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Capítulo 1

Joseph

4 anos atrás

Depois de uma semana longe de casa, em uma intensa e cansativa


maratona de reuniões pelas plataformas de petróleo que administrava, eu
me sentia finalmente feliz. Amava o que fazia e fui criado para assumir esse
cargo. Meu pai se garantiu disso antes de morrer de câncer há dois anos. Eu
o amava, assim como Christophe e minha mãe, porém fui eu quem sempre
estive no seu pé durante os meus anos de vida.

Não diria que minha vida era perfeita, pois isso é uma ilusão, mas
consegui o que esperava: uma noiva maravilhosa, com quem iria me
encontrar em alguns minutos, e um trabalho bem-sucedido na petrolífera.
Até então, tudo estava como deveria ser.

O apartamento na cobertura de um dos mais altos prédios de Nova


York se encontrava todo bagunçado, com roupas por toda parte. Era
estranho vê-lo assim, já que Adelaide era uma mulher que odiava as coisas
fora do lugar. Mesmo sendo segunda-feira de manhã, já deveria estar tudo
organizado por Maria, nossa empregada.

Coloquei em cima do sofá branco a pasta que carregava e andei até


o quarto. Não estava muito feliz, porque as roupas espalhadas pelo chão não
eram todas femininas, mas também masculinas, e não havia razão para isso,
já que eu tinha passado dias fora e Adelaide não tinha o costume de jogar
minhas vestimentas pela sala.

Sentia-me quase sem ar a cada passo que dava, ouvindo um barulho


estranho vindo do quarto. Só poderia ser algum tipo de pesadelo ou algo
bizarro acontecendo. Qualquer opção que não fosse essas não seria recebida
por mim com tanta tranquilidade.
A porta do nosso quarto estava entreaberta e, ao me pôr em frente a
ela, meu coração se afundou dentro do peito.

Os tons claros da casa davam uma boa iluminação, além das muitas
janelas imensas nos cômodos.

Não sabia como agir. Assistia à minha noiva, a mulher que eu mais
amava, transando com o meu melhor amigo, Mathews, como se fossem
universitários apaixonados por sexo. Dentro de mim se formava um
sentimento de dor que se transformava em raiva a cada instante.

Estendi a mão para abrir completamente a porta e estragar a


diversão dos dois, mas não consegui. Senti as lágrimas nos olhos e me
recusei a deixá-las caírem. Usei minha raiva e decepção para sair do
apartamento, levando comigo a pasta que carregava. Apertava suas alças
como se estivesse os ferindo também, porém isso só acontecia comigo, com
a dor no peito.

Desejei socar algo, talvez o metal do elevador ou qualquer outra


coisa que encontrasse. Respirei fundo, imaginando que minha vida quase
perfeita se tornou um inferno ao descobrir a traição de duas pessoas que eu
amava.

Assim que as portas do elevador se abriram, saí de dentro dele como


se fosse perder alguma reunião importante. Não quis parar para falar com
ninguém, mesmo que o porteiro estivesse interessado em saber se eu havia
me esquecido de algo no carro. Dei graças a Deus por Taylor ainda estar lá.

— Senhor....

— Vamos embora deste lugar. — Abri a porta e me sentei no banco


de trás do veículo, sentindo que minha cabeça começaria a doer a qualquer
momento.

— Para onde vamos? — ele perguntou sério.

— Ao meu flat, e depois à empresa. — Joguei a pasta para o canto,


como se ela estivesse me causando a repulsa que eu sentia.
Durante o caminho não conseguia me esquecer do que tinha
acabado de presenciar. Eu a amava, estávamos com a data marcada para o
casamento, e ele seria o meu padrinho.

Tentei me acalmar respirando fundo, contudo não funcionou. Eu


estava tão puto, que poderia mandar parar o carro só para socar o rosto
daquele idiota.

— Precisa de algo? — Taylor me olhou pelo espelho do carro. Ele


não era só o meu motorista, como também um amigo que às vezes me
ajudava a treinar na academia. — Parece abalado.

— Quero bater em alguém, mas se eu voltar agora, vou acabar


matando aquele imbecil. — falei furioso.

Ele não disse mais nada e voltou a se concentrar no trajeto.

Pensei em como seria a minha vida depois daquilo. Eu achava que


não poderia confiar em mais ninguém, muito menos em uma mulher. Sabia
que não deveria generalizar, mas como me esquecer de uma traição como
aquela? Se ela tivesse terminado comigo, com certeza teria sido mais fácil
de aceitar. Entretanto, Adelaide escolheu me trair com o meu melhor amigo.

Durante uma curva, a minha atenção se voltou ao percurso. Não


estávamos nem um pouco perto do meu flat.

— O que está fazendo? — questionei. — Eu disse...

— Não está em condições de trabalhar. — falou sério novamente.

Eu diria que Taylor era mais meu amigo do que Mathews; ainda
mais naquele momento. Nós dois viemos de mundos diferentes, porém
sempre o vi como amigo e o ajudava no que precisasse.

— Não sei o que aconteceu, mas acho que o que tem que fazer agora
é relaxar.
— Não vai dar para relaxar. — respondi exaltado. — Você relaxaria
se descobrisse que sua noiva está fodendo com seu melhor amigo?

Não houve resposta, todavia pude ver sua surpresa. Quem não se
sentiria surpreso com algo assim?

Quando o automóvel parou, estávamos no único lugar onde minhas


energias poderiam ser gastas. Nem me importava se tinha feito um voo
longo de Dubai para Nova York.

— Acho que bater em alguma coisa pode ajudar.

***

Chris

4 anos depois

— Será um grupo de pessoas, homens e mulheres, que poderão ter


encontros a cegas e acabarem namorando ou não. — explicou Hoper, uma
das mulheres mais incríveis que eu conhecia.

A mulher era linda, com a pele cor de oliva, cabelos cacheados


acima dos ombros e uma boca maravilhosa. O problema que eu estava
enfrentando era que ela não me queria. Simplesmente, achava-me um
safado aproveitador. O que não era totalmente mentira.

Só de estar ao seu lado, ouvindo-a falar essas coisas inteligentes,


ficava maluco e bobo. Só uma pessoa conseguiu fazer isso comigo e eu
estava tentando esquece-la.

— E você acha mesmo que as pessoas vão aceitar participar dessa


loucura? — perguntei após beber um gole da cerveja que não era uma das
melhores que já tinha bebido, porém a única que servia naquele bar
universitário.

— Está me descredibilizando? — Estreitou os olhos.


Eu gostava quando a morena ficava chateada. O que a tornava ainda
mais bonita.

— Não falei isso, só que é algo maluco. — Dei de ombros. — Veja


bem: eu chego em você, neste mesmo bar, e te faço uma proposta para
participar de uma experiência social em que você vai conversar com
supostos pretendentes sem vê-los ou tocar neles. Terão que conversar como
se estivessem aqui, exatamente nesse bar, se conhecendo melhor para, em
um certo futuro, se tornarem namorados. O que você me diria?

— Genial! — Pareceu ainda mais ofendida.

Sua reação e resposta me deixaram com um sorriso no rosto.

— Não é algo maluco. Meu estudo é baseado nisso. — Pegou o seu


copo de cerveja e a bebeu por completo enquanto eu só a observava. Ah!
Como eu queria ser essa cerveja. — Você não vai ser alguém que será
escolhido por quanto dinheiro tem na conta, se é magro ou gordo, nem terá
aquele jogo de sedução que vai acabar com os dois na cama e, no outro dia,
“tchau, valeu”. Será a busca pelo sentimento e a comprovação, com dados
feitos por mim, que o amor não vem do que você vê nas pessoas, e sim do
que se descobre dentro delas.

— Ok. Você pode estar certa.

— Estou certa.

— Mas, como vai sequestrar pessoas para o seu experimento? —


Cada palavra que saía da minha boca a deixava mais puta. Não podia
mentir: estava amando isso.

— Você é um filho da mãe. Não quero mais conversar. — Pegou sua


minúscula bolsa e se levantou do banco de madeira, em frente ao bar.

— Hoper! — Levantei-me também, coloquei uma nota de cem


dólares no balcão e fui atrás dela. — Me desculpe. Eu estava brincando.
Mas deve concordar que é uma loucura e um desafio.
— Ajudaria se acreditasse. — Cruzou os braços.

— Ok. Então, faremos assim: você organiza tudo e eu te patrocino.


Porém, com uma condição.

Ainda de braços cruzados, ela estreitou os olhos e me encarou como


se eu estivesse prestes a falar mais merda.

— Não vou sair com você, nem agora, nem nunca. Não quero o
seu dinheiro idiota. — Virou o rosto.

— Ai! — Essa realmente doeu, mesmo que eu já tenha ouvido sua


recusa antes. — Não é isso, porém um dia você vai acabar aceitando o
nosso amor.

— O que você quer, Christophe? — A forma como ela falou o meu


nome pareceu um deboche raivoso.

— Meu irmão. — Ela me olhou estranhamente. — Como você


sabe, Joseph foi traído pela noiva quatro anos atrás, e desde então vem
focando somente no trabalho, sendo o mais frio possível com as mulheres.
— Ver isso acontecendo era horrível.

Não importava o quanto eu dissesse que ainda existiam mulheres


decentes, porque meu irmão havia decretado que nunca mais se
apaixonaria. E eu sabia que isso não era verdade.

— Joseph é um romântico; adora cortejar e ter conversas


descontraídas. Só que, desde o ocorrido, ele se tornou um reclamão, ficou
muito triste e prometeu nunca mais se apaixonar. Se quer um desafio, ele é
a solução. Faça-o se apaixonar novamente.

— Hum... Achei que você fosse um completo babaca, mas vejo que
tem sentimentos que não sejam apenas por si mesmo. — Levantou uma das
sobrancelhas.

— E por você, claro. — brinquei.


— Se seu irmão é um desafio, a minha melhor amiga é o 1% dos
99,99% que eu posso não mudar com o meu experimento. — falou
pensativa. — Duas pessoas difíceis, com marcas profundas e desacreditadas
do amor?

— Vejamos: estamos encontrando um casal. De quantos mais você


precisa? — questionei animado.

— De mais sete.

— Sete. — Parecia mais difícil do que eu imaginava. — Se vai ser


difícil convencer Joseph a aceitar vir, imagina mais sete caras.

— Você não quer que seu irmão arranje uma namorada? —


Empinou o nariz. — Ache mais sete homens, e eu tenho certeza de que ele
vai arranjar uma.

— Tome cuidado, cara amiga. Você não conhece aquele teimoso. —


Sorri.

— Joseph é fichinha se comparado à Samantha.

Isso estava começando a ficar interessante. Logo uma nova ideia


surgiu em minha mente.

— Sabe? Já que estamos trabalhando com dois impossíveis, acho


que podemos arriscar uma aposta. — falei como quem não quisesse nada.
— Claro... Sem que eles saibam. Ou Joseph comeria o meu fígado.

— Aposta? Você não presta, Chris. — disse decepcionada.

— Se fizermos com que eles arranjem parceiros, você vai sair


comigo, sem preconceitos. E se isso não acontecer, irei parar de dar em
cima de você.

— Não é justo! — reclamou. — Eu quero que ela seja feliz, só que


não quero sair com você. Então, nada feito.

— Ah! Qual é?! Tem medo de não dar certo? — provoquei-a.


— Tenho medo de ser mais uma na sua lista.

— Cara, Hoper. — Seu perfume doce trazido pelo vento me deixou


ainda mais motivado. — Eu toquei fogo naquela lista desde que te conheci.

Ela me olhou de canto e eu sabia que estava cogitando aceitar minha


proposta.

— Se não conseguirmos, você me deixa em paz.

— Trato feito. — Nós apertamos as mãos e eu senti sua pele macia,


que me excitou como nunca. — Agora, só precisamos de mais sete idiotas
para namorar.
Capítulo 2
samantha

Não se estresse! Não se estresse! Não mate ele na frente de todo


mundo!

Mesmo repetindo o meu mantra de vida, que adquiri depois que fui
contratada pela Arme Technology, Sebastian Smith estava, mais uma vez,
tentando me rebaixar a nada só por ser mulher.

Um parêntese nisso: eu era a única mulher neste setor. Havia muitos


engenheiros nessa empresa e apenas algumas mulheres escapavam do navio
machista existente. Diziam e repetiam que não davam prioridade a um sexo
ali, e que a questão era que poucas mulheres haviam se formado nesse
ramo. Uma grande mentira.

Minha entrada na empresa foi graças ao Rodolfo, o antigo chefe do


setor de desenvolvimentos. Eu sempre fui a garota que estudava, estudava...
e pensava nos estudos, só que meu amor pela engenharia mecânica veio
somente depois que entrei na faculdade.

Não sabia o quanto seria difícil me manter em paz, porém valia o


esforço, já que eu era a melhor entre cinco homens arrogantes e idiotas.

— Acha mesmo que isso vai melhorar a eficiência e a


aerodinâmica? — indagou o meu arqui-inimigo e concorrente.

Ele sabia que sim, no entanto adorava pôr em questão as minhas


habilidades, na frente dos caras de ternos. Assim era como eu chamava os
chefes que determinavam para onde e quem iriam os projetos feitos pela
Arme Technology.

— Isso diminui a temperatura do motor e aumenta a capacidade e


velocidade. Sebastian, sabe disso melhor que ninguém. — respondi com
minha mais falsa educação e um sorriso amarelo.

Muitas vezes sonhei com ele, mas não de um jeito sensual ou


erótico. Eu podia até me excitar. Um soco faria um grande estrago no seu
rosto convencido.

— Senhorita Still, ficamos muito felizes com o seu projeto e com a


descoberta de torná-lo mais eficiente. — disse o homem de quase sessenta
anos, com um olhar meigo.

Entre todos com quem já havia tido algum tipo de interação, ele era
o mais educado e simpático. Pelo menos não me olhava como uma estranha
quando falava dos meus projetos e ideias.

— Espero que conversemos mais sobre isso, em outro momento. Sei


que estou alongando a nossa conversa. É que fiquei curioso.

— Não tem nada demais, senhor. — Mantive um belo sorriso no


rosto. — Posso tirar todas as suas dúvidas.

Dava para sentir o olhar de Sebastian em mim enquanto a fúria


crescia em meu peito.

Assim que Rodolfo nos deixou a sós, despejei toda a raiva em cima
do idiota intrometido.

— Parabéns, colega! — debochou.

— Olhe aqui, Sebastian! — Aproximei-me dele, tendo que me


controlar para não lhe bater com a pasta que estava em minha mão. — Acha
que não sei o que tentou fazer?

— Não tentei fazer nada, assim como...

— Não teste a minha inteligência! — Quando estendi a pasta em sua


direção, ele levantou os braços e abriu um sorriso irônico. — Se fizer isso
outra vez, vou atingi-lo onde mais dói, e não vai gostar muito.

— Está me ameaçando, docinho?


— Por que não procura se envolver nos seus projetos e me
esquecer?

Já tinha passado por muito disso antes e durante o meu período ali,
para saber que homens como ele não se importavam com palavras doces ou
pedidos simples, do tipo “me deixe em paz”. Contudo, era sempre bom
reforçar, para que não acabassem fazendo merda.

— Não se surpreenda quando eu conseguir um cargo maior, e você


não, já que só serve de bode expiatório e provocador.

Ele iria dizer algo, no entanto eu já estava de saco cheio e tinha que
chegar logo em casa. Hoper parecia bem preocupada e nós tínhamos
planejado um jantar, que, no caso, seria pizza e refrigerante.

Era bom morar com minha melhor e única amiga, pois muito do que
eu passava no trabalho, despejava quando chegava em casa. Muitas vezes
seu conselho era: “Você não merece passar por isso. Sabe que pode arranjar
coisa melhor”. Era verdade, todavia eu gostava de morar em Nova York e
estar ao lado dela. Minha vida solitária era triste demais para voltar para ela,
então aguentava tudo e esperava encontrar uma forma de mostrar meu valor
ou talvez outro emprego.

Aquela história com o idiota do Sebastian me deixou tão irritada,


que o segurança nem falou comigo. Ele era sempre simpático e dizia que eu
parecia com sua filha. Era bom alguém falar de mim em um bom sentido, já
que nunca havia tido algo parecido na minha vida. Na verdade, eu achava
que ela me odiava ou que eu tinha nascido com má sorte.

Desde muito pequena tive que aprender a me cuidar e a não


depender de outras pessoas. Minha família? Não existia. Só tinha uma
integrante: eu mesma. Triste e solitária: essas foram as definições que dei a
mim.

Eu poderia entender se meus parentes tivessem morrido ou vivessem


em uma péssima situação financeira, só que não foi isso que aconteceu,
apesar de nunca termos tido dinheiro o suficiente para um estilo de vida
como as pessoas adoram. E minha mãe — ou melhor, progenitora. Mães
não fazem o que ela fez comigo — achou melhor para si mesma se livrar de
mim como se eu fosse um bichinho de pelúcia que foi jogado no lixo,
mesmo que eu tivesse um trabalho que poderia nos sustentar até a minha
adolescência.

Lembrar-me disso doía... Doía mais do que uma ferida. E ela não foi
a única que abriu um buraco no meu peito. Como eu disse, não nasci com
sorte alguma.

Parei em um orfanato e, mesmo sendo uma menina notável, não


consegui aquela coisa que as pessoas chamam de família. Para falar a
verdade, fui levada para três casas diferentes, com casais que desejavam
uma filha. Todavia, após ambos conviverem comigo só por algumas
semanas, mandaram-me de volta para o orfanato.

“Não sei como lidar com alguém como ela. Samantha tem uma
inteligência fora do comum, e não sei o que fazer. Sinto muito querida, mas
não.”

Não! Não! Não!

Essa palavra era mais minha amiga do que a solidão e estava


constantemente voltando para mim, quando eu pensava estar em casa e ao
entrar na escola e na universidade. Sabia que ela voltaria muitas vezes.

Parei em frente ao meu carro estacionado em uma vaga na rua. Meu


reflexo no vidro estampava a tristeza que era me lembrar disso. Não
importava o quanto eu me esforçava, porque esse “não” me perseguia. Foi
por isso que decidi nunca mais esperar por algo bom ou por um “sim”.

Respirei fundo, abri a porta do automóvel e me sentei no banco do


motorista.

Pelo menos tenho para onde ir agora. — pensei.

***
Como de costume, deixei Hoper falar primeiro, pois ela era a que
mais lamentava entre nós duas. Eu já tinha desistido de fazer isso, já que era
comum coisas ruins me acontecerem.

— Sabe aquela pesquisa que estou estudando? — ela perguntou com


a boca cheia de pizza.

A morena era assim: bruta, sem modos e bem sem noção. O que me
fazia gostar dela.

— A ideia de que casais usam a superficialidade para determinar


seus pretendentes? — Esse foi um resumo bem ruim para a pesquisa que ela
mesma desenvolveu. — Sei.

— Enfim... — Revirou os olhos e respirou fundo. — Sabemos que a


aparência determina muito dos nossos relacionamentos, mas sabemos
também que os sentimentos...

— Sei que isso é bem importante, porém está querendo levar um


efeito químico no cérebro humano para outro nível. — Eu a interrompi.
Algo que ela odiava quando acontecia.

— Sabe o quanto é ruim quando alguém te desmerece. Por que está


fazendo isso comigo? — indagou chateada, estreitando os olhos e
apontando o pedaço de pizza, que estava em sua mão, na minha direção. —
Achei que fosse uma cientista.

— Sou cientista, mas não acredito no amor. — Dei de ombros. — E


você tem razão. Me desculpe.

— Sabe? Minha ideia está sendo posta em prática e devo dizer que
será um sucesso.

— Quer descobrir em que ponto as pessoas podem se ligar


emocionalmente?

Li a sua pesquisa. Realmente, é boa e tem pontos muito fortes. O


problema — ou melhor, o meu problema — é que ela bate de frente com a
minha realidade, jogando na minha cara que pode ser possível pessoas que
não se conhecem, em menos de um mês, criarem sentimentos afetivos uma
pela outra.

— Sei que você não acredita que possa ser possível, no entanto me
baseio nos pensamentos de quem se apaixona à primeira vista.

— Uma alucinação humana, Hoper. Ninguém pode se apaixonar só


de ver outro alguém. — Revirei os olhos. Outra coisa que ela odiava.

— Você está certa. — Sua resposta me surpreendeu. — Na


realidade, o que acontece é um efeito inconsciente de atração baseado na
aparência, e não no amor real, o qual só é alcançado com uma convivência
com a pessoa e a experiência de um casal.

— Finalmente, algo em que concordamos. — afirmei mais animada.

Peguei um pedaço da pizza, que estava quase no fim, e o mordi.


Estranhamente, minha amiga me encarava, observando cada movimento
meu. Estava difícil até mastigar sem me sentir julgada.

— O que foi?

— Você é o meu maior desafio. — disse como se lamentasse. —


Sempre amei as ciências e saber mais como a sociedade se tornou o que é
hoje, assim como os seres humanos e seus relacionamentos, mas, quando
conheci você, encontrei uma incógnita.

— Como assim? — Franzi o cenho, achando que a noite estava


começando a acabar para mim. Eu odiava ser estudada por ela, ainda mais
por ser uma brilhante pesquisadora social.

— Você é uma das pessoas mais fechadas que conheço. Seus medos
ultrapassam barreiras nunca vistas por mim, e teme tanto se machucar, que
se recusa a viver. — E lá estava ela, a menina que me julgava. Era a parte
em que discutíamos. — Sabe por que me empolguei ou insisti tanto nessa
experiência?
— Não quero saber. — Joguei de volta na caixa de papelão o pedaço
de pizza e me levantei da cadeira, desejando não brigar por conta daquilo.

Eu sabia sim o porquê de tudo, e era do que estava fugindo.

— Por sua causa. — respondeu, mesmo vendo que eu não estava


interessada no assunto. — Quero poder te ajudar a quebrar essa barreira. Sei
muito bem o que a fez se sentir tão sozinha e mal-amada, embora isso não
seja verdade. Eu amo você como minha melhor amiga e...

— Já chega, Hoper! — pedi duramente. — Se realmente gosta de


mim, acho melhor parar.

— Por favor, prove que estou errada.

O sorriso de deboche que saiu de mim, doía por dentro. Era assim
que eu me sentia quando era alvo das suas pesquisas. Parecia que estava em
uma gaiola, como um rato de laboratório.

— Me desculpe, amiga, mas nada fará com que eu acredite em tal


coisa ou a aceite. — falei um pouco alterada. — Sou medrosa por isso?
Sim, eu sou, e não tenho medo de dizer em voz alta. Essa foi a maneira que
encontrei para não me decepcionar comigo outra vez.

— E se você achasse alguém que lhe fizesse se sentir bem consigo


mesma, pelo que é?

— Isso não vai acontecer. — Coloquei as mãos na cintura, sentindo


o nervosismo de sempre. Sabia que me torturaria a noite inteira.

— Não fica curiosa para saber se daria certo ou não?

— Não!

— Então, faça pela ciência.

— Não!

— Samantha! — exclamou chateada.


— Hoper, eu não vou...

— Para quem odeia a palavra “não”, está a falando muito.

Desejei matá-la por jogar isso na minha cara. Não era fácil me
permitir fazer algo, ainda mais isso.

— Eu amo você. Sabe disso.

— Você se diz não merecedora do amor. Eu te amo e quero provar


que alguém pode gostar de você sem nenhum interesse. — Levantou-se e
veio em minha direção. — Eu sei que é difícil e que estou prometendo uma
loucura, mas não precisa ser um namorado. Pode achar um amigo além de
mim.

— Esse é o seu objetivo? Me dar mais amigos? — Estreitei os


olhos. — Uma já dá muito trabalho.

— Quero propor a pessoas totalmente diferentes umas das outras a


oportunidade de conhecer alguém que vá amar o que tiver dentro delas.
Nosso mundo se baseia muito no corpo, no fenótipo e até mesmo em ter
dinheiro ou não.

Eu queria ir embora nesse exato momento. Sabia que mais um


pouco e ela logo me convenceria a fazer algo que eu não acreditava.

— É difícil para você se permitir. Sempre se boicota e perde a


oportunidade de viver, por conta do medo.

— Pessoas são decepcionantes, Hoper. — Encarei-a. — Achei um


modo de sobreviver, de aceitar que nunca serei escolhida. Você está me
propondo algo absurdo: conversar com caras que não vou ver, nos quais não
vou tocar, nem pesquisar sobre eles na internet, para saber se são de verdade
ou mentirosos. E não seria apenas eu lá, teriam outras pessoas. Mesmo que
eu não queira um relacionamento, seria terrível levar mais um “não” de um
homem de quem poderia ou não gostar.
Minha amiga não disse nada e seu olhar pensativo me deixou
desconfortável. Odiava não saber o que se passava na sua mente.

— Tudo bem. Me desculpe. — Abaixou a cabeça e se afastou de


mim. — Não propus isso por desejar que se decepcione. E se acha que será
exatamente isso que vai acontecer, é melhor não ir.

Para mim, foi uma surpresa vê-la concordar comigo.

Andei até meu quarto, fechei a porta e me deitei sobre a cama


macia. O teto era meu amigo em dias de pensamentos tempestuosos. E eu
estava em mais um desses dias.

Muitas vezes já me martirizei por conta do meu medo. O desejo de


me manter na minha me protegia das decepções, só que também de novas
experiências. Não era do meu gosto ser assim, mas como me sentiria bem
em conhecer outro alguém, se a pessoa que deveria me amar, deixou-me
para trás? Como pensar que seria escolhida, quando fui mandada embora
tantas vezes?

— Isso não é para mim.


Capítulo 3
Joseph

Era bem verdade que nos últimos anos eu estava sendo uma pessoa
sem nenhuma paciência de sobra. Meu trabalho, por si só, já consumia
muito de mim. O pior de tudo, naquele momento, era estar sentado atrás da
minha mesa de vidro, no escritório da empresa, depois de um dia exaustivo,
ouvindo as idiotices do meu irmão mais novo.

Christophe e eu mantínhamos uma boa relação desde a morte do


nosso pai. Eu vinha o cobrando mais responsabilidade nos negócios e
estava feliz com sua evolução, porém o garoto que nunca crescia e que
muitas vezes me irritava, ainda existia dentro dele.

E, no exato instante em que eu estava pensando nisso, essa


personalidade odiável por mim falava coisas sem sentido algum.

— Não me olhe desse jeito. É só uma...

— Uma idiotice digna de Christophe. — completei sem paciência.


— Olha... Posso aceitar sua insistência em ser um pouco bobo, mas não me
coloque em situações como essa, ou não irá gostar do que vai ouvir.

— Se me conhece, irmão, sabe muito bem o quanto sou irritante e


que não vou parar até que...

— Eu mate você. — Encostado na cadeira, com um dos braços


apoiado nela, eu o encarava da pior forma possível.

Meu irmão, melhor que ninguém, sabia o que tinha me deixado


assim e o quanto foi doloroso. Sei que era extremo dizer que nunca mais
cometeria a loucura de me apaixonar, entretanto, assim como ele era
insistente quando queria, eu era focado no que desejava e no que queria
para a minha vida: ter momentos de paz e não precisar me preocupar se
uma namorada ou noiva estaria transando com outro homem.

— Sei que é um trauma que se repete desde o ocorrido e que não vai
mais se apaixonar, só que nós dois sabemos o quanto você é infeliz. —
Inclinou-se sobre a mesa. — Joseph, gosto do meu irmão quando está feliz.
Só foca no trabalho, foge de situações que o leva a conhecer alguém e...

— Christophe! — Respirei fundo, tentando compreendê-lo.

Era difícil me lembrar daquele acontecimento e o superar,


principalmente quando a mulher que amei estava constantemente
aparecendo no meu ambiente de trabalho. Cometi o erro de me apaixonar
por alguém que trabalhava na maldita empresa que eu, assim como o meu
amigo traidor, que tinha ações na petrolífera da minha família.

— Pode ser que sua atitude e insistência sejam por um afeto de


irmão, no entanto, se me ama, não insista nesse assunto.

— É por amá-lo que continuarei insistindo.

Novamente respirei fundo, fechando os olhos, sabendo que em


alguma hora teria que ser mais rígido com ele. Optei por me levantar e sair
da sua frente.

— Sabe que desde que o nosso pai morreu, a mamãe... — ele


começou a falar.

— Não ouse fazer isso! — Peguei-o pelo colarinho de sua blusa. —


Pode me importunar o quanto quiser, mas não use esses argumentos
comigo.

— Não quero, apesar de ser a verdade. — Empurrou-me para longe.


— Como nós conversamos com frequência, sei que ela não está feliz. Não
basta ter perdido o papai, agora tem que ver você se enfiar no trabalho,
sendo infeliz. — Ao se levantar, ele me encarou profundamente.

Desviei os olhos do seu.


Eu sabia o quanto nossa mãe sofria, entretanto não podia, de forma
alguma, voltar a ser quem era. Foi exatamente isto que fez Adelaide me
trair: ser romântico e sensível. Ela odiava esse meu jeito e fingia que me
amava, pelo meu dinheiro. Tive que ser frio para não a tirar da empresa por
conta de problemas pessoais, porque meu pai não gostaria de me ver
misturando as coisas dessa forma.

— É maluca? Sim, é maluca. Mas a experiência propõe achar


alguém compatível a você. Seria a forma de uma pessoa gostar de você por
ser quem é, e não por quanto dinheiro tem ou por ter um rostinho bonito.

— Não quero ouvir mais nada. — Caminhei até a saída da sala.

— Pode me odiar, mas continuarei insistindo na sua felicidade. —


quase berrou para mim.

Saí sem olhar para trás.

***

O whisky que eu estava tomando não tirava de mim os pensamentos


inoportunos que meu irmão me trouxe. Ele conseguia me tirar do sério até à
distância.

— Espere um pouco. — disse Ian, ainda surpreso e quase chocado,


assim como eu me sentia por dentro. — Essa é uma forma diferente de
juntar duas pessoas, como aconteceu comigo e Emma?

— Não, essa é uma loucura que meu irmão me propôs. — Achei


estranho ele comparar as duas situações. — Muito me impressiona você
estar com este sorriso no rosto, como se tivesse ouvido sobre algo genial.

Ou talvez eu quem fosse um homem frio demais, por achar isso uma
piada.

— Uma das melhores coisas que já me aconteceu foi me apaixonar


por Emma. — Pegou o copo e bebeu um gole do seu conteúdo. — Não é
igual, posso garantir, contudo não posso deixar de comparar, amigo.
— Não tem o que comparar. O que aconteceu com você foi destino,
já esse experimento quer colocar pessoas, que se dizem “compatíveis”, em
uma série de encontros que podem ou não as deixar interessadas umas pelas
outras. — argumentei como se essa fosse a coisa mais absurda do mundo.
— Sem falar que elas não podem se ver ou tocar uma na outra. Onde já se
viu algo assim?

— Como eu disse, já passei por isso. — O humor em seu rosto me


irritou ainda mais.

Ian e eu nos conhecemos na faculdade. Ele era um devasso e eu, não


posso mentir, não era um santo, porém nos negócios éramos sérios e
focados. Desde que ele se casou, vem me dando conselhos e questionando
as minhas decisões, assim como Christophe.

— Ok. Eu me esbarrei em Emma, em frente à empresa, ela ficou


puta, achou meu celular, começamos tudo como uma provocação mútua e,
no fim, acabei me interessando por ela sem nem mesmo saber quem era.

— Você a descobriu tempos depois. Não é a mesma coisa.

Eu estava cético quanto a essa questão. Nunca deixaria os meus


princípios e ideias para embarcar naquela merda.

— É. Mas quando começou, eu só tinha uma tatuagem no pulso, e a


coisa só foi ficando séria. Corro o risco de dizer que só olhei para a garota
tímida por conta dos sentimentos confusos que despertei por ela durante as
nossas conversas.

Bem... Conhecendo Ian, eu sabia que isso era verdade. Ele saía com
modelos, mulheres com vidas de alto padrão. Apesar da beleza de Emma, se
eles tivessem se visto antes, ela não chamaria a sua atenção.

— Não quer dizer que vá acontecer o mesmo comigo. — Respirei


fundo e encarei o copo com um pouco de líquido dentro.
Embora não quisesse, meus pensamentos trabalhavam naquela ideia
maluca, no entanto minha parte insegura me lembrava do meu passado, da
imagem da minha noiva e do meu melhor amigo transando na minha cama.
Eu achava que os conhecia, confiava cegamente neles, e cá estou eu,
sozinho, com medo e ferido.

— Não imagino o que deve se passar na sua cabeça ao pensar no


passado. — Ele não estava mais me provocando.

Voltei a prestar atenção nele, desejando que, finalmente, desse razão


a mim.

— Eu confio totalmente em Emma, porém é ruim apenas imaginar


essa possibilidade, a qual sei que, com certeza, não existe. Se acontecesse
comigo, ficaria no fundo do poço. O amor, querendo ou não, nos deixa
vulnerável. É uma merda, porém não acho que seu jeito de agir seja a opção
certa para você, amigo. Pode se proteger de futuras decepções, mas a qual
custo? Sendo infeliz e sozinho para sempre?

Desejei socá-lo por estar certo. A traição não me doía apenas por ter
perdido quem amava ou meu amigo, como também por ter me perdido no
meio disso. Eu gostava de levar flores à minha noiva, de planejar jantares e
de ouvir sobre o seu dia. Ria de bobagens e esquematizava o futuro como se
isso fosse um complemento da minha felicidade.

Hoje meu futuro é incerto. Nem penso nele, só para não me lembrar
dos planos que fiz no passado e foram destruídos por pura luxúria.

— Ian.

Meu amigo, já sério, observava-me com atenção.

Gostava de saber que ainda existiam pessoas com quem me importar


ou que eram minhas amigas, pois fazer novas amizades era um problema
consequente da traição que sofri.

— Eu achei que sabia quem eram aqueles dois e que os conhecia, só


que descobri que era uma mentira. Mathews e Adelaide, conhecia há anos,
convivia com eles e os via sempre. Se eles foram capazes de me trair, por
que acha que encontrarei alguém que me ame e em que eu confie, em uma
experiência que não posso ver com quem converso sobre coisas que tanto
me doem?

A expressão no seu rosto me dizia que ele não sabia a resposta para
a minha pergunta.

Confiar. Isso seria difícil, em todos os aspectos.

— Não sei. — Colocou de novo um sorriso agradável no rosto. —


Mas, o que tem a perder? — O quê?! — É uma regra você se apaixonar ou
ir lá para isso? — Só pode estar maluco. — Acho que está fazendo
perguntas certas para pessoas erradas. Conheça alguém e vá lá nem que seja
para odiar. Só não acho que deva ficar em casa se lamentando ou odiando
mais aqueles idiotas.
Capítulo 4
samantha

Deprimente. Essa era a minha definição naquele exato instante. O


meu dia começou com um atraso de 10 minutos, que pode não ser nada para
as pessoas, só que para mim, a única mulher em uma sala com mais cinco
homens, era terrível.

Sussurros diziam: “TPM? Eu não sabia que ela tinha filhos”.

Porra! Por que eu era tão cobrada, e os idiotas que tinham uma
eficiência inferior à minha, não?

Estive cansada durante a semana toda e, para piorar, Hoper deixou,


estrategicamente, um folheto sobre sua “pesquisa” em cima da peça,
sabendo do meu jeito curioso. Passei uma boa parte da noite lendo-o e o
relendo.

Primeiro: por que eu estava tão interessada nisso?

Segundo: por que não me mudava de cidade e me livrava dos dois


problemas que me tiravam o sono? Não tinha que suportar resmungos,
olhares de dúvidas e suposições sobre minha vida.

Precisava me esforçar duas vezes mais para conseguir algo, para ser
ouvida e ter meu nome em trabalhos que eu criava.

E naquele minuto, exatamente naquele minuto, estava com o folheto


idiota na mão, sentada no capô do meu carro, em frente ao prédio onde seria
a primeira “entrevista”. Chamei-a assim para não parecer ridícula demais.

— Você tem que ser mais aberta, Samantha. — tentei imitar a voz
de Hoper, que, nesse instante, era irritante. — Não vai te matar aparecer lá e
conversar com alguém. — continuei.
Meu intuito não era namorar. Deus me livre! O problema era a
minha curiosidade. Meu lado cientista gritava, dizendo que eu estava sendo
dura com a ideia.

— Meu dia já foi uma merda. O que tem de mais em entrar lá e


despejar minha raiva em alguns idiotas desesperados?

Desci do capô, ainda achando uma burrice a minha atitude.

Não estávamos dentro da universidade onde Hoper estudou seu


doutorado e começou com tudo isso. Pelo que sei, a danada arranjou um
ricaço para bancar a brincadeira de laboratório com humanos. Não sabia
quem ele era, entretanto o odiava.

Antes de entrar na sala, vi três mulheres diferentes sentadas cada


uma em uma cadeira, a uma distância considerável umas das outras. Elas
estavam com papel e caneta em mãos, anotando algo. Achei que tivesse a
ver com a experiência.

Entrei pela porta de vidro e avistei a mulher negra, de cabelos


cacheados, sorrindo de orelha a orelha e me encarando com brilho nos
olhos. Hoper já tinha falado sobre ela; eu só não me lembrava do seu nome.

— Oi. Sou a Carol. Você veio por conta da experiência? — Foi


simpática.

Quem seria eu para tirar o sorriso bonito do seu rosto?

— Eu vim por causa da minha loucura inconsciente de que passaria


a noite sozinha no meu apartamento sem vida. — Dei um sorriso amarelo.
— É, vim por conta da experiência.

Vendo a confusão em seu rosto, meu sorriso se tornou genuíno.

— Pode preencher este formulário e depois me entregar. — Colocou


em cima do balcão de mármore preto a papelada e uma caneta.
— Ok. — Era ridículo. Tudo isso não iria dar certo, então por que
eu estava ali? — Talvez um derrame cerebral.

Como se o local fosse um terreno hostil, andei com cuidado até as


cadeiras onde, anteriormente, tinha visto as mulheres. Uma delas me olhou
com simpatia e eu retribuí seu gesto com um sorriso.

Sentei-me e observei o papel com atenção. Pelo que eu tinha


entendido, eles iriam analisar as nossas interações e alguns dos nossos
temas abordados, para determinarem em que parte dessa loucura nós
teríamos começado a nos interessar pela outra pessoa.

Eu iria sussurrar que isso não iria acontecer comigo, mas resolvi
deixar minhas palavras irônicas para Hoper. No fim, assinei e devolvi o
papel à mulher, no balcão. Recebi um número e achei isso estranho, porém
depois me foi explicado que cada encontro aconteceria em uma sala
diferente. Segui até a minha, sem esperança de sair dali sem uma dor de
cabeça. Fui eu quem escolhi ir.

Parei em frente à porta com o meu número e, antes mesmo de pegar


na maçaneta, senti meu peito palpitar. Era medo. Tinha me esquecido, com
a raiva, o porquê de eu achar tal plano idiota. É óbvio que meu intuito era
passar a noite conhecendo melhor a experiência, e não desejando alguém,
só que era involuntário não me sentir tão amedrontada com a possibilidade
de ser rejeitada.

Vamos! Não será tão difícil. Não veio aqui em busca de um amor.
Pense que será uma conversa comum com um estranho no bar. — falou a
menina dentro de mim. — Um estranho no bar! Um estranho no bar!

Respirei fundo, abri a porta com bastante gás e me assustei com a


escuridão. Aos poucos, luzes pequenas instaladas no chão e nos objetos se
acenderam, ajudando-me a identificar onde ficava cada coisa. O que era
desnecessário, já que não havia mais ninguém no cômodo.

— Puta merda! Onde vim parar? — falei, achando que estava


sozinha.
A voz de um homem não muito rouca logo me surpreendeu:

— Eu me fiz essa pergunta ao entrar. — Ele parecia tão desanimado


quanto eu. — Até agora tento me convencer de que isso não vai estragar
mais a minha noite.

O senhor anônimo era engraçado. Gostei de ser recebida desse jeito.


Achava que fosse a única a odiar estar ali, embora tivesse sido escolha
minha.

— Sofre da mesma ideia louca de odiar e não saber por que está
aqui? — perguntei assim que fechei a porta, seguindo para o que pensei ser
uma cadeira. Descobri que era uma poltrona macia. — Acabo me
perguntando se faz parte da experiência causar tal confusão nos
participantes.

— O que posso dizer é que torço para que isso acabe logo. —
respondeu, fazendo-me rir.

— Cara, achei que odiaria conversar, mas estou gostando de você.


— afirmei em um tom irônico. — Se odeia estar aqui, pelo que parece, por
que veio?

— Fui alienado por todos ao meu redor. — disse ainda com rispidez.
— Pelo que dizem, sou triste e solitário. E com base no que as outras duas
mulheres disseram antes de você, sou arrogante e mereço ficar sozinho.

— Sabe? Acho você um cara legal só por odiar o experimento. —


confessei.

— Jura?! — Achei graça da surpresa em sua voz. — Pensei que


todas aqui estavam desesperadas e que essa era a única chance de encontrar
alguém.

— Bem, eu não estou desesperada, apesar de ter vindo a este lugar.


Mas tive um dia de merda. Meus colegas, posso dizer concorrentes,
tornaram meu trabalho um inferno. Um deles roubou uma ideia minha,
dizendo que foi dele, mesmo todos sabendo que não. Também, quase fui
presa por dirigir além do limite adequado, e... estava tão puta comigo
mesma, que vim até aqui sem nem saber. Talvez eu realmente esteja
desesperada. — Acabei refletindo.

O silêncio me fez pensar que o cara ríspido do outro lado me deixou


só. Novamente respirei fundo, achando-me deprimente.

— Não queria passar o resto da noite sozinha. — opinou. —


Entendo.

— Por que veio?

— Meu irmão me acha deprimente e solitário.

Seria loucura dizer que estava gostando da conversa de ódio que


estávamos tendo? Até parecíamos a mesma pessoa com situações diferentes
e outro sexo.

— Não somos solitários. É uma opção. É como dizem: melhor


sozinho do que mal acompanhado.

Por um minuto pensei no que estava acontecendo. Não imaginei que


viria aqui, nem que estaria sentada naquela poltrona idiota, conversando
com um estranho. E não estava sendo ruim. Algo inesperado.

— Por que roubaram a sua ideia? — questionou a voz do homem


que ainda não me disse seu nome. — A propósito, sou Joseph. É estranho
conversar com alguém que não sei como se chama.

— Samantha. — Dei um sorriso quase envergonhado. — Bem...


Isso acontece com mais frequência do que eu gostaria. A verdade é que sou
a única naquela empresa que tem o nível de eficiência elevado. Por isso me
contrataram.

— Não faz sentido você ser a melhor e ser roubada dessa forma.

Uma pergunta que eu me fazia sempre era: “Por que eu tenho que
passar por isso, e eles não?”
— A única coisa que sei é que ser mulher em uma empresa
majoritariamente constituída por homens é difícil. — lamentei.

— Não pensa em sair de lá e procurar outro lugar?

— Tenho algumas opções, porém teria que sair de Nova York. E não
é o que quero neste momento. Mas, e você? O que faz da vida?

Sua resposta não veio rapidamente. Não achei que estivesse sendo
intrometida, já que tinha falado bastante sobre o meu dilema.

— Administro empresas. Um trabalho cansativo.

— Então, é um dos homens que se sentam na mais alta cadeira,


assim como aqueles que me ferram todos os dias? — perguntei em um tom
de graça.

— Não sou esse tipo de pessoa, apesar de estar em uma boa


situação. — defendeu-se. — Na verdade, trabalho para diminuir essa
questão onde administro. O que acontece dentro das empresas hoje em dia é
o reflexo da criação e dos valores ensinados a esses homens. Se
desvalorizam o trabalho de uma mulher só por ser mulher, não são líderes
que merecem reconhecimento.

Seu comentário me trouxe uma alegria digna de colocar um sorriso


no meu rosto. O que, novamente, impressionou-me.

— Fico feliz, Joseph. — comentei ainda sorrindo. — Você me


surpreende. Acreditei que odiaria conversar com alguém neste lugar.

Apesar de eu não o conhecer e não desejar nada com ele, não achava
que diria isso para agradar alguém que não tinha interesse algum em flertar.

— Posso dizer o mesmo, mas ainda continuo com o meu


pensamento anterior: não vim aqui atrás da falsa esperança de um
relacionamento.

— Posso dizer o mesmo. — concordei. — Seria louco imaginar que


pessoas que não podem se ver ou se tocar, podem despertar interesse umas
nas outras, porém acho válida a experiência. O problema, para mim, é como
levar isso para fora destas salas.

— O problema, para mim, é como saber se devemos confiar no que


o outro diz, se mal posso vê-lo. — disse duramente. — Lá fora conhecemos
pessoas, convivemos com elas e confiamos nelas, até o momento em que
nos traem, nos deixando com questionamentos. Devemos mesmo confiar
em todos? E como saber se podemos confiar? O que essa experiência me
traz não é a oportunidade de conhecer alguém compatível comigo, e sim a
seguinte dúvida: se não posso confiar nem nos meus amigos mais íntimos,
como posso depositar tal responsabilidade em quem nunca vi na vida?

Senti, em sua voz e em suas palavras, que sua amargura vinha de


decepções anteriores. Eu mesma sabia como era esse conflito.

— Pessoas são decepcionantes, Joseph. Não importa se você as


conhece ou se acabou de conhecê-las. Em algum momento elas vão mostrar
uma atitude que você nunca imaginou que teriam. Afinal, se aquele alguém
que você achou que te amava, pode te abandonar, como pensar que quem
nem te conhece ou te ama não fará o mesmo?

De novo, o silêncio tomou conta da sala escura. Era algo irritante


notar a nossa semelhança até nas dúvidas. Ele era um desconhecido que,
mesmo não me vendo, parecia se sentir como eu.

— É impressão minha ou nós dois fomos postos neste lugar para


testarmos os nossos limites emocionais?

Rimos. O efeito sonoro foi baixo, no entanto nítido aos nossos


ouvidos.

Eu queria odiar nossa conversa só para chegar em casa e dizer à


Hoper o quanto a odiei, contudo, em menos de meia hora, já me senti
compreendida.

— Quando falaram que encontraríamos compatibilidade, não


estavam mentindo. — afirmei.
— Mas não muda o fato de continuarmos odiando isso.

— Não mesmo!

— Então... Também passou por desilusões amorosas? É uma tola


pergunta, já que parece que sim.

Geralmente, eu não conversava com as pessoas. No trabalho, falava


sobre projetos e ideias, e com a Hoper lidava com algumas questões
emocionais e do dia a dia. Todavia, até mesmo ela não sabia de tudo pelo
que eu tinha passado.

Ouvir a pergunta dele me levou àquela situação de dúvida que


sempre encontrava quando conhecia uma pessoa. Dessa vez, eu estava
sendo questionada sobre a raiz do problema.

— O que posso dizer é que nunca estive em um relacionamento,


mas que já fui derrubada no fundo do poço sempre que eu achava que teria
algo: uma família. — lamentei, lembrando-me de todas as vezes em que
entrava pela porta de uma casa bonita, repleta de desejos e sonhos. O que
me eram tirados em menos de um mês.

— Não tem uma família?

A agonia em meu peito crescia a todo momento, alertando-me sobre


os maus pensamentos que sempre me deixavam para baixo. Eu tinha que
fugir desse caminho, ou libertaria a menina chorosa que costumava trancar
no quarto mais escuro do meu peito.

— Não, não tenho. E gostaria de passar essa rodada de perguntas. —


comuniquei nervosa.

— Ok. Me desculpe. — Com o silêncio de novo entre nós, minha


cabeça idiota voltou ao passado, recordando-me de coisas que eu não queria
lembrar. — Então, o que faz no seu tempo livre? — Sua pergunta me fez
retornar à realidade, porém me deixou confusa.

— Quer saber mais sobre mim? — questionei surpresa.


— Bem... Estamos aqui. Falar sobre o passado não vai nos trazer
bons pensamentos, e ir embora só nos prenderá a esses momentos. Então,
achei uma boa ideia nos distrairmos com perguntas monótonas que eu faria
se realmente quisesse conhecer uma mulher em um encontro.

— Nunca estive em um encontro. — falei meu pensamento em voz


alta, com um pouco de preocupação.

— Sério? — A incredulidade em seu tom de voz me divertiu. —


Você, realmente, não sai com pessoas para beber em algum bar, nem para
noites casuais?

— Meus encontros casuais não são encontros. — Deixei claro. —


Na verdade, as vezes em que fiquei com alguém foram em festas
universitárias, e eram acontecimentos tão banais, que eu me esquecia deles
no outro dia.

— É seu modo de proteção contra babacas?

— Posso dizer que é a minha forma de burlar a vida, que nunca foi
legal comigo.

— Faço isso não indo a encontros e sendo um cara legal.

— No início, você estava sendo ríspido e arrogante, mas até que é


um cara legal.

