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REVISÃO: JULIANA

POLICARPO JESS BIDOIA ALE SILVA


CAPA: ALE SILVA
IMAGENS CAPA: CANVA PRÓ
DIAGRAMAÇÃO: ALE SILVA
ESTA É UMA OBRA DE
FICÇÃO. QUALQUER SEMELHANÇA
COM FATOS, NOMES E
ACONTECIMENTOS REAIS É MERA
COINCIDÊNCIA.
A PROFESSORA DA FILHA DO
CEO — 2022 — ALEXANDRA SILVA
TODOS OS DIREITOS
RESERVADOS
SÃO PROIBIDOS O
ARMAZENAMENTO E/OU A
REPRODUÇÃO DE QUALQUER
PARTE DESTA OBRA SEM O
CONSENTIMENTO DA AUTORA.
A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS
AUTORAIS É CRIME ESTABELECIDO
NA LEI N°.9.610/98 E PUNIDO PELO
ARTIGO 184 DO CÓDIGO PENAL.
Agradecimentos
Agradeço em primeiro lugar a Deus
por me permitir escrever mais esse livro. A
minha família por me apoiar e entender
quando a única coisa que quero é escrever.
Agradeço também ao Grupo Desafio Mari
Sales por todo incentivo e apoio diário. Não
poderia deixar minhas parceiras, leitoras e
betas de fora desse agradecimento. Esse
livro é para vocês.
Índice
Playlist
Sinopse
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Epílogo
Epílogo dois
Siga a autora nas redes sociais
Playlist
Depois – Marisa Monte
Totalmente seu – Marisa Monte
Não vá embora – Marisa Monte
Can’t help falling in love – Elvis
Presley (Versão Boyce Avenue)
Sinopse
Benício é o CEO da empresa da sua
família e, depois da perda da esposa em um
acidente de carro, divide seu tempo entre o
trabalho e a criação de sua filha.
Sem a mínima intenção de se
envolver emocionalmente, segue sua vida
com encontros casuais onde sempre procura
por mulheres que não sabe nem ao menos o
nome.
Tudo o que ele quer é um alívio
para o corpo. Momentos em que coloca para
fora o desejo e finge voltar no tempo e estar
com a única mulher que amou de verdade
nos braços outra vez.
Mas isso muda quando uma
professora insolente, atrevida e que não
abaixa a cabeça para ele aparece em sua
vida.
Catarina, ou Cat, como as amigas a
chamam, é uma professora da educação
infantil dedicada e amorosa. Quando fica
sabendo que a sua nova aluna também
perdeu a mãe ainda bebê, a ligação com a
menina é instantânea.
Cat será capaz de tudo para fazê-la
sorrir. Nem que para isso tenha que enfrentar
o pai dela e dizer algumas verdades.
O embate acontece, o desejo
aparece. Será possível resistir a essa
atração, ou ela será tão forte que conseguirá
fazê-los abaixar as armas e se entregarem a
esse novo amor?
Capítulo
um
Benício
Passo a mão pelos cabelos e solto
um suspiro enquanto a Aurora anda animada
à minha frente.
— Não sei por que fui te escutar.
Ainda estou em dúvida se isso é mesmo uma
boa ideia. — Falo com o Conrado, meu
irmão, e ele balança a cabeça para os lados.
— Beni, para com isso, cara. Você
sabe que vai ser bom para ela. Não dá para
criar a menina presa dentro de uma redoma.
— Bom pra ela? — Bufo
contrariado. — Já esqueceu o que aconteceu
da última vez?
— Aquilo foi diferente. Era outra
escola, e você nem deu tempo a ela de se
acostumar direito. — Acusa-me. — A Ana
não te indicaria essa se não tivesse certeza
da qualidade. — Aponta, e sou obrigado a
concordar com ele nesse sentido.
Minha secretária é louca pela minha
filha e nunca faria nada que pudesse
prejudicá-la de alguma maneira.
— Mesmo assim. — Teimo. — Ela
não vai se acostumar, Conrado. A Aurora é
muito nova ainda.
— Sua filha está crescendo, Beni.
Vai fazer quatro anos daqui a poucos meses.
Você não pode enrolar mais. Essa é a idade
limite para ingressar na escola. Não dá mais
para mantê-la presa dentro de casa. —
Repete o que já me disse várias vezes,
quando paramos próximos à escola.
A Aurora está perto de nós
brincando com a boneca que insistiu em
trazer.
— Por que não? Tantas pessoas
fazem isso. Posso contratar professores
particulares. Ela não precisa estar aqui para
aprender. — Sou atingido por uma pontinha
de esperança.
— Para! — Impõe. — Você não vai
fazer isso com a minha afilhada. A garota
precisa de amigos, de crianças da idade
dela, não de crescer cercada por adultos. A
Aurora tem que aproveitar a infância, Beni.
— Suaviza o tom. — Como a gente fez.
Posso apostar que se lembra de vários
momentos desses até hoje.
— Ela é tão pequena ainda. —
Fecho os olhos e respiro fundo. — E se
alguma coisa acontecer, e eu não estiver aqui
para protegê-la?
Ele para de frente para mim quando
chegamos à entrada da escola e dá um
sorriso fraco.
— Você não pode controlar tudo.
Acha que também não tenho esse medo? Eu
amo essa menina como se fosse minha filha,
Beni. Mas você precisa deixá-la viver. —
Dá um aperto no meu ombro. — O que
aconteceu com a Liz foi um acidente. Não
quer dizer que vá se repetir. Pare de se
cobrar tanto. Já passou da hora de deixar
isso no passado.
— Está me pedindo o impossível.
Como posso esquecer se não a tenho mais
aqui comigo? Eu perdi minha mulher,
Conrado. Perdi minha amiga, minha
companheira, a mãe da minha filha. Não
posso e não quero esquecer. E não sei o que
seria de mim se alguma coisa acontecesse
com a Aurora. Ela é a razão para eu estar de
pé aqui e não ter cometido uma loucura até
agora. Ela e a promessa que fiz a Liz de
cuidar da nossa filha.
— Você... — Começa a falar
quando os portões da escola se abrem.
Meu telefone toca na mesma hora.
Pego o aparelho do bolso para atender.
— Eu preciso atender. Olha ela
para mim. — Peço e me afasto.
O que não digo em voz alta é o
verdadeiro motivo para não ficar e assistir
minha filha entrando na escola no seu
primeiro dia de aula. Se ela chorar, não vou
pensar duas vezes em pegá-la no colo e tirá-
la daqui.
Caminho para onde estacionei meu
carro e entro antes de desbloquear o telefone
e ver de quem era a ligação, pois já parou de
chamar.
Estranho quando vejo o número dos
pais da Liz no visor. Nós não mantemos
contato. Principalmente depois que a mãe
dela tentou envenenar minha filha contra
mim.
Como se não bastasse tudo o que
fez a filha passar, ainda quer se meter na
vida da neta, mas eu não vou deixar. Nem
que para isso tenha que entrar na justiça e
pedir ao juiz para proibi-la de chegar perto
da Aurora.
Apoio a cabeça no encosto do
banco e fecho os olhos por alguns instantes.
Resolvo ligar de volta para saber o
que querem, pois pode ter a ver com a nossa
rede de lojas de conveniência.
Não tinha a mínima vontade de ser
sócio deles em qualquer coisa, mas acabei
fazendo pela Liz, pois sabia que, apesar de
tudo o que a mãe aprontou, ela ainda se
preocupava com eles. Mesmo que tenha
tentado me convencer a não fazer isso, segui
em frente por saber que a deixaria mais
tranquila sabendo que eles teriam uma forma
de sustento. Além de ser uma maneira de
deixá-los longe dela, já que a procuravam
sempre para pedir dinheiro.
Minha esposa era o oposto deles.
Nunca se importou com a minha conta
bancária, mesmo com a mãe tentando
convencê-la do contrário. Insistiu em
continuar trabalhando depois de casada por
não querer depender de mim para tudo. Dizia
que era capaz de se sustentar e não ficaria
em casa sem fazer nada e sendo bancada por
mim.
Tentei de várias maneiras fazê-la
desistir, porém não adiantou. Até pensei que
fosse mudar de opinião quando a Aurora
nasceu, mas isso não aconteceu.
Foi, justamente, voltando para o
trabalho depois da licença maternidade que
a perdi. Um carro desgovernado atingiu a
lateral do dela em cheio. Quando cheguei ao
hospital, suas últimas palavras foram me
pedindo para cuidar da nossa filha.
Uma lágrima escapa e desce pelo
meu rosto, porém não tento impedi-la.
— Por que você me deixou, meu
amor? — Pergunto em voz alta como se ela
pudesse me responder. — Eu sinto tanto a
sua falta. Sei que, se estivesse aqui comigo,
saberia o que dizer para me acalmar e me
fazer aceitar que a nossa filha precisa ir para
a escola. Tenho tanto medo de que alguma
coisa aconteça a ela, Liz. Eu não suportaria
perdê-la também. Já está difícil demais sem
você aqui.
Meu telefone volta a tocar, e eu
atendo para tentar me livrar logo deles.
— Precisamos conversar. — Nem
ao menos me cumprimenta.
— Não tenho nada para tratar com a
senhora. — Digo de forma ríspida.
— Eu quero ver minha neta,
Benício. Você não pode me impedir. — Seu
tom de voz também não é nada amigável.
— Está enganada. Não só posso,
como vou. Não a quero perto da minha filha.
— Vamos ver até quando. Dei
entrada no pedido de guarda dela. — Aperto
o celular em minha mão e não sei como ele
não se parte tamanha a força que estou
empregando.
— Você está blefando. Juiz nenhum
tiraria a guarda da Aurora de mim. — Falo
de maneira firme.
— Descobriremos isso em breve.
Aposto que o juiz vai adorar saber que você
proibiu a minha neta de manter qualquer
contato com a família da mãe. — Não me dá
tempo de responder e desliga.
Jogo o celular no banco ao lado e
soco o volante diversas vezes. A raiva
borbulha dentro de mim. Ela não pode fazer
isso. Não pode.
— Beni. — Ouço uma batida na
janela. — Beni, abre essa porta. — Meu
irmão me pede. Abaixo o vidro, mas não
olho para ele. — O que aconteceu? Por que
você está aqui parado e nervoso desse jeito?
Não vai me dizer que é por causa da escola.
— Viro-me em sua direção e o vejo
arregalar os olhos e dar a volta no carro.
Destranco a porta para ele, que entra e senta-
se no banco do carona. — O que está
acontecendo, Beni? Você está me deixando
preocupado.
— Ela quer tirar minha filha de
mim. — Conto me controlando para não
gritar e socar mais algumas coisas.
— Ela quem? Do que você está
falando? — Pergunta confuso.
— A Elisângela. Aquela maldita
deu entrada no pedido de guarda da minha
filha. Minha, Conrado. A Aurora é minha
filha.
— Ninguém vai tirar a Aurora de
você, mano. Ninguém. — Chama como a
muito não o faz. — Tenta manter a calma.
— Não quero ter calma. Quero
acabar com eles. E é o que vou fazer. Fica
com a Aurora para mim. — Peço. — Preciso
resolver isso logo.
— O que pretende fazer? —
Encara-me, esperando por uma resposta.
— Vou viajar. Já passou da hora de
acabar com essa sociedade.
— Tem certeza disso? — Questiona
receoso, pois sabe o que me levou a entrar
nessa.
— Não vou continuar com sócios
que querem me apunhalar pelas costas. Se
eles querem guerra, é o que terão.
Capítulo
dois
Catarina Abro um sorriso e
torço minhas mãos na frente do corpo

ansiosa enquanto espero o portão da escola

abrir.
Sempre sonhei em ser professora.
Quando chegou a hora de escolher qual
profissão seguir, não tive dúvidas. Mudei
para o Rio de Janeiro, fiz o curso de
formação de professores no Ensino Médio e,
em seguida, a faculdade de Pedagogia.
Amava brincar de escolinha com
minhas bonecas. Chamava minhas amigas
para se passarem por alunas e dava aula
durante horas se não reclamassem e
pedissem para brincar de outras coisas.
Minha tia Antônia sempre me
apoiou. Foi dela o meu maior incentivo para
me mudar e correr atrás do meu sonho.
Ela me criou desde que perdi minha
mãe com apenas seis meses de idade.
Quando completei quinze anos, pedi de
presente saber a real história por trás do meu
nascimento, e ela me contou que minha mãe
engravidou, mas meu pai só queria saber de
trabalho.
Ele não pensou duas vezes quando
recebeu uma proposta para mudar de país,
mesmo sabendo que a esposa grávida não
estava incluída e teria que deixá-la para trás.
Minha mãe, que já estava em
depressão, piorou depois do parto e acabou
tirando a própria vida. Desde então, a tia
Antônia é a minha única família.
Não cresci com luxo, mas nunca me
faltou amor. Ela sempre fez de tudo para
suprir a falta que eu poderia sentir dos dois.
Tudo o que estava ao seu alcance para
conseguir me ajudar com a mudança e os
estudos, minha tia fez.
Não foi fácil no início, mas
consegui. Trabalhei dando aula de reforço
escolar, fazia sanduíches para vender na
escola e, depois, na faculdade, vendi
bijuterias e todas as revistas de cosméticos
que possa imaginar.
Trabalho há dois anos nessa escola
e consigo até mesmo retribuir um pouco do
que tia Antônia fez por mim enviando uma
parte, mesmo que pequena, do meu salário
para ela todo mês. Ainda faço alguns bicos
por fora como tomar conta de alguma criança
ou ajudar outras que estão com dificuldade
no aprendizado, mas nada tão corrido como
antes.
— Olha isso, Cat. — Bianca me
cutuca e indica com um movimento de
cabeça discreto a direção onde estão dois
homens de terno conversando. — Difícil
saber qual dos dois é o mais bonito.
— Até são bonitos, mas olha a
carranca do mais velho. — Abaixo o olhar e
vejo uma menininha linda perto deles. —
Começar o dia com esse humor não deve ser
nada bom.
— Nem todo mundo acorda
animado em plena segunda-feira, amiga. —
Arqueia a sobrancelha para mim.
— Não importa. Já está indo
embora. Não deve ser o pai de nenhum dos
alunos. Provavelmente veio só para
acompanhar. — Faço pouco caso. — Vamos
trabalhar. Está na hora. — Bato palma
animada e dou um passo para mais perto da
entrada para receber meus alunos.
Vejo alguns rostos conhecidos e
sinto minhas pernas serem abraçadas por
algumas crianças que já me conhecem dos
anos anteriores.
— Amiga, a menininha do deus
grego é da sua turma. — A Bianca diz
animada e se afasta sem me dar tempo de
responder.
A pessoa em questão para à minha
frente em seguida.
— Bom dia. — Abaixo-me para
ficar na altura dela e cumprimentá-la. —
Qual o seu nome? — Agarra-se à perna do
homem, que dá um sorriso doce e se abaixa
também.
— Ei! O que o dindinho falou
contigo? — Pergunta de forma carinhosa. —
Está tudo bem. Você não quer conhecer a tia
e seus novos amiguinhos? — Ela dá um
aceno fraco em resposta. — Diz qual é o seu
nome. Ela ainda não sabe.
— Aurora. — Fala, praticamente,
em um sussurro.
— Que nome lindo. Combina com
você, sabia? Uma princesinha com nome de
princesa. — Seus olhos brilham enquanto me
encara — Conhece a história da princesa
Aurora? — Acena com a cabeça em acordo
de forma mais animada. Acho que acertei na
maneira de conquistá-la. — Que tal se me
ajudar a contar para os seus amiguinhos? —
Estico a mão em sua direção, e ela não
demora a colocar a sua na minha. Levanto-
me e fico de frente para o padrinho dela. —
Prazer, meu nome é Catarina. Serei a
professora dessa menina linda aqui durante
este ano.
— Prazer, Catarina. —
Cumprimenta-me com um aperto de mão. —
Meu nome é Conrado. Meu irmão precisou ir
embora, pois tinha uma reunião importante.
Hoje eu sou o responsável por essa
bonequinha. — Faz um carinho na cabeça da
sobrinha. — Meu telefone já está na ficha
dela. Se precisar de alguma coisa, basta me
ligar. — Inclina-se para falar com ela outra
vez. — Venho te buscar daqui a pouco.
Comporte-se. — Aperta o nariz dela de leve
e dá um beijo em sua testa.
— Dindinho. — Chama antes que
ele se afaste. — Meu papai não vem me
buscar? — Sinto a tristeza em sua voz, e isso
corta meu coração.
— Estou magoado. Você não quer
ficar comigo? — Faz drama para distraí-la.
— Podemos almoçar no shopping. O que
acha? — Oferece, e gosto dele de imediato.
Não consigo entender o porquê de o
pai não ter esperado. Será que mais cinco
minutos iam fazer tanta diferença assim? É o
primeiro dia de aula da filha dele em uma
escola nova, caramba. Isso é um
acontecimento importante para a criança. Ela
precisa se sentir acolhida, protegida. Precisa
perceber que não está sendo largada aqui.
Ela tem sorte de ter um tio como o Conrado,
ou seria muito pior.
Mordo a língua para não falar o que
penso. Não preciso começar o ano letivo
arrumando confusão, ou a Glória, diretora da
escola, me mata.
— Vamos conhecer seus novos
amiguinhos? — Mudo de assunto.
— Obrigado. — Fala sem som
olhando para mim e faz sinal para eu ligar se
precisar de alguma coisa.
Dá tchau para a sobrinha e se
afasta, mas olha para trás antes de sair e
manda um beijo para ela, que só assim
começa a caminhar comigo para perto das
outras crianças no pátio de recreação.
— Ele é ainda mais lindo de perto.
— A Bianca fala ao meu lado e se abana de
forma nada discreta. — E quando sorri? Meu
Deus!
— Sossega, Bianca. — Recrimino-
a. — Ele é tio da minha aluna.
— Desde quando isso impede
alguém de ser bonito? — Questiona de forma
brincalhona. — O que foi embora é o pai?
— Solto um suspiro.
— Sim. Teve que ir antes por causa
de uma reunião. — Ela me olha pelo canto
dos olhos.
— Controla esse seu gênio, Cat.
Não tire conclusões precipitadas. — Pede.
— Não estou fazendo nada. — Faço
pouco caso.
— Eu te conheço, garota. Não se
esqueça disso. — Aponta o óbvio. —
Depois a gente se fala. — Joga um beijo no
ar e se afasta, caminhando para perto dos
alunos dela.
— Quem aqui gosta de ouvir
histórias? — Chamo a atenção para mim. —
Que tal começarmos com a princesa Aurora?
— Ofereço e vejo os olhinhos dela
brilharem, assim como os de várias outras
crianças — Como temos amiguinhos novos,
vamos nos apresentar primeiro. Eu começo.
Meu nome é Catarina, mas podem me chamar
de tia Cat.
— Oi, tia Cat. — Todos falam ao
mesmo tempo.
— Eu moro com a minha amiga
Bianca e adoro assistir a filmes e ler livros.
— Posso falar agora, tia? — Um
menininho pergunta.
Todos se apresentam, e a Aurora
fica calada em um canto.
— Falta uma pessoa. — Digo e
caminho para perto dela. — Conta para os
amiguinhos qual é o seu nome. — Peço com
delicadeza para não deixá-la ainda mais
assustada.
— Aurora. — Responde de cabeça
baixa.
— Com quem você mora e o que
gosta de fazer? — Insisto um pouco mais.
— Com o meu papai. — Diz e se
encolhe.
Resolvo não forçar mais. Ela já está
assustada o bastante. Não quero deixá-la
acuada.
Só preciso controlar a minha língua
para não perguntar pela mãe dela, que não
foi mencionada nem por ela e nem pelo tio.
Capítulo
três
Benício — Benício? — O

Cláudio, pai da Liz, me olha espantado. — O

que você está fazendo aqui?


— Achou mesmo que eu não viria
depois da ameaça que a sua esposa me fez
hoje pela manhã? — Controlo-me para não
partir para cima dele, esquecer da sua idade
e de quem é pai.
— Do que você está falando? —
Arregala os olhos para mim.
— Quer mesmo que eu acredite que
não sabe de nada? Pensa que sou algum
idiota, por acaso?
— Que gritaria é essa na minha
casa? — Vejo a Elisângela saindo do
corredor. Ela para quando me vê, mas finge
não ligar. — Mudou de ideia? Onde está a
minha neta? — Empina o nariz.
— Bem longe de você e vai
continuar assim. — Dou um passo para mais
perto e cerro os punhos com raiva.
— Você não pode fazer isso. —
Exalta-se e repete o que me disse mais cedo
pelo telefone. — A Aurora é minha neta. Eu
tenho o direito de conviver com ela.
— Só por cima do meu cadáver.
Minha filha não vai passar por nada do que a
mãe dela passou por ser obrigada a ter
alguém como você por perto. A Liz pode não
ter tido escolha, mas a Aurora tem um pai
que é capaz de tudo para protegê-la. Acho
bom não ficarem no meu caminho. —
Ameaço.
— Não tenho medo de você, garoto
petulante. — Encara-me.
— Pois deveria. Não estou
brincando, Elisângela. Não queira pagar pra
ver, ou vai se arrepender.
— Do que vocês estão falando?
Será que podem me explicar? — O Cláudio
tenta chamar a atenção para si.
— Sua mulher entrou com o pedido
de guarda da minha filha. Minha. — Grito e
bato no peito. — Sempre relevei o que
faziam por causa da Liz, mas agora isso
acabou. Nem ela suportava mais as atitudes
de vocês.
— Nossa filha nos amava. — Diz
cheia de si.
— Sim, e por isso aturou durante
tanto tempo todas as suas armações, os
pedidos de dinheiro e todo o resto, mas eu
não sou ela, Elisângela. Não tenho obrigação
nenhuma com vocês.
— Não precisamos de você para
nada. — Enfrenta-me.
— Tem certeza? — Semicerro os
olhos para ela. — Está se esquecendo de que
a maior parte da rede de lojas é minha?
Posso acabar com ela em um piscar de
olhos.
— Você está blefando. — Fala, mas
percebo o medo em seu olhar.
— Paga pra ver. Leva adiante essa
história de pedido de guarda e vamos ver se
estou blefando. Vocês não amam a minha
filha. Sei muito bem o que estão fazendo. Só
querem ficar com ela para ter acesso ao
dinheiro, e eu não vou permitir isso. Não
vou.
— O dinheiro era da nossa filha.
Nós temos direito. — O Cláudio fica calado,
olhando de um para o outro.
— Aí é que você se engana. O
dinheiro é meu. A Liz nunca aceitou nada.
Fez questão de casar com separação total de
bens e continuar trabalhando.
— A culpa é sua. Minha filha era
para estar aqui, viva, me ajudando, mas ela
morreu por sua culpa. — Perde o controle e
grita. — Seu maldito.
— Minha culpa? Minha? Tem
certeza? Sua filha só queria trabalhar para
não ser comparada contigo. Se tem algum
culpado pela Liz estar voltando para o
trabalho pouco tempo depois de a nossa filha
nascer, esse alguém é você. — Aponto o
dedo em sua direção, e ela dá um passo
atrás. — Eu perdi o amor da minha vida por
sua culpa e nunca vou te perdoar por isso.
Nunca. Está ouvindo? Sua neta vai crescer
sem a presença da mãe, e a culpa é toda sua.
Tente conviver com isso. — Cuspo as
palavras.
— Benício, calma, meu filho. — O
Cláudio tenta acalmar os ânimos. — Vamos
conversar.
— Não tenho nada para conversar
com vocês. — Viro-me para sair, porém
paro antes de passar pela porta. — Nossa
sociedade acaba aqui. Ou compram a minha
parte, ou fechamos a empresa.
Saio sem esperar por uma resposta,
mas escuto passos apressados atrás de mim.
Sigo direto para o meu carro sem parar para
ver quem é, apesar de já desconfiar.
— Espera, Benício. Por favor. Não
faz isso. — Ignoro sua fala e continuo
andando. — Sabe que não tenho como
comprar a sua parte e nem como me manter
se fecharmos.
— Isso não é um problema meu. —
Abro o carro e entro, mas ele segura a porta
aberta.
— Por favor. Pela Liz. Ela não
ficaria em paz nos vendo passar por
necessidade. Foi por isso que te pediu para
nos ajudar. — Tenta me convencer, mas só
me irrita mais.
— Não ouse colocar o nome dela
nessa sujeira. Vocês não mereciam a filha
que tinham. — Aperto o volante com raiva.
— Para o seu governo, ela nunca me pediu
isso. Foi o oposto. A Liz foi contra desde o
começo. Fiz, porque quis, por serem os pais
dela, mas vocês não merecem nada disso.
— Por favor, meu filho. Já estou
com a idade avançada. Não vou conseguir
um emprego. Como vamos viver?
— Por que eu deveria me importar
quando não estão nem aí para o bem estar da
própria neta? Como podem usá-la dessa
maneira?
— Eu não sabia de nada disso. —
Afirma. — Te dou a minha palavra de que a
Elisângela não vai levar isso adiante.
— Como se a sua palavra tivesse
algum valor pra mim. — Bufo e reviro os
olhos.
— Por favor, Benício. — Insiste. —
Eu não teria motivos para mentir. Se não
cumprirmos com a promessa, você pode
fazer o que disse. Só me dê mais uma
chance.
— Estou indo para o escritório
agora pra conferir nota por nota, anotação
por anotação. Se eu encontrar alguma coisa
errada, pode se preparar. E, a partir de
agora, não trato de mais nada com vocês.
Vou nomear alguém para tomar conta de tudo
no meu lugar. Não quero olhar pra sua cara,
muito menos para a da sua mulher. — Ele
engole em seco e se afasta do carro soltando
a porta em seguida.
Saio cantando pneu e paro assim
que viro a esquina. Preciso respirar e tentar
me acalmar, ou vou acabar provocando
algum acidente se continuar dirigindo
nervoso como estou.
Puxo o ar pelo nariz e solto pela
boca uma vez, seguida de outra, e outra.
Quando estou mais calmo, pego o celular do
bolso e ligo para o meu irmão. Não posso
sair daqui sem resolver tudo de uma vez e
não tem outra pessoa que eu confie para
tomar conta da Aurora enquanto isso, que
não seja ele.
— Beni, conseguiu resolver tudo?
— Pergunta assim que atende.
— Preciso da sua ajuda. — Solto
um suspiro e fecho os olhos.
— O que você precisar, mano. É só
me dizer o que quer que eu faça.
— Fica com a Aurora pra mim
alguns dias. Estou indo para o escritório.
Quero passar um pente fino nas contas da
empresa.
— Desistiu de vender? —
Questiona.
— Fiz um acordo com o Cláudio.
Ele me pediu para não vender e me prometeu
que não vai deixar a Elisângela seguir com o
processo.
— E você acreditou? — Escuto a
voz da Aurora chamando por ele. — Só um
minuto, princesa.
— Peguei no ponto fraco deles:
dinheiro. Se não cumprir, acabo com eles
não só na empresa. Sei que o juiz não daria a
guarda aos dois. Só quero evitar a dor de
cabeça. Não quero minha filha no meio
dessa confusão.
— Está certo. Pode contar comigo,
Beni. Resolve tudo por aí, e eu cuido da
nossa princesa.
— Obrigado. — Agradeço.
Desligo e deixo o celular no banco
do carona. Jogo a cabeça para trás e fico
parado mais um pouco. Minha vontade é de
correr para longe. Tudo nessa cidade me
lembra a Liz. Não sei se vou suportar ficar
aqui por muito tempo.
Capítulo
quatro
Catarina
Fico parada, olhando para a Aurora
e com uma vontade incontrolável de pegá-la
no colo e cuidar.
Nesses poucos dias desde o início
das aulas, já me apeguei a essa menina de
uma maneira surpreendente. Talvez tenha a
ver com o que a Glória me contou sobre ela
também ter perdido a mãe quando ainda era
um bebê. Isso e fato de o pai não ter dado as
caras novamente.
Hoje já é sexta-feira, e a única
pessoa que veio trazê-la e buscá-la foi o
Conrado, tio e padrinho dela. Assim como
eu tive a sorte de ter a tia Antônia na minha
vida, a Aurora tem de tê-lo na dela.
É impossível não se encantar com o
cuidado e carinho que ele tem com a
sobrinha. A Bianca até brincou comigo,
dizendo que eu estava me apaixonando por
ele, mas não é esse o caso. Enxergo nele a
figura da minha tia, pois acredito que
represente para a Aurora a mesma coisa que
ela representa para mim.
Observo quando ele caminha para
perto de onde estou com meus alunos para
pegar a sobrinha.
— Bom dia. — Cumprimenta com
um sorriso no rosto enquanto olha para onde
ela está distraída brincando com os colegas.
— Bom dia. — Devolvo o
cumprimento e dou um sorriso mais discreto.
— A partir de segunda-feira, o horário da
saída será um pouco mais tarde. Depois do
almoço. Na próxima semana, já
começaremos com o horário normal. —
Aviso.
— Certo. Como ela tem se
comportado? — Pergunta, e sinto a
preocupação em sua voz. — Já tentamos
colocá-la em outra escola, mas não deu
muito certo. Ela não se acostumou.
— Tem ficado bem, só um pouco
tristinha. Brinca com os coleguinhas,
interage, gosta das brincadeiras, mas, às
vezes, se isola e fica mais quietinha. Está
acontecendo alguma coisa diferente fora o
início das aulas? — Questiono tentando
conhecer um pouco mais da história dela
para saber como lidar.
— Ela está com saudade do pai.
Meu irmão precisou fazer uma viagem e
ainda não voltou. Por mais que eu tente
distraí-la, está sempre perguntando quando
ele volta.
— Entendi. É a primeira vez que
eles ficam tanto tempo longe um do outro?
— A pergunta sai antes que eu possa me
segurar.
— Não. — Percebo seu tom de voz
mudar quando me responde. — Já aconteceu
outras vezes. Acredito que esteja mais
perceptível por ter juntado com essa nova
fase. Foram duas coisas para se acostumar
ao mesmo tempo, e ela ainda é muito
novinha.
— Certo. — Controlo-me para não
perguntar mais nada. Não quero que me ache
uma intrometida. — Espero que ele volte
logo para os dois matarem essa saudade.
Talvez assim ela aproveite melhor a próxima
semana de aula.
Assim que termino de falar, a
Aurora olha para onde estamos, vê o
padrinho e corre em nossa direção.
— Dindinho. — Ele se abaixa e a
pega no colo. — Cadê meu papai? Ele não
veio?
— Ainda não, minha princesa. —
Os olhinhos dela ficam tristes na mesma
hora. — Que tal se a gente tentar falar com
ele por chamada de vídeo? — Oferece.
— Mas ele vai atender? —
Pergunta com uma voz abatida, e o tio força
um sorriso.
— Se não atender, a gente liga outra
vez. Até conseguir. Combinado? — Acena
com a cabeça em acordo um pouco mais
animada. — Dá tchau para a tia Catarina.
— Tchau, tia Cat. — Se joga para
os meus braços e agarra meu pescoço com
os bracinhos.
— Tchau, minha linda. — Fecho os
olhos e aproveito esse contato, tentando
transmitir a ela todo o carinho que já sinto.
— Até semana que vem. — Dou um beijo no
seu rostinho, e ela me dá um também.
— Tchau, Catarina. — Despede-se.
— Obrigado. — Agradece e pega a sobrinha
no colo outra vez.
Assim que eles se afastam de mim,
a Bianca para ao meu lado e cutuca a minha
cintura com o cotovelo.
— O que tanto vocês conversavam?
— Abaixa e levanta as sobrancelhas
diversas vezes. — Estavam combinando
alguma coisa proibida para menores? —
Reviro os olhos.
— Será que você só pensa nisso?
— Caminho para um banco no canto do pátio
onde ainda posso ver meus alunos, e ela me
segue.
— Olhando para um homem como
ele? Em diversas variações disso. — Acabo
sorrindo. Ela não tem jeito. — O homem é
gato. Quer dizer, gato é pouco. O cara é
gostoso.
— Não sei como ainda me espanto
com esse seu jeito. — Balanço a cabeça
para os lados.
— Você me ama. Mesmo que aquele
chato do seu namorado tente nos afastar.
— Não começa, Bianca. —
Reclamo. — Queria entender essa
implicância que você tem com o Bruno.
— Só acho que você merece alguma
coisa melhor do que aquele ser. — Faz cara
de nojo. — Ele tem escrito na testa:
cafajeste. Só você não vê, amiga.
— O Bruno nunca me deu motivos
para desconfiar dele. Você é que cismou com
isso. — Solto um suspiro. — Queria tanto
que vocês se dessem bem. A gente poderia
fazer alguns programas juntos, mas, toda vez
que ele vai lá em casa e você está, um fica
implicando com o outro.
— Não implico com ele. Só não sei
fingir quando não gosto de alguém. Vamos
esquecer esse assunto. — Bate palma. — O
que vamos fazer hoje? Vai se encontrar com
ele ou ficar comigo?
— Ele disse que vai sair tarde do
trabalho hoje. Precisa terminar alguma coisa
pra entregar. Não sei ao certo. Só vamos nos
encontrar amanhã. — Conto.
— Claro. Trabalho. — Fala com um
tom debochado, porém ignoro. Não quero
brigar com ela. — Quer sair para algum
lugar ou ficar em casa vendo um filme? —
Vira-se para mim. — Esquece. Já sei a
resposta. Nunca vi alguém tão caseira como
você, Cat. — Reclama.

Benício
— Essa merda está demorando mais
do que pensei. — Bufo e me jogo no sofá do
quarto do hotel onde estou hospedado.
— Encontrou alguma coisa errada
na empresa? — O Conrado pergunta.
— Algumas divergências, mas
ainda não terminou. — Bebo um longo gole
de whisky. — A Aurora já está dormindo?
— Mudo de assunto.
— Como todos os dias quando
consigo falar contigo. — Sinto a reprimenda
em sua voz. — Ela está com saudade, Beni.
A professora mesmo já reparou.
— Como foi essa semana na
escola? — Ignoro sua alfinetada de
propósito, pois não estou com cabeça para
isso.
— Ela está gostando. Me conta toda
animada como foi, mas, como eu disse, e
você fingiu não ouvir, a professora me
contou que, apesar de brincar com os
colegas, às vezes se afasta tristinha.
— O que você quer que eu faça,
Conrado? Não estou aqui porque quero,
porra. Você, melhor do que ninguém sabe o
quanto evito vir pra cá, o quanto esse lugar
me faz mal, mas preciso resolver logo essa
merda para tirá-la do meu caminho.
— E não pode separar alguns
minutos do dia pra falar com a sua filha?
Porra, Benício. — Exalta-se. — Uma
chamada de vídeo, cara. Não vai te arrancar
um pedaço. A garota está sentindo sua falta,
caralho.
Fecho os olhos por alguns segundos
antes de responder e respiro fundo.
— Tenho ficado preso na empresa o
dia inteiro. Preciso ficar atento a tudo. —
Explico. — Já sei quem vai tomar conta pra
mim. — Conto com a intenção de mudar o
rumo da conversa.
Ele respira fundo antes de voltar a
falar, e sei que está se controlando para
evitar uma briga.
— Quem é e, se já escolheu, por
que não deixa essa pessoa tomando conta a
partir de agora e volta pra casa de uma vez?
— O Heitor. Amigo da Liz de
infância. Ela sempre confiou muito nele, e
sei que vai fazer um bom trabalho, mas está
viajando e só chega no próximo fim de
semana. — Explico. — Vou esperar pra
passar tudo pra ele antes de voltar. Enquanto
isso, acompanho a auditoria.
— Você vai ficar mais uma semana
aí? — Bebo o restante do líquido âmbar
antes de responder.
— Sim. Pode ficar com a Aurora
pra mim? — Questiono, mesmo sabendo
qual será a sua resposta.
— Sabe que sim. E, mesmo que não
pudesse, daria um jeito como das outras
vezes em que você se afastou. — Recrimina-
me outra vez.
— Conrado, eu... — Não me deixa
terminar de falar.
— Esquece, Benício. Não quero ter
esse tipo de conversa pelo telefone, e você
já sabe o que penso a respeito. Quanto à
minha afilhada, não precisa se preocupar,
pois eu nunca a deixaria sozinha. Aquela
menina é a minha vida. — Trinco o maxilar.
— Tenho que desligar. Vê se tira um tempo
pra ligar pra ela. — Diz e encerra a ligação
sem me dar tempo de dizer mais nada.
Capítulo
cinco
Benício
Pego o telefone para ligar para o
meu irmão, já esperando o que me aguarda.
Ele não vai gostar nada do que tenho a dizer,
e sei disso.
Passo a mão nos cabelos, respiro
fundo e ligo para o número dele, que atende
logo em seguida.
— Já está chegando? — Pergunta
sem ao menos me cumprimentar.
— Não. — Solto um suspiro. —
Marquei um almoço com o Heitor amanhã
para acertar todos os detalhes. Vou direto
pra casa depois disso. A Aurora está perto
de você? — Mudo de assunto.
— Já dormiu. — Sinto no seu tom
de voz o quanto está irritado comigo. —
Como sempre, não é mesmo!? Parece que
você faz de propósito. Quase duas semanas
longe dela e não pode passar cinco minutos
que seja em uma chamada de vídeo com a
sua filha, Benício?
— Eu falei com ela na terça. —
Defendo-me.
— Claro. A menina lutou contra o
sono feito uma louca pra conseguir esperar a
sua ligação. E tenho certeza de que você só
ligou, porque achou que ela já estaria
dormindo.
— Aqui não está sendo fácil,
Conrado. — Digo mais ríspido do que
pretendia.
— Imagino. — Fala com sarcasmo.
— Você deve estar se afogando em um mar
de lamentações ao invés de seguir em frente.
Só está se esquecendo de quem é a mais
atingida com isso tudo. Sua filha.
— Não coloque em dúvida o meu
sentimento pela Aurora, porra. — Exalto-
me.
— Eu não estou duvidando,
Benício. Sei que a ama. Só não entendo
como consegue se manter distante como faz.
A garota precisa de você. Ela só quer o pai
por perto, mais nada.
— Ela me tem. — Digo de maneira
firme. — A Aurora é a minha vida, Conrado.
É o que me mantém de pé.
— Tirando algumas épocas do ano.
— Alfineta. — Olha, faz como você achar
melhor. Só depois não reclama quando ela
crescer e começar a fazer o mesmo.
— O que... — Interrompe-me.
— Vou desligar. Preciso organizar
um dia movimentado e animado pra tentar
distrair a Aurora amanhã.
— Eu... — Olho o celular na minha
mão e vejo que já encerrou a ligação. —
Merda. — Jogo o aparelho na cama.
Caminho para o banheiro, tiro a
roupa e jogo no canto. Entro no box e ligo a
ducha, me colocando debaixo do jato d’água
em seguida. Fecho os olhos e solto um
suspiro. Só queria ter o poder de voltar atrás
no tempo e impedir a Liz de sair de casa
naquele maldito dia.

