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2019

Copyright © AWF Santos


Capa e Diagramação: Criativa TI
Revisão: Bah Pinheiro
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível
ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Dedicatória
Dedico este livro a todas as minhas Palominas do Whatts. Vocês
tornam meu sonho realidade.
Agradecimentos
Na sutileza que busco na vida, concluo mais uma obra com um grande
aprendizado.
Mais do que qualquer outro, Guilherme e Paula me mostraram ser
possível usar das entrelinhas para chegar ao que se almeja e ama.
Obrigada, meus lindos amigos, família, cooperadores do meio literário
e, claro, minhas amadas leitoras por mais esta oportunidade.
Espero que os versos recitados por Guilherme e a inabilidade de
aceitar o inevitável de Paula ganhe seus corações.
Bjs no core,
Agatha Santos
Sumário
Dedicatória
Agradecimentos
Sinopse
Prólogo
Guilherme
Capítulo 1
Paulinha
Capítulo 2
Paulinha
Capítulo 3
Paulinha
Capítulo 4
Guilherme
Capítulo 5
Paulinha
Capítulo 6
Paulinha
Capítulo 7
Guilherme
Capítulo 8
Guilherme
Capítulo 9
Paulinha
Capítulo 10
Guilherme
Capítulo 11
Paulinha
Capítulo 12
Paulinha
Capítulo 13
Guilherme
Capítulo 14
Paulinha
Capítulo 15
Paula
Capítulo 16
Guilherme
Capítulo 17
Paulinha
Capítulo 18
Paulinha
Capítulo 19
Paula
Capítulo 20
Guilherme
Fim
Sobre a Autora
Sinopse
A grande festa de Palomino está cada vez mais próxima, mas a cidade
está mais empolgada com os novos e improváveis casais que se formaram.
O mais pacato dos irmãos, Guilherme, vê a chance de entender tudo
que sempre rondou seu coração. Seu único problema é que a mulher por quem se
encantou não parece aberta a relacionamentos.
Paula Maria é, de longe, a irmã mais espontânea entre as filhas de
dona Lélia. Teimosa, sempre deixou claro suas vontades e se permitiu satisfazê-
las, mas o coração permanece fechado depois de passar por tantas humilhações
na adolescência.
Seu jeito irreverente encantou o sossegado Guilherme, os dois insistem
na amizade, porém, o desejo fala mais alto e, o que era para ser apenas um
momento, se torna algo que ela não está disposta a dar.
Seu coração.
Prólogo
“Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,


E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,


De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,


É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.”
-Vinicius de Moraes, Soneto do amor total.
Guilherme
Sorrio para o meu reflexo no espelho, não acreditando na sina que está
tomando meu caminho neste momento.
Sempre fui o irmão mais equilibrado dos quatro filhos da dona Rute e
seu Olegário. O mais discernido, apaziguador e melhor conselheiro daqueles
malucos que chamo de irmãos, até claro, chegar minha vez.
Quando a vi na luz parca daquele bar, servindo bebidas, rindo de
algumas piadas, flertes banais que a fazia debochar e responder à altura, fiquei
simplesmente encantado.
Ali, entendi que ela nunca seria uma mulher qualquer, para um bom
momento na cama. Sua intensidade, seus mistérios e aquela grossa camada de
reticência que a mantinha um braço distante de qualquer um, elucidava minha
inteligência.
Nunca imaginei que nossos caminhos seriam tão enredados, mesmo
que ignorasse o que senti quando a vi, ela não sairia da minha vida por um longo
tempo.
O amor sempre foi algo linear em minha vida, tendo como exemplo a
vida dos meus pais, em que carinho e atenção sempre foram evidentes e comum,
meu pai era o verdadeiro homem galanteador.
Não havia um dia que ele não buscasse uma forma de trazer um sorriso
genuíno na face da minha mãe, às vezes com gestos, palavras, um bilhete ou
presente. Não importava como, mas ele sempre conseguia o feito.
Certa vez, perguntei qual era a graça de estar sempre com a mesma
pessoa do lado, eu era adolescente ainda, naquela época meu único desejo era
conhecer o máximo de garotas possível e, claro, aprimorar meu lado sexual.
Ele sorriu, bagunçando meu cabelo meio grande e disse:
— Para amar uma mulher é preciso saber, que o amor de uma mulher
é o único amor que nos faz renascer... [1]

Mais tarde, naquele dia, ele me deu um livro de poesias e disse que os
sábios sabiam amar, por isso, sentir e que, de todos os filhos, eu seria o destinado
a levar esse lado do seu legado.
Desde então, tem sido assim. Minha vida gira entre minhas vontades,
meus anseios e uma busca de algo surreal, algo que só sinto quando leio os livros
que herdei dele.
Isso foi até conhecê-la.
Os sentimentos que eram límpidos quando lia, passaram a ser ainda
mais claros quando a via, quando conversávamos ou quando simplesmente
pensava nela.
Uma completa loucura, quase incompreensível para mim, mas que
parece ser ainda mais perfeito por isso.
Hoje eu a observo, mais uma vez, tendo a certeza de que minha crença
de vida não é um devaneio. Fui criado para ela e a farei perceber isso.
Capítulo 1
“Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.”
— Cora Coralina, Meu Destino
Paulinha

Enxugo a cerveja derramada sobre o balcão à minha frente. Dessa vez


a briga no bar foi mais extrema que de costume e, mais uma vez, por causa de
mulher, dois peões, até que bonitinhos, se atracaram bem na minha frente.
O cara número um chamou uma moça para dançar, enquanto o cara
número dois, que já estava flertando com ela há um tempo, foi tirar água do
joelho. Do balcão, observando o acontecido, já previa que daria algum problema.
Dito e feito, assim que o cara número dois voltou e viu sua pretendente
dançando animadamente com o cara número um começou a confusão.
O número dois empurrou, o número um não deixou por menos e
revidou o empurrão, a moça indecisa começou a gritar, pedindo que parassem.
Engraçado, ela causar a desavença e, depois, querer que eles levem na boa. O
primeiro soco foi dado pelo número dois, o que acarretou duas garrafas de
cerveja tombadas no balcão. Um desperdício total.
Antes que eu avançasse sobre eles, meu primo, Tadeu, interveio,
apartando a briga e colocando os dois desordeiros para fora do bar.
A moça que foi o motivo da briga pegou sua bolsa e saiu, seguindo o
caminho por onde os outros foram expulsos.
— Isso porque ainda é terça-feira — tia Dulce comenta, passando por
mim.
— Pois é — concordo, terminando de passar o pano.
Recolho algumas garrafas perdidas na pia e as coloco numa caixa no
chão. Duas já estão completas, então, as recolho, indo para o fundo do bar deixá-
las na área de descarte e recebimento de engradados novos.
Limpo a mão na minha calça jeans, já havia tirado o avental antes da
confusão começar. Hoje o movimento não está dos melhores, vou aproveitar
para sair mais cedo. Normalmente fico até a tia fechar, mas com Tadeu por aqui,
posso ficar despreocupada.
No caminho para o salão recolho minhas coisas no armário dos
funcionários, visto minha jaqueta verde, confiro meu rosto no espelho, limpo o
canto do olho que borrou ligeiramente meu delineador, jogo um beijo para o
espelho, saindo dali.
— Já vai, menina?
— Sim, tia. Tem problema? Tadeu está aí hoje, pensei que ele poderia
te ajudar a fechar.
— Claro que pode, uai! Só falei porque sua carona chegou. — Ela faz
sinal com a cabeça.
Vejo Guilherme sentado na banqueta no fundo do balcão,
provavelmente entrou enquanto eu estava nos fundos do bar.
Sua postura, como sempre, é tranquila, transmitindo até um pouco de
paz para quem o vê. Tranquilidade que destoa totalmente da aparência física, já
que seus quase um metro e oitenta, tatuagens significativas pelo corpo e corte de
cabelo moderno faz qualquer um pensar que ele é um tipo perigoso.
Solto o ar, com pesar, pensando que não posso mais adiar este
encontro.
Desde o nosso incidente, tenho o evitado. Não participei do almoço de
domingo por saber que ele estaria e, pela semana, tenho fugido de qualquer
contato. Ainda não acredito que fomos capazes de passar da linha daquela forma
e, voltar ao que tínhamos antes, será mais complicado do que imaginei.
Tomando a coragem que sempre me acompanhou caminho a passos
largos até seu encontro. Ele tem a cabeça baixa, respondendo algo no celular,
pela forma como digita.
— Oi, pessoa. Respondendo alguma pretendente? — Chego puxando
conversa.
— Olá, sumida. — Seu olhar encontra o meu e um frio percorre do
meu peito até o estomago — Que nada. Só um dos meus irmãos falando
porcaria.
— Sumida nada. Ando trabalhando muito.
— Sei. Já está indo? Posso te oferecer uma carona? — ele oferece,
levantando da banqueta e colocando o celular no bolso da calça.
— Tô sim. Aceito a carona.
Saímos caminhando lado a lado, aceno um adeus para Tadeu, que
passa por mim e não tem o semblante mais amigo quando me vê acompanhada.
Às vezes, ele tem a tendência de bancar o primo protetor e adora
boicotar meus flertes no bar com os homens que o frequentam. Acabo
devolvendo na mesma moeda e, sempre que o vejo de gracinha com alguma
mulher, dou um jeito de fazer cena e queimar seu esquema.
Guilherme destrava o carro indo, até a porta do carona e abrindo-a
para mim. Sorrio pela gentileza, como tantas outras vezes. No começo, confesso
que achei que era somente jogada para levar as mulheres para a cama mais fácil,
mas depois de vê-lo fazer isso com a própria mãe, entendi que é um hábito de
berço.
— O que tem feito de bom? — pergunto, quando ele se acomoda ao
meu lado e dá partida no carro.
— Nada de mais. Passei dois dias na capital, resolvendo algumas
coisas no escritório central e voltei essa manhã.
— Humm... — Faço um bico por falta de opção.
Apesar de ele parecer muito mais confortável do que eu com tudo isso,
sei que o clima estranho está sendo difícil para os dois. Se eu não tivesse bebido
tanto aquele dia e, ao menos, me lembrasse do ocorrido, talvez, perder o que
tínhamos fosse minimamente satisfatório.
Depois que o conheci no bar, no dia em que Viny voltou da sua longa
viagem, acabamos nos tornando bons amigos. Sempre que possível, ele passa no
bar e ficamos conversando, enquanto eu atendo aos clientes. Guilherme é um
homem fácil, descomplicado e carismático, sua companhia se tornou, em pouco
tempo, algo muito bem-vindo.
— E você? Não respondeu minhas mensagens, tem me ignorado
epicamente e agora tá toda estranha. Não fez nenhuma piada comigo. — Ele
sorri no final, mas não perco seu tom de cobrança.
— Ah, sei lá, Gui. Depois daquele dia, as coisas ficaram... estranhas...
— Eu não entendo por que, Paula. Você, que sempre foi a mais
desapegada e moderna das irmãs, tá agindo feito uma medrosa, por nada.
— Mas óia... não sou medrosa, não, meu filho! Só que dormir com
meu amigo não foi algo tão fácil de lidar. Se você é acostumado com isso, eu não
sou — respondo, indignada.
— Quê? Dormir? Você acha... acha que... — intercalando entre me
olhar e se atentar à estrada, ele gesticula —... transamos? — finalmente ele solta.
— É isso aí! — respondo, firme.
Sua gargalhada em seguida me espanta e o encaro, em confusão. De
todas as reações possíveis que imaginei quando finalmente falássemos sobre esse
elefante entre nós, rir era a última delas.
— Possa saber a graça, Guilherme?
— Paula Maria, você é hilária. — Ele estaciona seu carro no portão
dos fundos da minha casa.
Já é tarde e a rua não tem qualquer movimento.
Viro meu corpo, olhando fixamente em seus olhos. Hoje eles estão
divertidos, um azul alegre, nada daquele mar de emoções que normalmente
enxergo.
— Charmosa — ele fala, pegando minha mão. — Nós não transamos.
— Não? — Espanto me toma.
— Não. Poderia, sim, ter rolado, ainda mais depois de ver você tirar
suas roupas na minha frente e ficar só de calcinha e sutiã, mas eu jamais faria
isso, depois da quantidade alta de álcool que ingerimos.
— Eita... Mas eu acordei na sua cama e você estava me abraçando, só
de cueca! — falo, espantada.
— Sim. Porque meu flat tem um sofá horrível e eu também tinha
bebido. Só deitei do teu lado e apaguei.
Balanço a cabeça vagarosamente, em sinal de afirmação,
compreendendo finalmente tudo que “não” aconteceu aquela noite. Uma ponta
de vergonha cresce em mim e, sem saber como agir, o que costuma acontecer
quando estou perto dele, sorrio, graciosa.
— Pelo menos, não preciso mais lamentar não ter lembranças desse
gibizão delícia. — Pisco um olho para ele.
— Você sabe que estou mais do que disposto a te mostrar qualquer
coisa que queira, Paula. — Sua resposta é direta.
Seus olhos perdem o tom divertido, o mar de emoções toma à frente,
fazendo sua feição se tornar mais intensa e, pela segunda vez na noite, o frio
percorre meu íntimo.
— Deixa disso, Queiroz! Você não nega a raça mesmo, né?! — brinco
com ele, dando um beijo rápido no seu rosto. — Boa noite, Gui!
— Boa noite, charmosa! — Sua resposta é pouco animada, desço do
carro, apressada, entrando sem lhe dar um segundo olhar.
Nossas brincadeiras desde o começo se tornaram nosso lance, ora ele,
ora eu, às vezes ambos, mas não passam disso. Brincadeiras.
Guilherme tem um jeito fácil e gentil, que acabou desarmando todas as
minhas tentativas de mantê-lo afastado quando nos conhecemos. Algo que
sempre foi simples para mim, manter um cara bonito, sedutor e que gritasse
encrenca a, pelo menos, um braço de distância, com ele foi totalmente contrário.
Quanto mais eu repelia suas investidas sutis, mais ele mudava a tática
e, em poucos dias frequentando o bar, já me via ansiando pela sua chegada. De
qualquer forma, ele animava e muito minha noite, fazendo o trabalho de lidar
com bêbados algo engraçado.
Entro no meu quarto, jogando minha bolsa em um canto, tiro a jaqueta
e minhas roupas. Enrolo meu corpo na toalha e caminho para o banheiro, tomo
um banho quente e relaxante, esse definitivamente é o melhor horário na casa
para se ter um bom momento.
Uma casa com quatro mulheres e mais um casal, define a convivência
como uma verdadeira sistematização e organização ou viveríamos em meio ao
caos.
Saio do banho mais rápido do que pretendia, mas pensando que
amanhã levanto cedo para resolver algumas coisas do bar, é melhor precaver.
Meu celular apita com uma mensagem recebida e o sorriso que brota
no meu rosto é inevitável.
Rio lendo a mensagem que Guilherme me enviou.
Gui — Boa noite, charmosa. Estou sozinho no meu flat, pensando
o quão bom seria tê-la aqui, mesmo meio bêbada... ;)
Eu — Engraçadinho! Vai dormir, amanhã você trabalha. Bom
descanso!
Gui — Durma bem, charmosa e sonhe comigo...
Isso definitivamente é algo que não precisaria pedir, mas obviamente
ele não tem ideia da quantidade de vezes que acordei suada, sedenta e um pouco
fantasiosa com os sonhos que protagonizou em minha mente.
Meu corpo aquece em se lembrar do quanto já salivei pensando na sua
boca bem contornada prensando a minha, lambendo e mordendo de forma
intercalada, fazendo a provocação ser um bom estímulo.
Guilherme tem cara de ser o homem que fode fazendo amor, sendo
capaz de dominar seu corpo com o toque, sua mente com as palavras e seu
coração apenas com um olhar direcionado.
Nossas brincadeiras maliciosas acabam despertando mais do que
deveria minha libido, já tem um tempo que não tenho um encontro decente que
faça minha vontade do algo a mais vir à tona e acabo sempre frustrada.
Nessas horas Guilherme vem à minha cabeça e não consigo parar de
formular milhares de hipóteses em que não teria errado em algo na conversa, ou
o quanto suas atitudes não soariam afoitas por saber exatamente o que fazer e
quando fazer e, principalmente, como seria fácil eu ceder e pedir para visitar sua
cama.
Balanço a cabeça, mais uma vez, dispersando esses pensamentos.
Somo bons, aliás, ótimos amigos e criar expectativas com momentos de
descontração só vai complicar estragar as coisas.
Se for pensar bem, seria até meio ridículo se ficássemos juntos.
Ritinha, Vinicius, Marcelo e Clarinha já foram dois feitos raros e complicados
demais para qualquer um entender como deu certo. Colocar Guilherme e a mim
nessa equação só complicaria a coisa toda e, definitivamente, não é isso que
preciso, no fim das contas.
Minha vida tem sido um bocado de descobertas sobre quem sou e o
que realmente me agrada, ainda estou em um ponto que não sei bem para aonde
ir, só continuo buscando mais e mais de mim e tentando viver a vida, sem ter que
sobreviver a ela.
Também não consigo achar sentido algum nisso, mas fato é que ter
alguém para chamar de meu, hoje, está fora dos meus planos. Não acredito que
algum homem nesta cidade tenha sido criado para mim, e cogitar um Queiroz
nesse meio confuso que vivo só complicaria, ainda mais, o que já é complicado o
suficiente.
Fecho os olhos repetindo meu mantra de que nada será capaz de bastar,
minha busca por realizações continua sendo a prioridade e, novamente,
Guilherme Queiroz é só um amigo, aceite, conviva e aproveite isso.
Capítulo 2
“As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus
caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.”

— Clarice Lispector, Pessoas Felizes.


