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Arte: Dri K. K. Design
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Revisão
Rayane Marqueli
Não tive sorte no abrigo esta noite, então, antes que seja
tarde demais, pego um táxi até a casa dele, de novo. Como
ontem, vou esperar que durma e entrar pela janela. O porteiro me
deixa passar e paga o táxi mais uma vez. Uma garota poderia se
acostumar com isso. A casa parece escura quando me aproximo,
o que me faz questionar se ele não tem empregados numa casa
tão grande! Dou a volta pelo imóvel e não parece ter ninguém em
casa, o carro da outra noite não está na garagem, ele não está
em casa.
Sorrio, feliz com minha sorte, já que estou faminta e
cansada e vou até minha janela secreta, passo por ela sem
dificuldade e saio na lavanderia escura. Acendo a luz para
enxergar o caminho e dou de cara com alguém alto, trajando
camisa social branca e uma expressão carrancuda, que me faz
gritar imediatamente de susto.
— Então foi por aqui que você entrou.
— Não! Foi uma feliz coincidência — minto.
— Saia! — ele ordena com uma sombra de sorriso surgindo
em seu rosto.
— Você parece estar rindo, então não sei se está mesmo
me mandando embora ou...
— Não me irrite, Anna, saia daqui agora mesmo! Ande! Vou
chamar a polícia, saia!
Sem saída, saio pela mesma janela por onde entrei, e o
monstro cruel que me tirou tudo a fecha e a tranca, certificando-
se de que não vou entrar de novo. Pouco depois, seu carro
passa por mim e ele ainda buzina ao se despedir.
— Ele nem ia ficar em casa e não me deixou ficar também.
Esses ricos metidos! — reclamo sozinha andando de um lado a
outro em frente sua casa enquanto penso no que fazer.
— Boa noite, princesa, está perdida? — uma voz alta
demais e alegre me faz perceber a presença de dois homens
jovens. Sorrio em resposta, já que eles exibem sorrisos calorosos
para mim.
— Não exatamente, era pra eu dormir aqui, mas parece que
não poderei mais.
— Você não tem para onde ir? — um deles pergunta.
Percebo que, apesar do porte alto e forte, ele tem o rosto jovem
demais. Não tenho certeza que já seja maior de idade, mas
possui um copo de alguma bebida colorida na mão.
— Na verdade, não.
— Gostaria de participar da nossa festa? Vai durar até de
manhã. Você pode comer alguma coisa, beber um pouco, se
divertir. E quando se sentir cansada, há muitas camas
disponíveis onde pode dormir.
Abro o meu maior sorriso, mal acreditando em tamanha
sorte.
— Jura? Não vou atrapalhar vocês?
Ele aponta para a mansão ao lado da de Lucca, de onde
saem várias luzes, música alta e há tantos carros estacionados
na porta, que sequer consigo contá-los.
— A casa está cheia, uma pessoa a mais não vai
incomodar em nada, além do mais, você é minha convidada.
Vamos?
— Claro! Meu nome é Anna, a propósito, como vocês se
chamam?
Assim, os sigo até sua casa, como algo logo que entramos,
e mesmo me sentindo tão deslocada aqui dentro, pois
claramente as pessoas nessa festa tem muito dinheiro, eles me
tratam como se eu fosse a convidada de honra aqui. Provo um
pouco da bebida colorida que estão tomando e logo estou
enturmada e dançando pela primeira vez em público.
— Chupa Lucca, pervertido babaca! — grito amimada,
recebendo apoio e peço mais um pouco da bebida colorida. A
noite vai ser ótima.
— Parece que vai chover —
Larissa comenta ajeitando os fios que insistem em se rebelar ao
vento.
Não parece que vai chover, mas ela quer que eu suba de
novo o teto do carro para não bagunçar seu cabelo, então o faço,
afinal de contas, não ganhei minha fama de cavalheiro por nada.
Estar com esta mulher no meu carro é uma honra, não conheço
um único homem do nosso círculo social que já tenha saído com
ela. Larissa Crepaldi é uma herdeira bastante conhecida,
engajada em muitas causas sociais e conhecida como santinha.
O apelido não veio apenas pelas instituições que ajuda e os
eventos beneficentes que organiza, mas também porque tem um
lema de vida bastante retrógrado quando se trata de sexo. Ela
acha que uma mulher não deve ter experiências sexuais com
muitos homens. Na verdade, ela defende isso veementemente.
Me é confuso porque uma mulher poderosa e tão bem informada
tenha tamanho machismo impregnado em sua cabeça, para
defender que mulheres não podem viver o prazer e fazer o que
quiserem com seus próprios corpos porque seria errado. No meu
lema de vida, errado seria uma mulher se privar do que deseja
por medo de errar. E até acho uma pena que uma mulher tão
influente como ela não seja um exemplo para outras de que elas
precisam ser livres. Mas é a opinião dela e só me resta respeitá-
la.
