Você está na página 1de 463

2ª edição

2022
Copyright © Ágatha Santos
Produção Editorial: Criativa TI
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua


Portuguesa.

Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou


a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios –
tangíveis ou intangíveis – sem o consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime


estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Sinopse
Nota da Autora
Agradecimentos
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Epílogo
Sobre a Autora
Sinopse

Publicado anteriormente como “Yerik: O preço” por Agatha


Santos.

Um homem marcado pelo preço das suas escolhas imorais.

Yerik conseguiu reerguer a vida e tornar-se um empresário de


sucesso em Moscou. Reinaugurou o bar que herdou do pai e o transformou
no Clube Lenusya, uma boate badalada e com entretenimento adulto. Em
seu passado obscuro, esconde o segredo de ter sido iniciado pela máfia
russa.

Avesso a qualquer relacionamento mais profundo, a vida desse


CEO se limita em prosperar seu negócio, cuidar de um irmão viciado e
desfrutar das salas privadas com as dançarinas do clube.

E é assim que conhece Katrina. Impetuosa, sensual e atrevida, ela


contradiz tudo que uma mulher dentro dos padrões deveria ser.

Marcada por um passado traumático, ela vive o momento sem se


importar com o que vier a seguir. Um engano cometido por Yerik desperta
sua ira e isso não poderia ser mais encantador aos olhos do misterioso
libertino.

O fato de sempre atrair o perigo leva Katrina direto para os braços


de Yerik.

Uma relação intensa começa da forma mais contraditória, quase


sombria, mas perfeita em sua mente perturbada.
Na vida, tudo tem um preço. Chame de cobrança divina ou vontade
do destino, o que tem começo, precisa de fim e, eles não faziam ideia do
quanto seus desejos obscuros os levariam de encontro ao acerto de contas
com o passado.
Nota da Autora

Bem-vindas ao mundo russo mais uma vez, zólattse mayó.

A história desses personagens aborda questões que podem gerar


gatilhos ou desconfortos, tratando temas de abuso, negligência e estupro.
Não se trata uma apologia ao crime, porém, mais uma vez os
personagens têm históricos pesados que são explicados durante a trama.

Destinada ao Ceo Imoral, faz parte da trilogia Paixão Russa,


entretanto, a única coisa que une as histórias é a ambientação e perfis
escolhidos para as obras.

Leia sem medo.

Esta história tem começo, meio e fim, espero surpreendê-las no


caminho.

OBS: contém spoilers do primeiro livro, caso não tenha lido ainda,
baixe agora e confira.

Livro 1 >> https://amzn.to/3Se4O3V


Agradecimentos

Sou muito grata, primeiramente a Deus, que me proporciona força,


vontade e foco para buscar por meus objetivos e viver o caminho que
escolhi.

Aos meus familiares que sempre me apoiam em meus sonhos e são


a base para continuar na empreitada.

Às minhas queridas Jess Bidoia e Márcia Lima, autoras


maravilhosas que embarcaram na missão de betar Yerik e me deram apoio
total quando me senti insegura.

À Mari Sales, Aldria Cristina e Barbara Pinheiro, minhas


preciosidades que revisam e tornam o livro essa lindeza só.

A vocês, minhas pequenas, que acreditam nas minhas histórias e


acompanham meus livros.

Ao meio literário, gratidão por pessoas maravilhosas fazerem parte


dele.
Capítulo 1

As luzes piscam nos strobos localizados no palco ao fundo,


enquanto lasers holográficos estrategicamente distribuídos no salão formam
um desenho quadriculado acima da agitação. Olho para o teto e vejo
algumas mulheres penduradas em arcos, realizam acrobacias sensuais,
vestem apenas lingerie e se movem como serpentes em torno do suporte,
envolvidas na batida da música.

Sorrio de lado, encantada com toda a atmosfera que nos envolve,


luxúria, pura e imutável, torna o ambiente parco ainda mais cativante. Duas
escadas laterais separam as áreas vips, ou camarotes, sou conduzida para
uma delas, o lado reservado ao Volk, por Danya.

— Bem interessante aqui — ele comenta, próximo ao ouvido.

— Muito bom. — Balanço a cabeça e solto um riso.

Contornamos algumas pessoas, arrisco um olhar mais apurado pelo


salão, procuro pelas madeixas ruivas da minha prima que prometeu
acompanhar Russell na inauguração, mas não a vejo.

Danya fala com o segurança que guarda a escada e somos liberados


para subir. Assim que passo pelas cortinas escuras, forço a vista para ver o
ambiente e as pessoas que já o ocupam, quase sem iluminação a área é
sugestiva para algo impróprio.

Algumas mulheres bem vestidas conversam com lutadores, aliados


de Krigor, que, por sinal, ainda não deu o ar da graça. Localizo Bóris em
uma roda de mulheres seminuas que acena com a cabeça em cumprimento.
— Vou buscar algo para beber — Danya avisa e aproveita a
situação para beijar meu pescoço.

A pele se arrepia em automático e recuo, escondendo o efeito que


causa em mim. Ele sorri e pisca um olho antes de se afastar, prendo o lábio
inferior entre os dentes e volto minha atenção para o salão abaixo.

Nunca entrei em um clube de stripper, mas tenho certeza de que


nenhum se assemelha à Casa Lenusya. Apesar das mulheres seminuas e o
ambiente sedutor, as pessoas parecem bem entretidas com a dança e
curtição. É realmente um misto de balada diferenciada com o toque devasso
para cativar os frequentadores.

Meus olhos percorrem o lugar, estou ansiosa para ver Sacha e saber
o resultado de sua conversa com Russell. Apesar de achar aquele lutador
perigoso e um pouco desvirtuado, custo a acreditar que tenha drogado o
oponente, é orgulhoso demais para isso.

Um tronco forte e nuca marcada chama a minha atenção e sigo


com o olhar seu caminhar sossegado entre as pessoas agitadas no salão.
Vestido em uma camiseta branca ajustada ao corpo, parece um dos
lutadores do circuito, daqui não consigo ver muito bem, mas quando seu
rosto vira para atender ao cumprimento de alguém, percebo seus traços
diferentes.

Ele não se assemelha a um russo, ao menos não daqui. Uma barba


marcada e bem-desenhada enfeita sua face, quase penduro sobre o gradil
para observar melhor, no entanto, não tenho sucesso.

O bichinho da curiosidade ataca meu ser e, não satisfeita, volto o


caminho, desço as escadas apressada e invado a multidão à procura do
homem misterioso. De longe não consegui identificá-lo, nem sei por que o
faço, mas a necessidade de saber quem é se tornou maior que a
racionalidade em deixar para lá.
Mesmo com salto, forço meus pés para cima ao procurar entre as
cabeças o homem intrigante, estou quase desistindo da loucura quando vejo
a nuca bem-delineada. Avanço passos determinados entre as pessoas, chego
a empurrar algumas que protestam e xingam, mas estou tão focada no
objetivo que não dou atenção.

Próxima o suficiente do homem, ergo a palma para tocar suas


costas, no entanto, alguém agarra minha mão livre e puxa meu corpo que
bate em uma parede de músculos conhecida.

— O que está fazendo? — Danya grita, próximo ao meu ouvido.

Giro em sua direção, irritada, quando percebe meu semblante


descontente o riso dele morre e a seriedade o domina. Olho para trás de
novo, mas o homem não está mais lá.
Resmungo, contrariada, e contorno um Danya confuso, retorno a
passos largos para o acesso à área vip. Mais uma vez sinto seu aperto em
torno do meu pulso, em reflexo, viro e o empurro, que sem esperar
cambaleia para trás e acerta alguém.

Constrangida pela minha atitude impensada, penso em me


desculpar, não sei o que me deu para agir dessa forma, Danya sempre se
comportou com respeito e cuidado, não posso tratá-lo como faço com os
outros.
— Olha, se não é o perdedor. — Joguei Danya justamente para
cima do suspeito em drogá-lo. Russell.

— Mais tarde, Russell. — Danya mantém a seriedade e abraça


minha cintura, antes de nos tirar dali.
Olho de relance para minha prima, não podemos nos falar, já que
acompanhamos lados opostos do circuito. Ergo a mão discreta e aceno antes
de ser conduzida para longe deles.

— O que tem mais tarde? — pergunto, curiosa, mas o olhar de


Danya me faz aquietar.

— Preciso falar com Krigor. Espere aqui e não desça sozinha. Não
confio naquele cara. — Ele aponta para trás, se referindo a Russell.
— Danya, me desculpe pelo que fiz... eu... — atrapalho-me com o
pedido.

Não tenho costume de me desculpar com ninguém. Costumo agir e


não usar a lamentação como muleta, mas de fato não sei o que aconteceu
para ser tão agressiva com meu acompanhante.
— Isso tem a ver com seus pesadelos? — Danya avança um passo
cauteloso, seu olhar preocupado me coloca em estado de alerta.

— Pesadelos? Não sei do que está falando. — Escolho sorrir,


mesmo que me falte vontade.

As batidas do meu coração aumentam exponencialmente, sinto que


ele pode sair a qualquer momento pela minha garganta. Por isso, não durmo
na cama de ninguém, não fazia ideia de que os dias que passei com Danya,
por insistência dele, haviam delatado meu terror noturno.

— Não minta para mim, Katrina. Você sabe o que acontece quando
dorme. Impossível nunca ninguém ter falado sobre seus gritos.
Balbucio algumas vezes sem nada dizer, por segurança afasto um
passo, olho para os lados, com medo de alguém estar atento à nossa
conversa, mas todos parecem se divertir, alienados ao meu desespero.
— Acho que foi um caso isolado. Talvez esteja impressionada
demais com todos os bastidores da luta, essas falcatruas, manipulação de
resultados...

— Tak[1]! Fale baixo! — Agora é Danya quem observa preocupado


em volta. — Seus pesadelos aconteceram antes de toda essa merda, Katrina.
Se não quer falar, tudo bem. Só quero que saiba que pode contar comigo.

Perco-me alguns segundos em suas palavras, analiso o peso de me


sentir protegida, algo que nunca vivenciei, a preocupação por parte do
outro. Limpo a garganta e recupero o controle da situação, não preciso do
apoio de ninguém para nada, levanto as mãos e apoio em seu peitoral firme
e forte.

— Já conto com você para me dar vários orgasmos, radnóy[2]. —


Fecho os dedos em sua camiseta e o puxo, unindo nossos lábios em um
beijo rápido.

Danya aperta minha cintura e insiste em aprofundar o contato, mas


afasto e não permito. Olho por cima do seu ombro e vejo o Volk se
aproximar, sinalizo com a cabeça e ele olha na direção que apontei.

— Pizdets[3]! Preciso falar com ele. — Danya se volta para mim,


em conflito. — Não saia daqui sozinha. — Seus lábios tocam minha testa e
afasto, incomodada.

— Não se preocupe comigo, lutador. Sei me cuidar — menciono,


jocosa, e ele balança a cabeça em negação ao se afastar.

Esse lance cuidadoso não é para mim.


Capítulo 2

Danya é um grandalhão em tamanho e coração. Quando nos


conhecemos, pelo circuito de lutas, fiquei interessada em seu tipo. Um
russo característico, alto, forte, muito bonito, mas diferente dos outros do
ramo, sempre foi amável e solícito.

Sua desenvoltura entre quatro paredes é bem empolgada, o homem


tem fôlego para lidar com a minha libido, que não é pequena e ainda pede
por mais. O lance corporal entre nós sempre funcionou muito bem, mas
tenho notado algo que me desagrada.

Cada vez que ficamos juntos, Danya tem insistido mais em saber
de mim, do meu passado, da minha vida e seu olhar parece me apreciar
como algo mais, como se eu fosse uma pessoa especial e isso não pode
acontecer.
Não estou e não pretendo estar aberta a algo mais do que encontros
casuais. Apesar de Danya preencher todos os quesitos de um cara digno
para se envolver e manter um relacionamento, só de cogitar a possibilidade
sinto-me sufocada.

Envolver sentimentos é algo perigoso, principalmente para mim,


que não sei mais o que é me afeiçoar a alguém.

Caminho até o gradil, mais uma vez, o homem misterioso ainda


ronda minha mente, escaneio o ambiente à sua procura, mas nem sinal.
Desinteressada, volto minha atenção para a área vip e vejo Krigor e Danya
conversando, distante de todos.
Do lado oposto ao deles, Bóris está entre as mulheres, mas sua
atenção totalmente focada em seu lutador. Ergo as sobrancelhas ao observar
a intensidade com a qual o treinador tenta entender o que se passa com os
dois grandões, resolvo entrar em ação antes que os planos de Danya
frustrem.

Ainda não encontraram o culpado para a droga no sangue dele,


então é bom garantir e não confiar em absolutamente ninguém, isso inclui o
treinador do Volk.

— Olá, rapazes. Será que posso roubar esse lutador um pouquinho.


— Faço um gesto com o dedo e balanço o corpo, dando sinais de
embriaguez.

— Te deixo sozinha por alguns minutos e consegue beber a esse


ponto? Pizdets! — Danya passa a mão pela minha cintura e sustenta meu
corpo.

— Olhos demais por aqui. — Apoio a mão no peitoral de Danya e


falo próximo o suficiente para que só ele ouça.
— Tak! Conversamos depois, Danya. — Krigor mostra sua
indiferença peculiar. — Sua prima virá? — A pergunta sai crua e direta,
como se fosse dolorido mencioná-la.

— Já está aqui. — Ele gira o corpo pronto para sair, por isso sou
obrigada a gritar a última parte. — Acompanhada!

O Volk estaca no lugar, vejo suas mãos fecharem em punho, não


preciso dizer quem está com ela, já é do conhecimento de todos que
Aleksandra é a acompanhante do momento de Russell. Seu corpo volta a se
mover para a saída, com certeza vai arrumar uma forma de ficar a sós com
Sacha, o que, com certeza, resultará em encrenca feia.
— Não deveria incitá-lo assim, Katrina — Danya adverte e eu abro
meu sorriso maquiavélico.
— Quem me dera ter dois lutadores brigando pela minha atenção.

Volto meus olhos para o homem ao meu lado, seus braços se


apertam em torno do meu corpo fechando qualquer escapatória. Subo as
mãos pelo seu torso e puxo a camisa em um convite claro.
Antes que seus olhos se fechem para me beijar, vejo o fogo
característico do desejo se acender ali. Danya gosta da competição tanto
quanto qualquer outro do seu ramo, saber que estou com ele e almejo que
outro me queira o deixa tão excitado quanto eu.

É contraditório, já que o casual é não querer compartilhar, mas esse


lance da posse é tão fantasioso, que aciona os pontos certos em caras que se
preparam desde meninos para competir e vencer.
Seu beijo é duro e afoito, suas mãos apertam tanto minha cintura
que gemo de dor e prazer, ao mesmo tempo. Essas provocações são
maravilhosas, quanto mais o instigo, mais garanto que nossa noite seja
prazerosa, quente e devassa.

Antes mesmo de abrir os olhos, sinto a primeira pontada fisgar em


minha têmpora. Gemo e forço a abrir parcialmente um olho, enquanto apoio
a mão no local que lateja.

O quarto ainda está escuro, vejo que as cortinas estão fechadas, os


lençóis macios que amo desta cama me abraçam e convidam para que
continue deitada. Espreguiço o corpo, pisco algumas vezes e percebo que
estou sozinha, isso quer dizer que Danya já saiu para cumprir sua rotina.

Pego o controle ao meu lado e abro parte das cortinas para que a
claridade possa entrar, vejo na mesa de cabeceira uma pequena bandeja com
água e um comprimido, acho fofa a atitude dele e tomo o remédio, que é
muito bem-vindo.

Levanto, devagar, a cabeça ainda protesta, seguro com as duas


mãos e vou direto para o chuveiro. Danya me avisou que virar tantas doses
de uma vez iria me deixar louca na hora e doente no outro dia, pelo visto,
tinha razão.

Momentos da nossa noite invadem minha mente, me empolguei


com a bebida e o ambiente fascinante daquele clube e resolvi fazer um
strip-tease para Danya. Lembro-me de sentar em seu colo e rebolar a ponto
do meu vestido subir, deixando parte do meu traseiro de fora.
Afundei minha língua em sua garganta e praticamente fizemos
sexo vestidos naquele lugar. Na realidade, eu teria feito, se Danya não
estivesse são o suficiente para colocar razão e juízo na situação e me
arrastar para o hotel.

Lembro-me de ser puxada pelo braço até a saída, protestei várias


vezes, mas as pessoas não pareciam se importar, já que eu continuava a
provocar o lutador e rir da sua feição irritada. Disse que se eu queria dançar
pelada, seria no seu pau e na intimidade do quarto.
Cafona.
Saio do banho com o ar risonho e travesso, meu corpo está
marcado por sua boca e mãos, o lance de ontem foi quase uma selvageria.
Pelo visto, o lado possessivo do Danya realmente gritou quando passei do
ponto.
Já vestida, vejo em cima da mesa, próxima à janela, uma bandeja
com o desjejum e acho graça de ter dois homens que habitam um só.

— Ele não é seu homem, Katrina — alerto para o pensamento


errante.

Destampo a bandeja e uma bela refeição me aguarda, mas o que


me chama a atenção é a pequena flor no copo e um bilhete dobrado ao lado,
capturo imediatamente o papel e leio a mensagem contida ali:

“Espero que tenha um bom dia, slátkaya[4]. Voltarei mais tarde e


hoje poderemos fazer diferente. Que tal um jantar bacana com um cara
legal?
Danya Viktorovich”

Passo tempo demais encarando o bilhete, apesar de sempre ser


tratada com cuidado por ele, nunca ultrapassamos a barreira de amigos com
benefícios. Jamais fui convidada para jantar ou desfilarmos como um casal
convencional em situações corriqueiras.

Danya pedia minha companhia para eventos de luta, que


normalmente envolvem um ambiente mais informal e as mulheres que
frequentam não são as esposas ou namoradas dos homens. E, para mim,
tudo bem, nunca quis mais do que isso mesmo, mas agora este bilhete, diz
muito mais do que realmente está escrito.
Preciso me afastar, tenho passado tempo demais na companhia do
lutador do sul e isso não é bom. Ele pode estar confundindo nosso
envolvimento ou achando que eu espero mais dele. De qualquer maneira,
está errado.
Passo as mãos no cabelo, ajeitando como posso, pego minha bolsa
jogada no canto próximo à cama, encaro o quarto mais uma vez e saio,
tenho o cuidado de tampar a bandeja e deixar o objeto como se ninguém
houvesse tocado.

Fingir que não vi é a melhor forma de sair dessa situação, assim


não chateio o homem gentil que ele é e posso me afastar um pouco, para as
coisas esfriarem e tudo voltar à normalidade.
Uma pena a nossa diversão terminar, Danya.
Capítulo 3

Respiro fundo antes de abrir a porta do apartamento e enfrentar a


mesma situação de sempre. Pelo horário, sei que meu pai não está em casa,
já é bem tarde e o trabalho na caldeiraria começa cedo, mas isso não
impedirá minha mãe de atormentar meu juízo.

Giro a maçaneta com o máximo de cuidado, evito qualquer barulho


para que talvez consiga passar despercebida pelo curto caminho até meu
quarto. Tiro a bota e penduro o casaco no bengaleiro, cautelosa, rumo
sentido a salvação, entretanto, a sorte não me acompanha hoje e topo com
minha mãe na sala.

— Isso são horas, Katrina Kolyavna? — Sua atenção ainda está


voltada para as roupas que dobra em pilhas sobre o sofá.

Ela não move um músculo sequer para me encarar, mas o timbre da


sua voz denota toda a irritação por eu ter passado mais uma noite fora de
casa. Não conversamos sobre minhas saídas, ela não pergunta aonde fui,
com quem estive, só faz o mesmo discurso de sempre, que já decorei, pois o
repete desde que completei dezoito anos e passei a comandar minha vida.

— Só saí para me divertir um pouco, mãe. Nada de mais. —


Continuo rumo ao quarto.

— Não sei por que Deus me castiga com uma filha tão... tão...

— Tão o que, mãe? — Viro meu corpo em sua direção e ela se


levanta, agora atenta a mim. — Viva? Independente? Liberta da
mentalidade pequena que você foi criada?
— Desregrada! Isso, sim! — Ela aponta o dedo para mim e rolo os
olhos, pronta para ouvir a mesma reprimenda. — Seu comportamento não é
normal, Katrina. Chega bêbada, sai quase todos os dias à noite, age como se
fosse uma qualquer.
— Mãe, por favor. Sou adulta e tenho uma vida normal. Já cansei
de dizer que trabalho à noite, como recepcionista em festas. Sacha também
trabalha e a senhora não fala tudo isso dela.

— É diferente e sabe disso. Sacha se desdobra para livrar a família


da dívida com aquele agiota, sustenta a casa e tem que lidar com meu
irmão, que parece estar cada vez mais perdido no vício.

— Graças a Deus que o pai não é assim e posso trabalhar para meu
sustento somente.

— Seu pai sentiria vergonha de você se a visse chegar assim. Age


como se fosse uma blyadischa[5]!

— Bom... talvez eu seja uma. — Sorrio de lado, com deboche.

Ela fecha a distância entre nós e acerta meu rosto com um tapa que
chega a virar meu pescoço. Levo as mãos de imediato ao lugar, as lágrimas
inundam minha visão, o que me faz lutar para não as derramar.

— Filha... eu... — Recuo um passo quando tenta me tocar.

A raiva invade meu estado, somado à indignação de apanhar


depois de adulta, encaro seu olhar arrependido, entretanto, já é tarde. Ações
e palavras são como vento, não voltam jamais, só passam por você como
brisa leve ou vendaval destruidor.

Infelizmente, no meu caso, o vendaval costuma ser muito mais


frequente.
Indignada, volto a caminhar para o quarto e bato a porta assim que
estou segura dentro dele. As lágrimas caem quando estou sozinha, os
soluços acompanham minha queda ao chão e solto tudo que contive em sua
frente.

Jamais demonstraria fraqueza, não espero nem ser compreendida,


minhas escolhas dizem respeito a mim e não sou obrigada a enquadrar
minha vida no modelo de perfeição que sempre me impôs.

Desde pequena ouço que sou impetuosa demais, a família, assim


como amigos próximos mencionavam que daria trabalho quando crescesse
e, na ânsia de provar o contrário para os outros, era obrigada a frequentar a
igreja, ficar trancada em casa a maior parte do tempo e manter uma
disciplina rígida na conduta.

Do que adiantou tanto cuidado para me doutrinar, se dentro de todo


esse cerco, fui enganada, violada, abusada e injustiçada? Ninguém sabe o
que aconteceu, bem embaixo do nariz moralista deles.

Arrasto o corpo até a cama, deito em posição fetal e deixo que o


choro lave parte do ódio que sinto por mim mesma. Não deveria provocar
minha mãe dessa forma, amo a família e sei que só quer meu bem, mas não
consigo me conter quando tenta me encaixar dentro de um padrão.
É mais forte do que eu a necessidade de contradizer e provar que
não sou moldável, que não carrego rótulos ou limites. A ânsia de ter
controle sobre cada ato, pensamento e escolha da minha existência é
gritante e, às vezes, passo do limite, até para meu gosto.

Fecho os olhos, deixo a escuridão que me habita dominar os


sentidos, sinto o balanço do meu corpo em reflexo aos soluços e em algum
momento apago. Sou jogada para meus pesadelos, que sempre retornam
para mostrar que estou marcada para sempre pelo passado.

— Só atrasei vinte minutos — argumento, mais uma vez, na


esperança de me deixarem trabalhar hoje.

Acordei em sobressalto, conferi as horas e vi que estava atrasada


para meu trabalho esporádico como recepcionista neste pub. O lugar é uma
espelunca mal frequentada, o dono fede a vodca barata e algumas vezes as
garçonetes precisam lidar com a mão boba dos clientes abusados.

— Net[6]. Vá embora e não me atrapalhe. — Sinaliza com a mão,


me dispensando.

— Yebvas! [7] — Mostro o dedo do meio para o infeliz antes de sair


dali.

Caminho para fora daquele lugar fedorento, não sei como fui capaz
de aceitar trabalhar aqui, mesmo que de forma esporádica. Escuto seus
xingamentos cada vez mais altos, mas opto por ignorar.
Na calçada, caminho sentido contrário à pista, pesco na bolsa o
maço de cigarros e acendo um. Puxo um longo trago e solto rápido para em
seguida repetir o ato, a nicotina me acalma, em parte, ou talvez seja só a
sensação de diminuir meu tempo de vida gradativamente que satisfaça o
suficiente.

Não quero voltar para casa agora, por sorte, quando saí, meus pais
não estavam, o que evitou um encontro desagradável. Precisei usar bastante
maquiagem para tapar as olheiras e o rosto marcado pela bofetada.

Penso em Danya e o quão seria maravilhoso uma noite regada à


bebida, sexo, risadas e diversão, mas depois da sua atitude hoje e as quatro
chamadas que não atendi no celular, manter a distância ainda é a melhor
opção.

Trago o cigarro mais uma vez, um farol mira meu rosto e viro por
reflexo, o carro para no meio-fio à minha frente e quando o vidro de trás é
baixado vejo uma loira platinada, de franja e cabelos compridos, já
conhecida, colocar a cabeça para fora.

— Precisa de um carro? — Nikita sorri de lado e estranho sua


simpatia.
— Você aqui? Não deveria estar atrás de um calção? — Apoio uma
mão no topo do carro e curvo o corpo para observar o seu interior.

— Estou sozinha. Te reconheci na calçada e sei que o lugar não é


dos melhores para uma mulher desacompanhada. — Ela se arrasta no banco
e abre espaço — Entre. Estou indo para a Casa Lenusya.
Estava pronta para negar qualquer convite por parte dessa cobra
peçonhenta, mas ouvir o nome do clube de stripper que estive ontem, me
faz acreditar que é o destino ofertando uma boa oportunidade de salvar este
dia de merda.
Capítulo 4

Impulsiva, abro a porta e tomo o lugar livre, Nikita pede para o


motorista seguir viagem e permanecemos quietas por quase todo o caminho.
É estranho estar em sua companhia, não somos amigas, nunca fomos, saber
do seu histórico com o não namorado da minha prima, só piora a situação.

— Como vai sua priminha? — Demorou, mas enfim solta a


pergunta que esperava.

— Muito bem, trabalhando bastante, agora, com o cargo de


gerente, suas obrigações aumentaram.

— Por isso o Volk a dispensou, então.

Viro meu rosto em sua direção, pronta para dizer quem dispensou
quem, mas lembro-me de que Nikita joga com as palavras e provavelmente
leva informações de um lado para o outro no circuito, ou seja, alguém nada
confiável.

— Deve ser. — Dou de ombros, indiferente.

— Aquele jeito certinho dela não combina com o Russell. Vi os


dois ontem, no clube, nem pareciam estar entrosados.
— Vai saber o que fazem no quarto, não é? — Olho de soslaio e
mantenho o descaso.

Da minha boca essa víbora não tirará nada.


Por sorte, chegamos em frente ao clube, não está tão cheio quanto
ontem, ainda assim, com uma movimentação significativa na porta. Nikita
paga a corrida e descemos pelo seu lado na calçada.

Ela aperta seu casaco de pele, imitação clara, em torno do corpo,


retira as luvas e sinaliza com a cabeça para que eu a siga por uma entrada
discreta na lateral da fachada principal.

— Espero que esteja apresentável aí embaixo. — Olha de esguelha


para mim quando alcanço seu lado.
— Melhor que você, posso garantir — respondo, direta.

— Ótimo! — Ela freia os passos e vira na minha direção,


estendendo um pedaço de renda preta. — Coloque e não diga nada.

— Que porcaria você está pretendendo? — Elevo a voz,


desconfiada das artimanhas da cobra.

— A entrada é cara, principalmente hoje, noite das máscaras.


Vamos fingir ser dançarinas.

— Terei que me passar por stripper? — Aponto para meu peito.

— Garanto que já fez coisa bem pior nas festinhas do circuito. —


Ergue um lado dos lábios, debochada.

Pego o objeto das suas mãos com brusquidão, não precisamos


pontuar tudo que acontece nas interações com os lutadores e, com certeza,
já fiz coisas que não pretendo repetir nesta vida.

— Vamos logo com isso.

Volto a caminhar para a entrada secundária que é guardada por um


brutamontes mal-encarado. Nikita me alcança e paramos em frente ao
homem, avisa que somos as dançarinas do palco secundário, ele verifica o
nome dela em uma lista, já penso em desistir, pois o meu com certeza não
está lá.
— Ela vai substituir essa aqui. — Nikita aponta para algo na
prancheta do homem.

— Ok. Yerik já avisou, podem entrar.


Ele abre a porta e Nikita me empurra para dentro, mesmo com a
minha relutância.

— Que merda está acontecendo aqui? — Puxo meu braço do seu


aperto, irritada.

— Você entrou.

— E terei que dançar?


— Coloque a máscara. Será como interpretar um personagem.
Estamos nos pequenos palcos, com pouca plateia, já que o principal guarda
a atenção de todos, pois são os shows anunciados.

— Não vou tirar minha roupa enganada por você.

— Sem drama, Katrina. Eu precisava de alguém para substituir a


garota que furou comigo. A grana é muito boa, você se diverte, bebe de
graça e amanhã é como se nada tivesse acontecido.
— Não gosto de ser ludibriada. — Seguro seu braço e a puxo para
próximo de mim. Estou a um passo de perder a cabeça e estapear a carinha
bonita dessa cobra.

— Algum problema? — Ambas viramos ao mesmo tempo para um


senhor de meia-idade que nos analisa, curioso.
— Não. Claro que não.
— Na realidade, tem sim... — Ia dizer que tudo isso não passa de
um grande engano e sair correndo deste lugar, mas Nikita aperta meu braço
e se aproxima do meu ouvido.

— Não se esqueça que aqui é um clube protegido pela máfia.

Engulo em seco, sei o que isso significa, mais do que qualquer


outra pessoa. Não existem enganos, erros, brincadeiras ou divergências
quando se trata dos negócios protegidos pela máfia russa, principalmente
quando envolve uma stripper.
— Esqueci minha roupa do show.

— Não se preocupe, temos os figurinos no camarim


compartilhado. — Ele aponta para um corredor do outro lado e ambas
caminhamos naquela direção.
Nikita abre a porta, um falatório toma o ambiente, várias mulheres
seminuas, vestidas em conjuntos de renda lindíssimos, de cores, tamanhos e
modelos variados, se maquiam nas bancadas dispostas pela sala.

— Seu número é o seis — o homem aponta para Nikita — e o seu


é o sete. Fiquem atentas, pois serão chamadas por eles. O pagamento é feito
quando terminam o show. Podem socializar com os clientes e caso
escolham uma sala privada é problema de vocês. Entenderam? — Nikita e
eu balançamos a cabeça ao compreender o que ele quis dizer.
Não é um prostíbulo, porém, eles oferecem toda a comodidade
para que as dançarinas façam o que acordarem e como quiserem.
Inteligente, assim não se comprometem com a lei na Rússia.

O homem se retira e Nikita vai até um cabideiro no final da sala


para olhar os modelos de lingerie disponíveis.
As garotas continuam se arrumando, não nos encaram e nem
questionam nossa presença. Cada uma focada em ser a mais bela e atraente
dançarina da noite.

— Aonde você foi me enfiar, garota? — Paro ao seu lado,


observando-a arrastar cabide a cabide.

— Fique tranquila. Subimos, dançamos, pegamos a grana e damos


o fora daqui.
— Sem plural. Eu danço, pego a minha grana e sumo daqui. Quero
esse. — Pego o cabide que acabou de passar com um conjunto de lingerie
lindo.

A parte superior é meia taça em renda e fita preta que molda o


busto, o corpo é ajustado com um tecido mais grosso e para acima do
umbigo. Atrás é ligada por uma corda fina e estrategicamente presa por um
laço que facilita na hora de tirar.
Entro em uma cabine fechada para me trocar, encaro o espelho de
corpo à minha frente, tiro o casaco de frio e fixo meus olhos no rosto,
desacreditada do que estou prestes a fazer.

Atribuo minha determinação no medo de encarar a máfia por um


mal-entendido, mas o formigamento que se formou no fundo da barriga
desde que descobri o intuito de Nikita, confirma que vai além de receio.
É o errado, o proibido, o chocante, que sempre me atrai, envolve-
me em sua teia e entorpece a razão que deveria gritar.

Nunca cogitei a hipótese de dançar nua para tantos olhos, apesar de


ter um espaço pequeno e sem destaque, segundo Nikita, qualquer um no
salão poderá me observar, confesso que a excitação aguçou meus sentidos e
me vejo aflita por vivenciar essa experiência.
Tiro meu vestido, a meia, roupa íntima e coloco o pequeno corpete.
A calcinha do conjunto é minúscula, um fio nas laterais a une, a frente
baixa tampa o mínimo possível e no traseiro só um pequeno laço fica à
mostra entre as nádegas.
Pego a máscara que Nikita me deu, prendo no lugar e amarro atrás,
já estou maquiada, puxo parte do cabelo para cima do fio, bagunço as
madeixas e encaro minha imagem no espelho.

Nikita tem razão em uma coisa: é como representar um papel, uma


atuação. Não consigo me reconhecer no reflexo, o formigamento aumentou,
sinto as mãos suarem, respiro fundo algumas vezes e deixo a adrenalina
percorrer meu corpo.
Seria mais fácil com dois shots para acalmar a ansiedade do que
está por vir.

A porta da cabine é aberta de repente, dou um pulo para trás, colo


meu corpo na parede com a mão no peito e vejo Nikita com dois copos
pequenos nas mãos.
— Para acalmar os ânimos ou dar coragem para animar. — Pisca
um olho e estende o copo para mim.

— Você adivinhou meus pensamentos. — Relaxo enfim e pego o


objeto ofertado.

— Vache zdoróvie[8]! — Bate seu copo no meu e vira o líquido


branco de uma vez.

— Vache zdoróvie! — cumprimento e repito seu gesto.

A vodca desse queimando pela garganta, sinto o estômago


protestar um pouco, já que na noite anterior tomei mais do que deveria e o
corpo ainda não se recuperou totalmente.
— Preciso de mais uma dessas. — Nikita sinaliza com o copo e
marcha para longe.

— Mais duas para mim. — Coloco a cabeça para fora e aviso,


assim que se afasta.

Vamos ver como meu lado stripper se sai hoje.


Capítulo 5

O mesmo homem que nos orientou sobre o camarim abre a porta e


chama meu número, syémy[9]. Fecho os olhos e inspiro todo o ar que
consigo, acalmo parte da tremedeira que se alastrou pelo corpo.

Talvez o sete seja um bom presságio, se pensar pelos buquês


presenteados, números ímpares sempre significam coisas boas. Uso a
mesma teoria para justificar que toda essa situação inusitada que fui
colocada seja um sinal de algo bom.

Desde quando tirar a roupa na frente de estranhos é bom,


Katrina?

Rumo à saída, enquanto balanço a cabeça para dispersar os


pensamentos aleatórios. Agora já é tarde para desistir ou justificar qualquer
confusão que seja.

O senhor me conduz até uma pequena escada e pede para que


aguarde a cortina ser aberta. Não tenho a menor ideia do que fazer ou como
agir, Nikita saiu do camarim antes de mim e só bebemos algumas doses até
anunciarem seu número.

Levo a mão até a máscara e respiro, aliviada. É como interpretar


um papel, uma dançarina ousada e liberta, sem passado, sem presente, sem
rosto ou identidade definida. Posso fazer isso e sair ilesa.

A cortina abre e baixo a mão com rapidez, uma luz amarelada


ilumina o centro do ínfimo palco redondo com assoalho de madeira.
Pequenas lâmpadas enfeitam a borda e não me deixam ver com certeza
quantas pessoas estão à minha volta.

Subo o degrau que me separa da ação, seguro o mastro localizado


no meio do espaço, firmo as duas mãos em torno do metal frio, como se
minha vida dependesse disso.

Evito olhar para baixo, o palanque é um pouco mais alto, não


muito, mas o suficiente para que sejamos vistas por todo o salão. Foco meu
olhar na multidão adiante, que parece estar entretida com a atração principal
no grande palco.

Uma batida fraca começa a soar e logo aumenta. Um ritmo cálido e


envolvente, assim que a voz feminina começa a cantar a reconheço.
Rihanna canta a letra de Skin e não poderia ser mais propícia para o
momento.

Envolvente, sedutor e escrachado na proporção exata.

Nunca usei uma barra de pole dance, mas a situação me permite ao


menos brincar com o objeto. Mantenho um braço esticado, seguro nela e
solto o corpo para contorná-la, fecho os olhos no processo e um tremor
libertador retumba no peito.

Paro de frente para a multidão, apoio as duas mãos acima da


cabeça e desço o corpo parcialmente, dobro os joelhos e ondulo os quadris
no processo, sentindo a cada batida meus instintos se aflorarem.

Os movimentos começam a acontecer de forma automática, como


se algo dentro de mim soubesse exatamente o que fazer com o som e o
aparelho que me foi destinado.

Giro mais uma vez, agora com segurança, fico diante do poste,
inclino o tronco para frente, o que coloca minha bunda exposta para que
todos observem. Aproveito para girar a anca de um lado para o outro,
movimentos lentos e ritmados seguindo a batida sedutora.
Volto o tronco, ainda de costas, ergo as mãos e deslizo a ponta do
dedo por um braço, contorno o pescoço e a trago para minha frente girando
o corpo rapidamente.

Levo as mãos aos seios, olhos cerrados, o prazer de ser observada,


ou não, ainda não tive coragem de prestar atenção se alguém está próximo o
suficiente do pequeno espaço que me cerca.
Ondulo meu corpo, minhas mãos escorregam pela frente, devagar,
até alcançar o topo da minúscula calcinha que uso, arrisco a ponta dos
dedos do lado de dentro e ouço um “gorjáčij[10]” alto e claro muito próximo
de mim.

Isso me tira da pequena bolha que me enfiei e chama meus olhos


para encontrar o autor do xingamento. Vejo um homem quase debruçado
sobre o palco, o olhar fixo em meu corpo, consigo notar seu rosto tomado
pelo desejo e luxúria e essa faísca me incentiva a continuar.
Baixo os joelhos no chão, levo ambas os braços para trás e os
apoio também no assoalho, meus seios estufam para frente, tombo a cabeça
e encaro o teto.

Com rapidez fico ereta de novo e deslizo os dedos pela minha pele,
até alcançar a ponta dos joelhos, escorrego a palma das mãos no chão e
engatinho vagarosa na direção do homem que me observa.

Próxima o suficiente, consigo analisar seu rosto, a língua passar


pelos lábios, o pomo mover com dificuldade de engolir, o peso sendo
alternado entre as pernas, denunciam sua ansiedade e desejo de fazer muito
mais do que só olhar.
Sinto-me poderosa e encorajada a continuar com meu show, o
tempo parece ter parado, a música no repeat responsável por manter os
movimentos no ritmo calmo e envolvente, enfeitiça cada vez mais meus
sentidos e anseio por despir as peças para esses estranhos.

Sento e giro, movendo rápido para o outro lado do espaço, mais


homens atentos e próximos o suficiente para que possa ver suas reações
cobiçosas. Noto um deles levar a mão à braguilha e ajeitar sua excitação,
não resisto e solto uma gargalhada.

Fico em pé, de costas para todos, pronta para puxar o fio que me
deixará nua da cintura para cima, meus dedos enlaçam o filete, balanço os
quadris, retardo o momento o máximo possível, criando ainda mais
expectativas neles, assim como em mim.

Pronta para acabar com a tortura, a música encerra ao mesmo


tempo que as luzes do palco apagam, giro o corpo e vejo uma cortina preta
fechar, ocultando minha presença.

— Mas que... — solto, frustrada.


Não imaginei que o tempo de palco era tão curto assim, nem
consegui tirar a primeira peça.

Afasto alguns passos, desperta do momento descabido, viro e


desço a pequena escada pronta para vestir minhas roupas, pegar a grana e
sumir deste lugar.
No último degrau, sou freada por um corpo grande, usa jeans e
camisa branca, ergo os olhos à medida que analiso todo seu contorno. Ele é
forte, musculoso e tem um cheiro maravilhoso.

Meus olhos alcançam sua face, mandíbula angular marcada por


uma barba bem aparada, a boca pequena, porém carnuda, está séria.
Continuo a análise e percebo a pele morena, parece queimada do sol, o que
é raro de se ver em um russo nato.

Quando alcanço seus olhos, que estão perturbadoramente cravados


em mim, uma escuridão os banha, ao mesmo tempo que o magnetismo o
torna vivaz e interessante. As sobrancelhas juntas mostram que não está em
um bom momento.

— Quem é você? — O timbre forte e impositivo me desperta do


escrutínio.

— Sou a número sete. E você? — Ergo o queixo o suficiente para


não me mostrar intimidada.

— Sou Yerik Petrovich. Quero uma dança particular. Está


interessada? — A pergunta é direta, quase soa como imposição de sua parte.
Meu lado rebelde desperta, resolvo brincar com a situação e deixar
claro para esse homem que não sou a marionete que pode manipular por
uma noite.

— Não sabia que clientes eram autorizados a vir aqui. — Olho


para os lados em busca de um segurança ou funcionário, mas estranhamente
todos parecem ter evaporado.

— Não sou cliente. Responda minha proposta. — Sinaliza com o


queixo, apressado.

Penso em recusar, só para diminuir a arrogância do sujeito, mas o


lado inconsequente desperto em mim quer testar até onde esta noite pode
chegar. Uma lap dance não é desconhecida por mim, já fiz, inclusive
ontem, com Danya.
— Cobro caro. — Cruzo os braços na altura dos seios, o que
chama sua atenção para meu colo exposto.

— Não importa. Siga-me.


Capítulo 6

Só após alguns passos apressados dele que me dou conta de que


devo acompanhá-lo. Além de egocêntrico, o homem é afoito.

Passamos pelo corredor escuro, ele na frente e eu logo atrás,


subimos uma escada estreita no canto e, ao abrir a porta, vislumbro suas
costas e nuca, as memórias do misterioso na pista ontem retornam e
arregalo os olhos para a familiaridade de ambos.

Posso estar louca ou completamente enganada, mas tenho quase


certeza de que ambos são a mesma pessoa.

— Entre. — Abre espaço para que eu passe.

Atendo no automático, continuo minha observação, agora intrigada


por confirmar a veracidade dessa coincidência.

O ambiente parco, iluminado por duas lâmpadas dispostas em cada


lado de um sofá grande e espaçoso. Na outra extremidade, um balcão
pequeno com bebidas e copos, enfeitados por uma luz neon vermelha.

Um lugar íntimo e aconchegante, deduzo ser uma das salas


ofertadas pelo clube, como o senhor havia informado para Nikita e eu antes
do show.

— O que acontece agora? — questiono, quando passa por mim e


vai até um aparelho de som.

— Pelo visto, você é nova nesse lance — afirma, antes de se voltar


na minha direção.
A mesma música que dancei no palco entra no sistema de som, ele
caminha até o sofá, se senta de forma displicente e à vontade.

— Não respondeu à pergunta.

— Agora você dança. — Tira do bolso da calça um maço de notas


e as coloca sobre o encosto do sofá.

— Quem é você? — Cerro os olhos, interessada.

— Já disse meu nome, agora dance.

Yerik...

O segurança na porta mencionou seu nome, ele não é um simples


cliente. Deve ser um gerente ou algo do tipo, por isso teve acesso aos
bastidores e mantém esta sala.
Sinto um tremor percorrer meu corpo, o receio de ser descoberta e
a lembrança do aviso de Nikita recordam o motivo de aceitar toda essa
loucura.

Caminho a passos lentos, jogo os quadris para os lados, sedutora,


quando estou diante dele abro suas pernas e giro o corpo. De costas,
começo a me mover como fiz no palco, desço e subo, sinto o roçar do seu
jeans em minhas pernas.

Abaixo com as mãos espalmadas no chão, deixo por um momento


a visão privilegiada do meu traseiro bem na sua frente, levanto-me e sento
no colo, próximo aos joelhos.

Faço movimentos de vai e vem esfregando meu centro em suas


pernas, não recuo tanto, para não tocar sua virilha, de propósito. Sinto sua
respiração nas minhas costas aquecer a pele e causar arrepios pela espinha.
A excitação retorna intensa, entorpece a razão e o limite que
deveria colocar quando suas mãos grandes encaixam no meu quadril e
trazem meu corpo para próximo dele.
Sinto a dureza crescente do seu jeans me cutucar por baixo, rebolo
e curvo o corpo, encostando a cabeça em seu ombro. Sua boca captura meu
pescoço de imediato e as mãos sobem, parando embaixo dos seios.

Ele suga meu pescoço, levo uma mão até sua nuca e o puxo ainda
mais para mim. Braços fortes circulam minha cintura, o ataque não cessa,
uma mão sobe e crava os dedos na base da minha mandíbula, enquanto a
outra me firma no lugar, assim ele move os quadris, criando um atrito
gostoso com o jeans no meu vão.

Um gemido escapa da garganta, deve ter ouvido, pois seu aperto se


intensifica. Com a mão livre, desço e tento alcançar o interior da calcinha,
preciso de alívio rápido.

Ao perceber minha intenção, Yerik empurra meu braço com a mão


que firmava a cintura e ele mesmo toma a tarefa que pretendia executar.
Seus dedos escorregam para dentro da renda e ágil encontra meu
clitóris, já úmido e inchado pelo prazer. Movimentos circulares, sutis,
aumentam minha necessidade e começo a mover os quadris de encontro ao
seu, com afinco e rapidez.

— Eu preciso... — solto, com dificuldade.


A pressão do toque aumenta, os movimentos se intensificam, sinto
choques irradiarem no meu ventre e espalharem por todo meu sistema. Em
poucos segundos os tremores atingem minhas pernas e consequentemente o
corpo.
Estremeço com o grito silencioso, a boca totalmente aberta e seca
com a ingestão de ar, meus sentidos falham por alguns segundos enquanto o
êxtase percorre como uma droga potente e alivia a carne.

Ele para de me tocar e interrompe seus beijos molhados em meu


pescoço, para chupar todo meu gozo dos seus dedos.

Com agilidade, ele me coloca deitada no sofá e cobre meu corpo,


quando tenta beijar minha boca, desvio, provocativa, então morde minha
bochecha e passa a língua no local.
Continua seu ataque descendo o caminho e só paraliza quando
alcança meu colo, com ambas as mãos puxa a peça que uso e a rasga ao
meio. Solto um grito, assustada com a violência, mas ainda mais cativa pela
brutalidade que o toma pouco a pouco.

Sinto meus bicos serem espremidos quando ele os aperta entre os


dedos e cobre um com a boca, chupando e mordendo ao final. Tenho
certeza de que amanhã minha pele marcada será uma lembrança prazerosa
deste momento.
Levo as mãos acima da cabeça, ele levanta o corpo para tirar a
camisa e a calça e admiro seus desenhos espalhados pelos braços e peitoral.
Não identifiquei nenhum característico da máfia, o conjunto forma um
único desenho maori, acredito eu, não parecem de origem russa.

Desço o olhar e tenho a visão privilegiada do seu membro, duro,


grande e ereto, pronto para me invadir sem piedade alguma. Prendo os
lábios quando o vejo desenrolar a camisinha sobre ele e penso o quão bom
será ser preenchida por aquilo tudo.
— Fique de joelhos e apoie no encosto — ordena, ao sair
totalmente do sofá.
Faço o que pede, joelhos apoiados no estofado, antebraços no
encosto e a traseira empinada o máximo possível.

Seus dedos abrem minhas nádegas e sinto sua língua passear por
ali, até parar no meu canal e sugar com força. Sensibilizada pelo orgasmo,
sinto fisgadas prazerosas cada vez que ele repete o movimento.

— Você tem um gosto delicioso, zólattse mayó[11]. — A voz


tomada pela excitação sai pesada, rouca.
Ele levanta e seu membro se encaixa com perfeição na entrada
certa, as mãos apertam meu quadril ao mesmo tempo que arremete para
dentro, com força.

Solto um grito, surpresa, meus seios chacoalham quando repete a


investida brusca algumas vezes, até que suas mãos o cobrem, apertando os
bicos e sua boca cola em minha nuca.
Os movimentos nunca interrompidos preenchem meu interior
sedento, a cada estocada parece querer tomar mais de mim, suas mãos,
assim como a boca, instigam ainda mais o prazer que volta a me colocar à
borda.

— Quero sentir sua boceta apertada estrangular meu pau quando


gozar, zólattse mayó — sussurra no meu ouvido, com a respiração
entrecortada.
Uma das mãos abandona meu seio e escorrega pelo ventre até
alcançar o clitóris. Movimentos rápidos fazem meu corpo tremular, a
temperatura febril aquece todo meu sistema e logo explodo em um orgasmo
intenso.
Fortes tremores tomam conta, não consigo manter a posição e as
pernas falham. Yerik aperta seu braço em torno dos meus seios, mantém a
carícia no meu ponto prazeroso, as ondas de prazer continuam com seu
estímulo, mas ao trazer minhas costas para sua frente, fico impedida de me
mover.
Seu pau castiga meu canal, movimentos intensos e rápidos, seus
gemidos audíveis em meu ouvido, a fricção incômoda a princípio, volta a
ser estimulante.

Grito em êxtase, fecho os olhos ao sentir uma tontura e logo


explodir em um segundo orgasmo instantâneo. O canal pulsa descontrolado
e logo sinto seu pau inchar e se esvair dentro de mim.
— Zólattse mayó. — Ouço seu sussurro, momentos antes de
apagar por completo.
Capítulo 7

Acordo, assustada, levanto-me rápido do sofá espaçoso e seguro o


lençol que cobre minha nudez. Percorro o ambiente, a fim de situar onde
estou e o que exatamente aconteceu, então as lembranças da noite anterior
retornam uma a uma.

Caminho até uma pequena poltrona que contém minha bolsa e


roupas deixadas no camarim antes do show. O homem, já não misterioso,
teve o cuidado de recolher meus pertences, o que facilita minha saída, sem
um segundo contato.

Pego as roupas, aperto o lençol em torno do corpo mais uma vez e


marcho para a porta anexa, que deduzo ser um banheiro. Visto-me com
pressa, quero dar o fora daqui antes que alguém apareça e isso inclui o tal
Yerik.
Se foi cuidadoso a ponto de me cobrir e deixar os pertences aqui
prova que sua falta de vontade em me ver uma segunda vez é tão escassa
quanto a minha.

Encaro o reflexo do espelho estreito, a maquiagem borrada,


cabelos revoltos, estou nitidamente com a feição de quem acabou de fazer
sexo quente e suado.

Observo marcas avermelhadas ao longo do pescoço, sou muito


branca, qualquer aperto mais intenso deixa a pele vermelha com facilidade.
Passo as mãos no local quando sinto um leve arrepio percorrer o corpo com
a memória do seu toque.
Só lamento não ter aceitado seu beijo quando tentou ontem, ficarei
na curiosidade se é tão bom quanto todo o resto, porque sim, Yerik é
memorável no sexo.
Quando termino de vestir a roupa, retorno à sala, recolho minha
bolsa e casaco, pronta para sumir dali, mas algo no apoio do sofá chama a
atenção e aproximo, cautelosa.

Um bolo gigante de notas com um bilhete sobre ele.

“Seu pagamento.”

Pego o montante nas mãos, lembro-me de combinarmos uma lap


dance, que nunca custaria tudo que tem aqui, talvez seja pela dança no
palco, ainda assim, é dinheiro demais para quem nem chegou a ficar nua.

Um estalo clareia a mente, sinto o sangue ferver instantâneo nas


veias, aperto o maço de notas nas mãos e marcho como um trem
desgovernado para fora dali.

Desço as escadas, apressada, ouço vozes vindas do salão principal


e espero que seja de quem procuro. Passo por uma cortina e salto o degrau,
o barulho chama a atenção dos quatro homens que conversam em torno de
uma mesa de apoio.
Todos se voltam na minha direção, que não paro de andar até
alcançar meu objetivo: o zopa[12] que está entre eles.

— Kóchetchka[13], a saída é por lá — um dos homens avisa, em


tom zombeteiro.

— Eb tvoju mat[14]! — Aponto o dedo em riste, que faz o imbecil


recuar, surpreso. — Sua trepada não vale tudo isso, mas valeu a intenção de
recompensar a frustração. — Jogo a pilha de notas sobre a mesa, que se
espalham e caem pelo chão.
Os olhos cravados nos dele faíscam, ódio emana de mim e estou a
ponto de agredir qualquer um que disser uma porcaria que for, só para
descontar parte da raiva.

Ele também parece surpreso e confuso, um lampejo de lamento


chega a passar por seus olhos, mas ele recupera a feição austera e apoia um
antebraço sobre a mesa, a outra mão ele usa para coçar o queixo, dá a
impressão de pensar no que responder.
— Nos deem licença. — A voz baixa, entretanto, de comando
claro, afasta os homens de imediato. — Você é mais bonita do que imaginei.
Confesso que a fantasia era excitante, mas conhecer o que a máscara
escondia é infinitamente melhor.

Levo uma mão ao rosto por reflexo, solto um xingamento baixo, a


renda deve ter saído quando dormi, me surpreendo por não ter sido ele
mesmo a tirar depois que apaguei, mas pela forma que me encara curioso,
acredito na sinceridade das palavras.
— Não sou prostituta. — Volto ao ponto da minha ira.

— Você é nova na casa e não sabe como as coisas funcionam por


aqui. Entendo. Deixe-me fazer uma pergunta: dançar em um palco, tirando
a roupa, aceitar uma sala privada com um homem que nunca viu e ceder ao
toque dele de imediato, lhe classificaria como o quê? Uma dama curiosa?
— Sua boca ostenta um fraco sorriso ao final.
— Uma mulher dona de suas vontades e desejos. Eu não passei um
preço, você não deveria ter deduzido.
— Não vou me desculpar por agir de acordo com as regras do
clube. Você topou a sala privada, transamos, paguei pelo serviço. É isso.

— Pois então enfie o dinheiro onde julgar melhor, não preciso


dessa porcaria. Até porque o valor pago não compensa o momento
enfadonho.

Seu riso baixo escapa, enquanto levanta e contorna a pequena


mesa, parando diante de mim. Vestido em uma camiseta preta, um colar
diferente apoiado naquele peitoral marcado, jeans ajustados, que
evidenciam ainda mais a virilha quando enfia ambas as mãos nos bolsos.

— Enfadonho? — Pondera a palavra. — O valor pago foi pelos


seus serviços, não os meus. Se fosse o contrário, com certeza sairia daqui
me devendo. — O rosto se aproxima do meu e por reflexo recuo a cabeça.

— Não tenho que aguentar suas merdas, russo. Vou embora daqui.
— Pretende vir dançar hoje? — Sua pergunta me pega de surpresa.

Ele pensa que sou uma funcionária, assim como ele.

— Nunca nesta vida. — Ergo o dedo do meio, enquanto giro os pés


e marcho determinada para fora deste lugar.

Sem olhar para trás, decido esquecer tudo o que aconteceu desde
ontem e deixar esse episódio como mais um feito dentro das escolhas
erradas que fiz ao longo da vida.
Chego em casa já é tarde, passei na espelunca que trabalhava para
receber o pagamento da semana, fui avisada de que não precisaria mais
voltar, o que não pretendia, de qualquer forma, já passou da hora de tomar
outro rumo.

Vejo o vulto da minha mãe caminhar na cozinha, não nos falamos


desde a briga, o que é bom, assim as coisas esfriam e seguimos adiante.
Entro no quarto, pego o celular do bolso e envio mensagem para
outros pubs e empresas que presto serviço, mas nenhuma delas tem algo
disponível para agora.

Dispenso o aparelho na cama, me jogo para trás e fecho os olhos,


inspirando profundamente.

Momentos da noite anterior retornam, sem permissão, a dança no


palco, o sentimento de ser observada seminua, imagino como seria se
tivesse retirado uma peça e mostrado mais para aqueles desconhecidos.
Mãos grandes percorrem minhas curvas, os movimentos ritmados
dentro de mim, Yerik rouba as lembranças e prova a mentira descabida que
proferi na hora da raiva.

De longe, ele foi o sexo mais intenso que já compartilhei, a cada


toque meu corpo entrava em frenesi, implorando por mais, tirou o eixo e
controle que costumo exercer no ato.
Estava entregue, torpe e sem qualquer barreira para o que Yerik
quisesse. Uma marionete sexual, manipulada e no aguardo de tudo que
fosse ofertado.
Ouço o celular vibrar repetidas vezes, estico o braço e o pesco. O
nome do Danya ilumina a tela em ligação, volto o celular para o lugar e
ignoro deliberadamente.

O barulho cessa e recomeça em seguida, bufo, irritada, sei o quanto


esse lutador é insistente e vai me atormentar até que atenda sua chamada.

— Oi — atendo, brusca.

— Boa tarde, slátkaya! Como vai?

— Melhor antes da sua ligação.

— Duvido. Estou na porta do seu prédio. Desça, vamos conversar.


— O quê? — solto um grito e levanto com rapidez. — Por que
veio até aqui?

— Desça e vai descobrir.

Encerro a chamada sem anunciar, saio correndo do quarto e quase


esqueço as botas próximas ao bengaleiro. Calço, afoita, e desço a escadaria,
apressada.

— O que esse homem quer? — Dou voz aos meus


questionamentos ao abrir o portão e atravessar a rua.

Quando penso que terei um momento de paz, vem outro russo


terminar de ferrar com meu juízo.
Capítulo 8

Danya está encostado no carro, mãos no bolso, perna cruzada sobre


a outra e um sorriso amistoso nos lábios. Óbvio que chama a atenção das
pessoas ao redor e isso vai gerar comentários na vizinhança.

— Slátkaya! Como vai? — Abre os braços e eu fecho os meus em


torno do corpo.

— Não deveria ter vindo aqui, pode me arrumar problemas com a


família.

— Não sabia que é proibida de ter amigos.

— O motivo não lhe diz respeito, Danya. O que é tão urgente?

— Estive no bar que trabalha ontem e disseram que foi dispensada.


Não respondeu minhas mensagens, fiquei preocupado. — Sua voz parece
culposa, mas sinto o pequeno tom de cobrança por meu sumiço.

— Já deu meu tempo naquele lugar. Agora estou em busca de outra


coisa.

— A última parte foi para mim ou para o trabalho?

Dou de ombros e opto por não responder. A intenção nunca foi


magoar Danya, tenho grande carinho e afeição por ele, mas existe um limite
que infelizmente foi rompido e não é mais confiável permanecer perto.
— Katrina, eu gostaria de conversar sobre nós. Vamos jantar hoje,
em um restaurante que conheço, prometo te devolver inteira. — Danya
pisca um olho, travesso.
— Não acho que seja uma boa ideia.

— Por favor, Katrina. Vai ser divertido — insiste e seu olhar


apelativo balança minha determinação.

— Como amigos?

— Tak! Como amigos.

— Tudo bem. Manda uma mensagem e te encontro no lugar.

— Eu te busco.

— Tak!

— Katrina? — Volto a atenção para o lado e vejo meu pai se


aproximar.

Quase gemo em lamento, isso não é nada bom.

— Pai. Esse é Danya Viktorovich, um amigo meu.

— Danya, esse é meu pai, Kolya Ivânovitch.

— Como vai? — Meu pai tira as luvas que usava e aceita o


cumprimento de Danya.

