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2022
Copyright © Ágatha Santos
Produção Editorial: Criativa TI
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
OBS: contém spoilers do primeiro livro, caso não tenha lido ainda,
baixe agora e confira.
Meus olhos percorrem o lugar, estou ansiosa para ver Sacha e saber
o resultado de sua conversa com Russell. Apesar de achar aquele lutador
perigoso e um pouco desvirtuado, custo a acreditar que tenha drogado o
oponente, é orgulhoso demais para isso.
— Preciso falar com Krigor. Espere aqui e não desça sozinha. Não
confio naquele cara. — Ele aponta para trás, se referindo a Russell.
— Danya, me desculpe pelo que fiz... eu... — atrapalho-me com o
pedido.
— Não minta para mim, Katrina. Você sabe o que acontece quando
dorme. Impossível nunca ninguém ter falado sobre seus gritos.
Balbucio algumas vezes sem nada dizer, por segurança afasto um
passo, olho para os lados, com medo de alguém estar atento à nossa
conversa, mas todos parecem se divertir, alienados ao meu desespero.
— Acho que foi um caso isolado. Talvez esteja impressionada
demais com todos os bastidores da luta, essas falcatruas, manipulação de
resultados...
Cada vez que ficamos juntos, Danya tem insistido mais em saber
de mim, do meu passado, da minha vida e seu olhar parece me apreciar
como algo mais, como se eu fosse uma pessoa especial e isso não pode
acontecer.
Não estou e não pretendo estar aberta a algo mais do que encontros
casuais. Apesar de Danya preencher todos os quesitos de um cara digno
para se envolver e manter um relacionamento, só de cogitar a possibilidade
sinto-me sufocada.
— Já está aqui. — Ele gira o corpo pronto para sair, por isso sou
obrigada a gritar a última parte. — Acompanhada!
Pego o controle ao meu lado e abro parte das cortinas para que a
claridade possa entrar, vejo na mesa de cabeceira uma pequena bandeja com
água e um comprimido, acho fofa a atitude dele e tomo o remédio, que é
muito bem-vindo.
— Não sei por que Deus me castiga com uma filha tão... tão...
— Graças a Deus que o pai não é assim e posso trabalhar para meu
sustento somente.
Ela fecha a distância entre nós e acerta meu rosto com um tapa que
chega a virar meu pescoço. Levo as mãos de imediato ao lugar, as lágrimas
inundam minha visão, o que me faz lutar para não as derramar.
Caminho para fora daquele lugar fedorento, não sei como fui capaz
de aceitar trabalhar aqui, mesmo que de forma esporádica. Escuto seus
xingamentos cada vez mais altos, mas opto por ignorar.
Na calçada, caminho sentido contrário à pista, pesco na bolsa o
maço de cigarros e acendo um. Puxo um longo trago e solto rápido para em
seguida repetir o ato, a nicotina me acalma, em parte, ou talvez seja só a
sensação de diminuir meu tempo de vida gradativamente que satisfaça o
suficiente.
Não quero voltar para casa agora, por sorte, quando saí, meus pais
não estavam, o que evitou um encontro desagradável. Precisei usar bastante
maquiagem para tapar as olheiras e o rosto marcado pela bofetada.
Trago o cigarro mais uma vez, um farol mira meu rosto e viro por
reflexo, o carro para no meio-fio à minha frente e quando o vidro de trás é
baixado vejo uma loira platinada, de franja e cabelos compridos, já
conhecida, colocar a cabeça para fora.
Viro meu rosto em sua direção, pronta para dizer quem dispensou
quem, mas lembro-me de que Nikita joga com as palavras e provavelmente
leva informações de um lado para o outro no circuito, ou seja, alguém nada
confiável.
— Você entrou.
Giro mais uma vez, agora com segurança, fico diante do poste,
inclino o tronco para frente, o que coloca minha bunda exposta para que
todos observem. Aproveito para girar a anca de um lado para o outro,
movimentos lentos e ritmados seguindo a batida sedutora.
Volto o tronco, ainda de costas, ergo as mãos e deslizo a ponta do
dedo por um braço, contorno o pescoço e a trago para minha frente girando
o corpo rapidamente.
Com rapidez fico ereta de novo e deslizo os dedos pela minha pele,
até alcançar a ponta dos joelhos, escorrego a palma das mãos no chão e
engatinho vagarosa na direção do homem que me observa.
Fico em pé, de costas para todos, pronta para puxar o fio que me
deixará nua da cintura para cima, meus dedos enlaçam o filete, balanço os
quadris, retardo o momento o máximo possível, criando ainda mais
expectativas neles, assim como em mim.
Yerik...
Ele suga meu pescoço, levo uma mão até sua nuca e o puxo ainda
mais para mim. Braços fortes circulam minha cintura, o ataque não cessa,
uma mão sobe e crava os dedos na base da minha mandíbula, enquanto a
outra me firma no lugar, assim ele move os quadris, criando um atrito
gostoso com o jeans no meu vão.
Seus dedos abrem minhas nádegas e sinto sua língua passear por
ali, até parar no meu canal e sugar com força. Sensibilizada pelo orgasmo,
sinto fisgadas prazerosas cada vez que ele repete o movimento.
“Seu pagamento.”
— Não tenho que aguentar suas merdas, russo. Vou embora daqui.
— Pretende vir dançar hoje? — Sua pergunta me pega de surpresa.
Sem olhar para trás, decido esquecer tudo o que aconteceu desde
ontem e deixar esse episódio como mais um feito dentro das escolhas
erradas que fiz ao longo da vida.
Chego em casa já é tarde, passei na espelunca que trabalhava para
receber o pagamento da semana, fui avisada de que não precisaria mais
voltar, o que não pretendia, de qualquer forma, já passou da hora de tomar
outro rumo.
— Oi — atendo, brusca.
— Como amigos?
— Eu te busco.
— Tak!
Meu pai nem imagina todas as merdas que tenho vivido quando
saio à noite. Para seu conhecimento, estou trabalhando e somente isso,
tenho certeza de que a mãe não contou sobre nossas discussões, caso
contrário, nossos laços estariam rompidos definitivamente.
Dispenso Danya com a promessa do jantar e somente isso. Apesar
de tentador, não tenho intenção alguma de aquecer os lençóis desse lutador
insistente.
Sabia que ela diria isso, sua preocupação em não manchar a honra
da família e ter uma filha mal falada é mais importante que aceitar a
maneira desprendida que ajo.
— Ter amigos não é errado, mãe.
— Mas as pessoas...
— O que importa as pessoas, afinal? Ninguém deve cuidar da
minha vida.
— Ela tem razão, mulher. Nossa filha trabalha duro e sempre nos
respeitou. Não há mal algum em se divertir um pouco — meu pai
argumenta, em minha defesa.
— Falei, mas não tem nada disponível. Assim que tiver, ele me
avisa.
— Não estou interessada em mudar de ramo.
— Vai trabalhar como uma pessoa normal, Katrina. Seu pai lhe deu
liberdade demais por todo esse tempo, chega disso. — Determinada, solta o
pano que usava para secar algumas louças.
— Mãe, isso é tão retrógrado, que não sei nem por onde começar a
lhe explicar...
— Por que ficou tão nervosa, Vanya? — meu pai questiona, sem
entender aonde ela quer chegar.
— Por nada, só quero o melhor para nossa filha, Kolya. — Sua voz
soa cansada.
Seus olhos miram os meus e sei que optou por calar mais uma vez
e não dizer tudo que pensa.
Ela acompanha mais a minha rotina do que meu pai, sabe dos meus
horários e, por vezes, o quão bêbada cheguei em casa. Seu julgamento ao
comportamento que tenho é o pior, mas prefere guardar para si a ter que
admitir na frente dele.
— Vinho?
Ouço meu celular vibrar, o alcanço com pressa, prevendo que seja
notícias do problema, mas é um funcionário informando sobre a mudança
de uma das dançarinas.
Controlo cada passo, colaborador e atividade que acontece aqui
dentro, aceitei o acordo de ser protegido pela organização, que
indiretamente é ligado com a máfia, mas ao menos nos torna um pouco
mais independentes.
Não cheguei até aqui sendo um tolo que confia em todos. Desde
muito cedo aprendi que na vida só teria a mim, abandonado pela minha
mãe, adolescente, vim para Rússia viver com o pai biológico que só
conhecia o nome, até então.
Quando estava com três anos, ela o deixou, disse que não era uma
vida digna e voltou comigo nos braços para a Colômbia. Nunca mais ouvi
falar dele, até treze anos depois, quando se casou novamente e montou sua
vida perfeita.
Meu padrasto e eu nunca nos demos bem, seu jeito autoritário,
tentava controlar minha criação e, como rebeldia, passei a tatuar o corpo, já
que isso o irritava.
Minha adaptação foi mais fácil que imaginei, falava inglês, pouco,
mas conseguia me virar, entretanto, em meio aos russos, logo aprendi a
língua.
— Ou o quê?
— Para ele, para você e para tudo que construiu depois que seu pai
faleceu.
— É meu fardo, não tenho muito que fazer. Não se deixa a família
à própria sorte.
A lei nos proíbe cobrar pelo sexo, por isso nosso preço está na
locação de um lugar, o que rola depois que a porta se fecha é problema do
cliente e da dançarina.
Instigante.
Seu corpo escorrega, chega próximo a um homem, mas logo afasta.
As mãos percorrem suas curvas, como se estivesse se dando prazer, os
lábios entreabertos, está ofegante, excitada com o momento que vivencia,
então fica em pé e vira de costas, pronta para tirar a peça que cobre os seios.
Não hoje.
Saco o celular e disco o número de Pavel, que atende no primeiro
toque.
Dou a volta no balcão, com pressa, deste lado do salão e para evitar
a aglomeração, preciso contornar o espaço pela retaguarda, toma certo
tempo e quero estar à sua espera quando descer da cabine.
Termino de vestir as roupas, vasculho os bolsos e tiro todo o
montante que tenho comigo, não me dou ao trabalho de contar, sei que tem
muito mais do que é pago por uma acompanhante.
Deixo ao seu lado no sofá, observo seu rosto coberto pela máscara,
o ressonar pesado mostra que chegou ao limite com tudo que fizemos,
sinceramente faria até mais, mas não quero que fique exausta.
Teremos outras oportunidades para aproveitar ainda mais do seu
corpo quente e convidativo. Nunca um gemido feminino foi tão atraente aos
ouvidos como o seu.
Hora da verdade.
Seus olhos param nos meus, ela não levanta, mas aceita minha mão
em cumprimento. Aproveito para acariciar além do suficiente o que a faz
puxar os dedos rapidamente.
— Estou ótima.
— Preciso ir ao banheiro.
— Estou com uns amigos, também preciso voltar. Tenham uma boa
refeição e, por favor, são meus convidados para a boate hoje.
— Obrigado.
— Por que diz isso? — Viro o corpo em sua direção e ele repete o
gesto.
— Não nos conhecemos muito, Katrina, mas o pouco que sei, você
nunca ficou tão desestabilizada com um homem, como foi com Yerik.
