depois,
ela se recostou na cadeira. — Uau, bom, você se meteu em apuros.
Arrastando meus dedos pelo meu cabelo, recostei-me na cadeira.
— Depois do que aconteceu com papai, voltei a manter os segredos
trancados. Eu os tranquei com força e tentei proteger as pessoas que gosto.
— A dor não vem só do que aconteceu, meu amor. Parte dela vem das
mentiras, dos segredos e questionamentos que você descarta porque não
quer ser a pessoa paranóica que não consegue abrir o coração para as
pessoas ao redor. — Baixei a cabeça e ela passou a mão no meu ombro. —
Agora você tem algumas cercas para consertar e promessas a fazer. Não é
sempre que as pessoas têm uma segunda chance, mas se há alguém que
pode ter, é você. — Ela segurou minha bochecha com a mão, esfregando o
polegar ao longo da minha nuca.
— Não sei se ela vai querer falar comigo. Não é só porque contei sobre
a faculdade de medicina. Eu machuquei o Colm. Mesmo que ela esteja
chateada com ele, ele ainda é irmão dela, e pior, eu menti sobre isso. Ela me
perguntou diretamente o que aconteceu entre nós e eu não disse nada.
— Você vai ter que fazer ela acreditar que isso nunca vai acontecer
outra vez.
Minha cabeça se ergueu.
— Não vai. Essa coisa de segredos... — Eu apertei minha nuca. —
Acabou. Prefiro enfrentar as consequências do que ficar com esse medo,
culpa e preocupação na cabeça.
— Você vai ficar bem, então. Pode levar algum tempo, mas,
eventualmente, ela vai conseguir enxergar o seu coração e ver que você
realmente se arrependeu. Vocês dois ainda são tão jovens, praticamente
bebês. Esté perto do seu aniversário de vinte e seis anos e Liv só tem vinte e
um. Há muito mais para aprender.
Saí da casa da minha mãe e dirigi pelas ruas. Sem querer, acabei
voltando ao estúdio de dança de Liv. Eu orbitei lá mais do que deveria,
como um perseguidor esperando por um vislumbre dela. Parando no meio-
fio, mantive meus olhos fixos nas pessoas indo e vindo. Desliguei o carro e
olhei pelo para-brisa. As pessoas entravam e saíam do prédio em roupas
justas. As temperaturas mais altas significavam que os casacos de inverno
não eram mais necessários. Eu descansei contra o encosto de cabeça. O que
estou fazendo aqui?
Virei a chave na ignição e o motor ronronou. Eu engatei a marcha,
deslizando meu carro para fora da vaga. Uma buzina soou de um carro ao
meu lado e eu pisei no freio. As mechas douradas de seu cabelo se
projetavam sob o gorro que estava quente demais para usar desapareceram
no estúdio de dança. Ela parecia alguém no programa de proteção a
testemunhas, alguém se escondendo – de mim. Joguei meu carro de volta na
vaga, pulei do carro e atravessei a rua. Corri atrás dela para o prédio.
Ignorando a recepção, subi as escadas. Subindo três degraus de cada
vez, cheguei ao segundo andar. Uma porta se fechou e corri para a pequena
janela. Olhando para dentro, eu a observei tirar o gorro e colocar na bolsa,
sacudindo o cabelo. Engolindo contra o medo crescente arranhando meu
estômago, abri a porta. Como eu podia seguir em frente se ela estava bem
ali, sem me perdoar? Com minhas mãos suadas quase escorregando da
maçaneta, eu entrei.
— A aula só começa em vinte minutos — disse ela, sem tirar os olhos
dos alto-falantes em que mexia. Quando ela finalmente olhou por cima do
ombro, seu sorriso educado sumiu, o tipo de expressão que você usa quando
volta para o seu carro e descobre que bateram na traseira e não há nenhum
bilhete à vista. — O que você está fazendo aqui? — Ela tirou a camisa de
mangas compridas, a enrolou e a jogou na bolsa.
— Eu precisava conversar.
— Não temos nada para conversar.
— Tem uma coisa que eu preciso te dizer.
Ela ficou de costas para mim. Seus músculos estavam tensos, como um
elástico esticado o suficiente para romper.
— Fale.
— Você está segura? Você tem um lugar para ficar?
Ela inclinou a cabeça para o lado.
— Vou ficar com alguns amigos. Eu não sou criança. Não precisa se
preocupar.
— Eu não consigo não me preocupar, não quando você não quer falar
comigo.
— Você sobreviveu muito bem sem conversarmos antes de Colm pedir
que você me espionasse. Finja que a gente voltou pra aquela época. Finja
que ainda está ignorando minha existência e quaisquer sentimentos que
possa ter por mim. Você é bom nisso.
— Eu sou péssimo nisso, Liv. Negar meus sentimentos por você estava
lentamente me matando por dentro.
— Não parecia bem assim, não com base nas histórias das grandes
conquistas do Ford. Porra, até mesmo a noiva do Colm foi vítima. Tenho
certeza que você vai encontrar alguém para preencher o espaço na sua
cama. — Suas palavras saíram rapidamente, como balas atravessando o
alvo, e elas me atingiram.
— Se existisse um jeito de apagar tudo, apenas apagar esses anos, eu
faria, mas não existe. Felicity... ela foi um erro que vai me assombrar para
sempre, mas não porque eu dormi com ela.
Liv estremeceu.
— Aquilo era ruim o suficiente, mas eu não posso voltar atrás. Eu
gostaria de poder, mas não posso. Mas eu nem sabia que ela e Colm
estavam namorando quando dormimos juntos. Foi um caso de uma noite, e
então eu descobri que eles namoravam quando ele nos apresentou depois
que já tínhamos... Aquilo vai me assombrar porque eu não contei a Colm
depois de saber quem ela era. Eu acreditei quando ela prometeu que nunca
o machucaria daquele jeito novamente. Eu queria protegê-lo. Já vi o que
acontece quando alguém trai, como isso pode destruir alguém de dentro
para fora, mas agora sei que é melhor do que deixar eles pensarem que não
podem confiar nas pessoas. Guardar segredos foi uma coisa que aprendi a
fazer desde cedo.
