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gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.
Esta obra literária é ficção. Qualquer nome, lugares, personagens e incidentes são produto
da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
eventos ou estabelecimentos é mera coincidência.
C332d
1.ed
Casey, L. A., 1991-
De volta para casa [recurso eletrônico] / L. A. Casey ; tradução Débora Isidoro. - 1.
ed. - Rio de Janeiro : Allbook, 2020.
Espero que esteja bem. Dscp, não me odeia. Te amo e dscp se estraguei
tudo.
Rangi os dentes ao ler a mensagem; odiava quando ele não
escrevia direito, mas deixei esse incômodo de lado quando digitei a
resposta.
Para com isso. Estou bem. Foi um erro. Eu sei disso, você sabe disso. Você ainda é
meu melhor amigo. Nada nunca vai mudar isso. Você não estragou nada. Ainda é meu
parceiro. As coisas não mudaram. Garanto. :)
Mentira. Mentira. Mentira.
Não contei, mas suspeitava de que as coisas nunca mais seriam
como antes entre nós, e acho que Kale também sabia disso.
— Lane?
Pisquei para apagar a lembrança que tinha se apoderado de mim
e virei a cabeça na direção da voz que disse que meu nome, e
quando descobri que a pessoa que me chamava era Ally Day, meu
olhar endureceu.
Era domingo, um dia depois do funeral de meu tio, e a família, os
amigos da família e mais algumas pessoas tinham aparecido na
casa dos meus pais, alguns para falar sobre os bons tempos com
meu tio, enquanto outros bebiam.
Fiz questão de ficar bem longe do álcool. Não tocava em bebida
alcoólica há sete anos, e embora me sentisse no auge da
depressão, cumpria o juramento pessoal de nunca mais usar a
bebida para mascarar a dor. Tinha recorrido a esse artifício
frequentemente nos últimos anos da adolescência, e nunca mais
queria voltar àquele estado de espírito.
— O que você quer, Ally? — perguntei, empurrando algumas
mechas de cabelo para longe do rosto. — Não estou com
disposição para ser diminuída. Caso não tenha notado, tive um fim
de semana de merda.
Ally pareceu se encolher.
— Eu mereço isso.
— Será? — perguntei, sarcástica.
Ela mexia na barra do cardigã quando disse:
— Lane, desculpa.
Virei de frente para ela.
— Por quê?
Ela engoliu a saliva antes de responder:
— Por ter sido horrível com você quando éramos mais novas. Não
tenho justificativa para isso. Fui cruel, péssima e totalmente maldosa
com você por nenhum motivo. Queria poder desfazer tudo isso.
Inclinei a cabeça sem deixar de encará-la.
— Eu quis a mesma coisa muitas vezes — contei. — Depois
daquele dia na casa de Anna, todas as noites eu queria poder voltar
no tempo e não ir lá. Entende o impacto que aquelas palavras
tiveram em mim? Eu quis morrer, porque me sentia muito mal
comigo. Foi esse tipo de papel que você teve em minha vida.
Os olhos de Ally ficaram cheios de lágrimas.
— Sinto muito, de verdade. Não tinha ideia da dor que causei.
Eu não movi um músculo.
— É claro que não. Estava colada demais em Anna para ver
qualquer outra coisa, inclusive o impacto que suas palavras e
atitudes causavam em outras pessoas.
As lágrimas transbordaram e rolaram por seu rosto, agora
vermelho.
— Eu me odeio por como me comportei no colégio. Nunca quis
ser essa pessoa, Lane. Era cruel para ter a aprovação da Anna, só
isso. Não sei por que precisava ser amiga dela, porque ela era
horrível comigo, pior ainda do que era com você.
Franzi a testa.
— Acha que devo sentir pena de você, Ally?
— Não. Não estou tentando me colocar no centro de tudo. Só
queria que soubesse porque eu era daquele jeito. Fiz coisas
horríveis para preservar uma amizade tóxica com alguém que não
merecia, e magoei você e muitas outras pessoas. Vou me
arrepender para sempre pelas coisas que disse.
Eu não sabia se aceitava ou não o pedido de desculpas, embora
seu arrependimento fosse evidente. A adolescente magoada em
mim queria vê-la chorar e se sentir muito mal pelo que tinha feito
comigo, mas calei essa minha versão. Se a deixasse agir, não seria
melhor que Ally ou Anna haviam sido naquele dia.
— Dá para ver que está arrependida — comentei.
— Estou — ela choramingou. — Juro.
Respirei fundo.
— Não sei o que você quer que eu diga, Ally. Não consigo
simplesmente desligar a antipatia que sinto por você. Você fez parte
do que tornou minha adolescência mais difícil do que precisava ser.
— Eu desfaria tudo, se pudesse.
— Por que agora?
— Hã? — Ela soluçou.
— Por que está me dizendo isso agora?
Ally deu de ombros.
— Passei anos querendo pedir desculpas, mas você estava nos
Estados Unidos, e eu não quis te achar no Facebook e falar tudo
que tinha para dizer em uma mensagem de texto. Qualquer coisa
menor que o pedido de desculpas que estou fazendo agora não
teria sido suficiente, não para mim.
Isso me surpreendeu.
— Você mudou desde a última vez que a vi — comentei depois de
um momento de silêncio.
Não me referia à aparência, e Ally sabia disso.
— Mudei — ela confirmou. — Cresci, e vou ter que conviver com
as coisas que fiz e disse, mas tudo que posso fazer agora é pedir
desculpas e provar que sou uma pessoa melhor.
O instinto me dizia que o pedido era sincero.
— Não... acredito que estou dizendo e falando sério, mas está
desculpada, Ally — declarei depois de mais uma pausa. — Não
vamos ser amigas tão cedo, mas acredito que se arrependeu pelo
que fez e aceito suas desculpas. Não precisamos mais falar sobre
isso; acabou, vai ficar no passado.
Ally continuou chorando e chorava cada vez mais, até soluçar
tanto, que nem conseguia falar. Eu não sabia o que fazer, então
fiquei parada, olhando para ela. E me senti mal quando me coloquei
em seu lugar.
É assim que eu fico quando choro? As pessoas se sentem tão
impotentes quanto eu me sentia ali?
— O que está acontecendo? — A voz de Lochlan retumbou de
repente do meu lado direito.
Olhei para ele no mesmo instante em que ele olhou para Ally, que
ainda chorava, e resisti ao impulso de revirar os olhos quando
Lochlan me encarou com uma expressão dura. Se olhares
pudessem matar, eu estaria morta aos pés do meu irmão.
— O que foi que você fez? — ele grunhiu.
Lá vamos nós.