— Vamos entrar, Katrina. Chame seu amigo. — Ele sinaliza para


Danya, cortês, porém, o desespero me toma.

— Net! — Balanço a cabeça em negação. — Danya tem trabalho


agora, precisa ir.

Faço uma careta para o lutador, que parece desanimado com a


minha recusa imediata, mas acaba por acatar a decisão.

— Infelizmente não posso, quem sabe em outra oportunidade.


— Sinta-se convidado. — Meu pai acena e entra.
Uma pessoa de poucas palavras, com atitudes bem diretas e
corretas, meu pai sempre foi um homem educado e receptivo, mas nunca
havia convidado um dos meus casos para entrar em casa.
Se bem que nenhum deles chegou a ser ousado como Danya, a
ponto de aparecer sem ser chamado.

Meu pai nem imagina todas as merdas que tenho vivido quando
saio à noite. Para seu conhecimento, estou trabalhando e somente isso,
tenho certeza de que a mãe não contou sobre nossas discussões, caso
contrário, nossos laços estariam rompidos definitivamente.
Dispenso Danya com a promessa do jantar e somente isso. Apesar
de tentador, não tenho intenção alguma de aquecer os lençóis desse lutador
insistente.

Retorno ao apartamento, no intuito de fugir de possíveis


questionamentos, tomo a dianteira e rumo direto para o quarto, mas a voz
imperativa do meu pai me freia, antes que alcance a porta.
— Gostei do rapaz, filha. — Giro o corpo em sua direção.

— Ele é só um amigo, pai — deixo claro.

— Não acho bom ficar de conversa com homens na rua, Katrina —


minha mãe alerta.

Sabia que ela diria isso, sua preocupação em não manchar a honra
da família e ter uma filha mal falada é mais importante que aceitar a
maneira desprendida que ajo.
— Ter amigos não é errado, mãe.

— Mas as pessoas...
— O que importa as pessoas, afinal? Ninguém deve cuidar da
minha vida.

— Ela tem razão, mulher. Nossa filha trabalha duro e sempre nos
respeitou. Não há mal algum em se divertir um pouco — meu pai
argumenta, em minha defesa.

— Só acho que está na hora da Katrina procurar algo mais


convencional para trabalhar. Você disse que conversaria com aquele
conhecido da imobiliária.
Arregalo os olhos, não acredito que agora ela está procurando um
trabalho para mim.

— Falei, mas não tem nada disponível. Assim que tiver, ele me
avisa.
— Não estou interessada em mudar de ramo.

— Vai trabalhar como uma pessoa normal, Katrina. Seu pai lhe deu
liberdade demais por todo esse tempo, chega disso. — Determinada, solta o
pano que usava para secar algumas louças.

— Mãe, isso é tão retrógrado, que não sei nem por onde começar a
lhe explicar...

— Não quero explicações, Katrina, isso não é um acordo ou


negociação. Vai trabalhar e dar rumo à sua vida. Quem era o homem na
entrada?
— Danya, um amigo. Já disse.

— Por que ficou tão nervosa, Vanya? — meu pai questiona, sem
entender aonde ela quer chegar.
— Por nada, só quero o melhor para nossa filha, Kolya. — Sua voz
soa cansada.

Seus olhos miram os meus e sei que optou por calar mais uma vez
e não dizer tudo que pensa.

Ela acompanha mais a minha rotina do que meu pai, sabe dos meus
horários e, por vezes, o quão bêbada cheguei em casa. Seu julgamento ao
comportamento que tenho é o pior, mas prefere guardar para si a ter que
admitir na frente dele.

Aceno com a cabeça e volto para o quarto, encosto na porta com o


ombro, fecho os olhos e acalmo o turbilhão de sentimentos que se forma
toda vez que sinto perder o controle da minha vida.

Preciso ser racional, já perdi um emprego, os outros que costumo


trabalhar alternativos estão escassos de serviço e sem contratação no
momento, algo precisava ser feito, de qualquer forma.
Mudar de ares talvez seja bom, um trabalho diurno, sossegado,
horários a cumprir, uniforme para usar, sem bebidas, drogas ou clientes
salientes, acalmar a rotina pode me ajudar a centrar meu eixo.

Depois da noite de ontem, disposta a dançar nua na frente de


estranhos e ser confundida com uma prostituta, já é hora de mudar as coisas
e finalmente tentar seguir adiante.
Minha única dúvida é se realmente tenho forças para isso.
Danya nos conduz até a mesa do restaurante escolhido, de bom
gosto e refinado, o ambiente é muito agradável e bem frequentado.
Agradeço internamente pela escolha de roupa que fiz, um vestido preto
discreto e botas em verniz do mesmo tom.

— Fique à vontade — fala, ao puxar a cadeira para mim, tão


próximo ao ouvido que chega a arrepiar o local.

— Obrigada. — Ajeito a cadeira, enquanto Danya contorna a mesa


e toma seu lugar.

O garçom se aproxima e nos entrega o cardápio, sorrio,


abobalhada. Já estive em restaurantes refinados, mas nunca com o homem
que costumava sair, principalmente agora, como amigos.

— Vinho?

— Preferiria uma balada e doses de vodca, mas hoje você resolveu


gastar alguns rublos comigo, não irei reclamar.

— Você vale muito mais que isso, slátkaya. — O riso amistoso


enfeita seus lábios bonitos e o olhar carinhoso me deixa incomodada.

— Bom. Já que valho tanto, quero o prato mais caro e o melhor


vinho — fecho o cardápio e falo, zombeteira.
— Boa escolha. — Danya sinaliza para o garçom e passa os
pedidos.

Com as mãos sobre o colo, olho ao redor e observo as pessoas


entretidas com sua comida e conversas aleatórias. Com certeza me
acostumaria fácil com esse tipo de vida.

Algo chama minha atenção e miro em direção à entrada. Sinto a


boca secar, as mãos aflitas apertam as pernas por reflexo e meu espanto
quase me faz levantar e sair correndo daqui.
Yerik caminha determinado e imponente para uma mesa, próxima à
nossa, acompanhado de alguns homens de terno e se acomoda com uma
visão privilegiada de onde estamos.

— Yerik Petrovich — Danya menciona e ergue a mão para


cumprimentá-lo.

— O que está fazendo? — questiono, com a voz sofrida e abaixo


meu corpo na cadeira, ao tentar tapar parte do rosto, mesmo sabendo que é
inútil.

— Cumprimentando um conhecido. Ele é o dono da boate que


fomos, dias atrás.

— Então ele é o dono? Bem que dava pra desconfiar — solto,


reflexiva.

— Você o conhece? — Sua atenção volta para mim, olhar


questionador e um semblante não muito contente.
— Seu vinho, senhor. — Um homem se aproxima com a garrafa e
me salva de um momento impróprio.
Se Danya levasse o assunto adiante, eu não mentiria sobre meu
envolvimento rápido com Yerik. Não temos nada e não preciso ser
cuidadosa com o que faço da minha vida.
Capítulo 9
Jogo o celular sobre a mesa, a força o faz deslizar e quase cair da
superfície. Levanto da cadeira e quase a derrubo, minha raiva é tanta que
preciso descarregar em algo, por isso soco, repetidas vezes, a parede atrás
de mim.

Pavel, meu assessor e braço direito, acompanha os negócios da


família desde que era só um bar fétido e mal frequentado. Trabalha conosco
desde que meu pai abriu, antes mesmo de eu chegar aqui.

— Achem ele — ordeno, com a voz cansada por descontar minha


raiva nos golpes.

— Sabe que isso requer alguns contatos com a...

— Eu sei. — Viro minha ira em sua direção.

Com um acenar de cabeça, quase imperceptível, ele sai da minha


sala em busca de resolver o problema da vez. Por esse motivo, continua
sendo o homem de confiança dos negócios e consequentemente meu.

Pavel é discreto, ágil e sabe como proceder nas situações extremas.

Só quero que essa maldita semana acabe e eu possa enfim


descansar. Foram meses planejando, construindo e com cautela nos
afastando o máximo possível do vínculo que mantemos com a máfia.

Desde que me envolvi com a boate, imaginava transformá-la em


algo plausível, que ainda mantivesse o entretenimento adulto, porém, mais
limpo e honesto que antes.

Ouço meu celular vibrar, o alcanço com pressa, prevendo que seja
notícias do problema, mas é um funcionário informando sobre a mudança
de uma das dançarinas.
Controlo cada passo, colaborador e atividade que acontece aqui
dentro, aceitei o acordo de ser protegido pela organização, que
indiretamente é ligado com a máfia, mas ao menos nos torna um pouco
mais independentes.

— Preciso de uma boa dose de uísque e uma boceta quente. —


Esfrego o rosto com as mãos, cansado.

Verifico a hora, tenho tempo para um banho rápido, antes que as


coisas esquentem na pista. Apesar de designar chefes para cada setor e
ainda contar com o empenho de Pavel, procuro manter tudo sob meus
olhos.

Não cheguei até aqui sendo um tolo que confia em todos. Desde
muito cedo aprendi que na vida só teria a mim, abandonado pela minha
mãe, adolescente, vim para Rússia viver com o pai biológico que só
conhecia o nome, até então.

Sou filho de colombiana, segundo dona Lourdes González,


conheceu meu pai quando veio para a Rússia com os avós. Um
envolvimento rápido, ela engravidou e escorraçada pela família se mudou
para a casa dele.
Não era bem uma casa, naquela época meu pai era envolvido com
cafetinagem, estava abrindo o bar e lucrava com os clientes e prostitutas
que frequentavam o lugar.

Quando estava com três anos, ela o deixou, disse que não era uma
vida digna e voltou comigo nos braços para a Colômbia. Nunca mais ouvi
falar dele, até treze anos depois, quando se casou novamente e montou sua
vida perfeita.
Meu padrasto e eu nunca nos demos bem, seu jeito autoritário,
tentava controlar minha criação e, como rebeldia, passei a tatuar o corpo, já
que isso o irritava.

Quando completei dezesseis anos, ela avisou que embarcaria para a


Rússia e viveria com meu pai. Estava grávida do primeiro filho deles, meu
padrasto e eu não nos falávamos e quando acontecia, eram discussões que
quase resultavam em agressão.

Cheguei aqui, fui apresentado ao meu pai, que não me lembrava,


ao irmão mais novo, Mickail, na época tinha onze anos, filho de uma das
prostitutas que trabalhava no bar.

Minha adaptação foi mais fácil que imaginei, falava inglês, pouco,
mas conseguia me virar, entretanto, em meio aos russos, logo aprendi a
língua.

O porte austero e imponente, as tatuagens pelo corpo, que


apareciam vez ou outra dependendo da camisa, colocou medo em alguns
desordeiros e isso encheu os olhos do meu pai.
Logo estava interagido com o bar, aprendi a lutar e me defender,
segundo ele era necessário, outra coisa que me foi imposta: o cuidado com
a família, independente do que acontecesse.

Três anos vivendo com eles, a mãe de Mickail morreu, overdose,


achamos o corpo dela seminu em um dos quartos, meu pai riu na ocasião e
disse que era uma boca inútil a menos para sustentar.
Ele nunca foi um exemplo de virtude e hombridade, isso é fato. A
dureza e intransigência era clara em suas atitudes, Mickail e eu nunca
soubemos o que era carinho, desconfio que meu irmão era ainda pior, já que
nem a mãe lhe dava isso.
Naquele dia, meu pai trancou Mickail no quarto por estar chorando
e, segundo ele, homens não choravam. Foi a primeira vez que o enfrentei,
assim ambos, meu irmão e eu, ficamos confinados no mesmo lugar, sem
comida ou água, mas pude consolá-lo.
Uma pena que cheguei tarde na vida do garoto, Mickail já era um
desvirtuado jovem e tudo só piorou depois da morte da sua mãe.

— Eb tvoju mat[15]! — Ouço a voz irritante do meu irmão passar


pela porta do escritório, assim que saio do banho, enrolado com uma toalha
na cintura.

Logo atrás dele entra Pavel e dois seguranças contratados da casa,


trocamos um olhar significativo e sei exatamente onde meu irmão caçula foi
encontrado.

— Onde estava? — questiono, ao abrir a porta do armário


embutido que guardo algumas mudas de roupas emergenciais.
Praticamente vivo neste lugar, tenho mais familiaridade com o
escritório do que a casa que divido com a família.

— Não preciso responder, pelo visto, seu cão treinado já lhe


informou. — Mickail se joga no sofá, apoia os pés sujos pela neve nele
cruzando um sobre o outro.

Avanço, como um trem desgovernado, acerto um tapa que joga


suas pernas para fora do móvel, junto sua jaqueta com as duas mãos e o
coloco em pé.

Minha atitude repentina não o assusta, já esperava por isso,


enquanto ele sempre bancou o dissimulado e agiu na surdina, eu era o que
brigava, urrava e consequentemente era punido por nosso pai.
— Não brinque comigo, brat[16]. — Encosto meu rosto bem
próximo do seu e o sorriso cínico surge em seus lábios.

— Ou o quê?

— Ou contato Cossack e aviso que você está por conta a partir de


hoje.
O semblante de descaso dá lugar ao medo, mesmo que por um
momento, vejo a surpresa com a ameaça feita, já que por toda a vida suas
atitudes e escolhas tortuosas sempre foram acobertadas, primeiro pelo nosso
pai, depois por mim.

— Vai me entregar aos carniceiros?

— Se não entrar na linha, sim. Eu irei.

— Parece que você esqueceu os ensinamentos que nosso pai


deixou. Família protege família, Yerik. — Ele empurra minhas mãos, o que
me obriga a soltar sua jaqueta.

— Ele também te ensinou a pisar na lama e sair ileso. Você está


cada vez mais se afundando em sujeira.

— Só porque agora você quer um comércio bonito e decente, não


quer dizer que eu queria.

— Você deveria estar comandando isso ao meu lado. Trabalhando,


olha aonde chegamos, o império que construímos e hoje mais
independentes das garras da máfia.

— Trocou a máfia direta pela organização. Sinto lhe informar, mas


não mudou muita coisa.
— Já é um começo, Mickail. Todos podemos recomeçar, não
importa onde paramos.

— Sem o papo samaritano, você está longe disso.

Volto para o armário, tiro a toalha e visto com rapidez a roupa,


volto-me para todos, Pavel aguarda minhas ordens.

— Leve-o para casa e fiquem de olho para que não saia.

— Isso é ridículo — Mickail protesta.

— Concordo, mas você não me dá muita escolha.

Mickail chuta a mesa de apoio ao lado do sofá, duas esculturas de


vidro caem e estilhaçam no chão. Um dos seguranças avança um passo, mas
o olhar de Pavel o faz parar.

— Yebvas[17]! — grita e sai a passos apertados do escritório.

Solto o ar com pesar e só consigo pensar que preciso demais de


uma boa distração.
Capítulo 10

Os seguranças seguem Mickail, Pavel, com toda a calma que lhe é


peculiar, fecha a porta e continua a me encarar, esperando pela ordem para
tomar a palavra.

— Quanto desta vez?


— Não muito. Chegamos a tempo de pará-lo, mas se continuar
dessa forma, ficará complicado, Yerik. Cossack aceitou o acordo, aumentou
a porcentagem de proteção e deixou claro que não quer ver Mickail aos
arredores dos negócios da rua.

— Meu irmão é autodestrutivo, Pavel. Um perigo para ele mesmo.

— Para ele, para você e para tudo que construiu depois que seu pai
faleceu.

— É meu fardo, não tenho muito que fazer. Não se deixa a família
à própria sorte.

— Falou como Petrov Alekseievitch. — Encaro seu semblante, tão


resignado quanto eu.

— Anos de convivência, talvez tenha nos deixado iguais.

Pavel avança alguns passos e apoia a palma da mão sobre meu


ombro, mesmo com uma estatura bem menor que a minha, sendo meu
subordinado, tenho imenso respeito pela lealdade que sempre dispensou a
nós.

— Você ainda tem coração, Yerik, seu pai nunca o teve.


A casa está lotada, a parceria com a organização foi bem vantajosa,
nos colocou em evidência e ajudou a trazer o público certo para o local.
Mesmo com a atividade de entretenimento adulto, o clube é frequentado por
todos os gêneros e o ambiente é tão igual a qualquer danceteria de nível em
Moscou.

No fim das contas, mulheres tirarem a roupa no palco e palanques


distribuídos no salão se tornou o diferencial que convida claramente à
luxúria todos que aqui pisam.

Perto do bar, observo o movimento na pista, hoje as dançarinas


contratadas dançam no palco e nos palanques laterais. Aqui seguimos uma
regra essencial: fornecemos entretenimento e aluguel de salas privadas, o
que acontece dentro delas não é da nossa conta.

A lei nos proíbe cobrar pelo sexo, por isso nosso preço está na
locação de um lugar, o que rola depois que a porta se fecha é problema do
cliente e da dançarina.

Perto do último palanque, as cortinas abrem e uma mulher esguia


de cabelos medianos toma o centro do palco. Movimentos contidos,
sedutores, mas tímidos e a máscara sobre o rosto denuncia sua
inexperiência.
Deve ser sua primeira vez aqui, nunca vi nenhuma das dançarinas
usarem artifícios para esconder a identidade, acostumadas a vida de
stripper, não fazem questão de ocultar nada, a não ser que seja alguma
exigência da noite.

Alguns homens se aproximam, atentos aos movimentos que


começam a ficar ousados, sua falta de intimidade com a barra a faz dançar
no chão, o que torna seu gingado ainda mais sensual.

Instigante.
Seu corpo escorrega, chega próximo a um homem, mas logo afasta.
As mãos percorrem suas curvas, como se estivesse se dando prazer, os
lábios entreabertos, está ofegante, excitada com o momento que vivencia,
então fica em pé e vira de costas, pronta para tirar a peça que cobre os seios.

Não hoje.
Saco o celular e disco o número de Pavel, que atende no primeiro
toque.

— Cabine sete, feche a cortina quando ela estiver a ponto de tirar


alguma peça reveladora. Envie por mensagem a música que toca na sua
área. Não quero ser incomodado — anuncio as ordens e não preciso
aguardar sua confirmação. Sei que fará tudo exatamente como mandei.

Dou a volta no balcão, com pressa, deste lado do salão e para evitar
a aglomeração, preciso contornar o espaço pela retaguarda, toma certo
tempo e quero estar à sua espera quando descer da cabine.
Termino de vestir as roupas, vasculho os bolsos e tiro todo o
montante que tenho comigo, não me dou ao trabalho de contar, sei que tem
muito mais do que é pago por uma acompanhante.

Deixo ao seu lado no sofá, observo seu rosto coberto pela máscara,
o ressonar pesado mostra que chegou ao limite com tudo que fizemos,
sinceramente faria até mais, mas não quero que fique exausta.
Teremos outras oportunidades para aproveitar ainda mais do seu
corpo quente e convidativo. Nunca um gemido feminino foi tão atraente aos
ouvidos como o seu.

O toque, a reação da sua pele, o corpo em brasa, o canal úmido,


que me deixou mais sedento a cada estocada para me perder em definitivo
dentro dela, fez a mente se desligar por completo.

Algo que não acontecia há muito tempo.


Com a ponta dos dedos limpo seu rosto dos poucos fios que se
espalham sobre ele. Toco a beirada da máscara, curioso para tirar e
desvendar a beleza que esconde.

Antes que seja trapaceiro, afasto as mãos, rio achando graça na


hombridade que quero exercer nessa situação.

Saio da sala privada, envio mensagem para Pavel, ordeno que


coloque seus pertences pessoalmente na sala e um segurança na porta,
assim ninguém entrará ali a pegando nua. Por algum motivo, não me agrada
a ideia de outras pessoas verem sua nudez como vi.

É ridículo, para dizer o mínimo, mas meus desejos nunca foram


coerentes, no fim das contas.

Entro no restaurante e imediatamente a localizo na mesa ao canto,


junto do lutador do sul. Fecho as mãos em punho, incomodado, escolho
uma mesa privilegiada, assim posso observar tudo que se passa.
Depois da cena montada no salão em frente dos funcionários, pedi
para Pavel descobrir quem era a moça esquentada, dos olhos mais
expressivos que já conheci.
Fiquei hipnotizado com sua beleza, tinha certeza de que o rosto era
tão lindo quanto o corpo, mas nada me preparou para a ira em seus traços.

Katrina Kolyavna Pavlova, vinte e três anos, prima de Aleksandra,


que atualmente está envolvida com Russell, mas já esteve com Krigor
também.

Ao que parece, Katrina não é contratada da minha boate, esteve lá


para cobrir uma das dançarinas, por isso sua negação quando perguntei se
voltaria hoje.
Estive em seu endereço, por sorte do destino, cheguei quando
entrou em um carro e seguiu para este restaurante. Não fazia ideia de que
seu acompanhante é um lutador da organização, isso pode me trazer
problemas, porém, pelas informações que tenho, não são um casal.
— Preciso cumprimentar um amigo — aviso alguns camaradas que
encontrei na entrada e rumo para a mesa.

Hora da verdade.

— Yerik Petrovich, como vai? — Danya levanta e estende a mão


para mim.

— Danya Viktorovich, meu lutador favorito. Vou bem e você?

— Desconfio que seu favoritismo não é para mim.

— Pode ter razão. Como vai, Katrina? — Viro-me para meu


objetivo da noite.

Seus olhos param nos meus, ela não levanta, mas aceita minha mão
em cumprimento. Aproveito para acariciar além do suficiente o que a faz
puxar os dedos rapidamente.

— Estou ótima.

— Fico feliz em saber.

— Vocês já se conhecem? — Danya aponta de mim para ela.

— Sim, ela estava na boate ontem. Tivemos a oportunidade de nos


conhecer melhor.

Solto as palavras com ênfase no melhor e isso faz Katrina levantar


de repente da cadeira.

— Preciso ir ao banheiro.
— Estou com uns amigos, também preciso voltar. Tenham uma boa
refeição e, por favor, são meus convidados para a boate hoje.

— Obrigado.

Danya sorri, amistoso, mas sua acompanhante rosna baixo, os


olhos irritados e acalorados, como vi mais cedo, o que me deixa
imensamente feliz. Deixo a mesa no mesmo momento que ela, aviso meus
amigos que estou de saída, uma emergência qualquer e parto direto para o
clube.
Se a provocação funcionar, hoje a terei novamente em meu
território, mesmo acompanhada do lutador, darei um jeito de ficar sozinho
com ela e reviver todas as sensações que passamos na noite anterior.
Capítulo 11

Entramos em uma área vip, muito parecida com as que estávamos


na primeira noite em que pisei nesta boate, porém, aqui o ambiente é menor
e ainda mais exclusivo. Uma área destinada ao proprietário e seus
convidados.

Depois da provocação clara de Yerik no restaurante, convenci


Danya de que vir para boate seria uma boa forma de encerrar a noite.
Durante o jantar, ele não questionou meu comportamento nem o fato de
Yerik agir comigo como se fôssemos velhos amigos.

Nossa conversa se limitou aos problemas com a investigação sobre


as lutas, suas desconfianças o levam cada vez mais rumo ao traidor que
cheguei a cogitar na mente. Acho que poderia ser detetive, minha
perspicácia está bem apurada.
Ainda não tive um vislumbre do russo descarado, escaneio o
ambiente abaixo de nós como um falcão, só não sei como reagirei quando
estivermos cara a cara de novo.

— Você está quieta demais, Katrina. Algo te incomoda. — Danya


apoia no gradil, igual a mim.

Viro o rosto em sua direção, desperta do meu foco, lembro que


estou acompanhada de um homem gentil, atencioso e que não merece ser
rechaçado.

— Não. Está enganado, Danya. Só estou pensando sobre o que


queria falar comigo, disse que precisávamos conversar, mas só falamos de
lutas fraudadas e nada mais.

— Aqui não é hora e local. Se eu for bem honesto comigo mesmo,


nem sei se vale a pena a conversa.

— Por que diz isso? — Viro o corpo em sua direção e ele repete o
gesto.

— Não nos conhecemos muito, Katrina, mas o pouco que sei, você
nunca ficou tão desestabilizada com um homem, como foi com Yerik.

— Não diga bobagens. Eu não tenho nada com ele.


— No entanto, ele te incomoda e isso é suficiente para conquistar
sua atenção.

— Incomoda porque é um egocêntrico, convencido, que pensa ser


o dono do mundo e que pode comprar qualquer um — argumento, alto o
suficiente para que entenda.

Danya olha por cima do meu ombro e sinaliza com a cabeça, por
reflexo fecho os olhos e deduzo quem se aproxima. Giro o corpo, surpresa,
vejo Yerik se aproximar com Nikita agarrada em seu braço, mantenho o
sorriso falso e o olhar de descaso.

— Que bom que vieram. — Ele torna a cumprimentar Danya e


quando estende a mão para mim, ignoro.

— Vamos dançar, Danya. — Seguro o punho do lutador e o arrasto


para fora dali.

De propósito, acerto meu ombro no de Nikita, que cambaleia para


o lado e solta um resmungo baixo.
Mirror, SoMo, toca quando entramos na lotada pista de dança.
Começo a mover os quadris no ritmo, que inicia lento e tem seus momentos
mais agitados. Danya não é um grande dançarino, por isso mal se move e eu
o contorno, aproveito para me esfregar em seu corpo e passar a mão até nos
locais inapropriados.

Paro de costas para sua frente, suas mãos seguram meu quadril e
choca nossos corpos, enquanto ainda me remexo e rebolo, sentindo seu pau
cada vez mais duro através da calça.

Um riso convencido surge nos meus lábios, suas mãos forçam meu
corpo a virar e, em automático, Danya junta seus lábios nos meus. É rápido
e urgente, como costuma fazer quando o levo ao limite, por um momento
permito o contato, mas ao me lembrar das suas intenções comigo o
empurro.

Não posso lhe dar esperanças de algo mais, nem para uma foda
casual Danya e eu funcionamos mais. Não quando ele permite que
sentimentos comecem a ditar nosso envolvimento.

— O que houve?
— Não vamos transar, Danya. — Seu semblante se fecha,
descontente.

— O que estamos fazendo então, Katrina? — Olho para cima, na


direção do ambiente em que Yerik está, mas não o vejo com Nikita. — É
isso então? — Volto a encarar Danya, que afasta um passo. — Insistiu para
vir aqui por ele. Me usar para isso é meio baixo, até para você.
Sem tempo de responder sua acusação, fico sozinha no meio de
corpos suados e animados, Danya some entre a multidão e me deixa
reflexiva com pensamentos incoerentes.
Ele foi o único homem que permiti se aproximar mais do que o
necessário. Nunca confiei em ninguém depois do que aconteceu comigo,
mas de alguma forma o lutador ganhou espaço em meu coração.

Seu jeito fácil e calmo, suas atitudes carinhosas, sempre


demonstrou se importar comigo, isso baixou a guarda que mantive alta o
suficiente para ninguém entrar.

Nossas conversas eram descomplicadas, por isso passei tantos dias


ao seu lado no hotel, era como estar em casa, entre família. Na realidade, é
um sentimento fraternal, apesar de transarmos feito coelhos.

Tenho Danya como um irmão mais velho, alguém que me protege


de mim mesma, se for necessário. Um sentimento de esmero que nunca tive
e só percebi a falta quando ele se aproximou.

Alguém acerta uma cotovelada no meu nariz, o choque me leva ao


chão, várias pessoas caem por cima de mim e nem ao menos tenho tempo
de raciocinar o que está acontecendo.
Homens e mulheres trocam socos ao meu lado, um deles passa por
cima de mim quando tento afastá-lo. Consigo me arrastar, uma multidão à
nossa volta observa e logo homens de terno se aproximam para apartar a
confusão.

De barriga no chão, continuo me arrastando e lamento Danya não


estar aqui para socar um ou dois desses infelizes desordeiros.
Sinto um braço passar por baixo da minha barriga e sou erguida em
seguida pelo homem forte. Penso ser um dos seguranças e começo a me
debater como uma louca.

— Me solta! — Acerto socos em seu agarre.


— Acalme-se, zólattse mayó! Você está segura.

Yerik...

Assim que estamos longe o suficiente da confusão, Yerik me


coloca no chão e volta minha frente para si. Suas mãos seguram meu rosto e
o analisa de um lado para outro.
— Eu estou bem. — Sinto a necessidade de tranquilizá-lo.

— Você está sangrando. — Sua mandíbula trava apertada e vejo


suas narinas aumentarem com a respiração pesada.

— Todos foram contidos, Yerik. — Um homem de terno, maior


que o meu salvador, se aproxima de nós.

— Ótimo! Aplique um corretivo e garanta que não estarão mais no


meu clube.

— Tak! — O sujeito sai imediatamente para cumprir as ordens.

— Você vai matá-los? Por uma briga? — praticamente grito,


horrorizada.
— Acertaram sua cabeça também ou esse é seu humor ácido? —
Ele para de examinar meus possíveis ferimentos. — Venha, vamos cuidar
desse machucado.

Sua mão prende a minha e marchamos para longe da multidão.


Yerik abre passagem por uma porta próxima ao grande bar, caminhamos por
um corredor estreito e escuro até chegar a uma cozinha espaçosa e cheia de
pessoas.

— Eu falei sério. — Puxo seu braço que ainda me arrasta pelo


espaço.
— Não mandei matar ninguém, Katrina. Só não deixarei que saiam
impunes. Meu clube não é um centro de ringue e não tolero esse tipo de
comportamento. Quase te nocautearam com uma cotovelada.
— Não exagera. — Faço uma careta, mas sinto a fisgada no nariz e
levo a mão em automático no lugar.

— Exagero? Você ainda não viu o roxo que se formou aí.


— Roxo? Que roxo? — Tateio o lugar dolorido.

— Vem aqui. — Ele me coloca em uma cadeira e se afasta.


Permaneço ali, feito uma criança machuca, a espera dos primeiros
socorros.
Capítulo 12

Aproveito para olhar em volta, a cozinha é grande, industrial, nem


sabia que era preciso um espaço desses para atender ao clube, mas pelo
visto o empreendimento é bem maior do que aparenta.

Yerik retorna com uma caixinha branca nas mãos, coloca o objeto
sobre a mesa, abre e tira gazes, esparadrapo e um vidrinho pequeno, agacha
e coloca os itens sobre meu colo.

Observo-o molhar a gaze com o líquido e aproximar do meu nariz,


recuo a cabeça e o olho, desconfiada.

— Isso vai doer?

— Talvez. Você tem um pequeno corte aí.

— Corte? Que merda! Agora eu quero socar a cara do infeliz que


me fez isso.

— Na dúvida, todos serão punidos. — Ele aproxima a gaze e


seguro seu pulso.

— Ordenou uma surra por minha causa? — Fito seus olhos,


desacreditada da possibilidade, ainda assim, curiosa.

Yerik me encara por tempo demais, parece ponderar minhas


palavras, antes de formular a resposta correta.
— Claro que não. Eles apanhariam de qualquer forma. — Solto seu
punho e o deixo cuidar do ferimento.
Quando a gaze encosta no machucado sinto arder e recuo,
protestando e fecho os olhos. Yerik aproxima o rosto e sopra o local, para a
ardência diminuir, igual minha mãe fazia quando era criança.
Abro os olhos, sua boca tão próxima e convidativa, o olhar cruza
com o meu e a vontade de beijá-lo surge com desespero. Umedeço os
lábios, sua pupila dilata, completamente atento.

Sinto suas mãos se infiltrarem pela barra do vestido e subirem até


os quadris, enquanto fecha a pequena distância que nos separa de saciarmos
a curiosidade pelo beijo nunca dado.

Uma fisgada atinge meu nariz e recuo, interrompo o momento


acalorado e, ao encarar Yerik, percebo seu semblante em um misto de
preocupação e desejo oprimido.

— Vamos cuidar disso — fala, ao pegar outra gaze limpa e banhar


no líquido do frasco.

Com cautela, volta a limpar o lugar e finaliza com um curativo


adesivo bege, para proteger o machucado.

— Você seria um bom enfermeiro — brinco, quando termina a


tarefa.
Em pé, estende a mão para mim, que aceito e saímos pelas portas
duplas da cozinha gigante. Seguimos por outro corredor e subimos uma
escada no canto, penso ser outra sala vip, igual à que estivemos ontem, mas
me surpreendo quando entramos pela porta e um escritório espaçoso e
elegante é revelado.

— Pensei que proporia uma lap dance como pagamento. — Solto


sua mão e caminho pelo ambiente, observando tudo à minha volta.
— Se for um convite, considere aceito.

Volto a atenção para o homem complicado, as mãos no bolso,


olhos atentos a cada movimento meu, em nada se parece com o egocêntrico
de hoje pela manhã.

Confesso que seu cuidado comigo ainda há pouco desestabilizou a


forma que o defini. Não se parece tanto com o convencido que apareceu
inesperadamente no restaurante.
— Acho melhor eu ir embora. Perdi minha carona.

— Vi Danya partir. O que aconteceu?

— E Nikita? Onde está? — devolvo o questionamento.

— No colo de alguém disposto a pagar o preço certo. — Ele se


aproxima alguns passos, mas ainda mantém certa distância. — Não
respondeu à pergunta.
— Nem vou. Isso não lhe diz respeito.

— Desconfio que seja, zólattse mayó. — Mais um passo adiante.

— Seu ego é sempre assim... tão inflado? — Cruzo os braços e


ataco.
Já ouvi dizer que a melhor defesa é essa, por isso a aderi há muito
tempo e hoje não sei mais como agir diferente.

Antes que receba uma resposta à altura uma batida na porta nos tira
da pequena discussão iminente e pela abertura passa o senhor que me
orientou ontem sobre a dança.
— Tudo resolvido, Yerik. Já colocamos os desordeiros nos
registros e não passarão mais pela portaria.
— Tak! — Ele vai até sua mesa grande de madeira. — Arrume um
carro e leve a moça para onde desejar — anuncia, sem ao menos me
encarar.

Descruzo os braços, indignada pela dispensa, mas não lhe darei o


gosto de me ver irritada pela terceira vez neste dia caótico.

— Agradeço o tratamento e fique tranquilo, não pretendo processar


seu clube. — Yerik ergue o olhar em minha direção, sorrio displicente e
marcho para fora da sala.
— Deixe-a em segurança, Pavel. — Ouço sua voz, mesmo que
baixa, ordenar antes que me afaste.

Entro no hotel em que Danya está hospedado, depois da noite mal


dormida devido à minha relutância em aceitar que a dispensa de Yerik
incomodou mais do que deveria, mandei mensagem para o lutador e
combinamos de nos ver no restaurante daqui.

Senti o desconforto na ligação, na realidade, nem eu mesma sei por


que o procurei, afinal se o que pretendia era afastar qualquer contato com o
lutador, estar aqui só me leva pelo caminho contrário.

Avisto-o em uma das poltronas à minha espera, apesar de bravo,


Danya mantém a educação e não me deixa plantada em seu aguardo.
— O que foi isso? — Fecha o espaço que nos separa, antes mesmo
de me cumprimentar.

— Olá para você também, lutador — brinco, com um sorriso fraco


e toco o local coberto pelo curativo.

Infelizmente o estrago maior foi essa manhã, quando levantei e vi


o hematoma que se formou em torno da pancada gratuita que recebi ontem.
— Quem fez isso? — Danya segura meu rosto, examinando o
machucado.

— Foi um acidente. Nada de mais.


— Um soco no nariz não é acidental, Katrina.

— Neste caso, foi. Depois que saiu da pista de dança, uma briga
começou perto de mim e fui envolvida sem querer. Alguém acertou meu
nariz e caí no chão.

— Pizdets! Não acredito que te deixei sozinha — protesta, seus


olhos culpados. — Desculpe, Katrina. Não pensei que...

— Ei! Você não tem culpa nisso, lutador. Fique tranquilo. Fui
resgatada e cuidada a tempo. Sobreviverei.
— Yerik? — Seu tom não é feliz.

— Sim. Por ele.

— O que faz aqui, Katrina? — Danya coloca distância entre nós e


isso me incomoda.
— Vim me desculpar por ontem. Teve razão em pensar que eu o
estava usando, de certa forma, estava. Queria provocar o dono do clube para
baixar um pouco do seu ego inflado.
— Vocês transaram?

— Sim. — Poderia não responder, mas o nível de intimidade entre


nós e a necessidade de ser verdadeira me impede.

— Tak! Você pretende manter-se com ele?


Demoro um tempo processando a pergunta de Danya. Claro que
não cogito essa possibilidade com aquele presunçoso, mas fato é que não
pretendo ter uma relação com ninguém.

— Não. Nem com ele, nem com ninguém. Eu não faço esse lance
de relacionamentos longos, rótulos ou final feliz com príncipe encantado,
Danya. Vi o seu bilhete na bandeja do desjejum aquela manhã.

— Eu pensei que não tinha visto.

— Quis que pensasse isso para não te magoar. Sei que nutre algum
sentimento por mim, gosta da minha companhia e gosto da sua também,
mas para mim é fraternal.
— Família não trepa, Katrina — Danya responde, um pouco mais
alto, o que nos faz olhar para os lados, preocupados que alguém tenha
ouvido.

— Eu sei, mas é assim que funciono. Deixei você entrar e se


aproximar mais do que qualquer outro, mas não confunda isso. Te considero
um amigo, quase um irmão, com benefícios, é verdade, mas não passa
disso.
Sou clara e objetiva, ainda que soe confuso, preciso fazê-lo
entender que nossa relação nunca passará do que é. Uma amizade, com
vantagens sexuais, que não tem qualquer possibilidade de ser algo além.
— Só precisamos de tempo, Katrina. Você tem medo de se
envolver, confesso que também nunca quis algo profundo com ninguém e te
entendo...

— Net! Você não entende. Isso vai muito além do medo de me


entregar a um relacionamento, Danya. Não sou uma mulher insegura que
teme se envolver com o lutador mulherengo — argumento, aflita.

— Katrina, deixe as coisas acontecerem. Sem peso, sem cobranças.


Não precisamos de rótulo — insiste e balanço a cabeça em negação.
— Eu não posso me envolver com ninguém.

— Por quê? Quem te impede? É ameaçada por alguém?

— Porque sou oca e vazia. Não sei sentir, Danya, e isso não vai
mudar. Sinto muito. — Afasto alguns passos, a primeira lágrima cai e giro
em meus pés, correndo para longe dele.

Preciso de ar, preciso respirar, preciso que o peso que comprime


meu peito alivie ao menos um pouco a dor desgraçada que me acompanha
há tanto tempo.

Só preciso me sentir livre.


Capítulo 13

Caminho vagarosa entre os turistas, estamos na alta temporada em


Moscou, a neve somada ao cenário é o cartão postal perfeito para atrair
pessoas do mundo inteiro.

Encaro o céu cinza, meu rosto umedece com alguns flocos que
caem e cobrem parcialmente o chão e as grandes construções em volta. A
Praça Vermelha, um dos mais belos cenários de Moscou, sou apaixonada
por este lugar desde nova.
Já perdi as contas de quantas vezes a escola nos trouxe aqui para
visitas, sempre relacionado a algum contexto histórico ou social, mas em
meu íntimo, imaginava uma princesa, presa no alto da Torre Spasskaya, à
espera do seu príncipe encantado.

É estranho comparar a Katrina de agora com a que já fui um dia.


Sonhadora, feliz, ingênua, ao ponto de acreditar que o primeiro amor da
juventude seria eterno.

“— Construída em 1491 pelo arquiteto italiano Pietro Antonio


Solari, a Spasskaya é conhecida historicamente como a principal torre do
Kremlin de Moscou. Seus portões eram considerados sagrados pela
população e, nos tempos dos tsares, acreditava-se que tinha poderes
milagrosos. Ela era a entrada central das procissões reais, diplomáticas e
religiosas, e era daqui que os regimentos partiam para a guerra — a
instrutora da excursão explica aos alunos, mas minha atenção está longe.
Observo o alto da torre e na mente crio minha história medieval,
sobre um príncipe que salva a doce donzela do malvado Tzar que a
mantinha prisioneira.

Ouço algumas risadas mais adiante e vejo um grupo de rapazes,


que interagem com socos e piadas, já que todos acham graça do que um
deles fala.

Volto a olhar para a turma que se afasta, enquanto a responsável


conta sobre quem passava pelos portões da Torre precisava descer dos
cavalos e tirar o chapéu para demonstrar respeito. Já escutei tudo isso
antes, não é a primeira vez que venho, o discurso nunca muda.

Quando volto a atenção para os rapazes, o mais baderneiro deles


me encara, nitidamente atento e curioso. Chego a olhar ao redor,
confirmando que sou eu o motivo da atenção.

Ele vem até mim, aperto mais o caderno que seguro sobre o peito,
a cada passo percebo que sua beleza é ainda maior. Traços delicados,
cabelos mais claros, olhos curiosos e expressivos e uma boca rosada linda.

— Está perdida do seu grupo, garota? — Um riso debochado,


quase ofensivo.

Ele estica o pescoço acima do meu ombro e observa adiante à


procura do responsável por mim.
— Sou russa, não estou perdida. Só cansada de ouvir a mesma
coisa sobre o Kremlin.

— Por isso larguei essa merda. Sempre a mesma ladainha. — Dá


de ombros.

— Um desvirtuado?
— Um visionário. Faço meu próprio caminho, à minha maneira.
— Seus olhos analisam cada parte do meu rosto e quando pousa em minha
boca, sinto a necessidade de morder o canto, um gesto nervoso.

— Isso soa mais como rebeldia descabida.

— A rebeldia que motiva à mudança. Se você for um cordeiro


obediente, será fadado a um só destino.

Não deveria, mas rio da sua resposta. Sempre fui atraída para o
perigo e esse rapaz emana uma boa dose disso.

É errado sentir tanto alvoroço pelo seu tipo despretensioso, como


se não importasse a conduta, nem as regras e costumes que minha mãe
sempre repetiu como um mantra durante minha vida toda.

— Quer tomar alguma coisa? — Sinaliza em sentido contrário da


turma.

— Não posso, estou em aula.


— Então é melhor não falar com estranhos e voltar correndo para
os coleguinhas. — Ele nitidamente me trata como criança e sinto a raiva
borbulhar dentro de mim.

— Tem razão. Tenho mais o que fazer da vida do que jogar


conversa fora com desocupados em praça pública.
Afasto alguns passos, o encarando, o rapaz solta um riso baixo e
balança a cabeça em negativa. Sorrio também e giro correndo em direção à
turma que já está bem distante de mim.”

Tantos anos se passaram, mudei completamente, só a sensação


saudosa desta praça que nunca se foi. Este lugar é mágico, de certa forma,
construções que foram reformadas, restauradas, trazem em sua base todo o
peso da história, guerras, vitórias, derrotas e dor.
A dor, assim como a felicidade, é um sentimento que cria afinidade
entre lugares e pessoas, o tempo pode desgastar construções e abrandar
feridas, mas no fundo, o sentimento maior sempre fica enraizado, no meu
caso, permanente.

A conversa com Danya mexeu realmente comigo. Não gostaria de


me afastar de alguém tão querido, sinto que mais uma vez estou sozinha, à
própria sorte, como foi durante toda a vida.

Sacha anda tão ocupada com a gerência do bar, depois do


afastamento com o Volk e o plano maluco de Russell em andamento, sua
vida está de cabeça para baixo, não preciso jogar a merda que vivo em meus
relacionamentos para ela.

Aperto mais o cordão que fecha o casaco, o frio aumenta


consideravelmente, preciso ir embora, antes que não consiga um carro e o
trânsito se torne caótico além do que já é.

Penso em passar no bar de Sacha, dar um oi e saber como as coisas


estão, mas meu celular apita com uma mensagem de Nikita, nem sabia que
essa cobra tinha meu contato, com um convite no mínimo tentador.
Como dizem por aqui: “Tempo de negócios, uma hora de
diversão[18]”. Quando negócios e prazer estão juntos na mesma proposta,
fica difícil usar a racionalidade para tomar a decisão mais acertada.
Achei que demoraria muito para colocar meus pés neste lugar de
novo. A forma como Yerik me dispensou foi ofensiva, não deveria
incomodar, só que mais uma vez, esse russo conseguiu deixar aquela cisma
pertinente na minha mente e aqui estou eu.

Nikita precisou de alguém para lhe cobrir hoje no clube, pelo que
entendi surgiu uma festa mais vantajosa com um dos lutadores do circuito e
não gostaria de deixar o clube na mão.

Ao que parece, ela pensa que sou a sua garantia antifalhas, ou


algum tipo de estepe, para chamar ao seu socorro sempre que precisar.
Engraçado que nunca trocamos mais do que meia dúzia de palavras, mas a
fé que ela coloca em mim é bem certeira.

Claro que minha presença neste camarim não está ligada a


solidariedade com Nikita, mas quero surpreender o dono da boate e concluir
a dança que não terminei aquele dia.
— Você será a número três — um homem avisa da porta.

— Net! Sou a número sete. Sempre.

— Que seja, tanto faz. — Ele rabisca uma prancheta antes de bater
à porta.

Sento na banqueta alta, de frente para um espelho com várias


lâmpadas em seu contorno e ajeito o cabelo. Escolhi um batom vermelho
vivo, que desenha meus lábios com perfeição e combina com a máscara no
mesmo tom escolhido.

Estranhei quando vasculhei o cabideiro e vi o único conjunto em


vermelho sangue acompanhado do objeto. Tornei a procurar algum em tom
escuro e como não encontrei, aceitei usar esse.

As peças são lindas, delicadas, moldam o corpo com perfeição e


para finalizar, um roupão no mesmo tecido, curto, que esconde o principal
embaixo dele.

Uma a uma, as mulheres deixam o ambiente conforme são


chamadas por seus números, a ansiedade aumenta cada vez mais, quando o
número seis é solicitado, levanto da banqueta e começo a caminhar pelo
espaço.

Volto até a bancada e coloco a máscara no lugar. Encaro o reflexo


no espelho e sinto como se o conjunto da obra tivesse sido feito para mim.
O encaixe perfeito no rosto, traz o mistério e oculta a identidade, a sensação
de estar liberta retorna, como aconteceu da primeira vez.
Capítulo 14

A porta se abre e o homem que descobri ser Pavel, braço direito de


Yerik, aparece.

— Boa noite, pode me acompanhar?


— Serei a próxima a subir no palco. — Aponto para a saída.

— Estou aqui para levá-la ao seu destino. — Sorri, educado.

Nenhuma das meninas foi guiada por ninguém, mas pelo caminho
que toma, não irei dançar nas cabines do salão. Subimos uma escada em
caracol, estreita e mal iluminada, para um lugar tão bem estruturado, acho
que falta claridade nesses labirintos construídos.

— Estamos indo para onde? — Não seguro a curiosidade.

— Sua dança hoje é particular, na área privada.

Passamos por uma porta e reconheço o lugar, a área reservada do


proprietário. Como não cogitei a hipótese de Yerik saber que estou aqui o
tempo todo?

— Pavel, eu... — Viro para avisar o fiel escudeiro que não vou
realizar o trabalho, mas ele simplesmente sumiu.

Volto a encarar o ambiente que está vazio, o gradil coberto por uma
cortina escura e transparente, cria uma penumbra no lugar e torna mais
difícil quem está lá fora enxergar o que se passa aqui.

— Pronta para mim, zólattse mayó? — Sinto um leve arrepio


percorrer pela espinha.
Na busca de manter a indiferença e não me mostrar surpresa com
toda a artimanha montada por esse russo, viro em sua direção com as mãos
na cintura e um sorriso sacana nos lábios.
— Depois do seu empenho em me atrair para cá, confesso que
estou lisonjeada pela valorização dos meus serviços.

— Um convite comum não surtiria efeito. Você gosta de ser


desafiada, Katrina. — Toma lugar no meio do sofá e se acomoda.

Usa um terno preto moderno, aquele colar exótico no pescoço, a


barba muito bem alinhada, o tom de pele cativante, as mãos grandes que
deslizam pelas coxas quando ele ajeita o quadril mais para a ponta e deixa o
tronco mais baixo no encosto.

— De fato.

— Quero que dance para mim.

— Sabe que não sou profissional nisso, não é? Aquele dia, estava
aqui por engano e só aproveitei o momento.

— E hoje? Por que veio?

— Vontade de terminar o que comecei naquele palco. Não posso


ser considerada uma stripper, se não fiquei nua.

— Não precisa de uma multidão para realizar esse desejo. Você e


eu aqui. Uma dança paga e já considere feito.

Balanço a cabeça em concordância, as luminárias na parede atrás


do sofá diminuem a intensidade e uma batida sensual começa a tocar, alta o
suficiente para ocultar o som que vinha de fora.
Ergo os braços, movendo os quadris de um lado a outro, fecho os
olhos e deslizo a ponta do dedo pelo corpo e infiltro na corda do roupão
para desfazer o laço.
Puxo os ombros para trás e a peça desliza com rapidez, formando
um monte no chão. Caminho com cautela até sua frente, Yerik tem os olhos
cravados nos meus, atento a cada piscar que dou.

Giro o corpo enquanto me movo, as mãos deslizam pela minha


extensão de forma sedutora, massageio o contorno dos seios e levo um dedo
à boca quando abaixo de cócoras no vão das suas pernas.
Percorro o olhar por seu corpo e não fico surpresa ao vê-lo com
pau duro sob a calça. Apoio as mãos em seus joelhos, aproximo o tronco na
sua direção, como se fosse realizar um oral, chego a quase encostar os
lábios na braguilha e recuo com rapidez, ficando em pé.

Sem pudor algum, a situação nem permitiria isso, Yerik leva uma
mão até sua excitação e a ajeita sob a calça. Sorrio abertamente, sinto minha
calcinha umedecer e confesso que imagino suas mãos acariciando meu
corpo.
Fico de costas, alcanço o feixe do sutiã e abro, tiro uma alça, firmo
a peça no busto, puxo a outra alça e jogo-a de lado no chão. Seguro meus
seios e torno a ficar de frente para Yerik.

Sua boca está entreaberta, olhos sedentos, prontos para me devorar


ao menor sinal de consentimento. Tiro as mãos que protegiam a nudez e
engancho os polegares nas laterais da calcinha minúscula.
Rebolo e puxo as tiras, conforme giro devagar no lugar, quando
estou de costas abaixo a peça de uma vez, mantenho as pernas esticadas e
sei que meu centro está em seu total campo de visão.
Ainda inclinada para baixo, troco o peso entre as pernas, dobro
uma depois outra, movendo o quadril. Arrisco um olhar e Yerik projeta o
tronco para frente e cobre minhas nádegas com as mãos.

O calor das suas palmas é bem-vindo, quase gemo quando sua


língua passa pelo meu cóccix e desce, cálido, saboreando todo o caminho
até meu canal.

— Zólattse mayó... você me enlouquece. — A voz rouca acende


ainda mais a brasa do fogo que se alastra por todo meu corpo.
Fico ereta de novo e caminho até a barra do gradil. A cortina nos
dá certa privacidade, quem olha, muito atentamente, pode até ver alguém,
mas não tem clareza do que se passa no interior.

Estico ambas as mãos, abro mais as pernas e continuo a dançar. A


seleção de músicas escolhidas por ele mantém o ritmo e conserva a nuvem
luxuriosa que se formou aqui dentro.
Não demora para sentir seu corpo se unir ao meu, Yerik puxa meu
quadril que bate na sua virilha volumosa. Nos movemos em um atrito
prazeroso, fecho os olhos e deixo a volúpia se alastrar, ditando todas as
ações.

Viro o corpo de frente para ele, quero provar o seu beijo,


finalmente. Engraçado como já fizemos tanta coisa, mas o beijo, o primeiro
ato de intimidade, troca e interesse, não chegamos a vivenciar.
Vejo que está com um pequeno copo de shot na mão, um líquido
âmbar mostra que não é vodca, uma mão segura o gradil e me mantém
cativa no espaço, aproxima o copo da minha boca e inclino a cabeça para
trás.
Yerik derrama o líquido que desliza até minha garganta, mas parte,
acredito que intencional, escorre pelo pescoço e desce por todo o corpo. Um
gosto forte de canela e destilado invade meu palato, é saboroso, porém
forte.
Sua língua começa a lamber meu queixo, entre chupadas escorrega
por meu pescoço e colo, tem o cuidado de dar atenção aos meus seios, um
após o outro suga e continuar descendo, até ficar de joelhos no meu vão.

Olho para baixo e tenho a melhor e mais privilegiada das visões.


O homem prepotente está de joelhos, as mãos seguram meu quadril
enquanto sua boca devora minha boceta.

Vejo-o fechar os olhos antes que os meus também cerrem e jogo a


cabeça para trás, gemo alto quando chupa meu ponto de prazer com força,
para logo em seguida intercalar lambidas suaves e beijos molhados.

Passo a rebolar, não mais no ritmo da música, mas agora em busca


de algum alívio. Meu ventre formiga, o canal úmido escorre prazer, que
incentiva ainda mais Yerik a continuar sua tarefa.
Fogo me consome, estou tão perto que posso sentir o ápice se
aproximar. Ele se afasta de repente, não tenho tempo de protestar, já que
gira meu corpo de costas e me penetra em seguida.

— Arrh... — urramos juntos, tomados pelo tesão.


Suas estocadas são firmes e profundas, estava tão enredada com o
prazer, que não o vi abrir a calça e vestir o preservativo enquanto era
chupada.

Seguro o gradil com força, ele parece tão afoito e necessitado


quanto eu, uma mão firma meu quadril e a outra junta meus cabelos e puxa,
arqueando ainda mais as costas.
— Gosta de ser observada, zólattse mayó? — rosna, próximo ao
meu ouvido e é então que abro os olhos.

A cortina está próxima de nós, a multidão abaixo dança, conversa,


bebe e curte a festa, alienados do que se passa aqui. Não estamos ocultos,
alguém pode estar observando e perceber algo, essa sensação eleva ainda
mais meu tesão.

Sinto o canal apertar involuntário, o limite está próximo e os


gemidos de Yerik ao pé do ouvido se tornam a canção mais cativa para me
levar ao êxtase.
— Vem comigo, zólattse mayó... — ordena, em sussurro, e
obedeço.

Ambos gememos altos ao atingir o orgasmo, meu coração bate tão


forte que sinto os tímpanos tomados pelo retumbar aqui dentro.

E, pela primeira vez em muito tempo, sinto medo.


Capítulo 15

Ainda estou ofegante quando Yerik sai de dentro de mim, sinto um frio
incomum quando seu calor não aquece mais meu corpo e continuo na mesma
posição, observando as pessoas através da cortina, mas a mente perdida em
sensações confusas.

É a segunda vez que aceito dançar para esse homem e tudo sai do limite e
controle que deveria existir. A forma como me olha, seu toque viciante e as atitudes
que têm, parece entender os desejos mais devassos que passam pela minha cabeça.

Vivenciar momentos assim me transportam para um lugar onde nada


parece me tocar, não existe dor, certo ou errado, entorpece a razão e quando retorno
a mim, sinto que estou mais fundo dentro da escuridão que me coloquei.

Não sei dizer se isso é bom ou ruim, mas temo tornar esses fetiches um
vício, uma dependência, que pode me levar a sentimentos, mesmo que tortuosos,
criar vínculo com alguém que mal conheço.

Sinto algo cobrir os ombros, olho para o lado e aceito o roupão que Yerik
coloca sobre mim. Tomo a tarefa de vestir sozinha e afasto alguns passos, com a
necessidade de manter um espaço.

— Você está bem?

— Claro, por que não estaria? — Olho para ele sobre o ombro e sorrio com
descaso.

Yerik vai até a pequena mesa e serve duas doses da bebida que provou em
meu corpo. Estende uma delas a mim e fecho a distância, aceitando a oferta.

— Você ficou bem com a máscara, sabia que ficaria.

— Então, como previ, foi intencional. Dispensou muito esforço para me


trazer aqui, russo. Posso pensar que é um perseguidor.
Sua risada é graciosa, o comentário foi despretensioso, mas confesso que
no fundo me preocupou um pouco. Não tenho um histórico favorável, tenho um
ímã para homens desajustados, talvez por eu ser igual a eles.

— Isso soa muito forte, Katrina. Talvez seja só meu lado pervertido
precisando extravasar.

— Enquanto isso envolver um sexo quente e prazeroso, não me oponho.

— Você é intrigante. O que esconde por baixo dessa máscara?

Mesmo sabendo que não falava do objeto que ainda cobre a face, desfaço o
laço e o tiro, para encarar seu olhar curioso.

— Não tenho nada a esconder. Sou o que sou.

— Danya deve sofrer com seu modo de ser.

— Danya é um bom amigo, só isso. O que faço ou não da vida não lhe diz
respeito. Mas foi uma boa tentativa de descobrir se estou em um relacionamento.

Yerik permanece sério, não mostra qualquer reação com o comentário, seus
olhos parecem examinar cada atitude ou expressão minha, como se fosse possível
desvendar todas as merdas ocultas que escondo.

— Tenho que descer para a boate. Aceita me acompanhar?

— Só preciso vestir roupas mais comportadas. — Aponto para meu corpo.

— Tak!

Yerik tira o copo vazio de shot de mim, enlaça nossos dedos e nos guia até
a porta do camarim, ao contrário do que penso, ele entra comigo, as mulheres o
encaram, chocadas, acho que não costumam vê-lo por aqui.

— Continuem o que estão fazendo, garotas. — Ele continua o caminho até


a último provador no fundo. — Pode se trocar, eu espero. — Aponta para o espaço.

Ao entrar, tento fechar a cortina, mas ele segura a ponta e balança a cabeça
em negativa. A forma que me encara acende minha libido mais uma vez, mesmo
sem entender seu comportamento, começo a gostar de toda essa atenção.

Para quem se despiu e acabou de transar loucamente com esse homem,


colocar as roupas soa comum demais, é estranho, pois sinto-me mais íntima do que
antes.

Termino de me vestir, não ousei olhar um momento que fosse em sua


direção, quando coloco o casaco e o encaro, ele ajeita descaradamente a frente da
calça e rolo os olhos, indignada.

— Excitado comigo colocando as roupas? Isso é perversão demais —


comento baixo, ao passar por ele e seguir para a saída.

No corredor, ele captura minha mão e nos guia pelo acesso estreito, é fato
que sem alguém que conheça o lugar, facilmente me perderia aqui.

Penso em recusar seu contato quando atingimos a pista de dança, mas é tão
boa a sensação de estar com o dono da boate, me faz sentir poderosa e não uma
dançarina dispensável.

Paramos próximo ao bar, Yerik senta em uma banqueta e eu ocupo a outra.


Logo dois shots de vodca são colocados entre nós, ele me entrega um e brindamos
antes de virar o conteúdo.

Sinto a quentura da bebida percorrer todo o caminho, alastrando uma trilha


de fogo até meu estômago.

— O que me deu lá em cima? — Lembro o gosto daquela bebida, nunca


provei nada igual.

— Canelazo[19] — ele fala um nome engraçado e continuo encarando-o,


sem entender — É basicamente uma aguardente temperada com canela e rapadura,
servida quente.

— Nunca ouvi falar.

— Vem da Colômbia.
— Isso explica muita coisa.

— Por exemplo...

— Sua origem. Você não se parece em nada com um russo. — Dou de


ombros e ele encara a si mesmo.

— Achei que disfarçava bem.

Ambos rimos da brincadeira, parece que o egocêntrico não é tão


insuportável quanto imaginei. Observo seus dentes brancos através da boca pequena
e carnuda, convidativa demais, fico séria e me aproximo, preciso sanar a
curiosidade sobre seu beijo.