38

LIV

E u o evitei por tanto tempo. Eu sabia o que aconteceria no segundo


em que estivesse a um metro e meio dele. Uma vez que a raiva
queimasse e a adrenalina passasse, eu ia querer perdoar. Eu iria
querer seus braços em volta de mim e afundar naquele casulo pacífico em
que caímos, onde as coisas sempre vão ficar bem.
— Você deveria ser aquele com quem eu poderia compartilhar qualquer
coisa. Você deveria ser a pessoa pra quem eu nunca ia precisar fingir, aquele
que prometeu não esconder as coisas de mim.
— É um reflexo, como pegar uma faca caindo mesmo sabendo que ela
vai te cortar até os ossos. Tenho guardado segredos desde que era pequeno,
e a única vez que coloquei pra fora, foi quando ele foi embora. Me recusei a
continuar mentindo pelo meu pai. Olhar minha mãe nos olhos sabendo o
que ele fez me matou. Esse não é o tipo de merda que você joga em uma
criança, mas meu pai não estava tentando ganhar nenhum prêmio de pai do
ano.
Eu inclinei minha cabeça.
— Do que você está falando?
Ele contou toda a história sórdida sobre seu pai, como ele contou a sua
mãe sobre o caso do pai, a forma como ela se desfez e a culpa que ele
carregava com ele por isso. Que alguém pudesse trair Sylvia me deixava
desnorteada, e isso me fez querer rastrear o pai de Ford e lançar Marisa
sobre ele. Ele manteve isso preso dentro de si e nunca falou muito sobre o
pai antes, até mesmo Grant mantinha a boca fechada, só dizendo que ele
tinha ido embora.
— Mas a traição dele era um exemplo de manter segredos, Ford. Só
porque alguém não está traindo por aí não significa que esconder coisas não
pode machucar alguém – alguém que eles amam. — Eu encarei seus olhos.
— Tem tantas outras formas que eu queria ter te contado.
— Que tal de qualquer outra forma? — Cruzei os braços sobre o peito,
agarrando com força a minha camisa. Sua camisa bem passada estava bem
esticada em seus bíceps e peito. Os mesmos que abracei pra dormir. Os
mesmos que eu ansiava por sentir novamente. — E o que vai acontecer da
próxima vez que você tentar bancar o protetor e me deixar no escuro?
— Eu não vou. De agora em diante, vou ser cem por cento aberto e
honesto. Não tenho mais segredos. Não há mais nada sobre mim que você
não saiba, e se você quiser saber algo, pergunte e eu vou dizer. Qualquer
coisa. Tudo.
— Tem muita coisa que eu preciso resolver agora. — Por exemplo,
como vou sobreviver no próximo ano sem nenhum apoio financeiro. O
escritório de auxílio financeiro já havia me informado que, como a herança
era tecnicamente minha, o dinheiro nela contava contra a minha obtenção.
O fato de meu irmão não me deixar mexer nele não importava.
Talvez, quando Colm se acalmar, as coisas mudem, mas o e-mail que eu
recebi do escritório do advogado me informando que eu não teria o meu
próximo semestre pago parecia bem claro. As palavras do meu irmão sobre
ser eu e ele contra o mundo eram besteiras. Éramos eu e ele contra o mundo
enquanto eu seguisse junto com seu plano perfeito para a minha vida.
Eu não tinha um histórico de crédito e as taxas de juros de empréstimos
estudantis particulares eram insanas. Existia uma vozinha no fundo da
minha cabeça que queria dizer que se dane e vá pelo caminho mais fácil –
ha! Alguém na história da humanidade já considerou a faculdade de
medicina o mais fácil? Se eu seguisse o plano, pode ser que ele escolha meu
marido, onde vamos morar e quando teremos filhos, ditando o resto da
minha vida até morrer.
Eu preciso disso. Eu precisava disso há muito tempo, mas o medo me
impediu. Essa era eu caminhando com meus próprios pés e resolvendo a
minha vida.
— Eu posso ajudar. Me diz o que você precisa.
Eu balancei minha cabeça.
—Não, eu tenho deixado todo mundo tomar as decisões por mim há
muito tempo. É minha culpa. Eu deixei isso acontecer. Deixei as
expectativas de todos decidirem o que eu ia fazer, e não posso mais fazer
isso. Eu não vou.
— Então, onde isso nos deixa? — Seu olhar disparou do chão até o
meu.
Minha garganta apertou com o desejo e tristeza em seus olhos.
Eu limpei minha garganta.
— Não sei, mas preciso que você me deixe descobrir.
— Eu posso fazer isso. Eu vou fazer tudo o que você precisar que eu
faça.
Olhando para ele, eu o deixei saber que esse problema não era dele para
consertar. Ele não vacilou ou se esquivou. Ele encontrou meus olhos, quase
implorando para que eu acreditasse e confiasse nele novamente. As palavras
estavam lá, as que eu pensei um milhão de vezes e finalmente descobri que
eram reais. Isso estava além de uma quedinha, tinha ultrapassado a paixão e
se tornado algo sem o qual eu não poderia viver. Ele era alguém que eu não
poderia viver sem.
Seu pomo de Adão balançava para cima e para baixo sob o colarinho
abotoado.
Eu me agachei e tirei minhas coisas da minha bolsa para a aula. Era a
única maneira de evitar estender a mão para ele. Agora que eu tinha toda a
história sobre Felicity, não poderia culpá-lo por dormir com ela, não mais
do que ele poderia me culpar por qualquer um que veio antes dele, e as
mentiras – essas eram mais difíceis de engolir, mas eu entendia por que elas
eram sua versão equivocada de proteção.
— Há muitas coisas que eu gostaria de mudar, Liv, mas estar com você
nunca será uma delas. Seja lá o que for que você decida, nunca vai existir
nada que possa atrapalhar seu caminho. Você acha que deixou outras
pessoas dirigirem sua vida, mas é a pessoa mais determinada que já
conheci.
— Colm vai recuperar o juízo, e você não está sozinha, Liv. Você nunca
está sozinha. Mesmo se você não quiser vir até mim pedindo ajuda, por
favor, não pense que Emmett, Heath e Declan não vão estar lá para você em
um instante. Mak, Kara e Avery vão se reunir e conseguir o que você
precisar.