O que quer dizer que, se ela está indo para a cama comigo
esta noite, espera que tenhamos um relacionamento sério que
acabe em casamento. Quase rio ao seu lado ao constatar isso. O
que não faço por uma mulher bonita.
Meus vizinhos estão dando uma festa de novo. Há jovens
bêbados espalhados por toda rua, é a terceira na última semana,
desde que seus pais viajaram para a Grécia, seguindo um
conselho meu.
— Uh! Seus vizinhos são animados! — ela comenta quando
paro o carro na rua, já que a entrada da minha garagem está
impedida e descemos.
— São uns idiotas. — Estendo a mão ajudando-a a sair do
carro e seu sorriso é a garantia que a noite vai ser do jeito que eu
planejei. — Posso te garantir que nossa festa particular vai ser
muito mais animada esta noite, senhorita.
Seu sorriso agora é carregado de malícia. A guio até a
entrada da minha casa, e então direto até a cozinha, em busca
do Malbec para começarmos do jeito certo. Abro a garrafa e
enquanto sirvo duas taças, escuto uma risada alta demais vinda
de não tão longe, é aí que a vejo. Preciso esfregar os olhos para
ter certeza que não é uma alucinação, mas não é. A maluca que
invadiu minha casa está na festa dos vizinhos. Ela tem o resto de
alguma bebida na mão, cambaleando perto demais da piscina,
enquanto o caçula dos meus vizinhos tem suas mãos na cintura
dela, impedindo que caia. Ao lado dele, um amigo qualquer a
olha da mesma maneira como estive olhando a mulher em minha
cozinha a noite toda.
— Merda!
Abro a porta de acesso a área externa e me aproximo o
bastante para que ela me ouça.
— Anna! O que você está fazendo aí? Está tudo bem?
Ela demora um pouco a me encontrar, quando o faz, ri alto
e engasga com a bebida. Dá de ombros e tenta andar em minha
direção, mas está tonta demais.
— Psiu! Cale a boca, pervertido babaca! Eu tenho onde
passar a noite agora, você vê? Nem todo homem rico é um
babaca como você!
Não dá para ter uma conversa com ela, definitivamente.
— Diego — chamo o caçula igualmente bêbado — o que
ela está fazendo aí?
— O que você acha? — responde fazendo um gesto
ridículo com o quadril do que pretende fazer com ela, ganhando
como apoio o riso e palmas do amigo.
Encaro Anna esperando que ela tenha visto as pretensões
de seu anfitrião, mas ela está olhando para o céu e rindo. Não
parece capaz de entender o que vai acontecer.
— Querido — a voz delicada de Larissa soa atrás de mim.
— O que está havendo? Vamos entrar?
O que acontece com essa maluca não é problema meu.
Então me viro para a mulher diante de mim e ela me beija,
guiando-me de volta à cozinha. Mas escuto a risada da maluca,
pedindo alto demais que alguém não toque a perna dela, levando
aquilo na brincadeira em seu estado alto. E merda, por algum
motivo sinto que a culpa é minha.
— Por que não chamei a polícia? — pergunto a mim
mesmo e vejo o olhar confuso de Larissa. — Sinto muito, gata.
Acho que você não vai gostar disso — advirto afastando-me dela
e pulando a cerca até o quintal dos vizinhos. — A festa acabou
para você, Anna, você vem comigo — ordeno pegando-a pelo
braço, mas Diego a segura pelo outro.
— Ela é minha convidada, você não vai levá-la daqui.
Encaro o garoto franzino que se acha um homem, ele tem
marcas no abdome provenientes de alguma bomba e acha
mesmo que pode me enfrentar. Sorrio para ele, já impaciente.
— Solte a minha amiga e me deixe sair logo daqui, Diego,
vai ser melhor para você.
— Ela é minha esta noite, você não vai entrar aqui e tomar
minha mulher assim.
Seus amiguinhos gritam o apoiando e se aglomeram à
nossa volta. Encaro Anna quase desistindo e deixando-a aqui
com eles, mas ela está olhando o liquido vermelho em seu copo
e rindo como se tivesse encontrado um tesouro.
— Solte-a, Diego, último aviso.
— Ou o quê?
Encaro os amiguinhos nos cercando, gritando
repetidamente briga como um bando de adolescentes chapados.
E então essa maluca com seus cabelos marrons rindo para o
nada e me irrito.
— Vou brigar mais uma vez por sua causa! Satisfeita?
Ela franze o cenho confusa e a solto. Diego tem o maior
sorriso no rosto achando que me venceu.