Ligo para o Conrado, mas ele não


atende, assim como das outras dez vezes em
que tentei falar com ele. Será que aconteceu
alguma coisa, ou é só pirraça por eu ainda
não ter chegado?
Solto um suspiro e resolvo mandar
uma mensagem avisando que não vou voltar
hoje e que chego a tempo de levar a Aurora
na escola amanhã.
Acabei me distraindo enquanto
conversava com o Heitor sobre a infância
dele com a Liz e não vi a hora passar. Já está
tarde e prefiro deixar para pegar a estrada
de manhã cedo.
Deixo o celular de lado e ligo o
carro, seguindo para o hotel. Quando viro na
esquina da rua do Heitor, vejo a praça onde
sempre vinha com a Liz.
Encosto o carro em uma vaga e
respiro fundo enquanto vejo vários casais de
namorados passeando de mãos dadas, pais
brincando com os filhos, todos aproveitando
o final da noite.
Meu peito dói. Sinto como se
estivesse sufocando de saudade da Liz.
Queria tê-la aqui comigo. Queria tê-la em
meus braços outra vez.
As lágrimas pinicam os meus olhos
querendo escapar e não demoram a
conseguir. Aperto o volante com as mãos até
os nós dos meus dedos ficarem brancos.
Preciso sair daqui. Preciso ficar
longe desse lugar que tanto me lembra dela,
ou vou enlouquecer.
Sigo para o hotel, junto minhas
coisas o mais rápido que consigo, acerto
tudo e pego a estrada sem me importar com o
horário. A única coisa que me importa agora
é ir para longe daqui o quanto antes.
Faço a viagem com várias
lembranças passando pela minha cabeça.
Momentos que passamos juntos desde o
nosso namoro, nosso casamento, que estaria
completando seis anos, o dia em que
descobrimos a gravidez, o nascimento da
Aurora e o dia em que a perdi.

— Cuida da nossa filha, amor.


Cuida dela por mim. — A Liz me pede,
enquanto seguro a mão dela na minha.
— Vamos cuidar dela juntos, meu
amor. Você vai sair dessa, Liz. — Afirmo
tentando me fazer de forte e lhe passar
segurança, mesmo que esteja
desmoronando por dentro.
— Não vou, Beni. — Fala com
dificuldade. — Eu te amo. — Assisto seus
olhos fecharem e desespero-me.

Quando estou perto de casa, avisto


um bar e resolvo parar. A Aurora já deve
estar dormindo de qualquer jeito, e não
quero que eles me vejam nesse estado. Só
preciso de algumas doses de bebida para
anestesiar a dor que estou sentindo neste
momento.
Paro o carro de qualquer maneira e
caminho direto para o balcão.
— Vai beber o que, companheiro?
— Um homem com um pano no ombro me
pergunta.
— Uma dose da bebida mais forte
que você tiver pra começar. — Peço e sento-
me em um banco vago.
— Certo. — Olha-me pelo canto
dos olhos enquanto me serve. — Se precisar
de mais, é só chamar. — Avisa e se afasta
para atender outra pessoa.
Tomo uma, duas, três doses e,
quando peço a quarta, uma mulher senta ao
meu lado.
— Dia ruim? — Tenta puxar
assunto. Olho de soslaio para ela e vejo seus
cabelos castanhos soltos, lisos até a altura
dos ombros e uma roupa que deixa bastante
da sua pele morena exposta. Aceno com a
cabeça em acordo, sem vontade de
conversar. — Se quiser, posso te ajudar a
esquecer. — Oferece.
Bebo mais um gole e acabo com o
líquido no meu copo outra vez.
— Eu não seria uma boa
companhia. — Respondo ainda sem olhar
para ela.
— Quem se importa com isso? Só
quero uma noite de sexo. — Passa a ponta
dos dedos pelo meu braço.
— Tem certeza? — Concorda com
um aceno de cabeça. — Isso, eu posso te
dar. — Levanto-me, coloco algumas notas no
balcão para pagar minha conta e saio,
seguido de perto por ela.
Quando estamos perto da porta,
sinto seu braço envolver minha cintura, e um
beijo é depositado no meu pescoço.
Entro em um táxi que acabou de
deixar um passageiro, pois bebi mais do que
devia e prefiro não dirigir. Depois dou um
jeito de buscar meu carro aqui.
— Pra onde, chefe? — O motorista
me pergunta e dá partida.
— Pro hotel mais perto que tiver.
— Respondo apenas, enquanto olho pela
janela.
Não demora e somos deixados na
porta de um prédio onde nunca estive antes.
A mulher ao meu lado tenta me beijar, mas
desvio.
— Meu nome é... — Não a deixo
terminar de falar.
— Sem nomes. Isso é apenas sexo.
— Digo firme.
— Contando que você me faça
gozar. — Provoca-me.
— Tira a roupa. — Falo assim que
entramos no quarto sem deixar margens para
uma resposta negativa e começo a me despir
também.
Pesco um pacote de camisinha na
carteira e deixo na beirada da cama.
Caminho até estar atrás dela, beijo seu
pescoço e brinco com o bico de um seio com
a ponta dos dedos, descendo a outra mão
pelo seu corpo até atingir seu clitóris já
inchado. Ela estica a mão para trás e segura
meu pau, dando um aperto e bombeando para
cima e para baixo.
Coloco um dedo em seu canal
enquanto continuo o ataque com o outro. Ela
se contorce nos meus braços. Junto mais um,
depois outro, e sinto apertá-los dentro de si.
— Eu... Ahhhhh. — Tenta falar
entre gemidos.
— Goza. — Mando. — Deixa vir.
— Passo o braço pela cintura dela para
firmá-la, quando sinto suas pernas
fraquejarem. — Fica de quatro. — Falo sem
dar tempo a ela de se recuperar direito.
— Você gosta de dar ordens. — Diz
com dificuldade, porém faz o que mandei.
Não me dou ao trabalho de
responder. Coloco a camisinha, posiciono
meu pau em sua entrada e a invado de uma
vez só. Entro e saio dela diversas vezes.
Meu corpo se choca ao dela, e os barulhos
de sexo se espalham pelo quarto. Volto a
brincar com seu clitóris sem parar o
movimento de entra e sai.
Quando sinto que estou perto,
aperto o bico de um seio com a ponta dos
dedos. Fecho os olhos e jogo a cabeça para
trás, imaginando-me em outro lugar, em outro
momento e com outra pessoa.
— Vem comigo. — Peço sem parar
o que estou fazendo. — Goza pra mim, Liz.
Libero meu gozo, saio de dentro
dela e me jogo no colchão. Fico parado,
tentando normalizar minha respiração,
enquanto ela faz o mesmo ao meu lado.
— Agora entendi o lance de não
querer saber meu nome. — Fala um tempo
depois. — Era pra fingir estar com outra
pessoa.
— Já te dei o que queria. — Digo
de forma ríspida. — Pode ir embora. Quero
ficar sozinho.
Não responde. Levanta da cama e
se veste em silêncio. Quando já está com a
roupa e perto da porta, pronta para sair,
vira-se para mim outra vez.
— Não sei o que aconteceu, mas
acho que seria melhor tentar se resolver com
essa Liz. Você pode encontrar uma mulher
pelo caminho que não aceite tão bem ser
chamada por outro nome. — Sai e fecha a
porta sem esperar por uma resposta.
Capítulo
seis
Catarina Abro um sorriso e
me abaixo para ficar na altura da Aurora e

poder falar com ela.


— Bom dia, minha linda. Tudo
bem? Conseguiu matar a saudade do papai?
— Ela faz cara de choro na mesma hora, e o
tio nega com um movimento de cabeça. Olho
para ele sem entender. — Vai ficar com os
seus amiguinhos. — Peço. — A tia já vai.
Aconteceu alguma coisa? — Pergunto assim
que ela se afasta de nós.
— Meu irmão não voltou ainda. —
Diz, e consigo perceber o quanto está
incomodado com isso.
— Não voltou? — Encaro-o, e ele
desvia o olhar.
— Ele teve um imprevisto. —
Responde.
— Sei bem qual foi o imprevisto.
— Reviro os olhos.
— O que você disse? — Questiona.
Droga. Pensei que tivesse falado
baixo, porém, pelo jeito, não foi tanto assim,
já que ele escutou.
— Sei bem qual foi o imprevisto.
— Repito, sem conseguir me segurar. — Seu
irmão é o homem que estava contigo no
primeiro dia de aula? — Pergunto só para
confirmar o que já desconfio.
— Sim, mas o que isso tem a ver?
— Olha-me confuso.
— O imprevisto dele tem nome e
sobrenome. — Falo de forma debochada. —
Eu vi quando ele estava saindo de um bar
acompanhado ontem à noite. Achei que já
tinha ido ver a filha, mas me enganei.
— Você tem certeza? — Seu rosto
se transforma em uma carranca quando
confirmo.
— Eu já achava errado enquanto
acreditava que ele estava viajando a
trabalho, mas, agora, mais ainda. — Solto
sem pensar no que estou fazendo. — A
Aurora é uma menina doce, meiga, como ele
consegue fazer isso com a filha? — Ele
fecha os olhos e passa a mão nos cabelos.
— Desculpa. Ela não quis dizer
isso. — A Bianca surge ao meu lado e me dá
um beliscão. — Não é, amiga? — Encara-
me séria, e eu respiro fundo.
— Passei dos limites e peço
desculpa. Não deveria ter falado assim, mas
me apeguei a sua sobrinha desde o primeiro
dia. Sei muito bem o que é perder a mãe
cedo e ser abandonada pelo pai. — Forço
um sorriso. — A Aurora tem muita sorte de
ter você na vida dela, mas precisa do pai.
Ela sente muito a falta dele.
— Não precisa se desculpar. Você
está certa. — Solta um suspiro. — O
Benício não é sempre assim. Ele só está
passando por uma fase complicada. — Tenta
defender o irmão, mas não consegue
esconder o quanto isso tudo o incomoda e
irrita. — Eu vou conversar com ele, mais
uma vez. Obrigado. — Agradece e se afasta,
já puxando o celular do bolso da calça.
— Ficou maluca? — A Bianca me
puxa para um canto e pergunta, controlando-
se para não gritar. — Como você fala assim
com um responsável, Catarina?
— Não consegui me segurar. Eu vi,
amiga, ninguém me contou. Eu vi quando ele
saiu do bar agarrado a uma mulher.
— E desde quando isso te dá o
direito de fazer o que fez aqui? — Pergunta
exasperada. — Já pensou se a Glória escuta
uma coisa dessas? Quer perder o emprego?
— Sei que passei dos limites. —
Ela ergue a sobrancelha para mim. — Mas
esse homem me irrita sem nem ao menos
termos nos falado, Bianca. — Defendo-me.
— Cat, você precisa parar com
isso. Nem todo pai é igual ao seu. Ele deve
ter os motivos dele. — Diz de maneira mais
calma.
— Assim como o meu tinha. O
trabalho estava acima de qualquer coisa. Até
mesmo da filha dele. — Falo com sarcasmo.
— O próprio irmão o defendeu
dizendo que não é sempre assim e que ele
está passando por uma fase complicada.
Você não conhece a história completa, Cat.
Pare de julgar as pessoas só pelo que acha
que está acontecendo. Segura a sua onda um
pouco. Isso ainda vai te colocar em
problemas.
— Tudo bem. — Acabo cedendo.
Caminho para perto dos meus alunos, e ela
me segue. — Vou tentar me controlar, mas
não posso garantir nada. — Ela solta um
suspiro e balança a cabeça para os lados.

Benício Escuto um telefone

tocando ao longe. Droga. Será que não vai

parar? Minha cabeça parece que vai


explodir, e esse barulho só está piorando.
Levanto-me com dificuldade e
demoro a perceber onde estou. Acabei
dormindo no hotel ontem à noite. Era isso ou
encontrar o Conrado e aturar seu sermão.
O celular volta a tocar. Pego para
ver quem é, mas não me surpreendo com o
nome escrito no visor.
— Onde você está? — Ele
pergunta, e noto pelo tom da sua voz que está
com muita raiva.
— Já estou chegando. — Minto. —
A Aurora já está pronta para a escola? —
Tento agir normalmente.
— Ela já entrou, Benício. —
Respira fundo. — Como você pôde fazer
isso com ela?
— O que eu fiz? Ainda esse assunto
de não ter ligado? Porra. Já estou aqui, não
estou? — Exalto-me.
— Está? Tem certeza? Porque a sua
filha acabou de entrar na escola sozinha,
mais uma vez. — Responde também
exaltado.
— Eu perdi a hora. — Conto uma
meia verdade.
— E pode me dizer o porquê? —
Consigo perceber no seu tom que ele sabe de
alguma coisa. — Onde você está, Benício?
— Volta a perguntar. — Onde passou a
noite? Quer saber, não precisa me responder.
— Explode quando não digo nada. —
Cansei. Cansei dessa merda. Faz o que
quiser da sua vida. Só toma cuidado com a
da minha afilhada, ou vai se arrepender. —
Ameaça e desliga, sem esperar por uma
resposta.
Sento-me na beirada da cama, largo
o celular e apoio os cotovelos nos joelhos,
segurando minha cabeça com as mãos.

Olho para a tela do meu computador


sem enxergar nada. As letras parecem que se
misturam. Não consigo me concentrar.
Apoio-me no encosto da cadeira e
fecho os olhos, jogando a cabeça para trás e
respirando fundo.
A porta é aberta em um rompante, e
o Conrado entra com cara de poucos amigos.
— Pode começar a falar porque me
contaram que te viram sair de um bar
acompanhado ontem, quando você me disse
que só voltaria hoje. — Impõe.
— Não te devo satisfações da
minha vida. — Respondo no mesmo tom. —
Sou bem grandinho pra precisar de uma
babá.
— Pois não é o que parece. O que
você está fazendo da sua vida, porra? —
Soca a minha mesa.
— É muito fácil me julgar quando
não passou pelo que passei. Eu perdi a
minha mulher. Ela morreu na minha frente,
Conrado. — A dor parece que me perfura só
em falar sobre isso.
— Tem horas que acho que não foi
só a Liz que morreu naquele dia. — O tom
da sua voz muda completamente. — Eu não
perdi só a minha cunhada, perdi meu irmão
também. Você está se afundando cada vez
mais. — A decepção está estampada em seu
rosto.
— Conrado, eu... — Não me deixa
terminar de falar.
— Acha que não sei que dia foi
sábado e que não me lembrei do seu
aniversário de casamento? — Fecho a cara
na mesma hora. — A Liz morreu, e eu sinto
muito. Eu também a amava, Benício. Ela era
como uma irmã pra mim. Mas você está aqui
e precisa reagir, ou vai viver nesse mar de
lamentações pra sempre? Você passou duas
semanas fora. Deixou o trabalho e a sua filha
de lado. E nem tente me convencer de que
estava resolvendo isso ou aquilo, pois não
vou acreditar. Dessa vez, você passou dos
limites. A partir de agora, não conte mais
comigo pra isso.
— O que você está querendo dizer?
— Encaro-o, esperando por uma resposta e
aperto as mãos em punho ao lado do corpo.
— Ou você reage e toma as rédeas
da sua vida, e quando digo isso, estou
falando da empresa e da Aurora, ou eu vou
tomar uma atitude.
— Está querendo roubar o meu
lugar aqui? — Pergunto com sarcasmo e
arqueio a sobrancelha para ele.
— Nunca quis sua posição, e você
sabe bem disso, mas, se continuar agindo
assim, quem vai te tirar a guarda da Aurora
sou eu.
— Só por cima do meu cadáver. —
Exalto-me e levanto em um pulo.
— Estou te avisando. A Elisângela
e o Cláudio são os menores dos seus
problemas. Ou você muda, ou levo a Aurora
pra morar comigo. — Ameaça e sai da
minha sala antes que eu possa falar qualquer
coisa, batendo a porta com força.
— Ahhhhhhhhhh! — Grito com
raiva.
Jogo tudo o que está na minha mesa
no chão. A única coisa que escapa é a tela
do meu computador.
— Benício, o que... — A Ana abre
a porta, mas se cala quando vê os objetos
espalhados pelo chão da minha sala.
Fico de costas para ela e respiro
pesadamente. Quando vai voltar a falar,
corto-a outra vez, controlando-me para usar
um tom mais brando.
— Peça pra alguém arrumar essa
bagunça e desmarque todos os meus
compromissos de hoje, por favor.
— Você vai... — Tenta mais uma
vez manter um diálogo, porém não estou com
cabeça para isso.
— Estou saindo e não volto hoje.
— Aviso.
Noto que ela pensa em falar mais
alguma coisa, mas muda de ideia e acena
com a cabeça em acordo.
Capítulo
sete
Catarina
Olho para o portão da escola e não
acredito no que vejo. Finalmente, depois de
duas semanas de aula, esse ser veio buscar a
filha.
— Boa tarde. Pois não? — Dou um
sorriso falso quando paro de frente para ele
e finjo não saber quem é.
— Boa tarde. Vim buscar a Aurora.
— Olho em seus olhos e percebo uma
agitação.
Sua roupa está desalinhada, sua
gravata desamarrada, os dois primeiros
botões da camisa desabotoados e o cabelo
bagunçado, como se tivesse passado a mão
pelos fios diversas vezes.
— Onde está o senhor Conrado? —
Não perco a chance de alfinetá-lo.
— Meu irmão não vem hoje. Sou o
pai dela. — Diz, e, pela sua fisionomia,
desconfio que os dois discutiram.
— Desculpa, mas não posso
entregá-la sem ter certeza. É a primeira vez
que o senhor vem aqui. — Falo em um tom
neutro.
— Como é que é? Você só pode
estar brincando. — Exalta-se e passa a mão
nos cabelos, exasperado.
— Preciso confirmar com alguém
antes. Se o senhor esperar um minuto, posso
ligar para... — Não termino de falar, pois
sou interrompida.
— Algum problema? — O Conrado
para ao lado dele e olha de um para o outro.
Sinto a Bianca se aproximar de mim
e me fuzilar com os olhos. Sei que ela vai
brigar comigo outra vez, mas não pude me
segurar. Esse homem precisa perceber o que
está fazendo com a filha.
— Problema? Imagina. — Fala com
deboche. — Vim buscar a minha filha, mas
fui impedido. Minha filha, lembra disso? —
O clima fica péssimo entre os dois.
— Não sou bem eu quem anda se
esquecendo desse detalhe. — Provoca-o. —
Oi, Catarina. — Cumprimenta-me em um tom
bem diferente do que o que usou para falar
com o irmão e dá as costas para ele. — Esse
homem é o pai da Aurora. — Percebo o
divertimento em seus olhos. Ele sabe que
estou mentindo sobre não o reconhecer, mas
embarca comigo nessa história. — Pode
trazê-la, por favor. — Vejo o irmão bufar
atrás dele.
— Claro. Só um minuto. — Sorrio e
me viro para chamá-la, com a Bianca colada
comigo. — Deixa o sermão pra depois. —
Sussurro para que só ela escute.
— Não pense que vou esquecer. —
Semicerra os olhos para mim.
— Aurora, vem ver quem chegou.
— Chamo, e ela caminha em minha direção
desanimada.
— Papai. — Grita e corre para os
braços dele, que se abaixa para pegá-la no
colo. — Você voltou. — Seus olhinhos
brilham, e seu rostinho se ilumina.
— Voltei, minha princesinha. E não
vou mais ficar tanto tempo longe de você
outra vez. — Fala enquanto a abraça
apertado. — Estava com saudade?
— Muita, papai. — Diz ainda
agarrada ao pescoço dele.
— Eu também, minha filha. Eu
também. — Fecha os olhos e respira fundo.
— A partir de agora, venho buscar minha
filha todos os dias. Espero não ter mais
problemas quanto a isso. — Muda o tom de
voz para falar comigo.
— Mesmo? Que bom. A Aurora
conta com isso desde o início das aulas. —
Alfineto, sem conseguir controlar a minha
língua. — Fico feliz por ela. — Dou um
sorriso debochado.
Ele vai dizer alguma coisa, mas o
Conrado o interrompe.
— Obrigado, Catarina. Até amanhã.
— Sorri e se afasta, levando o irmão e a
sobrinha com ele.
— Você só pode estar ficando
maluca. — A Bianca me recrimina e respira
fundo. — Isso ainda vai dar merda, Cat.
Olha o que estou te falando.
Benício
Caminho para o meu carro com a
Aurora no colo e meu irmão ao meu lado,
controlando-me para não voltar à escola e
dizer algumas coisas nada educadas para
aquela professora.
— Espera só um minuto, filha, que
o papai tem que falar com o seu dindinho. —
Abro a porta do carro e a coloco em seu
assento. Pego meu celular no bolso, entro em
um aplicativo de vídeos e escolho um que
sei que ela gosta. — Eu não demoro. — Dou
um beijo em seu rostinho e entrego o
aparelho a ela. — Quem aquela mulherzinha
pensa que é para não me deixar pegar a
minha filha? — Viro-me para o Conrado
com a raiva borbulhando dentro de mim.
— Olha como você fala dela. —
Usa um tom parecido com o meu. — A
Catarina é a professora da sua filha.
— É impressão minha ou perdi
alguma coisa aqui? Por que você está
defendendo aquela mulher? — Cruzo os
braços e o encaro.
— Não seja estúpido, Benício.—
Exalta-se. — Muito menos comece com suas
insinuações. Aquela mulher foi quem
segurou a onda da sua filha junto comigo,
enquanto você brincava de se esconder. —
Não perde a chance de me alfinetar.
— Estou aqui, não estou? Vai ficar
jogando isso na minha cara até quando? Ou
vai me ameaçar de tirar a guarda da minha
filha outra vez? — Deixo claro em meu tom
de voz o quanto essa sua atitude me
machucou.
— Está, mas até quando? Vai
mesmo cumprir o que disse a ela ainda agora
de não se afastar mais por tanto tempo, ou,
quando certas datas se aproximarem, vai
fazer tudo outra vez? — Cutuca meu peito
com o dedo. — Eu não estava brincando,
Benício. O aviso está dado. Ou você muda e
para de deixar a Aurora de lado, ou eu tomo
uma atitude. — Volta a me ameaçar. — E não
estou nem aí se vai gostar ou não. A única
coisa que me importa é o bem-estar da minha
afilhada. Mais nada.
— Eu amo a minha filha, Conrado.
A Aurora é a minha vida. Já te disse isso
antes. — Falo de maneira firme, sem deixar
de encará-lo.
— Pois então prove. Faça com que
ela perceba isso. Pare de se fechar em uma
concha. Aprenda o que a faz feliz e passe um
tempo de qualidade com sua filha. Pode
começar pedindo desculpa a Catarina. —
Dou uma risada debochada.
— Você só pode estar de sacanagem
com a minha cara. Pedir desculpa? Eu não
fiz nada, Conrado, e olha que a minha
vontade era de chamar a diretora e fazer uma
queixa formal.
— Meu Deus! Como você é babaca.
— Balança a cabeça para os lados,
contrariado com as minhas palavras. — Ela
está certa, Benício.
— Certa? Ela me impede de buscar
a minha filha e está certa? Está maluco,
porra? — Perco a paciência.
— Quantas vezes vocês se
encontraram? — Pergunta, e percebo alguma
coisa diferente em seu olhar. Um
divertimento, talvez. — Hoje é o primeiro
dia que se viram. Preferia que ela entregasse
a Aurora a alguém sem ter certeza de quem
era? — Arqueia a sobrancelha para mim. —
Se qualquer pessoa chegasse à escola
dizendo que é uma tia, avó, babá, ou
qualquer outra coisa, e ela entregasse sua
filha sem confirmar, o que acharia? — Fecho
a cara na mesma hora só com essa ideia.
Logo penso na Elisângela fazendo algo do
tipo, e meu sangue ferve. — Como eu pensei.
Amanhã, quando vier trazê-la, peça
desculpa. Tudo o que não precisam é de um
clima chato entre vocês.
— Preciso comunicar a escola
sobre a Elisângela e o Cláudio. Não gosto
nem de pensar na possibilidade de tentarem
fazer algo do tipo. — Respiro fundo e passo
a mão pelos cabelos.
— Mais um motivo pra pedir
desculpa. — Insiste.
— Não exagera, Conrado. — Bufo
contrariado.
— Tenho que ir. — Olha para o
relógio em seu pulso. — Qualquer coisa, me
liga. — Diz e abre a porta do carro para se
despedir da afilhada.
Dou a volta e entro do lado do
motorista. Coloco o cinto, giro a chave na
ignição e viro-me para trás.
— Quer ir passear no shopping ou
ficar em casa vendo filme com o papai? —
Vejo os olhinhos dela brilharem.
— Você vai ficar comigo, papai? —
Encara-me com a esperança no olhar, e eu
me xingo mentalmente por ter passado tanto
tempo longe dela.
— Claro que vou, meu amor. —
Faço um carinho em seu rosto, e ela reclina a
cabeça, aproveitando o contato.
— O dia todo? — Concordo com
um aceno de cabeça. — Até a hora de
dormir? — Anima-se com a minha resposta
positiva. — Vai contar uma historinha
também?
— O que quiser, minha princesa. —
Digo em um tom carinhoso. — Hoje, quem
manda é você.
— Quero o filme da princesa
Aurora. — Dou uma gargalhada.
Ela sempre escolhe o mesmo por
mais que já tenha assistido diversas vezes.
— Seu pedido é uma ordem,
princesa. — Faço uma mesura de
brincadeira, e ela abre um sorriso lindo para
mim.
Aquele sorriso que é capaz de me
fazer continuar respirando só para vê-lo
mais vezes.
Capítulo
oito
Benício
— Bom dia. — Cumprimento
quando a Catarina para perto de mim para
receber a Aurora, mas sou ignorado.
Respiro fundo e tento controlar a
vontade de agarrá-la pelo pescoço que estou
sentindo desde ontem.
— Bom dia, minha linda. —
Abaixa-se de frente para a minha filha e a
cumprimenta com um sorriso no rosto. —
Tudo bem?
— Tia Cat, o papai viu o filme da
princesa Aurora comigo. — Conta com
animação. — A gente comeu lanchinho
também, e ele contou uma historinha.
— Que legal. — Diz, mas consigo
perceber que está se controlando para não
falar alguma gracinha. — Vamos entrar pra
ver seus amiguinhos? — Chama, mudando de
assunto, e o Conrado para ao meu lado.
— Quero um beijo antes. — Pede e
se abaixa de frente para a afilhada, que pula
em seu pescoço e dá diversos beijos em seu
rosto. — Bom dia. — Diz depois de
retribuir o carinho e se levantar.
— Bom dia, Conrado. — A mulher
responde com um sorriso discreto no rosto, e
eu reviro os olhos. — Quem virá buscar a
Aurora hoje?
— Eu. — Respondo firme. —
Assim como nos próximos dias a partir de
agora. — Ela ergue as sobrancelhas para
mim e dá um sorriso debochado.
— Claro. Com licença. — Vira-se a
caminha para perto dos alunos.
— Mulherzinha petulante. — Bufo
contrariado.
— Para de implicância, Beni. —
Começa a se afastar da escola, e sigo ao seu
lado.
— Implicância? Ela me ignorou
quando a cumprimentei, Conrado. —
Reclamo. — Além desse ar debochado
agora.
— Nossa! Mexeu com seu ego. —
Provoca. — Tenta se controlar, cara. Mesmo
em pouco tempo, a Aurora já é apaixonada
por ela. Não atrapalhe isso por pura
infantilidade. — Paro onde estou e o encaro.
— Só a Aurora? — Vira-se para
mim confuso.
— Só a Aurora o que, Benício? Do
que você está falando? — questiona.
— Só ela que está apaixonada? O
que você está fazendo aqui se sabia que eu
viria? — Cruzo os braços e o encaro,
esperando por uma resposta.
— Vou ignorar sua insinuação. —
Olha sério para mim. — Está cansado de
saber que tenho namorada e me conhece bem
o suficiente para saber que não suporto
traição. Essa é a segunda vez que você
insinua algo assim, na próxima, pode se
preparar pra perder os dentes. — Faz uma
pausa e volta a falar. — Respondendo sua
pergunta sobre estar aqui, você ainda está
em período de teste. Vou continuar
aparecendo até ter certeza de que não vai
vacilar outra vez. — Avisa.
— Virou meu pai agora? —
Debocho. — Esqueceu que o irmão mais
velho sou eu?
— Acho que quem anda esquecendo
isso é você, não eu. ​— Começa a caminhar
para onde vejo seu carro estacionado do
outro lado da rua. — Te vejo mais tarde.
— Conrado. — Chamo, ele para e
olha para mim. — Obrigado. — Inclina a
cabeça para o lado. — Por cuidar da minha
filha no meu lugar e por tudo mais.
— Ela é minha afilhada, Beni. Faria
tudo outra vez. — Atravesso a rua e paro de
frente para ele.
— Sei disso. Eu não poderia ter
escolhido uma pessoa melhor pra esse papel.
— Sou sincero. — Pode ficar tranquilo.
Estava falando sério quando disse que não
vou mais sumir. É difícil demais viver sem a
Liz, mas eu vou conseguir. Pela Aurora, eu
vou conseguir. — Garanto a ele.
— Pode contar comigo, mano. —
Aperta meu ombro. — Sempre que precisar.
Pra tudo. Estou aqui, Beni. Só não se fecha
mais. Eu te amo. Mesmo você sendo um
babaca, eu te amo. — Acabo sorrindo.
— Eu também te amo, pentelho. —
Puxo-o para um abraço.

Jogo a caneta na mesa, passo a mão


pelos cabelos e respiro fundo. Nos últimos
dias tenho tentado me concentrar no trabalho,
porém, não obtive sucesso. Desde que voltei
de viagem, as coisas andam meio confusas
para mim.
Consegui perceber o que meu irmão
tanto falou. A Aurora é louca por aquela
professora atrevida, e acabei me segurando e
tentando manter um bom convívio, mesmo
que ela não facilite. Está sempre me
ignorando ou soltando alguma farpa em
minha direção. O que não acontece com o
meu irmão, que é sempre bem tratado em
todas as vezes em que aparece na escola.
Minha filha anda alegre, sorri o dia
inteiro, fica animada, tanto na escola, quanto
em casa. Fala sempre da professora e dos
amiguinhos. Chega e sai de lá tão diferente
do que aconteceu da última vez que tentei
matriculá-la, que faz valer a pena aturar o
temperamento daquela mulher petulante.
Meu problema não é a Aurora, a
escola e nem mesmo a professora. Meu
problema sou eu mesmo que preciso voltar a
me concentrar no trabalho, mas o medo de
que aconteça alguma coisa com a minha filha
está me impedindo.
Isso e o fato de aquela mulher estar
sempre me ignorando ou alfinetando. Talvez
o Conrado esteja certo, e eu esteja com meu
ego ferido.
Nunca tive dificuldades com as
mulheres. Pelo contrário, depois que casei,
precisava me afastar o tempo todo e cortar
as investidas que recebia. Isso não mudou
depois que a Liz faleceu. Por mais que eu
não queira me envolver com ninguém, já tive
algumas noites de sexo onde não precisei
procurar, pois era abordado em bares. Como
aconteceu da última vez.
Mas, aquela mulher, além de não
demonstrar o mínimo interesse, parece sentir
repulsa por mim. O que não consigo
entender, já que nós mal nos conhecemos e
nunca fiz nada para ela me tratar assim.
A porta é aberta de repente, e o
Conrado entra na minha sala como se fosse
dele.
— Tenho certeza que a nossa mãe
nos ensinou a bater antes de entrar. — Não
perco a chance de implicar com ele.
— Por quê? Está com medo de ser
pego fazendo alguma besteira? — Arqueia a
sobrancelha para mim.
— O que você quer, Conrado? —
Ignoro-o.
— Saber se você vai buscar a
Aurora na escola. Tenho uma reunião daqui a
pouco. — Solto um suspiro e o encaro.
— Não precisa nem mesmo me
perguntar. Eu já disse que vou buscá-la todos
os dias. Pode parar de me seguir, Conrado.
Não estou em uma condicional. — Reclamo,
cansado dessa marcação cerrada dele em
cima de mim.
— Certo. Tudo bem. — Respira
fundo e senta-se na cadeira em frente a
minha mesa. — Não vou mais aparecer na
escola, mas você vai me avisar se acontecer
algum imprevisto e precisar que eu busque a
Aurora. — Impõe.
— Eu não sou um irresponsável. —
Digo firme. — Criei minha filha sozinho
desde a morte da Liz e nunca deixei nada
acontecer a ela. Pare de agir como se
precisasse estar sempre por perto pra salvá-
la. — Exaspero-me.
— Suas atitudes nas últimas
semanas me levaram a agir assim, Benício.
Pode ficar puto a vontade. Eu não ligo. —
Dá de ombros. — Já disse e repito quantas
vezes forem necessárias: a única coisa que
me importa é a segurança da minha afilhada.
— Ok! Errei em ficar longe durante
duas semanas. Mas não sumi do nada. Pedi a
você para ficar com ela antes de ir, Conrado.
Sabia que ela estava sendo bem cuidada.
Não abandonei minha filha sozinha em casa
e nem nada do tipo. A maneira que você fala
parece que foi isso que eu fiz. Já carrego
culpa demais nas costas. Não me faça
carregar mais essa.
— O problema é esse. Você não tem
culpa de nada. Quando vai entender isso? —
Suaviza o tom de voz. — A morte da Liz foi
um acidente, Beni. Ninguém poderia evitar.
— Era meu dever protegê-la, e eu
falhei. A Liz não era pra estar voltando ao
trabalho naquele dia. A culpa foi minha por
não conseguir convencê-la a ficar em casa
com a nossa filha. — Falo com a voz
entrecortada.
— Olha pra mim. — Pede e
levanta-se, para ao meu lado, vira a minha
cadeira para ele e se abaixa para olhar nos
meus olhos. — Nós sabemos muito bem que
isso não aconteceria. Ela não aceitaria ficar
sem trabalhar, mano. Para com isso. A Liz
não gostaria de te ver assim. Se não fizer por
mais ninguém, faça pela Aurora. Sua filha
precisa do pai inteiro. Não um caco do
homem que já foi um dia. — Ergue o corpo e
dá um beijo na minha testa. — Pensa nisso.
— Fala e sai da sala tranquilamente, como
se não tivesse me deixado com ainda mais
dificuldade de me concentrar depois dessa
nossa conversa.
Capítulo
nove
Benício Ando apressado

com a Aurora no colo até a porta da escola.