— Eu sei. — Minha voz soou baixa e distante. Eu sinto falta deles.
Ligando o alto-falante, meus dedos tremeram enquanto eu brincava com os
botões. Eu queria ligar para eles, mas me esquivar de Ford não foi minha
única razão para evitá-los. Eu acabei com os Kings, coloquei uma barreira
entre Colm e Ford. Como eles reagiriam? Eu sou só a irmãzinha que sempre
vai junto. Era ótima de se ter por perto como um mascote do time, mas o
que acontecia quando o mascote estragava tudo?
— Vou fazer o que for preciso para provar que você pode confiar em
mim novamente. — Ele recuou em direção à porta. — Lamento ter perdido
sua confiança. Se eu precisar ficar longe para você fazer isso, eu vou ficar.
— Ele respirou fundo e nossos olhares colidiram.
E então ele se foi. Com ele, todo o ar saiu da sala. A porta se fechou e o
silêncio absoluto do espaço me envolveu.
Pressionei meus punhos contra meus lábios, olhando para o local onde
ele estava. As pessoas circulavam do lado de fora no corredor. Já tínhamos
nos afastado um do outro tantas vezes. Já tinha perdido muitas pessoas. Eu
posso fazer isso de novo depois de ter dado a ele todo o meu coração?
Alguém abriu a porta e meu peito se encheu de esperança de que fosse
Ford voltando. Uma das dançarinas entrou e parou na porta, olhando para
trás.
Limpei meus olhos, as lágrimas que eu não tinha sentido encharcando
meu rosto, e voltei para a frente da classe. Certo, eu deveria estar
ensinando, tentando me sustentar e vivendo a vida que sempre disse que
queria.

FORD
Eu cheguei ao pé da escada e puxei meu colarinho, mas não era o tecido
claustrofóbico me sufocando; era saber que eu a tinha perdido. Caindo, me
sentei nos degraus. As pessoas entravam pelas portas da frente e subiam as
escadas, fluindo ao meu redor. Eles olharam, provavelmente tentando
descobrir quem diabos era o cara sentado ali prestes a perder a cabeça, mas
eu não me importava.
Estar sendo exibido ali veio como um plano de fundo distante à ter meu
coração arrancado do peito. Eu faria o que quer que ela precisasse. Eu me
certificaria de que todos os outros soubessem o que estava acontecendo com
ela para que ela não ficasse sozinha. Eu nunca quis que ela pensasse que
tinha perdido o lugar no nosso grupo, uma parte na nossa família Kings por
causa do que tinha acontecido.
Me afastei dos degraus, a pedra fria deixando o vazio em meu coração
ainda mais fundo. Vá em frente, Ford. Mostre a ela o quanto ela significa
mantendo sua palavra. Minha mão envolveu a maçaneta da porta e eu
fiquei parado, congelado. Alguém se aproximou da porta e tentou abri-la,
mas meu aperto a manteve fechada.
Eles levantaram uma sobrancelha para mim como se eu fosse uma
pessoa louca, e eu era. Meu coração martelou contra minhas costelas, e a
ideia de deixar este lugar sem ela fez o chão se mover sob meus pés.
Girando, corri para os degraus. Não pode terminar assim. Nosso timing
sempre foi uma merda, mas adivinha só? Eu não me importo. Esbarrando
em alguém, deslizei até parar na parte inferior da escada quando, no meio
do caminho, Liv estava na ponta dos pés, parando quando nossos olhares
colidiram. Outras pessoas estavam na escada, ao longo do corrimão acima
dela e atrás de mim.
— Você estava voltando — disse ela, o sorriso em sua voz tão brilhante
que baniu a tristeza em meu coração.
— Eu estava. Estou.
— Achei que você tivesse dito que ia embora.
— Eu ia, mas não consegui. Não consegui abrir a porta.
A voz de uma mulher veio atrás de mim.
— Ele realmente não conseguia. Tipo, ele estava segurando a porta
fechada. Eu pensei que ele era um psicopata ou algo assim tentando roubar
o lugar.
Soltei uma risada que soou mais como um latido.
— Por que você não podia sair? — Ela desceu um degrau e eu subi um.
— Tem muitas promessas que fiz pra mim mesmo na semana passada, e
uma delas é que não vou mais mentir, não só para outras pessoas, mas para
mim mesmo, e dizer que eu poderia ficar longe de você foi uma mentira – a
maior que já contei. Não tem nada neste mundo que eu queira mais do que
estar ao seu lado, te amar e mostrar o quanto você significa para mim.
— E se eu não quiser isso? — Ela desceu um degrau e eu subi outro. As
pessoas ao nosso redor ficaram olhando. Ninguém disse uma palavra. Todos
os olhos do lugar estavam em nós, e mais pessoas vieram atrás de mim. As
vozes morreram enquanto outras pessoas sussurravam relatos do que tinham
visto até agora. Qualquer outro dia, teria me mandado correndo pela porta,
mas por ela, eu suportaria qualquer coisa.
— Eu faria qualquer coisa para te convencer de que você não precisa
fazer isso sozinha. Você é forte o suficiente para isso, cem por cento, mas
eu não posso fazer isso sem você.
Minha subida lenta e sua lenta descida se encontraram na metade do
caminho. Ela estava um passo à frente, sua cabeça no nível da minha.
Ela engoliu em seco.
— E se eu tiver medo de perder você de novo?
— Eu também tenho medo de que um dia você perceba que isso é só
uma quedinha de infância e não queira nada comigo.
— Estamos muito além do território de quedinha de infância. — Ela se
moveu para a borda de seu degrau, seu corpo ainda mais perto do meu.
— Em que território estamos? — Eu me inclinei.
Suas mãos pousaram no meu peito.
— Amor. — Com os olhos abertos, ela pressionou seus lábios contra os
meus, o tom vermelho ao redor de seus olhos derretendo enquanto ela
afundava no beijo.
Eu a puxei contra mim, segurando com força em torno de sua cintura. O
calor de seu corpo pressionando contra o meu e eu me segurei nela e no que
quase perdemos. Ela fechou os olhos e se inclinou ainda mais para mim.
