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J.M.

SOLLO
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Copyright© JULIANA MARTINS

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita referência a eventos
históricos reais ou locais existentes, os nomes, personagens, lugares e incidentes são o
produto da imaginação da autora ou são usados de forma fictícia, e qualquer
semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, eventos,
ou localidades é mera coincidência.

CAPA: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

DIAGRAMAÇÃO: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

ASSESSORIA DE MARKETING: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

REVISÃO: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

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SUMÁRIO

PRÓLOGO

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO QUATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE

CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS

CAPÍTULO VINTE E SETE

CAPÍTULO VINTE E OITO

CAPÍTULO VINTE E NOVE

CAPÍTULO TRINTA

EPÍLOGO
PRÓLOGO

Existem muitas maneiras de decidir começar uma nova vida. Algumas delas são
boas e prudentes, como a matrícula em um curso diferente na faculdade, o término de
um relacionamento quando as coisas já não vão bem ou até mesmo com uma mudança
de cidade, em busca de novas perspectivas.

Eu não tinha nada disso em mente. Só queria... não ser a Elisa de sempre.

Não que não gostasse de mim. Não era bem isso. Mas sempre ser a boa menina,
aquela que segue as regras e que faz tudo direitinho, como manda o manual dos bons
costumes, não me levou a lugar algum, exceto ser traída pelo namorado com quem todos
da cidade pequena onde eu morava juravam que eu ia me casar.

Sabe aquela história de comercial de margarina? Os dois se conheceram no


colégio, quando ainda tiravam meleca do nariz na hora do recreio; um puxou o cabelo
do outro, mas quando ela cresceu e ganhou seios, ele finalmente reparou que sua
amiguinha chata era uma menina. Uma menina bonita.
O primeiro beijo foi sob uma árvore, próxima ao colégio, com todos os nossos

colegas nos espionando. Fomos devidamente zoados por isso e ganhamos o status de

casalzinho. Para ser sincera, nem saberia dizer se Jacques, o tal namorado, queria
mesmo ficar comigo pra valer ou se fora apenas por livre e espontânea pressão dos

amigos e da família.

Nossos pais adoraram a novidade, e nós fomos empurrando o relacionamento.


Eu era a boa menina da cidade, ele era o garoto promissor. Infelizmente, não terminou

bem, porque ele simplesmente foi parar na cama com uma das garotas mais "saidinhas"
de onde morávamos.

Fiquei na fossa por um bom tempo, até que decidi mudar. Fiz mechas azuis no
cabelo, parei de me lamentar todos os dias e aceitei o convite de algumas amigas para
uma festa no Rio de Janeiro; ou seja, na cidade grande... E foi lá que tudo aconteceu.
Ou começou, talvez...

Pena que eu não me lembrava de quase nada.

Um cara bonito... uma conversa sexy... um beijo. Ele tinha me dito que era
viúvo, talvez?

Droga, eu não conseguia me lembrar.

Dançamos, nos beijamos mais um pouco e bebemos... muito. Os dois já estavam


completamente bêbados quando começamos a nos pegar.

Mas eu realmente não conseguia acessar, na minha memória, as cenas do


depois.

Revirei-me na cama, imaginando que tinha encontrado um jeito de voltar para


casa. E estava viva ainda, o que era um bom sinal. O cara não era um serial killer com

taras por virgens.

Ainda de olhos fechados, comecei a pensar nisso...

Virgem.

Uma das metas para minha mudança radical de vida era perder a virgindade.
Até porque... esperei tanto tempo para me entregar a Jacques e olha no que deu. Não
ficava muito difícil compreender sua paciência com minha decisão, levando em conta o
quanto deveria sassaricar por todos os lados, matando sua vontade em outras meninas.
As coisas que fazíamos juntos, que ele sempre dizia que eram suficientes para
satisfazê-lo, aparentemente não eram.

Homens não prestavam... eu deveria saber disso.

Continuando a pensar, dei-me conta de algo importante: eu estava nua.

Não era algo comum, porque eu não costumava me enfiar debaixo das cobertas
sem roupa, mas, ainda assim, bêbada do jeito que estava, com certeza poderia ter
acontecido. Por que não?

Tateei o colchão, ainda com medo de abrir os olhos, encontrando algo do meu
lado. Algo quente. Algo que se movia.
Ao constatar isso, eu poderia muito bem ter caído, se a cama não fosse tão

grande.

E foi dessa forma que eu descobri que realmente havia alguém comigo. O

homem das minhas memórias turvas.

Instintivamente, puxei o lençol até quase o meu pescoço, em uma tentativa muito
boba de me cobrir, embora eu imaginasse que ele já tinha visto absolutamente tudo que
estava ali. Passei a mão pelos cabelos, sentindo-os desgrenhados, e sendo acometida

por mais uma lembrança de outra pessoa fazendo a mesma coisa, arqueando minha
cabeça para trás e beijando meu pescoço.

Levei a mesma mão ao ponto que a barba rala que eu via no rosto ao meu lado
tinha arranhado.

Um arrepio percorreu a minha espinha.

Levantei-me da cama de um pulo, colocando-me de pé, chegando a cambalear,


tropeçando numa peça de roupa que, de relance, nem sabia se era minha ou dele.
Minhas costas bateram na parede, conforme fui recuando, como se o tal homem fosse
um monstro pronto para me atacar, e mais uma recordação surgiu: ele me imprensando
naquele mesmo local e me tirando do chão, erguendo-me pelas coxas e colocando
minhas pernas ao redor de sua cintura.

Meu Deus... algo dentro de mim se revirou. E eu não sabia se era uma sensação
boa ou ruim.
Também me lembrava de nós dois gargalhando, porque ele chegou a cambalear

ao me levar para a cama, de tão embriagado.

Levei a mão que não segurava o lençol aos olhos, cobrindo-os, como se isso

fosse me proteger de ter novos flashes invadindo minha mente.

Dei mais uma olhada no homem na cama, no momento em que ele se virou de
lado, permitindo que eu visse melhor o seu rosto.

Não era possível... eu conhecia aquele rosto!

Não porque fosse uma pessoa do meu convívio ou porque se tratasse de um


amigo. Era alguém que aparecia na TV, em notícias de sites e mídias de fofocas. “Viúvo
cobiçado”, “O CEO mais bonito do Brasil”, “Sexy e milionário”. As mulheres
suspiravam por ele. Minhas amigas – até mesmo as do interior – já tinham comentado
algumas vezes que ele era um sonho de consumo.

Eu tinha entregado minha virgindade a um dos maiores milionários do país. A


prova estava manchada no lençol branco do que eu poderia jurar ser um quarto de
hotel. E ele provavelmente nem sabia o meu nome.

Eu sabia o dele: Gabriel Valcácer.

Aquilo não podia ser bom. Não podia dar certo. Eu não queria nem olhar para a
cara do sujeito quando este acordasse. O que diria? Será que ele simplesmente pagaria
o meu táxi e me daria um tchau? Ou ia fingir que pegava meu telefone, alegando que me
ligaria em algum momento, e nunca mais nos falaríamos na vida?
Nossa, eu não queria nada disso. Ok, não ia ficar me lamentando por ter perdido

a virgindade com um desconhecido, porque essa era a ideia desde o início. Na verdade,

eu provavelmente lhe disse isso. Pelas poucas lembranças que tinha, fora bom. Muito
bom.

Só que era hora de seguir em frente, porque não pensei nas consequências. Sem
contar a dor de cabeça que começava a surgir e que não seria um acompanhamento nada
bom para a sopa de constrangimento que seria servida como entrada naquele café da

manhã.

Comecei a coletar minhas roupas no chão, ao mesmo tempo tentando ser


silenciosa, porque não queria que o homem acordasse antes que eu saísse.

Ele se remexeu mais uma vez, e eu contemplei seu peitoral musculoso, pensando
que era irreal que eu tivesse ido para a cama com aquele homem. Um cara famoso,
milionário, completamente inacessível para uma garota pobre, de uma cidade do
interior.

Uma história quase de Cinderella, mas que durara uma única noite. Eu só
precisava sumir da frente dele, antes que fosse tarde.

Saí porta afora, certa de que nunca mais na vida faria uma coisa daquelas, que
nunca mais seria tão imprudente.

Se ao menos eu soubesse...
CAPÍTULO UM

Eu não costumava beber muito, então devia fazer muitos e muitos anos que não
acordava daquele jeito, com todas as sensações da ressaca me atacando de uma única
vez.

Não houvera um motivo específico para eu terminar naquele bar, acompanhado


do meu melhor amigo, Arthur, que tinha brigado com a esposa. Talvez ele quisesse um

pouco de consolo, embora essas discussões fossem sempre passageiras e durassem


nada mais do que uma noite. Cada um ia dormir em um dos caríssimos apartamentos
que possuíam e no dia seguinte já estavam se pegando loucamente.

Eu tinha a impressão de que o casamento deles se baseava basicamente em


sexo, mas dava certo assim, então eu não poderia julgá-los.

E foi exatamente esse amigo que me incentivou a mais e mais um drinque. Por
mais que não fosse do meu feitio, pensei: por que não?
Assim como pensei a mesma coisa quando a garota bonita, de cabelos com

mechas azuis, apareceu.

Por que não?

Antes de abrir os olhos, tentei me lembrar de seu rosto, eu não me lembrava de


nada a respeito dela. A não ser as malfadadas mechas azuis.

Não me lembrava de seu nome, e nem sabia se tinha me falado. Não lembrava a

cor de seus olhos, mas tinha uma vaga noção de que a noite fora incrível. De que
repetimos algumas vezes e...

Merda! Há anos eu não transava com uma desconhecida. Não me lembrava nem
se tínhamos usado camisinha. No que eu estava pensando?

Era um cara consciente, costumava fazer as coisas corretamente, pensando,


ponderando, especialmente porque não apenas era um homem, com uma empresa para

gerir – da qual eu era o dono –, mas eu tinha uma filha. E era nela que eu sempre
pensava antes de fazer qualquer coisa da qual pudesse me arrepender. A ideia de
decepcioná-la ou de deixá-la desamparada por conta da minha falta ou ausência era
impensável.

Remexi-me na cama, sentindo a maciez da cama sob o meu corpo, mas já sabia
que estava completamente sozinho. Fosse quem fosse a mulher com quem passei a
noite, ela saíra sorrateira sem nem se despedir.

Abri os olhos e cheguei a checar o espaço vazio ao meu lado, na esperança de


que houvesse um número de telefone, algum bilhete, qualquer coisa que me dissesse ao
menos o seu nome. Não me agradava imaginar que tive um momento tão íntimo com

uma mulher da qual não me lembrava absolutamente nada.

Eu não era um celibatário, claro. Desde que me tornei viúvo, quatro anos antes,
tinha vivido minhas aventuras, mas com pessoas de quem eu me lembrava relativamente
bem. Nunca passei por essa completa sensação de desorientação, de que algo fora
violado.

E... bem... não estava completamente errado.

A mulher deixara algo de si para mim. Havia uma mancha de sangue no lençol.
Uma bem pequena, na altura de onde deveria ter ficado seus quadris no momento do
sexo.

Puta que pariu... a garota era... virgem?

Uma virgem?

Sentado na cama, levei as mãos à cabeça, forçando-me ainda mais a me lembrar


das coisas.

Primeiro de tudo, havia a preocupação de que ela fosse maior de idade. Como
não me lembrava de absolutamente nada, ela poderia muito bem ser uma jovenzinha de
dezessete anos muito bem maquiada. Normalmente eu não me interessava por
menininhas, não faziam meu tipo, e eu estava longe de ser um pedófilo – especialmente
sendo pai de uma menina –, mas ela poderia ter uma aparência mais madura. Muitas
delas tinham.

Em segundo lugar... merda! Eu fui o primeiro homem da moça. Será que a tratei
com respeito, será que fui delicado ou a machuquei?

Por mais que não a conhecesse, nunca seria minha intenção transformar-me em
uma má lembrança para alguém. Será que ela se lembrava de algo ou nossa pequena
interação também se transformaria em um borrão para ela? Será que nunca se lembraria
de sua primeira vez?

Ao menos tivera uma oportunidade para olhar para mim e ver quem eu era. E
meu rosto não era exatamente desconhecido. Nem todas as pessoas tinham acesso à
minha imagem, mas aquele negócio de me associarem à imagem de um "viúvo
cobiçado" era algo que se alastrava como uma praga, e eu não conseguia controlar,
porque a assessoria de imprensa e a de marketing da minha empresa, a VC
Empreendimentos Imobiliários, sempre diziam que qualquer tipo de propaganda para a
empresa era algo positivo. Eu não concordava, de forma alguma, mas não entendia nada

daquela parte. Meu negócio era a engenharia.

Minha empresa era a responsável pelos maiores projetos imobiliários do Rio


de Janeiro nos últimos tempos. Inovamos o jeito de planejar prédios, saindo um pouco
da fachada típica de condomínios, sempre iguais, sempre com o mesmo tipo de ofertas
de lazer. Criávamos uma pequena cidade dentro de portões, com minisshopings, que
ofereciam grandes facilidades aos moradores.

Se a sensação era de prisão, o que eu concordava, infelizmente vivíamos em


uma cidade perigosa. Todo cuidado com crianças e com nossas vidas era pouco.
Nenhum dinheiro, por mais alto que fosse, era suficiente para pagar pela nossa

segurança.

Fosse como fosse, eu precisava sair daquele hotel. Eu até poderia tentar
procurar a moça, nem que fosse para tirar da cabeça a preocupação de sua idade, e
para saber se estava bem, mas seria trabalho demais. Se tivesse que reaparecer, ela o
faria. Se fosse encrenca, não tinha como voltar atrás... A merda já fora feita.

Levantei-me, saí pegando minhas roupas espalhadas e me vesti. Juntei minhas


coisas e desci, pagando pelo pernoite e deixando uma quantia bem alta para tirar a
mancha do lençol, inventando algo bem clichê de que a moça tinha se cortado num caco
de vidro – um que nunca seria encontrado em lugar nenhum e que corroboraria com o
fato de ser uma mentira.

Peguei meu carro no estacionamento e parti dali, esperando ter um dia bem
cheio para tirar a garota sem rosto da minha cabeça.

Passei em casa, para tomar um banho, e, por mais que fosse sábado, precisaria
dar uma passada na empresa, porque estávamos com a entrega de um projeto um pouco
atrasada. Por mais que eu fosse o CEO, gostava de participar sempre quando se tratava
de uma conta grande, de algum cliente poderoso, nem que fosse apenas para dar minha
aprovação.

Além de me trocar, é claro, dei uma passada no quarto da minha princesinha,


batendo na porta e vendo-a brincar sozinha, o que me deixou um pouco surpreso.
— Bom dia, pequena — chamei, entrando no cômodo, e ela, ao ouvir minha

voz, levantou-se, deixando os brinquedos de lado e vindo correndo na minha direção.

Agachei, para recebê-la nos meus braços, e beijei o alto de sua cabecinha.

Era impressionante o quanto se parecia comigo, com seu cabelinho castanho e


liso, que batia mais ou menos abaixo das orelhinhas. Os olhos tinham um tom de
amendoado, quase verde, e eu chegava a me entristecer por ela não ter quase nada da
mãe para que eu pudesse me lembrar da minha falecida esposa.

— Você não veio me dar boa noite ontem, papai. — Claro que ela iria sentir
falta. Todas as noites eu chegava do trabalho e passava no quartinho dela. Às vezes lhe
contava uma história; às vezes conversávamos sobre seu dia, sobre a escola, sobre sua
professora, e eu tentava, ao máximo, suprir a falta que ela sentia da mãe.

— Me desculpe por isso, meu amor. Papai saiu com o tio Arthur. Ele estava
precisando de um ombro amigo. Sabe como é, né?

— Tio Tutu está bem? — Laura amava Arthur. Era o tipo de tio legal, que
sempre tinha um jeito especial de brincar com crianças e fazê-las rir. Também era o tio
que dava doces escondido e enchia de presentes. Ele e a esposa tinham decidido não
ter filhos, então meio que adotaram a minha como deles.

— Sim, tudo bem. — Ou melhor, eu nem sabia, né? Havia deixado meu amigo
na fossa ir para casa sozinho, enquanto tirava a virgindade de uma garota de quem eu
nem me lembrava.
Só de pensar, já me sentia péssimo.

Olhei ao meu redor, voltando a perceber que ela estava sozinha.

— Onde está a sua babá? — preocupei-me.

Laura deu de ombros.

— Ela foi embora ontem. Tia Helga falou que ela pediu de... de...

— Demissão? — confirmei, embora não fosse muito difícil de adivinhar.

— Isso! — ela exclamou animada, provavelmente não entendendo muito bem o


significado da palavra.

— Mas ela não ficou nem dois meses! — E eu sabia que não era culpa da minha
filha. Laura era uma criança ótima, que não dava muito trabalho. Só que, para ser
sincero, nunca fui muito com a cara daquela mulher. Severa demais, sem paciência.

Fora apenas uma escolha desesperada, porque Helga, que costumava cuidar da minha
filha, ficara doente e precisara ser substituída. Acabamos deixando a babá por tempo
demais. — Bem, precisamos contratar uma nova. Vou falar com Helga para fazer isso
por mim.

— Mas, papai, a tia Helga sempre cuidou bem de mim. Gosto dela. Não gostava
da babá. — Ela fez uma carinha emburrada que me comoveu. Levei a mão ao seu
rostinho, afastando uma mecha de cabelo.
— Nem toda babá vai ser igual, querida. Vamos nos certificar de contratar uma

pessoa jovem e que pareça legal, ta? Tia Helga não tem mais idade para dar conta de

uma garotinha cheia de energia que nem você.

Laura assentiu, não parecendo ainda muito certa de que deveria acreditar que
seria legal ter outra babá, mas beijei-a novamente e lhe expliquei que precisava ir à
empresa. Isso a deixou um pouco decepcionada, mas sempre era compreensiva com o
trabalho do papai.

Já pronto, desci e não encontrei Helga em lugar nenhum – deveria estar na


cozinha. Se eu passasse lá para falar sobre a babá, certamente me seguraria e me
obrigaria a tomar café da manhã, mas estava atrasado demais para isso. Mais tarde
entraria no assunto. Não planejava chegar em casa muito tarde.

Parti para a empresa e me embrenhei em minha sala, chamando Arthur. Pela sua
cara sorridente, a briga com a mulher já tinha passado, sem dúvidas.

— Como foi ontem? Se divertiu? — ele perguntou, sentando-se na cadeira à


minha frente e se colocando à vontade.

Olhei para ele com o cenho franzido.

— Você chegou a ver a mulher com quem eu saí? Eu estava completamente


bêbado — indaguei envergonhado, porque aquele não era um comportamento típico
meu.

— O quê? Não... não fazia ideia que você tinha saído com alguém. Eu peguei
um táxi e fui para casa, doidão, e pedi desculpas de joelhos pra patroa. Tem noção
disso? — Arthur começou a rir, como se a situação fosse muito engraçada. — Mas me

conta... rolou uma garota?

Merda, eu queria saber se ele tinha visto a mulher, se poderia descrevê-la...


Aquilo ia me atormentar por um bom tempo. Odiava não saber com quem tinha ido para
cama. Sentia-me violado, de alguma forma.

Fosse como fosse, iria confiar nos meus instintos e na minha responsabilidade,

mesmo sob o efeito do álcool.

Mas ainda havia aquela mancha no lençol. Disso eu nunca me esqueceria.

Aos trinta e três anos não esperava tirar a virgindade de ninguém, muito menos
que não estaria consciente do ato para tentar ser o máximo gentil possível.

Será que a garota se lembrava de mim, além de apenas um rosto adormecido

para o qual ela olhou? Será que se lembraria como seu primeiro? E por que diabos
decidiu se entregar a um estranho que conhecera em um bar?

Eram muitas perguntas, nenhuma resposta. E provavelmente eu nunca teria


porque dificilmente encontraria a garota de novo.

Ou assim eu pensava que seria...


CAPÍTULO DOIS

Era mais de meio-dia quando cheguei em casa, depois de enfrentar um ônibus


lotado, com pessoas vindo da praia, em direção a Vila Isabel, bairro do Rio de Janeiro
onde minha tia morava, e eu também, por consequência. O calor escaldante e a falta de
lugares para sentar já seriam suficientes para me deixar exausta, mas a ressaca e todos
os pensamentos que povoavam a minha cabeça, em relação ao que eu tinha feito, me
faziam querer simplesmente me jogar na cama.

Mas obviamente isso não me seria permitido. Mesmo que fosse um sábado, tia
Zenaide não me deixaria simplesmente descansar.

Quando tomei minha decisão de ir morar no Rio de Janeiro, sabia que a ideia
de pedir abrigo a esta minha tia em específico não seria a melhor ideia. Ela sempre foi
severa, ranzinza e aproveitadora. Assim que pisei na cidade e cheguei em sua casa, ela
praticamente me recebeu com uma vassoura e panos de chão na mão, repassando todo o
trabalho doméstico para mim. Quase uma Cinderella, com a diferença de que minha
intenção era encontrar um emprego, mas estava difícil.

Ela trabalhava em uma casa de família, e, na noite anterior, consegui sair com
Tatiane – sua filha e minha prima –, porque ela precisara passar a noite lá depois de

uma festa. Só que nós duas sabíamos que chegaria cedo, e o combinado era esse. Minha
prima foi ficar com seu namorado, e eu permaneci na balada. Não sabia o motivo, mas
imaginava que tinha a ver com o desconhecido que me levou para a cama.

No momento em que abri a porta, ela já estava me esperando com os braços

cruzados, e eu precisei me preparar para o sermão.

— Não sabia que tinha trazido uma puta para casa. — Uma gracinha, não?
Gentil, carinhosa, devotada... Ainda assim, eu lhe devia respeito.

— Me desculpa, tia — respondi com a cabeça baixa.

— Qual é seu argumento? Não conhece ninguém na cidade, sua prima estava

aqui... onde você estava? Com certeza com algum homem. E provavelmente um que
conheceu na noite passada! — ela discursava, indignada. — Esse foi o tipo de pessoa
que eu trouxe para a minha casa? Um lar de família?

Voltei meus olhos na direção de Tatiane, e ela abaixou a cabeça, envergonhada.


Não sabia se era de mim ou da minha mãe, afinal, porque ela fizera a mesma coisa que
eu: saíra de casa para uma balada, acabara transando com um cara. Só que a diferença
era que o tal cara era namorado dela há alguns meses.

E ela fora inteligente para voltar mais cedo.


— Tia, eu... — O que eu poderia dizer? Não tinha defesa. Ela estava certa.

Minha atitude fora completamente errada, e eu não poderia mentir porque não havia

nenhuma explicação ou mentira que justificasse o que eu fiz.

— Não quero saber de mais nada. Você nunca foi flor que se cheirasse, e eu
sabia muito bem o que esperar quando concordei que viesse para cá. — Ela suspirou
como se fosse uma mártir. — Vá tomar um banho e comece a trabalhar. A casa está
imunda e tem que lavar o quintal. E vê se tira essa coisa horrível do cabelo. Está

parecendo mais ainda uma prostituta! — afirmou com a voz alterada.

Sim, minha dor de cabeça teria que ficar em segundo plano.

Parti para o meu quarto, e Tatiane veio atrás de mim, fechando a porta.

— Prima, desculpa. Eu tentei te ligar um milhão de vezes...

Abri a bolsa e peguei meu celular, mostrando-lhe que tinha ficado sem carga. A

espertinha se esquecera de levar um carregador.

— Você deveria ter pegado um Uber e ido embora quando eu fui também —
Tatiane completou.

— Deveria, mas aparentemente conheci um cara.

Minha prima ficou boquiaberta e ainda arregalou os olhos.

— Como assim? Você saiu com alguém? — Assenti, sentando-me na cama. Ou


melhor, me joguei nela, cansada, querendo deitar, mas sabendo que isso só aumentaria a

minha preguiça e, aparentemente, eu tinha muito o que fazer. — Você realmente passou

a noite com alguém? — Tatiane estava tão abismada que chegou a erguer a voz, e eu fiz
um sinal para que falasse baixo. Tudo bem que tia Zenaide tinha concluído a verdade,

mas ela não precisava de uma confirmação.

— Passei, mas o bairro inteiro não precisa saber disso.

Tatiane levou as duas mãos à boca, chocada.

— Me conta tudo, mulher! Pelo amor de Deus! — Sentou-se ao meu lado,


animadíssima. Muito mais animada do que eu, aliás.

— Não tem muito o que contar. — Dei de ombros. — Eu fiquei bêbada. Não me
lembro de absolutamente nada.

— Como assim? Você entregou a virgindade a alguém e não lembra?

Assenti mais uma vez, enquanto mexia na alça da minha bolsa, focando meus
olhos nas ações dos meus dedos, porque não conseguia olhar para a minha prima, de
tanto constrangimento que sentia.

— Você sabe que eu não sou assim, Tati. Não sou o que sua mãe disse que sou
— minha fala era quase uma súplica. Era como se eu precisasse de uma afirmação para
me sentir um pouco menos pior.

— Óbvio que não é, querida. — Minha prima passou um braço pelos meus
ombros. — Não importa com quem você transa. Não importa com quantas pessoas saia.
Isso não te torna uma vadia. É a sua vida. Ninguém tem que se meter nela. O que me

deixou preocupava foi o fato de você não saber quem é o cara. E se fosse um louco?

Pois é. Esse foi todo o pensamento que me acompanhou durante minha volta
para casa e o que me fez demorar um pouquinho mais para chegar. Eu precisava de
tempo, então caminhei pelo calçadão. Não tinha a menor dúvida de que receberia um
sermão quando chegasse e que precisaria de um tempo sozinha.

Dei sorte, aparentemente. Não era meu ideal de princesa perder a virgindade
sem saber como tinha sido, mas ao menos eu estava segura.

— Pensa pelo lado positivo. Você não se lembra da dor também. A partir de
agora tudo vai ser mais fácil.

Não consegui conter uma risada.

— Faz sentido, prima. Ainda bem que eu tenho você para me animar.

Seus braços me apertaram com carinho, e eu fiquei um pouquinho ali, aninhada,


buscando o conforto que só uma pessoa a quem amamos muito pode nos oferecer.
Tatiane sempre foi a irmã que eu nunca tive. Quando ela e tia Zenaide moravam em
Serrania, a cidade em que vivi por toda a minha vida antes de tentar a sorte no Rio,
éramos inseparáveis. Quando meu tio faleceu, elas se mudaram, mas mesmo assim
nunca perdemos o contato.

Afastamo-nos, e minha prima passou a mão no meu rosto, de forma carinhosa.


— Não queria te deixar sozinha, mas preciso trabalhar. Chefinho vai fazer uma

reunião esta tarde e vai precisar de mim para alguns relatórios.

— Num sábado?

Ela suspirou, levantando-se.

— Ele não vive sem mim, aparentemente. E é um baita workaholic. Mas é


bonzinho. E nada mau de se olhar... — Não era a primeira vez que dizia isso.

Estava trabalhando para o cara – que eu não sabia quem era – há um ou dois
meses, mais ou menos, e estava satisfeita. Sorte a dela. Eu estava doida por um
emprego.

Tatiane saiu do meu quarto, indo para o dela, tomar um banho. O meu era o
único da casa que não tinha suíte, já que se tratava uma propriedade que tia Zenaide
herdara do marido, mas eu não me importava. Se ela fosse legal comigo, poderíamos

morar num barraco que eu estaria feliz e satisfeita. O problema era o quão cruel
conseguia ser.

Ainda com seus xingamentos em mente, rumei ao banheiro no final do corredor,


com algumas coisas na mão para também tomar um banho e começar a trabalhar na
casa, que era o que me restava.

Parei diante do espelho e vi as malditas mechas azuis no cabelo. Ele era bem
longo, chegando à cintura, e eu pintei só as pontinhas, o que fez um contraste legal com
o tom castanho amendoado que ele tinha normalmente. Fiz em casa mesmo,
descolorindo e pintando com uma tinta barata. Sabia que não iam demorar a sair,
depois de algumas lavadas, mas peguei uma tesoura e comecei a cortar.

Não concordava com minha tia de que aqueles pequenos detalhes me tornavam

menos digna ou honrada. E sabia que Tatiane estava certa ao falar que transar com
alguém também não me diminuía em nada. Só que não tinha mais graça. Não era um
cabelo colorido ou a perda da minha virgindade que me tornaria uma pessoa diferente.
Eu não precisava provar nada para ninguém. Eu tinha que ser quem eu quisesse ser.

Acabei com os cabelos na altura dos ombros, e eu não achei a aparência ruim.
Eles iriam crescer novamente.

A minha virgindade, por outro lado, não iria voltar. Mas eu não estava
arrependida. O que me restava era seguir em frente e tentar viver minha vida a partir
daquele momento, tendo em mente a lição de que grandes mudanças não acontecem de
uma hora para a outra. Eu ainda me sentia a mesma. Só o tempo iria me transformar.
Para o bem ou para o mal.
CAPÍTULO TRÊS

Não podia passar daquele dia. Eu precisava encontrar uma babá para Laura. Já
fazia três semanas que estávamos sem uma, e isso tinha que mudar. Não que minha filha
precisasse de alguém que a vigiasse vinte e quatro horas por dia, mas eu sabia que ela
se sentia muito sozinha, especialmente quando eu trabalhava nos finais de semana.

Helga era maravilhosa com ela, uma figura materna carinhosa e presente, mas

não era uma mulher jovem que conseguia segui-la e nem ajudá-la com os deveres de
casa, porque não tinha o estudo necessário para isso.

Pensando nisso, assim que cheguei à empresa, já quase atrasado para uma

reunião, porque precisei levar a pequena na escola – exatamente pela ausência de uma
babá –, escrevi um bilhete rápido para minha secretária, pedindo que ela me ajudasse
com isso. Não deveria ser uma atribuição feita a outra pessoa, já que eu era o pai e
precisava cuidar da minha própria filha, mas se não delegasse, do jeito que minhas
semanas estavam cheias, com até uma viagem agendada para o dia seguinte, não
conseguiria resolver o que eu considerava um problema bastante urgente. Fora por isso
que acabei protelando tanto.

— Bom dia, Tatiane — cumprimentei, quase assustando-a. Ela estava com a

cara enfiada em seus e-mails corporativos, aparentemente muito concentrada em algum


deles, provavelmente que lhe pedia algo.

Estava trabalhando com Tatiane há poucos meses, mas me sentia satisfeito com
a escolha. Ela era jovem, tinha vinte e três anos, mas era bastante competente e muito

esforçada. Dificilmente eu a via fazendo coisas aleatórias no horário de trabalho, era


muito pontual e se comportava perfeitamente em reuniões. Se continuássemos assim, eu
esperava consegui-la manter por um bom tempo e, eventualmente, indicá-la para ser
promovida para algum outro setor, caso fosse seu desejo.

Exatamente por isso, confiava que iria me ajudar com a tarefa da melhor forma
possível. Sem contar que fora extremamente carinhosa quando levei Laura na empresa.
Gostava de crianças e não iria negligenciar a importância do que pedi que fizesse.

— Desculpa jogar a bomba assim, mas preciso correr para a reunião. Se puder
me ajudar com isso, vou ficar eternamente grato...

Deixei-a lendo meu bilhete e me dirigi ao elevador, que ficava no salão, onde
também se localizava a mesa dela.

Enquanto eu aguardava, já quase decidido a descer os quinze andares de


escada, ouvi a voz de Tatiane:
— Senhor... — Olhei para ela, esperando que não demorasse muito a falar o

que tinha que dizer. Quando percebeu que lhe dirigia toda a minha atenção, prosseguiu:

— Eu tenho uma prima que está desempregada. É super responsável, adora crianças e
veio do interior. O senhor não teria problemas com ela.

Cheguei até a parar, colocando a mão no sensor do elevador para prender a


porta no andar por alguns minutos.

Uma prima de Tatiane? Seria uma solução perfeita, não? Uma indicação de uma

pessoa de confiança e não uma babá de agência, que sempre eram mais frias, com um
tratamento menos pessoal. Minha garotinha precisava de alguém que fosse
completamente dedicada a ela, que se tornasse quase uma amiga.

— Quantos anos ela tem? — perguntei, interessado.

— Dezenove, senhor. Mas ela é muito responsável, posso garantir. E confesso


que essa parte de ter que morar na sua casa seria perfeito, porque ela chegou no Rio há

algumas semanas, tem ficado na minha casa, mas minha mãe é bem difícil...

Dezenove anos? Era um pouco jovem demais.

Mas eu sentia sinceridade no discurso de Tatiane e sabia que ela não iria
indicar alguém que não fosse realmente responsável, tendo em mente que se tratava da
minha filha e que eu ficaria muito desapontado caso as coisas dessem errado. Sem
contar que Helga entrevistaria a menina, e eu confiava plenamente na minha governanta.

— Tudo bem, Tatiane. Por favor, passe o meu endereço à moça e peça que
compareça à minha casa amanhã às dez da manhã. Ela vai ser recebida pela minha
governanta. Vou avisá-la também.

Minha secretária abriu um sorriso enorme, dando-me a entender que sua prima

realmente precisava daquele emprego. Bem, ao menos seria uma coisa boa ajudar uma
pessoa que estava tão necessitada.

Sabia que Tatiane era uma garota batalhadora e que ajudava muito a mãe que
trabalhava em uma casa de família. Esperava que a tal prima tivesse o mesmo jeito de

ser.

Com um meneio de cabeça para a minha secretária, que já estava usando seu
celular, provavelmente para se comunicar com a outra garota, finalmente peguei o
elevador.

Passei o dia inteiro em reuniões atrás de reuniões, almoçando com um cliente


importante e mal conseguindo parar para conversar com Helga sobre a babá. Mas foi

melhor assim, porque o fiz quando cheguei em casa.

Isso, obviamente, depois de ser recebido por uma coisinha acelerada e cheia de
energia, que pulou no meu colo, agarrando-me como se não me visse há dias.

— Como foi no trabalho, papai?

Ela era uma gracinha. Sempre perguntava a mesma coisa, e eu lhe explicava
basicamente o que fazia, esperando conversar com ela como se fosse uma adulta,
embora soubesse que não entendia metade do que eu dizia. Ainda assim, era atenciosa e
ficava balançando a cabecinha. Às vezes sua atenção se perdia, e ela se concentrava na
boneca em seu colo ou em qualquer ponto aleatório do local onde estávamos, com se a

parede fosse mais interessante do que o meu relato, mas eu tinha a impressão de que,
um dia, minha garotinha seria uma mulher de negócios, porque em alguns momentos eu

a pegava interessada em algumas das coisas que fazia, por mais que as contasse para
ela da maneira mais lúdica possível.

Quando nos demos por satisfeitos daquele contato inicial, fomos tomar banho –

eu, sozinho, e ela, ajudada por Helga –, e nos reencontramos à mesa do jantar, onde foi
sua vez de me contar sobre seu dia na escola.

Era tagarela, e provavelmente acreditava que eu precisava saber sobre cada


mísero detalhe. Além de ser uma pequena dramática, porque a história de um lápis com
a ponta quebrada se tornava quase uma peça trágica de Shakespeare, com caras e bocas
e gestos, o que me fazia sorrir.

Talvez Laura não acabasse atrás de uma mesa de empresa, mas, sim, num palco,

atuando.

Deixei que contasse tudo de suas aventuras no colégio e um pouco do que fizera
quando chegara em casa, o que durou o jantar inteiro. Às vezes ela se perdia falando, e
eu precisava incentivá-la a comer, ou a comida esfriaria, e ela não jantaria o suficiente.

Considerava-me um pai atento, na medida do possível. Não era fácil conciliar


uma empresa de sucesso, que exigia muito da minha atenção, com uma garotinha que
também não só exigia, mas precisava de mim. Tentava dar o meu melhor, só que sabia
que nem sempre era o suficiente.

Quando Helga veio tirar a louça, aproveitei e pedi que se sentasse conosco,
porque precisava falar com ela. Seria bom que Laura estivesse presente, porque ela era

parte da situação e precisava estar a par de tudo.

— Hoje pedi a Tatiane, minha secretária... — Virei-me para Laura, para falar
diretamente com ela. — Você a conheceu, querida. Lembra?

— Siiiiiim! Ela é muito legal. Me deu pirulito e balas.

Revirei os olhos. Eu sabia que a gaveta de Tatiane vivia cheia de doces,


porque, à tarde, ela gostava de ter algo para beliscar, principalmente quando as coisas
ficavam mais entediantes. Eu mesmo já tinha me beneficiado desse seu arsenal de
glicose.

— Exatamente. Eu pedi a ela que me ajudasse a encontrar uma babá para você,

e acabei descobrindo que tem uma prima precisando de emprego. Pedi que ela viesse
pela manhã, antes de você sair para o colégio, para que possam se conhecer. Se você e
Helga gostarem dela, podemos tentar. O que acha?

— Ela é legal que nem a Tatiane? — Laura perguntou, esperançosa.

Eu sabia que a história de uma nova babá não a estava agradando, porque a
última não fora exatamente legal. O fato de ela conhecer Tatiane poderia ser algo a
favor dessa moça, de quem eu nem sabia o nome, porque pareceu mais interessada.
Claro que não era uma certeza de que a tal prima seria uma boa escolha, mas, ao
menos, minha filha não se opôs de cara.

— Não a conheço, querida. Mas Tatiane disse que é ótima. — Então me virei
para Helga e a avisei: — Vou precisar que você a entreviste, tudo bem? Amanhã estarei

em viagem. Poderia esperar, mas quero resolver isso logo. Já faz três semanas que
estamos neste impasse.

— Claro, senhor. Pode ficar tranquilo. — Não dava para ficar completamente
“tranquilo”, porque eu queria estar presente na contratação da babá da minha filha, mas

não seria possível.

Por muito tempo me martirizei por não conseguir dar conta de tudo a respeito
dos meus dois mundos – pai e empresário, especialmente sendo viúvo –, mas, com o
tempo, fui aprendendo que eu poderia conciliar as duas coisas, contanto que não me
desesperasse e não sofresse por não conseguir fazer tudo sem ajuda.

E eu poderia jurar que era bem sucedido. A empresa era uma das maiores do

país, e por mais que eu não pudesse levar o crédito sozinho, já que ela começara com
meu avô, décadas atrás, tornou-se o verdadeiro império sob a administração do meu
pai, principalmente quando comecei a trabalhar com ele, trazendo ideias inovadoras e
mais modernas.

No quesito paternidade... era só olhar para a minha garotinha, a quem eu criava


sozinho desde que ela tinha um aninho – com a imprescindível ajuda de Helga – para
ver que tudo estava dando certo também. A menina era educada, estudiosa, carinhosa e
esperta. O que mais eu poderia pedir?
Só esperava que aquela babá fosse uma boa influência e que tratasse minha filha

com o amor que ela merecia. Quem sabe não teríamos uma surpresa com a tal prima de

Tatiane?
CAPÍTULO QUATRO

Respirei bem fundo assim que o Uber parou diante do belíssimo condomínio
onde ficava a casa – ou melhor dizendo, mansão – do chefe de Tatiane.

Todas as informações que minha prima me passara foram o endereço, a pessoa


com quem eu teria que falar – Helga, uma espécie de governanta – e que a garotinha de
quem eu teria que cuidar era uma gracinha. Também me falou o salário, e eu fiquei

quase chocada. Era muito dinheiro para ser babá. Eu costumava cuidar das crianças de
Serrania por muito, muito menos, quando ainda estava no Ensino Médio e queria ganhar
um dinheirinho a mais.

Tatiane parecia tão empolgada que nem me dissera o nome do patrão dela, mas
isso não importava, com certeza, porque eu poderia descobrir com a governanta, caso
fosse contratada. Além do mais, eu já sabia que ele era um cara legal, por todos os
elogios que tinha ouvido da minha prima.