— Qual é a sua? — devolvi. — Eu não fiz nada.
Ele levantou as mãos e gesticulou para mostrar Ally.
— Por que ela está nesse estado, então?
Olhei para Ally, que tentava falar, mas continuava soluçando e
não conseguia articular uma palavra sequer.
— Ela não está chorando por minha causa... É por causa dela
mesma.
Lochlan continuava bravo.
— Nunca a vi chorar desse jeito, e de repente, depois de uns
minutos sozinha com você, ela está se desmanchando em lágrimas.
Por que ele está tão incomodado?
— É melhor fechar sua boca, virar e sair daqui, antes que diga
alguma coisa de que vai se arrepender — avisei. — Não tenho culpa
de nada aqui. Ela está se desculpando pela merda que fez comigo
quando éramos adolescentes. Está chorando porque se sente mal
com o que fez. Estamos conversando sobre isso. Ponto.
Parte da tensão desapareceu do corpo de Lochlan.
Ele olhou para Ally e perguntou:
— Isso é verdade?
Fiquei furiosa por ele não aceitar minha palavra sem precisar de
uma confirmação.
Ally fungou e balançou a cabeça numa resposta afirmativa.
— Ah — ele disse, e tossiu para limpar a garganta. — Eu não
sabia.
— E como poderia saber? — perguntei. — Não me deu uma
chance de explicar. Entrou aqui apontando esse seu dedo estúpido
e gordo e tirando conclusões precipitadas. Tipicamente Lochlan.
A tensão que havia deixado seu corpo voltou dez vezes maior.
— Conheço você, Lane, sei como sempre arruma encrenca do
nada — ele me acusou com hostilidade.
Se tivesse chutado meu rosto, teria doído menos.
— Engano seu, querido irmão — debochei. — Você não me
conhece; faz muito tempo que não sabe nada de mim.
— E de quem é a culpa por isso? — ele gritou de repente.
Ally pulou assustada, mas eu nem me abalei. Lochlan não me
amedrontava. Estava acostumada com suas explosões.
— Desculpa, Ally — ele murmurou, adotando um tom
incrivelmente manso. — Pode me dar um minuto com minha irmã?
Ele falou a palavra “irmã” como se dissesse “câncer”.
Ally assentiu, tocou o braço de Lochlan com ternura, depois saiu
da sala e fechou a porta. Olhei para Lochlan, e meu rosto se
iluminou quando somei dois mais dois.
— Eu sou muito burra — falei, rindo. — Agora entendi porque a
defendeu ontem na sala de estar e agora há pouco: está enrolado
com ela.
— Não fala sobre o que não sabe.
Ri de novo.
— Acertei, não é?
Ele me encarou, e seu silêncio gritava um sim retumbante.
Balancei a cabeça.
— Durante anos você nunca permitiu que os meninos mais velhos
chegassem perto de mim, e agora está enrolado com alguém da
minha idade? Da mesma idade que sua irmãzinha, Lochlan. Que
maravilha.
— Você não sabe do que está falando — ele rosnou.
Eu o ignorei.
— Talvez eu deva seguir seu modo de agir e fazer Ally fugir de
medo. Funcionou bem quando fez isso comigo no passado.
O olhar de Lochlan se tornou ainda mais duro.
— É diferente. Não somos mais crianças.
— Desde quando maturidade teve alguma importância entre
irmãos?
— Não se mete com a Ally.
Levantei as mãos como se me defendesse.
— Não tem problema, meu irmão. Não vou ficar aqui por tempo
suficiente para atrapalhar sua foda. Pode ter certeza, na primeira
oportunidade que tiver, eu caio fora daqui.
Toda a atitude de Lochlan endureceu.
— Para de ameaçar a gente com isso.
Desviei o olhar.
— Você sabe que vou embora quando todas as coisas do tio
Harry estiverem resolvidas. Não é ameaça, é a verdade.
Ele se aproximou de mim.
— Pode ficar aqui, se quiser. Você sabe que pode.
— Tio Harry partiu — respondi, olhando pela janela da cozinha. —
O que sobrou para mim aqui?
— Eu! — Lochlan rugiu.
Eu me assustei com o grito. Olhei para ele e me apoiei no balcão
da cozinha ao ver a tensão em seu rosto. Nunca tinha visto meu
irmão tão furioso antes.
— Eu estou aqui. Layton está aqui. Mamãe, papai e vovó, todo
mundo está aqui para você. Kale também está aqui, não que você
dê a mínima para ele.
Foi a minha vez de gritar.
— O que está falando? — berrei, sentindo a raiva correr nas
veias. — Fui embora por causa do Kale! Para ele poder ficar com a
Drew, para eles poderem ter o bebê. Não queria ser um lembrete do
inferno que ele enfrentava cada vez que me via, e não queria ser um
problema para o relacionamento deles, porque sabia que Drew não
gostava de me ver perto dele. Fui embora para poder ser feliz,
então, porra, não se atreva a dizer que não dou a mínima para ele.
Amei Kale com toda força que havia em mim, seu cuzão! Abandonei
minha vida inteira por ele!
Não disse que também fui embora porque não suportava ver a
vida de Kale com outra pessoa acontecendo diante dos meus olhos,
mas Lochlan não precisava saber disso.
Ele me encarou com os olhos bem abertos.
Balancei a cabeça.
— Amo você, Lochlan, mas às vezes você me faz te odiar.
Ele engoliu em seco, e a tensão desapareceu de seu rosto.
— Não quero ser tão duro, mas você não deixou só Kale ou tio
Harry quando foi embora. Você também me deixou.
Meu coração doeu por ele.
— E eu lamento se magoei vocês, mas não sabia o que mais
podia fazer, na época. Não consegui ficar aqui. Era muito difícil.
— E agora?
— Agora não sei o que sinto. Sou um amontoado de emoções por
tudo que está acontecendo. Só preciso me controlar e pensar um
pouco.
— Ally e eu estamos juntos há quatro anos.
Eu esperava meu irmão dizer muitas coisas, mas essa não era
uma delas.
— Quê? Quatro anos?
— Estamos noivos.
Ainda bem que estava perto do balcão, porque tinha certeza de
que teria caído sem ele.
— Não é só uma foda, como você disse. Eu amo a Ally, e ela me
ama.
Pisquei atordoada.
— Estamos de casamento marcado para junho, e eu... nós
queremos que você esteja presente.
Desviei o olhar, mas meu irmão mudou de lugar e se colocou na
minha frente.
— Não faz isso! Não vira a cara para mim. Se não vem para o
meu casamento, fala na minha cara.
Fiquei chocada ao ver as lágrimas nos olhos do meu irmão,
lágrimas de verdade.