Danya olha por cima do meu ombro e sinaliza com a cabeça, por
reflexo fecho os olhos e deduzo quem se aproxima. Giro o corpo, surpresa,
vejo Yerik se aproximar com Nikita agarrada em seu braço, mantenho o
sorriso falso e o olhar de descaso.
Paro de costas para sua frente, suas mãos seguram meu quadril e
choca nossos corpos, enquanto ainda me remexo e rebolo, sentindo seu pau
cada vez mais duro através da calça.
Um riso convencido surge nos meus lábios, suas mãos forçam meu
corpo a virar e, em automático, Danya junta seus lábios nos meus. É rápido
e urgente, como costuma fazer quando o levo ao limite, por um momento
permito o contato, mas ao me lembrar das suas intenções comigo o
empurro.
Não posso lhe dar esperanças de algo mais, nem para uma foda
casual Danya e eu funcionamos mais. Não quando ele permite que
sentimentos comecem a ditar nosso envolvimento.
— O que houve?
— Não vamos transar, Danya. — Seu semblante se fecha,
descontente.
Yerik...
Yerik retorna com uma caixinha branca nas mãos, coloca o objeto
sobre a mesa, abre e tira gazes, esparadrapo e um vidrinho pequeno, agacha
e coloca os itens sobre meu colo.
Antes que receba uma resposta à altura uma batida na porta nos tira
da pequena discussão iminente e pela abertura passa o senhor que me
orientou ontem sobre a dança.
— Tudo resolvido, Yerik. Já colocamos os desordeiros nos
registros e não passarão mais pela portaria.
— Tak! — Ele vai até sua mesa grande de madeira. — Arrume um
carro e leve a moça para onde desejar — anuncia, sem ao menos me
encarar.
— Neste caso, foi. Depois que saiu da pista de dança, uma briga
começou perto de mim e fui envolvida sem querer. Alguém acertou meu
nariz e caí no chão.
— Ei! Você não tem culpa nisso, lutador. Fique tranquilo. Fui
resgatada e cuidada a tempo. Sobreviverei.
— Yerik? — Seu tom não é feliz.
— Não. Nem com ele, nem com ninguém. Eu não faço esse lance
de relacionamentos longos, rótulos ou final feliz com príncipe encantado,
Danya. Vi o seu bilhete na bandeja do desjejum aquela manhã.
— Quis que pensasse isso para não te magoar. Sei que nutre algum
sentimento por mim, gosta da minha companhia e gosto da sua também,
mas para mim é fraternal.
— Família não trepa, Katrina — Danya responde, um pouco mais
alto, o que nos faz olhar para os lados, preocupados que alguém tenha
ouvido.
— Porque sou oca e vazia. Não sei sentir, Danya, e isso não vai
mudar. Sinto muito. — Afasto alguns passos, a primeira lágrima cai e giro
em meus pés, correndo para longe dele.
Encaro o céu cinza, meu rosto umedece com alguns flocos que
caem e cobrem parcialmente o chão e as grandes construções em volta. A
Praça Vermelha, um dos mais belos cenários de Moscou, sou apaixonada
por este lugar desde nova.
Já perdi as contas de quantas vezes a escola nos trouxe aqui para
visitas, sempre relacionado a algum contexto histórico ou social, mas em
meu íntimo, imaginava uma princesa, presa no alto da Torre Spasskaya, à
espera do seu príncipe encantado.
Ele vem até mim, aperto mais o caderno que seguro sobre o peito,
a cada passo percebo que sua beleza é ainda maior. Traços delicados,
cabelos mais claros, olhos curiosos e expressivos e uma boca rosada linda.
— Um desvirtuado?
— Um visionário. Faço meu próprio caminho, à minha maneira.
— Seus olhos analisam cada parte do meu rosto e quando pousa em minha
boca, sinto a necessidade de morder o canto, um gesto nervoso.
Não deveria, mas rio da sua resposta. Sempre fui atraída para o
perigo e esse rapaz emana uma boa dose disso.
Nikita precisou de alguém para lhe cobrir hoje no clube, pelo que
entendi surgiu uma festa mais vantajosa com um dos lutadores do circuito e
não gostaria de deixar o clube na mão.
— Que seja, tanto faz. — Ele rabisca uma prancheta antes de bater
à porta.
Nenhuma das meninas foi guiada por ninguém, mas pelo caminho
que toma, não irei dançar nas cabines do salão. Subimos uma escada em
caracol, estreita e mal iluminada, para um lugar tão bem estruturado, acho
que falta claridade nesses labirintos construídos.
— Pavel, eu... — Viro para avisar o fiel escudeiro que não vou
realizar o trabalho, mas ele simplesmente sumiu.
Volto a encarar o ambiente que está vazio, o gradil coberto por uma
cortina escura e transparente, cria uma penumbra no lugar e torna mais
difícil quem está lá fora enxergar o que se passa aqui.
— De fato.
— Sabe que não sou profissional nisso, não é? Aquele dia, estava
aqui por engano e só aproveitei o momento.
Sem pudor algum, a situação nem permitiria isso, Yerik leva uma
mão até sua excitação e a ajeita sob a calça. Sorrio abertamente, sinto minha
calcinha umedecer e confesso que imagino suas mãos acariciando meu
corpo.
Fico de costas, alcanço o feixe do sutiã e abro, tiro uma alça, firmo
a peça no busto, puxo a outra alça e jogo-a de lado no chão. Seguro meus
seios e torno a ficar de frente para Yerik.
Ainda estou ofegante quando Yerik sai de dentro de mim, sinto um frio
incomum quando seu calor não aquece mais meu corpo e continuo na mesma
posição, observando as pessoas através da cortina, mas a mente perdida em
sensações confusas.
É a segunda vez que aceito dançar para esse homem e tudo sai do limite e
controle que deveria existir. A forma como me olha, seu toque viciante e as atitudes
que têm, parece entender os desejos mais devassos que passam pela minha cabeça.
Não sei dizer se isso é bom ou ruim, mas temo tornar esses fetiches um
vício, uma dependência, que pode me levar a sentimentos, mesmo que tortuosos,
criar vínculo com alguém que mal conheço.
Sinto algo cobrir os ombros, olho para o lado e aceito o roupão que Yerik
coloca sobre mim. Tomo a tarefa de vestir sozinha e afasto alguns passos, com a
necessidade de manter um espaço.
— Claro, por que não estaria? — Olho para ele sobre o ombro e sorrio com
descaso.
Yerik vai até a pequena mesa e serve duas doses da bebida que provou em
meu corpo. Estende uma delas a mim e fecho a distância, aceitando a oferta.
— Isso soa muito forte, Katrina. Talvez seja só meu lado pervertido
precisando extravasar.
Mesmo sabendo que não falava do objeto que ainda cobre a face, desfaço o
laço e o tiro, para encarar seu olhar curioso.
— Danya é um bom amigo, só isso. O que faço ou não da vida não lhe diz
respeito. Mas foi uma boa tentativa de descobrir se estou em um relacionamento.
Yerik permanece sério, não mostra qualquer reação com o comentário, seus
olhos parecem examinar cada atitude ou expressão minha, como se fosse possível
desvendar todas as merdas ocultas que escondo.
— Tak!
Yerik tira o copo vazio de shot de mim, enlaça nossos dedos e nos guia até
a porta do camarim, ao contrário do que penso, ele entra comigo, as mulheres o
encaram, chocadas, acho que não costumam vê-lo por aqui.
Ao entrar, tento fechar a cortina, mas ele segura a ponta e balança a cabeça
em negativa. A forma que me encara acende minha libido mais uma vez, mesmo
sem entender seu comportamento, começo a gostar de toda essa atenção.
No corredor, ele captura minha mão e nos guia pelo acesso estreito, é fato
que sem alguém que conheça o lugar, facilmente me perderia aqui.
Penso em recusar seu contato quando atingimos a pista de dança, mas é tão
boa a sensação de estar com o dono da boate, me faz sentir poderosa e não uma
dançarina dispensável.
— Vem da Colômbia.
— Isso explica muita coisa.
— Por exemplo...
Fico surpresa ao ouvir algo sobre os soldados das gangues russas. Tenho
conhecimento de que o clube é protegido da organização, mas não fazia ideia de
que Yerik estivesse de fato envolvido com os vory v zakone[21].
— Está machucado?
— Preciso vê-lo.
Antes que Yerik saia disparado, seguro seu braço e pela forma que seus
olhos se voltam para mim, raivosos e incomodado, havia se esquecido por completo
que estava comigo.
— O que aconteceu?
— Não lhe diz respeito. Pavel vai providenciar um carro para te levar em
segurança, a hora que quiser. Aproveite a noite.
Atônita com a sua resposta, Yerik parte junto do seu funcionário e continuo
parada, sem qualquer reação. Minha mente formula as possibilidades mais cruéis
com as informações que ouvi e sem saber o que pensar, resolvo sair daqui.
Faz uma semana que não saio de casa para nada, temo encontrar
Yerik ou qualquer um dos seus homens, não acredito que ele realmente
queria me perseguir, mas foi uma boa forma de me conter.
Não entendo como, mas tudo que fazia fora de casa, me levou até
ele, então evitar tem sido o melhor caminho.
Confesso que a parte positiva da monotonia que me obriguei,
tornou o convívio com minha mãe, em específico, muito melhor. Segundo
ela, estava mais centrada e recobrei o juízo perdido.
Ela não tem ideia de tudo que realmente perdi quando mudei
minhas atitudes, porém, não me sinto à vontade para explicar. De alguma
forma, a história se viraria contra mim, como no fundo acredito ser.
Quando entro na rua apertada, vejo que a porta está aberta, uma
funcionária carrega algumas caixas para dentro, não a reconheço, deve ser
nova contratada.
Próxima do destino, sorrio, animada em me divertir um pouco,
sinto mãos fortes e grandes tapar minha boca e enlaçar a cintura, tirando-me
do chão.
— Eles não podem saber que estou aqui, nem você poderia.
— Não, nem pode. Não quero envolvê-la ainda mais nessa merda.
Russell conseguiu desviar a atenção da organização e quem for que está
pingando informações errôneas a nosso respeito.
— Ela surtaria se soubesse disso.
— Não quero saber de lutador nenhum. O que faz aqui se não pode
ser visto perto dela?
— Saudade. — Krigor engole com dificuldade e encara os próprios
pés.
— Ok. É muito fofo ver seu lado apaixonado, acredite, mas então é
melhor sairmos logo daqui.
— Você não ia vê-la?
Talvez seja o medo constante que eles percebam que não valho
tanto quanto acham. Meu pai me olha como um ser angelical, seu presente
divino, enquanto minha mãe pensa que todas as suas ordens, restrições e
costumes são seguidos à risca por mim.
Acho que hoje ela não acredita totalmente nisso, mas ainda
mantém a esperança errônea de que me tornarei uma mulher casada e
encherei a casa de netos.
Isso não pode estar mais longe da verdade, nem se eu quisesse com
muito esforço e fé, seria possível.
Capítulo 17
— Não se você fizer tudo com agilidade e livrar nós duas a tempo
para um horário de almoço longo e relaxado.
— Alô.
— Onde será?
Yerik.