— Não gosto de ser grosso com as pessoas. Sinceramente, eu não


era o homem que sou hoje. Mas, como você disse, a vida também não foi
boa comigo e me tornei o que mais detesto.

A variação de humor na nossa conversa estava se tornando um


gráfico triste e confuso.

— No meu tempo livre, gosto de assistir a alguma comédia, já que


minha vida não é a mais alegre, e também de irritar a minha colega de
quarto, que está sempre me apontando os meus defeitos emocionais. Ainda,
em alguns dias, vou a um orfanato que sempre frequento, animar e ensinar
as crianças a tocarem piano.

— É um apego emocional do seu passado?

Eu me lembrei dos dias em que ia àquele lugar. Apesar de isso fazer


eu me recordar dos momentos ruins, ver as crianças brincando e sorrindo
me alegrava.

— Nunca fui adotada ou escolhida. Sei como é se sentir sozinha,


mesmo no meio de tantas crianças.

— Gosta de crianças? — Pigarreia. — Quero dizer... Pretende ter


filhos? — Com essa última pergunta, ele não pareceu o mesmo homem que
fez a anterior.

— Gosto muito, porém não acho que terei um filho, já que não sei o
que é ser mãe.

Mãe! Essa é uma palavra forte e vazia para mim.

Joseph, apesar de eu não o conhecer, não achava que fosse um


homem odiável. Ele tinha seus motivos para ser tão arrogante e eu sabia
bem como era tentar se proteger das pessoas. Era um tipo de medo
especifico: medo de se apegar e depois perder algo ou ser traído.

Ele não precisou dizer em palavras pelo que passou, para que eu
soubesse que foi traído por quem um dia amou. Eu não passei por algo
assim, entretanto as decepções que tive, também me marcaram.

Conversamos por um bom tempo. Os temas viam e iam em meio ao


nosso passado que, mesmo não citados, eram entendidos por ambos.

Quando olhei para o relógio já tinha se passado uma hora, e o que


me surpreendeu foi não querer parar de conversar com ele. Era raro
encontrar alguém que me entendesse tanto.

A despedida não foi um alívio, e eu não sabia por quê. Desejei


voltar e conversar com ele em outro dia.
Capítulo 5
joseph

Pode ser louco imaginar que eu não tirava da mente a mulher


desconhecida com quem conversei naquela sala escura.

De forma alguma queria estar naquele lugar, porém sabia que se não
fosse, Christophe não me deixaria em paz. A ideia era passar, no mínimo,
meia hora lá. Depois eu o diria que fui e odiei. No entanto, quando eu
estava prestes a ir embora, a voz daquela mulher chamou a minha atenção.
Não foi nada romântico, entretanto expressou o meu sentimento naquele
instante.

Admito que fui rude e grosseiro com as mulheres com quem tive
uma breve conversa antes, mas que Samantha despertou em mim uma
simpatia fora do comum.

Eu sabia por que meu irmão havia me colocado naquela situação.


Desde o momento em que vi meu melhor amigo e minha noiva, que pensei
que me amavam, juntos, adotei uma atitude mais rígida e menos emocional.
Fazia isso por pensar que era a melhor forma de me manter distante das
pessoas e do que elas poderiam causar em mim.

Minha mãe não aprovava as minhas atitudes, e o meu pai sempre me


dizia que o trabalho era um cano de escape caso eu precisasse um dia. E
precisei.

Os negócios da empresa nunca estiveram com estimativas tão


elevadas, no entanto, quando o dia acabava e o silêncio tomava conta da
minha sala e da empresa, o vazio me perturbava.

Como a sala escura e feia na qual me colocaram só aumentava mais


o meu desconforto, foi fácil que o meu lado mais rude aparecesse. Nunca
imaginei que me sentiria tão confortável em conversar com uma estranha.
Eu não a conhecia, não sabia como foi parar naquele lugar e nem por que
tinha ido lá.

Essa experiência botou à prova tudo que passei a afirmar desde


aquela traição. Afinal, como confiar em alguém ou ficar confortável ao
dizer fatos pessoais para quem eu não fizesse ideia de quem fosse?

O destino colocou, do outro lado da sala, alguém que conhecia


exatamente a dor que se passava em mim, embora não tivéssemos histórias
parecidas. Enquanto os meus medos se detinham a relacionamentos
românticos, os dela vinham de uma vida inteira de solidão. Ela não disse
muito, só que o pouco que deixou escapar, mostrou-me uma mulher com
uma ferida tão grande quanto a minha. Aos poucos fui perdendo a minha
resistência e descobrindo um grande interesse pela vida dela. Foi a primeira
vez em anos.

Uma hora mais tarde percebi que tinha me deixado levar pelo
momento, e depois não consegui tirá-la da minha cabeça mais. O pior de
tudo era que eu não sabia quem ela era, e desejava, fortemente, voltar
àquela sala — o que tinha prometido não fazer de novo — só para ter a
oportunidade de encontrá-la mais uma vez.

— Para onde vamos? — perguntou Taylor, olhando-me pelo espelho


do carro.

Estávamos parados no estacionamento da empresa. Dentro de mim,


encontrei um conflito e dúvida sobre o que faria. A minha parte racional
queria dizer para irmos para casa, visto que o dia tinha sido cheio e eu
estava cansado, mas a outra parte, uma com bastante força e poder, desejava
dizer para voltarmos àquele lugar, à sala onde odiei estar ontem. Pensava
que Samantha poderia voltar lá, assim como eu.

Não notei quando Taylor saiu com o carro. Como estava pensativo e
em dúvida, mal podia perceber as coisas ao meu redor.

O que estava acontecendo comigo? Mal conhecia aquela mulher e,


ainda assim, não conseguia tirá-la da mente. Não foi como se estivéssemos
em um encontro de verdade. Eu nem sabia como era seu rosto.
Quando voltei a mim, já estávamos no prédio onde estive ontem.
Achei a atitude de Taylor estranha, pois eu não tinha lhe dito aonde queria
ir.

— O que estamos fazendo aqui, Taylor? — questionei com os olhos


estreitos. — Minha vinda aqui ontem foi o suficiente para que eu soubesse
que não quero mais voltar, nem tentar conversar com alguma mulher. —
avisei duramente.

— Quando eu te perguntei para onde desejaria ir, não me respondeu.


O que significa que estava em dúvida. E você é um homem muito decidido
para estar com dúvida. Sendo assim, acabei concluindo que ficou dessa
forma porque não sabia se voltaria para cá ou não. — Foi exatamente isso,
só que não confirmaria.

— Você e meu irmão estão armando para me deixar irritado? — fui


mais ríspido. Algo com o qual ele já estava acostumado.

Eu sabia que não deveria tratar as pessoas dessa forma, contudo não
conseguia controlar minha boca, nem meus pensamentos quando me sentia
acuado.

— Vamos para casa. Eu não quero ficar aqui.

— Acho que deve entrar e tirar as suas dúvidas. Sei como ficará se
não fizer isso: vai se arrepender por não ter tentado ou acabado com sua
curiosidade.

— Já me arrependo agora de ter vindo ontem. — falei, ficando cada


vez mais irritado. — Temos que ir embora. Aquela mulher vai sumir da
minha cabeça em algumas horas e eu vou poder focar no trabalho.

— É inteligente o suficiente para saber que não é verdade. — Virou-


se para me olhar.

Ele não era a pessoa que exibia um sorriso com facilidade ou era
amoroso. Assim como eu, tinha seus dramas e um passado nada bonito.
— Penso que isso é uma fuga. Só que, desta vez, não vai funcionar
simplesmente se não entrar naquela sala. Se continuarem conversando, sem
interesses mútuos, pode achar uma amiga ou se decepcionar agora e a
esquecer de vez.

— Não acredito em seus argumentos.

Taylor era meu confidente e amigo. Olhando-me com repreensão,


até me fazia questionar as minhas escolhas. Assim como Chris, ele não me
deixaria em paz até eu entrar naquele prédio novamente.

— Se eu for... — falei após revirar os olhos e respirar fundo. — Será


porque vocês insistiram. Não tenho segundas intenções com aquela
estranha, e hoje será a última vez que farei isso. Depois, me deixem em paz,
seguindo com minha vida.

— Como quiser, chefe. — Sua ironia não me agradou, e ele sabia


disso. Seu sorriso sacana me deixou mais puto.

Saí do carro, batendo a porta, como se fosse um adolescente rebelde;


não só por isso, como também por estar sendo comandado por terceiros,
tipo Taylor. Não digo que minhas ações dependiam deles, pois não era tão
babaca. O que meu amigo fez ao argumentar comigo foi um empurrão para
que aquela minha outra parte idiota finalmente tivesse seu desejo
concedido.

Como no dia anterior, não quis saber das outras pessoas ao meu
redor. Mais nove homens participavam desse circo criado e apoiado por
Christophe, e eu não disse uma palavra a nenhum deles. O que demonstrava
a minha arrogância. Não era tão babaca, no entanto não seria simpático com
quem eu não queria papo.

A moça, que flertou comigo praticamente no dia anterior, exibiu o


mesmo sorriso. Não fui rude, só a ignorei, como fiz quando ela me deu seu
número idiota.
Eu estava de mau humor, e nem era pelo meu dia exaustivo, e sim
pelo fato de que eu estava distraído por conta de uma desconhecida que,
igual a mim, não tinha intenção alguma de arranjar um parceiro nestas
salas.

Apesar de toda a minha dureza ao pegar na maçaneta, senti uma


ansiedade estranha. Não sabia o porquê, mas a expectativa de encontrá-la
me perturbava.

Não seja idiota. Ela não está o esperando nesta sala. Se estiver tão
desconfortável com esta experiência imbecil, como você, não voltará para
uma conversa casual com um estranho.

Abri a porta e, novamente, eu me vi na sala escura. Ridículo! Por


que tem que ser escura? Sinceramente, isso me deixava mais confortável,
embora eu soubesse que estávamos em um cômodo dividido e que, mesmo
com alguma brecha de luz, não poderíamos ver um ao outro. E eu não quero
vê-la. Só ficaria com os pensamentos mais confusos.

Sentei-me na poltrona e esperei que meu corpo dispersasse a tensão,


porém, ao ouvir sua voz novamente, fiquei ainda mais tenso.

— Fiquei curiosa para saber se voltaria. — falou quase tão


desconfiada quanto eu. — Eu não deveria estar aqui, mas gostei da
conversa de ontem. Talvez o meu cérebro goste de uma tortura ou só esteja
desesperado para dizer coisas que não falo a mais ninguém.

— No meu caso, não quis entrar no prédio. Fui alienado.

— É fácil manipulá-lo?

— Não. Eu estava tentando dar poder à parte mais consciente do


meu corpo, que diz, até o momento, o quanto é errado tudo isso.

— É. Porém satisfatório também.

— Talvez seja o anonimato. — deduzi, achando mesmo uma outra


resposta que não fosse o puro interesse nessa mulher.
— Talvez, apesar da semelhança entre nós.

— Acha que somos semelhantes?

— Bem... Apesar das diferenças das situações, sabemos o quanto


isso é idiota, que não confiamos com tanta facilidade nas pessoas e que não
queremos mais que uma conversa anônima. — pontuou.

Ela tinha razão, entretanto eu não diria isso com tanta facilidade,
pois acabaria admitindo que gostava da sua presença.

— Algo me diz que você me entende, de uma forma estranha.


Embora nossas situações sejam divergentes, passamos por decepções que
nos impedem de viver até hoje.

Sim! É por isso que eu não conseguia parar de pensar nela. De


alguma maneira, sentíamos e desejávamos o mesmo: ser entendidos e
aceitos pelo que tínhamos nos tornado.

— Devo admitir que conversar com você me deixou pensativo.


Minha vinda a este lugar não foi totalmente uma escolha ruim.

— É. Mas ainda falo que não tenho interesse algum em você. —


Deu um riso brincalhão.

— Posso dizer o mesmo.

Claro. Seria ridículo gostar de alguém que, embora me entendesse,


eu não conseguisse ver ou tocar. Sem falar no quesito confiança. Não
importava quem fosse ela ou se compreendia os meus sentimentos; ainda
não podia me deixar levar pelo momento e acabar me apegando a uma
desconhecida com quem só havia conversado duas vezes até então.

— Você me parece cansado. Seu dia foi tão difícil quanto o meu?

Estava tão distraído, que só fui perceber que ainda estava na sala
escura ao ouvir sua voz doce.
— Eu gosto do meu trabalho, porém lidar com burocracias cansa,
principalmente quando se tem reuniões intermináveis. — Acomodei-me no
lugar. Até parecia que já estava me acostumando à penumbra e à conversa
agradável. — No entanto, lidar com chefes como os seus deve ser bem mais
cansativo.

— É verdade. Mas, geralmente, uso o meu bom humor. Ou palavras


de baixo calão, só na minha mente, é claro, para aliviar o estresse.

Eu ri.

Não queria gostar dela em nenhum sentido, entretanto era difícil


desejar ir embora depois que começávamos a nos falar. Os minutos se
passaram, e a conversa passou a ficar ainda mais interessante.
Normalmente, odiava conversar, só que o anonimato me deixava
acomodado.

— O que faz você acreditar que não merece afeto algum? —


questionei depois que ela falou sobre a sua amizade com a mulher que
elaborou o experimento louco. Sempre que eu tocava nesse assunto,
conseguia notar em sua voz a mudança de humor.

Samantha era alegre, bem-humorada e sarcástica. E eu já sabia disso


em menos de uma hora de diálogo entre nós.

— Posso até não conseguir confiar em um relacionamento, depois


do que me aconteceu, mas ainda assim acredito que posso amar amigos
leais ou minha família.

— Essa é a diferença entre nós dois. — disse nada alegre. — Fomos


criados de formas diferentes. Você tem uma família amorosa que se
preocupa com você, te liga sempre que pode e se interessa pela sua vida ou
sentimentos. Eu nunca tive isso.

— Claro. Tem isso. Entretanto, não é porque você não tem uma
família ou não foi adotada, que deve pensar que não merece ser amada.
— Não é porque você foi traído, que não deva acreditar no amor ou
que não possa encontrar alguém decente. — rebateu ríspida.

Até o momento não tínhamos encontrado um conflito. Não


tocávamos nas questões que mais nos machucava.

Acho que fui tolo ao pensar que poderíamos chegar a uma conversa
agradável assim. Eu não falava muito sobre isso. Sei que a culpa não foi
sua, e sim minha, por ter tocado no assunto.

— Me desculpe pela minha pergunta. Não quis colocá-la nessa


situação. — Estava chateado comigo mesmo. — Acho que nossa conversa
pode terminar por aqui.

Bem... O meu objetivo era acabar com o meu interesse


desconhecido. Até achei difícil conseguir algo enquanto nós dois nos
entrosávamos tão bem, nesse segundo “encontro”, então fiquei feliz por
encontrar um motivo razoável para não voltar.

— Me desculpe. Eu não quis se grosseira.

Estava quase me levantando para ir embora, querendo ir sem


intenção de pedir explicações, mas, por algum motivo, detive-me.

— É difícil lembrar e falar sobre isso. — O breve silêncio seguido


da sua respiração profunda me dizia que, realmente, era difícil.

Eu não gostaria de ter tocado em um assunto que a deixou


desconfortável.

— Não precisa dizer nada. Toquei em uma questão que não é da


minha conta. — expliquei, pensando que assim ela não se sentiria obrigada
a revelar nada a um estranho.

— Tudo bem. Não é nada demais, só a minha vida decepcionante.


— a forma leve como ela falou não disfarçou bem a sua amargura.

— Se isso a machuca, é demais sim.


— Minha trajetória até aqui foi recheada de idas e vindas. Primeiro,
minha mãe me abandonou. Ela sempre dizia o quanto eu atrapalhava a sua
vida, e me deixar foi opção sua. Fiquei sozinha por um tempo, jurando que
em alguma hora ela voltaria, só que, no fim, não voltou, e eu fui mandada
para um orfanato. — Não estava esperando por isso. Achei que ela não
falaria nada. Ouvi-la confessar tudo me deixou desnorteado. — Sempre fui,
posso dizer, estranha. Todos diziam “especial”.

— O que tem de errado em “especial”? — indaguei confuso.

— Não é a palavra certa para me definir. — respondeu com um riso


que não era de felicidade.

Acabei descobrindo que Samantha fazia muito isto: usar o humor


para esconder a dor que sentia.

— Minha inteligência fora do comum me destacava das outras


crianças, e isso não era uma coisa boa. Sempre que alguém despertava o
interesse de me levar para casa, eu via que essa não era uma qualidade que
queriam em uma menina.

— Ser inteligente não é um defeito, é uma qualidade. — Achei


estranho ouvir que não era bom.

— Pode ser, mas dava trabalho. — Ainda não podia acreditar no que
ela dizia; não por achar que fosse uma mentira, e sim por ser algo fora do
normal. — Passei por escolhas especiais, tive dificuldade de me manter em
salas de aula, e os professores tinham que trabalhar dobrado comigo. Eu
sabia que não era comum e tentei mudar meu jeito para ser escolhida. No
fim, não dá para esconder o que se é das pessoas.

— Samantha...

Já tinha notado o quanto ela era inteligente. Pegava-a me analisando


e deduzindo coisas, sem falar da sua formação e trabalho. Era difícil
conhecer alguém tão jovem e já formada em mestrado em Engenharia. No
entanto, não era ruim, era bom ter uma conversa agradável com ela.
— Sua inteligência não é um defeito, e sim uma qualidade. Deve
entender isso.

— Entendo. É por essa razão que deixei de lado a falsa esperança


de, um dia, ser entendida, aceita, e foquei nos estudos e no trabalho. Na
verdade, Hoper sempre me diz isso. Ainda não sei se tive sorte ou se foi um
acaso do destino conhecê-la.

— Às vezes encontramos pessoas que nos ama da forma que somos,


seja com defeitos ou sem. — Senti a necessidade de confortá-la. Não sabia
como, nem por que, mas gostava dela. — Veja a mim. Eu deveria estar
longe daqui, na minha casa, tomando um vinho, mesmo que sozinho, porém
despertei o interesse em vir aqui só para falar com você mais uma vez.

— Você disse que foi manipulado. Quer dizer que não queria estar
aqui.

— Não, eu disse que estava tentando ouvir a parte racional do meu


cérebro.

— E o que isso significa?

— Que a nossa conversa ontem foi tão boa, que me despertou um


instinto de fuga. Fui fraco em resistir, deixando o meu interesse à mostra
para que outra pessoa me convencesse ou me desse um empurrão a vir aqui
e, com esperança, falar com você mais uma vez.

— Está falando assim porque está com pena de mim? — acusou-me.

— Não preciso disso. Se eu não quisesse vir, não viria. Se não


estivesse gostando de você, não precisaria dizer essas palavras. — respondi
quase sendo grosseiro. — Ainda acredito que não deve achar que não
merece ser amada ou que nunca conseguirá encontrar alguém que goste de
você por ser quem é.

— Está difícil de acreditar, Joseph. — falou ainda em um tom


acusatório. — São vinte e sete anos de portas na cara e de “nãos” escritos
bem grande me mostrando que não sirvo para ser como as outras mulheres,
desesperadas, que estão tentando achar um namorado nesta merda de
experiência. Me surpreende você me dizer isso, quando pensa o mesmo. Ou
talvez só esteja se enganando ao pensar dessa forma.

— Não é que eu não acredite no amor; só não acredito nas pessoas.

— Eu também não acredito nelas.

Eu não sabia se estávamos discutindo ou debatendo com vozes


alteradas algo muito delicado para nós dois.

— Sinto, Samantha, que você é alguém inteligente e interessante.


Quando não tocamos nesses assuntos, nossas conversas são engraçadas e
temos muito em comum.

— Eu não sou odiável, e você também não.

Se não fosse a escuridão e a fina parede que nos separava, ela me


veria sorrir.

— Então, acho que concorda que não temos interesse algum um no


outro, mas que podemos ser amigos. — Eu não fazia ideia do que estava
acontecendo ou propondo. As palavras saíram sem freio da minha boca.

— O que quer dizer com isso?

É. O que quer dizer com isso? Merda!

— Podemos continuar conversando. — A proposta foi um erro, mas,


como já tinha falado, não dava mais para voltar atrás. — Como amigos
anônimos. Você me conta sobre o seu trabalho, dos colegas babacas, e eu
faço o mesmo. Não precisamos nos conhecer. Acho que concorda que é
mais fácil assim.

O silêncio me fez achar que ela havia odiado a ideia.

— Amigos anônimos? — perguntou novamente, com desconfiança.


— É interessante. Mas, e os assuntos difíceis? Acabei de revelar algo que
foi... surpreendente. Me sinto confortável, apesar de chateada.
— Isso é porque fiz a pergunta?

— Porque me senti confiante em respondê-la.

Foi inevitável não achar um pouco de graça nisso. Essa mulher


estava trazendo de volta o Joseph que achava estar morto há anos.

— Então, concorda?

— Acho que sim. Mas saiba que não vai durar para sempre.

Sim, o experimento não seria eterno. Talvez, por isso, eu me sentia


mais confiante. Não precisar saber quem ela era, dava-me um alívio. Pensar
em encará-la era estranho.

— Seremos amigos anônimos que têm data de validade.

— Sendo assim, acho que concordo. Porém, tudo que eu disser,


deve ser mantido nesta sala escura.

— Concordo totalmente.

No fim, acabei imaginando o nosso próximo encontro. Respirei


fundo, sabendo que seria acusado de estar gostando de alguém, todavia não
era e nunca seria um interesse romântico.
Capítulo 6
Samantha

— Drama não é tedioso. — ele disse quase se defendendo. — De


qual gênero você mais gosta? Romance? — acusava-me.

Joseph e eu estávamos em uma intensa conversa sobre filmes, e


minhas opiniões eram tratadas dessa forma. Ele sabia que eu o provocava.

Semanas se passaram desde o nosso primeiro encontro, que não foi


nada romântico. Eu gostava dos nossos diálogos e não tinha medo de dizê-
lo praticamente nada, nem mesmo os meus medos mais sombrios. Talvez
fosse por conta do anonimato ou pela forma acolhedora como ele me
recebia todos os dias.

— Sou eclética, mas sempre durmo tentando assistir a dramas. —


confessei sem me ofender. — Romance não é um dos melhores, porém é
melhor do que drama.

— Está assistindo aos filmes errados.

— Ok, vamos mudar de assunto. Vejo que nossos gostos por filmes
se divergem. — falei com ironia, sabendo que ele odiava isso.

Joseph era um homem clichê. Algo em que eu não poderia apostar


quando o conheci. A resistência dele se desfez no nosso quarto encontro
nesta sala e, a partir daí, vi um homem humorado e, infelizmente, fofo. Não
que eu odiasse pessoas fofas. O problema era que, a cada dia, eu o via de
formas diferentes. Desejava sempre correr para cá, contar para ele como
tinha sido o meu dia de merda, brigar por coisas banais e acabar rindo de
tudo.

— Está fugindo para que eu não detone os seus filmes preferidos. —


acusou-me novamente.
— Levo as críticas muito bem, senhor sensível. — ironizei.

Seu riso sempre surgia quando estávamos conversando. Gostava de


tudo na nossa amizade, exceto a parte de que ela estava com um prazo para
acabar.

— Você acha que sempre seremos assim? — perguntou, deixando-


me confusa.

— Dois provocadores ou chatos?

O breve silêncio me fez perceber que não estávamos mais em uma


conversa animada.

Eu não sabia quem Joseph era e nunca tinha o visto, contudo


conseguia entender seus modos e silêncios. Quando eram longos,
sucedendo perguntas como a última, significavam que ele estava se
questionando e me questionando, só que não de uma forma boa.

— Eu não queria estar aqui e, três semanas depois, estamos nos


falando como se fôssemos velhos amigos.

— Bem... Surpresas do destino. — brinquei. — Eu não sabia que


estaria aqui também. Foi uma bela surpresa. Não faço amizade com
facilidade, se ainda não percebeu.

— Samantha... — Pude ver que ele estava desanimado. — Há


quatro anos perdi a confiança nas pessoas. Claro... Ainda há aqueles em
quem posso confiar. Mas, fora isso, não me sinto à vontade para revelar
muito de mim.

— Conversamos muito durante as últimas três semanas. — pontuei,


tentando entender aonde ele queria chegar.

— É isso o que mais me impressiona.

Já fazia um tempo que não voltávamos a conversas como essa.


Conversávamos sobre temas assim, só que evitávamos os assuntos,
deixando à mostra as partes boas da nossa vida. Também já passamos horas
conversando sobre o nosso passado e sobre o que nos atormentava. Era
reconfortante saber que havia outro alguém que me entendia.

— Não imaginava que gostaria de vir a este lugar ou que falaria


sobre isso. Você sabe, tanto quanto eu, que nossa amizade é surpreendente.
— prosseguiu.

— Claro que sim. Eu não diria tudo aquilo a um estranho. —


brinquei.

— Mas sou um estranho, não sou?

— Você é o meu amigo anônimo. Posso não saber quem você é, mas
não é um estranho para mim.

Ouvi um riso do outro lado, todavia não foi algo que lhe trouxe
humor, parecia mais um deboche.

— Será que não vê que isso é de verdade? — questionou irritado.

— Sabe o que estou vendo? — Eu me irritei logo em seguida. —


Vejo que está tentando estragar a nossa noite e, quem sabe, nossa estranha
amizade.

— Temos, claramente, visões diferentes. Ou você realmente sabe o


que está acontecendo e está ignorando as coisas.

— Por que estamos discutindo?

Só tínhamos mais um encontro antes de tudo acabar e, do nada,


Joseph mudou completamente de assunto, levando-nos a tal estado de
espírito. Eu sabia aonde ele queria chegar agora, e estava odiando. Sempre
que pensava nisso, sentia-me estranha.

— Não é uma discussão. Sabe disso. — falou em um tom mais


ameno. — O problema é que somos praticamente estranhos e nos apegamos
aos nossos momentos.
— Gostamos de conversar um com o outro. Não é um crime.

— É novo e estranho.

— Achei que eu fosse a antissocial, e você o medroso dos


relacionamentos. — provoquei. — Não tem por que pontuar essas coisas,
Joseph.

— Temos dificuldade em confiar nas pessoas, mas isso parece se


anular quando estamos juntos.

— Amanhã tudo acaba.

— É o que me preocupa. — Deu para perceber seu desânimo. E,


pior, eu sentia o mesmo. Que merda você deixou acontecer, sua idiota? —
Será loucura, simplesmente, fingir que os últimos dias não aconteceram,
Samantha.

— É o que você queria desde o início. — Cruzei os braços, zangada.


Contudo, como ele não podia me ver, perdia toda a graça. — O que está
querendo dizer? Que pensa em pegar o meu número e me ligar sempre que
quiser desabafar?

— Eu queria não achar tudo estranho. Sim, estávamos em uma


ótima conversa, mas a todo tempo não conseguia tirar esses pensamentos da
cabeça.

O que isso queria dizer? Não, eu não podia imaginar muitas coisas.
Era lógico que ele não queria perder uma amiga. Não significava que...

— Seja mais claro, Joseph. — exigi, temendo sua resposta.

— Me desculpe. Sei que parece esquisita toda essa conversa. O que


quero dizer é que podemos continuar a nossa amizade longe desta sala
escura.

Era o mais perto do que eu queria ouvir. Nada de sentimentos.


Contudo, fiquei decepcionada ainda assim.
Acabei relaxando depois, rindo da situação. Nunca pensei que
estaria em um debate sobre uma suposta amizade com um anônimo. É
ridículo brigar por isso.

— Tudo bem, Joseph. Não precisa surtar. — Ainda tentava entender


as coisas. — Vamos fazer assim: amanhã, em nossa última conversa aqui, se
ainda desejar o mesmo, posso dizer quem sou ou te dar o meu número. Não
vai precisar fazer todo o ritual novamente para ter uma amiga.

— Você está tirando sarro de mim por desejar continuar


conversando com você?

— Não, só estou surpresa por alguém querer tanto ser meu amigo.
Geralmente, as pessoas fogem de mim.

— Não vamos exagerar. Às vezes somos nós quem nos afastamos


delas.

— Se continuar me acusando dessa forma, vou mudar de ideia sobre


a amizade. — brinquei.

— Devo confessar que todo o mistério me deixa perturbado.

Não queria analisar cada palavra que saía da sua boca, no entanto
ficava difícil quando elas me deixavam ansiosa e confusa.

Sentir medo de ser rejeitada não era nada bom, e o anonimato me


ajudava a ficar firme, concentrada. Não podia negar que desejava conhecê-
lo e continuar com nossa amizade, só que aquela pontinha, no fundo do
peito, deixava-me receosa.

— Então, até amanhã, Joseph. — Levantei-me do lugar o mais


rápido possível.

— Já está se despedindo? Fugindo?

— Não me analise, ou vamos brigar de novo. — falei irritada.

— Eu não estava brigando com você.


— Eu sim. Boa noite.

— Até amanhã, Samantha.

***

“Confusa” era uma definição apropriada para mim naquele


momento. As únicas vezes em que eu ficava assim era quando estava
prestes a ser adotada ou ao apresentar o meu mestrado na faculdade.

Bem... Eu estava pecando no meu sonho para o doutorado, tentando


focar em um trabalho que não me valorizava. Desejava mesmo sair do
estacionamento vazio em que se encontrava a minha vida e dirigir para um
futuro brilhante em um lugar onde me olhassem com outros olhos.

Estava tentando me manter plena e calma da melhor forma possível.


O empecilho que me impedia de ter sucesso nisso? Joseph e nosso último
dia na sala escura. Eu não sabia o porquê, já que ele era meu amigo, mesmo
que nossa conversa do outro dia tenha parecido uma briga para decidirmos
se iríamos ou não dar continuidade a um relacionamento que não tínhamos.
Realmente, queria continuar conversando com ele e buscando um
entendimento de sua parte por mais tempo.

Passei quase a noite toda pensando nisso e no que faria nesse dia.
Meu peito parecia mais inquieto que o normal, deixando-me furiosa.

1: Você só está assim por conta da situação, não porque gosta dele
em outro sentido.

2: Não é tão difícil fazer amizade. O que está sentindo é algo novo,
pois nunca se permitiu achar um amigo, mesmo que tenha Hoper.

3: Vê-lo não vai mudar nada, só terá uma imagem para associar à
voz.

— Pelo amor de Deus, Samantha! Não é nada demais. — reclamei


comigo mesma. — Depois que fizer isso, a curiosidade vai, aos poucos,
apagar toda a insegurança e interesse. Claro... Foi por isso que Hoper bolou
essa experiência. Por natureza, o ser humano é curioso. Assim que não tiver
mais a incógnita, poderá voltar a ser a Samantha de sempre, sem a parte
medrosa.

— Você está falando sozinha? — Hoper apareceu na porta do meu


quarto, olhando-me com o cenho franzido e me julgando.

Por sorte, eu praticamente sussurrei as palavras que saíram da minha


boca, ou ela se convenceria de que sua loucura conseguiu me mudar. O que
não era verdade.

— Sempre fiz isso. Não entendo a surpresa. — reclamei. Estava


mesmo puta por tudo. — E a culpa é sua.

Foi irritante ver seu sorriso surgir lentamente, assim como o olhar
convencido.

— Me deixe ver. — Colocou os dedos no queixo como se estivesse


bolando um argumento que me deixaria com mais raiva. — Está assim,
como se fosse a um casamento, por causa do cara da sala.

— Não pire. Estou assim porque você me colocou nessa situação


desconfortável. — Usei a raiva na fala para que ela calasse a boca. — Ele
me irrita constantemente, me acusa... Isso não aconteceria se...

— Achei que fosse impossível, mas realmente aconteceu. —


Suspirou.

— O que aconteceu?

Estava em frente ao espelho, olhando-me pela milésima vez, e a via


pelo reflexo. Sua cara de exibida me chateou tanto, que me virei para ficar
cara a cara com ela.

— Está apaixonada. — não foi uma suposição, muito menos uma


pergunta, ela estava afirmando. Que ridículo.

— Não pire, Hoper. Eu nem o conheço. Como posso me apaixonar


por um desconhecido? — Ridículo. Era ridículo.
Eu não iria cair nas suas provocações.

— Samantha...

— Se você me provocar, posso não sair de casa. É o que deseja?

***

Hoper ainda estava chateada por conta do nosso conflito de mais


cedo, e eu da mesma forma. Como já era difícil demais estar estranha e
confusa, não precisava de ninguém atiçando a parte que eu estava mais
odiando: a que não parava de pensar em Joseph.

Achei estranho não estarmos nas salas ainda. Parecia que minha
amiga estava armando algo.

— Podem me seguir. — disse a morena que nos recepcionava


sempre que chagávamos.

Como se tudo já não fosse ridículo o bastante, todas fomos levadas


para outro espaço. O que nos deixou confusa. Eu me sentia furiosa por ter a
pessoa que bolou isso morando comigo e não saber o que estava
acontecendo.

— Hoje vocês terão a oportunidade de ficar mais perto dos....

Mais perto? Como assim? Por quê?

Eu só conseguia enxergar a moça de cabelos cacheados balbuciar


palavras que eu não entendia e desejei matar minha melhor amiga. Pelo que
tinha entendido, iríamos ficar cara a cara com os “parceiros” com quem
conversamos durante o mês inteiro.

Estava insegura. Não havia me preparado para esse dia, e apostava


que Joseph também não. Contudo, para ele, devia ser bem mais tranquilo,
pois repetia e repetia que eu era como uma irmã mais nova sua. O que me
deixava feliz e desanimada ao mesmo tempo.
É claro que eu não estava ali para romance. Deixamos isso bem
claro. No entanto, os sinais estavam me levando a ficar confusa e assustada.

Em primeiro lugar: minha ansiedade bateu no limite quando a porta


foi aberta e vi que não estávamos em uma das salas habituais. Estava
escuro, com aquele clichê das luzes no chão e tudo mais.

Segundo: meu coração estava praticamente sendo expulso do peito e


minhas mãos suavam, pois não estávamos só, havia mais pessoas no
ambiente. Não sabia quantas delas, por conta da falta de iluminação, porém
sentia pelas vozes.

Terceiro: todos os meus sintomas não eram porque encontraria um


amigo comum, era por causa de Joseph. Parando para pensar, eu ainda o
tinha apenas como amigo, entretanto estava nervosa como se fosse
encontrar outra pessoa que não fosse ele.

Será que ficou confuso demais? Eu sou assim: confusa.

A mulher falou algumas coisas e outras pessoas também. Eu não


conseguia ouvi-las por conta do meu estresse emocional.

Por um acidente causado pela falta de luz, acabei me esbarrando em


alguém que tinha quase duas vezes o meu tamanho.

— Me desculpe. Eu não...

— Tudo bem. — era a voz dele.

Nunca estivemos realmente na mesma sala, só que eu sabia que era


ele.

Se antes eu estava entrando em pânico, naquele instante já podia


confirmar isso.

Joseph talvez soubesse que fosse eu. Ele não terminou sua frase e
ainda me segurava pela cintura, fazendo com que meu coração ficasse por
um fio. O calor que emanava do seu corpo me possuía, e sua respiração
estava tão próxima, que quase roubava o meu ar, assim como o perfume.
Pigarrei, tentando sair do transe, e me afastei dele, arrumando
minhas roupas, mesmo que ninguém pudesse me ver.

— Ainda é ridículo este mistério todo. Como acham que vamos


conversar ou interagir? — falei irritada, com o coração na mão.

— Eu ainda estava confuso se era você ou não, mas suas


reclamações não mentem, Samantha.

Eu poderia agradecê-lo por me trazer a raiva novamente, entretanto


confessaria que ele mexia comigo.

— Claro. Até porque sou a única aqui que é odiável. — Cruzei os


braços, zangada. Nós não nos víamos, no entanto eu olhava em sua direção
com fogo nos olhos.

— Sua irritabilidade é acolhedora. Fica próxima ao meu


desconforto.

— Você sempre me vê dessa forma ou...?

— Não fique irritada. Não é uma coisa ruim. Na verdade, gosto


disso em você. — interrompeu-me.

Pude sentir o sorriso em sua face exibida.

— Tire este sorriso do rosto!

— Como sabe que estou sorrindo, se não pode me ver? — brincou.

— Não preciso te ver para saber que está com um sorriso


convencido. Todos acham que sou uma piada.

— Isso te incomoda?

— Por que não me incomodaria? Acha que gosto de ser ridícula?


— Eu falava sobre a aproximação e a provável revelação dos nossos
rostos. Você não sabia que isso aconteceria, e não lida bem com novidades
ou surpresas.

— Falando assim, até parece que me conhece há anos.

— Gosto de você, então observo os mínimos detalhes, até mesmo na


sua voz.

E lá estava eu de novo com o coração na mão e envergonhada.

Nem foi nada demais. Comporte-se!

— Quando isso acabar, vou matar a Hoper.

— Na verdade, estou gostando. Assim posso saber como é estar


perto de você.

Eu gostava do Joseph arrogante. Ele era grosso, e isso me mantinha


a uma boa distância dele. O novo, que tinha conhecido há semanas, mexia
comigo e me deixava vulnerável. Gostava também da minha vida
organizada, sem muitas surpresas. Mas, depois que o experimento começou,
não teve um minuto em que eu não pensasse em conhecer esse homem
pessoalmente.

Prometi a mim mesma que não me envolveria, que seria só uma


nova oportunidade de conversar com alguém, e nada além disso, porém, ali
estava eu, desejando desesperadamente ver seu rosto, tocar novamente em
sua pele e descobrir que tipo de ligação tínhamos. No breve momento em
que nossas peles se tocaram, senti como se estivesse em um vulcão.

Pare, Samantha! Esse homem é um completo desconhecido. Você


não vai querer se meter com os sentimentos. Sabe bem onde isso iria dar.

O clima estava calado. Geralmente, eu gostava disso, todavia, em


um local onde não se pode ver o que está ao seu lado, com alguém como
Joseph, isso se tornava um tipo de tortura. Tudo culpa de Hoper.
— Acho melhor eu sair deste lugar. — comuniquei em voz alta o
que deveria ter sido apenas um pensamento. — Quero dizer... Estou ficando
claustrofóbica, mesmo sabendo que não estou em uma caixa minúscula.

— Acabamos de chegar. — ele falou surpreso. — Não me diga que


está fugindo, como sempre.

— Por que, constantemente, me acusa de ser medrosa? — Ouvi um


sonoro riso vindo da sua direção e fiquei nervosa. Odiava ser motivo de
piada. — Acha engraçada a minha situação?

— Não, só estou pensando em como é bom ouvir sua voz de perto.


Quando fica irritada, dá para sentir a energia que exala.

— Tem sorte por estar uma penumbra aqui, senão chutaria o meio
de suas pernas. — Cruzei os braços. — Enfim, me perdoe por sair. É que
não estou nada confortável.

— Acho que será bom ver a sua expressão de raiva. Quem sabe nos
conhecermos longe destas pessoas malucas a agrade mais.

— O quê?! — Senti meu corpo congelar, e meu coração parecia que


iria sair pela boca. — Você... Quer dizer...

— Não vai me falar que está mesmo fugindo de mim, não é? —


Podia apostar que ele estava com um sorriso exibido.

— Não estou fugindo, senão não teria vindo. E se quiser me


acompanhar, não vou impedi-lo. Só não garanto que não vou bater em você
se for um exibido convencido.

Verdade seja dita: eu estava querendo fugir sim. Não era só a sala,
com pessoas conversando no escuro e rindo como se estivessem em um bar,
que me deixava tensa, mas também estar tão próxima a ele e saber que ele
desejava me ver.

Joseph não era um cara com quem sairia para um encontro e depois
teria uma noite de sexo. Sempre que fazia isso, ia embora na manhã
seguinte e nunca mais via a pessoa, no entanto ele era diferente. Se eu fosse
dormir com ele, não iria sumir no outro dia. Na verdade, esse homem
despertou em mim algo novo e assustador que me deixava apreensiva.

Não aguardei por mais palavras suas. O meu desejo era ficar a uma
boa distância dele e esperava que esses segundos me ajudassem a me
acalmar mais. O que seria difícil. A cada passo para longe, meu peito só
reclamava da situação.

Por sorte, em todo o circo montado pela minha amiga, a porta estava
sinalizada. Eu a abri e saí sem olhar para trás, torcendo para não parecer tão
dramática.

Ele me veria como uma louca medrosa?

Andei pelo corredor, sem ouvir passos de mais alguém, e desci as


escadas, segurando no corrimão, achando que cairia. Estava feliz por ter me
produzido melhor para essa ocasião.

Mas você não está aqui por um motivo romântico, sua ridícula!

Passar pela porta pesada de vidro me tirou um pouco do peso nas


costas. Era como se o ar frio me ajudasse com o corpo em chamas.

— O que está fazendo aqui? — A voz da minha amiga me tirou do


nervosismo de antes. Ela estava, claramente, irritada, e eu sabia por quê. —
Não me diga que vai embora antes de... — Algo a fez calar a boca.

Agradeci por isso, mas logo notei que havia alguém atrás de mim.
Um imenso arrepio tomou o meu corpo; senti minhas mãos suarem e meu
peito quase explodir de ansiedade.

Virei-me para comprovar aquilo que já sabia, não estando preparada


para ver a imagem de um deus grego saindo pela porta de vidro.

Puta merda! Ele é lindo!

Bom... Posso estar o confundindo com alguém, porém, se Joseph


não desistiu de me conhecer, esse deve ser ele mesmo.
Relaxe! Ele é um cara comum que se tornou seu amigo de uma
forma estranha, mesmo que seu coração esteja te traindo neste exato
momento.

Quis me bater por perceber todas as minhas células balançarem pelo


homem alto, de cabelos loiros escuros, barba rala e com um corpo sarado,
que caminhava até onde eu estava. Senti minha face ficar vermelha. Ele
andava quase que em câmera lenta, encarando-me dos pés à cabeça.

Abaixe esse fogo! Ele é só o seu amigo.

Desviei meu olhar do seu, impedindo que ele me afetasse ainda


mais. Ri, nervosa, em direção à Hoper, esperando que minha vergonha
passasse.

— Não me canso de dizer que todo aquele mistério foi ridículo. —


pronunciei.

O sorriso nos seus lábios me fez mudar de humor. Conhecia cada


microexpressão dela. Se eu pudesse ler seus pensamentos, diria que estava
adorando toda a situação e que, pior, pensava na possibilidade do seu
experimento ter funcionado comigo.

— Acredite, Samantha... — Sua voz debochada quase me fez bater


nela. — Se não tivesse tido aquele mistério, nenhum de vocês dois estaria
aqui, agora.

Pelo breve momento seguinte, encarei o homem mais lindo que já


havia visto na vida. Ele tinha mesmo um sorriso convencido.

Quase pisei no meu próprio pé por estar encarando sua boca bonita.

— Sua amiga tem razão. — Ouvir sua voz e a unir à sua imagem me
deixou ainda mais abalada. — Devo confessar que não saber quem era você
me trouxe a este lugar várias vezes.

— Você disse que era porque tínhamos a mesma opinião. —


retruquei, trazendo de volta o humor que tanto me salvava.
O clima ficou quase estranho, pois Hoper ainda estava entre nós,
com aquele olhar de segundas intenções. Joseph, recém-descoberto como
uma tentação, olhava para mim enquanto eu tentava não surtar com a
situação.

— Bem... Já que vocês decidiram pular a última etapa, acho melhor


deixá-los sozinhos. — Minha amiga me encarou.

Eu não sabia se a pedia para ficar ou a empurrava para bem longe.


Enquanto a via entrando no prédio, tentava imaginar o que faria ou diria.

— Está melhor agora? — ele questionou.

Voltei à realidade, notando que estava sendo encarada pelos olhos


atentos dele. Mesmo à noite, sabia que eles eram claros — azuis talvez — e
que seus cabelos eram loiros. Conseguia ver o tom mais claro deles. Seu
rosto era bem desenhado e seus lábios não eram nem muito finos, nem
grossos. Ele era bem alto também — talvez 1,80m.

Observei a forma como estava vestido. Sempre que conversávamos,


ele dizia ter saído do escritório. Eu não era boba, nem burra. Apesar de não
ter dito em palavras, Joseph pertencia a uma família rica, exercendo uma
função de poder e hierarquia. Eu só não sabia o nível. Era interessante e
revelador unir a ideia ao homem. O terno fino definia bem o seu corpo. O
que me era estranho, já que os empresários quase nunca tinham tempo para
malhar.

Fiquei envergonhada ao notar que o estava avaliando na cara dura.

— Você disse que estava desconfortável e claustrofóbica.

— Bem... — Pigarrei, claramente nervosa. O pior é que Joseph era


tão bom observador quanto eu. — O ar puro ajuda, mas não estou eu
mesma ainda.

Não dê todas as informações a ele, ou elas podem ser usadas contra


você.
— Entendo. Então, podemos caminhar. — Indicou o caminho.

Minha demora ao concordar pareceu um século, e isso também me


irritou. Eu me orgulhava de ser decidida, desencanada e livre de
sentimentos como esses, porém o destino — ou melhor dizendo, a Hoper
—, estava testando os meus limites. Já tinha passado deles há muito tempo.

Criei uma enorme barreira entre mim e outras pessoas, e estava


cansada de sempre esperar algo bom, para receber uma negativa que me
levava direto ao quarto escuro.

Não percebi quando Joseph abriu uma brecha. Estava tão nervosa e
ansiosa, que podia ser visível. Algo que odiava. Deixar que as pessoas
vissem o meu interior sempre me levava ao chão.
Capitulo 7
Joseph

Surpreendente. Essa é a palavra que eu estava pensando naquele


exato minuto.

Eu sabia que seria o nosso último encontro às cegas, contudo não


imaginava que estaríamos cara a cara e que ela fosse tão... doce. Muitas
vezes Samantha, quando irritada, demonstrava ter o dobro da minha altura e
ser bem determinada, porém, apesar de ter, sim, uma grande determinação e
força, era sensível e doce. Duas coisas que antes não me atraía.

Depois que a vi, fiquei inseguro.

Ela tinha grandes olhos castanhos, lábios cheios e delicados, um


rosto redondo e cabelos loiros, bem longos, que não eram naturais. Era bem
mais baixa que eu, com um corpo esbelto, e estava usando um jeans que
desenhava suas curvas.

Quando a vi, não sabia que era ela, mas foi só ouvir seu nome, que
confirmei sua identidade. Passei tanto tempo tentando imaginá-la, que não
me preparei para a realidade. O pior é que estava nervoso e ansioso para
continuar com nossa conversa, além de curioso sobre como seria as suas
reações tão de perto.

— Agora, o mistério acabou, e o experimento maluco também.


Ainda serei crítica com Hoper. Estou preparada para citar os pontos
positivos e negativos. — ela disse enquanto caminhávamos lado a lado.

Eu não poderia dizer que a conhecia de verdade, pois o que


descobrimos um do outro em nossas conversas ocasionais não tinha sido tão
profundo. Só revelávamos pequenas coisas. Ela foi a única pessoa a me
ouvir de verdade nos últimos quatro anos.
Sam usava o humor para quebrar o clima ou fugir dos seus reais
sentimentos. Eu sabia o quanto esta situação era desconfortável para ela.

— Quais os pontos negativos? — Entrei no seu jogo, não querendo


deixá-la ainda mais desconfortável.

— Não sabe? — questionou com o cenho franzido. Era lindo ver seu
rosto deste jeito, tão de perto. — Não foi com você que conversei todo
aquele tempo?

Soltei um sorriso e desviei o olhar do seu, tentando entender o


porquê de tanto interesse, se prometi a mim mesmo não me envolver nesta
história de romance novamente.

— Seus pontos podem se divergir dos meus.

— Bem... — disse pensativa. — Tem a parte da sala escura e do


encontro às cegas, que acabamos de nos livrar. — Contava nos dedos,
deixando-me curioso para saber o que mais a havia desagradado. — Viu os
outros participantes? É como se tivessem passado meses conversando e
saindo juntos. Até ouvi uma das mulheres dizer que estava apaixonada,
sendo que nenhum de nós tinha visto um ao outro antes.

— Bem... Somos diferentes dos demais. Essa não é uma surpresa. A


nossa experiência não foi igual a deles. Nós nos tornamos amigos e eles
estavam realmente interessados em achar algum tipo de parceria romântica.

— Não muda o fato de que não nos conhecíamos e que não nos
encontrávamos há meses, e sim há semanas.

— Pessoas são surpreendentes, Samantha. Alguns se apaixonam à


primeira vista e se entregam emocionalmente com facilidade. Não podemos
dizer que tudo que aconteceu lá foi um total desperdício. E agora, que
podemos nos encontrar fora daquelas salas, podemos ou não dar certo.

— Isso não muda a minha opinião. Além do mais, amor à primeira


vista não existe. — Paramos no meio do caminho.
Samantha estava pensando em seu argumento, e era divertido ver
esse processo. Sempre que o silêncio dominava as nossas conversas, eu
pensava no que ela estava fazendo ou pensando, e então pude ver isso bem
de perto.

— Se chama atração. Algo que não se sustenta por muito tempo.