— Acabei de perdoar a Ally por tudo que ela me fez quando
éramos mais novas, mas não gosto dela, Lochlan. Como posso ficar
na igreja fingindo que gosto? — perguntei, olhando dentro dos olhos
dele.
Sua expressão perdeu um pouco da intensidade, e os lábios
tremeram.
— Pode sentar no fundo, se achar melhor.
Fiquei surpresa quando deixei escapar uma gargalhada. Lochlan
também riu. Depois, sem aviso prévio, ele me abraçou.
— Você ainda é o maior pé no meu saco, irmãzinha, mas sempre
foi minha garota preferida. Sabe disso, não é? Amo você, senti
muito sua falta.
Lágrimas escaparam dos meus olhos quando o abracei.
— Desculpa — pedi. — Desculpa por ter te deixado.
Lochlan me apertava com força.
— Parabéns — falei em seguida, e recuei do abraço. — Sério.
Estou feliz por você.
Lochlan piscou para mim.
— Valeu, garota.
Sorri com ar de provocação.
— Pelo jeito, vou ter que dividir o título de garota preferida do
Lochlan.
Seu sorriso ficou mais largo.
— É, parece que sim.
— Se algum dia ela te fizer sofrer — falei, repentinamente séria
—, você me conta, e eu acabo com ela.
Lochlan quase perdeu o ar de tanto rir, e isso me fez sorrir.
— É bom saber que está se divertindo, mas é sério.
Ele riu mais ainda.
— E vou acabar com você também, se não segurar a onda.
Lochlan tentou se recompor.
— Desculpa, Rambo — ele debochou. — Vou lembrar da sua
oferta. E torcer para a Ally nunca me fazer sofrer.
Revirei os olhos e sorri antes de abraçar meu irmão de novo.
— Você vem para o casamento, então? — ele perguntou.
Assenti com a cabeça em seu peito.
— Acha que a mamãe e o papai iam me deixar perder essa?
Ele recuou, pensou um pouco e fez uma careta.
— Eles iriam pessoalmente à Nova York e te enfiariam no avião
de volta para casa.
Exatamente. O que ele dizia era a mais pura verdade.
Fingi pavor.
— Não quero nem imaginar.
Lochlan sorriu para mim, depois beijou minha testa. Fechei os
olhos e, ao reabri-los, olhei para ele.
— Tudo certo?
Ele me encarou por um momento e respondeu:
— Sim, Lane, tudo certo. Estou cansado de ficar bravo com você.
Sei que é porque sinto sua falta e me preocupo, mas se quer viver
em outro país, eu vou ter que lidar com isso. As coisas não vão
mudar entre nós, prometo.
Ele me abraçou de novo, e a tensão entre mim e Lochlan
desapareceu. Era uma sensação muito boa. Interrompi o abraço
quando ouvi alguém tossindo, e fiquei paralisada ao ver Kale parado
na porta aberta da cozinha, com as mãos nos bolsos da calça. Seus
olhos sem vida estavam cravados em mim.
— Lane? — ele falou em voz baixa.
— Ai, Deus.
— Quanto... quanto tempo faz que está aí? — perguntei, quase
sussurrando.
Ele umedeceu o lábio inferior.
— O suficiente.
Ele ouviu tudo que eu disse? Entrei em pânico.
Merda. Fechei os olhos.
— Tenho que ir.
Precisava me afastar de todo mundo e ficar sozinha. Eu me
afastei de Lochlan e praticamente atropelei Kale, mas fui obrigada a
parar perto da sala de estar quando um corpo surgiu na minha
frente.
— Não vai a lugar nenhum! — Era a voz do meu pai.
Eu me recusava a olhar para as pessoas.
— Estava dizendo que vou até o hotel. Prometi à mamãe e à vovó
que ficaria para ajudar com a casa e as coisas do tio Harry. Não vou
fugir da cidade. Só quero um tempo para mim.
Meu pai não se moveu.
— Pode ficar sozinha no seu quarto, não precisa...
— Meu bem, deixe-a ir — minha mãe interferiu com tom manso.
Não fiquei surpresa quando a ouvir dizer isso. Levantei a cabeça
e a vi na porta do salão, me observando com os olhos exaustos.
— Vejo você amanhã? — ela me perguntou.
Balancei a cabeça para dizer que sim.
— Então vai para o seu hotel e dorme, querida.
Eu me aproximei de minha mãe, a abracei e beijei seu rosto.
— Amo você. Sabe disso, não sabe? — cochichei em seu ouvido.
Ela assentiu e me abraçou com força.
— Também amo você, querida.
Depois disso, virei e me dirigi à porta da casa dos meus pais, mas
parei ao ouvir a voz dele.
— Eu te levo.
Fechei os olhos.
— Não precisa. — Senti sua presença atrás de mim.
— Não perguntei, Lane.
Ai, droga.
Umedeci os lábios.
— Não posso ficar sozinha com você agora.
Kale passou por mim e invadiu meu espaço, sem se importar com
toda a família atrás de nós, assistindo a tudo.
— Problema seu. Dá um jeito.
Como? Queria gritar. Como posso dar um jeito em alguma coisa
que tem a ver com você?
Respirei fundo.
— Kale...
— Lane.
Levantei o queixo e olhei para ele.
— Por que tem que ser tão difícil?
Ele deu de ombros.
— Funciona quando o assunto é com você.
Que diabo ele quer dizer com isso?
Franzi a testa. Balancei a cabeça.
— Está se comportando como um babaca. Sabe disso, não é?
— Sim, eu sei.
Ignorei as risadinhas atrás de nós.
O olhar de Kale anunciava que ele não recuaria da intenção de
me acompanhar ao hotel, e eu balancei a cabeça, passei por ele e
abri a porta.
— Se é para vir, vem logo, então — resmunguei.
Ouvi o sorriso em sua voz quando ele respondeu:
— Sim, senhora.
E ouvi as risadinhas abafadas quando saí da casa dos meus pais
e desci a alameda com passos apressados até sair do jardim. Ele
me seguia de perto, corria ao meu lado e acompanhava meus
passos com facilidade, porque suas pernas eram muito mais longas
que as minhas.
— Vai acabar com falta de ar, se continuar correndo — ele
comentou.
— Ou ando depressa, ou te bato por...
— Por quê? — ele me interrompeu. — Garantir que vai chegar
segura ao hotel? Acha que vou correr riscos em relação à sua
segurança?
Suspirei e diminuí a velocidade.
— Está me tirando o direito de decidir se vai ou não me
acompanhar até o hotel.
Kale riu.