Entrei no condomínio, autorizada, e caminhei até a casa 15, que era a que
pertencia a eles. Toquei a campainha e fui recebida por uma coisinha pequena, com
lindos cabelinhos lisos e castanhos, além de olhinhos enormes e curiosos.

Provavelmente aquela era Laura.

— Você é a minha nova babá? — ela perguntou sem nenhum pudor, ainda
parecendo muito confusa, muito interessada na minha resposta.

Sorri abertamente, porque ela era muito fofinha e especialmente porque estava

agarrada a uma boneca de pano que parecia demais com uma que eu mesma tivera
quando criança.

Curioso pensar que aquela menininha que tinha tanto, que morava em uma
mansão enorme, era apegada a um brinquedo pelo qual eu, um dia, também tive um
amor imenso. Deixei-a em Serrania, aliás, mas não tive coragem de me desfazer dela.

— Talvez. Vai depender da D. Helga. Espero que ela goste de mim.

A garotinha abriu a porta para que eu pudesse passar, e imediatamente me


deparei com uma entrada imensa e muito bonita. Havia um espaço grande, cheio de
verde e com um caminho de pedras delicado, que levava à porta principal.

A pequena Laura parou, antes de me deixar continuar, cruzando os bracinhos,


desconfiada.

— A minha antiga babá não era muito legal. Você é legal?


Precisei conter minha risada, porque mais parecia um interrogatório muito

sério, especialmente porque ela estava com o cenho franzido, em uma imitação de

adulto zangado muito competente.

Agachei-me à sua frente, pousando minha bolsa no chão.

— Acho que isso você é que vai ter que dizer com o tempo. Mas eu gosto de
brincar... — Claro que fazia muito tempo que eu não brincava, mas seria prazeroso
passar um tempo lúdico com uma criança.

Ela arregalou os olhos.

— Gosta? Porque você é grande para brincar! — Mais uma vez contive o riso.

— E tem isso? Todo mundo pode brincar se quiser. É só ter a companhia certa.
Algo me diz que você é uma ótima amiga para se divertir.

Laura pareceu animada. A carranquinha desapareceu, substituída por um

sorriso. Este durou pouco, porque ela pareceu de novo desconfiada.

— Você também é bonita demais para ser babá.

Ok, daquela vez o riso escapou sem que eu nem percebesse.

— Obrigada pelo elogio. Mas eu não sabia que babás não podiam ser bonitas.

— Não é isso, mas eu só tive uma até hoje, e ela não era bonita. Não era
nadinha bonita. — Laura começou a balançar seu rostinho de um lado para o outro,
com os olhos arregalados, dando a entender que a mulher realmente era desprovida de

uma boa aparência.

— Às vezes as pessoas são bonitas de outro jeito, sabe? De repente sua antiga
babá tinha sua própria beleza, mas de um jeito diferente.

Laura levou o dedinho à boca, pensativa.

— Ela tinha um cabelo bonito. Bem compridão, preto, ondulado, sabe? —


Imitou o comprimento do cabelo e das ondas do mesmo com sua mãozinha, e eu já
estava encantada por ela.

— Viu? — Não conseguindo resistir, apontei para a boneca que ela segurava
com tanta força contra o peito. — E essa aqui? É sua melhor amiga?

— Não! — alterou-se. — Minha melhor amiga é a Betina, do colégio. Ela me

mata se eu falar que outra pessoa tomou o lugar dela.

— Até mesmo uma boneca? — Arregalei os olhos, em uma expressão


exagerada.

— Simmmm. A Betina é muito ciumenta!

Em algum momento daquele nosso relacionamento, se eu me tornasse mesmo


babá de Laura, precisava começar a lhe alertar que a amizade com a tal de Betina não
era lá muito saudável.
— Mas posso ver essa boneca? — pedi com cuidado e carinho, e Laura

finalmente me entregou o brinquedo.

O sentimento de nostalgia me afetou profundamente, porque a minha boneca,

embora não fosse igual, era bem parecida. A cor dos cabelos era diferente, porque a
minha era loirinha, e a de Laura tinha cachos pretos e era negra. Linda. Com olhinhos
de jabuticaba e uma roupinha cor de rosa.

— Eu tenho uma boneca muito parecida com essa, sabe?

— Você? Uma adulta? — outra vez ela se surpreendeu.

— Bem, eu tinha quando criança. Só que a guardei. Está na casa da minha mãe.
Ela mora em outra cidade — expliquei.

— Eu não tenho mais mamãe. Papai do céu levou a minha quando eu era muito
pequenininha. Meu papai diz que é porque ela era muito boa, que precisava ajudar os

anjinhos a cuidarem de outras pessoas.

Era uma forma bonita de falar sobre a morte para uma criança. Fosse quem
fosse o pai dela, já o admirava por isso.

— Sim, querida. Seu papai está certo.

Pensei que o assunto ia ficar pesado, mas Laura abriu outro sorriso. Era
impressionante como crianças conseguiam mudar de humor em um piscar de olhos.
— Qual era o nome da sua? — ela perguntou, apontando para a boneca que

ainda estava nas minhas mãos.

— Godofreda.

Laura arregalou os olhos.

— Que nome feio! A minha se chama Princesa Stephanie Jennifer. Não é


bonito?

— Ah, é lindo e...

Eu ia dizer mais alguma coisa, mas uma mulher de meia idade, muito distinta, de
cabelos brancos, repuxados em um coque, e olhos claros, surgiu. Ela tinha um sorriso
maternal no rosto, enquanto olhava para mim.

— Vejo que está sendo bem entretida, senhorita — ela falou polidamente, e eu
me coloquei ereta, devolvendo a boneca a Laura.

— Muito bem. Laura é uma ótima anfitriã. E você pode me chamar de Elisa, por
favor.

— Ah! Elisa é um nome bonito! — a criança comentou. Era seu segundo elogio
para mim. Isso me deixou satisfeita. — Eu gostei dela, tia Helga! Quero que seja minha
babá!

Uau! Três elogios? Eu poderia considerar uma imensa vitória. Só que não
dependia da criança, é claro. Seria a mulher que iria definir se eu era adequada para o

cargo ou não.

Para ser sincera, não estava muito confiante. Eu era muito jovem e não tinha

toda a formalidade que uma mansão como aquela pedia, principalmente a julgar por sua
governanta. Aliás, quem tinha uma governanta no século XXI?

Exatamente por isso, minhas esperanças não eram muito grandes, e a ideia de
não conseguir o emprego já não era mais tão ruim só porque eu precisava do dinheiro e

de um lugar para ficar – o que a vaga oferecia. Eu tinha gostado muito da garotinha.
Seria um prazer imenso trabalhar com ela.

Helga estendeu a mão para mim.

— Entre, querida. Vamos conversar no escritório do patrão. — Então se virou


para Laura: — Enquanto isso, mocinha, vá terminando de arrumar as coisas para a
escola, ok? Nada de se atrasar para o almoço hoje.

A menina assentiu obedientemente e saiu correndo, enquanto entrávamos na


casa. Antes que pudesse começar a subir os degraus, virou para mim com um sorrisinho
travesso e acenou, meio que se despedindo. Retribuí o gesto sentindo meu coração
explodir de fofura.

Que coisinha mais doce ela era!

Helga guiou o caminho, e nós seguimos em silêncio. Ela não parecia uma
daquelas mulheres severas, mas andava com uma postura extremamente correta, com
aquele cabelo penteado perfeitamente, e com uma roupa impecável. Não se tratava de
um uniforme, o que eu achei bom, mas aquele não era o meu perfil. Eu era muito jovem,

estava usando uma calça jeans – que era a minha melhor –, e por mais que tivesse
pegado uma blusa emprestada com Tatiane, algo mais social para parecer mais séria, eu

sabia que minha idade pesaria na hora da contratação.

Chegamos ao escritório do homem, e fui convidada a me sentar em uma das


cadeiras. Helga não ousou sentar-se na que estava do outro lado da mesa, mas se

acomodou ao meu lado.

— Foi proposital deixar Laura abrir a porta, sabe? Queria ver a interação de
vocês duas. — Aquilo não me surpreendeu. Era fácil perceber que aquela mulher não
era boba nem nada. — Perdão por ficar ouvindo escondida. Não posso nem dizer que
não era a minha intenção, porque não seria verdade.

— É o seu trabalho — afirmei, verdadeiramente tranquila.

— Gostei da forma como lidou com ela. As coisas que disse. Laura é uma
menina maravilhosa, mas sei que se sente sozinha. Como não dá muito trabalho, eu
poderia muito bem dar conta, mas meu patrão quer alguém que lhe faça companhia.
Alguém de quem ela goste e com quem possa conversar. — Ela fez uma pausa. — Não
estou reclamando da pessoa que cuidava dela antes, porque era uma babá bastante
decente, só que não tinha o carinho que a menina precisa.

— Ela parece bem carente. — Eu não era uma especialista em crianças, mas
Laura era expressiva e não era difícil perceber que precisava de carinho a atenção.
— Garanto que não é culpa do pai. Ele faz o que pode, e é muito bom com ela.

Trabalha muito, sim, mas todo o tempo livre que tem passa com a filha. É um ótimo

patrão, você não terá problemas.

— Não terei? — Era uma afirmação ou havia um “se você for contratada”. —
Isso quer dizer que tenho uma chance? — perguntei, feliz.

A mulher sorriu.

— Você foi bem recomendada por uma pessoa de confiança. Teve uma boa
interação com Laura, e ela não é muito aberta a pessoas novas, especialmente adultos.
Vamos fazer uma experiência, ok? Estarei supervisionando durante esse tempo, mas
creio que teremos uma relação muito boa.

Eu não poderia estar mais feliz. Era o emprego dos sonhos. Uma garotinha fofa
que estaria sob meus cuidados, uma supervisora gentil, um patrão que, aparentemente,
era bem gente boa, uma casa linda, na qual eu poderia morar e sair da asa da minha tia,

além de um salário ótimo.

O que mais eu poderia pedir? Só para que desse certo e que nada atrapalhasse
aquela nova fase.
CAPÍTULO CINCO

De acordo com Helga, eu precisaria ir à empresa onde Tatiane trabalhava, no


dia seguinte, porque a chefe de RH de lá seria a pessoa a assinar minha carteira, me dar
o contrato e explicar os benefícios. Eu teria que fazer um exame médico admissional,
mas, aparentemente, era algo apenas burocrático. Pelo que minha prima me dissera, o
cara sequer media nossa pressão, apenas assinava um papel.

Bem, e eu era uma pessoa saudável, não tinha nada a temer.

Assim que eu saísse da empresa, com a carteira assinada, precisava partir para
a mansão novamente, para começar imediatamente, porque eu teria que buscar Laura no
colégio. Havia um motorista designado a isso, mas nem sempre ele poderia, porque
precisaria servir ao patrão, e o fato de eu ter carteira de motorista também acabou
sendo um diferencial.

Estava arrumando minhas malas, porque já precisaria levar minhas coisas para
a empresa, na manhã seguinte, porque iria direto para a casa da família em seguida,
com Tatiane me ajudando, quando minha tia chegou.

Eu a ouvi bater à porta sempre com força, com o mau humor de sempre, e foi
direto à cozinha, provavelmente para beber água ou algo assim. Eu e minha prima nos

entreolhamos, já sabendo que a presença dela nos causaria alguns problemas. Não
tínhamos lhe contado que eu havia arrumado emprego e que sairia de sua casa. Ou
seja... que ela perderia sua serviçal.

— O que diabos vocês duas estão fazendo? — Precisei fechar os olhos, porque

a voz estridente dela praticamente soou dentro dos meus neurônios.

— Elisa está fazendo as malas, mãe — Tatiane respondeu por mim.

— E para onde ela vai? — novamente a pergunta feita uma oitava acima.

Olhei para a minha tia e a vi com uma garrafa de cerveja barata na mão. Ela mal
tinha chegado e pegara álcool – um claro sinal de que seu dia tinha sido estressante.

Não que fosse alcoólatra, longe disso, mas sempre que algum problema surgia em seu
emprego, ela buscava refúgio na cevada. Não a culpava. Se isso a relaxasse, eu
incentivaria, mas só parecia deixá-la mais ranzinza.

— Consegui um emprego, tia. Vou trabalhar de babá na casa do chefe da Tati


para cuidar da filhinha dele de cinco anos. Ela é um amorzinho e...

— Desde quando você tem responsabilidade para cuidar de crianças? — ela me


interrompeu, e eu precisei respirar fundo para não soltar fumaça pelas ventas.
— Já trabalhei de babá antes e, até onde eu sei, as crianças estão vivas até hoje.

— Minha paciência tinha limites. Eu sabia que devia muito a ela, mas não iria aguentar

desaforos infundados.

— Estarem vivas é uma coisa, outra muito diferente é o tipo de exemplo que
você deu para elas.

Que Deus me perdoasse, mas se não fosse minha tia e se eu não tivesse o
máximo de respeito por ela, eu a mandaria tomar naquele lugar.

— E você vai ter que morar lá?

Senti uma espécie de preocupação no seu tom de voz. Exatamente como eu


pensei anteriormente, a mulher obviamente não iria gostar da ideia de perder alguém
que fazia tudo na casa; que preparava a jantinha para quando ela chegasse do trabalho,
que deixava tudo limpinho...

Eu não me importava em nada em fazer tudo isso, o maior problema era a forma
como eu era tratada. E de graça.

— Vou, sim. Terei folgas aos domingos.

— Cuidado. Veja se controla esse seu fogo, viu, menina? Um ricaço bonitão,
pelo que sua prima diz? Não pense que eles gostam das que caem no teste do sofá e...

Aquilo foi a gota d'água. Levantei-me da cama, onde estava sentada organizando
a mala e me aproximei da minha tia. Ela se surpreendeu, porque nunca a enfrentei
daquela maneira.

— Estou cansada dos desaforos que me diz. Cansada de ser humilhada. Um dia
ainda vai se arrepender, tia, do que está fazendo comigo. Poderíamos ser boas uma para

a outra. Nunca pedi nada além de um abrigo e paguei por isso. Trabalhei à beça nas
últimas semanas para que tudo ficasse impecável. Só que agora chega. Vou seguir meu
caminho — falei com firmeza.

Ela continuou surpresa, chegando a olhar para Tatiane, mas minha prima estava

impassível, com aquela expressão de quem não quer se meter na treta.

Por alguns segundos jurei que ela iria perder a pose, que iria me pedir
desculpas ou simplesmente fugir do embate, mas se empertigou novamente e me olhou
de cima, como se eu fosse muito inferior:

— O tempo vai te fazer aprender, menina, que eu não me engano. É bom mesmo
que vá embora desta casa. Nunca tive obrigação de fazer o que fiz, mas te ajudei e olha

como sou retribuída. Não quero mais você aqui, Elisa. Amanhã, quando for embora,
pense que se der errado lá com o seu patrão milionário, é melhor que volte para
Serrania. Não vou te acolher de novo — dizendo isso, ela simplesmente saiu, batendo a
porta do quarto que me reservou por alguns dias, por pura caridade, deixando-me
sozinha com Tatiane, ambas boquiabertas.

— O que foi que eu falei de tão errado assim? — perguntei, depois de ter me
virado para Tatiane, que estava ainda chocada. Como minha prima decidiu não
responder nada, voltei para a minha mala, resignada. — Espero que as coisas dêem
mesmo certo lá na casa do seu chefe, porque eu definitivamente não quero voltar para
Serrania.

— Não vão dar errado, prima. Como eu sempre digo, O Sr. Valcácer é muito

legal e...

Eu simplesmente não ouvi mais nada do que ela disse. Minha atenção ficou
completamente focada no sobrenome que fora falado.

Valcácer...

Meu Deus, só podia ser engano ou uma pegadinha.

— Prima, o que você disse? — perguntei, chegando a assustá-la pelo meu


desespero.

— Que você vai se dar super bem no emprego e... — Eu nem tinha ouvido essa
parte da conversa. Provavelmente ela dissera isso depois que meu cérebro parou de

funcionar ao ouvir o sobrenome do meu futuro chefe.

— Não. O nome. Que nome você falou?

— Valcácer. Gabriel Valcácer é o nome do seu novo patrão.

Precisei me sentar por alguns segundos antes que despencasse no chão. Ou


melhor, eu praticamente me joguei, levando as duas mãos à cabeça, porque ela estava
girando de tal forma que eu poderia jurar que acabaria desmaiando.
Não era possível... que tipo de destino louco era capaz de pregar aquele tipo de

peça em uma pessoa? Como, em uma cidade do tamanho do Rio de Janeiro, duas

pessoas conseguiam se reencontrar em uma situação tão constrangedora?

E o pior... se ele lembrasse de mim? Com certeza não ia querer a doida que lhe
entregou a virgindade sem nem lhe conhecer como babá de sua filha.

Mas e eu? Será que eu queria trabalhar para ele, depois de tudo o que tinha
acontecido? Como olharia para o único homem com quem fui para a cama na vida –

embora não me lembrasse de nenhum segundo nem do nosso encontro e nem do sexo em
si – e simplesmente fingiria que estava tudo bem?

— Elisa, pelo amor de Deus... o que houve? Você ficou pálida! — Minha prima
se colocou à minha frente, levando as mãos aos meus braços, apavorada.

Ergui os olhos para ela, hesitando em responder. Mas eu precisava. Tinha que
colocar aquilo para fora ou iria me consumir.

— Gabriel Valcácer é o cara... o cara com quem eu perdi a virgindade naquela


noite.

Pronto... Tatiane tinha entendido o motivo do meu desespero. Seus olhos


castanhos se arregalaram, e ela se sentou novamente do meu lado. A cena deveria ser
engraçada – as duas catatônicas, paradas, olhando para a porta que minha tia acabara
de fechar, completamente perdidas, em silêncio.

Ela foi a primeira a se manifestar, afinal.


— Que coisa mais louca. Como é possível? Você tem certeza?

— Olhei para ele quando acordei. Ainda estava dormindo, mas reconheci.

— Pelo amor de Deus, Elisa. Você sabe que eu trabalho na VC! Como não ligou
o nome da empresa ao CEO dela? — Tatiane alterou-se.

— Porque não consegui associar. Sempre que vejo a cara do bendito em algum
lugar nunca leio a notícia em si, nunca cheguei a ver o nome real da sua empresa.

Sempre achei que fosse Valcácer mesmo. Provavelmente eu até o reconheci quando
estava bêbada, mas não consigo me lembrar de nada.

— Ao menos até bêbada você tem bom gosto — ela tentou um comentário bem-
humorado, mas eu revirei os olhos. — Desculpa, desculpa.

Respirei fundo, meio que sem saber o que fazer. Sentindo-me um pouco mais
firme, sabendo que não iria despencar desmaiada no chão, levantei-me e comecei a

andar de um lado para o outro, desvairada, inquieta e preocupada.

— O que eu vou fazer, Tati? Não posso trabalhar para o cara! Seria muito
constrangedor! — afirmei, sentindo-me completamente perdida.

— E também não pode negar o emprego, prima. A não ser que ele não queira
que você trabalhe lá, é a sua melhor opção. Acabou de ouvir o que a minha mãe falou.
Sabe que ela não vai mudar de ideia.

Sim, eu sabia. Conhecia bem tia Zenaide, e ela era a pessoa mais rancorosa que
conhecia. Especialmente quando seu orgulho era colocado à prova.

Eu sabia de tudo isso. Não era mais bem-vinda na casa onde estava morando e
não tinha mais para onde ir. Além de tudo isso, o rostinho esperançoso de Laura não

saía da minha cabeça. Nossa conexão fora imediata, e eu sabia que podia ser boa para
ela. Sabia que seríamos amigas e que eu levaria minha função de cuidar dela muito a
sério.

Não havia como voltar atrás. Eu precisava do emprego. A garotinha precisava

de mim. Se eu tivesse a sorte de Gabriel Valcácer não se lembrar de mim; se tudo


ficasse apenas na minha consciência, eu teria que dar um jeito de lidar com a situação e
aceitá-la.

Mas que o destino era um filho da mãe... isso ele era.

Só que precisei esquecer essa parte completamente e engolir minha vergonha no


momento em que toquei mais uma vez a campainha da mansão dos Valcácer, pronta para

começar meu trabalho e minha nova vida.


CAPÍTULO S EIS

Fui recebida por uma Helga muito solícita e por uma Laura que mais parecia
uma pipoquinha, pulando ao meu redor e falando sem parar. Queria estar mais propícia
a parecer alegre e temia que a menina acreditasse que eu não estava satisfeita por ser
sua babá. Não era isso, nem de longe. Sem dúvidas seria adorável cuidar dela, mas
meu problema era outro.

Meu problema era seu pai.

Aparentemente, o Sr. Valcácer ainda não tinha chegado de viagem, mas avisara
que estaria presente para o jantar. De acordo com Helga ele dificilmente se ausentava
por muito tempo, a não ser que fosse algo realmente muito necessário. Ou seja... eu o
veria naquela noite.

Helga me mostrou meu quarto, e eu fiquei abismada com o tamanho absurdo do


cômodo. Ele ficava próximo ao de Laura, porque obviamente seria bom eu ficar atenta
a ela durante a noite também, mas não se parecia em nada com o quarto de uma
funcionária.

Havia uma cama enorme bem ao centro, coberta com lençóis sóbrios, que
combinavam com a pintura, também discreta, mas tudo de bom gosto. Havia colunas de

ferro preto, onde se poderia colocar um dossel, mas mesmo sem, a elegância era
evidente.

Muitas almofadas, um tapete felpudo, um armário generoso, uma cômoda


espaçosa, uma escrivaninha de tamanho considerável... mais parecia um quarto de boa

qualidade de um hotel. Seria tudo um sonho, sem dúvidas, se não tivesse potencial para
se tornar um pesadelo.

— Gostou, Elisa? — a vozinha de Laura interrompeu meus pensamentos, e eu


olhei para ela, tentando a minha melhor imitação de um sorriso.

— Amei. Parece tão confortável.

A mãozinha pequena entrou dentro da minha, começando a me puxar.

— Agora vem conhecer o meu! — ela falou, super entusiasmada, mas Helga
ergueu a mão, impedindo-a.

Aparentemente, a governanta exercia uma posição poderosa de autoridade para


a menina, mas sem ser severa. Os olhares que lançava para a criança eram sempre
muito carinhosos, e era visível o amor que sentia, como se fosse uma avó.

— Querida, a Elisa precisa arrumar as coisas dela — alertou com um tom


suave, que não parecia uma reprimenda, mas um aviso.

— Ah, tia Helga, mas ela pode fazer isso depois, né? Queria mostrar minhas
outras bonecas...

Helga olhou para mim, com um sorriso indulgente, deixando a escolha nas
minhas mãos.

Em qualquer outra ocasião, eu estaria me divertindo e me deleitando com o

jeitinho daquela pequena, mas não conseguia afastar o foco do verdadeiro problema –
do quanto temia o momento em que seu pai iria chegar. Não conseguia parar de pensar
em como seria se me reconhecesse, se me achasse uma abusada por ter aceitado o
emprego mesmo sabendo quem ele era. E se fosse grosseiro na frente de sua filha? Se
me escorraçasse da casa no meio da noite? O que eu faria? Não tinha dinheiro para um
hotel, o máximo que poderia fazer seria pedir ajuda a Tatiane, mas não queria lhe dar
mais trabalho do que já tinha dado.

No final das contas, a distração que Laura me proporcionaria poderia ser uma
boa ideia para que eu ficasse com a cabeça ocupada.

— Por mim tudo bem. Posso deixar para me instalar mais tarde — falei para
Helga. Era até melhor assim, né? Imagina o trabalho que eu não teria para arrumar as
roupas todas nos armários só para ter que tirá-las depois quando Gabriel Valcácer me
expulsasse?

A mulher assentiu, e eu deixei minhas malas no quarto que – com sorte – seria
meu, e parti com Laura.

Nossos quartos realmente ficavam um ao lado do outro, e quando ela abriu a


porta eu me vi diante do sonho de qualquer criança. Era mais do que certo que eu já

sabia duas coisas sobre Gabriel – fora o óbvio e que as outras pessoas também sabiam
sobre sua aparência e fortuna. Além de ficar bêbado em bares e levar moças
desconhecidas para a cama, o cara também era louco pela filha, e isso era visível só
pelo cuidado que tivera com o cômodo onde ela devia passar a maior parte do tempo

em que estava em casa.

Ao menos eu, se fosse tão criança quanto ela era, e tivesse um local como
aquele, nunca mais sairia.

Havia bonecas espalhadas por toda parte, tudo era colorido, e em um cantinho
fora construído um balanço, que ela deveria adorar. Borboletas multicores caíam do
teto, e tudo parecia tão mágico, que eu me senti dentro de um livro de fantasia. Eu me
sentia uma princesa.

— Não é lindo? — a menina perguntou, e quando a olhei, estava com os


olhinhos brilhando, orgulhosa como se ela mesma tivesse construído cada parte daquele
espaço encantado.

— É maravilhoso. Você é uma garotinha de muita sorte.

— Eu sou mesmo! — ela gritou, animada, e deu alguns pulinhos. — Agora


deixa eu te apresentar minhas bonecas. Eu sou bem melhor escolhendo nomes do que
você.

E, exatamente como eu imaginei que aconteceria, a companhia de Laura me fez


esquecer um pouco o enorme problema que eu enfrentaria horas depois. Ela foi me

mostrando suas bonecas, contando sobre suas brincadeiras favoritas, falando sobre o
quanto suas amigas adoravam seu quarto... Se deixasse, ela me contaria sua vida inteira
em uma única tarde, sem parar, praticamente sem respirar.

Só que aquele tempinho gostoso com a criança não me causou uma amnésia.

Quando precisei voltar ao meu quarto, para me arrumar para o jantar, porque o Sr.
Valcácer estava chegando, fiquei andando de um lado para o outro, em círculos,
tentando pensar e ensaiar como reagiria em cada uma das possíveis situações: se ele
me reconhecesse e se não me reconhecesse.

Só que como eu poderia me preparar para algo assim? Não era apenas um fato
isolado, mas havia milhares de consequências que cada uma das hipóteses poderiam
desencadear, e eu simplesmente não conseguia me preparar psicologicamente para

nenhuma delas.

O que me restou foi tomar um banho e caçar uma roupa dentro das malas –
porque não tive tempo de arrumar nada, já que Laura realmente me monopolizou –,
tentando optar pela menos amassada, e me aprontei da forma mais distinta possível. Se
Gabriel me reconhecesse, queria que me achasse digna de cuidar de sua filha, embora,
obviamente, a forma como eu me vestia ou me maquiava não tivesse nada a ver com
isso. Só que meu inconsciente começava a me pregar peças e me dar as ideias menos
óbvias possíveis.
Tanto que saí do quarto com um vestido preto super comportado, sem decote, na

altura do joelho, que pertencera à minha mãe. Se não estava muito enganada, fui a um

velório com ele, em Serrania, e nunca mais o devolvi. Ele não ficava horrível em mim,
porque tinha uma forma bonita no corpo, mas fazia com que eu parecesse que tinha

trinta e cinco anos ao invés de dezenove.

Ele já estava à mesa, conversando com a filha de uma forma adorável. Usava
uma camisa preta, de algodão, com as mangas compridas arregaçadas, mostrando os

punhos fortes. Havia um relógio em um deles, que provavelmente valia um salário meu.

A barba continuava por fazer, mas não era cheia; ela era daquelas sexies, que
apenas existem para cobrir o rosto e deixar o homem com um aspecto um pouco mais
maduro. Os cabelos castanhos estavam molhados, e eles provavelmente encaracolavam
quando mais longos, mas Gabriel os usava curtos, em um corte moderno e bonito.

— Ah, olha ela, papai! A Elisa! — Laura foi quem me viu primeiro, e eu fiquei
um pouco constrangida, chegando a perder o ar.

Gabriel provavelmente levou apenas alguns segundos para voltar o rosto na


minha direção, mas, para mim, a sensação foi de que demorou uma eternidade.

Quando seus olhos azuis-escuros se fixaram em mim, eu o vi franzir o cenho e


imediatamente imaginei que tinha me reconhecido.

Chegou a inclinar a cabeça um pouco para o lado, para me olhar melhor, e eu


fiquei perdida, sem saber o que fazer. Deveria me aproximar, ficar onde estava,
esperar...? Eu não fazia ideia.

— Vem, Elisa! — Laura mais uma vez me ajudou, estendendo sua mãozinha e
fazendo um sinal para que eu chegasse mais perto, então foi o que eu fiz.

Olhando para o chão, tímida, caminhei até a mesa, e vi Gabriel se levantar.

Estávamos um de frente para o outro, com uma distância segura a nos separar,
olhos nos olhos. Ele continuava me olhando como se estivesse analisando algo muito

confuso. Como uma pessoa de humanas estuda uma equação complicada, e mil coisas
se passaram pela minha cabeça.

Como ele era bonito. Mais do que eu me lembrava.

Como era alto – tanto que eu precisava erguer a cabeça para olhar para ele.

Como tinha ombros largos. E os braços dentro daquela blusa também pareciam
enormes.

Todas essas constatações eram simples truques do meu inconsciente para que eu
jogasse o pensamento principal de lado.

Só que ele estendeu a mão para mim, para que eu o cumprimentasse, e eu fiquei
ainda mais desconcertada.

— Gabriel Valcácer, muito prazer.


Muito prazer?

O que isso queria dizer? Será que ele estava fingindo na frente da filha? Ou será
que realmente não fazia ideia de quem eu era, embora pudesse jurar que vi algum

reconhecimento em seus olhos.

Mas não o conhecia. Embora aquele tivesse sido o único homem que conheceu
o meu corpo, e aquele para quem me entreguei pela primeira vez, ele não se lembrava
de mim.

Pensando nisso, estendi a mão, colocando-a dentro da dele.

— Muito prazer, senhor. Eu sou a Elisa.


CAPÍTULO S ETE

Elisa.

Eu poderia estar ficando louco, mas havia algo de muito familiar naquela
garota. Sim, ela era parecida com Tatiane, mas não muito. Sua prima não tinha aqueles
olhos verdes-claros, da cor de folhas de árvore, não tinha uma aparência tão delicada,
mas havia alguma semelhança.

Ainda assim, algo me dizia que não era isso; que eu conhecia aquela garota de
outro lugar.

Mas era impossível, não era?

Tentei não olhá-la de cima a baixo, mas fiquei muito surpreso com a roupa que
usava. Deveria estar mesmo precisando do emprego e querendo impressionar,
demonstrando alguma maturidade, porque poderia jurar que nenhuma moça de sua idade
seria capaz de usar um vestido como aquele. Ainda assim, ela estava bonita.
Ela era bonita. Demais, até.

E minha filha, obviamente, não deixaria isso passar.

— Ela não é linda, papai? — Laura perguntou, completamente animada.

Minha mão ainda segurava a mão de Elisa, então eu a soltei, no momento em


que a menina fez o comentário.

— Sua babá é muito bonita, Laura — tentei ser o mais respeitoso possível,
afinal a moça iria trabalhar na minha casa. Eu não poderia deixá-la desconfortável,
acreditando que sofreria algum tipo de assédio. Imaginava que Tatiane já tivesse
conversado com ela sobre minha conduta como chefe, mas quem poderia saber?

Dei a volta na mesa, puxando uma cadeira à minha direita – já que eu ficava na
cabeceira, e Laura à minha esquerda – para que se sentasse. Ela agradeceu, um pouco
tímida, mas se acomodou.

Helga não demorou a chegar para servir nosso jantar, que era preparado por
Maria, minha cozinheira que era excepcional e que me mimava como se eu fosse um
garotinho. Tanto que, naquela noite, sabendo que eu odiava viajar e ser obrigado a
comer comidas de outras pessoas no almoço e no jantar, ela preparou meu prato
favorito – seu risoto de camarão lendário.

Quando fomos servidos, fiquei olhando para a garota à minha frente, e ela
parecia tão desconfortável que, por um momento, precisei perguntar:
— Espero que você não seja alérgica a camarão — fiz um comentário mais

espirituoso, na tentativa de deixar o clima mais leve. Aquela moça iria morar na minha

casa e cuidar da minha filha; eu esperava ter uma boa relação com ela.

A última babá era mais fechada e nada simpática, e eu nunca consegui me sentir
à vontade em sua presença. Já que tínhamos contratado uma moça tão jovem, e de quem
Laura parecia gostar muito, ao menos pela forma como reagira desde que ela aparecera
na sala, esperava que pudéssemos conversar mais e discutirmos coisas a respeito da

minha filha. Seu desempenho, suas travessuras, o que vinha aprendendo... Claro que eu
sempre estava presente e pretendia continuar assim, mas não conseguia estar com ela
vinte e quatro horas por dia. Queria alguém que pudesse ser meus olhos e meus ouvidos
enquanto eu estivesse ausente.

Só que a tal Elisa mais parecia um bichinho acuado, e era como se minha
presença a deixasse muito assustada.

Poderia interpretar seu comportamento como sendo uma reação ao primeiro

contato com o chefe, principalmente porque tinham me dito na empresa que era o
primeiro emprego oficial dela. E eu sabia que minha imagem como CEO, dono de uma
empresa tão grande, poderia intimidar em um primeiro momento.

Conhecia muitos chefes que eram bastante escrotos com seus funcionários, e até
havia alguns diretores assim na minha própria empresa, que lideravam seus
subordinados através do medo, mas eu não era assim. Só que eu precisava dar um
desconto para a menina, já que não me conhecia.
— Ah, não. Não sou. Gosto muito — sua resposta ainda foi um pouco tímida,

mas ela tentou um sorriso.

Era difícil não reparar no quanto ela realmente era linda. Os olhos eram...

absurdos. Pareciam se destacar de uma forma sobrenatural em seu rosto.

Eu me lembrava de ter visto olhos que me fascinaram da mesma forma... mas


quando? Teria sido naquele bar, três semanas atrás?

Não... esse tipo de coincidência não acontecia. Além do mais, a moça que levei
para a cama naquela noite tinha mechas azuis no cabelo. Este foi o único detalhe que eu
não esqueci. O que me fazia sentir ridículo. Eu tinha, de fato, bebido muito e não tinha
comido quase nada o dia inteiro, depois de tantas reuniões. Ainda assim...

Bem, não era hora de pensar naquela moça. O nome dela nem era Elisa. Disso
eu tinha certeza.

Disso eu lembraria, não?

Era... Patrícia. Não era? Eu me lembrava perfeitamente dessa parte. Seu nome e
as mechas azuis.

Com certeza a familiaridade que eu sentia em Elisa era apenas coincidência. Ou


como pensei anteriormente, ela simplesmente era parecida com a prima.

— Papai, a Elisa falou que é muito boa em matemática. Disse que vai me ajudar
com os trabalhinhos da escola.
Levei uma garfada à boca, enquanto ouvia minha filha falar, e me voltei para a

moça, interessado. Não que Laura tivesse problemas com os estudos, mas era um

pouquinho mais fraca em exatas, embora fosse ótima em Português, Redação e Estudos
Sociais.

— Eu também era muito bom em matemática. Você faz faculdade, Elisa?

Não consegui não perceber que ela mal tocara na comida, que estava apenas
brincando com o garfo, mas continuei atribuindo seu comportamento ao desconforto de

conhecer um chefe pela primeira vez.

— Não, senhor. É meu principal objetivo aqui no Rio — ela respondeu, muito
polida. Tinha uma voz doce, mas havia alguma personalidade que me deixava ainda
mais curioso a respeito de sua profunda timidez em relação a mim ao ponto de ela mal
me olhar nos olhos.

— Sua prima me disse que você é do interior... — tentei não deixar o assunto

morrer, porque queria que continuasse falando; queria saber mais sobre a mulher que ia
cuidar da minha filha.

— Sou. Vim de Serrania.

— Não conheço. É perto de onde?

— Na região de Valença, Três Rios. É uma cidade bem pequena, mas


acolhedora. Só não tem muitas oportunidades — mostrou-se mais falante.
— E o que você pretende estudar?

— Quero estudar Contabilidade.

— Algum motivo específico? — perguntei, pouco antes de levar mais uma


garfada à boca.

Ela suspirou, ainda pouco à vontade. Ainda sem comer.

— Meu pai tem uma vendinha lá na cidade. Não é grande coisa, mas é o
sustento da minha família. Ele sempre contou comigo para fazer as contas, e com o
pouco que eu aprendi pesquisando, consegui profissionalizar as coisas um pouco mais.
Eu que tirei o CNPJ, que cuidei dos impostos e de todo o resto. Acabei pegando gosto
pela coisa.

— Que interessante — comentei, bastante impressionado e comovido. Ela era


bem jovem para ter toda essa preocupação em cuidar do pequeno negócio da família.

Seu senso de responsabilidade me deu uma segurança de que, talvez, ela pudesse
realmenete ser uma boa opção para cuidar da minha filha.

— Você deve ser bem inteligente, Elisa — Laura comentou, com a boquinha
cheia, e eu a repreendi por isso, mas baixinho, em seu ouvido, tentando ser o máximo
gentil possível.

— Obrigada, gatinha — ela falou com carinho, voltada para a minha filha, e
isso já me desmontou.
Ok, a mulher poderia agir comigo como bem entendesse. Poderia ser acuada,

não me olhar nos olhos, parecer um bicho do mato... Eu não me importava, desde que

continuasse tratando minha menina daquela maneira. Isso só se consolidou quando o


enorme sorriso de Laura pareceu iluminar a sala inteira.

E assim foi durante todo o jantar. Minha garotinha estava encantada com sua
nova babá e chegou a ficar triste quando decidi colocá-la para dormir, porque já estava
tarde. Normalmente não permitia que fosse para a cama muito depois das nove e meia,

mas já passava das dez e ela ainda estava fofocando, tagarelando sem parar.

Pedi que Elisa me aguardasse na sala de estar e levei Laura para o quarto.
Coloquei-a na cama e contei-lhe uma história, mas ela não demorou muito a pegar no
sono.

Desci e encontrei a moça de pé, parecendo muito inquieta. Tanto que quando me
aproximei e chamei seu nome, ela se sobressaltou.

Mas qual diabo era o problema dela, meu Deus?

— Me desculpa. Eu não queria te assustar — falei, ainda confuso, mas


aceitando que teria que lidar com uma pessoa daquela maneira, ao menos no início.

— Eu que preciso pedir desculpa, senhor. Estava distraída.

Apontei para o sofá, pedindo que se sentasse, e ela o fez, embora mal
conseguisse ficar parada. As mãos, entrelaçadas, eram esfregadas uma na outra, e seus
olhos ainda não paravam em mim.
— Bem, Elisa, vou ser breve, porque imagino que deva estar cansada. Só

queria que nos alinhássemos a respeito do que espero de uma babá para Laura. Como já

deve ter percebido, ela é uma criança que exige bastante atenção.

A moça finalmente olhou para mim, assentindo. Novamente me peguei capturado


pela cor de seus olhos, e isso fez com que eu me remexesse um pouco no sofá,
desconfortável.

Talvez fosse melhor que ela continuasse não me encarando. Poderia ser mais

fácil.

— Ela é uma graça. Muito boazinha. Não vai ser problema nenhum lhe dar
atenção. — Mais uma vez senti carinho em seu tom de voz, e isso me deixou aliviado.

— Ótimo. Não posso exigir que você seja uma pessoa que não é, mas gostaria
que a fizesse se sentir querida. Que seja firme, mas que a repreenda com gentileza.
Laura não é uma criança mimada, não é desobediente, mas tem suas manias e seus

momentos de pirraça. Ainda assim, eu tento ser compreensivo e só agir com um pouco
mais de severidade quando é inevitável.

Elisa balançou a cabeça.

— Entendo, senhor. Pode ficar tranquilo. Gosto de crianças e tenho bastante


paciência. Prometo que Laura está em boas mãos.

Eu realmente esperava que sim.


— Fico feliz em saber. — Levantei-me, ansioso para dar aquela conversa por

encerrada. Havia muitas coisas que me deixavam um pouco desconcertado naquela

moça. O fato de seu rosto ser familiar de alguma forma, a maneira como reagia a mim e
aqueles olhos... E, claro, o pequeno detalhe de ser bonita demais. — Espero que goste

do trabalho e que seja feliz aqui. Se precisar de alguma coisa, não hesite em me pedir.

