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Copyright © 2021, Joane Silva

Revisão: Raquel Moreno


Diagramação digital: Joane Silva
Capa: L.A Designer Editorial

Silva, Joane
Victor Salvatore
1ª Ed.
Brasília - DF, 2021

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua


Portuguesa. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer
forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de
processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de
seu editor.
A violação de direitos autorais é crime previsto na lei nº. 9.610, de
19 de fevereiro de 1998.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor, qualquer
semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência. Todos os direitos
desta edição reservados pela autora.
Sinopse

Um ator famoso, milionário e cafajeste. Uma garota inocente, a


filha obediente do pastor. Uma suposta noite de prazer colocará Victor e
Nicole lado a lado, em uma relação intensa e complicada.
Aos trinta e três anos, Victor não tem vergonha de desfrutar dos
prazeres que a fama proporciona. Acredita no amor, mas não que tenha sido
feito para ele. Tudo muda quando reencontra a filha do melhor amigo de seu
pai, uma garota mais jovem e inocente, que desperta o seu interesse por ser
tão diferente das outras mulheres que conheceu.
Apaixonada por Victor Salvatore desde a adolescência, o último
homem que o seu pai gostaria de ter como genro, Nicole agarra a chance de
tê-lo para si quando a oportunidade surge. Não questiona o fato de ele ser
mais velho e experiente, enquanto ela é apenas a filha inocente do pastor.
Quando o desejo se torna impossível de negar, eles se entregam
sem reservas a paixão que sentem pelo outro, mas um diagnóstico de
bipolaridade e a perseguição da imprensa mostrará que os obstáculos para o
amor são maiores do que imaginavam.
Por amor, Victor fará o impossível para não perder a sua freirinha.
Por amor, Nicole lutará pelo controle de suas próprias emoções, em um
romance sobre superação, aceitação de si mesmo e, sobretudo, uma paixão
intensa e inesquecível.
Aviso

Este livro possui linguagem crua e cenas de teor sexual. Não


recomendado para menores de 18 anos.
Prefácio
“Não me lembro mais qual foi nosso começo. Sei que não
começamos pelo começo. Já era amor antes de ser”.
Clarice Lispector
Dedicatória
À minha família. Obrigada por sempre acreditarem.
Sumário

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Epílogo
Em breve
Leia também
Redes Sociais
Nota
Prólogo

VICTOR
Depois de ontem à noite, acordo com a minha cabeça prestes a
explodir e com a sensação de que tenho o estômago colado nas costas.
Bebi demais, essa é a verdade. Ontem foi a festa de encerramento
da novela, que há mais de 9 meses vinha gravando, e junto com a
comemoração, não pude deixar de extravasar todas as minhas mágoas e
frustrações pelo término de um caso que já tinha durado tempo demais. Bebi
muito e agora sofro as consequências.
Curtindo várias gostosas que por lá estiveram, levei duas ou três
— não tenho certeza — para um canto qualquer do belo salão e permiti que
chupassem o meu pau, duro demais pelo tesão do momento.
A minha mente bêbada lembra de ter chupado o peito siliconado
de uma delas, enquanto as outras duas se acabavam em babar o meu cacete
e... Nada mais do que isso.
Não sei se comi uma, duas ou nenhuma. Não sei nem mesmo se
não estão do meu lado na cama, seja lá onde eu estiver. Não consigo — ainda
— mexer um músculo sequer do meu corpo e tenho medo de fazê-lo e ver
que fiz alguma merda.
— Você tem certeza, minha filha?
Os meus pensamentos são interrompidos quando me dou conta de
que não estou sozinho e então sou obrigado a abrir os olhos para ver o que
está acontecendo à minha volta.
Com a cabeça prestes a explodir, levanto o meu corpo o máximo
que consigo até ficar parcialmente sentado. Faço um esforço para abrir os
meus olhos, apenas para deparar-me com a última pessoa que esperaria
encontrar comigo, em um quarto de hotel.
Sim, consegui entender que estou em um quarto de hotel,
completamente nu e ostentando uma constrangedora ereção matinal, que não
é nada confortável exibir na frente de outro homem.
O melhor amigo do meu pai lança em minha direção olhares
completamente furiosos e, antes que tenha a oportunidade de falar alguma
coisa, ouço o som de um choro.
Como acontece nas novelas que estou acostumado a fazer —
geralmente como o galã principal do folhetim —, sinto a minha cabeça virar
para o lado esquerdo da cama, em câmera lenta.
Do meu lado e aparentemente nua, está Nicole, a filha adolescente
de Gonçalo Montes, amigo da minha família há anos, principalmente do seu
Arnaldo, meu querido pai. Mas o que esses dois fazem aqui? Eles não
estavam morando em outro Estado?
A garota, que tem sido um pé no meu saco desde a época em que
completou 15 anos, chora copiosamente, enquanto segura o lençol branco e
fino contra os seios.
— O que você está fazendo aqui comigo, menina? — pergunto o
óbvio e ela, como uma excelente atriz, chora ainda mais. Parece que está
sofrendo e eu não faço ideia de como veio parar do meu lado.
— Eu vou matar você! — Irado, o velho vem para cima de mim e,
no impulso, acabo me encolhendo.
Também não preciso fazer nada para tentar me defender, pois a
menina é rápida em jogar-se em cima de mim. Ela fica — literalmente —
com as partes íntimas próximas às minhas e não posso negar que o meu pau
está feliz com o contato feminino.
Para ele estar carente dessa forma, estou certo de que não transei
com ninguém ontem à noite. Não com nenhuma das gostosas e menos ainda
com essa criança, que de criança não tem mais nada.
O meu pau, certamente, chegou à mesma conclusão por sentir o
calor da sua boceta próximo a ele. O meu cacete também sabe que estamos
diante de uma mulher, já que, por baixo dos panos — literalmente falando —,
a mão macia toca o meu abdômen.
Os meus dentes permanecem trincados, enquanto tento não gozar
com o simples toque de uma menina que eu nunca enxerguei como mulher.
Para mim, ela sempre foi a filha mais jovem e esquisita do melhor amigo do
meu velho que, inclusive, é pastor de uma igreja batista.
Dentro de um quarto de hotel e sem conseguir me lembrar nem
mesmo de como fui parar dentro dele com Nicole, começo a me questionar
em que tipo de pesadelo bizarro estou metido.
Não pode ser real a cena em que estou compartilhando a cama
com a esquisita da Nicole. Nós dois estamos nus. Ela choraminga como uma
bebê e faz isso sem afastar o corpo quente do meu, que está tenso.
O senhor Gonçalo olha para nós dois, principalmente para mim,
com uma expressão de decepção e fúria.
— Como ousou colocar as mãos em cima da minha filha? Você a
seduziu! Ela é uma criança — acusa.
Se ele soubesse...
— Eu não fiz isso! — nego com veemência, pois na verdade é ela
quem está tentando me seduzir. Eu, atordoado como estou e com uma ressaca
infernal, não consigo pensar direito.
Não tenho como negar o fato de estar levemente satisfeito por ter
um corpo quente colado ao meu, independente de quem seja esse corpo. É a
ressaca, com certeza é a ressaca.
— Ele não fez, pai... — Tem certa dificuldade de falar por causa
das lágrimas, que eu sou capaz de apostar que são fingidas. Uma menina que
arma um flagrante como esse, deve ser capaz de derramar lágrimas de
crocodilo. — Eu me deixei levar pelos carinhos e beijos... Não queria ter
decepcionado o senhor.
Excelente atriz!
— Tem certeza de que ele não te machucou? — pergunta, muito
preocupado.
— Não... Foi perfeito antes de... me tocou com carinho —
confessa, o que seria uma lisonja, se não fosse mentira. Se eu tivesse transado
com essa menina, eu saberia, certo?
Eu imagino o quão decepcionado ele deve estar por encontrar a
filha nesta situação, afinal, ele é pastor e tem alguns princípios a seguir, e
sexo só depois do casamento é só um dos exemplos.
Quanta bobagem!
A fala dela é acompanhada de mais lágrimas. Eu olho na sua
direção, sem acreditar no que estou ouvindo. A minha cabeça começa a rodar
quando a ficha cai sobre quão séria é a situação, mas não tenho tempo para
raciocinar, pois já estou sendo atacado pelo pai que defende a honra da sua
filha, que pulou da cama quando viu que não iria conter a ira do velho.
Enquanto o homem desfere socos por todas as partes que
consegue alcançar do meu rosto e corpo, decido que é melhor não revidar,
pois além de ele ser mais velho e de eu respeitá-lo, também não acredito que
conseguiria alguma coisa, não estando com a cabeça quase explodindo.
Depois do show de horrores pela situação armada por uma menina
que não para de chorar, vamos todos para a mansão que moro com os meus
pais.
Uma grande piada. Nem se fosse uma novela, os planos dela
teriam dado tão certo. Sei que foi assim, porque as possibilidades de eu ter
transado com a garota são de nulas a inexistentes.
O velho quer ir à polícia, mas, manipulado pela vagabunda-mirim,
é convencido que tudo entre nós foi consentido e acaba mudando de ideia.
Em casa, tenho de suportar os olhares de decepção dos meus pais
e irmão por ter ousado desvirginar a garotinha da família.
Olhares consternados para mim, que poderia ter ficado com
qualquer uma, menos com Nicole Montes.
Eu não transei com ela, caralho!
Afirmo mais de uma vez, mas ninguém acredita e até eu admito
que é difícil, levando em consideração a situação em que o pai dela nos
encontrou.
Sem que a minha opinião tenha muita credibilidade, presencio o
meu futuro ser discutido no meio da sala dos meus pais. Tudo parece muito
surreal.
Do meu lado no sofá, a garota já não parece a mesma que foi
ousada o suficiente para me prender, até seu olhar mudou. Está encolhida,
olhando para os próprios pés e eu fico ainda mais furioso por notar a sua
capacidade de fingir.
Mas o que levaria uma garota tão jovem a fazer algo assim?
Eu sei que tem coisas para as quais não existem explicações, mas
queria muito ouvi-la. Se não fosse esse circo armado, juro que a faria falar.
Não, ela tem que me ouvir!
— Será que eu posso conversar um minuto a sós com a Nicole?
— peço quando o falatório dá uma acalmada.
— Que caras são essas? Acho que já somos íntimos o bastante
para podermos conversar em particular, não é mesmo? — digo com ironia
para os nossos pais, que me encaram como se eu tivesse enlouquecido de vez.
— Venha comigo, menina! — chamo, ela não me olha, mas me segue.
No jardim de casa, ela está de costas e abraçando o próprio corpo.
Parece tão pequena e frágil que eu até poderia cair no seu teatro de donzela
desamparada, se não tivesse tido uma amostra do que é capaz.
— Quer dizer que nós transamos, não é mesmo? — A agarro por
trás, o seu corpo se retesa, mas não tem força suficiente para se soltar,
considerando que sou muito mais alto e forte que ela. — Diga-me, foi
gostoso?
— Não me toque! — Tudo bem, talvez a minha altura e músculos
não sejam páreo para o cotovelo ossudo dessa magricela.
— Não te tocar, porra?! Você é louca? — Aproximo-me e a
agarro pelo braço, antes que possa fugir. — Eu lembro de você quando era
mais jovem, um dia correndo pelo jardim, no outro amuada em um canto, tão
quieta que não respondia quando te perguntavam alguma coisa. O que fez nos
últimos cinco anos? Fala!
Há cinco anos, os Montes foram morar em outro estado. O pai
dela foi transferido para dirigir outra igreja e eles ficaram fora até um mês
atrás, quando, segundo a minha mãe, o pastor da igreja que Gonçalo dirigia
aqui faleceu e ele voltou para o mesmo lugar.
— Está me machucando... — avisa. Os olhos marejados e,
surpreendentemente, inocentes poderiam me comover, se eu já não estivesse
além de qualquer pensamento racional.
— Posso machucar muito mais, sua vagabunda! — esbravejo na
sua cara. — Tem ideia do que acaba de fazer? — indago, Nicole Montes
desvia o olhar, mas eu seguro o seu maxilar com firmeza e a obrigo a me
encarar. — O que pretende, dar um golpe?
— Não, eu jamais faria isso. O seu dinheiro, ou fama não
importam...
— Então me fale, menina! — exijo.
— Eu gosto de você — diz por fim e uma risada involuntária me
escapa.
— Você gosta de mim? — A minha fala sai mais desdenhosa do
que deveria, Nicole se retrai mais ainda e eu solto o seu braço, embora esteja
perto demais para permitir uma fuga. — Não passa de uma criança idiota,
Nicole. Achou mesmo que conseguiria alguma coisa com isso?
— Me perdoe, eu não sei o que passou pela minha cabeça. Eu
posso voltar agora mesmo e contar tudo para os nossos pais...
Eu poderia simplesmente deixá-la ir até eles e nos livrar dessa
armação infeliz, mas, enquanto observo o seu rostinho amedrontado, um
sentimento, que poderia definir como maldade, cresce dentro de mim e me
faz perceber que nem se quisesse, poderia deixá-la ir dessa forma. Ninguém
antes dela teve a ousadia de sequer tentar brincar comigo como ela.
Eu a olho e só consigo pensar que preciso fazê-la pagar por ter
atravessado o meu caminho, mostrar-lhe o que significa achar que sente
alguma coisa por um homem como eu.
— Você não vai fazer nada, Nicole Montes, e sabe por quê? Nós
vamos nos casar. Não queria me prender?
— Não, por favor, não faça isso. Eu não posso...
Para que cale a maldita boca, tomo os seus lábios com os meus,
beijando-a de uma forma que nunca foi beijada, posso apostar nisso. O beijo
é para punir, mas suavizo quando percebo que está amolecendo nos meus
braços. Se quero tê-la comendo na minha mão, tenho que fazê-la acreditar
que podemos cometer essa loucura.
— Nós vamos nos casar, Nicole — repito em um tom suave
quando separamos as nossas bocas. Hipnotizada, ela assente.
Será perfeito, eu estarei dando a lição que merece e mamãe terá o
seu desejo de ter um neto atendido.
Não posso acreditar que estou mesmo considerando uma sandice
como essa.

NICOLE
HORAS ANTES
Eu estou tão feliz!
Nós estamos de volta a Goiás, finalmente de volta. Agora estarei
perto de Victor Salvatore, o homem por quem sou apaixonada desde os meus
quinze anos.
Um dia o vi com uma mulher no jardim da casa dos seus pais, ele
a beijava de uma forma tão escandalosa e ao mesmo tempo era tão intenso,
que foi impossível não desejar que fizesse aquilo comigo. Eu nunca tinha
visto ele ou o irmão com olhos de cobiça, mas, depois daquela cena, não pude
mais não o desejar de forma quase obsessiva em alguns dias. No restante
deles, que eu considero os melhores, a urgência se vai e fica apenas um amor
brando, a resignação por saber que um homem desse nunca será meu.
Nem a minha fé inabalável me faria ter tamanha ilusão. Para
começar, ele é muito famoso, rico, lindo e loiro. Eu sou pobre, negra — gosto
de citar a minha cor porque isso ainda conta, e muito, como desvantagem
para algumas pessoas —, e filha de um pastor.
Um mulherengo e a filha de um pastor, que sequer deu um beijo
de verdade aos vinte e um anos. Será que poderíamos ser mais diferentes?
Mas talvez isso seja bom, não é?
Não dizem que os opostos se atraem?
A minha mente frenética me manda mensagens contrárias ao que
costumo pensar na maior parte do tempo. Eu caminho pelo quarto, o meu
coração, por motivos que a maioria das pessoas não entenderiam, está
acelerado. Eu estou muito agitada.
— Não vem jantar, minha filha? — Do lado de fora da porta,
ouço a voz da minha mãe.
— Eu não estou com fome, dona Lucy — aviso enquanto me
visto e me aproximo da janela do meu quarto.
Olho para a rua movimentada de uma noite de sábado, depois
olho para o criado, onde tem um copo cheio pela metade com água e uma
pílula branca, redonda e bem pequena. Mas eu quero sair, é isso o que mais
desejo agora. Estou animada para viver e respirar ar puro. Celebrar a vida e
sentir que ela, na medida do possível, foi generosa comigo.
Então, sem pensar muito nas consequências dos meus atos, visto o
meu vestido mais bonito e subo na janela, que é baixa o suficiente para eu
não me machucar muito, caso caia no momento da fuga. É a primeira vez que
faço isso, talvez por termos voltado há pouco tempo e não ter tido tempo
antes, mas a sensação de me sentir livre, sem precisar dizer aos meus pais
para aonde estou indo, é maravilhosa.
Eu não tenho destino certo, apenas caminho pelas calçadas,
parando vez ou outra para observar o movimento dentro dos bares e
restaurantes. Vejo pessoas felizes, assim como eu. Pessoas livres para
fazerem o que quiserem, assim como eu sou.
— Ah, cara, não seja idiota. Sei que se acha só porque é bonito e
famoso, mas você não vai ficar com as cinco, vai? Deixa uma para os seus
irmãos aqui. — Quando estou me aproximando de mais um bar, vejo um
grupo, que tem por volta de dez pessoas, e a conversa chama a minha
atenção.
Eles estão se aproximando de uns carros e alguns deles nem
parecem estar em condições de dirigir.
— Ei, você, avisa para esse idiota que... — Assusto-me e paro de
andar quando percebo que o homem está falando comigo. Ele também para
de falar quando percebe quem eu sou. — Espera um pouco, eu não conheço
você?
Victor Salvatore!
Há pouco tempo estava com ele na minha cabeça e agora está
aqui, bêbado com uma mulher do lado, bem na minha frente. Mais lindo do
que nunca.
— Não, você não me conhece. — Tento seguir em frente, mas o
homem se coloca no meu caminho.
— Nicole Montes, afilhada dos meus pais. A filha estranha do
pastor — fala, nem acredito que esteja me chamando de estranha por
maldade, mas fico triste do mesmo jeito. — Me dá um tempo, pessoal. Você
também lindeza — fala para a mulher, beija a sua boca de leve e vem até
mim. — Acabei de reencontrar uma velha conhecida.
Segurando-me pela cintura, próximo como nunca esteve, ele me
leva para um corredor na parte lateral do bar, onde o movimento de pessoas é
menor.
— Eu sabia que sua família tinha voltado, mas ainda não tinha te
visto, menina — diz e não entendo muito bem a sua fala, já que nunca se
importou comigo.
Eu era apenas a pestinha que vivia atrás dele e do irmão mais
novo, Alessandro.
— Você não estava em casa quando estivemos lá — informo. —
A reunião ainda não aconteceu, mas agora que conseguimos nos estabelecer
aqui na cidade, as nossas mães com certeza irão marcar.
O sagrado almoço de domingo, um domingo por mês, feito para
celebrar a amizade entre as duas famílias. A amizade de dois homens que se
conheceram no colégio, e mesmo não tendo muito em comum, tornaram-se
grandes amigos.
— Você não mudou nada, Nicole. Ainda é uma menininha
magricela — fala com um sorriso frouxo, motivado pela bebida, aposto.
— Eu já tenho vinte e um anos — aviso, cortando a decepção de
suas palavras pela raiz.
— E isso muda em quê? Você ainda é a filha de um pastor. Nada
contra, mas você não é livre, olhe só para as suas roupas... — É, ele
realmente está alterado, se não tivesse saberia que não tem nada com a minha
vida e, portanto, não lhe interessam as minhas roupas ou a forma como
conduzo a minha vida.
— Eu gosto de quem sou, da minha vida e, inclusive, das minhas
roupas — digo, mas o meu olhar desce rapidamente pelo meu vestido, que é
fechado demais, longo demais.
— Eu entendo, não deve ter conhecido outra maneira de viver.
Tenho certeza de que pensaria diferente se, pelo menos por um dia, tivesse
outra vida. Se experimentasse algo diferente.
— E o que sugere, que beba como um gambá, do jeito que você
está fazendo? — Ataco e o homem sorri.
Que conversa mais estranha... Nós mal nos falávamos cinco anos
atrás.
— Não. Talvez algo mais simples, minha criança. Vamos ver... Já
teve um namorado? Se não tiver tido não perdeu nada, já vou logo avisando.
Acabei de terminar um relacionamento. Acho que você não entenderia.
— Eu não...
— Já vi que não — A minha dificuldade para responder o faz
concluir.
Tudo bem que hoje eu estou na minha noite de rebeldia, mas não
a ponto de me tornar outra pessoa.
— Que tal um beijo? Eu aposto que nunca deu um beijo, e tem
idade para isso, Nicole. Se nenhum dos rapazes da sua igreja te fez deixar de
ser uma freira...
O meu coração parece que vai sair pela boca, minhas pernas ficam
bambas só de pensar em beijar esse loiro alto, de olhos verdes e boca
carnuda. Esse homem que sempre foi o meu ponto fraco.
— Eu não vou...
— Você não quer? — indaga, coloca a latinha de bebida no chão,
se aproxima e me abraça com firmeza pela cintura. — Aproveita que estou no
meu dia de fazer boas ações.
Sem muita certeza, mas querendo mais do que tudo ter a
experiência, mesmo sabendo que não faríamos isso em outro momento,
assinto. Victor não hesita antes de pegar a minha cabeça por trás e unir as
nossas bocas.
Eu não sei muito bem o que fazer, ele percebe e então, com
paciência, começa a me ensinar. Os seus lábios são macios e quentes. A
sensação deles na minha boca me deixa sem força nas pernas, mas com
vontade de não parar nunca mais.
— Você tem um beijo muito bom, sabia? Mesmo eu tendo certeza
de que nunca fez isso antes, aprendeu rápido. Vem comigo? — pede, depois
que termina o beijo.
Eu poderia negar, pois já estou indo longe demais, mas não
consigo dizer não a mim, e nem a ele.
Victor me leva para o bar, e só agora percebo que não é apenas
um bar. Na parte de cima tem uma pista de dança lotada, um som
ensurdecedor e luzes que me fazem questionar se sairei daqui ainda
enxergando. Ele se senta no bar comigo e começa a pedir mais bebida. Me
oferece, mesmo sabendo que não bebo.
Sei que não deveria estar aqui, mas só penso em beijar. Agora que
tive uma amostra, quero mais. Só mais um pouco e depois esquecerei de
tudo.
Ele nunca demonstrou me ver como mulher, mas agora não
parece capaz de parar de me tocar. Eu deixo e correspondo, porque é muito
bom beijar.
— Hoje você dormirá sabendo que te dei uma primeira e
importante experiência. Amanhã, provavelmente, eu estarei muito
arrependido de ter feito isso com você, tenha certeza. Mas agora não consigo
parar. Preciso de mais — sussurra no meu ouvido, o cheiro de bebida me
deixa um pouco bêbada também. Ou será que são os seus beijos?
Só alguns beijos se transformam em algo a mais, muito mais do
que poderia acontecer. Em algum momento, quando só beijar, cada um na sua
cadeira, não parece o suficiente, Victor me pega pela mão e leva para um
lugar mais reservado. Um sofá escuro em que senta e me coloca nas suas
pernas.
Eu que nunca senti nada, hoje estou sentindo tudo. Sinto um calor
nas minhas entranhas, estou muito consciente da sua mão na minha perna, do
seu cheiro e boca no meu pescoço, distribuindo mordidas e lambidas.
— Devo estar muito alterado, porque não consigo não pensar que
você, menina, é a pessoa que eu mais desejei em todos esses anos de vida
sexual ativa — confessa, com a voz abafada e a mão indo cada vez mais
longe para dentro do meu vestido.
— Isso é uma loucura... — falo, porque uma parte bem pequena
da minha consciência sabe disso.
— Quero te levar para um lugar em que estaríamos
completamente sozinhos. Mas eu quero que fique claro que, se for comigo,
nós faremos tudo — avisa, agora olhando em meus olhos.
— Eu vou com você — afirmo, antes que tenha mais tempo para
pensar e saia correndo.
Por mais que quisesse ter uma desculpa melhor para os meus atos,
sei o que estou fazendo. Mas será que ele sabe? Está tão estranho...
Ainda ficamos por um tempo nos beijando no sofá e ele aceitando
cada copo de bebida que o garçom traz em uma bandeja. Eu não entendo a
necessidade. Será que é para esquecer que está comigo?
Não! Não pense besteiras, Nicole!
Quando entramos no táxi, ele está com o corpo grande apoiado no
meu e nem posso fugir, pois me segura com muita firmeza pela cintura. Ele
dá um nome para o motorista, volta a me colocar em cima das suas pernas e
me beijar com sofreguidão.
Ao me ver na recepção de um hotel de luxo, por um momento,
sinto-me culpada. Penso nos meus pais e na decepção que teriam se
soubessem, mas então olho para ele e concluo que tudo vale a pena se for
para ter esse homem para mim, nem que seja por uma noite.
Dentro do quarto, o loiro não me dá nem tempo de olhá-lo.
Começa a abrir os botões do meu vestido e fica paralisado quando me vê só
de calcinha e sutiã. Peças nada sexys. Sinto-me envergonhada, abraço o meu
corpo, mas ele solta os meus braços e me admira abertamente.
— Tudo bem, talvez você não seja mais uma criança — fala e eu
entendo que tenta fazer um elogio ao meu corpo. Tira a sua camisa e calça,
também ficando só com a peça íntima.
A boxer branca mostra com clareza a sua ereção, o meu rosto
esquenta por causa do constrangimento, o loiro percebe e se aproxima.
— Sente? — pergunta, depois que pega a minha mão e coloca em
cima do seu pênis. — Ele está assim por sua causa. — Observo com fascínio
quando ele tira a cueca e pisca para mim.
Quando penso que vai voltar a me agarrar, Victor vai até um
frigobar e pega mais garrafas de bebidas alcoólicas.
— Não acha que bebeu demais? — questiono, porque realmente
não entendo como pode ter tanta necessidade de beber.
— Nem perto disso, menina. Hoje eu quero esquecer e me perder
em você. Apenas curta o momento, está bem?
Antes que eu diga mais alguma coisa, Victor me joga sobre a
cama, vem para cima de mim e começa pelo pescoço. Ele vai descendo a
boca pelo meu colo, morde o meu ombro e faz isso pelo caminho que o
levará até a minha barriga.
Eu, que sempre idealizei o momento em que perderia a minha
virgindade, sinto mais coisas do que poderia facilmente explicar. É felicidade
por estar fazendo isso com o homem que sempre morou nos meus
pensamentos. Medo pelo que vou fazer, a culpa que virá depois e, sobretudo,
uma paixão que não me deixaria voltar atrás, nem se quisesse.
— Porra, menina. Como eu nunca vi isso antes. Você tem um
corpo tão bonito. É linda com essa pele negra e tão macia. Eu quero te comer
até não conseguir mais fazer isso... — fala com a voz abafada na parte de
dentro das minhas coxas e já sinto o calor da sua respiração na minha...
Mais um pouco e nós dois estaremos...
— Espera! — Coloco as mãos no seu peito e o empurro com tanta
firmeza que o homem cai deitado de costas ao meu lado.
— Eu tenho que ir ao banheiro... Será rápido — digo sem jeito.
Ele está sem palavras, e eu agradeço por isso.
Preciso ver o meu estado. Eu nunca estive assim com um homem.
A minha primeira vez não pode ser dessa forma. A lingerie está de ruim para
péssima, afinal, estou prestes a transar com Victor Salvatore. O cabelo está
desgrenhado, mas dou-me certo crédito, pois está assim porque ele passou as
mãos pelos fios um bocado de vezes.
Está bem, hora de voltar!
Quando saio do banheiro, depois de me livrar das últimas peças
de roupas, me surpreendo por ver Victor deitado de costas, roncando
baixinho.
Ele dormiu e eu não sei se estou decepcionada ou aliviada, afinal,
nem tinha certeza se estava preparada para me entregar a ele, embora saiba
que faria de qualquer jeito.
Teremos outras oportunidades, digo a mim mesma.
Com um sorriso no rosto, deito-me atrás do loiro grandão e o
abraço pela cintura.

Acordo com uma sensação estranha, estou em um lugar diferente


e tem um corpo quente do meu lado. Está de costas, mas, pelo tamanho, sei
que é um homem.
— Meu Deus! O que eu fiz?
Começo a me tremer da cabeça aos pés. Horrorizada e antes que
tenha tempo para pensar no que aconteceu na noite de ontem, ligo para o meu
pai.
— Papai, por favor, venha me buscar. Eu... — Ele me corta antes
de eu precisar explicar e pede o endereço. Falo da maneira que posso, ele
entende, diz que estou perto e que estará aqui em cinco minutos.
Sem coragem para sequer me mexer, fico sentada em estado de
choque por um minuto inteiro. Depois, tentando me acalmar, os meus
pensamentos clareiam e então eles vêm como uma enxurrada, deixando-me
tonta.
Eu fugi pela janela. Encontrei o Victor no caminho e nós nos
beijamos. Não, foi mais do que isso, nós teríamos transado se ele não tivesse
dormido. Dormiu porque estava bêbado e agindo de modo estranho. Victor
não era ele mesmo, agora percebo. Eu, com certeza, não estava no meu
melhor momento.
Eu preciso que ele acorde, antes que o meu pai chegue. O sacudo,
o homem resmunga, mas não desperta.
— Victor, por favor, não faça isso. Se formos pegos nesta
situação, eu nem sei...
A porta se abre com um estrondo e a cena toda deixa o meu pai
horrorizado. Eu conheço o seu olhar e não sei o que é pior: a raiva, ou a
decepção.
— Pai, eu não... por favor...
— O que você fez, minha filha? Não foi para isso que foi criada!
— Eu não sei o que deu em mim ontem à noite... — falo,
chorando de vergonha e decepção comigo mesma.
Victor escolhe o pior momento para despertar e tirar a coberta que
cobria parcialmente a sua cabeça. O meu pai fica a ponto de surtar, vermelho
como um camarão, abrindo e fechando a boca sem dizer uma palavra.
— Foi forçada?
— Não, pai, o Victor não faria isso comigo — digo entre soluços.
— Tem certeza, minha filha? — indaga, olhando para o Victor
atordoado, que se coloca parcialmente sentado.
O loiro suporta olhares furiosos do meu pai e fica ainda mais
atordoado quando vira a cabeça e me encontra do seu lado na cama.
— O que você está fazendo aqui comigo, menina? — Ele fez a
pergunta errada aos olhos do meu pai.
— Eu vou matar você! — Seu Gonçalo avança, mas sou rápida o
suficiente em me jogar em cima dele, o que é um erro, porque estamos com
as partes íntimas em contato, e não é o momento para sentir desejo. Também
não foi uma boa ideia apoiar a minha mão no seu abdômen quente.
— Como ousou colocar as mãos em cima da minha filha? Você a
seduziu! Ela é uma criança — acusa.
— Eu não fiz isso! — Victor nega.
— Ele não fez, pai... — afirmo, embora as lágrimas deponham
contra mim. A verdade é que estou muito assustada com a situação e com o
quão longe a minha falta de controle me levou. — Eu me deixei levar pelos
carinhos e beijos... Não queria ter decepcionado o senhor.
—Tem certeza de que ele não te machucou? — insiste na
pergunta.
— Não... Foi perfeito antes de... me tocou com carinho — admito.
O meu pai me olha com tanta decepção que acabo me descuidando e
deixando que Gonçalo vá para cima do loiro.
A cena toda é grotesca. Um erro enorme, que termina com o meu
pai socando o Victor, que não revida, e eu chorando como uma doida.
Para piorar, o meu pai avisa, sem deixar que digamos alguma
coisa, que iremos para a casa dos pais dele. Ele sai para nos esperar do lado
de fora do quarto, o homem e eu ficamos a sós, mas não muda nada, já que
não olha na minha cara. Parece tão furioso, que tenho medo de abrir a boca.
Se ao menos pudéssemos conversar a sós.
Durante o trajeto, feito em silêncio, tenho esperança de que
teremos tempo para nos acalmar e arrumar a bagunça quando chegarmos à
casa dos Salvatore. Um ledo engano que acaba com Victor me odiando e,
ainda assim, exigindo que eu me case com ele. O fato de estarmos todos de
cabeças quentes mostra que não adiantaria argumentar agora, mas eu estou
convicta de que farei de tudo para esse casamento não acontecer.
Seria um erro irreparável, e Victor não merece ficar preso a
alguém como eu.
Capítulo 1

Nicole
ALGUMAS HORAS ANTES
O pincel toca a tela com tanta suavidade, que quase posso sentir
como se fosse em mim. Cada pincelada é dada com a delicadeza que não
pode ser vista na minha obra de arte. Os tons da pintura de uma mulher
correndo em uma mata são escuros, muito escuros. A imagem diante de mim
é tão perfeita que parece real.
— Abra essa porta, Nicole! Você sabe que não pode se trancar
sozinha dentro do quarto — Dona Lucy fala e eu corro para fazer o que me
pede, pois está mesmo preocupada com uma simples porta trancada.
Ela entra com uma bandeja de café da manhã nas mãos e eu não
penso duas vezes antes de pegá-la, sentar-me na cama e começar a devorar
tudo, como se não visse comida há semanas.
— E esse quadro? Minha filha, você é espetacular. Como pode
pintar quadros tão realistas e perfeitos, se há dois anos não sabia nem que
tinha esse talento? — Mamãe fala, ainda conseguindo se surpreender.
— Eu tenho que melhorar. Quero chegar à perfeição, que um dia
eu faça uma exposição de abalar todo o estado de Goiás. Nesse dia eu
venderei todos os meus quadros. Então pintarei tudo de novo. Encher aquele
quartinho...
— Filha, você já tem mais de duzentos quadros empilhados
naquele cômodo, por que não se dedica a outras atividades? — A fala da
minha mãe faz com que eu pare de comer para observá-la. Ela está no modo
mãe protetora agora, e eu preciso me ajudar a não falar bobagens.
— Mas eu me dedico a outras atividades. Sabe que estou
estudando para conseguir uma vaga na Federal para artes plásticas. Além do
mais, comecei um blog para escrever sobre técnicas de pintura que eu mesma
desenvolvi. Também pensei em criar um projeto para montarmos um coral na
igreja. Toda igreja que se preza tem um coral. A Luma, a Silvia e a Marta vão
conseguir aprender a tocar instrumentos. Lembra como eu consegui aprender
a tocar piano só vendo vídeos no YouTube?
— Minha filha, você está me deixando tonta! Pare um pouco e se
acalme, sim? — Senta-se na cama comigo e tira a bandeja, antes que eu a
coma também.
— Já chega. Comeu demais e nós ainda estamos no café da
manhã — diz, tenho vontade de perguntar por que traz tantas coisas se não
me deixa comer tudo. — E esqueça o que falei antes, você já faz coisas
demais, não precisa começar mais uma atividade — fala, confusa com os
próprios conselhos. A verdade é que ela, embora faça o seu melhor, não sabe
como lidar comigo.
— Fica tranquila, mamãe. Sabe que dou conta.
— Eu não vi esse quadro ontem. Você dormiu? — indaga, só
agora parando para pensar no assunto. — Quantas horas você dormiu essa
noite, Nicole?! — Agora ela está muito irritada.
— Eu não consegui, não estava com sono...
— Mais tarde é o almoço na casa dos Salvatore e eu quero que
você fique em casa descansando.
— Mas, mãe...
— Não discuta! Você vai ficar aqui e descansar. Está me
entendendo? Não me faça falar com o seu pai, Nicole! — ameaça.
— Mãe, mas o Victor, ele... — Eu quero e preciso ver o Victor. Já
se passaram duas semanas desde o acontecido, nunca mais nos vimos ou
falamos, não é possível que ainda esteja com a ideia de casamento na cabeça.
É um erro que não podemos cometer.
— O Victor virá te procurar para falar do casamento. Eu só não
sei como o seu pai está concordando com essa sandice — diz.
Mas é claro que ela sabe. Para o meu pai, pastor de uma igreja, a
pior coisa que poderia acontecer era sua filha ficar mal falada por ter
cometido o erro de perder a virgindade antes do casamento, o oposto de tudo
o que prega. Então não importam muito os motivos que fazem dessa ideia um
completo desastre.
A minha mãe já pensa diferente, pois além de todos os outros
motivos, me protege demais para sequer cogitar a possibilidade de ver a única
filha casada com um mundano, que é conhecido por suas extravagâncias e
mulheres aleatórias.
— Eu não quero me casar com ele, mamãe. Por isso tenho que ir.
O Victor me odeia por ter colocado ele naquela situação perante a família,
mas, se eu conseguir fazer com que me ouça, talvez possa...
— Não, você não vai, Nicole Montes. Está decidido — fala com
firmeza, sem que haja espaço para argumentação.
Eu tenho que vê-lo.
Deitada na cama, olho para a janela, que agora contém grades.
Mas não é como se os meus pais estivessem querendo me prender, elas foram
só uma medida de proteção e eu entendo, embora também me ressinta.
Eu fico deitada durante toda a manhã, a minha mente está pesada
pela falta de um sono adequado, mas não consigo fechar os olhos e
simplesmente dormir. A minha mente não consegue e não me deixa
descansar.
— Filha, nós já estamos indo. — Toda elegante para o almoço de
domingo na casa do amigo de infância do senhor Montes, mamãe entra para
se despedir. — Tome o suco de maracujá que a mamãe fez para você e tente
dormir.
— Tudo bem — digo, ela se aproxima, beija a minha testa e deixa
o quarto.
Sozinha outra vez, espero somente ouvir o som da porta sendo
fechada, então pulo da cama e começo a revirar o meu guarda-roupas.
— Imagina se eu vou perder esse almoço! — Excitada com a
perspectiva, começo a escolher algo decente.
Depois de muitos minutos, acabo optando pelo vestido mais curto
que tenho. Por mais curto, significa que fica um pouco acima dos meus
joelhos, mas pelo menos é justo e levemente decotado. Para os pés, escolho
sandálias rasteiras, portanto, sem maiores riscos de afundar o meu pé na
grama do jardim dos Salvatore.
Depois de tomar banho e me vestir, paro na frente do espelho,
passo somente um protetor nos lábios e volto a minha atenção para os meus
cabelos. Os meus cacheados e indomáveis cabelos. Cheios e longos, eu
poderia dizer que é uma das coisas que mais gosto em mim, mas dão trabalho
demais para que consiga ir tão longe.
— Você está ótima! — digo a mim mesma. Na sala, enquanto
procuro as chaves, lembro que não tenho como chegar lá.
Os meus velhos foram com o carro, e mesmo se não tivesse, não
teria como dirigir, já que não me permitiram tirar a carteira de motorista. Eu
queria tanto que foi o meu primeiro pedido há três meses, no dia do meu
aniversário de vinte e um anos.
Tão decidida que nada me impedirá de ir até a casa dos Salvatore,
procuro no pote onde mamãe sempre esconde moedas e encontro o suficiente
para pedir um Uber. Como não moramos longe da família amiga, a viagem
não dura mais do que quinze minutos.
Quando paro na frente do portão, as minhas mãos já estão frias e
suadas. Estou um pouco nervosa, porque mesmo sabendo que não quero esse
casamento, Victor ainda é o meu amor platônico da adolescência. Eu ainda
sinto o seu toque queimar em cada parte do meu corpo. Os seus beijos
famintos estão tão vívidos na minha memória que posso fechar os olhos e
imaginar que voltei no tempo.
— Boa tarde, posso ajudar? — Sou abordada por um homem
lindo e moreno. Alessandro Salvatore, irmão mais novo do Victor.
— Não está me reconhecendo? — questiono. — Nicole Montes.
— Mas é claro, como eu poderia esquecer? Mas você era só uma
criança há cinco anos. Como está diferente... — Constata, olhando-me
abertamente, da cabeça aos pés. — Aposto que está aqui para o famoso
churrasco de domingo.
— Não perderia por nada! — falo, parecendo mais empolgada do
que deveria. Mas eu estou me sentindo assim!
— Você está mesmo diferente. Vem, vamos entrar. — Ele abre o
grande portão e juntos pisamos na grama do jardim mais bem cuidado da
cidade, quiçá do Estado de Goiás.
Antes que a nossa presença seja notada, o celular do moreno toca,
ele acena para que eu vá na frente. Ao invés de ir na direção da casa, faço a
volta até chegar na parte mais bonita do jardim em que foi construída uma
pequena gruta, de onde escorre água nascente entre as pedras.
Molho a minha mão na água, passo na parte de trás do meu
pescoço e me sinto um pouco menos afogueada. Uma reação causada só pela
possibilidade de estar tão perto do Victor, quando é mais provável que não
esteja aqui hoje.
A mesma força que me fez fugir de casa naquela noite tem me
acompanhado pelas últimas duas semanas, sem me deixar esquecer do que
poderia ter acontecido entre nós dois. Sem deixar de querer terminar o que
começamos, sem pensar nas consequências. Na verdade, sem pensar em
nada.
Estive aqui tantas vezes que sei onde fica cada cômodo da casa e,
por isso, olho para cima. Para a janela aberta do segundo andar, onde sempre
foi o quarto do loiro galã de novelas. Fico olhando e me perguntando se ele
está lá dentro. Deitado na cama, imagino que seja grande o suficiente para
três pessoas rolarem em cima dela.
Ainda pensando em camas e lençóis, começo a caminhar para a
porta de trás da casa. Passo pela sala e pela cozinha, subo as escadas, mas
ninguém me vê, porque estão todos no jardim. A porta do quarto está
fechada, penso em bater, mas não bato. Levo a mão para trinco e, com calma,
começo a girá-lo até destravar a porta.
Para o meu alívio, ou decepção, não sei ao certo como me sentir,
o quarto está vazio. A cama, assim como na minha imaginação, está
desarrumada, como se o dono dela tivesse rolado entre os lençóis há pouco
tempo. Por impulso, assim como tudo o que fiz desde o momento em que saí
de casa, chego perto da cama e depois me sento.
Passo a mão pelos lençóis, pego e levo ao nariz. Eles têm cheiro
de perfume. Cheiro de Victor. Então eu solto os panos, desço a mão para o
meu pé e tiro as minhas sandálias. A porta está na minha frente, mas os meus
olhos e cabeça se voltam para trás, onde uma cama com cheiro de homem
chama pelo meu nome.
A noite em claro finalmente começa a cobrar o seu preço. O
silêncio e a brisa entrando pela janela fazem os meus olhos ficarem pesados,
com a sensação de que jogaram uma mão de terra em cada um deles. Então
eu me arrasto para o meio da cama, me escondo nas cobertas. Cubro a minha
cabeça até o pescoço e, sentindo a presença e o cheiro do perfume do Victor
ao meu redor, me entrego ao descanso merecido.
A conversa e todo o resto ficará para depois. Ele não veio, e
jamais saberá que invadi o seu quarto e dormi na sua cama.
Capítulo 2

Victor
— Porra, essa sequência foi exaustiva demais! — Ouço a
reclamação enquanto deixamos o set de filmagens de O direito de amar,
novela das nove e primeira que faço o papel de vilão.
— Reclamando de trabalho, Carlos? Ainda estamos no meio da
novela — digo.
Carlos Vilas foi quem ficou com o papel de protagonista da
novela, um ator relativamente novo na carreira, mas que foi esforçado o
suficiente para chegar aonde chegou. Eu gosto do cara, o papel de bom moço
lhe serve, assim como o de vilão me cai como uma luva. Eu nem sei como
não perceberam isso antes de me escalarem em papéis de heróis.
Deve ter sido o meu belo par de olhos verdes.
— Não estou reclamando, mas hoje é domingo, dia de cerveja
gelada, mulheres em volta da piscina e churrasco. Posso providenciar tudo
isso agora mesmo, vamos?
— Hoje não, meu amigo. Tenho que almoçar com os meus
velhos. Os domingos na casa dos Salvatore são sagrados — aviso.
— Que pressa é essa de vocês? Estavam pensando em fugir? —
Milla Romanov, linda, gostosa e uma das apresentadoras da emissora, nos
alcança e se pendura no meu braço.
Nós estávamos tendo um caso que já durava muito mais do que
qualquer outro envolvimento meu, mas ela, há duas semanas, me ligou
terminando tudo. Não se preocupou em dar uma desculpa, considerando que
era de conhecimento de todos que estava de olho no rapaz que foi contratado
como assistente de câmera.
Embora eu tenha gostado de transar com ela mais do que com as
outras, não sofri um golpe tão grande por causa de um fora. O único afetado
foi o meu ego. Gosto de pensar que foi ele, e a maconha misturada com
álcool, os responsáveis por me fazerem ir para um quarto de hotel com a filha
adolescente, e freira, do melhor amigo do seu Arnaldo.
— Está me ignorando? Saiba que não vai adiantar — fala,
cravando as unhas no meu braço.
— Bom, deixe-me ir, porque não quero ouvir briga de casal. Não
em pleno domingo — Carlos fala e começa a andar na frente, deixando-nos
para trás.
— O que foi, Milla? Conseguiu com que o rapazinho te comesse e
agora veio atrás de mim novamente? Dá um tempo, porra!
— Sabia que eu amo esse seu jeito rebelde? É tão sexy. — A loira
se coloca no meu caminho, eu sou obrigado a parar. É isso, ou atropelar ela.
— Por que não passamos a tarde juntos? Vamos relembrar o quanto éramos
bons?
Eu a ouço, olho o seu corpo da cabeça aos pés e então, pensando
que não tenho nada demais importante para fazer na tediosa tarde de
domingo, cogito aceitar a proposta.
— Tenho compromisso — aviso, lembrando-me dos meus pais.
É um pouco incômodo que eu, aos trinta e três anos, esteja
morando com os meus pais, mas faço isso pela praticidade e por ser
temporário. A minha profissão me fez mudar para São Paulo e por isso vejo
os meus velhos poucas vezes por ano. Para a alegria deles, e minha, que
sentia falta do lugar onde nasci e fui criado, Goiânia foi escolhida para
ambientar a novela e desde então estamos gravando aqui.
Claro que os meus velhos não permitiriam que eu fosse para outro
lugar que não fosse a nossa casa.
— Leve-me com você, vai? — A mulher, quando quer, faz uma
voz tão sedutora que é difícil dizer não a um pedido seu. Se o cara estiver
precisando urgentemente transar, se torna impossível.
— Que fique claro que você não vai conhecer os meus pais, ou
qualquer pessoa da minha família — aviso, seguro a sua mão e a levo para o
estacionamento.
Tudo bem que sou um idiota e não faço muita questão de
esconder isso, mas não a ponto de deixar que os meus pais vejam outra
mulher na minha cola, quando estou há duas semanas falando para eles que
vou me casar com a freira. A sogra que mamãe pediu para Deus. Acho que
nem nos melhores sonhos ela ousaria pedir uma nora como Nicole: linda,
recatada e do lar. Sua afilhada.
Estou em uma fase da minha vida que já não me importo muito
com o que dizem, ou o que esperam de mim. Sempre levei para o lado
divertido as insistências da dona Dirce para que eu me aquiete e dê o primeiro
neto. Mas então a freirinha ousou armar um flagrante e junto com o desejo de
fazê-la pagar com a mesma moeda, veio a inédita vontade de mostrar para a
minha velha que eu ainda posso surpreender.
Nesse caso, a surpreender positivamente. De forma negativa eu
faço mais vezes do que deveria, quando sou descuidado o suficiente para
deixar que as minhas merdas saiam na mídia. Não são raras as notícias em
sites de fofocas com o meu nome em letras garrafais. Notas que vão de
especulações de casos com mulheres casadas, acidente de carro e insinuações
sobre o uso de substâncias entorpecentes. Mas até aí nenhuma novidade, pois
é mais fácil cair fogo do céu a existir alguém da classe artística que nunca
tenha fumado um baseado.
Só não pensei muito bem qual será o papel da beata na minha
vida, mas também não é problema meu. Foi ela quem pediu por isso quando
deixou de ser a criança insignificante que sempre foi e entrou no meu
caminho. Agora, ela que arque com as consequências.
Menina idiota!

— Por aqui. — Puxo a mulher para os fundos da propriedade,


sendo o mais discreto que posso. Silencioso para não ser visto pelos meus
pais, que vejo de longe no jardim. Para não ser pego pelo Sandro, esse, sim, é
um pé no saco.
— Deveria me sentir ofendida por você estar me trazendo pela
porta dos fundos, como se eu fosse uma qualquer?
— Mas você é, querida. Não é minha namorada, nem mesmo
temos um caso.
— Por que me trouxe, então? — pergunta indignada, mas não
deixa de me seguir pelas escadas que nos levarão direto para o meu quarto.
— Sexo. A última vez. Depois você me deixará em paz e voltará
para o seu assistente de câmera.
— Seu canalha! — Tenta fazer cena de mulher ofendida, mas o
protesto morre na boca quando a jogo contra a parede e a beijo.
Em segundos o clima esquenta, a minha vontade é de puxar sua
calcinha para o lado e comê-la aqui mesmo para que acabe de uma vez, mas
não posso ser descuidado desse jeito. Não devo arriscar um flagrante quando
tenho outros planos.
— Vem, gostosa. Atrás dessa porta tem uma cama... — Beijando-
a com sofreguidão, escancaro a porta e, com a sola do pé, a fecho atrás de
nós. — Vamos, tire logo essa roupa.
A afasto de mim, levo a mão para o bolso da calça e dele tiro um
preservativo. Quando suas mãos estão no último botão da camisa, o meu
olhar vai para a cama que está na minha frente.
O misto de choque e surpresa estampado no meu rosto deve ser
muito grande, pois faz com que a mulher olhe para trás, depois para mim e
mais uma vez para a cama. Provavelmente para se certificar de que a cena é
realmente o que parece. Eu não a julgo, pois estou tendo a mesma reação.
— Isso aqui é algum tipo de brincadeira? — O tom da sua voz é
alto o bastante para fazer a intrusa acordar, mas ela nem se mexe. — Uma
vingança por ter sido dispensado? — Eu teria rido de suas palavras, se não
fosse toda a situação.
— Se te faz bem pensar dessa forma, sinta-se à vontade. Agora eu
quero que saia do meu quarto — digo, sentindo o desejo se esvair do meu
corpo num espaço de tempo de dez segundos.
O coelhinho veio para a toca e eu nem precisei fazer nada. Foi tão
fácil.
— Você não pode me tratar dessa forma! — O seu olhar, agora
furioso, se volta para a cama.
Nicole Montes, deitada de lado e com parte do corpo descoberto,
é tão pequena que parece um mero detalhe em cima dos lençóis brancos. Os
seus longos cabelos cacheados estão espalhados pelo travesseiro, uma
imagem que certamente inspiraria a um poeta.
— Saia! — exijo. Milla não se move, então, para acelerar o
processo, pego a sua mão e a puxo para fora. Apesar de toda a resistência,
consigo tirá-la e fechar novamente a porta.
No corredor, Milla começa a soltar os cachorros para cima de
mim e eu quase consigo entendê-la. A vida é assim: um dia ela acaba o nosso
caso por telefone, só porque queria dar para um Zé ninguém. Eu bem que
poderia ter dito que não existia regra de exclusividade, teria poupado uma
ligação. No outro, ela vem à minha casa e encontra uma mulher na minha
cama.
Eu nem pensei em vingança, mas aconteceu de forma perfeita,
talvez melhor do que se tivesse planejado.
— Não sabia que era tão sem critérios. Uma empregadinha. É
sério?
— Empregada? Mas de onde tirou isso? — Ela tenta abrir a boca,
mas prefiro poupar os meus ouvidos. Em pleno século vinte e um, eu não
quero ser obrigado a conviver com pessoas e falas racistas. — Bem diferente
de você, essa garota tem um lugar aqui nesta casa e na minha família. Pode
fazer o que quiser, até mesmo dormir na minha cama sem ser convidada.
Tudo bem, estou exagerando um pouco. Nicole não devia ter
invadido o meu quarto. Garota espaçosa.
— Uau, que belo defensor você é! Só falta dizer que é sua
irmãzinha postiça. Uma obra de caridade?
— Cale essa boca, porra! — exijo. — Vem, vamos embora daqui,
agora!
Saio apressado pelo corredor e ela vem atrás de mim, ainda
falando com a voz de taquara rachada. Que mulher insuportável! Ao menos o
bom sexo compensava.
Quando enfim me livro dela, decido ir pela entrada principal para
cumprimentar velhos amigos da família. As duas senhoras estão na beira da
piscina, alheias aos homens, em um papo que parece sério demais para um
churrasco de domingo. Posso apostar que estão falando sobre o casamento.
Provavelmente pensando em uma ideia para impedi-lo e preservar a virtude
da freirinha que, de tão preocupada, está deitada na minha cama.
— Boa tarde, mamãe. Senhora Montes — cumprimento com
beijos nos rostos. — Espero não ter chegado muito atrasado, às vezes o meu
trabalho não me dá folga nem no domingo.
— Chegou antes do almoço ser servido, filho. Sabe como o seu
pai e o Gonçalo são lerdos. Muita conversa e pouca atenção na churrasqueira.
— Mamãe brinca.
— E a Nicole, dona Lucy? Ainda não a vi — digo, usando ao meu
favor o talento para atuação.
— A minha filha não pôde vir. Estava tão cansada, tadinha. Mas
mandou um abraço para todos vocês.
Pela forma como dorme, eu percebi que está mesmo cansada. Só
falta entender o porquê de ter vindo dormir na minha cama.
— Talvez eu vá visitá-la essa semana — aviso, e a expressão da
dona Lucy deixa claro que não gosta mesmo da ideia de ver a filha comigo,
mas é submissa demais para tentar impedir. — Agora eu vou tomar um
banho. Já volto, mamãe.
De volta ao quarto, vou direto para o banheiro, preferindo não
pensar na Nicole, ou olhar para cama enquanto não posso tomar uma atitude.
Quando saio, já vestido e sem nada mais interessante para fazer,
volto toda a minha atenção para a freirinha, que ainda não se mexeu. O sono
parece muito pesado, o que é estranho.
Sem conseguir me conter, sento-me ao lado dela na cama.
Parcialmente curvado, toco nos seus cabelos, aproximo meu nariz dos fios, e
um forte cheiro de morango invade as minhas narinas. Cheiro de shampoo,
cheiro de Nicole.
— O que você está fazendo aqui, menina? — sussurro.
Capítulo 3

VICTOR
Já tive tempo de olhá-la por uma hora inteira, descer para
socializar um pouco, almoçar e depois pular na piscina. Horas que se
passaram e a menina não acordou. Ela sequer se mexeu e eu estou
começando a ficar preocupado. Quem é que dorme tão profundamente em
plena tarde de domingo? Ainda mais nesse calor. Tudo bem que são poucos
os dias em que o clima não está assim.
— Chega, Victor! Você tem que acordar a freirinha! — digo a
mim mesmo, mas, ainda assim, reluto.
Aproximo-me dela, sento-me na beirada do colchão e, com
cuidado, tiro os fios de cabelos que caíram sobre o seu rosto. Então fico a
observando. Ela tem o rosto de uma adolescente de quinze anos. Dos clarões
que tive nas últimas semanas, posso afirmar que o mesmo não posso dizer do
seu corpo. Ele, sim, mudou.
Nicole Montes tem rosto de menina e corpo de mulher. E que
corpo. Não é à toa que eu, um pouco chapado e muito bêbado, tenha a visto e
pensado que poderia simplesmente levá-la para cama. Lembro-me — mais ou
menos — de beijos, de tê-la sentada com a bunda redonda em cima do meu
pau e se esfregando em mim, toda cheia de vontades. As suas mãos pequenas
e macias em contato com a minha pele que, se a minha mente não estiver
pregando uma peça, estava pegando fogo de tesão.
Eu prefiro pensar que tanto a bebida quanto a maconha tenham
sido responsáveis, pois em nenhuma outra configuração, eu pensaria em tocar
na filha do melhor amigo do meu pai. A garota que eu nunca prestei atenção,
afinal de contas, eu era um adulto quando estava nascendo. E além disso,
enquanto crescia, não existia nada nela que me fizesse acreditar que poderia
ser uma boa companhia.
O espanto pelo desejo que senti por Nicole só não é maior do que
a raiva que sinto por ter me envergonhado na frente da minha família, por
fazer com que todos façam mau juízo de mim, muito pior do que antes, por
ter ousado tocar na santa Nicole. Não falamos no assunto, mas vejo que, às
vezes, meus pais me olham por mais tempo do que o necessário, sempre em
silêncio, mas aposto que se perguntando como fui capaz de, com tantas outras
mulheres no mundo, dormir justamente com Nicole.
Mesmo se tivesse dormido, já não tenho mais tanta certeza de que
realmente não transamos, nós poderíamos simplesmente esquecer, mas ela
não deixou que tivéssemos essa alternativa. Se eu não fizer alguma coisa, eu
serei o homem que desonrou a pobre menininha da igreja. Eu não desejo mais
do que ela essa relação, nem sei se daria certo, mas temos que tentar. Nicole,
assim como eu não tive, não terá espaço para negativas.
— Ei, freirinha, acorde! — chamo, balançando o seu ombro com
o máximo de delicadeza que consigo. — O que foi? Se eu não soubesse que
não faz esse tipo de coisa, diria que está de porre. Não bebe, mas se enfia na
cama de um homem como eu. Sinto muito, mas acho que você foi para o fim
da fila que te levaria para o céu — brinco, ela resmunga baixinho e se mexe
pela primeira vez.
O problema é que deixa um pedacinho de pele à mostra, a
insinuação de um decote e eu não consigo não olhar. Não uma olhada básica,
mas uma secada que me faz desejar puxar o seu vestido para baixo e conferir
se os peitos são bonitos como parecem. Uma pena que eu não me lembre dos
detalhes da noite no quarto de hotel.
Pare com isso, Victor! Dessa vez você nem tem a desculpa de que
está chapado.
Ela ainda está dormindo, essa garota é estranha. Será que terei que
pegar um balde com água fria e jogar na sua cabeça?
— Tudo bem, vamos ao plano B. — Levanto-me e tiro os lençóis
de cima do seu corpo, uma péssima ideia, considerando que o vestido subiu e
suas coxas roliças estão à mostra.
Foi um erro não ter transado com a Milla. Se estivesse
sexualmente satisfeito, o meu pau não estaria alegre por causa de um par de
coxas, que além de bonitas, parecem macias...
— Porra! — esbravejo alto para ver se minha raiva a faz
despertar.
Então eu me sento perto do seu corpo novamente, abaixo a cabeça
e, pensando que faço isso por uma boa causa, nada mais do que isso, seguro o
seu rosto com as duas mãos. Olho para a sua boca bem desenhada, aproximo
a minha e, com a força necessária, mordo o seu lábio inferior.
Dessa vez o gemido é de protesto. Agora a menina abre os olhos,
mas o meu rosto está tão próximo que acabo me perdendo nos seus escuros e
confusos olhos. Penso em me afastar imediatamente, mas, de uma forma que
duvido que um dia irei esquecer, Nicole segura a minha cabeça e me beija.
Simples assim, a freirinha me ataca e eu, pobre indefeso, não
posso fazer nada para me defender. Pelo contrário, deixo que saqueie a minha
boca e colaboro com o beijo, afinal, meus pais passaram a vida me ensinando
que não se deve reagir em momentos de ataques.
Contendo a sua afobação, pego para mim o controle, mas a forma
como invado a boca macia, enfiando e rolando a língua na sua, faz parecer
que sou eu o atacante agora. A desgraçada ainda cheira a morangos. Nos
devoramos de uma forma tão gostosa que fico a um passo de mandar todo o
resto para o inferno e me deitar com ela na cama.
Então me lembro de quem é Nicole e pulo para longe. Mas não
tão longe quanto deveria para fugir da tentação negra com cara de anjo e
corpo gostoso, que está na minha cama. Se pudesse, eu teria me pendurado
no lustre do teto, só para garantir que ela não pudesse puxar-me pelo pé. Mas,
se conseguisse, eu cairia direto na sua...
— Inferno!
— Não diga isso! — exige ao sentar-se e passar os dedos entre os
fios desgrenhados dos seus cabelos.
O problema é que não parece desconcertada, não como deveria.
Para essa criança deve parecer normal ter invadido o meu quarto, dormido na
minha cama e depois tentado me engolir.
— Eu não posso falar inferno porque ofende aos seus ouvidos
evangélicos, mas você pode invadir o quarto alheio e praticamente me
comer?
— Desculpa, agi por impulso.
— Em qual das ocasiões? — indago, pouco me importando se
estou ou não evidenciando a minha ereção.
— Todas. — Ela se levanta ajeitando o vestido sem graça e muito
comportado, embora deixe as suas curvas em evidência.
Ela não faz o tipo magrinha. Na verdade, é do tipo gostosa
mesmo. Peitos que considero grandes, cintura fina e quadris largos.
Ridiculamente pequena, pelo menos perto dos meus um metro e noventa de
altura.
Eu estou na janela, porque estou com muito calor. O motivo do
calor e da vontade de esganar alguém chega perto. Eu olho novamente para o
lustre.
— Olhe só para eles, Nicole. — Discretamente, aponto para o
jardim onde os nossos pais estão reunidos. — Estão contentes por estarem
juntos, mas sou capaz de apostar que nos pensamentos de cada um deles
existe a mesma preocupação.
— Sem necessidade — afirma, mas ignoro porque eles têm, sim,
motivos para se preocuparem.
— O que eles diriam se soubessem que enquanto se preocupam
com uma relação entre nós dois, você está aqui no meu quarto? A sua mãe
acha que você não veio.
— Ela pediu para que eu ficasse em casa — explica.
— E você costuma fazer o contrário do que te pedem? — Sou
irônico, mas a garota parece imune. A minha acidez já colocou menininhas
como ela para correr em outras oportunidades.
— Na maior parte do tempo, não!
— O que te fez pensar que seria uma boa ideia invadir o meu
quarto e dormir na minha cama?
— Eu não planejei isso. Queria falar com você, vi que não
estava...
— O passo seguinte seria sair do meu quarto — aviso.
— Eu estava com sono. Estou cansada, muito cansada — diz. Eu
não consigo entender, pois ela chegou aqui de manhã, poucas horas depois de
ter acordado.
— Não dormiu de noite? — Continuo a fazer perguntas, pois ela
está começando a me deixar intrigado.
Por incrível que possa parecer, a freirinha, que não deve ir até a
esquina de casa sem a supervisão dos pais, é muito intrigante, contraditória e
eu estou ficando muito interessado.
— Eu não consegui. Sabia que eu pinto? Você tem que ver os
meus quadros. Eles são tão bons. Claro que preciso me aperfeiçoar em muitos
aspectos. Ah, eu também estou fazendo um blog para falar das técnicas que
eu mesma estou desenvolvendo.
Ela tem energia. Muita energia e empolgação ao falar dos seus
projetos e está me deixando com sede.
— Nicole...
— Eu também estudo para o vestibular, quero entrar no curso de
artes plásticas. Tem também o coral da igreja e a academia. Ainda não falei
disso com os meus pais, mas acho que estou precisando perder uns quilinhos.
Talvez uns cinco, não acha? Mesmo se não precisasse, eu li que um bom
condicionamento físico interfere no psicológico e eu quero...
— Nicole, pelo amor de qualquer coisa, cale-se! Eu não estou
conseguindo te acompanhar — peço, sacudindo-a levemente pelos ombros.
Não sei o que aconteceu, mas ela está em pane. Não está?
— Perdão.
— Não por isso. Só não consigo entender, já que falou de cinco
assuntos diferentes em vinte segundos.
— Tem razão. Eu vim conversar com você sobre o que aconteceu
naquela noite. Victor, por favor, não leve essa história de casamento para
frente. Você estava brincando, não estava?
— Não, Nicole, eu não estava. Você me constrangeu na frente dos
meus pais e dos seus também. Tudo bem que os meus velhos não esperam
muito de mim, mas trepar com a afilhada deles é passar muito dos limites
aceitáveis.
— Nós não transamos! — esbraveja, começando a ficar irritada.
Eu não ligo, já que fica ainda mais bonita assim.
— Pois deveríamos, você pelo menos teria boas lembranças que
compensasse as consequências que terá que suportar, embora eu não veja
alguma parte ruim em me ter como seu homem.
— Você não está falando sério, Victor. Por que não para com esse
sarcasmo besta e fala como um adulto?! — O seu tom de crítica me irrita,
então a agarro pela cintura, deixando o seu corpo bem coladinho ao meu.
— E quem disse que não é sério?
— Eu não vou casar, ou ter qualquer envolvimento com você.
Pode até tentar, grande ator, mas não existe nada que possa fazer que me
obrigue a ficar com você, principalmente pelos motivos que te movem.
— Que motivos? Eu poderia simplesmente querer terminar o que
começamos. Te comer gostoso, fazer você parar de falar e usar a boca só para
gemer no meu ouvido.
— Eu poderia até acreditar nisso, se não enxergasse muito bem.
Se não soubesse que está com o ego ferido por ter caído em uma suposta
armadilha. Mas, se fosse mais inteligente, perceberia que não faz sentido
nenhum, porque se eu tivesse feito de propósito, estaria feliz nessa história
doida de casamento. Mas eu não fiz. Não queria ter ligado para o meu pai.
— Ah! Não queria? Então, por que ligou? Não tinha uma arma
apontada na sua cabeça. — Ela está me tirando do sério, mas as minhas mãos
não parecem ansiosas para soltá-la.
— Foi um impulso. Eu estava assustada e confusa. Não pensei
antes de ligar e nem tinha visto que era você antes de ligar.
— Quer dizer que costuma sair pulando na cama de qualquer um?
— Me respeita, seu... — Esmurra o meu peito, mas não a solto.
— Seu o quê? Não me diga que não sabe xingar, freirinha —
provoco, mas outro assunto me incomoda. — Responda a minha pergunta.
Ainda posso te chamar de freirinha, ou já não é mais virgem.
— E por que isso te diria respeito?
— Se não for virgem, eu não quero — brinco.
— Eu não sou! — afirma.
— Bom, então eu só tenho um jeito de comprovar isso, não é? —
Desço a mão pela sua perna e começo a levantar o seu vestido.
— Se quiser, posso falar com os nossos pais sobre aquela noite,
mas EU NÃO VOU ME CASAR COM VOCÊ!
— VOCÊ VAI, SIM!
Capítulo 4

VICTOR
Tudo bem, essa menina é muito irritante. Ela, com uma única
conversa conseguiu me tirar do sério como outra pessoa não conseguiu em
trinta e três anos. Mas ela também é bonita e estranhamente intrigante, duas
características que me incitam. Fazem com que eu a veja como um desafio.
Eu sou movido a emoções, conhecido por não recuar perante a um
bom desafio. Quanto maiores os obstáculos, maior o meu desejo de superá-
los. Não tenho mais ideia do que quero, as motivações mudaram, mas, com
certeza, não vou desistir de atormentar essa garota.
A minha vida estava mesmo um marasmo. Nicole será a distração
perfeita pelo tempo que ficarei aqui na cidade.
Só preciso mudar de estratégia, porque ela não parece ser o tipo
de garota que se deixará levar por pressão. Disse com todas as letras que não
irá casar e eu sei que não irá, a menos que eu a faça desejar isso mais do que
qualquer outra coisa na sua vida.
— Solte-me, Victor!
— Vamos descer para contar para os nossos pais que vamos
marcar a data do nosso casamento? — falo, só para provocá-la.
— Eu não vou descer.
— Vai ficar morando no meu quarto, sua invasora? — Depois do
que essa menina aprontou, eu devia estar com raiva dela, e estava até hoje.
Mas agora, depois de trocarmos mais do que duas palavras, estou curioso.
Quero conhecê-la, de uma forma que não tinha feito questão antes.
— Vou sair pela porta de trás, assim como fiz quando cheguei e
ninguém vai me ver — diz, soltando-se dos meus braços.
— Não, você não vai embora — falo, Nicole corre para a porta,
mas a alcanço com apenas três passos.
— Eu vou, sim! — Ela é teimosa, mas fica calminha quando a
abraço por trás.
— Se for, eu desço agora mesmo e digo que você estava
dormindo pelada na minha cama, freirinha — ameaço no seu ouvido, Nicole
tenta me chutar, mas não pode fazer muito por si mesma.
— Você é um ser detestável, Victor Salvatore. Eu não sei como
pude achar que gostava de você. Deve ser porque não conhecia essa sua
personalidade.
— Você gostava de mim? — A giro dentro dos meus braços,
fazendo com que nos olhemos cara a cara. Assim ela não conseguirá mentir.
— Coisa de adolescente, não é mesmo? Tive uma paixão por
você, assim como tive pelo Justin Bieber. Mas a graça das paixões platônicas
é que elas não têm a menor chance de se tornarem reais. Quem tem um amor
impossível não espera que, de uma hora para outra, o objeto dos seus desejos
caia no seu colo. E ainda bem que não acontece, imagina a decepção se eu
conhecesse o Justin e ele fosse como você? Não, eu preferia ter ficado com a
imagem de você lindo, com essa voz... E quando beija aquelas outras
mulheres? Eu ficava imaginando que poderia ser comigo. Imagina? Eu
nunca...
— Freirinha, isso é um dom? — Primeiro beijo de leve os seus
lábios para calá-la, depois pergunto divertido. Na primeira vez fui
surpreendido, na segunda já entendi que não deixará que eu fale alguma coisa
e só se calará se eu a beijar. Vou chamar de método do beijo e apostarei na
sua eficácia.
— Dom?
— De falar centenas de palavras por segundos, sem parar para
tomar fôlego.
— Eu...
— Não precisa se desculpar. Vem, vou te levar para almoçar.
Você deve estar com fome. — Deixando que a abrace pela cintura, a levo
para o jardim.
— Estou mesmo com fome — admite.
Quando a nossa presença é notada, ninguém faz questão de
esconder a surpresa. Ninguém esperava vê-la aqui e menos ainda comigo.
Ainda lhe estou tocando, Nicole se incomoda e se afasta dos meus braços.
Ela começa a caminhar para onde a mãe está. Pelas posturas
corporais, a senhora parece estar discutindo com a filha e isso me incomoda.
Sabendo que não poderei me aproximar por um tempo, vou para
perto da churrasqueira, participar da conversa do meu pai com o senhor
Gonçalo e o Sandro. O meu irmão fica me olhando, doido para encher o meu
saco, mas sabe que não pode fazer isso na frente do senhor Montes.
Eu fico com eles apenas fisicamente, pois os meus olhos e
pensamentos estão longe, mas especificamente na mesa onde Nicole está
sentada. Sozinha, ela come feito uma condenada, com muito medo de o prato
sair correndo da mesa. Depois do almoço, ela mexe no celular durante alguns
minutos, mas parece agitada demais para ficar muito tempo parada.
Ela se aproxima das tulipas da mamãe, começa a observar as
flores, depois vai para perto da piscina. Senta-se na borda e coloca os pés na
água. Mas a freirinha não fica por muito tempo no mesmo lugar. Dez minutos
depois de sentar-se no chão, ela se levanta. Fico imaginando que não existe
mais nada que possa fazer, mas a freirinha surpreende e começa a correr em
volta da piscina. Está tão absorta que parece alheia a tudo que não seja a
corrida.
— Vamos ali pegar uma cerveja, Victor? — A voz do Sandro
chama a minha atenção.
— Não entendi.
— Pegar uma cerveja — repete.
— É claro — digo.
Alessandro deve estar querendo fugir dos senhores para falar a
sós comigo, porque também prestava atenção na Nicole.
— O que está rolando entre você e a filha do pastor Montes?
Mamãe me contou, mas ainda tenho dificuldade de acreditar que você e ela...
— Não é exatamente o que parece — digo.
— Então me conta. Acho que nós temos tempo.
Como somos só nós dois e com a diferença de apenas dois anos
nas idades, Sandro e eu somos muito próximos e não guardamos segredos um
do outro. Conto como tudo aconteceu na noite em que fomos pegos na cama,
pelo menos a minha versão dos fatos. Ele se diverte, mas não curte muito
quando ouve que não pretendo deixar Nicole em paz.
— Reflita bem, meu irmão. Além de ser da família, Nicole é
apenas uma menina que foi criada em uma redoma de vidro. Ela não foi
preparada para o mundo e, principalmente, não está preparada para um
homem como você — argumenta e a defesa ferrenha chama a minha atenção.
— Você a conhece melhor do que eu, não é? — pergunto na
esperança de ouvir mais da garota que nunca me interessou, apesar de
praticamente ter sido criada dentro desta casa.
— Eu não venho muito para a cidade, mas, com certeza mais do
que você. — Alessandro é viúvo, morava em uma fazenda no interior do
estado com a esposa, e não saiu de lá depois que ela morreu.
— O que sabe sobre Nicole Montes? — pergunto.
— Meu irmão...
— Fale de uma vez, Alessandro.
— Não tem muito o que dizer. Só me chama atenção toda essa
energia dela. Não lembro de ela ser assim. A Nicole que eu vi anos atrás era
tímida e muito retraída. Ela mudou muito — comenta.
— Ela não parou desde o momento em que chegou — digo. —
Mas é bem melhor assim, não é? A menina é bonita e jovem demais para
ficar vendo a vida pela janela. Ela precisa curtir!
— Eu não vou deixar você mexer com a afilhada da nossa mãe.
Com a filha do homem que papai considera como um irmão, Victor. Eu sei
que você se recusa a crescer e tende a pensar que a vida é uma constante
festa, mas existem alguns limites que precisa respeitar e um deles é não
pensar na garota como o seu novo brinquedinho. Pense que não é como as
outras, que você come e depois joga fora.
— Não preciso que me dê lições de moral, irmãozinho. Não diga
o que posso ou não fazer! — aviso, ficando puto com a sua intromissão. Está
exagerando sem motivos, a menos...
— Alessandro, nós nunca brigamos por mulheres. Eu pegava as
suas, antes da Miranda, é claro, e você também não tinha o menor problema
de ficar com uma garota que já tivesse ficado comigo, mas com a Nicole é
diferente. Ela é minha!
— Que sua, está louco, Victor? Nicole não é um objeto. E além
disso, se ela não quiser ser sua, não será.
— Ela vai querer! — assevero.
— O que pretende? — indaga, já tendo passado muito dos limites.
— Só diz respeito a nós dois. E fique fora do meu caminho —
aviso e dou a conversa por encerrada.

— Não acha que já está de bom tamanho? — pergunto quando a


paro no meio do que parece ser a milésima volta.
— Não estou nem começando — diz, tenta voltar a correr, mas
não permito. Ela está completamente ofegante e suada. — Me deixe,
Salvatore!
— Não, eu não deixo. Está muito calor para você ficar gastando
tanta energia. Precisa se refrescar! Venha comigo. — Estendo a mão, fiquei
imaginando que iria recusar, mas Nicole me surpreende e a pega.
Não me importo se estamos chamando atenção dos nossos
familiares quando ligo a ducha de água fresca para ela.
— Eu imagino que não tenha trazido um biquíni, não é? — Ela
confirma a minha suspeita. — Tudo bem, então terá que ser com roupa e
tudo.
Eu a coloco no jato de água forte, e embora a ideia seja cuidar
dela, não posso culpar os meus olhos por apreciarem as belas curvas. Estou
muito acostumado com o artificial e com a magreza extrema, então sei
diferenciar o que é naturalmente bonito quando vejo. E Nicole é muito
gostosa sem fazer qualquer esforço.
Vê-la assim me faz esquecer do desastre que veio depois e me
ressinto por não ter aproveitado quando a tive em minhas mãos. Levei a
fama, mas não me deitei na cama. E, no momento, só posso pensar em como
eu gostaria de ter deitado e rolado na cama com a freirinha.
— Não está com calor? — indaga e parece uma criança brincando
com a água.
— Muito mais do que você imagina — afirmo, mas ela não
demonstra ter entendido as insinuações nas minhas palavras.
Deve ser mesmo muito inocente. Eu só não consigo entender
como chegamos a ponto de transar. Como ela pode ter permitido que
acontecesse. Bastou uma única tarde para me fazer perceber que Nicole
Montes é um poço de contradições. Isso, muito mais do que a sua beleza, que
também chama a minha atenção, me impediu de ficar longe a partir do
momento que a encontrei dormindo na minha cama.
Eu quero desvendar essa garota e depois decidir o que estou
pretendendo com ela, porque até agora isso não ficou claro nem para mim.
Primeiro eu disse que iríamos nos casar, e não estava brincando. Sei que
poderia ir longe no meu desejo de me vingar. Mais cedo eu percebi que não
conseguirei nada a pressionando e que, talvez, existam outras maneiras de
chegar perto dela.
No fim das contas, toda a situação foi até boa para mim, porque
me fez enxergá-la e, melhor ainda, deu-me mais liberdade para ficar perto. Os
nossos, já resistentes, pais não permitiriam uma aproximação se não
acreditassem que Nicole e eu somos tão íntimos quanto um homem e uma
mulher podem ser.
— Por que não entra aqui também?
— Melhor não, frei... Nicole.
— A água está tão boa. Eu não queria sair daqui tão cedo.
— Se tivesse trazido roupa de banho nós poderíamos entrar na
piscina — afirmo. Na verdade, não seria nada mal.
— Vamos ter que deixar para a próxima — diz. Com fascínio,
fico a observando enquanto coloca a massa de cabelos escuros para o lado e
começa a torcê-lo para tirar o excesso de água.
— Esse cheiro do seu cabelo é morango?
— Sim, você gosta? — Tudo bem, agora ela não parece tão
inocente.
— Gosto muito, combina com você.
Quando ela desliga a ducha, ficamos parados nos encarando,
típico de quando o assunto entre duas pessoas acaba, mas o meu com ela está
apenas começando.
— Não quer subir para o meu quarto? — Convido.
Não sei se ela vai aceitar, ou se será fácil levá-la comigo sem que
o seu pai nos impeça, mas a sorte está lançada, e quero muito que a resposta
seja positiva.
Capítulo 5

VICTOR
Eu pareço um criminoso dentro da minha própria casa. Não, pior
do que isso, um adolescente que não tem idade para levar uma namorada para
dentro do quarto. Isso é o fim dos tempos!
Logo eu que já tive mais mulheres do que posso contar. Devo ter
parado de contar quando passou de cem e, se depender dessa moça aqui, a
lista vai demorar um pouco para voltar a ser atualizada.
Não estou nem levando em consideração o fato de não ter dado a
resposta, porque sei que ela vai aceitar subir para o meu quarto. Não vai?
— Eu acho melhor a gente não fazer isso, Victor. — Tudo bem,
parece que, talvez, eu não seja tão irresistível assim aos olhos dela.
— Você não pode estar com medo de ficar sozinha comigo, não
é? — indago, mas, para dificultar a sua capacidade de decidir, entrelaço os
nossos dedos. — Nós já fizemos isso antes e você precisa se secar para não
ficar doente.
— Você estava bêbado demais. Eu nem sei como pude ser tão
irresponsável de ir para o quarto com um homem que não estava sóbrio.
— Não vamos falar do que passou, está bem? — peço. — Quando
falamos, eu fico com vontade de ser mau com você e eu não quero fazer isso
— digo a verdade. O dia de hoje está me fazendo perceber que jamais faria o
que pensei em um momento de raiva.
Naquela noite, aqui mesmo nesta casa, passaram pela minha
cabeça ideias bem claras de vinganças, que encobriram a minha parcela de
culpa, mas ainda não a conhecia. Ainda não posso dizer que conheço, mas,
com certeza, seria incapaz de machucar essa garota de propósito.
— Ser mau. Posso perguntar que tipo de maldade? — A pergunta
dela não tem segundas intenções, mas não significa que eu não possa atiçar.
Brincar com o seu imaginário, que deve ser tão puro quanto ela.
— Começaria tirando esse vestido que mostra cada curva do seu
corpo, então eu...
— Tudo bem, não precisa falar mais nada! — Nicole, totalmente
desconcertada com pouca coisa, corta a minha descrição.
Apesar de tudo o que fizemos e de ter me atacado no momento
em que acordou, Nicole age de uma maneira estranha. Agora, por exemplo,
ela não parece querer tanto assim. Vai de um extremo a outro e eu só posso
pensar que ela tem, além de todos os outros que possui, talento para atuação.
Pergunto-me se não está fingindo toda essa pose de crente devota
à causa “virgem até o casamento”. Se estiver, será um prazer mostrar-lhe que
comigo não tem a menor chance de a máscara permanecer. Não demora e
estará implorando com todas as letras para ser tocada por mim.
— Vem, vai ser rápido. Depois que se secar pode vir curtir o resto
da tarde. Eu não pretendo ficar no quarto com você, vou só mostrar onde fica
o que você precisa.
— Que seria?
Eu não sei! Eu me tornei mesmo um adolescente. E tudo por que
não estou sabendo como agir com uma menina.
— Desculpa a minha indelicadeza, mas você tem quantos anos?
— indago.
Não tinha pensado nisso, mas, dependendo da resposta, não terei
mais com que me preocupar.
— Acabei de fazer vinte e um.
OK. Eu não tinha parado para pensar no quão mais jovem do que
eu ela é. São doze anos, que não fariam tanta diferença, se não fosse
extremamente inocente e eu, muito experiente.
A crise de consciência bateu forte agora.
— Quer saber, Nicole? Você pode ir subindo. Acho que o seu pai
não ficaria satisfeito se nós ficássemos a sós. Uma coisa é termos
supostamente transado, outra bem diferente é imaginar que teremos liberdade
para continuar fazendo isso. Suba e se vista.
— Tudo bem — diz e se vai, aparentemente nem um pouco
decepcionada por eu ter mudado de ideia.
Eu preciso pensar!
Ela é muito jovem e talvez seja melhor que eu pare com esse jogo
e a deixe em paz para seguir a sua vida.
A vida sem graça da filha de um pastor, cujas emoções mais
fortes devem girar em torno de cantar em um coral ou tocar na banda da
igreja. Nicole foi criada para casar-se com um rapaz que teve a mesma
criação. O meu irmão estava certo quando me alertou e eu tenho que parar de
brincar com essa menina.
Nós tivemos aquele encontro inusitado, mas a nossa história acaba
por aqui. Não me importo se os meus pais e os dela irão passar a vida
pensando que eu tirei a virgindade da freirinha. Eles ficarão muito mais
aliviados e contentes no dia em que ela cumprir o papel para que foi criada.
Eu, apesar de ter ficado bastante animado com a perspectiva de
trazer um tipo de diversão diferente para a minha vida, vou esquecer muito
rapidamente a interação que tivemos hoje e seguirei em frente. Eu sempre
faço isso e não olho para trás.
— Posso saber por que está aqui sozinho e olhando para a janela
do seu quarto? Eu pensei ter visto você o dia inteiro na cola da Nicole.
— Esse assunto de novo? Você está chato pra caralho, Sandro!
Por que não vai para o seu rancho limpar a bosta dos teus cavalos? — Eu
nem sei por que, mas estou irritado e só a voz do meu irmão me faz ter
vontade de socá-lo.
— Que bicho te mordeu? Ei, volte aqui! — Começa a gritar
quando viro as costas e o deixo falando sozinho.
Deve ter se passado uns dez minutos desde que pedi para a
freirinha ir trocar de roupa. Então ela já deve ter se vestido e saído pela porta
da frente. Exausto, doido para me trancar no meu quarto e curtir um baseado,
saio sem me despedir e subo as escadas.
A porta está entreaberta, mas o fato parece não significar nada,
então eu só me dou ao trabalho de entrar e me jogar de bruços na cama. O
problema é que o meu nariz vai direto nos lençóis e eles estão cheirando a
morangos. O cheiro gostoso do perfume da Nicole. Desconcertado por
perceber que fiquei mexido com um simples cheiro, levanto-me para trancar a
porta e, me sentindo mal por estar fazendo isso na casa dos meus pais, abro a
gaveta e pego um cigarro.
Não um cigarro qualquer, mas a velha e boa maconha, que
consumo só quando estou precisando relaxar. Por exemplo, depois de um dia
de trabalho, ou depois de ter passado o dia pensando em uma maneira para
brincar de gato e rato com uma garota, para depois perceber que não poderia
fazer isso.
Na terceira tragada, já me sentindo relaxado sobre a cama, ouço
um barulho bem baixo, mas que não deveria existir no ambiente. Eu sei que
estou ouvindo, não posso estar chapado a esse ponto. Cabreiro, tento
acompanhar o som, mas ele está tão fraco que não sei de qual direção vem.
Percebendo que preciso de mais concentração do que bons
ouvidos, respiro fundo e... O som está vindo do banheiro. É um barulho de
chuveiro ligado, claro!
Tem alguém no meu chuveiro e eu corro antes que possa pensar
em quem é a pessoa. Da porta, não é a cena excitante de uma mulher nua e
sexy que me recebe, muito pelo contrário, o que vejo me rouba o fôlego. Faz
com que eu apague o cigarro na pedra da pia e corra para onde ela está.
A menina está nua e sentada no chão do banheiro. Tem os joelhos
dobrados e a cabeça apoiada neles. A água do chuveiro jorra sem parar, mas
ela parece não se importar que esteja caindo sobre as suas costas. Quando
testo a temperatura, fico aliviado por pelo menos a água estar morna.
— Você está bem? — Ajoelhado na sua frente, sem sentir nem
um por cento do relaxamento de segundos atrás, pergunto. Ela balança a
cabeça, mas não abre a boca. — Eu vou te tirar daqui.
Levanto-me, desligo o chuveiro e depois a ajudo a ficar em pé.
Por mais que eu esteja preocupado com ela, é impossível não dar pelo menos
uma olhadinha para os seus peitos.
E como eles são bonitos...
— Agora vou pegar uma toalha limpa, está bem? — Ela assente e
parece a própria imagem do desânimo. Tem algo muito errado acontecendo
aqui. Essa garota não estava dando voltas na piscina agora há pouco?
Bom, acho que deve ter cansado. Sim, deve ser só isso, penso
comigo mesmo.
Nicole deixa que eu a ajude a se secar, uma missão difícil,
considerando que faço de tudo para não olhar para além dos seus seios, cujos
mamilos parecem duas jabuticabas maduras.
— As suas roupas estão no banheiro? — indago. Não me lembro
de tê-las visto.
— Sim...
— Tudo bem. Acho que tenho algo para você. — A levo para a
minha cama e a coloco sentada. Mexo no guarda-roupas e encontro a menor
camiseta que tenho. É de uma época em que eu não malhava, mas que, por
alguma razão, a minha mãe gosta de deixar guardada aqui no fundo do
guarda-roupas.
Eu entrego nas suas mãos e ela, com toda a lerdeza do mundo, a
veste por cima da toalha. Muito esperta essa garota, provavelmente sabia que
eu iria dar uma boa espiada, agora que não estou tão ocupado.
— Dê-me isso aqui. — Pego a toalha das suas mãos. — Eu tenho
que colocar a sua roupa na máquina, mas tem que me prometer que não sairá
daqui antes de eu voltar.
— Prometo — diz, olhando nos meus olhos. Isso basta, embora
tenha motivos para achar que não devo confiar nela.
No banheiro, encontro suas roupas em cima da tampa de um
grande cesto que fica ao lado da porta. Mamãe coloca para que eu não deixe
nada jogado. Ela tem mania de limpeza. Pego o vestido, depois o sutiã e a
calcinha. Eu poderia só pegar e sair, mas os meus instintos não deixam.
Primeiro levo o sutiã, simples, ao nariz, só para me certificar que
ainda tem o seu cheiro. Depois, sentindo-me até um pouco culpado por
invadir a sua intimidade dessa forma, dou uma boa olhada na sua calcinha. A
peça preta e comportada claramente é de alguém que nunca teve um amante e
não pretendia arrumar um hoje.
— Eu já volto. — Passo por ela, que está penteando os cabelos e,
apressado, corro para a área de serviço da casa.
Estou com tanta vontade de voltar para o quarto que a máquina
resolveu não ser rápida o bastante. Quando, enfim, jogo tudo dentro dela, e
volto apressado pelas escadas, consigo lembrar que há alguns minutos havia
decidido que tinha acabado, que não iria mais chegar perto da freirinha. E ela,
mais uma vez, está no meu quarto.
Ao entrar no mesmo lugar, me aproximo e sento do seu lado.
— Pode me explicar o que aconteceu?
— Não foi nada. Eu acho que é só cansaço por tudo o que fiz
hoje. Entrei no chuveiro e achei a água tão gostosa, caindo sobre a minha
pele... Senti que simplesmente não tinha forças para sair. Você entende? —
indaga.
Ela olha para mim, tão linda e jovem que não consigo sequer
contrariá-la em voz alta.
— Claro que entendo! — Na verdade, eu não entendo. Nicole
parece... normal?
Antes dessa cena ela parecia pilhada demais, uma energia que ia
de encontro ao estado de todos os presentes no almoço. Agora é como se a
pilha tivesse acabado e eu agradeço por isso. Sou jovem para muitas coisas,
mas velho demais para acompanhar uma criança cheia de energia. Era assim
que ela agia, como uma menina.
— O que você quer fazer agora? — Dou-lhe opções.
— Eu tenho que ir, preciso chegar em casa antes dos meus pais.
Já imaginou se eu chegasse lá vestindo a sua camiseta? Papai teria um treco
— diz, e tem um sorrisinho tímido no rosto.
— Tudo bem eles pensarem que a gente transou, mas continuar
pecando antes do casamento seria um absurdo, não é? — Ela assente.
A minha fala tem o tom de brincadeira, mas eu sei como pessoas
como ela e a família pensam e respeito muito.
Em parte, foi por respeito que decidi parar de brincar com a
garota. Apesar de ser um babaca, posso entender que ela espera ter um bom
relacionamento e tudo que vem na bagagem. Indo na contramão do meu
plano inicial em um momento de raiva, eu não acredito que seria capaz de dar
o que alguém como ela espera. Nem se quisesse.
— Quer que eu te leve em casa? — indago.
— Não quero incomodar — afirma, mas sei que quer que eu faça
isso por ela.
— Não está incomodando — falo, imaginando como será ter que
passar mais um tempo com a freirinha.
Certamente não será um sacrifício. Será pior que isso, uma prova
de força entre a minha mente e o meu corpo. Logo eu, que estava decidido a
ficar longe dessa encrenca. Sim, a filha quase adolescente do pastor é uma
enorme encrenca.
Capítulo 6

VICTOR
— Aqui estamos — digo ao estacionar o carro em frente à sua
casa.
A família Montes é relativamente humilde, financeiramente
falando. Os meus pais, embora não tenham nascido ricos, trabalharam muito
para serem o que são. Mamãe é médica psiquiatra. Meu pai é dono de um
escritório de arquitetura. Ambos bem-sucedidos em suas carreiras.
— Obrigada por ter vindo. Acho que gastei todas as moedas do
cofre da dona Lucy. Eu peguei sem ela saber — ela fala sorrindo, e eu opto
por acreditar que esteja brincando.
— Torço para que não tenha a levado à falência — devolvo. Saio
do carro e abro a porta para ela.
Nicole e eu estamos parados frente a frente. E agora que não
tenho um volante para dar atenção, permito-me olhar para o que lutava por
atenção durante todo o caminho. Os seios cheios estão com os mamilos duros
por baixo da minha camisa, marcando a mesma com perfeição. Eu sou apenas
um homem e seria exigir demais pedir para que não olhasse, para que não
tivesse vontade de colocar a minha boca nas duas jabuticabas maduras.
E as pernas, o que falar das pernas? Eu simplesmente não podia
me concentrar 100% na estrada. Perdi o direito de escolha no momento em
que ela se sentou na porra do banco. Na verdade, a matemática é bem
simples: a Nicole é pequena, a camiseta é grande. Mas não grande o
suficiente para cobrir as suas coxas grossas.
Sobre o fato de ela estar nua por debaixo da camisa, prefiro nem
pensar.
— Victor, você está bem? — Uma voz e um estalo na frente do
meu rosto me tiram do lugar onde estava, o paraíso da luxúria, onde Nicole é
só uma mulher de vinte e cinco anos, não é nada da minha família e muito
menos crente.
— Perdão, mas acho que vi um movimento estranho. — Tudo
bem, eu estou mentindo aqui, mas não é nada que vá me prejudicar na corrida
por uma vaga no paraíso.
— Movimento estranho? Mas aqui é sempre tão... Ah, claro! Eu
estou com Victor Salvatore.
— Eu não pensei em me disfarçar para vir até aqui, mas os
paparazzi não param nem no domingo.
Eles realmente não param, mas eu saberia se tivesse algum deles
por aqui.
— Quer entrar em casa? Talvez eles desistam, não é? — propõe, e
era exatamente isso o que eu queria que fizesse.
A noite está apenas começando e eu, depois da loucura que foi o
dia de hoje por causa dessa freirinha, não quero despedir-me ainda.
— Os seus pais, será que eles...
Bem-vindo novamente à adolescência, Victor Salvatore!
— Se não chegaram ainda, devem ficar para o jantar. Você
acredita nisso? — indaga. Há pouco ela mandou uma mensagem dizendo que
estava bem e voltando para casa. Só esqueceu de mencionar quem era o
motorista.
— Acredito. — Eu não faço a menor ideia, assim como o meu
medo de ser pego pelo pastor e arrastado na manhã seguinte para o altar não é
maior do que a minha vontade de ficar mais um pouco com a garota estranha.
Vontade e curiosidade de ver como ela vive.
A casa, obviamente, é mais simples do que a mansão dos
Salvatore, mas é muito arrumada, limpa e espaçosa. Parece realmente o lar de
pessoas felizes.
— Sabe o que eu pensei?
— Não, só se você falar — brinco.
— Já que não temos nada para fazer...
Podemos trepar no seu quarto. Acho que quero muito foder com
você, menina! Quem se importa com o resto?
— Eu posso te mostrar os meus quadros. Você é artista e pode dar
a sua opinião. O que acha?
— Acho ótimo — digo, com um sorriso forçado na cara. A minha
ideia estúpida era melhor.
— Preciso vestir uma roupa — avisa, tenta sair, mas a seguro pela
mão.
— Não precisa. Se for por minha causa, está tudo bem — garanto.
Tudo bem poder ver mais das suas coxas do que as suas roupas
comportadas deixariam. Tudo bem se os biquinhos dos seus peitos estão o
tempo todo me dizendo olá.
Será que sabe o que está fazendo comigo? Ou é tão ingênua que
não notou que estou desde cedo atrás dela como um cachorro que não larga o
osso? Nem eu estou me entendendo.
— Então, tá! — decide, muito rápido, aparentemente, nem um
pouco incomodada. Não, ela não pode estar de todo inocente nesta história.
O quarto onde estamos é bem espaçoso e, ainda assim, quase não
tem o suficiente para nos movermos. O cômodo está lotado de obras de arte.
Vi de relance apenas uma, mas o bastante para me impressionar.
— Da última vez que contei tinham duzentos e três. Mas tem um
pronto no meu quarto, então são duzentas e quatro pinturas — diz, enquanto
eu começo a caminhar entre as suas peças.
Algumas eu tenho que tirar do lugar para conseguir ver, outras,
talvez as que ela mais gosta, estão penduradas na parede, que não tem espaço
para mais nada. Ela está cheia de quadros de cima até embaixo.
Se um artista imprime a sua personalidade através das suas obras,
o mesmo não se pode dizer da Nicole. Existem quadros que são solares e em
tons pastéis. Belas paisagens ou pessoas em momentos especiais, como por
exemplo, um piquenique em família. Outros são pintados com cores
fechadas, o pano de fundo é a noite. Têm pessoas com rostos e formas
distorcidas, alguns correndo atrás de algo.
Mas eles têm em comum a perfeição. Seja os solares ou os
obscuros, tudo o que vejo aqui chega a ser perturbador de tão belo. Ela retrata
alguns cenários de forma tão realista, que uma pessoa mais sensível poderia
se imaginar no meio da cena. Estou me sentindo assim e nem sou a pessoa
mais sensível do mundo.
— Eu nem sei o que dizer, Nicole.
— Não gostou, não é? Eu sei que preciso melhorar, sabe? Digo
para a minha mãe que isso vai acontecer se eu começar a estudar. A
faculdade serve para essas coisas, mas também vejo alguns vídeos e acho...
— Nicole! — Seguro em seus ombros para que pare e me ouça.
— Eles são perfeitos. Você, se não quiser, não precisa estudar nada. É uma
artista completa. Como, em nome de Deus, você chegou a esse ponto?
— Eu aprendi sozinha. Quando era criança gostava de desenhar e
fazia isso muito bem. Mas comecei a me dedicar mais nos anos que moramos
no Paraná. Não fiz muito amigos por lá. Então tinha tempo de sobra para me
dedicar. Sabia que já falaram para os meus pais que eu tenho o QI elevado?
Eles não deram muita importância, e nem eu entendo muito bem.
— Pelo que vejo aqui, tem mesmo, menina — afirmo. — E você
não pode e não deve esconder o seu talento do mundo. Precisa dividir essas
belezas e eu serei o primeiro comprador.
— Você está dizendo isso só para me bajular — afirma, e não
acredito que esteja apenas mendigando elogios. Ela sabe que é boa, mas deve
achar que não é para tanto. Mas é!
— E por que eu iria querer te bajular? Logo você, que fez os meus
pais e os seus pensarem que tivemos uma noite de sexo?
— É, você está certo, não tem por que não estar sendo sincero.
Mas está mesmo falando sério sobre querer um dos quadros? Seria a minha
primeira venda e isso me deixaria muito feliz.
Fofa não é uma palavra que exista no meu dicionário para definir
algo ou alguém, mas é assim que ela se parece para mim agora, falando tudo
o que pensa. Nicole é do tipo de pessoa que fala o que pensa, isso já está
claro para mim. Só não sei se faz parte da personalidade, ou se é a idade, que
ainda não a moldou por completo.
— Eu vou levar. Gostei de todos que estão aqui, e poderia
escolher qualquer um, mas você disse que tem um perdido no seu quarto.
Pode me mostrar?
Tudo bem, tenho que admitir o meu meio pecado. Eu realmente
quero ver mais uma de suas artes, mas também desejo entrar no seu quarto,
ver como se parece. Se tem cheiro de shampoo de morango.
— Claro que posso. Vem.
Sim, o quarto cheira a morangos frescos e tinta. O cômodo, assim
como os quadros, não diz nada a respeito de quem ela é. Não é o quarto de
uma garota doce e certinha, mas também não é de uma que gosta de quebrar
regras. É a imagem da contradição, assim como a sua dona.
Evito olhar muito para a cama, pois ela me faria lembrar que
Nicole está sem calcinha e sutiã. E eu estou tentando a todo custo esquecer
desse fato.
— Aquilo ali é o quadro? — indago para mudar o rumo dos meus
pensamentos.
— Sim. Deixe-me tirar esse pano de cima dele.
— Uau! — É essa a minha reação quando vejo a tela.
A garota retratada corre por uma floresta noturna, tem os pés
descalços e as duas mãos segurando o vestido, que aparentemente é longo. As
suas costas são enfeitadas por longos cabelos escuros e cacheados. Eles, bem
como o corpo, lembram muito...
— É você?
— Eu não estava pensando em mim quando o pintei. Acha que
parece comigo?
— Muito! Eu vou querer ele. Pode falar o valor?
— Eu não faço ideia...
— Confia em mim para cuidar disso? – indago. Eu, que queria me
afastar da freirinha, que ainda é virgem, vou me lembrar disso sempre que
precisar, estou cada vez mais envolvido. O que estou prestes a propor é só
mais um passo. — Se quiser, posso fazer uma pesquisa de mercado para
você.
— Eu iria adorar.
— Então, estamos combinados — digo, satisfeito.
— Sobre à noite do hotel...
— Não sei se é uma boa ideia falarmos desse assunto agora. Não
quero brigar com você — aviso.
— Eu fugi pela janela.
— Oi? — indago, e olho direto para a porra da janela que,
estranhamente, contém uma grade.
— Meus pais acharam por bem colocar essa grade para evitar
novas fugas.
Tudo bem, tem algo errado aqui.
— Já tinha feito isso antes? — Ela parece não entender. — Pular
janelas. Já tinha acontecido?
— Não dessa forma.
— E de outras? — insisto, pois ela está muito superficial nas
respostas.
— Eu não quero falar disso — avisa. — Naquela noite eu queria
me sentir livre e cometi uma loucura. Não tinha destino certo e não esperava
te encontrar. Deixei você me beijar. Fui para o quarto com você... Eu não
queria ter feito nada daquilo. Sei que não dá para entender, mas não agia
como eu mesma. E você também não, estou certa disso. Aquilo foi um erro e
eu fico feliz pelo dia de hoje. Por você estar aqui, sendo meu amigo.
Ela falou tantas coisas erradas em questão de segundos, que
primeiro preciso me recuperar do soco na minha alta estima para começar a
processar.
O caralho que não me queria.
Dois caralhos para essa história de amigo!
Estou me sentindo rejeitado, porra! Eu nunca, em toda a minha
vida, fui rejeitado por uma mulher.
A minha vontade é de jogá-la em cima da cama e mostrar que,
seja lá o que tiver a possuído naquele dia, ela pode me querer hoje, sendo a
freira de sempre. Mas eu preciso focar, já que me olha, esperando que diga
alguma coisa.
— Só me explica como foi que o seu pai chegou até nós. Certeza
que não adivinhou que estávamos naquele quarto.
— Eu estava em choque, ainda não tinha visto que se tratava de
você. Só pensei que tinha ido longe demais e dormido com um estranho.
Liguei para o meu pai porque é a ele que sempre recorro quando estou em
apuros. Eu estava assustada demais. E não me pergunte como o deixaram
subir. Deixamos a porta aberta. Se pelo menos eu tivesse tido tempo...
— Cale-se, Nicole. Eu preciso pensar. Não estou conseguindo te
entender.
— Não perca seu tempo. Ninguém me entende, nem eu mesma.
Capítulo 7

NICOLE
Ele ainda está parado e em silêncio. Apenas me olhando e,
provavelmente, pensando que sou maluca. E talvez seja mesmo. Uma maluca
não diagnosticada porque os pais não podem aceitar que alguém como eu,
criada com todo o amor do mundo e em um berço evangélico, possa ter
algum espírito maligno.
— Você é uma garota como outra qualquer, muito talentosa, por
sinal, mas que ainda é muito jovem e está tentando se encontrar — diz, mas
não sei se é o que realmente sente, ou se está tentando ser condescendente
com os meus erros.
— Me perdoa? — peço, desta vez com humildade.
— Quando aconteceu, confesso que fiquei muito puto com você e
estava, sim, disposto a me vingar de alguma forma, mas isso já não importa
mais. Deixe que pensem o que quiserem sobre nós dois... Quer dizer, como
os seus pais estão?
— Meu pai está decepcionado, é claro. Ele me criou para namorar
na porta de casa. Só namorar quando tivesse a intenção de me casar,
sobretudo, só fazer sexo depois do casamento — explico, embora acredite
que ele saiba mais ou menos como funciona.
— Eu não lembro muito bem, mas eu fui o primeiro a te beijar?
— indago.
— Foi. E não pense que não foi o melhor primeiro beijo, porque
foi. Tudo o que aconteceu entre nós dois, apesar de eu não ter planejado, foi
importante para mim. E se eu pudesse voltar atrás para escolher, escolheria
você novamente — afirmo, pois acho importante que saiba disso.
— Você não pode me falar essas coisas, menina. Não se não
espera que eu tenha desejos que te assustariam. — Ele diz com a voz um
pouco mais baixa, chegando bem pertinho e colocando as mechas do meu
cabelo volumoso atrás da orelha. — O que você pensa a respeito das ideias
do seu pai sobre relacionamentos?
— Bom, o que meu pai me ensinou é tudo o que eu sei. Para mim
é o jeito certo de viver a vida, sabe? Mas ao mesmo tempo, experimentei tudo
com você, e mesmo sentindo que não estava certo, nos dias seguintes desejei
que pudesse repetir ou continuar — admito. Victor parecia não esperar por
aquilo.
Eu estava tendo uma postura mais distante, sei disso, mas foi uma
falha tentativa de me proteger, pois em todo esse tempo estive muito
consciente da sua presença do meu lado. De cada toque, do seu cheiro e calor
do seu corpo.
Tentei muito ignorar, mas Victor é muito mais do que uma paixão
platônica de adolescente. Ele é também o homem que fez o meu corpo
despertar quando eu não sabia que poderia sentir tantas coisas ao mesmo
tempo.
— Não diga que me queria, ou sobre os seus desejos mais
secretos, pois eu não sou como esses garotos que você conheceu na igreja.
Diferente de você, duvido muito que exista uma vaga no céu para mim.
— Não fale assim — peço.
— Eu falo, sim. Preciso falar para que você entenda. Posso até
não lembrar os detalhes da nossa noite frustrada, mas não sou cego e vejo
como você é bonita. Não é só isso, eu estou muito curioso sobre tudo que te
diz respeito. E a curiosidade nem sempre é boa, menina, ela nos prega peças,
fazendo-nos desejar o que não podemos ter. E embora não seja a melhor
pessoa do mundo, já decidi que não vou agir como um canalha com você.
Não com você.
— Por que não comigo? — indago, e espero que não tenha
parecido uma reclamação. Eu deveria estar feliz com isso. Não era o que eu
queria?
— Porque percebi que você é só uma menina. Inocente demais
para um homem que já viu muito desta vida. É melhor deixarmos o que
aconteceu entre a gente para trás. Tentaremos esquecer e começar a partir
daqui. — Ele fala com clareza e convicção, mas seu rosto contraria as
certezas de suas palavras.
— Eu concordo. Seria impossível existir qualquer coisa entre nós
dois, não é? — Nem sei se quero que ele concorde comigo ou se diga que
nada é impossível.
— Sim, é isso mesmo — diz, e abre um sorriso que não parece
nada feliz. — Vamos falar dos seus quadros?
— É claro... — concordo. Não temos outro assunto em comum.
Saber disso é... Não sei o que é, mas não me deixa feliz.
Pelo menos eu tenho as lembranças daquela noite muito claras na
minha mente, guardadas como tesouros para que nunca possa esquecer,
mesmo que algum dia me case com outro homem.

