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SINOPSE

PLAYLIST
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
EPÍLOGO
NOTAS DA AUTORA
VOLUMES 2 E 3
O maior sonho de Louise Ventura sempre foi ser
mãe. Fugindo de relacionamentos e preferindo não
conceber um bebê por vias não-convencionais, ela arrisca
engravidar de um desconhecido qualquer cuidadosamente
escolhido em um site de relacionamentos e se dedicar à
maternidade solo e ao seu trabalho no ramo de multimídia.
A vida de Arthur Massari sempre foi focada em
trabalho, com pretensões ambiciosas de fazer seu negócio
em produção de multimídia crescer cada vez mais. Ao
fundir sua empresa com outra, ele reencontra a garota
fogosa com quem dormiu meses antes. Para sua surpresa,
ela está grávida. Ter um filho fora do atual noivado era a
última coisa que ele esperava, mas é exatamente o que
acontece quando descobre que o filho é seu. Ele pretende
fazer seu papel de pai, mesmo que isso signifique ter de
lidar com uma noiva abusiva e comprometer seu noivado.
Acompanhando o pré-natal, um sentimento de
carinho, amor, amizade e cumplicidade nasce entre os
dois, ficando cada vez mais impossível resistir a um
iminente romance.
Ouça a playlist da história. Basta abrir o
aplicativo e escanear o code abaixo. Você também
pode tirar print da tela e abrir a imagem ao selecionar
“escolher das fotos”.

Ou, se preferir, clique aqui.


Momentos desesperados pedem medidas
desesperadas.
Engravidar de um completo estranho que ainda vou
conhecer pessoalmente é uma medida muito
desesperada? Talvez. Mas é o que temos para hoje.
Mordo a pontinha do dedo indicador, meus olhos
fixos na tela do celular — “Arthur está digitando…” —
enquanto penso na loucura que estou prestes a cometer e
o espero responder à minha mensagem. Eu o escolhi a
dedo semanas atrás. Alto, cabelos castanhos e ondulados,
barba não muito cheia, mas também não muito rala, e
olhos âmbar. Pelas fotos dele sem camisa do aplicativo de
namoro, mantém a academia em dia. Abençoada seja a
sua genética porque é com ele que vou fazer um filho.
Sempre quis ser mãe, como sempre repeli
relacionamentos. Então, uma coisa puxou a outra, e aqui
estou. Perto de entrar na casa dos trinta anos, já com a
vida estabilizada, é hora de ter um bebê. De uma forma um
pouco mais tradicional, isso acabaria por exigir que eu
tivesse um homem a tiracolo. A maternidade solo existe
mesmo na vida de mulheres casadas, mas se é para ser
mãe solo, prefiro ser sem ter um marmanjo como brinde
desagradável.
Eu poderia optar por uma inseminação artificial,
mas a probabilidade de uma gestação gemelar é de quinze
por cento contra um por cento de chance por vias naturais.
Vou ficar satisfeita e muito feliz em ter apenas um bebê;
por isso, prefiro não arriscar. Além do mais, já tem alguns
meses desde a última vez em que estive com um cara. Vou
juntar o útil ao agradável.
“Estou ansioso para te conhecer. Duro só de pensar
nas coisas que vamos fazer no motel”.
Sorrio um pouco, digitando uma resposta. Nós
temos flertado desde que demos match no app. Arthur não
foi acanhado na nossa primeira troca de mensagens e já
começou com baixaria. Não nego, amei. Ele não fez nada
que eu não tenha dado liberdade para fazer e, por isso,
ganhou um pontinho positivo comigo. Durante as semanas
em que fomos nos conhecendo até eu me decidir se ele
seria ou não o pai do meu filho, trocamos todo tipo de
mensagens. Das mais picantes às mais banais, e de
alguma forma, ele conquistou meu carisma. O homem
aparenta ser um cara bacana. Não me falou muito da sua
vida pessoal ou profissional. Tudo o que sei é que trabalha
em uma empresa importante (em que cargo, fica o
mistério), tem trinta e dois anos e vem de uma família de
classe alta. Eu também não falei muito de mim para ele —
ora, se o moço quer fazer suspense, também vou fazer —
e comentei apenas o básico, o que, de qualquer forma,
pareceu o suficiente para decidirmos marcar um encontro.
A intenção é só dar uma trepada. Desnecessário saber
qualquer coisa além do básico.
“Cê tá muito seguro de si. Vamos ver se é isso tudo”.
“O que ganho se eu for ‘isso tudo’?”.
É impossível não sorrir. Ele não me parece do tipo
egocêntrico convencido com mania de grandeza. Talvez
seja muito seguro de si ou é só um cara com um humor
contagiante.
“Se quiser, mais encontros”.
Mordo o ponta do dedo indicador, esperando pela
sua resposta. Quero garantir que vou engravidar desse
homem. Por isso, planejei minuciosamente que eu o
encontre mais algumas vezes durante meu período fértil.
Depois, dou uma pausa até confirmar que engravidei e,
confirmado, sumo do mapa. Não tenho pretensões
nenhuma de contar para ele sobre a gravidez.
“Prometo que vou ser um menino bem empenhado,
nesse caso. Nem te experimentei, mas já quero repetir a
dose”.
Balanço a cabeça de um lado a outro porque
estranhamente gosto do humor de Arthur. Mesmo que
ainda não tenha o conhecido frente a frente, ele desperta
algo diferente em mim. Eu envio:
“E se eu não for isso tudo?”
“Não duvido que seja um mulherão da porra na
cama e fora dela. Confie no seu potencial. E que potencial,
hein?!”, responde e, junto, manda um print de uma foto
minha que ele deve ter achado no meu álbum de fotos do
Facebook. A fotografia em questão tem três anos e eu
estava no litoral, ao pôr do sol, de costas para o fotógrafo e
com os braços estendidos.
“Stalkeando minhas redes?”
“Lógico. Uma gata que nem tu e eu não ia te
perseguir ciberneticamente?”
“Besta. Vou me arrumar, Arthur. Te vejo em breve.
Beijos.”
Deixo o celular de lado e me levanto, correndo para
o banheiro tomar um banho. Escolho uma lingerie sexy,
perfumo-me mais do que o comum e faço uma maquiagem
básica. Confiro se estou com todos meus pertences —
carteira, documentos, dinheiro, celular, carregador e
camisinhas. Camisinhas todas furadas. Comprei meia
dúzia delas e violei a embalagem com um alfinete. Ele nem
vai desconfiar.
Como não sou nenhuma irresponsável de furar
camisinhas e correr o risco de pegar uma DST, inventei
qualquer desculpa que eu poderia querer sexo oral entre
nós, mas que detestava fazer com preservativos. É como
chupar bala com a embalagem. Então, combinamos de
fazer exames das principais IST, incluindo a HPV que
merece um exame específico. Ele me mandou os dele dois
dias atrás tudo bonitinho: seu nome completo no exame,
data que foi feita naquela semana, clínica conhecida na
cidade, carimbo do médico que avaliou os resultados com
CRM, que, claro, fui procurar.
Confiro as horas. Quase sete da noite. Preferia que
a gente se encontrasse mais tarde, mas acabou que nós
dois temos compromissos. Eu combinei de encontrar umas
amigas em um barzinho não muito longe do motel onde
vamos estar (escolhi um logo nas redondezas para não me
atrasar muito), e ele não especificou que compromisso tem,
mas disse que tem. Combinamos que vamos ficar juntos
por, no máximo, uma hora. Em uma próxima oportunidade
— que garanti que é amanhã — vamos nos ver de novo e
fazer “direito”. Podíamos ter deixado para o dia seguinte e
aproveitarmos melhor, mas não quero perder o primeiro dia
do meu período fértil e também porque essas semanas
todas de flertes e trocas de mensagens safadas mexeram
com todos meus hormônios e estou que não me aguento
para dar para ele.
Chamo um Uber e, no trajeto, compartilho minha
localização com Arthur por segurança. O percurso é rápido
e, quando chego, ele está me esperando na porta do motel,
em um carro esportivo como indicativo que ele realmente
trabalha em uma empresa importante em um cargo alto.
Talvez muito alto. Prendo o ar conforme avanço na sua
direção. O homem é tão bonito que deveria ser pecado
capital e crime contra a humanidade. Se Deus fez coisa
melhor, guardou só para ele. Encostado ao Ford Mustang
branco, Arthur usa um terno casual azul-royal e sapatos
que devem custar meu salário do mês. O sorriso nele
ilumina toda a noite e faz minhas pernas bambearem por
um instante. Bonito, rico, carismático. Se for bom de cama,
é capaz de eu me apaixonar.
Mentira. Não vou me apaixonar, não. Por mais
bonito, rico, carismático e bom de que ama ele possa ser.
Risca isso da lista porque essas qualidades também são
sinônimos de encrenca. Longe de mim me amarrar a
homem que vai me dar dor de cabeça.
— Você é ainda mais linda pessoalmente — Arthur
diz, desencostando-se do carro e vindo na minha direção.
Solto o ar que estava preso até agora e sorrio, um
pouco sem jeito com o elogio. Avalio-o dos pés à cabeça e
preciso concordar com a mesma coisa. Ele é ainda mais
bonito em carne e osso. Sequer tenho tempo de retribuir o
elogio porque, no instante seguinte, sua mão direita está na
minha cintura e sua boca está vindo para a minha. Ele me
puxa com força de encontro ao seu tórax duro — Deus, e
que tórax duro! — e me dá um beijo exigente, cheio de
pegada. Fico sem ar conforme me devora, intenso, lascivo,
quente e apaixonante. Se o homem é bom assim apenas
com um beijo, vou ficar devastada na cama. Adoro.
— Acho que já perdemos tempo demais, não acha,
Louise? — Meu nome na sua boca faz minhas coxas
apertarem. É sexy e gostoso de ouvir.
Com apenas um aceno, ele me leva para seu
Mustang, abre a porta do passageiro e contorna o veículo.
Avançamos motel adentro, e ele resmunga alguma coisa
sobre preferir ter ido me buscar. Dou uma desculpa de que
não queria incomodá-lo, mas a verdade é que não quero
que saiba meu endereço. Se ele gostar da fruta, Deus me
livre ir me procurar e descobrir que estou grávida. Pode ser
que ele faça como quase seis por cento dos homens
brasileiros e não assuma a criança, mas pode ser daqueles
que quer assumir, estar presente, por mais raro que seja.
Prefiro me prevenir.
Cinco minutos depois, estamos no quarto. Arthur
reservou uma suíte bem luxuosa, com uma cama redonda
bem no meio do ambiente, espelho no teto e banheiro com
hidromassagem. Ele entra primeiro e fecha a porta. Ainda
estou observando tudo à minha volta quando o homem me
puxa pelo punho e vem na minha direção. Preparo-me para
o impacto da sua boca na minha, que vem como um
tsunami. Arthur é exigente. Ele segura na minha cintura
com força, aperta-me e depois começa a desabotoar minha
camisa cambraia.
Não ofereço nenhum tipo de resistência e me
entrego. Sou conduzida até a cama, ele vindo por cima do
meu corpo. Seus beijos se espalham por toda minha pele,
começando ao pé do ouvido e descendo até meu colo
exposto agora pela camisa aberta. Ergue o olhar para mim
quando se depara com o sutiã de renda e brinca um
instante com a peça antes de enfiar o rosto entre meus
peitos e puxá-los para fora, circulando a língua nos meus
mamilos endurecidos. Suspiro, gostando do choque que
seus dentes causam nessa parte sensível.
— Vamos mesmo fazer sexo oral? — pergunta,
esfregando lentamente sua virilha na minha. Sinto sua
ereção em mim e dou uma olhadinha para baixo. Parece
ter um tamanho considerável.
— Eu ponderei e tudo mais, só que…
— Só que…? — Ele me olha, sua boca ainda presa
ao meu seio esquerdo.
— Podemos ir com calma? Achei que estivesse
confiante o suficiente, mas não me sinto à vontade ainda
para fazermos isso.
— Não deu tempo de deixar a depilação em dia? —
sussurra, resvalando o nariz pelo meu pescoço. — Se for
isso, eu não me importo. Não tem que se importar também.
Rio um pouco, impressionada com a falta de filtro
desse homem.
— A depilação está em dia, sim. Só não estou
preparada como achei que estaria. Mais especificamente,
não me sinto preparada para fazer com você.
Não é mentira. Eu não consigo me sentir bem em
receber ou fazer sexo oral com um cara que não tenho
certa intimidade. Arthur é só uma trepada casual que,
assim espero, não vai durar mais que uma semana.
Pretendo repetir a dose durante meus dias férteis, mas não
vou procurá-lo mais a ponto de pegarmos intimidade para
que possamos nos proporcionar esse tipo de prazer.
— Tudo bem. Quem está perdendo uma linguada
deliciosa na boceta não sou eu.
Estapeio seu ombro e gargalho por um momento,
sua risada rouca e grave me acompanhando. Até a risada
desse homem é perfeita. Universo, me ajuda aqui, por
favor? Manda só um defeitinho. Um assim, de nada, que eu
possa usar como pretexto para não querer mais vê-lo
nunca mais. Porque confesso que está difícil.
— Vamos parar de conversar e ir ao que interessa?
Por que ainda está vestido, para começo de conversa? Tira
logo essa roupa que eu quero te usar.
Ele dá outra daquela risada gostosa e se ajoelha na
cama, passando a se despir. Arthur tem um aroma gostoso
que, convenhamos, não sou capaz de descrever porque
sou uma capivara para perfumes masculinos. Mas é um
cheiro forte, inebriante e delicioso. Tem cheiro de perfume
importado e caro — isso sou capaz de reconhecer. Sento-
me na cama, apreciando o espetáculo que se desenrola na
minha frente. Primeiro, ele tira o blazer. Depois, sem
desfazer nosso contato visual, ele desabotoa a camisa
branca.
— Nesse tanquinho, eu lavava roupa todo dia —
brinco, mordendo a pontinha do lábio inferior.
— O tanquinho não faz nada sem uma boa torneira,
não concorda? — devolve, em um tom que é uma linha
tênue entre o bom humor e a malícia.
Maneio a cabeça, concordando, ansiosa pela parte
mais interessante e esperada desse show particular.
Lentamente, o homem tira a calça. A boxer preta bem
colada nos quadris marca sua ereção. Passo a língua pelos
lábios, admirando seus atributos. Ele sorri daquele jeito
convencido e baixa a cueca. Seu pau pula para fora,
completamente ereto. Não é nenhum vinte e cinco
centímetros — e Deus me livre que fosse porque gosto de
fazer sexo, não de procurar petróleo no meu útero —, mas
tem um tamanho satisfatório. Dezesseis. Dezessete. No
máximo, dezoito. Do tamanho que gosto. É fácil de
acomodar e, se um dia acontecer, fácil de engolir.
— Quer sentir o estrago que ele faz, Louise? —
Arthur pergunta, envolvendo as mãos em torno do membro
pulsante.
Abro outro sorriso. Que autoestima da porra.
— Você tá fazendo promessas demais, Arthur —
sussurro, subindo minha saia e me expondo para ele. —
Não prometa o que não pode cumprir. — Pego minha bolsa
sobre a cama, retiro o primeiro pacotinho de camisinha e
jogo nele.
O homem pega no ar e enrola o látex em sua
extensão. Ele vem para mim, tomando-me em um beijo
quente, suas mãos voando para o meio das minhas
pernas.
— Vai ver que sou homem de palavra. Eu prometo,
eu cumpro, Louise.
Derreto-me nesse momento. Derreto-me com seu
toque na minha boceta, sua boca no meu pescoço, e meu
nome nos seus lábios. Ele não precisa de muito para me
deixar completamente entregue e excitada. Não sei se é a
abstinência ou se ele que é bom demais com sua língua e
dedos, mas a facilidade com que fico molhada é
impressionante. Rebolo nos seus dedos, que brincam
comigo e com a minha sanidade. Nem me importo com o
sorrisinho convencido que dá enquanto circula meu clitóris,
sabendo que estou totalmente entregue e que ele é
completamente incrível.
— Vem sentir o estrago, Louise — diz, ajoelhando
na cama e me puxando para si. Ergue minha perna
esquerda até seu ombro e mantém a direita em torno da
sua cintura.
Segurando o pau, ele o direciona para minha boceta
e me penetra devagar. Agarro nos lençóis, gostando da
sensação que me acomete quando o tenho dentro de mim.
O homem mal começou a me comer e sei que está certo.
Ele vai fazer estrago. Arthur se move devagar, mas a
lentidão dura pouco tempo. Em um minuto ou menos, ele
está me comendo tão vigorosamente que a cama sai do
lugar.
Arthur promete e cumpre.
O estrago é delicioso.

Pulo do Uber depois de pagar a corrida e caminho


para o bar. Minhas amigas já estão aqui, animadas em uma
conversa. Junto-me a elas na mesa, que me recebem com
beijos e abraços. Peço alguns aperitivos e cerveja e, por
algum tempo, jogamos conversa fora e conto sobre meu
encontro, poupando-as da parte de que estou tentando
engravidar. Laura vai embora cerca de meia hora depois
que chego, precisando ir levar o jantar para o irmão, que
ela comprou por ali mesmo. Só nós duas, Bianca quer
saber como andam meus projetos na Conecta, e conto
uma coisa ou outra porque não quero saber de trabalho
agora. Não muito tempo depois, ela também precisa ir.
Aceno e me despeço com um beijo. Fico na mesa,
terminando minha cerveja e meu aperitivo, sozinha. Confiro
meu celular e tem uma mensagem dele.
“Gostou do estrago?”
Rio um pouquinho e respondo:
“Acho que preciso de mais uma demonstração para
ter certeza”.
“Seu pedido é uma ordem. Amanhã, às 22h?”
Mordo a pontinha do lábio inferior, meus olhos fixos
na sua foto de perfil do aplicativo de mensagem. Se o filho
que fizer em mim tiver um terço dessa beleza vai ser de
bom tamanho.
“Amanhã, às 22h., no mesmo motel.”
Doze semanas depois

Estou em estado de semiconsciência quando uma


sensação diferente toma o meu corpo. Não sei explicar
exatamente o que é ou por que acontece. Aos poucos,
conforme vou acordando, consigo distinguir o ambiente à
minha volta. Primeiro, a luz natural da manhã que
atravessa minhas cortinhas; então, o colchão macio às
minhas costas e o mover suave da cama, a cabeceira
batendo contra a parede. No instante seguinte, noto um
peso sobre meus quadris e que estou excitado. Leva mais
um pequeno momento para entender que Beatriz está
cavalgando em mim, suas mãos contra meu tórax.
— Bom dia — diz ofegante, subindo e descendo, as
mãos escorregando pela minha pele. — Tem jeito melhor
de acordar?
Consigo abrir um sorriso sonolento e preguiçoso,
embora eu desconfie que seja apenas uma resposta
automática, sem que eu queira realmente dar, sem que
esteja consciente o bastante para isso. Afundo a cabeça no
travesseiro, a sensação de que vou ejacular ameaçando
vir. Beatriz me beija e eu explodo dentro dela, mas não é a
mesma coisa. Parece diferente. Não sinto o alívio ou o
prazer que comumente vem quando ejaculo. Ela aumenta o
ritmo rapidamente, gemendo cada vez mais, dizendo-me
que está quase lá. Nunca tenho pressa para acabar, mas
agora rezo para que termine logo. Não estou gostando
disso. Por que não estou gostando de fazer sexo com a
minha noiva?
Ela termina um instante depois e desaba sobre mim.
Deixando um beijinho nos meus lábios, Beatriz se levanta e
corre para o banheiro. Nesse ínterim em que está tomando
banho, é que realmente desperto e fico totalmente
consciente. Sento-me na cama e me encosto na cabeceira,
sentindo uma agonia diferente no peito, uma sensação
sufocante que ainda não sou capaz de explicar. Coço os
olhos, perguntando-me o que está acontecendo comigo.
— O chuveiro está livre. — Bia surge enrolada em
uma toalha. Os cabelos castanho-claros estão presos em
um rabo de cavalo alto, e alguns fios que escaparam estão
úmidos. — Toma um banho para irmos para a Conecta.
Temos uma reunião para tratarmos da fusão com a
UpMidia.
Quando estou pronto, sigo até a cozinha. Beatriz já
está à mesa posta com uma variedade imensa de comida,
impecável dentro de um terninho, cabelos presos e
maquiagem feita. Sento-me de frente para ela e olho tudo
com atenção, escolhendo o que comer.
— Estou te sentindo estranho. O sexo matinal era
para melhorar seu humor, não piorar.
Pego um pedaço de bolo de aipim e me sirvo de
uma xícara de café.
— Detesto sexo matinal. Sabe disso, Beatriz —
respondo, com um suspiro.
Eu não sou um cara matutino e se saio cedo para ir
trabalhar todos os dias é porque preciso. Levanto na marra
e meu humor não é dos melhores antes das onze da
manhã, mesmo que eu seja um cara bem-humorado. É por
isso que sempre tento marcar reuniões importantes para
depois do almoço. Com sexo, não é diferente. Não tem
coisa que eu deteste mais do que me acordar para trepar.
Não tenho pique, nem vontade e nem prazer. Minha noiva
por vezes insiste, e acabo cedendo. Às vezes, é bom.
Depois dos primeiros minutos, o prazer vem. Outras vezes,
não. O que acontece quase sempre.
— É o que sempre diz, Arthur, mas sabemos que
você é mesmo preguiçoso. Vivia reclamando quando eu
queria transar cedo, mas viu como foi hoje que não te
chamei? Estava todo duro quando acordei e ficou ainda
mais quando cavalguei. Você até gozou, meu amor.
Olho para meu pedaço de bolo ainda intocado e
bebo um gole do meu café, pensando no que me disse.
Tudo bem, eu gozei, mas, ainda assim, não parece que
tenha sido tão bom. Droga, não sei explicar. Suspiro e
decido que não vou pensar nisso. Acho que estava
sonolento demais para notar que o sexo foi bom. O sexo
com Beatriz é gostoso, não tenho do que reclamar. Essa
sensação deve ser só porque eu meio que fui pego de
surpresa.
— Além do mais — ela continua, trocando o cruzar
das pernas e tomando uma dose do seu suco de laranja —,
já te falei dos benefícios de transar pela manhã.
Penso no post que compartilhou comigo esses dias
que elencava cinco motivos para transar pela manhã.
“Melhora o humor” era o primeiro na lista. Melhora o humor.
Não melhora quando você detesta sexo pela manhã.
— Não funciona comigo — argumento, mordendo
meu bolo. — Não sei por que insiste em querer trepar logo
cedo.
— Funciona, sim. — Tem certa sugestão e malícia
na voz dela. — E como funciona. Só precisa de um
empurrãozinho, Arthur. — Estou abrindo a boca para
rebatê-la, mas Beatriz não deixa. Levantando-se, diz: —
Termine seu café para começarmos o dia.
Bia vem até mim, deixa um beijo no meu pescoço e
se retira.

Preciso de um tempo comigo mesmo antes de


seguir até a sala de reuniões. Sussurro para Bia que
preciso ir ao banheiro, e ela segue na minha frente
enquanto vou ao toalete do andar. Aciono a torneira
automática e me olho um instante no espelho antes de
molhar as mãos e lavar o rosto. Umedeço um pouco meus
cabelos e encaro meu reflexo mais uma vez. Tenho uma
reunião importante daqui a pouco, aquela que vai decidir,
de vez, os rumos da minha vida profissional e do sucesso
da minha empresa.
A UpMidia nasceu quando eu tinha vinte e quatro
anos. Levei dois anos depois que me formei em
Publicidade e Propaganda para tomar coragem e investir
na minha própria empresa. Tive ajuda do patrimônio dos
meus pais — uma dupla de engenheiros —, mas todo o
crescimento gradual de oito anos para cá é mérito meu.
Desde muito cedo, meu foco sempre foi minha carreira e
minha independência financeira. Nunca tive qualquer outra
ambição na vida a não ser fazer meu negócio deslanchar.
Beatriz surgiu como uma diversão gostosa para os fins de
semana em que eu precisava relaxar e esquecer do
trabalho. Quando dei por mim, estávamos juntos em uma
relação que transcendia sexo casual. Não houve um
pedido formal de namoro. Só fomos levando. Ela começou
a passar muito tempo no meu apartamento, e começamos
a nos ver com mais frequência. Ficou subentendido um
relacionamento sério.
Nem consigo acreditar que estou prestes a me
casar, porque passei os últimos anos apenas focado no
trabalho — quase sem tempo para me dedicar a uma
relação amorosa —, o que me trouxe bons resultados pois
a UpMidia é uma das melhores empresas do ramo no
estado. Agora, a oportunidade perfeita de mais crescimento
e reconhecimento surgiu. Venho negociando essa fusão
com a Conecta há muito, muito tempo. No ramo da
produção de multimídia há pelo menos dezoito anos, a
Conecta é uma das empresas que mais crescem no Brasil.
É por esse motivo que estou um pouco com os nervos à
flor da pele. Levei quase dois anos para conseguir negociar
essa fusão e estou perto de concretizar a minha maior
ambição. Nada pode sair dos trilhos agora.
Inspiro e expiro, tratando de me acalmar. Já está
tudo certo para essa fusão. A reunião de hoje é para
anunciarmos a parceria entre UpMidia e Conecta e o
nascimento da nova empresa. Vínhamos negociando essa
parceria em segredo, por isso apenas os maiores
acionistas de ambas empresas tinham ciência das
negociações. Agora que está tudo certo, é hora de
anunciarmos para todo o resto, o que inclui funcionários,
menores acionistas, pequenos investidores e o público em
geral. Os primeiros a receberem a notícia serão os
funcionários da Conecta.
Antes de seguir meu caminho, por algum motivo que
desconheço, pego meu celular e acesso a aplicativo de
namoro, escondido em uma pasta segura com senha para
que Beatriz, que tem mania de vasculhar meu celular, não
o encontre. Eu deveria ter desinstalado esse app há muito
tempo, mas desde que Louise sumiu não consigo fazer
isso. Eu não o uso para nada além de apenas verificar se a
mulher reapareceu. Ao menos uma vez na semana, confiro
se tem sinais dela por aqui. Ela me bloqueou de todas as
mídias sociais que tínhamos contato. Não entendo o que
pode ter acontecido. Depois daquela primeira noite no
motel, nós nos encontramos por uma semana inteira.
Religiosamente, por uma semana inteira. Então, na última
vez em que a vi, Louise me disse que ia passar um tempo
fora da cidade a trabalho e por isso não poderíamos nos
ver, mas mantivemos contato por mensagens por mais
alguns dias. Pouco mais de um mês depois, ela
simplesmente desapareceu do mapa. Confesso que fiquei
preocupado de início, preocupação essa que foi embora
quando ela me mandou uma última mensagem três dias
depois de me bloquear em tudo. “Foi bom te conhecer, mas
paramos por aqui”. Considerei que ela arranjou um
namorado ou voltou com algum ex. Como eu voltei com
minha ex naquela mesma semana. A questão é que não
consigo me desligar dela, mesmo depois de três meses. Só
queria saber o que aconteceu, se foi algo que fiz ou disse
de errado, ou se o motivo para ter desfeito o que tínhamos
foi outro.
Um bater na porta me chama de volta ao mundo real
e me faz guardar rapidamente o telefone de volta no bolso
da minha calça.
— Arthur, vamos! Só falta você — Beatriz chama.
— Estou indo.
Inspiro uma última vez e deixo o banheiro. Ela está
do lado de fora, as mãos na cintura, expressão
desconfiada.
— Por que demorou tanto?
Passo por ela, em direção à sala de reuniões.
— Não demorei. — Suspiro. Não sei como ainda
aguento o modo como ela me sufoca na maioria das vezes.
— Estava telefonando para alguém? — pergunta,
cruzando meu caminho. — Quem era ela?
— Beatriz, não tem “ela” nenhuma. Só fui lavar o
rosto. Precisava dar uma respirada. Estou dando um passo
importante hoje.
— Nós estamos, Arthur. Não se esqueça que com a
ajuda do papai, comprei trinta por cento das ações da
UpMidia dois meses atrás.
Seguro-a pelos braços e deposito um beijo no rosto
dela, não querendo discutir por pouca coisa.
— Isso. Nós estamos dando um passo importante
hoje. Estou uma pilha de nervos. É capaz de eu cair duro
para trás de tão nervoso — tento descontrair, mas minha
noiva não vê graça no que digo. Como dificilmente vê.
— Não é hora para piadas, Arthur — adverte.
Tiro o sorriso do meu rosto e aceno. Beatriz pega na
minha mão e seguimos juntos até a sala de reuniões.