— Um — começo a contar e seu sorriso some, a irritação
tomando suas feições. — Dois. Ainda não está com medo,
bebezinho? Não é assim que sua mãe faz? — Ele dá um passo
em minha direção, tentando me acertar, mas ainda segura Anna
pelos braços. — Três.
Encerro a contagem e o acerto com um soco no nariz. Um
soco rápido e forte o bastante para desequilibrá-lo. Ele solta
Anna e cai para trás. Sua horda de seguidores se aglomerando
em volta dele enquanto jogo a maluca nos ombros e a tiro daqui.
Encontro Larissa na cozinha, sua taça já vazia e sua
expressão ao ver Anna não é das melhores.
— Você está brincando comigo? — pergunta irritada.
— Sinto muito, eu avisei que você não ia gostar.
— Você é inacreditável, Baltazi! — reclama jogando a taça
com força desnecessária sobre a bancada e saindo da cozinha.
A sigo em silêncio com Anna nos ombros e nem tento
impedir quando ela pega a bolsa, o casaco e bate a porta ao sair.
— Mais uma perda para sua conta, sua maluca —
resmungo jogando-a no sofá.
Ela se senta e me encara, olha em volta, reconhecendo
onde está e ri. Ri alto, dobrando a barriga e perdendo o fôlego.
Me sento em uma mesa de centro de frente para ela e espero.
Por que mesmo ela está na minha casa agora? Que merda estou
fazendo?
— Sua companhia da noite foi embora. Mas não se
preocupe, o porteiro vai pagar o táxi dela — comenta arrastado.
— Eu também não tenho companhia essa noite — comenta
depois, o riso sumindo. — Nunca tenho companhia.
— Coitadinha de você. Deite-se aí e durma — ordeno
levantando-me para ir tomar um banho e dormir, mas então ela
soluça e começa a chorar.
Ela chora alto, deita em uma das minhas almofadas e não
tenho certeza se está passando mal.
— Ela não me quis, me abandonou na porta de um
convento. Não parece uma novela mexicana triste? A pobre
menina órfã. Mas é minha vida. Minha mãe não me quis. As
crianças não me quiseram, eu não tinha amiguinhas. Nem na
escola. Eu não gostava de ninguém porque achava que todo
mundo ia me deixar.
Ela chora mais alto e não sei o que fazer.
— Ok, fique aí chorando, quando terminar você deita
nessas almofadas e dorme, tudo bem?
Me viro para deixar a sala e encerrar a noite de um jeito
totalmente oposto ao que eu havia planejado, mas ela se joga em
minhas pernas, quase me desequilibrando.
— Não! Não me deixa você também! Conversa comigo! —
pede aos prantos.
— Isso é mesmo necessário?
— Por favor.
— Cinco minutos — me viro levantando-a do chão e a
ajeitando no sofá da maneira mais confortável possível.
Ela leva as mãos à cabeça, como se sentisse dor.
— Antes que você comece com sua novela mexicana, é
possível que esta seja a primeira vez que você bebe, Anna? Eu
preciso providenciar um balde?
Ela parece confusa.
— Eu não bebo — responde, deixando claro que sim,
preciso de um balde.
— Continue com a ladainha, seu tempo está passando.
— Eu esperei por anos alguém me adotar, mas ninguém me
escolhia. Eu nunca fui boa o bastante. Então eu desisti, parei de
me arrumar quando era dia de visitação, parei de sorrir e tentar
parecer inteligente. Eu nunca fui muito inteligente — confessa
como se isso fosse um grande segredo.
— Não diga!
Volto a me sentar na mesa de centro enquanto ela fala sua
verdadeira vida de novela mexicana. Se ela não viu isso que está
contando numa tarde qualquer no SBT, sua vida foi mesmo uma
merda. E então reparo o quanto seu rosto está vermelho por
conta da bebida e como ela ri e chora, como uma maluca. E
ainda assim é tão bonita!
— Quantos anos você tem, Anna? — interrompo curioso.
— Vinte e três!
— Como foi que você se virou quando saiu do orfanato? Eu
imagino que tenha saído aos dezoito, certo? Como é que você
está viva até hoje?
Ela parece confusa por um momento, há um toque de
hostilidade em seus olhos, mas logo desaparece e ela sorri. Tem
um sorriso imenso e lindo no rosto. Os olhos de mel fixados em
mim.
— Eu dormia em abrigos, ou na rua. Então arrumei um
emprego em um restaurante e conheci o meu noivo. O meu ex-
noivo, graças a você — corrige pouco depois. — Trabalhei anos
lá e depois ele abriu o próprio restaurante e foi assim que me
mantive viva, se é o que você queria saber.
— Então seu noivo a manteve viva, deve ter tido um belo
trabalho.
— Não preciso de homem nenhum para me virar —
responde irritada.
— Até hoje de manhã você precisava de mim para ter onde
dormir e comer.