Yerik entende minha intenção e compartilha do mesmo, sua mão busca


minha nuca, prendo a respiração, ansiosa pelo momento esperado, mas alguém nos
interrompe.

— Yerik, temos problemas. — Ambos encaramos Pavel, que tem um misto


de preocupação e lamento na face.

— É ele de novo? — Com o humor completamente alterado, Yerik levanta


em um rompante.

— Sim. Levou uma surra de alguns boyevik[20]. Nossos homens o acharam


em um beco não muito longe daqui.

Fico surpresa ao ouvir algo sobre os soldados das gangues russas. Tenho
conhecimento de que o clube é protegido da organização, mas não fazia ideia de
que Yerik estivesse de fato envolvido com os vory v zakone[21].

— Está machucado?

— Não muito, um médico já o está atendendo.

— Preciso vê-lo.

Antes que Yerik saia disparado, seguro seu braço e pela forma que seus
olhos se voltam para mim, raivosos e incomodado, havia se esquecido por completo
que estava comigo.

— O que aconteceu?

— Não lhe diz respeito. Pavel vai providenciar um carro para te levar em
segurança, a hora que quiser. Aproveite a noite.

Atônita com a sua resposta, Yerik parte junto do seu funcionário e continuo
parada, sem qualquer reação. Minha mente formula as possibilidades mais cruéis
com as informações que ouvi e sem saber o que pensar, resolvo sair daqui.

Uma coisa é permear o perigo, viver aventuras entusiasmantes com um


desconhecido e, até dançar seminua em público e apreciar sexo sem compromisso.
Agora, me envolver com um mafioso não é nada seguro e saudável.

Aproveito que Pavel seguiu o chefe e saio despercebida do clube, rápida e


sorrateira, chamo um carro e parto para casa. Chega de aventuras perigosas para
mim.
Capítulo 16

Estou sentada na sala de espera da imobiliária, vejo mais três


moças, tão ansiosas quanto eu, no aguardo de ser chamada. Odeio a
sensação de ser avaliada, qualquer resposta errada e perco a única chance,
em meses, de ter um trabalho decente.

Faz uma semana que não saio de casa para nada, temo encontrar
Yerik ou qualquer um dos seus homens, não acredito que ele realmente
queria me perseguir, mas foi uma boa forma de me conter.
Não entendo como, mas tudo que fazia fora de casa, me levou até
ele, então evitar tem sido o melhor caminho.
Confesso que a parte positiva da monotonia que me obriguei,
tornou o convívio com minha mãe, em específico, muito melhor. Segundo
ela, estava mais centrada e recobrei o juízo perdido.

Ela não tem ideia de tudo que realmente perdi quando mudei
minhas atitudes, porém, não me sinto à vontade para explicar. De alguma
forma, a história se viraria contra mim, como no fundo acredito ser.

Meu pai conseguiu uma entrevista na imobiliária onde seu amigo


trabalha. Não tenho qualquer habilidade no ramo, mas sou esperta para
aprender rápido.

— Katrina Kolyavna — uma senhora chama, assim que abre a


porta.

Fico de pé imediatamente, limpo as mãos úmidas na calça, ajeito o


casaco e caminho para dentro da sala. Sinto como se estivesse em um teste
de aptidão ou exames importantes na época escolar.

— Você foi indicada por um funcionário muito respeitado aqui. Vi


que preencheu a ficha, mas suas referências não se assimilam com as
atividades do cargo.

— Sim, eu ainda não tive oportunidade de trabalhar com imóveis


ou serviços burocráticos, mas estou em busca de algo novo, desafiador. Sou
muito empenhada, dou conta de qualquer serviço.

— E o que a fez mudar de ramo? Pelo que vejo, sua experiência


em atividades noturnas, bares e atendimento é muito maior.

— Cansei dessa vida.

— Entendo. — Seu sorriso amarelo não me convence.

— Olha. Eu só preciso de uma oportunidade para mudar minha


vida, adquirir mais responsabilidades, quem sabe voltar a estudar. Essa vaga
é a minha chance.

— Não somos uma instituição de inclusão social ou trabalhista,


Katrina Kolyavna.

— Eu sei. Por isso peço a chance de testar minhas habilidades,


quem sabe se surpreenda com meu serviço.

Na realidade, tenho vontade de mandar a mulher para o inferno,


mas estou tão determinada a fazer algo diferente da vida, que engulo o
instinto rebelde que me habita.

Saio da entrevista não muito animada, ela prometeu ligar dentro de


alguns dias com a resposta sobre a vaga e só me resta torcer os dedos para
que tudo dê certo.
Aproveito que é fim de tarde e vou caminhando para o bar de
Sacha. Faz tempo que não nos falamos, sinto falta da sua companhia e da
adrenalina do mistério que ronda ela e aquele lutador difícil.
Vejo a porta fechada, confiro em meu celular o horário e ainda é
cedo para começar as atividades. Resolvo surpreender minha prima e dou a
volta no quarteirão para entrar pelo acesso de descarga de suprimentos.

Quando entro na rua apertada, vejo que a porta está aberta, uma
funcionária carrega algumas caixas para dentro, não a reconheço, deve ser
nova contratada.
Próxima do destino, sorrio, animada em me divertir um pouco,
sinto mãos fortes e grandes tapar minha boca e enlaçar a cintura, tirando-me
do chão.

Começo a me debater e tentar gritar, mas é inútil, o homem é muito


maior e mais forte que eu, mas não me dou por vencida e sacudo as pernas,
no intuito de acertá-lo de alguma forma.
— Calma, Katrina! — Reconheço a voz e automaticamente paro de
me debater.

Em uma viela, sou colocada no chão e quando me viro para meu


algoz, começo a socar seu braço, peito e onde mais acertar. Sei que meu
ataque não lhe causa nem cócegas, está acostumado a enfrentar golpes com
a força de toneladas, mas o susto que me causou merece um corretivo.
— Ei, garota, para com isso. — Ele se defende como pode.

— O que tem na cabeça, Volk? — pergunto, minha voz sai mais


alta do que pretendia.
— Fala baixo. Sacha não pode saber que estou aqui. Aliás,
ninguém pode.

Examino seu semblante com mais cuidado, roupas camufladas,


touca na cabeça, olhos cansados e uma aparência exausta.

— Você está um lixo. — Cruzo os braços na altura do peito.


— Não estou interessado na sua avaliação.

— Concordo. Vamos saber o que Sacha acha de você estar à


espreita no seu serviço. Acho que Russell também vai gostar de saber. —
Tento sair dali, mas ele agarra meu braço.

— Eles não podem saber que estou aqui, nem você poderia.

— Mas agora já sei, então desembucha.


— Estamos investigando quem dopou Danya durante a luta.

— Você, Danya e Russell estão trabalhando juntos? — Ele me


solta e cruzo novamente os braços, ainda mais intrigada que antes.

— Sim. Ninguém pode saber que estamos nisso, quem está me


traindo é próximo.
— Sacha não sabe?

— Não, nem pode. Não quero envolvê-la ainda mais nessa merda.
Russell conseguiu desviar a atenção da organização e quem for que está
pingando informações errôneas a nosso respeito.
— Ela surtaria se soubesse disso.

— Você tem que prometer que não vai falar nada.


— Não vou, mas não por você, lutador. Deixou de ser meu
preferido há algum tempo. — Soo com desdém.

— Agora só tem olhos para o lutador do sul, eu sei.

— Não quero saber de lutador nenhum. O que faz aqui se não pode
ser visto perto dela?
— Saudade. — Krigor engole com dificuldade e encara os próprios
pés.

— Ok. É muito fofo ver seu lado apaixonado, acredite, mas então é
melhor sairmos logo daqui.
— Você não ia vê-la?

— Ia. Mas depois do seu ataque e essas informações novas, não


quero correr o risco de falar mais do que devo. Vamos? — Sinalizo com a
cabeça na direção contrária ao bar.

— Pode ir. Quero tentar vê-la, ao menos de longe.

Dou um sorriso amarelo, aceno para o homem e saio dali.


Por que o destino tem que nos colocar em situações em que o
sentimento que nutrimos é errado? Sacha mal aproveitou a vida, sempre
focada em ajudar com os problemas de família, foi cair nas graças do
lutador mais visado do circuito. Apesar de querer viver o sentimento,
alguém sem escrúpulo algum quer prejudicar ambos.

O destino age de forma tão contraditória, às vezes o que parece ser


bom pode se tornar seu maior pesadelo. Por isso prefiro manter minhas
escolhas na reserva, vivo a intensidade, mas não me aprofundo. O ser
humano pode ser sórdido em um grau irreconhecível.
Chego em casa, a noite já se faz presente, sento ao lado do meu
pai, que assiste a um documentário na televisão e aguardamos pelo jantar.
Comento sobre a entrevista, sem muitas esperanças, mas ele me conforta
com palavras positivas.
Anos que não tínhamos momentos assim, desde que comecei a
arrumar trabalhos noturnos ou simplesmente caía nas noites de baladas e
companhias erradas, me fechei dentro de uma bolha em casa.

Talvez seja o medo constante que eles percebam que não valho
tanto quanto acham. Meu pai me olha como um ser angelical, seu presente
divino, enquanto minha mãe pensa que todas as suas ordens, restrições e
costumes são seguidos à risca por mim.
Acho que hoje ela não acredita totalmente nisso, mas ainda
mantém a esperança errônea de que me tornarei uma mulher casada e
encherei a casa de netos.

Isso não pode estar mais longe da verdade, nem se eu quisesse com
muito esforço e fé, seria possível.
Capítulo 17

Ocupo minha cadeira pela décima vez, no momento mais irritada


que antes, meu chefe resolveu testar minhas habilidades e paciência com a
copiadora, confesso que a maior batalha entre a máquina e eu é segurar o
desejo de sumir deste lugar.

Quando a empresa me ligou e disse que a vaga era minha, fiquei


feliz, pulei, gritei, comemorei com meus pais, em muito tempo pude ver a
alegria e orgulho nos olhos da minha mãe.
Faz só duas semanas que estou aqui, mas a sensação é de anos e
anos de trabalho chato, cansativo, sem qualquer emoção e que me coloca
sempre como a faz tudo do lugar.
Aderi ao mantra de que não posso desistir, custe o que custar,
preciso permanecer neste trabalho e dar rumo na vida. A cada dia que
levanto para me arrumar, lamento umas três vezes no mínimo, sabendo o
que me aguarda.

— Katrina, esses documentos precisam ser autenticados antes do


almoço. — Meu chefe joga uma pilha de dez pastas sobre a mesa.

— Mas faltam vinte minutos para o almoço.

— É urgente. Melhor correr.

Ele parte e me deixa sozinha com as lamentações, aproveito para


mostrar a língua enquanto ninguém olha. Sinceramente, admiro as pessoas
que aguentam esse tipo de trabalho, trabalhar em um bar e lidar com
bêbados parece tão mais atrativo agora.
Pego a pilha de pastas, celular e bolsa, saio disparada rumo ao
cartório, antes que feche para o almoço. A vontade é de não chegar a tempo,
assim meu chefe aprenderia uma coisinha chamada organização, mas é o
meu pescoço em risco.
Russos não costumam tolerar atrasos e erros corriqueiros, no meu
primeiro dia a chefia fez questão de enfatizar a importância de cumprir as
tarefas com esmero, pois a fila de candidatos à vaga é enorme.

— Bom dia, preciso autenticar esses documentos. — Coloco a


pilha de pastas sobre o balcão do cartório.

A atendente não fica nada feliz com a quantidade de serviço que


despenco, é nítida a carranca e má vontade quando abre a primeira pasta
para verificar do que se trata.

— Vai demorar — avisa, ao encarar o relógio acima das portas de


saída.

— Não se você fizer tudo com agilidade e livrar nós duas a tempo
para um horário de almoço longo e relaxado.

Balanço as sobrancelhas com ar zombeteiro, a insatisfação no


semblante da mulher aumenta, ainda assim, começa a realizar os
procedimentos necessários.
Sinto o celular vibrar no bolso da calça e o pesco, respondo as
mensagens de algumas pessoas, uma em particular chama minha atenção e
abro a tela de conversa sem saber o que dizer.

Encaro o visor por tempo demais e resolvo ligar.

— Alô.

— O que você quer, Nikita?


— Minha dançarina favorita. O que acha de uma festinha hoje?

— É um convite seu ou está representando o russo egocêntrico?

— Desculpe por aquilo, Katrina, mas a grana oferecida valeu a


pena. Tenho certeza de que a noite foi proveitosa para você também.

— Ele te pagou pra me enganar? Realmente aquele homem não


tem bom senso.

— Tenho uma festa hoje do circuito, vários lutadores e muita


bebida. O que acha?

— Você sabe que não somos amigas, certo?

— Claro que não somos. Você é prima da garota que roubou a


atenção dos meus dois lutadores favoritos.
Ignoro o último comentário, ela não precisa saber tudo que se
passa nos bastidores entre Krigor, Sacha e Russell.

— Onde será?

— Te mando o endereço por mensagem.


— Tak!

Encerro a ligação com estranheza, a intimidade que Nikita adquiriu


comigo não é normal, só consigo pensar em uma pessoa que lhe tenha
incentivado a me convidar.

Yerik.

Saio do cartório feliz por conseguir aproveitar parte do horário de


almoço, pela primeira vez a chefia elogiou a eficácia na tarefa que executei
e começo a sentir que o trabalho enfadonho possa ser o caminho certo para
mim, enfim.
Encerro o expediente e rumo para casa, o convite estranho de
Nikita ainda me deixa com dúvidas, tenho certeza de que encontrarei Yerik
no lugar e não sei se quero realmente isso.

Não nego que senti falta da agitação, quase duas semanas sem
colocar os pés para fora de casa, foquei no trabalho e posso dizer que
entendo em partes a vida da Sacha.

Passei os dias preocupada em dar o meu melhor no novo trabalho,


mas as noites são tomadas pelas lembranças do clube, da dança que acende
e instiga meu lado devasso e claro, ele, o homem que proporcionou os
momentos tórridos e úmidos dos meus últimos dias.

Saber que está envolvido com alguma gangue me colocou


diretamente na reserva, não quero mais esse tipo de contato, já passei a cota
de merdas assim que valem por uma vida toda.

— Como foi no trabalho, filha? — minha mãe pergunta, enquanto


tiro o casaco e os sapatos na entrada.
— Normal e entediante, como sempre.

— Não fale assim, Katrina. Todo trabalho é digno.

— Você não pensava assim quando eu trabalhava à noite.

— É diferente.
— Como? — Entro na cozinha e apoio uma mão na cintura,
enquanto a outra descansa no encosto da cadeira.

Minha mãe está atenta às panelas, faz algum cozido para o jantar e
pelo cheiro parece bem apetitoso.

— Uma moça não deve...


— Por favor, mãe. Sem discursos retrógrados. O mundo mudou, a
Rússia tem que mudar também.

— Só quero que seja feliz e tenha uma vida segura. — Solto uma
gargalhada com o comentário.

Foi mais forte do que eu, definitivamente ela está por fora de
segurança e cuidados quando se trata da minha vida.
— O tempo de me sentir segura já foi, mãe. Acredite.

— Por que diz isso? — Ela se volta para mim, intrigada com o
comentário.
— Que não sou mais uma garotinha ingênua e indefesa. Só isso.
Tenho uma festa para ir, não vou jantar em casa.

— Katrina... — Escuto seu lamentar baixo, enquanto rumo para o


quarto e fecho a porta.

Solto o corpo sobre a cama, cansada, respiro fundo e me permito


relaxar um pouco. Não preciso chegar cedo à tal festa, ainda nem sei se é
uma boa ideia ir de encontro ao egocêntrico, mas aquela maldita veia
rebelde sempre pulsa e me incentiva a fazer as escolhas mais erradas.
Capítulo 18

“O quarto é deplorável, para se dizer o mínimo. Há muito não


deve ser limpo e a mancha no cobertor me deixa em dúvidas se em algum
momento o item não fez parte de uma cena criminal.

— Pensei que iríamos para sua casa — falo, enquanto bato a mão
no canto da cama para sentar.

— Meu pai e irmão andam brigando muito, não quero te colocar


nessa situação ainda — ele fala, enquanto tira do bolso um baseado e o
isqueiro.

Apesar de todos os sinais indicarem que é errado estar aqui, em


um quarto de hotel suspeito, não uso a racionalidade para fazer as
escolhas certas.

Quando o vi no dia seguinte do passeio ao Kremlin, na porta da


escola, sorri como uma boba e senti meu peito saltar com o coração
acelerado. Minhas amigas o acharam tão atraente, de fato era, um garoto
rebelde que estava ali à minha procura.

A atração pelo errado foi instantânea, naquele dia, assim como


nos próximos, se tornou rotina nos encontrarmos na saída da escola e ele
me acompanhar até próximo de casa.

No terceiro dia, depois de só conversarmos amenidades sobre a


Rússia, padrões, vida regrada e escolhas certas, nos beijamos em um beco.
Foi rápido, intenso, meu primeiro beijo na vida, mas não lhe contei essa
parte.
Não queria parecer ainda mais boba e inexperiente quanto ele já
achava. Já tinha ganhado o apelido de malêchka e desconfio que não era
de forma carinhosa.
Sempre usava o termo “bebê” quando mencionava algo que ainda
não tinha feito, mas ele já. Quando me arrastou no beco e colou seus lábios
nos meus, tínhamos discutido sobre quantos garotos eu já havia beijado.

Menti, sem vergonha alguma, disse que já havia sido três e, na


verdade, nunca tive coragem nem de olhar mais interessada para nenhum
dos garotos da escola.

Eu era desinibida e muito comunicativa entre os colegas, não era


uma questão de medo do sexo oposto, na realidade, eles simplesmente não
me interessavam, não ao ponto de querer me envolver.

Diferente do rapaz errante à minha frente, que chamou minha


atenção com o riso despretensioso e a imprudência que agia, só cativava e
encantava ainda mais meus sentidos.

— Quer dar um pega, malêchka? — Ele oferece o cigarro de


maconha e aceito.

Já experimentei algumas vezes com colegas da escola, não é algo


que realmente me interessa, mas meu objetivo aqui é mostrar que sou tão
descolada quanto ele.

Trago com muita força, a quantidade de fumaça me faz engasgar e


acabo tossindo em seguida. Ouço sua risada debochada, isso me deixa com
raiva, mais uma vez pareço uma boba diante dos seus olhos.

— Então. Viemos aqui só para isso? — Estufo o peito no intuito de


passar uma imagem segura.
Não poderia estar mais longe disso.

Estamos nos encontrando por volta de um mês, depois do primeiro


beijo, passamos a andar de mãos dadas, umas duas vezes consegui enganar
minha mãe, alegando que faria trabalhos escolares na casa de amigas,
sendo que, na verdade, estava na rua com ele e seus amigos, fazendo todo
tipo de coisa errada.

Pequenos furtos, consumo de bebidas alcoólicas, uso de drogas e


muita pegação. A cada dia estava mais envolvida e sedenta por
experimentar tudo que ele ofertava.
É a primeira vez que ficamos sozinhos em um lugar privado, não
sou boba, sei exatamente o que pode acontecer aqui, só esperava que fosse
um ambiente mais limpo e digno.

— O que você quer fazer, malêchka? — Seus olhos vermelhos e


caídos me encaram.
Sem responder, puxo sua jaqueta e beijo seus lábios, com volúpia.
Ele solta o baseado no chão e cobre meu corpo com o seu, a essa altura
não me incomodo com a imundice da cama, só quero descobrir se sexo com
um garoto descolado é realmente bom.

Sua mão escorrega pelo meu corpo, enquanto os beijos se


arrastam pela mandíbula e pescoço. A protuberância em sua calça cava em
um ponto muito bom no vão das minhas pernas e solto um gemido baixo.
— Gosta disso, malêchka? — Ao afastar, vejo um fogo se acender
em sua íris.

— Gosto... — respondo e engulo em seco, ansiosa pelo que está


por vir.
— Vou te ensinar a foder.”

— Net! — Sento na cama, com a respiração ofegante.

Levo as mãos à testa e limpo o suor que se formou ali, tento


acalmar a respiração acelerada e recompor meu equilíbrio. Faz tanto tempo
que não sonho com ele, não dessa forma, pelo menos.
Pego a toalha e vou direto para o banho, abro o chuveiro e começo
a tirar as roupas com pressa, paro uma das mãos no meu campo de visão e
percebo que estou trêmula.

— Banho. Só preciso de um banho quente — falo para mim


mesma, no intuito de acalmar a crise iminente.
Levei anos para conseguir trazer um equilíbrio com meus
pesadelos, que normalmente envolvem a parte mais cruel de tudo que
passei. A parte boa, quando ainda sonhava e pensava que a vida estava a
meu favor, foi esquecida por mim há muito tempo.

Não gosto de relembrar da ingenuidade e tolice que me cegou para


a merda que estava prestes a mudar toda a minha vida.

Pego a bucha e esfrego todo meu corpo, repetidas vezes, tento


lavar a sujeira que sinto inundar sempre que tenho essas lembranças
indesejadas.

Saio do banho um pouco melhor que antes, entro no quarto e vou


direto ao guarda-roupa, escolho um vestido preto e meias grossas, ficar em
casa só me fará questionar os motivos das lembranças e levei tempo demais
para conseguir afastar tudo isso da mente.
Faço uma maquiagem carregada nos olhos, na boca passo o batom
vermelho, ajeito o cabelo com os fios jogados para o lado que deixa um ar
selvagem.

Olho o resultado no espelho e fico feliz. Hora de sair e buscar a


dose de divertimento para finalizar a semana e enterrar de vez as
lembranças indesejadas.

Não tinha ideia da falta que a agitação fazia para meu humor, até
chegar a esta festa. Encontro algumas pessoas conhecidas, lutadores do
circuito e apoiadores de Russell.
Ainda não o vi, mas tenho certeza de que em algum momento dará
o ar da graça, quem sabe eu consiga me inteirar um pouco mais de como
andam as investigações.
— Você veio. — Giro o corpo e vejo Nikita com mais duas
mulheres.

— Seu recado foi dado, então aqui estou eu. Onde ele está?

— Ele?

— Nikita. Ambas sabemos que você age em nome do Yerik, então,


onde ele está?
— Não sei do que está falando, amada. Te chamei porque Russell
me pediu uma festa regada de garotas dispostas a se divertirem. Mas se quer
tanto saber do dono da boate, deveria procurar na outra sala.

— Entendi. — Faço minha melhor cara de deboche e caminho para


o ambiente que ela mencionou.

Nikita é ardilosa, não me engana, seu convite tem um motivo e sei


que ele envolve Yerik, posso sentir.
Espanto não é a palavra que me define ao entrar na sala e ver
alguns casais ousados se beijando em trios ou até mais pessoas. Um outro
grupo estica carreiras na mesa de vidro adiante em um rodízio, mas o que
captura minha atenção é o homem na poltrona.

Duas mulheres em seu colo, seus vestidos subiram na cintura e as


mãos grandes e fortes dele passeiam pela intimidade de ambas. Cerro os
olhos, mais atenta, reconheço o colar exótico no pescoço e quando ele
finalmente para de beijar o ombro de uma delas, vejo seu rosto.

Caminho devagar, sinto minhas pernas vacilarem, mas recupero a


pose. Não me incomoda vê-lo assim, só pensei que estaria sozinho à minha
espera.

Quando estou próxima o suficiente, Yerik parece me enxergar e


seus olhos surpresos me colocam em dúvida sobre ter conhecimento da
minha vinda.

— Boa noite.

— Katrina... — Ele dispensa ambas as garotas, que não ficam


felizes com isso.

Yerik fica de pé, ajeita a camisa e limpa o canto dos lábios que
ostentava uma mancha de batom. Avanço mais um passo e sorrio, por fim,
ao observar o conjunto da obra.
Um russo moreno, com traços marcados, calça e camisa social em
tons escuros, o ar imponente, isso realmente atiça a libido até de uma santa.

— Não achei que viria a uma festa do Russell.

— Por que não? Gosto de me divertir.


— Disso, não tenho dúvidas. Você não foi mais ao meu clube, senti
sua falta.

— Estava ocupada com outras coisas.

— Ainda não te paguei pelas danças. — Yerik muda o tom e


aproxima um passo, diminuindo a distância.

— Fica como cortesia e uma boa lembrança. Agora, se me der


licença, quero aproveitar a noite.
Deixo um homem carrancudo para trás, como imaginava, Nikita
sabia que ele estaria aqui e, por algum motivo, pensou que tínhamos algo.
Talvez pelo fato de Yerik tê-la feito intermediar minha ida ao clube da
última vez.

Se o intuito era me desestabilizar e me fazer sofrer por Yerik estar


com outras, ela não poderia estar mais enganada. Agora faço questão de
mostrar que não estou abalada e, muito menos, à espera do egocêntrico.

— Quero duas doses de vodca — peço ao garçom, que prepara


bebidas em um pequeno balcão improvisado.
Chegou o momento de provocar.
Capítulo 19
Entro em casa acompanhado do médico que mandei chamar no
clube, Mickail está descontrolado desde que o tranquei em seu quarto, com
quatro seguranças revezando sua guarda.

As coisas estão saindo do controle com meu irmão, sua veia


rebelde sempre foi evidente, gosta do perigo, das drogas e a libertinagem
que foi colocada diante de seus olhos, porém, de alguns meses para cá tudo
piorou

Cossack foi enfático em nosso encontro, se Mickail fosse visto


próximo das atividades da gangue, pessoalmente daria um fim para o
problema. Já cheguei a pensar diversas vezes que seria melhor deixar que
siga seu caminho, o que me impede é a voz cansada e doente do meu pai,
exigindo em seu leito de morte que cuidasse da família.

— Qual a situação? — o médico pergunta, assim que vê os homens


na porta dos aposentos.

— Descontrole total. Três dias que o mantenho trancado aqui, já


quebrou quase tudo que tem no quarto, então não se espante — advirto e
dou sinal para um dos homens abrir a porta.

Entro no ambiente acompanhado por um dos seguranças e o


médico, Mickail está deitado na cama, mãos cruzadas atrás da cabeça e um
pé sobre o outro que balança ritmado.

O médico coloca a maleta sobre a mesa pequena no canto, o


entorno parece uma zona de guerra, todos os objetos ao alcance estão
quebrados, estraçalhados e espalhados pelo lugar.

Mickail se nega a comer desde ontem, por isso chamei ajuda, uma
internação é o ideal em seu estado, mas duvido que fosse ouvido pelo
viciado em abstinência à nossa frente.

— Mickail, bom dia. Podemos conversar? — O médico avança um


passo, com cautela.

— Não sabia que receberia uma visita. Teria arrumado o lugar e


tomado um banho — Mickail responde, calmo, e senta na cama.
— Trouxe um médico para te examinar, já que nega comida, desde
ontem.

— Quanta preocupação, irmão. Deveria estar cuidando da porra do


seu clube e não me mantendo em cárcere privado. — O olhar odioso dele
mira em mim.

— Estou fazendo isso para seu bem.

Mickail começa a rir com escárnio, levanta da cama, devagar, seu


corpo já sente a abstinência da droga, as mãos tremem sem controle e o suor
que escorre da têmpora, mesmo em um ambiente climatizado, mostra o
quão abalado está.

— Você não sabe o que faz bem para mim. Quero sair da porra do
quarto, Yerik! — No final, ele grita, alterado.

— Vamos conversar, Mickail. Trouxe alguns medicamentos que


vão relaxar você e fazer a dor passar. — O médico avança um passo.
— Eu preciso sair daqui. Eu preciso sair daqui. Eu preciso sair
daqui — ele fala para si mesmo, as mãos fechadas em punho próximo à
cabeça.

— Não pode sair daqui ainda, marcarei uma reunião com a


organização para resolver sua situação, Mickail.
— Você não tem que fazer nada! — grita e avança sobre mim.

Suas mãos seguram minha camisa com força, o segurança tenta


intervir, mas sinalizo para que se afaste. O estado do meu irmão é tão
debilitado que mal tem energia para me mover do lugar.

— Tenho que te proteger, Mickail.


— Eu não pedi isso. — Apoia a cabeça no meu peito, cansado.

— Mas nosso pai, sim.

— Não ligo para aquele velho asqueroso. Ele foi tarde. — Seguro
seus braços e o afasto para encarar os olhos.

— Apesar de concordar com você, não posso deixar que se destrua


pelas merdas que vivemos no passado, Mickail. Você tem que se reerguer,
irmão. Estou aqui para te ajudar, sempre que precisar.
— Quero que me deixe em paz! — Sou empurrado e ele vai
cambaleando até a cama.

— Sinto muito, mas isso não posso fazer. Mantenha-o bem, doutor
— aviso o médico e saio do quarto.
Desço as escadas com pressa, ainda posso ouvir os gritos de
Mickail amaldiçoando a minha existência, prometendo se vingar, não me
importo. Só preciso colocá-lo à razão e fazê-lo entender que se envolver
com gangues não é o caminho.

Ele pode me odiar pelo resto da vida, mas estará recuperado,


consciente e liberto desse vício para fazer escolhas melhores para a própria
vida.
Deixei a boate nas mãos de Pavel, chego à festa particular de
Russell antes mesmo dele, preciso encontrar uma forma de conversar com o
lutador sem ninguém por perto.

Levei duas semanas para conseguir essa brecha, Mickail relutou a


aceitar a clínica, subornei cada funcionário do lugar para fazerem a
internação, já que contra sua vontade não é permitido.
Ainda não consegui falar com Cossack sobre Mickail e por isso
estou na orgia particular do Russell. Preciso de ajuda com a questão, a
máfia não costuma dar segundas chances, tenho ciência disso, talvez com o
apoio do lutador as coisas se resolvam melhor.

Reconheço muitas pessoas aqui, consegui entrar através de Nikita,


que me deu as informações da festa, já que Russell estava incomunicável,
por conta das lutas.

Sento em uma das poltronas na sala mais reservada do lugar que


acontece absolutamente de tudo. Drogas, sexo explícito, orgias, tudo que
muitos consideram errado, mas aqui dentro é absolutamente normal.
Já conheço a fama das festas de Russell, todos sabem que ele gosta
de pegar pesado quando envolve curtição. Há um tempo que não acontece
um evento desses, desde que se envolveu com a garota do Volk.
Uma história complicada, que cheira muito mais encrenca do que
uma rivalidade entre lutadores, mas esse não é meu problema para me
meter.
— Olá, quer companhia? — Duas mulheres se aproximam e
sentam uma de cada lado no apoio da poltrona.

— Depende do que estão dispostas a fazer — digo e enlaço a


cintura das duas.

Uma desce a perna sobre a minha e facilita para minha mão


escorregar para dentro do vestido, a outra cobre minha boca com a sua e
começo a beijá-la.

Tenho uma intenção clara nesta festa, mas nada me impede de


encontrar um pouco de prazer e alívio para a mente. Mulheres têm um
afrodisíaco certeiro para livrar a cabeça dos problemas, bocetas são divinas
e viciosas.

Lembro-me da morena quente que cheguei a perseguir, semanas


atrás. Katrina é gostosa como o inferno, mal me reconheci quando
literalmente a persegui no restaurante e paguei para Nikita atraí-la ao clube.

Ela consegue me intrigar e deixar instigado o tempo todo, como se


todo o lado fogoso e debochado que mostra, fosse só a premissa de algo
muito maior, que ela faz questão de esconder bem fundo dentro de si.

Não sei explicar o que ela me causa, nunca senti isso com mulher
alguma, mas depois do seu sumiço, achei melhor deixá-la em paz. Cheguei
a cogitar na mente em tornar Katrina minha dançarina particular, lhe
oferecer um acordo e isso me assustou.

Pagar para manter uma mulher na mira dos meus olhos e ao


alcance dos dedos é quase doentio.
Uma delas alcança meu pau, que dá sinal de vida desde que se
sentaram, uma massagem gostosa e cálida, atiça ainda mais meu tesão.
Desço os lábios por sua mandíbula, chego ao ombro e chupo com força,
garantindo uma boa marca quando me afasto.

Viro a cabeça para dar atenção à outra garota, mas meus olhos
cerrados cravam na figura morena que caminha até nós. O olhar ousado e
desafiador tão característico toma toda a minha atenção e dispenso as
garotas, que não ficam contentes, mas meu interesse nelas se perdeu por
completo com a presença de Katrina.

Nossa interação breve me desagradou, não gosto de ser dispensado,


principalmente por ela. Fico em dúvida se me pegar com outras mulheres a
incomodou, por isso agiu daquela forma, mas se for bem honesto comigo,
Katrina sempre foi arisca.

Coço a nuca, irritado, sigo-a e logo a observo tomar doses de


tequila, sem freio. Preocupado, caminho até ela e seguro sua mão, que me
olha assustada e surpresa.

Ela tem um temperamento tão instável que fica difícil saber seu
próximo passo, ninguém consegue prever do que essa russa é capaz.
Capítulo 20

Tiro o shot do seu agarre e viro na minha boca, os olhos atentos às


suas reações, vejo um sorriso displicente surgir em seus lábios, pronta para
fazer alguma piada.

— Desinfetando a boca? Pode pedir álcool ou algo mais forte a


qualquer um por aqui. — Ela toma o copo de volta. — Mais um. — Mostra
para o barman atrás do pequeno balcão.

— Ficou incomodada? Só por que não nos beijamos ainda? —


devolvo a provocação.

— Sinceramente nem me lembrava disso, mas você parece


atormentado com a questão. Uma pena que hoje não estou disponível. —
Ela aproxima seu rosto do meu e a vontade de fechar o espaço e tomar seus
lábios para mim é latente.

— Acompanhada?

— Sim. Se me der licença. — Ao tentar passar por mim, seguro


seu braço em um aperto forte.

— Preciso resolver uma questão aqui, assim que estiver livre, a


levo comigo.

— Não me faça rir, Yerik. Eu não obedeço a ninguém, muito


menos um homem como você.

— Como eu?

— Um egocêntrico. Com licença.


Com um solavanco, Katrina se solta de mim e ruma para um grupo
de lutadores, que parecem conhecê-la. Pego o shot que ela solicitou ao
garçom e viro de uma vez.
Meu propósito aqui é outro, no entanto, bastou vê-la que perdi a
razão e deixei a porra do meu tesão passar a ditar meus atos.

— Yerik Petrovich. Você em uma festa minha? — Giro o corpo e


vejo Russell.

— Meu lutador favorito. Bela festa.

— Sim, mas não me lembro de tê-lo convidado.

— Quer que eu vá embora?

— Claro que não. Fique. É bem-vindo.


— Agradeço. Confesso que estou aqui com segundas intenções.

— Sempre são. — Russell soa zombeteiro.


— Preciso conversar com você em um lugar privado.

— Venha comigo. — O olhar do lutador muda por completo e


caminhamos para uma porta que um dos seus seguranças guarda.

Entramos em um pequeno escritório, bonito e simples, pelo visto, é


um ambiente de negócios e não é permitida a presença de qualquer um.
— Aceita uma bebida? Confesso que estou louco para me
embriagar.

— Temporada difícil?

— Temporada reveladora, camarada. Agora, sem rodeios, me diga


o que quer.
— Meu irmão. Há anos tenho problemas com ele e a gangue, que
descobri ser chefiada por Cossack. Preciso da sua ajuda para dar um fim
nisso, sem ter a cabeça de Mickail a prêmio.
— Preciso de bem mais que isso para pensar se posso ou não
colocar meu dedo nessa merda, Yerik. Cossack controla a organização, a
fachada legal da máfia. Indiretamente sou funcionário dele, não posso me
indispor.

— Mickail sempre se encantou com o lado errado da Rússia. Meu


pai ergueu um bar, que funcionou por anos como puteiro clandestino e tinha
proteção direta da máfia. Quando faleceu, assumi de vez o negócio e o
transformei em um clube com entretenimento adulto. Foquei no trabalho e
em tornar nosso patrimônio o mais digno possível, mas não consegui me
desvincular da máfia, porém, agora pago proteção à organização.

— Isso, eu sei. Os lutadores foram intimados a irem na


reinauguração e toda aquela merda.

— Pois bem. Mickail sempre foi desordeiro, envolvido com as


pessoas erradas e, por diversas vezes, tentou ser recrutado como shestyorka,
mas eu consegui impedir. Meu irmão é autodestrutivo, viciado em drogas
pesadas e quer provar que não mando nele.
— Até aí, ele tem razão, Yerik. Se esse é o caminho que ele quer
seguir, deixe-o.

— Cossack não o quer dentro, Russell. Já deixou claro isso quando


refizemos o acordo do clube.
— Então, deixe isso claro para seu irmão.

— Mickail não aceita. Vive atrás dos homens da gangue, faz


merdas como roubar, bater em pessoas, até vender drogas que compra para
mostrar que tem valor para eles.

— Seu irmão não é um viciado, é um idiota estúpido. Causar


alarde na área de Cossack o tornará um alvo.

— Já tornou. Há uns dias, meus homens resgataram meu irmão da


rua. Foi espancado por alguns shestyorka, pego vendendo droga na área
deles.
— Você tem um problemão nas mãos, camarada. — Russell
balança a cabeça. — Não sei como posso te ajudar, de drogas só entendo do
vício. Não tenho poder nenhum lá dentro.

— Seu nome tem peso, Russell. Sei que está mais envolvido com o
lado tortuoso da organização do que qualquer outro lutador. Só quero que
me ajude a convencer Cossack de que Mickail é doente.
— Tem certeza de que ele é mesmo doente? Talvez essa seja a
natureza dele e você precisa aceitar.

— Mickail não é maldoso. Não é cruel. Nunca mataria alguém.

— Será? Já vi coisas demais nessa vida para acreditar em suas


palavras, Yerik. Você parece, nitidamente, uma mãe desesperada por seu
filho.

— Yebvas! Ele é meu irmão. — Levanto da cadeira que estava


sentado e caminho de um lado a outro.
— Acalme-se. Verei se consigo alguma informação que te ajude,
mas não prometo nada. Estou envolvido em outro lance pesado e não
colocarei meu pescoço a prêmio. Entendeu?

— Tak! Eu agradeço muito, camarada.


— Irá me retribuir quando eu precisar.

— Conte comigo.

Saio da sala acompanhado de Russell e estaco com a cena que se


desenrola bem à minha frente. A luz alta anteriormente agora é baixa, uma
batida sensual toca no ambiente e observo Katrina em cima de uma mesa,
movendo o corpo despudorada.
O vestido sobe à medida que se abaixa, olhos fechados, sobe e
desce sobre o móvel, enquanto homens e mulheres que ali rodeiam gritam e
aplaudem sua performance.

— Ah, eu amo as ousadas. — Escuto a voz de Russell ao meu lado.


Katrina parece sentir minha presença, pois quando gira o corpo
para de frente para mim e abre os olhos, sem espanto, continua a dançar,
mas agora com a atenção toda em minha direção.

Confesso que a irritação que cresce em mim vem acompanhada do


tesão, sinto meu pau pulsar, completamente duro dentro da calça. Minha
cabeça começa a projetar todas as coisas pervertidas que poderíamos fazer,
sempre com ela deitada sobre essa mesma mesa e eu a fodendo aos olhos de
todos.

Sacudo a cabeça e busco alguma razão, estou no limite do estresse


e obviamente usando meu tesão por essa morena para aliviar a pressão.

Fecho as mãos em punho, quando observo um homem atrás dela


subir os dedos por sua panturrilha protegida pela meia grossa que usa. A
chave da irracionalidade gira e passo a agir ditado pela fúria.

Avanço, determinado, até o show que ela está proporcionando,


empurro algumas pessoas da minha frente, que protestam, mas ignoro,
focado no riso que cresce naquela boca pecaminosa.

— Desce! — ordeno e ela só balança a cabeça em negativa e


continua achando graça.

O homem coloca mais uma vez a mão pelo interior da sua perna e
sobe até o topo das coxas.
Dou a volta na mesa e acerto um tapa na sua mão, em resposta sou
empurrado pelo homem contrariado. Junto sua camisa em punho e preparo
o soco para acertar o meio da sua face.

— Chega disso. — Katrina desce da mesa e empurra nós dois. —


Chega, Yerik. — Ela aperta meu braço e afrouxo o agarre.

O homem se solta e alisa a camisa, profere alguns palavrões e se


afasta. Katrina continua me encarando, com raiva, vejo o ódio borbulhar
dentro dela, prestes a explodir.

Isso é ótimo, já que não estou diferente e sei exatamente como


resolver essa questão.

— Vem comigo. — Seguro sua mão com força e a arrasto junto a


mim.

Katrina protesta e bate no meu braço, mas ignoro propositalmente.

— Banheiro? — Paro diante de Russell, que se manteve no lugar,


com os braços cruzados e um semblante irônico.

— À direita. — Ele aponta com o dedo. — Olá, Katrina.

— Oi. — Ambos se cumprimentam, Katrina parece ter se


esquecido da fúria diante do lutador.
Volto a arrastá-la, agora mais tranquila, para dentro do lugar. Bato
a porta e a tranco.

— O que você quer, Yerik? Que cena ridícula foi aquela? O que
pensa que está fazendo? Por que me trouxe para este cubículo?

Calo suas perguntas avançando sobre ela e cobrindo seus lábios


com os meus.
Finalmente poderia sentir o que faltava.

O sabor do seu beijo.


Capítulo 21

Vodca, menta e um gosto particular que nunca experimentei de


outros lábios, é tudo que degusto entre as passadas de língua profundas e
envolventes de Yerik.

A curiosidade teve seu fim, agora posso dizer que conheço como
esse russo egocêntrico tem harmonia quando o intuito é seduzir e envolver.
O beijo é tão ou mais cativante quanto sua imagem ou a pegada sexual.

Apesar da irritação por ser arrastada para dentro do banheiro, um


ato possessivo que abomino, afinal, não temos nada, não somos coisa
alguma, nem se estivesse em um relacionamento jamais toleraria esse tipo
de comportamento, acabo por me render.
O problema é que provocar esse homem é tão excitante quanto
sentir sua língua na minha garganta e esses dedos mágicos estimulando meu
clitóris dentro da calcinha.

Preciso afastá-lo, brigar e deixar claro que não temos nada e que
essa atitude é descabida, mas o tesão passou a ditar as ações por aqui.

— Quero te foder — ele toma fôlego enquanto fala.

— Eu quero ser fodida — respondo, afoita.

Yerik me ergue pela cintura, sou colocada sobre o balcão da pia, as


pernas abertas facilitam seu movimento em abaixar, puxar minha meia no
processo e colocar a calcinha de lado para abocanhar a carne sedenta.

Gemo alto, as mãos em automático seguram sua cabeça e fecho os


olhos, apreciando o momento de qualidade. Sou devorada pela boca
desesperada, choques prazerosos percorrem meu corpo e arrepiam nos
lugares certos.

Aproveito que uso um vestido de alças e puxo os bojos para baixo,


expondo meus seios entumecidos. Acaricio ambos, enquanto ele suga e
executa o oral mais enlouquecedor que já recebi.

Yerik se afasta de repente, abro os olhos, pronta para xingar, mas


ele segura minha anca e traz mais para frente. Com uma única estocada sou
preenchida, seguro seus ombros com força, seus movimentos são firmes e
me entorpecem.

Suas mãos me envolvem e uma delas puxa meu cabelo e projeta


minha cabeça para cima. Seus olhos ardentes cravam nos meus, sua boca
captura meus lábios com um beijo rápido e impetuoso.

Sem perder o ritmo do vai e vem, sua boca escorrega pelo pescoço
e trilha um caminho delicioso até meus mamilos. Estou com o corpo
encostado na parede fria agora, as mãos dele cobrem e apertam os bicos,
enquanto a boca alterna entre um e outro, uma tortura prazerosa.
Uma batida na porta o incentiva a acelerar, o som abafado de
risadas e música do lado de fora, todos provavelmente cientes do que
fazemos aqui joga minha libido nas alturas.

Sinto o tremor percorrer do baixo ventre até as pernas e fecho os


olhos, deixando o orgasmo tomar conta de todo meu corpo.

Yerik me acompanha, puxa meu tronco para si e com mais duas


estocadas chega ao ápice pulsando em meu canal encharcado.

Somos uma massa mole pós-foda, respirações agitadas, fluidos e


suor por todos os lados, aos poucos recupero a razão perdida desde que
entrei neste cubículo com ele.
— Temos que sair — falo baixo e finalmente Yerik me afasta do
seu aperto.
Sem mencionar uma palavra, tira seu membro de mim, pega um
punhado de papel descartável e me entrega. Enquanto me limpo, ele retira a
camisinha, ainda fico impressionada com a agilidade que consegue colocar
o objeto sem que ao menos veja.

Desço da bancada, viro e encaro meu reflexo que evidencia o que


acabamos de fazer, analiso parte do rosto e pescoço vermelhos pela barba
rala que passeou por ali.
Ajeito o vestido no lugar, passo as mãos no cabelo e quando olho o
espelho de novo, Yerik está parado atrás de mim. Sua expressão é séria,
parece distante daqui, como se fosse portador da pior das notícias.

— Estou de saída. Quer uma carona? — É uma pergunta, mas não


soa como uma.
Penso em negar, só para provocá-lo, mas confesso que não tenho
vontade alguma de estar aqui. Quando vim, já estava intencionada em vê-lo
e o resultado foi bem mais do que esperava.

— Quero — respondo, simplesmente.

Yerik destrava a porta do banheiro e segura minha mão, agora de


forma gentil, saímos juntos e, ao longe, no canto da sala, vejo Nikita nos
observando. Ainda não sei qual a intenção dessa garota comigo, mas é
óbvio que hoje ela armou para mim ou para Yerik.

Quando o carro chega à entrada do hotel, ele abre a porta para,


antes de tomar seu lugar, acho isso fofo e destoa completamente do
brutamontes que me arrastou lá em cima.
Suas ações são contraditórias, ao mesmo tempo que emana perigo,
tem atitudes protetoras, como me salvar da confusão na boate aquele dia,
isso me atrai de forma absurda, não sei se pela curiosidade em entendê-lo
ou por ter facilidade em me envolver com os tipos mais errados.

— Passa a noite comigo? — Sua voz grossa e baixa me desperta


dos questionamentos.

Encaro seu perfil atento à estrada, uma mão no volante, a outra


descansa no colo, o rosto sério não mostra qualquer emoção.
Aquele cordão exótico no pescoço chama minha atenção, já
transamos diversas vezes, mas ainda não sei absolutamente nada sobre ele,
a não ser que veio da Colômbia. Acho que está na hora de conseguir
algumas respostas.

— O que significa? — Estico a mão para tocar o colar.


Ele olha para baixo rapidamente e depois para mim, volta sua
atenção à estrada e passa um tempo em silêncio.

— É só um colar.

— Nunca vi ninguém na Rússia com ele.

— Nem poderia. Veio comigo da Colômbia.


— Com quantos anos veio para cá?

— Bem jovem.

— Sozinho ou tem parentes aqui?


— Tenho um irmão, mais novo.

— Quem era russo? Seu pai ou sua mãe?


— Acho que está curiosa demais com as minhas origens. — Ele
torna a me olhar de relance.

— Já que transamos tantas vezes, acredito que não tem nada de


mais nos conhecermos melhor.

— Você quer me conhecer melhor, zólattse mayó? — A


provocação implícita no tom.
— Pode me perguntar tudo que quiser também. Não tenho medo de
falar sobre mim.

— E acha que tenho medo? — Mais um olhar, agora indignado.


— Eu não disse isso. Bom, sou Katrina Kolyavna Pavlova, tenho...

— Vinte e três anos, não cursou faculdade, desde os dezoito


trabalha na noite com serviços esporádicos. Filha de Kolya Ivânovitch e
Vanya, prima de Aleksandra Yakovna Nicolaeva, ou Sacha, ex-namorada do
Volk e atual mulher, por assim dizer, de Russell, seu inimigo — ele me
interrompe com o dossiê sobre mim.

— Devo me preocupar? Parece um homem meio obcecado.

— Só gosto de estar informado sobre as pessoas que me relaciono.


— Mas nós não nos relacionamos e, você, meio russo, meio
colombiano, não respondeu minha pergunta.

— Nem você a minha.

— Bom, já que sabe tanto sobre mim e eu quase nada sobre você,
acho seguro equilibrar as coisas. Me dê algo e aceito sua proposta.
— Justo. — Balança a cabeça em afirmação. — Sou filho de
colombiana, minha mãe veio para Rússia com meus avós e acabou
conhecendo meu pai, que nunca foi um exemplo de virtude. Se envolveram
e ela engravidou, foi expulsa de casa pela família e passou a morar com ele.
Quando completei três anos, o estilo de vida do meu pai não agradava em
nada minha mãe, então ela fez uma pequena mala e voltou para Colômbia,
comigo nos braços.
— Nossa que horrível. E por que voltou à Rússia?

— Não tive escolha. Eu e meu padrasto não nos dávamos bem. —


Sinto a tristeza em sua voz.

Yerik pigarreia e percebo que toquei em um ponto delicado.

— E qual é a diferença de idade entre você seu irmão?

— Uma boa maneira de saber a minha idade, não acha? Tenho


vinte e nove anos e meu irmão, vinte e três.

— Minha idade, que interessante. Podemos ser amigos.

— Não acho que isso seja possível.

— Ciúme, Yerik?

— Longe disso, só estou sendo cauteloso.

Antes que eu possa questionar sobre o motivo, chegamos aos


portões de uma casa impressionante. Um homem em um posto de vigilância
libera a nossa passagem e enquanto o carro segue por um chão de
paralelepípedos, admiro a paisagem em volta.

O homem é realmente rico.


Capítulo 22

A casa não é uma mansão, no entanto, sua beleza é tão próxima


das encontradas em revistas ou mostruários de arquitetura, que fico
abismada e sem reação.

— É linda, eu sei. — Percebo que ele já estacionou e abriu a porta


para eu descer.

— Isso é eufemismo. Não é à toa que está envolvido com a máfia.


— Seguro sua mão e desço do carro.

— Acha que estou envolvido com alguma gangue russa? — Pouso


os olhos em Yerik e vejo a surpresa.

— Claro. Nada justifica tanto dinheiro, seguranças, proteção e —


aponto para o imóvel — essa casa maravilhosa.

— Você tem uma mente muito fértil, ou faz o pior juízo de mim.

— Acho que as duas coisas. — Ambos rimos da piada, o clima


pesado de antes se dissipou por completo e a proximidade dele me faz ficar
séria.

Sua mão toca minha face com delicadeza, quente e reconfortante,


fecho os olhos em automático, aprecio o contato e tombo a cabeça para o
lado, à espera de mais.

As batidas do meu coração mudam de compasso, ele avança um


passo, unindo nossos corpos, o calor que antes era só da sua palma agora
emana dele por inteiro junto a mim.
Sinto seu hálito quente próximo dos meus lábios, me recuso a abrir
os olhos e sair da bolha que eu mesma me coloquei. Ignoro todos os sons de
alerta e perigo tocando na minha mente, devido às sensações que estão me
inundando.
Quando a maciez dos seus lábios toca os meus, não resisto e puxo
sua nuca para mim, aprofundo o beijo que deveria ser calmo e cálido, mas
que destoa demais da urgência que me consome por dentro.

O encaixe perfeito, nossas línguas têm uma sincronia desmedida


juntas, como se fossem moldadas para interagirem, o que torna tudo à nossa
volta dispensável.

A razão se perde, não há mais qualquer questionamento ou reserva,


o som do seu gemido abafado pelo contato, o retumbar do peito que bate
descompassado, não existe passado ou futuro, somente o presente e a
necessidade de permanecer no aqui e agora.

Suas mãos descem para meu traseiro, com um movimento rápido


sou suspensa em seu colo, ainda nos beijando, entramos na casa, Yerik me
coloca sobre uma mesa e finda o contato.

— Hoje teremos tempo para ir devagar. Quero apreciar todo seu


corpo, zólattse mayó. — Ele faz uma trilha de beijos até meu pescoço.

— Não tem perigo de alguém chegar? — Olho para a porta


escancarada à minha frente.

— Ninguém vai entrar. O grandalhão lá fora vai nos garantir isso.

— Pelo visto, também não posso fugir.

— Não — Yerik interrompe os beijos e me encara —, mas se em


algum momento se sentir desconfortável e quiser partir, eu não impedirei.
— Seu olhar atento e sincero me avalia.

— Acho que quero alguns orgasmos antes de fugir daqui. —


Enlaço seu pescoço.

— Seu desejo é uma ordem, zólattse mayó.

Abro um olho, depois o outro e rapidamente sento na cama. Lençol


macio, colchão confortável, ambiente grande e aconchegante. Encaro a
mesa de cabeceira e vejo a pequena bolsa que usei ontem.

Pego o celular e confiro as horas, com certeza minha mãe deve


estar se descabelando, quase hora do almoço e nem notícias me incomodei a
dar.

Depois de uma noite quente, não tive forças para partir e adormeci
nos braços do homem que me levou à loucura várias vezes madrugada
adentro. Confesso que o aconchego do seu peitoral contribuiu na falta de
coragem de deixar aquela cama.
Faço minha higiene, visto o mesmo vestido de ontem, Yerik não
deixou um bilhete ou recado, provavelmente foi resolver alguma questão do
clube, isso facilita minha partida.

Sem despedidas, sem constrangimento.


Desço as escadas, busco na memória o caminho que fizemos até o
quarto, mas não me lembro, já que estava mais preocupada em sugar sua
alma pela boca.

Os degraus acabam em um corredor com várias portas, olho para


os lados à procura de alguém, até uma empregada que possa me orientar,
mas nem sinal.

Passo por uma porta entreaberta, reconheço a voz de Yerik, parece


estar falando sozinho, então deduzo que está ao telefone.
— Não pode tirá-lo daí ainda. Não consegui falar com quem
preciso.

Aproximo o corpo da porta e colo o rosto ali.


— Isso é irrelevante. Subornei e muito bem todos os funcionários
para mantê-lo preso. — Afasto um passo, chocada.

Essa conversa traz a minha razão de volta, lembro-me da noite da


boate e seu braço direito mencionar sobre homens da máfia. Yerik tem
envolvimento, além da proteção paga à organização, sabia que deveria me
manter longe.

Caminho a passos determinados pelo corredor, arrisco um ou dois


olhares para trás, garantindo que ele não está em meu encalço.

— Ele te investigou, sua burra. Sabe tudo sobre você. — Bato a


mão na testa, enquanto racionalizo em voz alta.
No fim do corredor encontro a saída, apressada abro a porta e
trombo em uma parede de músculos que está no meio da passagem. Olho
para cima e vejo um terno alinhado preto, o homem sisudo me encara, tento
sorrir, simpática, e passar por ele, mas não funciona.
Dou um passo para o lado esquerdo, o homem me acompanha.
Volto para a direita e ele também vai, bato os braços na lateral do corpo e
fico irritada.

— Pode sair da minha frente, por favor?

— Volte para dentro, moça, Yerik está à sua procura.


— Já falei com ele e nos despedidos. Estou indo embora. Inclusive,
meu carro deve estar chegando.

— Cancele o carro, eu vou te levar. — Dou um pulo e giro ao


perceber a voz de Yerik atrás de mim.
— Bom dia. — Sinto meu coração bater mais forte, mas desta vez
sem o florescer da libido.

— Pretendia fugir de mim? — Balanço a cabeça em negação. —


Ainda bem que mantive o segurança na porta. Vem, vamos comer algo,
antes de levá-la para casa.

— Não estou com fome — respondo, enquanto ele prende sua mão
na minha e entrelaça nossos dedos.

— Impossível. Não se alimenta desde ontem.


— Como sabe disso?

Minha mente começa a imaginar as inúmeras possibilidades de ser


mantida sob vigília por todo esse tempo.

— Na festa, você só tomou shots de vodca e, depois que viemos


para cá, a única coisa que entrou na sua boca foi meu...
— Tak! Já entendi. — Seu olhar zombeteiro mira em mim e pisca
uma vez.
Se ele fosse ao menos feio, seria fácil recusar as suas investidas. Já
não tenho um histórico muito bom com os homens errados, sou atraída
como um ímã para a encrenca, enredada nas facetas sexuais, que são
maravilhosamente indiscutíveis e agora suas gracinhas inocentes.
— Não tenho ideia do seu gosto, então pedi que trouxessem
algumas opções. — Entramos em uma sala de jantar espaçosa, a mesa de
doze lugares, decorada com janelas enormes e quadros na parede oposta.

— Uau... — solto, encantada.

Ocupo a cadeira do lado direito da cabeceira, Yerik toma seu lugar


e começa a destampar as cinco bandejas à nossa frente.

Bom, se ele é um gangster e pretende dar fim na minha vida, ao


menos se preocupou em me alimentar antes.
Capítulo 23

Encho o copo vazio pela segunda vez com chá, o primeiro não foi
suficiente para tirar o bolo que se formou na minha garganta, cogitar a
hipótese de que estou envolvida com um mafioso mexeu com meu
psicológico.

Nunca tive um bom senso de julgamento ao escolher o caráter dos


homens com os quais me envolvi, o pouco tempo que ficávamos juntos a
prioridade nunca foi nos conhecer além do prazer momentâneo vivido.
Corto um pedaço da blinis no prato, lembro-me de Sacha e o
quanto ela ama comer essas panquecas, espero ter a chance de lhe contar o
quão saborosas são.
Katrina, não seja paranoica.

— O que aconteceu, está tão calada? — Yerik questiona, no


intervalo das garfadas.

O homem tem um apetite bem apurado, não parou de mastigar


desde que nos sentamos. Apesar que, se for analisar todo seu tamanho, é
preciso muita comida para fortificar seu corpo.

— Preciso ir embora, minha mãe deve estar preocupada.

— Pensei que fosse uma mulher independente, que não dá


satisfações a ninguém.

— E sou, essa não é a questão.


— Passa o fim de semana comigo? — Sua mão cobre a minha que
descansa sobre a mesa.

Encaro seus olhos por um tempo, a dúvida entre o que é seguro ou


não bate diretamente com a vontade de entender e conhecer o máximo
possível sobre ele, o que faz de fato.

Aquela voz chatinha na minha mente grita para que me afaste por
completo, saia correndo e nunca mais olhe para trás. Em contrapartida, a
veia rebelde, que toma à frente nas decisões mais importantes que já
vivenciei se faz presente, causando uma confusão enorme aqui dentro.

— Vamos, zólattse mayó. Dias inocentes sem qualquer inocência


envolvida. Você não vai se arrepender. — Ele toma minha mão para si e
leva até os lábios.

Ao invés de beijar o dorso, como um cavalheiro faria, Yerik encara


a ponta dos meus dedos, escolhe um deles e coloca na boca, sugando até o
final.

Fecho os olhos quando uma fisgada percorre do ato obsceno por


todo meu braço, se alastra pelo peito e termina com uma pontada no ventre.

— Sim... — respondo baixo e só depois me dou conta de que


concordei.
— Vou te levar até sua casa, você faz uma pequena mala de roupas
e lhe pego mais tarde. Assim terá tempo de conversar com sua mãe.

— Tak! — digo, resignada.

Se sua intenção era se livrar do russo mafioso, está no caminho


errado, Katrina!
Entro em casa, dispenso o casaco pesado e a bota na entrada,
caminho apressada para o quarto, preciso de um banho e me livrar desta
roupa de festa.

Meus pensamentos vagueiam por possibilidades de estar sob


vigilância do pessoal de Yerik, já que não precisei lhe dar meu endereço
para chegar até aqui.