Acompanhamos Jéssica, vice-presidente da


Conecta, até seu escritório. Depois da reunião que
informamos sobre os novos rumos da empresa aos
principais encarregados — que deverão repassar aos seus
subordinados — e acionistas menores, ela nos pediu para
a seguirmos porque ainda precisamos tratar de alguns
pontos importantes. Saulo, o CEO da empresa, deveria
estar junto, mas precisou se ausentar assim que a reunião
acabou. Ela oferece dois lugares à frente de sua mesa e
conversamos por cerca de vinte minutos sobre o mercado
e as novas perspectivas positivas e negativas com a fusão
— valorização no mercado financeiro, o corte no quadro de
funcionários, alguns acionistas pequenos que vão preferir
vender suas participações.
Beatriz se mantém o tempo todo séria e profissional
como sempre. Ela é centrada e rígida demais, o completo
oposto de mim. Não estou dizendo que saio por aí tratando
todo mundo informalmente como se fosse meu amigo do
Ensino Médio, mas reconheço sinais quando posso
descontrair um pouco. Jéssica, por exemplo, sei que não
se importaria com uma conversa mais leve e divertida,
mesmo que tratando de negócios. Entretanto, ao lado da
minha noiva, prefiro me manter austero para que não fique
me repreendendo depois, seja por ciúme porque estava
“dando muita liberdade” ou por conta de “comportamento
inadequado”.
— Estamos animados com essa parceria — Beatriz
diz, quando já estamos conversando amenidades. Atrás da
sua mesa, a mulher negra sorri e ajeita uma mecha do
cabelo liso, assentindo. — Temos planos e ideias incríveis
para a parte do audiovisual, não é, amor? — Ela olha para
mim, séria, tocando minha coxa. — O Arthur fez uma pós
em Produção Audiovisual para incorporar o ramo na
UpMidia quando tivéssemos oportunidade e equipamentos
de alta qualidade.
Assinto com um sorriso.
— Um dos meus maiores objetivos sempre foi
oferecer mídia em vídeo aos clientes. Essa fusão com a
Conecta vai permitir desengavetar muitas ideias para a
área.
Jéssica cruza as pernas e o sorriso aumenta.
— Nossa diretora de audiovisual é super eficiente e
muito criativa. Com certeza vamos fazer um trabalho
maravilhoso unindo as ideias da UpMidia com a
competência da Louise e sua experiência, Arthur.
A menção desse nome, sinto um choque percorrer
meu corpo. É tão abrupto e repentino que só noto o que
digo em seguida um milésimo de segundo depois:
— Louise? Louise de quê?
Pela visão periférica, Beatriz me olha e sei que tem
toda desconfiança do mundo nas suas íris castanhas.
Então, arrependo-me amargamente por ter mostrado
interesse. É claro que minha noiva vai me questionar e vai
criar um circo todo por causa disso.
— Louise Ventura. Você a conhece? — Jéssica
pergunta.
— É, Arthur, você a conhece? — A raiva, o deboche
e o ciúme estão impregnados na voz de Beatriz.
— Não — digo a verdade. A Louise de meses atrás
usava Oliveira no user do aplicativo de namoro. Não sei se
se tratam da mesma pessoa, mas para todos os efeitos,
não a conheço. — Estudei com uma Louise na faculdade.
Pensei que pudesse ser ela, mas pelo sobrenome não é —
contorno a situação, só não sei se soo convincente.
Beatriz ainda está me olhando, desconfiada e
enciumada sempre que cito qualquer garota.
— Ela não estava na reunião, não é, Jéssica?
— Não. Tirou a manhã para ir fazer alguns exames.
— A mulher confere as horas em um relógio de pulso
delicado. — Mas já deve estar chegando. Se quiserem
esperar para conhecê-la… Louise é uma das cabeças do
Conecta.
— Gostaria de esperar porque… — Beatriz me olha
rapidamente, com um tipo de advertência que reconheço.
— Precisamos falar sobre o cargo dela. A UpMidia tem um
diretor de fotografia excelente que pode assumir o
departamento de audiovisual com o Arthur. Seria inviável
mantermos dois profissionais na área, principalmente
agora, enquanto a fusão ainda está acontecendo e os
funcionários terão de se acostumar com uma nova
empresa e uma nova dinâmica de trabalho. Gostaríamos
muito de ficar com nosso diretor.
Aperto o maxilar, não conseguindo acreditar nisso.
Nós não temos um diretor de fotografia. Embora a UpMidia
conte sim com serviços nessa área, o departamento
sempre foi comandado pelo único fotógrafo da empresa e
todo o trabalho dele era restrito às fotos e edições.
Conceitos, criações e aprovação de ensaios não cabiam
somente a uma pessoa, mas a uma equipe. Beatriz está
inventando um funcionário simplesmente porque… dei a
entender que conheço a mulher e não a quer perto de mim
trabalhando comigo. Seguro um suspiro alto, prevendo que
teremos uma discussão muito séria. Não vou permitir que
demita uma profissional competente e desempregue uma
pessoa que precisa do cargo por causa de um ciúme
descabido.
— Sinto muito, Beatriz, mas não podemos abrir mão
de Louise no momento. Ela está grávida e não pode ser
demitida.
Vejo quando a expressão dela cai. Fico aliviado por
isso, por saber que uma mulher inocente não vai sair
prejudicada por causa das paranoias da minha noiva, mas
ainda assim, preciso conversa com Beatriz sobre isso. Ela
não pode sair arbitrando demissões por ciúme. Não mais.
Não seria a primeira vez que faz isso e cheguei a relevar
muito da sua postura para evitar qualquer desafeto com
minha futura esposa. Já a deixei selecionar minhas
secretárias — que se resumiam a mulheres mais velhas,
lésbicas ou homens —, já descobri que a incompetência de
muita funcionária era só uma manipulação dela para tirá-
las de perto de mim, como quando não vi opção a não ser
demitir uma encarregada do RH por ter errado por três
meses seguidos o pagamento de parte dos funcionários.
Mais tarde, descobri que Beatriz quem havia modificado as
informações para prejudicar a mulher. Isso tudo porque
cismou que ela estava dando em cima de mim e eu estava
retribuindo o flerte.
— Entendo — Bia diz apenas, engolindo o ódio por
não ter controle sobre isso. — Ainda assim, quero ficar
para conhecê-la. — Ela lança outro olhar na minha direção
rapidamente, as sobrancelhas franzidas.
— Claro. Ela não deve demorar a chegar.
— Podemos dar uma volta pela empresa enquanto
isso? — Beatriz solicita.
Jéssica se levanta do seu lugar e aponta para a
porta. Zanzamos pelos corredores e departamentos,
conhecendo cada um deles, por uns dez minutos antes de
Beatriz precisar usar o banheiro. Ela me pede para
acompanhá-la e acabo indo porque também preciso ir ao
toalete, mas sei que sua intenção ao fazer o pedido é para
não me deixar sozinho com a vice-presidente. No banheiro
masculino, uso o mictório, lavo bem as mãos e depois o
rosto, suspirando e me perguntando quanto tempo mais
vou ser capaz de aguentar essa relação. Em qualquer
outra circunstância, não teria reatado com Beatriz. Ela
passou a me sufocar nos últimos anos e isso estava me
fazendo mal. Demorei a notar como estar com ela me
deixava psicologicamente cansado. Quando decidi dar uma
chance para nosso relacionamento, foi pensando em um
bem maior.
Lavo o rosto mais uma vez e deixo o banheiro. No
momento que saio, esbarro em alguém.
— Me desculpe — ela pede, tocando meu tórax
despretensiosamente, como a maioria dos brasileiros faz
em momentos assim, exibindo um sorriso simpático.
Um sorriso simpático que morre quando me
reconhece.
— Louise?
A mulher arregala os olhos e dá meio passo para
trás.
— Arthur!
O Universo me odeia.
Eu deveria ter dado atenção a todas as previsões do
meu signo nos últimos vinte e oito anos de vida, coisa que
não fiz, e deveria ter dado atenção à previsão do meu
signo hoje pela manhã, mas achei que era bobagem.
Sempre achei que fosse bobagem. O que claramente não
é. Os astros estão alinhados para me castigar por conta da
minha falta de fé, dado ao fato de que Arthur está bem na
minha frente agora, com cara de quem não esperava me
encontrar. Bem, estamos quites porque também não
esperava encontrá-lo.
— Louise — ele diz de novo, como se para ter
certeza de que sou eu, em um tom baixo. — Você…
— Arthur? — alguém o chama, vindo por trás de
mim. Ele olha por cima dos meus ombros e eu me viro para
ver uma mulher muito bonita caminhar na nossa direção,
usando um terninho preto que a deixa elegante demais. Ela
se aproxima dele e o abraça pela cintura. Lança um olhar
enviesado para mim e depois se vira para o homem. —
Tudo bem por aqui?
Ele me olha por um instante com uma expressão
que não sei decifrar direito.
— Sim, eu só… — Arthur pigarreia. — Esbarrei na
moça sem querer e estava me desculpando.
A garota olha para mim, analisando-me de cima
abaixo. Seus olhos se detêm por um instante no meu
abdômen. Por conta da camisa um pouco mais justa que
uso hoje, é possível ver a saliência da minha barriga
gestacional.
— Você deve ser a Louise. — Ela ergue o olhar para
mim, e noto certo desprezo na sua voz.
Dou uma espiada rápida em Arthur, que segue
parado ao lado da garota, emudecido e com os olhos em
mim.
— Sou eu — confirmo, hesitante. — Nós nos
conhecemos?
— Jéssica nos falou de você. Está sabendo sobre a
fusão, não está?
— Claro — respondo, um pouco atordoada. — Já
sei há algumas semanas. A reunião para anunciar isso foi
hoje. Infelizmente, tive que fazer alguns exames que a
ginecologista solicitou e não pude estar presente. E
vocês…?
— Que indelicadeza! — a mulher põe a mão no
peito, um pouco teatral demais para o meu gosto. — Sou
Beatriz Uchoa, e esse é Arthur Massari, meu noivo. Somos
os donos da UpMidia.
Forço um sorriso, deixando que a palavra “noivo”
assente na minha cabeça. Engulo em seco. Deveria
mesmo ter dado atenção às previsões do meu signo! Não
basta o cara ser comprometido, eu estar esperando um
filho dele e de ter feito planos de que ele nunca saberia
sobre essa criança, o homem agora é meu chefe. É inferno
astral que chama?
Fico muda por algum tempo, sem saber o que dizer
ou como reagir. “Muito prazer”?, “Sejam Bem-Vindos”?
“Seu noivo é um gostoso, mas eu não esperava
reencontrá-lo”?
— Vamos conversar outra hora com mais calma —
Beatriz rompe o constrangimento que tomou o ambiente. —
Porque agora temos que ir, não é, amor?
— É.
Seguro uma risada seca. O homem está pálido e
monossilábico. Claro que está. Está achando que vou
contar à noiva sobre três meses atrás. Se eu tivesse
qualquer moral, contaria mesmo. Contaria que ele passou
por solteiro e a traiu. Contudo, se contar, posso levantar
desconfiança sobre a paternidade do bebê e não quero
isso.
— Até mais.
Não espero por uma resposta deles e sigo meu
caminho, fugindo como o diabo foge da cruz.
Obrigada, Universo!
Chuto os saltos assim que entro em casa. Se meu
pai me visse os usando com toda certeza eu tomaria uma
bronca, mas não sei abrir mão dos meus scarpins. Ao
menos, não por ora. Enquanto for possível usá-los, vou
usar. Não porque é o dress code da empresa, é porque
simplesmente gosto. Corro até o quarto, tomo um banho
rápido e visto algo mais confortável. Na cozinha, preparo o
jantar e tomo uma taça de vinho sem álcool — uma
preciosidade que um amigo me trouxe da Alemanha.
Estou terminando de grelhar o peixe quando meu
interfone toca. Enrugo o cenho porque não estou
esperando ninguém. Suspiro e baixo o fogo. Detesto visitas
que não avisam ou perguntam antes se podem comparecer
à casa dos outros. Talvez eu possa fingir que não estou? A
insistência de quem quer que esteja enfiando o dedo no
interfone me faz ceder.
— Pois não? — Seguro um suspiro maior quando
atendo. Tem um breve silêncio do outro lado, apenas o
ruído da respiração de quem está lá fora.
— Louise, sou eu. — Meu coração dá uma batida
errada. Ele nem precisa anunciar o nome porque sei
exatamente de quem se trata. Quero perguntar como me
encontrou, mas seria uma pergunta idiota. Certeza que
pegou minha ficha no RH da Conecta. — Podemos
conversar?
Dessa vez, é do meu lado que há um breve silêncio.
Estou apavorada e em pânico. Ele está desconfiado, com
toda certeza. Não bastou eu passar o resto do meu dia
hoje trabalhando o tempo todo com uma agonia crescente
no peito, esperando que esse reencontro desandasse
meus planos de maternidade solo, o homem tem que vir
até aqui para conversarmos.
— Louise?
Engulo em seco. Não posso fugir desse homem a
vida toda. Inspiro fundo.
— Me dê um minuto.
Pego as chaves do portão e vou recebê-lo. Prendo o
ar, sentindo aquela mesma sensação de quando o vi
pessoalmente pela primeira vez. Arthur está bonito dentro
de um terno casual, os cabelos ondulados revoltos. Seu
perfume infesta o ar no mesmo instante que se aproxima
de mim, desencostando do carro — um modelo mais
utilitário, diferente do esportivo de meses atrás — parado
frente à minha garagem.
— Quer guardar aqui dentro? — pergunto,
apontando com o queixo para o carro.
Ele aciona o alarme.
— Não precisa. Não pretendo demorar.
Assinto e lidero o caminho para dentro. Acomodo-o
em uma das banquetas do balcão e ofereço o vinho sem
álcool para ele, que nega.
— Quer algum com álcool? Devo ter um perdido nos
armários.
— Não precisa, estou bem. Vim em uma hora ruim?
— indaga, vendo-me desligar o fogo do peixe. — Posso
voltar amanhã, se quiser.
— Não precisa. Quer jantar? Fiz uma porção maior,
então…
Ele nega.
— Obrigado.
— Certo — murmuro, bebendo um gole longo do
vinho. Como eu queria que tivesse nem que fosse uma
dosezinha de álcool. Para encarar esse homem e o
assunto que veio falar comigo, eu merecia uma bebida de
verdade. — O que precisa conversar comigo?
Arthur se ajeita no seu lugar, como se preparando
para esse momento.
— Você sumiu.
Sumi. Assim que o teste de farmácia deu positivo,
cortei todo contato com Arthur porque não era minha
intenção que ele soubesse da gravidez. Contava que o
mundo fosse grande o suficiente para nunca mais
encontrá-lo. Por isso, o bloqueei em todas as redes socais.
Agora, na frente dele, não sei o que dizer dessa situação.
O que eu faço? Admito que fiz tudo de propósito? Digo que
perdi o interesse? Que tenho alguém, o que é mentira e
logo ele descobre? Posso dizer que arrumei alguém, mas
já terminamos. Talvez seja uma boa mentira. Antes que
tenha tempo de dar uma desculpa qualquer, Arthur diz:
— Esse filho é meu, Louise?
Minta. Só isso, Louise. Minta. Minta sobre as
semanas, diz que esteve com outros caras. Só. Minta. Pelo
olhar desconfiado dele, sei que uma mentira não vai ser
suficiente, não vai convencê-lo. É capaz de Arthur pedir um
teste de paternidade e ele vai saber de qualquer forma.
Confirmo com um gesto tímido de cabeça.
O homem sai do seu lugar e anda de um lado a
outro, enfiando os dedos nos cabelos e afagando o rosto.
Assisto a aflição que ele se torna, não tendo mais nada o
que dizer. Vou esperar. Talvez ele seja um grande babaca
que vai renegar o filho — e tudo bem, até torço para isso —
porque não está preparado para ser pai ou porque não
quer comprometer seu noivado.
— Por que não me contou antes? — Sua pergunta
sai baixa e calma. Arthur parou de andar para lá e para cá
e está de pé, apoiando as mãos no encosto da banqueta.
— Por que sumiu ao invés de me procurar?
É agora que conto a verdade e ele me acha uma
completa maluca.
— Não queria que soubesse.
— Por que não?
Inspiro fundo e, não vendo outra saída, conto tudo
de uma vez. O homem me escuta, e preciso me segurar
para não rir das suas expressões faciais. Ele arregala os
olhos, entreabre os lábios, anda para lá e para cá de novo
e aperta os cabelos castanhos. Quando termino de contar,
não digo mais nenhuma palavra, esperando apenas que
digira todas as informações e reaja. Espero de todo
coração que diga que não quer e não vai assumir nenhuma
responsabilidade, porque fiz de propósito, porque ele não
está preparado e porque isso vai colocar em risco seu
noivado.
— Beatriz vai surtar quando souber — murmura,
desabando na sua banqueta e esfregando o rosto. —
Deus, não quero nem ver como ela vai reagir. Vai ser um
inferno.
Arregalo os olhos, surpresa que esteja tão disposto.
— Arthur… — digo, com certo cuidado. — Não
pretendia que você soubesse e não quero… que assuma
nada.
Ele ergue os olhos para mim, as mãos ainda nos
cabelos, o rosto franzido.
— Não está me pedindo…?
— Estou.
— Meu Deus, Louise, eu sou o pai dessa criança.
Suspiro e movo a cabeça de um lado a outro.
— Não quero que seja o pai do meu filho. —
Gesticulo com as mãos enquanto digo: — Eu tinha um
plano bem elaborado e nunca envolveu que você
soubesse.
O homem bufa e estufa o peito, apontando o
indicador para mim.
— Se aproveitou de mim. Se aproveitou de um
homem com bons genes para fazer um filho dele. — Eu
não quero rir nesse momento porque sei que é um assunto
sério, mas o modo como Arthur fala, fica impossível. Gosto
do humor dele e me esforço para segurar um riso maior. —
Não pense que pode usufruir da minha boa genética assim
gratuitamente. O mínimo que deve fazer por mim é me
deixar ser o pai desse bebê.
Sinceramente, eu deveria estar em pânico agora.
Desesperada porque Arthur quer assumir o filho. Mas como
ficar apavorada se ele tem esse humor incrível? Suspiro e
baixo o olhar, um pouco comovida que esteja disposto a
assumir as responsabilidades, mesmo quando estou o
isentando disso.
— Quer mesmo assumir esse filho? — Vejo-me
perguntando e, no instante seguinte, tento um argumento
que o faça desistir da ideia: — Isso vai acabar com seu
noivado, não vai? A menos que Beatriz te perdoe por uma
traição e…
— Eu não traí a Beatriz — responde, as
sobrancelhas vincadas mais acentuadas. — Quando te
conheci, virtual e pessoalmente, estava separado dela.
Confesso que saber disso me alivia um pouco.
— Por que disse que ela vai surtar? O rompimento
de vocês era recente quando me conheceu?
Talvez isso explique.
— Tinha um mês quando dei match em você. Dois,
quando transamos. Eu estava solteiro, Louise. Mesmo que
tivesse sido no dia seguinte, ela não teria nada que ficar
magoada com isso.
Prefiro me abster de julgamentos; por esse motivo,
não digo nada. Nem sei se concordo ou discordo dele.
— Se está certo ou não, não vem ao caso. Não tem
que assumir o bebê se isso vai te prejudicar. Não é como
se tivesse sido um irresponsável.
— Não. — Ele move a cabeça. — A irresponsável
aqui foi você. Onde já se viu, Louise! É doida, só pode ser.
Reviro os olhos para sua advertência.
— Olha, só não quero confusão para o meu lado. Se
Beatriz surtar e derrubar a casa em cima da sua cabeça
por causa da gravidez, problema seu. Só não quero que
ela venha me perturbar.
O sorrisinho que ele trazia nos lábios até segundos
atrás morre de uma única vez. O homem fica sério, os
olhos fixos em mim, sem humor, sérios, austeros. Ele
suspira e coloca o rosto entre as mãos.
— Quero fazer a coisa certa, Louise. Eu poderia ser
um babaca e fingir que essa gravidez não existe e
continuar focado no meu trabalho, omitindo a verdade da
minha noiva. Mas não vou conseguir fazer isso. Não vou
conseguir dormir todos os dias tranquilamente sabendo
que eu tenho um filho. Eu…
Arthur para de falar de repente e levanta os olhos
para mim.
— Vou conversar com Bia, explicar a situação, mas
temo que ela vai, sim, te perturbar. Minha noiva é uma
pessoa difícil. Ela vai surtar principalmente porque… —
Engole em seco e exaspera. — Não faz muito tempo que
perdemos um bebê.
Sinto um bolo no estômago. Isso explica muito
porque ele acha que a companheira vai surtar e porque
quer assumir esse filho.
— Sinto muito.
Arthur abre um sorrisinho e fica cabisbaixo.
— Foi por esse motivo que voltei com ela logo na
semana que você sumiu. Bia me procurou, contou da
gravidez e pediu uma chance pra nós, sabe? Eu tinha
rompido com ela porque não estava dando mais.
— Disse que ela é uma pessoa difícil — investigo,
curiosa com o rumo da nossa conversa.
— É. A Beatriz é tudo o que não sou. Mal-humorada,
séria, controladora, ciumenta. Terminei porque estava
cansado e resolvi reatar por causa do bebê. Achei que ela
pudesse melhorar. Melhorou, até, mas tornou a ficar quase
intragável depois do aborto. — Arthur esfrega o rosto e
aperta os olhos. — Certeza que vai ficar ainda pior quando
eu contar sobre você.
Remexo-me no meu lugar, ainda desconfortável com
essa história de ele querer assumir o filho e, de quebra,
ainda contar tudo para a noiva. Se ela é tudo isso o que
falou, não dou dois tempos para vir atazanar minha vida.
Tudo que não preciso no momento.
— Tenha uma conversa com ela — aconselho, já
que não tenho saída. Não posso negar a paternidade ao
pobre-coitado, não posso juntar minhas trouxas e fugir do
país, embora seja uma ideia tentadora, então o jeito é
tentar amenizar os danos o tanto quanto for possível. — E
faça o que estiver ao seu alcance para ela não me
perturbar, Arthur. Sou uma mulher grávida que ainda está
no primeiro trimestre, em que o risco de aborto espontâneo
ainda me ronda. A última coisa de que preciso é passar
nervoso e perder meu bebê.
Ele balança a cabeça em positivo, vigorosamente.
— Vou conversar com ela, não se preocupa.
Com um sorriso pequeno, ele estica suas mãos até
as minhas e as segura, apertando nossos dedos. O ato de
carinho me pega desprevenida e me causa uma sensação
diferente.
— Obrigado por me deixar ser o pai desse bebê —
sussurra, com uma emoção que não reconheço. Parece
realmente emocionado com isso, sem a nota de gracinhas
que sempre carrega em cada palavra. — Se amanhã não
tiver embarcado em um avião para as Ilhas Canárias e
fugido de mim, confesso que vou ficar mais aliviado.
Rio, balançando a cabeça de um lado a outro. É
claro que ele faria alguma piadinha. Arthur se levanta e
vem até mim. Deixa um beijo no meu rosto e diz que
precisa ir. Eu o acompanho até o portão e fico algum tempo
no meio-fio, mesmo depois de ele já ter sumido na esquina,
pensando nele mais do que deveria.
Sei que vai ser uma conversa difícil. Muito difícil.
Beatriz é uma pessoa sistemática e geniosa demais, além
das inseguranças que sempre rondaram nosso
relacionamento. Aturei por muito tempo suas crises de
ciúme e o modo controlador — o que sempre causou muito
atrito entre nós e gerou brigas intensas — e, meses atrás,
nossa relação estava desgastada. Passávamos tempo
demais discutindo, mal nos falávamos e eu sentia que
estava exausto psicologicamente de ter que lidar com ela.
Então, terminei. Bia não aceitou no começo. Ligava-me
todo maldito dia, enviava um milhão de mensagens para
meu telefone e me procurava na UpMidia — na época, ela
ainda não tinha ações na empresa, que foi comprada dias
antes de sofrer o aborto.
Fugi dela o tanto quanto pude, mas parei de fugir
quando me contou da gravidez. Bia pediu uma chance,
para que o bebê crescesse com os pais juntos. Por mais
desgastada que tivesse nossa relação, sentia um misto de
querer ficar longe dela e de ter saudades dela. Mexido com
a notícia da gravidez, decidi reatar. Nossa relação voltou a
ser o que era no começo: gostoso, fácil, amoroso, mas isso
durou poucos dias. Logo, Beatriz estava insuportável de
novo, tentando me privar de contato com outras mulheres,
vasculhando meu telefone e tirando meu humor, que
sempre foi algo marcante em mim. Cerca de um mês
depois, ela chegou em casa abatida e despedaçada,
dizendo que tinha perdido o bebê. Essa perda foi um fator
crucial para piorar nossa relação. Nos primeiros dias, ela
ficou mais manhosa e eu lhe dei todo o apoio que
precisava, mas depois… começou a descontar suas
frustrações em mim. Confesso que pensei muito em, de
novo, romper com ela, mas entendi que minha noiva estava
passando por uma fase difícil — que eu também estava
vivendo — e adiei.
Nisso de adiar, estou com ela até agora, incapaz de
terminar nossa relação com medo de que o rompimento
possa afetá-la, mesmo que já faça bem uns dois meses
desde o aborto. Ainda assim, receio que seja cedo demais
e que ela ainda precise do meu apoio. Principalmente
agora, com essa notícia de Louise estar esperando um filho
meu. Isso vai deixá-la arrasada e muito irritada. Irritada
porque estive com outra mulher no meio-tempo em que
ficamos separados e eu menti. Devastada porque Bia
estava animada com a gravidez, fazendo planos, e a perda
do bebê mexeu demais com ela. A situação atual com
certeza vai abalar seu psicológico. É por esse motivo que
vou tentar amenizar os danos o máximo possível para
termos essa conversa com um jantar romântico, presente
e, talvez, um pouco de sexo. Amaciar e depois bater.
Estou terminando de pôr a mesa quando Beatriz
chega. Deixa sua bolsa no sofá e, sobre os saltos caros,
vem até mim, recebendo-me com um beijo. Pendurada no
meu pescoço, ela olha para a mesa atrás de nós e brinca
com a borda do meu avental.
— Você está cozinhando. — Ergue uma
sobrancelha. — Por quê?
— Quis te fazer um agrado — respondo, deixando
um beijinho rápido nela. Pego o pano de prato sobre meus
ombros e corro até o fogão, tirando o arroz do forno, o
prato favorito dela.
A mulher ainda está parada no mesmo lugar
enquanto apoio o refratário na mesa, as mãos na cintura,
olhar inquisidor. Puxo a cadeira para ela. Beatriz se senta,
ainda desconfiada.
— O que está acontecendo, Arthur? — Sirvo um
prato para ela e depois encho sua taça com vinho.
Suspiro, não podendo adiar muito o momento.
— Temos que conversar.
Contorno a mesa e me sento de frente para ela.
Coloco um pouco de comida e de vinho para mim,
ensaiando as palavras. Não sei como começar o assunto
sem que isso nos leve por surtos e mais surtos.
— Sobre o quê? — indaga, ajustando o guardanapo
no colo.
Tomo um gole longo do meu vinho porque preciso
disso. Passei o dia hoje remoendo esse assunto,
ensaiando como abordá-lo com ela, por onde começar a
dizer. Fingi um mal estar e não fui trabalhar. Preferi ficar em
casa para colocar a cabeça no lugar e me preparar para
essa conversa séria.
— Meses atrás — começo, cauteloso —, quando
estávamos separados, eu saí com alguém.
Beatriz fica rígida no lugar, a raiva transbordando
pelos poros da sua pele.
— Mentiu para mim. — Seu tom acusador destila
ciúme.
— Sabia que ia ficar chateada, por isso menti
quando me perguntou. — Ela está abrindo a boca, com
certeza para começar uma discussão e dizer que fui um
cretino por ter saído com outra sendo que nosso término
ainda era recente, mas não a deixo continuar. — Por favor,
não vamos brigar. Estou cansado de brigar, Beatriz.
A mulher reconsidera e fecha a boca, visivelmente
contrariada, e assente.
— Por que está me contando isso agora?
Noto que não tocou nem na sua comida nem no
vinho. Deveria ter esperado o jantar, então entregava a
gargantilha que comprei de presente e só depois do sexo
eu contava. Meti os pés pelas mãos e minha ideia de
amaciar para depois bater não vai dar em nada.
— Ela está grávida — solto a bomba.
Espero por sua reação explosiva. O que, em um
primeiro momento, não acontece. Minha noiva apenas me
fita por longos instantes, emudecida, com uma expressão
indecifrável.
— Quem é a vagabunda? — pergunta, instantes
depois, e sinto toda a raiva que ela está segurando
escorregar por cada letra.
Movo a cabeça em negativo.
— Beatriz, desse jeito não — repreendo-a
firmemente. — Estou tentando ter uma conversa civilizada
com você e não quero que trate a Louise desse jeito nem
vá pertur…
— Louise? — a mulher esganiça, levantando-se do
seu lugar com brusquidão. A cadeira arrasta pelo piso,
causando um som estridente. — Louise? A mesma da
Conecta, Arthur?
Suspiro e assinto.
— Sim.
Eu só tenho tempo de desviar da taça de vinho que
voa na minha direção. Fico assustado com a agressão
repentina e me levanto, correndo para conter a fúria que
toma conta de Beatriz. Descontrolada, ela destrói toda a
mesa posta. Tento segurá-la pelos braços e contê-la, mas
recebo um tapa no meio da cara. Cheio de fúria, agarro-a
com um pouco mais de força, apenas o suficiente para
impedir que me agrida mais.
— Para com isso, porra.
— Safado, ordinário, mentiu pra mim!
— Foda-se, Beatriz — grito, soltando-a. — Não vou
ficar aqui aturando seu surto sem sentido. Quando estiver
mais calma, conversamos.
Eu mal viro as costas, e ela me segura pelo punho.
— Não pode sair assim, Arthur!
— Então, se acalma!
Ela inspira fundo e ajeita os cabelos. Beatriz olha ao
seu redor, avaliando o estrago que fez ao jogar toda a
louça no chão. Eu que não vou limpar essa bagunça. Um
pouco mais calma, ela me olha de volta, e, apesar de
aparentar estar mais controlada, tem toda a fúria do mundo
nas suas íris. Fúria por eu ter mentido, fúria por ter dormido
e engravidado outra mulher, fúria porque sei que omiti dela
que conhecia Louise, fúria porque também demonstrei
interesse quando reconheci o nome da mulher.
— Tem certeza de que esse filho é seu ou aquela
vagabunda está apenas tentando te dar um golpe da
barriga?
— Já te disse para não falar assim dela —
repreendo-a, não gostando desse tom e desse palavreado.
— Espero que seja a última vez.
O descontentamento está ali, em cada traço do seu
rosto.
— Está defendendo demais aquela mulher para o
meu gosto, Arthur.
— Você está a ofendendo de forma gratuita. Me vejo
na obrigação de defendê-la mesmo.
— Só acho estranho demais ela dizer que o filho é
seu justamente agora, que sabe que você é dono da
UpMidia. Isso para mim é coisa de interesseira.
Enfio os dedos nos cabelos e suspiro, não sabendo
como contar essa parte da história para Beatriz. Não me
vejo no direito de compartilhar com minha noiva uma
informação que não diz ao meu respeito, mas também não
posso deixá-la pensar que Louise está agindo com
segundas intenções.
— Ela não me contou — decido dizer a verdade em
partes. — Eu desconfiei. Por isso a procurei ontem e
conversarmos. Louise… admitiu que o bebê é meu.
Beatriz anda de um lado a outro, o toc-toc dos seus
saltos fazendo um eco tenso no fundo do meu cérebro. Eu
a espero digerir o que disse, respeitando seu silêncio.
— Por que não te procurou antes?
Detesto ter que mentir para Beatriz, ainda mais
sabendo como fica quando descobre a verdade, mas não
tenho opção agora a não ser mentir um pouco mais.
— Nosso caso foi algo rápido demais. Ela sabia
muito pouco sobre mim, eu o mesmo. Quando você me
procurou e me pediu para voltarmos… — Analiso minha
mentira por um segundo, sabendo que isso pode me ajudar
a amansar a fera, antes de continuar: — Cortei contato
com Louise. Ela não tinha meios de me encontrar, Bia.
Pode confiar que ela não está tentando me dar um golpe.
— Então vocês se reencontraram. — Seu tom de
voz está amargo e tem notas de ciúme.
Assinto.
— Fiquei surpreso, mas não quis te dizer nada até
ter certeza para não te chatear sem motivo.
— Estou chateada do mesmo jeito.
— Mas não sem motivo — tento uma piadinha,
balançando as sobrancelhas, mas ela não vê graça.
É claro que não. As expressões no seu rosto ficam
mais severas e trato de tirar meu sorriso da cara.
— Vai assumir o bebê? — pergunta, a postura ainda
austera.
— Vou. É minha responsabilidade também. Precisa
entender.
Vejo quando minha noiva perde um pouco da
compostura. Ela evita meu olhar e morde o lábio inferior,
como se estivesse segurando o choro.
— Não quero você perto dela além do necessário,
me ouviu? — Estou abrindo a boca para rebater esse
absurdo que está tentando impor, mas ela continua
proferindo: — Se vir o seu filho só aos finais de semana já
vai estar de bom tamanho. Isso depois que ele tiver
nascido e já compreender quem você é. Antes disso, vai
evitar contato com a Louise.
— O que está me pedindo…
Não tenho tempo de terminar. Ela simplesmente
passa por mim, balançando a mão na frente do meu rosto,
pega a bolsa que deixou no sofá e vai embora, dizendo que
vai dormir no seu apartamento.