Ela nega, mas o gesto parece fazer sua cabeça doer.
— Não, não é que eu precise é que a responsabilidade é
sua. Você quem acabou com a minha vida. Eu posso me virar
sem você, mas não seria justo.
Sorrio, não consigo evitar. Ela aproxima o rosto do meu,
como se reparasse alguma coisa extraordinária, chega a franzir o
cenho tentando entender algo.
— Qual é a cor dos seus olhos? — pergunta de repente, o
rosto próximo demais ao meu.
— Como?
— Estavam azuis quando você me beijou na boate, mas
pareciam chocolate quando se acidentou. E cinzas na empresa.
E cinzas hoje de manhã, definitivamente. E agora dourados.
Estou bêbada demais ou eles mudam de cor?
— Por que você não dorme, Anna? Vai se sentir melhor.
Ela sorri, me pergunto se é a hora de buscar o balde, antes
que ela faça uma bagunça em meu tapete, mas de repente ela
toca meu rosto. Com a ponta dos dedos passeia sua pele quente
pela minha, um movimento tão delicado, uma deliciosa carícia.
Não consigo contê-la.
— Você é tão bonito! — Há tanta admiração na maneira
como fala que meus olhos caem como um ímã para seus lábios
vermelhos e tentadores. — Pena que é um imbecil — completa e
começa a rir.
Por algum motivo me pego rindo também. Me levanto e
pego um balde na lavanderia. Ela está olhando para o teto
quando volto e estendo o balde a ela.
— Isso é para mim? — pergunta encantada, como se
estivesse ganhando um presente.
— Não tenho certeza se você consegue identificar o que é
isso, mas sim.
Ela o pega da minha mão e acaba completamente com
minha dúvida ao colocar o balde na cabeça, cobrindo seu rosto,
como uma criança. Não sei se eu deveria filmar isso, mas apenas
me sento de novo na mesinha de centro e espero.
— Anna? — chamo um tempo depois, ponderando se ela
teria dormido sentada com o balde na cabeça.
Ela tenta tirar o balde e diz algo que não entendo, mas a
coisa não sai. Ela puxa de novo e de novo. Então começa a
puxar com força. A cena é tão engraçada que me pego rindo. É
ridículo, ela está bêbada demais e ainda assim não consigo ir
dormir e deixá-la aqui. Depois de um tempo, quando acho que
ela está mesmo ficando desesperada, puxo o balde de sua
cabeça, tirando-o com pouca dificuldade. Seus olhos de mel se
focam nos meus e ela estende as mãos gritando:
— Achou!
Rio alto. Não sei há quanto tempo não rio assim, mas essa
maluca bêbada, agindo como uma criança me faz mesmo rir. Ela
ri também, me observando atenta. De alguma forma me sinto
mais leve quando consigo parar de rir.
— Você me fez rir, Anna, confesso que estou surpreso por
ter me feito sentir algo além de irritação.
Ela dá de ombros com um sorriso no rosto.
— Você me faz sentir coisas também. Você me irrita muito,
e me aborrece. E me deixa excitada — diz a última coisa
baixinho, tão baixinho que automaticamente aproximo meu torso
dela.
— O que você disse?
— Que você me excita. Você me beija de um jeito...
— Como? Como é que você se sente quando eu te beijo?
Há um alerta em minha cabeça que escolho ignorar. Me
aproximo mais, posso sentir seu hálito e quase reconhecer o que
bebeu esta noite. Ela não se afasta.
— Eu me sinto acesa. Todo meu corpo parece aceso. E
você me domina com os braços e com os lábios. Não sei como
consegue fazer isso, não é um beijo, é mais como uma posse.
Seus olhos caem até meus lábios e ela aproxima ainda
mais o rosto do meu. Espero que me beije, mas ao invés disso,
ela apenas passeia a boca pela minha, bem de leve. Não sei se
ela faz ideia do quanto está me provocando agora. Então fecha
os olhos e passeia seu rosto pelo meu. Nossas peles se tocando
levemente, mas o contato causando esse efeito que ela
mencionou. De repente estou aceso. Cada terminação nervosa
do meu corpo está acesa agora por ela. Sua carícia termina onde
começou, e dessa vez ela me beija. Se joga sobre mim,
montando em meu colo e me beija. E correspondo ao beijo no
início, maravilhado demais com sua ousadia, deliciado com sua
língua brincando com a minha. Sinto seu corpo quente sobre o
meu, seus dedos se enfiam em meu cabelo e meu controle vai
para o espaço. Aperto sua cintura aprofundando o beijo, não
apenas correspondo, eu a domino. Prendo sua língua na minha e
nosso contato ainda não é o bastante.
Um raio soa lá fora, uma chuva forte começa a cair. Não é
que choveu mesmo? Ela se assusta num primeiro momento com
os raios, parece temê-los, interrompe o beijo e se encolhe.