Paulinha

Acordo com a voz estridente da minha irmã inconveniente gritando


coisas incoerentes para meu cérebro recém-desperto. Arrisco abrir um olho e
vejo-a me encarando, com os braços cruzados e cara de poucos amigos.
— O que foi? — resmungo, virando para o canto e cobrindo minha
cabeça.
— Preciso da sua ajuda! Levanta, Paulinha, é quase meio-dia.
Abro os olhos na hora e me sento na cama. Prometi a mim que hoje
levantaria mais cedo para resolver algumas questões do bar e não tumultuar meu
dia, mas a cama quente e convidativa acabou vencendo a batalha.
— Droga! Devia ter levantado cedo — reclamo, saindo cambaleando
da cama.
— Não vai me ajudar? — Clara pergunta, aflita, quando bloqueia
minha tentativa de ir ao banheiro.
— Primeiro eu vou acordar, fazer meu xixi, escovar os dentes e tomar
uma boa dose de café.
— Mas, Paulinha... — ela faz manha.
— Quieta. Café, depois conversa estranha. — Levanto o dedo
enfatizando minha escolha.
Estou na cozinha servindo uma boa dose de café na minha caneca
amarela, Clara Maria está irritantemente sentada à minha frente com os braços
cruzados sobre a mesa, encarando cada movimento meu.
— Pronto. Agora pode falar. — Sento à sua frente.
— Finalmente. — Paro minha xícara a meio caminho da boca para
estreitar os olhos em sua direção. — A mãe tá tendo um faniquito porque a
Ritinha e eu vamos ao tal leilão da capital.
Reviro os olhos antes de falar algo.
— Era esse seu problemão, Clara? Jura?
— Só você consegue convencer ela, Paula. — Sua voz aflita me faz
querer rir.
— Tá. Eu falo com ela. O que a Ritinha falou disso?
— Ela disse que vai e pronto. Mas eu... você sabe... a mãe fica mais no
pé.
— Eu sei. Bom, deixa que da dona Lélia cuido eu. Preocupe-se em
arrumar uma roupa bem bonita para ir.
Soltando a risada mais animada, Clara levanta da mesa correndo e vem
me abraçar. Por conta do seu entusiasmo, quase viro minha xícara de café em
nós duas.
— Eita, lasqueira! Me larga, menina! — esbravejo.
— Você é a melhor, Paulinha!
Ela sai da cozinha rumo ao seu quartinho de costura, saltitando,
empolgada. Balanço a cabeça, sorrindo, acho que a última vez que vi toda essa
felicidade em seus gestos foi quando ganhou o concurso de redação, no ensino
médio.
Não há nada que eu não faria para ver a felicidade no rosto de cada
uma das minhas irmãs. Apesar de termos pouca diferença de idade, isso nunca
causou confusões, desunião ou inveja em nosso tratamento. Meus pais souberam
muito bem nos ensinar como a amizade e irmandade são importantes para a base
familiar.
Vejo Antonia entrar na cozinha, vai direto até a geladeira,
provavelmente, pegar comida já que, pelo horário, deve estar no intervalo de
serviço. Como sempre, sua postura é séria, contida, diria até rígida, em momento
algum ela me encara e resolvo provocá-la um pouco.
— Olá para você também, mana. — Sorrio docemente.
— Oi.
— Acordou mais ranzinza hoje?
— Isso não é problema seu.
— Tô vendo que já está estressada.
— Aquele desavergonhado do Queiroz que faz questão de me
atormentar. — Ela bate à porta da geladeira, finalmente me encarando. —
Acredita que ele teve a audácia de passar por mim na rua e gritar aquele apelido
horroroso que me deu?
— Sério? — Acabo rindo, imaginando na cena.
— Não ria, Paula. Não tem graça nenhuma.
— Desculpe, mas é engraçado. Vocês têm muita coisa mal resolvida,
Toninha. Passou da hora de colocar tudo em pratos limpos.
Seu semblante pesa, Antonia nunca fala sobre o passado e quando
tocamos em qualquer assunto ligado a ele, acaba reagindo da mesma forma.
— Não temos nada para resolver. Eu cometi um erro terrível e pago
por ele até hoje.
— Não exagera. Você era nova... ele era novo... — Dou de ombros.
— Não tente diminuir minha dor. Você não passou pelo que eu passei.
— Desculpe. — Suspiro pesadamente. — Eu sei que nossa
adolescência não foi a coisa mais fácil do mundo. Você teve que lidar com o
Queiroz mais idiota e eu tive que lidar com minha obesidade, mas isso já foi.
Não pode carregar esse peso para sempre, Toninha.
— Enquanto ele não sofrer como eu sofri, não vou deixar para lá. Ele
precisa entender isso. Saber que as pessoas não são um joguete em suas mãos.
— Se quer tanto uma vingança, por que não executa você mesma?
Levanto da cadeira, coloco minha xícara na pia e saio da cozinha,
deixando uma Antonia estática para trás.
Nossa adolescência foi pesada, nisso nos identificamos. Enquanto ela
lidava com suas descobertas e aventuras, eu sofria o preconceito por estar acima
do peso.
Não era fácil ser a gordinha da turma, ver todas as minhas amigas
beijando, sendo paqueradas e tendo seus namoradinhos e, eu, esperando que
qualquer um se aproximasse.
Acabou que a frustração virou raiva e me tornei a garota temida, que
batia até nos meninos que provocavam minhas irmãs ou qualquer outra amiga.
Só quando saí da escola, que consegui focar na minha saúde, mudei
minha alimentação, adquiri o hábito de correr e comecei a emagrecer. O
processo foi longo, mas mantive meu foco e hoje se tornou algo comum para
mim.
O mais estranho foi lidar com a cobiça masculina, quando meu
manequim começou a diminuir. Com vinte anos, eu já tinha o corpo na medida,
malhado e comecei a usar muito bem meus atributos.
Nesse período fui para o bar trabalhar com a tia Dulce, mesmo com os
protestos dos meus pais, ambas conseguimos convencê-los de que estaria segura
e aprenderia um ofício.
Aprendi muita coisa mesmo, principalmente a lidar com o sexo oposto.
O primeiro foi o mais difícil, já que eu era totalmente inexperiente. Ele até que
foi bacana, mas só depois do segundo é que percebi o quanto o primeiro era
limitado.
Percebi que sexo sem compromisso era a melhor opção para viver meu
novo momento. Ainda não sabia o que queria da vida, mas com certeza tinha
minha mente clara de que pilotar um fogão e carregar alguns filhos no braço não
era uma escolha plausível.
Hoje, escolho bem meus encontros, não caio na lábia de qualquer peão
que aparece oferecendo um bom momento. Gosto muito da liberdade que
conquistei, da forma como aprendi a seduzir, aproveitar e deixar passar quando
não queria mais.
Troco de roupa, um short e blusinha, sandálias baixas e meus óculos
de sol na cabeça, são a escolha do dia. Pego minha bolsa e saio de casa para ir à
cidade buscar os enfeites do fim de semana.
Combinei com a tia de fazermos festas temáticas no sábado. Já
tivemos o primeiro e foi um sucesso, até a comitiva da cidade vizinha foi ao bar
e isso rendeu um bom movimento para o lugar.
Caminho pela rua principal da cidade, olhando as lojinhas, que
vendem de tudo um pouco, resolvo entrar em uma para buscar alguma ideia para
esta semana. Vejo um enfeite de barril com um homem encostado meio bêbado e
tenho uma ideia.
Lembro-me do contato de um vendedor de cervejas artesanais que
passou pelo bar, algumas semanas atrás, oferecendo seus produtos. Na hora,
minha tia e eu pensamos que não valeria a pena, já que o pessoal busca mais o
preço e as cervejas populares ganham nesse quesito.
Talvez, com um evento temático, misturando um pouco do popular e o
diferenciado, isso mude a percepção dos frequentadores. Compro o enfeite e
decido ir até a casa da minha tia, antes de falar com o fornecedor para propor
uma parceria.
Saio da loja, satisfeita, pensando nas milhares de possibilidades que
podemos fazer e doida para contar aos interessados. Gosto de inovar, buscar
novas ideias, novos meios e trazer um conceito que beneficia a todos.
Passo pela oficina do meu pai e entro para dar um oi. Tudo está bem
quieto, olho no celular, conferindo as horas, e percebo que eles provavelmente
estão em almoço.
Antes que vire meus pés para sair, escuto o barulho de algo caindo no
chão, observo pensando em quem pode estar aí ainda. Avanço alguns passos e
paraliso quando vejo a cena de Ritinha e Viny se pegando fervorosamente perto
do elevador de motos.
— Eita! Bem que eu queria um amasso desse. — Elevo a voz,
assustando ambos.
— Paulinha? — Ritinha se desvencilha do seu namorado, assustada.
— Oi, cunhada. — Viny tem o característico sorriso debochado na
face.
— Eu mesma. O pai não ficaria feliz de ver essa cena... romântica. —
Tento soar repreensiva, mas acabo rindo da cara dos dois.
— Eu falei pro Viny ir embora. — Ela tenta justificar.
— E claro que usou sua língua com afinco para convencê-lo.
— Ah, Paulinha...
— Relaxa. Eu que não vou te julgar. Até queria um peão para isso.
— Se quiser, te apresento uns amigos, cunhada.
— Amigos seus? Tô fora.
— Não confia no meu bom gosto? — Ele finge ofensa.
— Claro que confio. Está namorando minha irmã. Isso prova muita
coisa para mim.
— Touché.
— O que faz aqui, Paulinha?
— Só passei para dar um oi. Estou indo ao bar... Na verdade, na casa
da tia Dulce.
— Marrenta, eu vou embora. Preciso encontrar com Gui no apê dele.
Tem umas merdas pra resolver.
— Tudo bem, nos vemos mais tarde.
— Aconteceu alguma coisa com Gui? — pergunto, curiosa.
— Ex-namorada mala... essas coisas... — Viny responde, antes de
beijar minha irmã e partir.
Pelo que lembro, Guilherme mencionou uma ex-namorada um pouco
problemática no dia que nos conhecemos. Parece que ela é uma patricinha da
capital, que não aceitou direito o término dos dois e vira e mexe liga, manda
mensagem ou aparece para uma visita.
— Paula?
— Oi!
— Tô falando contigo. Tá dormindo?
— Um pouco. Levantei agorinha e ainda não tô funcionado no meu
normal.
— Tá sabendo do leilão? — pergunta, animada.
— Tô sim! A Clarinha quer que eu a ajude com a mãe.
— Clarinha é boba. Já falei pra dona Lélia que vou e pronto.
— Mas você é a rebelde, ao contrário de Clara.
— Isso é verdade. Bem que você podia ir com o Gui.
— Aonde? — Estranho seu comentário.
— No leilão.
— Ele provavelmente vai levar uma mulher para a noite ou até a ex-
namorada. Vai saber... — Dou de ombros.
— Acho que detectei uma pitada de incômodo aí, mana. Ou será
inveja?
Faço minha melhor cara de pouco caso, virando em meus pés, saindo
da oficina.
— Eu tenho mais o que fazer, Rita Maria. Vá mexer nas suas motos e
pare de sandice.
Escuto sua risada quando saio e não me atrevendo a olhar para trás.
Já ouvi falar muito sobre os leilões de cavalos e gado que acontecem
na capital. O ambiente dos afortunados, aonde as pessoas vão bem-vestidas,
ostentam seu poder e se gabam da sua boa vida.
Apesar da curiosidade de ver com meus próprios olhos, não acho que
seja um ambiente que me deixaria confortável. Acompanhar a família Queiroz
seria um bônus, já que acabei me afeiçoando a todos, inclusive, Rômulo, que
sempre me manteve na reserva pelo passado conturbado.
Pensando direito, seria estranho acompanhar Guilherme neste evento.
Isso acontece normalmente com algum pretendente, ou casal, no caso das
minhas irmãs, no fim, ele estaria me apresentando como sua o quê? Amiga?
Balanço a cabeça, dispersando essas ideias, o evento acontece em dois
dias e, se caso ele quisesse minha companhia, já teria dito alguma coisa.
Quando estou quase chegando ao bar, meu celular apita várias vezes,
indicando mensagens novas. A pessoa deve estar muito apavorada para falar
comigo, devido à quantidade de alertas.
Gui — Oi.
Gui — Já acordou?
Gui — Fala comigo, charmosa.
Gui — Oie!!
Eu — Nossa! Pegou fogo em algum lugar?
Gui — Só no meu coração. Quer ser a bombeira e apagar essa
chama?
Solto uma gargalhada com sua cantada barata.
Eu — Adoro pegar numa mangueira, querido. Mas estou mais
para gasolina do que água fria.
Gui — Disso, eu não duvido... ;)
Eu — Qual a urgência? Posso saber?
Gui — Sim. Ontem nos vimos tão rápido que me esqueci de
perguntar. Você quer ir ao leilão na capital comigo? Acontecerá em dois
dias e, apesar de ser em cima da hora, tenho certeza de que vai se divertir.
Perco um tempo olhando a tela do celular, sem saber o que responder.
Mesmo Guilherme explicando que nada aconteceu entre nós aquela noite, ainda
me sinto desconfortável por tudo que imaginei.
Quando só brincávamos e nada saía fora da zona de conforto, era fácil
de lidar, depois de pensar por quase uma semana que realmente transamos e ficar
me corroendo de culpa por não me lembrar de nada, acabei nos colocando em
outro patamar.
Patamar perigoso demais!
Gui — Oi?
Gui — Responde, charmosa.
Eu — Oi... bom, não sei. Nunca fui nesse tipo de evento. Acho que
não saberia me portar.
Gui — Você se portaria bem até ao lado da rainha da Inglaterra.
Não se preocupe. Suas irmãs vão, vai ser divertido e menos maçante para
mim.
Eu — Então, sou só sua válvula de escape?
Gui — Longe disso...
Continuo olhando a tela do celular esperando por algo a mais e nada
vem. Isso não é propriamente um encontro, afinal, estaremos com seus irmãos,
minhas irmãs e sua mãe. Acho que não há problemas em acompanhar um amigo
e conhecer um ambiente fora dos meus padrões.
Eu — Aceito!
Sinto o frio que tem se tornado habitual em meu sistema sempre que
estou presente ou envolvida em algo relacionado a ele. Não parece muito seguro
sentir isso, mas com meus anos de treinamento me blindando dos homens
perigosos, Guilherme será só mais um a superar.
Somos amigos e nos manteremos assim.
Capítulo 3
“Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.”
— Luís de Camões
Paulinha

Chego em casa mais tarde do que previa, a visita na casa da tia Dulce
demorou mais do que o esperado e acabei me enrolando no horário, não restando
muito tempo entre um banho, vestir qualquer coisa e correr para o bar.
Depois do convite que Guilherme fez, acabei divagando demais entre
as possibilidades que nunca vão acontecer, minha tia, por várias vezes, teve que
me despertar dos meus pensamentos que insistiam em fugir de mim.
Contei sobre a ideia da festa temática em cervejas e ela adorou a ideia.
De lá liguei para Armando, meu contato no meio, acabou sendo tão educado e
solícito que ficamos conversando um bom tempo. Fechamos o evento para este
fim de semana, o que acabou me acarretando muito serviço.
Hoje seria o meu dia de folga, mas como fiquei por conta do bar o dia
todo praticamente e, levando em consideração que terei o evento em dois dias,
preferi trabalhar para compensar o dia.
— Clara Maria, você não vai! — Escuto minha mãe alterada na
cozinha.
Marcho direto para lá e me deparo com a cena de Clara chorando feito
uma criança e minha mãe parada à sua frente, com as mãos na cintura.
— O que está acontecendo aqui? — pergunto, chamando atenção de
todos.
— A mãe... — Clara resmunga, soluçando.
— Ela quer ir não sei aonde na capital, com o namorado e eu disse
não.
— Mãe. Relaxa. A Rita e eu vamos também. — Ela me olha, surpresa.
— Você vai? Com quem?
— A família Queiroz inteira vai, até dona Rute. É um evento de
leilões, mãe. Não tem por que não a deixar ir.
— Vou perguntar de novo, Paula Maria. Com quem você vai? — Seu
olhar ameaçador agora foca em mim.
— Guilherme me convidou. Por quê?
— Valha-me Deus! Mais um Queiroz aqui, não! — Ela bate os braços
na lateral do corpo, alterada.
— Mãezinha, não viaja. Gui e eu somos bons amigos. Só isso.
— Como o galanteador era só um serviço de mecânica e o outro
menino era só educado. Veja no que deu. — Ela aponta para Clara.
— Mãe, os meninos são ótimos com as duas. É até injusto a senhora
fazer isso.
— Mas o povo fala, Paula.
— Dane-se o povo, mãe. Você criou suas filhas muito bem e agora
chegou o momento de elas escolherem o próprio futuro.
— Tá falando delas ou de você naquele bar?
— Ah, não. Não vamos discutir isso, de novo. Eita! Já falei que gosto
de lá e ajudo a tia Dulce.
— Sua tia é desmiolada. E você cada dia mais fica parecida com ela.
— Bom, eu preciso trabalhar. Clara, escolhe uma roupa linda, que
vamos a este leilão, sim.
— Eu mando nesta casa, Paula Maria — minha mãe esbraveja, séria.
— Na casa, sim, mas nas suas filhas, não mais. Clara cresceu, mãe, e
eu tenho certeza de que o pai me daria razão.
— Seu pai se encantou com os zoião bonitos daqueles moços — ela
desdenha e eu acabo rindo.
— Você é engraçada, mãe. Tô indo me arrumar. — Jogo um beijo para
ela, que ainda não parece totalmente convencida de tudo isso.
Vejo Clarinha formular um obrigada silenciosamente, antes que eu
saia, e eu pisco um olho, retribuindo.

O pequeno impasse em casa acabou me atrasando mais e quando


cheguei, o bar já está funcionando. Entro pelos fundos, deixando minha bolsa e
jaqueta no armário, com pressa, pego meu avental, vestindo-o correndo e rumo
para frente.
Cumprimento minha tia, que atende alguns homens no balcão, assumo
minha praça, pegando o saco de limão para descascar. O pessoal tem o hábito de
pedir um gomo de limão na long neck, alguma mania de fora que acabou virando
moda por aqui, fora as famosas caipirinhas da Dulce, que sempre tem boa saída.
— Cuidado para não se cortar. — Olho para trás, sorrindo para minha
tia.
— Corto nada. Já peguei tanta prática, que faço de olhos fechados.
— Essa eu quero ver. — Volto meu olhar e Tadeu está apoiado do lado
de fora do balcão.
— Isso é um desafio, primo?
— Com certeza. — Ele sorri de lado, na típica imagem canalha sem
escrúpulos.
Quem nos vê nunca diria que somos parentes. Tadeu é moreno, bem
moreno, eu costumo dizer que faz a linha deus de Ébano, já que seus quase dois
metros de altura, músculos muito bem trabalhados e definidos, rosto talhado com
agressividade e olhar penetrante, difere totalmente das minhas características.
Se reparar bem, nem com tia Dulce ele parece, salvo um traço ou outro
em seu olhar, que é inconfundível em ambos. É bem claro que sua genética
puxou totalmente para o lado paternal, mesmo não sabendo a origem dele.
— Agora estou sem tempo para pensar na minha prenda quando
ganhar, então, faremos mais tarde.
— Arregando?
— Eu nunca arrego. — Paro de cortar o limão e miro a faca em sua
direção.
— Owww.
— Vai cuidar do salão e não me enche.
— Sim, senhorita. — Ele bate a palma no balcão, antes de se afastar.
Continuo minha tarefa, com atenção, tenho que organizar o depósito
ainda hoje para o carregamento que chega amanhã. Fora que me lembrei do
espaço que preciso reservar para os produtos novos da festa no fim de semana.
— Comentei com alguns clientes sobre a prova de cervejas artesanais
e eles pareceram bem empolgados.
— Que bom, tia. Vou fazer isso também, assim, teremos uma ideia
para discutir com Armando.
— Aliás, aquele vozeirão bonito pareceu bem simpático com você. —
Rio do comentário malicioso.
— Ele deve ser assim com todos os clientes.
— Será? — Ela sorri, marota, se afastando.
Termino de descascar o último limão e confiro o estoque das bebidas,
verificando o que precisa ser reposto. Faço uma pequena lista e vou até o
depósito buscar a reposição.
Pego na prateleira uma garrafa de vodca, uma de pinga, saquê e o bom
e velho uísque. Aproveito e pego algumas latas de energético, enchendo a caixa,
e volto para o balcão, colocando-as no lugar.
— Oi, moça. Pode me ver uma cerveja?
— Claro. — Vou até o freezer e pego uma long neck e volto até o
homem. — Aqui está. Você? — Fico surpresa ao ver Armando na minha frente.
— Sim. Não aguentei esperar até amanhã. Fiquei ansioso com você. —
Sorrio e ele explica: — Com sua ideia, quero dizer.
— Eu entendi. Foi bom ter vindo, vou chamar minha tia e podemos
conversar melhor sobre sábado.
— Tudo bem.
Antes que eu saia, Armando toma um gole generoso da sua long neck,
daquela forma bem masculina, que faz qualquer mulher salivar. Um homem que
sabe segurar uma bebida, acaba entregando muito de si. Às vezes paro e fico
observando o comportamento masculino no balcão ou até mesmo no salão e
nunca falho na minha análise.
Um exemplo disso é a forma como Armando entorna o líquido da
garrafa neste momento. Ele não bebe simplesmente, sua boca toca suavemente o
gargalo da garrafa, sutil. O líquido é sorvido devagar, dando tempo para ele
saborear a cerveja, com calma.
Sua mão, apesar de grande, faz um gancho com o dedo indicador em
torno do bico, usando o restante só como apoio. Isso obviamente não gela sua
mão e não esquenta a garrafa com seu calor.
Claro que seu olhar estando cravado em mim, enquanto faz tudo isso,
também mostra seu interesse. Quando minha tia mencionou o interesse dele, eu
disfarcei, mas obviamente notei sua solicitude comigo ao telefone, não sou boba.
Como mencionei, sutil, mas carregado de significados em seus gestos.
— Tia, Armando está aqui. Você vai falar com ele? — pergunto,
fingindo ser algo sem importância.
Ela olha sobre meu ombro, acenando para o homem e volta a me olhar.
— Estou ocupada hoje. Diga que amanhã ligo para ele. Apesar de
acreditar que ele não veio aqui à minha procura. — Ela sorri novamente
maliciosa.
— Para com isso. — Toco seu ombro, rindo.
— Minha tia não pode conversar hoje, mas ela já andou comentando
sobre a festa com algumas pessoas e eles parecem empolgados — justifico,
quando retorno.
— Não tem problema, a bebida e a companhia já valeram a vinda. Fico
feliz que os clientes se animem.
— Pois é — respondo, ignorando seu primeiro comentário.
— Trabalha aqui há muito tempo? — ele pergunta, interessado.
— Sim. Desde os dezenove anos.
— Então, não tem tanto tempo assim. Um ano, no máximo? — ele
brinca.
— Agradeço o elogio, mas não. Tem mais tempo que isso, mas não
direi, isso seria indelicado.
— Na verdade, não me importa. Isso, pelo menos, não. — E lá está o
sorriso contido, porém, convidativo.
Impressão minha ou o calor aumentou aqui?
— Você trabalha faz tempo com isso?
— Uns bons anos. Herança de família.
— Ah, que bacana. E qual a diferença da sua cerveja para essa que
compramos de pilhas?
— Se quiser saber, posso te mostrar. Pode ir um dia para a capital
conhecer o processo de fabricação. — Ele inclina seu corpo levemente para a
frente.
— Claro que quero. Seria bem legal.
— Podemos combinar em algum momento da próxima semana.
— Me passa seu endereço por mensagem, vou confirmar minha folga e
marcamos.
— Façamos melhor. Me liga o dia e a hora que for e eu te busco. —
Sua voz sai carregada de segundas intenções, se havia alguma possibilidade de
me manter alheia, mesmo que intencionalmente, as suas investidas acabaram de
cair por terra.
— Eu te ligo, então. — Sorrio.
— Esperarei. Ansioso. — Ele acena com a cabeça, antes de eu me
afastar para atender um grupo de pessoas que se aproximaram do balcão.
Depois disso, o movimento aumenta consideravelmente, não me dando
mais tempo nem de olhar em direção a Armando, que dirá, puxar assunto. A
pista começa a ficar bem cheia, casais começam a ocupar a área de dança, as
mesas vão enchendo e acabo estranhando toda essa lotação.
— O que tá acontecendo, tia?
— Parece que fechou o bar da estrada. Ficaremos sobrecarregados.
— Eita, que não tô reclamando. — Rimos e continuamos o ritmo.
— Paula? — Armando se aproxima de onde estou.
— Oi. Desculpa não te dar atenção, mas as coisas ficaram meio
malucas por aqui.
— Eu entendo. Já estou de saída, aguardo sua ligação. — Ele pisca um
olho, saindo do bar.
Perco um tempo parada, olhando para onde ele saiu e pondero as
possibilidades de me aventurar com esse homem. Acho que depois do último,
fiquei meio traumatizada e resolvi caminhar devagar com meus próximos
encontros.
Claro que omito de mim, a todo custo, que Guilherme tem grande
participação nesse meu desinteresse em qualquer outro cara, desde que estamos
mais próximos.
Avaliando toda minha situação, talvez Armando seja minha solução
para sair dessa pequena confusão e, quem sabe, conhecer alguém que valha
realmente a pena.
Capítulo 4
“Dentro de mim mora um furacão entre quatro paredes, que insiste em
colocar à prova meu bom senso e toda a minha santidade.
Vive também, um tsunami, que chega de surpresa nos momentos mais
desavisados, e me faz perder as estribeiras, os bons modos...
Me abalam alguns terremotos que balançam meus alicerces e me
deixa tão vulnerável às paixões mundanas.
Nesta minha confusão, eu vivo metendo os pés pelas mãos, e descubro
que a minha anatomia é toda explosão!”