Elisa também se levantou, ainda usando aquele vestido que mais parecia
apropriado para um enterro e que não parecia combinar em nada com ela.

— Obrigada, senhor. Por isso e pela oportunidade. Não vou decepcionar.

Com um meneio de cabeça, desejei-lhe boa noite e parti, subindo as escadas,


pronto para me trocar e dormir.

Era uma moça estranha, sem dúvidas. Mas Laura parecia gostar dela, e era isso
que importava.

Esperava que as coisas dessem certo. Só isso.


CAPÍTULO OITO

Andava de um lado para o outro como uma barata tonta presa em um looping
eterno. Não conseguia fazer meus pés pararem em um único lugar, porque a inquietude
parecia aliviar um pouco os meus pensamentos. Enquanto estivesse me movimentando,
a sensação era de que conseguiria encontrar uma solução para o problema.

Só que não era verdade, infelizmente.

A única coisa que eu podia fazer era pegar meu telefone e ligar para Tatiane,
para tentar desabafar. Até porque eu tinha prometido a ela que faria isso assim que me
encontrasse com Gabriel na primeira vez.

— Pelo amor de Deus, Elisa! Eu já estava desesperada aqui! Me conta tudo...


ele te reconheceu? O que vocês... — ela saiu perguntando como uma doida, meio que
sem me dar tempo de falar. Se eu não a tivesse interrompido, ela continuaria falando
como uma matraca, como sempre fazia quando estava nervosa, e eu não conseguiria
respondê-la.
— Tati... calma. Se não me deixar falar, não vai saber de nada. — Ela ficou

calada do outro lado da linha, obedientemente. — Eu o encontrei, sim, mas ele não me

reconheceu.

— Gente, como é possível? O quão bêbados vocês estavam?

— Mais do que pensávamos, aparentemente.

Tatiane ficou um pouco em silêncio, e eu ouvi sua respiração profunda do outro

lado da linha.

— Bem, no final das contas, é melhor assim, né?

— O quê? — perguntei, sentando-me na cama e esfregando os olhos com o


polegar e o indicador, já me sentindo muito mais cansada do que deveria estar àquela
hora.

— Se ele tivesse te reconhecido, de repente você perderia o emprego. Mas nem

pelo nome ele ligou uma coisa à outra?

E lá estava um dos meus maiores motivos de vergonha. Só que eu precisava


confessar à minha prima, né? Precisava falar com alguém, na verdade.

— Eu usei um nome falso. Patrícia, eu acho. O primeiro que passou pela minha
cabeça.

— Por que diabos você fez isso, Elisa? — ela se alterou.


— Porque eu não queria ser eu mesma naquela noite, Tati! Eu estava com aquela

ideia idiota de que precisava ser alguém diferente. Que foi para isso que vim para o

Rio. Queria... fantasiar, interpretar um personagem, e não poderia fazer isso com meu
nome real.

— Claro, porque você é a Madonna, com um nome famoso, que qualquer um vai
reconhecer se você se apresentar — ela zombou, em tom de repreensão, mas logo
prosseguiu: — Ok, seja como for. Ele não lembrou. Seu emprego está a salvo.

— Sim, está. Mas por quanto tempo vou conseguir ficar olhando para ele sem
querer contar a verdade? — lamentei, odiando cada minuto daquela situação.

— Nada disso, Elisa. Nada disso mesmo. Minha mãe não quer te ver nem
pintada e você não tem para onde ir. Faz uma grana aí, junta um dinheiro, fica por
pouco tempo e some. Vai fazer outra coisa, se te pesar na consciência, mas aproveita ao
máximo esse salário bom.

A ideia seria excelente. Ficar por alguns meses, talvez um ano, e depois partir
para outra sem nunca dizer a Gabriel que houvera uma interação entre nós antes daquele
jantar estranho, onde eu mal conseguia olhá-lo nos olhos. Eu realmente conseguiria
juntar um bom dinheiro, especialmente porque não precisaria pagar moradia, nem
alimentação e nem nada.

Só que havia um problema enorme naquela equação: Laura. Eu sabia que ia me


apegar a ela. E talvez, com sorte, ela também se apegasse a mim. O que faria depois
que nossa relação estivesse mais estabelecida e que nutríssemos mais carinho uma pela
outra, ao ponto de ser doloroso um afastamento.

Ela era uma criancinha adorável de apenas cinco anos. Tinha perdido a mãe e,
aparentemente, tinha poucas amigas. O pai era presente e muito carinhoso, mas eu nunca

iria querer que se sentisse abandonada por mim. Que guardasse alguma mágoa em seu
coraçãozinho com a impressão de que eu não a amava tanto quanto deveria.

Porque eu sabia que era apenas uma questão de tempo para eu realmente
começar a amá-la.

— Elisa? Você ainda está aí? — Provavelmente minha mente fez com que eu me
perdesse em um turbilhão de pensamentos caóticos, tanto que fiquei em completo
silêncio.

— Sim, me desculpa. Estava pensando.

— No bonitão? — perguntou, com um tom de malícia.

— Não, na garotinha.

— Ah! Ela é uma gracinha, né? Super esperta. Acho que vocês vão se dar bem
— Tatiane falou animada, sem nem perceber qual era o problema todo.

— Esse é o problema. Acho que nós vamos nos dar muito bem.

Tatiane ficou calada e pelo murmúrio de compreensão que soltou, parecia ter
finalmente compreendido o meu dilema.
— Droga, prima. Sim, vai ser uma merda se você e a garotinha se apegarem

uma à outra. Mas pensa uma coisa... se o pai dela não se lembrar durante um tempo, não

vai lembrar depois.

— Isso deveria soar como um consolo? — brinquei.

— Deveria. Mas sou péssima nisso. — Ela ficou em silêncio por alguns
instantes, mas logo retornou: — Prima, vou ter que desligar. D. Zenaide está
reclamando de alguma coisa lá na sala. Vou ver o que é antes que sobre para mim. Se é

que já não vai sobrar.

Às vezes eu me perguntava como era possível que minha tia fosse uma pessoa
tão amarga, que não tivesse a menor vontade de tentar ser minimamente feliz. Reclamar
e infernizar a vida das pessoas era seu esporte favorito, e ela o praticava como
ninguém.

— Ok, prima. Vamos nos falando.

Tatiane também se despediu de mim, e nós duas desligamos.

Assim que fiz isso, tirei aquele vestido preto de luto – embora ninguém tivesse
morrido –, e coloquei algo mais confortável para dormir.

Deitei-me na cama e quase suspirei ao sentir a maciez dos lençóis e o quão


confortável era o colchão. Ele parecia se moldar às formas do meu corpo como se
tivesse sido feito especialmente para mim. O cheiro de amaciante também era
relaxante, e havia tantas almofadas que eu poderia abraçar uma com os braços, outra
com os joelhos e ainda haveria outras espalhadas para o caso de eu querer rolar
naquela cama imensa.

Eu poderia jurar que seria o sono da minha vida. Que eu dormiria como um anjo

no meio daquele luxo todo, mas fiquei me revirando por um bom tempo, sem conseguir
pegar no sono.

O rosto de Gabriel preenchia minha mente, ocupando boa parte dos meus
pensamentos, e eu tentava me forçar a lembrar algumas coisas daquela noite. Como nos

aproximamos, no bar, por exemplo. Eu fui pedir uma bebida, e ele chegou todo sedutor,
puxando assunto.

Não era o primeiro que fazia isso naquela noite, desde que decidi ficar sozinha,
sem Tati. Alguns tentaram a sorte, mas havia algo em Gabriel que o diferenciara dos
demais. Não só o fato de ele ser extremamente bonito, mas todo o resto. Eu me
lembrava de ter reparado que estava bêbado, mas mesmo assim não tomara liberdades.
Não se encostara em mim, não fora pegajoso e me fizera rir.

Ok, algumas memórias estavam voltando, mas ainda não conseguia me lembrar
de como chegamos a um quarto de hotel. De como fora essa conversa. Eu já estava
propensa a isso. A minha ideia quando fiquei sozinha no bar fora exatamente conhecer
alguém e ousar. Uma péssima ideia, eu sei, mas era o que eu queria.

E rolou, né? Eu só queria conseguir me lembrar melhor.

Só que se as minhas lembranças iam sendo recuperadas pouco a pouco, era


apenas uma questão de tempo para que as de Gabriel também voltassem. Eu não

conseguiria durar um ano naquela casa, como fora a sugestão de Tatiane, sem que ele

me mandasse embora primeiro. Sem que se tocasse que eu era a garota que ele
desvirginou.

Que merda de palavra ridícula!

Sabendo que eu não conseguiria dormir tão cedo, comecei a sentir sede. Helga
tinha me dito, mais cedo, que eu poderia ir e vir dentro da casa sem problemas, que

poderia usar a cozinha sem medo, caso sentisse fome, e que era livre para me servir de
qualquer coisa; que Gabriel era extremamente generoso com seus funcionários.

O nervosismo do dia inteiro me deixou absurdamente inquieta, então eu afastei


os lençóis e me levantei, seguindo para a cozinha, descendo as escadas e me sentindo
um pouco perdida. A casa era enorme demais, e eu não fazia ideia de como chegar a
cada cômodo.

Olhando de um lado para o outro, focada em encontrar os caminhos dentro


daquela mansão, nem reparei que alguém vinha na minha direção. Quando percebi, foi
tarde demais, porque já tinha colidido exatamente com Gabriel.

Ergui os olhos para ele, que me segurou muito, muito próximo. Obviamente foi
um movimento inofensivo, apenas porque eu poderia ter caído depois do esbarrão, mas
eu estava completamente em seus braços.

Estava quase escuro, mas a casa ainda contava com a luz que vinha do lado de
fora, provavelmente da lua e da iluminação artificial dos jardins ao redor – que eu

ainda não tinha explorado –, mas eu conseguia ver seu rosto. Perfeitamente.

Ele tinha uma boca bonita, e me veio à mente a impressão de que já tinha

pensado nisso antes. A barba a cobria, e só era possível olhá-la com perfeição estando
bem de perto, como eu estava naquele momento.

Por um momento, Gabriel também ficou olhando para a minha. Alguns breves
segundos, mas que me fizeram estremecer.

— A gente já se conhece? — foi uma pergunta inesperada. Ele parecia confuso


ao perguntar, aliás. Muito confuso.

O certo seria contar a verdade, eu sabia disso. Sabia que precisava apenas
dizer: “sim, nós não só nos conhecemos como transamos. Você foi o meu primeiro,
que pena que não lembra.”. Só que se eu fizesse isso, provavelmente minha próxima
ação teria que ser arrumar minhas malas e ir embora.

Então, a mentira foi minha escolha. Erradamente.

— Não. Acho que não... — minha voz soou frágil e nada convincente, mas
serviu para que Gabriel finalmente me largasse, e eu soltasse o ar que nem percebi que
estava preso.

Ele assentiu, um pouco envergonhado.

— Quer alguma coisa, posso te ajudar? — indagou, educado.


— A cozinha... estou com sede. — Meu Deus, eu parecia uma idiota falando.

Era como se as palavras não saíssem com facilidade; como se eu tivesse desaprendido

o vocabulário.

Ele apontou em determinada direção, que dava em um corredor em um canto –


que era bem óbvio, aliás.

— É por ali. Quer que eu te acompanhe? — Ele não era só bonito. Era gentil
também. Isso, muito provavelmente, contou para que fosse o escolhido para minha

primeira vez. Imaginava que aquele tipo de comportamento, tão arraigado, não seria
afetado pelo álcool.

— Não, obrigada. Boa noite, senhor.

Sem lhe dar tempo de responder, dei-lhe as costas e segui na direção que me
informou, quase correndo, visivelmente fugindo.

Eu era patética.
CAPÍTULO NOVE

Desde o momento em que descobri que Gabriel Valcácer seria meu patrão, jurei
que não teria um único momento de paz dentro daquela casa. A impressão era de que a
sensação de desconforto nunca passaria e que sempre que eu o visse meu estômago se
reviraria, e eu não conseguiria sequer olhá-lo nos olhos.

Acontece que, de fato, o tempo é senhor de todas as coisas. Um mês se passou,

e tudo foi ficando mais fácil. Não que eu não continuasse com medo de que Gabriel
subitamente se lembrasse de quem eu era e não só me escorraçasse por isso, mas
também por tê-lo enganado por tanto tempo. Claro que eu poderia mentir, dizendo que
não me lembrava, mas não sabia se conseguiria ser assim tão falsa. Ainda mais com um
cara que era... tão legal.

Porque Gabriel era realmente muito gente boa.

Não vamos colocar na equação suas outras qualidades, principalmente as


físicas, porque ele era inegavelmente bonito e tinha um charme que seria irresistível
para qualquer uma, mas, além de tudo isso, havia uma característica de Gabriel que eu
não poderia nunca deixar de mencionar: ele era um pai excepcional.

Eu tinha a impressão de que não havia nada no mundo que ele não fosse capaz

de fazer por sua garotinha, e ela era louca por ele. Seus olhinhos brilhavam ao ouvir
sua voz, quando ele chegava à noite, depois do trabalho, e a forma como se
cumprimentavam, sempre com abraços calorosos, como se não se vissem há dias, era
de aquecer o coração.

Laura era órfã de mãe, mas eu sentia que Gabriel tomava um cuidado extra para
que ela não sentisse falta de nada. Ainda assim, ele sabia repreendê-la quando
necessário, sabia ser firme, mas sempre com carinho.

Eu tinha um bom pai também. O meu não era assim tão carinhoso, não era de
demonstrar afeto com tanto entusiasmo, mas sempre demonstrou seu orgulho por mim, e
nós nos aproximamos ainda mais quando fui trabalhar na vendinha. Quando comecei a
ajudá-lo e a usar meu cérebro pra auxiliar a família. Ele foi o primeiro a incentivar que

eu fosse para a cidade para estudar. Pela minha mãe, eu ainda deveria ficar em
Serrania, esperando que o babaca do meu ex voltasse para mim. Na opinião dela, nada
como um bom casamento para uma boa moça ser respeitada. Filhos, ser dona de casa...
isso era o que ela via como grande futuro.

Por ter uma boa experiência, eu sabia o quanto era importante para uma
garotinha ter um apoio paterno firme e sólido, mesmo que o pai precisasse trabalhar
para levar o sustento para casa. No caso de Gabriel, era mais do que um sustento, né?
O cara fazia dinheiro como Midas.
E agora eu sabia, também, que beijava como Adônis. Se é que Adônis beijava

bem, é claro, mas se fisgou Afrodite...

Mas ok, sem divagações... naquele último mês, consegui me lembrar de mais

algumas coisas de nosso primeiro encontro, naquele bar, e de nossa primeira interação.
Não conseguia me lembrar todos os pontos de ligação da história, mas alguns flashes
acidentais surgiam, como, por exemplo, a primeira vez que me beijou.

Eu conseguia me recordar de um beijo lento, sensual... de um braço forte me

puxando para si, colando nossos corpos. Conseguia também me lembrar de uma ereção
firme contra a minha barriga, anunciando que ele estava pronto para muito mais.

Aos poucos, algumas outras imagens foram surgindo, bem mais eróticas, mas
não era muita coisa. Só o suficiente para me manter o máximo constrangida possível
perto de Gabriel.

E olha que eu tentava. Todas as vezes que ficávamos sozinhos – o que era raro,

porque eu o evitava como se fosse uma assombração –, as conversas eram rasas e


sempre sobre Laura. Tudo o que ele sabia sobre mim como pessoa era basicamente o
que lhe disse na primeira vez em que conversamos naquela casa, no jantar, e eu
imaginava que continuaríamos assim por um bom tempo, porque não conseguia me
abrir. Não quando ele me olhava daquele jeito, sempre insinuando que me achava
familiar.

Nunca mais comentou sobre um possível encontro anterior, porque


provavelmente não queria bancar o chato insistente, mas eu sempre pensava no que
responderia se acabasse perguntando de novo. Omitir já era ruim o suficiente, mas
mentir para uma pessoa que eu considerava tão legal era bem mais complicado.

Só que às vezes eu não conseguia simplesmente fugir. Por mais que sempre

desaparecesse depois de colocar Laura para dormir, sem dar chance para mais um
esbarrão no meio da noite, nem sempre era possível.

Naquela tarde, por exemplo, Gabriel me alertara que iria buscar Laura no
colégio, a pedido da professora dela. Mais uma prova de que ele era capaz de largar

tudo pela filha, porque eu imaginava que seus dias eram bem cheios, mas ele não se
importava em desmarcar reuniões ou compromissos pela menina.

Quando chegaram, eu fui chamada ao escritório do Sr. Valcácer por Helga. Na


mesma hora jurei que seria demitida. Se não fosse isso, por qual outro motivo teríamos
tanta formalidade?

Assim que bati na porta, recebi permissão para entrar, e foi o que eu fiz. A cena,

se eu não estivesse tão preocupada em ser mandada embora, poderia ser engraçada.
Gabriel estava apoiado em sua mesa, com os quadris, e ambas as mãos segurando a
madeira. A menina, à sua frente, estava com os bracinhos cruzados e com um biquinho
fofo, parecendo muito contrariada.

— O senhor mandou me chamar? — perguntei, aproximando-me dos dois, mas


mantendo certa distância.

— Sim, Elisa. Obrigado por ter vindo prontamente. Precisamos conversar sobre
uma coisa que essa mocinha aqui fez na escola hoje.

Engoli em seco, olhando para Laura, que parecia mais contrariada ainda.

— Ela mereceu, papai! — Seu cenho estava franzido, como uma pequena
ranzinza, e eu novamente segurei o riso. Quando olhei para Gabriel, ele parecia fazer o
mesmo.

— Não importa. Quero que conte para Elisa exatamente o que aconteceu.

Ela revirou os olhos, contrariada, e não olhou para mim ao obedecer ao pai.

— Eu briguei com a Betina — ela falou bem baixinho, como se fosse muito
difícil admitir, mas consegui ouvi-la.

— Sua melhor amiga? — aquilo me surpreendeu.

— Laura... — Gabriel chamou-a com um pouco mais de severidade. —

Explique exatamente à Elisa o que me contou no carro, quando voltávamos para casa.

Então todo o constrangimento pareceu passar, porque ela estava furiosa.

— Isso não é justo, papai. Ela me provocou. A Elisa me ensinou que eu não
posso me deixar ser comandada por alguém. A Betina me queria só para ela, não me
deixara ter outras amigas e não queria que eu aceitasse o convite para a festa da Juju,
porque ela não gosta da Juju. E também ficou irritada quando a professora me colocou
no grupo da Camila, porque ela também não gosta da Camila. A Betina briga com todo
mundo e depois quer que eu brigue também.

— E você bateu nela por isso? — Gabriel cruzou os braços contra o peito e
olhou para a filha com aquela seriedade forçada que eu também estava tentando manter.

— Ela bateu em mim primeiro, quando eu falei que não ia mais aceitar aquela
situação — ela deu ênfase à expressão, porque fora o que eu tinha lhe ensinado a dizer.
Claro que ela não deixou passar. — A Elisa me disse que era isso que eu precisava
falar para a Betina.

— Falar com a boca, querida, não com os punhos — enfatizei, mas eu e Gabriel
nos entreolhamos, e estávamos visivelmente contendo nossas risadas.

— Mas eu só falei com a boca, eu juro! Só que ela veio pra cima de mim e
puxou meu cabelo. Doeu! Aí eu revidei dando um socão na cara dela, que nem eu já vi
o papai socar aquele saco grandão que tem lá em cima.

Eu sabia que Gabriel malhava de manhã, todos os dias, mas não imaginava o
que ele fazia lá. Não queria imaginar, porque a imagem mexeria comigo, sem dúvidas.

Aliás, imaginá-lo dando socos em um saco de areia, sem camisa, certamente fez
misérias com o meu cérebro.

Mas eu precisava voltar à realidade.

O homem, então, deu alguns passos para frente e se agachou, para ficar da altura
da filha, segurando-a pelos bracinhos:
— Querida, nem eu e nem Elisa tentamos te ensinar a brigar. O que nós

queremos é que você não permita que ninguém mande em você e que saiba se defender.

— Ele pegou as mãozinhas dela e beijou os nós dos dedinhos que provavelmente usara
para socar a coleguinha. — Só que isso não significa que é certo machucar suas amigas.

— Ela não é mais minha amiga! — indignou-se, e Gabriel riu.

— Aposto que não. Mas espero que da próxima vez você leve isso à
professora. Se alguém te incomodar, precisa chamar uma pessoa mais velha, ok? Nada

de começar brigas. As duas poderiam estar machucadas.

— Não, sem chance. Betina é uma chorona. Não sabe brigar. Sou muito melhor
do que ela. — O pior era vê-la completamente orgulhosa disso.

Não conseguimos mais nos conter; tanto eu quanto Gabriel caímos na


gargalhada, e ele abraçou a filha, que ficou sem entender nada.

— Tudo bem, querida, mas vai ter que ficar de castigo, ok? Nada de sobremesa
hoje.

Ela ia contestar, mas abaixou a cabecinha, provavelmente sabendo que merecia.

Gabriel chamou Helga para levar Laura para tomar um banho, e eu estranhei,
porque eu era a encarregada disso todos os dias. O que tinha mudado naquele
momento?

Assim que ficamos sozinhos, ele voltou à posição de antes, e eu engoli em seco,
sempre com medo do que poderia vir a me dizer. Até onde eu sabia, poderia ser
qualquer coisa, afinal, não tínhamos assunto um com o outro que não fosse Laura. Ainda

assim, tentei me acalmar e esperei.

— Eu queria te agradecer. — Ok, aquilo foi uma surpresa. — Faz muito tempo
que não gostava desse controle que a tal de Betina exercia sobre Laura. Uma amizade
que poderia ser tóxica ou mudar minha filha de alguma forma. A menina tem uns
rompantes rebeldes e acabaria sendo uma má influência.

— Eu percebi que havia algo de errado com as duas. Mas que bom que Laura
soube se impor. — Meus lábios se curvaram em um sorriso. — É uma pena que ela
tenha resolvido o problema de forma tão drástica, mas, no geral, o resultado até que foi
bom.

Ele imitou minha expressão, abrindo um belo sorriso.

— Foi muito bom. — Fez uma pausa, olhando para mim, e eu cheguei a

estremecer. Lá estava aquele olhar intenso; estudando, avaliando... confuso. Eu sabia


que era assim que ele se sentia sempre que me observava. — Você tem feito bem a ela,
Elisa. Laura adora você e parece feliz. Isso significa muito para mim.

Respirei fundo, porque era um elogio que me deixava satisfeita. Não somente
pelo fato de que eu estava fazendo bem o meu trabalho, mas porque aquela criança
especial gostava de mim. Meu pai sempre me dizia que quando ganhamos o coração de
um ser puro como o de uma criança ou de um animal, é porque temos boas intenções.
As minhas, sem dúvidas, eram as melhores. Queria lhe ensinar coisas, ajudá-la,
defendê-la, fazê-la rir. Laura se tornara um pedacinho de alegria em todos os meus dias.

— Adoro ela também. O senhor está criando uma menina maravilhosa e...

Eu ia continuar falando, mas, subitamente, comecei a ver tudo girando. Usei uma
das mãos para me apoiar na mesa ao lado, tentando disfarçar o mal- estar. Talvez eu
tivesse conseguido por alguns segundos, mas Gabriel começou a chamar meu nome,
embora sua voz parecesse mais e mais distante, abafada como se estivéssemos no fundo
do mar.

Até que minhas pernas ficaram moles, senti meu corpo todo dormente e...
apaguei.
CAPÍTULO DEZ

Só tive tempo de dar alguns passos para frente até que a moça despencou.
Estendi rapidamente os braços, não permitindo que caísse no chão, porque a queda
seria feia. Ela certamente bateria com a cabeça na mesa dura de carvalho, e eu fiz de
tudo para impedir.

Amparei-a com cuidado, afastando algumas mechas de cabelo castanho que,

bagunçadas, começaram a cobrir seu rosto. Queria olhar para ele e ver o nível de
palidez, testemunhar algum estímulo. Só que seus lábios estavam brancos, e ela
simplesmente não respondia, nem mesmo com alguns tapinhas nas faces.

Tirei-a do chão, erguendo-a no colo, e levando-a até o sofá do meu escritório,


onde a coloquei deitada. Não queria chamar a atenção de ninguém, porque poderia
acabar alarmando a casa inteira e, consequentemente, Laura. Ela ficaria muito assustada
se visse a babá que tanto adorava naquele estado.

Apesar de tudo, foi uma perda de consciência rápida, porque ela logo voltou a
si, e no momento em que se sobressaltou, aparentemente não sabendo o que tinha
acontecido, segurei-a para que permanecesse deitada, antes que acabasse caindo

novamente.

— Calma, calma. Está tudo bem. Você desmaiou.

Finalmente acalmando-se, ela ficou parada, respirando de forma acelerada e


levando a mão à cabeça, com os dedos nas têmporas. Não saberia dizer se estava
assustada ou se sentia dor, o que me deixou preocupado.

— Você quer que eu te leve para um hospital? — indaguei, com cautela, porque
sabia que a situação deveria ser ainda mais desconfortável para ela do que era para
mim.

— Não. Eu estou bem. Deve ter sido só uma queda de pressão.

Provavelmente, sim, até porque a mulher comia como um passarinho. Ao menos

nas refeições que fazíamos juntos, que era o café da manhã e o jantar. Ela era bem
magrinha, mas tinha curvas, o que era possível ver nas roupas que passara a usar
depois do desastroso vestido preto de velório.

Naquele momento estava usando uma calça jeans e uma camiseta de mangas,
com uma estampa bonita em aquarela, um pouco abstrata. Algo mais condizente com
sua idade e muito mais adequado para cuidar de uma criança que certamente não
conseguia deixá-la parada por muito tempo.

— Tem certeza?
— Sim, senhor. Me desculpa o trabalho — ela disse com uma voz suave, quase

frágil, ainda um pouco ofegante, provavelmente do nervosismo.

— Não foi trabalho. Eu só fiquei assustado.

— Desculpa por isso, então. — Elisa se preparou para se levantar, chegando a


se sentar no sofá, mas não pareceu muito pronta para isso, porque assim que tentou,
caiu de novo. Não inconsciente, mas sem muitas forças para se manter de pé.

— Por que não espera um pouco aqui? Vou pegar um copo d'água para você,
ok?

Ela assentiu, mas tive a impressão que não tinha muita noção do que estava
fazendo. Tanto que eu me aproximei do frigogar, peguei um copo sobre o aparador, o
enchi e entreguei, sem que parecesse muito consciente. Só depois de alguns goles a cor
começou a voltar ao seu rosto, e seus olhos se focaram nos meus.

Aqueles olhos que tinham um tom selvagem. Talvez porque me lembrassem uma
floresta, uma mata fechada, mas algo em Elisa me dizia que havia muito mais nela do
que apenas a moça que tentava desesperadamente parecer recatada perto de mim. A
moça que pouco falava, que mal me olhava nos olhos.

Era naqueles momentos, em que nos fitávamos sem querer, que eu tinha aquela
impressão devastadora que já a conhecia de algum lugar. A incômoda sensação de que
nosso primeiro encontro não tinha sido naquela sala de jantar, quando nos apresentamos
como chefe e funcionária. Eu não fazia ideia de quando ou onde, mas continuava
supondo que, talvez, eu já a tinha visto em outro lugar, outra situação, não como babá

da minha filha.

Só que tudo era muito nebuloso na minha cabeça, e eu não queria ficar

insistindo no assunto para ela, porque não queria que pensasse que eu era um doido de
pedra.

— Sente-se melhor? — perguntei quando peguei o copo da mão dela, depois de


terminar de beber.

— Sim — sua resposta tentou me convencer com alguma firmeza, mas eu ainda
duvidava de sua capacidade de sair andando com as próprias pernas para o quarto,
especialmente tendo que subir escadas. Eu poderia carregá-la, sem nenhum problema,
afinal a menina não pesava quase nada, mas se Laura nos visse seria um desastre.

Sentei-me, então, na mesa diante do sofá, colocando o copo onde ela bebera ao
meu lado, disposto a convencê-la a ficar um pouco mais. Só que achei melhor fazê-lo

de uma maneira mais sutil.

— Já trabalha na minha casa há mais ou menos um mês, e eu não sei quase


sobre você. Seus pais ainda são vivos?

Ela pareceu um pouco confusa com a pergunta, mas assentiu.

— Sim. Tenho pai e mãe.

— Irmãos?
— Não, sou filha única.

— Sou um filho único também. Sempre quis ter irmãos. Queria que Laura
pudesse ter alguns também. Ao menos um.

Ela finalmente sorriu.

— Ela adoraria ter um irmãozinho ou irmãzinha. — Eu gostava da forma como


sempre parecia se abrir um pouco mais sempre que falava sobre ou com a minha filha.

Isso me dava a impressão de que por mais que fosse uma pessoa fechada para mim, era
a Laura que dedicava todo o seu carinho. Era o que bastava. Não precisava conquistar
a mim, só à criança de quem cuidava.

— Vocês já conversaram sobre isso alguma vez? — não pude evitar a pergunta.

— Comentou comigo que muitas das coleguinhas de classe têm irmãos, mas que
sabe que, para isso, o papai dela precisaria se casar de novo. Ou, ao menos, é isso que

ela pensa.

— Fico muito feliz que ela ainda pense que é preciso ser casado para se fazer
bebês. — Elisa riu com o meu comentário. Gostei do som de sua risada. Já a tinha
ouvido antes, quando estávamos conversando com Laura sobre sua briga na escola, mas
fora mais contida. Naquele momento parecera se soltar um pouco, mas não demorou a
voltar ao modo contido. — E o que ela falou sobre um novo casamento do papai?

A moça se remexeu no sofá, parecendo um pouco incomodada com a pergunta.


Será que eu tinha entrado em um assunto desconfortável? Bem, eu estava apenas
querendo uma informação sobre os pensamentos da minha filha. Algo que me
interessava em um nível pessoal. Não que tivesse pretensões de me casar tão cedo, mas

e se acontecesse de conhecer alguém? Gostaria que Laura aprovasse a ideia.

— Ela não comentou nada, senhor. — Elisa abaixou os olhos, e eu tive a


impressão de que não conseguiríamos mais voltar à conversa. Talvez fosse melhor
deixá-la ir.

Ficamos calados por alguns instantes, e por mais que eu tentasse, não conseguia

tirar os olhos dela. Não apenas pela sensação de familiaridade, mas porque... Droga,
porque ela realmente era muito linda. A aura de inocência e o jeitinho contido me
deixavam intrigado. Era quase misteriosa, embora parecesse apenas timidez.

Enfim... eu não poderia ficar olhando para a moça para sempre, por isso,
levantei-me da mesa onde estava sentado.

— Acha que consegue ficar de pé sozinha ou precisa de uma ajuda?

Ela testou, imitando-me e chegou a abrir um sorriso quando se viu estável.

— Tudo sob controle. Mais uma vez, obrigada.

Eu apenas respondi balançando a cabeça, e ela saiu do meu escritório, deixando


algo de si para trás. Talvez algum tipo de feitiço, porque eu passei o resto da noite
inteira pensando nela e também na manhã seguinte. Não sabia se era algum tipo de
preocupação, porque tinha literalmente desmaiado nos meus braços, ou se estava
intrigado.
Ela parecia ser mais do que demonstrava. Poderia estar interpretando um papel,

poderia ser simplesmente uma farsa e esconder uma cobra por trás da aparência de

anjo, e isso seria extremamente prejudicial para a minha filha, não apenas como uma
influência, mas aquela mulher poderia partir seu coraçãozinho se não fosse tão amorosa

e gentil como demonstrava.

Fosse como fosse, eu precisava lhe dar um voto de confiança. Um mês era um
tempo considerável, e até aquele momento ela tinha ido muito bem.

Temi continuar com a mulher o dia inteiro na cabeça, mas foi depois do almoço
que algo mais desagradável do que um pensamento insistente surgiu.

Meu primo, George.

Eu realmente não tinha irmãos, como dissera a Elisa, mas fui criado com tal
criatura, e se pudesse eleger uma das piores experiências da minha vida, seria aquela,
sem dúvidas. Não havia um único aspecto da minha vida em que não tivesse tido que

lidar com uma imensa rivalidade de sua parte. Na escola, porque estudamos na mesma
classe, com nossa família, com garotas. Ele sempre tentou ser melhor do que eu em
tudo, e eu sabia que sempre fora completamente obcecado pela minha falecida esposa,
ao ponto de... bem... esta era uma das coisas que eu não gostaria de lembrar.

Até com a minha filha ele competia. Infelizmente Laura o adorava, e eu não
tinha coragem de contar para ela o quão escroto era “tio George”, porque sabia que ele
seria cruel o suficiente para dizer a ela coisas que eu não queria que soubesse. Que
manchasse a imagem da mãe, que sempre tentei preservar em sua cabecinha.
Ele se mudara para São Paulo, e eu não tive mais notícias. Queria muito que

continuasse assim, mas, aparentemente, ele tinha voltado.

Era impossível barrar sua entrada na VC, porque ele era um dos acionistas.

Possuía algo como quinze por cento, sendo que eu tinha ficado com todo o resto, mas se
achava o dono do lugar. Quando me dei conta, estava debruçado à mesa de Tatiane,
jogando charme para a minha secretária. Ao me ver, veio na minha direção e me deu um
abraço que pareceu mais falso do que uma nota de três reais.

— Como é bom te ver, Gabezinho — cumprimentou quando nos afastamos.


Ainda segurava meus braços quando se voltou para Tatiane: — É difícil acreditar que
esse cara aqui tenha ficado grandão assim. Era uma coisinha magrela e medrosa.

Tatiane mal sorriu, apenas o fez por educação, e naquele momento gostei mais
dela. Provavelmente tinha percebido o quanto eu estava desconfortável.

— O que faz aqui, George? — fui curto e grosso. Não tinha tempo para suas

gracinhas.

— Vou ficar no Rio por um tempinho e tenho direito a um cantinho aqui na


empresa.

Aquilo era bem estranho, porque se eu o conhecia bem, ele não tinha a menor
vocação para o trabalho, tanto que não concluiu nenhuma faculdade e apenas gastava a
herança que meu tio lhe deixara.

Sem me deixar dizer muita coisa, colocou um braço ao redor do meu ombro e
começou a me empurrar na direção da minha sala, aproveitando-se do meu
atordoamento.

— Vamos lá, Gabe. Acabei de coagir sua secretária a me mostrar sua agenda e

sei que não tem nada marcado para agora. Precisamos conversar.

Desvencilhei-me dele, sem nem me importar se Tatiane estava vendo.

— Não temos nada a falar. Quero que saia agora daqui antes que eu chame a

segurança — vociferei. Como ele ainda podia ter cara de pau de aparecer, depois de
tudo que tinha feito?

— É minha empresa também. Tenho o direito de andar por ela, de subir nesses
elevadores e de trabalhar aqui.

— Não, se depender de mim. — Eu poderia simplesmente sair dali e entrar na


minha sala, trancando a porta, mas não queria deixá-lo sozinho com Tatiane. Não

confiava naquele cara, em absoluto. — Faça o que estou mandando, George. Saia deste
prédio. Se acha que tem direitos sobre a empresa, convoque uma reunião oficial, com
todos os diretores, e vamos votar. Comigo, não vai conseguir nada.

Muito contrariado, ele contraiu os maxilares e ficou olhando para mim como se
estivesse pronto para voar na minha direção, distribuindo socos. Só que se controlou.

— Farei isso. Vai ter que suportar a minha presença, Gabezinho — afirmou com
um sorriso perverso no rosto. — E eu vou fazer da sua vida um inferno.
Com aquela promessa sombria, ele simplesmente saiu, pegando o elevador –

que ainda estava no andar – e saindo da minha frente.

Só que eu sabia que aquela minha atitude teria consequências. E, para ser

sincero, não sabia do quê George era capaz. Teria que pagar para ver.
CAPÍTULO ONZE

Precisei de algum tempo parado, dentro do carro, depois de chegar em casa.


Minhas mãos agarravam o volante com força, ao ponto de deixar minhas articulações
brancas. Minha respiração parecia presa no peito, como se eu precisasse de uma
manivela para bombear o oxigênio de uma forma decente ao ponto de normalizar minha
respiração.

Eu poderia simplesmente entrar em casa, tomar um banho, trocar de roupa por


algo mais confortável, me deitar e simplesmente tentar desestressar daquela forma. Só
que eu sabia que precisaria passar por Laura. Precisaria olhar para a minha filhinha, e
eu não queria que a raiva e todos os sentimentos negativos no meu rosto a afetassem.
Era uma garotinha muito empática, e eu sabia que seria afetada.

Então eu me encasulei dentro daquele carro, na escuridão de um espaço


claustrofóbico, só para tentar me acalmar do encontro desagradável com George.

Tentei alguns exercícios de respiração, tentei puxar minha mente para qualquer
outro pensamento menos irritante, e cheguei a ligar uma música clássica bem calma só
para tentar entrar no clima.

Quando me senti um pouco melhor, decidi que era hora de finalmente entrar em

casa, principalmente porque eu imaginava que Helga já tinha me visto chegar. Tanto que
foi ela que veio me receber, pegando o paletó que estava pendurado no meu braço, com
uma expressão preocupada.

— Aconteceu algo, senhor? Posso ajudar? — Era uma santa mulher. Eu sabia

que minha aparência já estava um pouco melhor do que antes, que a raiva tinha se
dissipado um pouco, mas ela era atenciosa como uma mãe.

— Estresses do trabalho — achei melhor não explicar muito, porque ela sabia
muito bem a minha história com George, sabia o que ele tinha feito, e eu não a queria
preocupada com sua volta. Eventualmente acabaria descobrindo, mas naquela noite eu
não estava preparado para lidar outra vez com aquela situação. — Tudo bem aqui em
casa?

Com essa pergunta ela abriu um sorriso.

— Acho que o senhor vai ver por si mesmo.

Estranhei sua resposta, e eu quase disse a ela que talvez não fosse uma boa
ideia eu me aproximar de Laura, ao menos não antes de tomar um banho e esfriar a
cabeça, só que conforme fomos caminhando, eu comecei a ouvir a música.

Vinha do jardim dos fundos, o que poderia me fazer passar por minha filha sem
que ela notasse que eu tinha chegado, principalmente pelo barulho que estavam fazendo,
só que me senti atraído pelo som como se fosse uma sereia cantando para mim em meio

ao mar.

Fui andando até lá, pé ante pé, mas eu poderia jurar que não estava pronto para
o que vi.

Criança e mulher estavam vestidas com roupas estranhas, totalmente coloridas,


que não combinavam em absolutamente nada. Ambas com maria-chiquinhas no cabelo,

saias de tule, como se fossem duas bailarinas. Elisa usava uma meia azul, enquanto
Laura estava com uma amarela. A música que tocava era uma daquelas de algum filme
da Disney, de Frozen, se eu não estava enganado, e as duas cantavam a plenos pulmões,
dançando e rodopiando sobre a grama.

Não consegui tirar os olhos das duas, rindo ao perceber que cada uma segurava
um objeto diferente para ser usado como microfone. Elisa, uma colher de pau. Laura,
um controle remoto.

As duas eram muito desafinadas, e isso poderia ter incomodado meus tímpanos,
mas a alegria era tão evidente e tão contagiante que eu cheguei a me pegar seguindo-as
baixinho, porque sabia a letra de tanto que minha filha já assistira àquele filme.

Ao final, as duas fizeram poses dramáticas, e eu tive vontade de pegar uma


câmera e fotografar o momento, mas o que me restou foi começar a bater palmas, o que
provocou reações diferentes.
Elisa sobressaltou-se, envergonhada por eu ter testemunhado seu momento.