— Então, o sexo não basta?

— Ficaria com alguém só por causa disso? — Suas sobrancelhas


levantadas me tiraram um sorriso. — Está zoando com minha cara?

— De forma alguma.

Eu gostava de quando ela se irritava, pois se esquecia de toda a sua


timidez; só que como estávamos um ao lado do outro, sem barreiras, eu
queria permanecer com a paz, ou ela iria embora cedo demais.

— Podemos conversar muito mais agora, que sabemos quem somos.


Não precisa ser um encontro ocasional, é só ligar e marcar de bebermos
algo. — sugeri.

Estávamos parados no meio do caminho de pedras, que ficava a


poucos metros do prédio de onde saímos, em uma pequena praça rodeada
por árvores e por um food truck onde muitas pessoas se divertiam e
comiam.

Eu conhecia Samantha há poucas semanas e só tinha lhe visto


pessoalmente há alguns minutos, contudo já havia uma cumplicidade em
seu olhar que me confortava, como se ela confirmasse ou quisesse dizer
algo sem palavras.

— Tudo bem, se for o seu desejo. Mas não nos conhecemos, com
certeza. As últimas semanas não foram tempo o suficiente para isso. —
falou convencida.

Era lindo ver seu rosto brilhar sob a pouca luz. Eu estava quase
acreditando que essa mulher tinha conseguido mexer comigo com tão
pouco esforço.

— Podemos não saber muito dos nossos estilos, e tudo mais, no


entanto não pode dizer que não nos conhecemos. — Sempre entrávamos em
debate. Era interessante, divertido e despertava em mim o desejo de ser
ainda mais seu amigo. Os meus nunca fizeram eu me sentir dessa forma. —
Acho que saber sobre os monstros um do outro é, sim, uma forma de nos
conhecermos. É um tipo de amizade diferente. Sei que posso confiar em
você, mesmo que não confie em mim.

Eu tinha uma grande resistência que, comparada à dela, não passava


de um grão de arroz. Sentia-me triste ao pensar que ela se imaginava tão
inferior ou não amada, sendo que era a pessoa mais incrível que eu já tinha
conhecido.

— Você me disse que não confia em mais ninguém que não sejam
aqueles em que conta nos dedos. — lembrou-me.

— Sim, eu disse. Entretanto, foi na primeira semana. Por incrível


que pareça, sinto mesmo uma forte ligação com você. É assustador refletir
sobre esse fato quando nos conhecemos só há quase um mês.

Mais uma vez estávamos olhando um nos olhos do outro. Suas


grandes írises eram como um espelho que me puxava para mais perto de si.

— Não se sinta ofendido por eu dizer que ainda não confio em você,
mas...

— Eu entendo. — falei antecipadamente. — Muitas vezes achou


que poderia confiar em pessoas, e elas te decepcionaram. Mas prometo que
não citei falsas palavras e que você pode confiar em mim. Pode me dizer o
que quiser e esperar que eu também seja o mesmo para você.

— Por que diz isso? — Seu jeito sério de falar demonstrava que ela
estava me questionando, pensando que minhas palavras fossem algo ruim.

— Porque eu sei como é se sentir traído e sozinho, como se mais


ninguém soubesse como me sinto de verdade. Não fui só eu quem passei
por uma grande decepção e ainda existem pessoas que podem ser
confiáveis. Só quero que saiba que tem um amigo em mim.

***

Desde o início imaginei que o meu interesse naquela mulher


acabaria assim que eu soubesse quem ela era, como era sua aparência e
como vivia. Também achei que tudo que ela havia me dito durante nossas
conversas, fossem mentiras. Entretanto, foi só olhar em seus olhos para
encontrar a garota machucada que ela sempre demonstrou ser. Algo que me
deixou tanto alegre, por saber que não fui enganado, e triste, por saber que
Samantha era essa pessoa. Pensei que o meu passado fosse ruim, porém
descobri que existia quem tivesse mais traumas que eu, e que isso me
tornava um privilegiado.

Desde o dia anterior não parava de pensar nela, de desejar ouvir sua
voz ou ver seu sorriso que tanto me encantou.

Ao me levantar da cama, mais cedo, fiquei tão atormentado, que


passei mais de meia hora — meu tempo comum — na academia, achando
que bater em um saco ou correr duas vezes mais que o normal me ajudaria a
manter a minha mente sã e limpa para o trabalho.

E ali estava eu, sentado na cadeira macia do meu escritório, tentando


ler os papéis e falhando. Não queria pensar que, de alguma forma, eu me
interessava por ela. Samantha não era uma mulher fácil, e relacionamentos
eram um gatilho do qual ela fugia como se fossem o diabo. Além disso,
prometi a mim mesmo que algo do tipo não me aconteceria, muito menos
naquele experimento idiota.

Contudo, não tentaria levar esse ódio até o fim e, talvez, perder
minha única oportunidade de encontrar a mulher com quem poderia
realmente ter um amor verdadeiro. No entanto, ela não teria como ser a
Samantha. Ela era boa demais, pura demais, e, com certeza, eu estragaria
isso nela.

Por sorte, Ian me mandou uma mensagem. Sairíamos para beber


algo e tagarelar. Talvez isso me fizesse esquecer dela.
Durante o trajeto, estava tão distraído e calado, que Taylor teve que
me chamar à realidade para que eu percebesse que já tínhamos chegado ao
destino.

— Você está bem? — ele perguntou antes que eu pudesse sair do


carro. — Desde ontem você está...

— Estou bem. São só burocracias do trabalho. — menti.

— Humm.

Desci antes que ele dissesse mais alguma coisa. Ele não era idiota, e
eu não queria ser confrontado.

O lugar em que eu estava era frequentado por muitos empresários, e


eu conhecia a maioria deles. Odiava ter que cumprimentar a todos, tendo
em vista que os sorrisos nos rostos deles não eram tão verdadeiros.

Avistei Ian no lugar de sempre, cumprimentei-o antes de me sentar e


pedi uma dose dupla do melhor e mais forte whisky.

— Pelo visto, o dia foi bem cheio para você. — Ele me observou
por cima do copo em que bebia. — Ontem foi seu último encontro com a
mulher misteriosa.

— Ela não é mais misteriosa. E vim aqui para me distrair disso. —


Agradeci a agilidade do garçom.

Ian me encarou com um sorriso. No fundo, eu sabia que ele não iria
parar de falar no assunto.

— Eu sabia que, ao pisar neste lugar, você não esconderia o seu


“bom humor” em relação a isso e que eu não iria perdoar. — Respirei
fundo, bebi um grande gole da bebida e esperei mais falatórios. — Como
ela é? E o mais importante: por que deixou você assim?

— É sério? — questionei sem paciência. — Quer mesmo me


importunar com essas perguntas?
— Se essa mulher te deixou desse jeito, com certeza quero saber o
que aconteceu.

Eu estava um pouco chateado por não a ter visto de novo e


conversado com ela sobre o meu dia de merda, que só foi assim por causa
dela.

— Ela é uma mulher comum, como sempre soube. Tem olhos


castanhos, um estilo despojado, é bem mais baixa que eu e fica irritada
quase sempre. É esquentadinha. Eu não a vi, nem soube sobre ela hoje, e
talvez esteja, sim, irritado por conta disso. — Enquanto falava, lembrava-
me da noite anterior.

Eu nem pude levá-la para casa. Ela foi difícil, como eu já esperava.
A única coisa que tinha dela era o seu telefone, contudo estava com medo
de parecer desesperado se marcasse algo logo.

Quando voltei à realidade, Ian estava me encarando como se alguma


coisa em mim fosse uma piada.

— Eu disse que iria acontecer.

— O que iria acontecer? — Estreitei os olhos. — Seja claro.

— Mesmo repetindo fielmente que não, gosta dela. O tempo que


passaram juntos, sem se verem, foi o bastante para trazer de volta o homem
romântico de dentro de você. — acusou-me.

Acho que foi uma péssima ideia ter vindo até aqui.

— Eu vim aqui para não ficar irritado, e as coisas ridículas que você
está falando estão me irritando. — falei sério. — Pare de criar ideias
absurdas.

— Joseph... — Ele não se importou em nada com o que eu disse. —


Olhe você agora; não para de falar nela. Está a imaginando e se irrita por
saber disso. Mente para si próprio quando diz que nada aconteceu.
— Nada aconteceu, seu idiota. Somos só amigos.

— E eu sou o presidente dos Estados Unidos. — debochou. — Pare


de mentir para si mesmo. Está ficando distraído. Acredite: já passei por
isso.

— Não é a mesma coisa.

— Não, porque eu não entrei em uma sala escura e conversei com a


minha garota. Na verdade, foi ela quem começou. Conversamos por muito
tempo como amigos e, depois, tudo mudou, pois comecei a notar que queria
vê-la, ouvi-la e a sentir bem perto de mim.

— Não é o mesmo caso. — reafirmei entre os dentes. — Samantha e


eu passamos por muitas coisas e nossos passados nos uniram de uma forma
única, porém não conhecemos um ao outro de verdade. Ela é bonita e muito
atraente, mas temos apenas uma amizade entre um homem e uma mulher.
Nada além disso.

Ele revirou os olhos. Desejei jogar no seu rosto o restante do líquido


do meu copo, só que optei por beber tudo de uma vez. Coloquei o
recipiente, com uma força considerável, sobre a mesa de vidro e me
levantei.

— Está fugindo, é?

— Estou indo embora antes que eu quebre a sua cara. — respondi


ríspido.

— Ok, amigo. Se você diz que não gosta dela, não serei eu quem
vou plantar esse pensamento na sua cabeça. — Levanto as mãos ao ar. —
Me desculpe se estraguei a sua noite, mas, antes que vá, pense no que está
sentindo. Se for uma amizade, continue com ela, e se for outra coisa, não
deixe que a mulher escape e outro a ganhe.

— Ela não tem interesse romântico em ninguém. É provável que


nunca tente nada com um homem.
— O que não a impede de transar com eles. — argumentou,
deixando-me mais irritado. — Acha que ela é uma puritana que nunca fez
sexo? Imagina você, completamente apaixonado pela mulher que decidiu
deixar no campo da amizade, por medo, vendo e ouvindo histórias dela com
outros caras ou mulheres.

— Está testando os meus limites, Ian? — Quase não notei que me


aproximei dele com os punhos fechados, praticamente o socando de
verdade.

Perceber essa reação me causou uma confusão enorme.

— Como seu amigo, estou te dando uma visão do futuro. —


Levantou-se. — Mas, como você disse, é só uma amizade entre um homem
e uma mulher.
Capítulo 8
Samantha

— Eu já disse “não” três vezes. Devo dizer que estou sendo


boazinha por causa do seu nível de álcool, mas que na quarta vez quebrarei
sua cara. — Controlei-me para não bater no homem. Em algumas ocasiões,
eu mesma causava esse tipo de inconveniente.

Quando Hoper, mais uma vez, estragando as minhas noites,


convidou-me para um happy hour, achei que fosse uma boa ideia; não
porque gostava de sair com estranhos, e sim por causa do outro
inconveniente: Joseph Morson.

Depois que o vi pela primeira vez, após semanas de conversas, não


conseguia parar de pensar nele e de sonhar com ele. Sinceramente, isso já
acontecia antes de eu o ver. Minha imaginação criativa já tinha idealizado
um homem lindo e sexy, como aqueles de capas de revistas fúteis, contudo a
realidade me jogou um balde de água fria. Ou melhor dizendo, fervendo.
Ele não era apenas bonito, era lindo de morrer, com seus cabelos loiros bem
cortados, uma barba que o deixava sério e muito sexy, e aqueles olhos que
me engoliam na imensidão azul. Ficar sem ideia ou falar merda ficou
natural até mesmo para mim, que gostava de pensar mil vezes antes de dizer
algo.

Voltando ao momento atual, eu estava sendo perseguida por um dos


colegas bêbados da minha amiga. Ele era bonito e até interessante, no
entanto bêbado se tornava um babaca que, inclusive, já tinha tentado me
agarrar duas vezes.

Saí do bar, achando que iria me livrar dele, e ele me seguiu. Eu


estava tentando arranjar um Uber, e o cara insistia em me acompanhar.

— Sei que está a fim de mim. Seria apenas um...


— N-Ã-O! Ficou claro? — Franzi o cenho. — É sério. Saia da
minha frente! Não vou transar com você.

Como se já não fosse bizarro estar com um bêbado em minha cola,


um carro escuro parou bem na minha frente. Quando o vidro se abaixou, a
imagem linda de Joseph me olhava, como se me perguntasse o que estava
acontecendo.

— Precisa de uma carona? — Ele não demonstrava estar de bom


humor, no entanto era melhor aceitar do que bater em um homem. Talvez
fosse prejudicial a mim em algum nível.

Deixei o cara para trás e entrei no carro. Ele ainda tentou me


impedir. Além de ser mais rápida, afastei-o com grosseria.

Bem na hora em que o veículo partiu e eu percebi a real situação em


que me encontrava, assim como o seu olhar questionador, o lado meu que
estava relaxado, sumiu. Fiquei nervosa. Era irritante me sentir assim.

Ele era um cara, um homem legal, meu amigo. Por que eu tinha que
ficar tão mexida e ansiosa só por estar em sua presença?

— Obrigada por me salvar. — Dei um sorriso nervoso.

— O que estava acontecendo ali?

— Nada demais.

Ele me olhava como se fosse me dar uma bronca, mas eu sabia que
não era isso. Na verdade, eu não sabia o que era.

Decidi mudar de assunto.

— Teve um péssimo dia de trabalho?

Era estranho conversar com ele tão de perto, e estar em um carro


dirigido por outro alguém que eu não conhecia só tornava esse encontro
mais perturbador.
— Nem tanto. — respondeu secamente.

O silêncio intrigante dominou a nossa não conversa, tornando-me


ainda mais ansiosa. Eu tinha noção de que se passava milhares de situações
em sua cabeça, assim como na minha.

— Um encontro ruim? — questionou.

— Ai, meu Deus! Não! — neguei como se estivesse ofendida. —


Nunca aceitaria sair com aquele idiota. E eu não vou a encontros.
Esqueceu?

O clima se tornou mais do que estranho. Nós nos encarávamos e eu


tentava entender o que ele pensava. De alguma forma, queria descobrir mais
sobre mim e aquele homem.

É algum tipo de cobrança? Até parece um namorado ciumento.

Claro que não. Somos só amigos.

Devo confessar que pensar assim deixava o meu peito ainda mais
agoniado.

— Me desculpe. Eu não tenho nada a ver com isso. — Desviou o


seu olhar do meu. — Estou com um pouco de dor de cabeça e acabei de ter
uma conversa desagradável com um amigo.

— Foi a conversa que lhe deu dor de cabeça?

— Não, mas a potencializou. — Ele sussurrou outra coisa que não


consegui ouvir direito.

Conversarmos em salas separadas era até agradável. Eu não me


sentia tão pressionada, ansiosa, e duvidando se algo em mim o agradava. O
Joseph de antes era divertido, apesar de sério, compreendia a mim e não me
cobrava. O homem com quem eu estava conversando naquele trajeto era
mais curioso, exigente e irritado. O que não mudava em nada o que eu já
sentia antes. Ele ainda era meu amigo. Um estranho amigo.
O pior de tudo foi descobrir o quanto éramos diferentes. Joseph
Morson não era um simples homem que trabalhava para uma empresa
qualquer, era o dono dela. Os Morson não são muito de aparecer na mídia,
só o Cristophe, que era bastante inalcançável por mulheres como eu. Joseph
era o chefe sério, reservado e muito ocupado com a petrolífera da família;
estava sempre viajando e fazendo negócios com diversas pessoas de todo o
planeta. A empresa lucrava tanto, que eles faziam parte da lista bem
privilegiada dos bilionários, dos mais ricos do mundo. Sim, eu disse mundo.
Os Estados Unidos era pouco para suprir esse requisito.

Imaginar que Joseph Morson era o mesmo homem com quem


conversei sobre os meus mais obscuros sentimentos, era loucura. Sendo
quem era, por que desejava tanto ser meu amigo, se poderia ter tudo que o
dinheiro lhe desse? Eu era uma simples engenheira que tentava ser notada
pelos meus chefes babacas e todos os dias eram lutas para mim. Não podia
ser a mulher de TPM, ou seria julgada, chegar atrasada ou errar um número
sequer em meus cálculos, e meu salário era um centavo mais baixo do que
os dos demais engenheiros só para distinguir os nossos sexos.

Eu não deveria aceitar tudo isso. Era capaz de mais e inteligente.


Contudo, sair de onde trabalhava há tanto tempo me traria uma dor de
cabeça, ainda mais sabendo que outras empresas como essa fariam o
mesmo comigo, pois mulheres nem eram contratadas muitas vezes.

O carro parou, surpreendendo-me. Desde que coloquei os pés dentro


dele, não disse onde morava, todavia estava na frente da casa de dois
andares que dividia com Hoper.

— Falei o meu endereço sem perceber?

Joseph sorriu pela primeira vez na noite.

— Agora, que sabemos quem é um ao outro, eu me permiti buscar


mais informações sobre você. E, sim, meu motorista, assim como eu,
sabíamos onde você morava.

— É algo com que eu deva me preocupar? — Imaginei uma coisa


que minha amiga me fez ver. — Tipo aquele cara da série, que investiga a
moça até o fundo, se introduz na vida dela de formas inusitadas e, no fim,
prende-a em uma caixa de vidro?

Até o motorista deu umas risadas.

Fiquei envergonhada pela analogia e curiosa.

— Não se preocupe, não sou um psicopata. Meu irmão me falou


sobre você e sua amiga.

— Menos mal. — Dei um sorriso amarelo antes de abrir a porta. —


Sou bem inteligente. No fim, um de nós dois acabaria morto, e não seria eu.

— Jura? — Vi graça na sua pergunta. O que me tirou mais um


sorriso.

— Às vezes me imagino em situações desse tipo e acabo achando


uma saída para os meus problemas. A morte do meu adversário seria uma
consequência.

Saí do veículo antes que continuasse a falar bobagens. Era por esse
motivo que eu costumava optar por ser bem-humorada e fazer algumas
piadas quando o clima pesava. Minhas noites nem sempre terminavam de
maneira divertida, mas não por falta de esforço.

O lado de fora me deixou com frio, com saudade de estar dentro do


automóvel, e um sentimento estranho tomou o meu peito, como se eu não
quisesse que Joseph fosse embora tão cedo.

— Tenha uma boa noite, senhorita Still.

Meu coração acelerou.

— Boa noite, Joseph.

Subi os degraus, contando todos eles, com medo de cair. Eu me


permitir ver o carro partindo e me deixando preocupada.
Você não deveria estar neste estado. Ele não é um cara qualquer, é
seu amigo. Só seu amigo.

Senti meu celular vibrar e o peguei, achando que, enfim, era Hoper.
Minha surpresa foi tanta, que a expressei em meu rosto. Joseph!

“Pelo visto, a sua noite foi tão conturbada quanto a minha. Acho
melhor evitarmos uma repetição, saindo amanhã. O que acha?”

Terminei de ler a mensagem com um sorriso enorme na face. Eu


tinha noção de que não deveria colocar lenha nas sensações estranhas que
ele estava despertando em mim, porém achava difícil ficar longe disso.

“É uma excelente ideia. O que tem em mente?”

“Ainda não sei, mas esteja preparada para qualquer situação.”

***

Dizer que eu estava tranquila seria uma mentira. Passei a última


noite toda pensando no que aconteceria no dia seguinte e refleti sobre
muitas coisas, principalmente a respeito das minhas atitudes e reações perto
de Joseph, achando-me ridícula.

Desde muito cedo aprendi a ser forte, e depois de tudo que me


aconteceu, adotei uma postura mais dura e determinada. A qual parece estar
sumindo cada vez mais, deixando-me vulnerável. Portanto, prometi a mim
mesma, ao me levantar da cama, que seria essa pessoa e que não poderia
deixar meu novo amigo cavar no meu peito um buraco maior do qual eu já
tinha. Além disso, não precisava mudar quem era para ser aceita.

Achava que minha timidez e ansiedade fossem causadas pela minha


insegurança, que tanto me perturbava.

Ao colocar os pés na empresa na qual trabalhava, respirei fundo e


levantei a cabeça. Estava feliz, apesar do lugar onde estava, pois começaria
o meu mais novo projeto. Sentia-me confiante, já que tinha passado quase
um ano calculando-o, idealizando-o e o projetando. Seria uma inovação no
mercado, pois não iríamos mais precisar importar ou comprar os microchips
responsáveis por dar a vida às novas tecnologias modernas. O meu modelo
era mais eficiente. Apesar do gasto em produzi-lo, ele tinha uma longa vida
útil, armazenava dados e os conduzia em um sistema de comando muito
mais rápido e eficiente do que os já produzidos por outras empresas.

Inicialmente, eu estava produzindo uma pequena quantidade dele e


comprando a matéria-prima de outro local, mas, com o avanço do primeiro
lote, usado nas nossas próprias tecnologias, pudemos expandir sua venda
para as demais indústrias que trabalhavam com o produto.

Meu orgulho ia além por causa da sustentabilidade que busquei para


o projetar. Toda nova tecnologia moderna usava recursos hídricos e
materiais pesados em sua fabricação, e apesar do meu modelo não ser o
mais ecologicamente correto do mundo, eu o idealizei para ser feito com
metade dos recursos já usados nas outras produções.

Estava tão bem-humorada, que entrei na sala com um sorriso de


orelha a orelha. O qual se desfez no mesmo instante em que vi Sebastian
encostado em minha mesa, lendo os meus papéis.

— O que você está fazendo na minha sala? — perguntei


grosseiramente e furiosa, pegando os papéis de sua mão. — Não estrague o
meu dia.

— Estou aqui por causa do nosso projeto. — Ouvi tais palavras


saírem de sua boca como se fossem um zumbido chato. Pensei que estivesse
em um pesadelo maluco.

— O quê?! — questionei incrédula.

— Samantha, que bom que está aqui. — A voz idiota do meu chefe
fez eu me virar com urgência. Ele era responsável pela minha dor de
cabeça. — Hoje começamos a produção de...

— O que Sebastian está fazendo aqui, dizendo que está no meu


projeto? — Tentei não ser rude ou tão ríspida.
O tom da minha voz o fez parar e me olhar feio.

— Essa inovação é muito importante, senhorita Still. E como o


Sebastian é o líder do projeto no qual os microchips serão usados, achei
justo ele se inteirar sobre o seu trabalho. — Tentei respirar fundo e me
manter calma. Isso não poderia estragar o meu desempenho, nem meu dia.
— Espero que façam um bom trabalho juntos. — Saiu da sala, deixando-me
com o idiota, babaca, que sempre dava um jeito de se meter nas minhas
coisas.

— Você ouviu o homem. Espero que não...

— Se você se acha superior a mim, está enganado. — Virei-me com


tanta agilidade e raiva, que ele se afastou. — Não sei até quando terei que
suportar esta sua cara, mas espero que não me importune, nem tente se
colocar dentro do meu projeto.
CapÍtulo 9
Samantha

Fazia meia hora que eu estava olhando o meu reflexo no espelho,


distraída com o trabalho e Joseph. Uma parte de mim desejava gritar e
quebrar tudo, por estar sendo forçada a formar uma dupla com Sebastian.
Ele era mais que um idiota, babaca, era um aproveitador barato que só abria
a boca para fazer comentários indevidos sobre os meus afazeres. Por outro
lado, a outra parte tentava descobrir — falhando miseravelmente — aonde
Joseph e eu iríamos.

— Isso tudo é por causa do bonitão quase trilionário com quem vai
sair hoje?

Como se já não fosse o bastante minha situação, eu ainda tinha que


ouvir comentários como esse da minha melhor amiga. A questão era que eu
não estava no clima.

— Não. — neguei cabisbaixa.

Não estava com energia para a responder à altura, nem para ficar
irritada.

— Você está bem? Parece triste. — Ela se aproximou de mim,


preocupada.

Eu não conseguia tirar os olhos do meu vestido leve e florido, o qual


esperava não ser simples demais para uma noite com um amigo do porte de
Joseph.

— Se não está animada para ir, é só desmarcar.

— Não é isso, é sobre o trabalho. — Respirei fundo e, finalmente,


saí da frente do espelho. Peguei o par de saltos finos mais baixos e calcei.
— Sebastian está me tirando a paciência. Ele foi colocado de babá do meu
projeto, aquele que demorou quase um ano completo para ser concluído,
testado e aprovado pelo conselho. — lamentei. Realmente, isso estava me
deixando para baixo. — Eu sei que já deveria ter me acostumado, mas
nunca vou me acostumar. Sou melhor do que todos eles, tenho mais
projetos em processo de produção e lhes dou uma renda anual de milhões.
Porém, quando sou colocada à frente de todos, eles me veem como um
problema que deve ser vigiado por um homem. Sempre tem que ter um para
o caso de uma emergência.

— Sam, você tem que sair desse lugar. — Veio atrás de mim. —
Está sendo prejudicada de uma forma emocional, e não merece passar por
isso. Sabe que consegue outro emprego em qualquer outra empresa.

— Tentar a sorte em outro lugar. — Eu sabia que ela queria o meu


bem e que tudo que falou era verdade, só que ainda existia um problema. —
Sabe que se eu sair agora, vou deixar meus projetos já em produção.

— Você fez o que disse que faria? — questionou-me como se me


desse uma bronca.

— Sim. Mas me garantir com uma patente exclusiva não vai me dar
plenos poderes sobre o que faço. Sair agora vai colocá-los na gaveta, e seria
tempo e dedicação jogados fora.

— Achei que os microchips fossem apenas do seu domínio.

— Não são, graças ao contrato assinado quando me contrataram. —


Tinha a certeza de que, muito em breve, minha cabeça começaria a doer. —
Cada coisa que eu criar durante o meu período na empresa, é de
responsabilidade de ambos. Não posso levar tudo para outro lugar, apenas
impedir de continuar a fabricação.

— Filhos da mãe! — disse irritada. — Pode até ser dessa forma,


mas o que prefere? Continuar se desgastando emocionalmente, sendo
humilhada e desprezada por causa dos seus projetos, ou sair de lá e se livrar
dessa dor de cabeça que a está levando ao limite?
Ela tinha razão, no entanto eu não estava preparada para jogar tudo
no lixo e entrar em uma guerra judicial com os idiotas superiores que
comandavam tudo que eu fazia.

— Não se preocupe. Não vou ficar lá para sempre. — tranquilizei-a,


apertando sua mão carinhosamente.

— Espero que não. — Retribuiu o gesto. — Bote um sorriso neste


rosto. Além de ficar mais bonita assim, vai sair com um gato de Nova York.

***

Repeti durante o caminho todo que eu não estava indo a um


encontro, e até mesmo em casa, quando troquei minha roupa para que não
desse tal impressão. Hoper me olhou com tanto ódio, que me deixou
preocupada. No fim, achei melhor dessa forma. A calça jeans escura, de
cintura alta, a blusa de mangas longas e as botas de canos curtos davam
mais a ideia de uma noite com um amigo.

Sim, eu estava preocupada de parecer ter segundas intenções, ainda


mais sendo com Joseph. Ele era legal, engraçado, e acabei descobrindo que
tinha um olhar matador que me tirava do eixo e me deixava envergonhada.
Como não queria demonstrar estar mexida, repeti pelo caminho também
que seria a amiga irônica que sempre era na sala escura.

Foi estranho ir até o local no carro dele, com seu motorista gato. O
homem não disse uma palavra depois de explicar que foi me buscar. Eu
nem sabia o que dizer ou perguntar, portanto fiquei calada, mexendo no
celular.

Eu não fazia ideia de onde estava, só via que o lugar era lindo e
gigantesco, com um enorme portão, como daqueles de filmes em que o
mocinho é super rico e mora em uma mansão linda. Ok, não era só o portão
que me dava tal impressão e me deixava de boca aberta, e sim tudo: a
mansão branca, a porta enorme, que achei exagerada, o jardim lindo, o
caminho de pedras e a fonte de água que ficava entre a porta de entrada e o
jardim.
Lembrei-me de Hoper dizendo que eu iria me encontrar com um dos
caras mais lindos e ricos do país e que o vestido era bem melhor. Insisti,
dizendo que era uma mulher simples e que ele sabia disso. Não tinha noção
do quanto era rico.

— Precisa que eu a acompanhe? — perguntou o bonitão que me


trouxe até ali e que ficou calado o caminho todo.

Olhei-o com mais precisão e quase babei na sua frente. Taylor era
bem alto — quase mais alto que Joseph —, tinha uma pele cor de oliva, os
olhos verdes intensos, o rosto simétrico e irresistível e o corpo todo
definido. Estava um charme nas roupas que usava. Preto combinava com
ele, deixando-o misterioso e um pecado.

— Não. Quer dizer... Não sei. — Quase gaguejei e fiquei com


vergonha. — Vou me perder lá dentro? — Ele franziu o cenho. — Se for tão
grande quanto o lado de fora, pode até ser possível.

— Não se preocupe, não vai se perder. Joseph a espera. Quando


passar pela porta, ele saberá que está aqui. — falou de modo mais amigável,
com um curto sorriso no canto da boca.

— Vai mandar uma mensagem de texto para ele?

Gostei quando seu sorriso se estendeu por uma boa parte do seu
rosto, respirei fundo e andei até os poucos degraus que tinha na entrada.
Logo de cara, eu não sabia o que fazer. Tocar a campainha? Abrir a porta e
ir direto ao ponto? Estava com vergonha de me virar e perguntar ao Taylor,
contudo essa questão foi rapidamente anulada quando um homem, que
devia ter entre cinquenta e sessenta anos, abriu a porta, deixando-me
surpresa.

— Senhorita Still, queira me acompanhar. — ele pediu de maneira


tão educada, que achei estar em um filme realmente.

OK, ele tem uma casa perfeita e empregados para todo tipo de
afazer. Por que me chamou para um jantar? Por que tem interesse em ser
meu amigo?
Já no hall de entrada, deu para perceber o quanto a casa era linda e
chique —, inclusive a escada —, pelo piso de mármore branco, paredes da
mesma tonalidade e detalhes em madeira e em dourado.

O que estou fazendo aqui?

Estava tão boba com a arquitetura e beleza dali, que não vi quando o
senhor parou e quase me esbarrei nele. Ele abriu uma segunda porta e me
pediu para entrar no cômodo. Era a cozinha. Quem estava lá? Sim, Joseph.
Além do ambiente ser quase perfeito, o homem que partia alguns legumes
completava esse fato, deixando a impressão de ser um quadro pintado por
um grande artista.

Entrei e fiquei o observando, ainda boba e sem acreditar que estava


mesmo ali. Foi a primeira vez que o analisei de tal forma. Notei que ele
tinha ombros largos. Eles me chamavam a atenção, mas não tanto quanto
sua bunda perfeitamente redonda.

— Vai ficar parada na porta? — questionou-me sem ao menos se


virar.

— Ainda estou impressionada. — Dei um sorriso nervoso.

Ainda bem que ele não estava me vendo, pois fiquei desconsertada.

Lembre-se: a amiga divertida, não a tímida que pode confundir as


coisas.

Caminhei até o balcão escuro, que se destacava na cozinha moderna


e branca. Ele estava tão gato e, pelo que podia imaginar de quando se
virasse, irresistível.

— Imaginei que aqui seria um bom lugar para um jantar. É mais


reservado. Podemos sair da cozinha e passear no jardim. Odeio restaurantes,
onde todos nos observam e nos limitamos à mesa. — Quando ele se virou,
eu ainda prestava atenção no que segurava e colocava dentro da panela
sobre o fogo. Eu tinha razão: estava ainda mais bonito.
Nem entendia por que estava notando isso.

— É isso aí. — Volte à realidade, Samantha! — Sua casa é tão


enorme, que achei que me perderia. Foi um senhor simpático que me
ajudou. — Ele riu de um modo que me deixou boba. — Você mora sozinho
aqui? Pelos metros quadrados desse lugar, acho que tem uns onze quartos.
— brinquei. — Sua família deve ser enorme.

— Na verdade, não. Minha mãe mora na Inglaterra e meu irmão tem


seu próprio apartamento. E, sinceramente, não moro aqui ainda.

— Não é sua casa ou está fazendo um teste drive? — Eu o fiz rir


novamente. Gostava de vê-lo rindo. Sempre que o ouvia na sala, pensava
em como seria pessoalmente. Sim, era maravilhoso.

— Essa casa já é minha, mas ainda estão concluindo os últimos


detalhes antes que eu possa decidir se morarei nela ou não. — Só me deixou
ainda mais confusa. — Vinho?

Encarei-o enquanto me oferecia a taça com o líquido. Quando a


peguei, nossos dedos se tocaram, causando-me uma sensação estranha e
satisfatória.

— Ok. Sei que não devo me meter na sua vida, mas quando fico
curiosa, tenho que saciar essa curiosidade. — Bebi um gole do delicioso
vinho e o olhei novamente. Ele estava com um meio-sorriso, observando-
me e me deixando estranha. — Este lugar serve como um brinquedo para a
diversão, tipo aqueles de crianças, só que do tamanho real, ou é algum
fetiche seu ter essa propriedade em mãos?

Ele se afastou apenas para voltar ao fogão. O cheiro estava


delicioso, quase dando vida à minha barriga. Seria uma vergonha.

— Foi um pedido da minha mãe. Ela disse que algum dia vai voltar
para Nova York, porém só quando eu arranjar uma esposa. Eu disse que isso
iria demorar e que nem sabia se realmente aconteceria. — A história se
tornava ainda mais confusa. — Então, ela disse: “Procure uma casa grande,
com muitos quartos. Quem sabe, morando nela, você se sinta tão sozinho,
que saia para achar uma namorada”.

— Ela acha que isso vai funcionar? Ou, melhor dizendo, você acha
que vai?

— Não. Mas, quem sou eu para a contar isso ou recusar um de seus


pedidos?

Eu estava encostada na bancada, fitando-o como uma idiota,


bebendo o vinho e pensando na sua história maluca. Era a primeira vez que
eu jantaria com um cara que não fosse um dos meus colegas de trabalho,
sem ser porque surgiu algum motivo para a ocasião.

— Então, você nunca vai arranjar uma namorada ou esposa? —


Estava mais curiosa do que deveria. Afinal, essa história não tinha nada a
ver comigo. Eu me importava de alguma forma e não entendia o motivo.

— Gostaria de dizer que não. Isso me livraria de muito mais


decepção. Porém, não sou o cara que fica solitário por muito tempo.

— Ainda podem existir pessoas que valham a sua exceção e que não
sejam de todo mal.

Fiquei pensativa, imaginando um futuro em que Joseph estaria em


uma situação como essa, com alguém; e em um desses pensamentos, a
pessoa era eu. Irritei-me tanto comigo mesma, que expulsei tudo da minha
cabeça.

— Boa sorte. — desejei.

Ele me encarou com estranheza. Eu o entendia: estava mesmo sendo


estranha.

Continuamos a conversar sobre diversos assuntos, e estava achando


bom conhecer melhor outros lados seus que nunca havia imaginado sobre o
cara da sala escura. Quando se chegava perto o bastante dele, ele podia ser
engraçado, fofo e muito interessado na minha vida, que não era lá a mais
interessante.

O aroma da cozinha só me dava mais fome. Quando ele me serviu,


parecia que estávamos em um restaurante.

— Você tinha algum sonho de ser chefe de cozinha, que lhe foi
impedido por conta da responsabilidade de herdar a empresa da família?

Minha boca salivava. A comida era boa tanto visualmente quanto no


cheiro. Logo pus na boca uma garfada da massa deliciosa que ele preparou.

— Está muito boa. Você tem um ótimo hobby.

Fiquei envergonhada ao notar que ele me encarava com um sorriso


no rosto. Geralmente, eu não era a garota educada quando comia. Repetir
toda a cena que fazia ao jantar com Hoper me classificaria como mal-
educada.

— Fico feliz por ter gostado. — Enrolou cuidadosamente o


macarrão em seu garfo, com a ajuda de uma colher, e o colocou na boca.

Vê-lo degustar a comida me deixou ainda mais envergonhada, por


não ser como ele.

— Gosto de cozinhar. — Bebeu um pouco do vinho. — Minha avó


me ensinou tudo. Somos franceses, e ela priorizava a comida e reunir todos
em uma grande mesa para o jantar ou todas as refeições.

— Franceses, é? — indaguei baixinho. Com certeza ele me ouviu,


pois soltou um sorriso abafado.

Tive que tomar mais cuidado enquanto comia. Hoper e eu não


éramos finas, nem tivemos uma educação como a dele. Quando estávamos
em casa, comprávamos comida, já que eu era um desastre na cozinha, assim
como ela, que queimou macarrão instantâneo uma vez. Falávamos enquanto
nossas bocas estavam cheias e pegávamos a pizza com a mão. Era tanto
divertido como satisfatório. Meia hora ao lado de Joseph e vi que éramos
tão diferentes quanto o vinho e a água.

— Meus avós vieram da França muito jovens. Moravam em uma


pequena comunidade, com outros franceses. Foi assim que nasceram os
Morson. — contou bastante empolgado. — Começaram aos poucos, e hoje
nossa empresa é uma das maiores em toda a América.

— É, eu sei. — Bebi um gole do vinho, ainda admirando a finesse


dele. Como podia ser tão lindo? — Não sei cozinhar nada. Sou capaz de
queimar algo no micro-ondas se me distrair muito.

— Posso ensiná-la algumas coisas, se quiser. — Eu sabia que era


uma piada; seu olhar me dizia tudo. Mas não me ofendi.

— Não perca seu tempo. — Entrei na brincadeira. — Eu aprendo


rápido, porém cozinha não é um habitat que serei boa em explorar.

Não queria admitir, mas o momento era bom. Estava tendo uma
conversa engraçada e interessante com alguém que não precisava de muito
para me fazer rir. Tudo perfeito: a comida, o vinho e ele.

Em algumas partes dos nossos diálogos, eu me pegava boba com


tudo sobre ele, com o sorriso que não saía dos seus belos lábios, com o
olhar determinado e com sua gentileza. Joseph era como um sonho do qual
eu acordaria e veria que não era real.

Ao fim do nosso jantar, ainda passeamos pela imensa propriedade da


sua casa reserva. Pensava que ele planejava ter uma grande família, com
crianças correndo pelo jardim, ou fazendo piqueniques românticos.

Essa experiência me mostrou que eu não era tão forte e decidida


quanto acreditava. Estava sempre me imaginando, até o dia anterior e mais
cedo, saindo do trabalho e indo jantar com um amigo. Só que o futuro era
incerto. Acabei pensando em mim, em uma casa como essa, com um
homem com quem conversar, rir, e filhos correndo pelo lugar, irritando-me.
Não sonhe muito alto, mocinha. Você sabe que nunca vai acontecer.
Primeiro: como pensa em ser mãe, se nunca teve uma? Seria um desastre,
com certeza, e estragaria tudo. Depois... Acha mesmo que alguém se
esforçaria tanto para a convencer a se casar e ter uma família? Sabemos
muito bem que você não é fácil e que nenhum homem com planos tão
sólidos, como Joseph, vai perder seu tempo tentando te conquistar.

— É, não vai mesmo. — concluí.

— O que disse? — ele me perguntou, trazendo o meu consciente à


realidade e me fazendo perceber que me lamentei audivelmente.

— Ah... Acho melhor eu ir para casa. Ainda tenho que me preparar


para amanhã. — falei nervosa, tanto por mentir, quanto por temer ter meus
pensamentos deploráveis descobertos.

— O que terá amanhã?

— Bem... Meu projeto de microchips condutores está na linha de


produção, e isso requer atenção extra, para o caso de algo sair errado. Sem
falar na dor de cabeça que está atrás de mim, um gavião invejoso.

— Sebastian?

Levantei uma das sobrancelhas com sua dedução. Eu já havia


reclamado muito sobre o meu trabalho e dos idiotas que esperavam um
deslize meu para roubar tudo que eu tinha, mas ainda era surpreendente
saber que ele se lembrava dessas coisas.

— É. E isso requer paciência extra também. — lamentei.

— Sam... — Ele tocou em minha mão com carinho, causando em


meu peito uma esquisita sensação de satisfação. Sua mão era macia e
quente.

Ele me deixou vermelha. Odiava quando meu rosto demonstrava o


quanto eu estava gostando dele.
— Você é a pessoa mais inteligente e incrível que conheço. Sei que
é o seu trabalho, mas quando isso afeta seu emocional e desempenho, deve
ser tratado como um problema. Existem milhares de empresas que a
valorizariam muito mais. Não precisa continuar em um emprego no qual se
sinta mal e seja maltratada dessa forma.

— Está parecendo a Hoper agora. — ironizei. — Sei de tudo isso,


porém assinei um contrato que, querendo ou não, iria me prejudicar se eu
saísse agora.

— Que tipo de contrato?

Paramos no meio do jardim. Ele estava curioso e eu só queria me


esquecer desse assunto, mesmo que tivesse que me lembrar disso no dia
seguinte.

— Ele prejudica não só a mim, como também a eles. Fiz isso para
proteger o meu patrimônio intelectual e trabalho. Tudo que eu criar durante
o tempo em que estiver na empresa, cabe 50% para cada lado, a mim e a
ela. Caso eu saia, tenho o direito de impedir que continuem a produzir o que
eu fiz. Sei exatamente que sou uma formiga se comparada a eles, então,
mesmo se eu conseguir ganhar uma causa judicialmente, meu projeto, que
custou muito tempo e dedicação, será colocado em uma gaveta e esquecido.
E se eles ganharem, mesmo eu tendo assinado o papel, serei excluída, e
aquilo ao que dediquei meu tempo, será usado para beneficiar os idiotas.

— É compreensível. Porém, se foi um acordo de 50%, você tem


direitos comerciais sobre seu produto, eles querendo ou não, você estando
ou não nessa empresa.

Respirei fundo, sabendo que, apesar de isso ser verdade, a única que
sairia perdendo seria eu.

— Joseph, nem mesmo estando lá, sou reconhecida pelo meu


trabalho. Acha mesmo que saindo seria colocada nos créditos? — Eu tinha
certeza que não. Não tinha muito ao meu favor. — Chegará uma hora em
que terei que sair. Eu sei disso. Só que agora não posso deixar tudo nas
mãos daquele urubu de meia-tigela.
— Sam... — Ele estava pensativo e eu o olhei com aquela cara de
quem dizia: “Nada do que disser, vai mudar esse fato”. — Você não está
presa a eles e não vai sair perdendo. — Deixou-me confusa. — Tenho
ótimos contatos. Sei que não devo me meter, no entanto, caso queira sair,
saberá o que vai ganhar e perder.

— Por quê?

— Porque não vamos deixar que os malvados ganhem. —


Conseguiu me tirar um sorriso em meio a uma conversa ruim.

— Por que quer me ajudar nisso? — refiz a pergunta.

— Você é minha amiga, e eu odeio que esteja nessa situação, se


desgastando. Se posso conseguir algo que lhe ajude, farei o que for preciso.

— Não precisa se meter nisso por minha causa. Posso...

— Eu sei que pode resolver sozinha. Mas não precisa. Não está mais
sozinha. — Acariciou o meu rosto, fazendo meu coração acelerar como o
motor de uma Ferrari e quase parando a minha respiração. — Prometo que
só vou buscar informações. Nunca te prejudicaria.
Capítulo 10
Samantha

“Não está mais sozinha”. O que ele quis dizer com isso? Foi uma
mensagem escondida ou só um papo de amigos com o qual eu não estava
acostumada?

O fato é que eu não parava de pensar nisso e nele. Joseph conseguiu


se tornar um mistério e desejo em minha vida, que não tinha solução. Ele
era lindo, carinhoso e me provocava coisas estranhas. Passei a noite toda
pensando nele, querendo que conversássemos mais ou até mesmo voltar à
sua casa para tentar entender melhor o que ele faria.

Antes de sair da sua mansão, eu lhe pedi para que não se


preocupasse com nada ou se envolvesse, só que foi em vão. Além do mais,
não achava que o senhor todo poderoso Morson faria algo para me
prejudicar.

Uma questão que me tirava o sono era estar naquela empresa, sendo
colocada para trás constantemente. Ficava frustrada e ainda mais magoada.
No entanto, sabendo que poderia sair dela a qualquer momento, sentia-me
amedrontada de perder todas as coisas nas quais tinha passado anos
trabalhando.

Meu dia foi uma merda, apesar de estar empolgada com o ritmo da
produção. Como eu gostava de pôr as mãos na massa, sempre entrava nas
salas de desenvolvimento, fazendo aquilo que tanto me dava prazer: pegar
no material, usar os equipamentos e soldar alguma coisa minúscula. Era o
que me fazia esquecer, mesmo que por pouco tempo, de onde estava.

Depois de chegar em casa, ouvi, pela milésima vez, Hoper


tagarelando sobre a minha saída.
Eu pensava no Joseph e me irritava, só que não por ele, e sim por
não parar de pensar nele. Sim, o homem era charmoso, bonito e me fazia
sorrir e querer conversar. Coisas que antes só aconteciam com Hoper. Com
ele era diferente. Com minha amiga, eu gostava de provocá-la ou reclamar
sobre algo. No início, minha relação com Joseph era assim, mas foi só o ver
pessoalmente e ter um jantar incrível na sua casa, feito por ele, que as
coisas mudaram. Eu não reclamava mais tanto e estava interessada sobre
sua vida e desejos, babando pela sua delicadeza e beleza. Pensava no que
falaria e ficava triste ao notar que desejava ser a pessoa que ele escolheria.

Muito preocupante. Por que você quer ser alguém para Joseph?

— O de bolinhas ou em flocos? — A voz e as duas caixas de cereais


que minha amiga mostrava a mim, trouxeram-me de volta à realidade.

— O quê? — perguntei confusa.

— Você estava me escutando todo esse tempo? — Seu rosto passou


de dúvida para raiva. Ela odiava não ser ouvida. — Me deixe adivinhar: o
bonitão de ontem à noite não sai da sua cabeça?

Revirei os olhos e respirei fundo. Não deixaria que ela me chateasse


mais ainda.

— Eu estava pensando no trabalho. — menti. — Os dois.

— No Joseph também? — Sua cara de deboche conseguiu me


chatear.

— Os dois cereais. — expliquei, levando o carrinho para longe dela.

— Não fique chateada. Eu entendo. — Veio atrás de mim. — Quem


não pensaria naquele homem? Bonito, rico, charmoso e...

— Quer parar?! — Andei o mais rápido possível para me afastar


dela, no entanto ela sabia me importunar.

— Ontem você estava bem mais falante, com um sorriso bobo e


olhos brilhando ao contar como ele foi extremamente incrível ao cozinhar
para você.

— O vinho me deixou alucinando. — falei entre os dentes. —


Agora, continue pegando as coisas, ou vou deixá-la sozinha.

— Sam! — Ela pegou em meu pulso e me olhou com superioridade,


como uma mãe buscando alguma coisa no filho. — Quando se irrita e foge
é porque está fugindo de si mesma e de seus sentimentos.

— Não tenho que dizer nada a você. — Puxei meu braço.

— Não, mas somos amigas. — Estávamos no meio da seção dos


doces, e uma mulher até parou o que estava fazendo para nos observar. —
Achei que me contasse tudo.

— Ok, mas não aqui e agora. Ainda estou pensando nisso. —


sussurrei.

— Então, tá. — Fez uma careta e voltou a olhar os produtos.

***

Hoper não tinha o estilo de deixar tudo para lá ou me deixar em paz.


Depois que nossa comida chegou, nós nos sentamos no chão. Adorávamos
comer assim; era um costume na faculdade que trouxemos para a nossa
vida. Ela me fez novamente as mesmas perguntas e esperou pelas respostas.
Como demorei a falar, parou o que estava fazendo, para me encarar com
raiva.

— Abra logo o bico! Ou eu mesma ligarei para Joseph. — ameaçou-


me.

— Você não faria isso. Sabe que te mataria durante o seu sono. —
adverti com um pouco de comida na boca. O que me lembrou da outra
noite.

— Vale a pena o risco.


Não dava para fugir dela, então respirei fundo e comecei o meu
dilema.

— Olha... Ele é incrível, tem um hobby e um cuidado maravilhoso;


sabe mais sobre mim do que eu mesma e me deixa confusa. — soltei de
uma vez só. — Eu não estaria nessa situação se não fosse por você.

— Primeiro: eu sou a pessoa que te conhece melhor do que você


mesma. — ela pontuou como se estivesse ofendida e eu revirei os olhos. —
Segundo: obrigada por isso. Não é uma acusação ruim. E, sim, você pode
estar apaixonada por el...

— Não sonhe, Hoper. — Eu a interrompi com ironia. —


Apaixonada?! Fala sério! Eu amo pizza e adoro o meu trabalho, mas Joseph
e eu somos amigos, e isso é perfeitamente normal, assim como eu e você,
minha única amiga.