— Mell Glitter.
Guilherme

Abro a pequena porta da sacada do meu flat sentindo a brisa suave do


amanhecer tocar meu corpo quente. Saco o cigarro do maço, depositando direto
nos lábios e acendo, dando uma profunda tragada.
Fecho os olhos, por um instante, sentindo a droga percorrer meu corpo
e poluir um pouco mais meu pulmão. Lembro, mais uma vez, o quanto devo
parar com essa merda, mas a madrugada é o pior horário para se controlar um
vício.
Comecei a fumar por uma brincadeira na juventude, dando uns tragos
aqui, outros tantos ali, comprei meu primeiro maço e, no fim das contas, nunca
mais parei.
Há um ano venho diminuindo — e muito — o ritmo, fumando
somente em alguns momentos do dia, até tenho obtido sucesso na minha
empreitada, menos agora.
Parece que meus momentos de entrega ao vício são os únicos que
conseguem me trazer um pouco de lucidez para as escolhas que tenho feito e os
desejos que tenho sentido.
Olho para trás, vendo o corpo nu parcialmente coberto de Babi. Sua
pele é branca feito leite, extremamente macia e ela sabe fazer um oral como
ninguém.
Droga!
Quando terminamos, há meses, deixei claro que nada mais rolaria,
passei um tempo sem atender suas chamadas ou responder suas mensagens, até
saber por um amigo que o pai a estava obrigando a sair com um velho
milionário.
Fiquei puto da vida com isso, peguei meu celular na hora, discando seu
número e em meia dúzia de palavras, ela entregou tudo o que estava
acontecendo. Acabei agindo por instinto e convidando-a a passar um tempo em
Palomino, até as coisas esfriarem.
Para sua família, ela disse que reatamos, o que fez seu pai recuar e
parar com a podridão que estava fazendo. Babi chegou ontem, no fim da tarde,
com uma pequena mala na mão, o rosto choroso e abalada emocionalmente.
Fiquei com pena, é verdade. Nenhum filho deveria passar por qualquer
tipo de provação assim. Os pais deveriam honrar e proteger, cuidar para que
nada de mal acontecesse à sua família, mas o babaca do Cesar sempre foi sem
escrúpulos, disposto a tudo para conquistar a nata da sociedade e, não tenho
dúvidas que, entregar sua filha como barganha, seria uma opção.
Quando Viny esteve aqui mais cedo, acabei desabafando tudo que
estava acontecendo com Babi e o porquê de ela estar vindo para uma visita
temporária no meu flat. Concordamos que era o melhor a se fazer para ela, já
que sua família inteira queria jogá-la aos leões.
Claro que não estava em meus planos me envolver sexualmente de
novo com ela, quando terminamos deixei claro que não teria volta e mantenho
minha posição.
Ela estava carente, fragilizada, tentei ser gentil, amigo, uma coisa
levou a outra e, quando dei por mim, já tínhamos tomado uma garrafa de vinho e
estávamos nus sobre o sofá.
Acordei com uma dor de cabeça terrível, não gosto de vinhos, mas ela
sempre amou e acabou encontrando um de seu agrado na pequena adega que
tenho na cozinha. Insistiu para bebermos e comemorarmos a sua liberdade
conquistada. Vê-la alegre me animou e acabei concordando.
Dou a última tragada no meu vício e volto para dentro do flat, usando
só uma boxer preta, os cabelos ainda bagunçados e pés descalços, caminho até a
cozinha e preparo uma boa dose de café.
O sorriso brota em meus lábios quando vejo o pequeno frasco de
canela em pó na pia, pego-o, me lembrando do dia em que Paula dormiu aqui.
— Adorooooo café... mas... tem que ter canela. Três pitadas! — Ela faz
sinal com a mão enfatizando sua explicação.
— No meu caso, só café puro.
— Nhá... besteira, gostoso. Café, canela e leite é a melhor coisa. —
Seu passo vacila, fazendo-a ter um pequeno desequilíbrio.
Por instinto, avanço puxando seu braço para que não se machuque,
fazendo nossos corpos se chocarem. Minhas mãos automaticamente circulam
sua cintura e o maldito cheiro de avelã invade meu sistema, fecho os olhos
inspirando profundamente e tentando, mais uma vez, guardá-lo inteiro para
mim.
Suas mãos estão espalmadas no meu peito nu. Saímos para beber
hoje, acabamos passando um pouco do ponto, eu, nem tanto, mas Paula
literalmente perdeu a linha e, no fim das contas, a convidei para um café no flat.
Sinceramente eu estava pensando com a cabeça de baixo. Desde que a
conheci, sua boca larga de sorriso convidativo, mas olhar totalmente desafiador,
tirou minha paz.
Ela é naturalmente sedutora em todos os seus trejeitos e, o mais
curioso, não é algo forçado e nem treinado. É dela. Sua essência é convidativa,
intrigante e extremamente gostosa de se observar.
E foi exatamente isso que comecei a fazer. Do momento que a conheci
até agora é só o que tenho feito, a observado. Terminei meu namoro há algum
tempo e para mudar os ares comecei a ficar mais em Palomino do que na
capital, precisava achar um novo rumo.
Quando Viny retornou de viagem, fui ao bar da Dulce, coisa que não
tinha feito antes, sempre preferindo os bares na estrada ou na cidade vizinha.
Era bem mais fácil para pegar uma mulher, levá-la para o flat e, no outro dia,
dispensá-la com um beijo demorado sem promessas de repetir a dose.
— Uau! Que peitoral firme. Nossa, essas tatuagens dão um tesão... —
Ela morde o lábio, admirando meus desenhos.
Seus dedos percorrem as linhas no meu peito e, por um instante, paro
de respirar sentindo seu toque delicado no meu corpo. Por onde eles passam
sinto como brasa queimando, meu corpo inteirinho fica desperto e em alerta.
— Você gosta de tatuagens... — Minha voz sai mais rouca que o
normal.
— Sim... gosto! — Seus olhos encontram os meus. — Me beija, Gui...
Eu não penso, simplesmente obedeço.
Nossos lábios se chocam e minha língua afoita pede passagem pelos
seus lábios. Sem relutância, eu a devoro, consumo seus lábios, enquanto minhas
mãos descem para o topo da sua bunda, segurando-a com firmeza.
Meu pau, muito bem acordado, reclama dentro da calça e eu ainda
tenho um pingo de sanidade para saber que não é o momento de ele entrar em
ação, apesar de sentir um tesão incomum.
Suas mãos sobem para minha nuca, ela enlaça seus dedos nos meus
cabelos, segurando-os firmemente. Minha cabeça gira sentindo o prazer me
entorpecer e a todo custo tento lembrar que não posso avançar demais aqui.
Ela não está em seu normal, Guilherme! — minha consciência grita e
eu quase a ignoro.
Paula quebra nosso beijo, se afastando de mim, antes que eu me
sentisse realmente satisfeito, encaro seu rosto com a respiração irregular e,
sorrindo feito uma menina travessa, ela puxa a blusa pela cabeça, dispensando-
a no chão.
Meus olhos automaticamente miram seu colo, seus seios e abdômen,
ela é perfeitamente linda, esculpida para o prazer e eu quero muito me afogar
em tudo aquilo.
Ela solta o primeiro botão da calça, me chamando com o dedo
indicador, dou um passo adiante e freio, tentando usar a razão nas minhas
ações.
Paula termina de abrir sua calça e, se curvando totalmente para
frente, suas mãos empurram a peça até se formarem um amontoado em seus pés.
Quando tenta erguer a perna para se soltar ela vacila em seu equilíbrio e eu a
puxo para os meus braços.
A pior parte de se tentar ser a razão em uma situação dessas é
conseguir ignorar a temperatura corporal dela, seus seios prensados em meu
peito, seu rosto tão próximo do meu, que posso sentir sua respiração tocando
meu pescoço.
Para complicar ainda mais minha miséria, Paula deposita um beijo
cálido e calmo na minha clavícula, o lugar incendeia e, como um raio, ele
atinge diretamente meu pau.
Perco a batalha entre a razão e o instinto e subo as mãos segurando
seus cabelos, com força, e reivindico novamente sua boca para mim.
Prazer. Somente prazer.
Tudo é tão bom e intenso que não consigo pensar em qualquer outra
ocasião que tenha sentido as mesmas coisas. Caminho a passos curtos com ela,
ainda mantendo sua boca cativa na minha e quando a jogo na cama, sua risada
desperta meu modo predador.
Puxo sua calça, tirando-a pelo seus pés, seus olhos sérios focam em
mim, fico de joelhos no chão à sua frente, pego uma das suas pernas e,
começando pelo seu pé, eu a beijo.
Beijo seu tornozelo, deslizo a mão por sua panturrilha, minha língua
percorrendo o mesmo caminho que meus dedos e quando chego ao início da sua
coxa, escuto o primeiro ronco.
Paro tudo que estou fazendo vendo Paula ressonar na cama.
— Você merece isso, Guilherme. Merece — solto, em lamento.
Meu pau protestando a todo custo, mas a razão volta com força total e
joga o balde de água fria cheio de moral em cima de mim. Nunca faria nada
com ela alterada, acabei agindo por impulso e deixei meu desejo ditar minhas
ações.
Recupero meu bom senso, ajeito Paula na cama e cubro seu corpo
com o lençol. Estou tentando fazer a coisa certa, mas ter a visão de tudo que
não estou aproveitando é tentador demais.
Retorno até a bancada onde seu café ainda a espera. Acabamos nem
tomando e, numa tentativa de provar do seu gosto, eu tomo um gole e, no fim
das contas, acabo me afeiçoando.
Volto para minha realidade colocando as três pitadas de canela no meu
café, pego o leite aquecido na chaleira e completo minha caneca. Depois de um
bom gole e sentir o prazer desse gosto na minha língua, abro os olhos.
Babi ainda dorme, sempre gostou demais da cama para levantar cedo,
já eu, gosto do amanhecer. Sempre estou acordado, admirando o céu ganhar cor
da sua escuridão noturna, os primeiros raios cruzando o espaço e formando o
tom alaranjado, característico de mais um dia.
Ainda não sei como tudo isso vai funcionar. Minha ideia inicial era
deixar Babi aqui no flat e ficar mais tempo na fazenda, para lhe dar espaço e
evitar que ela confundisse as coisas.
Bom, depois de hoje, o plano realmente não será como previa. Não
tenho intenção alguma de reatarmos, o momento foi prazeroso, nos divertimos,
exorcizei um pouco do tesão que tenho acumulado, mas não é isso que realmente
quero.
Desde aquela noite em que senti Paula se aconchegar e dormir
pesadamente em meus braços, seu corpo quente se unindo ao meu, parecendo
querer nos fundir, não consigo tirá-la da mente.
Antes havia o interesse, desejo e as brincadeiras. Mantínhamos uma
amizade sadia, cultivávamos confiança e cumplicidade, de certa forma, porém,
tudo mudou completamente.
Notei que ela não se lembra do que aconteceu exatamente aquele dia e,
mesmo assim, sei que ela está afetada e pensativa com isso, tanto quanto eu.
Nossa diferença provavelmente está no fato de ela querer relutar em nome da
amizade e eu querer avançar, a qualquer custo.
O que aconteceu hoje provavelmente foi uma tentativa muito falha de
mudar o foco da minha atenção e, mais uma vez, falhei miseravelmente.
Era a Babi, o cheiro da Babi, o toque da Babi, mas minha mente fazia
questão de distorcer minha realidade e a cada momento que fechava os olhos, eu
via aquele corpo pecador, sua boca expressiva e o olhar desafiador me
encarando.
Coço minha nuca, ponderando minha moralidade e o quão canalha
acabei sendo, ao usar uma para aplacar o desejo da outra e, no fim das contas,
acabar frustrado e me sentindo uma merda.
Vou para o banheiro e tomo uma ducha fria. Esfrego meu corpo,
enquanto tento pensar em alguma forma de levar tudo isso de forma pacífica,
mas eu sinceramente não sei como.
Coloco uma camiseta branca, calça jeans rasgada e um tênis. Pego
meu bloco de anotações e deixo um bilhete para Babi, avisando que estou indo à
fazenda resolver algumas questões e que nos vemos mais tarde.
Eu sei que soa como covardia, parece covardia e talvez até seja isso
mesmo, mas preciso de um tempo, preciso processar tudo que está acontecendo e
achar uma forma de fazer acontecer, pois, de uma coisa eu tenho certeza: eu não
vou perder minha chance com a Paula por essa noite sem importância.
Capítulo 5
“Eu, agora — que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?”
— Mario Quintana, Do Amoroso Esquecimento.
Paulinha

Caminho preguiçosamente pelas ruas da cidade. O movimento ontem


foi intenso e acabei chegando tarde e exausta, mais uma vez não fiquei até
fechar, deixando minha tia e Tadeu para finalizar tudo.
Acordei mais cedo do que pretendia, Clara com sua agitação pelo
grande evento de amanhã, minha mãe nervosa com as encomendas que
atrasaram e Antonia, que está de folga, e resolveu dar uma faxina na casa.
Estou a caminho do bar, vou chegar bem antes do combinado, mas ao
menos terei um pouco de paz e sossego, aquela família ainda vai me deixar
maluca.
O sol está forte hoje, as pessoas caminham apressadamente,
provavelmente correndo com o dia conturbado. Mantenho meus passos
tranquilos e observo o movimento à minha volta, não procurando nada em
específico, mas atenta para qualquer coisa.
Atravesso a rua quando vejo a padaria, ando com vontade de comer os
pães amanteigados que fazem aqui. Minha mãe não pode nem sonhar que prefiro
eles aos dela, mas o que posso fazer? Foi amor à primeira mordida e apesar de
manter uma dieta regular para meu corpo, esses pãezinhos são a única coisa que
tiram meu foco.
— Oi, seu Neto.
— Dia, menina Paula. Pãezinhos?
— Sim, por favor. — Sorrio quando ele já sabe meu pedido.
Olho em volta, esse horário o movimento por aqui costuma ser mais
tranquilo, quase ninguém nas mesas, penso em sentar e comer meus pães aqui
mesmo.
Ocupo uma mesa na ponta, próximo à saída, olho para o canto vendo
uma moça loira, esguia, muito bem vestida, mexendo seu café, enquanto verifica
a tela do celular.
Estranho sua figura, não é comum vermos pessoas, que visivelmente
não pertencem ao nosso pequeno mundo, envolvendo-se na rotina daqui.
Provavelmente seja uma turista que quebrou seu carro supercaro, precisou dos
serviços do meu pai, agora mata seu tempo enquanto espera o conserto.
Mordo meu pão, que contém a dose certa de açúcar para animar o
restante do meu dia e, provavelmente, parte da minha noite, já que lidar com os
bêbados do bar nem sempre é uma tarefa fácil.
Uma bunda maravilhosamente linda passa por mim e perco algum
tempo hipnotizada nela. Subo o olhar para conferir se o conjunto é completo ou
só em parte aproveitável e reconheço a figura.
— Guilherme... — sussurro, constatando.
Ele cumprimenta a riquinha que eu observava ainda há pouco,
sentando de costas para mim, não consigo mais ver o rosto dela e, pela distância,
não ouço o que conversam.
Mordo mais um pedaço do meu pãozinho delicioso e parece que o
gosto perdeu um pouco da graça. Limpo minhas mãos sujas de açúcar no
guardanapo e levanto, deixando meu prato no balcão,
— Não estava bão, Paula? — Neto pergunta, vendo que deixei um pão
e meio na bancada.
Olho em direção do casal, antes de responder ao Neto, conferindo se
Guilherme ouviu mencionar meu nome.
— Estava ótimo, eu que estou sem fome mesmo — respondo um
pouco baixo para não ser ouvida por eles.
— Tá certo. Quando ver seu pai, agradece a ele pelo conserto da
Kombi. Agora ela tá tinindo nas entregas.
— Pode deixar. Tchau. — Viro meus pés, caminhando o mais rápido
que consigo.
Apesar de ouvir e responder ao Neto, meus olhos não deixavam o
casal, que parecia conversar fervorosamente na mesa. A curiosidade me chamava
para saber do que tanto falavam, porém, o desejo de não ser vista era maior e
rapidamente tentei sair dali.
— Paula?
Fecho os olhos automaticamente quando ouço o timbre tão conhecido
chamando pelo meu nome. Olho para trás, vendo Guilherme de pé, me
encarando.
— Ah... você! Olá — respondo, sem sair do lugar.
— Bem. Não te vi quando entrou. — Ele caminha até mim.
— Acho que estava ocupado. — Olho sobre seu ombro, vendo a loira
bonita encarando a nós dois.
— Bem... aquela é a Babi... minha ex... ex-namorada — ele finalmente
desengasga, mencionando sua relação com ela.
Não consigo pensar em uma resposta rápida para o que ouço, na
realidade, o incômodo que comecei a sentir antes, agora está maior e não me faz
raciocinar direito, só sinto à vontade de sair daqui o quanto antes.
— Que bom. Deixa eu ir, tenho uma reunião daqui a pouco —
respondo, dando alguns passos para trás.
— Espera! Paula... Será que podemos conversar hoje à noite? Eu passo
no bar?
— Claro. Se estiver tranquilo podemos, sim. — Sorrio gesticulando
com os braços. — A correria lá é grande.
— Te vejo à noite. — Seu sorriso é sincero.
Concordo com a cabeça, saindo, não me atrevo a olhar para trás,
esfrego meu peito quando o incômodo sufoca levemente a lufada de ar que tento
tragar. Aperto meu passos a caminho do bar, a imagem do casal perfeito na
minha cabeça não para de piscar e alertar que as coisas iriam mudar conosco.
Tenho me apegado muito à amizade de Guilherme, depois da nossa
pequena confusão tudo se intensificou e acabei me atrapalhando com o que
somos e o que minhas fantasias desejavam nos tornar.
Somos amigos e tenho muito orgulho disso, gosto da sua companhia e,
mesmo em meio às brincadeiras escrachadas, soubemos construir nosso respeito,
admiração e carinho um pelo o outro.
Possivelmente estou desenvolvendo algum tipo de ciúme de amigo,
coisa que nunca aconteceu antes, porém, nunca estive em uma amizade como a
que Gui e eu temos.
Na realidade, eu nunca fui muito amiga de homens. Sempre nos demos
bem, mas, de qualquer forma, sempre joguei com eles.
Flerte, conquista, encontro e adeus.
Soa tão frio quando penso nisso, mas a verdade é que nunca nenhum
homem conseguiu, de fato, entrar em meu coração. Sempre ouvi suas promessas
vazias, desejos que não passavam de carnais e nunca nenhum quis conhecer
meus interesses a fundo.
O único a querer realmente isso foi Guilherme, claro que em forma de
amizade, mas ele acabou entrando com facilidade, pegando sua cadeira dobrável
e se instalando em meu coração.
Um amigo perfeito, que sabe como entender minhas necessidades só
me olhando, passando a confiança que preciso em vários momentos e sorrindo
quando a tristeza ameaçava chegar.
Nem sei se ele sabe o quão importante nossa amizade se tornou em tão
pouco tempo. Acho que, eu mesma, não havia me tocado disso até agora.