Laura deu uns pulinhos ao me ver.

— Papai! Você nos viu dançando e cantando! — E ela veio correndo na minha

direção.

Peguei-a do chão, sentindo que o estresse por George tinha evaporado por
completo. Como não aconteceria, se minha casa estava em plena harmonia? Era difícil
manter o mau humor com música, risadas e minha filha se divertindo imensamente?

— Você estava maravilhosa — falei para ela, cujo sorriso conseguiu se alargar
mais ainda. Dei um beijinho em seu rosto, mas meus olhos, instintivamente, se voltaram
para Elisa, que catava as coisas que estavam espalhadas pelo chão.

Eu sentia que era uma forma que encontrara de manter-se ocupada para
disfarçar seu constrangimento. Só que eu queria acabar com aquilo de uma vez por
todas. A mulher estava sendo incrível com a minha filha; queria ao menos ter um

relacionamento saudável com ela, que pudéssemos conversar, discutir coisas sobre a
criança, sem que parecesse que eu ia devorá-la a qualquer momento.

— Você estava ótima também, Elisa. — Apontei para a roupa que ela usava,
usando a mão livre, cujo braço não segurava minha filha no colo. — Adorei o figurino.

Por alguns instantes, a moça conseguiu sair de seu jeitão contido e olhou para si
mesma, deixando escapar uma risada.

— Não posso levar o crédito por isso. Foi ideia de Laura. Ela é uma estilista e
tanto.

Ah, como era bom vê-la um pouco mais solta. O vislumbre que tive dela
dançando e cantando com a minha filha me deu ainda mais certeza de que era uma

garota bem menos tímida do que demonstrava. E também parecia ter um senso de humor
muito mais divertido.

Uma mulher que se prestava a se vestir daquela forma e fazer um verdadeiro


show com uma criança em um jardim só podia ser alguém com uma personalidade a se

levar em consideração.

— É uma menina de muitos talentos, você não acha, Elisa?

A garota se aproximou de nós, apertando o narizinho da minha filha, que


gargalhou de um jeitinho delicioso.

— Ela é. Perfeita. Uma delícia... — Elisa começou a fazer cosquinhas em

Laura, que começou a se debater nos meus braços.

Não pude não entrar na brincadeira, então deitei a criança na grama, e eu e sua
babá a atacamos, literalmente, e eu esqueci cem por cento qualquer estresse daquele
dia.

Estávamos agachados, com Laura ofegante no chão de tanto rir, um do lado do


outro, muito próximos. Meus olhos se perderam nos de Elisa, que daquela vez não os
desviou.
Perdemos alguns instantes assim e nem mesmo minha filha nos interrompeu. Foi

Helga quem chegou, cortando o momento.

Constrangidos, eu e Elisa olhamos para ela, que tinha ido buscar Laura para

tomar um banho antes do jantar.

Será que tinha percebido alguma coisa?

Mas que coisa...? O olhar que eu e Elisa trocamos significava algo? Ou será que

alguém, que surgisse ao nosso redor, poderia interpretá-lo erradamente?

Ah, eu estava confuso, mas sabia que isso se devia ao estresse do dia.

Helga pegou a mão de Laura, que foi com ela saltitante, feliz depois daquelas
horas alegres que Elisa lhe proporcionou, e eu me levantei, estendendo a mão para a
moça, que continuava na mesma posição, para ajudá-la a colocar-se de pé.

— Acho que também preciso tomar um banho para jantar — ela disse, sem

graça, mas com um sorriso, o que eu achei uma vitória.

— Não só você. Tive um dia estressante no trabalho, preciso de uma ducha bem
fria. Mas a visão de vocês duas dançando e cantando daquele jeito já me ajudou a
aliviar um pouco a tensão.

Não sei por que me abri a ela daquela forma. Não era para dizer algo tão
íntimo. Elisa não era minha amiga. Era minha funcionária. Babá da minha filha. Só que,
de alguma forma, quis lhe dizer que, mesmo sem querer, fora responsável por um
momento agradável depois de um dia péssimo. Ela e Laura, é claro.

— Fico feliz, senhor. Eu me diverti também.

Eu sabia que Helga me chamava de senhor há muitos anos, e isso sempre me


incomodou um pouco, mas era como ela preferia, por mais que tivéssemos uma ótima
relação, quase como de amigos. Por algum motivo, ter Elisa me chamando daquela
forma me fazia ter a sensação de que era muito, muito velho.

Bom, em relação a ela eu era, né? A garota tinha dezenove anos. Eu tinha trinta
e cinco.

Talvez fosse melhor manter essa distância e o respeito. Ainda assim... eu não
queria que se afastasse ainda. Eu sabia tão pouco dela...

— Você faz muito bem à minha filha, sabe? Sei que já disse isso, mas é sempre
bom enfatizar — decidi comentar outra vez, porque era algo seguro de se falar. —

Laura parece outra criança desde que você chegou.

Outro sorriso. Poderíamos considerar um recorde, talvez.

— Ela me faz bem também. É uma criança muito boa de se lidar. E acho que o
senhor é muito responsável por isso.

— Eu? — o elogio me surpreendeu.

— Claro que sim — enquanto falava, Elisa foi voltando a pegar as coisas que
tinha catado antes, mas que tinham voltado ao chão quando começou a fazer cosquinhas

em Laura. — Sei que sua situação não é fácil, tornando-se viúvo com uma criança tão

pequena, mas fez um trabalho maravilhoso criando Laura. Ela te ama muito e nunca se
sentiu negligenciada. Isso é um feito e tanto para um pai. Sei o quanto é importante ter

um presente, porque cresci em uma cidade onde muitos abandonavam os filhos ou não
ligavam, mas o meu sempre esteve do meu lado, mesmo sendo um pouco bronco. — Ela
riu. Estava falante como nunca, e isso me surpreendeu. Deixei que continuasse. — O
senhor fez a diferença no que Laura é hoje em dia. Merece todo o mérito por isso.

Foi um discurso e tanto, e por mais que devesse ter me envaidecido, causou
outra sensação: fiquei sensibilizado. Emocionado. Era tudo o que eu sempre quis ouvir.
Sempre me esforcei para ser bom para aquela criança, apesar dos pesares, e a posição
de CEO, na minha opinião – por mais poderoso que as pessoas me achassem, por mais
que eu soubesse que cada coisa que eu tinha conquistado profissionalmente era muito
relevante –, não era tão importante, para mim, como a minha função de pai.

— Obrigado, Elisa — foi tudo o que eu consegui dizer, com a voz embargada.

Ainda sorrindo e segurando os brinquedos que recolheu do chão, Elisa deu meia
volta e se afastou, caminhando com sua saia de tule adorável, com o cabelo balançando
na maria chiquinha, parecendo inocente demais, o que gritava no meu inconsciente:
fique longe dela.

Era melhor assim.


CAPÍTULO DOZE

Era muito difícil me manter indiferente a Gabriel ou conseguir fugir dele, por
mais que eu soubesse que era o certo a fazer. Por mais que quisesse que nossa relação
fosse estritamente profissional e que me visse apenas como a babá de sua filha, para
que não lembrasse que um dia eu fui mais do que isso, era impossível ignorá-lo quando
se aproximava com a intenção de conversar. Ele sempre se interessava por cada detalhe
do dia da filha, por cada coisinha nova que ela aprendia e, mais do que isso, gostava

que eu compartilhasse detalhes de momentos em que ela estava feliz. Isso parecia ser
importante demais para ele, o que o tornava um pai melhor a cada dia sob meus olhos.

De início foram conversas bem superficiais, somente sobre Laura. Ela era
estrela e protagonista de nossos diálogos, mas, às vezes, uma coisa ou outra sobre
nossas vidas pessoais ou pensamentos se manifestava, e eu acabava começando a
conhecê-lo um pouco melhor. Por vezes falava de trabalho, e por mais que eu não
entendesse muito do ramo em que atuava, gostava de ouvi-lo.
Não demorei a decidir que a melhor escolha era tentar esquecer que aquele

homem tivera uma importância um pouco maior para mim do que eu tinha para ele e

tentar aceitar que estávamos desenvolvendo uma amizade, mesmo que ainda muito
tímida. Ou talvez fosse alguma coisa só da minha cabeça, porque, afinal, eu era sua

funcionária. Desejar que me visse de outra forma, mesmo como uma pessoa com quem
gostava de conversar, já era me iludir demais.

E talvez o fato de eu passar muito tempo dentro daquela casa estivesse ajudando

a preencher meus pensamentos com a imagem de Gabriel Valcácer muitas vezes ao dia.
Tanto que às vezes Laura tinha que chamar a minha atenção para eu voltar a ajudá-la no
dever que a estava ajudando a concluir.

Péssima babá eu era. Ao invés de focar minha atenção na criança de quem


precisava cuidar, estava pensando no pai dela.

Foi exatamente por isso que aceitei o convite da minha prima para irmos ao
shopping, numa tarde de sábado em que Gabriel precisara ir para a empresa, mas não

convocara sua secretária.

Desde que tinha chegado de Serrania, não consegui fazer muitos passeios pelo
Rio de Janeiro, e seria uma escolha muito acertada pensar em algo ao ar livre, visitar o
Cristo ou o Pão de Açúcar, mas o dia estava chuvoso, então, não tivemos muitas
opções.

Ainda assim, Tatiane me levou a um shopping bem grande, próximo à casa de


Gabriel, que ficava na Barra da Tijuca, e eu fiquei bem impressionada. Ainda assim,
tentei ao máximo conter o meu espanto, porque não queria parecer demais com a garota
do interior que se deslumbra com qualquer coisa.

Ok, não era qualquer coisa, mas fiz a plena enquanto andávamos por entre

aquelas lojas maravilhosas e caras.

Para ser sincera, eu precisava de algumas roupas novas. Desde que cheguei à
casa de Gabriel, há dois meses, tudo era tão gostoso, com aquela cozinheira
maravilhosa que ele tinha, que minhas calças jeans estavam começando a ficar um

pouquinho apertadas. Nada absurdo, porque sempre fui bem magrinha, mas decidi que
seria bom comprar algumas coisas novas.

Eu até estava gostando da minha nova silhueta, e quase podia jurar que até meus
seios tinham aumentado um pouquinho, embora ainda coubessem perfeitamente nos
sutiãs que eu tinha, mesmo com bojo.

Paramos em uma loja de departamentos, que considerei um pouco mais em

conta, e comecei a pegar algumas roupas para experimentar. Meu salário realmente era
muito bom, mas minha ideia era economizar ao máximo, não apenas porque ainda tinha
planos de começar a faculdade, mas porque queria guardar algum dinheiro para o caso
de Gabriel decidir me mandar embora.

Na verdade, eu me sentia um pouco mais segura, já que se passara tanto tempo e


ele ainda não ligara meu rosto ao da mulher que levou para a cama, quase três meses
antes. Provavelmente isso não aconteceria mais, mas, ainda assim, preferia não
arriscar. E eu não precisava de roupas de marca.
Peguei três calças jeans, um vestido e duas blusas, levando-as para o provador.

Tatiane pegou algumas coisas mais sociais, já que sua posição como secretária de um

CEO pedia isso. Como babá, eu poderia me apresentar de maneira mais informal, sem
problemas.

Fomos juntas para o provador e levamos Laura conosco, que entrou na minha
cabine.

Coloquei primeiro o vestido, fazendo várias poses para ela. Eu não pretendia

levar aquela peça, porque era elegante demais, mas a menina insistira tanto, dizendo
que eu ia ficar muito bonita nele, que não resisti aos seus pedidos ao menos para que
experimentasse.

No final das contas, ficou realmente muito bonito no meu corpo. Era de um tom
de verde um pouco mais escuro do que os meus olhos, e ele marcava minha cintura,
descendo em uma saia mais rodada. O decote não era profundo, mas deixava meus
seios bonitos, firmes. Nunca tive aquela parte muito evidente, mas realmente pareciam

maiores. O que eu gostava.

Laura começou a tirar várias fotos do meu celular, enquanto eu fazia altas poses.
Saí do provador para mostrar a Tatiane, e nós duas aprovamos as peças uma da outra.

Quando fui tentar a calça jeans, no mesmo número que eu vestia sempre, ela até
fechou, mas não de forma confortável. Tive que optar pela maior, algo que comentei
com Tatiane enquanto estávamos na fila para pagar.
A expressão da minha prima, quando lhe falei sobre o ocorrido, me deixou

confusa.

— O que foi? Eu devo ter engordado um pouquinho, não é nada preocupante.

Estava mesmo muito magra — comentei, de olho em Laura, que interagia com um
bebezinho que estava no colo de uma moça, na fila preferencial ao lado da nossa.

— Não é isso. Tem certeza de que não pode ser uma gravidez? Você disse que
desmaiou outro dia, não disse? — Sim, eu tinha contado a ela, mas atribuí o ocorrido a

uma queda de pressão.

Por um momento, meu coração parou.

Dei uma olhada no bebê com quem Laura brincava, e fiquei quase apavorada,
pensando que um daqueles poderia estar a caminho, mas então comecei a pensar.

Fora o desmaio e além dos quilinhos a mais, não tive nenhum outro sintoma.

Além disso, havia algo muito mais importante:

— Estou menstruada. Não falhou uma única vez nesses três meses.

Minha prima pareceu aliviada, então eu fiquei também, embora, é claro, a


pulguinha já tivesse se instalado atrás da minha orelha.

Ainda assim, quando decidimos tomar um sorvete, decidi esquecer. Claro que
não era um bebê. Como disse para Tatiane, minha menstruação estava normal.
Estávamos caminhando pelos corredores, observando as lojas, até que Laura

começou a dar alguns pulinhos ao meu lado, tentando soltar a minha mão. Não deixei,

porque não sabia o que ela queria fazer, mas logo olhou para mim, com os olhinhos
brilhando.

— É o tio George, Elisa! É primo do papai!

Olhei para frente e vi um homem bonito, de cabelos loiros cacheados, parado,


agachando-se e abrindo os braços. Não vi alternativa a não ser deixar que Laura me

entregasse seu copinho de sorvete vazio e corresse para ele, porque se era da família...
tudo bem, né?

Por via das dúvidas, fui atrás e me aproximei, jogando tanto o meu copo quanto
o de Laura na lixeira mais próxima.

O homem parecia muito carinhoso com Laura, e ela visivelmente o adorava.


Nós nos apresentamos, e ele ficou olhando para mim de um jeito que não me deixou

muito confortável, mas decidi ignorar.

— Tio George, eu estava com tanta saudade! — Laura falou, apertando-o com
seus bracinhos magrinhos e delicados.

— Eu também, meu pãozinho de mel. Que coincidência a gente se encontrar


aqui. — Ele foi pegando o celular no bolso. — Vamos tirar uma foto e mandar para o
seu pai?

— Vamos! — a menina ficou muito animada e posou para uma selfie com o
primo de seu pai. O homem digitou algumas coisas, enquanto esperávamos, e depois
guardou o celular de volta no bolso. — Tio, você tem que ir lá em casa.

— Eu vou, querida. Vou marcar com o seu pai.

Havia algum tipo de animosidade na menção de Gabriel, ou seria impressão


minha?

Fosse como fosse, eu não fui muito com a cara daquele homem. Por mais que

ele parecesse realmente adorar Laura e isso fosse visivelmente sincero, poderia ser
uma intuição minha, mas eu não acreditava que aquele primo de George era uma boa
pessoa.

E essa impressão não me abandonou, além da sensação ruim, especialmente


quando Laura começou a falar dele no carro, na volta para casa, sentadinha no banco de
trás, enquanto eu dirigia. Como o motorista estava ocupado naquele dia, Gabriel tinha
deixado um de seus carros a meu dispor, para quando precisasse. Por mais que

estivesse prestando atenção no trânsito, não conseguia deixar passar o fato de que a
menina se encontrara com o tal primo apenas em festas de família nos últimos quatro
anos, muito menos quando disse que o pai não falava muito com ele.

Aquilo me soou muito estranho, mas, ainda assim, tinha ficado tudo bem. Isso
era o que importava.
CAPÍTULO TREZE

Na maioria das vezes, eu gostava de dias cheios. Gostava da agitação de


reuniões, de andar de um lado para o outro na empresa, de responder e-mails com
urgência, de atender telefonemas e planejar meu dia inteiro com a ajuda de Tatiane que
não estava ali naquele dia, porque eu não tinha pedido que comparecesse à empresa,
embora ela tivesse feito muita falta.

Só que às vezes as coisas ultrapassavam os limites, e eu me sentia


completamente exausto quando conseguia simplesmente me jogar na minha cadeira, ao
final de um expediente onde eu tinha ficado com a cabeça explodindo de tanto pensar,
falar e ouvir. E muitas vezes eu ouvia tantas asneiras, que as pessoas acreditavam
serem ideias mirabolantes, que sentia que meu cérebro estava prestes a entrar em
colapso.

Respirei fundo e fiquei alguns minutos com as mãos na cabeça, liberando o


estresse.
Depois peguei meu celular, quando acreditei que já estava um pouco mais

calmo, e decidi olhar minhas mensagens.

Havia muito poucas, porque se tratava do meu celular pessoal, mas uma delas

me chamou muito a atenção, porque era de George. Pensei em não abrir, especialmente
porque se tratava de uma imagem, e poderia ser absolutamente qualquer coisa – já que
meu odioso primo sabia ser um idiota quando queria –, mas não esperava ver uma foto
dele, abraçado à minha filhinha, os dois sorridentes.

Tentei puxar pela memória algo que Elisa me dissera mais cedo, e eu poderia
jurar que me pedira permissão para levar Laura ao shopping. E, de fato, o cenário ao
redor me parecia um.

Havia uma mensagem antes da imagem, que eu não tinha percebido antes, mas
dizia: "Olha essa coisinha linda que eu encontrei aqui. Que coincidência, não
acha?".

Não era uma coincidência. Eu tinha certeza disso. O filho da puta poderia ter
até seguido Elisa. Poderia ter ficado de tocaia perto da minha casa. Poderia, sei lá, ter
colocado alguém para nos vigiar.

Não era paranoia. Ou talvez fosse. Mas eu tinha motivos para isso.

Se houvesse algo no mundo que sempre tentei evitar era aquela proximidade de
George com Laura. Só que lá estava ele, do lado da minha garotinha. O que não poderia
ter acontecido? O que ele não poderia ter feito?
Arranquei meu paletó das costas da cadeira, fechei a tampa do notebook e saí

apressado da minha sala. A passos largos, cheguei ao elevador e fiquei me sentindo um

leão enjaulado enquanto ele não chegava.

Junto com ele, veio Arthur. Trazia algumas laudas na mão, provavelmente para
que eu assinasse ou lesse, mas não conseguiria me concentrar em mais nada naquele
dia.

— Ei, parceiro... o que aconteceu? Você está com uma cara péssima...

Eu ia entrar no elevador e simplesmente fingir que não tinha lhe ouvido, mas
Arthur colocou o braço no sensor, mantendo a porta aberta e entrando.

— Eu não quero companhia — rosnei.

— Não quer, mas vai ter. Me diga o que aconteceu, ou eu vou me tornar a sua
sombra até você falar comigo.

Bufei, irritado, mas o conhecia muito bem e sabia que não estava mentindo.

— George. Ele voltou. Aparentemente não em visita, como nas outras vezes,
mas para ficar por algum tempo.

— Eu o vi aqui na empresa noutro dia.

— Ele hoje apareceu magicamente no shopping quando Laura também estava lá.
Não acha muita coincidência?
Pronto. Arthur não precisou de muito mais informações para compreender qual

era o problema.

— Cara, ele não vai fazer uma loucura — Arthur disse com segurança, mas não

parecia tão seguro nem mesmo de suas palavras.

— Não podemos prever. Só quero ir para casa, cara. Depois conversamos —


falei quando a porta do elevador se abriu, e fui saindo, dando-lhe as costas e quase
marchando de tão ansioso que estava para sair dali.

Teria até saído da garagem cantando pneus se não tivesse um pouco de


consciência. Um único resquício que ainda me restava, porque queria chegar vivo em
casa. E não machucar ninguém, é claro.

Como ainda eram seis da tarde, peguei um trânsito insuportável, mas no


momento em que estacionei, nem me preocupei em tentar me acalmar dentro do carro.
Fui direto ao meu escritório, pedindo a Helga que chamasse Elisa com urgência.

Eu sabia que estava com a cabeça quente. Sabia que não seria o momento certo
para fazer nada, muito menos para falar com uma pessoa a quem eu precisaria
repreender, mas a impulsividade me tomou.

Fiquei esperando a moça andando de um lado para o outro, e quando ela


chegou, fechando a porta bem devagar, não precisou se esforçar muito para entender
que as coisas não estavam muito boas para o seu lado.

— Mandou me chamar, senhor? — indagou com educação, mas no momento em


que a olhei, ela chegou a se sobressaltar. Será que era tão óbvio assim o quão irado eu
estava?

— Como foi que vocês encontraram George no shopping? — mal a

cumprimentei, fui logo jogando a bomba, porque não tinha tempo para rodeios.

— Foi uma coincidência. Estávamos andando, tomando sorvete, e Laura o viu


— ela falou baixinho, muito assustada.

— E o que ela fez?

— Avisou que era uma pessoa conhecida, seu primo, e correu para abraçá-lo.

Eu poderia ter socado uma parede pelo tamanho da minha frustração. Sabia que
era algo exagerado, infundado, mas odiava pensar que minha filhinha gostava tanto
daquele cara. Como eu poderia contar para ela a cobra venenosa que ele era? Como
alertá-la de algo tão sério sem roubar um pouco da sua inocência? A menina tinha cinco

anos, pelo amor de Deus, como quebrar suas ilusões a respeito de alguém a quem
amava tanto?

Talvez eu devesse mesmo fazer isso antes que fosse tarde. Só que não era o
momento certo para pensar nisso. Naquele instante, minha raiva estava voltada para
Elisa.

— Como permitiu? Como deixou que ela fosse ao encontro de um adulto assim,
dessa forma? E se fosse um sequestrador? — vociferei, sem nenhuma piedade.
Elisa arregalou os olhos, parecendo mortificada.

— Mas, senhor... Ela me disse que ele era da família!

— E isso lá importa? Deveria ter me perguntado, ligado para mim! — Eu estava


transtornado, descontando em quem não merecia.

A moça abriu a boca, pronta para falar alguma coisa, mas respirou fundo,
abaixando a cabeça, envergonhada e acuada.

— Desculpa, senhor.

Tínhamos superado um pouco a formalidade e a distância que ela estabelecera


entre nós desde o início. Passáramos a conversar um pouco mais, quase sempre sobre
Laura, mas ela parecia menos reticente na minha presença. Toda a nossa evolução fora
destruída naquele exato momento.

E eu não estava nem um pouco preocupado com isso. O que eu queria era

descontar minhas frustrações em alguém. Culpar alguma pessoa por algo que não era
culpa de ninguém, com exceção dos envolvidos que criaram aquele trauma em mim.

— Não adianta pedir desculpas. Poderia ter acontecido uma tragédia. Você não
tem noção de quem é aquele homem e o que ele já fez para a minha família! Você foi
imprudente. Eu deveria ter imaginado que não seria uma boa ideia ter uma garota tão
inexperiente para cuidar da minha filha — eu estava realmente alterado. Sentia meu
sangue ferver enquanto corria pelas minhas veias.
Só que, daquela vez, Elisa não se acovardou. Ela ergueu a cabeça, altiva, e isso

me surpreendeu. Os olhos incríveis adquiriram uma expressão selvagem, que sempre

lhe atribuí, mesmo quando me olhava com medo e desconforto.

— Eu não poderia adivinhar. Não foi minha intenção causar nenhum problema.
A menina ficou feliz em ver o homem, e eu não tirei os olhos dela nem por um segundo.
Estávamos em um shopping movimentado, com seguranças por toda parte. O que acha
que eu teria feito se ele tentasse fazer algum mal a ela? Eu brigaria por Laura. Faria

qualquer coisa para mantê-la segura.

Fogo. Era isso que ela exalava. Era ridículo pensar assim, mas a minha raiva
começou a se dissipar bem lentamente e tudo o que eu via à minha frente era a mulher
linda que Elisa era.

Provavelmente a reação do desejo tinha a ver com a adrenalina do estresse, e eu


deveria me controlar, mas começava a ficar cada vez mais impossível enquanto olhava
para ela.

— Se cometi um erro, peço perdão, mas não vou aceitar ser menosprezada ou
diminuída só porque sou muito jovem. Isso não muda o quanto eu amo a sua filha e o
quanto cuido bem dela. Está sendo cruel no seu julgamento e pensando com a cabeça
quente. Se quiser me demitir, fique à vontade, mas acho que estará cometendo um erro.

Novamente ela falou com tanta segurança, tanta firmeza, que eu cheguei a ficar
sem ar.
Além disso, uma vergonha profunda deu lugar à ira, e eu abaixei a cabeça.

— Você está certa. Me desculpe — admiti. Por algum tempo não consegui olhar
para ela, mas quando ergui os olhos, eu a vi surpresa.

Perdemos alguns instantes trocando olhares, e a intensidade que emanava entre


nós era quase palpável. Eu não podia negar que havia uma química, uma atração mútua,
que vinha se manifestando aos poucos. Algo me dizia que não era uma coisa do nada,
que existia de algum lugar. Talvez fosse aquela familiaridade que eu não tinha deixado

de sentir, mas eu não conseguia explicar.

Também não conseguiria explicar o que me fez dar um passo na direção dela e
focar meus olhos em seus lábios. Muito menos o que a fez começar a respirar de forma
mais ofegante.

Eu lhe dei tempo para fugir, porque não era possível que não imaginasse o que
estava prestes a acontecer. Muito menos quando levei a mão à sua nuca e a puxei para

mim.

Elisa não resistiu. Pelo contrário, ela suspirou. Então eu tomei sua boca na
minha e a beijei.
CAPÍTULO QUATORZE

No exato momento em que a língua de Gabriel entrou em contato com a minha,


eu comecei a me perguntar como pude ter me esquecido daquele beijo.

Ou melhor... eu nem esqueci. Lembrava-me de muitas partes de nossa noite, mas


algumas tinham me fugido da memória, só que não demorou muito para que aquele
detalhe em específico retornasse com força total.

O homem beijava que era um acontecimento.

Começou bem devagar, com toda a intenção de seduzir, hipnotizar. Era como
uma dança lenta, cadenciada... Sua mão firme na minha nuca me dava uma sensação de
posse que era extremamente sexy. Só que nada me preparou para a forma como seu
braço se colocou perfeitamente na minha cintura, me puxando e me colando a si,
demonstrando sua força e a forma como facilmente poderia me dominar, se quisesse.

Subitamente o beijo não estava mais tão lento. De repente, como uma explosão,
eu o senti como se me devorasse, porque algo se fragmentou dentro de nós. Como uma
chavinha que é girada para ligar uma máquina, ele passou a me beijar com uma fúria

que era devastadora. Com gana, com paixão.

Eu sabia que não havia como me recuperar de um beijo como aquele facilmente,
ainda mais sabendo que ele fora o homem que me tornara mulher. Alguns flashes,
algumas imagens, começaram a se formar na minha cabeça, de nós dois unidos,
conectados, nus, sobre uma cama. Eu me lembrava de um gemido bem alto meu, o que

arrancou outro som da minha boca naquele momento. Não tão intenso, é claro, mas um
suspiro profundo, que dizia muito do que eu estava sentindo naquele momento.

Só que as coisas foram ficando tão intensas, que eu simplesmente senti tudo
girando – mais uma vez – e perdi o equilíbrio por um instante.

Isso interrompeu o beijo imediatamente, e Gabriel me segurou.

— Elisa? — sua voz sussurrada foi o que me manteve sã e consciente, então eu

abri os olhos.

Nossos rostos ainda estavam muito próximos, e ele estava inclinado sobre mim,
mas era o braço ao redor da minha cintura que sustentava todo o meu peso, porque
simplesmente não conseguia ficar de pé por minha própria conta.

Pisquei algumas vezes, tentando focar minha visão, e fui voltando a mim aos
poucos.

— Você está bem? — ele perguntou, preocupado, e conforme eu fui me situando


das coisas, comecei a me sentir muito envergonhada. Eu tinha desmaiado por causa de
um beijo?

Pelo amor de Deus, que coisa ridícula!

Essa constatação me deu forças de novo, e eu me coloquei de pé, ajeitando-me,


puxando a blusa baby look que usava, como se quisesse me cobrir. Também aproveitei
e me afastei dele com alguns passos, assim que me soltou.

— Sim, só foi o estresse de antes... — inventei. Ou até poderia ser verdade,


não? Eu realmente tinha ficado nervosa.

— Mas é a segunda vez que você desmaia em pouco tempo. Isso é um costume?

Não, não era. Para ser sincera, antes daquela primeira vez, ali mesmo em seu
escritório, nunca tinha acontecido comigo. Deveria me preocupar?

— Não, mas está tudo bem, de verdade. É melhor eu ir.

Estava prestes a passar por ele, mas senti quando segurou meu braço,
impedindo-me de sair.

— Elisa, espera — o pedido foi feito com tanta gentileza, tanta suavidade,
naquela voz de veludo, que seria muito difícil não acatá-lo. Então eu me virei e olhei
para ele. — Muitas coisas aconteceram aqui, e eu estou confuso. Você realmente me
perdoa pela forma como falei com você?
Respirei fundo, sentindo meu coração bater mais forte. Eu não podia me

apaixonar por ele. Não podia me deixar levar pelo beijo e nem pela doçura que ele

demonstrava, por se preocupar em pedir desculpas de forma tão gentil, mesmo sendo
meu patrão.

— Sim, está perdoado.

Ele pareceu aliviado, e novamente achei adorável de sua parte.

Pensei que seria só isso, mas Gabriel ainda não tinha soltado o meu braço.

— E o beijo?

O que ele queria dizer com aquela pergunta? O que queria que eu respondesse?

Fiquei calada, olhando em seus olhos, porque realmente não sabia o que falar.
Ele também não desviou a atenção de mim, mas seus ombros pareceram cair no
momento em que decidiu completar a pergunta, começando a dizer:

— Isso não pode...

Antes que ele comentasse o que eu temia, de que o que havia acontecido não
poderia afetar nossa relação de trabalho, eu me desvencilhei de sua mão e afirmei, com
um sorriso falso:

— Está tudo bem. Vai continuar tudo como antes. Sou a babá de Laura e você é
meu chefe. O que aconteceu foi um impulso, não vai se repetir.
Não permiti que dissesse mais nada nem que me segurasse novamente. Apenas

saí de seu escritório e acelerei os passos até uma corrida, partindo para as escadas e

voando pelos degraus até chegar ao meu quarto.

Precisava dar uma olhada em Laura, prepará-la para o jantar, mas só queria
alguns momentos sozinha.

Só que no exato instante em que cheguei, vi meu celular tocando sobre a cama.
Era Tatiane.

Eu poderia não atender, fingir que não ouvi ou que estava ocupada demais, mas
decidi que talvez fosse melhor desabafar antes que enlouquecesse.

— Nossa, prima! Te liguei umas cinco vezes! Queria te dizer que vou ter que
trocar uma das roupas que comprei. Veio com um fio puxado, acredita? Pior que é
aquela... — ela começou a falar, e eu sabia que continuaria tagarelando, então decidi
soltar a bomba de uma vez.

— Gabriel me beijou.

Houve um silêncio do outro lado da linha. Um silêncio muito esperado, na


verdade.

— Ele lembrou? — ela só perguntou isso e nem precisou especificar muito para
eu entender que estava falando de nossa noite clandestina.

— Acho que não. Ele só... me beijou.


— Só não, né? E aí…? Me conta tudo...

— Não tem muito o que contar. Foi bom, muito bom. Só que foi ridículo, porque
eu desmaiei e...

— Ei, calma! — Tatiane me interrompeu. — Mulher, você desmaiou de novo?

Pela ênfase que ela estava dando ao “de novo”, eu podia sentir a sua
preocupação. Eu também estava achando aquilo tudo muito estranho, mas não queria

ficar pensando nisso, já tinha problemas demais na cabeça com os quais lidar.
Provavelmente precisava fazer um exame de sangue. Talvez estivesse com anemia...

— Amiga, você tem certeza de que não está grávida? Por que não faz um exame
só para constatar?

Só de pensar em fazer um exame de gravidez, eu já sentia novamente a cabeça


girando. Tanto que me sentei na cama, tentando me acalmar.

Aquela era uma opção impensável. Eu tinha dezenove anos. Queria estudar,
fazer faculdade, começar uma carreira. Sem contar que o pai da criança era um cara
que nem se lembrava que tinha feito amor comigo, que tirara minha virgindade. Não
poderia haver uma situação pior para se colocar um bebê no mundo.

— Como eu te disse, estou menstruada, prima. — Era nisso que eu queria me


agarrar. Não queria sequer procurar no Google se havia chances de uma mulher
menstruar enquanto estava grávida. Se fizesse isso as paranoias iam começar.
— Mesmo assim, faz um exame. Não custa. De farmácia mesmo.

— Não, Tati. Sem chance. Eu fiquei estressada. O Gabriel brigou comigo antes
do beijo por causa daquele cara que encontramos no shopping... — tentei mudar de

assunto de forma bem estratégica.

— Sério? Mas aquele cara era bem estranho mesmo. Por mais bonito que seja, a
gente tem que ser franca. O jeito como ele olhou para você e até para a menina. Me deu
arrepios.

Ainda bem que eu não tinha sido a única a reparar ou poderia pensar que era
implicância. Mesmo assim, a reação de Gabriel fora extremamente passional a respeito
daquele cara, e eu ainda não entendia muito bem qual era o problema, até porque o
beijo me distraiu de todo o resto. Só que, sem dúvidas, havia algo de muito estranho. E
eu não fazia ideia se queria descobrir. Não mesmo.
CAPÍTULO QUINZE

Eu costumava me considerar um cara ponderado. Havia rompantes impulsivos,


é claro, mas na maior parte do tempo eu pensava antes de agir, especialmente quando
tinha a ver com a minha filha.

E daquela vez também tinha, só que consegui cometer uma imprudência absurda,
porque tinha beijado a babá dela. Mais do que isso. Eu desejava a moça. Uma garota

dezesseis anos mais nova do que eu, que parecia um bichinho do mato acuado e que
tinha um jeitinho inocente que me fazia acreditar que poderia ser virgem. Bem, ela
vinha do interior, não? Não seria algo espantoso.

Mas a atração que eu sentia por ela era quase dolorosa. Era como algo que
pinica a pele, que começa em um único ponto, mas que vai se alastrando pelo corpo
bem devagar. Quando você se dá conta, já está completamente contaminado.

E o pior de tudo era que eu a via todos os dias. O beijo serviu como um botão
start para que minhas reações a ela começassem a ser as mais impróprias possíveis.
Qualquer coisa que fazia parecia mexer comigo. Fosse passar a mão nos cabelos lisos e
castanhos, fosse sorrir de qualquer bobagem, a forma como comia delicadamente no

jantar, como caminhava... Tudo era motivo para eu ter os sentimentos mais adolescentes

a respeito dela.

Porque era exatamente assim que eu me sentia – como um adolescente bobo, que
está doido na menina mais bonita do colégio.

E por falar em bonita... Porra, ela era exuberante. Desde o corpo de proporções

perfeitas, desde o rosto de boneca até aqueles olhos sensuais daquela cor exótica. Eu
não tinha a menor chance.

No dia em que recebi Arthur para jantar na minha casa, com sua esposa, na
primeira oportunidade que encontramos para ficar sozinhos, ele apenas gargalhou,
como se estivesse zombando de mim.

— Mas o que diabos é isso? Por que está rindo? — tive que perguntar, porque

não estava entendendo absolutamente nada.

— Você... Não sei se te acho inocente ou só burro mesmo. — Arthur tomou um


gole do uísque que lhe servi depois do jantar. Acabamos nos dividindo, e ele foi para
um canto comigo, enquanto sua mulher brincava com Laura sob a supervisão atenta de
Elisa.

— Do que você está falando? — comecei a ficar irritado.

— Você realmente contratou uma mulher dessas para ser babá da sua filha? Para
dormir debaixo do seu teto?

— Para ser sincero, Helga contratou...

— Isso é uma tentação, meu amigo. E não só porque ela é uma deusa, mas
porque vocês dois estão morrendo de tesão um pelo outro.

Será que era assim tão perceptível, ao menos da minha parte? Eu não sabia
sobre Elisa, embora eu a pegasse olhando para mim em momentos aleatórios, e eu

poderia jurar que realmente estava atraída. Mas não queria me superestimar e acreditar
que uma menina como ela poderia ter interesse em um cara tão mais velho. Ela era
cheia de vida, tinha o mundo inteiro à sua frente, e eu já tinha uma filha. Uma garotinha
a quem ela amava, sem dúvidas, mas que era uma responsabilidade muito grande.

Eu não era divertido. Não tinha tempo livre para entreter uma moça como ela.

Só que eu também estava divagando demais. Arthur falara sobre atração. E isso

era uma coisa que não se controlava. Se Elisa me desejava, como homem, ela
provavelmente não estava pensando em algo mais do que um caso ou até mesmo uma
noite. Aliás, era no que eu deveria estar pensando também. Só que não conseguia me
imaginar transando com a babá da minha filha e simplesmente deixando o ocorrido de
lado para deixar a vida seguir.

Ou melhor... eu não deveria nem tê-la beijado. Mas era tarde para voltar atrás.
E eu definitivamente não contaria isso a Arthur.

— Ela é ótima com Laura. Não vou estragar isso — falei bem baixinho, quase
entre dentes, odiando minhas próprias palavras. Dei uma golada no uísque, esperando
que ele molhasse minha garganta seca e que me entorpecesse ao menos um pouco.

— Por falar nisso... e George? Encheu o saco novamente?

Lá estava mais uma coisa que merecia um pouco de álcool para ser mais leve.
Pensar em George me deixava transtornado e me fazia lembrar daquela foto que ele
tirara com Laura, cuja imagem não saía da minha cabeça. Fazia mais ou menos uma
semana que ela fora tirada, mas mesmo assim não conseguia acreditar que se tratara de

uma coincidência.

— Não. Nunca mais apareceu. Nem na empresa, aliás. Ele disse que queria
assumir seu lugar lá por direito, mas nunca mais tentou reivindicá-lo.

— Porra, vai ser um saco ter aquele idiota na VC.

— Vou fazer de tudo para ele não conseguir colocar os pés lá, só que não

depende de mim. Realmente algumas ações pertencem a ele.

— Infelizmente.

— Sim, infelizmente...

Mais uma golada no uísque, e meus olhos outra vez se voltaram na direção de
Elisa. Ela sorria diante de uma gracinha que Laura fizera para a esposa do meu amigo,
e parecia tão doce e inocente que não consegui não me contagiar pela cena.
E foi assim todas as vezes, nos dias seguintes, em que meus olhos se cruzaram

com Elisa, nas mais diferenciadas situações.

O fato de ela estar sempre perto de Laura foi uma segurança para que eu me

mantivesse afastado. Só que isso teve prazo de validade, porque duas semanas depois
do nosso beijo, minha filha foi passar a sexta-feira na casa de uma amiguinha, para uma
festa do pijama.

Jantamos juntos e sozinhos pela primeira vez, porque Helga não gostava de

comer à mesa. Ela sempre fazia um lanche em seu quarto, antes de dormir, então o
clima ficou completamente pesado. Nenhum de nós dois parecia pronto para começar a
dizer alguma coisa, para dar o primeiro passo, mas eu sabia que havia milhares de
coisas engasgadas. Um milhão de palavras não ditas.

Foi pouco antes de Helga surgir para tirar a louça que eu segurei a mão dela por
sobre a mesa, da forma mais inocente possível, e a fiz sobressaltar.

— Precisamos conversar, Elisa. Não podemos fingir que nada aconteceu —


falei baixinho, porque eu não queria que mais ninguém ouvisse, e eu senti que ela iria
tentar escapar. Preparou-se para falar algo, mas suspirou, derrotada e aquiesceu.