Não nego que senti falta da agitação, quase duas semanas sem
colocar os pés para fora de casa, foquei no trabalho e posso dizer que
entendo em partes a vida da Sacha.
— É diferente.
— Como? — Entro na cozinha e apoio uma mão na cintura,
enquanto a outra descansa no encosto da cadeira.
Minha mãe está atenta às panelas, faz algum cozido para o jantar e
pelo cheiro parece bem apetitoso.
— Só quero que seja feliz e tenha uma vida segura. — Solto uma
gargalhada com o comentário.
Foi mais forte do que eu, definitivamente ela está por fora de
segurança e cuidados quando se trata da minha vida.
— O tempo de me sentir segura já foi, mãe. Acredite.
— Por que diz isso? — Ela se volta para mim, intrigada com o
comentário.
— Que não sou mais uma garotinha ingênua e indefesa. Só isso.
Tenho uma festa para ir, não vou jantar em casa.
— Pensei que iríamos para sua casa — falo, enquanto bato a mão
no canto da cama para sentar.
Não tinha ideia da falta que a agitação fazia para meu humor, até
chegar a esta festa. Encontro algumas pessoas conhecidas, lutadores do
circuito e apoiadores de Russell.
Ainda não o vi, mas tenho certeza de que em algum momento dará
o ar da graça, quem sabe eu consiga me inteirar um pouco mais de como
andam as investigações.
— Você veio. — Giro o corpo e vejo Nikita com mais duas
mulheres.
— Seu recado foi dado, então aqui estou eu. Onde ele está?
— Ele?
— Boa noite.
Yerik fica de pé, ajeita a camisa e limpa o canto dos lábios que
ostentava uma mancha de batom. Avanço mais um passo e sorrio, por fim,
ao observar o conjunto da obra.
Um russo moreno, com traços marcados, calça e camisa social em
tons escuros, o ar imponente, isso realmente atiça a libido até de uma santa.
Mickail se nega a comer desde ontem, por isso chamei ajuda, uma
internação é o ideal em seu estado, mas duvido que fosse ouvido pelo
viciado em abstinência à nossa frente.
— Você não sabe o que faz bem para mim. Quero sair da porra do
quarto, Yerik! — No final, ele grita, alterado.
— Não ligo para aquele velho asqueroso. Ele foi tarde. — Seguro
seus braços e o afasto para encarar os olhos.
— Sinto muito, mas isso não posso fazer. Mantenha-o bem, doutor
— aviso o médico e saio do quarto.
Desço as escadas com pressa, ainda posso ouvir os gritos de
Mickail amaldiçoando a minha existência, prometendo se vingar, não me
importo. Só preciso colocá-lo à razão e fazê-lo entender que se envolver
com gangues não é o caminho.
Não sei explicar o que ela me causa, nunca senti isso com mulher
alguma, mas depois do seu sumiço, achei melhor deixá-la em paz. Cheguei
a cogitar na mente em tornar Katrina minha dançarina particular, lhe
oferecer um acordo e isso me assustou.
Viro a cabeça para dar atenção à outra garota, mas meus olhos
cerrados cravam na figura morena que caminha até nós. O olhar ousado e
desafiador tão característico toma toda a minha atenção e dispenso as
garotas, que não ficam contentes, mas meu interesse nelas se perdeu por
completo com a presença de Katrina.
Ela tem um temperamento tão instável que fica difícil saber seu
próximo passo, ninguém consegue prever do que essa russa é capaz.
Capítulo 20
— Acompanhada?
— Como eu?
— Temporada difícil?
— Seu nome tem peso, Russell. Sei que está mais envolvido com o
lado tortuoso da organização do que qualquer outro lutador. Só quero que
me ajude a convencer Cossack de que Mickail é doente.
— Tem certeza de que ele é mesmo doente? Talvez essa seja a
natureza dele e você precisa aceitar.
— Conte comigo.
O homem coloca mais uma vez a mão pelo interior da sua perna e
sobe até o topo das coxas.
Dou a volta na mesa e acerto um tapa na sua mão, em resposta sou
empurrado pelo homem contrariado. Junto sua camisa em punho e preparo
o soco para acertar o meio da sua face.
— O que você quer, Yerik? Que cena ridícula foi aquela? O que
pensa que está fazendo? Por que me trouxe para este cubículo?
A curiosidade teve seu fim, agora posso dizer que conheço como
esse russo egocêntrico tem harmonia quando o intuito é seduzir e envolver.
O beijo é tão ou mais cativante quanto sua imagem ou a pegada sexual.
Preciso afastá-lo, brigar e deixar claro que não temos nada e que
essa atitude é descabida, mas o tesão passou a ditar as ações por aqui.
Sem perder o ritmo do vai e vem, sua boca escorrega pelo pescoço
e trilha um caminho delicioso até meus mamilos. Estou com o corpo
encostado na parede fria agora, as mãos dele cobrem e apertam os bicos,
enquanto a boca alterna entre um e outro, uma tortura prazerosa.
Uma batida na porta o incentiva a acelerar, o som abafado de
risadas e música do lado de fora, todos provavelmente cientes do que
fazemos aqui joga minha libido nas alturas.
— É só um colar.
— Bem jovem.
— Bom, já que sabe tanto sobre mim e eu quase nada sobre você,
acho seguro equilibrar as coisas. Me dê algo e aceito sua proposta.
— Justo. — Balança a cabeça em afirmação. — Sou filho de
colombiana, minha mãe veio para Rússia com meus avós e acabou
conhecendo meu pai, que nunca foi um exemplo de virtude. Se envolveram
e ela engravidou, foi expulsa de casa pela família e passou a morar com ele.
Quando completei três anos, o estilo de vida do meu pai não agradava em
nada minha mãe, então ela fez uma pequena mala e voltou para Colômbia,
comigo nos braços.
— Nossa que horrível. E por que voltou à Rússia?
— Ciúme, Yerik?
— Você tem uma mente muito fértil, ou faz o pior juízo de mim.
Depois de uma noite quente, não tive forças para partir e adormeci
nos braços do homem que me levou à loucura várias vezes madrugada
adentro. Confesso que o aconchego do seu peitoral contribuiu na falta de
coragem de deixar aquela cama.
Faço minha higiene, visto o mesmo vestido de ontem, Yerik não
deixou um bilhete ou recado, provavelmente foi resolver alguma questão do
clube, isso facilita minha partida.
— Não estou com fome — respondo, enquanto ele prende sua mão
na minha e entrelaça nossos dedos.
Encho o copo vazio pela segunda vez com chá, o primeiro não foi
suficiente para tirar o bolo que se formou na minha garganta, cogitar a
hipótese de que estou envolvida com um mafioso mexeu com meu
psicológico.
Aquela voz chatinha na minha mente grita para que me afaste por
completo, saia correndo e nunca mais olhe para trás. Em contrapartida, a
veia rebelde, que toma à frente nas decisões mais importantes que já
vivenciei se faz presente, causando uma confusão enorme aqui dentro.
Quando passo pela sala, minha mãe, que estava sentada no sofá,
levanta e me encara, furiosa. Pelo jeito, não terei um tempo sossegado até
Yerik retornar.
— Então, sair para me divertir é ser uma qualquer, mãe? Isso que
pensa de mim?
— E eu enxergo, filha, mas não sei por que, de uma hora para
outra, passou a agir dessa forma.
— Entre.
— Vai viajar? — Encara a mala arrumada sobre a cama.
— Pai, eu...
— Estou.
— Katrina, como vai? Não sabia que estava fixa aqui como
dançarina.
— Não estou, mas você, pelo visto, pegou gosto pelo trabalho.
— Por que me fez ir até àquela festa ontem? Sabia que Yerik
estaria lá, mas não foi ele quem mandou me chamar.
Com a mão livre, desfiro o tapa em seu rosto, que vira com o
impacto, solto meu aperto e ela segura o lugar marcado, alarmada com
minha atitude.
— Nunca mais abra sua boca para falar assim comigo, entendeu?
— Pensa que pode fazer esse tipo de coisa por foder com o patrão?
Aqui, todas já tiveram a oportunidade. Você não é diferente por isso. — Sua
fala sai alta e as poucas mulheres em volta nos encara.
Caminho para longe, Yerik me segue com o olhar, mas não move
um musculo sequer.
Ele sinaliza que não com a cabeça, negando minha ação de tirar a
peça. Rio debochada e torno a baixar parte da saia, seu rosto sério e sem
expressão mostra claramente que não quer ser provocado.
Ignoro sua carranca, giro o corpo rebolando e ao parar de frente
novamente puxo a peça, me curvando até próximo dos pés. Fico de pé e
vejo Yerik falar ao celular, as cortinas automaticamente fecham e percebo
que a música ainda não acabou.
Com a ponta dos dedos, ele sobe pelo meu braço, os olhos focados
no que faz, desliza pelo ombro e caminha até minha nuca onde retira a
máscara e a dispensa no chão.
— Estou indo.
— Eu acho que você está exigente demais e não sei se gosto disso.
Sou e sempre serei a favor do Volk, por mais que Russell esteja
mostrando um outro lado, não consigo confiar no homem.
— Adivinha? — o ar debochado característico acompanha o
erguer de cabeça em direção à mulher seminua que agora está próxima ao
gradil, nos observando.
— Não estamos.
— É de família.
— Russell, vamos continuar nossa festinha? — A garota com voz
manhosa se coloca entre nós dois, o corpo na direção do lutador, aproveita
para abraçar seu pescoço.
— Você não está aqui para pensar, garota. Sai da minha frente. —
O tom grosseiro de Russell faz a menina se encolher e quase correr para
fora.
— Eu pago para fazer o que quiser, não preciso pedir licença ou ser
gentil.
— Discordo. Você foi escroto e não precisa agir dessa forma.
— Sei que sou irresistível, mas não precisam brigar por mim,
garotos. — Toco o ombro dos dois.
Eles parecem totalmente alienados à minha tentativa de abrandar
os ânimos.
— Não!
— Eu topo.
Se nenhum dos dois quiser agredir esse lutador, quem o fará serei
eu.
Danya é o homem mais gentil que já saí, mas ele precisa entender
que somos incompatíveis.
— Não sei que tipo de explicação quer. Você que estava no meio
de dois lutadores e um muito disposto a defendê-la. — A calma com a qual
ele fala me deixa mais irritada.
— Você me mandou te esperar lá. Aliás, você está distribuindo
ordens demais e eu não gosto disso. Não sou sua funcionária.
— Tenho plena ciência disso, Katrina. Tive um contratempo no bar
e esqueci que meu camarote estaria ocupado.
— Sim.
Busco soar o mais determinada possível, não quero que ele veja o
medo que preenche meu peito, sua resposta vai definir o rumo de toda essa
loucura que me coloquei.
— Não. Pago proteção para a organização que é chefiada por um
brigadier e isso é o mais próximo que estou envolvido com eles.
— Não faz sentido. Você anda com seguranças para todos os lados,
vi Pavel mencionar sobre uma briga com homens de gangue e você —
aponto o dedo na sua direção — falou ao telefone com alguém sobre manter
uma pessoa presa, através de subornos.