O aperto no meu peito deu lugar a uma sensação de êxtase que não se
comparava nem mesmo à maior vitória de retorno no gelo. Ela estava em
meus braços. Seu calor pressionou contra minha pele, e eu não queria nada
mais do que marcar esse beijo em sua mente para que ela nunca pudesse
passar um dia sem meus lábios nos dela novamente.
Todos ao nosso redor explodiram em gritos e aplausos. Correndo minha
mão por suas costas, eu segurei seu pescoço e a inclinei para trás. Se eles
queriam um show, nós daríamos um show a eles. Ela riu, segurando meus
ombros.
— Eu acho que temos uma plateia — ela sussurrou contra meus lábios.
— Eu não dou a mínima. — Beijando-a novamente como ela merecia
ser beijada, meu mundo se centrou nela. Cada toque. Cada gosto. Cada
respiração.
As pessoas ao nosso redor não importavam nem um pouco para mim.
Eu queria que eles nos vissem. Queria meu amor por ela em exibição para o
mundo e queria que ela soubesse que eu sempre estaria lá.
39

FORD

L iv estava em pé na frente de sua classe encerrando outra sessão


contínua e cheia de suor. Sentei na minha cadeira lateral, fora do
caminho. Seus alunos não olhavam mais tanto assim. Eu me tornei
um elemento da sala de aula.
Se eu não estivesse no rinque ou no treinamento de condicionamento,
eu estava lá. Ela se movia com ainda mais confiança, paixão e graça do que
da última vez que a vi. Ela não dançava pra mim; dançava pra si mesma, e
eu não podia deixar de querer observá-la cada minuto que pudesse. Eu até
mesmo fiz alguns bailes particulares em casa em algumas ocasiões extra-
especiais.
Depois que as pessoas saíram, ela veio para perto de mim, um pouco
sem fôlego. O suor brilhava em sua pele e mechas de cabelo caíam do rabo
de cavalo e grudavam nas laterais do rosto. Seus olhos eram suaves e
lançaram um feitiço sobre mim, do qual eu não queria nunca me livrar e que
seria para sempre uma parte da minha alma.
Com meu braço em volta dos ombros dela, eu a levei para fora do
estúdio depois que ela se trocou. Qualquer um que a visse dançar podia ver
que isso dava vida a ela. Voltamos para meu apartamento e mostrei a ela
exatamente o quanto apreciei seu desempenho. Dois hambúrgueres pedidos
no Fish’s eram a cereja do bolo.
Deitado na cama, enrolado nos lençóis com ela contra meu peito, corri
meu dedo para cima e para baixo em seu braço.
— Vou falar com Colm amanhã.
Ela levantou a cabeça e olhou para mim.
— Eu preciso acalmar as coisas com ele. Ele é meu melhor amigo,
querendo ou não. Talvez eu consiga fazer com que ele pare de ser um idiota
quando se trata de você.
— Eu duvido. Ele provavelmente é mais teimoso do que você na
maioria das coisas, especialmente quando se trata de qualquer coisa a ver
com a mamãe e o papai. Ele sempre se preocupou com o legado deles, em
deixá-los orgulhosos, mas quando penso se eles nos viam ou não como
indivíduos ou apenas como extensões de si mesmos, honestamente não sei.
Papai jogou hóquei quando era mais novo, antes de decidir seguir medicina.
Colm era o clone do meu pai e, para mim, a medicina se tornou minha
muleta. Era a única maneira de passar um tempo com eles, e mesmo assim
eram só migalhas.
— Colm oscila entre odiar e colocá-los em um pedestal. Ele vendeu a
casa sem nem me perguntar. — Ela baixou a cabeça e passou os dedos pelo
meu peito. — Só apareceu um dia e disse que tinha vendido. É como se ele
quisesse deixar a sombra deles para trás, sabe que nós dois precisamos nos
libertar das promessas que fizemos a eles, mas ele não consegue.
Eu beijei a ponta do nariz dela.
— Vamos resolver isso, de uma forma ou de outra.

Saí do vestiário de patins. Andar assim era sempre tão estranho. Meus
tornozelos sempre pareciam que iam se quebrar a qualquer momento
enquanto se equilibravam nas proteções de plástico que protegiam a lâmina
dos meus patins, mas era bom tê-los de volta.
Com o fim da temporada, não fiquei praticando sozinho como
costumava fazer no período fora da temporada, não quando Liv estava
esperando por mim em casa. Eu havia me oferecido para alguns eventos de
caridade para a equipe nas últimas semanas, visitando hospitais e
participando de jantares para arrecadar dinheiro para abrigos de animais
locais. Ter um perfil mais público não era tão horrível quanto eu imaginava
que seria, especialmente não com Liv no meu braço.
Ela brilhava nesse tipo de evento, ao lado de pessoas de seu círculo
social, e isso me deu a chance de mimá-la e comprar alguns vestidos novos.
Ela foi inflexível sobre eu não pagar seus problemas, e ficar por conta
própria era o que ela precisava fazer. Levei quase um mês para convencê-la
a morar comigo.
Pelo menos ela não ficou no Brothel, como ela e Marisa chamavam, por
mais que poucas semanas. No segundo em que ela deixou escapar o nome,
eu estava pronto para chutar a porta para tirá-la de lá. Cada um daqueles
filhos da puta era muito bonito para o próprio bem, e eles me lembravam
muito dos Kings e de nossas palhaçadas da faculdade. Não acho que tive
uma noite de sono decente até ela sair de lá. Eu confiava nela, mas não
tinha tanta certeza sobre aqueles caras, ou sobre as pessoas aleatórias que
apareciam nas festas.
Agora, voltar para o silêncio da minha casa me enchia de inquietação.
Eu adorava falar com ela ao telefone, assistir TV ou ouvir algumas músicas
de estudo enquanto ela fazia o curso para as aulas de verão.
Ela ainda trabalhava duro, mas não precisava ficar acorrentada à mesa.
Exploramos a cidade. Eu cresci aqui, mas nunca tinha visto metade das
atrações turísticas. O zoológico, os cannoli no mercado do Terminal
Reading e uma extensa pesquisa sobre o melhor cheesesteak da cidade
estavam no topo da lista. Até agora, havia um empate entre as lanchonetes
de Jim e Woodrow.