Ouço as risadas altas e exageradas vindas de


dentro de casa quando mal estaciono o carro no portão.
Minha família não tem o dom de falar baixo, mesmo que
estejam em meia dúzia de pessoas. Dou uma buzinada
antes de descer e caminhar até a porta de entrada, que se
abre assim que estou a alcançando. Minha mãe me recebe
com um abraço apertado e um beijo amoroso, com um
pano de prato pendurado no ombro. Na sala de estar,
minha irmã mais velha, Carolina, está no sofá, rindo
exageradamente de algo que a cunhada — irmã do marido
dela — contou e eu perdi. Meu pai está na sua poltrona de
costume, encurvado na direção do genro sentado no sofá
oposto, tendo que ficar muito perto do rosto dele para que
seja minimamente possível que ele o entenda porque
minha irmã não tem a mínima noção do quão alto está
falando. Sentados no tapete no meio da sala, meus dois
sobrinhos jogam videogame, gritando um com o outro —
mais como um incentivo divertido do que em uma
discussão. Assim que me vê, param tudo o que estão
fazendo e vêm me receber. Carolina é a primeira a sair do
lugar e me dar um abraço. Depois, meu pai, meu cunhado
e a irmã dele. Por fim, os pirralhos deixam o jogo de lado e
se agarram às minhas pernas, soltando um estridente e
uníssono “tio Arthur!”. Interajo com os gêmeos por um
instante antes de, por fim, minha mãe arrumar a mesa para
o almoço. Aparentemente, estavam apenas esperando por
mim.
— Beatriz não veio com você? — mamãe pergunta,
servindo-se com maionese, assim que estamos todos
reunidos.
Apesar do questionamento, reconheço a nota do
leve desprezo pela minha noiva e pelo contentamento de
ela estar ausente. Dona Elisa nunca aprovou meu
envolvimento com Beatriz, e as duas nunca se deram muito
bem. Quando terminamos a primeira vez, eu vi satisfação
nos olhos da minha mãe ao passo que ela me dizia que era
o melhor que eu poderia ter feito. Quando reatamos, ela
não gostou muito, mas compreendeu que era por um bem
maior e tentou diminuir a inimizade com a nora grávida.
A atenção de todo resto da família cai sobre mim no
instante dessa pergunta, os olhos voltados na minha
direção aguardam ansiosos pela minha resposta. Não é
segredo para ninguém que Bia não desgruda de mim em
momento algum, principalmente quando a família se reúne.
Nas raras vezes em que não comparece, é porque
estamos brigados. Então, todos eles me esperam dizer
qual foi o motivo da briga dessa vez.
— Nós brigamos.
— Disso já sabemos — Carolina aponta, entregando
um prato feito a um dos gêmeos sentado ao seu lado. —
Qual foi o motivo agora? — Antes que eu tenha tempo de
responder, minha irmã me lança um olhar cínico, junto de
um sorriso irônico e solta: — Me deixa adivinhar, você
olhou para o lado.
Uma risada baixa escapa de mim, um pouco de
humor, um pouco de desespero porque, sim, nós já
brigamos porque olhei para o lado. Beatriz cismou que eu
estava olhando para outra mulher quando eu só…olhei
para o lado.
— É um pouco mais complicado que isso. Por esse
motivo, pedi para nos reunirmos.
Ontem à noite, quando Beatriz deixou meu
apartamento, liguei para minha mãe e pedi que
almoçássemos juntos hoje porque eu tinha algo a contar. É
claro que dona Elisa faria dessa reunião um evento e
preparou um banquete.
— Se tratando da Beatriz — minha mãe interfere,
pegando uma porção de sua comida no garfo — esse “é
um pouco mais complicado” para nós deve ser algo banal.
Ela sempre foi dramática e exagerada.
Olho para meu prato com arroz, carne, vegetais e
salada, praticamente intocado, tendo que concordar em
partes com o que minha mãe acabou de dizer. Bia sempre
teve o dom de fazer tempestade em um copo d’água, mas
dessa vez o assunto é realmente delicado. Compreendo
que ela tenha motivos para estar chateada, brava e
magoada comigo. Acho que se os papéis fossem
invertidos, eu me sentiria da mesma maneira.
— Não, dona Elisa — digo, cortando um pedaço da
carne —, agora o assunto é delicado de verdade.
Eles ficam em silêncio por um ou dois segundos, os
olhares ainda em mim. Meu pai tem uma pequena carranca
no rosto, como se notasse que estou diferente. Costumo
ser um cara bem alto astral, alegre, bem-humorado, com
piadinhas e brincadeiras para todos os momentos e
ocasiões. Mesmo quando estou abatido, sempre tento ser
o cara descontraído que todos conhecem. Agora, contudo,
esse Arthur não existe. Não sei exatamente por que estou
assim, tão sério em contar que vou ter um filho, mas arrisco
dizer que estou antecipando o cansaço mental que essa
gravidez vai trazer para mim em relação a Beatriz. Ela não
fala comigo desde ontem à noite e sei que vai ficar mais
alguns dias sem falar. Essa criança ainda vai ser motivo de
muita discussão, ciúme e paranoias entre nós.
— Para de fazer mistério e conta de uma vez —
Santigo, meu cunhado, pressiona.
Tomo um pouco do meu refrigerante antes de dizer:
— Naquelas semanas que fiquei separado da Bia,
saí com outra mulher, e ela engravidou — resumo a
história, escolhendo não entrar em detalhes sobre as
intenções de Louise em apenas me usar como seu eu
fosse um garanhão reprodutor. Não vem ao caso.
Um silêncio ameno e repentino ronda todos na
mesa. Até meus sobrinhos — que achei que estavam
alheios à conversa, entretidos em seus próprios assuntos
infantis — olham para mim, como se compreendessem a
magnitude da informação.
— A mulher surtou de vez. — Minha irmã quebra o
momento de quietude.
Concordo com um aceno, lembrando-me da taça de
vinho que voou na minha direção e da bagunça que, no
final, eu tive que arrumar.
— Ela não reagiu muito bem — digo, outra vez
preferindo ocultar o fato de que Beatriz tentou impor que eu
seja um pai ausente. Ainda não tive a oportunidade de
conversar com ela sobre isso, mas não vou deixá-la
controlar minha vida dessa maneira. Principalmente
quando envolve meu filho. — Foi por isso que brigamos.
Acabo por explicar aos meus familiares o mesmo
que disse à minha noiva ontem à noite. Eles são as
pessoas mais incríveis que conheço. Todos têm o coração
do tamanho do mundo e sei que nunca fariam qualquer
sugestão maldosa sobre Louise, ao menos não intencional
e deliberadamente. Ainda assim, prefiro deixar claro que
essa gravidez não é qualquer tipo de golpe ou carregado
de más intenções. Passados os primeiros minutos da
euforia e choque da notícia, recebo os parabéns. Minha
mãe é a primeira a vir até mim e me beijar no rosto,
dizendo que não era bem assim que queria um neto, mas
que não vai reclamar. Meu pai espera que, se for menino,
eu o homenageie, como queria ter feito quando nasci, mas
minha mãe não deixou.
— Mal dou conta de um César, imagina dois! —
minha mãe alega, rabugenta.
Recebo cumprimentos, parabenizações e as
habituais piadinhas sobre paternidade antes de ajudar
minha mãe a tirar a mesa e a lavar a louça. Papai,
Santiago e Andressa, a irmã dele, ficam na sala com as
crianças, conversando sobre o bebê enquanto minha irmã
e eu auxiliamos dona Elisa na limpeza.
— Não queria ter dito perto do seu pai, mas agora
que estamos só nós três aqui — minha mãe começa,
ensaboando os copos primeiro, como de praxe. Olho para
minha irmã rapidamente, que termina de armazenar a
comida que restou em potes. — Vou dizer.
Ao lado da pia, espero pela louça para secar e pelo
o que minha mãe vai dizer.
— Diz.
— Beatriz vai fazer da tua vida um inferno, Arthur.
Se já não está fazendo. Não disse nada lá na mesa, mas
aposto que ela fez um escândalo ontem à noite quando
contou. Seus móveis estão inteiros?
Suspiro e pego o primeiro copo que mamãe coloca
para escorrer.
— Deixa que eu lido com a Beatriz.
— A mãe está certa, Thur — Carolina se intromete,
encaixando a tampa no pote até vedá-lo bem. — Se bem
conheço sua noiva, ela mal conhece a Louise e já deve
odiar a pobre-coitada. Detesto dizer, mas além de infernizar
a sua vida, Beatriz vai infernizar a vida da mãe do seu filho
também.
Fico quieto e caminho até o armário para guardar os
quatro copos que já sequei nesse ínterim.
— Quem cala, consente — mamãe murmura, sem
se virar para mim.
— É — confirmo com outro suspiro. — Mas vou
fazer o possível para contornar essa situação com a Bia.
Não se preocupem.
Dona Elisa fecha a torneira e se vira para mim,
secando as mãos em um pano de perto que carrega para
cima e para baixo no ombro.
— Eu te disse uma vez que Beatriz não era mulher
pra você, filho. Ela tira toda a tua aura e brilho e o único
que não percebe é você. Não percebe que com ela você
não é o homem cheio de vida e de alegria, porque sua
noiva reprime cada mínima demonstração de humor sua.
— Ela não gosta, mãe. Só evito que Beatriz me
encha a paciência.
— Ninguém nunca deveria deixar de ser quem é,
permitir perder a essência que carrega consigo, por causa
de outra pessoa, Arthur. Você sempre foi assim; ela te
conheceu assim. Será que vale a pena se anular tanto por
alguém que não aceita quem você é e prefere que seja
uma extensão dela mesma? Porque me parece que é isso
que Bia deseja. Se ela vive parecendo que chupou limão
estragado, não deveria querer te transformar na mesma
coisa. — Minha mãe se aproxima e deixa um beijo suave
na minha bochecha. — Não vou ficar me intrometendo na
sua vida amorosa, querido, mas por favor, não permita que
Beatriz te transforme em algo que não é. Te conheço o
bastante para saber que será um pai maravilhoso, mas não
se essa mulher ficar te infernizando.
Assinto porque já vi casos parecidos na família. Pais
se distanciando dos filhos por causa da atual namorada ou
esposa, muitas das vezes apenas na intenção de evitar
brigas e discussões. Não quero me tornar esse homem que
escolhe a companheira ao invés do filho, por mais que as
intenções sejam apenas para evitar um desgaste
emocional. Por isso, entendo o recado.
— Não vou permitir que Beatriz me controle, mãe.
Não se preocupa, está bem? Se eu me ver obrigado a
escolher entre meu filho e minha noiva, vou escolher meu
filho.
Ela me dá um sorriso de orgulho e me beija de novo.
— Agora que estamos entendidos, quero conhecer a
mãe do meu neto no fim de semana do feriado prolongado
que vai ter em pouco mais de quinze dias. Vamos nos
reunir na casa de campo.
Estou abrindo a boca para dizer que isso talvez não
seja uma boa ideia — Beatriz surtaria —, mas então noto
como estou me deixando ser controlado pelas vontades da
minha noiva na intenção de evitar uma briga. Carolina olha
para mim, com um sorrisinho de quem sabe exatamente no
que estou pensando, então fecho a boca e desisto da
resposta que ia dar.
— Se Louise topar, eu a levo — é tudo que digo e
termino de secar a louça.
— Não gostei desse take — digo para meu auxiliar,
apontando para a sequência que acabamos de gravar para
uma campanha publicitária sendo exibida no monitor da
câmera. — Podemos melhorar o plano e a iluminação.
Vamos refazer, está bem?
Distribuo mais algumas ordens para reorganizarmos
o cenário de forma a melhorar os pontos que solicitei. Tudo
pronto e a posto, começamos a gravar. Estamos quase
finalizando essa tomada quando uma encarregada vem me
informar que a chefe quer falar comigo.
— Jéssica? — pergunto, mecanicamente, para ter
certeza que ouvi errado porque a única pessoa do sexo
feminino acima de mim aqui nesta empresa é ela.
— Uchoa.
Agora mais essa. Não tenho mais só Jéssica como
minha superiora. Preciso começar a me lembrar que a
noiva do pai do meu filho é minha chefe também. Assinto,
agradeço pela informação e digo que já estou indo.
Repasso mais algumas informações para a equipe e deixo
o estúdio. Levo cinco minutos até chegar à sala em que ela
está me esperando. Quando chego, ela está sentada na
ponta da mesa de reunião, elegantemente vestida dentro
de um macacão preto, cabelos presos de forma severa, o
nariz empinado como se fosse dona do mundo. Não gosto
do seu ar de superioridade, mas resolvo relevar. Enquanto
avanço sala adentro, já consigo prever o que quer falar
comigo. Está estampado na sua cara.
— Mandou me chamar?
Beatriz se levanta e vem até mim, que preferi ficar a
cinco cadeiras de distância dela.
— Preciso ter uma conversa com você.
— Tem algo de errado com meu trabalho?
— Não é sobre seu trabalho — rebate, admirando as
unhas pintadas de branco. Como previ. — É um assunto
particular. Vim te dizer que se está tentando me roubar o
Arthur com essa história de gravidez, não vai conseguir.
Não vou permitir, entendeu?
Minha boca se entreabre. Imaginei que quisesse
mesmo falar sobre esta questão, mas não esperava que
viesse com esse discurso absurdo de que estou tentando
roubar o noivo dela. Pelo amor de Deus.
— Me tirou do estúdio onde eu estava
desenvolvendo um trabalho importante para me dizer isso?
O empinar do nariz dela fica mais alto.
— Achei por bem te avisar.
— Não tenho interesse no Arthur, Beatriz. Pode ficar
tranquila. — Sem mais paciência para lidar com essa
mulher, eu me viro para voltar ao meu trabalho, mas ela me
impede, segurando no meu punho e me virando na sua
direção.
— Sério? Porque não é o que parece. Muito
conveniente da sua parte contar para meu noivo que o filho
é dele justamente logo depois de descobrir que o Arthur é
dono da UpMidia, não acha?
Inspiro fundo, porque não vai me levar a lugar algum
perder as estribeiras com Beatriz. Nesta nossa pequena
interação, compreendo o que Arthur quis dizer sobre ela
ser uma pessoa difícil de lidar. Muito provavelmente, o
homem está convivendo com uma companheira
completamente tóxica e nem se dá conta disso.
— Dormi com Arthur por uma semana inteira,
Beatriz. Eu já sabia que ele era um homem importante e
com dinheiro. Se eu fosse a interesseira que está
insinuando que sou, não acha que já teria tentado fisgá-lo
muito antes?
Beatriz solta uma risada alta e desdenhosa.
Passando a mão pelo rabo de cavalo, ela me encara como
se eu fosse um inseto digno de desprezo.
— Só não conseguiu isso porque Arthur cortou
contato com você.
Movo a cabeça de um lado a outro. Por qualquer
motivo que seja, o homem inventou essa mentira. Ele não
disse que fui eu quem o bloqueou em todas as redes
sociais e sumiu do mapa. Pelo jeito, ele também não
contou a verdade que ronda essa gravidez. Não sei se o
agradeço ou se dou na cara dele, porque isso está abrindo
brechas para a sua noiva tirar conclusões precipitadas a
meu respeito e a vir me infernizar — coisa que eu disse
para ele que não queria que acontecesse.
— Não vou ficar discutindo com você — reafirmo,
preferindo dar fim a essa conversa do que ficar dando
corda para ela. — E não precisa se preocupar comigo. Não
tenho intenção nenhuma de te roubar o Arthur.
Viro-me novamente, determinada a voltar para o
estúdio, mas o que ela diz às minhas costas me faz
reconsiderar.
— É isso mesmo ou sabe que não tem chances
comigo?
— Do que está falando? — pergunto, embora eu
saiba exatamente do que está falando.
— Você não faz o tipo dele e, convenhamos. —
Seus olhos me analisam de cima a baixo. — Sou muito
mais bonita. — Brincando com o rabo de cavalo, ela
completa: — Arthur não seria doido de me deixar para ficar
com você. — Aponta para mim. — Se tiveram um caso, foi
só porque nós estávamos brigados e ele estava tentando
me esquecer.
Esse tipo de discurso que reforça uma rivalidade
feminina que eu detesto me dá nojo e pena ao mesmo
tempo. Nojo por ver uma mulher reproduzindo um
comportamento tão danoso e pena porque ela
provavelmente é só mais um fruto de uma sociedade
patriarcal e machista. A questão é que sou vacinada contra
esse tipo de axioma. Beatriz acha que vai atingir minha
autoestima e autoconfiança dirigindo essas palavras a mim,
mas não vai. Quero que um raio me parta ao meio se um
dia eu brigar por atenção de macho.
— Escuta, Beatriz, porque vou dizer só mais uma
vez. Não estou interessada no Arthur, então não precisa
marcar esse território todo não, certo? E mesmo se eu
tivesse interesse, a última coisa que eu ia fazer seria
competir a atenção dele com qualquer mulher que fosse,
isso inclui você também.
Ela está abrindo a boca para dizer alguma coisa,
com toda certeza mais uma frase que vai tentar me
rebaixar, mas não permito que prossiga. Ergo a mão na
frente do seu rosto, e ela fecha a boca de volta.
— O fato de eu não querer disputá-lo nada tem a ver
com minha aparência, se sou ou não o tipo dele, ou se
você é a melhor de todas. A questão é que já somos
condicionadas desde pequenas a essa rivalidade besta, em
todos os aspectos da nossa vida, e não vou reforçá-la nem
a estimular brigando com outra mulher por causa de um
homem e colaborar para que essas atitudes nocivas
prejudiquem ainda mais nossa saúde mental, autoestima,
independência e autoconfiança em um mundo que está
cansado de fazer isso de diversas outras formas.
— Discurso bonito para continuar reafirmando que
tem medo de que ele me escolha caso entre em uma
disputa comigo. Como disse, sou melhor do que você de
muitas maneiras, e Arthur me escolheria sempre.
Sou obrigada a ter empatia? Essa mão eu solto,
sinceramente.
Balanço a cabeça em negativa, sem paciência para
esse ciúme descabido e sem sentido de Beatriz.
— Em primeiro lugar, repense essa sua
autoconfiança, Beatriz. Se o tempo todo precisa tentar
humilhar uma mulher para se sentir bem, provavelmente é
você quem tem algum problema com sua autoestima.
Terapia resolve. Em segundo lugar, repense seu
relacionamento com Arthur, porque pelo modo como diz,
está todo baseado apenas na sua aparência. Então ele
está com você porque é a mais bonita, a mais elegante, a
mais gostosa e sarada, a mais inteligente, e não por que
gosta de você?
Minha intenção não é fazer que ela se sinta
péssima, mas que pare para pensar no ideal de
relacionamento que imagina. De qualquer maneira, noto
quando Beatriz fica um pouco abalada com o que eu disse,
insinuando que Arthur não goste dela de verdade. A
vacilada na compostura dura apenas um instante.
— Arthur gosta de mim porque sou isso tudo,
querida.
Abro um sorriso pequeno e giro nos calcanhares,
dando por encerrada essa pequena reunião. Não ficarei
mais perdendo meu tempo precioso com Beatriz. Apoio a
mão na maçaneta e me viro para ela. Antes de sair, digo:
— Como disse, se seu relacionamento todo está
baseado somente em atributos físicos, o que acontece
quando não for mais nada disso um dia? Uma hora ou
outra, o tempo cobra seu preço, Beatriz, e tudo bem
envelhecer porque é um direito nosso. A questão que fica
é: Arthur vai continuar te amando quando tudo o que ele se
importa é com a sua aparência?
Não espero por sua resposta. Abro a porta e deixo a
sala.
Dou por mim que foi uma decisão idiota no instante
em que ele toca o interfone de casa e avisa que já chegou.
Digo que estou indo e pego as chaves do portão. Ainda
com as roupas do trabalho, mas calçando tênis, vou
recebê-lo. Arthur está encostado ao carro, como de praxe,
estacionado no meio-fio, esperando-me. Um sorriso
gostoso cresce no seu rosto bonito assim que me vê e
preciso me repreender por gostar do que vejo, por admirá-
lo. Não preciso intensificar o ciúme da noiva dele em
relação a mim.
— Confesso, me deixou curioso. — Ele sobe uma
sobrancelha, sem sair do lugar, os braços cruzados,
quadris na lateria do automóvel, um calcanhar sobre o
outro, naquela sua pose descontraída. — Você me liga, diz
que precisamos conversar e me pede para vir aqui a esse
horário. Passei o dia com minha úlcera nervosa atacada.
Te mando a conta do meu gastro.
Seguro uma risada. Ele e seu dom de sempre me
fazer rir.
— Entra.
Ele aciona o alarme do carro e me acompanha.
Dentro de casa, quando ofereço vinho, dessa vez ele
aceita. Corto alguns queijos e distribuo no prato,
colocando-o sobre o balcão, entre nós dois.
Eu o chamei aqui para falar de Beatriz. Hoje mais
cedo, a mulher me procurou e me desaforou. Deixei claro
que não a queria me perturbando e ela foi no meu trabalho
exatamente para isso. Entretanto, começo a repensar
minha decisão. A última coisa que quero é dar mais
motivos para Beatriz me aporrinhar.
— E então?
— Sua noiva sabe que está aqui? — pergunto,
roubando um pedaço de queijo.
Do outro lado do balcão, Arthur suspira.
— Preferi não contar. Disse que ia à casa da minha
irmã.
Movo a cabeça de um lado a outro, reprovando sua
mentira. Não ajuda que Arthur não seja sincero com Beatriz
nessas ocasiões, mas talvez eu compreenda o seu lado. A
mulher provavelmente teria feito um escândalo se
soubesse. De qualquer maneira, também acho que esse
homem deveria repensar o relacionamento dele. Se precisa
mentir para evitar intrigas com a noiva ciumenta, ele nem
deveria estar nesse noivado, para começo de conversa.
Penso em dar pitaco na vida dele, mas deixo para lá. Ele
não pediu meu conselho, então vou ficar bem quietinha.
— Te chamei aqui porque — digo, baixando os olhos
e pegando outro pedaço de queijo — tenho um ultrassom
amanhã e queria saber se quer ir.
Não foi exatamente por esse motivo, mas como
desisti de contar sobre o papelão de Beatriz, improviso
usando minha consulta como pretexto. Desde que ele
ressurgiu do nada, descobriu sobre o bebê e quer estar
presente na vida dele que venho pensando se o chamo ou
não para essas consultas. Vou deixar avisado, para depois
não me acusar de não ter dito nada, e fica a critério dele
me acompanhar ou não.
— Eu vou adorar! — O homem tem um sorriso que
não cabe no rosto e um brilho intenso nos olhos. — Que
horas vai ser?
— No primeiro horário, às nove.
— Me passa o endereço da clínica depois que te
encontro lá.
Assinto e como mais um pedaço do queijo. Arthur
bebe seu vinho e me olha com cuidado.
— Não me chamou aqui só para isso, não é?
Poderia ter me ligado.
Suspiro e decido ser franca.
— A Beatriz foi me perturbar. Chegou a conversar
com ela?
O homem arregala os olhos.
— Ah, meu Deus. Me desculpe, Louise. O que ela
falou pra você?
— Disse que estou tentando te roubar dela. —
Reviro os olhos. Arthur fica mudo, a taça encostada nos
lábios, o pensamento longe. — Conversou com ela, Arthur?
— pergunto novamente.
— Conversei. — Suspira. — Pelo jeito, não adiantou
muito.
Penso em abrir a boca e dar sim um conselho sobre
esse relacionamento que está vivendo, mas outra vez
decido ficar na minha. Não preciso abrir os olhos dele,
depois ser taxada de invejosa e de ser pivô de uma
separação e arrumar ainda mais confusão para o meu lado.
Sinto vê-lo em uma relação tóxica e não poder fazer muita
coisa por ele. Não o julgo, de verdade. Pessoas em
relacionamentos abusivos normalmente demoram a notar
que estão em um relacionamento abusivo.
— Vou falar com ela de novo.
Assinto.
— Tenta não dizer que te contei. Porque isso pode
fazê-la vir tirar satisfação comigo.
— Em vez de ajudar, vou piorar as coisas. — Ele
abre um sorriso acanhado, mas tem seu humor típico nas
feições bonitas. — Obrigado por me contar.
Ele se levanta, virando o restante do vinho, e
anuncia que precisa ir embora. Eu o acompanho até o
portão de novo e o vejo partir assim que se despede de
mim com um beijo no rosto. Alguma coisa se remexe
dentro de mim quando me dou conta de que amanhã ele
vai me acompanhar no ultrassom.