— Alexa, feche todas as cortinas — ordeno imediatamente
e as cortinas se fecham. — Não tenha medo — digo baixinho e
seus olhos estão nos meus de novo. Ela está ainda em meu colo
e volto a beijá-la.
Suas mãos passeiam por meu cabelo, sua boca doce
acompanha a minha. Meu pau está duro e latejando como um
louco agora. E ela geme baixinho em minha boca. Meu corpo
todo é fogo. Quero tanto possui-la aqui, agora, que choramingo
como um bebê quando a afasto.
Ela deita a testa na minha, nossas respirações aceleradas.
Meu corpo todo tem consciência de cada parte do corpo dela
sobre mim agora. E então, do nada, ela sai do meu colo, procura
o balde e vomita nele, quebrando completamente o clima.
A observo vomitar por alguns minutos, não entendendo bem
a calma que sinto agora. Estou com um humor maravilhoso
apesar da noite desastrosa. Enquanto observo essa menina
vomitando no pequeno balde e a sinto ainda em meus braços,
sobre o meu corpo, me pego rindo. Rindo da situação, rindo dela,
rindo de mim mesmo. Não me lembro quando foi a última vez
que agi assim, por puro impulso, atitudes injustificadas
logicamente e entendo que ela é um perigo para minha sanidade.
Talvez a loucura seja contagiosa no fim das contas.
Ela para de vomitar e deita sobre a almofada.
— Sabe o que vai ajudar você, minha linda? — digo
aproximando-me e pegando-a nos braços. — Um banho frio.
Banho frio é um santo remédio contra a bebedeira.
Ela sorri e ando a passos leves com ela em meus braços.
Os raios não soam mais lá fora, mas a chuva cai forte. Abro
então a porta da frente e a jogo na grama. Ela grita
imediatamente ao ficar encharcada em segundos.
— Pronto, banho frio. Uma maravilha! Quando voltar a si
sabe por onde entrar — decreto e bato a porta deixando-a
perplexa do lado de fora.
Sem sequer tentar entender o que estou fazendo vou até a
lavanderia e abro a janela para que ela entre. E me sinto tão
quente que subo para um banho gelado antes de dormir.
— Vou tirar você da minha vida, Anna, você é perigosa
demais aqui.
Espero Anna vir bater à minha porta logo pela manhã com
um pedido de desculpas. Do seu jeito maluco, com desculpas
que não tem nada a ver, mas se colocando em seu lugar e se
desculpando. E irei desculpá-la para que Leandro me deixe em
paz.
Só que isso não acontece. O dia passa e ela não vem
trabalhar. Confirmo com Açucena que não ligou para demiti-la,
tampouco Leandro, então entendo que a imbecil se demitiu.
Desconfio que o fez porque está aboletada na casa de Leandro e
não precisa mais de emprego. Vai quebrar a cara. Leandro não
vai cuidar dela por muito tempo.
— No fim das contas, você achou um rico idiota para dar-
lhe um teto, não foi, oportunista? — pergunto para a foto em seu
currículo, sozinho em minha sala ao final do dia.
Não costumo sair muito da minha sala, mas nas vezes em
que o fiz durante o dia, percebi que os funcionários tinham
risadinhas e cochichos que cessavam abruptamente quando eu
aparecia. Comecei a desconfiar que o motivo de seus cochichos
era eu. Ao ir embora, confirmo minhas suspeitas ao ouvir
Açucena rindo alto com Amélia enquanto imita alguém se
engasgando e Amélia joga uma bala de goma em sua boca. As
duas parecem horrorizadas quando me veem parado aqui,
analisando a cena e digo apenas:
— Demitidas.
Entro no elevador e Leandro vem logo atrás, garantindo a
elas:
— Não estão demitidas, mas parem de rir do chefe.
Qualquer homem adulto que se preze poderia sofrer um atentado
com jujubas.
— Seu idiota! — ralho quando as portas do elevador se
fecham. — Como ficaram sabendo?
— Eu contei, claro! Não podia deixar passar. Agora você é
conhecido como o homem que quase perdeu a luta para balinhas
coloridas. Uma maneira bem doce de morrer, eu diria.
Volto minha atenção ao celular, mais precisamente a um e-
mail que recebi do meu amigo, Lorenzo Carvalho, e a vaga de
hostess que consegui para Anna.
— Onde está a Anna? Diga a ela que a vaga de hostess no
Le Bistrot é dela, isso, claro, se ela vier até mim e me pedir
desculpas. Ela tem até hoje à noite para fazer isso.
Há o silêncio como resposta e quando olho para Leandro,
ele me encara com sua melhor expressão de desgosto.
— Você está brincando, não está? Você foi inumano com
ela, ela não lhe deve desculpas.