— Por isso agiu estranha de manhã? — Yerik parece aliviado e
surpreso ao mesmo tempo. — Mesmo deduzindo que sou um mafioso,
aceitou meu convite. O que isso faz de você, zólattse mayó?
Yerik vem até mim, suas mãos envolvem meu corpo e sou
absorvida pelo calor reconfortante que ele emana. Quando estamos assim,
nada parece importar mais e isso me apavora.
Talvez o preço a se pagar seja muito alto e não dê conta, ou, quem
sabe, desta vez o destino tenha me dado a paga justa por tudo que já sofri.
Seguro seu rosto com as mãos, encaro seus olhos por um momento
e selo nosso acordo com um beijo.
— O que é aqui?
— Um chalé de férias. Alugam cabanas espalhadas pela região.
— Qual o problema?
— Tem tudo que precisamos. — Olho para trás e vejo Yerik tirar o
casaco. — O banheiro é aqui. — Ele aponta para uma porta que não tinha
visto. — Está com fome? Pedi que fizessem uma sopa para nós.
— Não. Estou bem. Onde fica o quarto? — Olho para os lados e
não vejo nenhum outro cômodo.
— Está nele. — Yerik caminha até mim, suas mãos descansam no
meu quadril. — Os sofás viram camas, mas estou mais interessado no
tapete. Tenho certeza de que seu corpo alvo fica lindo à luz da lareira. —
Ele captura meu lábio inferior com os seus, sugando.
— Para que vir de tão longe e provar uma teoria? Na sua casa tem
lareira, não tem? — Descanso as mãos em seu peitoral.
Desde que concordamos com a situação que nos envolve, sua
forma de olhar, tocar e até mesmo falar está diferente. Yerik parece menos
possessivo e mais pacífico. Como se um turbilhão dentro dele tivesse
adormecido.
— Sim, tenho uma lareira, mas lá tem muitas lembranças das quais
não quero atrelar a você.
— Muita merda?
Depois da nossa primeira vez juntos, que não foi tão boa quanto
imaginei, começamos a nos encontrar escondidos durante o dia e às vezes à
noite.
Hoje estou aqui para outra primeira vez. Ele disse que seria legal
deixar mais alguém participar da nossa transa, uma garota, nunca tive
curiosidade com o mesmo sexo, mas pensar na experiência me animou.
A cama afunda próximo aos meus pés, duas mãos seguram meus
joelhos e os separam de uma vez, já que se mantinham fechados, na
tentativa de preservar um pouco da nudez.
Agora entendo por que parecia tão real, ele me tocou dormindo e
trouxe à tona toda essa merda.
— Nunca mais me toque dormindo. É só me acordar. Tenho muitos
pesadelos.
Aos poucos, sei que por dentro tudo em mim se torna cinzas, um
mar escuro de carvão que jamais terá vida novamente. Por que insistir em
algo que nunca dará certo?
Abro os olhos quando a claridade incomoda, arrisco um olhar e
vejo que as grandes cortinas não estão mais fechadas e, mesmo o tempo
nublado, ilumina todo o ambiente.
Custei a pegar no sono ontem, a covardia de revelar meu passado
não me permitiu procurar por Yerik, que não voltou para perto de mim.
Queria acreditar que foi melhor assim, mas a falta do seu toque me deixou
desamparada.
Sirvo uma caneca, caminho até a porta de saída, visto meu casaco e
as botas, pego o gorro que guardo dentro do bolso e coloco também.
Empunhada da bebida, saio à procura dele.
— Se sente melhor?
— Estou ótima. Acho que a sopa não agradou muito meu paladar.
— O que quiser.
Bato a porta com força, que logo em seguida é aberta por ele,
obviamente não me deixaria em paz no momento de irritação.
— Não tenho pena de você, Katrina.
— Sim.
— Pavel, preciso que investigue o passado de Katrina.
— Aconteceu alguma coisa? — percebo preocupação em sua voz.
— Pensei que não viria nunca. — Ela me olha por cima do ombro
e volta a se esfregar.
Com certeza ela é uma mulher de muitas facetas, a cada passo sinto
que estou lidando com um diamante bruto, que precisa de atrito e lapidação
para trazer seu brilho à tona.
Junto-me a ela e tomo a tarefa de esfregar seu corpo, uma ótima
oportunidade de sentir sua pele nas minhas mãos, mas o que começa
tranquilo logo se torna um emaranhado de toques, beijos, gemidos e sexo
molhado.
Por mais curioso que pareça, nas semanas que ficamos afastados
não mandei Pavel investigar seu paradeiro, por isso fiquei surpreso ao
chegar ao endereço de uma imobiliária.
— Tak!
Uma luta contra o tempo em que sou obrigado a tirar o foco do que
é importante para bancar a babá do meu irmão viciado.
— Abra.
Foi a primeira vez que senti pena de alguém e ali prometi a mim
mesmo proteger o menino de toda a maldade que nos cercava.
— Eu vou. Juro!
Encaro seus olhos vermelhos, as expressões cansadas, parece ter
envelhecido muito em comparação ao menino debochado que era.
— Tak! Tak...
Vou até a administração e depois de uma conversa discreta e mais
dinheiro para compensar os estragos que meu irmão fez, tiro Mickail da
clínica e rumo para casa.
Quando chegamos, levo meu irmão direto para seu quarto, estranho
quando não protesta e aceita a condição. Talvez esteja enganado sobre sua
relutância e finalmente está aceitando mudar.
Coloco um segurança na sua porta e outro guarda o jardim próximo
à sacada. Por mais que queira lhe dar um voto de confiança, ainda é cedo
demais para crer no seu reequilíbrio.
— Já deve saber que meu contato está procurando uma trilha, mas
confesso que não está fácil.
— Preciso de qualquer coisa. Não precisa ser grande.
— Com certeza. Irei garantir isso. Quero cinco lugares na sua área
vip.
A gargalhada explode, como imaginei que aconteceria, Russell
chega a se curvar enquanto segura a barriga em seu ataque de riso.
Continuo imóvel, não altero minha feição, aguardo até que sua cena
termine.
— O colombiano está apaixonado mesmo.
— Isso não interessa, Russell. Quero saber o que lhe devo com
esse trunfo.
— Minha história não é segredo. Fiz o que fiz, recebi por isso e saí
enquanto era seguro.
Faço uma careta nas suas costas assim que ruma de volta para a
sala, o celular apita mais uma vez e discretamente confiro a mensagem.
** Yerik: O que está fazendo de interessante? **
Estreito os olhos para sua resposta, duvido que esse seja o motivo
de não me aceitar lá, o clube sempre tem vaga de entretenimento adulto.
** Eu: Será que você seria um chefe mais carrasco que o meu?
Estou perdendo meu horário de almoço no cartório. **
** Yerik: Se aceitar minha proposta, terá um horário de almoço
completo e com benefícios sexuais como bônus. **
— Obrigada.
— Tudo bem, Katrina. Não vou mentir e dizer que não a quero
mais. Respeito sua escolha. Agora, me diga: você realmente está dançando
na boate? — Sua pergunta sai baixa, mas isso não me impede de engasgar
com a garfada de comida.
— Nenhum de vocês é.
— Tem razão, mas ele pode ser um pouco pior. — Ele confere algo
no celular quando apita. — Preciso ir, se cuida, slátkaya. Não hesite em me
chamar, caso precise. — Sorrio para o apelido carinhoso que me trata.
Aquela maldita dúvida continua na minha mente, apesar do tempo
sozinha com Yerik ter me deixado mais confortável em relação ao seu
caráter, não consigo abandonar a ideia de que esteja envolvido com algo
mais sério.
Yerik abre a porta do carro para mim, confesso que a surpresa foi
muito bem-vinda, não esperava um encontro antes do final de semana.
— Por isso me chamou para trabalhar com você? Acha que tenho
tanto potencial assim?
— Acho que você pode ser o que quiser, Katrina. — Ele pega
minha mão e beija por cima da luva.
Uma coisa ele tem razão, meus dias seriam muito melhores dentro
do clube e com ele a um braço de alcance, do que enfiada naquele trabalho
entediante.
Capítulo 32
— Esqueci disso.
Bato à porta uma vez e ninguém responde, por isso abro uma
pequena fresta e espio o lado de dentro, vejo que está vazio. Tomo a
liberdade de entrar e aguardar no sofá espaçoso e confortável que já
desfrutamos de momentos interessantes.
Envio uma mensagem e aviso que estou em seu escritório, mas
continuo sem resposta. Começo a ficar entediada e resolvo passear pelo
lugar.
Afasto alguns passos para trás, nunca vi Yerik tão fora de si como
agora, as desconfianças do envolvimento dele com algo ilícito ainda
permeiam a mente e escutar essa conversa me deixa ainda mais na reserva.
Preciso sair daqui antes que ele perceba minha presença, disparo
em direção à saída, se me apressar consigo sair antes que ele suba para o
escritório.
Desço as escadas, correndo, quase na porta de acesso lembro que
minha bolsa ficou no escritório e faço o caminho de volta.
Quando ele tenta tocar meu braço esquivo e caminho para longe.
— Mas foi.
— Colombiano, você não está mais no ramo, não pode exigir nada.
— Estou propondo uma troca. Vamos lá, Cossack, você tem muito
a perder.
Trazer o homem que fui há seis anos não é minha intenção, muito
menos deixar a mulher por quem estou envolvido saber sobre esse pedaço
da minha vida.
Katrina não deveria ter ouvido minha divergência com Pavel, mas
o homem resolveu disparar a falar feito uma vitrola desde que saímos do
galpão. Seu jeito diplomático de agir é bem-vindo sempre que algum
problema surge, mas nesta questão, a forma enérgica e taxativa era a melhor
alternativa.
— Nem eu, mas não cobro sobre seu passado e espero que aja com
a mesma cordialidade em relação ao meu.
— Diz. Vamos, zólattse mayó, diz que vai ficar. — Apoio as duas
mãos na beirada da mesa e encaro seus olhos nublados pelas sensações
provocadas.
Seu canal aperta meu pau, há muito tempo não transo sem
camisinha, acho que isso só aconteceu quando perdi a virgindade na
Colômbia, mas era tão inexperiente e estava nervoso o suficiente para não
conseguir aproveitar o momento como deveria.
— Sim... — Solto seu pescoço, assim que sua voz baixa profere a
resposta que tanto desejei.
— Zólattse mayó...
— Usar sexo para me convencer foi baixo, Yerik, mas não posso
negar que foi a forma mais prazerosa. — O brilho em seus olhos, aquele
semblante travesso, não resisto e seguro seu queixo com força e a beijo.
— Sim.
— Não faço a menor ideia, Pavel. Entreviste ela, ensine algo que
seja útil, a faça querer ficar.
De fato, ele não foi um bom exemplo de ser humano, muito menos
paterno, mas não posso negar a perspicácia que tinha em manter o negócio
ilegal funcionando.
Quando adoeceu, assumi as rédeas e vendo que Mickail gostava
mais daquela vida do que nós dois juntos, resolvi largar os trabalhos com a
máfia e me concentrei em tornar a espelunca do bar em algo mais digno.