VICTOR
Caralho!
Caralho!
Caralho!
Mas o que é que está acontecendo comigo? Eu nunca fui assim, e
agora estou me deixando impressionar por uma garota que não sabe nada da
vida.
Tudo o que ela desperta, a vontade de fazer muito mais do que
tocar e lamber cada pedacinho do seu corpo, é inédito para mim. Mas ela me
olhou com aquelas duas bolas de gude que chama de olhos, e me disse tudo o
que eu já sabia. Nicole é proibida para mim.
Percebi que tem as crenças dela e simplesmente não posso
corrompê-la, só porque estou curioso a seu respeito. Muito provavelmente,
desejando-a só porque não posso ter. Mas o que aconteceria se fizesse com
que ela sucumbisse a mim? Eu a usaria e depois seguiria em frente.
A freirinha não seria só mais uma da lista de conquistas. Eu
deixaria para trás uma menina que voltaria a ver, que me faria lembrar todos
os dias dos meus pecados e não quero ter essa lembrança, mesmo que deseje
muito ser o seu primeiro.
Aí está mais uma mudança. Quando foi que eu me importei com
virgens? Muito pelo contrário, sempre optei por mulheres que iam direto ao
ponto, que soubessem exatamente o que estavam fazendo.
Apesar de tudo, eu consegui levar a nossa conversa para terrenos
menos perigosos. Ficamos pelo resto da minha estadia falando da sua arte, e
embora eu não seja especialista ou algo parecido, dei algumas dicas, que ela
pareceu aceitar sem pestanejar. Eu quero e vou ajudar essa menina. Se não
tivesse motivos pessoais, ainda assim faria, pois não poderia simplesmente
ver um talento nato e não fazer nada.
Claro que interferir nessa área da vida da Nicole me deixa mais
perto do que deveria, mas, se não puder tê-la do jeito que aprendi a desejar,
pelo menos farei algo por ela.

— Meu filho, tinha saído e eu nem notei? — Eu até tentei passar


despercebido pela sala, mas dona Dirce não permitiu.
— Fui dar uma volta de carro, mas já vou subir. Preciso decorar
alguns textos — digo. Todos na sala me observam. Eu tento não parecer
culpado, agindo como se não estivesse na casa dos Montes com a filha deles,
enquanto estão aqui.
— O que tem nas mãos? — É claro que não deixaria de perguntar.
Minha mãe é uma pessoa assumidamente curiosa.
— Coisas do trabalho — falo. — Boa noite pessoal. Foi um
prazer voltar a revê-los, senhor e senhora Montes.
— Vou subir também, preciso falar com o meu irmão —
Alessandro diz para os senhores e vem atrás de mim.
Já sei que não vou ter paz, porque se dona Dirce tem uma
curiosidade desinteressada na maioria das vezes, Alessandro a tem com o
intuito de se meter na minha vida. Está sempre dando opiniões e conselhos
que não peço. Às vezes me pergunto se ele esquece de quem é o irmão mais
velho aqui.
— Quanto mistério, meu irmão. Você não vai me deixar na
curiosidade. — Começa quando mal termino de fechar a porta. Coloco a tela
quadrada e coberta sobre a cama e vejo que ela é grande demais para que o
peão deixe passar.
— Você não tem uma vaca para ordenhar? — pergunto, ele
arqueia a sobrancelha e vejo que não tem como fugir.
Tiro o tecido que cobria a tela e meu irmão se aproxima para ter
uma visão completa.
— Meu Deus! Isso é fantástico. O detalhe dos traços. — Ousa
tocar nos cabelos fartos da garota, eu afasto a sua mão com um safanão.
— Ai, caralho! É só um... — Volta a sua atenção para a pintura.
— Mas essa moça é a Nicole Montes. Como conseguiu?
— A própria me deu — digo, um pouco envaidecido.
Nós tínhamos combinado que eu iria comprar e Nicole ficou
muito entusiasmada por ser a sua primeira venda. Mas na hora da despedida,
quando fomos falar do pagamento, ela decidiu que não iria querer vender. Eu
insisti, é claro, mas a freirinha é teimosa como uma mula. Quando me viu
colocando a tela no banco de trás do carro, parecia uma criança de tão feliz
que estava.
— Ela pintou?
— Sim! Não é maravilhosa? Eu também tive essa mesma reação
quando vi.
— Ela é muito boa — diz tão baixo que parece ter esquecido da
minha presença. — Isso quer dizer que esteve com a menina esse tempo
todo? — pergunta o óbvio, já sabendo da resposta, mas deve estar querendo a
confirmação de que tive coragem de fazer o que está pensando. Certamente,
ideias nada honrosas.
— Eu fui levá-la para casa.
— Tenho certeza de que ela poderia perfeitamente ter esperado
para ir com os pais — assevera, com a sua mania irritante de se manter na
defensiva quando o assunto é a Nicole.
Ele não a via muito mais do que eu. Será que foi paixão à
primeira vista? Só faltava isso, meu irmão mais novo e eu nos desentendendo
por causa de uma garota.
— Você está interessado na Nicole? — Sou direto na pergunta,
pois não quero passar por isso novamente. — Devo supor que está, porque
não para de agir como se tivesse o direito de fazer questionamentos a esse
respeito, embora eu não acredite que um mero interesse justifique.
— Eu não estou interessado nela — nega rápido demais e não
tenho certeza de que está sendo 100% sincero. Acho que os anos fizeram
muito pela aparência da freirinha e nenhum de nós dois estava preparado para
o reencontro. — Mas você está, não é mesmo? Até levou ela para casa, um
ato de cavalheirismo que não costuma ter. Não se não tiver em seus planos
transar com a mulher.
— Para a alegria de todos, a santa Nicole continua virgem.
Satisfeito? Quando não for mais, eu espero ser avisado — prefiro perder um
braço —, já que o evento parece ser tão importante para todos.
— Quanta irritação, galã. Ficou mesmo impressionado, não é?
— Tanto quanto você! — admito com irritação.
— Deve ter sido uma armadilha. Ela te pegou direitinho. —
Brinca, nem parecendo mais o chato que pegava no meu pé segundos atrás.
— Nicole não armou nada para mim. Aquilo foi um mal-
entendido e nós já estamos resolvidos quanto a isso. — A defendo com
convicção, pela primeira vez percebendo que eu acredito nela de verdade.
— Nossa, você está a defendendo com tanta veemência. Deixe-
me checar se não está com febre.
— Sai, porra! — Afasto-me dele, olhando para as paredes,
calculando onde colocarei a pintura da freirinha. — E pode ficar tranquilo,
grande defensor da virgem imaculada, Nicole e eu não temos e nem teremos
nada. E se era isso que queria ouvir, já pode dar o fora do meu quarto.
É claro que ele não vai, não seria tão fácil assim. Alessandro
ainda fica alguns minutos enchendo os meus ouvidos com os seus problemas
rurais. Antes de sair avisa que voltará ainda hoje para o rancho e eu fico feliz
por ele, que ficará perto das suas queridas galinhas e bosta de vaca. Feliz por
mim mesmo, que ficarei um tempo sem ouvir a sua voz.
Tudo o que sai da boca do Alessandro me irrita, mas isso acontece
porque ele é a voz da minha razão, o anjo bom do lado direito do meu ombro
e eu, na maior parte das vezes, não quero ouvi-lo.
Sozinho, ocupo-me em pendurar o quadro, que ficará na parede de
frente para a minha cama. Não pensei a respeito, mas agora, ao me deitar
depois de um banho, me dou conta de que dormirei e acordarei olhando para
as costas da Nicole. Para os cabelos, a cintura fina e a bunda bonita, que
conseguiu retratar com perfeição, como se estivesse se vendo através de um
espelho enquanto pintava.
Pensando bem, a situação toda é no mínimo estranha, pois embora
tenhamos tido uma conversa franca sobre o que seremos e o que não seremos
para o outro, eu, dentre todas as mais de duzentas opções, e não menti quando
disse que poderia escolher qualquer uma, quis logo o quadro que tem a
imagem da Nicole. Ela, por sua vez, não achou nem um pouco estranha a
minha escolha. Não parou nem por um segundo para pensar na situação. Foi
natural, tanto para mim quanto para ela.
Precisando esquecer, pego um cigarro, o meu texto e começo, ou
tento, trabalhar. De um jeito ou de outro, preciso parar com essa fixação por
alguém que prometi respeitar e estou disposto a cumprir.
Capítulo 8

VICTOR
Um mês depois...
— Por que não fica mais um pouco, a gente pode ficar aqui pelo
resto do dia...
— Não, gata, não podemos. Eu tenho outros compromissos e você
não está incluída nos planos — digo, sem me dar ao trabalho de olhar para a
mulher deitada e nua na cama do hotel.
Eu já levantei há um tempo, tomei banho e estou pronto para ir
embora. Ela, pela expressão, depois de não ter se movido do lugar quando dei
a dica de que havia acabado, esperava mais do que estou disposto a oferecer.
Pagar uma bebida em um bar e depois trazê-la para transar em um bom e
limpo quarto de hotel é uma coisa, mas daí a acreditar que é diferente de
todas as outras, é querer se iludir à toa.
— Você é um babaca, Victor Salvatore! — grita, agora pegando o
que vê pela frente para arremessar na minha cabeça.
— Foi um prazer te conhecer, Ivana.
— É Anna, seu cafajeste! — Um sapato voa perigosamente
próximo da minha orelha e eu, para não correr mais riscos desnecessários,
bato a porta do quarto atrás de mim
Ontem foi quinta, e a noite não foi diferente de qualquer outra. Saí
da emissora para um bar com colegas de profissão. No local, fui cercado por
mulheres a fim de baixarem as suas calcinhas para mim. O meu único
trabalho foi escolher qual seria a distração da noite.
Por falta de opções de diversão, tenho o hábito de brincar com o
interesse de garotas que nem sabem quem é o Victor por trás do ator. Então,
nas noites badaladas de São Paulo, ou daqui de Goiânia, gasto o meu tempo
flertando com uma ou com várias para, no fim, levar embora a que parece
menos carente, que não terá ilusões com algo além de sexo sem sentido.
Ontem eu cometi um erro de julgamento, mas, felizmente, só
tivemos tempo para nos pegar em cima da cama, trepar como queríamos e
depois adeus. Não ficamos mais do que três horas juntos e eu já estou indo de
volta para o estúdio de gravações. Tivemos que refazer uma sequência difícil,
estamos atrasados nas gravações e, por isso, tenho que madrugar.
Eu só espero que a maquiadora seja mesmo boa como parece,
porque ela terá um trabalhão para esconder a minha cara de quem passou a
noite na farra.

— Hoje eu não estou de bom humor, Milla. Passa mais tarde —


aviso quando a vejo apressando o passo em minha direção pelos corredores
da emissora.
— Você nunca tem tempo para mim — reclama, sem ter qualquer
direito.
No último mês, eu fiquei com ela mais duas vezes e, em ambas as
ocasiões, foi por pura falta de opção. O problema é que ela parece não
entender muito bem o conceito de apenas sexo e tem feito os corredores
daqui parecerem pequenos demais para nós dois.
— O que eu não tenho é interesse por você, compreende? —
aviso, e apresso o passo para chegar à sala de maquiagem. Ela não vai poder
entrar lá, felizmente.
— É por causa da garota negra que estava dormindo na sua cama?
— pergunta. A menção ao nome da Nicole faz com que eu pare na mesma
hora. — Então é mesmo por causa dela que anda me desprezando.
— Não volte a tocar no nome da garota. Você não sabe de nada!
— Volto a colocar os óculos de sol, que havia tirado para que pudesse olhar
para mim e compreendesse a seriedade do meu aviso.
Felizmente, chego à sala de maquiagem e entro sem trocar mais
nem uma palavra com Milla pegajosa, fazendo de tudo para jogar o final da
conversa para o fundo da minha mente.
O dia de trabalho é cansativo e arrastado. Sempre é, mas fica
muito pior quando a pessoa passa a noite acordado. Tive que repetir várias
falas, esqueci de alguns textos e quando chega ao final do dia, estou com o
humor do cão.
— Você está na merda, não é? — Carlos me acompanha pelo
estacionamento, porque não perderia a chance de me encher.
Eu gosto do cara, mas ele, talvez por ser novo na profissão e ainda
deslumbrado, acha que tem que andar atrás de mim como um cachorrinho.
Isso é muito irritante, principalmente quando se está de ressaca.
— O próprio cocô do cavalo do bandido. Tenha uma ótima noite,
Carlos. — A minha será quando conseguir apagar por pelo menos doze horas.
— Você precisa tomar jeito, cara — diz. Era só o que estava
faltando mesmo, uma versão do Sandro. Um substituto que não fui eu quem
pedi.

Felizmente, os meus pais não estão por perto quando chego em


casa, então posso simplesmente subir, tomar o meu banho e dormir. É
exatamente o que faço, pelo menos, até a parte do banho.
Quando saio do banheiro, os meus olhos, que não costumam me
obedecer quanto a esse assunto, vão direto para o quadro que toma um bom
espaço na minha parede. Ele é tudo o que restou da freirinha. Por isso os
meus olhos estão tão viciados na sua imagem estática.
Eu não sei o que aconteceu com ela, mas Nicole sumiu
completamente da minha vida desde o dia em que fui a sua casa. Nós
resolvemos as nossas pendências, mas trocamos números de telefone e eu
achei que fôssemos manter o mínimo de contato por causa do seu trabalho,
que eu pretendia ajudar.
Lembro-me de ter mandado uma mensagem qualquer, depois de
uma semana de silêncio, e ela nem se deu ao trabalho de responder. Pior, nem
sequer visualizou. Eu, por mais que tenha ficado, e ainda esteja, incomodado,
não voltei a insistir, afinal, o interesse era todo dela.
Como prometi, segui a minha vida do jeito que sempre foi.
Longas horas de trabalho, academia no tempo livre e baladas aos finais de
semana. Não aconteceu nada de tão diferente, um descontentamento, como
acontece nos romances água com açúcar quando os mocinhos tapados
querem negar que estão apaixonados. Nada disso, as últimas semanas foram
normais.
Normais até demais. O problema é o quadro, que já pensei em
tirar da parede centenas de vezes no último mês, mas não consegui.
Simplesmente me acostumei a dormir e acordar todos os dias olhando para a
freirinha, ainda que de costas. Essa garota ingrata, que não soube ao menos
aceitar ajuda de bom grado.
Acabo apagando praticamente no mesmo instante que coloco a
minha cabeça no travesseiro — que não tem mais o cheiro de morangos
frescos — e só acordo perto do meio-dia de sábado. Foi um sono revigorante
e necessário, brindado por um despertar sem nada para fazer pelo resto do
dia. Nada que me torne útil para o meu país.
Ao descer as escadas, rumo a cozinha, noto uma movimentação
que não é comum, a minha mãe está na sala, atenta ao celular. No jardim,
algumas pessoas conversam animadas demais para uma tarde de sábado.
— Bom dia, meu filho. Demorou para se levantar, eu já estava
indo pedir para a Dita ir te acordar — diz, mas não deixa de mover os dedos
pela tela do celular.
Ela mesma gosta de entrar no quarto, igual quando eu era criança,
e abrir as cortinas quando acha que estou dormindo demais. A função só é
delegada para a Dita, mulher de meia idade que ajuda a mamãe desde a
minha adolescência, quando o assunto é urgente demais para que ela mesma
faça.
— Do que se trata toda essa movimentação? Vão dar uma festa e
eu não fui convidado? — Brinco, mas a forma como me olha deixa claro que
eu acertei sem perceber. — É sério?
— Decidimos isso hoje e, por isso, estamos correndo contra o
tempo — informa, agora fazendo anotações em um pequeno caderno.
— Decidiram o que, minha senhora? Sabia que não é nada legal
ignorar o seu filho preferido? — digo e ela para no mesmo instante para me
dar atenção.
— Não tem isso de filho preferido. Você e o seu irmão já estão
velhos demais para esse tipo de brincadeira — ralha.
Por ser dona de um consultório e ainda dar plantões na ala de
psiquiatria de um hospital público, mamãe já deve ter visto de tudo, e
acredito que seja esse o motivo dos seus sermões quando Alessandro e eu
falamos algo que ela considera inapropriado. Na maioria das vezes nem
entendemos a relação, mas também não a questionamos. Ela sabe o que diz,
sempre sabe.
— E, matando a sua curiosidade, amanhã é o aniversário do
pastor Montes. Eles pensaram em celebrar um culto hoje e a recepção
amanhã, no pequeno salão da igreja. Seu pai, sem pensar muito bem no
trabalho que teríamos por falta de tempo para planejar, ofereceu o nosso
jardim para a comemoração. E antes que pergunte, Arnaldo não aceitou a
recusa do Gonçalo.
— Bom, então não será uma festa. Será um segundo culto, só que
ao ar livre — comento e ela me olha feio.
Quando faz isso, lembro que já tenho trinta e três anos, que sou
independente e até sinto falta do meu apartamento em São Paulo. Mas então
lembro que não tem comida melhor do que a daqui do Goiás e a saudade vai
embora no mesmo instante.
— Amanhã, nada de bebidas alcoólicas, ou esses sons que você
escuta, Victor Salvatore. Sinta-se à vontade para se juntar a nós, ou para ficar
no seu quarto. De qualquer forma, quero que se lembre que nós sempre
respeitamos a religião das outras pessoas.
— Eu sei, dona Dirce. Só estava brincando. Saiba que eu sei
muito bem me comportar e não vou perder essa festa por nada. — A minha
fala a faz me olhar com preocupação.
— Como está a sua situação com a Nicole? Esqueceu aquela ideia
insana de casamento, não é?
A minha não transa com Nicole não é muito falada aqui em casa.
Para todos, eu esqueci o assunto, e mamãe só está falando disso agora porque
não aguentaria muito tempo sem ter a confirmação saindo da minha boca.
— Não vai ter casamento. A sua querida afilhada está salva —
digo, um pouco menos bem-humorado do que estava antes.
A vontade de todos em me ver longe da Nicole é tão grande que
fez até o pastor esquecer de seus princípios rígidos. Ele prefere ter uma filha
que, supostamente, foi usada e jogada fora em casa do que vê-la se casando
comigo.
Todos devem ter respirado aliviados com o nosso afastamento.
— Se a situação fosse outra, eu teria o maior prazer de ter Nicole
na minha família...
— Mas sou o filho errado, não é? — indago, pois sei que era isso
que passava pela sua cabeça.
— Não é nada disso, Victor!
— Eu não quero mais falar sobre esse assunto. Me diga, onde
estão os Montes em toda essa história? Ficou sozinha com a parte chata?
— Você sabe que eu adoro organizar festas. Mas não pense que
estou sozinha. A Lucy está no jardim, falando sobre cadeiras com a
organizadora. A Nicole deve estar no banco ao lado da pequena gruta. Ela
sempre gostou de ficar ali, ouvindo o barulho da água escorrendo pelas
pedras.
Eu não tenho certeza se prestei atenção em algo falado depois do
nome da Nicole. Contrariando a minha postura de quem não estava se
importando com o seu sumiço, o meu coração dá um forte sobressalto e então
vem tudo de uma vez. A admissão de que gostei das conversas que tivemos
da última vez. Senti falta da companhia agradável, do seu bom humor e sua
energia.
Sabendo que está tão perto, percebo o quanto precisava saber
dela. Falar ou só observar enquanto faz alguma coisa, pois Nicole está
sempre em movimento.
— Eu tenho que ir, mamãe — digo ao levantar-me do sofá. Ela
fica me olhando, esperando que complete a sentença. — Ir... tomar um pouco
de sol. Acho que estou precisando. — Deixo a sala, perturbado com a forma
como me olhava.
Não está tão na cara que mudei de postura no momento em que
citou a freirinha, está?
A encontro onde a minha mãe disse que estaria. Ela tem a cabeça
baixa, os cabelos caindo sobre o seu rosto e, por isso, não consigo vê-lo. Tem
um caderno e um lápis na mão, concentrada o suficiente para não notar a
minha presença de imediato.
Quando levanta o rosto, parece tão triste que tenho a sensação de
ter sido socado no estômago.
Capítulo 9

NICOLE
Eu sei, simplesmente sei quando um esboço não está ficando bom.
Esse, por exemplo, não está nada bom e eu já tentei mudá-lo, apaguei e
recomecei um monte de vezes, só essa manhã. E isso porque eu vim até aqui
com o intuito de ajudar mamãe e a senhora Salvatore com a preparação do
aniversário do seu Gonçalo.
Vez ou outra, me perco na visão da pequena gruta, na beleza da
água cristalina. É tão bonita que me faz desejar que não fosse só um objeto de
decoração, queria que fosse real. Pedras bem altas fechadas como uma
caverna. No meio delas, um lago de águas tão azuis que pareceriam com
pequenos cristais cintilantes. Sozinha com o meu caderno e com a minha
inspiração.
Se eu estivesse inspirada hoje, o desenho dessa porcaria de gruta
não seria tão ruim. Eu estou tão perdida nas minhas próprias loucuras que
nem percebo quando ele se aproxima, só me dou conta quando a sua sombra
tapa o sol que tocava minha pele.
Levanto a cabeça para, de alguma forma, saber de quem se trata.
Não poderia vir de outra pessoa esse cheiro de limpeza e de homem másculo
que exala testosterona pelos poros. Se eu não estivesse tão na merda, todas
essas conclusões estariam me tocando mais fundo, como aconteceu há um
mês atrás, quando foi quase impossível resistir. Quando ele suscitou em mim
o desejo de desistir do papel de boa menina e rasgar a cartilha de bom
comportamento escrita pelo meu pai.
Mas eu nunca me importei de seguir a cartilha, muito pelo
contrário, me sentia bem com as regras que seguia, até Victor Salvatore
cruzar o meu caminho. Sim, foi ele. Victor, embora tenha agido de modo que
fizesse parecer o contrário quando estava com raiva de mim, cruzou o meu
caminho. Naquela noite ele poderia simplesmente ter me ignorado, deixando-
me seguir em frente. Então eu teria simplesmente voltado para casa, depois
de ter dado uma volta na cidade.
— Por que você simplesmente não me deixou seguir o meu
caminho? — indago quando ele, sem dizer uma palavra, se senta ao meu lado
no banco de dois lugares deste canto do jardim.
— O que? Não sei do que você está falando, menina — diz, e
parece realmente confuso. Eu não fui mesmo sútil, esse item está em falta nos
últimos dias.
O loiro prende o seu olhar no meu, mas eu não suporto mais do
que cinco segundos da sua intensidade e acabo abaixando a cabeça, olhando
diretamente para o objeto da minha insatisfação.
— Esquece o que eu falei — digo, querendo apenas que ele me
deixe sozinha.
Eu quero, não é? Não é só um querer. Sinto que preciso ficar
sozinha agora.
— Eu não tinha parado para pensar por esse lado, que a culpa foi
minha, de certa forma. Você me disse que te abordei e fiz a proposta do beijo.
Também fui eu quem fiz você querer ir para um quarto, mas pensei que a
gente já tivesse superado esse assunto há um mês. Por que está falando disso
hoje?
— Não sei. Desculpe-me — peço, sem me dar ao trabalho de
olhá-lo enquanto conversamos. Na verdade, eu já voltei para o meu desenho,
mesmo estando a um passo de desistir dele. Não só dele, desistir de tudo.
De um dia para o outro, tudo o que eu faço começou a parecer que
não é bom o bastante. Os meus quadros não são tão bons assim. Os meus
estudos não são tão produtivos — nem sei mais se quero entrar na
universidade. Até como professora estou deixando a desejar, já que as amigas
da igreja não estão aprendendo a tocar os instrumentos como acreditei que
aprenderiam.
— Nicole, olhe para mim. — Ele pede ao segurar com delicadeza
o meu queixo e levantar a minha cabeça para que o encare. — Você sumiu
por um mês inteiro. Agora está aqui na minha frente, e embora qualquer um
possa dizer que não nos conhecemos, depois de um único dia de convivência,
sei que não é de todo verdade. Está agindo de modo estranho. Não parece
você.
— Você poderia ter ligado — digo, talvez um pouco ressentida,
embora tenhamos deixado tudo esclarecido entre a gente da última vez. Ele
parece não entender a que ponto quero chegar, então continuo. — Fala que eu
sumi, mas não fez nada além de mandar uma mensagem impessoal,
perguntando como estava a inspiração da grande artista. Não me dei ao
trabalho de responder aquilo.
Será que eu estou tão mal-humorada quanto me sinto? E por que
ele ainda não saiu correndo?
— A gente tinha combinado que eu iria te ajudar quanto às suas
obras, mas se soubesse que esperava outra coisa, teria mandado algo mais
pessoal — diz, levantando novamente a minha cabeça quando tento baixá-la
para fugir dos seus olhos verdes que parecem me ler.
— Eu não esperava, quer dizer, eu não sei o que esperava. Mas,
com certeza, não queria falar das pinturas, por isso não respondi — explico,
mas sem fazer muito sentido, aposto. — Acho que preciso ficar sozinha. —
Dessa vez eu consigo desviar do seu olhar inquisitivo.
— Você acha? — Balanço a cabeça confirmando. — Tudo bem,
então. Vou ficar aqui até você ter certeza.
Fico olhando quando ele pega lápis e borracha da minha mão, os
coloca dentro do caderno para desenhos, o fecha e depois deixa na parte vazia
do banco. Tem um espaço sobrando do seu lado, já que estamos praticamente
colados um no outro desde o início e eu nem tinha percebido. Talvez porque
não tenha me sentido incomodada.
Também não faço nada a respeito, ou me incomodo quando
Victor move seu braço forte para a parte de trás do banco e o descansa no
meu ombro. Ele faz com que eu deite a minha cabeça no seu peito e ainda
não sinto desconforto. Pelo contrário, se em um mar de descontentamento
existe uma gota de alegria, a tenho por que ele está aqui. Abraçando-me
como se tivesse passado a vida fazendo isso.

VICTOR
A sensação boa e inédita de um abraço despretensioso. Um toque
sem segundas intenções, apenas porque eu queria, mais do que poderia
resistir, tê-la com o corpo junto do meu. E nunca abracei uma mulher só por
abraçar.
Nicole está diferente. De toda a conversa estranha que tivemos,
essa é a primeira coisa que preciso considerar. Não são apenas detalhes
quando percebo que até a sua postura e jeito de falar mudou. A freirinha,
antes confiante, que falava mais do que a boca, cheia de energia e muito
otimismo para apenas uma tarde de domingo, deu lugar a uma menina que
parece mais jovem do que os seus vinte e um anos.
Tudo em suas palavras remete ao desânimo, um pouco de tristeza
e falta de confiança. O extremo oposto da Nicole que conheci há mais de um
mês. De repente, eu a tenho nos meus braços, mas não faço ideia de quem ela
seja: se a doidinha cheia de energia, ou se essa menina de poucas palavras,
frágil como um passarinho de asa quebrada.
Tenho quase certeza que se trata das mudanças de humor comuns
aos adolescentes. Eu mesmo era assim, pelo que me lembro. Uma semana
sorrindo para o mundo, uma semana querendo que o mundo explodisse.
— O sol está quente demais para ficarmos expostos a ele, Nicole.
Por que não entramos? — pergunto, depois de mais ou menos uns trinta
minutos em que ficamos os dois em silêncio.
— Eu vim para ajudar, mas não estou com vontade de ver ou falar
com qualquer pessoa — diz, se aconchegando melhor no meu peito.
Talvez fosse melhor se estivéssemos deitados, penso, mas logo
trato de dissipar a ideia. Nicole e eu em uma cama poderia até não significar
muita coisa para ela, mas para mim seria uma prova de resistência.
Não. Eu tenho que manter Nicole longe do meu quarto. Não por
ela, que parece perfeitamente em paz com a nossa atual situação, mas por
mim mesmo, que poderia não resistir à ideia de tentar seduzi-la. Se eu
tentasse, Nicole não conseguiria dizer não, e eu preciso que diga não tanto
quanto puder.
— Aqui não tem muito onde se esconder. Pelo menos, não hoje
— aviso.
— A gente pode ir para o seu quarto. Eu gosto de ficar lá —
afirma. Tudo bem, talvez ela não fique tão longe assim da minha cama. Eu
poderia negar? Poderia... se eu fosse capaz de dizer não para essa garota
estranha, que perturba a minha mente.
— Vamos. Lá você não precisará fugir de ninguém. — Só de
mim, o meu lado sacana diz na minha cabeça. — Está se sentindo bem? —
indago quando nos levantamos.
Ela não pegaria o seu caderno de desenho, embora eu tenha
notado que percebeu que o deixaria para trás e não se importou. Por fim, eu
mesmo pego o bendito caderno e o trago comigo.
Somos obrigados a passar pela sala, mas a minha velha está tão
absorta em suas atividades que não percebe que o filho mais velho está, mais
uma vez, com a sua preciosa afilhada. Tudo depois de ter cortado o assunto
quando notei que nem ela veria com bons olhos qualquer relação entre a
crente e o filho badBoy.
— Esse quarto é tão espaçoso e arejado que eu poderia morar
dentro d... — Para abruptamente de falar quando nota o bendito quadro. —
Não acha estranho olhar para as minhas costas quando dorme e quando
acorda?
— Não — digo com sinceridade. — Deveria?
— Acho que não. É como se eu estivesse com você, sem estar de
fato. — Tudo bem, neste momento os nossos olhares se encontram e se
perdem por um tempo.
Eu juro que tento ser amigo. Tento pensar em todos os motivos
que gosto de ficar elencando na minha mente, sempre que penso nela, às
vezes, até quando acabo de transar com outra mulher e imagino como seria se
tirasse a superestimada virgindade da freirinha, mas nunca é o suficiente para
que o desejo seja totalmente esquecido.
Uma parte de mim, ainda que passe anos e ela se case com outro
homem, nunca deixará de pensar em como teria sido se fôssemos outras
pessoas. Se eu pudesse realmente usar de todas as minhas armas para fazê-la
minha. Não é só por sexo, disso já me conformei há muito tempo. Eu
simplesmente gosto dessa menina. Muito.
— Nós tivemos um dia bom naquele almoço, não foi? — Tento
sondá-la, para que as minhas próximas palavras não pareçam tão estranhas.
— Tivemos, sim — fala, enquanto tira as sandálias e se senta do
lado esquerdo da minha cama, que, felizmente, teve os lençóis trocados e está
limpinha.
— Eu senti a sua falta no último mês — confesso. — Acho que
gostei da ideia de sermos amigos. — Nessa parte estou mentindo, não gosto
nada da ideia de sermos somente amigos, mas é melhor do que não ser nada.
De ter apenas o seu silêncio.
— Eu também. — Bate com a mão no espaço vazio e eu me sento
do lado direito da cama de casal. Agora estamos lado a lado, com as pernas
esticadas e as costas apoiadas na cabeceira. Eu não a toco, mas posso sentir o
seu calor e o cheiro de morangos frescos de seus belos cabelos.
— Às vezes eu me lembro com clareza de detalhes de tudo o
que aconteceu naquela noite. Sei que pediu para não falar sobre isso, mas
preciso falar com alguém. — Nicole olha para mim, assinto e então ela
continua. — Eu gostei do seu beijo, o meu corpo apreciou as suas mãos em
cima dele, isso não tem como negar. Aí têm noites em que sonho conosco
naquele quarto e quando acordo, sinto-me frustrada por não ser real. — Penso
em falar, embora não saiba o que, mas percebo que ela ainda não terminou.
— No último mês tudo tem me estressado e, no fundo, sinto que é
por sentir a sua falta. É estranho, porque foi só aquela noite e no almoço de
domingo, mas uma parte minha sabe que foi importante. Que eu não posso
seguir em frente e fingir que nada aconteceu.
Agora ela falou tudo o que não tinha falado no jardim, embora o
tom seja de tristeza, mas essa é a última das minhas preocupações no
momento. Eu só consigo sentir cada confissão saída da sua boca carnuda.
Sentir quando o meu e o seu corpo se aproximam, quando as nossas bocas
ficam tão próximas e falta pouco para nos beijarmos.
Capítulo 10

NICOLE
Aqui na sua cama, com os nossos braços colados um no do outro,
tudo desapareceu. Os medos e frustrações. O desânimo e mau-humor que há
dias não me deixam. Sobrou só eu, ele e os sentimentos que nos cercam.
Apenas as nossas respirações se misturando, a atração que tentamos muito,
mas não conseguimos negar.
Depois de tantas semanas, os nossos lábios finalmente se tocam,
mas dessa vez não é como das outras. Não há pressa, é carinho. Mas também
é desejo que queima a fogo baixo. Não há toques ou tentativas de
aproximação, não nesse momento. Eu tenho a impressão de que solto um
pequeno suspiro de satisfação, mas pode ser só uma impressão por causa da
bagunça de sentimentos, que vieram todos de uma vez, depois de meses
adormecidos.
São apenas lábios, como se o Victor estivesse me ensinando
novamente como se beija, e eu gosto de reaprender com ele. Então
começamos a ficar mais ambiciosos, a ponta da sua língua toca a minha e eu
deixo. Não só deixo, como o imito. A língua em contato com a minha passa a
demorar um pouco mais, depois está toda dentro da minha boca.
Surpreendentemente, a minha língua começa a envolver a sua. É muito
gostoso, dentro da névoa de prazer consigo pensar.
Naquela noite ele me mostrou as possibilidades que vão além do
beijo, então eu passo a desejar mais do que línguas se engalfinhando. Eu
quero tirar a minha roupa e subir em cima dele. Sentir a sua assustadora
ereção, como senti nas vezes em que me sentei sobre as suas pernas.
Mas algo acontece. O beijo está um pouco salgado, a brisa que
adentra pela janela toca o meu rosto e o deixa gelado. Eu estou chorando?
Mas, por que, em nome de Deus, eu estaria chorando, se gosto
tanto do que estamos fazendo? Eu quero ignorar e continuar, mas sinto, para
a minha tristeza, que Victor está se afastando.
Não posso querer que sigamos em frente, mas eu quero.

VICTOR
Eu não sei se isso é um privilégio para os apaixonados e eu não
tinha sido informado, mas o beijo na boca nunca foi uma questão importante
para mim. Com outras mulheres sempre ia direto ao ponto, no caso, o ponto
consistia em ficar pelado e deixar a parceira pelada.
Mas agora eu estou com a boca na pequena deusa do ébano e o
meu corpo está pegando fogo. O sangue corre como lavas nas minhas veias
quando ela, que não teve outra experiência antes de mim, corresponde de
maneira tão sedenta, quando toma a iniciativa e me faz calcular quantos
segundos levarei para tirar as peças necessárias para meter na sua boceta,
acabando com todas as semanas de desejo negado. Gritar para mim mesmo
em admissão, não só sussurrar, que todos esses dias me fizeram querer ainda
mais.
É uma doença para a qual não existe cura, estou certo de que é
isso.
Quando Nicole geme baixinho na minha boca, eu já estou duro e
pronto para puxá-la para cima das minhas pernas, mas então, sinto algo de
diferente. O beijo tem gosto de lágrimas, o meu rosto toca o seu de leve e ele
está úmido.
Nicole está chorando e eu não sei o porquê.
Penso em continuar, mas não posso, não com ela chorando. Eu
começo a afastá-la e faço isso com beijos nas suas bochechas molhadas, na
testa e ponta do nariz.
— Por que você está chorando? Foi tão ruim assim? — Tento, em
um momento inoportuno, fazer piada.
— Não! Não pense nisso. Foi perfeito, eu só...
— Você?
— Não sei. Acho que não estou nos meus melhores dias — fala e
eu entendo. Pelo menos, acho que entendo. Não tenho experiência com
mulheres na TPM, mas sei que elas menstruam.
É isso! Não tem nada de errado com a minha pretinha.
Minha pretinha?
De onde foi que tirei isso?
— Posso deitar-me um pouco? Acho que gosto mais da sua cama
que da minha — diz, limpando as lágrimas, querendo se fazer de durona.
Por falar em duro...
— Deite-se, freirinha — peço.
— Freirinha? Eu não sou uma freira. Aliás, freiras são católicas e
sou evangélica. — Ela parece achar engraçado, mas eu prefiro confirmar.
— Não gosta?
— É engraçado saindo da sua boca, pode continuar, eu não me
importo — diz e se deita de lado na cama, sem qualquer cerimônia. Ajeita-se
e ainda pega as cobertas e se enrola toda.
— Vou ao banheiro. Fique à vontade — digo e saio.
Na frente do espelho, tento pensar em outras coisas para não
lembrar que a garota que venho desejando há tempo demais está deitada na
minha cama, impregnando os meus cobertores com o seu cheiro bom. Que o
nosso beijo me deixou com uma ereção monstra eu já sabia, mas pensar que
está a uns metros de distância a deixa dolorosa de tão dura.
Eu preciso pensar em algo nojento o suficiente para me acalmar.
O pai dela nos pegando no flagra, dessa vez transando de fato, não adianta,
pois ainda assim, estaríamos fodendo. Os meus pais trans... Não! Isso não. Eu
sou adulto há muito tempo, mas não o suficiente para pensar neles assim.
Bom, pelo menos serve para abater o meu soldado.
Lavo o rosto, fico olhando no espelho por alguns segundos, me
recriminando por causa do beijo. Teria tirado a sua virgindade se ela não
tivesse começado a chorar? Eu sei que teria ido até o fim, pois estava além de
qualquer pensamento racional.
Ao sair do banheiro, um pouco mais controlado, a encontro
deitada na mesma posição. A cabeça descansando sobre a mão. Não se mexe,
mas não está dormindo. Ela só parece muito desanimada. Seria até uma
ofensa, depois do beijo que trocamos, se eu não tivesse visto que Nicole já
estava diferente antes de a gente se beijar.
— O que você quer que eu faça? — indago. — Quer que eu avise
para a sua mãe que está aqui?
Diga que não, por favor! Penso comigo mesmo.
— Não. Fale que fui para casa. Ela sabe que eu não queria ter
vindo, vai acreditar.
— Tudo bem — digo, e saio do quarto.
E aqui estou eu, mentindo para a mãe de uma garota, só para que
continue deitada na minha cama.
Não subo imediatamente, antes passo na cozinha e faço pratos de
comida para mim e para a freirinha. Ela deve estar com fome. Quando entro,
Nicole já está sentada com o caderno de desenho na mão. Fica olhando, mas
não o abre.
— Trouxe almoço. Está com fome? — Os seus olhos brilham
quando nota a bandeja de madeira na minha mão. Eu a coloco em cima das
suas pernas e ela começa a devorar a comida. Faço o mesmo, mas não como a
garota, até porque, duvido muito que alguém coma com tanto prazer quanto
ela.
Depois que almoçamos, a freirinha permanece na sua, sem muita
conversa, então eu me sento do seu lado e começo a ler o meu texto. Cenas
que ainda não decorei. Ela, deitada de barriga para cima, tenta ler um livro
qualquer sobre atuação que pegou em algum canto aqui do quarto.
Embora estejamos empenhados em atividades distintas, não
conseguimos nos concentrar por completo, pois, independente do seu estado
de espírito, existe uma corrente elétrica entre a gente. A tensão sexual nunca
esteve tão exacerbada.
— Eu acho que está na hora de ir para casa — diz, depois de
algumas horas. Um tempo que, na minha opinião, passou rápido demais. —
O culto em homenagem ao aniversário do papai vai começar às oito horas da
noite. Ainda tenho que ensaiar a música que vou cantar.
— Eu posso te levar em casa, disfarçado, é claro. Não quero que
nos vejam juntos e tornem a sua vida difícil.
— E não pode parar na porta de casa, senão os vizinhos vão nos
ver e contar para os meus pais — diz.
— Farei isso — afirmo.
Com Nicole, ajo como um garoto que namora às escondidas, mas
já não me importo com a questão. Devo ter me acostumado, embora isso
entre nós não seja um namoro. Também não é uma amizade propriamente
dita, é mais do que isso.

— Aqui está bom para você? — pergunto quando paramos na


esquina da sua casa.
— Está ótimo. Muito obrigada pela carona e dia agradável. Está
virando um padrão entre a gente: tardes agradáveis e caronas.
— Disponha.
— Eu estou pra baixo há dias, mas bastou algumas horas com
você para me sentir um pouco melhor. Sobre o beijo...
— Vamos esquecer, sim? — digo, porque parece que é o que ela
precisa ouvir, mesmo que não seja o que eu quero dizer.
— É, vamos esquecer — diz e destrava a porta. Antes de ela sair,
eu seguro a parte de trás do seu pescoço e beijo demoradamente o canto da
sua boca.
Em casa novamente, ignoro toda a arrumação preparada para o
aniversário do pastor Montes. Ainda com Nicole na cabeça, tomo um banho
frio e depois decido trabalhar. Eu tenho muitos textos para estudar e preciso
me concentrar nisso.
Pouco mais de duas horas depois, o meu pai entra no quarto todo
arrumado com terno e sapato social.
— Aconteceu alguma coisa, pai? Veio me dizer que irá levar
mamãe a um jantar romântico, é isso? — digo divertido, deixando as folhas
com as minhas falas de lado.
— Eu e sua mãe iremos à igreja.
— As missas não são aos domingos? — questiono.
— Iremos ao culto em homenagem ao aniversário do meu amigo
Gonçalo. Acho que você também deveria vir com a gente — sugere, e eu rio.
— Papai, mas nem Deus deve querer a minha presença na casa
dele, imagina se o senhor Gonçalo, que pensa que eu comi a filha dele e não
assumi...
— Isso é jeito de falar com o seu pai? Comer? Faço-me o favor!
Eu já estou indo.
Sozinho novamente, tento voltar para os textos, mas é só para me
frustrar, pois, aparentemente, meu pai levou embora com ele a minha
capacidade de concentração.
— Quer saber? Talvez o meu velho tenha razão. Tenho que
comparecer na homenagem ao pastor — digo em voz alta quando me levanto
e começo a buscar algo para vestir.
Apesar do convite, o meu pai não esperava que eu fosse aceitar e,
por isso, o meu comparecimento será uma surpresa para todos. Está sendo
para mim também, que justifico com a minha vontade de ficar mais um
tempo com a garota, ainda que não seja da forma que eu queria. Preciso vê-la,
mesmo sabendo que a verei aqui amanhã na festa do seu pai.
Só sinto que as migalhas que temos não são suficientes. Mas do
que tudo, parece que nunca será o suficiente. Está ficando cada vez mais
difícil resistir, lembrar dos motivos pelos quais devo recuar. E quanto mais
difícil fica, mais perto me vejo de jogar tudo para o alto. De conversar com a
freirinha e pedir para ficarmos juntos, da forma que for. Fazer promessas que
não faço a menor ideia se serei capaz de cumprir.
Apenas a desejo, um querer que começa a questionar o que é certo
e errado.
Capítulo 11

NICOLE
Sinto-me até um pouco culpada por não estar tão animada quanto
o aniversário de cinquenta e dois anos do meu pai merecia. Mas a minha falta
de vontade para tudo não é algo que eu possa controlar. Aliás, a percepção de
que não posso controlar aspectos básicos sobre mim tem me acompanhado há
mais tempo do que me lembro.
Mais cedo, tive uma tarde muito agradável ao lado do homem
mais lindo que já vi na vida. O Victor, com o seu jeito debochado,
brincalhão, mas também carinhoso quando se propõe a isso, fez com que eu
me sentisse bem na minha própria pele. Mas isso só durou enquanto estava
com ele. Quando me deixou aqui em casa, tudo voltou ao normal.
O desejo latente de ficar deitada por dias a fio na minha cama. De
não fazer nada, é um cansaço que vai de encontro a energia de outrora.
Todavia, por mais que eu deseje, não posso fazer o que o meu corpo e mente
pedem, não se não quero os meus pais com os olhos atentos e preocupados
em cima de mim. Se não quero tomar remédios que eles nem sabem se fazem
bem ou mal. Eles apenas supõem.
Eles sempre notam alguma coisa, mas quando consigo disfarçar,
não se preocupam tanto, diferente do que fazem quando falho.
Ter que encarar todas aquelas pessoas parece demais para que eu
consiga aguentar sem sair correndo e me esconder debaixo das cobertas, mas
tenho que fazer isso, não é? É o dia do meu querido pai, o homem para quem
corro quando tudo desanda. A primeira pessoa que penso quando não sei o
que fazer. Ele é justo e bondoso, apesar dos pensamentos retrógrados, e
merece que o seu dia, tanto hoje quanto amanhã na casa dos Salvatore, seja
perfeito.
Hoje os meus cabelos estão presos em um coque no alto da
cabeça, fiz uma maquiagem bem leve, só para destacar os meus olhos e boca
da apatia do resto. Coloquei saltos altos e um longo na cor salmão, cujo
tecido marca a minha cintura com perfeição, ficando mais solto na parte da
saia. Eu estou bem para um evento como esse, acredito. Além do mais, não
terá ninguém que eu queira impressionar nesta noite, além do meu pai com a
minha voz.
Felizmente, nasci com o dom, um pouco desperdiçado, mas que
me serve muito bem para ocasiões especiais. Não tenho um presente caro em
mãos, mas sempre posso fazer uma homenagem cantada. Se a pessoa da vez
gostará ou não do presente, não é problema meu. O que importa é a intenção.
A nossa casa fica a poucos quarteirões da igreja, que é grande o
suficiente para caberem duzentas pessoas sentadas. Aos domingos, dia em
que todos, inclusive eu, gostam de pedir perdão pelos pecados cometidos na
semana, falta assento para todos. Uns ficam em pé, outros sentados, mas
todos saem do templo com a sensação de que têm tudo para ter uma ótima
semana.
Hoje nem é domingo, mas quando chegamos com a lata velha do
senhor Gonçalo, que não troca de carro porque não quer, a igreja está mais
lotada do que nos dias de domingo. Tudo o que eu não queria.
A congregação conta com muitos jovens, moças e rapazes
solteiros, que sabem que em algum momento irão se casar entre si, inclusive
eu. Como filha do pastor, embora preferisse que meu pai fosse só mais um
membro da igreja, tenho o dever de ser simpática com todos e ser engajada
em todas as atividades. Na maior parte do tempo, cumpro o meu papel com
resignação.
Dentro dos mais de quarenta jovens, três delas são mais próximas
de mim, garotas que posso chamar de amigas, mas não tanto a ponto de
contar dos meus problemas, que elas provavelmente não entenderiam,
embora acredite que comentam entre si sobre o quanto sou estranha em
alguns momentos.
— Como você está bonita, Nicole! — Essa é a Luma, sempre
alegre, sempre negando o interesse dos rapazes. Ela acredita que o homem
com quem irá se casar ainda não apareceu.
— Obrigada. Você também está muito bonita. Todas estão —
digo.
— Por favor, disfarcem, mas eu acho que o Samuel está olhando
para mim. — Marta termina de pedir e nós três olhamos para o rapaz em
questão. — Eu pedi para disfarçarem! Agora ele sabe que estamos falando
dele!
Marta é a entusiasmada do grupo. Quer de qualquer jeito se casar,
sem se importar se tem só dezenove anos, e sempre acha que tem algum dos
rapazes de olho nela. E talvez tenha mesmo, considerando a sua beleza e
carisma.
— Deixe-me ir, meninas. Olhem quem vem ali — Silvia diz, e
aponta para o lado direito do pátio. Mas ela pode fazer isso, já que rapaz é o
seu namorado. A única do grupo que não está mais na fila.
Eu sou a que não fala sobre o assunto, afinal, as minhas
confissões as escandalizariam. Como falar que nunca me senti nem um pouco
interessada nos meninos da igreja? Dizer que, antes mesmo de ir para o
Paraná, já pensava de maneira pouco apropriada no filho famoso e mais velho
da minha madrinha?
Elas surtariam se soubessem das intimidades que nós dois
tivemos. Nem eu acredito que estive muito perto de perder a minha
virgindade. Sinto as minhas entranhas se retorcerem só de lembrar do nosso
beijo na sua cama mais cedo.
— Vamos entrar, meninas — chamo. Esse papo sobre rapazes me
faz lembrar de um que há muito tempo deixou de ser.
A cerimônia começa e segue como a de todos os anos: simples,
porém emocionante. Nem mesmo a presença dos senhores Salvatore é vista
com surpresa, considerando que vieram outras vezes antes da nossa partida.
Quando chega o momento de homenagear o meu pai, vou com
confiança para o piano. Digo palavras que o emocionam, e começo a tocar e
cantar a sua música preferida. Canto os primeiros acordes, me perco na
melodia, fecho os olhos e esqueço que não estou sozinha no chuveiro.
No meio da canção, por alguma razão que logo fica clara, um
arrepio sobe do dedinho do meu pé até a raiz dos meus cabelos.
— Você? — falo ao microfone, erro no piano e todos olham para
a porta.
Um burburinho começa, já que o homem que acaba de chegar é
desconhecido para a maioria das pessoas aqui, menos para mim e nossas
famílias. Victor está ridículo com a peruca de cabelos negros e os óculos
gigantes.
Como veem nada demais na chegada de um homem, que
aparentemente não sabe cumprir horários, as cabeças começam a virar
novamente para frente. Olhares e sorrisos divertidos estão em mim. Também
estaria sorrindo se não fosse eu a pessoa que errou notas e interrompeu a
canção.
— Vou recomeçar, queridos — digo, constrangida, sem parar de
pensar que vou matar certo ator.
Aquilo que vejo no seu rosto é uma tentativa de não sorrir?
Ele vai me pagar por isso!
Recomeço, mas já não consigo me concentrar. Os olhos
continuam abertos e parece que não lembro como tocar. Solidários, apesar de
não estarem entendendo nada, os irmãos começam a bater palmas. Eu só
quero que acabe para poder dizer umas coisinhas para o homem de peruca
ridícula.

VICTOR
Acho que não fiz uma boa entrada, mas posso me justificar. É
claro que posso, sou acostumado a grandes aparições e não queria, de forma
alguma, envergonhar a minha freirinha cantora, embora, não possa resistir ao
sorriso que teima em querer se pronunciar quando lembro de ela parando no
meio da bela canção para me olhar como se tivesse visto um fantasma.
Sei que para ela não foi tão divertido e que virá com tudo para
cima de mim. Mas é mesmo o que eu quero: Nicole vindo com tudo para
mim. De preferência sem roupas.
Ei, porra! Você está em uma igreja!
Não, porra, não!
Mas o que é que estou fazendo aqui? Eu poderia muito bem ter
ficado em casa e esperado. De qualquer forma, a veria amanhã. Mas não pude
esperar, tinha que vir aqui e presenciar esse momento de vergonha alheia.
Eu me sento no último banco, fico a observando. Nicole continua
cantando. Ela tem a voz de um anjo e é muito afinada.
Quando termina, ela sai pela porta da frente para o pátio e eu,
discretamente, saio pela outra. Simplesmente não consigo resistir e, de
repente, me tornei perseguidor de uma freira.
Ela mal saiu, está perto do bebedouro e já tem dois moleques
brigando pela sua atenção. Percebo que é muito gentil com eles, mas não
parece entusiasmada com nenhum dos dois. Como se estivesse me esperando,
os seus olhos buscam até me encontrar.
Aceno discretamente para a minha freira e saio pelo portão, indo
para o carro de vidros escuros. Tiro os óculos e a peruca ridícula que
impedem que eu seja reconhecido, sobretudo dentro de uma igreja. Não
demora muito para que entre e, pela sua expressão, não está muito feliz em
me ver.
— O que faz aqui? — Tudo bem, a menina está mesmo irritada.
— Não podia vir no aniversário do seu pai? Pensei que fôssemos
amigos — digo me fazendo de vítima, mas não consigo amolecer o seu
coração, que endureceu de um dia para o outro.
— Podia! Mas você me fez errar na frente de todos. Se pelo
menos tivesse usado um disfarce melhor. Mas eu sabia que você estava
presente antes de olhar para a porta. Foi um arrepio muito estranho. Nunca
senti isso antes.
— O seu corpo já consegue reconhecer o meu, Nicole. E só para
que saiba, esse disfarce funciona com a maioria das pessoas. Mas não com
você, pelo visto.
— Eles estavam rindo de mim — insiste.
— Perdoe-me, pretinha. Eu juro que não foi a minha intenção...
Mas, bem que foi engraçado. — Gargalho, Nicole se irrita e levanta a mão
para esmurrar o meu peito. Com reflexos rápidos, seguro a sua mão antes que
me atinja.
Com a outra, círculo a sua cintura e trago o seu corpo para junto
do meu. A parte de cima dos nossos corpos estão coladas, bem como os
nossos rostos. Um sentindo o calor da respiração do outro no espaço diminuto
do carro.
— Você está linda, sabia? Embora esse vestido esteja escondendo
grande parte do seu corpo, ele também me deixa curioso a respeito do que
esconde dentro dele — sussurro quando a pretinha joga levemente a cabeça
para o lado.
— A gente combinou de sermos amigos, Victor. Mas não agimos
de maneira apropriada. Amigos não se trancam dentro de carros como
estamos fazendo agora. Os rapazes daqui da igreja não me agarram assim e
nem dizem que me imaginam sem roupas. — Faz suas observações de garota
pura e eu só consigo prestar atenção na sua boca bonita.
— Fico feliz por isso — afirmo, ainda sem nos afastar. O carro
está cheirando a morangos frescos, misturado com a tensão sexual que não
deixa espaço para disfarces. — E nós ainda somos amigos. Um tipo especial
de amizade, mas somos. Como seu amigo, vim saber se está bem. Estava um
pouco amuada mais cedo — digo, sendo gentil. Ela estava mais do que um
pouco amuada.
— Não perca o seu sono se preocupando com isso, Victor. Estou
tendo alguns dias ruins, como qualquer outra pessoa tem — justifica-se.
— Tudo bem. Você precisa entrar agora?
— Posso ficar mais um pouco com você. O culto foi planejado
para terminar às nove — ela diz.
Nós dois ficamos em silêncio, o que não é nada bom na nossa
situação. O silêncio nos deixa conscientes um do outro, torna mais palpável a
atração. Como se fosse natural fazermos isso, nós dois simplesmente
aproximamos os nossos rostos e nos beijamos.
Capítulo 12

VICTOR
— Eu tenho certeza de que mais embaixo você encontrará algo
interessante para tocar, freirinha...
Murmuro sonolento, sentindo as suas mãozinhas macias no meu
abdômen e a lateral do seio bonito tocando o meu peito. Estar com ela,
assim, em cima de uma cama e pelados, era tudo o que pedi a... Melhor não
tocar no nome dele em vão, vai que a freirinha tem o poder de ler mentes e
está lendo a minha.
— Pode tocar, bebê. Te garanto que essa cobra não vai te picar.
Ou talvez pique, mas você vai adorar...
— Cobra, mas do que você está falando, menino?! Acorde! —
Sinto uma mão sacudindo o meu ombro e não é a da pequena safada. Tento
me agarrar no seu peito, mas ele escapa.
— Volte aqui, disse que me deixaria te comer gostoso, sua
pequena mentirosa!
— Comer? Espero que esteja se referindo a comida, meu filho. —
De repente eu sinto um travesseiro na minha cara e me levanto, assustado
com o despertar brusco.
Sim, despertar. Infelizmente, eu estava sonhando com a garota e
sua mão, que não queria de jeito nenhum ser atrevida quanto eu gostaria que
fosse.
Porra! Meu pau só precisava de um afago. Com todo respeito, é
claro, porque entre mim e a pretinha é tudo na base do respeito, e não estou
nem um pouco feliz com isso.
— A senhora não devia entrar assim no meu quarto, mãe. Eu
poderia estar nu! — Na verdade, estou mesmo pelado, mas coberto por um
lençol fino. — Não sou mais criança para ser ajudado a acordar.
— Deixe disso, não tem nada aí que eu já não esteja cansada de
ver — assevera, indo arregaçar as cortinas da janela. — E você não é criança,
mas age como se fosse. Já passa das onze horas da manhã. A casa toda
acordada e você aqui, dormindo e falando em comida — fala e me lança um
olhar especulativo.
— Sonhei que estava tomando café — minto. Eu realmente estou
com fome, mas é de uma pessoa. Uma fome que não será saciada tão cedo,
talvez nunca.
— Já passou dos trinta, mas vive como se fosse um rapazinho de
vinte, não é, filho? Eu não sei como posso desejar tanto que se aquiete e me
dê um neto. Duvido muito que consiga cuidar bem de si mesmo. Morro de
preocupação com você morando em São Paulo, tão distante de mim.
E aqui estamos nós, falando do seu assunto preferido. Estava até
achando estranho que estivesse dando uma trégua. Não que ela me pressione,
longe disso. É mais um querer que faz questão de explanar para mim e para o
mundo.
Ela ainda é muito jovem e, às vezes, tenho a impressão de que
quer tanto um neto porque acha que eu, quando tiver um filho ou uma
mulher, talvez os dois, levarei uma vida menos badalada. Que deixarei de me
envolver em tantas polêmicas, saindo de balada em balada e me envolvendo
em namoros que nunca duram.
— A mãe dos meus filhos só não pode ser a Nicole, não é
mesmo? — Trago o assunto à tona novamente.
Tudo bem, a ideia foi uma loucura da minha parte, e não demorei
para perceber, mas ainda me incomoda muito saber que ninguém apoiaria
essa relação. Racionalmente eu sei que eles todos tinham razão para se
preocupar, mas ainda assim não consigo me sentir de outra forma.
— Meu filho, apesar do que aconteceu entre vocês, não era isso
que você queria? Se livrar do casamento forçado?
— É claro que queria — digo, mais rude do que gostaria.
Por mais que me custe admitir, sei que o assunto irrita porque as
coisas mudaram muito depois que Nicole e eu nos aproximamos. Porque
começo a me perguntar, com muita frequência, qual seria a reação de todos se
Nicole e eu ficássemos juntos.
Pergunto-me se eles se acostumariam com o tempo e nos
apoiariam, ou se seriam sempre um problema para a gente. Está se tornando
mais que uma hipótese remota. É um desejo que vai se espalhando pelas
minhas entranhas. Uma vontade de acreditar que, sim, eu poderia dar esse
passo.
— Essa história já está no passado, filho. Tenho certeza de que
vocês dois podem esquecer do que aconteceu e seguirem como amigos.
Apesar de ser jovem, a minha afilhada é um doce de menina. Devia dar uma
chance para ela — sugere.
Eu estou dando, dona Dirce, a senhora nem faz ideia de como,
penso
— Verei ela esta noite, quem sabe não nos tornamos amigos? —
falo, pensando que nunca odiei tanto uma palavra quanto essa.
Amigo de cu é rola!
Nicole pode até não ser minha mulher, mas também nunca será só
uma amiga. Um fato que somente eu e ela sabemos, ainda mais depois de
ontem à noite.
— Eu tenho certeza de que vão, e eu ficarei muito feliz — afirma.
— Agora trate de descer e fingir que se importa com o aniversário do
Montes. Aliás, você pretende ficar em casa para a festa?
— Mas é claro que sim, dona Dirce. De que forma eu faria
amizade com a freira?
— Freira?
— Já pode ir, mamãe. Não vou poder descer se ficarmos o dia
todo batendo papo aqui no quarto — falo, minha velha olha feio para mim e,
finalmente, sai do quarto.
Quando estou prestes a ir para o banheiro, ouço o som de
notificação do meu Smartphone.
Baladinha, hoje?
Leio a mensagem do Carlos.
Não vai dar. Tenho um compromisso de família.
Recuso o convite, assim como recusei ontem, depois que me
despedi da minha freirinha. Eu não tinha cabeça para sair, não depois de ter
estado com Nicole dentro daquele carro.
Não pareceu errado quando as nossas bocas se tocaram, primeiro
com carinho, depois com fome. Quando a segurei pela cintura com mais
firmeza, ela buscou apoio com a mão no meu peito.
Não demorou um minuto inteiro para que estivéssemos pegando
fogo. Por mais de uma hora, nós esquecemos que estávamos na frente da
igreja, onde o seu pai era homenageado. Beijamo-nos esfomeados, gemendo
dentro da boca um do outro, até os nossos lábios terem ficado dormentes. Até
que fomos obrigados a parar para respirar e começamos tudo outra vez.
Quando sentimos que não tínhamos o suficiente do outro, eu a
ajeitei em cima das minhas pernas, o seu vestido longo todo embolado na
cintura. Uma perna de cada lado do meu quadril, a boceta em cima do meu
pau, muito duro e nossos sexos sendo separados por tecidos.
Ela era puro desejo, mas não sabia bem o que fazer. A sua visível
inocência me deixava mais excitado a cada respiração. Os seus olhos escuros
perdidos faziam com que eu quisesse rasgar suas roupas, mas não podia
fazer, não naquele momento.
Então, sabendo que no fundo estava a induzindo para algo que
não se sentia pronta, segurei com as duas mãos sua cintura e a incitei a
esfregar sua boceta quente no meu pau, que começava a babar, sedento para
meter na sua bocetinha virgem, que com certeza é muito apertada.
Em cima de mim, onde não tínhamos espaço para nos movermos,
Nicole rebolou no meu pau, fez com tanta desenvoltura que coloquei na lista
como mais um de seus muitos talentos.
Enquanto esfregava os nossos sexos, os meus braços estavam em
volta da sua cintura, eu tão grande, e ela tão pequenina que parecia se perder
em mim.
Era tesão, mas também era carinho quando colocava o meu nariz
nos seus cabelos cacheados e deixava o cheiro de morango se espalhar nos
meus sentidos. Explodiu na minha mente uma mistura de sentimentos que
iam dos mais nobres aos mais sujos, que me fez esquecer de tudo menos de
sentir.
Para provocá-la ainda mais, querendo ouvir sua voz melodiosa
implorando, passei a mordiscar a pontinha da sua orelha, o seu corpo ficou
tenso, prestes a gozar com tão pouco estímulo. Então o céu clareou, o som de
fogos de artifícios encheu os nossos ouvidos e acabou com todo o clima.
Nicole, sem dizer uma palavra, se jogou no banco, devolvendo
seu vestido para o lugar. Eu, depois de quase tê-la comido no banco de um
carro, comecei a me sentir culpado, mas não arrependido, pois foi bom
demais. Mas me culpei por ter deixado meus instintos me guiarem, por ter
colocado o sentimento de vergonha estampado no seu rosto.
Tentei falar alguma coisa, mas Nicole não permitiu, saiu do carro
sem me dar um único olhar. Sem me deixar saber o que passava pela sua
cabeça. Eu voltei para casa e não consegui dormir, fiquei fritando na cama até
o meio da madrugada.
Ora eu queria me socar por ter ido tão longe. Sei que Nicole
estava lá, mas estava agindo por impulso, se fosse até o fim, iria se
arrepender. Ora eu relembrava cada detalhe. Ficava excitado pelas hipóteses
que criava na minha mente de como aquele amasso poderia ter terminado.
Dormi pensando na garota e ela perturbou o meu sono a noite
inteira. Estava feliz com a sua mão em mim, até ser acordado pela minha
mãe, puxando-me para a frustrante realidade.
Estou sem saber ao certo como me sentir depois de ontem. As
minhas expectativas para a tarde de hoje mudaram drasticamente. Ainda
quero estar com a freirinha, mas sei também que ela irá fugir de mim. Fugirá
porque essa é a verdadeira Nicole. A do quase sexo naquele hotel é algo para
a qual ainda não tenho explicação.
Embora não esteja com humor para socializar com os caras da
academia, decido malhar um pouco, pois estou ansioso demais para ficar
vendo o tempo passar até chegar a hora em que poderei ficar frente a frente
com Nicole. Só não sei se irei me desculpar, embora não esteja arrependido,
ou se vou tentar beijá-la novamente.
Depois de duas horas, ao voltar para casa, encontro o jardim todo
preparado. Mesas e cadeiras por todos os lados. Garçons que já estão prontos
para servir. Tudo perfeitamente brega, como só uma pessoa excêntrica como
mamãe poderia organizar. Os Montes ainda não chegaram, mas devem estar a
caminho, considerando o horário.

NICOLE
— Algum problema, filha? Você parece tensa e ainda não deu um
único sorriso. — Dona Lucy, que não pode simplesmente me deixar no meu
canto, senta-se do meu lado no banco ao lado da gruta.
É um canto mais discreto e, por isso, vim para cá. Hoje não estou
com energia suficiente para aguentar as minhas amigas na busca por um
varão.
— Estou comendo o bolo, mamãe. Não tem nada de errado com
isso — digo.
— Perdoe-me se pareço chata, mas é porque não gosto quando se
isola dessa forma. Fico com medo de que esteja...
— Está tudo bem. Só estou dando um tempo. Por favor, não diga
para ninguém que estou aqui.
— Tenho que dar atenção para os convidados, mas tem que me
prometer que não ficará a festa inteira se escondendo pelos cantos — pede.
— Prometo. Daqui a pouco me junto com as meninas — minto.
Não vou me misturar hoje, não estou com vontade, embora
devesse fazer exatamente isso, considerando que, no meio de conhecidos,
teria mais chance de me esconder do loiro lindo, que me toca como se eu
fosse dele.
Essa história de amizade entre nós dois não está dando certo, essa
é a verdade. Como daria, se ele é o homem por quem sempre fui apaixonada?
Se tenho vontade de cometer loucuras quando estou do seu lado? Victor
coloca fogo no meu sangue, faz com que eu perca o controle e não estou
sabendo como lidar com isso, assim como não tenho controle das minhas
emoções mais básicas por mais vezes do que deveria.
Ontem eu quis me entregar inteira para ele. Hoje, com a cabeça no
lugar, me envergonho pelo que fiz e pelo lugar onde fizemos. Victor não é
meu namorado.
Não quero que seja. Mas queria que me tocasse daquela forma,
não queria?
O que está acontecendo comigo?
Sempre amei o Victor, ou pelo menos achei que amava. Mas
talvez não fosse amor, pois todas as emoções que ele desperta em mim são
inéditas e assustadoras.
— Seria mais fácil fugir se tivesse encontrado um esconderijo
melhor — Victor sussurra no meu ouvido.
Ele veio discretamente por trás, e eu não me assustei, porque, no
fundo, um lado meu esperava que viesse me encontrar. O outro estava se
escondendo como uma covarde, depois de ter sentido o seu desejo de forma
incontestável.
A verdade absoluta é que todas as partes de mim amaram os seus
toques e beijos ontem à noite, e deseja muito mais do que seria decente
admitir.
Capítulo 13

VICTOR
Ela não olha para trás, nem se mexe quando ouve a minha voz.
Como imaginei, Nicole se escondeu, mas nem tanto assim, pois veio para o
lugar mais óbvio de todos, o que me leva a pensar que talvez não quisesse se
esconder de mim. De todos, menos de mim. Por alguma razão, sinto-me bem
pensando dessa forma quando me sento ao seu lado.
O Victor que não leva ninguém a sério, mas que sabe exatamente
o que dizer para conquistar uma mulher, não existe quando o assunto é essa
garota, que me faz agir como um garoto também. Ela me faz agir como
alguém melhor do que sou em muitos momentos, mas também com
imprudência em outros, como ontem, por exemplo.
— Eu não queria me esconder de você — diz.
— Não queria mesmo? — insisto, porque sei que ela tende a me
dizer a verdade quando pergunto, por mais embaraçosa que seja.
Eu ainda não dei um único motivo para levá-la a crer que pode
confiar em mim, mas, por alguma razão, ela confia.
— Talvez um pouco, mas sabia que me encontraria aqui, igual fez
ontem — fala, mas não olha para mim. Tem toda a atenção nas mãos, que
estão em cima das suas pernas.
Hoje, Nicole está mais bonita do que nunca, embora tenha certeza
de que chego a essa mesma conclusão a cada encontro nosso. Os cabelos
longos e cheios estão soltos enfeitando o seu rosto perfeito, embora quase não
use maquiagem. A sua saia é preta e não chega a alcançar os joelhos. A blusa
branca é de cetim e alças finas. Nos pés, calça uma sapatilha cheia de brilhos
na parte da frente.
Perfeita! Nicole se veste com simplicidade, como se soubesse que
não precisa de muito para estar bonita.
— Eu não sei se quer falar sobre ontem...
— Eu acho que é melhor a gente... — Começa, mas eu corto o seu
discurso. Não aguento mais ouvi-lo sair de nossas bocas.
— Não me peça para esquecer — aviso. — Não quando nem você
consegue fazer isso. Ou consegue?
— Eu não dormi ontem à noite. Ao mesmo tempo que me sentia
envergonhada por termos quase...
— Transado. — Ela tem dificuldade de dizer a palavra e eu
completo.
— Revivia na minha cabeça cada toque, cada beijo que demos. Eu
nunca tinha me sentido daquele jeito. Pensei que gostava de você quando
tinha quinze anos e te via de longe. Mas agora que temos convivido, percebo
que não era nada, se comparado com agora. Esses dias não têm sido fáceis,
mas estar com você desde ontem me faz bem.
— O que está acontecendo, pequena? Por que não se abre
comigo? — digo, e toco o seu rosto com carinho.
A forma como me olha, como eu a encaro de volta, é tão intensa.
O que estamos construindo tão rapidamente é estranhamente íntimo, que não
precisamos de palavras que nos autorizem a algo, simplesmente agimos. A
freirinha vem para o meu colo, então eu sinto que agora, sim, podemos ter
essa conversa.
— Não é nada, não se preocupe. Estou bem, não está vendo? —
questiona. Realmente, ela parece fisicamente saudável. Mas eu sei que não
existem apenas doenças físicas. Existem outras que ficam ocultas, mas que
são capazes de fazer muitos estragos.
Mas não vou falar sobre esse assunto com ela agora, até porque,
não sei de nada. Foi apenas um pensamento que me ocorreu.
— Se você diz, eu acredito. E voltando a falar sobre ontem à noite
e o que acaba de me dizer, saiba que comigo acontece igual. Desde o dia em
que acordei com você do meu lado em uma cama, tenho me sentido diferente.
Com você, ajo de uma forma que não fiz antes. Nunca fui um bom homem,
Nicole. Não do tipo que você merece, ou que os seus pais aprovariam como
genro.
— Eu sei — diz. Não não sei se ela se dá conta, mas tem as
pontas dos dedos fazendo carinho na parte de trás da minha cabeça e isso tem
me causado gostosos arrepios, bem perto de ficar duro.
— Como você sabe? Suas palavras são um golpe no meu ego,
garota!
— Eu via as notícias que saíam sobre você na internet. A cada
semana um escândalo diferente — revela. É interessante notar que na sua voz
não existe o tom de reprimenda, ou de julgamento.
— Tudo bem. Se sabe do que estou falando, também sabe que não
deve estar sendo fácil para mim entender tudo o que você me faz sentir.
Perceber que, pela primeira vez, me ressinto do que eu sou, por simplesmente
não ser digno de você.
— Victor...
— Não, Nicole. Isso não é um ataque de baixa autoestima, é só a
constatação de um fato, e você sabe disso. As nossas famílias não ficariam
felizes com um relacionamento nosso. Eu não sei nem se nós seríamos felizes
juntos, pois somos muito diferentes. Está tudo muito claro na minha cabeça
— digo.
— Na minha também — fala, resignada.
— Não posso ficar longe. Eu passei o último mês inteiro me
segurando para não te ligar, mesmo tendo nos despedido como amigos na sua
casa. Então, desde ontem, tudo começou a intensificar e não consigo parar de
pensar em você — declaro de uma forma que nunca fiz antes. Como nunca
precisei fazer.
— Sinto-me da mesma forma. Tem ocupado os meus
pensamentos, como se fosse uma obsessão — assevera. Eu pego a mão que
me acaricia e beijo os seus dedos.
— Você é inocente e jovem demais para mim, menina... — digo,
agora o rosto se aproximando do seu. — Eu não deveria sequer ter olhado
para você.
— Você é mundano, pode querer coisas que posso não estar
disposta a te dar. Acredito que deve ser até pecado toda essa lasciva... —
confessa, jogando o rosto para o lado, quando começa a fazer carinho nele,
usando minha barba por fazer.
É sempre assim, as nossas bocas dizem coisas que os nossos
corpos e as nossas vontades discordam.
— O que a gente vai fazer? — indago. — Você é a mais jovem,
mas também é a mais sensata de nós dois. Peça-me para parar. Peça, Nicole!
— Agora exijo, embora esteja mordiscando a sua orelha.
— Temos que ao menos tentar — fala com a voz entrecortada,
movendo-se suavemente no meu colo, fazendo com que eu fique excitado.
— Tentar o que, pequena? — indago.
— Resistir. Vamos tentar pelo menos. Talvez seja passageiro, não
é? Se não for...
— Se não for? — pressiono.
— Se não for, a gente faz alguma coisa a respeito. Mas eu acho
que, por tudo o que qualquer tipo de relação entre a gente envolve, temos que
pensar bem... Pare com isso, Victor — pede, a voz sai rouca, pois está muito
mexida com a minha mão, que agora faz movimentos giratórios em volta do
seu mamilo.
A pele arrepiada, a voz mudada, e os bicos dos peitinhos acesos.
Nicole está assim por minha causa e eu só queria poder levá-la para qualquer
lugar neste mesmo instante, e fazê-la minha de todas as formas. Poder fingir
que somos outras pessoas por uns dias. Apenas nós dois e a tensão sexual que
nos envolve.
— Você está certa, freirinha. Temos que ser sensatos,
principalmente eu. Será muito difícil não agir segundo as minhas vontades,
mas vou fazer isso, porque para mim você é mais do que uma boceta que
quero muito comer. Eu te respeito — declaro.
— Obrigada por isso... E você tem a boca muito suja — reclama.
— Para a sua sorte, a gente vai parar com isso, senão não daria
uma semana para que estivesse tão sacana quanto eu — digo, a abraçando
com mais firmeza, porque, de repente, passei a sentir mais urgência em tocá-
la.
— Que sorte a minha. Papai não iria curtir muito esse linguajar —
comenta.
— Entre quatro paredes vale tudo, querida. Se fosse minha, eu te
faria entender isso. Não haveria limites para a gente. Te ensinaria tantas
coisas... — falo. Mais embaixo, a minha mão está indo cada vez mais longe
para dentro da saia, alisando a sua coxa macia.
— Você não está sendo justo comigo...
— Você também não é, sendo tão cheirosa e linda. Tem o cheiro
de inocência e eu não posso fingir que isso não me enche de tesão. Ao
mesmo tempo que sua inexperiência é uma barreira, também é combustível
para a minha obsessão por você. É assim que estou me sentindo: como um
homem obcecado. Por isso, talvez seja melhor a gente se afastar um pouco.
Eu não planejei, mas a ideia atravessou a minha mente e não
posso, e nem quero, tirar as minhas palavras. Por mais que não queiramos,
será melhor assim.
— Eu não quero...
— Vou sentir muito a sua falta, pequena — declaro, cortando
qualquer tentativa de falar algo que pudesse me fazer fraquejar e voltar atrás.
— E eu a sua. — A sua fala vem acompanhada de um suspiro de
rendição. Na tentativa de segurar as lágrimas, me abraça bem apertado.
Com o coração disparado, fico sem entender o que está
acontecendo comigo. Ela é apenas uma garota com quem convivi por no
máximo três dias inteiros. Não deveria sentir que a sua ausência na minha
vida me afetará tanto.
— Acho melhor você ir agora, querida. Não faça com que eu me
arrependa de estar fazendo a coisa certa — peço. Eu queria, mais do que
tudo, ficar aqui com ela. Exatamente do jeito que estamos, nos tocando com
intimidade.
— Não estou com vontade de ficar no meio de tantas pessoas,
Victor — confessa.
— Você tem que fazer isso, ficar com pessoas da sua idade. Seus
amigos da igreja devem sentir a sua falta na festa do seu próprio pai. Vá, meu
amor.
Meu amor? Não sei de onde isso saiu.
— Tudo bem. Então eu vou... — Ela se levanta, e vai sem olhar
para trás.
Não fico olhando enquanto Nicole some pelo jardim, indo para o
meio dos seus. Sozinho, deixo que os meus pensamentos se percam e tento
ignorar o fato de o meu coração estar comprimido dentro do peito, depois da
conversa que tivemos e da decisão que tomamos.
Sei que fizemos pelos motivos certos, não é algo que pudesse
contestar, mas então, por que eu sinto que o sacrifício é maior do que a
recompensa?
Não sei quanto tempo se passa, eu estou longe quando sinto o
espaço vazio do meu lado sendo ocupado.
— O senhor já quis muito algo que sabia que não poderia ter? —
indago, justo para o pastor Gonçalo.
— Já, muito mais do que pode imaginar — afirma.
O pastor Gonçalo é um homem muito sábio, pelo menos, é o que
dizem. Eu só não sei se estou a fim de ser alvo das suas palavras sábias neste
momento.
— E não precisa dizer, porque eu sei que está falando da minha
filha, meu rapaz. Eu a vi sair daqui há pouco e estava chorando muito.
— Chorando? Mas eu não...
— É melhor que tenha sido assim, pode acreditar. — Eu não sei
como ele sabe sobre o que aconteceu aqui entre sua filha e eu, mas sabe. —
Sobre querer algo que não pode ter, te garanto que é muito fácil querer algo
ou alguém na sua vida. Mas o mais importante é se perguntar o quanto
realmente se quer aquilo, se não é só uma empolgação de momento.
— Seu Gonçalo...
— Deixe-me terminar, meu rapaz — fala como se eu fosse uma
criança recebendo bronca. — Já quis muito algo e quando teve se perguntou
o porquê de ter desejado tanto aquilo? — Balanço a cabeça em sinal de
confirmação. — A diferença é que com pessoas é mais complicado. Não é
honroso deixar de lado como se deixa a um objeto quando ele já não te
interessa como antes. Então, você precisa olhar para dentro de si e se
perguntar o quanto realmente queria essa amizade, vamos assim dizer. No dia
em que tiver a resposta, tudo parecerá mais fácil — diz. — Fique em paz,
filho.
É claro que ele tem razão em todas as suas palavras. Não parei
para me perguntar o quanto queria a Nicole, e nem o que faria com ela, caso
fosse minha. Então, como não posso pagar para ver, é melhor que cada um
siga o seu caminho, alheios à existência do outro, assim como vínhamos
fazendo antes da fatídica noite.
Capítulo 14