O receio de acordar em uma vala com a boca cheia de bichos


aumenta, mas a essa altura não tem como declinar do convite sem parecer
suspeita.

Quando passo pela sala, minha mãe, que estava sentada no sofá,
levanta e me encara, furiosa. Pelo jeito, não terei um tempo sossegado até
Yerik retornar.

— Onde esteve? Liguei e não atendeu.


— Saí com uns amigos e acabei dormindo fora. Nada que já não
fiz um milhão de vezes.

— Você não se importa com seus pais, Katrina. As pessoas


comentam sobre seu comportamento farrista. Pensei que trabalhar na
imobiliária finalmente te tornaria...

— Alguém que não sou? — interrompo seu discurso.


— Uma mulher direita.

— Então, sair para me divertir é ser uma qualquer, mãe? Isso que
pensa de mim?

— Você já cansou de dar motivos para pensar o que quisermos


sobre você.
— Mas eu não me importo com o que pensam, mãe. As más
línguas não me afetam, desde que a senhora me enxergasse de verdade.

— E eu enxergo, filha, mas não sei por que, de uma hora para
outra, passou a agir dessa forma.

— Porque me tiraram o direito de escolher, há algum tempo.

— Do que está falando?


Sinto meus olhos inundarem com lágrimas, não posso sucumbir e
muito menos reviver a dor que me corrói dia a dia. Não quero que meu
tormento se torne uma sombra pesada para eles.

— De nada em específico. Sou o que sou, mãe. Não tem como


mudar. — Giro e caminho alguns passos para longe.
— Sempre tive tanto cuidado com sua criação. Para quê? Virou
uma desvirtuada, como tantas outras.

Estaco no lugar, fecho as mãos em punho e respiro fundo para


controlar meu gênio.

— O tempo de cuidar da minha criação já foi, mãe. Se o resultado


não lhe agrada, não há nada que eu possa fazer — respondo, de costas, e
sigo meu caminho.
É difícil explicar o porquê de ser assim, quando a maior ruptura
entre a garota que meus pais criaram e o que sou agora, está atrelado a um
acontecimento doloroso que pretendo manter enterrado.

Vasculho meu armário, tiro uma mala pequena e jogo sobre a


cama, separo algumas peças, um casaco quente, meias térmicas e roupa
íntima.

Tomo um banho rápido, coloco uma roupa confortável e confiro


meu celular. Com toda a situação com Yerik esqueci por completo de pegar
seu telefone para chamá-lo.

— Filha? — Ouço a voz abafada do meu pai do lado de fora da


porta.

— Entre.
— Vai viajar? — Encara a mala arrumada sobre a cama.

— Sim. Fui convidada para ficar na casa de uns amigos.

— Sua mãe está preocupada.

— Não tem com o que se preocupar, já disse isso a ela.


— Filha, sua mãe sonha em vê-la casada, com um bom marido,
filhos e uma vida confortável.

— Que brega, pai. Não é isso que eu quero — desconverso, com


um riso sem graça.

— Lembra quando era criança — ele senta na beirada da cama —,


você falava sobre a princesa que estava na Torre Spasskaya e aguardava seu
cavaleiro para lhe salvar.
— Histórias de criança, pai, — Sento ao seu lado e acaricio sua
mão sobre a perna.

— Sim, mas te permitiam sonhar. Via o brilho nos seus olhos, a


vivacidade, o desejo de viver algo emocionante e isso sempre a tornou
encantadora.

— Mas... — Sinto o tom pesaroso no discurso.


— Em algum momento se perdeu. Você vive, se diverte, é meio
maluquinhas às vezes... — Ambos rimos do comentário. — Só que eu
nunca mais vi aquele brilho. — Seu olhar pousa sobre o meu, sério.

Diferente da minha mãe, o homem que me criou sempre foi calado,


firme em seu modo de ser, mas gentil na maneira que me trata. Enquanto
repudio e sou explosiva com os questionamentos da minha mãe, com meu
pai sinto a angústia tomar e o desejo de dividir minha dor é palpável.

— Pai, eu...

O celular escolhe este momento para tocar alto, puxo do bolso de


trás da calça e encaro o visor, um número desconhecido pisca em chamada.
— Alô?

— Zólattse mayó, está pronta? — É óbvio que ele teria meu


número.

— Sim, está aqui na porta?

— Estou.

— Desço em um minuto. — Encerro a chamada, sem me despedir.

— Vá e divirta-se. — Meu pai facilita minha saída e encerra o


assunto anterior.
Beijo seu rosto e pego a mala, partindo. Passo pela minha mãe e
me despeço, mas ela nada responde.

Espero que o fim de semana seja ao menos proveitoso e que


consiga entender quem realmente Yerik Petrovich é, sem correr perigo.
Capítulo 24

Vamos direto para a boate, ainda é cedo para começar a funcionar,


mas as atividades e preparações começam a acontecer. Entro no camarim
que as meninas usam para se trocar, algumas já estão aqui, me encaram de
soslaio, curiosas com a minha presença.

No fundo, no cabideiro de figurinos, reconheço Nikita, a cobra


sórdida que armou para me fazer ir à festa ontem. Caminho decidida até ela
e toco seu ombro, a surpresa ao me ver agrada meu humor.
— Olá, querida.

— Katrina, como vai? Não sabia que estava fixa aqui como
dançarina.

— Não estou, mas você, pelo visto, pegou gosto pelo trabalho.

— Meus objetivos aqui são outros.

— Mesmo? — Cruzo os braços e aproximo meu rosto do seu. —


Quais seriam?

— Nada da sua conta, querida.

— Por que me fez ir até àquela festa ontem? Sabia que Yerik
estaria lá, mas não foi ele quem mandou me chamar.

— Isso é uma reclamação? Você se deu bem, no fim das contas,


garota.

— Escuta aqui, Nikita — seguro seu braço com força, o deboche


dessa mulher me irrita —, eu não sou um fantoche para seus joguinhos.
— Não mesmo. Está mais para a cadela do Yerik.

Com a mão livre, desfiro o tapa em seu rosto, que vira com o
impacto, solto meu aperto e ela segura o lugar marcado, alarmada com
minha atitude.

— Nunca mais abra sua boca para falar assim comigo, entendeu?

— Pensa que pode fazer esse tipo de coisa por foder com o patrão?
Aqui, todas já tiveram a oportunidade. Você não é diferente por isso. — Sua
fala sai alta e as poucas mulheres em volta nos encara.

— Isso é inveja? Não esperava outra coisa de você.

— Sua vadia... — Nikita avança sobre mim e segura meus cabelos


com ambas as mãos.

Meu couro cabeludo pinica, tento me soltar, sem sucesso, as


mulheres se aproximam e, ao invés de separar, incentivam a briga ainda
mais. Acerto alguns socos em Nikita até alcançar seu cabelo aloirado e
puxar também.

— Que porra está acontecendo aqui? — Yerik vocifera, assim que


a porta é aberta.

Nikita e eu nos soltamos em automático, as meninas que


incentivavam a briga se afastam, cada uma para sua bancada e o homem
irritado marcha em nossa direção.

— Yerik, essa selvagem me atacou. — Nikita tenta apoiar no torso


dele, assim que está próximo o suficiente.

— Se tocar nela mais uma vez, mesmo que um esbarrão sem


querer, acabo com a sua vida, Nikita. — Yerik segura seu braço e a afasta.
A garota faz uma careta de dor, acho que Yerik exagerou ao
enfatizar o recado.
— Yerik, eu...

— Não quero suas desculpas, Nikita, ou nunca mais entrará no


meu clube. Faça seu trabalho e fique longe da Katrina, entendeu? — Ela
balança a cabeça, concordando.
Yerik enfim a solta, puxa minha cintura e marchamos para fora do
camarim. Apesar de ter agido em minha defesa, confesso que me assustou a
forma como tratou Nikita.

— O que aconteceu lá dentro? — questiona, enquanto caminhamos


para o bar, na pista de dança.
— Despeito. Por parte dela.

— Nikita é ardilosa, fique longe dela.


— Isso eu já sei há muito tempo. Esqueceu que ela me trouxe a
primeira vez para dançar aqui, sem meu consentimento?

— Sim, é verdade. O que fazia lá?


— Só relembrando meus tempos de dançarina. — Faço uma piada
para descontrair.
Na realidade, entrei no camarim no intuito de puxar conversa com
aquelas mulheres e, quem sabe, desvendar um pouco mais do que envolve
os negócios de Yerik.

Ocupo a banqueta do bar, enquanto ele contorna e serve uma


cerveja em dois copos. Entrega a bebida a mim e ergue para um brinde
rápido, ambos sorvemos o líquido ao mesmo tempo e ele termina antes de
mim.

— Você quer dançar?

Quase engasgo com o gole de cerveja, espantada com sua pergunta


repentina.
— Está me oferecendo trabalho?

— Não. Mas se sente vontade de subir no palco, posso facilitar


isso.

— No principal? — Ergo o queixo em direção ao grande palco.

— Em uma das cabines.


Lembranças da primeira vez que subi na cabine invadem minha
mente, as sensações de ser observada, desejada, aquela máscara que por um
momento me tornava outra pessoa e assim eu usufruía da luxúria sem
qualquer peso ou culpa.

— Aceito — respondo e ele não parece surpreso.


— Suba para meu escritório, alguém vai levar seu figurino para
você.
— Sim, senhor. — Faço um sinal de joia e Yerik ri.

O homem consegue ser tão contraditório quanto as escolhas que


faço. Dizem que para tudo se tem um preço, ainda não sei quanto me
custará essa aventura, torço para que saia ao menos viva.
Subo a escada estreita, entro no escritório aconchegante e
aproveito para observar o lugar. Poucos móveis, mas tudo muito elegante e
bem disposto, o ambiente faz um misto de local para trabalho e descanso,
ao mesmo tempo.

Uma batida na porta me faz girar e ver uma senhora com um


cabide de roupas. A máscara na frente me faz rir e pensar que ele já
premeditava meu desejo de fazer um stripper.

Entro no banheiro anexo, tiro as roupas e visto o conjunto, mais


comportado que os anteriores. Em tons de lilás, a calcinha minúscula é
coberta por uma saia curta e transparente, a parte de cima é um corpete todo
bordado, com as costas trançadas e me faz questionar como sairei disso no
palco sem parecer ridícula.

A máscara é dourada, combina com os detalhes do bojo e com o


acabamento das peças de baixo.

Saio do banheiro para calçar os sapatos de salto e dou de cara com


Yerik parado no meio da sala com um copo de uísque na mão. Seu olhar
atento a mim desce, medindo cada milímetro das minhas curvas.
— Gostou? — pergunto e giro no lugar.

— Muito. — Sua voz é baixa e séria. — Abriremos em breve, vou


te colocar na primeira cabine.

— Gosto de ser a sete. Sempre sou a sete. — Calço os saltos e


caminho cautelosa, tranço as pernas e jogo os quadris.

A forma como Yerik me devora com os olhos me excita e


empodera. Com a identidade oculta, mesmo que saiba quem eu sou, é como
se outra pessoa ditasse minhas ações e tudo fosse possível.

— Hoje será a primeira, sem discussões.


— Tudo bem. Mandão! — Apoio as mãos naquele peitoral firme e
brinco com o colar que constantemente usa.

— Você gosta de provocar, Katrina. — Sinto seu hálito quente


próximo do meu rosto.

— E, você, de ser desafiado. — Desço uma das mãos e acaricio


seu pau já desperto.
A parte ruim de atiçar esse homem é que fico tão sedenta quanto
ele, minha libido dá sinais e começa a tomar frente, se não me afastar agora
dificilmente chegarei ao palco intacta.

Caminho para longe, Yerik me segue com o olhar, mas não move
um musculo sequer.

— Espero que me veja dançar — falo e saio pela porta a caminho


da cabine.

A senhora que me levou as roupas aguarda no fim da escada e me


direciona à cabine número um, como orientado por Yerik. Ela pede que eu
aguarde dentro do cubículo e assim que chegar o momento a cortina se
abrirá e eu poderei executar minha performance.

Eu nem tenho uma, afinal.

Como um déjà vu a voz de Rihanna ao som de Skin invade os alto-


falantes, fecho os olhos e começo a me mover lentamente, quando os abro a
cortina já está aberta, algumas pessoas ocupam o salão e de longe observam
minha dança.

Remexo os quadris de um lado para o outro, ergo as mãos acima da


cabeça e seguro a barra, ondulo o corpo, alguns se aproximam, curiosos,
mas quem eu quero ainda não encontrei.
Meus olhos passam pelo salão ao longe, à procura do homem que
me instiga a querer fazer esse tipo de coisa, quero olhar dentro dos seus
olhos e sentir as labaredas que me queimam de excitação, ferverem dentro
dele.

Giro o corpo e fico de costas, seguro a barra e desço devagar,


projeto os quadris para frente e o tronco para trás e curvo o máximo que
consigo. Ouço algumas palmas de incentivo, assim como provocações
chulas.

Volto ao normal, continuo a me mover, seguro o mastro e giro em


torno dele, de frente para a pista de novo, solto as mãos e passo a acariciar
meu corpo.

Meus dedos infiltram no saiote pequeno, ameaço tirar e alguns


gritos me incitam a continuar, Yerik aparece diante do palanque, próximo o
suficiente para a luz do chão iluminar seu semblante.

Ele sinaliza que não com a cabeça, negando minha ação de tirar a
peça. Rio debochada e torno a baixar parte da saia, seu rosto sério e sem
expressão mostra claramente que não quer ser provocado.
Ignoro sua carranca, giro o corpo rebolando e ao parar de frente
novamente puxo a peça, me curvando até próximo dos pés. Fico de pé e
vejo Yerik falar ao celular, as cortinas automaticamente fecham e percebo
que a música ainda não acabou.

— Eu ainda não acabei! — brado, olhando para o teto e bato um


pé.

Uma típica criança birrenta.

Abro a cortina e desço os poucos degraus, vejo Yerik caminhar


com toda a imponência e poder de quem faz o que quer em minha direção,
tenho vontade de bater em sua cabeça com algo bem pesado.

— Você me permitiu dançar. O que foi aquilo? — Coloco as mãos


na cintura e começo a gritar.

— Eu disse dançar e não tirar a roupa.

— Mas não é o que seu clube oferece? Todas as meninas fazem


isso?

— Todas fazem. Você não.


Capítulo 25

Meu coração falha uma batida, sua declaração me deixa confusa e


o retumbar no peito chega a preocupar. Isso só pode ser um jogo, não há
motivos para pensar em uma cena de ciúme.

— Acha minha desenvoltura tão ruim assim? As pessoas em volta


pareciam gostar.

— Longe disso. — Ele avança um passo e fecha a distância entre


nós.

Com um olhar abrasador, Yerik me mede dos pés à cabeça, sinto o


corpo arrepiar em resposta e passo a ansiar por seu toque. Não sei como,
mas sua forma ardente de agir tem ligação direta com a minha libido.

Com a ponta dos dedos, ele sobe pelo meu braço, os olhos focados
no que faz, desliza pelo ombro e caminha até minha nuca onde retira a
máscara e a dispensa no chão.

Ele cobre meu rosto com as mãos, olhos cerrados me transportam


para um momento particular, só nosso, então sua boca se aconchega na
minha. Um beijo calmo, sua língua busca a minha com movimentos
vagarosos, degustando de cada entrelaçar.

O sangue bombeia por todo meu corpo, um calor absurdo toma


conta de mim e a pressa em conseguir mais do que beijos me faz segurar na
sua cintura e apertá-lo contra meu corpo.

— Yerik. — Quebramos o contato quando alguém o chama. É


Pavel.
— O que foi? — Yerik passa a mão no rosto, dando a entender que
não gostou da interrupção.

Na verdade, nem eu.

— Algumas pessoas o procuram próximo do bar.

— Sempre alguém me procura, Pavel. — Seu tom é tedioso.

— É o contato que Russell conseguiu, disse que é importante.

— Estou indo.

Com um acenar de Pavel, somos deixados sozinhos, Yerik volta a


me encarar e baixa o olhar pelo meu corpo, franzindo as sobrancelhas.

— Suba ao escritório e troque de roupa, me encontre no reservado.

— Eu acho que você está exigente demais e não sei se gosto disso.

— Quer desfilar pelo salão lotado de pessoas vestindo lingerie? —


Ele aponta para mim, evidenciando a pergunta.

— Tak! Tem razão. — Faço bico ao ser obrigada a concordar.

Uma coisa é eu dançar em uma cabine segura das investidas dos


clientes, outra é desfilar seminua e acreditar que não serei assediada.

Sem me despedir, marcho para o escritório, apressada, alguma


coisa me diz que tem algo de importante rolando e isso envolve os lutadores
da organização. Talvez Yerik esteja participando das investigações que
Krigor mencionou.

Visto a roupa em tempo recorde, entro pelo acesso que Yerik


indicou, na esperança de ter uma boa visão de quem está à sua procura no
bar. Estaco os passos ao entrar no ambiente e ver Russell sentado de forma
confortável no sofá, enquanto uma dançaria lhe oferece a lap dance.
— Você aqui? — pergunto, alto suficiente para ser percebida pelos
dois.
— Katrina, como vai? — Russell toca o quadril da moça que se
esfrega na sua perna e a faz sair.

O olhar matador da garota em minha direção mostra o quanto já


não sou benquista. Acho que ela pensa que tenho a intenção de roubar seu
cliente.
— Estou bem. O que o traz ao clube? — Continuo em pé e cruzo
os braços, defensiva.

Sou e sempre serei a favor do Volk, por mais que Russell esteja
mostrando um outro lado, não consigo confiar no homem.
— Adivinha? — o ar debochado característico acompanha o
erguer de cabeça em direção à mulher seminua que agora está próxima ao
gradil, nos observando.

— Onde está Yerik? — Olho ao redor. — Pensei que você o


procurava no bar.

— Outra pessoa o queria.

Vou até o gradil e busco próximo ao bar por Yerik. O encontro no


canto, conversando com alguém, não reconheço, mas pela forma que ergue
os braços, não parecem ser amigos.
— Não sabia que estavam juntos — Russell puxa conversa, ao
apoiar na grade ao meu lado.

— Não estamos.

— Tem certeza? A cena de ontem na minha festa diz muita coisa.


— Acho que isso não é da sua conta. — Viro o corpo em sua
direção.

— Tão arisca quanto a prima. — Ele ergue o lábio em meio


sorriso.

— É de família.
— Russell, vamos continuar nossa festinha? — A garota com voz
manhosa se coloca entre nós dois, o corpo na direção do lutador, aproveita
para abraçar seu pescoço.

— Estou ocupado agora. Pode sair. — Russell tira as mãos da


garota do seu pescoço, que não parece nada satisfeita.
— Mas eu pensei que...

— Você não está aqui para pensar, garota. Sai da minha frente. —
O tom grosseiro de Russell faz a menina se encolher e quase correr para
fora.

— Quanta gentileza. — Não seguro a língua.

— Eu pago para fazer o que quiser, não preciso pedir licença ou ser
gentil.
— Discordo. Você foi escroto e não precisa agir dessa forma.

— Sou o que sou, não me importa o que pensam.

— Por isso o Krigor sempre foi o favorito. Você é arrogante


demais. — Faço cara de tédio e volto a atenção para o salão.
Yerik já não está mais onde o vi, o lutador svolach ao meu lado me
distraiu e o perdi na multidão.
— Com quem pensa que está falando? — Russell segura meu
braço, com força. — Sou muito melhor que aquele cão sarnento. — Seu
rosto se aproxima do meu, nitidamente irritado.

— Solta ela, Russell. — Ambos olhamos para a porta e Danya


caminha até nós.

Russell me solta ao mesmo tempo que Danya puxa minha cintura


para perto dele.
— Só estávamos conversando. Nada de mais — Russell
argumenta.

— Você está bem? — Danya ignora o lutador e vira meu corpo


para si, examinando meu semblante.
— Estou. Só estávamos conversando — concordo com Russell,
para evitar uma briga sem sentido.

— O que faz aqui, com ele?

— Mais um com ciúme? Essa garota deve ter boceta de ouro, só


pode.

— Meça suas palavras, Russell — Danya responde, em


automático, o dedo em riste aponta para o homem desbocado.
Para provar seu descaso, Russell aproxima um passo, isso faz seu
peito encostar no dedo de Danya, a tensão paira no ar, estou entre os dois e
qualquer palavra mal colocada pode fazer ambos trocarem socos.

— Sei que sou irresistível, mas não precisam brigar por mim,
garotos. — Toco o ombro dos dois.
Eles parecem totalmente alienados à minha tentativa de abrandar
os ânimos.

— O que está acontecendo aqui? — Yerik se aproxima,


acompanhado de dois homens da sua segurança. — Meu clube não é um
ringue. Concordei com o encontro de vocês aqui, mas sem confusão.

— O lutador do sul está nervosinho, porque me viu conversando


com a Katrina. Acredito que você tem um rival, Yerik. — Russell olha de
Yerik para Danya.

— Você não tem respeito por ninguém, Russell.

— E, mesmo assim, está aqui querendo minha ajuda. Acho que a


surra que lhe dei mexeu com a sua cabeça, camarada.

— Não somos amigos.

— Chega! — Yerik enfia as mãos entre os dois e empurra um para


cada lado. — Katrina, pode sair. Os cavalheiros têm assuntos a tratar.
— Ela fica — ambos falam e, tanto Yerik quanto eu, os encaramos,
confusos.

— Posso saber o porquê? — questiono.

— O plano para pegar o traidor será na última luta do circuito,


onde Krigor e eu lutaremos. Quero Sacha lá e você é boa em convencê-la
— Russell esclarece.

— Não!

— Eu topo.

Yerik responde ao mesmo tempo que eu, três pares de olhos


curiosos pairam sobre ele, à espera de uma explicação.
— Para que envolver as mulheres nisso? — Yerik questiona.
— Krigor quer Sacha na luta — Danya confirma.

— Vai estar do meu lado da arena — Russell provoca.

Impressionante como esse homem não sabe manter uma conversa


sem instigar o lado oposto a querer uma briga.
Capítulo 26

Assisto o desenrolar quase como uma expectadora de luta, ignoro


deliberadamente o olhar incisivo que Yerik direciona para mim.

— Tanto faz. Essa merda acaba lá — Danya rebate a provocação


de Russell.
— Deixarei vocês se resolverem. Só me informem o dia e horário
da luta, meus seguranças cuidarão das meninas.
— Não preciso de babá. — Coloco as mãos no quadril, irritada
com a intromissão do egocêntrico à minha frente.

— Estarei lá para intervir, caso seja preciso, Yerik. Não precisa se


preocupar — Danya fala.

— Lutador do sul, deixe o homem cuidar do que é dele — Russell


solta o comentário e encara nós três, o maldito cinismo presente.

Se nenhum dos dois quiser agredir esse lutador, quem o fará serei
eu.

— Ninguém vai fazer nada. Sacha e eu não somos alvos na


questão, concentrem-se no que importa. E, Russell — cruzo os braços e
volto a atenção para o provocar ao meu lado —, não pertenço a ninguém.

Passo no meio da roda e marcho para fora do lugar, cansei de


homens mandões que querem mijar em torno para demarcar território.
— Katrina, espera. — Danya me alcança quando já estou na saída.

— O que foi? — Soo mais grosseira do que pretendia.


— Você está com o dono da boate? — Percebo o incômodo na
pergunta.

Danya é o homem mais gentil que já saí, mas ele precisa entender
que somos incompatíveis.

— Não estou com ninguém, Danya. Danço aqui em shows


esporádicos e termino a noite com quem sinto vontade.
— Nossa conversa aquele dia... Eu só queria entender melhor o
que quis dizer.

— Vamos esquecer tudo isso, Danya. Gosto de você como amigo e


isso basta.

— Algum problema? —Yerik se aproxima e possessivamente


passa a mão pelas minhas costas e apoia na cintura.

Danya percebe a intenção e ri com descaso. Até eu sinto vontade


de rir, mas a noite se tornou controversa demais para atear mais combustível
nos ânimos inflamados.

— Nenhum. Vou para seu escritório — anuncio, ao me soltar dele.

Marcho, determinada, passo pela porta e sem me preocupar em


fechar, já que ouvi os passos pesados de Yerik logo atrás de mim, vou até o
pequeno bar e sirvo uma dose de vodca.

— Pode me explicar toda a sua cena, desde a minha dança lá


embaixo? — Viro o líquido de uma vez, que desce rasgando pela garganta e
bato o copo sobre a madeira.

— Não sei que tipo de explicação quer. Você que estava no meio
de dois lutadores e um muito disposto a defendê-la. — A calma com a qual
ele fala me deixa mais irritada.
— Você me mandou te esperar lá. Aliás, você está distribuindo
ordens demais e eu não gosto disso. Não sou sua funcionária.
— Tenho plena ciência disso, Katrina. Tive um contratempo no bar
e esqueci que meu camarote estaria ocupado.

— Você está envolvido com o circuito de lutas?


— Não e nem me interessa o que se passa com os lutadores. Só
retribuí um favor a Russell.

— Tem relação com o homem que você estava discutindo no bar?

— Sim.

— Quem era ele?


— Esqueça isso, não é importante.

— Você parecia bem nervoso. Russell não costuma se relacionar


com pessoas comuns.

— Aonde quer chegar, Katrina?


Ainda calmo, Yerik caminha cauteloso em minha direção, fico
apreensiva com o que posso descobrir, mas não tenho alternativa.

— Você está envolvido com a máfia? Digo, mais do que uma


proteção para seu negócio?

— E você? Está envolvida com o lutador do sul?

— O que uma coisa tem com a outra? — Cruzo os braços,


defensiva.
Ele está desviando da questão, o que torna minhas suspeitas ainda
mais palpáveis.
— Tudo que seja relacionado a você tem relevância, zólattse mayó.
— O tom baixo com o olhar atento, sua mão toca meu rosto de forma
delicada.

— Responda à pergunta ou eu saio por essa porta e nunca mais


colocará os olhos em mim, Yerik.

Busco soar o mais determinada possível, não quero que ele veja o
medo que preenche meu peito, sua resposta vai definir o rumo de toda essa
loucura que me coloquei.
— Não. Pago proteção para a organização que é chefiada por um
brigadier e isso é o mais próximo que estou envolvido com eles.

— Não faz sentido. Você anda com seguranças para todos os lados,
vi Pavel mencionar sobre uma briga com homens de gangue e você —
aponto o dedo na sua direção — falou ao telefone com alguém sobre manter
uma pessoa presa, através de subornos.
— Por isso agiu estranha de manhã? — Yerik parece aliviado e
surpreso ao mesmo tempo. — Mesmo deduzindo que sou um mafioso,
aceitou meu convite. O que isso faz de você, zólattse mayó?

Contorno seu corpo, balbuciando palavras desconexas, sem uma


resposta convincente para dar. Nem eu sei dizer os motivos, poderia alegar
coação, mas isso não aconteceu realmente, talvez o medo que me assombra
ou, quem sabe, o desejo que ele desperta em meus sentidos sempre que
estamos juntos.
— Uma pessoa inconsequente, talvez?

— Quero te levar a um lugar, mas preciso que confie em mim e


esqueça essa loucura de máfia. Eu jamais lhe faria mal.
— Por mais insano que pareça. Acredito em você.

Yerik vem até mim, suas mãos envolvem meu corpo e sou
absorvida pelo calor reconfortante que ele emana. Quando estamos assim,
nada parece importar mais e isso me apavora.

Já passei essa sensação uma vez, ignorei os sinais e fui tragada


para a experiência mais devastadora da minha vida.
Será que estou indo pelo mesmo caminho?

Seu beijo é abrasador, consumida pelo toque viciante, sou colocada


sobre o sofá confortável e o peso de Yerik sobre mim só me torna mais
desejosa.
Somos um emaranhado de braços, pernas, corpos e línguas, afoitos
para acalmar o tesão que acendeu ao menor contato. Entre gemidos e
sussurros, Yerik nos leva por uma transa intensa.

Apesar do medo de estar trilhando um caminho que jurei nunca


mais me arriscar, não consigo me manter longe. Seu toque, a forma de falar,
até mesmo o olhar atento a mim, joga o discernimento para bem longe e me
faz querer desvendar cada vez mais desse homem.

Talvez o preço a se pagar seja muito alto e não dê conta, ou, quem
sabe, desta vez o destino tenha me dado a paga justa por tudo que já sofri.

Sem arriscar, nunca saberei onde isso pode dar, preciso me


permitir, tenho que enfim deixar o passado onde ele pertence e seguir em
frente.
— Você é minha, zólattse mayó. — Sua posse é declarada assim
que jorra dentro de mim.
Nossa respiração ofegante é a única coisa que quebra o silêncio à
nossa volta. Quero dizer que não pertenço a ninguém, mas aqui, do jeito
que estou, sinto-me tão sua quanto ele é meu.
— Não compartilho, Katrina. Deixei que dançasse na cabine
porque sei que isso te excita. Gosto de vê-la daquela forma, liberta de
qualquer trava ou limite, mas seu corpo, seus gemidos, seu prazer, são só
para meus olhos. — Ele havia tirado a cabeça do meu pescoço e sua
declaração foi feita bem perto da minha íris para que não restasse dúvida da
seriedade de suas palavras.

— No dia em que eu quiser partir, você vai impedir? — Minha voz


sai baixa, quase inaudível.
— Eu nunca a forçaria estar ao meu lado. Pelo tempo que durar,
você será minha. No dia que partir, pagarei o preço da sua ausência.

Seguro seu rosto com as mãos, encaro seus olhos por um momento
e selo nosso acordo com um beijo.

Pelo tempo que durar, viverei essa loucura.


Capítulo 27

Estamos nos arredores de Moscou, Pereslavl-Zalessky fica a duas


horas da capital e é uma bonita cidade russa localizada junto à margem do
lago Pleshcheyevo. Aqui nasceu um dos maiores heróis da Rússia,
Alexandre Nevsky e, encontrando-se no Anel Dourado, que é o conjunto de
cidades históricas russas que forma um circuito até São Petersburgo.

Quando Yerik mencionou que me levaria a um lugar, esta cidade


pitoresca era a última das opções que imaginei. A arquitetura é linda,
muitos pontos turísticos para visitar, mas o ar campestre em nada tem
semelhança com o perfil desse homem.

Depois da promessa feita no escritório, saímos às pressas do clube,


Yerik avisou Pavel por telefone que estaria fora de Moscou até segunda de
manhã e não queria ser incomodado.
Confesso que senti um friozinho na barriga, que nada tem a ver
com a neve que cai do lado de fora, ao imaginar tudo que ele pretendia para
nós dois.

Já é madrugada quando estaciona o carro em frente a um grande


chalé à margem do lago, ambos descemos e mal consigo ver além da
estrada. O frio aqui é mais intenso pelo descampado, aperto mais o casaco
em torno de mim e logo sinto o peso do braço de Yerik puxar meu ombro.

— Zólattse mayó, vamos para dentro. — Ele nos leva em direção à


porta.

— O que é aqui?
— Um chalé de férias. Alugam cabanas espalhadas pela região.

— Vamos ficar em uma cabana? Sério? — Encaro seu rosto com


horror.

— Qual o problema?

— Não sou muito propensa à vida rústica, Yerik.

— Não se preocupe. A cabana é quente, tem comida pronta e


banheiro. — Ele ri ao mencionar a última parte.

Pegamos as chaves com uma senhora simpática que parece já


conhecer Yerik. Pelo horário que chegamos, acredito que eles já haviam
combinado alguma coisa.

Por outra porta lateral caminhamos por uma estrada de


pedregulhos, que não fica tão longe do chalé principal. Daqui vejo uma
iluminação fraca no interior e a fumaça saindo da chaminé mostra que a
lareira está acesa.

Toda em madeira rústica, subimos três degraus e Yerik destranca a


porta. O calor é bem-vindo quando entramos e trato de tirar o casaco
pesado, observo em volta e fico animada com o lugar.

— Não é tão ruim assim — comento e caminho até próxima à


lareira.

Dois sofás grandes formam um “L”, um tapete felpudo decora o


chão, uma pequena cozinha à direita, com a bancada, armário e um fogão
de duas bocas.

— Tem tudo que precisamos. — Olho para trás e vejo Yerik tirar o
casaco. — O banheiro é aqui. — Ele aponta para uma porta que não tinha
visto. — Está com fome? Pedi que fizessem uma sopa para nós.
— Não. Estou bem. Onde fica o quarto? — Olho para os lados e
não vejo nenhum outro cômodo.
— Está nele. — Yerik caminha até mim, suas mãos descansam no
meu quadril. — Os sofás viram camas, mas estou mais interessado no
tapete. Tenho certeza de que seu corpo alvo fica lindo à luz da lareira. —
Ele captura meu lábio inferior com os seus, sugando.

— Para que vir de tão longe e provar uma teoria? Na sua casa tem
lareira, não tem? — Descanso as mãos em seu peitoral.
Desde que concordamos com a situação que nos envolve, sua
forma de olhar, tocar e até mesmo falar está diferente. Yerik parece menos
possessivo e mais pacífico. Como se um turbilhão dentro dele tivesse
adormecido.

— Sim, tenho uma lareira, mas lá tem muitas lembranças das quais
não quero atrelar a você.
— Muita merda?

— Um pouco. Nada disso importa agora, só quero esquecer o


mundo e me enterrar em você, zólattse mayó. — Ele morde meu lábio e em
seguida aprofunda em um beijo.

Não sei nada sobre esse homem, nunca senti a necessidade de


conhecer além da desenvoltura sexual dos meus parceiros. Danya, que foi o
mais próximo de um envolvimento duradouro que tive, pouco sei, porém,
Yerik me faz querer desvendar cada obstáculo ou segredo que nos afasta.

É tão assustador e surreal, que o medo me brinda constantemente,


como se a qualquer momento eu fosse despertar desse sonho e cair na
realidade crua que é minha vida.
O beijo envolve ainda mais enquanto nossas mãos passam a ditar
os desejos que começam a ser externados. Não me canso do seu toque, é
viciante, percebo que estou me tornando dependente do seu contato, nunca
tem fim, jamais tem um basta.

Nossas roupas são tiradas na mesma urgência que o tesão cresce e


de forma calma e envolvente nos entregamos. Nesta noite, pela primeira vez
na vida, tive a sensação do que é fazer amor.

“Estava vendada, só conseguia perceber algo à minha volta pelos


barulhos de passos e risos baixos. Não lembro em que momento tirei a
roupa, poucas coisas fazem sentido hoje, mas ele disse que seria assim,
então confiei.

Uma festa de universidade, foi o que ouvi, quando combinaram de


se encontrar nesta casa. Quando cheguei havia mais homens do que
mulheres, isso não me preocupou a primeiro momento, a noite era
exclusiva.

Estava nervosa com o que poderia acontecer, inventei uma


desculpa para minha mãe, disse que dormiria na casa da Sacha e combinei
com ela de me ajudar. Ela protestou e disse que não mentiria, caso meus
pais ligassem, mas eu sei que não fariam isso. Não havia motivo para
duvidar de mim.

Depois da nossa primeira vez juntos, que não foi tão boa quanto
imaginei, começamos a nos encontrar escondidos durante o dia e às vezes à
noite.

Minha inexperiência foi descoberta quando sangrei, tive que lidar


com suas piadas debochadas, me chamando de bebê a cada oportunidade,
o que me deixava ainda mais brava e disposta a provar o contrário.
A cada encontro evoluimos, comecei a entender meu prazer,
consegui chegar ao orgasmo com a penetração e passei a deixar que ele
realizasse todas as minhas primeiras vezes.

Hoje estou aqui para outra primeira vez. Ele disse que seria legal
deixar mais alguém participar da nossa transa, uma garota, nunca tive
curiosidade com o mesmo sexo, mas pensar na experiência me animou.

Tomei uma dose de vodca, logo que chegamos, mas comecei a me


sentir tonta e ele me trouxe aqui para este quarto. Acho que apaguei por
um tempo, pois não lembro nem de deitar na cama, muito menos de tirar a
roupa.

Movo a cabeça para o lado quando escuto seu riso, a tontura me


faz lamuriar e ao tentar levantar meu corpo apoiando os cotovelos no
colchão, percebo que não tenho forças.

— O que está acontecendo? — falo baixo.


— Fica quieta e aproveite o momento, malêchka. — Sua voz sai
alterada e um riso debochado escapa dos lábios no processo.

Outras risadas, todas masculinas, acompanham seu comentário e


um sinal de alerta se acende na minha cabeça. Algo não está certo, tento
levantar mais uma vez, coloco força nos braços e consigo me erguer
parcialmente.
— Quieta! — Sua mão espalmada no meu tórax me empurra de
volta à cama. — Você vai se divertir mais do que todos. Fica tranquila. —
Seu sussurro próximo à minha orelha não causa o frisson de costume.

Um pavor sobre-humano me assola, sinto as lágrimas virem com


força e escorrer pela lateral das têmporas. Não tenho coragem de remover
a venda, prefiro me manter assim, ao menos sinto que estou isolada do que
está prestes a acontecer.

A cama afunda próximo aos meus pés, duas mãos seguram meus
joelhos e os separam de uma vez, já que se mantinham fechados, na
tentativa de preservar um pouco da nudez.

Um soluço escapa e tapo a boca para não delatar meu estado. Só


quero que isso acabe e eu volte ao normal para conseguir sair daqui.

— Net... — balbucio, ao sentir sua língua tocar minha intimidade.

Meu corpo arrepia, a língua trabalha de forma prazerosa e eu sei


que não é ele. Está diferente, o toque é mais gentil, ainda assim, não quero,
minha mente o rejeita, mas meu corpo parece gostar do que faz.

— Net — falo mais alto, mas o contato não para.

Suas investidas aumentam, meu canal começa a lubrificar cada


vez mais, o prazer se acende, alastra pelo ventre e aquece ainda mais meu
corpo. Não sei nem ao menos quem ele é, não deveria sentir tanto prazer.”
Capítulo 28

— Net! — Consigo chutar com força e levantar com rapidez o


tronco.

— Katrina, o que houve?


Respiro com dificuldade, meu estômago embrulha e corro para o
banheiro. Despejo lá toda a sopa que Yerik esquentou e me obrigou a comer
antes de dormir.
Segundo ele, precisávamos repor muito as energias, já que ainda
teríamos horas a fio dentro da cabana e não tinha intenção alguma de sair
comigo daqui antes da manhã de segunda.

Dou descarga e abro a torneira da pia, junto um punhado de água e


jogo no rosto, lavando as lágrimas e o suor frio presentes na face. Encaro o
espelho e vejo a sombra de Yerik atrás de mim.

— Desde quando você tem isso?

— Isso o quê? — desconverso e passo por ele, que ocupava parte


da porta.

— Eu só acariciei sua barriga, mal cheguei a te tocar, pensei que


seria uma boa forma de te despertar, mas te aterrorizou, Katrina. — Estaco
no lugar e fecho os olhos.

Agora entendo por que parecia tão real, ele me tocou dormindo e
trouxe à tona toda essa merda.
— Nunca mais me toque dormindo. É só me acordar. Tenho muitos
pesadelos.

— Aquilo não pareceu pesadelo.

— Mas foi. Esquece isso.

Não tenho coragem de virar em sua direção, continuo meu


caminho e tomo um lugar próximo à lareira, cubro o corpo nu e foco a
atenção na madeira queimando nas chamas.

O fogo contorna o pedaço de tronco, algumas partes já viraram


carvão, marcas pretas consumidas pelas chamas, mas outras partes mais
verdes, mantêm a madeira intacta.

Por um bom tempo permaneço assim, analisando o fogo e


comparando minha vida com a do tronco que serve de lenha. Quem sabe, eu
também seja um pedaço de madeira verde que teima em não ser consumida
por todo o fogaréu que habita meu ser.

Aos poucos, sei que por dentro tudo em mim se torna cinzas, um
mar escuro de carvão que jamais terá vida novamente. Por que insistir em
algo que nunca dará certo?
Abro os olhos quando a claridade incomoda, arrisco um olhar e
vejo que as grandes cortinas não estão mais fechadas e, mesmo o tempo
nublado, ilumina todo o ambiente.
Custei a pegar no sono ontem, a covardia de revelar meu passado
não me permitiu procurar por Yerik, que não voltou para perto de mim.
Queria acreditar que foi melhor assim, mas a falta do seu toque me deixou
desamparada.

Levanto, devagar, escaneio a cabana e não vejo sinal dele. Coloco


a mesma roupa de ontem, vou para o banheiro fazer a higiene e quando saio
noto que há chá feito no fogão.

Sirvo uma caneca, caminho até a porta de saída, visto meu casaco e
as botas, pego o gorro que guardo dentro do bolso e coloco também.
Empunhada da bebida, saio à procura dele.

A cabana que usamos fica em uma elevação, isso me permite


observar ao redor e o vejo de pé próximo à margem do lago. Sigo pela
pequena trilha, ainda não coberta por neve, hoje o tempo resolveu dar uma
pequena trégua e está mais ameno.
Passo a passo me aproximo, Yerik mantém as mãos nos bolsos do
sobretudo preto, usa um gorro parecido com o meu, paro ao seu lado e levo
a caneca à boca.

— Bom dia, zólattse mayó. — Sua atenção continua no lago.


— Bom dia, Yerik. O que faremos hoje?

— Se sente melhor?
— Estou ótima. Acho que a sopa não agradou muito meu paladar.

— Você pareceu ter gostado quando a tomou, zólattse mayó.


— Não respondeu minha pergunta — procuro desconversar do
episódio da madrugada.

— O que quiser.

— Dá pra parar com isso? — Viro meu corpo em sua direção,


completamente irritada.
— Isso o quê? — Ele finalmente me encara.

— Está agindo como se eu fosse doente. Não preciso da sua pena,


Yerik.

Volto o caminho para a cabana, odeio a sensação de ser frágil, uma


pobre coitada que não pode ser confrontada ou irá sucumbir a um
sofrimento sem fim.

Bato a porta com força, que logo em seguida é aberta por ele,
obviamente não me deixaria em paz no momento de irritação.
— Não tenho pena de você, Katrina.

— Foi só um pesadelo. Você nunca teve um? — Viro para ele e


aponto o dedo de forma acusatória. — Já tenho a minha cota de merdas na
vida e tem algumas situações que acionam lembranças... coisas que já
aconteceram há muito tempo e... — Ando de um lado para o outro enquanto
falo.
Queria achar uma forma fácil de explicar esses momentos, só que
fica difícil de falar quando vai expor a pessoa idiota que já fui um dia.
Chega a ser ridículo para mim, imagina para quem ouvir.

— Quando você estiver pronta, zólattse mayó. Leve seu tempo. —


Yerik mantém a postura serena e os olhos atentos a mim, como uma ave de
rapina.
Paro de andar, encaro-o por um tempo e a necessidade de sentir seu
toque me atinge em cheio. Sem pensar no quão estranho possa parecer,
caminho determinada até ele, que antes mesmo de alcançá-lo, já tem os
braços abertos à minha espera.
Envolvo sua cintura e a aperto, meu rosto apoia no seu peitoral e
seus braços passam sobre mim, sinto-me em um casulo, protegida e
amparada. O som das batidas do seu coração mostra que está bem mais
agitado do que demonstra e isso me faz achar graça.

— Você está inquieto — comento.

— É meu estado normal quando está perto.

Afasto o suficiente para encarar seu semblante, a seriedade com a


qual fala faz meu coração bater de forma dolorida, as veias aquecem todo
meu corpo, acelerando ainda mais a corrente sanguínea e, por um momento,
imagino coisas que não deveria.
— Você sempre tem a resposta certa?

— Acredito que sim. — Sua boca ergue em meio sorriso.

— E o que pretende fazer comigo agora?

— Poderia te manter trancada aqui, para satisfazer todos os meus


desejos mais perversos, mas estou em um dia tranquilo. Vamos passear.
Este lugar é lindo e tem muita coisa para conhecer.
— Confesso que a primeira ideia me agradou mais. — Faço um
bico e Yerik me beija estalado.

— Tenho certeza de que sim, mas quero manter minha fama de


bom moço.
— Ah! Não me faça rir. — Afasto e solto uma gargalhada forçada.

— Não entendi o tom debochado, zólattse mayó.

— Se não entendeu, não serei eu a explicar. Vamos logo para esse


passeio turístico. Confesso que não conheço todo o Anel Dourado, apesar
de sempre prometer que um dia faria uma viagem para conhecer todas as
cidades.
— Viu? Realizo todos os seus desejos, zólattse mayó.

— Isso foi um golpe de sorte, russo. — Aponto o dedo em sua


direção e caminho para a porta.

— Me considero muito sortudo.

Yerik segue meus passos e logo estamos no carro rumo à estrada


que nos levará ao primeiro dos seis mosteiros que a cidade abriga. Curioso
saber do seu interesse pela história e arquitetura local, fico impressionada
com a quantidade de informações que ele sabe à medida que seguimos
viagem.

Voltamos para a cabana o sol se punha, o clima leve havia


retornado por completo e já não via mais a preocupação nos olhos de Yerik.

Caminhamos de mãos dadas para dentro, a quem visse, éramos um


típico casal apaixonado e isso me anima na mesma proporção que causa
pavor.
Capítulo 29
Os planos mudaram por completo, no entanto, já deveria estar
acostumado, Katrina tem o poder de me fazer girar e dançar conforme sua
música, desde que nos conhecemos.

A mulher mascarada da primeira noite em que a vi, mostrou o seu


lado liberto, sem amarras, pudores, demostrava ser alguém que ditava a
vida de acordo com as suas próprias regras.

Porém o acontecido nessa madrugada confirmou o que seus olhos


sempre mostraram sem aquela blindagem. Uma pessoa tomada pela dor e o
medo de reviver algo que lhe machucou profundamente.

O palavreado ácido junto às atitudes provocadoras são o escudo


que ela ergueu para que ninguém se aproximasse o suficiente e a visse
como realmente é.

Coloquei Katrina no palco novamente para provar um ponto e


acabei atirando à queima-roupa no meu próprio ego. Da pior forma,
constatei que meus sentimentos por ela vão além de um embate sexual.

— O que foi? — Percebo que fiquei parado na entrada, enquanto


Katrina se livrava do casaco e botas.
— Lembrei que não tirei as malas do carro.

— Tem razão. Preciso de um banho e algo para comer. — Ela vem


até mim, fica na ponta dos pés e me beija na bochecha.
Antes que possa afastar, circulo sua cintura e a trago de volta, miro
sua boca e me afundo em seus lábios. O gosto viciante, que faz meu
coração disparar ao mesmo tempo que aplaca alguns dos meus tormentos.
— Temos alguém apressado aqui — ela brinca, ao findar o beijo e
sua mão resvala na minha virilha, de propósito.
— Vou buscar as roupas. — Não respondo a provocação, mas
seguro seu queixo e colo nossos lábios com rapidez. — Vá para o banho.

Viro seu corpo em direção ao banheiro e lhe dou um tapa na bunda


como incentivo. Katrina solta um grito e resmunga algum xingamento
normal do seu vocabulário chulo.
Passo as mãos no rosto diversas vezes e saio em busca da mala,
tenho feito um esforço gigantesco para não a confrontar sobre o que
aconteceu. Claro que parte disso se dá à culpa de ter acionado um gatilho,
mas nunca imaginei que a mulher ardente que ama se exibir traria marcas
de abuso.

Fecho as mãos em punho ao imaginar a hipótese de alguém tê-la


forçado a algo. Preciso de respostas rápidas para não enlouquecer. Não
quero que ela perceba minha preocupação ou isso a afastará.
Quase a perdi de manhã, vi em seus olhos a necessidade de se
camuflar, ela sente vergonha, talvez culpa, e isso é o pior sentimento que
um abusador pode deixar em sua vítima.

Abro a porta do carro e pego o celular do painel, mantive-o


desligado para não correr o risco de alguém nos interromper, ligo o aparelho
e aguardo até que carrega as chamadas e mensagens perdidas.
Disco o número de Pavel, não posso esperar até amanhã para
pensar em como descobrir algo.

— Sim.
— Pavel, preciso que investigue o passado de Katrina.
— Aconteceu alguma coisa? — percebo preocupação em sua voz.

— Nada de importante, mas quero saber sobre todos os


relacionamentos que teve. Um caso, um namoro, não importa. Quero tudo
que puder encontrar.

— Verei o que posso fazer.


— Tak!

Encerro a ligação e recolho a bolsa de roupas, passo pelo chalé


principal e faço o pedido de um jantar completo. Katrina ainda está no
banho quando retorno e resolvo me juntar a ela.

Tiro as roupas pelo caminho, quando abro a porta do banheiro vejo


sua silhueta nua e molhada através do vidro e automaticamente fico duro.
Ela ensaboa o corpo e a espuma escorre pelas curvas de forma sedutora.

— Posso me juntar a você? — Revelo minha presença para que


não se assuste.

— Pensei que não viria nunca. — Ela me olha por cima do ombro
e volta a se esfregar.

Com certeza ela é uma mulher de muitas facetas, a cada passo sinto
que estou lidando com um diamante bruto, que precisa de atrito e lapidação
para trazer seu brilho à tona.
Junto-me a ela e tomo a tarefa de esfregar seu corpo, uma ótima
oportunidade de sentir sua pele nas minhas mãos, mas o que começa
tranquilo logo se torna um emaranhado de toques, beijos, gemidos e sexo
molhado.

Eu sabia que ela tinha algo diferente, só não esperava mergulhar


tão fundo nessa curiosidade que floresceu em mim.
Encaro o teto da cabana, os sons da madeira sendo consumida
pelas chamas embalam o momento de quietude, enquanto acaricio as costas
nuas de Katrina.

Após a foda do banho, jantamos e viemos para o tapete foder de


novo. Agimos como animais no cio, mas é quase irracional a vontade de
estar dentro dela, assim como sua necessidade de se sentir adorada por
mim.

O sexo mudou por completo, desde que a tomei como minha no


escritório, deixei claro meus termos e sua aceitação acalmou parte do ciúme
que senti, primeiro por vê-la no palco e depois pela cena com o lutador do
sul.

— Se você não é um gangster, qual o motivo para tantos


seguranças? — Sua voz sai baixa, pensei que a essa altura já estivesse
dormindo.
Seu corpo está aconchegado ao meu, mão e perna transpassam por
cima de mim e me sinto tão em paz, que cogitei a ideia de não sair mais
deste lugar.

— Precaução. Meu pai não foi o melhor dos homens, acarretou


alguns desafetos durante a vida, hoje o negócio da família é legalizado, mas
ainda existe o vínculo com a proteção paga.

— E seu irmão? Ele não te ajuda?

— Mickail é doente, Katrina. Um garoto machucado pela vida e


tudo que presenciou. Filho de prostituta viciada e um cafetão sem
escrúpulos.
— Sinto muito.

— Ele está internado em reabilitação. Infelizmente as drogas


tomaram conta da sua vida e o fez perder o controle. Hoje tenho que
trabalhar para manter os negócios em pé e cuidar do meu irmão.

— Você o mantém lá contra a própria vontade?

— É para o bem dele.

— Sem sua aprovação, do que adianta o tratamento?

— Ele não está em posição de decidir por si.

— Mesmo as escolhas erradas, Yerik, cada um tem direito ao poder


de decisão.
— Não quando isso coloca em risco a vida dele. Não são só as
drogas, Katrina.

— E você acha que desintoxicar o corpo o fará mudar a cabeça? —


Ela ergue o tronco e apoia o queixo no dorso da mão que descansa sobre
meu peito.

Acaricio sua têmpora e deixo meus dedos deslizarem entre os fios


pretos e macios. As chamas iluminam seu rosto, um brilho pós-foda
espalhado pela face, as bochechas levemente coradas e o olhar tão
interessado, por pouco tempo perco-me em sua imagem e esqueço o
assunto.

Falar sobre Mickail me incomoda, já fui advertido por Pavel e


alguns médicos sobre a condição dele. Não é uma questão de não perceber
e, sim, não querer mudar.

Katrina está levantando todas as perguntas mais certeiras, mas me


recuso a deixá-lo se afundar. Jurei ao meu pai que cuidaria de Mickail, além
do mais, ele é a única família que restou em minha vida.
— Preciso tentar alguma coisa, zólattse mayó.

Minha afirmação soa como um apelo, talvez a esperança que


carrego de conseguir convencer Mickail a deixar a ideia maluca de fazer
parte de alguma gangue.

— Você deve saber o que está fazendo. — Ela deita a cabeça no


meu peito e aproveito para beijar o topo.

Na verdade, eu sei o que é estar do outro lado da moeda, conheço o


caminho pelo qual Mickail quer trilhar e por mais que tenha sido um curto
espaço de tempo, vivenciei o suficiente para carregar minhas marcas.
A diferença entre nós dois é que eu recebi incentivo quando
comecei a me envolver com os negócios ilícitos da família, esqueci os
ensinamentos que tive no tempo que morei com minha mãe e brilhei os
olhos para a ganância e a sensação de poder.

Meu arrependimento veio tarde, talvez tarde demais para salvar a


alma manchada pelos atos cometidos e, agora, a pessoa por quem resolvi
sair do submundo também seja a penitência que preciso aceitar.
Escuto o ressonar de Katrina e me concentro no agora. Estar com
ela aqui foi o fôlego que precisei para enfrentar tudo que está por vir.
Capítulo 30

Por mais curioso que pareça, nas semanas que ficamos afastados
não mandei Pavel investigar seu paradeiro, por isso fiquei surpreso ao
chegar ao endereço de uma imobiliária.

Desço do carro ao mesmo tempo que Katrina, contorno e abraço


sua cintura para me despedir. Encosto o corpo no capô do carro e beijo seus
lábios com vontade, minhas mãos escorregam em automático para sua
bunda e recebo um tapa no braço como advertência.
— Força do hábito — comento, ao terminar o beijo.

— Aqui é meu trabalho e estamos no meio da rua.

— Achei que gostasse de dar espetáculos. — Ergo a boca com um


sorriso cínico.

— Talvez no palco da sua boate. Quem sabe? — Ela dá de ombros


e se afasta.

Katrina acena e atravessa a rua, continuo no mesmo lugar, mãos no


bolso, observo seu caminhar leve e despreocupado. Não sei até onde devo
me preservar, mas confesso que a cena corriqueira me agradou mais do que
deveria e percebo minha imaginação criando milhões de cenas parecidas
com essa.

Entro no carro e dou partida, aciono o bluetooth do celular e chamo


meu homem de confiança. Os problemas não podem mais esperar, preciso
resolver a situação de Mickail o quanto antes.
— Diga que o contato de Russell conseguiu alguma coisa — solto,
assim que ele atende.

— Ainda não, mas a situação não está boa na clínica. Mickail


agrediu um enfermeiro, o homem foi hospitalizado.

— Chyort voz'mi[22]! — Bato a mão no volante três vezes, desconto


parte da fúria que me toma. — Estou a caminho da clínica.

— Yerik? Tem mais.

— O que é? — questiono, sem paciência alguma.

— Cossack respondeu ao seu pedido. Marcou uma reunião no meio


da semana.

— Tak!

Bato o dedo para encerrar a chamada, preocupado. Acreditei que


Mickail teria alguma melhora com a internação, mas seu comportamento
tem se tornado cada vez mais agressivo, dificilmente aceitem mantê-lo
depois desse ataque.

Para piorar ainda mais a situação, Cossack resolveu responder ao


meu pedido no momento que ainda não tenho um trunfo para negociar com
ele. O contato de Russell não conseguiu o que pedi e, sem isso, minha
reunião de negócios pode terminar em um encontro com a morte.

Uma luta contra o tempo em que sou obrigado a tirar o foco do que
é importante para bancar a babá do meu irmão viciado.

Na clínica, sou direcionado para o quarto onde Mickail está sendo


mantido, uma cela para loucos. Toda acolchoada, nenhum objeto de metal,
plástico ou qualquer coisa que ele possa usar contra si ou alguém.
— Ele está usando uma camisa de força? — pergunto, horrorizado.

— Por segurança, só entramos nessas condições.

— Abra.

Entro no espaço e sinto-me sufocado de imediato. As paredes, teto


e chão brancos, parecem estofados de um mesmo sofá, nenhum objeto e
Mickail sentado no canto, abraçado ao próprio corpo pela camisa de
contenção branca.

— Yerik... Yerik! — Ele se arrasta até mim, afobado, ao me


reconhecer.

Agacho e seguro seu tronco quando me alcança, ouço os soluços


de Mickail no meu peito, seu corpo chacoalha à medida que o choro
aumenta. Sou levado para as lembranças do menino indefeso que chorava
sobre o cadáver da mãe, morta por overdose, e que foi tirado aos tapas do
local.

Foi a primeira vez que senti pena de alguém e ali prometi a mim
mesmo proteger o menino de toda a maldade que nos cercava.

— Mickail, eu preciso que você melhore. Tem que se safar desse


vício.

— Eu vou me comportar, juro que vou. Me tira daqui, fico em


casa. Eu juro!
— Só vai para casa se concordar em ficar no seu quarto e cumprir
o restante do período de desintoxicação.

— Eu vou. Juro!
Encaro seus olhos vermelhos, as expressões cansadas, parece ter
envelhecido muito em comparação ao menino debochado que era.

— Vou preparar tudo para te levar.

— Tak! Tak...
Vou até a administração e depois de uma conversa discreta e mais
dinheiro para compensar os estragos que meu irmão fez, tiro Mickail da
clínica e rumo para casa.

Quando chegamos, levo meu irmão direto para seu quarto, estranho
quando não protesta e aceita a condição. Talvez esteja enganado sobre sua
relutância e finalmente está aceitando mudar.
Coloco um segurança na sua porta e outro guarda o jardim próximo
à sacada. Por mais que queira lhe dar um voto de confiança, ainda é cedo
demais para crer no seu reequilíbrio.

Desço a escada, apressado, preciso me concentrar na busca do


trunfo contra Cossack, caso contrário, tanto Mickail como eu estaremos
perdidos. Do corredor para a sala fico surpreso ao avistar Russell parado no
meio do cômodo.

— Uma visita sua é surpreendente.

— Então, você é o colombiano? — Engulo com dificuldade ao


ouvir meu antigo apelido.
Há muito não sou chamado por ele, um codinome que durou
pouco, mas causou burburinho pelas ruas e becos de Moscou.

— Não posso dizer que me alegra ouvir esse nome.


— Imagino que não. Feito uma sombra na noite, o colombiano
conseguia realizar pequenos feitos sem ser percebido. Tem uma lenda na
minha região que conta sobre você matar quatro homens com um canivete.

— Lendas são aumentadas ou distorcidas.

— Deveria ter me falado sobre seu passado quando me pediu o


favor. Cossack entrou em contato, não foi?
— Sim.

— Já deve saber que meu contato está procurando uma trilha, mas
confesso que não está fácil.
— Preciso de qualquer coisa. Não precisa ser grande.

— A única coisa que posso te oferecer sou eu e um traidor do


circuito. Se isso te bastar.

— O que o circuito de lutas pode me oferecer? — Faço a pergunta


com certo descaso.

— Um esquema de corrupção com os resultados das lutas e as


apostas.
— Chyort voz'mi! Tem certeza?

— Sim. Pegaremos o culpado na última luta.

— A que Sacha e Katrina estarão.


— Sim, mas não se preocupe. Sua garota está segura. — Sorrio de
lado ao sentir a provocação.