Chego ao bar, parando direto no estoque, pego a pilha de garrafas que


precisam ser organizadas e começo por elas. Faz uma semana que protelo esse
serviço, nunca tive muita paciência para o minimalista, parecia que era foco,
tempo e chatice demais para algo tão pequeno.
Com a minha confusão iminente de sentimentos acabou sendo a
alavanca necessária para eu focar em algo chato e que tiraria minha mente de
onde ela não deveria caminhar.
— Oi. — Olho para a porta, vendo Tadeu encostado no batente.
— Oi. Viu? Finalmente criei coragem para organizar essa pilha.
— Percebi. Só não sei por que estou te notando mais agitada que o
normal.
— Essa sou eu — respondo, com um sorriso travesso.
— Sei. Preciso falar com você. — Seu semblante sério me preocupa.
— O que houve? — Paro tudo que estou fazendo, lhe dando total
atenção.
— Semana que vem vou viajar novamente. você dá conta de tudo com
a minha mãe?
— Tadeu...
— Não quero discutir isso, de novo, Paula. Só preciso saber que minha
mãe terá companhia enquanto estou fora.
— Claro que estarei. Nunca a deixaria sozinha.
— Ótimo — ele responde, sucinto, saindo dali.
— Espera. Se eu não falar nada, não serei eu. — Seu maxilar tenciona
quando me encara novamente. — Não sei o quão ruim é não saber exatamente
sua origem, já que sei quem são meus pais, mas você precisa relaxar. Sabe o
quanto isso a machuca.
— E a mim, não?
— Não foi isso que eu disse. Ela sempre esteve ao seu lado, lhe deu o
que pôde, amor, atenção, carinho, bancou seus estudos e tem sido mais do que
mãe para você.
— Eu sei disso, Paula. Não preciso ser lembrando. Só acho que tenho
o direito de saber quem é meu pai e isso não deveria machucá-la.
— Vocês precisam conversar — argumento.
— Mais? — Sua voz sobe uma oitava. — Já conversamos, discutimos,
debatemos e, no fim, não chegamos a nada. Eu vou descobrir quem é meu pai,
Paula. E ninguém vai impedir isso, nem ela.
Escuto seus passos firmes enquanto se afasta, balanço a cabeça,
lamentando.
Consigo entender sua frustração, minha tia não fala sobre seu pai, não
menciona absolutamente nada, nem quando ele questiona. Sua necessidade de
conhecer a origem o tem deixado cada vez mais distante da própria mãe e isso é
bem triste de se ver.
Já tentei conversar com minha tia, mas ela se comporta da mesma
forma que ele.
— Paula, você tem visita. — Escuto a voz grossa de Tadeu me chamar.
Desço da cadeira que estou usando como escada para alcançar a última
prateleira de bebidas e vou atender quem quer que esteja aí.
Meu coração tamborila algumas vezes no peito, a imagem de
Guilherme com a loira rica volta à minha cabeça e começo a fantasiar encontrá-
los no salão.
Respiro, aliviada, quando vejo Armando parado próximo ao balcão,
ele usa uma calça escura bem ajustada no corpo, mãos no bolso, uma camisa
branca bem alinhada cobrindo seu tronco, seu olhar encontra o meu e com um
meio sorriso ele acena.
Sim, eu estava lhe checando e ele viu tudo isso.
— Boa tarde, Paula.
— Boa tarde, Armando. Minha tia já deve estar descendo.
— Que bom. Podemos nos sentar?
— Ah, sim, claro. Por favor. — Indico uma mesa próxima de nós para
sentarmos.
— Sei que é cedo para isso, mas confesso que fiquei esperando sua
mensagem. — E ele manda assim, à queima-roupa mesmo.
— Ainda não tive tempo de olhar para o celular, mas a proposta está
de pé. — Sorrio ao responder.
— Fico muito feliz em ouvir isso.
— Se quer ganhar um cliente, deve conquistar a mim, moço — minha
tia brinca, se aproximando da mesa.
— Bom saber disso, dona Dulce. Para ganhar uma chance com ela é
com você também? — Seu sorriso se alarga e ele se levanta para pegar a mão da
minha tia.
— Isso é com ela mesmo. Eu diria que está no caminho certo. —
Encaro-a, chocada.
— Ok. Vamos deixar o tema Paula e possíveis encontros para depois.
O que tem a propor, senhor Armando? — Tadeu pega uma cadeira sentando de
frente para ela e apoiando suas duas mãos no encosto.
— Tem razão. Tenho uma seleção de cervejas bem interessante. Posso
mandar entregar aqui uma prova ou, se preferirem, podem visitar meu local e
conhecer todo o processo.
— Isso seria legal, mas estamos sem tempo — Tadeu responde.
— Fale por você. Eu tenho todo tempo do mundo — minha tia rebate e
Tadeu a encara, não muito receptivo.
— Como o evento é sábado agora, acho melhor eu enviar a prova hoje
e vocês analisam o que querem. Deixarei a descrição, composição e algumas
explicações para vocês, assim fica mais fácil — Armando argumenta, sensato.
— Achei ótima a ideia — comento, vendo mãe e filho darem de
ombros.
Vai ser uma tarde e resto de semana bem interessante. Dois adultos
agindo feito crianças e eu no meio, apaziguando da melhor forma possível.
A reunião transcorre da melhor forma, Armando se mostra um ótimo
parceiro, tem a paciência de explicar toda a teoria, mostra algumas sugestões de
preço e até ensina algumas formas de como abordar e convencer ao cliente como
um produto se difere do outro.
Encerramos a reunião um pouco mais tarde que o pretendido, ele se
despede de todos e, sem qualquer receio, me pede para acompanhá-lo até a saída.
— Ficarei esperando por sua mensagem, Paula. Para sim ou para não
— ele fala diretamente.
— E você a terá em algum momento. Não gosto de ser pressionada.
Deixemos a coisa fluir.
— Desculpe minha forma direta, mas, de fato, nunca me encantei com
alguém como ocorreu com você. Pelo menos, não desde que minha esposa
morreu, há dois anos.
— Ah... eu sinto muito.
— Tudo bem. O luto já passou.
— Fico feliz que esteja lidando bem com isso.
— Obrigado. Nos vemos no sábado, caso não ligue antes.
— Sim — respondo, sucinta, voltando para dentro.
Tenho que admitir que a determinação dele e sua abordagem direta é
realmente cativante. Não gosto de homens que fazem tantos joguinhos, prefiro
algo mais palpável e real, saber onde estou mexendo é sempre mais seguro.
Armando tem se mostrado cada vez mais a melhor opção para eu
seguir, talvez um encontro ou dois seja o suficiente para limpar minha mente de
tudo que tem acontecido nos últimos dias e, quem sabe, ele não se torne uma boa
companhia ou algo a mais.
Capítulo 6
“Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...”
— Oswaldo Montenegro, Metade.
Paulinha

— Clara Maria, saia desse banheiro, agora! — Escuto do meu quarto a


mãe gritando com Clarinha.
Estou procurando meu vestido vinho, quase preto, que está guardado
no guarda-roupa. Seu estilo tubinho é bem clássico e o corte reto no colo dá um
ar mais elegante.
Escuto Clara reclamar algo do banheiro, minha mãe retruca e as duas
ficam debatendo por um tempo. Já faz, ao menos, meia hora que ela toma banho
para o evento e Rita acabou de chegar, querendo usá-lo.
Rio do desespero das duas que ainda duvidam do que irão usar, como
arrumar o cabelo ou como se portar. No fim das contas, eu ir também acabou
sendo a melhor opção para salvar as duas.
— O que acha desse vestido? — Ritinha aponta para um modelo preto,
evasê, simples e muito elegante.
— Lindo. Coloca aquele cinto vermelho pequeno e minha sandália.
Vai ficar perfeito.
— Ah, jura? Estava pensando neles mesmo. — Faço cara de tédio para
ela, que ri de mim.
— Pronto, Ritinha, já desocupei o banheiro — Clara passa no corredor,
avisando.
— Ufa! — ela responde, exagerada, pegando sua toalha e correndo
para o banheiro.
— Não sei por que tanto histerismo — Antonia comenta, parando no
batente da porta.
Encaro sua figura enfadada, usando sua roupa de trabalho, calças
brancas jeans, camiseta ajustada ao corpo também branca, tênis no pé e o cabelo
preso em um coque bagunçado.
— É o primeiro evento delas com os namorados, isso é natural.
— Você não está desse jeito.
— Eu sou só uma acompanhante, uma amiga. Além disso, sou mais
acostumada a lidar com pessoas e eventos do que elas.
— Então, você e o outro Queiroz não tem nada? — A curiosidade
evidencia em sua face.
— Não. Somos bons amigos.
— De lá, nunca sai nada de bom. — O tom amargo é quase palpável.
— Você precisa superar as coisas, Antonia.
— Eu não preciso superar nada, Paula. Já está tudo resolvido, mas isso
não quer dizer que vou simplesmente esquecer.
— Você quem sabe. Não irei mais discutir isso contigo — respondo
simplesmente.
— Que bom.
— Mas isso não quer dizer que concordo — aviso, encarando-a.
— Antonia, me ajuda aqui! — minha mãe grita de alguma parte da
casa e ela sai sem rebater o que eu disse.
Volto à atenção para meu vestido, ficando satisfeita com a minha
escolha. Normalmente eu usaria algo mais decotado ou mais curto, mas a
ocasião pede formalidade, o que me leva a pensar que deverei entrar muda e sair
calada.
Atribuo essa decisão totalmente voltada às questões sociais e ignoro
completamente o fato de ainda estar pensando na cena de ontem e o quanto meus
dedos coçaram para mandar uma mensagem ao Guilherme, perguntando tudo
sobre a volta da sua ex.

Quando estamos as três vestidas, cada uma em seu vestido


característico, maquiadas e perfumadas, a irritação da dona Lélia se dissipa. Seus
olhos marejados nos encarando de pé na sala chega a ser engraçado.
— Oia que lindeza elas tão, Jaime.
— Claro que tão, uai. Minhas fia — meu pai responde, orgulhoso, da
poltrona que está sentado.
Escutamos uma buzina vinda de fora e Clara e Rita se agitam.
— Calma, as duas! Quero que eles entrem aqui.
— Mãe... — elas lamentam e eu rio.
— Já conheço o namorado de vocês, mas é a primeira vez que o
Queiroz desenhado vem buscar sua irmã. — Fecho a cara no mesmo instante.
— Mãe, isso não é um encontro. Somos amigos — justifico
novamente e ela só abana a mão.
— Boa noite, dona Lélia — Marcelo cumprimenta minha mãe, assim
que passa pela porta.
Vinicius entra em seguida não olhando para mais nada que não seja
sua namorada. Seu olhar com certeza denuncia muitas coisas impróprias para o
momento, Rita também parece hipnotizada, cutuco seu ombro com o meu para
despertá-la.
Não tiro a razão de Vinicius estar tão cativo, minha irmã é linda em
seu normal, mas hoje ela conseguiu se superar. O vestido muito bem alinhado
em seu corpo, abrindo no quadril deixando sua anca ainda maior, o salto
vermelho dando o toque de poder e sedução na medida certa, ele nunca teria
chance.
Marcelo também não fica atrás, parando por tempo demais admirando
Clara. Diferente de Rita, seu vestido é frente única, em tons floridos discretos,
um pano bem leve que arma uma roda leve a partir da cintura. Seu ar angelical é
encantador, ainda mais por ter resolvido fazer uma trança de lado, deixando o ar
de menina evidente.
Sorrio para a cena e quando, finalmente, encaro a porta, meu coração
dispara e meu rosto perde sua graça. Minhas mãos estão levemente suadas,
consigo sentir no contato com minha bolsa de mão.
Guilherme usa o cabelo alinhado, o que não é comum, uma calça
escura lisa, camisa social com as mangas puxadas para cima, sapato social e a
barba rala e alinhada. Total e completamente comestível.
— Boa noite a todos. — Ele parece sair do transe em que estávamos,
cumprimentando a todos.
Continuo admirando sua figura e tentando não arfar em cada passo que
ele dá. Sinto-me como uma mosquito sendo atraído para a luz, eu sei que vou me
queimar, todos sabem que isso vai acontecer, mas é inevitável e hipnotizante.
— Oi, charmosa — ele cumprimenta, pegando minha mão fria e
deposita um beijo casto. — Está com frio?
— Não. Eu tô bem... — pigarreio, limpando a garganta. — Podemos
ir? — falo mais alto, olhando em volta.
— Pera! Quero tirar uma foto. — Minha mãe sai correndo da sala em
busca do celular.
— Não acredito! Paula, faz alguma coisa! — Rita reclama.
— É isso e deixá-la feliz ou aguentar seu mau humor na volta —
respondo, fazendo-a se calar.
— Junta todo mundo aí — minha mãe ordena.
Nos colocamos na parede próxima à porta, onde tem mais espaço e
ficamos, os seis, intercalados entre irmãos e irmãs posando para a foto.
— Ah, mãe. Tira aquela que vimos das mulheres na frente e os homens
atrás — Clara Maria dá ideia e eu tenho vontade de esganá-la.
— Boa ideia — minha mãe se anima.
Os dois casais se ajeitam e eu encaro Guilherme, dando de ombros. Ele
tem um sorriso faceiro no rosto, parece estar se divertindo com isso, se
colocando atrás de mim, ele descansa as duas mãos na minha cintura e puxa
levemente meu quadril para si.
Engulo com dificuldade quando sinto um volume considerável vindo
do nosso contato, tento sorrir para a câmera e deixar a melhor cara de paisagem
transparecer, mas aos poucos o calorão que me toma queima até minhas orelhas.
— Agora, de cada um, separado — minha mãe anuncia.
— Mãe... — Rita lamenta.
— Deixa ela tirar, marrenta. Você tá linda! — Vinicius intervém,
beijando o nariz de Ritinha.
— Para aí! Deixa eu tirar uma assim — minha mãe ordena e eu caio na
risada.
— Chin chenhola — ele responde, concordando, paralisado em seu
bico.
Meia dúzia de fotos depois, chega minha vez e de Guilherme, o que
acho totalmente desnecessário, já que somos só amigos, mas ele parece tão
animado que não quero tirar sua empolgação.
— Digam “X” — Clarinha fala.
Gui e eu sorrimos para a câmera e minha mãe fotografa, suas mãos
passando por minhas costas e agarrando minha cintura firmemente, não está
colaborando em nada com a tentativa de parecer descontraída.
Mais alguns cliques depois conseguimos finalmente sair do Studio da
dona Lélia e seguimos viagem. Curiosamente cada Queiroz foi com seu carro, as
intenções dos irmãos são mais que claras, mas e a do Gui?
O suador em minhas mãos começa a incomodar, meu peito não para de
palpitar e começo a considerar um possível problema cardíaco.
Como de costume, ele abre a porta do carro para mim, agradeço gentil
e sento-me, afivelando meu cinto. Logo Guilherme toma seu lugar ao meu lado,
dando partida em seu carro e saímos na frente dos outros.
— Sua mãe é uma figura.
— Sim, ela é. Ainda é muito novo para ela lidar com os namorados,
ainda mais, sendo os Queiroz.
— A fama. — Ele entende.
— Pois é. Pelo menos, elas não namoram o pior de vocês. — Acabo
rindo e Guilherme me acompanha.
— Rômulo. Aquele não tem jeito.
A conversa morre, mas apesar de eu pensar que seria estranho, o clima
entre nós é tranquilo. Guilherme liga o som e uma melodia lenta e gostosa
começa a tocar. Parece um tipo de country mais lento, quase um lamento.
— You’re as smooth as Tennessee whiskey. Você é tão suave como o
uísque do Tennessee — ele canta e traduz rapidamente para mim. — You’re as
sweet as strawberry wine. Você é tão doce quanto o vinho de morango. You’re as
warm as a glass of brandy. Você é tão calorosa quanto um copo de conhaque.
And honey, I stay stoned on your love all the time. E, querida, eu continuo
chapado com seu amor o tempo todo. — Ele só me encara quando traduz cada
parte e seus olhos estão novamente carregados de significados.
— Linda música — comento quando ela chega ao fim.
— Sim. Linda. Tem outra música que ele canta com a Pink, mas essa
vou te mostrar em outra ocasião.
— Hum, é mesmo? Posso saber quando? — pergunto, graciosa.
— Ainda não. — Seu sorriso enigmático faz meu estômago se retorcer
em ansiedade.
— Paula... sobre ontem, acabei não conseguindo passar no bar e minha
ex...
— Você não tem que dizer nada, Gui. Sua ex voltou, vocês
provavelmente estão tendo um “remember” e isso é natural. Fico feliz, se você
estiver feliz. — Tento soar o mais descontraída possível.
Ele não fala nada por um longo tempo, só concordando com a cabeça.
— Ela está com uns problemas e eu estou dando uma força.
— Isso é bacana da sua parte.
O assunto morre novamente entre nós e essa situação começa a me
incomodar. Nada parece tranquilo e comum mais, antes estava ansiosa pela
conversa e, agora que falou sobre ela, estou incomodada.
— Me diz uma coisa: como funcionam esses leilões? Já vi alguma
coisa na TV, mas confesso que pessoalmente nunca cheguei nem perto.
— É um pouco entediante. O único que se diverte para valer com isso
é Rômulo, que acaba deixando seu lado competitivo falar mais alto.
— Sério?
— Sim. Chega a ser meio engraçado.
— Os cavalos são caros?
— Isso depende, mas no geral, são preços acima do comum. Os leilões
têm a finalidade de mostrar o raro, valorizado e tradicional e a soma disso é um
valor exorbitante.
— E os Palomino fazem sucesso?
— Os nossos, sim. Os leilões no Brasil ganharam força por volta da
década de cinquenta e, desde lá, meus avós já estavam no ramo. Anos investidos
em pesquisa, tratação, cruzamento e cuidados, nos colocou no topo da categoria
e fica difícil nos tirar de lá.
— Uau.
— São os chamados animais de elite e quanto mais nome, tradição e
ninhagem têm, mais caro é.
— E esses animais ficam onde lá?
— Rômulo já foi há dois dias para a capital com o lote do leilão.
— Lote?
— Sim. Usamos o nome lote para definir os animais que serão
leiloados. Eles ficam em baias específicas na casa de leilões, com nossos
tratadores e supervisão constante.
— Quase um carro forte?
— Mais ou menos por aí. Um animal às vezes vale muito mais que um
carro cheio de dinheiro.
Arregalo os olhos, espantada com o que diz. A melhor parte de
conhecer Guilherme é que, apesar de ter muito dinheiro, ele não age como tal.
Sua forma simples de explicar e falar das quantidades monstruosas de dinheiro
que movimentam em um único leilão não o torna arrogante, está mais para um
esclarecedor do assunto.
— Hoje não estamos com tanta carga. São dois potros para uma futura
matriz e duas coberturas.
— O que quer dizer? — Olho-o, confusa.
— Significa que os potros foram iniciados para se tornarem os
garanhões de um plantel, em que eles levam a melhor herança genética dos
nossos cruzamentos.
— E cobertura?
— O cruzamento em si.
— Mas isso é prostituição dos bichos. Vocês leiloam a trepada? —
Minha voz se eleva com a surpresa.
Guilherme gargalha ao volante, sua risada é aberta e convidativa e
acabo rindo sem, ao menos, saber de onde veio tanta graça.
— Você é definitivamente uma figura, Paula. — Ele ainda ri
comentando e eu dou de ombros.
Fico feliz de fazer algo realmente verdadeiro por ele, Guilherme
parece mais relaxado hoje, tranquilo, e sua risada me toca como um bálsamo,
acalmando todos os sentimentos conflitantes que duelam dentro de mim.
Capítulo 7
“O futuro tem muitos nomes.
Para os fracos é o inalcançável.
Para os temerosos, o desconhecido.
Para os valentes é a oportunidade.”
— Victor Hugo
Guilherme