Arthur adentra com cuidado a sala de exame assim


que estou pronta. Como o combinado, ele me encontrou na
clínica da ginecologista para acompanhar a consulta de
pré-natal. Minha médica ficou surpresa em vê-lo, uma vez
que das outras vezes não vim acompanhada e inventei
uma história qualquer sobre ter perdido contato com o pai
do bebê. Depois de uma rápida conversa para explicar a
presença do homem e de como nos reencontramos, ela
começa a consulta. Cerca de vinte minutos depois,
preparo-me para o ultrassom.
Ele fica ao meu lado, a médica do outro, sentada em
um banquinho baixo, passando o sonar pela minha barriga.
As imagens vão aparecendo na tela do monitor, enquanto a
ginecologista vai explicando o que aparece ali. Dou uma
espiada em Arthur, que ficou estranhamente quieto desde
que entrou. Durante a conversa no consultório, ele estava
um pouco mais animado, com aquele sorriso radiante que
é típico dele e o humor inigualável. Agora, contudo, o
homem está emudecido demais. Sob a meia-luz do
ambiente, tento decifrar as expressões no seu rosto e não
consigo compreender exatamente que tipo de emoção está
sentindo. Ao notar minha atenção sobre ele, vira-se para
mim e abre um pequeno sorriso, os braços cruzados na
frente do tórax.
— Presta atenção, Louise — ele sussurra,
apontando para o monitor sem descruzar os braços. —
Não quer perder as informações sobre nossa bebê, quer?
— Nossa bebê?
— É uma menina. Saberia se tivesse prestado
atenção no que sua médica está dizendo.
Viro-me imediatamente para a ginecologista. Ela
está me olhando com um sorrisinho bem humorado.
— Estava falando sobre o peso do bebê e a
previsão de parto. Ainda não vamos conseguir saber o que
é porque é muito cedo.
Escuto uma risadinha de Arthur e reviro os olhos. É
claro que ele precisa fazer alguma piadinha. Parece que é
quase uma necessidade biológica dele.
— Tenho certeza que vai ser uma menina.
— Eu acho que vai ser menino — rebato. A médica
sorri, preparando-se para imprimir a imagem do ultrassom
de hoje.
— Vamos bater uma aposta?
A médica e eu gargalhamos. Quando me viro para
Arthur, ele está sorrindo de orelha a orelha, o seu humor
maravilhoso estampado em cada linha do seu rosto, o que
o deixa ainda mais bonito. É incrível como gosto dessa sua
espontaneidade e alegria.
— Quero um ano de mercado grátis se for menino
— estabeleço.
Ele ri a abana.
— Eu escolho o nome se for menina.
Parece uma aposta justa, então trocamos um aperto
de mão, selando o acordo.
A médica imprime duas vias do exame, entregando
uma para mim e uma para Arthur. Finalizada a consulta,
nós nos despedimos, ele prometendo que vai voltar na
próxima vez e garantir que eu siga à risca todas as suas
orientações e dietas. Caminhamos juntos para o lado de
fora, o homem com um sorriso pequeno e os olhos fixos no
ultrassom.
— Contou a sua noiva que viria aqui? — pergunto,
caminhando até o estacionamento.
O sorriso nele some e seus olhos se voltam para
mim.
— Contei. Você estava certa ontem quando disse
que não posso ficar mentindo para ela, ou as coisas vão
apenas piorar. — Assinto, destrancando meu carro. —
Discutimos e ela foi embora mais uma vez brava comigo.
— Arthur para de falar e olho para ele. Pela expressão no
seu rosto, sei que tem mais alguma coisa aí, mas decidiu
não me contar. — Vai ser um pouco duro para Beatriz lidar
com isso, Louise. Ainda mais porque não faz muito tempo
que perdemos um bebê.
— Sei que vai — concordo, movendo a cabeça. — E
a compreendo, em algum nível, mas nada disso justifica ela
ser uma escrota com você ou vir me atazanar. Aliás,
obrigada por não ter mencionado nada sobre como
realmente engravidei. Sua noiva pensa que você cortou
contato comigo.
Arthur dá de ombros.
— Falar a verdade poderia ser pior e essa história
não diz respeito só a mim. Por ora, vamos manter essa
versão que estamos contando para todo mundo.
Sorrio.
— Estou completamente de acordo.
Arthur torna a olhar para sua cópia do ultrassom,
com aquele sorriso bobo que eu mesma dei quando tive a
minha primeira em mãos. É nítido que está feliz em ter um
bebê, mesmo que em circunstâncias tão atípicas.
— O que vai fazer no feriado prolongado? —
questiona, erguendo os olhos para mim.
— Pretendo dormir muito. Por quê?
— Minha família quer conhecer você. Minha mãe te
convidou para passar conosco na casa de veraneio.
Arregalo os olhos, pega pela surpresa da
informação. Ele andou falando de mim para a família?
Como se lesse meus pensamentos, ele explica que
comentou com os pais, a irmã e o cunhado sobre mim e a
gravidez porque inevitavelmente uma hora ia ter que
comentar.
— E vocês uma hora vão ter que se conhecer —
argumenta. — Por que adiar? Minha mãe está toda ansiosa
— diz, com sua pitada de graça.
Suspiro, não vendo muita opção a não ser aceitar.
Arthur tem razão quando diz que, uma hora ou outra, isso
vai acontecer.
— Está bem. Vamos combinando durante a semana.
Ele assente e está para se aproximar de mim e se
despedir quando alguém o chama. Beatriz caminha na
nossa direção, toda pomposa e com seu ar de
superioridade que ainda não me acostumei. Arthur me
lança um olhar rápido e um sorriso apertado. Despeço-me
dele, entro no meu carro e dou a partida, preferindo não
ficar aqui e aturar a noiva dele.
— Posso saber por que estava de papinho com
ela? — Beatriz pergunta. Sua voz tem aquele ácido de
ciúme descabido. Suspiro e massageio as têmporas,
sentindo-se emocionalmente exausto. Estou abrindo a
boca para explicar a situação quando minha noiva arranca
o ultrassom da minha mão, sem nenhuma delicadeza. —
Isso é mesmo necessário, Arthur?
Tomo de volta a imagem para mim e caminho em
direção ao meu carro, estacionado quatro vagas de onde
estamos.
— É meu filho, Beatriz, já falamos sobre isso.
Ela fica quieta e me acompanha. Olho para trás e a
vejo abatida. Sei que não está sendo fácil para ela, mas
não é desse modo que vamos resolver esse conflito. Paro
minha caminhada e vou ao seu encontro, tocando-a nos
braços. Quero amenizar essa emoção que deve estar
sentindo, mas não sei exatamente como fazer.
— Bia…
— O que estavam conversando?
Exaspero de novo.
— A mãe quer conhecer a Louise. Estava a
convidando para passar o feriado prolongado conosco.
Espero pela sua reação explosiva. Beatriz fecha
cara e cruza os braços, como uma criança mimada, mas
não faz nada além de resmungar alguma coisa que não
compreendo e desviar os olhos de mim por um instante.
— Sua mãe me odeia.
— Não é isso.
— Claro que é! — Ela se vira na minha direção. —
Dona Elisa quer conhecer a Louise. Sério? Ela está
fazendo isso só para me provocar.
Balanço a cabeça em negativo.
— Uma hora ou outra, elas teriam que se conhecer.
Louise é a mãe do neto dela.
— Não precisa me lembrar o tempo inteiro!
Toco-a nos braços mais uma vez, tentando acalmá-
la.
— Vamos manter a calma, por favor? Não quero
mais brigar, Bia.
A mulher continua com o semblante fechado,
evitando contato visual comigo.
— Estou indo pra casa — digo com cuidado. — Está
com seu carro ou quer uma carona?
— Deixei o meu no seu condomínio. Vim na
esperança de te encontrar e conversarmos. Ontem à
noite… — Minha noiva suspira, passando a mão pelos
cabelos. — Eu fui embora chateada com você, mas sei que
não deveria. Então, podemos nos entender, Thur?
Abro um sorriso pequeno, seguro seu rosto com
uma mão e planto um beijo suave nos seus lábios.
— É o que mais quero, Bia. Estou cansado de brigas
sem sentido.
Abro a porta do passageiro para ela e a levo para
meu apartamento. Bia fica encarregada de fazer alguma
coisa para comermos enquanto vou até meu escritório
resolver algumas pendências da fusão. Tirei a manhã de
folga para ir à clínica com Louise, mas não consigo não
fazer uma ligação, ou responder um e-mail, ou confirmar
uma reunião. Ela bate à minha porta informando que o café
está pronto. Digo que já estou indo e desligo o notebook.
Abro a gaveta da mesa e puxo o ultrassom que guardei
aqui assim que cheguei. Não enxergo nada nesse borrão
preto e branco, ainda assim, a emoção que me assalta é
boa e gostosa. Sorrio, quase sem perceber, e guardo a
imagem de volta ao lugar, pensando em comprar um álbum
ou mandar emoldurar.
Na cozinha, sento-me à mesa com Beatriz, que está
estranhamente quieta brincando com os legumes no seu
prato. Pergunto se está tudo bem. Minha noiva ergue os
olhos para mim, acena e diz que precisamos conversar.
Limpo os lábios como guardanapo e bebo um gole do meu
suco de laranja antes de questioná-la sobre o que temos
que conversar.
— Quero ter um bebê.
Deixo os talheres cair da minha mão sobre o prato e
a encaro por um instante. Durante os próximos segundos,
não sei como reagir ou o que dizer. Apesar disso, conheço
suas intenções por trás desse pedido. Um filho, na
verdade, sempre foi um plano distante na nossa vida como
casal, mas acabou acontecendo. Quando Bia sofreu o
aborto, nós conversamos e concordamos que era melhor
não fazermos iutra tentativa e sermos mais cuidados para
evitar mais uma gravidez não planejada.
— Já conversamos sobre isso, Bia. Não é o melhor
momento para termos um bebê. Ainda mais agora.
— Ainda mais agora — reforça, entredentes,
derrubando o garfo contra seu prato. O estampido é alto. —
Por isso mesmo, Arthur. Eu quero ter um bebê ainda mais
agora. Não é justo que tenha um filho com aquela lambis…
— Ela se interrompe notando a desaprovação no meu olhar
e no modo como estava prestes a chamar sua atenção por
conta do palavreado que usaria para se referir a Louise. —
Que tenha um filho como um outra mulher, mas não
comigo.
Suspiro, antecipadamente cansado pelo rumo que
essa conversa vai tomar.
— Diz isso como se eu tivesse planejado. Não
planejei, Beatriz, e outro bebê agora não é viável. Além do
mais, conheço você. Sei quais são suas intenções por trás
desse desejo tão súbito.
Ela apoia os braços na mesa e me olha.
— Do que está falando, Arthur?
Hesito um instante, sem saber se continuo com
minha acusação ou se deixo para lá. Engulo em seco,
decidido que é melhor manter isso para mim. Sei que
Beatriz só quer um filho agora porque vai usá-lo para me
chantagear quando quiser, para me fazer dividir a atenção
com o bebê de Louise e tentar me afastar dele. Deixo
minha comida pela metade e me levanto.
— Não é nada. Vou me arrumar para ir à empresa.

— Vai ter que se acostumar com minhas visitas —


digo, balançando as sobrancelhas, quando Louise atende o
portão. Ela ri e abana a cabeça em negativo, convidando-
me para entrar.
Lá dentro, ela está com o balcão posto para o jantar.
Sei que não vim na melhor hora, mas não consegui a
encontrar em tempo na empresa e também porque preferi
entregar aqui, onde é mais íntimo. O pessoal da Conecta e
da UpMidia não sabe que o bebê é meu, e ainda não
conversamos sobre quando vamos anunciar isso ou até se
vamos anunciar.
— Começo a desconfiar que está faltando comida
na sua casa e é por isso que sempre me procura no horário
da janta. Se acha que vou sustentar marmanjo, está muito
enganado.
Abro um sorriso quase sem perceber, acomodando-
me na banqueta do balcão. Ela me convida para jantar e,
dessa vez, eu aceito porque o cheiro está bom demais e
porque só almocei hoje. Meu dia foi tão tumultuado que mal
tive tempo para um café. Enquanto ela me serve uma
garrafa de vinho, e eu tiro um prato para mim da comida
posta sobre o balcão — ela fez legumes defumados e
batatas palitos na air fryer —, sem uma explicação racional,
penso como seria minha relação com Bia se ela levasse
minhas brincadeiras na esportiva como Louise leva. Se
fosse tão bem humorada quanto. Não gosto de ficar
comparando as duas, mas sinto falta de ser eu mesmo
quando estou com minha noiva. Neste momento, reflito
sobre o que minha mãe disse dois dias atrás.
— Veio mesmo só para comer? — Louise indaga,
sentada de frente para mim.
Rio.
— Deus, não. — Inclino-me e pego uma sacola que
deixei aos pés da banqueta assim que entrei e a arrasto na
sua direção. — Vim trazer isso.
A mulher afasta um pouco o prato para o lado e
observa melhor a sacola, com um sorriso pequeno. Ela
reconheceu a marca da loja. Com cuidado, Louise
desembrulha as roupinhas delicadamente do papel seda e
as avalia com amor. Comprei algumas calças, bodies e
conjuntinhos em tecido soft. Optei por tons claros de azul,
amarelo, verde e branco. A única preta, a que ela pega
agora e cai na risada, é um body e vem uma gracinha
escrita nele. “80 me beijar”.
— Tinha que ter um assim, né? — pergunta,
recuperando-se dos risos. — Eu adorei, Arthur. Muito
obrigada.
Movo a cabeça de um lado a outro.
— Não é nada. Inclusive, queria saber se precisa de
alguma coisa. Não sei. O bebê vai precisar de cadeirão,
berço, bebê-conforto, armário. Essas coisas.
Ela dobra as peças com delicadeza e as devolve à
sacola enquanto diz:
— Estou montando o enxoval aos poucos, mas é
cedo para se preocupar com certas coisas, como a cadeira
de refeição. Vamos com calma, Arthur.
Dou de ombros, porque por mim eu comprava tudo
já.
— Faz uma lista do que precisa e eu compro —
digo, dando uma garfada em um palito de batata.
Ela olha para mim, um pouco resignada e afasta a
sacola, voltando a comer.
— Está bem.
Um minuto mais tarde, depois de ela fazer um
comentário sobre a consulta ontem, pergunto:
— Ainda vai passar o feriado com a minha família,
certo?
Louise joga seus legumes de um lado a outro,
cabisbaixa, como se ponderasse minha oferta.
— Sua noiva vai junto? — Suspiro e aceno em
positivo. — Acha mesmo que é uma boa ideia eu ir, Arthur?
A última coisa que quero é causar atrito entre vocês ou
provocá-la.
Massageio as têmporas, perguntando-me o mesmo.
Não quero chatear Beatriz, provocá-la ou deixá-la pensar
que está ficando em segundo plano porque nada disso é
de propósito. Só que ela também precisa entender que
Louise, de uma maneira ou de outra, vai ser uma presença
constante nas nossas vidas a partir de agora.
— Prometo que ela vai se comportar.
Até terminarmos de comer, mantemos uma conversa
amena, Louise querendo se inteirar mais sobre os últimos
processos da fusão. Na semana que vem, a Conecta vai
passar a se chamar Conecta Mídia, e estive resolvendo
hoje os últimos ajustes com propaganda e identidade visual
da nova empresa. Estou a ajudando a tirar a louça quando
meu telefone toca. Na tela do celular, o contato de Beatriz
me lembra que tenho uma noiva que não sabe que estou
aqui.
— Queria ficar para te ajudar com a limpeza…
Louise coloca os pratos no fundo da pia e abana a
mão.
— Sua noiva provavelmente não sabe que está aqui
e você precisa ir encontrá-la. Pode ir, Arthur.
Aperto um sorriso um pouco resignado. Aproximo-
me dela e deixo um beijo rápido na sua bochecha.
— Obrigado.
Ela me acompanha até a saída. Ao destravar o
carro, Louise pergunta:
— Vale a pena viver desse jeito?
Acomodo-me no banco do passageiro e coloco a
chave na ignição, refletindo. Abro a boca para respondê-la,
mas nesse instante, a mulher já entrou em casa.