VICTOR
SÃO PAULO, TRÊS MESES DEPOIS
— Porra! Eu não sei mesmo o que pode ter acontecido. Eu nunca
tinha...
Sabe aquele momento da vida em que você vê um filme passar
diante dos seus olhos? É exatamente o que está acontecendo comigo agora,
no momento em que a gata que trouxe para o apartamento se joga do meu
lado na cama, frustrada e insatisfeita.
Eu penso em todos os meus dezoito anos de vida sexual mais do
que satisfatória, nas dezenas de mulheres que já trepei e de como era bom
quando eu tinha certeza de que era o que de melhor sabia fazer. Não tinha
mesmo muito segredo em ficar duro com uma gata gostosa, exatamente como
é essa aqui do meu lado, pagar uma bebida, trocar algumas palavras e depois
meter sem sentido.
Movimentos pélvicos que só se aprende uma vez e depois vai no
automático. Era gostoso sentir a respiração e o coração acelerar, sentir o suor
escorrendo pelas nossas peles e o som de corpos se chocando. Era tão bom o
tempo em que eu conseguia simplesmente transar!
Eu sou um cidadão de bem, que nunca fiz nada de mal para
ninguém, e só queria um pouco de diversão. Mas o meu pau, esse bastardo,
não concorda comigo quanto a isso. Nós estamos em guerra e não é a
primeira vez que esse desastre acontece, apesar de eu ter tentado falar o
contrário para a mulher pelada do meu lado.
Agora eu só quero que ela vá embora, assim posso tentar
conseguir com a minha mão o que ela e, aparentemente, as mulheres mais
bonitas de São Paulo, não tem conseguido. Também já tentei culpar a bebida
e o único baseado que fumei mais cedo na casa noturna, mas tenho certeza de
que já trepei depois de ter feito as duas coisas.
— Não fique se sentindo mal por causa disso, Victor. Acontece,
não é mesmo? Talvez você só esteja cansado. — A mulher tenta me consolar,
quando foi ela a maior prejudicada aqui, além do meu ego.
— Eu estou de férias, portanto, não estou cansado. E é melhor
você ir agora, Aline... — digo, levantando-me para pegar algo para vestir.
— É Alice, e eu não quero ir agora. Acabamos de chegar e tenho
certeza de que podemos brincar de outra forma, até você ficar animado
novamente — insiste.
— Eu não estou mais no clima, como você já deve ter percebido,
e eu vou tomar um banho. Bata a porta quando for embora.
— Então é isso, vai me virar as costas depois de ter...
— Depois de ter brochado. Essa é a palavra, gata — falo sem
paciência, já no caminho para o chuveiro. — E, sim, eu estou te virando as
costas. Foi um prazer te conhecer.
Embaixo da ducha, deixo que a água leve embora toda a minha
frustração, que vai muito além de um pau mole. A verdade é que os últimos
três meses não têm sido os melhores dias da minha vida. Voltar para São
Paulo dois meses atrás também não operou milagres no meu humor, e hoje
estou aqui, me sentindo mais sozinho do que nunca. Louco para pegar o avião
para a minha amada Goiânia.
Vinte minutos depois eu deixo o banheiro e, felizmente, a morena
era do tipo sensata. Sabia que não conseguiria mais nada de mim e foi
embora sem fazer drama. Se todas fossem assim, a minha vida teria sido bem
mais fácil nos últimos anos.
Antes de me vestir, troco os lençóis da minha cama, pois só de
olhar para eles lembro da tentativa literalmente falha de fazer sexo. Já vestido
com a calça moletom, deito-me, mas a minha mente simplesmente não
consegue desligar. Já passa das três horas da madrugada, mas o efeito do
baseado ainda circula no meu sangue. Isso seria bom se eu estivesse fodendo,
mas uma merda se pretendia dormir.
Eu gosto de estar com a mente sempre ocupada, e não importam
os meios utilizados, porque só assim não penso na minha freirinha. A garota
que não vejo, ou tenho qualquer notícia há meses, mas que não saiu dos meus
pensamentos um dia sequer. Convivemos pouco, mas foram encontros,
conversas e toques intensos o suficiente para me fazerem sentir falta dela.
Ainda acredito que tenhamos tomado a decisão certa na conversa
que tivemos na última vez que nos vimos. Eu só me enganei quanto a
dificuldade de realmente colocar em prática tudo o que combinamos. Eu
estou fazendo o que deveria, mas está sendo difícil o suficiente para me fazer
falhar na hora do sexo. Falhar simplesmente porque o tesão morre quando, no
espaço de um milésimo de segundo, permito-me pensar, e então percebo que
a mulher que está comigo não é a que eu queria.
Todas foram apenas substitutas, que não puderam cumprir o seu
papel e nem posso culpá-las. O problema está em mim que fiquei obcecado
por quem não deveria.
Às vezes eu me pergunto se não estou sendo um idiota,
valorizando demais algo que não passou de uma bobagem para ela, que é só
uma garota e não tem idade para levar tudo tão a sério como quem é mais
velho é propenso a levar. Eu não sei nada da vida dela e, provavelmente, já
deve ter um namoradinho. Um rapaz da sua igreja, que falou em casamento
no dia em que foi conversar com o pastor.
Mas acreditar nessas bobagens não muda em nada a minha
situação, pois continuo na merda. Se ao menos pudesse arrancar a maldita
virgem dos meus pensamentos. É mais do que isso, ela está no meu sangue.
Há três meses, depois da minha conversa com Nicole e com o seu
pai, decidi não ficar mais na festa. Subi para o meu quarto e fiquei trancado
até que todos fossem embora. Fiz para não cair na tentação de ficar como um
cachorrinho atrás da pretinha, embora não possa negar que tenha olhado
algumas vezes pela janela, só para vê-la no jardim com moças e rapazes da
sua idade.
Quando a segunda chegou, eu decidi focar apenas no meu
trabalho e realmente esquecer o que não pude viver. Obviamente, não
consegui. Mas, pelo menos, tinha o ritmo intenso das gravações da novela
para manter a minha mente ocupada. Passei ainda um mês em Goiânia e não
recebi nenhuma mensagem da Nicole. Fiquei chateado, embora não tenha
direito, porque eu também não entrei em contato com ela.
Nós gravamos tudo o que precisava e voltamos para fazer as
cenas finais em um estúdio em São Paulo, pois a emissora estava cortando
alguns gastos e ficaria mais barato.
Eu voltei fingindo que era o mesmo de antes, mas não era.
Trabalhei como antes, fui em festas todos os finais de semanas e até parecia
que estava superando a minha temporada em casa, mas foi apenas uma
ilusão. Depois de algumas semanas a saudade começou a bater. Saudade de
casa e da garota.
Saí com mulheres e não deixei de ter o meu nome envolvido em
escândalos, mas, ultimamente, a maioria eram mentiras inventadas pela mídia
com escassez de pautas. Não posso dizer que virei um monge, pois consegui
transar em todos esses meses, apesar de sentir que já não era a mesma coisa.
De repente, eu me via procurando por mais do que um corpo bem-disposto
para receber e proporcionar prazer.
O problema veio nas últimas semanas, quando as gravações da
novela terminaram e eu já não tinha mais com o que ocupar a minha cabeça,
além de malhar na academia e algumas campanhas publicitárias. Minha
mente ficou livre para pensar no que sempre esteve lá, guardado bem no
fundo.
Os meus pais me ligam com frequência, e não teve uma única vez
em que eu não tenha sentido vontade de perguntar pela minha freirinha. E
como foi difícil não perguntar. Só não o fiz porque nós dois prometemos que
iríamos tentar superar. E saber da sua vida através dos meus pais não poderia
ser citado como um exemplo de estar seguindo em frente.
Por ironia do destino, que é um grandíssimo filho da puta, passei a
ter sonhos eróticos, mas não demorou para que eu percebesse que um deles
não era apenas um sonho. Revivi com clareza os momentos da noite em que
nos reencontramos. Lembrei de como, mesmo chapado e bêbado, achei ela
bonita. De como não tive o menor problema em beijá-la. Em tocá-la de forma
tão íntima, que a fez aceitar ir para um quarto comigo.
Nós teríamos transado se Nicole não tivesse avisado que
precisava ir ao banheiro. Eu me lembrei da intensidade com que queria meter
na sua bocetinha virgem. Eu sabia que era virgem, assim como lembrei-me
que não sabia beijar, antes de ter aprendido comigo. A percepção deixou-me
feliz de uma forma que não posso explicar, caso alguém pergunte.
As lembranças desencadearam tudo de uma vez. Fez-me começar
a sonhar todas as noites e acordar duro de tesão pela manhã, a não conseguir
mais seguir em frente com outras e, sobretudo, tornou a saudade mais intensa.
Eu tentei, por mais de três meses eu fiz como nós dois decidimos,
mas não consegui deixar de querer a garota que não poderia ter uma vida
mais diferente da minha. Ao invés de deixar tudo só na lembrança, como
pensei que fosse acontecer, os sentimentos que ela desperta em mim
aumentaram e hoje eu só preciso de uma desculpa para fazer uma mala e
partir para Goiânia.
Para dizer que não sei mais sobre o que sinto do que sabia três
meses atrás, que não descobri uma forma de dar certo, mas que, ainda assim,
não acredito que fugir seja uma opção.
Também tive muito tempo para pensar no que o seu pai me falou,
e fiz isso todos os dias. Cheguei à conclusão de que não é um simples
capricho. Não acredito que a quero na minha vida só porque não posso tê-la.
Não, eu sei que é mais do que isso.
Eu gosto da porra da garota! Como mulher, mas também como
amiga. Admiro a sua força, o fato de ser talentosa e ter muitos sonhos que
deseja realizar. E não importa o papel que eu exerça na sua vida, embora
saiba que desejo ser o seu homem, quero estar por perto.
Eu só... necessito...
É o meu último pensamento coerente na madrugada em que
permiti confessar a mim mesmo tudo o que não tinha ousado fazer em meses.
O que pesava no meu coração e na minha mente. Na manhã seguinte, cedo
demais, baseando-me no susto e latejar na minha cabeça, desperto com o
toque insistente do meu iPhone. Por um tempo tento ignorar, mas a pessoa é
insistente demais para que eu possa supor que não seja importante.
Dou-me ao trabalho de apenas estender o braço e atender sem
prestar muita atenção no visor.
— Ainda não aprendeu a acordar cedo? Aposto que passou a noite
em alguma das festinhas sem futuro que tanto gosta.
— Bom dia para a senhora, mamãe. Tem algo de importante para
me dizer nesta bela manhã, ou só queria me deixar claro que não sou seu
filho preferido? — digo, levemente mal-humorado.
— Não diga bobagens — fala alto demais, mas eu já tinha
afastado o telefone do meu ouvido. — Não está esquecendo de nada?
— Bom, dona Dirce... Não, eu não sei do que a senhora está
falando. Acabei de ser acordado, e não estou com humor para tentar
adivinhar.
— No fim de semana, o seu pai e eu completaremos trinta e cinco
anos de casados — fala, tão empolgada que acabo abrindo um sorriso
involuntário.
— Parabéns, mãe. Manda um abraço para o seu Arnaldo — digo.
— Faremos um jantar de comemoração para alguns amigos. Acho
que você deveria vir. E não diga que não pode, porque eu sei que as
gravações acabaram e você está de férias. — De repente, volto toda a minha
atenção para a conversa. Ela só precisou fazer o convite e citar alguns
amigos.
— Amigos? — Especulo.
— Os Montes virão, isso eu posso garantir — avisa. Eu imagino
que ela não saiba o impacto que essa notícia tem para mim.
— É claro que irei, mamãe. Em no máximo dois dias chego aí,
está bem?
Nós ainda ficamos conversando por alguns minutos, ela muda de
assunto sem perceber que não estou mais prestando atenção.
Só consigo pensar que em poucos dias estarei de volta à cidade,
perto da freirinha. E como eu quero revê-la. Sentir seu cheiro de morangos
frescos. Saber se para ela foi tão difícil quanto para mim.
Capítulo 15

VICTOR
Posso ter estado em vários países diferentes, mas nada se compara
a sensação de pisar no solo em que nasci. Há muitos anos deixei a minha
cidade natal para me dedicar a minha carreira em um estado que me daria
mais oportunidades, mas ainda aprecio cada dia que passo aqui ao lado da
minha família. Dessa vez, sem precisar abrir mão de suas companhias para
longas horas de gravações, que se estendem aos fins de semana.
Não quero pensar que agora existe um motivo maior para a minha
satisfação de voltar. Na verdade, depois de ter passado os últimos dias
pensando e sem, contudo, ter chegado à uma conclusão a respeito dos meus
sentimentos e o que quero fazer com relação a saudade que sinto de certa
garota, prefiro fingir que não estou ansioso para retomar a amizade que
começamos, que não pensei obsessivamente em como irei me sentir quando a
vir depois de tantos meses sem uma palavra sequer de ambas as partes.
Será que o encanto, a atração e a vontade de protegê-la ainda
estarão aqui?
Depois de uma viagem relativamente curta de avião, finalmente
saio do carro de aplicativo que me trouxe do aeroporto até aqui. Os meus
pensamentos, que estão longe, levam-me para um destino certo. Paro no
banco ao lado da pequena gruta, onde fico observando o vazio. Como se isso
fosse materializar a freirinha sentada sobre ele.
Lembro-me da nossa última conversa sobre como deveríamos
tentar deixar de lado o que quer que estivesse acontecendo entre nós. Passou-
se tempo suficiente para que tivesse de fato esquecido essa atração que nos
puxa na direção do outro, no entanto, estou aqui, imaginando quanto tempo
terei de esperar para vê-la. Perguntando-me se pego, ou não o aparelho
celular e ligo para ela.
— Meu filho, o que faz aí sozinho? — Dona Dirce, que fazia uma
caminhada em volta da propriedade, com as suas roupas de ginástica e fones
nos ouvidos, abre um imenso sorriso quando me avista. — Achei que
chegaria mais cedo. Se tivesse me avisado, eu teria preparado um café da
manhã especial para o meu bebê. — Ela se senta do meu lado, e me dá um
abraço suado e apertado. Eu não me importo, pois estava com saudades da
minha senhora.
— Já estava com tudo pronto, então decidi chegar cedo. — Sou
econômico em minhas palavras. Dona Dirce não precisa saber que eu tinha
motivos para estar um pouco ansioso. — Estão todos bem?
— Seu irmão ainda não chegou, seu pai foi para o escritório em
pleno sábado. E eu vou começar a preparar o jantar de mais tarde. Como
pode ver, nada mudou por aqui nos últimos meses.
Não é que eu não me importe, ou que não tenha ficado feliz de
estarem todos bem aqui em casa, mas me frustro que não tenha citado a sua
afilhada, ou qualquer membro da família dos nossos amigos mais próximos.
— Eu...
— Se quer saber da Nicole, é só perguntar, meu amor — diz com
um sorriso arrogante, como quem diz que me conhece bem demais. — Sei
que, de alguma forma, se tornaram próximos e que se importa com ela,
depois do que aconteceu entre vocês.
Minha mãe se refere ao sexo que não aconteceu. O sexo que
passei a desejar que tivesse mesmo acontecido. Muitas vezes me questionei
quais rumos as nossas vidas teriam tomado se tivéssemos nos entregado ao
tesão naquele quarto de hotel.
— Como ela está?
— Está bem. E não posso negar que tenho mantido os meus olhos
bem atentos sobre ela...
— Por quê?
— Não sei dizer, meu filho. Só sinto que devo fazer isso. A minha
afilhada é uma menina muito especial. Sempre foi, e quero que seja feliz —
fala, parece estar dizendo menos do que sabe, mas deixo passar, pois, se
tivesse algo a mais acontecendo, dona Dirce não me esconderia. — Ela
parece... contente nas últimas semanas, mas não vou ficar aqui falando da
garota. Mais tarde você a verá pessoalmente, e poderá fazer perguntas
diretamente para a sua amiga.
— Acho que vou aceitar aquele café da manhã que a senhora
citou há pouco — digo ao pegar a sua mão e nos levantar.
— É claro, vamos lá. Essa caminhada me deixou faminta —
assevera com um sorriso no rosto, apesar de não ter deixado de perceber a
sutil ruga de preocupação quando citou o nome da pretinha. Será que tem
algo que não sei acontecendo?
Eu vi preocupação. Só não sei por qual motivo, considerando que
pensa que ficamos só na amizade, e que estou bem com isso.
Dona Dirce e eu fazemos o nosso desjejum na cozinha mesmo,
enquanto os funcionários da casa começam a se preparar para as atividades
do dia, que serão um pouco diferentes por causa do jantar comemorativo.
Conto para ela a respeito dos últimos meses da minha vida, com
mais detalhes do que as nossas ligações permitiram. Ela não esconde o
orgulho pela repercussão positiva do meu último trabalho, o primeiro papel
como o grande vilão de uma trama. Fica mais feliz ainda quando digo que
assinei contrato de publicidade com uma grande marca de roupas masculinas,
e que já estou avaliando convites para outros projetos na televisão e no
cinema.
Como não poderia deixar de ser, mamãe me pergunta por uma
possível nora, assim como me relembra que quer um neto antes de chegar na
idade em que não conseguirá paparicá-los como deseja.
Ela só não sabe que não estou nem perto de me aquietar, que, na
verdade, estou interessado em sua pequena afilhada de uma forma nem um
pouco ortodoxa.
Quando subo para o meu quarto, de cara me deparo com o quadro
da minha freirinha na parede. A imagem é como um sopro quente no meu
coração, e outras partes do meu corpo. Estive com ela poucas vezes, mas
suficientemente perto para jurar que sinto o cheiro do seu perfume no meu
quarto.
O meu pau até lembra que tem vida. Lembro o porquê de não ter
conseguido transar nas últimas semanas. Como poderia se minha cabeça
mudou de um dia para o outro?
De repente, não sou mais aquele homem livre que saía com todo
tipo de mulher, que colocava o desejo no topo de uma lista. Que não se
importava de ao menos saber o nome da transa da noite. De repente, eu sou
um homem que deseja a única mulher que não deveria, que tem obsessão por
um quadro, e reconhece um cheiro.
— Eu devo estar ficando louco. Passou muito tempo. É
impossível que o perfume dela esteja tão presente aqui — digo em voz alta,
para ver se assim me convenço de que não estou fora do meu juízo perfeito.
— Está tudo bem, senhor Victor? Eu posso ajudá-lo a desfazer as
malas...
— Não precisa, querida — digo a moça que ajuda na limpeza da
mansão. — Alguém esteve no meu quarto enquanto estive fora?
— Esteve, sim, senhor.
— A porta estava destrancada quando entrei.... O que foi que você
disse? — questiono. — Como assim, alguém invadiu meu quarto e se deitou
na minha cama?
— Foi a senhorita Montes. Ela tem vindo muito aqui nos últimos
meses. Gosta de ficar naquele cantinho no banco do jardim. Muitas vezes,
quando fica tarde demais, a sua mãe pede para que passe a noite aqui.
— Por que no meu quarto?
Não é como se eu estivesse achando ruim. Se tem uma pessoa que
pode dormir sobre os meus lençóis, é Nicole.
— Porque os quartos de hóspedes estão sendo pintados —
explica. Mamãe e suas reformas. Ela sempre tem o que fazer nesta casa.
— Tudo bem — digo, mal conseguindo esconder o sorriso que se
insinua em meus lábios. — Pode ir, obrigado.
Quando a moça fecha a porta atrás de si, vou direto para perto da
cama. Pego um dos travesseiros e o levo ao meu nariz.
O cheiro de morangos está no tecido, tão forte que é como se ela
estivesse deitada aqui agora.
A sua presença é forte no meu espaço e na minha cabeça. Tem
outra cabeça que também necessita dela.
— Quanta saudade de você, minha freira! — O meu sorriso é
rasgado, o meu coração, por alguma razão, está batendo acelerado, então me
jogo de bruços sobre a cama. Coloco um dos travesseiros embaixo da minha
cabeça. O outro, trago para perto do meu nariz.
Sentindo o seu cheiro, deixo que o sono me leve por alguns
minutos, em um descanso completo que há muito tempo não conseguia ter.
Mas antes de me entregar nos braços da inconsciência, penso no que ainda
terei de fazer para tê-la para mim do jeito que desejo. Qual será a sua reação
quando me ver. Será que está brava com o meu afastamento? Mas ela
também se afastou de mim...

O dia passa como um borrão, horas em que a ansiedade não me


deixa ficar parado. Depois do almoço vou à academia, chamo Carlos para
tomar uma cerveja. Por ser ator e também ter nascido aqui em Goiânia, a
nossa amizade naturalmente se tornou mais estreita. Tanto que agora a sua
carreira está sendo gerenciada pela minha equipe, uma das melhores, e que
não costuma pegar atores iniciantes.
Quando volto para casa, ajudo no que posso nos preparativos para
o jantar, mas meu irmão chega e paro para conversar com ele na beira da
piscina. Embora ele não se interesse nem um pouco pela minha vida badalada
de ator, assim como não me importo com a sua monótona em uma cidade do
interior do Goiás, gostamos de nos ouvir.
Como se tivéssemos feito um acordo, não tocamos no nome da
Nicole, e eu me pergunto se ele ainda tem uma queda por ela, pois embora
tenha negado na época, posso jurar que vi o brilho de interesse no seu olhar.
Não que isso fosse ser um problema, porque eu a vi primeiro, foi a mim que
ela entregou seu primeiro beijo. É a mim que aquela freirinha deseja.
A noite chega, finalmente chega, e com ela os amigos mais
próximos. Enquanto desço as escadas, vejo o momento que a família Montes
chega. Não presto muita atenção no casal, porque os meus olhos a buscam.
Nicole vem logo atrás, linda como as imagens que estão gravadas na minha
memória.
Os cabelos longos e cheios de cachos enfeitam o seu rosto como a
maquiagem mais cara não faria. Já notei que ama vestidos, e hoje ela usa um
preto de alças finas, justo no corpo e que mal alcança metade das suas coxas.
Eu poderia dizer que é muito ousado, não que eu não goste, muito pelo
contrário, está gostosa demais para a minha sanidade mental, mas não parece
a freirinha que sempre vi com roupas comportadas.
Ela está linda! Começo então a descer os últimos degraus, mas
paro quando os nossos olhares se encontram. Primeiro nos encaramos com
intensidade por um minuto completo, depois ela desvia o olhar para o lado,
para o rapaz que eu ainda não tinha notado muito próximo a ela.
O garoto mal parece ter saído da adolescência, mas a olha como
se não existisse outra pessoa além dela na sala, como eu mesmo acabei de
olhá-la. Então a minha viagem continua, parando no ponto onde as suas mãos
se juntam. Sim, os dois estão com os dedos entrelaçados. Quando começo a
entender o que está acontecendo, procuro o seu rosto em busca de respostas,
mas Nicole já não parece mais ser capaz de me encarar.
Propositalmente, olha em todas as direções enquanto termina de
chegar, menos para mim. Eu continuo a descer no modo automático, a minha
mente livre de qualquer pensamento, mas o coração, antes cheio de
expectativas e planos, vazio como nunca antes esteve.
— Você sabia? — Interpelo Sandro antes de chegar perto demais
dos convidados que, certamente, me encherão de perguntas. — Desde quando
isso está acontecendo.
— Pergunte a ela, galã. Eu não estou sabendo de nada— diz,
parecendo tão surpreso quanto eu. — A mamãe não costuma me atualizar das
fofocas quando liga na fazenda.
Sei que é algo irracional, mas estou me sentindo como um marido
traído. O corno que é o último a saber.
— Você não está sabendo disfarçar o olhar assassino para o
jovem ao lado dela. Tente disfarçar um pouco, ou então todos irão perceber
que está de quatro pela ninfeta.
— Quero que todos, inclusive Montes e o namoradinho, vão para
o inferno — falo com despeito para uma das pessoas que mais me conhecem,
então pego a taça de suas mãos e me afasto.
Não sei se estou agindo de acordo com alguém da minha idade,
mas dedico os próximos minutos a dar atenção a cada pessoa que vem para
me cumprimentar, respondo perguntas e acabo conhecendo Ellen Salles, a
filha de uma das colegas de profissão da senhora Salvatore.
A mulher, que parece ter idade próxima a minha, é linda. Embora
aparente ser fútil e um tanto quanto maluquinha, simpatizo com ela de graça.
Ellen tem uma conversa muito agradável. Ela me faz esquecer um
pouco do desastre que foi ver a mulher que desejo com um namorado, então a
levo para conversarmos sem que tenha tanto barulho no banco que fica ao
lado da gruta.
O fato de a loira ser modelo de passarela faz com que tenhamos
vários pontos em comum, inclusive, o desejo de passar um tempo em casa.
Conforme a conversa vai fluindo e os minutos vão passando, mais distante
dos meus pensamentos fica a cena que presenciei.
Pelo breve momento em que a minha mente se perde durante a
conversa, chego a rápida conclusão de que está tudo bem, que Nicole não
merece ir para o inferno. Não merece a minha mágoa, afinal, ela não tem
culpa de ter seguido em frente.
Tudo bem ficar chateado, mas seria muita hipocrisia da minha
parte esperar algo dela quando eu mesmo segui em frente. Quando saí com
diversas mulheres e não mantive contato.
Eu poderia ter agido diferente? Poderia. Mas, às vezes, tem coisas
que simplesmente não são para acontecer.
Eu poderia lutar, tirá-la do garoto em 2 tempos, mas, talvez,
Nicole esteja feliz, e quero, mais do que tudo, vê-la feliz, mesmo que seja
longe de mim.
— Gostei de conhecer você, Victor Salvatore. Pensei que fosse
tão babaca quanto ouço falar através da mídia, mas você é um amor.
— Acredite, eu sou um babaca. Até dei uma olhada no seu decote
— brinco, jogo uma piscadela, e ela ri alto.
— Acho que quero muito ser sua amiga — diz.
— Poxa! Já está me jogando na friendzone? — provoco. — Que
golpe na minha autoestima!
Ela está certa quanto a amizade. Apesar de Ellen Salles ser linda,
por incrível que pareça, não a olhei com segundas intenções em nenhum
momento. Estou com uma doença chamada Nicole.
— Aceitarei com dor no coração as migalhas que me dará, oh,
minha adorável Julieta. — Faço a encenação que a faz gargalhar e termino
com um beijinho na sua mão.
— Seu bobo!
Assim que Ellen deixa de sorrir, ouvimos sons de vozes se
aproximando.
Ao olhar para trás, vejo uma Nicole olhando para nós dois como
se fôssemos seres de outro mundo. Não sei ler o seu rosto, mas os olhos estão
vazios.
— Não sabíamos que tinha gente aqui... — ela fala bem baixinho,
então me levanto, seguro a mão da loira para que faça o mesmo. Ficamos os
quatro frente a frente, mas é como se existisse apenas Nicole e eu.
Capítulo 16

VICTOR
Se olhar fulminante fosse capaz de queimar de verdade, o corpo
do moleque, que está muito próximo da Nicole, já teria virado cinzas. Olho
para os dois, então fico olhando no rosto da garota, mas ela já esconde
qualquer emoção que possa ter sentido. Não imagino o que passa na sua
cabeça, nem parece a mesma que se tornou minha amiga, com quem
compartilhava um desejo que deixou nós dois a ponto de sucumbirmos no
nosso último encontro.
— Nós não queremos atrapalhar o momento do casal. — Ironia
escorre dos meus lábios quando falo. — Ellen e eu estávamos indo para
dentro. — Estendo o braço e a loira entrelaça o seu. Saímos antes que Nicole,
ou namoradinho tenham a chance de falar alguma coisa.
— É impressão minha, ou você tem algum problema com aquele
jovem casal? Foi muito hostil com os dois — Ellen comenta quando já
estamos longe o bastante.
— É complicado. Nicole Montes é filha do melhor amigo do meu
pai. Além disso, é afilhada deles — digo. Conheci Ellen hoje, mas ela não
parece ser do tipo que deixa o assunto simplesmente morrer.
— E você gosta dela de alguma forma que não seja a que deve
gostar de alguém que é praticamente da família, não é mesmo?
— Eu não quero mesmo falar sobre isso aqui, querida. Vamos
subir para o meu quarto? — Convido-a, ela arqueia a sobrancelha. Deve estar
se perguntando onde ficou o homem que acredita que não é um babaca.
— Vamos conversar e fugir um pouco do agito. Não se dê tanto
crédito, Ellen Salles. Você nem faz o meu tipo — provoco, embora saiba que
talvez não pensasse da mesma forma se não tivesse com a garota na cabeça.
— Você não faz o meu também, Victor Salvatore. Quem sabe o
seu irmão? — questiona.
— Você conhece o Alessandro? — indago, enquanto terminamos
o caminho até a ala dos quartos. Do alto da escada, avisto Nicole ao lado do
namorado. Ela não permaneceu no jardim, e a tristeza que vejo no seu olhar
me causa arrepios.
Mas o que ela queria? Vem a casa dos meus pais com um idiota
qualquer, e agora me olha como se eu estivesse a traindo?
— Você não tem uma vida exatamente privada, não é mesmo?
Apesar de nunca ter visto foto dele, sei que tem um irmão mais novo. Toda a
mídia sabe.
— Eu não sei se você e o Alessandro... — Começo, mas não sei
como prosseguir.
Nem se eu estivesse procurando teria encontrado alguém que
fosse tão diferente do Sandro. Tudo bem que eu e ela nos demos bem, já que
somos do mesmo meio, mas o meu irmão, não. A futilidade da Ellen vai de
encontro com a simplicidade dele, e o mundo está muito bem com o fato de
eles não se conhecerem. Seria um desastre sem igual.
— Não perca o seu tempo dizendo que não faço o tipo dele, pois,
se eu quiser, posso fazer o tipo de qualquer um. Na verdade, posso ter o
homem que eu quiser bem aqui. — Bate com a ponta do indicador na palma
da mão.
— E essa autoestima? Se eu não fosse tão experiente, teria medo
de você, gata — digo quando abro a porta do meu quarto para que entre.
A verdade é que, de alguma forma, Ellen é mesmo uma mulher
assustadora. Muito bonita e confiante a cada passo que dá. E apenas uma
conversa me fez entender que ela toma tudo o que quer, na hora que quer.
— Você tem sorte que eu prefira o seu irmão — brinca.
Ela se senta na ponta da minha cama, tira os pés dos saltos altos e
começa a fazer massagem neles. Sento-me do seu lado e então engatamos
mais uma conversa. Atenta, ela nota o quadro, assim como se dá conta de
quem se trata. Por alguma razão, não tenho problema em contar para ela
sobre a minha relação com a Nicole. Ouve-me sem interromper e, no final,
tem o queixo caído no chão.
— Cara, não tinha uma mulher menos complicada para se
apaixonar?
— Eu não estou apaixonado pela Nicole — assevero rapidamente
e com veemência.
— Tem certeza? Porque no jardim você estava tão ciumento que
parecia que iria arrancar a cabeça daquele rapaz.
— Vê-la com ele me fez entender que preciso deixar tudo como
está. Não viu como parecia feliz? — falo com ironia.
— Não. Na verdade, a sua Nicole parecia extremamente infeliz e
perdida. E eu sei que está dizendo que não vai interferir, mas acho que
poderia acabar com essa relação e ficar com a garota por quem está
apaixonado.
— Eu não... — Nem completo a frase, porque não sei se seria
verdade.
— Sim, você está. Admita, Salvatore.
— Irmão, você... — Alessandro escancara a porta, olha para mim,
mas rapidamente desvia a atenção para a minha acompanhante.
— Desculpa, não te vi na festa, então vim te procurar... Não
imaginei que pudesse estar acompanhado — diz, um pouco desconcertado,
sem desviar a atenção da Ellen.
Acho que está impressionado com a sua beleza, mas isso é porque
ela ainda não abriu a boca. Para mim, Ellen é uma mulher extremamente
agradável, já para ele...
— Irmão, essa é...
— Pode deixar. — A garota me interrompe, levanta-se da cama e
vai até onde ele está parado. Percebo que até a sua forma de caminhar está
diferente. — Meu nome é Ellen Salles, modelo internacional. É um prazer te
conhecer... Posso saber o nome desse cowboy?
E aí está!
Ele a olha como se fosse de outro mundo. Mas é apenas uma
mulher deixando claro os seus sentimentos. Do interior de onde ele vive, as
moças costumam ser diferentes, e isso deve estar o deixando perturbado.
— Alessandro Salvatore — diz, sem fazer menção de se mexer.
— É sempre um prazer ser apresentado a...
— Amiga? Eu sou amiga do Victor, embora tenhamos nos
conhecido hoje. — Meu irmão me olha por cima dos ombros, eu dou um
aceno discreto, dizendo que não estamos aqui para transar.
— Eu não quero atrapalhar a conversa de vocês. — Faz menção
de virar-nos as costas, mas Ellen diz:
— Nós já terminamos aqui. Será uma honra te acompanhar em
uma bebida. — É, estamos diante de uma predadora.
— É claro — fala, dá espaço para que ela saia primeiro. Antes de
sair, meu irmão joga um olhar fulminante, como quem pede socorro. Dois
segundos depois, ela volta para buscar os sapatos, depois sai correndo atrás
do meu irmão.
Sorrio alto quando me vejo sozinho, mal podendo esperar pelo
momento em que ele contará sobre como foi conhecer Ellen.
Quando a risada morre, os meus pensamentos se voltam para o
que acontece lá embaixo. Mais especificamente, em uma certa pretinha e o
seu cão de guarda mirim.
Eu sei que tenho que descer mais uma vez, mas antes preciso me
convencer de que está tudo bem. Que não importa com quem a afilhada dos
meus pais está, nós fizemos um acordo, eu levei a história mais a sério do que
deveria. Ela, por outro lado, seguiu em frente e está tudo certo.
Nicole não está errada. Eu quem estou.
Eu ainda estou sentado no mesmo lugar na cama quando a porta
do meu quarto é aberta novamente e, desta vez, surpreende-me que seja
Nicole. Está sozinha. E quando fecha a porta atrás de si, fica por um tempo
encostada nela, apenas me fitando em silêncio. Parece que tem medo de abrir
a boca, ou então não sabe o que irá dizer.
— Você trouxe uma mulher para o seu quarto — fala, nem por
um segundo o seu tom de voz é acusatório. Parece apenas triste e resignado,
tudo o que não quero dela. Não dela, que está com um namorado na minha
casa.
— Eu trouxe. Como você mesma acaba de dizer, o quarto é meu,
trago quem eu quiser — falo, também sem alterar o tom de voz, embora as
minhas palavras sejam de um homem desalmado e disposto a machucar.
— O que ela veio fazer aqui? — insiste, sem que tenha qualquer
direito, e é o suficiente para me fazer levantar e ir até ela. Coloco as duas
mãos na porta ao lado de sua cabeça.
— Com que direito você me faz essa pergunta, menina? —
indago, e apesar de estar chateado, também sou fortemente atingido pelo seu
cheiro. Pelo impacto de estar tão próximo depois de tantos meses.
Como eu senti saudade...
— Eu...
— Você seguiu em frente. Arrumou até um namoradinho —
comento, seco.
— Você está bravo comigo? — A voz doce me faz querer sacudi-
la, depois a jogar em cima da minha cama e comer a sua boceta até que fique
esgotada.
Essa Nicole nem parece a de meses atrás, que era toda confusa.
Ela parece estranhamente... normal?
Nem agitada demais, nem deprimida. Apenas uma jovem mulher
de vinte e um anos. Sem filtro e sem noção.
— Por qual motivo eu estaria bravo com você?
— Acreditei que você não pensava mais em mim. Eu vi você com
outras mulheres nas mídias. Se está me tratando assim porque está com
ciúme, deveria parar de ser tão hipócrita! Não estou namorando, mas deveria
estar e você, Victor Salvatore, não teria nada a ver com isso! Eu não dou uma
chance para o Murilo porque sou uma idiota que não cansa de se iludir,
mesmo você sendo um babaca.
Sobre ser hipócrita, eu mesmo já tinha chegado à essa conclusão
mais cedo, mas não é isso que importa no momento. Mesmo sendo um
babaca, como a pretinha falou, ela não me esqueceu.
Puta. Que. Pariu! Ela não me esqueceu... e estava vendo tudo o
que saía a meu respeito, inclusive, as minhas saídas de festas com garotas,
cuja maioria nem sou capaz de dizer os nomes.
— Freirinha, eu...
— Não toque em mim. Eu preciso ir. O Murilo deve estar me
procurando... — fala, e nem é capaz de me olhar.
— Por que veio até aqui?
— Eu não sei. Quando vi você e aquela loira perdi o juízo. Não
pensei antes de agir.
— Meu amor, por favor... A Ellen e eu, não é como está
pensando...
— Foi um erro eu ter vindo até aqui. Deixe-me ir. — Dessa vez
ela fala com firmeza e eu saio do seu caminho.
Fico parado enquanto a minha garota vai para longe de mim.
Foram tantos meses, tantas expectativas para esse reencontro e, no fim, deu
tudo errado.
— Eu não vou deixar que esta noite termine assim! — falo com
veemência e deixo o quarto.
No jantar, ela fica do outro lado da mesa, perto do merdinha que
não é seu namorado, mas quer muito ser. Está na cara dele. Quando todos
terminam e saem para se confraternizar no jardim, percebo o quanto o ciúme
havia atrapalhado o meu poder de discernimento. Nicole não está feliz. Ela
sorri, mas não é sincero. Conversa pouco, e os seus pensamentos parecem
distantes.
A oportunidade de ficarmos a sós surge quando ela fala algo para
o rapaz e se encaminha para o lado mais reservado da casa, e eu sei
exatamente para onde está indo. Enquanto saio discretamente atrás dela,
percebo meu irmão em um canto e Ellen do outro. Cada um com a sua
bebida. Ela jogando olhares sedutores. Ele, posso apostar, irritado por estar
ponderando se os problemas que ela pode trazer compensam a decisão de
fazerem sexo.
Não seria o meu irmãozinho se não pensasse demais. Ele pensa
tanto que às vezes as oportunidades passam.
Quanto a mim, estou disposto a não perder mais oportunidades.
Se eu ainda tiver uma chance, farei o que for necessário para ter acesso total a
ela. Para dobrar os nossos pais a ponto de eles apoiarem uma relação entre
nós dois, se assim desejarmos.
A encontro com a cabeça erguida para o céu. Ela mantém os olhos
fechados, a sua respiração está tão calma que parece que está dormindo. Não
se move e nem abre os olhos quando me sento do seu lado.
Nicole sabe que estou aqui, os pelinhos dos seus braços se
arrepiando são a prova disso.
— Você é minha, Nicole — falo baixo, mas firme. Poderia falar
de outra forma, mas a frase gritava na minha mente.
— Eu não...
— Você sabe que é, assim como sempre fui seu — digo quando
enlaço a cintura fina, trazendo o seu corpo para junto do meu. Deixo os
nossos rostos próximos, muito perto de nos beijarmos em um lugar que
qualquer pessoa pode nos ver.
Capítulo 17

NICOLE
Enquanto ele me encara de perto, enquanto sinto o calor da sua
respiração acariciando o meu rosto, um mundo de pensamentos passa pela
minha cabeça, fito os seus olhos bonitos e vejo nele como foram os últimos
seis meses da minha vida. Como a montanha russa em que sempre estive me
pareceu descer e subir de maneira ainda mais perigosa.
A minha mente é terra que nem eu mesma entendo, mas ficou
muito pior depois que ele passou pela minha vida como um furacão, e depois
se foi. Restou apenas uma paixão que me sufoca dia após dia. Ela foi
crescendo a cada amanhecer, em uma agonia de saber que não poderia fazer
nada, pois nós dois havíamos tomado uma decisão. Eu não poderia fazer nada
porque uma relação entre nós dois sempre me pareceu impossível.
Somos tão diferentes que não consigo pensar que um dia os
nossos pais possam nos apoiar. Eles nos amam e sabem, assim como nós
mesmo sabemos, que nunca daria certo, porque eu sou a filha do pastor,
criada com princípios rígidos demais. Ele é um homem que foi criado para o
mundo, para voar livre como um pássaro. O quis até chegar o momento em
que precisei fazer uma escolha.
A cada foto e notícia sua, mais enraizada na minha cabeça ficava
a certeza de que não era para ser como eu queria, quase disse sim ao pedido
de namoro do Murilo na semana passada. Ele é um rapaz da igreja, dois anos
mais velho que eu e de boa família. Murilo deixou claro que não me vê
apenas como uma amiga.
Há um mês , enquanto me afogava na auto piedade, sem ânimo
para nada que não fosse dormir e acordar, dia após dia vendo a vida passar
bem diante dos meus olhos, sem saber qual era o meu papel no mundo, ele foi
a pessoa que me ajudou a passar pelos momentos ruins. Sei que se aproximou
com segundas intenções, porque acreditou que havia chegado o momento de
tentar me conquistar, mas, ainda assim, foi bom ficar perto de alguém
diferente.
Apesar de frequentarmos a mesma igreja desde criança, não nos
falávamos tanto. Foi essa novidade que me fez esquecer-me um pouco do
Victor.
Murilo gosta de mim de verdade. Eu vejo isso na forma como me
olha e fala comigo. Na forma como se preocupa, mas é gentil o suficiente
para não falar com todas as letras quando acha que estou agindo de maneira
estranha. Ele apenas me observa atentamente e em silêncio, mas não finge,
como fazem os meus pais. Meu amigo tem medo, os seus olhos me mostram
que sabe que tem algo ruim na minha alma, mas não se amedronta a ponto de
querer se afastar.
A minha vida tem sido mais fácil nas últimas semanas. E ainda
que o meu sorriso não aqueça o frio de minha alma, pelo menos deixei de
esperar, de acreditar que o Victor voltaria e diria que nós erramos quando não
tentamos ficar juntos. Eu estava conseguindo seguir em frente até o momento
em que voltei a vê-lo. Havia sido forte o suficiente para sair de um estado de
quase depressão, que não foi causada apenas pela sua ausência.
Não posso acreditar nisso quando já tinha acontecido outras
vezes.
Mas aí ele voltou, e me olhou como se não me conhecesse. Ele
voltou e levou uma mulher para o seu quarto, ficou sozinho com ela. No
mesmo quarto que dormi tantas vezes sentindo o seu cheiro. Sentindo a sua
presença do meu lado, mesmo que estivesse em outro estado, mesmo depois
que via fotos suas com outras mulheres. Muitas delas até mostravam que não
estava completamente lúcido, assim como não estava na noite em que nós nos
reencontramos.
Eu não sei mais há quanto tempo estou aqui parada olhando, há
quanto tempo Victor espera em silêncio. Mas só a sua presença é capaz de
despertar algo que não gosto em mim. Faz a minha cabeça girar, assim como
me sinto em momentos opostos meus, seja quando mal consigo ficar parada
em um único lugar, quando a minha mente está cheia a ponto de eu não
conseguir dormir. Quando os meus pensamentos se vão e resta apenas o
cansaço e a vontade de ficar deitada na minha cama sem fazer nada, sem
sentir nada.
Parecia que eu estava em uma daquelas fases em que extremos
não existem, nem agitada demais, nem deprimida, apenas levando a vida da
forma como meus pais me ensinaram. Crescer nos princípios de Deus,
estudar, trabalhar e me dedicar ao meu marido. Constituir uma família e me
contentar com uma existência tranquila.
É difícil entender o que é esse sentimento que Victor desperta em
mim, mas não pode ser um amor saudável. Aprendi que o amor traz paz. Ele
não queima como o meu peito está agora. Não faz o coração doer e bater tão
forte a ponto de me fazer pensar que ele irá sair pela boca. Não deixa a minha
cabeça tão confusa, não me tira da minha zona de conforto. Só não quero
voltar novamente para o ponto em que desejava o que não podia ter...
— Nicole, por que você está me olhando dessa forma? — Ouço a
sua voz, que tem um tom levemente rouco, mas ele parece distante demais. A
minha mente está longe, Victor é incapaz de me alcançar. — E tem essas
lágrimas... Eu não posso suportar te ver chorando.
Sinto os seus dedos enxugando o meu rosto. Toques leves de
carinho, que me tocam mais profundamente do que o som de sua voz.
— Quem te deixou assim? Só me diga um nome. — A pergunta
faz com que eu finalmente consiga retornar a mim. Então o encaro por um
tempo.
— Você — respondo.
— Eu? Como você pode dizer algo como isso? Não seria capaz de
te fazer mal. Prefiro morrer a te machucar. Eu... — Começa, mas não o deixo
terminar a frase. Não quero ouvir.
— Eu já tinha aceitado. Você não tem o direito de voltar agora e
dizer essas coisas. Não sou sua, não posso ser sua, Victor. Nós não podemos
ser nada um do outro.
— Olhe para mim, Nicole. Diga as palavras olhando nos meus
olhos. Fale, se tem coragem! — Pede com o rosto junto ao meu, buscando os
meus olhos covardes. — Não tem coragem, não é? Não tem por que apesar
do inferno pelo qual passamos nos últimos três meses, nós não saímos do
lugar. Ainda queremos ser mais do que apenas amigos. Você pode negar as
minhas palavras? Se pode, diga que eu viro as costas e te deixo sozinha aqui.
Fale Nicole!
Tudo que Victor diz, cada uma de suas palavras me atinge forte
como uma surra não faria. Então eu perco o controle, curvo o meu corpo e
cubro o rosto com as duas mãos para que não me veja fraquejar. Choro
desesperadamente, despindo por completo a minha alma.
Levanto-me do banco e lhe dou as costas, esperando que entenda
como uma resposta e não venha atrás de mim. Mas Victor vem e me abraça
por trás. As mãos abraçando a minha cintura com firmeza, o peito contra as
minhas costas, fazendo com que eu sinta que eu estou em um lugar seguro.
— Quem fez isso com você, meu amor... Por que não me fala?
Posso te proteger do que for, Nicole.
— Não, você não pode! — assevero ao girar dentro de seus
braços, colocando-nos frente a frente. — Será que não percebe? Eu não sei
quem sou. Estou perdida de todas as formas possíveis dentro de mim mesma,
mas, acima de tudo isso, sei que não posso te querer. Não devo te querer,
Victor.
— Não está perdida. Eu estou aqui agora e vou cuidar de você. Só
me deixe fazer isso. Me deixe ficar perto — fala com calma, mas quando
segura os lados do meu rosto, fazendo-me encará-lo, os seus olhos parecem
implorar.
— Ainda quer ser meu amigo? — indago, sem saber se sorrio ou
se choro. Talvez a sua amizade seja tudo o que eu possa ter, mas é melhor do
que não ter nada, melhor do que a completa ausência.
Talvez seja melhor me sentir perdida em alguns períodos, com o
coração ardendo como se estivesse em chamas, tal qual me sinto agora que
não sentir absolutamente nada.
— Eu nunca quis ser apenas seu amigo, Nicole Montes. Não te vi
dessa forma quando te notei como mulher naquela noite. Estava tão chapado
que esqueci que não podia te tratar como as outras quando quis transar com
você como um louco, depois de experimentar os seus beijos. Mas qual seria a
minha desculpa no dia seguinte? Não havia álcool ou maconha e, ainda
assim, continuava desejando você. Qual a minha desculpa nos últimos três
meses para não ter conseguido parar de pensar em você?
Victor, tão bonito e cheiroso, curva-se para ficar à altura do meu
pescoço. Ele coloca o nariz na minha carne acima do ombro, puxando o ar
como se o meu cheiro trouxesse vida para o seu corpo.
— Senti tanta falta do seu cheiro, meu amor...
— Você me perturba, Victor.
— Você rouba o meu fôlego, mas também traz paz para o meu
espírito. Só agora, depois que coloquei os olhos sobre você, pude sentir que
não é tão difícil o simples ato de respirar.
— Como pode falar tudo isso? Logo agora que eu estava...
— Não o mencione. — A forma ciumenta como Victor fala me
faz cogitar me jogar nos seus braços agora mesmo, sem pensar em mais nada.
— Murilo vai sofrer. Eu dei esperanças quando pedi um tempo
para responder o pedido de namoro — confesso.
— Diria sim? — Faz a pergunta difícil, mas eu tenho a resposta.
— Acho que sim. Era a forma de seguir em frente e parar de me
iludir com você.
— Você se vê casada e tendo bebês com esse garoto? — pergunta
com seriedade, não fazendo nada para esconder seu medo da resposta. Não
penso antes de falar, porque nunca houve outra escolha, não para o meu
coração.
— Não.
— Então não tem que colocá-lo entre nós. Vai ser melhor para
ele, se entender logo que você é minha. Que nunca te faria feliz.
— A forma como fala e age te faz parecer outra pessoa. O Victor
que conheci meses atrás era um idiota.
— Você faz o que ninguém sequer tentou em trinta e três anos.
Me faz desejar aprender uma forma de te ter. Hoje sou capaz de abrir mão de
tudo o que eu era para ficar do seu lado.
— Você não sabe o que está falando. Temos pensamentos e
criações muito diferentes. Um namoro entre a gente não seria...
— No momento, isso não importa. Só me diga que me quer, que
vamos tentar ficar juntos. Que vamos alimentar os nossos sentimentos ao
invés de matá-los.
— Que sentimentos? Você ainda não falou o que sente por mim.
— Quando as palavras escapam dos meus lábios, o meu coração já está
acelerado no peito. A boca está seca e as pernas trêmulas.
— E você, o que sente por mim, freirinha? — rebate.
— Eu... ainda não sei — confesso.
Sempre pensei que fosse apaixonada por ele. E talvez fosse
mesmo, mas aquele era o Victor que eu via nas novelas. Um amor platônico e
sem esperanças. Esse, que tem o meu corpo colado ao seu, é de carne e osso.
— Vamos descobrir juntos. Apenas uma chance, meu amor —
sussurra o “meu amor” em meu ouvido.
— Uma chance — digo, então Victor abaixa a cabeça e une os
nossos lábios. O beijo é leve, já tivemos outros bem mais indecentes, mas
sinto o toque dos dedos dos pés até os fios dos meus cabelos.
Sinto o seu cheiro e a maciez de suas mãos onde tocam na minha
pele. Sinto o meu corpo ganhando vida a cada fechar de seus lábios em volta
dos meus.
Quando terminamos, os seus olhos, que parecem não ver nada
além de mim à sua volta, descem para o próprio braço, então observam
quando eles deixam a minha cintura, quando a mão esquerda faz um caminho
de carícias até entrelaçar os nossos dedos.
Mal consigo parar de olhá-lo quando saímos do nosso lugar de
privacidade, mal estou pensando quando deixamos a escuridão e revelamos
para todos a nossa presença no jardim.
Ao Murilo, aos meus pais e os seus. Seu irmão, e todos os amigos
próximos voltam as cabeças em nossa direção para nos verem de mãos dadas.
Todas as expressões se transformam quando se dão conta do significado do
nosso gesto.
Capítulo 18

VICTOR
Depois de tudo, de cada palavra dita por nós dois, não sinto nada
que não seja orgulho de estar aparecendo diante de todos de mãos dadas com
a minha pretinha.
Pela forma assustada como cada convidado nos olha,
principalmente as nossas famílias e o rapaz que ousou colocar os olhos em
cima do que é meu, ninguém esperava esse desfecho para a noite de hoje. Eu
mesmo não esperava que fosse dessa forma. Não, o meu otimismo não iria
tão longe.
Mas agora que a tenho tão perto, tendo nós dois chegado à um
entendimento, existe em mim a certeza de que fiz a coisa certa, não poderia
ser diferente, não quando me sinto feliz como nunca antes, quando o meu
coração erra a batida só pelo fato de estarmos de mãos dadas, quando o meu
corpo se acendeu depois de meses adormecido por causa de um beijo
inocente.
Está tudo no lugar.
Eu farei o que for necessário para dar certo, porque Nicole não é
um capricho. Porque agora que consegui o que queria, o meu desejo por ela
não diminuiu, pelo contrário, ele aumentou e eu mal posso esperar por tudo o
que desejo fazer com ela. Por cada experiência e todas as primeiras vezes.
— Pessoal, a festa ainda não acabou! Sei que meu filho fez uma
entrada dramática aqui, mas não precisam fazer essas caras. — Meu pai tenta
dispersar os convidados e descontrair o clima, mas só tem sucesso no
segundo propósito.
Enquanto as pessoas viram-nos as costas, mesmo assim não
deixam de comentar o que estão vendo. Imagino que seja difícil de
compreender que um homem da minha idade, com a fama nada boa que
tenho, esteja de mãos dadas com a doce filha do pastor.
Não poderia ser mais escandaloso, e nem o fato de nossas famílias
serem muito amigas é capaz de amenizar o impacto. Eu nunca estive
enganado quanto ao que teremos de enfrentar para ficarmos juntos. Passei
meses pensando em como seria e até mesmo se valeria a pena. Mas bastou
olhar para a minha freirinha para saber que nada do que faça será difícil
demais, se com isso pudermos ficar juntos.
Ela nos deu uma chance para sermos mais, mas sei que se fosse
diferente, eu teria me contentado com a sua amizade. Morreria de desejo a
cada encontro nosso, mas faria o possível, pois seria melhor ter migalhas a
não ter nada.
Eu nunca fui esse tipo de pessoa, nunca tive pensamentos como
esse, mas ela, desde o primeiro momento, quando me olhou tão intensamente
neste mesmo jardim, enquanto eu exigia que se casasse comigo, mudou algo
dentro de mim. E nada mais foi como antes. Não vivi um dia sequer sem tê-la
nos meus pensamentos.
Meses atrás, ansiava pela sua companhia, pela sua vitalidade e
incapacidade de completar uma frase antes de iniciar outra. Mas também
ansiava pela melancolia que via em seus olhos em alguns momentos, pois, de
forma egoísta, imaginava que iria precisar de mim, que viria para a minha
cama e dormiria com a cabeça no meu travesseiro. Ou então, que ficaríamos
apenas em silêncio, um do lado do outro por horas. Ela com o seu caderno de
desenho, eu com os meus textos.
Aconteceu apenas uma vez, mas, pelo tempo que ficamos longe,
tive a estranha sensação de que fizemos a mesma coisa durante anos. Do meu
lado, Nicole se mantém firme. Ela não tem medo, eu também não tenho.
Enquanto os nossos pais vêm em nossa direção com o moleque, tenho
enraizada em mim a certeza de que não deixarei que nada e ninguém, nem
mesmo as nossas famílias, nos afastem.
— O que está fazendo, meu filho? — O tom de voz do meu pai é
baixo e gutural, mas as suas duas mãos estão em punho. — Solte a mão da
menina, agora mesmo! — Exige.
— Filha? O que está acontecendo com você? — É a dona Lucy
quem se dirige a ela. O seu olhar passeia entre nós dois como se não
acreditasse em tamanho absurdo. — Você veio com o Murilo, lembra? O
rapaz que pediu permissão para namorar você.
Eu olho para o moleque, que não abre a boca para dizer nada,
enquanto roubam a sua chance bem diante dos olhos. Me questiono qual a
participação dos pais da Nicole nisso tudo. Certamente, adorariam que a filha
dissesse sim para alguém que fosse pré-aprovado por eles.
Não entendo porque Nicole permite que os pais a controlem,
muito menos porque eles sentem que precisam controlar alguém como ela a
ponto de colocarem grades na janela.
— Mãe, eu e o Victor...
— Não existe você e o Victor, minha filha! Volte a sua razão
agora mesmo! — Seu Gonçalo simplesmente a puxa pelo braço, e sai
carregando a garota para dentro de casa. Todos vamos atrás, mas antes de
entrar, olho em volta e me surpreendo com a cena que presencio.
Em um milésimo de segundo, o olhar da Ellen cruza o meu, no
outro ela vai até o meu irmão, o abraça pelo pescoço e o beija de uma forma
que chama a atenção de todos. Antes de adentrar a sala, lembro-me que não
posso esquecer de agradecer a Ellen Salles pelo que acaba de fazer.
— Você não pode sair puxando a sua filha como se ela não
tivesse vontade própria! — digo quando o pastor a joga no sofá. O idiota do
garoto se senta ao seu lado. É capaz de me olhar com arrogância, mas faz isso
porque o pai dela está do seu lado.
O que ele não sabe é que isso não muda em nada a situação. A
Nicole ainda é minha, não dele. Nunca será. Ninguém além de mim a beijará
ou sequer tocará a sua mão.
— Papai, por favor, nós precisamos conversar com calma. Eu não
quero namorar com você, Murilo. Agora eu sou namorada do Victor. Não é?
Diga a eles.
A inocência e naturalidade com que ela fala surpreende a todos
nós. Não tínhamos falado sobre o assunto abertamente, mas se a minha freira
quer isso, então, sim, nós somos namorados.
— Perdoe-me, Murilo. Eu não queria que você sofresse, mas eu
gosto do Victor há muito tempo — diz com sinceridade.
— Você gosta dele há muito tempo? O que está dizendo, filha?
Ele é muito mais velho do que você. E esse é apenas um dos problemas. —
Seu Gonçalo está fora de si.
— Papai...
— Você não vê o que está acontecendo? As suas atitudes não
fazem sentido! Uma hora você vem para a festa dos seus padrinhos com um
potencial futuro namorado. Agora quer deixar a festa namorando outro. Um
homem mundano!
Nessa hora, a minha mãe o olha com irritação. Meu futuro sogro
tem a decência de se sentir envergonhado por estar falando assim de mim na
sua frente. Antes desse olhar para o pastor, mamãe observava tudo em
silêncio, a única que não parecia tão surpresa. Talvez, mesmo que tenha
tentado fechar os olhos, ela soubesse o que estava acontecendo entre mim e
sua amada afilhada.
— Gonçalo, se acalme! Não será perdendo a razão dessa forma
que resolverá a situação — Dona Lucy diz. Enquanto sofre a repressão do
pai, minha pretinha não deixa de buscar o meu olhar.
É como se quisesse ter certeza de que essa conversa não será em
vão. Eu digo através do meu olhar que ficará tudo bem, que nós vamos ficar
juntos tanto quanto ela quiser.
— Pai, mãe. Senhor Gonçalo e dona Lucy, eu e a Nicole nos
gostamos. Eu pretendo ir amanhã conversar com vocês sobre o nosso
namoro, mas quero que saibam que tenho as melhores intenções com ela —
afirmo, porque é assim que se fala quando a sua namorada é evangélica.
Queria dizer que não permitirei que ninguém a afaste de mim,
mas recuo, pois não será agindo como um louco possessivo que irei conseguir
o que quero. Não com essas pessoas que tem toda influência sobre a minha
namorada. Talvez mais do que seja saudável, se a forma como olha para o pai
à espera de uma aprovação for um indício.
— E o que você sabe a respeito do que Nicole quer? Você
conviveu com ela durante quantos dias, filho? — A forma como Gonçalo fala
me embrulha o estômago, porque tenho a impressão de que quer dizer mais
do que suas palavras evasivas mostram. Não são apenas palavras de um pai
que não está querendo entender o que a filha disse com todas as letras há
poucos minutos. — Será que ela sabe o que está fazendo? Amanhã pode
acordar e não querer mais olhar na sua cara.
— Gonçalo, por favor, chega! — A mãe da minha freirinha fala
alto. O silêncio reina, então olho para ela, que desvia o olhar.
Olhe para mim, pequena!
Do que o seu pai está falando?
Eu quero fazer perguntas, mas ela não me olha. A cabeça continua
abaixada, as mãos nervosas sobre as pernas.
— Vamos para casa, filha. Você precisa descansar, não é? —
Nicole acena positivamente e continua sem me olhar.
— Você está bem, Nick? — Cerro os punhos quando o garoto se
levanta, depois de não ter aberto a boca durante todo esse tempo, e se agacha
na frente da pequena. Tudo acaba para mim quando ele tenta abraçá-la,
quando está claro que Nicole está desconfortável.
Eu fui muito burro por ter feito as coisas dessa forma, estava na
cara que essa conversa não seria nada fácil.
— Não toque nela! — digo entre dentes.
— Filho, por favor! Não torne as coisas mais difíceis. Olha só a
confusão que você está causando por causa de um...
— O quê? Capricho? — questiono. — Mas estão errados, a
Nicole me quer e eu a quero como minha mulher...
— Não a chame de sua mulher, não até que tenha uma aliança no
dedo que te dê direito para isso. Sei que no mundo em que vive é tudo liberal,
mas a minha filha não foi criada dessa forma e esse é só um dos motivos que
fazem essa ideia de namoro entre vocês um absurdo.
— Não, não é absurdo — assevero ao tentar me aproximar dela,
mas parece que tem pessoas demais entre nós dois.
— Você tem mais de trinta anos e ela vinte e um. Mal saiu da
adolescência. Apenas coloque a mão na consciência, filho. Pense no mal que
sua insistência nesse namoro pode causar. Existem tantos motivos... — Meu
pai ainda não entendeu.
— Mas basta um para ficarmos juntos. Nós dois queremos, será
que não é o suficiente para vocês? — pergunto, miro a pequena, que ela
acena positivamente. — Nos dê um minuto antes de levá-la? — peço, mas
não espero a resposta. Apenas seguro a sua mão e ela vem para os meus
braços.
Sob o olhar preocupado de todos, a levo para um canto mais
afastado da sala grande.
— Por que está com a cabeça baixa? Olhe para mim, meu amor.
Se tiver mudado de ideia... — Sinto as agulhadas no peito só de pronunciar as
palavras. — Se não quiser mais...
— Eu quero! Quero você há mais tempo do que qualquer um, até
mesmo você, possa imaginar. Não desista...
— Nunca! Agora eu preciso que vá com os seus pais e fique bem.
Deixe o caminho livre para mim, porque irei te ver ainda hoje.
— Está bem.
— Eu adoro você, Nicole — declaro, seguro a sua mão e beijo
demoradamente o canto de sua boca. Depois a levo para onde estão todos.
— Amanhã irei à sua casa, pastor. Vamos falar sobre o meu
namoro com a sua filha — afirmo. Ele não diz nada quando percebe a
seriedade de minhas palavras.
— Vamos, Lucy. — Gonçalo pega a mão da esposa e sai, levando
a minha garota embora.
Agora que estamos apenas os meus pais e eu, a sala fica em
silêncio. Eles me olham como se não me conhecessem.
— Pense bem no que está fazendo, meu filho. A Nicole não é uma
dessas moças que você pode ficar hoje e largar amanhã. — É meu pai quem
começa.
— Se algo der errado, isso pode acabar com anos de amizade. —
Minha mãe completa.
— Vocês não confiam em mim? Eu não estou brincando. Eu tive
meses para pensar em tudo o que pode dar errado, mas nenhum temor se
mostrou capaz de esmorecer a chama que arde aqui — bato no peito. — O
querer estar do lado daquela garota é maior que a falta de fé de vocês e dos
pais dela em mim.
— As coisas não são assim, Victor. — Ouço a voz do meu pai
enquanto subo para o quarto.
— Eu disse tudo o que precisava, senhor Salvatore. A Nicole é
minha para cuidar e proteger. Não vou deixar que ninguém fique no meu
caminho até ela. Nem mesmo vocês.
Deus queira que você consiga protegê-la de si mesma... Ainda
ouço a minha mãe do alto da escada.
Capítulo 19

VICTOR
Quando eu penso que o dia interminável terá seu fim, meus pais
entram no quarto. Mal tive tempo de tomar banho e já tenho que dar mais
explicações para algo que ficou bem claro na sala.
— Os convidados já foram? — Faz mais ou menos duas horas que
subi, logo depois de minha namorada ter ido embora, e posso jurar que meus
pais estavam esse tempo todo doidos para mandarem todos sairem para virem
cobrar mais explicações. Eles me conhecem bem e amam a afilhada demais
para deixar passar o que aconteceu mais cedo.
— Felizmente, sim. — O pobre do meu pai, uma pessoa quieta,
muitas vezes tem de suportar o lado festeiro da mamãe. Eu o provoco, mas
ele diz que homens de verdade fazem alguns sacrifícios em nome do amor.
Eu nunca entendi muito bem o seu pensamento, mas agora que
sinto mais do que atração por uma garota, entendo um pouco o que sempre
quis dizer. Afinal, o que eu não faria por aquela garota que, antes de tudo,
deixou-me ser seu amigo?
— Por que está com essas roupas? Não vai dormir? — Dona
Dirce, sempre atenta a tudo, indaga.
— Vou dar uma volta — digo, ela me olha com desconfiança.
Meu velho, por outro lado, tem certeza do que pretendo fazer, mas não parece
disposto a interferir. Ele sempre foi menos prático que a mamãe.
— Filho...
— Se não quiser ouvir a resposta que não agrada, não faça a
pergunta, mamãe — aviso.
— O que aconteceu mais cedo, Victor Salvatore? Será que você é
capaz de entender o que fez? — Ela parece uma mãe repreendendo um filho
que ainda não entrou na fase adulta.
— Eu tenho trinta e três anos. E na última vez que fiz exames,
gozava de excelente saúde mental. Então, sim, eu estou ciente do que fiz e
reafirmo cada palavra dita naquela sala — assevero quando me aproximo da
cama, pego o meu celular e checo se a freirinha me mandou alguma
mensagem.
— Eu desconfiava que você pudesse estar interessado na Nicole,
depois do que aconteceu entre vocês, mas quis enganar a mim mesma, afinal,
com tantas mulheres no mundo, o que você iria querer com uma garota mais
jovem, que mal sabe lidar consigo mesma.
— Do que a senhora está falando? — Preocupo-me de imediato, e
não gosto da forma como ela fala.
— Nada. Eu não disse nada! Mas ouça bem o que vou dizer,
Victor Salvatore — diz com o dedo em riste —, se você...
— Meu amor, se acalme. Também não é o fim do mundo. — Seu
Arnaldo interfere.
— Se você fizer algo que machuque aquela menina, eu juro que...
Eu juro...
— O que você fará, mamãe? — questiono.
Ela tem os olhos arregalados, e está muito nervosa. Eu me
aproximo, seguro o seu rosto carinhosamente com as duas mãos, porque
entendo suas razões para estar preocupada. Ela sabe o que as duas famílias
perderiam se algo entre mim e Nicole desse errado.
— Dona Dirce, acalme o seu coração e confie um pouco no seu
filho, está bem? Eu não vou fazer mal a Nicole, gosto dela demais para fazer
isso.
— Victor...
— Só tenham um pouco de fé em nós dois. Não estaríamos
tomando essa decisão se não fosse de verdade. Se acreditássemos que dava
para seguir em frente ignorando o que sentimos pelo outro.
— Não vá arrumar confusão quando o Gonçalo ainda não digeriu
esse namoro de vocês. — Meu pai aconselha.
— Não se preocupem. Só vou dar boa noite para ela. — Beijo os
seus rostos e deixo o quarto.
Assim que atravesso a porta, avisto o meu irmão sentado numa
das espreguiçadeiras em volta da piscina. Ele está só, tem uma lata de cerveja
na mão e os pensamentos longe.
— Que noite, meu irmão — diz ele quando me sento do seu lado.
— Saiba que você não me enganou nem por um segundo. Sempre esteve
interessado nela, não é?
— Desde aquela noite. Desde o primeiro beijo — declaro, então
me volto para ele, que parece chateado. As minhas entranhas retorcem de
pensar que está assim por causa da Nicole, por imaginar que ele também
estava gostando dela. — E você?
— Eu o quê? — pergunta.
— Por que parece triste, quando deveria ao menos fingir que está
contente pelo seu irmão mais velho? Não sabia que você estava tão
interessado na minha garota — digo entre dentes.
— Não posso negar que tenha me sentido impressionado com a
beleza dela no momento em que a encontrei no portão aqui de casa, e nem
que o seu jeito não tenha me encantado, mas isso passou no momento em que
percebi tudo — afirma.
— O que você percebeu?
— Quando vi a forma como você olhava para aquele quadro. Eu
nunca tinha te visto tão mexido com uma mulher. Tirei o meu time de campo
quando percebi, rápido demais, que você a queria de verdade.
— E isso te machuca?
— O que me machuca é saber que não posso mais amar, que
nunca mais...
— Irmão, já passou tempo demais. Você precisa seguir em frente
e tentar...
— Eu não quero seguir em frente. Não da forma que está
pensando — assevera com convicção.
— E a Ellen? — questiono, porque, de onde eu estava, ele não
parecia nem um pouco insatisfeito com o beijo que estavam trocando.
— Quem é aquele furacão e por que você nunca me disse nada
sobre ela? — Alessandro até tenta usar o seu tom constante de desinteresse
por qualquer coisa, mas não consegue.
— E desde quando você faz questão de ouvir a respeito dos meus
amigos?
— Amigos? Eu acho difícil que você não tenha tido nada com
uma mulher como aquela. Ela nem parece real de tão linda. Certamente a
mulher mais linda que os meus olhos já viram — declara. Não me lembro de
tê-lo visto falando assim nem da própria esposa.
— Ellen e eu nos conhecemos hoje. Ela é filha de uma das amigas
de profissão da mamãe e acabamos nos tornando amigos — explico, embora
possa não fazer sentido para ele.
— Amigos, é? — O homem ainda não parece convencido.
— O tipo de afinidade que tivemos não teve nada de sexual. Eu
sei que é difícil pensar que um homem não desejaria a mulher que, para você,
é a mais linda do mundo, mas foi o que aconteceu. Ellen entrou na minha
vida no momento em que eu estava frustrado demais, me sentindo um merda,
depois de ver Nicole do lado daquele merdinha.
— E se não for assim para ela? — Alessandro questiona.
— Ellen não está interessada em mim, irmão. Não precisa se
preocupar.
— Que bobagem é essa que você está falando? — Ele muda
completamente, fica tão desconcertado que não consegue permanecer
sentado. — Não tome aquele beijo por mais do que realmente foi. Ela fez
aquilo para te ajudar. Me usou para tirar todas as atenções de cima de você e
de sua cena com a Nicole.
— Mas vocês podem se conhecer melhor, não? — sugiro, mas
não sei por que faço isso. Desde o início percebi que ela seria como uma
grande pedra no sapato do meu irmão.
Mas talvez seja disso que ele esteja precisando. Uma grande pedra
no sapato que o tire da inércia.
— Eu não quero conhecer melhor aquela mulher. Ela é uma
deusa, e beija como uma gata selvagem. Tão gulosa que pensei que fosse
arrancar a minha boca. Chegou um momento durante o beijo que considerei
arrancar a roupa dela e a foder aqui mesmo, no meio do jardim.
— Não fale assim dela. — Sei que estou sendo hipócrita, porque
eu mesmo já falei e pensei assim de outras mulheres, mas quando é de
alguém com quem me importo, como Nicole e a própria Ellen, tudo muda.
— Deixe-me terminar de falar o que penso. — Como está de
costas, alheio ao que acontece em volta, ele não percebe a chegada silenciosa
de alguém. Eu olho para trás e a própria Ellen está vindo em nossa direção.
Ela aponta para a grama e eu vejo uma pequena carteira.
— Irmão, cale-se. — Ainda tento impedir que o desastre
aconteça, mas é tarde demais.
Parece uma cena de novela muito bem executada quando a loira
bonita se ajoelha sobre a grama para pegar o pertence que esqueceu.
— Ellen Salles, é bonita, sim. Beija bem, e deve ser gostosa na
cama. O tipo de mulher que faria um homem perder algumas horas naquelas
curvas perfeitas. — Eu olho para a loira, que se levanta com um sorriso no
rosto.
— Alessandro...
— Mas o que ela é além de um corpo e um rosto muito bonito? —
O imbecil não percebe que já repetiu dez vezes que a acha bonita. — A
começar por aquele comportamento que parece de uma mulher desesperada.
A voz tão insuportável que eu seria um homem muito feliz se não a ouvisse
nunca mais. As poucas frases que saíram de sua boca mostraram que ela não
passa de uma garota vazia e fútil. Eu não iria me interessar por alguém como
ela, nem se fosse a única mulher no mundo.
— Cale a porra dessa boca, caralho! — Esbravejo, depois vou
amparar a garota, que treme e parece frágil demais. O oposto da Ellen que
conheci mais cedo.
A forma como falo com ele faz com que se volte para mim, e ao
menos se dá ao trabalho de demonstrar culpa. Eu espero que ela o ataque,
meu irmão iria merecer, mas Ellen se afasta de mim e começa a caminhar
para longe de onde estamos.
— Você vai engolir cada uma dessas palavras. Vai se arrepender
do dia que as proferiu — assevera, então se vai.
— O que foi que você fez?
Eu não espero que me responda, apenas saio atrás da loira.
— Não tão rápido. — Seguro-a pela mão, antes que entre no
carro. — Você não pode sair desse jeito.
— Que jeito? — fala com desdém, mas está secando furiosamente
as lágrimas. — Ele não tem o poder de me machucar. Não falou nada que eu
já não tenha ouvido antes.
— Eu não quero que fique assim. A nossa noite não pode terminar
dessa forma — digo ao levantar a mão e fazer um carinho na sua bochecha.
— Não poderia terminar melhor, afinal, ganhei um amigo.
— Para o que você precisar, Ellen Salles. Eu enxergo você. — Eu
não posso explicar, mas senti necessidade de dizer as palavras que se tornam
verdade para mim.
— Eu sei. Você foi o único cara que se aproximou e não pensou
em mim como apenas uma embalagem que pode ser bonita por fora, mas
vazia por dentro. Você não pensou o mesmo que o seu irmão nem por um
momento, pensou?
— Nem por um segundo — minto para não a magoar. — Mas o
Alessandro...
— Não precisa defendê-lo para mim. Nem perca o seu tempo —
pede. — E saiba que apesar de termos nos conhecido hoje, eu estou feliz por
você. Ela é linda.
— É minha namorada — digo, porque é o que quero falar para
cada habitante desta cidade. — Não suma, e me deixe saber se está bem —
peço, ela acena positivamente e depois entra no carro.
— Irmão... — Alessandro aparece quando o veículo vira a rua.
— Eu não sei o que deu em você para falar tantas merdas a
respeito de uma garota que não te fez nenhum mal, mas se existia a chance...
— falo, e vou para o carro, mas antes de entrar, volto-me e peço:
— Fique longe dela!
— Se eu quiser, Victor. Apenas se eu quiser! — ele fala.
— Apenas tente causar algum mal a ela. Eu só quero que tente e
você descobrirá o que é ter problemas com o seu irmão mais velho.
A sua expressão se reverte de surpresa, assim como eu também
estou por estar fazendo ameaças a ele. Por isso, entro no carro e arranco sem
ouvir mais nada.
— Merda!
Eu não pensei que um dia fosse brigar com o meu irmão por causa
de uma mulher, mas já aconteceu duas vezes em um curto período. Primeiro
pelo interesse que nós dois tivemos na Nicole, e agora pela Ellen, alguém que
conhecemos hoje.
Não sei o que deu em mim, muito menos o que deu no Alessandro
para falar de maneira tão cruel sobre a loira, mas ela está entre nós e eu sinto
que devo protegê-la. Não existe nada que não seja fraternal desde o primeiro
momento, mas ela, por alguma razão, desperta sentimentos bons em mim.
Nunca tive amigas do sexo feminino, mas imagino que deva se parecer com
isso.
Os sentimentos que tenho pela Nicole e pela Ellen são
completamente diferentes, mas o meu desejo de não deixar que nada as fira é
semelhante. Não há exceção, nem mesmo para o meu irmão.
Onde você está?
Tiro a atenção da estrada por um momento para ler a mensagem
da minha pretinha, depois paro no acostamento para respondê-la.
Estou chegando. Deixe o caminho livre para mim. E saiba que
estou louco para sentir o seu cheiro e o gosto dos seus beijos. Envio.
Eu não acredito que estamos mesmo fazendo isso.
Eu também não, meu amor, penso.
Não acredito que tivemos coragem, que você, aparentemente tão
frágil e obediente aos seus pais, fez isso por mim.
Faremos isso e muito mais, pequena. É uma promessa que te
faço.
Vou cobrar.
Ela responde, então meu corpo se enche de excitação. Ansioso,
me despeço e volto para a estrada.
Enquanto vou para os braços dela, sinto o coração leve. O sorriso
que não deixa o meu rosto ao pensar nos toques e beijos que trocaremos. Nas
conversas que teremos. Mas sei que é o primeiro passo de um longo caminho.
Não será fácil, mas seguiremos juntos até o ponto de chegada.
Capítulo 20

NICOLE
— Eu sinto muito, Murilo, não queria que fosse dessa forma —
digo. Ele, se comparado ao Victor, é apenas um garoto que tinha ilusões
acerca de uma relação que tinha tudo para dar errado.
O meu erro foi permitir que ele se iludisse. Não ter dito não logo
de cara, quando percebi que gostava de mim muito mais do que um dia eu
poderia gostar dele. Eu sempre deixei claro sobre os meus sentimentos por
outra pessoa, mas isso não faz com que eu me sinta melhor com relação a ele.
— Você não precisa se desculpar, afinal, ninguém manda no
coração. Além disso, falar que gostava de você e ter esperanças foi um risco
que eu quis correr e não me arrependo.
— Aquilo não foi planejado — justifico-me, porque só agora que
estou longe da presença do Victor percebo o quanto fizemos tudo errado. Eu
não deveria ter aparecido de mãos dadas com ele na frente de todos. Não sem
esclarecer a minha situação com o Murilo, sem a conversa que estamos tendo
agora.
— Não se atormente, Nicole. Eu vou ficar bem. Você não me
deve nada, quer dizer, deve.
— Devo?
— Quero que seja feliz. E se a sua felicidade for um homem mais
velho e louco como aquele, vá em frente. Eu estarei por perto se precisar de
mim. Em qualquer situação, eu estarei te esperando — declara.
— Murilo... Obrigada. — Está claro que ele ainda tem esperanças.
Queria pedir para que esqueça os seus sentimentos por mim, mas quem sou
eu para fazer isso se nunca soube como esquecer a minha paixão antiga por
Victor?
— Boa noite. A gente se vê na igreja. — Despede-se com um
beijo em meu rosto. Eu fico observando até que desapareça das minhas
vistas, me preparando para enfrentar os meus pais, que devem estar muito
chateados comigo.
— Sente-se, filha. — Seu Gonçalo, que está sentado no sofá ao
lado da esposa, aponta para o outro quando adentro a sala. Obedeço para que
acabe logo, mas tudo o que eu queria era me trancar em meu quarto e esperar
pelo meu amor. Nós não tivemos tempo de ficarmos a sós para conversar.
— Você tem certeza do que está fazendo? — pergunta meu pai,
embora eu estivesse esperando que me desse uma bronca.
— Tenho. Eu gosto do Victor e ele gosta de mim.
Não entendo a sua surpresa, já que ainda pensa que nós dois
passamos dos limites há muito tempo, quando nos pegou no quarto. A
decisão de não nos casarmos na época deve ter passado a impressão errada
para a sua mente conservadora.
— Por que você não falou com a gente? Por que deu esperanças
para o jovem se não retribuía os sentimentos dele?
Para a minha mãe é difícil de entender, mas acontece porque eles,
na maior parte do tempo, não me entendem de verdade. E não fazem por mal,
os meus pais apenas têm medo de quem sou, ou do que não sou.
Fecham os olhos por medo de fazerem perguntas e saberem
respostas que não os agradará.
— Victor e eu conversamos antes de ele voltar para São Paulo.
Decidimos que iríamos tentar esquecer o que sentíamos e seguiríamos em
frente. Mas eu não consegui, mamãe. A minha aproximação do Murilo foi
uma tentativa de esquecer. De não passar a minha vida presa a uma ilusão.
— Pobre rapaz... — Agora meu pai está tendo o seu momento de
solidariedade masculina.
— Ele sabia. Sempre soube que eu gostava de outro homem —
assevero.
— Tudo bem, digamos que vocês se gostam de verdade. Como
você acha que pode dar certo? E se ele não souber lidar com você? E se o
amor não for o suficiente, minha filha? — Dona Lucy tem o olhar
preocupado, e ela não precisa falar com todas as letras para que eu entenda a
que se refere.
— Nem vou deixar que nada fique entre a gente. Nem mesmo eu.
Sabe que não é assim o tempo todo...
— Eu sei — diz. — Mas se o seu espírito estiver atormentado em
algum momento, se ficar daquela forma...
— Talvez não aconteça de novo. Agora que eu estou feliz, não
tenho motivos para não ficar em paz. As suas orações estão fazendo efeito.
Orações.
Há seis anos, quando começamos a perceber que havia algo de
errado, estamos lidando com isso na base da oração, calmantes e
antidepressivos. Eles pensam que tudo o que preciso é de uma cura espiritual.
Nunca pensaram que poderia ser mais do que isso. Eu também não cogitei
que pudesse ser mais do que uma doença espiritual. Eu quero pensar assim e
creio que tudo ficará no passado agora que estou feliz ao lado do meu galã.
— Você sabe que eu jamais te proibirei de fazer alguma coisa. E
até te pegar no quarto com o filho do meu amigo mais próximo, acreditava
que fosse uma moça sensata, mas se eu perceber que essa relação não está te
fazendo bem... Se eu pelo menos suspeitar que não é o que você precisa, não
hesitarei em interferir. Vou te afastar dele e assegurar que fique bem como
antes.
— Mas, pai...
— Vou me deitar. O dia hoje foi longo. — Ele se levanta, nada
disposto a ouvir a minha voz hoje. Sei que está chateado por eu ter o
envergonhado na frente de tantas pessoas, mas a sua preocupação comigo não
permitiu que tocasse no assunto. — Você vem, querida?
— É claro — diz, mas permanece na sala até que o esposo saia.
— Ele só está preocupado. O Victor Salvatore não é exatamente o
genro que nós pedimos a Deus, e só queremos o melhor para você — ela diz.
Meu pai deve ter esquecido de que, por uns dias, pensou em me
casar com o Victor, apenas porque ele acreditava que tirou a minha
virgindade.
— Eu sei, mãe. Mas eu não estaria fazendo isso se não acreditasse
que pode dar certo. Se não estivesse certa dos sentimentos dele por mim. O
Victor vai surpreender a todos vocês — digo.
**
Depois de tomar banho e vestir apenas uma camiseta folgada para
dormir, prendo os meus cachos no alto da cabeça e me deito. Fico por um
tempo pensando em tudo o que aconteceu hoje. Quando percebo que o galã
está demorando, mando mensagem para assegurar que não estou esperando à
toa. Ler que ele está vindo faz o meu coração bater mais forte e as minhas
mãos suarem.
Obviamente, deixei o portão aberto para ele, a porta está apenas
encostada, mas a ansiedade não me deixa ficar parada enquanto o espero.
Depois que saio discretamente do quarto, sento-me na cadeira de
balanço que fica na frente da porta, deixo as luzes todas apagadas para que os
meus pais não acordem, porque seria um desastre se me pegassem
aprontando no primeiro dia de namoro. Quando a luz do farol ilumina o meu
rosto, lembro-me que saí sem nenhuma peça por baixo da blusa. Penso em
correr para vestir algo decente, mas o meu loiro gato já está abrindo o portão.
Passo a mão pelos cachos presos, puxo a camiseta até metade das
coxas, mas tenho a sensação de que estou nua quando ele elimina os espaços
e para na minha frente. Ele me olha como se fosse me comer viva, e não me
assusta nem um pouco. Pelo contrário, fico com vontade de perguntar se ele
quer garfo ou colher.
Não, Nicole. Você não pode ter esses pensamentos. É pecado.
— Eu mal via a hora de te ver, freirinha. Ainda quer ser minha
namorada, ou os seus pais conseguiram te convencer do contrário? — indaga,
mas sei que não está falando sério. Victor é irreverente e adora me provocar.
— Você não pode mais se livrar de mim, Victor Salvatore. Caiu
em uma armadilha sem perceber — digo quando ele chega bem pertinho de
mim e me abraça pela cintura. Eu amo como tenho que ficar na ponta dos pés
para conseguir encaixar melhor os nossos corpos.
— Então nós dois caímos na mesma armadilha. Porque eu não
deixaria você escapar tão facilmente de mim. Seria minha de qualquer forma
e viria por conta própria para os meus braços — fala ao meu ouvido. As mãos
começam a ficar perigosas ao deslizarem pelos meus quadris.
É agora que ele descobre que estou sem calcinha e sutiã!
Só espero que não veja como um convite, embora eu deva admitir
a mim mesma que não me importei de vestir algo mais adequado.
— Quer ir para o meu quarto? Os meus pais já estão dormindo —
falo baixinho, só para ter certeza.
— Eu me sinto um adolescente quando estou com você — fala. O
puxo pela mão para dentro de casa e guiando-nos pelo corredor que nos
levará ao meu quarto.
— Você poderia ter ficado com a mulher que levou para o jantar
— falo com ironia, soltando as nossas mãos com mais brusquidão do que
deveria quando entramos no meu quarto.
Só agora me lembrei do que ele fez, do quanto senti ciúme ao vê-
lo com a loira durante a festa quase inteira. A mulher era linda e parecia ter a
idade mais próxima da sua. Agiam como se estivessem se divertindo muito,
seja lá qual fosse o tema da conversa, enquanto eu morria de ciúme.
— Ela é minha amiga — diz.
Victor senta-se na cama, me acomoda na sua frente entre as suas
pernas.
— Amiga? Não sabia que você tinha amigas. — Por que estou me
comportando dessa forma? Não imaginei que pudesse ficar tão patética com
ciúme.
Eu vi que ele esteve com outras nos últimos meses. Sofri, mas
não foi tão ruim quanto estar perto enquanto o homem que gosto desfilava
com outra.
— Pretinha, eu conheci Ellen hoje, nós nos demos bem logo de
cara e ficamos amigos, só isso. — Ainda irritada, tento me desvencilhar dos
seus braços, mas ele não deixa.
— Não é como está pensando. Não senti atração por ela. Foi
apenas amizade e tenho certeza de que vocês duas se tornarão grandes amigas
quando se conhecerem — afirma.
Safado, meu namorado curva ligeiramente o tronco e começa a
passar as mãos grandes pela parte de trás dos meus joelhos. Uma carícia que
me deixa arrepiada de prazer quando estamos tendo uma conversa
importante.
— É claro que vou. Aparentemente, ela é perfeita — digo. A
minha voz pinga sarcasmo, ele apenas sorri.
— Esse seu ciúme sem propósito está me deixando duro. Mas ele
também me faz lembrar que, embora eu estivesse com uma amiga, foi você
quem levou um cara que queria te namorar para a casa dos meus pais. Um
idiota que não soltava a sua mão. — A forma como me olha, como para de
me tocar ao se afastar, me deixa ansiosa.
Não é possível que essa mudança seja por causa do Murilo.
— Ele é meu amigo — falo, ele arqueia a sobrancelha, acusando
sem palavras a minha hipocrisia.
— Se eu tivesse demorado um pouquinho mais teria te perdido,
não é? — Vira-se para mim, segura os meus ombros e me fita de perto.
Ele está mordido, mais do que isso, vejo medo no seu olhar.
— Você também saiu com outras mulheres — relembro.
— Isso faz de mim um hipócrita do caralho, mas fico perturbado
só de pensar que outro poderia ter te beijado como só eu beijei. Fico louco —
confessa, olhando além de mim. É como se não quisesse me ver por um
momento. Quando o seu olhar volta novamente para meu rosto, ele
prossegue: — Eu não agia dessa forma, nunca fui possessivo e não tive ciúme
de mulher alguma. Mas os meus sentimentos por você me fazem perder o
rumo. O que você fez comigo, Nicole?
— O que você sente por mim? — rebato, ansiosa pela resposta.
Capítulo 21

VICTOR
Embora tenha começado de maneira sútil, leve como uma brisa, a
minha convivência com ela, por menor que tenha sido, fez com que algo
explodisse na minha cara. É como se ela estivesse desvendando algo que
estava por debaixo da superfície. Não menti ou exagerei em nenhuma das
minhas últimas palavras. Cada parte de mim anseia por essa garota e eu me
torno quase irreconhecível para mim mesmo quando penso nos meus
sentimentos.
Agora ela me pergunta sobre eles, mas eu não sei explicar. Parece
grande, confuso e primitivo demais para que eu consiga colocar em palavras,
ou meras frases soltas. Acredito que nem tenha chegado à uma conclusão do
que são esses sentimentos. Eu apenas sinto, a cada respiração, que eles estão
aqui. Que fazem parte de mim, como se nunca tivesse sido diferente. Como
se a possibilidade de não a ter tirasse tudo o que sou, a minha essência.
Assusto-me com o que tem passado pela minha cabeça, mas não o
suficiente para ficar sem e, por isso, tenho a minha resposta.
— Nada que possa explicar sem que saia correndo para longe de
mim. Mas eu quero que saiba que está tudo aqui — aponto para o peito —,
que não vou te machucar. Farei o que for preciso para que seja feliz do meu
lado.
— Eu sinto que com você não preciso de muita coisa. Estar perto
de você me deixa feliz — declara, mas abaixa o olhar. Uma atitude
inesperada.
— Não era feliz antes? — indago ao levantar a sua cabeça com as
pontas dos dedos.
— Era do jeito que sabia. Mas você me ensinará outras maneiras
de ser feliz, não vai? — Ela está tentando desviar a minha atenção, e tem
sucesso.
Como não teria se o seu corpo está colado ao meu, fazendo-me
ter certeza de que não usa nada por baixo da maldita camiseta? As minhas
mãos em volta do seu corpo estão ligeiramente suadas, mas não posso descê-
las para a sua bunda para comprovar, pois não sei se seria capaz de me
controlar.
Controle nunca foi uma palavra muito usada no meu vocabulário,
era mais aquele que fazia o que queria. Mas com Nicole precisarei aprender a
agir de outra maneira. Lembrar que é diferente e que não posso simplesmente
arrancar essa blusa do seu pequeno corpo e transar como ela até que me sinta
minimamente satisfeito.
Eu não digo nada, apenas abaixo a cabeça e cheiro o seu pescoço.
Movimento o meu nariz pelos fios sedosos e cheirosos de seus cabelos,
imaginando o dia em que terei seu cheiro no meu travesseiro. Não porque ela
invadiu o meu quarto e se deitou na minha cama, mas porque dormimos
juntos depois de muitas sacanagens.
— Venha aqui, amor. — Desfaço o nosso abraço, sento-me na sua
cama e a coloco sentada nas minhas pernas. Eu queria que fosse de outro
modo, cada uma de suas pernas maravilhosas ao lado dos meus quadris, mas
então sentiria o calor da sua boceta... Íntimo e gostoso demais, quando não é
o momento certo.
— O que os seus pais disseram? — pergunto, pois não acho que
seja tão fácil para eles aceitarem um lobo namorando o cordeirinho deles.
Talvez proibissem com mais veemência se soubessem que não fizemos sexo
ainda.
— Não estão muito convencidos de que estou fazendo a coisa
certa, mas eles me amam e querem me ver bem. Não vão interferir entre a
gente — assevera, não resisto ao sorriso que se abre, mas ela prossegue. —
Isso não significa que vou abusar e passar por cima de tudo o que eu fui e fiz
até aqui. — Ela fala com firmeza, eu sinto vontade de beijá-la até as nossas
respirações se tornarem ofegantes.
Adoro que esteja pensando em se impor, mesmo que esteja
completamente rendida a mim.
— E o que você fez até aqui? — Provoco, porque sei que fui o seu
primeiro beijo, o primeiro amasso, assim como serei a sua primeira transa.
— Apenas alguns amassos com um ator loiro, lindo e gostoso. O
desejo de onze entre dez mulheres, mas que é apenas meu. — Tudo o que a
minha garota fala, parece bom demais para ser verdade.
Nicole percebe o quanto gosto de ouvir, então continua.
— Mesmo se tivéssemos continuado afastados, eu nunca te
esqueceria por completo. Ficaria me perguntando como seria se tivéssemos
vivido a nossa paixão com toda a intensidade, com todo desejo que sentimos
pelo outro. Poderia seguir em frente e ser feliz à minha maneira, mas nunca
da forma que estou agora, entre os seus braços.
— Olhe para mim — peço, então declaro. — Você não seria
capaz de entender o que estou sentindo neste momento. O que o simples fato
de saber que só eu te toquei faz comigo. Você é minha, Nicole.
— Eu sou sua e você é meu — ela devolve.
— Sou seu.
Beijo-a com carinho no início, sentindo a maciez, o calor e a
delícia que é esse toque quando é tudo o que mais se deseja, quando envolve
mais que desejo e satisfação física. Logo nós nos tornamos mais sedentos,
então o carinho dá lugar ao fogo. Línguas que se envolvem, pequenos
gemidos seus dentro da minha boca e não posso evitar que o meu pau
cutuque a barriga, nem de apertar a sua cintura com mais firmeza.
— Estou com calor, Victor... — fala com a boca ainda na minha,
mas não duvido que esteja se esfregando de maneira inconsciente.
— Eu também estou, freirinha, mas você precisa parar com isso...
— peço, sem, no entanto, conseguir eu mesmo tirar as minhas mãos de cima
dela.
Ela está sem nada por baixo, disso não tenho mais dúvida. Eu
poderia simplesmente abrir suas pernas para comprovar que está tão molhada
e pronta para mim como imagino que esteja. Mas não vou tirar sua
virgindade na primeira noite, menos ainda na casa dos seus pais. Não vou
cometer o erro de levá-la além do que está preparada para ir.
— Eu não estou fazendo nada... — A voz sai entrecortada quando
inclina o pescoço para os meus beijos. Eu paro o que estou fazendo, a olho e
ela também me olha, surpresa pela interrupção abrupta.
Eu só queria ter certeza de que é mesmo tão inocente quanto
parece. E, sim, Nicole não está tentando me seduzir deliberadamente, não
está querendo que eu a ame aqui e agora. Age por puro instinto, então eu
tenho que ser adulto aqui.
— A gente começou hoje. Não temos a aprovação sincera de seus
pais, e não quero te forçar a nada — assevero, enquanto afrouxo um pouco o
meu toque, e tento acalmar a minha ereção. O que é uma missão quase
impossível, a tendo tão próxima da sua bunda gostosa, tão durinha...
— Você jamais me forçaria. — Eu não sei nem se mereço, mas
me encanta a fé que deposita em mim.
Apesar da minha fama, e do histórico que conta pontos contra
mim de todas as maneiras possíveis, ela está se entregando por completo.
— Mas eu poderia te fazer desejar se entregar tão completamente,
que faria tudo o que quero — brinco, embora uma parte minha, com a qual
vivi toda a minha vida, difícil de controlar, queira fazer exatamente isso.
Esse lado que quer fazer coisas sujas com ela. Esquecer o fato de
ser uma virgem que passou a vida toda dentro de uma igreja. Mas, até aqui, o
meu eu que jamais quer fazê-la chorar vence.
— Eu confio em você — diz e me abraça pelo pescoço.
— Acho que você não parou para pensar que eu tenha cometido
um erro quando prestei atenção em você naquela noite. Não pensou que eu
poderia ter sido a sua ruína? — falo com seriedade.
Eu não sei os motivos para tais pensamentos agora. Mas quem eu
era além de um playboy que não se importava com nada que não fosse boa
vida, festas e mulheres?
— Eu já estava quebrada antes de você chegar, então não sei se
existe algo que possa fazer, além de me deixar, que seja pior que isso.
— Do que você está falando, pequena? Por que estava quebrada?
Quem fez isso com você? — Eu não gosto nada do que acabo de ouvir, nem
do que vejo no seu rosto.
— Bobagem. Eu estou feliz agora, e a gente não deveria ter
começado esse tipo de conversa. Está tudo bem. Nós estamos bem.
— Mas ficaria muito melhor se pudéssemos dormir agarradinhos
— afirmo, esperando que ela entenda o que quero que diga.
— Você não parece o tipo de pessoa que dorme agarradinho —
comenta.
Saber que estive nos seus pensamentos por tanto tempo é uma
benção, mas também uma maldição. O fato de ela ter prestado atenção em
mim antes, faz com que saiba cada um dos pecados que cometi. Todos,
infelizmente, jogados pela mídia.
— E não dormia mesmo. Mas nenhuma das mulheres com quem
fiquei antes era você. Nenhuma foi minha namorada linda — falo. Dou uma
mordida na sua orelha, deixando de lado a conversa pesada, embora ela tenha
falado coisas que me farão refletir mais tarde.
— Você está querendo um convite para dormir na minha cama?
— Eu tenho certeza que ela cabe nós dois, e não lamentarei se
precisarmos ficar bem agarradinhos — assevero. Eu gosto de me insinuar
tanto quanto aprecio as suas reações imediatas. Ela fica desconcertada, mas
não pode esconder que gosta das minhas provocações.
— Eu não sei se estou preparada para...
— Para o quê?
— Você sabe o quê — diz, desviando o olhar.
Vendo-a assim, Nicole parece ser qualquer outra pessoa, menos a
que me deixou ir tão longe naquela noite. Está mais longe ainda da que,
meses atrás, era corajosa o bastante para falar, na minha cama, sobre cada um
de seus desejos por mim.
O que está havendo com você, meu amor?
Da mesma forma que a pergunta surge, eu a jogo para o fundo da
minha mente. Agora não é hora. Nicole não é nada menos do que perfeita.
— Eu não vou transar com você.
— Não? — indaga com a sobrancelha arqueada. Não comenta,
mas está me dizendo que sente perfeitamente o meu pau a cutucando aqui
embaixo.
— Não hoje. Quero muito te fazer minha de todas as maneiras
que importam, mas não será esta noite. Não antes de pedir autorização dos
seus pais... Isso é tão século XVIII, meu amor — comento aos risos, e ela não
gosta.
— Não peça. Eles já sabem — diz ao dar de ombros.
— Vou pedir, porque quero fazer tudo certo para que não
dificultem a minha vida. Me comportarei como um homem que namora uma
garota da igreja — brinco mais uma vez, embora haja um pouco de verdade
no que digo.
— Tantas mulheres por aí... — ela brinca.
— Mas nenhuma que seja você — declaro, depois a jogo de
costas sobre a cama. Coloco o meu corpo parcialmente sobre o seu e
voltamos a nos beijar.
Ficamos por bons minutos namorando. Para mim fica a difícil
missão de recuar quando o clima esquenta. Sou obrigado a apagar o fogo,
mas queria mesmo era criar um incêndio com a minha pequena virgem.
Quando, no meio de uma mordida em seu pescoço cheiroso, ela
boceja, percebo que chegou a hora de dormir. Então a deito de lado,
posiciono-me as suas costas e a abraço pela cintura. É muito gostosa a
sensação de ter o seu corpo, seu calor e o seu cheiro me envolvendo.
— Durma, minha freirinha. Eu vou embora depois que você
dormir, mas virei na parte da tarde para falar com os seus pais. Depois, vou te
levar comigo.
— Para onde iremos? — pergunta sonolenta, puxando o meu
braço para que se aconchegue ainda mais.
— Ainda não pensei, a única certeza é que te levarei comigo.
Ficamos meses separados e não estou nem perto de matar a minha saudade de
você. — Minha namorada não diz nada, apenas balança a cabeça. — Agora
durma, está bem?
Por muitos minutos fico olhando o seu sono. Sinto-a por
completo, permito que o seu cheiro me envolva. Deixo a agitação do dia de
lado, e sorrio por ter terminado tão bem.
Depois que ela dorme, me levanto e vou até o seu guarda-roupas
procurar um cobertor. Com cuidado para não a acordar, cubro o seu corpo e
beijo o canto da sua boca como forma de dizer adeus.
— Eu não sei o que você tem para ter me enfeitiçado dessa forma,
mas espero nunca mais sair das suas garras, pretinha. Não quero lembrar de
como minha vida era sem graça antes de você — sussurro, dou mais um beijo
na sua bochecha e saio, mesmo que queira muito ficar.
Capítulo 22

VICTOR
Quais são as suas reais intenções com a minha filha?
Eu não pensei que um dia fosse ouvir essa pergunta em um
ambiente que não fosse o cenário de uma novela, eu não pensei que fosse
gelar tanto por algo que parece tão banal.
Mas eu gelei demais. Tornei-me exatamente um garoto na frente
dos pais da primeira namorada e não sei se existe idade suficiente para tornar
esse momento mais fácil. Eu suei, mas não fiz promessas que não poderei
cumprir. Não joguei palavras vazias ao vento.
Os pais da minha namorada ouviram apenas que gosto da filha
deles e farei o que for necessário para ser um bom parceiro. Que eu, assim
como eles, só quero que ela fique bem. Do meu lado, com a mão ligeiramente
suada e com os dedos entrelaçados aos meus, Nicole permaneceu tensa e em
silêncio, mas relaxou quando viu que eu tinha tudo sob controle.
Agora nós estamos no meu carro, depois de ter tido que explicar
aos seus pais que a trarei antes da meia noite. Sim, eles me fizeram entender
que na casa deles tem regras, e que Nicole não tem permissão para dormir
fora. De maneira sútil, me deixaram bastante ciente de que enquanto morar
sobre o teto deles, a filha continuará na linha. Embora eu vá viver em conflito
com os meus desejos, já decidi que não vou dificultar a vida da minha
pretinha.
— Para onde estamos indo? — questiona quando coloco o veículo
em movimento.
— Eu não sei. Hoje quero que você escolha — digo.
— Quero ficar sozinha com você. — A Nicole não seria ela se
não me surpreendesse como sempre faz.
Sabendo o quanto somos inconsequentes quando estamos a sós, e
logo depois de termos ficado na frente dos seus pais para oficializarmos esse
namoro, ela deveria estar desejando o oposto.
— Nicole...
— Qual o problema? A gente não vai fazer nada demais. A minha
ficha só não caiu ainda, e quero passar o máximo de tempo com você hoje.
Sem ninguém a quem precisamos dar explicações. Uma cama... — O meu
rosto não deve esconder a surpresa, pois ela corrige —, para nos sentarmos
enquanto conversamos.
— Eu vou te beijar em cima de uma cama. Estar nela com você
pode me fazer querer te deitar, tirar a sua roupa e fazer sexo com você. É isso
que quer? — pergunto, deixando bem claro que, apesar da minha força de
vontade para ir com calma, não sou de ferro. E perto dela, o lado racional
leva a pior.
— Confio em você — diz. Enquanto fala, a garota coloca a mão
pequena em cima da minha perna. Eu começo a me perguntar se não estou
completamente enganado, se Nicole não é tão inocente como parece.
Será que ela está querendo que eu termine o que um dia
começamos?
Essa garota, às vezes, me confunde. Ela já mostrou que o nosso
relacionamento será como uma montanha russa, e me instiga ainda mais.
— Será que eu posso confiar em você? — provoco.
— Você não pode estar temendo uma garotinha inocente. —
Quando fala, o jeito que me olha faz parecer que é mesmo muito ingênua,
mas existe uma contradição entre seu rosto e o que sai da sua boca.
— Eu estou começando a achar que você não tem nada de
inocente, meu amor. Na verdade, tenho certeza de que não sei quem é você.
Já a vi em três versões distintas, e quis a cada uma delas — declaro a
verdade, mas ela parece não gostar do que ouve.
Nicole tira a mão da minha perna e vira o rosto na direção da
janela. A conversa morre, e já não sei o que se passa pela sua cabeça. Eu falei
algo de errado?
— Você está bem? Se disse algo que...
— Não é isso. Eu só quero chegar logo ao nosso destino. Quero
beijar você. Beijar é tão bom. Não sei como fiquei tanto tempo da minha vida
sem experimentar.
Que mudança brusca de assunto...
Mas pelo menos parou de me ignorar.
— Você se sentirá da mesma forma sobre cada uma das
experiências que terá comigo. Te ensinarei a ser a melhor. Tudo para o meu
prazer, assim como quero saber como te fazer delirar — declaro. Tento não
falar o tempo todo sobre sexo e beijos. Mas Nicole, com a sua sinceridade
que não conhece limites, não me deixa esquecer.
Vai ser muito difícil me comportar com ela. E será mais ainda
quando chegarmos ao nosso destino. Uma péssima ideia, mas não consigo
voltar atrás. Quanto mais tento me convencer do contrário, mais eu quero
voltar ao passado com minha namorada. Nós dois na beira do precipício e
sorrindo na cara do perigo. Fazíamos isso meses atrás quando ela visitava o
meu quarto.
Quando deixo o carro com o manobrista, Nicole já está olhando
em volta e entendendo tudo. Ela olha para mim, seu sorriso, que traz um
misto de malícia e inocência, mostra que a trouxe ao lugar certo. Antes de
sairmos do carro, cubro a minha cabeça com o capuz da blusa e coloco os
óculos escuros para não ser reconhecido. Tudo o que eu não quero é um
escândalo nos envolvendo, sobretudo, esse tipo de exposição.
— Boa tarde. Nós queremos o seu melhor quarto — digo a
recepcionista, depois de falar os nossos nomes. — Eu e minha... parceira,
precisamos de conforto e privacidade, se é que você me entende. — Do meu
lado, Nicole está toda sem jeito.
Eu me pergunto o que sentiu quando estivemos neste mesmo hotel
meses atrás. Provavelmente o mesmo quarto, já que também devo ter pedido
o melhor naquela ocasião.
Com o cartão em uma mão e a outra segurando a sua, entramos no
elevador. Quando entramos no quarto e nos trancamos dentro dele, ficamos
por um momento em silêncio. Eu estou pensando no que quase fizemos aqui,
memórias que, felizmente, voltaram quase por completo depois que a ressaca
passou. Nicole, com a sua saia longa e blusa de alças, olha fixamente para a
cama.
— No que você está pensando? — Sussurro no seu ouvido ao
abraçá-la por trás. É deliciosa a sensação de sentir os seus braços se
arrepiarem sob as minhas mãos.
— Em você e eu naquele dia. Se não tivesse dormido quando eu
fui ao banheiro, nós já teríamos feito sexo.
— Ainda bem que não aconteceu. Eu não conviveria bem com a
ideia de ter tirado a sua virgindade enquanto estava bêbado, meu amor. Quero
estar como agora, sóbrio e ciente de cada pequeno toque e fala. Amanhã, e
por muitos anos, quero me lembrar dos detalhes, da sensação de te fazer
minha mulher da maneira mais íntima possível — declaro.
Os nossos corpos estão a um centímetro de distância do outro,
mas minha namorada acaba com ela quando cola as costas no meu peito,
quando vira a cabeça para o lado e me oferece os lábios cheios para um beijo.
— Não fale assim, Victor... Eu não consigo pensar quando me
lembra do que ainda não tivemos. — Eu tomo a sua boca, mas dessa vez com
fome. Não existe o carinho da preparação que é necessário antes de pegarmos
fogo. Só mordisco os seus lábios, capturo a língua para dentro da minha boca
e sou exigente para que corresponda com a mesma avidez.
Quando nos separamos, eu a viro para mim, olho em seus olhos e
neles vejo a verdade. Nicole me manipulou. Eu deixei que me manipulasse, e
não sei se já não vem fazendo isso a alguns meses. De toda forma, deixarei
que continue, pois essa garota me tem na palma de suas mãos para fazer o
que quiser.
— Você não me trouxe aqui apenas para alguns beijos e
conversas, não é? — provoco.
— Não.
— E você acha que é quem para me enganar dessa forma? —
questiono. Não que eu esteja com raiva ou algo parecido, só quero ver se ela
terá coragem de mentir. Ou se usará de sua sinceridade que não mede
consequências, que não tem medo.
— Eu sou a sua namorada. E você quer me ter por completo mais
do que quer a sua próxima respiração. Sinto pela forma que me olha que não
terá o menor problema de consciência por ter me tirado da casa dos meus
pais, me trazido para esse quarto e transado comigo. — Como eu imaginava,
ela não tem freio, e eu estou ficando muito excitado.
— E você? Não terá problemas de consciência pesada quando
olhar para os seus pais? Eles já devem estar decepcionados por acharem que
você transou antes do casamento, mas certamente esperam que seja mais
difícil, que não dê a boceta para mim tão rápido novamente. Imagina se eles
soubessem que você me manipulou para ficarmos a sós para se oferecer de
mão beijada para mim.
Foi ela quem começou, mas tenho ciência de que estou sendo
duro em cada uma de minhas palavras e na mordida dolorosa que dou nos
seus lábios. Quando, sem desviar o meu olhar, passo a língua pelo local
agredido pelos meus dentes, a forma como me encara não tem nada que não
seja desejo.
— Eu não quero mais ter medo de nada. Com você serei todas as
versões de mim mesma. Você só precisa ser forte e não correr assustado —
diz. A sua seriedade fala que tenho mesmo motivos para temer algo, mas até
o temor faz parte de seja lá o que estamos começando, me excita.
— A forma como tenta me assustar te torna mais irresistível aos
meus olhos. Eu não vou ter medo de nada que venha de você, Nicole. Nada
me fará desistir.
— Tem certeza? Talvez possa chegar o momento em que você irá
implorar para que isso entre a gente acabe. Talvez um dia fique feliz pela
possibilidade de nunca mais me ver. — Apesar do toque de malícia e
provocação, algo que não sei identificar ainda passa rapidamente pelo seu
rosto.
— Apenas espere e verá, minha coisinha linda e complicada.
Quando me iludia com uma relação entre mim e Nicole,
acreditava que seria algo doce e calmo, apesar da chama do desejo que
sempre esteve entre nós. Mas agora, muito rapidamente, noto que existe um
jogo acontecendo. Algo inexplicável, muito perigoso, mas que não podemos
resistir. Uma loucura que talvez faça parte das nossas personalidades, tudo
potencializado quando nos encontramos.
— Eu te trouxe aqui para fazermos sexo — diz.
— Quem é você, e o que fez com a garota doce e tímida que vi na
casa dos senhores Montes?
— Você terá que descobrir quem eu sou de verdade, Victor
Salvatore. Eu só posso torcer para que ame a verdadeira, porque uma escolha
errada pode acabar com tudo. — Apesar da provocação, sinto um arrepio
atravessando a minha coluna.
— Mas o que importa, se cada uma delas será minha de qualquer
forma? — indago. — E eu não vou transar com você hoje, amor. Me dê o
crédito de pelo menos tentar. Quero poder dizer que não fui tão fraco, que
não caí na sua sedução na primeira tentativa, embora todos acreditem que sou
eu quem tentarei te desviar do bom caminho.
— Não é como se os meus pais estivessem esperando que eu fosse
me casar virgem. Você já fez isso, lembra?
— Nicole, pare de me testar. Você não pode estar agindo dessa
forma e ao mesmo tempo estar no seu juízo perfeito — digo, mas não pisco
nem uma vez quando ela se afasta minimamente e começa a tirar a blusa.
Depois, quando me tem de boca literalmente aberta e olhos nos
seus seios médios e empinados, a minha pretinha leva a mão para trás e abre
o fecho do sutiã. Então a peça cai no chão e os peitos perfeitos ficam livre
para os meus olhos famintos.