Cada vez mais fundo, estou mergulhando, ela é tão instável quanto
Mickail, ambos machucam a si mesmos para se autopreservarem. Claro que
meu irmão tem o agravante das drogas, sua cabeça está afetada a um ponto
que não sei se há recuperação.
Mas ela também está fodida.
— Preciso extravasar.
— Deduzo que não seja com mulheres, afinal, é você quem as
fornece.
Faz algum tempo que não vou para cima de alguém, treino com a
equipe de segurança algumas vezes, mas com a finalidade de exercitar o
corpo. Aqui relembro minha trajetória em brigas de rua, cercado por um
grupo de seis a oito homens que me atacavam de forma aleatória.
Esse era um dos testes para provar sua capacidade na gangue, tinha
que aguentar a pancadaria e se defender como pudesse, usando somente as
mãos. Na época, minha massa corporal e preparo físico eram excelentes,
isso facilitou ser aceito como um iniciante.
— Temos um acordo.
— Eu sei disso.
— Em duas semanas acontece a grande luta. Katrina estará lá, em
território inimigo.
— Boa sorte com isso, camarada. Eis aí seu segundo ponto fraco,
talvez mais sensível que o primeiro.
Engulo em seco e não retruco. Não existe um argumento que seja
crível e prove seu comentário como infundado.
Incomoda forçá-lo a partir, sinto como se agisse igual aos pais, que
sempre descartaram nossa presença, priorizando aquilo que lhes convinha.
Neste caso, é para o bem dele, mesmo que isso o faça me odiar.
— Mickail?
— Irmão. Finalmente veio me ver. — Ele levanta da cama, onde lia
um livro e vem até mim.
— Pouco me importa o que fez, Yerik. Não tenho que honrar seu
nome. — A essa altura ambos gritamos ao invés de discutir como adultos.
Corto nossa distância e o empurro até a parede, travando o
antebraço em seu pescoço, pressiono o suficiente para ter sua atenção.
Só quando ele para de se debater é que o solto e seu corpo cai mole
no chão, tosse repetidas vezes para recuperar o fôlego.
Ela usa um vestido justo preto que marca todas as suas curvas,
mangas compridas e terminam próximo ao joelho onde encontra a borda da
bota preta cano alto que calça.
Em automático, minha mente projeta diversas situações com ela
usando somente esses malditos sapatos sedutores e eu a fodo com toda
força possível.
Aproximo-me, cauteloso, não quero despertar sua atenção, com a
guarda baixa e atenta à tarefa, Katrina fica ainda mais bonita. Mais um lado
seu que ainda não conhecia e estou deslumbrado com a descoberta.
— Ótimo.
— Sorte sua que o dono disso tudo sou eu. — Seguro seu queixo e
a faço me olhar de novo. — E você é muito mais que uma mera funcionária.
— Selo nossos lábios e peço passagem com a língua na sua boca macia.
— Avisar que a luta final será em duas semanas e você não precisa
estar lá.
— Para o traidor sim, para mim não. Além do mais não posso
deixar minha prima sozinha nesse momento.
— Eu sei.
— Não é algo tão difícil. Ele não ficará perto, mas te manterá
segura.
Um toque na porta e logo Pavel passa por ela, seus olhos curiosos
me analisam, enquanto tomo do copo e fumo meu charuto.
— Pelo jeito, um dia bem difícil.
— Sim, ela é. Mas é uma boa mulher e ideal para lidar com seu
temperamento. — Sorrio de lado com o sarcasmo do homem.
Vejo uma movimentação em frente a uma das salas, deduzo ser ali
que ela está, abro a porta e estaco no lugar. Katrina prepara o braço, ajeita
um soco inglês que está entre seus dedos e acerta um soco no nariz do
homem que é contido por dois seguranças da casa.
— O que está acontecendo aqui?
— Só ensinando um animal a se portar como homem.
Capítulo 37
Por mais que máfia tenha sua maneira peculiar, para se dizer o
mínimo, de agir, não saem matando pessoas por aí sem motivo. No meu
caso, não tenho qualquer importância dentro do caos que Yerik causou para
si mesmo.
Proteger o próprio irmão é até justificável, família tem que ser
cuidada e óbvio que as ações refletem na vida do outro nesse mundo
tortuoso. Yerik cogitar que faço parte do mesmo pacote é até ridículo.
Marcho sem rumo, a cabeça fervilha com os cenários que se
formam, todos me envolvendo prisioneira desse russo.
— Não preciso do Yerik para nada, muito menos para acabar com
você. Mas uma coisa que aprendi com a vida, foi entender que mesmo ela
sendo uma merda para mim, pode ser boa para outro. E tá tudo bem. —
Dou de ombros e volto para dentro.
— Yebvas!
Faço cara de tédio e anoto o número na prancheta, volto a atenção
às demais dançarinas que me encaram, curiosas.
— Queria que fosse verdade. Não sei nem a cor do escritório dele
— outra mais no canto fala.
Pego o crachá magnético que Pavel me deu, ele disse que este
cartão serve como chave mestre para quase todas as portas, salvo o
escritório de Yerik.
— Parado!
Homens armados surgem na sala, quatro deles, acompanhados de
Pavel. O agressor se afasta de imediato com as mãos para o alto.
— Katrina, não faça nada. Vou buscar Yerik — Pavel ordena e sai
da sala.
Sinceramente minha mente não processa o quão sério pode ser essa
situação, meu único desejo agora é punir o homem que tentou abusar de
Nikita, achando que fosse eu.
— Vocês dois, segurem ele. — Aponto para dois dos seguranças
que se entreolham, mas optam por obedecer.
O homem que jurou me proteger vai até Nikita, que está encolhida
em um canto, quieta, quando ele toca seu ombro, ela recua.
— Deixa comigo. Ela não quer nenhum grandalhão por perto
agora. — Afasto Yerik e me abaixo de frente para ela. — Vamos sair daqui.
Vou direto para o escritório, não existe lugar mais seguro que este e
ainda preciso entender direito o que aquele homem queria comigo. Nunca o
vi antes, não se trata de um desafeto pessoal.
— Nikita, você vai para casa por hoje. Venha. — Pavel, que se
mantinha imparcial, sinaliza para ambos saírem.
Vou até o balcão, sirvo mais uma dose, já que não tenho um soco
inglês como arma, usarei a bebida para me acalmar.
— Me deixa... — sussurro.
— Mas seu irmão não parou, já que está jurado por esses homens.
— Mickail se entregou ao vício, cada vez mais fundo, passei a
cuidar do bar e tentar torná-lo o que é hoje. Não muito tempo depois, meu
pai teve um câncer severo, descobriu muito tarde e morreu em meses, com
tanta coisa nas mãos, deixei que ele vivesse da sua forma. Acabei perdendo
a mão.
Não sei nem por onde começar a dizer o quão diferente são as
situações que nos cercam. Yerik foi um algoz, alguém que escolheu fazer
coisas ruins acontecerem, já eu, só queria aproveitar mais da vida e me
tornei vítima de um manipulador desgraçado.
Yerik sabe que não o deixarei sair daqui sem respostas claras sobre
o episódio bizarro que acaba de acontecer.
— Cossack?
— Exato. Preciso que faça algo por mim e por você também.
Giro os olhos, saber que é para meu bem me faz calar, mas o
sentimento de restrição faz com que odeie toda essa situação.
A reação deles já não foi tão positiva quando expliquei que pedi
demissão da imobiliária e comecei a trabalhar no clube. Meu pai nada
mencionou, mas vi a decepção em seus olhos, já minha mãe disse que não
era surpreendente eu optar pela vida desregrada.
— O que está fazendo? — Olho para trás, minha mãe está parada
na porta.
— Preciso viajar a trabalho. Devo demorar alguns dias, mas ligo
sempre que possível. — Volto a atenção para as roupas que dobro dentro da
mala de mão.
— Você trabalha em um clube, por que viajar?
— Sua filha não presta, Kolya. Se sair por essa porta, esqueça que
tem família, Katrina! — A dureza de suas palavras entra fundo em mim.
Termino de enfiar as roupas na mala de qualquer jeito, limpo
algumas lágrimas que verteram sem autorização, não preciso sucumbir
diante deles, empunhada da bagagem volto a encará-los.
Minha mãe chora nos braços do meu pai, que está perdido e não
sabe como agir.
— Era temporário, mas chegamos a um ponto que não tem volta.
Não quero mais ser a vergonha de vocês, por isso vou embora.
Definitivamente. — Limpo outra lágrima com o dorso. — Não me encaixo
no padrão que você quer, mãe, sinto muito por isso, mas quero ter o direito
de escolher meu destino.
— E escolhe alguém que seus pais não aprovam? Nem sabe se é
um bom homem — ela grita, mais uma vez.
Talvez isso o faça me ver como uma idiota infeliz, que caiu no
conto mais fantasioso, ou achar que tudo não passou de uma ilusão da
minha cabeça e a realidade não foi bem assim.
Há momentos que acredito ser, então me lembro das sensações, do
contato indesejado e a ira que me desperta não pode ser algo criado pela
minha mente somente.
Isso me conforta.
Fui envolvida rápido demais, não acho que posso culpá-lo por isso,
agi com imprudência em não querer enxergar os fatos. Sua visita à porta da
escola no outro dia, passar a me acompanhar diariamente até próximo de
casa, sempre envolvido com amigos tão baderneiros quanto ele, sinais que
ignorei deliberadamente.
A conta-gotas, ele instigava meu lado rebelde, eu era tola e
transparente demais, a cada ação desordeira sua mais encantada eu ficava e
menos ouvia a razão.
Cometi pequenos delitos, roubos, bebidas ilegais para nossa idade,
comportamento inadequado em vias públicas, fiz tudo que minha criação
condenava, sentia-me liberta, sem amarras, livre.
— Não tem como você saber o que se passa dentro de cada um,
Katrina. Não pode se culpar pelo que ele te fez. Você não teve escolha.
— Ainda consigo ouvir ele sussurrar o maldito apelido, enquanto
alguns homens se revezavam entre as minhas pernas. Só conseguia
diferenciá-los pelo cheiro, pois estava vendada.
Yerik não menciona nada, mas seu corpo tensiona por inteiro, as
pernas se apertam mais contra as minhas, a esponja em sua mão paira no ar
sem movimento e sua respiração acelera de forma considerável.
— Algumas vezes, para sair à noite com ele, eu mentia para minha
mãe dizendo que ia dormir na casa da minha prima Sacha ou de alguma
amiga do colégio. Ela acreditava, sempre fui obediente, apesar de
temperamental, minhas notas na escola eram as melhores.
“Em uma dessas vezes, a última, por sinal, ele disse que iríamos a
uma festa de faculdade. Um amigo de outro amigo, morava em um casarão
onde vários colegas dividiam as despesas.
Disse que esse tipo de festa era coisa de gente grande, adultos bem
resolvidos, desapegados de crenças sociais e limitações, rolava sexo livre,
orgias e prazer grupal.
Já tinha ouvido falar disso, sobre o quanto as europeias são
desprendidas e tem a liberdade de agirem como bem entendessem. Meu
sonho era sair da Rússia e trabalhar em algum país da Europa em que
pudesse viver isso de perto.