— Com certeza. Irei garantir isso. Quero cinco lugares na sua área
vip.
A gargalhada explode, como imaginei que aconteceria, Russell
chega a se curvar enquanto segura a barriga em seu ataque de riso.
Continuo imóvel, não altero minha feição, aguardo até que sua cena
termine.
— O colombiano está apaixonado mesmo.

— Isso não interessa, Russell. Quero saber o que lhe devo com
esse trunfo.

— Ainda não sei. Um dia, quem sabe, precisarei da sua ajuda. — A


graça se foi e seu semblante se torna sério.

— Então estou em dívida com você. Aceito seu trunfo, a reunião


será no meio da semana.

— Tak! Me avise por mensagem. Vou suspender os serviços do


meu contato.

— Você não mandou Kazimir procurar uma trilha, o mandou até a


boate para confirmar quem eu era.

Russell solta um riso que não alcança os olhos, quando vi o homem


desconfiei da sua intenção, já que se preocupou mais em perguntar sobre
meu passado do que se inteirar nas informações fornecidas.

— É muito difícil uma espelunca de putas virar o que virou, Yerik.


Confesso que a curiosidade me aguçou a te investigar quando me procurou.

— Minha história não é segredo. Fiz o que fiz, recebi por isso e saí
enquanto era seguro.

— Só tenho uma curiosidade, camarada: como consegue ter uma


vida tranquila e consciência limpa, se suas mãos estão sujas? — Nos
encaramos por um tempo, não tenho uma resposta para a pergunta, mas não
creio que ele espere por uma. — Até mais, Yerik.

O peso sobre meus ombros sempre esteve presente, a cada passo, a


cada escolha, eu sabia das consequências, mesmo hoje, acostumado com
toda a carga, ainda não posso dizer que é fácil sustentá-la.
Capítulo 31

Um dia agitado na imobiliária não deu trégua para pensar em tudo


que aconteceu neste fim de semana com Yerik. Por mais que eu queira,
ainda não consigo rotular o que temos.

Definir aquele acordo como compromisso parece errado e, usar o


termo namoro, é convencional demais para a forma que nos conhecemos e
tudo que fizemos até aqui.

Esse tempo isolados me fez perceber algumas coisas sobre o que


sinto em relação a Yerik e, apesar de me assustar, não sinto vontade alguma
de fugir, como fiz com Danya.
— Katrina, preciso dessas cópias para hoje. — Levo um susto com
a voz alta do meu chefe ao lado da mesa.

— Sim, claro. — Levanto de imediato e rumo para a copiadora.

O homem parece mais irritado hoje do que o normal e resolveu


pegar no meu pé ao despencar tarefas e mais tarefas em cima de mim.

Enquanto tiro as cópias, aproveito para conferir minhas


mensagens, vejo uma de Yerik, meu coração dispara e a pressa em ler faz eu
me achar uma adolescente, mais uma vez.

** Yerik: Zólattse mayó, agora que sei onde trabalha, estou


intencionado a adquirir outra propriedade. **

Rio e rapidamente digito a resposta.

** Eu: Posso marcar algumas visitas �� **


** Yerik: Vou cobrar isso...**

— Posso saber qual a graça? — Salto no lugar, assustada com meu


chefe.

O homem consegue surgir como um fantasma ao meu lado.

— Não é nada. Já estou terminando as cópias que pediu. — Engulo


todos os palavrões que tenho vontade de proferir.

Faço uma careta nas suas costas assim que ruma de volta para a
sala, o celular apita mais uma vez e discretamente confiro a mensagem.
** Yerik: O que está fazendo de interessante? **

** Eu: Lidando com um chefe que resolveu me perseguir hoje. **

** Yerik: Tão ruim assim? **

** Eu: Você não faz ideia. Sinto-me tentada em aceitar o emprego


de dançarina no seu clube. **
** Yerik: Sinto muito, mas não tenho vaga. **

Estreito os olhos para sua resposta, duvido que esse seja o motivo
de não me aceitar lá, o clube sempre tem vaga de entretenimento adulto.

Recolho as cópias solicitadas e as originais, grampeio e alinho


todas em pastas, marcho para a sala do chefe e deixo a provocação com
Yerik para depois.

— Preciso que vá ao cartório.

— Agora? Fecha em cinco minutos, acho que não dá tempo de


chegar no horário.
— Para o seu bem, espero que consiga. — Ele estende uma pasta
em minha direção.
Demoro alguns segundos para pegar o objeto que ele balança na
minha frente, por muito pouco não solto um xingamento, mas respiro fundo
e penso em meus pais.

Desde que comecei a trabalhar aqui, o convívio em casa se tornou


melhor, não quero estragar o pouco que consegui resgatar, principalmente
com a minha mãe.
Saio disparada da sala, pego minha bolsa e corro para a rua,
confiro o celular e com muito esforço chego ao cartório faltando um minuto
para fechar.

— Bom dia... — Puxo o ar pela boca para recuperar o fôlego. —


Preciso autenticar este documento.
A atendente me olha atravessado e confere o relógio, sim, mais
uma vez estamos perdendo o precioso horário de almoço por culpa do meu
chefe sem limites.

Aproveito para responder à mensagem de Yerik e fico surpresa


com a última enviada.

** Yerik: Mas posso abrir uma de assistente. **

** Eu: Será que você seria um chefe mais carrasco que o meu?
Estou perdendo meu horário de almoço no cartório. **
** Yerik: Se aceitar minha proposta, terá um horário de almoço
completo e com benefícios sexuais como bônus. **

** Eu: Tentadora proposta. Vou pensar no assunto. **


— Aqui está. — Percebo que estou sorrindo demais e fico séria ao
encarar a atendente.

— Obrigada.

Volto para a imobiliária, correndo, ainda tenho tempo de sair para


comer algo na rua e descontrair a irritação de lidar com um chefe
insuportável.
Entro em uma pequena lanchonete próximo à empresa, peço algo
rápido para comer e aguardo próxima ao balcão. Olho em volta, o ambiente
está cheio, mas reconheço o homem sentado no canto.

— Aqui está seu pedido. — Pago e apanho a bandeja.


Penso em procurar outro lugar para sentar, não sei se é uma boa
ideia conversar com ele, mas confesso que sua amizade me faz falta. Parada
no meio do caminho, indecisa, vejo-o erguer os olhos do prato e me
reconhecer.

— Katrina, aqui. — Sorrio e caminho até a mesa de Danya. — Que


coincidência boa. Sente-se, vamos almoçar juntos.

— Obrigada. Teremos um almoço, afinal — brinco.

— Não da forma que gostaria, mas estou conformado.


— Danya, eu...

— Tudo bem, Katrina. Não vou mentir e dizer que não a quero
mais. Respeito sua escolha. Agora, me diga: você realmente está dançando
na boate? — Sua pergunta sai baixa, mas isso não me impede de engasgar
com a garfada de comida.

— Só por gosto, não é um trabalho, de fato.


— Entendo. E você e o Yerik estão envolvidos?

— Acho que sim. É tudo muito recente.

— Só tenha cuidado — Danya menciona, enquanto vasculha algo


no prato.
— Por que diz isso? Estou em perigo? — Faço a melhor cara de
deboche para não mostrar a curiosidade que me toma.

— O cara não é bondoso.

— Nenhum de vocês é.

— Tem razão, mas ele pode ser um pouco pior. — Ele confere algo
no celular quando apita. — Preciso ir, se cuida, slátkaya. Não hesite em me
chamar, caso precise. — Sorrio para o apelido carinhoso que me trata.
Aquela maldita dúvida continua na minha mente, apesar do tempo
sozinha com Yerik ter me deixado mais confortável em relação ao seu
caráter, não consigo abandonar a ideia de que esteja envolvido com algo
mais sério.

Termino o almoço e volto para a tarde tortuosa de tarefas


entediantes e um patrão desagradável.
Saio pela porta da imobiliária o sol já está se pondo, o vento gelado
me brinda e fecho as mãos em torno do corpo. Meus colegas se despedem e
rio da piada que um deles faz.
— Boa noite, zólattse mayó. — Giro o corpo, surpresa, ao
reconhecer a voz de Yerik.

— O que faz aqui?


— Oferecer uma carona.

— Poderia ter enviado uma mensagem.


— Prefiro ver a surpresa em seu rosto. — Suas mãos contornam
meu corpo e puxam para si — Aceita um jantar comigo? Prometo que lhe
deixo em casa cedo e inteira.

— Não é má ideia. — Sorrio e recebo um beijo rápido em


retribuição.

Yerik abre a porta do carro para mim, confesso que a surpresa foi
muito bem-vinda, não esperava um encontro antes do final de semana.

— Como foi o restante do seu dia? — ele pergunta, quando toma


seu lugar e arranca com o carro.

— Tão chato quanto antes. Meu chefe me odeia.

— Ou ele pensa que pode fazer mais do que está fazendo.

— O que quer dizer?

— Um patrão só perde tempo com um funcionário que tenha


potencial.

— Por isso me chamou para trabalhar com você? Acha que tenho
tanto potencial assim?
— Acho que você pode ser o que quiser, Katrina. — Ele pega
minha mão e beija por cima da luva.

— E eu acho que você está galanteador demais. Nem parece o


homem que tentou me pagar por sexo.

— Eram outras circunstâncias. Além do mais, minha oferta está de


pé.
— Já disse que vou pensar. Não sei até onde funcionaria trabalhar
com o homem que estou envolvida.

— No mínimo, será empolgante. — Ele pisca um olho na minha


direção e volta se atentar no caminho.

Uma coisa ele tem razão, meus dias seriam muito melhores dentro
do clube e com ele a um braço de alcance, do que enfiada naquele trabalho
entediante.
Capítulo 32

Como prometido, Yerik me leva a um restaurante requintado para


jantar, passamos um bom momento juntos, conversamos sobre nossos
gostos musicais, em como funciona a vida noturna e mais uma vez fala
sobre eu trabalhar para ele.

Estou tentada em aceitar, meu único receio é lidar com a chateação


que possa causar nos meus pais. Apesar de viver um período sem me
importar com nada, quero retomar minha vida de onde parei e o primeiro
passo é abrandar a convivência.

Sinto que estou começando a sentir minha vida mudar, como se


conhecer Yerik fosse o sopro de coragem que me faltava para finalmente
sair do casulo ao qual me enfiei.

Terminamos o jantar e fico intrigada ao ver que ele tomou o rumo


da minha casa, por um momento pensei que terminaríamos no clube em um
sexo louco e quente.

— Entregue, sã e salva. Sua mala de roupas está no porta-malas.

— Esqueci disso.

— O que seria de você, zólattse mayó, sem mim? — Ele bate a


ponta do dedo indicador no meu nariz e aproveito para aproximar e lhe
roubar um beijo rápido.

— Seria a velha Katrina — respondo, no automático, sem pensar


muito sobre o significado disso.

— Fico feliz de ouvir isso.


Trocamos alguns beijos quentes, mas me despeço antes que as
coisas esquentem demais em via pública. Ao entrar em casa percebo que
meus pais já se recolheram e rumo tranquila para o quarto.
Solto meu corpo na cama e sorrio como uma boba. É perigoso
sentir toda essa empolgação juvenil, mas não consigo evitar e ponderar que
pode não ser seguro todo esse envolvimento.

Passei a noite com sonhos fantasiosos sobre um príncipe vestido de


preto que me resgata da Torre Spasskaya em meio a uma tempestade. Uso
um vestido branco, manchado com sangue e sou carregada por Yerik até
uma carruagem e fugimos de lá.

Apesar de o sonho ser um tanto macabro, confesso que acordei


animada e esperançosa, quem sabe, de um jeito moderno, ele seja o cara
certo para me livrar dos demônios passados.

Chego à imobiliária mais disposta a enfrentar o dia, espero que o


chefe não esteja tão impertinente quanto ontem. Cada vez mais sinto que a
proposta de Yerik é o melhor caminho, mesmo que isso acarrete lidar com
um relacionamento com o CEO.

— Isso são horas? — Coloco a bolsa sobre a mesa e sou brindada


com essa recepção.
— Estou no horário. — Confiro meu celular para desencargo de
consciência.
— Não, você está atrasada e isso é intolerável, Katrina. Muitas
pessoas querem essa vaga, deveria valorizar a oportunidade.

— Nem cinco minutos — evidencio, chocada.


— Isso não importa. Atraso é atraso.

— Quer saber de uma coisa? Não preciso deste emprego, recebi


uma proposta muito melhor. Dê a vaga para outro — estouro e perco o
pouco de paciência que ainda restava.

— Com sua falta de habilidade, duvido que consiga se manter em


outro emprego.

— E com sua falta de educação, duvido que alguém permaneça


aqui por muito tempo.
Recolho a bolsa e marcho para fora daquele lugar. Sinceramente
não consigo lidar com essa opressão, prefiro trabalhar com bêbados à noite
a ter que aguentar um svolach como esse.

Na rua, respiro profundamente e acalmo meu temperamento.


Agora não tenho outra saída a não ser aceitar a vaga que Yerik ofereceu. Só
espero que sua oferta tenha sido verdadeira.
Ligo pela terceira vez e ele não atende, a frente da boate está
fechada, ainda é cedo, mas imaginei que tivesse algum tipo de atividade
diurna. Contorno a rua ao me lembrar do acesso lateral, quem sabe por lá
tenha alguém.

— Olá. Vim falar com Yerik.


— Eu não o vi, mas pergunta no bar. Sou novo aqui — o rapaz que
carrega algumas caixas para dentro informa.

Ao invés de seguir a recomendação dada, rumo direto para o


escritório de Yerik, se não o encontrar por lá, posso esperar.

Bato à porta uma vez e ninguém responde, por isso abro uma
pequena fresta e espio o lado de dentro, vejo que está vazio. Tomo a
liberdade de entrar e aguardar no sofá espaçoso e confortável que já
desfrutamos de momentos interessantes.
Envio uma mensagem e aviso que estou em seu escritório, mas
continuo sem resposta. Começo a ficar entediada e resolvo passear pelo
lugar.

Entro na área reservada de Yerik e vejo o salão todo vazio. Alguns


homens cuidam da manutenção, principalmente no bar, encosto na grade e
fico observando.
— Tak! Já está feito, Pavel. — Ouço a voz de Yerik bradar quando
entra no salão, acompanhado de mais três homens.

— Você se arriscou muito. Por que não disse nada?

— Yebvas! Isso sou eu quem decido.

— Cossack não brinca em serviço, Yerik.


— Nem eu! — O grito ecoa por todo salão. — Não fiz o nome de
colombiano sendo bonzinho.

Com uma postura ríspida e ameaçadora, ele se aproxima alguns


passos do homem que parece inabalado com seu arroubo.

— Você vai voltar a ser o colombiano?


— Net! Mas não vou cogitar ser, caso seja necessário.

Afasto alguns passos para trás, nunca vi Yerik tão fora de si como
agora, as desconfianças do envolvimento dele com algo ilícito ainda
permeiam a mente e escutar essa conversa me deixa ainda mais na reserva.

Preciso sair daqui antes que ele perceba minha presença, disparo
em direção à saída, se me apressar consigo sair antes que ele suba para o
escritório.
Desço as escadas, correndo, quase na porta de acesso lembro que
minha bolsa ficou no escritório e faço o caminho de volta.

— Pizdets! — Alcanço a maçaneta da porta e entro, esbaforida.


— Katrina? — Yerik está próximo ao sofá com a minha bolsa nas
mãos — Onde estava?

— Eu... é... Fui ao banheiro — respondo, recuperando o fôlego.

— Mas tem banheiro aqui na sala. — Ele franze a testa, confuso, e


sinto meu corpo começar a hiperventilar. — Aconteceu alguma coisa? —
Ele solta a bolsa no sofá e vem até mim.

— Fui demitida — falo a primeira coisa que vem à mente.


— Demitida? Como?

Quando ele tenta tocar meu braço esquivo e caminho para longe.

— Meu chefe se incomodou com cinco minutos de atraso, chamou


minha atenção de forma grosseira e pedi demissão.
— Sinto muito, zólattse mayó. — Mais uma vez ele segura meus
braços e tensiono o corpo. — O que houve, Katrina? Você está estranha.
— Eu ouvi sua conversa com Pavel. Sei que já perguntei isso,
Yerik, mas algo me diz que você esconde mais do que pagar proteção da
máfia.
Viro em sua direção e miro seus olhos com toda a sinceridade dos
meus receios estampados na face.

— Eu estou resolvendo algumas questões com Cossack por conta


do meu irmão.

— O gerente do circuito de lutas?

— Ele é mais que isso. Cossack comanda atualmente a gangue que


opera em Moscou e meu irmão se meteu em problemas com eles.

— O que é colombiano? — Lembro-me da menção que fez.

— Era meu apelido, quando fui iniciado. — Afasto alguns passos.


— Não faço mais parte da máfia, fiquei pouco tempo, na verdade.

— Eu te perguntei e você mentiu.

— Você me perguntou se sou um mafioso e eu não sou.

— Mas foi.

— No passado, há seis anos.

— E por que trazer isso agora?

— Não vai acontecer, aquilo foi só uma divergência de opiniões


entre Pavel e eu.

Vou até a bancada de bebidas e sirvo uma dose de vodca. Ainda é


cedo para pensar em bebida, mas a bomba que acaba de cair sobre minha
cabeça não está fácil de digerir.
O maldito dedo podre sempre me atrai para o homem errante,
pensei ter acertado desta vez, por um curto espaço de tempo imaginei viver
algo certo e sadio, quão tola eu sou.
Capítulo 33
Entro no galpão fétido e mal iluminado acompanhado de Pavel e
Russell, meus seguranças foram instruídos a aguardarem do lado de fora e
na revista as armas também foram confiscadas.

Cossack me aguarda, acompanhado de quatro homens armados,


olho de relance para cima e vejo atiradores posicionados, prontos para agir
ao menor movimento.

— Yerik e Russell, quem diria? — O tom jocoso de Cossack nos


recepciona.

— Só vim como testemunha do que está acontecendo.

— Fiquei curioso com o seu pedido, colombiano, o que pode me


oferecer em troca da vida infeliz de um viciado?

Fecho as mãos em punho, sei que as provocações são


características de homens como Cossack, que prefere uma tortura
psicológica quando está em vantagem no conflito.

— Um esquema de corrupção e roubo dentro do circuito de lutas


— vou direto ao ponto e fico satisfeito ao ver o riso cínico morrer nos
lábios dele.

— Do que está falando?

— Esse é o ponto. Você terá o culpado pelo roubo em apostas na


última luta da temporada, desde que torne meu irmão intocável nas ruas.

— Russell? — O homem encara o lutador ao meu lado.

— É verdade. Ele me procurou esta semana e informou sobre a


manipulação de resultados.
— E...

— E é isso. Russell sabe que o traidor será revelado, nada mais. Te


dou o homem quando fizer o que pedi.

— Colombiano, você não está mais no ramo, não pode exigir nada.

— Claro. Também não preciso ser cordial e lhe dar a informação,


mas imagine só se as pessoas começam a questionar a veracidade dos
resultados. Um grande circo armado para entreter e nada mais.

— Está ameaçando meu negócio? — Ele avança um passo,


intimidador, e seus homens engatilham as armas em nossa direção.

— Estou propondo uma troca. Vamos lá, Cossack, você tem muito
a perder.

— Quero a cabeça do traidor nas minhas mãos logo após a luta.


— Você terá.

— Considere seu irmão intocado, porém... — Ele ergue o dedo


indicador para cima. — Não garantirei sua vida se o pegar fazendo merdas
nas minhas ruas. Entendeu?
— De acordo.
Estendo a mão em sua direção, que olha para o gesto e demora um
tempo para aceitar o cumprimento. Seus olhos atentos aos meus mostram
um brilho diferenciado, sei que isso não garante que meu irmão saia ileso
depois de entregar o traidor, mas é minha única opção.

— Mande algumas garotas para minha festa de hoje.


Sorrio de lado e solto sua mão na mesma hora.
— Não trabalho com entregas, Cossack. Se quer entretenimento,
está convidado a visitar meu clube.

Trazer o homem que fui há seis anos não é minha intenção, muito
menos deixar a mulher por quem estou envolvido saber sobre esse pedaço
da minha vida.

Katrina não deveria ter ouvido minha divergência com Pavel, mas
o homem resolveu disparar a falar feito uma vitrola desde que saímos do
galpão. Seu jeito diplomático de agir é bem-vindo sempre que algum
problema surge, mas nesta questão, a forma enérgica e taxativa era a melhor
alternativa.

— Não gosto de mentiras, Yerik — ela solta, após bater o copo


sobre a bancada.
Sua voz sai determinada e a postura tensa demonstra que não está
disposta a negociar ou entender meus motivos.

— Nem eu, mas não cobro sobre seu passado e espero que aja com
a mesma cordialidade em relação ao meu.

— Meu passado não voltou para o presente. — Ela gira em minha


direção, está brava.
— Ele nunca foi um passado de verdade, zólattse mayó. — Seus
olhos se abrem quando assimila a verdade nas minhas palavras.

— Pelo visto, o seu também não. Acho melhor eu ir embora. —


Caminha até o sofá e recolhe a bolsa.

— Pensei que veio se candidatar à vaga no clube.


— Fui precipitada. — Quando tenta passar por mim, entro na
frente. — Me deixa sair. — Ela olha para os lados, sem me encarar.

— Zólattse mayó, não faça isso. — Seguro seu rosto e a faço me


encarar. — Estamos vivendo algo só nosso aqui, não deixe o que está em
volta atrapalhar.
— Preciso priorizar minha segurança, Yerik. — Ela fecha os olhos
quando meu dedo desliza por seus lábios.

— Eu vou lhe manter segura, sempre, zólattse mayó. Nunca


deixaria a merda que já fui atingir você.

Aproximo meu rosto do seu à medida que trago toda a verdade em


minha declaração. Jamais colocaria a vida dela em risco, Katrina é
intocável, imaginar que algo possa machucá-la me joga para fora de órbita.

Toco meus lábios no seu com cuidado, o pequeno contato chega a


formigar com a necessidade crescente dentro de mim. Pensar que meu
passado pode afastá-la, me faz querer fugir com ela para o outro lado do
planeta.
Arrisco um beijo e sou bem-vindo, suas mãos abraçam minha
cintura, a boca da passagem para minha língua afoita, um desespero toma
conta de mim, talvez pelo medo de que seja a última vez que ela me permita
sentir seu corpo junto ao meu.
Livro nossos casacos enquanto a beijo, Katrina parece entender
todas as minhas ações e necessidade, trabalhamos em sincronia até estarmos
nus no meio do escritório.
Ergo seu corpo e a coloco sentada na mesa, abro suas pernas e sem
qualquer preparação preencho sua boceta com meu pau pulsante. Gememos
juntos quando passo a estocar com pressa, o desespero dita os movimentos,
sua receptividade me torna ainda mais impaciente por consumi-la.

— Você é minha, zólattse mayó? — sussurro, próximo ao ouvido,


antes de morder sua orelha.
— Sim... — Ela ofega e torno a morder, agora seu pescoço.

— Vai partir? — A pergunta sai no automático.

Usar o sexo para convencê-la a ficar não é legal, mas contra o


instinto de autopreservação que Katrina carrega não tenho outro argumento.

— Eu... eu... — balbucia e o medo da negativa me faz acelerar os


movimentos.

— Diz. Vamos, zólattse mayó, diz que vai ficar. — Apoio as duas
mãos na beirada da mesa e encaro seus olhos nublados pelas sensações
provocadas.

Seu canal aperta meu pau, há muito tempo não transo sem
camisinha, acho que isso só aconteceu quando perdi a virgindade na
Colômbia, mas era tão inexperiente e estava nervoso o suficiente para não
conseguir aproveitar o momento como deveria.

Sua boceta é deliciosa e viciante encapado, mas nada me preparou


para sentir pele com pele, nenhuma barreira, somente o ato primal, a
necessidade afirmar que somos bons juntos.
— Yerik... — geme meu nome e deita o corpo sobre a mesa.
A pele alva, com algumas manchas avermelhadas espalhadas, seja
pelo toque ou a pressão sanguínea que aumentou, a tornam encantadora.
Seus seios, não muito grandes, saltam, os bicos rosados entumecidos e o
arrepio que se alastra por toda a extensão.

Espalmo uma mão em seu ventre firmando seu corpo no lugar, a


outra contorno seu pescoço e pressiono suavemente. Katrina fixa os olhos
nos meus, suas mãos seguram a minha que mantém o aperto no limite
suficiente para restringir parte da oxigenação do seu cérebro.

Seus olhos rolam de prazer, o canal lubrifica ainda mais e em


segundos sinto o tremor do seu ventre se espalhar pelo corpo e as
contrações que esmagam meu pau fazem o orgasmo rasgar meu sistema.

— Sim... — Solto seu pescoço, assim que sua voz baixa profere a
resposta que tanto desejei.

Cubro seu corpo com o meu quando minhas pernas fraquejam,


aproveito para beijar seus seios e subir o caminho até a boca que a faz
desviar. Enrugo as sobrancelhas, preocupado, temo ter passado um limite.

— Zólattse mayó...

— Usar sexo para me convencer foi baixo, Yerik, mas não posso
negar que foi a forma mais prazerosa. — O brilho em seus olhos, aquele
semblante travesso, não resisto e seguro seu queixo com força e a beijo.

— Você me tira do eixo, Katrina — declaro, assim que afasto.


— E você é mais manipulador do que pensei... — Ela bate a ponta
do dedo no meu nariz, risonha.
Sorrio em resposta, sou obrigado a calar, já que não existe
argumento que justifique minhas ações. De fato, eu manipulei a situação e
não nego que farei de novo, se for necessário.
Capítulo 34

Tomamos uma ducha rápida juntos, gostaria de aproveitar mais do


momento com Katrina, mas o dever me chama, preciso atender às
demandas do clube, além de lidar com um vory v zakone no meu encalço.

— Já que será minha nova assistente, precisa se inteirar do


funcionamento de tudo. Bar, palco, dançarinas, público, reserva e sala
privada — falo, assim que ocupo minha cadeira e ela senta à minha frente.

— Esse lance de secretária e chefe é bem excitante — ela


pronuncia e seu corpo projeta para a frente.

A mulher sabe como atiçar minhas bolas. Maldita boca atrevida


que me tira a concentração com tanta facilidade.

— Concordo, mas agora é o momento de levar a sério, zólattse


mayó. Não tenho tempo de atender todas as demandas que o escritório de
contabilidade pede, então preciso que acompanhe.

— Yerik, eu não tenho a menor ideia de como fazer isso.

— Pavel vai te ensinar, ele me ajuda em absolutamente tudo.

— Se já tem ele, não precisa de mim. — Ela joga o corpo de volta


no encosto da cadeira.

— São funções diferentes, acredite. Além do mais, não tenho a


pretensão de foder meu braço direito no fim de cada dia. — Pisco um olho e
o interesse acende em sua feição.

— Minha jornada será diurna? — Pigarreia e muda o assunto.


— Tarde e noite, nada puxado, só para atender no horário que tem
movimento e precisa de mais atenção.

— Entendi. Por hoje estou liberada? Quero ir em casa contar as


novidades e me preparar para mais tarde.

— Claro, vou pedir para um motorista te levar. — Pego o celular e


chamo Pavel.
— Posso ir como vim. Sozinha. — Ela levanta e recolhe a bolsa
sobre o sofá.

Entendo seu ponto em querer mostrar que é independente e dá


conta sozinha da própria vida, só que meu lado protetor não consegue evitar
mantê-la segura.

— Pode, mas não vai. Considere um dos benefícios do cargo.

— As dançarinas têm esse benefício também? — Sua pergunta sai


tão sarcástica quanto sua expressão.

— Alô? Pavel, mande o carro aguardar Katrina na frente da boate


para levá-la.

— Algo mais? — Apesar de irritado com meu comportamento,


Pavel não falha com o profissionalismo nunca.

— Não, obrigado. — Encerro a chamada, levanto e contorno a


mesa. — Quando vai entender que você não é igual a nenhuma outra,
zólattse mayó?

Estendo a mão e recebo a sua de imediato, a faço levantar e


encaixo seu corpo no meio das minhas pernas quando apoio na beirada da
mesa. É incrível a sensação de tranquilidade que me toma quando a tenho
tão próxima.
Avanço sobre sua boca e a pego de surpresa com um beijo rápido,
seu olhar divertido espelha o meu quando afasto.
— Yerik, eu... Nossa conversa, antes...

— Esqueça isso por agora. Só vamos fazer as coisas funcionarem,


zólattse mayó. Eu nunca colocaria sua vida em risco, precisa acreditar em
mim.
— Eu acredito. — A voz baixa, quase inaudível.

— É melhor ir — dou outro beijo rápido e a afasto — ou não a


deixarei mais sair daqui. — Caminho de volta à mesa.

— Até mais tarde, chefe. — Encaro sua imagem, agora perto da


porta e o ar provocante está lá.

— Até mais, zólattse mayó.


Quando a porta fecha, disco para Pavel mais uma vez.

— Sim.

— Coloque alguém de olho nela e aproveite para achar uma função


que a mantenha no administrativo.
— Algo específico? Qual a capacitação dela?

— Não faço a menor ideia, Pavel. Entreviste ela, ensine algo que
seja útil, a faça querer ficar.

— Isso soa um pouco perseguidor, não acha?

— Você não é pago para bancar o psicólogo, Pavel. Faça sua


função e mantenha minha vida fácil.
— Tudo bem. Farei conforme sua vontade.
Um ótimo funcionário, mas quando age como a razão que eu
deveria ter normalmente, isso me irrita. No fundo, acho que o prazer de
Pavel é confrontar minhas ações, só para depois fazer a expressão astuta de
quem já havia me avisado sobre algo.

Com Cossack em alerta, preciso manter toda a cautela possível, sei


que não ficou feliz em ser mantido no escuro com problema que ocorre bem
embaixo do seu nariz. Isso fere o ego de um homem, no caso de um
mafioso, mancha sua reputação.

A pior coisa que pode acontecer são as pessoas passarem a


questionar sua autoridade e dominância no território que controla. Por sorte,
tenho um histórico confiável e ele sabe que não irei espalhar nenhum boato
desde que mantenha o acordo feito.

Por hora, Mickail está seguro, trancado em casa lidando com a


desintoxicação, meu único foco é Katrina. Nosso envolvimento não é
segredo e logo todos perceberão o que já entendi: ela é mais um dos meus
pontos fracos.

Passo o dia enfurnado nos problemas do clube, aproveito para


verificar todos os balancetes, converso com os chefes de cada setor e me
informo sobre tudo que aconteceu no fim de semana que fiquei fora.

Apesar de Pavel fazer um excelente trabalho e lidar tão bem quanto


eu com qualquer questão emergencial, aprendi com meu pai que o dono tem
o dever de saber tudo que se passa em seu negócio.

De fato, ele não foi um bom exemplo de ser humano, muito menos
paterno, mas não posso negar a perspicácia que tinha em manter o negócio
ilegal funcionando.
Quando adoeceu, assumi as rédeas e vendo que Mickail gostava
mais daquela vida do que nós dois juntos, resolvi largar os trabalhos com a
máfia e me concentrei em tornar a espelunca do bar em algo mais digno.

Por sorte, tudo que ganhei com os trabalhos da gangue me gerou


uma boa poupança e pude investir da maneira certa. Nessa época, Pavel já
trabalhava com meu pai há muito tempo, tornava os ganhos ilícitos em
legalidade e mascarava as reais atividades do estabelecimento.

No momento em que meu pai se afastou, mostrei a Pavel minhas


intenções e ali ganhei sua total confiança. O homem já estava cansado de
lidar com as merdas que meu pai era envolvido.

E é por isso que engulo seus comentários sinceros, somos razão e


emoção e por mais que eu trabalhe arduamente com serenidade, os pontos
fracos da minha vida tiram meu equilíbrio.

Antes era somente meu irmão, instável e volátil, tomando todo


meu tempo e esforço para mantê-lo seguro, agora parece que arrumei
alguém tão difícil quanto.
Desde que meus olhos cruzaram com essa morena soube que algo
saiu da normalidade. Parei de pensar racionalmente, descartei todo e
qualquer alerta que minha mente tentou apontar e só quis sentir.

Cada vez mais fundo, estou mergulhando, ela é tão instável quanto
Mickail, ambos machucam a si mesmos para se autopreservarem. Claro que
meu irmão tem o agravante das drogas, sua cabeça está afetada a um ponto
que não sei se há recuperação.
Mas ela também está fodida.

Ainda não tive qualquer notícia do seu passado e isso me deixa


louco. Parar para pensar nos motivos que a tornaram assim faz a ira gritar
dentro de mim e só preciso de alguém para descontar a raiva que sinto.

Disco um número no celular e aguardo que atenda.

— Preciso extravasar.
— Deduzo que não seja com mulheres, afinal, é você quem as
fornece.

— Quero uma luta, Russell.

— Claro! Pode vir ao meu treino, colombiano. Vamos adorar


brincar com carne nova. — Desligo, enquanto ainda escuto seu riso.

Pego minha bolsa esportiva no armário e rumo para o ginásio.

Um pouco de pancadaria deve trazer meu equilíbrio de volta.


Capítulo 35
Derrubo meu oponente no tablado, ouço alguns incentivos e
chacotas de quem está à nossa volta e acompanha o sparring. Meu
adversário é a promessa da próxima temporada, está sob treinamento de
Russell há alguns meses.

— Vamos, garoto! — Russell grita de fora das cordas com o rapaz


que levanta, com dificuldade.

Confesso que peguei pesado, mas se a ideia deste treino é simular


uma luta de verdade, não posso baixar a guarda ou aliviar nos ataques.

Faz algum tempo que não vou para cima de alguém, treino com a
equipe de segurança algumas vezes, mas com a finalidade de exercitar o
corpo. Aqui relembro minha trajetória em brigas de rua, cercado por um
grupo de seis a oito homens que me atacavam de forma aleatória.

Esse era um dos testes para provar sua capacidade na gangue, tinha
que aguentar a pancadaria e se defender como pudesse, usando somente as
mãos. Na época, minha massa corporal e preparo físico eram excelentes,
isso facilitou ser aceito como um iniciante.

O rapaz fica em pé de novo e arma a guarda, seu tamanho é o


mesmo do meu, o preparo físico com certeza melhor, mas ele não tem o
mesmo reflexo. Não o culpo, afinal, a experiência de lidar com um ataque
surpresa me capacitou além do normal.

Espero seu movimento, circulamos a arena, seu corpo tensionado,


um pouco endurecido, mostra o receio de fazer uma investida errada. Isso o
coloca com uma margem alta para falhar em qualquer ação, torna fácil meu
trabalho de leitura corporal.

— Vamos! — Russell grita, mais uma vez.


O garoto tira a atenção de mim para olhar em direção ao lutador,
péssima jogada da sua parte, nunca se desvia do oponente por motivo
algum. Com agilidade, avanço e contorno sua guarda com um gancho de
direita, que o leva a nocaute.

Seu corpo cai na arena, desfalecido, não aliviei a força do golpe, há


lições que mesmo em uma brincadeira de treino precisam ser aprendidas.
Com certeza essa ele nunca irá esquecer.

— Dovol'no[23]! — Russell passa as cordas e me afasto com as


luvas para cima. — Quer matar meu garoto? — Seu olhar raivoso mostra
que não gostou do resultado.
— É melhor treinar a atenção dos seus lutadores. Ele ficou
disperso demais no final. — Não me altero com sua pose de lutador fodido,
removo as luvas e dispenso no chão.

— Deixei você extravasar a pressão, Yerik, não acabar com minha


aposta no próximo circuito — brada, enquanto caminha atrás de mim.
— Agradeço a chance, mas eu não fiz nada além do normal. Ele é
bom, mas precisa treinar foco. — Pego a garrafa de água próximo à bolsa
que trouxe e sorvo alguns goles.

— Ele só tem alguns meses como competidor, camarada. O que


esperava?

— Por que o colocou comigo, então?

— Achei que você estivesse enferrujado. Pelo visto, me enganei.


— Subestimar alguém é um erro grave.

— Engraçado como seu conselho serve para você mesmo.


— O que quer dizer?

— Cossack não vai ficar no escuro. Ele já está se movendo. Te


aconselho a tirar seu irmãozinho de Moscou e a garota também.

— O que você sabe? — A tensão extravasada retorna.


— O que não é segredo para ninguém. Seu irmão é instável e vai
fazer merda em algum momento, Cossack só aguarda pela oportunidade. E
a sua garota é volátil.

— Temos um acordo.

— Que depois de revelar o traidor finda. Sem criminoso não há


crime. Como provar as alterações dos resultados? Eu te dei um trunfo para
conseguir tempo, Yerik, não um passe livre.

— Eu sei disso.
— Em duas semanas acontece a grande luta. Katrina estará lá, em
território inimigo.

— Ela não precisa ir.


— Sim, ela precisa, por Sacha.
— Nenhuma das duas tem que ir, Russell. Você e eu sabemos bem
disso.

— Sabemos, mas o cão sarnento do Krigor não entende essa parte


e Sacha não irá sem a prima.
— Chyort voz'mi! Vou convencê-la a não ir.

— Boa sorte com isso, camarada. Eis aí seu segundo ponto fraco,
talvez mais sensível que o primeiro.
Engulo em seco e não retruco. Não existe um argumento que seja
crível e prove seu comentário como infundado.

Chego em casa e vou direto para o chuveiro. As palavras do


lutador martelam na minha cabeça desde que saí de lá, estou atrasado na
regra principal da vida: esteja sempre um passo à frente do seu inimigo.

Chamei Pavel no caminho e pedi que fretasse um jato para


Mickail, não posso mantê-lo aqui. É arriscado demais contar com a palavra
de um gangster e o equilíbrio do meu irmão em se manter na linha.

Encaro minha imagem no espelho, ajeito o colar no pescoço, a


única lembrança carinhosa que carrego da minha mãe. Depois de partir da
Colômbia, nunca mais nos falamos, meu orgulho e mágoa não permitem
compreender seu lado ao me despachar de lá por um homem.
Abro a porta do quarto em que Mickail é mantido rigorosamente
trancado. Nos dias que está aqui tem se comportado melhor, colabora com o
tratamento e não reclama com tanta frequência da limitação imposta.

Incomoda forçá-lo a partir, sinto como se agisse igual aos pais, que
sempre descartaram nossa presença, priorizando aquilo que lhes convinha.
Neste caso, é para o bem dele, mesmo que isso o faça me odiar.

— Mickail?
— Irmão. Finalmente veio me ver. — Ele levanta da cama, onde lia
um livro e vem até mim.

Sou recebido com um abraço afetuoso, lembranças do garoto que


adorava me seguir para todos os cantos retornam e a culpa de fazê-lo encher
os olhos para o mundo errado também.

— Como se sente? — Seguro seus ombros e examino a face.


— Melhor. Um dia de cada vez.

— Isso mesmo. — Bato a mão no seu ombro e me afasto.


— Como estão as coisas? Estive pensando e acho que estou pronto
para voltar à vida. Quem sabe te ajudar no clube?

— O clube caminha bem, sua parte continua sendo depositada na


conta.
— Isso nunca duvidei, Yerik. Quero trabalhar, sentir o gosto da
vida de novo. Saudade de trepar com mulheres bonitas, irmão. — Ele ri do
comentário, mas me mantenho quieto e sem reação. — O que foi, irmão?

— Precisa sair de Moscou hoje. Pavel fretou um jato e vai partir


imediatamente com a equipe médica.

— O quê? Net! Não quero sair de Moscou. Estou bem. — Sua


reação é imediata, irritação o toma.
— É preciso, Mickail. Só colabore.

— Mais? Estou trancado na porra da minha própria casa, mantido


como um refém e aguentando toda a baboseira psicológica que me obrigam
a fazer.

— É para o seu bem.


— Meu ou seu? Está com medo de eu tomar seu lugar, não é? O
poderoso Yerik, o colombiano, invencível.

— Não diga merda!

— Não sou seu filho para lhe obedecer.


— Não é obediência, é segurança.

— Quer me descartar? Como sua mãe fez com você?


Abaixo a cabeça e puxo o ar com força para os pulmões. Mickail
nunca foi bom de briga, mas com as palavras sempre soube jogar e
manipular o emocional das pessoas a seu favor.

— Estou negociando sua vida com um brigadier, por conta das


suas merdas, Mickail.
— E no acordo eu teria que sair de Moscou?

— Net! Tenho um trunfo contra ele, mas é temporário. Preciso que


saia por um tempo, até as coisas acalmarem.

— Pouco me importa o que fez, Yerik. Não tenho que honrar seu
nome. — A essa altura ambos gritamos ao invés de discutir como adultos.
Corto nossa distância e o empurro até a parede, travando o
antebraço em seu pescoço, pressiono o suficiente para ter sua atenção.

— Eu estou me fodendo para salvar sua pele. O mínimo que pode


fazer é colaborar — falo baixo, em tom de ameaça.

Só quando ele para de se debater é que o solto e seu corpo cai mole
no chão, tosse repetidas vezes para recuperar o fôlego.

— O avião sai esta noite. Esteja pronto.


Capítulo 36

Passo pela porta da frente da boate, os funcionários se movem com


agilidade ao aprontar tudo para a noite. Fico parado no meio do salão ao
notar Katrina no balcão próximo ao bar, conferindo uma pilha de papéis ao
lado de Pavel.

Ela usa um vestido justo preto que marca todas as suas curvas,
mangas compridas e terminam próximo ao joelho onde encontra a borda da
bota preta cano alto que calça.
Em automático, minha mente projeta diversas situações com ela
usando somente esses malditos sapatos sedutores e eu a fodo com toda
força possível.
Aproximo-me, cauteloso, não quero despertar sua atenção, com a
guarda baixa e atenta à tarefa, Katrina fica ainda mais bonita. Mais um lado
seu que ainda não conhecia e estou deslumbrado com a descoberta.

— Olá, zólattse mayó. — Vejo-a saltar no lugar já que falo


próximo ao seu ouvido.

— Que susto, Yerik! — Ela bate no meu ombro quando apoio na


bancada ao seu lado.

— Como está o desempenho da nova funcionária? — pergunto a


Pavel, que nos observa, atento.

— Muito bem. Estou lhe ensinando sobre o estoque.

— Maravilha. Mas se me permite, gostaria de roubá-la por um


momento.
— Você é o chefe. Sobre aquele assunto, já está encaminhado.
Hoje à noite eles partem.

— Ótimo.

Katrina, curiosa, encara de mim para Pavel, sem entender do que


estamos falando. Venci a primeira batalha contra meu irmão, mas sinto que
a pior está por vir.
— Katrina, continuaremos em outro momento.

— Tudo bem. — Ela junta a pilha de papéis à sua frente e entrega


para Pavel, que se afasta. — Então, o que o chefe quer de mim?

Giro sua banqueta, apoio as mãos na bancada de cada lado e assim


a tenho cativa com a atenção toda em mim.

— Primeiro, o meu beijo. — Aproximo o rosto e ela desvia.

— Estou trabalhando, Yerik. — Seu olhar percorre ao redor,


preocupada.

— Sorte sua que o dono disso tudo sou eu. — Seguro seu queixo e
a faço me olhar de novo. — E você é muito mais que uma mera funcionária.
— Selo nossos lábios e peço passagem com a língua na sua boca macia.

Enredo nossas línguas no contato, minhas mãos descem por seu


corpo e a puxo de pé, nos unindo até sentir satisfação e terminar o beijo.

— Tak! Você é dono de tudo. Já entendi. O que quer comigo?

— Avisar que a luta final será em duas semanas e você não precisa
estar lá.

— Estou ciente da luta e eu irei. Amo as lutas do circuito e não vou


perder a oportunidade de saber quem é o traidor.
— É perigoso, Katrina.

— Para o traidor sim, para mim não. Além do mais não posso
deixar minha prima sozinha nesse momento.

— A luta cai no seu dia de trabalho e eu não te dispenso.

— Então eu vou faltar — ela responde, petulante.

— Pode ser demitida.

— Faça como quiser... — ela se solta do meu agarre —... chefe. —


Ao piscar um olho caminha para longe.

— Pizdets! — Levo a mão na nuca e esfrego o local.


A luta de hoje foi pouco para conseguir aplacar a tensão de lidar
com tudo que está acontecendo.

Caminho determinado para o escritório, de alguma forma tenho


que convencer Katrina, passo a cogitar a hipótese de trancafiá-la como fiz
com Mickail.

Entro no escritório e a vejo fuçar no celular, a maneira como


sacode o pé e me ignora deliberadamente, está tão irritada quanto eu com a
conversa.
— Precisamos falar sobre isso.

— De novo? O que quer agora? Manter uma corrente no meu pé


atado a você? — O tom de descaso me incomoda.
— Fiz uma jogada arriscada hoje para salvar meu irmão, Katrina,
mas temo ter colocado você em perigo.

— O quê? Por que diz isso?


— No meu antigo mundo, ter um ponto fraco era a morte certa. Por
isso na máfia não se tem família, nem amigos. É uma vida solitária, Katrina.

— Você não é mais um mafioso. Pelo que me disse, nem chegou a


ser um de fato.

— Tem razão, mas hoje ameacei um. Ir àquela luta te coloca em


território inimigo. Você é um ponto fraco meu.
Seus olhos confusos tentam assimilar o que acabo de dizer, não
quero que ela carregue as merdas que me acompanham, envolvê-la está fora
de questão, mas preciso que entenda a seriedade da situação.

— Pelo visto, suas promessas são infundadas, já que jurou me


manter segura.
Suas palavras cravam fundo dentro de mim, como se uma lâmina
afiada atingisse um órgão vital e em questão de segundos não teria mais a
chance de viver.

— Por isso não quero que vá à luta. Aqui posso te proteger.

— Isso me coloca em uma prisão. Não quero isso, Yerik.

— É só por um tempo, zólattse mayó. — Caminho até onde está e


abraço seu corpo.
— Odeio ser limitada ou controlada.

— Eu sei.

— Contra quem está me protegendo? Cossack? — Afirmo com a


cabeça e ela fecha os olhos, soltando alguns palavrões.
— Você terá um segurança quando sair do clube.
— Net! — Ela empurra meu corpo e os minutos de calmaria se
vão. — Isso já é demais.

— Não é algo tão difícil. Ele não ficará perto, mas te manterá
segura.

— Yebvas! — ela grita, antes de sair marchando e bater a porta.


Caminho até o balcão de bebida e sirvo uma dose dupla de uísque,
pego um charuto da caixa e corto a ponta. Sento no sofá e bebo um gole
generoso.

Um toque na porta e logo Pavel passa por ela, seus olhos curiosos
me analisam, enquanto tomo do copo e fumo meu charuto.
— Pelo jeito, um dia bem difícil.

— Ela é pior que Mickail.

— Sim, ela é. Mas é uma boa mulher e ideal para lidar com seu
temperamento. — Sorrio de lado com o sarcasmo do homem.

— Se esse é seu jeito de me felicitar, agradeço.


— Você sempre tem a opção de deixá-la partir.
Volto meu corpo para frente e apoio os cotovelos nos joelhos,
Pavel tomou a poltrona à minha frente e apesar de saber que seu comentário
é intencional para saber até onde estou disposto a ir por ela, caio feito um
bobo.

— Isso não é opção.


— Então vou redobrar a guarda dela e lhe dar atribuições o
suficiente para ocupar sua cabeça. Ela tem potencial. — Com um sorriso
que não alcança os olhos, ele se despede e sai.
Passo o próximo par de horas analisando alguns relatórios e atento
às informações que pingam sobre Mickail. Ao que parece, tiveram que
sedá-lo para sair do país, quando acordar estará bem longe de Moscou.
Incrível como durante toda minha vida fui obrigado a me afastar de
todos que amava. Primeiro minha mãe, para que vivesse sua vida em paz,
agora meu irmão, assim o mantenho vivo e seguro.

E justo agora, que as coisas viraram do avesso, surge a única


mulher que fez meu interesse despertar o suficiente para me importar com
sua segurança e, por ironia do destino, isso a tornou um alvo.
— Yerik! — A porta é aberta e Pavel entra acompanhado de dois
seguranças. — É a Katrina.

— Onde ela está? — Levanto de imediato.

— Em uma das salas vips.

— Chyort voz'mi! — Cego, saio feito um trator da sala a caminho


das salas.

— Espera, Yerik! — Pavel chama, mas não lhe dou atenção.

Se algum homem sequer a tiver tocado não respondo por mim,


hoje o infeliz perde os dedos, pois farei questão de cortar um a um com
alicate.

Vejo uma movimentação em frente a uma das salas, deduzo ser ali
que ela está, abro a porta e estaco no lugar. Katrina prepara o braço, ajeita
um soco inglês que está entre seus dedos e acerta um soco no nariz do
homem que é contido por dois seguranças da casa.
— O que está acontecendo aqui?
— Só ensinando um animal a se portar como homem.
Capítulo 37

Furiosa é uma definição muito próxima do que sinto agora. Não


vou aceitar que minha vida seja ditada de acordo com as necessidades de
Yerik, mesmo que justificada por um perigo eminente.

Por mais que máfia tenha sua maneira peculiar, para se dizer o
mínimo, de agir, não saem matando pessoas por aí sem motivo. No meu
caso, não tenho qualquer importância dentro do caos que Yerik causou para
si mesmo.
Proteger o próprio irmão é até justificável, família tem que ser
cuidada e óbvio que as ações refletem na vida do outro nesse mundo
tortuoso. Yerik cogitar que faço parte do mesmo pacote é até ridículo.
Marcho sem rumo, a cabeça fervilha com os cenários que se
formam, todos me envolvendo prisioneira desse russo.

Abro a porta de saída nos fundos, preciso de um pouco de ar, fecho


os braços em torno do corpo ao sentir a temperatura gélida e lamentar meu
casaco que ficou no bar.

— Veja se não é a garota do Yerik. — Reconheço a voz da cobra


peçonhenta.

— Nikita. Continua sonhando com algo que nunca terá?


Lamentável. — Balanço a cabeça e volto a encarar o beco vazio.

Já é quase noite, em breve começa o movimento, meu primeiro dia


como funcionária, acompanharei Pavel em todas as questões e demandas
que surgem no fluxo de funcionamento.
— Pensa que é especial, mas não é, Katrina. — Sua voz está mais
próxima. — Assim que aparecer um brinquedo mais interessante, será
descartada, como tantas outras.
Puxo o ar com força e contenho o ímpeto de voar em cima dessa
oportunista. Suas palavras não me afetam em nada, ela tem uma imagem
muito errada do que acontece comigo e Yerik, imagina que estou iludida
com um relacionamento.

Seus avisos só espelham o mantra que repito todos os dias, sei


como funciona, principalmente com um homem feito ele. Além do mais,
estou muito fodida para permitir algo dentro de mim florescer.

A vontade de espancar essa mulher é só para manter seu nariz mais


baixo e a língua dentro da boca. Nikita passa dos limites pelo simples
prazer de ver a discórdia e a infelicidade à sua volta.

— Sabe, Nikita... — Ela já caminhava para dentro, mas estacou ao


me ouvir chamar. — Somos muito parecidas, quase autodestrutivas, nossa
única diferença é que não me incomodo com a felicidade alheia.
— Vai me chamar de invejosa de novo? Desta vez o Yerik não está
aqui para te defender. — Ela dá um passo na minha direção e eu copio seu
gesto.

— Não preciso do Yerik para nada, muito menos para acabar com
você. Mas uma coisa que aprendi com a vida, foi entender que mesmo ela
sendo uma merda para mim, pode ser boa para outro. E tá tudo bem. —
Dou de ombros e volto para dentro.

Deixo uma Nikita desconcertada do lado de fora, presa em seus


próprios questionamentos. Não há motivo maior para agir como uma puta
sem alma se não for para descontar seu ódio no mundo.
Pego o casaco no bar, penso em guardar no escritório, mas lembro
que o egocêntrico está lá e opto por procurar Pavel, deve haver alguma área
dos funcionários ou sala em que possa colocar meus pertences.
Para minha surpresa, conheço o espaço destinado a quem trabalha
aqui, cozinha grande, dois vestiários, onde cada um tem seu armário com
tranca e uma sala menor de televisão.

Segundo Pavel, muitos funcionários dobram horas de trabalho e


não voltam para casa. Apesar de o funcionamento do clube ser à noite, a
manutenção e controle exigidos por Yerik demandam mais tempo.
Descobri que a grande cozinha, onde ele me levou para fazer o
curativo, na noite em que fui atingida na pista de dança, funciona de dia
também, com a finalidade de fazer sopa para os moradores de rua em
Moscou.

Fico boquiaberta, enquanto Pavel informa, orgulhoso, a ação social


promovida pelo homem que chamo de egocêntrico. Nunca poderia imaginar
uma atitude dessa vinda dele.
Aproveito o tempo dedicado a mim e com uma prancheta nas
mãos, anoto todas as informações que Pavel passa, de fato é muita coisa que
acontece ao mesmo tempo e vejo que meu trabalho não é só um fetiche do
patrão.

Munida de muita informação e alguns pontos que precisam de


conferência imediata, saio com a prancheta em punho e vou verificar a lista
das dançarinas de hoje.
Minha primeira tarefa oficial como funcionária e não consigo
esconder a empolgação em ver a cara da Nikita quando souber. Fui adulta
ao alertá-la sobre o conceito de vida, mas isso não quer dizer que vou agir
com maturidade o tempo todo.

— Olá, garotas! — Abro a porta do camarim compartilhado e


chamo a atenção de todas. — Sou a nova assistente do clube, Pavel pediu
para passar as coordenadas de hoje.

— Tá brincando? — Nikita caminha pelo corredor até parar


próxima de mim.
— Net! — Sorrio, vitoriosa.

— Vou falar com Yerik. — Ela sai, apressada.

— Tudo bem, mas sua cabine é a sete! — Coloco a cabeça para


fora da porta e grito.

— Yebvas!
Faço cara de tédio e anoto o número na prancheta, volto a atenção
às demais dançarinas que me encaram, curiosas.

— É o seguinte, garotas: sou uma funcionária como vocês, sim, eu


estou trepando com o patrão, mas como a própria Nikita disse, todas vocês
também já passaram por isso.
— De jeito nenhum — uma delas contesta, cruzando os braços na
altura dos seios.

— Queria que fosse verdade. Não sei nem a cor do escritório dele
— outra mais no canto fala.

— O máximo que conseguimos com ele foi uma transa quente em


uma das salas vips e um pagamento gordo — a loira próxima de mim
comenta.
— Não ligue para a Nikita. Ela só queria arrumar um ricaço feito
Yerik. — Outra vem até mim e toca meu braço amistosa. — Sou Olga, qual
a minha cabine?

Demoro um pouco para assimilar todas as revelações feitas, custo a


acreditar na veracidade, mas no fim das contas, elas não teriam motivo
algum para mentir sobre isso, principalmente quando as informações me
favorecem.

Passo um tempo com elas enquanto se aprontam e dou as


coordenadas dos bastidores, apesar de as pessoas só acompanharem as
danças nos palcos menores, não fazem ideia de toda a equipe e cuidados
que são necessários.

Eu também não fazia, nem quando dancei as duas vezes na cabine,


não pressupus a demanda por trás disso.

Libero as meninas, uma a uma entram na hora marcada para fazer a


apresentação, confiro a hora no celular e encaro o corredor, nada da Nikita.
A conversa com Yerik deve estar rendendo um bocado.
Uma fisgada incômoda atinge meu peito em cheio, é ridículo
cogitar isso, não tenho direito algum em cobrar nada, mas as imagens de
Nikita em cima do Yerik surgem uma a uma na mente e a raiva começa a
crescer.

— Se eu sou dele, então ele é meu — resmungo, introspectiva, e


saio da sala, determinada.
Caminho direto para o escritório no piso superior, fico irritada ao
ver a passagem bloqueada por um suporte de madeira enorme que alguém
da manutenção deixou aqui.
Volto todo o caminho e busco acesso pelo corredor das salas vips,
existe uma passagem que leva ao reservado de Yerik, que fica ao lado do
seu escritório.
A cada passo mais perto, minha mente avança na transa imaginária
que os dois estão tendo e quase urro de raiva. É contraditório, mas eu acabo
com os dois, se achar um fiapo de roupa fora do lugar.
Capítulo 38

— Net! — Freio meus passos no corredor.

Volto diante da porta que acabei de passar, aproximo o ouvido em


busca de mais um indício. Reconheço essa negação de longe, já a proferi
muitas vezes para compreendê-la a qualquer distância.
— Por favor... net... — A voz sai esganiçada, transborda desespero.

Dentro e fora das salas vips existe um dispositivo de pânico. Foi a


primeira coisa que Pavel me ensinou quando explicou sobre esse “serviço”
ofertado.

Por se tratar de um acordo entre cliente e dançarina, o clube não


intervém e nem questiona o que se passa aqui dentro, porém, caso um
infeliz passe do ponto, a garota tem a chance de pedir socorro.

Sinto minhas mãos trêmulas quando deslizo pelo batente ao lado


das dobradiças e busco pelo pequeno botão. Aperto assim que o localizo e
afasto um passo, sentindo a boca seca.

Uma crise de pânico se aproxima, meu corpo tremula inteiro sem


qualquer controle, pequenos pontos piscam na minha visão e forço a fechar
e abrir as pálpebras para firmar a atenção.

Esfrego os dedos nas palmas, a sudorese aumenta, reflexo da


pressão sanguínea que disparou e faz meu corpo inteiro hiperventilar.

— Net! Arhhhh. — Outra negação acompanhada de um urro


abafado.
As portas não são à prova de som, mas tem uma estrutura reforçada
para não ser ouvido o que se passa do lado de dentro, assim garante a
privacidade do cliente.
Escutar seus protestos só indica o tamanho do desespero dela ao
que possa estar se passando no interior da sala.

Pego o crachá magnético que Pavel me deu, ele disse que este
cartão serve como chave mestre para quase todas as portas, salvo o
escritório de Yerik.

Três passos me separam de salvar alguém, um movimento pequeno


que vai interromper a possível violação física e mental de uma mulher.
Estou fatigante, a respiração sai curta e acelerada e os lábios trêmulos me
faz prendê-los entre os dentes.

Olho de um lado a outro no corredor e não vejo ninguém, não sei


dizer com exatidão quanto tempo se passou, já que minha crise me
transporta para um tempo paralelo ao normal. Neste estado, segundos
parecem horas.
Com cautela, me aproximo, removo o cordão que prende o crachá
no pescoço, coloco próximo da maçaneta eletrônica, fecho os olhos e passo
o cartão. Ouço o sinal que acusa a porta destrancada e minhas pálpebras se
abrem, alerta.

Ao abrir a porta, determinada, vejo um homem sobre Nikita no


sofá, ela se debate, enquanto ele tenta enforcá-la com uma mão e a outra
está entre suas pernas. Avanço com rapidez e soco suas costas com força.

— Larga ela! — esbravejo e a surpresa o faz afastar as mãos dela e


virar para mim.
— Blad[24]! — Ele vem para cima de mim e recuo alguns passos,
até bater as costas na parede.

Ele fecha as mãos em torno do meu pescoço, o empurro e me


debato como posso, mas o homem é grande e forte demais. Arrisco um
olhar para o lado e Nikita tosse, enquanto levanta, atordoada.

— Parado!
Homens armados surgem na sala, quatro deles, acompanhados de
Pavel. O agressor se afasta de imediato com as mãos para o alto.

— Demoraram. — Solto a respiração, aliviada.

— O que faz aqui dentro? — Pavel se aproxima.