Com a mão dela na minha, eu não me importava se estávamos no meio
de um restaurante movimentado ou sentados em casa no sofá. Qualquer
lugar com ela era onde eu queria estar.
O resto dos caras estiveram ocupados. Emmett e Avery estavam se
preparando para o casamento do século no final do verão, e Declan e Mak
estavam uma viagem rápida antes que ela voltasse para a faculdade de
medicina. Kara foi convidada para uma residência de verão como escritora
em Nova York, então Heath foi com ela. Já fazia muito tempo que não
tínhamos um amistoso dos Kings.
— Por que demorou tanto? — Declan chamou do gelo.
Heath deu a volta no rinque em Mach 5, sempre um feixe de energia.
Um xingamento alto ecoou pelas vigas do rinque de treino. Patins
cortaram o gelo e o rosto irritado de Colm apareceu entre as portas abertas
do rinque.
— Essa é a sua tentativa de merda pra gente se beijar e fazer as pazes?
— Colm jogou o taco dentro do box de penalidades, que estalou contra
lateral do banco.
— Eu não quero brigar com você. — Levantei minhas mãos.
— Talvez eu queira brigar com você. — Suas palavras foram afiadas e
cuspidas como pregos.
O resto dos caras ficaram atrás dele no gelo como se estivessem a
caminho de um funeral. Talvez eles estivessem. Talvez tenha sido a morte
dos Kings como os conhecíamos.
— Onde está Olivia? — Ele tirou a luva e jogou no chão.
— Ela não está aqui. — Eu recuei, balançando minhas mãos na minha
frente.
— Onde ela está? — ele rosnou.
— Ela sente sua falta, cara.
Ele largou a outra luva e olhou por cima do ombro. Eu pensei que talvez
ele tivesse recuperado o bom senso. Em vez disso, ele se virou e investiu
contra mim. Seu olhar para trás foi para se certificar de que os caras
estavam longe o suficiente para que ele pudesse chegar até mim, mas desta
vez eu estava pronto para ele. Ele deu o primeiro soco e eu me inclinei para
trás, me esquivando.
— Colm, para, merda. Ela está em casa. — Pelo menos até decidirmos
nos mudar para outro lugar.
Seu rosto se contorceu, e esse não era o Colm com quem eu cresci,
aquele que me colocou sob sua proteção como um calouro no colégio. Esse
era um animal ferido. Ele correu em minha direção, batendo seu ombro em
meu estômago. Coloquei minha mão sob seu braço e o empurrei para evitar
uma briga.
Houve um estalo nauseante e um uivo. Uma de suas pernas apareceu
pelo topo do box. Meu cérebro correu para juntar as peças. Quando eu o
empurrei, ele deve ter caído por cima da parede para dentro do box.
Espiando por cima da parede que tinha a altura da cintura que Colm
capotou, eu encarei o com os olhos arregalados.
Ele agarrou o joelho, gritando. A bile subiu pela minha garganta. Eu
provavelmente acabei de encerrar sua carreira. Minhas mãos tremeram.
Corri em sua direção.
Eu deslizei minhas mãos sob seus braços para tentar levantá-lo.
— Tira essa porra de mão de mim — ele gritou, se contorcendo de dor.
O resto dos caras apareceram.
— Está tudo bem, cara. A gente assume daqui. — Heath colocou a mão
no meu ombro, parecendo mais sério do que eu o vi há muito tempo. Recuei
e os deixei colocar Colm de pé. Declan saiu correndo e voltou alguns
minutos depois com Bailey, nossa fisioterapeuta da equipe, enquanto eu
estava ali indefeso com minhas mãos atrás da minha cabeça.
Eles o amarraram em uma maca e o levaram a uma ambulância. Seus
olhos encontraram os meus, e ele parecia pronto para pular e quebrar meu
nariz. Eu tinha certeza que ele teria feito isso se não tivesse sido amarrado.
Emmett foi junto com ele. Heath, Declan e eu ficamos lá em estado de
choque enquanto a ambulância se afastava.
— Todos nós vimos o que aconteceu. Ninguém te culpa. — Declan se
virou para mim com olhos sombrios.
— Eu não deveria ter empurrado ele.
— Ele não deveria ter ido pra cima de você, especialmente agora, fazem
poucas semanas que ele voltou pro gelo.
— Merda, cara, o que eu vou dizer pra Liv?
Heath olhou para mim.
— A verdade.
Eu assenti e todos nós nos trocamos em silêncio. Não era assim que o
dia deveria ter sido.
— Estamos indo para o hospital. Vamos atualizando você.
A viagem de volta ao meu apartamento foi a mais longa da história,
com exceção daquela que corri para o apartamento de Liv na noite do
incêndio. Cada entalhe na minha chave soava como uma bigorna caindo.
Virei a maçaneta e entrei.
Música tocava nos alto-falantes Bluetooth e a voz de Liv enchia a casa.
Virei o corredor para a cozinha onde ela dançava, cantando com a espátula.
Meus lábios se curvaram pra cima.
Ela se virou e seus olhos brilharam. Passando os braços em volta do
meu pescoço, ela ficou na ponta dos pés.
— Alguma coisa errada? — Seu olhar percorreu meu rosto.
— Colm estava lá.
Seus braços caíram do meu pescoço.
— Como ele está? — Ela esfregou os dedos nas costas da mão.
— Com dor. Ele se machucou.
Seus olhos se arregalaram.
— O que? O que aconteceu?
Contei toda a história para ela depois que ela pegou uma cerveja para
mim e se sentou no braço do sofá ao meu lado.
— Não parece que foi sua culpa. Colm está passando por algumas
coisas. — Ela olhou para o teto. — Talvez eu deva ir ao hospital para vê-lo.
— Ela apertou as mãos no colo.
— Emmett, Declan e Heath estão lá agora, e eles disseram que vão me
atualizar assim que souberem de algo.
Meu estômago embrulhou. O que ela pensa de mim? Eu não só a afastei
do irmão, como mandei ele pro hospital.