— Não quero sua opinião, Leandro, apenas dê o recado à
sua namorada, eu a espero com um humilde e sensato pedido de
desculpas, ou nada de vaga no restaurante.
— Sabe, — ele grita quando deixo o elevador — Anna está
certa. Você vai terminar a vida sozinho, tentando pagar suas
companhias, mas não encontrando nenhuma que aguente
conviver com você.
Sorrio para ele, como se isso fosse possível! Eu sou o dono
do meu mundo e todos nele vivem ao meu redor. Não corro risco
de perder isso, pois foi o que conquistei e é meu por direito.
Ele não quer jantar esta noite, diz que posso pedir a
senhora Bello algo para comer pois ele está sem fome e não
tenho certeza se isso tem a ver com Leandro, ou com as pessoas
que ele conhecia o evitando porque está cego. Como algo do que
trouxe na outra noite do mercado e vou acender sua lareira.
Quando chego na porta de seu quarto ele está saindo do
banheiro, a toalha envolta em sua cintura enquanto ele tateia
algo no armário, logo, as gotas da água do banho escorrem por
seu peito e me pego parada, prendendo a respiração, torcendo
que ele não sinta meu cheiro enquanto o observo.
Ele não parece me perceber, pois tira a toalha em seguida e
se seca vagarosamente. Do corredor, em frente sua porta,
aprecio seu corpo de costas. Ele possui algumas cicatrizes nas
pernas e nas costas e quando estou observando melhor sua
bunda, ele se vira devagar. Prendo a respiração de novo, mas ele
não me nota. Seca o cabelo enquanto observo seu corpo em um
belíssimo nu frontal. Antes, Lucca tinha muitos gomos no
abdome e um peitoral muito forte, agora, tem os ombros largos,
braços definidos e o peitoral bem marcado. Não há mais gomos
em seu abdome, mas em nada sua beleza foi diminuída. As
coxas possuem ainda mais cicatrizes na parte da frente, como se
sua pele tivesse se rasgado. Essas cicatrizes também estão em
sua barriga e peito. E, de alguma forma, ele tem um ar perigoso,
misterioso, algo que me faz ficar aqui olhando cada uma delas
até quase decorá-las. E então meus olhos, como sempre, caem
para seu pênis. O membro descansa entre suas pernas e mesmo
assim é tão grande! Claro que o único outro pênis que vi na vida
foi o do Igor, o que me faz afirmar com certeza que Lucca tem o
membro avantajado. Ele pega uma blusa no armário e a veste e
isso parece evidenciar ainda mais seu pênis.
Sei que preciso sair daqui, vou ser demitida se ele me
descobrir, isso se não for presa, mas não consigo. Minha cabeça
tomba para o lado enquanto observo seu membro, a cabeça
maior que todo seu comprimento, a pele levemente rosada tem
uma aparência tão macia! Mordo o lábio inferior enquanto ele
veste uma boxer e ajeita o pênis nela. Espero que vá vestir uma
calça, mas percebo que não pegou uma. Ele pretende dormir
assim. Espero que vá se deitar agora, ou me chamar para
acender a lareira, mas ele coloca os óculos e me sinto confusa.
— Acho que posso considerar isso como seu abono
salarial, certo, Anna? — pergunta de repente me tirando do meu
transe.
Meu rosto todo esquenta, abro a boca para responder, mas
nada sai. Ele tem um sorriso preguiçoso no rosto enquanto se
aproxima. É como se ele pudesse me ver, para diante de mim e
respira fundo.
— Eu sinto seu cheiro — diz baixinho. — Foi o único cheiro
que eu tinha na minha mente quando acordei do acidente. Eu
sinto sua respiração, está acelerada agora, quase posso ouvir
seu coração disparado no peito e adoraria ver a maneira
deliciosa como deve estar mordendo os lábios agora. Eu tenho
você tão perfeitamente em minha mente, Anna, eu decorei cada
traço do seu rosto, cada gesto, mania, sorriso. É como se eu
pudesse vê-la. O rosto vermelho, o lábio levemente marcado pela
força com que você o morde, mesmo sem perceber. O que
vamos fazer com essa sua indiscrição, Anna? Ficar assim, perto
demais de mim, me observando nu por tanto tempo. Talvez você
precise de uma lição.
Ele dá um passo para mais perto de mim e, como a criança
que juro não ser, saio correndo. Entro em meu quarto, fecho a
porta e a tranco, apenas por segurança. Minha respiração está
mesmo acelerada e meu coração bate tão rápido que também
posso ouvi-lo. Minhas pernas parecem ceder e me jogo na cama
até que isso passe.
Talvez eu devesse juntar minhas coisas e sair na surdina
pela manhã, para evitar a vergonha que vou passar, mas meu
salário tem cinco dígitos agora. Onde mais eu ganharia cinco
dígitos?