— Eu sei — ela também manteve um tom de voz que era nada mais do que um
sussurro.

Antes que pudéssemos desenvolver a conversa, Helga surgiu, completamente


inocente a respeito do que estava acontecendo. Nós dois optamos por não comermos
sobremesa, para adiantarmos o final do jantar, e eu convidei Elisa para me acompanhar

até o jardim.

Ela seguiu na minha frente, porque permiti que me ultrapassasse, e eu estava

mais do que decidido do que deveria fazer. Não conseguia parar de olhá-la. Exatamente
como pensei anteriormente, eu me sentia um adolescente, excitado com cada
movimento, até o rebolar de quadris me deixava louco.

E, porra, eu tinha trinta e cinco anos. Não era um virgenzinho desesperado. Não

estava tanto tempo sem sexo assim, embora não me lembrasse de nada, para estar tão
louco naquela menina. A única explicação era que ela, de fato, mexia comigo. Em um
nível extremamente intenso.

Assim que chegamos, eu a convidei para sentar, mas Elisa parecia inquieta
demais para isso.

— Estou bem de pé. Acho que ser demitida assim deve me dar um pouco mais

de dignidade — ela falou em tom de brincadeira, mas parecia realmente nervosa.

— Demitida? — Aquilo me surpreendeu. — Do que você está falando?

Elisa ergueu uma sobrancelha.

— Não é essa a intenção?

Quase tive vontade de rir.


— Meu Deus, não é a primeira vez que você acha que eu vou te mandar embora,

né? Mas, não, isso nem passou pela minha cabeça. — Fiz uma pausa e minha vontade

de rir subitamente se esvaiu. Fiquei completamente sério, sabendo que eu estava


prestes a dar um passo muito grande e que eu não sabia para onde nos levaria. —

Outras coisas vêm passando, e eu não sei se são certas...

Pensei que Elisa iria se esquivar ou não compreender do que eu estava falando,
mas supus que minha expressão estava mais transparente do que eu gostaria.

Porra, eu queria tocá-la. Queria puxá-la para mim e me fartar de sua boca
novamente, sentir seu gosto e deixá-la tão ansiosa por mim quanto eu estava por ela.
Queria mil coisas, mas todas elas pareciam absurdas.

Aquela menina era proibida para mim. Era muito mais jovem e babá da minha
filha. Eu não poderia seduzi-la.

— E por que não seriam? — ela perguntou, e eu poderia jurar que estava

correspondendo às minhas investidas com o mesmo desejo de me seduzir.

Ela nem precisava se esforçar muito.

— Porque eu não quero demitir você, Elisa. Não quero te afastar. Eu quero
você perto. Muito perto... — minha voz saiu sussurrada, rouca.

Como na primeira vez em que a beijei, no meu escritório, aproximei-me, dando


passos lentos. Se ela quisesse recuar, poderia. Não iria segurá-la, não iria forçá-la.
Jamais.
Tudo o que eu precisava era saber se corresponderia novamente. Se isso

acontecesse... que Deus nos ajudasse, porque eu não conseguiria mais pensar com a

razão. Ela seria minha... se quisesse ser.


CAPÍTULO DEZES S EIS

Ele mesmo dissera: não era certo. Em nenhum nível.

Éramos chefe e funcionária. Ele nem lembrava que tinha tirado minha
virgindade. Eu estava omitindo uma informação importante. Eu era babá de sua filha...
Tudo completamente caótico entre nós. Mas quando ele veio para mim, segurando-me
em seus braços e tocando seus lábios nos meus, foi impossível pensar em qualquer

outra coisa a não ser no quanto eu queria que me beijasse.

Passei todos aqueles dias desde a última vez em que me tocara controlando
minha vontade de pedir mais um beijo. De pular no colo dele e dizer que queria que
fizesse qualquer coisa que desejasse comigo.

O que me manteve controlada foi Laura. Foi pensar nela e lembrar que aquilo
poderia ser muito prejudicial para aquela menininha especial.

Como eu e seu pai nos comportaríamos depois de mais uma noite – embora ele
nem suspeitasse que se tratava de uma segunda vez. Como ficariam nossos olhares,
nossas atitudes perante um ao outro? Era complicado tentar imaginar, mas eu preferia

pensar no pior, porque então me mantinha distante.

O meu maior medo era que Laura percebesse algo. Era uma garotinha muito
sensitiva e atenta, e eu sabia que ela nos amava. O que faria com a sua cabecinha
aquela ideia de que seu pai e sua babá estavam namorando? E se ela romantizasse as
coisas e pensasse em nós como um casal apaixonado? Isso alimentaria suas ilusões ao

ponto de magoá-la caso as coisas não acontecessem do jeito que queria.

Magoaria a mim também, por mais que eu não quisesse admitir. Por mais que eu
fosse uma adulta, que estivesse me jogando no abismo com a certeza de que poderia ser
perigoso o que encontraria lá embaixo, ainda tinha esperanças de me surpreender.

Se tivesse pensado melhor e recuado...

Mas não foi o que eu fiz. E lá estava eu suspirando em seus braços, aceitando o

beijo como se fosse uma tábua de salvação.

Só que Gabriel parecia estar agindo do mesmo jeito, porque as coisas foram
novamente se intensificando em poucos segundos.

Havia um fogo entre nós. Uma química completamente atordoante; como se cada
detalhe se encaixasse. Era como se o beijo dele tivesse sido feito para mim. Como se
seu corpo tivesse sido moldado para abraçar o meu e me fazer sentir segura.

Eu tinha tido um único namorado na vida, então meus níveis de comparação não
eram os mais seguros, mas com certeza nunca fora daquela maneira.

Fui surpreendida quando duas mãos fortes se posicionaram nas minhas coxas,
segurando-as e erguendo-as, levantando-me do chão e me posicionando com as pernas

entrelaçadas em sua cintura. Temi que alguém nos visse, mas Gabriel não parecia nem
um pouco preocupado com isso.

Comigo naquela posição, ele me levou até o espaço da piscina, deitando-me em


uma das espreguiçadeiras, onde se colocou sobre mim, sem parar de me beijar por um

só segundo.

Não conseguíamos nos conter. Não havia centímetros de nossos corpos que não
tocássemos. Não havia mais ar em nossos pulmões – ao menos era o que parecia que
estava acontecendo com ele também, enquanto me beijava.

No instante em que sua mão entrou sorrateiramente por baixo da minha blusa e
encontrou o meu seio, cujo mamilo foi girado entre seus dedos, o que me fez estremecer

e gemer contra seu ouvido, enquanto eu mordia o lóbulo de sua orelha, em uma
confusão de mãos e bocas que eu mal conseguia entender.

— Você não está de sutiã, linda. Qual era a sua intenção? Me enlouquecer? —

Não, eu realmente não estava. Mas a blusa que usava tinha um tecido firme,
quase um top, e eu estava usando uma legging com ela. Era basicamente o tipo de roupa
que passei a usar desde que comecei a ganhar alguns quilinhos extra e, principalmente,
algo confortável para cuidar de uma criança. Nunca se sabia quando Laura iria querer
começar a dançar como no outro dia, então estar preparada era fundamental.

Claro que a intenção não fora enlouquecer Gabriel, mas que bom que tinha
surtido um efeito além do que eu esperava.

— Sim, é para você — sussurrei, completamente inebriada. Teria dito qualquer


coisa naquele momento. Só que um lampejo de sanidade me tomou, enquanto ele
continuava me acariciando daquele jeito tão erótico. — Alguém pode nos ver aqui, não
pode?

Gabriel parou o que estava fazendo e se afastou um pouco, olhando-me nos


olhos.

— Sim, você tem razão.

Após responder, em mais um de seus rompantes desesperados, ele me pegou no


colo e começou a me levar para a casa da piscina.

Tratava-se de um cômodo extra, quase como um quarto de hóspedes, que, até


onde eu sabia, era raramente usado, mas que estava ali, sempre pronto, sempre
arrumado para o caso de alguém precisar usar.

E nós precisávamos naquele momento. Aparentemente... precisávamos muito.

Fui deitada delicadamente na cama, e Gabriel imitou seus movimentos na


espreguiçadeira, pondo-se sobre mim e recomeçando a sessão de beijos, enquanto
tirava minha legging e minha calcinha, ambas de uma só vez, lançando-as no chão. Foi
tudo tão rápido que nem tive tempo de pensar, mas logo seu dedo estava dentro de mim,
entrando e saindo, buscando, excitando, encontrando o ponto perfeito para me fazer

perder a cabeça. Se é que eu ainda tinha alguma consciência de qualquer coisa ao meu
redor.

Ainda mantendo sua mão no mesmo local, ele ergueu minha coxa, deixando
minha perna flexionada, conseguindo ir ainda mais fundo, certeiro. Arqueei o quadril,
dando a entender que queria e precisava de mais, e assim que eu fiz esse movimento,

Gabriel investiu com mais força, unindo um segundo dedo ao primeiro.

Usando a mão livre para afastar o decote da minha blusa, ele levou a língua ao
meu mamilo, lambendo-o com a pontinha, só para me torturar. Permaneceu assim até
que levou a boca inteira, chupando aquele ponto sensível e puxando-o com uma
intensidade que poderia até ser dolorosa, se ele não fosse tão preciso no que fazia.

Nem me dei conta de como a minha blusa foi tirada, porque ele literalmente a
arrancou, mas então sua boca começou a passear por todo o meu torso, usando a língua

e descendo, posicionando minhas pernas em seus ombros, abrindo-as e levando a boca


à minha fenda, que estava completamente molhada, pronta.

Assim que ele iniciou o sexo oral, por pouco não perdi o ar. O gemido que saiu
da minha garganta foi quase um grito, e eu quase me perdi nas sensações, enquanto
conhecia aquele prazer que foi roubado pela minha memória falha pelo álcool, na
minha primeira vez. E eu queria tudo. Queria que Gabriel me ensinasse cada pequeno
resquício do que eu poderia obter com um homem experiente como ele.
Não... isso era uma mentira. A questão não era a experiência de Gabriel. Era

ele. O que eu sentia. O que ele representava.

Não era apenas luxúria, embora ela fosse a principal motivação, mas Gabriel

tinha se tornado especial para mim, de alguma forma. Ele não era apenas o cara que
sabia como me dar prazer, mas muito mais. Estava se tornando muito mais.

E era isso que eu tinha em mente quando gozei em sua boca e quando o vi nu
diante de mim, logo em seguida.

Como era possível que eu tivesse me esquecido de tudo aquilo? Das sensações,
das emoções e do quão perfeito ele era? Do quão bonito, sexy, atraente e tentador ele
era.

E como me olhava parecendo pensar exatamente as mesmas coisas de mim. Era


como ser venerada. Primeiro com seus olhos. Depois com suas mãos.

Ele tinha tirado uma camisinha do bolso, o que me fez rir.

— Já estava preparado?

Gabriel deu de ombros.

— Tinha más intenções, não posso negar. Mas só vai acontecer se você quiser.
A escolha é sua, Elisa. Não sei se já tem alguma experiência e...

Minha resposta foi colocar as mãos em seu rosto e puxá-lo para mim, beijando-
o, porque não queria falar sobre aquilo. Tinha sido ele a tirar a minha virgindade, e eu

deveria lhe contar, mas não naquele momento. Não fazia nem sentido interromper e

estragar tudo.

Gabriel afastou-se um pouco, abrindo a embalagem e colocando a camisinha,


escorregando para dentro de mim, com muita delicadeza.

Talvez Tatiane estivesse certa, e a bebedeira tivesse me poupado da dor da


primeira vez, porque no momento em que seu pau chegou bem fundo, provocando muito

mais prazer do que seus dedos, eu gemi mais alto do que pensei ser capaz e mordi o
lábio inferior, tentando me conter um pouco enquanto ele começava a estocar ao
perceber que eu não estava sentindo nenhum desconforto.

Pelo contrário... era... maravilhoso.

Gabriel foi colocando mais força nos movimentos, enquanto sua respiração se
tornava mais e mais pesada, e nós dois nos perdíamos em gemidos, grunhidos e ofegos,

até que nos perdemos em nosso próprio orgasmo, com nossos olhos fixos, nossos
corações em uníssono. Estariam, também, nossos pensamentos conectados?
CAPÍTULO DEZES S ETE

Na última vez em que acordei na cama, depois de fazer sexo com uma pessoa,
precisei escapar como uma gatuna. Tudo o que vi foi seu rosto, mas não pude me fartar
do calor de seu corpo pela manhã, não pude me aninhar em seus braços e conversar
sobre o que acontecera, e eu tinha perdido a virgindade. Não era o tipo de garota que se
entrega a sexo casual, que sai transando com homens desconhecidos, apenas um. O cara
do bar. O cara que jurei que nunca mais veria, muito menos que me envolveria com ele

daquela maneira.

E lá estava eu, despertando ao lado do meu chefe, sentindo uma enorme vontade
de observá-lo dormir, porque era uma das coisas mais bonitas que eu já tinha visto.

A vontade de tocá-lo era grande, por isso deslizei as costas de um dedo pelo
rosto másculo, desejando senti-lo ao menos um pouco. Senti sua barba pinicar minha
pele, lembrando-me de como fora senti-la em outras partes do meu corpo, até mais
sensíveis, e de como até mesmo aquela parte tão banal fora importante para o nível de
prazer que Gabriel me deu.

Respirei fundo, sentindo um aperto no peito. O que estava acontecendo comigo?


Como era possível que eu estivesse me sentindo tão ligada a alguém? Gabriel me

passava uma sensação de proteção, como se eu estivesse segura, e mesmo que fosse
absurdo e precipitado, algo me dizia que aquele homem poderia se tornar ainda mais
importante para mim.

A maneira como fez com que eu me entregasse, como me permitira senti-lo por

inteiro, não apenas o seu corpo, mas... sua alma. Sem hesitações, sem medos. Nós
realmente nos tornamos um só, como se o fato de termos fundido nossos corpos tivesse
criado uma conexão que eu não esperava.

Uma conexão que eu não sabia que precisava tanto.

Não sei se foi algum movimento que fiz ou se já estava mesmo prestes a
acordar, mas remexeu-se de leve e abriu os olhos azuis-escuros como dois pedaços de

céu prestes ao anoitecer.

Por alguns instantes, temi que se mostrasse arrependido ou confuso, mas ele
sorriu. Preguiçoso, lento, sexy. Eu estava me tornando uma boba apaixonada.

— Bom dia, linda — não eram só seus movimentos que eram sensuais pela
manhã. A voz... Deus, eu poderia gozar só de ouvi-lo falar.

— Bom dia — respondi, envergonhada por ter sido pega no flagra ao admirá-lo
dormindo.
Ficamos nos olhando, e ele estendeu a mão, erguendo-a ao meu rosto, imitando

meu gesto de antes. Teria reparado que o acariciei? Provavelmente, sim.

Eu deveria sentir-me mortificada, mas tudo o que conseguia pensar era que ele

merecia, que nenhuma pessoa deveria negar carinho ou ternura a outra só para se
manter em um joguinho de indiferença.

— Você é uma visão e tanto pela manhã — ele falou para mim, e eu sorri, feliz
por ele não fazer parecer como se fosse um sexo casual.

Mas o que seria, então?

Aparentemente Gabriel estava com a mesma dúvida na cabeça, porque, após


alguns instantes de silêncio, foi o primeiro a se manifestar:

— O que vamos fazer? Precisamos tomar um pouco de cuidado no início, por


causa de Laura. Não sei se seria prudente contarmos a ela... Não enquanto não

entendermos direito o que está acontecendo.

Assenti, porque concordava plenamente com ele. A menina não poderia ser
envolvida, especialmente porque as coisas tinham acontecido muito rápido. Eu não
fazia ideia se ela gostaria de nos ver juntos, embora suspeitasse que sim.

— Podemos ser cuidadosos — afirmei, mas Gabriel demonstrou uma expressão


travessa no rosto, algo que me surpreendeu.

Eu sabia muito pouco sobre seu relacionamento anterior, o casamento, porque


Laura não tinha referências da mãe, a não ser um retrato que me mostrara um dia.
Tratava-se de uma mulher muito bonita, loira, com aspecto de modelo, mas eu não sabia

absolutamente nada sobre ela, nem mesmo o seu nome. Não sabia sequer se era um
casamento feliz, se Gabriel fora muito apaixonado e se sofrera com sua perda.

Também sabia que ela fora vítima de um acidente de carro, que tivera um
problema nos freios, voltando de um trabalho em outra cidade, e era ela mesmo que
estava dirigindo, porque odiava andar com motoristas. Isso tudo Helga me contara por

alto, sem entrar em mais detalhes.

Ainda assim, eu imaginava que a viuvez, para um homem jovem, bonito e com
uma filha pequena, não seria algo simples. Mesmo que não fosse um casamento feliz, o
que eu duvidava, Gabriel não me parecia do tipo que negligenciava a perda de uma
esposa. E eu podia sentir isso no fato de ele ser um tipo mais reservado, não tão falante
e pouco brincalhão. Vê-lo mais solto e se mostrando até divertido, me dava uma
sensação gostosa de que ele merecia ser feliz de novo, e que eu poderia lhe
proporcionar isso, se tivesse a chance.

— O que foi? — perguntei, confusa.

— Eu não sei se vamos ser muito cuidadosos, né? Levando em consideração


que eu quase fiz amor com você ontem, na espreguiçadeira da piscina... Não sei se vou
conseguir manter minhas mãos longe de você...

Ao dizer isso, Gabriel simplesmente girou na cama e veio para cima de mim,
arrebatando minha boca em um beijo que rapidamente nos levou a mais e mais e mais.
E, para ser sincera, ele estava certo. Não conseguimos ser assim tão discretos,

embora tivéssemos tentado muito. Claro que nosso maior cuidado era com Laura, mas

imaginava que todo o resto da casa, os funcionários, já sabiam que a babá e o chefe
estavam tendo um caso.

Os momentos de paz eram quando ele não estava presente, pois quando,
chegava em casa, nossos olhares pareciam prontos para nos fazer entrar em combustão
espontânea. Tanto que, na primeira oportunidade, principalmente quando Laura ia

dormir, a gente simplesmente se agarrava e não pensava em mais nada. Parecia que mal
conseguíamos chegar na cama, tanto que nos pegávamos no banheiro, na casa da piscina
– dentro da piscina à noite também –, no sótão, em qualquer lugar. De verdade.

Eu dificilmente dormia sozinha no meu quarto, porque era constante a


companhia de Gabriel. Não apenas porque ele me procurava para fazermos amor, mas
também porque gostávamos de conversar. Nus, aninhados, com minha cabeça em seu
peito, sentindo seu coração bater, quase em uníssono com o meu.

Era gostoso. A sensação de intimidade me saciava de tantas formas quanto o


sexo fazia. Eu me sentia muito completa.

Tanto que na primeira vez que Gabriel não foi dormir comigo, porque tinha
levado trabalho para casa; senti sua falta. Consegui pegar no sono, mesmo com a
impressão de que a cama era grande e estava vazia demais, mas acordei com uma
sensação ruim.

Um enjoo...
Corri para o banheiro e coloquei tudo para fora, provavelmente do jantar,

afinal, não tinha comido nada depois.

Aquilo começou a me assustar, de verdade.

Usando apenas um baby doll, voltei para o quarto, sentindo o estômago ainda
revirar, mas me coloquei de frente para o espelho, observando minha barriga. As calças
que eu tinha comprado pouco mais de um mês atrás, na minha ida ao shopping com
Tatiane e Laura, ainda serviam, mas já estavam menos confortáveis do que antes. O

sutiã já precisava ser usado com um dos ganchinhos mais largos, e algumas blusas de
botão já pareciam mais estufadas.

Eu continuava menstruando. Na verdade, tinha ficado há poucos dias.

Mas poderia não ter nada a ver, né?

Corri para o celular, acessando um navegador e fazendo uma pesquisa sobre

mulheres que continuaram menstruando durante alguns meses de gravidez. Os relatos


que encontrei foram inúmeros. Muitas delas tinham menstruado nos quatro primeiros,
cinco, algumas tiveram seu ciclo normal até o fim.

Levei a mão gelada à cabeça, em um desespero que me obrigou a me sentar na


cama, ainda desarrumada, porque não conseguia ficar de pé. Novamente a onda de
náusea me tomou, mas consegui controlá-la.

Eu estava grávida... não era apenas uma hipótese assustadora. Era quase uma
certeza. Quase podia sentir a criança dentro de mim.
Eu ia ter um bebê... do meu chefe!
CAPÍTULO DEZOITO

Sendo o CEO de uma empresa, algo que todos consideravam como um sinônimo
de um poder imenso, qualquer pessoa julgaria que eu trabalhava menos do que um
subordinado. Só que nunca me dei essa folga. Para ser sincero, muitas vezes eu me via
assoberbado de serviço, só porque tinha um probleminha para delegar algumas tarefas.

Mania de controle? Talvez... Mas era um defeito somente do meu lado

profissional.

Fosse como fosse, naquela noite eu me arrependia de ter essa necessidade de


fazer as coisas por mim mesmo, porque senti a falta de Elisa. E não apenas de transar,
mas de dormir do lado dela, de acordar e fazê-la rir... sei lá. Sentia falta da mulher
inteira, não só de seu corpo.

Fui até tão tarde no meu escritório que acabei dormindo na cadeira,
provavelmente às cinco da manhã. Ninguém foi me chamar, ninguém me incomodou, e
quando eu despertei, assustado, a primeira coisa que fiz foi olhar no relógio. Já passava
das onze da manhã.

Pulei da cadeira e corri para o meu quarto. Tomei um banho rápido, colocando
uma roupa e decidindo que era melhor não ir para a empresa naquele dia e trabalhar de

home-office.

Quando desci, já era hora do almoço, e eu encontrei apenas Laura em casa, já


arrumadinha para a escola, e Helga veio nos servir.

— Onde está Elisa? — perguntei à minha governanta, enquanto ela colocava a


mesa, e o cheiro delicioso da comida de Maria começou a fazer meu estômago roncar,
principalmente porque eu não comia nada desde a noite anterior.

Helga pareceu um pouco sem graça de responder na frente de Laura, então eu


pedi licença à minha filhinha e me levantei, conduzindo a mulher a um canto para que
pudesse falar sem medo.

— Ela foi ao médico, senhor.

Aquilo me preocupou. Elisa não tinha me dito nada que teria alguma consulta de
rotina, então imaginei que não fosse o caso. Mas fora tão súbito, tão repentino...

— Ela passou mal? — Era uma pergunta um pouco tola, porque por qual outro
motivo ela deixaria Laura em uma tarde, em dia de semana, sem avisar absolutamente
nada a mim?

— Não sei, senhor. Mas ela parecia um pouco nervosa.


— E foi sozinha? Por que não me chamou? Por que não levou o motorista? —

Eu já estava mais do que desesperado. Havia algo de errado, com certeza.

— Ela foi de Uber, senhor.

Tudo só se tornava ainda pior. Se não fora dirigindo o carro que emprestei a
ela, para que usasse quando fosse necessário, provavelmente não estava mesmo bem.

A ideia de Elisa passando mal em um hospital ou precisando de ajuda me

deixou muito mais nervoso do que imaginei que ficaria, por isso mal consegui comer.
Tentei forçar sorrisos e uma conversa leve com Laura, porque era sempre tão raro que
conseguíssemos almoçar juntos, a não ser nos finais de semana, que decidi aproveitar o
momento ao máximo, o que acabou funcionando para que me distraísse, mesmo que só
um pouco.

Ainda assim, depois que Laura saiu para o colégio, sendo levada apenas pelo
motorista – que era de extrema confiança –, fiquei andando de um lado para o outro,

ansioso, nem tentando me concentrar no trabalho, porque seria inútil.

Quando ela chegou, umas três horas depois do almoço, parti para cima dela,
quase que em um rompante, e percebi que estava pálida.

Tomei seus braços nas minhas mãos, puxando-a para um beijo, que ela
correspondeu quase que automaticamente, sem o calor de sempre.

— O que aconteceu? Helga me falou que você foi ao médico... Está doente?
Aqueles olhos expressivos e fascinantes de Elisa me olharam, e eu senti uma

dor neles que era completamente inexplicável para mim. Ela parecia desolada, e eu

fiquei muito assustado.

— Eu não estou doente. Foi uma consulta simples. Não se preocupe. Só estou
com muita dor de cabeça. Queria dormir um pouco. Precisamos conversar, mas mais
tarde, tudo bem?

Ela tentou se desvencilhar das minhas mãos, mas não a soltei. Ainda me sentia

agoniado, com uma sensação estranha de que estava me escondendo alguma coisa séria.

— Elisa... você está bem mesmo? Não parece.

Ela sorriu, mas eu conseguia ver perfeitamente que seu sorriso não era o mesmo
de sempre. Era como se uma luz tivesse se apagado. Só que eu não conseguia
compreender o porquê.

— Estou. Estou fisicamente bem. Só exausta. Não dormi muito bem esta noite...

Tentei pegar aquela informação e dar uma leveza à conversa, esperando ver sua
reação.

— Era porque eu não estava com você.

Seu sorriso continuou o mesmo. Não houve nenhuma mudança em seu humor,
nada que me desse alguma esperança de que realmente estava bem, como afirmara.
— Com certeza. — Uma de suas mãos subiu ao meu rosto, tocando-o

carinhosamente, e Elisa colocou-se na ponta dos pés para me dar um beijo no rosto.

Então eu não pude mais segurá-la ali, porque, se estava tão cansada, tudo o que

eu precisava era ser compreensivo e deixá-la dormir um pouco. Não podia alimentar
minha paranoia de que havia algo de errado com sua saúde, porque afirmara que não
era o caso. Ela não mentiria.

Ou ao menos imaginava que não.

Foram mais algumas horas de tensão, esperando que acordasse. Ainda tentei me
concentrar em tarefas que eu tinha, mas foi totalmente inútil, porque minha cabeça
sempre se voltava para ela e para a imagem de seu rosto melancólico quando chegou.

Tive alguma esperança de que iria me contar o que estava acontecendo quando
acordou, mas Laura chegou como um furacão, vindo correndo em nossa direção, e o que
ela tinha a dizer me desmontou de tal forma que tomou toda a minha atenção.

— Papaaaaaai, o tio George foi lá na escola hoje! — ela exclamou animada, e


ao ouvir aquele nome, meu coração quase parou.

Voltei meus olhos para Elisa, que já sabia que eu e meu primo não tínhamos uma
relação muito boa, e ela também franziu o cenho, confusa.

— O que ele queria, Laura? — tentei fingir que estava tudo bem, porque não
queria alarmar minha filha, mas a verdade era que eu sabia que aquela visita
inesperada não tinha boas intenções.
— Nada de mais, papai. Ele queria me trazer para casa, mas a tia não deixou,

porque o nome dele não está na lista. Aí ele só conversou um pouquinho comigo.

Comentou que minha babá é muito bonita, e eu falei que ela é a babá mais bonita do
mundo todo! — Começou a pular que nem uma pipoquinha, e em qualquer momento eu

acharia muito fofo, mas estava estressado demais para isso. — E eu falei que ele tinha
que tirar o olho da Elisa, porque ela já é namorada do papai. — Laura deu uma
risadinha maliciosa, levando a mão à boca, quase em tom conspiratório.

Não consegui me conter e segurei minha filhinha pelos ombros, com os olhos
arregalados.

— Por que você disse isso a ele? Laura, não é verdade. Eu não estou
namorando a sua babá!

Eu não queria que George me associasse a Elisa, de jeito nenhum. Se ele


descobrisse que eu realmente tinha sentimentos por aquela mulher, sabia, com certeza,
que iria usá-la contra mim. Não duvidava que chegasse a extremos para me atingir.

Só que percebi o meu erro na hora em que olhei para Elisa. A expressão dela
era de puro terror, e eu logo me dei conta de que tinha me excedido e demonstrado algo
que não era o que eu sentia. O problema não era pensarem que eu estava namorando a
babá da minha filha. O problema era George, em qualquer situação.

— Desculpa, papai. Eu... — Pronto! Eu tinha assustado minha garotinha


também, e ela estava com os olhinhos cheios d’água. Que porra estava acontecendo
comigo?
Olhei de novo para Elisa e naquele momento ela parecia devastada. Eu

precisava conversar com ela sem Laura por perto.

— Tudo bem, querida. Papai só não quer que você chegue perto do tio George

estando sem alguém por perto, combinado? Ele não é tão legal quanto você pensa.

Péssima forma de dar a informação, tanto que ela arregalou outra vez os
olhinhos, mas por um motivo diferente.

— O tio George não é legal, papai? Eu acho ele muito legal!

Revirei os olhos, porque aquilo chegava a me dar calafrios. O que uma pessoa
manipuladora não poderia fazer com uma criança inocente?

— Confia no papai, ok? — Ela assentiu com veemência, e eu esperei que me


obedecesse. Nunca duvidaria de Laura naquele quesito, mas George sabia ser
persuasivo, e eu sabia que a cabecinha dela ia ficar muito confusa. — Vá tomar seu

banho com Helga, preciso falar com a Elisa.

Ela novamente assentiu e foi subindo pelas escadas, provavelmente para


encontrar nossa governanta.

Fui deixado sozinho com Elisa e pude ver fogo em seus olhos. Fogo de raiva. A
melancolia tinha sumido e dado lugar àquele novo sentimento.

— Elisa, eu... — tentei começar a explicar, mas ela veio se aproximando,


colocando-se à minha frente, muito perto, quase como se estivéssemos prontos a entrar
em um ringue de MMA, com o detalhe peculiar de que ela era muito menor do que eu.

— Eu entendo que não queira que ninguém saiba que estamos ficando juntos,
mas precisava falar daquela maneira? É crime? Ou você tem vergonha? — ela cuspiu

as palavras, e eu vi seus olhos marejarem.

— Vergonha? — indaguei, como se fosse absurdo ela pensar daquela maneira,


mas como poderia julgá-la? Era exatamente o que parecia, não era? — Elisa, não é
nada disso. Você ouviu o que eu falei para Laura. George não é...

— Um cara legal? Ok, eu entendo que você não queira que ele saiba da gente,
mas a forma como você falou: “não estou namorando a sua babá!”... Nossa, foi bastante
lisonjeiro.

— Me desculpa... eu só me alterei...

— Não, tudo bem. — Cheia de dignidade, ela limpou o rosto, secando as

lágrimas, e começou a se afastar. Tentei tocá-la, mas Elisa recuou. — Já entendi. Já


entendi tudo...

Com isso, ela simplesmente saiu correndo, sem me dar oportunidade de


explicar. Se é que havia como.

Eu realmente tinha pisado na bola e logo com a mulher que não merecia isso de
forma alguma. Só esperava ter alguma chance de compensar a mágoa que causei e de
me redimir.
CAPÍTULO DEZENOVE

A vida precisava seguir.

Depois do rompante surpreendente de Gabriel, eu simplesmente me sentei à


mesa com eles para jantar, porque não queria que Laura desconfiasse de nada, e tentei
agir da melhor forma possível.

Gabriel não parava de lançar olhares para mim, aparentemente desejando

novamente me pegar sozinha para conversarmos, mas eu não queria. Talvez fossem os
hormônios exacerbados falando, mas não conseguia sequer olhar em seus olhos. Estava
extremamente magoada, sentindo-me traída da pior forma possível.

Não tínhamos um relacionamento sério, ao menos não que eu tivesse sido


avisada disso, então, se ele tivesse saído com outra mulher, seria doloroso, sem
dúvidas, mas o tipo de deslealdade que Gabriel cometera comigo fora o de mexer com
meu brio. Com minha dignidade. E isso era mais difícil de perdoar.
E, sim, eu estava esperando um filho dele. Havia uma criança crescendo dentro

de mim, que não tinha culpa da forma como fora concebida. Um bebezinho inocente que

iria surgir em meio àquele caos, com um pai que não queria sequer assumir o romance
com sua mãe.

Exatamente por isso, eu me retirei da mesa junto com Laura, alegando que iria
colocá-la para dormir. Naquela noite, tranquei a porta do quarto e não permiti que
Gabriel fosse me procurar. E olha que ele tentou. Bateu na porta insistentemente, mas

não o atendi, e ele decidiu não fazer um escândalo.

Na manhã seguinte, a mesma coisa. Eu estava usando Laura para me esconder


de seu pai, só que não poderia fazer isso por muito tempo. Estava apenas esperando
que minha cabeça ficasse um pouco mais fria, que meus pensamentos se reorganizassem
para que pudesse dar a notícia sobre a gravidez. Não fazia ideia de como ele iria
reagir, porém ele precisava saber. Eu não tinha feito aquele filho sozinha, e ele
precisaria assumir, fosse como fosse.

Então, daquela noite não poderia passar.

Levei Laura para o colégio, como sempre. Naquele dia, no entanto, sem
motorista, porque ele precisara acompanhar Gabriel em uma reunião em outra cidade
do Rio de Janeiro. Aparentemente ele iria e voltaria no mesmo dia, e não quisera
dirigir por tanto tempo.

Deixei a menina, dando-lhe um beijo carinhoso, e voltei para o carro,


percebendo que havia um homem parado e encostado nele.
No exato momento em que me aproximei, ele tirou uma arma de dentro do

paletó, o que me fez perder o ar. Como não queria que ninguém ao redor percebesse,

apontou direto para a minha barriga, o que me deixou ainda mais desesperada.

Imediatamente um senso de proteção aguçado se formou dentro de mim. Era a


primeira vez que eu pensava naquele bebê realmente como mãe. E a agonia de imaginá-
lo sendo ferido quase me deixou zonza.

— Entre no carro. No banco do passageiro — o cara falou, em um tom que não

dava chance de recusa.

— Você não vai atirar em mim em um lugar como este. — Havia várias pessoas
em volta; crianças, professores, pais. Talvez houvesse até um guarda por perto. Não era
possível que fosse assim tão louco. E o que diabos poderia querer tanto comigo para
chegar àquele ponto.

— Vai pagar para ver?

Se fosse só eu, talvez eu pagasse. Talvez apenas saísse correndo, pedindo ajuda
ou entrando no meio das pessoas. Poderia jurar que ele não teria coragem de se expor
daquela forma, apontando a arma e dando um tiro. Só que havia um bebê em jogo. Meu
filho. E eu jamais daria uma de ousada, sem saber quem era a pessoa que estava me
ameaçando. Se ele não tivesse nada a perder, qualquer movimento em falso poderia
custar muito caro.

Completamente amedrontada, aquiesci, e ele tirou a chave da minha mão,


destravou o veículo e abriu a porta. Entrei e me sentei no banco. Surpreendi-me quando

ele veio para cima de mim e algemou meus pés, deixando-me com pouca capacidade de

caminhar, caso tentasse sair do carro enquanto ele dava a volta para se colocar atrás do
volante.

Se eu já estava assustada, fiquei mais ainda, porque não tinha a menor noção de
quem ele era e o que poderia querer comigo. Morrendo de medo de perguntar, fiquei
calada, e ele começou a dirigir, mantendo os vidros escuros do carro fechados.

— Quem é você? O que quer comigo? — praticamente sussurrei, porque não


tinha forças suficientes para ir mais longe do que isso.

Só que assim que paramos em um sinal, percebi que ele estava remexendo em
alguma coisa. Logo revelou que se tratava de um pano, que foi encostado ao meu nariz e
minha boca, sem que eu tivesse tempo de recuar ou tentar desviar.

Demorei muito mais do que suspeitei para desmaiar e ainda cheguei a ouvir as

buzinas atrás de nós, reclamando que estávamos parados, obstruindo o caminho.

Só que não consegui resistir por muito tempo e apaguei.

Não saberia precisar por quanto tempo fiquei inconsciente, mas acordei
sentindo os olhos pesados, como se eu estivesse de ressaca. Havia uma leve dor de
cabeça também, que fazia com que me pegasse um pouco desorientada. Levei alguns
instantes para me lembrar do que tinha acontecido, e assim que percebi que não estava
na casa de Gabriel, onde passei a acordar nos últimos meses, levantei-me de súbito,
sentando-me na cama.

Olhei ao meu redor e não reconheci o local onde estava. Era quase como um
galpão, e a cama onde eu estava deitada tinha colunas, de onde vi que saíam duas

correntes que prendiam meus tornozelos.

Foi então que tudo voltou à tona. O homem parado diante do carro, as algemas
nos meus pés, o clorofórmio... Eu tinha sido sequestrada. Mas por quê? E por quem?

— EI! O QUE QUEREM COMIGO? — gritei, enquanto começava a puxar as


correntes que me prendiam, em um ato de desespero, desejando me livrar.

Continuei gritando, mesmo sabendo que não seria respondida, que fosse quem
fosse que havia me sequestrado tinha algum propósito muito maior do que apenas me
dar um susto.

Minha garganta já estava seca e arranhando, quando vi uma figura alta se

aproximando. Não demorei a reconhecer que se tratava de George, o primo de Gabriel,


que ele aparentemente odiava.

Meu Deus... o cara tinha me sequestrado! Ele não era apenas um parente
inconveniente. Era um louco.

Amedrontada de verdade, cheguei a tentar me encolher na cama, quando ele se


sentou na ponta dela, mas as correntes que prendiam meus pés não me permitiam muitos
movimentos. Vi que tinha algo nas mãos, mas fiquei ainda mais apavorada quando
percebi se tratar de uma injeção.
— Você já ouviu falar de Tetrodotoxina? — foi a primeira coisa que ele falou,

meio que em um tom cantarolado, como se estivesse muito satisfeito com o que ia fazer.

— É uma droga que atua no sistema nervoso central. Te deixa consciente, mas você não
consegue se mexer, nem responder a nada. Vai ser muito útil para o que eu quero.

— O que você quer? Que merda você quer? — comecei a indagar com ainda
mais medo. Eu não fazia ideia do que poderia tentar contra mim, mas estava
desesperada que me tocasse.

Ainda com o sorriso malicioso no rosto, agarrou meu braço de súbito. Era
muito mais forte e maior do que eu, o que me dava uma imensa desvantagem. Tentei
lutar o máximo que pude, e por mais que talvez fosse um erro, soltei, sem querer:

— Não faça isso. Estou grávida... — Não sabia se aquela droga poderia
prejudicar o meu bebê. Por mais louco que ele pudesse ser, parecia gostar de Laura,
talvez tivesse alguma piedade. Mas não aconteceu.

Ele pareceu ainda mais satisfeito de fazer o que ia fazer, e afundou a seringa
bem na minha veia, arrancando lágrimas dos meus olhos. Não por dor, é claro, mas por
medo. Eu estava totalmente indefesa e tinha noção de que ficaria ainda mais.

Especialmente quando senti meus movimentos todos comprometidos, o peso

dos meus membros, que passei a não conseguir mais mexer. Eu o via, ouvia, mas não

podia reagir a absolutamente nada. Quando soltou meus pés e me pegou, colocando-me

sentada em seu colo, tudo o que pude fazer foi rezar.


Só que ele não me tocou, não me beijou, não ousou me fazer mal. Apenas me

transformou em uma boneca, como se posasse para algo. Só que não consegui entender

absolutamente nada, levando em consideração que minha mente não conseguia


processar perfeitamente o que estava acontecendo.

Quando terminou sua missão, levou novamente o pano ao meu nariz e minha
boca, fazendo-me apagar, deitada naquela cama, esperando pelo que viria depois, que
eu já imaginava que não seria nada bom.
CAPÍTULO VINTE

A próxima vez que despertei, estava sendo colocada dentro de um carro. Meus
pés novamente foram algemados, e eu não pude me defender, porque meus movimentos
ainda estavam voltando aos poucos. Era noite, e eu sabia que tinha passado muitas
horas naquele lugar.

Comecei a despertar perfeitamente durante o caminho, mas estava tão

melancólica, por ainda não saber o que iam fazer comigo, que não consegui mais
reclamar nem lutar.