— Negação. — Balançou a cabeça. — Sei que tentou burlar o meu


experimento, mas não pode negar que ele mexe com você, que pensa nele
constantemente e que deseja beijá-lo com tanta urgência, que vai parecer
desesperada.

Eu ri, porém parecia realmente desespero.

— Não sonhe!

— Não minta para si mesma.

— Ele é um cara com quem conversei e tomamos a decisão de ser


amigos. Não estou apaixonada. E se um dia chegasse a essa loucura, estaria
ferrada.

— Por que diz isso? — Franziu o cenho.

— Ele é o Joseph Morson, teve uma decepção amorosa, é super rico,


bonito, e me olha como uma amiga, sem interesse romântico. Mas
confirmo: não estou apaixonada. — falei mais para mim do que para ela.
— Você é alguém incrível. Não importa quem ele seja. Se gostar de
você, nada os impedirá de seguir em frente.

— Muita coisa nos impediria, Hoper. — lembrei-a. — Traumas do


passado... — Contei no dedo. — Ex-namorada safada, super riqueza da
parte dele e pobreza da minha, muitas mulheres mais finas e interessantes
que eu... E muito mais, que não vou listar aqui para não acabar de vez com
minha noite.

— Não...

— Hoper, vamos voltar à comida e nos esquecer desse assunto? —


pedi com uma certa arrogância. — Temos só uma amizade estranha que
pode acabar a qualquer momento.

— Quer dizer que você pode acabá-la por medo. — Odiava ser
acusada assim. Transformava-me em uma covarde. No fundo, era verdade,
entretanto não quer dizer que eu gostava de ser lembrada disso.

— Vou enfiar este garfo na sua garganta.

Fiquei mais tranquila quando ela riu e mudou de assunto. Já era


difícil demais estar com coisas estranhas na mente; não precisava ouvir
nada dela.
Capítulo 11
Samantha

Um mês depois

Tornou-se rotina ficar nervosa em frente ao espelho, arrumando-me


para um jantar com Joseph. Ele era meu amigo, apesar do meu coração me
trair às vezes, e fazíamos isso há um tempo. Eu já deveria estar acostumada,
mas, mesmo assim, sentia como se fosse a primeira vez que o veria.

Confesso que ele não era só um cara normal com quem eu tinha
conversas banais. Joseph se tornou o meu maior e mais confuso problema.
Ele era elegante, sempre me ajudava a sentar à mesa, abria a porta do carro
para mim e beijava a minha mão, olhando-me nos olhos. Também era
engraçado e provocante. Sempre que estávamos juntos, eu não me lembrava
do drama que era a minha vida e ficava balançada o suficiente para desejar
beijá-lo. Com isso, sentia-me culpada e uma fraca.

Eu dizia a mim mesma que nunca olharia para alguém dessa forma e
que não me apaixonaria por ninguém, entretanto não imaginava que um
homem como Joseph pudesse chegar em minha vida e bagunçar tudo dentro
do meu ser. Na noite passada, quando ele me ligou e me convidou para mais
um de seus magníficos jantares feito por si próprio, senti um aperto no
peito. Queria dizê-lo o que se passava dentro de mim, falar que eu queria
ser mais que uma amiga sua, todavia veio à minha mente tudo que
aconteceria se eu fizesse tal burrice.

Primeiro: correria o risco de ele não sentir o mesmo. Coisa na qual


acreditava, pois nunca tinha o visto com tal interesse em mim.

Segundo: no pior dos casos, ficaríamos juntos, e depois que eu


estivesse presa a isso, como nunca, tudo acabaria, levando-me ao fundo do
poço, sem esperança de um dia voltar a pensar em um relacionamento.
Nunca havia tido esse tipo de ideia. Era loucura. Como alguém
gostaria de mim com todos os meus defeitos? Também, nunca tinha
enxergado outros homens dessa forma. Só Joseph. Minha teoria dizia que
isso só foi possível porque baixei a guarda.

— Vai ficar aí, parada na frente do espelho? — Despertei-me dos


pensamentos quando Hoper apareceu na porta do quarto. Ela me encarava,
tentando achar alguma brecha à mostra em mim, no entanto tomei cuidado
em voltar a ser a casca grossa de sempre. — Daqui a pouco o motorista
gostoso do seu namorado vai bater na porta, e você ainda nem terminou de
se arrumar.

Olhei-a com cara de poucos amigos. Ela estava me provocando e


sabia exatamente o que dizer.

— Primeiro: Taylor ficaria feliz por saber que tem uma fã. —
Coloquei uma mecha do meu cabelo, que estava deixando na cor natural,
atrás da orelha. — Segundo: eu já estou pronta.

Quando voltei a encará-la, não a vi feliz.

— Você vai assim?! — Sua forma de falar quase me ofendeu.

Olhei-me novamente no espelho e não achei que estava tão ruim.

— O que tem de errado com minha roupa? Estou apropriada. Não


acha?

Não tinha a intenção de me desesperar, só que era o que sempre


acontecia. Desde que conheci Joseph, vinha tentando me adequar de alguma
forma. Nunca saíamos para lugares que ele costumava frequentar, e às vezes
eu achava que fosse por minha causa. Não era uma das mais belas mulheres
com quem ele já tinha saído.

— Tudo. Desde o estilo da roupa a como seus sapatos não


combinam com nada. — Fiquei mal por isso. Embora tivesse preocupações
quanto a como eu era se comparada ao Joseph, não imaginava que fosse tão
péssima. — Me desculpe. Eu não queria que ficasse assim. Você está bem,
só acho que...

— Eu sou horrorosa.

Ela estava certa. O vestido preto com detalhes minúsculos em


branco era terrível. Só eu achava bom. Esse era outro ponto que eu refletia
quando pensava em dizer a ele o que sentia. Além de ter confirmado várias
vezes que nada em mim o interessaria, tinha uma coisa gritante entre nós:
enquanto eu lutava para continuar no meu péssimo emprego de engenharia,
ele era dono e CEO de uma das maiores empresas de extração de petróleo
do mundo.

— Tenho que desmarcar. Eu não...

— Não! Espera! O quê?! — Parecia que era ela quem estava


desesperada.

— Em todo esse tempo eu estava me vestindo como uma virgem de


vinte e seis anos. Não que isso seja um problema ou que eu seja uma, mas...
olhe para mim. Estou como aquelas pessoas de filmes bobos que você vê,
que vão para a casa de uma família rica. Se a mãe de Joseph ou qualquer
outra pessoa rica me olhar ao lado dele, vai achar que ele está fazendo
caridade.

— Não exagere. Eu só disse aquilo porque... quero que use roupas


mais ousadas. — Ousadas como as dela?!

Não era de se negar que minha amiga se assemelhava a uma modelo


de capa de revista. Ela era vaidosa e gostava de marcas caras, enquanto eu
não estava nem aí para o que se eu usava, fazia-me parecer uma de senhora
de 60 anos.

— Vou te trazer algo meu, e você...

— Não, Hoper. — recusei, totalmente desanimada. — Não quero


usar algo seu. Nem combina comigo. — Sentei-me na beirada da cama,
tentando não demonstrar o quanto fiquei mal. Eu não era de me importar
com essas coisas, e se ela percebesse, com certeza diria aquilo que eu não
queria ouvir. — Gosto do meu estilo. Ele só não combina com o Joseph. É
melhor eu desmarcar o jantar. Como já faz uma semana que não nos vemos,
não será tão ruim.

— O que está acontecendo com você? — As sobrancelhas unidas na


sua testa e aqueles olhos castanhos me analisando, deixaram-me sem ar. Por
que você está assim, sua idiota? — Deveria me xingar, dizer que estou
errada e...

— Bem... Em dias normais, eu faria isso. Você está de fora,


assistindo a esta minha amizade estranha com o cara mais rico que já
vimos, então acho que sua opinião a respeito deve ser levada em
consideração. Não quero aparentar ser uma pobretona que janta com um
bilionário. Seria ridículo.

— Ridículo é você achar que ele se importa. — Sentou-se ao meu


lado. — Se Joseph não gostasse da sua forma de se vestir, não precisaria...

— Ele é um homem bom. — Levantei-me abruptamente, tirei a


presilha que segurava a minha franja e, depois, os sapatos que ele tanto
odiava. — Ele não diria que estou ridícula. Você sim, porque é sincera.

— Não queria te magoar. Foi um comentário sem graça. — Eu sabia


que ela queria reparar o que disse e que odiaria me ver desistir de sair.

Na verdade, sentia-me insegura; e não era só nessa noite, era em


todas as vezes que saíamos. Era como um sonho maluco em que um homem
rico e bonito despertasse em mim o espírito de uma plebeia idiota.

— Não foi sem graça. Eu também me acho estranha. Só gosto das


conversas com ele.

Lembrei-me do dia em que eu não me importava se estava com um


macacão e uma blusa listrada ou usando uma calça larga para o nosso
encontro na sala escura.
— Antes de eu saber quem ele era, não existia essa diferença. Eu sei
que não deveria me importar com isso e que esse é meu jeito, no entanto me
importo com o que ele pensa ou acha de mim.

— Ok. Então, faremos assim. — Levantou-se também. — Eu abro o


seu guarda-roupa e você escolhe algo com o qual se sente bem e bonita.
Não que não esteja agora. — Estreitei os olhos ao olhá-la. Hoper era sutil,
manipuladora e tinha um bom gosto para a moda. Isso poderia ser bom. —
Você é linda, só não acha isso de si mesma.

— Não é como se ele sentisse atração por mim. Só não quero que
me confundam com uma tia-avó dele. — Revirei os olhos.

— Você vai ficar linda.

***

Parada em frente ao espelho, estava me admirando. O meu vestido


cor de vinho era simples, porém sensual, no entanto não era só ele que me
deixava outra pessoa; também tinha os saltos pretos e o cabelo solto, com a
franja. Segundo Hoper, eu ficava mais fofa assim. E, por fim, a maquiagem.
Odiava me vestir para agradar alguém, só que achei que, dessa vez, poderia
passar.

— Só falta o batom vermelho. — Minha amiga praticamente puxou


o meu rosto. — Ótimo. Agora, você está irresistível. Se rolar beijo, vai
deixar uma marca.

— Não sonhe muito alto. — reclamei. — Não rola interesse algum


desse tipo. — menti, pois eu desejava muito isso e até sonhava às vezes
com essa situação. Sentia-me culpada por ter sonhos assim. — Não é um
conto de fadas ou algum filme bobo que você já viu. Homens como Joseph
se casam com mulheres ricas e finas. Eu não tenho um par no mundo, nem
quero.

Minha amiga balbuciou algo e depois ouvimos a campainha tocar.


Na verdade, foi mais como um zumbido estranho. Assim que ela me
deixou, encarei o espelho.
Confesso que meu maior problema era pensar demais no que
poderia dar errado, se era certo ou não e se estava ridícula ou mais que isso.
Talvez procurar algo negativo em mim fosse um trauma do abandono. Se
minha mãe não me quis, por que outra pessoa iria querer?

Tive que mandar embora esses pensamentos para não desistir de ver
Joseph. Na verdade, eu queria isso, queria acabar de vez com essa piada.
Ser amiga dele era uma grande piada. Em menos de três meses descobri
que...

Senti meu coração ir à boca ao notar que ele me encarava, e nem


fazia ideia de onde tinha ido parar Hoper. Ela sempre sumia quando eu mais
precisava dela. Não pude dizer nada; minha língua travou, meus neurônios
ficaram malucos e ele ainda me olhava. Estava tão lindo quanto há uma
semana, usando roupas escuras, embora despojadas, e com o cabelo
penteado. Não precisava de mais que um perfume para me destruir e me
deixar sem palavras.

Nesse momento, eu me senti como uma palhaça. Usava algo sensual


— ou achava que sim — para um jantar com esse homem. Ele devia me
achar uma...

— Você está linda.

— Gentil da sua parte. — afirmei tímida. Dava para sentir meu rosto
pegando fogo. — Acho exagerado. Queria testar algo novo, mas...

— Não é só gentileza, é uma constatação. — Aproximou-se de mim


em passos curtos, fazendo com que meu coração diminuísse. — Fica bonita
de qualquer maneira.

Como de costume, ele pegou a minha mão e a beijou, sem tirar os


olhos de mim. Era quase uma tortura silenciosa. Pensei em, simplesmente,
puxar a mão e o mandar embora, pois acreditava que, a qualquer momento,
poderia dizer tudo que estava preso na minha garganta.
— Ela está linda, não é? — O clima tenso foi cortado pela voz
irritante de Hoper soando ao nosso lado. Ela estava com um sorriso no rosto
que eu quis tirar com um tapa. — Você tem a missão de alegrá-la. Tem algo
estranho acontecendo com a Sam hoje.

— Você está bem? — ele me perguntou preocupado.

— Claro. Hoper só está me importunando.

Tomei a iniciativa de sair. Se ficasse parada lá, desistiria de ir.


Capítulo 12
Joseph

A semana foi corrida e não tive um dia de tranquilidade. Fazia um


tempo que não precisava viajar tanto assim. Meus projetos paralelos
estavam tendo um ótimo retorno, eficiência, e isso significava que eu
trabalharia mais.

Mesmo com reuniões e longos dias lendo e planejando coisas, não


parei de pensar nela em nem um segundo. Samantha conseguiu aquilo que
eu achava estar bem distante de mim; ela estava na minha cabeça e, mais
que isso, vê-la depois desse tempo era mais que necessário.

Não estava preparado para sentir o que sentia. Ela estava diferente,
usando um vestido que valorizava suas curvas e deixou a franja à mostra.
Sua boca era uma tentação. Notei diferença nas suas expressões, ações, e
fiquei preocupado.

Desde que nos conhecemos, passamos a conversar quase que


diariamente. Não existia mais um mistério, nem medo de dizer nada. Bem...
Quase nada. No momento, eu me sentia confuso. Ela era uma pessoa
excelente que me deixava alegre e com saudade. Poderia falar que estava
viciado nela, pois desejava estar perto dela vinte e quatro horas por dia.

Algo havia mudado nos últimos dias em que ficamos longe um do


outro. Samantha estava calada, sendo que odiava o silêncio e tinha vezes
que tagarelava sobre coisas aleatórias só para ter o que dizer ou haver
algum tipo de barulho entre nós. E eu gostava de ouvi-la falar essas coisas.
O som da sua voz me libertava da minha vida corrida e, muitas vezes,
solitária. Era como se não importasse a quantidade de pessoas ao meu redor,
porque sempre me sentia sozinho. Entretanto, quando estava com ela, isso
não acontecia. Por esse motivo amava estar ao seu lado.
Depois de uma semana longe dela, pensei em jantarmos juntos, e
não queria que fosse como das outras vezes, apesar de gostar de cozinhar
para ela. Eu desejava comer algo delicioso e não queria que ficássemos à
distância, e sim perto, para olhar em seu rosto e olhos.

Sam ficou calada durante o caminho até o restaurante. Estranho e


curioso. Meu medo era de que algo que eu tenha feito, tivesse a chateado.
No entanto, se fosse o caso, claramente, ela me diria, com toda a sua raiva e
provocação.

Paolo era um dos melhores chefes italianos em Nova York, amigo


de meus pais e meu. Portanto, eu me sentia acolhido em seu restaurante.

— Não tem ninguém aqui. — Ela encarou o espaço com o cenho


franzido, como não a tinha visto muitas vezes. Sua franja a deixava ainda
mais bonita. — Estamos no lugar certo? — sussurrou.

Não pude deixar de rir. Como não havia mais ninguém presente ali,
sua atitude de sussurrar foi engraçada.

— Sim, estamos. — Deixei-a entrar primeiro. — Não tem mais


ninguém. Por que está sussurrando?

— É o que estou tentando dizer. — falou novamente em um


sussurro. — Para onde foi todo mundo?

Eu a conduzi à mesa, ainda sorrindo. Essa era a mulher que eu


conheci e gostava.

— Não terá mais ninguém, Samantha. Reservei todo o restaurante


para nós.

A surpresa em seu olhar me levou a sorrir mais uma vez.

É impressionante o quanto essa mulher é linda.

— Você o quê?!
— Por que ainda está sussurrando? — fiz o mesmo, bem perto do
seu rosto, sentindo ainda mais o seu perfume. Algo que mexia comigo de
formas inexplicáveis. Eu entendia o que significava, só não queria admitir.
— Não gosto de lugares lotados e desejo privacidade em nosso jantar.

— Você é alguém surpreendente, Joseph. — falou quase séria


demais. — Me deixa confusa. Na verdade, penso que tem medo de que
outras pessoas nos vejam juntos.

— Se tenho medo de algo em relação a você, Sam, não é de ser visto


ao seu lado, e sim de que mais alguém descubra o mesmo que eu.

— E o que seria?

Mal começamos a noite e nossos olhos já travavam uma batalha


emocional que me deixava perturbado. Essa mulher mudou algo em mim.
Algo que achava não ser mais possível.

— De que notem o quanto você é incrível e magnifica, capaz de


fazer mudanças que achei serem impossíveis para mim. — Existia outras
coisas que eu desejava falar, mas, no mesmo momento, veio à minha mente
as suas palavras se repetindo constantemente: “Nunca vou querer um
relacionamento ou mais que uma amizade sincera com alguém”.

Samantha tinha tendência à fuga, só que eu não diria que era uma
medrosa. Muito pelo contrário. Ela era uma mulher forte e determinada de
quem eu me orgulhava, contudo, em relação a sentimentos, sabia fugir e
driblar tais situações.

— O que isso quer dizer?

Encarei-a por um tempo. Ainda nem tínhamos sentado.

Eu me deixei levar pelas emoções, no entanto não queria falar nada


que a fizesse ir embora. Afastei-me, puxando a cadeira para que ela se
sentasse, e depois que a ajudei, fui para o meu lugar, sentindo um gosto
amargo na boca.
— Não é nada demais.

Ela ainda me encarava quando me sentei, mas deixou de lado o


assunto.

— Dia difícil no trabalho? — perguntou. — Como foi a viagem?

— Estressante, como sempre. — Respirei fundo.

O garçom nos serviu o vinho, que era produzido pela família de


Paolo há anos, e eu tomei um gole dele.

— Nada de surpreendente. Mas vejo que está desanimada.

Quando voltei a olhá-la, encontrei-a me fitando, nem séria, nem


contente. O que me deixou pensativo. Acreditava que fosse por conta de
algo no trabalho, porém deixaria que ela me contasse.

— Não é nada demais. Só estou refletindo sobre... — Outra vez


fomos pegos pelo silêncio. Em seus olhos, algo me dizia que havia coisas
que ela não me diria.

— Sobre...? — Nada. Ela não disse nada. — Tem algo errado?


Sobre o que está refletindo?

— Sobre o quantos somos tão diferentes. E você parece não ligar


para isso. — finalmente respondeu, porém desviando os olhos dos meus.

Foi a primeira vez que ouvi isso dela.

— Diferentes? — repeti, ainda sem entender. — Em relação ao quê,


você nos acha diferentes?

— Não vê? — questionou-me quase com raiva. — Tudo nos


diferencia, Joseph.

— Devo confessar que há coisas que são diferentes para nós dois,
mas que não sei por que isso a incomoda.
Novamente, um silêncio entre nós. Ele me perturbava. Eu sabia
exatamente o que desejava dizer, porém esse não era um ponto que me
incomodava. Muitas vezes percebia que Samantha não se sentia bem com o
mundo em que eu vivia, pois o dela era simples e calmo. Algo com que ela
já era acostumada. Era um dos pontos que me botava medo também.

— Quer saber? Não é nada. Às vezes penso demais nas coisas e


acabo colocando problema onde não tem. — Deu um falso sorriso,
desconfortável.

Fuga. Sempre que estávamos em uma conversa séria como essa, ela
fugia. Foi assim que cresceu: fugindo de problemas dos quais achava que
sairia ferida.

— Se houver algo que lhe incomoda, deve dizer. — Peguei em sua


mão com carinho. Eu sabia o que sentiria com esse gesto, e esse foi meu
segundo alerta.

— Não é nada, Joseph. Na verdade, minha cabeça não para de


pensar na coisa estranha que está acontecendo no trabalho, e acabo levando
isso muito a sério. — Afastou sua mão de mim.

— Você disse que não tinha um problema no trabalho. — Franzi o


cenho.

— Esse é o problema. — apontou com surpresa. — Não está ruim,


não tenho que lidar mais com Sebastian e ainda não tive que ouvir o quanto
sou boa, mas não tão boa quanto os outros engenheiros.

Era interessante assistir às suas reações. Ela levava mesmo tudo


muito a sério. Estava acostumada a uma coisa e, quando tudo mudava,
achava mais que estranho, ficando bastante confusa.

— Achei que fosse isso que você queria.

— É. Mas não sabia que aconteceria de verdade. Agora estou


achando que é um sonho maluco. — Eu ri e ela tomou um pouco da sua
bebida antes de continuar a história. — Sebastian está sendo... gentil. O
quão isso é bizarro?

— Estão se tornando amigos? — eu falei com ironia e ela me olhou


com reprovação. — Posso acabar tendo ciúme.

— Deus me livre! — Ela estava tão ofendida, que quase dei uma
gargalhada. — Deus faz milagres, mas até ele tem seus limites.

— Qual o limite de Deus!?

— Tornar Sebastian descente o suficiente para que eu seja “amiga”


dele. — Fez aspas com os dedos. — Acho melhor mudarmos de assunto.
Estou ficando irritada.

— Sabe, Samantha? Você é uma caixinha de surpresas. — Encarei


seu rosto confuso. — Talvez esteja tão acostumada a não receber atenção,
que se assusta com coisas assim. E isso me deixa triste.

— Se sente triste por mim? Isso quer dizer que...?

— A única coisa que quero dizer, Samantha, é que odeio quando


alguém a menospreza ou a maltrata. É por esse motivo que tento sempre
fazer com que você seja a minha prioridade.

— Sente pena de mim?

O quê?!

— Não! — Até fiquei irritado e ofendido. — Você não é alguém que


me gere pena. Eu gosto de você. Sei que não está acostumada a lidar com
essas coisas, porém me irrita que pense assim de mim.

— Me desculpe. — Ela me encarou como se estivesse em um


conflito, e eu entendia. — Não quero te irritar, mas...

— Eu sei. — Peguei em sua mão novamente e, dessa vez, houve


alguma coisa a mais que o normal: era um apego, uma necessidade. Eu
queria dizê-la o quanto gostava dela. Mais que gostar. Era algo que nunca
imaginei sentir. — Te entendo. É por isso que sempre estarei aqui, por você.

Fomos interrompidos pelo garçom com as entradas e usamos esse


momento para mudar de assunto.

O resto do jantar foi alegre e animado. Gostava de vê-la sorrir, então


me esforçava ao máximo para ser engraçado. Geralmente, eu não era, e
todos tinham essa compreensão, todavia, com Samantha, as coisas eram
diferentes; eu não mentia, nem fingia.

Apesar de tentar, a todo custo, perdurar nosso tempo juntos, uma


hora ele teve que acabar. O caminho de volta foi mais animado que a vinda.
Ela estava tão linda, que pensei em jogar tudo para o ar e a dizer o que
realmente queria.

Ao fim do trajeto, nós sentíamos o mesmo e eu não queria que


acabasse. Algo dentro de mim dizia que ela sentia o mesmo que eu e que, se
fosse verdade, negaria até o fim.

Abri a porta do carro para ela. Os segundos tão perto do seu corpo
fizeram com que meu coração fosse à boca. Eu já tinha me apaixonado
antes. Foi intenso e bom, só que não dessa forma. Era maior, sufocante e me
deixava angustiado e com medo. Embora fosse tão bom, também era ruim,
já que a mulher por quem eu sentia todas essas coisas, protegia-se tanto, que
não se permitiria tentar algo a mais.

— Que bom que vocês chegaram. — Hoper apareceu do nada,


praticamente arrastando Samantha de perto de mim. Fiquei tão confuso, que
apenas as observei. — Seu antigo professor bonitão ligou. — Bonitão?! —
Você se esqueceu do celular em casa e eu não queria mexer nas suas coisas,
mas quando Richard Foldner surgiu na tela, marcando um encontro, não
teve como resistir.

Encontro?

— O que você fez? — perguntou Sam, controlada, contudo irritada.


— Que tipo de encontro? Ele foi meu professor.
— É, eu sei. Você é uma sortuda. — Parecia que elas haviam se
esquecido da minha presença.

As palavras “encontro” e “professor bonitão” não me deixariam ir


embora antes que eu soubesse mais sobre o que diziam.

— Não consegui atender à chamada, só que depois ele te mandou


mensagens, dizendo que estava aqui, em Nova York, e que tinha uma
proposta para você. Eu falei, no seu lugar, que aceitava o jantar. É amanhã,
no Il Mulino, um dos melhores e luxuosos restaurantes da cidade.

Il Mulino!

Eu nem conhecia esse homem e já o odiava, sem nem me importar


se era um ex-professor de Sam ou se era mais velho ou novo. Quem
convida uma ex-aluna para jantar em um restaurante como esse, com clima
romântico e...? Richard Foldner. Já odiava esse nome.

— Não é um encontro. — falou Sam. — Ele estava em uma


pesquisa que tem relação com meu novo projeto de microchips. Talvez
tenha me convidado para jantar por esse motivo. Mas você não tinha que ter
marcado nada em meu lugar, Hoper.

— Quero te ajudar a desencalhar. Se Joseph não é o seu amor


verdadeiro, talvez o...

— Pelo amor de deus, cale esta boca! — Ela estava irritada, no


entanto controlada.

Pigarrei e arrumei as minhas roupas, sendo que não tinha nada fora
do lugar.

— Devo ir agora. Parece que vocês têm muito o que conversar, e...
— Assim que ela me olhou, não consegui disfarçar o quanto estava
incomodado. — Boa noite, Samantha.

— Boa noite, Joseph. — Seu sorriso no fim da frase desmontou a


rigidez que eu sentia.
Sam era alguém magnifica, e meu medo era de que outra pessoa
conseguisse aquilo que eu tinha medo de dizer.
Capítulo 13
Samantha

Fiquei com o coração na boca depois que Joseph foi embora não
muito feliz. Nossa noite foi maravilhosa e me fez esquecer de todas as
minhas inseguranças, inclusive do fato de ele ser apenas meu amigo. Suas
palavras e gestos só me confundiram ainda mais.

Estava totalmente ferrada, apaixonada por alguém muito além do


meu alcance, e minha melhor amiga ainda jogou um balde de gelo na noite
que estava quase perfeita.

“Por isso você é minha prioridade”.

Que tipo de amigo diz essas coisas, olhando nos olhos e tocando na
mão da amiga, como se fosse uma declaração de amor?

Quis até matá-lo por estar fazendo isso, entretanto confessaria que o
amava. Droga! Eu me apaixonei por ele. O cara mais incrível e amoroso
que conhecia, além de rico e bonito, estava tão alto, no topo, que meu
pescoço doía ao olhá-lo.

— Por que fez isso? — questionei raivosa à Hoper assim que


entramos em casa e a porta foi fechada. — Falou aquilo como se fosse algo
surpreendente, como se houvesse um interesse do professor.

— Não sei do que está falando. Eu só disse que...

— Eu estava lá; ouvi o que disse. Não precisava ser na frente dele,
daquele jeito, e nem deveria ter marcado nada em meu lugar. — Mal
percebi que tinha me aproximado dela, apontando o dedo em sua direção,
bastante furiosa.
Não importava se não era nada demais. Eu tinha a necessidade de
deixar claro que não havia nada entre mim e mais ninguém. Sabia que era
idiota e que aquele “amor” era quase impossível, no entanto, saber que ele
pensava de mim o que minha amiga supôs, deixava-me a quilômetros de
distância de alguma chance de ficarmos juntos.

Era óbvio que isso não iria acontecer entre nós ou com mais alguém.
Minha boca traiçoeira repetia tantas vezes essa afirmação, que se eu o
revelasse tudo o que sentia, seria interpretada de formas erradas. Sem falar
que ele tinha saído ferido de um relacionamento, magoado o bastante para
criar uma barreira enorme entre o amor e o seu coração.

Como se já não fosse um abismo gigante vivermos vidas totalmente


diferentes. Samantha Still era uma simples engenheira, com sonhos tão
pequenos quanto à sua coragem, e ele era um homem bem-sucedido,
herdeiro de um império, com mulheres mais lindas e finas que eu ao seu
redor.

— Ainda vai me agradecer por isso. — Ela cruzou os braços. —


Tudo o que fiz foi pensando em você.

— Pensando em mim?! — debochei. — Quase me fez passar por


um vexame na frente de Joseph. Ele ficou tão sem jeito, que foi embora. —
Fiquei desanimada.

Era idiota da minha parte achar que ele se incomodava com o fato
de eu sair com outro cara, mesmo que esse não fosse um encontro
romântico.

— Sem jeito? — O olhar de deboche dela me trouxe novamente a


raiva. — Eu diria que estava incomodado com o fato de você ir jantar com
outro em um restaurante chique.

— Claro. Porque ele é o único amigo que posso ter. Não viaje!

Ela estava me encarando de maneira estranha, com algo em mente.


Seu meio-sorriso, olhos cerrados e uma expressão que não sei o que
significa, deixara-me furiosa.
— Espero que tenha um ótimo jantar com o Richard e que meu
plano dê certo. — Saiu da minha frente.

— Plano? — Eu a segui, sem entender. — Acha que, de alguma


forma louca, eu me apaixone pelo meu ex-professor? Não sonhe alto, senão
vai cair das nuvens.

— E quem disse que estou falando dele?

***

No dia anterior reclamei que minha vida estava, estranhamente,


dando quase certo; pelo menos no trabalho. Entretanto, bastou minha
cabeça deitar no travesseiro, para que esse cenário mudasse. Joseph era a
minha maior preocupação, meu maior desafio. Passei tantas horas acordada,
que quase desisti de dormir. Ele era a prova de que eu tinha sido fraca e
ridícula ao achar que me guardaria e nunca me apaixonaria por alguém.

Príncipes não existem. Pelo menos não iguais aos dos contos de
fadas. E Joseph não era um deles, apesar de ser o cara mais perfeito que eu
já havia conhecido. Ele me deixava tão feliz, que acabava me esquecendo
das barreiras.

Passei o dia tentando me concentrar no trabalho e quase falhei nesse


plano. Vinha à minha mente que meus sentimentos por ele estava, de certa
forma, estragando nossa amizade. Ficar longe dele foi difícil e me fez
perceber toda essa loucura, mas, pensando bem, achava que tudo tinha
começado por conta das nossas noites agradáveis, das conversas
intermináveis e de seu olhar amoroso. Sua gentileza também era uma das
culpadas.

Para acabar com essa maluquice de amor não correspondido, decidi


dar um tempo disso tudo.

Ao fim do expediente, eu tinha que me preparar para o jantar com


Richard. Li as mensagens e sabia que seria um encontro de teor cientifico.
Então, não me importei.
Escrevi uma mensagem ao Joseph. Algo que me partiu meu coração,
mesmo sabendo que era bobagem. Eu precisava de um espaço.

“Desculpe, Joseph, mas acho melhor não sairmos mais por um


tempo.”

Era uma frase simples, sem conter muitos detalhes. As palavras não
escritas doíam mais do que as que enviei.

Não obtive resposta e dei graças a Deus.

Ao chegar em casa, não vi Hoper. Devia estar ainda na sua sala, na


universidade onde trabalhava. Também agradeci por isso. Minha amiga
podia até ser maluca e, muitas vezes, irritante, entretanto era a pessoa que
mais me conhecia. O que não era bom nesse momento, porque olhando
minha imagem no espelho, compreendia que não conseguiria disfarçar a
minha tristeza.

***

— Samantha. — A voz grossa de Richard me despertou dos meus


pensamentos.

Eu estava em sua frente, à mesa. Já tínhamos chegado há meia hora


e conversávamos sobre a forma de comunicação instantânea entre os
servidores usando os meus microchips. No momento, eu só conseguia
pensar em Joseph. Não obtive uma resposta sua, e isso tanto me alegrava,
como entristecia.

— Você não parece estar bem.

— Me desculpe. Eu estava imaginando como os meus cálculos


poderiam se encaixar com o seu projeto de estudo. — menti, dando um
sorriso amarelo. — O que dizia?

Na verdade, os meus pensamentos estavam em Joseph, como ele


estava, com quem, e o porquê não tinha me respondido ainda. É claro que
eu não queria ler sua resposta. Seria algo muito ruim de lidar. Contudo,
ficar sem notícias era péssimo.

— Eu estava a convidando para participar dos estudos, em parceria


com a Oxford. — Ele me encarou com seus belos olhos azuis e o meio-
sorriso de canto de boca que sempre tirava suspiros das alunas. Menos de
mim, claro. Eu o via como um tutor, um tio, eu diria. — E não é só isso
Samy. Eu... consegui para você aquilo que mais queria. — disse empolgado.

— O que eu mais queria? — repeti confusa.

Richard uniu as sobrancelhas, como fazia quando queria dar uma


bronca em alguém, e eu vi confusão em seu olhar.

— Não se esqueceu do seu maior sonho, não foi?

Ah... O meu maior sonho na vida acadêmica.

— Não! — respondi assim que lembrei. — Na verdade, deixei isso


de lado para focar no trabalho, mas nunca me esqueci.

— Fico feliz. — Ele tocou na minha mão que estava sobre a mesa.
— Consegui para você essa oportunidade em Londres.

Apenas conseguia observar seu gesto. Não era desconfortável,


apesar de estranho. Não senti nada, diferentemente de como senti na noite
passada, com Joseph. Às vezes pensava que um sutil toque seu poderia me
destruir de dentro para fora.

— Oportunidade em Londres? — questionei confusa, afastando


minha mão da dele. — Como assim?

— Se aceitar o meu convite, terá o doutorado assim que nossa


pesquisa acabar. Falei de você a um amigo que preside uma enorme
empresa de tecnologia na Inglaterra. Não posso dizer que é na posição que
você tanto deseja, mas sei que é inteligente e dedicada o bastante para
conseguir ser a chefe do setor de tecnologia de lá.
Era nítida a minha surpresa, contudo estava desconfiada também.
Nunca imaginei que Richard se dedicaria a mim dessa forma.

Era uma ótima oportunidade, meu doutorado em uma das melhores


universidades do mundo, um sonho. E ainda ser contratada em Londres?
Realmente, era de se estranhar.

— Não sei o que dizer. É tão... Uau! Estou sem palavras.

— É. Tudo isso foi o que tanto desejava na época em que estudava.


Sei da sua história e de como sempre foi a melhor da turma.

Fiquei feliz que ele me valorizasse tanto, para me ajudar dessa


maneira, porém minha empolgação não era maior que minha dúvida.
Londres! Geralmente, eu não tinha apego emocional a um lugar, só que isso
me pegou de surpresa. Se fosse em Nova York, eu não estaria tão
desanimada, e nem era só por conta do meu projeto no trabalho ou da minha
melhor amiga Hoper, mas também por conta dele. Apesar de saber que a
distância me protegeria e me ajudaria a esquecer do meu sentimento louco,
não queria ficar tão longe de Joseph. Querendo ou não, a possibilidade de
vê-lo com frequência me deixava mais tranquila. Já em outro continente,
esse fato mudaria.

— Tem razão. Isso é o que sempre quis e quero. — Estava


pensativa. — Mas preciso de um tempo para processar a informação e
decidir...

— Eu sei. Por isso não te dei um prazo. — adiantou-se. — Aqui


você tem amigos e o seu trabalho. Não esperava que fosse tomar essa
decisão de forma espontânea, pois sei bem que pensa mil vezes antes de
fazer algo.

— É. O meu projeto acabou de ir para a produção e vamos usá-lo


inicialmente no desenvolvimento de sistemas automotivos para lhes dar
mais eficiência. E, mesmo sabendo que tenho 50% da patente dele, seria um
desafio levar esse conceito para uma concorrente.
Não era o problema no qual estava pensando, mas servia como
consolo. A verdade é que não me importava mais com isso. Além do mais,
ultimamente estava indo bem no trabalho. Parecia que as coisas estavam
caminhando bem.

— Acredite: eu sei. Estarei em Nova York por duas semanas.


Mesmo que, ainda esteja em dúvida, uma parceria não ariscaria tudo que
construiu aqui.

— Você tem razão. — Dei um meio-sorriso.

Minha noite estava agradável, no entanto desejava ir embora do


restaurante e pensar no que tinha acabado de ouvir. Fiquei feliz quando
saímos dali e ele insistiu em me levar para casa. Richard era um cavalheiro.
O que me lembrava de outra pessoa. Já fazia muito tempo que não nos
víamos, então, se fosse em outro momento, despertaria em mim o desejo de
continuar a nossa conversa. Entretanto, eu não estava tendo o melhor dia de
todos.

Ao chegar em frente à minha casa, senti aquele desejo de me virar e


ver Joseph me olhando daquele jeito misterioso, com o sorriso no rosto,
esperando para se despedir de mim com um beijo em minha mão, que me
causava tanto desejo. Mas não era ele, era Richard se despedindo, e não
surtiu o mesmo efeito.

Não queria deixar que ninguém mais visse o quanto eu estava triste.

Fiquei feliz ao fechar a porta, quase deixando que minhas emoções


trasbordassem. Assim que comecei a me afastar dela, alguém tocou a
campainha. Pensei que fosse meu ex-professor mais uma vez e respirei
fundo.

Ao abrir a porta, dei de cara com Joseph. Meu coração foi à boca.
Ele não estava feliz e eu imaginava que fosse um sonho louco.

— O que pensa que está fazendo? — ele indagou irritado e minha


língua se prendeu à boca. Não sabia o que responder. — Acha que pode
terminar tudo por telefone, me escrevendo uma simples mensagem, e
esperar que eu aceite? — Aproximava-se mais de mim a cada palavra que
dizia. Eu me afastava até que não houvesse mais para onde ir. A parede foi
o meu limite. — Não, você não pode. Eu estou tentando fazer isso dar certo,
escondendo e fingindo não sentir esta coisa dentro de mim, e achei que
estávamos bem, apesar da sua mania de fugir.

— O que está fazendo? — Foi o que pude falar.

— Parando de fingir que estou bem sendo seu amigo, quando, na


verdade, não estou. — disse firmemente, encarando-me tão de perto, que
parecia um gingante.

A qualquer momento meu coração iria parar e meus pulmões


entrariam em um estado crítico. A única coisa que fiz, foi encarar seus
olhos, achando que tinha estragado tudo entre nós.

— Você não gosta de... — Literalmente, fui calada por ele, pelos
seus belos lábios macios.

Eu não estava esperando por isso. Não esperava por nada. O


impacto foi tão forte, que acabou levando o resto dos destroços que existia
entre mim e os sentimentos que guardava no peito. Não pude resistir.
Joseph mantinha seus grandes braços em minha cintura, prendendo o meu
corpo ao seu, e seus lábios tiravam de mim todo o meu oxigênio. E eu não
estava reclamando. Quis tanto retribuir o gesto, que praticamente me joguei
para cima dele. Em menos de um minuto, já o tinha me segurando contra a
parede, com os dedos fortemente na carne da minha coxa.

Nunca tinha sentido algo parecido. Era como se houvesse milhares


de fogos de artifícios em meu estômago. E meu peito, ao mesmo tempo em
que estava transbordando de felicidade, sentia que explodiria.

Em minutos, ele passou de beijar a minha boca para, praticamente,


devorar meu pescoço. E foi nesse momento em que vi minha amiga subindo
os degraus da calçada, olhando-me com espanto e voltando para a rua.
Percebendo o que estava acontecendo, fiquei envergonhada e afastei
Joseph.
— Espere um segundo. O que estamos fazendo?! — Eu não era
idiota, então sabia o que era; só não queria que a porta estivesse
escancarada.

— Ah! Pelo amor de Deus! — reclamou. — Sabe o quanto tive que


me segurar todo esse tempo?

— A porta está aberta e não sei se isso é certo. — justifiquei-me


com um meio-sorriso.

Depois que estava no chão, descaradamente, minha amiga fingiu


chegar sem saber de nada.

— Joseph, você está aqui! — disse com uma voz aguda, quase me
fazendo bater nela. — Achei que tinha saído com o professor gato, e não...
— dirigiu-se a mim.

— Quer parar com isso?! — reclamei.

Eu estava envergonhada e sem graça; não por conta da Hoper


intrometida, e sim por conta dele. Eu nunca havia estado nessa situação,
portanto não sabia como reagir.

— Amanhã continuamos. — Joseph afirmou de maneira curta e


firme.

Não pude dizer nada. Ele saiu e não disse mais nem uma palavra.

Quando a porta se fechou, o olhar safado da minha amiga trouxe a


mim um desejo de matá-la.

— Vão continuar amanhã... Sei! — Andou até a sala, colocou a


bolsa sobre o sofá e, depois, encarou-me com aquele olhar que me deixava
com raiva. — Recomendo camisinha e...

— Cale a boca! — Saí da sua frente e caminhei em direção ao


quarto. — Você tinha que chegar bem na hora em que ele apareceu e...? —
E o quê? E me beijou, tirando toda a minha armadura? Eu não diria isso.
— Acredite: eu também me condeno. — Revirou os olhos. — Logo
quando vocês dois resolveram se assumir, eu dei uma mancada dessa.
Claro... Dei uma forcinha ontem. Mas...

— Forcinha?! — perguntei incrédula.

— Samy, você é uma das pessoas mais inteligentes que conheço. Na


verdade, a mais inteligente. Só que em relação ao amor, é péssima.

— E você colaborou nisso como? — Cruzei os braços, esperando


ouvir sua história muito bem arquitetada.

— Estava na cara que vocês se amavam, mas que eram dois


medrosos, orgulhosos. E nenhum dos dois pensou que o outro sentia o
mesmo. Mas eu sim. Por isso, com a ajuda do destino, falei na frente dele,
ontem, que seu ex-professor de Física, muito gostoso, por sinal, a convidou
para um jantar. — Revirei os olhos, achando ridículo o que ela estava
dizendo. — Primeiro: não seria um jantar, e sim um almoço. Mas, me
passando por você, pedi para que fosse à noite, já que todas as noites você e
Joseph marcavam de sair. Assim, ele perceberia que existia outro na
concorrência e ficaria puto por não te ver depois de uma semana longe. —
O quê?! — Depois botei a minha atuação em dia, aumentando fatos e
falando exageradamente sobre essa ocasião. Vi, em primeira mão, o ódio
dele ao saber disso. Na verdade, quem fez a reserva no restaurante fui eu.

— Você o quê?! Como?!

— Eu disse ao bonitão que sua amiga Hoper, euzinha, conseguiria


uma mesa. Talvez ele pensasse que ir a um restaurante chique fosse uma
cantada sua, e se meu plano desse errado com Joseph, você poderia...

— Então, por isso o toque e os olhares. — Refleti. — Sua


manipuladora! Ele me convidou para ir a Londres. E se eu...?

— ELE O QUÊ?!

— Foi por isso que ele veio e marcou o jantar. Richard me convidou
para ser uma colaboradora na sua pesquisa em conjunto com a Oxford e,
além disso, me ofereceu a oportunidade de fazer doutorado lá. Agora vai
achar que quero algo com ele.

— Você não vai para Londres! — ela falou praticamente decretando


o seu desejo. — O gostoso do Joseph te beija igual naqueles filmes em que
o mocinho revela o sentimento para a mocinha, e, do nada, você vai para
outro continente?

— Eu não disse “sim” ainda.

— Ótimo. Olha... Eu sei o quanto quer isso, mas... Mas não pode
conseguir o doutorado e perder o amor da sua vida.

— Está exagerando.

— Estou? Acho que não. Sabe por quê?

— Por quê? — Revirei os olhos.

— Você levou tanto tempo se dedicando à ciência e ao seu trabalho,


mas nunca foi totalmente feliz. — Hoper demonstrava estar realmente
chateada, e o pior era que o problema nem era com ela. — E três meses ao
lado daquele homem, que praticamente transou com você agora a pouco, na
porta, te deixou contente como nunca a vi antes. — Fiquei até
envergonhada com a forma como ela falou. — Um mero segundo com
quem ama é mil vezes melhor do quer ser a mais inteligente do mundo,
Samantha. Deveria saber disso.

— Por quê? Não sou alguém que mereça ou...

— Porque foram poucas as vezes que te vi feliz. E você está agora, é


só se deixar...

— Eu não disse “sim”, Hoper.

— E vai dizer?

— Não sei.
Sentia-me péssima. Duas coisas que eu mais queria, aconteceram ao
mesmo tempo, e tinha que escolher entre meu doutorado e Joseph Morson.

— Samy, um doutorado você pode fazer em qualquer lugar, pois é


inteligente, mas não vai encontrar outro Joseph Morson em Londres.
Capítulo 14
Samantha

Eu não poderia dizer que não estava pensativa sobre Londres desde
a noite passada, ao sair do restaurante. Era uma ótima oportunidade que me
levaria ao que sempre quis, porém existia uma grande parte em mim que
entendia que se eu fosse, poderia perder a coisa boa que encontrei com
Joseph. No entanto, essa mesma parte achava que eu não teria alguma
chance com ele e que permanecer no país me faria perder uma oportunidade
única.

Hoper estava errada. Pelo menos em relação ao Joseph.

Ele foi surpreendente e despertou em mim algo que nunca tinha


sentido por ninguém, como satisfação, acolhimento e paz. Eram
sentimentos que eu jamais havia visto. Eu sempre achava que não
conseguiria amar ou, pelo menos, que não faria outra pessoa se apaixonar
por mim. Devo confessar que ainda achava isso e que o que aconteceu na
outra noite tinha sido um delírio do meu inconsciente me traindo.

Ainda sentia em meus lábios o desejo e a sensação boa que foi beijá-
lo. Não foi como nas outras vezes, com os outros caras; foi tão bom, que
não percebi o que fazia até Hoper aparecer e me trazer ao mundo real. Eu
poderia passar horas fazendo isso novamente e acreditava que sentiria o
mesmo que senti na primeira vez.

— Senhorita Still. — a voz da minha assistente me despertou dos


meus pensamentos pecaminosos. Ela estava com uma cara assustada. Achei
que tinha estragado algo, embora não tivesse feito nada além de me sentar.
— O senhor Johnson está vindo, e está acompanhado do chefe. —
praticamente sussurrou.

— Chefe?! — Levantei-me da cadeira e tentei me ajeitar o máximo


que pude.
Ultimamente, havia tirado do meu guarda-roupa peças que me
deixasse mais formal e séria. Hoper dizia que como você se comporta ou
aparenta, traz um poder e ajuda a mostrar autoridade. Pura balela. Eu sabia
o que ela queria dizer: “Se vista melhor, com roupas atraentes, e levante o
nariz”.

— Achei que ele não viesse aos andares de produção ou que se


misturasse com os trabalhadores “comuns”. — ironizei, fazendo aspas e
uma voz engraçada.

— Não esse chefe. O chefe mesmo, o grandão!

O grandão?! Espera! O dono?!

— Está falando do dono da empresa? Aquele que manda e


desmanda?! — O desespero estava quase transparecendo em mim.

Olhei pelo vidro da minha sala. Mesmo que estivesse tudo em


ordem, não queria ariscar. Ao longe, vi meu superior ao lado de um homem
bem mais velho, de cabelos grisalhos, terno fino e sorriso no rosto. Quase
falei um palavrão em voz alta. Desde que comecei a trabalhar na empresa,
esse homem nunca tinha ido lá, muito menos nas salas dos engenheiros.

— Ele demitiu o CEO e assumiu a empresa novamente. Estava


doente, se curou de um câncer. Não fale sobre isso e não gagueje. — ela
falou o mais rápido que pôde, só para que eu não passasse vergonha.
Adorava essa mulher. Era a melhor e minha cumplice ali. — Seu nome é
David Lancaster.

Balancei a cabeça, respirei fundo, fiz uma cara de simpática e botei


um sorriso no rosto. Eles estavam quase perto, quando foram parados pelo
inconveniente do Sebastian. Não pude deixar de revirar os olhos. Esse
crápula sempre aparecia nos piores momentos. E, o pior, bajulava até o
diabo.

Fechei os punhos, de raiva, quando notei que ele os acompanhava


até minha sala.
— Não surte! Você é mais forte que isso. E não pode fazer uma cena
na frente do chefe. — disse a mim mesma, quase sem som algum, mas
minha assistente me ouviu.

— Essa é a Samantha Still, nossa engenheira mais nova. —


comunicou Phillip. Seu sorriso falso me deixou preparada para o que estava
por vir.

Eu só não esperava que ele decidisse me menosprezar na frente de


um homem tão importante como o senhor Lancaster. Seria a gota d’água.

O homem me encarou surpreso, com olhos arregalados e sem reação


alguma que pudesse me dizer o que de errado eu tinha.

Não faça isso comigo, Deus! Ele não pode ser mais um babaca.

— É um prazer conhecê-lo, senhor Lancaster. — Estendi a mão,


tomando a iniciativa, já começando a estranhar sua pausa.

Ele demorou para me cumprimentar e eu repeti meu mantra,


esperando que, de alguma forma, eu não o acabasse falando alguma merda.