— Faz anos que tirei alguma coisa de você. Vamos dizer que é
pelos velhos tempos, estamos revivendo bons momentos.
Revirei os olhos.
— Você não existe.
— É — ele riu —, eu sei.
Contive um sorriso.
Andamos em um silêncio estranhamente confortável por alguns
minutos, e quando nos aproximamos do hotel, alguma coisa
encaixou dentro de mim. Na casa dos meus pais, tive o impulso de
fugir porque era boa nisso, mas agora entendia... Nada tinha sido
resolvido quando os deixei, quando deixei Kale, quando saí de York.
Durante seis anos, tinha me sentido exatamente como no dia em
que parti de York, se não pior. Tinha me deixado cegar pelos medos.
Tinha deixado os “e se” me vencerem.
E se eu não suportasse ver Kale feliz com uma família?
E se eu voltasse para casa e mergulhasse ainda mais fundo na
depressão?
E se? E se? E se?
— Que foi? — Kale perguntou, certamente estranhando a parada
repentina.
Olhei para ele e pisquei como se saísse de um transe.
— Eu só... acabei de perceber uma coisa.
Ele lambeu os lábios.
— O quê?
— Não quero ficar no hotel; não quero ficar longe da minha família
— respondi, e balancei a cabeça como se me livrasse de uma
nuvem de confusão. — Tenho passado tanto tempo sozinha, que
senti que precisava sair de lá e me afastar deles, mas não é disso
que preciso. Preciso do amor e do apoio deles, e acho que eles
também precisam do meu.
Um sorriso iluminou o rosto de Kale.
— Então vamos pegar suas coisas no hotel, fazer o checkout e
voltar para a casa dos seus pais.
As coisas podiam ser realmente tão simples?
Assenti.
— É... sim, vamos lá.
Seguimos para o Holiday Inn, e antes de subir ao meu quarto,
informei à recepcionista que estava saindo. Tinha passado a hora
do checkout, e eu não sabia se ela me cobraria uma diária, mas a
moça disse que ia providenciar o checkout, e Kale e eu subimos.
Ele ficou perto da porta enquanto eu andava pelo quarto e punha
a mala em cima da cama.
— Essa é sua mala?
Assenti.
— Saí da cidade tão apressada, que só peguei o que vi pela
frente e corri para o aeroporto.
Kale ficou em silêncio por um momento, antes de dizer:
— Lamento que esteja passando por isso, Lane.
Ele ainda era uma pessoa muito doce e atenciosa, mesmo vazio
por dentro como estava.
Não respondi, e Kale me disse para pegar tudo que era meu no
banheiro enquanto guardaria meus utensílios de cabelo, o laptop e
os carregadores. Eu planejava fazer exatamente o que ele dizia,
mas o silêncio entre nós gritava comigo. Não entendia por que ele
me tratava tão bem. Entendi a gentileza durante o funeral de meu
tio, mas por que ele não dava nem sinais de estar bravo? Eu tinha
partido em circunstâncias muito ruins, e não havia estado a seu lado
quando Kaden morreu.
Criei coragem e perguntei?
— Por que não me odeia?
Ele parou de enrolar o fio do meu secador de cabelo e o deixou
em cima da mesa.
— Não vou fazer isso em um quarto de hotel, Lane.
Engoli o medo.
— E não vai sair daqui enquanto não responder à minha pergunta
— devolvi. — Não quero ter aquela nossa conversa agora, só quero
saber por que não me odeia, se te dei todas as razões para isso.
Os músculos nas costas de Kale se contraíram antes de ele virar
de frente para mim e cravar os olhos cor de âmbar nos meus.
— Nunca te odiei, nunca vou te odiar — disse com simplicidade,
dando de ombros. — Você significa mais para mim do que qualquer
pessoa viva nesse planeta, e se acha que, depois de passar seis
anos sem ter você na minha vida, vou só te ignorar e fazer um jogo
idiota, pode esquecer, garota.
Senti meu olho tremer.
— Não sou mais uma garota, Kale.
Os olhos que eu tanto amava abaixaram até meu peito,
continuaram descendo enquanto ele me sorvia sem pressa. Isso me
enfraqueceu; um olhar daqueles olhos cor de uísque, e eu estava
perdida.
— Dá para ver — Kale murmurou.
Engoli em seco e senti que era o momento certo para dizer o que
eu guardava comigo desde a noite anterior.
— Kale, eu sinto muito pelo Kaden.
Ele ficou em silêncio por muito tempo.
— Quem te contou? — perguntou depois do silêncio
ensurdecedor.
Olhei para o chão.
— Meu pai. Eu estava no túmulo da tia Teresa e do tio Harry uma
noite antes do funeral, e ele me mostrou... onde Kaden foi
sepultado. Vi você e Drew ontem na sepultura, depois do enterro do
meu tio, e quis ir falar com você, mas achei melhor não interromper.
— Olha para mim — Kale disse depois de um momento.
Soltei o ar antes de o fazer, odiando ver que sua expressão era de
tristeza.
— Obrigado pelas condolências por meu filho.
Fechei os olhos. Não queria ser formal... não a respeito disso.
— Vi a foto dele na lápide... lindo — sussurrei, ainda de olhos
fechados. — Tinha seu nariz e seus lábios; tinha até seu sinal de
nascença no pescoço.
Kale respirava mais depressa, e eu me odiei.
Abri os olhos, mas continuei de cabeça baixa.
— Desculpa, Kale. Estou piorando as coisas. Vou terminar de
arrumar as coisas...
Virei para entrar no banheiro, mas Kale atravessou o quarto
correndo e segurou meu braço.
— Não.
Virei a cabeça e olhei para ele.
— Não o quê?
Ele me fitou com aqueles olhos de filhotinho.
— Não me deixa. Não estou bravo, só estava lembrando do meu
filho. Você teria adorado o Kaden. Ele era a criatura mais perfeita
que já vi, Lane. Ele era... tudo.
Um sorriso lindo distendeu meus lábios.
— Não tenho dúvida disso. Era seu filho, Kale. Não podia ser
menos que perfeito.
— Acha que ele era parecido comigo? — Kale perguntou,
surpreso. — Eu acho que ele era mais parecido com a mãe.
Sorri, radiante.
— Alguns homens enxergam a beleza da mãe no rosto dos filhos.
Ele era a mistura perfeita de vocês dois. Você e Drew criaram algo
impressionante.
Os olhos de Kale mergulharam nos meus.
— Obrigado.
— Por nada.
— Quer ver um vídeo dele? — Kale perguntou de repente, e o
orgulho iluminou seus olhos. — Tenho toneladas de vídeos e fotos
dele.