Acabei dormindo tarde ontem, pois fiquei no

escritório de casa adiantando alguns


relatórios depois que a coloquei para dormir

e perdi a hora. Odeio chegar atrasado aos

meus compromissos.
Vejo os outros responsáveis
parados na entrada e agradeço por ter
conseguido chegar antes de o portão abrir.
— Bom dia, minha linda. — A
Catarina faz questão de cumprimentar minha
filha e me ignorar, como de costume. —
Animada para o banho de mangueira?
— Papai! — Coloca as mãozinhas
no rosto. — A gente esqueceu o biquíni. —
Fala com uma vozinha triste.
— Que biquíni, filha? O papai não
sabia de nada. — Tento puxar pela
lembrança se alguém me disse alguma coisa,
mas não me lembro de nada.
— Tinha um recado na agenda
avisando do banho de mangueira hoje e
pedindo pra trazerem a roupa de banho. —
Encara-me séria. — Por isso peço pra
olharem todos os dias. — Recrimina-me.
— Desculpa se não sou um pai
perfeito, professora. — Falo com sarcasmo.
— Cheguei da escola com ela e ainda tinha
diversas coisas do trabalho pra resolver.
— Claro. O trabalho sempre em
primeiro lugar. — A amiga cutuca sua
cintura com o cotovelo, e o porteiro a
encara, sem acreditar que esteja falando
assim com um responsável.
O que eles não sabem é que ela
sempre faz isso. Comigo. Só comigo. Com
mais ninguém.
— Olha aqui... — Começo, mas a
Aurora choraminga, e eu paro.
— Eu não vou poder tomar banho
com os amiguinhos, tia Cat? — Ela
semicerra os olhos para mim.
— O senhor não tem alguém que
possa trazer a roupa de banho pra ela? — A
outra professora pergunta, em uma tentativa
de acalmar os ânimos.
Respiro fundo e vejo a cara de
choro da minha filha. Xingo-me mentalmente
por ter esquecido de olhar a maldita agenda
ontem à noite.
— Olha pra mim, princesa. —
Abaixo-me para ficar da sua altura e olhá-la
nos olhos. — Eu vou buscar, tudo bem?
Entra com a professora, que eu já volto. —
Beijo seu rostinho com carinho.
— Você é o melhor papai do
mundo. — Joga os bracinhos em volta do
meu pescoço e me abraça apertado. Logo
depois, corre para dentro com os outros
alunos, já mais animada.
Duas coisas acontecem ao mesmo
tempo: preciso me controlar para não chorar
na frente de todos com essa declaração, e a
professora desvia o olhar, mas ainda consigo
ver que foi pega de surpresa e também está
emocionada.
Levanto-me e me afasto sem olhar
em sua direção outra vez. Escutar minha
filha falando isso faz até mesmo com que eu
esqueça por alguns segundos a raiva que
estou sentindo daquela atrevida.
Assim que entro no carro, meu
celular toca, e vejo o nome do Conrado no
visor.
— Não vai me dizer que já te
contaram o que aconteceu? Colocou alguém
pra me vigiar? — Pergunto com deboche.
— Como assim, Beni? O que
poderiam me contar? — Solto um suspiro e
conto tudo. Até mesmo a fala da Aurora e a
reação da professora. — Juro que não
entendo vocês. A Catarina é sempre educada
com todos. Nunca a vi tratar outro
responsável como te trata. Assim como você
também. Pode até não ser a pessoa mais
simpática do mundo, mas não trata ninguém
com ignorância.
— Não sei o que fiz a ela. — Sou
sincero. — Está sempre com quatro pedras
na mão pra cima de mim. Ou me ignora, ou
me trata mal. — Bufo.
— Aposto que você não está
facilitando também. — Acusa.
— Conrado, eu tenho deixado até
barato demais por saber que a minha filha
gosta dela. Se fosse outra pessoa, já teria
feito uma queixa formal à direção da escola.
Fala logo o que você quer. Preciso desligar
pra ir buscar esse biquíni de uma vez.
— Deixa. Era pra saber se estava
tudo bem. Beni. — Chama quando fico
calado. — Posso te pedir um favor?
— Depende. Meu dia não começou
muito bem. Se não for nada que o faça
piorar, pode. — Respondo de mau humor.
— Conversa com a Catarina. —
Pede.
— Não. — Digo de maneira firme.
— Deixa de ser teimoso, cara.
Pensa na Aurora. Esse clima atinge a
menina. — Apela. — Seria bom pra ela que
vocês se dessem bem, mano. — Insiste.
— Vou pensar. — Digo e desligo
sem dar tempo a ele de falar mais alguma
coisa.
Sigo para casa pensando no que me
pediu. Por mais que eu odeie admitir isso,
ele está certo. Minha filha é uma criança
muito sensível e não vai demorar a perceber
que tem alguma coisa errada entre a
professora e eu.
Se ela não estivesse tão bem
adaptada, não gostasse tanto daquela
petulante, eu a trocaria de escola sem pensar
duas vezes. Mas essa não é a primeira
tentativa que faço, e ela não aceitou da outra
vez. Tenho medo de tirá-la e não conseguir
encontrar outra que aceite tão bem assim.
Podem até dizer que estou mimando
a Aurora, porém não me importo. Ela perdeu
a mãe quando ainda era um bebê. Tudo o que
eu puder fazer para que seja feliz, farei sem
pensar duas vezes. Mesmo que isso inclua
deixar o meu orgulho de lado e conversar
com aquela mulher como o Conrado sugeriu.
Entro em casa e corro para o quarto
da Aurora. Pego dois biquínis por não saber
qual ela prefere e volto para a escola
apressado.
Como todos os pais já foram,
consigo estacionar em frente ao portão.
— Bom dia. — O porteiro me
cumprimenta.
— Bom dia. Você pode chamar a
professora Catarina, por favor? Ela já estava
ciente que eu ia voltar.
— Só um minuto. — Concordo com
um aceno de cabeça e encosto no muro para
esperar.
— Oi. Não precisava ter me
chamado. — Diz como se a ideia de me
encontrar outra vez a incomodasse. — Podia
ter entregado ao Enrico. — Aponta para o
porteiro.
— Posso dar uma palavrinha
contigo? —Tento usar um tom calmo.
— Olha, eu... — Percebo que vai
negar e a interrompo.
— É sobre a Aurora. — Digo uma
meia verdade, e ela solta um suspiro.
— Tudo bem. Só não posso
demorar. — Avisa.
Faço sinal para que me acompanhe
e caminho para um pouco mais distante do
portão. Não preciso que ninguém nos ouça.
— Eu te fiz alguma coisa? — Vou
direto ao assunto, e ela me olha confusa.
— Não estou entendendo aonde o
senhor quer chegar. — Fica distante de mim
e cruza os braços.
— Você já me conhecia antes? Eu te
encontrei em algum lugar e te tratei mal, ou
qualquer coisa assim? — Insisto sem desviar
os olhos dos dela.
— Por que o senhor está me
perguntando essas coisas? O que isso tem a
ver com a Aurora?
— Só estou tentando entender o
motivo pra você me tratar sempre tão mal.
— Sou direto e percebo que a deixei sem
graça. — Eu sou o único que recebo esse
tipo de tratamento. Não te vejo falando com
o meu irmão ou qualquer outro responsável
da mesma maneira. O que eu te fiz? — Volto
a perguntar. Ela solta um suspiro e desvia o
olhar. — Posso não ter sido o mais educado
também e peço desculpa por isso, mas tenho
tentado melhorar esse clima estranho entre
nós, só que não está adiantando. Se a minha
filha não gostasse tanto de você, já teria ido
conversar com a diretora. — Sua fisionomia
muda quando me ouve. — Isso não é uma
ameaça. — Explico e passo a mão pelos
cabelos.
— Desculpa. O senhor está certo.
Não tenho lhe tratado como devo. — Diz,
mas noto que alguma coisa ainda a
incomoda.
— Acho que não começamos muito
bem. Que tal se a gente zerasse tudo e
recomeçasse? Vamos deixar essas
alfinetadas e esse clima ruim no passado.
Pela Aurora. — Estico a mão em sua
direção. — Prazer, meu nome é Benício. Sou
o pai da princesa Aurora. — Brinco, e ela
abre um sorriso discreto.
Sinto uma pontada de esperança que
a gente consiga conviver de forma
civilizada, pelo menos.
— Prazer. Sou a Catarina. A
professora que teve a sorte de ser escolhida
pra dar aula pra sua princesa. — Devolvo o
sorriso, o meu não tão discreto assim.
— Aqui. — Entrego a sacola com
os biquínis. — Trouxe mais de um, porque
não sabia qual ela ia querer. Desculpa por
ter esquecido. O dia de ontem foi bem
corrido e acabei não olhando a agenda como
sempre faço. Isso não vai se repetir. —
Garanto.
— Não tem problema. Essas coisas
acontecem. — Aponta para trás. — Tenho
que entrar. A turma está me esperando. Até
mais.
— Até mais — Vejo quando se vira
e caminha para a escola.
Fico parado, esperando-a entrar
para, só depois, voltar para o meu carro e
dirigir até a empresa.
Sigo com meu humor melhor do que
tem andado. Parece que essa conversa me
tirou um peso das costas. Se eu soubesse, já
teria feito isso antes.
— E aí? Conversou com a
Catarina? — O Conrado me pergunta assim
que saio do elevador.
— Estou começando a achar que
você colocou alguém pra me vigiar de
verdade. — Ele revira os olhos para mim.
— Não é possível. Como sabia que eu
estava chegando?
— Não muda de assunto, Beni. Fala
logo. Vocês se entenderam? — Volta a
perguntar.
Resolvo provocá-lo um pouco e
sigo para a minha sala em silêncio. Ele vem
atrás de mim pisando duro.
— Você não tem trabalho? Está se
aproveitando do status de herdeiro e
colocando os outros pra fazer o seu serviço?
— Provoco-o um pouco mais.
— Vai se foder e para de me
enrolar. — Exalta-se. — Espera. — Fica
parado me encarando. — Que sorrisinho é
esse? Tem muito tempo que não te vejo com
essa animação. — Semicerra os olhos para
mim, e vejo seus lábios repuxarem no canto.
— Beni, Beni, o que você está aprontando?
— Pode parar. Não começa a
inventar coisas nessa sua cabeça criativa. —
Corto antes que a imaginação dele comece a
criar coisas que não vão acontecer. —
Conversei com ela, a gente se entendeu e
pedi pra zerar tudo e começar de novo. Não
era isso que você queria? Pronto. Agora me
deixa trabalhar em paz.
— Claro. Você não consegue me
esconder nada por muito tempo mesmo. Sei
que vai me contar logo se estiver
acontecendo alguma coisa. — Fala e
caminha para a porta. Abre e se vira para
mim. — Como estar se interessando pela
professora da sua filha. — Diz e sai, sem me
dar tempo de responder.
— Filho da mãe. — Acabo sorrindo
com a sua brincadeira.
Há bastante tempo não me sentia
leve desse jeito. Só espero não me afundar
outra vez naquele mar de tristeza.
Capítulo
dez
Benício — Ahhhhh. — Ouço
o grito da Aurora e corro em sua direção. —

Não, papai. — Tenta se soltar de mim, mas

eu a pego no colo.
— Achei você. — Faço cosquinha
em sua barriga, e ela se remexe nos meus
braços. — Sua danadinha.
— Mais uma vez, papai. Mais uma.
— Pede com os olhos brilhando e um sorriso
lindo no rosto, trazendo um ao meu também.
— Daqui a pouco, princesa. Vamos
ver um filme. — Tento convencê-la e a
coloco no chão.
— Seu pai está velho, princesa. —
Fuzilo meu irmão com o olhar.
— Como se você fosse tão mais
novo do que eu. — Reviro os olhos para ele.
— Admite que já não tem o mesmo
fôlego de antes, Beni. — Provoca-me com
um sorriso de canto.
— Vai se ferrar, babaca. — Soco
seu braço de leve.
— Papai! Não pode falar palavra
feia. — Chama minha atenção, e meu irmão
gargalha.
— Desculpa, filha. Seu dindinho
tem o dom de me irritar. — Dou um tapa na
nuca dele. — Vamos pedir pizza? —
Ofereço.
— Obaaaaaaaa. — Pula animada no
sofá. — Pode ser de queijinho?
— Só de queijinho ou de linguiça
também? — Acena com a cabeça em acordo
quando dou a segunda opção.
— Você está entupindo minha
afilhada de besteira. — Meu irmão me
repreende.
— Controlo a alimentação dela a
semana toda, Conrado. Uma vez só não tem
problema. Deixa de ser chato. — Reclamo.
— O que vocês almoçaram hoje?
— Pergunta e cruza os braços, esperando
pela resposta.
— Carninha com batatinha, arroz e
feijão. — Minha filha me entrega.
— Tinha salada também, mocinha.
— Defendo-me e me viro para ele. — Você
vai querer comer ou vai ficar me criticando?
— Questiono.
Não me responde. Pega o celular do
bolso e faz o pedido de uma vez.
— Pedi uma de cada. — Avisa.
— Vamos tomar banho enquanto não
chega, princesa. — Falo com a Aurora e a
pego no colo.
Ela, apesar de estar animada, já
está cansada. É melhor dar logo o banho
dela para não acabar pegando no sono e
dormir toda suada.
— Não vai embora, dindinho. —
Diz quando passamos por ele.
Entro com ela no banheiro, ajudo a
tirar a roupa e ligo o chuveiro. Ela entra no
box, se molha e se ensaboa.
— Assim, papai? — Concordo com
um aceno de cabeça.
— Não molha o cabelo pra não
demorar. Amanhã você toma banho mais
cedo e lava. — Ajudo-a a terminar, pego a
toalha e enrolo no seu corpinho. — Vai
colocar qual pijama hoje?
— O da Elza. — Pede. — Papai,
posso passar perfume?
— Não, princesa. O perfume é pra
sair. — Explico como já fiz várias vezes.
— Mas eu quero ficar cheirosa. —
Faz bico.
— Você está. — Levo meu nariz ao
seu pescoço e aspiro. — Hummmmm. —
Brinco. — Muito cheirosa.
— Você é tão bobinho, papai. —
Ri.
— Por que eu sou bobinho? —
Coloco o pijama nela depois de secá-la e
endireito o seu cabelo.
— Esse é o meu cheirinho. — Olha-
me como se eu fosse um tolo por não saber.
— O seu cheirinho é o melhor
perfume do mundo, meu amor. — Dou um
beijo na sua bochecha e a levo de volta para
a sala. — Dindinho, o cheirinho da Aurora
não é o melhor perfume do mundo? —
Pergunto ao meu irmão, que pega a afilhada
no colo e cheira o pescoço dela.
— Uma delícia. Quero levar pra
minha casa. Posso?
Ficamos nesse clima gostoso até a
pizza chegar. Comemos enquanto brincamos
um com o outro. A Aurora não demora muito
a demonstrar que está cansada. Começa a
bocejar e seus olhos ficam pequenos.
Meu irmão aproveita que ela
dormiu para ir embora, pois marcou com a
Nathalia, namorada dele, de saírem daqui a
pouco.
Organizo tudo e vou para o meu
quarto. Pego uma bermuda e sigo para o
banheiro para tomar banho. Não demoro
muito a sair e seguir para a minha cama.
Deito e fico pensando nos últimos dias.
Várias coisas passam pela minha
cabeça. Até mesmo o rosto de uma certa
professora atrevida.

— Oi, tia Cat. Olha o desenho que


eu fiz. — Entrega o papel para a professora.
— Que lindo. Quem é? — Abaixa-
se para ficar na altura dela.
— Essa sou eu, esse é o papai, e
essa aqui é você. — Passo a mão na nuca
sem graça.
O desenho em questão é a Aurora
no meio, com a Catarina segurando a mão
dela de um lado e eu do outro. Ainda tentei
convencê-la a não trazer, mas nada do que eu
disse adiantou. Ela não aceitou trazer outro
de jeito nenhum.
— E aqui, quem é? — Aponta para
o desenho do que seria uma pessoa em cima
de uma nuvem.
— A minha mamãe. — Engulo em
seco. — Ela virou um anjinho e está
tomando conta de mim lá do céu. — A
Catarina força um sorriso e faz um carinho
no rosto dela.
— Está, sim, minha linda. Ela está
te protegendo. — Percebo a emoção em sua
voz.
Desvio o olhar para que a Aurora
não me veja emocionado e fique preocupada,
achando que fez alguma coisa de errado.
Sinto o olhar da Catarina em mim, mas não
posso olhar para ninguém agora, ou não vou
conseguir me segurar.

— Tia Cat, pra você. — Minha


filha estica a flor na direção da professora,
que abre um sorriso e se agacha na frente
dela. — O papai pegou no nosso jardim. —
Entrega-me, e a mulher me olha pelo canto
dos olhos.
— Ela cismou que queria te trazer
uma flor, e não daria tempo de passar em
uma floricultura. — Justifico-me sem graça.
— Você gostou, tia Cat? —
Questiona e a encara.
— Sim, princesinha. É linda. —
Cheira a flor. — Vou colocar na minha mesa
pra enfeitar. — A Aurora abre um sorriso
enorme, e seus olhinhos brilham animados.
Essa semana, a Aurora quis trazer
alguma coisa para a professora todos os
dias. Foi um desenho, uma maçã, um pedaço
de bolo que fizemos juntos, um bombom e,
hoje, uma flor.
Desde que tive aquela conversa
com a Catarina, o clima entre a gente
melhorou bastante. Agora, ela me
cumprimenta de volta quando chego e não
fica mais me alfinetando a todo o momento
como fazia antes.
O que eu não esperava é que isso
pudesse deixar minha filha tão feliz. Pensei
que ela nem percebia nada, mas me enganei.
Foi nítida a alegria dela de nos ver falando
um com o outro sem a costumeira ignorância
que usávamos anteriormente.
Pelo jeito, meu irmão estava certo
sobre isso também. Só não vou dizer isso a
ele. Aquele palhaço já se acha muito. Não
preciso incentivá-lo ainda mais, pois não
sou louco de dar a ele mais munição para me
infernizar.
Capítulo
onze
Benício — Papai, me leva

no shopping? — A Aurora pede assim que

entramos em casa.
— Não prefere ficar em casa vendo
desenho e comendo pipoca? — Ofereço
torcendo para ela aceitar, pois estou exausto.
Essa correria de trabalho, levá-la e
buscá-la na escola, não está sendo fácil, pois
tenho que adiantar o máximo de serviço
possível em pouco tempo para conseguir sair
mais cedo da empresa e não me atrasar.
— Hoje, papai. — Insiste e faz
bico.
— Filha, estou cansado. Vamos
deixar pra amanhã. — Tento, mais uma vez,
torcendo para funcionar.
— Mas, papai, a tia Cat vai. —
Fala manhosa, e eu me viro para ela.

— Como assim, filha? Ela te


chamou, foi isso? — Pergunto, estranhando
esse fato.
— Não, papai. Ela disse que ia, e
eu quero ir também. — Solto um suspiro e a
coloco sentada no sofá.
Sento-me na mesinha de centro para
ficar de frente para ela.
— Aurora, a gente não sabe nem
mesmo em qual shopping ela vai. — Faz
bico. — Filha, não fica assim.
— Eu quero ir com a tia Cat no
shopping. — Funga, e seus olhos ficam
marejados.
Fecho os olhos e respiro fundo. Só
queria ficar em casa para descansar um
pouco. Além de querer alguma distância da
Catarina. Já basta encontrar com ela todos os
dias na porta da escola.
Não que eu vá admitir para o
Conrado, mas ela está mexendo com alguma
coisa dentro de mim. Só não sei dizer ainda
o que é e não tenho certeza se quero
descobrir.
— Tenho que fazer uma coisa no
escritório. Se a senhorita se comportar,
quando eu terminar, nós vamos, mas não
posso garantir encontrar a tia Catarina e não
vamos demorar, combinado?
— Combinado. — Abre um sorriso
e me abraça pelo pescoço. — Eu te amo,
papai. — Desmancho-me como acontece
todas as vezes em que ela se declara para
mim.
— Eu também te amo, filha. —
Beijo seu rostinho e me levanto. — Vai tirar
a roupa da escola e guardar suas coisas. Já
venho pra te ajudar a se arrumar.
— Olha, papai. Olha. É a tia Cat.
— Tenta soltar a minha mão para correr em
direção a ela.
— Espera, Aurora. Não pode soltar
a minha mão. — Digo firme.
— Vem, papai. — Puxa-me pelo
corredor.
Quando estamos quase a
alcançando, um homem se aproxima e a
beija. Travo onde estou. Conheço esse cara.
Já o vi algumas vezes no bar onde costumo
ir. Só tem um detalhe: ele está sempre
acompanhado de uma mulher diferente.
— Espera, filha. — Peço, sem
sucesso.
Vejo quando ele fala alguma coisa
com a Catarina e se afasta outra vez.
— Tia Cat. — A Aurora grita por
ela, que se vira em nossa direção.
— Oi, minha linda. Veio passear
também? — Sorri para ela e faz carinho na
sua cabeça.
— Eu falei com o papai que você
vinha, e ele me trouxe. — Percebo a
Catarina me olhando pelo canto dos olhos.
— Porque a senhorita insistiu, mas
temos que ir. Dá tchau pra tia Catarina.
— Só mais um pouquinho, papai. —
Faz cara de choro.
— Nós combinamos, filha, e a tia
Catarina está ocupada. — Insisto.
— Não tem problema. — Dá um
sorriso doce. — Ela não me atrapalha. O que
você vai fazer? Vai ao cinema ou veio só
lanchar? — Começa a conversar com a
Aurora.
— Podemos comer, papai? — Olha
para mim com aqueles olhinhos pidões.
Solto um suspiro incapaz de dizer não a ela
como sempre acontece.
— Um sorvete, mocinha. Isso já
está fugindo do nosso trato.
— Se você quiser ver alguma coisa,
posso ir com ela. — Oferece. — Meu
namorado está em uma ligação resolvendo
um problema. — Mordo a língua para não
falar o que penso sobre isso. — Vou só
avisar a ele onde me encontrar depois. —
Vou negar, mas a Aurora segura na mão dela,
e as duas começam a se afastar de mim. —
Já voltamos.
Passo a mão nos cabelos e sigo
atrás delas. Será que eles estão juntos há
muito tempo? Se a resposta for positiva, esse
babaca está ficando com a Catarina e com
várias ao mesmo tempo.
— Você também vai, papai? —
Minha filha pergunta animada quando as
alcanço depois de saírem de perto dele.
Aceno com a cabeça em acordo,
sem vontade de falar, pois estou me
controlando para não dizer nada a respeito
daquele filho da mãe.
— Vão querer de quê? —
Questiono quando chegamos à sorveteria.
Faço o pedido, pago pelos sorvetes,
mesmo com a Catarina insistindo em pagar o
dela, e caminhamos para uma das mesas
próximas.
— Está toda lambuzada. — Fala
para a Aurora em um tom carinhoso e limpa
o rosto dela com um guardanapo.
— Vocês namoram há pouco tempo?
— Acabo perguntando, sem conseguir
controlar a curiosidade.
— Seis meses. — Responde, porém
noto que estranhou a minha pergunta.
— Catarina, me desculpa. — Fecho
os olhos e solto um suspiro. — Sei que não
deveria me meter, mas não vou conseguir
ficar calado. Eu conheço seu namorado. Ele
pode não estar me reconhecendo, mas já o
encontrei algumas vezes no bar onde
costumo ir.
— O que isso tem demais? Ele
pode sair com os amigos. Não sou a dona
dele. — Responde com aquele ar petulante
dando as caras outra vez.
— Sim, só que o problema não é
esse. Ele está sempre acompanhado, e não é
pelos amigos. — Fecha a cara na mesma
hora.
— Como você mesmo disse, não
deveria se meter. — Levanta-se em um
rompante. — Com licença, mas eu preciso ir
encontrar com o meu namorado. Tchau,
princesa. — Despede-se da Aurora em um
tom mais seco do que costuma usar com ela.
— Merda. — Aperto a casquinha na
minha mão, e ela quebra, sujando-me de
sorvete.
— A tia Cat está triste comigo,
papai? — A Aurora pergunta com voz de
choro, e eu me xingo mentalmente por ter
estragado tudo.
Por que não fiquei calado? Por que
tinha que abrir a minha boca?
— Não, filha. É coisa de adulto.
Vamos pra casa? Já está ficando tarde. —
Ela não discorda, com o humor,
completamente, diferente de quando
encontramos a professora dela.
Limpo minha mão o melhor que
consigo, junto tudo para jogar no lixo e sigo
para o banheiro. Preciso me limpar, e a
Aurora também.
Logo depois, estamos indo para o
estacionamento.
— Papai, quero colo. — Pede
manhosa.
Assim que a pego, ela deita a
cabeça no meu ombro e fica quietinha. Dou
um beijo em seu rostinho e caminho para o
carro.
Coloco-a no assento, dou a volta,
entro no lado do motorista e dou partida.
Durante o trajeto, fico olhando pelo
retrovisor, e o rostinho triste dela acaba
comigo.
Ela estava tão animada quando
saímos de casa. Se eu tivesse controlado a
minha língua, nada disso teria acontecido.
Além de estragar o nosso passeio, tenho
certeza de que voltei à estaca zero com a
Catarina. Não duvido que ela volte a me
ignorar e me tratar com quatro pedras nas
mãos como antes.
Capítulo
doze
Benício — Morreu alguém, e
eu não sei? — O Conrado pergunta quando

entra na minha casa e me encontra jogado no

sofá, com a Aurora no canto da sala


brincando quietinha.
— Quase isso. — Joga-se ao meu
lado depois de dar um beijo na afilhada.
— Anda. Desembucha. — Cutuca
meu ombro com o dele. — Pode me contar o
que aconteceu pra vocês estarem com essas
caras.
— Sua afilhada me pediu pra ir ao
shopping, porque a professora também ia. —
Começo a falar.
— E você não quis ir. — Balança a
cabeça para os lados, recriminando-me.
— Posso terminar de contar? Pede,
mas não sabe esperar. — Reclamo de mau
humor.
— Não tenho culpa se você fica
enrolando, ao invés de ir direto ao assunto.
— Dá de ombros. — Vai, conta de uma vez.
— A gente foi ao shopping. O
problema foi esse. Teria sido melhor se
ficássemos em casa. Encontramos a
Catarina, mas ela estava com o namorado.
— Conto.
— Ficou com ciúme, foi? —
Provoca-me.
— Guarde suas brincadeiras e
piadas pra outro dia, Conrado. Estou sem
paciência. — Ele me encara antes de voltar
a falar.
— Tudo bem. Não falo mais nada.
Mesmo porque você não vai demorar muito
a se dar conta disso. Continua.
Ignoro sua fala de propósito, pois
não vou cair na sua armadilha.
— Conheço o babaca. Já o
encontrei algumas vezes no bar, e ele está
sempre com uma mulher diferente. Não sei
se me reconheceu, mas não me importo.
— Falou alguma coisa com ela
sobre isso? — Solto um suspiro.
— Sim. Esse foi o meu erro. —
Explico. — Ela não acreditou e ainda ficou
com raiva de mim. Saiu de perto da gente
sem nem se despedir da Aurora direito, e ela
está tristinha desde então. Resumindo:
voltamos à estaca zero.
— Isso é uma merda, mas era de se
esperar que ela não acreditasse. — Viro-me
para ele com o maxilar trincado de raiva.
— Por que você está dizendo essa
merda? — Exalto-me.
— Calma, Beni. Não estou dizendo
que concordo, e nem que ela está certa. Só
que não é uma surpresa. Vocês mal se
conhecem. Claro que ela ia preferir acreditar
nele.
— Qual motivo eu teria pra mentir
sobre isso, porra? — Não consigo disfarçar
a minha frustração.
— Nenhum, mas a Catarina não
sabe disso. Em quem você confiaria: em uma
pessoa que conhece há meses ou em uma que
acabou de conhecer e não tem intimidade?
— Eu tinha que ter ficado de boca
fechada. Agora, ela está com raiva de mim, e
a Aurora cabisbaixa achando que fez alguma
coisa de errado. Fui querer ajudar e ferrei
com tudo. — Bufo e jogo a cabeça para trás.
— Quando for levar a Aurora na
escola, pede desculpa a ela. — Diz como se
isso fosse resolver tudo.
— Pedir desculpa por ter falado a
verdade? — Sorrio sem humor e balanço a
cabeça para os lados.
— Beni, você tentou ajudar, se ela
não quer, paciência. A sua parte está feita,
mano. Pede desculpa, diz que não vai se
repetir e esquece isso. Segue sua vida. Ou
está querendo voltar no tempo e recomeçar
com as brigas?
— Não! Claro que não! O problema
é ela aceitar. Acho difícil isso acontecer. —
Confesso.
— Tenta. O não você já tem. —
Levanta-se. — Tenho que ir. Só passei aqui
pra dar um beijo na Aurora. Vou encontrar
com a Nath. — Despede-se da afilhada e
caminha para a porta. — Aproveita esse
tempo pra pensar. O que te incomodou mais:
ela não ter acreditado em você, ou ter um
namorado? — Jogo uma almofada nele, que
sai rindo da sala.
— Quer ver desenho, filha? —
Chamo, querendo ocupar minha mente com
qualquer coisa que não seja aquela mulher e
a pergunta que o Conrado acabou de me
fazer.

Paro um pouco mais afastado da


entrada da escola para ficar por último, pois
quero tentar falar com a Catarina e pedir
desculpa como o Conrado me recomendou
fazer.
Quando todas as outras crianças
entram, caminho para o portão.
— Bom dia, Catarina. Posso dar
uma palavrinha contigo? — Pergunto assim
que me aproximo dela.
— É alguma coisa referente à
escola? — Questiona séria, e a amiga para
ao seu lado.
— Não. Eu queria... — Corta-me.
— Então não tenho nada pra falar
com o senhor. — Quando vou insistir, a
Aurora fala com voz de choro.
— Tia Cat, você tá triste comigo?
— A fisionomia da outra muda, e ela se
abaixa para responder.
— Claro que não, minha linda.
Vamos entrar? Seus amiguinhos estão
esperando. — Sorri e dá um beijo no rosto
dela, afastando-se em seguida de mãos dadas
com a minha filha e com a amiga logo atrás.
Passo a mão nos cabelos e solto um
suspiro alto.
— Vocês já se conheciam antes da
escola? — O porteiro me pergunta, e eu nego
com um aceno de cabeça.
— Por que está perguntando isso?
— Olho para ele confuso.
— Nada. Curiosidade. — Sinto que
está mentindo, mas resolvo deixar para lá.
Já tenho muita coisa na minha
cabeça para ficar procurando por mais uma.
Catarina — O que

aconteceu, Cat? Já não tinham se entendido?

— A Bianca pergunta assim que me afasto da

entrada da escola. — Você ainda vai se

prejudicar com esse seu jeito de falar com

ele. Depois não diz que te não avisei.


— Ele me irrita, Bia. — Respiro
fundo e fecho os olhos.
— Vocês estavam bem na sexta-
feira. Como pode ter mudado sem nem ao
menos se encontrarem? — Para e me encara.
— Ou se viram, e eu não sei?
— Acabei não te contando, mas a
gente se encontrou no shopping quando fui
com o Bruno. — Fica me encarando,
esperando-me terminar de falar. — Acredita
que ele veio me dizer que conhece o Bruno
do bar que frequenta, e que ele me trai? —
Bufo.
— E se ele estiver falando a
verdade? — Arqueia a sobrancelha para
mim.
— Pode parar! Nem começa,
porque não estou com paciência pra essa sua
implicância. — Reclamo.
— Já cansei de te falar que aquele
babaca não presta, mas você insiste em não
acreditar em mim. Está aí. Mais uma pessoa
falando a mesma coisa, e você, ao invés de
acreditar, fica com raiva e trata mal. Não
consigo te entender, amiga. Juro. — Solta um
suspiro e balança a cabeça para os lados. —
Quando você vai acordar?
— Terminou? Tenho que dar
atenção aos meus alunos. — Fecho a cara.
— Claro. Aproveita enquanto ainda
pode fazer isso. Se continuar tratando o pai
de um deles como tem feito, não vai demorar
muito a ter que procurar outro lugar para dar
aula. — Vira-se e sai de perto sem me dar
tempo de responder.
Capítulo
treze
Benício
Despeço-me do cliente com quem
estava almoçando e pego o celular para
responder algumas mensagens.
— Não quer me pagar uma bebida?
— A mulher da mesa ao lado da minha, que
me olhou durante o almoço inteiro, senta-se
de frente para mim e pergunta.
Ela não se parece com as mulheres
que costumo ter encontros. Seu cabelo é
loiro, sua pele bem branca e os olhos claros.
Penso em negar, mas, como ainda está cedo
para buscar a Aurora, e já tinha avisado a
Ana que não voltaria para a empresa,
resolvo aproveitar para me distrair um
pouco, pois essa semana não foi das
melhores.
Faço sinal para o garçom, que logo
se aproxima.
— Serve uma bebida pra moça. —
Peço. Ela diz o que quer, e ele se afasta para
pegar. — Quer comer alguma coisa também?
— Ofereço.
— Tenho outras ideias pra essa
tarde. — Morde o lábio inferior. — Quer
participar? — Pergunta tentando soar
sensual.
— Depende. — Tomo mais um gole
do meu suco. — O que você pretende fazer?
— Vem comigo que você descobre.
— Estica a mão por cima da mesa e sobe a
ponta dos dedos pelo meu braço. — Prometo
tirar essa ruguinha de preocupação daí. —
Aponta para a minha testa, entre as
sobrancelhas.
Olho para o relógio e calculo
quanto tempo tenho antes de precisar ir para
a escola.
— Vamos. — Levanto-me, antes
mesmo de o garçom voltar com a sua bebida,
e a chamo.
— Está com pressa, gato? — Sorri
e para, praticamente, colada a mim.
— Tenho um compromisso daqui a
pouco. Não posso perder tempo com
enrolações. Você vem, ou mudou de ideia?
— De jeito nenhum. Você tem cara
de que vai me fazer gritar bastante. —
Sussurra no meu ouvido. — E por um bom
motivo. — Pisca para mim e sai rebolando.
Pago a conta e sigo para a saída
também. Caminho para o meu carro, e ela me
segue de perto. Dirijo para um hotel próximo
ao restaurante em silêncio, sentindo sua mão
na minha coxa. Quando ela começa a subir
para a minha virilha, seguro e a impeço.
— Quando chegarmos ao hotel,
você pode me tocar. Agora, estou dirigindo.
— Digo de maneira firme, sem dar brecha
para que insista.
— Sim, senhor. — Responde e tira
a mão de mim.
Faço o restante do trajeto e a levo
para um quarto. Assim como sempre
acontece quando estou com alguma mulher
depois que perdi a Liz, vou direto ao
assunto. Sem nomes, sem conversas, sem
sentimentalismo.
A única coisa que procuro é um
alívio para o meu corpo, uma maneira de
colocar para fora esse desejo carnal que
sinto. É sexo, e nada mais.
Tiro minha roupa assim que ficamos
sozinhos, separo um pacote de camisinha, e
ela fica parada me olhando. Passa a língua
pelos lábios e começa a se despir também.
Paro atrás dela quando está nua,
seguro seus seios e brinco com os bicos.
Quando eles estão entumecidos, desço uma
das mãos para a sua boceta.
Passo o dedo por suas dobras e
começo a atiçar seu clitóris. Ela se contorce
nos meus braços. Mordisco o pescoço dela,
a ponta da orelha e passo a língua. Sinto que
está perto de gozar e intensifico os
movimentos até tê-la se desmanchando nos
meus braços.
Seguro seu corpo, pois percebo que
está sem forças para se manter de pé e a levo
para a cama.
— Agora é a minha vez. — Diz e
engatinha em minha direção.
— Não. — Pego sua mão no
momento em que me toca. — Fica de quatro.
— Mando.
— Sabe que desconfiei disso assim
que te olhei? — Dá um sorriso com o canto
dos lábios. — Gosta de dominar? — Nego
com um aceno de cabeça.
— Só não quero conversas
desnecessárias. Viemos aqui pra transar, e é
o que vamos fazer. — Deixo claro o que
pretendo que aconteça. — Quer ir embora?
— Claro que não. Se você me fez
gozar desse jeito apenas com os dedos,
imagina o que não vai conseguir quando
estiver dentro de mim. — Responde e se
vira como pedi, olhando para mim por cima
dos ombros.
Volto a atiçar seu clitóris, penetro-a
com um dedo, depois acrescento outro e não
paro até senti-la molhada outra vez. Pesco o
pacote de camisinha e coloco uma em tempo
recorde.
— Está preparada? — Ela acena
com a cabeça em acordo, sem condições de
falar de tão excitada que está.
Entro devagar e, quando estou com
o meu pau todo dentro dela, começo a
estocar com força. Junto seus cabelos com
uma mão e puxo para mim. Dou uma mordida
no seu pescoço e passo a língua logo depois.
Guio a outra mão até seu clitóris
para intensificar o prazer dela. Não demoro
a senti-la me apertar dentro de si.
— Ahhh, eu estou... — Não
consegue terminar a frase.
— Vem comigo, Catarina. Goza pra
mim. — Ela trava assim que as palavras
saem da minha boca.
Não posso julgá-la, pois também
travo quando percebo o que acabei de fazer.
Saio de dentro dela e levanto,
caminhando para um canto do quarto. Passo
as mãos pelos cabelos e solto um suspiro.
Noto que está se vestindo, mas não falo
nada. O que eu poderia dizer? Que sinto
muito por ter transado com ela pensando na
professora da minha filha?
— Nunca mais chega perto de mim,
seu babaca. — Fala da porta e sai, batendo a
mesma com força.
Respiro fundo e vou para o
banheiro, jogo a camisinha no lixo e sigo
direto para o box. Ligo a ducha e me coloco
debaixo do jato d’água.
— Que porra acabou de acontecer
aqui? — Pergunto para mim mesmo.