Encantadora é o mínimo de definição que consigo dar para a mulher ao


meu lado. Chegamos ao leilão encontrando com minha mãe e Rômulo, que já
ocupavam uma das mesas que nos foi reservada.
Paula está vestida formalmente, usando um vestido que esconde todos
os seus atributos, porém, consegue despertar a curiosidade de todos à volta,
principalmente a minha.
O tom vinho evidencia seu mistério, com seus longos cabelos
ondulados e colocados sutilmente para o lado, deixando parte do seu pescoço à
mostra, me fazendo salivar de vontade por um beijo longo e demorado naquela
região.
Mesmo com os saltos preto matadores, ainda sou mais alto que ela,
com pouca diferença, mas ainda sou. Nossos rostos quase pareados fazem meus
olhos se concentrarem mais do que o normal em sua boca e o controle para não a
morder é quase impossível.
— Mãe — cumprimento-a, com um beijo no rosto.
— Dona Rute, como vai? — Paula a abraça gentilmente.
— Estou muito bem. Ainda mais rodeada de belas moças com meus
filhos.
— Nisso, tenho que concordar, mãe. Minhas cunhadas estão gatas
demais. — Rômulo pega a mão de Paula, puxando-a para um beijo no rosto.
— Não sou sua cunhada, Rômulo, mas agradeço o elogio.
— Bom, se o Guilherme não está fazendo a coisa certa, posso me
candidatar. — Ele pisca um olho para mim e eu mantenho meu rosto imparcial.
— Eu não contaria com isso, querido — Paula responde ácida e eu rio.
— Já pedi algumas bebidas, se quiser algo diferente, é só chamar o
garçom — minha mãe avisa.
Ocupamos nossos lugares, Paula fica do meu lado esquerdo, tendo sua
irmã, Clara, ao seu lado e Rômulo do lado direito ao lado da minha mãe.
O mestre de cerimônias faz a abertura do evento, anuncia os
patrocinadores que promoveram o leilão e, logo em seguida, chama o leiloeiro
da noite para começar.
— Ainda não acredito que vou participar dessa cafetinagem animal. —
Seguro o riso mais uma vez com o comentário baixo de Paula.
— Hoje eu quero aquela égua parideira — Rômulo comenta, com os
olhos cravados na arena de apresentação.
— Você ainda não desistiu? — pergunto, surpreso.
— Irmão. Sou mais determinado do que aparento.
— Não gaste além do necessário.
— Por isso, odeio vir no leilão com o financeiro. Sempre querendo
economizar e conter gastos.
— Você que é exibido demais — rebato e ele bufa.
— O que tem essa égua? — Paula pergunta, interessada.
— Nada de mais. Ele que tem o ego ferido — respondo, não dando
muita atenção.
— Ego ferido seu furico. Aquele fazendeirozinho de merda comprou
minha égua só para fazer pirraça. Quero-a de volta.
— Não entendi — Paula insiste e eu lamento.
— O fazendeiro de merda é do estado vizinho, seu nome é Fabio
alguma coisa, comprou minha égua num leilão há quase três anos e depois saiu
falando mal dela, dizendo que não era tudo que foi prometido no enunciado do
leilão.
— E por que ele não devolveu?
— Porque o corno tirou três coberturas dela antes de colocá-la em
leilão novamente. Ou seja, a égua era boa, ele só quis difamar nossa fazenda por
puro despeito.
— Despeito?
— Ele saiu com a mulher do cara — explico e ela ri.
— Bem feito, então.
— Bem feito, não, cunhadinha. — Cravo meus olhos no seu e vejo seu
divertimento. — Eu não sabia que ela era noiva dele na época e, de qualquer
forma, ele nunca foi um exemplo de fidelidade.
— Nós não precisamos dessa égua no plantel — justifico sua
abordagem de compra.
— Na verdade, precisamos, Guilherme. Minha égua não vai mais parir,
precisamos de uma para ocupar o lugar — Marcelo explica, da outra ponta da
mesa.
Dou de ombros quando Rômulo comemora sua carta branca para
comprar, já que agora tem um motivo palpável para continuar com sua guerra
pessoal.
As luzes centrais baixam dando início ao leilão. A arena é preenchida
pelo primeiro lote de uma égua e dois potros, raça Manga-larga, não tem seu
valor muito alto, pois a ninhagem tem mistura e isso interfere consideravelmente
no montante ofertado.
Minha mão repousa tranquilamente no encosto da cadeira de Paula, a
ponta dos meus dedos roçando delicadamente sua pele, sutil, contido e mais do
que certo para despertar meu desejo.
Nem transar com minha ex conseguiu aplacar minha vontade de tê-la
para mim. Paula é, além de uma conquista, sinto que ela conseguiria preencher o
espaço em branco que venho tentando completar há algum tempo.
Ela se mexe na cadeira algumas vezes, parecendo incomodada com
algo e, antes que eu pergunte o que está acontecendo, sua mão cobre minha
perna, apertando sutilmente.
— Onde fica o banheiro? — Sua boca vira em minha direção no
mesmo instante que a olho.
Nossos rostos estão a um centímetro de distância, suas mãos ainda
apertam minha coxa, agora com mais intensidade, e minha mão que apenas
encostava nela passou a querer puxá-la para mim.
Meus lábios se entreabrem, puxando o ar com força, seus olhos
serpenteiam meu gesto e ela os repete. Ambos estamos em um transe de
expectativa e dúvida, desejo e medo, minha outra mão cobre a sua na coxa e um
aperto firme mostra minha intenção.
Eu preciso muito beijá-la!
Seu olhar amolece e vejo suas pálpebras fechando calidamente, por
reflexo umedeço meus lábios e quando estou prestes a selar nosso anseio, sinto
um tapa acertar meu braço, nos despertando totalmente da nuvem particular que
nos colocamos.
— É agora! Essa égua é minha — meu irmão inconveniente fala mais
alto, agitado.
Olho-o, sentindo, pela primeira vez, uma vontade monstruosa de
agredi-lo. A mão de Paula que estava abaixo da minha é puxada com rapidez e
quando volto a olhar em sua direção, ela já está em sua postura, afastada de mim
e encarando a arena.
Solto o ar com pesar, olho adiante e vejo Viny balançar a cabeça,
segurando o riso. Dou de ombros, sabendo que não há mais nada que possa
fazer, ele já sabe das minhas intenções com ela e disse que minha batalha seria
difícil, já que Paula parece não me ver além de amigo.
Eu ainda aposto na versão em que ela teme se entregar a algo que
realmente tenha significados, preferindo se manter na margem de segurança com
caras de fora, que não estariam presentes em sua vida a todo momentos ou, quem
sabe, que pudessem quebrar seu coração.
— Primeiro lance da noite é de vinte mil reais — o leiloeiro anuncia o
preço inicial da égua que Rômulo quer.
— Vinte e cinco! — meu irmão oferta e eu lhe dou a cotovelada que já
desejava.
— Ai, caralho — ele protesta.
— Tá maluco? A vendemos por quinze.
— Ele tá fazendo de propósito. Achou que eu não iria dar lance pelo
valor.
— E não deveria, Rômulo, está muito acima do valor.
— Dane-se. Eu pago a diferença — ele protesta, atento ao próximo
lance.
“... eu tenho vinte e cinco, eu tenho vinte e cinco, eu tenho vinte e
cinco... Quem dá mais? Alguém da mais? Dou-lhe uma...”
— Encerra logo essa merda — Rômulo se exalta.
— Quieto! — minha mãe o repreende.
“... dou-lhe duas, dou-lhe três. Vendido para o cavalheiro à minha
direita.”
Todos, incluindo nós, aplaudem fervorosamente e, ele sendo bem
exibido, levanta, acenando à sua volta e mira na direção do, agora, ex-dono da
égua, cumprimentando-o.
— Senta e para de confusão, Rômulo. — Puxo seu paletó, fazendo-o
sentar.
— Cuzão do caralho! — ele comenta, ainda olhando por sobre o
ombro, em direção do homem.
O restante dos lotes roda tranquilamente, nossos equinos e coberturas
conseguiram um preço acima do estimado, o que me faz calcular mentalmente a
valorização e prestígio do nosso plantel desde o último leilão.
O momento com Paula se perdeu completamente, sua postura ficou
mais rígida, ela saiu para ir ao banheiro em um momento e, quando retornou,
não me atrevi colocar o braço sobre sua cadeira novamente.
— Acabou? — ela pergunta, assim que as luzes centrais são acesas.
— Não. Agora é feito um intervalo, será o jantar, depois continuam.
— Que maravilha! Tô morrendo de fome — ela comenta, animada.
— Aqui, o cardápio. Pode pedir o que quiser.
— Maravilha. — Ela o pega, olhando as opções, suas sobrancelhas se
estreitando cada vez mais. — Que merda cara é essa? — Sua pergunta, um
pouco alta, chama atenção de todos à mesa, fazendo-os rirem.
— Não se preocupe com isso. Só escolha o que quer.
— Deixa pra lá... — Ela larga o cardápio em cima da mesa.
— De forma alguma. Vou escolher algo para você, deixa eu ver. —
Pego o cardápio, escolhendo uma opção que eu acho que agradaria.
— Suco de frutas vermelhas? — pergunto, quando decido o que pedir.
— Sim. Como sabe?
— Já vi você preparar no bar, para beber nos seus intervalos.
Seu sorriso contido me chama, como o fogo que precisa do ar para ser
alimentado, me sinto cativado, preso, quase dependente de sempre tê-la assim,
solta, leve.
— Seu sorriso é lindo — mais divago do que comento de fato.
— Obrigada. O seu também é lindo. Principalmente quando sorri com
os olhos.
— Eu sorrio com os olhos? — pergunto, curioso.
— Sim. Está fazendo isso agora.
— Guilherme, você precisa ir à bancada acertar as questões do meu
lance. — Rômulo me cutuca novamente e dessa vez não seguro.
— Puta que pariu, velho. — O encaro, bravo, e vejo o sorriso sacana
em sua face.
— Ossos do ofício, irmão.
Respiro profundamente, segurando minha língua e, principalmente,
minhas mãos. Hoje ele realmente tirou a noite para ser o empata foda da mesa,
só porque veio sozinho, tenho certeza.
— Eu já volto, Paula. Preciso verificar algumas coisas do leilão.
— Tudo bem — ela responde, se virando para Clara e puxando
conversa com as irmãs.
— Você vem comigo, irmão — falo entredentes para ele, levantando.
— Tô te achando meio tenso. O que foi? — Sua voz soa falsamente
preocupada e acabo rindo pela falta de opção.
Caminhamos lado a lado pelo corredor onde dá acesso à área de
pagamentos e acertos do leilão. Algumas mulheres nos encaram, mesmo
acompanhadas, mas não dou bola. Na verdade, nunca dei, mas meu irmão
pervertido acaba se achando o centro das atenções e praticamente estufa o peito,
sorrindo e flertando, com quantas mais conseguir.
— Finalmente está investindo na Paula — ele comenta, assim que
assino a papelada dos acertos.
— Ela é uma amiga.
— Sim, claro. Eu também fodo minhas amigas.
— Não estou fodendo-a.
— Pois deveria. Com aquele traseiro enorme, deve ser a visão dos
deuses de quatro. — Seguro a lapela do seu casaco, com força.
— Não. — Meu maxilar rijo demonstra todo meu incômodo.
— Ow. A coisa é séria, então — ele constata, puxando meu braço do
seu paletó, alisando onde ficou marcado.
— Estou voltando para a mesa.
— Eu já vou. Tenho que ver umas coisinhas por aqui. — Estranho seu
tom, mas se tratando de Rômulo, isso provavelmente se refere a mulheres.
Volto para mesa e não demora muito para que Rômulo chegue.
Conversamos mais um pouco e quando nossa comida chega, vejo Paula salivar,
com os olhos brilhando. Acho incrível como ela é espontânea e não esconde suas
vontades para fazer cena ou doce.
Comemos, conversamos, rimos, bebemos e quando o leilão retorna,
estamos mais que satisfeitos.
Paula parece mais relaxada e confesso que eu também. Sua companhia
me faz bem, estar em meio à minha família sendo receptiva e tendo a recíproca
deles é maravilhoso. Babi nunca foi muito querida por eles nem pela minha mãe.
Ela dizia que Babi era uma ótima pessoa, mas não era ótima para mim.
Estávamos em mundos completamente diferentes e quando eu conhecesse a
pessoa do meu mundo, acabaria entendendo.
E, mais uma vez, minha mãe provou o quão certa estava.
Babi nunca foi nem de longe a pessoa que idealizei para mim, mas
sempre foi uma boa companhia. Só quando conheci Paula naquele bar,
conversamos na primeira noite e senti como se fôssemos velhos conhecidos,
entendi as palavras dela.
Paula é a mulher certa, ela só precisa entender isso.
Capítulo 8
“O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr’a saber que a estão a amar!”

— Fernando Pessoa, O Amor


Guilherme

O mestre de cerimônias reassume, anunciando o momento mais


esperado pelos solteiros do leilão, e alguns pais de moças da sociedade também,
a oferta pelas jovens e belas garotas.
É uma brincadeira para angariar fundos à ONGs, que acabou se
tornando um jogo de interesses nesses eventos. Já vi muitos estabelecerem
relacionamentos e até acordos, mesmo parecendo absurdo, com esses tipos de
leilões.
— O que é o leilão das moças? — Paula se inclina, perguntando baixo.
— É o momento de eu garantir minha companhia para a noite —
Rômulo responde em meu lugar.
— Isso parece meio estranho, para dizer o mínimo — Ritinha comenta
na mesa.
— Fiquem tranquilas, vocês já estão acompanhadas — Marcelo
afirma.
“Começaremos o leilão das belas e refinadas moças com um trio
interessante. Chamo ao nosso palco as irmãs: Paula Maria, Rita Maria e Clara
Maria!”
Sacudo a cabeça e olho para meus irmãos, tentando confirmar o que
acabei de ouvir. Pelo olhar espantado de todos à mesa, tenho a resposta que não
gostaria de obter.
— Que merda! — Paula anuncia, levantando.
— Aonde vai? — questiono, preocupado.
— Fomos chamadas. — Ela dá de ombros. — Apesar de não estar tão
confortável, seria pior negarmos. Vamos, meninas?
— Porra nenhuma — Vinicius fala mais alto.
— Meus filhos. Não sejam ridículos. Vão lá meninas e vocês, garotos,
garantam que suas acompanhantes voltem com vocês — minha mãe brinca e eu
fecho os olhos em lamento.
— Ai que vergonha. — Clara fica de pé, tendo Marcelo ao seu lado.
— Senta aí, bunda mole. Seja homem e dispute sua garota — Rômulo
que, até então estava calado, se pronuncia.
Nós três o encaramos e só ao olhar seu rosto debochado temos a
resposta para o mistério. Foi esse infeliz que colocou o nome das três no leilão.
— Eu vou te matar! — Viny aponta o dedo para o irmão.
— Se ele não fizer, eu o faço. — Marcelo ajeita o paletó, sentando na
cadeira.
As três saem, receosas, da mesa. Paula em sua pose altiva, assume à
frente, liderando as irmãs. Logo que sobem no pequeno palco montado, as luzes
focam nas três.
— Agora quero ver vocês gastarem — Rômulo anuncia, esfregando as
mãos.
— Não havia necessidade disso, Rômulo — comento, com os olhos
fixos em Paula.
— E onde estaria a graça, afinal?
“Começaremos com lances de duzentos reais para um jantar com essa
linda morena dos olhos negros. Clara Maria é seu nome, tem dezenove anos e
mora na cidade de Palomino. Quem abre os lances?”
Automaticamente cinco placas são levantadas e cada um canta seu
valor aumentando duzentos reais a cada oferta. Marcelo sorri de forma que não
chegar aos olhos, levanta da cadeira erguendo sua placa.
— Cinco mil reais — anuncia.
Escutamos várias reclamações masculinas em volta, alguns protestos,
mas ninguém mais oferta um lance. Ele sorri, orgulhoso, quando o mestre
anuncia seu prêmio e rapidamente vai até sua namorada, resgatando-a.
Começa o segundo leilão e, antes que o mestre termine de apresentar
Ritinha, Vinicius levanta erguendo a placa e anunciando uma oferta de cinco mil
reais. A plateia ri, o mestre de cerimônia faz uma brincadeira, mas não tendo
ninguém para a disputa, ele rapidamente resgata a namorada do palco.
Minha respiração engata quando ouço o nome de Paula ser anunciado,
arrisco olhar em volta e vejo todos os homens com olhar fixo no palco. Pudera,
Paula, além de linda, exala sensualidade, charme e aquele maldito mistério que
chama qualquer um a longa distância.
“Manteremos os lances em duzentos reais. Quem será o primeiro a
querer um belo jantar com essa linda moça?”
Levanto minha placa e ele atende meu lance, vários outros homens
levantam as suas, quando penso em fazer o mesmo que meus irmãos e colocar
um fim nisso, miro os olhos dela e vejo seu divertimento.
Ela está gostando de ser disputada, gostando da atenção dispensada e
resolvo prolongar um pouco mais minha agonia. Uma brincadeira não fará mal e
talvez ela entenda meu real interesse em tê-la para mim.
Um babaca grita ao fundo, dobrando o valor do lance de duzentos para
quatrocentos reais. Paula vibra no palco tirando risos da plateia, começo a ficar
incomodado com toda a atenção e quando levanto para anunciar um valor
palpável, escuto a voz grossa ao meu lado.
— Cinco mil reais — Rômulo anuncia e eu o encaro.
— O que pensa que está fazendo? — pergunto e ele sorri, dando de
ombros.
— Tudo ou nada, irmão. — Sua cara debochada me leva ao limite.
Olho para o palco, vendo Paula com os olhos arregalados, encarando
nossa mesa. Seu olhar passa de mim para Rômulo, vejo a surpresa estampada em
sua face e talvez um pouco de... expectativa.
— Dez mil reais — anuncio, erguendo minha placa e todos emitem um
sonoro “oh”.
“... temos dez mil, dez mil. Quem dá mais? Tenho dez e quinhentos?
Tenho dez e quinhentos?”
Olho ameaçador em direção a Rômulo, que ele ergue as mãos, em
rendição.
“Vendido, para o cavalheiro à minha frente.”
O mestre bate o martelo e finalmente consigo respirar, aliviado.
Saio do meu lugar em busca do meu prêmio e quando a alcanço,
estendo a mão, recebendo-a, sorridente.
— Um valor alto para um encontro, bonitão — ela brinca.
— Tenho certeza de que vale cada centavo.
— Eu não dou no primeiro encontro! — ela fala um pouco alto demais
e algumas pessoas nos encaram.
— Agradeço por aumentar minhas expectativas.
— Jura? — Seu sorriso sarcástico ganha a face.
— Me sinto em um desafio.
Paula fica séria, encarando meus olhos, sei que eles traduzem a
verdade das minhas palavras e quero realmente que ela entenda. No fim, a
brincadeira sacana do meu irmão serviu para meu propósito.
— Acho que já podemos ir — Vinicius anuncia, com a cara amarrada.
— Eu ainda ficarei para falar com algumas pessoas, estou com o
motorista — minha mãe avisa.
— Faço companhia pra mãe. Ainda não peguei meu prêmio da noite.
— Rômulo estica as mãos atrás da cabeça, espreguiçando.
— Obrigada pelo lance, Rômulo — Paulinha brinca.
— Adoro ver meus irmãos gastarem, doçura. De qualquer forma, ainda
me sinto deslocado por não fazer parte da família. — Seu sorriso sacana está lá e
só consigo fazer minha cara de tédio para suas cantadas ridículas.
— Bom, sempre tem uma irmã sobrando. Antonia está sozinha. — O
tom de voz dela muda, assim como o rosto do meu irmão.
— Aquela cabrita não é opção. Deus me livre! — Rômulo faz o sinal
da cruz, três vezes.
— É bom ter uma maneira de se entender com a mais velha, Rômulo,
Paula não é, nem de longe, opção para você — comento, dando tapinhas
camaradas no ombro dele.
Meus olhos fitam Paula enquanto falo e, pela segunda vez na noite,
sinto seu desconforto. Sua postura muda, tornando-a vulnerável e começo a ficar
em dúvida se isso é pela reciprocidade ou aversão.