Aceitei ir à festa, não cogitei que pudesse ser uma armadilha, até
então ele nunca me forçou a nada, tudo consensual, sem brigas ou
desavenças, nos dávamos bem e ele era um cara divertido.
Ele prometeu não deixar ninguém me tocar, caso eu não quisesse,
iríamos assistir ao que aconteceria, se encontrássemos uma garota
interessada, poderíamos propor um ménage.
Lembro que o lugar não parecia uma casa muito tradicional, a
maioria das pessoas eram homens e isso deveria ter soado como um alerta.
Eles não tinham cara de estudantes, estavam mais para marginais e
mafiosos.
— Oscilei entre lucidez e apagões, não sei o que foi dado para eu
beber naquela dose, mas é óbvio que não era álcool. Senti três perfumes
diferentes nos momentos despertos, um cheirava a cigarro, outro tinha um
aroma cítrico e o último fedia a bebida barata.
Chamei por ele, gritei por socorro, foi quando tomei coragem e
tirei a venda, a visão embaralhada, olhei em volta e constatei que estava
sozinha de fato.
Tropecei para fora da cama, vesti minhas roupas que estavam em
uma cadeira velha, a dificuldade de coordenar os passos me fez cair no chão
duas vezes, antes de conseguir colocá-las.
Por sorte, a estação não era longe dali e consegui fugir sem
dificuldade. Não tive mais apagões, mas sentia-me letárgica, meio bêbada, a
confusão do que eu tinha acabado de passar era a maior de todas.
Cheguei em casa e fui direto para o banho, para o meu alívio, meus
pais dormiam, nem pensei sobre a mentira que contei de dormir na casa de
Sacha, eu só precisava me livrar de toda a sujeira que estava sentindo.
Com uma mão, Yerik ergue meu corpo, a outra ele usa para segurar
a base e aos poucos sou preenchida pela sua carne. Fecho os olhos, tomada
pelo prazer de estar empalada, passo a cavalgar com o incentivo do seu
agarre.
— Quero intensidade.
— Pois bem. Prenda a respiração.
Sou puxada para fora da água, seguro seu aperto na minha nuca e
puxo o ar audivelmente para dentro. Yerik não para de me masturbar, o ar
entra e a respiração entrecortada me faz tossir algumas vezes.
— Intenso o suficiente, zólattse mayó? — pergunta, próximo ao
ouvido e quando penso em responder algo grosseiro, sou empurrada para
baixo de novo.
— Agora que está comigo, vamos fazer isso direito, zólattse mayó.
— Ele beija a ponta do meu nariz e se coloca atrás de mim.
O encaixe é perfeito, uma mão na cintura apertando o suficiente
para prensar a carne, a outra vem para frente e belisca o bico, as estocadas
começam devagar por seu pau, mas intensas.
Fecho os olhos tomada pelo êxtase, minha cabeça gira, meu corpo
aquece, arrepia e estremece por inteiro, alguns segundos depois Yerik me
acompanha e encontra seu prazer.
Seu urro termina de brindar meu orgasmo, sinto o que nunca
imaginei ser possível, algo como pertencimento, é quase primitivo, mas faz
todo o sentido para o momento.
Ainda não sei quanto tempo ficarei por aqui, mas preciso levar em
consideração a minha situação em casa. Ontem foi a gota d’agua para tudo
que travamos ao longo dos anos, não posso obrigar meus pais a me
entenderem e não posso mais ser subjugada pelos desejos retrógrados de
ambos.
Tenho que achar um lugar para mim o quanto antes, assim que for
seguro sairei desta casa, o salário mencionado por Pavel é o suficiente para
pagar por um aluguel e viver minha vida em paz.
Rumo para a saída às pressas, não acredito que no meu segundo dia
no clube vou chegar com tanto tempo de atraso. Percebo que dormi por
tempo demais, nem sei como chegar a uma estação daqui.
— Bom saber.
Saio da sala e topo de frente com Nikita, que estava pronta para
bater à porta. Passo um tempo encarando-a, sem saber o que dizer, tanta
coisa aconteceu desde ontem, que me esqueci sobre o ataque que sofreu.
— Mas, diferente de você, não foi por uma boa causa. — Seus
olhos encaram os meus, com pesar.
Algo me diz que nunca seremos amigas, não que fará diferença na
minha vida, Nikita é o que é, assim como eu, mas ainda mais envolvida em
escolhas perigosas.
Sinto duas mãos agarrarem minha cintura e puxar para si, minhas
costas chocam contra um peitoral firme e solto um grito de protesto.
— Zólattse mayó, calma — Yerik fala próximo ao meu ouvido,
com humor.
— Que susto. Estava distraída.
— Tão distraída que poderia cair desse banco. Você deveria estar
na iluminação, se bem me lembro. — Ele balança meu corpo de um lado
para o outro dentro do seu abraço e beija minha bochecha.
— Troquei de posto. Queria ver essa apresentação.
— Gosta de zouk?
— Disponha.
— Vão!
Três homens saem da van camuflada, placa fria, sem marcas, nada
que a ligue a mim, será descartada assim que terminarmos o serviço. Sei
que indiretamente estou levando esse homem para a morte certa, mesmo
que negue, ainda carregarei uma parcela do seu sangue nas mãos.
Acredito que na vida toda a escolha é ponderada em uma balança,
às vezes a seu favor, às vezes contra. Ela age de acordo com seus feitos
bons e os delitos cometidos.
Talvez um dia minha balança penda de vez para a paga e terei que
honrar todas as dívidas morais que carrego, mas esse é o preço das minhas
escolhas.
Giro em meus pés e caminho para fora daquele galpão, toda essa
merda acaba hoje e posso seguir com a minha vida em paz. Ao menos, até
encontrar o infeliz que violou Katrina.
Nosso duelo acontece de forma clara pelo olhar, não dou brecha
para ele pensar que pode interferir na minha relação com Katrina.
Pulo a discussão, não adiantaria debater agora, ela está bem, segura
e o problema já foi resolvido. A vida segue e não posso remar contra a maré
do tempo, ele nunca volta.
— Como foi com Bóris?
Katrina permanece quieta por todo o caminho até minha casa, algo
me diz que está atrás de um motivo para causar uma briga, justamente o que
não quero que aconteça.
Minha chave girou em relação a ela, mas talvez a dela ainda esteja
emperrada e isso me faz odiar ainda mais o homem que a deixou tão avessa
a se entregar por completo.
Ela sobe direto para o quarto, enquanto vou me refugiar no
escritório, ligo para Pavel, peço para assuntar o pessoal de Cossack a fim de
descobrir o desfecho da história e, principalmente, garantir que é seguro
trazer meu irmão de volta a Moscou, aliviando a guarda.
Soo como um bebê resmungão, que faz manha por não ter aquilo
que almeja, um idiota infantilizado, para ser bem sincero, no entanto,
quando a emoção dita as ações, tornamo-nos um pouco bobos e passionais.
Confiro as horas mais uma vez, espero ser o suficiente para já estar
dormindo, saio do escritório e rumo até o quarto. Preciso de um banho,
minha cama macia e o corpo dela para me aquecer do frio que me toma.
Quando passo pela porta, escuto alguns resmungos, observo
Katrina na cama, ela bate os braços, irritada, profere xingamentos e
palavras chulas, parece estar lutando com alguém no sonho.
Passo quase toda a madrugada desse jeito, quando sinto seu corpo
mais relaxado, deito o tronco sobre o monte de travesseiros e a deixo me
usar de apoio. Dentro dos meus braços ela encontrou a calmaria para seu
tormento e jamais poderia tirar isso dela.
Não é algo digno, mas se servir para acalmar seu tormento, farei.
Por ela.
Bom, isso não me importa, não preguei os olhos a noite toda, fiquei
com Katrina até ter a certeza de que os pesadelos não retornariam e depois
vim para cá, pesquisando, eu mesmo, com meus contatos alguma
informação.
— Como soube?
— Um pesadelo. Ela falou.
— Sim...
— Tem certeza?
— Claro como o dia. — Solto sua camisa e me afasto. — Nunca
revivi essa lembrança, porque não tinha nada de especial nela. Cansei de
ver mulheres naquela situação, bêbadas, apagadas, consentindo um
encontro grupal e usando drogas e bebidas como anestésico. Nem vi que se
tratava de uma menina jovem. — Apoio uma mão na cintura e a outra
pressiono sobre os olhos.
— Vai deixá-la partir? Cedo ou tarde, você sabe que Mickail vai
voltar e a verdade virá à tona.
Faz muito tempo que não sei o que é chorar, nem me lembro a
última vez que aconteceu, sempre segui em frente, sem olhar para trás, mas
o destino e a vida, resolveram se unir e fazer meu acerto de contas na Terra.
Procuro pela casa inteira por Yerik e não o encontro, opto por ir ao clube,
perdi tempo demais preocupada com ele e estou mais uma vez atrasada no horário.
Será difícil não ter mais Yerik para acalmar meus momentos de desespero,
sinto um frio dominar meu íntimo em pensar que logo estarei por conta própria.
Não dar satisfações a ninguém é libertador, entretanto, não ter essa sensação
protetora que ele me causa é inquietante.
Entro no clube e vou direto ao seu escritório, desde que percebi sua falta
em casa, comecei a ligar, enviar mensagem, mas só obtive silêncio em resposta,
provavelmente está pagando na mesma moeda o que lhe fiz no dia anterior.
Não achei que agiria de forma tão infantil, mas é bom, assim colocaremos
às claras todas as ressalvas e aproveito para comunicá-lo da minha saída.
— Sabe do Yerik?
— Assim? Do nada?
— Preciso que se empenhe esta semana Katrina, não sei quando Yerik
volta e estou sobrecarregado.
— Claro, pode contar comigo. Fui contratada para facilitar sua vida. —
Solto um sorriso amarelo.
— Pode deixar.
Se isso não for uma mensagem clara para que eu me afaste de vez, não sei
mais o que pode ser. Cheguei a pensar que teríamos um embate feio com a minha
saída da sua casa, agora que o acordo foi cumprido, não preciso mais andar com
seguranças e viver sob seu teto.
Faz duas semanas que moro sozinha e está sendo maravilhoso viver a
experiência, salvo pelos momentos em que chego do clube e deito na cama vazia
sem o corpo truculento para me aquecer.
— Meus pais não se opuseram, mas é tudo tão recente, prima, tenho medo
do que possa acontecer.
— Medo? Você já enfrentou coisa bem pior, Sacha. Não deve ser tão difícil
assim viver com o Volk. — Pisco um olho, impertinente.
— Sim, vamos. Semana que vem vou passar uns dias na casa dos meus
pais, prima, podemos marcar uma noite de garotas. O que acha? — Sacha se
desvincula do namorado e pega a bolsa em cima da mesa enquanto fala.
Com tudo que aconteceu desde a luta, não tive coragem de revelar sobre
meu envolvimento com Yerik e a briga com meus pais.
Chegamos em frente ao Zolotaya Vobla Sul, filial do bar que minha prima
gerencia em Moscou. A dona, Irina, embarcou no projeto há um tempo e deixou
Sacha incumbida de cuidar da matriz.