— Desculpa. Tive um imprevisto e


acabei me atrasando um pouco. — Justifico-
me na hora em que chego à porta da escola,
onde a Catarina está entregando uma aluna
para a mãe.
Ela fica ainda mais séria do que
antes enquanto me olha.
— Claro. Um imprevisto. — Fala
em tom de deboche. — Dá pra perceber. —
A amiga dela faz um gesto indicando a gola
da minha camisa. — Com licença. Vou
buscar sua filha. — Afasta-se de mim sem
dizer mais nada.
— Está sujo de batom. — A outra
diz, como se isso explicasse tudo, e força um
sorriso para mim.
Fecho os olhos e solto um suspiro.
Como se não bastasse ter chamado aquela
mulher pelo nome errado e não ter sido o da
Liz, ainda mais isso agora. Como não notei
essa merda enquanto me arrumava?
— Obrigado. — Mexo para tentar
esconder, e a Aurora não perceber.
— Oi, papai. — Minha filha para
de frente para mim. — Você demorou. —
Recrimina-me com um bico.
— Desculpa, princesa. — Abaixo-
me para ficar na sua altura. — Acabei me
distraindo com a hora. Não vai mais
acontecer. — Garanto. — Vamos pra casa.
Vou preparar um lanche bem gostoso para te
recompensar por isso. — Dou um beijo em
sua testa e me levanto.
Não vejo a Catarina por perto. Só o
porteiro e a amiga dela. Noto alguma coisa
no olhar da mulher, mas não consigo
identificar o que é. Se não consigo definir
nem o que se passa dentro de mim, como
poderia fazer isso com outra pessoa?
Capítulo
quatorze
Benício
Olho a Aurora com um sorriso no
rosto brincando com o Conrado e a Nathalia.
Estamos em um almoço na escola em
comemoração ao dia da saúde e da nutrição.
Na parte da manhã, teve uma apresentação
das crianças sobre o início do outono.
Vejo o namorado da Catarina em um
canto e preciso me controlar. Minha vontade
é de socar a cara dele e ensinar como deve
se tratar uma mulher.
— Controla seu gênio um pouco. —
O Conrado me cutuca com o cotovelo. —
Não vai arrumar confusão aqui. — Pede.
— Não estou fazendo nada. —
Respondo de mau humor.
— Nem precisa. Essa sua cara feia
já vai assustar as crianças. — Provoca. —
Relaxa, mano. Você fez o que podia. —
Tenta me confortar.
Noto o babaca seguindo a mãe de
um menino da turma da Aurora para um
canto e me levanto.
— Olha a Aurora pra mim. — Peço.
— Vou dar uma volta. — Aviso, e ele solta
um suspiro.
Disfarço indo na direção contrária a
ele e dou a volta quando meu irmão se
distrai com a afilhada. Encontro os dois em
um corredor mais escondido. Ele segura o
rosto da mulher e a beija.
Perco o controle e avanço em sua
direção, puxando-o para trás e acertando um
soco no seu nariz.
— Está maluco, porra? — Pergunta
descontrolado com a mão no rosto, tentando
parar o sangramento.
— Seu filho da puta. Aqui é o
trabalho dela. Como teve coragem? — Parto
para cima dele outra vez e acerto outro soco,
seguido de mais um.
A mulher se encolhe assustada,
entretanto não paro o que estou fazendo.
Minha vontade é de matar esse desgraçado.
Sinto braços me tirando de cima
dele e me debato, tentando me soltar.
— Para, Benício. Porra! — Meu
irmão se exalta.
A mulher corre para longe, e a
Catarina se aproxima de onde estamos,
seguida de perto por várias pessoas.
— O que você fez, seu louco? —
Grita comigo quando olha para o namorado.
— Ele estava... — Começo a
explicar, porém sou interrompido.
— Esse cara é maluco, amor. Partiu
pra cima de mim do nada. — Se faz de
vítima, e meu irmão precisa redobrar a força
para conseguir me segurar.
— Não sei como alguém tão doce
como a Aurora pode ter um pai como você.
— Praticamente, cospe as palavras em mim
com um tom de repulsa.
— Vocês se merecem. — Respondo
e saio de perto com raiva, seguindo para a
saída.
— Benício, espera. — O Conrado
vem correndo para me alcançar.
— Preciso sair daqui. Pega a
Aurora pra mim — Peço e sigo para o
estacionamento, pois sei que ele vai fazer o
que pedi.
Por mais que queira me seguir, meu
irmão nunca deixaria a afilhada para trás.
Entro no meu carro e aperto o
volante com as mãos, até sentir dor nas
juntas e elas ficarem esbranquiçadas. Meu
rosto está como uma carranca, porém não
poderia me importar menos com isso.
— Papai, você tá dodói? — A
Aurora me pergunta, e eu preciso respirar
fundo algumas vezes antes de me virar para
ela, pois não quero deixá-la preocupada.
— Não, filha. Só preciso ir pra
casa. — Digo e forço um sorriso para
tranquilizá-la.
— Pode deixar. A gente fica com
ela. — A Nathalia oferece.
— Obrigado, mas não. Preciso dela
comigo. — Sou sincero.
Sei muito bem que, com a Aurora
no carro, vou conseguir me controlar melhor
para não fazer nem uma besteira. Meu irmão
me encara e acena com a cabeça em acordo,
pois sabe que não vou correr mais do que
devo com ela aqui.
Dirijo para casa em uma velocidade
bem menor do que gostaria. Minha filha
percebe que não estou bem e fica quietinha,
sem dizer nada.
Estaciono o carro na garagem e
vejo o meu irmão entrando com o dele
também. Solto um suspiro. Devia ter
desconfiado que eles não me deixariam
sozinho depois do que aconteceu.
Pego a Aurora no colo e entro em
casa, seguido de perto por eles.
— Tia, você veio também? —
Minha filha pergunta animada para a
Nathalia.
— Claro, princesa. — Responde
sorrindo e a pega no colo.
— Vocês podem ficar com ela pra
mim? — Pergunto.
— Pode deixar. — É a Nathalia
quem fala. Bate palma e se vira para a
Aurora. — Vamos brincar de boneca?
— Obaaaaa. — Pula feliz e corre
para buscar os brinquedos.
Aproveito sua distração e vou para
o meu quarto trocar de roupa. Coloco um
short, pego uma garrafa d’água na cozinha e
sigo para a academia que tenho na parte
externa da casa.
Vou direto para o saco de areia.
Desconto toda a minha raiva e frustração,
imaginando a cara daquele babaca.
Meu irmão entra e segura o objeto
sem dizer nada, me deixando extravasar.
— Quer conversar? — Questiona
quando paro para beber água, e eu nego com
um aceno de cabeça. — Tem certeza? Pode
ajudar. — Tenta me convencer.
— Agradeço, mas não dá, pois não
saberia nem mesmo o que te falar. — Sou
sincero.
Ele dá um sorriso e me encara
calado por alguns segundos.
— Imagino o quanto deve estar
confuso aí dentro. — Aponta para a minha
cabeça e para o meu peito. — Ela mexe
contigo, mano. — Repete o que já me disse
mais de uma vez. — Essa é a primeira coisa
que você precisa admitir.
— Do que adiantaria? A Catarina
está com raiva de mim. Mais ainda agora
que bati naquele filho da puta. Mesmo que
tenha sido pra defendê-la. — Seco meu rosto
com uma toalha e a jogo no banco. — Eu
transei com uma mulher e a chamei de
Catarina. Não uma morena, uma loira. —
Confesso. — Você tem noção do que isso
significa? Não foi de Liz, foi de Catarina. —
Friso. Respiro fundo e passo a mão pelos
cabelos. — Dei porrada em um homem por
causa de outra mulher que não é a minha,
Conrado.
— Beni, você... — Volto a falar
sem deixá-lo terminar.
— Acho melhor tirar a Aurora
dessa escola. — Sento-me e bebo o restante
da água, deixando a garrafa vazia ao meu
lado no banco.
— Ficou louco? Nós já
conversamos sobre isso. — Senta-se ao meu
lado.
— Não tenho condições de ficar me
encontrando com ela. — Não preciso
explicar a quem estou me referindo. — Eu
não posso me envolver com ninguém,
Conrado. Não posso. — Friso.
— Por que não? Pode me dizer? A
Liz morreu, Benício, mas você está vivo.
Apesar de nem sempre agir assim. — Fecho
a cara.
— Ela é minha mulher. — Falo com
a raiva borbulhando dentro de mim outra
vez.
— E não está mais aqui. Beni, olha
pra mim. Você acha mesmo que a Liz ia
gostar de te ver assim? Acha mesmo que ela
ia querer que se fechasse como está fazendo?
Aquela mulher era maravilhosa, mano. Ela
não ia querer te ver se afundando como está.
Ia querer te ver feliz.
— O que você quer que eu faça,
porra? Tanto tempo sozinho e tinha que me
interessar por alguém como a Catarina. —
Bufo contrariado.
— Como ela é? — Instiga-me a
falar e me encara.
— Linda, geniosa, teimosa,
petulante... — Acabo sorrindo só por pensar
no rosto dela. — Ela tem namorado. — Volto
a ficar sério. — E não está nem aí pra mim.
Muito pelo contrário. Deve estar me odiando
nesse momento por eu ter quebrado a cara
daquele merda.
— Dê tempo ao tempo, Beni. Uma
hora ela vai perceber que você estava certo,
e vocês vão se entender. É só ter um pouco
de paciência.
— Será mesmo? Porque não
consigo acreditar nisso. — Solto um suspiro,
frustrado com tudo o que vem acontecendo.
Capítulo
quinze
Catarina
— Bia, espera. — Chamo e apresso
o passo em sua direção. — Quero falar
contigo.
— Agora quem não quer sou eu,
Catarina. — Sinto a mágoa em sua voz. —
Sabe quantas vezes tentei te ligar e você não
me atendeu? Nem mesmo pra me avisar que
não ia pra casa. — Consigo notar que está
decepcionada comigo por isso.
— Desculpa. Acabei ficando com o
Bruno. — Conto. — Eu não estava bem
depois de toda aquela confusão.
— Sério, Catarina. Não consigo te
entender. Depois do que aconteceu você
ainda vai pra casa dele. O cara...
— Catarina. — A Glória me chama
em um tom nada amistoso, interrompendo a
fala da Bianca. — Na minha sala. Agora.
Quero falar com você antes da entrada.
— Boa sorte. Você vai precisar. —
A Bianca diz e se afasta de mim.
Respiro fundo e sigo para a sala da
direção, recordando do pedido da Glória
para sumir com o Bruno da festa. Depois
disso, não a vi mais, até este momento.
— Bom dia, Glória. —
Cumprimento antes de entrar.
— Fecha a porta. — Pede, e sinto a
tensão do ar. — O que te deu pra falar
daquele jeito com o pai de uma aluna,
Catarina?
— O Benício agrediu o meu
namorado, Glória. O que a senhora queria
que eu fizesse? — Defendo-me.
— Pouco me importa o que
aconteceu antes. E, para ser sincera, você
deveria se inteirar da história completa.
Além disso, nada justifica a maneira como
tratou aquele homem. Você vai pedir
desculpa. — Impõe.
— Mas... — Não consigo terminar
de falar.
— Não tem mas, Catarina. Vai pedir
desculpa na hora da entrada, na frente de
todos, assim como quando o tratou daquela
maneira. É isso, ou pode procurar outra
escola para dar aula. — Ameaça.
— Como a senhora quiser. —
Respondo me controlando para não mandar
tudo isso a merda e sair pela porta para
nunca mais voltar.
Sempre gostei desta escola. É um
lugar bom de trabalhar. Gosto dos meus
colegas de trabalho, dos alunos, até mesmo
dos responsáveis. O único que foge disso é
aquele irritante do Benício.
— Pode ir. A gente se encontra no
portão da escola daqui a pouco. — Avisa.
Aceno com a cabeça em acordo e
saio da sala sem dizer mais nada.
Entro no banheiro para jogar um
pouco de água no rosto. Passo a mão
molhada na nuca e respiro fundo tentando me
acalmar, mesmo achando que não vai
funcionar.
Na hora certa, estou perto da
entrada esperando abrirem o portão para as
crianças que já estão chegando para as aulas.
Não demora, e a Glória para ao meu lado.
— Bom dia. — O Benício
cumprimenta em um tom completamente
diferente do que estou acostumada a ouvir na
sua voz e sem olhar para mim, enquanto a
Aurora entra na escola.
— Bom dia. — A Glória
cumprimenta de volta e me cutuca com o
cotovelo.
— Posso falar com o senhor um
minuto? — Peço.
— Nós não temos nada pra falar um
com o outro. — Diz de maneira firme. — A
menos que seja algo referente à minha filha.
— Trata-me como eu o tratei depois do
nosso encontro no shopping.
— Quero lhe pedir desculpa. —
Tento parecer sincera nesse pedido. — Não
deveria ter falado com o senhor daquele
jeito. — Noto que sou o centro das atenções.
Todos os outros responsáveis estão olhando
para nós, porém finjo não me importar.
— Não precisa pedir desculpa. O
que acontece na sua vida pessoal não me diz
respeito. — Repete o que eu já disse para
ele. — Eu não deveria ter me metido.
— O que ela quer dizer... — A
Glória começa a falar, mas é interrompida
por ele.
— Pode ficar tranquila. Não vou
tirar a Aurora da escola. Minha filha já está
apegada a todos vocês, e não vou deixá-la
pagar por um erro meu. Agora, se me dão
licença, preciso trabalhar. — Avisa e se vira
para ir embora, sem nos dar tempo de dizer
mais nada.
— Espero que essa seja a última
vez. — A minha diretora fala em tom de
aviso e caminha para a sala dela.
— Catarina, posso conversar
contigo? — A mãe de outro aluno meu me
pergunta sem graça pouco tempo depois.
— Claro. — Forço um sorriso. —
Posso ajudar em alguma coisa?
— Juro que eu não sabia. — Seus
olhos ficam marejados. — Por favor, me
desculpa. Se eu soubesse, não teria...
— Do que a senhora está falando?
— Questiono confusa.
— Eu não sabia que o Bruno era
seu namorado. — Travo onde estou e
agradeço ao fato de os outros pais já terem
ido embora, pois algo me diz que não vou
gostar do que vou ouvir. — Ele veio atrás de
mim. Começou a me elogiar e me pediu um
beijo. — Engulo em seco. — Quando dei
por mim, o pai da Aurora estava dando um
soco nele. Saí de lá correndo e só fui saber o
motivo depois, quando uma amiga me ligou e
contou. — Não consigo responder. As
palavras não saem. — Me desculpa. Eu juro
que não sabia. Me desculpa. — Insiste.
— Está tudo bem. — É a Bianca
quem fala, pois percebe que não tenho
condições de dizer. — Ela acredita na
senhora, não é, Catarina? — Cutuca a minha
cintura, e eu aceno com a cabeça em acordo
no automático.
— Eu me senti tão mal na hora que
ela me contou. Tão mal. Eu nunca teria
permitido que ele me beijasse se soubesse
disso. Acabei de me divorciar. Estou em
uma fase ruim. Ele veio todo carinhoso. —
Solta um suspiro. — Se eu soubesse...
— Já passou. A senhora pode ficar
tranquila. Está tudo muito recente. A
Catarina ainda está assimilando, mas não
precisa se preocupar. Ela não vai culpá-la
pelo que aconteceu. O único culpado é
aquele crápula. Não, é amiga? — Encara-me
séria e ergue a sobrancelha, esperando pela
minha concordância.
— Sim. A Bianca está certa. —
Saio do torpor que me encontro e forço-me a
dizer. — Vamos esquecer tudo isso. — Peço,
mesmo sabendo que não vou conseguir fazer
o que estou falando. — Está tudo bem. —
Minto e dou um sorriso tão falso quanto o
meu, agora, ex-namorado. — Você sabia. —
Viro-me para a Bianca assim que ficamos
sozinhas.
— Eu tentei te alertar diversas
vezes, mas nada adiantava. Você só
acreditava naquele babaca. — Noto o quanto
a magoei com essa história. — Agora está
aí, colhendo o que plantou. Quase perdeu o
emprego por causa de um crápula, se afastou
de mim e está perdendo uma chance de ouro
na sua vida.
— Como assim? De que chance
você está falando? — Olho para ela,
esperando por uma resposta.
— Do que adianta falar se você não
vai acreditar? Descubra sozinha. Tenho que
trabalhar. — Afasta-se de mim sem esperar
por uma resposta.
O que será que ela quis dizer com
isso?
— O que são essas bolsas? — A
Bianca pergunta assim que entra em casa.
— As coisas do Bruno que estavam
comigo. — Respondo e coloco mais uma
sacola junto com as outras. — Acabou. Não
quero nada dele aqui em casa. — Digo
firme.
— Já não era sem tempo.
Conversou com ele? — Questiona e senta-se
ao meu lado.
— Não e nem vou. Nunca mais
quero olhar pra cara daquele verme. Vou
deixar essas coisas na portaria e avisar pra
vir buscar. Se não aparecer, mando os
porteiros levarem. — Minhas palavras
transbordam a raiva que estou sentindo nesse
momento. — Preciso te pedir desculpa. —
Viro-me para ela e seguro as suas mãos. —
Você tentou abrir meus olhos tantas vezes, e
eu não acreditei, amiga.
— A impressão que dava era que
você estava com uma venda nos olhos e que
não conseguia enxergar o que estava na cara
pra todo mundo. Minha vontade era te dar
uma surra pra tentar te fazer acordar pra
vida.
— Obrigada. Desculpa e obrigada.
Posso ficar aqui a noite toda repetindo e
ainda não será o suficiente. ​— Admito.
— Esquece isso. Você só precisa
fazer esse agradecimento e esse pedido a
outra pessoa. — Não precisa me dizer a
quem está se referindo.
— Ele não apareceu na hora da
saída. — Forço um sorriso. — O Conrado
foi buscar a Aurora. Até pensei em perguntar
por ele, mas desisti.
— Você vai dar um jeito. — Fala e
se levanta. — Vou tomar banho e fazer
brigadeiro pra gente comer enquanto
assistimos a algum filme. — Avisa e se
afasta.
Para a Bianca, tudo se resolve com
uma panela de brigadeiro e uma noite jogada
no sofá da sala vendo filmes de comédia
romântica.
Capítulo
dezesseis
Catarina — Bom dia,

Catarina. — O Conrado me cumprimenta

com um sorriso no rosto. Forço um também e

devolvo o cumprimento.
— Bom dia. — Abaixo-me para
ficar na altura da Aurora. — Tudo bem,
minha linda? — Acena com a cabeça em
acordo, desanimada.
Faço um carinho em seu rosto e me
levanto outra vez.
— Ela anda um pouco tristinha.
Está acontecendo alguma coisa? —
Pergunto.
— Meu irmão anda um pouco
enrolado essa semana, e ela está sentindo
falta de ficar com ele o tempo todo. —
Percebo em seu olhar que não está sendo
sincero. — Por falar nisso, posso dar uma
palavrinha contigo? É coisa rápida.
— Claro. — Respondo, mesmo que
por dentro a vontade seja de gritar que não.
— Vou levar a Aurora ao shopping
hoje à noite, e, como ela gosta muito de
você, pensei que seria uma boa ideia se
pudesse nos encontrar. — Encaro-o sem
dizer uma palavra. — Espera. — Ergue as
mãos e balança a cabeça para os lados,
repuxando o canto dos lábios. — Eu me
expressei mal. A minha namorada vai
comigo. Não é o que está pensando. Minha
intenção é tentar animar a Aurora. —
Explica, me fazendo relaxar.
— Tudo bem. — Concordo. — Só
me diz em qual shopping vocês vão e o
horário. Também estou precisando me
distrair. — Ele fica calado me olhando, e,
quando penso que não vai dizer mais nada,
volta a falar.
— Vou confirmar com a Nath e te
digo na hora da saída. Pode ser? —
Concordo com um aceno de cabeça. —
Obrigado. Até mais. — Despede-se e sai.
— O que foi isso? — A Bianca
para ao meu lado.
— Ele me chamou pra ir ao
shopping com a Aurora. — Ela arqueia a
sobrancelha para mim. — A namorada dele
vai junto, sua mente poluída. — Implico.
— Só eles? — Fica me encarando,
e logo entendo o que está pensando.
— Apesar de ele não ter dito nada,
acredito que sim. Quem você está pensando
não quer me ver. Tanto que nem trazer a filha
na escola tem trazido. — Pontuo. — Ainda
deve estar com raiva de mim. — Solto um
suspiro.
— Não é pra menos, Cat. O cara
tenta te alertar, entra em uma briga pra te
defender, e você faz o que fez. — Sobe e
desce os ombros. — O que esperava que ele
fizesse?
— Precisa ficar me lembrando do
meu erro? — Bufo. — Eu já me xingo todos
os dias por isso. Não precisa tripudiar.
— Sou sua amiga, mas não sou
obrigada a passar a mão na sua cabeça
quando erra e nem fingir que nada aconteceu.
Vou te lembrar sempre pra ver se não comete
o mesmo erro outra vez. — Pisca para mim e
se afasta.

— Isso tudo é pra ir encontrar com


a sua aluna? — A Bianca me encara pelo
reflexo no espelho.
— Também. — Retoco o batom. —
Pensei em ir a um bar, ou dançar um pouco.
Vem comigo. — Chamo. — Estou
precisando distrair a mente.
— Hoje não tenho como. Já
marquei um encontro, mas vai curtir a vida e
se divertir. Recuperar o tempo que perdeu
com aquele ser desprezível. — Aconselha.
— É o que pretendo fazer. Mesmo
que não goste muito de sair sozinha, não vou
ficar em casa me lamentando. Quando
estiver no shopping, mando mensagem no
grupo das meninas. — Falo referindo-me ao
grupo que temos com a nossa turma da
faculdade. — Quem sabe alguém não se
anima pra ir também?
— Assim é que se fala, amiga. —
Diz animada. — Você está linda. Não vai
demorar a encontrar uma companhia. —
Sorri para mim.
— Não estou à procura disso, Bia.
Só quero espairecer um pouco. Acabei de
sair de um relacionamento e quero distância
deles por um bom tempo.
— Quem está falando em
relacionamento, Cat? Estou falando em
transar, beijar na boca, o que preferir. Você é
livre, amiga. Para de se segurar e deixa essa
loba que tem aí dentro mostrar as garras.

Olho para o meu celular e caminho


para onde marquei de encontrar o Conrado,
pois já está na hora.
Conheci a namorada dele na festa e
gostei dela logo de cara. A Nathalia foi
muito simpática comigo. Foi por isso que me
surpreendi com o convite dele antes de me
explicar que ela viria também.
Estou tão revoltada com o que me
aconteceu que fico com o pé atrás com todos
os homens agora, e, mesmo que alguma coisa
me dissesse que o Conrado não é assim, temi
que tivesse me enganado, mais uma vez,
como aconteceu com o Bruno.
Distraio-me olhando uma vitrine e
esbarro em alguém. Quando vou pedir
desculpa, vejo o Benício parado me
encarando com o rosto em uma carranca.
— Desculpa. — Peço. — Estava
distraída e não te vi.
— Sem problemas. — Diz de
maneira seca.
— Oi, tia Cat. — A Aurora dá um
sorriso doce para mim.
— Oi, minha linda. — Faço um
carinho em sua cabeça e devolvo o sorriso.
— Dá tchau para a sua professora,
filha. — Fala e começa a se afastar.
— Espera. — Vou atrás deles. — O
Conrado não veio com vocês? — Percebo
que ele fica ainda mais zangado do que
antes.
— Meu irmão está com a namorada
dele. — Responde em um tom de voz que
deixa claro não ter gostado da minha
pergunta.
— Ele combinou comigo de nos
encontrarmos aqui. — Começo a explicar,
mas a fisionomia dele só piora. — Não é o
que está pensando, Benício.
— Claro que não. — Sorri com
escárnio e vira-se para sair de perto de mim
outra vez.
— Seu irmão me chamou pra vir
encontrar com ele e a Aurora, mas me disse
que a Nathalia estaria junto, ou eu não teria
aceitado. — Explico.
Ele para onde está, e percebo que
está ponderando sobre o que falei. Vira-se
para mim outra vez.
— A Nath teve um imprevisto com
a família, e ele foi ficar com ela. — Conta.
— A Aurora insistiu pra vir mesmo assim, e
acabei aceitando.
— Espero que não seja nada grave.
Já que estamos aqui, podemos conversar um
pouco? — Encaro-o, esperando sua
resposta. Ele desvia os olhos dos meus e
solta um suspiro. — Por favor. — Insisto. —
Não vai demorar. Só quero te pedir
desculpa.
— Você já fez isso e estava certa.
— Eu estava errada, Benício. —
Admito. — Você tentou me alertar, assim
como a Bianca.
— Por mais que eu estivesse certo
em relação ao seu namorado, não poderia ter
me metido na sua vida.
— Ex-namorado. — Percebo
alguma coisa diferente em seu olhar, mas não
consigo definir o que é. — E não se culpe.
Eu te agradeço por ter tentado me alertar e
peço desculpa, mais uma vez, por toda
aquela confusão que aconteceu na festa.
— Está tudo bem. — Age como se
não fosse nada demais. — Vamos esquecer o
que aconteceu.
— Obrigada. Vou te deixar
aproveitar o passeio com a sua filha. —
Forço um sorriso. — Até mais. — Despeço-
me.
— Nós estávamos indo comer uma
pizza. Você não quer ir com a gente? —
Convida, e noto no seu olhar que está sem
graça.
— Vem, tia Cat. É pizza de
queijinho. — A Aurora fala animada, e eu
me desmancho um pouco mais por ela.
Capítulo
dezessete
Benício
Vejo as duas animadas andando de
mãos dadas na minha frente e prendo um
sorriso. Tenho certeza de que isso foi uma
armação do Conrado, mas não vou reclamar.
Pelo contrário. Sinto vontade de agradecer.
Pego o celular e mando uma
mensagem para ele fingindo não ter gostado
só para implicar. A resposta não demora a
chegar.
“Acabei me esquecendo de
comentar contigo sobre isso. Espero que
vocês não se atraquem, ou se atraquem em
um sentido diferente do que costumam. Não
precisa me agradecer.”
Dou uma gargalhada, e as duas se
viram para trás. Guardo o celular e disfarço.
— Seu padrinho mandou um beijo,
filha. — Digo com a maior cara de pau.
— Já sabe se está tudo bem? — É a
Catarina quem pergunta preocupada.
— Sim. Ainda estão lá, mas já está
tudo resolvido. — Até me sinto um pouco
culpado, mas minto descaradamente.
Como poderia contar o que aquele
sem vergonha do meu irmão armou para nós?
— Que bom. — Fala aliviada e se
vira para frente outra vez.
Caminhamos até a praça de
alimentação do shopping e escolhemos uma
mesa perto da pizzaria.
— Você vai querer de outro sabor,
Catarina? — Pergunto quando elas já estão
sentadas. — Filha, é a de queijinho mesmo?
— Sim, papai. Eu amo pizza de
queijinho. — Lambe os lábios.
— Com essa animação toda, vou
ficar com a de queijinho também. — Diz
achando graça da reação da Aurora.
— Vou pedir um suco de laranja pra
ela. Prefere beber outra coisa? — Ofereço.
— O suco está ótimo. Espera. —
Começa a mexer na bolsa e pega a carteira.
— De jeito nenhum, Catarina. Eu te
convidei. — Afasto-me sem dar tempo a ela
de reagir, pois sei que não vai deixar a
Aurora sozinha para vir atrás de mim.
Faço o pedido e volto para a mesa,
onde encontro as duas conversando
animadas.
— Cadê a pizza, papai? — Faz
bico.
— Eles já vão trazer, mocinha. Está
com tanta fome assim? — Acena com a
cabeça em acordo e passa a mão na barriga.
— Meu Deus, Aurora. A tia Catarina vai
pensar que eu não te dou comida. — Balanço
a cabeça para os lados e acabo sorrindo.
— É normal. Eles vivem com fome.
Principalmente quando é para comer alguma
coisa que gostam muito. Como parece ser o
caso dessa mocinha aqui.
— Controlo a alimentação dela a
semana inteira, mas hoje resolvi fugir um
pouco. — Explico. — Depois, seu padrinho
vai brigar comigo. — Digo olhando para a
Aurora. — Ele sempre reclama quando dou
esse tipo de coisas para ela comer. —
Conto.
— Não precisa se culpar por isso,
Benício. Uma vez ou outra não tem
problema. — Tenta me tranquilizar.

Fico olhando para meu copo


enquanto giro a bebida. O barulho em volta é
intenso, mas não presto atenção.
Depois que voltei para casa,
encontrei o Conrado e a Nathalia me
esperando. Os dois estavam com caras de
culpados, mas disseram que não estavam
arrependidos, pois a Catarina e eu
precisávamos conversar.
Não pude discordar deles, porém
não aconteceu o que queriam de verdade.
Meu irmão está me empurrando para cima da
professora da minha filha e nem disfarça
mais.
Ela mexe comigo, mas ainda não
tenho certeza se quero fazer alguma coisa a
esse respeito. A Liz ainda está viva nos meus
pensamentos. Não consigo e não quero
esquecê-la.
Como o Conrado pediu para levar a
afilhada para casa dele essa noite, aproveitei
para sair um pouco e tentar me distrair,
mesmo desconfiando de que não vou
conseguir, já que estou aqui e nem isso tirou
aquela professora atrevida da minha cabeça.
Olho para a pista de dança e vejo
uma mulher se mexendo no ritmo da música
de uma maneira sensual. O lugar está escuro,
porém consigo perceber que, apesar de estar
sozinha, ela não parece se importar com
isso.
Ela se vira na minha direção, e eu
prendo o ar. É a Catarina. Ela dança com os
olhos fechados e se entrega ao ritmo de uma
maneira que me deixa duro na hora.
Respiro pausadamente algumas
vezes para me acalmar. Tudo o que não
preciso é ficar com uma ereção dentro de um
ambiente lotado. Não quero que me achem
um tarado, mas é o que estou parecendo
agora.
Na hora em que a música acaba, ela
abre os olhos e me vê, sorri e faz um gesto
com a mão me chamando. Não acredito no
que está acontecendo.
Aponto para o meu peito como se
perguntasse se sou eu mesmo, e ela concorda
com um aceno de cabeça. Deixo o bom senso
de lado e caminho na direção dela, sem
parar para pensar no que estou fazendo.
— Quer dançar? — Pergunta bem
perto do meu ouvido, e sinto seu perfume.
Conto até dez antes de responder,
ou, tenho certeza, minha voz estaria bem
mais rouca do que o normal pela excitação
que estou sentindo.
— Tem muito tempo que não faço
isso. — Admito.
— Sem problema. Dançar é igual
andar de bicicleta. Não se esquece nunca. —
Responde se aproximando de mim outra vez
e me arrepiando com a sua respiração no
meu pescoço.
Concordo com um movimento de
cabeça, sem conseguir formular uma frase
sequer. Ela cola o corpo ao meu e começa a
se balançar no ritmo da melodia. Começa
uma, outra, e continuamos nos movendo pela
pista de dança em um ritmo lento, sem nos
importar com o estilo musical que está
tocando.
Vira-se de costas para mim e
começa a rebolar com o corpo ainda colado
ao meu. Mexe para um lado e para o outro se
esfregando em mim e fazendo o meu pau
ganhar vida dentro da calça novamente.
Fico hipnotizado com seus
movimentos. Não conseguiria nem mesmo
responder qual música está tocando. Aperto
sua cintura e colo minha boca no ouvido
dela.
— O que você está fazendo,
Catarina? — Se vira dentro dos meus braços
e passa os seus pelo meu pescoço. — Você
bebeu? — Pergunto depois de perceber no
seu hálito uma mistura de bebida com bala
de hortelã.
— Nada que me impeça de ter total
consciência dos meus atos. — Responde e
morde o lábio inferior.
— Não faz isso. — Peço sem
convicção. — Estou me controlando aqui,
Catarina, mas não sou de ferro. É melhor
você parar. — Digo, mesmo que queira,
justamente, o oposto disso.
— E se eu não quiser? — Encara-
me. — Se eu estiver contando com você
perdendo o juízo?
Respiro fundo e a puxo para ainda
mais perto de mim, beijando-a com furor e
esquecendo todo o resto.
— Vamos embora daqui. — Peço
com a testa colada na dela, que concorda
com um aceno de cabeça.
Saímos sem dizer mais nada.
Seguimos direto para o ponto de táxi, e
agradeço ao fato de não ter vindo dirigindo,
pois posso aproveitar o trajeto para
continuar o que estávamos fazendo até
poucos segundos atrás.
Volto a beijá-la assim que digo ao
motorista qual o nosso destino, e é assim que
seguimos até pararmos em frente ao hotel.
Pago a corrida e desço de mãos dadas com
ela. Peço um quarto e preciso me controlar
para não agarrá-la no elevador.
— Boa noite. — Um senhor nos
cumprimenta quando descemos no nosso
andar, mas não respondo. É como se eu
tivesse perdido a capacidade de falar, e ela
não está muito diferente, pois também não
diz nada.
Puxo-a de volta para mim assim que
fecho a porta atrás de nós. Minhas mãos
ganham vida própria e passeiam pelo seu
corpo. Meus lábios imploram para fazer o
mesmo.
Distribuo beijos pelo seu pescoço e
desço as alças do vestido devagar, liberando
seus seios, já que ela não está de sutiã.
Minha boca saliva com vontade de chupá-
los. Seguro os dois com as mãos e brinco
com os bicos. Ela fecha os olhos e solta um
suspiro, jogando a cabeça para trás.
— Você tem certeza? Ainda dá
tempo de parar. — Forço-me a dizer, mesmo
que a ideia de deixá-la ir agora me
enlouqueça e me deixe com um caso sério de
bolas roxas.
— Absoluta. — Responde com
dificuldade.
Afasto-me pelo tempo suficiente
para me despir, e ela aproveita para fazer o
mesmo, mas não deixo de encará-la.
Voltamos a nos beijar. Somos uma confusão
de mãos e línguas entrelaçadas. Quando
percebo, estamos deitados na cama.
Ergo meu corpo e fico olhando para
ela deitada. Desço as pontas dos dedos de
leve até alcançar sua boceta e brinco com o
seu clitóris. Atiço e a invado com um dedo,
sem parar o movimento do outro. Deixo a
outra mão no seio e aperto o bico, rodando
entre os dedos. Ela se contorce debaixo de
mim e goza logo depois de eu intensificar os
movimentos.
— Vira. — Peço assim que ela se
recupera. — Fica de quatro pra mim. —
Pego um pacote de camisinha e coloco uma.
— Preciso entrar em você, ou vou
enlouquecer. — Confesso e a penetro com
cuidado, segurando sua cintura com as mãos,
entrando e saindo dela.
— Ahhh. Eu vou... — Para a frase
no meio sem conseguir completar.
Saio de dentro dela e sento
encostado na cabeceira da cama.
— Vem aqui. — Chamo e a puxo
para o meu colo. — Quero olhar pra você
enquanto gozamos juntos. — Peço.
Apoia as mãos no meu peito e
começa um movimento de sobe e desce. Seu
corpo se choca ao meu, o quarto tem som e
cheiro de sexo, fazendo com que tudo fique
ainda mais intenso.
Na hora em que a sinto me apertar
dentro de si, me liberto de uma maneira que
há muito não acontecia. Ela desaba em cima
de mim, e respiramos com dificuldade.
Depois de alguns minutos em
silêncio, ela se levanta e começa a se vestir.
Levanto-me também e paro atrás dela,
segurando seus braços e beijando seu ombro
com carinho.
— O que você está fazendo? Não
quer voltar pra cama? — Dou uma mordida
fraca e beijo outra vez. Ela nega com um
aceno de cabeça.
— Preciso ir embora. — Dou um
passo para trás e a encaro. — Isso foi um
erro. Não deveria ter acontecido. — Diz e
sai do quarto, deixando-me parado, feito um
idiota, olhando para a porta por onde acabou
de passar sem reação.
Capítulo
dezoito
Catarina — Perguntaram

por você. — A Bianca para ao meu lado e

fala, como quem não quer nada.


Viro-me para ela rapidamente.
— Quem? — Ergue a sobrancelha e
me encara, como quem diz que me pegou no
flagra.
— As mães de dois alunos seus. —
Faz uma pausa. — Você podia disfarçar
mais, amiga.
— Não sei do que você está
falando. — Desconverso e viro-me para
frente outra vez.
— Ele não veio. — Conta. — Quem
trouxe a Aurora hoje foi o padrinho. —
Segura meus ombros e me faz olhar para ela.
— O que aconteceu, amiga? Vocês não
tinham se entendido?
— Já disse que não aconteceu nada.
— Desvio o olhar do seu, pois sei que ela
perceberia a mentira se continuasse olhando
nos meus olhos.
— Eu não consigo entender. A
última coisa que me contou sobre isso foi
que ele estava no shopping no lugar do irmão
e vocês conversaram. Por que está fugindo
dele agora? O que não está me contando? —
Insiste.
— Aqui não é hora e nem lugar pra
gente conversar sobre isso, Bianca. —
Reclamo.
— E quando será? Você agora vive
me escondendo as coisas. — Percebo a
mágoa em sua voz e solto um suspiro.
— Hoje à noite quando estivermos
em casa. — Digo para ela cedendo.
— Não sei por que, mas não levei
fé nessa afirmação. — Começa a se afastar
de mim.
— É sério, Bia. Prometo que de
hoje não passa. — Garanto a ela.
Não me responde. Acena com a
cabeça em acordo e caminha para a sala dela
com os alunos.
Respiro fundo e me concentro nos
meus, deixando para pensar nisso enquanto
estiver contando para ela tudo o que
aconteceu desde o encontro no shopping.

— Senta aqui comigo. — Chamo a


Bianca assim que entramos em casa e a puxo
para o sofá.
Queria deixar o que aconteceu no
passado, mas preciso desabafar. Além de
saber que ela está certa quando diz que estou
escondendo as coisas dela.
Conheci a Bia logo que cheguei ao
Rio. Estudamos juntas, nos formamos e
entramos na faculdade de Pedagogia. Logo
que começamos o estágio, alugamos uma
quitinete para morarmos. Depois, quando
conseguimos um salário melhor, foi
automático dividirmos um apartamento,
mesmo que pequeno.
Essa mulher sentada de frente para
mim é como se fosse minha irmã, e me corta
o coração ver o seu olhar magoado como
mais cedo.
— Não precisa me falar nada, Cat.
— Solta um suspiro. — Fico preocupada
contigo, mas você tem o direito de não me
contar se quiser. Só me promete que vai
tomar cuidado pra não se machucar outra
vez. — Fala, e não precisa colocar em
palavras para eu saber que está se referindo
ao que aconteceu com o Bruno.
— Você é minha melhor amiga, Bia.
Pra quem mais eu poderia contar? — Sorrio
e seguro as mãos dela, dando um aperto
suave. — O encontro no shopping foi bom.
— Começo. — Não aconteceu nada de
errado, como eu tinha falado. De lá, eles
foram pra casa, e eu resolvi aproveitar a
noite.
— Certo. Até aí eu já sabia, mas o
que aconteceu depois para vocês estarem
fugindo um do outro? Porque a senhorita está
evitando ficar no portão, e ele, quando leva
a filha, fica de longe. Isso se o irmão não
levar no lugar dele.
— A gente se encontrou à noite. —
Respiro fundo. — Eu estava dançando
distraída e, assim que abri os olhos, dei de
cara com ele me olhando do bar. Não sei o
que me deu, mas o chamei pra dançar
comigo. — Confesso. — Acabamos saindo
de lá para um hotel.
— Vocês... — Arregala os olhos
para mim e não termina a frase.
— Sim. Eu tinha tomado alguns
drinks, mas não posso colocar a culpa na
bebida, pois estava ciente do que fazia. Só
que, quando terminou, minha consciência
pesou e saí de lá correndo. — Admito. — O
Benício deve estar me odiando, e eu não
tenho coragem de ficar frente a frente com
ele outra vez depois de agir daquela
maneira. Não sei o que faço, amiga. A
Aurora é minha aluna e filha dele. Não vou
conseguir evitá-lo pra sempre.
— Quem disse que precisa fazer
isso? Você tem o direito de se arrepender,
Cat. Apesar de eu achar que não deveria. —
Pontua. — Para de fugir. Se o Benício falar
alguma coisa, diz que não era pra ter
acontecido e que prefere esquecer, e, se ele
for um homem decente como acho que é, por
mais que fique chateado, vai respeitar a sua
decisão. Você precisa tentar, pois não dá pra
continuar assim.
— Você está certa. — Forço um
sorriso. — Vou fazer isso.