Só que me vi diante do portão da casa de Gabriel.

Com o cenho franzido, olhei para o homem ao meu lado, que foi o mesmo que
me sequestrou na porta da escola de Laura, sem compreender.

— Estou te trazendo sã e salva. Viu? Nem doeu... — a maldade e a zombaria em


seu tom de voz me trouxeram ainda mais desânimo. Eu até poderia estar sã e salva, mas
não sabia do meu bebê, com a droga que me foi injetada. Além do mais, sabia que

havia algo de errado, que aquilo tudo não fora de graça.

O homem destravou as portas do carro, tirou as algemas do meu pé e fez um

sinal, apontando para a porta, para que eu saltasse.

Nem hesitei. Praticamente me joguei para fora do carro, acelerando em direção


ao portão, já à vista dos seguranças na guarita da mansão, que abriram para mim.

Se tivesse forças, teria corrido, mas fui caminhando com o máximo de pressa
possível, até a porta principal. Para a minha surpresa, quem me recebeu não foi Helga,
com seria comum. Foi o próprio Gabriel.

Não me importava o que tinha acontecido no dia anterior. Nossa briga, o


pequeno desentendimento. Tudo o que eu queria era me jogar em seus braços, e foi o
que eu fiz. Só que ele não retribuiu.

Segurou-me pelo braço, um pouco acima do cotovelo, puxando-me para dentro.

— Gabriel, o que está acontecendo? — perguntei, confusa, desesperada.

Ele não respondeu, apenas continuou me levando, e eu percebi que era ao seu
escritório. Abriu a porta e me deparei com Arthur.

Era um cara legal, que sempre me tratou com respeito, e eu tinha me afeiçoado
muito à sua esposa. Só que a expressão que me dirigiu, tão de desprezo quanto a de
Gabriel, começou a me deixar ainda mais preocupada.
— O que houve? Por que estão me olhando assim? — Eu não aguentava a

espera. Não suportava mais não saber de nada e ficar olhando de um para o outro, com

a certeza de que seria levada à inquisição se estivéssemos na Idade Média.

Gabriel se afastou um pouco e pegou um envelope em cima da mesa, sem dizer


nada, e o entregou a mim.

Hesitante, eu o abri, encontrando algumas imagens impressas. Todas elas eram


de mim no colo de George. Ou de nós deitados na cama. Eu não estava nua, mas nos

ângulos escolhidos, não era possível ver.

Aliás, as fotos eram extremamente comprometedoras. Qualquer um que as visse,


juraria que eu estava correspondendo e gostando.

— Ga-gabriel... você não pode acreditar nisso! — cheguei a gaguejar.

— E qual seria a sua explicação? — Ele cruzou os braços contra o peito, com o

cenho franzido, muito contrariado.

Eu tinha uma explicação... muito boa, aliás. Mas ela era tão absurda que podia
apostar que Gabriel não iria cair nela. Ainda assim... tentei:

— George me sequestrou! Ele forjou essas fotos todas! — exclamei com a


maior convicção que consegui encontrar, mas infelizmente eu estava abalada demais
para isso e acabei soando frágil, enquanto lágrimas deslizavam pelo meu rosto.

— Forjou? Como? — Daquela vez foi Arthur quem falou. — Ele mandou todas
para mim. Com umas mensagens bem peculiares, aliás...

— Que mensagens? — novamente falei com a voz trêmula.

Gabriel deu um passo na minha direção. Por mais que soubesse que não era um
homem violento, senti que me encolhia, porque sua expressão era ameaçadora.

— Por que não me contou até hoje que você era a garota do bar? Por que não
me disse que já me conhecia e que nós fomos para a cama? — A cada frase, sua voz se

alterava mais.

Olhei para Arthur, um pouco envergonhada, mas não fazia diferença, né? As
coisas estavam complicando mais e mais para mim.

— Eu não sei... fiquei com medo de que me demitisse, de que ficasse irritado.

Gabriel se afastou, levando uma das mãos à cabeça.

— Eu até poderia acreditar que você também não sabia, que não se lembrava,
como eu não me lembro até hoje, mas acordou antes de mim, teve a oportunidade de
olhar para a minha cara. Não pode mentir dizendo o contrário.

Balancei a cabeça em negativa, voltando meus olhos para o chão.

— George me disse que vocês estão mancomunados desde o início. Sempre


estranhei que uma bebedeira de nada tivesse me derrubado daquele jeito, mas agora eu
até imagino o que aconteceu. Ele estava lá. Me drogou. E você veio a mando dele. Já
estou até começando a achar que aquele sangue era falso.

Ele estava indo longe demais. Mas como eu poderia julgá-lo? O que pensaria se
estivesse em seu lugar? Eu não sabia até que ponto aqueles dois eram inimigos, mas

começava a entender que tudo era muito mais sério do que pensei a princípio.

Não consegui dizer nada. Eu queria me defender, dizer o que tinha realmente
acontecido... Queria falar do bebê, mas qual seria o sentido? Gabriel não acreditaria
em mim, pois já estava contaminado pela maldade daquele sujeito. O tal George

planejara tudo direitinho, desde que aparecera no colégio de Laura. Talvez até desde
que nos encontramos no shopping.

O que tinha acontecido entre eles para que houvesse tanta rivalidade?

— Eu estava apaixonado por você, Elisa! Conseguiu me seduzir, me convencer


de sua inocência, da sua doçura, mas não passa de uma vigarista! Quais eram os planos
dele? Que informações queria? — Gabriel continuava falando sem parar e cada vez

mais explosivo.

Encolhi-me de novo, talvez ainda um pouco abalada pela droga que me dera e
também pela gravidez. O dia fora horroroso, e eu sentia que começava a ter calafrios.
Precisei entrelaçar as minhas mãos, uma na outra, para que ninguém visse o quanto elas
estavam inquietas e tremendo.

— Eu não sei de nada. Não estou mancomunada com ninguém. Você precisa
acreditar em mim, Gabriel! — o choro já tinha me dominado por completo, e as
palavras soavam emboladas, embargadas.

Por alguns instantes eu senti que ele poderia acreditar em mim. Seus olhos
adquiriram aquele tom cálido de sempre, mas durou um ínfimo segundo. Logo voltaram

a soltar faíscas de ódio.

— Até poderia acreditar em você, se tivesse me contado a verdade desde o


início. Não suporto mentiras, Elisa. E eu te perguntei várias vezes se não te conhecia
antes, porque me era familiar. — Então ele ergueu uma foto em particular, que não

estava no meio das outras, no envelope. Era uma nossa naquele bar. Eu com as mechas
azuis, nós dois rindo e bebendo, completamente inocentes de que alguém nos
observava. — O tempo todo você estava me enganando. Teve milhares de
oportunidades de me contar, mas não falou nada. Como posso confiar em alguém assim?

Ele estava certo. Se invertêssemos os papéis, eu também não confiaria.

Abaixei a cabeça novamente, porque não tinha o que fazer. Discretamente levei

a mão à barriga, pensando pela segunda vez em falar do nosso filho, mas se ele
renegasse a criança ou dissesse que não era dele, eu me sentiria ainda pior.

— Preciso que faça suas malas e vá embora. Lamento por Laura, que ama você,
mas não posso ficar com uma pessoa em quem não confio dentro da minha casa.

E foi dessa forma que eu fui parar em um hotel, bem simples, porque era o que
minhas economias daqueles meses em que trabalhei com ele podiam pagar, chorando no
telefone com Tatiane e pensando no que poderia fazer dali em diante.
Em como eu e meu filho nos viraríamos para sobreviver...
CAPÍTULO VINTE E UM

UM ANO E MEIO DEPOIS

Eram oito horas da noite em um sábado, e eu ainda estava no trabalho. Era


doloroso pensar que precisava encerrar o expediente, para voltar para a minha filha,
mas que passar o domingo inteiro lá já era complicado demais, com a sensação de casa
vazia, por mais que houvesse outra pessoa preenchendo o lugar de Elisa.

Tentei levar Laura para viajar várias vezes no final de semana, para que nos
afastássemos de nossas lembranças, mas eu sentia que não era suficiente para a minha
menina. O tempo poderia se passar, mas nós ainda sofríamos com a perda. Cada um à
sua maneira.

Eu havia contratado outra babá logo depois que Elisa partiu, e não apenas Laura
demorou a aceitar, chegando a ser rude e desobediente com a mulher – coisa que ela
nunca foi –, mas eu também percebi que havia grande diferença entre os tratamentos.
A traidora – era assim que eu me referia a ela, porque precisava que minha

mente compreendesse o motivo de eu ter que mantê-la afastada – era maravilhosa com

minha filha, isso eu não podia negar. Ela fazia Laura rir, sabia como entretê-la, e as
duas se divertiam imensamente. A nova babá, que se chamava Cláudia, era responsável,

cuidava bem da criança, mas não tinha tanta paciência e nem tanto amor. Já fazia um
ano e meio que estava trabalhando na minha casa, mas, até aquele momento, não se
apegara.

Como era possível? Laura era adorável, e ela tinha tanto amor para
compartilhar... Mas a verdade era que não dera muitas chances para Cláudia, o que
dificultava as coisas.

Bem... se eu fosse bastante sincero, também precisava confessar que não tinha
dado tanta chance assim à mulher.

Nós dois queríamos Elisa de volta. Mas eu não poderia colocar uma traidora
dentro da minha casa. Uma pessoa que estava mancomunada com o homem que destruiu

a minha vida. Arthur chegara a me ajudar a investigar, e ela realmente tinha várias
ligações com George. Exatamente por isso, tive que demitir Tatiane também,
infelizmente.

Duas boas funcionárias perdidas quase ao mesmo tempo. Foi um período louco,
mas tudo se estabilizou.

Naquele momento, inclusive, eu estava observando Karina, a nova secretária, se


arrumar para ir embora. Às oito horas de um sábado! Que péssimo patrão eu era.
Só que era hora de eu me arrumar também. Queria tentar ficar um tempo com

Laura, mesmo que as coisas não andassem muito boas entre nós.

Saí da empresa pouco tempo depois de Karine e fui o responsável por apagar as

luzes do meu andar. Concluí a tarefa com o máximo de lentidão possível, e parti para o
estacionamento, pegando meu carro e seguindo para a minha casa.

Era tão estranho que a volta ao lar me trouxesse tantos sentimentos agridoces.
Claro que eu gostava de estar no conforto do local onde me sentia mais seguro, com as

pessoas que eu amava e com todas as coisas que lutei tanto para conquistar, mas não
era mais assim.

Elisa nos fazia falta. E era doloroso amar uma pessoa a quem eu deveria odiar.

No exato momento em que estacionei o carro, Helga nem me esperou na porta


como fazia sempre. Ela veio em minha direção, e sua expressão estava completamente
indecifrável, embora eu tivesse a impressão de que algo havia acontecido fora de sua

zona de conforto.

Eu conhecia bem a minha governanta, e ela costumava ser extremamente


metódica. Mudanças eram bem-vindas, contanto que entrassem em seu cronograma.
Surpresas? Ela já não aprovava tanto.

— Aconteceu alguma coisa? — indaguei enquanto caminhávamos, e ela pegava


a minha pasta, como sempre. Ao menos alguma coisa continuava com aquela sensação
de familiaridade.
— O senhor tem visita.

Foi tudo o que ela me disse, e eu precisei ver com meus próprios olhos o que
estava acontecendo.

A surpresa foi imensa, porque eu definitivamente não esperava ver Tatiane à


minha frente, andando de um lado para o outro, no meio da minha sala, parecendo não
apenas nervosa, mas furiosa.

Helga se aproximou de mim, sussurrando no meu ouvido:

— Tivemos que levar Laura para dar um passeio, porque ela ficou louca com a
moça aqui, querendo saber de Elisa.

Balancei a cabeça, concordando, feliz por elas terem tomado aquela decisão.
Apesar disso, já sabia que não seria nada fácil convencer minha filha, depois que
fossem embora, de que Elisa não poderia voltar às nossas vidas, mesmo que a prima

dela tivesse aparecido em nossa casa sem qualquer explicação.

— Obrigado, Helga. Se eu precisar, te chamo — dispensei-a com educação, e


minha governanta assentiu, saindo e me deixando com Tatiane. — O que faz aqui? —
Precisava ser educado com ela. Até onde eu sabia, minha ex-secretária era inocente na
história toda.

— Primeiro de tudo, dizer com um ano e meio de atraso que você é um babaca!
— ela exclamou com toda a veemência, e eu franzi o cenho. Como ela não estava
sentada, também decidi ficar de pé.
— Veio à minha casa para me insultar? — respondi com toda a paciência,

tentando manter a calma. Ela obviamente tinha um propósito, se estava ali, depois de

tanto tempo.

— Não, vim à sua casa para dizer que Elisa foi injustiçada. E eu tenho provas
disso. Ela foi drogada naquele dia e se tornou uma vítima. Por sua causa, a vida dela se
tornou um caos.

— Por minha causa? — aquilo me surpreendeu.

Sem dizer muita coisa, Tatiane abriu a bolsa e tirou de lá alguns papéis.
Estavam dobrados e guardados em um saco plástico transparente, como se fossem
evidências.

— Peguei tudo isso sem ela saber. A última coisa que eu queria era recorrer a
você, mas não temos alternativa. Dê uma olhada em tudo. Ao final, deixei o endereço
de onde ela está. Espero que vá procurá-la, levando em consideração tudo que vai

descobrir.

Pegando sua bolsa sobre o sofá, Tatiane começou a ir embora. Chamei-a, mas
não me deu atenção e continuou seguindo.

Eu queria sair mais, mas não tinha o direito de segurá-la ali. Aparentemente,
deixara para trás as provas que eu precisava para entender o que estava acontecendo.

Sentei-me no sofá, com o que parecia uma documentação nas mãos e tirei o bolo
de papel de dentro do plástico, abrindo-o.
Deparei-me primeiro com um laudo médico que indicava que houvera

substâncias tóxicas no corpo de Elisa naquela noite em que voltara para a minha casa,

depois de eu receber suas fotos com o filho da puta do George.

Isso poderia não dizer nada, não é? Poderia simplesmente significar que os dois
se drogaram juntos, mas eu continuei passando os documentos e encontrei um registro
de ocorrência, feito em uma delegacia, com todo o relato de que ela fora sequestrada e
que a substância que o agressor dissera que usara era a Tetrodotoxina.

Nem esperei para ver do que se tratava e fui ao Google, usando meu celular que
ainda estava no meu bolso, para encontrar a resposta.

Tratava-se de uma droga que paralisava os músculos da vítima, impedindo


qualquer movimento, mas mantendo-a consciente. Ou seja, uma porra de um veneno
perfeito para ser usado em estupros.

Teria isso acontecido? Teria George estuprado Elisa?

Merda, eu não queria nem pensar.

Continuei passando os papéis, já começando a me sentir um pouco desnorteado.


Provavelmente eu tinha cometido um terrível engano. Armaram para nós, e eu me deixei
cair na cilada como se fosse um tolo.

Bem... eu com certeza era um tolo, mas nunca pensei que fosse tanto.

Só que, apesar de a primeira informação ter servido como um choque, eu não


estava nem um pouco preparado para a segunda.

Tratava-se de um teste de gravidez. Feito no mesmo hospital onde Elisa fora


examinada para o boletim de ocorrência. Também havia um laudo apontando que estava

tudo bem com o bebê, mesmo com a ingestão da droga.

Aparentemente, ela já estava de mais de quatro meses. Batia perfeitamente com


a data em que nos conhecemos naquele bar e onde, teoricamente, tirei sua virgindade.
Cena da qual tentei me lembrar várias vezes, mas que ainda não tinha retornado à minha

memória.

A primeira vez em que levei Elisa para a cama ainda era uma incógnita para
mim. Especialmente porque se tornou uma lembrança perdida e ruim, que eu não queria
acessar, ainda mais quando Laura passou também a sofrer pela perda.

Mas fosse como fosse, aquela noite que estava nublada na minha cabeça gerara
consequências. Uma que fora negligenciada completamente por mim, pelo que eu podia

ver.

Um lado endiabrado da minha consciência queria me alertar que o filho poderia


não ser meu... que o passado estava se repetindo, que eu precisava ter dúvidas, mas
juntando todas as evidências e mais as juras que Elisa me fizera naquele dia, quando
voltou para a minha casa depois de horas e horas desaparecida, não me deixavam com
muitas lacunas não preenchidas.

Ao final de todos os papéis havia uma carta escrita em punho com uma foto
anexada por um clipe. Um bebê. Um garotinho de um ano, mais ou menos, extremamente

parecido comigo, mas com os olhos verdes da mãe. Ele sorria para a câmera, com uma

boquinha sem dentes, parecendo feliz como toda criança deveria ser.

Antes que a loucura de tudo aquilo me pegasse pela goela e me deixasse ainda
mais desnorteado, decidi ler o recado. Era de Tatiane, aparentemente.

"Espero que acredite em tudo isso, porque suspeito que sejam provas
suficientes da inocência da minha prima. Se ainda tem alguma dúvida, você é mais
babaca do que pensei, mas mesmo assim vá até ela e faça um exame de DNA. Não
precisávamos de você até agora, mas é urgente. Eu não teria te procurado se não
fosse.

O nome dele é Luiz Gabriel... Sim, a boba da Elisa ainda quis te homenagear
de alguma forma, e por mais que não entenda o motivo, respeito sua decisão. Vá

honrar as calças que veste e ajudar seu bebê."

Abaixo disso, um endereço de um local não muito bom no Rio de Janeiro, um


bairro bem perigoso.

Então ela morava ali? Com o meu filho?

Meu filho...
Só de pensar nisso, senti um calafrio.

Eu tinha um garotinho. Em algum lugar, havia um menino lindo esperando por


mim, que não pudera conhecer seu pai. Que tipo de ser humano eu era? Por que duvidei

de Elisa?

Essas eram questões suficientes para que eu precisasse de redenção, se tudo se


revelasse verdade, o que eu acreditava que aconteceria. E eu ia buscá-la, de qualquer
forma.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Uma boneca de pano era o link entre meu filho biológico e minha filha do
coração. Eu olhava para Luís Gabriel, observando-o dormir sereno e tranquilo,
agarrado ao pedaço de pano que era tão parecido com o brinquedo que Laura exibia de
um lado para o outro, pensando que ambos compartilhavam um mesmo pai, mas não
sabiam disso.

Passava um pouco das dez e meia, mas, como em todas outras noites anteriores,
eu tinha plena certeza de que não iria conseguir dormir. Quando muito um cochilo,
porque estava completamente exausta, mas desde que tivemos o diagnóstico, há duas
semanas, tudo o que eu queria era olhar para o meu bebê e pensar que gostaria de ter o
direito de fazer aquilo por muito e muito tempo ainda. Não podia aceitar a hipótese de
ele ser tirado de mim. Lutaria por ele, não importava o que isso iria significar.

Minha melhor opção era voltar para a casa dos meus pais, que me acolheram
quando eu estava grávida, mas que me puseram para fora, quase delicadamente, quando
meu bebê estava razoavelmente grande o suficiente para ser matriculado em uma
creche, para que eu pudesse encontrar um emprego.

Eu trabalhava como garçonete em um restaurante, e o salário era uma vergonha,

que mal dava para que nos mantivéssemos bem. Com os futuros gastos que viriam, eu
não fazia ideia de como conseguiríamos lidar com tudo.

Meus olhos e meus pensamentos estavam completamente perdidos, focados no


rostinho do lindo bebê, que era dolorosamente parecido com seu pai. Isso era algo que

sempre me incomodaria e me encheria de amor ao mesmo tempo, porque, sim, eu sentia


raiva de Gabriel, por não ter confiado em mim e nem ter me dado uma chance de provar
que nunca o traí. Só que, ao mesmo tempo, eu omiti e menti sobre algo importante.
Tínhamos uma história anterior, sabia disso e não permiti que compartilhássemos
informações sobre nossa própria intimidade. Quem era o vilão da história, afinal? Se é
que isso, de fato, existia.

Só que exatamente como se eu tivesse evocado um fantasma, o interfone do meu

prédio tocou. Apesar da precariedade do local, escolhi exatamente aquele edifício por
ter um porteiro. O elevador nunca funcionava, o bairro não era dos melhores, mas havia
certa segurança.

Àquela hora, eu nunca esperaria receber visitas, tanto que fiquei um pouco
assustada. Só que quando o nome de Gabriel ser anunciado, simplesmente perdi o chão
e precisei me sentar em um banco de plástico que ficava na mesa da cozinha, que era
minúscula, mas a única que eu tinha para comer, já que no resto do apartamento não
cabia uma de jantar, ou acabaria caindo no chão como uma fruta podre.
Autorizei a subida, mas minhas mãos não paravam de tremer enquanto

aguardava. Sabia que Tatiane tinha ido visitá-lo naquela noite, mas não esperei que a

reação fosse tão rápida.

Quando surgiu, diante de mim na porta, nossos olhares se cruzaram de uma


forma que poderia ter incendiado o prédio inteiro. Fazia um ano e meio que não nos
víamos e na última vez em que isso aconteceu, ele me magoou tanto, mas tanto, que eu
deveria apenas odiá-lo. Só que meu coração deveria ser muito bobo, porque lá estava

ele acelerado dentro do peito, enchendo-se de sentimentos indevidos.

— Oi, Elisa — a voz que eu jamais esqueci me cumprimentou, e eu precisei


lutar contra a vontade de chorar, porque era doloroso demais pensar que poderíamos
estar juntos, criando nosso filho e vivendo uma história feliz. — Tatiane falou comigo
e... — Gabriel simplesmente parou de falar, passou uma das mãos pelos cabelos,
respirou fundo e continuou: — Não, não era assim que eu queria começar a falar com
você, só que é tudo tão recente... fiquei abalado com as coisas que descobri.

— Entendo. — A eloquência tinha me abandonado por completo, e eu não fazia


ideia do que dizer. Também não sabia como agir.

— Eu quero ver o meu filho, Elisa. Não importa mais nada... Podemos deixar
qualquer explicação e qualquer conversa para depois, mas eu preciso ver o menino. —
Ele colocou tanta ênfase naquele pedido que era impossível lhe negar. Claro que eu não
faria isso. Apesar de tudo, Gabriel era mesmo o pai de Luís, e eu sempre quis que
aquele momento chegasse, por mais que sempre parecesse um sonho distante.
Abaixei a cabeça, pensativa. Não havia nada que eu pudesse fazer. Ele tinha

esse direito. Sabendo disso, saí de sua frente, dando-lhe espaço para passar. Gabriel

entrou, mas não foi muito longe. Continuou parado no meio da minha sala, olhando para
mim de um jeito que me faria abraçá-lo, se não houvesse tanto ressentimento entre nós.

E ele ainda nem sabia de toda a verdade.

Fechei a porta e passei por ele, pegando o caminho que nos levaria ao único
quarto do apartamento, que era onde eu dormia com Luís. Não que houvesse muito

espaço para que ficasse perdido ou confuso sobre para onde seguir, mas apontei para o
mínimo corredor que dava em um banheiro e no cômodo.

Gabriel hesitou.

— Estou nervoso, Elisa. Muito nervoso — disse em tom de confissão.

E não era para menos. Também me senti assim quando peguei meu garotinho nos

braços pela primeira vez, mas ele? Havia um hiato de pouco mais de um ano, sem
contar os meses finais da minha gravidez, que ele não pôde acompanhar.

Ou não quis... levando em consideração que me escorraçou de sua casa sem


pensar duas vezes.

— O que quer que eu diga, Gabriel? — Dei de ombros, tentando ao máximo não
parecer tão penalizada. Precisava me ater ao fato de que nunca, ninguém, me fizera
sofrer tanto quanto aquele homem.
— Não sei. Não sei... — Ele começou a andar de um lado para o outro,

tomando quase todo o espaço do meu pequeno lar. Gabriel era grande e parecia ainda

maior quando estava inquieto daquele jeito. Levou as duas mãos à cabeça, parecendo
completamente perdido. Então olhou novamente para mim. — Você parece tão

cansada...

Abri um sorriso irônico, quase desdenhoso e cruzei os braços.

— Muito lisonjeiro da sua parte.

— Não! — ele se corrigiu, estendendo as duas mãos, como se me parasse. —


Não é isso, por favor. Você está linda... Sempre foi e... Merda!

Gabriel sempre foi a imagem da segurança para mim. Um homem confiante e


muito decidido, mas, naquele momento, parecia um garotinho assustado e confuso,
temendo cada uma das próprias escolhas e palavras.

Como se entendesse o que estava acontecendo, um chorinho começou a se


manifestar.

— Você queria conhecer o seu filho, não queria? — falei muito séria, muito
solene. Precisava acabar logo com aquilo, porque tinha algo mais importante a dizer.
Era imperativo que conversássemos. Relutei muito em lhe pedir ajuda, mas era
inevitável. Minha única saída. E Tatiane, mais corajosa do que eu, tomou a iniciativa,
não poderia deixar seu esforço em vão.

— Claro que eu quero.


Eu não disse mais nada, apenas me virei de costas, dando a entender que queria

que me seguisse.

Parti para o quarto, direto para o berço, tirando meu lindo bebezinho de lá e

aconchegando-o no meu colo, sussurrando-lhe palavras de consolo. Ele era muito


bonzinho, chorava apenas baixinho, provavelmente incomodado com algo. Não era de
se admirar.

Gabriel olhava para nós como um bobo, e ficou ainda mais quando estendi o

menino para ele. Ficou parado, como uma estátua, quase como se não soubesse o que
fazer.

— Você já tem experiência com bebês, não tem? Acho que deve saber o que
fazer — tentei brincar, embora minha voz soasse mais embargada do que deveria,
porque estava emocionada.

— Deus, Elisa... ele é tão lindo — falou quase sem forças, e meu coração se

inchou no peito.

— Parece com você. — Droga, eu não queria soar tão boba, mas era verdade.
Luís era lindo mesmo e era a cara do pai.

Finalmente Gabriel pegou o filho no colo, aconchegando-o ao seu peito largo. O


menino, miraculosamente, parou de chorar. Foi instantâneo e quase uma cena de filme.
Os dois, que nunca tinham se visto, iniciaram uma conexão naquele exato momento, no
primeiro encontro.
Gabriel foi quem começou a chorar. Eu via lágrimas deslizando de seus olhos

azuis muito escuros, e ele os fechou, enchendo a cabecinha do bebê de beijos, enquanto

sussurrava “meu filho” inúmeras vezes.

Vi quando precisou se sentar, e entendi que a emoção era forte demais para que
suas pernas, por mais firmes e másculas que fossem, conseguissem suportar o peso
daquele momento.

Afastou o menino um pouco de si, para olhá-lo melhor, e eu sabia que ele

poderia imaginar um bebê corado, cheio de vida e energia, mas não era o caso. Eu
também poderia sair do quarto para lhes dar um pouco mais de privacidade, mas, não.
De certa forma, ele nos abandonou. A mim e ao meu bebê. Não ia me afastar de novo.
Meu filho era tão meu quanto dele, mas sofri todos os momentos até aquele reencontro,
não iria me privar de estar por perto.

Foram mais minutos de lágrimas e abraços e de Gabriel analisando cada


partezinha da criança – desde os fios de cabelo castanhos até os pequenos dedinhos do

pé.

E tudo foi lindo, até meu ex-chefe beijar a testa de Luís.

— Ele está com febre. É por causa de nascimento de dentes ou algo assim? —
Sua experiência como pai pareceu deixá-lo mais calmo do que fiquei quando os
primeiros sinais apareceram.

Aproximei-me dos dois e tirei o bebê delicadamente dos braços do pai,


trazendo-o para os meus. Ele estava molinho, como costumava ficar nos últimos

tempos, o que era extremamente doloroso. Nunca foi uma criança agitada, mas tinha

seus momentos quase sapecas, embora ainda fosse muito pequenininho, e era muito
mais feliz.

— Gabriel, a gente precisa conversar. — Sentei-me ao lado dele, colocando


Luís pousado na minha perna, de frente para nós.

— Tatiane me disse que vocês precisavam de ajuda. O que está acontecendo?

Ah, droga…! Eu deveria ser mais forte... Deveria ter tirado coragem de
qualquer lugar que fosse necessário, porque meu garotinho precisava de mim. Só que
falar sobre aquela maldição que recaíra sobre nós me tornava fraca, me enchia de um
sentimento que me fazia querer simplesmente me jogar em uma cama e agarrar um
travesseiro, deixando tudo de lado, caindo no drama sem a mínima propensão de parar.

Só que Gabriel precisava de uma explicação. Ele seria a minha esperança, além

de tudo.

Respirei fundo, engoli em seco e olhei bem no fundo de seus olhos, que eu tanto
odiava e amava ao mesmo tempo, anunciando, enquanto meu coração se partia em um
milhão de cacos.

— Nosso filho tem leucemia, Gabriel. Ele precisa de um transplante. Por isso
recorri a você...
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

A sensação que eu tinha era a de estar vivendo um sonho que se tornou um


pesadelo. Essa era a única explicação.

Pegar meu filho nos braços, tão lindo e tão parecido comigo, fora quase
celestial. Eu não era pai de primeira viagem, já tive aquele sentimento uma vez, mesmo
em meio ao caos que fora o nascimento de Laura, mas minha filha era tudo para mim.

Amava a paternidade e sempre quis ter mais crianças. Aquele menininho se tornou tudo
para mim no momento em que nossos olhos se encontraram.

Eu poderia fazer um exame de DNA, como nunca fiz em Laura. Poderia me


certificar de que o sangue que corria em suas veias era mesmo meu, só por uma questão
de ego. Mas ele já era meu. Não queria que fosse de mais ninguém.

Só que toda a alegria de descobrir que eu era pai já tinha sido levemente
soterrada conforme me dei conta das privações que os dois passaram por minha causa.
Ok, isso era algo que me deixava transtornado? Sim. Ter perdido um ano inteiro

do meu filho, idem. Só que era algo que eu poderia resolver, compensar... A informação

que Elisa me dera? Era devastadora.

Tirei meu menino do colo dela e o peguei, levantando-me e começando a andar


pelo quarto. Era sempre o meu modo de reagir quando algo me tirava do eixo. Até
mesmo no trabalho, quando havia algo que eu precisava resolver, que parecia um
enigma sem solução, meus pés começavam a caminhar pela sala, como se estivessem

inquietos e como se meu cérebro, igualmente agitado, enviasse os pensamentos para


eles, que não paravam de jeito nenhum, conforme a mente girava sem cessar.

Sempre fui do tipo de pessoa que acredita que até mesmo os problemas que
parecem impossíveis sempre têm solução. Que se pensarmos com muita cautela,
encontraremos respostas para todo o tipo de pergunta. Que poucas batalhas eram
impossíveis de vencer com um pouco de esforço.

Só que... como eu lutaria contra uma doença?

Segurei meu filho um pouco distante do meu peito, olhando para ele. Como era
possível que um ser tão pequenininho já estivesse sofrendo tanto?

Também olhei para Elisa, ainda sentada na cama, olhando para o nada. Claro
que ela deveria estar exausta, como falei logo que nos encontramos. Parecia bem mais
magra, as olheiras eram profundas, seu rosto havia empalidecido, e por mais que
continuasse a mulher mais bonita que já vi, tudo mudara. A menina cheia de vida que
conheci amadurecera absurdamente em um ano e meio, e isso me fazia pensar que eu
era ainda mais babaca do que pensei a princípio.

Eu precisava cuidar dos dois. Tinha meios para isso... Precisava...

Deus, eu estava desnorteado, tanto que a primeira coisa que falei foi um tanto
quanto estúpida, mas não consegui evitar:

— Faça suas malas e as de Luís. Vocês dois vão para a minha casa.

Lentamente, Elisa voltou seu rosto bonito na minha direção, estreitando os


olhos, parecendo completamente contrariada.

— O quê? — ela quase cuspiu as palavras.

— Isso que você ouviu. Vamos colocar os dois em um lugar mais confortável,
com mais acesso ao que o menino precisa.

Ainda movimentando-se devagar, Elisa levantou-se e veio em minha direção.

Aproveitei que estava do lado do berço para colocar o bebê lá dentro, sabendo que
estávamos prontos para um embate.

— E como você pode sequer supor o que meu filho precisa? — ela quase
rosnou, corada de raiva.

— Ele é meu filho também — falei em um tom de voz baixo, mas logo me
arrependi das minhas próprias palavras, porque já sabia exatamente o que ela iria
alegar.
— Não vai duvidar disso, Sr. Valcácer? — perguntou, cheia de desdém. — Não

vai pedir um exame para comprovar se ele é seu mesmo? Afinal, você teve tanta

certeza, da outra vez, que eu era uma traidora, que me escorraçou da sua casa à noite,
sem nem se preocupar para onde eu iria e como iria me virar.

Eu ia dizer alguma coisa, mas Elisa ergueu um dedo em riste, impedindo-me.

— Você nem me deu a chance de me explicar. Nem cogitou que eu poderia estar
falando a verdade. — Ela começou a chorar, e eu me senti tão baixo, tão pequeno, que

quis me esconder, mas permaneci ali, porque era o que eu devia a ela. — Fui à
delegacia naquela mesma noite, porque Tatiane insistiu, e eu fiz um boletim de
ocorrência, porque fui SEQUESTRADA! Aquele homem me tocou contra a minha
vontade e só não me estuprou porque o intuito dele não era esse. Ele me drogou, e eu já
estava grávida! Você deveria ter cuidado de mim! Você simplesmente me abandonou
como se eu fosse um nada! — ao fim do discurso ela já estava gritando, e o neném
começou a chorar, o que a deixou ainda mais nervosa.

Elisa aproximou-se do berço, tirando Luís Gabriel de lá de dentro e


aconchegando-o ao seu peito, balançando-o para niná-lo. Não demorou muito para que
o menino se acalmasse novamente, e ela pôde colocá-lo no berço.

Percebi que ainda chorava, porque foi saindo do quarto, marchando, e eu a


segui. Parou no banheiro, pegando um pouco de papel higiênico, assoando o nariz. Suas
mãos tremiam sem parar, e eu me sentia completamente perdido. O que eu poderia
fazer? O que eu deveria fazer?
— Elisa... — chamei seu nome, mas ela nem olhou para mim, apenas continuou

de costas, com uma das mãos apoiada na pia. O banheiro era minúsculo, e eu me sentia

claustrofóbico lá dentro, especialmente por causa da animosidade que havia entre nós.
— Elisa, por favor.

— Por favor o quê? — Virou-se para mim de um rompante, e lá estava


novamente a raiva em seu rosto. Era ridículo pensar nisso, mas ela ficava ainda mais
bonita quando estava irada daquele jeito. — O que acha que eu devo fazer? Realmente

arrumar as malas e te seguir? Partir para a sua casa e me enfiar na sua cama, como se
nada tivesse acontecido?

— Eu só quero cuidar de vocês...

— DEVERIA TER CUIDADO ANTES! — ela mais uma vez alterou a voz e
instintivamente olhou na direção do quarto onde Luís estava, quase esperando que
recomeçasse a chorar, mas o menino ficou em silêncio.

Tentou passar por mim, mas não deixei. Fechei o caminho da porta com o meu
corpo, porque precisávamos conversar. Ela veio para cima de mim, com as duas mãos,
empurrando o meu peito.

Não tinha forças suficientes nem para me fazer mexer um milímetro, mas tentou
novamente. E novamente. E novamente. Até que desistiu. Senti que suas forças tinham
se esvaído, não apenas por causa daquele esforço, que era mínimo, mas por causa de
todo o resto. A notícia da doença de nosso filho deveria ser muito recente, e o fardo
que carregara sozinha – no máximo com a ajuda da prima – fora demais. Elisa
provavelmente se fizera de forte até aquele momento, mas finalmente o caos a vencera.

Suas pernas bambearam, e eu precisei segurá-la antes que caísse. Não estava
desmaiando, estava apenas fraquejando, porque chorava, sem forças. Inclinei-me e

peguei-a no colo, começando a levá-la para o quarto, sentando-me com ela no colo,
como se fosse uma criança assustada.

Deixei que chorasse, e ela, aparentemente, nem se deu conta de que era nos
meus braços que se aninhava, porque buscou seu consolo, agarrando a minha blusa e

soluçando sem parar.

Foram alguns minutos daquele jeito, e eu a apertava forte contra mim, sentindo
seu cheiro familiar, enquanto minha mente me torturava pensando em como fui capaz de
duvidar dela? Como consegui simplesmente tirá-la da minha vida daquele jeito,
sabendo como George era ardiloso?

Sempre me considerei um cara centrado, que sabia dar segundas chances a

quem merecia, e a ela, simplesmente dei apenas desprezo.

Tudo bem que havia mentido, que não me contara que era a moça de cabelos
azuis do bar, e eu ainda não entendia seus motivos, mas fui cruel, e aquele era o meu
castigo: eu a havia perdido e perdido um ano da vida do meu filho. Esperava apenas
que Deus não fosse tão vingativo comigo e não usasse Luís Gabriel ainda mais, porque
o menino não merecia.

Elisa não merecia...


Quando parou de chorar, saiu imediatamente do meu colo, sentando-se ao meu

lado. Eu queria lhe dar um tempo, mas precisava que entendesse meu ponto de vista.

— Não vou te obrigar a ir para a minha casa, embora essa fosse a minha

vontade. Eu te levaria carregada para lá, porque tenho a certeza de que é o melhor para
nosso filho.

Nosso filho...

Eu já tinha pensado isso, mas falar em voz alta era muito mais concreto.
Tornava as coisas mais reais.

— Gabriel... — ela parecia exausta ao falar meu nome, mas daquela vez fui eu
que a interrompi.

— Quero que entenda que estão vivendo em condições precárias. Na minha


casa, Luís terá tudo que precisa. Babás, enfermeiras, Helga, além de Laura. Ela vai

gostar de saber que tem um irmão.

Ao ouvir o nome da minha filha, Elisa levou ambas as mãos ao rosto. Lá estava
mais um motivo de vergonha para mim. Cheguei a duvidar de seu amor por minha filha
por algum tempo, o que era ridículo. Isso nunca esteve em xeque. Sua dedicação para
com Laura era visível para qualquer um.

— Eu sinto tanta falta dela — confessou, em um tom choroso.

— Ela também sente a sua — respondi e fiz uma pausa. Peguei as mãos de Elisa
nas minhas, e ela hesitou por um momento, como se não quisesse que eu a tocasse, mas
não as afastou. Olhei-a nos olhos, esperando que os meus transmitissem toda a verdade

que eu precisava que ela compreendesse: — Entenda, Elisa... eu cometi um erro, e


estou disposto a me redimir por isso. Não estou pedindo que sejamos novamente um

casal, só quero que, primeiro, possamos cuidar de Luís. Que ele seja bem-cuidado.

Ela começou a assentir, enquanto fungava e ainda soluçava.

— Eu preciso de ajuda. Sei que sim. — Fiquei aliviado ao vê-la confessando.

Era um começo.

— Vou oferecer essa ajuda. Vamos salvar o nosso filho. Eu vou ser compatível,
você vai ver.

Elisa continuou balançando a cabeça, parecendo meio atordoada, mas quem


poderia culpá-la? Eu nem conseguia imaginar como deveria estar sua cabeça, tendo que
lidar com tudo aquilo sozinha.

Seus movimentos nos próximos minutos foram completamente automáticos.


Ajudei-a a arrumar suas coisas, embora não houvesse muito, mas principalmente
guardamos as coisas do bebê. A todo o momento, ela tentava me lembrar que estava
fazendo aquilo pelo filho, que se não fosse ele, teria fechado a porta na minha cara.

Ok, eu merecia. E sabia que ainda teria que ouvir muitas coisas parecidas, mas
não me importava. O que eu queria era Elisa e meu bebê comigo. Depois poderíamos
ver o resto. Queria começar a resolver as coisas para que Luís se curasse logo, porque
eu tinha total esperança de que ele iria vencer aquela doença.