— Sacha! Você veio! — Escuto o grito estridente de Irina que rouba Sacha
em um abraço apertado.
— Obrigada. Você tem ido tão bem na capital, que me senti confiante de
afundar a cara no projeto e colocá-lo para funcionar.
— Não seja boba. — Ela finge ultraje, mas seu sorriso entrega a felicidade
por mencionar seu amor recém-descoberto. — Olá, lutador, obrigada por ter vindo
— Irina cumprimenta Krigor.
O homem morre de ciúme da ruiva e ela usa isso a seu favor, sempre que
pode.
— Sacha, seja bem-vinda. Espero que este grandalhão esteja lhe tratando
como se deve.
— Está muito doce o ambiente, vou para o balcão tomar uns shots. —
Atravesso no meio da conversa e marcho para meu destino.
Peço duas doses no balcão, viro uma seguida da outra e bato os copos
sobre a madeira. Estou cansada de esperar por Yerik, a ansiedade de saber como
será quando retornar tem me consumido pouco a pouco.
Capítulo 48
Esqueci por completo que Danya é o que mais sabe sobre meu
envolvimento com Yerik, além das atividades que desempenhei no clube.
— Olá. Não sabia que você conhecia minha prima. — Sacha olha
de mim para ele e posso ver as engrenagens girarem acima de sua cabeça.
— Que surpresa?
— No clube.
Apesar da vontade insana que sinto de beijá-lo e mesmo vendo
essa vontade refletida em seus olhos, Yerik se afasta e estende a mão na
minha direção.
A essa altura deduzo que já sabe que não estou mais na sua casa e
dispensei o uso do carro, assim como os seguranças.
Mesmo que doa mais que o inferno, Katrina está mais confiante de
si, seu desempenho no clube é digno de um funcionário exemplar, Pavel só
tem elogios por ela.
O corpo alvo, a luxúria grita em cada uma das suas curvas, os bicos
entumecidos e a pele arrepiada, a melhor cena que poderia gravar na
memória.
— Zólattse mayó...
— Eu te amo — nos declaramos em uníssono.
Por segundo, chego a pensar que foi delírio, mas o sorriso genuíno
em seus lábios me mostra a verdade.
Rígida feito pedra, mais afiada que a lâmina de um punhal e tão
letal quanto um tiro na cabeça, o preço mais alto que a vida poderia me
fazer pagar.
— Não sei por que está falando disso agora, Yerik. — Ela caminha
para o outro lado do escritório. — Quero saber do seu sumiço e não reviver
essas memórias.
— Como? Você acabou de dizer que foi atrás do seu irmão. Essa
conversa não faz sentido algum, Yerik. — Ri, displicente.
Faço um esforço para engolir a bola de fogo que se formou na
garganta, já sabia que não seria fácil falar, ser o porta-voz de toda a merda
que está por vir é mais difícil do que imaginei.
Achei que devido a tudo que passou, meu irmão fosse uma vítima
da vida e de pais perversos, no fim, descobri que se tornou um verme muito
pior que os vários que já puni.
Jurei dar à Katrina a vingança que ela merece e o fato de ser meu
irmão seu algoz só me faz querer cumprir ainda mais essa promessa.
Faço uma mala pequena, não pretendo demorar mais que dois dias,
peço a Pavel para inventar uma desculpa e mantê-la em segurança. Tomei a
decisão de não atender a suas mensagens ou chamadas, a próxima vez que
nos falarmos tudo vira à tona e ainda não quero renunciar ao que temos.
Chego à casa que foi alugada para Mickail, muito mais do que
merece, pensei muito sobre como ele se tornou alguém tão vil e talvez um
dos culpados seja eu mesmo, por protegê-lo e encobrir suas merdas.
— Irmão. Como vai? — Ele abre os braços e vem até mim, quando
me vê parado na sala.
— Está brigando com seu irmão, sangue do seu sangue, por uma
boceta usada? Ela não significa nada, Yerik! Nada! — Mickail se irrita.
— Zopa! — Volto para ele e acerto mais três socos no seu rosto.
— Você volta hoje para Moscou comigo!
Chamo a segurança e os médicos que mandei para cuidarem dele,
passo as ordens e saio dali antes que faça uma besteira maior.
Mais uma vez falhei com ela, não poderei lhe entregar seu algoz,
mas ao menos lhe darei a verdade e lidarei com a minha punição por entrar
naquele maldito quarto.
Dias Atuais
Desperto do estado de torpor que fui parar e avanço até ela, lhe
abraçando.
— Sabe que não vai sair daqui livre, não é? — Encaro seus olhos
com a certeza de que não tem escapatória.
— Ah, ela não sabe? Na noite que nos divertimos naquela festa,
meu irmão esteve lá. Ele te viu na cama.
— Assumir tudo que é meu. Esta boate virou uma baboseira, mas
ainda dá lucro. Com os contatos certos, consigo desbancar Cossack e
assumir a cidade.
— Não seja idiota! Acha mesmo que vai conseguir derrubar a
gangue que domina Moscou? — Estou desacreditado, meu irmão não tem
qualquer juízo ou amor à própria vida.
— Que presente?
— Um ataque no principal ponto de distribuição de drogas.
Estar de frente com meu algoz era algo que não pensei ser possível na vida.
Há anos, perdi o medo de encontrar com Misha, afinal, se ele não me procurou
depois daquela noite, deduzi que havia perdido seu interesse por mim.
Ele esteve lá, viu minha situação, exposta, nua, servindo de objeto para
aqueles homens, uma moeda de paga do próprio irmão. Por que não fez nada? Por
que não o impediu?
Tantas perguntas rondam minha mente, mas quando Misha ergue a arma
em sua direção, sabia que não recuaria. A maldade e sangue frio sempre lhe foi
característico, eu era cega para enxergar, como Yerik é agora.
O amor que sinto por Yerik é verdadeiro e genuíno, algo que nunca
experimentei, nem com meu algoz. Passei tempo demais me punindo por amar
alguém que não valia nada, só quando conheci Yerik entendi o que é amar.
Percebi que não havia engatilhado a arma, isso me dava uma pequena
chance, precisava garantir que ele não faria mal a Yerik, mesmo me levando como
refém.
Simplesmente agi.
Estou no chão, o cano frio da arma sobre minhas mãos e o corpo de Misha
sobre o meu, ouço seu resmungo baixo e logo é tirado de cima de mim.
— Zólattse mayó...
Yerik me pega em seus braços, mal consigo me mover, olho para o lado e
vejo Misha se arrastando pelo escritório com dificuldade.
Olho para minhas roupas e vejo uma mancha de sangue sobre elas, mas
nenhuma perfuração. Endireito o corpo, recuperada do choque, e percebo que não
fui atingida.
— Não é meu, Yerik. O disparo atingiu Misha — alerto e busco pelo
infeliz no escritório. — Onde ele está?
— Eu não sei... eu... — Yerik olha para os lados, mas volta a me encarar,
preocupado.
— Sim. Tem razão. — Yerik parece recuperar a postura e liga para Pavel.
Pego o rádio comunicador e alerto para que todos barrem Mickail, caso o
vejam na boate. Logo a segurança entra no escritório e Yerik grita as ordens para
acharem seu irmão.
Os dois voltam os olhos para mim, vejo culpa e remorso em ambos, Pavel
por mentir e, Yerik, por todo o resto. Sorrio com descaso, desacreditada de tudo que
acabou de acontecer.
— Irmão? — Sacha pergunta, pela quarta vez, depois de ouvir todo meu
relato.
— Sim.
— Por que não contou aos seus pais, Katrina? Poderiam ter feito alguma
coisa na época.
— Net! Você é uma vítima. Entendeu? — Ela vem até mim e segura meus
ombros, forçando-me a encará-la. — O importante é Yerik capturar aquele
asqueroso e o levarmos à justiça.
— Mickail tem dinheiro, mesmo baleado tem contatos para se recuperar e
sair de Moscou.
— Com tudo que contou, duvido que essa seja a intenção dele. Vai ficar
aqui comigo, até ser encontrado.
— Nada disso, prima. Você vai ficar comigo e com Krigor. Tenho certeza
de que ele não se opõe.
— Desnecessário. Ele não quer a mim. Seu objetivo é acabar com Yerik,
ele sim tem que ficar alerta.
— E o que você fará em relação a ele, prima? — Sacha ocupa o lugar vago
ao meu lado ao sentar sobre uma perna de frente para mim.
— Isso não basta para esquecer o sangue que corre em suas veias, prima —
solto, em lamento, e limpo mais uma lágrima que escorre sem autorização.
— Temos um quarto de visitas que ainda não está pronto, Katrina, mas por
hoje as meninas ficam no quarto principal e eu com o sofá — Krigor anuncia,
mudando o assunto.
— Eu sei que não quer mais nada comigo, Katrina, e não a culpo.
Mas preciso explicar tudo que aconteceu ou vou enlouquecer.
— Qual parte quer explicar, Yerik? A que mentiu sobre saber que
meu abusador é seu irmão ou a parte em que me viu ser estuprada e não fez
nada para impedir? — Despejo toda a repulsa em minhas palavras.
A última coisa que realmente quero é magoar esse homem, mas
não consigo olhar para ele e não enxergar tudo que passei.
— As duas coisas.
— Se isso lhe trará paz, fique à vontade. — Aponto para o sofá que
estava sentado e ocupo a poltrona de frente.
Não quero sucumbir diante dele, não posso dar esperanças de que
tudo será como antes, se nem ao menos sei como me sinto sobre todas essas
verdades.
— Minha ficha caiu sobre quem era o homem que te fez mal
quando chamei Pavel, no dia em que você mencionou os apelidos. Percebi
as semelhanças no apelido dele, que a mãe usava quando era criança, a
forma que te chamava era do mesmo jeito que nosso pai fazia com ela e,
por fim, veio a lembrança daquela casa.
“Eu estive lá, entrei no quarto e te vi. Nunca recordei esse fato com
tantos detalhes, até saber que era você naquela situação. Do mundo que
vim, Katrina, cenas como aquela eram normais. Mulheres se vendiam a
troco de quase nada, usavam drogas e bebidas para entorpecer os sentidos e
cumprir o acordado anestesiadas.
— Então terá o que acalmar seu coração. É o preço que ele tem que
pagar.
Fico impressionada com a frieza que este homem, que sempre
protegeu e cuidou do irmão, o trata agora. Yerik não é o exemplo de virtude
para cobrar conduta de Mickail.
Giro meu corpo no lugar, incentivada por suas mãos que subiram
para meus braços, seu dedo indicador ergue minha cabeça e finalmente abro
os olhos.
Minha vista nubla, não consigo responder a tempo, já que Yerik sai
porta afora, como se fugisse de um perseguidor.
— Tak! E o novato?
— Uma lição para aprender a quem ser fiel já basta.
— Yerik.
— As coisas estão complicadas para o seu lado, camarada. — O
tom jocoso presente. — O que seu irmãozinho fez não tem perdão.
— Sim. Eu sei.
— Net!