Puxo o freio de mão assim que estaciono o carro na


garagem da casa de campo. Olho pelo retrovisor,
certificando-me de que Louise chegou junto. Apesar de ter
pedido as coordenadas do sítio, ela acabou me ligando um
dia antes e pedido que fôssemos juntos porque, só então,
ela se deu conta de que seria estranho chegar sozinha,
ainda mais sem conhecer ninguém além de mim.
Ao meu lado, Beatriz está emburrada enquanto solta
o cinto de segurança. Penso em abrir a boca e pedir, pela
centésima vez, para ela ser compreensiva e não causar
nenhum escândalo durante esse feriado prolongado em
família, mas suspiro e decido que não vou falar mais nada.
Certas coisas não valem a pena.
Minha mãe surge na varanda da casa, bem-vestida
e com um pano de prato jogado sobre os ombros,
indicando que já está na cozinha preparando o almoço.
Desço do carro e vou até ela, recebendo-a com um beijo e
um abraço. Dona Elisa quer saber como a viagem foi até
aqui — rápida e tranquila, não mais que uma hora — e olha
por cima do meu ombro. Um sorriso maternal desenha
seus lábios e sei que a avistou logo atrás. Quando me viro,
Louise, usando uma calça jeans e uma camisa branca um
pouco apertada que denuncia a barriga gestacional, está
terminando de descer do carro e fechar a porta. Beatriz
ainda está parada ao lado do passageiro, a cara de poucos
amigos.
Puxo minha mãe pelos braços e a levo até Louise,
fazendo as devidas apresentações. As duas se abraçam —
e no ato que dona Elisa emprega tem um exagero maternal
que me surpreende — e trocam cumprimentos, minha mãe
dizendo que está feliz por conhecê-la. Minha velha está
animada e isso a torna um pouco invasiva. Por isso,
pergunta se pode colocar a mão na barriga dela.
— Pode, mas — Louise diz, com uma risada,
olhando rapidamente para mim — ele ainda não se move.
Dona Elisa mexe a cabeça em negativa, como se
não se importasse com isso, e afaga o abdômen de Louise.
— Ela — corrijo. As duas se voltam para mim e dou
de ombros. — É uma menina. Tenho certeza.
Minha mãe afasta um pouco e avalia o formato da
barriga da Louise, como se pudesse supor o sexo da
criança por essas vias. Com um mover de cabeça, ela
concorda comigo, dizendo que parece mesmo ser uma
“barriga de menina”. Rio um pouco, achando engraçado
que mamãe leve a sério essa crendice popular. Por fim, ela
se enrosca nos braços de Louise — até parece que a
conhece há décadas — e a convida para entrar para
conhecer o restante da família antes do almoço, que já está
quase pronto. As duas seguem à frente, a ilustre visita
aparentando estar realmente confortável com toda essa
atenção súbita de minha mãe. Vou até Bia, que não se
moveu um centímetro do seu lugar. Pego na sua mão, mas
noto que continua chateada.
— Ela nem me cumprimentou, Arthur — resmunga,
acompanhando as duas com os olhos.
Seguro uma resposta um pouco atravessada porque
Bia sabe que minha mãe mal a cumprimenta mesmo e isso
não é de hoje. Elas não se bicam de forma alguma já tem
algum tempo, desde que Beatriz começou a “tirar meu
brilho”, nas palavras de dona Elisa, e isso gerou uma
confusão entre elas anos atrás que abalou o
relacionamento sogra-nora. Raramente, minha noiva
comparece a eventos da minha família exatamente para
evitar ser destratada.
— A mamãe só está animada, Bia. Não foi de
propósito.
— Ela deu mais atenção para a Louise, que não é
nada dela, do que para mim, que sou a nora! Como acha
que não foi de propósito?!
— Beatriz, não vamos começar, pode ser? — Tento
amenizar a situação porque não quero brigar. Suspiro,
cansado de sempre estar procurando meios de não
arrumar briga com minha noiva. Laço sua cintura e deixo
um beijo nos seus lábios. — Quero passar esse final de
semana sem discussões. Tem tanto tempo que não temos
um dia tranquilo de carinhos e namoro, sem intrigas.
Beatriz suspira e se derrete nos meus braços,
aceitando meus argumentos.
— Tem razão.
Lá dentro, todos estão reunidos em torno de Louise,
sentada no sofá. Ao seu lado, meu pai mantém uma
conversa animada com ela, dentro de sua habitual camisa
e bermuda de verão, a televisão aos fundos ligada em uma
partida de vôlei que ele gosta de acompanhar no SporTV.
Santiago está à mesa, acompanhando a interação, junto
com a minha mãe e a esposa. Os dois pimentinhas que
tenho como sobrinhos, Murilo e Otávio, rodeiam a mulher,
tagarelando sem parar e animados com a vinda de um
novo integrante. Eles preferem que seja um menino para
formarem um clubinho.
— Se for menino, pode colocar o nome dele de
Nathan, tia Louise? — Murilo pergunta.
Já está íntimo, ele.
— Por que Nathan, filho? — Carolina quer saber,
sentada do outro lado de Louise.
— Dããã, não é óbvio? Pro nosso clubinho se
chamar MNO.
Todo mundo cai na risada, exceto Beatriz.
— Prometo pensar na sua sugestão — Louise diz,
afagando os cabelos escorridos do menino.
Por algum motivo desconhecido, gosto de vê-la
assim, já toda entrosada com minha família. Todos nós
sempre fomos calorosos e receptivos e conforta meu
coração que gostem dela. Ao menos, por enquanto. No
começo, eles também gostavam de Bia. Afasto os
pensamentos da cabeça no instante em que minha mãe diz
para levar nossa visita até o quarto onde vai ficar
hospedada. Deixo uma Beatriz um pouco chateada para
trás e vou ajudar Louise.
— Não precisa, Arthur — diz, tirando uma mala
pequena do porta-malas. — Nem está tão pesada.
— Eu ajudo mesmo assim — rebato e pego a
bagagem das suas mãos, juntando-a às minhas e de Bia
que peguei no meu carro, segundos atrás.
Ela não cria mais resistências e me acompanha de
volta lá para dentro. O quarto de hóspedes em que vai ficar
já está cuidadosamente arrumado. Apoio sua mala perto da
porta enquanto ela entra e aprecia o cômodo. Tem uma
janela que dá para uma vista espetacular do campo. Louise
se debruça sobre o peitoril e observa a paisagem lá fora.
— Esse lugar é lindo demais — comenta, sem se
virar para mim.
— Adorava passar minhas férias da escola aqui
quando era criança. — Mantenho-me na porta, recordando-
me daqueles dias bons. — Quando entrei na adolescência,
detestava. Fiquei muito tempo sem me reunir com a família
por causa dessa minha fase.
Louise finalmente se vira para mim, rindo.
— Difícil acreditar que foi um adolescente rebelde.
Você tem cara de que viveu sob a saia da mamãe sendo
mimado de todas as maneiras até os vinte e um anos.
Jogo a cabeça para trás, e uma gargalhada alta
escapa de mim. Louise fica séria de repente e, ao me virar,
encontro Beatriz parada logo atrás. Tiro o sorriso do rosto e
pigarreio.
— Vou deixar você se instalar, Louise. Se precisar
de alguma coisa…
— Eu me viro bem, não se preocupa.
Aceno e pego nossas bagagens. Bia me acompanha
até o quarto onde vamos ficar, emudecida. Passamos os
próximos minutos em silêncio, desfazendo as malas e
guardando a roupa nas gavetas e armários. Minha noiva
está estranhamente quieta e prefiro não provocar a fera.
Mas também não podemos ficar nesse silêncio incômodo e
constrangedor.
— Depois do almoço — digo, guardando uma última
camisa no armário — podíamos ir até o riacho. Só você e
eu para namorarmos indecentemente no meio do nada.
Aqui na roça, a gente chama de matel. — Abro um sorriso
palhaço e balanço as sobrancelhas. — O que acha?
Ela não ri, como sempre.
— Tudo bem.
Sinto que não está tudo bem, mas deixo para lá.
Não quero discutir.
Cerca de meia hora depois, minha mãe vem nos
chamar para o almoço. A mesa na sala de estar, extensa
com lugares para quinze pessoas, está posta com fartura.
Meu pai ocupa uma cabeceia; minha mãe, a outra. Carolina
tem seu lugar preferido, logo ao lado do papai. Santigo se
senta de frente para ela, ficando com um dos gêmeos; o
outro, se senta perto da mãe. Dona Elisa acomoda Louise
ao seu lado esquerdo, e Beatriz e eu optamos pelas
cadeiras mais no centro da mesa.
Os meninos não param de falar sobre um seriado
infantil que estão acompanhando, Santiago inicia uma
conversa comigo sobre meus negócios, meu pai e minha
irmã se entrosam em algum assunto político, e mamãe está
combinando com Louise de ela ajudar com o enxoval do
neto. Beatriz, então, fica um pouco deslocada. Até tento
entrosá-la, porque afinal, ela detém trinta por cento das
ações da UpMidia e é um assunto que gosta de conversar,
só que minha noiva não se esforça para isso. E assim
decorre o almoço. Todo mundo conversa entre si, menos
minha futura mulher. Uma vez ou outra apenas, emite um
“isso mesmo”, “tudo bem”, “interessante”, mas é só.
Decido que não vou me preocupar com ela. Beatriz
está se fazendo de difícil. Se ela quer que seja assim, vai
ser assim. Aproveito meu momento em família. Mamãe fez
uma sobremesa maravilhosa, que acaba aos poucos
conforme ficamos em torno da mesa jogando conversa fora
por longos minutos, beliscando-a de tempos em tempos.
Estou rindo de uma piada de Santiago quando meu
telefone apita no bolso. O alarme diário tem tanto no meu
celular quanto no de Bia, mas sei que ela deixou o dela no
quarto, por isso trato de lembrá-la:
— Está no horário de tomar sua pílula.
Beatriz é ótima em muitas coisas. Tem uma lábia
para negociar como nunca vi, é rápida em contas mentais e
consegue lidar com imprevistos como ninguém sem perder
a pose, a paciência e sem borrar a maquiagem. Cozinha
muito bem, é organizada e metódica, tem uma dicção que
invejo e uma disciplina com alimentação que eu gostaria de
ter. Mas ela é péssima para horários com medicação. Com
qualquer medicação. Muitas das vezes, sou eu quem
preciso lembrá-la de tomar as pílulas anticoncepcionais.
Pela primeira vez desde que nos reunimos na sala
de jantar, ela sorri. Deixa um selinho nos meus lábios e diz
que já volta. Torno a me atentar a teoria da conspiração
que meu cunhado — um homem letrado — conta ao meu
pai. Um segundo depois, sinto vontade de usar o banheiro
e peço licença. Em vez de ir ao lavabo da sala, decido ir
até o quarto de hóspedes porque quero aproveitar e falar
com Bia. Disse a mim mesmo que não ia me preocupar
com ela, mas não consigo. Tudo bem que minha noiva não
é a pessoa mais bem sociável do mundo, mas não gosto
de vê-la deslocada junto com a minha família. Subo os
degraus devagar e entro com cuidado no quarto. A porta do
banheiro está aberta e franzo o cenho. Conheço Beatriz o
suficiente para saber que ela não tomaria água da pia do
banheiro, mesmo para ingerir uma pílula. Assim que
atravesso a porta, o que vejo mexe comigo de tantas
maneiras que nem sei explicar.
— O que está fazendo?
Beatriz dá um salto no lugar — em pé, de frente
para o sanitário e de costas para mim — e se vira
rapidamente. Os olhos arregalam e ela aperta as mãos
contra o peito, escondendo alguma coisa. Aproximo-me
com um passo grande e vejo nos fundos do vaso muitos
compridos jogados fora, e a cartela prateada que ela
inutilmente tenta esconder está quase no fim.
— Arthur, eu juro…
— Está jogando fora as suas pílulas, Beatriz? —
Altero-me ligeiramente. Não. Ela não está fazendo isso! —
Há quanto tempo? — questiono, entredentes.
Bia não responde.
Passo a mão pelo rosto. Se eu tivesse de chutar,
diria que já tem umas duas semanas, desde que veio com
aquele papo de querer um bebê. Como eu disse que
estava fora de cogitação planejar um, decidiu sozinha fazer
parecer que o método falhou, como da última vez, porque
só assim eu me conformaria.
Balanço a cabeça de um lado a outro, inconformado
que tenha tido a coragem de fazer isso comigo.
— Vamos conversar — ela pede.
Nego, com um gesto mais vigoroso.
— Se formos conversar, vamos acabar discutindo.
Não quero discutir aqui e agora. Não quero discutir hoje.
Não por você, mas pela minha família. Em casa, quando
esse fim de semana acabar, aí conversamos.
Eu me viro para sair, sentindo toda a decepção
tomar meu corpo, mas Beatriz segura no meu punho e
tentar me impedir, pedindo por favor para dar uma chance
para se explicar.
— Bia, não me deixa mais triste com você, por favor
— é tudo que peço, aborrecido.
Ela não me impede mais e eu deixo o cômodo com
uma vontade imensa de dar um basta nesse
relacionamento. Talvez seja hora mesmo. Só vou aguentar
essa situação mais esse fim de semana. Só mais esse fim
de semana.
O restante do dia é recheado de tensão. Todo
mundo percebe que Beatriz e eu, de repente, não estamos
muito bem. Ela consegue se entrosar com meu pai — que
é capaz de tolerá-la melhor do que os demais —, mas eu
me mantenho afastado o tempo todo e evito conversa.
Levo meus sobrinhos ao riacho que fica na propriedade da
família e preparamos um piquenique nas margens do rio.
Carolina e Louise me acompanham. Minha irmã quer saber
o que aconteceu, mas eu não digo nada. À noite, vou ao
mercado com minha mãe comprar carne para o churrasco.
Como a filha mais velha, ela também tenta tirar de mim
alguma informação, o que não surte efeito algum.
Durante o churrasco, Bia passa mais tempo no
celular, sentada no sofá da sala com a televisão ligada. Às
vezes interage com os gêmeos, algo que poucas vezes fez
na vida, e não sei se faz isso para mostrar que é boa com
crianças para tentar me convencer de que podemos ter um
filho agora ou se sentiu tão solitária a ponto de se submeter
a brincar com meus sobrinhos. Nós dois não nos falamos.
Surpreende-me de que esteja suportando minha frieza. Em
qualquer outra ocasião, já teria chamado um carro e ido
embora. Nunca que minha noiva aceitaria ser ignorada e
colocada de lado dessa maneira. Se não fosse embora,
certeza que ia arrumar briga. Mas ela não fez nem uma
coisa, nem outra.
Eu bebo mais do que o comum. Bebo porque quero
me divertir e bebo porque quero esquecer minha
desavença com Beatriz. Ninguém fala nada. Meus
familiares até parecem surpresos e felizes em me ver rindo
e fazendo as piada e gracinhas mesmo com minha noiva
por perto — algo que evito para não a aborrecer — e até
incentivam. A noite avança e é regada de muitas risadas,
bebidas e histórias de família. Louise é a única que não
bebe álcool, mas fica o tempo inteiro sentada à mesa da
churrasqueira, rodeada ora pelo meu pai, ora pela minha
mãe, ou minha irmã, ou meu cunhado, ou os gêmeos.
Beatriz aparece vez ou outra apenas, pega uma latinha de
refrigerante, come alguns pedaços de carne, manda um
olhar enviesado para mim e volta lá para dentro.
— Tudo bem, acho que agora você já bebeu o
suficiente — alguém diz, em dado momento, mas não sei
quem é exatamente, e tira a long neck da minha mão.
— Eu o ajudo, dona Elisa. — Reconheço a voz de
Beatriz, que me puxa pelo punho. — Vamos deitar, Arthur
— sussurra, jogando meus braços em torno do seu
pescoço.
Aperto os olhos e suspiro, aceitando o apoio que me
dá. Levanto-me de onde quer que eu esteja sentado — no
sofá, na mesa da cozinha, na área de churrasqueira? Não
faço ideia — e a acompanho até o quarto de hóspedes. No
meio do percurso, com a língua enrolada, pergunto:
— Cadê a Louise?
Um silêncio toma conta do lugar por um instante.
— Ela já foi se deitar. Tem algum tempo. São três da
manhã, Arthur.
Assinto, embora eu tenha captado muito pouco do
que me disse. Terminamos de chegar, e Bia me ajuda a me
despir e a deitar. Tenho a impressão de que fico sozinho na
cama, mas não sou capaz de precisar quanto foi e nem se
foi rápido ou demorado. A minha noção de tempo está um
pouco deturpada. Segundos ou horas depois, sinto-a se
deitar do meu lado. Sua pele está úmida e perfumada. Ela
se ajeita sobre meu tórax e rola sobre mim, colando sua
boca na minha. Não processo com rapidez o que está
acontecendo e, quando processo, agarro sua cintura e
retribuo o beijo. Beatriz segura firme meu rosto, enfiando
mais a língua em mim e movendo os quadris nos meus.
Sua boca vai descendo pela minha pele, atingindo o
pescoço, queixo, clavícula. Perco a camisa. Ela me beija
nas mamas. Suas mãos agarram meu cinto e começa a
abri-lo. Tento impedi-la.
— Bia… — sussurro, afastando sua mão, que
retorna em seguida para o mesmo lugar. — Eu não quero.
Ela passa a mão em mim, apertando-me.
— Não é o que seu corpo diz — responde, beijando
na altura do meu umbigo.
Aperto os olhos e afundo no colchão. A sensação
que me toma é um pouco incompreensível. Não sei se é
por causa do meu estado embriagado que não gosto do
seu toque e das suas investidas, mas, ao mesmo tempo,
sinto que meu corpo responde aos seus estímulos. Como
posso não estar gostando se cada célula minha
corresponde ao seu toque? Suspiro, zonzo por causa da
bebida, confuso por causa dessa contradição de
sentimentos. Tento afastá-la de novo, mas a essa altura ela
já conseguiu abaixar minha calça e cueca.
— Estou bravo, Bia — digo, a voz saindo mole,
embora eu não me lembre exatamente porque estou bravo
com ela.
Ela recai sobre minha boca, beijando-me fundo.
— Desculpa, Arthur — sussurra, acariciando meu
rosto. — Por favor. Só quero fazer as pazes.
No instante em que me diz isso, ela já está me
colocando dentro dela. Aquela sensação inexplicável toma
conta de mim de novo — não sei se quero ou se está
prazeroso, mas meu corpo corresponde — e apenas aceito
suas investidas, tentando me manter acordado, aproveitar
o momento, compreender os sentimentos conflituosos que
me assaltam. Beatriz parece empenhada. Seus gemidos
baixos invadem o quarto e ela se movimenta sobre mim
com alguma intensidade — suas mãos no meu peito, o
corpo encurvado ligeiramente para trás.
Sem saber mensurar quanto exatamente, perco a
noção de tempo. Não sei se fico inconsciente, se cochilo,
ou se só não me dou conta de que se passaram alguns
minutos. Só noto isso quando meu corpo inteiro dá sinais
diferentes, mas que me são estranhamente familiares. Abro
olhos que nem reparei que tinha fechado. Beatriz continua
sobre mim, completamente empenhada, e então noto que
estou prestes a gozar. Como em um insight, eu me recordo
porque estou bravo com ela.
— Não. — Tento tirá-la de cima de mim para não
gozar dentro dela, mas estou embriagado demais para ter
forças para essa finalidade. Ela consegue me dominar com
facilidade e se deita sobre meu tórax, deixando os lábios
bem perto dos meus. — Não quero… não quero gozar
dentro.
— Aproveita, Thur. Não tem perigo, eu garanto.
Movo a cabeça de um lado a outro, mas de novo,
aceito, cansado e bêbado demais para contestar ou fazer
algo a respeito. Afundo no colchão outra vez, sentindo o
orgasmo vir. Faço outra tentativa inútil de tirá-la de cima de
mim, mas Beatriz me mantém dentro dela. Então, eu gozo.
Não reconheço o gemido bêbado que escapa de mim, mas
tenho a impressão de que não é um gemido de prazer. Bia
finalmente para de mover os quadris e me beija nos lábios.
É nesse instante que me dou conta do que ela fez.
Uma onda de decepção ainda maior me atinge, junto
com um tsunami de tristeza. Eu disse para ela que não
queria: não queria o sexo, não queria gozar dentro, não
queria um bebê! Mas ela não me ouviu e decidiu me
ludibriar da maneira mais baixa possível. Arranjando forças
de não sei onde, empurro-a de cima de mim e me levanto,
enraivecido. A raiva parece até que cura um pouco da
minha embriaguez.
— Arthur…
— Por que fez isso? — pergunto, a voz embargada
e as lágrimas forçando meus olhos enquanto procuro com
dificuldade pelas minhas roupas no quarto. — Você sabia
que eu não queria… — Movo a cabeça de um lado a outro,
incapaz de terminar a frase. Não queria o sexo, não queria
gozar dentro, não queria o bebê!
Encontro minha calça e a visto, sentindo uma
lágrima ou outra escorrer pelo meu rosto. Ela vem até mim,
segura meus punhos e tenta dizer alguma coisa, mas não
deixo. Repilo seu toque como se fosse brasa quente.
— Não me toca. Não me toca! O que você fez,
porra?! Por que fez isso? Pelo amor de Deus, Bia, por que
fez isso? — Começo a gritar, as emoções intensificadas
pelo álcool e tudo quanto é sentimento se chocando dentro
de mim.
— Se acalma, por favor — pede e faz outra tentativa
de me segurar.
Sem nem afivelar o cinto da calça, eu me afasto,
negando.
— Me esquece.
Saio do quarto sob os gritos dela e caminho pelo
corredor até notar que estou batendo na porta de Louise.
Ela não demora a atender — ou demora e sou eu que não
noto porque continuo inapto para distinguir a passagem de
tempo — e me puxa para dentro depois de me fazer uma
ou dez perguntas.
— Arthur, o que houve?
Pisco diversas vezes, deixando que as lágrimas
virem tempestade no meu rosto.
Nosso timing é perfeito. Assim que entro no quarto
pela manhã com uma xícara de café e comprimidos para
ressaca, Arthur está acordando. Sentado na beira da cama,
com a calça desfivelada e sem camisa, ele coça os olhos e
passa as mãos nos cabelos. Encosto a porta com cuidado,
e só então o homem me nota.
Para minha sorte, o quarto de hóspedes tem duas
camas. Arthur me procurou de madrugada, bêbado e
abalado, e eu quis entender o que houve. Quero dizer.
Acordei no meio da noite com alguns gritos dele e soube
na mesma hora que estava tendo uma discussão com
Beatriz, mas não esperava que viesse até mim. E nada no
mundo me preparou para ver o estado em que ele estava
assim que o atendi. Perguntei o que houve, mas não obtive
resposta. O homem apenas chorou, movendo a cabeça de
um lado a outro, e se jogou na minha cama. Acho que
estava bêbado o bastante e dormiu soluçando. Balbuciou
um pouco — “por que ela fez isso comigo, Louise, por
quê?” entre um cochilo e outro até que, por volta de quatro
e meia, passou mal e vomitou no banheiro.
Ele nem é nada meu e tive que desempenhar o
papel da esposa que ajuda o marido depois de uma
bebedeira. Arthur vomitou o que tinha e o que não tinha
que vomitar, tomou um banho rápido, vestiu a mesma calça
e caiu na cama de novo, dormindo até agora, por volta de
dez da manhã. Eu mal consegui pregar os olhos desde que
apareceu na minha porta. Então, quando foi oito da manhã,
tomei um banho e desci para a cozinha. Seu César já
estava por lá, passando um café. Conversamos por um
tempo até Dona Elisa aparecer. O filho surgiu no assunto
porque ela também ouviu a discussão deles, mas disse que
ficou aliviada quando saiu para o corredor entender o que
estava acontecendo e o viu entrar no meu quarto. Agora há
pouco, decidi vir saber se ele já estava acordado e trouxe
uma xícara de café e os comprimidos para caso eu tivesse
sorte.
— Bom dia. — Estico a caneca na sua direção.
Ele funga e enrosca os dedos na asa.
— Minha cabeça parece que vai explodir.
Estico a outra mão, que segura os comprimidos. Ele
abre um sorriso de agradecimento e pega o remédio.
— Se eu pudesse, te canonizava.
— Deveria fazer isso mesmo. Cuidei de você,
bêbado e passando mal no meu quarto, como se fosse
meu marido.
O sorriso se torna encabulado.
— Desculpa. Não era minha intenção te dar
trabalho. A verdade é que nem sei por que vim para cá.
Sento-me ao seu lado e, sem ter um motivo
aparente, toco sua coxa.
— Está tudo bem. Quer me contar o que aconteceu?
Ele baixa os olhos por um instante. Coloca os
comprimidos sobre a língua e bebe o café amargo sem
fazer a costumeira careta por conta do amargor, o que me
leva a entender que está habituado. Dou o tempo que
Arthur precisa para me contar, se é que vai me contar, e
aguardo pacientemente.
Tomando uma inspiração profunda, os olhos fixos no
café preto, ele diz:
— Beatriz quer um bebê.
Ele deixa a informação assentar na minha cabeça.
— Sua noiva está com ciúmes, não é? — suponho.
Arthur assente.
— Mas eu não quero, Louise. Sei que a Beatriz vai
usar essa criança para tentar me afastar do meu filho com
você. Olha, eu entendo o lado dela, sabe? Não deve ser
fácil ter que lidar com essa situação e acho que me sentiria
da mesma maneira caso estivesse grávida de outro cara.
Não vou ser insensível e ignorar os sentimentos dela, mas
não é assim que vamos resolver esse conflito.
Balanço a cabeça em positivo.
— Você está certo. Ela não deveria querer colocar
uma criança no meio dessa confusão como meio para te
segurar ou te controlar. Meu Deus, estamos falando de
uma vida, de um ser humano.
— Queria que Bia entendesse isso, mas ela… —
Arthur faz uma pausa e desvia os olhos de mim. — Preferiu
agir pelas minhas costas. Descobri ontem que ela estava
jogando as pílulas anticoncepcionais fora e me deixava
pensar que estava tomando pontualmente.
Separo os lábios, surpresa com a informação. Isso é
errado em tantos níveis. Um filho sempre deveria ser
desejo dos dois, no momento em que os dois quisessem.
Não é uma decisão que Beatriz poderia ter tomado
sozinha.
— Foi por isso que estavam brigados?
Ele confirma com um gesto de cabeça e vira o resto
do café goela abaixo. Deixa a caneca sobre a mesinha ao
lado e se recosta na cabeceira, com um ar de cansado. Os
cabelos ondulados dele não estão tão bagunçados, mas é
o suficiente para lhe dar um charme irresistível.
— Essa madrugada, depois que subimos para o
quarto, Beatriz quis sexo. Eu estava bêbado o suficiente
para não sacar de cara o que ela realmente queria. —
Arthur de novo fica em silêncio. É o bastante para eu
compreender o que aconteceu. — Quero dizer, eu tinha
algum nível de consciência. Lembro que minha
preocupação era gozar dentro dela, mas Bia disse para
não me preocupar. Eu ainda disse não, porque acho…
acho que não queria mesmo transar. Ela insistiu, me
manteve dentro dela mesmo quando tentei tirá-la de cima
de mim até eu gozar. Não fiz muito para impedi-la… Não
sei. Não queria, mas ao mesmo tempo parecia que queria.
Confuso demais.
Levanto-me do seu lado, enojada com o relato. Já
era preocupante o suficiente que Beatriz tentasse
engravidar com as intenções que tinha, sem o
consentimento dele. Mas isso… isso… é abuso sexual.
— Arthur, você tem ideia da gravidade do que
Beatriz fez? — pergunto, porque ele parece não notar que
é grave. Muito grave.
Ele me olha de um jeito um pouco estranho, como
se eu estivesse exagerando. O homem se levanta e afivela
a calça. Ele está sem camisa, por isso aproveito para dar
uma olhada rápida no seu tórax bronzeado. Afasto os
pensamentos da cabeça porque não é momento propício
para pensar nisso.
— Eu sei. Ela traiu minha confiança em um nível
que…
Exaspero, completamente irritada. Não com ele,
mas com aquela mulher que tem como noiva.
— Antes fosse só a quebra de confiança. Arthur, ela
se aproveitou de você! No estado em que estava, sabe o
nome que damos a isso? Abuso sexual!
Suas sobrancelhas ficam mais expressivas, e ele
balança a cabeça de um lado a outro, mas não diz nada,
como se não soubesse o que argumentar. Arthur enfia os
dedos nos cabelos bagunçados e anda de um lado a outro
perto da cama.
— Não vamos fazer disso maior do que é.
— Arthur, pelo amor de Deus, você mesmo alegou
que disse para ela que não queria fazer sexo. Se disse não
e ela insistiu, então foi abuso, sim.
Inspiro fundo, reorganizando meus pensamentos.
Há tanta coisa errada nesse relato que preciso de um
instante para reestruturar meus argumentos. Não é
incomum que homens e mulheres pensem que é
impossível que um homem seja violado. Muito porque
ainda se tem a ideia de que abuso é forçar violentamente
ao sexo, quando, na verdade, qualquer ato sexual sem o
consentimento do outro é considerado estupro. É estupro
se seu parceiro não tem condições psicológicas ou
emocionais para consentir. O abuso sexual existe em
vários níveis e muitos deles ainda nos passam
despercebidos — como quando o parceiro não quer, mas
cede porque foi convencido de alguma maneira, ou quando
há o consentimento até certa altura da relação sexual, mas
de repente um dos dois não quer mais e isso não é
respeitado.
A regra simples: não é não. Se o “não” foi
desrespeitado, houve estupro. Ponto final.
O fato de Arthur ser homem não faz dele imune à
violência sexual.
— Louise, eu quis. Em algum nível, acho. Eu gozei,
poxa! Não foi…
Não o deixo terminar de falar. Avanço na sua direção
e o pego pelo punho, puxando-o até a beira da cama. Já
ouvi esse mesmo discurso de outras pessoas, dos dois
gêneros, de todas as idades, de entonações sérias a
completos deboches. Já sei que “argumento” vai usar, mas
não quero ouvir porque só passo raiva com esse tipo de
argumentação. Vou clarear a mente dele antes que diga
abobrinhas.
— Arthur, escuta. Ter uma ereção não é o mesmo
que estar excitado. E mesmo que estivesse excitado, você
precisa consentir e precisa ter condições psicológicas para
consentir. Uma pessoa bêbada ou inconsciente é incapaz
de dizer “sim” ou “não”, de expressar o que ela realmente
quer naquele momento. Entende aonde quero chegar?
Demoro a notar que falei isso tudo com uma mão na
perna dele. Só reparo quando os olhos dele fixam nos
meus, as sobrancelhas ainda vincadas, a expressão de
quem está assimilando todas as minhas palavras. Apesar
disso, não afasto o toque. Como ele não diz nada, eu
continuo:
— Você sabia que muitas mulheres vítimas de
estupro, durante o estupro, ficam lubrificadas, e muitas até
gozam? — Ele arregala os olhos e pisca diversas vezes. A
negação vem com um gesto de cabeça. — O fato de essas
vítimas ficarem lubrificadas não significa que se excitaram,
que estavam gostando ou que consentiram. Significa
apenas que o corpo delas respondeu a um estímulo: havia
penetração, e o organismo entendeu que precisava da
lubrificação para diminuir o atrito. O orgasmo também é só
um reflexo do corpo e não é sinônimo de prazer ou de
consentimento. Nada disso, Arthur, nem a lubrificação, nem
o gozo anula o abuso que sofreram.
O homem abaixa a cabeça e fica em silêncio.
Espero que assimile e relacione uma coisa a outra. Nada
do que eu disse é mentira. Uma pesquisa rápida e ele pode
comprovar por si só caso ache que estou mentindo ou
inventando coisas. Ele segura minha mão na sua coxa, um
ato que me pega desprevenida, mas que por algum motivo
é bom, e aperta nossos dedos.
— É possível então — ele diz, baixo e rouco — que
minha ereção tenha sido só um reflexo mecânico do meu
corpo ao estímulo dela? Porque sempre ouvi que se um
homem não quer sexo com alguém, ele não fica excitado.
Logo, não pode ser abusado, nem obrigado a penetrar uma
mulher. Ou um homem. — Ele ergue os olhos para mim
com um sorrisinho quase imperceptível, e reconheço seu
humor tão característico, tão Arthur Massari, agora muito
mais tênue.
Assinto, porque também já ouvi vezes demais esse
absurdo. As pessoas ainda tendem a relacionar a ereção
com desejo, prazer, a relacionar abuso apenas com
penetração forçada, mas nem tudo é preto no branco
dessa maneira. Se esquecem que nosso corpo não é uma
ciência exata e que muitas vezes ele age de forma
involuntária e de formas diferentes. O corpo da “Vítima A”
não reage da mesma maneira que o corpo da “Vítima B”.
— Pode, mas é possível também que tenha
envolvido algum tipo de prazer nisso porque… bem, vocês
têm uma conexão, uma ligação afetiva, seria normal. Mas
isso não invalida o que ela fez, Arthur. Bia abusou de você,
não respeitou sua vontade. Isso configura abuso. Sutil, mas
abuso.
Ainda olhando para nossas mãos, ele fica mais
algum tempo em silêncio.
— Pensando dessa maneira — sussurra e faz
contato visual comigo —, venho sendo abusado há algum
tempo. Digo… — Ele pigarreia e acaricia o dorso da minha
mão com seu polegar. — Essa madrugada foi a primeira
vez que ela se aproveitou do meu estado embriagado, mas
Beatriz desrespeitou meu consentimento em outras
ocasiões. Detesto sexo de manhã, Louise, detesto mesmo,
mas sempre cedi por causa dela, porque me sentia na
obrigação de atender aos desejos dela, ou porque me
chantageava, colocava em dúvida minha masculinidade.
Certa manhã, acordei e ela estava sobre mim,
cavalgando… — Faz outra pausa e, mais uma vez, desvia
os olhos, como se só agora reconhecesse o abuso. Talvez
seja isso mesmo. — Nas outras vezes, mesmo que tivesse
me convencido ao sexo, tinha a minha palavra, sabe? De
alguma forma, eu estava ciente da escolha que estava
fazendo. Mas não dias atrás. Ela simplesmente subiu em
mim, comigo ainda dormindo, e me colocou dentro dela.
Há outro instante de silêncio entre nós. Arthur fica
abatido de repente, agora que está tomando consciência
da violência que está sofrendo nas mãos da companheira.
— Disse que é possível que eu tenha sentido prazer
mesmo não querendo, não é?
— Pode acontecer, Arthur. Como disse, há uma
relação afetiva entre vocês, então é possível, sim.
Ele assente devagar.
— Eu sentia isso. É confuso demais, entende? Eu
tinha a sensação de incômodo, de que o sexo naquelas
circunstâncias era errado, de que eu não queria, de que
não parecia muito bom, mas ao mesmo tempo… havia a
sensação de prazer e eu até gozava.
Aperto seus dedos nos meus.
— Eu entendo, Arthur, mas isso ainda não a exime
dos abusos que cometeu.
Ele nega.
— Não sei o que fazer agora.
Ajeito-me no meu lugar, as palavras presas na
minha garganta.
— Se importa se te der um conselho?
— Não.
— Repense o seu relacionamento. Te conheço há
pouco tempo, mas já deu para notar que sua relação com
Beatriz não é saudável em nenhum nível. Deveria fazer um
peso de tudo e refletir se vale a pena querer passar o resto
da sua vida ao lado de alguém que desrespeita suas
vontades, tenta te manipular e controlar de todas as
formas, age pelas suas costas e se aproveita de suas
vulnerabilidades.
Quando ergue o rosto na minha direção, os olhos
dele estão um pouco marejados. Isso aperta meu coração
de um jeito diferente que não consigo explicar.
— Tem razão — sussurra, abanando a cabeça. —
Louise, eu não aguento mais. — Agora, as lágrimas
escorrem pelo seu rosto igual horas atrás quando chegou
aqui. — Eu dei uma chance pra ela por causa do bebê,
mas eu não deveria ter feito isso. Não mesmo. Eu odeio a
pessoa que sou quando estou com Beatriz.
Trago-o para um abraço, sentindo que ele precisa
disso nesse momento. Arthur esconde o rosto na curva do
meu pescoço e me aperta contra seu corpo, desabando
nos meus ombros. Leva algum tempo até ele se acalmar.
Afastando-se de mim, seca as lágrimas e pigarreia.
— Vou terminar com ela — decreta, levantando-se
do meu lado.
Assinto, feliz pela decisão dele de se libertar de uma
relação tóxica.
— Arthur, se quiser apoio para denunciar o abuso de
ontem… — Ele me olha com atenção. — Pode contar
comigo, está bem?
— Acha que vão acreditar em mim? — O homem
solta um riso nervoso. — Se vejo gente duvidando que uma
mulher foi abusada, o quanto vão duvidar do meu caso,
Louise?
Saio do meu lugar e vou até ele, pegando nas suas
mãos de novo. Compreendo seu medo, que é muito válido.
Podem desacreditar dele, podem julgá-lo por não gostar do
que a noiva fez porque, como assim um homem não
gostou do sexo com a companheira incrível? “Ia adorar ser
estuprada por ela”, podem dizer. Podem pôr em dúvida sua
orientação sexual, podem perguntar se ele realmente não
queria, podem questionar por que então ele estava duro e
por que gozou. Podem, de todas as maneiras, tentar
silenciá-lo ou colocar em dúvida o que aconteceu.
Compreendo seu medo.
— Podemos tentar. Se ainda estivéssemos nos anos
dois mil, seu caso era perdido porque até 2009 a legislação
só aceitava denúncias de estupros contra mulheres, e no
máximo sua ocorrência seria classificada como lesão
corporal. Mesmo que hoje sejam aceitas denúncias para
casos como o seu e, apesar disso, ainda haver falhas no
sistema para lidar com esses abusos, sempre podemos
tentar. Procurar uma rede séria de apoio e acolhimento,
talvez até instituições voltadas para isso. Devem ser raras,
mas devem existir.
Arthur baixa os olhos para nossas mãos e mais uma
vez demoro a notar que faço um carinho suave nelas.
— Me deixa pensar direitinho.
Concordo.
— Independente do que decidir, conta comigo. —
Ergo-me um centímetro nos pés e deixo um beijo no rosto
dele. — Se for denunciá-la ou não, o importante é não se
calar, Arthur. Você está tomando ciência desses abusos
agora e não faço ideia do que está sentindo, mas saiba que
não precisa lidar com isso sozinho, está bem? Pode contar
comigo e, pelo pouco que conheci da sua família, sei que
pode contar com eles também.
Arthur sorri — é pequeno, doce e lindo no seu rosto
— e devolve o beijo no meu rosto.
— Obrigado, Louise.
Ele deixa o quarto, e torço para que consiga de fato
se libertar desse relacionamento e curar as feridas que vão
ficar.
O feriado prolongado acaba mais cedo para mim.
Deixo o quarto de Louise, decidido a procurar Beatriz e
terminar tudo. Não vou sequer me importar em fazer isso
na frente de toda nossa família. Quando chego ao quarto
em que estamos, ela já arrumou suas roupas, pediu um
carro e foi embora. Meu pai disse que foi cedo, por volta de
sete ou sete meia. Ela só disse que tinha surgido um
imprevisto e partiu.
— Está tudo bem, filho? — ele pergunta, terminando
de lavar a louça do café da manhã.
Minha mãe me manda um olhar rápido, secando
uma xícara.
— Não, mas vai ficar.
— Arthur, quer contar o que está acontecendo? —
dona Elisa pergunta, aproximando-se de mim. Ela segura
nas minhas mãos e me olha com carinho. — Desde ontem
que estão brigados. Conta pra gente, talvez possamos te
ajudar.
Balanço a cabeça em negativo. Não estou
preparado para me abrir — ainda estou processando tudo
que Louise me disse, tomando consciência da gravidade
das atitudes da minha futura ex-noiva — e também porque
quero ter essa conversa com Beatriz primeiro.
— Prometo que vou contar tudo, mas não agora,
mãe. Tenho que… — Pauso um instante pequeno. — Me
resolver com Bia antes.
Papai parece entender o que de fato minhas
palavras significam e se vira um pouco na minha direção,
ele ainda ensaboando as últimas xícaras.
— Vai embora também?
Assinto.
A conversa com Louise abriu meus olhos para os
abusos de Bia e além. Estou desconfiado de uma coisa e
quero voltar para a cidade para comprovar. O feriado foi
ontem, quinta-feira, e hoje é ponto facultativo. Grande parte
do comércio está funcionando normalmente e vou
aproveitar para, além de romper com Bia, tirar minhas
dúvidas.
— Preciso ir.
Dou um beijo em cada um deles e volto lá para
cima. Converso com Louise, perguntando se tudo bem por
ela que eu vá embora antes do previsto, e ela alega que já
está bem acolhida na minha família e que vai passar o
restante do fim de semana muito bem com eles. Dando-me
um beijo no rosto, deseja-me sorte e, mais uma vez, reitera
que se precisar de apoio, posso contar com o dela.
Assim que chego à cidade, vou direto ao hospital
que Beatriz tem convênio e confirmo minhas suspeitas.

Prefiro procurá-la no seu apartamento a pedir que vá


até o meu para termos essa conversa. Na verdade, nem
tentei me comunicar com ela desde que foi embora da casa
de veraneio dos meus pais, mas sei que está em casa. O
porteiro do prédio me confirma assim que pergunto se ela
está aí. Tenho autorização prévia para subir e, durante o
caminho, vou pesando meus sentimentos. Cada vez mais
perto de romper um noivado de dois anos — que chegou
ao absurdo de ter violência sexual envolvido —, começo a
sentir o peso da minha decisão. Quero mesmo quebrar
esse ciclo de violência e toxidade que sempre foi minha
relação com Beatriz, mas isso não torna o momento mais
fácil. É difícil abrir mão de um relacionamento duradouro,
dos planos que fiz, dos sonhos que projetamos. Tenho a
impressão de que estou jogando tudo no lixo, quatro anos
juntos perdidos, até a impressão de que, em algum nível,
eu ainda a ame, o que na verdade deve ser só apego ou
dependência emocional, mas não amor. É difícil, mas
necessário. Para o meu próprio bem.
Uso minha chave uma vez que estou frente à sua
porta. Ela parece surpresa, atrás da mesa de vidro que tem
em um canto da sua sala — um escritório improvisado no
meio da área social — quando me vê. Um instante depois,
a surpresa dá lugar a desdém. Sério que ela ainda vai se
fazer de vítima quando é a errada dessa história toda?
— Olha só quem abriu mão de estar ao lado da
Louise para vir me procurar. Confesso que não esperava
que fosse priorizar nosso relacionamento.
— Precisamos conversar.
Beatriz volta seu olhar para alguns papéis que tem
em mãos e responde:
— Se vai falar de ontem à noite, nem perca seu
tempo. Não estou arrependida de fazer o que foi
necessário para ter um bebê.
Engulo em seco, sentindo o peito comprimir. Agora
que tomei ciência de que ontem à noite o que aconteceu foi
um abuso, não sexo, ouvi-la falar sobre isso com tanta
naturalidade me deixa aflito e ansioso. É difícil encarar a
mulher que passou os últimos quatro anos infligindo toda
sorte de violência e abusos contra mim, o homem que
disse que amava. Se não fosse por Louise, acho que
nunca teria reconhecido que Beatriz é tóxica, que abusou
de mim diversas vezes, ainda preso a ideia de que homens
não sofrem esse tipo de coisa.
— Vim para romper nosso noivado.
No instante dessas palavras, ela ergue os olhos na
minha direção, completamente assustada.
— Como é?
Aperto o maxilar e repito:
— Vim para romper nosso noivado.
— Arthur, do que está falando? — pergunta, com
cuidado, e finalmente sai de trás da sua mesa, vindo na
minha direção.
— Isso mesmo que está entendendo.
Ela balança a cabeça de um lado a outro.
— Louise que colocou essa ideia absurda na sua
cabeça, não é? Ela está doida para te roubar de mim.
— Não. A Louise só me ajudou a enxergar o quão
mal você me faz.
— Não está falando sério! — Ergue a voz,
apontando o dedo na minha direção. — Não pode estar
falando sério!
— Nunca estive tão certo em toda minha vida,
Beatriz — rebato, mantendo a firmeza e a seriedade na
minha voz. — Acabou. Não vai mais controlar minha vida,
meu humor, não vai mais me manipular, mentir pra mim e,
acima de tudo, não vai mais passar por cima das minhas
vontades.
Ela me encara por um segundo inteiro, confusa e
boquiaberta.
— Nunca menti pra você, Arthur.
— Mentiu. Nunca teve bebê nenhum, Beatriz. —
Vejo quando ela dá um passo cambaleante para trás. —
Não teve bebê, não teve aborto espontâneo. Inventou a
gravidez porque sabia que eu ia voltar pra você por conta
disso. Só que poderia demorar a engravidar de verdade
depois que reatássemos e eu poderia desconfiar do tempo
gestacional. Por isso, inventou a história do aborto
também. Mais uma vez, contou que eu não teria coragem
de romper nosso noivado depois de passar por uma
situação tão delicada. — Balanço a cabeça de um lado a
outro, sentindo-me um idiota por ter me deixado ser tão
facilmente manipulado na mão dela. — Descobri a verdade
indo na clínica que tem convênio. Nunca fez qualquer
procedimento de curetagem.
Penso que Beatriz vai continuar mentindo, que vai
inventar uma desculpa desesperada qualquer para me
fazer ficar. Surpreendentemente, ela não nega.
— Te queria de volta — argumenta, com um tom de
voz baixo e calmo. — Não me culpe por encontrar uma
medida desesperada, mas necessária, para não perder
você para sempre. Mas agora, Arthur, agora existe uma
chance real de eu estar carregando um filho seu. — Bia
leva as mãos ao abdômen, sem tirar os olhos de mim. —
Vai me deixar justamente neste momento? Quer que seu
filho cresça sem pai?
— Suas chantagens não vão mais funcionar comigo
— digo, com um suspiro exasperado. — Se por acaso
engravidar, e vou torcer muito para que tenha tomado
anticoncepcionais por tempo o bastante para que duas
semanas sem os ingerir não seja o suficiente para
falharem, eu vou assumir meu papel. Essa criança não vai
crescer sem pai e vou dar tudo e mais um pouco que ela
precisar. Mas nós dois. — Aponto de mim para ela. —
Nunca mais vai acontecer.
Viro nos calcanhares, pronto a partir e dar essa
conversa por encerrada, mas a mulher avança na minha
direção e me pega pelos punhos, com força e raiva, e me
gira na sua direção de novo.
— Não pode fazer isso comigo! A Louise fez sua
cabeça, não é? Aquela lambisgoia…
Solto-me da sua pega com um movimento brusco.
— Ela não fez nada, caralho! — Perco a paciência,
inflado demais de raiva e mágoa com Beatriz. Por ontem,
por todas as vezes que me anulei por ela, que deixei de ser
quem sou para não a aborrecer e, principalmente, pelos
seus abusos. — Olha pra você, Bia. — Espalmo na sua
direção. — Sequer está arrependida pelo que fez ontem.
Se aproveitou que eu estava bêbado, não respeitou minha
vontade de não fazer sexo, de não gozar dentro de você,
não ter um bebê, um bebê que só quer ter para me
manipular, me chantagear e me afastar da minha filha com
Louise! — Tomo uma grande golfada de ar. — Não espere
que eu construa qualquer futuro ao lado de alguém como
você.
A mulher empina o nariz, mãos na cintura, em uma
pose de desdém, autoconfiança e senso de superioridade.
Mas também noto que seus olhos vacilam e que, por mais
que tente demonstrar que não está abalada com minha
decisão, seu olhar revela que não só está abalada, como
está desesperada também.
— Está cometendo um erro tão grande me
deixando. Nunca vai encontrar uma mulher tão boa quanto
eu. Sou melhor do que qualquer uma que já passou pela
sua vida e as que ainda vão passar. — Beatriz gesticula
para si mesma, de cima para baixo, para acentuar seus
atributos físicos: magra que usa trinta seis, como se isso
fosse mesmo algum mérito. — Sou melhor do que qualquer
uma. Qualquer uma — repete.
Balanço a cabeça em positivo.
— Pode se achar superior, Beatriz. Pode acreditar
que é melhor do que todas as outras, mas isso não te faz a
melhor pra mim.
Sua postura vacila um instante e sei que a atingi.
— Nunca vai encontrar alguém como eu, Arthur!
— Deus te ouça.
Sem querer estender mais essa conversa, eu tiro a
aliança dourada do meu dedo anelar direito e viro nos
calcanhares. Na saída, deixo-a sobre o aparador.

— Tem um minuto pra mim? — pergunto, parando


sob o umbral da porta da sua sala, que está aberta.
Lá dentro, atrás da mesa e de frente par ao
computador, Louise está concentrada. Ela sorri ao me ver e
gesticula para que eu entre.
— Como foi o restante do feriado prolongado com
minha família? — pergunto, sentando-me em uma das
poltronas.
A última vez que nos vimos foi na sexta-feira, e hoje
já é segunda. Não nos falamos desde então. Passei o fim
de semana todo ignorando os telefonemas e mensagens
da Beatriz e tratando de ocupar minha cabeça com
trabalho e exercícios físicos.
O sorriso que ela dá quase ilumina o quarteirão.
— Foi maravilhoso. Nos divertimos tanto, Arthur.
Uma pena não ter podido ficar. — Assinto, feliz que tenham
se dado muito bem e que Louise tenha ficado confortável
com todos eles. — Sua mãe fez uma sobremesa tão
maravilhosa no sábado que tive que me esbaldar um
pouco.
— Deixa eu adivinhar: torta com frutas? — Louise
balança a cabeça vigorosamente, mantendo o sorriso
enorme. Rio um instante. — É de lei ela fazer essa torta.
Sempre. Natal, ano-novo, aniversário. Qualquer ocasião.
Todo mundo ama.
— Não vou me importar em ser chamada para
outros feriados em família — diz, passando a língua pelos
lábios. Um sorriso pequeno surge em mim porque é tão
bom estar perto do alguém que tem a mesma vibe que
você, que compartilhe do mesmo humor. — Como foi com
Beatriz? — Sua pergunta é cautelosa.
Recosto-me na cadeira e coloco os pés sobre sua
mesa. Louise ri e dá um tapa no meu sapato. Rio junto com
ela por um segundo e ajeito a postura.
— Rompemos mesmo. Ela não aceitou, disse que
era melhor do que qualquer outra, que você estava
tentando nos separar. — Aqui, a mulher revira os olhos. —
Tem me atormentado desde então. Estou quase
bloqueando o número dela.
— Já deveria ter feito isso.
— É. Só vim aqui hoje assinar uns papéis e porque
ela não está. Soube que está resolvendo uma burocracia
qualquer. Enfim. Vim informar a Jéssica e o Saulo que
ficarei uns dias em home office. Sem condições de
trabalhar com Bia nesse momento.
— Vantagens de ser o patrão.
Afirmo, com um sorriso. Conto para ela sobre todo o
resto da história — a invenção da gravidez e do aborto —,
e Louise pergunta o que farei a respeito sobre sexta de
madrugada. Sinceramente, ainda não sei. Meu
silenciamento pode dificultar que outros casos assim sejam
denunciados. Por outro lado, só de pensar em tudo que
posso passar — de desacreditarem a virar piada por não
gostar de ter sido estuprado por uma mulher bonita — me
dá uma agonia diferente no peito. Também não sei como
me sinto em relação a tudo isso. Demorei tempos demais
para reconhecer os abusos, e agora que os reconheço, o
sentimento tem se parecido mais com decepção, mágoa e
tristeza. Dói entender que minhas vontades foram
ignoradas, que fui desrespeitado e usado. Ao mesmo
tempo que quero que outras pessoas enxerguem que
existe muita violência sexual sutil, tenho medo de que
duvidem de mim e, em vez de ajudar, isso colabore para
mais silenciamentos.
— Ainda não sei o que fazer — confesso, por fim. —
Mas não vim aqui falar disso, Lou. Quero saber se posso
passar na sua casa depois do expediente.
— Vai justamente na hora do jantar, não é?
Solto uma gargalhada gostosa.
— Desculpa, mas é o único horário que vou
conseguir ir. Prometo que levo uma sobremesa dessa vez.
— Será que consegue uma torta de frutas da sua
mãe?
— Consigo.