Coloquei os dois no carro comigo, e partimos para a minha casa. O caminho


todo calados. Elisa olhando para a janela, como se não quisesse me encarar.

O menino dormia no banco de trás, e eu simplesmente não conseguia parar de


olhar para ele. Na verdade, não conseguia parar de olhar para nenhum dos dois.

Quando chegamos em minha casa, Helga nos recebeu, abraçando Elisa com

carinho – ela aparentemente nunca acreditou na história que nos fora contada sobre a
traição – e brincando com o bebê, no meu colo, completamente apaixonada.

Atrás dela, um furacãozinho veio correndo, gritando o nome de Elisa. Eu nem


sabia como ela ainda estava acordada, mas não importava.

Aliás, nada importou. Quando minha filha se jogou nos braços de sua ex-babá,
estando meu bebê nos meus, eu entendi que aquela ali era a minha família, e eu

precisava lutar por ela.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Naquela noite, minha garotinha dormiu completamente agarrada a mim, e foi até
difícil me desvencilhar dela, depois do sono, porque mesmo adormecida seus
bracinhos me apertavam, impedindo-me de ir.

Eu estava exausta. Já passava das três da manhã quando consegui me levantar


de sua caminha, e, para a minha surpresa, Gabriel estava me esperando no corredor.

Tinha tomado um banho, estava com os cabelos castanhos e encaracolados molhados, e


usava uma roupa mais informal, que o deixava ainda mais bonito, além dos pés
descalços. As mãos dentro dos bolsos da calça de moletom, a cabeça baixa e os olhos
constrangidos me davam uma noção de como seria nossa convivência dali para frente,
por algum tempo.

Droga, ele era lindo de um jeito que chegava a ser ilegal. Sexy, charmoso, ainda
mais quando me olhava daquele jeito, com os olhos pesados, com toda a sua seriedade,
com aquele ar de poder que eu sabia que ele tinha, porque, de fato, era poderoso.
Eu não queria admitir, mas estar perto de Gabriel me dava uma sensação de

segurança, como se ele não fosse permitir que nada acontecesse com meu filho.

Não que eu fosse uma iludida de acreditar que seu dinheiro poderia curar meu

menino num passe de mágica. Não era isso. Eu sabia que nem mesmo toda a fortuna que
ele tinha não conseguiria fazer tal milagre, mas ajudaria. Luís teria acesso aos melhores
médicos, melhores hospitais, melhores... tudo. Ele teria qualquer coisa que um
menininho como ele precisava. Até mais do que isso. Com a reaproximação com o pai,

sua vida seria melhor em todos os sentidos, contanto, é claro, que vencesse aquela
etapa difícil.

E ele ia vencer.

— Acho que isso prova o quanto ela sentiu sua falta, não é? — Gabriel falou
baixinho, enquanto eu fechava a porta do quarto de Laura.

— Sim. Ela é maravilhosa. Fico feliz que ainda goste tanto assim de mim.

— Impossível não gostar, pela forma como vocês duas se conectaram.

Respirei fundo, imitando-o e colocando as mãos nos bolsos da minha calça


jeans, desviando o olhar.

— Sei que você deve estar cansada, mas precisamos conversar — ele falou
muito sério, e estava certo. Havia tanto que precisávamos dizer um ao outro...

— Não importa se estou cansada. Não ando conseguindo dormir muito, e hoje
não vai ser diferente.

Gabriel deu um passo à frente. Recuei por instinto, e ele provavelmente


interpretou isso como sendo uma recusa a ele. E era, de fato, mas era mais uma forma

defensiva para mim. Se permitisse que chegasse perto demais, ele certamente me
afetaria.

Ele ergueu as mãos, demonstrando que realmente queria me tocar, mas desistiu.

— Talvez seja melhor você tentar dormir. Estou aqui agora. Estamos juntos
nessa situação — ele disse de forma categórica, quase me fazendo estremecer. Como eu
precisava de seu conforto, daquela garantia de que alguém estava cuidando de mim.

E eu sabia que isso não me tornava uma fraca, de forma alguma. Só me tornava
uma mãe desesperada, capaz de tudo pelo seu filho, até mesmo de engolir o orgulho.
Gabriel era pai de Luís, e esse direito ele nunca perderia, mas não queria que tivesse
esperanças quanto a nós.

— Juntos é uma palavra estranha para se referir a mim e a você.

Minha constatação talvez estivesse errada, porque ele abaixou a cabeça,


parecendo um pouco triste. Mas poderia ser só impressão.

— Nunca vou forçar uma barra, mas precisamos ser, ao menos, amigos. Será
uma luta ferrenha.

— Acha que eu não sei? Se as coisas fossem mais simples, eu não iria apelar
para você — alterei-me novamente, mas logo suspirei, sabendo que precisava baixar o
tom, afinal, havia uma criança dormindo no quarto logo atrás de mim.

— E quanto tempo mais eu ficaria sem saber que sou pai? — apesar de manter

muito mais o controle do que eu, Gabriel também pareceu um pouco mais acalorado.

Provavelmente pensando o mesmo que eu, pegou-me pelo braço com certa
delicadeza e começou a me puxar para o quarto que ocupei quando morei naquela casa;
que provavelmente seria novamente designado a mim.

Entramos, ele fechou a porta, e eu poderia protestar, porque não queria ficar
sozinha em um local como aquele, mas de que adiantaria? Gabriel exercia um poder de
sedução enorme sobre mim, não importava o local onde estávamos.

— Vamos lá, Elisa... eu preciso que me responda. Quando tudo aquilo


aconteceu, você já sabia que estava grávida?

— Descobri um pouco antes, só não sabia como contar. Pelo mesmo motivo que
não fazia ideia de como te dizer que eu era a garota do bar. É o tipo de coisa que a
gente perde a coragem. Especialmente depois de te ouvir negar para a Laura que
estávamos namorando com tanta veemência. Para mim, estar comigo era motivo de
vergonha para você.

— Vergonha? — ele pareceu horrorizado. — Por que eu teria vergonha de você,


Elisa?

— Eu não sei! — Ergui os braços, gesticulando como uma louca. Estava


nervosa, não havia muito o quê eu pudesse fazer para me acalmar, não com o quão
próximos estávamos depois de um ano e meio. Provavelmente a ficha só estava caindo

naquele momento. — Muitas coisas se passaram pela minha cabeça, e uma delas era
que você não iria gostar da ideia de ter um filho de uma garota que era só um casinho

para você.

Gabriel respirou fundo, e seus olhos se encheram de ternura ao falar de mim.

— Você nunca foi um casinho para mim, Elisa.

Era o tipo de coisa que eu não queria ouvir. O tipo de coisa que me deixaria
fraca, e eu não podia permitir.

— Mas agora não importa. Nosso foco tem que ser todo para Luís. Ele precisa
de nós agora.

Gabriel concordou, e eu lhe contei toda a situação da doença. Como descobri e

as soluções que tínhamos a partir daquele momento. A melhor de todas era um


transplante de medula. Eu não era compatível. Como pai, ele precisava fazer um exame
e verificar, para o qual se prontificou imediatamente.

Ficamos um bom tempo conversando, sentados na cama, e falar sobre aquela


história sempre me deixava exausta. Nunca era simples pensar que o meu garotinho,
meu príncipe, era tão frágil.

Demorei a sentir a mão de Gabriel sobre a minha, quente, firme e grande,


passando-me conforto. Quando reparei, ergui meus olhos para os dele, e nós trocamos
olhares por alguns instantes. Eu não queria chorar novamente. Já estava cansada disso.
Queria apenas ter esperança e ser forte. Era o mínimo que meu filho merecia.

— Me perdoa — ele falou. — Me perdoa por não ter acreditado em você.

Empertiguei-me e quis muito tirar a mão de onde estava, mas a deixei. Era como
ele dissera: precisávamos ao menos sermos amigos.

— E agora você acredita? Como eu disse... podemos fazer um exame de DNA,

Gabriel, mas você precisa saber que foi o único homem da minha vida até agora. Foi o
primeiro, naquela noite confusa, em que eu estava bêbada, e você também, mas ao
menos eu me lembro.

— Eu não faço ideia do porquê de não me lembrar. Isso não costuma acontecer
comigo, mas, mais do que isso, eu nunca transaria com uma mulher sabendo que ela está
completamente bêbada. Não é do meu feitio.

— Mas aconteceu. E temos uma consequência disso. — Apontei para a porta,


embora Luís não estivesse ali. — O exame de DNA vai te provar que...

A mão de Gabriel apertou a minha, interrompendo-me.

— Ele é meu filho, Elisa. Eu não duvido disso — sua firmeza ao falar me
desmontou.

Por quanto tempo não quis ouvir isso? Por quanto tempo não esperei ver
Gabriel com o filho nos braços, assumindo que era pai dele?
Quantas noites não passei acordada, imaginando como seria se meu filho

crescesse sem saber que, apesar de tudo, o homem que o gerara era honrado, uma boa

pessoa? Que ele não era filho de alguém por quem deveria sentir vergonha?

Mas lá estava o destino me levando de encontro a Gabriel novamente – claro


que com um empurrão enorme de Tatiane –, e nós iríamos lutar uma batalha juntos.

— E por que não duvida? — tive que perguntar, mas com fé de que a resposta
seria melhor do que eu esperava.

— Porque meu coração sabe disso.

Eu só esperava que aquele mesmo coração continuasse com aquela certeza e


que o meu não fosse partido mais uma vez, porque eu não iria suportar.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Eu obviamente tinha muitas coisas a fazer a partir do momento em que havia um


bebê na minha vida; um que eu não esperava, mas que era mais do que bem-vindo.
Liguei para algumas pessoas e pedi que fossem à minha casa, que medissem um dos
quartos que tínhamos sobrando e que o transformassem imediatamente num cômodo
adequado para um bebê. Não importavam os gastos, só queria que comprassem tudo
naquele mesmo dia. Depois veríamos papéis de parede, decoração e todo o resto. O

que precisávamos era um berço, além de outras coisas que seriam necessárias para que
cuidássemos dele.

Aumentei o salário de Cláudia, alertando que ela precisaria cuidar de duas


crianças, e ela ficou satisfeita com isso, dando toda a certeza de que daria conta.

Também pedi que Helga fizesse de tudo para que Elisa ficasse o máximo
possível confortável, porque eu queria que fosse um pouco mimada, já que passara os
meses da gravidez sem nenhum auxílio.
Com tudo isso quase resolvido, peguei meu carro na manhã de domingo e parti

para o local onde eu sabia que George estava morando – um condomínio de luxo na

Barra –, sem saber se seria recebido. Mesmo que não fosse, não importava. Eu ficaria
esperando por ele do lado de fora, se necessário, porque ele merecia o soco que eu

queria tanto dar.

Só que, para a minha surpresa, tive a sorte de receber o aval de ir até a sua
casa, parar meu carro em sua garagem e entrar pela sua porta. Fui recebido pelo filho

da puta com aquela cara de merda que ele tinha, com um sorriso de orelha a orelha,
como se não fizesse a menor ideia do quanto eu o odiava.

— Que visita inesperada, primo. O que posso fazer por... — Nem esperei. Meu
punho voou em sua cara com toda a minha força, e ele cambaleou para trás.

Se não caiu, não foi suficiente. Por isso, tentei mais um gancho de direita e mais
um de esquerda, que o levou ao chão.

— O que pode fazer por mim? Ficar bem longe da minha família! — rosnei com
tanto ódio, tanta raiva, que eu poderia ter explodido naquele exato segundo.

Só que minha frase foi completamente ridícula, porque eu, Laura, Elisa e Luís,
não éramos uma família. As crianças eram meus filhos, mas a mulher não era minha. Eu
a perdi por minha estupidez, por não ter confiado. Não era mais digno de seu amor.

Se é que algum dia fui.

Mesmo com o lábio sangrando, George deu uma risadinha bem babaca, ainda
caído no chão, olhando para mim com desdém.

— Está falando da putinha que eu comi? E do bastardinho? Como sabe que ele é
seu mesmo? — Riu novamente. — Que ironia, não é, Gabriel? Seus dois únicos filhos,

e você não tem certeza se são seus ou meus.

Agarrei-o pela gola do roupão e o ergui do chão, jogando-o contra a parede,


fazendo-o bater com as costas e com a cabeça no concreto.

— SEU FILHO DA PUTA! Você tocou nela! Você a drogou! Ela tem um boletim
de ocorrências, sabia? Vou pessoalmente levá-lo à polícia. Vamos te denunciar! — Eu
ainda o mantinha em minhas mãos e pretendia que continuasse assim, até que visse um
resquício de medo em seus olhos. Mas o que eu disse não pareceu afetá-lo tanto quanto
eu gostaria, porque continuou sorrindo.

— Acha mesmo que vai dar em alguma coisa. Tem um ano e meio, Gabriel. Eu
tenho fotos onde ela parece estar correspondendo muito bem às minhas investidas.

— Foda-se. Você não é invencível, George. Vai se arrepender de ter colocado


as mãos nela. Vou me certificar de que pague por tudo que nos causou e pelos crimes
que cometeu.

Eu já ia saindo, quando ouvi sua risada nojenta mais uma vez.

— Putinha deliciosa. Eu devia ter enfiado a boca nela inteira. Garanto que ia
gostar e gozar muito mais gostoso do que com você.
Era uma provocação, e eu não deveria me deixar levar, mas novamente parti

para cima dele, dando-lhe mais um soco. Daquela vez de forma tão descontrolada que o

derrubei de primeira.

Ainda não estava satisfeito, é claro. Por mim, tudo o que eu queria era mandá-lo
para um hospital todo desfigurado, mas obviamente isso poderia me trazer ainda mais
problemas do que a mera existência dele. E eu estava falando sério quando afirmei que
iria denunciá-lo. Com certeza conversaria com Elisa e a incentivaria a ir à polícia.

Compreendia o porquê de ela ainda não ter feito isso, porque seria um peixinho
pequeno contra um lobo poderoso. Só que eu também tinha os meus poderes e não
estava nem um pouco disposto a guardá-los caso precisasse foder com a vida de
George, afinal, ele fodera com a minha.

Eu só esperava ainda ter uma chance, mesmo que tivesse que lutar por isso com
todas as minhas forças.

E o primeiro passo era tentar salvar o meu filho.

Com o passar dos dias, levamos Luís em alguns médicos, todos extremamente
renomados, com referências de pessoas da minha confiança, mas o transplante de
medula era nossa melhor opção, de fato.

Corri para fazer o exame, para vermos nossa compatibilidade, mas nossa
decepção foi enorme ao nos depararmos com um resultado completamente
desfavorável.
Voltamos para casa desolados, e agradecemos ao fato de Laura estar na escola,

porque odiaria que visse Elisa chorar daquele jeito. Cláudia se encarregou de cuidar de

Luís para nós, por algum tempo, o que também foi uma bênção.

Acompanhei Elisa ao seu quarto, e ela se trancou na suíte, fazendo-me ouvir


apenas seus soluços.

Porra, eu daria tudo, absolutamente tudo, para confortá-la, para abraçá-la, mas a
distância que se formara entre nós naquele um ano e meio era grande demais para ser

ultrapassada. Era uma barreira muito mais pesada do que a porta que nos separava
naquele momento.

Sentei-me na cama, absorvido pela minha própria dor, com as mãos apoiadas no
colchão e a cabeça baixa. Eu não chorava como Elisa, mas me sentia perdido. Fazia
mais ou menos duas semanas que Luís entrara na minha vida, desde que fui buscar sua
mãe naquela noite, depois de Tatiane falar comigo sobre sua existência, e desde que ele
surgira, não consegui aproveitá-lo de fato. Por mais que brincasse com ele, que o

colocasse para dormir todos os dias – porque fazia questão disso, para compensar o
tempo perdido –, que o mantivesse por perto a maior parte do tempo, ainda não parecia
suficiente.

Todas as noites, dormia com um medo terrível de perdê-lo. Claro que como pai,
aquele era um pesadelo que me acompanhava desde o nascimento de Laura. Por mais
que nossos filhos fossem saudáveis, sempre tínhamos receio de que fossem tirados de
nós, especialmente levando em consideração as circunstâncias de tudo a respeito do
nascimento dela, do acidente que tirou a vida da minha esposa, além do fato de eu
sentir medo como qualquer ser humano. Medo de quando ficava doente, medo de

quando precisava ir para a escola só com nosso motorista, medo de algo acontecer até

mesmo em casa. Era impossível ficar tranquilo quando se amava tão intensamente
alguém que dependia tanto de você.

Só que a experiência de ter um filho doente, de não saber quanto tempo teria
perto dele, era a coisa mais traumática pela qual eu poderia passar. E eu imaginava que
Elisa, que convivia com ele há mais tempo – embora isso não fizesse nenhuma

diferença na hora da medida do amor – estava realmente sofrendo de uma forma


inimaginável. Ela o carregara no ventre por nove meses, amamentava, cuidava, era uma
boa mãe, como sempre foi uma boa babá para Laura.

Ela era, de fato, maravilhosa. Eu que não soube aproveitar quando a sorte me
sorriu.

Eu ainda estava pensando no quanto era idiota quando ela saiu do banheiro.
Olhos vermelhos e inchados, o rosto ainda molhado das lágrimas. Ainda assim, parecia

recomposta, forte, corajosa, guerreira. Admirável.

— Ok. Você não é compatível. Se quiser ainda podemos fazer o exame de DNA,
se isso te gerar uma dúvida. — Era doloroso vê-la ainda tão reticente, mas não poderia
nunca julgá-la. Estava certa. Sentia que sua armadura continuava firme contra mim e
tudo o que eu poderia esperar era que as coisas melhorassem com o tempo.

— Não, Elisa, não quero. Luís é meu. Sei disso. — Não podia haver nenhuma
dúvida, já que o menino era idêntico a mim, especialmente quando eu era criança.
Ela pareceu engolir em seco, levemente abalada, mas não se deixou abater.

— Tudo bem. Ainda temos Laura. Não quero expô-la a nada, mas se for nossa
única saída... — Elisa esfregava uma das mãos na outra, parecendo extremamente

desamparada, o que era muito doloroso de se ver.

— Elisa... — tentei interrompê-la, mas ela tinha entrado no modo desespero.


Começara a andar pelo quarto, refletindo e falando:

— Sei que ela é muito pequena, que pode ser um procedimento complicado, e
nós ainda não contamos para ela sobre Luís... — Sim, ainda tinha isso. Acreditamos
que a ideia de ter um irmão poderia deixar Laura um pouco confusa, especialmente
porque eu e Elisa não estávamos juntos. Decidimos, então, deixar que se apegasse ao
bebê – o que foi acontecendo muito rápido – para contarmos a ela. Talvez não fosse a
ideia mais acertada, mas achamos que conseguiríamos lidar com a situação. Além
disso, caso algo acontecesse com nosso filho – hipótese que odiávamos levar em
consideração, mas que precisava ser colocada em xeque –, queríamos preservá-la ao

máximo. — Mas acho que se ela souber que pode ser a heroína do irmãozinho, talvez
concorde... Eu não sei, Gabriel, estou muito, muito sem chão.

Eu sabia que Elisa estava depositando muito de suas esperanças naquele exame
que fiz. Nós dois estávamos, aliás, mesmo que o médico tivesse nos alertado que isso
poderia acontecer. Laura era uma hipótese também, sem dúvidas, embora ela e Luís não
fossem filhos da mesma mãe. Ainda assim, os dois compartilhavam uma forte herança
genética, o que garantia algumas chances.
Levantando-me da cama, aproximei-me dela. Há alguns dias Elisa não mais

recuava quando eu tentava chegar perto, o que sempre considerava uma vitória,

embora, é claro, ainda não parecesse nem um pouco inclinada a me dar mais uma
chance.

— Nós vamos falar com Laura, e eu tenho certeza que mesmo que Luís não
fosse seu irmão, ela iria topar ser doadora, mesmo que não entenda muito bem o que
significa. Você a conhece e sabe que é uma menininha incrível. — Elisa assentiu,

concordando. — Só que temos um problema...

— Qual? — sua pergunta saiu em um sussurro, quase inaudível, frágil, como se


ela estivesse muito cansada.

Soltei um suspiro. Era a primeira vez em anos que eu falava sobre aquele
assunto, e ele não era nem um pouco agradável. Mas Elisa precisava saber.

— Minha esposa me traiu com George, pouco antes de Laura nascer. Até hoje

eu não sei se ela é minha filha ou não.

Aquilo pareceu chocá-la de tal forma que Elisa nem disfarçou a surpresa,
ficando boquiaberta.

— E você nunca fez o exame? Nunca quis saber?

— Não. Descobri sobre a traição depois que ela já tinha nascido, pouco antes
do acidente. Ela já era minha, não conseguiria abrir mão dela.
Eu nem me sentia constrangido de falar um negócio daquele. Poderiam me

chamar de corno, de estar me iludindo com uma bastarda, mas o meu coração era o que

falava mais alto. Aquela menina era a razão da minha vida, e eu nunca poderia renegá-
la.

— E George nunca tentou nada? Nunca quis te coagir?

— Eu o coagi primeiro. Ofereci uma quantia indecente em dinheiro para que


nos deixasse em paz. E ele deixou... até agora. Provavelmente o dinheiro acabou, e ele

decidiu que voltar a me infernizar seria uma boa ideia.

— Acha que ele pode ser perigoso? Para nós e para nossos filhos?

Nossos filhos... ela falou no plural. O que eu senti naquele momento não
poderia ser traduzido em palavras. Foi a pura sensação de posse, de proteção, mas no
melhor sentido possível.

Elisa pareceu pronta para se corrigir, mas não deixei. Ergui a mão, antes que
pudesse dizer alguma coisa.

— Nossos filhos — enfatizei. — Laura e Luís são nossos.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, nos olhando, e eu vi os olhos de Elisa


marejarem outra vez. Senti novamente a vontade de abraçá-la, mas me controlei, porque
não era a hora. Chegaria o dia, e eu esperaria paciente por isso.

— Talvez ele seja, mas primeiro vamos lidar com um problema de cada vez.
Acho que podemos ir, aos poucos, conversando com Laura e contando a ela sobre o
irmão. Fazemos o exame e vemos a compatibilidade. Se não for compatível, vou

preferir pensar que é só uma falta de sorte, como eu também não sou. Não quero fazer
um DNA com ela. Não quero perdê-la, Elisa — daquela vez minha voz também

embargou, e a ternura voltou aos seus olhos.

Ela estendeu a mão e tocou o meu braço, e eu senti uma corrente elétrica me
percorrer. Não era apenas desejo. Não era só química. Eram muitas outras coisas.

Tantas que eu nem sabia direito como explicar.

— Não vai, Gabriel... não vai... Estamos juntos nessa. Por Luís e por Laura.

Sim, por Luís e por Laura. Sempre por eles, mas por nós também. Pelo futuro
que ainda poderíamos ter.
CAPÍTULO VINTE E S EIS

Era como ter uma bomba nas mãos e simplesmente não saber como lidar com
ela. Sentíamos que se a usássemos da forma errada, poderíamos fazê-la explodir de
uma maneira completamente catastrófica, e tudo cairia em cima de Laura, que era a
última pessoa no mundo a quem gostaríamos de magoar.

E a verdade era que ela, de fato, não sabia que tinha um irmãozinho ainda.

Começamos a deixar os dois mais próximos, e seu instinto fraterno foi crescendo
mesmo sem saber que os dois tinham o mesmo sangue. Ela me ajudava com ele,
principalmente a colocá-lo para dormir, com sua vozinha doce, cantando e contando
histórias. Aprendera a trocar fraldas, a brincar sem ser bruta e a repreendê-lo com os
"ai, ai, ai" mais fofos que eu poderia testemunhar, usando o dedinho indicador
levantado.

Só que nós não tínhamos muito mais tempo. Precisávamos contar logo a verdade
e o que precisaríamos que ela fizesse. Muitas vezes eu me pegava chateada e triste por
uma menininha tão pequena precisar ser a responsável por algo tão grandioso. Temia

por ela também, embora se tratasse de um procedimento muito seguro, especialmente

porque os médicos que passaram a cuidar do caso, desde que Gabriel assumiu os
custos, eram de primeira linha.

Eu ainda não lhe tinha dado uma chance. Fazia pouco mais de um mês desde que
havíamos nos reencontrado, e Gabriel respeitava minha decisão, embora parecesse
mais dedicado a cada dia. Nunca mais tentara me seduzir nem insinuara que pensava em

mim de qualquer outra forma que não fosse como a mãe de seu filho, embora seus
olhares me falassem muito mais do que suas palavras.

Às vezes, à noite, quando eu me pegava rolando na cama, pensando na


infelicidade que era ter um bebezinho doente, que precisava de uma cura que não
sabíamos se seria encontrada, tudo o que eu queria era o calor de seus braços para me
confortar. Queria poder chorar em seu peito e me sentir segura. Por muitas vezes quase
fui para seu quarto, nem que fosse apenas para pedir que me embalasse até que
conseguisse dormir, mas nunca o fazia. Não tinha coragem. No fundo, ainda estava

magoada e sentia muito medo de que me colocasse para fora de sua vida outra vez,
quando achasse conveniente.

Até porque minha preocupação, naquele momento, era nosso filho. Antes disso,
tínhamos uma missão, que era falar o que era preciso ser dito a Laura.

Combinamos um dia especial com ela. Não que estivéssemos muito animados
para piqueniques ou coisas lúdicas, mas precisávamos tornar a coisa o menos formal
possível, porque se tratava de uma criança. Uma garotinha que, talvez, estivesse prestes
a receber uma notícia grandiosa e, mais do que isso, que poderia topar entrar em uma

situação bem complicada.

Poderíamos sair ou preparar algo mais elaborado, mas achamos que algo no

jardim da casa já seria suficiente. Pedimos ajuda a Helga, para que montasse uma tenda
bonita, com o auxílio de outros empregados, e Maria encheu uma cesta de guloseimas
com bolo, docinhos, frutas e uma deliciosa torta de frango, que estava cheirando
maravilhosamente bem.

Gabriel sempre insistia que eu precisava comer mais, e eu realmente estava


perdendo muito peso, então achei que naquele dia poderia encontrar meu apetite,
finalmente.

Laura ficou extremamente animada, especialmente porque estava muito


empenhada em ensinar Luís a caminhar. Ele engatinhava, ainda com um pouco de
dificuldade, e sabíamos que podia ter algo a ver com a doença, por ser mais fraquinho
do que seria uma criança de sua idade, mas a deixamos livre. Meu bebê a adorava, e

sorria como se ela fosse a luz de sua vida.

Na verdade, aquela menininha era o sol inteiro. E eu fiquei olhando para ela,
pensando que gostaria que realmente fosse minha filha.

— Como vamos começar o assunto? — Gabriel falou ao meu lado, sentado no


chão, levando uma uva à boca.

Olhei para baixo, enquanto uma das mãos se remexia na outra, como se eu
simplesmente não conseguisse deixá-las paradas.

— Não sei. Não faço ideia.

— Você me dá a honra? — ele tentou um tom um pouco mais leve, então o olhei.

Fiquei em silêncio, admirando-o como tinha feito momentos antes com sua filha,
pensando no quanto aquele homem era maravilhoso. Por mais que meu coração ainda se
ressentisse pela forma como fui tratada, pensar que passara anos de sua vida

convivendo com uma garotinha que não sabia que era sua filha, porque a amava e
amaria sendo ela parte de seu sangue ou não, era algo que eu nunca iria superar.

Nunca o vi tratando-a diferente, nunca houve distinção por sua parte. Ele
simplesmente a considerava como sua filha e daria o mundo inteiro por ela.

Se isso não era um motivo para se apaixonar por uma pessoa... eu não sabia
mais o que poderia ser.

— Tudo bem — respondi, sentindo-me segura de que ele seria muito melhor do
que eu para aquele tipo de coisa.

Gabriel chamou Laura, que veio para nós, carregando Luís. Peguei o bebê,
colocando-o em meio a nós, sentadinho na toalha, e a menina foi acomodada no colo do
pai, enquanto um vento gostoso do fim de tarde nos dava boas-vindas, amenizando um
pouco o que estava por vir.

— Querida, se a gente falar para você que não te contamos uma coisa muito
importante, você ficaria chateada? — Gabriel começou, afastando os cabelinhos
castanhos de Laura de seu rosto. Eles estavam mais compridos do que quando deixei

aquela casa, caindo até seus ombros.

— Acho que não, papai, porque eu amo vocês.

Ele sorriu. Deveria ser um bom motivo para não ficarmos chateados com
alguém, não deveria? Se havia um sentimento tão forte, por que nos fixávamos sempre
em coisas pequenas ao invés de levarmos em consideração as partes boas? Por que nos

deixávamos levar pelos sentimentos negativos quando havia tanto em jogo?

Gabriel pareceu estar lendo meus pensamentos, porque me olhava como se me


pedisse perdão novamente. Já tinha feito isso algumas vezes, mas parecia incansável
em, mais do que apenas falar da boca pra fora, provar que estava mesmo arrependido.

Só que eu o amava, e nem todo esse sentimento fora capaz de me proteger da


dor.

— Nós também te amamos — falei para ela, emocionada, arrancando-lhe um


sorriso.

— O que você acharia de ter um irmãozinho? — Gabriel continuou, e eu fiquei


imediatamente tensa.

— Mas eu tenho um. O Luisinho é como se fosse meu irmão. Porque eu


considero a tia Elisa como se fosse minha mãe.
Uma lágrima escapou dos meus olhos, e eu me apressei em coletá-la, porque

não queria que Laura pensasse que eu estava triste.

— E se ele fosse seu irmão de verdade? — Gabriel insistiu, ainda com cuidado,

e eu dei graças a Deus por ele ser tão cauteloso na abordagem.

Laurinha arregalou os olhos.

— Mas aí você teria que ser papai dele, né? Porque a Elisa não é minha mamãe

de verdade, verdade mesmo.

— Não, amor, ela não é. — Ele fez uma pausa, lançando um olhar cúmplice
para mim, parecendo tomar coragem para dar o próximo passo. — Mas eu sou papai do
Luís. De verdade.

Outra vez a boquinha se abriu em espanto, e a menininha começou a olhar para


mim e para seu pai e para o bebê, como se estivesse em um jogo de tênis onde a bola

pulava de um lado para o outro.

— Como assim, papai? Você e a Elisa são namorados?

Ah, Deus... como explicar?

Novamente eu e Gabriel nos entreolhamos, mas eu fiz um sinal com as


sobrancelhas, indicando que ele deveria continuar, já que tinha começado.

Só que o homem não parecia nem um pouco intimidado.


— Papai ama muito a Elisa, filha. — Ele nunca tinha dito que me amava. E fez

aquilo com os olhos profundos voltados para mim. — Fiz uma coisa muito errada com

ela, e um dia espero que me perdoe.

Pensei que Laura iria ficar do lado dele, já que era seu pai, mas ela se levantou
de seu colo, colocando as mãozinhas na cintura, muito decidida.

— O que você fez? Foi quando ela foi embora, não foi? Eu sabia que você
estava errado! — Parecia muito adulta falando, e eu não pude conter uma risada,

mesmo que a tentasse abafar para não ser tão óbvia.

— Como você sabia que eu estava errado? — Gabriel também soava divertido.

— Porque eu sou uma menina. E eu sei que as meninas têm que defender
meninas.

Ela era uma gracinha. Tão adorável que a agarrei e a puxei para mim, fazendo-a

cair no meu colo e enchendo-a de beijos.

— Ok, ok. Você está certa — ele disse, dando-se por vencido. — Mas é a
verdade, querida. Luís é seu irmãozinho de verdade. E ele precisa muito, muito da sua
ajuda.

— Como assim, papai? — Ainda sentada no meu colo, minha garotinha linda
ficou confusa.

Gabriel pegou a mãozinha dela e a beijou, muito solene, muito sério, porque o
assunto pedia isso.

— Seu maninho está doente. E você, talvez, tenha uma coisinha no seu corpo
que pode salvá-lo.

— Sangue? A professora na escola falou que quando algumas pessoas se


machucam, a gente pode dar o nosso sangue para que elas não fiquem sem.

Beijei o alto de sua cabecinha, porque além de adorável ela era muito

inteligente.

— Não exatamente, mas é mais ou menos parecido. Você toparia?

Laura levou alguns segundos sem dizer nada. Não parecia estar pensando
exatamente. Só parecia confusa. Era muita coisa para a cabecinha dela, sem dúvidas.

Então, com toda a sua delicadeza, pegou o bebê no colo e o apertou contra si,
beijando-o na cabecinha.

— Você é meu maninho. E eu vou salvar você...

Eu queria muito que aquela cena terminasse daquela maneira, mas precisei
interromper Laura, porque odiaria que ela se decepcionasse ou algo assim,

— Querida, pode ser que não dê certo. E não vai ser culpa sua, ok? A gente
precisa fazer um exame e saber se o que tem no seu corpinho combina com o que tem no
corpinho do Luís — tentei explicar da melhor forma possível, enquanto lutava com as
lágrimas.

Ainda tinha o problema de não sabermos se ela era mesmo filha de Gabriel. Se
não fosse, as coisas se complicariam muito mais. Mas isso ela não precisava saber.

Só que Laura virou a cabecinha para mim, com uma expressão tão sábia no
rostinho meigo que quase me assustou.

— Não, tia Elisa. Vai dar certo. Eu sei que vai. Tenho certeza disso.

Eu e Gabriel nos entreolhamos, entre chocados e confusos. Mas aquele foi o


primeiro lampejo de esperança que eu senti, desde que o mundo inteiro desabou sobre
minha cabeça.
CAPÍTULO VINTE E S ETE

Eu podia ouvir seus soluços, mesmo com a parede a nos separar. Ela chorava
sozinha, o mais baixo possível, e provavelmente ninguém conseguiria ouvi-la, a não ser
alguém que estivesse completamente atento aos sons que ela deixava escapar.

Meu coração se partia ao pensar nela sozinha, sofrendo. Eu também estava.


Todas as coisas que Laura dissera naquela tarde, os olhinhos dela brilhando quando

pensara que teria o direito de tentar salvar seu irmãozinho e a forma como ela se tornou
protetora em relação a ele... tudo aquilo mexia comigo também.

Eu era pai daquelas duas crianças. Não importava que Luís tivesse entrado na
minha vida há pouco tempo, e por mais que Laura não fosse filha biológica de Elisa,
sabia que nós dois estávamos desesperados pela segurança deles.

Não era a forma correta de resolver as coisas, mas não podia deixar Elisa
sozinha naquele momento. Se quisesse me expulsar, eu teria que acatar sua decisão, mas
não podia deixar de tentar.
Levantei-me da cama decidido, caminhando na direção do quarto ao lado,

abrindo a porta sem pedir licença. Poderiam pensar ser abusivo da minha parte, mas eu

estava pouco me lixando. Não tinha intenções erradas. Só queria que não ficasse
sozinha, naquele estado em que se encontrava.

Parti para a sua cama, tirando o lençol de cima de seu corpo e pegando-a no
colo, em um rompante.

— Gabriel? O que está fazendo? — perguntou, abismada, olhando para mim

com seus olhos arregalados e vermelhos, inchados, de tanto chorar.

— Não vou te deixar aqui sozinha — foi tudo o que eu respondi, com uma voz
séria, sem dar margem para que me pedisse explicações. Porém Elisa não fez isso.
Jurei que iria tentar se desvencilhar ou me pedir que a soltasse, mas apenas encostou a
cabeça no meu peito, aconchegando-se.

Cheguei a suspirar com aquele contato. Por que diabos eu a amava tanto? O

tempo que passamos separados só serviu para que isso se tornasse mais evidente ainda.
Eu não poderia mais negar a mim mesmo, e não poderia suportar que o destino nos
separasse novamente.

Deitei-a sobre a minha cama, com cuidado, mas Elisa continuou agarrada a
mim, levando uma das minhas mãos ao meu rosto, puxando-me para si; para um beijo.

Fui tão surpreendido por isso que demorei um pouco a corresponder. Não
porque não quisesse, mas porque estava muito confuso. Só que no momento em que sua
língua suave forçou-me a abrir os lábios, eu aprofundei o beijo imediatamente.

Porra, como eu queria senti-la novamente. Como tinha sentido falta de seu
beijo, de seu corpo contra o meu... Como desejei aquele momento e...

Ainda não tinha parado de beijá-la, mas foi como se algo explodisse na minha
mente: “Ela estava vulnerável. Estava se agarrando a mim como se estivesse
naufragando, e eu fosse seu bote salva-vidas. Não era desejo...”.

Isso ficou martelando na minha cabeça incessantemente, até que precisei


interromper o beijo e praticamente pulei da cama, colocando-me de pé e me afastando.

— Não, Elisa. Assim, não.

Olhei para ela, deitada na cama, com os olhos perdidos, mas os lábios inchados
depois do beijo. Os cabelos bagunçados, a camisola de seda deslocada ao ponto de eu
conseguir ver uma boa parte de seus seios; os mamilos rijos por baixo do tecido,

incitando-me a mandar a prudência para a puta que pariu e me jogar em cima dela
novamente.

Elisa se levantou da cama, aproximando-se de mim. Se chegasse muito perto, eu


não conseguiria me controlar e acabaria agarrando-a.

— O que foi? Fui eu que te beijei...

— Sim, mas não foi para isso que eu te trouxe aqui. Não quero que pense que eu
tinha segundas intenções; só não suportava mais te ouvir chorar e pensar em você
sozinha, sem apoio. Queria só te abraçar e te passar um pouco de força.

Seus olhos, ainda avermelhados pelo choro, se encheram de ternura, e ela veio
até mim, colocando-se na ponta dos pés para encostar seus lábios nos meus.

— Você pode me abraçar e todo o resto quando formos dormir. Só me ame,


Gabriel. Me faça esquecer tudo que está acontecendo ao nosso redor. Você foi o único
que me tocou até hoje... me mostre de novo o que é sentir prazer — ela sussurrou, e eu
jurei que não conseguiria aguentar nem mais um segundo sem estar dentro dela. Só que

ainda me controlei.

— Faz um ano e meio, Elisa. Também não toquei nenhuma outra mulher desde
você. — Isso pareceu surpreendê-la. Que bom, porque era a verdade. — Não vou
conseguir ser delicado. Se for isso que precisa; se quer fazer amor, é melhor não
tentarmos nada esta noite. Estou com muita frustração acumulada, muito irritado com o
destino por tudo o que está fazendo conosco, e eu preciso extravasar. Além disso, te
desejo tanto que chega a doer. Podemos tentar outro dia, quando eu estiver mais calmo

e...

Mais um passo, e ela estava quase colada a mim.

— Me foda, Gabriel. Do jeito que quiser e precisar.

Ok... eu era um caso perdido.

Não permiti que um único segundo se passasse, apenas levei a mão à nuca de
Elisa, agarrando-a pelos cabelos e trazendo-a para mim.
Ela preparou-se para o beijo em seus lábios, mas fui direto a seu pescoço,

usando a língua para traçar um caminho aleatório, enquanto arqueava sua cabeça para

trás.

Elisa tentou me tocar, levando a mão para dentro da minha calça, em busca do
meu pau, mas retirei-a, aproximando-me do seu ouvido:

— Hoje não posso permitir que me toque ou vai ser pior. Deixe que seja do meu
jeito... — falei, e ela estremeceu mais ainda. Elisa gostava de uma voz de comando

quando estávamos na cama, embora fizesse o tipo mais indomável fora dela.

— E se eu quiser te tocar?

Abri um sorriso de canto, malicioso, cheio de ideias perversas no melhor


sentido possível.

— Vamos ter que fazer algo quanto a isso, então.

Sem dizer muito mais coisas, tirei sua camisola, deixando-a apenas de calcinha.
Não demorei a despi-la por completo, tirando um tempo para contemplá-la dos pés a
cabeça. Afastando-me um pouco, aproximei-me do cabideiro, onde a roupa com a qual
havia trabalhado na sexta ainda estava ali. Sempre às segundas Helga a mandava para a
nossa lavanderia de confiança, e naquele momento agradecia por isso.