— Ei. — Ela agarrou meu queixo e virou meu rosto para ela. — Eu não
culpo você. Eu sei que você nunca tentaria machucá-lo de propósito. Foi
culpa dele por perder o controle. — Ela correu os dedos ao longo da barba
nas minhas bochechas. — Eu te amo, e nada vai mudar isso. — Inclinando-
se para mim, ela pressionou sua boca contra a minha. Separando os lábios,
ela me deixou entrar, se abrindo para mim, e eu bebi sua beleza em um gole
de cada vez. — Ele vai ficar bem. Só vai levar algum tempo.
Corri minha mão ao longo de seu cabelo.
— Eu espero que você esteja certa.
40

LIV

— A rregace as mangas, seu trapaceiro. — Eu me lancei sobre a mesa


e agarrei o braço de Grant. Meus dedos seguraram a ponta de sua manga.
— Eu não farei tal coisa. Há quanto tempo nos conhecemos, Liver?
Como você pode pensar que eu faria algo assim?
— Sylvia...
— Você vai chamar minha mãe?
Eu puxei com mais força sua manga. O tilintar das peças de Palavras-
Cruzadas foi um sinal óbvio.
— Como isso foi parar aí? — Seus olhos se arregalaram em choque
simulado.
Eu franzi meus lábios e estendi minha mão enquanto ele deixava seu
contrabando cair sobre a mesa.
— Parece que a fada da pecinha de Palavras-Cruzadas decidiu fazer
uma visita a você, hein?
— Deve ter sido. — Ele assobiou e olhou para o teto.
— Alguém chamou meu nome? — Sylvia entrou na cozinha e verificou
o forno. Os brownies de chocolate duplo assando dentro me deram água na
boca. Ela usou uma faca para testar o cozimento.
— Não. Foi só a Liv espirrando. — Grant me deu o olhar mortal que
vem de desafiar seu amigo a te colocar em problemas com a mãe.
— E não teve nada a ver com você roubando nas Palavras-Cruzadas? —
Ela puxou a faca do centro da assadeira de brownie e colocou no balcão.
Ele ficou de boca aberta.
O clique da porta da frente o salvou de uma desculpa esfarrapada. Ford
entrou na cozinha. A camiseta esticada com força em seu peito largo, e eu
queria subir nele como em uma árvore.
— Olha quem eu encontrei lá fora. — Ele estendeu o braço.
A morena alta e esguia colocou a cabeça para dentro da porta com um
sorriso enorme no rosto. Grant correu até ela, quase me derrubando na
mesa. O que eu sou, fígado picado?
Ele passou os braços ao redor dela e a girou.
Ford balançou a cabeça e riu antes de se aproximar de mim. Ele me deu
um beijo de fazer os dedos do pé enrolarem.
Pressionei minhas mãos contra seu peito e quebrei a conexão. Ofegante,
olhei em seus olhos. Os treinos recomeçaram, o que significava que nossos
dias de preguiça em casa haviam acabado.
— Será que todos poderiam parar de agarrar seus amados para que a
gente possa comer?
Sylvia falou conosco de costas.
— Deixa eu te ajudar com isso — Grant e Ford disseram ao mesmo
tempo.
— Certamente, meninos. — Ela se afastou do balcão e deixou os dois
prepararem tudo para o jantar. Sentada à mesa, ela serviu vinho branco para
mim e para Laura.
— Vocês duas precisam vir jantar todas as noites, se isso for obrigar eles
a fazerem todo o trabalho. — Sylvia piscou e tomou um gole de seu vinho.
Laura se inclinou, olhando entre nós como se estivéssemos planejando
um assalto.
— Aposto que da próxima vez a gente consegue fazer eles cozinharem.
Sylvia jogou a cabeça para trás.
— Eu sabia que gostava de você.
Os meninos trouxeram os pratos e todos nós nos sentamos, devorando a
refeição que Sylvia tinha feito para nós. Meu estômago estava roncando
depois das minhas quatro aulas consecutivas no estúdio.
Do outro lado da mesa, Grant e Laura trocavam pequenos olhares e
toques. Meu coração se encheu com a sensação que só vinha de ser
verdadeiramente feliz pela felicidade de outra pessoa.
— Eles ficam bem juntos. — As palavras de Ford acariciaram minha
orelha.
—Eu sei. — Eu estendi meu garfo e dei a ele a última mordida da
minha lasanha.
— Você está tentando me encher para que eu não consiga comer
brownies.
Eu toquei minha mão no meu peito e puxei o ar com força.
— Eu nunca faria uma coisa dessas.
Ele riu.
Sylvia empurrou a cadeira da mesa.
— Todo mundo pronto para mais? — Ela pegou o prato com uma pilha
de brownies.
— Mais que prontos. — Ford enroscou os dedos nos meus por baixo da
mesa e apertou minha mão.

Os braços de Ford me envolveram, enrugando o tecido azul marinho do


meu vestido. Seu cheiro tomou conta de mim enquanto salpicava meu
pescoço com beijos. Eu segurei seus braços, balançando para frente e para
trás ao som da música nos alto-falantes.
— Devíamos ter ficado em casa. — Ele colocou uma mecha do meu
cabelo atrás da orelha e olhou nos meus olhos como se estivesse pronto para
dar uma mordida em mim.
Meu estômago embrulhou e eu apertei minhas coxas juntas. A irritação
entre as minhas pernas enviou uma dor latejante e doce que pulsou por
mim. Lampejos de prazer formigaram ao longo da minha pele. Meus dedos
se apertaram nas costas de Ford.
— Você tem que parar de fazer isso comigo. — Ele abaixou a cabeça,
trazendo seu nariz a alguns centímetros do meu. Seus polegares esfregaram
as laterais do meu rosto com um fogo queimando em seus olhos, e quase me
abanei.
— O que eu fiz? — Eu o encarei com toda a inocência que pude
encontrar.
Seus dedos deslizaram sob o tecido do meu vestido aberto nas costas. A
renda em volta dos meus quadris apertou quando sua mão desceu sobre a
curva da minha bunda, espalmando ela e me apertando com mais força
contra ele.
— Você sabe exatamente o que faz comigo. — O empurrão insistente na
frente de suas calças aumentou, pressionando meu estômago. Minha boca
encheu de água, querendo prová-lo.
— Ei, chega disso. Não precisamos de mais um daqueles vídeos
circulando — Heath gritou do topo da escada.