— É um prazer conhecê-la... Senhorita Still. — Retribuiu o meu


aperto de mão, sendo firme e demorando bastante tempo para me largar. —
É a única mulher engenheira da empresa. O que me faz pensar que você
deve ser extraordinária ou que há poucas candidatas no mercado.

Não sabia se sua fala era boa ou ruim, contudo decidi respondê-lo
com sinceridade.

— O que posso dizer, senhor, é que nem sempre as mulheres são


valorizadas. E na engenharia isso é potencializado. Mas espero que isso
mude, tanto aqui, quanto em outros lugares. — fui direta, sem medo algum.

— Samantha é a... pessoa que idealizou os microchips de rápida


comunicação que estamos começando a produzir. — contou Phillip,
surpreendendo-me por estar tão empolgado em dar a notícia. — Devo dizer
que ela e Sebastian estão fazendo um bom trabalho.
Sebastian!

— É um trabalho em equipe? — questionou o homem que não


parava de me encarar.

Olhei para o meu superior, esperando que ele respondesse com a


mais sincera verdade, porém isso não aconteceu.

— Tudo que acontece aqui é feito em equipe. Sempre estimulamos a


união entre...

— Ah, não! — eu o interrompi, achando graça do que estava


acontecendo. — É sério que vai fazer isso na frente do chefe?

— Fazer o quê? — ele me perguntou confuso.

Atrás de David, Sebastian estava tão feliz, que parecia assistir à


melhor comédia. Eu tinha noção de que era isso. Ele era um bosta irritante e
eu não estava com saco para ficar jogando.

— Isso sempre acontece. — comentei diretamente com o homem


grisalho. — Estou farta de sempre ter que ser colocada ao lado de um
homem para ser notada ou atrás dele. — Phillip me encarou com fúria, e
abriria a boca para falar algo se eu não tivesse feito isso antes. — Vamos
falar a verdade: sua empresa não tem mais engenheiras porque elas não são
contratadas, são excluídas e menosprezadas. Sou a única, pois ao me
formar, fui indicada pessoalmente para cá pelo reitor. E, sabe? Desde que
estou aqui, ouço balelas como essa. Podem até me elogiar, mas nunca com
tanto entusiasmo quanto a idiotas como Sebastian.

— Isso é um absurdo! Não pode dizer essas coisas na frente d... —


Phillip protestou.

— Do chefe? — Revirei os olhos e continuei. — Não se preocupe.


Estou me demitindo. Eu deveria ter feito isso há muito tempo, por já estar
farta de suportar essas situações. Sou boa no que faço. Apesar de esta não
ser a única empresa que não dá prioridade às mulheres, sei que posso achar
coisa melhor. Na verdade, fui convidada ontem mesmo para ir a Londres
participar de uma grande pesquisa na universidade de Oxford. Então, acho
que isso é tudo que tenho a dizer.

Por incrível que pareça, o senhor Lancaster estava com um sorriso


no rosto. Não posso dizer que não fiquei irritada.

Ele me acha uma piada?

— Eu também me demito. — afirmou Bethe, minha assistente. —


Não quero ser a assistente do Sebastian. Ele não sabe o significado de um
“não”.

Virei-me apenas para pegar as minhas coisas. Usei a adrenalina e a


raiva para contar minha decisão, e me sentia mal por ter feito isso dessa
forma. Eu não queria ir para Londres, entretanto não desmentiria esse fato
em voz alta para os babacas.

— Senhorita Still! — David me chamou.

— Senhor, peço desculpa. Chamarei os seguranças...

— Cale a boca, Phillip! Depois conversamos. — Fiquei surpresa


com a reação dele. O rosto do meu ex-chefe estava tão pálido, que achei
que morreria. — Me desculpe por tudo que aconteceu com você.
Realmente, é vergonhoso. — O homem me olhava com estranheza. —
Quanto à sua demissão, assim como a da sua assistente, eu não aceito.

— O quê?! — Tem certeza de que você ainda não está sonhando?


Talvez seja um daqueles sonhos bem realistas que ficam bizarros no meio.
— Não aceita? Achei que fosse escolha minha me demitir ou não. Ou é
medo de que eu use a cláusula...?

— Foi realmente um pedido de desculpa. Se foi tratada daquela


forma, eu não sabia e não concordo. Acho que mulheres deveriam ocupar
mais espaço na Arme Technology. Por isso minha surpresa ao chegar e não
ver isso acontecendo. — Joseph bate na sua porta, declara-se, e agora
isso? Você está em coma? — Peço que me acompanhe até minha sala.
— Mas, senhor... Ela...

— Cale-se, Phillip! Ou perderá seu emprego imediatamente.

Eu diria que estava gostando de ver Phillip suar e ser calado. Era
uma oportunidade única. No entanto, eu não era burra de acreditar que
David gostava de mim ou me respeitava. Não eram muitos os engenheiros
que assinavam cláusulas especiais, como eu tinha feito. Foi um modo de me
proteger. Algo no qual pensei muito antes de entrar ali. Meu conselheiro, na
época, dizia que muitos que trabalhavam nesse ramo eram esquecidos e
jogados no canto da sala, para que só a empresa ganhasse o mérito de um
bom projeto de engenharia. Um detalhe que era duas vezes pior quando
passávamos pela área de tecnologia. Levava meses ou anos, muitas vezes,
para concluir algo como o que fiz. Eu só fui tão rápida porque me dediquei
bastante ao trabalho e não tinha mais nada a fazer.

A cláusula me dava segurança, tanto no trabalho, quanto fora dele.


Geralmente, os lugares que tinham funcionários trabalhando para eles,
retinham grande parte dos direitos de cada material e ganhavam milhões por
anos assim, enquanto os responsáveis por criar, pesquisar e botar o projeto
em prática, ficavam apenas com uma média de 25% a 30% de tudo que era
ganho. Isso quando não eram apenas pagos pelo seu trabalho, não pelos
projetos.

Quando exigi as cláusulas sobre meus trabalhos, não fui recebida


com muita alegria. Talvez por isso tenham me tratado mal. Mas não me
arrependia. Se eu saísse da Arme Technology, poderia continuar recebendo
por cada coisa que planejei e botei em prática. E, quanto aos meus colegas,
poderiam perder tudo, inclusive o reconhecimento.

Quando acompanhei David Lancaster até o topo da empresa, onde


ficavam os executivos, estava desconfiada. Executivos, como ele, sabiam
que perderiam muito com a saída de algum funcionário, ainda mais se
fossem para uma empresa concorrente, pois ele poderia expor diversas
informações importantes, mesmo que fossem confidenciais.
Todavia, o que me incomodava no momento não era ser demitida ou
não, e sim o fato de ele me olhar daquela forma e pensar no que queria
sozinho comigo. Posso ter ficado calada por muito tempo, contudo não
admitiria ser assediada por um homem ali dentro só por ser o chefe.

— Desculpe o meu modo de falar agora a pouco. Eu deixei que a


raiva de muito tempo saísse pela minha boca. Ainda desejo me demitir se
isso foi prejudicial à minha estadia aqui, senhor Lancaster. — comuniquei
assim que passamos pela porta de vidro transparente da sua sala.

Ele não disse uma só palavra, sentou-se na cadeira e me encarou.

— Peço desculpa adiantada, mas não gosto da forma como está me


encarando. — fui educada, porém um pouco rude.

— Me desculpe. Na verdade, não quero tratar do assunto de agora a


pouco, mesmo sabendo que você tem toda a razão e que tal situação deve
ser analisada pelos recursos humanos.

— Não procurei os recursos humanos antes, pois sabia que seria eu


a sair, e não eles. — Cruzei os braços. — Mas, do que se trata essa
conversa?

Novamente, ele me fita, quase me fazendo revirar os olhos ou jogar


algo em sua direção. Eu não era de violência. Pelo menos não mais. Uma
reação assim já havia me acontecido. Quando mais jovem, eu me defendia
dessa forma, e isso sempre me trouxe problemas.

Até hoje me traz, quando não penso antes de agir.

Por sorte, estava me controlando mais e pensando antes de fazer


uma besteira, mesmo não querendo.

— Sei que parece estranho o que vou perguntar, mas... Quando a vi,
automaticamente me lembrei do passado. O que me ligou um alerta. —
Encostou-se na cadeira e me olhou sério.

— Como assim? — questionei confusa.


— Como se chama a sua mãe?

Sua pergunta me deixou paralisada e receosa.

Minha mãe?! O que essa bruxa tem a ver com isso?

— Não sei o porquê disso e não vou responder a sua pergunta. —


fui ríspida. — Não tenho mãe, nunca tive. Então, isso não tem cabimento.
Me desculpe. — Fiquei desconfortável; não só pela pergunta, mas também
pela forma como ele me olhava. Trouxe-me memórias que eu desejava
esquecer há anos.

— Perdão. Eu não quis ser invasivo. — Desviou o olhar de mim. —


Quando jovem, conheci uma mulher parecida com você. Ela mexeu comigo
e destruiu a minha vida. Achei que fosse sua mãe, por conta da aparência,
só que isso não tem nada a ver aqui. Peço perdão novamente.
Capítulo 15
Joseph

Nunca estive tão ansioso com algo. Na verdade, já fazia quatro anos,
ou mais, que não me sentia feliz assim. Apesar de ter 34 anos, parecia que
era novamente um adolescente apaixonado, empolgado para rever a mulher
que tanto desejava. Dormir à noite depois daquele beijo foi quase um
desafio.

Confesso que fiquei puto ao ler aquela mensagem. Eu sabia que ela
estava fugindo e entendia por quê. Jantar em um restaurante com um ex-
professor poderia ser até comum para pessoas como ela, que trabalhava
com as ciências e tudo mais, no entanto descobri em mim um ciúme fora do
comum que me fez socar tão forte um saco, que quase o estourei.

Passei por um conflito interno, imaginando se seria um idiota por


muito tempo. Eu não era um menino, queria aquela mulher e, mesmo com
medo de que ela não me quisesse também, teria que resolver essa história.
Confesso que me senti tão medroso naquele momento, que quase desisti de
tudo ao vê-la entrar em casa. Claro... Não antes de ver, à distância, o tal
professor. Ficaria mais aliviado se ele fosse um velho de 50 e poucos anos.
Entretanto, não era. O homem era jovem. Não tão jovem quanto ela, mas
somente um pouco mais velho do que eu e mais alto. Ao longe percebi que
ele representava uma ameaça.

Não era tão ciumento assim. Pelo menos achava que não.

E foi naquele momento que peguei o que pude e fui até ela,
compreendendo que seria um risco e que eu poderia botar tudo a perder.
Mesmo assim fui.

Não conseguia parar de pensar nela em um só segundo. Os papéis


eram cansativos, as reuniões estavam chatas e o tempo não passava.
Quando percebi que não teria mais jeito de me concentrar em algo, resolvi
adiantar minha saída do trabalho, só que não antes de resolver uma coisa
que eu já deveria ter feito há muito tempo.

Taylor entrou desconfiado pela porta. Ele era meu melhor amigo.
Odiava ter que lutar contra seu orgulho e sabia que insistir pelo contrário o
ofenderia.

— Por que me chamou à sua sala chique de vidro? — Parou a


alguns passos da minha mesa, onde eu estava, e me analisou, tentando
adivinhar o motivo antes que eu dissesse algo.

— Taylor, você é meu amigo há anos, e não gosto de como as coisas


estão agora. — Levantei-me e percebi que teríamos um combate quando ele
respirou fundo, encarando-me. — Tudo bem... Você acha necessário que
seja assim.

— Sim. É a melhor forma de compensar você e sua família. — foi


curto e grosso.

— Não, não é. Mas não vou insistir. — Andei ao redor da sala,


peguei um copo, despejei whisky nele e o ofereci. Ele recusou e eu
continuei. — Reforçando: você e sua família não têm que dar nada em troca
do que meu pai fez por você ou por eles. Somos uma família, e me ofende
que não esteja no cargo em que sempre sonhou, por conta de uma “dívida”
que acha que tem conosco.

— Achei que não queria insistir.

Admirava a sua humildade.

Sentia-me péssimo por ele achar que éramos diferentes e que


precisava trabalhar para mim para compensar o dinheiro gasto no
tratamento de seu pai e da sua faculdade.

— Não quero. Mas não o quero mais como meu motorista. — Tomei
um grande gole da bebida.
— Está me demitindo? — Seus quase dois metros de altura e
grandes músculos vieram até mim, fazendo-me achar que seria socado. Eu
sabia que não. Já apanhei dele uma vez, no ringue, e não queria provocá-lo
de novo. — Você é um babaca.

— Vou relevar a sua boca suja. — brinquei. — Não estou o


demitindo, e sim promovendo.

— O quê?

Taylor era difícil de lidar. Sua vida era simples e, quando seu pai
adoeceu, ele precisou tomar a liderança da família e ralar muito. Então, meu
pai e eu os ajudamos em tudo. O problema foi convencê-lo de que tudo o
que fizemos não foi um empréstimo financeiro, e sim uma atitude de
amizade. Eu usaria da persuasão para o convencer a mudar de ideia.

— Que promoção?

— Taylor, somos amigos.

— Não aceito!

— Você não me ouviu. — protestei.

— Estou bem onde estou. Não preciso de...

— Não me ofenda. — Às vezes me dava vontade de socá-lo bem na


cara. — Sua teimosia me enlouquece. Não o vejo como um qualquer, é tipo
um irmão para mim. Já estou farto de você tratar isso como uma caridade.

— Você é meu irmão, Joseph, mas não somos iguais. — Abaixou a


cabeça.

— Todos somos iguais. Não é o cargo ou a riqueza que deve nos


diferenciar.

— O que pretende com isso? O que quer que eu faça? — Olhou-me


novamente, mais irritado que antes.
— Parece que você não vai desistir de pagar uma dívida que não
existe, então não preciso continuar com essa discussão. — Bebi o resto do
líquido que ainda tinha no copo e o coloquei, com mais força que o normal,
em cima da mesa de vidro. — Você é um advogado formado e estudou em
Harvard. Não aceito desperdiçar um talento assim tendo-o como meu
motorista.

— Foi o cargo que meu pai exerceu. Achei que...

— Não preciso de um motorista, Taylor, e sim de um ótimo


advogado. — A surpresa em seu rosto só me deixou ainda mais irritado
com ele. — Você é capaz, e preciso de alguém de confiança. Não faz
sentido um homem que tem grandes sonhos e habilidades desperdiçar seu
tempo em um carro. Quer continuar trabalhando comigo? Sua única opção
agora é sendo um advogado executivo, o cargo que estudou para ter.

Ele não falou nada por alguns instantes, apenas me observou.

Eu poderia ter lhe oferecido esse trabalho antes, e ofereci, contudo


ele se negou, dizendo que não era a hora e que era melhor ser aquilo que
seu pai foi. Depois fui, aos poucos, dando-lhe funções para, além de testá-
lo, convencê-lo a aceitar minha proposta.

— Já me fez esse convite. Esqueceu? — indagou sério.

— Não. Mas se acha que vou desistir, está muito enganado. —


Escorei-me na mesa. — Desta vez é para valer. Se não aceitar, acho que não
terá mais um emprego como motorista.

— Está me colocando contra a parede, Joseph?

— Não. Estou deixando claro que meu amigo não é um funcionário


meu, é um irmão. Sendo assim, trabalhando ao meu lado é o seu lugar,
Taylor.

Ele me olhou por alguns instantes. Não discutiria mais. Eu sabia que
era insistente e que meu pedido não era tão absurdo. Afinal, ele foi o
melhor da sua turma e estagiou em uma das melhores empresas de
advocacia empresarial de Nova York.

— Como quiser, Joseph. — disse por fim. — O que quer que eu


faça?

Fiquei aliviado. Não precisaria ser muito insistente ou brigar com


ele.

— Estou tendo problemas na empresa de Chicago. Penso que estou


sendo roubado. Você é bom nisso e de confiança.

— Acha que Bryam o está roubando? — questionou sério.

— É isso que quero que descubra.

***

Depois de resolver meu problema com Taylor, estava na hora de


colocar todos os pratos na mesa com Samy. Não suportaria mais viver sem
pôr meus desejos em prática.

Tinha certeza de que existiria um desafio ao me aproximar dela, pois


seu passado a havia marcado. Tanto que ela não se achava boa para as
outras pessoas. Mas pretendia mudar isso e a fazer enxergar o quanto era
incrível.

Era meio louco estar no estacionamento da empresa onde ela


trabalhava? Sim, era. No entanto, eu não tinha como controlar tudo que
estava sentindo no momento.

Quando a vi saindo do prédio, senti, outra vez, meu peito quase


explodir. Minha felicidade foi instantânea, porém ela não estava feliz. Eu a
esperei me notar, contudo isso não aconteceu. Fiquei preocupado, pensando
que ela estava refletindo sobre nós e que isso a faria desistir da gente.

Aproximei-me dela quando estava quase abrindo a porta do carro.

— Você está bem?


— Meu Deus! Você quer me matar? — disse depois do susto,
colocando a mão no peito.

Eu me senti culpado. Como estava preocupado, não percebi que


pareceria estranho estar ali.

— O que está fazendo aqui?

— Me desculpe. Não quis assustá-la. É que fiquei preocupado. Você


não parece muito feliz. — Eu me aproximei mais dela enquanto ela me
olhava confusa. Carinhosamente, toquei em seu rosto.

Samantha não era a mulher sensível, nem a mais tímida, só que


tinha horas em que lutava contra seus sentimentos.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei.

— Não, nada. Eu só estava pensando. — respondeu ainda fitando


meus olhos. Não era difícil ver que ela retribuía o sentimento que estava em
mim. — O que está fazendo neste estacionamento?

— Vim buscar a minha namorada. Se esqueceu do que eu disse


ontem? — brinquei.

Ela me olhou como quem dissesse: “Sério?”. E eu não escondia a


minha felicidade.

— Qual parte? — Afastou-se de mim. — Você não disse muita


coisa.

Sabia que ela estava brincando, usando o humor, como fazia para
sair de situações desconfortáveis. O que me deixou desanimado. Eu não
queria que ela se sentisse dessa forma.

Alguns sentimentos ainda me confundiam, só que eu estava disposto


a deixar todo o meu medo para trás e me arriscar nesse amor.
— Sei que tem reservas sobre relacionamentos, Samantha, mas não
posso mais esconder que sinto algo por você, nem quero dizer que sou seu
amigo quando, na verdade, desejo outra coisa.

— Joseph, relaxe. Eu sei.

Ela tomou a iniciativa dessa vez, e eu gostei. Desde a noite passada


vinha me lembrando da sensação boa que era beijá-la. Não foi nada que já
tinha sentido e estava tão bom quanto na primeira vez. Era possível
dizermos, sem palavras ou muito esforço, o que queríamos. Só odiei ter
acabado tão rápido.

— Acho melhor irmos embora daqui. As pessoas estão saindo do


prédio, e não quero ser o novo assunto do momento. — explicou.
Capítulo 16
Samantha

Não estava sendo fácil saber como agir, pois nunca havia estado
nessa situação. Sentia um medo e um receio fora do comum. Eu tinha
certeza total de que o amava, de que esse sentimento estava dentro de mim.
Não tinha como negar. Desejava me jogar de cabeça nisso, porém algo me
deixava com um pé atrás, e não era a falta de interesse nele.

Não sabia o que conversaríamos ou para onde ele me levaria, mas,


se fosse para continuarmos, eu teria que o dizer tudo aquilo que mais me
botava medo. Joseph foi o único homem que deixei me conhecer, e talvez
fosse por isso que eu me sentia segura com ele. O meu amor era novo, e não
tive isso quando mais jovem. Sempre que estava com alguém, era porque eu
queria, mas só por uma noite, e nada além disso.

Hoper era a minha amiga, e até ela, no início, teve que lidar com
meu lado medroso. Arriscava-me em coisas comuns, como novas amizades,
um trabalho e tudo mais, no entanto sempre esperando pelo pior. Só minha
melhor amiga conseguiu me dar segurança para amar tanto e pensar que
nossa amizade não acabaria em um piscar de olhos.

Desde que conheci Joseph, pensava que eu mesma terminaria com


nossos encontros ocasionais e que amigos eram um problema, por não
serem, exatamente, uma família leal. Hoper dizia que esse pensamento a
ofendia, pois tinha a mim como uma irmã. E eu confesso que sentia o
mesmo.

Não podia mudar o que era. E, no caso de mim e Joseph, as coisas


eram duas vezes mais complicadas. Além de ele ser mais que um amigo
para mim, era o Joseph Morson, não um Joseph qualquer; era aquele
importante, rico e cobiçado.
Sim, eu fucei sobre sua vida assim que nos conhecemos. As revistas
diziam que ele era um dos homens mais ricos e jovens do mundo. Lista essa
que não era muito grande. Tinha até um site de fofoca que especulava
diversas coisas sobre ele e algumas modelos, empresas e tudo mais. Sei que
era mentira, só que não significava que elas não se jogavam para cima dele.

— Odeio quando fica calada por muito tempo. — Ele me trouxe de


volta à realidade.

Eu o olhei assustada. Mesmo estando ao volante e prestando atenção


ao caminho, observava-me. Era um de seus poderes sempre me observar.

— Geralmente, você pensa no que pode dar errado em algo, no que


tem de especial, que seja uma mentira ou que vai acabar em um segundo e
que não deve se arriscar. Por isso, acho melhor falarmos sobre alguma
coisa. — Ele me fez rir. Algo que constantemente acontecia quando
estávamos juntos.

Esquecer-me dos meus problemas ou defeitos era difícil, mas Joseph


era ótimo nisso.

— Como me conhece tão bem? Está me investigando, é? —


provoquei-o. — Ou sou previsível?

— Conheço você. — Pôs a mão sobre a minha, causando-me um


arrepio que tomou meu corpo. — Acredite: ainda há coisas que tenho que
descobrir. Então, não é previsível.

— Mas sempre diz que sou covarde. — apontei.

Essa era a parte que eu mais odiava, pois não era covarde. Só
quando dizia respeito aos meus sentimentos e a ele.

— Eu nunca disse isso. — falou com graça. — É você que se acha


assim. Eu penso que é a pessoa mais forte e determinada que conheço.

— Não precisa dizer isso. Sei dos meus defeitos. — Afastei minha
mão da sua, sentindo-me como se ele pudesse ver quão tensa eu estava.
Conversas assim me deixavam desconfortáveis, já que não sabia
lidar muito bem com a tensão em relação ao que sentia dentro do peito.

— Onde estamos? — perguntei.

— Vamos para o meu apartamento. — Eu observava o trajeto do


carro, que entrava no subsolo de um enorme prédio de luxo. — Minha
namorada deve conhecer onde moro.

— Isso é estranho. — falei sem pensar, embora desejasse deixar


claro que não me sentia tão bem com essa “diferença” entre nós.

— O que seria estranho? — Paramos.

Senti seus olhos em mim, então deixei de prestar atenção nos carros
de luxo do estacionamento e o olhei de volta.

— Não posso dizer o óbvio? — questionou.

— Até ontem éramos amigos, e agora, que está repetindo essa


palavra, acho que não é comigo. — expliquei. — Mas também é estranho
pensar em nós dois tendo mais que uma amizade, sendo que você e eu
somos tão... dife...

— Não diga essa palavra outra vez. — Fechou os olhos e respirou


fundo.

Na última vez deixei isso de lado, no entanto não podia mais ignorar
esse fato.

— É a segunda vez hoje que alguém me diz isso. — comentou.

— Você tem alguma outra namorada que não esteja no mesmo


convívio social que o seu? — questionei com ironia. — Saiba que sou
ciumenta.

Ele riu, deixando a expressão irritada de lado.


— Taylor e eu tivemos uma conversa, e ele veio com o mesmo
papo. Mas isso não tem nada a ver com nossas vidas. — Abriu a porta do
seu lado e saiu.

Achei sua resposta confusa e esquisita, porém decidi deixá-lo me


explicar melhor. Quando ele deu a volta e abriu a porta para mim, olhou-me
com autoridade. Até achei que me colocaria de castigo.

— Nasci nesta família. Não pode me culpar por ser quem sou. —
prosseguiu.

— Não culpo. — Eu me senti mal por ele achar isso. Não era a
minha intenção.

Joseph fechou a porta com uma força extra, pegou em minha mão e
me conduziu até o elevador.

— Não é sua culpa eu estar me sentindo assim. Sei que não faz
diferença para você. — continuei.

— Não faz.

— Pode me culpar por pensar dessa maneira, no entanto sabemos


que é verdade e que, em algum momento, as pessoas vão olhar para mim e
imaginar algo que não é verdade.

Quando a caixa de metal chegou e abriu as portas, ele não entrou


nela de imediato. Respirou fundo, fazendo eu me sentir duas vezes mais
culpada.

— Não importa o que vão pensar de você ou de nós. O que importa


é o que penso e o quanto te amo. — Ele entrou no elevador e eu fiquei
paralisada, repetindo na mente aquela palavra várias vezes. — Não vai
entrar?

Entrei e me pus a seu lado, ainda processando o que ele falou, só


que não disse nada a respeito.
— Não é só isso. — falei, ainda pensativa. — Sabe que sou difícil,
que tenho muitos defeitos e...

— Essa é a melhor parte do amor. — repetiu seu sentimento,


tocando em mim, puxando-me para si e me olhando. Provavelmente,
poderia morrer a qualquer minuto se ele continuasse testando o meu
coração dessa forma. — Gostamos até dos defeitos do outro. E, sim, você é
difícil. Mas entendo os seus medos. Passou por muitas coisas e aprendeu, da
forma errada, que a vida se vive sozinha, sempre esperando o pior
acontecer.

— E acha que não vai acontecer? — Deixei a timidez de lado e o


agarrei também.

Se as portas se abrissem e alguém nos pegasse assim, eu ficaria


morta de vergonha.

Que se dane!

Ele mesmo repetiu que somos namorados, e não estamos transando.

Falando nisso, lembrei-me também do sonho erótico que tive


algumas noites atrás. Ou melhor, pensamentos de como esse homem devia
ser por baixo daquele terno.

— Acredite: sempre acontece. — afirmei.

As portas se abriram, contudo não entrou ninguém. Na verdade,


estávamos em seu apartamento. Já de cara vi que o ambiente era lindo e
brilhante, com janelas enormes que deixavam que víssemos a vista lá de
baixo, uma sala grande, cores claras, piso de mármore e detalhes em prata.
Tudo refinado. Fiquei tão boba, que tive que disfarçar minha reação.

Como não notar a diferença, se sempre estou vendo riqueza por


todos os lados?

Enquanto eu admirava, boba, o lugar chique, Joseph saía de perto de


mim e praticamente sumia na imensidão do imóvel. Não sabia que existiam
apartamentos tão grandes como esse, que poderiam ser comparados a
mansões.

Em frente à janela, admirei Nova York e o caos que eram as ruas. A


noite estava chegando e o pôr de sol deixava o céu em tons alaranjados e
azuis. Nunca havia parado para assistir a algo tão lindo, nem estado em um
lugar como esse. Não que eu fosse uma pobretona. Na verdade, meu
trabalho me rendia muito. Até comprei a casa onde Hoper e eu morávamos
e poderia viver de uma forma mais que confortável, vestindo roupas de
grifes e tudo mais. O problema não era o dinheiro, e sim meu passado e
presente.

— Você está pensativa outra vez. — Joseph afirmou e eu olhei seu


reflexo no vidro, impressionando-me com sua beleza de novo. Não entendia
como um homem assim poderia fazer tantas coisas e continuar tão perfeito.
— Ainda pensando nas nossas... “diferenças”?

Respirei fundo e me virei para encontrar seus olhos azuis, mais


escuros por conta da luz.

— Na verdade, penso no porquê me incomodo com isso. E não é por


sua causa ou minha.

— Como assim? Por que seria?

Odiava ter que dizer aquelas coisas, lembrar-me delas e comentar


sobre elas, pois me fazia mal. E eu era a culpada, por me torturar ao ir,
corriqueiramente, atrás delas.

— Eu nunca disse isto a ninguém, nem mesmo para Hoper. —


comecei. Estar naquele lugar, com ele, com o que desejávamos para dali em
diante, significava deixar tudo à mostra. — Hoje, mais cedo, no trabalho,
conheci o dono da empresa. Fiquei surpresa. Ele não aparecia há anos e
nunca tínhamos nos visto antes.

— David Lancaster? — não foi uma pergunta, e eu me impressionei


por ele saber de quem eu estava falando. Então, recordei-me que o mundo
dos executivos não era tão grande e que, provavelmente, um CEO de uma
grande empresa internacional de petróleo com certeza conheceria o dono de
uma empresa de tecnologia de Nova York. — O que aconteceu? E o que
isso tem a ver conosco?

— Foi esquisito. Ele me encarou como se eu fosse uma... estranha


assustadora. — Ri dessa parte, só que não tinha humor algum. Na verdade,
era ruim até de lembrar. — Phillip estava lá, e Sebastian também. Eles
fizeram parecer que todo o meu trabalho foi também deles, e isso me
irritou. Eu disse coisas que não dizia há muito tempo e depois me demiti...

— O quê?! — Ri da sua surpresa. — Se demitiu?

— Sim. E na frente do chefão.

Talvez a minha cara de felicidade o tenha deixado confuso. Ele


pegou em minha mão e me levou ao sofá sofisticado e branco que tinha no
meio da sua sala chique.

— Está com fome? — Ele franziu o cenho e eu ri outra vez, porque


estava pensando nisso. — Claro que sim. Vou pedir algo para nós. Hoje não
quero cozinhar, e sim terminar as conversas que ainda temos que começar.

— Claro.

Ele se levantou apenas para pegar um tablet e depois voltou,


mexendo nele. Logo olhou para mim.

— O que você quer comer?

Dei um sorriso de canto ao me lembrar que ele sempre escolhia o


que comeríamos. O que não me incomodava, por comer de tudo e gostar de
experimentar coisas novas.

— Pizza. — Balancei a cabeça com ironia. — Você não vai ligar?

— Não preciso. Só basta escolher o cardápio e pedir pelo tablet. —


explicou prestando atenção no aparelho. — Quer algum sabor especifico?
— Não. Só não sou fã das doces, como a de Romeu e Julieta. —
Tirei a jaqueta que vestia, já que estava ficando quente. Nem percebi que
ele me observava. — Algum problema?

— Não, nada. O pedido chega em quinze minutos. Então, você se


demitiu finalmente? Dei uma olhada e...

— Não se preocupe. David não aceitou minha demissão, e... essa foi
uma das partes estranhas do dia.

— Era de se esperar, pois você não tem culpa de nada. E ele é muito
correto.

— Conhece ele? — Fiquei curiosa, porque aquele homem despertou


o meu interesse; não por ser meu chefe, e sim por conhecer minha mãe. —
Ele tem esposa, filhos ou...?

— Está interessada em saber sobre seu novo chefe que não quis
demiti-la?

— Não só isso. Ele conhece a minha mãe e, talvez...

— Sua mãe? — questionou surpreso.

— Bem... Eu não uso essa denominação para me dirigir a ela. Essa


mulher estragou tudo na minha vida. Porém, a forma estranha como David
me tratou foi por me achar parecida com ela. — expliquei pensativa. — Ele
perguntou sobre ela, mesmo não sabendo se eu era ou não sua filha, e disse
que nos parecíamos muito. Sei que, fisicamente, é verdade.

— Por isso estava pensativa quando a encontrei mais cedo?

— Não quis dizê-lo nada e, praticamente, fugi da conversa. A forma


como ele fez a pergunta e o que me disse sobre o seu passado me fez
acreditar que foi ela a mulher com quem ele teve algo. Isso me deixa
assustada. Não só por David pensar sobre minha mãe, mas também por ter
me comparado, mesmo que na aparência, a ela.
— Você não é sua mãe, Samy; é você mesma. E eu amo quem é. —
Pegou em meu braço com carinho. Seus olhos estavam cheios de emoção e
preocupação.

Eu não queria que aquilo ficasse entre nós. Era um problema meu,
não dele. Entretanto, não controlava meu medo e insegurança muito bem. O
que acabava interferindo nas minhas relações com as pessoas.

— Sei disso, e não quero que essa mulher me impeça, mesmo que
psicologicamente, no que temos e na minha vida. No entanto, é o que
acontece, e não controlo. Quando vejo, já fiz a besteira de me afastar.

— Não faça isso. Esse não pode ser um problema entre nós. — Eu
mal tinha percebido que estávamos tão juntos. Era bom sentir seu corpo. O
que não era possível antes, já que a amizade tanto nos aproximava quanto
nos distanciava. — Ela não está mais aqui. Sei que dizer para a esquecer
pode ser fácil para mim e difícil para você, entretanto, se colocar entre nós
essa insegurança e medo de ser como ela, não sobrará espaço para
tentarmos ser felizes.

— Eu sei. — Sentia-me mal. Era tudo verdade e a culpa era minha.


— Sei que a culpa é minha; tanto por trazê-la de volta para a minha vida,
quanto por correr atrás dela sempre que me sinto só.

— Correr atrás dela? — indagou confuso.

— Falei que vim a Nova York por causa dela. E, sim, eu a encontrei.

— Encontrou?! — Ele me soltou, encarando-me. Sabia que estava


pensando no que falei. — Você sabe onde ela está?

— Cora se casou com um homem rico, o único que conseguiu


amarrar. Foi por isso que me abandonou, e também para mudar de nome e
ser o que sempre quis ser. — revelei.

Toda vez que eu falava sobre o assunto, uma angústia tomava o meu
corpo. Não era para eu me torturar tanto. Tinha sobrevivido — não graças a
ela —, mas era impossível não se sentir rejeitada.
— Eu descobri que ela estava aqui, então vim. Assim que terminei
meu mestrado, deixei Chicago e busquei pela nova identidade dela. Teve
dois filhos e vive em uma casa tão grande quanto a sua. Sempre me torturo
a vendo viver feliz, sem pensar no que deixou para trás. Por isso odeio
pensar que alguém possa imaginar que estou fazendo o mesmo, estando
com você.

A campainha tocou e demorou alguns segundos para que Joseph se


levantasse para atender a porta. Estava atônito, pensando no que falei. O
que me deixou com medo... Medo de que ele estivesse repensando sobre
nós.

Você deveria ter calado a boca.

Depois de pegar a comida e a colocar sobre a bancada de mármore


escuro, ele voltou até mim.

— Venha. Você está com fome. — Achei esquisito ele ter ignorado
tudo que o contei.

— Você ficou estranho. Tem certeza de que está tudo bem com o
que eu disse? — Estava realmente aflita.

Seu olhar profundo me encarou, quase entrando na minha alma, e


ele pôs os dedos longos sobre meu rosto, sorrindo.

— Não tem como ficar bem com o que você disse. Sofreu por causa
dela, e ainda sofre, além de se afastar das pessoas por conta disso. Não
estou feliz por saber que você sofre enquanto ela desfruta de uma boa vida.
Não vou deixar que isso aconteça mais.

— Como assim?

— Não sou o dono da verdade, nem tenho o poder de mudar o seu


passado, mas farei de tudo para lhe dar o melhor do presente e do passado.
— Ele me abraçou com força e minha única reação foi retribui-lo o gesto,
ainda pensando na sua fala. — Está na hora de esquecer essa mulher e ser
feliz, Samantha. Sempre que se isola e não se permite viver, está dando
poder a essa pessoa que não merece um segundo dos seus pensamentos.

— Não diga essas coisas. — sussurrei emocionada.

— Por que não?

— Vou gostar ainda mais de você. E acho que é impossível ir além


do que já sinto.

— Aceito o desafio de fazer você me amar mais a cada dia. — falou


com uma alegria fora do comum.

Estiquei-me um pouco mais para o beijar. Algo que me fazia


esquecer dos problemas, como eu estava precisando. Era fácil me perder
nele; era tipo um mar pelo qual eu não tivesse medo de ser engolida.
Gostava do seu toque, do seu perfume, e a cada dia que passava, isso
aumentava, puxando-me para mais perto dele.

Quando nos afastamos, notei o que estava fazendo: tentando


boicotar a minha felicidade, lembrando-me dela.

Dava para sentir e ver o quanto ele queria aquilo, e eu também.


Meus medos estavam tentando me tirar o que estava conseguindo depois de
tanto tempo.

Não posso deixar que ela estrague isso também.

— Vamos comer. — determinou.

— Como esta pizza chegou tão rápido? — Achei que Joseph


morasse a alguns metros de uma pizzaria.

— Tem um restaurante no prédio disponível para todos os


moradores.

— Está me zoando? — Claro que não. Ele era rico e o edifício era
de luxo. Obviamente, isso seria possível. — Eu não fazia ideia de que
prédios de luxo viessem com um restaurante particular.
— Você ainda não viu nada. — disse com um sorriso no rosto. —
Quer saber? Acho que vou tirar férias. E você vai comigo.

— Espera! O quê?! — Eu ri, mas ele não demonstrava estar


brincando. — Você tira férias?

— Não. Mas agora, que tenho uma namorada, quero passar tempo o
suficiente curtindo com ela. — Deu um beijo rápido em meus lábios. — Sei
até para onde irmos.

— Joseph! — Eu tentava levar sua ideia na brincadeira e ele estava


sério. — Você é seu próprio chefe, porém eu não. E, apesar de eu ter
tentado me demitir, não acho que posso sair o dia que quiser para tirar
férias.

— Quando tira?

— Não tiro. Odeio ficar sem fazer nada. Então...

— Então, está acordado. É hora de tirar férias. — ele falou de


maneira tão determinada, que até pensei que fosse o meu chefe.

— Quer que eu repita tudo que falei antes?

— Pela lei do estado, você tem esse direito. E, como nunca tirou
nenhuma, pelo que disse, tem também o direito de pedir essa rescisão
quando achar necessário. Quero passar uma semana longe de Nova York,
com minha namorada.

— Não use esses termos comigo. Já é bonito, não precisa ser


autoritário. — reclamei.

— Não pode reclamar. Sou determinado. Ou você não quer ficar


tempo demais ao meu lado? — Virou-se, analisando-me.

Olhei para todo o material de 1,85m de altura e ri ao imaginar o


quanto seria difícil sair de perto dele para qualquer coisa.
— Não. Essa não é a questão. — Dei um sorriso pervertido. — Mas,
o que pensariam de mim se eu chegasse exigindo férias de uma semana para
sair com meu namorado bonitão?

— Que tem direito a isso e que sabe valorizar uma boa


oportunidade.

— Não sabia desse seu lado. É egocêntrico ou está brincando?

— Nem um, nem outro. Estou sendo lógico.

— Não posso garantir nada.

— Vou planejar para a próxima semana, então. — Afastou-se para


pegar algo.

Bem... Eu não queria dizer “não”. Na verdade, estar longe na


próxima semana seria uma boa ideia, já que o pior dia do ano estava perto.

— Pizza com garfo e faca não é pizza, sabia? — afirmei.

— Temos nossas diferenças, querida.


Capítulo 17
Joseph

Dias atrás

— Você estava certo. — Taylor acabou de entrar em meu escritório.


Eu o havia mandado a Chicago para resolver algumas pendências e procurar
por buracos que eu estava encontrando em uma das empresas que eu tinha
comprado recentemente. — Há uma discrepância nos dados, a qual não está
tão visível porque estão tentando tomar cuidado. Mas, olhando a fundo,
consegui ver o erro.

— Ele está me roubando. — Ainda prestava atenção nos papéis que


havia acabado de receber. Essa já era a segunda remessa, e meus olhos
reclamavam. — Achei que poderia confiar nele, mas vejo que estava
enganado.

— A licitação pede uma determinada quantia em dólar, só que a


empresa não recebe todo o material ou produz o que estava previsto. Temos
que chamar o tesoureiro e investigar bem mais a fundo, descobrir quem está
com esse dinheiro e onde.

— Ótimo. Deixarei você responsável por isso. Assim que achar o


verdadeiro culpado, tem plenos poderes para cuidar dele. — Joguei o último
papel sobre a mesa. — Onde está Christophe? Já o chamei há vinte minutos.

Por incrível que pareça, ele entrou na sala assim que o mencionei.

— Não me lembro de ter feito nada de errado. — debochou,


sentando-se na cadeira em minha frente. — E agora, que Taylor está
exercendo a função de advogado, ele vai me representar nessa acusação.

— Idiota! — ele reclamou.


— Eu o chamei aqui porque, em uma semana, vou me ausentar. E
você ficará no comando da empresa nesse período. — Encostei-me na
cadeira.

Ele riu como se eu tivesse contado uma piada. Depois que viu que
não era, olhou-me como se eu fosse louco.

— O quê?! — Sorriu de nervoso. — Enlouqueceu?

— Não, estou mais sã do que nunca. — confirmei ainda o


encarando.

— Só pode ter enlouquecido. Desde quando cuido de tudo sozinho?


E desde quando acha essa uma boa ideia? — Preocupei-me por ele estar tão
nervoso. — O que aconteceu? O que vai acontecer?

— Relaxe! Vou tirar uma folga, viajar. E Taylor estará aqui quando
precisar.

— Ah, não! — lamentou, balançando a cabeça negativamente. —


Você está me dizendo que vai tirar férias? O que não faz há anos? Logo
agora, que...? — O sorriso em seu rosto me deixou confuso. Meu irmão não
sabia dos meus planos, só Taylor. — Sabe? Estou feliz que tenha resolvido
parar de mentir.

— Do que está falando? — perguntei, sem entender.

— Não sou idiota. Hoper me disse sobre você e a estranha amiga


dela.

— Ela não é estranha! — Levantei-me da cadeira, incomodado pelo


que ouvi. — E você não tem nada a ver com isso. Só espero que não bote
tudo a perder.

— Claro... Porque sou um idiota. — Irritou-se.

— Não. Você é capaz de ficar no comando, só não gosta de ter


responsabilidades.
Ele se levantou e me olhou por um instante, desafiando-me. Depois
arrumou o terno e baixou a guarda.

— Não vou fazer merda. — garantiu.

— Eu sei. — Pus minha mão em seu ombro. — Você é bom nisso e,


um dia, estará à frente de um dos nossos negócios. Leve isso como um
teste.

— Teste?! — protestou. — Não exagere.

— Bem... Agora, que tudo está explicado, vamos embora. Amanhã


tem mais trabalho.

***

Uma semana depois

Nunca estive tão animado para as férias. Não gostava de me


ausentar, e essa palavra não existia para pessoas como eu. A sorte era que
eu tinha um irmão que podia assumir, mesmo que por pouco tempo, o
comando da empresa. Não precisava me preocupar, dado que confiava nele
e em Taylor. Sendo assim, estava tranquilo para viajar.

Foi um desafio convencer Samantha totalmente. Ela, assim como


eu, não tirava férias, embora tivéssemos situações diferentes. Tive uma boa
ajuda da tagarela da Hoper, que estava mais animada que nós dois. Toquei a
campainha, achando que ela não estaria em casa, pois sua viagem para a
Europa tinha sido adiada para aquele dia. No entanto, lá estava ela, abrindo
a porta com seu maior sorriso, com roupas elegantes, e me puxando para
dentro da sala com bastante agilidade.

— Samy, seu namorado chegou! — Após ela gritar, ouvimos algo


pronunciado ao longe, que não deu para saber o que foi. — Relaxe, ela já
está pronta. Eu só escondi uma coisa que ela acha essencial levar para onde
vai sempre, porque tenho algo importante para dizer a você.

— Importante? — Levantei uma das sobrancelhas. — O que seria?


— Como sabe, hoje vou para Londres, e vocês terão uma semana
romântica longe de tudo. Mas, acredito que a senhorita misteriosa não te
disse algo muito importante.

— Ok. O que seria isso?

— Daqui a dois dias é o aniversário dela e, com certeza, ela odeia


ser lembrada disso. Não sei por que ou o que aconteceu, mas minha teoria é
de que seu passado é bem mais obscuro do que imagino. Não a pressiono a
falar, porém odeio deixá-la sozinha nessa data. — Aniversário! — Essa
viagem veio em uma boa hora. Só não diga a ela que te contei, nem que
sabe sobre isso. Espere-a dizer.

— Por que todo esse cuidado?

— Porque gostamos da Samantha divertida, chateada ou


provocativa. E, nesse dia em especifico, ela fica triste, aérea e questionando
tudo.

Samy estava furiosa quando chegou à sala, segurando algo que não
dava para identificar o que era.

— Vou proibir você de pegar minhas coisas. — Depois de falar com


a amiga, olhou-me desconfiada. — O que estão cochichando?

— Nada demais. Só estou passando para ele algumas informações


sobre você. — Hoper respondeu sem se preocupar com nada. — Além das
esquisitices na hora de dormir, Samantha odeia estar errada. Quando você
joga isso na cara dela, ela fica puta da vida. — falou comigo.

— Está inventando coisas sobre mim? — Ela estreitou os olhos.

Não pude deixar de rir. Minha namorada estava linda e, cada vez
que a olhava, tinha a impressão de estar ainda mais.

— Joseph! — Hoper chamou a minha atenção. — Se magoar a


minha amiga, vou te levar para o inferno comigo.
Capítulo 18
Samantha

Não queria ter que admitir, mas estava empolgada com a viagem
surpresa. Nunca tinha me arriscado a sair do país. Na verdade, nunca havia
tido um porquê ou uma motivação suficiente para isso. Sempre me diziam
que eu era muito racional e que não aproveitava a vida. Minha maior crítica
era Hoper. Foi só eu mencionar as palavras “férias” e “viagem” em uma
frase, que ela se levantou no mesmo minuto do sofá e se empolgou como se
fosse ela a ir em meu lugar.

Não pensava em recusar o convite, todavia sabia que teria alguns


desafios. Só que nada muito grave, porque estava enfrentando uma zona
nunca vista antes na empresa. Phillip teve que me engolir e estava sendo
gentil comigo, mesmo que com falsidade, e Sebastian foi afastado dos meus
trabalhos. Só nos víamos quando era necessário, para o projeto em
conjunto. Entretanto, quem era eu para pedir, quase que de última hora,
férias de uma semana, sem muito tempo para analisarem o caso? Além
disso, eu não fazia ideia de aonde iriamos, quais roupas levar, se era ou não
algum lugar frio, quente, ou que exigisse vestimentas finas. Também, não
poderia pensar que só porque meu namorado era super rico, que ficaríamos
em lugares como esse. Nunca estive nessa situação antes, e já comecei com
um homem que não temia, de jeito algum, gastar ou esbanjar, mesmo não
sendo sua intenção, o dinheiro que tinha.

Minha amiga praticamente tomou conta de tudo: convenceu-me a ir


à empresa “exigir” uma semana de férias, procurou roupas para mim — as
quais, quase que 100%, eu não tinha até aquele momento —, fez minhas
malas e previu diversas situações por mim, como, por exemplo, eu e Joseph
irmos para os vinhedos da Itália ou às praias do Caribe. Ela me fez ir a
quase 20 lojas só para eu ter algo de cada na mala, caso precisasse. Nem
tive a opção de escolher muita coisa, já que ela disse: “Samantha, eu te
amo, mas temos que concordar que seus gostos não são muito lá modernos
ou chiques”. Vendo-a tão feliz, deixei que continuasse.

Na verdade, como eu não queria estar naqueles lugares, foi ótimo


apenas vê-la indo de um lado ao outro. Só odiei a parte em que provei
algumas peças de roupas para ela ter certeza sobre os números ou como
ficava em mim os caimentos delas. Não tinha nada contra comprá-las ou
gastar o dinheiro que eu ganhava e tudo mais, só não via razão para fazer
isso, nem tinha energia para sair de casa em busca de roupas de grife.

O pior não foi aceitar ir à viagem com meu namorado lindo e sexy
ou fazer compras; difícil e vergonhoso foi ver a quantidade de coisas que eu
iria levar para ficar uma semana fora. Por sorte, notei o exagero de Hoper e
a fiz diminuir a quantidade de coisas nas malas. No fim, sobrou apenas
uma, apesar de ser enorme.

Depois de sairmos de casa, eu não sabia que rota tomaríamos.


Joseph estava calado, pensativo, e eu matutava sobre seus poucos segundos
ao lado da minha amiga bocuda. Quando já estava farta de vê-lo assim e iria
abrir a boca para o perguntar algo, chegamos a um aeroporto, onde uma
aeronave, de pequeno porte, estava à nossa espera.

Pensei que poderíamos estar indo a algum lugar dentro dos Estados
Unidos e que fosse melhor utilizar esse meio de transporte para chegarmos
lá mais rápido. Contudo, logo que ouvi o piloto falar sobre 5 a 8 horas de
voo, fiquei confusa e impressionada.

Para onde vamos?

Deixei que Joseph tratasse dos detalhes e subi na aeronave, sendo


seguida por uma aeromoça bem bonita. Bem... Eu sabia que ele era rico.
Inclusive, a casa que tinha acabado de ser construída era apenas uma das
propriedades de luxo dele. Todavia, entrar nesse avião me fez abrir ainda
mais os olhos. Era lindo do lado de dentro, na cor bege, e, apesar do veículo
ser de pequeno porte, era luxuoso. Fiquei boba com um pedaço de tudo que
era de Joseph Morson.
Só percebi sua entrada quando ele passou por mim e se sentou ao
meu lado.