— Como se precisasse perguntar. Mostra.
Ele sorriu e tirou o celular do bolso.
— Só tenho alguns vídeos e fotos no telefone, mas tenho muito
mais em drives e sites de armazenamento, posso mostrar, se quiser.
Um pai protegendo as lembranças físicas de seu orgulho e sua
alegria. Era doloroso que ele só tivesse as lembranças.
— Tenho tempo para ver cada segundo dele, Kale — garanti.
Ele então fez uma coisa que me chocou: estendeu os braços e
me abraçou. Não era um abraço de pesar e tristeza, como os que
ele me deu nos últimos dois dias; era um abraço de promessa. Eu
não sabia o que ele prometia, mas sentia a promessa nos ossos,
qualquer que fosse.
— Senti tanta saudade — ele murmurou no meu cabelo.
Demorei um segundo, mas levantei os braços e o abracei com
força.
— Eu também, Kale, mais do que você imagina.
Ficamos daquele jeito, abraçados, até Kale recuar e olhar para
mim.
— Sei que isso pode parecer idiota, mas não consigo acreditar
que está aqui de verdade. Quando te vi no salão na sexta-feira, quis
estar no lugar do seu pai, te tocando, só pra poder ter certeza de
que era de verdade. Sonhei tantas vezes com você aqui de novo,
que achei que podia estar alucinando.
A declaração me surpreendeu.
— Kale — sussurrei.
— É bobo — ele me interrompeu com o rosto vermelho. — Eu sei.
— Não é. Quando estou no meu apartamento em Nova York,
quase pegando no sono à noite, ouço sua voz em minha cabeça. Às
vezes, isso me impede de dormir, porque sinto muita saudade.
Não tinha vergonha de admitir algo tão íntimo; sentia que era
certo contar para ele.
Kale engoliu o ar.
— Você ainda é minha melhor amiga.
— Eu sei, Bichinho, e você é o meu.
Ele desviou o olhar.
— Não acredito em como nossa vida mudou. Tudo é muito
diferente de quando éramos crianças.
Suspirei.
— Nem me fala. Muitas vezes quis ter uma máquina do tempo
para voltar e mudar algumas coisas.
Kale olhou para mim.
— O que quer mudar no seu passado?
Foi minha vez de fugir do contato visual.
— Você disse que não queria ter essa conversa aqui.
— Não quero... Desculpa, acho que só estou usando cada
segundo que tenho para conversar com você, e acabo falando a
primeira coisa que aparece na minha cabeça.
Olhei para ele e toquei seu braço.
— Sei que vai ser difícil acreditar nisso, considerando que já fugi
antes, mas não vou fugir. Vou ficar aqui, em York, e resolver tudo
com minha família e com você antes mesmo de pensar em outra
coisa. Era o que Harry ia querer que eu fizesse.
Era verdade. Ele disse isso muitas vezes ao longo dos anos.
— E você? — Kale perguntou. — O que você quer?
— Muitas coisas — respondi com o coração pesado.
Ele bateu duas vezes na tela, depois levantou o braço e virou o
celular para mim.
— Esse é o Kaden.
Deixei exclamar uma exclamação de espanto e peguei o telefone
da mão dele. Kale riu.
— Ai, meu Deus — murmurei, olhando para o recém-nascido na
foto. — Que lindo, Kale. Ele... ai, meu Deus. Ele era perfeito. Eu
sabia que seu bebê era lindo, mas ele era realmente perfeito.
Kale assentiu.
— Ele era tudo.
— Anjinho — sussurrei, e passei o dedo mínimo no rostinho lindo
de Kaden.
Kale observava com alegria enquanto eu conhecia seu filho.
— Lamento não ter estado aqui — falei enquanto ia vendo as
fotos e os vídeos de Kaden em vários estágios de sua vida breve.
Kale ficou em silêncio por um bom tempo, mas acabou dizendo:
— Você estava comigo, só não estava pessoalmente.
Levantei a cabeça e vi que ele olhava para mim. Tinha me
encurralado contra a parede e mantinha as mãos nos bolsos do
jeans. Era como se adotasse essa posição sempre que estava
comigo.
— Por que não me queria aqui? — perguntei. — Você pediu para
o Harry não me contar sobre a morte do Kaden. Por quê? Eu teria
vindo para casa. Juro que teria.
Ele se ajoelhou na minha frente e tocou minhas coxas, e meu
estômago deu cambalhotas.
— Eu sei que teria vindo para casa. Pode acreditar, Lane, nem
Deus a teria impedido de vir... e, meu bem, eu sei disso.
— Então por que não me queria aqui?
— Porque você teria abandonado tudo por mim. Não queria te
machucar de novo, porque, no fundo, sabia que estaria te usando
para mascarar a dor de perder o Kaden, e você não merecia isso.
Não quis tirar vantagem dos seus sentimentos por mim, e
provavelmente teria feito qualquer coisa para me sentir melhor na
época.
— Entendo.
— Mesmo? Entende quanto doeu precisar de você, mas não
poder ter você?
Ele me encarava com os olhos inundados de diferentes emoções.
— Sinto muito por ter te machucado — ele murmurou.
Sorri.
— Eu me machuquei, Kale. Você não fez nada de errado.
— Fiz. Podia ter ido atrás de você e trazido de volta para casa.
— Isso não teria mudado nada, e você sabe disso.
Ele franziu a testa e ficou em pé, atravessou o quarto e voltou a
arrumar minhas coisas. Ficou em silêncio por um ou dois minutos,
depois disse:
— Eu sei, mas às vezes queria que tivesse sido simples assim.
— Eu também, Bichinho. — Engoli o choro. — Eu também.
— Lane? — Lavender chamou do outro lado da porta do meu
quarto. — Está viva aí dentro?
Gemi no travesseiro quando a voz dela retumbou na minha
cabeça latejante.
— Para de gritar comigo — respondi com voz rouca.
Ouvi sua risada e o rangido da porta. Tinha sido consertada anos
atrás, mas nunca mais parou de ranger depois que meu pai a
arrombou com um chute.
— Acho que perguntar como você está seria idiota.
Gemi e continuei de olhos fechados.
— Seria uma pergunta realmente idiota.
Ouvi Lavender rir baixinho enquanto atravessava o quarto,
pisando de leve nas tábuas do assoalho. Por um momento, quis
saber o que ela estava fazendo e abri os olhos, mas voltei a fechá-
los imediatamente quando a luz ofuscante criou o caos em minhas
retinas.
— Caramba, Lav — choraminguei e tirei o travesseiro de trás da
cabeça para cobrir o rosto, devolvendo aos sentidos o conforto da
escuridão.