O braço de Ford ficou tenso em volta de mim e ele tirou a mão de
debaixo do meu vestido.
Corri minhas mãos ao longo de seus ombros.
— Foi uma piada.
Kara seguiu Heath escada abaixo, seu vestido azul claro fluindo a cada
passo. Emmett e Avery saíram da cozinha com a boca coberta de manchas
de batom. O lado esquerdo do cabelo dele estava amassado para cima, e
Avery estendeu a mão para arrumar, suas bochechas brilhando em um rosa
que não vinha do blush. Eu não sabia dizer se era por causa do quase
agarramento ou constrangimento – provavelmente uma combinação de
ambos.
A porta da frente se abriu e Declan a segurou aberta.
— Depressa, o carro está esperando. — Todas as mulheres pegaram as
bolsas e os caras pegaram seus paletós.
— Estamos a uma foto na escada de distância de parecer que estamos
indo para o baile. — Mak riu de dentro da limusine, com a mão na porta
aberta enquanto ela parava no meio-fio.
Os caras trocaram olhares e todos nós voltamos direto para dentro da
casa. O motorista da limusine foi gentil o suficiente para servir de fotógrafo
nas fotos dos casais, assim como as fotos só dos caras e garotas em pé ao
longo da escada. Eu sabia que elas ficariam bem na minha parede de fotos,
as novas memórias que eu estava tendo com minha nova família.
Com lágrimas de riso em meus olhos, eu deslizei para a limusine
imprensada entre Emmett e Ford.
— Não acredito que você nos obrigou a fazer isso.
Mak digitava em seu telefone.
— Encomendei cinco fotos emolduradas e serão entregues no final
desta semana. — Ela se inclinou para trás e passou a mão pela perna de
Declan.
A lenta compreensão do motivo de ela ter pedido cinco fez com que o
silêncio se arrastasse pelo carro. Ela olhou para cima, seus olhos disparando
para mim e Ford.
— Desculpe. — Ela enfiou o telefone na bolsa. — Você falou com ele?
Eu balancei minha cabeça. Já faziam quase três meses. As aulas vão
começar de novo em alguns dias.
— Toda vez que eu tento, ele me ignora. — Ford aumentou seu aperto
em meu ombro, seu toque mantendo a tristeza sob controle.
— Bailey alguma vez o fez levar a sério a nova reabilitação? — Mak
deslizou até a ponta do assento.
— Eles vão tirá-lo do time se não conseguir voltar ao gelo no meio da
temporada. — A voz normalmente ensolarada de Heath lançou uma nuvem
mais sombria sobre nosso grupo.
— A caixa postal dele está totalmente cheia. Ele não responde a
nenhuma mensagem. — Eu olhei nos olhos de todos, e eles tinham o
mesmo olhar perdido que eu tinha nos meus.
— Ele precisa de alguém de fora pra colocar a bunda dele no lugar. —
Declan enroscou os dedos nos de Mak e ela os segurou no colo.
— E a Imogen? — A cabeça de Avery levantou do ombro de Emmett.
— Imogen? — As sobrancelhas de Kara se ergueram.
— Ela acabou de terminar o treinamento como fisioterapeuta e
especialista em reabilitação. Ela voltou para a faculdade depois... depois de
Preston. — As últimas palavras de Declan saíram como um sussurro.
— Depois de tudo o que ela passou, você quer fazer ela aguentar o
temperamento do Colm? — Heath colocou a mão no colo de Kara.
— Qual é a outra opção? Vamos deixar ele ficar de mau humor e ser um
idiota a ponto de jogar a carreira fora? Ou vamos fazer umas correntes de
Ave-Maria para ela talvez colocar algum senso nele? — Declan olhou para
mim, depois para Ford. — Ela é a única pessoa que ele talvez não ataque
automaticamente.
Eu encarei Ford e a linha severa de sua boca. A noite tinha começado
tão bem, mas isso era algo que sempre se passava pela nossa cabeça. Eu
esperava que Colm aceitasse tudo como Grant, mas ele parecia convencido
e determinado a nem mesmo falar conosco – inferno, com qualquer um dos
Kings, muito menos tentar se reconciliar comigo ou com Ford.
Ford olhou para mim e acenou com a cabeça.
— Ligue para ela, se você acha que ela pode ajudar.
Olhei nos olhos de Ford antes de me virar para Declan.
— Podemos ligar para ela amanhã. — Mak deu um sorriso fraco.
A limusine parou na entrada do museu de arte. Um tapete vermelho
cobria os degraus de pedra e fotógrafos se alinhavam ao longo do caminho
até as maciças portas duplas de bronze no topo da escada.
— E lá vamos nós. — Emmett abriu a porta com o ombro e estendeu a
mão para Avery. Ela a pegou e se aproximou.
A tensão no corpo de Ford irradiava dele. Corri minha mão sobre as
costas de sua mão e entrelacei meus dedos com os dele. Seu ódio por esses
eventos havia diminuído recentemente, especialmente quando era por
caridade. Mas ainda não era fácil para ele.
— Vai ficar tudo bem. — Eu sorri para ele e cheguei mais perto da
porta.
Ele me puxou de volta contra seu peito. Todos os outros desceram e os
flashes das câmeras encheram a limusine de luz a cada poucos segundos.
Eu olhei por cima do ombro para ele. Seus olhos estavam fixos fora da
limusine pela porta parcialmente fechada. O resto dos Kings e suas rainhas
estavam do lado de fora da porta, esperando por nós.
Me virando, corri meus dedos ao longo de seu queixo e o puxei para
mais perto.
— Não se preocupe com as câmeras ou as pessoas gritando seu nome.
Você consegue fazer isso.
Seu pomo de adão balançou e ele fixou os olhos em mim. A tensão
vincando sua testa diminuiu um pouco, e seu pulso, que estava batendo
contra o meu aperto em suas mãos, desacelerou.
— Eu te amo, Liv.
— Eu sei. — Eu sorri e me mexi no assento.
Ele me puxou de volta.
— Isso é tudo que você tem a me dizer? — Rosnando contra minha
orelha, seus dedos apertaram minha cintura.