NICOLE
Você não pode estar em seu juízo perfeito...
Sua voz ecoa na minha mente enquanto sinto o seu olhar de
desejo queimando a minha pele. A forma como me devora faz a minha
calcinha ficar úmida pelo desejo que me consome e eu, sem ficar
constrangida por fazer isso na sua frente, esfrego uma perna na outra para
aliviar a dor de estar vazia.
Mas eu não estou fora do meu juízo perfeito. Não me sinto como
se estivesse prestes a cometer uma loucura da qual irei me arrepender depois.
Não, aqui eu sou apenas eu mesma, aproveitando a oportunidade antes que
tudo acabe, pois eu sei que mais dia menos dias irá acabar.
Sempre acaba, porque eu estrago tudo.
Capítulo 23

VICTOR
O tempo todo pessoas se gabam por grandes ações, por atos de
heroísmo que às vezes nem custam tanto. Mas eu gostaria de ver como cada
herói se comportaria se fosse colocado diante da sua maior fraqueza. Até
onde iria a força para resistir.
Eu mesmo, neste exato momento, sinto como se estivesse
fracassado miseravelmente em uma difícil missão, mas gosto de me consolar
com o fato de ser impossível vencer algo assim. Simplesmente não tem como
tentar ser nobre quando estou na frente dos peitos mais bonitos que já vi.
Perto demais para tocar a pele cheirosa e macia. Duro demais para recusar a
oferta explícita. Apaixonado demais para não ceder.
— Você tem certeza de que é isso que quer? Porque apesar de
estar agindo como se não fosse nada, devo te lembrar que até o momento
você é virgem, que poderia muito bem estar esperando que essa experiência
fosse planejada para ser especial — falo.
Na verdade, eu jamais imaginei que tais palavras um dia
deixariam a minha boca. Que eu estaria fazendo o papel da virgem relutante.
— Vai ser especial — afirma. — Além disso, foi planejado por
mim quando te pedi para ficarmos a sós.
— E por que hoje? — indago.
Não é que eu não queira. Pelo contrário, fiquei tão mais duro
depois que Nicole despiu os seios, que a frente da minha calça parece não ter
espaço suficiente para comportar minha ereção, mas não consigo não tentar
entender o que está acontecendo com ela. Porque, de repente, parece tão
empenhada em me seduzir e se livrar da virgindade.
— E por que não hoje? — devolve. — A menos que você não
queira, é claro. — Ela se agacha para pegar o sutiã no chão. Sei que nem por
um segundo pensou em desistir, mas finjo que acredito quando eu mesmo
entrego os pontos.
Terei tempo para pensar em tudo depois, agora quero exatamente
o mesmo que ela. E que se foda o namoro santo e a ideia de ir um pouco mais
devagar. Queremos foder, então é isso que vamos fazer.
— Você faz essas coisas porque sabe que eu te quero com
loucura, não é? — falo, enquanto elimino a pouca distância que nos separava.
— Quer mesmo? Então, por que não mostra?
Nicole não precisa pedir duas vezes para que eu pegue a sua
mãozinha e a coloque em cima do meu pau. Quando afasto a minha, a forma
como parece insegura quanto a maneira de me tocar, evidencia que apesar de
falar e agir de modo sedutor, ela não tem nenhuma experiência.
Não tem experiência, mas tem vontade e instinto. Tanto que
segura o meu membro com a pressão necessária, assim como faz movimentos
precisos de subir e descer em sua extensão. Para não passar vergonha ao
gozar com alguns estímulos, a afasto da minha parte mais sensível.
— Fiz algo errado? — A sua insegurança me fez fechar as mãos
em punhos por um momento, para resistir ao impulso de jogá-la em cima da
cama e fazer o que quiser com o que me oferece. Não sair de cima até não
restar uma gota de esperma em mim.
— Fez certo até demais, meu amor. Mas nós não queremos que
acabe antes mesmo de começar, não é? — Nicole balança a cabeça em
concordância. — Agora eu quero que você tire a saia e fique só de calcinha e
saltos altos para mim — instruo.
— Victor...
— O que foi, aonde foi parar a garota ousada de segundos atrás?
Será que é agora que você sai correndo do quarto? Talvez ligue para o seu pai
— provoco, sendo até um pouco cruel, pois embora ainda não consiga
entender direito o que a levou a fazer o que fez, sei que não quis me
prejudicar.
Mas não tenho que pensar nisso, pois Nicole nem se abalou. Faz
exatamente o oposto. Sem desviar o olhar enquanto desabotoo a minha
camisa, ela começa a tirar a saia. Não só tira, antes faz questão de me torturar
com a lentidão com que executa a tarefa. A pretinha vai revelando aos poucos
cada pedacinho de pele. Eu, por outro lado, fico tão hipnotizado e sedento,
que faço tudo no automático até ficar apenas de cueca.
É claro que ela se surpreende. Tenta abrir a boca, e nada sai.
— O que esperava? Estou te assustando? — provoco.
— Estou imaginando como isso vai dar certo sem me partir em
duas. — Nicole fala com tanta seriedade, que eu não resisto a dar uma
gargalhada.
— Não se preocupe, bebê. Eu sei o que farei com você, e te
garanto que depois da primeira, que machucará um pouquinho, você, como a
garota corajosa que é, vai querer mais. Vai desejar ir muito além, mesmo que
sua mente diga que não aguenta mais. Então será a minha vez de agir com
sensatez e frear os seus impulsos, de cuidar de você e assegurar que essa será
apenas a nossa primeira noite, que tenho muitas coisas para te ensinar —
assevero.
Sentindo a sua respiração mais acelerada e a pele sensível por
baixo de minhas mãos nos seus braços, encosto os nossos corpos, então vou
subindo as mãos até ter meus dedos entrelaçados nos fios da parte de trás da
sua cabeça. Primeiro sou carinhoso ao fazer uma massagem no couro
cabeludo, depois pego com firmeza nos cachos cheirosos. Forço a sua cabeça
para trás, mantendo os nossos olhares presos.
Quando a mão direita desce para a cintura delgada, também dobro
ligeiramente os meus joelhos para que os nossos sexos fiquem no mesmo
nível. Não é tão difícil, pois embora ela seja pequena, os saltos que usa são
nossos aliados.
Minha garota ofega quando faço um pequeno movimento entre os
nossos sexos em contato. Ela geme mais alto quando dou uma esfregada mais
demorada na sua boceta, e apesar de estarmos com as barreiras de peças
íntimas no nosso caminho, elas não me impedem de sentir, nem de olhar para
onde tudo acontece e ver a mancha úmida na sua calcinha branca e
ligeiramente sensual.
Eu fico tonto, louco para perder o controle, mas não esqueço que
essa é a vez dela. É tudo sobre, e para Nicole Montes. Hoje eu quero dar-lhe
o máximo de prazer. Fazê-la gostar tanto de sexo — apenas comigo — que
não poderá respirar sem pensar em mim. Sem pensar, em cada minuto do seu
dia, no quanto gostaria de estar trepando comigo.
— Você tira a minha razão pelo simples fato de respirar perto de
mim, menina — declaro e continuo a estimulá-la com o meu corpo. Nicole
geme e se apoia em mim com as duas mãos agarradas no meu pescoço.
— Victor, acabe logo com isso, por favor, amor...
— Acabar? Mas nós estamos apenas começando — digo,
aproximo-me da sua orelha, dou uma mordida e sussurro: — Gostosa.
Quando nem eu mesmo aguento esperar, paro de nos provocar, a
pego nos braços e a coloco deitada de costas sobre a cama.
Vê-la apenas de calcinha e saltos faz o meu sangue ferver e a
minha mente repete sem parar que em todos esses anos, nenhuma mulher foi
tão bonita aos meus olhos quanto essa garota. Ela é perfeita e será impossível
parar depois que começarmos. Eu não preciso de provas concretas para saber
que o sexo entre nós aumentará ainda mais o que tem se tornado praticamente
uma obsessão.
— Abra as pernas para o seu namorado, freirinha — peço. Não
perco nada dos seus movimentos enquanto me livro da última peça que
impedia a minha nudez completa.
Ela apoia o peso do tronco nos cotovelos e o ergue o suficiente
para ter uma visão melhor de tudo o que faço e farei a partir de agora. Os
seus olhos fitando a minha ereção estão arregalados como de uma corça
assustada. Nicole não diz, mas sei que teme a dor. Eu deixo que pense que
dará tudo errado só porque é divertido vê-la assim, parecendo desconcertada,
quando há pouco parecia tão segura.
— Agora eu quero que você me veja enquanto te chupo. Primeiro
vou te chupar e lamber todinha. Depois, quando a minha boca cansar, te
comerei com os dedos. Por fim, com o meu pau, esse, sim, te fará gritar. —
Faço promessas, mas só porque tenho a pretensão de cumprir. Será bom para
ela, ou não me chamo Victor Salvatore.
Arrasto o meu corpo pela cama até ficar de bruços e coloco as
suas pernas em cima dos meus ombros. Começo a tocar por cima da calcinha
úmida de prazer. Faço movimentos circulares e vou sentindo cada reação do
seu corpo. A tensão muscular, o detalhe de sua mão agarrando com força a
coberta da cama, e a peça ficando ainda mais escorregadia sob os meus
dedos, tudo contribui para me deixar cada vez mais próximo do fim.
— Amor, eu não sei...
— Você vai aguentar, bebê. Parece que não, mas ao mesmo
tempo pensará que nunca terá o suficiente — digo e, sem aviso, rasgo a sua
peça pela lateral, deixando-a nua para mim. Finalmente tendo a visão da sua
bocetinha lisa.
— Eu poderia ter tirado... — fala quando faço os mesmos
movimentos de antes, só que agora diretamente na pele sensível.
— Assim é mais divertido — afirmo. Levo o nariz até os seus
grandes lábios e o odor do seu tesão me atinge com tudo. — Como você é
cheirosa, pretinha. Como você é gostosa... — As palavras morrem na minha
boca quando a uso para lamber profundamente entre os seus lábios vaginais,
quando bebo do seu tesão.
Começo e não posso mais parar. Chupo, dou pequenas mordidas e
lambo. Uso os dedos para deixá-la preparada, ouço os seus gemidos cada
segundo que passa mais insanos. Começo a pensar que posso passar horas e
horas comendo essa gostosa só com a boca.
Nicole Montes será o meu fim. Eu já fiz muita merda e ri da cara
do perigo, mas nada chegou tão perto de me deixar assim: completamente e
irremediavelmente rendido.

NICOLE
É uma sensação de que algo grande está para acontecer. É
desesperador e ao mesmo tempo sútil. Quero que acabe neste mesmo
segundo, mas também quero que não acabe nunca mais. O fogo que queima
as minhas veias é agonizante, mas também é gostoso como algo que nunca
senti antes.
Os seus dedos longos investindo em mim me fazem lembrar que
tem mais, muito mais desse prazer, e embora o tamanho do seu membro
tenha me feito perguntar quanto dele posso levar, o quero dentro de mim, me
enchendo até não caber mais. Metendo até que a dor — que sei que irei sentir
— passe e reste apenas o prazer.
— Amor, o que você está fazendo? Eu não aguento mais... — Já
estou suplicando por um alívio, que parece estar chegando, mas Victor nunca
deixa vir. Quando fica tão perto que quase posso tocá-lo, o loiro desacelera,
recomeçando tudo outra vez com a sua boca, que parece feita para o prazer.
Mas dessa vez é diferente, cada gemido meu, cada vez que o meu
quadril se ergue para sua boca o faz mais sedento. Então, com uma longa e
profunda chupada, meu namorado me fez quebrar em mil pedacinhos.
É como me espalhar e me juntar novamente. Como morrer e
voltar a vida, despencar de um precipício, e lá embaixo encontrar apenas a
satisfação. Eu não sou dona do corpo que sofre espasmos. Não sou dona da
minha voz que clama pelo seu nome como uma bonita canção.
— Victor... O que você fez...
— Você gozou na minha boca, bebê — fala e tem a própria voz
um pouco ofegante. — Agora eu vou te comer com o meu pau, você gritará
tão alto que todos no hotel irão saber que aqui tem uma mulher sendo amada.
O seu corpo sobe no meu, posicionando-se entre as minhas pernas
que estão abertas, pernas que já decidiram que sempre estarão abertas para
esse homem perfeito. Victor me beija com os olhos abertos. Ele me faz sentir
o meu próprio gosto com a sua língua. Depois leva a mão esquerda para o
meu mamilo duro e sensível. Começa a brincar com ele, enquanto termina o
nosso beijo, passando a dar mordidas no meu peito.
— Os seus peitos estão no top 3 das coisas que mais gosto em
você — sussurra quando ergue o olhar, mas sem deixar de mordiscar o
mamilo, de beliscar o outro entre os dedos. Mais abaixo, sinto a dureza do
seu pau na minha coxa.
— O top dois seria?
— Seus cabelos maravilhosos. Eu já imaginei mais de uma vez,
devo admitir, eles enrolados em minha mão, enquanto te como de quatro, ou
então, enquanto te tenho de joelhos chupando o meu pau.
— E o um?
— Fica entre sua bunda redondinha, que você ainda me deixará
meter, e essa bocetinha apertada.
— Não vou, não... — nego sem qualquer firmeza.
Quero acreditar que a falta de convicção seja porque estou
excitada demais, e não por cogitar que seria incapaz de lhe negar esse prazer.
É tão sujo pensar nesse tipo de sexo...
— Você vai. Eu não vou morrer sem comer seu cu, amor. Isso é
uma promessa — fala, então abocanha o meu peito e faz o máximo de
pressão que a sua boca deve conseguir, a força necessária para que eu sinta o
seu toque direto no meu sexo. Este está hipersensível por causa da sua fome.
— Faça como quiser. Você sempre pode tentar... — falo aos
trancos. Ele está sugando todas as minhas forças, por isso deixo que os meus
cotovelos cedam e largo as minhas costas sobre a cama.
As minhas mãos se ocupam em seus cabelos macios, lisos e de
fios dourados. A minha boca só geme e implora por clemência. Rogo por
mais, pela plenitude de tê-lo dentro de mim. A realização de uma fantasia que
há tempos demais faz parte dos meus sonhos.
— É por isso que eu te amo tanto — declara contra a minha pele,
agora subindo sua boca pelo meu ombro e pescoço.
O meu coração erra as batidas, permito-me um segundo de pura
felicidade, mas escolho não fazer isso comigo mesma. Victor não me ama.
Falou isso sem perceber.
Não. Ele não me ama. Pelo menos, não do jeito que eu sempre o
amei. Não pode ser. Tenho o seu desejo e a óbvia paixão e, por enquanto, é
tudo de que preciso. Aceito tudo, desde que esteja comigo assim.
— Quero entrar em você agora, Nicole — fala com seriedade ao
afastar a boca da minha pele, quando se ajeita e esfrega o pau na minha
vagina, que esquenta só de sentir a cabeça robusta e firme do seu membro.
Victor passa superficialmente o membro entre os meus lábios
vaginais, eu me contorço de prazer e sei que a resposta não poderia ser
diferente. Eu não voltaria atrás, nem se a minha vida dependesse disso.
— Se quer saber se estou preparada, a resposta é sim. Estou
preparada para você há mais tempo do que gostaria que você soubesse, meu
amor. Sou sua, e hoje quero me entregar por inteiro. Faça o que quiser
comigo, Victor.
— Acredite, eu farei, minha linda. — Com o olhar cheio de
promessas, e ajoelhado entre as minhas pernas, olhando a conexão entre os
nossos corpos, o meu namorado começa a, lentamente, penetrar-me.
Fico tensa quando me sinto invadida e ele não está nem na metade
ainda. Experiente, Victor percebe, e então começa com toques e falas que me
fazem esquecer de tudo que não seja o desejo de transar com ele pela
primeira vez.
— Farei com que seja bom, bebê. Depois do desconforto restará
apenas o seu prazer. — Balanço a cabeça em sinal de confiança e, com as
mãos nos meus quadris, ele retoma os movimentos.
Eu noto como tenta ser carinhoso para não ir rápido demais,
então, por bons minutos, ele fica indo e vindo com um pouco mais que a
cabeça. Com as mãos grandes me ensina como mover os meus quadris, e o
que devo fazer para deixá-lo insano de tesão.
Percebo o momento em que Victor decide ir até o fim. O seu
olhar, a respiração e até o toque se tornam mais firmes. Eu me preparo para o
desconforto de que sempre ouvi falar, inclusive da minha mãe em suas
conversas constrangedoras sobre sexo, mas o seu corpo para de se mover em
mim. Ele quebra a nossa conexão física e fica me olhando desconcertado.
— O que foi que eu fiz de errado? — indago quando o vejo
levantar e ir até o banheiro.
Fico jogada na mesma posição e completamente confusa,
enquanto o ouço abrindo e fechando o que parecem ser gavetas.
— Até a forma como você respira perto de mim é errado, porque
me tira a razão. Você toda me enlouquece, garota gostosa — fala e agora
existe uma voracidade na sua voz e olhar.
Entendo o que aconteceu quando o meu loiro volta a se colocar
entre as minhas pernas, quando joga uma tira de preservativo próxima da
minha cabeça, logo depois de ter destacado um deles.
— Eu ia transar com você sem camisinha — diz. Rasga com os
dentes a embalagem e em seguida a desenrola no seu membro.
— Medo de ser pai? — O provoco, pois não posso resistir nem
em um momento como esse.
— Medo nenhum, desde que você seja a mãe.
Porra, ele sabe como me surpreender.
— Mas ainda quero me aproveitar muito desse seu corpinho antes
de te engravidar, freirinha.
Ele não pode estar falando sério...
Mas quem se importa com isso? Agora, não! Agora eu só quero
que meu amor faça sexo comigo. Apenas que me mostre como a realidade é
muito melhor que a fantasia.
E Victor mostra. O homem volta a entrar em mim, e dessa vez
não perde tempo. Eu estava preparada para alguns minutos de tortura e
provocação, mais não para a dor e a ardência de ter o seu membro grosso e
grande inteiro dentro de mim. Uma lágrima solitária rola pelo canto no meu
olho esquerdo, e só quero que ele saia.
— Por favor... — O desconforto não me deixa terminar de pedir.
Como se sentisse o que sinto, Victor não se mexe de imediato.
Fica parado, apoiando o peso nos braços e esperando que o meu corpo se
acostume com a invasão. Meu namorado se mexe apenas para beijar as
demais lágrimas que se juntam com a primeira.
— Vai passar, amor. Só um momento e ficará tudo bem... —
sussurra no meu ouvido, morde minha orelha e acaricia o meu seio.
Os seus toques me distraem da dor e do desconforto, tanto que
não percebo quando as minhas mãos deixam de agarrar com firmeza o pano
de cama. Sinto quando começa a se mover lentamente. Tirando só metade do
seu pênis e voltando a penetrar novamente. Ainda arde um pouco, mas a dor
começa a ceder, e eu acredito na sua promessa de que em algum momento
será bom. De que não só faremos de novo como será eu quem pedirei por
uma segunda rodada.
— Tudo bem? — balanço a cabeça. — Se concentre apenas no
meu toque, bebê. Nada além da minha boca e das minhas mãos no seu corpo.
Victor me controla como se eu fosse uma marionete e suas
palavras me fazem obedecê-lo. A dor e a ardência começam a ficar distantes.
Ficam apenas as sensações, a sensibilidade do meu corpo sendo tocado por
sua boca. Meus seios sendo chupados com fome, os seus dedos fazendo
traços leves na minha coxa...
Então eu começo a ter mais consciência de que está dentro de
mim, calmamente indo e vindo. Vindo e indo. Tão apertado... tão apertado
que os meus dentes ficam trincados, que as minhas mãos se agarram
novamente às cobertas. Mas percebo que dessa vez eu não tento conter a
agonia da dor de ter o hímen rompido. Não, eu tento conter as ondas de
prazer que tomam o meu corpo. O quanto estou consciente do seu pênis tão
completamente enterrado no meu sexo.
Nós estamos mesmo fazendo isso, tão intimamente ligados.
Entregar-nos por completo ao outro é muito bom. É prazeroso além do que
posso compreender. Me faz pensar que o amo mais ainda, que o desejo assim,
dentro de mim, em cima de mim e por todas as partes de mim pelo resto dos
dias da minha existência confusa.
— Hum... — O gemido escapa, ele para.
— Estou te machucando? — Victor faz menção de me deixar,
mas o seguro com uma perna enrolada no seu quadril.
— É um gemido de prazer. Uma súplica para que me dê mais. Sei
que tem muito mais.
— Não dessa vez, amor. Não vou te machucar.
— Você não faria isso — assevero e, sem saber como posso ser
tão sem pudor, remexo o meu quadril, deixando-me mais cheia dele. —
Machucará muito mais se não começar a se mover com mais força, se não se
deixar afundar tão profundamente em mim que te sentirei por horas depois
que acabar — falo, pois no momento sou puro instinto, desejo e suor, que
começa a se acumular na minha pele.
— Você é uma gostosa do caralho, Nicole Montes! Nem nas
minhas fantasias mais ousadas com você imaginei que seria assim entre a
gente. Sua safada! — Ele me xinga. Eu deveria repreendê-lo, mas só sinto
excitação.
Ele começa a ir e vir com mais vigor.
— Era isso que queria? — Tira o pênis até que fique só a cabeça e
depois volta com força e rapidez, fazendo com que o meu corpo balance
sobre a cama.
— Mais. Muito mais...
— Não me provoque, sua... sua... — junto com a fala revestida de
um desejo irritado por causa da falta de controle, ele levanta os meus braços e
mantém as minhas duas mãos presas no alto da cabeça.
— Sua o quê? — provoco, só para deixá-lo ainda mais louco. Não
sei o que faço, mas não posso negar que estou adorando saber que está assim
por minha causa.
Que me deseja a ponto da loucura. Talvez, de forma doentia, eu
gosto de pensar que por um momento eu não sou a única louca aqui.
— O quê, meu amor, perdeu a voz?
— Você é uma cadela. Age como uma vadia louca e eu te amo
por isso. Você não tem ideia de que tudo sobre você me excita, me fascina e
me deixa a cada segundo mais apaixonado, porra! — esbraveja entre dentes.
É o suficiente para o meu amor jogar todo o cuidado fora. Por
causa das minhas palavras, e depois, por causa das suas, deixa de se importar
com o fato de que é a minha primeira vez. Começa a chocar os nossos corpos.
A me penetrar vez após vez com força e agilidade. A sua expressão está
completamente transtornada. É puro desejo carnal. Desejo em sua forma mais
crua.
Eu, apesar da dor por causa da brutalidade que eu mesma
provoquei, mantenho as minhas pernas abertas. Mantenho vivo o desejo, não
paro de gemer, gritar e chamar pelo seu nome como se fosse a minha canção
preferida. Arranho suas costas enquanto tento me firmar sobre o colchão.
Sinto as minhas coxas queimarem onde Victor segura com firmeza. Está
implacável na tarefa de me deixar aberta para ele, embora não saiba que
sempre estarei assim enquanto me quiser.
Não pode ser de outra forma.
Nunca quero que seja de outra forma.
Os suores de nossos corpos começam a se misturar. Os meus
olhos, que só veem ele em cima de mim, urrando como um animal,
vislumbram as paredes à nossa volta pelos cantos dos olhos e parecem estar
em chamas. O quarto está pegando fogo, nós estamos fazendo um incêndio
juntos depois de tanta negação. Tanta demora. Tanta espera.
— Que bocetinha gostosa você tem, meu amor. Eu quero rasgá-la
com o meu pau todos os dias. Em todas as horas dos meus dias. Vou te comer
até não poder mais me mexer e depois vou recomeçar e recomeçar. E
recomeçar. Você é minha... Diz que é minha, diz... — Agora Victor fica de
joelhos e puxa o meu corpo para cima do seu. Estou montada no meu amor, o
sentindo ainda mais profundamente dentro da minha... boceta. Não vagina,
como pensava nela, mas boceta, como dizem os seus lábios carnudos.
— Eu sou sua mulher.
— Sim, você é a minha mulher. Só minha... Tome o que quiser,
gostosa... — Por puro instinto, começo a subir e descer em cima de suas
pernas. O cavalgando como se fosse uma amazona.
— Goze para mim, bebê. Quero que aperte o meu pau ainda mais
com sua boceta gulosa... — sussurra para mim, com a cabeça enterrada no
meu pescoço.
Quando leva os dedos para o meu sexo, o sinto tão sensível que
não precisa dizer mais nada para que o meu corpo comece a convulsionar.
Abraço o seu pescoço com mais firmeza, e enquanto estou em queda livre,
ele começa a mover os meus quadris, volta a me penetrar.
— Porra! — grita, e então se junta a mim em êxtase.
O seu corpo tenciona, sinto-o mais apertado dentro de mim e
ficamos abraçados como se fôssemos o bote salva-vidas um do outro,
enquanto as sensações deliciosas passam. Ficamos unidos de todas as formas
até que, juntos, os nossos pés tocam o chão.
Victor e eu ficamos por um tempo na mesma posição, abraçados e
em silêncio. Depois ele sai de dentro de mim e, com cuidado, me deita sobre
o colchão. Sem falar nada, sai para o banheiro e volta com uma toalha na
mão.
— Ai! — reclamo quando afasta as minhas pernas e pressiona o
pano úmido no meu sexo, que está sensível e, aparentemente, muito
machucado. Mas nada que me faça sentir arrependimento.
— Sinto muito — diz.
Eu me deito de lado, mas sinto quando sobe atrás de mim na
cama. Ele me puxa para perto e me abraça por trás. Estou tão sonolenta...
— Precisamos de um banho — aviso, quase fechando os olhos.
— Ainda não. Deixe-me sentir o meu cheiro em você por mais
um tempo. Só durma, meu amor. Quando acordar, estarei aqui para você —
diz, e me puxa para mais perto. Mesmo que não tenha como ficarmos mais
grudados, ele tenta.
Eu durmo em questão de segundos, mas antes concluo que a
minha primeira vez foi totalmente diferente do que me contaram. Não pensei
que fosse sentir tanto prazer, e nem que seria com o homem por quem estou
apaixonada há muito tempo. Um amor impossível, que se tornou o centro do
meu mundo.
Meu Victor.
Capítulo 24

VICTOR
Para um cara que sempre dispensou mulheres antes que tivessem
a ilusão de que poderiam dormir comigo na mesma cama, eu estou satisfeito
demais de ter uma aqui comigo. Penso que é uma das melhores sensações que
já senti. Mas é assim porque esse corpo pequeno e cheiroso é o da Nicole. A
minha pequena artista. Então não é surpresa que tudo que tenha relação com
ela seja bom para mim.
Ela que estava tão cansada há algumas horas que mal estava
acordada quando a peguei em meus braços e a levei para debaixo da água
morna do chuveiro. Lavei com calma cada recanto do seu corpo e a senti
estremecer quando toquei sua vagina. Ela protestou e confirmou o que eu já
sabia. Embora tenha passado pela minha mente a informação de que iria mais
devagar na sua primeira vez, agi como uma animal.
Reagi às suas provocações. Atendi às suas súplicas desejosas para
que fosse além do que estava disposto, e agora ela está toda sensível e
dolorida. Agora a minha pretinha descansa em um cochilo que já dura mais
de duas horas e não posso fazer outra coisa além de velar o seu sono. Olhá-la
como um homem obcecado, porque eu sei que estou muito obcecado por essa
menina.
E estou surpreso que seja assim, porque não desejei e não queria
que fosse assim. Mas existe algo nela que me desperta desejos e sensações
que vão além dos sentimentos normais e saudáveis. Vai além da paixão, além
do amor e do cuidado. Não, não existe nada de normal aqui e não quero que
ela saiba, não posso ficar tão vulnerável diante dos seus olhos.
Não. Nicole é perfeita demais, tanto física quanto
psicologicamente. Ela vai saber que talvez tenha cometido um erro. Não o
erro de cair nas garras de um lobo em pele de cordeiro. Não, o seu erro foi ter
me transformado nesse lobo apaixonado e possessivo. Muito, muito
possessivo.
Hoje Nicole foi mais que perfeita. Compensou a falta de
experiência com doses de vontade e ousadia. Ela me deu o prazer que não
tive por completo em anos de vida sexual ativa. Foi diferente porque não
envolvia só corpo, também foi espírito. Enquanto estava em cima dela, tão
pequena e frágil fisicamente, mas uma rocha em todo o resto, a devorava com
todo o tesão de meses acumulado, mas também não podia perder o seu rosto
dos meus olhos.
Eu olhava para o seu rosto que era todo prazer e sentia cada parte
do meu coração se ligando ao dela. Eu sentia segundo após segundo algo
crescendo dentro do meu peito. Era amor. Nunca tinha amado assim, mas
sabia que era amor. Amor irremediável, que não pode ser devolvido. Então,
quanto mais o meu coração gritava que a amava, mais eu a comia. Invadia o
seu centro pulsante e não queria que acabasse nunca. Teria de durar para
sempre, pois só assim, com o seu corpo subjugado pelo meu, teria certeza de
que nunca mais teria de ficar longe dele. Essa possibilidade não existiria para
nós.
Mas o mundo continuou girando. O poder de fazer como desejava
não estava nas minhas mãos e teve que acabar. Acabou e ficou seu corpo
suado e cansado, mas um sorriso tímido no rosto enquanto dorme. Não fiquei
frustrado por ter acabado, pois o fim foi apenas o começo de algo que nunca
terá fim. Eu nunca vou deixá-la ir. Nunca darei motivos para que queira ir.
O som de leves batidas me tira dos meus pensamentos, então
levanto-me e pego o carrinho com comidas que acabam de trazer. Pedi
porque imaginei que Nicole irá acordar cheia de fome depois de tanto esforço
físico, penso com malícia. Já anoiteceu, sei que uma hora terei que levá-la de
volta para casa — e não pode ser muito tarde —, mas queria não precisar me
separar dela. Não agora.
No momento quero aproveitar e, por isso, volto a fazer conchinha
com o seu corpo cheiroso.
Respeito muito o pastor, um sorriso besta me escapa quando
penso nisso, mas tem momentos, como agora, por exemplo, que odeio o fato
de existirem tantas regras comportamentais, que a Nicole não possa
simplesmente dormir comigo na minha casa, na mesma cama que eu.
Porra! Será que terei de fugir com ela como um adolescente todas
as vezes que quisermos transar? Será que Nicole, com a sua facilidade de
mudar de humor, se sentirá bem para satisfazer os meus e aos seus desejos
todas as vezes que sentirmos vontade?
— Humm... — Ela geme gostoso e joga um pouco as costas e a
bunda contra o meu corpo. Eu também quero gemer, mas também quero
levantar sua perna e foder a bocetinha gostosa. Apertar os seus peitos e me
fartar com eles, mordendo e chupando. Um dia vou uni-los em minhas mãos,
depois vou colocar o meu pau no meio deles.
Tudo bem, preciso ter três coisas em mente:
1 – Não posso ficar duro agora.
Na primeira missão já sou um fracasso, pois a garota dá um giro
dentro dos meus braços, coloca o rosto entre o meu ombro e pescoço, e a
perna em cima do meu quadril.
É espaçosa durante o sono — tenho de lembrar disso — e o calor
de sua boceta me deixa a um passo de meter até fazê-la acordar, me fitar com
os seus olhos de coruja e começar a me provocar, algo que sabe bem até
demais.
2 – Namoro com uma moça que, apesar de ter atitudes que quase
nunca entendo, foi criada dentro de princípios religiosos e nada será igual ao
que estou acostumado até aqui. Será mais difícil e, por isso, mais gostoso.
3 – Eu preciso fazer alguma coisa. Pode não ser hoje, amanhã, ou
semana que vem, mas tenho que encontrar uma forma de ter acesso total a
Nicole sempre que nós dois quisermos. E sem que precise mentir para isso.
Sem fugas para hotéis porque não podemos ir para outro lugar.
Estou ciente de que é cedo demais. Uma loucura sem precedentes,
mas só existe uma maneira de ter o que quero, e não costumo não ter o que
quero. Tentei apenas uma vez e não deu certo. No fim, sempre consigo tudo,
não importa até onde eu seja obrigado a ir.
Não será diferente quando o amor estiver em jogo. Pelo contrário,
serei apenas mais determinado quando chegar o momento.
— Eu sei que você já está acordada, menininha preguiçosa — falo
baixinho no topo da sua cabeça, que continua escondida no meu pescoço. —
Pensa que não senti a mudança na sua respiração, ou as batidas do seu
coração mais aceleradas? — Enquanto falo, as minhas mãos acariciam as
suas costas impossivelmente macias.
Bem diferente das minhas, que estão rasgadas e ardidas.
Consequências do amor que fizemos.
— Parece que alguém me conhece muito bem — fala com a voz
abafada.
— Nem perto do que desejo. Desejo reconhecer cada respiração
sua. Entender a sua cabeça e os seus pensamentos mais do que entender a
mim mesmo. E nisso não há nada que não seja a certeza de que o caminho
será prazeroso.
— Não fale assim. Você não quer isso. — O som de sua voz é
baixo e fraco. O seu corpo não está mais tão relaxado. Então afasto a sua
cabeça do meu pescoço, buscando respostas nos seus olhos.
— Eu quero, porque tudo que tem aqui — toco na sua têmpora —
e aqui — toco no seu peito do lado onde fica o coração —, só me fará te
querer e amar ainda mais.
— Você me ama? — Os seus olhos estão arregalados. Eles estão
brilhantes.
— Pensei que já tinha dito.
— Sim... mas a gente estava...
— Fodendo? — provoco.
— É. Pensei que não fosse de verdade — diz.
— Mas foi. Eu nunca falei essas três palavras para nenhuma outra
mulher, não falaria para você se não sentisse. Eu te amo, Nicole. Muito mais
do que você está preparada para entender.
— Eu também te amo. E o seu amor nunca irá me assustar — diz.
É como se nós dois tivéssemos uma conexão e ela estivesse dentro da minha
cabeça, lendo os meus pensamentos nos últimos minutos. — Você é a melhor
coisa que me aconteceu. E não tem ideia do que significam estas palavras ...
— Por que parece triste quando diz coisas bonitas para mim? Por que nunca
deixo de notar que existe uma sombra por trás de cada sorriso?
— Você está com fome? Pedi para que trouxessem alguns pães e
frutas para a gente. — Mudo de assunto, porque não quero pensar em nada
que não sejam coisas boas. Não hoje.
— Muita. Você me esgotou — assevera.
— Essas são palavras que todo homem gosta de ouvir de sua
mulher.
— Eu não sou sua mulher.
— Não? O que você é, então? — Eu deveria estar me sentindo
irritado ou frustrado por causa de uma frase? Não! Mas é assim que me sinto.
— Fale.
— Sua namorada? — Ela então se levanta com cuidado, senta-se,
mas mantém o corpo coberto com o lençol. Eu o puxo de suas mãos e jogo
longe.
— Amor, não tem nada aí que eu já não tenha visto e gostado
muito. Não esconda o seu corpo de mim — Ela assente e tira as mãos que
tentavam encobrir os seios. — Nem sei se gosto mais quando age como uma
safada ou com timidez fora de hora.
— Eu não sou uma safada. Não na maior parte do tempo. —
Desvia o olhar encabulado.
— Mas é minha mulher? Porque a forma como me deixou te tocar
ontem me fez pensar que quer ser.
— Eu sou?
— Sim. Você é. Não só namorada. Minha mulherzinha para fazer
o que quiser comigo — digo, aproximo-me e mordo o seu seio, depois dou
uma chupada no mamilo.
— Então você é meu homem e pode fazer o que quiser comigo
também — devolve.
— É assim que funciona, bebê. Agora o seu namorado, seu
homem, e tudo mais que quiser que eu seja, deseja que você coma estes pães
e frutas.
Nicole, pela primeira vez, não tem nada a dizer, nem uma
pergunta para fazer, então começa a comer como uma draga.
Com a bandeja entre nós, a garota come e come. E come um
pouco mais. Eu não sei para onde toda a comida vai, porque não tem gordura
em excesso no corpo muito gostoso. E até onde eu sei, não faz nada para
mantê-lo assim. A academia era apenas um entre os seus muitos projetos na
época em que eu não conseguia acompanhar o seu raciocínio.
Eu a reencontrei mais calma, mas não menos contraditória.
— Como vai a sua arte? — indago, quando o ciúme pela atenção
que dá apenas para a comida me torna patético demais.
— Eu não estou pintando nos últimos meses.
— Por quê? Você é tão boa — pergunto, enquanto estudo o seu
rosto.
— Eu não sei... Não é estranho? Eu simplesmente não sei
explicar.
— Não, amor. Não é estranho. Coisas assim acontecem... mas é
uma pena, porque eu gosto muito do seu trabalho, e acredito no seu potencial.
E não falo só porque é minha namorada.
— Talvez eu volte. Sempre pinto quando estou muito feliz. Não
só feliz normal, mas feliz demais. Quando você foi embora eu fiquei triste.
Mas não como já fiquei outras vezes, a ponto de nem querer sair da cama.
Fiquei triste como uma pessoa normal.
Feliz demais.
Triste a ponto de não sair da cama.
Triste como uma pessoa normal.
Reúno essas informações na minha mente por algum motivo, que
não consigo compreender ainda.
— Que bom que está feliz, bebê...
— Feliz, mas não feliz demais — fala.
— Feliz demais não é bom? — indago.
— Não. Eu não durmo. — Mais informações sendo jogadas de
maneira bem natural. Nicole está tão empolgada comendo que nem percebe o
que diz.
— Então que bom que está apenas feliz — digo, mas tem algo
martelando no fundo da minha mente. Não quero pensar, porque me dá medo.
— Mas agora já chega, amor. Você já comeu o suficiente, não quero que
passe mal.
— Só mais um — pega o morango e o joga na boca. O sumo da
fruta escorre pelo canto esquerdo, eu limpo com a língua. Nicole geme, mas
não sei se por causa da fruta ou da minha língua.
Pego a bandeja, a coloco em cima do carinho e o empurro para
longe da cama. Olho para ela, que tem a mesma aparência bela de sempre,
mas tem um brilho diferente. Me pergunto se estará estampado em sua testa
que fez sexo novamente comigo, se os seus pais desconfiarão.
E se desconfiarem, será que eles me pressionariam a casar com a
filha?
Se eu acharia ruim? É claro que não. Talvez eu mesmo acabe
tomando as devidas providências para tê-la como minha de maneira
definitiva.
Se estou louco?
Talvez sempre tenha sido. Ela foi apenas a pessoa que
desencadeou os sintomas.
— Em breve terei de levá-la para casa — aviso quando puxo suas
pernas e a deito de costas na cama. — Uma pena. — Deito-me entre suas
pernas e lambo a boceta. Seu corpo protesta, então dou só mais um beijinho
no meu paraíso na terra e me arrasto para cima dela, sem pressioná-la com
meu peso.
— Está muito dolorida? — indago.
— Só um pouco. Nada que me impeça...
— Amor, não vamos transar mais hoje, mesmo que eu queira
muito te comer.
— Não queria me separar de você, Victor. Logo agora que a gente
se entendeu. O que farei com as minhas horas?
— Não faz essa cara, menina. Sabe que não resisto quando faz
essa boquinha. — Beijo-a E beijo-o mais um pouco por um bom tempo.
A gente se toca com bocas e mãos por cada parte do corpo do
outro. Gozamos mais de uma vez e já passa das vinte e uma horas quando a
levo para casa.
Quando paramos na frente da sua residência, fecho todos os
vidros, deixo-nos com o máximo de privacidade possível para beijá-la até que
seja o suficiente para aplacar um pouco da saudade que já sinto. Nos tocamos
e sou tocado por ela por tempo suficiente para que os vidros do veículo
fiquem embaçados.
— Já chega, freirinha. Você tem que ir...
— Eu não quero. — Porra, ela está rebolando a bunda gostosa no
meu pau.
— Também não quero. Estou ardendo de paixão por você, mas
tem que ser assim por enquanto, querida — digo com dificuldade de proferir
tais palavras. — Dê-me só mais uma vez sua boca e depois entre. Não olhe
para trás, senão sou capaz de te levar de novo e isso não será bom de maneira
nenhuma para o nosso namoro.
O beijo é cheio de desejo e fome. Enrolo a sua língua na minha,
sugo-a e faço movimentos como se estivesse fazendo o mesmo com o meu
pau na sua boceta. Por fim, termino com um beijo na sua bochecha.
— Eu sou louco por você — sussurro como um segredo só nosso.
— Eu sempre fui louca por você.
Beija o meu pescoço, se esfregando no meu membro duro.
— Eu te amo — declaro contra sua boca novamente.
— Te amo mais — ela declara contra a minha boca.
Mas agora as minhas mãos estão vazias. Ela entrou em casa e
ficou apenas o desejo. O seu cheiro em mim e no interior do carro.
O cheiro e o desejo. A convicção de que não vou aguentar muito
mais disso. Tenho que tornar Nicole minha esposa o quanto antes. Algo em
mim diz que não posso e não devo deixá-la longe de mim.
Ela precisa de mim por perto. Sei que precisa.
Talvez seja eu quem precise da Nicole.
Capítulo 25

NICOLE
— Pai, mãe, boa noite — cumprimento.
Olho para eles, mas não consigo por mais que alguns segundos.
Desvio o olhar e fico me questionando se eles sabem. Se de alguma forma
notam no meu rosto ou até na minha postura que eu fiz hoje o que pensam
que aconteceu entre mim e Victor há alguns meses.
— Boa noite, querida. O Victor te trouxe cedo — dona Lucy
comenta. Papai tira os olhos da Bíblia e faz a pergunta que eu sabia que viria
dele.
— Aonde você e aquele rapaz passaram a tarde toda? — Eu não
gosto de mentir para eles, mas hoje não posso ser sincera e falar que
estávamos no mesmo hotel que papai nos pegou antes. Menos ainda que
estávamos lá única e exclusivamente porque era o único lugar que teríamos
privacidade para fazer sexo.
— Ele me levou para dar uma volta no parque, depois fomos ao
cinema — digo.
— Está contente? — Para a minha mãe, saber dessa informação é
praticamente tudo o que importa.
— Mais do que um dia já estive, dona Lucy. Sei que para vocês é
difícil, porque eu e Victor temos vidas completamente diferentes, mas vai dar
certo. Nós faremos com que dê certo — afirmo, pois essa se tornou a minha
maior verdade no momento em que olhou em meus olhos e disse que me
amava.
— Que bom, filha. — Ela olha para o seu esposo, que já ajeitou
os óculos no rosto e voltou para a leitura. Não é como se não estivesse
interessado, ele apenas deixa para a mamãe a responsabilidade de conversar
comigo, pois ela sempre sabe como aconselhar. Ele ouve e interfere quando
acha que deve. Sempre foi assim entre nós três. — Agora vá descansar,
porque a sua carinha mente, e ela faz parecer que você gastou muita energia
hoje.
De repente começo a tossir. Ela se levanta e começa a dar batidas
nas minhas costas. Eu estou engasgada no meu próprio constrangimento.
Isso só pode ser castigo por ter transado antes de me casar, e por
estar mentindo sobre o assunto tão descaradamente. Eu só queria não ter que
passar por isso.
— Você está bem?
— Sim, não se preocupe... — Mais uma tossida. — Eu vou para o
quarto.
Saio apressada — com a mão na boca — e sem ousar olhar nos
olhos de nenhum dos dois. Ao me trancar, me escoro na porta e só então solto
a respiração que estava prendendo desde o momento em que entrei na sala.
Eu fiz sexo!
Eu não acredito que fiz sexo com um dos homens mais bonitos e
famosos do Brasil.
Pior, não acredito em tudo o que eu disse e deixei que Victor
fizesse com o meu corpo. Foi escandaloso, sexy e sujo... Sim, foi sujo. Nada
do que ouvi a respeito do que o sexo significaria chegou perto do que
realmente vivi.
Não foi só a união entre um homem e uma mulher, quando se
tornam um só depois do casamento. Não foi algo necessário para gerar um
filho. Os meus pais aprenderam dessa forma com os seus pais e assim me
ensinaram. Eu apenas não esperava que fosse possível sentir tanto prazer.
Quando desejava fazer sexo com Victor, queria mais do que tudo
a ideia de que assim ele se tornaria meu, igual acontece com um homem e
uma mulher depois do casamento. O que quase aconteceu depois do nosso
reencontro passou pela minha cabeça de uma forma que me fazia sentir
vergonha, mas simplesmente não pude deixar de pensar naquela noite como
uma oportunidade perdida de tê-lo preso a mim.
Felizmente, na maior parte do tempo eu fui racional o suficiente
para entender que não poderia obrigá-lo a ficar comigo por um erro que foi só
meu. Um erro que nos aproximou e me trouxe ao dia de hoje. O dia mais feliz
da minha vida.
Tudo entre nós foi perfeito. Cada toque e cada beijo. E a cada vez
que o seu corpo se uniu ao meu, eu me desfiz e me refiz em seus braços. E a
cada renascimento, eu era um pouco menos dona de mim, eu me tornava
dele, assim como ele se tornava meu.
Não sou ingênua a ponto de pensar que para o resto do mundo
fora das paredes da igreja onde cresci, o ato de se entregar física e
emocionalmente tenha o mesmo significado que teve para mim. Tudo o que
ele me fez sentir pouco teve relação com a minha criação, foi tudo por mim
mesma e por quem eu sou. E quem sou sentiu cada toque e em cada palavra
dita, que não estou mais sozinha.
Agora eu tenho mais alguém para me amar, e as partes sensíveis e
dolorosas do meu corpo contam histórias de amor e esperança. De paixão e
entrega. Eu não vou deixar nada estragar a minha felicidade, mesmo que, no
fundo, saiba que a maior ameaça seja eu mesma. Não por querer estragar
tudo. Só não sei como evitar.
Quando me deito na cama, sinto uma dorzinha entre as pernas,
mas ela só me faz sorrir. Não poderia ser de outra forma quando é a prova de
que ele esteve dentro de mim por muito tempo. Que ia e vinha com tanta
força e rapidez em alguns momentos. Lembro que às vezes fazia careta e
trincava os dentes porque queria se forçar a ir mais devagar, mas não
conseguia, porque o seu desejo por mim era maior que tudo.
Penso em cada uma de suas expressões. Os minutos se passam,
fico olhando para o teto, mas sem estar de fato o enxergando. Sou capaz de
ouvir na minha cabeça os sons dos seus gemidos, que às vezes pareciam os
urros de uma besta enfurecida.
E como foi bom quando me colocou em cima do seu colo e me
deixou ficar no controle. Teve um momento em que meu corpo ficou rígido,
só para então relaxar. Foi estranho sentir seu dedo rondando o meu ânus —
cuzinho, como o loiro falou —, mas, no meio do prazer de ter seu membro —
pau — na minha vagina — boceta —, tudo se tornou prazeroso. Só não sei se
algum dia o permitirei ir além, se na vag... boceta já me deixou assada,
imagina se não me partiria em duas se fosse por trás.
Em algum lugar, um som irritante me tira das minhas boas
lembranças. Espera... o celular! Meu celular está vibrando. A minha pressa de
ir em busca dele na bolsa é tão grande que enrolo um dos pés no pano da
cama e acabo tombando no chão.
— Ai, merda!
Mas eu não me entrego, junto os cacos da minha dignidade e vou
ao resgate do aparelho.
Que seja o Victor.
Que não seja o grupo de amigas da igreja.
Que seja o Victor.
Que não seja nenhuma corrente boba que eu nunca passo
adiante.
Que seja o meu amor, que não tenha parado de pensar em mim,
assim como não posso parar de pensar nele.
Eu não consigo parar de pensar em você, pretinha. Uma noite
não serviu para aliviar nem um pouco do desejo que sinto por você.
Estou ardendo, bebê. Preciso do antídoto que só a minha pretinha pode
me dar.
Pretinha
Freirinha
Eu simplesmente amo cada um dos apelidos que me deu. Desde o
início, as suas formas carinhosas de me chamar mostravam que eu era
importante de alguma forma.
Antídoto? Envio a resposta só para ler as suas safadezas.
A minha bocetinha. Apenas três palavras são necessárias para
me tirar do eixo.
Sua?
Todinha minha, assim como o meu pau só sobe para você.
Você diz cada coisa, meu amor. Envio.
Aposto que está toda sem jeito. Tenho que admitir que a sua
versão tímida me enche de tesão. Mas não quero sentir tesão quando não
estou com você. Quero saber se está bem.
Leio. Ele bem que poderia me ligar para eu poder ouvir o som de
sua voz.
Estou mais que bem. Estou em êxtase. Sei que já sabe, mas
você foi o melhor amante que eu poderia ter. Tornou tudo prazeroso e
não consigo parar de pensar em quando poderemos fazer de novo.
Melhor que escrever coisas atrevidas para o meu namorado, é
esperar por sua resposta.
Por mim poderia ser agora, garota insaciável. Mas você tem
que se recuperar de hoje. Além disso, não posso abusar da sorte com seus
pais. Eles podem pensar em nos casar, só porque não podemos ficar
longe um do outro.
Eu sei que Victor está brincando, mas, mesmo assim, o meu
coração dispara.
Seria tão ruim? Devolvo.
Não mais do que ficar longe de você. Não mais que não ter
acesso total ao seu corpo e as horas dos seus dias. Todos os dias.
Caramba, às vezes, Victor me deixa sem palavras. Ele é tão
intenso.
Amor? Eu poderia ter mandado quaisquer outras palavras, mas
tive medo de ter entendido errado. Que o meu coração seja iludido a esse
ponto.
Seria tão ruim assim?
Victor faz a mesma pergunta que lhe fiz há pouco.
Seria a melhor escolha que faria na minha vida. Mando, antes
de mudar de ideia.
Eu te amo. Durma bem, bebê. Amanhã vou dar um jeito de te
ver.
Amo você, loiro. Estou te esperando. Durma bem.
Embora Victor tenha mudado de assunto e se despedido depois
que declarei o desejo precipitado de ser sua mulher, ele disse que me ama. É
o que mais importa, digo a mim mesma, e volto para a cama.
O meu sono é tranquilo e livre de sonhos. Quando acordo, ainda
cedo, ligo o celular e sou bombardeada com mensagens no WhatsApp. Dessa
vez não é o Victor, e sim o grupo das meninas da igreja.
NICOLE, COMO ASSIM VOCÊ E O MURILO NÃO VÃO
MAIS NAMORAR?!
Marta, sempre sendo dramática.
Como sabem? Foi ontem à noite.
Ele disse para o Jefferson e ele me contou. Eu contei para as
meninas.
Luma explica.
Eu torcia tanto por vocês, apesar de você nunca ter
demonstrado que queria mais do que a amizade dele, ou de qualquer um
dos garotos.
Sinto o tom de repreensão nas palavras da Silvia. Para nós,
garotas que somos criadas na igreja, é comum crescermos com a ideia de que
a vida se resume em estudar, crescer e se preparar para se casar. Elas nunca
entenderam porque nunca tive o mesmo entusiasmo que elas com os meninos
da igreja. Eu também nunca tentei me explicar, e não acredito que fosse
preciso, porque ficou bem claro onde estavam os meus interesses quando
contei para elas a respeito do que aconteceu entre o Victor e eu meses atrás.
No fim das contas, ficam mais chocadas pelo meu comportamento
rebelde ter sido com o Victor do que com a rebeldia em si. Ainda não lidam
naturalmente com o fato de a minha família ser tão amiga da família de um
ator conhecido nacionalmente por suas boas atuações, escândalos e beleza.
Surtaram um pouco quando eu disse que quase me entreguei a ele.
E vão surtar muito daqui alguns minutos, quando contar que nós transamos.
Murilo não falou sobre o que aconteceu na festa dos
Salvatore?
Não.
Como assim?
E tinha um outro motivo além do fato de nunca ter parecido
que iria dar certo?
Elas mandam as perguntas quase ao mesmo tempo. As
fofoqueiras.
O Victor Salvatore voltou para o aniversário de casamento
dos pais.
Só agora que menciono, me pego pensando que não falamos no
assunto. Eu não tinha pensado até agora que Victor mora em São Paulo. Não
sei quanto tempo pretende ficar aqui e nem se passa pela sua cabeça um
namoro a distância.
Nós conversamos e decidimos assumir os nossos sentimentos.
Começamos a namorar hoje, fomos a um hotel, o mesmo da outra vez, e
eu perdi a minha virgindade com ele. E, só para que saibam, foi muito
bom. Bom de verdade.
Jogo a bomba toda de uma vez e me preparo para os surtos.
Primeiro me chamam de doida — embora eu sempre tenha me julgado como
sendo a mais ajuizada das quatro, pelo menos em tese, ou nas intenções.
Depois que o choque passa, elas me enchem de perguntas, querem saber de
todos os detalhes de como foi fazer sexo com um homem tão experiente.
Depois quiseram saber como será namorar com alguém famoso,
que tem a vida tão diferente da minha. A conversa com elas, e a visita na
parte da tarde, me derrubam de cima da nuvem cor de rosa em que estava,
porque não faço ideia de como será daqui para frente com tantos obstáculos
no nosso caminho.
Não vou deixar que estes pensamentos estraguem a minha
felicidade! Confio no Victor e no nosso amor. Vamos fazer dar certo. Quando
as minhas amigas curiosas vão embora, tomo um banho e tento pintar alguma
coisa enquanto meu namorado não dá sinal de vida.
Apenas 10 minutos depois de ter começado um esboço, sou
interrompida pelo toque do celular.
— Oi, amor. Boa noite — cumprimento.
— Quero te ver — diz.
— Os meus pais já foram dormir. — Acho importante avisar.
— Quer que eu entre, ou prefere sair?
— Melhor você entrar, mas preste atenção se não tem
nenhum vizinho na rua. Se te verem entrando aqui a essa hora...
— Serei discreto.
— Vou abrir o portão para você
Desligo e saio do quarto. Felizmente, meus pais se deitam cedo e,
a essa hora, já devem estar dormindo profundamente. Victor e eu só
precisamos ser silenciosos.
Abro a porta e o portão, o loiro vem direto me agarrar, mas eu não
deixo. Indico para a porta e ele entende que tem q ir direto para o meu quarto.
Antes de trancar o portão, olho para os lados e não vejo ninguém na rua.
O meu respiro de alívio só dura até o momento que me olho e
lembro que estou com uma blusa de alça que deixa metade da minha barriga
à mostra. A calcinha bege da vovó cobre metade da minha bunda. Pelo menos
os meus cabelos estão em ordem.
Quando entro, o encontro deitado de barriga para cima na minha
cama. Lindo de fazer minhas pernas tremerem.
— Você não deveria sair assim na rua, amor. Está gostosa demais,
e só eu posso te ver dessa forma — diz, e me puxa para cima do seu corpo.
— Não tinha ninguém lá fora. E não estou bonita com essa
calcinha — rebato.
— Para mim só estaria mais bonita se estivesse sem ela — diz,
concluo que só pode estar muito apaixonado para pensar assim.
— Pensei que não viria — revelo. Victor me deita na cama e
coloca o corpo parcialmente em cima do meu. Amo quando estou assim:
sentindo o seu peito colado ao meu, quando estou em contato com seu cheiro
e calor.
— Eu não poderia ficar sem te ver. Você está bem?
— O quê?
— Você sabe, a bocetinha...
— Ela vai muito bem, obrigada. — Victor sabe como me
desconcertar sendo tão direto.
— Então, não tem problema se eu testar? — Antes que eu diga
qualquer coisa, o homem desce a mão pela minha barriga e mete os dedos por
dentro da minha calcinha
Quando toca o meu sexo, não sinto nada mais que um leve
incômodo.
— Se recuperou rápido — conclui, então abaixa a cabeça e me
beija de uma forma que me faz ansiar pelo que vem depois.
Mas é claro que ele iria me frustrar de alguma forma, pois o
passatempo preferido do meu namorado é me surpreender. Quando penso que
fará uma coisa, ele vai e faz outra.
Primeiro me beija de forma obscena, quase engolindo a minha
língua. Me faz gemer dentro da sua boca, pegar fogo e apertar uma perna na
outra na tentativa de forçar sua mão a se mover. Quando faz o quero, o
começo também é meu fim.
A boca chupando meus mamilos e os dedos que me penetram não
demoram mais que alguns minutos para me fazerem gozar. Gozo com a boca
na sua, pois só assim para não correr o risco de acordar os meus pais e a rua
inteira.
— Eu... quero você dentro de mim, Victor. — A minha visão fica
turva quando o vejo chupando os dedos que até então estavam profundamente
metidos em mim.
— Você vai dormir, linda — afirma.
— Não vou, não.
— Não vou transar com você sobre o teto dos seus pais.
— Acabou de fazer isso de alguma forma — acuso. Estou irritada,
pois embora tenha acabado de gozar, quero mais.
— Foi um lapso. Sua culpa por me enlouquecer tanto.
— Mas você não... — Olho para a sua ereção, bem evidente no
tecido da calça.
— Não importa. Agora, é tudo sobre você e seus desejos, meu
amor. Estou te dando essa colher de chá, porque quando estiver acostumada,
você vai entender o que é ter um homem esfomeado, louco de tesão pela
namorada gostosa. Vou te pegar em todas as oportunidades que tivermos —
diz, e me deita de lado. Se ajeita as minhas costas de conchinha e sussurra
para mim: — É uma promessa.
Eu durmo com o seu braço bem firme na minha cintura, e com a
ereção cutucando a minha bunda. Entendo o que é ter um namorado que me
ama. Ele quer cuidar de mim, e coloca as minhas necessidades acima das
suas.
Não sei o que fiz para merecer, mas fui presenteada com o melhor
namorado. E eu o amo tanto, a minha vida está tão perfeita, que é como se
nada fosse capaz de abalar a mim e meu relacionamento .
Capítulo 26

VICTOR
UM MÊS DEPOIS
Um mês, quatro semanas, 31 dias com a mesma garota. Um
recorde que jamais pensei que iria bater. Antes, quando chegava a duas
semanas trepando com a mesma mulher, começava a me perguntar quão
babaca deveria ser para deixar claro que não ia mais rolar. Eu sempre era
direto, mas, na maioria das vezes, palavras não adiantavam. Sempre havia a
esperança de que eu fosse mudar de ideia sobre o fim.
Spoiler: eu nunca mudei.
Mas estou há semanas com a Nicole, mais conhecida por quem
nos rodeia como o amor da minha vida, e não vi nem os dias passarem. Dessa
vez não estou contando o tempo, pois parece que ele está trabalhando contra
mim. Os dias e as horas nunca parecem suficientes para eu estar com a
garota.
Hoje nós fazemos um mês e um dia que estamos juntos
oficialmente. Não cometi o erro de esquecer a data e ontem a presenteei com
uma pulseira de prata, com pingente em forma de pincel. Toda cravejada com
pequenas pedras de diamantes. A garota ficou muito surpresa, perguntou
quanto gastei, mas a fiz entender que precisa se acostumar, pois não é nada
perto do que ainda pretendo lhe dar.
Hoje é domingo, e os meus pais acordaram cedo para preparar o
jardim para o churrasco dos Salvatore e Montes. Um evento tão esperado
entre as duas famílias que há muito tempo tornou-se tradição. Da minha
parte, não lembro de ter me sentido tão empolgado em outras ocasiões como
estou para o dia de hoje. Bom, nos churrascos anteriores a pretinha não era
minha namorada. Eu também não esperava ficar mais tempo com ela.
Tempo e privacidade são artigos de luxo para nós dois. Apesar da
minha fraqueza pela garota, não esqueci quem é ela e tentei ao máximo
respeitar os seus limites, ou os impostos pelos meus sogros.
Não nos vimos todos os dias. Chegamos a ficar até dois dias nos
comunicando apenas por mensagens e ligações. Não poderia ser diferente,
pois sabíamos que antes de tudo tínhamos que mostrar para todos — embora
para nós sempre tenha sido um fato — que estávamos mesmo levando a sério
a nossa relação. Além do mais, com o desejo que sentimos pelo outro, não
iríamos muito além de um quarto de hotel para transar. Na verdade, foi o que
fizemos a cada oportunidade que tivemos.
Depois da primeira vez, Nicole e eu, que aparentemente somos
100% compatíveis entre quatro paredes, estamos ficando cada vez melhor.
Ela compensa a sua pouca experiência com entusiasmo, e eu a ensino como
me dar prazer. Também estou aprendendo o que dá prazer para a minha
freirinha. Sei o que fazer para que gema mais alto, até que ponto provocar
para que rasgue as minhas costas com suas unhas afiadas, e o que fazer para
tê-la gozando muito em meus braços.
Resumindo: Nicole Montes e eu somos fodas pra caralho.
O casal do ano, é o que diz uma parte da mídia, que tão
rapidamente descobriu sobre o meu relacionamento.
Eu não estava tentando manter a minha namorada em segredo.
Mas, por nós dois, queria que pelo menos no início fosse algo só nosso, que
ela não se deparasse com notícias nossas em todos os lugares, que não
percebesse que estávamos sendo perseguidos por fotógrafos, ainda que em
algumas ocasiões não pudéssemos vê-los.
Mas demorou apenas duas semanas para sermos vistos juntos e
reconhecidos como um casal. No primeiro dia choveram especulações sobre
o assunto em todas as mídias digitais, e o que mais me incomodou foi a
importância que deram, e continuam dando, ao tom de pele da minha
namorada.
Fizeram vistas grossas ao fato de Nicole, cujo nome e história de
vida foi exposta, ser mais jovem que eu. Não, o mais importante para os
abutres foi questionar nas entrelinhas de cada matéria a respeito do meu
interesse por uma garota negra de classe social inferior. Poucos sites usaram
de forma positiva a descoberta de que a conheço há muitos anos, que nossas
famílias são amigas. Os grandes veículos se aproveitam para especular
quanto tempo a nossa relação irá durar.
A minha assessoria de imprensa teve que entrar na jogada
soltando notas para abafar todas as especulações e matérias mais maldosas,
mas o impacto de eu ter finalmente assumido alguém foi maior e agravado
por ter sido com Nicole Montes.
Eu sei que tenho sorte de não estar gravando novela neste
momento, pois seria muito pior. Teriam especulações sobre envolvimento
meu com qualquer que fosse a atriz que estivesse contracenando comigo,
independente se ela fosse comprometida. Independente de eu ter namorada.
Nicole diz que não se incomoda, mas não sei o quanto disso é
verdade. E se for, por quanto tempo mais irá continuar assim?
Estou no meio artístico há muitos anos, ainda não sei lidar
totalmente com algumas coisas e acredito que, para se estar ao lado de uma
figura pública, o parceiro, ou parceira, tem que ter uma boa saúde emocional.
E apesar de a minha namorada ter se comportado como qualquer garota de
sua idade no último mês, não sai da minha cabeça a ideia de que nem sempre
é assim.
Eu, embora prefira ignorar e não a magoar sem motivos ao
abordar um assunto tão delicado, já cheguei a notar algumas mudanças na
Nicole. No início parecia uma montanha russa de emoções, e agora que
parece tão bem, ainda me pego sendo forçado a acreditar que não vi nela nada
que não tenham sido comportamentos normais de uma garota de sua idade.
Não tenho motivos mais fortes para ir em busca de respostas e,
acima de tudo, não posso imaginar que a minha mulher não possa lidar com o
relacionamento com alguém como eu.
Não, Nicole é perfeita tanto física quanto emocionalmente, e já
prometi a mim mesmo que não deixarei nada atrapalhar a nossa relação. Que
não deixarei que se torne difícil demais para ela. Minha mulher nunca
precisará sacrificar nada para ficar comigo.
— Ei, você sabe se os Montes já chegaram? — pergunto para a
moça que arruma os quartos, quando saio do banheiro só de toalha.
Vejo o seu rosto corar, ela abre a boca e gagueja. Quando abro o
sorriso cheio de dentes, chego a pensar que a mulher deixará as toalhas
limpas que carrega caírem no chão. Ela as coloca na ponta da cama e, enfim,
responde.
— Não. Mas ouvi a senhora dizendo que já estão a caminho —
diz, e praticamente corre para fora do quarto.
Eu rio alto de sua reação a mim de toalha. Nem parece que já está
aqui em casa há um bom tempo. Fazer o que se o meu charme faz isso com a
mulherada? Um sorriso meu e calcinhas são abaixadas. Uma piscadinha, o
resto das roupas são tiradas.
Mas só quero uma mulher tirando as roupas para mim e,
principalmente, abaixando a calcinha. Por mim ela nem usava calcinha na
minha presença.

Já está próximo das onze horas da manhã quando me aproximo da


janela e sinto subir o cheiro de carne assada. Meu irmão, que saiu do buraco
de onde se esconde, conversa com o nosso pai perto da churrasqueira. Ele
está um pouco sumido, e azedo, depois do que aconteceu com a Ellen no
aniversário de casamento dos velhos.
Ele só não sabe ainda que a verá muito em breve. E mal posso
esperar pelo embate dos dois. Também quero apresentar Ellen para Nicole,
assim a minha pretinha verá que não precisa ter ciúme. A loira é minha
amiga, e tenho certeza de que as duas se tornarão hoje. Não vejo como não se
darem bem.
— Temos aqui um milagre? Pensei que te encontraria na barra
saia da namoradinha.
Essas são as primeiras palavras do Alessandro quando me ver.
Geralmente ele é calmo, exala uma gentileza distante e fria para a maioria das
pessoas que o rodeiam, mas quando quer ficar azedo, as suas ironias são tão
irritantes quanto engraçadas, quando não se é o alvo delas.
— Fala isso porque queria ter uma namorada? — Devolvo ao
colocar meus óculos de sol, estilo aviador. Para ocasião, vesti uma camisa de
malha fria, shorts e o perfume que a minha garota adora.
Tenho que estar bonito. Quem sabe assim não desperto seu desejo
de subir para dar uma rapidinha comigo no quarto. Ela ainda não me deixou
comê-la no meu quarto, e a ideia está se tornando um fetiche.
— Se for gostosa como a sua, eu quero mesmo ter uma namorada
— provoca com rispidez.
— Você está chamando a Nicole de gostosa, seu filho de uma...
— Victor! Respeite a sua mãe!
Da churrasqueira, o seu Arnaldo nos repreende tal qual fazia
quando éramos crianças e saíamos no braço por qualquer bobagem.
Ficávamos de castigo juntos, e antes que acabasse fazíamos as pazes.
— Alessandro, não faça elogios tão íntimos à namorada do seu
irmão.
Ele me olha com a expressão fechada, mas logo começa a abrir
um sorriso. Os meus punhos relaxam, eu também sorrio para ele.
— Vejo que as coisas estão animadas por aqui. — A voz
melodiosa de Ellen Sales ecoa pelo jardim. Ela, pouco discreta, veio vestida
como estivesse indo à praia ao invés de um simples churrasco em volta da
piscina.
Na cabeça usa um chapéu grande de praia e nos olhos enormes
óculos de sol. Veste biquíni e uma saída de praia rendada por cima.
— Que bom que pôde vir, loira. — Aproximo-me e beijo o seu
rosto.
— Eu não tinha nada mais interessante para fazer nesse domingo
de sol — brinca.
— E teve que se contentar com um churrasco de família? Deve
ser um tédio para uma mulher tão ocupada quanto você. — Alessandro não
entendeu a brincadeira, ou talvez não tenha feito questão.
Ellen só precisa respirar para tirá-lo do sério.
— Seria melhor ainda se você não fizesse parte dessa família —
devolve, mordaz. — Eu vim única e exclusivamente para conhecer
formalmente a mulher por quem você é tão apaixonado, naquele dia não tive
a chance de me aproximar dela.
— Nicole está chegando. Mas vamos sair daqui, antes que o mau
humor do meu irmão nos contagie. — Nós dois damos as costas, mas antes
vejo o olhar furioso do cowboy nos seguindo até as espreguiçadeiras.
Ficamos conversando descontraídos por alguns minutos, mas a
minha atenção se perde no momento em que o carro do meu sogro estaciona
na garagem. O meu coração chega a errar a batida quando vejo minha
namorada, maravilhosa com os cachos presos no alto da cabeça e seu vestido
amarelo, vindo em minha direção.
— Você tem bom gosto, Victor. Ela é ainda mais bonita do que
me lembro — Ellen comenta e nós dois nos levantamos para cumprimentá-la.
— Quando conversar com ela, descobrirá que a beleza interior é
ainda maior.
— Você está muito bobo. Quem diria, não parece nada com o que
a imprensa vende — diz e sorri.
— Não se engane, querida, quase tudo que saia era verdade. Só
estou tentando ser o melhor para a minha garota.
— É lindo ver como o amor deixa um homem de quatro —
cantarola.
— E você, está assim pelo meu irmão? — devolvo.
— Prefiro ver uma verruga nascendo na minha bunda — fala
entre dentes, sem se dar conta de que a birra entre os dois é tesão encubado.
— Cuidado com o que diz... — Começo, mas tenho a fala
interrompida pela aproximação da minha gata, que não tem tempo de abrir a
boca, já que Ellen faz isso antes.
— Você é a Nicole. Esse cara fala tanto de você que eu sinto
como se já fossemos amigas. É uma pena que a minha agenda não tenha
permitido que nos encontrássemos antes.
— Eu... Você... — diz, pedindo socorro com os olhos. Às vezes
ela é tão tímida.
— Meu amor, essa é a Ellen, a amiga de quem te falei — faço as
apresentações, mas é a loira quem a puxa para um abraço e beijos efusivos.
Ellen se senta. Eu faço igual, e puxo a minha garota para o meu
colo. No começo, Nicole fica sem jeito, mas logo se solta e começa a
conversar com a loira como se fossem amigas de infância.
Elas falam tanto, mas tanto, que chega um momento que não
consigo mais ficar perto. A minha masculinidade não aguenta. Quando as
deixo sozinhas, me pergunto se não foi uma péssima ideia ter convidado a
Ellen. Eu queria passar mais tempo com a minha namorada, mas agora estou
tendo que dividi-la.
Elas almoçam juntas, comem a sobremesa ainda falando sem
parar. Sinto ciúme. Nicole tira o vestido e eu fico duro quando a vejo com o
seu comportado biquíni azul. Mas ela não me dá atenção, entra na piscina
com a loira, eu sinto mais ciúme ainda da atenção que não recebo. Mas não
estou só. Alessandro não tira os olhos das duas, e aposto que, assim como eu,
está se questionando como podem ter tanto assunto se acabaram de se
conhecer.
O meu respiro de alívio é tão grande quando Ellen diz que tem de
ir embora no meio da tarde, que não duvido que todos tenham ouvido. Não
consigo nem mesmo fingir que estou chateado com a sua partida. Meu irmão
está, mas não me importo o suficiente para provocá-lo.
Antes que Nicole tenha a chance de falar com qualquer outra
pessoa, a agarro embaixo da ducha fria. Antes de apertar a sua bunda, passeio
os olhos pelo jardim e me certifico de que os nossos pais não estão prestando
atenção em nós.
— Você foi uma menina muito má hoje. Não me deu atenção.
— Pensei que quisesse que eu conhecesse a sua amiga. Nossa
amiga — corrige-se. — Adorei a Ellen, ela é tão...
— Mimada?
— E doida — completa e sorri. — Mas é muito legal.
— Quem bom que gostou dela. Mas vamos parar de falar da
Ellen, porque você tem que me pagar pela falta de atenção. E quero que seja
agora, garota deliciosa.
— Pagar?
— No meu quarto. Vamos para o meu quarto.
— Victor, o que tanto quer fazer lá em cima? — Ela sabe, mas
gosta de me provocar.
— Você sabe muito bem.
— E os nossos pais? — questiona, mas está se esfregando em
mim, mesmo tendo a possibilidade de sermos vistos.
— Eles não precisam saber.
— É, eles não precisam.
Capítulo 27

VICTOR
— Você tem certeza, mas certeza mesmo... Ai! Pare com isso...
— Nicole protesta e geme enquanto nos esgueiramos pelos corredores da
casa que nos levará direto para o meu quarto.
— Eu sei ser discreto, amor. E não é como se os seus pais não
soubessem que a gente já transou — digo entre um beijo e outro no seu
pescoço. — Cheirosa.
Apesar de Nicole e eu termos transado no primeiro dia de namoro,
e de termos mantido uma vida sexual ativa nas últimas semanas, não me
passa batido o fato de que ela, em algumas ocasiões, deixa transparecer a
vergonha que sente das próprias vontades. Ela já externou falas sobre como
seria a reação dos pais se soubessem como tem sido intensa a nossa relação.
Da minha parte não há qualquer julgamento quanto a isso, pois
compreendo que cresceu com os seus próprios ensinamentos e não é tão fácil
jogar tudo fora para se adequar ao meu modo liberal de viver.
Eu nem quero que tente ser diferente, pois a Nicole por quem me
apaixonei é chamada de freirinha por algum motivo, e eu não mudaria nada
nela. O único que tem de fazer concessões sou eu, e faço com prazer, desde
que signifique que continuaremos juntos.
— Pare com isso, garota! — Nos poucos segundos em que a
minha mente viajou, Nicole aproveitou para apertar o meu pau por cima da
calça. Simples assim, ela não se importa de pular algumas etapas. Bom, eu
também não. — Tire a mão daí, se não quer que eu te foda bem aqui, contra
esta parede — ameaço. Ela ergue a sobrancelha.
— Eu quero que me...
— Foda? Você pode dizer palavras sujas tanto quanto eu, baby. Já
sabe falar pau e boceta, não é? — Tímida, ela balança a cabeça. — Então,
também pode dizer que quer que eu te coma, que te foda, ou que trepe com
você. Quando estamos mais românticos, a gente faz amor — digo, ainda
pressionando o seu corpo contra a parede.
— Eu quero que me coma contra a parede, mas não essa parede.
Alguém pode nos ver e contar para os nossos pais — diz, e até abaixa o tom
de voz, como se realmente tivesse alguém por perto para nos ver.
— Então sobe aqui que tudo acabará. Ou melhor, começará mais
rápido — falo, levo a mão para as suas coxas e as enrolo na minha cintura.
Carrego-a pela pouca distância que ainda falta, mas parece que os meus
passos não são rápidos o suficiente.
Quando chegamos à porta, ela já está com os dentes no meu
pescoço, como a pequena vampira que é. Não sei se ela acredita que não sinto
dor quando dá umas dentadas, mas não reclamo, pois a recompensa vem
depois, quando passa a linguinha quente e habilidosa no lugar onde mordeu.
E toda vez que tem a língua em qualquer parte do meu corpo, eu quase chego
a sentir como se estivesse no meu pau. Ele, que está sofrendo desde o
momento em que a sua dona chegou.
Não posso simplesmente vê-la de biquíni, mesmo que seja
comportado, e não a desejar. O problema foi ter que disfarçar a minha ereção
persistente durante uma tarde inteira. O problema foi não a ter por perto para
dar uma esfregadinha marota para acalmar o meu tesão, ou para deixar-me
mais excitado ainda.
E sim, ainda não me conformo de ter ficado babando de longe,
enquanto Ellen Salles monopolizava a atenção da minha mulher.
Penso em fazer como ela quer: colocá-la contra a parede, afastar a
barreira do biquíni, ainda molhado, e comê-la neste instante. Mas já fui muito
além de qualquer limite. Preciso de bem mais do que uma foda rápida.
— Você se divertiu hoje com a Ellen, não é mesmo? — indago ao
soltá-la.
— Muito — afirma, e faz uma careta. Não deve estar entendendo
por que estamos falando da loira logo agora.
— Eu, nem tanto. Fiquei em um canto, sedento por sua atenção.
Te vi de biquíni e não pude fazer nada. O tempo todo com o pau duro,
pensando se estava ou não sabendo disfarçar na presença dos nossos
familiares — explico. Subo a mão pela lateral do seu corpo e só paro quando
toco na sua nuca. Faço carinho por breves segundos, e então seguro com
firmeza os fios de cabelos encaracolados ali perto.
A sua cabeça cai levemente para trás, o suficiente para que veja o
meu rosto melhor, ou até onde a sua baixa estatura permite.
— Foi mesmo? Pobrezinho. O dia deve ter sido difícil para você.
Eu sinto muito — fala, mas não é verdade. Está me provocando.
Uma verdade sobre a minha namorada: ela não tem medo das
palavras. Sempre que pode, tenta me levar ao limite. Nem pensa no que pode
estar fazendo com o meu corpo, e o desejo sem limites. Ela simplesmente não
pensa nas consequências. Quando consegue uma reação minha, arregala os
olhos, me fitando como se não pudesse acreditar que eu faça, ou diga, coisas
tão sujas para ela.
— Não. Você não sente muito. Mas me deixou assim, e agora tem
o dever de me recompensar.
— O que... está fazendo? — indaga, embora seja óbvio que estou
ficando nu.
— Tire a porra desse biquíni, Nicole! — Ela não protesta. Quando
começa a se despir, eu já não tenho mais nenhuma peça de roupa.
É sempre um prazer vê-la se despindo para mim, mas melhor
ainda é perceber o quanto ainda fica desconcertada quando me vê pelado.
— O seu corpo é lindo — elogia, os olhos passam pelo meu
abdômen forjado durante anos frequentando academias, depois para o meu
membro que, literalmente, baba por ela.
— Tire a parte de cima, amor — insisto. Nicole leva as mãos para
trás, desfaz o nó, e então eu tenho seus peitos perfeitos só para os meus olhos.
A minha boca saliva, primeiro para os biquinhos duros, que se
parecem com duas jabuticabas, depois pela bocetinha sem nenhum pelo. E se
conheço bem a mulher que tenho, está pronta para me receber em seu calor.
— Fique de joelhos — peço em tom de exigência. Estou fazendo
um papel aqui e, se ela colaborar, o nosso prazer será maior no final. — Não
faça essa cara de menininha virgem assustada. Já fez isso outras vezes e
gostou. — Quando falo, um sorriso malicioso lhe escapa. E sejam quais
fossem as ideias que passavam por sua cabeça, está claro que não pensou que
estaria se ajoelhando para me levar com a boca.
Garota estranha.
Estranha, linda e minha.
Ver minha freirinha de joelhos é demais para mim. Os seus olhos,
famintos e inocentes ao mesmo tempo, são um soco no meu coração. Eu
chego perto, com o pau bem próximo da sua boca, e sentindo tudo ao mesmo
tempo. A dor de amar e desejar uma pessoa como se ela fosse o meu próprio
ar.
Sempre que me sinto dessa forma, a amo como se o amanhã não
fosse existir. Tento aliviar o que parece me sufocar, mas fico ainda mais
consciente desse amor. Sensível a ela de uma forma que me rouba o fôlego,
mas que me faz ir atrás de mais doses de uma necessidade que tem se tornado
o meu maior vício.
— Chupe — peço.
Ela está com a cabeça um pouco curvada para trás, e os olhos
perturbadores em mim quando coloca a língua para fora e a passa bem
lentamente na cabeça robusta do meu pau. Eu me preparo para a tortura, para
deixar que brinque, como gosta de fazer por vários minutos até me ter
implorando para gozar na sua boca, mas Nicole, como sempre, me
surpreende.
A mulher simplesmente engole o meu pau até onde consegue me
levar. Não tem sutileza, ou qualquer brincadeira provocativa. Os olhos cheios
de fogo ainda estão em mim quando engole e tira. Faz a pressão necessária
para que eu urre de prazer. Arranha levemente com os dentes antes de tirar e
voltar a chupar.
— Porra! Calma, amor, você vai... — Paro quando a sinto forçar
pela garganta com os olhos cheios de lágrimas. Nicole nunca tinha ido tão
longe. — Vai acabar comigo.
Mas Nicole não para até que eu sinta as minhas pernas fracas. Até
que todo o sangue das minhas veias corra para o meu membro. Seguro a sua
cabeça com firmeza, incerto se a afasto ou forço ainda mais a boca no meu
sexo.
— Eu vou gozar na sua boca, porra! Eu preciso fazer isso... —
Embora esteja um pouco insano por causa da boca quente e macia, ainda
consigo focar seu rosto e ler nele a aceitação. A minha namorada não se
importa de eu derramar a minha porra na sua língua, no seu rosto, ou nos seus
peitos. Ela diz sem precisar proferir palavras que é minha para que faça o que
quiser.
Então eu faço. Chamando-a de gostosa, de minha puta e nomes
muito mais sujos, que só nos permitimos em momentos como esse, gozo na
sua língua e nem sei explicar o que sinto quando a vejo engolir tudo.
— Puta. — Nicole ainda ousa passar a ponta do dedo indicador no
canto da boca, limpando-a, e depois chupando-o com sua carinha de virgem
safada.
— Só para você. Sempre para você, Victor Salvatore. — A forma
de pronunciar o meu nome, como se fosse uma reverência, faz o meu corpo
querer reagir segundos depois de ter chegado ao ápice.
— Venha aqui. Agora é a minha vez.
Levanto-a, pego em meus braços e a jogo de costas sobre a cama.
Nicole dá uma gargalhada alta e abre as pernas. Ela está tão molhada que
brilha. O meu tesão por essa garota esperta ainda vai me matar.
Com a boca cheia d’água, puxo o seu corpo para a beirada da
cama, e as pernas ficam para fora. Fico de joelhos, como ela se ajoelhou para
mim, e coloco suas pernas macias em cima dos meus ombros. “Cair de boca”
chega a ser um eufemismo para o que a minha fome faz conosco. A minha
língua parece não ser grande, ou veloz o suficiente para todas as terminações
que desejo alcançar.
Para ter mais de seus gemidos, corpo se contorcendo sobre a cama
e quadris se erguendo, exploro seu canal com chupadas, lambidas e até
mordiscadas nos seus lábios vaginais. Mas também uso um dedo, que agora
ela deixa entrar até o fim, no seu cuzinho. Fico mais duro só de imaginar o
dia em que poderei fodê-la aqui também. Tão apertado e tão gostoso...
A forma como o seu corpo tenciona evidencia que está muito
perto de gozar, e por mais que queira sentir o seu gosto na minha língua, não
posso mais esperar para estar metido dentro do seu corpo. Eu necessito estar
profundamente ligado a essa mulher. Nos desmanchar no prazer cru e depois
recomeçarmos tudo outra vez. A segunda melhor do que a primeira. E a
terceira melhor do que a segunda.
— Vamos dar um passeio, gostosa. — Desço suas pernas dos
meus ombros, levanto o seu tronco e a pego com os braços no meu pescoço e
pernas enroladas na cintura.
Como Nicole queria, a levo para a parede. Mas não qualquer
parede, é a mesma que fica ao lado da janela.
— O que você está fazendo? — indaga alarmada.
— Imagina só: nós dois do lado da janela. E se todos pudessem
nos ver enquanto faço isso? — Penetro-a até o fim, profundamente dentro do
seu calor escorregadio. — E isso? — Passo a me mover lentamente, indo
devagar e saindo até ficar só com a cabeça robusta do meu membro.
— Não vá tão devagar, amor. Eu estou muito excitada para
suportar que seja assim — fala, por alguns segundos esquecendo da
preocupação anterior. — Mas você não deixaria que nos vissem assim... Ou
deixaria?
— Não. Eles não conseguem nos ver. Mas não significa que não
estão em uma reunião inocente e familiar, enquanto trepamos aqui em cima.
Uma sensação muito, muito gostosa.
— Você não vale nada, Salvatore... — geme. — Isso, assim
mesmo, loiro.
— Gostosa do caralho! — O som dos nossos corpos se batendo se
espalha pelo ambiente. Os gemidos que nos escapam é a trilha sonora
perfeita, mas não alto o suficiente para calar os meus pensamentos, para parar
o desejo que começa a se formar. — Quero te ter assim para sempre, todos os
dias. — Entro e saio com força e energia. — Diz que me quer dessa forma.
Diz que não vou enlouquecer de paixão sozinho.
— Não. Você não vai. É como se nunca fosse ser o suficiente.
Nunca vai passar, não é? Essa febre... ela nunca vai passar entre nós. — As
suas unhas afiadas estão cravadas nas minhas costas. Nicole sempre dá boas-
vindas as minhas investidas, seja qual for a intensidade.
Nicole nunca me nega nada, deve ser por isso que sempre quero
mais dela. Sempre mais.
— Não vai passar. Os dias sem nos vermos, em que não podemos
fazer isso, não se tornarão menos difíceis. — Demonstro com uma investida e
uma mordida no seu seio. Estamos perto, tão perto... — Te quero para mim,
Nicole. Eu...
Não diga isso, Victor. Não ainda, não dessa forma.
— Quero me casar com você...
No instante em que as palavras saem, nós dois chegamos ao
orgasmo. E enquanto os nossos corpos sofrem espasmos por ter alcançado o
prazer máximo, nos encaramos com olhos assustados. As palavras lançadas
estão se assentando dentro de cada um de nós. Elas ganham significado.
E apesar do momento, enquanto a vejo tão de perto, tão ligada a
mim de todas as formas, não consigo parar de desejar o que minha boca
proferiu.
É muito cedo, com certeza! Mas, ainda assim, eu quero me casar
com Nicole.
Capítulo 28