Encerro a chamada e jogo o celular no banco ao meu lado, minha
respiração está ofegante, a ira me consome, o desejo de enforcar Mickail
com minhas próprias mãos é latente, mas nada se compara ao medo do que
possa fazer a ela.
Sem saber direito o que estou fazendo, abro uma após a outra,
batendo-as ao fechar, não existe nada aqui que me leve a encontrar Katrina,
mas não consigo ficar parado, estou de mãos atadas e isso me enlouquece.
Uma luz se acende na minha cabeça, como não pensei nisso antes,
levanto apressado e corro para a saída. Lá é o único lugar que Mickail
poderia estar, sem precisar gastar dinheiro ou se registrar.
Capítulo 54
— Não sei o que viu no meu irmão, malêchka. Sou muito melhor
que ele. — Ouço sua voz distante, devem estar no salão.
— Você não chega nem aos pés de Yerik — Katrina rebate, com
desprezo.
— Está tudo bem, ele quer a mim. — Sinalizo para que fique
calma.
— O poderoso colombiano rendido por uma boceta usada.
Sinceramente não esperava isso de você, irmão. Sempre foi egoísta demais
e focado em fazer seu nome para sequer olhar para o lado.
— E o que espera de mim, irmão? Fiz o que fiz, saí enquanto era
tempo e construí outra vida. Você teve toda a chance de participar dela,
nunca te excluí desse sonho.
— Seu sonho! — Ele chacoalha a arma na minha direção,
descontrolado. — Eu sempre quis ser grande, nosso pai fazia questão de
mostrar o quão maravilhoso o filho mais velho era e a mim... sobrava a
pena.
— Agora você é adulto, Mickail, pode fazer e agir como queira.
Ser muito melhor que ele.
— E eu serei. Melhor que ele, melhor que você. Imagina a minha
glória nas ruas quando souberem que matei o colombiano que, por sinal, é
meu meio-irmão. Serei invencível e temido.
Vejo a inveja tortuosa que sente escorrer por suas palavras e olhar,
é nítido que esse desejo sempre esteve ali e em algum momento Mickail me
apunhalaria para assumir o que ele supostamente julga que tenho.
— Se é isso que quer, tudo bem. Eu aceito. Mas solte ela. Katrina
foi sua vítima e eu a trouxe de novo para perto de você. Só a deixe ir, não
quero carregar mais uma conta nas costas.
— Não sei. Você está desarmado e eu não. Tenho tudo para acabar
com os dois, afinal, ela é uma testemunha.
— Considere o pedido de um moribundo. Deixe-a sair daqui.
— Tak! Tanto faz — concorda por fim e sinaliza com a arma para
eu ir até ela.
Sua cabeça pende na minha palma e ela fecha os olhos. Sua boca
treme, na tentativa de conter o choro, apesar de tudo, minha garota tenta se
manter forte.
— Não faz isso... Ele vai te matar... — Ela encara meus olhos, com
pesar.
— Assim que estiver livre, corra para os fundos. Está escuro, mas
siga em frente que verá a porta de saída — dou as instruções, enquanto
finalizo a tarefa.
Katrina segura meus braços quando está liberta, sorrio em resposta
e beijo sua testa com carinho.
— Sei, mas não queria que ela me visse morrer. Preciso saber que
lhe dei uma chance de sobreviver.
— Seu lado poético me causa ânsia, Yerik. Aonde vai?
Mickail fica sério, assim que termino de falar, salto ao jogar meu
corpo para o lado, fechando os braços em torno da cabeça.
Ouço o vidro estilhaçado e um baque no chão, praticamente ao
mesmo tempo, ao abrir os olhos fito os seus, estático. Um tiro perfeito no
meio da testa verte um pouco de sangue.
— Yerik! — Levanto, apressado, ao ver Katrina correndo até mim.
Quer me dar lição de moral, mas fez tão errado quanto eu, quando
foi obrigada a se afastar do Volk. Se aliou ao inimigo dele e o tratou com
descaso, tudo bem que a causa era válida, mas foi tão desgastante quanto
estou sendo agora.
Também faz uma semana que estou ruindo por dentro, só encontro
conforto na bebida, ao ponto de ficar desligada do mundo e esquecer que
Yerik sumiu, mais uma vez.
Por outro lado, é o irmão que Yerik tomou como objetivo proteger,
o único parente que lhe dava a sensação de família, para no fim perceber
que o sentimento não era mútuo.
— Não diga nada, zólattse mayó. — Ele se volta para mim, que
parei sob o batente. — Tome cuidado.
Suas mãos seguram meu rosto e ele beija com delicadeza minha
cabeça. Sinto uma lágrima escorrer pela face sem que possa controlar, não
quero me despedir e ao mesmo tempo não tenho coragem de pedir que
fique.”
— Desculpe.
Entro no depósito e solto a caixa sobre a pilha de engradados
usados, balanço a cabeça em negação, não deveria soar tão ríspida com ela,
afinal, não tem culpa dos meus problemas.
— Sim...
— Ao invés de ficar bebendo às escondidas, por que não vai até o
clube?
— Tem razão! — Pela primeira vez durante esse tempo, sinto uma
ponta de esperança brotar.
— Tudo bem. Vou sair sozinha por aquela porta e pegar um carro
qualquer. Yerik vai ficar muito feliz se eu chegar ao clube dessa forma. —
Giro o corpo em direção à saída e caminho, determinada.
Quando já estou na rua, um deles me para e sinaliza para o carro
estacionado do outro lado da calçada. Sorrio, vitoriosa, meu coração
começa a tamborilar descompassado e aquele típico frio na barriga de
ansiedade me invade.
Ainda não tenho todas as respostas para os questionamentos que
martelam sobre como esse relacionamento poderia funcionar, entretanto,
acima de qualquer dúvida ou dor está o que sinto por ele.
— Sim. Ele não deixaria seu bem mais precioso para trás.
Quando volto a olhar para Pavel, seus olhos estão fixos em mim e
um sorriso fraco enfeita seus lábios.
— Bem provável.
Se antes meu tormento era não ter Yerik por perto, agora é estar
liberta para quando o encontrar novamente. Preciso me conectar ao passado
e resolver minhas dores, só assim estarei pronta para viver a vida de
verdade.
Mais uma semana transcorreu, dessa vez mais tranquila e
informativa, ao menos para mim. Passei todos esses dias enfurnada no
apartamento da minha prima, pesquisando sobre o abuso contra mulheres.
— Tudo bem.
Apesar de ela pedir perdão diversas vezes por ter feito a escolha
que fez, deixei claro que minha intenção aqui não era isso e, sim, me
desculpar por toda a confusão que causei em um momento delicado da sua
vida.
Ela está buscando a cura do passado, isso mostra que sua libertação
será completa e logo poderá voar e ser livre, como sempre quis. Solto um
riso fraco, o ciúme ainda permeia meus sentimentos, pudera, a amo e não
creio que isso vá passar algum dia.
Não falei nem para Pavel onde estou, como alguém pode ter me
encontrado aqui?
Meço sua figura de cima a baixo, não sei se é possível, talvez seja
minha mente projetando algum delírio.
— Oi — saio de estado de torpor e respondo, ao fechar a porta
atrás de mim.
É ela.
Capítulo 58
“Machuca saber que está distante por não suportar me ver, mesmo
que ao acaso. Tenho buscado tratar meu passado para finalmente poder
viver o presente, sei que as cicatrizes ficarão e só tenho coragem de lidar
com elas porque você me ensinou isso.”
— Sim. Soube que foi para a Colômbia, atrás da sua mãe, e resolvi
seguir seu exemplo.
— Pavel não consegue ficar quieto.
Tão pronta para mim como estou para ela, ergo um lado da sua
bunda e encaixo a cabeça do meu pau com perfeição na sua boceta, que
parece me sugar para dentro.
— Ainda tem seu emprego. Tenho certeza de que Pavel vai amar
tê-la de volta. Nas poucas vezes que conversamos, ele mencionou que nós
dois o largamos a esmo.
— Coitado. Isso é mais um motivo para voltarmos. — Ela escala
meu corpo e apoia o queixo sobre a mão.
— E eu a você, russo.
Ela beija a ponta do meu nariz, giro nossos corpos com rapidez e
isso a assusta. Travo suas mãos acima da cabeça, Katrina tem uma
expressão risonha, aproximo o rosto e passo o nariz sutilmente pelo
contorno, que a faz se contorcer.
Foi a última vez que falamos sobre o assunto, estive ao lado dele
por todo o tempo para lhe dar apoio. Apesar de nunca transparecer remorso
ou lamento, entendo que a tarefa não era branda.
Apoio no gradil para sustentar seu peso sobre mim, se Volk não
controlar essa mulher é provável sair daqui arrastada.
Ele diz que sou uma incógnita e talvez eu seja mesmo. Não tenho
um motivo certeiro para não aceitar oficializar o matrimônio, talvez seja o
peso que a sociedade coloca sobre a questão, ou todos os relatos que escuto
das mulheres no centro de ajuda.
— Só estou dizendo que isso pode ser real.
Krigor fecha ainda mais a cara e tenta protestar, mas com a ruiva
alterada e determinada a comemorar seu noivado, não há possibilidade de
uma negativa.
Anya, que permaneceu quieta perante o irmão, fica mais do que
feliz com a escolha da cunhada.
— Com certeza.
A frase que leva para a vida: “Se você sonha, você pode fazer.”
Me siga nas redes sociais!
[1]
Tak – OK. Tudo bem.
[2]
Radnóy / radnáya: Querido / querida. Literalmente pessoa próxima.
[3]
Pizdets - Droga. Xingamento.
[4]
Slátkaya – Doce.
[5]
Blyadischa – Prostituta.
[6]
Net – Não.
[7]
Yebvas – Foda-se.
[8]
Vache zdoróvie! – À sua saúde.
[9]
Syémy – Sete.
[10]
Gorjáčij– Gostosa / Quente.
[11]
Zólattse mayó – Meu ouro (palavra carinhosa no diminutivo).
[12]
Zopa – Filho da puta.
[13]
Kóchetchka – Gatinha.
[14]
Eb tvoju mat – Vá te fuder.
[15]
Eb tvoju mat – Vá te fuder.
[16]
Brat – Pirralho.
[17]
Yebvas – Foda-se.
[18]
Tempo de negócios, uma hora de diversão - Este é um dos mais famosos ditados populares russos, que
significa que deve haver tempo tanto para diversão, como para o trabalho.
[19]
Canelazo - No Brasil, chamaríamos de Pinga de Canela ou Quentão de Canela. Típica da Colômbia é
basicamente uma aguardente temperada com canela e rapadura, servida quente.
[20]
Boyevik - literalmente significa "guerreiro", é semelhante aos "soldados" da máfia italiana.
[21]
vory v zakone - ladrões da lei.
[22]
Chyort voz'mi - Caralho, Porra! (xingamento forte)
[23]
Dovol'no – Já basta.
[24]
Blad – Puta.
[25]
Boyevik - literalmente significa "guerreiro", um Boyevik trabalha para um brigadier, mas também tem
alguma atividade criminal especial, é semelhante aos "soldados" da máfia italiana.