Ela toma a torta das minhas mãos assim que atende


o portão. Louise nem me recebe direito e avança casa
adentro, inspirando fundo o aroma do doce. Não a julgo
porque faria o mesmo. Na sua cozinha conjugada, como de
costume, o balcão já está posto. Tem um refratário com
uma salada bem colorida, uma panela com arroz, uma
cumbuca de barro com feijão e um prato com filés de
frango grelhado. Perto disso tudo, pratos, talheres, taças e
uma garrafa do seu vinho sem álcool. Ela coloca a torta ao
lado de tudo e indica para eu me sentar. Ela ri porque
quando faz isso, eu já estou sentado, dando uma olhadinha
na janta.
— Veio só para jantar, não é, Arthur? Pode
confessar que ama a minha comida.
Dou de ombros, pegando o prato que ela me passa
para me servir. Coloco uma concha de feijão e uma
escumadeira de arroz. Escolho o filé mais queimadinho e
encho o prato de salada. Vim comer a comida dela sim
porque é muito boa. Me julguem! Louise ri, movendo a
cabeça de um lado a outro, e se senta de frente para mim,
já com seu prato montado, e coloca vinho nas nossas
taças.
— O que tem para falar comigo?
Corto um pedaço do meu filé.
— Nada.
Louise apoia os cotovelos na mesa e me olha.
— Disse que queria falar comigo.
Movo a cabeça de um lado a outro.
— Não. Perguntei se podia passar aqui depois do
expediente. Em momento algum falei que precisávamos
conversar. Como pode notar, hoje vim mesmo só para
jantar. Me convidei a mim mesmo.
Louise começa a rir. Um riso gostoso, alto, sonoro.
Isso me contagia e rio junto com ela.
— Me sinto na obrigação de ir na sua casa jantar
também. Seu folgado.
Nego.
— Jantar é aqui. Pode ir almoçar. Aliás, já podemos
até marcar. Quero te mostrar uma coisa. Pode ser na
semana que vem, ao meio-dia?
— Você não tem jeito, Arthur. — Louise bebe um
gole do seu vinho sem álcool e dá uma garfada na carne.
— Segunda, ao meio-dia. Adoro lasanha.
— Pois vai experimentar a melhor de todas.
Confiro as horas no meu relógio de pulso e
constato que não falta muito para Arthur chegar. Eu disse
que não precisava vir me buscar para aquele almoço que
combinamos na semana passada, mas ele insistiu. Por
isso, apresso-me a terminar o trabalho para não me
atrasar. Dou mais algumas instruções ao editor de vídeos
para que o material de marketing de uma academia fique
como o cliente pediu.
— Dando esses retoques, pode enviar as provas
para o cliente. Me comunique se ele exigir qualquer
alteração ou ajustes, ok?
O funcionário assente e vai fazer seu trabalho. Deixo
sua baia e caminho até minha sala para pegar minha bolsa.
Estou trancando a porta quando o sinto às minhas costas.
Ao me virar, aquela cara linda de paspalho dele está a
poucos metros de mim. Arthur tem um sorriso gostoso e
casual, as mãos nos bolsos de um conjunto esportivo, os
cabelos um pouco bagunçados, e todo o ar de humor
contagiante que exala dele me faz abrir um sorriso na sua
direção.
— Pontual como sempre. — Ele me oferece o braço
e engancho o meu no dele. — Como está sendo o home
office? Dormindo muito ao invés de trabalhar? — brinco
enquanto caminhamos até o elevador.
Ele ri e nega com um gesto. Até me surpreende que
Arthur tenha decidido vir me buscar. Sei que está tentando
evitar Beatriz a todo custo que, diferente dele, bate ponto
na empresa todo dia, mesmo que seja uma das maiores
sócias, e trabalha junto com os lá de cima. Com a fusão
das duas empresas, nós agora temos quatro chefes, em
vez de dois que inicialmente eram Saulo, o chefe
executivo, e a Jéssica, a vice-presidente. Arthur é o
segundo no comando, atuando como co-CEO. Sei que seu
foco de atuação será em áreas de marketing,
principalmente as que envolverem audiovisual,
gerenciamento de acionistas e estratégia de crescimento.
— Estou trabalhando em dobro, se quer saber.
Parece que a maior parte do tempo passo limpando aquele
apartamento. Olha, preciso bater palmas para todas as
donas de casa, viu? Não é um trabalho fácil, não é
remunerado e as pessoas ainda têm coragem de perguntar
se elas não trabalham!
Chamo o elevador, rindo do seu tom de voz
dramático. Ele está completamente certo, mas é o seu
humor típico e contagioso que arranca de mim uma risada
sincera.
— Comece a dar mais valor nas donas de casa.
Arthur solta seu braço de mim e passa a mão em
torno da minha cintura porque é uma posição mais
confortável dentro do elevador. Descemos alguns andares
assim, conversando amenidades, sem que eu perceba que
seu toque é completamente inocente e despretensioso.
Não me importo com tamanha aproximação ou intimidade
— o bonito aparece para jantar ao menos três vezes na
semana! — e admito para mim mesma que até gosto do
abraço e do carinho leve e inconsciente que faz na altura
da minha coluna.
Toda a leveza que nos ronda vai embora assim que
o elevador se abre no saguão do prédio. Beatriz está
parada do outro lado. Tem fúria e ciúme em cada canto do
seu olhar. Ela aperta forte a bolsa que carrega no ombro e
se vira para mim, como se pudesse me matar apenas com
esse movimento.
— Isso porque você não queria o meu homem, não
é?
— Beatriz, não começa.
Arthur desfaz o contato comigo apenas para puxar
minha mão e me tirar de perto da ex-noiva que, com toda
certeza, não vai se importar em armar um barraco aqui e
agora. Contudo, ela vem atrás de nós e se põe no nosso
caminho.
— Não começar? Você me deixa por causa dela,
usando uma desculpa esfarrapada, e não quer que eu me
sinta magoada? Aceito que tenha me deixado por essa daí.
— A expressão de nojo que lança na minha direção faz
uma raiva crescer dentro de mim. — Mas ao menos
poderia ter sido sincero comigo!
A mulher começa a chamar atenção. Funcionários e
clientes ao redor olham para nós e cochicham. Já tive
paciência demais com Beatriz. Detesto essa rivalidade, de
verdade, mas não vou deixar que faça escândalo e, ainda
por cima, me faça sair como a errada da história. Dois
tempos para me olharem como se eu fosse a vagabunda
que roubou o noivo dela e, sinceramente, não estou a fim
de levar esse título.
— Arthur não te deixou para ficar comigo, Beatriz.
Nem juntos nós estamos! Mas se tivesse sido isso mesmo,
se ele tivesse te deixado por causa de mim ou de outra
mulher, deveria ter um pouco mais de dignidade e amor-
próprio e não se prestar a esse papel!
Não espero por qualquer resposta sua, solto-me do
aperto dele e caminho para fora. Deixo os dois para trás,
em uma discussão acalorada que não tenho interesse de
assistir. Caminho até o estacionamento do prédio e localizo
o carro dele. Encosto-me à lataria e espero por longos
quinze minutos até Arthur aparecer. Vem em um caminhar
hesitante, cabisbaixo. Meu coração aperta. Lá em cima, ele
era pura luz e alegria. Bastou uns minutinhos de conversa
com a ex-noiva para que ficasse abatido. Engulo em seco,
pensando em quantas pessoas não passam pela mesma
coisa. Estar em um relacionamento tóxico é ruim, mas às
vezes, sair dele parece ainda pior. Parceiros que não
aceitam términos, que perseguem, ameaçam. Matam.
Confesso que fico apavorada em pensar no mal que
Beatriz ainda pode causar no psicológico desse homem.
Seria bom se ele se afastasse dela de vez. Cortasse
contato definitivo.
— Desculpa te fazer esperar. A Beatriz…
— Você está bem?
Ele levanta os olhos diante essa pergunta.
— Ela suga minha energia — reclama, passando os
dedos longos nos fios. Parece que, ao puxar os cabelos,
liberta a angústia que sente. — Estragou meu dia.
Aproximo-me e o seguro pelas mãos.
— Não fala assim. Ainda nem é uma da tarde. Muita
coisa pior pode acontecer para realmente estragar seu dia.
Ele ri baixinho e me olha por longos segundos. Meu
coração dá uma batida descontrolada diante os olhos
castanhos sobre mim. O mais engraçado nisso tudo é que
não consigo cortar esse contato visual. Quero ficar aqui o
resto da vida fixa nesses olhos bonitos. O castanho nas íris
do Arthur é mais claro…Na verdade, acho até que nem é
castanho. Bem pertinho agora e mais atenta, parece-me
que é avelã. Lindos do mesmo jeito.
— Nunca deveria ter deixado você escorrer pelos
meus dedos — sussurra, dando um passo na minha
direção.
Não recuo, o que faz com que seu corpo quente e
grande prense o meu levemente contra a lataria do carro.
Sinto uma intimidação emanando desse ato, mas não é
algo ruim. É bom, excitante, que me dá um frio gostoso no
estômago.
— Está falando de quê?
Ele faz um afago delicioso na minha cintura antes de
estacionar a mão no meu abdômen.
— Sobre nós, Louise.
É isso. Ele não diz mais nada. Entendo o que quis
dizer, mas me faço de sonsa. Arthur tampouco insiste no
assunto. Simplesmente se afasta, destranca o carro e abre
a porta para mim. Meia hora depois, estou no seu
apartamento. A cozinha está limpa e organizada para o
momento. Ele me pede para ficar à vontade e vai buscar a
comida. Traz tudo em refratários de vidro e apoia sobre
mesa. Sorrio quando sacode uma garrafa de vinho sem
álcool e tira a rolha.
— Não vejo a hora de poder beber vinho de verdade
— reclamo enquanto me serve com a lasanha.
— Ih, isso vai demorar um pouco. Talvez uns três ou
quatro anos? Quanto tempo pretende amamentar nossa
menina? O recomendado é dois anos, sabe disso, né?
Ergo uma sobrancelha e não evito outro sorriso. Fico
me perguntando como Beatriz pode não gostar desse
jeitinho todo feliz e descontraído dele.
— Está confiante demais que é menina, Arthur.
Ele dá de ombros e passa o prato e a taça com
vinho para mim. Sentando-se ao meu lado, começa a tirar
uma porção para si também.
— Eu sei que é. Agora, responde.
— Vou amamentar por todo tempo que ela quiser. —
O homem sorri quando digo “ela”. Reviro os olhos e dou
uma garfada na minha comida. — “Ela,” a criança, Arthur!
Gênero neutro!
Então, ele gargalha. Aquela gargalhada deliciosa
que cansei de ouvir na semana que passamos juntos. Tem
que ser uma pessoa muito mal-humorada e de mal com a
vida para não gostar de ver esse homem feliz. Deixo que a
felicidade de Arthur me contamine. Pouco tempo atrás, ele
disse que Beatriz havia estragado seu dia. Não é o que
parece agora.
O jantar é regado de conversas gostosas, risos
baixos ou gargalhadas exageradas. Ele me conta como
tem sido os últimos dias de home office, e eu o atualizo
sobre os projetos em que estou trabalhando.
Inevitavelmente, o assunto chega em sua ex-noiva. Ele
quer saber se, depois que romperam, a mulher não veio
me perturbar. Por incrível que pareça, a resposta é não.
Que continue assim.
— Espero que depois de hoje ela continue não indo
me atazanar as ideias.
— Me avisa se isso acontecer. Vou tomar alguma
providência.
Baixo os olhos e peso bem as palavras.
— Acha que é bom se manter tão perto dela dessa
maneira? Tenho medo de Bia não te dar sossego, Arthur.
Ele me analisa por um segundo, os olhos fixos e
atentos em mim. Levo outro segundo para compreender o
que eu disse. “Tenho medo de Bia não te dar sossego”.
Soou preocupado. Bem, eu estou mesmo preocupada com
isso. Ele é um cara legal e não merece que a ex-noiva
fique no pé dele. É preocupação de amiga, juro.
— Não tenho muito o que fazer a não ser tentar lidar
com isso da melhor maneira possível.
— Não pode comprar a parte dela e enxotá-la da
empresa?
Ele ri um pouquinho.
— Acha que ela vai querer me vender? Ainda mais
agora com a fusão que vai valorizar nossas ações.
— O jeito é vender a sua, então — brinco.
O homem se treme inteiro e bate na mesa com os
nós dos dedos.
— Se soubesse o quanto trabalhei pra fazer a
empresa crescer não estaria falando essa asneira —
responde, e ri, o tom demonstrando que não está bravo
com a sugestão. — Desde muito cedo, Lou. Juntei dinheiro,
comprei ações pra gerar dividendos, economizei… ganhei
pensão dos meus pais como todo bom filho mimado de
classe alta. — Não contenho uma risadinha. — Fiz muito
pra UpMidia nascer e crescer. Negociei a fusão por dois
anos. Não estou negando de vender minha parte na
empresa, estou negando vender uma parte da minha vida,
dos meus sonhos. Sempre visei essa fusão como meio de
alcançar minhas aspirações. Não vou desistir agora, não
por causa da Bia. Vou lidar com ela, não se preocupa.
Assinto, confiante de que ele vai saber contornar a
situação com a ex.
Depois que comemos, Arthur tira da geladeira outa
torta de frutas da mãe. Até salivo quando ele corta um
pedaço e diz que pediu para dona Elisa fazer
especialmente para mim. Esse homem vai me deixar mal-
acostumada. Quando terminamos, quero ajudá-lo com a
louça, mas ele diz que não precisa.
— Agora, quero te mostrar aquela coisa que
comentei com você na semana passada. — Pega-me pelos
punhos e me arrasta apartamento adentro, levando-me até
o corredor dos quartos. Paramos frente a uma porta e olho
para ele, curiosa.
Arthur faz algum mistério e sua habitual gracinha
antes de abaixar o trinco e abrir a porta. Prendo a
respiração um segundo enquanto meus olhos analisam
tudo ao redor e meu cérebro processa o que esse homem
fez. É o quarto do bebê. Todo branco. Já tem um berço
montado, com mosquiteiro e tudo, uma poltrona, bichinhos
de pelúcia em prateleiras, livros infantis. Um abajur sobre
uma mesinha de cabeceira e uma cortina delicada na
janela. Um guarda-roupa pequeno e porta-retratos que no
futuro serão preenchidos. Também tem uma cama de
solteiro ao lado do berço. Ele não é nem um pouco
precipitado, não.
— Desde quando…? — pergunto, virando-me na
sua direção.
Ele dá de ombros.
— Comecei na semana passada mesmo, depois que
terminei com Bia. Tenho um amigo que é decorador. Ele
trabalhou esses dias todos aqui. Quando fui jantar na sua
casa, já estava em andamento.
Adentro mais o lugar e passo a mãos pelos móveis.
Abro o guarda-roupa, que já tem algumas pecinhas de
bebê. Arthur fez em uma semana o que eu levaria alguns
meses para fazer e que nem comecei ainda. Será que ele é
ansioso?
— Não acha que é um pouco cedo para isso? —
pergunto, com cuidado, analisando um ursinho em um
nicho na parede. — O bebê vai demorar algum tempo até
poder vir dormir com você. Aliás, acha que é bom
conversarmos com nossos advogados para decidirmos
sobre as visitas ou podemos combinar tudo
amigavelmente?
Com as mãos nos bolsos, ele se aproxima depois de
encostar a porta. Seus olhos estacionam um instante no
berço bem arrumadinho, e nesse olhar tem um sentimento
bonito, paternal.
— Eu sei que vai demorar um pouco, mas não fiz
isso pensando em quando minha filha vai poder vir dormir
comigo. Fiz porque… — Ele pigarreia e olha para mim. —
Quero que venha para cá depois que a bebê nascer. Vai
precisar de ajuda durante… Como chama mesmo o
período pós-parto? Quaresma?
Solto uma gargalhada alta. Não sei se sua dúvida é
genuína ou se é uma piada.
— Resguardo ou quarentena, Arthur — corrijo-o,
recuperando-me do ataque de riso.
— Passei perto! — Ele ri comigo e se aproxima mais
de mim. — Esse período é bem delicado, né? Estive a
semana toda lendo sobre isso. Vai precisar de ajuda,
Louise, e sei que é sozinha. Lembro que me contou que
sua mãe faleceu quando tinha quinze anos e seu pai se
mudou já faz algum tempo. Então, fica aqui. Vou te ajudar
em tudo que for preciso.
Olho ao redor de novo, comovida com o zelo, o
carinho e a preocupação.
— Eu venho — digo e, quando me viro para ele de
novo, o homem está perto demais de mim.
Prendo a respiração, sentindo meus batimentos
cardíacos acelerarem de forma desordenada. Sempre
soube que Arthur mexia comigo mais do que o comum.
Durante aquela semana em que passamos juntos, tive que
me esforçar para não perder o foco e me envolver com ele
mais do que deveria. Agora, o sentimento parece
potencializado. Separo os lábios para dizer algo, mas ele
aproveita para me tomar em um beijo lento. Sua mão
agarra minha cintura, arrastando-me para mais perto dele.
Eu retribuo sem resistência, mais isso dura só uns dez
segundos. Afasto-o de mim, por mais difícil que seja, e
inspiro fundo.
— Você acabou de sair de um noivado, Arthur —
sussurro, sentindo minha voz mais rouca que o normal.
Olho para seu tórax bonito, sem coragem de encará-lo.
— Eu sei — responde, o tom também rouco, como
se carregasse aflição, desejo e paixão.
— E dissemos para Beatriz que não estamos juntos
— completo.
— Eu sei.
Balanço a cabeça em positivo e dou um passo atrás.
Ergo os olhos na sua direção, e ele está ali, olhando-me
com expectativa.
— Acabou de sair de um noivado — repito. — Não é
o melhor momento para se envolver com alguém, entende?
Antes, precisa lidar com seus sentimentos não resolvidos,
entender o que realmente quer comigo, se dar um tempo e
aproveitar. Não se apaga… Quanto tempo de
relacionamento?
— Quatro anos.
— Não se apaga quatro anos de relacionamento do
dia para noite. Não vai te fazer bem se envolver com outra
pessoa justamente agora. Se cura dessas feridas primeiro,
Thur. — Ele abre um sorrisinho diante o apelido que
demoro a notar que pronunciei. — Cuida da sua mente e
do seu coração antes, depois você pensa em um novo
romance.
— Nunca ninguém me dispensou de um jeito tão
carinhoso — brinca.
Eu sorrio, apesar de me sentir um pouquinho mal
por fazer isso. Mas sei que é necessário para nós dois.
Aproximo-me o passo que recuei e seguro suas mãos. Ele
é uma pessoa boa demais para que eu deseje vê-lo
machucado.
— Gosto de você — confesso e sou sincera em
todas as letras —, mas pensa nas consequências que isso
vai trazer para nós dois se começarmos um romance
agora. Mesmo que seja só sexo, nada sério. Mas pensa
principalmente em você, Arthur. Como está se sentindo
desde que terminou o noivado? Por pior que a Bia seja,
você gostava dela o suficiente para querer casar. Tem que
estar sentindo alguma coisa com esse término. Nem que
seja raiva.
Ele balança a cabeça em positivo.
— É confuso. Foi uma semana de alívio, mas
também de… indecisão. Ela não para de me procurar no
telefone e, às vezes, fico tentado a dar uma chance pra ela
de novo, fico inclinado a acreditar nas suas promessas de
que vai mudar, que vai ser mais compreensiva, menos
ciumenta, ainda mais em relação a você. Me prometeu que
também vai esperar o momento certo pra termos um bebê,
mas… — Ele fecha os olhos e balança a cabeça. — Perdi
minha confiança nela, sabe? Só que ao mesmo tempo,
penso como seria se desse outra chance.
Aperto seus dedos nos meus.
— São promessas vazias, sabe disso, não é? Não
acho que Beatriz mudaria assim por você. Ao menos, não
se não frequentassem uma terapia de casal.
— Se conheço bem aquela mulher, ela jamais
aceitaria isso.
— Resiste um pouco mais. Sei que é confuso tudo o
que a gente sente quando sai de uma relação abusiva. Eu
vivi uma com dezoito anos e precisei ser muito forte para
não cair na lábia dele. Quando se libertar de vez disso
tudo, nunca mais vai ficar indeciso se volta com ela ou não,
mas não vai conseguir se almeja uma relação tão já,
quando tudo ainda é recente. Pode sair machucado, como
pode machucar outra pessoa.
Arthur suspira e assente, apertando meus dedos nos
seus.
— Tem razão. Gosto de você, Louise. Se não
tivesse desaparecido meses atrás, teria investido em ti. —
Abro um sorriso pequeno, pensando que o sentimento é
recíproco. — O que provavelmente teria sido um erro
porque eu também tinha acabado de terminar com a Bia e
quando ela me contasse da gravidez… — Arthur faz uma
pausa pequena pausa, desviando os olhos de mim. —
Acho que teria tomado uma atitude ruim o suficiente para te
magoar.
— Que bom que eu sumi, então.
Ele balança a cabeça em positivo, com um sorriso
gostoso na boca.
— Vou me dar um tempo, mas ainda quero você —
ele diz, e prendo a respiração de novo, mexida com sua
declaração. — Se não estiver mais disponível para mim
quando isso acontecer, serei obrigado a te mandar a conta
do meu psicólogo porque com certeza vou precisar de
muitas sessões para lidar com o seu desprezo.
— Bobo. — Ergo-me nos pés e deixo um beijo no
seu rosto. — Vamos fazer assim? Te espero por um ano.
Deve ser o suficiente para se dar um tempo, trabalhar as
feridas que ficaram e ter certeza que não me quer só para
tapar um buraco no seu coraçãozinho. Daqui a um ano, se
esse fogo todo por mim ainda existir, te dou uma chance.
— Tenho uma condição.
— Manda.
— Se por acaso surgir alguém pra você, não me
espera. Seja sincera comigo, mas não me espera.
Troco um abraço com ele.
— Fechado.
Encerro a videoconferência e fecho a tela do
notebook. Levanto-me do meu lugar, minhas costas
chorando por passar as últimas horas na mesma posição, e
me alongo. Nos últimos dois meses, passei a trabalhar em
home office. Até tentei voltar para a empresa, mas o fato
de Beatriz não me deixar em paz me fez voltar a ficar
entocado dentro de casa. Também tive que tomar outras
precauções para cortar todo nosso contato. Troquei a
minha fechadura e tirei seu nome da lista de pessoas
autorizadas do condomínio. Mudei meu número de
telefone, o que não resolveu muito depois das duas
primeiras semanas. Às vezes, é inevitável e tenho que ir à
empresa. Quando isso acontece, tento aparecer em
horários em que ela não está ou está ocupada.
Dentro do bolso, meu celular apita. Confiro a
mensagem e abro um sorriso pequeno enquanto caminho
até a cozinha.
“Tem consulta hoje. Não esqueceu, né? 17h”.
Deixo-o sobre a bancada, decidindo que vou
respondê-la dentro de dois minutos, e vou até a geladeira.
Separo frios para um lanche e aqueço com duas fatias de
pão em uma sanduicheira. Encho um copo com suco de
laranja e enquanto espero o misto quente ficar pronto,
respondo a mensagem de Louise.
“Não esqueci, Louise. Tô no horário”.
Pego meu sanduíche que já está bom e dou uma
mordida. Limpo os dedos em um guardanapo antes de
conferir a última mensagem dela.
“Tô ansiosa. Será que hoje a gente sabe? Essa
criança não colabora nunca!”
Rio um pouquinho. A bebê tem dificultado as coisas
para nosso lado. Em toda consulta, está de perninhas
cruzadas e não conseguimos saber se é mesmo menina.
Isso está deixando a Louise mais ansiosa que o normal.
Ela está doida para saber se é menino ou menina, não
para qualquer tipo de planejamento — o enxoval que
começou a montar junto com minha mãe é bem colorido —,
mas porque quer me ver perdendo a aposta. Danada.
“Tô falando que é menina. Menino normalmente não
sente tanta vergonha. Ela tá se escondendo.”
Mastigo metade do sanduíche e bebo quase todo o
suco até ela me responder.
“Nossa, não sabia que você era especialista em
comportamento fetal”.
Quase engasgo com o pedaço de pão que desce
pela garganta. Mando uma risada virtual e digo que preciso
terminar de comer. Mando-a se acalmar porque tenho
certeza que hoje vamos saber o sexo do bebê. Ela se
despede e me pede para não atrasar — coisa que nunca
fiz! No quarto, enquanto me arrumo, penso em Louise e na
nossa amizade. Desde a tarde em que ela me disse que
preciso curar minhas feridas antes de embarcar em uma
nova relação que nós estamos cultivando uma amizade
gostosa sem qualquer conotação sexual. Não que, às
vezes, eu não pense nela nesse sentido. No geral, somos
bons amigos. Vou jantar na casa dela ao menos três vezes
por semana, e ela vem com a mesma frequência almoçar
comigo.
Eu amo a pessoa que sou quando estou com
Louise. Ela ri das minhas gracinhas e, muitas das vezes,
entra na minha vibe. Um dia desses até gravamos vários
Tiktok juntos. Em um deles, usamos um áudio de
“Enrolados” em que a Mãe Gothel diz: “Eu já estou velha
de tanto esperar”, enquanto alisava a barriga dela. Depois,
vinha um áudio da Jojo Todynho dizendo “Não me perturba,
não!”, como se fosse o bebê. Rimos demais nesse dia
enquanto gravávamos. É bom ter ao seu lado alguém que
compactua das suas loucuras. Demorei a notar que não
mereço nada menos que alguém que me aceite como eu
sou, que ri das minhas piadas e se junta às minhas
palhaçadas. Louise é essa pessoa e se tornou minha
melhor amiga.
Fico pronto no horário e, antes de ir à clínica,
preciso passar na empresa entregar alguns documentos
para Jéssica. Ligo para lá e pergunto como está a agenda
de Beatriz. Ela está por lá, mas em uma reunião, o que
significa que posso ir mais tranquilo. Ainda assim, quando
chego, ando até a sala da vice-presidência em alerta,
torcendo para não esbarrar na minha ex-noiva. De volta à
garagem depois de deixar toda a documentação nas mãos
da vice-presidente, faço o percurso com o mesmo cuidado.
Já estou quase chegando ao meu carro quando ouço a voz
dela atrás de mim.
— Arthur! — Inspiro fundo pensando se dá tempo de
entrar no carro e arrancar antes que Beatriz me alcance. —
Espera. — Ela segura meus punhos e me vira na sua
direção.
— Ah, oi. — Faço-me de doido.
Beatriz nota isso e semicerra os olhos, as mãos na
cintura. Parece querer dizer alguma coisa a respeito, mas
reconsidera e suspira.
— Queria conversar com você. Seria bom se
atendesse o telefone ou me recebesse no seu
apartamento.
— Não temos o que conversar, Bia — rebato,
tornando a caminhar até meu veículo.
Ela vem atrás de mim, incansável.
— É claro que temos. Arthur, por favor, me ouve! —
Mais uma vez, ela me segura pelos punhos e impede que
eu continue meu trajeto.
Cedo com um suspiro.
— Tudo bem. O que você quer?
Ela me encara por um segundo ou dois e tem certo
temor nos seus olhos. Molha o lábio inferior e fica
cabisbaixa antes de dizer, com a mão rodeando o
abdômen:
— Posso estar grávida. Não fiz o teste pra saber,
mas meu ciclo está atrasado.
Massageio as têmporas e fecho os olhos.
— Não vou cair mais nessa ladainha, Beatriz —
digo, o tom de voz firme. — Se era só isso, perdeu o seu
tempo. — Volto a caminhar, desligando o alarme do carro
agora que estou próximo o suficiente. A mulher não desiste
e vem atrás de mim, dizendo que dessa vez não está
mentindo. Abro a porta do motorista e me viro para ela. —
Tudo bem. Faça a droga do teste, de preferência em uma
clínica, e quero ir junto. Se for confirmado, vou pedir um
teste de DNA antes de qualquer coisa.
— Isso é ridículo! Acha mesmo que eu seria
capaz…
Dou uma risada histérica, interrompendo o que ia
falar.
— Acho sim, Beatriz. Acho que seria capaz de coisa
até pior!
A mulher faz cara de ultrajada e me puxa quando
faço menção de entrar no carro e ir embora. Eu me solto da
sua pegada, com um movimento um pouco mais brusco
porque estou cansado que tente o tempo todo de me
impedir.
— Para com isso.
— Por favor, me dá uma chance! — praticamente
implora, tentando me abraçar. — Arthur, quer mesmo jogar
tanto tempo de relacionamento no lixo? Íamos nos casar,
tínhamos planos lindos e…
— Nada disso importa se vai custar a minha saúde
mental — rebato e suspiro, cansado dessa conversa. É
esse o efeito que Beatriz sempre te sobre mim. — Nada
disso importa se minhas vontades e desejos serão
desrespeitados. — Movo a cabeça em negativo. — Bia,
aceita que acabou, por favor. Estou bem sem você.
Ela dá um passo atrás, como se atingida pelo que
eu disse.
— Diz como se não tivesse sido feliz comigo. Disse
que me amava, Arthur. Seu amor por mim acabou assim,
do dia para a noite?
Nego com um gesto de cabeça.
— Não, Beatriz. Ele acabou aos poucos. Você
acabou com ele aos poucos. Desgastou meus sentimentos
com seus ciúmes, paranoias, manipulações e abusos.
Ela dá uma risada seca, indignada.
— É muito fácil me responsabilizar por isso, não é,
Arthur?
Ergo as mãos, em sinal de rendição.
— Não vou ficar aqui discutindo com você. Só te
peço para, por favor, me deixar em paz. Não quero ter de
aumentar minhas sessões com a terapeuta porque está me
perseguindo. Aliás — digo, e dessa vez consigo me
acomodar no banco do motorista e inserir a chave na
ignição. — Fica o conselho para fazer o mesmo. Vale muito
a pena, sabe?
— Não preciso de terapia.
Bato a porta e dou a partida. Pelo vidro aberto,
respondo:
— Continue pensando assim e vai continuar fazendo
mal a si mesma e às pessoas que entrar na sua vida.