— Vocês demoraram demais e eu entrei. Escutei Nikita pedir por


socorro.
— Vocês duas, para fora. Leve ela até a cozinha — Pavel
determina, mas não movo um músculo.

Vejo um dos seguranças pegar do bolso um objeto e enfiar entre os


dedos. Reconheço, é um soco inglês, eficaz em uma briga de rua, destrói o
rosto do oponente e preserva a junta dos dedos.
— Não vou sair — determino.
— Aqui, você é minha subordinada, Katrina. Saia daqui antes que
Yerik saiba disso.

— Então você é a Katrina? — O homem asqueroso que mantém as


mãos para cima se intromete na conversa.
— Sou. Por quê?
— Fingi ser você quando fui ao bar procurar por Yerik. Ele
perguntou quem era Katrina e afirmei ser eu. Pensei que estava lhe
roubando um bom cliente — Nikita esclarece.

— Katrina, não faça nada. Vou buscar Yerik — Pavel ordena e sai
da sala.

Vou até o segurança e estendo a mão, ele me encara, confuso, sem


entender. — Quero esse soco inglês. Ou vou falar para Yerik que você
passou informações a esse monte de merda. — Soo tão ameaçadora que ele
não reluta em entregar.

Caminho de um lado para o outro na sala, pareço um animal


enjaulado, enquanto os seguranças atrás de mim apontam as armas para o
ser asqueroso à minha frente.

Sinceramente minha mente não processa o quão sério pode ser essa
situação, meu único desejo agora é punir o homem que tentou abusar de
Nikita, achando que fosse eu.
— Vocês dois, segurem ele. — Aponto para dois dos seguranças
que se entreolham, mas optam por obedecer.

Preparo o braço, ajeito o soco inglês entre os dedos e golpeio o


nariz do homem, que abre um corte de imediato e verte sangue pelo rosto.

Um prazer sem comparação toma conta de mim, parte da ansiedade


e medo se dissipam, agora a adrenalina faz sua função e desperta todo meu
corpo para a ação.

— O que está acontecendo aqui? — Olho para a porta e vejo um


Yerik irritado nos encarando.

— Só ensinando um animal a se portar como homem.


Volto a encarar o sujeito, seus olhos fixos atentos aos meus
movimentos, esperando pelo próximo golpe. Sorrio com escárnio, a
sensação de poder invade meu sistema e armo outro soco.

— Chega! — Yerik segura meu braço. — Entregue isso. — Ele


abre meus dedos fechados em punho e tira o soco inglês.

— Ele tem que pagar pelo que fez — argumento, raivosa.


— Leve ele para outro lugar, Pavel. — Yerik me ignora
deliberadamente, enquanto o homem é arrastado pelos seguranças para fora.
— Nikita, você está bem?

O homem que jurou me proteger vai até Nikita, que está encolhida
em um canto, quieta, quando ele toca seu ombro, ela recua.
— Deixa comigo. Ela não quer nenhum grandalhão por perto
agora. — Afasto Yerik e me abaixo de frente para ela. — Vamos sair daqui.

Com um acenar de cabeça, tiro Nikita da sala vip, algumas garotas


do lado de fora observam, mas Yerik trata de dispersar a movimentação.

Vou direto para o escritório, não existe lugar mais seguro que este e
ainda preciso entender direito o que aquele homem queria comigo. Nunca o
vi antes, não se trata de um desafeto pessoal.

— Toma. — Entrego uma dose generosa de vodca no copo e Nikita


vira de uma vez.
Volto até a bancada e sirvo mais duas doses, retorno e lhe entrego
outra, brindamos e viramos ao mesmo tempo.

Um perfeito dia de merda está sendo este.

— O que ele disse?


— Nada significativo. Perguntou quem era Katrina, me passei por
você e ele pediu uma dança privada. Quando entramos na sala, ele começou
a insistir cada vez mais, mesmo eu pedindo para ir com calma.
— Desgraçado. Ele queria que fosse um estupro.

— Foi o que eu percebi.


A porta é aberta de repente e Yerik passa acompanhado de Pavel, o
semblante de poucos amigos não me assusta em nada.

— Quer ir ao médico, Nikita? Posso te encaminhar à nossa clínica


particular.

— Net! Graças a Katrina, ele não chegou muito longe.

— Claro. A justiceira da noite. — O tom jocoso me faz encará-lo.

— Nikita, você vai para casa por hoje. Venha. — Pavel, que se
mantinha imparcial, sinaliza para ambos saírem.

Vou até o balcão, sirvo mais uma dose, já que não tenho um soco
inglês como arma, usarei a bebida para me acalmar.

— O que estava pensando? Entrar em uma sala com um


estuprador! — Yerik grita no final e viro em sua direção, irritada.
— Pensei que pudesse ser eu naquela sala, pensei que seria ótimo
alguém para me socorrer, pensei que dessa vez seria salva de alguma forma!
— A cada argumento fico mais próxima e meu tom aumenta.

Seus olhos mudam por completo, a postura rígida se quebra e dois


passos à frente estamos próximos o suficiente para ele segurar meu rosto
entre as mãos e tenta enxergar minha alma através da íris.

— O que te fizeram, zólattse mayó?


Capítulo 39

Uma a uma, as lágrimas caem em total descontrole, desvio o rosto


da mira de Yerik, a fim de esconder a merda que resolveu extravasar, mas
permaneço cativa em suas mãos.

Seguro seus punhos, não consigo manter as pálpebras abertas,


encarar todos os questionamentos que dançam em sua íris só me fazem
sentir ainda pior.

— Me deixa... — sussurro.

— Não posso, zólattse mayó. Sua dor se tornou a minha, coloca


para fora, me deixa te ajudar. — O tom brando, até reconfortante, colabora
em acalmar as sensações ruins.

— Ninguém pode mudar o passado, Yerik.

— Mas pode fazer um futuro diferente.

— Como você está fazendo agora? — Finalmente crio coragem


para encarar seus olhos.

Um misto de dor e arrependimento brinda sua face, sua afirmação


contradiz por completo as ações que têm tomado, mesmo com a intenção de
proteger os seus.

Suas mãos pendem, desanimado, caminha até o sofá e solta o corpo


sobre a maciez do estofado. Aproveito para servir mais uma dose de bebida,
preparo outro copo e entrego a ele.
Sento na pequena poltrona à sua frente, a postura relaxada esconde
toda a tensão que o ambiente emana, pernas esparramadas, mãos seguram o
copo sobre a barriga e a cabeça pendida no encosto do sofá.
— Na adolescência, eu era um arrogante egocêntrico.
Temperamental, não queria seguir regras, minha mãe dizia que meu sangue
russo gritava.

Tiro a atenção do copo em minhas mãos e miro o homem que


resolveu se abrir para mim.

— Meu padrasto era um homem muito rígido, queria me tornar um


espelho de si próprio e não aceitei. Aos dezesseis anos, já era um homem
feito, ao menos na aparência, tivemos uma briga feia e eu acertei um soco
nele. Minha mãe, grávida, foi obrigada a escolher entre ficar comigo e
passar fome, ou manter o marido e ter uma vida segura.

— Ela o escolheu — deduzo.

— Sim. Fui enviado para a Rússia na mesma semana, não me


lembrava do meu pai, quando saímos daqui, eu tinha três anos de idade e
nunca tivemos contato. Eu sentia tanta raiva dela, o abandono, a solidão, até
o medo, me assolaram e ao colocar os pés em um bar que mantinha a
prostituição como principal fonte de renda, mergulhei de cabeça.

“O pior tipo de moscovita frequentava o local, gangsters,


assassinos, agiotas, traficantes, prostitutas, golpistas, viciados, a corja da
região. Mickail era novo, vivia no bar, a mãe prostituta não se preocupava
em poupar o garoto da realidade que partilhavam, meu pai achava que
formar um homem era lhe mostrar a vida crua desde pequeno.

A única pessoa que demonstrei carinho, depois da minha mãe, foi


para esse garoto. Mickail era frágil, franzino fisicamente e medroso, meu
pai fazia questão de dizer que cresceria um retardado, precisaria de
cuidados e proteção por toda a vida.
Cuidei dele na medida que pude, com o meu tamanho e porte,
muitos boyevik, recrutadores dentro das gangues, tentavam me aliciar, mas
estar ligado a algo de forma permanente não me agradava. Foi então que
um deles falou sobre ser shestyorka, um associado que faria o que pedissem
e receberia por isso.

Sem questionamentos, sem explicações, executar um trabalho e


não ser pego. O lado audacioso e errante desse meio terminou de desvirtuar
meu caráter e acabei mergulhando no submundo.

Na época, já treinava algumas lutas, sempre gostei disso, então


tinha agilidade. Fui testado em algumas ações, para afirmar minha
capacidade, aconteceu tão rápido que só parei para ponderar quando já
havia realizado meu primeiro trabalho.”

— Você matou alguém? — Sinto minha garganta fechar com a


ansiedade por sua resposta.
— Sim. — Fecho os olhos e baixo a cabeça, soltando a respiração.
— Hoje sei que foram homens tão piores quanto eu, investiguei as
encomendas depois que saí.

— E isso te dá o direito de agir como o mensageiro da morte?

— Não, zólattse mayó. Mas na época eu era um idiota que queria


livrar a própria consciência, mesmo que isso não tenha adiantado em nada.

— E o que te fez sair desse caminho?


— Meu irmão. — Ele volta a cabeça na minha direção. — Mickail
piorou o comportamento quando a mãe morreu de overdose, fazia um ano
que eu estava trabalhando para a gangue com serviços esporádicos e meu
pai se orgulhava do filho mais velho. Em uma noite de folga, fui informado
que Mickail estava em uma casa que acontecia orgias, até aí é normal, o
garoto só queria se divertir, mas naquela ocasião estava cheio de mafiosos
de gangues rivais.
“Mickail foi reconhecido por um camarada, foi quem me alertou,
só que o boca grande estava falando para todos que era irmão do
colombiano e isso aguçou a curiosidade para a fama do nome.

Saí correndo do bar e fui buscá-lo, o encontrei em um quarto,


fazendo coisas que você pode imaginar, o tirei de lá à força e com o risco de
tê-lo capturado por mãos erradas, percebi o preço de onde estava me
metendo.

A primeira regra na máfia russa é não ter família. Parentes, filhos,


mulher, são todos alvos e te tornam fraco em um grupo.”

— Mas seu irmão não parou, já que está jurado por esses homens.
— Mickail se entregou ao vício, cada vez mais fundo, passei a
cuidar do bar e tentar torná-lo o que é hoje. Não muito tempo depois, meu
pai teve um câncer severo, descobriu muito tarde e morreu em meses, com
tanta coisa nas mãos, deixei que ele vivesse da sua forma. Acabei perdendo
a mão.

— Você não tem culpa. Ele escolheu esse caminho.


— Mickail é doente, sempre foi. Deveria ter sido mais cuidadoso
com sua saúde mental, principalmente.

— Carregar a culpa por um histórico de vida familiar todo fodido


não é a solução.
— Agora é você quem me aconselha em abandonar o passado? —
Seu riso não alcança os olhos.

Não sei nem por onde começar a dizer o quão diferente são as
situações que nos cercam. Yerik foi um algoz, alguém que escolheu fazer
coisas ruins acontecerem, já eu, só queria aproveitar mais da vida e me
tornei vítima de um manipulador desgraçado.

Levanto da poltrona, deixo o copo sobre o aparador e ajoelho


diante de Yerik, que se mantém atento a cada movimento meu. Apoio as
mãos em sua perna e ele traz o tronco para frente, nos deixando próximos o
suficiente para que eu o beijasse.

Se eu fosse o tipo de pessoa que usa a racionalidade, teria fugido


daqui correndo quando revelou sobre os assassinatos, no entanto, mais uma
vez constato que nunca fui normal.

Os sinais sempre estiveram aqui, assim como no passado, sabia


que a atração, o mistério e o desejo latente, que me enfeitiça, resultaria em
problemas, mesmo assim, aqui estou, de joelhos e pesarosa com a tristeza
que esse homem compartilha nas confissões.
Ele não é bom, entretanto, não posso dizer que é ruim. Yerik é o
misto de certo e errado, assim como eu sou, quando ajo a favor do meu lado
destrutivo.

— O que fizeram com o homem? — questiono, assim que seus


lábios se separam dos meus.
— Esqueça isso, zólattse mayó. Ele nunca mais chegará perto de
você.

— Você o matou? — Minha voz sobe uma oitava, alarmada.


— Net! Não mato ninguém mais. — Ele levanta e caminha até a
sua mesa.

— E então? — Levanto e paro diante da sua cadeira.

Yerik encara o computador, recuperado do momento revelador, não


demonstra mais carregar a culpa em suas costas, mesmo que ela o
acompanhe constantemente.
Capítulo 40

Yerik sabe que não o deixarei sair daqui sem respostas claras sobre
o episódio bizarro que acaba de acontecer.

— Isso não é assunto seu e não quero mais que se coloque em


perigo, como fez.
— Tarde demais para esse alerta, Yerik — constato, com desdém.

— Ele foi interrogado, é um associado, não sabe o porquê, só


executou. Mas não é preciso ser um gênio para saber o autor disso.

— Cossack?
— Exato. Preciso que faça algo por mim e por você também.

A forma preocupada com a qual Yerik fala me deixa alerta, tenho


certeza de que não vou gostar do que está por vir.

— Fique comigo alguns dias. Até tudo isso se resolver.

— Net! Tenho família, não vou preocupar meus pais.

— Diga que é uma viagem de trabalho.

— Não vou morar com você.

— É temporário, Katrina. — Apesar de não concordar com todo


esse cerco, estou temerosa.

Solto uma lufada de ar, cansada demais para começar outra


discussão. Talvez esse tempo seja bom para entender toda a merda que nos
rodeia.
— Vou para casa, conversar com eles.

— O motorista te leva e espera. Junto com dois seguranças.

Giro os olhos, saber que é para meu bem me faz calar, mas o
sentimento de restrição faz com que odeie toda essa situação.

Só me dei conta do quão tarde já era quando entrei no apartamento


e tudo estava apagado. Dois seguranças me aguardam do lado de fora da
porta, nunca os deixaria entrar e assustarem meus pais.

A reação deles já não foi tão positiva quando expliquei que pedi
demissão da imobiliária e comecei a trabalhar no clube. Meu pai nada
mencionou, mas vi a decepção em seus olhos, já minha mãe disse que não
era surpreendente eu optar pela vida desregrada.

É difícil sobreviver em uma família que os conceitos tradicionais


russos batem tão diretamente com a sua necessidade por libertação e direito
a escolher. No fundo, entendo o lado deles, em uma família normal eu já
estaria casada com a idade que tenho.

— O que está fazendo? — Olho para trás, minha mãe está parada
na porta.
— Preciso viajar a trabalho. Devo demorar alguns dias, mas ligo
sempre que possível. — Volto a atenção para as roupas que dobro dentro da
mala de mão.
— Você trabalha em um clube, por que viajar?

— São negócios, mãe. Preciso acompanhar o dono e... — Sou


puxada pelo braço e fico de frente para ela.
— É mentira. Você pode enganar seu pai com essa cara de
boazinha, menina, mas a mim não. Vai fugir com homem? É isso, não é? —
Ela sobe o tom de voz a cada palavra dita.

— E se for? Qual o problema? Não sou mais uma criança, mãe.


Tenho direito às minhas escolhas.
— Vergonha... Você é uma vergonha! — esbraveja, ao levar as
mãos na cabeça. — Só sabe manchar o nome do seu pai.

— O que houve? Por que estão gritando? — Meu pai aparece na


porta, desconcertado.

— Não é nada, pai. Eu só preciso viajar a trabalho e...

— Sua filha não presta, Kolya. Se sair por essa porta, esqueça que
tem família, Katrina! — A dureza de suas palavras entra fundo em mim.
Termino de enfiar as roupas na mala de qualquer jeito, limpo
algumas lágrimas que verteram sem autorização, não preciso sucumbir
diante deles, empunhada da bagagem volto a encará-los.

Minha mãe chora nos braços do meu pai, que está perdido e não
sabe como agir.
— Era temporário, mas chegamos a um ponto que não tem volta.
Não quero mais ser a vergonha de vocês, por isso vou embora.
Definitivamente. — Limpo outra lágrima com o dorso. — Não me encaixo
no padrão que você quer, mãe, sinto muito por isso, mas quero ter o direito
de escolher meu destino.
— E escolhe alguém que seus pais não aprovam? Nem sabe se é
um bom homem — ela grita, mais uma vez.

— Minhas escolhas são pautadas no meu desejo e não em uma


pessoa, mas se quer saber, esse homem é o único que me fez sentir um
pouco do que é segurança e proteção, algo que nunca vivi antes. Aprendi
muito jovem e da pior forma que não se deve confiar em um par de olhos
bonitos, mãe. Não se preocupe.

Aceno com a cabeça e saio porta afora, um dos seguranças carrega


minha mala até o carro, já que o choro contido diante dos meus pais,
explodiu assim que coloquei meus pés para fora.

Fecho os olhos e penso na contradição do que disse antes de sair.


Sentir segurança nos braços de um matador, ou ex, que me colocou em
evidência com a máfia por estarmos envolvidos.
Espero estar tomando a decisão correta, romper os laços com meus
pais também foi uma jogada de segurança, assim olhos errados não se
voltam para os dois.

Chegamos à casa de Yerik, a segurança visivelmente redobrada,


sinto como se estivesse dentro de uma prisão com a quantidade de homens
espalhados desde a entrada.
Yerik me recebe na porta, quando seus olhos pairam sobre os meus,
o vinco se forma entre as sobrancelhas e ele fecha a feição, incomodado.
— O que houve?

— Nada. Só encerrei uma etapa necessária.

— Venha, vou preparar um banho para você, zólattse mayó.


Seguimos pelo corredor e subimos direto para seu quarto. Yerik
coloca minha mala, que pegou das mãos do segurança na porta, sobre a
cama.

— Fique à vontade. Vou preparar seu banho. — Ele beija minha


bochecha e se afasta.

Abraço meu corpo, um senso de autoproteção, apesar de ter optado


por sair definitivamente da casa dos meus pais, o sentimento de abandono
ganha força no meu peito. Não é fácil ser incompreendida por quem lhe deu
a vida.

Caminho até próximo as grandes cortinas escuras, abro a fresta e


vejo o jardim iluminado e alguns seguranças caminhando pelo perímetro.

— Zólattse mayó? — Olho para trás e vejo Yerik estender a mão


para mim. — Vem, deixa eu cuidar de você.

Vulnerável, no limite das emoções que passei nos últimos dias,


somado ao que carrego há anos, caminho a passos largos até chocar meu
corpo contra o dele. Desolação cresce à medida que os soluços tomam à
frente e um frio atinge meu corpo.
O calor dos seus braços se fecha em torno de mim, suas mãos
acariciam minhas costas e cabelos enquanto ele acalenta meu corpo. Yerik
beija o topo da minha cabeça repetidas vezes, mantém esse contato até que
eu me sinta mais tranquila.
Com cuidado, me leva para o banheiro, sem dizer uma palavra,
nenhum contato visual, sou despida por ele, devagar, sem a intenção sexual
de sempre, sinto-me uma criança frágil.
Yerik tira as próprias roupas, com rapidez desta vez, testa a água
antes de entrar e esticar a mão para mim, que aceito e o acompanho.

A banheira é grande o suficiente para comportar duas pessoas, uma


ao lado da outra, mas Yerik se posicionou atrás de mim e se fez de suporte
para eu encostar no seu peito.

Com uma esponja macia ele a encharca de água para erguer e


espremer sobre a parte do corpo que não está submersa. A temperatura do
banho faz meus músculos tensionados relaxarem, fecho os olhos e aproveito
o momento.

Alguns segundos de paz, poderiam ser eternos, como acontece com


os momentos de ansiedade e crises, mas a parte boa sempre é intensa e
fugaz. Uma lacuna de luz em meio à escuridão permanente.

— Eu nunca fui uma garota dentro dos padrões. Desde pequena


todos diziam à minha mãe que eu daria trabalho e isso de fato aconteceu.
Tive uma criação rigorosa, era estudante ainda quando conheci o garoto que
mudaria toda minha vida.

Ainda com os olhos fechados, sou transportada para as lembranças,


minha boca profere sem controle o que nunca consegui dizer a ninguém. É
estranho sentir conforto justo com Yerik, mas algo me diz que ele precisa
saber por que sou assim.

Talvez isso o faça me ver como uma idiota infeliz, que caiu no
conto mais fantasioso, ou achar que tudo não passou de uma ilusão da
minha cabeça e a realidade não foi bem assim.
Há momentos que acredito ser, então me lembro das sensações, do
contato indesejado e a ira que me desperta não pode ser algo criado pela
minha mente somente.

— Eu fui abusada e negligenciada, Yerik.


Capítulo 41

O silêncio se estende enquanto luto com a dor de proferir essas


palavras. Por tanto tempo guardei somente para mim todo o acontecido que
compartilhar com alguém parece uma tarefa difícil e errada.

Yerik continua o mesmo movimento ritmado de encharcar a


esponja e espremer sobre a pele exposta, sem pressão, sem pressa, dando-
me o controle do tempo e da situação para conduzir da forma que preferir.

Isso me conforta.

— Quando eu tinha dezessete anos, tinha uma vida limitada e


muita vontade de aproveitar o que meus pais julgavam inapropriado. Em
um dos passeios da escola até o Kremlin, me distraí com alguns jovens
desordeiros, um deles me chamou a atenção.

“Traços delicados, cabelos mais claros, olhos curiosos e


expressivos e uma boca rosada linda. Ele emanava perigo de todas as
formas, na feição, na forma de gesticular e nos atos. Meus pais nunca
aprovariam um tipo como ele namorar comigo e acho que isso era o que
mais me jogava em sua direção.

Fui envolvida rápido demais, não acho que posso culpá-lo por isso,
agi com imprudência em não querer enxergar os fatos. Sua visita à porta da
escola no outro dia, passar a me acompanhar diariamente até próximo de
casa, sempre envolvido com amigos tão baderneiros quanto ele, sinais que
ignorei deliberadamente.
A conta-gotas, ele instigava meu lado rebelde, eu era tola e
transparente demais, a cada ação desordeira sua mais encantada eu ficava e
menos ouvia a razão.
Cometi pequenos delitos, roubos, bebidas ilegais para nossa idade,
comportamento inadequado em vias públicas, fiz tudo que minha criação
condenava, sentia-me liberta, sem amarras, livre.

Ele também foi responsável por todas as minhas primeiras vezes,


beijos, pegações e sexo. Todos os avanços consentidos por mim, quase
todas as vezes ansiados e incentivados também.

Ainda me pergunto como me deixei envolver tanto e nem ao


menos saber seu nome. Da mesma forma que nunca mencionei o meu,
deduzia que se era capaz de encontrar minha escola e sabia onde morava,
poderia descobrir o resto.

Normalmente usava um apelido, acredito que para me provocar,


sempre obtinha sucesso, pois era mencioná-lo e lá estava eu, querendo
provar que não era a criança que ele julgava.
Só agora vejo a quão tola eu fui.”

— Não diga isso, zólattse mayó. — Com a mão livre, Yerik


acaricia minha cabeça e beija o topo.
— Paguei um preço muito alto pela minha falta de cuidado, não
tem como não pensar como seria diferente se me preservasse um pouco
mais.

— Não tem como você saber o que se passa dentro de cada um,
Katrina. Não pode se culpar pelo que ele te fez. Você não teve escolha.
— Ainda consigo ouvir ele sussurrar o maldito apelido, enquanto
alguns homens se revezavam entre as minhas pernas. Só conseguia
diferenciá-los pelo cheiro, pois estava vendada.
Yerik não menciona nada, mas seu corpo tensiona por inteiro, as
pernas se apertam mais contra as minhas, a esponja em sua mão paira no ar
sem movimento e sua respiração acelera de forma considerável.

— Algumas vezes, para sair à noite com ele, eu mentia para minha
mãe dizendo que ia dormir na casa da minha prima Sacha ou de alguma
amiga do colégio. Ela acreditava, sempre fui obediente, apesar de
temperamental, minhas notas na escola eram as melhores.

“Em uma dessas vezes, a última, por sinal, ele disse que iríamos a
uma festa de faculdade. Um amigo de outro amigo, morava em um casarão
onde vários colegas dividiam as despesas.

Disse que esse tipo de festa era coisa de gente grande, adultos bem
resolvidos, desapegados de crenças sociais e limitações, rolava sexo livre,
orgias e prazer grupal.
Já tinha ouvido falar disso, sobre o quanto as europeias são
desprendidas e tem a liberdade de agirem como bem entendessem. Meu
sonho era sair da Rússia e trabalhar em algum país da Europa em que
pudesse viver isso de perto.

Aceitei ir à festa, não cogitei que pudesse ser uma armadilha, até
então ele nunca me forçou a nada, tudo consensual, sem brigas ou
desavenças, nos dávamos bem e ele era um cara divertido.
Ele prometeu não deixar ninguém me tocar, caso eu não quisesse,
iríamos assistir ao que aconteceria, se encontrássemos uma garota
interessada, poderíamos propor um ménage.
Lembro que o lugar não parecia uma casa muito tradicional, a
maioria das pessoas eram homens e isso deveria ter soado como um alerta.
Eles não tinham cara de estudantes, estavam mais para marginais e
mafiosos.

Tomei um copo de bebida, um shot de vodca, brindando com


alguns amigos dele, foi a única coisa, mas o suficiente para me deixar quase
desacordada.

Desse brinde em diante nada fez muito sentido, tenho flashes de


lembranças, não sei como fui parar no quarto e nem em que momento
tiraram minha roupa. Acho que por um curto espaço de tempo apaguei e
quando as lembranças voltaram, já estava vendada na cama.

Tentei, debilmente, levantar, fui empurrada na cama e ele alertou


que eu seria a maior beneficiada do que estava por vir, só então as fichas
passaram a cair, fui dopada para não conseguir reagir como faria consciente,
segundos antes de acontecer, já sabia que seria estuprada.”

— Chyort voz'mi! — Yerik solta o esbravejo e desperto das


lembranças assustadoras. — Quero o nome dele, qualquer informação, eu o
acho e coloco sua cabeça em uma bandeja, Katrina.
— Eu não sei nada sobre ele e isso já tem tanto tempo, nunca mais
o vi.

— Apelido, descrição, lugares que frequentavam, nome dos


amigos, isso já basta. Eu lhe dou a minha palavra que o encontro.
— Não sei se eu quero isso. Meu real desejo era esquecer, mas nem
isso eu consigo. — Fungo, após algumas lágrimas derramadas. — É melhor
deixar para lá essa história... eu...
— Net! Termine. Coloque tudo para fora, zólattse mayó. Estou
aqui por você, divida sua dor comigo. — Ele transpassa os braços por cima
do meu corpo e beija minha cabeça repetidas vezes.

Seu toque é reconfortante, como se a sujeira que sinto impregnada


a todo momento em mim estivesse mais limpa.

— Oscilei entre lucidez e apagões, não sei o que foi dado para eu
beber naquela dose, mas é óbvio que não era álcool. Senti três perfumes
diferentes nos momentos despertos, um cheirava a cigarro, outro tinha um
aroma cítrico e o último fedia a bebida barata.

“Ele permaneceu presente no quarto enquanto tudo acontecia, vez


ou outra sussurrava o apelido no meu ouvido e dizia que eu era uma boa
garota e estava saldando uma dívida dele.

O imbecil me usou para quitar dívidas com traficantes, imagino eu,


não sei a procedência de nenhum deles, nem ao menos seus rostos eu
poderia reconhecer, devido à venda que usava.
Por conta dos apagões, não sei dizer quanto tempo durou tudo, em
algum momento fui despertada por um estrondo da porta, um homem
gritava por alguém e logo saíram todos do quarto.

Chamei por ele, gritei por socorro, foi quando tomei coragem e
tirei a venda, a visão embaralhada, olhei em volta e constatei que estava
sozinha de fato.
Tropecei para fora da cama, vesti minhas roupas que estavam em
uma cadeira velha, a dificuldade de coordenar os passos me fez cair no chão
duas vezes, antes de conseguir colocá-las.

Ainda muito zonza, confusa e perdida, saí porta afora, desci as


escadas, algumas pessoas ainda zanzavam pelo lugar, bêbadas ou drogadas,
não parei para prestar atenção, estava assustada demais e com medo de
apagar de novo, precisava chegar em um lugar seguro.

Por sorte, a estação não era longe dali e consegui fugir sem
dificuldade. Não tive mais apagões, mas sentia-me letárgica, meio bêbada, a
confusão do que eu tinha acabado de passar era a maior de todas.

Cheguei em casa e fui direto para o banho, para o meu alívio, meus
pais dormiam, nem pensei sobre a mentira que contei de dormir na casa de
Sacha, eu só precisava me livrar de toda a sujeira que estava sentindo.

Dormi de roupão e cabelos molhados, acordei no dia seguinte com


dor no corpo, tossindo e a garganta vermelha, passei a semana em casa,
alegando para todos que era uma gripe forte.

Na realidade, aquela semana serviu para eu processar tudo que


aconteceu, reviver todos os momentos horrendos, a limitação dos atos, a
falta de escolha, a sensação de ser um boneco na mão dos outros e, por
último, a culpa, por ser tão ingênua assim.”

— Zólattse mayó... — Seu murmúrio soa perto do ouvido e fecho


os olhos.

Um alívio me preenche por finalmente falar sobre isso com


alguém.
Capítulo 42

A sensação de impotência é tão cruel, me fez sentir fraca e


manipulável por tanto tempo, que mesmo hoje, agindo de forma diferente,
não consigo me libertar desse sentimento.

— Entende agora por que nossos passados nos afetam de forma


diferente? Você foi causador, o algoz, já eu, fui vítima.

— O que posso fazer para te livrar desse passado, zólattse mayó?


Me fala e eu faço.

Solto-me do seu aperto, sinto certa resistência em me deixar sair,


mas rapidamente ele cede. Giro meu corpo no lugar e, pela primeira vez
desde que resolvi contar sobre o que aconteceu, encaro Yerik nos olhos.

Seu semblante é um misto de ódio, ira, revolta que se contrapõe a


nuances de lamentação e inconformismo. Não enxergar nenhum sinal de
pena acalma meu medo, vivi a autopiedade por tempo demais para aceitá-la
de terceiros.
— Me fode, Yerik — decreto, ao passar as mãos pelo seu pescoço
e parar na nuca.

— Zólattse mayó, eu...

— Nem ouse falar da minha fragilidade. Já cansamos de foder, de


várias formas diferentes e até saber tudo que passei, você não se importou
com nada.

— Não temo te foder, Katrina, nem que esteja vulnerável demais,


sei que essa é sua válvula de escape. Usa o sexo como poder de decisão e
autoafirmação e, mesmo contradizendo qualquer psicólogo, entendo que
sua mente está ferrada.

— Então somos dois ferrados. — Ajeito minhas pernas para


encaixar no seu quadril e capturo sua boca com um beijo roubado.

Seus braços fecham em torno de mim, o aperto cola nossos


troncos, acaricio sua nuca enquanto nossas línguas dançam em um
espetáculo luxurioso.

Seu pau ganha vida submerso, movo os quadris roçando nossas


intimidades, suas mãos descem e ele segura minha bunda e a espreme
contra sua frente.

— Entre em mim... — Solto seus lábios para falar, aproveito e


mordo seu queixo.

Com uma mão, Yerik ergue meu corpo, a outra ele usa para segurar
a base e aos poucos sou preenchida pela sua carne. Fecho os olhos, tomada
pelo prazer de estar empalada, passo a cavalgar com o incentivo do seu
agarre.

A água da banheira começa a se mover, descontrolada, jorrando


para fora e alaga o chão. Continuo cavalgando, cada vez mais rápido, meus
gemidos ficam mais altos e quando olho para baixo, Yerik está tão tomado
pela luxúria quanto eu.

Com um movimento rápido, sou empurrada de volta à banheira,


sem entender o que está acontecendo Yerik vem até mim de joelhos e vira
meu corpo, colando minhas costas no seu torso.

— Quer brutalidade, zólattse mayó?

— Quero intensidade.
— Pois bem. Prenda a respiração.

— O qu... — Não consigo concluir a pergunta.

Yerik segura minha nuca com força e abaixa meu tronco


submergindo na água. Solto todo o ar, desesperada por não entender o que
está fazendo, até que dois dedos seus invadem meu canal e bombeiam com
força.
Ele atingiu um ponto tão certeiro que o medo repentino se esvai e
me pego rebolando em seus dedos, ansiosa por mais. Seus movimentos são
rápidos e profundos, por um momento esqueço da sensação de afogamento,
por ter o ar restrito.

Sou puxada para fora da água, seguro seu aperto na minha nuca e
puxo o ar audivelmente para dentro. Yerik não para de me masturbar, o ar
entra e a respiração entrecortada me faz tossir algumas vezes.
— Intenso o suficiente, zólattse mayó? — pergunta, próximo ao
ouvido e quando penso em responder algo grosseiro, sou empurrada para
baixo de novo.

Agora, atenta, consigo encher os pulmões a tempo e demora um


pouco mais para sentir a restrição de ar incomodar. Yerik gira os dedos
enquanto entra e sai do meu canal lubrificado, a necessidade do orgasmo
começa a fazer meu ventre queimar em desejo.

Quando ele me puxa de novo, abro a boca e respiro repetidas vezes


em meio aos gemidos que solto. Yerik solta minha nuca, para os
movimentos e o encaro em automático, irritada com a interrupção.

— Agora que está comigo, vamos fazer isso direito, zólattse mayó.
— Ele beija a ponta do meu nariz e se coloca atrás de mim.
O encaixe é perfeito, uma mão na cintura apertando o suficiente
para prensar a carne, a outra vem para frente e belisca o bico, as estocadas
começam devagar por seu pau, mas intensas.

Meu corpo sacoleja a cada investida, mais vigoroso que seus


dedos, os movimentos ganham rapidez, o orgasmo negado retorna com
força, jogo a cabeça para trás e apoio em seu ombro.

— Você é minha, zólattse mayó. Só minha... — decreta, antes de


morder meu pescoço, febril.
Gemo alto quando sinto os primeiros espasmos percorrerem do
meu canal para o ventre. As pernas fraquejam, cravo as unhas em suas
laterais, Yerik me aperta mais contra si e aumenta o movimento ao sentir
meu canal se contrair.

Fecho os olhos tomada pelo êxtase, minha cabeça gira, meu corpo
aquece, arrepia e estremece por inteiro, alguns segundos depois Yerik me
acompanha e encontra seu prazer.
Seu urro termina de brindar meu orgasmo, sinto o que nunca
imaginei ser possível, algo como pertencimento, é quase primitivo, mas faz
todo o sentido para o momento.

Quando nos separamos, Yerik pega a bucha dispensada no suporte,


enche de sabão líquido e puxa meu corpo de novo entre suas pernas. Estou
acabada emocional, física e sexualmente, não tenho forças nem para
questionar o que acabou de acontecer aqui.
É estranho pensar, mas as ações de Yerik, apesar de brutas, me
ajudaram a manter o foco no agora, nele, em nosso momento e, mesmo
sendo contraditório, não me senti subjugada.
Talvez esse seja nosso meio fodido de resolver algumas coisas,
somos dois ferrados, compartilhando as merdas que fizemos, escolhemos e
sofremos, não teria uma forma mais coerente de exorcizar.

O silêncio volta a ser nossa companhia, com cuidado e devagar,


esfrega todo meu corpo, lava meus cabelos, massageando o couro de forma
tão prazerosa que cogito torná-lo responsável por essa tarefa
continuamente.

Retribuo o gesto e a delicadeza, também o ensaboo, lavo sua


cabeça, trocamos alguns beijos, calmos e contidos, nada assemelhado ao
momento de devassidão.

Saímos do banho juntos, uso um roupão preto e uma toalha na


cabeça, Yerik somente uma toalha envolta à cintura, o torso ainda molhado
torna a visão privilegiada.

— Se continuar me olhando desse jeito, vamos voltar para a


banheira antes do previsto.
— Estou contando com isso, russo. — Petulante, passo a língua
sobre o lábio inferior, enquanto o analiso de cima a baixo.

— Precisamos comer comida antes. — Ele pisca um olho e some


para o closet.
Desabo sobre a cama e solto a respiração de uma vez, ainda não sei
como vim parar nesta situação, sorte ou azar, certo ou errado, percebo a
cada dia que fica mais difícil conseguir me afastar, caso seja preciso.

Katrina, você está fodida.


Capítulo 43

Abro os olhos e sento na cama, assustada, olho ao redor e não


reconheço o lugar, ao meu lado costas musculosas e nua, a cabeça virada
para fora e os braços dobrados a apoiam, relembro os acontecimentos de
ontem e respiro, aliviada.

Yerik trouxe algo leve para comermos no quarto mesmo, depois de


satisfeita deitei na cama grande e confortável, fechei os olhos e apaguei. Eu
o vi sair para levar a bandeja, mas não em que momento retornou.
Dormi pesado, sem nenhum pesadelo ou lembrança para me
atormentar, sinto meu corpo um pouco mais leve, mesmo com toda a
sobrecarga vivenciada.
Pesco uma roupa na bolsa, ainda não tive a oportunidade de entrar
no closet de Yerik para organizar minhas coisas, nem sei se é o certo, soa
íntimo demais.

Você contou seu maior segredo para aquele homem, Katrina.


Apesar de tudo acontecer de forma contrária ao convencional,
Yerik e eu não estamos em um relacionamento normal, o que acontece aqui
não é uma tentativa se daremos certo. Está mais para questão de
sobrevivência.

Ainda não sei quanto tempo ficarei por aqui, mas preciso levar em
consideração a minha situação em casa. Ontem foi a gota d’agua para tudo
que travamos ao longo dos anos, não posso obrigar meus pais a me
entenderem e não posso mais ser subjugada pelos desejos retrógrados de
ambos.

Tenho que achar um lugar para mim o quanto antes, assim que for
seguro sairei desta casa, o salário mencionado por Pavel é o suficiente para
pagar por um aluguel e viver minha vida em paz.

Não quero me envolver mais do que já estou com Yerik, a forma


que nos conhecemos, os acontecimentos, a partilha do passado, está intenso
demais, apesar de por dentro sentir cumplicidade.

Visto a roupa e apanho a bolsa, encaro a cama por um momento,


Yerik ainda dorme pesado, acredito que tenha virado a noite acordado, saio
cautelosa do quarto e desço as escadas, conferindo minhas mensagens no
celular.

Alguns conhecidos me convidam para festas, clubes e encontros,


Sacha manda outra mensagem dizendo que sente saudade, ainda nem
respondi a primeira, sou uma péssima prima, a última é de Pavel, não fazia
ideia que tem meu número.
— Pizdets! — Confiro as horas. — Pizdets! Pizdets! Pizdets!

Rumo para a saída às pressas, não acredito que no meu segundo dia
no clube vou chegar com tanto tempo de atraso. Percebo que dormi por
tempo demais, nem sei como chegar a uma estação daqui.

— Boa tarde! — Um engravatado enorme entra na minha frente,


assim que saio pela porta da sala.

— Preciso ir ao Lenusya. — Desvio e desço os degraus da entrada.

— Iremos levá-la de carro.


Estaco no lugar, havia me esquecido da exigência de Yerik em
andar com dois seguranças e usar o motorista para me locomover. No
momento, não vou reclamar da regalia, vai amenizar minha falha ao chegar
o quanto antes no trabalho.

— Ótimo! Vamos lá. — Sinalizo para o carro que está estacionado


à esquerda.

Entro no clube e os funcionários já estão a pleno vapor com as


atividades, alguns me encaram com estranheza, já que sempre estou
acompanhada de Yerik e ainda não fui oficialmente apresentada como
membro da equipe.

Vou direto para o vestiário, deixo minha bolsa e casaco no armário,


coloco o celular no bolso da calça e corro para o administrativo à procura
de Pavel.
Bato na porta discretamente, arrisco um olhar dentro e o vejo
sentado à mesa, analisando alguns papéis. Pigarreio e entro cabisbaixa,
pronta para ouvir sua advertência sobre compromisso e seriedade.

Se tem algo que irrita qualquer empregador é um funcionário que


não cumpre o horário. Pontualidade é mais do que uma característica
positiva, está mais para obrigatoriedade russa.
— Katrina, que bom que chegou. — Ele ergue o olhar de relance e
volta a analisar os papéis. — Preciso de ajuda com o inventário da cozinha,
aquelas mulheres não anotam nada certo.

— Claro, me dê as tabelas e vou pessoalmente no estoque,


aproveito para falar com elas. — Caminho até a mesa.

— Isso seria ótimo. Aqui está. — Ele bate a pilha de papéis na


mesa a fim de organizá-las e me entrega.
— Desculpe pelo atraso, Pavel, eu realmente perdi a hora.

— Não se preocupe, menina. Acontece com todos. Pode


compensar o tempo mais tarde. — Sorri, amistoso.
Aliviada por ser poupada da repreensão, vou feliz para o estoque e
passo a próxima hora contando enlatados, insumos e alimentos planilhados.
Abordo duas funcionárias sobre algumas dúvidas, desconfiadas, questionam
minha presença e função na empresa várias vezes antes de finalmente
responder.

Consigo chegar à contagem certa, volto correndo para a sala de


Pavel, satisfeita com a tarefa cumprida, não me preocupei em bater à porta
desta vez, o que foi errado, já que vejo, Yerik e ele, sérios demais e se
espantam ao me ver.

— As planilhas estão conferidas e acertadas. — Ergo o objeto na


minha mão e levo até ele.

— Que bom, obrigado. Hoje você pode acompanhar o trabalho de


iluminação e som dos palcos. Será bom se inteirar de todos os
departamentos.

— Tak! Com licença. — Afasto alguns passos, pronta para sair.


— Aonde vai? — A voz grossa de Yerik se pronuncia.

— Trabalhar. — Olho por cima do ombro.

— Vem aqui. — Ele sinaliza com a cabeça e, contrariada, me


aproximo.
Mantenho a distância de um passo, Yerik ergue as sobrancelhas e
em resposta cruzo os braços na altura do peito. Ao perceber que não cederei
mais, ele termina de fechar o vazio entre nós e abraça minha cintura.

— Por que não me acordou? — Sua voz sai um sussurro fofo,


diferente da imposição de ainda pouco.
— Estava atrasada.

— Se me acordasse, eu viria com você.


— Eu tinha que estar aqui, você não.

— É meu clube, sempre tenho que estar aqui.

— Se for só isso, preciso ir. — Esforço-me para afastá-lo, no


entanto, seu aperto se intensifica.
— Quero meu beijo, zólattse mayó — sua declaração acompanha a
atitude e logo tenho seus lábios junto aos meus.

Um beijo delicado, pouco exigente, mas tão bom que decido


aprofundar por conta e sou bem-vinda. Yerik geme baixo quando nossas
línguas se entrelaçam, descruzo as mãos e deslizo as palmas até seus
ombros largos, o puxando mais para mim.
— Uhrum... — Somos despertados pelo pigarrear de Pavel.

Afasto e limpo o canto da boca com um sorriso sacana nos lábios,


pisco um olho para Yerik e saio porta afora. Apesar de errado, não consigo
evitar o reboliço que se forma dentro de mim toda vez que ele age dessa
forma.

Quase morro de medo ao perceber que a iluminação fica no


terceiro andar, que é construído somente com plataformas de ferro com o
piso feito de grades. É tão alto que ando escorada nas duas barras de
segurança nas laterais, desvio de cabos, fios e holofotes conforme caminho.

— É seguro, não se preocupe — o rapaz informa.

— Para você, que está acostumado com tudo isso.

— Bom, se preferir, pode descer e ficar no sistema de som, fica


atrás do palco principal. — Ele aponta com o dedo, indicando a direção. —
Ali. Usamos o rádio para nos comunicar. — Mostra a caixinha preta na
cintura.

— Poderia ter me dito isso antes de eu subir, camarada — falo, em


tom jocoso e acabamos rindo.

— Vou te ajudar, espera.

Ele passa por mim, o espaço apertado o obriga a colar o corpo no


meu, uma situação constrangedora, mas necessária. Sigo seus passos que
desce a escada vertical, a uma distância segura, ele pede que eu o siga.

— Pronto. Está salva. — Pisca um olho e sorrio em resposta.

— Obrigada. — Faço uma referência por gracejo.

Sigo para a mesa de som, umas três pessoas cuidam da


aparelhagem, vejo um grupo de pessoas próximas ao palco e fico curiosa.

— Quem são? — Aponto com a cabeça em direção a eles.


— O grupo que vai dançar hoje. Uma dança sensual, chama-se
zouk, veio do Caribe ou algo do tipo — o rapaz da mesa de som explica.

— Nunca ouvi falar.

— Não é popular na Rússia. É mais conhecido na Europa e


América.

— E o que tem de especial neles?

— Os movimentos são bem eróticos, alguns chegam a simular o


sexo, fazem a imaginação fluir.

— Interessante. — Torço os lábios de um lado a outro.

— Em que momento vão se apresentar?

— Mais tarde, com a casa cheia.

— Bom saber.

Aproveito a conversa para me informar mais sobre como as coisas


funcionam por ali, paciente, sou informada da programação da noite, como
resolver possíveis imprevistos para que tudo corra bem.

Um clube deste porte sem som ou atração no palco principal é


inadmissível.
Capítulo 44

Quando retorno para o escritório de Pavel não encontro mais Yerik


ali, pergunto para o gerente se posso ficar no bar por um tempo, já que
consegui compreender o sistema de iluminação e som.

— Pode, mas fique para dentro do balcão.


— Tudo bem.

Saio da sala e topo de frente com Nikita, que estava pronta para
bater à porta. Passo um tempo encarando-a, sem saber o que dizer, tanta
coisa aconteceu desde ontem, que me esqueci sobre o ataque que sofreu.

— Oi, como você... — Sou surpreendida quando recebo um abraço


seu.

Tão rápido como se aproximou, afasta e, sem jeito, cruza os


braços, desconcertada, encarando os próprios pés.

— Obrigada. — Quase não consigo ouvir sua voz.

— Não precisa agradecer. No fim, você me poupou.

— Mas, diferente de você, não foi por uma boa causa. — Seus
olhos encaram os meus, com pesar.

Depois de todo o trauma que passou, não deveria ponderar suas


atitudes, ao menos não por tentar me prejudicar.

— Isso não importa mais. Como você está?

— Estou bem, mas devo sumir por um tempo. Consegui um bom


dinheiro e vou sair de Moscou.
— Que bom. Se for isso que realmente quer. — Ela balança a
cabeça de acordo. — Cuide-se, garota. — Acerto o braço dela com um tapa
amistoso.
— Digo o mesmo.

Algo me diz que nunca seremos amigas, não que fará diferença na
minha vida, Nikita é o que é, assim como eu, mas ainda mais envolvida em
escolhas perigosas.

Chego ao bar, o clube já está funcionando, a pista começa a encher


gradativamente, ajudo em alguns pedidos, para dentro do balcão, como
orientado por Pavel.

Vez ou outra me preocupo em buscar ao redor por Yerik, mas nem


sinal do russo.

Quando anunciam a atração principal no palco, vou para o fundo


do bar, subo em uma banqueta e me atento ao palco. As luzes se acendem
com três casais posicionados, uma batida diferente começa, é suave, leve e
ao mesmo tempo envolvente.

A apresentação inicia, eles se movem no ritmo e de imediato


consigo entender o que o rapaz do som quis dizer. Com a perna de apoio
enfiada entre as da dançarina, os homens conduzem suas parceiras,
ondulando o corpo e incentivando esse contato.

É fascinante, chego a mover os quadris testando o ritmo, daria tudo


para dançar um pouco disso, deve ser maravilhoso.

Sinto duas mãos agarrarem minha cintura e puxar para si, minhas
costas chocam contra um peitoral firme e solto um grito de protesto.
— Zólattse mayó, calma — Yerik fala próximo ao meu ouvido,
com humor.
— Que susto. Estava distraída.

— Tão distraída que poderia cair desse banco. Você deveria estar
na iluminação, se bem me lembro. — Ele balança meu corpo de um lado
para o outro dentro do seu abraço e beija minha bochecha.
— Troquei de posto. Queria ver essa apresentação.

— Gosta de zouk?

— Nunca vi, mas achei instigante.

— Vem comigo. — Solta meu corpo e capta minha mão, nos


levando na direção contrária ao palco.
— Net! Quero ver a dança.

— E você vai. Dançando comigo no reservado.

Nem tinha pensado em subir para a área reservada de Yerik, é o


melhor lugar para ver o palco e todo o salão, além de ter a comodidade do
espaço.
— Esqueci o reservado.

— Percebi isso quando te vi em cima de uma banqueta, do outro


lado do salão.

Apesar de soar repreensivo, sinto a nota de humor em sua voz.

Chegamos à área particular, Yerik ergue minha mão e me gira, rio


no processo e choco o corpo de frente com o seu. A cortina abre e consigo
uma visão privilegiada da apresentação.
Sinto a perna dele se encaixar no vão das minhas, suas mãos
apoiam espalmadas na lateral do meu quadril e volto minha atenção para
ele.

— Solte os quadris e me deixa te guiar.

— Sério que vamos fazer isso?


— Vamos tentar. Não sou um exímio dançarino.

Sigo sua dica e solto os quadris, suas mãos pressionam, criando um


gingado no corpo, meu centro roça na sua perna, o atrito é estimulante e
acabo eu mesma tomando a atitude de me mover.

Apoio nos ombros dele e ondulo o corpo, simulo os movimentos


que faço no sexo, fecho os olhos e deixo a batida gostosa me guiar.

— Poderia fazer isso nua, zólattse mayó.


O tom engrossado da voz chama minha atenção, abro os olhos e
miro sua calça, vendo o volume da excitação evidente. Levo a mão até o
botão e abro, infiltro meus dedos, encontrando seu pau quente e pulsante.

— Quer tornar isso mais interessante, russo?


— Sim...
Sua boca cola na minha, os passos se perdem e sou arrastada para o
sofá grande e confortável. Yerik e eu aproveitamos o momento da melhor
forma que conhecemos, fodendo.
Duas semanas depois

Nem acreditei quando recebi a mensagem de Russell, de


madrugada, alertando sobre a luta que acontece hoje e coloca fim ao
tormento entre Sacha e Krigor.

Também coloca fim à minha estadia nesta casa, já que o culpado


será entregue a Cossack e finalmente Yerik terá cumprido sua parte no
acordo.

As duas semanas que passei hospedada em sua casa foram


incríveis, nos entrosamos bem, uma rotina estabelecida com tanta facilidade
que nem o fato de andar com dois seguranças me incomodou mais.

Depois do episódio no clube, tudo ficou calmo, às vezes eu via


Pavel e Yerik aos sussurros, conversas paralelas que cessavam na minha
frente, mas no fim das contas sou uma funcionária, tem coisas que eu não
devo ter conhecimento.
Saio de casa antes de Yerik levantar, preciso encontrar Sacha e
garantir que ela estará na luta. Pensar em voltar para um lugar tão familiar
me incomoda, não falei mais com meus pais desde que saí e prefiro manter
assim.

Há dores que o tempo resolve, abranda, no meu caso ainda não


chegou a hora.
Peço ao motorista que pare próximo à esquina, não quero que me
vejam sair deste carro, ainda mais acompanhada de três brutamontes.

Do outro lado da rua, observo o prédio por um tempo, algumas


lembranças boas voltam, outras nem tanto, mas a saudade está presente a
todo momento.

Vejo uma cabeleira ruiva apontar no portão de saída e corro em sua


direção. Pedi para os seguranças manterem distância, não quero assustar
Sacha.

— Olá, sumida — anuncio minha presença, quando estou perto o


suficiente.

Fecho os braços em torno do seu pescoço, feliz em sentir seu calor.


Apesar da minha negligência, amo minha prima, ela é a única pessoa que
nunca julgou meu jeito tortuoso de ser.

— Senti sua falta — sussurro.

— Posso dizer o mesmo, já que você resolveu desaparecer.

— Trabalho. — Solto um sorriso sem graça e ela mira os olhos


desconfiados em mim.

— Moramos no mesmo prédio, não é difícil subir alguns andares


para me visitar.

Percebo que meus pais não contaram sobre a partida à família.

— Você nunca está em casa. Agora que virou gerente, só respira


trabalho.

— Nisso, você tem razão.

— Vai à luta hoje?


— Você está sabendo?
— Sim. Ia subir agora mesmo para te chamar.

— Até onde eu sei, você não é uma grande fã de Russell.

— Não mesmo, mas adoro o oponente que ele enfrenta hoje —


falo, enigmática.

— Pensei em recusar, mas Russell mencionou umas três vezes que


é muito importante minha presença.

— Então, vá. Você precisa mesmo de um pouco de diversão. Está


com a aparência devastada.

— Obrigada pela parte que me toca.

— Disponha.

— Aliás, daqui a duas semanas será a inauguração da filial do


Zolotaya Vobla e Irina pediu para convidá-la.

— Jura? Conte comigo! Agora vem. — Passo pelo portão e


estendo a mão. — Temos que deixar você, no mínimo, apresentável para
hoje.
— Tem horas que eu deveria esquecer que temos o mesmo sangue
e te bater.

— Sorte a minha. — Dou de ombros.

Passo o dia na companhia de Sacha, deixo-a desabafar sobre o


Volk, Russell e a nova rotina do bar. Não conto sobre a situação em casa,
ainda não é o momento, hoje o dia é sobre ela e sua felicidade tão merecida.

Ignoro todas as chamadas e mensagens de Yerik, sei que tentaria


me persuadir a não ir à luta, alegando a segurança e toda a palhaçada de
máfia, mas não estou disposta a recuar.

Tenho certeza de que toda esta situação encerra hoje e poderemos


seguir nossas vidas separadamente, como deve ser.
Capítulo 45
— Mande o pessoal de Russell deixar meus homens entrarem!
Agora! — Encerro a chamada e jogo o celular sobre a mesa.

Levanto no impulso, a cadeira corre para trás e bate contra outro


móvel, enquanto miro a parede à minha frente e soco repetidas vezes um
mesmo ponto.
Só paro quando vejo uma mancha vermelha no lugar, as juntas dos
meus dedos estão esfoladas e sangram, levo as mãos à cabeça e caminho
pelo escritório feito um animal enjaulado.

Hoje é um dia crucial, a captura do treinador será o passe livre do


Mickail e consequentemente meu, contava com o bom senso de Katrina
para que o dia fosse menos estressante, no entanto, seu lado inconsequente
tende a falar mais alto, mesmo nas situações extremas.

Deveria ter previsto essa atitude, desde que a peguei socando o


rosto do homem encomendado para lhe intimidar, percebi que Katrina é um
vulcão, próximo de explodir e vai queimar tanto ela quanto respingar em
quem estiver à sua volta.

Não me importo de ser queimado, aguentar sua carga emocional é


até gratificante, sinto-me útil em meio à impotência de livrá-la do trauma
que carrega.

Ainda me pergunto em qual momento ocorreu, o exato segundo em


que a chave aqui dentro virou e Katrina Kolyavna se tornou o centro do
meu mundo. Definir em palavras tudo que me engolfa quando penso em seu
bem-estar não chega perto da realidade.

Quando abandonei a vida na máfia, jurei nunca mais matar uma


pessoa, independente do motivo, carregar o sangue de mais vidas nas mãos
não era mais opção.

Tudo ruiu quando descobri o intuito do homem que atacou Nikita


por engano, arrastado para o subsolo da boate, tive o privilégio de tirar as
informações que desejava dele com as próprias mãos.

Usei o mesmo soco inglês que peguei de Katrina, quando o infeliz


ficou desacordado, apanhei a arma do coldre de um dos seguranças, mirei
em sua cabeça e Pavel entrou na frente, chamando minha razão.
Eu o teria matado, sem titubear.

Ordenei que o deixassem em uma região montanhosa e que a sorte


estivesse ao seu lado para voltar. Era o mínimo que merecia por ter a
ousadia de vir até meu território e tentar abusar da minha mulher.
Abri os olhos esta tarde, depois de passar a madrugada repassando
o plano com a equipe que agiria na captura de Bóris, não vi Katrina ao meu
lado, como de costume, esparramada na cama, com uma perna ou braço
sobre mim, sabia que algo estava errado.

Parei de contar as chamadas na décima vez que liguei, mensagem


aos montes e dela só recebi silêncio. A essa altura já sabia que estava na
casa da prima, cheguei a dirigir até o bairro, pronto para derrubar a porta e
tirá-la à força de lá, mas desisti no meio do caminho.

Por mais perigo que esteja correndo, a deixei ciente de tudo e,


insistir na escolha, me ignorando de propósito, é o indício dos primeiros
respingos do vulcão, preciso trabalhar em torno para apagar as chamas de
possíveis incêndios.

Pavel ficou incumbido de cuidar da sua segurança, sem que ela


veja, não preciso lidar com mais rebeldia que o necessário. Não duvido
aquela mulher causar uma confusão proposital se souber que a vigilância
em cima dela é maior que os dois seguranças que a acompanham.

Volto até a mesa, pego meu celular e confiro as horas. Preciso me


apressar, a equipe me espera para agirmos assim que a luta chegar à metade.

Pelo que Russell explicou, o traidor será desmascarado em um dos


intervalos, como o covarde que é, vai fugir e esta será sua derrota. Minha
equipe e eu estaremos a postos para capturá-lo.

Duas horas de campana em frente ao seu prédio, como previsto,


Bóris veio direto para seu apartamento, fugir da máfia é a opção mais
segura, no entanto, pelo tempo que está junto a eles, deveria saber que
alguém estaria à espreita.
Acompanhamos todo o desenrolar sem qualquer contato, não
preciso da polícia ou a própria gangue de Cossack envolvida em um ataque
em vias públicas. Bóris será capturado e levado direto para o galpão onde
encontrei com o próprio, que aguarda pelo pacote.

— Chefe, é ele. — Um dos meus homens aponta para a saída


lateral do prédio.

— Vão!
Três homens saem da van camuflada, placa fria, sem marcas, nada
que a ligue a mim, será descartada assim que terminarmos o serviço. Sei
que indiretamente estou levando esse homem para a morte certa, mesmo
que negue, ainda carregarei uma parcela do seu sangue nas mãos.
Acredito que na vida toda a escolha é ponderada em uma balança,
às vezes a seu favor, às vezes contra. Ela age de acordo com seus feitos
bons e os delitos cometidos.

Talvez um dia minha balança penda de vez para a paga e terei que
honrar todas as dívidas morais que carrego, mas esse é o preço das minhas
escolhas.

Hoje escolho dar uma vida em troca do bem-estar do meu irmão.

— Net! Net! Eu não fiz nada! — A porta da van é aberta e o


homem encapuzado berra, relutante.
— Apaga ele — ordeno, incomodado com seus gritos.

Uma coronhada é o suficiente, seguimos o caminho com o pacote,


aproveito para enviar uma mensagem a Pavel, atualizando sobre a missão e
pedindo informações de Katrina.

Ao que parece, ela e a prima estão bem, a luta já terminou e o Volk


foi derrotado. Tudo dentro do combinado, ninguém desconfia da
manipulação e a reputação do circuito permanece intacta.

Boyevik’s[25] armados nos recebem na porta do galpão, sem


qualquer iluminação, seguimos para dentro, Bóris é arrastado por dois dos
meus homens, como de praxe, entramos desarmados.
— Linda noite, colombiano.
— Para você deve ser mesmo, Cossack. — Meus homens soltam o
pacote no chão.