— Catarina, posso falar com você


um minuto? — O Conrado me pergunta na
porta da escola.
Aceno com a cabeça em acordo
temendo que tenha alguma coisa a ver com o
que aconteceu entre o irmão dele e eu.
— Claro. Posso te ajudar em
alguma coisa? — Forço um sorriso.
— Amanhã é o aniversário da
Aurora. Vamos fazer uma festa, e sei que ela
ia adorar que você fosse. — Comenta.
— Não sei se seria uma boa ideia.
— Falo sem graça, e ele me olha confuso. —
Seu irmão pode não gostar.
— Por que não? Vocês não tinham
se acertado? Ou aconteceu alguma coisa que
eu não sei? — Desvio o olhar do dele.
Fui pega de surpresa pelo fato de o
Benício não ter contado nada a ele.
— Está tudo bem. — Disfarço. —
Onde vai ser a festa? — Mudo de assunto.
— Na casa deles. Posso te buscar.
— Oferece desconfiado. — Só me dizer
onde te encontrar. Quero ver a carinha da
Aurora quando você chegar.
— Obrigada, mas não precisa.
Posso ir sozinha. — Afirmo.
— Foi a Nath quem deu a ideia. —
Conta como tivesse entendido o motivo para
eu não querer ir com ele e pega a carteira no
bolso. — Esse é o número de telefone dela.
— Entrega-me um cartão. — Manda uma
mensagem e combina o horário e lugar para
te encontrarmos. — Sorri e se despede,
afastando-se de mim.
— Talvez essa seja uma boa
oportunidade de descobrir como as coisas
vão ficar com o pai dela. — A Bianca diz ao
meu lado quando o Conrado não pode mais
nos ouvir. — Melhor do que aqui na porta da
escola. Você já teve problemas com a Glória
por causa dele. É melhor não arriscar. —
Opina.
— Pode ser, mas ainda tenho
dúvidas. Ele pode não gostar, e acabar
piorando as coisas entre a gente. — Falo
desanimada.
— Se ele não te quisesse lá, o
irmão não teria convidado. Relaxa, amiga.
— Aperta minha mão. — Posso te ajudar a
se arrumar. — Seus olhos brilham com a
ideia, e eu nego com um aceno de cabeça.
— Tenho até medo de aceitar. —
Brinco e caminho para a minha sala.
— Vão entrando. Já encontro vocês.
— A Nathalia diz assim que descemos do
carro na casa do Benício e o telefone dela
começa a tocar. — Eu preciso atender.
— A gente te espera. — O Conrado
fala.
— Não precisa, amor. É do trabalho
e pode demorar. Entra com a Catarina. —
Sorri para mim. — Vai lá fazer a alegria da
nossa princesa.
— Tudo bem. — Cede. — Vamos,
Catarina. Os outros convidados já devem
estar chegando.
Sigo com ele para a área de trás da
casa onde vai acontecer a festa. Assim que
nos aproximamos, o Benício caminha para
perto de nós com um olhar furioso.
— Veio errar com o outro irmão
agora? — Pergunta com sarcasmo.
Em um impulso, dou um tapa no
rosto dele, com a raiva borbulhando dentro
de mim.
— Seu babaca. — Meus olhos estão
cheios de lágrimas, mas me recuso a deixá-
las caírem na frente dele. — Desculpa,
Conrado. — Olho para o outro. — Não
tenho como ficar no mesmo lugar que esse
homem. — Viro-me e saio pelo mesmo
caminho que entrei.
As lágrimas vencem a batalha e
descem pelo meu rosto, uma atrás da outra,
sem parar.
Idiota. Isso que sou por ter achado
que era uma boa ideia vir até aqui.
— Catarina, espera. — A Nathalia
vem atrás de mim. — O que aconteceu? —
Sinto a preocupação em sua voz.
— Desculpa. Eu preciso sair daqui.
— Passo as pontas dos dedos para secar
meu rosto.
— Eu te levo. — Oferece. — Só
vou pegar a chave com o Conrado.
— Obrigada, mas não precisa. Só
quero ficar sozinha. — Viro-me e saio sem
esperar por uma resposta.
Ainda a escuto me chamando,
porém não paro. Faço sinal para um táxi e
passo meu endereço. Agradeço ao fato de ter
dado sorte de encontrar um deixando alguém
perto da entrada, pois não aguentaria ficar
aqui esperando um carro de aplicativo.
— A senhora precisa de alguma
coisa? — O motorista me pergunta enquanto
me olha pelo retrovisor.
Nego com um aceno de cabeça e
passo para ele o meu endereço, incapaz de
falar muito mais do que isso.
Capítulo
dezenove
Benício — Que merda foi

essa, Benício? — O Conrado pergunta

furioso, assim que a Catarina se afasta de

nós.
— Eu que te pergunto, porra. —
Exalto-me. — Está traindo a Nath e ainda
quer fazer isso aqui em casa?
— Só não acerto sua cara agora,
porque algo me diz que esse tapa que você
levou doeu mais do que qualquer soco que
eu possa te dar. — Cerro os punhos ao lado
do meu corpo.
— O que aconteceu? — Viro-me ao
escutar a voz da Nath. — Por que a Catarina
saiu daqui daquele jeito? — Fecho os olhos
e me xingo mentalmente.
Puta que pariu. O que eu fiz?
— Pergunta ao idiota do seu
cunhado. — Meu irmão responde deixando
transparecer toda a sua indignação com o
que acabei de fazer e se afasta de nós
pisando duro.
— Fiz merda, Nath. — Admito e
passo a mão pelos cabelos. — O pior é que
não sei como corrigir e nem posso tentar
agora, pois não teria como sair da festa da
minha filha.
— O que você fez, Beni? —
Questiona carinhosa, ao contrário do
namorado, mas não posso julgá-lo.
— Insinuei que seu namorado
estava te traindo com a Catarina quando eles
chegaram juntos. — Conto e me sento em um
banco, frustrado comigo mesmo.
— Ficou com ciúme? — Arqueia a
sobrancelha para mim e se agacha à minha
frente, apoiando as mãos nos meus joelhos.
— Claro que não. — Digo firme. —
Por que ficaria? — Bufo.
— Sabe há quantos anos eu te
conheço? — Prende o sorriso. — Se você
quer mesmo corrigir esse erro, o primeiro
passo é admitir que agiu errado e o motivo
que te levou a isso, Beni. Pode começar
conversando com o seu irmão. Posso apostar
que ele não gostou nada da sua atitude, e
você não precisa sair daqui pra se
entenderem.
— Ele não vai querer me ouvir. —
Solto um suspiro. — Está puto comigo e com
razão. Eu poderia até ter desconfiado da
Catarina, Nath, mas não dele.
— Sempre achei linda a relação de
vocês e sei que não gostam de ficarem
brigados. Seja sincero, e tenho certeza de
que ele vai te desculpar. — Beija meu rosto
e se levanta. — Vem. Coloca um sorriso
nesse rosto, e vamos procurar a
aniversariante e seu irmão. Eu fico com ela e
olho as coisas enquanto vocês se acertam. —
Oferece.
Faço o que ela diz e caminho para
os fundos da casa onde alguns convidados já
circulam. Avisto meu irmão com a sobrinha
no colo e sigo para perto deles.
— Conrado. — Chamo quando me
aproximo deles.
Ele entrega a Aurora para a Nath,
que se afasta de nós, deixando-nos sozinhos.
— Sai de perto de mim, Benício.
Não quero olhar pra sua cara. — Começa a
caminhar para longe, e eu vou atrás.
— Eu sei que pisei na bola. —
Confesso. — Pode me xingar, me bater, fazer
o que quiser, mas me escuta. — Tento
convencê-lo.
— Pra quê? Pra te escutar falar
merda outra vez? — Explode. — Você não
ofendeu só a mim, Benício. Ofendeu a
Catarina também. Demorou um bom tempo
pra acabar com aquele clima péssimo entre
os dois para em poucos segundos colocar
tudo a perder. — Balança a cabeça para os
lados, decepcionado comigo.
— Você está certo, mas não sabe de
tudo. — Olha para mim e arqueia a
sobrancelha.
— Vai querer colocar a culpa nela
pela sua idiotice? — Semicerra os olhos.
— Não. Não vou. Só estou tentando
te contar o que aconteceu no fim de semana
passado. — Tento prender a sua atenção.
— Eu sei que se encontraram no
shopping. Esqueceu que fui eu quem armou
pra isso acontecer? — Pergunta com
sarcasmo.
— Sei disso, mas não estou falando
desse encontro. — Continuo.
— Do que você está falando,
Benício? Onde mais se encontraram?
— Depois que você e a Nath
levaram a Aurora, eu resolvi sair um pouco
pra espairecer e acabei encontrando a
Catarina. — Conto tudo o que aconteceu, até
a forma que ela foi embora, omitindo apenas
os detalhes do sexo, pois não falaria disso
nem mesmo com ele.
— Puta merda! — Solta assim que
acabo de falar.
— Na hora em que te vi entrar com
ela, perdi a cabeça. Sei que falei merda, sei
que fui um babaca, mas não consegui
controlar. — Solto um suspiro, ainda
frustrado com essa minha atitude.
— Sabe o porquê de isso ter
acontecido, não sabe? — Encara-me. — Até
quando vai lutar contra o que sente pela
Catarina? Admite de uma vez antes que faça
uma besteira que não tenha mais como
corrigir. Olha o tamanho da merda de hoje,
Beni. Tem noção do quanto a ofendeu?
— O que você quer que eu faça,
Conrado? Não posso sair no meio da festa
da minha filha, droga. — Repito o que já
falei para a Nath.
— Não, não pode, e eu não estou
dizendo pra fazer isso. Até porque ela não
iria te ouvir, e você não está preparado pra
ter essa conversa ainda.
— Como assim não estou
preparado? — Olho para ele sem entender.
— Antes de mais nada, você
precisa aceitar que gosta dela e que merece
ser feliz outra vez, que pode e deve voltar a
viver de verdade. Você precisa deixar a Liz
no passado, Beni.
— Eu não consigo. — Nego com
um aceno de cabeça e engulo em seco. —
Não posso fazer isso.
— Pode e deve. Já era pra ter feito,
Beni. — Respira fundo e se aproxima mais
de mim, dando um aperto no meu ombro. —
Vamos curtir a festa da nossa princesa. Você
não vai conseguir resolver nada disso agora.
Aproveita esse tempo antes de se
encontrarem na segunda pra pensar no que eu
te disse.
— Papai. — Minha filha corre em
minha direção. — Você está dodói? —
Questiona preocupada assim que me olha
mais de perto.
— Só preciso de um beijinho seu
pra melhorar, meu amor. — Pego-a no colo e
recebo vários beijos estalados espalhados
pelo meu rosto.

Seguro sua mão na minha e colo


meu corpo ao dela, abraçando-a pela
cintura. Seu rosto colado ao meu me traz
um sorriso aos lábios.
— Senti tanto sua falta. — Digo
em um sussurro, próximo ao seu ouvido.
— Eu também. — Consigo
perceber a emoção em sua voz.
Marisa Monte canta Depois,
enquanto dançamos pela sala. A letra me
faz parar e encarar a mulher nos meus
braços.

“Depois de sonhar tantos anos; De


fazer tantos planos; De um futuro pra nós;
Depois de tantos desenganos; Nós nos
abandonamos como tantos casais.
Quero que você seja feliz; Hei de
ser feliz também.”

— Por que você está aqui? — Faço


um carinho em seu rosto. — Por que estou
sentindo como se isso fosse uma
despedida? — Pergunto sem deixar de
encará-la.
— Porque é. — Dá um sorriso doce
para mim. — Você precisa seguir em frente,
Beni. Precisa me deixar ir. — Nego com um
aceno de cabeça.
— Não consigo. Como posso fazer
isso? — Uma lágrima desce pelo meu rosto.
— Eu te amo tanto. — Colo minha testa na
dela.
— Eu também te amo, e é esse
amor que me faz te pedir isso. — Solto um
suspiro.
— Por quê? — Seguro seu rosto
com as mãos, fazendo-a me encarar.
— Você ainda está aqui, Beni, e
tem toda uma vida pela frente. Não é justo
que se feche para o amor como está
fazendo por minha causa. Eu não quero te
ver sofrer. Quero te ver feliz. Pare de lutar
contra o que está sentindo.
— Do que você está falando? —
Olho-a confuso.
— Ela é a pessoa certa pra te fazer
voltar a viver. — Passa a ponta dos dedos
pelo contorno do meu rosto. — Além de
amar a nossa filha como se fosse dela.
— Eu não quero te esquecer. —
Falo de maneira sofrida.
— E não vai. Eu sempre estarei
contigo. Bem aqui. — Coloca a mão no meu
peito, em cima do meu coração. — Mas
agora sou apenas uma lembrança. Você
precisa viver o seu presente, e o seu
presente é a Catarina. — Afasta-se de mim,
e, quando tento alcançá-la outra vez,
desaparece.

Acordo assustado e olho para os


lados, tentando saber onde estou. Acabei
pegando no sono no sofá da sala. Passo a
mão nos cabelos e respiro pausadamente.
Que sonho foi esse? Ele me pareceu tão real.
Ainda sinto o toque das mãos da Liz em
mim.
Fecho os olhos e apoio a cabeça no
encosto do sofá. O sistema de som toca
Marisa Monte, e parece que tudo o que senti
foi real.

“Nós dois;
Já tivemos momentos;
Mas passou nosso tempo.
Não podemos negar.
Foi bom;
Nós fizemos história;
Pra ficar na memória;
E nos acompanhar.
Quero que você viva sem mim...”
— Eu vou tentar, Liz. Prometo que
vou tentar. — Digo com a voz carregada de
emoção como se ela pudesse me ouvir.
Capítulo
vinte
Benício — Você pode ir

comigo buscar a Aurora? — Pergunto ao

Conrado, enquanto estamos na minha sala na

empresa.
— Está com medo de ir sozinho? —
Provoca-me.
— Ela não apareceu na hora da
entrada. — Ignoro sua fala de propósito e
não preciso dizer a quem estou me referindo.
— Tenho uma ideia caso isso aconteça
novamente na hora da saída.
— O que você pretende, Beni? Não
vai fazer nenhuma besteira. — Pede com
receio.
— Depois que todos foram embora
da festa, eu não conseguia dormir e fiquei na
sala ouvindo música. Acabei pegando no
sono no sofá e sonhei com a Liz. — Conto, e
ele fica calado me encarando. — Foi tão
real. — Fecho os olhos por alguns segundos
e respiro fundo.
— Como foi? — Sorrio para ele.
— Ela me pediu o que você e a
Nath vivem me pedindo. Pra voltar a viver.
— Minha cunhada sempre foi uma
pessoa maravilhosa e continua sendo, pelo
jeito. — Tem um sorriso no rosto quando
diz.
— Será que eu consigo? Não sei se
quero me envolver com outra pessoa. Tenho
medo de passar por tudo aquilo outra vez. —
Confesso.
— Beni, você já está envolvido. Só
precisa parar de lutar contra e de fazer
besteira. Quanto ao que aconteceu com a Liz,
aquilo foi um acidente. Poderia acontecer
com qualquer um. Ninguém tem garantia de
nada nessa vida, mano. O que não dá pra
fazer é deixar uma chance como essa passar
e não aproveitar por medo.
— Tenho minhas dúvidas se a
Catarina vai me perdoar. — Dou voz ao meu
receio.
— Você errou feio, mas admitir já é
um bom começo. — Pontua. — Seja sincero
com ela, explica o que te levou a agir
daquele jeito e para de guardar pra si o que
sente, Beni. Só não adianta nada fazer isso e
continuar errando. Não foi a primeira vez
que insinuou algo desse gênero.
— Aquela professora mexe tanto
com a minha cabeça, que eu acabo fazendo
besteira. — Admito. — Não sei o que
aconteceu comigo quando vi vocês chegarem
juntos.
— Olha só! Já está até mesmo
assumindo que sente ciúme. — Debocha. —
Eu vivi pra ver isso.
— Vai se ferrar, Conrado. — Fecho
a cara, e ele ri ainda mais. — Posso ou não
contar contigo? — Olho para o relógio no
meu pulso. — Já está quase na hora.
— Sabe que sim. Vamos resolver
isso de uma vez. — Levanta-se. — Vou com
o meu carro. De lá, já sigo pra casa. Se
quiser, fico com a Aurora pra vocês
conversarem, ou, quem sabe, até mais do que
isso. — Sobe e desce as sobrancelhas várias
vezes.
— Você não cresce? — Saio da
sala com ele e acabo sorrindo. — Ana, vou
buscar a Aurora na escola e não volto hoje.
Você pode sair mais cedo também. —
Ofereço.
— Aproveita que o carrasco está
bonzinho. — Meu irmão brinca com ela.
— Babaca. — Dou um tapa na sua
nuca.
— Quando vão tomar jeito? —
Revira os olhos para a gente.
Caminhamos para o estacionamento
e seguimos direto para a escola. Assim que
estacionamos próximo ao portão, ele desce
do carro e vem até o meu para falar comigo.
— O que você pretende fazer? —
Cruza os braços e me encara. — Não quer
ficar aqui, e eu busco a Aurora? Se ela não
souber que você veio, talvez seja mais fácil
aparecer. — Opina.
— Acho que vou esperar o horário
de saída dela. Não quero ter essa conversa
na porta da escola. O ideal seria convencê-
la a ir a algum lugar, mas não espero tanto
assim desse encontro. — Passo a mão na
nuca.
— Certo. Vou buscar a Aurora e
levo pra minha casa. Depois você me liga e
me conta como foi. Se quiser, ela pode
dormir comigo. — Oferece.
— Sua fé em mim é bem maior do
que a minha. — Sorrio sem humor.
— Ela também sente alguma coisa
por você, Beni. É só ter paciência e não
meter os pés pelas mãos, que vão se
resolver. — Aperta meu ombro e se afasta
de mim, juntando-se aos outros responsáveis
na saída da escola.
Fico dentro do carro com o vidro
fechado para não ser visto. Se minha filha
souber que estou aqui, vai me gritar e acabar
com os meus planos de pegar a Catarina de
surpresa, e eu não quero que isso aconteça.
Depois que todos os alunos vão
embora, os funcionários começam a sair
também. Não demora muito para ela passar
pelo portão junto com a amiga. Espero até se
afastarem um pouco mais da escola para
descer do carro e a abordar.
— Catarina. — Chamo. Percebo
que ela me escuta, mas continua andando, me
ignorando de propósito.
Apresso o passo e a alcanço.
Seguro seu braço e a viro para mim com
cuidado para não machucá-la.
— Não encosta em mim. — Exalta-
se e se solta.
— Desculpa. — Passo a mão pelos
cabelos, frustrado. Acho que vai ser mais
difícil do que pensei. — Posso falar contigo
um minuto? — Nega com um aceno de
cabeça e volta a andar. — Por favor.
Prometo não demorar.
— Nada do que você tenha pra me
dizer pode me interessar. Se me der licença,
quero ir pra casa.
— Eu te levo. — Ofereço em uma
tentativa tola de ter mais tempo para fazê-la
me ouvir. — Faço o que você quiser se
disser que vai me escutar.
— Até mesmo esquecer que eu
existo? — Usa um tom irônico para falar.
— Isso é impossível. — Sou
sincero e percebo que a pego de surpresa,
porém ela disfarça rapidamente.
— Vai, Cat. — Fuzila a amiga com
o olhar. — É melhor assim. Diz logo o que
está te machucando e, se ainda quiser, coloca
logo um ponto final nessa história, mas
resolve de uma vez isso. Ficar remoendo não
vai adiantar nada. A gente se encontra em
casa. — Beija o rosto dela e caminha para
longe sem dar tempo à outra de reagir.
Sinto vontade de ir atrás dela para
agradecer, porém não o faço, pois tenho
certeza que a Catarina se aproveitaria desse
tempo para correr para longe de mim.
— Você tem cinco minutos. —
Cruza os braços e me encara séria, e eu
preciso me concentrar no seu rosto para não
perder o raciocínio com os seus seios
realçados bem à minha frente. Engulo em
seco. — O tempo está passando. — Avisa.
— Prefere ir para a lanchonete da
esquina? Podemos tomar um suco enquanto...
— Sou interrompido.
— Acho que o senhor não entendeu.
— Diz de maneira seca. — Eu não vou a
lugar nenhum contigo. — Faz uma pausa. —
Já se passou um minuto.
— Ok! — Respiro fundo. — Quero
te pedir desculpa por sábado. Sei que fui um
babaca, e você tem toda razão de estar com
raiva de mim. — Falo tudo de uma vez. —
Não sei o que me deu quando te vi com o
Conrado. — Fecho os olhos e balanço a
cabeça para os lados. — Eu enlouqueci. —
Confesso. — Fiquei maluco só de te
imaginar com ele. — Seus olhos ganham um
brilho diferente, e ela desvia o olhar do meu.
— Queria ter ido atrás pra te pedir desculpa
na mesma hora, mas não tinha como sair da
festa da minha filha. Passei o fim de semana
inteiro remoendo o que aconteceu por não
saber onde te achar.
— Acabou? — Olha para o relógio
e finge não estar mexida com tudo o que
falei, mesmo eu percebendo o contrário.
— Por que você saiu do quarto do
hotel daquele jeito? — Acabo perguntando
sem conseguir me controlar.
— Aquilo foi um erro. — Diz de
maneira firme.
— Não pra mim. — Dou um passo
para mais perto dela. — Você mexe comigo,
Catarina. — Passo a ponta do dedo pelo
contorno dos seus lábios, e ela dá um passo
para trás. — De uma maneira que há muito
tempo não acontecia.
— É melhor você esquecer aquilo,
pois não vai se repetir. — Vacila no final da
frase e se vira para ir embora.
— Espera. — Apresso-me e fico de
frente para ela. — Tudo bem. Podemos
deixar o que aconteceu no passado, mas será
que você consegue me perdoar pelo que fiz e
voltarmos a nos tratar bem? Pela Aurora. —
Apelo como já fiz antes, sem um pingo de
remorso. — Prometo que essa é a última vez
que te peço isso.
— Olha, Benício, eu... — Percebo
que vai negar e a interrompo antes que o
faça.
— Por favor. A Aurora é louca por
você. Não quero que minha filha pague por
um erro meu, Catarina. Se ficar esse clima
estranho entre a gente, ela vai sentir, e já
passou por sofrimento demais pra uma
criança da idade dela.
Não tenho vergonha de usar isso a
meu favor, nem tão pouco vou desistir
facilmente.
— Tudo bem. — Acaba cedendo, e
eu abro um sorriso nada discreto.
— Obrigado. Prometo me
comportar e não voltar a te tratar mal. Posso
te levar pra casa? — Ofereço.
— Não. — Corta de maneira direta.
— Eu vou de ônibus.
— Como preferir. — Não discuto.
Agora não quero mais lutar contra o
que estou sentindo. Sei ser paciente e posso
muito bem esperar que volte a confiar em
mim o suficiente para deixar que eu me
aproxime outra vez.
Capítulo
vinte e um
Benício Paro na entrada da

escola e fico observando minha filha

entregar a rosa para a professora. Da

primeira vez em que a Aurora quis trazer


presentes para a Catarina, eu fiquei um

pouco receoso, mas, desta vez, a ideia partiu

de mim.
Desde a nossa conversa, há dois
dias, que venho fazendo isso. Percebo o
olhar sem graça dela, porém não ligo.
Concordei em não falar mais sobre o que
aconteceu entre nós, mas isso não significa
que vá facilitar para ela.
— Você gostou, tia Cat? — Minha
filha pergunta e a encara, esperando pela
resposta dela.
— Claro, meu amor. É linda. —
Sorri para ela e cheira a flor em sua mão.
— O papai pegou no nosso jardim.
— Conta animada, e, diferentemente da outra
vez, não me importo e nem fico sem graça.
A Catarina me olha pelo canto dos
olhos, e pisco para ela, que desvia o olhar
na mesma hora.
Se essa mulher já mexia comigo
antes, depois daquela noite, a coisa ficou
ainda mais forte. Tê-la nos meus braços me
fez voltar à vida como meu irmão e cunhada
viviam me cobrando que eu fizesse.
Demorei a admitir isso, mas não
vou mais esconder e nem tentar sufocar esse
sentimento que está nascendo dentro de mim.
Só me resta esperar que ela sinta o mesmo e
não demore a perceber e nem a permitir que
eu me aproxime.
— Tchau, filha. — Chamo a atenção
da Aurora para mim. — Mais tarde, eu
venho te buscar. — Dou um beijo em seu
rostinho e ela dá um estalado no meu
também. — Tchau, Catarina. — Falo
olhando em seus olhos.
— Tchau. — Responde baixinho
sem me olhar.
— Tenha um bom dia. — Pego em
sua mão por poucos segundos, porém por
tempo suficiente para sentir um arrepio
gostoso, e, por mais que ela tente disfarçar,
noto que também sentiu.

Espero as crianças entrarem para


me aproximar com a Aurora.
— Oi, tia Cat. Trouxe bolinho pra
você. — A animação está estampada no seu
rosto. — Eu fiz com o papai.
— Obrigada, minha linda. — Sorri
e dá um beijo nela.
— Bom dia, Catarina. —
Cumprimento. — Podemos conversar
rapidinho?
— As crianças já entraram. Eu
preciso... — Não a deixo terminar de falar.
— É rápido. Só quero te pedir uma
coisa. — Insisto.
— Tudo bem. — Cede.
— Tenho um compromisso que não
posso faltar e preciso de alguém para ficar
com a Aurora pra mim. Meu irmão costuma
fazer isso, mas também foi convidado.
— Benício, eu... — Solta um
suspiro.
— Se eu tivesse outra pessoa de
confiança, não te pediria isso na sua folga,
mas não tenho mais a quem recorrer. —
Conto uma meia verdade. — Já ouvi algumas
mães falando que você fica com os filhos
durante a noite para elas... — É a vez de ela
me cortar.
— A Bianca pode ficar. — Força
um sorriso, e a amiga se aproxima de nós.
— Não posso. — Nega na mesma
hora. — Já tenho um compromisso. — Diz
séria.
— Você nem sabe o dia, Bianca. —
Semicerra os olhos para a amiga.
— Sei, sim. Ele já tinha me
perguntado. — Mente e me encara, como se
me pedisse para confirmar.
— Eu já tinha falado com ela antes
de te perguntar. Sei que ela é sua amiga e
que poderia confiar. — Embarco na história
dela sem nem precisar pensar muito a
respeito.
Ela olha de um para o outro,
desconfiada.
— Qual dia seria? — Questiona
olhando para a amiga, que me olha
suplicante.
— Amanhã. ​— Respondo de
pronto, e ela se vira para mim ainda mais
desconfiada. — Vou confirmar com o
Conrado o horário e combino contigo na
hora da saída. Pode ser?
— Pode, sim. Tenho que entrar. —
Aponta com a mão por cima do ombro. —
Vamos, Bianca. — Chama a amiga, e não
tenho dúvidas de que ela será interrogada.