Louise parece uma menininha mimada. Rio da sua


cara fechada com um biquinho dramático e rio ainda mais
quando ela me mostra a língua por eu estar caçoando dela.
Mais uma vez, não conseguimos saber o sexo do bebê, o
motivo de estar assim. Sei que está impaciente pelo
resultado, o que é completamente normal, e agora decidiu
que não quer mais saber.
— Vou respeitar a decisão dessa criança de não
querer se mostrar até nascer — diz enquanto caminhamos
pelas lojas do shopping. Depois de sair da clínica, ela quis
vir até uma loja infantil comprar mais algumas peças para o
enxoval. — Agora, mesmo se der para saber, não vou
querer!
— Está respeitando a “decisão” — digo, fazendo
aspas com os dedos — da Pietra ou só está fazendo
pirraça?
Louise olha para mim, rindo um pouquinho.
— Pietra é o nome que escolheu caso seja menina?
— É menina, Louise. Por isso, estou tranquilo assim.
Se eu não tivesse certeza, estaria impaciente igual você.
Ela me empurra com os ombros e engancha seu
braço no meu. Olho para esse contato, Louise ainda
tagarelando alguma coisa que não dou atenção porque
estou ocupado demais lidando com o sentimento dessa
aproximação.
— Por que Pietra? — pergunta, cutucando-me nas
costelas. Subo os olhos na sua direção e me dou conta de
que paramos frente a uma loja e ela está namorando a
vitrine antes de decidir se entra ou não.
— Gosto desse nome e da origem dele, além de
combinar com o sobrenome paterno de raiz italiana, hã —
digo, fazendo o gesto típico dos italianos com as duas
mãos enquanto reforço “italiana” com um sotaque.
— Você é besta demais. — Louise ri, apertando
mais seus braços ao redor do meu.
Sem dizer mais nada, puxa-me para dentro da loja e
começamos as compras. Toda a atenção dela agora é
escolher as peças perfeitas. Enquanto escolhe as roupas,
eu vou para outra seção e escolho outros itens de bebê.
Chupeta, mamadeira, babadores, roupões, toalhas. Depois,
concentro-me em produtos para Louise porque notei que
não comprou nada para ela. Escolho algumas coisas
básicas, como bombinhas para leite e pomadas para os
seios (que eu descobri, durante uma pesquisa, que racham
nos primeiros dias e doem muito) e almofada para
amamentação.
— O que são essas coisas? — Louise pergunta,
parando ao meu lado do balcão e colocando um mar de
roupinhas para a vendedora contabilizar.
— Uma parte é pra ti. — Mostro alguns dos produtos
que peguei. — Estamos esperando um bebê, mas você
também merece cuidados.
Ela sorri gostoso, olhando para os artigos, depois
pega as outras coisas que selecionei e o sorriso aumenta.
Parece comovida ou qualquer coisa assim. Mas dá para
reconhecer que está feliz.
— Queria que desse mais uma olhadinha lá na
seção de cuidados para as mães — digo, apontando com a
cabeça para o final da loja. — Vê se tem algo a mais que
queira, sabe? Pensei em pegar um creme para estrias,
mas confesso que fiquei com medo de se sentir ofendida,
sei lá, não sei se se preocupa com isso. Também acho que
é bom escolher um sutiã para amamentação, mas não sei
o tamanho que usa apesar de eu já ter apalpado seus
peitinhos. — Faço outro gesto com as mãos que indicam o
carinho que mencionei.
— Arthur Massari! — Louise adverte e começa a rir.
Acompanho sua gargalhada gostosa e, quando olho para a
vendedora, ela está vermelha de segurar a risada. — Não
precisa falar para todo mundo que já apertou meus peitos,
homem, pelo amor de Deus.
Dou um tapa leve na bunda dela.
— Vai lá escolher, Lou!
Ela bate na minha mão, ainda rindo.
— Aproveita que o maridon está pagando tudo, boba
— a vendedora incentiva com um sorriso enquanto dobra
as peças que Louise escolheu.
Vejo-a abrindo a boca para dizer que eu não sou o
maridon dela, mas não deixo que esclareça nada e digo:
— Eu seguiria esse conselho.
— Bom, se você insiste…
— Olha, sinceramente — resmungo, tentando abrir o
porta-malas do meu carro enquanto seguro um monte de
sacolas de variadas lojas infantis —, você abusou da minha
vontade e boa-fé!
Louise gargalha, parada a um metro de mim, vendo-
me sofrer para conseguir meu objetivo. A danada nem para
me ajudar! Por fim, consigo abrir o porta-malas e começo a
colocar o mundo de sacolas lá dentro.
— Foi você quem insistiu! — a mulher se defende, o
tom uma mistura de indignação e graça.
— Te falta bom senso, Louise. Não bastou quase
deixar minha conta bancária no vermelho, ainda me fez
carregar tudo sozinho! Depois, eu quem sou o folgado.
— É bom ir acostumando porque quando o bebê
nascer o gasto vai ser em dobro. Vou arrancar cada
centavo seu.
Sorrio comigo mesmo, de repente pensando no
rostinho dela, na rotina que vai envolver criar nossa bebê.
Louise e eu temos conversado sobre isso. Decidimos que
não é necessário consultar advogado nem nada. Temos
uma convivência harmoniosa e pacífica e estamos
combinando tudo amigavelmente. Ela vem para o meu lado
e me ajuda a ajeitar as sacolas antes de eu fechar a porta.
— Ih, não fica com essa cara, não. Eu estava
brincando sobre arrancar cada centavo seu.
Balanço a cabeça de um lado a outro.
— Não é isso. Aliás, sabe que estou brincando, né?
Não ligo que tenha comprado quase o shopping todo. Não
estou reclamando, de verdade. Não sou eu se eu não fizer
alguma gracinha. Paguei cada real com muito carinho.
Sem que eu espere, ela pega na minha mão e fecha
os dedos nos meus.
— Claro que sei, Arthur. Não se preocupa com isso.
Amo suas gracinhas. — Sinto meu coração derreter com
isso. Ela ama minhas gracinhas. — Vem jantar em casa
hoje?
— Não precisa pedir duas vezes.
— Não mesmo. Você aparece sem ser convidado!
Abraço sua cintura e a trago para mais perto de
mim. Sinto quando ela prende a respiração e uma tensão
estranha paira sobre nós.
— Apareço mesmo.
Ela ri e me empurra.
No seu apartamento, Louise diz que vai fazer
polenta à bolonhesa. Quero ajudá-la, mas ela diz que não
precisa porque já fiz muito gastando rios de dinheiro mais
cedo e me manda escolher alguma coisa na televisão. Dou
de ombros e faço o que manda. Escolho um canal de
esportes e me sento no sofá. Jogo os pés na mesinha de
centro, pego o controle e grito:
— Minha cerveja, mulher!
Ouço a gargalhada alta dela daqui e rio junto.
Atento-me ao jogo e, minutos depois, ela aparece com um
potinho de amendoins e uma long neck, apoiando tudo na
mesinha de centro. Ela tira meus pés da superfície de
madeira, reclamando da minha falta de modos.
— Uai, você trouxe mesmo? Eu não falei sério, não.
— Me agradou mais cedo hoje. Estou retribuindo. A
janta vai demorar um pouquinho. Aproveita o aperitivo. —
Indica a garrafa e o recipiente.
Antes que possa voltar para a cozinha, eu a puxo
pelos punhos.
— Obrigado. E desculpa eu ser folgado assim.
Ela ri um pouquinho.
— Desculpo se maratonar filmes de comédia
romântica comigo hoje à noite, depois do jantar.
Pisco duas vezes, estranhando seu pedido. Quero
dizer, nos últimos dois meses fizemos muitos programas
juntos. Fomos ao cinema, jantamos fora e caminhamos no
parque ao entardecer. Chegamos até a trabalhar em um
projeto. Fomos às compras no supermercado e ao teatro.
Meu programa favorito com ela foi em uma exposição de
fotografias. A questão é que sempre fui eu quem a
convidei. Por isso, seu convite me pega de surpresa agora.
Ainda mais porque eu provavelmente terei de passar a
noite. Nunca passei das dez horas.
— Vai ter sorvete de sobremesa?
Ela joga uma almofada em mim.
— Eu compro se isso for te fazer ficar.
— “Se é para o bem de todos e felicidade geral da
nação, diga ao povo que fico.”
Louise abre um sorriso maravilhoso.
— Ótimo. Eu escolho todos os títulos.
Enquanto ela volta para a cozinha, digo:
— Podemos ver A Proposta? Eu amo o Ryan
Reynolds!
Ela ri. E sua risada é todo o motivo da minha
felicidade agora.

— Eu não me enjoo nunca desse filme — Louise diz,


assim que os créditos de Minhas Adoráveis Ex-Namoradas
sobem na tela, e começa a navegar por outros títulos em
comédia romântica com o controle nas mãos.
Estou no quarto dela, deitado na sua cama, e ela
bem folgada deitada no meu tórax. Achei que íamos nos
reunir no sofá da sala e maratonar os filmes lá, mas a
mulher me arrastou para seu espaço mais íntimo alegando
que era mais confortável aqui. Enquanto escolhia o
primeiro filme que íamos ver, fiz pipoca para nós. Quando
me deitei ao lado dela, mantivemos um espaço pequeno, a
pipoqueira delimitando esses poucos centímetros, mas lá
pelos primeiros trinta minutos de filme — e com o balde
vazio — um dos dois ignorou o intervalo entre nós e,
quando notei, ela estava com as pernas enroscadas nas
minhas e deitada no meu peito.
Amei, não vou mentir.
Louise me faz bem. Sua amizade, sua conversa, os
carinhos inconscientes que me faz (como afagar o dorso da
minha mão), e gosto demais da companhia dela. Penso
que se daqui a um ano continuarmos como estamos, vou
gostar do mesmo jeito porque o que sinto por ela é forte
demais para se desfazer por um romance não
correspondido.
— Acho que prefiro Como perder um homem em
dez dias — respondo. — Vamos assistir A Proposta ou
não? Tu tá só me enrolando, Louise!
Ela dá uma risadinha e pesquisa pelo filme que pedi.
Dá play, guarda o controle e se ajeita de novo no meu
peito. É durante a abertura que, de repente, algo acontece.
— Sentiu isso? — perguntamos ao mesmo tempo.
Ela se senta melhor na cama, e eu faço o mesmo,
espalmando imediatamente na sua barriga. Pietra está se
mexendo! Louise coloca as suas sobre as minhas e sorri.
— Até que enfim, hein, filha! — reclamo,
aproximando meu rosto do abdômen protuberante. —
Achei que só sua mãe ia ter o privilégio de te sentir mexer.
Já tem uns dias que Louise começou a sentir o bebê
se mexer. Só que toda vez que isso acontecia, eu não
estava por perto. Eu podia estar a dois metros de distância
que era só me aproximar e a danadinha parava de pular.
— Vantagens de carregar um bebê — menciona,
suas mãos ainda nas minhas.
Assinto apenas, preferindo prestar atenção na
agitação que ocorre dentro dela. Sob minhas palmas, os
movimentos se transformam em uma sensação única e
exclusiva. Nunca pensei que sentiria qualquer coisa
mínima parecida com isso. Eu nem conheço esse serzinho
ainda, mas já amo mais do que minha própria vida.
— É incrível, não é? — ela murmura. — Vai chorar?
Porque eu chorei.
Rio um pouquinho e ergo meus olhos na sua
direção, assentindo para a primeira pergunta.
— Tenho a impressão de que meu coração está do
tamanho do mundo.
— Pietra tem sorte de ter um pai como você.
Dou-lhe um sorriso galante e convencido.
— Finalmente aceitou que é menina.
Ela me dá um tapa no ombro. Encostando-se na
cabeceira da cama, puxa-me junto, mantendo minhas
mãos na sua barriga. A bebê agora está bem agitada e não
para de pular para cá e para lá.
— Me encheu a paciência para assistir A Proposta,
assiste agora, Arthur — repreende porque estou mais
conversando com sua barriga do que dando atenção a
Sandra Bullock e Ryan Reynolds.
Sem que ela espere, ergo sua camisa e deixo um
beijo na lateral da sua barriga.
— Amo você, pedacinho de mim que vai me levar à
falência.
Louise ri. Quando olho na sua direção, ela está me
observando de um jeito diferente. De repente, a mulher
avança na minha direção e beija o canto da minha boca.
É o suficiente para eu sentir o abalo sísmico que
isso causa no meu sistema.
É possível que eu esteja apaixonada por Arthur
Massari?, faço essa pergunta a mim mesma enquanto
navego pela sua página no Instagram, cheia de fotos de
diversos momentos: trabalhos, viagens, vida pessoal,
paisagens. Se tratando desse homem é claro que tem uma
ou outra fotografia com ele fazendo alguma gracinha,
careta ou uma piadinha na legenda. A maioria dos seus
vídeos são de palhaçada. No último que postou, dois dias
atrás, Arthur está deitado no sofá, abraçado a uma lata de
leite NAN, com um ar de pensativo-barra-triste e efeito
dramático com o texto acima dele: “70 conto uma lata de
leite, pqp”. Aliás, suas últimas postagens têm tido esse teor
da paternidade. Ele brinca o tempo inteiro sobre o preço de
itens infantis, sobre gravidez e sobre criar um filho.
Tem duas que ele postou que são minhas favoritas.
Na primeira, só aparece minha barriga, e ele está
ajoelhado mostrando a língua para meu abdômen. Arthur
escreveu: “Tem um pai aqui ansioso pra te conhecer”. A
outra, estamos lado a lado, eu com um cropped olhando
para baixo, as mãos rodeando a barriga que está rabiscada
com um “Ele tem certeza que é Pietra”. Arthur está na
mesma posição, e no seu abdômen trincado está escrito
“Pizza e nhoque”. Toda vez que vejo essa foto, dou risada.
Essa criança vai ser tão feliz com um pai como Arthur.
Escolhi bem pra caramba, modéstia à parte.
Arthur é tudo o que nunca esperei de um homem.
Ele é atencioso, carinhoso, dedicado, muito amigo, e não
tenho dúvidas de que vai ser um pai incrível também. O
homem já tinha me deixado um pouco mexida meses atrás,
quando nos conhecemos pessoalmente, e já naquela
época tinha medo de permitir que me envolvesse além do
que estava planejando. Agora, com nossa reaproximação,
o contato diário e nossa amizade cada vez mais afunilada,
tenho quase certeza que estou apaixonada por ele.
Suspiro e guardo o celular, decidida a parar de
gastar meu tempo o admirando pelo seu perfil do Instagram
e voltar a me concentrar no meu trabalho. Preciso terminar
de revisar o roteiro para um videoclipe de uma dupla de
cantores e entregar ainda hoje com as ideias para
executarmos o serviço. Arthur prometeu me ajudar —
embora não seja exatamente sua função aqui, mas ele
gosta dessa área então não me oponho —, mas teve de ir
lidar com algumas questões burocráticas que um co-CEO
precisa resolver. Só espero que ele volte a tempo para a
consulta.
Estou entrando no sétimo mês de gravidez e hoje
temos mais uma rotina de consulta. Arthur compareceu a
cada uma delas desde que descobriu a paternidade. Abro
um sorrisinho ao pensar que ele tem um álbum com todos
os ultrassons. Ainda não sabemos se o bebê é de fato uma
menina, porque ele continua se escondendo. E eu parei de
me preocupar lá pelo quinto mês. Se der para sabermos
hoje, ok. Se não der, paciência. Contento-me em esperar
quando ele nascer.
Assim que termino de colocar em ordem todas as
minhas pendências, ele chega. Está bonito dentro de um
terno cinza bem ajustado no corpo, os cabelos um pouco
desgrenhados, como costuma usar, mas noto que parece
chateado.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, com certo
cuidado.
Normalmente, o que deixa esse homem aborrecido
tem nome e sobrenome. Beatriz diminuiu as perturbações,
mas sei que vez ou outra ela resolve procurá-lo. E quando
isso acontece, Arthur fica deprimido porque sempre
acabam discutindo. Por maior que seja nossa amizade,
notei que evita falar sobre a ex-noiva. Já tentei abordar o
assunto com ele algumas vezes, preocupada com o seu
bem-estar emocional, e quis saber que tipo de decisão
tinha tomado a cerca dela e dos abusos. Arthur sempre se
esquivou e acabei deixando para lá, respeitando sua
vontade de não querer falar.
— Encontrei a Beatriz no elevador.
Como supus. Essa mulher não dá sossego. Talvez
nunca vá dar se Arthur não tomar algum tipo de
providência. Ele se manteve algumas semanas afastado da
empresa, trabalhando em home office, mas já tem tempo
que voltou. Sua agenda é organizada de forma a não
coincidir com os horários da ex, mas, às vezes, não tem
jeito. Mesmo que pertençam a áreas diferentes — ele no
audiovisual e na co-presidência, e ela na consultoria —,
não são raras as vezes em que elas se conectam e
conversam, o que obriga que os dois precisem estar juntos
para alguma reunião ou decisão.
— Pela sua cara, quase aconteceu a Terceira
Guerra Mundial.
Ele solta uma risadinha baixa.
— Só o mais do mesmo. Bia quer voltar, fica te
acusando de ter me roubado dela, enfiou na cabeça que
estamos sim juntos por causa de algumas fotos nas redes
sociais.
Desligo meu computador e vou até ele, sentando-me
na poltrona ao lado da sua, de frente para minha mesa.
— O que podemos fazer a respeito?
O homem se vira lentamente na minha direção.
— Podemos?
— Sou sua amiga, Arthur. Quero te ajudar nessa
situação. Toda vez que encontra a Bia, você fica abatido.
Não gosto de te ver assim. Já tem um minuto que entrou
por aquela porta e até agora não fez uma piadinha. Isso é
um sintoma terrível.
Ele ri gostoso e pega na minha mão. Ver o sorriso
dele é a melhor parte do meu dia.
— Eu não sei — responde, por fim, olhando para
nossos dedos juntos. — Já tem algum tempo que estou
considerando conversar com meu advogado e tentar, sei lá,
uma medida restritiva. O que ela está fazendo será que
pode ser considerado assédio? Nas últimas semanas, ela
está me atormentando mais do que o comum. Já me ligou
cem vezes e me enviou umas setenta mensagens nos
últimos sete dias.
— Não sou nenhuma especialista em direito, mas
acho que sim, Arthur. Não apagou nada, né? Mantém os
registros de ligações e as mensagens porque podem ser
usadas como provas para comprovar a perseguição.
— Não. Tá tudo registrado.
— Promete que vai procurar seu advogado e tentar
dar um basta nisso? — Com os dedos, desenho um sorriso
na boca dele. — Prefiro quando está sorrindo.
— Prometo. — Arthur se levanta e me puxa junto. —
Agora, vamos. Sua consulta é em meia hora.

— Se os papais quiserem — a médica diz, passando


o sonar pela minha barriga —, hoje o bebê está facilitando.
Arthur está parado do meu lado, segurando minha
mão direita, mas não tenho muita certeza se ele reparou
que a pegou minutos atrás enquanto a ginecologista fazia o
ultrassom e nos informava da saúde do pequeno. Ele me
olha de volta, com um sorriso convencido. Está confiante
de que é menina.
— Você vai querer saber?
— Saber eu já sei — responde. — Mas é bom
confirmarmos.
Dou uma risadinha e me volto para a médica.
— Tudo bem. Pode dizer.
Antes, ela fala sobre a posição do bebê, mostra
onde está o rostinho, os pés, as mãozinhas.
— Essa parte — diz, movendo o sonar — é o saco
escrotal. E aqui, o pênis.
Seguro uma risada e procuro pela reação dele. O
homem estava tão convicto de que era menina! Arthur está
com a boca um pouco entreaberta, os olhos semicerrados
e o corpo ligeiramente curvado para frente, provavelmente
tentando enxergar melhor as imagens no ultrassom.
— Menino — murmuro, deliciando-me com a
expressão impagável dele.
— Tem certeza, doutora? — Ele tem a audácia de
perguntar! — Existe alguma probabilidade de ser menina?
— A probabilidade de ser um menino é de noventa e
cinco por cento, Arthur. Se te consola, nunca errei a
identificação de um bebê — a médica explica, cheia de
bom humor.
Ele contorce a boca.
— Minha intuição me dizia que ia ser menina —
resmunga, enquanto a médica limpa meu abdômen do gel
que passou para o exame.
— Sua intuição veio com defeito de fábrica —
respondo, e nós três rimos por um instante. Como de
costume, a médica imprime dois ultrassons.
Na saída da clínica, estou enroscada aos braços
dele. Arthur caminha ao meu lado, olhando com o mesmo
carinho paternal para a imagem.
— Desapontado por que é um menino?
Ele ri e balança a cabeça de um lado a outro.
— Claro que não, Louise. Meu amor pelo meu filho
não faz distinção de sexo.
Arthur deixa um beijo suave na minha bochecha, um
carinho aleatório que já estou habituada.
— Ótimo, porque você perdeu a aposta, o que
significa que ganhei um ano de supermercado. Podemos ir
agora porque meus armários estão esvaziando.
— Mas é uma aproveitadora, mesmo!
Ele abre a porta do carro para mim, rindo gostoso
quando respondo um “Nunca disse que não era”. No
supermercado, pego um carrinho grande e começo a
passar pelos corredores. Pego tudo o que estou precisando
e o que não estou precisando também. Aposta é aposta.
Vou me aproveitar mesmo! Arthur caminha ao meu lado,
um pouco mudo. Vez ou outra digita no celular, acho que
deve estar resolvendo alguma coisa da empresa. Mas, na
maior parte do tempo, me ajuda com a compra. Na seção
de beleza, analiso os shampoos, condicionadores e
cremes.
— Olha esse creme. Caríssimo — digo, mostrando o
valor para o Arthur. — Vou levar.
— Não é tu que tá pagando, né, salafrária?
Rio escandalosamente, colocando o produto dentro
do carrinho, e chamo a atenção de outros clientes pelos
corredores a fora. Vamos à padaria e é aqui me esbaldo.
Saio do supermercado com dois carrinhos cheios, e um
Arthur bem humorado reclamando atrás de mim:
— Mulher, pelo amor de Deus, você é sozinha.
Parece que tá estocando mantimentos para um apocalipse
zumbi. Não ficaria surpreso se tivesse um bunker no porão
da sua casa.
Ajudo-o com as sacolas, distribuindo-as no porta-
malas do carro.
— Ué, você que quis apostar um ano de
supermercado. Azar o seu se não estabeleceu um valor
máximo.
— Tenha piedade de mim, Louise, eu tenho um filho
pra sustentar!
Penduro-me no seu pescoço, rindo. Estar com
Arthur é passar metade do tempo gargalhando.
— Vou maneirar no próximo mês.
Voltamos a colocar as sacolas no porta-malas.
Arthur pergunta:
— Podemos jantar na casa da mamãe? Quero
contar a novidade.
Aceno em positivo. A família dele também estava na
expectativa e o desejo era unânime: menina. Como a
Carolina já tem dois meninos, avós e tios queriam uma
mocinha para mimar.
Em casa, Arthur me ajuda a descarregar as compras
e a guardá-las. Assim que terminamos, corro tomar um
banho enquanto ele liga para a mãe e informa da nossa
visita. Do quarto, ouço-o pedindo para ela fazer a torta de
frutas que aprendi a amar. Por volta de oito da noite,
seguimos para a casa de dona Elisa. Ela me recebe com
um abraço apertado e uma carícia na barriga — como
acostumou fazer desde que nos conhecemos —, já
perguntando se vai ganhar uma neta ou mais um neto.
— Velha, eles mal chegaram. Calma — seu César
intervém, parado atrás dela, esperando a esposa lhe dar
espaço para que eu vá cumprimentá-lo também.
Vou até ele, enquanto Arthur abraça a mãe e
responde com um “estou ótimo” quando ela pergunta se
está tudo bem. Logo, os pequenos de Carolina aparecem,
vindo na minha direção como uma manada desgovernada.
Os meninos me abraçam e tagarelam juntos, um
atropelando o outro, que mal entendo o que estão me
dizendo. Santiago precisa intervir.
Passada a comoção, nós nos reunimos ao redor da
mesa, que já está posta. Dona Elisa caprichou no jantar,
dada a fartura de comida — especialmente hoje, todas de
origem italiana —, e o cheiro abre meu apetite e faz o
pequeno pular dentro de mim. Eles todos estão curiosos,
mas os faço aguardar mais um pouquinho. Espero que
todos já estejam servidos antes de contarmos a novidade.
— E o Arthur todo confiante que ia ser menina — a
irmã debocha, limpando os lábios com o guardanapo.
— Tinha escolhido o nome e tudo mais — completo,
aos risos.
— Um homem não tem mais o direito de errar nesta
vida? — ele se defende.
— Agora que sabem que é menino, já escolheram o
nome? — seu César pergunta.
— Ainda não — eu respondo.
Na mesma hora, todos começam a dar palpites de
nomes. Recebo cada sugestão com carinho e divertimento.
É incrível como gosto dessa família e de como são unidos.
Os sobrinhos de Arthur insistem em sugerir nomes com N
para que, futuramente, o menino possa integrar um
clubinho que vai se chamar MNO. Arthur insiste que quer
um nome de origem italiana, o que todo mundo ignora
porque seguem sugerindo todo tipo de nomes, das mais
variadas nacionalidades.
E a noite corre assim, em torno da mesa, com
risadas, conversas leves e assuntos sobre maternidade e
paternidade. A família de Arthur não é uma família
silenciosa. Todos conversam muito alto, riem mais alto
ainda, e transbordam uma felicidade genuína e acolhedora.
Em certo momento, tudo que faço é ficar quietinha no meu
lugar, assistindo à interação entre eles e contagiada pelo
amor que os rodeiam. Meu filho não poderia crescer em um
lar melhor.