Voltamos em comboio para a cidade de Palomino. As irmãs não


poderiam posar na capital, já que cada uma tem suas obrigações e dona Lélia
provavelmente viraria uma onça.
Quase quatro horas de viagem, cada casal no seu carro, Paula não
mencionou uma palavra desde que entramos no carro. Seu único movimento foi
colocar o som do carro para tocar, deitou um pouco seu banco e fechou os olhos.
Minha cabeça começou a girar com um milhão de possibilidades e, em
cada uma delas, passo a acreditar ainda mais que ela realmente não me vê além
de um amigo e não cogita a hipótese de ficarmos juntos.
Mais uma vez, vejo meu lamento de ter uma mulher como ela ao meu
lado e dormindo. Tudo dentro de mim se retorcendo, ansiando, querendo sua
pequena prova do pedaço do paraíso, pois, sim, não tenho dúvidas de que é
exatamente assim que irei me sentir quando finalmente acontecer.
A pequena prova que tivemos em meu apartamento foi a dose de
coragem que eu precisava para investir realmente nisso. Chega a ser insano a
forma como ela ocupa minha mente em grande parte do meu dia, e a cada
entardecer só consigo imaginar o quanto seria bom sentar na varanda do casarão,
com ela ao meu lado, vendo o pôr do sol se afundar nas terras sem fim da
fazenda.
Vejo sua cabeça pender para o meu lado, está ressonando, linda, com
uma maquiagem sutil, deixando seu rosto ainda mais belo. Uma mecha cobre a
face e levo minha mão, tirando-a dali. Aproveito e acaricio sua bochecha rosada
e quente. Muito quente.
Volto a prestar atenção na estrada, antes que fique olhando-a e
divagando minhas frustrações por tempo demais.
Rodamos mais alguns quilômetros até chegarmos à estrada que divide
a entrada da fazenda e da cidade. Marcelo, que segue liderando, dá seta, saindo
para o acostamento.
Nós três paramos e eu desço do carro para saber o que está
acontecendo.
— Vou ficar na fazenda com Clara, o Viny já avisou que vai para o
apê. Você não pode entregar a Paula agora ou ferra com o nosso esquema.
— Longe de mim ferrar com vocês — falo, rindo. — Vou para a
fazenda. Fico com Paula no casarão até a hora de ir.
— Beleza. — Suas sobrancelhas se juntam, em confusão clara. — Mas
e seu flat?
— Babi está lá.
— Quê? — Surpresa o toma.
— Longa história. Conversamos depois. — Olho em direção do carro
e vejo Paula, ainda dormindo.
Nos despedimos e cada um segue seu caminho, Viny entra na cidade e
Marcelo e eu seguimos a estrada de terra até os portões da fazenda. Quando
entramos, ele segue pela estrada lateral, indo em direção à cabana particular que
fez para sua namorada e eu paro ao redor da casa grande.
— Paula? — chamo baixo, assim que desligo o motor.
Seu rosto, agora banhado pelo luar, parece encantador e perco um
momento ou dois observando-a.
Chamo mais uma vez e nada. Não tendo outra maneira, saio do carro e
dou a volta. Tiro seu cinto e, com certa, dificuldade consigo pegá-la nos braços e
subir os degraus da casa.
— O que... onde estamos? — Ela desperta quando passamos pelas
portas.
— Xiuu... vou te colocar na cama para descansar. Te acordo na hora de
irmos.
Sua cabeça pende no meu ombro, a respiração quente fazendo cócegas
no meu pescoço e sinto um arrepio surgindo ali. Entro no meu quarto, deitando-a
na cama, Paula se ajeita e o vestido comportado que usa sobe bons centímetros.
— “Quem quer dizer o que sente. Não sabe o que há de dizer” — cito
Fernando Pessoa em voz alta.
— Humm... — ela resmunga e eu afago seus cabelos.
— Durma, charmosa. — Beijo o topo da sua cabeça, saindo em
seguida.
Tenho certeza de que hoje eu garanti minha carteirinha de santo.
Nunca, em toda minha vida, passei por tantas provações e ainda tenho que lidar
com o desejo que só cresce cada vez mais.
Desço as escadas, indo para a sala de televisão. Ligo-a, pegando o
controle e procurando algo que distraia minha mente, só preciso esquecer que ela
está lá em cima, na minha cama, com boa parte do corpo à mostra e totalmente
encantadora.
Pensar nas suas longas pernas nuas faz meu pau despertar na mesma
hora e respiro fundo, soltando o ar pela boca. Minha mão automaticamente o
segura sobre a calça, tentando acalmá-lo, de alguma forma.
Aquela velha fagulha crepitando em volta do peito, mostrando o início
de labaredas sem fim, meu membro responde pulsando e o calor começa a
irradiar de mim.
Não penso em o quão é ridículo liberar meu pau de dentro da calça e
começar a me masturbar, mas fato é que se eu não aplacar tudo isso dentro de
mim, não vou conseguir manter a linha que estou querendo arrebentar.
Fecho os olhos quando encaixo minha mão em torno dele, o desejo
gritando latente em minhas veias, a imagem dela no meu flat, quase nua, seu
beijo viciante daquele dia, sua beleza misteriosa naquele vestido, suas longas
pernas expostas na minha cama, tudo se torna um misto de lembranças e
algumas imaginações me fazendo mover minha mão com mais pressão.
Minha respiração acelera, arfo e um pequeno gemido deixa meus
lábios quando penso em seus peitos sendo sugados por mim, com força.
— Poderia ter feito isso lá em cima. — Sua voz me atinge como uma
sereia cantando para me hipnotizar.
Abro os olhos, vendo sua figura à minha frente, ela não parece
chocada, eu, tão pouco envergonhado, já que minha mão continua masturbando
meu pau, que agora pulsa insistentemente.
— Não queria acordá-la — respondo, medindo seu corpo.
— Por uma boa causa, vale a pena — ela responde, com um sorriso
malicioso naquela boca malditamente cativante.
— Então, não esperemos mais...
Capítulo 9
“Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…”
— Mário Quintana, Bilhete.
Paulinha

Meu plano covarde caiu pelo ralo assim que entro na sala de estar da
mansão Queiroz e pego Guilherme acariciando aquela coisa linda e maravilhosa,
que denominamos: pau.
Fico hipnotizada olhando o cena, ainda com suas roupas, só o dito cujo
para fora, cabeça apoiada no encosto do sofá e aquele movimento cálido para
cima e para baixo.
Sempre imaginei que seu documento era apresentável, fazendo jus a
toda a beleza que ostenta, mas fui pega totalmente de surpresa. Surpresa essa,
que é grande, robusta, de tom avermelhado e muito fascinante.
Jogo todas as reservas para um canto escuro da minha mente e
caminho silenciosamente até estar de frente para seu corpo. Meus olhos fitam a
cena, gravando cada movimento, como uma máquina fotográfica, na memória.
— Poderia ter feito isso lá em cima — me pego falando, hipnotizada.
Seus olhos se abrem, não parece surpreso, nem, ao menos,
envergonhado com seus movimentos.
— Não queria acordá-la — responde, me medindo dos pés à cabeça.
— Por uma boa causa, vale a pena. — Não escondo o sorriso
malicioso pelos pensamentos nada puros em mente.
— Então, não esperemos mais...
Ele estende a outra mão que não está ocupada e aceito de bom grado.
Encaixo minhas pernas na lateral do seu corpo, suas mãos vão direto para minha
bunda, apertando com força.
Estamos na mesma altura, olhos nos olhos, bocas a centímetros de
distância e posso escutar sua respiração engatada. Segurando a barra de sua
camisa, eu a puxo, ajudando-o a tirá-la.
Ele ergue meu vestido mais para cima, parando-o na minha barriga,
deixando minha bunda exposta somente com o fio de calcinha que eu uso à
mostra.
— Se você tem alguma dúvida, Paula. Esse é o momento. Eu não vou
conseguir parar a partir daqui. — A rouquidão da sua voz termina de acender
minha libido e, em resposta, selo nossos lábios.
Seu beijo é tão urgente quanto suas mãos afobadas pelo meu corpo. O
gosto da sua boca é algo surreal, nunca havia sentido isso e confesso que uma
ponta de receio acende em mim. Sinto o aperto firme e um tapa estalado em uma
das nádegas e gemo em sua boca.
Guilherme gira nossos corpos encostando minhas costas no sofá e
ficando sobre mim. Por um minuto, se afasta, apreciando o vão das minhas
pernas exposta para ele. Sua mão corre pela lateral das minhas coxas subindo e
levando consigo meu vestido.
Seu olhar admirado não deixa qualquer ponta de timidez surgir, suas
mãos desenham círculos em minha perna, subindo pela minha barriga até
alcançar o vão dos meus seios. Ambas as mãos os cobrem dando um aperto
prazeroso e voltamos a nos beijar.
Seu pau roça a renda da minha calcinha e começo a me mexer,
clamando por mais atrito. Descendo uma das mãos, puxa a calcinha de lado e o
calor dele toca o meu. A umidade presente faz o deslizar ser escorregadio, o
sangue bombeando forte minhas veias e trazendo todo meu foco para minha
amiga necessitada.
— Eu preciso...
— Só me come! — anuncio, quando ele tenta se afastar.
Nem um segundo a mais, sinto seu pau deslizando com facilidade para
dentro de mim. O tesão é tanto que minha boceta pulsa em resposta e um gemido
alto sai dos seus lábios.
— Deliciosa pra porra — ele responde, antes de atacar meu seio,
abaixando o bojo do sutiã.
Sua boca maltrata na mesma medida que suas estocadas entram cada
vez mais profundo. Meus olhos giram, minhas mãos apertam seus braços e um
orgasmo começa a se formar no fundo do meu ventre.
Guilherme encaixa uma das mãos entre nós, beliscando meu ponto G,
sinto a cabeça girar à medida que meu corpo convulsiona em espasmos
prazerosos do ápice.
Com mais duas estocadas, Guilherme rosna meu nome, gozando
fortemente dentro de mim. Consigo sentir o pulsar do seu membro somado aos
meus, contraio meu músculo sentindo fisgadas pelo meu canal, aproveitando ao
máximo aquele momento de prazer.
— Uau... — solto, simplesmente.
— Tirou as palavras da minha boca, charmosa. — Ele beija meus
lábios devagar.
Sua boca em uma linha fina cobrindo a minha, com cuidado, a
intensidade de ainda pouco aplacada, dando lugar a carícias preguiçosas na
minha perna. Sua boca desliza pelo meu maxilar dando beijos contidos, quase
delicados, atingindo pontos certeiros e fazendo meu desejo retornar.
Seu pau, ainda muito duro dentro de mim, pulsa, encaro seus olhos que
fixam nos meus e sutilmente ele se arrasta para fora de mim só para tornar a
entrar vagarosamente.
Fecho os olhos, sentindo o prazer, mesmo após um orgasmo intenso,
cada fibra do meu corpo consegue senti-lo, percebê-lo e a vontade de provar
mais disso cresce ainda mais.
Guilherme passa um braço por baixo da minha perna, elevando meu
quadril, fazendo seu encaixe ser ainda mais fundo. Abro os olhos vendo-o me
encarar, seu rosto banhado pela luxúria do momento, os olhos azuis límpidos,
agora estão intensos, marcantes, como se cravasse cada desejo seu dentro da
minha alma.
Medo.
Aquele velho sentimento de estar baixando demais a guarda toma
meus sentidos. Tento desviar a cabeça e ele rapidamente segura meu queixo no
lugar.
— Eu quero olhar você. Inteira. — Sua voz é imperativa.
Ele abranda suas estocadas ainda mais, quase saindo completamente
de mim e voltando para dentro no mesmo ritmo. Torturante e viciante.
Seus olhos continuam cravados nos meus, começo a ver um misto de
poder e entrega. Uma busca por algo aqui dentro, tentando se conectar de forma
irrefutável, então, fecho os olhos.
— Pode fugir, charmosa, mas depois de hoje... sabemos que não tem
volta. Nos pertencemos. — Sua voz anuncia próximo ao meu ouvido.
Permaneço de olhos fechados, recebendo tudo que ele me dá, o prazer
cada vez mais latente, o medo um tanto distante, mas, ainda assim, ali,
observando a margem.
Quando chegamos ao orgasmo, juntos, a exaustão me toma. Meu corpo
lânguido é logo carregado por seus braços fortes. Ainda permaneço de olhos
fechados, agora por exaustão, mas não posso negar o medo que continua ali,
martelando por seu espaço.
Não lembro exatamente quando, mas logo estava longe dali, vagando
por sonhos nunca vividos de fato. A sensação de bem-estar que tenho buscado
por toda a vida tomando meus sentidos e os olhos intensos de Guilherme
protagonizando toda minha paz.

Desperto, ouvindo uma pequena discussão no corredor. Uma voz


histérica gritando algo sobre ser enganada, a voz masculina tenta fazê-la calar,
sem qualquer sucesso.
— Eita! — Levanto ainda meio atordoada.
Estava somente de calcinha e sutiã, algo que não deu tempo de tirar
ontem. Sorrindo feito uma boba, pego meu vestido, colocando-o pela cabeça.
Não sei se vivi tudo que sonhei ou se foi ao contrário. Guilherme
superou todas as minhas expectativas no quesito desempenho físico, termino de
ajeitar o vestido, pensando o quão bem o toque dele me fez.
Mesmo sentindo o receio que sempre ronda meus sentimentos quando
penso nele como algo a mais, ainda assim, não é forte o suficiente para barrar
minha satisfação.
Faço um coque bagunçado, penso em sair para procurar por
Guilherme, mas o tumulto do lado de fora me para.
Será que é o Rômulo com alguma mulher?
Aproximo meu ouvido da porta, lamentando não ter um copo para usar
de suporte. Uma voz chorosa ronrona algumas palavras incompreensíveis e
quando ouço melhor o timbre masculino, meu coração acelera.
— Babi, vai para o flat. Mais tarde conversamos.
— Então... você prefere... ela... e... nossa... noite... há dois... dias... —
ela fala em meio aos soluços pelo choro, mas consigo entender perfeitamente.
— Aquilo foi diferente. Olha, eu não posso conversar agora. Mais
tarde, ok?!
Afasto meu corpo, como se tivesse tomado um choque da porta. Corro
até o banheiro e me tranco lá. Não quero que ele saiba que eu sei, mas
principalmente, não quero que ele veja minha face derrotada como estou vendo
no espelho.
Por isso, tentei manter a distância, lembrava perfeitamente da ex na
padaria com ele, sabia que estava de volta. Fingi dormir grande parte da viagem,
algumas vezes eu realmente cochilei, mas sempre despertava ciente da sua figura
ao meu lado.
Quando chegamos ao casarão estava totalmente desperta, mas fui
covarde o suficiente para fingir dormir e não ter que encarar uma conversa
estranha ou qualquer situação mais íntima.
Quando ele me deixou na cama com aquelas palavras, não aguentei e
acabei seguindo-o. Queria abordá-lo, saber o que sentia, de fato, perguntar sobre
tudo e, principalmente, saber o que a ex-namorada fazia em Palomino.
Claro que tudo sucumbiu rapidamente quando o vi naquela situação no
sofá da sala. Meu desejo falou mais alto e, empurrando todas as minhas reservas
de lado, me entreguei ao momento.
Algo sempre me avisou que isso aconteceria, já aconteceu antes, mas
eu sabia que com ele seria pior. Acho que pela amizade adquirida, acabaria não
sabendo lidar com o pós-foda e é exatamente isso que está acontecendo.
Então, eles tinham transado? Dois dias antes?
— Eu avisei, Paula. Eu avisei... — Aponto para o espelho,
recriminando-me.
Lavo meu rosto, abro o armário achando uma escova nova e embalada
e agradeço aos céus. Seria péssimo sair daqui com bafo da manhã.
Quando me sinto preparada o suficiente, saio do banheiro, vendo
Guilherme depositar uma bandeja de café da manhã sobre a cama.
— Eu queria te acordar. — Ele vem até mim, abraçando minha cintura.
Seu cheiro quase me faz esquecer de tudo novamente, mas consigo me
recuperar a tempo de afastar o rosto quando ele tenta beijar meus lábios.
— Aconteceu alguma coisa? — Seu olhar me questiona.
— Não. Nada. Achei uma escova no armário e usei. Preciso voltar
para a cidade, minha mãe deve ter me ligado e não acho minha bolsa por aqui —
falo, soltando-me dele.
— Deve ter ficado no carro. Quando te trouxe ontem.
— Provavelmente. Pode me levar agora? Quero passar no bar e falar
com a minha tia. — Ainda não o encaro, fingindo procurar algo pelo quarto.
— Paula? — ele chama.
— Ainda preciso resolver tanta coisa hoje, que só por Deus —
continuo a tagarelar.
— Paula! — Sua voz agora é enérgica e eu o encaro.
— O que foi? — Sorrio, sem humor.
— O que está acontecendo? Você tá estranha... eu pensei... eu achei
que a gente...
— Não tem a gente, Gui. Por isso, eu evitava uma transa com você.
Não quero que as coisas mudem de como eram. Você é e continua sendo meu
amigo.
— Amigo? — Seus braços cruzados na altura do peito se soltam
quando pergunta.
— Sim. Amigo. — Sorrio da maneira mais simpática que consigo.
— Eu... — Sua voz morre e dou o golpe final, antes que ele o faça.
— Podemos ir? Tenho tanta coisa pra resolver e ainda vou à cidade
vizinha encontrar o Armando. Um fornecedor de cervejas que me convidou para
sair.
Foi automático ver seus olhos se inflamando, estreitos, me encarando
como se ele fosse me dobrar em seus joelhos e bater até cansar.
— Vamos — ele simplesmente fala.
Sua voz é cortante. A postura rígida faz seus passos serem ainda mais
apressados ao sair do quarto.
Respiro fundo, olho mais uma vez para o quarto e parece que tudo que
vivi ainda há pouco realmente não passou de um sonho. A realidade é crua,
sempre foi, e não posso me permitir sair da minha zona segura.
Deixo o quarto, sentindo o gosto amargo inundar meu paladar,
mostrando o quão perigoso é quando não temos o devido cuidado, quando não
podamos o mal pela raiz.
Lidar com Guilherme não será tarefa fácil, principalmente se ele
resolver desfilar com a sua Barbie pela cidade ou pior, querer frequentar o bar
com ela.
No fim das contas, é o preço justo a se pagar. Errei ao me entregar e
para toda atitude existe uma consequência.
Capítulo 10
“Se sou amado
Quanto mais amado
Mais correspondo ao amor.
Se sou esquecido
Devo esquecer também
Pois amor é feito espelho
Tem que ter reflexo.”

— Pablo Neruda, Reflexo.


Guilherme

Emputecido não chega perto da definição da irritação que sinto agora.