— Só para você se sentir melhor, o cara que você pegou ontem à
noite é o maior gato que já vi, apesar de ser um pouco esquisito.
Apesar de não perdoar a visita matinal, tinha de concordar com
seu comentário sobre a aventura da noite anterior.
Sorri contra o travesseiro.
— Era meio gato, acho.
Decidi ignorar o trecho sobre ele ser meio esquisito, porque não
conseguia me lembrar tanto assim do que havia acontecido para
tecer comentários.
— Você é muito convencida — Lavender riu, e sentou no pé da
cama.
Sorri e levantei o travesseiro do rosto, mas me encolhi quando vi
a luz do sol que inundava o quarto. Depois de alguns momentos
para me ajustar, senti que a visão ficava mais nítida e alonguei os
membros.
— Usou proteção? — Lavender perguntou com um tom muito
maternal.
Levantei a cabeça e olhei para ela com as sobrancelhas
arqueadas.
— Não uso sempre?
Ela não fez rodeios.
— Essa resposta dá a impressão de que você é uma piranha.
Sorri, maliciosa.
— Dormi com dez caras diferentes no último ano e meio. Acho
que isso significa que eu sou uma piranha.
— Claro que não. Nós duas sabemos que você só fica bêbada e
pega o primeiro que parece porque ainda se sente rejeitada e
magoada com o Kale... ainda.
Meu peito doeu, e o estômago se contraiu quando ouvi o nome
dele.
— Agora não, Lav — gemi, e deitei de novo. — Essa conversa
não combina com o tamanho da minha ressaca.
— Apesar — minha suposta amiga cantarolou, batendo com as
mãos nos meus dois pés — de estar ficando cansada de dizer a
mesma coisa, mas vamos lá. Não importa com quantas pessoas
você transa, nunca vai apagar aquela noite com Kale. Não pode
substituir a pessoa que quer em sua vida por alguém que quer por
uma noite.
Rosnei para Lavender.
— Tenho dezenove anos e estou na universidade — argumentei.
— Não foi você quem disse para eu entrar no jogo?
— Entrar no jogo? Sim. Trepar com todo homem que aparece?
Não.
Não consegui segurar a risada.
— Para com isso. Não tem graça, e você sabe que não tem — ela
resmungou. — Não quer ser essa garota, quer? A mulher que se
degrada com sexo insignificante e se perde por causa da tristeza?
Eu odiava quando ela ia fundo desse jeito, principalmente quando
me sentia uma merda.
— Não estou triste.
— Gata — ela franziu a testa —, sim, está.
Olhei para o teto e grunhi.
— Sabia que não devia ter vindo para casa este fim de semana.
Lavender riu.
— Estudamos na mesma universidade e dividimos um
apartamento. Não tem como fugir de mim.
Essa era a verdade repulsiva.
Nós duas estudávamos na Universidade de York e morávamos
em um apartamento para estudantes perto do campus. Eu estudava
inglês, e Lavender, ensino de língua inglesa. Depois do bacharelado
em Artes, quis ser editora literária, e Lavender decidiu que queria
lecionar para crianças. Os cursos tinham a mesma duração, três
anos, e ela precisava de um diploma de bacharel em educação para
dar o primeiro passo em direção ao emprego dos sonhos, e eu
estava feliz por caminhar bem ao lado dela. Estávamos no primeiro
ano de vida nessa universidade e amávamos cada segundo.
Revirei os olhos para ela.
— Conta alguma coisa que eu não sei.
Lavender sorriu.
— Ok, Kale e seus irmãos estão lá embaixo.
Sentei com um movimento brusco e, imediatamente, segurei a
cabeça, porque o quarto rodou. Fechei os olhos, contei até dez e,
quando tive certeza de que não ia vomitar ou desmaiar, abri os
olhos e os estreitei até virarem frestas.
— Mentira! — reagi.
Lavender levantou as duas mãos diante do peito.
— Não é... Eles estão lá embaixo, comendo. Também não sabiam
que você estaria em casa neste fim de semana.
Isso não podia estar acontecendo.
— Não posso lidar com meus irmãos com essa ressaca, e não
posso ver o Kale depois do que fiz ontem à noite com um
desconhecido.
Lavender levantou uma sobrancelha.
— Por quê? Pensei que não se importasse mais com ele desse
jeito.
Rangi os dentes.
— Não me importo.
— Desce e prova, então — ela desafiou.
Eu a odiava.
— Tudo bem. — Joguei as cobertas longe.
Lavender cobriu os olhos, fingindo horror.
— Sou sua melhor amiga e moro com você, mas não preciso ver
tanto assim de você.
Olhei para baixo e vi que minha blusa de dormir revelava um seio,
e a calcinha deixava uma parte de mim do lado de fora. Ajeitei as
peças, depois ri e levantei da cama. Peguei roupas de baixo limpas
na gaveta da cômoda, uma calça confortável e uma regata preta.
Fui ao banheiro e me lavei depressa antes de vestir as roupas
limpas.
Lavei o rosto para tirar o resto de maquiagem da noite anterior,
prendi o cabelo em um coque frouxo e alto e pus os óculos. Desci
atrás de Lavender.
— Acordou ela, Lavender? — Layton perguntou quando a viu
entrar na cozinha.
— Mais ou menos. — Lavender riu. — Acho que ela continua
bêbada.
— Que ótimo — Lochlan resmungou, me fazendo sorrir.
Entrei na cozinha e pigarreei.
— Aí está ela — Kale anunciou, radiante ao levantar da cadeira.
Gemi e pus uma das mãos na cabeça.
— Mais baixo — gemi.
Ele riu ao se aproximar de mim.
— Desculpa — sussurrou, e me abraçou e puxou contra o corpo
quente.
Senti falta desse abraço, e o odiei por isso.
— Chega — murmurei.
Kale me soltou e voltou à cadeira, enquanto minha mãe me dava
um abraço e um beijo de bom dia, como era hábito. Quando eu era
mais nova, ela fazia isso com frequência, mas agora que eu estava
longe, na faculdade, ela fazia questão de repetir o cumprimento
sempre que eu estava em casa e descia para tomar café da manhã.
— Ouvi você vomitando hoje cedo — ela comentou, séria. —
Bebeu muito ontem à noite?
Hum.
— Fala, irmãzinha — Lochlan interferiu. — Quanto você bebeu
ontem à noite?
Olhei para seu rosto sorridente e o encarei de um jeito
ameaçador, antes de olhar novamente para minha mãe.
— Não muito. Acho que dancei demais e fiquei enjoada.
Lavender tentou segurar a risada, mas ela saiu pelo nariz. Minha
mão ardia de vontade de esbofeteá-la.