NICOLE
DUAS SEMANAS DEPOIS
— Já é a terceira vez que o celular toca. Você não vai atender? —
Dona Lucy, que acaba de entrar com uma pilha de roupas dobradas sobre as
mãos, indaga.
Ela as coloca na minha cama para que eu as guarde depois, mas
não sai do quarto. Fica parada, me observando com o cenho franzido.
— Eu estou bem, não precisa me olhar com essa cara, Dona Lucy
— digo, muito interessada em olhar para o teto em cima da minha cabeça.
Estou deitada desde a hora em que acordei e não penso em levantar tão cedo
da cama macia. Por que eu levantaria?
— Tem certeza? Não te vejo tão desanimada desde... Bem, tem
um tempinho — fala.
— Mamãe, por favor! — digo, ríspida demais. Eu não costumo
falar assim com as pessoas, sobretudo, com os meus pais. — Todo mundo
tem os seus dias ruins. Não é só porque estou deitada até agora que estou
surtando.
— Filha...
— Saia do meu quarto! — exijo e dou a conversa por encerrada
ao cobrir o meu rosto com o lençol, que cheira a algum produto floral que
mamãe usa para deixar todas as minhas roupas cheirosas.
Mamãe...
Eu não devia tê-la tratado tão mal. Não ela, a pessoa que mais se
preocupa comigo. Ela, que mesmo tendo suas reservas quanto ao assunto, e
se envergonhe disso, tenta, à sua maneira, me entender. Lucy tenta quando
até mesmo eu desisti. Não sei se foi por medo, ou pelo risco de descobrir que
sou mesmo uma pessoa muito, muito ruim.
Mas talvez não seja tão má assim, considerando a minha
capacidade de ainda chorar.
Quando sinto as lágrimas rolando pelo meu rosto e molhando o
colchão, a culpa sempre vem, mas ela não é o suficiente para domar o meu
temperamento. O mau humor que me compele a explodir com tudo e todos.
Mas eu sempre digo a mim mesma que é apenas um dia ruim, que
às vezes dura tanto que os dias se tornam semanas. Tempo suficiente para
magoar todas as pessoas que amo.
E há também a TPM, a cólica de todos os meses que me faz
imaginar que são mãos de garras afiadas apertando as minhas vísceras. A dor
me deixa prostrada e, dessa vez, tenho a desculpa perfeita. Só não sei se para
dar a mim mesma, ou para os meus pais — que me conhecem demais para
acreditar — e meu namorado, que não para de ligar.
Sei que não estou sendo legal ao ignorá-lo dessa forma. Mas é
melhor assim. Ser covarde por fugir de uma simples ligação é melhor do que
deixar que o Victor me veja na minha pior versão. Se me visse assim, ele
terminaria comigo. Que pessoa aguentaria tanto? Os meus pais o fazem
porque são meus pais, afinal de contas.
Estou bem. É só a TPM, depois a gente se fala.
Envio a mensagem.
Não é a primeira, mas parece que meus textos curtos não o
convencem. É uma merda que Victor também já saiba muito sobre mim. Em
um dia comum eu teria corrido no primeiro toque. Nós teríamos ficado
conversando durante vários minutos, ou até mais de uma hora.
Por favor, não ligue de novo!
Não ligue de novo!
Você não vai querer lidar comigo. Não hoje, talvez nem mesmo
amanhã. Ontem já foi muito estranho quando eu simplesmente quis ficar
quietinha na sua cama. Sem sexo. Sem amasso. Apenas deitada de lado.
Victor não disse nada. Não me pressionou, mas ficou do meu lado.
Às vezes virávamos de frente para o outro e ficávamos nos
encarando. Seu olhar era de carinho, mas não podia esconder que estava
entediado. Não falava com palavras, mas eu via que Victor não era capaz de
entender — não sei se um dia será — como eu poderia preferir ficar deitada
quando o dia de verão estava tão bonito lá fora.
Embora tenha dito no momento em que as nossas mentes estavam
afetadas pelo sexo, há duas semanas a sua frase tem pairado como um peso
entre nós. Depois que nos afastamos naquele dia, eu não disse nada sobre o
assunto, ele também não. Não reafirmou o pedido, mas também não negou
que o tenha feito. E Victor poderia ter justificado que só disse o que disse
porque estava muito envolvido no prazer para pensar direito em suas
palavras.
Uma justificativa perfeita, mas meu namorado nunca a usou. Não
sei se quer realmente se casar. Nem mesmo tenho certeza se quero que ele
queira se casar comigo, embora o meu coração exploda de felicidade sempre
que lembro. Mesmo que um sorriso se abra quando imagino nós dois como
marido e mulher. A nossa casa, os nossos filhos. O nosso amor, que fica cada
dia maior e mais forte.
Mas em seguida me lembro que seria o começo do nosso fim.
Ter-me todos os dias ao seu lado faria o loiro se cansar de mim. Não por falta
de amor, mas por não saber lidar com os meus humores e fases. Eu mesma
não sei como lidar comigo. Eu mesma não gosto de mim em momentos que
duram mais do que deveriam.
O smartphone toca novamente muito perto da minha orelha, o
som me irrita, então pego o aparelho e o jogo com tudo na parede.
Acho que cometi um erro muito grande ao seguir em frente com
essa relação. Como posso submeter a pessoa que amo a alguém tão
problemática como eu?
Embora todos aqui em casa, até mesmo eu, tenham medo de dizer
em voz alta, que temam admitir, a verdade é que eu tenho sérios problemas
psicológicos, são tantos que não dá para elencar tão facilmente, mas, acima
de tudo, sou depressiva.
Eu preciso completar o pensamento pela primeira vez: Sou uma
pessoa que tem depressão.
VICTOR
— Porra! — O som da minha voz ecoa junto com o aparelho
celular se estilhaçando na parede para qual foi arremessado. — O que
acontece com essa garota idiota?
Não! Ela não é idiota!
É só minha namorada agindo como uma idiota, mas ela não é
assim. Ela não é a pessoa que não atende as minhas ligações. Pelo menos, não
era até hoje. Mas, pelo menos, tem o lado bom disso tudo, quebrei a porra do
aparelho e não tenho mais como ficar como um otário se arrastando por causa
de uma garota que já deixou claro que não está a fim de falar comigo ao
mandar mensagens curtas e impessoais, ao invés de atender as porras das
minhas ligações.
Nicole está estranha, e não é de hoje. Ontem parecia um gatinho
manhoso que veio até em casa, subiu na minha cama, se alinhou entre os
meus lençóis e não quis mais sair. Eu me senti só, mesmo estando com ela do
meu lado. Depois me senti culpado por ser tão egoísta quando confessou que
estava um pouco dolorida por conta do período menstrual.
Fui à farmácia para ela, coloquei compressa morna em cima da
sua barriga e fiz o que podia para que ficasse bem. A noite a levei em casa,
mas a preocupação continuou, pois sei como o período menstrual pode ser
desconfortável para algumas mulheres. Por isso liguei tantas vezes desde a
hora em que acordei. Por preocupação, estou tão frustrado com o seu
afastamento brusco.
Mas não é só preocupação. Se trata de necessidade. Eu necessito
dessa garota para seguir em frente e nem posso dizer quando foi que
aconteceu. Não gosto de pensar sobre isso, pois me assusta pensar que uma
garota tão jovem tenha tamanho poder sobre mim.
O fato de não atender minhas ligações pode não significar nada,
mas, de alguma forma, sinto que algo está fora do lugar nessa história.
Não quero pensar que possa ter sido por causa do meu estupido
pedido de casamento, enquanto estava gozando dentro dela — sem
preservativo, item desnecessário no futuro, pois conversamos sobre o assunto
e ela começou a tomar pílulas anticoncepcionais.
Pode não ter parecido por causa da forma ridícula que fiz, mas eu
quis mesmo dizer que queria me casar com minha namorada. Quando as
palavras escaparam, por um momento pensei que poderia me casar com ela
naquele mesmo dia. Eu teria explicado o que as minhas palavras
significavam, mas Nicole não perguntou.
Em duas semanas nenhum de nós dois falou sobre o que eu disse.
Eu poderia até acreditar que o momento de prazer não permitiu que Nicole
ouvisse e entendesse, mas o peso do significado do meu pedido paira entre
nós. Tem vezes que estamos juntos, e os seus olhos parecem pedir por uma
explicação.
Talvez tenha cometido um erro e a garota acordou depois de duas
semanas querendo fugir por não estar preparada para um passo tão grande.
Eu, com os meus trinta e três anos de vida, mais rodado que prato de micro-
ondas, não me perguntei se estou ou não preparado para um casamento, para
dividir a minha vida com alguém, e seria muita hipocrisia da minha parte
exigir que ela esteja.
Preciso falar com a minha pretinha. Ela não tem de ficar mal por
isso. Eu posso esperar pelo tempo que for necessário por Nicole Montes. A
gente pode até mesmo passar a vida trepando às escondidas, desde que
signifique que a tenha comigo. Que seja minha, e somente minha.
— Filho? — Uma batida na porta. Olho em volta, mas fora o
celular espatifado no chão, está tudo no lugar. Eu andava de um lado para o
outro com a mente fervilhando, mas está tudo bem.
Tudo bem. Nada de surto.
— Entre, mamãe. — Não queria falar com ela, ou qualquer outra
pessoa, mas é minha mãe. E dona Dirce é mais teimosa que eu.
— Eu acho que ouvi um barulho... — Interrompe-se quando vê o
celular morto no chão. — O que houve?
— Nada — minto, mas é em vão.
— Nada? Vamos lá: você é meu filho bem-humorado, irreverente,
e que quase nunca está irritado. Desde pequeno foi assim, nunca ficou irado a
ponto de jogar um celular contra a parede. Isso — aponta para o maldito —
não me parece ser nada.
Às vezes eu me esqueço que ela é uma psiquiatra e entende mais
de comportamentos do que a maioria das pessoas. Não é fácil mentir para ela.
Os seus olhos de águia estão sempre atentos. Analisa tudo, e acredito que não
possa resistir depois de tantos anos exercendo a profissão.
— Mamãe, por favor!
— Já está tendo problemas com a Nicole? — indaga, usando as
palavras erradas.
— A minha namorada não é um problema, dona Dirce —
assevero.
— É claro que não é. Aquela menina é um anjo na vida de nossas
famílias. Quando ela nasceu, você e seu irmão já eram adolescentes, então foi
uma alegria termos uma criança para animar as nossas reuniões.
— Eu não me lembro dela — digo, por um momento
envergonhado.
Não posso entender como não me importava com Nicole até o
nosso reencontro. Mal notava sua existência, embora sempre tenha estado por
perto.
— Ela sempre acompanhava você e seu irmão com os olhos.
Acho que sentia falta de outras crianças quando vinha aqui, mas isso mudou
quando foi ficando mocinha. O olhar dela para você era diferente, e isso
chamava a minha atenção. Não chegava a me preocupar, afinal, você era um
homem e ela tinha apenas quinze anos. Você jamais olharia para ela como
mulher — diz.
— A senhora estava errada — falo.
— Estava. Mas estou te contando isso para que entenda que eu
amo aquela menina como uma filha. E apesar de ter meus receios, não tenho
nada contra o namoro de vocês.
— Mas?
— Tente ser cuidadoso. Nicole é diferente das outras garotas da
idade dela em muitos sentidos.
— Está querendo me dizer alguma coisa?
— Talvez, mas não aflija o seu coração antes da hora — pede. Eu
me pergunto se ela não sabe que palavras desse tipo surtem efeitos contrários,
porque já me deixou preocupado. — E seja qual for o problema que tenha
feito com que destruísse o seu celular, resolva com ela. Não quero que meus
filhos sofram— fala e deixa o meu quarto.
Nicole é diferente das outras garotas da idade dela em muitos
sentidos.
Tenho muito a pensar. Talvez questioná-la mais para entender o
que quis dizer, mas tenho algo mais importante para fazer. Não suporto esse
silêncio, e Nicole vai me dizer o que está acontecendo. Ela não pode
simplesmente passar por problemas sozinha. Eu sou o namorado dela, porra!
Eu sou... Eu quero ser necessário, não alguém de quem se
esconde.
Capítulo 29

VICTOR
— É... — De repente, as palavras fugiram da minha mente.
Desaprendi a falar e poderia simplesmente fingir um desmaio bem aqui, na
porta da casa da minha garota, enquanto sou observado por trás dos óculos do
senhor meu sogro. — A Nicole?
— Sim, esse é o nome da minha filha — fala sem paciência. Mas
também estaria se tivesse uma filha e o namorado dela viesse bater na porta
no meio da tarde. Em pleno meio da semana.
— Eu gostaria de vê-la — afirmo.
Ele me olha com o cenho franzido. Se fosse preciso apostar no
que passa pela sua cabeça, diria que está se questionando como me perguntar
se eu não trabalho. Para o meu constrangimento, eu teria dito que não, já que
pouco considero como trabalho as fotos que tenho tirado para uma famosa
marca de roupa masculina. Não é como filmes, ou novelas em que tenho uma
rotina bem mais pesada.
— Vou chamá-la. Entre. — Escancara a porta, a sala parece
silenciosa demais.
Por um segundo, sou tolo por sentir medo do senhor que não deve
fazer mal a uma mosca. Mas sabe o que é isso? Consciência pesada por estar
saindo com frequência com a filha dele para transar.
Não que a minha consciência fique pesada o suficiente para parar.
É só mais um pecado nas minhas costas.
— Pastor. — Chamo antes que se encaminhe para o quarto. — Se
me permite, eu gostaria...
Pelo amor de Deus, não me faça completar essa frase!
— Gostaria?
— De eu mesmo chamar ela... Dentro do quarto. — Jogo a
bomba. Eu o olho, ele me olha de volta sem dizer uma palavra. Tenho a
sensação de que o ar ficou escasso.
— Algum problema? — Minha sogra entra na sala quebrando o
silêncio. — Que bom que veio ver a Nicole, ela vai ficar feliz.
— Vai mesmo? — indago, sem conseguir conter o tom de ironia
na voz. Nicole não parece nem um pouco ansiosa para me ver, ou falar
comigo. O fato de estar me esnobando passa uma mensagem clara.
— Vai, afinal, você é o namorado dela, querido. — Ela diz,
entrelaçando as mãos na dele, e não deixo de notar a ênfase no namorado.
— Ela está bem?
— Entre, e veja por si mesmo. — Não foi bem uma resposta. Eu
gostaria de estar pelo menos preparado para o que terei de lidar, se é que será
preciso. Talvez ela só não queira mais saber de mim e não tem coragem de
terminar.
Não! Não pode ser isso.
Como não pensei nessa possibilidade antes? Tudo bem que
Nicole disse que me amava há três dias, mas pode ter mudado de ideia, não
é? Pessoas mudam de ideia, ainda mais quando se é jovem.
— Filho, você está se sentindo bem? — ouço a voz distante de
dona Lucy. A minha cabeça está cheia com uma ideia absurda e sufocante. —
Ficou pálido de repente.
— Não é nada. Se me permitirem, vou até o quarto falar com a
minha namorada.
— É claro. — Quando os meus pés me levam no modo
automático para o quarto da pretinha, me obrigo a pensar em algo para
impedir que ela parta o meu coração.
Não tenho qualquer dúvida de que seria isso que aconteceria
comigo se Nicole me deixasse. Eu nunca precisei correr atrás de mulher
nenhuma, mas hoje estou preparado para implorar. Não tenho mais orgulho
quando se trata dessa menina, quando se trata do amor assustador de tão
intenso que sinto por ela.
Ao abrir a porta, faço com cuidado. O quarto tem as cortinas
fechadas, embora o sol brilhe lá fora, e por mais que deseje a escuridão,
alguns raios ainda atravessam o tecido e me permitem vê-la bem. Minha
namorada está deitada de lado, de costas para a porta. Encolhida em posição
fetal, nem ao mesmo percebeu a minha invasão no seu espaço.
Olho em volta e parece tudo bem. Paro por um segundo no
cavalete que já tinha visto antes. Ainda tentando ser discreto, vou até ele, tiro
o tecido que o cobre e vejo um quadro inacabado. É uma pintura que não tem
como definir o que exatamente ela é, mas dá para visualizar parte de corpos e
figuras geométricas. As cores predominantes são escuras, entre preto e tons
de roxo. Toco no tecido de tinta seca, o que significa que está há dias sem
trabalhar na obra inacabada.
Certa vez, Nicole me disse que pinta quando está feliz, então, se
não consegue nem mesmo terminar o que começou...
— Meu amor, o que está acontecendo com você? — Agacho-me
perto da cama e acaricio seu rosto. Ela parece ter adormecido.
Mas o sono não era tão profundo, pois depois de fazer uma careta
que parece ser de dor, a pretinha abre os olhos e me encara. Por um
momento, continua na mesma posição e me chama atenção o fato de os
braços estarem sobre o seu ventre.
— O que faz aqui? — murmura.
— Você está bem? — Devolvo a pergunta. Sem pensar no que
faço, deixo que a minha mão recaia na sua barriga. Ela afasta os braços e eu
desço a mão para a parte que fica abaixo do umbigo. Ouço-a gemer baixinho
de puro alívio antes de me afastar.
— Não me toque! — Por que ela está tão irritada?
Nicole se senta com as costas contra a cabeceira da cama, subindo
o pano até acima da cintura para fugir do meu toque.
— O que está acontecendo? Te liguei várias vezes e você não
atendeu as minhas ligações. — Olho-a de cima, quando queria mesmo era
estar na cama como ela, tocando no seu corpo quentinho.
— Eu não queria falar com você. Se quisesse, teria te atendido —
fala com rispidez, irritada, mas também triste. Depois, Nicole aponta para um
canto perto da parede, mostrando-me o celular quebrado no chão.
Eu fico sem reação, pois embora eu mesmo tenha feito igual, isso
não é algo que Nicole faria. Não ela.
— O que foi que eu fiz com você? Por que está me tratando dessa
forma, menina?! — indago. Apesar de estar chateado, sinto que estou a um
passo de perder a paciência com ela.
Amo uma mulher mais jovem, mas não estou a fim de lidar com
uma criança. Não a essa altura do nosso relacionamento.
Não! Não aja assim, senão vai piorar a situação, Victor.
Primeiro você tem de tentar entender. Alguma coisa deve ter acontecido, ela
não está assim só por causa das cólicas menstruais.
A voz da minha razão, sempre mais sensata que eu, grita.
— Eu não quero falar com você, não hoje. Eu só...
— Se foi algo que fiz...
— Não foi, você não fez nada. É perfeito, e não merece ficar com
alguém como eu. Merece muito mais, Victor. Por que ainda está aqui?! —
esbraveja e, do nada, começa a chorar.
Mas não é um choro bonito ou contido. Nicole literalmente abriu
o berreiro como um bebê. E esses pensamentos idiotas são só para encobrir o
fato de que estou cada minuto que passa mais preocupado. A garota é
simplesmente uma bomba relógio de emoções.
— Eu te amo, vou falar isso e insistir até que entenda que não vou
embora daqui. Não vou te deixar, nunca! — assevero, sento-me ao seu lado e
a puxo para cima do meu colo. A abraço muito apertado quando coloca a
cabeça no vão entre o meu pescoço e ombro.
— Você não devia estar aqui — afirma, a voz sai abafada, porque
Nicole se recusa a levantar a cabeça para me olhar. — Não podia me ver
assim.
— E por que eu não poderia ver a minha mulherzinha chorona
dessa forma? Diga-me. — Seguro sua cabeça com as duas mãos e faço com
que me olhe. Ela está... Linda.
Uma completa bagunça com a voz fanha por causa do choro, os
cabelos assanhados em volta do rosto e, ainda assim, penso que nunca esteve
tão maravilhosa. Agora estou feliz, porque apesar das circunstâncias, estamos
aqui. Posso sentir o calor do seu corpo no meu.
— Não estou mal só por causa da cólica — diz.
— Eu sei — assevero.
— Sabe?
— Já te conheço bem. Ontem você estava com cólicas e,
estranhamente, quieta, mas estava comigo e não recusava as minhas ligações.
— Me perdoe — pede, faz biquinho e não me privo de dar uma
mordida no lábio inferior. — Mas ainda estou de mal humor, irritada, e posso
gritar com você.
— Eu deixo você gritar comigo. Pode ser malcriada, desde que
não me deixe do lado de fora, desde que não me afaste — afirmo. — Posso
suportar tudo vindo de você, mas não que me afaste.
— Eu não te mereço. Nunca mereci — diz e volta a choramingar.
Mas ela engole o choro, olha bem para mim e começa a desabafar: — Não sei
o que acontece com a minha cabeça. Nunca soube.
— Ninguém sabe. Todo ser humano é complexo por natureza.
— Não. No meu caso é diferente, sempre foi assim, minha família
e eu tentamos tapar o sol com a peneira. Os meus pais oram por mim,
acreditam que um milagre fará com que eu aja como uma pessoa normal, mas
isso não vai acontecer. Sabe por quê? — Balanço a cabeça negativamente,
mas tenho medo do que vou ouvir. — Eu estou doente. Não, na verdade, sou
doente.
— Pare com isso, você é perfeita! — falo com veemência, mas o
meu coração está na garganta. Não entendo onde a minha namorada quer
chegar.
— No início, quando eu era criança, era mais sutil, não parecia
algo fora do normal. De uns anos para cá, tudo está mais intenso. Eu não
consigo mais controlar, funcionar direito.
— Não estou entendendo, amor — confesso, Nicole continua
falando, como se eu não tivesse a interrompido em nenhum momento.
— Lembro com clareza da primeira vez que aconteceu. Eu
acordei tão cheia de energia e elétrica, que naquele dia decidi pegar os meus
desenhos para passar para as telas. Também comecei a fazer um monte de
planos para o futuro. A minha mente simplesmente não parava. Foi a
primeira vez que passei a noite em claro.
— E não é maravilhoso se sentir assim? — pergunto, porque não
dá para entender por que isso a incomodaria. — Se sentir feliz, não é o que
todos nós queremos?
— Sim, eu amo a sensação de que o mundo é meu, de que posso
fazer tudo o que me proponho e ter sucesso, porque sou capaz e posso tudo.
Era assim que estava me sentindo naquela primeira noite.
A noite mais louca da minha vida. Se alguém me contasse que eu
estaria aqui hoje, apaixonado pela garota que vi crescer dentro da minha casa,
eu teria rido. Ainda me recordo do dia em que a encontrei dormindo
profundamente na minha cama. Nicole havia me dito que passou a noite em
claro.
— Então, qual é o problema?
— Você dorme comigo, passa muito tempo do meu lado e sabe
que não sou assim. Eu sou tímida, Victor. A Nicole que normalmente sou, a
que fui criada para ser, não ri alto demais, não foge de casa e quase transa
com um astro da televisão. A Nicole que normalmente sou gosta de dormir,
não de passar noites em claro.
— Eu gosto da Nicole que me seduziu no nosso primeiro encontro
— provoco, embora esteja sendo sincero. O clima está pesado, e não gosto de
vê-la tão vulnerável. — Você, tímida?
— Você é um caso à parte. O que sou, ou o que deixo de ser, não
importa quando se trata de você. Mesmo que eu prefira acreditar que existe
uma justificativa para ter ligado para o pastor naquela noite, não tenho
certeza de que não seria capaz de fazer de maneira proposital para que
olhasse para mim — confessa, eu fico impressionado. Ela fala o que pensa
sem medo do meu julgamento. — Não sou uma boa pessoa como pensam...
— Freirinha, não se deprecie dessa forma. É a melhor pessoa que
conheço. Mesmo se tivesse sido proposital, o final da história seria o mesmo,
nós dois apaixonados — afirmo. Enquanto a ouço, deixo que minhas mãos
acariciem suas costas por baixo da camisola, que está embolada na cintura
desde o momento em que se sentou do meu colo, uma perna de cada lado do
meu quadril.
— Às vezes eles me dão calmante, mesmo que eu sinta que não
preciso disso. Fazem isso para cuidar de mim, mas também para não serem
envergonhados por mim perante as pessoas que nos respeitam. Se eu tivesse
tomado naquela noite, não teria pulado a janela.
— Calmante. Eles fazem isso sem prescrição médica? — Mas que
merda está acontecendo com essa família?
Não sou da área, mas sei que é muito errado tomar esse tipo de
atitude.
— Às vezes é preciso — responde como se estivesse lendo a
minha mente e prossegue, alheia ao quão mexido estou com tudo o que ouço.
— Por mais que seja maravilhosa a sensação de poder ser tudo, e quem eu
quiser, confio nos meus pais, e sei que só querem o meu bem. São eles que
me impedem de sair por aí fazendo e falando besteiras. Tenho ciência de que
nem sempre a felicidade e euforia fazem bem para o espírito. Há momentos
em que tudo o que ele precisa é de paz. Se nem sempre posso conseguir essa
paz por mim mesma, os calmantes ajudam.
— Não sei o que dizer, nem o que pensar... — confesso, a minha
mente está uma confusão.
— Eu entrei em pânico quando acordei naquele quarto e não vi o
seu rosto. Estava de costas, então não percebi que era você ali. Enquanto
ligava para o meu pai, só conseguia me martirizar por não ter tomado o
comprimido que mamãe havia deixado. Eu deveria ter obedecido.
— Ei, não chore, meu amor.
— Foi um erro.
— Não, não foi — digo. — Eu percebi muito rápido que não tinha
me preparado uma armadilha. Você negou e eu, no fundo, sempre acreditei
na sua palavra. E se foi um erro, nós dois erramos.
— Não.
— Nicole, fui com você porque quis. Desejei você no momento
que apareceu na minha frente, linda e diferente do que eu lembrava. Não teria
feito nada daquilo se não tivesse te desejado mais do que a minha razão
prejudicada podia compreender. Iria te querer da mesma forma, mesmo se
não tivesse colocado uma gota de álcool na boca.
— Não fale essas coisas... — pede.
— Eu te amo.
— Até quando? — indaga, subitamente triste. É como se as três
palavras a machucassem. — Por períodos maiores, e sem quaisquer razões
que justifiquem de fato, me torno uma pessoa irritada, que grita sem motivos.
Sou a namorada que não atende as ligações, que te pede para que vá embora.
— Está querendo dizer...
— Afasto as pessoas que amo porque não quero despejar as
minhas merdas nelas, embora nem sempre consiga evitar. O que estou
querendo te dizer é que, e me perdoe se estou fazendo isso só agora, por não
ter te dado uma escolha antes, sou uma pessoa depressiva. Já houve dias que
mal consegui me levantar da cama. E, infelizmente, esses dias são muito mais
longos do que os que estou ligada no 220. Ou os que sou apenas eu... —
interrompe-se e me encara com os olhos cheios de lágrimas. — Na verdade,
não sei quem eu sou. Não lembro mais.
Nicole me abraça, e eu a aperto. A minha mente e o meu coração
estão desconectados no momento. Não sei bem como, ou o que dizer para ela.
Só preciso abraçá-la e deixar que me abrace de volta. Fazê-la sentir que ainda
estou aqui e não vou a lugar algum. Não sem ela.
O peso da culpa também começa a me rondar por ter sido tão
cego. Por não ter dado importância quando percebi alguns sinais. Ela, desde o
início, tem dado sinais de algo errado.
— Eu queria voltar no tempo, para quando não sabia que sou uma
bomba relógio.
— Amor... — começo, mas Nicole não me deixa falar.
— Um dia... Eu tenho medo desse dia...
— Não termine essa frase — peço.
— Você vai se cansar. Vai deixar de me amar. Eu vou fazer isso.
Sua vida será um inferno, então vai se lembrar de hoje, de quando estava
ignorando as suas ligações. Quando o fardo ficar pesado, talvez se arrependa
de ter se apaixonado por mim, a garota que sofre de depressão.
Capítulo 30

NICOLE
Eu acredito em cada uma das afirmações que acabam de sair da
minha boca. E não existe nada de bom em ter essas convicções enraizadas em
mim. O meu coração se parte, minha respiração se torna difícil e cada osso
meu dói com essa perspectiva.
Não o ter para mim. Não ter os seus beijos e os cuidados. Não
ouvir o seu peito contra o meu e os nossos corações batendo fortes e no
mesmo compasso. Mas o que mais fará falta são os seus olhos verdes. A
forma como me olha, como sempre olhou. Victor me encara como se eu fosse
o seu bem mais precioso, como se o fato de estarmos assim o mantivesse
vivo. E deve mesmo ser assim, se me ama da mesma forma como o amo.
Os meus sentimentos por este homem assustariam pessoas como
os meus pais. Aprendi que tudo em demasia é errado. É pecado. Mas eu já
cometi tantos pecados que amar com uma intensidade assustadora não muda
nada.
Ele não para de me olhar, as últimas palavras pairando entre nós,
pesadas, mas certeiras. Tristes, mas realistas. Uma realidade que eu daria
tudo para não ter ciência dela, mas as coisas são como são e não podem ser
mudadas.
Eu poderia ser diferente. Poderia ser uma pessoa melhor e deixá-
lo antes de estragar tudo, antes que perca esse olhar que me dá agora. Mas
sou covarde e muito egoísta para deixá-lo ir. Egoísta demais para ser nobre.
Antes que tudo acabe, antes que me perca dentro da minha mente insana em
algum momento, que sinto cada dia mais próximo, posso e quero ser egoísta,
quero sentir o gosto do seu amor junto com o meu amor, tudo de bom e ruim
que vier atrelado aos nossos sentimentos, afinal, são os nossos sentimentos
que nos tornam Victor e Nicole.
Eu só queria dormir por dois dias...
Estou tão cansada.
Cansada de falar.
Cansada de pensar.
Cansada de sentir medo.
Cansada de não saber quem sou. Sem ter qualquer certeza de que
amanhã ainda serei a mesma que sou hoje. Se ainda estarei odiando a mim e
ao mundo, ou se estarei bem comigo mesma e com o mundo, acreditando
que, se quiser, posso até mesmo tocar as estrelas.

VICTOR
Você vai se cansar. Vai deixar de me amar. Eu vou fazer isso. Sua
vida será um inferno, então vai se lembrar de hoje, de quando estava
ignorando as suas ligações. Quando o fardo ficar pesado demais, talvez se
arrependa de ter se apaixonado por mim, a garota que sofre de depressão.
— Você só pode estar muito cansada para dizer uma coisa dessas,
Nicole — digo, com a voz estranha para os meus próprios ouvidos, depois de
vários minutos absorvendo o impacto de cada uma de suas palavras, ouvindo
vez após vez cada afirmação dita com muita certeza. Como se não pudesse
ser de outra forma.
— Eu estou cansada, mas isso não é...
— Cale a boca! — falo entre dentes. Sem pensar muito no que
faço, subo a mão e agarro com firmeza os fios de cabelos próximos a sua
nuca. — Só cale a boca, por favor...
Eu estou desesperado!
Nicole solta a minha mão dos seus cachos e me abraça. Muito
apertado, eu abraço sem saber se estou, ou não apertando muito. Não sei se é
ela, ou sou eu quem não estou no meu juízo perfeito, porque a minha mente
está uma bagunça, o meu coração tão acelerado que tenho medo de perder os
sentidos.
Eu a amo.
Eu a amo.
Eu a amo.
A minha mente grita sem parar. Muito alto. Desesperada demais.
Eu nunca vou te deixar. Nunca.
Nunca
Vou
Te
Deixar
— Eu nunca vou deixar de te amar, Nicole Montes — falo com
palavras, sem saber ao certo quanto tempo passa até que consiga formar uma
frase que faça sentido.
— Você não sabe se...
— Eu sei — digo. — Pode gritar comigo e me mandar embora,
mas não vou. Nunca. Amo você com todas as suas imperfeições, assim como
sei que me ama.
— Eu queria poder... Você sabe. — É claro que sei, ela está
querendo colocar sexo na conversa, uma tentativa desesperada de mudar de
assunto.
— Hoje não, mas te amo mesmo assim. — Afasto-a, e beijo o
bico de desgosto que está fazendo com a boca.
Não acredito que ela esteja realmente a fim de transar, só pensa
que me deve isso depois de ter dito com tanta certeza que irei deixá-la. Ela
está com medo.
— Agora você vai se deitar, como uma boa menina, e dormir —
assevero, mas ela nega com a cabeça. — Sim, você vai. Estou vendo que não
dormiu bem ontem à noite. Está cansada.
— E você? — Sei exatamente do que tem medo, apesar de não ter
atendido as minhas ligações, de não ter me desejado por perto até que eu
viesse atrás.
Porque embora uma parte de sua mente esteja em algum tipo de
surto que a fez fazer e dizer coisas estranhas, a outra me quer do seu lado.
Essa parte que me ama, que sabe que não podemos nos separar, porque seja
qual for o problema, ele ficará menor se estivermos juntos.
— Eu não vou embora. Quando acordar vai me sentir bem aqui,
do seu lado — afirmo.
Então a tiro com cuidado de cima das minhas pernas, a deito de
lado virada para a parede, e me deito às suas costas. Nos coloco de
conchinha, melhor posição para momentos como esse, e a abraço apertado. A
minha mão sobe a barra da camisola até que consiga tocar na sua barriga.
Começo com carinhos circulares, mas faço de tudo para não pensar na
calcinha que usa, e nem na bunda muito gostosa.
— Melhor assim? — indago, depois de um tempo acariciando sua
barriga dolorida, bem no ponto onde me ensinou para aliviar as dores da
cólica menstrual.
— Hum... — A resposta é quase um gemido. E, pela respiração, já
está quase adormecendo.
— Tomou algum analgésico para aliviar a dor? — Nicole balança
a cabeça sutilmente, e eu continuo a fazer carinho no seu abdômen.
Após alguns minutos, quando vejo que está dormindo, levanto-me
e a cubro. Beijo a sua bochecha e sussurro:
— Vou falar com os seus pais, mas já volto, querida. — Outro
beijo. E outro mais demorado no canto da sua boca antes de sair.

Ao chegar à sala, o pastor está sentado no mesmo lugar de antes,


mas agora faz algumas anotações. Certamente fazendo um sermão. A minha
sogra, ainda jovem para a idade, faz algo com a linha de barbante azul e uma
agulha.
— Ela dormiu — digo para que notem a minha presença. Sem que
seja preciso um convite, sento-me no espaço vazio do sofá em que a senhora
Lucy está.
— Que bom. Talvez estivesse mesmo precisando de você —
pondera ela. Pela forma como o casal troca um rápido e preocupado olhar,
eles sabem que tem algo de errado. Nicole não está bem.
— Vocês vão me dizer o que está acontecendo com a Nicole? —
começo, um pouco arrogante, mas respiro fundo e recomeço com mais
humildade para não correr o risco de estragar tudo. — Não é a primeira vez
que ela age dessa forma? — A minha fala é mais uma afirmação do que uma
pergunta.
— Nicole é uma menina perfeitamente saudável tanto física
quanto psicologicamente. — O pastor fala, completamente na defensiva,
então eu entendo que seja qual for o problema, eles preferem, talvez por
medo ou falta de informação, fechar os olhos.
— Eu não disse o contrário, sogro. — O corpo do homem
endurece com o tratamento. — Mas eu preciso entender o que está havendo.
Acredito até que tenho esse direito, considerando que a filha de vocês é a
minha namorada — falo.
— Por quanto tempo? — Meu sogro pergunta.
— Até o dia em que eu colocar duas alianças no dedo dela. A
primeira para chamá-la de minha noiva, a segunda para chamá-la de esposa.
— Se acalmem vocês dois! Não é desse tipo de conversa que a
minha menina precisa agora. — Lucy interrompe a troca de gentileza entre o
marido e eu. — Gonçalo, já está na hora de você aceitar que os dois se amam,
e não vão terminar esse namoro agora. Talvez nunca terminem, diferente do
que muitos parecem esperar — fala. Surpreendo-me com a sua sensatez.
Enxerga o que os outros se recusam. — O que quer saber, meu filho?
— Depois de ter se recusado a falar comigo, Nicole me disse
algumas coisas bem confusas, mas preciso que me expliquem melhor o que
acontece com ela. Preciso que me contem tudo o que sabem. — Dona Lucy
olha para o marido, ele acena sutilmente, como se estivesse concordando com
a ideia de eu saber de tudo a respeito da minha garota.
— Nicole sempre teve um humor instável, mas também é
inteligente acima da média desde que começou a frequentar a escola. Se
destacou em tudo o que fez no colegial. Os professores até falaram algo a
respeito de um tal QI elevado, que Gonçalo e eu nunca entendemos muito
bem.
“O fato de ser muito inteligente a ajudou muito porque minha
filha nunca frequentou a escola como deveria. Ela só ia às aulas quando se
sentia bem. No início, quando eu a forçava ir sem estar bem, ela sofria por
não conseguir criar laços com os colegas. Minha filha sempre foi diferente
das outras garotas.”
A sua fala causa um misto de emoções. Fico orgulhoso, pois ela é
mesmo muito inteligente, nota-se por suas pinturas geniais, mas também me
sinto incomodado, pois sinto que o fato de ser diferente nunca foi algo bom
para ela.
— Para uma garota, ser diferente não é algo bom? — indago,
apenas para ter certeza.
— Não. As mudanças de comportamentos passaram a ser mais
recorrentes na adolescência, mas nós dois acreditávamos que estava apenas
sendo rebelde como todo adolescente. Mas ela foi piorando, e chegou o
momento em que não podíamos mais fingir que não era nada. Piorou quando
fomos morar no Paraná, foi lá que começou o sofrimento dela e o nosso.
— Ela tinha dezesseis anos — comento, a senhora assente e
prossegue.
— As orações e jejuns não têm surtido efeito. Ela não melhora
por tempo suficiente para que digamos que o mal foi embora. A nossa filha...
Ela tem a alma atormentada. Não consegue viver em paz por um ano inteiro.
Por muitas vezes esteve agitada a ponto de não conseguir dormir, de pedir ao
pai para fazer coisas que nunca havia mencionado, como ter aulas de piano, ir
à academia e muitas outras atividades que, na maioria das vezes, não leva
adiante.
“Tirando a pintura, nada a prende por tempo suficiente. Então ela
fica irritada, agressiva em suas palavras sem qualquer motivo. Mas até aí
podemos ajudar de alguma forma, ou, pelo menos, suportar. Mas não
podemos lidar com a tristeza dela, quando passa dias, meses ou até semanas
sem sequer sair da cama.”
Quando termina, a minha sogra já está chorosa. Eu mesmo me
seguro para não me colocar em posição fetal em algum canto e chorar. Mas
não posso ser essa pessoa que chora, não agora que preciso fazer alguma
coisa para ajudar a minha mulher. Agora que posso entender melhor a
situação, vou ajudá-la, porque não pode ser de outra forma. Se Nicole não
estiver bem, eu também não estou. Essa é a lógica.
— Ela disse que toma remédios, mas, com todo respeito, vocês
não podem fazer isso sem prescrição médica. É perigoso. Por melhores que
sejam as intenções, podem estar piorando o estado dela.
— Não tínhamos outra opção — o pastor fala pela primeira vez.
— A opção óbvia era buscar ajuda médica — afirmo entre dentes,
os punhos cerrados para não ir até a parede e socá-la com toda a minha força.
— A minha filha não está doente — ele fala.
Tenho vontade de confrontar o homem, mas não pioro a situação.
— Sim, ela está. Não se curará com orações, por mais que
acreditem nisso — assevero ao me levantar e ir na direção da porta. Quando a
abro, volto e digo. — Não pensem por um segundo que estou fugindo. Eu só
preciso ficar sozinho por alguns minutos, e também comprar um celular novo
para a Nicole. Se ela acordar, digam que vou voltar. — Termino, e saio sem
saber se tinham mais alguma coisa para dizer.
Preciso respirar! Digo a mim mesmo quando parto em disparada
para o carro.
Preciso pensar.
Preciso fazer alguma coisa.
Provavelmente, a minha namorada está com uma doença
psicológica complexa, mas não posso admitir em voz alta.
Ainda não.
Capítulo 31

VICTOR
Caminhando pela avenida movimentada, já com o aparelho
celular novo na mão, pessoas passam por mim, alguns até apontam por
estarem me reconhecendo, mas não me importo com a falta de disfarce. Eu
rio no automático para as que se aproximam, mas os meus pensamentos estão
muito longe.
Na verdade, não estou me importando com nada. Os meus olhos
estão ardendo, porque estou preocupado, mas também me sinto culpado por
não ter prestado mais atenção na minha namorada. Estava tão empenhado em
recuperar o tempo perdido que ignorei o que estava evidente desde o início.
— Olhe por onde anda, porra! — Esbravejo quando esbarro com
tudo em alguém, dando pouca importância ao risco de estar sendo filmado ou
fotografado.
— Que gentileza a sua, meu caro Salvatore.
— Carlos? — No estado em que estou, ele é a última pessoa que
eu gostaria de encontrar.
— Esse é o meu nome — diz, com um sorriso rasgado no rosto,
que não combina com o meu estado de espírito. Ele me olha com o cenho
franzido por um tempo.
— Eu estava indo ao shopping, mas acho que tem alguém
precisando de uma bebida — assevera. Será que está tão na cara assim que
estou na merda?
— Não vou beber, Carlos.
— Tudo bem, vamos andar e conversar um pouco — sugere. Eu o
olho em silêncio por alguns segundos, depois aceno. Se o meu irmão
estivesse aqui na cidade já teria ligado para ele. Como não está, Carlos vai
servir.
Não pretendo falar da minha namorada, mas preciso distrair a
minha mente com seus delírios antes de voltar para ela. Se for do jeito que
estou agora, não saberei como agir.

— Você tinha que ver, Salvatore, a garota pediu o autógrafo só


porque tinham outras pessoas à minha volta, mas depois perguntou quem eu
era... Porra! Era para ter sido engraçado — reclama.
— E foi — digo.
— Estou vendo você chorando de rir — ele provoca. — Nunca te
vi assim, Victor. Pensei que estaria rindo à toa por causa da sua namorada
que, com todo respeito, é uma gracinha. Terminaram?
— Não — falo.
— Está assim por causa dela? As mulheres são complicadas, mas
a sua tem cara de que é um anjo.
— Ela é, mas não é só isso. Nicole também é complexa, e não sei
se sou o suficiente para ela, meu amigo — desabafo, mesmo que tenha dito a
mim mesmo que não ia falar sobre ela. — Mas quero ser, você me entende?
Nós estamos caminhando pelo parque há uns vinte minutos, e só
agora comecei a prestar atenção na nossa conversa.
— É claro que te entendo. Pareço ser apenas um idiota
deslumbrado com a fama, mas já tive a minha cota de desilusões amorosas.
Perdi uma mulher maravilha por imaturidade minha, por não ter sido o
homem que ela precisava, e me arrependo até hoje.
Assim que termina de falar, olho surpreso em sua direção.
Simplesmente não consigo enxergar ele, sempre tão mulherengo, como um
homem apaixonado. Não quero ouvir sobre a sua desilusão amorosa, quando
tenho a minha cota de problemas, mas sei que vai falar mesmo assim.
— Duda não se abria, e eu não entendia como podia ser tão
confusa. Não tinha nem certeza se me amava, ou se me odiava.
Deve ser uma barra viver assim. Pelo menos eu tenho certeza de
que que a minha namorada me ama. Ela também é um pouco confusa às
vezes, hoje mesmo me fez questionar se ainda me queria... Não, Victor! Não
vá para esse lado.
— Eu imagino que deve ter sido mesmo um péssimo namorado
para ter chegado ao ponto de não saber se era correspondido. — Tento
provocá-lo, embora nunca tenha o visto tão sério. Parece que meu colega de
trabalho amava mesmo a tal ex.
— Para quem não entende parece surreal, mas não é, meu caro.
Havia um período em que ela era pura energia. Queria sair todas as noites, e
até o nosso sexo ficava melhor do que era normalmente — diz, um sorriso
involuntário surge quando me lembro da Nicole.
Lembro-me de quando nos conhecemos. De como ela falava sem
parar, e de vários assuntos ao mesmo tempo. A diferença é que aquele não
era o seu estado normal. A Nicole de hoje é outra.
— Não estou entendendo aonde você quer chegar. A garota era
perfeita, te dava os melhores orgasmos, e mesmo assim a perdeu? —
questiono, cada vez mais confuso e curioso.
— Os primeiros meses de namoro foram perfeitos, mas Duda
começou a ter atitudes estranhas. A mulher era maravilhosa, eu não me via
mais sendo feliz sem aquele furacão, então ela passou a não atender as
minhas ligações, a ficar distante. Não entendia onde eu tinha falhado para que
tivesse mudado tanto. Eu perguntava, mas ela não me dizia o que eu tinha
feito de errado. Quando aceitava sair comigo, parecia que estava indo a força.
“Duda não cuidava mais da aparência, não se importava de comer
quando íamos à restaurantes, e muito menos em manter uma conversa. A
primeira vez que aconteceu coincidiu com uma viagem de trabalho e eu
passei um mês fora da cidade. Quando voltei, ela era a mesma de sempre, era
como se a que deixei antes de partir nunca tivesse existido”.
Cada palavra saída de sua boca, de um relato que parece real
demais, causa um arrepio que começa dos dedos dos pés até os fios de
cabelos da minha cabeça.
No início, a comparação com Nicole parecia uma bobagem, mas
agora a minha mente viaja para o passado recente.
A Nicole cheia de energia que conheci. A Nicole de agora, a
garota retraída e triste.
A Nicole que foi parar em um quarto de hotel comigo sem pensar
nas consequências. A Nicole que tentou me afastar por medo de si mesma.
São mudanças grandes, que aconteceram em curtos períodos de tempo, como
aparentemente aconteceu com a ex-namorada do Carlos.
Sobretudo, lembro-me da conversa que acabei de ter com os meus
sogros sobre a sua instabilidade emocional.
As engrenagens da minha mente começam a querer juntar fatos, a
criar suspeitas, mas me recuso a seguir adiante, deve ser apenas coincidência.
A minha mulher tem motivos para agir como age, a dele dever ser apenas
uma mimada. Alguém sem coragem de dizer que o relacionamento subiu no
telhado.
É essa a impressão que tenho, enquanto o ouço falar. Mas não foi
isso que pensei mais cedo quando Nicole se recusou a atender as minhas
ligações?
Porra!
— E o que aconteceu depois? — indago. Preciso ouvir mais.
— Depois? — Devolve, e me irrita.
— Depois que voltou de viagem, caralho! Não disse que ela
estava bem?
— Estava, mas não estava — fala, eu olho feio, então Carlos
conserta. — Ela era a mulher feliz com quem namorei durante meses, mas
estava mais magra e desempregada. Como era modelo, descobri com alguns
amigos que tinham trabalhado com ela que a mulher sempre tinha dado
problemas. Às vezes não comparecia para algum ensaio, ou era indisciplinada
com a equipe dos contratantes. Era estranho, porque Duda sempre me
pareceu muito dedicada ao trabalho.
Mais uma vez me lembro da Nicole. Segundo os seus pais, ela
tinha problemas de frequência na escola, além da dificuldade para fazer
amigos.
— Do jeito que fala, parece que são duas pessoas diferentes —
comento. No momento, a minha cabeça está latejando de dor. Os
pensamentos se misturam, hipóteses surgem, mas uma se sobressai, a mesma
que rondava a minha mente enquanto dirigia até aqui.
— Emoções diferentes. Mudanças de humor — ele diz o que eu
esperava ouvir.
— O que você está querendo dizer? — Ainda assim, preciso ouvi-
lo confirmar com todas as letras. O meu coração está batendo tão forte que
posso ouvir as batidas nas minhas têmporas doloridas.
— Depois de quase dois anos de um círculo vicioso, de ela se
escondendo, e eu ocupado demais para prestar atenção de verdade nos seus
problemas, quando já não restava nada da nossa relação para ser salva, ela me
contou a verdade.
— Que verdade? — pergunto.
— A verdade de que Duda havia mentido para mim, que havia
sido diagnosticada com a síndrome de bipolaridade há anos. Ela estava tendo
problemas para se adequar com o tratamento, mas não pensou em me falar a
verdade. Por medo de me perder, por medo do julgamento de outras pessoas,
ela transformou o nosso relacionamento em uma mentira.
“O nosso namoro não foi fácil, pelo contrário, foi uma montanha
russa do início ao fim. É difícil se relacionar com uma pessoa bipolar, muito
difícil. Senti na pele, mas daria tudo para ter aquele amor de volta. Apesar de
tudo, dos surtos, das brigas e altos e baixos, tivemos momentos de alegria.
Duda foi a única mulher que amei.
— Eu sinto muito — digo, sentindo um nó na garganta depois de
tudo que ouvi.
— Eu também sinto por não ter sido sensível o suficiente. Por não
ter enxergado ela de verdade, antes que não houvesse mais relação para ser
salva — ele desabafa.
Um relato de comportamentos que se encaixam, e um diagnóstico
que não deve ser fácil de chegar. Três palavras que fazem uma chavinha virar
na minha mente. Como se um bloco de concreto estivesse caindo em cima de
mim, permito que as palavras escapem dos meus lábios.
— Síndrome de bipolaridade...
As mudanças de humor, a fase agitada e a retraída. Ela pensa que
é depressiva, a tratam como se fosse, mas talvez não seja apenas depressão.
Talvez eles estejam a medicando da maneira errada durante todos esses anos.
— Disse alguma coisa? — Ouço Carlos perguntar, mas a sua voz
parece muito distante. Esforço-me para organizar o turbilhão de sentimentos
e pensamentos.
Olhando para o Carlos, e pensando na forma como o seu
relacionamento fracassou, digo a mim mesmo que o meu será diferente, que
não vou perder a mulher que amo por não prestar atenção em cada respiração
sua. Me culpo por ter demorado a perceber, mas não é tarde demais. Nunca
será.
— Deveria tentar novamente — comento.
— É muito tarde, Salvatore. Vi Duda algumas vezes depois que
nos separamos, ela está bem e parece feliz ao lado de um homem que cuida
dela como merece.
— Que pena. — É tudo o que tenho para dizer.
— Realmente, meu amigo — diz, cabisbaixo. — Mas não te falei
para que sinta pena de mim, quero que entenda que não precisa fazer muito
para ser tudo o que a sua garota precisa. Na verdade, só tem que olhá-la com
atenção. Há pessoas que pedem ajuda sem precisar abrir a boca.
— Eu sei. E você não faz ideia do quanto essa conversa está
sendo importante para mim.
— Sério? — indaga, sem entender nada.
Se ele soubesse que talvez a sua história seja mais parecida com a
minha do que imagina...
— Pode ter certeza de que sim, mas agora eu tenho que ir, porque
a minha mulher está me esperando. Só vim ao Shopping para comprar um
aparelho celular para ela. Depois a gente se fala?
— É claro. Provavelmente, nos veremos em breve em São Paulo.
Até onde sei, estamos sendo cotados para contracenar juntos no mesmo longa
metragem.
Ele tem razão, na última semana começaram a soltar notas sobre o
assunto, mas ainda não fui informado sobre nada oficial através da minha
equipe. Acredito que, por enquanto, as especulações estão partindo dos fãs
que querem me ver na telona. Mas isso não importa. Tenho coisas mais
urgentes para tratar, e não quero pensar em trabalho por enquanto.
— Boa sorte para nós — digo. — Até mais, meu caro — despeço-
me e viro-lhe as costas.
Com a mente limpa de quaisquer pensamentos, depois de ter
pirado um pouco com as conversas importantes que tive, me encaminho para
o carro e sigo até a casa dos Montes, dirigindo numa velocidade maior do que
a recomendada pelas leis de trânsito. Quando paro na frente do portão, por
um instante hesito antes de sair.
Não sei como olhar nos olhos da minha garota. Nem sei o que
dizer depois da conversa que tive com o Carlos.
Sem conseguir chegar à uma conclusão lógica, decido que não
tenho que fazer, ou dizer nada. O meu papel hoje é ficar ao lado dela, a
ouvindo e amando. Antes de qualquer coisa, tenho que falar com a minha
mãe sobre minhas suspeitas.
Apesar do nó na garganta, da insegurança, e o susto de começar a
entendê-la um pouco melhor, está tudo bem. Enquanto estiver do lado da
mulher da minha vida, tudo vai ficar bem, e não importa quão difícil seja o
caminho, cruzar a linha de chegada do seu lado será a minha maior conquista,
pois, no fim das contas, amar tem tudo a ver com isso.
Capítulo 32

VICTOR
Quando retorno, encontro Nicole acordada, mas de um jeito que
me faz preferir que não estivesse. Ela está sentada com as pernas dobradas, os
braços envolvendo os joelhos e a cabeça deitada neles. E por mais que faça
de uma forma discreta, como se quisesse dizer a si mesma que não está
chorando, eu ainda consigo ouvi-la.
A sua roupa está diferente, o que mostra que se levantou e tomou
banho. Os cachos estão presos no alto da cabeça, embora alguns fios rebeldes
já tenham começado a escapar, e não veste mais que uma camisa que um dia
senti falta entre as minhas roupas. Eu tenho tantas que poderia nem ter
percebido, mas foi justamente a vermelha que usei mais de uma vez, e em
uma delas estava com a minha freirinha.
Logo liguei os pontos de quem havia sido a ladra, e não senti mais
do que alegria por saber que tinha levado algo meu. Me excitou imaginá-la
assim: vestida com minha camisa folgada e grande, que nela parece um
vestido.
Minha namorada leva um tempo para notar a minha presença
dentro do quarto perto da janela. Apenas a observando. Quando me vê, ela
tenta secar os olhos de forma desajeitada, porque, aparentemente, não queria
que eu a visse chorando de novo. Sem dizer uma palavra, sento-me na cama e
a puxo para mim. Termino de secar seu rosto, para em seguida beijar por
cima de suas pálpebras.
Ao beijar a sua boca, o toque tem gosto de carinho, amor,
compreensão e cuidado. Nada tem a ver com sexo. A forma como os meus
lábios envolvem os seus tem a intenção de mostrar, de alguma forma para
que entenda, que estou aqui.
Sempre estarei.
A voz ecoa dentro da minha cabeça juntamente com todas as
emoções que envolvem um beijo inocente na pessoa que se ama. Talvez eu
devesse fazer mais do que beijar, distraí-la com o meu corpo, mas logo que a
ideia surge se esvai, pois não é disso que minha namorada precisa no
momento.
Quando afasto os nossos lábios e a olho com atenção, mais uma
vez constato o que sempre esteve aqui desde o primeiro momento e não
percebi. Toda a fragilidade que o seu olhar não pode esconder, não de quem
está olhando com atenção. Essa confusão de sentimentos, que a força e
energia do nosso primeiro encontro não puderam mascarar, não por
completo.
— Pensei que tivesse me deixado — diz.
— Sabe que eu não iria sem me despedir. Se entendesse a
enormidade dos meus sentimentos por você, nem cogitaria que posso te
deixar — afirmo. — Saí para comprar um presente. — Tiro a caixa de dentro
da sacola e a coloco em suas mãos.
Ela fica surpresa com o gesto e não esconde. Antes de falar algo,
embora tenha feito algumas tentativas falhas, Nicole estende a caixa de volta
para mim, que me recuso a pegar. Em algum momento a pretinha terá que
entender que tem um namorado rico o suficiente para lhe dar todos os
presentes que desejar. E desejo presenteá-la muitas vezes ainda.
— Eu não posso aceitar isso... Esse celular é o mais caro do
mercado. Acabou de ser lançado, Victor — explica. — Já basta a pulseira. —
Nicole estende o pulso, eu o pego e beijo a palma de sua mão.
— Sim, eu sei. Mas também vi que você jogou o seu antigo na
parede. Ele não está mais entre nós, amor — falo, deixando de fora a
informação de que comprei dois aparelhos, pois o meu teve o mesmo destino
que o seu. — Apenas aceite o presente. Assim como aceitará todos os outros,
porque sou um homem que gosto de presentear a minha mulher.
— Repete — pede ao me fitar, já deixando a caixa de lado, sem
abrir para ver se gosta do presente.
— Eu posso, e vou te dar muitos...
— Não é isso. O final, quero que repita o final.
— Que você é minha mulher? — indago, ela assente, pouco
sabendo como venho desejando que deixem de ser meras palavras. Que antes
de hoje não parava de pensar em como seria perfeito poder tê-la, e ser dela
em tempo integral. Sem pais, mães e mídia tendo o direito de acreditar que
não vamos durar.
— Gosto quando diz que sou sua mulher. — Nós nos olhamos e,
por um segundo, o clima fica estranho por causa de palavras não ditas. De
uma conversa que não terminamos ainda, mas que pesa entre nós.
Eu quero me casar com você.
Quero ser seu marido. Quero poder te chamar de minha esposa.
Não algum dia, mas logo. Não creio que seja cedo para dar esse
passo. Não é muito cedo para nós dois, meu amor.
Apenas me olhe e diga que não estou louco por estar querendo
tanto isso. Só diga sim.
É uma conversa silenciosa, porque, às vezes, palavras são
desnecessárias entre nós. Elas podem estragar tudo.
Tenho medo.
Posso sentir como se estivesse movendo os lábios bonitos.
— Não precisa ter medo — digo, mas sei que pedir isso é ir
contra tudo o que falou mais cedo.
É pedir que seja segura, para me dar a sua confiança de que eu
não vou deixar de amá-la se um dia tudo se tornar difícil demais.
— Com você o medo parece um sentimento bobo. E isso me
assusta. Viver sem ter medo. Jogar-me de um precipício e acreditar que
espera lá embaixo com os braços estendidos para me segurar dentro deles.
— Não tenha medo, apenas se jogue, porque eu estarei lá para te
amparar, ou ao menos amortecer a sua queda com o meu corpo — falo.
Sei que existe muito por trás do que dissemos. Palavras sinceras, e
o peso de uma responsabilidade. Mas eu, que sempre pensei que um amor
como o dos meus pais não chegaria para mim, e estava confortável com a
ideia, não tenho medo de fazer promessas para a garota que, talvez, precise
mais de mim do que um dia precisarei dela.
O homem que nunca teve um relacionamento sério na vida, que
nunca amou, não tem medo de prometer um pouso seguro, pois, há poucos
minutos, enquanto andava pela cidade com a mente cheia de pensamentos,
ele entendeu que nada do que possa vir com ela pode ser pior do que ficar
sem ela.
Não foi difícil chegar a essa conclusão, porque não importa se a
mulher que amo não é como todas as outras, que tenha transtorno de
bipolaridade, ou qualquer outra doença. Ainda é a minha freirinha. Eu ainda
vou querer estar com ela como nunca quis nada vida.
— Não vou ter medo — afirma depois do que parece ter sido um
século de silêncio cheio de expectativa. — Com você, sei que não preciso ter
medo de nada.
— Eu te amo, e vou falar isso quantas vezes for preciso. Falarei
porque as palavras não são suficientes e nem chegam perto de expressar o
que sinto, mas, pelo menos, é uma forma de externar. Você é perfeita. —
Elogio, então começo a beijar o seu rosto. A testa, as bochechas e o queixo.
Muito próximo da boca, mas não o suficiente, embora Nicole tente muito
capturar os meus lábios.
— Está se sentindo melhor? — indago, e espero que saiba que
não me refiro apenas às dores menstruais.
— Sim. Muito melhor por sua causa, mas não sei até...
— Nada de, “mas”, freirinha. Está bem, e ponto final — assevero.
— Agora eu quero que seja uma boa menina e olhe o seu novo celular. Não
desdenhe do presente caro que o seu namorado te deu.
Ela abre o primeiro sorriso sincero do dia ao pegar a caixa. E
embora tenha reclamado quando viu, mal pode esconder o deslumbre e a
alegria de pegar o aparelho mais moderno que encontrei na loja. Enquanto
Nicole se ocupa de fazer as primeiras configurações, eu apenas a observo,
pensando em como alguém pode ser tão bonita, fisicamente falando. E isso já
seria o suficiente para virar cabeças em sua direção, mas a beleza do seu
interior é muito maior. Alguém que poucos merecem conhecer. Eu mesmo
tenho ciência de que não a mereço e, mesmo assim, não perdi a oportunidade
de pegar para mim um pouco de tudo o que representa.
— Coloque o seu contato. — Entrega-me o aparelho celular,
embora eu esteja certo de que ela já decorou o número. Mas entendo o que
quer, e um riso alto me escapa.
— Antes, quero uma foto. — Abraço-a e beijo o seu rosto,
enquanto sorrio para a câmera. Depois digito o meu número e salvo na sua
agenda.
— Amor? — pergunta quando pega o celular. — É assim que o
meu contato está salvo no seu?
— Não, e não sei se devo dizer. É brega, qualquer pessoa que
visse pensaria que perdi a minha masculinidade — brinco.
— Diz, amor. Por favor? — A menina já juntou as mãos em sinal
de prece, disposta a implorar.
Dramática!
— Porra! Está bem. Quando você liga, aparece minha pretinha na
tela. Satisfeita?
— Muito! — fala mais alto, muito empolgada quando sobe em
cima de mim. — Obrigada por ter vindo. Você tornou o meu dia melhor.
Parece que tem o dom de me deixar bem. De me fazer sorrir, mesmo quando
não tenho vontade. — Quando uma sombra passa pelo seu olhar, digo:
— Vamos para casa comigo? Não quero me separar de você hoje.
Na verdade, nem hoje, nem amanhã e nem nunca — revelo, só para o caso de
não ter ficado claro ainda.
— Estou bem — diz.
— Mas eu não ficarei se não estiver com você hoje. Não quer vir?
— Quero! É claro que quero, Victor. — Ela pula do meu colo e
começa a se arrumar. O sorriso que dou no momento é de puro alívio.
Quando saímos do quarto de mãos dadas, ela com uma pequena
bolsa na mão livre, os seus pais não fazem objeção para deixá-la ir comigo.
Talvez por amá-la e saberem que será melhor assim, os meus sogros deixam
que regras religiosas fiquem em segundo plano.
No momento, não importa quanto tempo passamos juntos, ou até
mesmo se iremos dormir juntos. Eu não falei, mas a filha deles irá dormir
comigo hoje. Nada me fará dormir longe da minha freirinha. Nada.
Em casa, a minha mãe recebe a afilhada com alegria, a olha por
mais tempo do que o normal, fazendo-me chegar à conclusão de que sabe de
algo, ou ao menos desconfia. Mamãe presta muita atenção nas pessoas que
ama para não ter percebido Nicole e suas fases.
Depois eu preciso conversar com a senhora. Aparentemente
sendo ótima com leitura labial, ela acena positivamente enquanto observa
Nicole e eu subirmos para o quarto. Depois que entramos, praticamente não
saímos até que o dia se torne noite. Ela, apesar de ter ficado um pouco mais
alegre, ainda está cabisbaixa, eu faço o que posso para não deixar que me vire
as costas, para que não se coloque em posição fetal e se feche dentro da
própria mente.
No início da noite, quando não estou nem perto de me sentir
cansado, deito-me entre as pernas da minha mulher, decidido que está na hora
de elevar o seu nível de descontração.
— Não tem nojo? — É claro que está falando de sexo e seu
período menstrual.
— Eu não. Você tem? Para mim é só um pouco de sangue —
afirmo, doido para que queira. O dia de hoje foi cansativo e preciso terminá-
lo dentro da minha garota.
— Eu também não me importo com um pouco de sujeira, desde
que valha a pena. Dê o seu melhor, amor. — Pisca para mim de um jeito
muito safado, mas com cara de inocente. Um paradoxo que simplesmente não
posso resistir. Nunca serei capaz.
— Aceito o desafio, princesa.
A gente não faz sexo, até porque, ela estava com dores mais cedo,
mas não significa que não trocamos carinhos mais quentes. Primeiro
trocamos beijos carinhosos sobre a cama, pois era disso que estávamos
precisando. Depois namoramos embaixo do chuveiro, quando lavo os seus
longos cabelos e cada recanto de seu corpo perfeito. Quando saímos do
banheiro, ela se veste e deixa que eu escove os fios, um ato que nunca pensei
que pudesse ser tão prazeroso.
Nos alimentamos no quarto e ninguém ao menos questiona o
motivo de termos nos isolado. Agora que a tenho dormindo em meus braços,
a cabeça no meu peito e os braços na minha cintura, mais uma vez tenho a
sensação de que está tudo em ordem. Tudo como deveria estar. Sou otimista
para acreditar que vamos ficar bem.
Capítulo 33

VICTOR
O toque é macio, onde as minhas mãos estão tocando também é
quente e aconchegante. O cheiro no meu nariz é de morangos maduros, doce
quanto a minha garota. Sua expressão enquanto dorme é tão serena que até a
respiração é calma. Nem parece que desperta ela vive em um redemoinho de
emoções, que viver do seu lado pode se tornar um teste para a minha própria
sanidade mental.
Só agora tenho certeza de algo que já suspeitava há um tempo,
embora tenha sido covarde para aprofundar no assunto. Durante a noite, nas
horas em que fiquei velando o seu sono, tive tempo para realmente pensar em
tudo. Para colocar os meus pensamentos em ordem.
Eu sei que não será fácil, como nunca é conviver e lidar com
pessoas que são, ou estão doentes. Mas, acima de tudo, enquanto sinto o calor
da sua respiração contra a minha, veja a minha vida antes e depois dela.
Analiso como me sentia antes e como me sinto agora que a tenho para mim, e
chego a uma única e irrevogável decisão. Eu quero, e vou ficar com Nicole
pelo tempo que ela me quiser na sua vida.
Tudo de mais difícil que possa acontecer entre as suas crises, seja
de euforia ou depressão, será enfrentado como deve ser, porque nada é maior
do que a paixão que nutro por essa garota linda e complexa. Que o meu
desejo de cuidar dela.
— Vai ficar tudo bem, minha freirinha — sussurro para não a
acordar tão cedo. — Eu vou cuidar de você.
As minhas declarações são pontuadas com beijos no seu rosto e
ombro, em cima da sua barriga desnuda e, por fim, no canto da sua boca.
A fim de preparar uma surpresa de café da manhã na cama,
levanto-me silencioso e deixo o quarto. Passo direto pela cozinha e sou
avisado que mamãe está na sala tomando o seu café preto de todos os dias,
antes de sair para o consultório.
— Bom dia, meu filho. — Ela me cumprimenta com um beijo
quando me sento ao seu lado no sofá, também com a minha xícara com café
na mão.
— Bom dia, mamãe.
— O que foi? Algum problema? — indaga, analisando-me como
costuma fazer sempre, com tudo e com todos. É tão natural para ela que
acredito que nem perceba. Se tem uma pessoa capaz de entender e me
confirmar o que se passa com a minha namorada, essa pessoa é a dona Dirce.
— O que a faz pensar que tenho um problema?
— Eu não conheço o meu filho? Sei até quando a sua respiração e
a do seu irmão estão diferentes. Você sentou aqui e ficou me olhando...
— É a minha namorada, mãe.
— O que tem a Nicole? — Ela fica tensa, coloca a xícara sobre a
mesa de centro e se volta novamente para mim. A preocupação evidente no
seu rosto mostra que fiz a abordagem errada. — Onde ela está?
— No meu quarto, dormindo como um anjo — revelo.
— Então, o que houve?
— Mãe, eu sei que a senhora anda observando a Nicole, assim
como faz com todos, mas o seu olhar sobre ela é mais atento, estou certo?
— É claro que está — afirma. — Onde você está querendo chegar
com essa conversa?
— A Nicole teve uma crise ontem. Ela anda meio deprimida nos
últimos dias, mas também já esteve muito agitada, inclusive, foi assim que eu
a conheci. Ontem tive uma conversa com ela e com os pais sobre o assunto,
eles confirmaram que não é a primeira vez que acontece.
— O que exatamente você sabe? — A sua postura, a forma como
fala, já não é mais a de uma mãe, mas de uma médica psiquiatra.
— Não muito. Pelo menos, não com todos os detalhes. Ela tem
tido oscilações de humor que, às vezes, são extremas. Os meus sogros
disseram que perceberam há alguns anos. Tem períodos que ela está muito
eufórica, em outros fica depressiva a ponto de não ter ânimo para sair da
cama.
— Oscilação extrema no humor... — Fala baixo, como se consigo
mesma. — Você sabe quanto tempo em média dura? — indaga e eu sei que,
com mais propriedade, algumas suspeitas surgem na sua cabeça.
— Semanas, e até meses. Tem também os intervalos em que é só
uma garota como outra qualquer — explico da melhor maneira que posso. —
Mãe, a minha namorada convive com uma doença psicológica, é isso?
— Victor, você sabe que eu, como uma boa profissional, não
posso dar um diagnóstico dessa forma, assim como não seria certo te falar o
que eu estou pensando pelas poucas informações que você deu...
— A minha namorada tem o transtorno bipolar — insisto.
— Eu não vou fazer um diagnóstico precoce antes de conversar
com ela, mas as chances são muito grandes. É comum pessoas leigas como
você chegarem a essa conclusão, e até atribuir a pequenas mudanças no
humor a síndrome de bipolaridade, mas o diagnóstico é muito mais complexo
do que parece. Ter que lidar com tudo que envolve a síndrome não é fácil...
Existe um preconceito muito grande com os portadores.
— Os meus sogros são ótimos exemplos. Eles pensam que é coisa
do diabo, mãe. Sequer admitem que ela está doente. O mais grave é que a
medicam há anos por conta própria com calmantes e antidepressivos.
— Meu filho, a situação é mais complicada do que eu imaginava,
porque eles nunca comentaram nada comigo e com o seu pai. Eu preciso ter
uma conversa com os Montes, mas a gente tem que agir com cautela pelo
bem da minha afilhada.
— Minha namorada.
— Você adora falar assim, não é? Eu tinha esperanças, mas nunca
imaginei que um dia fosse te ver dessa forma, tão feliz e apaixonado por uma
mulher — comenta.
— Eu também não queria e nem esperava, dona Dirce. Mas só
aconteceu porque é a Nicole. Não tinha como não me apaixonar por ela.
— Se a ama tanto, como sei que ama, faça tudo do jeito certo.
Converse com ela para ir até o escritório e conversar comigo, mas não diga
das suas suspeitas, não a assuste antes do tempo. Deixe que eu falo para
explicar tudo certinho, está bem?
— Tudo bem, mãe. Eu confio na senhora.
— Agora, suba e leve o café da manhã na cama para a minha
nora. Ela merece. — Opina. — E eu não esqueci que você me deve um
netinho. Agora que está namorando com a minha querida Nicole, estou mais
animada ainda — diz antes que eu suma de suas vistas.
O mesmo desejo e cobrança de sempre, a diferença é que já não
me irrito, muito pelo contrário, imagino o dia em que ela estará com o meu
filho na barriga. Não pensei se serei um bom pai, mas o fato de ela ser a mãe
faz da futura criança uma pessoa sortuda.
— Você ainda terá o seu sonhado neto. Mas não se esqueça que
antes nós temos questões mais importantes para dar atenção. Além do mais,
minha namorada só tem vinte e um anos, e uma vida inteira pela frente.
Antes de eu passar pela cozinha, ela me chama novamente.
— Eu estava pensando aqui, talvez seja melhor que a gente espere
uns dias até que ela se sinta melhor. Vamos poupá-la um pouco para que seja
plenamente capaz de compreender o que preciso dizer.
— A senhora está certa — digo.
Na cozinha, ajudo no preparo do café da manhã com tudo o que a
freirinha gosta de comer pela manhã e subo, ansioso para surpreendê-la.
A encontro ainda dormindo, embora não tão profundamente como
há pouco. Com cuidado, coloco a bandeja na ponta da cama, em seguida me
curvo sobre ela.
— Ei, está dormindo muito, freira mirim. Não sente fome? —
Beijo diversas vezes o canto da sua boca, até que ela começa a despertar com
um sorriso preguiçoso no rosto.
— Ontem você me cansou um pouquinho com seus dedos
habilidosos. Fome é o que não falta nesse corpo — diz, sentando-se. O rosto
está marcado, os cabelos longos assanhados em volta do rosto, mas para mim
é uma de suas melhores versões. Isso só pode ser um sintoma de amor.
— Na hora você não reclamou — retruco ao pegar a bandeja e
colocar em cima das suas pernas, cobertas apenas pelo tecido fino do
edredom. — Bem que gostou das nossas brincadeiras.
— Pare com isso, Victor! Você está me deixando sem graça. —
Eu amo o fato de ela me deixar virá-la do avesso na cama, mas ficar toda sem
jeito quando tem que falar sobre o assunto.
— Tudo bem. Como está o seu ânimo hoje? As dores passaram?
— Nenhuma dor. E quanto ao meu humor, só o fato de estar com
você já me deixa melhor...
— Amor, não abaixe a cabeça. Deixe-me olhar para você. Não se
esconda de mim, está bem? — Ela acena positivamente, e me deixa entender
o que está incomodando.
— Estou tão envergonhada por ontem à noite. Eu não queria ter
agido daquela forma com você...
— A gente já conversou sobre isso, Nicole. Você não tem do que
se envergonhar. Sei que não queria me chatear.
— Eu não te mereço — diz, e eu suponho que deve ser pelo seu
estado, porque Nicole, em seus melhores dias, não diria algo assim. Ela não
acreditaria que não me merece.
— Merecia mais, mas como sou uma pessoa que só penso na
minha felicidade, te prendi a mim para sempre — declaro. Ela não diz nada,
mas espeta um pedaço de abacaxi e coloca na minha boca.
— Já pensou quando não for só por uma noite, quando pudermos
dormir e acordar todos os dias juntos? Quando os cafés da manhã na cama
forem a nossa realidade? — As palavras escapam antes que eu tenha tempo
para pensar nelas.
Não quero que ela se sinta pressionada, ainda mais agora que terá
de enfrentar uma realidade para a qual não está preparada, muito difícil,
sobretudo, para alguém tão jovem.
— Pensei muito, e acredito que nada me faria mais feliz do que
ser a sua mulher de papel passado, de entrar na igreja com o vestido branco
como eu e meus pais sempre sonhamos. Victor, você estava falando sério
quando disse que queria se casar comigo? Foi quando a gente estava...
— Transando naquela janela? — Aponto, e ela confirma. —
Como poderia esquecer? Eu não falei só porque tinha a minha mente tomada
pelo tesão, pretinha. Falei sério, porque não imagino um futuro melhor do
que estar casado com você, fazendo o que todos os casais fazem. Quero viver
cada etapa natural da vida do seu lado. É só você me dizer que está pronta.
— Eu quero me casar agora. Não quero ter mais que dormir uma
noite sequer longe de você. Não quero ter hora para chegar em casa, para
depois passar as horas desejando estar com você novamente. Gosto da sua
cama, dos seus braços e, principalmente, confio e me sinto protegida do seu
lado. — Não é a primeira vez que Nicole diz as mesmas palavras, mas não
me importo de ouvi-la repetir mais algumas centenas de vezes.
— Nicole, não me iluda dessa forma, porque posso acreditar —
falo, então, para provar o seu ponto, minha pequena coloca a bandeja de lado
e sobe em cima de mim.
Vestindo apenas a minha camisa, com os peitos lindos próximos
dos meus olhos, ela fala com firmeza.
— Victor Salvatore, você aceita se casar comigo?
Tum Tum.
Tum Tum.
As batidas do meu coração parecem muito altas. As minhas mãos
já não seguram mais a sua cintura com firmeza. É o que eu mais queria ouvir,
mas agora que ela está me surpreendendo ao fazer o pedido antes, percebo
com que intensidade realmente quero fazê-la completa e definitivamente
minha.
— Eu aceito. Mil vezes aceito, freirinha. Porra! Sim! Sim! Sim!
— Grito alto demais.
Em questão de segundos o nosso quarto está cheio de gente.
Por puro reflexo, puxo o pano da cama e o enrolo no seu corpo. Já
basta que todos a vejam em cima do meu colo, e saibam que está nua.
— O que houve, rapaz? Por que estava gritando? — pergunta o
meu pai. Além dele e seus olhos arregalados, também estamos sendo
observados por 4 funcionários da casa e pela minha mãe.
— Gente, Nicole me pediu em casamento — digo com
naturalidade, e um sorriso rasgado no rosto. As expressões, antes
preocupadas, agora são de alegria. Mas ainda vejo preocupação nos rostos
dos meus pais.
Quando beijo a pretinha, a festa atrás de nós faz eco nos nossos
ouvidos. No fundo da minha mente martela o pensamento de que não era o
momento, que eu devia ter falado primeiro com ela sobre a possível síndrome
e sobre a consulta com a minha mãe.
A conversa com os seus pais... Um mundo de coisas entre a gente
que tornam o momento errado, mas tudo ficou em segundo plano quando,
enfim, falamos sobre o assunto inacabado entre nós. Era evidente para nós
dois que queríamos conversar sobre esse passo importante, um desejo que
estamos dispostos a realizar, mesmo que tenhamos que enfrentar alguns
obstáculos. Sei que problemas vão surgir, mas, se depender de mim, todos
serão tirados do caminho, porque não existe nada que eu não faria para ficar
com Nicole Montes.
Então é isso! Vou me casar com a mulher da minha vida, e não
será amarrado, ou sob efeito de chantagem, as duas únicas formas como achei
que pudesse acontecer.
Capítulo 34

VICTOR
DUAS SEMANAS DEPOIS
A vida é cheia de coisas boas, prazeres dos quais não abro mão,
mas poucas sensações que já senti foram tão boas quanto observar a minha
mulher dormindo depois de eu tê-la amado ao ponto do esgotamento físico
meu e dela, porque apesar de ainda estar no início de sua vida sexual, minha
garota é cheia de disposição e curiosidade.
Deitado de lado, com a cabeça apoiada na minha mão, os meus
olhos se deslumbram com sua beleza jovem, com seu cheiro, e pele tão macia
ao toque, que é difícil para mim saber o momento exato de parar, porque com
ela nunca quero parar. É um vício para o qual não existe mais cura. Para o
qual eu não quero mais cura.
Passaram-se duas semanas desde o dia em que ela finalmente
decidiu falar no assunto inacabado entre nós e me pediu em casamento.
Como era tudo o que eu desejava ouvir, dei a ela a única resposta possível.
Foram semanas em que, talvez por causa de nossa decisão, nos
tornamos ainda mais insaciáveis. Nos vimos com mais frequência do que
fazíamos antes. O que não é tão cômodo para nenhum de nós dois, pois
sempre temos que nos contentar com quartos de hotéis. Com ações que nos
equiparam a adolescentes que namoram escondidos dos pais.
Tem que ser assim e não consigo nem mesmo me ressentir,
porque eu sabia exatamente o que estava fazendo quando não só me
apaixonei, como fiz o que foi preciso para viver esse amor. Eu respeito o
modo de agir e de pensar da minha namorada, assim como entendo o fato de
existirem regras dentro da sua casa que a impedem de passar noites comigo,
que me impedem de transar com ela sobre o mesmo teto que os seus pais.
Na minha casa não é diferente, porque embora os meus pais sejam
liberais, a pretinha ainda é a afilhada deles, a garota que viram crescer, que
amam como se fossem a filha que não tiveram. O que resta para nós são as
horas roubadas, as desculpas que ela inventa para estarmos sempre juntos.
Quando o desejo bate, com a mesma frequência com que respiramos,
corremos para esse quarto que tem se tornado muito familiar para nós.
Os últimos dias também foram esclarecedores para mim no que
diz respeito a minha covardia. Eu pensei muito na conversa que tive com a
dona Dirce sobre as crises da Nicole. Planejei falar com a freirinha sobre as
minhas suspeitas, mas ainda não consegui colocar em prática, mesmo que ela
pareça estar bem melhor nos últimos dias. Ainda não quero ver em seus olhos
o medo, talvez o desespero de num primeiro momento não entender que as
suas fases e oscilações de humor não é nada espiritual, como prefere pensar
junto com os seus pais religiosos.
Não pensei ainda em um modo de dizer-lhe que ela, dependendo
da confirmação, vai precisar começar um tratamento, porque não existe cura
para o seu transtorno. Sobretudo, não sei como fazê-la compreender de uma
vez por todas que eu não vou a lugar nenhum, porque não tenho dúvidas de
que, quando a insegurança bater, ela acreditará que é um peso para mim.
Algo que não poderia estar mais longe da verdade.
Ela só está passando por uma fase complicada. E embora fique
mais feliz quando estamos juntos, eu não deixo de notar que, no fundo de
seus olhos, existe um brilho de tristeza. A conheço o suficiente para perceber
quando a tristeza e o desânimo batem, quando sua expressão muda e ela se
perde em pensamentos que não são bons. Quando o sorriso morre e eu tento
animá-la com piadas ruins ou de duplo sentido, que a fazem ficar sem jeito,
mas também voltar a sorrir.
Não me culpo por estar usando o sexo como arma para fazê-la se
sentir bem, porque embora eu sinta tanto prazer quanto a minha pretinha com
todas as sacanagens que fazemos, o fato de saber que a viciei me deixa a
vontade para excitá-la sempre que julgo necessário.
Se o sexo é o melhor remédio? Talvez até não seja, mas foi uma
das maneiras que eu encontrei de me comunicar com a minha mulher, e
transar com ela não está nem perto de ser o máximo que eu faria. Na verdade,
não creio que existam limites que eu não possa ultrapassar para garantir o seu
bem estar. Para que se sinta feliz.
— Eu gosto quando você me olha desse jeito, amor — fala com a
voz rouca por causa do sono, mexendo-se e me deixando ver a sua nudez por
baixo do pano fino que cobre o meu paraíso particular, bastante sensível
depois de termos passado quatro horas trancados aqui.
— Como eu te olho? Como se fosse a mulher mais gostosa do
mundo? — provoco e ela sorrir. O sorriso mais bonito que já vi, e nem é
porque a amo. Ela realmente é perfeita.
— Não. Também me olha como se quisesse me devorar. Mas
agora, quando abri os olhos e te vi me observando, era como se você e eu
fôssemos as únicas pessoas nesse mundo, como se...
— Te olhava como se você fosse o meu mundo, porque é assim
que me sinto, Nicole. Você é tudo o que tenho, e não lembro mais de como
era a minha vida antes de você.
— Não pode falar assim, deve ser muito chato se ligar tão
fortemente a alguém como eu — diz com um sorriso amargo.
Uma fala insegura de uma pessoa que não é insegura na maior
parte do tempo. Vindo de alguém que sabe e confia nos meus sentimentos,
assim como confia quando faço promessas, porque Nicole se entregou a mim
por completo, e a sua confiança cega me comove. Ela me faz querer ser
melhor todos os dias por ela, para merecer tamanha entrega.
— Não me diga como e nem o que devo falar, garota! Você não
manda em mim — brinco, como sempre usando do humor para distraí-la dos
rumos que os seus pensamentos acabam tomando. — Eu sou mais velho que
você e sei o que digo.
— E bota mais velho nisso. — Ela devolve a provocação, eu
aproveito para me posicionar entre as suas pernas. Ela sabe exatamente o que
pretendo fazer e, por isso, cobre o ventre com os braços.
— Eu não a ouço reclamar do seu loiro e sarado aqui quando
estou metendo nessa sua bocetinha apertada — digo ao me curvar para
morder a ponta da sua orelha. Ela primeiro treme, se arrepia, mas seu rosto
não esconde o quanto a minha fala sacana a deixa sem jeito.
Ama ser comida até a exaustão, mas cora como uma virgem
quando ouve minhas palavras sujas no seu ouvido. São nuances suas que
simplesmente não pode evitar e eu, embora a provoque, amo seu jeitinho que
é tímido apenas até a página 2 comigo, mas outras 300, ela é pura safadeza.
— Você é um safado que só fala obscenidade — reclama,
mordendo o lábio inferior quando começo passando as mãos pelos seus
quadris.
— Não digo nada demais. E eu já disse que você tem que
melhorar o seu vocabulário.
— Não! Eu não vou melhorar nada. Também não quero mais que
chame ela de...
— Boceta? Minha bocetinha? — questiono, aos risos, enquanto
tenta de tudo quanto é jeito se livrar do meu agarre. — Vamos lá, menina,
repita comigo: o pau do meu homem é grande. A minha boceta está viciada...
— Eu não vou falar isso!
— Você vai, sim! — Mostro a ponta dos dedos, e ela está se
contorcendo de tanto sorrir.
— Não vou! A minha vagina não gosta de um pau, e sim do seu
pênis, que nem é tão...
— Agora você foi longe demais, garotinha petulante. Não pode
ofender dessa forma o seu amigão e ficar por isso mesmo! — Então curvo-me
mais, e começo a fazer cócegas na sua barriga. Nicole se contorce, tenta me
chutar e chora de rir, enquanto repete sem parar:
Pênis.
Vagina.
Fornicar.
Todas as palavras broxantes e perfeitamente capazes de fazer um
pau murchar, mas não o meu, que fica alegre pelo simples fato de estar em
contato com ela.
Quando nos cansamos da brincadeira, paramos ofegantes e nos
olhamos com intensidade. Compenetrados um no outro, como tem sido desde
o primeiro instante em que nos vimos.
— Eu adoro você — ela declara.
— Você é o amor da minha vida — devolvo, e então a beijo. Não
com carinho, mas com paixão e devoção, consumindo os seus lábios, assim
como deixa que faça com os seus. Deixando que se esfregue em mim como
uma gatinha.
Mas eu me obrigo a parar quando o clima entre nós começa a
ficar muito quente, porque passamos a tarde inteira na cama e o nosso dia
ainda não acabou. Temos algo a comemorar e eu não sei se estou mais
surpreso de eu ter lembrado, ou pelo fato de ela ter se esquecido.
— Pare de me atentar, freirinha! Eu ainda tenho planos para você
hoje à noite. E, além disso, está precisando de um banho.
— Está me dizendo que estou fedida? — indaga. Depois a garota
levanta o braço e cheira sem qualquer cerimônia o sovaco.
— Você cheira a sexo. Das três vezes em que te peguei. Primeiro
quando gozei bem aqui — toco no ponto entre os seus seios —, depois
quando gozei aqui — passeio a mão pela parte interna das suas coxas, bem
perto do seu sexo, sem, no entanto, tocá-lo.
— Abusado! — Estapeia a minha mão e, ao mesmo tempo, a
devolve para o calor entre as suas pernas.
— Gostosa.
— Para onde pretende me levar, Salvatore? — Nicole volta ao
tema anterior, mudando o rumo da conversa de um jeito que só ela sabe fazer.
— Vamos jantar fora.
— Alguma data especial que eu tenha esquecido? — Eu percebo
quando ela se lembra, arqueio a sobrancelha como se a perguntando como
pôde esquecer. — Estamos completando dois meses de namoro. Como você
lembrou?
— Aprendi com uma certa pretinha que datas são importantes. Sei
que hoje faz dois meses que te tirei daquele moleque bobo — ela me olha
feio —, que faz uma semana que fui a casa dos seus pais informar do nosso
futuro casamento e saí vivo de lá. Sobretudo, lembro que o dia de hoje é um a
menos até aquele em que será a minha esposa — digo, a pego em meus
braços, levo para o banheiro e a jogo embaixo da ducha morna.
Primeiro deixo que me beije, depois, me esforçando para não
estragar os meus próprios planos, me concentro em nos limpar. Tenho algo
para ela hoje, e mal posso esperar pela sua reação.