Onde mais eu poderia observar Lucca Baltazi nu?
— Ai, Anna, você vai se meter em encrenca! — aviso a mim
mesma enquanto não consigo tirar a imagem de seu corpo nu, a
visão de seus movimentos lentos enquanto se secava e se
vestia, da cabeça.
Uma chuva fina cai ainda pela manhã, Anna ainda dorme,
mas Leandro já vai embora.
— Tem certeza que você não vem comigo? — pergunta
pela milésima vez.
— Não vou, Leandro, não estou interessado no que o
Aquiles quer.
— Sabe, você aceitou até bem sua cegueira e tudo o que
perdeu. Entendeu que merecia e pronto. Mas não é só isso. A
gente não se redime só com os castigos, Lucca.
— O que quer dizer?
— Que é fácil para você ficar aqui com ela. Seu lugar
seguro, calmo, longe do mundo, ignorando o que está
acontecendo lá fora. Talvez antes não fosse, era sozinho, triste,
entediante. Mas agora? Agora você tem a mulher que ama do
seu lado. Agora é fácil que você aceite onde está e se conforme,
afinal, mas e os outros? Suas atitudes não feriram apenas você,
Lucca. Pessoas estão perdendo seus empregos e não estão
recebendo um centavo do que lhes é devido. Um mau-caráter
domina sua empresa, maltrata seus empregados e brinca com as
vidas deles. Foi você que levou a Atenas a onde ela está agora.
Então você deveria fazer mais do que apenas aceitar que a
perdeu. Você deveria ao menos tentar corrigir seus erros.
Não respondo. Suas palavras dominam minha mente, meus
pensamentos, trazem de novo a culpa. Ele diz que onde estou
agora é fácil. Fácil? Ele não faz ideia de como é aqui dentro. Não
faz ideia do quanto me odeio e me culpo todos os dias. Ele nem
imagina que se fosse fácil, se eu já tivesse me aceitado, estaria
com essa mulher, de verdade, não apenas como seu chefe.
Estou bem longe do fácil, do confortável, até do aceitável.
— Você quer provar para a Anna que a merece, eu sei que
quer provar isso até para si mesmo. Mas não vai conseguir isso
apenas pagando por seus erros. Você também precisa corrigi-los.
Pensa nisso. — Ele se despede e vai embora.
E por todo resto da manhã fico nessa poltrona, não há sol
para aquecer minha pele, apenas o vento fresco da chuva. E as
palavras de Leandro continuam martelando em minha cabeça
como um eco.
Lucca foi dormir em seu quarto esta noite. Por toda a noite
ele foi gentil e divertido, ele me lembrou muito o Lucca de antes,
mas de um jeito bom. Não havia mais o medo em sua voz, nem a
culpa, tampouco a vergonha por seus olhos estarem expostos.
Ele sorriu mais vezes, brincou, foi gentil, arrumou a cozinha
quando jantamos e arrumou sua cama sozinho. E então foi se
deitar, assim, sem qualquer tentativa de me irritar, me provocar
ou me fazer dormir com ele. E isso deveria ser bom, deveríamos
poder manter essa amizade gostosa quando nos
encontrássemos eventualmente. Mas pensar em encontrá-lo
apenas eventualmente faz meu peito sangrar. Saber que ele vai
embora em poucas horas, para sempre, me deixa sem ar.
Não consigo dormir, ando de um lado a outro, abraço o livro
e tenho medo. Não posso confiar nele de novo, mas quero tanto!
Por fim, no meio da madrugada entendo que não vou
conseguir dormir. Subo até seu quarto na ponta dos pés. Ele está
quieto em sua cama, os braços cruzados atrás da cabeça, usa
apenas a calça de moletom e seu torso à mostra é iluminado pela
luz da lua que entra pela janela.
— Está tudo bem? — pergunta sem ao menos se mover.
Ele sempre me sente por perto.
— Sim, eu só... Minha lareira apagou, a lenha acabou —
minto. — Estou com medo de ir lá fora sozinha, você poderia ir
comigo?
Ele sorri. Se move então, sentando-se na cama.
— Imagino que haja lenha na minha lareira — comenta.
— Eu coloquei bastante lenha na sua e pouca na da sala,
você devia me agradecer por tanto cuidado.
— Obrigado — ele diz com um sorriso. — Venha, não há
porque você ir lá fora no meio da madrugada. Durma aqui, aqui
está quente e confortável.
— Tudo bem.
Caminho em direção a sua cama, mas ele se levanta.
— Onde você vai?
— Dormir na sala. Você fica com a cama e eu com o sofá
esta noite, anjo.
— Mas lá está muito frio! Não há fogo na lareira, você não
devia descer! — Insisto entrando em sua frente e impedindo que
ele passe pela porta.