— Que horas você chegou? — minha mãe perguntou quando me
aproximei da mesa da cozinha e sentei na única cadeira disponível,
entre Lavender e Kale. — Não olhei para o relógio quando ouvi você
no banheiro.
Não tinha uma resposta para essa pergunta e olhei para
Lavender, que riu.
— Passei aqui de táxi para deixá-la às sete e meia — disse, e
balançou a cabeça.
Tão tarde?
Dava para entender a dor de cabeça. Além da ressaca, eu tinha
dormido pouco, quase nada.
— Seus irmãos nunca chegaram tão tarde — minha mãe
comentou.
Revirei os olhos.
— Meus irmãos nunca foram descolados como eu.
Os dois riram.
Fiz uma careta quando minha mãe pôs um prato de comida na
minha frente. Levei a mão ao estômago e decidi esperar uns
minutos, antes de tentar comer alguma coisa; tinha medo de enjoar
de novo.
— O que fez ontem à noite? — Kale perguntou, comendo,
satisfeito, o café da manhã preparado por minha mãe.
— Com quem ela fez ontem à noite, essa é a pergunta —
Lavender resmungou e pegou o suco de laranja.
Ela falou alto o bastante para Kale e meus irmãos escutarem.
Naturalmente, os três olharam para mim de cara feia, o que me fez
rir.
— Ela está brincando — eu disse, e chutei Lavender por baixo da
mesa.
Três pares de olhos se voltaram para ela, que se encolheu com a
dor do chute, mas forçou um sorriso inocente e convincente.
— É claro que estou brincando.
Meus irmãos olharam para ela por mais alguns segundos, antes
de se darem por satisfeitos e voltarem à refeição. Suspirei, aliviada,
depois encarei Lavender com um olhar crítico.
— Desculpa — ela pediu, movendo os lábios sem emitir nenhum
som, mas estava sorrindo.
Idiota do mal.
Desviei o olhar e me assustei quando descobri que Kale me
observava. Ele havia acompanhado minha interação com Lavender,
e percebi que ele achava o sorriso e o pedido de desculpas uma
grande bobagem. Parecia um pouco bravo, mas não tinha o direito
de estar. Kale não era meu namorado, e ao longo dos últimos dois
anos, mal foi meu amigo, o que significava que não devia se
importar com isso, com quem eu fazia sexo.
Eu quase não o via mais, e só conversávamos por telefone ou
mensagem de texto muito de vez em quando. Eu sabia que isso era
esperado, já que ele morava em Londres, mas no fundo também
sabia que o afastamento era consequência de termos transado, e
ele ainda se sentia envergonhado, constrangido, ou as duas coisas.
— Dane-se — murmurei, e olhei para a comida que ainda nem
havia experimentado.
Empurrei o prato e suspirei.
— Sem fome? — Lavender perguntou, comendo com apetite.
Balancei a cabeça.
— Ainda estou meio enjoada.
— Eu falei para não fazer vira-vira de Sambuca — ela comentou,
rindo.
— Eu sei que disse, obrigada.
Lavender se divertia com sua forma pervertida de tortura.
— Ainda bem que recusou as doses de Jack Daniel’s — ela
murmurou. — Se gostasse disso, eu provavelmente teria que te
carregar para casa toda vez que saíssemos.
Engoli em seco.
— Não bebo Jack Daniel’s.
— Por que não? — Layton quis saber. — Não é tão ruim. É a
bebida preferida do Kale.
— Exatamente — resmunguei.
O cheiro e o gosto de Jack Daniel’s me lembravam tanto aquela
noite com Kale, e Kale de maneira geral, que decidi evitar a bebida.
Fiquei feliz quando o celular de Lavender tocou, desviando o foco
para ela. Lav tirou o telefone do bolso com movimentos apressados.
— Desculpem, pensei que estivesse no silencioso. Ah, Lane, está
ligando para mim?
Levantei as sobrancelhas em uma reação surpresa.
— Não. Meu celular está lá em cima, na bolsa.
Lavender virou o telefone dela para mim, e vi meu nome aceso na
tela. Sem pensar, peguei o celular dela e atendi.
— Alô?
— Lavender? — perguntou uma voz masculina.
— Não. É Lane. Quem é você, e como pegou meu celular?
A voz riu.
— Você deixou no meu apartamento ontem à noite.
Não entendi nada.
— Seu apartamento? Não estive em apartamento nenhum ontem
à noite...
— Sim — Lavender cochichou. — Esteve.
Olhei para ela, intrigada.
— Tem certeza?
— Tenho — ela murmurou. — Eu, você, Daven e o gato que você
arrastou para casa, depois que a boate fechou, para continuar
bebendo.
Pensei na noite anterior e comecei a lembrar do que Lavender
estava falando.
— Merda — resmunguei, e afastei o telefone da boca. — Como
era o nome dele mesmo?
Lavender olhou na direção de Kale e disse:
— Jensen.
Consegui sentir os olhares dos homens em volta da mesa, e senti
a decepção emanando de minha mãe em ondas. Ignorei todos eles
e me concentrei na conversa pelo telefone.
— Pode devolver meu celular, Jensen? — pedi com educação.
Ele riu de novo.
— É claro, liguei para a Lavender do seu aparelho porque não
tinha seu número, quero devolver seu aparelho.
Era muita... gentileza.
— Manda seu endereço, e eu...
— É só mandar seus dados por mensagem para o celular da
Lavender, eu vou buscar mais tarde. — Quando me sentir humana
de novo.
— Tudo bem, gata — Jensen arrulhou.
Horrível.
— Ok, tchau.
— Tchau.
Desliguei e devolvi o celular de Lavender. Ela olhava para todo
mundo na cozinha, depois olhou para mim como se achasse que
iam me matar, o que me fez rir.
— Acha isso engraçado? — Lochlan rosnou. — Esteve com um
cara ontem à noite, bêbada, não lembra de nada, e está rindo
disso?
Fechei a boca e dei de ombros, porque não sabia o que dizer.
— Isso é coisa de vagabunda — ele criticou. — O que está
acontecendo com você?
— Parceiro — Kale olhou feio para ele. — Não fala com ela desse
jeito, porra!
Troquei um olhar surpreso com Lavender, porque Kale parecia a
um passo de atacar meu irmão por ter dito o que disse, mas fiquei
ainda mais surpresa quando Layton berrou:
— Lochlan!
Lochlan olhou para nosso irmão.
— Vai aceitar essa merda?
— Não — Layton respondeu —, mas não vou chamar a atenção
dela na frente de todo mundo. Não seja babaca e guarda sua
opinião para você. Ela não é mais criança.