Apesar de ser necessário o uso de um capuz na cabeça como


disfarce, eu não abri mão de trazê-la ao melhor restaurante da cidade, e nem
de escolher uma mesa discreta, com uma vista linda para nós. Junto com o
meu assessor, tratei de assegurar que a nossa noite fosse perfeita, sem
nenhuma interferência externa, ou invasão de privacidade.
Aqui, e sempre que estou com Nicole, sou apenas o Victor, o
homem que ela não vê como uma figura pública. Na verdade, ela nem ao
menos parece se dar conta de com quem está namorando na maior parte do
tempo, algo que tanto me alegra quanto me preocupa, pois evidencia que não
faz ideia do estrago que a mídia pode fazer com a vida de uma pessoa,
quando se propõe a isso. Mas essa é a menor das minhas preocupações no
momento, porque tenho tudo sob controle e farei o que for preciso para
protegê-la de tudo e de todos, até mesmo da minha própria realidade.
— Que lugar lindo, meu amor — ela diz, completamente
fascinada com o seu vestido bonito e discreto, maquiagem leve e cabelos
presos. Perfeita. — Nem sei como agradecer.
— Não tem o que agradecer, porque isso não é nada perto do que
sou capaz de fazer para te fazer feliz — declaro ao puxar a cadeira para que
sente.
— Você não pode... Não tem que mudar nada. Nem precisa se
esforçar para ser tudo de que necessito para ser feliz. Eu sou feliz, Victor —
fala, mas eu percebo o exato momento em que tudo muda, quando as palavras
deixam de concordar com os seus olhos.
NICOLE
Eu sou feliz, não sou?
Acabei de dizer as palavras para o homem que sempre desejei. O
homem da minha vida, que faz tudo por mim.
Talvez seja esse o problema, eu não quero que ele tenha que fazer
nada por mim, além de me amar. Mas é exatamente assim que me sinto,
como se para me amar Victor tivesse que se esforçar mais do que outros
homens, que amam a outras mulheres. Parece que ele tem de abrir mão de
partes de si mesmo para poder ficar comigo.
Porque apesar de minhas palavras, eu não estou completamente
feliz. Dentro de mim, existe uma pequena parte que não me deixa ser feliz. E
não existem motivos para isso, para o desânimo e cansaço na alma...
Os meus pais sempre falam que a minha alma é mais frágil do que
a das outras pessoas e, por isso, preciso de muito mais oração, de muito mais
amor, muito mais atenção de quem está do meu lado. Mas eles estão errados
e ainda não conseguem admitir que apenas a fé não é o suficiente.
Estou feliz, mas também estou cansada.
Amo estar aqui, mas também quero a minha cama. Quero dormir
por muitas horas, e ser acordada com o abraço do meu loiro, pelo seu bom
humor e seus beijos ousados, porque quando estou com ele, tudo parece mais
suportável.
Eu olho para o Victor, embora tenha perdido o foco por alguns
segundos, e vejo que, sim, sou feliz. Estou feliz porque estou ao seu lado.
Mas não agitada ao ponto de não conseguir dormir. Bem o suficiente sendo
quem sou.
Quando volto a mim, talvez tendo se passado minutos, ou
milésimos de segundos de silêncio, Victor está me olhando de um jeito
diferente. Os seus olhos estão brilhando, mas também me queimando. Um
fogo com o qual adoro brincar.
— Algum problema? O meu nariz está sujo — brinco, com
vontade enfiar o dedo, mas tenho que agir com classe em um restaurante
requintado como esse.
— Você está linda, querida. E te trouxe aqui porque tenho algo
para te dar — diz.
— Victor... — Ele e suas manias de me dar presentes caros.
Victor pega uma caixinha de veludo e coloca em cima da mesa. O
meu coração começa a bater acelerado só de imaginar o que pode significar.
— Por quê? — indago para confirmar.
Que seja o que estou pensando!
— Porque você é minha. É o anel que eu já deveria ter colocado
no seu dedo, que só será trocado pela aliança de casamento. Nesse dia você
se tornará completamente minha, também será nesse dia que eu deixarei de
ter medo de te perder. Porque posso suportar perder tudo, Nicole, menos ficar
sem você.
— Nunca vou te deixar. — Faço uma promessa, e vejo o seu olhar
suavizar no mesmo instante.
— Eu te amo, minha noiva — ele se curva sobre a mesa e me
beija de leve na boca.
Depois não conseguimos mais nos afastar, Victor vem para perto
e, lado a lado, alimentamos um ao outro. Ainda pedimos a sobremesa e
ficamos por um tempo namorando no nosso canto reservado.
— Eu não quero ter que dormir longe de você hoje, pretinha —
ele diz quando, de mãos dadas, nos encaminhamos para a porta dos fundos do
estabelecimento.
— Mas tem que ser assim. Nós já passamos a tarde inteira juntos.
Meu pai não tem nem coragem de perguntar mais sobre os nossos programas.
As palavras morrem na minha boca quando colocamos os nossos
pés para fora do restaurante, quando o sonho começa a rapidamente se
transformar em um pesadelo.
Capítulo 35

VICTOR
Como um momento bom pode se transformar em um caos em
questão de segundos?
Até alcançar a porta do estabelecimento, estava tudo bem. Eu
havia colocado o anel de noivado no dedo da minha garota e, com isso, tinha
conseguido tirar a sombra de tristeza que havia lhe alcançado os olhos. Eu vi
o sorriso no seu rosto, e o nosso jantar transcorreu da maneira que eu havia
planejado. Mas, ao contrário do que eu pensava, não tinha tudo sob controle.
Se tivesse, a minha mulher e eu não estaríamos sendo assediados com
câmeras e gravadores na direção dos nossos rostos.
Por puro instinto de proteção, eu abraço minha menina apertado e
tento esconder o seu rosto no meu peito. Sinto quando o seu corpo reage, o
tremor incontrolável da cabeça aos pés. Se é uma situação para a qual já estou
preparado, o mesmo não se pode dizer de outras pessoas fora do meio
artístico, sobretudo, alguém tão frágil como Nicole. Esse cenário era o que eu
mais queria evitar, pelo menos nesse momento em que faço de tudo para
tornar a sua vida mais fácil, o psicológico o mais saudável possível para o
que vem pela frente.
Nós estamos rodeados de fotógrafos, e embora tenha um
segurança experiente capaz de chamar reforço, ele não foi ágil o suficiente
para impedir a abordagem surpresa. As luzes dos flashs das câmeras cegam
os meus olhos, e a cada disparo, o corpo dela tem um pequeno sobressalto.
Ela está assustada.
— Você pode dar uma palavrinha com a gente?
— Não. Não posso. Se quiser uma entrevista, entre em contato
com a minha assessoria de imprensa. — A minha resposta faz com que o
homem baixe o gravador e dê um passo pequeno para trás.
Eu olho para a cena, depois para a Nicole, que tem a cabeça
enterrada no meu peito e a mão segurando com firmeza a frente da minha
camisa. Se ela colocar mais força vai acabar rasgando.
Como são muitos, a desistência de um serve como combustível
para o substituto ser mais inconveniente. É sempre assim, sem qualquer
trégua. Quando estou gravando, especulam sobre envolvimento meu com
alguma atriz, na maioria das vezes casadas, para a notícia se tornar mais
interessante. Quando eles não têm material, tentam esse tipo de abordagem,
astutos o suficiente para driblar todos os meus esforços para evitar.
Por mais que me estresse, já estou acostumado, o que não posso
aceitar é que façam isso usando a minha mulher. É um limite ultrapassado
que não tenho intenção de tolerar jamais. Já bastam todas as notícias
tendenciosas e especulações envolvendo seu nome, mas que finge não ver ou
se importar.
— Pode dar uma palavrinha para a gente, Nicole Montes? Como
se sente mantendo um relacionamento com Victor Salvatore?
— Você não se preocupa com a diferença considerável de idade
de vocês? Já foram abertamente racistas com você? — No mesmo instante
cerro os punhos, porque quem está sendo racista é a idiota que pensou nessa
pergunta.
— Chega! — Esbravejo, afastando com a mão livre as câmeras,
microfones e gravadores que tentam apontar para o seu rosto, que permanece
escondido.
No mesmo instante, antes que faça uma cena maior, que
provavelmente estampará as capas de todos os meios de comunicação
amanhã, Brandão, o segurança, chega. Ele trouxe mais dois colegas, que
deviam estar pelas redondezas, e começam a afastar a meia dúzia de
paparazzis e repórteres que nos encurralaram.
Como nos descobriram aqui, mesmo eu estando com um disfarce?
Não faço a menor ideia, até porque, no dia que o segredo dessa gente for
descoberto, muitos problemas serão evitados.
— Senhor, a moça...
— Pode deixar que da minha mulher eu cuido. — Corto a
intenção de suas palavras, e Brandão abaixa o braço que estava prestes a tocar
no dela. — Você está bem? — Nicole sacode a cabeça discretamente, sem
conseguir mexer um músculo sequer. — Não fique assim, está tudo bem. Eles
são só um bando de idiotas que não podem te cercar como fizeram — digo
baixo para que apenas ela ouça, enquanto faço carinho nos seus cabelos. —
Vou cuidar de você, confie em mim.
Quando a pego em meus braços, faço sabendo que essa, sim, é
uma cena que ficará eternizada a partir de amanhã, por meio de quem ainda
está perto o suficiente para registrar o meu gesto. Da minha parte, parei de me
importar no momento em que senti que Nicole precisava que eu fosse as suas
pernas, porque não é capaz de sustentá-las no momento.
— Acho que está tudo em ordem, Salvatore — Brandão diz
quando me aproximo do carro. Ele se apressa para abrir a porta do motorista
e do carona, mas tenho outros planos.
— Brandão, dirija o carro, por favor, vou aqui atrás com a minha
mulher. — Entrego-lhe as chaves, mas fico por um instante sem saber o
nosso destino. Eu quero levá-la comigo para casa, colocá-la para dormir e
abraçar o seu corpo bem apertado para garantir que está tudo bem, que não
foi tão ruim como parece para ela.
— Leve-me para casa — pede com a voz abafada contra o meu
pescoço. Seu corpo ainda está trêmulo, e só agora me dou conta de que estava
chorando. Chorando e tentando esconder de mim.
Depois que falo o destino para o segurança, deixo que ela fique
quieta por alguns instantes, apenas me abraçando, enquanto a abraço de volta.
— Amor, me perdoe. Eu não queria ter reagido dessa forma, mas
quando me deparei com toda aquela gente me olhando, senti como se
estivesse nua. Como se pudessem ver a minha alma. Eu só me assustei.
— Ei, olhe para mim — peço, e levanto seu rosto em busca dos
olhos negros como o céu sem estrelas. — Você precisa banir essa palavra do
seu vocabulário. Não me peça desculpas, nunca. Você não teve culpa de
nada. A sua reação seria a mesma de muitas outras pessoas que se vissem na
mesma situação. Sou eu quem tenho que te pedir desculpas por não ter sido
cuidadoso o suficiente.
— Sei que você é o suficiente. — De um modo que eu não estava
esperando, ela beija os meus lábios com carinho. Os seus olhos estão abertos,
olhando-me da mesma forma que a olho: com devoção. — Só me abraça. E
não se preocupe, vai ficar tudo bem — diz, mas não é verdade.
No caminho relativamente curto até a sua casa, Nicole não fala
mais comigo. No meu colo, ela fica sem se mexer, tão quieta que eu poderia
pensar que está dormindo. Só não acontece porque estou conseguindo ouvir
daqui as engrenagens na sua cabeça. Ela está pensando muito. E depois da
situação pela qual passou, é o que de pior poderia acontecer.
— Quer dormir lá em casa? — indago, porque não quero e não
posso deixá-la sozinha hoje.
— Quero, mas não sei o que os meus pais vão falar. Nós já
passamos a tarde juntos...
— Deixe com o seu namorado que ele sabe como dobrar os seus
pais. Só me diz que quer muito dormir agarradinha comigo.
— Já estou sonhando com o seu travesseiro macio e aquela cama
enorme. — Ela levanta a cabeça, deixa escapar um sorriso tímido, e eu me
felicito pela capacidade de distrair sua mente nos momentos certos.
— Só isso?
— E seu corpo quente e gostoso.
— Essa é a minha garota.

Bom, como vem acontecendo todas as vezes em que me vejo na


sala da casa dos meus sogros, frente a frente com eles nos últimos 2 meses,
me sinto como um garoto com medo de levar bronca por fazer coisas erradas.
E mesmo que eu não tenha feito — não muito — a forma como o pastor olha
me faz querer confessar até mesmo pecados que ainda não cometi.
Nicole também não ajuda muito por estar com o corpo tão colado
no meu que estamos quase desafiando as leis da física e ocupando o mesmo
lugar no espaço. Além do mais, os olhos levemente inchados e assustados
entregam que algo deu errado no nosso jantar.
— Mãe, olha que lindo o anel que o Victor me deu. — Estende a
mão, a dona Lucy se aproxima e o analisa de perto.
— Muito bonito, filha. Mas não acham que estão modernos e
apressados demais? O anel de noivado deveria ter sido colocado no seu dedo
em um evento mais formal, onde as duas famílias estivessem presentes.
— Não se preocupe com isso, Dona Lucy, nós ainda teremos o
jantar de noivado como pede a boa etiqueta, mas hoje eu queria que as
minhas palavras fossem ouvidas apenas pela sua filha — explico, a senhora
assente em concordância, ou, pelo menos, tentando concordar.
— Qual o motivo do seu choro, menina? E não diga que é de
alegria, porque eu te conheço como ninguém. Sei que algo aconteceu para te
deixar assim. — Aí está o pastor, um ótimo julgador de caráter, um pai
atento.
Ela olha para mim em busca de ajuda, eu pisco com um olho só,
dizendo que o melhor é contar a verdade. Além de não mudar nada o fato de
eles ficarem a par da situação, eu duvido muito que conseguiria mentir para o
pastor agora.
Quando ela termina de contar o que aconteceu, falando para eles
exatamente como se sentiu, ambos ficam nos olhando em silêncio, como se
procurassem as palavras adequadas.
— Bom, está um pouco tarde, você levou a minha filha para
passear e jantar, Nicole deve estar cansada. Também não é bom que passem
tanto tempo juntos, as pessoas aqui da rua já estão começando a falar a
respeito da liberdade que ela está tendo com essa relação. Até as amigas dela
da igreja estão mais afastadas...
Como eu suspeitei, eles preferiram não me culpar abertamente na
frente dela pelo ocorrido, preferem deixar claro que não estão confortáveis
com o fato de passarmos tanto tempo juntos, que a opinião das pessoas de
fora é muito importante.
— Mamãe!
— Só quero dizer que está na hora do seu namorado ir para casa,
minha filha. — A sua fala faz com que nos olhemos e, sem que seja preciso
dizer uma única palavra, decidimos que não é um bom dia para tentarmos
terminar a noite juntos.
Uma decisão difícil para mim, porque não quero me afastar.
— Tudo bem. Espera só um minuto que eu vou no quarto pegar
um presente que tenho para você. — Nicole sai apressada, deixando-me a sós
com os seus pais.
— Victor, eu sei que você gosta muito da minha filha, assim
como ela também gosta de você, mas acredito que ela já tem problemas
demais para ter que ainda lidar com esse tipo de situação que a sua profissão
cria. Ela está sorrindo agora porque você está aqui, mas quando virar as
costas e ficar sozinha, irá sentir com mais intensidade, ficará triste... Eu já
não tenho tanta certeza se o relacionamento entre vocês...
— Não continue, Dona Lucy. — A interrompo — O que
aconteceu hoje não foi culpa de ninguém. A Nicole só ficou tão assustada
porque foi surpreendida, mas eu posso garantir que afastá-la de mim não fará
nenhum bem para ela. Eu posso e vou cuidar da minha namorada.
— Mas nós somos os pais dela e sabemos melhor do que você,
que chegou ontem — Gonçalo afirma, mostrando mais uma vez todas as suas
reservas ao meu relacionamento com sua filha. — Não vê que você, mesmo
dizendo que a ama tanto, pode estar a jogando para os leões? Se a minha filha
fosse diferente, talvez fosse mais fácil, mas as coisas são como são e você
tem que concordar que cenas como a de hoje são tudo de que ela não precisa.
— Eu respeito vocês como pessoas e, sobretudo, o fato de serem
os pais da Nicole. Sei aonde querem chegar, mas já adianto que estão
equivocados. Fechar os olhos para os problemas não fará com que sumam.
Acreditar que ela estava melhor há dois meses atrás não muda o fato de que
estavam agindo errado ao não buscar ajuda. A Nicole precisa de um
diagnóstico, senhor e senhora Montes. Só me deixem fazer do meu jeito pelo
bem dela e de todos nós. Confiem em mim e no meu amor.
“Olhem de verdade para ela e vejam que apesar de passarmos por
momentos difíceis, que nem sempre poderão ser evitados, eu faço bem para a
Nicole, assim como ela faz para mim — falo da forma mais clara que posso,
torcendo para que me entendam, porque embora eu entenda que são pais e só
querem o bem da filha, não posso fechar os olhos para tantos equívocos na
forma como reagem. — Só tenham fé em mim.”
— Vem, amor. Vou levar você até o portão. — A pretinha entra
como um foguete, puxando-me pela mão para fora da casa, interrompendo a
conversa tensa. — Você está sério. Aconteceu alguma coisa?
— Não, querida. Eu estou apenas curioso com o tal presente —
digo uma meia verdade, quando a encosto na lateral do veículo e me posto na
sua frente.
— Não é nada demais. Só algo que queria que você visse. — Ela
me entrega uma folha dobrada.
Quando a abro, surpreendo-me com o retrato perfeito de mim
mesmo pintado a lápis. Ela é tão talentosa.
— Quando? Como?
— Estou trabalhando nele desde quando você foi embora. Como
estou sem ânimo, demorou um pouco mais, mas aí está. Esse eu vou colocar
na tela e nunca venderei para ninguém, será só meu — afirma, pega o papel
da minha mão e o guarda no bolso.
— Está lindo. A forma como você é talentosa me enche de
orgulho e tesão.
— Até a minha respiração te deixa duro — diz, e me surpreendo
que seja tão abertamente. Acho que certa freirinha está começando a ser
influenciada pelo namorado sacana.
— É uma pena que não possamos dormir juntos — diz, tristonha.
— Quem disse que não? — Aperto-a nos meus braços. — Agora
você vai entrar, sem me dar beijo de despedida, e irá esquecer de trancar o
portão. Daqui a pouco, depois que eles forem deitar e eu dispensar o
Brandão, vou entrar no seu quarto e te agarrar do jeito que você quer. Não
seria a primeira vez, não é mesmo?
— Você é o melhor, Victor!
— Sou mesmo! Entre e me espere na cama, garota. — Quando ela
vira as costas com um sorrisinho no rosto, eu começo a contar o tempo até
que estejamos juntos novamente.
Demora apenas trinta minutos até que as luzes da residência se
apaguem. Tempo suficiente para que eu peça para o segurança ir embora e
para ver se já não saiu nada a respeito do episódio de hoje na mídia.
Quando entro no seu quarto, iluminado apenas pela luz do abajur,
a encontro deitada de lado, com uma camisola que deixa metade da sua
bunda de fora. Pergunto-me quais eram as suas intenções, mas, quando deito
as suas costas, concluo que elas não importam, considerando que o cansaço
físico e psicológico levou a melhor e ela dormiu.
Como gosto de fazer quando dormimos na mesma cama, passo
um tempo velando o seu sono, abraçando o seu corpo pequeno mais apertado,
depois da conversa que tive com os seus pais. Eu tenho 33 anos, sou
independente em todas as áreas da minha vida, mas os pais da Nicole me
assustam.
Eles sempre me deixam com a sensação de que a minha relação
com a filha deles é frágil demais. Agem como se a solução para qualquer
problema seja o meu afastamento, mesmo que saibam que não é assim, que
eram eles quem vinham tapando o sol com a peneira.
O meu lado racional sabe que não devo me ressentir ou culpá-los,
quando são apenas duas pessoas ignorantes e que, segundo a minha mãe, não
agem diferente de muitas outras famílias que estão na mesma situação. Sei
que estão perdidos, mas também não posso evitar enxergá-los como uma
ameaça não só para mim, mas para filha, apesar de a amarem muito.
Por todos esses motivos, não posso mais adiar a conversa que
preciso ter com a minha namorada. Precisa das consultas que darão um
diagnóstico, pois ela e todos nós precisamos saber como agir, como garantir
que a sua vida não seja uma montanha russa de emoções.
Ao mesmo tempo, quero me casar com Nicole, não só porque
nada me faria mais feliz, mas também por não poder abrir mão de estar do
seu lado, para que não tenha mais que entrar sorrateiramente no seu quarto.
Principalmente, para eliminar a sensação de que a qualquer momento algo, ou
alguém irá nos separar.
Capítulo 36

NICOLE
Apesar de não parecer, passou-se uma semana depois que o meu
Victor colocou o anel de noivado no meu dedo. Assim como tem feito desde
o primeiro instante em que entrou na minha vida, me fez e faz feliz todas as
vezes que demonstra o seu amor por mim. Cada palavra e cada pequeno gesto
faz cair por terra a insegurança que, em algumas ocasiões, vem sem avisar.
Embora seja difícil, me esforço para que ele não perceba que eu
tenho medo de que se canse de mim, que um dia, sem mais nem menos,
acorde e veja que não somos as pessoas certas um para o outro, que comece a
pensar como todos, até mesmo as nossas famílias. Por mais que eles se
esforcem, porque querem o nosso bem, não podem evitar de se perguntarem
se realmente devemos insistir na relação. Então, somos só nós dois, lutando
pelo que queremos. Acreditando como ninguém mais faz, não de verdade.
Talvez sejam as diferenças gritantes entre as nossas idades, a
nossa criação e o modo de enxergar o mundo que nos tornam tão opostos,
mas as diferenças são o que nos atrai para os braços um do outro como um
imã. Há semanas, Victor e eu estamos contornando cada pequeno obstáculo
que possa surgir e nos atrapalhar. Somos sinceros sempre, fazemos de tudo
para passarmos mais tempo juntos nos conhecendo melhor, para provar para
nós mesmo, e para todos, que o amor que sentimos é maior que as nossas
diferenças e, por causa disso, decidimos nos casar.
Nossos pais ficaram surpresos, até mesmo os meus, que sempre
me disseram que namoro tem que ser com a intenção de casar-se logo.
Ontem, durante um jantar preparado apenas para as nossas famílias na minha
casa, o galã oficializou o nosso noivado da forma como o senhor Montes
fazia questão. Foram pegos de surpresa com a nossa pressa e, por isso, reinou
o clima de felicidade, mas também de preocupação.
Meus pais, sempre muito religiosos e conservadores, têm alguma
razão para se sentirem preocupados com a minha união com alguém como o
meu noivo, mas não consigo entender os motivos dos meus padrinhos, ou do
Victor, que tenta disfarçar, mas não consegue. Nos últimos dias ando tendo a
impressão de que todos estão escondendo alguma coisa de mim.
Mas, da mesma forma que não tenho motivos para me sentir
insegura, talvez não tenha para suspeitar que escondem segredos de mim,
provavelmente é apenas a minha mente querendo sabotar a minha felicidade.
Feliz. Nos últimos dias posso dizer que estou feliz. Dia após dia
tenho me sentido melhor, sem precisar me esforçar para manter o sorriso,
mais animada e disposta a retomar meus projetos que estavam um pouco
abandonados. Se tivesse que colocar em palavras, posso dizer que me sinto
como eu mesma. Com a mente em paz, depois de tanto tempo.
Fiquei tão concentrada no que faço que nem percebi quando o dia
começou a dar lugar para a noite. É o que acontece quando estou aqui, no
jardim da casa dos Salvatore, apenas um banco de jardim, ao lado de uma
gruta decorativa, mas um lugar que me deixa em paz e inspirada para fazer o
que, na maior parte do tempo, me dá prazer. E enquanto faço alguns esboços,
espero o meu noivo, que saiu para fazer um trabalho, mas pediu para esperá-
lo — na cama —, porque está com saudade.
Meus pais só permitiram que eu viesse porque estão entretidos
com o congresso que terá na igreja, e porque ainda preferem acreditar que
Victor e eu não dormimos juntos. Para todos os efeitos, não dormimos
mesmo, já que só nós dois sabemos que, no meio da noite, quando a casa
dorme, ele invade o quarto de hóspedes e me leva para o seu. Foi dessa forma
desde a primeira vez em que tivemos a oportunidade. Com ou sem sexo, não
dormimos separados quando é possível dormirmos juntos.
Enquanto finalizo meu desenho, pela primeira vez me questiono
se minha mãe não tinha razão quando disse que as minhas amigas estão
afastadas de mim, ou se sou eu quem estou me afastando delas por causa do
namoro com o Victor. Na verdade, se for analisar, eu estou deixando de lado
até mesmo as minhas atividades na igreja.
Ser a filha exemplar do pastor, aquela que todas viam, ou
deveriam, como modelo sempre foi a única coisa que eu tinha. Me envolvia
em todos os eventos, postava-me como uma líder nata, e gostava, era feliz
daquele jeito. Mas, de uns tempos para cá, não posso negar que foi depois
que reencontrei o loiro, minhas prioridades mudaram. Ou, talvez, eu tenha
mudado.
De alguma forma, ainda faço parte de uma comunidade e duvido
que algum dia isso mude, mas a minha maneira de ser feliz já não é mais a
mesma. Não posso nem dizer que me sinto mal por isso, pois se antes eu
vivia para a igreja, para buscar na minha fé algum tipo de paz de espírito e
bem-estar, hoje, depois de tantas mudanças, sinto que posso ser eu mesma.
Então não tem problema se algumas pessoas falarem, se os meus
pais se ressentem pelo meu distanciamento das atividades que preenchiam os
meus dias, porque sei que apesar de tudo, nunca me senti tão bem.
Já anoiteceu quando recebo uma mensagem do meu namorado,
avisando que está a caminho. Aproveito para subir e tomar um banho no
banheiro do quarto que ocupo, ansiosa para mostrar para o loiro a lingerie
que comprei para ele. Tudo bem que deve ter visto milhares muito mais
bonitas, e menos comportadas. A diferença é que nenhuma das outras eram
eu, a única que ele amou. A última que amará.

VICTOR
— Hoje você estava especialmente gato, Victor. Essas roupas
ficaram bem em você — Lilly, a fotógrafa com que já transei em outro
momento da minha vida, se aproxima, cheia de intimidade ao me tocar.
— Agradeço o elogio, mas quero saber se já terminamos por hoje.
— E para que tanta pressa? — questiona, agindo como se não
soubesse que eu tenho uma noiva.
Não tem como ela não saber, porque além de a imagem de Nicole
nos meus braços estar circulando há uma semana, depois do jantar em que
oficializei o noivado, a minha assessoria de imprensa soltou uma nota
comunicando a novidade.
— Porque a minha noiva está em casa me esperando. E ela é
muito brava, não gosta de atrasos — digo com ironia, enquanto começo a
juntar meus pertences.
— E esse noivado? Tão inesperado. Pelo que sei, existe até uma
aposta sobre quanto tempo essa brincadeira irá durar — comenta, e eu noto
que faz por pura maldade, acreditando que pode me atingir de alguma forma.
— Ela é muito jovem. Vocês não têm nada a ver um com o outro.
— E você, que eu vi meia dúzia de vezes, nos conhece muito bem
para afirmar isso, não é mesmo? — digo, mordaz, dando por encerrada a
conversa idiota. — Quando o ensaio ficar pronto, entre em contato com os
meus assessores. Adeus.
Está tudo bem, Victor Salvatore!
Você está indo para casa, onde a sua mulher está te esperando.
Linda, e melhor a cada dia que passa. Parece estar em um dos intervalos entre
as suas crises, e eu torço para que ele dure bastante, o máximo de tempo que
dona Dirce falou que pode chegar. Nicole merece descansar, mas também
precisa saber de coisas que não consigo mais adiar. Vai ser melhor assim.

A minha primeira reação é de decepção ao entrar no meu quarto e


não encontrar a minha garota me esperando. Segundos depois vem o alívio,
quando me convenço de que só pode estar no quarto de hóspedes que
costuma ocupar. Espera que eu vá sequestrá-la, como sempre faço. Antes de
ir até ela, tomo um banho rápido e coloco o perfume de que mais gosto. Não
me preocupo em me vestir demais, porque tenho esperança de que em breve
roupas serão desnecessárias. Isso se ela estiver tão sedenta quanto eu, já que
ontem não conseguimos comemorar a sós o nosso noivado.
Ao abrir a porta, sou presenteado pela visão da garota deitada de
barriga para cima. Ela tem os braços estendidos, e o celular na frente do
rosto. Está tão absorta, que nem percebeu a minha presença. Mas o que
desperta mesmo o meu interesse é o fato de ela vestir somente uma lingerie
branca. Tinha que ser branca, porque ela é uma safada na pele de uma
freirinha.
As peças não são as mais elaboradas, e nem as mais sensuais que
já vi, mas não precisa de muito para me deixar duro. Basta que estejam no
seu corpo e se tornam perfeitas.
— Devo ficar com ciúme? — digo, ela toma um susto que a faz
jogar o celular do outro lado da cama, depois de levar as mãos ao coração
enquanto se senta.
— Seu babaca! Quase me mata de susto. — Ela joga um
travesseiro em mim, mas o pego no ar, rindo alto.
— Não sabia que eu estava vindo? — pergunto ao trancar a porta
e me aproximar da cama. Ao invés de olhar para o meu rosto, a garota mede
o meu corpo de cima a baixo. Parando na minha boxer.
— Sabia, sim. Mas acabei me distraindo com minhas amigas no
WhatsApp — explica. — E você, não tem mais roupas para vestir? Será que
tem o costume de andar só de cueca pelos corredores? Corre o risco de as
meninas que trabalham aqui te verem assim.
— Exatamente!
— E fala assim, com essa cara de pau? Você não me provoca,
Victor.
— Eu adoro esse seu lado ciumento. Enche-me de tesão —
confesso. Ao me sentar do seu lado na cama, aproveito para trazê-la para
cima de mim, porque simplesmente não posso estar no mesmo lugar que a
minha mulher, sem estar a tocando de alguma forma.
— Sente tesão quando sente ciúme de mim também? — rebate,
mas a simples lembrança de como fiquei quando a vi com aquele garoto me
tira do prumo, ela não deixa de notar e, por isso, prossegue: — Foi o que eu
pensei.
— Coisinha cruel! — Mordo com força moderada a sua
bochecha. Ela, por sua vez, finca as unhas nas minhas costas.
Nicole e eu temos os nossos momentos de amorzinho e de sexo
selvagem. Quando estamos sedentos, ela até mesmo esquece de chamar
nossos sexos de vagina, de pênis, e começa a gritar para enfiar o meu pau
mais fundo, que posso tocar no seu cuzinho. Usa as minhas palavras, e eu
fico ainda mais louco por ela.
Amo a Nicole em todas as suas versões, mas a Nicole sem
pudores, essa me faz arder de paixão.
— Eu estou com saudades de você, pretinha — confesso, bem
consciente da proximidade das nossas partes íntimas.
— Mas estou bem aqui, em cima de você.
— Corrigindo: estou com saudades de te comer, de te ouvir gritar
para meter com mais força. De gozar na sua bocetinha.
— Só tem 3 dias...
— De me enterrar... — Ela acaba com a minha falação quando
segura minha cabeça e me beija. O primeiro beijo de muitos, que são como
preliminares, porque nos deixa muito sensíveis: eu tão excitado quanto
possível, ela toda molhadinha para mim.
— Quero você, Victor Salvatore.
Nicole pede e eu dou. Gozo e a faço gozar para mim até ficarmos
saciados. Primeiro a fodo deitado entre as suas pernas, depois a coloco de
quatro, porque amo admirar e tocar sua bunda, enquanto meto na sua boceta.
Por fim, a coloco em cima do meu colo, porque nós dois sentimos prazer em
nos olharmos quando estamos transando. É sempre o momento em que tudo
se mistura; o amor, a paixão e o desejo que nos une. O orgasmo também é
mais prolongado quando os nossos peitos estão colados, quando, com os
corpos suados, nos abraçamos e quebramos juntos.
— Eu não quero sair daqui... — assevero, com o corpo em cima
do dela. Nicole está deitada de bruços, com as pernas afastadas para me
comportar dentro de si.
— Não saia, está tão gostoso... — Ela está acabada, mas não se
entrega.
— Eu sou muito pesado para ficar assim, em cima de você. Além
do mais, posso querer começar tudo outra vez, e sua bocetinha já está
castigada.
Lentamente, deixo o seu corpo e vou me arrastando por ele,
beijando suas costas, descendo até alcançar o início da sua bunda, cujos
furinhos, um de cada lado, a deixam mais sexy.
Quando me deito e puxo a sua cabeça para cima do meu peito,
sinto que a minha satisfação é mais que puramente sexual. Nicole preenche
todos os espaços na minha vida, deu a ela um sentido muito maior do que um
dia eu poderia sonhar. Antes tinha a minha família, a profissão, que eu
sempre amei, e agora tenho ela, que é a minha prioridade. Uma relação que
preciso cuidar todos os dias, uma pessoa que merece todo o meu amor e a
minha confiança.
— Você já está dormindo? — indago, depois dos vários minutos
em que permanecemos em silêncio, recuperando o fôlego.
— Nem perto disso. Você ainda precisa me alimentar e me levar
para o banho, já que me impossibilitou de andar pelas próximas horas.
— Eu amo os seus elogios — sussurro.
— Eu sei. — diz ao dar beijos carinhosos no meu peito. —
Victor, sei que pode não ser o momento, mas tenho que perguntar. — Ela se
senta e cobre o corpo. — Tem alguma coisa que quer me dizer?
Como parece ser um assunto sério, imito os seus gestos e me
sento com as costas contra a cabeceira.
— Por que diz isso?
— Eu sinto que todos sabem de algo que não sei. Você sabe que
tenho problemas, mas tenho medo de estar criando paranóias na minha
cabeça, por isso decidi falar com você para ter certeza.
— Querida... — A forma como falo, e, provavelmente, o meu
olhar, que ela conhece muito bem, é a sua resposta.
— Vai falar comigo?
— Eu vou. Estou planejando ter essa conversa com você já tem
um tempo, mas estava esperando o momento certo,
— Fale de uma vez — exige.
— Lembra da conversa que tivemos há algumas semanas, quando
você me disse sobre como se sente?
— Sim. Eu disse que há algo de errado com a minha alma, que
acredito que sou uma pessoa depressiva...
— Amor, não é com a sua alma, algo que se cure com orações.
Comecei a suspeitar que você tenha uma síndrome. Uma doença psicológica.
Ela emudece por um instante, com os olhos assustados e a cabeça
balançando de um lado para o outro, negando as minhas palavras.
— Não, Victor. Eu estou saudável, você entendeu tudo errado,
olhe para mim. — Nicole é uma garota muito inteligente e, apesar do susto,
sabe que eu tenho razão. — Eu...
Ela para de falar, fica me encarando até que o momento de
negação passe. Quando a realidade cai no seu colo como uma bomba, e duas
lágrimas grossas rolam pelo seu rosto, minha noiva seca com raiva e faz a
pergunta cuja resposta é a mais importante.
— O que há de errado comigo?
— Eu quero que você faça uma consulta com a minha mãe, amor.
Não posso afirmar nada, porque não sou especialista, mas ela é. Sua
madrinha saberá dar um diagnóstico preciso do que você tem e o que
devemos fazer — falo, preferindo não dar mais detalhes do que acredito para
não a assustar. Minha mãe é uma médica experiente e saberá como agir.
— Estou com medo. — Ela vem para mim, me abraça apertado
enquanto chora, não fazendo as milhares de perguntas que sei existirem na
sua mente. — Fica comigo, Victor. Não me deixe.
— Para sempre — Afasto o seu rosto do meu pescoço e o seguro
com carinho para que olhe em meus olhos. — Nunca vou te deixar.
Capítulo 37

NICOLE
UM MÊS DEPOIS
É impressionante como tudo pode mudar de um instante para o
outro, mas o mundo parece o mesmo. Tudo em seu devido lugar, exceto pelo
que não está. Exceto por pessoas como eu, que descobrem que o que parecia
ser ruim, pode ser muito pior.
Uma realidade que assusta, que causa dor, e um desespero que me
faz sentir que não tenho para onde correr, porque para onde eu for, lá estarão
os meus problemas, rindo da minha cara e me dizendo que não sei de nada.
Que a minha mente é muito mais perigosa, um inimigo mais poderoso que
um dia eu pudesse sonhar.
É assim como me sinto a cada dia que passa, a cada vez que vou
ao consultório da minha madrinha e ela faz perguntas, que me analisa com
seus olhares atentos e perspicazes, com suas mãos ligeiras na hora em que
escreve sem parar na sua prancheta. São perguntas que me fazem olhar com
mais atenção para dentro de mim mesma, e não gosto do que vejo, porque
percebo que nunca esteve tudo bem comigo. Atos, sentimentos, ideias e
pensamentos sempre foram mais do que deveriam ser.
Na primeira vez que o meu noivo me levou ao consultório da
minha sogra, ela me perguntou sobre a minha infância, foi ali que eu
realmente entendi a gravidade de tudo, que os sinais apareceram mais cedo
do que conseguia me lembrar.
Eu não me lembro muito bem, mas meus pais me falaram que eu
era uma criança tímida, inteligente, mas que tinha dificuldade de fazer
amizades. Quando fazia, muitas vezes não tinha paciência com as outras
crianças e acabava brigando com elas. Segundo eles, todos achavam que eu
era apenas mimada, que queria tudo do meu jeito e, por isso, reagia com
irritação tão facilmente quando era contrariada.
Quando fui ficando mais velha, entre 10 e 12 anos, dessa época eu
me recordo bem, tive os meus momentos de tristeza, mas nada que causasse
alarde aos meus pais, pois quem não tem os seus dias ruins? O problema é
que, olhando para trás, eu não tinha qualquer motivo para ter tantos dias
ruins, para ir de alegre para irritada em um piscar de olhos. Para ficar tantos
dias sem ir ao colégio apenas porque acordei indisposta.
O problema era que a indisposição durava dias e até semanas. Os
meus pais, em algum momento, devem ter se acostumado e começado a achar
normal o meu comportamento.
Dona Dirce me fez entender que o que está acontecendo comigo é
comum, pois, por ignorância, a própria pessoa e a família têm dificuldade de
entender o momento em que as mudanças de atitudes e de humor passam a
não ser mais normais. A ignorância dos meus pais talvez nos tenha deixado
em um lugar confortável por um tempo, porque, por mais que eu tenha
sofrido esse tempo todo, era mais cômodo nos escondermos atrás da fé.
Muito melhor pensar que era o diabo e tomar calmantes do que acreditar em
algo assim, afinal, que motivos eu teria para não ser perfeita?
Mas a médica me explicou na segunda consulta que não precisa
necessariamente de um motivo, que é uma doença. Que no meu caso pode ter
se apresentado como uma herança genética. Não posso considerar a outra
hipótese, porque teria que me questionar, e eu sei que sempre fui uma pessoa
com motivos para ser feliz. Tenho que acreditar nisso, que os meus pais
sempre foram bons e mesmo tendo sido criada cheia de regras, muito cobrada
por ser filha do pastor, nunca senti esse peso sobre os meus ombros.
Não posso e não quero gastar energia fazendo questionamentos do
porquê, uma vez que não adiantaria de nada. Eu sofro de uma condição que
não tem cura. Faz parte de mim, terei que conviver e tentar lidar da melhor
maneira possível.
Transtorno bipolar
Esse é o nome da doença psicológica que a doutora diagnosticou
há algumas horas. Uma alteração no meu humor, que pode oscilar de um
extremo a outro dependendo do grau.
Foram dias ouvindo e guardando informações, muitas das quais
não quero pensar agora, porque não posso acreditar que chegaria a alguns
extremos, porque a doença tem os seus graus e existe a possibilidade de o
meu apresentar a sua forma mais grave.
Quando um vento gostoso balança as árvores à minha volta,
jogando os meus cabelos no rosto, desperto da minha inércia e olho para trás.
E aqui está ele, com os braços cruzados e encostado na lataria do seu carro.
Victor, o homem da minha vida, quem esteve comigo em todos os momentos
do último mês.
Ele me acompanhou a cada ida ao consultório da sua mãe, me
apoiou em tudo. Foi nos seus braços que chorei, o único lugar onde consegui
dormir quando comecei a perceber que a minha vida iria mudar, que junto
com o diagnóstico veio a certeza de que nunca mais serei a mesma.
Eu não sei como isso afetará o nosso relacionamento, e é algo que
me causa mais aflição do que qualquer outra coisa, porque eu não saberia
mais como seguir em frente sem a sua presença na minha vida. O homem que
me respeita o suficiente para se manter afastado, quando eu sei que tudo o
que ele mais quer é estar aqui, me segurando em seus braços, agindo como se
pudesse me proteger do mundo fora da nossa bolha.
Victor não tem ideia do quanto me faz bem, porque eu estou
assustada, não tenho como negar isso, a minha mente está um turbilhão
depois da última e esclarecedora conversa com a psiquiatra, mas só o ato de
olhar para ele me faz ter coragem. Torna tudo tão mais fácil...
— Por que você não vem aqui me abraçar? — falo alto para que
me escute de onde está.
Depois que saí da consulta, Victor não me disse nada, apenas
colocou o carro em movimento e me trouxe para o parque. Como hoje é
domingo, está quase vazio, e tenho toda a tranquilidade de que preciso para
colocar os meus pensamentos em ordem. Para assimilar tudo o que ouvi, o
que me foi exposto sem nenhum rodeio, depois de tanta análise.
— Eu estava aqui me perguntando quanto tempo teria que esperar
até que você me fizesse o convite — diz com um sorriso rasgado. Tão lindo,
feliz como sempre. Não tenho certeza se já estava preparado e, portanto, o
baque não foi tão forte com a confirmação, ou se está escondendo seus
sentimentos porque sabe que estou precisando dele mais do que nunca.
— Sinta-se convidado, loiro — falo, então ele se senta na grama,
com as costas contra o tronco do pé de ipê amarelo, e me coloca entre as suas
pernas. Os seus braços me circulam e até o ar parece mais puro de se respirar.
— Você está bem? — indaga ao tirar os meus cabelos do pescoço,
para depois colocar o nariz no lugar. — Morango e flor de ipê, que
combinação perfeita.
— Acho graça da sua obsessão pelo meu cheiro — admito e ele
enterra ainda mais o nariz no meu pescoço. Como sei que ama o cheiro do
meu perfume, nunca esqueço de passá-lo em locais estratégicos. — E,
respondendo a sua pergunta, tenho que admitir que ainda estou um pouco
sem rumo e assustada, mas estou bem.
— Eu sei que não deve ser fácil, bebê, mas pensa pelo lado
positivo. Agora que tem o diagnóstico saberá como tratar e será menos
dolorido.
— Eu sei, Victor. Mas...
— E você ouviu o que a minha mãe falou, sua vida será como a
de qualquer outra pessoa, basta que todos nós façamos o que deve ser feito.
Ainda não sabemos ao certo por onde começar, porque apesar de
ter se chegado à conclusão de que o transtorno demorou em média 8 anos
para ser descoberto, as oscilações foram relativamente tranquilas. Então,
antes das drogas, começarei a fazer a terapia, além do tratamento contínuo
com a minha madrinha. Baseado no meu comportamento nas próximas
semanas, ou meses, ela me indicará o momento de começar o tratamento a
base de drogas, os estabilizadores de humor, como ela se referiu.
Nada de antidepressivos ou calmantes, porque não são os
medicamentos recomendados, e eles podem até piorar o meu quadro. Uma
informação que não darei agora para os meus pais, pois fará com que se
sintam mais culpados do que já estão.
Agora eles estão na casa dos meus padrinhos. A dona Dirce
preferiu que fosse assim, ela mesma explicando do jeito certo tudo o que me
disse mais cedo, sem causar sofrimento desnecessário aos amigos.
— Está dormindo? — Ouço a sua voz ao longe, estava tão perdida
em pensamentos que levo um tempo para entender o que disse.
— Não. Só estava pensando. É tudo o que tenho feito
ultimamente. A minha mente não para — admito.
— Eu sei. Mas você precisa relaxar um pouco, fazer coisas que te
distraiam.
— O que, por exemplo? — pergunto, enquanto faço carinhos
circulares em sua mão.
— Você pode se dedicar a sua pintura, porque eu sei que é a sua
segunda maior paixão.
— E posso saber qual a primeira? — O provoco.
— Óbvio que sou eu, que além de ser alto, loiro e gostoso, te dou
ótimos orgasmos, o que me leva a segunda sugestão de como manter sua
mente distraída. Quero que saiba que sempre pode contar comigo para tudo,
não vou me importar se você usar e abusar do meu corpo como uma fonte de
distração. Prometo que continuarei te amando depois disso.
— Eu amo todas as suas ideias, meu amor. Gosto de pintar e vou
me dedicar a isso, mas confesso que quando penso em distração, o seu corpo
nu é a primeira imagem que vem na minha cabeça — provoco.
Victor é o meu maior incentivador, sempre fala do meu talento, e
ficou muito feliz quando eu, mesmo passando por tanta coisa, fui fazer prova
para o vestibular. Não sei o que pretendo fazer com o resultado, que ainda
não saiu, mas estou certa de que fui bem.
— Eu só espero que nessa imagem você também esteja nua com
um pincel na mão — comenta e morde a ponta da minha orelha.
— E quem disse que uma coisa exclui a outra? — questiono
rindo, porque ele é capaz de me fazer sorrir sem qualquer esforço.
— Você está certa, eu posso te foder enquanto pinta, ou vice
versa, você pinta enquanto eu te fodo. — Gargalho alto com as suas
bobagens.
— Ei, eu estou falando sério, menina! Não ria do seu homem.
— Victor... — Viro a cabeça e o corpo para o lado, assim posso
ver seu rosto.
— Se está pensando em me agradecer, não precisa continuar,
Nicole Montes. — Além de tudo, ele ainda lê os meus pensamentos
— Mas...
— Todas as vezes que agradece, é como se eu estivesse fazendo
um favor para você, e não é assim. Eu estou aqui e sempre estarei, porque sou
o seu noivo e não tem outro lugar onde eu desejaria estar.
Eu tenho sido forte ao longo das últimas semanas, não lembro de
ter derramado uma única lágrima, mas aqui está ele, me desmontando inteira
com algumas frases, fazendo-me ser grata, porque se por um lado a vida me
deu um fardo para carregar, ela também me deu um presente. Um homem que
ninguém apostaria que um dia seria um bom parceiro, mas que tem sido
perfeito para mim.
Na adolescência, quando me apaixonei por esse homem, depositei
nele todas as minhas ilusões de garota, cheguei até mesmo a inventar na
minha cabeça uma realidade paralela em que eu era adulta e ele meu
namorado. A realidade não é perfeita como nas minhas fantasias, mas ele está
aqui. Victor é o meu milagre particular e, com certeza, uma versão muito
melhor do que as ilusões que tive.
— Que bom que você chegou — digo baixinho para mim mesma
e ele, como se tivesse me ouvido, segura na minha nuca e me beija com
carinho, da forma que faz quando quer mostrar através do toque a verdade de
suas palavras.
A incerteza de não saber como vou acordar amanhã, semana que
vem, ou no próximo mês faz o meu sangue gelar, mas a nossa família, esse
beijo e abraço apertado me mostram que vai ficar tudo bem, porque, no fim
das contas, eu não estou só.
Capítulo 38

VICTOR
TRÊS MESES DEPOIS
“Na última sexta, o ator foi flagrado em clima de romance com a
noiva. O casal, que tem tentado manter discrição quanto a futura união,
acenou para as câmeras, mas não quis dar entrevista. Vale mencionar que o
galã goiano está sendo cotado para viver o papel do príncipe Júlio César no
filme que retrata a vida do monarca. Com isso, há uma expectativa da volta
do astro para São Paulo, dando fim às férias, que já duram meses em sua
cidade natal...”
— Já chega! — falo ao tomar o celular da mão do meu irmão, que
veio nos visitar. Ele andou meio recluso no mato, mas sempre que pode,
aparece para pentelhar, como um bom irmão mais novo. Alessandro parece
mais feliz. Não sei explicar ao certo o que mudou, mas ele está sorrindo com
sinceridade.
— Irmão, não sei como você aguenta ter a sua vida sendo
especulada dessa forma — comenta. — E essa foto da sua freirinha? Eles
foram até sutis, porque o clima aqui não é bem de romance. Vocês se olham
como se estivessem arrancando as roupas um do outro.
— Nesse momento eu estava muito excitado. A mão dela estava
me apalpando debaixo da mesa — revelo, regozijando-me com a lembrança,
porque Nicole está cada dia mais desinibida. Ela aprende rápido, e sabe como
entrar na brincadeira.
Ontem eu a levei para jantar fora, algo que temos feito com
frequência. Estou lhe apresentando novos lugares, porque mesmo tendo
nascido aqui, ela pouco explorou a cidade.
— Eu não quero detalhes de como você tem corrompido a minha
cunhada, que até meses atrás era completamente inocente. E por falar na
Nicole, como ela está?
— Reagindo bem. Por um momento tive medo que fosse frágil
demais para entender tudo que foi jogado no seu colo, mas ela tem me
surpreendido todos os dias, Sandro. Está tranquila, levando a vida sem
parecer que está o tempo todo temendo um surto. Não age como se o amanhã
a assustasse. Não se coloca como vítima.
— A sua garota é perfeita, irmão. Quando soube, imaginei que ela
não desmoronaria, porque tem motivos para querer ficar bem. A freirinha tem
você, e todas as vezes que a vejo percebo na forma como te olha que o
relacionamento de vocês é uma das razões para estar se saindo tão bem —
afirma.
— Ela é foda mesmo — falo, cheio de orgulho. — Mas me fale de
você. Eu não sei bem o que é, mas está diferente. O que aconteceu que não
está me contando?
— Nada. Foi só um beijo que rolou entre mim e a Ellen.
— E você diz que não é nada? Porra, cara! Nós estamos falando
da minha amiga. Não se esqueça disso. Ellen tem aquele jeito autossuficiente
dela, mas é uma mulher sensível — aviso, procurando no seu rosto se tenho
motivos para me preocupar.
— Foi só um beijo delicioso pra caralho. Aconteceu no mês
passado quando Nicole a convidou para vir pegar um sol na beira da piscina.
Eu roubei depois que cansei das suas respostas mal educadas para mim.
Satisfeito?
— Deixe-me adivinhar. Ela terminou o beijo com um tapa na sua
cara?
— É claro que sim, mas não foi só isso, ela me estapeou, depois
me puxou e me deu outro beijo de tirar o fôlego. Parecia que a dondoca
gostosa iria me foder ali mesmo, no meio do estacionamento. E como foi
bom, porra.
— Sandro, o que você pretende? — Ele já é crescido o suficiente
para fazer o que bem entender com a sua vida sexual, mas não posso deixar
de me preocupar quando se trata da Ellen.
— Você sabe que depois do acidente de carro que levou a minha
esposa, eu decidi não permitir que a vida tivesse a oportunidade de me causar
tanta dor novamente. Mas essa mulher, que me irrita e excita com o mesmo
grau de intensidade, de alguma forma faz com que eu me sinta vivo. Ela me
atrai muito. — Para estar confessando tanto, quando não gosta de falar de si
mesmo, significa que está muito mexido com a modelo.
— Então tenta se acertar com a loira para ver o que acontece. Se
quiser, posso sondar com ela. Ou melhor, posso te passar o número de
telefone dela.
— Não se meta, Victor. Eu não interferi no modo como você
conquistou a sua freira. Eu nem sei se quero esse abacaxi nas minhas mãos.
— Tudo bem, cowboy, não precisa ficar tão na defensiva — digo.
Será que eu também fiquei tão insuportável quando me apaixonei pela minha
pretinha e acreditava que não podia tê-la para mim?
— Eu vou ver se papai já chegou, prefiro ouvir as histórias chatas
do escritório a te ouvir agindo como um cupido amoroso. — O cachorrinho
da Ellen fala e deixa o quarto batendo a porta.
Ainda sorrindo, e fazendo nota mental para não esquecer de pedir
para a pretinha ir atrás da fofoca desses dois com a Ellen, de quem ela tem se
tornado cada dia mais próxima, entro no chuveiro para tomar um banho frio.
Um banho rápido, porque não quero perder nada do que se tornou o meu
passatempo preferido.
Cheio de segundas intenções, decido não vestir nada que não seja
a toalha em volta do meu pescoço. Dirijo-me para o quarto que, pouco a
pouco, tem se tornado seu ateliê. Como é fim de semana, ela veio passar o dia
comigo e não poderia deixar de se dedicar ao que mais gosta de fazer,
principalmente agora, que começou a entender que a arte faz parte de quem
ela é, que não deve estar condicionada a momentos bons ou ruins dos seus
dias.
Ela também tirou excelentes notas na prova que fez e está
estudando todas as possibilidades no possível ingresso em uma universidade.
Mesmo antes de se envolver comigo Nicole estava se preparando para isso, e
apesar de ter deixado os planos de lado por um tempo, fico feliz que esteja
pensando em investir, que tenha conseguido influenciá-la positivamente.
Com cuidado para não me denunciar antes do tempo, abro e fecho
a porta atrás de mim sem fazer barulho. Linda! Como está linda com a sua
saia vermelha, blusa de mangas e cabelos presos no alto da cabeça. A postura
ereta, as mãos delicadas pincelando a tela me deixam pronto, porque não tem
imagem mais sexy do que essa para mim. Não é só a sua beleza física, é a
pureza, a força e a delicadeza.
Nicole não se esconde por trás das máscaras, quando está se
sentindo bem, ela mostra que está bem, quando não, ela escancara sua
fragilidade. Passaram-se três meses desde o diagnóstico, ela teve alguns
episódios tanto de euforia, quanto de depressão, mas foram ocorrências mais
leves, e ela soube contornar muito bem.
Está gostando da psicoterapia e pensa em entrar em grupos de
apoio com pessoas que também sofrem com o transtorno bipolar. Na verdade,
tanto ela quanto eu e os seus pais estamos estudando a hipótese para que
possamos aprender como reconhecer e evitar os sintomas
Conto os passos até a minha garota, que no momento está sentada
bem na pontinha do banco. Com cuidado, primeiro enlaçando a sua cintura,
sento-me atrás dela no assento que não foi feito para duas pessoas. A menos,
é claro, que uma delas não esteja sentada exatamente no banco.
— Você e sua mania de me surpreender quando estou concentrada
— reclama, mas continua pintando. Seu estilo deu uma mudada depois que
começou o tratamento com minha mãe e com a terapeuta. Diferente das
outras, as últimas obras têm cores claras, cujos retratos de belas paisagens são
perfeitos de tão reais.
— Você e essa mania de me esquecer quando se tranca aqui. A
gente já não tem tanto tempo para ficar juntos, aí você vem e abandona o seu
homem.
Tem coisas que não mudam, e uma delas é o fato de meu sogro
não ter aliviado a nossa barra. Porra! Nós estamos juntos há 6 meses, vamos
nos casar, e ainda temos que nos esgueirar por aí quando queremos transar.
Passar noites juntos? Está cada dia mais difícil. O que me surpreende é que
para ela parece estar tudo bem. Tudo bem vir fazer visitas e aproveitar para
dar uma rapidinha antes de ir embora.
Mas também, isso é o resultado de ser louco por uma freira que
não gosta de desobedecer aos pais. Ficou ainda mais obediente depois que
soube do transtorno. Provavelmente, ela pensa que tem culpa de alguma
coisa.
— Vai continuar me ignorando? — Mordo a sua orelha e começo
a enfiar a minha mão por baixo da blusa para sentir a pele macia do seu
abdômen.
Embora continue a trabalhar, algo na sua postura já mudou, a
respiração está mais rápida.
— Fale-me o que deseja, que eu te respondo numa boa — fala,
tira o pincel da tela e desenha um traço azul de tinta no meu braço.
— Desejo descobrir se é tão boa que continuará pintando essa
obra de arte perfeita enquanto te dou prazer — sussurro no seu ouvido, e o
arrepio do seu corpo equivale ao meu pela antecipação do que pretendo fazer
com ela.
— Você pode tentar. — Dá de ombro para me provocar.
— Quero saber para aonde irá toda essa confiança daqui alguns
minutos, freirinha. Depois que você me der a bocetinha em cima da cadeira,
no chão e contra a parede. Você gosta quando eu te como contra a parede.
— Como eu disse... — Ela molha o pincel na tinta amarela, mas a
mão treme levemente quando subo a minha para o seu peito e aperto os
mamilos entumecidos, livres de sutiã. Melhor seria se estivesse sem calcinha
também, teria total acesso ao que me pertence.
— Por que não me pede para meter em você aqui e agora? É tudo
o que eu venho fantasiando há muito tempo, e sei que você também pensa
nisso. É só pedir, minha garota safada.
— E por que eu faria uma coisa dessas? Estou tão empolgada com
esse quadro. Não está ficando bonito? — Tenta me provocar, mas está
jogando a bunda para trás, querendo esfregá-la no meu pau, que não poderia
estar mais sedento pelo seu abrigo molhado.
— Mais bonita é a imagem de um pau rasgando sua boceta —
afirmo, então pego um pouco de tinta com a ponta do dedo e a passo no seu
pescoço. — Ou então, quando enfim deixar que eu te coloque de quatro e
meta do seu cuzinho. Como eu desejo comer a sua bunda, freirinha...
— Eu já disse que só depois do casamento. Quando for sua
perante a lei, terá direito de fazer o que quiser com o meu corpo, assim como
terei com o seu. — A fala com a voz desejosa faz com que o meu braço
automaticamente puxe o seu corpo para mais perto do meu. Estamos os dois
quase caindo do banco? Estamos. Mas, se eu cair, essa safada cai direto em
cima do meu pau.
— Então, vamos nos casar agora mesmo. A gente se casa, eu te
trago de volta e como o seu cu.
— Amo que os seus motivos são os melhores, amor — brinca,
toda ouriçada quando começo descer a mão da barriga para o meio de suas
pernas, que faz questão de manter abertas para mim.
Quando os meus dedos chegam ao paraíso, tenho uma surpresa
agradável.
— Nicole, eu te amo, porra! Você estava premeditando esse
momento, não é? Estava a um passo na minha frente.
— Sempre estou.
— Gostosa! Mil vezes gostosa e safada! — Primeiro descubro que
estava sem calcinha, depois, para me matar duas vezes, enfio dois dedos entre
os seus lábios vaginais e a sinto toda molhada. Escorregadia de desejo,
porque, assim como eu sou com ela, é facilmente estimulada pelo meu cheiro,
pelo meu toque e voz falando safadezas no seu ouvido.
— Assim, loiro. Mais fundo, eu preciso de você... — A minha
mulher implora, mas não tanto quanto o meu pau, que baba contra sua bunda,
sedento para encontrar seu abrigo.
— E, então, consegue pintar enquanto enfio os meus dedos em
você? Hum... continue, minha deliciosa, mostre a sua capacidade... — O
aperto no seu peito é doloroso a ponto de fazê-la soltar um gritinho. As
estocadas na boceta são velozes e profundas, deixam o seu corpo trêmulo, a
ponto de entrar em combustão.
— Pinte, minha pretinha, pinte e se entregue toda para mim. Tudo
o que você mais ama na vida. Goze, sua puta! Molhe o meu dedo, vai! Goze!
— Victor, amor, eu vou... Ah!
Com mente e corpo entregues ao meu comando, a minha mulher
quebra o pincel na tela quando o seu corpo tenciona, quando o seu gozo me
deixa no ponto de gozar junto. Mas eu preciso de mais, pelo menos uma
metida na sua boceta para me sentir satisfeito.
— Venha aqui. — Levanto-me e a pego em meus braços,
beijamo-nos com línguas e gemidos enquanto seu corpo se acalma.
Deito-me no chão, sem me importar com os respingos de tinta
que ela deixou cair enquanto pintava.
— Senta-se em mim, amor, quero te foder! — Depois de meses de
namoro, ela já não fica mais encabulada com nada que saia da minha boca.
Daqui a visão de seu corpo sendo despido é maravilhosa. Da
minha parte, a toalha já deixou de ser um obstáculo há muito tempo. Ela vem,
toda deliciosa, e se abaixa entre as minhas pernas. Antes de acabar comigo,
Nicole segura a minha ereção e faz movimentos precisos de subir e descer,
mais alguns segundos e ela me terá gozando na sua mãozinha.
— Senta-se no meu pau, menina! Quer me matar, é? — digo entre
dentes. Porra, não tenho dúvidas que acabarei com tudo na primeira metida.
— Eu amo te ter assim, implorando por mim, sabia? — A safada,
segurando-me pela base, o posiciona na sua entrada, mas se dá ao trabalho de
apenas se esfregar. Faz movimentos giratórios com o quadril, antes de
começar a sentar de verdade. Eu agarro sua cintura, mas minha gata tem tanta
força física quanto de vontade.
Ela toma o que quer de mim, do jeito que quer. Muito rápido
entendi que minha mulher não é nada passível, que ao invés de se deitar e
esperar, ela busca o próprio prazer. O seu jeito sem vergonha entre quatro
paredes só me faz sentir vontade de nunca sair de cima dela.
— Assim que você queria, Victor? — A freirinha está rebolando
em cima de mim, se sentando lentamente, centímetro a centímetro engolindo
meu cacete com a sua boceta gostosa, ela quer acabar comigo.
— Porra de mulher gostosa! — Insano, uso um pouco da minha
força para acabar com as suas provocações que já foram longe demais.
Levanto o meu quadril e me enfio até o fundo no seu sexo. Não tem nada de
mim que não esteja profundamente dentro dessa gostosa.
— Ai...
— Machuquei você? — Fico paralisado por um momento.
— Que gostoso — completa, então se curva para que consiga
apoiar as mãos sujas de tinta no meu peito. Nicole começa a rebolar no meu
pau, subindo e descendo. Meu tesão já chegou no limite, o que requer toda a
minha força de vontade para não acabar com a sua festa.
— Mais rápido, porra! — Tento a conduzir, mas como só está
pensando no seu próprio fogo no rabo no momento — isso me deixa ainda
mais doido por ela —, minha noiva faz o oposto, rebola com mais lentidão.
Quando nós dois já estamos ofegantes, suados, e nossos gemidos
audíveis demais, a freirinha começa a sua busca por alívio. Ela se senta com
força no meu cacete, toma-me até não sobrar nada, toca no clitóris para se
estimular ainda mais.
— Assim, minha putinha. Não pode resistir, não é? Adora me dar
essa boceta. Tenta se conter no dia a dia sob a pele de uma noivinha tímida e
freira, mas é tão safada quanto eu. É viciada em fazer sexo, e não importa
como ou quando, está sempre preparada para mim. — As minhas palavras
sujas a deixam ainda mais louca. Nicole está trêmula de desejo, mas segura o
quanto pode para não gozar. Assim como eu, quer prolongar o nosso prazer.
— E você é o culpado. Porque antes de você eu não olhava para
as pessoas e pensava em despi-las, mas te olho e só penso nisso. Transar com
você é o meu melhor remédio — fala, o som da sua bunda se chocando com o
meu quadril é alto e seco. Só me resta torcer para que ninguém esteja
passando pelo corredor agora.
— Então pode tomar quantas doses quiser, meu amor, minha
gostosa. Minha deliciosa! — Tomado de puro instinto, sento-me e,
segurando-a com firmeza, inverto as posições. Deito-a no chão sem nos
separar, pego o pincel com o cabo quebrado e o mergulho na tinta.
— Eu quero encher sua bocetinha de porra, freirinha — falo,
mirando seu rosto, que fica mais perfeito quando está suado pelo esforço
físico de me dar a boceta.
— Então enche. Sou sua mulher... — Mesmo em uma posição
vulnerável agora, Nicole tenta impor seu ritmo ao enlaçar as pernas no meu
quadril.
— Todinha minha — falo, a penetro. Escrevo na sua barriga a
palavra minha. A maciez das cerdas e o frio da tinta fazem seu corpo se
arrepiar de desejo. Então Nicole pega o objeto da minha mão e faz o mesmo
comigo, escreve na minha barriga que sou seu.
Como nos pertencemos mesmo, tomo o que é meu e meto sem dó,
rápido e curto. Beijo e mordo a sua boca gostosa, nos atracamos de uma
forma que não tem como saber onde um começa e o outro termina quando o
alívio chega ao mesmo tempo para nós dois. Passamos pela queda rápida e
prazerosa juntos. Juntos, chegamos à superfície. Ofegantes, com as peles
deslizantes, as respirações difíceis, mas muito satisfeitos.
— Nicole, tinta e sexo, duvido que exista combinação melhor —
afirmo. Saio com cuidado de cima de seu corpo, deito-me no chão e a puxo
para cima de mim.
— Na nossa casa você terá um ateliê, mas eu acho que seria uma
boa ideia se colocássemos espelhos nas paredes. Assim, além de a gente
transar lá, ainda assistiríamos o espetáculo que fizemos juntos.
— Nossa casa? — Nicole levanta a cabeça do meu peito e fica me
olhando com o cenho franzido.
— Quando nos casarmos ... — Ela parece ainda mais confusa. —
Você não pensou, nem por um segundo, que os nossos planos tinham sido
cancelados, pensou?
Depois do diagnóstico e da necessidade de nos adaptarmos à nova
realidade nos últimos meses, acabamos deixando um pouco de lado o assunto
casamento, mas de forma nenhuma, a vontade deixou de existir. Casar-me
com Nicole continua sendo o meu maior desejo. Agora, mais do que nunca.
— Eu não... pensei que... Não sei ao certo o que pensei —
confessa, abaixando o olhar.
— Nada mudou, meu amor. Estava nos dando esse tempo,
respeitando o momento pelo qual você passava depois do diagnóstico, mas
meus planos não mudaram. E espero que os seus também não.
— Eu quero a nossa casa. O meu ateliê cheio de espelhos, quero
você — declara, distribuindo beijos pelo meu peito.
— Ainda quero você. — Coloco ênfase no ainda, minha
namorada não precisa de mais palavras para entender a conotação sexual no
meu comentário, ela apenas me oferece a boca para mais um beijo, que logo
resulta em nós dois nos pegando como se não tivéssemos acabado de transar.
Novamente excitado em cima dela, e prestes a começar a segunda
rodada, ouvimos os sons de passos muito próximos da porta.
— Eu sinto muito — digo, antes de a merda acontecer.
Os meus pais abrem a porta e se deparam com o filho e a afilhada
nus, suados, descabelados e sujos de tinta. O grito de susto da dona Dirce
com a cena faz com que mais cinco cabeças surjam desesperadas na porta.
Felizmente, são alguns funcionários da casa, se fosse os meus sogros eu não
estaria mais vivo.
Capítulo 39

NICOLE
ALGUNS DIAS DEPOIS
— Bom dia, filha, dormiu bem? — Sou acordada pela minha mãe,
que abre a janela para que o sol das oito horas da manhã entre.
— Muito bem. Achei que não fosse conseguir, mas o remédio me
deixou mais calma — afirmo.
Se nos primeiros três meses não tive nenhum episódio, nenhuma
alteração mais acentuada que me fizesse ficar em estado de alerta, na semana
passada eu simplesmente acordei me sentindo fantástica, cheia de energia,
com os pensamentos acelerados. A princípio pensei que fosse normal, afinal,
no dia anterior o meu loiro tinha me levado para um jantar de amigos com a
Ellen e seu irmão. Depois ele me deu uma pulseira cara, além de um kit mais
caro ainda de material para pintura.
Foi Victor que, assim que me viu, notou que eu estava em um
episódio de mania[i], cuja euforia e pensamentos acelerados são apenas alguns
dos sintomas. Foi naquele dia que a psiquiatra chegou à conclusão de que
havia chegado o momento de eu começar o tratamento com medicamentos
estabilizadores de humor, que hoje são itens essenciais ao lado da minha
cabeceira. E como é estranho ter consciência que não sou como eu mesma,
que no momento sou eu com o transtorno bipolar sendo controlado.
Mas ao mesmo tempo não me sinto diferente, é apenas como estar
muito feliz, de bem com a vida e com o mundo.
— Filha? A mãe está falando com você.
— Perdão, mamãe. Mas não me olhe assim, não vê que está tudo
bem? — É engraçado e triste ter que falar assim o tempo todo, porque meus
pais ainda não podem agir naturalmente.
Eu olho para eles e vejo medo, culpa e pior, pena. Sinto que eles
entendem e aceitam que é uma doença psicológica, mas, com tudo o que já
vivenciaram através da fé, por tudo que acreditam, não podem deixar de
também acreditar que é espiritual. Que posso fazer todos os tratamentos
possíveis, mas que será a minha fé que me trará cura.
Não os julgo, pois por mais que tenha a mente mais aberta, fui
criada por eles e não deixo de depositar um pouco da minha confiança no
Deus a quem adoro. Tenho consciência de que não posso acordar um belo dia
e decidi que não vou mais me tratar, porque espero pelo milagre da cura, mas
jamais abrirei mão do que acredito. Por muito tempo, apenas a fé me trouxe
esperança.
— O Victor está na sala. Veio te ver — diz, sem esconder o
incômodo. Talvez eu também estivesse, se o namorado da minha filha
aparecesse para uma visita logo cedo.
Mas não digo nada, porque entendo que mamãe também está com
ciúme, que quanto mais Victor e eu falamos em casamento, maior o seu
sentimento de que vai me perder. Já disse para ela que não vai acontecer
nunca, mas quem entende a mente das mães?
— Por que só me disse agora, dona Lucy? Olha como está a
minha cara — reclamo em tom de brincadeira, levanto-me apressada para
fazer a minha higiene básica.
— Tentei, mas você esteve perdida em pensamentos. Além disso,
ele vai ficar feliz, porque essa cara amassada significa que os remédios estão
surtindo efeitos e você conseguiu dormir ontem à noite.
— A senhora tem razão — digo toda boba antes de entrar no
banheiro. Ela vem atrás de mim.
— Eu não lembro se alguma vez vi de perto um homem tão
devotado como o seu namorado. E apesar de ter tido as minhas reservas
quanto a esse relacionamento no início, pela vida que ele levava, tenho que
admitir que Victor te ama de verdade. Acredite, filha, um homem não muda
tanto quanto ele mudou se não amar de todo coração.
— Eu nunca duvidei, mamãe. A senhora me criou para ser uma
ótima julgadora de caráter e eu senti aqui — aponto para o coração — que
Victor nunca quis brincar comigo.
— Fico feliz por você, Nicole, mesmo que ele esteja te tirando de
mim.
— Mamãe!
— É verdade. Agora se vista, antes que aquele rapaz entre aqui e
te veja nua. Ele é tão impulsivo... — diz e sai resmungando.
Ainda bem, assim não tive que estender o assunto quanto ao risco
de ele entrar no quarto e me pegar com pouca roupa. A verdade é que Victor
conhece meu corpo tanto quanto conhece o seu, já tocou em cada recanto
dele. Nós dois até fomos flagrados pelos seus pais e funcionários da casa no
dia que transamos no chão. Quando abriram a porta, estávamos pelados,
atracados e sujos.
Pensei que a minha madrinha fosse desmaiar bem na nossa frente,
enquanto Victor — que tem ciúme até de uma mulher — tentava me cobrir
com o próprio corpo e ria sem parar. Depois do episódio, nunca mais tive
coragem de olhar nos olhos dos meus sogros sem sentir o rosto arder, e
duvido muito que com eles seja diferente.
É por esse tipo de situação que o meu noivo maluco me fez
passar. Mas que foi gostoso, ah, isso foi.

— Bom dia... Está tudo bem por aqui? — Ao entrar na sala, dou
um beijo no meu pai, depois me sento ao lado do meu namorado no sofá.
Ele beija o meu rosto. Se não estivéssemos em frente ao papai,
meu sofá seria o seu colo, o beijo seria na boca.
— É claro, amor, o pastor e eu estávamos apenas conversando. —
Não duvido que estivessem, o problema é o teor da conversa, levando em
consideração as suas expressões.
— Dormiu bem na noite passada?
— Melhor do que eu esperava. Por que veio tão cedo? —
pergunto, de olho no meu pai. Eu amei que tenha vindo, mas tenho que fingir
pelo menos um pouco de ultraje na frente do papai.
— Porque queria saber de você, meu amor. Liguei ontem, mas sua
mãe disse que já estava dormindo — explica, abrindo um sorriso satisfeito,
porque ele se regozija com cada pequena vitória. Assegurar que eu esteja bem
se tornou um dos objetivos de sua vida. — Além disso, preciso conversar
com você. — Ele desvia o olhar para o meu pai, que continua estranho.
— Aqui? — indago.
— Não. A gente pode sair para dar uma volta — sugere.
— É claro, deixe só eu pegar a minha bolsa.

Ele me trouxe ao mesmo parque que viemos no dia que fui


diagnosticada com o transtorno bipolar. Pela hora está vazio, e o dia gostoso
para caminharmos de mãos dadas.
Tenho um palpite sobre qual assunto quer tratar comigo.
Provavelmente, a mesma conversa que teve com o seu Gonçalo, por isso
estavam tão tensos quando cheguei à sala.
Há algumas semanas surgiram boatos de que meu namorado
estaria sendo cotado para protagonizar um filme, mas, até então, era apenas o
desejo dos fãs em vê-lo no papel de um monarca, bem como da mídia, que
sabe que tudo que tem seu nome envolvido gera engajamento. Dias depois, o
diretor do projeto o ligou para fazer o convite irrecusável.
E mesmo sendo irrecusável, Salvatore não aceitou de primeira,
porque preferiu conversar comigo antes de tomar qualquer decisão. Eu não
tinha muito o que dizer, afinal, se tratava da carreira dele, então o aconselhei,
e ele aceitou fazer parte do projeto. Foi só depois que entendi o porquê de o
meu noivo ter protelado na decisão. Ele terá que voltar para São Paulo, além
de viajar durante duas semanas para gravar cenas específicas em Roma. O
problema é que ele não quer ficar longe de mim por tanto tempo.
Victor diz com todas as letras, mas também não pede para que eu
o acompanhe. O conheço bem, sei que quer que eu vã junto, mas tem medo
de estar me pressionando para uma mudança tão grande. Nos últimos dias,
sempre que me olha, sinto como se soubesse exatamente o que se passa pela
sua cabeça. Da minha parte, existe uma única certeza: eu iria para qualquer
lugar, desde que fosse do seu lado.
— Você está tão calado. Quer me dizer alguma coisa? —
questiono, depois de vinte minutos de caminhada. Ele não diz nada, e nos
encaminha para o banco mais próximo. Nos sentamos de lado, Victor olha
dentro dos meus olhos e começa.
— Quando você chegou, eu estava conversando com o pastor a
respeito da viagem que terei de fazer nos próximos dias. Ele não gostou
muito quando perguntei o que pensaria se eu te convidasse e você aceitasse
me acompanhar.
— O que o meu pai falou?
— Disse que não fica bem para uma moça que foi criada em um
lar cristão viajar durante dois meses com um homem que não seja seu
marido. Ficou chateado, mas disse que, se você quiser vir comigo, não irá
proibir, porque já tem vinte e um anos e pode fazer as próprias escolhas,
mesmo que elas o desagradem.
— E a pergunta que não quer calar...
— Eu quero que venha comigo, freirinha, você sabe disso. Sei que
ainda não nos casamos, e que serão dois meses longe de tudo o que você
conhece, ainda mais agora que está em uma fase de adaptação, mas também
não consigo imaginar como seria ficar dois meses sem te ver com os meus
próprios olhos. Sem te tocar. Não conseguiria dar o melhor de mim para o
trabalho e, por isso, pensei em não aceitar a proposta. Não acho justo te
colocar nesta posição. — Ele levou segundos para falar tudo o que vinha
guardando.
— Mas você não está me colocando em posição difícil, Victor.
Meu pai está certo, posso fazer escolhas conscientes, pensando no que é
melhor para mim — afirmo, ele tenta falar, mas o paro ao colocar dois dedos
na sua boca. — Realmente, não vai ser fácil, mas acredito que seria muito
mais difícil ficar sem você por tanto tempo — declaro, a sua expressão
angustiada suaviza.
— Está querendo me dizer...
— Que você não precisa ter medo de fazer o convite. Talvez eu
aceite — brinco. — Talvez estivesse esperando que me convidasse.
— Eu te amo, sabia? — declara, me puxando para os seus braços,
apertando-me dentro deles. O seu corpo relaxa de uma forma que me faz
pensar que estava carregando um peso muito grande sobre os ombros.
— Sempre soube. Quando me reencontrou, não pôde resistir à
minha beleza. Não conseguia tirar as mãos de mim.
— Você é muito convencida, menina! — fala, morde meu
pescoço, então segura meu rosto com as duas mãos e pergunta: — Quer
mesmo vir comigo, amor?
— Dois meses? — devolvo, e só o fato de falar no assunto já me
deixa ansiosa.
— Dois meses. Depois a gente vai voltar para casa e, juntos com
os nossos familiares, vamos nos casar. Enfim, nos casar. — Faz a promessa,
eu o beijo. — Enquanto estivermos em São Paulo você pode começar a
comprar algumas coisas se quiser, lá tem as melhores lojas.
— Eu quero ir em todas.
— Você vai. A Ellen te contou que daqui algumas semanas tem
um trabalho em São Paulo? — Aceno positivamente. — Ela pode te fazer
companhia.
— Não quero incomodar a loira — aviso, porque sei que ele está
preocupado de eu ficar sozinha por causa do tratamento.
— Sabe que ela não vai se incomodar, Nicole. A Ellen adora
você, sempre pede para te encontrar. — Mais uma vez ele tem razão. Será
muito divertido passear em São Paulo com a minha amiga.
— Nossa primeira viagem juntos — comento como uma boba,
que dá importância a cada pequeno acontecimento na nossa relação.
— A primeira de muitas. Te levarei em vários lugares bacanas. E
ainda tem o apartamento, que você irá adorar. — O loiro está empolgado, e
só consigo pensar em como é bom vê-lo tão feliz. O Victor feliz me deixa
feliz também.
— Espero que tenha trocado a mobília, principalmente a cama.
Não vou dormir no mesmo colchão que...
— Eu não faria isso com você...
— Não faria? — provoco.
— Jamais! Quando chegar lá terá uma cama novinha à sua espera,
pronta para receber seu corpinho nu.
— Quando vamos? — Mudo de assunto, não querendo pensar nos
nossos corpos nus agora.
— Em duas semanas. — O seu sorriso e confiança fazem o meu
coração bater mais forte, e não de ansiedade.
Daqui duas semanas passarei a viver uma nova experiência. A
primeira vez que ficarei longe dos meus pais, mais independente do que
nunca, condicionada a minha própria capacidade de manter a minha mente sã
para não fazer com que, ao invés de fazer companhia para o meu amor, me
torne um peso.
Capítulo 40

ALESSANDRO
Tem coisas que acontecem na vida de um homem que não dá para
acreditar. Se esse homem for como eu, então...
Apesar de eu ter nascido e criado na cidade, foi em um rancho, no
interior do estado do Goiás, que eu finquei minhas raízes. Foi no meio dos
animais que eu senti ter encontrado um lugar a qual pertencesse de verdade.
Não é como se eu não fosse feliz antes, perto dos meus pais e do meu irmão
mais velho quando está na cidade, longe disso. Só era mais feliz no rancho
que comprei quando conheci minha esposa.
Ela e eu nos conhecemos em um evento na fazenda do seu pai.
Convite que recebi apenas pelo prestígio de ser considerado o melhor
veterinário da região. Eu que já era um cara tranquilo, embora tenha tido um
número razoável de namoradas, me encantei pela moça do interior, pelo seu
jeito inocente e sotaque acentuado. Depois me apaixonei e começamos a
namorar.
As minhas idas ao interior do estado passaram a ser frequentes, e
meus pais sabiam que se acabasse em casamento, teriam mais um filho indo
viver longe deles. O que acabou acontecendo mais rápido do que eles
previam. Foram só seis meses entre namoro, noivado e casamento. Depois,
mais um ano feliz nas terras que comprei para viver com o amor da minha
vida, até que um acidente de caminhonete em uma noite chuvosa a matou.
Levou embora uma pessoa que tinha a vida inteira pela frente.
Naquela noite eu pensei que a minha vida tinha acabado. E de
certa forma acabou mesmo, porque até consegui seguir em frente, mas não é
tão cômodo andar por aí sem um coração batendo no peito. Já estou sem ela
há quase três anos, e ainda não pude esquecer do seu rosto, do amor que
sentia. Dos planos que não foram realizados.
Depois que ela se foi, pensei em voltar para cidade e abandonar
tudo que me fizesse lembrar dela, mas uma parte minha não me deixou fazer
isso. Era irracional, mas eu sentia que seria como virar as costas, como tentar
esquecer da nossa história, e eu não queria nada disso. Não queria e não
podia seguir em frente.
Ainda não posso e não quero seguir em frente. Fiquei no meu
rancho com os meus animais, indo nas propriedades vizinhas prestar serviço
como veterinário, e vindo ver os meus pais menos vezes do que eles
gostariam. Eles reclamam bastante, considerando que a viagem até aqui dura
por volta de uma hora de carro. E apesar de vir para ver meus pais e
aproveitar que meu irmão mais velho, e famoso, está na cidade, venho
também para aliviar as necessidades básicas do meu corpo, porque apesar do
luto, sou homem e, infelizmente, tenho desejos.
É claro que eu poderia sair sem compromisso com uma das moças
da região, mas é estranho como sinto que não é certo. Na minha cabeça, seria
desrespeitoso com a memória da minha esposa, então eu venho para a cidade,
saio para um bar qualquer, e não tenho a menor necessidade de encontrar
companhia, porque apesar de ter o coração oco, a cara é quase tão bonita
quanto a do meu irmão galã. Ao fim de cada saída, sinto-me satisfeito
sexualmente, mas culpado de uma forma que não posso explicar.
Nenhuma das mulheres com quem transei depois da minha esposa
despertou de fato o meu interesse... Não, eu não estou sendo completamente
sincero comigo mesmo. E também não seria agora se não fosse o segundo
copo de cerveja da noite. Eu me interessei, sim, por outra mulher. Uma loira
irritante, fútil, bocuda e linda. A mulher mais perfeita que já vi em toda a
minha vida. Não é errado admitir isso, é?
Ellen Sales, mais de 30 anos, embora eu duvide que queira
admitir. Modelo, nota-se pelas fotos com pouca roupa que vi na internet, e
amiga do meu irmão. Isso, sim, é uma bela de uma merda, porque se não
fosse, eu já teria tentado entrar na calcinha da loira. Talvez já tivesse trepado
com ela e a tirado dos meus pensamentos, que estão muito confusos. Se não
estivesse, eu não teria aberto a boca para ofendê-la da forma que fiz na casa
dos meus pais naquela tarde.
Tudo bem que eu penso tudo o que falei, mas ela não precisava
ouvir. Ainda bem que me calei antes de dizer que meu coração acelerou no
mesmo instante em que meus olhos encontraram os dela na casa do meu
irmão. E olha que eu nem sabia que ainda tinha um coração.
Felizmente, ela também não me ouviu admitir que fiquei muito
excitado quando me usou — a não ser que tenha sentido. Sim, deixei que me
usasse para ter uma desculpa por ter desejado tanto beijá-la. Se não fosse pela
bebida, também não estaria admitindo que me incomodou o fato de ter me
beijado só para livrar a bunda do meu irmão de um escândalo. Porra! Até
nisso Victor é um bosta!
Amo meu irmão mais velho. Ele é meu melhor amigo, e acredito
que a recíproca é verdadeira, mas ele, com a sua cara bonita, é um belo
babaca. Primeiro fisgou a freira, mas não posso culpá-lo, porque a viu antes
de mim. E eu nem fiquei tão interessado assim, foi mais um deslumbre com a
sua beleza e jeito doce, que lembraram muito da minha esposa.
Mas Victor também chegou na Ellen antes de mim e jogou
charme o suficiente para fazê-la lamber o chão que ele pisa. Por culpa do galã
não pude me aproximar da loira do jeito que queria, porque se a machucasse,
ele seria capaz de iniciar a 3ª guerra mundial.
Não que eu fosse ter alguma chance, depois de ter beijado sua
boca macia gulosa à força. Beijo que terminou com ela dando um tapa no
meio das minhas fuças.
— Garota imbecil, chata e arrogante — murmuro. Bom que esteja
puta comigo, assim fico longe e mantenho minha mente no lugar sem
esquecer de quem sou, e o porquê de não poder mais me entregar a ninguém.
E se fosse o caso, não seria com a mulher que é tudo o que eu não sou.
— Fico emocionada de ouvir que tem uma opinião tão lisonjeira a
meu respeito. — Essa voz, eu diria que me lembra sexo suado e gostoso. E
quando eu disse ficar longe, não quis dizer tão longe assim, já que temos um
casal foda entre a gente, que nos junta nos mesmos lugares com muita
facilidade.
— Não me lembro de ter citado o teu nome — digo, mais infantil
do que quando tinha quinze anos. — Sinta-se à vontade. — Aponto para a
cadeira que está na minha frente, mas a loira assustadora já se sentou do meu
lado, muito perto de mim. Não porque sou irresistível, mas porque quer me
irritar.
— Quando eles chegam? — pergunta.
— Não era você quem deveria saber? Vive grudada naqueles dois.
— Eu estou sendo ríspido, sei disso, mas não posso evitar. É o meu
mecanismo de defesa. Fazê-la me odiar ajuda a não sucumbir ao desejo de
provar cada pedacinho do seu corpo com a língua, jogá-la contra a parede até
sair do meu sangue. Não posso fazer isso, porque tenho a nítida sensação de
que nunca mais conseguirei parar se ousar começar.
— Nicole me ligou avisando que estava esperando o Victor ir
pegá-la, mas ele já estava a caminho. Bom, devem estar se atracando por aí
— comenta, tira o celular da bolsa e passa a ignorar a minha existência,
embora esteja quase sentada no meu colo.
Mas os dois me pagam. Aposto que a demora é proposital; para
deixar-nos a sós por uns bons minutos. Eles não entendem que não é só
porque estão obcecados pelo outro que todo mundo achará sua metade da
laranja na esquina.
Victor e Nicole, tão diferentes, mas que se completam em tudo. E
nem precisa a pessoa ser a mais romântica do mundo para entender que eles
nasceram um para o outro. De alguma forma, tinha que acontecer. O meu
irmão, que vivia para o trabalho, e se orgulhava da fama, não fazendo questão
de evitar ou negar os escândalos que saíam na mídia envolvendo o seu nome,
se apaixonou por Nicole no instante que a reviu, depois de anos longe dela.
Nicole, a garota que foi criada dentro da nossa casa, bem mais
jovem que nós dois e nascida em um lar evangélico. Se eu já não gostasse
dela de graça, teria começado quando não teve medo de se envolver com o
Victor, que é mais velho, muito mais experiente, sobretudo, um homem que
tem a vida exposta.
Embora eu tenha ficado chateado com a descoberta do transtorno
psicológico da minha cunhada, uma garota que não merece nada de ruim que
a vida possa impor, senti-me melhor quando a vi pessoalmente e percebi que
ela está bem. Que está sendo forte ao lidar da melhor forma possível com o
que não pode ser mudado, que apesar de parecer frágil, é uma garota forte.
E ela ainda tem Victor Salvatore, o homem que a venera, que
cuida dela como se fosse o seu bem mais precioso. Eles se amam tanto que
sinto um frio no estômago quando estamos juntos. Eu olho para eles e lembro
do que não tenho, do que já tive, mas não tenho certeza se foi com tamanha
intensidade. Uma cumplicidade que, bem no fundo, eu quero voltar a ter com
alguém. E talvez eu já tivesse encontrado esse sentimento, se não tivesse
tanto medo de voltar a me machucar. Se fosse corajoso o suficiente para abrir
o meu coração.
Eu queria não ser covarde a ponto de afastar essa mulher que faz
questão de me ignorar, mas que me olha quando pensa que estou distraído.
Ellen Salles, ela faz o meu coração sangrar pelo esforço de não me entregar a
atração que sinto por tudo que lhe diz respeito, embora a deteste por ser tão...
tão bela.
— Soube que também vai para São Paulo? — Sondo para saber
mais, ela trava o celular e volta para mim.
— Tenho alguns trabalhos para fazer por lá. Você vai sentir a
minha falta.
— Como sentiria de uma unha encravada — rebato.
— Se eu encontrar algo que me prenda, não volto mais — afirma.
Eu fico aflito.
— Você não faria isso. Tem sua família aqui.
— Eles sempre estarão comigo onde quer que eu vá. Não seria
eles quem me fariam ficar presa em algum lugar — garante — Eu sou livre,
Alessandro. Mas se está falando tudo isso porque você...
— Nem no seu sonho! — nego.
— Tome esse tempo para pensar, cowboy. Tudo bem que confio
no meu taco, mas isso não se trata de autoconfiança. Eu sei que você se sente
atraído por mim, assim como eu me senti por você desde o primeiro instante,
apesar de todas as ofensas, mas não tenho mais idade e nem disposição para
esses jogos de morde e assopra. Não vou ficar alimentando algo que no
futuro pode me machucar. Não vou implorar para você, Alessandro. Mesmo
você sendo muito, muito gostoso.
— Eu não sei o que faria com alguém como você, Ellen. Também
não sei se sou capaz de te dar mais do que alguns orgasmos — digo, decidido
a ser sincero com ela, assim como está sendo comigo.
— Eu nunca dei a entender que queria mais do que sexo, cowboy.
Eu sei o que quero de você, e agora é a sua vez de descobrir.
— Acho que vou sentir falta de seus insultos — admito. Deve ser
a bebida, porque essa é a primeira conversa que temos. Nos outros encontros
foram brigas, beijos roubados e um tapa na minha cara. — Vou sentir
saudade do seu cheiro e voz irritante, do colírio que você é para os meus
olhos, patricinha dos anos 90.
— Pense em quando eu voltar. No que você pretende fazer. Se vai
tomar uma atitude a respeito dessa tensão sexual que existe entre a gente.
Enquanto isso, vou deixar algo para que possa se lembrar de mim — fala,
pega meu braço e o envolve na sua cintura. Ellen aproxima os nossos rostos e
espera que pelo menos uma vez eu tome a iniciativa.
Neste momento tudo some da minha mente, ficam apenas os
sentidos. A minha mão no seu corpo, o seu cheiro. A boca que parece atrair a
minha. Eu só penso em senti-la quando a beijo, quando envolvo a sua língua
com a minha. Não consigo parar de beijar, porque a química que existe entre
os nossos corpos é explosiva. Ela se aperta como pode contra mim, mas não
faço o que quero, que é arrancar a sua roupa para que possamos trepar em
cima da mesa.
Não ajo porque é certo como dois e dois são quatro que o ato de
fazer sexo com essa mulher será um divisor de águas na minha vida, e eu
ainda não estou preparado para seguir em frente. Ainda não.
É claro que o casal nos pega no flagra, e não esconde os sorrisos
satisfeitos por terem conseguido o que queriam. Durante duas horas nós
conversamos, bebemos — menos Nicole que não bebe — e brindamos a nova
fase que se iniciará na vida do casal. Eu não me afasto do lado da loira para
nada, mesmo sabendo que ouvirei provocações do meu irmão mais tarde.
Por fim, me dou conta de que será uma nova fase para todos,
porque apesar de eu ser o único que ficarei no mesmo lugar, tenho algo em
que pensar, pelo que esperar. E, no fundo, sei que a minha vida está prestes a
mudar, e não importa o quanto eu queira ficar estagnado no mesmo lugar.
Capítulo 41

NICOLE
Despedidas nunca são fáceis, pelo menos é o que eu suponho, já
que essa é a primeira vez que venho para longe dos meus pais. Em meus
quase vinte e dois anos, não lembro de ter ficado um dia sequer sem ver
qualquer um dos dois, então, quem pode me culpar, ou a eles, pelo chororô
no aeroporto?
Estavam todos presentes, os nossos pais, o meu cunhado e minha
amiga mais próxima, que, por incrível que pareça, é a Ellen Salles. Eu não sei
como e nem em que momento aconteceu, mas a nossa amizade se tornou
importante demais para mim em tão pouco tempo, que às vezes me questiono
o nível da minha amizade com as moças da igreja a quem eu conheço desde
sempre. É estranho como nunca tive a mesma liberdade que tenho com a
Ellen para contar as minhas coisas. Sinto que com a loira não serei alvo de
palavras e olhares de julgamentos.
Então, apesar dos momentos de tristeza com as despedidas, e de
todas as lágrimas derramadas, eu tive o conforto de saber que não estarei
sozinha em um lugar diferente, que além do meu noivo, terei uma amiga com
quem contar.
Chegamos há mais de duas semanas, mas ainda estou
impressionada com o apartamento do Victor. Eu não sei por que pensei que
seria algo mais simples, só um canto onde ele pudesse dormir. Na minha
cabeça, sua casa sempre foi em Goiânia. Mas era bobagem minha, porque
meu loiro já não vive com os pais há muitos anos. A sua profissão o trouxe
para longe, então ele escolheu morar bem.
E como o Victor vive bem aqui. O seu apartamento é enorme.
Com uma vista privilegiada através de uma parede de vidro, cuja cortina ele
abriu com um controle quando chegamos. Quanto à decoração, uma passada
de olho deixa claro que ele não é do tipo que não se preocupa com a estética
da coisa toda.
Desde as cores aos quadros na parede, tudo está em perfeita
harmonia. Um visual que faz bem aos olhos, e que me faz ter certeza sobre
quem vai cuidar dessa parte quando nos casarmos, porque bom gosto o
homem tem.
Ele disse que é um duplex. A entrada é um vão enorme, que
divide sala e cozinha. A escada acima tem dois quartos com suíte, além de
um cômodo que ele chama de cinema. Disse, inclusive, que um dia vai filmar
a nós dois fazendo sexo para assistirmos na tela gigante. É de longe o
cômodo que mais gostei do apartamento, porque é nele que fica o expositor
com todos os troféus e prêmios ganhados pela sua atuação ao longo dos anos.
Quando vi, senti tanto orgulho que parecia que meu peito iria explodir de
amor.
O quarto, onde espero ele terminar de tomar banho, depois de eu
ter me recusado a ir junto, porque estava muito curiosa com a casa para
conseguir me conter, é um espetáculo à parte. E apesar das cores serem mais
sóbrias, ele fez muita questão de investir no conforto, a começar pela cama,
tão espaçosa e gostosa que eu poderia passar um dia inteiro deitada e
assistindo televisão.
Não sei por qual razão, mas só depois que entrei aqui que caiu a
minha ficha sobre o quanto ele é rico. É claro que eu já sabia, mas ver com os
meus próprios olhos é diferente e me faz amá-lo ainda mais, porque nada no
jeito de se portar, ou de falar do meu noivo denuncia tamanha riqueza. Ele
trata todos iguais, desde uma empregada a um amigo tão rico quanto ele. E
apesar de ter tido sua fase de rebeldia, duvido muito que tenha sido diferente
do que é agora.
— Se eu soubesse que você iria gostar tanto teria te trazido antes,
meu amor. — Quando ele entra, vestindo apenas uma toalha em volta da
cintura, esqueço completamente do meu deslumbre com o seu espaço, porque
o dono dele é muito melhor.
— Eu gosto. Só tinha visto algo parecido nas novelas em que te
assistia. E aquelas casas eram mais simples do que isso aqui — afirmo, e
aconchego-me melhor no centro da cama. Victor não deixa passar o momento
em que o vestido sobe e as minhas pernas ficam descobertas.
— Já chega, freirinha. Você está me deixando com ciúme do meu
próprio apartamento. Deixou-me de escanteio no momento em que pisou os
pés aqui. É só um lugar. Eu, em contrapartida, posso te fazer gritar de prazer.
— Ele joga uma piscadinha e dá o sorriso de lado com os seus lábios
carnudos, que sempre me deixam fraca. É injusto com o resto dos mortais que
Victor tenha a boca tão bonita.
— Você ainda não me alimentou — aviso. Nós dois passamos a
manhã na rua resolvendo detalhes da minha rotina enquanto ele estiver fora.
Victor, apesar de eu ter negado, colocou um carro com o
motorista à minha disposição. Eu queria ter dito que não preciso de babá, mas
a verdade é que preciso, sim, e não correria o risco de me perder só por
teimosia.
— Posso te alimentar de orgasmos? — sugere, sobe em cima de
mim e se ajeita no meio das minhas pernas. Ele está muito feliz. Eu também
estou por ter podido vir com ele. Queria estar do seu lado apoiando, é assim
que tem que ser.
Nos beijamos por alguns minutos. É tão bom que até esqueço da
fome. Mas quando tento tirar a toalha da sua cintura, o loiro me impede.
— Eu não vou te comer enquanto você não comer — avisa, rindo
da própria piada. — Quero você bem alimentada e cheia de energia. Tenho
planos que envolvem eu, você e a nossa cama.
Sim, ele não trocou somente os panos de cama.