Catarina Olho-me no

espelho pela milésima vez e decido trocar

de roupa de novo. Solto um suspiro e pego

uma calça legging preta e uma blusa azul,

soltinha. Escolho uma sapatilha para usar

junto.
Separo uma muda de roupa e coloco
em uma mochila para levar, pois não tenho
certeza se terei que dormir lá por conta do
horário.
Pelo que o Benício me falou, ele e o
Conrado foram convidados para uma festa
de um cliente importante da empresa e não
teriam como faltar. Se eu não aceitasse ficar
com a Aurora, a Nathalia não poderia ir com
eles. Cheguei a pensar em dizer não, mas
acabei concordando.
Confesso que fiquei com o pé atrás
com aquela história de que o Benício já tinha
falado com a Bianca, porém ela saiu desde
cedo, reforçando o que tinha dito sobre ter
um compromisso.
Paro de frente para o espelho e me
olho pela última vez. Penteio meu cabelo e
faço um coque frouxo no alto da cabeça,
passo um gloss nos lábios e respiro fundo.
Na hora em que pego a chave e a
mochila para sair, meu telefone apita.
Desbloqueio a tela para ver o que é e
encontro uma mensagem do Benício me
dizendo que não vai mais sair e que não
preciso mais ir, pois a Aurora não está muito
bem.
A preocupação junto com o fato de
saber o quão importante é essa festa para ele
me fazem sair mesmo assim. Posso ficar com
a Aurora para ele ir, mesmo que por pouco
tempo.
Chamo um carro pelo aplicativo e
sigo para a casa deles. Quando paro no
portão, encontro o Conrado saindo, e
percebo que ele estranha me ver ali.
— Meu irmão não te avisou? —
Pergunta assim que paro perto dele.
— Avisou. — Respondo. — Como
eu já estava pronta, vim para saber se não
estão precisando de nada e se não querem ir
um pouco, pelo menos. Posso ficar com ela.
— Ofereço.
— Acho difícil que você consiga
convencer o Beni a sair de perto da filha
agora. Eles estão lá dentro. — Aponta por
cima do ombro. — Vou comprar o remédio
que o médico passou e já volto. — Comenta.
— Pode entrar. Ele tinha ido dar banho nela
para ver se a febre baixava. — Avisa.
Faço o que ele diz e entro, seguindo
para a sala. Escuto o choro da Aurora, e isso
parte meu coração. Resolvo caminhar para
onde os ouço para tentar ajudar de alguma
maneira.
Sigo as vozes e entro em um quarto
todo decorado com o tema de princesas.
Esse só pode ser o da Aurora. O chuveiro do
banheiro está ligado, e é para lá que sigo.
Assim que passo pela porta, que estava
aberta, dou de cara com o Benício somente
de cueca dentro do box com a filha no colo e
seu corpo todo molhado.
Travo onde estou, sem conseguir me
mexer e nem falar nada. Eu já vi esse homem
nu, e ele já esteve dentro de mim, então, por
que estou sentindo como se minhas pernas
fossem feitas de gelatina? Por que meu
coração parece uma bateria de escola de
samba dentro do meu peito ao ponto de me
dar a impressão que vai sair pela boca?
— Conrado pega... — Para de falar
quando me vê.
— Desculpa. Eu não sasa... Sabia...
— Gaguejo. — O Conrado me falou... —
Solto um suspiro e fecho os olhos.
Pareço uma adolescente que acabou
de encontrar a sua paixão da época da escola
e não consegue dizer uma frase completa
sem tropeçar nas palavras.
— Está tudo bem. Você pode pegar
uma toalha, por favor? — Aponta para onde
tem uma pilha delas. — Estava tão nervoso
com a temperatura dela que nem pensei
nisso.
— Cla... Claro. — Pigarreio para
tentar voltar a falar sem gaguejar e pego o
que me pede. — Pode deixar. Eu faço isso.
Vai se secar também — Estico os braços
para pegá-la no colo. — Vem, meu amor. —
Ela se joga para mim toda molinha, e eu saio
do banheiro o mais rápido que consigo, com
o rosto pegando fogo de vergonha.
Se eu for sincera comigo mesma,
vou admitir que não é só meu rosto que está
pegando fogo nesse momento.
Capítulo
vinte e dois
Benício
— Obrigado. — Agradeço quando
volto para o quarto da Aurora já seco e
vestindo uma bermuda. — Você não recebeu
minha mensagem? — Caminho para perto
dela, que está sentada na cama com a minha
filha no colo.
— Recebi, mas já estava pronta pra
sair e resolvi vir mesmo assim. A ideia era
dizer pra vocês irem que eu ficava com ela,
mas o Conrado me alertou que não vou
conseguir te convencer. — Diz sem me
encarar.
— Sem condições. Não vou pra
uma festa, seja ela qual for, com a Aurora
desse jeito. — Passo a mão nos cabelos.
— Ela estava tão bem ontem. O que
aconteceu? — Sinto a preocupação em sua
voz.
— Percebi que não estava muito
bem ontem a noite mesmo. Ela me pediu pra
dormir comigo, e eu pensei que fosse só
manha, mas logo notei que não era o caso,
pois estava muito quietinha. Hoje pela
manhã estava molinha e com febre. Baixa,
mas estava. Liguei pra pediatra, e ela me
pediu pra observar. Tinha piorado pouco
antes da hora em que te mandei a mensagem.
A febre ficou mais alta e não baixava por
nada. — Solto um suspiro e sento-me perto
delas. — Odeio vê-la assim. Só queria
poder passar seja o que for que ela está
sentindo pra mim. Meu dever é protegê-la, e
eu não consegui. — Travo o maxilar para
tentar controlar a emoção, pois não quero
desabar na frente dela.
— Não pense assim. Essas coisas
acontecem. — Tenta me confortar. — É
normal as crianças pegarem essas viroses.
Principalmente em idade escolar.
— Ela é tão pequena. Não merecia
passar por nada de ruim. — Faço um carinho
na cabeça da Aurora, que dorme no colo
dela. — Não quer colocá-la na cama? —
Pergunto. — Vai cansar seu braço.
— Pode deixar. Ela está tão bem
assim. Não quero acordá-la. — Dá um
sorriso doce olhando para a minha filha, e eu
fico feito um idiota olhando para as duas.
— Como ela está? — O Conrado
entra no quarto e pergunta baixinho,
entregando-me o remédio que foi comprar.
— A febre parece estar abaixando.
— Coloco a mão na testa dela e constato.
Pego o medicamento, marco a hora,
confiro a dosagem e dou a ela, que resmunga
um pouco, mas logo volta a dormir, quando a
Catarina a acalma cantarolando em seu
ouvido que está tudo bem.
— A Nath está vindo pra cá. —
Avisa. — Consegui falar com ela da
farmácia e disse que não vamos mais.
— Tem certeza que não querem ir?
— A Catarina questiona. — Essa festa não
era importante? Eu posso ficar com ela.
Prometo ligar se acontecer alguma coisa. —
Oferece.
— Obrigado, mas não vou
conseguir sair com ela assim. — Afirmo
outra vez. — Vai você, Conrado. — Viro-me
para o meu irmão. — Fala com a Nath e vão.
A Catarina fica aqui comigo. — Olho para
ela, que concorda com um movimento de
cabeça. — Assim a empresa será
representada. Explica o que aconteceu pra eu
não ir. Eles vão entender.
Fica encarando a sobrinha em
dúvida. O Conrado sempre foi louco pela
Aurora e a trata como filha. Sei que não é
fácil para ele fazer o que estou pedindo, mas
está ponderando sobre várias coisas ao
mesmo tempo.
— Vocês vão me ligar mesmo? —
Confirmo. — Qualquer mudança, mesmo que
pequena, eu quero ser avisado. O telefone
vai ficar comigo o tempo inteiro. — Diz. —
Vou ligar pra Nath, mas duvido que ela
aceite sem ver a Aurora primeiro. — Pega o
celular e sai do quarto para fazer o que
disse.
— Eu não poderia ter escolhido
padrinhos melhores pra minha filha. —
Pondero olhando para a porta. — O Conrado
e a Nath são loucos pela Aurora, e sei que,
se alguma coisa me acontecesse, ela estaria
em boas mãos.
— Dá pra perceber o quanto eles
gostam dela. — Concorda comigo. — E ela
também gosta muito deles. Está sempre
falando dos dois na escola. — Conta. —
Mas você não deve pensar nisso, Benício.
Nada vai te acontecer.
— É difícil deixar esse pensamento
de lado quando se perde uma pessoa que
ama ainda tão nova pra um acidente. —
Deixo todo meu rancor com esse assunto
transparecer. — Desculpa. — Solto um
suspiro e passo a mão pelos cabelos,
desviando o olhar do dela.
— Não precisa me pedir desculpa.
Eu não deveria ter falado assim. Sinto muito.
— Fala sem graça.
— Você não tinha como saber,
Catarina. Eu... — Sou interrompido pelo
meu irmão, que entra no quarto com a Nath.
Pelo tempo que demorou a chegar,
deve ter saído de casa assim que o Conrado
a avisou que não iam mais à festa e que a
Aurora estava doente.
— Boa noite. Nossa princesa está
melhor? — Minha cunhada pergunta
baixinho.
— Sendo mimada do jeito que está,
vai ficar boa rapidinho. — Brinco encarando
a Catarina e dou um sorriso com o canto dos
lábios.
— A gente não vai demorar. — Meu
irmão afirma. — Lembrem de nos manterem
informados. — Reforça o pedido.
— Não precisa sair cedo da festa.
— Digo. — Eu te aviso se precisar de
alguma coisa.
— Você vai ficar aqui sozinho com
ela a noite toda? De jeito nenhum. — Fala de
maneira firme.
Percebo alguma coisa em seu olhar,
porém não consigo definir o que é.
— Eu posso ficar. — A Catarina
oferece, e ele prende o sorriso antes de se
virar para ela.
Filho da mãe. Era isso que ele
estava querendo. Preciso me lembrar de lhe
agradecer depois. Esse meu irmão está se
saindo um belo de um cupido.
— Não, Catarina. Vai ficar tarde
pra você ir embora. — Desvio o olhar para
ela não perceber que estou sorrindo da cara
de pau dele.
— Sem problema, Conrado. Já saí
de casa contando que ia dormir aqui se fosse
preciso por não saber a hora que voltariam.
— Ele solta um suspiro dramático, e eu
penso em dar o Oscar de melhor ator para
esse sem vergonha.
— Tudo bem. — Finge ceder, como
se não quisesse que acontecesse, justamente,
isso. — Vamos, amor. — Chama a Nath e faz
um sinal com a mão avisando para a gente
ligar se precisar.
— Onde nós estávamos antes de
sermos interrompidos? — Viro-me para ela
outra vez. — Eu ia te contar a história da
mãe da Aurora.
— Benício, você não precisa fazer
isso. — Tenta me convencer.
— Mas eu quero. Talvez isso te
ajude a entender algumas coisas. —
Concorda com um aceno de cabeça. —
Quando a Aurora estava com seis meses, a
Liz colocou na cabeça que voltaria a
trabalhar, mesmo eu insistindo para que não
voltasse. No primeiro dia de trabalho, ela
sofreu um acidente enquanto estava indo pra
empresa em que trabalhava. — Respiro
fundo.
— Benício, é sério. Estou vendo
que esse assunto te machuca. Vamos deixá-lo
no passado. — Insiste.
— Está tudo bem. — Faço uma
pausa e volto a falar. — A Liz foi levada
para o hospital, mas não resistiu aos
ferimentos e morreu nos meus braços. —
Engulo o bolo que se forma na minha
garganta. — A minha esposa, mãe da minha
filha se foi, e eu não pude fazer nada pra
impedir. — Estica a mão e aperta a minha
com carinho. Seguro a dela e não solto —
De lá pra cá, a Aurora é a minha vida. Sei
que te dei a impressão errada quando nos
conhecemos, mas eu vivo em função dela.
Naquelas duas semanas...
— Você não me deve satisfações.
— Tenta me calar.
— Mas eu quero dar. — Continuo.
— No primeiro dia de aula, eu estava
insistindo com o Conrado para levar a
Aurora de volta pra casa. Já tínhamos
tentado colocá-la em uma escola e não deu
certo, pois não se adaptou. Saí antes de ela
entrar, porque não aguentaria se chorasse e a
levaria embora sem pensar duas vezes.
Inventei uma desculpa de precisar atender
meu telefone e me afastei. Depois disso,
precisei viajar, pois a avó da Aurora por
parte materna me ligou dizendo que tinha
dado entrada no pedido de guarda dela.
— Ela pode fazer isso? — Pergunta
alarmada.
— Poder, pode, mas não seria fácil
conseguir, pois nunca dei motivos para um
juiz tirar minha filha de mim. O problema
não era esse. Eu não queria minha filha no
meio de uma disputa judicial. A viagem que
eu fiz foi pra resolver isso. Os dois não se
importam com a neta de verdade. — Conto.
— Aquela mulher só pensa em dinheiro,
mais nada. E foi isso que usei pra me livrar
deles.
— Eles aceitaram dinheiro pra tirar
o processo? — Questiona horrorizada.
— Não. Sou sócio deles em uma
rede de lojas de conveniência e ameacei
vender tudo se não desistissem. Como eu já
esperava, foi o que fizeram por medo do que
aconteceria com a empresa se eu cumprisse
a minha promessa. Demorei mais tempo do
que pretendia, porque aproveitei para
verificar como andavam as contas da
empresa e para procurar alguém pra colocar
no meu lugar e não precisar mais encontrar
com eles.
— Eu me lembro do Conrado
dizendo que você teve um imprevisto. —
Conta.
— Sim. Mas não foi só isso. A
viagem era pra cidade onde a Liz cresceu.
Tudo lá me lembrava dela, e, pra piorar,
ainda estava se aproximando o nosso
aniversário de casamento. Eu tinha dito ao
Conrado que só voltaria no dia seguinte por
conta da hora, mas não consegui ficar lá nem
mais um segundo. Peguei minhas coisas no
hotel e vim embora. Só não consegui vir
direto pra casa. Parei em um bar, pois
precisava me anestesiar um pouco, nem que
fosse com bebida. Acabei passando um
pouco dos limites e indo pra cama com uma
mulher e, não sei como, mas meu irmão ficou
sabendo. — Ela desvia o olhar do meu. —
Nós discutimos, ele me ameaçou e me fez
ver o quanto a Aurora estava sendo atingida
por essas minhas atitudes. Estava sendo tão
egoísta que não conseguia enxergar o quanto
estava machucando a minha filha com tudo
isso.
Ela coloca a Aurora na cama com
cuidado e se abaixa de frente para mim.
— Não fala assim, Benício. —
Segura minhas mãos. — Eu me enganei
quando te conheci. — Sorri com os olhos
marejados. — Você é um pai maravilhoso.
Mesmo passando por tanta coisa, não
abandonou a Aurora. Está aqui por ela como
hoje. Deixou tudo de lado pra cuidar dela.
Dá carinho, atenção, segurança, amor, o que
mais uma criança pode querer?
— Será mesmo? Será que não estou
deixando faltar nada pra ela? — Coloco
para fora o meu medo.
— Claro que não. — Sorri sem
humor. — Meu pai abandonou minha mãe
grávida por conta de uma promoção. —
Sinto a mágoa em sua voz. — Ele preferiu o
trabalho à própria família. Minha mãe entrou
em depressão e só piorou depois do parto,
até tirar a própria vida. — Engulo em seco.
— Quando você ficou tanto tempo longe em
uma viagem, acabei descontando na pessoa
errada a minha raiva. Hoje, consigo
perceber que estava enganada. — Faz um
carinho suave no meu rosto, e eu fecho os
olhos, aproveitando o contato da sua pele
com a minha. — Me desculpa por isso. —
Pede.
— Não tenho o que desculpar. —
Encaro seus olhos e desvio para seus lábios.
— Catarina, eu preciso te beijar.
Não dou tempo a ela de me
responder. Seguro seu rosto com carinho e
me aproximo até estar com os lábios dela
colados aos meus. Começo de forma doce e
lenta, mas não demoro a puxá-la para mim e
aprofundar o beijo.
Capítulo
vinte e três
Benício
Seguro em sua cintura para trazê-la
para o meu colo, mas ela se afasta de mim e
se levanta.
— Catarina... — Chamo e me
levanto também, mas sou interrompido.
— Eu não podia... — Levanta a
mão me parando na hora em que tento me
aproximar. — Isso foi... — Dou um passo
largo e a calo, colocando meus dedos nos
seus lábios.
— Não diz que foi um erro, por
favor. — Peço e a encaro como se
suplicasse. — Não quero ouvir essas
palavras saindo de sua boca outra vez com
relação a gente.
— Mas foi. — Cobre o rosto com
as mãos. — Eu sou a professora da sua filha,
Benício. — Fala como se esse fato indicasse
algum impedimento.
— E o que é que tem? Eu sou
solteiro, Catarina, e você também. Não fui
informado de nenhuma regra da escola que
proíba isso de acontecer. Nada nos impede
de ficarmos juntos. A menos que você não
queira. — Dou um passo para trás.
— Você não entende. — Sorri sem
humor e balança a cabeça para os lados.
— Quem parece não entender é
você. Eu te desejo. — Puxo-a pela cintura
para perto de mim outra vez. — Como há
muito não desejava uma mulher. — Admito.
— Benício, não posso colocar meu
emprego em risco por conta de um desejo,
uma coisa passageira. Como vai ser quando
você se cansar disso? Quando não quiser
mais nada? Vamos continuar nos encontrando
na porta da escola e o clima entre a gente
será ainda pior do que antes.
— Quem garante que algo assim vá
acontecer? Você pode se cansar de mim
primeiro. — Tento brincar, mas ela continua
séria. — Catarina, olha pra mim. — Seguro
seu rosto com carinho e a faço me encarar.
— Desde o primeiro embate na escola, eu
senti alguma coisa diferente. Você mexe
comigo de uma maneira doida. — Sou
sincero. — Eu não consigo te tirar da
cabeça. Pensei que não fosse conseguir
sentir mais nada assim por ninguém, mas me
enganei. Eu te quero. E não é um simples
desejo, uma coisa passageira como está
achando.
— Como pode ter tanta certeza
assim? — Vejo um brilho diferente em seus
olhos.
Abro um sorriso, dou um beijo leve
nos seus lábios e sinto um fio de esperança
de que posso convencê-la a me dar uma
chance.
— Sei o que estou sentindo,
Catarina. Tenho trinta e quatro anos. Não sou
mais um moleque. Quanto a ter certeza, quem
pode garantir que um relacionamento vai dar
certo? Todos eles são um risco, mas eu estou
disposto a correr esse risco contigo. Basta
me dizer que também quer, que também sente
alguma coisa por mim, qualquer coisa. —
Solta um suspiro.
— Nós somos de mundos
diferentes. — Dá um passo para trás. —
Como se não bastasse a diferença de idade,
ainda tem a nossa classe social. Você é o
CEO de uma grande empresa, eu sou uma
simples professora da educação infantil e sei
o meu lugar. — Passo a mão pelos cabelos e
solto um suspiro.
— Seu lugar é onde você quiser,
Catarina, e minha conta bancária não
significa nada. — Digo de maneira firme. —
Ela não diz quem eu sou, não diz nada a meu
respeito. Quanto à diferença de idade, isso te
incomoda, ou só está preocupada com o que
os outros vão pensar? — Desvia o olhar do
meu. — Olha pra mim. — Seguro seu queixo
e viro seu rosto em minha direção. — O que
você sente por mim? Seja sincera. — Exijo.
Ela fecha os olhos e respira fundo.
Vejo suas bochechas ganharem um tom
rosado. O que a deixa ainda mais linda.
— Não sei explicar. Você tem
alguma coisa que me atrai. Parece um imã.
Por mais que eu lute contra, não consigo
ficar longe e nem te tirar da minha mente.
— Então pare de lutar. — Passo a
ponta do dedo pelo contorno dos seus lábios
e sinto sua respiração falhar. Dou um beijo
nela outra vez. Depois de algum tempo,
quando já estamos perdendo o ar, ela me
para. — O que foi? — Pergunto com a testa
colada na dela.
— A Aurora pode acordar. — Fala,
porém consigo perceber que também quer
continuar assim como eu.
— Vem aqui. — Puxo-a para o sofá
no canto do quarto e sento-me com ela no
meu colo. — Tenho uma coisa pra te contar
que pode te ajudar a perceber que isso não é
uma brincadeira pra mim.
— Benício, não precisa. — Dá um
sorriso fraco.
— Mas eu quero. — Afirmo. —
Desde que perdi a Liz, não me envolvi com
mais ninguém. Estaria mentindo se te
dissesse que não transei com outras
mulheres, mas nunca tinha sido como foi
contigo. — Admito. — Eu não queria saber
os nomes, não olhava nos olhos delas.
Cheguei a chamar algumas pelo nome dela.
Era apenas pra um alívio do corpo. Nada
mais. Tentei agir assim naquela noite, mas
não consegui. Precisava olhar nos seus olhos
e ver refletido neles o mesmo que eu estava
sentindo. Só não esperava sentir nada tão
intenso como foi.
— Deixa de ser exagerado. — Diz
sem graça.
— É a verdade. Na hora que você
me disse que tinha sido um erro... — Solto
um suspiro e não completo o raciocínio. —
Quando te vi chegar com meu irmão na festa
da Aurora, quase enlouqueci e falei merda.
Te tratei de uma maneira que não me orgulho
nem um pouco. Queria ter ido atrás de você
na mesma hora, mas não tinha como sair. —
Repito o que já tinha dito para ela outro dia.
— Deixa pra lá. Esquece isso.
Talvez eu tivesse a mesma reação no seu
lugar. — Confessa. — A maneira como agi
foi errada. Você me perguntou se queria
mesmo aquilo, e eu afirmei que sim. Não era
pra ter te tratado daquele jeito. — Percebo o
quanto está arrependida de ter agido daquela
maneira.
— Foi aquilo que me fez perceber o
quanto te queria. A maneira que suas
palavras me atingiram que me fez perceber o
quanto você mexia comigo. — Sinto que
alguma coisa ainda a incomoda. — O que
foi?
— Será que é mesmo uma boa
ideia? Não sei como a Glória vai reagir se
souber e nem quero aturar os olhares
recriminadores das outras professoras e dos
pais dos alunos.
— Se isso te incomoda tanto assim,
podemos manter segredo. — Ofereço. —
Por enquanto. — Friso. — Não quero e nem
preciso me esconder de ninguém, Catarina. E
nem você. Só te peço uma coisa, se algo te
incomodar, me fala. Podemos conversar e
resolver. Não quero brigas e nem mais
desentendimentos por besteiras.
— Obrigada. — Sorri para mim. —
Só preciso de um tempo pra me acostumar.
Também temos que ver como vamos fazer em
relação a Aurora.
— Como assim? O que é que tem a
Aurora? — Olho para ela confuso.
— Não sei se é uma boa ideia que
ela saiba agora. Pode confundir a cabecinha
dela. — Opina.
— Adoro o fato de você se
preocupar com a minha filha, mas não quero
esconder nada dela. A Aurora é a minha
vida, Catarina. Não vou deixá-la de fora de
uma coisa que pode afetá-la tão diretamente.
— O que você quer dizer com isso?
— Percebo a tensão em seu olhar.
— Minha filha, assim como eu, é
apaixonada por você. Está claro pra mim
que ela vai gostar dessa novidade. Além
disso, o tempo que tenho livre, passo com
ela. Como iríamos fazer se tivéssemos que
esconder dela que estamos juntos? Não vou
me contentar em ter você nos meus braços
nas poucas vezes em que o padrinho a leva
pra casa dele, Catarina. A Aurora é uma
garota inteligente pra idade dela. Podemos
conversar e dizer que é um segredo nosso, e
ela vai ficar toda boba de fazer parte dele.
— Tudo bem. — Cede, e percebo
que consegui tranquilizá-la.
— Papai. — A Aurora resmunga e
se remexe na cama, fazendo com que a
Catarina se levante em um pulo e pare ao
lado dela.
— Oi, minha linda. — Abaixa-se e
coloca a mão na testa dela para verificar a
temperatura. — Está melhor?
— Tia Cat, você ficou? — Pergunta
com uma vozinha um pouco mais animada.
— Claro, meu amor. — Faz um
carinho no rosto dela.
— Como você está, filha? —
Ajoelho-me à sua frente.
— Aqui dói. — Diz com a mão na
garganta. — Aqui também. — Indica a
cabeça agora.
Olho para o relógio e vejo que já
está na hora de repetir um dos
medicamentos.
— Vou buscar o seu remédio. Quer
comer alguma coisa? ​— Nega com um aceno
de cabeça. — Quer que faça uma vitamina?
— Volta a negar.
— Você precisa comer, minha linda.
Tem que ficar forte, ou vai piorar. — Tenta
convencê-la.
— Já volto. — Aviso, dou um beijo
na testa de cada uma e me afasto.
Sigo para a cozinha sem conseguir
controlar o sorriso enorme que nasce no meu
rosto e a felicidade em meu peito.
Confesso que a minha intenção
quando pedi a Catarina para ficar com a
Aurora era de conversar com ela na volta da
festa, mas não esperava que as coisas fossem
acontecer dessa maneira.
Ver o carinho e a preocupação dela
com a minha filha só faz tudo o que estou
sentindo se intensificar ainda mais.
Preparo a vitamina o mais rápido
que consigo, pego o remédio e volto para o
quarto onde deixei as duas. Paro na porta e
fico observando-as. A Catarina está sentada,
encostada na cabeceira da cama e com a
Aurora deitada na sua perna. Ela faz carinho
em seus cabelos enquanto conta uma história,
e a outra a olha com verdadeira adoração.
Consigo entender perfeitamente a minha
filha, pois preciso me controlar para não
olhar do mesmo jeito para a Catarina.
— É, Liz, você tinha razão. — Falo
baixinho, como se ela pudesse me ouvir. —
A Catarina é a pessoa certa pra me fazer
voltar a viver.
Sinto uma paz em admitir isso e um
sentimento bom me toma. É como se as
coisas se encaixassem e começassem a girar
de uma maneira melhor.
Como se sentisse que estou falando
dela, a Catarina me olha e sorri. Entro no
quarto e caminho para perto das duas, certo
de que não vou mais me esconder e nem
negar o que sinto.
Capítulo
vinte e quatro
Benício
Acordo, porém não me levanto.
Fico olhando para as duas durante alguns
minutos tentando me convencer de que é real
o que estou vivendo.
Acabamos trazendo a Aurora para
dormir no meu quarto, pois a mesma não
queria desgrudar da Catarina, e ficaria mais
fácil, já que a cama é maior. As duas
dormiram abraçadas, e eu não perdi a
oportunidade de me juntar a elas. Dormimos
com a Aurora entre nós e com a felicidade
estampada em seu rosto. Acho que nunca vi
minha filha tão feliz assim.
Faço um carinho em cada uma e me
levanto. Assim que me aproximo do
banheiro, meu irmão surge na porta do
quarto, que acabei deixando aberta.
— Desculpa, mano. Não queria te
atrapalhar, mas foi impossível segurar
aqueles dois. — Diz esbaforido.
— Do que você está falando,
Conrado? — Saio do quarto, e sigo com ele
para a sala.
— Conrado Martins, posso saber
por que você entrou correndo na nossa
frente? — Minha mãe pergunta com as mãos
na cintura, e noto o olhar culpado do meu
irmão. — O que vocês estão me
escondendo?
Meu pai e minha cunhada estão em
um canto calados, segurando o riso.
— Mãe, a Aurora está dormindo.
Fala baixo. — Reclamo e caminho para
perto dela, dando um beijo no seu rosto. —
O que estão fazendo aqui? Não estavam
viajando?
— Viemos para a festa e
descobrimos que a minha neta está doente, e
você não me falou nada. — Olha para mim
da mesma maneira que fazia quando eu era
criança e me dava uma bronca.
— Talvez por não querer preocupar
a senhora, e por não saber que estavam no
Rio. — Arqueio a sobrancelha para ela. —
Oi, pai. — Cumprimento e dou um abraço de
lado nele.
— Oi, filho. Não ligue pra sua mãe.
Você sabe como ela é. — Aceno com a
cabeça em acordo. — Como a nossa
princesa está?
— Está melhor. A febre baixou com
o remédio e não voltou a subir. Ela
conseguiu dormir bem. — Conto.
— Quero ver minha neta. — Minha
mãe fala e vai em direção ao corredor.
— Mãe, espera. A Aurora não está
no quarto dela e nem sozinha. — Para onde
está e se vira para trás.
Solto um suspiro. Preferia ter mais
tempo para essa conversa e não ter sido
pego de surpresa dessa maneira.
— Quem está com ela? —
Semicerra os olhos para mim. — Foi por
isso que você veio correndo, Conrado? —
Encara meu irmão de braços cruzados e
volta a me olhar. — Você está namorando,
Benício?
— Helena, para. Deixa os nossos
filhos. — Meu pai intercede por nós, como
sempre fez.
— Eles estão me escondendo
alguma coisa, Davi, e você ainda defende.
Essa sua mania de passar a mão na cabeça
deles. Sempre foi assim. — Reclama
contrariada.
— Nossos filhos cresceram,
Helena. Não são mais crianças. — Diz o
óbvio.
— Um filho nunca vai deixar de ser
criança para a mãe. — Bufa.
— Bom dia. — A Catarina surge na
entrada do corredor com o rosto rubro de
vergonha, e eu caminho para perto dela.
— Bom dia. Quem é você? —
Minha mãe olha para ela com os olhos em
fenda.
— Catarina, essa é a Helena, minha
mãe, esse é o Davi, meu pai. Os outros dois,
você já conhece. — Falo referindo-me ao
Conrado e a Nathalia.
— Prazer. — Diz tímida e aperta a
mão que meu pai estende para ela.
— Você ainda não respondeu minha
pergunta. — Minha mãe a encara.
— Minha namorada, mãe. — Passo
o braço pela cintura da Catarina e noto-a me
olhar pelo canto dos olhos. — Satisfeita?
Agora pode parar de deixá-la sem graça?
— O que estou fazendo, menino?
Hum! Vem, minha filha. Vamos preparar um
café pra esse povo enquanto conversamos
um pouco e você me conta como conheceu
meu Benício. — Arrasta minha namorada
para a cozinha de braços dados com ela.
— Nath, por favor, você já passou
por isso. — Peço com um olhar suplicante.
— Ajuda a Catarina. Não quero que ela saia
correndo por aquela porta no nosso primeiro
dia juntos.
— Não adianta, Beni. Você conhece
sua mãe. — Sorri para mim e dá um beijo no
meu rosto. — Relaxa. A Helena não morde.
Tenho certeza que elas vão se entender. —
Tenta me tranquilizar, porém segue para a
cozinha como pedi, e eu faço o mesmo.
— Como se conheceram? — Escuto
a pergunta assim que entro no cômodo e
sento-me ao lado da Catarina.
— Ela é a professora da Aurora. —
Respondo antes dela. — A Catarina não
gostava de mim no início das aulas. —
Comento.
— Por que não? O que você fez,
Benício? — Semicerra os olhos para mim
como fez há pouco.
— O Beni teve uns problemas e
precisou viajar, mãe. — Meu irmão tenta me
defender.
— Estou falando com o seu irmão,
Conrado. — Reclama com ele. — Uma
viagem não é motivo para ela não gostar de
você. Pode me contar o que aconteceu. —
Impõe enquanto anda pela cozinha
preparando o café e organizando a mesa.
— A Elisângela me ligou dizendo
que tinha dado entrada no pedido de guarda
da Aurora. — Conto.
— Aquela mulher fez o quê? —
Exalta-se. — Como ela ousa? Quem ela
pensa que é pra se meter com o meu filho?
Eu vou matar aquela víbora com as minhas
próprias mãos. Ahh, vou.
— Já está tudo resolvido, mas isso
me fez ficar um tempo longe, e a Catarina
não achou muito legal, porque a Aurora
estava cabisbaixa, sentindo minha falta. —
Explico.
Eu podia até esconder essas coisas
da minha mãe, mas conheço dona Helena
bem demais para saber que não adiantaria
muito. Ela não se daria por satisfeita com
uma história superficial e me infernizaria até
descobrir todo o resto.
— Já gostei de você. — Sorri para
a minha namorada, que ainda tem um olhar
assustado. — Só por defender minha neta,
ganhou pontos comigo.
— A Aurora é uma criança tão
doce. Ela me conquistou em pouquíssimo
tempo — Tem um brilho nos olhos e um
sorriso no rosto quando diz.
— Sabe, meu Benício é um bom
rapaz. Ele já passou por muita coisa nessa
vida, mas é um pai excelente. O melhor que
poderia existir. — Engulo em seco para
controlar a emoção escutando esse elogio.
— Eu estou aqui, Helena. — Meu
pai finge estar bravo.
— Ei, mãe. Que história é essa? E
eu aqui? — Meu irmão reclama.
— Você já é pai por acaso e eu não
sei? Está grávida, Nathalia? — Questiona
minha cunhada.
— Me deixa fora dessa, Helena.
Seu filho que se doeu. — Provoca meu
irmão.
— Estão me enrolando pra me dar
um neto e ainda querem reclamar. Agora
você vê. — Revira os olhos.
— Ninguém está enrolando
ninguém, mãe. Não começa. — Meu irmão
bufa contrariado com o rumo da conversa.
— Ah, não, Conrado? E quando vão
se casar? Você não está ficando mais novo.
Muito menos eu. Está querendo o quê? Que
eu não consiga brincar com meus netos? —
Faz drama.
— A senhora já tem a Catarina,
mãe, e seu filho mais velho é o Beni. Cobra
dele. — Tenta jogar para cima de mim.
— Ele já me deu uma neta. — Dou
uma gargalhada. — Fora que está
começando o namoro agora. Ao contrário de
vocês dois.
— Bem feito. — Debocho ainda
rindo.
— Da próxima vez, te deixo ser
pego de surpresa. — Ameaça.
— Como se tivesse me avisado
muito antes. Ela já estava aqui dentro. —
Faço pouco caso.
— Ela tinha que entrar no seu
quarto e te pegar... — Não consegue terminar
a frase.
— Conrado Martins! Você me
respeite. — Repreende.
A Catarina segura uma risada ao
meu lado, e a Aurora surge na entrada da
cozinha com o rostinho todo amassado e
carinha de sono.
— Vovó! Vovô! — Corre para os
braços do meu pai, que se abaixa para pegar
a neta.
— Minha princesa. — Dá diversos
beijos no rosto dela. — Você está melhor?
Aproveito-me da distração deles
com a neta para falar no ouvido da Catarina
baixinho de uma maneira que só ela possa
me ouvir.
— Minha mãe pode ser um pouco...
— Faço uma pausa procurando uma palavra
que a represente.
— Animada? — Questiona em um
tom divertido.
— Não era bem essa palavra que eu
tinha em mente, mas serve. — Brinco. — Ela
tem esse jeitinho, mas é a melhor pessoa que
conheço.
— Nesse pouco tempo, já consegui
perceber. — Dá um sorriso doce para mim,
tranquilizando-me. Não é todo mundo que
consegue lidar com a minha mãe.
Não resisto e beijo seus lábios de
leve.
— Bom dia, namorada. — Pisco
para ela.
— Bom dia, namorado. — Devolve
o cumprimento com os olhos brilhando.
Capítulo
vinte e cinco
Benício
— Será que você pode me deixar
cuidar da minha neta um pouco? Estou com
saudade dela. — Minha mãe reclama,
fazendo drama. — Vai levar sua namorada
em casa e não volte tão cedo.
— Vai, filho. A Aurora já está
melhor. — Meu pai tenta me tranquilizar. —
Se tiver alguma mudança, nós te avisamos.
— Garante.
— Tudo bem. — Acabo cedendo.
— Os remédios dela estão separados na
cozinha. — Aviso. — Se a febre voltar... —
Não consigo terminar a frase.
— Era só o que me faltava. Esse
moleque vai querer me ensinar a cuidar de
criança agora. — Minha mãe bufa. — Já se
esqueceu de que criei você e seu irmão?
Estão aí, saudáveis e abusados.
— Também te amo, mãe. —
Provoco-a e dou um beijo na sua testa. —
Qualquer coisa me liga. — Aviso antes de
sair da sala para me despedir da Aurora que
está no quarto brincando com a Catarina.
— Filha, vou levar a tia Catarina
em casa. O vovô e a vovó vão ficar contigo,
mas se comporte. Você ainda está dodói.
Nada de abusar.
— Eu já melhorei, papai. Olha. —
Levanta-se e começa a pular pelo quarto,
animada.
Acabo sorrindo, pois não resisto a
essa menina.
— Não precisa me levar, Benício.
— A Catarina se aproxima de mim. — Posso
ir sozinha. — Tenta me convencer.
— E aturar a dona Helena no meu
ouvido? De jeito nenhum. — Brinco. — Ela
insistiu que eu fosse te levar e a deixasse
cuidar da neta. Não sou nem louco de
contrariá-la.
Dá uma gargalhada gostosa e pega a
mochila que trouxe para irmos.
— Muito menos eu. — Pisca
quando passa por mim.
Levo-a para se despedir deles antes
de sairmos.
— Foi um prazer te conhecer,
Catarina. — Diz e a abraça. — Saber que
meu filho está namorando e com alguém
como você aquece meu coração de mãe.
— O prazer foi meu, Helena. —
Beija o rosto dela e se afasta para
cumprimentar meu pai.
— Até mais, Catarina. — Despede-
se. — Obrigado por cuidar da minha neta e
por fazer meu filho voltar a sorrir.
— Será que vocês podem parar
com isso? Eu estou ouvindo. — Finjo
reclamar.
— É bom que ouça mesmo e que dê
valor a essa menina. — Esta frase não
poderia vir de outra pessoa que não fosse
minha mãe.
— A senhora mal conheceu a
Catarina e já está brigando comigo por conta
dela. Eu sou seu filho, lembra disso? —
Faço drama.
— Por isso mesmo. Eu te conheço,
Benício. Sei bem...
— Vamos, Catarina, ou ela não vai
parar mais. — Implico e caminho para a
porta de mãos dadas com ela, carregando
sua mochila nas costas.
— Benício Martins. — Ainda ouço
seu grito antes de sair.
Abro a porta do carro para ela,
beijo seus lábios suavemente e dou a volta
para entrar também. Ela coloca o endereço
no GPS, e eu dou partida.
— Desculpa por toda essa agitação.
— Peço quando estamos a caminho da casa
dela. — Eu não sabia que meus pais viriam.
Dona Helena pode ser um pouco intensa
demais, mas é uma mãe maravilhosa.
— Não precisa pedir desculpa. Eu
gostei. — Força um sorriso.
— Tem alguma coisa te
incomodando? — Questiono e seguro a mão
dela quando paro em um sinal de trânsito.
Ela nega com um aceno de cabeça. — Tem
certeza? — Insisto.
— Não é incômodo. É que sempre
que tenho contato com uma família assim me
pergunto como seria a minha se o destino
não tivesse nos separado antes mesmo do
meu nascimento. — Fala em um tom
melancólico.
— Sinto muito. — Sou sincero. —
Não posso te dizer que essa agitação toda
não vá se repetir, porque é impossível
controlar a minha mãe, mas prometo...
— Para. — Pede sem me deixar
terminar de falar. — Nem pense em uma
coisa dessas. Sua família é maravilhosa,
Benício. Não quero que se controlem e nem
mudem nada por minha causa. Eu gostei. De
verdade. Me senti acolhida por eles. Não me
perdoaria se mudasse esse jeito por mim.
— Pode ter certeza de que meus
pais também gostaram de você. — Afirmo
sem a mínima dúvida de que estou falando a
verdade.
— Você me pegou de surpresa. —
Olha para fora do carro quando diz.
— Como assim? — Questiono
confuso.
— Quando me apresentou como sua
namorada. Eu não esperava. — Fica sem
graça.
— E como eu te apresentaria se não
fosse assim? — Paro em frente ao seu prédio
e a encaro.
— Quer entrar? — Convida e se
vira para sair do carro.
Saio também e seguimos em
silêncio até o seu apartamento.
— Você não me respondeu. —
Puxo-a para os meus braços assim que
entramos. — Como você pensou que eu
fosse te apresentar? — Volto a perguntar.
— Sei lá. — Levanta e abaixa os
ombros. — Só pensei que fosse preferir
esperar mais.
— Catarina, olha pra mim. — Peço
e seguro seu rosto com carinho. — Tudo o
que te falei é verdade. Sei bem o que sinto e
o que quero. Isso aqui não é uma brincadeira
e nem um passatempo. Concordei em esperar
um pouco, mas não vou esconder da minha
família e amigos e espero que você faça o
mesmo. — Ela desvia o olhar do meu. — Ou
você tem vergonha de estar comigo?
— Não! Claro que não! — Fala
com firmeza. — Deixa pra lá. É bobeira
minha. — Arqueio a sobrancelha para ela.
— Passou pela minha cabeça que você fosse
querer esconder dos seus pais que está com
a professora da sua filha. — Confessa.
— Certo. Só não entendo por que eu
faria isso. Sua profissão é linda. Uma das
mais importantes, Catarina. Todas as outras
começam por ela. Qualquer médico, juiz,
administrador, ou o que for, antes de se
formar, tiveram professores como você. —
Seus olhos ganham um brilho diferente. —
Eu não tenho vergonha de namorar uma
professora. Tenho um puta de um orgulho.
Isso, sim. — Beijo seus lábios de leve.
— Obrigada. — Sorri para mim
com os olhos brilhando.
— Sem agradecimentos. — Olho
em volta. — Sua amiga não está em casa? —
Pergunto.
— Ela tinha me mandado uma
mensagem avisando que ia passar o dia fora.
— Conta.
— Ótimo. — Dou um sorriso de
lado. — Tenho algumas ideias pra aproveitar
esse tempo sozinhos, já que não conseguimos
isso lá em casa.
Passamos o domingo com os meus
pais, meu irmão e a Nathalia, além da
Aurora. Almoçamos juntos e, depois disso,
meu irmão saiu com a namorada.
— É mesmo? E quais seriam esses
planos? — Passa os braços pelo meu
pescoço e morde o lábio inferior.
— Onde é o seu quarto? Não quero
ser surpreendido pela sua amiga entrando
aqui e me vendo venerar o seu corpo. —
Falo baixinho no seu ouvido e mordisco a
ponta da sua orelha.
— Isso é uma promessa? — Sinto-a
se desmanchar nos meus braços enquanto
passo a mão pelo seu corpo e começo a
provocá-la.
— Que faço questão de cumprir à
risca. — Pego-a no colo e sigo para o
corredor.
Capítulo
vinte e seis
Catarina
— Linda. — Diz olhando nos meus
olhos enquanto entra e sai de mim com
movimentos lentos, deixando-me ainda mais
desejosa por ele.
Envolvo minhas pernas em sua
cintura e puxo seu corpo, precisando de
mais.
— Benício. — Gemo seu nome.
— O quê? — Beija meu pescoço.
— Quer que eu pare?
— Não ouse. — Arranho suas
costas, e ele ri.
— Então me diz o que você quer.
Pede, Catarina, que eu faço. — Segura meu
rosto com as mãos e me encara, esperando
pela minha resposta.
— Para de me torturar. — Reviro
os olhos e jogo a cabeça para trás, quando
ele faz um giro com a pélvis e atinge o ponto
certo para me levar à loucura.
— Assim? — Pergunta e faz outra
vez. — Olha pra mim. — Exige. — Quero
olhar nos seus olhos.
— Eu... Ahhhh. Eu não consigo. —
Digo com dificuldade e me contorço debaixo
dele, que acelera os movimentos.
— Vem comigo, Catarina. —
Chama depois de mais algumas investidas.
Meu nome saindo de sua boca em
um tom sensual junto com todos os estímulos
pelo meu corpo me fazem atingir um
orgasmo tão intenso como não pensei ser
possível.
Ele desaba por cima de mim e rola
para o lado, me puxando para o seu peito.
Ficamos assim por alguns minutos, só
curtindo a presença um do outro e tentando
recuperar a capacidade de respirar
normalmente.
— Por que você me chama de
Catarina? — Questiono depois de um tempo
em silêncio.
— Esse não é o seu nome? —
Brinca, e dou um tapa fraco no seu peito.
— Bobo. Todo mundo me chama de
Cat. Até o Conrado já está me chamando
assim. — Comento. — Só você que não.
— A ideia de ser o único me atrai.
— Dá um sorriso de lado. — Você não
gosta? — Encara-me, esperando por uma
resposta.
— Gosto. — Apoio meu queixo nas
costas da mão e fico olhando para ele. — O
problema é o que o tom que você usa faz
comigo. — Desvio o olhar do dele e deito
minha cabeça outra vez.
— Como assim? — Segura meu
queixo com a ponta dos dedos e me faz
voltar a olhar para ele.
— Não sei explicar. Ele mexe
comigo de alguma maneira. Me dá um
arrepio bom. — Admito.
— Catarina. — Sussurra no meu
ouvido, e sinto todos os pelos do meu corpo
se arrepiarem. — Seu nome é lindo. —
Coloca uma mecha do meu cabelo atrás da
minha orelha. — Assim como você.
— Você também não é de se jogar
fora. — Provoco-o.
Ele beija meus lábios de leve e
solta um suspiro.
— Queria passar a noite assim
contigo, mas preciso ir. Por mais que meus
pais estejam com a Aurora, ainda estou
preocupado com ela. — Diz, e não consigo
julgá-lo, pois também estou.
— Eu te entendo. — Faço um
carinho em seu rosto. — Também estou
preocupada. Mesmo com aquela danadinha
bem mais animada quando saímos de lá,
acho melhor ficar de olho nela.
— Cat, está em casa? — Escuto o
barulho da porta da frente, e a Bianca me
chama.
— Só um minuto. — Respondo.
Levanto e coloco um roupão para sair do
quarto. — Eu já volto. — Dou um selinho
nele e sigo para a sala.
— Tem alguém com você? — A
Bianca me pergunta assim que me vê. Aceno
com a cabeça em acordo.
— Sim. — Respiro fundo. — Tenho
algumas novidades pra te contar. — Digo
com um sorriso no rosto.
Não contei para ela o que aconteceu
na casa do Benício. Apenas avisei que
ficaria por lá e que a Aurora estava
doentinha. Conheço minha amiga bem
demais. Ela me encheria de perguntas até
saber de tudo, mesmo que fosse por
mensagens, e prefiro ter essa conversa
pessoalmente.
— É ele? — Arregala os olhos para
mim, mas não tenho tempo de responder.
— Boa noite. — O Benício sai do
quarto já vestido, e eu fico feito uma idiota
olhando para ele. — Tenho que ir. — Para
ao meu lado e me abraça pela cintura.
— Espera. — Olho de um para o
outro. — Acabei de me lembrar de uma
coisa. Você tinha mesmo pedido a Bia para
ficar com a Aurora como disseram? —
Semicerro os olhos para eles.
— Então, Cat. — A Bianca começa.
— Você estava precisando de um
empurrãozinho. Que amiga eu seria se não te
ajudasse? — Faz cara de inocente.
— Vocês me enganaram. — Finjo
estar brava.
— Em minha defesa, ela começou,
eu só concordei. — O Benício diz, e a
Bianca o encara com os olhos em fenda.
— A gente tenta ajudar e é isso que
ganha em troca. — Bufa.
— Não precisa se preocupar. Tenho
certeza de que ela não vai brigar contigo. —
Fala de maneira convencida.
— Por quê? Fez valer a pena a
mentira? — Ergue a sobrancelha para ele.
— Isso quem tem que te responder é
ela. — Encara-me. — E aí, valeu? — Dá um
sorriso de lado.
— Não vou te responder. Você já
está convencido demais. — Reviro os olhos.
— Sabe que isso foi uma resposta,
não sabe? — Minha amiga me provoca.
— Queria muito continuar com essa
conversa, mas preciso ir. Quero chegar a
tempo de colocar a Aurora pra dormir. —
Fala, e eu caio mais um pouco por ele. Dá
um beijo leve nos meus lábios. — Até
amanhã. — Vira-se para a minha amiga. —
Boa noite, Bianca. — Despede-se e sai.
— Puta merda, amiga. — Fala
assim que ele passa pela porta e se abana.
— Você é sortuda. O cara consegue ficar
gostoso até com uma roupa casual como
essa. Ele não tem outro irmão, não?
— Só o Conrado, e ele já é
comprometido. — Solta um suspiro
dramático.
— Vida injusta. Umas com tanto,
outras com tão pouco. Agora me conta tudo.
— Bate palma e muda de assunto. — Quero
detalhes.
Puxa-me para o sofá com ela. A
animação estampada no seu rosto.
— Acho que a ficha ainda não caiu.
Não pensei que ele pudesse estar interessado
em mim. — Confesso.
— Ah, Cat, você é tão bobinha. Isso
estava na cara desde o início, amiga. Assim
como você também. Toda aquela implicância
de vocês, não teria como dar em outra coisa.
Como foi? Para de me enrolar e conta logo.
— A Aurora não estava muito bem
quando cheguei e me ofereci pra ficar com
ela, mas ele negou. Não aceitou sair de perto
da filha de jeito nenhum. — Conto. — Eu
estava enganada, Bia. O Benício é um pai
maravilhoso. Nós conversamos, e ele me
contou tudo o que já passou, o motivo para
ter sumido no início das aulas, até mesmo
sobre a esposa.
— Está vendo só? Eu te falei para
não julgar sem saber a história completa,
Cat. Mas quero saber de outra coisa. —
Levanta e abaixa as sobrancelhas para mim.
— Para de me enrolar, sua chata.
— Foi perfeito, amiga. Ele faz
questão de me olhar nos olhos durante todo o
tempo. Como se pra me provar que é
diferente. — Olha-me confusa.
— Não entendi o que quis dizer
com isso. — Encara-me, esperando por uma
explicação, e eu conto por alto o que ele me
disse das outras mulheres com quem transou
depois da morte da mãe da Aurora. — Na
outra vez de vocês... — Não termina a frase.
— Foi a mesma coisa. Parando pra
pensar agora, consigo até perceber que ele
tentou agir como agia com as outras, mas não
conseguiu. — Acabo me dando conta desse
detalhe e abro um sorriso.
— Que bom, amiga. Você merece
ser feliz, Cat. — Pega minhas mãos e dá um
aperto suave. — Segura essa chance e não a
deixe escapar.
Capítulo
vinte e sete
Benício — Bom dia. —