— Está confortável? — Sempre que ele me encarava com um


sorriso de canto, como fazia nesse momento, deixava-me um pouco tímida.

Eu não estava acostumada à sua atenção, dedicação e carinho. Sim,


rolava um desejo grande o bastante para quase tirar meu autocontrole.

— Por que está me encarando assim? — Estreitou seu olhar.

— Você estava calado e pensativo há poucos minutos, e agora


parece que mudou completamente. O que Hoper te disse?

— Bem...Você ouviu o que...

— Não sou idiota. Sei que ela comentou sobre o meu aniversário.
Todo ano faz um drama.

Seu sorriso abafado foi necessário para confirmar minha teoria.

Eu odiava ter que me lembrar dessa data, e minha amiga fazia


questão de me levar ao passado quando mudava todo o seu comportamento
por minha causa.

— Ela comentou sim. — confessou, afastando-se um pouco para se


acomodar em seu lugar, ao meu lado. — Ela falou que eu não deveria
comentar com você, por odiar esse dia.

— Eu odeio que ela faça todo um drama por conta disso. É um dia
comum, que, por um acaso, foi no qual nasci. Não tem nada demais, nem é
importante. — expliquei com um pouco mais de raiva do que gostaria. —
Me desculpe. Não quis ser dramática também.

Outra coisa que me desconcertava era a forma como Joseph me


encarava quando eu estava irritada, ainda que fosse com ele. Era um cara
concentrado, que não discutia com frequência, e me entendia como
ninguém. Não precisava dizer em palavras; seus olhos já confirmavam.
— Ok. Então, vamos esquecer.

— Você vai?

Sua resposta foi pegar minha mão e a beijar, causando-me um


arrepio enorme e me lembrando de que estávamos indo para um lugar onde
ficaríamos juntos, sem mais distância.

— Este avião é seu?

— Sim. — confirmou sem tirar os olhos de mim. — Da família.


Mas sou eu quem o uso mais.

— Para onde vamos? — inquiri desconfiada.

— É uma surpresa.

Surpresa?! Não lido bem com surpresas.

— Se você quer mesmo ficar comigo, tem que saber de alguns


detalhes. — Eu me ajeitei no lugar e ele abriu um sorriso, concentrando-se
em mim. — Odeio não saber das coisas. Assim não me preparo para elas.
Hoper tentou me deixar tranquila e não exigi descobrir onde ficaríamos
durante toda a semana, mas agora, dentro deste avião, tenho que saber um
pouco mais.

— Daqui a algumas horas vai ver. Não consegue esperar um pouco?


— Levantou uma sobrancelha.

— Não. Por isso estou perguntando agora. — sussurrei.

Ele riu.

— Tem mais alguma coisa que eu deva saber? — Aproximou-se


mais de mim.

— Não sou romântica, mas gosto disso em você. Não se chateie se


eu me esquecer de algum tipo de data que considere especial. Não sou
tímida, mas quando acontece de eu não conhecer quem está em minha
frente, assumo uma postura mais calada. Tenho alergia a frutos do mar e...
Se eu beber mais do que dois copos de vodca, não serei mais a pessoa que
você conhece e, provavelmente, não vou me lembrar do que fiz na noite
passada.

— Devo manter você longe das bebidas. — ironizou.

— Então, para onde vamos? — perguntei novamente, mais


determinada e curiosa.

Ele me puxou mais para perto, quase me sentando em seu colo.


Fiquei constrangida ao ver a cara da aeromoça gata antes de desviar o olhar
da gente.

— Um resort particular. — Beijou meu pescoço, fazendo cócegas


em mim. — Fica praticamente isolado. Eu diria que totalmente isolado.

— Eu não sabia que um resort poderia ser particular ou tão isolado.


Onde fica?

— Você é mesmo curiosa. — brincou. — Fica em uma ilha, no


Pacífico. — respondeu como se a informação não fosse nada de tão
importante.

Não falei nada depois e minha mente começou a maquinar várias


coisas, deduzindo situações. Não estava ajudando estar tão perto dele; sem
contar seus beijos e carícias que só me atiçavam. Não era uma puritana ou
tímida demais para passar uma semana com um homem tão gato quanto
Joseph em uma ilha e resort para ricos, mas confesso que estava com frio na
barriga.

***

Durante a viagem fiquei imaginando como seria dali para a frente.


Nós já tínhamos deixado claro o que sentíamos e falado sobre as “mínimas
diferenças” entre nós. Isso não nos impedia de ficar juntos, nem era um
problema que eu via nele; era uma raiz podre dentro de mim causada pela
mágoa de ver Cora e sua família falsa sendo feliz.
Embora repetisse milhares de vezes que não aconteceria, ainda me
preocupava que, no futuro, Joseph simplesmente fosse embora e me
deixasse desolada. Minha amiga me aconselhou a viver o momento,
esquecer o passado e construir o futuro que eu queria, sem me basear nas
merdas que sempre aconteciam comigo. No fundo, achava que esse medo
não iria embora e que seria eu quem colocaria tudo a perder.

— Viu? Nem demorou tanto. — Joseph andou em minha frente,


indo até a saída da aeronave. — Vamos aproveitar o restante da tarde para
nos conhecermos melhor.

Revirei os olhos com um sorriso no rosto. Ele era tão clichê, que
acabaria me deixando boba com coisas que eu sempre dizia odiar.

— Se me conhecer mais do que já conhece, vai me deixar no mesmo


minuto. — ironizei ao segui-lo.

O sol ainda estava radiante e eu fiquei de boca aberta assim que pus
os pés no primeiro degrau da saída. A ilha não era pequena, tinha uma
montanha ao longe e a praia não ficava muito distante da pista de pouso.
Havia um carro à nossa espera, deixando-me ainda mais impressionada.
Havia árvores e muito verde. Ficava lindo em contraste com a cor do céu e
do mar.

— Acho que a conheço o bastante para saber que isso nunca vai
acontecer. — ele respondeu, trazendo-me à realidade, e depois estendeu a
mão para mim, ajudando-me a descer. Eu já nem me lembrava do que
estávamos falando.

— Vocês, ricos, são bem estranhos. — comentei baixinho. —


Precisam de uma ilha tão longe para relaxar? Estão fugindo da polícia?

Ele soltou um sorriso e, como sempre, ficou ainda mais lindo.


Gostava de fazê-lo rir. Algo que não fazia com frequência, por sempre estar
cansado. Por isso eu tagarelava tanto. Por incrível que pareça, meu
namorado gostava de me ouvir dizendo coisas que nem sempre entendia.
— Trabalhamos o ano todo e não tiramos férias, nem curtimos
muito as noites depois do trabalho. — Abriu a porta do carro de luxo, que
eu não sabia como tinha ido parar naquela ilha. — Quando acontece de
tirarmos uns dias de folga, procuramos lugares distantes, onde o trabalho
não pode nos achar.

Antes de entrar no veículo, eu o encarei, e ele fez o mesmo comigo.


Seus olhos estavam tão azuis quanto o céu, encantando-me.

— Não deixa de ser estranho.

Partimos para algum lugar que, com certeza, era lindo. Essa ocasião
parecia um sonho maluco. Se alguém tivesse me dito, há meses, que estaria
passando por isso, não acreditaria. Mas aqui estou eu, ao lado de um
magnata do petróleo, em um resort particular, em uma ilha, completamente
apaixonada por ele.

Não demorou muito para chegarmos a algum lugar. Abri a porta e,


ao sair, encontrei uma enorme casa com detalhes em madeira, janelas de
vidro e rodeada por vegetação. Tinha uma trilha de pedras que levava para
algum ponto perto da praia. O local era grande, mas não tinha visto muito
sobre o resort.

Vi que o motorista entrou com as malas e fiquei feliz por ter


obrigado Hoper a diminuir o que queria me fazer trazer. Pelo menos ela
estava preparada para lugares quentes, como uma ilha no meio do oceano,
apesar de não saber que eu viria para cá.

— Ficaremos aqui. Não quero ter que passar os dias a sós com você
no hotel da ilha. — Ah! Então, tem um hotel. — Além disso, aqui é bem
quente. Não quero que nenhum tarado veja minha namorada sem peças de
roupas importantes. Só eu posso ver.

Cruzei os braços e o olhei, balançando a cabeça. Joseph estava me


mostrando um lado pervertido que me deixava acesa.

— Quem disse que vou passar os dias sem roupas? — Tentei não rir
da sua cara de safado.
— Acredite: vamos estar sem roupas em vários momentos da
viagem. — Veio até mim e me beijou.
Capítulo 19
Samantha

Menos de um dia na ilha e eu já tinha perdido meu namorado em


algum lugar. O único momento em que não estávamos juntos foi na minha
ida para o banho. Ele estava todo misterioso e feliz. O que me deixava feliz
também. Não costumava demorar muito no banheiro, mas nesse dia foi
diferente.

O frio na minha barriga só aumentou. Pensei que não resistiria e me


agarraria a ele antes da noite acabar.

Com um vestido vermelho, solto, e a pele cheirando a rosas, eu o


procurava. É óbvio que ele não me deixou na ilha sozinha, contudo não
conseguia encontrá-lo, nem aos seus rastros.

A noite estava até ficando mais fria e, do nada, senti meu corpo
sendo preso por braços fortes. O beijo na minha nuca me deixou arrepiada e
eu quase tive um infarto pelo susto que levei.

— Você quer me matar do coração? — protestei.

— Não pude resistir depois de te ver neste vestido. — justificou-se.


— E este perfume me atrai a você como um imã.

— Achei que tinha ido embora sem mim. — Virei-me, com ele
ainda me abraçando e me analisando como se quisesse descobrir no que eu
estava pensando.

Eu pus meus braços em volta do seu pescoço e ele beijou meus


lábios levemente.

— Nunca faria isso. Estar com você aqui é tudo que mais preciso.
— Ainda tinha medo de pensar que era um sonho. Como poderia ser real, se
era tão perfeito? — Na verdade, estava preparando os detalhes do nosso
jantar. Hoje vamos ser servidos, e exigi que os responsáveis vão embora
assim que isso acontecer.

— Ah, é? — Levantei uma sobrancelha, com um pequeno sorriso na


face, tanto de felicidade, quanto de vergonha, por estar pensando em coisas
pervertidas. — Por quê?

— Vou deixar você curiosa. — Puxou-me.

Com nossos dedos entrelaçados, ele me guiou para fora da casa, que
era maior que a de dois andares onde eu morava com Hoper. A noite estava
linda e o céu estrelado. Havia luzes pelo caminho de pedras e em um lugar
não muito longe da casa, com uma mesa também. Fiquei encantada.

— Um jantar sob as estrelas? — indaguei ainda boba, reparando nos


detalhes. — Vai acabar me estragando.

— E este é só o primeiro dia. — Beijou o meu rosto.

Como sempre fazia, Joseph puxou a cadeira para que eu me


sentasse. Confesso que, no início, fiquei um pouco chateada, achando essa
atitude estranha. Mas era Joseph Morson, o homem gentil e carinhoso que
me levava para jantar e me tratava como se fôssemos um casal de
antigamente.

Depois que se sentou em seu lugar, ele me encarou. Lidar com isso
antes do nosso início do relacionamento era fácil. Minha mente não
matutava a todo instante se ele estava gostando de mim e do que eu vestia,
no que estava pensando e se eu faria algo para estragar as coisas.

Eu sempre dizia à Hoper: “Estou sempre preparada para o fim”.


Uma grande mentira, pois sempre me apegava aos momentos, às pessoas. E,
quando isso acabava, era como me jogar um balde de gelo, enterrar-me viva
ou me deixar no escuro.

— No que está pensando? — perguntei nervosa, achando que tinha


passado muito tempo refletindo e esquecendo onde estava e com quem. —
Por que está me olhando assim?

— Você é linda. Quero ter todos os seus ângulos na minha mente,


para quando não estivermos juntos. — Deu um sorriso de canto.

— Está pensando em terminar comigo? — Peguei a taça com água e


bebi um gole dela, sentindo minhas mãos suarem. A ansiedade estava
batendo no meu peito. — Mal começamos.

— Me refiro a quando estivermos cada um em suas casas e no


trabalho. Não exagere. — foi irônico. — Além do mais, a única forma de
acabarmos é se você fizer isso, porque eu tenho certeza absoluta de que a
quero para sempre.

Quase me engasguei com a água. Esse homem queria me matar, e


nem estava fazendo esforço.

— Como tem tanta certeza? — Recostei-me e me inclinei sobre a


mesa. — Já falei sobre os meus maiores defeitos? Você até me acusa de ser
medrosa e de fugir.

— Todos temos defeitos. E o que você tem não é um defeito,


propriamente dito, e sim uma reserva quanto às pessoas devido ao seu
passado. — disse com tanta finesse, que achei que fosse meu psiquiatra.

— Estamos constantemente indo de encontro um com o outro e sou


temperamental. — lembrei-o.

— Não é com tanta frequência, mas tem coisas com as quais eu não
concordo e você concorda, e vice-versa. Seu temperamento não me irrita.
Na verdade, gosto quando fica irritada.

— Você está louco. — acusei-o.

— Não sabe o que é o amor direito, mas farei questão de ensiná-la


sobre ele. — Amor. Essa palavra me é estranha; quase que tenho alergia a
ela. Porém, é o que sinto agora. Explica tudo que estou pensando e
sentindo. Amor! — Parece que você não quer isso. — Quando voltei a
prestar atenção nele, olhava-me estranhamente. — É algo que não gosto.

— Você achou algo. Está vendo? — Seu silêncio me deixou


nervosa, assim como o olhar. Era como se ele me desse uma bronca sem
usar as palavras. — Ok, eu sou assim, mas não pode me culpar. Não sei no
que pensar ou como agir. Sempre fugi disso. E não... Não sou medrosa.

— Eu sei. — Pôs sua mão sobre a minha. — Se lembra de como nos


conhecemos?

— Tenho memória aidética. Eu me lembro de tudo desde o


momento em que nos conhecemos. — Franzi o cenho.

— Então, sabe do que falamos: dos medos, dos defeitos, dos


traumas... Conversamos sobre o que nos tornava diferentes das outras
pessoas e iguais entre nós. — Seu olhar estava tão cheio de emoção, que me
hipnotizou. — Não somos perfeitos. Temos medo da traição ou do
abandono e odiamos estar sozinhos, mesmo optando por isso. É por este
motivo que te amo tanto: sente o mesmo que eu. Se não for você, Samantha,
não será ninguém.

Sim, é um sonho, um consolo depois de uma vida de sofrimento. Só


assim para eu acreditar que algo tão bom está acontecendo comigo.

Meu peito palpitava. Estava quase trasbordando de alegria e amor.


Era um sentimento novo e esquisito que me deixava com medo. Nada de
tão bom já tinha durado para mim, nem me acontecia com frequência. Não
estava acostumada.

— Se não começarem a servir logo, vou pular para a sobremesa. —


brinquei.

Estava tão tímida, que poderia ficar evidente no meu rosto.

— Não diga uma coisa dessa. Posso mandar todos irem embora. —
O sorriso safado na face dele me deixou envergonhada e, inusitadamente,
excitada.
Não era a primeira vez que me sentia tão atraída por ele a ponto de
poder agarrá-lo, só que dessa vez era mais real e forte. Eu tinha a
expectativa de que, no fim da noite, estaríamos pelados na cama.

Logo nos serviram as entradas e mudamos de assunto. Não


precisávamos de palavras para descreverem as nossas intenções, mas era
melhor assim. Quando o prato principal foi servido, parecia que não teria
espaço para ele, e, de alguma forma, Joseph me fez ter uma crise de riso
quando mencionou algo do seu passado.

Estava tudo tão perfeito, que surgiu uma ansiedade no meu peito.
Tentei me livrar do medo criado pelo meu cérebro idiota, que,
constantemente, boicotava a minha felicidade.

— Está tudo bem? — ele inquiriu.

Não queria dizê-lo que, mais uma vez, estava com receio de que
acabássemos, então expulsei esse pensamento e sorri.

— Sim. — Desviei o olhar dele. — Só preocupações bobas da


minha cabeça. Não é nada demais.

Ele pegou em minha mão e a beijou sem dizer uma palavra sequer.
Seus olhos me fitavam, levando-me a entender sua mensagem silenciosa,
dizendo que tudo ficaria bem. Eu tinha que mudar. Não extremamente, para
me adaptar a situações assim, mas a respeito dos meus pensamentos e
medos. Sempre me diziam que o medo poderia estragar as coisas e levar
embora aquilo que nos fazia feliz. E era verdade. Perdê-lo quando tanto o
amava seria minha destruição.

Depois que ele soltou minha mão, levantei-me e peguei o vinho. Eu


o vi me observar, tentando adivinhar o que eu faria.

— Eu costumava jogar um jogo na faculdade que me levava, muitas


vezes, a fazer idiotices. Que tal brincarmos um pouco? — sugeri.

— Para você fazer idiotices? — Levantou as sobrancelhas.


— Desta vez não. Só que seria divertido descobrir coisas sobre você
que não foram reveladas ainda.

— Que tipo de brincadeira é essa? — Ficou de pé.

Joseph era alto, dando quase dois de mim, e quando me olhava


como no momento, dava a impressão de que iria me engolir.

Não o respondi, apenas peguei sua mão e caminhei com ele para
longe da mesa. Seguimos pelo caminho de pedras até um sofá que ficava de
frente para a praia.

Ele disse que estávamos em um resort, mas até então não o tinha
visto. Talvez a ilha fosse maior do que eu imaginava e que esse local
estivesse bem longe.

Depois de nos sentarmos, ele ainda estava curioso e desconfiado.

— Funciona assim: eu falo algo que nunca fiz. Se você não fez, não
precisa beber, mas se fez, tem que beber o vinho e contar como aconteceu.

Ele riu.

— Quer me deixar bêbado, é? — brincou.

— Teve uma juventude animada? — perguntei com ironia.

— Faculdade. Lá acontece de tudo. E você, se ficou bêbada para


fazer besteiras, significa que não é a mulher puritana por quem pensei ter
me apaixonado.

Estreitei os olhos, duvidando de que ele achava realmente isso.

— Faculdade. — Dei um meio-sorriso. — Acontece de tudo. — Ele


riu. — Você começa.

— Por que eu? — Franziu o cenho.


— Estou tentando pensar no que não fiz para dizer algo. — Não era
brincadeira. Sinceramente, não me orgulhava de muita coisa.

— Estou começando a ficar preocupado. — Por sorte, a garrafa


estava pela metade. Não ficaríamos tão bêbados. — Nunca bebi a ponto de
me esquecer do que fiz na noite passada. — Essa foi uma provocação.
Estava claro em seu olhar.

— Não vale! — reclamei e bebi um pouco. — A culpa nem foi só


minha. Você já teve uma colega de quarto como a Hoper?

— Então, ela é uma má influência?

— Como acha que conheci essa brincadeira? — ironizei. — Ok...


Eu nem sempre ficava tão bêbada. E nem era em festas. Ser a melhor da
turma dava trabalho e eu estudava muito. Então, ela entrava pela porta,
depois de uma festa universitária em que se pega DST, trazendo uma
garrafa de bebida, e me forçava a largar os livros para revelar algo que a
fizesse saber mais sobre mim.

— E ela sabe agora?

— Minha língua fica solta quando uns mililitros entram pela boca.
— confessei.

Pensava em algo que pudesse dizer. Joseph era o homem certinho da


relação, e eu a que tinha um passado sujo do qual não me lembrava de
muita coisa.

— Eu nunca me arrependi imediatamente após enviar uma


mensagem. — falei.

Ele pegou a garrafa da minha mão e bebeu um gole do drink. Não


era nada demais, porém fiquei curiosa.

— Foi logo depois que descobri a traição. — Não estava feliz com a
confissão. — Bebi muito, quebrei algumas coisas e pedi para ver minha ex-
noiva. Acabamos transando naquela noite. Mas foi a última vez.
— Ficaram juntos depois que ela te traiu? — perguntei irritada,
sendo que não deveria estar. Era uma coisa que tinha acontecido bem antes
de ele sonhar em me encontrar.

— Como eu disse, bebi muito e me arrependi amargamente depois.

Não seja ridícula! Ele não gosta dela. Aquela vadia o traiu.

Então, por que ele ainda permite que ela trabalhe com ele?

— Você nunca disse exatamente por que ela ainda trabalha para
você. — comentei espontaneamente. Nem queria puxar esse assunto,
entretanto não consegui fechar a boca. — Ainda deseja vê-la todos os dias?

— Não! — negou quase ofendido. — Só não misturei as coisas. O


pai dela é um dos acionistas da empresa e... Odeio ter que a ver. Além
disso, o babaca do meu ex melhor amigo também está lá. Acha que gosto
disso?

— Não sei. Você acabou de dizer que transou com ela depois do que
viu.

O que deu em você?

— Eu não deveria ter comentado, certo?

Está vendo, ridícula?

— Me desculpe. Isso não tem nada a ver comigo. — Sentia-me mal


por ter ciúme de uma traidora.

— Tem a ver agora, e não quero que fique chateada. Eles


trabalharem lá não está sob o meu controle, mesmo eu sendo o dono de tudo
aquilo. — Pegou em minha mão.

— Eu sei. — Continue o jogo! Não deixe que isso estrague a noite!


— Bem... É a sua vez.
Joseph sabia que eu estava mudando de assunto para fugir. Odiava
me assemelhar a uma medrosa, mas dessa vez eu só queria mudar o clima.
Não fui à ilha com ele para brigar, e sim para me jogar de cabeça em nosso
relacionamento e ver o que teria debaixo das roupas que ele estivesse
usando.

— Nunca fiz uma tatuagem da qual me arrependo amargamente.

Peguei a garrafa e bebi mais do que o necessário. Odiava me


lembrar daquele dia.

— Eu estava alucinando. Hoper falou que era uma boa ideia e que
eu ficaria sexy, então fui fazer. — Estávamos tão bêbadas, que fomos
andando até um amigo dela que não me parecia confiável. — Bem que
dizem que tem que fazer essas coisas estando sóbrio. Até hoje quero
esquecer, mas é só tirar as roupas, que me lembro desse dia.

— Ficou ruim?

— Não. Só que penso em quando meu corpo ficará flácido e


enrugado. Vai parecer que me sujei e não deu para limpar.

Ele riu.

— Onde é? — Estava curioso. Eu diria que mais do que isso.

Subi em cima dele e passei os braços em volta do seu pescoço, ainda


com a garrafa na mão.

— Quer ver? — Olhei em seus olhos. — Vou ter que tirar as roupas.

— Achei que não tinha mais como melhorar a noite, mas com você
é sempre uma surpresa boa. — Beijou-me.

Afastei-me só um pouco para colocar a garrafa em cima de uma


mesinha de madeira e, depois, ele simplesmente me carregou para dentro da
casa, onde estava mais quente.
Capítulo 20
Samantha

Antes mesmo de abrir os olhos, pela manhã, senti que o dia seria
maravilhoso; não só por estar perto da praia, mas por ser acordada por
beijos e carícias do meu namorado romântico. Antes do café, ele me deu
uma motivação a mais para começar o dia. Sexo para dormir e depois de
acordar era novo e estimulante. Nunca pensei que ter um relacionamento
significasse estar tão relaxada e feliz. Por mim, passaríamos mais tempo
sozinhos, trocando beijos e fazendo coisas a mais, porém ele tinha outras
ideias.

Saímos da casa para dar um passeio pela praia. Achei que teria mais
pessoas ali, contudo não encontramos ninguém.

Joseph tinha razão: precisávamos de férias. Em nenhum momento


da viagem pensei em trabalho, nem ele. Na verdade, os nossos celulares não
funcionavam muito bem, apesar da ilha ter Wi-Fi. Para falar a verdade, eu
desliguei o meu. Nada poderia estragar a minha felicidade e deixaria as
preocupações para quando voltasse.

— Tem certeza de que não tem mais pessoas aqui, nessa ilha? —
Olhei para os lados e não encontrei ninguém. — Parece que estamos
naqueles filmes em que o casal se perde no mar, para em uma ilha
paradisíaca e fica lá para sempre.

O sorriso que vi de relance dele me fez sorrir também. Com o sol


claro, o azul de seus olhos estava intenso.

— Se fosse o caso, eu estaria mais que feliz. — Agarrou-me. —


Perdido em um paraíso com você? Seria um sonho. — Revirei os olhos por
estar boba. Às vezes me achava dura demais, então ter conhecido um
homem como ele foi uma ironia. — Mas, infelizmente, não. Você sabe que
viemos de avião e que há pessoas trabalhando aqui, não é?
— Não sou idiota. Mas não vi ninguém que não fosse algum
funcionário.

— Estamos em uma área privilegiada. Pedi para ficar mais distante,


porém acredito que, a qualquer momento, alguém vai aparecer. Mas não se
preocupe. — Pegou-me no colo, de surpresa. — Vamos aproveitar enquanto
pudermos.

A água estava fresca, e estar agarrada a ele me dava segurança.


Paramos quando ela batia no meu peito e o encarei, pensando em muitas
coisas. A principal delas era a dúvida sobre o nosso relacionamento durar,
uma tecla na qual estava tocando muito. Entretanto, dessa vez não era a
questão de eu o merecer ou não, e sim se as nossas vidas se encaixariam.

— Acha que vai ser assim quando voltarmos?

— Não vai ter a praia, nem a paz do silêncio, mas acho que sim.
Não dá para apagar o amor dentro de nós. E, enquanto ele existir, nada vai
mudar.

— Você é bem pessimista. — sussurrei.

— O que foi? Você está, outra vez...?

— Não. Só estou gostando de passar todo esse tempo com você.


Quando voltarmos, mal vamos passar duas horas juntos.

— Posso me demitir e trabalhar com você ou podemos morar juntos.


— brincou.

— Me acha boba? — Estreitei os olhos.

— Não. Sinceramente, gosto disso e penso o mesmo. E nem


estamos perto do fim ainda.

— Tem razão. Nem estamos no fim. — Prendi-me ao seu beijo, que


me tirava o ar e me deixava maluca. Descobri que era o meu maior vício.
No breve momento em que o larguei, vi pessoas chegando à praia.

— Você tinha razão: há pessoas aqui. — comentei.

— Droga! Achei que poderíamos aproveitar o paradisíaco. —


Exibiu um sorriso pervertido.

— Você é um depravado, sabia?

Ele riu.

— Que bom que estamos nos conhecendo melhor. — ironizou.

Olhando de novo para a praia, vi um senhor nos encarando. Minha


cabeça logo imaginou que, talvez, ele pensasse coisas maldosas sobre nós,
mesmo não tendo nada de tão interessante acontecendo.

— O que mais tem para fazer neste lugar? — Afastei-me de Joseph,


indo em direção à areia.

— O que deseja fazer? — Seguiu-me.

O homem ainda nos observava, deixando-me irritada e sem graça,


apesar de não ter feito nada de errado. Além do mais, estava com meu
namorado. Talvez fosse a minha roupa, que, no momento, estava molhada.
Esperava que o calor a secasse logo, já que tinha o tecido fino.

— Não sei. Nunca estive em um resort. — Virei meu rosto para o


encarar. — Você pode escolher.

— Se eu fosse escolher, optaria por ficarmos na casa, longe de


velhos tarados que encaram o corpo sexy da minha namorada.

— É, eu também. Só que não viemos aqui para ficar presos em uma


casa, certo?

— Escolhi esse lugar por ser longe o bastante do caos em que


vivemos. Não me importaria de ficar “preso” com você em uma bela casa,
de frente à praia, até o fim da semana.
Saímos da água e caminhamos durante poucos minutos até
chegarmos a uma cabana sem paredes, coberta por tecido, com camas de
massagem. Era tudo muito lindo, silencioso e chique. Pensei que seria uma
boa ideia ter meu corpo massageado e relaxado, até ver as massagistas
praticamente babarem pelo meu namorado, que não tirava seus olhos de
mim.

— Uma massagem? — sugeriu.

— Acho melhor não. — neguei, sentindo-me uma ridícula. — Não


me sinto 100% segura de mim mesma para deixar que aquelas mulheres
lindas e loiras toquem em seu corpinho, que até então só eu tenho tocado.
Pode me achar ridícula. Eu me sinto assim.

— Está com ciúme das massagistas? — Estreitou os olhos, com um


sorriso no rosto.

— Claro. Você já viu o quanto elas são bonitas e altas? — sussurrei


como se fosse óbvia a minha observação.

— Elas são bonitas, mas o meu amor é você. — também sussurrou.

Revirei os olhos, sentindo-me mal por estar assim e ter revelado a


minha insegurança a ele em relação às loiras bonitas.

— Não estou te impedindo de fazer. Pode ir se quiser.

— Não quero a massagem. Pensei que você faria. — confessou tão


sorridente quanto antes. — Gostei de ver seu ciúme, apesar de não gostar de
saber que não se sente confiante em relação a nós.

— Não é isso. Eu só não estou acostumada a isso e acho qualquer


outra melhor que eu. — Cruzei os braços.

— Samy, em algum dia vai parar de pensar assim? — Pegou a


minha mão. — Porque não há, no mundo, alguém tão perfeita para mim
como você. Não deveria ser difícil de entender.
— Não é. Minha psiquiatra está tentando reverter essa história que
eu criei na mente.

Outra vez, eu estava tentando boicotar a minha felicidade. Era uma


insegurança que não conseguia evitar ou apagar da cabeça.

Saímos do lugar e demos um passeio pelas redondezas. O hotel era


lindo, contudo não tinha só esse prédio na região, havia muitas outras casas
particulares para os hóspedes que queriam privacidade, além de diversas
piscinas. A maioria das pessoas optava pela praia.

A atividade que mais me empolguei em fazer foi a trilha. Sempre


gostei mais de ver coisas interessantes do que ficar sentada em uma cadeira,
olhando para o céu. Também, criei uma regra para mim mesma: sempre que
pensasse em algo ruim ou que me deixasse insegura, entraria em um
assunto com Joseph que não fosse relacionado a isso ou, simplesmente,
agarraria ele e expulsaria da minha cabeça tudo aquilo que me fazia mal.

Com o tempo fui me esquecendo dessas coisas e minha mente focou


nele e no que fazíamos. Finalmente, eu me senti relaxada e com tanta
segurança, que me surpreendi.

No fim do dia, jantamos em um lugar lindo, perto do mar, vendo as


estrelas. Não podia imaginar que o amaria ainda mais, porém Joseph era a
minha caixa de surpresas que eu estava amando ter. Nunca tinha dito essa
palavra antes e ainda me sentia confusa para dizer, embora ele repetisse
sempre.

Demorou tanto para, enfim, eu ter algo tão bom e satisfatório, que
tinha medo de que acabasse em um piscar de olhos e a culpa fosse minha.

— Está pensando no que pode dar errado? — Ele me olhava.

— Estou feliz. É estranho. Me desculpe se o incomoda. — falei


brincando antes de dar um gole na taça de vinho. — Quero que isso
continue. Então, vamos mudar de assunto.
Eu poderia dizer que estava pensando em falar no quanto era
medrosa e que estava fugindo só por conta do seu olhar, no entanto decidi
esquecer e desconversar.

— O que sugere? — Desviou os olhos dos meus.

— Fale sobre sua família. O máximo que disse não foi tão revelador.
— Peguei os talheres e parti a carne macia que foi servida.

— Mais detalhes? — Cerrou os olhos. — Quer saber todos os meus


segredos?

— Só o que acha importante. Na verdade, nunca me disse como foi


sua infância.

Deixando a comida de lado, Joseph me encarou com um sorriso na


face, encostou-se na cadeira e pensou no que diria.

Os trinta minutos seguintes foram bem mais animados. Ele falou das
melhores partes da sua infância. Sempre imaginei que os seus pais tivessem
criado os filhos da forma mais fina e protetora possível, todavia Joseph e
seu irmão viveram como crianças comuns, correndo e sujando as roupas
chiques.

Fiquei encantada e pensando no que nunca tive: uma família. Só que


não estava triste, estava feliz por tê-lo comigo.

***

Depois que voltamos do jantar, tivemos uma noite mais que ótima
juntos. Ele era tão carinhoso e sexy, que não precisava de muito para me
encantar ou despertar o meu desejo. Um olhar, e já me ganhava, já me tinha
sob sua mão. Isso tanto me animava, quanto assustava.

Confesso que deixei minha mente fraca me manter acordada após


ele adormecer.

O dia não seria um dos melhores: meu passado estava de volta.


Tentando ser forte e determinada a não deixar que essa ocasião me abalasse,
fiquei olhando para o teto e para o seu rosto pacífico ao meu lado.

Não seja boba. Ele está aqui. Pela primeira vez, você não está
sozinha.

Às vezes brigava comigo mesma, como se fosse outra pessoa em


minha mente.

Ao abrir os olhos e ver a luz entrando por uma fresta da cortina,


pensei que expulsaria a merda que tanto me torturava. Com minhas mãos,
tentei encontrá-lo, e em seu lugar não havia nada. Virei-me e vi seu canto
desocupado. Eu sabia que ele deveria estar em algum cômodo da casa, no
entanto senti um vazio enorme que logo foi tomado pelo medo.

Foi assim que aconteceu. Eu estava sozinha e ficaria assim para


sempre. Todos iriam embora igual a ela.

Levantei-me, fui ao banheiro, olhei-me no espelho e respirei fundo,


tentando expulsar da mente as coisas mais dolorosas que me perturbavam
há anos. Escovei os dentes e tentei me arrumar, assim como colocar um
sorriso no rosto, falando a mim mesma que eu não deixaria que nada
estragasse meu dia e que aquela era uma tolice do passado que deveria ficar
lá.

Entretanto, saber disso não facilitava mandar tudo que eu sentia,


embora.

Eu saí do quarto e a primeira coisa que senti foi o aroma bom que
vinha da cozinha, fazendo meu estômago roncar. A passos curtos, andei até
lá e vi suas costas largas. Ele demonstrava estar animado, e nem isso me
deixou menos triste, contudo disfarcei quando ele se virou e me encontrou.

— Bom dia. — Veio até mim e beijou o meu rosto. — Espero que
tenha dormido bem.

— Muito bem. — menti, não querendo olhar para outro lugar que
não fosse ele. — Está contente!
— Estou em uma ilha paradisíaca com uma mulher linda e
maravilhosa. O que mais devo querer para ser feliz?

Joseph me fez rir, embora, por dentro, eu não estivesse com muita
motivação para isso. Percebendo algo, ele me analisou como se tentasse
adivinhar o que se passava em minha cabeça, pelo seu olhar.

— Você não está bem.

— Estou bem sim, só um pouco pensativa. — Tomei o primeiro


gole do café. — O que vamos fazer hoje?

Em nenhum momento, ele tirou os olhos de mim. Algo que me


irritava, por saber que poderia me ler. Esse era um dos seus poderes recém-
descobertos. Todavia, gostava de saber que o homem que eu amava,
conhecia a mim e me entendia.

— Falei que não a lembraria e que faria de tudo para mudar o que
sente sobre esse dia. — Pegou carinhosamente a minha mão que estava em
cima da mesa. — Mas está mal e tenta esconder de mim. Não vou insistir,
claro... — Inclinou-se e beijou o meu rosto. — Porém, odeio que esteja mal
e que eu não saiba como mudar esse fato. — sussurrou perto do meu
ouvido.

Eu soltei um riso abafado e ele me encarou antes de retomar a sua


posição. Joseph sabia como eu me sentia, mesmo sem eu dizer uma palavra.
Poderia falar que meu mau humor ou a mera tristeza era por não conseguir
parar de sentir o mal dentro de mim, por sempre me lembrar das partes
ruins e não poder deixar isso para lá, mesmo estando com quem mais
amava.

— Não se preocupe. O início do dia sempre me traz más


lembranças, mas durante o restante me distraio e me esqueço dele. —
Peguei a xícara de café e a levei até a boca. — Você estava animado. Não
deixe que isso estrague.

— Se você não está bem, eu não estou bem. Então, fica nas suas
mãos, querida. — Levantou-se e pegou algo da bancada. Estava tenso e
preocupado, deixando-me ainda mais chateada comigo mesma. — Sei que
não queria tocar no assunto que mais odeia e deseja esquecer, só que a
minha cabeça não consegue, de forma alguma, entender o que de tão ruim
pode ter acontecido para que você odeie tanto o dia do seu aniversário.

Apoiei meu rosto na mão e o cotovelo na mesa. Era lindo vê-lo


cozinhar. Minha cabeça não parava de pensar nele, em mim e no que eu
nunca havia falado para ninguém.

— Quando acordei e procurei pela minha mãe no dia do meu


aniversário, depois de fazer planos e promessas, ela não estava lá. — Ele
parou o que estava fazendo só para me ouvir, ainda que não se virasse para
me olhar. — Em todos os anos me lembro não só do meu aniversário, mas
também do dia em que ela me abandonou.

A surpresa dele foi nítida ao se virar abruptamente com os olhos


arregalados.

— O quê?! — Veio até mim. — Ela não fez... no seu aniversário...

— Relaxe, Joseph. Eu já superei, só odeio me lembrar. — Toquei


em sua mão. — Por isso não quero ter que falar sobre o assunto com mais
ninguém.

— Me desculpe. Achei que fosse algo menos... difícil de digerir.

Levantei-me e beijei seus lábios levemente.

— Vai ficar aqui, pensando no que já aconteceu?

— Não.

***

Depois do que falei, Joseph mudou por alguns minutos, aposto que
pensando no que houve comigo e no que eu disse. Eu me preocupei com
que a revelação tivesse estragado tudo, a nossa viagem. Mas depois, quando
ele percebeu que eu o olhava enquanto estávamos perto de uma enorme
piscina, tomando bebidas alcoolizadas de frutas, mudou. Estragar as coisas
entre nós era tudo o que eu não queria.

Compreendia que o instinto curioso do meu namorado não


descansaria até saber o que me deixava assim, tão diferente. Na verdade, eu
já tinha decidido passar a página e deixar o passado no passado antes de o
conhecer, e depois que nos encontramos, isso se tornou uma prioridade,
apesar dos meus momentos de fraqueza.

Nosso dia foi ótimo, com atividades. Fomos para o mar aberto e
nadamos perto dos corais, todavia não me diverti como o planejado. Eu
diria que meu “medo” de me afogar veio de um pequeno “acidente” em um
dos meus lares adotivos que não deram certo, e até então me julgava por
não abandonar tal receio.

Mas, independentemente disso, tudo foi maravilhoso, mesmo que,


em certos momentos, minha cabeça me traísse. Foi fácil achar um motivo
para me esquecer de tais pensamentos quando Joseph não me largava,
dizendo o quanto me amava e me fazia pensar no quanto tudo era louco.

Tinha certeza de que meus sentimentos eram fortes e verdadeiros.


Em pouco tempo consegui achar e conhecer alguém bom o bastante para
me fazer perder o medo de amar. Na realidade, eu não temia amar e poderia
dizer que já havia me apaixonado várias vezes. Mas nunca disse a nenhum
deles ou tive coragem de tentar algo. O real problema era me sentir digna
disso, de ter alguém e de que esse alguém me amasse.

Não foi minha intenção usar o charme ou qualquer fraqueza dele


para fazer com que despertasse esse sentimento nele, porém aconteceu, e
estava sendo algo que me tirava das profundezas da minha escuridão.

Estávamos no sofá confortável, fora da casa, sob as estrelas. Não


estava frio, nem quente, apenas um clima agradável. A garrafa de vinho se
encontrava na metade. Mais duas taças dele me deixaria um pouco acesa
demais.

— Minha mãe virá para Nova York. Não sei exatamente quando,
porém sei que vai querer conhecê-la no mesmo dia em que pôr os pés na
cidade. — Sua frase me deixou ansiosa e um pouco nervosa.

Joseph já tinha tocado nesse assunto, e eu podia ver o quanto era


importante para ele me apresentar à sua mãe. Entretanto, saber disso não
deixava as coisas mais fáceis para mim, que nunca havia estado em uma
situação dessa.

Eu tinha uma quantidade de taças para cada risco. Uma e duas não
era ariscado; eu sabia o que dizer e como agir. Era a partir daí que as coisas
mudavam. Três revelariam fatos sobre mim que, normalmente, não diria
com tanta facilidade, e me faria subir em cima do meu namorado, como se a
lenha do fogo estivesse dentro de mim. Quatro era uma zona de risco. Não
falava nada que me deixasse em uma saia justa, nem cometia algum
assassinato, no entanto já teve vezes em que disse ou fiz coisas que me
deixaram constrangidas. Da quinta em diante, para alguém que não tinha
costume de beber álcool, a situação complicava. Eu fazia e dizia coisas que
eu não me lembrava depois e que me deixavam, enfim, em saia justa.

— Não falou muito sobre ela. Eu me sentiria mais confortável em


conhecer alguém que posso saber, minimamente, quem é ou, pelo menos,
como agir diante dela. — Peguei a terceira taça.

O pior era que ele sabia que eu estava ansiosa. Por isso o sorriso
convencido.

— Eu já disse. Ela é simples, amável e muito divertida.

Esperei por mais, no entanto algo me dizia que Joseph queria me


torturar, ainda que não fosse nada demais.

— Mais do que isso. — incentivei-o a continuar.

— Não tem com o que se preocupar. — Recostou-se e colocou sua


taça sobre a pequena mesa de madeira, perto do sofá. — Com certeza você
vai amar ela, e ela a você. Devo dizer que minha mãe adora contar
momentos constrangedores dos filhos e que é protetora. No início vai ficar
com cara de mal, para te assustar, mas não se preocupe.
— Não preciso me preocupar? — sussurrei, nada convencida. — E
se ela não gostar de mim?

— É impossível. — Soltou um riso. — Você é incrível. Foi a mulher


que me fez esquecer do passado e pensar no futuro.

— Você é clichê. Eu já disse isso? — brinquei.

— É só o início. — Tocou em meu pé com seus longos dedos,


causando-me um arrepio. Depois o pegou para o beijar com carinho.

Não tirei meus olhos do seus. Ele estava sedutor. Como se


precisasse disso para conseguir o que quer de mim.

— Fico animado em saber que teremos todo o tempo do mundo para


eu mostrar o quanto a quero, desejo e amo. — Conseguiu me prender ao seu
olhar como uma hipnose.

A cada vez que ele chegava mais perto de mim, tocando em meu
corpo, mais me deixava ansiosa e excitada.

— Joseph.

— Sim?

— Não faça isso comigo. Vá direto ao ponto.

— E, que graça teria?

— Não é para ter graça, só faça e pronto.

Ele ainda me encarou com um sorriso. Era uma tortura.

— Vamos entrar. — Afastou-se e se levantou.

— Só pode ser brincadeira. — reclamei baixinho.

— Não é para ter graça, então não é brincadeira.


Capítulo 21
Samantha

Contos de fadas! Sempre achei o clichê um saco; tudo muito lindo e


perfeito, não condizendo com a realidade. Entretanto, eu me sentia assim no
momento: em uma carruagem moderna, ao lado do príncipe encantado.

Ok... Posso estar exagerando. Joseph não é um príncipe, está mais


para um membro de uma elite bem exclusiva, que estava tentando encantar
uma reles plebeia como eu.

Uma semana de férias não seria a melhor coisa que poderia


acontecer comigo no passado. Eu só ficaria em casa, com uma roupa
folgada e confortável, assistindo a alguma besteira na TV e comendo
porcaria, pensando em como acabar com a chatice que era não estar no
trabalho. No entanto, naquele momento eu podia me ver desejando tirar o
mês inteiro para ficar com meu namorado naquela ilha, fingindo ser a pobre
coitada apaixonada e sabendo que nosso final seria feliz, assim como nos
filmes.

Mas não era um filme, tampouco um conto de fadas perfeito.


Tínhamos que voltar à nossa rotina, que nos custaria muitas horas separados
um do outro, desafios nos trabalhos, exaustão e tudo mais. E não era só eu
que me preocupava com isso. Ele estava dirigindo o carro, com destino à
minha casa, calado, concentrado no caminho e pensativo. Eu só o
observava. Descobri que, fazendo isso, eu o conhecia mais. Era o que me
deixava mais tranquila. Saber sobre ele me protegia de estar me esforçando
sozinha.

— Está chateado? — Reparei em cada movimento que dava. Era


como se voltasse à realidade, botando um sorriso no rosto. — Está calado.
— Estou bem sim. Só estou pensando no que vou encontrar quando
chegar em casa.

— Trabalho? — Ergui uma das sobrancelhas. — Acha que está tudo


revirado?

— Acho que vou trabalhar tanto, que ficará difícil encontrá-la como
eu gostaria. — Seu desânimo era também o meu. Já pensava nisso até antes
de entrar no avião. — Não queria ter que voltar, mas não posso deixar tudo
para lá e me esquecer dos meus deveres, apesar de querer muito.

— Vamos voltar a ser como éramos antes.

— Esse é o problema. — falou em um tom irritado. — Depois dos


últimos dias, voltar ao que éramos não é nada empolgante ou satisfatório.

— Não, não é. Só que é a realidade das nossas vidas. — Alisei seus


cabelos loiros para trás enquanto o observava em detalhes.

Seria difícil não dormir e acordar ao seu lado. Uma semana foi
capaz de mexer comigo de uma forma assustadora.

O carro parou na frente da casa de dois andares onde eu e Hoper


morávamos. Ela ainda estava em Londres e eu ficaria sozinha, sem minha
melhor amiga e meu namorado gato.

— Prometo que assim que estiver tudo em ordem, se meu irmão não
estragou tudo, voltaremos a nos divertir só nós dois. — Conhecia sua
expressão facial. Era aquela que ele usava quando queria ser um safado
engraçado.

Fiquei ruborizada e envergonhada por estar ouvindo isso dele.

Não me importando com seu comentário, que me deixava como uma


idiota, aproximei-me dele para dar um beijo em seus lábios, sendo muito
bem recebida. Ele não me largou, apenas me puxou para mais perto,
forçando-me a sentir a maciez dos seus cabelos. Era uma boa sensação que
já tinha se tornado um vício para mim.
Afastei-me, empurrando-o. Eu tinha noção do que aconteceria se
continuássemos agarrados. Era sempre assim: um beijo se transformava em
um fogo descontrolado dentro de mim. E eu não seria a mulher vista com o
namorado no carro, em frente a casas de pessoas fofoqueiras.

— Acho que você tem que ir resolver o que tem que resolver.

— Você é uma chata, sabia? — brincou.

— Me dizem muito isso.

Antes de eu sair, Joseph ainda me puxou para mais um beijo


demorado que me tirou o ar. Ele sempre fazia isso. Estava começando a
gostar de ter um namorado tão romântico assim.

Ao descer do carro e pegar minha mala, senti um choque de


realidade. Queria mesmo que minha vida fosse um clichê dos filmes e que
estivesse no modo de repetição, para nunca acabar.

Assim que ele partiu, subi os degraus e abri a porta, sentindo como
se meu corpo pesasse.

***

Voltar ao trabalho foi como estar de ressaca. Não aguentava nem a


luz da sala de onde eu trabalhava, sendo que não tinha tomado nem um gole
sequer de álcool na noite passada. Pensei em Joseph a todo momento,
lembrando-me de tudo que fizemos e planejamos. Nunca, na minha vida,
estive tão feliz; nem tão desanimada, por ter que ficar longe de quem
amava.

Sempre me precavia. Já gostei de alguns caras antes, só que nunca


fui de ter coragem de deixar rolar. Entretanto, com Joseph Morson, as
coisas sempre eram diferentes. Eu não vi quando aconteceu ou como
aconteceu; estava tão anestesiada com essa mera felicidade, que deixei de
ligar para o que de errado poderia ocorrer.
Voltamos às nossas rotinas, mas uma coisa não voltou: ele não me
ligou nem para me desejar uma boa noite. Claro... Estávamos cansados,
tínhamos acabado de chegar de uma viagem. Era bobagem pensar em nos
ligarmos tão cedo.

Essa lógica não convencia o meu coração, que já sentia a sua falta,
porém deixei passar essa.

Já na manhã seguinte não houve uma mensagem engraçada que faria


meu dia mais feliz, nem mesmo uma ligação rápida, dizendo que as coisas
no trabalho dele estavam uma bagunça. Tudo ficou em silêncio, deixando o
meu coração confuso e com medo do que vivemos ter sido um sonho.

No segundo dia já não adiantava muito tentar estar feliz, quando


meu coração só queria uma notícia. Pensei comigo mesma que as coisas
dele deveriam estar uma merda maior que as minhas e que grandes
empresários como ele tinham muito o que fazer, sem ter tempo para
respirarem. Então, decidi que seria eu quem o ligaria. Ou melhor, iria até
ele.

No meio do meu dia, quando tinha acabado de descobrir uma falha


em uma ou duas peças que haviam acabado de chegar até mim, uma
mensagem tirou a minha concentração.