— Sei cozinhar, Victor. Minha mãe me ensinou desde que eu


tinha 10 anos de idade. Ela sempre disse que eu tinha que ser uma boa dona
de casa para o meu marido não ter do que reclamar de mim. Sei cozinhar,
lavar e passar — afirmo de maneira bem natural, enquanto mexo nos seus
utensílios de cozinha. Pela aparência, nunca foram usados.
— Para mim, você seria uma ótima esposa mesmo se não
soubesse fazer nada disso. Você não precisa fazer nada, amor — afirma. Ele
tem uma sobrancelha arqueada, desafiando-me a rebater.
Em alguns momentos fica bem evidente as nossas diferenças pela
forma como fomos criados. Esse é apenas um deles.
— Mas não faz mal algum se eu quiser cozinhar para te agradar,
não é mesmo? A minha mão não vai cair. Não vou estragar as minhas unhas
— debocho da sua vaidade. Tudo bem que também sou vaidosa, mas meu
galã loiro consegue me superar.
— Então cozinhe um bife bem acebolado para o teu macho aí,
mulher. E não deixe passar do ponto, senão vou te colocar nas minhas pernas
mais tarde e bater nessa bunda gostosa. — O namorado dá lugar para o ator.
A sua voz, o jeito de olhar e até a postura mudam.
Eu caio na risada, e os minutos que passo preparando o nosso
almoço com ele fazendo imitações para mim são muito divertidos. Estou
muito bem nos últimos dias, mas extrovertida e cheia de energia. É estranho
como eu sei que é por causa do transtorno, e que não seria tão fácil se não
fossem os remédios, mas, por enquanto, não tenho motivos para me
preocupar.
Victor está sempre muito atento, e embora eu não queira de forma
nenhuma usá-lo como muleta, jogando para cima dos seus ombros toda a
responsabilidade, me sinto mais segura por ele me conhecer tão bem, pois sei
que saberá se um dia eu estiver pedindo por ajuda.
— É, mulher, você está pronta para se casar — ele fala com a
boca cheia, claramente zombando de mim.
— Não me faça rir! Posso me engasgar por sua culpa. — Já rindo,
digo.
— Você não faz ideia do quanto estou feliz por ter você aqui
comigo — comenta quando nos sentamos na varanda para descansar. Não
como pessoas comportadas, não a gente. Ele deu um jeito de me deixar
confortável em cima de suas pernas, enquanto dá a sobremesa que eu mesma
fiz na minha boca.
— Se estiver tanto quanto eu, imagino que seja bastante —
rebato. O beijo que iniciamos em seguida é literalmente doce. Ficamos
namorando por mais de uma hora, e só paramos porque temos coisas para
fazer antes de anoitecer.
Saímos de casa e fomos direto ao consultório do terapeuta
indicado pela minha madrinha. Victor e eu gostamos bastante dele, assim
como da sua esposa, a psiquiatra que me acompanhará durante os próximos
meses. Como eu estava bem integrada aos grupos de apoio, pesquisamos
alguns antes de sair de casa e fomos em dois, mas ficamos no último, porque
eu me senti mais à vontade. Tanto que ficamos na reunião, ouvindo pessoas
que passam e já passaram por situações terríveis ocasionadas pelo transtorno
bipolar.
A todo o momento, os meus olhos encontram os do meu
namorado, e mesmo sem palavras, eu digo para ele que farei de tudo para não
chegar aos extremos. Ele me promete que estará sempre comigo para não
deixar que eu sofra, porque o meu sofrimento é o seu sofrimento. Não é
diferente do que acontece com os familiares de todas as pessoas que ouvimos
hoje.

— Enfim, chegamos — falo, assim que ele fecha a porta às nossas


costas.
Já anoiteceu, e depois de ter passado a tarde inteira na rua,
precisamos de descanso. Mas o nosso cansaço é mais psicológico do que
físico, porque, infelizmente, não saímos para passear, para que me
apresentasse a cidade que se tornou sua casa. Não, tudo o que fizemos foi
assegurar de todas as formas que eu fique bem enquanto estiver longe de
casa, porque eu vim ciente de que Victor não terá tanto tempo para mim
quanto nós dois gostaríamos.
E por mais que seja um pouco estranho, o fato de eu ficar sozinha
será uma prova. Algo que deveria ser natural, mas não é. As minhas saídas
serão todas acompanhadas pelo Marcos, motorista de sua confiança, e ele
saberá onde estarei a cada passo que der. Não me incomoda porque sei que
preciso disso, que também não me sentiria feliz se meu loiro não conseguisse
trabalhar por causa da sua preocupação comigo. Não, eu jamais dificultaria a
sua vida.
É só uma prova, sei que logo passará. Terei mais liberdade
quando estivermos seguros de que podemos relaxar, quando, ao invés de só
ouvir médicos, eu sentir que poderei levar uma vida normal e tranquila.
Quando tiver certeza de que tenho o controle suficiente sobre o meu humor e
meus pensamentos.
— Freirinha, está tudo bem?
— Desculpa. — Olho em volta, estou jogada no sofá, mas não
lembro como cheguei até aqui. — Eu só estava pensando em como coisas
básicas, como sentir e pensar, podem se tornar armas.
— Por que está falando assim? Eu pensei que você...
— Está tudo certo — digo para tranquilizá-lo.
— Não pense. Apenas sinta. Viva! — Victor me abraça, porque é
o que sempre faz quando percebe a menor das mudanças no meu estado de
espírito, não sei se é mais para tranquilizar a mim, ou a si mesmo.
— Victor, me leve para a cama — peço. — Só quero tomar um
banho e depois dormir.
— O que você quiser, pretinha — diz e, sem que eu estivesse
esperando, me pega no colo e sai correndo para o quarto.
— Para! Você vai me deixar cair! — peço aos risos.
— Não vou, não. Você tem o peso de uma pena, menina.
Victor faz questão de encher a banheira com água quente e
perfumada. É tanta espuma que apenas as nossas cabeças ficam visíveis.
Dentro da água, nos acariciamos da forma que não pudemos fazer durante o
dia atarefado.
Não nos damos ao trabalho de esperar para chegarmos à cama,
acabamos transando na banheira mesmo. Mais uma experiência que desejo
repetir para o meu currículo. Volto com ele para o quarto com as pernas
bambas, porque embora esteja sexualmente satisfeita, também estou física e
emocionalmente exausta.
Agindo como se eu fosse uma boneca, o loiro me senta no centro
da cama e com uma toalha começa a secar os meus cabelos. Depois ele passa
a escova, tira a toalha do meu corpo, seca e me veste com uma de suas
camisas. Não perde a chance de distribuir beijos por onde toca, o que me faz
mostrar os dentes com risos sonolentos.
Quando se sente satisfeito com os seus cuidados, Victor me ajuda
a deitar debaixo das cobertas. Inclusive, é ele quem escolhe a posição quando
me deita de lado e me cobre. Fica alguns minutos cuidando de si mesmo. Já
estou quase dormindo quando ele se deita atrás de mim e me abraça pela
cintura. O calor do seu corpo era o que faltava para me fazer dormir como um
anjo, como se o mundo fosse perfeito e eu não tivesse nada com o que me
preocupar.
Está tudo no seu devido lugar. Por mim e por ele, farei o que for
preciso para que esses meses sejam tranquilos, para que Victor grave o filme
em paz, assim termina logo e poderemos voltar para casa e, finalmente, nos
casarmos.
Capítulo 42

NICOLE
UMA SEMANA DEPOIS
Pintar é exercício que exige paciência, se não fosse, eu não estaria
há meia hora parada olhando para a tela, procurando o que é que não está
ornando na pintura da fachada do edifício que estou finalizando. É também
um exercício para a minha concentração, porque os meus pensamentos estão
muito acelerados.
É muito difícil ficar parada quando tenho tantas coisas para fazer
antes de o meu loiro chegar. Aí eu tenho que dar atenção para ele, pois as
noites são todas nossas. Passamos os dias longe um do outro, então
aproveitamos cada segundo que temos juntos. Felizmente, está tudo certo
com as gravações do filme. Tudo em ordem com a minha adaptação aqui na
cidade. Não deu nem tempo de sentir tédio, já que sempre tenho alguma coisa
para fazer com as horas que tenho só para mim.
Primeiro: lavar as panelas que sujei quando fiz o bolo mais cedo.
Segundo: dobrar todas as calças e camisas do loiro.
Ele pode ter bom gosto, mas é muito bagunceiro. Também tenho
que separar as minhas roupas sujas para colocar na máquina.
Terceiro: ligar para os meus pais.
Tenho feito isso todos os dias, ao menos uma vez, para acalmar os
seus corações e fazê-los acreditar que estou bem.
Quarto: separar os ingredientes necessários para fazer o jantar.
Fazer uma hidratação no meu cabelo. O pobre anda um pouco castigado
ultimamente.
— Mas o que é esse tom de laranja, meu Deus do céu?! —
Finalmente encontro o erro, mas tenho que começar a repassar novamente
tudo o que preciso fazer antes do fim do dia.
— Não vai dar tempo. Tenho que me apressar!
Recomeço a passar mentalmente as atividades, e acabo lembrando
do remédio.
— O Victor vai ficar muito bravo comigo — digo em voz alta.
Era para ter tomado às 13h, já são 14h. Não deve ter problema
nenhum tomar com uma hora de atraso. É melhor do que não tomar de jeito
nenhum, pondero.
Antes de ir pegar, passo pela sala e me incomodo com uma linha
fina de poeira no painel da TV. É claro que a Polly — a diarista — pode fazer
90% das atividades que estão na minha lista quando chegar amanhã, mas não
custa nada adiantar o serviço para ela. Não tenho mais nada para fazer
mesmo...
Bom, tem o quadro do edifício, mas não é sempre que estou com
disposição para passar horas pintando. Hoje eu apenas tentei.
— Tomar banho, é isso. Tenho que tomar banho e depilar as
pernas — falo em voz alta, o meu celular toca. — É a Ellen.
Finalmente, ela chegou!
Mais cedo Victor me disse que ela chegaria hoje, e eu estava bem
ansiosa. Tenho esperança de que, com ela aqui, não me sinta tão solitária.
Não é ruim estar na minha própria companhia, mas sinto falta de ter a minha
mãe por perto o tempo todo. Eu era muito dependente dela, e embora entenda
que não era algo necessariamente bom para mim, sei que não é fácil me
acostumar.
— Oi, querida, estava esperando que me ligasse.
— Eu acabei de chegar no hotel e estou doida para te ver, Nicole.
— Ouço a sua voz do outro lado da linha. — Se estiver se sentindo bem,
quero te levar para sair hoje — diz.
— Estou ótima, mas preciso que diga onde pretende me levar, não
quero me meter em encrenca — brinco, mas existe um fundo de verdade.
Aqui em São Paulo, a vida do meu namorado famoso é ainda mais
exposta, e não quero passar pela mesma situação da última vez, além de não
arriscar fazer alguma besteira que o prejudique. Pelo silêncio, a minha amiga
deve ter entendido o que eu quis dizer.
— Apenas confie em mim, freirinha. A noite de hoje é nossa, e
você vai se divertir como nunca antes — promete, antes de se despedir e
encerrar a ligação.
Ela me deixa com um sorriso no rosto, embora eu questione a sua
ideia de diversão. Ellen e eu somos completamente diferentes em tudo, mas,
principalmente, na criação. Deve ser por isso que nos damos tão bem, dizem
que os opostos se atraem.
Animada, começo a passar na minha cabeça, pela trigésima
segunda vez, sim, eu contei, a lista de coisas para fazer antes de a noite
chegar.
— Não vai dar tempo!
Olho para as panelas e decido começar por elas. Fiz apenas um
bolo, mas sujei louça como se estivesse fazendo um banquete. Na segunda
passada de bucha no brigadeiro que grudou no prato, lembro das camisas
reviradas no closet que o meu noivo e eu dividimos.
— Você fica para depois. — Seco as mãos, passo pela sala e ligo
o som quase no último volume.
Dedico-me à arrumação do closet, separo as peças por cores e
tecidos. Meias em uma gaveta, cuecas na outra. Calças dobradas de um lado,
camisetas e camisas nos cabides. O pano para cama está um pouco torto, não
posso deixá-lo dessa forma.
Quando termino, já estou toda suada, mas nem um pouco cansada.
Eu opto por uma saia branca, camisa amarela e tênis. Deixo os meus cabelos
soltos, porque eles são simplesmente maravilhosos. Enquanto faço a
maquiagem, olho para a bancada e vejo a caixinha com os meus
medicamentos. Um deles eu devia ter tomado há horas.
Sinto o meu estômago embrulhar pela culpa de não ter ficado
mais atenta. São tantos remédios que, talvez, eu precise colocar alarmes no
meu celular. Não sei como não pensei nisso antes.
Como já passou muito do horário, acabo desistindo de tomar
agora.
Quando fico pronta, pego a minha bolsa, chaves e celular. Como
ele tinha ficado na sala durante o tempo em que estava no quarto, me deparo
com três mensagens do meu amor.
Duas perguntando como foi o meu dia, e uma avisando que vai
chegar um pouco tarde, porque as gravações atrasaram. Salvatore está tão
empolgado com o filme, e com os benefícios que o projeto pode trazer para a
sua carreira, que nem reclama das tantas horas que passa fora de casa todos
os dias.
A sua única preocupação é comigo, mas sempre deixo claro que
não precisa, que está tudo bem.
Eu vou sair com a Ellen, te vejo em casa.
Te amo.
Envio a mensagem, Victor me responde quando já estou no
caminho do endereço que loira meu deu para nos encontrarmos.
Estou morrendo de saudade de você, meu amor. Não vejo a
hora de chegar em casa e te mostrar o quanto. Leio com o sorriso bobo no
rosto.
— Chegamos, senhorita Nicole. — A voz do motorista tira a
minha atenção do celular.
— Obrigada, Marcos. E não precisa ficar aqui me esperando.
Quando eu estiver pronta para voltar para casa te ligo, tudo bem? — Ele
acena, então entro em uma espécie de bar e restaurante.
O lugar tem mais gente do que eu imaginava. Tão sofisticado
quanto o que fui uma única vez, na noite em que toda a minha vida mudou.
As pessoas em volta são bonitas e, claramente, não precisam se preocupar
com as contas no final do mês. Vejo alguns artistas famosos, mas finjo
costume.
Antes que precise procurar, Ellen vem, linda como sempre, na
minha direção.
— Oi, freirinha! — Muito efusiva e alegre, me abraça apertado.
— Preparada para se divertir? — Ellen sai me puxando pela mão e,
felizmente, escolheu a mesa em um local mais discreto para nós duas.
— Mais com medo do que preparada — brinco.
— Você tem que se acostumar com isso, querida. Esse é o mundo
que o seu futuro marido vive.
Sim, eu tenho que me acostumar. É o que tenho dito a mim
mesma sempre.
— Me conta, como você está?
Nós duas engatamos uma conversa divertida, principalmente para
ela, que acha graça do meu deslumbramento com o apartamento rico do
Victor. E por mais que saiba do transtorno, Ellen não age como se eu fosse
uma vítima, ou alguém que é, de alguma forma, incapaz.
Ellen é o tipo de amizade que preciso. As amigas de infância,
infelizmente, agiram como se eu fosse louca. Tentaram me dar apoio, mas
não souberam como digerir a informação. Eu percebi no olhar de cada uma
que a nossa relação nunca mais será a mesma. A culpa é minha, porque nunca
deixei transparecer para elas qualquer traço de vulnerabilidade.
Sempre passei a imagem da filha perfeita do pastor. Um exemplo
a ser seguido, mas que por dentro era uma bomba relógio.
— Ellen, não vou falar da minha vida sexual com você — digo
sem jeito.
É tão safada e sem papas na língua...
Tenho pena do meu cunhado nas mãos dela, se ele tiver tanta
sorte.
— O Victor, que vivia envolvido em polêmica, uma semana para
cada mulher, não existe mais. Você o colocou na coleira com um chá de
calcinha para ninguém colocar defeito. Quero a receita, querida — ela
discursa.
À nossa volta, as pessoas se divertem entre amigos, enquanto
todos ouvimos músicas ao vivo. Já está mais cheio do que antes, mas nada
que me incomode. Estou acelerada hoje, feliz e me sentindo muito à vontade
aqui.
Eu estava precisando sair, quebrar o gelo e ver que está tudo bem
fora das paredes do apartamento em que moro.
— Não vou te dar as armas para atormentar o pobre do
Alessandro — aviso aos risos.
— Ele quer, você sabe que quer, amiga — ela fala com confiança.
Eu não incentivo, porque está nítido que Alessandro tem algumas questões
para resolver consigo mesmo, mas confesso que ficaria muito feliz se o meu
cunhado e minha amiga ficassem juntos.
— Tenho certeza de que você é a única mulher capaz de quebrar
aquele bloco de gelo moreno — afirmo.
— Brindaremos a isso, então — Nós erguemos os nossos copos, o
dela com algo alcoólico, o meu com creme de morango a base de leite
condensado. Já pedi três vezes de tão saborosa que é a bebida.
Depois do sexto copo, já não aguento adiar a vontade de ir ao
banheiro. Discretamente, aviso para a Ellen, que prefere ficar me esperando.
O ambiente com várias cabines não tem fila. Ainda bem, porque eu seria
capaz de fazer antes de chegar ao destino final, o vaso.
Assim que saio da cabine, me aproximo da bancada de mármore
negro e lavo as minhas mãos. Aproveito para me olhar no espelho e,
felizmente, a maquiagem e os cabelos estão intactos. Hoje estou me sentindo
mais linda do que nunca.
Quando uma mulher para do meu lado, eu olho para o lado por
um milésimo de segundo, e logo volto a atenção para o que fazia antes. Seco
as minhas mãos, depois passo pelos meus cabelos. Tenho uma sensação
estranha, então olho para o lado e a mesma mulher está parada de braços
cruzados me encarando.
— Algum problema? — indago. Talvez eu a conheça e não estou
lembrando.
Tenho a impressão de que já a vi em algum lugar. Será que foi na
televisão?
Pela forma como me encara agora, eu deveria saber quem ela é.
— Não sabe quem eu sou? — indaga.
— Deveria? — Rebato.
— Milla Romanov, apresentadora.
— Entendi. Prazer, Nicole. — Estendo a mão, ela não pega, eu a
encolho sem graça.
— Estou te reconhecendo, Nicole. Você é a suposta noiva do
Victor Salvatore.
— Noiva — corrijo, ergo a mão e mostro o meu anel nada
discreto de noivado.
— Eu sou a mulher que Salvatore havia levado para a casa dos
pais no dia que você invadiu o quarto e dormiu na cama dele.
Capítulo 43

NICOLE
Eu sei da lista extensa de casos amorosos do Victor, afinal, eu era
uma das fãs que estava sempre a par de tudo que ele fazia. Inclusive, já vi
fotos suas com outras mulheres bem comprometedoras. Mas ter uma delas na
minha frente, olhando-me e falando de uma forma pouco agradável, é algo
pela qual não esperava.
— Alguma razão para estar me dando essa informação? —
pergunto.
— Nenhuma em especial. Eu só achei curioso você estar aqui sem
ele. — A mulher destila o seu veneno. Cobra.
— Não que seja da sua conta, mas o Victor está gravando — falo,
e logo me arrependo. Eu nem sei por que estou aqui, tendo essa conversa com
uma desconhecida. — Se me der licença, tenho que ir — Passo por ela, mas a
mulher continuar falando.
— É o que todos dizem. Daqui um tempo ele estará passando
noites fora de casa, usando a desculpa de que teve que regravar cenas.
Artistas são mentirosos, mentir faz parte da profissão.
— Inclusive você? — Volto e pergunto, porque não podia sair
sem essa.
— Talvez. Já fui casada com um ator também, e entendo você. É
uma mulher linda e mais jovem. A história que foi vendida para a mídia sobre
a garotinha que foi criada praticamente dentro da casa da família Salvatore é
muito bonita. Tem um apelo bom e faz muito bem para a carreira dele que
todos acreditem que se firmou com alguém como você, a escolha fácil e
segura.
— Escolha fácil? Você não sabe mesmo do que está falando.
— Sim, a escolha mais segura para a carreira dele, que não
suportaria mais tempo com tantas polêmicas. E não quero dizer que não possa
ter um pouco de carinho envolvido, afinal, li que se conhecem a vida toda,
mas você não seria a escolhida se a situação fosse outra. Não é o tipo de
mulher que alguém como Victor Salvatore escolheria.
Eu deveria ter saído logo que ela começou a falar, mas agora não
posso mais, estou completamente envenenada.
— E que tipo de mulher eu sou?
— Comum, muito jovem, pobre e negra. Mas não fique mal por
isso, logo você se acostuma e passa a entender como funciona a relação com
um artista — fala, e sai do banheiro enquanto ainda tento assimilar o que
ouvi.
Logo você se acostuma. É a segunda vez que ouço isso hoje.
De cabeça baixa, volto a me aproximar da bancada e me olho
novamente no espelho. Através dele, vejo as paredes se fechando em torno de
mim. Respiro fundo e aperto os olhos fechados por alguns segundos. Quando
volto a abri-los, tudo voltou ao normal.
Com palavras soltas ainda ecoando no fundo da minha mente,
deixo o banheiro. Mas a sensação estranha volta. Eu olho para o lado, e todas
as pessoas estão olhando para mim enquanto falam. Mulheres lindas sorriem,
sei que todas são antigas amantes do Victor.
As gargalhadas cada vez mais altas, agora estão todos apontando
para mim, rindo de mim. Os meus pés, ativados no modo automático, me
levam de volta para a mesa. Eu me sento ereta, olho para a Ellen, mas não a
vejo de verdade.
— Acho que preciso ir para casa... — digo.
— Mas já, Nicole? A gente acabou de chegar. Não faz assim, vai
— ela diz tão baixo, as vozes estão mais altas.
— Eles estão falando muito alto. Peça para falarem mais baixo,
para pararem de rir de mim. Por favor, Ellen — suplico ao levar as mãos aos
ouvidos.
A minha garganta está se fechando e os olhos ardendo. Querendo
algo com que ocupar a minha mão, pego o copo de bebida meio cheio da
minha amiga e bebo de uma vez todo o conteúdo que tinha dentro dele. O
líquido desce rasgando na minha garganta. No susto, solto o copo e o vidro se
estilhaça no chão. O conteúdo respinga na minha roupa.
— Nicole, você está bem? — Não percebo por completo quando a
minha amiga vem para o meu lado, mas sinto o calor do corpo perto do meu.
— Eu não sabia que você bebia.
— Eles estão falando de mim. Muito alto.... alto demais...
— Você está me assustando, amiga.
Sou eu quem estou assustada, penso comigo mesma.
— Preciso ir ao banheiro — ouço a minha voz, mas ela parece
estranha para os meus próprios ouvidos.
Quando me levanto, não preciso olhar para trás para saber que a
loira está vindo atrás de mim.
No meio do caminho, o bar inteiro faz um círculo em volta de
mim. Eles riem e apontam, não fazem questão de disfarçar que querem me
atacar.
— CALEM A BOCA! — O berro que dou vem do âmago do meu
ser. Alto o suficiente para que cada pessoa ouça. — CALEM-SE BANDO
DE MERDAS! — grito com as mãos nos ouvidos. — NÃO FALEM DE
MIM!
— Nicole, pelo amor de Deus, o que você está fazendo? Se
acalme, não tem ninguém falando de você.
Ouço, mas não compreendo, não sinto.
Do lado esquerdo está a mesma mulher que me confrontou e foi
racista, que diminuiu o que Victor e eu temos. Ela está debochando de mim,
me faz sentir ódio. Começo a diminuir o espaço entre a gente. Alguém pega
no meu braço, me viro e, no impulso, ergo os braços e empurro a pessoa.
Quando olho para o chão, é Ellen quem está caída. Vejo, mas não
me importo. O meu foco é a pessoa que me faz mal, que quer acabar comigo,
mas sou mais forte e posso acabar com ela.
Quando fico com o corpo colado ao da mulher, o seu sorriso
odioso desperta o pior em mim, por isso ergo a mão e esbofeteio o seu rosto
com toda a minha força. A confusão que começa a se formar parece acontecer
do outro lado da rua, não à minha volta. Ouço ecos distantes... vozes e
pessoas que não conheço.
— Nicole! — Olho para trás. A voz, essa voz eu conheço muito
bem. Os braços erguidos para mim se parecem com o meu lugar de descanso.
Quando sinto seu cheiro e calor dos seus braços, realmente
descanso. Tudo vira escuridão, talvez fosse tudo de que eu precisava.

VICTOR
Eu nunca fui o tipo de pessoa que reclama de trabalho,
principalmente porque eu gosto muito do que faço, sabia que era a minha
vocação desde a infância, tanto é que minha mãe tratou logo de me colocar
em cursos de teatro, mas, especialmente hoje, queria não estar aqui. Tão tarde
e ainda gravando cenas. Na verdade, regravando, porque alguns não decoram
o texto, quando deveriam ter tudo na ponta da língua.
O figurino é um incômodo a parte, que só sinto quando estou em
algum trabalho de época.
— A última cena, pessoal. — O diretor bate na claquete e
recomeçamos.
Vinte minutos se passam até finalmente acabar, então vou para o
banheiro do camarim e tomo um banho rápido. Pensei em passar em casa,
mas acabei decidindo ir me encontrar com a Ellen.
Estou preocupado com o fato de a Nicole estar saindo pela
primeira vez sem mim. Não que eu não confie na loira, longe disso, tanto
confio que fiquei animado quando me avisou que estava chegando. Só pensei
que seria uma companhia, além de minha, para a freirinha.
Mas, por algum motivo, não estou me sentindo bem com a
situação. Algo me incomoda e, durante as gravações, mal podia me conter de
ansiedade para acabar de uma vez. Queria ir ver com os meus próprios olhos
que está tudo certo com a minha mulher. Torço muito para que seja apenas o
meu lado protetor falando mais alto, que eu chegue lá e a encontre se
divertindo com a minha futura cunhada.
Felizmente, o trânsito está calmo hoje, mas os meus pensamentos
estão no lugar para onde Ellen levou a Nicole. Já faz algum tempo que falei
com ela, quero fazer uma surpresa e, por isso, não avisei que estava a
caminho.
Nicole teve três primeiras semanas boas longe de casa e,
sobretudo, dos pais de quem ela é tão dependente emocionalmente. Tem
continuado o tratamento da mesma forma que fazia no Goiás, mas, às vezes,
observo algumas reações que me deixam pensativo. Tenho para mim que
ainda não consigo distinguir o que é uma reação normal e um sintoma da
bipolaridade.
A minha cabeça me diz que todos temos dias bons e outros nem
tão bons assim, que o fato de ela ter dormido um dia mais que o outro não
quer dizer nada. Que está tudo bem com a sua mania de ficar o tempo todo
querendo fazer comidas para mim. Nicole só quer me agradar quando
estamos juntos.
A sua obsessão por organização me chama atenção, mas ela diz
que sempre foi assim.
Tento não demonstrar que estou com um pouco de receio de
começar a ver coisas onde não tem, mas a médica psiquiatra, a minha mãe,
me disse ao telefone que é normal. Principalmente mais na fase inicial.
Eu sempre confiei em mim e acreditei que pudesse cuidar dela,
quis essa responsabilidade quando a trouxe junto comigo, mesmo com a
objeção dos seus pais. Vendo que o meu tempo com Nicole é muito menor do
que imaginei, sinto o medo irracional de cometer erros, de não ser o
suficiente, de ela acabar concluindo que não deveria ter confiado em mim.
Eu não suportaria se isso acontecesse.
Está tudo bem, Victor. Por que não estaria?
Antes mesmo de entrar, quando sinto um calafrio, que não é
causado pelo vento, noto que tem algo errado acontecendo. Vejo as pessoas
aglomeradas em círculo, então, com um péssimo pressentimento, entro no
olho do furacão.
No meio da galera, de costas para a rua, está a minha mulher. Ela
é inconfundível. Na sua frente, horrorizada e com uma mão cobrindo o rosto,
avisto Milla Romanov. Eu chamo, e Nicole se volta em minha direção. E seu
olhar está desfocado, o meu coração se parte, porque nunca a vi tão perdida e
vulnerável.
Eu a pego em meus braços e, no mesmo instante, a minha mulher
desmaia. Com um misto de culpa e impotência, a tiro do lugar.
— Amor, abra os olhos, por favor. Você está me assustando.
— Victor — Ellen me chama atrás de mim. Eu nem me lembrava
mais dela. — Pode deixar que eu abro a porta do carro.
Sem falar com ela, coloco Nicole no banco de trás.
— Pode vir aqui atrás com a Nicole? — indago, mas não consigo
olhar em seus olhos. Sei que Ellen não tem culpa, mas não posso evitar o meu
incômodo com a situação. — Não vou pedir que dirija, porque deve ter
bebido.
— É claro. — Ellen entra e apoia a cabeça da Nicole nas suas
pernas.
Arranco o carro e, mais uma vez, agradeço aos céus pelo trânsito
tranquilo, assim posso dirigir a toda velocidade para chegar até o hospital.
— O que aconteceu, Ellen? — indago.
Ela conta com detalhes o que presenciou, mas não sabe explicar o
motivo, que eu apenas posso suspeitar. As conclusões a que chego não são
nada boas. Ela nos leva para uma zona de perigo, e isso é desesperador. Tinha
a falsa sensação de que Nicole estava se saindo bem, de que eu estava
cuidando bem dela.
— Eu sinto muito, Victor — Ellen fala, enquanto aguardamos
alguém vir falar com a gente.
Nicole está na sala com os médicos, e quando a deixei, ela ainda
não tinha despertado. A espera é agonizante.
— Não foi culpa sua — digo.
— Foi um pouco. Eu deveria ter saído com ela quando pediu que
a levasse para casa. Não deu tempo...
— Vai ficar tudo bem. — Aproximo-me e a abraço.
O médico chega e, pela sua expressão, as notícias são tão ruins
quanto imaginava.
— A senhorita Nicole está consciente neste momento, mas
sofrendo de um surto psicótico[ii]. Ela ingeriu bebida alcoólica, e o exame não
encontrou a droga que deveria estar no organismo dela.
Capítulo 44

VICTOR
O dia já está amanhecendo quando chego com Nicole em casa.
Ela passou a noite sendo acompanhada e medicada até voltar a si. Minha
noiva está um pouco grogue, mas consegue andar. Ainda não disse nada, mas
não espero que diga.
Eu a levo para a cama, começo a tirar a sua roupa com a mínima
ajuda de suas mãos. Não sei se é porque não está 100%, mas Nicole não olha
nos meus olhos. Quando tento deitá-la na cama, ela fala.
— Eu quero tomar banho. Estou me sentindo suja.
— Tudo bem — digo, vou com ela para o banheiro e a ajudo a se
limpar. Lavo os seus cabelos e todo o corpo até que ela mesma peça para sair
debaixo da água.
Sem vestir nada além da minha camisa, a deito e, quase que
imediatamente, Nicole dorme. Eu fico por um bom tempo refletindo sobre
tudo.
A percepção de que estava tudo bem era falsa. Achávamos que ela
estava segura por trás dos medicamentos. Era mais uma esperança, na
verdade, pois fomos alertados de que, apesar dos cuidados, haveria um
período de adaptação e que poderia acontecer alguns altos e baixos.
A psiquiatra disse que talvez tenha que rever a dosagem de um
dos muitos comprimidos, mas que ela não pode, em hipótese nenhuma,
deixar de tomar os remédios. Segundo o doutor, o surto psicótico foi algo que
poderia ter sido evitado.
Deitado atrás dela, abraçando a sua cintura como um bote salva-
vidas, permito-me respirar aliviado, depois de muitas horas de tensão. Com
ela dormindo nos meus braços, a minha certeza de que tudo vai se ajeitar se
torna maior, mesmo que saiba que não será tão fácil assim, que a situação se
complica quando a minha vida é pública, que junto com o reconhecimento do
meu trabalho vem o ônus de ter pessoas se sentindo no direito de serem
invasivas.
Sei que amanhã será um novo dia, que os problemas estarão à
nossa espera, mas agora só quero descansar e agradecer por ela estar aqui,
nos meus braços.

Acordo mais cedo, mas fico alguns minutos abraçado ao corpo


quente da minha pretinha, com preguiça de me levantar. Ainda não me
permiti acessar a internet, e vou adiar o máximo que puder. Pelo menos até
que ela e eu tenhamos tomado café.
Depois de quase uma hora, dou um beijo no pescoço da minha
noiva e me levanto. Faço a minha higiene matinal e, sem me dar ao trabalho
de vestir uma camiseta, vou para a cozinha. Tento preparar o café da manhã
digno da Nicole, mas o máximo que consigo é fazer um suco de laranja,
cortar frutas e completar a bandeja com o bolo delicioso que ela fez.
Por mais que eu tenha falado para a Nicole que não precisa ficar
cozinhando para me agradar, entendo que é a forma como foi criada, que tem
coisas que simplesmente não tem como mudar, então aprecio tudo o que
cozinha para mim. Ela é muito boa e faz mágica na cozinha.
Quando entro no quarto, a freirinha já está sentada, vestida e com
os cabelos penteados. A sua expressão não é nada animada para alguém que
teve horas de descanso. Reparo na sua mão, e entendo o motivo.
— Eu sinto muito... — diz, me aproximo, coloco a bandeja do seu
lado e tiro o celular de sua mão.
Ela fica me observando enquanto leio na tela quão ruim foi a noite
de ontem. O vídeo dela mandando as pessoas se calarem, depois empurrando
a Ellen e estapeando a Milla está em todos os tabloides de fofocas. Nos
comentários, as pessoas agem como juízes e como advogados de defesa.
Alguns fazem análises como se fossem médicos.
Os mais podres a chamam de louca. Victor Salvatore está se
relacionando com uma mulher mentalmente incapaz.
Isso é ruim, muito ruim mesmo, sobretudo agora que estou no
meio de um projeto tão grande. Mas é ruim para eles, não para mim, porque
não vou colocar o peso dessa culpa em cima dos ombros na mulher que amo.
Ela é e sempre será a minha prioridade. Não por dever ou obrigação, mas
porque eu não poderia me sentir de outra forma.
Se a minha carreira, algo de que sempre senti orgulho, ficar entre
mim e a Nicole, não tenho dúvida do que abrirei mão.
— Você não tem culpa de nada — digo.
— Eu não devia ter saído de casa. Estava com medo, mas fui do
mesmo jeito. Esqueci de tomar o remédio no horário, e desisti de tomar
depois, porque não ia adiantar. Pensei que todos estavam rindo e me
apontando. Fui ao banheiro e uma amante sua me falou absurdos... Victor,
não sei mais se isso aconteceu, ou foi um delírio. — Ela está abatida e
chorosa, não suporto vê-la assim. Aproximo-me e a abraço.
Quando nos separamos, beijo de leve os seus lábios diversas
vezes, até que um sorriso triste e cansado surge.
— Essas notícias não podem te atingir, porque elas não são
verdadeiras.
— Estão dizendo que sou louca. A sua carreira...
— Mas você sabe que não é louca. E não precisa se preocupar
com a minha carreira, porque está tudo bem. E mesmo se não estivesse, não
seria um problema para a gente, porque você sempre será a minha maior
prioridade — garanto.
— Eu te amo — ela declara as minhas três palavras preferidas
saídas de sua boca.
— Eu também, mas não deixa mais de tomar o remédio, meu
amor. Sei que esqueceu e, por isso, vou fazer um esquema no seu celular e na
porta da geladeira para que nunca mais aconteça, tudo bem?
— Obrigada.
— Já está se sentindo melhor? — indago.
Fazendo de uma forma que não a assustasse, a psiquiatra contou
para ela o que aconteceu, além dos motivos que possam ter levado ao surto.
— Estou bem, mas ainda me preocupo com a repercussão. Por
mais que diga o contrário, isso aqui — aponta para o celular — está ruim
demais. Faça alguma coisa para que as minhas merdas não respinguem mais
ainda em você.
— Nicole, não pense nisso. Eu sei o que fazer para contornar
possíveis problemas — afirmo. — Agora eu quero que você seja uma boa
garota e coma. Quero te ter bem alimentada. — Jogo uma piscada maliciosa e
Nicole sorri.
— Por quê? — Chego perto, falo no seu ouvido e ela não reage
como antes. Já não fica sem jeito, apenas entra no jogo.
— Para aguentar a minha vontade de você — sussurro.
— Está sempre com vontade? — ouço. A forma como ela morde
o bolo, e depois chupa os dedos sujos de cobertura de chocolate, mexem
comigo.
— Acho que você sabe da resposta, por isso me provoca tanto.
Quando a minha noiva termina de comer, vez ou outra dividindo o
alimento comigo, levo a bandeja para a cozinha e volto para a cama com ela.
Nós ficamos por um tempo namorando e evitando falar de assuntos que não
sejam leves.
Nicole, que não aguenta muita provocação, tenta levar as nossas
carícias para outro patamar quando sou mais ousado, mas acabo sempre
esfriando as coisas. A ideia é distraí-la, não fazer prevalecer os meus desejos
quando está com a mente tão cheia, depois de um surto psicótico.
Depois de um tempo ela volta a dormir, o que é muito bom, pois
precisa de mais horas para descansar a mente.
Eu me levanto, porque agora chegou o meu momento de reparar
os danos. Quando chego à sala, pego o meu aparelho celular que, como não
poderia deixar de ser, tem mensagens do meu empresário e da assessoria de
imprensa. Retorno a ligação do Roger, o assessor. No combo tenho a sua
esposa, que é a minha relações públicas.
— Fala Roger, algum problema? — pergunto, mesmo sabendo a
resposta. A equipe deve estar a ponto de botar um ovo.
— Você ainda pergunta, Salvatore. Acha que estou te ligando
porque gosto de ouvir o som da sua voz?
— Quão ruim é a situação?
— Ruim o suficiente para ter atraído publicidade negativa para
você e para o filme. Tudo o que não deveria acontecer neste momento,
aconteceu ontem à noite, no que deveria ter sido apenas uma saída da sua
futura esposa com Ellen Salles. Todos poderiam estar comentando e
especulando sobre a amizade das duas, considerando que sua noiva é uma
anônima e ela uma top modelo.
— Elas são amigas de verdade — afirmo. Roger fala de uma
forma que faz parecer que a saída é parte de um plano que deu errado.
É por esse tipo de coisa que, às vezes, odeio o meu meio. Quase
tudo é pautado por futilidade e segundas intenções.
— Eu imagino que seja mesmo — ele comenta. — Ao invés de
uma saída tranquila, a sua noiva deu munição para meses de comentários
sobre o mesmo assunto. Sei que já devem ter visto, mas esse vídeo dela
gritando e sendo agressiva é muito ruim. Nicole está sendo taxada como
louca, e me desculpe, meu caro, mas se parece muito com uma pessoa
desequilibrada.
— Eu sugiro que você, se tem amor ao seu trabalho, nunca mais
volte a falar assim da minha mulher. Ela não é louca, e eu acho bom que essa
conversa termine aqui para o bem da nossa relação profissional. Por favor,
reúna toda a equipe para uma reunião amanhã às seis da tarde. — Termino a
ligação e jogo o aparelho em cima do sofá.
— Merda! — Vou para a varanda, quem sabe a brisa fresca da
manhã acalme a minha mente, que está fervendo.
Marcar uma reunião foi a coisa mais certa a se fazer no momento.
Errei de não ter falado para eles sobre o transtorno da Nicole. Com a equipe a
par de tudo, talvez seja mais fácil para todos nós contornarmos a situação.
Mas é claro que só vou contar se a minha pretinha der permissão.
De toda forma, não creio que abrir a informação para a mídia seja
uma boa ideia, muito pelo contrário. Quanto mais pudermos preservar a
Nicole, melhor será para ela.
Mais cansada do que eu pensei que fosse estar, a garota dorme
quase o dia todo. Quando ela acorda está quase anoitecendo, e eu já esquentei
pelo menos umas dez vezes o seu almoço, que virou janta.
Ela está tranquila e se parecendo mais com a minha freirinha de
sempre. Come toda a comida do meu lado, depois me ajuda a lavar as louças
sujas. Ainda bem que hoje é domingo de folga das gravações, porque não sei
como seria se eu tivesse sido obrigado a passar o dia longe dela, depois de
tudo pelo que passou.
Quando terminamos, sentamo-nos no sofá da varanda e ficamos
nos curtindo. Ao contar para ela sobre a reunião com a equipe amanhã,
Nicole concorda que devo falar da sua bipolaridade, mas, assim como eu,
concorda que não é algo que deva ser exposto para a mídia.
Assunto superado, Nicole, mais distraída e sorridente, se senta nas
minhas pernas e começa a tirar a roupa. Dez minutos depois, os problemas
são esquecidos. Na minha mente fica apenas a imagem de peitos
maravilhosos enquanto a minha garota cavalga no meu colo.
— Você é minha, Nicole — digo entre dentes, segurando-me para
não gozar ainda. — Prometa que nunca vai me deixar.
— Você que precisa prometer, Victor. — Como para mim não
existe a hipótese de acontecer, seguro com firmeza a parte de trás do seu
cabelo para que olhe nos meus olhos.
— Prometa, Nicole! — Com um misto de prazer, medo e
desespero, exijo. — Fale, porra!
— Prometo.
Capítulo 45

VICTOR
UM MÊS DEPOIS
— Como você está linda, amor. — Quando Nicole entra na sala,
vestindo um vestido curto e justo verde jade, bem diferente de suas roupas
discretas e um pouco largas, sinto muito orgulho de entrar naquele evento de
mãos dadas com ela.
É linda de todas as formas possíveis, e o seu sorriso é capaz de
melhorar o dia de qualquer pessoa.
— Obrigada, a Ellen que me ajudou a escolher o vestido. Ela
disse que tenho que ser a mulher mais linda da noite. Mas acho um pouco
difícil, considerando que estaremos rodeados de gente bonita como você.
— Ellen tem razão, você será a mais linda, e nem precisa fazer
esforço para isso — afirmo, a puxo pela cintura e sou inebriado pelo cheiro
de morango do seu cabelo, que está lindo, longo e cacheado escorrendo por
suas costas.
— Você também está maravilhoso, mas não precisa de elogios
para não ficar ainda mais metido — afirma, depois coloca a cabeça de lado.
Quer que eu beije o seu pescoço.
Um dia ela me disse que a Ellen ensinou o truque do pescoço.
Beijo no pescoço para não borrar o batom.
— Metido?
— Muito — ela afirma. Tem um sorriso largo e tranquilo do
rosto. As últimas semanas têm sido calmas.
— Você está mesmo bem? — indago.
Essa semana nós chegamos na reta final das gravações do filme,
então a equipe decidiu que seria uma boa ideia fazer um evento para
comemorar. Estarão presentes atores, diretores e toda a equipe por trás das
câmeras.
— Eu estou, sim. Não fique se preocupando comigo. Hoje a sua
noite vai ser um sucesso, e aquela impressão ruim do mês passado vai ficar
no passado — ela fala. — Vou ser a noiva perfeita.
— Só seja você mesma que terá todos aos seus pés, minha gata.
Vamos? — Chamo e entrelaço a minha mão na sua.
A viagem de ida é tranquila, eu coloco uma música para tocar,
não falamos nada porque não precisa. Nós estamos em paz nas últimas
semanas. Ela está bem, não deixou de tomar todos os remédios prescritos, e
continua indo às consultas e reuniões.
Junto com a minha equipe, depois de ter falado para eles a
verdade do porquê a minha noiva ter perdido o controle no bar, consegui
contornar os danos que o espalhamento do vídeo causou. Por mais que ainda
se comente sobre a sanidade mental da noiva de Victor Salvatore, nós
sumimos de cena e os comentários maldosos passaram a ser repudiados.
Hoje eu pensei em não comparecer e curtir a minha folga só com
ela, mas fui aconselhado a vir. Sei que a muita presença junto com a minha
noiva é importante. Hoje posso matar dois coelhos com uma cajadada só:
tirar a publicidade negativa que recaiu sobre o filme e, sobretudo, impedir
futuros assédios e incômodos para a pretinha.
Estou ciente de como a indústria funciona, se os convencermos
de que Nicole é apenas uma garota normal, vão se esquecer dela.
O evento vai acontecer em uma mansão três vezes maior que a
dos Salvatore. Na frente da construção, Nicole fica de boca aberta, sem
conseguir disfarçar a admiração.
— Parece um castelo dos contos de fadas — comenta enquanto
saímos do carro e caminhamos para dentro.
— Conto de fadas! Não me diga que acredita nisso, amor.
— Depois que você entrou na minha vida? Sim — afirma.
— Eu não sou um príncipe — aviso, pois por mais que tente ser o
melhor para ela, sei que não sou perfeito, que nunca terei a sensação de que
fiz o suficiente.
Já comentei sobre isso na terapia, que comecei há duas semanas,
depois que o medo começou a fazer parte de mim, e o terapeuta me disse que
não é algo incomum de acontecer com quem está perto de pessoas com
transtornos psicológicos. Tenho apenas que trabalhar isso, e não deixar que o
medo me consuma.
— Você é o meu príncipe loiro — Nicole insiste.
É isso, não tenho motivos para ter medo. Todos os dias a minha
mulher mostra com palavras e sorrisos que está feliz, que eu a faço feliz.
— Acredito, mas só porque é você quem está dizendo.

O início da reunião é bem tranquilo, nós chegamos quando todos


já haviam chegado e isso é bom, porque a apresento para quem julgo
necessário e depois nos afastamos um pouco para curtirmos a sós. Até o
momento, estava tudo indo bem, mas a minha alegria cai pela metade quando
avisto Milla Romanov.
A mulher não passou de um caso passageiro, como todos os
outros antes da minha pretinha, mas já atravessou o caminho dela como se
tivesse sido bem mais. A ideia hoje é ficar bem longe dela, não deixar que se
aproxime da minha noiva. Nós dois viemos com um objetivo e vamos
cumpri-lo.

NICOLE
É interessante como um pouco de autoconfiança faz diferença na
vida de uma pessoa, na percepção que ela tem das coisas e eventos que
acontecem à sua volta. Hoje, por exemplo, estou me sentindo maravilhosa.
Linda e feliz sendo abraçada pelo meu noivo que, de certa forma, é o astro da
noite.
Há quatro semanas, me perdi de uma forma que me fez pensar
que nunca mais me encontraria novamente. O lugar para onde a minha mente
me levou parecia escuro e hostil. Ali ninguém gostava de mim. Quando a
terra me engoliu em meio a escuridão, senti apenas alívio. Quando voltei para
a realidade, grogue e enjoada, tudo à minha volta estava igual, só um pouco
assustador.
Estou bem melhor do que antes nas últimas semanas, mas passei a
ter medo de espelhos. Sempre que olho para um, temo que aconteça como da
outra vez, que me torne outra pessoa.
Na terapia, ouço que tenho que superar, e venho tentando. O
medo existe, mas todos os dias luto contra ele. Todo o dia é melhor do que o
anterior, porque não me deixo levar, porque tenho pessoas que me amam;
porque o Victor me ama e está sempre do meu lado.
Temi que o meu deslize fosse prejudicar a sua carreira, mas o meu
noivo, felizmente, conseguiu contornar a situação. Hoje, o meu papel é ficar
na minha, apenas cumprimentar a quem me cumprimenta. Ser discreta e não
chamar atenção desnecessária.
Aparentemente, a noite será um sucesso, mas é impossível não
notar a mulher mais velha e bonita no mesmo recinto que eu. Ela foi o gatilho
que me fez entrar em um surto psicótico no mês passado. Só de olhar para a
tal apresentadora sinto o meu estômago embrulhar.
Não se trata de ciúme, porque sempre acreditei 100% nos
sentimentos do Victor por mim, desde a época em tentamos negar, que
pensávamos que não havia como ficarmos juntos.
Nós dois não falamos nada, mas basta um olhar para dizermos ao
outro que só precisamos esquecer que ela está aqui.
— Estou com ciúme — ele diz quando nos afastamos para um
lugar mais discreto. Já falamos com quem ele tinha que falar e deixamos que
tirassem algumas fotos de nós dois juntos. Agora é o nosso momento,
segundo o próprio Victor disse. — Viu como todos os homens te olham?
— Devem estar curiosos — digo.
— Ou querendo o que é meu. Você é muito gostosa e não
percebe.
— Você acha? — provoco. Sempre achei que fosse bonita, mas
não do jeito que Victor enxerga. Ele levanta a minha autoestima todos os
dias.
— Quando a gente chegar em casa vou ter que mostrar o quanto
te acho desejável — ele diz. Com o tom fingido de ameaça, me empurra
contra a parede e se coloca na minha frente.
— É uma ameaça? — provoco mais uma vez. Amo o poder que
exerço sobre o meu noivo, adoro saber que não preciso de muito para tê-lo
fora de controle.
— Uma promessa. Vou te comer a noite inteira, você vai gritar
tão alto que todos que estão aqui ouvirão de suas casas a quem você pertence.
— Meu dono é Deus — solto.
— Além de ser gostosa, é uma freira gostosa. Quase um fetiche
sendo realizado.
— O meu fetiche era dormir todas as noites com o meu maior
ídolo. O homem com quem sonhava me casar quando ainda era uma menina.
— Pensei que fosse o Justin Bieber — ele debocha.
— Só até começar a prestar atenção em outros atributos —
sussurro no seu ouvido, então desço a mão e toco na parte da frente da sua
calça.
— Não me provoca assim, garota... — pede com o maxilar
cerrado. Eu o sinto endurecendo nos meus dedos.
— Vai fazer o quê?
— Dar uma pequena amostra do que te espera na nossa cama mais
tarde.
Como Victor e eu somos viciados um no outro, começamos e não
sabemos a hora de parar. Ficamos por um bom tempo nos pegando, quase
esquecendo que estamos em público e, provavelmente, sendo observados.
Quando largamos a boca um do outro, estou com a boca
formigando e as pernas bambas. Paramos porque nós nos tocamos que aqui
não é o lugar ideal.
A gente volta para o meio do povo, eu mantenho o sorriso no
rosto e a boca fechada enquanto Victor conversa, considerando que não
entendo nada dos assuntos do mundo do cinema e televisão. Quando os
nossos copos ficam vazios, Victor me deixa sozinha por um instante para
pegar mais uma bebida sem álcool para mim.
Estou distraída, olhando para ele se afastando, quando sinto
alguém esbarrar em mim. Tomo um susto com a bebida gelada nos meus
braços, me viro para trás e vejo a Milla do banheiro me encarando. Olho para
onde Victor foi, ele já está voltando.
Eu não fiz nada!
A minha mente grita. Estava fazendo de tudo para passar
despercebida hoje.
— Você não olha para onde anda, menina? — Ela fala alto, várias
pessoas em volta param e prestam atenção na cena. Sei que têm celulares
sendo apontados. — Se não sabe ser civilizada, não deveria estar em um
ambiente de pessoas de classe.
Sei que não estou entrando em surto, mas, quando olho para os
lados, tenho a sensação de que todos estão me encarando, me julgando como
se eu fosse louca, porque ainda se lembram do último episódio. Não digo
nada para me defender, pois tenho muito a perder se fizer um escândalo. Fico
poucos segundos a observando, até que Victor me alcança.
Ele me abraça, passa do lado da mulher e o ouço falar baixinho
para ela.
— Se você tiver provocado isso, considere a sua carreira acabada.
Victor e eu vamos para o banheiro. Ele não se importa de estar no
banheiro feminino.
— Eu estava de costas quando ela esbarrou em mim — digo, ele
pega vários papéis e começa a me limpar.
— Acredito em você, meu amor. Fica tranquila, está tudo bem. —
Victor me abraça e eu, forte como devo ser, não sinto vontade de derramar
uma única lágrima. — Vem, vamos para casa. Essa festa acabou para a gente.
Saímos abraçados, as pessoas já estão falando de outros assuntos
em suas rodinhas, mas, diferente do que planejamos, não conseguimos sair
sem chamar atenção.
— Salvatore, eu preciso falar com você. — Roger, o seu assessor
de imprensa, entra no nosso caminho.
— Hoje não. Amanhã você me liga — Victor corta.
— Tem que ser hoje, Victor. O assunto é urgente.
Pela forma como o homem fala, até eu fico preocupada.
— Tudo bem. — Meu noivo cede.
— Vem comigo. Ali em cima tem uma sala. — Roger aponta o
cominho e nós dois seguimos atrás, escada acima.
Ao chegarmos na frente na porta, solto a mão do loiro, ele me
olha com a sobrancelha arqueada.
— Eu vou ficar aqui fora te esperando, tudo bem? — Aponto para
o sofá que fica na frente do escritório.
Victor concorda e beija os meus lábios rapidamente. Ele entra
atrás do assessor, que não olhou na minha cara ainda. Na outra única vez em
que nos encontramos, ele foi muito gentil comigo.
Acomodada, preferindo não pensar se o incidente com a megera
vai repercutir amanhã, pego o meu celular e começo uma conversa com as
garotas da igreja do meu pai. Logo perco o foco, porque, diferente do que
esperava, consigo ouvir tudo o que está sendo dito dentro da sala.
Era melhor que não estivesse, que houvesse um lugar para onde ir
que silenciasse as duas vozes. Para fechar o buraco que está se abrindo no
meu coração e embaixo dos meus pés.
Capítulo 46

VICTOR
— No meio de uma festa, Roger? — questiono quando ele fecha a
porta, preocupado de ter deixado a minha mulher do lado de fora. — Espero
que o assunto seja mesmo urgente.
Por que Nicole não quis entrar?
— O que foi aquilo que aconteceu agora há pouco? A ideia não
era serem discretos, principalmente depois do que aconteceu recentemente?
— E lá vem o sermão que não estou a fim de ouvir.
Nicole não fez nada. Ela foi provocada por aquela cretina, mas as
justificativas só importam para a gente. Para as pessoas de fora, as
consequências dizem mais. É cansativo ter que pisar em ovos.
Eu sinto que nunca foi tão difícil ser quem sou como agora. Se
tivesse seguido a profissão do meu pai, ou me escondido no mato como o
meu irmão, a minha mulher não estaria sendo sujeitada a estas situações.
— Você viu o que aconteceu? Aquela idiota fez de propósito, só
porque não aceitou que o que tivemos foi um caso sem importância, que
agora estou noivo e, portanto, fora do seu radar. Aliás, o que Milla está
fazendo aqui?
— Não sei. Deve estar tendo um caso com algum ator, ou diretor.
Isso não vem ao caso, porque você sabe que não importa se Nicole Montes
foi provocada ou não, ela chamou atenção para vocês. E não pense que
ninguém gravou aquela cena.
— E daí? Não estou preocupado com isso no momento — afirmo.
— Mas deveria, porque o nome de vocês estará na boca do povo
amanhã. E não é só isso — ele diz, eu sinto que vem merda das grandes por
aí.
— Não faça rodeios, Roger.
— Soube de fonte segura que uma revista de grande circulação irá
revelar que a sua noiva é bipolar. Sairá uma matéria completa, atrelada àquele
vídeo, falando sobre a doença. Sabendo como essas coisas acontecem, estou
certo de que contarão detalhes da vida pessoal dela. Será algo bem invasivo, e
você sabe disso.
— Puta que pariu! Não, isso não está acontecendo. —
Desesperado, ando de um lado para o outro. A minha cabeça está a mil,
porque isso é muito, muito ruim.
Nicole não deveria ter que lidar com a exposição e o assédio que a
matéria irá gerar.
— Merda! Não tentaram impedir? Precisam fazer alguma coisa,
afinal, é o trabalho de vocês, porra!
— Nós tentamos, Salvatore. É por isso que estou te falando só
agora. Mais cedo fizemos a última tentativa, mas não deu certo. A matéria vai
sair amanhã e eu tinha que te avisar para ficarem preparados. O que
aconteceu ali não foi nada bom, vai piorar a situação.
— Que droga! — esbravejo, me sentindo impotente. Eu só
precisava proteger a Nicole e falhei.
— Alguém da equipe deixou essa informação vazar? Só a gente
sabia — questiono, por um segundo olhando com desconfiança.
— Você sabe que não. Ninguém ganharia nada com isso. Além do
mais, não era tão difícil assim de descobrir, não é? Depois que chamou
atenção sobre si mesma, os abutres devem ter ido até a cidade natal de vocês
especular sobre a vida dela. Qualquer pessoa próxima poderia ter dito algo.
— Devíamos ter antecipado isso — digo.
— Nós falhamos, eu sinto muito — ele diz, mas adianta falar isso
agora? Era o trabalho deles prever esse tipo de coisa. Eu estava tão focado em
fazer com que Nicole voltasse a ficar bem que também não pensei. — Temos
que tentar conter os danos.
— E existe uma maneira de fazer isso? No momento, não consigo
pensar em nada — digo.
— A melhor saída para você é tirar Nicole de cena. Se afaste dela
e deixe a poeira baixar, meu caro. Será bom para todos, principalmente para a
sua imagem, que nunca foi a mais limpa.
— Você só pode estar brincando ao sugerir algo assim... — Olho
para o seu rosto e vejo que não. — Eu não vou fazer isso! Pirou, Roger?
— Não, estou tentando agir como o seu assessor aqui, e acredito
que toda a equipe teria a mesma ideia. Não estou pedindo para que abandone
o seu noivado, só que dê um tempo até tudo se acalmar.
— Nicole não vai sair do meu lado — aviso, exasperado. — Ela
não tem culpa de nada.
— É claro que não. Pelo pouco que conheci, a menina é uma
pessoa maravilhosa e, em outras circunstâncias, seria o par perfeito para você,
mas não agora. Ela tem problemas que podem acabar com a sua carreira e
tornar a luta dela ainda mais difícil. E por mais que não queira admitir, sabe
que tenho razão. Ela precisa de paz de espírito para se tratar, você precisa de
dedicação total a esse projeto. Sobretudo, precisa que o seu nome não esteja
envolvido em escândalos. A verdade é dura, mas vocês estão em momentos
diferentes da vida, e isso não tem nada a ver com amor.
— Não posso me separar dela — afirmo, a minha cabeça está
latejando, a voz embargada e os olhos ardendo.
— Não estou pedindo que faça isso.
— Sim, você está. Julga que ela vai me atrapalhar, porque não é
perfeita aos olhos de outras pessoas, mas é perfeita para mim. E não se
engane, meu caro, eu posso até ter orgulho da minha carreira e amar o meu
trabalho, mas jamais colocaria acima da mulher que eu amo. Jamais. Não me
peçam para escolher, pois podem não gostar da minha resposta.
— O que pretende fazer? — indaga sem rebater as minhas
palavras.
— Vou levar a minha mulher para casa. Fazer com que não se
sinta mal por algo que não é culpa dela. Não existe nada de errado com a
Nicole, esse meio em que vivemos que é podre — digo, e saio da sala.
Nicole está sentada olhando para a tela do celular. Ela não pisca.
As suas mãos estão tremendo.
— Você está bem, meu amor? — pergunto ao me agachar na sua
frente.
— Sim — fala baixinho. — Leve-me para casa — pede.
Eu a ajudo a se levantar e, abraçando a sua cintura, damos a noite
em que deu tudo errado por encerrada. A minha cabeça está cheia com as
coisas que ouvi do Roger, mas procuro esquecer, porque a única pessoa com
quem preciso me preocupar está ao meu lado no carro, sem dizer uma
palavra.
No apartamento, ela vai direto para o quarto, eu vou atrás para vê-
la tirando os sapatos e depois a roupa. Nicole, ainda muda, pega o roupão e
vai para o banheiro. Na frente do espelho, prende os cabelos no alto da
cabeça e entra na ducha gelada.
Tiro a minha roupa, entro junto e a abraço. Nicole não me rejeita.
Muito pelo contrário, retribui e começa a chorar como uma criança. O meu
coração fica partido, porque ela está triste por causa da cena com a Milla, mas
não sabe da pior parte.
Preciso conversar com ela, contar que amanhã a sua vida inteira
estará exposta. Principalmente, a parte mais sensível, com a qual ainda está se
adaptando, aprendendo a conviver. Uma batalha diária que deveria ser
enfrentada em um lugar de paz. Não com um alvo nas suas costas porque está
ao meu lado.
O Roger tem razão na parte que toca a ela, mas sou um egoísta e
não posso pensar em ficar sem a mulher que amo. Eu não seria mais do que
metade de um homem.
Não digo nada por enquanto, respeito o seu tempo e espero até
que as lágrimas cessem. Quando ela desliga a ducha, a enrolo no roupão e a
ajudo a se secar. Nua perto da cama, minha noiva espera que eu faça o
mesmo. Ao me livrar da toalha, e pegar a sua mão para nos deitarmos, ela
solta e apoia as duas no meu peito. Olha para mim com tanta intensidade que
meu coração chega a errar a batida.
— Você é lindo por fora e por dentro. É o melhor companheiro
que eu poderia pedir a Deus — declara. — Os meus dias aqui com você,
dormindo e acordando do seu lado, sendo mimada e cuidada de todas as
formas, foram os melhores da minha vida.
— Por que está falando dessa forma? O que estamos vivendo aqui
é só o começo, meu amor. As gravações do filme estão adiantadas, em breve
a gente vai voltar para casa e se casar. Teremos a nossa casa e começaremos a
nossa família. Não é isso que você quer?
— Sim. Isso é tudo o que mais quero, mas só se for com você —
afirma, então chega mais perto e me beija. Primeiro lento e com carinhoso,
depois rápido e esfomeado.
Entendo rapidamente o que pretende, por isso me afasto. Ela tem
que descansar, não fazer sexo. Além do mais, precisamos conversar, antes
que se depare com a merda já feita amanhã.
— Amor, vai com calma. Sei que não foi uma noite fácil para
você, e a gente precisa conversar sobre algo importante... — É difícil me
concentrar quando a garota está se equilibrando nas pontas dos pés para
mordiscar o meu queixo.
É impossível ignorar isso.
— Eu não quero conversar, não quero ouvir nada, Victor
Salvatore. Só preciso que você faça amor comigo de uma forma como nunca
fizemos antes.
— Tudo o que você quiser, pretinha — sussurro no seu ouvido
quando desisto de resistir.
Ainda terei tempo para falar com ela, antes de a notícia estourar
na mídia. Não vou permitir que descubra através deles.
Ajoelho-me diante dela, da minha deusa do ébano, linda como
uma obra de arte. Começo beijando a sua barriga, que um dia será abrigo para
os nossos bebês, depois vou descendo até o seu quadril.
Nicole já tem a respiração mais curta pela expectativa do que virá
a seguir. Coloco uma de suas pernas em cima do meu ombro e, com as suas
mãos segurando os meus cabelos com firmeza, começo a lamber e chupar a
sua boceta.
Quando passa a gemer, algo que me excita pra caralho, perco a
paciência para ir com calma, a pego nos meus braços e a jogo de costas na
cama. Sem dizer nada, Nicole abre amplamente as pernas, oferecendo-me sua
bocetinha molhada.
Que gostosa!
Eu me coloco no meio de suas pernas, olho bem nos seus olhos e
o clima muda por completo. Até um segundo atrás, tratava-se apenas de sexo
e desejo, mas agora, vendo a forma como me olha, como as suas mãos
acariciam as minhas costas, se transforma em fazer amor.
A dança lenta e prazerosa que os nossos corpos fazem durante a
noite quase toda, todos os beijos e todos os gemidos e sacanagens faladas ao
pé do ouvido, fazem com que eu me sinta mais vivo e invencível.
Quando estou com ela, seja na cama, ou em qualquer outro lugar,
tenho a sensação de que a minha vida só começou a fazer sentido depois que
a amei. No fim, antes de cairmos em um sono profundo e cansado, o olhar de
amor e devoção recíproco ainda permanece.
— Eu sempre vou te amar... — sussurra nos meus braços. Sinto
um calafrio dos pés até o último fio de cabelo. — Sempre... — É a sua última
palavra antes de virar e dormir.
— Sempre será meu primeiro e único amor, Nicole Montes.
Capítulo 47

NICOLE
DUAS HORAS ANTES
Quando deixo as minhas chaves em cima da mesa, é a mesma
sensação de estar deixando metade do meu coração. Antes de sair, lúcida e
plenamente ciente do que estou fazendo, olho em volta do lugar onde fui
feliz, sem me esforçar o tempo todo para agradar. Era como fazia na casa dos
meus pais.
Victor sempre me deu liberdade para ser apenas eu mesma, fez
tudo por mim. É por isso que estou fazendo algo por ele, mesmo que não vá
me entender em um primeiro momento.
Ao entrar no carro de aplicativo, sem saber exatamente para onde
estou indo, faço questão de não olhar para cima, para a janela do quarto onde
deixei o homem da minha vida.
— Está se sentindo bem, moça? — A motorista pega um lenço e
entrega para que eu enxugue as minhas lágrimas.
— Não estou, mas vou ficar. Algum dia.

VICTOR
Pela claridade do sol entrando pela cortina, percebo que dormi
muito. Estendo o braço e toco apenas no vazio onde a minha mulher deveria
estar. Acho estranho, mas deixo quieto. Ela deve ter se levantado mais cedo
para ficar na sala com uma de suas pinturas.
Penso em ficar mais um pouco na cama, mas me sinto alarmado
quando lembro da conversa que tive ontem com o Roger, e da que não tive
com ela.
Será que a porra da matéria já saiu? Será que a freirinha já viu?
Levanto-me cheio de pressa, me visto e escovo os dentes. Saio do
quarto para encontrá-la, mas a sala está vazia e no mais completo silêncio.
Passo por todos os cômodos e... nada, a minha noiva não está em canto
nenhum. Começo a me desesperar, me perguntando o que pode ter
acontecido.
O meu celular começa a receber notificações, eu penso em
ignorar, mas desisto, porque pode ser a minha mulher avisando que foi na
rua.
Nicole me mandou mesmo uma mensagem pelo aplicativo, um
texto enorme, que tenho o pressentimento que não contém nada que eu
gostaria de ler. Com as mãos um pouco trêmulas, e o coração esmurrando o
peito, me sento no sofá e começo a ler.
Eu nem sei por onde começar, mas talvez te deva um pedido de
desculpas por ser tão covarde, por ter ido embora sem me despedir de você,
meu amor. Não fiz isso, porque sei que teria mudado de ideia se tivesse
esperado. Eu não posso mudar de ideia agora, Victor. Pelo nosso bem, é
melhor que tenha sido assim.
Não pense que está sendo fácil, porque, dentro desse táxi,
enquanto digito essa mensagem, sinto como se o meu coração estivesse
sangrando. Ele se quebrou em milhões de pedacinhos pela decisão que tomei
ontem, quando decidi que te amaria, e permitiria que me amasse pela última
vez.
Você não deve estar entendendo nada, e até se perguntando se
estou bem, se não estou sob a influência do meu transtorno, mas te garanto
que acordei perfeitamente bem, e ciente do que estou fazendo, do que posso
estar perdendo com a partida.
Eu não fiz por mal, mas ontem consegui ouvir tudo o que foi dito
entre você e o Roger. Primeiro teve o surto psicótico no bar, depois a cena
na festa ontem e, por fim, a conversa que ouvi. Cada um desses
acontecimentos teve uma razão de existir, mas os três mostraram a mesma
coisa. Fizeram-me chegar à mesma conclusão, que não é tão diferente da
que o Roger chegou, embora as nossas razões sejam diferentes.
Você está em uma fase ótima de sua carreira e eu estou com as
minhas questões psicológicas, que você descobriu antes de mim. Como as
nossas vidas poderiam se cruzar neste momento? Ontem, depois do que ouvi,
a minha ficha caiu, então percebi que estamos indo por caminhos diferentes
e eu não quero ser a pessoa que vai frear a sua corrida rumo à um sucesso
maior do que você já tem.
Não quero ser um peso da sua vida, não desejo que viva com a
sensação de que está sempre andando em um campo minado porque se
apaixonou por alguém como eu. Por uma, ou duas vezes, ouvi que tenho que
me acostumar com a vida que você leva. Não me eximo da culpa, porque
sabia quem você era quando me envolvi, mas não imaginei que fosse ser tão
difícil para nenhum de nós dois.
Querido, eu não quero ter que me acostumar com a realidade em
que vivo com medo de fazer algo de errado, mais do que já fiz, que te
prejudique. Não quero que você seja levado a fazer escolhas difíceis, que
abra mão de algo para ficar comigo. A amor não é sobre isso.
Por isso estou te deixando. Porque o momento não era o certo
para a gente.
Talvez seja algum dia. Talvez o momento nunca exista, mas eu
preciso que você faça o que é certo. Faça o que sabe fazer de melhor e
brilhe. Se me ama como te amo, no momento você deve estar pensando que
não, mas está errado, siga em frente. Não venha atrás de mim, não fique
pensando em mim.
Quando tudo passar, quando as nossas vidas finalmente
estiverem indo na mesma direção, talvez a gente possa ficar juntos.
Você, desde a época que eu nem sabia direito o que significava a
relação entre o homem e uma mulher, era a pessoa que eu mais admirava.
Não só pela beleza, mas o seu sorriso, através da televisão, era capaz de
melhorar o meu dia. Antes te via como uma paixão boba e impossível de se
concretizar, afinal, você era o sol e eu era a lua.
Hoje você é o meu talvez, por isso a palavra apareceu tanto. Eu
sempre terei fé. Faça o que tem que fazer, e esteja onde estiver, estarei aqui,
torcendo por você, me cuidando, porque sei que é isso que espera de mim.
Sinto muito pelos problemas que causei, e pela tal matéria que já
deve ter saído, mas acredito que você saberá como controlar a situação e
eles logo vão esquecer da sua noiva “louca”.
Eu te amo, Victor Salvatore, até qualquer dia.
Quando termino, jogo o aparelho contra a parede e, chorando
como nunca tinha feito na vida, começo a andar pela sala como um bicho
enjaulado.
— Você não fez isso, Nicole. Não fez!
Em estado de negação, completamente anestesiado, a ponto de
ignorar o celular que toca sem parar no chão, repito as mesmas coisas sem
parar. Ontem estava tudo bem, hoje ela não está aqui.
A minha mulher me deixou.
As horas se passam, eu não sei como vim parar deitado no chão
do tapete. Não sinto nada além das lágrimas que não param de cair. Quando
acabo dormindo, faço com a esperança de que irei acordar e perceber que
tudo não passou de um pesadelo. A minha freirinha estará aqui comigo,
porque nos amamos e temos que ficar juntos.
Acordo com uma baita dor de cabeça, o celular ainda tocando e
ainda abandonado por Nicole Montes.
Eu queria odiá-la só por um segundo, mas o amor que sinto é
grande demais.
Eu queria entender o que ela fez, mas a dor que está me causando
não deixa.
Além de tudo, estou preocupado, porque não faço ideia para onde
foi. Nicole não falou nada, porque sabia que eu iria imediatamente atrás dela.
Ao me levantar, a primeira coisa que faço é pegar o celular e ligar
para os meus pais. Conto a eles o que aconteceu em detalhes e peço para me
manterem informados, caso a minha pretinha apareça por lá. Peço para não
falarem com os meus sogros ainda, pois eles não precisam dessa preocupação
e, com certeza, Nicole vai ligar e contar tudo quando achar que deve.
Antes de desligar a chamada, peço mais uma vez para que me
liguem, caso a garota apareça na cidade. Ao mesmo tempo que não acredito
que ela vá voltar, não consigo pensar nela sozinha. Nicole não tinha para
onde ir.
— Você vai me enlouquecer, freira dos infernos! — digo em voz
alta. — Se tivesse ficado, eu teria resolvido tudo.
Será que teria? Questiono-me pela primeira vez.

Depois de tomar um banho, paro de ignorar o meu celular e vejo


todas as outras notificações que haviam chegado, antes mesmo da mensagem
da minha noiva.
Sim, minha noiva. Aposto que Nicole não tirou a aliança do dedo,
assim como não tirei a minha. Ela só deixará de ser a minha noiva quando se
tornar a minha esposa. Nicole que não pense que vou deixá-la ir para longe
de mim, seria mais fácil parar de respirar.
Tão logo fique livre da porra desse filme, vou buscar a minha
freira, esteja onde ela estiver. Para isso, preciso arrumar a bagunça que ficou.
Antes de falar com a minha equipe, ligo o computador e me
deparo com a matéria em um dos sites mais sensacionalistas de circulação
nacional.
O título?
Conheça melhor Nicole Montes, a noiva bipolar de Victor
Salvatore.
Muito porcamente, eles citam a infância dela. Destacam de forma
negativa o fato de ela ser filha de pastores, negra e de classe social média.
A parte do transtorno é a pior de todas, porque fizeram questão de
exaltar o perigo de surtos psicóticos e depressão. A forma como a matéria foi
redigida coloca a minha mulher no papel de uma pessoa insana e
mentalmente incapaz.
É absurda e invasiva. Agora que a merda foi feita, será um prazer
foder esses filhos da puta com um processo. No fim, ficou pior do que
imaginei. Por mais que me doa admitir, é melhor que Nicole não esteja aqui.
Veria a sua vida sendo exposta da pior forma, mas teria que aparecer sorrindo
do meu lado, como se nada estivesse acontecendo.
— Roger, quero que você convoque uma coletiva de imprensa —
digo ao telefone.
— Para que dia?
— Como assim para que dia, caralho?! Para hoje, o mais breve
possível — esbravejo.
— Como o assunto é a Nicole, é melhor que ela apareça para dar
uma declaração — sugere.
— Ela não vai dar declaração alguma! Preciso que a deixem em
paz, não que fique em evidência. Adeus, Roger. Liga quando estiver tudo
combinado.

— Eu não queria ter precisado vir a público para falar sobre a


minha vida pessoal, quando tenho um projeto maravilhoso em andamento, e
poderíamos estar focados nele. Mas a situação pediu que fosse assim.
Esconder o transtorno de bipolaridade da minha noiva foi uma escolha nossa,
uma questão pessoal e que não cabia ser discutida por terceiros.
“Veículos de comunicação tiraram a escolha de nossas mãos,
então tive de vir esclarecer alguns pontos. A minha mulher é uma jovem de
vinte e dois anos que está em pleno gozo de suas faculdades mentais, não é
um diagnóstico que vai dizer que ela é menos inteligente, ou menos capaz do
que qualquer um de vocês. Milhares de pessoas sofrem de transtornos
psicológicos no Brasil, pessoas que só precisam de apoio, amor e o
tratamento correto. Sobretudo, precisam de empatia, e é apenas isso que eu
peço para a minha noiva. Eu espero não ter que falar novamente falar sobre o
assunto.”
Recado dado, a coletiva passa para a parte profissional e, por pelo
menos uma hora, respondo aos jornalistas sobre questões relacionadas ao
filme.
Ao chegar em casa, sou recebido pelo mesmo vazio que está no
meu coração. Ontem à noite a vi pela última vez, mas já estou morrendo de
saudade e preocupação. Como ela quer, nos próximos dias vou fazer de tudo
para tirar o obstáculo que está no nosso caminho. Vou terminar de gravar o
filme e ir buscá-la.
Sei que o tempo vai passar, que vai doer, mas nós voltaremos a
ficar juntos mais rápido do que Nicole imagina. Quando isso acontecer, vou
me casar com ela, assim como nos planos que tínhamos feito.
Vai ficar tudo bem, nada mudou. Só preciso ter calma, paciência e
acreditar.
— Roger, é o Salvatore. Preciso que você me recomende o
melhor investidor particular do país.
Capítulo 48

NICOLE
SEIS SEMANAS DEPOIS
Astro é apontado como pivô da separação da atriz Astrid
Morgan e do empresário Roberto Senna. A assessoria de imprensa do
astro Victor Salvatore nega que exista qualquer envolvimento amoroso, e
alega que ele ainda está noivo de Nicole Montes, embora ninguém saiba
do paradeiro da jovem, depois das polêmicas envolvendo o seu nome.
De fato, o ator tem sido visto usando aliança. Onde está a
noiva? Vamos acompanhar.
Giro dos famosos.
Não aguento mais ver, ou ouvir a televisão. Mesmo que eu tenha
saído de cena, a minha vida ainda é extremamente interessante para a
imprensa. Já não consigo mais sair de casa sem ter a sensação de que serei
reconhecida, abordada, filmada e bombardeada de perguntas que não quero
responder.
— Mais alguma coisa? — A garçonete da lanchonete pergunta,
depois que coloca o meu pedido em cima da mesa.
Eu mantenho a minha cabeça baixa, porque não quero olhar para
ela. Na verdade, não quero olhar para ninguém. Quando qualquer um aqui
pergunta se preciso de algo, sinto que gostariam de saber mais sobre mim.
Talvez confirmar se está tudo bem com a garota estranha que se mudou para
o apartamento pequeno, mofado do prédio ao lado.
Não que estejam preocupados, é apenas caso de curiosidade
mórbida.
— Por enquanto, só isso mesmo. Obrigada — digo e, com o
capuz da blusa moletom enorme cobrindo os meus cabelos, pego a
embalagem com suco e sanduíche e me dirijo para a porta da espelunca.
Eu não poderia ter procurado buraco pior para me esconder. É
bem condizente com o meu estado de espírito.
— Essa garota tem algum problema, Bill. Não nos deixa ver o seu
rosto direito, nunca a vi sorrindo para ninguém. Não recebe pessoas no
apartamento, e mal sai de casa. Será que ela tem família? Ou sofre de algum
transtorno mental? — Ela é tão dramática! — E se for uma criminosa? As
atitudes são suspeitas.
— Eu não acredito nisso, a pobrezinha só é um pouco perturbada
mesmo. Deixa-a em paz. O importante é que está com o aluguel em dia.
Foi a esse ponto que cheguei. As pessoas pensam que falam
baixo, mas não falam. Ouço a maioria das coisas que dizem sobre mim, mas
não me importo o suficiente para negar, ou rebater. Eu me tornei a garota
estranha, sozinha e suspeita do prédio.
Quando entro no apartamento, me deparo com o gato magricela
que me recebeu na calçada no dia em que cheguei ao Rio de Janeiro. Deixei
que entrasse comigo no prédio para que parasse de miar e o bichinho nunca
mais foi embora. Não quis me apegar, por isso não ousei dar um nome a ele.
Às vezes o chamo de pretinho, afinal, ele é preto.
Bom, tudo bem, talvez eu tenha me apegado e dado um nome a
ele.
— Trouxe sanduiche para a gente, já que não come a ração cara
que comprei para você, gatinho mimado — falo ao me agachar e acariciar as
suas costas. — Vem, vamos nos sentar no sofá.
Obediente, ele me segue e se acomoda ao meu lado no braço do
sofá pequeno e gasto. Pelo menos está limpo.
Depois de deixar Victor, eu entrei no carro e fui direto para o
aeroporto. Pensei em ir para casa, porque tudo o que queria era o carinho e
colo dos meus pais, mas, antes que tomasse a decisão, lembrei da matéria que
iria sair e não quis que o iminente escândalo os alcançasse. Além do mais, eu
estava me saindo bem longe deles e não queria voltar atrás.
Sem um motivo particular, acabei entrando no avião que me
trouxe ao Rio de Janeiro.
Depois de caminhar pela praia, colocando a minha cabeça no
lugar, e tentando convencer a mim mesma que, apesar das lágrimas, eu havia
feito a coisa certa, abri o aplicativo de anúncios de aluguéis e escolhi o
primeiro mais barato e menos burocrático que bati os olhos. Na minha
infância, os meus pais abriram uma poupança para custear os meus estudos
no futuro.
Quando fiz dezoito anos, eles me deram acesso a ela, pois sabiam
que eu era madura o suficiente para usar o dinheiro apenas quando
necessário. Até seis semanas atrás, ainda não tinha tocado no dinheiro, mas
agora ele está sendo mais do que bem-vindo.
Desde então estou aqui, me alimentando de lanches, mas apenas o
suficiente para não definhar, porque não sinto fome na maior parte do tempo.
Na verdade, quando não estou sentada na frente de uma tela, estou dormindo,
ou tentando fazer isso.
Além de me alimentar mal, minto para os meus pais quando digo
que está tudo bem, quando escondo os motivos que me fizeram me afastar do
meu noivo nas últimas semanas. Eles pensam que não estamos juntos só
porque eu não quis ir para a Itália.
O poço em que me meti é tão fundo que o meu maior desafio de
cada dia é ignorar as mensagens que o meu amor me manda. Respondo uma
ou outra para que saiba que estou viva, mas choro todas as vezes que implora
para que retorne as suas ligações.
Victor diz que me ama todos os dias, eu digo, mesmo que seja
para a tela de um celular, que ele é a minha razão de viver. Ele está longe,
deve ser por isso que sinto menos vontade de continuar respirando a cada dia
que passa.
Prometi que iria me cuidar, mas não tenho feito isso, não como
deveria. Tomo os remédios, mas às vezes esqueço porque estou dormindo,
outras vezes tomo fora do horário. Não estou sendo acompanhada por
profissionais e não participo de grupos de apoio aqui no Rio. Não vou porque
não quero ver, ou falar com ninguém.
Salvatore se acha esperto, mas sei que colocou alguém para ficar
de olho em mim. Às vezes dou um sorrisinho para o homem das sombras, ou
um aceno, mesmo que finja que não é com ele. O moletom folgado e capuz
cobrindo a minha cabeça não são só pelo pavor de ser reconhecida e
apontada, são também para ele não descobrir em que estado me encontro.
Se ainda me ama, o amor acabaria se me visse agora. Como
poderia? Nem eu mesma me amo.
Perdi a vontade de me cuidar, de conversar e sorrir. Tudo o que eu
era e sabia de mim mesma parece fazer menos sentido a cada dia que passa.
Há seis semanas, apesar da tristeza que sentia, ainda tinha esperanças,
acreditava que tudo iria se ajeitar. As pessoas iriam se esquecer de tudo e o
Victor não precisaria escolher entre mim e a carreira.
Tive a ilusão que, depois desse tempo, estaria adaptada ao
tratamento. Teria mais controle das minhas próprias emoções, assim, não
teria mais tanto medo de respirar errado e prejudicar as pessoas que amo.
Nada disso está acontecendo. Não tenho mais esperança.
Não quero que Victor me perdoe por tê-lo abandonado, porque
não mereço o seu perdão. Torço para que me esqueça de vez e se envolva
com outra pessoa em Roma.
Bom, os meus desejos devem estar sendo realizados, porque não
me ligou, ou mandou mensagem hoje. Na última mensagem que mandou, ele
disse que as gravações haviam terminado, que em breve voltaria para o
Brasil.
— Você não vai chorar de novo! — digo a mim mesma, secando
as lágrimas furiosamente. — Preto, se quiser, você pode comer tudinho. Não
quero mais — converso com o gato, que mia e passa a cabecinha na minha
mão.
Durante alguns minutos, fico o observando comer. Quando o
felino boceja, o pego nos braços e levo para o quarto. Deito-me com ele do
lado da minha cabeça, sem me preocupar de tomar um banho antes, embora
esteja suja de tinta.
Ele dorme rápido, eu demoro algumas horas. Adormeço, acordo e
fico horas na cama. Levanto-me para pintar um pouco, e saio para comprar
algo na lanchonete do lado. Seis semanas da mesma rotina, atendendo
ligações dos meus pais e fingindo que está tudo bem.
Talvez esteja tudo bem, afinal, a vida continua para todos,
inclusive, para mim.

VICTOR
SÃO PAULO
— Eu gostaria de agradecer a todos pelo comprometimento e
parabenizá-los pelo belíssimo trabalho. — O diretor fala com todo o elenco,
inclusive, com a equipe por trás das câmeras, e todos batem palmas
entusiasmadas. — Mas lembrem-se que esse foi só o começo. Daqui para a
frente vem o trabalho de divulgação, entrevistas e coletivas de imprensa.
“Eu vou precisar do comprometimento de todos vocês,
principalmente de você, Salvatore, considerando que é o protagonista.”
Neste momento, queria não ser, penso comigo mesmo.
— Então é isso, pessoal. Sei que estão querendo ir para casa
descansar e dormir durante uma semana inteira. Eu também quero, então,
vocês estão oficialmente dispensados.
No estúdio, as cento e cinquenta pessoas começam a se dispersar.
Começo a caminhar para a saída quase prendendo a respiração de medo de
alguém vir estender o assunto. Tudo o que preciso é ir para casa.
— Victor, você não está querendo fugir sem antes sair para
comemorar com a galera, está? — Tinha que ser o fodido do Carlos!
O cara é meu amigo, ficamos ainda mais próximos depois que ele
soube da bipolaridade da minha noiva e me entendeu melhor do que qualquer
outra pessoa, mas não posso negar que ele é chato pra caralho!
— Não só estou como vou fugir. Tenho que ir para casa. Bom
divertimento.
— Mas...
— Boa diversão, Carlos — despeço-me e vou para o
estacionamento.
Ao chegar em casa, depois de mais de um mês na Itália, sou
baqueado pelo mesmo vazio que senti quando a Nicole foi embora. Ao
colocar a mala na sala, vou direto para o quarto e abro o closet que dividimos.
Ela saiu praticamente com a roupa do corpo, então está tudo como era antes
de me deixar. No dia seguinte à sua fuga, peguei algumas roupas, fui para um
hotel e fiquei hospedado até o dia da viagem para Roma.
Pego uma peça de roupa, levo ao nariz e sou inebriado pelo seu
cheiro bom.
— Que saudade, meu amor... Eu não aguento mais ficar sem você,
sua cadela ingrata!
Ainda segurando a sua blusa, cansado depois do dia corrido,
deito-me na cama. Só quero descansar um pouco, antes de fazer o que
preciso, mas os meus pensamentos acelerados não deixam.
Foi muito difícil deixá-la ir, quando queria correr e implorar para
que ficasse comigo, porque sabia que não iria suportar tanta saudade e
preocupação. Tive que respirar fundo e pensar durante algumas horas para
tentar entender o que a levou a tomar uma decisão como aquela.
Compreendi os seus motivos e tive a difícil missão de fazer o que
era certo naquele momento. Fiquei em São Paulo durante duas semanas
depois da sua partida, e passei quatro em Roma gravando o filme.
Falhei um pouco na minha missão, porque tudo o que fiz nas
últimas semanas foi correr como um cachorrinho atrás da mulher. Não dei um
dia de descanso, e não recebi nenhuma dica de que ainda me ama como eu a
amo.
Para não enlouquecer de vez, na tentativa de ficar mais perto da
garota, contratei um investigador particular. A missão não era apenas
descobrir onde Nicole estava, ele tinha que vigiá-la de perto, ser os meus
olhos.
Falei com ele todos os dias nas últimas seis semanas, não ouvi
nada muito animador, mas pelo menos sei que está tudo bem com ela. Houve
muitos momentos de desespero, em que quis jogar tudo para o alto e vir atrás
dela, mas não podia e não devia seguir os meus desejos.
Eram sempre as mesmas informações. Nicole está morando em
uma caixa de sapato velha, e não faço ideia do que a fez escolher o Rio de
Janeiro. Nicole mal saindo de casa. Nicole indo todos os dias à uma
lanchonete do lado do prédio onde mora. A Nicole tem um gato vira-lata.
Nicole não recebe visitas, não fala com pessoas e está sempre com um
moletom muito folgado com capuz cobrindo a sua cabeça.
Com poucas e repetidas informações, por semanas me agarrei à
esperança de que estivesse bem. Sempre contando horas, dias e segundos
para o momento em que poderia voltar para casa. Mesmo que tenha tentado
ser otimista, sinto que a minha mulher está precisando de mim, que não
importam os seus motivos, não deveria ter deixado ela ir.
Eu fiz o que ela queria, terminei o meu trabalho e sobrevivi sem
a sua presença, mas está na hora de isso acabar.
Preciso dela, sei que precisa de mim, porque nos amamos e nunca
mais iremos nos separar.

Quando acordo, me dou conta de que dormi por doze horas


seguidas. Já passa das dez horas da manhã de um dia de sábado, as minhas
energias estão renovadas e a minha ansiedade para ir buscar a minha mulher
está nas alturas. Não vejo a hora de colocar os meus olhos em cima dela. De
abraçá-la e beijar cada pedacinho do seu corpo.
Quero constatar que está tudo bem, que ela se cuidou, como me
prometeu que faria. Mostrarei para Nicole que não estamos mais seguindo
caminhos diferentes. Na verdade, nunca estivemos, pois mesmo quando tudo
estava contra o nosso amor, ainda assim, nós ficamos juntos.
— Roger, preciso que você cuide de tudo que diz respeito a minha
carreira aqui de São Paulo, porque, provavelmente, estarei voltando para
Goiás nos próximos dias — falo pelo telefone com o meu assessor, que vai
passar as informações para o empresário e o resto do pessoal.
— Vai voltar a morar lá? — indaga. Sei que ele não concorda,
porque a maioria dos meus trabalhos acontecem aqui, mas, no momento, não
estou pensando em trabalho.
— Não sei. Estou pensando em fazer o que é melhor para a minha
noiva. Antes de te responder, preciso conversar com ela, mas já estou
deixando vocês de sobreaviso.
— Tudo bem, Salvatore. Vai atrás da sua gata, sei que é tudo o
que você mais quer fazer no momento.
Ele tem razão. As últimas semanas deixaram bem claro que eu
não estava apenas brincando de casinha com a Nicole. Estava tentando me
manter 100% focado no trabalho, e fiz questão de desmentir todos os boatos
de envolvimento com outra mulher, pois além de as notícias serem falsas, eu
sabia que Nicole estaria vendo e lendo tudo. Também não respondi mais
nenhum questionamento a respeito da bipolaridade da minha garota.
Não tirei o anel do meu dedo, pois, para mim, o nosso noivado
nunca foi rompido. Ela apenas se afastou do olho do furacão pelo bem da sua
saúde mental e do meu trabalho. A freira não conseguiu exatamente o que
queria, pois, se deu tudo certo com o trabalho, a minha saúde mental está por
um fio, espero que a dela esteja melhor.