Cumprimento quando paro na entrada da

escola.
— Bom dia. Onde está a Aurora?
Ela piorou? — A Catarina me pergunta
preocupada.
— Não. Já está melhor. Teve febre
durante a noite, mas bem mais fraca do que
antes. Vim te avisar que ela vai ficar em casa
hoje, pois minha mãe preferiu não arriscar e
esperar ter certeza de que está curada.
— Por que não ligou pra avisar?
Não precisava ter vindo até aqui só pra isso.
— Pontua.
— Foi uma desculpa pra te ver. —
Digo baixinho, e ela desvia o olhar sem
graça.
Noto o porteiro disfarçando um
sorriso e se afastando um pouco de nós.
— Para com isso, Benício. — Diz
com timidez, porém consigo perceber que
gostou.
— Agora, sim, posso começar meu
dia. Na verdade, ainda falta uma coisa. —
Dou um passo para mais perto. — Pena que
não posso fazer o que estou pensando, ou
minha namorada vai brigar comigo.
— Com certeza. — Afirma,
entrando na brincadeira. — Mas posso
apostar contigo que ela também quer a
mesma coisa e vai passar o dia todo
pensando nisso.
— Catarina, Catarina, não me
provoca. — Olho para os seus lábios e
passo a língua pelos meus. — Posso te
buscar na hora da saída? A gente pede uma
pizza pra comer com a Aurora.
— Tenho algumas coisas pra
organizar em casa que não fiz no fim de
semana. — Solta um suspiro desanimada. —
Deixa pra outro dia.
— Certo. Eu te ligo mais tarde. —
Aviso e olho para o relógio em meu pulso.
— Tenho que ir. Até amanhã. — Despeço-
me e dou um beijo no seu rosto, bem perto
da sua boca.
Ela fecha os olhos com o contato, e
preciso de todo meu controle para não
agarrá-la aqui mesmo, sem me importar com
o que os outros vão pensar.
— Até amanhã. — Despede-se com
a voz afetada, fazendo-me perceber que não
sou o único a precisar me segurar.
Caminho para onde deixei meu
carro e sigo para a empresa com o humor
bem melhor do que costumava acontecer
antes de começar a namorar a Catarina.
É impressionante como, mesmo em
poucos dias, essa mulher já está fazendo
mudanças na minha vida. Nos últimos anos,
a única pessoa que me arrancava sorrisos
como o que carrego no rosto nesse momento
era a minha filha.
Depois que perdi a Liz, me fechei
para o mundo. Vivia para a Aurora e para o
trabalho. Todo o resto perdeu o sentido e a
importância para mim.
Quando conheci a Catarina, e ela
me tratou daquele jeito petulante e atrevido,
não esperava que fosse me apaixonar como
aconteceu. Talvez tenha sido isso que me
atraiu nela. O fato de não abaixar a cabeça e
nem fazer tudo o que eu queria apenas para
me agradar. Isso e o fato de proteger minha
filha sem pensar duas vezes e nem se
preocupar com as consequências.
Não sei o dia de amanhã. A única
certeza que tenho é que quero que esse
namoro dê certo e vou fazer tudo o que
estiver ao meu alcance para isso acontecer.
Entro distraído na empresa e acabo
esbarrando no meu irmão.
— Viu um passarinho verde? —
Provoca-me. — Pelo sorriso idiota na cara
não foi bem um passarinho.
— Está mais pra gata. — Entro na
brincadeira e sigo para a minha sala.
Ele gargalha e vem atrás de mim.
— É bom te ver assim, mano. —
Para na minha frente e dá um aperto suave no
meu ombro. — Cheguei a pensar que isso
não fosse mais acontecer.
— Eu também, mas fui fisgado pela
professora da minha filha. — Dou de
ombros. — O que posso fazer?
— Aproveitar e não fazer nem uma
besteira. Por favor, Beni. Não estraga esse
relacionamento. — Pede. — Nada de agir
por impulso. Pensa antes de falar ou fazer
alguma coisa. Já deu pra perceber que a sua
namorada não é de abaixar a cabeça pra
ninguém. Não vacila.
— Você precisa confiar mais em
mim, Conrado. — Faço-me de ofendido,
porém não dura muito. — Pode deixar. Não
pretendo desperdiçar essa chance que o
destino, ou seja lá o que tenha sido, jogou no
meu colo. — Garanto a ele.
— Você está em casa? — Pergunto
a Catarina assim que ela atende a ligação.
— Sim. — Ouço a Bianca falando
alguma coisa, porém não consigo definir o
quê. — Está tudo bem? A Aurora melhorou?
— A preocupação está presente em sua voz.
— Está melhor. — Respondo. —
Libera a minha entrada. — Peço.
— Como assim? — Questiona
confusa.
— Estou parado em frente ao seu
prédio, e o porteiro está me olhando
estranho. — Brinco. — Interfona pra ele e
fala que posso subir.
— Certo. — Diz ainda sem muita
certeza do que está acontecendo.
Aceno para o porteiro e espero.
Assim que ele abre a porta, sigo para o
elevador.
— Boa noite. Obrigado. —
Agradeço quando passo por ele.
Aperto o botão do andar dela e
solto um suspiro. Será que ela vai gostar de
me ver aqui? Balanço a cabeça para os
lados. Estou parecendo um adolescente
inexperiente que se apaixonou pela primeira
vez.
As portas se abrem, e a Catarina
está me esperando em frente ao apartamento
dela com um short curto e um top,
enlouquecendo-me de imediato.
— Aconteceu alguma coisa? —
Puxo-a pela cintura e beijo seus lábios.
— Quis te fazer uma surpresa. —
Sorrio e entrego a sacola em minha mão para
ela, que a coloca no aparador. — Você disse
que precisava organizar algumas coisas.
Desconfiei que não fosse parar pra comer.
— Entra. — Abre espaço para eu
passar. — Obrigada, mas não precisava,
Benício. A gente ia comer qualquer besteira
aqui mesmo.
— Que namorado eu seria se não
cuidasse bem de você? — Sorri e passa os
braços pelo meu pescoço. — Fora que tive
segundas intenções. — Admito.
— E quais seriam? — Encara-me
com os olhos brilhando.
— Quero meu beijo que você ficou
me devendo de manhã. — Falo e a beijo.
Desta vez, de maneira intensa.
Colo minha testa na dela e respiro
fundo quando encerramos o beijo.
— Vai ficar pra comer com a gente?
— Questiona com a voz manhosa.
— Não posso. Meus pais estão me
esperando. Eles vão voltar pra casa. Só
ficaram com a Aurora pra eu vir aqui.
— Estou te dando trabalho. — Faz
bico.
— Trabalho nenhum. Além do que,
já fui recompensado. — Pisco para ela. —
Minha mãe fez torta de frango e de queijo.
Como eu não sei de qual vocês gostam,
trouxe um pouco de cada.
— Eu ouvi torta de frango? — A
Bianca entra na sala e pergunta animada.
— Vou embora pra deixar vocês
terminarem a noite de meninas. — Falo em
tom de brincadeira e caminho para a porta.
— Boa noite, Bianca. — Despeço-me. —
Boa noite, Catarina. — Sussurro no ouvido
dela.
Mordo a ponta da sua orelha de
leve, e ela se arrepia. Sinto sua respiração
irregular.
— Vai ter volta, Benício. —
Ameaça e semicerra os olhos para mim.
— Durma bem e sonhe comigo. —
Finjo não ter escutado e provoco-a um pouco
mais.
Viro-me e saio sem dar tempo a ela
de me responder. Resta saber quem saiu
mais prejudicado nessa provocação: ela ou
eu, que também vou precisar dormir sozinho.
Capítulo
vinte e oito
Benício Passo a blusa do

pijama pela cabeça da Aurora e ajeito seu

cabelo. Meus pais foram embora assim que

cheguei, e estou preparando-a para dormir.


— Filha, você gosta da tia
Catarina? — Aproveito que estamos
sozinhos para conversar com ela.
— Sim, papai. A tia Cat é muito
legal. Ela conta historinha, canta música e
brinca comigo. Você também gosta dela,
papai? — Encara-me, esperando pela minha
resposta.
— Sim, filha. Gosto muito. —
Respondo com um sorriso no rosto só de
pensar nela. — Você sabe guardar segredo?
— Olha para mim com os olhos brilhando de
empolgação e acena com a cabeça em
acordo várias vezes. — A tia Catarina e eu
estamos namorando, mas não pode contar
pra ninguém. — Sussurro o final.
— Igual o dindinho e a dindinha?
— Concordo. — E o vovô e a vovó?
— Quase isso. — Cubro-a com o
lençol.
— Ela vai morar aqui com a gente?
— Consigo perceber o quanto essa ideia a
agrada pelo seu tom de voz.
— Não, filha. A tia Catarina vai
continuar na casa dela, mas vai vir sempre
aqui ficar com a gente. — Explico. — Só
não esquece que esse é o nosso segredo. Não
pode contar pra ninguém da escola. —
Reforço o que já tinha dito antes.
— Por que não, papai? — Solto um
suspiro e me controlo para não dizer que
também discordo desse pedido.
— É coisa de adulto, princesa.
Quando você crescer, vai entender. — Falo
só para tranquilizá-la. — Agora dorme.
Amanhã a senhorita tem que acordar cedo
pra ir pra escola. Seus amiguinhos estão com
saudade de você.
— Obaaaaaa! — Diz animada e
ergue os bracinhos. — Boa noite, papai. —
Abre um sorriso lindo para mim.
— Boa noite, filha. — Dou um
beijo em sua testa. — Até amanhã.
Levanto-me, acendo o abajur e
caminho para a porta. Apago a luz e fico
olhando para ela por alguns segundos em
silêncio.
— Eu te amo, papai. — Declara do
nada.
— Eu também te amo, filha. —
Tento controlar a emoção na minha voz e
saio do quarto dela.
Seguro a mão da Catarina e
caminho para uma mesa mais afastada. O
Conrado e a Nathalia vêm logo atrás de nós.
Colocamos a Aurora para dormir
antes de sair e a deixamos com os meus pais.
Os dois insistiram que devíamos sair um
pouco e aproveitarmos a noite.
Puxo a cadeira para ela e me sento
ao seu lado. Meu irmão e a namorada
sentam-se do outro lado da mesa.
— Querem beber alguma coisa, ou
vão pedir de uma vez? — Questiono.
Estamos no mesmo lugar onde
encontrei a Catarina dançando antes de
ficarmos juntos, porém em um ambiente
separado e mais tranquilo. A ideia é
jantarmos e, depois, irmos para a pista de
dança.
— Não estou com fome. — A
Nathalia fala. — Sua mãe insistiu tanto que
acabei comendo um pouco antes de vir. Por
mim, podemos ir direto para lá e pedir
alguma coisa pra beliscar mais tarde. —
Opina, e todos concordam.
Seguimos para o outro ambiente e
escolhemos uma mesa um pouco mais
afastada da pista de dança. Chamo o garçom
e pedimos bebidas e algumas porções de
petiscos.
Passo o braço pelo ombro da
Catarina e mordisco sua orelha de leve. Ela
me olha pelo canto dos olhos e aperta minha
coxa, onde estava com a mão.
— Boa noite. — Uma mulher se
aproxima e nos cumprimenta. — Cuidado,
querida. — Fala diretamente com a Catarina
em um tom debochado. Olho para ela e
percebo que a conheço de algum lugar,
porém não me lembro de onde. — Esse
homem sentado ao seu lado tem o costume de
transar com uma mulher chamando pelo
nome de outra. — Fecho a cara na mesma
hora, mas, antes que eu possa responder, a
Catarina o faz.
— Ele fez isso contigo? Que pena.
Sinto muito, querida. — O sarcasmo escorre
por suas palavras. — Mas não precisa se
preocupar. O meu nome ele não erra. Pelo
contrário. Vive repetindo no meu ouvido. De
uma maneira que me deixa toda arrepiada.
Agora se você nos der licença... — Aponta
com a mão, indicando que a outra se afaste.
Encaro-a sem reação. Não esperava
por essa atitude e cheguei a temer que esse
encontro pudesse estragar a nossa noite.
— Isso, garota. — A Nathalia fala
animada e bate palmas. — Assim que eu
gosto. Meu cunhado pode ter tido uma época
não muito boa, mas está contigo agora, e é
isso que importa: a maneira como ele te
trata. Não deixe ninguém tentar te envenenar.
— Eu estou aqui, sabia? — Reviro
os olhos para ela. — Fiquei em dúvida se
isso foi uma defesa ou uma crítica.
— As duas coisas. — Responde
tranquilamente. — Não concordo com a
maneira como você agia, mas todo mundo
erra e tem o direito de recomeçar. Não estou
aqui pra te julgar, Beni. Pelo contrário.
Torço muito por vocês. Aquela mulher não
quis alertar a Cat. Ela fez o que fez por dor
de cotovelo, por inveja.
— Também percebi. — A Catarina
concorda. — Foi por isso que respondi
daquele jeito.
— Basta olhar pra vocês que dá pra
perceber que não é o mesmo caso. A
intenção dela vindo falar contigo não foi
boa. Só queria causar intriga.
— Vocês estão certas, garotas, mas
vamos deixar isso pra lá e nos concentrar na
gente. Afinal de contas, viemos aqui pra nos
divertir, não é mesmo!? — Meu irmão tenta
colocar uma pedra no assunto.
— Desculpa por isso. — Peço
baixinho para só a Catarina me ouvir. — Se
eu soubesse, teria te levado a outro lugar.
— Não precisa me pedir desculpa.
— Segura meu rosto e me dá um selinho. —
A culpa não foi sua. Está tudo bem. Vamos
fazer como o Conrado falou. — Dá um
sorriso para mim.
— A vontade que estou nesse
momento é de te tirar daqui, te levar pra
algum lugar onde pudéssemos ficar sozinhos
e te mostrar que é diferente quando estou
contigo. O que eu senti com as outras
mulheres não chega nem perto do que sinto
quando estou com você. — Sou sincero.
Fecho os olhos e encosto minha
testa na dela. Ela leva uma mão à minha nuca
e faz um carinho suave.
— Eu acredito, e quem me contou
não foi aquela mulher. Foi você. Não fui
pega de surpresa. O que fez toda diferença.
Nós temos nosso passado, Benício, e não
podemos apagar. Já tivemos nossa cota de
erros. Precisamos deixar isso tudo pra trás e
seguir sem essa bagagem. Levar as coisas
boas e esquecer as ruins. Ou não vai dar
certo. Se eu surtar por cada mulher que se
aproximar de mim dizendo que já foi pra
cama contigo, vou enlouquecer. Quero saber
quem vai no presente.
— Se você quiser, levo agora
mesmo. Literalmente. — Sussurro no seu
ouvido. — Te ouvir falando assim está me
dando um tesão do caralho. — Confesso. —
Acho que vou jogar a noite de casais pro
espaço e te levar embora daqui. Preciso
ficar sozinho contigo, Catarina, ou vou
explodir.
Vejo suas pupilas dilatarem, seu
rosto ganhar um tom rosado e sua boca
entreabrir, como se ela estivesse com
dificuldade para respirar direito.
— Não fala assim. — As palavras
saem com dificuldade da sua boca. — Nós
acabamos de chegar, Benício.
— Tudo bem, mas não prometo me
comportar. — Aviso e coloco a mão na
perna dela, subindo aos poucos e entrando
por baixo do vestido. — Posso te convencer.
— Pisco para ela.
Capítulo
vinte e nove
Benício
— Nossa, Catarina! Você está linda.
— O pai de um menino da turma da Aurora
fala antes de entrar na escola, e eu preciso
me segurar para não avançar nele.
Principalmente quando noto como ela está
desconfortável com sua fala. — Você é, na
verdade, mas, hoje, está ainda mais.
— Dá pra entrar ou vai ficar
atrapalhando a passagem? — Exalto-me.
O porteiro tosse para disfarçar uma
risada, e meu irmão faz o mesmo ao meu
lado.
Hoje é a festa junina da escola, e eu
só queria poder dizer para esse babaca que a
Catarina é minha namorada, porém sei muito
bem o que aconteceria se fizesse isso. Ela
me mataria, pois ainda não assumimos o
nosso namoro.
Estamos juntos há quase dois
meses, e, se dependesse de mim, todos já
saberiam, mas a Catarina tem medo da
reação da diretora. Não concordo em
esconder, porém não vou brigar por causa
disso, só que, em momentos como esse,
minha vontade é de gritar para todo mundo
ouvir.
— Calma, meu camarada. Já estou
indo. — Diz e se afasta, ainda encarando
minha namorada.
— Faça o favor de controlar esse
seu gênio, mano. — Meu irmão fala para me
provocar.
— Esse babaca fica dando em cima
da professora do filho, e eu que tenho que
me controlar? — Bufo contrariado, e ele dá
uma gargalhada.
— Você falando isso? É sério,
Benício? — Gargalha outra vez.
— Vai se foder, Conrado. — Perco
a paciência e entro pisando duro.
— Dessa vez nem tenho como te
defender, cunhado. — A Nathalia diz
tentando se controlar para não rir também.
Agradeço ao fato de os meus pais já
terem entrado com a Aurora, ou seriam mais
dois para me perturbar. Sigo para onde eles
estão sem esperar pelos outros. Ainda
percebo que a Catarina quer falar alguma
coisa, mas não vem atrás de mim.
— Papai, me leva na pescaria? —
Minha filha pede assim que paro ao seu
lado.
Respiro fundo para me acalmar
antes de responder, pois ela não tem culpa
do meu mau humor.
— Claro, princesa. — Viro-me para
os meus pais na hora em que meu irmão
chega perto de nós. — Já volto. — Aviso e
me afasto com a Aurora.
Compro a ficha e a levo até a
barraquinha para brincar.
— Benício... — A Catarina para ao
meu lado e me chama, porém olha para onde
a Aurora está.
— Desculpa. — Peço antes mesmo
que fale alguma coisa. — Aquilo não foi
contigo. — Viro a cabeça para olhar em seus
olhos e coloco as mãos no bolso da calça,
controlando-me para não puxá-la para mim.
— Perdi a cabeça com aquele filho da puta,
mas não vai se repetir. — Afirmo.
— Tudo bem. — Solta um suspiro.
— Ele é desagradável, mas não posso
responder como sinto vontade. — Força um
sorriso.
— Engraçado, não me lembro desse
seu controle comigo. — Provoco-a. — Pelo
contrário. Eu vivia levando fora e patada. —
Arqueio a sobrancelha.
— Você é diferente. — Morde o
lábio inferior. — Sempre foi. — Dou um
sorriso de lado.
— Quero te beijar. — Digo
baixinho. — Ficar assim tão perto e não
poder te tocar é ruim demais.
— Prometo não demorar muito mais
pra resolver isso. — Garante.
— Não tem um lugar mais
escondido aonde a gente possa ir? — Sondo.
— Pede a alguém pra olhar a
Aurora e me encontra no corredor dos
fundos. Mas não podemos demorar. —
Avisa.
Saio sem ao menos respondê-la
para fazer o que pediu, animado como uma
criança quando é chamada para brincar.
— Mãe, olha a Aurora, por favor.
— Peço, e ela me olha desconfiada.
— O que você vai aprontar,
Benício? — Encara-me séria.
— Nada, mãe. A senhora pode fazer
isso pra mim? — Revira os olhos.
— Pode deixar, filho. — Meu pai
responde.
Viro-me e ando apressado para
onde a Catarina me indicou. Assim que faço
a curva, vejo-a parada me esperando.
Apresso ainda mais o passo e a puxo para
mim assim que paro à sua frente.
Dou um selinho e aprofundo o beijo
em seguida, sem conseguir mais me
controlar. Quando estamos ficando sem ar,
encerro o beijo e encosto minha testa na
dela.
— Obrigada. — Fala com a voz
afetada.
— Pelo que está me agradecendo?
— Pergunto sem entender e faço um carinho
no seu rosto.
— Por aceitar o que pedi de manter
segredo sobre o nosso namoro mesmo
discordando. — Responde.
— Por mais que eu queira gritar pra
todo mundo que você é minha, entendo seu
lado e nunca faria nada que pudesse te
prejudicar ou magoar. Só não consigo fingir
que gosto de manter minhas mãos longe do
seu corpo. — Brinco. — Mesmo porque sou
recompensado toda vez que isso acontece. Já
estou pensando no que vou pedir mais tarde,
inclusive. — Puxo seu lábio inferior com os
dentes de leve.
— E eu vou adorar cada segundo.
Tenho certeza. — Diz com os olhos
brilhando. Escutamos um barulho, e olho
para o final do corredor, porém não vejo
ninguém. — Tenho que voltar antes que
sintam a minha falta. — Avisa.
— Tudo bem. — Dou mais um beijo
nela e a solto. — Quer ir primeiro, ou eu
vou?
Olho para o meu celular
estranhando a mensagem que a Catarina
acabou de me enviar, avisando que está indo
para casa e amanhã fala comigo.
Tínhamos combinado que ela viria
para cá quando terminasse a festa. Eu ainda
tentei convencê-la de ficar para esperar, mas
ela insistiu que não precisava.
Aproveito que a Aurora está
distraída, brincando com suas bonecas, e
vou até a varanda para ligar para a Catarina.
Chego a pensar que não vou conseguir falar,
porém, na segunda tentativa, a ligação é
atendida.
— O que aconteceu? — Questiono
ainda mais preocupado quando ouço a sua
voz.
— Nada. Só estou cansada e com
dor de cabeça. Vou tomar um banho e deitar
pra ver se melhoro.
— Está precisando de alguma
coisa? Quer que eu vá aí? — Ofereço e entro
para pegar a chave do carro e minha
carteira.
— Não precisa. Amanhã a gente se
fala. — Despede-se e desliga, deixando-me
com a impressão de que está me escondendo
a verdade.
Olho para a Aurora sentada no
tapete da sala e respiro fundo. Não tenho
como sair e deixá-la aqui sozinha e também
não quero levá-la por não saber o que
aconteceu.
Disco o número do Conrado, e ele
me atende no segundo toque.
— Preciso da sua ajuda. — Vou
logo falando sem dar tempo a ele de me
cumprimentar. — Fica com a Aurora pra
mim. — Peço.
— Estou saindo de casa agora. —
Avisa sem ao menos me perguntar o motivo
para o meu pedido.
Passo a mão nos cabelos agitado e
ando de um lado para o outro, enquanto ele
não chega, o que, graças a Deus, não demora
a acontecer.
— Filha, vou precisar sair
rapidinho. — Digo quando ouço o carro dele
entrar na garagem. — Seu dindinho vai ficar
contigo. — Beijo sua testa e saio antes
mesmo de ele entrar em casa.
— O que aconteceu? — Pergunta
quando passa por mim.
— Também queria saber. Tem
alguma coisa de errado com a Catarina, e eu
preciso descobrir o que é. — Respondo sem
parar de andar.
— Manda notícias. — Grita para
que eu consiga escutar, pois já estou saindo
com o carro.
Dirijo o mais rápido que consigo e
estaciono de qualquer jeito em frente ao
prédio dela. Agradeço ao fato de o porteiro
já me conhecer e liberar a minha entrada sem
precisar interfonar.
Aperto o botão para chamar o
elevador diversas vezes, como se isso o
fizesse vir mais rápido. Bato o pé e remexo
as mãos enquanto ele sobe até o seu andar.
Toco a campainha nervoso, e a
Bianca não demora a abrir a porta para mim.
— Graças a Deus! — Solta assim
que me vê.
— Como ela está? — Entro e
pergunto, mesmo que a vontade seja de
correr para procurá-la.
— Nada bem. Ela está lá no quarto.
Eu já estava pensando em te ligar. Não
aguento mais ver a minha amiga chorando.
Viro-me sem dizer mais nada e
corro para o quarto dela. O que vejo quando
entro, acaba comigo. Ela está deitada
encolhida na cama e com os olhos inchados
de tanto chorar.
— Catarina. — Chamo, e ela
levanta o olhar até encontrar o meu.
Capítulo
trinta
Benício
Dou um passo para mais perto com
receio de ser repelido. Não sei o que a
deixou assim. Se alguém inventou alguma
coisa, ou se fiz algo sem nem perceber que a
machuquei.
Faço um carinho em seu rosto, e ela
fecha os olhos.
— Por que você está assim? O que
aconteceu? — Sento-me ao seu lado na cama
e ela se encosta à cabeceira, secando o rosto
com as mãos.
— Você não precisava ter vindo. —
Funga. — Com quem a Aurora ficou?
— Claro que precisava. Em
hipótese alguma eu ficaria em casa sem
saber como você estava de verdade. O
Conrado está lá em casa. — Seguro sua mão
e puxo para mim, dando um beijo delicado
na palma. — Fala comigo. Me conta por que
você está chorando. — Insisto.
— A Glória me demitiu. — Solta
um suspiro.
— Como assim? Mas por que ela
fez isso? — Dá um sorriso forçado. —
Merda! Ela sabe da gente. — Deduzo, e ela
concorda com um aceno de cabeça. —
Desculpa. Foi minha culpa. Eu que insisti
com... — Cala-me colocando os dedos nos
meus lábios.
— Você não teve culpa de nada,
Benício. Mais cedo ou mais tarde, ela ia
descobrir. Eu sabia desde o começo que
corria esse risco e arrisquei mesmo assim.
Não fui forçada a nada.
— Ela pode fazer isso? Pode te
demitir por estar namorando comigo? —
Questiono tentando achar uma solução.
— As regras da escola não falam
nada sobre esse assunto. Nem proibindo e
nem autorizando. Como diretora, ela decide
como quiser. E a decisão dela foi me
demitir. Não tenho o que fazer.
— O que ela disse? Como ficou
sabendo? — Encosto-me ao seu lado e a
puxo para mais perto de mim.
— O barulho que a gente escutou
quando estávamos no corredor era ela. —
Conta. — Assim que a festa acabou, ela
falou para eu juntar minhas coisas, pois não
trabalhava mais lá.
— Assim? Não te deu uma chance
de se explicar e nem uma opção para
resolver?
— Que opção eu teria, Benício? —
Dá de ombros.
— Terminar comigo. — Falo com
dificuldade, como se tivesse um bolo na
minha garganta impedindo as palavras de
saírem.
— Mesmo que me oferecesse, eu
não aceitaria. Amo trabalhar naquela escola,
amo o que faço, meus alunos e colegas de
trabalho, mas não ficaria em um lugar que
tenta impor com quem eu devo ou não me
relacionar. — Diz de maneira firme.
— Tem certeza? Não quero que
você seja prejudicada por minha causa. —
Sou sincero.
— Eu não estou fazendo nada de
errado, Benício. Não vou abrir mão do que
estamos construindo, porque a Glória acha
que devo.
— Obrigado. — Colo minha testa a
dela e solto um suspiro. — Nunca te forçaria
a ficar comigo, mas não gosto nem de pensar
em te perder. — Admito.
— Não precisa se preocupar quanto
a isso. — Faz um carinho no meu rosto. —
Só existem duas coisas que me fariam
desistir de nós. Traição, ou se eu percebesse
que o nosso namoro poderia prejudicar de
alguma maneira a sua relação com a Aurora.
Se uma dessas coisas acontecer, eu termino
na hora.
— Então não preciso me preocupar.
Isso não vai acontecer. Eu nunca te trairia, e
minha filha te ama. — Sinto uma vontade
enorme de completar a frase dizendo que eu
também a amo, porém não o faço, pois não
quero que pense que estou falando apenas
pelo o que acabou de acontecer.
— Eu também amo a Aurora, e por
isso mesmo jamais me colocaria entre vocês.
— Posso ficar aqui? — Questiono e
dou um beijo na sua testa.
— A Aurora não vai sentir sua
falta? — A preocupação está presente em
sua voz.
É incrível como, mesmo estando
precisando de apoio, ela sempre coloca o
bem-estar da minha filha em primeiro lugar.
— Peço ao Conrado pra levá-la pra
casa dele. Ela vai ficar tão feliz que nem vai
perceber a minha ausência. — Faço drama.
— Quero ficar contigo e tentar colocar um
sorriso nesse rosto lindo outra vez. — Puxo-
a para o meu colo. — Não gosto de te ver
assim. Muito menos sabendo que tenho uma
parcela de culpa, mesmo que diga o
contrário.
— Vou adorar ser mimada por você.
— Passa os braços pelo meu pescoço e dá
um sorriso fraco.

Espero a mulher à minha frente se


sentar para começar a falar. Não foi difícil
conseguir esse encontro com ela depois que
me identifiquei.
Nunca gostei de usar o meu nome
para conseguir as coisas, mas, desta vez, não
me importei nem um pouco. É por uma boa
causa.
Aproveitei quando a Catarina pegou
no sono para pedir ajuda a Bianca, e ela
descobriu o telefone para mim. Depois
disso, bastou uma ligação, e cá estamos nós.
— Quer beber alguma coisa? —
Ofereço, e ela nega com um aceno de
cabeça.
— Obrigada. — Encara-me. —
Estou curiosa pra saber o que o senhor pode
querer comigo pra marcar esse encontro em
pleno domingo.
— Vou direto ao assunto. — Cruzo
as mãos em cima da mesa. — A diretora da
sua escola demitiu uma professora, e quero
pedir pra senhora reconsiderar.
— Por que eu faria isso? — Ergue a
sobrancelha para mim.
— A Catarina é, sem sombra de
dúvida, sua melhor funcionária. A escola só
tem a perder com a saída dela. A começar
pela minha filha. Se a senhora não voltar
atrás nessa decisão, serei obrigado a
procurar outra escola para matricular a
Aurora.
— O senhor está me ameaçando? —
Fecha a cara.
— De maneira nenhuma. Apenas
constatando um fato. Além disso, como a
senhora bem sabe, sou o CEO de uma grande
empresa e tenho vários funcionários com
filhos em idade escolar. Isso pode ser bom
ou ruim. Tanto posso elogiar, como até
mesmo pagar a diferença da mensalidade pra
colocarem em outro lugar.
— O que o senhor quer de verdade?
— Seus olhos faíscam em minha direção.
— Já disse. Quero que reconsidere
a demissão da Catarina. A Glória a mandou
embora por estar namorando comigo. —
Conto. — O único problema é que ela nunca
foi informada de que não poderia se
relacionar com um responsável.
— Se a Glória tomou essa decisão,
foi por achar que seria melhor para a escola.
Por acreditar que esse namoro poderia trazer
algum problema. — Defende a funcionária.
— Acontece que isso não tem a
menor possibilidade de acontecer. Não sou
casado, nem mesmo me divorciei e tenho
uma ex que não aceita o fim do casamento e
pode criar confusão na porta da escola. Sou
viúvo e tenho o direito de me relacionar com
quem quiser.
— E foi se interessar pela
professora da sua filha. — Sinto um tom de
deboche em sua fala.
— Desde que perdi a mãe da
Aurora, nunca me interessei por outra
mulher. A Catarina é uma das melhores
pessoas que conheço, e eu não poderia
encontrar ninguém melhor do que ela pra me
fazer voltar a viver. — Sou sincero. —
Então, sim, me interessei pela professora da
minha filha e sou capaz de tudo pra vê-la
feliz. Se fosse preciso comprar uma escola
pra conseguir isso, faria sem pensar duas
vezes, em um estalar de dedos. — Estalo os
dedos para dar ênfase ao que falo.
— A Glória está na direção desde
que inaugurei a escola. Não vou demiti-la,
porque o senhor quer fazer a vontade da sua
namorada.
— Quem falou em demissão? —
Ergo a sobrancelha para ela. — A única
pessoa que tomou essa decisão pra elucidar
um problema que seria facilmente resolvido
com uma conversa foi a sua funcionária. As
duas já trabalhavam juntas e podem
continuar.
— Não posso, simplesmente, tirar a
autoridade da Glória e readmitir alguém.
— Faça uma pesquisa entre os
outros funcionários e os pais dos alunos.
Pergunte a eles o que acham da Catarina. Se
eles concordarem comigo, a senhora terá um
motivo plausível.
— E se não concordarem? —
Encara-me, esperando uma resposta.
— Não preciso me preocupar com
essa possibilidade. — Respondo com
convicção e a vejo dar um sorriso discreto.
O primeiro desde que chegou aqui.
— Certo. — Respira fundo e volta
a falar. — Vou seguir seu conselho.
— Eu lhe agradeço. Obrigado
também por ter aceitado se encontrar comigo
pra conversarmos.
Capítulo
trinta e um
Benício — O que será que a
Célia quer comigo? — A Catarina pergunta,

e dou de ombro.
Ela foi chamada pela dona da
escola para conversar, mas, como nem
desconfia do nosso encontro, finjo não saber
do que se trata.
— Eu vou contigo. — Falo, e ela
me olha.
— Não precisa, Benício. Posso ir
sozinha. — Responde enquanto prende o
cabelo e se olha no espelho.
Segundo a Bianca me contou, a
Célia andou perguntando aos outros
funcionários da escola sobre a Catarina
ontem, além de ter conversado com algumas
mães também.
Não duvido de qual tenha sido a
resposta de todos e estou seguro quanto a sua
decisão.
— Faço questão. — Abraço sua
cintura por trás e beijo seu pescoço. — Não
vou perder a oportunidade de mostrar pra
todo mundo o quanto a minha namorada é
gata. — Abre um sorriso lindo e se vira nos
meus braços, ficando de frente para mim.
— Bobo. — Dou um selinho nela.
— Sou um bobo apaixonado. —
Faço um carinho no seu rosto. —
Completamente apaixonado.
— Vocês vão ou não? — A Bianca
aparece na porta e questiona. — Preciso
saber se tenho carona. — A Catarina solta
um suspiro e se vira para a amiga.
— Vamos. — Pega a bolsa, segura a
minha mão, e seguimos para a porta.