Vi o arrependimento na expressão de Lochlan quando, como
sempre, Layton conseguiu abrir seus olhos. Mas ele era teimoso
demais para me pedir desculpas, e apesar de ser grata pelo apoio
de meu irmão, eu ainda me sentia humilhada. Pedi licença para sair
da mesa e subi correndo para o quarto. Tentei fechar a porta, mas
Lavender me seguiu e impediu.
— Está tudo bem — sussurrei.
Ela não disse nada, só me abraçou enquanto eu chorava.
— Ele não falou sério. — Lavender me apertou entre os braços.
— É que nenhum irmão ia querer saber de uma coisa como essa.
Ele ficou bravo, só isso.
Assenti. Não culpava Lochlan por dizer coisas horríveis sobre
mim. Eu pensava a mesma coisa a meu respeito.
— Mas não mentiu — murmurei.
Lavender recuou e olhou para mim com uma expressão séria.
— Você não é vagabunda. Está ouvindo?
— Mas...
— Não tem mas — ela interrompeu com tom firme. — Ninguém é
perfeito. Você cometeu alguns erros, mas não se tornou uma
pessoa ruim por causa disso.
Engoli o choro.
— Obrigada, Lav.
— É sério — ela insistiu. — Acredita em mim.
Suspirei.
— Eu acredito, mas os erros que mencionou, eu não quero mais
repetir.
— Então é bom cortar a origem desses erros.
Levantei as sobrancelhas.
— E qual é a origem?
— Bebida.
A resposta me surpreendeu.
— É, nunca saiu nada de bom das minhas bebedeiras.
— Você usa o álcool para afogar as mágoas, mas vamos
encontrar outro jeito para extravasar. — Lavender beijou meu rosto
e me deu outro abraço. — Vamos resolver isso juntas. Estou aqui
com você; se cair, eu te ajudo.
— Amo você, Lav — respondi, e a abracei com força.
Lavender retribuiu.
— Também amo você, mesmo que seja um pé no meu saco.
Dei risada, e a tensão desapareceu do quarto, simples assim. Ela
estava certa: eu acabaria encontrando um novo jeito de lidar com o
esforço para superar Kale, e dessa vez não seria só um paliativo
para me livrar da dor por algumas horas.
Lane:
Se está lendo esta carta, significa que estou
com minha Teresa. Por favor, não fique triste
por mim. Saiba que me livrei da dor e estou
com meu amor. Estou feliz. Peço desculpas
por não ter contado nada sobre a doença.
Não queria que se preocupasse ou que
voltasse para casa por minha causa. Não sei
exatamente quando vou perder essa briga,
mas meu corpo tem dado sinais de que não
vai demorar muito.
Estar a milhares de quilômetros daqui não
resolveu nada. Você precisa voltar para casa
e encerrar algumas coisas. Mas sei que é
teimosa, e só um acontecimento drástico a
trará para casa. Acho que será meu funeral.
Observei Kale durante os últimos anos, e só
vou dizer uma coisa: o homem te ama,
garota. O rosto dele se ilumina quando falo
de você e conto o que tem feito em Nova
York. Você muda o dia dele, mesmo quando
não está aqui. Sei bem que ainda o ama;
não estaria fugindo, se fosse diferente.
Chega de desculpas, meu amor. Cuidei de
tudo para que, quando eu partir, você não
precise de nada. Só vai ter que vir para casa
e resolver as coisas com Kale. Não sei como
isso vai acabar, não sei se a história vai ser
como vocês dois querem, mas vocês
precisam conversar. Você sabe de que
conversa estou falando.
Cuide-se, confie em si mesma, se ame tanto
quanto eu a amo e seja feliz. Você merece,
querida. A gente se vê depois.
Todo meu amor,
Tio Harry.
FIM
Não acredito que estou escrevendo os agradecimentos de mais
um livro, mas este livro – esta é uma história realmente especial
para mim e ocupa um lugar muito querido no meu coração. Ri e
chorei enquanto escrevia a jornada de Lane, e espero ter feito
justiça a ela, Kale e Tio Harry, como eles merecem. Não teria
conseguido nada disso sem um importante grupo de pessoas que
define a palavra “brilhante”.
Minha filha – te amo muito, e depois de escrever este livro, vou
fazer questão de olhar para você um pouco mais, te abraçar um
pouco mais apertado e te amar muito mais intensamente. Você é
meu mundo, minha bebê.
Minha irmã – o que posso dizer sobre você, sua maluca? É bem
simples, na verdade; amo cada pedacinho seu. Sou mais próxima
de você do que de qualquer outra pessoa em minha vida, e não há
mais ninguém que eu prefira ter como cúmplice.
Yessi Smith – quando conversamos pela primeira vez pelo
Facebook, nunca imaginei que, dois anos mais tarde, seríamos
melhores amigas. Conversamos todos os dias sobre qualquer coisa
e tudo, e sempre nos apoiamos. Sua ajuda em minhas histórias tem
minha eterna gratidão. Obrigada por me ajudar a transformar meus
bebês em uma leitura ainda melhor. Você é muito importante para
mim e te amo muito.
Mary Johnson – Você começou como fã dos meus livros e se
tornou uma amiga sem a qual eu não poderia viver, quase
literalmente. Sua amizade e o apoio que dá ao meu trabalho e a
mim são inigualáveis, e é uma bênção ter você em minha vida. Te
amo.
Mark Gottlieb – Obrigada por se doar tanto a mim e às minhas
histórias. Eu não poderia ter escolhido agente literário melhor para
me representar nesse louco mundo literário.
Melody Guy – Trabalhar com você tem sido uma experiência
incrível. Seu conhecimento e estilo de edição me ajudaram a
crescer como escritora. Aprendi muito com você. Obrigada por amar
Lane, Kale e Tio Harry tanto quanto eu os amo.
Sammia e equipe da Montlake Publishing – obrigada por darem
uma chance a De volta para casa. Vocês leram uma sinopse bruta
de quarenta páginas e me ofereceram um contrato baseado em algo
que escrevi sem dar muita importância, na época. Sou muito grata e
feliz por vocês terem dado essa importância.
Vocês, os leitores – espero que tenham gostado de ler De volta
para casa. Este livro é completamente diferente de qualquer coisa
que eu poderia ter escrito, e espero que se apaixonem por um grupo
de personagens que mandam no meu coração. Obrigada por
apostarem em mim, e por terem transformado minha paixão em
trabalho. Vocês são todos brilhantes!
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lançamentos:
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Table of Contents
Folha de Rosto
Créditos
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Agradecimentos
AllBook Editora