Seu corpo desacordado fica entre o mafioso e eu, o riso de escárnio


que estampa não me intimida em nada.

— Eu só queria a cabeça e você me trouxe toda a carcaça?


— Você queria o traidor, aí está. — Sinalizo para um dos meus
homens e ele retira o capuz do homem desacordado.

— Net! Desgraçado! — Cossack perde a calmaria que ostentava e


chuta o rosto de Bóris.

— Terminamos por aqui, Cossack — decreto e seu semblante


raivoso me encara. — Não atravesso mais seu caminho e não quero que
entre no meu. Isso inclui meu irmão e Katrina.

— Aquela boceta é realmente valiosa. Não tive mais notícias do


meu homem.
— Deve estar procurando o caminho de casa ainda. Isso não é
problema meu.

Giro em meus pés e caminho para fora daquele galpão, toda essa
merda acaba hoje e posso seguir com a minha vida em paz. Ao menos, até
encontrar o infeliz que violou Katrina.

Pavel tem se esforçado bastante, mas ainda não conseguiu nada


concreto, se ela ao menos me desse um nome ou apelido facilitaria a
caçada.
Entro no hotel em que o Volk está hospedado, sei que Katrina
acompanhou Sacha e o lutador quase desacordado para cá, só não entendo
por que ainda não foi embora.

Aguardo na recepção, enquanto ligo novamente para ela, espero


que desta vez atenda, ou serei obrigado a pedir um quarto só para subir e
tirá-la da suíte.

Com o telefone na orelha, ouço toque após toque, novamente


ignorado, passo os olhos pelo ambiente e avisto minha mulher ao lado de
Danya, o maldito lutador do sul, que baba em cima dela feito um homem
apaixonado.

Encerro a chamada enquanto marcho em direção aos dois, de longe


Katrina me avista, seus olhos se arregalam com a surpresa e sorrio, cínico,
em resposta.
— Zólattse mayó. Vim lhe buscar.

— Eu ia chamar um carro agora — responde, sem graça, enquanto


olha do lutador, ao seu lado, para mim.

— Eu ia deixá-la em casa, Yerik. — O homem se faz notar ao se


intrometer na conversa.
— Katrina está na minha casa, eu mesmo posso levá-la. — Encaro-
o, altivo.
Entramos em um embate visual por um tempo, o confronto
presente em ambos, temos o mesmo tamanho, em altura e largura e, por
mais que não lute profissionalmente, o que aprendi em meus treinamentos
não me fazem acovardar.

— Começamos o teste de testosterona? — Katrina chama a


atenção de nós dois para si. — Vamos embora, russo — decreta e agora é
sua vez de marchar porta afora.

— Katrina está comigo, lutador do sul, espero que tenha a decência


de entender isso.
Capítulo 46

Nosso duelo acontece de forma clara pelo olhar, não dou brecha
para ele pensar que pode interferir na minha relação com Katrina.

— Ela não pertence a ninguém, camarada, acredite em mim. Já


tentei. — Seu olhar segue além, provavelmente a observa se afastar.
— Não foi isso que ela me disse ao aceitar ser minha. — Seus
olhos retornam a mim, surpresos. — Boa noite, camarada.
Deixo o homem lidar com sua confusão e rumo atrás do vulcão em
forma de mulher que já espera do lado de fora do hotel. Passo direto por ela
e entrego a ficha ao manobrista.

— O que faz aqui?

— O que aconteceu com seu celular? — A olho de cima, tão linda


com o semblante colérico, anseio por amenizar seu humor com beijos
quentes e molhados, mas ainda não é seguro tocá-la.

— Nada. Não te atendi porque sabia que iria me repreender.

— Repreender não, alertar talvez.

Pulo a discussão, não adiantaria debater agora, ela está bem, segura
e o problema já foi resolvido. A vida segue e não posso remar contra a maré
do tempo, ele nunca volta.
— Como foi com Bóris?

— Tudo dentro do planejado.

— E o que isso quer dizer exatamente, russo?


— Que estamos seguros. Vamos embora. — Sinalizo em direção
ao carro que acaba de encostar.

Katrina permanece quieta por todo o caminho até minha casa, algo
me diz que está atrás de um motivo para causar uma briga, justamente o que
não quero que aconteça.

Durante a semana, ela deixou o celular aberto na tela de pesquisa


sobre o balcão do bar e acabei vendo um site de busca por apartamentos
para locar. Aquilo foi um golpe duro em meu ego, me freei em vários
momentos de confrontá-la por querer me deixar, mas a cruel realidade me
impediu.

Avisei que sua estadia em casa seria por um tempo, apesar do


envolvimento claro entre nós, não sinto Katrina pronta para rotular ou
assumir um compromisso de fato.

Minha chave girou em relação a ela, mas talvez a dela ainda esteja
emperrada e isso me faz odiar ainda mais o homem que a deixou tão avessa
a se entregar por completo.
Ela sobe direto para o quarto, enquanto vou me refugiar no
escritório, ligo para Pavel, peço para assuntar o pessoal de Cossack a fim de
descobrir o desfecho da história e, principalmente, garantir que é seguro
trazer meu irmão de volta a Moscou, aliviando a guarda.

Demoro além do necessário aqui, sinto-me um covarde por não


subir e enfrentar o que vai acontecer. Ela vai sair, morar em outro lugar, isso
não significa um término, mas indica que não sou seu porto seguro.

Soo como um bebê resmungão, que faz manha por não ter aquilo
que almeja, um idiota infantilizado, para ser bem sincero, no entanto,
quando a emoção dita as ações, tornamo-nos um pouco bobos e passionais.
Confiro as horas mais uma vez, espero ser o suficiente para já estar
dormindo, saio do escritório e rumo até o quarto. Preciso de um banho,
minha cama macia e o corpo dela para me aquecer do frio que me toma.
Quando passo pela porta, escuto alguns resmungos, observo
Katrina na cama, ela bate os braços, irritada, profere xingamentos e
palavras chulas, parece estar lutando com alguém no sonho.

— Net! Saia de cima de mim! Eu te odeio, Misha! Odeio! Nunca


mais me chame de malêchka! — Seu tom de voz sobe, até gritar ao final.
Vou até ela, apressado, sento ao seu lado na cama e, sem tocá-la,
chamo por seu nome. Não quero correr o risco de que fique ainda mais
assustada.

— Zólattse mayó... Sou eu... Yerik — falo, com cautela, e toco de


leve seu ombro.
— Net! Tira a mão de mim! — esbraveja, ao afastar o contato com
uma bofetada.

— Katrina! Acorde! Você está tendo um pesadelo! — Sacudo seu


corpo de leve, em mais uma tentativa.

— Net! Arhhh! — Ela senta na cama em um rompante, esfrega o


rosto suado com as palmas.

— Calma, zólattse mayó... Foi só um pesadelo.


— Yerik... — Ela finalmente retorna para mim, joga o corpo sobre
o meu, apertando meu pescoço em torno dos seus braços.

— Ninguém te fará mal, eu não vou permitir — sussurro próximo


ao ouvido, puxo seu corpo sobre o meu e a acalento feito uma criança que
teve um sonho ruim. Beijo sua cabeça, enquanto minhas mãos acariciam as
costas, seu corpo treme e pela quentura da pele está febril.

Passo quase toda a madrugada desse jeito, quando sinto seu corpo
mais relaxado, deito o tronco sobre o monte de travesseiros e a deixo me
usar de apoio. Dentro dos meus braços ela encontrou a calmaria para seu
tormento e jamais poderia tirar isso dela.

Finalmente tenho um nome, um apelido, na verdade, que pode


significar muitas coisas, mas já é um rastro. Eu vou encontrar esse verme e
dar à Katrina a chance de se vingar.

Não é algo digno, mas se servir para acalmar seu tormento, farei.
Por ela.

— Qual a urgência, Yerik? — Pavel passa pela porta do meu


escritório na primeira hora da manhã.

Seu mau humor é nítido, já que ficou parte da madrugada


incumbido de colher as informações que pedi, duvido que tenha tido mais
de duas horas de descanso.

Bom, isso não me importa, não preguei os olhos a noite toda, fiquei
com Katrina até ter a certeza de que os pesadelos não retornariam e depois
vim para cá, pesquisando, eu mesmo, com meus contatos alguma
informação.

— Temos um nome. Apelido, na verdade. Misha. E ele a chamava


de malêchka.

— Como soube?
— Um pesadelo. Ela falou.

— Pode ter se confundido. Sabe disso, não é? Essa garota precisa


de um tratamento terapêutico, Yerik.

— Talvez sim. Mas eu preciso de uma paga. Um encerramento


digno e, só depois disso, ela irá decidir o que fazer com sua mente ferrada.

— Vou investigar com alguns contatos da época.


— Estive pensando, meu irmão e Katrina têm a mesma idade,
talvez o pessoal que ele andava saibam de alguma coisa. Viviam na rua
bagunçando, Mickail conhecia muita gente e...

Sinto minha garganta fechar em automático, o coração salta no


peito, a ponto de quase partir meu tórax, levanto da cadeira no ímpeto, sinto
o ar falhar para meus pulmões e começo a andar de um lado para o outro.
— Net, net, net...

— O que está acontecendo, Yerik? Ficou sério de repente, parece


que vai sofrer um infarto.

— Não pode ser. Pavel, não pode ser.


Seguro os ombros do homem com força quando está próximo o
suficiente.

— Você está me preocupando, Yerik. O que aconteceu?


— Lembra o apelido que meu pai usava com a mãe de Mickail?

— Não. Ele nunca foi afetuoso, disso me lembro.

— Então, se lembra do apelido que ela usava para Mickail?


Pavel arregala os olhos, afasta um passo e minhas mãos caem,
assim como meus ombros, desanimados com a possível realidade diante dos
meus olhos.

— Misha... — ele pronuncia e fecho os olhos com força.


Dói demais atestar a veracidade que estou prestes a confirmar.

— Acho que a orgia em que tirei Mickail, na noite que cortei os


laços com a máfia, é a mesma em que Katrina foi abusada. — Permaneço
de olhos fechados.

— Você a viu lá?

— Sim...

Abro os olhos e soco a parede próxima a mim uma, duas, três,


repetidas vezes, afundo minha carne no concreto, urro com o ódio me
dominando, uma repulsa visceral toma conta dos meus sentidos.

— Acalme-se, Yerik. — O homem puxa meu ombro e viro,


pegando-o pela camisa.

— Eu estive lá. Eu a vi na cama e não fiz nada! Nada, Pavel! Meu


irmão é o algoz de merda que fodeu a mulher da minha vida. Eu a vi
apagada, achei que era uma prostituta, nem prestei atenção ao redor, só
queria tirar meu irmão dali, sem maiores confusões. — Meu tom sai
desesperado.

— Tem certeza?
— Claro como o dia. — Solto sua camisa e me afasto. — Nunca
revivi essa lembrança, porque não tinha nada de especial nela. Cansei de
ver mulheres naquela situação, bêbadas, apagadas, consentindo um
encontro grupal e usando drogas e bebidas como anestésico. Nem vi que se
tratava de uma menina jovem. — Apoio uma mão na cintura e a outra
pressiono sobre os olhos.

— E o que pretende fazer? Vai contar a ela?

— Eu estava me perguntando, até hoje de manhã, como mantê-la a


meu lado. Agora que Cossack não é mais um perigo, Katrina pode retomar
sua vida e sair da minha casa — dou voz ao meu pensamento, ignorando a
pergunta dele.

— Vai deixá-la partir? Cedo ou tarde, você sabe que Mickail vai
voltar e a verdade virá à tona.

— Eu a negligenciei, Pavel, não existe a menor possibilidade de


ser perdoado por isso.
Desabo sobre a cadeira, meus músculos parecem pesar tanto que
mal consigo sustentar a cabeça entre as mãos.

Faz muito tempo que não sei o que é chorar, nem me lembro a
última vez que aconteceu, sempre segui em frente, sem olhar para trás, mas
o destino e a vida, resolveram se unir e fazer meu acerto de contas na Terra.

Eu perdi meu bem mais precioso, antes mesmo de tê-lo de verdade.


Capítulo 47

Procuro pela casa inteira por Yerik e não o encontro, opto por ir ao clube,
perdi tempo demais preocupada com ele e estou mais uma vez atrasada no horário.

Depois de outro pesadelo horrendo, encontrei conforto nos braços do


homem que irei deixar. Ontem, parecia esquivo, não sei se pela chateação de eu ir à
luta contra sua vontade ou por me encontrar na companhia de Danya, no hotel.

Será difícil não ter mais Yerik para acalmar meus momentos de desespero,
sinto um frio dominar meu íntimo em pensar que logo estarei por conta própria.
Não dar satisfações a ninguém é libertador, entretanto, não ter essa sensação
protetora que ele me causa é inquietante.

Entro no clube e vou direto ao seu escritório, desde que percebi sua falta
em casa, comecei a ligar, enviar mensagem, mas só obtive silêncio em resposta,
provavelmente está pagando na mesma moeda o que lhe fiz no dia anterior.

Não achei que agiria de forma tão infantil, mas é bom, assim colocaremos
às claras todas as ressalvas e aproveito para comunicá-lo da minha saída.

Encontrei um quarto em um conjunto habitacional, somente para mulheres,


o que me deixou mais segura em fechar o contrato. O aluguel é razoável e não é tão
longe do clube.

— Yerik, precisamos con... — Abro a porta impetuosa, pronta para brigar,


mas encontro o ambiente vazio.

Enrugo as sobrancelhas, intrigada, vou até a sala de Pavel, bato na porta e


ao entrar o encontro na mesma posição de sempre, analisando documentos.

— Sabe do Yerik?

— Sim — declara, ainda olhando para os papéis.


— E poderia me dizer?

— Claro — ele solta a caneta da mão direita e finalmente me olha —, fez


uma viagem, essa manhã, de negócios.

— Assim? Do nada?

— Sim. Yerik tem alguns investimentos paralelos ao clube e, vez ou outra,


precisa viajar para lidar com burocracias.

— Ele não atende o celular.

— Provavelmente está no voo ainda. Ele foi para a América.

— Ah... — solto, surpresa.

— Preciso que se empenhe esta semana Katrina, não sei quando Yerik
volta e estou sobrecarregado.

— Claro, pode contar comigo. Fui contratada para facilitar sua vida. —
Solto um sorriso amarelo.

— Tak! Verifique os setores para a abertura, certifique-se de que tudo


caminhe bem, estarei aqui, caso precise.

— Pode deixar.

Fecho a porta, ainda perdida em pensamentos, ele foi para a América, um


lugar tão distante e nem ao menos um recado deixou, não se despediu.

Se isso não for uma mensagem clara para que eu me afaste de vez, não sei
mais o que pode ser. Cheguei a pensar que teríamos um embate feio com a minha
saída da sua casa, agora que o acordo foi cumprido, não preciso mais andar com
seguranças e viver sob seu teto.

Minha mente tola interpretou os sinais de forma errada, como sempre


imaginei, Yerik e eu temos uma compatibilidade sexual e seu senso protetor nos
aproximou por necessidade, não existe nada além disso.
Levei dois dias para criar coragem e finalmente sair daquela casa, Yerik
não respondeu minhas mensagens, não atendeu a nenhuma das chamadas,
questionei Pavel sobre o sumiço e ele respondeu que tem falado diariamente com o
chefe.

Apesar da tristeza constante me acompanhar desde que viajou, fiquei


encantada com meu cantinho. Um ambiente espaçoso, com um banheiro só meu e a
cozinha é compartilhada. A dona do lugar faz as refeições e pagamos uma taxa pelo
serviço, o que me garante comida de verdade no dia a dia.

Faz duas semanas que moro sozinha e está sendo maravilhoso viver a
experiência, salvo pelos momentos em que chego do clube e deito na cama vazia
sem o corpo truculento para me aquecer.

Trabalhar no clube tem sido revelador e torturante ao mesmo tempo.


Pensei em procurar outro trabalho, em algum momento Yerik vai voltar e não sei
como lidaremos a partir daí.

Mesmo sem sua presença, ainda consigo senti-lo lá, me observando de


algum lugar oculto, me peguei por várias vezes indo até a área particular no piso
superior, me mantendo escondida por um par de horas, só para relembrar nossos
momentos tórridos.

A compensação dessa tortura é o quão tenho me dado bem com a função


de braço direito de Pavel. Com a ausência do dono, ele tem ficado tempo demais no
escritório e eu me tornei a referência de todo o operacional.
Não há um problema que não consiga resolver, sinto que finalmente
encontrei meu caminho profissional, termino os turnos, exausta e ao mesmo tempo
realizada com a noite bem-sucedida.

— Gostou do lugar? — Desperto ao ouvir a voz de Sacha.

Estamos em seu novo apartamento, ao que parece, o Volk resolveu


aumentar a alcateia e levou minha linda e doce prima para morar com ele, em um
apartamento próprio.

— É maravilhoso, prima, você tirou a sorte grande. — Afasto da janela e


me jogo em seu sofá.

— Meus pais não se opuseram, mas é tudo tão recente, prima, tenho medo
do que possa acontecer.

— Medo? Você já enfrentou coisa bem pior, Sacha. Não deve ser tão difícil
assim viver com o Volk. — Pisco um olho, impertinente.

— Podemos ir, króchka? — Krigor surge na sala e a abraça por trás.

— Sim, vamos. Semana que vem vou passar uns dias na casa dos meus
pais, prima, podemos marcar uma noite de garotas. O que acha? — Sacha se
desvincula do namorado e pega a bolsa em cima da mesa enquanto fala.

— Na verdade, eu também saí de casa. — Fico em pé, incerta ao falar.

Com tudo que aconteceu desde a luta, não tive coragem de revelar sobre
meu envolvimento com Yerik e a briga com meus pais.

— Sério? Por quê?

— Uma longa história, chata e entediante, digamos que sou um passarinho


que resolveu voar. Estou em um bom emprego agora e posso pagar um lugar para
mim.

— A liberdade que tanto almejou. — Ela sorri, enquanto caminhamos para


fora.
— Exato.

Chegamos em frente ao Zolotaya Vobla Sul, filial do bar que minha prima
gerencia em Moscou. A dona, Irina, embarcou no projeto há um tempo e deixou
Sacha incumbida de cuidar da matriz.

— Sacha! Você veio! — Escuto o grito estridente de Irina que rouba Sacha
em um abraço apertado.

— Claro que eu vim! Isso daqui está incrível.

— Obrigada. Você tem ido tão bem na capital, que me senti confiante de
afundar a cara no projeto e colocá-lo para funcionar.

— Não foi só no projeto, não é? — Ela sinaliza por cima do ombro da


amiga, indicando Serguei, o segurança que se tornou mais que isso durante a nova
empreitada.

— Não seja boba. — Ela finge ultraje, mas seu sorriso entrega a felicidade
por mencionar seu amor recém-descoberto. — Olá, lutador, obrigada por ter vindo
— Irina cumprimenta Krigor.

— Simplesmente maravilhoso! — Saio de trás dos dois e saúdo a anfitriã.

— Você veio! Fique à vontade — Irina me cumprimenta, animada

— Olha o meu homem favorito aí — Sacha brinca com Sergei, a fim de


provocar o namorado.

O homem morre de ciúme da ruiva e ela usa isso a seu favor, sempre que
pode.

— Sacha, seja bem-vinda. Espero que este grandalhão esteja lhe tratando
como se deve.

— Isso, com certeza. Ainda estamos nos adaptando a essa coisa de


morarmos juntos, mas chegaremos lá.
— Sei bem o que é essa fase, vivemos isso há dois meses. — Irina sorri e
Serguei passa a mão sobre seus ombros, com um olhar admirado.

— Está muito doce o ambiente, vou para o balcão tomar uns shots. —
Atravesso no meio da conversa e marcho para meu destino.

Vivenciar momentos de romantismo não é exatamente o que busco aqui.


Consegui uma dispensa com Pavel para acompanhar Sacha e aproveitar para sair da
solidão que tenho me colocado.

Peço duas doses no balcão, viro uma seguida da outra e bato os copos
sobre a madeira. Estou cansada de esperar por Yerik, a ansiedade de saber como
será quando retornar tem me consumido pouco a pouco.
Capítulo 48

— Olá, casal Volk. — Viro o corpo ao identificar a voz.

Danya cumprimenta Krigor e ao seu lado uma morena linda o


aguarda, deve ser a escolhida da noite.
Eles se acomodam na mesa reservada à Irina, três casais e eu,
sozinha, isso não poderia ser mais constrangedor. Sem querer bancar a
deslocada da turma, me aproximo para cumprimentá-lo.
— Danya, como vai?

— Katrina. — Ele acena com a cabeça — Essa é Jelena.


— Muito prazer. — Altiva, estendo a mão em direção à moça.

— Pensei que estivesse em Moscou, na boate — Danya comenta e


arregalo os olhos.

Esqueci por completo que Danya é o que mais sabe sobre meu
envolvimento com Yerik, além das atividades que desempenhei no clube.

— Que boate? — Sacha questiona, curiosa.

— Nenhuma. Vou a muitos lugares em Moscou, mas nenhum em


particular, de fato. — Lanço um olhar mordaz em direção ao lutador do sul.

— Zólattse mayó. — Fecho os olhos por um instante e penso que


minha mente resolveu me pregar uma peça.

— Yerik Petrovich, bom vê-lo. — Krigor levanta, cumprimentando


o homem que surge ao meu lado.
— Volk, meu lutador favorito.

— Pensei que fosse Russell, seu favorito.

— Os dois são. — Ele ri abertamente. — Olá, Aleksandra, um


prazer revê-la.

— Olá. Não sabia que você conhecia minha prima. — Sacha olha
de mim para ele e posso ver as engrenagens girarem acima de sua cabeça.

Yerik se volta para mim, estou com as mãos cruzadas na altura do


peito e faço a minha melhor cara de mau humor. Se ele pensa que irei ceder
aos seus caprichos só por ter vindo atrás de mim, depois de duas semanas
em silêncio absoluto, está enganado.

— Nos conhecemos muito bem, não é, zólattse mayó? — Sua mão


pousa em minha cintura e me puxa sutilmente para mais perto.

— Infelizmente — respondo, entredentes.

O clima pesa na mesa, Sacha me encara como se ordenasse


esclarecimentos, Danya mantém o rosto impassível e quando escuto a
batida sensual tocar no sistema de som, me desfaço do contato de Yerik.

— Amo essa música! — Vou para a pequena pista de dança e


começo a me mexer no ritmo.

Uma desculpa esfarrapada para fugir daquela situação e ainda mais


para ficar longe dele. Sentir seu toque, depois de tanto tempo negligenciada,
me fez querer derrubar todas as barreiras que resolvi erguer.

Observo de relance Yerik ir até ao balcão do bar e fazer um pedido


ao atendente. Continuo dançando, fingindo que não me importo com sua
presença e nem que seu olhar examinador me afeta.
— Zólattse mayó. — Ouço o sussurro, assim que suas mãos colam
em minha cintura por trás — Amo te ver dançar, mas prefiro quando usa
menos roupa.
— Posso começar a tirá-las aqui, seria no mínimo interessante —
respondo, ainda me movendo.

— Vem comigo. Por favor? — Seu apelo soa desesperado e isso


me faz encará-lo.
— Você sumiu por duas semanas, Yerik.

— Eu sei. Vou explicar tudo. Vem comigo, preparei uma surpresa


para você.

— Que surpresa?

— No clube.
Apesar da vontade insana que sinto de beijá-lo e mesmo vendo
essa vontade refletida em seus olhos, Yerik se afasta e estende a mão na
minha direção.

Mais uma vez me esqueço da autopreservação, abandono toda a


angústia que sua falta me causou e aceito seu pedido.
Horas de trajeto, Yerik dirige em silêncio, confesso que também
optei por calar e não quis verbalizar nenhuma das perguntas que rondam
minha cabeça desde que sumiu.

A essa altura deduzo que já sabe que não estou mais na sua casa e
dispensei o uso do carro, assim como os seguranças.

— Vá até o camarim e coloque a roupa que separei para você. Vou


te esperar perto da mesa de som do palco principal — ele ordena, assim que
entramos pela porta de serviço do clube, antes que possa se afastar, seguro
seu braço, chamando sua atenção.

— O que estamos fazendo, Yerik?

— Criando uma lembrança, zólattse mayó. — Suas mãos seguram


meu rosto e ele beija minha testa com ternura.
Sou deixada sozinha no corredor escuro, observo seu caminhar
determinado em sentido ao palco, Yerik usa uma camisa branca social, calça
preta e aquele colar exótico no pescoço.

Sua aparência continua a mesma, sem qualquer traço de sofrimento


pelo tempo que ficamos afastados, lindo, altivo e imponente, como sempre.

Faço o que pediu, mais pela curiosidade em saber o que planeja do


que ansiosa por atender a seu capricho. Esse homem consegue mexer de
forma significativa com meu humor, me leva da agonia a raiva em
segundos.

O camarim está vazio, de longe vejo a roupa que escolheu sobre


uma poltrona, me aproximo e um bilhete com meu apelido preso nela, o que
é desnecessário, já que a primeira peça é a máscara em renda branca, toda
adornada com fios dourados.
Troco-me em tempo recorde, o corpete branco completamente
transparente, encaro o espelho e a delicadeza da renda deixa à mostra todo
meu corpo. Fecho o roupão de seda branca em torno de mim, o que
preserva a ousadia das peças, coloco a máscara e encaro o espelho.
Diferente das outras vezes, hoje sinto-me mais a Katrina, talvez o
ocultismo não seja tão atrativo porque Yerik consegue me enxergar além da
casca.

Encontro-o próximo ao palco como combinado, Yerik perde alguns


segundos me fitando, seu olhar acalorado percorre pelo meu corpo e quando
finalmente encara meus olhos, vejo dor e desejo fundidos.

— Entre pelo outro lado. — Aponta para o acesso à esquerda do


palco.

— O que vamos fazer?


— Você vai ver.

Faço o caminho até o outro lado, subo os degraus e contorno a


cortina, enxergando-o na outra ponta. A música cessa, o público protesta e
Yerik caminha a passos vagarosos para o meio do palco.

Ele sinaliza para alguém e uma espécie de tela branca desce do


alto, tapando a visão do público. Dois pedestais de iluminação acendem no
palco assim que o biombo está no lugar.

— Vem, zólattse mayó. — Ele senta na cadeira que está no meio


do espaço, de lado para a multidão.
Caminho até sua frente e paro alguns passos de distância, uma
batida sensual começa a tocar, a multidão atrás do tapume ovaciona e sinto
minhas pernas tremerem com a adrenalina.
— Dance para mim... — Leio seus lábios para entender o que diz.

Olho em direção à tela branca, examino o lugar em volta, olho até


para cima, mas não vejo nenhum funcionário nos bastidores.

— Não se preocupe. Só meus olhos terão o privilégio, a multidão


só consegue ver nossa sombra.
Engulo com dificuldade, minha boca seca por completo, arfo com
a respiração acelerada, saber o que faremos na frente de todos, mesmo que
não saibam quem sou, me coloca à beira da excitação com o proibido e
errado.

Yerik desliza as mãos sobre as coxas, ansioso, seu olhar é


apelativo, parece me implorar através deles, mesmo que soe impositivo nas
ações.

Fecho as pálpebras, sinto as batidas de Hi-Lo – Bishop Briggs,


concentro-me nos movimentos, aos poucos me envolvo na letra e abandono
meus questionamentos.

Levo a mão até o laço que prende a máscara e a removo, encaro


Yerik, que está em expectativa, um fraco sorriso surge em seus lábios, feliz
com a minha decisão.
Estou me libertando.

Elevo as mãos acima da cabeça, mexo os quadris e caminho até


próximo dele. Giro o corpo, rebolo, volto a ficar de frente e solto o fio
frontal do corpete.

Puxo um a um, cálida e calma, desfaço as amarras e me livro da


peça, jogando-a longe. Ouço aplausos e gritos de incentivo da plateia, viro
de costas para ele e enfio as mãos na lateral da calcinha.
Curvo o tronco para baixo até tirar a lingerie por completo, Yerik
está a dois palmos da minha intimidade, mas antes que possa reagir, eu
torno a ficar ereta e giro de frente para ele.

— E agora, russo? — questiono, alto.

— Você decide, zólattse mayó.

Abaixo o tronco na altura dos seus olhos, encaro sua braguilha e


levo as mãos até ali, desfazendo o botão. Passo a língua nos lábios
vermelhos, observo Yerik que parece sofrer com a lentidão de cada ato meu.

— Vamos até o fim.


Capítulo 49
Não consigo ouvir nada além das batidas do meu coração quase
estourando os tímpanos. O anjo personificado à minha frente faz questão de
agir com extrema sedução e luxúria, movimentos lentos que me colocam à
beira da loucura.

Senti tanta falta dela, a única maneira de aplacar a saudade eram as


ligações com Pavel, que me passava o relatório sobre cada passo dado,
lugares e pessoas em sua companhia. Além, claro, das câmeras de
segurança do clube, que acessava remotamente para vê-la trabalhar.

Imaginei que sairia da minha casa, que dispensaria os seguranças e


motorista, ela precisava voar, sentir a liberdade e, acima de tudo, encontrar
sua libertação.

Mesmo que doa mais que o inferno, Katrina está mais confiante de
si, seu desempenho no clube é digno de um funcionário exemplar, Pavel só
tem elogios por ela.

Em pensar que sou parte do que a quebrou, egoísta, só me importei


com meu sangue, salvei minha pele à custa da sua desgraça. Nunca irei me
perdoar por isso e farei o possível para que essa mulher tenha a vida que
almejar, mesmo que isso signifique não a ter mais como minha.

É o preço, Yerik, lide com isso.

O corpo alvo, a luxúria grita em cada uma das suas curvas, os bicos
entumecidos e a pele arrepiada, a melhor cena que poderia gravar na
memória.

Ela tirou a máscara, se libertou do ocultismo de si mesma e


assumiu as rédeas do desejo e isso me deixa ainda mais orgulhoso.
Quando sua mão toca meu pau sob a calça sinto um choque
prazeroso se alastrar das minhas bolas e subir pela coluna, fecho os olhos e
gemo em prazer, quero gravar cada segundo deste último momento.
— Quero senti-lo na minha boca... — seu sussurro me faz pender a
cabeça no encosto e trazer os quadris de forma sutil para frente.

No processo, ela puxa o cós da minha calça e fico nu da cintura


para baixo, suas mãos apoiam espalmadas sobre minha coxa e logo sinto
sua língua circular minha glande já úmida.
— Zólattse mayó... — Olho para baixo e sou presenteado com a
melhor das visões.

Mexas escuras caem em torno do rosto enquanto aquela boca


pecaminosa engole todo meu pau, engasgando próximo da base. Ela
continua com o ritual, a calmaria ditando seus atos, minha ansiedade grita e
o lado selvagem toma à frente.
Seguro seus cabelos com uma mão e passo a ditar o ritmo do oral,
mais rápido e mais profundo, Katrina tenta sorrir no processo, mas os
engasgos a fazem lacrimejar os olhos.

Ainda não satisfeito, entretanto, determinado a sentir seu sabor, a


afasto por completo, me aprumo na cadeira e abro as pernas, deixando um
vão do assento livre.

— Suba — ordeno e sua confusão se desfaz.

Firmo sua cintura quando Katrina apoia um pé no estofado e sobe,


a outra perna passo para trás e coloco sobre o encosto. A tenho exposta e
aberta para mim, aproximo a boca e cheiro sua excitação.
Olho para cima, sua íris lembra chamas incandescentes de uma
fogueira, seguro seu corpo pela bunda e a puxo de encontro aos meus
lábios. Beijo, mordo, sugo e gemo ao relembrar seu gosto extraordinário.

Katrina apoia as mãos na minha cabeça, permaneço em minha


tarefa, empenhado em conquistar seu orgasmo na minha língua. Tenho sede
e só ela pode fornecer o que me sacia.

Sutilmente mordo seu nervo, suas pernas estremecem e então, sugo


com força, Katrina explode em minha boca e, sedento, bebo do seu prazer.
Quando satisfeito, a ajudo descer e ela se encaixa no meu pau, que pulsa
por sua carne.

Gememos juntos quando entra fundo e rápido, Katrina joga a


cabeça para trás e urra, mas a puxo pela nuca e mergulho minha língua na
sua boca. O paraíso só pode ser nos braços dessa mulher, não existe outra
explicação.

Sou transportado para um lugar só nosso, onde nada importa e as


sombras, verdades da vida, não nos atinge como uma ceifa cruel.
Beijamo-nos com volúpia, seu corpo sobe e desce, o prazer ditando
cada toque, cada suspiro, gemidos tomados de necessidade e juntos,
encontramos o nirvana.

Rápido, fugaz, acalentado, sobrepujando tudo que já senti.


— Yerik... — Meu nome nos seus lábios é quase um hino.

— Zólattse mayó...
— Eu te amo — nos declaramos em uníssono.

Por segundo, chego a pensar que foi delírio, mas o sorriso genuíno
em seus lábios me mostra a verdade.
Rígida feito pedra, mais afiada que a lâmina de um punhal e tão
letal quanto um tiro na cabeça, o preço mais alto que a vida poderia me
fazer pagar.

Entro no meu escritório, depois de deixar Katrina no camarim para


se trocar e subir para conversarmos. Nunca, por mais anos que se passem,
irei esquecer o momento que acabamos de dividir.

Depois da nossa declaração mútua, a multidão atrás da tela gritou e


aplaudiu, tê-la uma última vez foi tão intenso que esqueci por completo que
éramos observados.

Fui um covarde de tomá-la para mim, antes de lhe contar toda a


verdade, eu sei, mas preciso disso para quando partir. Necessitava ver algo
de bom em seus olhos quando os direciona a mim, antes de ser tomado pelo
desprezo.
Vou até as garrafas, sirvo uma dose generosa de vodca e viro de
uma vez, minhas mãos tremem, sinto um suor frio verter da têmpora,
poderia me iludir com algum mal-estar físico, mas é só o desespero se
fazendo presente.

— Amei o presente, mas chegou a hora de conversarmos, Yerik. —


Ela entra, sorridente. — Onde você se meteu e por que não atendeu as
minhas ligações?

Deixo o copo sobre a bancada, enfio as mãos no bolso, uma


tentativa patética de não a tocar mais, nunca mais. Caminho a passos
vagarosos, examino todo seu corpo, pouso em seus olhos e aproveito um
minuto, ou dois, a vivacidade presente neles.

— Fui atrás do meu irmão. Eu o tinha enviado para a América, até


resolver toda a questão com Cossack.

— Pavel disse que tinha negócios na América. — Ela franze a


sobrancelha, confusa.

— Pedi que mentisse.

— E por qual motivo?

— Katrina, no dia em que viajei... Naquela noite, você teve outro


pesadelo.

— Sim, eu me lembro. — Cruza os braços em torno de si,


incomodada.

— Durante o sonho, quando tentei te acordar, você mencionou o


nome dele e o apelido que usava com você.

— Não sei por que está falando disso agora, Yerik. — Ela caminha
para o outro lado do escritório. — Quero saber do seu sumiço e não reviver
essas memórias.

— Suas lembranças têm ligação com o que fui fazer na América,


zólattse mayó.

— Como? Você acabou de dizer que foi atrás do seu irmão. Essa
conversa não faz sentido algum, Yerik. — Ri, displicente.
Faço um esforço para engolir a bola de fogo que se formou na
garganta, já sabia que não seria fácil falar, ser o porta-voz de toda a merda
que está por vir é mais difícil do que imaginei.

— Meu irmão... ele é...

— Cheguei, família! — A porta é aberta de supetão e Mickail sorri


com escárnio ao encarar de mim para Katrina.
Capítulo 50

Duas Semanas Atrás

Entro no quarto com cuidado, Katrina ainda dorme pesado, seu


ressonar e o rosto passivo mostra que as lembranças ruins se foram e isso
me deixa aliviado.

Depois de chorar feito uma criança diante de Pavel, ordenei que


comprasse uma passagem para mim, partirei hoje para a América e vou
cobrar pessoalmente Mickail pela atrocidade que fez.

Achei que devido a tudo que passou, meu irmão fosse uma vítima
da vida e de pais perversos, no fim, descobri que se tornou um verme muito
pior que os vários que já puni.

Jurei dar à Katrina a vingança que ela merece e o fato de ser meu
irmão seu algoz só me faz querer cumprir ainda mais essa promessa.

Beijo sua testa e acaricio os cabelos espalhados no travesseiro, ela


se remexe, incomodada, mas volta a dormir.

Faço uma mala pequena, não pretendo demorar mais que dois dias,
peço a Pavel para inventar uma desculpa e mantê-la em segurança. Tomei a
decisão de não atender a suas mensagens ou chamadas, a próxima vez que
nos falarmos tudo vira à tona e ainda não quero renunciar ao que temos.

Chego à casa que foi alugada para Mickail, muito mais do que
merece, pensei muito sobre como ele se tornou alguém tão vil e talvez um
dos culpados seja eu mesmo, por protegê-lo e encobrir suas merdas.
— Irmão. Como vai? — Ele abre os braços e vem até mim, quando
me vê parado na sala.

Próximo o suficiente de mim, a raiva domina e acerto seu rosto


com um gancho de direita. Ele cambaleia para trás, parto em sua direção e
ele ergue os braços, na tentativa de me impedir.

— Por quê? — grito, ao segurar pela camisa com as duas mãos. —


Por que fez aquilo com ela?

— Yerik, do que você está falando? — Seus olhos assustados me


encaram, sem entender.

— Katrina Kolyavna! — Solto seu corpo que cai sobre o sofá. —


Você a deu como pagamento naquela noite em que te tirei daquela merda de
casa.

— Você conhece a malêchka?

— Net! Nunca mais diga esse apelido — urro, em protesto.

— Está brigando com seu irmão, sangue do seu sangue, por uma
boceta usada? Ela não significa nada, Yerik! Nada! — Mickail se irrita.

— Ela é tudo! — Corto nossa distância e aponto o dedo próximo


do seu rosto. — Você vai saldar essa dívida com ela, entendeu? Reze para
ela ter piedade e só querer a justiça dos homens.

— Vai me entregar para a polícia, por algo que aconteceu há anos?


Isso não teve a menor importância.

— Para você, seu desgraçado. — Avanço sobre ele, segurando seu


rosto. — Ela está quebrada até hoje por sua culpa.
— Você também esteve lá, irmão. Viu ela deitada na cama e não
fez nada. — Um leve sorriso brota no canto da sua boca.
— Não sabia que se tratava de um estupro. — Solto seu rosto de
novo. — Nem ao menos que era tão jovem. Você é desprezível, Mickail. Eu
errei em te proteger tanto.

— Tenho certeza de que depois de sairmos, ela se divertiu com os


homens.
Estou de costas, minhas mãos tremem, um lado meu grita para
acabar com tudo aqui, dar fim àquela vida fétida, por outro lado, ainda ouço
a voz do meu pai dizendo que ele estaria sob minha responsabilidade
quando partisse dessa vida.

— Zopa! — Volto para ele e acerto mais três socos no seu rosto.
— Você volta hoje para Moscou comigo!
Chamo a segurança e os médicos que mandei para cuidarem dele,
passo as ordens e saio dali antes que faça uma besteira maior.

No mesmo dia, à noite, recebi uma ligação de um dos homens para


informar que Mickail desapareceu do quarto.

Passei duas semanas em seu encalço, contratei homens, pedi


favores a camaradas na Rússia, que não tinham poder para me ajudar na
América. Mickail evaporou completamente, deduzi que fugiu para algum
país de fronteira, com o que tem em sua conta bancária não é difícil de
reconstruir a vida em outro lugar.

Mais uma vez falhei com ela, não poderei lhe entregar seu algoz,
mas ao menos lhe darei a verdade e lidarei com a minha punição por entrar
naquele maldito quarto.
Dias Atuais

— Net... — Katrina sussurra.

Paraliso, sem saber o que fazer, passei duas semanas à procura


dele, pensei que tivesse fugido para algum outro país, colocar os pés em
Moscou só prova o quão perverso consegue ser.
— Quem diria que a minha namoradinha da adolescência se
tornaria cunhada. Malêchka, que mundo pequeno, nem tivemos a
oportunidade de nos despedir.

Ele avança um passo e Katrina recua um, seus olhos assustados, o


corpo encolhido com o medo estampado na face.

Desperto do estado de torpor que fui parar e avanço até ela, lhe
abraçando.
— Sabe que não vai sair daqui livre, não é? — Encaro seus olhos
com a certeza de que não tem escapatória.

— Mesmo? Você se acha invencível, Yerik, pode até ter força


bruta, mas não é tão inteligente. Como acha que saí daquela casa? Sorte?
Seu pessoal se vendeu, meu irmão.
— Irmão? — Katrina empurra meu corpo e se afasta. — Ele é
Mickail? Seu irmão?

— Pelo jeito, você continua lenta para entender as coisas,


malêchka.

— Cala a boca! — grito, quando a vejo se retrair.


— Do que ele está falando, Yerik?

— Ah, ela não sabe? Na noite que nos divertimos naquela festa,
meu irmão esteve lá. Ele te viu na cama.

Katrina abre a boca em choque, seus olhos perdem a vida a cada


segundo e todo o sentimento bom que nutria por mim se apaga por
completo. Arrisco um passo em sua direção e ela recua, até bater as costas
na parede.

— É verdade? — Sua voz é um sussurro estrangulado e as


lágrimas caem livres pelo rosto.

Abaixo a cabeça e sinalizo em afirmação, a partir daqui não tenho


mais coragem de encarar seu rosto, o desprezo e a repulsa não são
sentimentos que estou pronto para lidar. Não vindo dela.

— Talvez tenha sido ali que os sentimentos do meu irmão


despertaram por você. — O escárnio no tom de Mickail acompanhado do
riso jocoso aciona minha ira.
— Dovol'no! Eu vou te matar com minhas próprias mãos. —
Avanço sobre Mickail e acerto um soco na sua boca.

Seu rosto já está marcado pelo nosso reencontro, há duas semanas,


só não o matei de tanto bater por Katrina, queria lhe dar o poder de decidir
o destino desse infeliz.
Seguro sua camisa com uma mão, enquanto a outra bate
furiosamente no seu rosto, sangue jorra do seu nariz e boca, minhas mãos
encharcam e, mesmo assim, não paro.
Ele consegue me acertar um murro, cambaleio para trás, trombo na
mesa de centro e caio sobre ela. Mickail leva a mão até as costas e tira uma
arma de lá, mirando-a em minha direção.

— Pode ficar onde está, irmãozinho. Achou que levaria tudo?


Dinheiro, glória, fama e ainda a garota que já foi minha? — Ele aponta a
arma na direção de Katrina e me desespero.
— Net! Desconte em mim sua ira. O que quer, Mickail? Sempre fiz
tudo por você, nunca o deixei desamparado. O que pretende, vindo até
Moscou? — Minha voz sai mais apelativa do que gostaria.

— Eu nunca deixaria você bancar o príncipe encantado, irmão.


Você é tão fodido quanto eu, mas todo mundo sempre venerou o filho mais
velho, foi cobiçado pela máfia, enquanto eles nem me queriam. Foi adorado
por nosso pai, ergueu um império e me chutou para longe.
— Fiz isso para te proteger da sua própria merda.

— Mentira! Você me queria longe, sempre quis. Agora — ele olha


na direção de Katrina — mais do que nunca.

— O que pretende fazer? — Olho na direção da voz baixa, vejo


Katrina erguer o olhar para meu irmão, colocando sua coragem à prova,
enfrenta seu algoz.

— Assumir tudo que é meu. Esta boate virou uma baboseira, mas
ainda dá lucro. Com os contatos certos, consigo desbancar Cossack e
assumir a cidade.
— Não seja idiota! Acha mesmo que vai conseguir derrubar a
gangue que domina Moscou? — Estou desacreditado, meu irmão não tem
qualquer juízo ou amor à própria vida.

— Já está tudo encaminhado, irmão. Já até enviei um presente para


ele.

— Que presente?
— Um ataque no principal ponto de distribuição de drogas.

— Isso é suicídio — Katrina declara.

— Cala a boca, vadia. Você só sabe abrir as pernas, não entende


nada disso. Aliás, você tem outra serventia, vai sair daqui comigo. — Ele
vai até ela e a segura pelo braço.

— Net! Deixa-a em paz. — Tento levantar do chão, mas Mickail


mira a arma na cabeça de Katrina.
— Quieto, Yerik. Ou você vai errar pela terceira vez com ela e dar
fim em sua vida.

Katrina chora, as lágrimas escorrem sem controle por seu rosto,


isso me faz querer correr e tirá-la das mãos dele. Meu corpo treme, a
adrenalina explode em meu sistema junto do pavor de perder essa mulher.

— Eu te amo... — Vejo-a balbuciar antes de fazer a loucura que


assisto em câmera lenta.
Katrina levanta a mão livre e segura o cano da pistola ao mesmo
tempo que empurra Mickail, que não esperava por essa atitude, para cima
da mesa.
Grito seu nome, desesperado, levanto o mais rápido que consigo,
os dois trombam na mesa e caem no chão, rolando juntos. Antes que eu
possa alcançá-los, escuto o disparo e meu mundo para.

A vida não pode ser tão perversa assim.


Capítulo 51

Estar de frente com meu algoz era algo que não pensei ser possível na vida.
Há anos, perdi o medo de encontrar com Misha, afinal, se ele não me procurou
depois daquela noite, deduzi que havia perdido seu interesse por mim.

Guardei tudo que aconteceu em um lugar profundo da minha mente, usei


da vergonha e culpa para me penitenciar, não julgava possível passar por atrocidade
maior que aquela, por isso me joguei no perigo sem freio, por tantos anos.

O olhar envergonhado de Yerik quando o questionei foi o golpe final para


estraçalhar de vez qualquer chance possível de construir um relacionamento. Irmão
do meu abusador, descobriu sua identidade e ao invés de me contar, resolveu agir à
sua maneira.

Ele esteve lá, viu minha situação, exposta, nua, servindo de objeto para
aqueles homens, uma moeda de paga do próprio irmão. Por que não fez nada? Por
que não o impediu?

Tantas perguntas rondam minha mente, mas quando Misha ergue a arma
em sua direção, sabia que não recuaria. A maldade e sangue frio sempre lhe foi
característico, eu era cega para enxergar, como Yerik é agora.

Apesar de me sentir usada mais uma vez, a exasperação domina meus


sentidos cada vez mais e não posso permitir que Misha tire de mim algo que me fez
bem.

O amor que sinto por Yerik é verdadeiro e genuíno, algo que nunca
experimentei, nem com meu algoz. Passei tempo demais me punindo por amar
alguém que não valia nada, só quando conheci Yerik entendi o que é amar.

Tortuoso ou não, foi ele quem me mostrou o sentido de importância,


proteção, carinho e cuidado. Ele respeitou minha sombra, não julgou meus gostos e
foi paciente com meus limites.
No momento que o cano da pistola encosta na minha cabeça, sinto-me
aliviada, Yerik não estava mais na mira do irmão e isso garantiria sua vida. Deixar
que Misha acabasse com o único homem que amei seria muito pior do que ele
findar minha existência.

Percebi que não havia engatilhado a arma, isso me dava uma pequena
chance, precisava garantir que ele não faria mal a Yerik, mesmo me levando como
refém.

Simplesmente agi.

Busquei dentro de mim o ódio que cultivava há anos, foquei no único


responsável por me quebrar e lutei com todas as forças para desarmá-lo. Misha não
é tão forte, ainda assim, homem e seu preparo físico é melhor que o meu.

Joguei meu corpo sobre o dele, batemos na mesa e caímos no chão,


consegui engatilhar a arma no processo e o fiz apertar o gatilho. A essa altura não
saberia distinguir se foi ele ou eu quem foi atingido.

— Net! Katrina! — Escuto o grito de Yerik longe, um zumbido toma meus


sentidos quando a arma é disparada.

Estou no chão, o cano frio da arma sobre minhas mãos e o corpo de Misha
sobre o meu, ouço seu resmungo baixo e logo é tirado de cima de mim.

— Zólattse mayó...

Yerik me pega em seus braços, mal consigo me mover, olho para o lado e
vejo Misha se arrastando pelo escritório com dificuldade.

— Ele vai escapar — falo baixo, apontando para seu irmão.

— Yebvas! Você está sangrando. — Yerik apalpa meu estômago.

Olho para minhas roupas e vejo uma mancha de sangue sobre elas, mas
nenhuma perfuração. Endireito o corpo, recuperada do choque, e percebo que não
fui atingida.
— Não é meu, Yerik. O disparo atingiu Misha — alerto e busco pelo
infeliz no escritório. — Onde ele está?

— Eu não sei... eu... — Yerik olha para os lados, mas volta a me encarar,
preocupado.

— Eu estou bem. Mande alguém no encalço do seu irmão — ordeno e me


levanto.

— Sim. Tem razão. — Yerik parece recuperar a postura e liga para Pavel.

Pego o rádio comunicador e alerto para que todos barrem Mickail, caso o
vejam na boate. Logo a segurança entra no escritório e Yerik grita as ordens para
acharem seu irmão.

— Vocês estão bem? — Pavel passa pela porta, preocupado.

— Sim, estamos. Tem um furo na equipe, Pavel, ache o vendido e demita-


o. — Yerik trinca a mandíbula, nitidamente irritado.

— Com certeza. Katrina, precisa de alguma coisa?

Os dois voltam os olhos para mim, vejo culpa e remorso em ambos, Pavel
por mentir e, Yerik, por todo o resto. Sorrio com descaso, desacreditada de tudo que
acabou de acontecer.

— Preciso sair daqui. Se puder me fornecer uma carona, serei grata.

— Eu te levo para onde quiser — Yerik se intromete.

— Você já fez o suficiente, Yerik. Prefiro que seja um motorista. —


Caminho até a porta e, ainda de costas, concluo: — Minha saída é definitiva. Não
volto nem para o trabalho.

Desço as escadas acompanhada de Pavel e dois seguranças, passo no


camarim para pegar minha bolsa e logo estou no carro, a caminho da casa de Sacha.

Passei tempo demais aguentando toda essa sobrecarga sozinha, preciso de


amparo, alguém que me ajude a sustentar a dor que dilacera meu peito, só quero
chorar e lamentar na companhia dela.

Ligo a caminho do seu apartamento, por sorte, já voltaram da inauguração


e ainda estava acordada.

— Irmão? — Sacha pergunta, pela quarta vez, depois de ouvir todo meu
relato.

Ao me receber na porta, todo o choro preso na garganta veio à tona e


desabei nos braços da minha prima. Finalmente a máscara de pessoa bem resolvida
e feliz caiu, mostrando todos os pedaços de mim mesma que venho carregando.

— Sim.

— Por que não contou aos seus pais, Katrina? Poderiam ter feito alguma
coisa na época.

— Fazer o que, prima? Eu nem sabia o nome dele, só o apelido. Minha


mãe teria me julgado culpada e talvez eu seja mesmo — falo, mais para mim do que
para ela.

Estou sentada no sofá, pernas e braços encolhidos, fechada em um casulo


particular. Sacha se levantou no meio da história, não suportou ouvir tudo quieta.

— Net! Você é uma vítima. Entendeu? — Ela vem até mim e segura meus
ombros, forçando-me a encará-la. — O importante é Yerik capturar aquele
asqueroso e o levarmos à justiça.
— Mickail tem dinheiro, mesmo baleado tem contatos para se recuperar e
sair de Moscou.

— Com tudo que contou, duvido que essa seja a intenção dele. Vai ficar
aqui comigo, até ser encontrado.

— Net! Já incomodei o suficiente.

— Nada disso, prima. Você vai ficar comigo e com Krigor. Tenho certeza
de que ele não se opõe.

— Claro que não. É bem-vinda, Katrina. Acabei de falar com Danya,


vamos colocar uma guarda reforçada.

— Desnecessário. Ele não quer a mim. Seu objetivo é acabar com Yerik,
ele sim tem que ficar alerta.

— E o que você fará em relação a ele, prima? — Sacha ocupa o lugar vago
ao meu lado ao sentar sobre uma perna de frente para mim.

— Já me demiti. Sigo minha vida e pronto.

— Mas vocês se amam.

— Isso não basta para esquecer o sangue que corre em suas veias, prima —
solto, em lamento, e limpo mais uma lágrima que escorre sem autorização.

— Temos um quarto de visitas que ainda não está pronto, Katrina, mas por
hoje as meninas ficam no quarto principal e eu com o sofá — Krigor anuncia,
mudando o assunto.

— Eu me arranjo por aqui mesmo.

— De jeito nenhum. Vem. Você precisa de banho e roupas limpas. Noite de


garotas, prima. — Sacha levanta e finge animação.

Solto um riso fraco e levanto, acompanhando-a para o quarto, a madrugada


será longa, só quero conseguir dormir e esquecer, por hoje ao menos, que meu
mundo desmoronou mais uma vez.
Acordo no dia seguinte com Sacha pulando na cama, uma música infantil é
entoada na sua voz nada preparada para o canto, cubro a cabeça com o travesseiro,
a fim de abafar aquele horror.

— Hora de levantar, preguiçosa. — Ela sacode meu corpo.

— Me deixa em paz, Sacha — brado, embaixo do travesseiro, mas ela


ignora.

— Nada disso. — Puxa o objeto e arremessa longe. — Levanta, que você


tem visita.
Capítulo 52

Ergo o corpo de imediato, encaro seu rosto risonho, uma ruiva


linda, mas que consegue ser irritante quando quer. Não me lembro desse
comportamento tão feliz, já que há anos lida com os problemas de dívidas e
vício do pai.

Ao menos alguém da nossa família tirou a sorte grande no quesito


amoroso, apesar da história conturbada, ninguém pode negar o quão bem o
Volk fez para essa garota.
— Quem é?

— Levante, lave o rosto e descubra você mesma. Fui. — Ela salta


da cama e sai do quarto.

Quando vasculho o armário da minha prima em busca de algo para


vestir, lembro que preciso buscar meus pertences no quarto que aluguei. Se
terei que passar um tempo indeterminado aqui, não preciso pagar aluguel,
nem poderia, desempregada tenho que cortar gastos.
Respiro fundo, antes de abrir a porta, só duas pessoas poderiam vir
me visitar aqui e torço para que seja a mesma que me trouxe ontem. Tudo
ainda é confuso demais para enfrentar uma possível conversa.

Por fim, tomo coragem e saio, Yerik levanta de imediato do sofá,


em suas mãos carrega um buquê de rosas vermelhas, lindo, vivaz, o olhar
pesaroso me encara, nenhum traço do homem altivo se faz presente.

— Vou deixar vocês a sós. Krigor e eu vamos até o mercado —


Sacha anuncia, assim que me vê. — Ele já está lá embaixo e odeia esperar.
— Ao passar por mim, ela toca meu ombro em sinal de apoio.

— Zólattse mayó... — Fecho os olhos ao ouvir meu apelido.

— O que faz aqui?

— Eu sei que não quer mais nada comigo, Katrina, e não a culpo.
Mas preciso explicar tudo que aconteceu ou vou enlouquecer.

— Qual parte quer explicar, Yerik? A que mentiu sobre saber que
meu abusador é seu irmão ou a parte em que me viu ser estuprada e não fez
nada para impedir? — Despejo toda a repulsa em minhas palavras.
A última coisa que realmente quero é magoar esse homem, mas
não consigo olhar para ele e não enxergar tudo que passei.

— As duas coisas.
— Se isso lhe trará paz, fique à vontade. — Aponto para o sofá que
estava sentado e ocupo a poltrona de frente.

— Trouxe flores. — Ele estende o buquê na minha direção e eu o


pego, sem qualquer delicadeza.

— Estou ouvindo. — Permaneço determinada, minha melhor


defesa será o ataque.

Não quero sucumbir diante dele, não posso dar esperanças de que
tudo será como antes, se nem ao menos sei como me sinto sobre todas essas
verdades.

— Minha ficha caiu sobre quem era o homem que te fez mal
quando chamei Pavel, no dia em que você mencionou os apelidos. Percebi
as semelhanças no apelido dele, que a mãe usava quando era criança, a
forma que te chamava era do mesmo jeito que nosso pai fazia com ela e,
por fim, veio a lembrança daquela casa.
“Eu estive lá, entrei no quarto e te vi. Nunca recordei esse fato com
tantos detalhes, até saber que era você naquela situação. Do mundo que
vim, Katrina, cenas como aquela eram normais. Mulheres se vendiam a
troco de quase nada, usavam drogas e bebidas para entorpecer os sentidos e
cumprir o acordado anestesiadas.

Tive pressa em sair de lá com Mickail, antes que um inimigo me


percebesse, quando entrei no quarto, a vi vendada e nua, pensei que se
tratava de uma prostituta, não dei a devida atenção.

Foi errado e negligente e você não faz ideia do quanto me culpo.


Nunca irei me perdoar por não perceber o que se passava ali dentro. Tirei
Mickail e ao notar o que vinha fazendo, resolvi sair da criminalidade, para
que meu irmão não se iludisse.”

— Pelo visto, não funcionou. — Não consigo mais encarar seus


olhos, desvio para a janela e trinco a mandíbula, segurando o choro.
— Não. Fiquei focado e determinado em reerguer o negócio da
família, meu pai adoeceu e em pouco tempo deixou a responsabilidade por
meu irmão em minhas mãos. Mais uma vez me ceguei e ignorei os sinais.
Julgava Mickail um garoto doente.

— Isso, com certeza ele é.


— Ele é pior. Mickail é maldoso e perverso, só notei isso quando o
confrontei na América. Prometi a mim mesmo que traria seu algoz para
fazer a justiça que calasse seu coração, mas falhei. Ele conseguiu escapar e
achei que seria esperto o suficiente para sumir para outro país.
— Mickail tem inveja de você, Yerik. Não vai parar enquanto não
tirar tudo que lhe pertence.

— Intencional ou não, anos atrás, ele já tirou meu bem mais


precioso, zólattse mayó. — Volto o olhar para ele e vejo o marejar dolorido
se formar em sua íris.

Ele está sofrendo, isso é fato, mas infelizmente eu não posso


acalmar seu coração.
— O que pretende fazer quando pegá-lo?

— Isso você quem vai decidir, Katrina. Se quiser, podemos levá-lo


à justiça.
— E se eu não quiser a justiça dos homens? — questiono.

— Então terá o que acalmar seu coração. É o preço que ele tem que
pagar.
Fico impressionada com a frieza que este homem, que sempre
protegeu e cuidou do irmão, o trata agora. Yerik não é o exemplo de virtude
para cobrar conduta de Mickail.

— Sou um homem egoísta, zólattse mayó. Apesar de Mickail ser


meu sangue, ele feriu algo muito precioso para mim, não pensaria duas
vezes em matá-lo, se isso lhe fizer sentir melhor.
Levanto da poltrona em um impulso, incomodada, caminho até
próximo à mesa, apesar de ansiar com uma paga justa pelo que fez, não
consigo lidar com o poder de decidir seu destino.

Seguro o respaldo da cadeira com as duas mãos, aperto meus dedos


ali, sem perceber, fecho os olhos com força quando sinto a respiração
acelerar.
Um arrepio percorre minha pele quando seu toque sutil atinge o
dorso da minha mão, sinto sua respiração próximo ao ouvido, por um
segundo quero esquecer tudo que nos separa e beijar seus lábios, para que
assim eu encontre um pouco de paz.
— Zólattse mayó — murmura, como se tratasse de um segredo.