Acabei de deixar Paula em frente ao bar e saí cantando pneu de lá.
Nem uma palavra mais foi trocada entre nós, sua atitude banal quando
a encontrei no quarto me deixou chocado. Esperei que depois do que aconteceu,
as coisas finalmente tomariam outro rumo, mas estava enganado.
Ela teve o descaramento de mencionar um possível encontro hoje, com
algum fornecedor que não me lembro do que, tamanha a raiva que tomou meus
sentidos quando falou.
Amigos.
Essa palavra tomou outro significado no meu vocabulário, não quero
ser seu amigo, desejo ir muito além. Achei que minhas atitudes, o momento que
passamos e minhas palavras haviam ficado explícitas para ela.
Chego ao flat antes do previsto.
Outra coisa que me incomodou muito foi encontrar Babi no corredor
do segundo andar, assim que saí do meu quarto de manhã, para preparar o café
para Paula e eu.
“— O que faz aqui? — Minha voz entregando a insatisfação.
— Nossa. Você costumava ficar mais feliz em me ver, benzinho.
— Babi. Eu disse que podia ficar no flat, até resolver suas questões
com seus pais. Só isso.
— Mas a gente se divertiu tanto. Vem, vamos conversar no quarto.
Ela tenta passar por mim e eu entro na sua frente. Meus olhos
entregam meu medo e ela cruza os braços, fitando-me.
— Quem está aí?
— Alguém que não lhe diz respeito.
— Mas eu pensei que nós... eu... — As lágrimas começam a descer.
— Por favor, Babi. Tivemos um bom momento, só isso.
— Não acredito que me usou daquela forma! — Ela bate o pé,
elevando a voz.
— Fale baixo, por favor. Eu não te prometi nada, além de apoio e
ajuda.
— Eu ainda te amo, Gui... — Ela cobre o rosto com as mãos.
— Babi, vai para o flat. Mais tarde conversamos.
— Então... você prefere... ela... e... nossa... noite... há dois... dias... —
Mais soluços.
— Aquilo foi diferente. Olha, eu não posso conversar agora. Mais
tarde, ok?!
Ela limpa o rosto, tentando mostrar o mínimo de dignidade e parte em
passos largos corredor afora.
Pressiono minha nuca com as duas mãos, olho para trás, vendo a
porta do quarto ainda fechada e respiro, aliviado.”
Fiquei preocupado de ela ter visto algo, imaginar coisas que não
existem e acabar interpretando errado. No fim de tudo, fui eu quem interpretou.
Achei que estávamos conectados, caminhando no mesmo sentido e quebrei a
cara.
Abro a porta do flat vendo a figura branca, aloirada e doce sentada no
sofá.
— Bom dia. Se livrou rápido dela — ela responde, desligando a TV.
— Não me livrei de ninguém, Babi. Olha, deveríamos ter conversado
aquele dia, mas acabei protelando e isso foi um erro. Bebemos, além da conta,
acabei cedendo e vivemos um bom momento, mas foi só isso. Um bom
momento.
— Eu ainda amo você... para mim, não é só um momento.
— Já conversamos sobre isso, Babi. Você aspira coisas totalmente
diferentes de mim, nosso namoro perdurou por tempo demais, sabe disso. Você
ficava na capital, vivendo a vida de socialite que tanto gosta e eu focado no meu
trabalho. Gosto da vida daqui, simples e comedida, sem grandes extravagâncias.
— Eu posso lidar com isso. — Ela tenta tocar meu rosto quando se
aproxima, mas eu seguro seu pulso.
— Não, não pode. Sabemos disso. Como disse, ainda tem meu apoio.
Pode ficar o tempo que quiser aqui, mas isso é tudo que terá de mim. Não
voltarei ao flat até que parta. Não tenha pressa, eu fico na fazenda, sem
problemas.
— Você está apaixonado. — Não é uma pergunta, por isso não me
preocupo em responder.
— Fique bem e quando resolver o que vai fazer, me avisa.
Beijo seu rosto, com carinho, ao contrário do que todos dizem, Babi
tem um bom coração. Às vezes suas atitudes fúteis mascaram a grande garota
que ela é. Foi criada e ensinada a preferir o vazio, ainda não conhece algo real e
tenho certeza de que quando conhecer, as coisas vão mudar.
Volto para a fazenda, preciso afundar minha mente em trabalho ou
enlouquecer será meu caminho, enquanto penso no descaso de Paula.
Sentimento é algo muito contraditório no ser humano. Tenho a pessoa
que não quero, à minha disposição e vontade, linda como um sol brilhante e
caloroso no céu, mas meu coração não consegue se aquecer com ela ou qualquer
outra.
Desde que vi aqueles cabelos mistos, seu rosto iluminado por uma
parca luz de bar, um sorriso que acalma e causa um frenesi, ao mesmo tempo,
fiquei cego. Encantado e muito necessitado.
No começo, pensei que seu ar altivo, suas respostas irreverentes e
atitudes atrevidas, fossem algum tipo de gatilho, desafiando minha
masculinidade.
Caí feito um garotinho quando finalmente a beijei no meu flat e senti
todo o alvoroço acalmar à medida que a necessidade cresceu. Sim, eu a desejo,
mais que qualquer coisa e muito além do que pretendia.

Consigo deixar o escritório já tarde o suficiente. Afundei a cara no


trabalho, revisando todas as planilhas de gastos e manutenção do Haras, desde o
começo do ano, algo que não era necessário, mas serviu como ocupação para
minha mente.
A boa parte de estar estressado com alguma coisa é que quando
aplicamos esse sentimento em algo realmente produtivo tudo flui. Tanto é
verdade, que corrigi várias informações distorcidas do último relatório entregue
que, a primeiro momento, havia passado despercebido por mim.
Entro na sala ao lado da minha, vendo Vinicius girar em sua cadeira,
feito o moleque que um dia já foi.
— O que está fazendo?
— Pensando. — Ele gira novamente. — Sabe quando chega num
momento da vida que sabe o que deve fazer, só não tem certeza de como? — Ele
para, espalmando as duas mãos na mesa, encarando meus olhos.
— Posso fazer ideia... — Lembro na hora da minha miséria.
— Pois, então. Eu sei quem eu quero para minha vida, Rita Maria é
perfeita, chega a ser irritante, mas ela é.
— Aonde quer chegar com isso? — pergunto, finalmente, sentando à
sua frente, um tanto curioso.
— Quero me casar com ela! — ele declara e eu rio.
— Uau. Chegou a isso com menos de um mês de namoro?
— Quem disse qual tempo é certo para saber o que, de fato, sentimos?
— “Quero todo o teu espaço... e todo o teu tempo. Quero todas as tuas
horas e todos os teus beijos. Quero toda a tua noite e todo o teu silêncio” — cito.
— Que merda é essa? — Uma dobra se forma em sua testa.
— A autoria é desconhecida meu irmão, mas expressam sentimentos
tão intensos e verdadeiros que guardei na memória.
— Gostei. Dita de novo, vou anotar! Preciso surpreender a marrenta
quando chegar a hora.
— Então, de fato, teremos um anel em breve?
— Antes do que imaginam. — Marcelo entra na sala, sacando do bolso
uma pequena caixa de veludo.
— Uoww! — solto, levantando ao seu lado, encarando a caixa.
— Comecei a namorar primeiro. Você tem que me esperar pedir —
Vinicius praticamente ordena.
Marcelo dá de ombros, encarando a caixa e, quando a abre, um lindo e
delicado solitário está ali.
— Lindo. Meus parabéns, irmão. — Dou-lhe um abraço de homens.
— Obrigado.
— Lembrando-me das irmãs, conta aí, Marcelo disse que não saiu para
deixar Paula em casa, assim como ele e eu fizemos com nossas namoradas. O
que rolou?
— Não vou falar nada — respondo, tornando a sentar.
— Então, não pegou. Rômulo me deve cinquentinha.
— Vocês estavam apostando?
— Claro! — ambos respondem.
— Posso saber como exatamente funcionou isso?
— Rômulo disse que ontem era a noite! Eu disse que não rolaria, você
é devagar demais e a Paula te chutaria para fora da linha em dois tempos.
Marcelo acha que já rolou, mas estão se evitando.
Olho para meu irmão mais novo, que concorda com a cabeça e fico
chocado. Já pensei diversas vezes na possibilidade de ser adotado, se eu não
fosse a cara do meu pai.
— Não vou responder a isso. Quero que se danem com essa aposta! —
respondo, irritado, levantando da cadeira.
— Tá na defensiva demais. O que tá acontecendo, Gui? — Marcelo
pergunta, brando.
— Nada. Tô irritado com a Babi. Ela apareceu hoje pela manhã no
casarão e quase pegou Paula no meu quarto.
— Merda! — Ambos olhamos para Viny, assustados. — Perdi meus
cinquentinha.
— Cala a boca, Vinicius — Marcelo toma minhas palavras.
— Passei lá mais cedo e deixei claro que entre nós não rola mais nada.
Falei sobre o dia que chegou, foi só um momento e, realmente, foi, mas ela não
parece muito satisfeita.
— Cara, não quero colocar pressão, mas se Paula descobre que você
dormiu com ela e, dois dias antes, com a ex, ela vai surtar — Vinicius comenta o
que eu já temia.
— Isso agora já não faz a menor diferença.
— Por quê? — Marcelo pergunta.
— Porque ela e eu passamos uma noite incrível, diferente de tudo que
já experimentei, mas hoje, quando entrei com o café no quarto para ela, tudo
havia voltado a ser como antes. Amigos. Somos somente amigos.
— Caralho! Que foda! — Viny se inclina mais na cadeira,
visivelmente interessado.
— Você precisa mostrar de outra forma o que sente, Guilherme. Com
certeza ela é a mulher pela qual está apaixonado e você simplesmente está
entregando os pontos.
— Sugere o quê? Uma serenata? — pergunto, sarcástico.
— Se for preciso, sim! Mas Paula, apesar de parecer a mais maluca,
acho que o que a impressionaria seria algo mais sutil, delicado.
— Tipo, flores e bombons? — Viny comenta e Marcelo bufa.
— Por isso que sua namorada não quer se casar contigo. Você é zero à
esquerda em romance.
— Falou o cara da serenata. — Acabo rindo do ar debochado de Viny.
— Tenho certeza de que vai achar o jeito perfeito de chamar a atenção
dela. Você foi criado e moldado de forma diferente, Gui. Sempre olhou tudo de
forma diferente, não espanta que tenha caído de amores pela intensidade e
confusão de Paula.
Concordo com a cabeça ouvindo o melhor conselho e dose de estímulo
que poderia receber no momento. Nunca pensei que meu irmão mais novo,
aquele que eu deveria dar suporte, traria lucidez para os meus pensamentos.
Levanto para ir embora e, antes que eu saia, me lembro de algo, me
virando para meus irmãos.
— Só para constar: Marcelo ganhou essa aposta idiota.
Viro, partindo dali, deixando um Vinicius lamentoso e Marcelo, rindo
e dizendo que havia avisado.
Capítulo 11
“Ninguém nunca me viu tão transparente como você, ninguém nunca
soube do meu medo de amar demais, de se perder um pouco de tanto amar, de
não ser boa o suficiente.”
— Tati Bernardi
Paulinha

Entro no bar o mais rápido possível. Graças a Deus tenho uma cópia
da chave, por isso, não preciso avisar ninguém que estou aqui.
As lágrimas caem insistentemente, passo o braço diversas vezes de
forma displicente no rosto limpando-as, a todo custo, e me odiando por viver
este momento.
Paro no corredor que dá para o salão quando o primeiro soluço me
escapa e já não consigo mais segurar. Escoro meu corpo na parede deslizando
aos poucos a caminho do chão.
Logo sinto braços grandes e fortes enredando meu corpo, é Tadeu, me
pedindo para acalmar e dizendo que tudo ficará bem.
Será?
— Vem, vou fazer um chá. — Ele anda segurando meus ombros com
medo de me ver sucumbir novamente.
— Estou bem... — respondo com a voz embargada.
— Uma ova! Senta sua bunda aí, prima. Vou fazer o chá. — Ele me
coloca na banqueta e contorna o balcão.
Quem vê o tamanho de Tadeu e sua forma de agir à noite no bar não
faz a menor ideia de como ele é com a família. Mesmo com a mãe, que ainda
está em guerra pelo lance da paternidade, ele é atencioso.
Uma xícara de chá fumegante chega à minha frente, faço uma pequena
careta ganhando um olhar de advertência. Preferiria uma boa dose de café, com
leite e muita canela, mas Tadeu sempre foi o cara do chá.
Tomo um pequeno gole, sentindo o aroma da camomila no ar, ignoro o
olhar questionador do meu primo, que se mantém como um falcão, me
observando.
— Eu não vou dizer nada — solto, me sentindo um pouco melhor.
— Então, será do jeito mais difícil?
— Nem ouse! — Meus olhos quase saltam para fora.
— Se não falar, serei obrigado a te convencer.
— Para com isso. Odeio coceguinhas! — Sinto a ansiedade chegar.
Realmente odeio esse tipo de tortura. Sim, porque para mim, isso não
passa de uma sessão de pura tortura, em que me falta o ar de tanto que rio e a
barriga dói a ponto de quase chorar em meio ao riso.
— Sempre falamos o que mais nos aflige, Paula. Você aguenta minhas
merdas com o lance do meu pai e eu escuto suas frustrações e medos, desde a
adolescência.
— Não sou frustrada! — defendo-me.
Seu levantar de sobrancelha mostra o quanto ele discorda da minha
afirmação.
— Faz muito tempo, eu diria, anos, que não te vejo chorar daquele
jeito.
— Foi só um momento. Já passou.
— O que aquele Queiroz fez? Pela sua roupa, não dormiu em casa e a
maquiagem borrada mostra que nem teve tempo de um banho. O que me leva a
crer que saiu de cena o quanto antes para evitar alguma coisa. Minha única
dúvida é: quis evitar um confronto por você ou por algo que ele fez?
Faço um bico ridículo, torcendo minha face de um lado para o outro,
não querendo entregar nada, mas pelo visto ele já deduziu tudo.
— Um pouco de cada — respondo, sucinta.
— E você tem certeza de que as coisas foram exatamente como você
viu ou ouviu?
— Tá me achando com cara de louca? — pergunto, pendendo a cabeça
para o lado.
— Não, priminha. Mas se te conheço bem e, segundo sua própria
afirmação, fugir foi, em parte, uma decisão baseada na sua necessidade. Então,
preciso saber se o que realmente o Queiroz fez foi ou não tão sério assim.
— E pra que quer saber disso?
— Pra decidir se eu quebro a cara dele, quando aparecer aqui com o
rabo entre as pernas.
— Deixa de besteira, homem. — Abano a mão no ar.
— Você é a garota perfeita, prima. Já disse isso. Não vou deixar um
babaca te mostrar o contrário. — Ele afaga minha mão carinhosamente.
— Vamos deixar isso pra depois. Preciso pegar uma muda de roupa no
quartinho, me trocar, voltar em casa e aguentar minha mãe reclamando. —
Ambos sorrimos, sabendo o quanto dona Lélia pode ser difícil.
Chego em casa batendo a porta e, logo, minha mãe surge à minha
frente, me dando um baita susto.
— Tá agitada, Paula Maria? — ela pergunta, com o mesmo olhar
questionador que já aprendi a fazer.
— Claro que não!
— Onde estava? — Suas mãos na cintura demonstram a irritação.
— No bar. Guilherme me deixou ontem lá depois do leilão e dormi na
tia.
— Engraçado, viram o Guilherme te deixando hoje pela manhã lá na
Dulce. — Escuto a voz da fofoqueira do bairro vindo da cozinha.
— Fomos tomar um café. Só isso — respondo rápido.
— Paula Maria. Você está saidinha demais desde que foi para esse bar.
Num tô gostando disso, não! — minha mãe esbraveja, voltando para a cozinha.
Reviro os olhos, encarando o teto da sala, já não queria lidar com a
minha mãe, agora, ela e a vizinha enxerida, vai ser uma verdadeira sessão de
tortura.
— Bom dia, dona Mirtes — falo, ácida.
— Bom dia, menina Paula. Quer dizer que você também está
namorando um Queiroz? Meu Deus, Lélia, sua família quer mesmo fisgar os
fazendeiros! Só falta Antonia namorar o Rômulo.
— Não diga besteiras, Mirtes. Minhas filhas não querem fisgar nada e,
só pra esclarecer, foram eles que se encantaram por elas.
— E eu não namoro o Guilherme, dona Mirtes. Somos só amigos.
— Se dizem... — Ela dá de ombros.
Provavelmente ela não acreditou em uma palavra que lhe foi dita e vai
sair daqui correndo para espalhar à vizinhança suas teorias malucas.
— No fim de semana vamos começar a produzir a base dos doces,
filha.
— Que bom, mãe. Vou tentar ajudar. Tenho uma festa no sábado.
— Você e esse bar. — Ela revira os olhos.
Não é segredo para ninguém o quanto minha mãe odeia que eu
trabalhe lá. Acho que, no fundo, ela e meu pai têm medo de acontecer comigo o
que houve com minha tia. Uma gravidez na adolescência.
Só tem uma diferença, eu não sou mais uma adolescente, tenho vinte e
cinco anos e sou independente. Outra coisa que eles não levam em consideração
e, parece que boa parte da cidade também não leva, é que os tempos são outros.
— Sim, mãe. É meu trabalho e eu gosto dele — falo, pegando uma
lasca de chocolate ralado do prato.
— Aquele bar tem muitos forasteiros, menina Paula. Tem que tomar
cuidado com eles — dona Mirtes comenta.
— Pode deixar que eu sei lidar com os forasteiros, dona Mirtes —
respondo graciosa e saio da cozinha.
Se ela soubesse a quantidade de forasteiros naquele bar que eu já
peguei, ficaria chocada.
Entro no meu quarto agradecendo ao fato de Rita estar na oficina,
assim, tenho mais sossego para descansar e pensar em tudo que aconteceu.
Na realidade, não há muito que pensar, ele transou comigo dois dias
depois de transar com a ex, não tínhamos nada, aliás, não temos nada,
desnecessário fazer disso grande coisa.
Sua postura mudou completamente quando mencionei sobre meu
possível encontro hoje, o que foi uma total mentira, jamais ligaria para Armando
depois de ter dormido com Guilherme no dia anterior, mas ele não precisa saber
disso.
— Paula! — Clara entra de supetão no quarto.
— Meu Deus! Você costumava ser doce e mansa, agora, mais parece
um turbilhão em forma de gente. — Sento-me na cama, assustada.
— Deixa disso. Me conta. Como foi com o Gui. Quando Marcelo e eu
saímos, ele ligou pro Gui, mas ninguém atendeu.
— Dormimos. Só isso. Peguei no sono no carro.
— Ah... só isso? — Sua cara decepcionada me faz rir.
— O que pensou da sua irmã?
— Nada — ela responde, ainda decepcionada.
— O Gui e eu somos só amigos, maninha. Só isso.
— Paula! — Escuto Antonia me gritando de algum lugar da casa.
— Já vou! — respondo, levantando da cama.
Chego na sala e vejo minha irmã assinando um papel para alguém e
pegando um enorme ramalhete de flores. Ela me encara, estendendo o buquê.
— Pra mim? — pergunto, surpresa.
— Sim. Não tem remetente, mas deixou um envelope.
Pego o buquê, apoiando nos braços e, com as mãos livres, abro o
pequeno envelope. Uma caligrafia carregada, visivelmente masculina e
marcante, compõe as palavras escritas.
“Existe uma lenda turca que explica o significado da tulipa vermelha.
A história conta que Farhad, um príncipe, estava perdidamente
apaixonado pela jovem Shirin.
Um dia, Farhad foi informado que a sua amada tinha sido morta. Não
aguentando a tristeza e a dor, o jovem príncipe decidiu terminar a sua vida,
cavalgando para um precipício.
Segundo a lenda, cada gota de sangue do príncipe fez nascer uma
tulipa vermelha, simbolizando, assim, o amor verdadeiro.
Um homem buscando seu destino.”
— Nossa, que assinatura mais estranha — Antonia comenta atrás de
mim.
— Sai daqui, enxerida! — falo, me afastando do seu olhar curioso.
— Eu recebi essas flores, tenho direito de saber.
— Não são pra você, Antonia.
— Tulipas são lindas. Elas simbolizam o amor verdadeiro. Já li algo a
respeito — Clara comenta, cheirando uma delas.
— Vou colocar em um vaso — respondo, sentindo um sorriso
verdadeiro brotar em meus lábios.
Na cozinha, encho um jarro com água e solto o buquê, colocando as
tulipas dentro dele. Minha mãe fica impressionada com a beleza e o gesto das
flores, lhe mostro o cartão e ela só falta se derreter.
— É do Queiroz? — dona Mirtes pergunta.
— Não assinou. Então, não sei.
— E você tá saindo com mais de um homem. Valha-me Deus!
— Mirtes! Para de ser futriqueira. Claro que minha filha não está
saindo com mais de um homem. A verdade é que ela é linda e qualquer um nesta
cidade cairia aos seus pés, facinho — minha mãe retruca, esnobe, o comentário
da velha.
— Se você diz... — Novamente ela dá de ombros.
Termino de ajeitar meu vaso e seguro meu bilhete, indo para o quintal,
sentando no balanço vermelho. O tempo hoje está bem agradável, ensolarado e
radioso, assim como eu, agora.
Encaro o bilhete lendo e relendo, pensando em quem será o homem
em busca do seu destino, o que ele quer de mim e, principalmente, se o que sente
é realmente intenso como a história do príncipe turco.
Minha mente vaga para Guilherme e logo descarto a possibilidade.
Depois dos acontecimentos da manhã, está mais do que claro que o que tivemos
foi um lance.
Desejo que surgiu no meio de uma amizade, o que acaba abalando um
pouco as coisas, mas talvez com o tempo saibamos lidar melhor com isso.
Por mais que sempre tenha deixado claro seu interesse por mim, nada
passou de algo carnal, tesão de momento, essa noite foi a oportunidade de
exorcizarmos isso.
Lembro-me de Armando e seu jeito sutil. Seu interesse foi claro no
final e ele deixou em minhas mãos a decisão de como iríamos a partir dali. Olho
para o papel na minha mão novamente, a dúvida pairando. É cedo demais para
uma declaração tão intensa da parte dele.
Fecho os olhos, respirando profundamente, um misto de expectativa e
frustração confundindo totalmente o que já era suficientemente confuso aqui
dentro.
Às vezes penso que minha vida era menos complicada na época em
que ser ignorada por todo o sexo oposto era comum. A rejeição deles era algo
duro, mas, aos poucos, moldou as camadas de proteção e com o tempo aprendi a
não me importar.
“— Gorda, baleia, saco de areia... — um grupo de meninos e meninas
gritaram enquanto eu passava.
Encarei o chão, fingindo que não era para mim essas ofensas. Com o
tempo eles esqueceriam e tudo ficaria bem.
— Aonde vai, grandona? — Uma patricinha do oitavo ano entrou na
minha frente.
— Sai do meu caminho — respondi, cortante.
— Ou o quê? — Ela cruza os braços, olhando-me com desdém.
Não pensei e quando dei por mim, meu punho doía com a pancada.
Acabei acertando um soco no meio da cara da menina, seu nariz esguichou
sangue e a confusão toda se formou.”
Lembro-me da minha mãe chamando minha atenção na diretoria
quando foi chamada para me levar embora. Só em casa contei o que havia
acontecido, sobre as provocações e que estava em meu limite.
Daquele dia em diante, ela deu carta branca para eu bater em qualquer
um que ousasse me provocar e isso se estendia à minhas irmãs também.
Desde então, eu sou a protetora delas e nunca mais ninguém mexeu
comigo. Acho que o resultado do soco repercutiu bem e até os meninos ficaram
receosos de arriscarem uma gracinha.
No colegial, comecei a perder um pouco de peso, mínimo, é verdade, o
que não bastou para trazer a atenção masculina. Passei a ser ignorada e temida
desde a confusão e tive que lidar com a solidão, mais uma vez.
Vivi medianamente até decidir, no último ano do colégio, a mudar
meus hábitos. Aprendi que minha condição não era culpa de ninguém e não
precisava me afundar em comida para sentir satisfação.
Passei a correr todas as manhãs e regrar minha alimentação com coisas
mais saudáveis.
Bingo!
Em um ano e meio emagreci quase quinze quilos e isso mudou
completamente a atenção dos homens a meu respeito. Tive o prazer de recusar o
convite de vários garotos que lembrava bem do tempo em que faziam suas
piadas sobre o meu corpo.
E, desde então, tem sido assim. Medianamente fácil.
Até, claro, o forasteiro Queiroz todo rabiscado, como diria minha mãe,
entrar em meu caminho e bagunçar as coisas aqui dentro.
Capítulo 12
“O amor, esse sufoco,
agora a pouco era muito,
agora, apenas um sopro.
Ah, troço de louco,
corações trocando rosas
e socos”.