Ando de um lado para o outro e


passo a mão nos cabelos mais uma vez. Eles
já estão bagunçados, mas não me importo.
Estou nervoso, esperando a
Catarina sair da sala da direção da escola.
— Dá pra se acalmar? — A Bianca
chama minha atenção. — Está me dando
agonia você rodando igual barata tonta. —
Implica.
— Ela está demorando. O que será
que está acontecendo dentro daquela sala?
— Passo as mãos no rosto e solto um
suspiro.
— Benício, ela... — Antes que me
responda, a Catarina surge no corredor. — E
aí, o que elas queriam? — Vira-se para a
amiga.
— Fui readmitida. — Diz com o
olhar meio perdido. — Ainda não estou
acreditando nisso.
— É claro que foi. Você é a melhor
professora que eu conheço. — Seguro seu
rosto e beijo seus lábios de leve.
— Muito obrigada pela parte que
me toca, Benício. — A Bianca finge estar
brava.
— Desculpa, mas é a verdade. —
Dou de ombro.
— Tudo bem. Eu concordo contigo.
Minha amiga é foda mesmo. Ela arrasa no
que faz. A Catarina nasceu pra ser
professora. — Sorri.
— A ficha ainda não caiu. —
Balança a cabeça para os lados. — A Célia
me falou uma coisa... — Para e me encara.
— O que ela disse? — A amiga
pergunta.
— Que eu sou muito sortuda por ter
um namorado capaz de tudo pra me defender
e me ver feliz. — Olha para mim
desconfiada. — Vocês se conhecem? —
Engulo em seco. — Benício, o que você fez?
— Não precisa brigar com ele,
Catarina. — A Célia surge atrás de nós. —
Seu namorado só me deu uma ideia. A
decisão de te trazer de volta foi minha.
— Como assim? — Olha dela para
mim. — Desculpa, mas isso está fazendo
cada vez menos sentido.
— Perguntei aos outros
funcionários e algumas mães de alunos o que
achavam de você, e as respostas foram
unânimes. Todos te adoram, Catarina. —
Percebo seus olhos ganharem um brilho
diferente. — Eu não seria louca de perder
uma professora como você.
— Mas a Glória... — Não a deixa
terminar de falar.
— A Glória cometeu um erro. Seu
relacionamento não é motivo para demiti-la.
A menos que cause algum problema pra
escola. O que não acredito que vá acontecer.
— Não mesmo. — Respondo. — Se
eu desconfiar que isso possa acontecer, me
afasto. — Garanto. — Tudo o que menos
quero nessa vida é causar qualquer
sofrimento a Catarina, por menor que seja.
— Sou sincero.
— Bom, agora que já resolvemos
isso, que tal começarem a trabalhar? —
Pergunta de maneira leve para as duas. —
Os alunos já estão chegando.
— Posso falar com o Benício
antes? — Pede. — Prometo que não vou
demorar. Cinco minutos no máximo. —
Acena com a cabeça em acordo. Ela espera
as duas se afastarem para se virar para mim.
— Obrigada. Não sei ao certo o que você
fez, mas obrigada. — Agradece emocionada.
— Não precisa me agradecer,
Catarina. Eu faria qualquer coisa pra ver
esse sorriso no seu rosto. — Passo a ponta
do dedo pelo contorno dos seus lábios. —
Minha nova missão de vida é te fazer feliz.
Você e a Aurora são minhas prioridades.
Sempre.
— Não sei o que eu fiz pra merecer
alguém como você na minha vida. —
Abraço-a pela cintura.
— Eu me faço essa mesma pergunta
todos os dias. Alguém lá em cima deve
gostar muito de mim pra te colocar no meu
caminho e me permitir voltar a viver. Voltar
a amar. — Percebo o exato momento em que
ela se dá conta do que acabei de falar. Suas
pupilas dilatam, seu sorriso se amplia e seus
olhos ficam marejados. — Eu te amo,
Catarina. Você pode até pensar que é rápido
demais, mas é o que sinto. Eu te amo. —
Repito e dou um beijo delicado em seus
lábios. — Eu te amo. — Volto a beijá-la.
— Não acho que tenha sido rápido,
pois estou sentindo a mesma coisa. Eu
também te amo. — Fecho os olhos e abro um
sorriso sem conseguir controlar o turbilhão
de emoções dentro de mim.
— É. Parece que é sério mesmo. —
Meu irmão diz ao meu lado enquanto a
Aurora brinca com a Nathalia e com a
Catarina no meu quintal.
— O quê? — Viro-me para ele e
pergunto.
Estava tão distraído olhando para
elas que nem sei do que ele está falando e
nem se disse mais alguma coisa antes.
— Esse seu namoro com a Catarina.
— Diz sorrindo.
— O que é que tem o meu namoro?
— Questiono sem entender o que ele quer
dizer.
— Você gosta mesmo dela. — Não
pergunta, afirma.
— Eu amo a Catarina. — Confesso
para outra pessoa que não seja ela pela
primeira vez. — Pensei que isso não fosse
mais acontecer, mas me enganei. O que sinto
por ela é... — Solto um suspiro e volto a
falar. — Não sei explicar.
— Novo? Inspirador? Animador?
Revigorante? — Instiga-me.
— Tudo isso. É diferente do que eu
sentia pela Liz. Meu amor por ela era
tranquilo. Calmo. Foi crescendo no dia a
dia. Conforme a gente convivia. Antes de
qualquer coisa, ela era minha amiga. Com a
Catarina não. É intenso. Forte. A gente não
se gostou quando se conheceu. Implicávamos
um com o outro e não nos suportávamos. —
Dou uma risada. — Tem noção de quantas
vezes senti vontade de enforcá-la?
— Ainda pode fazer isso, mano. —
Dá um sorriso safado.
— Não vou falar da minha relação
sexual com a minha namorada contigo,
pirralho. — Chamo como fazia quando
éramos mais novos.
— Posso te ensinar umas coisinhas,
se quiser. — Debocha.
— Se é assim tão esperto, por que
não conseguiu prender a Nath de verdade?
— Implico.
— Estava esperando meu irmão
mais velho se acertar primeiro. Ele estava
precisando de mim. — O sorriso morre em
meu rosto.
— Você está falando sério,
Conrado? — Desvia o olhar do meu. — Está
querendo me dizer que ainda não casaram
por minha causa?
— Pode parar. — Levanta a mão
em minha direção. — Não queira carregar
mais esse peso. Ele não te pertence. A
decisão foi minha, e a Nath concordou. Nós
preferimos esperar um pouco e te ajudar com
a Aurora. Nossa afilhada era prioridade e
vai continuar sendo. A diferença agora é que
a gente sabe que tem mais alguém por ela. A
Catarina ama a nossa princesa como se fosse
dela.
— Sou um homem de muita sorte
por ter pessoas como vocês ao meu lado. Eu
te amo, mano. Obrigado por tudo. Por
sempre me apoiar. — Agradeço com
sinceridade.
— É pra isso que servem os irmãos,
não é? — Tenta disfarçar, mas percebo que
está emocionado, assim como eu.
— Sim, e eu tenho o melhor de
todos. — Afirmo.
— Vamos parar com essa porra. —
Balança a cabeça para os lados. — Chega de
tanto sentimentalismo.
— Papai. — A Aurora me grita e
corre em nossa direção. — Papai, vem
brincar comigo. — Pede, e, como sempre
acontece, não consigo negar o seu pedido.
Capítulo
trinta e dois
Benício Seguro a cintura da

Catarina e dou um beijo demorado no seu

rosto. Reparo alguns pais nos olhando,

porém não me importo. Não preciso mais


esconder de ninguém que estamos juntos.
— Vou com a Aurora à padaria aqui
da esquina comprar um doce para sobremesa
e volto pra te buscar. — Aviso.
— Não prefere que eu faça alguma
coisa quando a gente chegar? — Oferece, e
eu nego com um aceno de cabeça.
— E perder alguns minutos do
nosso tempo juntos? De jeito nenhum. —
Sorri para mim.
Ela dá um beijo na Aurora, e se vira
para entrar e olhar os alunos que ainda não
saíram.
Caminho para o carro de mãos
dadas com a minha filha e escuto uma mãe
falando para outra sobre nós.
— Essa professora deu muita sorte.
Olha o pai que ela arrumou. — Não resisto e
acabo respondendo.
— Quem deu sorte fomos nós por
termos alguém como a Catarina em nossas
vidas. — Elas me encaram sem graça.
Acredito que não esperassem que
eu ouvisse e, muito menos, que fosse
responder.
Nós sabíamos que teríamos que
enfrentar piadinhas na porta da escola,
porém não me importo. Ninguém sabe da
nossa vida, ninguém faz ideia do que
sentimos de verdade um pelo outro e nem o
quanto lutamos contra esse sentimento.
Eu não esperava me apaixonar pela
professora da minha filha. Muito menos
depois do nosso primeiro encontro onde
várias farpas foram disparadas nas duas
direções. Só que, agora, não consigo me
imaginar com outra pessoa que não seja ela.
A Catarina não só me fez voltar a
viver de verdade, como trouxe um novo
sentido para a minha vida. Eu acordo e vou
dormir todos os dias pensando nela e na
Aurora, no que posso fazer para ver um
sorriso no rosto delas. Pensando em quão
sortudo eu sou por ter tido alguém como a
Liz na minha vida e ainda merecer uma
segunda chance com outra pessoa tão
maravilhosa quanto.
Elas são o oposto. A Liz era a
calmaria, a Catarina é a tempestade na minha
vida, mas aquela tempestade que você abre
os braços, levanta a cabeça e deixa a chuva
te molhar com um sorriso no rosto. Feliz por
estar ensopado e ainda querendo mais.
— Papai, a gente pode tomar
sorvete? — Minha filha me traz de volta ao
presente.
— Um bem pequeno, princesa, ou a
senhorita vai acabar não jantando e a tia
Catarina vai reclamar comigo.
— De chocolate? — Pergunta com
os olhos brilhando, e eu concordo com um
aceno de cabeça. — Obaaaaaaaaaa. — Pula
animada.

Olho para a Catarina e noto que


alguma coisa aconteceu enquanto fui à
padaria. Ela está mais quieta e com um olhar
distante.
— Está tudo bem? — Pergunto
quando paro em um sinal de trânsito.
— Oi? — Vira-se para mim.
— Você está bem? Aconteceu
alguma coisa? — Não consigo esconder a
preocupação em minha voz.
— Estou bem. — Força um sorriso.
— Só estou com dor de cabeça.
— Tem certeza? — Insisto, pois não
acreditei no que disse.
— Sim. Acho melhor eu ir pra
minha casa. — Desvia o olhar do meu. —
Vou atrapalhar seus planos para essa noite.
Paro o carro em um recuo e me viro
para ela. Seguro seu rosto e a faço olhar
para mim.
— Se preferir ir pra casa, eu te
levo, mas não diz mais isso. Você nunca me
atrapalha, Catarina. Mesmo que não façamos
o que estávamos pensando, ainda assim,
quero ficar contigo. Estar ao seu lado é o
suficiente pra mim.
— Tudo bem. — Abaixa a cabeça,
e a vejo fungar, mas tenta disfarçar.
Respiro fundo e sigo para casa sem
dizer mais nada. Não posso forçá-la a me
contar. Só posso ficar ao seu lado e deixá-la
perceber que estou ali para tudo, e que
podemos resolver seja o que for juntos.
Estaciono na minha garagem, tiro a
Aurora do carro e pego as bolsas de
compras na mala.
— Filha, vai tirar a roupa da escola
e tomar banho sem bagunça. Não molha o
cabelo. — Aviso. — Eu já vou lá te ajudar.
— Pode deixar. — A Catarina fala.
— Eu fico com ela.
— Tem certeza? Não é melhor você
deitar pra descansar?
— Tenho. Ela me distrai. Vai ser
bom. — Dá um sorriso, mas não chega aos
seus olhos.
— Vou preparar alguma coisa
simples pra gente comer e já chamo vocês.
Dou um beijo em cada uma e sigo
para a cozinha. Guardo as compras na
geladeira e coloco o restante das coisas no
armário. Sigo para o meu quarto e tomo um
banho rápido para voltar e preparar a nossa
comida.
Desde que eu casei, nunca tive uma
empregada em casa todos os dias. A Liz
dizia que gostava de fazer os serviços, e eu
acabei me acostumando assim.
Depois da morte dela, segui do
mesmo jeito. Tenho uma empresa que vem
aqui duas vezes na semana para limpar a
casa, quintal e piscina, lavar e passar a
roupa. Nos outros dias, eu me viro.
Além disso, tenho também a Mônica
que vem cozinhar uma vez na semana e deixa
várias refeições prontas no freezer. Ela já
cozinhava para a minha mãe há anos e ficou
toda feliz quando o Conrado e eu a
convidamos para trabalhar para nós também.
Apesar de saber fazer, isso me
facilita por conta da correria com o horário
de escola da Aurora e o meu na empresa.
Assim tenho mais tempo livre para ficar com
ela.
Saio do box, pego uma toalha para
me secar e visto uma bermuda. Volto para a
cozinha e começo a preparar o nosso jantar.
Como não pretendo perder muito tempo com
isso, tiro uma lasanha do freezer e coloco no
forno. Enquanto ela assa, preparo uma
salada e faço também um suco de laranja.
Deixo a mesa arrumada e sigo para
o quarto da Aurora para ver o que aquelas
duas estão aprontando. Paro na porta e fico
olhando para elas com um sorriso bobo no
rosto.
A Catarina está sentada na cama
com a Aurora no seu colo, enquanto penteia
o cabelo dela e conta uma história.
Se eu já não estivesse de quatro por
essa mulher, ficaria agora com essa cena. O
carinho dela com a minha filha e a maneira
que a trata me deixam ainda mais
apaixonado por ela.
— Vamos comer? — Chamo a
atenção delas.
Seguimos juntos para a cozinha.
Tiro a lasanha do forno e nos sirvo.
Comemos em silêncio. Até mesmo a Aurora,
que é sempre tão falante, está quieta. Parece
que percebeu que tem alguma coisa de
errado no ar.
— Que delícia, papai. — Coloca o
último pedaço na boca. — Posso comer
sobremesa? — Pede ainda mastigando.
— O que eu já falei sobre falar de
boca cheia? — Arqueio a sobrancelha para
ela.
— Desculpa, papai. — Pede depois
de engolir. — Agora posso? — Pego um
pedaço pequeno da torta e coloco para ela.
— Obrigada, papai. — Agradece e começa a
comer animada.
— Vai escovar os dentes e colocar
seu pijama. — Mando. — Eu já vou lá te dar
um beijo.
— A gente não vai ver filme? —
Pergunta desanimada.
— Hoje, não, filha. A tia Catarina
está com dor de cabeça. Deixa pra amanhã.
— Concorda com um aceno de cabeça e vai
fazer o que eu mandei sem reclamar.
— Fica com ela, Benício. Eu vou...
— Não a deixo terminar de falar.
— Nem adianta. Eu vou ficar
contigo. Vai deitar. — Começo a recolher a
louça. — Eu já te encontro no quarto. —
Aviso.
Arrumo tudo, passo no quarto da
Aurora para ver se ela fez o que falei, dou
um beijo nela e apago a luz, deixando apenas
a do abajur acesa. Entro no meu quarto e
vejo que a Catarina já está deitada,
encolhida na cama e de costas para mim.
Escovo meus dentes, tiro a bermuda
e me deito apenas de cueca. Passo o braço
pela sua cintura e a puxo para mim beijando
seu pescoço.
— Boa noite. — Fala baixinho, e
percebo que está chorando.
— Não sei o que aconteceu pra te
deixar assim e não vou te forçar a me contar,
mas quero que saiba que estou aqui.
Independente do que seja, estou aqui contigo.
Eu te amo, Catarina, e sou capaz de tudo pra
te ver feliz. Se você quiser o mundo, basta
pedir, e eu te dou. Faço o que for pra te ver
bem. — Ela começa a soluçar de tanto
chorar, e eu aperto seu corpo mais ao meu.
— Não fica assim. — Sussurro em seu
ouvido.
Lembro-me da letra de Totalmente
seu, música da Marisa Monte, e canto para
ela.

“Eu levo a sério;


Não brinca assim;
Não faz assim comigo.
Sou totalmente seu.
Não nego, confesso;
Gostar de alguém tem sempre algum
perigo.
Sou 100% seu.
Se vai dar pé;
Ou não vai dar jeito; O tempo irá
dizer.
Só sei que agora é forte, perfeito.
Sou totalmente seu.”
Capítulo
trinta e três
Benício
Fico de dentro do carro olhando
para a porta da escola, esperando os outros
pais irem embora para poder levar a Aurora.
Não quero plateia quando for falar com a
Catarina.
— Posso falar com você um
minuto? — Paro de frente para ela e
pergunto, encarando-a.
— Agora eu não posso, Benício.
Tenho que... — Interrompo-a.
— Eu não vou sair daqui sem
conversar contigo, Catarina. — Digo de
maneira firme. Ela solta um suspiro e se
afasta do portão comigo. — Eu te fiz alguma
coisa? Te magoei de alguma maneira? —
Prendo seu olhar no meu.
— Não. Claro que não, Benício. —
Responde agitada.
— Então por que se afastou? Já tem
quatro dias que está fugindo de mim. A
Aurora pergunta todo dia por que você não
vai mais pra casa com a gente. — Passo a
mão nos cabelos. — O que está acontecendo,
Catarina? Não suporto mais essa distância
que está impondo entre nós. Já tentei
entender, tentei me lembrar se cometi algum
erro, mas não consigo pensar em nada que
justifique esse seu afastamento. Por favor. —
Peço em tom de súplica. — Me conta o que
está acontecendo. — Puxo seu corpo para o
meu e colo minha testa na dela. — Eu te
amo. — Sussurro.
— Eu também te amo. — Percebo a
emoção em sua voz.
— Não entendo. Por que está
fazendo isso com a gente, então? — Fixo
meu olhar no seu.
— Preciso entrar. — Solto um
suspiro. — Quando eu sair, vou pra sua casa
e a gente conversa. — Assegura.
— Nós vamos juntos. Eu não vou
sair daqui sem você outra vez. — Imponho.
— Tudo bem. — Concorda, dando-
me um pouco de esperança que tudo isso se
resolva.
Dá um beijo leve nos meus lábios e
se vira. Entra na escola sem olhar para trás,
e eu fico com um aperto no peito e uma
sensação estranha.

Jogo a caneta na mesa e passo as


mãos no rosto. Olho para o teto e respiro
fundo.
— Que cara é essa, Beni? — O
Conrado pergunta entrando na minha sala. —
Já tem bastante tempo que não te vejo assim.
Tem alguma coisa te preocupando? Posso te
ajudar de alguma maneira?
— Se ao menos eu soubesse com o
que estou lidando, ficaria mais fácil. —
Solto um suspiro.
— Como assim? — Senta-se na
cadeira em frente à minha mesa. — Me
explica isso direito. — Pede.
— A Catarina está distante. Sinto
que tem alguma coisa a incomodando, mas
não sei o que é, e ela não me fala. — Passo a
mão nos cabelos frustrado com tudo isso.
— Você não fez nada de errado,
fez? — Encara-me sério.
— Obrigado por confiar tanto em
mim. — Reclamo. — E não, não fiz nada de
errado. Não que eu saiba, pelo menos.
— Conversa com ela. — Opina. —
Pergunta o motivo para estar assim.
— Eu já tentei, porra. — Exalto-
me. — Mas ela não me fala. — Soco a mesa.
— Insiste, Benício. Você nunca foi
de desistir facilmente das coisas. Vai fazer
isso agora?
— Ela me prometeu que vamos
conversar hoje quando sair da escola.
Espero que não invente nem uma desculpa,
porque não aguento mais ficar longe dela.
— Tomara que se acertem logo.
Essa sua cara feia dá medo. — Provoca-me,
tentando aliviar o clima.
— Vai se foder, Conrado. —
Levanto o dedo médio para ele, mas acabo
rindo da sua palhaçada.
Catarina
Seguro meu rosto com as mãos e
choro, choro sem conseguir controlar as
lágrimas que descem pelo meu rosto. Sinto
vontade de gritar, de correr para os braços
do Benício, mas não posso. Muito pelo
contrário. Tenho que fazer o oposto, e isso
está acabando comigo.
Não sei se vou suportar ficar longe
dele e da Aurora. Sinto um amor tão grande
por eles que não cabe no peito, que só a
ideia de ter que me afastar me desespera.
Meu peito dói, minha cabeça parece
que vai explodir, e, cada vez que me lembro
do olhar sentido dele, piora ainda mais.
— Não acredito que você vai fazer
isso, Catarina. — A Bianca anda de um lado
para o outro dentro do banheiro.
— O que você quer que eu faça? É
a única solução. — Falo entre soluços.
— Tem que ter outro jeito. A gente
tem que encontrar alguma maneira. — Para e
me encara. — Conversa com o Benício.
Conta pra ele o que está acontecendo.
— Eu não posso fazer isso, Bia.
Não posso. — Balanço a cabeça para os
lados.
— Aquela louca está mentindo pra
você, amiga. Essa ameaça não tem
fundamento. Conta pra ele. Eu tenho certeza
que vão conseguir resolver isso em um
piscar de olhos. Não joga fora o que sentem
um pelo outro. — Tenta me convencer. —
Vocês se amam.
— Sim, e é, justamente, por amar
tanto aqueles dois que preciso ir embora.
Não consigo me imaginar sendo culpada por
separá-los, Bia. Eu nunca me perdoaria se
isso acontecesse por minha causa.
Respira fundo e volta a andar pelo
banheiro.
— Ela está blefando. Todo mundo
sabe muito bem que esta escola, apesar de
pequena, não deixa nada a desejar no quesito
qualidade de ensino pra outras bem maiores.
Aquela cobra não teria como alegar isso. —
Fala sem me olhar, como se estivesse
conversando consigo mesma.
— Bia, para. — Peço e a seguro. —
Eu já repassei várias vezes tudo o que ela
me disse e não vou arriscar. Não vou correr
o risco de aquele ser desprezível entrar com
o pedido de guarda da Aurora. Sei muito
bem o quanto isso afetaria o Benício e a
própria Aurora. Lembro-me perfeitamente de
quando ele me contou sobre a ameaça dela
de fazer isso e o quão irritado estava.
— Mas ela não vai conseguir,
amiga. — Segura meus ombros e me sacode.
— Não vai, caramba.
— Você pode até estar certa, mas
não vou arriscar. Além do que, mesmo que
ela não ganhe, esse processo pode se
arrastar por meses. A Aurora não merece
isso. Nem o Benício.
— E você merece sofrer como está
sofrendo, droga? — Exalta-se.
— Se eu tiver que pagar esse preço
pra vê-los bem, não me importo. — Digo
com convicção, e ela balança a cabeça para
os lados inconformada.
— Fala pra ele. — Repete o que já
me pediu desde o primeiro dia que contei
para ela o que estava acontecendo. — Ou
você fala, ou falo eu. — Ameaça. — Não
vou ficar de braços cruzados te vendo jogar
a sua felicidade fora.
— Não faz isso. — Peço. — A
minha decisão está tomada. Mesmo que você
conte pra ele, eu não vou voltar atrás. Não
me faça perder a nossa amizade também. —
Ela engole em seco, e vejo seus olhos
marejarem. — Tenho que ir, ou vou perder o
ônibus. Ainda tenho que passar em casa pra
pegar as minhas coisas. — Puxo-a para um
abraço. — Eu te amo.
— Neste momento, não sinto o
mesmo por você. Só vontade de te bater.
Talvez tacar sua cabeça na parede pra ver se
consigo colocar um pouco de juízo aí dentro.
— Funga, e eu forço um sorriso.

Benício
— Graças a Deus você chegou. —
A Bianca fala nervosa assim que chego à
escola. — Preciso falar contigo.
— O que aconteceu? Cadê a Aurora
e a Catarina? Elas estão bem? — A
preocupação me toma, e faço uma pergunta
atrás da outra sem dar a ela tempo para me
responder.
— A Catarina está indo embora. Ela
vai pegar o ônibus daqui a pouco. — Engulo
em seco.
— Como assim está indo embora?
Eu combinei de encontrar com ela aqui pra
gente conversar. — Agito-me.
— Você não está entendendo,
Benício. Ela está voltando pra casa da tia.
Está indo embora do Rio. — Travo onde
estou. — Você precisa fazer alguma coisa
pra impedi-la, e tem que ser agora, ou será
tarde demais. — Avisa.
Vários momentos que passamos
juntos desde que começamos a namorar e até
mesmo os antes de isso acontecer se repetem
na minha mente. Não consigo acreditar que
ela está desistindo de nós dessa maneira,
sem ao menos me contar o motivo.
— Papai, por que a tia Cat foi
embora antes de mim? Ela está dodói? —
Minha filha me traz de volta ao presente.
— Benício, faz alguma coisa. Não
deixa a Catarina ir embora. — A Bianca me
pede.
— Por que ela está fazendo isso?
— Questiono sem conseguir me mexer.
— Sua sogra esteve aqui na escola
no início da semana. — Travo meu maxilar e
aperto as mãos em punho do lado do corpo.
Capítulo
trinta e quatro
Benício Acelero o máximo

que posso com cuidado para não causar um

acidente. Preciso chegar a tempo de impedir

a Catarina de pegar aquele ônibus.


Por que ela não me contou o que
estava acontecendo? Por que ela não
conversou comigo? Nós poderíamos
resolver tudo sem precisar passar por nada
disso.
Esses últimos dias foram horríveis.
Ficar longe dela e não ter como fazer nada
para reverter por não saber o motivo me
deixou a ponto de enlouquecer.
Aperto o volante com as mãos até
os nós dos meus dedos ficarem brancos.
Minha vontade é de fazer a mesma coisa com
o pescoço da Elisângela.
Aquela mulher vai se arrepender de
ter se metido no meu caminho. Não vou
sossegar enquanto não vê-los na merda. A
Liz que me desculpe, mas não vou deixar
passar desta vez. Não vou.
Paro o carro de qualquer jeito na
rodoviária sem me importar com mais nada.
Minha única preocupação é achar a Catarina.
Corro o mais rápido que consigo e
sigo para o guichê de informações.
— Boa tarde. — Cumprimento a
atendente. — Eu preciso saber onde é a
saída de um ônibus.
— Boa tarde, senhor. Qual o
destino? — Respondo, e ela volta a falar. —
Ele já saiu, senhor. — Fecho os olhos e
respiro fundo.
— Tem quanto tempo? — Tento
montar um plano na minha cabeça.
— Pouco mais de meia hora. —
Saio correndo de volta para o meu carro sem
nem mesmo agradecer pela informação.
Faço uma pesquisa rápida para
descobrir qual o trajeto do ônibus. Giro a
chave na ignição e coloco o carro em
movimento outra vez.
Corro o máximo que posso, rezando
para ser veloz o suficiente para alcançá-la.
Sendo sincero comigo mesmo, se tiver que ir
até o inferno atrás dela, vou sem pensar duas
vezes.
Eu não queria me relacionar com
mais ninguém, não pretendia me apaixonar
outra vez, mas, agora que aconteceu, não me
imagino mais sem a Catarina na minha vida.
Pode parecer loucura, podem achar
rápido demais, mas não me importo. Sei o
que sinto, sei que não é uma ilusão. Eu amo
aquela professora petulante e atrevida e a
quero comigo para o resto da minha vida.
Avisto um ônibus pouco mais à
frente e faço uma prece para ser o dela.
Acelero ainda mais para passá-lo.
Ultrapasso e dou uma fechada, forçando a
parada. O motorista me olha assustado,
porém não me importo. Tenho um objetivo e
só vou sossegar quando atingi-lo.
— Catarina. — Saio do carro e
grito quando leio no painel do ônibus o
destino e percebo que é o dela. — Catarina,
eu te amo. — Todos se levantam e ficam me
olhando. — Por favor, Catarina, não vai
embora. Você precisa me escutar.
— Benício, o que você está fazendo
aqui? — Ela aparece em uma das janelas
com o semblante assustado.
— Vim te buscar. Você achou
mesmo que eu fosse desistir de nós assim tão
fácil? — Sorrio sem humor. — Nós
podemos resolver isso, Catarina. Se
estivermos juntos, podemos enfrentar o que
for.
— Mas... — As lágrimas descem
pelo seu rosto.
— Vem comigo. Volta pra casa, meu
amor. Nós precisamos de você. A Aurora te
ama, e eu também.
O burburinho dentro do ônibus fica
cada vez mais alto, e ela caminha para a
saída.
— Desce logo. — Falam lá de
dentro.
— Vai ser feliz. — Outra pessoa
grita.
— Você é louco. — Diz parada de
frente para mim quando desce, mas tem um
sorriso no rosto.
Aquele sorriso lindo que eu amo e
senti tanta falta durante os últimos dias.
— Sou. — Puxo-a para perto de
mim. — Louco apaixonado por você. —
Faço um carinho no seu rosto. — Eu te amo,
Catarina. Não faz mais isso. Não fuja de
mim e nem me esconda nada. — Peço. —
Faço qualquer coisa pra ter você e a Aurora
comigo. Até mesmo me colocar na frente de
uma bala pra protegê-las se fosse preciso.
Enfrentar aquela cobra da Elisângela não é
nada perto do que sou capaz de fazer por
vocês.
— Eu... — Soluça. — Eu senti tanto
medo. Ela ameaçou entrar com o pedido de
guarda e usar o nosso relacionamento pra
conseguir. Eu te amo, Benício, mas nunca
ficaria entre você e a Aurora. Nunca.
— Eu acredito. E te amo ainda mais
por isso. — Colo minha testa na dela.
— Cadê a nossa princesa? — Olha
para o carro, procurando por ela.
— Ficou com a Bianca. Avisei ao
Conrado para buscá-la.
— Moça, a senhora vai voltar pro
ônibus, ou posso seguir viagem? — O
motorista pergunta da porta.
— Ela vai comigo. — Respondo
por ela com convicção.
— Vem pegar as malas dela, ou vão
ficar sem elas. Não posso me atrasar ainda
mais. — Reclama de mau humor.
— Já volto. — Beijo os lábios dela
de leve e me afasto.
Pego as malas com o motorista e
coloco no carro. Aproveito esse momento
para colocar uma música para tocar.
— O que você está fazendo? — Ela
questiona, quando a puxo para dançar no
acostamento da estrada.
Não respondo. Canto Não vai
embora junto com a Marisa Monte.

“E no meio de tanta gente eu


encontrei você.
Entre tanta gente chata sem nenhuma
graça, Você veio.
E eu que pensava que não ia me
apaixonar; Nunca mais na vida.
Eu podia ficar feio, só perdido,
Mas com você eu fico muito mais bonito.
Mais esperto.
E podia estar tudo agora dando
errado pra mim, Mas com você dá certo.
Por isso não vá embora; Por isso
não me deixe nunca, nunca mais.”

— Há alguns meses, pensei que não


queria me relacionar com mais ninguém.
Achei que minha vida não tinha mais sentido
quando perdi a Liz. Minha única
preocupação era criar a Aurora e fazê-la
feliz. Mas aí eu conheci uma professora
petulante, atrevida e que não baixava a
cabeça pra mim, e ela me fez perceber que
eu ainda estou vivo. Fez brotar um
sentimento novo dentro do meu peito,
diferente de tudo o que já senti. Eu te amo,
Catarina. De uma maneira louca, intensa e
tão forte que me trouxe de volta a vontade de
viver, de ser feliz.
— Eu te amo tanto, tanto... — Sorri
e chora ao mesmo tempo.
— Você me faz voltar a querer uma
família, me faz voltar a sonhar em construir a
nossa família. — Percebo suas pupilas
dilatarem quando friso a última palavra. —
Casa comigo. Eu não sou mais completo se
não tiver você ao meu lado. Casa comigo. —
Volto a pedir.
— Sim. — Passa os braços pelo
meu pescoço. — Sim. Mil vezes, sim.
Ergo-a do chão e rodo com ela no
colo enquanto a beijo com todo o amor que
sinto, misturado com o alívio de tê-la nos
meus braços outra vez.
Epílogo
Benício
— Filha, você viu a tia Cat? —
Pergunto a Aurora e olho em volta
procurando a minha noiva.
Hoje é dia dos pais, e todos vieram
almoçar aqui em casa com a gente. A
Catarina estava do lado da minha mãe há
poucos minutos, mas não a encontro em lugar
algum.
— Não sei, papai. — Responde e
continua a brincar com as suas bonecas.
Resolvo procurá-la dentro de casa e
caminho para o nosso quarto. Depois do
pedido de casamento, ela tem passado mais
tempo aqui do que no apartamento onde
mora com a Bianca. Se dependesse de mim,
ficaria de vez, mas ela insiste que ainda está
cedo para isso.
— Catarina, você está aí? — Paro
na porta do meu banheiro. Ela abre e me
puxa para dentro, fechando outra vez em
seguida. — Está tudo bem? Você está
sentindo alguma coisa? — Preocupo-me.
— Sim para todas as perguntas. —
Tem um sorriso lindo no rosto quando me
responde.
— Como assim, amor? — Pergunto
confuso com a sua resposta.
— Estou bem e com um desejo
enorme de beijar o meu noivo até perder os
sentidos. — Faz um carinho na minha nuca.
— Não me provoca, Catarina.
Estamos com visitas, amor. — Fechos os
olhos, quando ela morde o lóbulo da minha
orelha.
— O que eu posso fazer se tenho um
noivo lindo e gostoso? — Sussurra. — Além
disso, temos que aproveitar, porque, daqui a
alguns meses, não vamos mais conseguir
esses momentos tão facilmente.
— Já não estou raciocinando direito
contigo me provocando desse jeito, e você
ainda fala em códigos. — Resmungo. —
Fica difícil de entender o que está querendo
dizer.
— Acho que vamos precisar
apressar os preparativos do casamento. —
Tem um brilho nos olhos quando fala. — A
menos que você não se importe de ter uma
noiva barriguda. — Arregalo os olhos para
ela e a encaro sem acreditar no que acabei
de ouvir.
— Você está falando sério? —
Acena com a cabeça em acordo e deixa uma
lágrima escapar. — Meu Deus! Eu vou ser
pai outra vez? — Pergunto como se não
conseguisse acreditar.
— Sim, papai. Tem um pedacinho
nosso crescendo aqui dentro de mim. —
Responde com as mãos sobre o ventre ainda
plano.
Caio de joelhos à sua frente e junto
minhas mãos com as dela, distribuindo
diversos beijos na sua barriga.
— Eu vou ser pai outra vez. —
Repito, mas como uma afirmação. — Papai
já te ama, bebê. — Digo emocionado e me
levanto outra vez. — Esse é o melhor
presente de dia dos pais que eu poderia
ganhar. Obrigado. — Beijo seus lábios. —
Obrigado. — Seu nariz. — Obrigado. —
Distribuo diversos beijos por todo seu rosto.

Catarina
Meses depois
Respiro fundo e dou o primeiro
passo. Meu cunhado está ao meu lado para
me levar até o altar improvisado no quintal
de casa, pois fez questão de entrar comigo.
Segundo o próprio, não perderia por nada a
oportunidade de olhar para a cara do irmão
enquanto me guia até ele.
Coloco uma das mãos no meu
ventre, que já dá sinal de que tem alguém
crescendo ali dentro. Abro um sorriso, e uma
lágrima escapa e desce pelo meu rosto, sem
que eu consiga controlar, mas diferentemente
das outras vezes, essa é de alegria, de
realização.
Estou formando uma família como
sempre sonhei. Tenho um noivo maravilhoso,
capaz de tudo por mim e pelas nossas
meninas. Sim, porque sinto como se a
Aurora fosse minha também. Ela pode não
ter nascido de mim, mas eu amo aquela
menina de uma maneira que não sei explicar.
Desde o primeiro momento que
coloquei meus olhos nela brotou dentro de
mim um sentimento de pertencimento, uma
sensação de que eu precisava protegê-la de
tudo e de todos.
Por falar nela, está linda carregando
uma cesta com pétalas de rosas, que espalha
por onde passa para abrir caminho para
mim. Seu vestido é parecido com o meu,
simples e delicado como eu queria. Nos pés,
estamos com sandálias rasteiras, e nosso
cabelo está solto em cascatas com apenas
uma tiara de flores.
— Sabia que eu devia ter trazido
uma câmera pra filmar a cara de paspalho do
Beni. — O Conrado brinca ao meu lado. —
Olha pra isso. — Sorri e balança a cabeça
para os lados. — Obrigada, cunhada. —
Fala quando estamos na metade do caminho.
— Por trazer esse cara de volta à vida. Eu
nunca serei grato o suficiente a você pelo
bem que faz a esses dois. — Dá um aperto
suave na minha mão.
— Fazer uma noiva chorar no dia
do casamento não vale, Conrado. — Fungo.
O Benício me olha preocupado e se
aproxima apressado.
— O que foi, amor? — Pergunta
quando para perto de nós. — O que você
falou pra ela, Conrado? — Fuzila o irmão
com o olhar.
— Relaxa, estressadinho. É de
alegria. — Responde, pisca para mim e se
afasta.
— Está tudo bem? — Meu noivo
questiona ainda em dúvida, e eu aceno com a
cabeça em acordo. — Como pode ficar
ainda mais linda a cada vez que te olho? —
Beija minha testa.
— Eu poderia te fazer a mesma
pergunta. — Sorrio e ficamos de frente para
o altar.
Um filme passa pela minha cabeça
enquanto o padre realiza a cerimônia. Tudo o
que aconteceu desde o primeiro dia em que
eu vi o Benício na porta da escola, passando
pela nossa primeira vez juntos, nossas
brigas, as tardes deitados nos sofá vendo
filmes com a Aurora, nossas noites, seu
pedido de casamento e o dia em que contei a
ele que estou grávida.
Trocamos as alianças e meu agora
marido se abaixa para conversar com a
minha barriga.
— Prometo fazer sua mamãe, sua
irmã e você felizes, bebê. — Diz baixinho e
dá um beijo no meu ventre.
— Liz. — Falo emocionada, e ele
ergue a cabeça para me olhar sem entender.
— O nome dela é Liz. — Engole em seco e
se levanta. — Eu já escolhi.
— Você está falando sério? —
Pergunta com dificuldade e os olhos cheios
de lágrimas.
— Sim. É minha maneira de
agradecer a ela pelos presentes que me deu.
Você e a Aurora. Além de uma garantia de
que não estou aqui pra roubar o lugar dela.
Ela é e sempre será a mãe da nossa princesa.
— Eu te amo. — Segura meu rosto
e cola sua testa na minha. — Meu Deus!
Como eu te amo. — Uma lágrima desce pelo
seu rosto. — Obrigado. Obrigado por
entender e aceitar a importância que a Liz
teve na vida da Aurora e na minha. Obrigado
por ser tão maravilhosa como você é. Eu te
amo. — Beija meus lábios de leve.
Epílogo
dois
Benício Quatro anos
depois Encosto-me ao batente da porta e

fico admirando a minha esposa passar um

creme pelo corpo. Ela apoia uma das pernas


na cama e se inclina. Não consigo mais ficar

só olhando e caminho para perto dela.


— Gostosa. — Sussurro no seu
ouvido e a abraço por trás, colando meu
corpo ao seu. — Você me enlouquece,
mulher. Olha como eu já estou só de te ver
assim. — Esfrego-me a ela.
— Não fiz nada. Você que é um
tarado. — Brinca. — As meninas já
dormiram?
— Ainda não. A Liz estava agitada,
e a Aurora estava contando historinhas para
ela.
— Você as deixou sozinhas? —
Encara-me séria.
— Claro que não, amor. A Antônia
está lá com elas. Até parece que não conhece
sua tia.
Conseguimos convencer a Antônia a
vir morar com a gente. Minha esposa não se
importou em usar de chantagem para
conseguir o que queria. Insistiu que
precisaria de ajuda para criar a Liz e que
não conseguia pensar em ninguém melhor do
que a tia para fazer isso.
Meus pais estão sempre presentes e
nos ajudam muito, mas eu entendi o que ela
quis dizer e fazer. Foi a maneira de ter a tia
por perto, já que sentia muito a falta dela.
A maior dificuldade foi convencê-la
a morar com a gente. Ela não queria de jeito
nenhum, pois dizia que precisávamos da
nossa privacidade. Só quando tive que
correr para o hospital com a Catarina
durante a noite e não tive com quem deixar a
Aurora foi que ela aceitou.
— Ela mima mais aquelas duas do
que fez comigo. — Sorri, e sou obrigado a
concordar, pois a Antônia trata a Aurora do
mesmo jeito que trata a Liz e mima demais
as duas.
Nunca fez distinção entre uma e
outra.
Afasto-me dela por tempo suficiente
para pegar meu celular e colocar uma
música para tocar. Os acordes de Can't Help
Falling In Love, canção de Elvis Presley em
uma versão cantada pelo Boyce Avenue
começam, e eu a puxo para mim, segurando
em sua cintura.
— Dança comigo. — Peço e canto a
tradução para ela.

“Homens sábios dizem; Que só os


tolos se apaixonam; Mas eu não consigo
evitar; Me apaixonar por você.

Eu devo ficar?
Seria um pecado;
Se eu não consigo evitar; Me
apaixonar por você?

Como um rio que corre; Certamente


para o mar; Querida, é assim;
Algumas coisas estão destinadas a
acontecer.

Pegue minha mão;


Tome minha vida inteira também;
Porque eu não consigo evitar; Me apaixonar
por você.”

— Pensei que fosse impossível te


amar mais do que já amo, mas percebo que
estou enganado a cada vez que te olho. Meu
amor por você cresce a cada dia. — Seguro
seu rosto com as mãos e a beijo.
— Posso dizer o mesmo. — Sorri
para mim. — Eu nunca pensei que fosse me
relacionar com o pai de uma aluna. Essa
ideia nunca passou pela minha cabeça, e eu
achava um absurdo. Lutei contra, tentei fugir
de todo jeito, mas nada adiantou. Eu me
apaixonei por você, e, hoje, agradeço por
isso ter acontecido, pois tenho o melhor
marido que alguém poderia ter. Eu te amo,
meu amor. Amo a família que construímos,
amo o carinho com que trata as nossas filhas
e a mim, amo que não meça esforços pra nos
ver bem, amo seu corpo, sua mente, mas amo
ainda mais isso aqui. — Coloca a mão no
meu peito. — O coração gigante que você
tem.
— Ele é todo seu. Eu sou todo seu,
Catarina. — Volto a beijá-la.

Fim
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