Peguei minha gravata e, sem tirar os olhos dos de Elisa, agarrei seu dois
punhos, amarrando-os na frente do corpo. Por um momento pensei que iria protestar ou
não gostar da ideia, mas senti um suspiro e levei a mão ao meio de suas pernas,
sentindo-a mais molhada do que esperei.

Bem, se era assim...

Peguei mais uma gravata e levei-a aos seus olhos, uma mais escura, que servia
perfeitamente como uma venda.

Com ela indefesa, girei-a de costas para mim, imprensando-a à parede, o que a
fez arfar. No momento em que encostei minha boca à pele de suas costas, descendo pela

coluna, senti o quão sensível ela estava, e fui continuando a trilha, até chegar ao meio
de suas pernas, onde penetrei um dedo na sua boceta úmida, sentindo-o deslizar e indo
bem fundo.

Testei mais um dedo e comecei a masturbá-la, depois de arquear um pouco seus


quadris, deixando-os empinados. Movimentei minha mão com força, com os dedos em
formato de gancho, tentando atingir seu ponto G com mais precisão, e ela começou a
gemer deliciosamente.

Quanto mais Elisa reagia às coisas que eu fazia, mais queria brincar com ela,
mais queria deixá-la louca.

Quando estava prestes a gozar, parei de masturbá-la.

— Não saia daí. Não se mexa — sussurrei em seu ouvido, enquanto me afastava
para eu mesmo me despir. Obediente, ficou na mesma posição, ainda com os quadris
empinados.
Eu deveria ter resistido um pouco mais, mas não consegui. Não de todo; queria

apenas um gostinho. Por isso encostei meu pau bem na sua entrada, deslizando apenas a

cabeça para dentro, para que ela sentisse. Só que a ideia foi por água abaixo, porque
estava tão deliciosa, quente e escorregadia, que me enfiei inteiro nela, até o fundo, com

uma estocada poderosa, que a deixou de pernas bambas.

— Te machuquei? — indaguei com cuidado.

— Não! — ela arfou. — Não, não... De forma alguma.

— Ótimo. Porque eu nunca mais quero te machucar, Elisa. Nunca mais. —


Depois de dizer isso, estoquei mais uma vez, com a mesma intensidade, e saí de dentro
dela antes que perdesse a cabeça por completo e gozasse ali mesmo.

Pegando-a nos braços, levei-a à cama e a deitei. Com a venda, ela não
conseguia ver o que eu estava fazendo, por isso fui ao armário, pegar mais algumas
coisas. O que era para ser só uma brincadeira, estava começando a ficar gostoso

demais para pararmos.

E a ideia era esquecermos o que se passava no mundo ao nosso redor, não era?
Então o que seria melhor do que fazê-la parar de chorar para dar lugar a gritos de
prazer?

Elisa surpreendeu-se quando comecei a desamarrá-la, mas só para prender um


punho em cada coluna da cama, deixando seus braços bem abertos, com a restrição que
a prendia bem esticada. Fiz com que soltasse uma exclamação surpresa quando fiz o
mesmo com seus tornozelos, deixando-a totalmente imóvel e aberta.

— Isso é loucura — ela falou, mas com um tom divertido na voz.

— Loucura vai ser quantas vezes você vai gozar esta noite. É minha refém
agora, mocinha...

Então eu baixei minha cabeça direto para o ponto entre suas pernas e a chupei
com tanta vontade, que agradeci, naquele momento, por meu quarto ter paredes grossas,

com exceção daquela que ligava ao de Elisa. Ninguém mais na casa conseguiria ouvir o
que ela fazia, e ainda bem, porque seria difícil duvidar daqueles gemidos.

Enquanto a chupava, massageei seu clitóris, alternei entre sexo oral e levar a
boca a seus mamilos sensíveis, beijei seu corpo inteiro e mordi os pontos que desejava,
porque ela despertava esse tipo de coisa em mim.

Antes de penetrá-la de verdade, afrouxei um pouco as restrições que prendiam

seus tornozelos, mas apenas o suficiente para que eu pudesse colocar duas almofadas
sob seus quadris. Ela ainda estava presa, e eu queria que continuasse assim. Ela não
pareceu se opor.

— Gosta desse tipo de brincadeira, querida? — Ela assentiu, completamente


ofegante.

Aproveitando que estava distraída com minha pergunta, penetrei-a com uma
estocada firme, e ela gritou. Investi com uma força que condizia com o quanto de tempo
eu desejava devorá-la daquele jeito, com todas as frustrações ao nosso redor e com
todo o resto. Ela queria ser fodida, então era o que eu faria.

Em uma velocidade insana, continuei a investir e estocar, grunhindo como um


animal selvagem, e nós dois gozamos quase ao mesmo tempo. Eu ainda me derramava

dentro dela enquanto ela se recuperava, e foi libertador para nós dois.

Tirei a venda de seus olhos, porque queria olhar para eles. Seu peito subia e
descia em uma cadência que foi se tornando menos pesada a cada momento. Ela nunca
me pareceu tão linda.

— Esta noite você é minha. Acha que está preparada para mais?

Respirando fundo, ela sorriu:

— Por favor!

Então eu não perdi tempo e comecei a novamente usar minha boca por todo o
seu corpo, sabendo que não demoraria muito tempo para eu também estar pronto para

mim.

Eu nunca me saciaria dela. O mundo inteiro lá fora poderia esperar um pouco


para explodir novamente, porque aquela noite era nossa.
CAPÍTULO VINTE E OITO

Acordar do lado de Gabriel, deitada sobre o seu peito largo, foi um sonho que
alimentei por muito tempo, durante os meses em que passamos separados. Enquanto
acariciava minha barriga, que ia se tornando maior e maior a cada dia, imaginava-o
fazendo o mesmo, tocando-me com uma delicadeza que não aconteceu na noite anterior.

A noite anterior foi um furacão. O homem não me deixou parar de gozar, como

se quisesse me torturar – da melhor forma possível – para que eu me lembrasse a quem


pertencia. E antes de finalmente pegarmos no sono, ele sussurrou no meu ouvido que
era o único e queria ser o último.

Isso mexeu comigo. Eu também queria que isso acontecesse. Queria que ele
fosse o homem com quem iria envelhecer, com quem eu criaria os filhos que já existiam
e os que ainda poderiam vir. Talvez fosse muito cedo para pensar em algo tão sério,
mas sentia, bem lá no fundo do meu coração, que era ele. Que sempre seria ele.

E se eu queria que nosso relacionamento desse certo, precisava tomar algumas


atitudes drásticas.

Levantei-me da cama, começando a pegar minhas roupas, começando a me


vestir. Não fiz nada com pressa, nem silenciosamente demais, porque não tinha a

intenção de fugir, tanto que fiquei feliz quando ele abriu os olhos e se voltou para mim.

— Onde você vai? — indagou com a voz sonolenta, da qual senti tanta falta.

Não respondi nada de início. Apenas ajeitei a camisola no corpo e peguei um

roupão dele que estava pendurado no cabideiro, colocando-o por cima para que não
ficasse desfilando pela casa em algo que mais parecia uma roupa íntima.

Sentei-me na cama, ao seu lado, observando-o com uma expressão bastante


séria.

— Eu acho que devemos ir com calma...

— Não, Elisa! Não! — ele me interrompeu, aproximando-se de mim. Ainda

estava nu, e o lençol escorregou de seu peito, deixando os músculos bonitos do tórax
em evidência. Uma de suas mãos pousou no meu braço, pouco acima do meu pulso, mas
não era um toque para me dominar. Era delicado, terno. — Não faça isso. Eu não quero
ir com calma. Tivemos um ano e meio de calma. Eu quero você. Quero nosso filho.

— E você tem a nós dois. Só que precisamos dar um passo atrás do outro,
porque da outra vez eu saí muito machucada.

Ele bufou, parecendo irritado consigo mesmo. Sentou-se na cama, levando as


duas mãos ao rosto, esfregando-o.

— Eu sou capaz de fazer qualquer coisa para consertar isso. Qualquer coisa. Só
me diga. Posso te dar tudo, qualquer coisa que você queira. Posso dizer o que quiser

ouvir. — Aproximando-se, ele segurou meu rosto com as duas mãos. — Eu te amo,
Elisa. Não se afaste.

Inclinei-me e o beijei na boca.

— Não vou me afastar. Estou aqui. Temos uma luta juntos e que nos manterá
assim por um bom tempo. Só acho que precisamos resolver um problema antes de
iniciarmos outro. Vamos esperar o exame de Laura e ver como ficarão nossas
esperanças. Não sei se vou conseguir lidar com duas coisas ao mesmo tempo.

— Mas eu quero estar com você. Quero te confortar... Não vou suportar se te
ouvir chorar de novo como ontem. Eu vou fazer a mesma coisa, Elisa. Vou te buscar e te
trazer para cá carregada outra vez. Mesmo que a gente durma em camas separadas, não

importa.

Não consegui conter um sorriso, porque ele era maravilhoso.

Peguei uma das mãos que ainda estava no meu rosto, levando-a à boca e
beijando-a docemente.

— Vou aceitar seu carinho. Não estou dizendo que não podemos ficar juntos, só
vai precisar ter um pouco de paciência, porque ainda me sinto hesitante. Não vou
conseguir entregar meus sentimentos por completo até ter certeza de que não vai me
abandonar de novo, que não vai duvidar de mim.

— Droga, Elisa! Eu não vou! — ele falou com toda a convicção. E eu queria
acreditar. Mas também queria que entendesse que me magoou e que se aquilo se

repetisse, seria o fim para sempre. Só que Gabriel mais uma vez suspirou, parecendo
derrotado. — Você está certa. Tem me dado muito mais do que eu mereço, aliás.

Ele também beijou a minha mão, e nós nos perdemos em olhares, cada um de
nós com seus pensamentos.

Gabriel finalmente me deixou sair de seu quarto, afinal, era um dia de semana.
Ele precisava trabalhar, e eu combinei com Cláudia que levaria Laura no colégio para
que ela pudesse cuidar de Luís. Desde que voltei para aquela casa, vínhamos fazendo
daquela forma e dava muito certo.

A menina foi o caminho inteiro falando sobre o fato de ter um irmãozinho e


disse que estava ansiosa para chegar no colégio e contar para todas as suas amigas
sobre a novidade. Pedi a ela que não comentasse com ninguém sobre a questão da
doença de Luís, porque não achei que seria legal. Era melhor manter aquilo em
segredo, entre nós, enquanto ainda não tivéssemos uma solução.

Solução essa que eu esperava que fosse encontrada em breve, com o exame que
Laura faria ainda naquela semana.

Claro que o fato de ela ser compatível ainda não seria nossa salvação, mas era
um primeiro passo.

De passinho em passinho, quem sabe não chegássemos ao final feliz.

Chegamos na porta da escolhinha de Laura, e eu me virei para trás para ajudá-la


com o cinto de segurança. Sempre saltávamos juntas, e eu a levava até a professora,
mas naquele dia, por sorte, dei uma olhada pelo retrovisor.

O estacionamento do colégio não estava muito movimentado, porque tínhamos

chegado um pouco em cima da hora da aula, mas eu consegui avistar um carro atrás do
nosso.

Poderia ser algo comum, sem dúvidas. Algo inofensivo; um pai que acabara de
deixar o filho ou que estava esperando uma criança do primeiro turno. Mas eu conhecia
aquele rosto...

Era o mesmo homem que me sequestrara um mês e meio atrás. O mesmo que me

fizera de refém e me algemara ao banco do carro que eu estava dirigindo naquele


momento.

— Vamos, tia, consegui! — Assim que conseguiu se soltar do cinto, Laura


tentou saltar do carro, mas consegui segurá-la pela perninha e imediatamente travei as
portas.

— Não, querida. Mudei de ideia. Não vamos para a escolinha hoje, ok? —
falei, muito nervosa. — Coloca o cinto de novo.
— Mas, tia...

— Por favor, meu amor, obedeça à tia Elisa — falei com um pouco mais de
firmeza, enquanto ligava o carro, pronta para sair do estacionamento da escola.

Laura obedeceu, e eu ouvi o clique do cinto enquanto observava o homem


também dar a partida.

Ele ia nos seguir.

— Tia, eu não entendi. Eu tenho provinha hoje. De matemática. Lembra que a


gente estudou no sábado e na sexta?

— Sim, querida. Seu papai vai mandar um e-mail para a escola explicando que
você não pôde vir. Agora, por favor, fique quietinha, ok?

A menina estava confusa, sem dúvidas, mas eu não poderia levá-la para a
escola. Ou aquele homem ia fazer mal a ela ou a mim. Ou às duas. Sabendo o que eu

sabia sobre Laura, com a possibilidade de ela ser filha de George, não poderia dar
mole.

O carro veio atrás de nós, insistente, e eu comecei a pensar que não seria uma
boa ideia levá-lo para a nossa casa, com Luís lá. Por mais que houvesse seguranças e
outras pessoas que poderiam nos ajudar, meus pensamentos estavam muito confusos, ao
ponto de eu não conseguir pensar com muita clareza.

Eu queria estar perto de Gabriel naquele momento. Queria sua proteção. Então
fiz o que me veio em mente, mesmo que, talvez, não fosse a melhor opção.

Corri para a empresa.

Aparentemente não foi uma solução tão ruim, porque assim que nos viu entrando
na rua do prédio onde Gabriel trabalhava, o homem tomou outra direção,
provavelmente já sabendo o que eu estava prestes a fazer.

Respirei aliviada, agarrando o volante com firmeza, mesmo sem ter a certeza se

estávamos mesmo a salvo. Só que quando pisei na recepção e avisei a Gabriel sobre
minha chegada, tentei pensar que a sorte estava do nosso lado.

Laura fazia mil perguntas, muito confusa, mas eu não conseguia respondê-la.
Quando Gabriel surgiu, ele mesmo indo nos buscar na recepção, joguei-me em seus
braços, tremendo, e ele nos acompanhou até sua sala, pedindo um copo d’água à sua
secretária, que ficou encarregada de olhar a menina, porque as duas já se conheciam
daquele um ano e meio desde que Tatiane deixou a função.

Fui conduzida à sala da presidência da empresa, onde Gabriel me fez sentar na


cadeira que era sua, porque era a mais confortável, e se ajoelhou à minha frente,
preocupado.

— Você está pálida. O que aconteceu?

Antes que eu pudesse responder a copeira entrou, trazendo uma bandeja, e eu fui
servida pelo próprio Gabriel, que só faltou dar a água na minha boca.
— Fomos seguidas. Eu e Laura. O mesmo homem que me sequestrou da

primeira vez — eu mal conseguia falar de tão ofegante. — Eu não sei o que ele queria,

mas estava na escola. Vim para cá, porque... bem... porque só pensei em você quando
quis me sentir protegida.

Gabriel me puxou para um abraço, encostando minha cabeça em seu peito.

— Ainda bem que fez isso. — Ele também respirava fundo.

Só que antes que pudéssemos fazer qualquer coisa, seu telefone tocou em cima
da mesa, vibrando. Nós dois olhamos para ele ao mesmo tempo, e eu vi que se tratava
de um número restrito.

Gabriel, parecendo adivinhar que não se tratava de algo bom, pegou o aparelho
e foi atender longe de mim. Em instantes ficou nervoso, andando de um lado para o
outro, chegando a soltar um xingamento.

Quando voltou para mim, já pegava seu paletó nas costas da cadeira onde eu
estava sentada, com uma expressão extremamente tensa.

— Ele está na nossa casa. Está com Luís. Quer você e Laura. Se não formos, vai
matar nosso bebê — a quantidade de raiva existente em sua voz era imensurável.

Evitei me levantar naquele momento, porque pensar que aquele louco tinha Luís
em seu poder me deixava fraca. E eu não podia me acovardar. Não até meu filhinho
estar a salvo.
— Não podemos levar Laura — afirmei com convicção.

— Claro que não. E nem você vai. Só eu.

— Nem pensar, Gabriel. Você não vai sem mim — finalmente me levantei,
embora ainda sentisse as pernas bambas.

Ele se aproximou mais ainda de mim, agigantando-se à minha frente, quase


ameaçador.

— Eu te deixo trancada aqui neste escritório, Elisa. Não me provoque.

— Faça isso, e se meu filho for machucado, você vai carregar a culpa para o
resto da vida. Vou com você e sei cuidar de mim.

Os olhos de Gabriel chispavam de raiva, mas ele acabou cedendo. Eu criaria


um caos se não me permitisse ir, com a vida do meu filho sendo ameaçada daquela
maneira.

A partir daquele momento foi uma corrida contra o tempo. Eu só queria que o
pesadelo acabasse.
CAPÍTULO VINTE E NOVE

Não podíamos perder muito tempo, mas eu precisava me preparar. Fosse o que
fosse que estava enfrentando, não poderia deixar o meu filho desamparado. Não podia
deixar a minha mulher em perigo. Eles eram tudo para mim.

Pedimos que Tatiane fosse à empresa, encontrar-se com Laura. Era uma pessoa
de confiança, de quem minha filha gostava, e as duas ficariam ali dentro do prédio,

cercadas por seguranças.

Por falar nisso, deixei a empresa que trabalhava para mim de sobreaviso.
George me proibira de levar polícia, e eu não tinha a menor dúvida de que ele mataria
Luís se fosse necessário. Poderia haver uma dúvida a respeito da paternidade de Laura,
mas o menino era meu. Ele sabia disso. Primeiro porque, aparentemente não tocara em
Elisa. E em segundo lugar porque ela já estava grávida quando foi sequestrada.

Aliás, só de pensar nisso, eu já sentia o ódio fervendo nas minhas veias com
mais intensidade.
Chegamos em casa, e recebi uma ligação de alguém, que não era George,

avisando que todos os nossos movimentos estavam sendo observados. Havia câmeras

em todas as partes da mansão, e eu tinha prejudicado a mim mesmo por causa da minha
própria paranoia por segurança. Ou seja, eu não teria chance sequer de avisar a um dos

homens que guardavam a propriedade.

Segurei o braço de Elisa quando saltamos, porque temia que em um rompante de


desespero saísse correndo, e eu não conseguisse controlá-la. E ela estava gelada,

nervosa, enquanto eu estava tudo isso somado a um sentimento de impotência e raiva.

Como deixei que a situação chegasse àquele nível? Nós tínhamos ficado tão
desnorteados com a doença de Luís que acabamos não levando o caso de George à
delegacia. Imaginava que era o mesmo que passava pela cabeça de Elisa, por mais que
ela tivesse feito tudo correto na época, só que ninguém acreditou nela. Nem mesmo eu.

Mas não era hora de pensar nisso.

Entramos na casa, e percebemos que estava tudo vazio no hall de entrada, então
fomos subindo as escadas. Não tivemos nenhuma dúvida de que o encontraríamos no
quarto das crianças, mas antes de chegarmos lá, eu tive uma ideia. Precisava de Elisa.

Ainda com a mão segurando a dela, puxei-a para dentro de um dos cômodos ao
redor, encostando-a numa parede e fazendo um sinal de silêncio. Com toda a cautela,
sussurrei:

— Preciso de você. Quero que vá ao escritório e ao cofre. Vou te passar a


senha. É digital. Há um revólver lá dentro e...

— Gabriel! — ela exclamou, parecendo horrorizada. — Eu não posso chegar lá


armada... não posso colocar nosso filho em risco! Nem sei usar uma arma.

— Calma... eu vou te dizer o que fazer...

Inclinando-me, sussurrei no ouvido de Elisa tudo o que eu tinha em mente. Era


perigoso? Sem dúvidas. Só que poderia ser nossa única alternativa.

Um pouco relutante, Elisa concordou, e nós dois nos separamos.

Segui para o quarto das crianças, pé ante pé, e tudo parecia silencioso demais.
A porta estava aberta por uma fresta, pela qual olhei, e vi, em primeiro plano, Helga e
Cláudia amarradas e amordaçadas em cadeiras, com expressões extremamente
apavoradas. George segurava meu bebê no colo, mas não estava sozinho.

Arthur estava com ele. Armado.

Aquilo foi o que me desestabilizou, tanto que precisei de alguns segundos,


encostando-me à parede e respirando fundo, pensando.

O cara era meu melhor amigo. Eu confiava muitas coisas a ele e sempre jurei
que o respeito era recíproco. Devia haver uma explicação... não era possível.

— Não se esconda, Gabriel. Sei que está aí.


Fui descuidado, sem dúvidas, e lá estava o preço a pagar. Precisava entrar. Até

porque eu não poderia me acovardar enquanto meu filho estava lá dentro, nas mãos de

um louco.

Levei a mão à porta e a empurrei, fazendo-a ranger um pouco. Todos os olhos se


voltaram para mim. Tanto os de George, quanto os das empregadas e o de Arthur, a
quem eu estava observando atentamente.

— Isso é uma surpresa para você, primo? Não deveria ser. Quem você acha que

te deixou tão bêbado naquela noite? Na noite em que você conheceu a bela moça de
cabelos azuis?

Com o cenho franzido, comecei a repassar tudo o que aconteceu antes de eu


perder completamente a noção das coisas.

Eu estava no bar com Arthur. Sabia que estávamos indo um pouco além da
conta, mas planejava parar. Não tinha motivos para ficar bêbado, e não costumava ser

assim. Só que foi de uma hora para outra. Pensei que tinha sido uma bebida que batera
mais forte, que acabara me desestabilizando, mas, não. Armaram para mim.

— Por que ela? — era uma pergunta idiota, mas fazia algum sentido.

— Ah, isso foi uma imensa coincidência. Nossa intenção era te fazer assinar
alguns documentos, mas a garota chegou e nos interrompeu. Não sabíamos se ela
lembraria depois do que fizemos e poderia ser uma testemunha. As coisas só
melhoraram um pouco quando você a contratou como babá e mais ainda quando se
apaixonou por ela. — Com aquela expressão louca, George olhou para o meu filho. —

E ainda tem essa coisinha fofa aqui... — Ele beijou Luís, o que me deixou enojado. —

Quem diria que o poderoso Gabriel Valcácer iria se engraçar com a babá. A babá da
minha filha.

Lancei mais um olhar para Arthur, porque não queria demonstrar o quanto ele
mexia comigo ao falar aquele tipo de coisa. O cara estava tremendo enquanto segurava
a arma na mão.

— O que você ganha com tudo isso? — perguntei àquele que julguei ser meu
amigo, mas que não passava de um traidor.

— Ele me prometeu coisas. Dinheiro. Uma posição melhor na empresa. Ele


quer ser o CEO.

— Mas isso é ridículo. A empresa é minha. Por direito. Meu pai a deixou para
mim! — exclamei, embora essa não fosse a minha preocupação. As crianças, sim.

— Por isso você vai assinar um documento de venda de ações. Claro que não
vai receber nenhum dinheiro por isso. Vai assinar, ou eu vou machucar essa coisinha
linda aqui.

Helga se manifestou por trás da mordaça, dando algo que eu considerei um


gemido. Por alguns instantes tive medo de que ele a maltratasse por isso, mas nada
aconteceu.

Continuei com os olhos fixos em Arthur, sabendo que ele poderia ser a minha
esperança. Que, com sorte, conseguiria trazê-lo de volta para o meu lado.

— Você poderia pedir a mim. Eu teria te dado mais dinheiro, até ações da
empresa — falei, com paciência.

— Trabalhamos juntos há anos, Gabriel. Você sempre disse que sou seu melhor
amigo e nunca fez nada por mim além do que seu pai já tinha feito. Minha mulher está
me enlouquecendo. Ela pede coisas e pede, e pede, e pede... Nunca consigo atender
todos os desejos dela.

Eu sabia que era verdade. Ainda assim, não justificava seu comportamento. Ele
estava armado, em um ambiente com um bebê. Que tipo de ser humano eu mantive ao
meu lado aquele tempo todo.

— Vamos parar com essa palhaçada? Não estamos aqui para conversar, nem
tomar um vinho. Onde estão as duas? A menina e a babá? — George nos interrompeu,
parecendo impaciente.

— O que você pode querer com Elisa? — Laura era um pouco mais explicável,
porque ele achava que era filha dele, mas a mulher?

Ele abriu um sorriso malicioso, ainda com meu bebê nos braços.

— Ela vai ser útil com Laura. Sei que minha filha gosta da babá. Ao menos até
que entenda que eu a amo e só quero seu bem, vou precisar de alguém para me ajudar. E
não é como se fosse uma má ideia ter uma mulher bonita por perto. — Ele rapidamente
se alterou, mudando o tom da voz para algo mais assustador: — Onde elas estão?
Luís começou a chorar. Inconsolável, como se entendesse que estava em perigo.

Mas a verdade era que meu garotinho estava doente. Talvez sentisse dor ou cansaço, e

merecia ser deixado em paz. Aquilo era uma crueldade sem tamanho.

Só que, aparentemente, George não era muito bom ou paciente com crianças,
porque logo que Luís começou a chorar, ele virou meu bebê para o berço, colocando-o
lá dentro, como se pudesse ser vítima de uma doença contagiosa.

Era a minha chance. Eu sabia que Arthur estava armado e que poderia atingir

Helga, Cláudia ou até mesmo a mim, mas não conseguia acreditar que o cara em quem
confiei por tantos anos teria coragem de matar um ser humano inocente. Só que George
parecia confiar nele, não? Porque seu sangue estava frio demais para ficar de costas
para mim.

Teria que pagar para ver.

Sem pensar muito, aproveitei a oportunidade e pulei no filho da puta,

arrancando-o de perto do bebê e jogando-o longe, contra a parede. Não sei de onde
tirei tanta força para isso, mas consegui fazê-lo cair no chão, zonzo. Agarrei-o pelo
pescoço, tentando um mata-leão e deixei meus olhos encontrarem os de Arthur, quase
em um alerta.

— Não faça uma besteira. Não vai sair daqui impune, Arthur. Sabe que posso te
ajudar e esquecer tudo o que aconteceu aqui se não atirar em ninguém — falei com voz
firme, embora estivesse apavorado.
O homem que eu imobilizava estava inquieto, tentando se soltar, e começou a

gritar:

— Seu paspalho, idiota. Atire em uma das empregadas. Prove a esse filho da

puta que não estamos brincando. Vamos matar até o fedelho!

Só que eu já sabia que Arthur não ia fazer isso. As mãos dele tremiam mais e
mais, e seus olhos vagavam perdidos por várias direções do quarto, como se tentasse
encontrar algo que lhe servisse de sinal do que deveria fazer.

Um som veio da porta, e eu vi a figura pequena de Elisa, com uma arma


apontada para Arthur. Ela provavelmente não sabia usá-la, de fato, mas só a ameaça já
seria eficaz contra uma pessoa que estava completamente relutante.

— Eu vou atirar, Arthur. Se não deixar essas pessoas em paz. Não vou errar —
ela falou com confiança, embora provavelmente não tivesse nenhuma.

— Não caia nessa! Essa garota nem deve saber usar uma arma!

— Sei sim! Meu pai me ensinou! — Elisa continuava fazendo seu papel, então
eu precisava ajudá-la.

— Arthur, largue a arma e pense em Laura. Ele vai colocá-la em perigo. Sei que
gosta da minha filha. Pense em tudo o que está em jogo. Eu não vou te trair, mas esse
cara aqui vai. Ele não tem escrúpulos. — George continuou tentando se desvencilhar,
mas eu só o segurava com mais força.
Alguns instantes se passaram até que vi Arthur lançar a arma no chão e chutá-la

para longe, na direção de Elisa, que a pegou e a apontou para ele, para garantir. Assim

como eu, não acreditava naquele tipo de redenção. Meu ex-amigo se jogou no chão,
ajoelhado, com as mãos na cabeça, rendido.

Sem a menor piedade, girei George novamente contra a parede, lançando-o lá e


socando-o algumas vezes, como fiz em seu apartamento, até deixá-lo inconsciente.

Aproximei-me de Elisa, sem tirar os olhos do desgraçado, pegando uma das

armas da mão dela. Agora tínhamos os dois em nossa mira. Tirei o celular do bolso,
usando o telefone para acionar a segurança da minha casa, que chegou em poucos
minutos lá dentro, armados e prontos para dar cabo dos dois filhos da puta que nos
ameaçaram.

Quando tivemos oportunidade, soltamos as duas mulheres apavoradas, e Elisa


correu para pegar Luís. Aproximei-me deles logo que pude, beijando a cabeça de
ambos, suspirando aliviado por ele ser muito pequenininho para dar conta de tudo o

que acontecera e por sua irmã não estar ali conosco.

Aquele cômodo estava um caos, com uma pessoa ensanguentada, seguranças


armados prendendo pessoas, um bebê chorando, duas mulheres apavoradas, mas
estávamos a salvo.

Estávamos a salvo...
CAPÍTULO TRINTA

Era uma bênção ter alguém ao meu lado tão mais calmo do que eu. Ou, ao
menos, parecia. Fazia algumas semanas desde toda confusão na casa de Gabriel, em
que tivemos que enfrentar um louco – que estava devidamente preso, e que
permaneceria assim por muito e muito tempo, especialmente se dependesse dos
excelentes advogados que estavam contra ele –, e naquele momento estávamos no
consultório do médico, aguardando o resultado do exame que Laura fizera dias atrás,

para avaliarmos a compatibilidade dela para um transplante.

A menina estava na escola, e nós escolhemos exatamente aquele horário para


conversarmos com o doutor, para que ela não estivesse presente. Luís ficara com
Cláudia e Helga, e eu andava pelo pequeno espaço onde estávamos, enquanto o homem
não voltava.

Eu sabia que Gabriel também não estava tranquilo como demonstrava, mas que
o fazia por mim. Tanto que quando se levantou, pegando-me pelos braços e me
colocando sentada na cadeira, suas mãos estavam mais frias do que o normal.

— Você vai acabar ficando zonza de tanto andar de um lado para o outro — sua
voz era reconfortante, mas mesmo assim não me acalmava de todo.

— É que ele está atrasado!

— Cinco minutos. Nem passou da tolerância ainda — tentou brincar, e eu


revirei os olhos. Acomodado ao meu lado, segurou meu queixo com carinho, fazendo-

me olhar em seus olhos. — Seja qual for a resposta, vamos continuar lutando. Não
vamos desistir. Nunca.

Eu sabia que, para ele, aquele resultado era ainda mais relevante do que para
mim. Caso Laura não fosse compatível com Luís, nunca teríamos certeza se era mesmo
filha de Gabriel, porque sabia que ele não faria um exame de DNA para comprovar a
paternidade. Se o resultado fosse positivo... ele poderia ter uma certeza maior. Claro
que ainda não seria cem por cento, porque poderia ser uma imensa coincidência, mas

nos ajudaria a acreditar. E esta seria a resposta que ele aceitaria como verdadeira.

Que nós aceitaríamos.

Ainda não estávamos juntos de verdade, e desde a última vez em que nos
tocamos, não fizemos mais sexo. Eu queria, sabia que ele me desejava também, mas
estávamos tão focados em Luís, além de abalados pelo que passamos, que as coisas
ficaram um pouco distantes. Ainda assim, era evidente o quanto nos amávamos. Estava
em cada olhar, em cada palavra e no cuidado que tínhamos um com o outro.
— Nunca — repeti a palavra que ele falou e, como em um passe de mágica, o

médico surgiu, abrindo a porta. Tentei avaliar sua expressão, mas ele estava

impassível, o que só serviu para aumentar minha ansiedade: — Doutor, por favor, não
faça suspense — implorei, levantando-me.

Ele ajeitou os óculos, ignorando completamente o meu pedido, e Gabriel se


levantou, ao meu lado, também impaciente, mas mais controlado. Uni uma mão à outra,
quase em oração, e comecei a perder o prumo quando vi um sorriso curvar os lábios

finos do médico de meia idade.

— Boas notícias, meus queridos. A Laura é compatível com o Luís. Vamos


poder fazer o transplante!

Ele quase não terminou a frase antes de eu ver tudo girando. Só não caí, porque
Gabriel me segurou. Eu não conseguia segurar a emoção, mas comecei logo a rir, antes
que os dois ficassem completamente preocupados.

— Vá com calma, Elisa. Precisamos de você inteira para o que está por vir.

E eu precisava mesmo ficar inteira, porque a partir daquele momento, com


aquele resultado maravilhoso, tantas coisas aconteceram...

Para começar, naquela mesma noite, depois de colocarmos as crianças para


dormir, abracei Gabriel, os dois sentados na cama de casal de seu quarto enorme,
deixando que chorasse no meu ombro como um bebê. Era curioso pensar em um homem
grande se apoiando daquele jeito, em prantos, em uma mulher tão pequena, mas ele
precisava colocar para fora.

Claro que não havia uma certeza completa de que Laura era sua filha somente
por aquele exame – algo que só seria confirmado com um exame de DNA –, mas ele

estava dando como certo. Então eu faria o mesmo. Eu sabia que ele chorava por isso e
por Luís, por isso o acompanhei, emocionada e aliviada, embora o caminho ainda fosse
muito longo.

Ficamos por umas boas horas unidos daquele jeito, e depois dormimos

abraçados, em silêncio, na escuridão, torcendo para que as coisas se acertassem.

E quando, depois da operação, recebemos a notícia de que "a medula pegou",


nenhum de nós dois conseguiu se conter, e nos abraçamos, trocando um beijo muito
significativo, na frente de todos, com as mãos de Gabriel no meu rosto, cedendo ao
sentimento que estava preso dentro de nós o tempo todo.

Quando nos afastamos, com os olhos fixos um no outro, Gabriel soltou, de

forma completamente inesperada, ainda segurando os dois lados do meu rosto.

— Casa comigo — sua voz soou arfante, como se ele estive segurando o ar.
Como se elas fossem uma libertação. — Droga, Elisa, sei que você talvez ainda nem
esteja pronta para me perdoar, mas me dê uma chance. Quero te fazer minha esposa,
quero te provar que podemos superar qualquer coisa. Juntos.

Ele estava mesmo me pedindo em casamento?

— Você está falando sério? Sério mesmo? Real?


Ele soltou meu rosto, e a expressão no dele pareceu um pouco mais confusa.

— É muito louco da minha parte? Eu deveria tentar te reconquistar, né? Te...


cortejar, como diriam os mais antigos — brincou, e eu ri, deliciada com o quão

adorável ele era.

— Cortejar? — Não consegui parar de rir, como uma boba apaixonada.

— É. Eu prometo que vou fazer isso tudo. Vou te dar uma vida de rainha e te

tratar como você merece. Te levo para jantar, te encho de presentes e faço tudo como
manda o figurino, mas podemos fazer isso com um casamento marcado? Em... o quê?
Três meses eu consigo te conquistar?

Como não amá-lo? Como não amar um homem como aquele?

E eu ia responder... juro. Só que antes que eu pudesse fazer isso, meu estômago
começou a revirar, e eu precisei correr para o banheiro. Gabriel tentou vir atrás de

mim, mas eu o impedi.

Tinha acabado de ser pedida em casamento, como iria permitir que me visse
vomitando?

No exato momento em que terminei, que estava limpando a boca ali mesmo, no
banheiro do hospital, pronta para colocar um chiclete na língua para tirar o gosto ruim,
meu telefone tocou, anunciando que se tratava de Tatiane.

— Prima, pelo amor de Deus, seus pais já me ligaram umas três vezes para
saber sobre Luís. Já temos notícias? — ela falou, desesperada do outro lado da linha.

Baixei o tampo do vaso sanitário e me sentei sobre ele, ainda me sentindo um


pouco estranha, o que começou a me preocupar.

— Correu tudo bem, Tati. O transplante foi um sucesso e a medula pegou. —


Era tão bom dizer isso... tão maravilhoso pensar que aquele era um recomeço de
verdade.

— Ah, meu Deus! — Minha prima começou a soluçar do outro lado da linha, e
eu me juntei a ela, aliviada, agradecida, abençoada.

Meu garotinho estava a salvo. Era só o que eu conseguia pensar.

— Que maravilhoso, prima! Que maravilhoso! Posso ir visitá-lo hoje, mais


tarde? Depois do expediente? — Tatiane tinha voltado a trabalhar na VC, em outro
departamento. Gabriel fizera questão de realocá-la, como secretária da pessoa que

entrou no lugar de Arthur, que fora preso também, embora suas acusações tivessem sido
mais leves do que as do louco do George.

— Pode, claro... eu vou amar e...

Uma batida incisiva na porta me interrompeu.

— Elisa? Você está bem? — Era Gabriel me chamando.

— Prima, o que houve? — Merda! Ela ouviu! Não queria que se preocupasse
comigo, mas eu estava com a cabeça tão cheia que não conseguiria inventar uma

mentira plausível.

— Não foi nada. Fiquei um pouco enjoada. Acho que foi a emoção de tudo.

O silêncio do outro lado da linha me deixou um pouco ansiosa, mas Tatiane não
demorou tanto assim a retornar:

— Elisa... você está grávida de novo? — Eu ia responder, mas ela rapidamente

me interrompeu: — E não venha me falar de menstruação de novo! Sabe que isso não é
parâmetro.

Não, não era. Eu poderia estar grávida, não poderia?

Fiquei pensando nisso enquanto me despedia de Tatiane e saía do banheiro, só


para encontrar um Gabriel completamente preocupado, quase pálido. Pobrezinho,
depois de tudo pelo que passamos...

Sem perder tempo, coloquei-me na ponta dos pés e falei:

— Já que estamos em um hospital, acho que eu vou precisar fazer um exame de


sangue. Pode ser que tenhamos mais um bebê a caminho...

Deixei-o boquiaberto com aquela constatação, e até me preocupei que não


gostasse da notícia – se é que poderia ser chamada assim, levando em consideração
que não tínhamos confirmação –, mas fui tirada do chão, com seus braços ao redor da
minha cintura e girada no ar.
Acho que isso foi resposta suficiente...
EPÍLOGO

CINCO ANOS DEPOIS

Os cafés da manhã juntos ainda eram sagrados. Não importava que tanto eu
quanto Elisa fôssemos dois workaholics, nós sempre tínhamos tempo para nossos
filhos. E olha que tínhamos quatro. Além de Laura, que se tornara nossa por laços de
amor, tínhamos Luís, que crescia forte e saudável – graças a Deus – e mais um

casalzinho de gêmeos, da gravidez que descobrimos no dia em que nosso garotinho


mais velho renasceu.

Eram presentes. A vida era muito generosa conosco.

Era um falatório imenso todas as manhãs, e eu via sorrisos, risadas, olhinhos


felizes, e só sentia meu coração pleno. Eu amava a minha família.

Elisa demorou um pouco mais para se arrumar, mas era impressionante. Eu,
teoricamente, era a parte do relacionamento que deveria impor mais respeito, mas era
ela que conseguia controlar nossos filhos como ninguém.

Assim que chegou, conseguiu fazer com que todos começassem a se comportar e
a comer. Olhava para ela como um bobo, olhando minha esposa vestida com um lindo

terninho, que a deixava com uma aparência muito profissional.

Pouco depois de nossos gêmeos fazerem um ano, ela e Tatiane iniciaram uma
empresa de criação de bonecas de pano, como a Godofreda, que ainda existia e fora
passada de criança a criança, em nossa casa, e esta se tornara um sucesso. Havia

bonecas de todo tipo, respeitando a diversidade de etnias, cores e gêneros existentes.


Minha esposa era uma mente incrível no marketing, e eu morria de orgulho dela.

Pensando nisso, peguei sua mão por cima da mesa, levando-a à boca, o que a
fez se voltar para mim, curiosa.

— O que foi? — perguntou, doce, percebendo que eu a observava apaixonado.

— Nada além do óbvio. Eu amo você. Amo nossa família.

Ela suspirou, demonstrando o que estava prestes a dizer:

— Eu também. Amo vocês.

Era tudo o que eu precisava. Se eu tivesse que pedir qualquer coisa, era apenas
que nossa felicidade fosse preservada e que pudéssemos viver muitos e muitos
momentos como aquele.
FIM

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