“Sinceramente, acho que vou fugir e voltar para aquela ilha. Me


desculpe não ter te ligado antes. É que tenho muito o que resolver ainda e
tive uma grande surpresa ao voltar: minha mãe está na cidade.”

Ah, não!

Mãe. Seria exagero dizer que estava com medo de conhecê-la?


Porque estava. Ouvir essa palavra me deu arrepios.

“Achei que tinha me esquecido.”

“Sua mãe é o problema que você quer resolver?”


“Não tem como me esquecer de você. Seria como esquecer de respirar.
É impossível.”

Confesso que sua resposta me tirou um sorriso bobo dos lábios.


Imaginei ele bem na minha frente, encarando-me e beijando minha mão
levemente, causando-me arrepios.

“Ainda está ocupado?”

“Sim. Mas prometo que vou dar um jeito de sair correndo daqui e ir até
você. Se isso não acontecer, é porque me enviaram uma pilha de
documentos que, provavelmente, vou levar para casa e terminar o quanto
antes.”

“Eu já disse que você trabalha demais?”

“Já. E tem razão. Porém, quem faria esse trabalho por mim?”

“Não sei, mas espero que isso não roube o meu namorado de mim, ou
terá grandes problemas, Morson.”

Estava boba olhando para o celular, quando o idiota do Sebastian


entrou pela porta e se colocou na minha frente como um chefe — o que ele
não era —, todo autoritário e irritado.

— Então, é por isso que as peças dos microchips estão vindo


defeituosas. Há pessoas que deveriam tomar conta deles, mas que estão
distraídas no celular. — Colocou-se praticamente em cima da mesa.

Desliguei o aparelho e me encostei na cadeira, encarando-o. Ele era


a pessoa que mais me irritava e até sua respiração me incomodava. Achei
ter resolvido o problema com o imbecil quando o chefão voltou ao trabalho.

— Abaixe o tom e saia de cima da minha mesa, antes que eu quebre


sua cara toda! — adverti entre os dentes.

— Você está me prejudicando, Still. — acusou-me e não me


obedeceu. — Por sua culpa, quase matamos alguém hoje. O carro não
obedeceu aos comandos programados. Isso pode...
— Me poupe! Eu sei o que pode ser. — Levantei-me. — Acha que
tenho culpa se a produção danificou o meu sistema?

— É seu sistema, sua responsabilidade e...

— Deveria sair da minha sala antes que eu perdesse a cabeça e a


paciência. — eu o interrompi, batendo na mesa.

— O que está acontecendo aqui? — David Lancaster estava na


porta. O que me deixou apreensiva. Nossos encontros sempre eram
estranhos.

— Me desculpe, senhor, mas vim aqui reclamar com a senhorita


Still em relação aos defeitos dos chips que estão prejudicando a produção
automotiva.

— Eu estava dizendo ao Sebastian que irei fazer o meu trabalho e


investigar o que de errado pode estar havendo. — Encarei meu colega de
trabalho com ódio.

— Fiquei sabendo disso. Por isso estou aqui. — ele respondeu com
firmeza, arrumando o terno fino e se aproximando. — Bem... Relatado o
problema, acho que você já pode ir, Sebastian.

Eu franzi o cenho e o idiota se arrumou, olhando para o chefe.


Estava sério e nada alegre. Sem dizer mais alguma palavra, saiu, deixando-
nos a sós. Não sabia se era algo bom ou ruim. No momento, eu estava
engolindo em seco e esperando uma das broncas de David.

— Me desculpe. Eu sei que qualquer erro ou defeito atrapalha tudo,


inclusive os outros setores e as vendas. Juro que vou cuidar disso agora
mesmo e corrigir as falhas, para nunca mais acontecer. — falei o mais
rápido possível, nervosa. — Não vai me demitir, vai?

— Não. Não vim aqui para isso, menina. — Fechou a porta da sala.

A ansiedade, que estava sumida há um tempo, voltou, fazendo com


que minhas mãos suassem, sem eu saber o que aconteceria.
— Na verdade, vim falar da causa desse problema.

— Como assim? — Meu nervosismo estava bem aparente, e seu


rosto sério só me deixou ainda mais pilhada.

— Venho observando você e o funcionamento da empresa. —


Afastou a cadeira e se sentou. — 10 anos meus longe daqui foi muito
tempo, e isso acabou criando na cabeça destas pessoas a ideia de que elas
têm o poder aqui dentro.

— O que isso tem a ver com o meu problema?

— Seu projeto tem uma riqueza de detalhes impressionante,


cálculos e probabilidades. Você previu situações...

— Que não valeram de nada, já que estamos nessa situação.

— É disso que estou falando, menina. Você sabia que erros


poderiam acontecer. — Realmente, não estava entendendo o que ele queria
dizer. — Quando eu cheguei e você relatou aqueles problemas no início,
não quis acreditar que fossem tão graves, mas vejo que nada do que fiz,
adiantou, e uma disputa por cargo e poder se iniciou desde então.

— Disputa? Que tipo de disputa? Eu estava fora por uma semana e...

— Eu comentei com alguns que você era a pessoa mais apta para
ocupar o cargo de chefe do setor de criação e produção da empresa. Cargo
esse que era de outro funcionário, que acabou saindo por conta do que
descobri.

— Eu? Sou apenas uma engenheira, e muitos me odeiam aqui. —


Sentia-me lisonjeada e empolgada.

— Eles a invejam. Sabem que é a melhor. Nem todos gostaram da


notícia. — Óbvio que sim. E Sebastian era um deles. — Por isso achei
estranho esse... “problema” na linha de produção dos chips. Tenho suspeitas
de que alguém a esteja tentando prejudicar para que não ganhe a promoção.
— Acha que alguém aqui teria essa coragem? — Pensei sobre o
assunto. — Quem poderia fazer isso...?

— O homem que acabou de sair desta sala ou o amigo dele, que


demiti há semanas. — revelou. — Sei que posso estar me precipitando, mas
confio em você. Sei que algo de errado aconteceu enquanto esteve fora.

— Estão tentando me derrubar.

— Vamos parar com a produção dos chips por agora. Ache o defeito
e o conserte. Vou colocar alguém para investigar isso também. —
Levantou-se.

— Também?

David me olhou com surpresa. Poderia apostar que deixou essa


palavra escapar da sua boca.

— Me refiro à outra situação, ao fato de você ter sido horrivelmente


menosprezada nesta empresa. — Pigarreou e deixou a sala sem dizer mais
nada.

Fiquei preocupada com o que ele disse. Isso nunca tinha acontecido
comigo, no entanto não colocaria a minha mão no fogo por Sebastian. Ele
sempre tentava ser melhor que eu e já despertava interesse pelo cargo,
mesmo eu não o querendo.

Respirei fundo, tentando colocar minha cabeça em ordem e começar


a procurar o tal erro. Só não esperava que demorasse mais que o necessário.

***

Tive que me enfiar no grande setor de produção para monitorar cada


processo feito na fabricação dos microchips, desde os minerais usados, o
processo de limpeza e trajeto, até as grandes máquinas que trabalhavam o
tempo todo produzindo cada peça. Talvez fosse alguma leitura errada ou
uma falha nas próprias máquinas. O que não teria nada a ver com meu
projeto.
Não consegui muito sucesso nessa busca, pois havia uma barreira
nova. Há três dias os dados tinham sido coletados e mandados para um
banco de dados sigiloso e protegido que ajudaria muito. Como era preciso
de uma permissão para entrar naquilo que eu mesmo havia criado, pensei
que, talvez, aquele erro tenha sido gerado antes dos dados serem enviados.
E isso só estava me atrapalhando, pois teria que ir à empresa. Olhando as
horas, notei que já deveria ter saído. Praticamente todos já foram. Além do
mais, eu não estava com cabeça para sair como uma louca atrás da TEC
Corporation.

Peguei minhas coisas com tanta raiva, que elas quase caíram da
minha mão. Bufando de raiva, saí do prédio, e nem notei que me
observavam no escuro. Só me dei conta disso quando estava praticamente
dentro do meu carro.

— Saindo tarde do trabalho? — Tomei um grande susto ao ouvir


Joseph falar a poucos passos de mim. Estava no escuro, com cara de poucos
amigos. Pensei que esperou muito por mim. — O que estava fazendo lá
dentro, para sair tão tarde?

— Está me interrogando? — Cruzei os braços, irritada. — O que


pensa que eu estava fazendo?

— Trabalhando até tarde e esquecendo que tem uma vida. —


respondeu tão irritado quanto eu.

Nós nos encaramos por um tempo, até que eu baixei a guarda. Ele
não era culpado pela minha dor de cabeça.

— Alguém está tentando me derrubar ou eu cometi um erro em


alguma parte do meu projeto, que agora está me dando dor de cabeça.

— Como assim alguém está tentando te derrubar? — questionou


preocupado, aproximando-se de mim sem aquela expressão de raiva. —
Quem? Como?
— Essa é a teoria do senhor Lancaster. E eu também acho que pode
ter alguém por trás desse “erro”. Meus microchips estão saindo com
defeitos graves de comunicação com o sistema, e se não forem corrigidos,
podem causar acidentes e problemas em diversos aparelhos em que eles
estão sendo usados. — Deixei os ombros caírem e me encostei no veículo
atrás de mim.

— Mas achou o erro?

— Não. Tenho que pedir permissão. E, apesar de ser uma forma de


segurança, não gosto quando não tenho permissão para acessar minhas
informações. — falei chateada. — Se o senhor Lancaster estiver certo,
Sebastian ou qualquer outro quer que eu me dê mal para pegar a promoção
que o chefão quer me dar.

Joseph me abraçou com força e eu fiquei mais calma só com esse


gesto. Sentia-me cansada. Comecei a me sentir assim depois que ele
chegou.

— Posso ajudar em alguma coisa?

— Pode me levar para casa.

***

Tudo que eu mais queria fazer desde que voltei, era dormir com meu
namorado e sentir aquele conforto e paz de antes, no entanto não foi
exatamente o que aconteceu. Joseph estava ali, beijando-me, abraçando-me
e tentando me fazer esquecer das coisas, como sempre. Mas não funcionou.
Eu não conseguia parar de pensar no que estava havendo e tentava achar
respostas que eu já sabia.

Ao chegar à cozinha, logo senti o aroma do café. Ele estava


encostado na bancada, segurando uma xícara. Assim que seus olhos
chegaram a mim, senti como se me julgassem.

— Bom dia. — Dei um sorriso forçado, o qual ele odiava ver no


meu rosto.
— Não é um bom dia. Você nem dormiu. — Desviou o olhar para o
que estava dentro do copo. — Por que não me deixa ajudar? Odeio quando
fica assim.

— Relaxe, eu estou bem. — Aproximei-me dele, sendo observada


pelos seus olhos azuis intensos, que queriam me tirar alguma verdade que
eu não queria admitir.

Devo dizer que era obstinada ou paranoica, pois enquanto não


desvendasse ou resolvesse algo, não conseguia viver em paz. Joseph já
sabia de muito dos meus defeitos, e eu não diria mais um.

— Vou resolver isso hoje e, com certeza, dormir bem nesta noite.
Isso se você estiver aqui.

— Como vai resolver? — Meu namorado era um cara muito


dedicado e sempre estava à disposição para me ajudar. Mas eu não
precisava da sua ajuda para esse caso.

— Vou à TEC Corporation descobrir quando e onde meus dados


foram modificados. Parece que a empresa tem uma nova política de
registros, mesmo que eu seja a criadora do projeto. — Peguei uma das
xícaras de cima da bancada e coloquei café nela, com a esperança de
acordar um pouco. — Depois vou corrigir o erro, que espero que não seja
meu.

— Isso vai fazer você dormir à noite? — Suspendeu uma das


sobrancelhas.

— Sim. — Dei um sorriso.

— Ótimo. Porque temos um jantar hoje, e quero que esteja de bom


humor.

— Como assim? Que jantar?

Bem... Não era como se nunca jantássemos juntos. Eu amava sair à


noite com ele para conversarmos sobre o dia, porém alguma coisa me dizia
que havia algo a mais.

— Minha mãe está na cidade e quer conhecer a minha namorada. —


disse sorrindo.

— Sua mãe?!

— Sim. E eu não pude arranjar uma desculpa. — Colocou sua


xícara em cima da bancada e pôs a mão sobre a minha. — Isso é demais
para você? Posso dizer que...

— Não, não é nada demais. Posso encarar um jantar. — Eu não


tinha garantia disso, nem estava segura, todavia não queria recusar o
convite da mãe dele.

— Tudo bem. — Beijou minha mão. — Quer carona para o


trabalho?

— Não. Estou indo para Manhattan. Não precisa se preocupar.

Joseph ainda me interrogou por um tempo antes de ir embora. Com


a casa vazia, a tensão voltou. Também sentia uma dor no pescoço que
escondi dele.

Arrumei minhas coisas e saí de casa, decidida a ir de metrô. Isso me


ajudava a pensar quando estava com problemas como o que eu enfrentava.
Além daquele no trabalho, estava tensa em encontrar a mãe de Joseph.

Enquanto as pessoas saíam do vagão e entravam, minha mente


imaginava situações no jantar em que eu estragasse tudo. Por sorte, voltei a
mim antes de perder o ponto.

Ainda pensava nessas coisas enquanto saía da estação e me enfiava


no meio das pessoas. As ruas de Manhattan eram sempre movimentadas. Os
lugares eram frequentados por homens de ternos e por muito mais gente que
trabalha para os chefões.

Peguei o meu celular e vi a mensagem de Hoper. Ela logo voltaria


para casa, e isso me deixava mais alegre.
Assim que coloquei o aparelho de volta no bolso e olhei para o
trânsito, notei que uma senhora de mais ou menos sessenta anos estava
muito perto da faixa, onde todos sabiam que não era uma área segura, por
conta de motociclistas e ciclistas apressadinhos. E, não muito longe, um
desses malucos que não respeitam nada, estava vindo em alta velocidade. A
mulher não estava prestando atenção nele, apenas olhava para as placas e o
sinal. Pelo visto, o homem não diminuiria a velocidade da bicicleta.

Tudo parecia acontecer em câmera lenta e, ao mesmo tempo, rápido


demais. Meu único impulso foi puxar a mulher, mesmo sem saber que
minhas mãos estavam perto demais para isso. Ela levou um susto e o cara
nem se importou se passaria por cima dela. Nova York tinha muito disso:
pessoas que queriam chegar aos lugares o mais rápido possível e que
passariam por cima de qualquer um para conseguir o que queriam. Por
sorte, pude impedir que aquele lunático causasse um acidente com a
senhora.

Depois do susto, eu a soltei, e todo mundo ao nosso redor agia como


se não tivesse visto o que teria acontecido se não fosse por mim. Enquanto
passavam por nós, atravessando a rua, a mulher me observava com atenção.
Ela parecia muito assustada, porém aliviada. Era linda, de cabelos loiros, e
usava roupas chiques. Era muito fina. Por pouco não foi atropelada pela
bicicleta.

— A senhora está bem? — Temia ter causado alguma paralisia nela.


— Não deveria ficar na faixa amarela. Os malucos que trabalham em
Manhattan não respeitam aqueles que estão em seu caminho.

— Você me salvou. — disse surpresa. — Aquele homem... Ele... Ele


quase...

— Acho que está em choque. — falei preocupada. — Quer que eu a


leve para casa?

— Não, não. Eu só estou... surpresa. — Deu um sorriso triste. — Eu


estava procurando um táxi e nem sei onde estou exatamente. Não vivo
muito em Nova York e não estou habituada a esse caos.
— Aconselho a senhora a não se aventurar pelas ruas sem saber para
onde vai ou o que pode passar por cima de você. — brinquei.

Ao longe, um táxi se aproximava. Acenei para que ele parasse.

— Tome mais cuidado. Nem todo mundo nestas ruas prestam


atenção ao que se passa à sua frente ou ao redor.

O homem parou e ela ainda me observava.

— Muito obrigada. Quero muito agradecê-la. Como se chama?

— Samantha. E não precisa me agradecer.

— Mas você me salvou. — insistiu.

— Gosto de ajudar as pessoas...

— Abigail.

— Abigail. — repeti.

Ela ainda me encarou por um instante antes de entrar no veículo.


Estranhamente, achei que a conhecia de algum lugar.

— Espero ter a oportunidade de te agradecer no futuro caso a


encontre novamente.
Capítulo 22
Samantha

Filhos da mãe, miseráveis e...! Tinha milhares de adjetivos para


dizer a respeito de Sebastian e do seu comparsa, que tentaram me arruinar.
Não sabia o que havia feito para eles, para merecer aquilo. Eu só queria
matar todos os dois.

Claro... Prejudicar meu projeto levaria a um grande acidente e eu


seria a culpada. Não seria só demitida, como também presa, pois meu
dispositivo estava sendo criado para dar suporte e agilidade a outros
projetos, automotivos e aparelhos, como os domésticos e muitos outros que
a modernidade adorava usar.

Sabia que não cometeria um erro que só apareceria meses depois do


início da produção. Eles foram burros se pensaram que eu não notaria nada,
assim como David Lancaster, que, estranhamente, estava ao meu lado,
apoiando-me e me motivando.

Depois de descobrir quando o erro ocorreu, fui direto para o


laboratório e corrigi todos os defeitos. Erros em dados por meio de um
único número ou virgula poderiam gerar acidentes ou falhas que
prejudicariam não só os aparelhos usados, como as pessoas que os usava e,
também, a empresa que fez o produto e não viu o problema. Um tempo
atrás, um acidente causado por um sistema de um carro matou uma família
de quatro pessoas. Quando a perícia investigou o caso, descobriu que o
veículo tinha travado e que o sistema não funcionava. Eles bateram em uma
árvore por descontrole. A empresa não foi notificada e, quando o socorro
chegou, todos estavam mortos.

Achava que Sebastian só estava pensando em me ferrar, embora seu


erro pudesse ferrar não só a mim, como a ele e a todos os envolvidos. Por
sorte, meu contrato exclusivo me dava a liberdade de saber de tudo que
acontecia e me deixava ir à sala VIP de produções. Contudo, desde que
David voltou, ele decidiu proteger os dados, contratando os serviços da
TEC Corporation, limitando-me de algumas coisas. O que eu não sabia.

Após resolver os problemas, tinha novamente a minha liberdade e


poder; sentia-me mais tranquila.

Quando o meu celular apitou, meu coração foi à boca, por ver as
horas e de quem era a mensagem. Joseph!

Eu me esqueci do que havíamos planejado mais cedo: um jantar na


casa dele com sua mãe. Pegaria mal não aparecer no primeiro compromisso
com ela, portanto peguei minhas coisas e praticamente corri até o elevador.
Daria tempo, tinha que dar.

Apertei os botões com força e rapidez, ansiosa e com medo... Medo


de decepcionar a mulher, Joseph e nossa relação.

E se ela não gostar de você?

E se Joseph se importar com isso e terminar com você?

Finalmente, o elevador chegou. Quando suas portas se abriram, vi


David Lancaster dentro dele. Algo naquele homem me assustava, assim
como sua forma de me olhar. Ele me tratava diferente dos demais, era
gentil, paciente e estava sempre ao meu lado.

Entrei na caixa metálica e fiquei calada, esperando que o silêncio


me tornasse invisível. Era estranho conversar com o chefe como se ele não
fosse meu chefe. E David fazia isso sempre que estávamos em um mesmo
lugar.

— Está nervosa, senhorita Still? — Não deu certo.

Respirei fundo, deixando meus ombros caírem. Meu corpo estava


cansado, sendo que eu nem tinha feito nada que não fosse odiar Sebastian e
mexer no computador.

— Não se preocupe. Nós vamos resolver o problema. Sebastian terá


que responder a um processo e pode ser preso pelo que fez. Não a culpo por
nada. Você não tem com o que se preocupar.

Soltei um sorriso em meio à minha respiração. A forma como ele


falava comigo me lembrava um pai preocupado. Coisa estranha. Mais que
estranha, já que nos conhecíamos apenas há algumas semanas. Nem eram
meses, eram semanas.

Por que esse homem me tratava de maneira tão estranha?

— Não me preocupo com isso. É outra coisa. — contei baixinho.

— Ah. Posso ajudar em algo?

Com o cenho franzido, olhei-o com estranheza. Ele estava


concentrado nos números que indicavam o andar.

— Por que você se preocupa comigo? — perguntei sem medo. —


Desde que me conheceu, não é como os demais. Fico agradecida por não
me distinguir pelo meu gênero, mas, ainda assim, é intrigante.

— Você é diferente. Não sei no quê, mas é diferente. — Não me


olhou nos olhos.

As portas se abriram e ele saiu sem se despedir de mim ou olhar


para trás. Fiquei uns segundos tentando entender o que ele falou, porém não
consegui descobri nada.

***

Faltava três minutos para que ele tocasse a campainha e eu ainda


estava me arrumando. Como não queria exagerar, coloquei um vestido
simples, mas bonito e fino, um par de saltos pretos nada chamativos, e
escovei os cabelos, deixando-os soltos. Eu não era de carregar na
maquiagem, mas achei que um pouco não faria mal.

Minhas mãos suavam, meu pulmão parecia estar em um estado


alarmante e minha cabeça não parava de supor situações em que eu
estragaria tudo. Ainda encarei o espelho, tentando ganhar uma confiança
que não tinha.
O som da campainha me deixou ainda mais ansiosa e, praticamente,
corri para abrir a porta. Joseph estava lindo, com um sorriso no rosto e
roupas casuais. Como sempre, elegante.

— Não estou exagerada, estou? — perguntei, com medo. — Posso


tirar tudo e...

— Está linda. Eu diria perfeita. E se tirar a roupa agora, é provável


que eu desista de ir ao jantar com você. — Veio até mim. — Ela não vai te
engolir. Não precisa ficar nervosa.

— Você dizer isso não fará com que eu pare de pensar no que de
errado pode acontecer.

— Nada vai dar errado. — Olhou-me daquele jeito fofo que me


deixava envergonhada.

— Se ela me odiar, você ainda vai ficar comigo, porque teremos que
conversar sobre isso.

— Não tem como ela te odiar. E, mesmo que isso pudesse acontecer,
não anularia o meu amor.

— Não? Ficaria com alguém que sua mãe odeia?

— Ela não vai te odiar.

Não importava o quanto ele repetisse essa ideia. Eu só ficaria


conformada quando ela me olhasse e eu não visse quaisquer julgamentos,
ódio ou qualquer outra coisa ruim.

Depois que fechei a porta, meu coração ficou ainda mais apreensivo.
Joseph tocava em outros assuntos, querendo me fazer relaxar ou me
esquecer dos receios. Ele conseguiu por um momento, até que avistei o
portão chique e a casa enorme, elegante. Meu coração foi à boca. Era
ridículo estar assim. Sempre fui confiante, mas era como se tudo que tivesse
relação com meu namorado, trouxesse-me uma insegurança do fundo da
minha alma.
Descemos do carro e, antes de eu dar um passo adiante, respirei
fundo, dizendo a mim mesma que me bateria se estragasse tudo por medo.
Medo de uma mãe. Talvez fosse por nunca ter me dado bem com essa
palavra.

Já tinha ido ali várias vezes. Era um lugar neutro e praticamente


vazio, que estava muito mais iluminado, parecendo ter vida. Enquanto eu
observava os novos detalhes, ele falava com um homem todo de terno
escuro. Talvez fosse alguém que trabalhasse na propriedade. Não prestei
atenção.

— Já volto. — ele avisou, deixando-me ainda mais nervosa. — Só


um instante. Não se preocupe.

— Está maluco? E se sua mãe aparecer? Não pode me deixar aqui.


— sussurrei, tentando demonstrar o mínimo de desespero possível.

— Relaxe, Samy. Ela é minha mãe, não uma super vilã. — Deixou-
me só.

Pelo amor de Deus! O que está fazendo? Parece uma menina


assustada. Está passando vergonha, Samantha Still.

Para disfarçar o meu nervosismo idiota, tentei prestar atenção nos


quadros da parede que não estavam ali antes. Não sabia o que tinham
demais neles para serem considerados obras de arte. Ou seria porque os
ricaços adoravam gastar milhões em quadros simples? Analisei tudo, desde
à tinta e às cores ao desenho.

Só percebi que alguém me observava quando senti um calafrio.

— É um Miquel Barceló, um espanhol muito talentoso. — a voz da


mulher não me era estranha.

Eu me virei na mesma hora e minha surpresa foi nítida ao notar que


ela era a senhora de mais cedo. Ela também ficou surpresa, olhou-me dos
pés à cabeça e voltou a encarar meu rosto.
— Samantha?!

— Abigail! — Era tanta coincidência, que cheguei a pensar que


fosse uma brincadeira do meu cérebro. — Você é a mãe do...?

— Joseph? Sim. — confirmou, ainda achando a situação estranha,


assim como eu. — E você é a jovem que o curou do coração partido.

— Samantha. — falei timidamente, como se ela já não soubesse


meu nome.

Ela me encarou séria. Por sorte, seu filho já estava de volta para nos
tirar do clima estranho.

— Vocês já se conheceram? — ele perguntou sorrindo.

— Sim. — nós duas dissemos ao mesmo tempo.

— Na verdade, mais cedo. — comentou Abigail, dando um sorriso


bonito e acolhedor. — Ela me salvou de uma bicicleta.

— O quê? — Joseph me olhou surpreso.

Nem pude dizer nada, pois sua mãe decidiu contar a história toda.

— Eu estava indo a um lugar e queria pegar um táxi, mas as ruas de


Nova York são muito caóticas. Não é como Londres.

— Poderia ter se machucado. — ele reclamou.

— Mais não me machuquei. — afirmou confiante. — Graças à sua


namorada.

— Eu não sabia quem você era, só... — Fiquei tímida com os dois
me encarando.

— Bem... Vamos deixar isso de lado. Temos um jantar inteiro para


nos conhecermos. — ela disse, afastando-se de nós.
Confesso que estava mais aliviada. Abigail, pelo visto, gostava de
mim. Salvar sua vida salvou a minha sanidade.

— Se não fosse por você, minha mãe estaria ferida. — Joseph


estava atônito. — Como aconteceu?

— Joseph, não pense muito nisso. Já passou. E aposto que sua mãe
nunca mais vai ficar em cima de uma faixa amarela. — falei em um tom
brincalhão, vendo-o sério. — Está com raiva?

— Não, só preocupado. — comentou pensativo. — Pode até me


achar sensível demais, mas não sei perder as pessoas, Samy.

— Então, temos isso em comum. — Acariciei seu rosto. — Não


fique assim. Hoje vou jantar com sua mãe, e preciso de você para me salvar
de situações que me deixem... comprometida.

Gostei de ver seu sorriso. Poderia dizer que ficava mais feliz quando
ele estava feliz.

Ele pegou em minha mão e fomos para a sala de jantar, onde eu não
tinha ido antes. Abigail arrumava algo na mesa enorme e repleta de taças,
pratos e talheres. Até parecia que uma dúzia de pessoas jantariam.

— Eu disse que estava exagerando. — comentou o filho, sendo


irônico.

— Nada do que faço é tão exagerado, apenas gosto de deixar as


coisas perfeitas. É a primeira vez que conheço a sua nova namorada e tenho
dois motivos para a agradecer.

Era como se eu nem estivesse presente. Pensei em todo o


nervosismo de antes e até me julguei por ter me preocupado tanto. Não que
eu ainda não sentisse o frio na barriga ou pensasse na possibilidade de que
algo pudesse estragar minha felicidade.

Como sempre fazia, Joseph afastou a cadeira para que eu me


sentasse. Foi bem desconfortável ver que sua mãe estava nos observando.
Eu não era tão tímida com ele, só que com alguém que acabava de conhecer
e a quem tinha que impressionar, minha confiança ia pelo ralo.

Relaxe e não coloque tudo a perder!

Pensar era mais fácil do que fazer. Era a primeira vez que eu estava
me apresentando como namorada de Joseph, porém não era a primeira vez
que eu tinha que impressionar para ser aceita na família de alguém. Passar
por várias famílias adotivas não foram as melhores experiências da minha
vida. Sempre me via como um objeto que deveria agradar e não poderia
errar, senão voltaria para o orfanato.

Eu não era mais uma menina, era uma mulher, no entanto não
ajudava muito saber disso. E o pior era que dessa vez eu não podia falhar,
ou perderia aquele que mais amava.

Isso não é para ser adotada, é pelo Joseph, pelo amor que ele criou
dentro de mim. Não posso sair daqui sem saber que não vou voltar para o
orfanato e ficar sozinha outra vez.

— Temos muito o que conversar hoje. — a voz de Abigail me


trouxe de volta à realidade. Ela estava arrumando o guardanapo no colo,
como gente rica fazia, e eu praticamente estava paralisada. — Meu filho
não me disse muito sobre você. Só fiquei sabendo sobre vocês por conta do
Christophe.

— Porque ele é um linguarudo. Não deveria ter dito nada. —


reclamou Joseph.

— Então, não queria que eu soubesse de vocês? — Franziu o cenho.

Eu queria bater nele para que calasse a boca, mas não fiz nada.

— Saberia por mim. — explicou.

Os dois se encararam e meu nervosismo retornou. As minhas mãos


suadas me impediam até que eu segurasse o copo de água.

— Então, Samantha... Como se conheceram?


Engoli em seco, sem saber o que falar. Na verdade, sabia a resposta,
só não queria dizer, por pensar que ela nos acharia estranhos.

— Cristophe também disse isso a você, mãe.

— Joseph! — reclamei baixinho. — Este não é o momento para ser


rude. Ela é sua mãe.

— Não estou sendo rude, só... Sei que ela sabe de muito, mas que
está buscando alguma informação a mais. Não é, mãe? — Estreitou os
olhos.

Ela sorriu e bebeu um gole do vinho que foi servido.

— Eu deveria ter convidado somente a Samantha. — afirmou, nada


abalada com as provocações de Joseph. — Me desculpe, querida. Meu filho
está na defensiva. E o que sei sobre vocês não é muito, porque parece que
ele está querendo guardar você só para si. Não é, filho?

— Tudo bem. — falei antes que ele dissesse algo. — Sou mais
reservada, no entanto estamos aqui para nos conhecer. E não tem nada
demais em conversar com sua mãe, Joseph. — Eu botei a mão sobre a sua e
ele me encarou, buscando uma resposta silenciosa.

Sua resistência era por causa de mim e por ser a sua mãe a perguntar
sobre a nossa relação. Ele era reservado e não gostava de falar muito sobre
nós, assim como sobre sua família. Achei que fosse eu a pessoa tensa que
poderia estragar a noite, mas notei que meu namorado estava tão inseguro
quanto eu.

— Se você concorda, tudo bem.

Quando percebi que Abigail nos observava, tirei minha mão da dele,
sentindo-me constrangida; não por fazer algo errado, e sim por fazer na
frente dela.

E daí que é a mãe dele? Você é a namorada; não tem que sentir
vergonha.
— Viu? Não tem que me tratar como uma intrusa. Só quero
conhecer a mulher que será a mãe dos meus netos.

Eu arregalei os olhos e ela riu.

Já estamos falando em filhos?

— Está pisando no acelerador, mãe. — Joseph a repreendeu.

— Então... Onde paramos? — questionei, tentando acabar com a


tensão entre eles.

Peguei a taça de vinho e dei um gole generoso nele. Se iríamos


conversar, eu teria que estar confiante e relaxada. Duas coisas que estavam
sendo difíceis de buscar. Era o vinho que sempre me ajudava a quebrar
algumas barreiras.

No início, Joseph estava na defensiva, só que minhas respostas


rápidas e bem-humoradas quebraram um pouco da sua resistência e, com o
tempo, a conversa ficou agradável a nós dois. Ele se ausentou um pouco
depois que acabamos o prato principal e eu não tive medo de ficar à mesa
com sua mãe, sozinha. Ela era divertida e compreensiva. Aproveitou o
momento para tocar em assuntos que não tocaria com ele por perto.

— Eu já gostava de você mesmo sem conhecê-la. — disse mais


séria. — Meu filho é durão, mas, no fundo, é muito sensível.

— É, eu sei.

— Depois que meu marido morreu, foi Joseph quem tomou as


rédeas da situação, assumiu os deveres e foi ao limite. Quando descobriu
que seu melhor amigo e a noiva estavam o traindo, foi um grande golpe. —
Nunca tive um bom exemplo de mãe. Na verdade, nunca soube o
significado dessa palavra que parecia boa na teoria. Abigail não queria
chateá-lo, só estava preocupada. — Para mim, foi difícil ver meu filho
infeliz. E, não me leve a mal. Estou gostando de você, mas se o magoar,
juro que farei de tudo para a manter longe dele, pois nunca mais vou vê-lo
no fundo do poço, como antes.

A ansiedade bateu outra vez em meu estômago, impedindo-me de


respirar ou de me mover.

— Não é minha intenção magoá-lo. Na verdade, eu não suportaria


perdê-lo também. — comuniquei nervosa. — Nunca tive isso antes; não
posso perder tão facilmente.

— Nunca teve? — Ela me olhou confusa. — Um namorado?

— Também. Mas me refiro ao sentimento, ao amor e ao desejo de


um futuro com alguém. — Respire fundo e não estrague tudo! — Bem...
Sabe que sou órfã. Porém, é mais que isso. É a primeira vez que me
importo, que desejo ter uma pessoa, e não só ser aceita. Joseph me conhece
e respeita as minhas limitações. Devo confessar que sou um desafio e que
ainda não sei como ele se interessa por mim, sendo que sou tão... difícil.

— Ele ama você. Não tem com o que se preocupar. — afirmou com
tanta certeza, que me impressionou. — Ele está na defensiva por achar que
vou te assustar. Conheço o meu filho.

— Confesso que você me assustou no início. — Ela riu. — Tenho a


impressão de que se não gostar de mim, ele poderá mudar de ideia em
relação a nós. — confessei de cabeça baixa, pensando em tudo que havia
acontecido até então.

— Não se preocupe, querida. Eu gosto de você, e meu filho é mais


teimoso do que pensa. Se eu não a aprovasse, ele não mudaria o que sente,
por minha causa. Sinceramente, passaria a vida toda se esforçando para me
mostrar o quanto estaria errada em odiá-la.

Não posso negar que isso me alegrou e me deixou radiante. Toda a


minha insegurança foi embora depois de suas palavras.

Achei que a noite poderia acabar assim, com tudo perfeito, mas
então Joseph voltou estranho, pensativo e de cara fechada. Ao se sentar em
seu lugar, não olhou para mim.

Geralmente, eu colocava fogo na fogueira que eu mesma criava,


exagerando e sempre ficando na defensiva. Então, pensei que esse era o
caso. No entanto, meu namorado me ignorou e passou a dar sua total
atenção à sua mãe.

O que fiz de errado? Eu disse algo inapropriado? Tudo estava bem,


certo? Não deve ser nada. Talvez alguma coisa no trabalho?

— Mãe, se não se importa, acho que já está na hora de irmos. —


disse sério.

Meu coração quase parou de bater. Tinha algo errado, eu fiz algo
errado. Joseph não me perguntou nada, não me olhou um segundo sequer
desde que retornou e estava acabando com a nossa conversa, sem
explicação.

— Joseph, acabamos de nos conhecer. Já quer levá-la daqui? — Sua


mãe estava confusa, com um sorriso amarelo.

— Me desculpe. É que tenho algo para resolver. — Levantou-se.

Sentia-me péssima por estar praticamente sendo expulsa da


conversa e da casa dele. Eu ainda não sabia o que tinha feito e, mesmo
pensando muito, não descobria nada.

Também me levantei, refletindo que ir àquele jantar tinha sido uma


péssima ideia. Até tive esperança de que daríamos certo se eu agradasse sua
mãe. Porém, eu já deveria saber. Sempre me preparava para fins assim, só
não sabia que ele aconteceria do nada.

Eu me despedi de Abigail com educação e tentei não parecer triste


ou decepcionada. Entretanto, como ela não era boba, percebeu que algo
estava estranho.

— Não se preocupe. Vai dar tudo certo. — ela sussurrou ao meu


ouvido.
Não pronunciei uma palavra sequer e segui Joseph para longe, para
fora da casa. A cada passo que eu dava era como se ele ficasse mais longe
de mim. Não estava entendendo nada; queria gritar e perguntar o que de tão
ruim eu tinha feito.

Do lado de fora, eu o vi parar no meio do caminho, mas não se virar.


Fui eu quem tive que ficar frente a frente com ele, que estava chateado. Via
isso em seu rosto.

— Fiz algo de ruim? Falei alguma coisa que não devia? — perguntei
preocupada. Joseph nunca havia feito isso comigo, nem me ignorado ou
sido tão frio, como estava sendo. — Fale alguma coisa, Joseph! — Estava
me controlando para não gritar.

— Você se esqueceu disso na sala de visitas. — disse ríspido,


entregando-me o celular que estava em seu bolso.

— Não estou entendendo. Você mudou e agora, praticamente, está


me expulsando da sua casa. — Não entendia.

Não queria chorar, nem podia. Minhas emoções estavam presas na


garganta.

— Por quê? — questionei.

— Tem algo a me dizer? — Não sabia que ele estava me encarando.


Foi difícil pensar em algo.

Você vai ser mandada de volta para casa. Deveria estar


acostumada, Samantha.

— O que eu poderia dizer a você?

Pelo menos quando ele me olhava, não era ódio o que eu via.
Porém, saber que ele estava magoado comigo, não me alegrava. Eu nem
sabia o que tinha feito para merecer esse olhar.
— Não quero brigar. Não sou de brigar, nem quero perder você, mas
te trazer aqui não significou apenas um jantar comum. Eu a apresentei à
minha mãe e quero você na minha vida, na família. Não vou suportar se me
esconder coisas.

— O que estou escondendo? — Não sabia do que ele falava.

— Não sabe? — seu tom de rispidez me irritou.

— Não, eu não sei. Por que você, simplesmente, está calado, me


tratando como se eu tivesse cometido o pior crime possível. — recamei
furiosa. — O que você quer de mim?

— Que pare de fugir, porque estou cansado de sempre me esforçar


por nós dois.

Um desafio. Eu compreendia que era difícil e que eu estragaria tudo.


Todavia, dessa vez, não entendia o que havia feito, para ele surtar e mudar
de repente. Estava quase sufocada por perguntas que não sabia fazer.

— Acredite: eu queria ser superior, não me sentir inseguro e ser


forte, para sempre te puxar para mais perto. Mas não posso te puxar disso.
Eu te amo e entendo os seus medos, só que também tenho os meus. E agora
o meu medo é que você corra para outro país só para fugir de mim.

— Outro país? — Minha confusão foi respondida pelo alerta do


celular, que mostrava que meu antigo professor havia me mandado
mensagens, buscando uma resposta que, simplesmente, eu tinha me
esquecido de dar. — Londres?

— Você sempre foge. E eu não te trouxe aqui para encher minha


mãe de esperanças, sendo que você não quer tentar ficar comigo. — falou
tristonho.

— Não vim aqui para isso. — Novamente, senti raiva. — É um


passo que nunca dei. Acha que eu teria aceitado dá-lo se estivesse insegura
sobre nós?
— Não sei. Você ainda é um mistério. O que conheço de você é que
sempre está tentando fugir dos sentimentos.

— Não vou para Londres. Não cogitei te dizer isso porque não valia
a pena. Até tinha me esquecido dessa proposta, porque estava com você,
feliz, em paz. E agora você está me expulsando.

— Não estou te expulsando, estou tentando descobrir o que você


realmente quer, porque o que quero é passar o resto da minha vida ao seu
lado.

— Não vou aceitar o convite.

Apesar de estar chateada, devo confessar que o que ouvi dele,


alegrou-me. Foi a primeira vez que alguém disse isso para mim. Não tinha
como negar.

— É o que sempre esperou: uma oportunidade. — Até parecia que


ele estava tentando me convencer a aceitar a proposta. — Você disse que
esperava essa oportunidade e que... Que esqueceu disso por conta do seu
passado, para achar aquela mulher. E agora, que tem...

— Não estou te entendendo. — Estava confusa. — Eu falei que não


vou aceitar e que ficarei aqui por nós. Está tentando me convencer a ir?

Joseph deixou os ombros caírem após respirar fundo, quase cansado.


Eu pensei que estava em um sonho maluco ou que ele fosse bipolar.

— Quero que vá. Sou um idiota por confessar isso, mas não quero
que fique e se arrependa, que me odeie algum dia por ter desistido de seja lá
o que for, por minha causa.

— Você é mesmo um idiota. — afirmei irritada. — O que sempre


busquei não foi um diploma ou um novo emprego em outro país. — Ele
sempre me acusava de fugir, porém era ele quem demonstrava estar
fugindo. — Eu só queria ser escolhida. O resto seria apenas um consolo.

— Você é a minha prioridade.


— Como um dever? — Ele dizia isso constantemente, e nem sempre
eu compreendia o que significava. Para mim, toda vez tinha um significado.

— Dever não, uma escolha. Eu sempre vou escolher você, sempre


vou amar você. Como pode não entender?

Merda! Fico com raiva ou feliz?

O que eu poderia dizer? Joseph quase me matou do coração ao me


fazer pensar que, simplesmente, estava terminando comigo, e depois me
disse as palavras que eu sempre quis ouvir. Contudo, ainda estava chateada
com ele.

O meu tempo sem reação o fez questionar sobre seus atos. Vi isso
em seus olhos azuis.

Deixei tudo de lado e tomei uma atitude. Tudo poderia estar uma
bagunça, mas era só beijá-lo, que o resto sumia, os problemas não existiam,
as barreiras eram derrubadas e as dúvidas respondidas. Foi o que busquei
quando o agarrei, e nem me importei se estava quase na porta da sua casa,
com sua mãe lá dentro. O calor do seu corpo, a maciez dos seus cabelos e o
desejo no beijo me tirou o fôlego. Não poderia imaginar que amar fosse tão
bom e que preencheria o vazio do meu peito.

— Nunca falei isso, e é um grande esforço falar em voz alta, mas eu


amo você. Só você. E se fizer algo assim de novo, prometo que vou te bater
até vê-lo pedir arrego. — adverti ofegante.

Ele riu, ainda me agarrando. O pior era que sempre me deixava


corada, envergonhada, só por gostar dele.

— Sempre me diga as coisas, mesmo que me irrite.

— Tudo bem.
Capítulo 23
Samantha

3 meses depois

Tudo estava tranquilo, no lugar e sem defeitos, a não ser eu e


minhas questões. Joseph estava certo quando dizia que eu procurava falhas
em tudo. Era por conta da minha falta de sorte na vida. Fui a órfã
abandonada por muito tempo, sem amigos ou oportunidades, e quando uma
paz igual a essa acontecia, eu me sentia estranha, como em um filme, só que
parada, assistindo a tudo e achando furos no roteiro.

Eu estava toda arrumada, com um vestido elegante caríssimo, ao


lado de um homem lindo, amoroso e perfeito, sentada em um dos carros
mais caros do país e indo em direção a um evento em que só ricos iam.

Como tudo isso pode ser real, se parece muito um sonho?

Nunca estive tão feliz. Joseph sempre encontrava um tempo para


passar comigo, dizia todos os dias que me amava, trazia-me flores e
cozinhava comidas maravilhosas. Enquanto isso, minha melhor amiga
estava em uma pesquisa avançada na qual iria estudar mais sobre as
relações entre os casais. Para completar, queria que eu e Joseph
participemos do seu... questionário.

Depois de tanto tempo tentando enfiar o que sentia no fundo do


armário escuro e frio, falar sobre os meus sentimentos para outra pessoa que
não fosse Joseph seria estranho.

Ok, achei uma coisa que não estava tão perfeita. Hoper disse que a
troquei pelo meu namorado. Coisa que era um absurdo, pois continuávamos
as mesmas, com nossas conversas diárias, ouvindo os problemas uma da
outra e tudo mais. No entanto, ela ainda tinha ciúme, embora torcesse por
nós.
— Está com a cara fechada porque não gosta de festas e está
odiando ir comigo? — meu namorado perguntou, trazendo-me de volta à
realidade.

— Eu não estava pensando nisso e não estou chateada em ir a uma


festa como essa. Só espero não parecer um animal exótico rodeado de
espectadores curiosos. — comentei, sendo irônica. — Na verdade, penso
em Hoper e naquele questionário que ela vai fazer. Acho que não vou
gostar.

— Opção A: você odeia ser questionada? Ou opção B: não gosta


quando as pessoas sabem o que você está sentindo, porque acha que isso vai
ser usado contra você, ou só se sente exposta?

Cruzei os braços, irritada por ele estar certo. Odiava quando


acertava sobre mim.

— Desde quando sabe mais de mim do que eu?

Ele riu.

— Desde o dia em que nos encontramos naquela sala escura. —


respondeu sorridente. — Você aceitou fazer.

— Eu sei. Mas foi por causa de Hoper. Ela disse que te odiaria se eu
não aceitasse.

— Eu? Por quê? — Sua cara de surpresa me tirou um riso abafado.

— Ela disse que depois que foi para Londres, você fez uma lavagem
cerebral em mim e que agora somos como unha e carne. Coisa da qual ela
não gosta em nada. — Eu ri tanto quando minha amiga disse exatamente
isso, que ela ficou de cara fechada o dia inteiro.

— Ela sabe que a gente namora?

— Sim.
— E que ser unha e carne é uma coisa normal?

— Sim.

— Ela está com ciúme da gente? — Ele realmente estava surpreso.

— Sim.

— Hoper está precisando namorar.

Eu ri mais ainda.

— Foi por isso que pedi ao Taylor para a ajudar em uma questão
jurídica em relação aos seus experimentos e formulários.

Desde sempre, minha amiga tinha uma queda pelo homem lindo e
musculoso, que, por coincidência, era o melhor amigo do meu namorado.
Entre os dois havia uma tensão, uma química, então pensei em dar um
empurrão.

— Taylor e Hoper? — ele perguntou descrente. — Não vai dar


certo.

— Por que não?

— Taylor é teimoso, turrão, rude e nem um pouco romântico; foge


de romances como o gato foge da água. — Listou os defeitos. — Acredite:
às vezes ele tenta, mas não dá certo. Não deu na última vez.

— Hoper também é teimosa, insistente, tem gostos peculiares para


filmes, adora irritar e gosta de romances, tipo os da Disney. Acho que os
dois foram feitos um para o outro.

— Não foram, não.

— Quer apostar? — provoquei-o. — Posso até não ter experiência,


além de você, é claro, nesse lance de namoro ou paquera, mas sei que esses
dois vão acabar juntos.
— A não ser que os prenda em uma sala escura, nunca vai
acontecer. — disse com firmeza.

Joseph estacionou na porta do evento, onde havia pessoas entrando e


carros em filas. Tínhamos que sair o mais rápido possível para não
engarrafar. Pensei em bater nele antes de sairmos, entretanto ele foi mais
rápido e abriu a porta.

Um dos meus maiores defeitos e qualidades era ser competitiva.


Quando via um desafio, corria atrás dele. E ele viu que eu estava levando
aquela questão a sério quando abriu a porta do carro para mim. Ergueu uma
das sobrancelhas, ficando ainda mais gato, e sorriu.

— Está dizendo que ela não serve para o Taylor? — perguntei


baixinho, irritada. Esperava que ninguém nos ouvisse.

— Não foi o que falei. Mas devo avisar que Taylor não se dá bem
em relacionamentos. Eu diria que, assim como você, ele foge e cria
situações que o leva na direção oposta à que estamos agora.

— Então, ele é um homem quebrado, como você?

Nós estávamos subindo as escadas. As pessoas nos observavam e eu


pensava em alguma forma de juntar aqueles dois.

— Eu sou quebrado? — indagou surpreso.

— Não mais. Fui eu quem juntei seus caquinhos. — brinquei.

Quando passamos pela porta, senti um calafrio estranho.


Geralmente, isso acontecia quando eu estava prestes a me dar mal.

— E você acha que sua amiga tem cola o suficiente para colar
Taylor?

Demorei um pouco pensando na conversa e no porquê estava


sentindo aquele calafrio estranho.

— Ela conseguiu comigo. Acho que pode dar conta dele.


— Espere. — Franziu o cenho, surpreso. — Achei que tinha sido eu
quem colou os seus caquinhos.

— Você fez isso, mas não teria conseguido sem a ajuda dela. Na
verdade, não teria uma chance sequer para tentar. — Eu gostava de
provocá-lo, e ele de ser desafiado.

— Por que nunca nos conheceríamos se não fosse o experimento?


— Estava ignorando as pessoas que passavam por nós para chegar ao salão
chique, com luzes, meses enormes, lugares marcados, garçons com
champanhes e tudo mais.

— Não. Mesmo que nos encontrássemos, você não teria chance. —


Encarei-o, tentando ficar séria.

— Ok. Mas, voltando ao nosso assunto principal: você acha que os


dois combinam e que ficariam juntos, e eu acho que não vai rolar. —
Desviou sua atenção para as pessoas ao nosso redor.

— O improvável pode ser possível. Deveria acreditar.