— Tem certeza? Não vou chegar à sala e escutar o crepitar
do fogo na lareira?
— Lucca...
— Vem aqui, Anna — chama estendendo a mão e a toco,
deixando que ele me guie de volta aos seus braços.
O abraço de volta, fecho os olhos e sinto seu cheiro, seu
calor, sua pele quente. Ele me abraça forte também.
— Fica comigo então — diz baixinho. — Me deixa ficar em
você esta noite — pede tirando a blusa de frio que uso.
— Lucca, eu não...
— Eu sei, você não pode confiar em mim, por mais que
queira. Isso é uma despedida, nossa última noite. Eu entendo.
Mas esta noite, faça amor comigo, Anna, mesmo que seja a
última vez.
Minha resposta é guiar meus lábios até os seus, ele me
beija de volta, ele me domina em segundos. Caminhamos
lentamente até a cama, em um minuto estamos nus, no outro,
seu corpo está sobre o meu. Suas mãos acariciam onde
alcançam, meus olhos estão fechados porque quero senti-lo, vê-
lo do seu jeito. Em minutos ele me preenche e fazemos isso
lentamente, nos amamos lentamente, nos entregamos aos
nossos sentimentos mais de uma vez e tenho uma das melhores
e mais tristes noites da minha vida.
A noite chega, não vejo Lucca desde que voltamos. Ele não
saiu de seu quarto e não me atrevi a ir procurá-lo. Fui eu quem
disse a ele que não podia confiar nele. Essa resposta ainda é
nítida em minha mente, por mais que eu o ame e esteja
tremendo pela mínima chance de realmente acabar tudo, há essa
trava em meu peito, que aperta minha respiração sempre que
passo por sua porta e penso em bater nela. Até me pergunto se
não devia ir ajudá-lo com seu traje de gala, deve ser difícil para
ele fechar tantos botões, se certificar que a roupa não está
amassada, será que ele fez a barba?
Derrotada, vou até seu quarto. Ele não fez a barba, mas
penteou os cabelos. Usa um smoking preto e está tão bonito!
— Só vim saber se você precisava de ajuda — explico.
— Obrigado, mas Karen já me ajudou. Pensei que estava
indo bem, mas ela disse que eu havia fechado todos os botões
da camisa nas casas erradas — comenta com um sorriso e me
pego apertando a mão em punhos.
— Que prestativa, a Karen, não é?
— Na verdade, a encontrei no corredor quando estava
descendo, ela apenas me ajudou, não foi nada demais.
— Sei, claro que não foi! Ela deve estar muito feliz.
Ele franze o cenho como se não entendesse o que estou
dizendo e desisto. Karen é uma das diaristas de Leandro. É
jovem, bonita e pelo visto bastante gentil. Volto ao meu quarto e
vou me arrumar. Estou começando a pensar que voltar com ele
não foi uma boa ideia.
Dois dias depois, sou acordado com uma ligação. Anna não
está comigo, ela tem dormido com Effie desde a morte de
Aquiles, Effie tem pesadelos. Mas não posso garantir que estaria
comigo se Effie não estivesse aqui. Atendo ao telefone sonolento
e a voz do outro lado da linha me surpreende:
— Bom dia, Lucca, que bom nos falarmos de novo. Sou a
doutora Mercedes, como tem passado?
— Ah, bom dia, doutora. Bem, e a senhora?
— Soube do que aconteceu com seu primo, meus
sentimentos.
— Obrigado.
Penso que sua ligação é apenas para me desejar suas
condolências, mas ela diz:
— O senhor está pronto para voltar a enxergar?
— Como?
— Temos um doador, Lucca. Você pode vir realizar o
transplante.
— Isso é impossível! Eu esperei um ano da primeira vez,
agora fazem o quê? Dois meses?
— Havia muito mais pessoas na sua frente da primeira vez,
quando você voltou para o final da fila dessa vez, havia bem
menos pessoas na sua frente. O senhor não consultou sua
posição na fila nenhuma vez sequer desde aquele dia?
— Não, eu pensei que fosse demorar.
— Nosso estado está quase zerando a fila de transplante
de córneas, senhor Baltazi. Em breve poderemos enviar córneas
para o Banco de Olhos, vamos ajudar receptores de outros
estados. Mas podemos falar sobre isso depois, você pode vir?
— Estou indo.
Dormi bem pouco e não quero acordar Anna ou Leandro,
que também não dormiram nada. De qualquer forma, tenho uma
sensação, como um pressentimento, não vai dar certo. Vou
chegar lá e ser procurado por outra mãe desesperada. Ou então,
a família vai impedir que a córnea destinada a mim seja
transplantada. Algo vai acontecer. Pego meus documentos,
Apolo e chamo um táxi pelo aplicativo.
9 meses depois...
8 meses depois...