Giro meu corpo no lugar, incentivada por suas mãos que subiram
para meus braços, seu dedo indicador ergue minha cabeça e finalmente abro
os olhos.

Uma miríade de sensações que me habitam se mistura com o mar


de emoções que seus olhos transpassam. Explodo com a necessidade, jogo
tudo para o alto e puxo sua boca de encontro à minha.

Gememos em uníssono, consumidos pela falta, uma saudade que


transcende e o desejo de que todo esse pesadelo não passe de uma
brincadeira do destino.
Nos devoramos através do beijo, suas mãos apertam em torno da
minha cintura e cola nossos corpos ainda mais. Puxo sua nuca para perto,
chego a morder seu lábio, tamanha a ânsia de gravar esse contato na
memória.

Ainda não satisfeita, mas com a razão um pouco mais alinhada,


findo o beijo e encosto a testa no seu peitoral. Ouço sua respiração
ofegante, assim como a minha, o toque da minha palma em seu peito me
permiti sentir o tamborilar frenético do coração.
— Jurei te deixar partir quando quisesse, zólattse mayó, e não vou
quebrar a promessa. — Encaro seus olhos de imediato. — A próxima vez
que tiver notícias, será através de Pavel com informações sobre Mickail.

— Yerik... eu não estou pronta...


— Não precisa dizer nada, zólattse mayó. Eu sei. — Um beijo
carinhoso é depositado na minha testa e, por fim, se afasta. — Cuide-se.
Manterei meus homens perto, mas sem importuná-la. Pavel fez uma ótima
carta de recomendação para você. — Ele ergue um sorriso de lado. —
Parece que você conquistou aquele velho exigente.
— Parece que sim — concordo, sem jeito.

— Adeus, zólattse mayó.

Minha vista nubla, não consigo responder a tempo, já que Yerik sai
porta afora, como se fugisse de um perseguidor.

Escorrego o corpo até o chão e ali me entrego mais uma vez ao


choro, minha única companhia e conforto para a merda que a vida resolveu
fazer com minha existência.
Capítulo 53
Só diminuí o ritmo apressado quando pisei dentro do clube, não
poderia correr o risco de voltar e implorar por seu perdão. Katrina passou
por coisas demais para ser forçada a ter complacência agora.

Foi maravilhoso sentir o sabor do seu beijo uma última vez, um


bônus, depois da despedida de ontem. Muito mais do que eu merecia, no
fim das contas.

Subo direto para o escritório, preciso me concentrar em Mickail,


Katrina só verbalizou o que tenho ciência, acabar comigo é o objetivo dele,
por isso sei que em algum momento vai procurar por ela.

Mickail percebeu o que é evidente aos olhos de todos, a mulher


que foi sua vítima é meu ponto fraco, atingi-la será a forma mais eficaz de
me destruir e não irei permitir seu sucesso.

— Alguma novidade? — Assim que abro a porta, vejo Pavel atento


ao celular.

— Ainda não, mas obtive informações de encontros entre Mickail


e uma gangue rival ao norte da Rússia, um pouco antes de você interditá-lo.

— Cossack já entrou em contato?

— Net! Está em silêncio.

— Então, terei eu que marcar um encontro.

— Tem certeza disso? Sabe que ele vai aniquilar Mickail.

— Meu irmão cavou a própria cova, mesmo que eu o quisesse


vivo, isso não é mais opção.
Pavel tem uma expressão confusa, em seus ouvidos deve soar
estranho não me importar com o destino fatídico da pessoa que passei anos
protegendo de si mesmo.
— Sobre os funcionários, o que descobriu? — Levanto a outra
questão que tem me incomodado.

— Todos na América estavam comprados, incluindo os


enfermeiros. Aqui, o chefe da segurança encontrou um bolo de dinheiro
com um dos novatos.
— Ótimo. Demita o chefe da segurança, seu trabalho consiste em
ler pessoas e manter meu negócio, assim como eu, protegidos. Quero todos
os funcionários contratados recentemente na rua e, se algum com mais
tempo teve qualquer tipo de amizade ou ligação com Mickail, quero fora
também.

— Tak! E o novato?
— Uma lição para aprender a quem ser fiel já basta.

Pavel sinaliza de acordo e sai para cumprir minhas exigências. Não


vou admitir ter uma falha no ponto que mais prezo em meus negócios.

O celular toca e olho o visor, solto o ar com pesar ao atender.

— Yerik.
— As coisas estão complicadas para o seu lado, camarada. — O
tom jocoso presente. — O que seu irmãozinho fez não tem perdão.

— Sei disso, Russell. Não estou preocupado em esconder Mickail,


na verdade, quero encontrá-lo.
— Cossack também quer e te aconselho a mostrar solidariedade
ao homem ou você e a sua garota podem sair penalizados.

— Ele disse alguma coisa? Katrina está na casa de Sacha e Volk.

— Estou ciente, colombiano, Cossack também está. Não tenho


informações valiosas para você desta vez, minha ligação é só um alerta do
que está por vir.
— Agradeço por isso.

— Um dia você me retribui.

A ligação fica muda, solto o corpo sobre a cadeira, preciso agir


rápido e trazer Cossack a meu favor, antes que ele inclua Katrina e a mim
na sua caçada a Mickail.

É noite quando entro no galpão mal iluminado, vim sozinho,


Cossack não tem o sorriso cínico nos lábios, como é costumeiro, desta vez
encontro um homem tomado pela raiva.

— Se quer intervir por seu irmão, colombiano, pode esquecer. Na


realidade, eu poderia começar minha vingança por você.
— Não estou contra você, Cossack, pelo contrário. Quero
encontrar Mickail também.
— Sabe que isso significa a morte dele, não é?

— Sim. Eu sei.

Cossack passa um tempo medindo meu perfil, escaneando em


busca de respostas para as perguntas que rondam sua mente.
— O que ele fez? — O homem muda o semblante, curioso com a
minha aceitação.

— Atacar seu posto de distribuição não é o suficiente?

— Não espere que eu acredite que você tomou minhas dores,


colombiano.

— Tenho meus motivos e isso é o suficiente. Você o quer morto, eu


não me importo com seu destino, desde que seja achado e contido.
— Pois bem. Espero que não seja um truque seu, pois eu acabo
com aquela garota, caso você esteja me enganando.

— Deixe Katrina fora disso.


— Não teste minha paciência, colombiano. — Ele avança um
passo e seus homens empunham as armas na minha direção. — Estou
cansado da sua família de merda.

— Vou encontrar Mickail e entregá-lo a você. Tem minha palavra.

— Tak! Espero que não me decepcione, colombiano. Você tem


vinte e quatro horas.
Saio do galpão, preocupado, preciso tirar Katrina de Moscou
imediatamente. Confiro o celular quando entro no carro, diversas ligações e
mensagens perdidas de Pavel. Sinto meu coração acelerar temendo o pior.

— O que houve? — questiono, assim que Pavel atende.


— Katrina sumiu.

— Chyort voz'mi! Como isso foi acontecer?

— Enquanto buscava seus pertences no antigo quarto alugado.


Nossos homens a seguiram, a prima e Volk estavam junto, mantivemos uma
distância segura, mas ela desapareceu do quarto.
— Net! — Bato a mão no volante repetidas vezes. — Tem alguma
pista?

— Net!
Encerro a chamada e jogo o celular no banco ao meu lado, minha
respiração está ofegante, a ira me consome, o desejo de enforcar Mickail
com minhas próprias mãos é latente, mas nada se compara ao medo do que
possa fazer a ela.

Quantas vezes mais irei falhar com a mulher que amo?

Dirijo sem rumo, vou a alguns lugares que Mickail costumava


frequentar, mas nenhum sinal dele. Mostro a foto de Katrina, pergunto,
questiono, pareço um maluco, tomado pelo desespero, mas não consigo
nada que me leve a uma pista.

Entro na casa do meu pai, tenho ódio de tudo, a necessidade de


extravasar a ira me faz chutar e quebrar vários móveis da sala. Arremesso o
primeiro vaso contra a parede e em seguida acerto meu pé na pequena mesa
de apoio, partindo-a ao meio.
Passo pela mesa de jantar, apoio as mãos no meio dela na parte de
baixo e puxo, virando-a sobre as cadeiras na outra ponta. Urro, tomado pela
impotência, ele não pode conseguir o que quer, não dessa maneira, não a
sacrificando.
Abro a porta do escritório com rispidez que bate contra a parede,
vou direto até a garrafa de vodca e sirvo um copo generoso. Ingiro alguns
goles, o líquido desce pela garganta aquecendo todo o canal, sento na
cadeira e começo a abrir as gavetas da mesa.

Sem saber direito o que estou fazendo, abro uma após a outra,
batendo-as ao fechar, não existe nada aqui que me leve a encontrar Katrina,
mas não consigo ficar parado, estou de mãos atadas e isso me enlouquece.

Pronto para fechar a última gaveta, a ponta de uma fotografia


chama minha atenção, puxo em meio aos papéis, havia me esquecido da sua
existência por todos esses anos.
Na imagem, estou ao lado do meu pai e Mickail na outra ponta,
estamos em frente ao antigo bar, dias antes de ele descobrir a doença e ficar
acamado. Encaro a foto por tempo demais, aliso com o polegar sobre o
rosto do meu irmão, naquela época eu o julgava um pobre coitado e não
fazia ideia da merda que havia feito com Katrina.

Quando meu pai morreu, fechei o lugar, com o auxílio de Pavel


procurei por um galpão mais bem localizado, juntei minhas economias, fui
até o banco e financiei o restante. A partir dali enterrei o bar, o passado e
foquei em tornar o Clube Lenusya algo importante.
O bar permaneceu fechado por todo esse tempo, nunca mais voltei
lá e nem me importei em cuidar da manutenção. Sempre quis colocar à
venda, mas Mickail não permitiu, ele dizia que era a lembrança de seus pais
e eu não iria contra sua vontade.

Uma luz se acende na minha cabeça, como não pensei nisso antes,
levanto apressado e corro para a saída. Lá é o único lugar que Mickail
poderia estar, sem precisar gastar dinheiro ou se registrar.
Capítulo 54

Estaciono a uma quadra do local, tenho certeza de que me aguarda,


ele sabe que cedo ou tarde pensaria no bar como seu refúgio. Só espero não
ter chegado tarde demais.

Entro pelos fundos, a porta que dá acesso à área de manutenção, o


lugar cheira a poeira e está sujo, sem iluminação preciso ser cauteloso para
não descobrir minha presença.

— Não sei o que viu no meu irmão, malêchka. Sou muito melhor
que ele. — Ouço sua voz distante, devem estar no salão.

— Você não chega nem aos pés de Yerik — Katrina rebate, com
desprezo.

— Cala a boca! — Escuto um som estalado e o gemido de Katrina


em seguida. — Você é uma idiota, que não sabe de nada.

Acelero os passos, sem cuidado algum, acabo esbarrando em um


objeto no caminho que rola e denuncia minha presença.

— Ah... parece que meu irmão resolveu nos visitar, malêchka. —


Por trás da pilastra, vejo Mickail girar com os braços abertos e uma pistola
em uma das mãos. — Aparece, Yerik, ou ela morre. — Ele fica sério e mira
a arma em direção à Katrina.

— Estou aqui. — Saio do esconderijo e Mickail me torna seu alvo.

Ele pressiona uma mão na cintura, o corpo levemente curvado


mostra que sente desconforto, provavelmente é onde foi atingido ontem, o
que me leva a crer que está sob efeito de drogas para aguentar ficar de pé ou
o tiro foi de raspão.

— Net! Yerik, sai daqui — Katrina protesta, amarrada a uma


cadeira de madeira.

— Está tudo bem, ele quer a mim. — Sinalizo para que fique
calma.
— O poderoso colombiano rendido por uma boceta usada.
Sinceramente não esperava isso de você, irmão. Sempre foi egoísta demais
e focado em fazer seu nome para sequer olhar para o lado.

— Sempre me importei com você Mickail, o que diz não é


verdade.

— Você sempre gostou de mandar, Yerik. Dar ordem a todos e ser


venerado por seu nome.

— Eu abandonei aquela vida por você. Não queria ser um mau


exemplo.

— Mentira. Você teve o que sempre almejei. Nas ruas, só se falava


do colombiano, o quão bom você era e que misteriosamente largou tudo.
Todo mundo ansiava por sua volta, até Cossack.

— E o que espera de mim, irmão? Fiz o que fiz, saí enquanto era
tempo e construí outra vida. Você teve toda a chance de participar dela,
nunca te excluí desse sonho.
— Seu sonho! — Ele chacoalha a arma na minha direção,
descontrolado. — Eu sempre quis ser grande, nosso pai fazia questão de
mostrar o quão maravilhoso o filho mais velho era e a mim... sobrava a
pena.
— Agora você é adulto, Mickail, pode fazer e agir como queira.
Ser muito melhor que ele.
— E eu serei. Melhor que ele, melhor que você. Imagina a minha
glória nas ruas quando souberem que matei o colombiano que, por sinal, é
meu meio-irmão. Serei invencível e temido.

Vejo a inveja tortuosa que sente escorrer por suas palavras e olhar,
é nítido que esse desejo sempre esteve ali e em algum momento Mickail me
apunhalaria para assumir o que ele supostamente julga que tenho.
— Se é isso que quer, tudo bem. Eu aceito. Mas solte ela. Katrina
foi sua vítima e eu a trouxe de novo para perto de você. Só a deixe ir, não
quero carregar mais uma conta nas costas.

— Não sei. Você está desarmado e eu não. Tenho tudo para acabar
com os dois, afinal, ela é uma testemunha.
— Considere o pedido de um moribundo. Deixe-a sair daqui.

Mickail coça a cabeça com o cano da arma, pensativo, solta uma


lufada de ar, descontente.

— Tak! Tanto faz — concorda por fim e sinaliza com a arma para
eu ir até ela.

Caminho, devagar, até onde Katrina está amarrada, abaixo um


joelho no chão e começo a desfazer os nós das cordas. Ouço seu chiado
baixo e encaro seus olhos por um minuto, ela chora em silêncio.
— Zólattse mayó... Vai ficar tudo bem. Acredite — sussurro, ao
tocar seu rosto.

Sua cabeça pende na minha palma e ela fecha os olhos. Sua boca
treme, na tentativa de conter o choro, apesar de tudo, minha garota tenta se
manter forte.

— Não faz isso... Ele vai te matar... — Ela encara meus olhos, com
pesar.

— Assim que estiver livre, corra para os fundos. Está escuro, mas
siga em frente que verá a porta de saída — dou as instruções, enquanto
finalizo a tarefa.
Katrina segura meus braços quando está liberta, sorrio em resposta
e beijo sua testa com carinho.

— Chega dessa cena, isso fere meus sentimentos, malêchka. —


Mickail se aproxima e Katrina o encara odiosa.
— Vá — ordeno, me colocando de pé.

Katrina reluta, indecisa entre sair ou não, mas eu a empurro em


direção à retaguarda do bar, enquanto mantenho o olhar na mira de Mickail.
— Que bonitinho, dando a vida pela mocinha. Sabe que nada disso
vai adiantar, não é? Sabe que, assim que estiver morto, posso muito bem ir
ao encalço dela.

— Sei, mas não queria que ela me visse morrer. Preciso saber que
lhe dei uma chance de sobreviver.
— Seu lado poético me causa ânsia, Yerik. Aonde vai?

Mickail fica alerta quando me vê caminhar até próximo das


janelas, na frente do bar. Estão sujas, a visibilidade é pequena, mas é a
única chance que tenho, preciso confiar que o atirador acertará o alvo no
momento certo.
— Nada. Só me lembrando de quando cheguei aqui, na Rússia.
Estava com raiva e magoado, minha mãe me chutou por outro homem,
mesmo que eu entenda sua necessidade de segurança e estabilidade, não
consegui conter o sentimento de ser desprezado.
— Tivemos pais fodidos, isso é verdade — Mickail concorda e
para de frente para as janelas.

As luzes externas iluminam melhor esse ponto, se existe a


possibilidade de ele ser abatido, é aqui.

— Quando cheguei ao bar e vi do que se tratava os negócios do


pai, pensei que havia encontrado o paraíso. Passei meses me fartando das
bocetas das prostitutas, experimentei muita merda, mas elas nunca me
satisfizeram tanto quanto estar nas ruas.

— O que é isso? Seu discurso fúnebre?


— Net! Mas deve ser normal um filme da própria vida passar
diante dos olhos de alguém quando está prestes a morrer.

— Então chegou a hora, irmão. Suas últimas palavras... — Um


brilho vitorioso tintila em sua íris.

— Tudo na vida existe um preço, um acerto de contas, Mickail. —


Ergo as mãos em sinal de rendição. — Um dia, o meu vai chegar, com
certeza, mas hoje, é você quem vai pagar por suas escolhas.

Mickail fica sério, assim que termino de falar, salto ao jogar meu
corpo para o lado, fechando os braços em torno da cabeça.
Ouço o vidro estilhaçado e um baque no chão, praticamente ao
mesmo tempo, ao abrir os olhos fito os seus, estático. Um tiro perfeito no
meio da testa verte um pouco de sangue.
— Yerik! — Levanto, apressado, ao ver Katrina correndo até mim.

— O que faz aqui? Eu disse para correr. — Ela fecha os braços em


torno do meu pescoço.

— Não poderia deixar aquele monstro te matar.


— Venha, vamos sair daqui. — Afasto seu corpo e seguro uma
mão.

— Quem fez isso? — Katrina questiona, ao encarar uma última


vez o corpo de Mickail no chão.
— Os homens de Cossack.

— Foi você que os chamou?


— Sim.

— Sinto muito. — Ela torna a abraçar minha cintura.


— Não sinta. Ele fez suas escolhas e pagou por isso. Assim como
eu fiz as minhas, há anos, e tenho que lidar com a paga de uma forma ou de
outra.
— Obrigada por me salvar. — Seu olhar é de puro alívio e não
posso culpá-la.

Katrina precisa de paz para seus tormentos, quem sabe a morte do


seu algoz seja o começo de um novo ciclo.

— Você sempre será minha prioridade, zólattse mayó.


Capítulo 55

Sirvo outra dose de vodca para o bêbado à minha frente, quase


tomo mais uma, mas pelas minhas contas estou no limite entre dormência e
embriaguez, se Sacha perceber que estou alterada, dará seu sermão chato e
entediante.

Quer me dar lição de moral, mas fez tão errado quanto eu, quando
foi obrigada a se afastar do Volk. Se aliou ao inimigo dele e o tratou com
descaso, tudo bem que a causa era válida, mas foi tão desgastante quanto
estou sendo agora.

Faz uma semana que trabalho no Zolotaya Vobla, onde Sacha


gerencia, confesso que ver sua desenvoltura e empenho no trabalho me
deixa ainda mais orgulhosa dessa ruiva.

Também faz uma semana que estou ruindo por dentro, só encontro
conforto na bebida, ao ponto de ficar desligada do mundo e esquecer que
Yerik sumiu, mais uma vez.

Depois daquela noite fatídica, viemos direto para o apartamento de


Sacha, que estava enlouquecida à minha procura e Krigor enlouquecido
com ela por ter pedido ajuda a Russell. Parece que mesmo se acertando, a
rivalidade ainda permeia esses dois.

“— Ainda bem. Achei que estava morta. — Sacha me puxa para


seus braços, assim que entro no apartamento.

Yerik me trouxe direto para cá, permanecemos em silêncio por


todo trajeto, vivenciando na mente os últimos acontecimentos, não sei por
onde abordar qualquer questão entre nós.

Não posso afirmar que lamento a morte de Mickail, dureza ou


vingança, sua morte me proporcionou um alívio que nem mesmo sabia que
precisava. Anos de angústia e frustração foram parcialmente saciados.

Por outro lado, é o irmão que Yerik tomou como objetivo proteger,
o único parente que lhe dava a sensação de família, para no fim perceber
que o sentimento não era mútuo.

— Estou bem, Yerik chegou a tempo. — Encaro o homem ao meu


lado de soslaio.

— O que aconteceu com o rapaz? — Krigor cruza os braços na


altura do peito, interessado no desfecho.

Baixo a cabeça, não quero tocar nesse assunto, já tenho o suficiente


para reviver na memória por muito tempo.

— Morto. — A voz grossa de Yerik se faz presente e eu o encaro,


mais uma vez.

— Preciso avisar Russell que você está bem. Quando sumiu


daquele apartamento, entrei em desespero — Sacha tenta desconversar e
amenizar o clima fúnebre na sala.

— Você não precisava chamar aquele lutador. — Krigor torce os


lábios, desgostoso.

— Não começa com isso, Volk — Sacha rebate, girando os olhos.

Se a situação não fosse tão complicada, estaria rindo dos dois.

— Eu preciso ir — Yerik anuncia, ao virar em direção à saída.

— Te levo até a porta. — Sigo em seu encalço.


Minha mente processa milhões de coisas para dizer, algo que possa
livrá-lo desse peso que sustenta desde que entrei no bar novamente e vi
Mickail caído sem vida no chão.
— Yerik... eu...

— Não diga nada, zólattse mayó. — Ele se volta para mim, que
parei sob o batente. — Tome cuidado.
Suas mãos seguram meu rosto e ele beija com delicadeza minha
cabeça. Sinto uma lágrima escorrer pela face sem que possa controlar, não
quero me despedir e ao mesmo tempo não tenho coragem de pedir que
fique.”

Volto para a realidade dura e fria, entendo perfeitamente seu


afastamento, quando tudo se revelou passei a associar sua imagem ao meu
algoz, involuntariamente, hoje é ele quem me liga à morte do irmão.
Recolho algumas garrafas de bebida que o garçom deixou sobre o
balcão, as dispenso de forma displicente na caixa de reposição e a
empunho, rumando para o depósito.

Ao passar entre um espaço e outro trombo com Lenusya,


funcionária e braço direito de Sacha no bar. Se não bastasse minha mente
para atormentar meus pensamentos em torno daquele russo, ainda tenho
essa mulher com o mesmo nome do clube, só para mexer ainda mais com
meu juízo.
— Olha por onde anda, garota — aviso, quando desvio dela.

— Desculpe.
Entro no depósito e solto a caixa sobre a pilha de engradados
usados, balanço a cabeça em negação, não deveria soar tão ríspida com ela,
afinal, não tem culpa dos meus problemas.

— Ainda irritada? — Olho para o lado e vejo Sacha no fundo do


depósito, com uma prancheta nas mãos.

— Precisamos arrumar um apelido para sua funcionária. —


Aponto com o polegar para a saída.
— Ele ainda não deu sinal de vida? — Sacha cruza os braços com
a prancheta junto ao peito e caminha até próximo de mim.

— Net — solto e o tom de lamentação está presente.

— É uma situação complicada, Katrina. Ele entregou o próprio


irmão para salvar você.

— Eu sei. Por vários motivos, o irmão dele sempre será a sombra


entre nós dois.
— Isso prova que mesmo morto, ele conseguiu o que queria. —
Encaro Sacha, confusa. — Misha ou Mickail, tanto faz, queria destruir
Yerik e, de certa forma, conseguiu. Vi a forma que estava quando te trouxe,
devastado.

— Sim...
— Ao invés de ficar bebendo às escondidas, por que não vai até o
clube?

Arregalo os olhos, fitando sua imagem tranquila, por mais que o


tormento esteja me consumindo pouco a pouco nunca cogitei a hipótese de
ir atrás. Acho que só o esperava aparecer, como das outras vezes, me
tomasse para si e pronto.
— Não sei se é uma boa ideia. Ele não me procurou, talvez esteja
com raiva e...

— Katrina, minha prima. Pare de inventar desculpas para si


mesma. Você o quer, sente saudade, tem muita merda no meio do caminho,
é verdade, mas vocês podem superar isso, se realmente quiserem fazer dar
certo.

— Tem razão! — Pela primeira vez durante esse tempo, sinto uma
ponta de esperança brotar.

Marcho em direção à porta, enquanto desfaço o nó do meu avental,


que dispenso sobre o balcão, assim que passo por ele, afoita.

Observo dois homens truculentos, sentados na última mesa no


canto mais distante do bar, sei que são os seguranças que Yerik deixou para
meus cuidados, pelo visto, o russo não quer me ver, mas ainda cuida da
minha proteção.
— Quero ver Yerik — anuncio, assim que chego à mesa.

Ambos me encaram, depois trocam olhares significativos e voltam


a me fitar.

— Nós estamos aqui para fazer sua segurança e...

— Tudo bem. Vou sair sozinha por aquela porta e pegar um carro
qualquer. Yerik vai ficar muito feliz se eu chegar ao clube dessa forma. —
Giro o corpo em direção à saída e caminho, determinada.
Quando já estou na rua, um deles me para e sinaliza para o carro
estacionado do outro lado da calçada. Sorrio, vitoriosa, meu coração
começa a tamborilar descompassado e aquele típico frio na barriga de
ansiedade me invade.
Ainda não tenho todas as respostas para os questionamentos que
martelam sobre como esse relacionamento poderia funcionar, entretanto,
acima de qualquer dúvida ou dor está o que sinto por ele.

Ao entrar em seu escritório, o cheiro amadeirado misturado ao


tabaco invade minhas narinas, meu coração aquece com as lembranças,
fecho os olhos por um instante e sinto-me protegida, cuidada e amada.

Se tenho certeza do meu amor por Yerik, percebo agora que a


convicção dos seus sentimentos por mim é ainda maior. Aquele homem fez
tudo que pôde para me tirar da sombra que me enfiei e isso só me faz amá-
lo ainda mais.

Infelizmente encontro o lugar vazio, vou até a área reservada e não


o vejo lá, aproveito para analisar todo o ambiente à sua procura, escaneio a
multidão na esperança de encontrá-lo.

Afino os olhos quando vejo uma nuca vigorosa, cabelos bem


curtos, costas largas e duas mãos femininas entrelaçadas sobre ela. Meu
coração falha uma batida, não acredito que o svolach está se consolando
com bocetas aleatórias, enquanto sofro por ele.

Corro até as escadas, invado a multidão, determinada, hoje farei


um cozido com as bolas desse homem. Empurro algumas pessoas na pressa
e ouço protestos em resposta, que ignoro.
Fico na ponta dos pés e consigo ver seu perfil do mesmo jeito,
aproveitando o momento com uma qualquer, avanço perseverante e quando
o alcanço, puxo seu ombro com força, o que faz ambos se separarem.
Capítulo 56

A mulher me encara, chocada, o homem, que descobri não ser o


Yerik, está confuso, provavelmente me achando uma louca. Peço desculpas
e me afasto o mais rápido que consigo.

Ocupo uma banqueta próxima ao bar, o atendente que já me


conhece serve duas doses de vodca e, resignada, aceito.

— Procurando por Yerik? — Olho para o lado e vejo Pavel.


— Sim. Ele não veio hoje?

— Net! Yerik não voltou desde aquela noite. Enviou uma


mensagem, dizendo que iria viajar.

— Viajar? Para onde? — Fico desesperada.

— Não deu detalhes, mas ele é assim. Yerik age e depois


comunica.

— Acha que ele vai voltar?

— Sim. Ele não deixaria seu bem mais precioso para trás.

Percorro o olhar pelo clube, de fato ele conquistou algo grande


demais para simplesmente abandonar agora. Provavelmente só está vivendo
um momento de reflexão para retomar os negócios.

Quando volto a olhar para Pavel, seus olhos estão fixos em mim e
um sorriso fraco enfeita seus lábios.

— Eu estou falando de você, Katrina.


— De mim? — Aponto para meu peito — Net. Yerik cumpre suas
promessas e ele jurou me deixar ir.

— A pergunta é: você realmente quer ir?

Baixo os olhos para meus dedos, que brincam de forma inquieta,


não respondo sua pergunta, é desnecessário, já que eu estou aqui, em seu
território, depois de tudo que aconteceu.
— Vi que comprou uma passagem para a Colômbia, ida e volta —
Pavel solta, como se não fosse nada.

— Ele foi atrás da mãe?

— Bem provável.

— Mas o que ele foi fazer lá? — pergunto, intrigada.


— Curar suas mazelas. A mãe agora é o que lhe restou e a mágoa
que Yerik carregava era grande. Focar no irmão foi uma forma de aplacar
essa dor.

Balanço a cabeça em afirmação, um pouco desacreditada, ainda


incerta, mas com certeza orgulhosa da sua atitude. Ainda que distante, Yerik
me passou um ensinamento que até agora não cogitei aprender.

Despeço-me de Pavel, os seguranças que ainda cuidam da minha


proteção me levam de volta para o bar. Passo o resto da noite quieta e foco
em ajudar Sacha a encerrar a noite e fechar o lugar.

Se antes meu tormento era não ter Yerik por perto, agora é estar
liberta para quando o encontrar novamente. Preciso me conectar ao passado
e resolver minhas dores, só assim estarei pronta para viver a vida de
verdade.
Mais uma semana transcorreu, dessa vez mais tranquila e
informativa, ao menos para mim. Passei todos esses dias enfurnada no
apartamento da minha prima, pesquisando sobre o abuso contra mulheres.

Por todos esses anos, sempre me neguei procurar auxílio médico e


terapêutico, a vergonha misturada ao medo de parecer uma fracassada
perante todos me inibiu de tratar algo que realmente me machuca.

A morte de Mickail foi uma libertação de certo modo, ainda assim,


não é o bastante para curar as marcas do que ficou e hoje tenho ciência
disso.
Encontrei um pequeno lugar que fica no subúrbio de Moscou e
funciona junto a um monastério. Em quatro anos, já recebeu mais de
trezentas mulheres e crianças que sofreram violência. Hoje, tem apoio de
empresas privadas e presta auxílio médico, jurídico e psicológico para elas.
O local fica no fim de uma estradinha típica e afastada da grande
civilização. Uma casa modesta, sala e cozinha integradas, na parte de cima
os quartos que abrigam várias dessas mulheres negligenciadas pela
sociedade como um todo.

Apesar de a mulher na Rússia ter ganhado tanto espaço nas grandes


empresas, sendo hoje inseridas como executivas, empreendedoras e
empresárias, a sociedade conservadora acredita que dentro do lar ela deve
obediência ao seu marido.

A lei que descriminalizou a palmada só fez aumentar ainda mais os


casos de violência doméstica. Médicos e policiais, quando procurados para
atender a uma emergência, deixam claro que essas questões devem ser
resolvidas dentro do lar.

O centro que visito hoje tem um ar tão aconchegante e acolhedor,


nem parece que sofre intimidação dos maridos abusivos que quando
encontram suas mulheres não medem esforços com ameaças ao lugar, assim
como a elas.

A diretora me recebeu muito bem, seu nome é Alina, quando liguei


fui direto ao assunto, contei parcialmente o que aconteceu comigo, ocultei o
final, o qual o homem que amo matou o meu algoz, que era seu irmão.

Há coisas que devem ficar onde pertencem e com quem é de


direito.
Marquei uma visita, não comentei com ninguém, sabia que os
homens de Yerik me seguiriam, o que me manteria protegida.

Aqui há várias regras de segurança, todas as mulheres devem


assinar um protocolo que está listado tudo que devem obedecer. Uma das
regras é desligar o celular, no fim optei por nem trazer o meu.
Antes de sair para a área externa que fica no fundo, vejo algumas
caixinhas acopladas nas paredes, Alina explicou que se trata de um sistema
de emergência. Quando acionado, chama a polícia, neste caso eles atendem
a ocorrência por se tratar de um invasor.

Observo algumas câmeras espalhadas pelos cômodos, apesar de


um ambiente simples e acolhedor, nos detalhes ainda é possível ver o medo
que assombra essas pessoas.

— Seja bem-vinda à nossa casa. — Alina mostra, orgulhosa, um


quintal com um caminho para uma espécie de galpão.

Não é tão grande, a estrutura não é das melhores, mas o carinho


com o qual fala, faz parecer o melhor lugar do mundo, como se lá dentro
tudo se resolvesse.
Ela me acompanha, confesso que a ansiedade cresceu
exponencialmente, até poucos minutos atrás minha determinação em tratar
meus traumas era vivaz, mas estar tão perto disso me deixa assustada.

— Não tenha medo. Todas temos um passado. — Alina alisa


minhas costas, antes de entrarmos.
Concordo com a cabeça e tomada por seu incentivo dou o primeiro
passo para tratar meu passado. Sei que ele não vai se apagar e nem pode, as
cicatrizes que carrego são partes do que eu sou, só quero que parem de
machucar e adormeçam no tempo que ficou para trás.

Vejo um grupo de vinte mulheres sentadas em uma roda, elas


conversam, animadas, não parecem estar ali para tratar problemas abusivos,
uma delas se levanta e me encara.

— Seja bem-vinda, Katrina. Pode se sentar.

— Eu só vim olhar... — respondo, acanhada.


Cruzo os braços na altura do peito, enquanto todas me fitam em
expectativa.

— Não se preocupe. Você fala quando estiver pronta. — Ela sorri


amistosa e aponta para uma cadeira vazia.
Engulo o bolo que se formou na minha garganta e caminho
vagarosa até o lugar indicado. Já sabia que o processo não seria fácil, expor
suas fraquezas é sempre difícil, te torna ainda mais vulnerável, entretanto, é
isso que te fortalece no final.
Enxergar onde falhou te permite não errar novamente.

— Vamos começar nos apresentando, Katrina é nova e precisa


sentir que estamos no mesmo objetivo aqui. Sou Dária, aqui não nos
apresentamos de forma convencional, é estranho no começo, mas
entendemos que somos uma família, nos ligamos por um mesmo objetivo,
por isso não é necessária tanta formalidade.

— Tudo bem.

— Posso começar? — Uma senhora ergue a mão e tem o aval de


Dária. — Sou Olga, tenho cinquenta e dois anos, e passei metade deles
sendo subjugada. Apanhava todas as vezes que respondia, falava ou
discordava do meu marido. Há um ano, tomei coragem de deixá-lo. Meus
filhos foram contra, os ameacei com um cabo de vassoura quando vieram
me persuadir a voltar.

Apesar de o relato ser triste e opressor, conforme Olga fala e a


leveza com que trata, eu e várias mulheres acabamos rindo. Claro que isso
dura muito menos do que as lágrimas vertidas, às vezes conscientes e às
vezes sem intenção.

Assim que a reunião termina, Alina, que permaneceu presente por


todo o tempo, me acompanha até a saída, ao longe ela vê um carro com dois
homens dentro.

— Preciso chamar a polícia — anuncia, alarmada.


— Calma, eles são minha segurança. — Sua testa enruga. —
História complicada demais para explicar agora.

— É proteção ou inibição? — Suas mãos seguram as minhas,


preocupada.

— Proteção, tenha certeza. Estou aqui por incentivo dele, mesmo


que não saiba. — Solto um riso que não alcança os olhos.
Mesmo sem entender direito, Alina me convida a voltar, passa a
programação das atividades e prometo entrar em contato. Hoje fui uma boa
ouvinte, escutei a história de várias mulheres, que igual a mim, foram
enganadas, forçadas, ludibriadas, oprimidas e caladas pela agressão física e
sexual.

Um dia espero ser a narradora, mas por ora me contento em


partilhar o peso desses sentimentos de forma coletiva. Sentir que faço parte
de algo maior, que luta por um direito que é básico do ser humano,
independente de gênero, sexo, opção ou crença, me faz querer seguir em
frente.
Capítulo 57
Encontrá-la depois de tantos anos, não foi uma tarefa fácil, porém,
mais simples do que orquestrar a morte do meu próprio irmão.

Dona Lourdes continua com os mesmos trejeitos, o tempo lhe


cobrou o peso na aparência, assim como faz com todos, mas seu semblante
transparecia tranquilidade.
Chorou muito quando me viu diante da sua porta, com a mão
trêmula tocou o colar que me deu, pouco antes de ser enviado para a Rússia,
e tenho usado, desde então.

Apesar de ela pedir perdão diversas vezes por ter feito a escolha
que fez, deixei claro que minha intenção aqui não era isso e, sim, me
desculpar por toda a confusão que causei em um momento delicado da sua
vida.

Lidar com um casamento complicado, uma gravidez que não foi


planejada, as dificuldades financeiras e ainda um filho fora do casamento
que estava sem controle, a deixou com poucas alternativas.

Percebi que estava sozinha com a menina de doze anos, muito


parecida com ela, o marido a deixou há alguns anos e tem vivido de
trabalho artesanal. É nítida a dificuldade que enfrenta, nunca teve apoio da
família, sempre lidou com seus problemas e, pelo jeito, continua da mesma
forma.

Passei três dias em sua companhia, saudosismo talvez, só queria


sentir que ainda existia um pouco de humanidade no homem que sou hoje.
Precisava me reconectar à minha raiz e processar todas as merdas que
moldaram quem sou.
Não chorei a morte de Mickail e nem o faria. Idealizei um garoto
problemático que meu pai cravou em minha mente, nunca esteve perto de
ser isso, ao contrário, sua ambição e maldade eram incalculáveis.
Desejar sua morte é algo forte demais, até para mim, prefiro
acreditar que teve seu acerto de contas, assim como eu terei o meu um dia.

Quando me senti forte o suficiente, parti da Colômbia com a


promessa de elas me visitarem ou eu vir até elas, em breve. Maia, minha
irmã caçula, tem doze anos e é uma morena linda e graciosa.
Consegui o número da conta bancária da minha mãe e ordenei uma
transferência, não estive presente por todos esses anos, mas agora posso
fazer algo diferente por elas.

Talvez de longe consiga cuidar melhor de ambas do que perto, já


que com Mickail não funcionou.
Desembarquei em Moscou e toda a energia recarregada foi
parcialmente tragada para o abismo que se criou com a lembranças de tudo
que vivi neste lugar. Diferente da primeira vez, hoje tenho consciência de
todas as escolhas e não serei movido pela raiva.

Continuo maltratando meu coração cada vez que olho os relatórios


de atividades de Katrina, sinto um misto de alegria e tristeza por não estar
perto, mas preciso cumprir minha promessa, ao menos desta vez.

Entro no carro, começo a dirigir sem rumo, o clube me lembra ela,


minha casa lembra meu irmão, estou sem direção, acovardado pela dor,
continuo o caminho e saio de Moscou.

Quando dou por mim, chego a Pereslavl-Zalessky, mais uma


lembrança nossa, naquela época queria desvendar a mulher que tirava meu
juízo, mal sabia até aonde chegaríamos.
Estaciono o carro e opto por alugar a mesma cabana na qual
ficamos juntos, uma sessão gratuita de tortura, ao menos a sentirei um
pouco perto de mim.

Subo os três degraus empunhado das chaves e minha mala, o


coração acelera um pouco, uma ansiedade sem sentido, como se fosse
encontrá-la parada perto à lareira, assim que entrar.

Balanço a cabeça, desacreditado, devo estar enlouquecendo, mas


com certeza seria a melhor das fantasias materializadas.
Abro a porta, devagar, o cheiro de madeira rústica invade minhas
narinas, dou alguns passos para dentro e fecho a porta, meus olhos encaram
a lareira, agora apagada, mas que aquece meu coração ao me lembrar do
corpo alvo, brilhante de suor e iluminado pelo calor das chamas.

— Serão dias difíceis, camarada — solto para mim mesmo e vou


preparar um chá.

Retorno do bosque com três pedaços de madeira para cortar e fazer


os tocos a fim de alimentar a lareira. Parei de contar os dias aqui no sétimo,
então resolvi começar a fazer trabalhos manuais para não definhar por
completo.
Apoio a ponta da madeira nos ombros e caminho rumo aos chalés,
faço isso todas as manhãs, já que o frio tem castigado esses últimos dias.
No período da tarde, costumo ajudar o caseiro com a manutenção das
cabanas, sempre tem algo para concertar ou melhorar no lugar e isso me
garante a exaustão física, que facilita o desligamento mental quando me
recolho.
Acho que a senhora que cuida das refeições tem pena de mim,
alguns dias atrás passou a me trazer sopa e caldos à noite, para me aquecer
do frio. Tenho certeza de que lamenta pelo pobre solitário que vive aqui.

O sinal não funciona muito bem, de vez em quando saio para


caminhar com o celular e é quando tenho notícias do mundo. Pavel me
atualiza com as informações sobre os negócios e eu acabo olhando o e-mail
com as informações sobre Katrina.

Fiquei tão orgulhoso em saber o lugar que visitou, há uns dias,


quase entrei no carro e voltei para Moscou imediatamente, só para lhe dizer
o quão corajosa é sua atitude.

Ela está buscando a cura do passado, isso mostra que sua libertação
será completa e logo poderá voar e ser livre, como sempre quis. Solto um
riso fraco, o ciúme ainda permeia meus sentimentos, pudera, a amo e não
creio que isso vá passar algum dia.

Gostaria de estar ao seu lado, segurar sua mão e caminhar rumo a


essa nova fase, sentir que ainda há esperanças e que podemos encontrar
uma vida feliz e plena dentro de tanta desgraça.

— Esse é seu preço, Yerik — solto, em lamentação.


Caminho de volta para a cabana, hoje quero encerrar o dia mais
cedo, acender a lareira e deitar próximo ao fogo. Fechar os olhos e mais
uma vez sonhar com ela, seus gemidos são tão nítidos, há momentos que
acredito estar realmente ali, junto a mim.

Passo pela frente da casa principal, a senhora simpática está ali,


ajeitando algumas coisas, quando me vê corre em minha direção.

— Tem uma visita te esperando lá. — Ela aponta no sentido da


minha cabana.
— Quem? — Encaro dela para o lugar, intrigado.

Não falei nem para Pavel onde estou, como alguém pode ter me
encontrado aqui?

— Ela não falou o nome. — A mulher dá de ombros e meu coração


falha uma batida.

Dou as costas para a senhora, sem me importar o quão mal-


educado possa soar, apressado, rumo para a cabana, a esperança me
consumindo a cada passo e temo infartar antes mesmo de chegar a
comprovar de quem se trata.

Subo os degraus com rapidez e abro a porta em um rompante,


Katrina, que estava de costas, gira no lugar, um sorriso ameno no rosto e os
olhos brilhantes em expectativa.

— Olá. — Ela avança um passo, cautelosa.

Meço sua figura de cima a baixo, não sei se é possível, talvez seja
minha mente projetando algum delírio.
— Oi — saio de estado de torpor e respondo, ao fechar a porta
atrás de mim.

É ela.
Capítulo 58

Não estou imaginando coisas, não são lembranças do passado,


Katrina está diante dos meus olhos, ainda mais bonita que antes, se isso é
realmente possível.

— Te procurei no clube, mais de uma vez, Pavel disse que não


voltou depois de tudo que aconteceu, então imaginei que pudesse estar aqui.

— Eu... — Engulo seco, sem saber o que dizer.


Imaginei diversas vezes um possível reencontro quando retornasse
a Moscou, algo casual, sem planejamento, talvez até a visse na companhia
de alguém e esse foi mais um dos motivos por eu retardar tanto minha volta.

— Sei que eu lhe trago lembranças indesejáveis, acredite, passei


por isso também, mas não podemos nos encarar com culpa, Yerik. Por
muito tempo, segui com a vergonha e responsabilidade pelo que Misha fez,
quando te conheci senti que era diferente. Não planejei me apaixonar, mas
aconteceu e nunca direi que lamento. Eu te amo, como jamais amei alguém
na vida e dói demais acordar todos os dias e não ter notícias suas.

“Machuca saber que está distante por não suportar me ver, mesmo
que ao acaso. Tenho buscado tratar meu passado para finalmente poder
viver o presente, sei que as cicatrizes ficarão e só tenho coragem de lidar
com elas porque você me ensinou isso.”

— Te ensinei? — Enrugo as sobrancelhas, confuso.

— Sim. Soube que foi para a Colômbia, atrás da sua mãe, e resolvi
seguir seu exemplo.
— Pavel não consegue ficar quieto.

— Net. — Sorrimos, ainda acanhados.

— Meu afastamento não tem a ver com estar próximo a você,


zólattse mayó. — Caminho até próximo dela, seu cheiro chega a inebriar
meus sentidos. — Só quero ser capaz de cumprir ao menos uma promessa
da forma correta. Não quero falhar com você, mais uma vez.
— Você não falhou. — Ela termina de fechar a distância e toca
meu rosto com a palma das mãos.

Fecho os olhos, sem conseguir controlar o choque que percorre


todo meu corpo com o contato. Tanta saudade reprimida, não julgava
possível sentir seu toque em mim, mesmo de forma tão singela.

— Eu prometi te deixar ir, Katrina. Não quero que se sinta


oprimida.

— Não sinto. A única coisa que consigo sentir quando penso em


você é a saudade do seu toque, o desejo por seus beijos e o anseio pela
entrega quando estamos juntos.

— Zólattse mayó... — Abro os olhos e cravo nos seus.

Eles passam um turbilhão de emoções, expectativas e muita


determinação. Sou um fraco, jamais negaria um pedido seu, principalmente
se ele me atrela a ela.

— Já pagamos todos os preços, Yerik. Está na hora de deixar tudo


para trás e finalmente viver.

Sua voz angustiada é o estopim para minhas ações. Enlaço sua


cintura com uma das mãos, enquanto a outra se emaranha entre os fios de
cabelo macios me dando o controle do ato.
Choco nossos lábios com rispidez, a fome dita minhas atitudes,
perco o controle que buscava manter e aceito toda a carga da excitação que
reprimi.
Nossas línguas dançam de forma erótica, roubando todo o fôlego
dos pulmões, o que torna a respiração escassa. Empurro seu corpo para trás
usando o meu e paro quando a mesa bate nas pernas de Katrina.

Giro-a no lugar, minhas mãos descem para o botão da sua calça e a


abro, sem qualquer cuidado. Seguro as laterais e baixo de uma vez, ela vira
a cabeça para o lado e capturo seus lábios com uma mordida.
— Vai ser rápido e intenso, zólattse mayó.

— Só faça, russo. — Sua voz soa tão urgente quanto a minha.


Abro meu zíper e tiro o pau rijo para fora, suas mãos sobem para
minha nuca quando enfio os dedos no vão das suas pernas, para testar a
lubrificação.

Tão pronta para mim como estou para ela, ergo um lado da sua
bunda e encaixo a cabeça do meu pau com perfeição na sua boceta, que
parece me sugar para dentro.

Sinto um choque atingir minhas bolas quando a empalo por


completo, engulo seus gemidos com minha boca e passo a estocar com
força em um ritmo contido.

Estou na borda, é vergonhoso não durar tanto, mas o canal


apertado e quente todo molhado para mim, somado a saudade que senti me
transportou para o limite em questão de segundos.
— Você é minha... — Estoco mais uma vez.

— Sim... sou... sua... — ela responde, intercalado.


Com uma mão firmo sua cintura no lugar, a outra levo até seu
clitóris e busco por seu orgasmo. Movimento sutis e rápidos a fazem
estremecer, o canal se contrai e passo a mover os quadris com mais afinco.

Foi rápido, intenso e arrebatador, minha visão turvou, seu corpo


estremeceu e o gozo nos preencheu ao mesmo tempo. Urrei seu nome
enquanto ela gritava de prazer.

Permanecemos engatados, as respirações ofegantes, buscando o


equilíbrio pós-foda.
— Foi rápido, russo. — Sinto o deboche em suas palavras.

Seguro seu queixo e o trago para o lado, dou um beijo seco em


seus lábios e aproveito para remexer os quadris.
— Quem disse que terminei? — questiono, ao sair quase por
completo de dentro dela e tornar a entrar.

Agora, de forma mais calma, começo a me mover, trabalhando


nosso prazer mais uma vez, com cuidado e devoção, amando o corpo da
mulher que deu sentido à minha existência.

— Precisamos voltar para a realidade, Yerik — Katrina fala, mais


uma vez, o que ignoro há três dias.
Antes não queria sair daqui por medo de enfrentar minha realidade,
hoje já quero fazer daqui nosso mundo real.

— Temos tempo, zólattse mayó. — Acaricio suas costas nuas.

Estamos deitados próximos à lareira, que queima a lenha que colhi


essa manhã. Depois de três dias aqui dentro, enfiado no vão das pernas da
minha mulher e saciando a saudade e desejo que sentimos por todo esse
tempo, fui obrigado a deixá-la dormindo para repor a madeira da cabana.
— Preciso voltar e você também. Tem o clube e seus negócios, eu
preciso retornar para a minha terapia e resolver o que farei da vida.

— Ainda tem seu emprego. Tenho certeza de que Pavel vai amar
tê-la de volta. Nas poucas vezes que conversamos, ele mencionou que nós
dois o largamos a esmo.
— Coitado. Isso é mais um motivo para voltarmos. — Ela escala
meu corpo e apoia o queixo sobre a mão.

Seu olhar tem um brilho irreconhecível, me faz pensar na garota


alegre que foi um dia, talvez, aos poucos, ela esteja retornando. Acaricio
seus cabelos bagunçados e respiro, aliviado.

— Eu te amo, zólattse mayó.

— E eu a você, russo.
Ela beija a ponta do meu nariz, giro nossos corpos com rapidez e
isso a assusta. Travo suas mãos acima da cabeça, Katrina tem uma
expressão risonha, aproximo o rosto e passo o nariz sutilmente pelo
contorno, que a faz se contorcer.

— Pare, Yerik! Eu tenho cócegas! — protesta, com a voz


alarmada.
— Não se preocupe, zólattse mayó. Só vou te torturar um
pouquinho.

— Net! — Ela tenta virar a cabeça para os lados e isso me dá total


acesso ao seu pescoço.

Aproveito para morder ali, ela geme em meio a outro protesto.


— Você me paga, Yerik! — Sua voz soa autoritária, mas falha ao
gargalhar no final.

— Para cada ato se tem um preço, zólattse mayó. Pagarei minha


conta com alegria quando terminar com você.

Começo minha tortura prazerosa, suas negações logo se tornam


pedidos desejosos e só paro quando a vejo satisfeita em meus braços.

O destino brincou com nossas vidas, nos apresentou uma maneira


muito tortuosa de encontrar o caminho para seguir em frente, mas não posso
dizer que me arrependo.
Faria qualquer coisa sabendo que no fim a teria toda para mim.
Epílogo

Três Anos Depois

Estamos na área vip do clube, a exclusiva, destinada ao


proprietário excêntrico, lindo e comprometido, comigo. Mal consigo
acreditar que chegamos até aqui, cheguei a pensar que nunca encontraria a
alegria na vida de novo e esse russo meio colombiano esbarrou no meu
caminho para mostrar que tudo é possível.

Apesar da noite movimentada no Lenusya, hoje nos demos folga,


minha prima noivou do seu namorado lutador e isso exige uma
comemoração à altura. Foram trinta minutos em ligação, gritando e
exigindo que ele refizesse o pedido na minha frente.

Yerik e eu não pudemos ir à inauguração da sua academia de lutas,


trabalhar na madrugada e dar conta da nossa libido exigiu mais de nós e
acordar tão cedo não é algo comum na nossa rotina.
É tão engraçado pensar na nossa situação atual, desde que nos
acertamos naquela cabana nunca mais estivemos longe um do outro. Assim
que voltamos para Moscou, Yerik deu entrada em um hotel e passamos
cerca de um mês ali, até encontrar um apartamento para morar.

A casa, assim como o antigo bar, foram colocados à venda, Yerik


não quis absolutamente nada de lá, salvo alguns pertences pessoais.

O corpo de Mickail foi encontrado em uma vala aos arredores de


Moscou, Yerik teve a difícil missão de ir até a polícia para fazer o
reconhecimento e devido ao histórico do irmão, foi constatado acerto de
contas entre gangues.

Foi a última vez que falamos sobre o assunto, estive ao lado dele
por todo o tempo para lhe dar apoio. Apesar de nunca transparecer remorso
ou lamento, entendo que a tarefa não era branda.

— Prima! — Sacha, alterada com apenas duas doses de vodca,


pendura em meus ombros.

Apoio no gradil para sustentar seu peso sobre mim, se Volk não
controlar essa mulher é provável sair daqui arrastada.

— Você precisa parar de beber. — Sorrio para seu semblante


iluminado.

— Eu estou noiva, Katrina. Noiva! — Ergue os dois braços,


exaltando. — Você deveria tentar, é muito bom.

— Como você sabe que é bom se está noiva há algumas horas? —


Cruzo os braços na altura do peito.

— Eu já tentei, Sacha, acredite. Mas ela acha convencional demais.


— Yerik abraça minha cintura quando para ao meu lado.

— Não começa, russo — protesto e torço os lábios.

Há três anos escuto a mesma insistência, Yerik me pede em


casamento, nego e ele argumenta com infinitos porquês, já chegou a
questionar meu amor por ele e isso gerou uma semana de risadas da minha
parte.

Ele diz que sou uma incógnita e talvez eu seja mesmo. Não tenho
um motivo certeiro para não aceitar oficializar o matrimônio, talvez seja o
peso que a sociedade coloca sobre a questão, ou todos os relatos que escuto
das mulheres no centro de ajuda.
— Só estou dizendo que isso pode ser real.

— Para mim, já é real há muito tempo, Yerik. — Viro na sua


direção e enredo sua nuca.
— Você é a coisa mais importante para mim e eu nunca faria nada
que a machucasse, zólattse mayó. — Ele abraça minha cintura e beija a
ponta do nariz.

Depois de dividir alguns dos relatos sobre os abusos sofridos no


centro, Yerik passou a me dizer essa frase constantemente. Acho que ele
teme que me afaste de forma inconsciente.
Nunca comparei Yerik com homem algum, sua postura, conduta e
a forma como respeita meus limites sempre me encorajou a ser quem sou.
Até nos atos mais sórdidos e devassos, somos dois seres que concordam em
viver uma experiência.

— Eu te amo, Yerik. Sempre vou amar.

Trocamos um beijo significativo, seu carinho no momento


transmite todo o apresso e cuidado que tem comigo.

— Que lindo. — Sacha debruça sobre nós dois.


Já havia me esquecido da prima bêbada ao nosso lado. Pode passar
quantos anos forem, esse homem sempre terá o poder de me desligar da
realidade e nos transportar para um mundo só nosso.

— Você está sem controle, garota. — Rio abertamente e me


desvinculo de Yerik.
— Króchka, você está bem? — O lutador se aproxima com uma
linda moça ao seu lado.

— Simm... — Sacha ergue os braços, animada.

— Acho que a Sacha passou do limite. — A garota sorri,


envergonhada.
— Você é a irmãzinha do Volk? — questiono, curiosa.

— Sim, prazer, sou Anya Dmitrievna.

— Prazer, sou Katrina Kolyavna, e esse é meu namorado, Yerik


Petrovich. — Nos cumprimentamos. — Não sabia que a irmã do Volk já é
uma mulher.

— Ela é uma menina ainda. — Vejo o lutador fechar a cara.


— Bom, ela deveria estar na pista de dança, se divertindo com
pessoas da idade dela. — Sinalizo com a cabeça para a multidão festejando
a noite.

— Ela já está se divertindo conosco. — Ele abraça o ombro da


menina e a traz mais para perto de si.
— Pelo visto, o noivo também é um irmão superprotetor — falo
mais para mim e, mesmo assim, sou ouvida pelo homem, que quase rosna
de volta.

— Vamos descer. Quero dançar na multidão — Sacha anuncia.

Krigor fecha ainda mais a cara e tenta protestar, mas com a ruiva
alterada e determinada a comemorar seu noivado, não há possibilidade de
uma negativa.
Anya, que permaneceu quieta perante o irmão, fica mais do que
feliz com a escolha da cunhada.

A situação dessa menina me lembra a Katrina jovem, sempre


oprimida pelas escolhas dos pais, para no fim cometer um ato rebelde e
imprudente.

Apesar de ter me acertado com meus pais, finalmente chegamos a


um meio termo para conviver, não posso dizer que é uma maravilha, mas ao
menos conseguimos nos ver sem brigas ou cobranças.

— O que foi? — Yerik apoia o dedo no meu queixo e vira na sua


direção. — Está pensativa demais.

— Só algumas lembranças. Nada de mais.


— Acho que está na hora de nós criarmos algumas lembranças só
nossas, zólattse mayó. — Seu sussurro vem acompanhado de uma mordida
no lóbulo da minha orelha.

Um arrepio prazeroso percorre meu pescoço, chego a recuar, já


tomada pela expectativa.

— O que tem em mente, russo? — Volto a abraçar sua nuca.

— Uma sala privada, você de lingerie e meu pau te homenageando.


— Tão tentador. — Abro um sorriso sedutor. — Vou me aprontar,
espere na sala de sempre.

— Com certeza.

Saio praticamente correndo da área reservada, vez ou outra Yerik e


eu ainda realizamos algumas fantasias, seja nas salas privadas ou em algum
dos palanques.
Nunca fico nua, mas danço e o provoco durante uma música
escolhida a dedo só para depois ele me arrastar para algum reservado e
fodermos até a exaustão.
Há coisas que nunca mudam, se for um preço a pagar pelas
escolhas feitas, pago com gosto.
Sobre a Autora

Ágatha Santos, casada, sem filhos, umbandista na alma e no


coração. É natural de Taubaté, interior de São Paulo.
Formada em Administração de Empresas, ex-gerente
administrativa no ramo de varejo de combustíveis e atualmente trabalha
como escritora.

Sempre gostou de leitura, mas sua paixão se enraizou com a Série


Cinquenta Tons. É uma devoradora de romances eróticos e há algum tempo
descobriu o encantamento pela escrita.

Suas obras trazem uma temática para mulheres e regada de


comédia, hoje conta com diversos títulos publicados, todos disponíveis na
Amazon.

A frase que leva para a vida: “Se você sonha, você pode fazer.”
Me siga nas redes sociais!

Instagram: Ágatha Santos (@agathasantosautora)

Facebook: Ágatha Santos | Facebook

Outras obras: https://amzn.to/3ap53rL

[1]
Tak – OK. Tudo bem.
[2]
Radnóy / radnáya: Querido / querida. Literalmente pessoa próxima.
[3]
Pizdets - Droga. Xingamento.
[4]
Slátkaya – Doce.
[5]
Blyadischa – Prostituta.
[6]
Net – Não.
[7]
Yebvas – Foda-se.
[8]
Vache zdoróvie! – À sua saúde.
[9]
Syémy – Sete.
[10]
Gorjáčij– Gostosa / Quente.
[11]
Zólattse mayó – Meu ouro (palavra carinhosa no diminutivo).
[12]
Zopa – Filho da puta.
[13]
Kóchetchka – Gatinha.
[14]
Eb tvoju mat – Vá te fuder.
[15]
Eb tvoju mat – Vá te fuder.
[16]
Brat – Pirralho.
[17]
Yebvas – Foda-se.
[18]
Tempo de negócios, uma hora de diversão - Este é um dos mais famosos ditados populares russos, que
significa que deve haver tempo tanto para diversão, como para o trabalho.
[19]
Canelazo - No Brasil, chamaríamos de Pinga de Canela ou Quentão de Canela. Típica da Colômbia é
basicamente uma aguardente temperada com canela e rapadura, servida quente.
[20]
Boyevik - literalmente significa "guerreiro", é semelhante aos "soldados" da máfia italiana.
[21]
vory v zakone - ladrões da lei.
[22]
Chyort voz'mi - Caralho, Porra! (xingamento forte)
[23]
Dovol'no – Já basta.
[24]
Blad – Puta.
[25]
Boyevik - literalmente significa "guerreiro", um Boyevik trabalha para um brigadier, mas também tem
alguma atividade criminal especial, é semelhante aos "soldados" da máfia italiana.

Você também pode gostar