— Não queremos deixar seus adorados fãs esperando. — Escorregando
de seu alcance, pulei para fora da limusine. Ford seguiu atrás de mim, sua
presença inconfundível, junto com a fechadura a laser em seus olhos.
Nosso grupo subiu as escadas do museu. Os caras foram encaminhados
para a linha de repórteres e cinegrafistas pelos organizadores do evento.
Ford colocou microfones na frente de seu rosto e respondeu a cada
pergunta, mas seus olhos nunca me deixaram.
Kara, Mak, Avery e eu caminhamos ao lado deles, absorvendo a energia
da multidão.
— Eles parecem bem, não é? — Kara suspirou com um olhar sonhador
em seus olhos. Heath piscou para ela por cima do ombro.
— Eles se arrumaram bem. Talvez da próxima vez eu não tenha que
subornar Declan pra ele entrar no terno. — Mak apertou as mãos em torno
da bolsa à sua frente.
— Tá mais pra suborná-lo pra fora de um. Eu juro que Emmett nasceu
em um smoking. — Avery puxou a cintura justa de seu vestido. Ela teria
aparecido de jeans e camiseta, se pudesse.
Ford olhou por cima do ombro, seus olhos prometendo retribuição pelo
meu desprezo pelo seu amor. Eu dei boas vindas a isso. Meu sorriso se
alargou quando ele se aproximou de mim, estendendo o braço para que eu
segurasse enquanto entrávamos na gala.
Ignorando nossa mesa, ele me levou para a pista de dança. Uma mão
traçou minhas costas expostas, a outra segurando minha mão. Eu segurei
seu ombro, meus saltos me trazendo até a altura do queixo dele.
— Eu sei o que você está fazendo — ele sussurrou em meu ouvido. Nós
deslizamos pela pista de dança com outros casais enquanto a banda tocava
uma versão clássica de “Viva La Vida” do Coldplay.
— O que eu estou fazendo?
— Você está evitando dizer que também me ama para me manter
distraído e me deixar louco, para que eu não preste atenção nas câmeras,
nos fotógrafos e em uma sala com centenas de pessoas. — Suas palavras
acariciaram minha orelha, e agora eu estava me perguntando por que
estávamos aqui e não em casa.
— Se você sabe o que estou fazendo, por que deixar isso te deixar
louco? — Minha respiração ficou presa com o olhar faminto em seus olhos.
— Você faz isso de qualquer jeito. Não importa o que aconteça, você
sempre me faz pensar que vou enlouquecer se não puder falar com você,
tocar em você, provar você.
Mordi meu lábio inferior.
Ele se afastou e olhou nos meus olhos, ainda dançando pela pista.
— Mas dois podem jogar esses jogos, então vamos ver como você se
sai. — Suas palavras roçaram em meus lábios com gloss e eu queria
devorar os mentolados dele.
A música terminou, e ele me levou de volta para a mesa, a mão nunca
deixando seu lugar nas minhas costas. Seu polegar arrastou através da
minha pele em círculos insistentes, o mesmo tipo que ele usava no meu
clitóris, que me deixava suada, tremendo e incapaz de lembrar meu nome.
Meu clitóris latejava e eu mordi meu lábio inferior. Ele puxou a cadeira
para mim e eu permaneci de pé, incapaz de me mover.
— Você está bem? — ele sussurrou em meu ouvido. Um arrepio
percorreu meu corpo.
Eu balancei a cabeça, colocando a parte de trás do meu vestido para o
lado e finalmente sentando na cadeira forrada de azul-marinho.
— Seu guardanapo caiu. — Ele se agachou e pegou o tecido marinho
dobrado no chão. Abaixando a mão, ele olhou nos meus olhos e um arrepio
percorreu minha espinha. Ele pegou o guardanapo e usou isso como
desculpa para passar as costas dos dedos ao longo do meu tornozelo, que
estava enrolado com as finas tiras do meu salto.
Seus olhos brilharam com um fogo que poderia ter queimado metade da
cidade. Eu respirei fundo. Foi o mesmo olhar que ele me deu quando
colocou minhas pernas sobre seus ombros e se banqueteou de mim como se
eu fosse sua última refeição.
Minha calcinha estava a segundos de se desintegrar do meu corpo. Eu
engoli a pedra que tinha se instalado em minha garganta.
Seu sorriso se transformou. Descansando uma mão na mesa e a outra
nas costas da minha cadeira, ele me prendeu.
— Viu só? Eu também posso jogar. — Ele se sentou ao meu lado e
ergueu uma garrafa de vinho, servindo uma taça para mim. Meu cérebro
ficou nublado e só havia um pensamento correndo pela minha cabeça. Tudo
centrado nele. Eu queria pular na mesa e gritar meu amor por ele no meio
da sala lotada, mas onde estava a diversão nisso?
O canto da minha boca se ergueu. Teríamos sorte se conseguíssemos
voltar para a limusine antes que ele arrancasse o vestido do meu corpo. Eu
apertei minhas coxas juntas. Devo ter feito barulho, porque Mak se inclinou
e pousou a mão no meu braço.
— Você está bem?
Ford olhou por cima do ombro com um largo sorriso. Ah é? Vamos ver.
— Estou bem, Mak. Só estou com um leve resfriado. — Empurrando
minha cadeira para mais perto da mesa, corri minha mão sobre o joelho de
Ford sob a toalha. Seus músculos se contraíram sob meu controle e ele
olhou para mim, sua respiração prendendo enquanto meus dedos se
arrastavam mais alto.
Tomando um gole de vinho da minha taça, eu ri da piada que Heath
contou do outro lado da mesa. O olhar de Ford se cravou na minha
bochecha, minha mão se moveu ao longo de sua coxa e ele engasgou com
sua bebida. O sorriso elétrico fez meu estômago revirar e ameaçar me levar
embora.
Seu sorriso foi o suficiente para lavar as manchas de tristeza que
surgiram quando minha mente derivou para Colm.
Nós vamos consertar isso juntos.
Nós passamos por tanta coisa – quanto tempo passou? Isso não
importava agora. Ele era o único para mim. O universo finalmente nos deu
nossa chance e eu não vou deixar isso passar. Com Ford, era pra sempre e
sempre. Eternamente.

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