Com o coração a ponto de sair pela garganta, com as mãos suando


frio, desço na frente do prédio onde Nicole está morando. De perto, ele
parece pior do que pelas fotos. Reconheço a lanchonete vizinha e, por
curiosidade, acabo entrando. Começa um burburinho entre as três garçonetes
e um rapaz no balcão, mas ignoro.
Varro o lugar pequeno com os olhos e, em um canto mais escuro e
discreto, vejo uma pessoa pequena de costas. Ela tem a cabeça coberta com
um capuz, mas sei de quem se trata. Eu a reconheceria em qualquer situação.
Aqui está, a minha pequena freira.
Capítulo 49

VICTOR
— Bom dia — cumprimento os funcionários que estavam
conversando no balcão. Já passou das duas da tarde e não tem ninguém, além
da moça silenciosa do capuz na lanchonete. — Vocês poderiam, por
gentileza, levar um suco para mim na mesa em que aquela garota está
sentada?
— Você é Victor Salvatore? Eu sou seu fã — o rapaz diz. —
Poderia tirar uma selfie comigo? — indaga. Eu queria negar, mas não quero
ser acusado de maltratar fã, então me aproximo e sorrio. Antes que eu vá, ele
olha para a mesa onde Nicole está e comenta.
— Quer dizer que você conhece aquela garota? — a forma
surpresa como ele fala fez parecer que é algo completamente inesperado, fico
confuso.
— Talvez, por quê? — pergunto, pois mesmo que queira mais do
que tudo ir até ela, pode ser que essas pessoas me falem mais do que o
investigador que estava de olho nela e considerando que ela vem aqui todos
os dias.
— É uma garota estranha. Ela não fala, não sorri. Pela aparência e
roupas repetidas, achamos que nem banho ela toma. Não acho que seja quem
você está pensando, porque esta menina tem algum problema. Nós
acreditamos que é uma maluca que não tem família.
— Ela não é maluca e tem, sim, família. A garota do capuz, que
não toma banho, é a minha noiva — falo com irritação. Eu não suporto ouvir
as palavras louca e maluca atreladas a Nicole. Ela não é nada disso.
Pelo contrário, é uma das pessoas mais lúcidas e inteligentes que
conheço.
— A Nicole Montes... ela tem a síndrome de bipolaridade. —
Uma das moças comenta.
— Se me derem licença... Não precisa mais levar o suco — falo
para todos e me retiro.
Eu me aproximo, dou a volta na mesa e me sento na sua frente.
Mesmo assim, Nicole não levanta a cabeça. Quando toco na sua mão em
cima da mesa, ela retira a sua assustada e, finalmente, olha para mim.
O seu rosto está diferente, mais fino. Os olhos estão fundos. O
sorriso triste é a única reação que ela esboça. Nas poucas vezes que nos
falamos por meio de mensagens nas últimas semanas, porque fazia questão
de me ignorar, Nicole me fez acreditar que estivesse relativamente bem. O
que tenho aqui é algo completamente diferente.
— Oi, meu amor. Sentiu a minha falta? — Pego a sua mão e,
dessa vez, ela não se afasta.
Nicole não fala nada, mas balança a cabeça positivamente,
enquanto duas lágrimas grossas rolam pelo canto dos seus olhos.
Não. Ela não está nada bem. Neste instante, enquanto o meu
coração fica apertado e dolorido, me dou conta do erro que cometi por ter
permitido que se afastasse, por ter acreditado quando me disse que iria ficar
bem. É um erro para o qual não existe perdão, porque ela tinha que ter ido
comigo para onde quer que eu fosse, nem que fosse acorrentada a mim.
Poderia tê-la convencido disso, não poderia?
— Quer me levar para o lugar onde está morando? — pergunto.
— Eu estava com muita saudade de você — fala tão baixo que
mal consigo escutar, então se levanta e sai na minha frente.
— Eu também — declaro.
O apartamento fica no terceiro andar. É do tamanho de uma lata
de sardinha, tanto que o quarto, a sala e a cozinha são tudo um cômodo só.
Vejo o seu cavalete, e isso me deixa feliz, porque quer dizer que ao menos
tem tentado pintar.
— É isso que tem comido no almoço? — questiono quando pego
o pacote de suas mãos e o abro. Um sanduíche magro e um suco.
— E na janta também. — Ela dá de ombros. Fico agoniado de vê-
la com esse moletom quente com um calor de trinta e oito graus lá fora. —
Eu e ele. — Aponta para a bola de pelos pretos e de olhos arregalados. Já está
do lado dela, como se tivesse tamanho para protegê-la, caso alguém quisesse
fazer mal para a garota.
— Você pode tirar esse moletom, por favor? — digo. Ela faz o
que eu peço sem contestar.
Na verdade, Nicole está parecendo com um robô, sem vontade.
Quando vejo o seu corpo sem a roupa folgada, me dou conta de
que tudo é pior do que parecia. A mulher que eu amo não está apenas triste,
ela está depressiva, e deve ter perdido no mínimo uns dez quilos. Está tão
magra que posso ver os ossos de suas costelas. Pelo estado do seu cabelo,
todo desgrenhado no alto da cabeça, percebe-se que não tem mais vontade de
se cuidar.
— Você tem tomado todos os seus remédios? — pergunto quando
me aproximo e termino de tirar a sua roupa.
— Nem sempre. Não estou mais fazendo acompanhamento e nem
participando das reuniões — ela fala com tranquilidade. Eu me seguro para
não brigar, porque percebo que até esse descaso com a própria saúde pode ser
por causa da depressão.
O errado sou eu por ter deixado ela sozinha. Mas isso nunca mais
vai acontecer!
— Vem, vou te dar um banho. — Com os nossos dedos
entrelaçados, a levo para o banheiro, tiro a roupa na porta, e depois entro na
ducha de água morna com a minha garota.
Lavo cada parte do seu corpo com uma bucha, depois os seus
cabelos. Ela parece que está com a cabeça em outro planeta e apenas o corpo
reage com arrepios quando a toco.
Nós dois saímos do chuveiro enrolados em toalhas. Enquanto
procuro algo para ela se vestir, busco no aplicativo de entrega um restaurante
que traga o almoço para Nicole. Já está no meio da tarde e não vou deixar que
se alimente apenas com essa porcaria de sanduíche.
Assim que nos vestimos, deixo de agir como o homem
responsável que preciso ser no momento, sento-me no sofá desconfortável e a
trago para cima das minhas pernas. Com uma perna de cada lado da minha
cintura, a abraço como se a minha vida dependesse do seu calor.
Nas últimas semanas sem ela, eu via os dias e as horas passarem
arrastadas. Nada para mim fazia sentido e só esperava pela chegada desse
momento. Perguntava-me a todo instante quando poderia olhar e tocar no
meu amor. Aqui e agora, o meu coração está em paz, até a minha respiração
está leve.
Não importa quais sejam as dificuldades pelas quais passamos,
tudo se torna melhor quando estamos juntos.
— Eu amo você — declaro.
— Não consigo mais pensar na minha vida sem te ter do meu
lado. Esses foram os piores dias da minha vida — ela declara.
— Ainda não te perdoei por ter ido embora daquela forma, por ter
tirado das minhas mãos a chance de fazer uma escolha. A chance de cuidar de
você.
— Fiz o que deveria fazer naquele momento, Victor. Não queria
que os meus problemas roubassem o foco que deveria estar no seu trabalho. E
apesar de ter me doído muito, não me arrependo, porque não quero ser um
estorvo para você.
— Está falando bobagens, Nicole. Mas vou relevar, porque sei
que está vulnerável neste momento — digo.
— Vulnerável não é bem a palavra, e você sabe. Eu estou com
depressão, Victor. Tenho consciência disso. Saí de cena, mas você voltou e
espero que saiba que essa será a sua vida. Uma constante montanha russa
com uma pessoa que está no fundo do poço — ela faz um desabafo entre
lágrimas. Para mim, está sendo difícil não desabar.
“Quando parti, uma parte minha queria ir para casa, para os
braços dos meus pais que, além de você, são as únicas pessoas que sabem
quem sou de verdade e me amam mesmo assim. Não fui porque sabia que,
assim como você, eles teriam que lidar com os problemas que eu causei,
teriam que responder perguntas para as quais não existem respostas. Eu nasci
defeituosa e só faço quem me ama sofrer.”
— Não fale assim de si mesma — peço. Não posso mais ouvi-la.
— Quem me viu nas últimas semanas pensou que eu fosse louca,
e não posso condená-los por isso, considerando que me sinto assim. Aí você
chegou e, em trinta minutos, me levou para o banho, lavou o meu cabelo e
pediu comida de verdade para mim. Para você parece tão fácil cuidar de mim,
mas até quando será assim?
— Do que você está falando?
— Que eu não quero que você seja a minha muleta. Que você, um
homem lindo, rico, o desejo de 99% das mulheres deste país, está cogitando
ficar preso a mim, uma mulher que é taxada de louca, que o Brasil inteiro
sabe que tem um transtorno psicológico. Eu posso te prejudicar, e você não
está conseguindo ver isso. Já comecei nas poucas semanas que passamos
juntos em São Paulo.
— Nada do que está falando faz sentido para mim, menina. Você
não pode me prejudicar, muito pelo contrário. É só quando estou do seu lado
que me sinto bem — declaro, sem acreditar que estamos tendo essa conversa.
— Nicole, olhe para mim. — Seguro o seu rosto muito próximo do meu. —
Eu preciso de você. Será que não entende isso? Você é tudo o que tenho de
mais precioso — digo, com os meus olhos marejados.
Estou colocando para fora todos os sentimentos que estiveram
guardados nas últimas semanas. Em tudo que pensava, sempre que lembrava
da mensagem de despedida que deixou.
Só conseguia pensar que nada daquilo que eu estava fazendo, nem
a promessa de sucesso de bilheteria, com meu nome sendo elogiado em todos
os veículos, nada daquilo valeria a pena se não estivesse com a mulher que
amo do meu lado.
Quando fica me olhando com os olhos cheios de lágrimas, mas
sem abrir a boca, continuo a falar.
— Eu preciso de você, Nicole Montes. Não posso mais viver,
sequer respirar sem você. — Quando falo, Nicole sai de cima de mim e me
vira as costas. Ela está chorando copiosamente.
Seguro as minhas mãos em punhos, dou o tempo de que ela
precisa para aceitar que estou aqui, que sempre estarei do seu lado. Então a
pretinha se vira e olha para mim por alguns segundos antes de falar aos
soluços.
— Não é justo. Eu vou precisar mais de você do que você de
mim. Por mais que eu faça o tratamento, ele não é garantia de que não vou
causar problemas, que não vou ficar semanas sem sair da cama, ou muito
agitada a ponto de dar vexames. Que não vou ser grossa com você, que não
vou te fazer querer dormir no quarto de hóspedes.
— Não tem problema, a gente vai ficar bem — digo, me
aproximo e a abraço.
— Não, nós não vamos! — Nicole começa a esmurrar o meu
peito com os punhos enquanto chora. Seguro as suas mãos e digo.
— Vamos, sim. Se você não puder sair, eu vou ficar em casa com
você. Se ficar agitada demais, estarei do seu lado, cuidando do seu bem estar.
Quando me irritar, no dia seguinte a gente vai conversar e fazer as pazes.
Quando estiver bem, também estarei bem, quando não estiver, quero ser a sua
muleta. Quero que precise de mim, porque sei que cuidarei de você. Porque
te amo e sempre vou amar.
“Nos bons e nos maus momentos, você é e sempre será a minha
prioridade. Nunca pense que está me atrapalhando em algo, que a minha
carreira, ou qualquer outra coisa, é mais importante, porque não é. A vida é
feita de escolhas, Nicole Montes, e a minha sempre será você.”
— Eu me senti tão sozinha e perdida— declara, agora deixando
que a abrace. — Não quero mais passar por isso.
— Não vai precisar, amor. Nunca mais.
— Nunca mais — A freirinha endossa as minhas palavras.
— Agora você vai almoçar e me contar direitinho o que fez nas
últimas semanas. Quero saber o porquê de não ter continuado certinho com o
tratamento. — Minha mulher acena positivamente, e me acompanha sem
protestar quando a levo de volta para o sofá.
Minutos depois, o almoço que pedi para ela chega. Agindo como
uma criança, faz cara feia para não comer, mas para de resistir quando deixo
que divida com a bola de pelos que chama de pretinho.
Era só o que me faltava, a dupla pretinha e pretinho.
Fico satisfeito quando Nicole come toda a comida, está muito
magra e isso me preocupa. Quando começa a contar tudo o que não me dizia
em suas poucas e curtas mensagens, fica claro que não se tratava só de
tristeza.
Fomos alertados que pessoas bipolares podem ir da euforia para a
depressão. Nicole passou pelas duas fases antes de ser diagnosticada, mas
nunca como agora. Quanto mais ela fala, mais culpado me sinto, não iria
suportar se algo de pior tivesse acontecido com o meu amor.
Já basta a solidão e o fato de não ter se alimentado como devia.
Quando pergunto sobre os seus pais, Nicole diz que eles acreditam que está
tudo bem. Ela quis poupar a todos, menos a si mesma, mas isso acaba aqui.
Eu voltei e, como prometi, nunca mais vou sair do seu lado. Vou
cuidar para que supere a depressão. Para que recupere não só o peso que
perdeu, mas também a alegria de viver.
Quando ela se deita, logo após almoçar, o ânimo pela minha volta
vai embora. Nicole fica em silêncio, abraçando a mim com braços e pernas.
Sinto-me impotente, sem saber como ajudar para que passe de uma vez.
— Amor, o que você quer fazer? Se quiser voltar para casa, a
gente vai amanhã mesmo — digo para ver se ela se anima um pouco.
— Se por casa estiver se referindo a nossa cidade, eu quero. Estou
sentindo falta da minha vida, dos meus pais e da igreja — afirma, quase
dormindo.
— Então a gente vai — prometo. — Agora descansa, pretinha.
Quando você acordar, eu ainda estarei aqui.
Atracado a ela de todas as formas, sentindo o seu corpo, cheiro e
respiração, caio em um sono profundo e tranquilo depois de semanas.
A parte engraçada disso tudo é que tem um gato deitado nos
nossos pés. Sem saber, Nicole arranjou um filho felino para a gente.
Capítulo 50

NICOLE
Que não seja apenas a ilusão de um sonho muito bom a sensação
da boca macia beijando a minha barriga. Fico com medo de abrir os olhos,
mas abro mesmo assim. Ele está aqui.
Sim, Victor Salvatore veio me buscar. Finalmente estamos
caminhando na mesma direção. Ontem ele me fez ver que, independente de
qualquer coisa, quer ficar comigo. O medo e a tristeza ainda existem, porque
a dor inexplicável é bem mais do que a saudade que estava sentindo, mas só o
fato de estar com o meu amor novamente me deixa mais feliz.
— Dormiu bem, meu amor? — Victor, lindo com o cabelo loiro e
olhos verdes, sorri para mim e pergunta.
— Muito bem — digo. O melhor sono em muitos dias, embora eu
tenha me mantido mais dormindo do que acordada nas últimas semanas.
— Eu estava vendo as passagens de avião enquanto a senhorita
não acordava e encontrei voos para hoje à noite. Quer ir, ou esperar até
amanhã? — questiona, não preciso pensar muito para responder.
— Quero ir hoje para casa — digo.
Estou morrendo de saudade dos meus pais, mas, sendo sincera,
não é só isso. Preciso deles, e por mais que tenham falhado por falta de
conhecimento durante muitos anos, eles sempre estiveram comigo nos
momentos de vulnerabilidade.
É estranho, porque sempre me senti um pouco pressionada no
papel da filha do pastor, mas depois de ter passado semanas sem os meus
velhos, entendi que o amor e cuidado vale mais do que tudo.
— Será que terei que voltar aos velhos hábitos de ter que entrar às
escondidas no quarto de certa freirinha? — ele provoca, mas sei que fala
sério. — Eu não cuidei de você como disse que faria, e os dois vão perceber
no momento em que colocarem os olhos em você. Sinto muito. — Victor está
muito chateado, mas vou fazê-lo entender que não tem culpa de nada, tudo
que aconteceu foi consequência de minhas próprias escolhas.
— Não se cobre, amor. A gente está junto e vai ficar tudo bem —
afirmo, e acaricio os seus cabelos.
— O pastor não vai sair do nosso pé nunca mais. Como vou ficar
sem você?
O homem está carente, parece um cachorrinho que caiu da
mudança.
— Vamos dar um tempo para eles me curtirem nos primeiros dias,
depois a gente pensa em um jeito de amansar o papai. E você sempre pode
entrar na calada da noite para dormir comigo, eu não reclamaria.
— É claro que não — diz, e abre um sorrisinho. Deve estar
lembrando de quando fazia isso, de como era delicioso o sentimento de medo
de sermos pegos, porque tornava tudo mais excitante.
Victor não me toca como antes, os beijos que me dá são leves,
mas isso não me deixa insegura de nenhuma maneira, porque sei que não é
por falta de vontade, mas por respeito, por acreditar que não estou no clima
para sexo. Ele está certo. No momento, só preciso do seu carinho.
— Ele vem com a gente? — Aponta para o meu gatinho.
— É claro que sim. É o meu bebê. Ele não saiu de perto de mim
em nenhum momento desde o dia em que cheguei aqui. Acredito que só não
pirei porque tinha ele para me ouvir.
— É por isso que eu adoro esse garotinho — assevera ao se
agachar e brincar com o bichano. Pretinho se joga de costas no chão e
ronrona com os carinhos do galã.
ALGUMAS HORAS DEPOIS
Eu não sei quem está mais emocionada: eu, mamãe, ou o seu
Gonçalo. Foram apenas dois meses de separação, mas para a gente parece
que foi um ano.
Do meu lado, enquanto nós três nos abraçamos, Victor permanece
em silêncio e tenso. Ele sabe que os meus pais demoraram a aceitar o nosso
amor, e que a confiança que depositam nele ainda é frágil. O fato de eu estar
muito mais magra e abatida não ajuda em nada a situação que eu mesma
criei.
Agora vai começar a minha missão de não deixar que a relação de
respeito e confiança que estavam construindo se deteriore. Eu vou me
recuperar, voltar a ser o que era antes e todos vamos ficar bem, sem culpas,
sem julgamentos. A vida é feita de escolhas, eu fiz a única que parecia correta
naquele momento e não me arrependo.
Mesmo com a dor que causei ao Victor e a mim mesma, tentei
fazer o que era certo naquele momento.
— Seu Gonçalo e dona Lucy, a gente tem muito tempo para
conversar e matar a saudade, mas agora eu preciso de alguns minutos para me
despedir do meu noivo — peço sutilmente para que nos deixem a sós.
— Tudo bem, meu rapaz? — Meu pai se dirige a Victor pela
primeira vez. Até o momento, o galã era o homem invisível.
— Tudo ótimo. É um prazer rever os senhores. — Seu Gonçalo
balança a cabeça, depois entra sem dizer nada.
Sinto o respiro de alívio do noivo quando ficamos a sós.
— Está tudo bem, eles só precisam de um tempo. Tenho certeza
de que ainda gostam de você, e eu os farei enxergar que está tudo certo. Que
a gente pretende se casar — digo, ele sorri. — Se você ainda me quiser como
esposa, é claro.
— Não há nada que eu queira mais, menina — ele afirma, então
me abraça apertado, beijando com carinho o meu pescoço diversas vezes.
— Em breve, quero fazer isso. Quero ser a sua mulher. A senhora
Salvatore. Percebe como o nome soa bem?
— Combina com você, Nicole Salvatore — afirma. — Amor, vai
ficar bem? — indaga. O homem não parece confiante, vejo nos seus olhos a
falta de vontade de ficar longe de mim.
— Eu vou, morrerei de saudade, mas vou ficar bem.
— Vai atender as minhas ligações e milhões de mensagens? —
Está assim por causa do estado em que me encontrou, e não posso julgá-lo
por isso. Basta que tente superar. Um dia após o outro.
— Prometo — falo, então fico na ponta dos pés e beijo de leve os
seus lábios. — Obrigada por existir.
— Obrigada por me amar — sussurra no meu ouvido, fico
esperando enquanto ele vai até o carro e pega a cesta com o meu gatinho.
Era óbvio que eu não deixaria o meu companheiro para trás.

Os meus olhos ficam marejados quando entro no meu quarto. Ele


traz a ideia de conforto, a minha cama faz com que me sinta segura, porque
sei que, atrás da porta desse cômodo, existem pessoas que me amam acima de
tudo e que nunca me deixariam cair.
Nostálgica, sento-me e passo a mão pela coberta floral.
— Filha? — A minha mãe entra e se senta do meu lado. — O seu
pai está quieto, mas tente entender. Gonçalo ainda não se perdoou por não
termos agido da maneira correta em relação a síndrome, mas vai superar. Ele
te ama muito mais do que deixa transparecer e está feliz por você está de
volta.
— Eu sei, mamãe — afirmo.
Quando escolhi não vir para casa, julguei que estava poupando os
dois de mim e dos meus problemas, mas foi uma escolha equivocada em um
momento de fragilidade. Eles me amam e iriam querer que eu estivesse por
perto. Não colocariam a igreja, ou a opinião de seus membros acima de mim.
Mesmo agora, apenas um pouco mais viva do que estava antes de
o Victor me buscar, tenho certa noção de cada um dos meus equívocos. Do
sofrimento que causei, mesmo que tenha sido por amor.
— Você mandava mensagens, mas a gente não acreditava quando
dizia que estava bem. Nós somos os seus pais e te conhecemos melhor do que
ninguém. Foi difícil ler e ouvir pessoas que não te conhecem falando de você.
E o Victor...
— Eu o deixei, mamãe. O meu noivo não fez nada que não fosse
cuidar de mim. Ele abriria mão de tudo para ficar comigo, mas eu não
permitiria que isso acontecesse. Fugi e tirei das mãos dele a oportunidade de
escolher como contornar aquela situação.
— Já aceitei que vou perder a minha menina — ela comenta,
secando as lágrimas. — Olhe só como o defende com unhas e dentes.
— Não vai me perder, mas vou me casar em breve. Quando
deixar de dormir o dia todo, vou me casar — afirmo, então deito a minha
cabeça no seu colo.
— Você vai ser muito feliz, tenho certeza disso, minha filha.

VICTOR
DIAS DEPOIS
Parece que estou vivendo a mesma situação de meses atrás. Tudo
igual, e ao mesmo tempo diferente.
Quando voltei na semana passada, fui recebido com abraços, mas
também com advertências. Eu expliquei o que aconteceu em São Paulo, os
meus pais entenderam, mas sei que, no fundo, acreditam que nunca deveria
ter levado Nicole comigo.
Não tenho estado com a minha mulher como gostaria, mas os
meus sogros não têm barrado a minha entrada na casa deles. A pretinha está
melhorando aos poucos, mas a sua apatia ainda é notável para quem a
conhece bem o suficiente.
Quando estamos juntos, ela deixa que a toque, que abrace, mas
não abre a boca para falar quando não é perguntada. Às vezes, quando
estamos juntos, apenas vira as costas e dorme por horas seguidas.
A freirinha recomeçou o tratamento, mas a minha mãe esclareceu
que é preciso ter paciência, porque o processo será lento e gradativo.
Quando o carro dos Montes entra na garagem para o tradicional
almoço de domingo, eu me afasto da janela e desço para a sala. Cumprimento
os meus sogros, que já voltaram às boas comigo, e sigo direto para o jardim,
para o lugar preferido da minha noiva aqui em casa, além do meu quarto, é
claro.
Como uma das primeiras vezes que a vi, Nicole está sentada com
a perna cruzada e o caderno de desenho apoiado no joelho. Ela nem levanta a
cabeça para mim, pois sabe que sou eu. A minha mulher sabia que viria lhe
fazer companhia. Sempre venho.
Em silêncio, e sem deixar de desenhar, ela deita a cabeça no meu
peito quando abraço o seu ombro. Nicole está há dias focada no seu vestido
de noiva, porque o nosso casamento já é uma realidade, mesmo que não
tenhamos falado a respeito depois que voltamos para casa.
— Você vai ser a noiva mais linda que esse mundo já viu —
afirmo.
— Tomara, porque esse modelo está dando muito trabalho.
A gente fica mais trinta minutos no jardim, depois subimos para o
quarto. O dia está quente e a garota adora o ar-condicionado. Quando a minha
freirinha deita a cabeça no meu peito, dessa vez na cama, pego alguns
documentos com propostas de campanhas publicitárias a serem estreladas por
mim e começo a estudá-los.
A nossa rotina tem sido essa. Nicole e eu não estamos fazendo
amor, nós mal nos beijamos. Isso não é um problema, porque estamos juntos
e quando ela quiser, e estiver preparada, a gente vai voltar a ser o que era
antes.
— Quando o almoço estiver pronto você me acorda? — sussurra,
quase dormindo.
— Isso se o seu pai não invadir o quarto — brinco.
Ele age quase igual a época em que começamos a namorar. Está
sempre atento, mas não é por causa da sua virtude, que já corrompi há muito
tempo. O pastor não confia em mim, mesmo que a filha diga o contrário,
acredita que não cuidei dela como deveria, que está com depressão
novamente por culpa minha.
O senhor não diz nada disso em voz alta, mas percebo no seu
olhar que vou ter que cortar um dobrado para ter o seu respeito. Não deveria
ser um problema para mim, considerando que Nicole escolheu ficar comigo,
mas eu admiro o homem que o pastor é, e quero que ele me veja como
alguém digno do seu bem mais precioso.
— Papai sabe que a gente transa. Ou transava... — fala, para por
uns segundos e continua. — Sente falta?
— Todos os dias, e em todos os minutos. Não de fazer sexo, mas
de fazer com você.
— Se quiser... — A menina está quase dormindo enquanto faz
uma proposta indecente.
— Só quando você quiser, pretinha. Por enquanto, me contento
com o fato de estar aqui comigo.
— Que bom, te amo...
— Dorme, meu anjo. — Largo os papéis de lado, me aconchego
no seu corpo e acabo cochilando também.
Capítulo 51

VICTOR
DOIS MESES DEPOIS
Depois do misterioso desaparecimento da noiva na época das
gravações do filme, parece que está tudo bem com o casal. Victor foi
visto em um clima quente de romance com Nicole na tarde desta terça-
feira (25). Depois de algumas especulações, a assessoria de imprensa do
ator afirmou que o casal está em sua melhor fase e que vem um
casamento por aí.
Essa colunista que vos fala espera ser convidada para o
casamento, que promete ser o evento do ano.
Entretenimento&Cia
— Você pode ficar aqui. A mamãe ainda não chegou, então pare
de miar, garoto.
O “garoto” é o nosso gato, que tem o hábito de seguir nós dois
para onde quer que a gente vá. Estamos tendo uma guarda compartilhada
enquanto não nos casamos, mas ele fica mais tempo na casa dos Montes,
porque, segundo a espertinha, o conheceu primeiro e ele gosta mais dela.
Após dois meses da nossa volta para casa, parece que o que
passou foi um ano atrás. Dia após dia, Nicole foi melhorando e vencendo a
depressão. Como um aspecto da síndrome, um dia ela simplesmente acordou
se sentindo ótima, como se não tivesse passado mais de dois meses sem
muita vontade de sair da cama.
Ela, com as forças renovadas, nunca mais deixou de tomar os seus
comprimidos, e não deixei de ir a nenhuma das consultas e reuniões. Estou
sempre do seu lado, seja para apenas lembrar de tomar os comprimidos, seja
a acompanhando nas suas idas a terapia, psicólogos e psiquiatra.
Fico para explodir de tanto orgulho, pois mesmo tendo passado
por muita coisa, todo o sofrimento antes de ser diagnosticada, e a exposição
da mídia em São Paulo, ela é uma mulher forte. Não se coloca no lugar de
vítima e está sempre lutando pela própria felicidade. Nicole sabe que a sua
felicidade está diretamente relacionada a capacidade de controlar as próprias
emoções, de estar no controle de todos os aspectos de sua vida.
Fico mais apaixonado a cada dia que passo ao lado dela, e não
tem nada que queira mais no momento do que ver a sua cara de surpresa
quando vir o cômodo secreto da nossa casa.
Sim, a nossa casa, que comprei próxima as dos nossos pais. Como
nós nunca deixamos de falar de casamento, enquanto Nicole pensava no
vestido, eu procurava imóveis. Quando ela finalmente conseguiu chegar no
modelo que queria, eu também encontrei o lugar perfeito para ser o nosso lar,
onde começaremos a nossa família. Não falamos sobre filhos, mas sei que
teremos alguns. Não agora, porque queremos um tempo para nós, depois de
algumas turbulências.
A casa tem três quartos além do nosso. Um quintal bem grande na
parte de trás com piscina e churrasqueira. Outro quintal na frente com um
jardim bem cuidado. Ela mesma fez um esboço de como dividiria os espaços
da casa. Escolheu modelos e cores de cada imóvel da mobília. A mim coube
o trabalho de comprá-los e mandar montar.
Gostei que tenha sido dessa forma, porque me deu a oportunidade
que precisava para preparar uma surpresa para ela, que pensa que todos os
quartos vazios são para os hóspedes.
— Olha, garotão, acho que a pretinha chegou. — Do jardim, vejo
quando o meu irmão sai do carro e abre a porta para Nicole, que tem uma
venda nos olhos.
Ele está aqui na cidade há algumas semanas. Tinha esperança de
ver a Ellen que eu sei, mas morre negando. Uma pena, porque a loira
pergunta por ele sempre que liga de Milão. Ela está lá a trabalho, mas vai
voltar para o casamento.
— A sua noiva está entregue — Alessandro diz quando a deixa na
minha frente. Pedi que Nicole viesse com ele, a garota fez algumas perguntas,
mas embarcou no plano. — Adeus, pombinhos. Vê se não assustam o pobre
do gato. — Aponta para o felino, que já está passando o rabo nas canelas da
pretinha.
— Eu não faria isso. — Nicole brinca. — Posso tirar a venda,
Victor? É a minha casa, e eu estou ansiosa — pergunta, faço sinal para o meu
irmão e ele nos deixa.
— Calma, amor — sussurro e mordo a sua orelha.
Como estou com saudades de fazer amor com ela!
Já tem uns dias que estamos ousando mais, mas ainda não fizemos
sexo. Mais de três meses na seca, e estou na expectativa que ela esteja
subindo pelas paredes como eu.
Ao posicioná-la no centro da nossa sala, tiro a venda e me delicio
com as emoções estampadas no seu rosto quando vê o quanto é genial. Ela
colocou no papel e planejou cada cantinho da nossa casa. O meu único
trabalho foi colocar em prática. Pedi paciência, que esperasse até que
estivesse tudo pronto, e ela teve.
— Está perfeito, amor — diz, rindo, mas os olhos escuros estão
alagados. Lágrimas de felicidade. — Ficou a nossa cara, e a gente vai ser
muito feliz aqui.
Nicole tem razão em tudo, o nosso lar ficou a nossa cara, tanto
que se preocupou em fazer um espaço na sala para expor os prêmios que
ganhei até aqui.
— Tem um cômodo muito especial, que você não pensou em
desenhar, mas eu fiz questão de construir para você.
— Amor...
— Venha comigo, querida. — Seguro a sua mão e a levo comigo
para o espaço ao lado do nosso quarto.
Diferente do resto da casa toda branca, as paredes para onde a
minha mulher olha são pintadas com as cores marrom e preto.
Por alguma razão, a Nicole pensou em tudo, menos em um lugar
só dela, um espaço onde possa colocar para fora todo o seu talento, porque é
foda pra caralho, e eu vou lembrá-la disso todos os dias para que nunca se
esqueça.
As paredes contêm obras que ela pintou, e foi com a ajuda da
minha sogra que fiz a seleção das melhores. O lugar de destaque ficou para o
quadro que tem a sua imagem de costas, um dos melhores presentes que já
ganhei. Uma das paredes é toda espelhada, porque quero que ela se veja e se
perceba.
No canto direito, pedi que colocassem um piano, porque sei que
gosta de tocar e cantar, coisas que faz muito bem. Na parede que fica ao lado
do grande espelho, foi instalado um armário todo de madeira, cujas portas são
de vidro. Fiz uma pesquisa e comprei todo o material de que precisa para
criar. Bem próximo da janela, instruí que colocassem três grandes cavaletes.
A forma como olha para tudo é a minha maior recompensa,
porque era isso que esperava dela.
— Não acredito que você fez isso para mim, Victor — diz,
embasbacada e visivelmente feliz.
— Você ainda não entendeu que sou capaz de fazer qualquer
coisa por você, não é? — falo, e a puxo para junto de mim.
Com as suas costas coladas no meu peito, afasto os seus cabelos
para o outro lado e beijo o pescoço delgado. Ah! O cheiro de morangos.
— Ainda não... Porque é bom demais para ser verdade... — diz, já
desconcertada pelo toque de carinho. A freira começa a insinuar o corpo
contra o meu.
Aparentemente, está a fim, e eu só queria ir até o quintal soltar
foguetes. A possibilidade de ficar com ela novamente me deixa exultante de
alegria, porque a saudade de cada toque, do seu corpo em cima, ou embaixo
do meu, do som de seus gemidos, tem me consumido.
— Eu seria cafajeste demais se pedisse que você me agradecesse?
— indago. Não custa nada tentar, não é?
— Obrigada, amor. Você é o melhor em fazer surpresas. Esse já é
o meu lugar preferido da nossa casa.
— Não diga isso, ainda não viu o nosso quarto, querida, e é lá que
passará a maior parte do seu tempo.
— Eu vou? — provoca. Amo quando faz isso, me deixa louco.
— Vai. Mais especificamente, na cama. Além do mais, depois de
todo o esforço que fiz para agradar a minha noivinha, acho que mereço mais
do que um simples obrigado.
— Você acha? — A garota rebola a bunda contra a minha ereção,
e acabam todas as dúvidas de que a nossa seca está chegando ao fim. — Fale
para mim, o que você tem em mente, meu amor? — Outra rebolada
Porra! Eu nunca vi uma freira tão safada como essa. A conheci na
época que chamava boceta de vagina.
— Você está sentada, toda aberta e molhada para mim, em cima
daquele piano ali. Eu na sua frente, primeiro te chupando, depois te comendo
até matar a minha fome, porque estou morrendo de saudade.
Quando me calo, ela se vira de frente e joga a picadinha safada,
que aprendeu comigo depois de muito treinar. É o nosso sinal que diz: quero
trepar. Então a freirinha envolve os braços no meu pescoço, e as pernas nos
meus quadris.
Como disse que faria, a levo para o piano e a coloco sentada em
cima dele. Como está usando saia, fica muito mais fácil de separar as suas
pernas e tocar na sua calcinha, que já estava levemente úmida. Depois de
tanto tempo, está louca para me dar a boceta.
A fome e a saudade que estamos sentindo transparece no nosso
olhar, e não há espaço para os vários minutos de preliminares de sempre.
Tentando tirar o olhar dos seus olhos, da sua boca carnuda, e muito beijável,
do seu decote e pernas macias, dou alguns passos para trás, porque não quero
perder nenhum detalhe da minha mulher tirando a roupa. Não sei o que a
abstinência fez com ela, mas estou amando a sua ousadia de jogar as peças de
roupas em mim. Eu cheiro cada uma delas.
Quando estamos pelados, me aproximo e me coloco entre as suas
pernas. Seguro com firmeza a parte de trás dos seus cabelos e a beijo de uma
forma que há tempos não beijava. Sugo a sua língua para a minha boca,
mordisco os lábios, e a garota, entre um gemido e outro, me imita.
Ela é capaz de me deixar duro só com beijos como esse. Fico a
ponto de gozar de satisfação quando lembro que fui eu quem a ensinou tudo o
que sabe, inclusive, a beijar tão bem assim.
Depois de um tempo, passo pelo seu pescoço, depois brinco com
os peitos, cujos mamilos durinhos deixam a minha boca cheia d’água. Os
beijos, mordidas e chupadas seguem o caminho pela barriga até chegar no
meu paraíso particular.
— Assim... me chupe, Victor! — Nicole geme entre súplicas
quando dou uma longa lambida na sua boceta.
Em agonia de desejo, a garota se deita no piano e aperta a minha
cabeça com as pernas.
— Faça-me gozar, amor. Preciso gozar, agora!
— Ainda não, garota safada. Você vai gozar no meu pau — falo.
Depois de uma última e longa chupada, seguro os seus braços e a coloco
novamente sentada na beirada do piano.
Enquanto a beijo, passo a ponta do meu pau na sua entrada. Indo e
vindo, só para provocá-la. Pegando fogo, Nicole aperta os calcanhares na
minha bunda, tenta forçar a penetração, mas não faço o que quer.
Mordiscando o seu lábio, aviso: — Não tenho camisinha aqui.
— Não tem problema... — a gata sussurra, não sei se ela está
querendo dizer que está tomando anticoncepcional, ou se não se importa com
o risco de uma gravidez.
Eu também não penso e a penetro, centímetro a centímetro, me
deliciando com o seu calor apertado e com o prazer que transparece no seu
rosto.
— Como senti saudade, amor. Eu não aguentava mais olhar para
você e...
— Eu também não. Por favor, faça com força. Não preciso de
delicadeza... — As suas palavras também são gemidos, então deixo de me
policiar e me entrego ao que nós dois queremos.
Assim como Nicole finca as unhas nas minhas costas, eu seguro
com firmeza os seus cabelos enrolados no meu punho e meto com força na
sua boceta. O seu corpo é içado para frente e para trás. Os seus gritinhos
aumentam ainda mais o meu tesão.
— Que boceta gostosa do caralho! Eu não vou sair de cima de
você hoje, Nicole Montes, não vou!
— Não quero que saia, nunca...
— Gostosa!
Saio de dentro dela, a coloco no chão e depois a viro de costas.
Curvo o seu corpo no instrumento e, com a visão da sua bunda perfeita, volto
a meter na sua boceta.
Nicole não faz nada além de implorar por mais e mais. Eu dou
tudo, cada gota quando gozo dentro dela, a enchendo com a minha porra.
Parece que o prazer é inesgotável, e fica mais intenso quando chega ao
orgasmo e seu corpo sofre espasmos nos meus braços.
Eu a viro de frente, a sento no instrumento e observo o seu rosto.
Amo suas expressões quando está pirando de prazer.
O fato de estar com os olhos fechados, a cabeça jogada para trás,
enquanto morde o lábio inferior, me faz querer recomeçar tudo outra vez.
— Puta que pariu!! — urro, voltando a penetrá-la, agora
lentamente.
— Boca suja. — O seu sorriso lânguido a deixa mais linda do que
já é.
— Uma vez freirinha, sempre freirinha — falo, também sorrindo
à toa, ainda intimamente ligado a ela.
— Uau, eu estava precisando disso — declara.
— Não quero nunca mais ficar tanto tempo sem estar dentro de
você — digo, e beijo diversas vezes os seus lábios.
— Você não vai.
— Promete? — pergunto.
— Prometo.
— Agora que já batizamos o seu estúdio, quero te levar para
conhecer o cômodo principal desta casa.
— Conhecer e batizar? — provoca.
— Amor, ainda hoje, nós vamos batizar todos os cômodos da
nossa casa — garanto, a minha noiva sorri.
Capítulo 52

VICTOR
CINCO MESES DEPOIS
Cinco meses, uma bebê a caminho e a noiva mais linda do
mundo vindo em minha direção. Eu não poderia pedir mais nada de bom para
a vida, porque já tenho tudo de que necessito para ser feliz.
O pastor Gonçalo, que também celebrará a nossa união, parece ter
superado as diferenças que tinha comigo. Ele não ficou nada satisfeito com a
forma como conduzimos a nossa relação desde o início, mas aceitou quando
entendeu que, apesar de tudo, a sua filha e eu fomos feitos para ficarmos
juntos.
Não o julgo, porque eu não ficaria satisfeito se fosse com a minha
filha. Será que serei igual ao senhor Gonçalo com a minha princesa?
Se a minha filha der tanto trabalho quanto a mãe deu, ficarei com
os cabelos brancos antes do tempo.
O caminho da minha freirinha até mim parece longo demais, as
minhas pernas estão trêmulas, o coração acelerado, e a mandíbula tensa, pois
não deixei de sorrir desde a hora que abri os meus olhos hoje pela manhã.
Foram cinco meses de ansiedade para finalmente ter a garota só
para mim, porque é claro que o pastor não permitiu que fôssemos morar
juntos antes do casamento, mesmo ela tendo engravidado. Nicole, sendo
Nicole, não quis contrariar o pai. As nossas escapadas aconteceram na nossa
casa, ao invés de quartos de hotéis.
Quando eles enfim se aproximam, seguro a mão da minha
pretinha e recebo o abraço com tapinha nas costas do senhor Gonçalo que,
em seguida, se posiciona no palco onde irá celebrar a cerimônia. Embora a
minha família seja católica, não vimos problema algum de o casamento ser
celebrado com o rito evangélico.
— Você está linda — sussurro no seu ouvido. Nicole, com os
olhos brilhando de alegria, sorri para mim.
O sermão do meu sogro parece durar uma eternidade, quando
tudo o que eu quero é colocar a aliança no dedo da Nicole e, finalmente,
saber que é oficialmente minha. Não que não tenha sido desde a primeira vez
que coloquei os meus olhos em cima dela depois de adulta, mas o título de
esposa deve ser o que me falta para entender de uma vez por todas que é real,
tão definitivo quanto a bebê que fizemos juntos, que nunca vai acabar.
Sob os olhares de trezentos convidados, incluindo as nossas
famílias, e a imprensa selecionada a dedo, Nicole e eu finalmente trocamos as
alianças que nos tornam marido e mulher. Na hora de falar os meus votos,
tenho que respirar fundo e organizar as palavras na minha mente. Tenho tanto
para falar que poderia facilmente ficar aqui durante horas.
— Eu poderia resumir tudo o que sinto com a frase “eu te amo''.
São as três palavras em que penso todos os dias quando acordo e quando me
deito. Mas preciso dizer para todas as pessoas que estão aqui sobre quem é
você, minha freirinha. Você é linda por dentro e por fora. É forte quando tem
que ser, mas também se deixa ser cuidada em alguns momentos.
“Mesmo quando a vida foi cruel, não se colocou no lugar de
vítima, pelo contrário, a enfrentou de peito aberto. Eu me apaixonei pela sua
força, pelo seu caráter e, sobretudo, pela sua fé. Através dos seus olhos vi que
a vida era muito mais do que prestígio e dinheiro, que nada vale mais do que
ver o seu sorriso e saber que sou um dos responsáveis por ele. Eu amo tudo
sobre você, sempre vou amar.”
Com a voz embargada, beijo o dedo em que acabei de colocar a
aliança.

NICOLE
— Lembro da primeira vez, aos quinze anos, que te enxerguei
como homem. Era uma admiração inocente, onde eu era capaz de
compreender que a gente não iria ficar junto, afinal, você era Victor
Salvatore, e eu a filha adolescente do pastor da cidade. Não via como a gente
um dia poderia ficar junto, mas só o fato de ter uma paixão platônica por
você fazia com que eu me sentisse bem. O amor, que minha na cabeça era
impossível, me fazia sorrir, mesmo quando estava triste.
“Quando a gente ficou junto, demorei para acreditar que fosse
real, porque eu não poderia ter tanta sorte assim. Mas tive, e você não trouxe
apenas o amor e a paixão entre um homem e uma mulher, trouxe a
compressão, me fez olhar para dentro de mim mesma e entender questões
que, aos poucos, estavam me consumindo, porque eu simplesmente não
conseguia entender. O amor que você me dá é a minha força. A forma como
me olha, como me toca e como cuida de mim, é o meu maior combustível. Se
eu te fiz enxergar o mundo de outra forma, você me fez conhecer o mundo e
a mim mesma. Eu te amo, Victor.”
Sob o som de assobios e fortes aplausos, termino a minha
declaração. Beijo a aliança que coloquei no seu dedo, depois deixo que me
beije na boca. Saímos da igreja com chuvas de arroz em cima de nossas
cabeças.
No carro, enquanto caminhamos para o salão onde será a
recepção, o homem me olha como se nunca tivesse me visto antes. Eu sei que
estou linda com o meu vestido de noiva todo trabalhado em rendas e cristais.
O decote é discreto, senão os meus peitos iriam tirar atenção do noivo safado
durante a cerimônia, mas a barriga não é.
Mesmo eu fazendo o tipo magrinha, a minha barriga está bem
grande para os meus cinco meses de gestação. A nossa filha foi concebida no
dia do piano, quando ele disse que não tinha preservativo e eu disse que
estava tudo certo.
E estava mesmo. As quatro transas resultaram na nossa filha.
Apesar da situação, eu mais uma vez colocando a carroça na frente dos bois,
a notícia foi recebida com muita alegria pelas nossas famílias.
— Promete para mim que não vamos demorar muito? — ele pede.
Victor faz carinho na minha barriga, um hábito que adquiriu sem perceber, e
todas as noites ele dorme fazendo a mesma coisa onde a filha cresce.
— E por que eu iria querer sair mais cedo da minha própria festa
de casamento, depois de cinco meses planejando cada detalhe? — falo só
para provocá-lo, pois embora tenha mesmo cuidado de cada pequeno detalhe
com mamãe e minha sogra, estou um pouco cansada.
A filha do Victor é uma espoleta.
— Pela bebê? Sei que está cansada... — diz.
— Não está interessado na noite de núpcias? — pergunto.
— E você, está? — ele devolve.
— Talvez eu esteja — digo. A verdade é que estou muito
interessada na noite de núpcias. A gravidez tem me deixado mais safada do
que sou normalmente.
Bastar Victor chegar perto de mim que pulo em cima dele. Nunca
o ouvi reclamar.
— Então, estamos combinados. Vamos deixar a festa o quanto
antes — fala e me beija.
Toda vez que o loiro enfia a mão nos meus cabelos, dou um tapa,
porque não quero chegar na festa descabelada e com cara de quem estava
fazendo safadezas.
Duas horas depois...
— Ainda na luta? — pergunto para a Ellen quando paramos para
fazer um brinde com minha bebida sem álcool. — Eu bem o vi te olhando de
longe — comento.
Cem anos se passaram, mas Alessandro e Ellen ainda estão no
mesmo impasse. Não se assumem, mas não deixam que o outro siga em
frente. Sempre que se cruzam, faíscas voam por todos os lados. Victor
acredita que eles se pegam de vez em quando, mas ambos negam.
— A bola está com ele, cansei do seu cunhado! — A loira afirma,
faz mais um brinde e se afasta dançando, antes que eu dê a minha opinião.
Ela é muito doida mesmo.
Do outro lado, o meu marido conversa com o irmão e, pela cara
dele, estão falando da Ellen. Victor tem um pé atrás com essa relação, porque
o irmão tem seus traumas e não quer que ele, ou a melhor amiga sofram.
O lugar está lotado, mas para mim é como se existisse apenas
Victor Salvatore. Não consigo tirar os meus olhos de cima dele. O dever de
tirar fotos e cumprimentar pessoas está nos mantendo afastados em alguns
momentos, mas estamos sempre nos buscando com olhares, sempre
conscientes de onde o outro está.
Mas também gosto dos momentos em que ele se distrai, pois
posso admirar a beleza e o homem maravilhoso que ele é.
É engraçado como as coisas mudam. Eu, assim como todo o
mundo, pensei que Victor nunca fosse ser um bom material para
relacionamentos, mas ele, desde o nosso primeiro beijo, tem sido perfeito
para mim. Sempre tão presente, amoroso e atencioso que, às vezes, me
pergunto se realmente mereço tudo isso.
Nos últimos cinco meses não foi diferente. A gente descobriu a
gravidez e o meu marido não só não se assustou, como também me passou
toda a sua força. No começo, senti um pouco de medo por causa do
transtorno e todos os remédios que tomo, mas fui conscientizada e
direcionada por profissionais sobre a melhor forma de manter o tratamento
com as drogas, de uma forma que não seja prejudicial ao bebê.
É claro que não tem sido um mar de rosas. Houve dias em que
tive algumas crises, umas leves e outras mais delicadas, potencializadas por
causa da gestação, mas nada tão sério quanto um surto psicótico, ou
depressão. Luto todos os dias para que não volte a acontecer. Tenho pais
maravilhosos e um marido que me ama, então tenho todos os motivos do
mundo para me manter no controle de minhas emoções.
Sentindo como sou amada e apoiada por quem me cerca, a luta do
dia a dia se torna mais fácil.
— Um real pelos seus pensamentos.
— Quer me matar de susto?! — Giro nos braços do loiro, que
acaba de me agarrar por trás.
— De susto, não, só de prazer — sussurra, e morde a ponta da
minha orelha.
— Que morte horrível!
— Deixe de me provocar e vamos embora, amor. Já está na hora
— ele avisa.
— Pensei que nunca fosse me chamar — digo, o meu suspiro
profundo é de alívio.
Para não corrermos o risco de sermos pegos, Victor e eu saímos
de fininho, cada um para um lado. Começamos a nos agarrar no carro
mesmo, enquanto o pobre do motorista tem que fingir que não está vendo
nada.

— Pare com isso, estou muito pesada! — digo, balançando as


pernas quando meu marido passa comigo nos braços pela sala.
— Assim você me ofende, pretinha. Acho que ainda consigo
carregar a minha mulher grávida para a cama.
Quando estamos quase na porta, o pretinho vem miando atrás da
gente. O pobrezinho é meio carente, então sempre deixamos que entre em
nosso quarto, mas dessa vez é diferente.
— Ei, você fica do lado de fora. — Victor o pega e coloca mais
longe da porta. — Papai e mamãe terão uma conversa de adultos e você é
criança, não pode ouvir. — Como se entendesse, o gatinho balança o rabo e
volta para a sala.
Acho fofo como um homem do tamanho dele pode tratar um
felino com tanto amor. Victor age como se o pretinho fosse gente. Até roupa
ele tem.
— Enfim, sós — fala, então me coloca sentada na ponta da cama.
— Cansada?
— Não o suficiente para me deitar e dormir. — Dou a deixa, ele
entende que essa noite de núpcias está só começando.
Victor se ajoelha na minha frente, tira os meus sapatos e aproveita
para alisar as minhas pernas, cobertas pelas meias brancas que estão presas a
uma cinta liga.
— Que bom, porque eu também não estou com sono — fala,
jogando a piscada sacana que me enlouquece.
Depois de uma conversa breve sobre o sucesso que foi tanto a
cerimônia quanto a recepção, meu marido se senta atrás de mim e começa a
abrir botão a botão do meu vestido. Quando ele cai pelos meus ombros,
levanto-me.
Fiz uma surpresa, agora quero que Victor me veja da cabeça aos
pés. Quem disse que não posso ser sexy estando grávida de cinco meses?
Me delicio com o olhar faminto do meu marido quando o vestido
cai embolado nos meus pés. A minha lingerie de renda branca foi escolhida a
dedo para esta noite. Ela passa um ar de inocência pela cor, mas foi criada
para seduzir, considerando a calcinha pequena e transparente. O sutiã deixa
os meus seios, que estão maiores por causa da gravidez, bem empinados.
— Nicole do céu! Isso tudo é para mim?
— Se você quiser, sou toda tua...
Quando Victor tenta se levantar, o empurro deitado de costas na
cama, e subo em cima dele. Meu marido fica surpreso, mas adora a minha
atitude. Tiro cada peça de roupa sua, e levo alguns minutos apreciando a sua
beleza. O homem é perfeito da cabeça aos pés.
— Acho que é a minha vez, senhora Salvatore — ele inverte as
nossas posições, aprecia a minha lingerie por alguns segundos antes de
arrancá-la do meu corpo. — Gostosa.
— Grávida — rebato.
— Grávida e gostosa — afirma quando começa a estimular os
meus seios, mais sensíveis por causa da gravidez, e a esfregar o seu sexo no
meu, que já está pronto para recebê-lo. — Minha esposa. Nem acredito que
finalmente estamos casados.
— Pois pode acreditar, você vai ter que me aturar para sempre —
aviso quando enrolo as pernas no seu quadril.
— O prazer será todo seu, meu amor — ouço bem pertinho do
meu ouvido.
É realmente um prazer quando Victor me penetra sem parar
durante a madrugada. Quando me toca em todos os lugares, quando me dá
prazer com a boca e deixa que eu faça o mesmo por ele. É um prazer acordar
depois de alguns minutos de descanso para mais uma rodada.
— Eu amo você... — sussurro quase pela manhã, prestes a
adormecer.
— Você é a minha vida, Nicole Salvatore — ainda ouço o loiro
falar.
Ouvir que sou a vida de alguém não me causa medo. Assim como
não me amedronta saber que a recíproca é verdadeira, afinal, viver é se
entregar. Foi isso que Victor e eu fizemos desde o começo.
Epílogo

NICOLE
DOIS ANOS DEPOIS
— Não é fácil não ter controle sobre o que deveria ser tão natural
quanto respirar. Acredito que a síndrome sempre esteve comigo, mas eu não
a entendia, ou percebia. Não culpo os meus pais por não terem conseguido
me ajudar. Como poderiam, se eu mesma fechava os olhos quando sentia que
tinha algo muito errado comigo? Os meus pais me ensinaram, assim com os
deles devem ter ensinado a eles, que a fé e a paz de espírito são a base de
tudo. Se eu não tinha fé e nem paz de espírito, o meu problema só poderia ser
algo espiritual. Mas a gente estava errado, assim como muitos de vocês já
devem ter se equivocado por ignorância.
“Não existem culpados para algo assim. Apontar vilões é um erro
maior do que ignorar que a bipolaridade existe. Eu fui de um extremo a outro,
e sei como é difícil depois que passa, a gente olha para os lados e vê que está
tudo fora do lugar. Vi o meu casamento tendo momentos de desgaste cedo
demais, mesmo que o meu marido e eu nos amemos muito, e me senti
impotente por não ter podido evitar os momentos que gritei e o mandei ir
embora. Isso tudo é para dizer que não existe cura, mas que é possível levar
uma vida normal com o tratamento adequado. As oscilações, mesmo que
leves, não desaparecem por completo, a vida não é um mar de rosas, mas sou
muito feliz fazendo o necessário para me manter no controle de minha mente
e emoções.”
— Mas o que é a vida se não uma constante batalha? Uns, assim
como eu e a maioria de vocês, enfrentam um transtorno psicológico, outros a
fome, a falta de emprego e tantos outros problemas. O que nos diferencia não
é o problema, ou o tamanho dele, mas a forma como vamos lidar. Enfrentar
ou se acovardar. Eu escolhi lutar uma batalha constante, e não me arrependo,
porque o fato de ser bipolar não me define, e a recompensa é maior quando
vejo o amor e o orgulho nos rostos daqueles que me amam.
O meu discurso é ovacionado com palmas e assobios no
congresso realizado para falar abertamente sobre o tema. Eu fico feliz de
saber que a minha fala pode influenciar para o bem, mas nada é mais
gratificante do que olhar para a plateia e ver os meus pais, os meus sogros,
meu cunhado e a esposa orgulhosos de mim.
— Você estava perfeita no palco, meu amor — Victor diz quando
me aproximo e pego a nossa menina de um ano e seis meses do seu braço.
Eva é uma criança muito esperta, mas esquece todos os dias que
fui eu quem a carregou na barriga durante nove meses. Adora o pai, e não
quer saber de mais ninguém quando ele está por perto.
— Eu sei. — Dou de ombros.
— Quanta modéstia, senhora Salvatore.
— Combina com a sua — rebato.
— Você gosta de me provocar, não é? Espero que tenha toda essa
coragem quando eu te pegar na cama mais tarde. — Essa parte, o meu marido
fala no meu ouvido para que ninguém ouça.
— Vocês dois, dá para parar? A tensão sexual não é apropriada
para o momento. — Ellen brinca.

Na mansão dos Salvatore, o típico almoço de domingo está


acontecendo em um sábado, porque aproveitamos todas as oportunidades
para nos reunirmos. No jardim, a minha Eva é o centro da atenção de todos,
Victor conversa com o irmão e a nossa melhor amiga e eu aproveito e fujo
para o meu lugar preferido nesta casa.
Foi neste cantinho que vivi uma das melhores experiências da
minha vida. Foi aqui que o Victor e eu decidimos nos dar uma chance, que o
nosso amor se tornou real.
Tanta coisa mudou. Lembro-me de quando ficava sozinha
desenhando esboços no meu caderno, agora estou na faculdade e planejando
as exposições das minhas obras com o meu marido, que tem sido o melhor
empresário que eu poderia ter. Ele não só acreditou que eu era boa, como fez
outras pessoas enxergarem.
Victor Salvatore continua sendo o meu apoio, o melhor marido
que poderia desejar. Mesmo que eu seja uma pessoa difícil de lidar em alguns
momentos, que a nossa relação passe por turbulências, ele nunca me deixa
esquecer o porquê de estarmos juntos.
Ele não me pressiona. Quando não quero ficar perto de ninguém,
ele respeita. Quando estou carente e quero o seu colo, me segura entre os seus
braços. Quando estou na minha melhor fase, dou o meu melhor para fazê-lo
feliz, para que nunca pense em ir embora.
Depois que a paixão se tornou mais calma, nós passamos a
entender melhor a nossa relação, vimos que ela nunca será a mais fácil, mas,
ainda assim, representa o que somos, o nosso amor e a forma como
aconteceu. Sabemos que só depende de nós. Por isso estamos sempre
cuidando do nosso amor.
— Eu sabia que te encontraria aqui. — Ele se aproxima e se senta
do meu lado.
— Estava pensando em como a minha vida mudou em tão pouco
tempo. Foi aqui que nós...
— Que eu disse com todas as letras que você era minha. Quando
falei, sabia que não poderia mais fugir, que não saberia como viver sem você.
Tentei e não deu certo.
— Valeu a pena, não foi? — pergunto, e deito a cabeça no seu
peitoral.

VICTOR
— Tudo valeu a pena, Nicole Salvatore. Cada luta, cada
desencontro e reencontro, se não fossem os percalços no caminho, talvez o
nosso amor tivesse sido apenas uma paixão passageira. Mas não foi assim, e
eu te amo hoje mais do que ontem, e hoje menos do que amanhã — declaro,
enquanto acaricio o seu braço.
— Poderia ter sido eu dizendo todas estas palavras para você —
ela afirma.
Depois de anos de relacionamento, vivendo cada dia a sua
batalha, Nicole e eu estamos tão apaixonados quanto estávamos no início do
nosso namoro. Não foi fácil nos adequarmos a vida um do outro, pois, como
ela mesma disse, por muito tempo andamos por caminhos diferentes.
Para mim foi um pouco menos difícil, porque ela sempre será a
filha do pastor, a que nunca abandona os seus princípios e continua
dedicando parte do seu tempo à igreja do pai, mostrando um lado seu que
sempre admirarei. A Nicole sofre mais, pois as nossas vidas estão expostas
para a mídia, na maioria das vezes sem a nossa autorização, e o problema que
tivemos anos atrás não deixou de existir.
Quando o filme que causou polêmica foi lançado, a bipolaridade
da minha mulher ainda era assunto para perguntas. Na festa de lançamento
nós estávamos tão traumatizados que não nos desgrudamos um segundo
sequer, e temos agido com cautela desde então. Para ficar comigo, Nicole
teve que abrir mão de algumas coisas, mas já está quase acostumada com a
vida de esposa de um ator conhecido nacionalmente.
Por querer ter mais tempo para elas, tirei um ano sabático. Nicole
e eu aproveitamos para viajarmos e cuidarmos da sua carreira de artista
plástica, e mesmo que a minha esposa tenha tido os seus momentos de crise e
fragilidade, nunca deixamos de ficar juntos, de aproveitar a nossa vida.
As férias chegaram ao fim há dois dias, mas o tempo que tivemos
juntos foi tão bom que eu decidi ser mais seletivo do que antes nas minhas
escolhas de trabalhos.
Não estou nem mesmo considerando propostas que me levem
para longe da minha mulher e filha, pois além de ter dinheiro suficiente para
vivermos bem pelo resto da vida, as minhas prioridades são outras hoje em
dia.
Se antes queria fama e prestígio, hoje quero estar ao lado da
minha mulher, vendo a minha filha todos os dias, contando histórias e a
colocando para dormir. Antes eu era apenas um nome, hoje sou marido e pai.
São esses os títulos que quero para mim.
Com os braços em volta da cintura da minha freirinha, enquanto
nós dois observamos a nossa Eva vindo em nossa direção com os seus
passinhos incertos, sinto que tudo que vivi durante trinta e três anos me
preparou para o dia em que reencontrei Nicole e me apaixonei. Para o dia que
olhei em seus olhos e minha vida mudou.
Houve dor, lágrimas e resistência em nossa história, mas não
mudaria nada do que vivi, afinal, é a história do nosso amor, que todos os
dias têm o seu começo e final feliz.
Feliz para nós dois, que escrevemos com nossas próprias mãos o
nosso ideal de felicidade.

FIM
Em breve
Alessandro Salvatore
A noiva do milionário
O lado mais quente de escuridão
Se você gostou de Victor Salvatore, deixe a sua avalição para
dizer o que achou, e faça a sua autora feliz.
Leia também
SINOPSE

Pode o amor causar dor?


Aos 19 anos, Ella leva uma vida simples e tranquila e o fato de
viver com tão pouco não é capaz de apagar o brilho no seu olhar, pois
acredita que o seu lugar é onde está o seu coração. Mas tudo muda depois da
chegada de Diego Estrada, filho do maior dono de terras da região, um
homem frio e misterioso que não faz questão de ser cordial com quem está à
sua volta. Sua chegada do transforma o mundo de Ella conhece e sua
inocência deixa de existir.
O seu toque causa mácula, a sua voz provoca medo e,
principalmente, a sua alma e o seu olhar lhe despertam arrepios.
Aos 30 anos, Diego pensa ter perdido tudo, até mesmo um pouco
da sua humanidade, e voltar para o lugar do qual partiu tantos anos atrás lhe
causa muito mais do que incômodo. Quando ele conhece a bela e inocente
Ella, a bondade e a ingenuidade da moça provinciana perturbam-no e trazem
à tona desejos que há muito tempo estavam adormecidos.
Pode o amor curar?
Medo e dor. Paixão e erotismo, esta não é uma simples história
de amor.
PRÓLOGO

— Chegou atrasada, mocinha — a senhora de 65 anos me


repreende na porta da igreja, a única paróquia existente em uma vila que só
não foi totalmente esquecida no mapa por ficar perto da maior fazenda da
região e que também é a maior fornecedora de rosas da cidade de Santa Rita.
A fazenda do senhor Luiz Estrada é próspera e nada é tão belo
quanto os roseirais que estão plantados em terras férteis e que parecem
infinitas. Por causa da fazenda, muitos aqui têm emprego e condições de
colocar comida na mesa.
— Por que, vovó? Está acontecendo alguma festa aí dentro? —
Da escada, tento espiar o interior da igreja, mas o sol forte do lado de fora me
dá a impressão de que está tudo escuro no interior da pequena paróquia.
— Um velório — fala, com espantosa naturalidade, e se eu não
estivesse me segurando no corrimão de madeira envelhecida, teria saído
rolando pelos cinco degraus que separam a porta da paróquia da calçada de
paralelepípedo.
Como pode a minha avó estar tão satisfeita em falar que os
moradores da cidade estão participando de um velório?
Eu sei que é uma vila pacata e que nada acontece nesse lugar,
mas, ainda assim, um velório não deveria causar esse tipo de sentimento. Se a
dona Ester está assim, sendo geralmente a mais sábia do lugar, não quero
imaginar como estará o resto dos moradores.
Será que eles pelo menos sabem quem é a pessoa que faleceu?
Aliás, como é um lugar pequeno, presumo que deva ser alguém de fora, já
que todos se conhecem e não se teve notícia de nenhum falecimento.
Deus! Que pensamentos mórbidos para se ter em plena manhã de
outono.
— Quem faleceu? — indago.
— Bem... — O fato da minha avó parar para pensar já responde o
que eu queria saber. Não, eles não fazem ideia de quem está ali, ou melhor,
podem até saber, mas não conhecem a história da pessoa, não têm intimidade
com a família do morto e não se importam em saber. Para todos, o mais
importante é ter um evento para comparecer, mesmo que seja um tipo
peculiar de evento.
— Onde está o vovô? — Mais uma vez tento espiar, pois, se tem
uma coisa que ainda não sei controlar, é a curiosidade. Não que algum dos
meus vizinhos saiba.
— Onde mais ele estaria, criança? — com as mãos na cintura, a
senhora ainda jovem para a sua idade me questiona.
— No campo? — É uma constatação óbvia, uma vez que o meu
avô é um dos melhores funcionários do campo do senhor Luiz.
Ele tem um amor tão grande pela terra, por cada muda plantada,
que realmente não é difícil encontrá-lo por lá. O meu avô, assim como
dezenas de outros homens, é responsável pelo belíssimo campo de rosas
brancas e vermelhas e girassóis.
Tanto a cidade de Santa Rita quanto a Vila das Flores são
conhecidas Brasil afora pelo cultivo e revenda das mais belas flores da
região. O negócio do fazendeiro Luiz Estrada movimenta a cidade e suas
flores estão em todos os lugares, seja enfeitando a igreja ou o restaurante ou à
venda na floricultura e na lojinha de presentes.
Desde pequena, o meu maior prazer é ficar na fazenda,
observando os campos, que parecem intermináveis. A natureza me fascina, as
flores me encantam e, principalmente, o perfume delas aquece a minha alma,
mantendo vivas a minha alegria e a esperança de que um dia sempre será
melhor que o outro. Isso faz com que eu acredite na magia do amor, da
bondade e na beleza dos sonhos.
Nos meus 17 anos, pouco vi e vivi da vida e mal conheço algo
fora da pequena vila, mas, ainda assim, acredito no amor e no lado bom de
todas as coisas, pois é impossível viver em um lugar como esse, sentir a
presença de uma força muito maior do que os nossos olhos podem ver e
simplesmente não acreditar.
— Sim, minha criança, no campo e, por favor, não vá até lá
atrapalhar os trabalhadores. Deixe para ir ao final do dia, quando não tiver
mais ninguém por lá — aconselha, sabendo e tendo entendido que nada pode
me afastar daquele campo. Desde muito pequena, ele é a paixão da minha
vida e, se pudesse, trabalharia com o meu avô, colhendo as flores que tanto
amo. Tenho um carinho por todas, mas as rosas brancas exercem um fascínio
incomum sobre mim.
Como só homens trabalham nos roseirais, junto o útil ao
agradável ao colher as rosas e os girassóis que, por alguma razão, não são
considerados bons o suficiente para a venda e, acompanhada da minha cesta
de palha, corto-os com a minha inseparável tesourinha e vendo-os na praça.
Às vezes, ofereço-os na porta dos estabelecimentos comerciais para aqueles
que não têm condições de comprá-los pelo valor normal.
Aqui na vila, assim como na cidade, as flores são valorizadas
como merecem, já que são o cartão de visitas da cidade e a principal fonte de
renda dos moradores.
— Estou entediada, vovó — reclamo, olhando para todos os
lados da praça e vendo-a vazia como não costuma ficar.
— Aos 17 anos, eu também era como você, ficava o tempo todo
procurando coisas para fazer — relembra, olhando para a movimentação na
porta da paróquia. As pessoas começam a sair e me pergunto como tanta
gente coube em um espaço tão pequeno.
Com figuras conhecidas e outras não tão notórias, vejo um
aglomerado se formar e me chama a atenção a presença do seu Luiz, todo
vestido de preto e, no rosto, óculos escuros. O homem sempre pareceu ser
uma figura inatingível, mas, ainda assim, é gentil e bondoso com todos da
vila.
— Por que o senhor Luiz está aqui? — indago, mas logo somos
interrompidas pelas amigas da minha avó, que se aproximam para contar a
última fofoca.
Aproveitando-me da situação, pego a minha cesta, que havia
colocado na calçada enquanto conversava com a minha avó, e, de fininho, me
afasto da praça. Vou até a minha casa, pego a bicicleta e, com um sorriso no
rosto, vou para o campo.
O perfume das flores me dá boas-vindas, a beleza delas enche os
meus olhos e o milagre de sua existência aquece o meu coração. Minhas
mãos acariciam as rosas, meu nariz se aproxima para sentir o aroma e,
quando a maciez das pétalas toca o meu rosto, chega o momento em que eu
me perco. Uma a uma, toca-as antes de separá-las e colocar na minha cesta.
O tempo passa sem que eu me dê conta e o dia começa a dar
lugar à noite. Olho para a cesta, vejo que já tenho rosas suficientes e estou me
preparando para deixar o campo quando ouço um barulho estranho.
Sem que eu saiba de onde vem e de quem se trata, ouço o choro
de alguém. Um homem, o choro sofrido pertence a um homem, disso não
tenho dúvidas. A escuridão que começa a cobrir o campo aberto torna difícil
a minha visão, mas tudo o que o meu coração quer é se aproximar e levar
embora a dor do homem que chora de uma maneira tão dolorida que é quase
como o rugido de um leão ferido.
Cegamente e sentindo que, logo hoje, a noite está caindo mais
rápido, caminho por entre os corredores de flores, olhando de um lado para o
outro e guiando-me pelo som do choro copioso. Ao longe, avisto uma
silhueta, uma sombra alta e, como eu pensava, pertence a um homem.
Pisando de leve na terra fofa para não o assustar, me vejo cada
vez mais perto dele. No meu interior, existe um misto de sentimentos e o que
predomina é a forte sensação de que preciso fazer isso, de que esse homem
precisa de alento. Ele não pode sofrer tanto em um cenário tão belo como
esse.
— Vá embora daqui. — A voz é baixa e rouca, como se ele não
tivesse o costume de falar com frequência. — Me deixe sozinho ou você irá
se arrepender.
Sua ameaça faz com que eu trema de medo, mas o receio não é
maior que o meu desejo de chegar perto dele para saber por que chora e sofre
tanto.
— Eu não vou — falo com firmeza e ele não diz mais nada.
Às suas costas, vendo apenas a sombra por causa da escuridão
quase completa, reparo nas suas roupas e, por elas, fica claro que ele não é
daqui. Trata-se de alguém em quem eu nunca pus os olhos e continuo sem
conhecer, já que ele não se vira para me olhar de frente.
Não que eu o esteja julgando por isso, é ele quem sofre aqui e sou
eu quem invade o seu espaço pessoal e não respeita o seu momento.
O homem leva as duas mãos ao rosto e, como se tivesse decidido
que não valia a pena pausar o seu momento de dor por causa uma intrusa,
volta a chorar com mais intensidade. Seu corpo todo treme e, como se uma
força me atraísse, chego mais perto, o mais perto que posso, e levo as minhas
mãos aos seus ombros.
Ele primeiro fica tenso, mas não faz nenhum movimento para me
repelir, apenas continua a chorar, o que começa a me angustiar por não
conseguir imaginar o que abalou um homem tão alto e forte como ele.
Passando de todos os limites, minhas mãos começam
vagarosamente a descer, passam por entre os seus braços e se fincam na
altura do seu peito. Minha palma pousa perto do seu coração e eu
estranhamente sinto um alívio por escutá-lo batendo contra a minha mão. O
leão ferido, mais uma vez, não faz nada para me afastar ou repelir a minha
ousadia. Quando minha cabeça se deita nas suas costas, meu corpo se encosta
no seu e minhas mãos sentem com mais intensidade as batidas do seu
coração. Da minha boca, sai a única frase possível para um momento como
esse:
— Eu sinto muito.
É com surpresa que sinto o seu primeiro movimento e o momento
em que ele leva as mãos até as minhas e entrelaça os nossos dedos. Ainda na
altura do seu peito, o homem aperta as minhas mãos pequenas demais entre
as suas, o que chega a machucar, já que no meu dedo anelar existe um anel
que eu sempre uso.
Ele aceita o meu conforto, mesmo sem saber quem eu sou e eu o
conforto, mesmo sem saber quem ele é. Chora mais contido e baixinho, sem
nunca soltar a minha mão e eu, como se estivesse absorvendo parte da sua
dor, também começo a chorar. Não consigo entender por que estou tão triste
por ele, mas sei que para algumas coisas não existe explicação.
O tempo passa e não há como quantificá-lo, nenhuma palavra é
dita e, no meio do roseiral e do perfume das flores, existe um homem e uma
garota, dois desconhecidos unidos por uma força maior, a força da dor e da
compaixão.
Quando eu já estava começando a acreditar que passaria a
eternidade sentindo as batidas do seu coração e ouvindo o som da sua
respiração, o leão ferido, sem nome e sem rosto, fala:
— Obrigado. — A voz me causa arrepios, um tipo diferente de
arrepio que nada tem a ver com o temor que a sua voz me causou da primeira
vez. Quando, lentamente, vai descendo as nossas mãos ainda unidas, ele
termina: — Adeus, garota das flores.
De maneira inesperada, ele se afasta e começa a andar com
passos mais largos do que eu sou capaz de reproduzir. Quando começo a
gritar para que não fuja, como um animal acuado, o desconhecido começa a
correr. Ele desaparece e meu estado de choque e solidão faz com que eu me
pergunte o que foi que acabou de acontecer.
Solto a respiração, que não sabia que estava presa, olho em volta
e, quando a brisa provoca um arrepio em mim, levanto a mão bem diante dos
meus olhos, notando os meus dedos vazios. O anel da minha família já não
está na minha mão esquerda.
Ele se foi, levou uma lembrança minha e não deixou nada em
troca, nada que me faça crer que tudo isso foi real, nada que tornasse a minha
história, no mínimo, aceitável, caso fosse contá-la aos meus avós para que
eles acreditassem que não foi somente uma fantasia ou um sonho romântico
inventado pela minha mente.
No meu íntimo, guardei com carinho o encontro inusitado e de
algum modo especial para mim. A noite em que, no meu lugar preferido, vi e
toquei em um homem sem rosto. Sem nunca esquecer, fantasiei que
significou mais do que realmente foi, apenas para mais tarde descobrir que
seria melhor se eu nunca o tivesse conhecido.
SINOPSE

O que acontece depois do “felizes para sempre”?


Herdeiro de um império milionário, Antônio Orsini é um homem
que vive de aparências. Frio e atormentado por fantasmas do passado, ele
espera pelo dia em que sentirá que pertence a algum lugar, onde sua vida não
será uma mentira completa. Tudo muda quando se envolve com Beatriz, uma
garota 20 anos mais jovem, inocente demais para um homem marcado como
ele.
A paixão que os une é intensa. A dependência física e emocional
que um desenvolve pelo outro pode ser mais perigosa do que eles imaginam.
Eles são felizes por quase 1 ano, até que um terrível acidente
muda o rumo das suas vidas.
Uma gravidez inesperada.
Um homem cujas memórias recentes são completamente
apagadas.
A descoberta de segredos que colocam em dúvida o amor que
parecia indestrutível.
Até que ponto vale a pena lutar por um amor perdido?
PRÓLOGO

Desde sempre, eu a via andando de um lado para o outro com os


seus cabelos escuros ao vento, agindo como se o mundo fosse dela e nada
importasse. No começo, eu só a olhava e achava engraçadinha, mas logo o
interesse se intensificou. Paro de vê-la como uma menina, para enxergá-la
como uma mulher de corpo perfeito.
Quando a oportunidade apareceu, fugi do Rio para o lugar onde a
realidade é bem diferente e era tudo do que eu estava precisando. Um pouco
de paz, longe do agito da cidade e do trabalho, que basicamente consistia em
limpar as merdas dos riquinhos inconsequentes.
Não esperava gostar tanto de Santa Rita e foi uma surpresa
perceber que tinham muitas coisas a se fazer em uma fazenda como a do meu
amigo, Diego Estrada. Um homem cheio de problemas, mas que tem
conseguido se reerguer desde que se apaixonou por uma garota que é o seu
total oposto. A linda e alegre Ella, era tudo do que ele precisava e eu não
poderia estar mais feliz pelo meu amigo. O homem merece um pouco de
alegria e eu já não sabia como fazê-lo enxergar que não tinha a culpa que
acreditava ter, por todas as merdas que aconteceram na sua vida.
Não vi como um problema o pedido para que ficasse de olho na
sua mulher pelo tempo que precisaria ficar fora, cuidando-se para enfim se
curar de tudo que o perturbava. Ficar em Santa Rita significava que poderia
ver a garota se eu quisesse. Ela havia se tornado uma obsessão para mim e
usá-la para saber coisas a respeito da Ella foi apenas uma desculpa que dei a
mim mesmo para conseguir chegar perto.
Nem por um segundo Beatriz foi enganada a respeito do que
pensava ser as minhas intenções para me aproximar. Sabia que queria falar
sobre a sua amiga e decidiu jogar comigo. E que jogo delicioso. Eu
perguntava e a garota leal só dava respostas vagas e sem importância. Fingia
que não sabia o que eu queria e eu fingia que só queria investigar.
A cada encontro que não tinha nada de acidental na praça, Beatriz
dava um jeito de ser mais provocante. Sem medo da rejeição, se insinuava e
eu, sem nem um escrúpulo, não me importava de ser velho demais para ela,
que tinha acabado de fazer 18 anos. Para mim bastou a informação de que
não era menor de idade para seguir os meus instintos sexuais com alguém
que, apesar da pouca idade, demonstrava ter bastante experiência com
homens.
Começamos com um beijo atrás da loja de carnes e continuamos
assim: beijos muito quentes pelos cantos da vila. Bia não parecia se
preocupar em ser surpreendida e eu menos ainda. Quando já não dava mais
para segurar, acabamos transando no quarto que eu ocupava na fazenda.
Quando meti pela primeira vez, não pude acreditar que estava com uma
virgem. Ela era tão safada, como poderia ainda ser virgem?
Mas a verdade é que era e eu não pude me conter. Continuei a
trepar com a moça e bem satisfeito de ser o primeiro. Já tinha transado com
mulheres de todos os tipos e idades no clube do qual sou sócio, mas com uma
virgem foi uma experiência inédita e muito gostosa.
Por um tempo — bem pouco, para ser sincero — acreditei que o
meu vício na sua boceta apertada era justificado pela novidade de estar com
uma garota tão jovem e a quem eu poderia ensinar muitas coisas, mas estava
muito enganado. Durante alguns meses ficamos juntos sem assumirmos nada.
Rótulos não existiam, apenas um casal transando sempre que tinha a
oportunidade.
De uma forma como nunca imaginei que fosse acontecer, me vi
desejando duas coisas: ficar em Santa Rita com mais frequência e ter mais
certeza do que a novinha era para mim.
Depois do casamento dos nossos amigos, em que fomos
padrinhos, acabei por me dar conta de que era muito mais do que tesão, que
estava muito mais apaixonado do que queria admitir. Como poderia não estar,
se fiquei meses com ela, quando nunca tinha saído mais do que três vezes
com a mesma mulher? Era um solteirão convicto, mas a minha baixinha linda
e jovem me fez sentir vontade de pendurar as chuteiras e foi o que fiz.
Não sai da minha cabeça a sua reação quando a levei com os
olhos vendados para a casinha que havia comprado. A minha Bia ficou feliz
porque para ela significava que eu ficaria por mais tempo em Santa Rita e não
precisaríamos mais ficar pulando de cama em cama para ficarmos juntos.
Porém, feliz e emocionada mesmo ela ficou quando disse que a casa não era
só para mim. Eu a pedi em namoro, chamei-a para morar comigo e ela não
titubeou em aceitar.
Na sua casa, ela não teve dificuldade em falar para os pais que
estava indo morar com o namorado antes de se casar, eles aceitaram numa
boa, tanto que eu cheguei a achar bizarro. Os seus velhos, que não são tão
mais velhos do que eu, são good vibes demais, o que me faz ter a impressão
de que estão sempre dopados. Não é à toa que a minha baixinha se tornou tão
dona de si.
— Sabia que você fica ainda mais gostoso quando está assim,
com esse ar pensativo, tio?
Eu estou no nosso quarto, desfazendo uma mala, depois de uma
viagem de três dias para o Rio e acredito que a viagem ao passado seja por
causa da saudade pelos poucos dias distantes da minha menina. A minha
empresa de segurança privada e investigação particular continua sendo no
Rio de Janeiro, vez ou outra, preciso ir até lá e não posso, de maneira alguma,
levar a minha mulher comigo.
— Tio? Essa ereção enorme te faz pensar que sou o seu tio, sua
atrevida? — Eu a pego entre os meus braços, esfrego-me nela como um
desesperado e o sorriso divertido logo some do seu rosto.
— Parece que alguém aqui estava morrendo de saudade — diz
quando a jogo na cama e caio por cima. Faço com cuidado, porque ela é
muito pequena e delicada para alguém do meu porte físico.
As suas pernas macias me envolvem e sentir o calor da sua
boceta contra o tecido torna ainda maior a satisfação de estar em casa.
— Estava louco de saudade de você, amor.
— E eu de você, meu gigante.
Quando ela me beija, sinto como se tivesse voltado a Santa Rita
só para isso. Eu era um boêmio. Tinha mulheres aos meus pés e por muitos
anos vivi e busquei isso. Em algum momento a mesmice do trabalho e
mulheres indo e vindo deixaram de ser suficientes, me vi precisando de novos
ares, de ver gente nova. Aqui em Santa Rita eu conheci a minha Beatriz e
então não precisei conhecer mais ninguém.
Minha menina trouxe o que parecia faltar e hoje, como acontece
dia após dia nos vários meses em que passamos juntos, estou apaixonado,
amando e sendo amado.
— Te amo, Beatriz.
— Te amo, Antônio.
Embora o que sentimos um pelo outro esteja claro, pela primeira
vez, com os nossos corpos lânguidos e suados sobre a cama, usamos essas
duas palavras para nos declararmos. Sei que será a primeira vez de muitas,
que, como os nossos amigos e qualquer casal normal, seguiremos o caminho
natural de casamento e filhos. Eu sei que ela está bem com isso.
O nosso romance é só mais um dos que devem ter nascido sob o
céu de Santa Rita, um lugar que parece especialmente propício para o amor.
Talvez a magia esteja nas flores.
SINOPSE

Marina sempre viveu uma vida perfeita, cercada de luxos e


mimos. Até que, aos seus 17 anos, uma tragédia muda o rumo de sua vida: a
perda de seu pai, único parente vivo e pessoa que ela mais ama, deixando-a
desamparada e sozinha no mundo. E, para completar o pesadelo em que passa
a viver, a garota se vê obrigada a viver sob a tutela de Erick Estevan, melhor
amigo de seu pai, de quem guarda antigas e profundas mágoas.
Erick vê seu mundo inteiro virar do avesso com a chegada da
filha de seu falecido melhor amigo aos seus cuidados. Tendo sua vida inteira
planejada, a adição inesperada não seria um problema, se não fosse o doentio
desejo que sente pela garota que viu crescer.
Marina é agora uma linda e proibida mulher, que assombra seus
pensamentos e desperta sentimentos que o homem tanto luta para suprimir.
Na batalha entre obrigação e desejo, será a razão capaz de definir
o que é certo e errado?
PRÓLOGO

— Aguente firme, meu amor — peço ao fazer carinho no seu


rosto pálido. — Vai ficar tudo bem. Prometo. — Ela ainda tenta abrir um
sorriso, mas falha miseravelmente. — E você sabe que costumo cumprir com
as minhas promessas.
— Erick, o meu tempo está acabando... — diz num fio de voz, e
tenho vontade de tapar os ouvidos com as mãos apenas para não ouvir a frase
tão definitiva saindo da sua boca, que já está ressecada e sem vida. — Você
precisa prometer...
— Não fala nada, amor — imploro, com a voz embargada pelas
lágrimas.
— Promete que vai ser feliz, que quando eu partir, você vai
refazer a sua vida? — Marina diz e faz força para formar as frases.
— Prometo que nós vamos ser felizes — respondo, enfático. —
Você vai ficar boa e nós vamos nos casar e um dia teremos nossos bebês,
lembra? Você prometeu, linda. — Tento sorrir para ela.
— Eu fui muito feliz com você, do jeito que um dia sonhei e
achei que não seria possível realizar — afirma com a voz quase sumindo e os
olhos mais baixos. — Eu sempre vou te amar, de onde estiver, estarei
olhando por você. Te amo... — são suas últimas palavras antes de perder a
consciência.
— Não, Marina — imploro, desesperado. — Não faz isso, olha
para mim. Eu não vou deixar você ir, nunca! — afirmo.
Cuidadosamente, desço meu corpo sobre o seu, até sentir minha
camiseta ser ensopada com o sangue pegajoso e quente. Selo os nossos
lábios, pela última vez.
SINOPSE

De uma família feliz e bem estruturada, Luana Aguiar viu o


mundo à sua volta desmoronar quando perdeu a mãe. A garota então ficou
aos cuidados do pai, um homem que não soube superar a perda da esposa e
acabou se entregando a vícios que seriam a sua ruína. Vícios que o levaram a
colocá-la nas mãos de Gabriel Souto, um homem impiedoso e sem coração,
como muitos dizem. A fama de Daniel Souto o precede e, sem que tenha
escolha, a jovem se vê presa ao seu mundo sombrio, cercada de mistérios e
luxúria.
Gabriel Souto não pede, ele toma para si, esse é o seu lema de
vida. Não seria diferente quando o assunto é o seu desejo de arranjar uma
esposa para tornar-se um homem respeitado perante a alta sociedade, que não
enxerga além do que quer ver. A oportunidade surge quando o tolo Júlio
Aguiar faz a pior aposta da sua vida e entrega de bandeja exatamente o que
ele estava procurando, poupando-lhe o trabalho de ir à caça.
Uma relação nascida do ódio, um desejo que não pode ser
reprimido e um reencontro inesperado. Será que o amor conseguirá florescer
em corações tão inóspitos?
PRÓLOGO

— Estou presa, é isso? — pergunta, irritada, encurralada entre o


meu corpo e a parede do espaçoso e luxuoso quarto da minha propriedade.
Para ela, aquele lugar significa o próprio inferno na terra, ou pelo menos o
que ela pensa ser o inferno.
Se soubesse que lá é muito pior do que as pessoas imaginam...
Estive no inferno e garanto que ter labaredas queimando a pele é brincadeira
de criança perto do que vi e vivi.
— Isso. Se este é o seu conceito de prisão; então, sim, você está
presa a mim e a essa casa. Acostume-se, meu bem...
— Não me chame de meu bem — diz, lançando-me um olhar de
desprezo, o que só a deixa mais linda. Aos meus olhos, parece uma ratinha
assustada e, de forma doentia, fico excitado por vê-la assim, nas minhas
mãos. Sei que posso fazer o que quiser com seu corpo e suas vontades. Posso
moldá-la da forma que eu quiser, como for conveniente para mim. — Não
sou o seu bem.
— Você é o que eu quiser que seja. Esqueceu que te comprei em
uma mesa de apostas? — Na verdade, não foi bem uma compra, está mais
para o pagamento de uma dívida, mas, na prática, isso não importa. Não
quando o resultado é o mesmo: a bela Luana Aguiar em minhas mãos. Toda
minha para fazer o que eu quiser. — Não aja como se tivesse poder de
decisão, pois não tem. E quanto antes você entender isso, melhor.
— Eu te odeio, Gabriel — afirma, fria.
Ao invés de me assustar, sua declaração me excita. Não posso
resistir a este jogo.
— Não quero o seu amor, garota. — Enquanto falo, me aproximo
do seu corpo colado à parede e seus olhos crescem de tamanho a cada passo
que dou. Como uma gatinha assustada, seu rosto não consegue esconder o
temor por causa da minha proximidade. — Sinta-se à vontade para continuar
me odiando, posso viver com isso.
— Não se aproxime de mim, Gabriel. Você me assusta. — Está
praticamente implorando, percebendo que foi uma péssima ideia trazer o seu
namorado para dentro da nossa casa.
Agora ela está encurralada entre mim e a parede do quarto que,
por enquanto, é só dela. Digo por enquanto, pois não sei quanto tempo irei
resistir ao tesão e ao desejo doentio que começo a nutrir por ela. No fundo,
sei que não serei capaz de me manter tão longe da gostosa, não quando a
quero como jamais quis alguém — mesmo detestando-a com a mesma
intensidade.
Raiva e desejo. A melhor e a pior decisão. Com ela, vou de um
extremo para outro, mas ainda assim não posso deixar de me sentir
estimulado ao seu lado. Considerando toda essa bagunça, talvez seja melhor
não sentir nada e ficar só com a insatisfação. Mas o perigo que ela traz
consigo bate de frente com tudo o que sou e preciso ser. E a atração que sinto
pelo perigo é mais forte do que eu, muito mais forte.
— Você está mesmo assustada? — Toco seus braços e sinto-os
arrepiados. Os pelinhos, que estão de pé, não são capazes de esconder seu
nervosismo. E o que, para ela, é medo; para mim, é excitação. — Por que
sinto a sua respiração ofegante? — Estou com o corpo levemente curvado
sobre o dela e as palavras são sussurradas no seu ouvido. — Se quer que eu te
beije novamente, é só pedir, bebê. Juro que não pensarei mal de você por
isso. Posso te dar o que quiser, desde que se comporte e faça tudo o que eu
quero.
— Então quer que eu seja sua escrava, que não tenha voz e faça
apenas o que você ordenar? — É sarcástica, mas se a intenção é me irritar, ela
certamente está fazendo isso da maneira errada.
— Vejo que estamos começando a nos entender, Luana.
Saboreio o seu nome nos meus lábios e imagino o momento em
que o chamarei, enquanto como a sua boceta. Com certeza, ela estará muito
molhada, pegando fogo de tesão e me receberá quando eu socar sem dó no
seu calor apertado. Um corpo que me deixou babando como um cachorro
louco por um pedaço de carne desde a primeira visão que tive da garota que
se apresentou com sete pedras nas mãos. Ali, soube que nada me faria desistir
de tê-la para mim. Mesmo se o seu pai não tivesse sido tão burro, eu faria
qualquer coisa para ter uma prova do corpo apetitoso e da boca carnuda feita
para envolver o meu pau até ter os lábios esticados pelo esforço de abarcar a
minha espessura.
— Prefiro morrer a ter essa boca suja sobre a minha ou essas
mãos imundas no meu corpo. Sinto nojo de você, Gabriel Souto. Pensar na
possibilidade de ser obrigada a fazer sexo com você me deixa doente. —
Cospe cheia de raiva, deixando transparecer o desprezo que vejo no rosto de
muita gente. Ela é apenas mais uma.
— Então, se prepare para morrer, sua vadiazinha.
Agora o meu corpo está colado ao dela, que se encolhe, e o cheiro
do seu medo é excitante. É isso que quero. Não quero amor ou declarações de
devoção. O importante é ela ser perfeita para os meus planos e, se a boceta
quente e os seios grandes vierem no pacote, não irei reclamar. Luana será
como todas as outras, somente uma boceta para aliviar a tensão dos meus
dias. A única diferença é que não precisarei ir tão longe para encontrar alívio,
pois o terei dentro da minha própria casa.
— Você vai dar para mim quantas vezes eu quiser te comer. Fará
sem reclamar e sabe por quê? — Suas mãos estão espalmadas no meu peito,
mas não como uma tentativa de apoio ou carinho. Luana quer me afastar para
longe dela, enquanto tudo o que quero é me afundar no seu sexo e descobrir
se é tão boa quanto parece. — Você deve estar com a calcinha gotejando de
desejo por baixo desse vestido. Apesar do que sua boca diz, seu corpo tem
reações contrárias e quer que eu te toque como você nunca foi tocada por
aquele moleque que se diz seu namorado. Aliás, ele é mais um que precisarei
tirar do meu caminho, se for necessário.
— Não abra essa boca para falar o nome do Gustavo. — A defesa
vem rápida e ferrenha, o que ameaça despertar o animal adormecido que há
dentro de mim. — Ele é o homem que você jamais será, é um cara decente.
— Tão decente que está apaixonado por uma mulher que foi
vendida como uma prostituta — falo para machucá-la e consigo o intento,
pois a sua mão voa direto na direção do meu rosto e só não o atinge em cheio
porque sou rápido o suficiente para frear a ação dela.
— Atreva-se a fazer isso novamente e não gostará das
consequências — ameaço e a garota tem os olhos arregalados ao fitar-me, a
respiração errática e o rosto distorcido pela cólera e o ódio que não podem ser
disfarçados.
— Vai fazer o que, seu monstro? Me bater? — Furiosa, a gostosa
empina o narizinho arrebitado e tudo o que eu quero no momento é rasgar
suas roupas e fodê-la até que cale a porra da boca e pare de me afrontar, ainda
mais por causa de outro homem.
Será que ainda não percebe que agora é minha mulher? Que não
existirá outro homem que não seja eu na sua vida?
— Vou fazer isso.
Sem o controle que me orgulho de ter, puxo-a pela cintura e, sem
aviso, beijo sua boca. Um beijo que encontra resistência e acaba rápido
demais quando ela morde com força o meu lábio inferior.
Assustado por um segundo, dou dois passos para trás e toco a
minha boca com o dedo. Quando vejo o filete de segue, a fúria varre o meu
corpo e ela mal tem tempo de correr, pois eu já a tenho novamente contra a
parede. Desta vez, envolvo sua cintura com um braço, enquanto o outro
agarra a parte de trás dos seus cabelos, segurando com firmeza a sua cabeça
para que não tenha como fugir ou se esquivar.
Com a língua, invado a boca macia e, com o gosto metálico de
sangue, tomo o que é meu, exijo respostas e, sem que tenha qualquer chance,
a minha esposinha corresponde ao chupar a minha língua para dentro da sua
boca e permitir que eu imite o seu gesto. A garota está mole nos meus braços
e, se agisse movido pela fama que tenho e na qual ela parece acreditar,
poderia me aproveitar disso, arrancar as nossas roupas e realizar o desejo que
venho alimentando desde o momento em que coloquei os olhos nela. Mas
como nem tudo é o que parece, ajo diferente.
— Gostosa demais.
Aos poucos, vou diminuindo a intensidade e, com uma forte
mordida no seu lábio inferior, obrigo-me a parar.
— Gabriel...
Quando a minha esposa abre os olhos, eles estão anuviados pelo
desejo que não é capaz de refrear.
— Quando você quiser, minha esposa, é só pedir que eu virei e,
com prazer, darei o que você quer. Seu corpo e seus desejos me pertencem e
quanto antes aceitar isso, melhor será para nós dois.
— Isso nunca irá acontecer. Eu amo o meu namorado — insiste
em colocar outro homem entre nós dois, o que é extremamente irritante.
Luana não entende que quanto mais ela toca no nome do tal namorado, mais
irritado fico e quando isso acontece, todos os envolvidos sofrem as
consequências.
— Você não tem um namorado, querida, tem um marido. Sou o
seu dono e quando quiser apagar o seu fogo, já sabe onde me encontrar.
Com um ar espantado, ela encara o meu rosto. Eu abaixo
vagarosamente os meus olhos para frente da minha calça e, propositalmente,
manjo o meu pau muito duro e louco de vontade.
— Seu imbecil!
Agora, muito furiosa, Luana vira-se para trás, pega o abajur que
estava sobre a mesa de cabeceira e arremessa-o na minha direção. Se eu não
fosse um homem ágil e bem treinado, os estilhaços de vidro teriam acertado
minhas costas em vez da porta que consegui fechar a tempo.
Fora do quarto, ouço quando Luana começa a chorar. A mulher
chora e xinga como um homem. No meu rosto, um sorriso satisfeito se abre e,
sem que haja sombra de dúvidas, sei que esse arranjo será muito proveitoso e
que será um prazer domar essa fera.
Por quanto tempo? Isso só o meu corpo dirá. Se depender da
fome que tenho por ela, duvido que o meu desejo acabe logo. A garota é uma
bocuda, gosta de me desafiar, mas talvez essa seja a razão de tamanha
atração. Uma febre que explorarei até me sentir satisfeito. Quando acontecer,
ela permanecerá na minha vida, pois comer sua boceta não foi o principal
motivo para eu ter me casado com ela.
Luana Aguiar é uma ajuda providencial que veio na hora certa e
como não sou de perder as oportunidades que caem no meu colo, ela servirá
perfeitamente para meus intentos. Amor e todas as bobagens românticas
ficarão fora da equação. Se não tive isso com a minha família, certamente não
esperarei de uma mulher que me odeia e que, se pudesse, obrigaria seu corpo
a não querer o meu como demostrou desejar agora.
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Nota
Transtorno afetivo bipolar é um distúrbio psiquiátrico
complexo. Sua característica mais marcante é a alternância, às vezes súbita,
de episódios de depressão com os de euforia (mania e hipomania) e de
períodos assintomáticos entre eles. As crises podem variar de intensidade
(leve, moderada e grave), frequência e duração.
As flutuações de humor têm reflexos negativos sobre o
comportamento e atitudes dos pacientes, e a reação que provocam é sempre
desproporcional aos fatos que serviram de gatilho ou, até mesmo,
independem deles.
Em geral, essa perturbação do humor se manifesta tanto nos
homens quanto nas mulheres, entre os 15 e os 25 anos, mas pode afetar
também as crianças e pessoas mais velhas.

[i]
mania é um distúrbio mental definido como um período distinto, durante o qual existe um humor
anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável. É característico, embora não exclusivo,
do transtorno bipolar no qual os episódios maníacos alternam com episódios depressivos.
[ii]
O surto psicótico é um episódio de desorganização da representação da realidade que pode estar
presente em diferentes transtornos psiquiátricos, oferecendo risco aos pacientes e pessoas próximas.

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