Arthur me leva para casa, e eu o convido para


passar a noite. Ele aceita, desde que possamos assistir um
filme de ação juntos. Ele queria terror, mas sabemos que
não posso tomar susto. Não gosto de filmes com explosões
e policiais perseguindo bandidos, mas como o quero por
perto — dormindo do meu lado e sentindo os braços dele
me rodear, como ele faz desde que começou a dormir vez
ou outra em casa como se fôssemos um casal —, então
aceito. Ele escolhe um título e me atarraco no seu corpo
grande logo no começo. Quando acaba, estamos os dois
com fome. Faço-o ficar na cama e vou até a cozinha
buscar alguma coisa para comermos. Pego algumas
bobeirinhas — pipoca, refrigerante e chocolate — e meu
notebook.
— O que vai fazer? — pergunta, abrindo uma latinha
de refrigerante enquanto ligo o computador.
— Acessar sites de nomes de bebês. Essa criança
está quase nascendo e quero escolher logo o nome.
Principalmente porque vou fazer o chá de bebê em duas
semanas. Quero tematizar tudo com o nome dele. Painel,
lembrancinhas, bolo. Tudo.
Arthur abre um sorriso e acena, vindo mais para o
meu lado.
— Vou poder ajudar a escolher?
Empurro-o com o ombro.
— Claro. O combinado era escolher o nome da
menina. Como perdeu a aposta, podemos decidir juntos.
Vamos comendo devagarinho o que trouxe enquanto
passamos muitos minutos frente ao notebook, visitando
páginas e páginas de nomes de bebê. Ele quer porque
quer um nome com origem italiana, mas os mais comuns
são comuns demais: Enzo, Lorenzo, Luca.
— O que acha desse? — indaga, apontando para o
nome na tela.
Avalio com atenção. É um nome bonito. Testo a
sonoridade com o sobrenome materno e paterno e, por fim,
calculo sua numerologia. Tudo bem, eu não acredito muito
nessas coisas, mas nunca se sabe, não é? Eu não dei
atenção aos meu horóscopo sobre não sair de casa em tal
dia e sobre encontrar uma pessoa incrível, e olha onde
estou hoje. Acesso o site que faz isso com facilidade e jogo
o nome dele no campo indicado. Arthur rola os olhos,
entediado.
— Independentes, pioneiras e criativas, as pessoas
de personalidade 1 são líderes natas em tudo. Muito
autoconfiantes, têm êxito em tudo que fazem. Significa
liderança e ambição. Também é o número que traz
coragem, independência, atividades mentais e físicas,
individualidade e realizações. Podem ser pessoas
arrogantes e egocêntricas — leio o resultado.
— Não acredita nessa bobagem, não é?
Antes de responder, jogo o nome dele para fazer o
cálculo. Leio o resultado, que parece realmente fazer
sentido em se tratando de Arthur:
— Uma aventureira nata, a pessoa de personalidade
5 adora liberdade e os espaços abertos para que possa
gastar toda a energia que tem. Muito agitada em todos os
campos da vida, geralmente são irrequietas, super-ativas e
curiosas. Também possuem forte atração sexual, o que
condiz com sua sexualidade agressiva e cheia de energia.
Dinâmica, independente, original, criativa e muito
trabalhadora. Demonstra coragem, liderança, decisão e
desejo de poder.
Olho para ele, que está com a boca entreaberta e os
olhos fixos no computador. Acho que se identificou.
— Tá, tudo bem. Pode ser que faça algum sentido.
O que acha? — pergunta de novo, apontando para a tela.
Analiso mais uma vez o nome que sugeriu e os
cálculos de sua numerologia.
— Eu gosto.
Arthur sorri.
— Então… Mattia?
— Mattia.
— Arthur — Louise me chama, chacoalhando meu
corpo junto. Puxo mais a coberta para cima de mim e
resmungo. — Arthur, acorda.
— Cinco minutos e prometo que levanto — sussurro,
tentando esconder a cabeça sob os lençóis.
Sinto-a sair do meu lado, mas continuo quieto no
meu lugar.
— O seu filho quer vir ao mundo. Não sei se vai
esperar cinco minutos.
Na mesma hora, dou um salto da cama, ainda zonzo
de sono, e fico baratinado pelos próximos cinco segundos.
Ela quem me pega pelo braço e me faz ficar calmo.
— Temos que correr — digo, desvencilhando-me
dela. Pego a primeira calça que vejo e começo a subi-la
pelas minhas pernas. — Você tá com muita dor? Dá tempo
de…?
A mulher me pega pelos braços de novo e me força
a olhá-la.
— Sou eu quem estou parindo aqui, ouviu? E não
estou em pânico. Não quero ficar em pânico. Então, por
favor, não entra em pânico!
Sua voz estridente na última parte me faz acalmar
um pouco mais os nervos. Ela tem razão. Inspiro e expiro
diversas vezes, acalmando as batidas loucas do meu
coração.
— Você está com dor?
— Um pouco. As contrações estão vindo a cada
cinco minutos. Já tem uma hora que estão assim.
Assinto e termino de abotoar minha calça jeans,
relembrando o conselho da ginecologista de procurar o
hospital só quando as contrações estivessem nesse
espaçamento que acabou de me contar.
— Vou tomar um banho antes de irmos. Enquanto
isso, termina de se trocar, pega a bolsa do bebê, minha
mala, documentos pessoais e tira o carro.
Outra vez, assinto.
— Me trocar, pegar as malas, documentos e tirar o
carro — repito, dando voltas ao redor do meu próprio eixo,
procurando pela minha camisa.
Louise dá uma risadinha.
— Arthur, calma. Tá?
Inspiro fundo.
— Tá.
Ela deixa um beijo no meu rosto e vai para o
banheiro. Encontro a camisa, por fim, e me visto. Em
seguida, vou fazer o que me pediu. No quarto do bebê que
montei meses atrás, encontro a bolsa que já está
organizada há algumas semanas. Desde que Louise entrou
no nono mês que pedi para ela vir passar um tempo
comigo porque poderia entrar em trabalho de parto a
qualquer momento e eu queria estar por perto. Criança não
tem hora para nascer, e a minha decidiu vir logo de manhã.
Mal são cinco horas.
Ao lado da cama de solteiro — que Louise pouco
usa porque, apesar de ainda mantermos só amizade entre
nós, ela dorme mais na minha cama junto comigo —, está
a mala dela. Junto as duas e as levo para sala. Procuro
pelos meus documentos pessoais além da carteira de
motorista, o documento do carro e a bolsa da Lou, no
aparador perto da porta. Confiro tudo três vezes para ter
certeza que não esqueci de nada. Mala do bebê, da
Louise, sua bolsa com documentos pessoais, minha
habilitação, as chaves de casa e do carro. Tudo ok.
Carrego tudo até o porta-malas, ainda conferindo
mentalmente se não estou me esquecendo de nada. Tomo
as ruas escuras do bairro em direção ao hospital. Obrigo-
me a ficar calmo, inspirando e expirando, inspirando e
expirando. Vai dar tudo certo.
— Não precisa pirar, Arthur — digo a mim mesmo.
Assim que chego na maternidade, corro até a
recepção.
— A mãe do meu filho entrou em trabalho de parto
— informo à recepcionista que me atende. Por sorte, não
tive de enfrentar fila. — Contrações a cada cinco minutos.
A moça olha por cima do meu ombro.
— Onde ela está?
Arregalo os olhos porque é quando me dou conta.
ESQUECI DA LOUISE EM CASA! Ergo o indicador, como se
pedisse apenas um minuto, e giro nos calcanhares. Volto
para o meu condomínio em tempo recorde. Jesus, como eu
pude me esquecer da Louise?
Quando chego, ela está sentada no meu sofá,
cabelos molhados e já pronta. Assim que me vê, diz:
— Bom. Você pegou a mala do bebê, a minha
bagagem e bolsa, os documentos. Tirou o carro. Só se
esqueceu do principal: da mulher grávida parindo!
Eu rio. Rio de nervoso.
— Me desculpa. Me desculpa, Louise. Não sei onde
estava com a cabeça… É que…
Ela se levanta e vem na minha direção.
— Queria dizer que tudo bem porque são coisas que
acontecem, mas duvido que seja uma postura frequente do
sexo masculino quando a mulher entra em trabalho de
parto. — Sua voz tem uma pitada gostosa de humor, o que
me deixa mais aliviado. — Podemos ir agora?
Assinto e, segurando seu punho, arrasto-a para o
carro.
Louise dá entrada no hospital vinte minutos depois.
Fico com ela no quarto por todo o tempo. Aviso meus
familiares, o pai dela — que mora em outra cidade e eu
conheci semanas atrás —, e todos eles mandam boas
vibrações. As horas, então, se arrastam. Só quando ela
está com dez de dilatação — lá por volta de uma hora da
tarde — é que a levam para a sala de parto. Devidamente
vestido, eu acompanho cada instante.
— Arthur — sussurra, apertando minha mão com
toda força. — Me lembra de nunca deixar outro homem
chegar perto de mim além do Mattia.
Seguro uma risada e afago seus cabelos molhados
de suor.
— Dona Elisa diz que a dor é grande, mas depois
vocês esquecem.
— Se eu não esquecer, vou processar sua mãe.
Louise faz mais força e solta um grito estridente.
Neste momento, Mattia nasce.

— Nove meses de gestação e todas as suas


amarguras e oito horas em trabalho de parto para essa
criança vir a sua cara — Lou diz bem baixinho, acariciando
suavemente o rostinho de Mattia, agora nos seus braços
depois do parto, mamando sua primeira refeição.
Sorrio um pouquinho, sentado ao seu lado na cama,
admirado demais com o tamanho do serhumaninho que eu
fiz. Também afago seu rostinho delicado, sentindo todo
meu coração transbordar.
— Ué, mas quando me escolheu pra engravidar não
foi exatamente por causa dos meus bons genes e da minha
beleza irresistível? Eu hein. Para de reclamar, Louise.
Aceita que dói menos.
Ela ri baixinho.
— Não posso argumentar contra isso.
Ficamos mais um tempo aqui, em silêncio, só
curtindo nosso bebê, acariciando seu rostinho pequeno.
Algum tempo depois, a enfermeira vem buscá-lo e o leva
para o berçário. Horas mais tarde, nossos familiares
chegam para uma visita. Conhecem Mattia através do
vidro, respeitando os limites pela saúde do pequeno.
Quarenta e oito horas depois, volto para casa carregando
um pacotinho e uma nova mãe.
Quando chegamos ao meu apartamento e Louise
instala Mattia no quarto onde os dois vão ficar os próximos
dias, um sentimento diferente me acerta em cheio. Mais do
que nunca eu sei o que eu quero. Eu quero Louise como
minha mulher.

— Foi fácil assim? — pergunto para meu advogado,


segurando o celular com os ombros enquanto termino de
trocar Mattia. O menino não para um segundo sobre a
cama, então é uma missão e tanto. — Certo. Pode marcar
uma reunião com ela para a próxima segunda-feira, às
duas.
Encerro a ligação no momento em que Louise entra
no quarto, dentro de um vestido amarelo que ressalta suas
curvas, os cabelos loiros soltos caídos sobre os ombros, e
os saltos que ela não abre mão, mesmo tendo de cuidar de
um bebê de sete meses. Perco a noção por um minuto,
arrebatado demais pela sua beleza e dominado pela paixão
que venho sentindo por ela há sei lá quanto tempo.
— Como é difícil conviver com um homem de
negócios — ela brinca e pega o pequeno no colo,
terminando de ajeitar a jardineira que coloquei nele. — Que
reunião é essa? — indaga, sentando-se na beira da cama.
— Na segunda, temos que levar Mattia para uma consulta
de rotina.
— Não esqueci — respondo, conferindo se tudo que
meu pequeno precisa está dentro da sua bolsa. — Marquei
para de tarde, e vamos logo de manhã. — Jogo a alça no
meu ombro. — A reunião é com a Beatriz. Ela aceitou
minha proposta de comprar as ações que ela tinha na
UpMidia.
— Foi fácil assim?
Sorrio um pouco porque minha reação, segundos
atrás, foi a mesma. Achei de verdade que ela ia criar mais
resistência, que ia fazer de tudo para se manter perto de
mim, mas a mulher aceitou a proposta de primeira. Ela
parou de me azucrinar depois que decidi conversar com
meu advogado sobre suas perseguições. Ele conversou
com ela, a meu pedido porque considerei que ela precisava
de um aviso antes, e disse que se não parasse de me
perseguir, íamos tomar as medidas cabíveis.
Beatriz nunca mais me ligou. Por causa da Conecta
Mídia, vez ou outra nos encontramos nos corredores, em
salas de reuniões, e trocamos e-mails estritamente
profissionais. Apesar de ter parado de perseguir e
atazanar, decidi que era melhor cortá-la de vez da minha
vida, seguindo os conselhos da minha terapeuta. O meu
relacionamento com ela e a descoberta dos abusos
trouxeram marcas profundas o bastante que só conseguiria
superar se não tivéssemos mais qualquer contato. Vender
minhas ações estava fora de cogitação. Por isso, fiz uma
oferta de comprar as dela. Alguns meses depois, em uma
das minhas sessões, ponderei que Bia só deve ter
comprado parte da empresa para me prender a ela. Isso
aconteceu pouco depois de me contar da falsa gravidez e
de termos reatado. Não posso acusá-la de nada e nem
tenho provas para minhas suspeitas, mas se tratando da
minha ex-noiva, não duvido que tenha sido isso mesmo.
Decidi não levar adiante qualquer denúncia de
abuso. Confesso que minha decisão foi movida por medo
de não ser levado a sério e ser desacreditado. Eu não
precisava ter de lidar com mais isso. Conversei com
Louise, contei a situação para minha família — de quem
recebi imenso apoio — e decidi, então, que precisava
cortar Beatriz de vez da minha vida.
— Também fiquei surpreso. Ela me vendendo sua
parte, vou investir em outras na Conecta Mídia. Quero
trabalhar o suficiente para ser sócio majoritário, talvez até
um acionista controlador.
— Se bem te conheço, vai conseguir antes dos
quarenta. Vamos agora, senhor Massari? Hoje é dia de
mercado.
Assinto e deixamos sua casa. Louise segue na
frente, em direção ao meu carro no meio-fio, conversando
com o pequeno, e eu vou atrás, pensando nas palavras
que estão entaladas na garganta há semanas, mas que só
vou dizê-las hoje, o momento ideal para isso. Nós ainda
estamos mantendo só amizade. Mais afunilada, mais forte,
mais íntima, mas só amizade. Estou respeitando o nosso
tempo, o um ano que nos demos, mas o prazo acaba hoje.
Meio mundo acha que estamos em um relacionamento, e
os que sabem que não estamos vivem incentivando. Meus
pais e minha irmã e cunhado são um desses. As amigas de
Louise, Bianca e Laura, também. Até o pai dela já se
manifestou a favor de sermos um casal. O pessoal lá na
empresa acha o mesmo há tempos, desde que decidimos
contar sobre eu ser o pai do bebê dela, algum tempo
depois do nosso reencontro e de eu terminar com Beatriz.
Para variar, no supermercado, Louise se aproveita
— errada não tá! — e pega de tudo. Ela vai caminhando na
frente, escolhendo o melhor para si, para o filho e para
nossos momentos juntos — toda sorte de bobeiras para a
maratona de filmes de comédia romântica que assistimos
aos sábados —, e eu vou atrás, empurrando o carrinho,
junto com Mattia acomodado em um bebê-conforto.
— O que vai querer para o jantar hoje? — pergunta,
analisando os legumes na seção de hortifruti.
Como de costume, eu também ainda compareço
para jantar na sua casa. A rotina mudou um pouco e, em
vez de três vezes por semana, vou todos os dias. Às
vezes, passo a semana toda lá, dividindo sua comida e sua
cama ao passar a noite. Ela mesma me chamou nos
primeiros meses, para que eu ficasse mais tempo com
Mattia depois do resguardo. Combinamos que ele passaria
a dormir na minha casa comigo a partir dos seis meses e
ele já até foi dia desses. Estamos tão bem conectados que
o pequeno não sentiu falta da mãe nas duas primeiras
noites.
— Estava a fim de polenta à bolonhesa — respondo,
brincando com as bochechinhas de Mattia. O menino ri e
bate as pernas, soltando resmunguinhos.
Ela assente e volta sua atenção para as frutas e
verduras. O primeiro carrinho fica cheio, e Lou tem de ir
buscar um segundo.
— Preciso aproveitar bem — Louise comenta, nós
agora nos corredores de alimentos infantis — porque meu
um ano de supermercado grátis está acabando.
Rio um pouquinho.
— Está vendo, Mattia? Sua mãe está me
agressivando.
Louise ri e dá um tapa no meu ombro. Eu deixo um
beijo na sua bochecha. Terminamos as compras e quando
chegamos em casa, o menino está dormindo. Troco a
fralda encharcada e o coloco no berço. Na cozinha, ela
ainda está abastecendo os armários e acabo por ajudá-la.
Guardamos tudo, higienizamos frutas e verduras e
deixamos parte dos alimentos pré-prontos para facilitar a
vida.
— Lou — chamo-a, assim que tudo está em ordem.
Ela se vira para mim com duas taças e a garrafa de vinho
sem álcool e sorri, apoiando-as no balcão e nos servindo.
— Hoje faz um ano.
Louise empurra uma taça para mim e preciso de um
gole.
— Pensei que não fosse se lembrar — responde,
também entornando uma dose da sua bebida.
— Claro que lembrei. Passei a semana… Não, acho
que passei o último mês, pensando nisso. Só estava
esperando o melhor momento. Fomos às compras, está
tudo organizado, e Mattia deu sossego. Como disse, o
momento certo.
Ela abre um sorriso delicioso.
— Se sente suficientemente pronto para entrar em
um novo relacionamento?
— Tô com a terapia em dia, então a resposta é sim.
Não quero você para tapar nenhum buraco no meu
coração. Quero você para ser a outra metade dele.
Louise sai do seu lugar e vem até mim, enlaçando
meu pescoço. Ela beija minha boca, primeiro, lentamente;
depois, é sôfrego, desesperado, cheio de paixão, desejo e
saudade. Um ano na seca. Um ano desejando essa
mulher, amando-a, querendo-a. Agarro forte sua cintura e a
trago mais para mim, afundando mais minha boca na sua.
— Não pensa em chegar perto de mim sem uma
capa no seu amiguinho — ela murmura, afastando-me um
centímetro, mordendo meu lábio inferior. — Ainda não
esqueci toda a dor que passei para trazer Mattia ao mundo.
Abro um sorriso galante e puxo uma camisinha do
bolso de trás.
— Comprei sem você ter visto — digo, rasgando a
embalagem. — Um homem prevenido vale por dois.
Louise me puxa pela gola da camisa.
— Sabe quanto tempo estou sem transar? Cala a
boca e me come, Arthur.
— Sim, senhora.
Leva só um instante para que esteja no sofá, sem
roupa, embaixo de mim, e eu matando minha saudade
dela, do seu corpo, do seu cheiro, dos seus gemidos, da
sua pele, de Louise.

Paro frente à porta do meu quarto e aciono a


câmera do celular, começando a gravar, a lente virada
ligeiramente para baixo, capturando meus sapatos. Vou a
abrindo aos poucos e adentrando o cômodo enquanto
narro:
— O homem trabalha o dia inteiro, faz das tripas
coração para dar uma vida boa para a bonita, pra chegar
em casa e pegar outro cabra mamando nas teta da tua
mulher. — Nesse momento, ergo a câmera, que foca em
Louise encostada na cabeceira da nossa cama
amamentando Mattia.
Ela começa a rir exageradamente da minha
palhaçada, o que faz com que o menino abra um sorriso
gostoso para mim, a boquinha ainda sugando os seios da
mãe.
— Vai dar certo isso não, rapaz — sigo gravando, e
meu filho ri ainda mais. — Solta minha mulher, solta.
Em vez de soltar, Mattia se agarra mais à mãe e
segue pleno e tranquilo sugando seu alimento.
— Veja se posso — sussurro, aproximando-me e me
sentando ao lado de Louise. — Pego outro cara atarracado
com a minha mulher justo no dia que vou pedi-la em
casamento. — Aqui, eu gravo a reação dela.
Louise me olha espantada, os lábios, ainda pintados
de vermelho do dia que teve na Conecta Mídia, estão
entreabertos. O tempo máximo do vídeo acaba e eu salvo
nos rascunhos para postar mais tarde. Nós sempre
gostamos de compartilhar nossa vida — fosse só a
amizade ou o namoro — nas redes sociais. Nossos vídeos
na maioria das vezes é só palhaçada — pegadinhas um
com o outro, dublagens, brincadeiras e as fases de Mattia
—, e as fotos são mais inspiradoras, do nosso dia a dia ou
do pequeno. Deixo o celular de lado e tiro uma caixinha de
veludo de dentro do meu terno, revelando o anel de
noivado.
— E eu achando que quando fosse fazer o pedido ia
ser um homem sério e romântico.
Gargalho.
— Até parece que não me conhece, Louise. — Beijo
seu rosto. — Aceita casar comigo? Eu me caso com você
mesmo que tenha que te dividir com esse cabra aí — digo,
apontando para Mattia com o queixo. Ele abre outro sorriso
maior. Salafrário!
Louise se aconchega na curva do meu pescoço,
inspirando fundo o meu cheiro.
— Aceito. Passa pra cá essa aliança. — Ela coloca
o anel no anelar direito e o avalia por um instante. Vejo nos
seus olhos que está feliz com o pedido. — Esperamos
Mattia fazer dois anos para fazermos o casório — impõe.
— Ele pode entrar de noivinho junto com a Maitê. Só falta
um ano. Aguenta mais um ano?
Assinto. Gosto da ideia. Maitê é a filhinha da Laura,
amiga da Louise, e tem a mesma idade do Mattia.
— A senhora quem manda, patroa. — Beijo sua
têmpora com carinho. — Eu te amo, Lou.
Ela sorri e beija o canto da minha boca.
— Eu te amo, Thur.
Atravesso o jardim, indo em direção à minha
esposa dançando com Mattia a alguns metros de mim ao
som de uma música animada. Sorrio conforme me
aproximo, vendo o sorriso dela, a alegria do nosso
pequeno, que segura nas mãos da mãe e acompanha na
dança um pouco desengonçada. Louise nunca foi boa em
dançar. Durante o trajeto, sou parado por um ou outro
convidado que vem me felicitar pelo casamento. Recebo
apertos de mãos, abraços e tapinhas nos ombros. Preciso
me desviar de mesas, cadeiras que enchem o quintal e de
crianças correndo para lá e para cá, brincando de pega-
pega ou pique-esconde.
Fizemos um casamento simples ao ar livre na casa
de campo dos meus pais. Poucos convidados — apenas os
mais chegados — e decoração minimalista. Roubo um
bem-casado e o como rapidamente quando passo pela
mesa dos doces. O bolo e os docinhos para a festa foram
encomendados na confeitaria de um colega da época da
escola, o Giulio. Assim como eu, ele também batalhou para
fazer sua empresa crescer.
— Posso tirar minha esposa para dançar ou vai
mesmo roubar a atenção dela pelo resto das nossas vidas?
— pergunto para Mattia, agachando-me na altura dele.
O menino abre um sorriso gostoso e, pegando na
minha mão, encaixa-a na da mãe.
— Pode dançar com a mamãe, papai. Eu deixo.
Rimos por um instante pequeno.
— Ah, muito agradecido.
Beijo sua bochecha e peço para ele ir com a vovó.
Mattia sai correndo em direção à dona Elisa, distante não
muito longe dali. Ela o pega no colo e o enche de beijos e
paparicos. Volto-me para Louise, linda em um vestido
branco rodado e que bate na altura dos seus joelhos. Seu
vestido de noiva era longo e muito bonito, mas depois da
cerimônia, ela foi vestir algo mais confortável, embora
tenha mantido os scarpins. Pendurando-se no meu
pescoço, me dá um beijo lento, balançando-se em seguida
ao som da música eletrônica.
— Não é assim que se dança uma música animada,
Louise — digo, resvalando o nariz na pele do seu pescoço.
Fico parado no meu lugar, enquanto ela se remexe
conforme as batidas da melodia.
— Eu sei. É minha desculpa para ficar grudada em
você — responde, fazendo o mesmo que fiz com ela
segundos atrás. — Coisa que vou fazer muito quando
formos para a lua de mel. Quando sentar em você, nem
dois guindastes me tiram de cima.
Rio alto e aperto sua cintura, ansiando por sua
promessa.
Dou uma olhadinha rápida para trás, só para
confirmar que Mattia ainda está com mamãe. Sem pensar
duas vezes, puxo Louise pelos punhos e a levo até um dos
quartos da casa. Ela não protesta e nem pergunta o que
vamos fazer. Minha esposa sabe exatamente. Assim que
adentramos o cômodo, eu a devoro. Encosto-a contra a
porta fechada e aperto suas coxas gostosas,
impulsionando-a para meu colo e a prensando contra a
madeira.
— Parece que faz uma semana que você não
transa, Arthur. Que fogo é esse? — sussurra, distribuindo
beijos molhados pelo meu pescoço.
Solto um tapa na sua perna.
— Faz uma semana que não transo, Louise! —
protesto, e ela ri.
Nas últimas semanas, estivemos bem atarefados
com os preparativos do casamento, o que ocupou nosso
tempo além do normal. Nunca fomos um casal insaciável,
daqueles que transam todo santo dia, mas tínhamos uma
constância maior um ano e meio atrás quando assumimos
um relacionamento: quatro vezes na semana, umas duas
vezes por dia — manhã e noite —, mas agora parece
impossível manter essa rotina. Ela muito cansada do
trabalho, eu muito cansado do trabalho, Mattia que
espoleteia o dia todo e não podemos transar em qualquer
horário por causa dele — sempre tem que ser bem antes
de ele acordar e bem depois que foi dormir para garantir
que não vai nos atrapalhar, o que nem sempre funciona.
Costumamos tirar um tempo só para nós dois,
normalmente aos fins de semana, mas, por causa dos
preparativos do casório, isso mudou um pouco, o que
explica o fato de não termos dado nem uma rapidinha nos
últimos sete dias.
— Ria mesmo — resmungo, dedilhando sua perna
até chegar à sua boceta. — Ria desse pobre homem em
celibato forçado.
Ela ri mais e me beija na boca em seguida,
escorregando a mão até minha calça, puxando meu pau
para fora. Começamos contra a porta e terminamos na
cama. Sequer nos importamos com o fato de que os
convidados podem dar falta dos recém-casados. Quando
terminamos — dez minutos depois —, tomamos um banho
juntos.
— Espera aqui — pede enquanto me visto e sai do
quarto. Volta cinco minutos depois com uma caixinha nas
mãos, e eu estou deitado na cama, já de roupa. — Seu
presente de casamento — diz, entregando-me o objeto. —
Pensei em te entregar lá na festa, na frente de todos, mas
considerei que é melhor ter o seu momento.
Louise se senta perto de mim, enquanto ainda estou
processando o que me disse. Abro a caixinha e, na mesma
hora, um sorriso vai se formando no meu rosto. Lá dentro
tem um sapatinho de bebê, um teste de farmácia e um
bilhetinho escrito “Ps: Estou grávida”. Arrasto-me na sua
direção e beijo sua boca. Dois meses atrás, depois de pelo
menos um mês de conversa, concordamos em dar um
irmão ao Mattia e fizemos a primeira tentativa.
— Quanto tempo, você já sabe?
— Nove semanas.
— Olha, fui rápido e certeiro, hein? — Louise
gargalha, aquela gargalhada gostosa, e encaixa o rosto no
meu tórax. — Não foi você que me pediu para nunca mais
deixar um homem chegar perto de você? Já esqueceu a
dor, né?
— Esqueci nada — resmunga, o rosto escondido
contra a minha pele. — Tô apavorada só de pensar. — Lou
ergue os olhos na minha direção e acaricia meu rosto
barbado. — Mas vale a pena passar por isso uma última
vez se isso significa construir uma família com você.
— Meu ego foi lá em cima agora.
Louise ri e me beija. Retribuo e aperto sua cintura,
sentindo como meu coração enche e transborda ao pensar
no quanto a amo, no quanto amo nossa amizade, nossa
conexão, a família e a vida que estamos construindo um ao
lado do outro. Uma relação cheia de companheirismo,
respeito, amor, confiança e alegria.
— Dessa vez, tenho certeza que é uma menina —
sussurro na sua boca.
Minha esposa abre um sorriso enorme e diz:
— Eu acho que é outro menino. Quer apostar?
Pondero.
— Se você perder, eu escolho o nome — determino.
— Se eu ganhar, os primeiros seis meses de
cuidados de madrugada são seus.
Dou um selinho nela.
— Fechado.
Certa vez, em um grupo de Facebook, vi uma
imagem de um trecho de um livro de época de uma famosa
escritora. O trecho em questão era de uma cena em que a
personagem feminina montava no marido bêbado e o fazia
gozar dentro dela. Importante ressaltar que não li o livro
todo e essa imagem vira e mexe roda a rede social e
levanta um debate importante: a esposa abusou ou não do
marido? Muitos comentários saíam em defesa da
personagem feminina, alegando que não houve abuso
porque o mocinho queria o sexo. Outros comentários,
reconheciam que era uma cena problemática e que, sim,
houve abuso sexual ali.
Se houve ou não estupro na tal cena, isso não cabe
discutir aqui e agora e nem é o meu intuito. A questão é
que fiquei horrorizada com a quantia de comentários dos
usuários que batiam o pé e diziam que não houve abuso
sexual usando argumentos como: ele ficou ereto, ele
gozou, ele disse que queria. E toda vez — toda santa vez
— que alguém postava esse trecho e levantava o debate,
surgia gente do fim do mundo para dizer que um homem
não pode ser abusado por uma mulher porque “se ele não
quer, não fica duro”.
Em uma dessas vezes, passei o dia fugindo do post
no Facebook porque sabia que se eu entrasse nos
comentários, ia passar raiva com os absurdos que lá
estariam escritos. Mas não teve jeito. Uma amiga escritora,
que na mesma semana tinha lançado um livro que também
falava sobre abuso sexual contra homens cometido por
mulheres, me mandou o link do post e disse “Não vou
passar raiva sozinha”. Na curiosidade, cliquei e cai direto
nos comentários. Como achei que aconteceria, passei
raiva.
Nessa época, “Operação Bebê a Bordo” já estava no
meu planejamento de escrever algo para o Dia das Mães.
Eu tinha uma coisa ou outra em mente, mas o enredo
ainda precisava ser melhor trabalhado. Foi então que
decidi: vou falar sobre abuso sexual cometido por mulheres
e vou inserir isso no lançamento de maio. Se você leu o
livro famoso em questão, pode ser que tenha notado certa
semelhança entre a cena que mencionei e a cena em que
a Beatriz faz o mesmo com Arthur. A semelhança foi
completamente proposital e foi usada para levantar o
debate e fazer o leitor refletir. Para além do entretenimento
que eu espero que Arthur e Louise tenham propiciado a
você, leitor, espero, de todo coração, que também tenha
tirado proveito da mensagem e refletido sobre um assunto
que é tão pouco falado e muito banalizado.
Infelizmente, não é incomum que meninos e homens
virem motivos de chacota quando são abusados por
mulheres. Muitas vezes, suas palavras são postas em
dúvida — se não queira, não teria ficado ereto, certo? —,
muitas vezes, o caso é completamente banalizado.
Comentários de outros homens como “adoraria ser
estuprado por essa mulher bonita” ou colocar em dúvida a
masculinidade daquele que sofreu o abuso são muito
comuns. Esse tipo de postura e pensamentos como os dos
inúmeros comentários que vi naqueles posts contribuem
para que haja silenciamentos. As vítimas se calam diante
suas agressoras por medo, vergonha, talvez até por não
reconhecerem o abuso.
Por isso, lembre-se de que a definição de estupro
vai muito além da conjunção carnal sem consentimento,
seja ela por uso da força física ou psicológica. Nossa
legislação hoje reconhece que “sexo oral, masturbação,
toques íntimos e introdução forçada de objetos, por
exemplo, também se enquadram nessa categoria de
violência sexual.” Além disso, temos o estupro de
vulnerável. Esse se enquadra como sexo com menores de
14 anos (mesmo com consentimento do menor) e relações
sexuais com indivíduos incapazes de consentir, como
portadores de deficiências mentais ou pessoas sob efeito
de drogas, tal como o álcool.
Em resumo: não é não. Se o “não” foi desrespeitado,
temos aí um caso de violência sexual.
Ponto final.

A.C. Nunes
Maio de 2021
Meu Pequeno Segredo (Ps:
Estou Grávida! #2)
Disponível na Amazon a partir de 05 de maio de 2021
Sinopse: Depois de um acidente que quase tirou sua
vida, Laura Lancaster sabe de três coisas sobre si mesma.
Ela é solteira, pediatra em um hospital renomado e agora
está grávida de um homem misterioso que ela não entende
como e nem por que se entregou tão facilmente quando se
conheceram. Sua mente esquecida também não faz ideia
de que esse homem intenso e sarcástico é também seu
marido.
Henrique D’Ávila sabe de três coisas. Ele é casado,
completamente apaixonado pela esposa e um CEO
bilionário. Com uma fortuna de dar inveja a muitas
pessoas, Henrique a daria a qualquer pessoa que fizesse
Laura se lembrar que os dois eram casados e que ela
pertencia a ele.
Isso nunca aconteceria. Apenas o tempo traria as
suas lembranças de volta.
Laura descobriria em breve que seu marido nunca
foi paciente.
O tempo está correndo e Henrique está disposto a
fazer Laura amá-lo mais uma vez.
Mesmo que para isso tenha que se inserir na vida
dela como um desconhecido.

De Repente Amor (Ps:


Estou Grávida! #3)
Disponível na Amazon a partir de 17 de maio de 2021
Sinopse: Bianca Leal é casada há alguns anos com
o homem da sua vida, aquele que ela escolheu para amar
e viver até os últimos dias. Ela pensa viver um
relacionamento perfeito com o seu marido até que a
descoberta de uma gravidez não planejada começa a
afetar o seu casamento.
Ravi Abrantes nunca desejou ser pai, jamais esteve
em seus planos uma criança e mesmo que ame a sua
esposa não está disposto a voltar atrás da sua decisão.
Ele não gosta de crianças, jamais se viu sendo pai.
Bianca tem o desejo de ser mãe e vai fazer de tudo
para levar a sua gravidez a diante.
Esse bebê será o fim ou um doce recomeço para
Ravi e Bianca?

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