— Se eu vencer, você se casa comigo, tem dois filhos e um


cachorro. — O quê?!

Não conseguia tirar os olhos dele. Apesar de não me encarar de


volta, ele mantinha um sorriso convencido no rosto, sabendo que havia
mexido comigo.

Era claro que ele só estava brincando; não era um pedido. Além
disso, ainda era recente a nossa história de namoro, embora eu o amasse e
desejasse passar o resto da vida com ele.

— E se eu ganhar? — inquiri, ainda pensativa e paralisada.

Antes de responder, Joseph me fitou com seus belos olhos azuis.


Quando fazia isso com tanta certeza, parecia prender a minha alma à sua,
deixando-me quase sem ar.
— Se você ganhar, se casa comigo, tem dois filhos e um cachorro
chamado Rex. — respondeu calmamente, acariciando o meu rosto.

Eu poderia apostar que estava como uma idiota o olhando.

— Isso não é uma competição. — Estava sorrindo tanto, que nem


conseguia parar.

— Não. Mas vou ganhar o meu prêmio no fim.

Como eu queria agarrá-lo e o beijar sem ter que ser observada por
ricaços mimados e idiotas que achavam que tudo tinha que ser perfeito e
que demonstrações de afeto entre duas pessoas que se amavam, em público,
seria considerado inapropriado.

Ok, eu estava praticamente aceitando um quase pedido de


casamento de um desses ricaços, entretanto Joseph não era assim. Ele era o
meu Joseph, um cara romântico que me entendia e não me julgava. Só
quando achava necessário. Ainda por cima, amava-me com todos os meus
defeitos.

— Tudo bem. Então, estamos de acordo.

Ele diria mais alguma coisa, contudo fomos interrompidos, sendo


levados a uma conversa chata sobre negócios. Não era a primeira vez que
eu estava em um lugar como esse, envolvida em conversas como essa.
Normalmente, não era notada, nem fazia questão de ser, pois não tinha
paciência alguma para interagir com essas pessoas.

No meio dos convidados, não muito longe de nós, vi o senhor


Lancaster. Ele me encarava, como sempre fazia, deixando-me
desconfortável. Havia algo no olhar dele que me perturbava, e não era só
nesse dia, nem só no modo como me tratava. Também havia algo nos gestos
e até mesmo em seus olhos castanhos, que fazia eu me lembrar da mulher
que me abandonou.

O restante da noite foi bem monótono, com conversas chatas,


pessoas nos observando, cumprimentos falsos e sorriso vagos.
Quando estava sozinha com Joseph, eu me sentia mais feliz e
completa, mas quando estávamos em lugares assim, sentia-me um objeto de
observação. Pelo menos ele não saía de perto de mim por um minuto.

— É uma surpresa vê-la aqui. — Nem tinha percebido que David


Lancaster estava em nossa frente.

Não podia negar que ver meu chefe em um evento como aquele era
assustador.

— Joseph Morson, já faz um tempo que não nos vemos. —


Cumprimentou meu namorado.

— É um prazer vê-lo também. Já deve saber que Samantha e eu


estamos juntos. — Senti ainda mais vergonha.

Eu sabia que não precisava ficar assim e que já estava acostumada a


isso. Todavia, alguma coisa em David me deixava bem mais vulnerável. Ele
era meu chefe, um homem que eu tinha acabado de conhecer, que já havia
feito por mim mais que meus tutores do orfanato.

— Sim, eu soube. Mas minha surpresa é porque, pelo que sei,


Samantha não gosta de lugares assim, com pessoas demais. — Deu um
sorriso, olhando-me.

Eu só pude sorrir de volta. Era mais por constrangimento do que por


estar feliz.

— Não é que eu não goste, só não estou habituada. — expliquei.

— Os dois formam um casal muito bonito. — Vi em seu olhar uma


tristeza que mexeu comigo. Mesmo dizendo boas palavras, David
demonstrava estar desanimado em relação a nós. Ou melhor dizendo, a
mim.

Eu queria dizer algo e o perguntar o porquê disso, no entanto não


conseguia formar as palavras na boca. Em uma fração de segundos, ele
olhou para algo atrás de mim e ficou paralisado. Sua pele embranqueceu de
repente, e só eu notei isso, pois outro homem tomava para si a atenção de
Joseph.

Queria me virar para ver o que o abalava tanto, mas ele se foi
rapidamente, sem me dar a oportunidade de saber mais. Achei besteira me
importar com isso.

Apertei o braço de Joseph, que ainda conversava com um homem


que eu não conhecia. A sensação estranha voltou: o frio, o arrepio e a
impressão de que eu estava prestes a entrar em uma roubada.

Peguei uma taça de champanhe de um garçom que passava e a bebi


inteira. Logo depois a devolvi para a bandeja. Nada me ajudava a esquecer
do desconforto.

Já não sabia quanto tempo tinha se passado desde o momento em


que comecei a me sentir assim e larguei o braço de Joseph. Foi quando ele
percebeu que eu não estava bem.

— Aconteceu algo? — questionou preocupado.

— Não. — Desejava que ele não se preocupasse à toa com um


desconforto inútil. — Vou procurar o banheiro. Não vou demorar.

Eu nem sabia onde ficavam os banheiros, só sai no meio das


pessoas, esperando achar alguma coisa. A cada passo que eu dava, a
angústia aumentava, deixando-me sufocada, sem saber explicar o que
estava realmente sentindo.

Finalmente, achei um corredor não muito longe do salão, onde tinha


várias portas. Por sorte, encontrei a porta certa e ninguém estava lá.
Encostei-me na pia e olhei o meu reflexo no espelho. Não era eu, nem ao
menos parecia comigo. No fundo daqueles olhos, eu via o medo, e não
entendia de onde ele tinha vindo ou por quê. Era um medo incomum e
profundo.

Entrei em uma das cabines para fazer xixi e ouvi alguém entrar no
banheiro. Tranquei a porta e fiz o mínimo de silêncio possível, como se não
quisesse ser vista por ninguém. Estava começando a achar que era uma
paranoia minha.

— Não tinha o direito de me arrastar para cá deste jeito, David. —


disse a voz raivosa de uma mulher, que não me era estranha. — Quer acabar
com o meu casamento?

— Você acabou com a minha vida. — era a voz do meu chefe a


acusando.

Minha curiosidade foi tanta, que abri um milímetro da porta só para


ver com quem ele estava brigando. Senti meu coração gelar ao ver a mulher
de quem eu fugia há anos, apesar de ser a causa de eu estar ali. Cora usava
um vestido lindo, de grife, e não parecia ter envelhecido muito. E olha que
já havia a visto várias vezes desde que cheguei a Nova York.

— Tem noção do quanto procurei você e do que causou em mim? —


ele continuou.

— Está me acusando? — ela questionou com deboche. — Eu me


lembro muito bem de quem me mandou embora. Você disse que eu era uma
vadia mentirosa, nem me ouviu e mandou seus pais se livrarem de mim.

— Não. Você está distorcendo as coisas. — Apontou o dedo na cara


dela.

Eu queria parar de ouvi-los ou sair correndo, no entanto meu corpo


estava paralisado e meu cérebro não me respondia.

— Achei que me amasse. Eu os enfrentaria para casar com você,


mas só queria me dar um golpe, assim como fez com Aston. — David
realmente estava triste. Mesmo vendo tudo por uma fresta minúscula, podia
notar sua tristeza.

Eu não conseguia controlar os sentimentos dentro de mim, e a


angústia estava quase me sufocando.

— Eles tiveram culpa, mas eu merecia saber. — ele afirmou.


— Saber? — Cora pôs as mãos na cintura e inflou o corpo. — Você
sabia. Por isso eles me deram aquele dinheiro para tirar a criança que eu
esperava.

Eu tive que me segurar para não cair, porém o mesmo não aconteceu
com minhas lágrimas, que, por vontade própria, foram derramadas sobre o
meu rosto. Achei que tudo aquilo fosse um dos pesadelos que,
constantemente, perturbavam-me, só que a dor em meu peito confirmava a
realidade.

Não sabia se era verdade o que ela dizia e se era de mim que falava,
apenas tomei essa dor sem precisar de muito.

— Você sabia. — ela repetiu.

— NÃO! — gritou. — Sabe como eu soube? — David colocou


Cora contra a parede, furioso. Dava para ver o quanto estava abalado. —
Depois de vinte anos, meu pai estava no leito de morte, me pedindo perdão
e dizendo que deu dinheiro para que você tirasse o meu filho. Um filho que
eu não sabia que existia, porque você me traiu. Mas já estava grávida. Ele
disse que me livrou de uma vida amarga e sofrida, porém me tirou o direito
de ter um filho.

Cora estava tão surpresa quanto eu. Ela era fria, amargurada e
odiava tudo, até ela mesma. Com certeza faria um aborto. Talvez não fosse
eu a criança de quem ele falava. A minha história começou depois disso,
com o pai sobre quem minha avó sempre me contava antes de morrer.

— Mesmo te odiando, mesmo depois de tudo que fez, eu me casaria


com você, assumiria a criança e daria a ela o que merecia. Mas nenhum de
vocês me deu a chance de escolher.

— Então, não sabia mesmo. — Ergueu uma das sobrancelhas.

A mulher que, sim, parecia comigo, pensou e pensou. Surpreendi-


me quando vi algum resquício de humanidade em seu rosto. Cora se
mostrava arrependida.
— Não tirei o seu filho.

Não?!

— Não tirou? — David a soltou, afastando-se. Estava trêmulo.

Naquele instante, mais do que nunca, eu desejava saber a verdade.


Se eu realmente tinha um irmão ou irmã, se a história que me foi me
contada era real ou mentira.

— Onde está o meu filho?

— É uma menina.

Meu coração se afundou no peito. Estava suando e me sentindo


fraca. Meus pés poderiam falhar a qualquer momento.

— Não consegui tirar a criança. Realmente, não queria tirar e achei


que poderia criá-la. Mas, no fim, eu não sabia ser mãe de uma menina como
ela. Para falar a verdade, minha vida não era a que tinha pensado para mim
e ela não era tudo que eu precisava.

David se segurou na pia, colocando a mão no peito. Senti que ele


não estava bem.

— Onde... Onde ela está? — perguntou muito emocionado. —


Onde?

— David... — Arrependimento? Cora não era mulher de se


arrepender, contudo achei ter visto isso em seus olhos, nas lágrimas e em
todo o resto. O que só me deixou furiosa. — Eu não estava bem. Não
justifica, mas eu não estava bem. Pensei que a única forma de me salvar,
fosse indo embora. Acredite: eu... me arrependo, me culpo e não mereço o
que tenho, por ter feito isso com ela.

Não! Eu não quero ouvi-la. Não consigo ouvir.


Com cuidado e medo de que me escutassem, fechei a porta e me
encostei nela. Queria tapar os ouvidos e fingir que estava vivendo apenas
um pesadelo. Depois de tantos anos tentando entender por que ela tinha
feito aquilo comigo, ela disse que se arrependia?

— Eu não sei onde ela está. Juro que tentei encontrá-la e que voltei
para a procurar depois de um tempo. Não a encontrei.

— Você largou a minha filha? — a voz trêmula e fraca de David me


assustou. Talvez aquilo fosse demais para um homem que tinha sofrido do
coração outras vezes. — Você... abandonou ela em vez de me dizer a
verdade e a dar para mim?

— Não pensei muito antes de...

— ANTES DE ABANDONÁ-LA?!

Abri outra vez a fresta da porta e observei o que acontecia. Cora


estava chorando, quase encolhida no canto da parede, e David aparentava
estar cada vez pior.

— Juro que me arrependo. — Tentava limpar as lágrimas. — Ela era


inteligente, então achei que pudesse se virar. Era a minha filha, e eu não
poderia tê-la abandonado. Samantha era uma boa menina, era seu
aniversário e...

Depois disso, eu só conseguia ouvir um zumbido perturbador. O


senhor Lancaster, o homem que acabei de descobri ser meu pai, caiu no
chão com a mão sobre o peito. Cora se assustou, vendo que ele estava tendo
um ataque, e correu para cima dele.

Não sei como meus pés me obedeceram dessa vez. Só percebi


quando já tinha saído do cubículo e me agachado ao lado dele. Não era
capaz de pensar direito e ainda ouvia o zumbido.

Cora ficou surpresa ao me ver. Seus olhos estavam arregalados e a


pele pálida.
Eu não sabia como estava controlando a raiva, só entendia que,
primeiro, teria que ajudar David.

— Vá buscar por ajuda! — mandei, pegando na mão dele.

Ele me olhava assustado e a mulher não se movia um instante, só


me encarava com surpresa.

— VÁ LOGO!

Finalmente, ela tomou uma atitude e saiu correndo do banheiro


enquanto eu tentava acalmar David.

— Eu sinto muito. — ele balbuciou. — Sinto muito.

Comecei a ficar desesperada. Não tinha como ele saber que era eu,
mesmo com meu nome e minha semelhança com Cora. Não tinha como.
Entretanto, algo me dizia, pelos seus olhos desesperados, que sabia sobre
mim.

— Vai ficar tudo bem. — Tentei acalmá-lo, embora meus olhos


estivessem embaçados por conta das lágrimas. — Respire! Vai ficar tudo
bem.

— Sinto muito, Samantha. Eu sinto muito...


Capítulo 24
Joseph

Pensava que aquela seria uma noite como outra qualquer: encarar
uma dúzia de homens falando sobre negócios, família e dinheiro. Nada do
que eu já não tivesse visto. No entanto, enganei-me ao achar que voltaria
para casa com minha namorada linda e que dormiríamos juntos depois de
um bom sexo.

Na verdade, fomos parar no hospital, com um homem infartando e


com uma história maluca que afetava diretamente a mulher que eu amava.

— Então… ele é seu pai? — questionei, ainda surpreso com o que


ela tinha falado, assim que me sentei em uma das cadeiras da sala de espera.
— E você ouviu isso enquanto estava no banheiro, atrás da porta?

— Sim. Mas não foi de caso pensado. — Andava de um lado a


outro. — Eu não fazia ideia de que ela estaria lá, nem sabia que eles
realmente se conheciam e que, por coincidência, iriam estar no mesmo
lugar que eu.

— Ela falou que ele era seu pai? — indaguei, mesmo sabendo que
ela odiava repetir as coisas.

Não era loucura imaginar que Samantha Still era a filha de David
Lancaster. Eu só estava surpreso.

— Acha que estou inventando tudo isso? — Parou e me encarou


com o cenho franzido.

— Não. Claro que não. — Esperava que ela não me interpretasse


mal. Não queria brigar, muito menos irritá-la. — Me desculpe se foi o que
pareceu. É que tudo aconteceu tão rápido, que não estou conseguindo
pensar direito.
— Eu também não. — confessou, deixando os ombros caírem. —
Passei a minha vida toda pensando que meu pai foi um bêbado que morreu
cedo e me deixou com aquela mulher miserável. Entretanto, ele nem sabia
que eu existia. — Sentou-se ao meu lado, triste e desanimada.

Eu não queria que ela sofresse ainda mais por conta desse assunto
delicado de se tocar.

— Eu nem deveria estar aqui. Ele nem sabe quem sou eu. Posso
estragar tudo. E se ele achar que eu sabia e que planejei tudo isso? E se…?

— Samy, o David não vai pensar nada disso. — Tentei acalmá-la ou,
pelo menos, parar sua imaginação fértil. — Você nunca pensaria em fazer
mal a ninguém ou tirar vantagem. É a pessoa mais doce e sensível que
conheço e nunca abaixou a cabeça. Não importa se ele era o seu chefe ou
não; você mesmo disse que ele te tratava diferente. Ele pode não saber que
você é a Samantha de quem Cora falava, mas sabe que não é como ela.

— Só quero ficar aqui apenas para saber se ele está bem. Depois
vamos embora. Não vou dizer nada sobre mim. — falou nervosa.

Eu queria deixar tudo perfeito para ela, para que não se magoasse ou
voltasse a acreditar que estava sozinha, que não merecia tudo que tínhamos
e fugisse novamente de mim. O problema era que nada era perfeito e eu não
podia mudar as coisas. O que me deixava com medo... Medo de perdê-la.

— Samy, vai ficar tudo bem. — Apertei carinhosamente a sua mão.


Seu nervosismo era tanto, que deixava suas mãos suadas. Quando estava
nervosa, também tinha um tique nos pés e, geralmente, não prestava muita
atenção em mim, por causa das bobagens que, possivelmente, imaginava
que pudesse acontecer. — Não precisa ficar com medo. Eu estou com você.

— Eu sei. Obrigada. — Finalmente me olhou nos olhos.

***

Samantha
Não tinha como ficar calma. Há meia hora tinha descoberto quem
era meu pai e Cora descobriu sobre mim. Eu estava em uma sala de espera,
no hospital, enquanto David, que não sabia que eu era a sua filha, tinha um
ataque do coração.

Sim, eu estava com medo... Medo de perder o pai que eu ainda não
conhecia e mais medo ainda de ele me rejeitar, assim como fez a mãe que
eu deveria ter tido.

Fugi de Cora por todos os anos em que estive em Nova York. Ela
estava feliz com sua família perfeita, era muito rica e nem se lembrava da
pobre e coitada menina que abandonou.

Estar cara a cara com ela me deixou enjoada, com o coração na mão.
Desde o momento em que ela foi embora, nós nunca mais tínhamos nos
visto, apesar de eu já tê-la observado a muitos metros de mim.

Também não sabia se David me olharia com bons olhos. Acreditava


que ele iria pensar que eu sabia da sua paternidade e que, por isso, eu estava
trabalhando em sua empresa. Só que não era verdade. Nem imaginava que
tinha um pai vivo.

Desde muito nova, eu questionava sobre esse assunto à minha avó,


mãe de Cora, que morreu quando eu tinha cinco anos, antes de eu ser
abandonada. Ela sempre me dizia que meu pai era um bêbado que tinha
morrido sem me deixar nada, nem mesmo uma família. Já tinha me
convencido de que estava sozinha e que a única coisa que eu poderia fazer,
era cuidar de mim e das novas pessoas que me amavam.

Nada podia ser tão normal na minha vida. David Lancaster chegou e
me pôs uma sensação estranha, tratando-me como se já me conhecesse. Só
que não sabia sobre mim. E naquela noite descobri o porquê de tanta
estranheza em seu olhar.

Joseph estava ao meu lado, dando-me conforto e sendo a minha


segurança. Era como se tudo estivesse de cabeça para baixo e ele não me
deixasse cair, dando força a mim.
Ele tinha ligado para um sobrinho de David, que cuidava dele e o
ajudava. O homem estava vindo até nós, com uma cara preocupada, e meu
coração diminuía no peito. Achava que algo ruim tivesse acontecido.

Levantei-me da cadeira, tentando não imaginar o pior, e quase não


conseguia respirar direito. Foi meu namorado quem teve que se pronunciar,
pois as palavras não saíam da minha boca.

— Ele está bem?

— Sim. Foi só um susto. — confirmou o homem que me observava


com receio. — Meu tio ainda não está 100% depois de tudo que aconteceu.
Ele resolveu voltar à ativa porque estava entediado e precisava resolver os
problemas da empresa. Passou por um grande estresse, fazendo com que
seu coração se esforçasse o dobro, mas agora está bem e vai ficar em
observação.

Finalmente, pude relaxar e ficar mais calma. Pelo menos ele não vai
morrer por causa daquela bruxa.

Posso ir para casa tranquila agora.

— Que bom que ele está bem. — comentei aliviada. — Acho que
podemos ir agora.

— Na verdade, ele pediu para chamar você. — disse o homem do


qual eu não tinha decorado o nome por conta do meu estresse repentino. —
Eu falei que não era uma boa ideia fazer isso no momento, mas ele insiste.
E quando coloca algo na cabeça, não tem quem tire.

Senti meu coração diminuir de tamanho. Não sabia o que fazer ou


como agir. Não poderia mentir, dizendo que não tinha nada a ver com ele ou
que foi um acidente ouvir a conversa deles.

— Pode nos dar um minuto? — pediu Joseph.

Assim que ele nos deixou a sós, meu namorado me encarou,


pegando em meus braços.
— Samantha, sei que as coisas estão acontecendo rápido demais, e
vou entender se não quiser falar com ele hoje.

— Eu quero. Só não sei o que dizer. — confessei atônita. — David


acabou de sofrer um ataque do coração. Não vou comentar algo que o deixe
pior.

— Tudo bem. Então, só o escute. E se optar por falar em outra hora,


acredito que ele vá entender. — ele falava de maneira tão calma, que me
dava inveja.

— Ok. Vou ouvir o que ele tem a dizer. — afirmei depois de respirar
fundo.

Apesar de estar confiante na minha decisão, não estava confiante em


conversar com ele. Falar com o chefe era fácil quando eu não sabia da
história e não tinha que agradá-lo. Contudo, a situação tinha mudado e, no
fundo do meu ser, entendia que precisava agradá-lo. Não era algo que eu
fazia com todos, apenas com aqueles por quem eu odiaria ser rejeitada.

Depois de um beijo rápido do meu namorado, andei até o quarto


particular onde se encontrava David Lancaster. A porta estava aberta e ele
olhava na minha direção. A cada passo que eu dava para perto dele, mais
meu coração diminuía. Cheguei a pensar que seria eu a ter um infarto.

Fiquei em silêncio, assim como ele. O homem, que não era tão
velho assim, observava-me com atenção. Achei que tivesse novamente,
com meus 10 anos de idade, entrando na casa de uma família adotiva. Não
tinha noção do que fazer. Sorria? Ficava calada? Eu sempre estava à espera
de uma luz para me guiar, para ter uma família.

— Você sempre esteve debaixo do meu nariz. — falou baixo.

Em minha cabeça já passava milhares de situações, suposições e a


esperança de que ele não me odiasse totalmente.

— Eu não sabia. Juro que não sabia. — confessou.


— Senhor, não pode se esforçar. Acabou de passar por uma situação
delicada. — pedi, sentindo que realmente seria difícil ficar naquele lugar.

Minha língua estava formigando e tinha dificuldade de respirar.


Nunca havia passado por isso e jamais achei que passaria. Sentia-me uma
covarde.

— Me chame de David. — pediu. — Você não deveria ter ouvido


tudo aquilo. — É, eu não deveria.

Aquelas palavras estavam se repetindo na minha cabeça desde


aquele momento. O olhar e as frases que saíram da boca de Cora só me
deixavam com um nó na garganta.

— Sei que está sendo difícil. — comentou.

— Por que me chamou? — Quis mudar de assunto, pois achava que


se continuássemos no anterior, as coisas presas dentro de mim explodiriam,
revelando o quanto eu estava ferida. — Por quê?

— Eu sei quem é você, Samantha. — Não tinha como ele saber.


Como sabia? — Claro... No início, só achei você parecida com ela. Ficou
chateada quando perguntei sobre sua mãe. Eu sabia que somente Cora
poderia gerar tanta raiva e rancor em uma pessoa. — Apertei os dedos,
esperando poder acordar e ficar bem, na realidade na qual estava habituada.
— Não posso dizer que tenho certeza, mas sei que é minha filha.

— O quê?! — O sopro de ar que soltei poderia não ser audível. Não


conseguia segurar a emoção, embora me esforçasse para isso. — Como?

— Não sei como, só sei que é você. — respondeu com muita


tranquilidade.

— Eu não sabia. Juro que não sabia. Vim a Nova York por causa
dela e nem sabia que o senhor era o dono da empresa. Até me demiti, mas o
senhor não aceitou. — Achei que deveria me justificar.
— Não estou a acusando. — disse surpreso. — Eu a procurei muito.
Contratei um detetive e busquei por Cora, porém ela sempre me ignorava.
— Quando nos conhecemos, suspeitei da verdade, mesmo achando muita
coincidência, mesmo podendo ser um engano, e não achei muita coisa. Mas
depois do que Cora falou, sei que a menina que passou de casa em casa, em
lares adotivos, é a minha filha.

Minha cabeça estava começando a doer por eu estar segurando o


choro que sairia como um desespero. As poucas lágrimas que permiti que
caíssem, deixaram meus olhos embaçados.

Não me aproximei muito dele, pois já era difícil o suficiente estar


naquele quarto ouvindo tudo aquilo. Pensei em chegar mais perto e tocar
em sua mão, como já tinha feito mais cedo, contudo seria o fim da minha
resistência.

— Nunca fui escolhida. Eles não me achavam boa para ser filha
deles. Tenho muitos defeitos. — Limpei o rosto.

— Você não tem defeito algum, Samantha. — Ele se moveu,


querendo se levantar. E foi isso que fez eu me aproximar dele. Não queria
que piorasse por minha culpa.

— Não pode se levantar, está fraco. — Tentei mantê-lo na cama.

— Queria ter sido o seu pai desde muito antes. Assim, não teria
sofrido tanto. — Olhou no fundo dos meus olhos. — Não preciso de
confirmação alguma para saber que é minha filha.

— Sempre achei que o que tive e que tudo pelo que passei fosse por
eu não ser merecedora de nada bom. Não me achava boa o bastante para ter
um amor ou ser feliz. Tudo que aconteceu me fez resistir e agradecer pelo
amor que encontrei e tanto me trouxe felicidade. — As palavras saíram sem
que eu percebesse.

Não compreendia como estava me segurando, e agradecia por estar.

— Cora não merece o seu perdão. — lamentou.


— Não. E nem sei se consigo perdoá-la. Mas espero que sim. Talvez
isso faça com que eu pare de imaginar que tudo chegará ao fim e que eu
ficarei sozinha outra vez.
Capítulo 25
Samantha

Eu já estava acostumada com as coisas dando errado. E foi


pensando em desastres, que sobrevivi por tanto tempo. Na escola, eu era a
órfã que ninguém queria, a nerd que só falava bobagens e a menina
minúscula que não era notada por mais ninguém além dos professores.

Depois de um tempo, meu desenvolvimento foi superior ao de


qualquer outro aluno e eu passei a ter aulas particulares. Os tutores sempre
diziam que eu seria uma mulher brilhante.

Quando fiz a prova que me levaria à faculdade, todos sabiam que eu


a gabaritaria, e até me gabava por isso. Mas foi só mais uma prova que
mostrava que eu era diferente de todos. Uma jovem menina que pulou um
monte de anos na escola para chegar à universidade é quase bizarro. Era
assim que todos me consideravam na turma: uma aberração de circo. Ficar
calada e fazer minhas coisas sem chamar a atenção foi a forma que
encontrei para viver naquele lugar.

Eu não esperava fazer amigos depois de tanto tempo sendo a


chacota, no entanto Hoper não se importou com nada disso. Ela era a
mulher mais velha, e eu a garota de dezessete anos sobre quem todos
cochichavam ou para quem pediam uma ajuda nas matérias que não
conseguiam aprender. E, atualmente, ela era uma mulher que iria completar
vinte e nove anos, que ainda morava comigo, por não gostar de viver
sozinha, por se achar solitária. Era a minha única família, uma irmã para
todas as horas. Por isso não se desgrudou de mim na última semana.
Achava que eu me enfiaria em um buraco por causa do meu passado quase
esquecido que ressurgiu graças a um pai, até então, desconhecido por mim.

— Tem certeza de que não quer que eu fique? Posso colocar outro
em meu lugar. — Era nítida a sua preocupação.
Eu até gostava da atenção que ela me dava, todavia não poderia
deixar que se prejudicasse por algo tão inútil.

— Relaxe, Hoper. Eu não vou voltar a ser a garota chorosa que você
conheceu. — Revirei os olhos enquanto segurava a xícara de café com as
duas mãos. Eu estava sentada à mesa, e ela em pé, na minha frente, com o
cenho franzido e cara de preocupação. — Sabe que não sou mais criança,
né? O que aconteceu foi algo bom, não uma típica tragédia do meu passado.

— Foi uma tragédia sim, mesmo que não fosse tão preocupante
quanto antes. Você descobriu que o seu chefe é seu pai, e que a bruxa que te
pôs no mundo sabe sobre você estar aqui, em Nova York. E...

— E nada mais. — Coloquei a xícara de volta na mesa e me


levantei, indo até ela. — Estou feliz. Sim, estou feliz. Meu namorado é um
cara incrível, que se preocupa comigo tanto quanto você, minha melhor
amiga não se desgruda de mim por nada, e agora tenho a oportunidade de
conviver com um pai que não é um escroto, que está disposto a me
conhecer. — Segurei em seus braços e a olhei no fundo dos olhos.

Nada do que falei, foi mentira. Apesar de estar mexida com tudo
que houve, realmente estava feliz. Finalmente.

— E nada que venha de Cora vai me surpreender mais, porque sei


que já tenho tudo que sempre quis: uma família.

— Não fale assim. — ela disse emocionada, fazendo-me rir da


situação. — Sabe o quanto eu esperei para ouvir isso de você? Achei que
nunca veria a Samantha romântica e sorridente. Mas, olhe... Você sorri. E é
um sorriso bonito.

— Não exagere. — Ela abanou o rosto, tentando conter a emoção, e


eu revirei os olhos novamente. — Agora, vá logo, ou vai perder o seu
discurso para a bancada. Espero que consiga ir bem, senão vou matar você.

— Ameaça de morte não é um incentivo. — apontou.


— Vou parar de falar com você e não será a minha madrinha de
casamento, nem dos meus filhos. — Pus um sorriso convencido em seu
rosto.

— Vocês vão se casar? — Primeiro ela ficou surpresa e depois pulou


de alegria, agarrando-me como se tivesse ganhado um prêmio.

— Não, Hoper. Ainda não. Eu me referia ao futuro.

Ela me soltou, olhando-me feio.

— Estraga-prazeres! — reclamou e saiu de perto de mim quase


bufando.

Gostava quando ela cuidava de mim ou ficava empolgada por algo


que acontecia na minha vida. Geralmente, eu não tinha essas reações.

Já fazia uma semana que não ia para o trabalho. Não tinha ideia de
como agir ou do que pensar. Pelo menos David Lancaster não se importou
com minha ausência e, talvez, entendesse-a. Mas eu precisava colocar a
cara à tapa e seguir com minha vida.

Arrumei a casa de maneira básica, colocando os pratos na lavadora e


as roupas sujas na lavanderia. Depois me arrumei para sair. Seria um
desafio retornar àquela empresa e trabalhar como se nada tivesse acontecido
ou como se meu chefe não fosse o meu pai biológico. Não iria mudar a
forma de fazer as coisas, nem ser nada além da Samantha Still que sempre
fui. Só esperava que as pessoas não soubessem tudo que aconteceu e
achassem que, por esse fato, eu devesse ser tratada diferente. Iria odiar ser
motivo de cochichos outra vez.

Antes de abrir a porta, chequei novamente se tudo estava no lugar.


Por conta do estresse que acabei passando, minha mente estava perturbada e
fazendo com que eu me esquecesse de coisas que, normalmente, eu não
esquecia. Ao sair, respirei fundo, tentando tomar coragem. Por outro lado,
achava-me uma boba por estar agindo dessa forma.

Relaxe, Samantha! É só mais um dia, como outro qualquer.


Antes mesmo de chegar ao fim da escadaria que me levaria à rua,
fui surpreendida por Cora. O que me travou no lugar, deixando-me
assustada e, também, com raiva. Ela estava como sempre: usando roupas de
grife, óculos escuros e me passando um mal-estar desconfortável.

Tentei imaginar que isso fosse uma fantasia criada pelo medo, só
que não era. Apesar de eu rezar para que seu fantasma sumisse, ela ainda
estava à minha espera.

— Esperei por muito tempo. Agora temos que conversar. — foi


autoritária. — Eu sei que me odeia, mas...

— Não existe um “mas”, só a realidade, Cora. — eu a interrompi


grosseiramente. — Não tenho nada para ouvir ou dizer a você. O melhor
que temos a fazer é nos esquecer que existimos uma para a outra.

— Você é minha filha. — insistiu.

Não sei de onde veio o sorriso de deboche que estava em meu rosto.
Só poderia ser uma piada.

— Há vinte e um anos, eu era a sua filha, uma menina que não tinha
pai ou qualquer outra pessoa que me desse conforto. Só tinha você. E não se
importou em me dar esperanças ou em me deixar para trás no dia do meu
aniversário.

— O que fiz foi errado. Acredite: eu sei. — Ela se aproximou,


tirando os óculos e me mostrando que em seus olhos havia mesmo uma
emoção. O problema era que eu não acreditava mais neles. — Eu estava
passando por situações que você não entendia na época.

— Claro... Porque ter um problema justifica você abandonar uma


criança de cinco anos sozinha em uma casa. — Senti uma palpitação no
peito e aquela sensação de raiva crescendo dentro de mim, que me forçou a
respirar fundo para não explodir. — Poderia até me deixar com alguém e ir
embora, mas me deixou sozinha, olhando para a porta e esperando que você
voltasse, que entrasse dizendo que teve um compromisso urgente. — Vi
uma mísera lagrima cair sobre seu rosto e ri de desgosto. — Você não
voltou. Me deixou e nunca mais voltou. Eu tive que ir para um orfanato e
até mudei o meu sobrenome, por não querer ter o mesmo que o seu. Passei
por casas e mais casas, esperando que alguém me amasse, porque a minha
mãe não me amou. E, adivinhe: não achei nada que calasse a dor e a solidão
que você me deixou. Mas, fique tranquila. Hoje tenho tudo que preciso para
ser feliz. Então, vá embora e não finja que se arrepende, nem me peça
perdão. Nunca vai ser merecedora disso. — Passei por ela sem esperar por
mais nada.

Sentia-me sufocada e presa.

Abandonei a ideia de ir ao trabalho de carro, pois achava que minha


cabeça estava tão perturbada, que não conseguiria dirigir.

Como ela teve coragem de vir até aqui se justificar? Pensa que tudo
vai mudar porque se arrependeu? Que vai consertar anos de ausência?
Cora é mesmo uma idiota, sem escrúpulos.

***

Uma semana depois

— Sabiam que vocês são o único casal que ainda estão juntos? —
comentou Hoper, que estava em nossa frente, segurando papéis e agindo
como se fosse uma psicóloga de casais. — A convivência realmente é
difícil, e vocês conseguiram passar por ela, ficando ainda mais unidos.

— Então, vencemos? — brincou Joseph, olhando-me com um


sorriso no rosto.

— Não era uma competição. — ela explicou.

— Mas acabamos vencendo. — ele insistiu, fazendo-a olhar feio.

— É, vocês venceram.

— O que vai acontecer? Não vai pedir detalhes pessoais nossos,


vai? — perguntei curiosa. Ela fez um mistério enorme durante a semana
toda.

— Relaxe. Eu só quero saber como e quando vocês descobriram que


não viviam um sem o outro.

— Não sei quando aconteceu. — respondi pensativa.

— Eu sei. — Joseph franziu o cenho, encarando-me. — Foi quando


vi você pela primeira vez.

— Não exagere. Você nem queria nada comigo. Dizia que éramos
amigos. — lembrei-o.

— Concordamos que estávamos nos enganando.

Quase ri da sua expressão de ofendido. Isso o irritaria.

— Verdade. — concordei.

— Conflitos. — Hoper mencionou. — Tiveram conflitos depois que


se encontraram cara a cara?

— Ela estava relutante, então eu tive que insistir por nós dois. E,
como você já sabe, Samantha foi difícil, fez questão de ser um desafio.

— Está me acusando? — Estava ofendida. — Você sempre me


acusa.

— Não é uma acusação, é um fato. Admita que estava com medo...


Medo de que nosso envolvimento desse errado e até mesmo do meu status
social. Achava que não daríamos certo, pois se considerava inferior.

— Você é bem diferente de mim. Achou que eu iria levar isso numa
boa, sem ter passado por essa resistência antes?

— Então, o conflito foi gerado pela diferença de status? — Hoper


perguntou séria, realmente parecendo uma psicóloga de casais.

— Não! — neguei.
— Sim! — contrapôs Joseph.

Eu o fitei com fúria, dizendo, sem palavras, que ele me pagaria


depois.

— Ok. Mas, com certeza, vocês conseguiram superar essa parte. E o


que foi crucial para que isso acontecesse?

Não estava gostando dessa conversa. As perguntas eram sobre


coisas que eu e Joseph nunca tínhamos debatido entre nós, e as responder
em voz alta me deixava desconfortável.

— Vimos o quanto era bobagem colocar essas coisas em nosso


caminho. — Ele me olhou sorrindo. — Quando se ama não existe nada que
nos impeça de viver esse amor.

— E as famílias? Houve algo que ficou entre vocês quando foram


apresentados às famílias?

— Como sabe, a minha família é bem pequena, e a dele deu graças a


Deus por eu aparecer. — respondi com ironia.

— A minha mãe ama a Samy e meu irmão arquitetou esse plano


para que eu arranjasse uma namorada. Acho que mais do que isso é
impossível.

— Uma das coisas na qual um relacionamento se baseia é a


confiança. Vocês diriam que confiam um no outro?

— Sim. — dissemos ao mesmo tempo.

— Um adendo. Por que está agindo como se fosse a nossa


psicóloga? — Cerrei os olhos.

— Tenho que fazer essas perguntas e ser o mais imparcial possível.

— Até que está sendo bom fazer isso. Apesar de sabermos muito um
do outro e estarmos em uma fase boa em nosso relacionamento, nunca
paramos para conversar sobre essas questões. — disse Joseph.

— Uma última pergunta. — Ótimo! A última. — O que esperam


para o futuro?

O que esperar do futuro?

Essa era a pergunta que eu mais me fazia desde o dia que o conheci.
Nunca imaginei que estaria aqui, sentada em um sofá, conversando sobre
um relacionamento e feliz por ter um homem que me ama. Sempre vivia um
dia de cada vez, sem esperar muito da vida. Contudo, eu passei a fazer
planos. E esses planos incluíam uma vida ao lado de Joseph Morson.

Dizer em voz alta que meu medo ainda não tinha acabado só faria eu
admitir que ainda era a medrosa que ele havia conhecido meses atrás. E
essa era a questão. Sentia-me como se ele soubesse disso e sentisse o
mesmo. Olhar em seus olhos, questionando essa pergunta e ser entendida,
era reconfortante, pois sabia que Joseph queria o mesmo que eu, que temia
e que se esforçava para ganhar a confiança que nós dois precisávamos.

— Não sei o que será do nosso futuro, mas sei que quero ter a
oportunidade de acordar todos os dias ao seu lado. — ele confessou,
deixando-me boba, como sempre.

— Samantha? — Hoper me chamou, lembrando-me de que eu


também tinha que responder.

— Casar, ter dois filhos e um cachorro. É isso que espero.

Até ela riu do que falei.

— Pode preparar o vestido. Essa é a nossa meta para o ano que vem.
— afirmou meu namorado.
Capítulo 26
Samantha

Um ano depois

Sonhos. Sonhos são desejos do inconsciente, daquilo que mais


queremos, mas não admitimos ou que reprimimos por medo do que os
outros vão pensar.

Para mim, o meu maior sonho era estar em um lugar onde realizaria
todos os meus desejos. Mas não aqueles patéticos ou que são fáceis de
serem realizados, e sim aqueles que nunca achei que alcançaria, pois
pareciam tão absurdos e distantes, que se tornaram uma fantasia. E fantasias
não se realizam com tanta facilidade.

No momento, eu estava olhando pela janela de uma casa rústica, que


ficava em uma área verde muito linda. Podia ver o jardim enfeitado,
cadeiras, arranjo de flores e um altar simples, porém bonito, que me gerou
borboletas no estômago, de tanta ansiedade para estar nele.

Eu era cética, portanto só acreditava naquilo que eu pudesse ver ou


fazer. No início de tudo, eu poderia fugir e permanecer na mesmice, porém
minha melhor amiga tinha outros planos para mim. Devo admitir que se não
fosse por ela, ainda estaria perdida no meu vazio e solidão.

Naquele instante, eu estava ali, usando um vestido de noiva,


sorrindo como uma idiota e com um buquê na mão, esperando para subir
em um altar e me casar com um dos caras mais lindos e incríveis que pude
conhecer.

Demorou e achei que nunca me permitiria, mas, finalmente, estava


feliz. Eu me permiti amar, e foi a coisa mais incrível que já fiz na vida.
Graças à Hoper e ao Joseph, eu estava contente, tranquila e com perspectiva
para um futuro de felicidade.
— Está na hora, Samy. — avisou minha amiga, que estava vestida
de azul-clarinho.

Segurei a saia do vestido de noiva e me virei para sair do quarto. Ao


encontrar os olhos dela, vi que ela estava praticamente chorando. Segurei o
sorriso, sabendo do seu jeito bastante sensível de ser. Estava tão alegre
quanto eu com o casamento.

— Eu sei que já deveria estar acostumada e satisfeita por vê-la feliz,


mas não esperava te ver com um vestido tão lindo e perfeito, como se fosse
uma princesa.

Revirei os olhos por achar que ela estava muito sensível quanto a
isso.

— Hoper, se controle. — Andei até ela e segurei sua mão. —


Lembre-se de que você vai ficar no altar, que é minha madrinha e que não
pode estragar a maquiagem.

— Eu sei. — Abanou o rosto. — Vamos logo, antes que eu vire o


coringa, por borrar toda a maquiagem.

Fui eu quem tive que a pegar pela mão e descer as escadas.

Não poderia negar que meu coração estava quase saindo pela boca.
A cada passo que eu dava, sabia que estava mais perto dele.

No fim dos degraus, David me esperava. No último ano, ele foi uma
das melhores coisas que poderia ter acontecido comigo. Nunca imaginei
que teria um pai me apoiando, dando-me força e motivação. Ele foi tudo
isso e muito mais para mim. Mesmo sendo sua filha e sabendo da minha
capacidade e merecimento, não aceitei de cara a promoção para substituir
Phillip. Uma das coisas que eu não queria era ouvir alguém dizer que eu
estava sendo favorecida por conta da minha ligação com o chefe. Por isso
mostrei do que era capaz antes de, finalmente, subir de cargo.
— Você está linda. — Eu diria que havia um brilho em seu olhar
que me deixou envergonhada. — Espero que Joseph Morson saiba cuidar da
minha filha, ou vou matá-lo se magoá-la.

— Eu ajudo você, tio David. — falou Hoper chorosa.

— Vamos logo, antes que ele pense que desisti. — Peguei no braço
de David.

Mesmo depois de tudo, eu ainda não conseguia dizer a palavra


“pai”. Era estranho e um pouco desconfortável. Jamais imaginava que teria
um algum dia.

Minhas mãos estavam suadas e meu coração na boca. A ansiedade


me deixaria louca se eu não me controlasse o bastante. Odiava ser o centro
das atenções, e isso nunca mudou, mas todos os que estavam presentes
eram amigos ou pessoas que eu conhecia de algum lugar, que não me
deixariam tão desconfortáveis.

Pus os pés na grama verde, pedindo para que eu não tropeçasse e


caísse no chão com toda a alegoria que estava vestindo. O frio no estômago
quase tirou a minha confiança, porém, felizmente, ele estava lá, à minha
espera. Nesse momento, eu me esqueci de todo o resto ao nosso redor.
Desde a primeira vez que o vi, soube que ele causaria um estrago em mim.
E eu tinha razão. Vestido com seu smoking preto, Joseph me observava com
um sorriso na face, quase desvendando o que se passava na minha cabeça.

Não sabia como, onde e quando aconteceu, entretanto esse homem


sabia mais de mim do que eu mesma. Foi nele em quem me segurei durante
todo o tempo e, inclusive, naquele instante, andando até aquele altar,
enquanto era observada por todas as pessoas.

— Sei que você é um bom homem e que foi quem a ajudou com esta
coisa de relacionamento, mas ela é minha filha, a filha que eu não sabia que
tinha e que agora tenho. Então, acho melhor cumprir com o que vai
prometer neste altar. Caso contrário, é comigo que terá que conversar no
fim. — David falou baixinho apenas para que Joseph e eu ouvíssemos.
Ele riu, encarou-me e pegou a minha mão, que estava sendo
entregue à sua pelo meu pai.

— Não se preocupe, senhor. Tenho plena consciência disso. Na


verdade... — A forma como ele me olhava, deixava-me boba e com o rosto
pegando fogo, de tão envergonhada. Como se ele nunca tivesse me
encarado assim antes. — Não consigo viver sem ela. Então, acho que vou
fazer o possível e o impossível para que nunca tenha que ficar mais que um
metro longe dela.

— Estão exagerando. — Apertei a forte mão dele e subi na


plataforma onde aconteceria a cerimônia.

Por fora, eu estava plena, segura de mim, mas, por dentro, estava
quase explodindo. Portanto, esperava que tudo começasse logo, senão
desmontaria na frente de todos.

Entreguei o buquê à minha madrinha, que, no caso, era Hoper, e


foquei no homem em nossa frente.

— Samy. — Joseph sussurrou ao meu lado, chamando a minha


atenção. — Devo confessar que estou morrendo de medo.

— De se casar comigo? — questionei preocupada.

— Não. Me casar com você é a melhor coisa do mundo. Disso, eu


tenho certeza. — explicou, realmente parecendo nervoso.

Ri da situação, pois, desde o início, ele foi a pessoa mais confiante


entre nós, e no momento estava com as mãos suadas e inquieto.

— Meu medo é não ser tudo que você espera de mim e a


decepcionar.

— Joseph! — Ninguém era tão perfeito, e ele não era essa exceção,
mesmo que muitas vezes eu pensasse assim. Depois de ele me apoiar tanto,
era a minha vez de lhe dar força. — Não espero que seja nada, pois já é
tudo que mais quero. Eu não estaria aqui se não soubesse disso.
Mais uma vez, sendo encarada pelos seus olhos azuis, senti que ele
me dizia um “eu te amo” silencioso.

É reconfortante saber que, mesmo no escuro, é possível você


encontrar a luz, um amor. Apesar de ser difícil de achá-lo, ele pode salvar
até aquele que está todo quebrado.

Fim.
Outros livros dessa autora
A virgem e o bilionário

Já pensou no que faria se alguém esbarasse em você e,


simplesmente, fosse embora como se você não existisse?

Emma sempre foi uma garota tímida, que sabe de tudo, mas que não
tem amigos. Quando se formou na faculdade, só pensava em fazer o que
amava e trabalhar tranquilamente na frente de um computador. Mas, em um
dia fatídico, ela é praticamente atropelada por um anônimo que vai embora
sem ao menos lhe pedir desculpa, deixando para trás um único objeto: o seu
celular.

Desejando se vingar dele usando o seu conhecimento, Emma invade


o telefone do desconhecido e tenta, a todo custo, descobrir quem é o homem
alto, de ombros largos e arrogante que a deixou no chão como se não
existisse.

O problema é que o estranho não é tão anônimo e, pior, é o novo


CEO da empresa onde ela trabalha.

Ian não é o mais simpático dos homens e todos odeiam sua


arrogância, mesmo sendo novo no trabalho. Depois que esbarra em uma
mulher na rua, ele não imagina que sua vida ficará de pernas para o ar. Ao
receber de volta o celular que achava ter perdido, começa a receber
mensagens de uma anônima que não tem papas na língua.

Porém, o problema nisso tudo é que ela não quer ser descoberta e
Ian não descansará até encontrar a única mulher que o desafia e não tem
medo dele; pelo menos na internet.

Um jogo de gato e rato começa entre os dois. E, no fim, quem


vencerá?

***
A mentira do CEO: Seduzida pelo chefe

Você já se imaginou em um dia dos infernos?

Eu tive um dia assim. Primeiro, me adiantei e cheguei no trabalho


duas horas mais cedo, fui demitida e quando cheguei em casa, descobrir que
meu namorado estava me traindo com a minha amiga.

Eu não era de acreditar em azar ou que as pessoas nascessem com


esse mal, no entanto, eu era uma dessas pessoas.

Tive que recomeçar do zero, sem lugar para morar e nem um


trabalho, e quando finalmente achei que as coisas tinham melhorado,
descobrir que o meu novo chefe, além de ser lindo de morrer, como um
modelo de capa de revista, também era arrogante, irritante e provocativo.

O pior era que eu tinha três meses para provar que era realmente boa
no trabalho, caso contrário, seria demitida de novo.

Eu só não esperava que uma mentira iria mudar tudo.

Eu teria que fingir ser a namorada dele. Teria que dizer que o amava
e o pior de tudo, beija-lo.

Henrique podia ser o pior dos chefes, mas não sabia se resistiria a
ele.

***

A Obsessão do Mafioso

Você já pensou no que faria se descobrisse que o mundo que


conhece e as pessoas que confia, não são exatamente como imaginava?

Eu era uma filha exemplar, nunca faltei a escola ou dava bola para
as provocações da minha irmã mais velha. Amava o meu pai, mesmo que
passasse pouco tempo em casa, mas tudo mudou quando ele morreu.
Fui humilhada e expulsa de casa pela invejosa da minha irmã e
quando pensei que estava livre, descobri que havia algo nas sombras que
me observava e que não me deixaria ir.

Eu nunca imaginei que ele fosse tão terrível. Não sabia como
escapar das suas garras, e agora, estou presa ao seu amor obsessivo.
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