— Paulo Leminski
Paulinha
Banho em água fria só é bom quando fazemos por vontade. Estou a
tarde toda no bar, arrumando, organizando, recebendo mercadorias e deixando
tudo pronto para o evento de hoje.
Não tive tempo nenhum de ir até em casa me preparar, o que me
forçou a tomar banho no quartinho dos fundos do bar, usar a muda de roupa
extra que mantenho aqui e fazer um coque bagunçado, aplacando a rebeldia do
cabelo.
Minha tia quase me matou por saber que eu não subi para sua casa me
arrumar, mas com a correria, preferi economizar tempo. Só não contava que o
chuveiro daqui estivesse queimado.
Recolho minhas roupas sujas, toalha de banho e coloco tudo dentro de
uma bolsa. Abro meu armário para deixar as coisas ali e vejo um pequeno papel
cair no meu pé.
Uma folha de papel, meio amassada, parece um daqueles bilhetinhos
de colegial, que eu nunca recebi, por sinal.
Amor Bastante
Quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante

— Paulo Leminski
Um homem buscando seu destino

Sinto minhas mãos tremerem quando chego ao final do bilhete e a


mesma assinatura do outro bilhete está ali. Pelo resto da semana fiquei com o
homem das tulipas na cabeça, imaginando quem poderia ser e não cheguei à
conclusão alguma.
Até desisti, imaginando que talvez o entregador tenha se enganado e,
na realidade, aquelas flores e bilhete não eram para mim.
A mesma caligrafia carregada ali, presa em meu armário, isso não
pode ser acaso. Uma leve preocupação surge, pensando que talvez seja um
maníaco que sabe onde moro e onde trabalho.
Maníaco em Palomino? Puff...
Dobro o bilhete, colocando-o no bolso detrás da minha calça jeans. A
ansiedade voltando com força total com esse novo contato, as milhares de
possibilidades rondando minha mente, junto com alguns temores.
Se ele for esquisito demais?
Velho demais?
Casado?
Balanço a cabeça, empurrando tudo isso para um canto escondido da
minha mente. Depois dessa semana ruim, esses bilhetes estão sendo o frescor
que precisava.
Não falei mais com Guilherme depois daquele dia, não mandei
mensagens e não recebi nenhuma também. O mais difícil foram as noites, em
que minha mente insistia em relembrar cada minuto do que vivemos e quão bom
era seu toque, seus beijos e como isso fazia falta.
Bastou uma noite para eu ficar viciada?
Entro no salão, as portas já estão abertas. Sorrio, observando a
decoração que fiz, deixou o bar com ar mais pub, aquele lance americano, e
destaquei as propagandas das cervejas artesanais.
Outra questão que martelou minha mente, Armando. Ponderei por
esses dias se deveria ligar, mandar uma mensagem ou simplesmente aparecer na
produção, mas desisti.
Preciso primeiro resolver uma questão para, depois, começar outra.
Fato é, Guilherme e eu ainda não conversamos, não sei como as coisas irão
caminhar, então prefiro entender isso antes de me lançar em algo novo.
— Que sorriso é esse? — Minha tia se aproxima.
— Nada — respondo.
— Tenho certeza de que algo ou alguém causou isso, já que a semana
toda tá num azedume só.
— Eu não tava azeda, não. Oxe — respondo, indignada.
— Sei. Tomara que quem entrou agora pela porta termine de alegrar
sua noite ou terei que lidar com o coisa ruim do lado de cá do balcão.
Meus olhos automaticamente vão para a porta e vejo Guilherme
passando pelas portas, acompanhado de Rômulo.
Lascou-se!
Usando uma de suas calças rasgadas, um camisão xadrez em tons
escuros por cima de uma branca, o punho com sua pulseira preta de couro,
cabelos soltos, com parte da franja no rosto, sempre passando um ar desligado,
displicente.
Seus olhos cravam nos meus, adivinhando que eu o media dos pés à
cabeça e, sem emitir qualquer sinal, ele desvia o olhar, encarando o chão, seu
irmão o chama e os dois vão para uma mesa.
Estranho não sentarem no balcão, sempre foi praxe isso acontecer, o
que me sinaliza o caminhar das coisas entre nós.
— Se bater mais um copo no escorredor, vai quebrar. — Acordo do
meu transe com a voz de Tadeu.
— Não enche — falo, largando a louça e limpando a mão no pano de
prato.
— Nervosa? — Seu ar provocativo ganha minha atenção.
— Não estava, até você vir me atormentar.
— Boa noite. — O arrepio percorre minha nuca.
Viro e vejo-o parado no balcão, nos encarando. Seu olhar não desvia
do meu, o que faz aqueles bichinhos do meu estômago se retorcerem, causando o
incômodo de sempre.
— Oi, pessoa.
— Olá, charmosa. — Seu sorriso é cativante.
— Uma bud?
— Sempre. Como vai, Tadeu? — Ambos puxam assunto, enquanto
pego sua long neck no refrigerador.
— Quais as novidades? — pergunto, quando empurro a cerveja para
ele no balcão.
— Nada de mais. Trabalhando, como sempre. — Ele dá de ombros.
— Vou para a portaria. Espero que melhore o humor da minha prima.
Esta semana ela está terrível.
Cravo os olhos em Tadeu, lançando facas mentais na cara bonita dele.
Sua resposta é um sorriso de morrer, antes de virar e sair dali.
— Você, de mau humor? Por quê? — Ele entorna um gole da cerveja.
— Preocupação por hoje, só isso.
— Entendo. Ficou bacana o que fez aqui.
— Obrigada.
— Então... e o tal encontro? Deu tudo certo?
— Encontro?
— Sim. Você mencionou um encontro no dia que esteve em casa. —
Ele parece tão desconfortável quanto eu.
— Ah, sim. Foi uma coisa mais profissional... sabe... nada de mais —
desconverso.
— Paula, eu...
— Mas eu tenho uma novidade — interrompo, antes que ele toque no
assunto que não quero.
— Ah é? Qual?
— Tenho um admirador secreto. Recebi flores e tudo. — Guilherme
fica me encarando, sem dizer nada. — E hoje ele deixou um bilhete no meu
armário.
— Uau. E o que pensa disso?
— Não sei. Às vezes acho legal, às vezes acho que possa ser um
maluco.
— Mas, o que diz os bilhetes?
— São poemas — falo, conspiratória.
— Um homem apaixonado, então — afirma, sucinto.
— Talvez... Só espero que ele apareça logo. Quero conhecer o homem
em busca do seu destino.
— Assim que ele assina?
— Sim. Meio brega, eu sei — ele solta uma gargalhada —, mas ainda,
sim, é meio fofo.
— Fofo? Você achando algo assim, fofo? Estou admirado. —
Guilherme parece confortável.
Acho que podemos manter uma amizade, no fim das contas. É só
manter o acontecido onde pertence, no passado, e talvez tudo possa voltar a ser
como era antes.
— As pessoas mudam. — Dou de ombros.
— Acho que sim. — Sua cabeça tomba, parecia analisar alguma coisa.
— Boa noite, Paula. — Olho para o lado, vendo Armando parado no
balcão.
Como não o vi chegando?
— Boa noite! Esse é Guilherme Queiroz, dono da fazenda.
— Claro. Os criadores de Palomino. Quem não os conhece? —
Armando estende a mão, recebendo o cumprimento de Gui.
— Boa noite. Foi um prazer. Vou pra mesa — ele anuncia, tendo o
semblante fechado novamente.
— Eu disse alguma coisa? — Armando pergunta, sentando no lugar
que Gui ocupava.
— Não. Ele é assim mesmo. Que tal o lugar? — Aponto em volta,
mostrando a decoração.
— Ficou maravilhoso. Vindo de você, não imaginaria nada diferente.
— Obrigada. Quer uma das suas? — Aponto para o balcão com as
amostras de suas cervejas.
— Sim. Por favor.
O sirvo e fico por um tempo conversando com ele sobre o movimento,
as cervejas e expectativas para a noite. Contamos que essa apresentação de hoje
possa atrair um maior público de consumo, beneficiando tanto o bar quanto ele.
O bar começa a encher, logo vejo minhas irmãs entrando com seus
namorados e se achegando à mesa onde Gui e Rômulo ocupam.
Minha atenção, mesmo atendendo no balcão, não deixa aquela mesa.
Cada vez mais pessoas entram, homens, mulheres, comitivas, casais, solteiros e
logo minha vista é barrada por essas pessoas.
Armando já não parece mais tão interessante como no dia em que nos
conhecemos, aliás, nenhum homem aqui chamou minha atenção por mais de
dois segundos.
Chego ao cúmulo de ficar na ponta dos pés, para tentar ver o que
acontece na mesa onde os irmãos estão.
— Vai lá — minha tia fala.
— O quê? Não! Tô trabalhando.
— Eu dou conta. Qualquer coisa, chamo o Tadeu. Faz um intervalo.
— Tia, não dá.
— Não dá ou não quer? Na verdade, eu acho que o impedimento é o
medo, mas você negaria.
— Claro que sim. Isso é ridículo.
— As coisas do coração sempre são.
Paro por um momento ou dois, analisando a face bonita e experiente
da minha tia. Sempre me deu os melhores conselhos, mesmo relutando com suas
teorias sobre eu levantar paredes e bloquear as pessoas, acabo acatando.
Sua percepção é infinitamente melhor do que meu modo de mascarar
tudo que dói dentro de mim.
— Vai logo! — Ela empurra meu ombro e eu acabo rindo.
Tiro o avental, paro no reflexo da chopeira de inox, soltando meu
cabelo e passando a mão para suavizar sua rebeldia.
Saio pelo canto do balcão, caminhando apressada até a mesa, a pista já
está cheia, música tocando, pessoas dançando e acabo tendo dificuldade em
atravessar.
Quando finalmente consigo passar pelo tumulto, sorrindo pela
gracinha que ouvi de um cara sem, ao menos, lhe dirigir um olhar, perco meu
rebolado.
Uma loira, de corpo escultural e roupa marcante, tem seus braços
grudados no pescoço de Guilherme que, por sua vez, parece incomodado com
seu toque.
— Oi, gente! — Chego animada à mesa quando me recupero.
— Olá, delícia — Rômulo cumprimenta com seu típico sorriso
cafajeste.
— Mana! Conseguiu sair do balcão? — Ritinha pergunta.
— Um tempinho de folga.
— Oi, eu sou a Babi. — A loira azeda estende a mão para mim.
— Paula Maria. — Estendo de volta, sorrindo.
Guilherme está ao lado da tal Babi, que já sei ser sua ex, sua postura é
séria, parecendo muito incomodado.
— Estou adorando esta cidade — ela comenta, tentando ser simpática.
— Que bom pra você. Meninas, vamos dançar? — chamo minhas
irmãs.
— O quê? Nada disso! Não! — Viny protesta e Ritinha levanta, rindo
do seu desespero.
— Estou de olho, Clara Maria. — Marcelo a agarra possessivamente.
Homens!
Chegamos à pista quando começa a tocar Deixa Eu Te Chamar de Meu
Amor, cantada por Breno & Caio Cesar, a batida é gostosa, permite que
dancemos sem par.
Arrisco um olhar para a mesa e vejo todos eles nos encarando,
incluindo a loira, Babi. Viro de costas para a mesa, segurando meus cabelos no
alto da cabeça e mexo os quadris de um lado para o outro.
Sim, eu quero provocar.
Logo minhas irmãs têm seus armários, que chamam de namorados,
pendurados em torno delas. Como sou livre, continuo dançando, sinto alguém
muito próximo de mim, não chega a encostar, mas sinto seu hálito quente no
meu pescoço.
Olho para trás, vendo Rômulo remexendo seu corpo no mesmo ritmo
que o meu. Acabo gargalhando, entendendo sua real intenção.
Provocar Guilherme.
Viro de frente para ele, uma mão dele puxa minha cintura, colando
nossos corpos e, com a outra, ele segura a minha, arriscando uns passos.
Claro, se tratando do cafajeste da cidade, obviamente o filho da mãe
saberia dançar muito bem. As mulheres em volta parecem galinhas ciscando pelo
punhado de milho jogado, algumas ameaçam com o olhar, outras morrem de
inveja e eu me esbaldo.
Arrisco olhar para a mesa e só vejo a tal Babi sozinha, Guilherme
sumiu. Olho em volta e, antes que eu o encontre, meu corpo é arrancado de perto
do Rômulo.
— Minha vez — Guilherme responde, encarando o irmão.
Nunca o tinha visto irritado, normalmente ele é o equilíbrio entre os
irmãos temperamentais, seus olhos não buscam os meus, sinto seu aperto firme
na minha cintura e quase gemo, apreciando.
— Isso que quer? Meu irmão?
— Se eu quisesse o Rômulo, já teria pegado, Guilherme.
— Ele já tentou? — Ganho sua atenção.
— Acho que não lhe diz respeito.
— Paula... só responde a merda da pergunta. — Sua paciência parece
se esvair.
— Uai. Não te entendo, Gui. Você tá com a sua namorada.
— Ex!
— Ela está aqui por você, meu querido.
— E isso te incomoda? — Seu semblante ameniza.
— Não acho que deveria. Vocês têm uma história e nós...
— Somos só amigos! — ele finaliza minha frase.
— Exato!
— Você é frustrante, sabia? — Ele para nossos movimentos, seu rosto
a centímetros do meu.
— Posso dizer o mesmo — respondo, irritada. — Preciso voltar ao
trabalho.
Deixo Guilherme parado no meio da pista de dança, passo o resto da
noite sem dirigir qualquer atenção para o outro lado do salão.
Visto minha melhor máscara de dissimulada e sigo minha noite
trabalhando, sendo ácida com quem tenta perguntar qualquer coisa fora trabalho
e flertando com alguns peões que param no balcão.
Minha vida estava maravilhosa antes dele e darei um jeito de voltar a
ser.
Capítulo 13
“O preço que se paga por amar exageradamente é a frustração do que
nunca viveu;”
— Julio Aukay
Guilherme

Paula sai dos meus braços como se tivesse tomado um grande choque,
seu olhar se perde do meu e vejo-a partir dali.
Minha cabeça só consegue martelar uma pergunta e, virando para
Rômulo, vou em busca da resposta.
— Vamos conversar. — Seguro seu braço, arrastando-o para fora do
bar.
Meu irmão mais velho, que mais parece uma hiena, rindo sem parar,
segue meus passos, sem reclamar.
— O que foi, irmãozinho?
— Você já deu em cima da Paula? Já... você sabe... avançou o sinal?
— Cruzo os braços à minha frente.
— Tá abatido mesmo! Meus Deus, o que tem de tão especial nessas
mulheres?
— Para de onda e responda à pergunta.
Rômulo revira os olhos, demonstrando tédio, em seguida, um grupo de
meninas passa do nosso lado e ele joga suas piadas sem graça, fazendo-as parar,
flertando de volta.
— Foco, Rômulo! — Estalo o dedo perto do seu rosto.
— Não! Tá bom? Nunca peguei a Paula, comecei a vir no bar depois
da volta do Vinicius. Antes eu vinha, pegava uma garota e ia pro meu apê.
— Só isso?
— Só! Tem o fato de ela ter me ameaçado com uma garrafa uma vez,
mas não foi nada importante. — Ele tenta voltar e eu o seguro.
— Como assim? Ameaçado?
— Sim. Eu estava bêbado pra caralho e queria mijar no banheiro
feminino. Nem tinha visto que era o feminino. Ela me tirou do banheiro com o
pau pra fora. Foi uma merda — ele responde, torcendo os lábios.
— Sério? — Seguro o riso.
— Pode rir. Ria mesmo, irmãozinho. Logo vai chegar minha vez de rir
de você. — Ele bate a mão no meu braço e volta para dentro.
Sigo atrás dele, sentindo um imenso alívio me confortar. Imaginar que
meu irmão e Paula pudessem ter tido algo incomodou demais, agora sei que suas
palavras não passavam de provocações.
Fico parado próximo à portaria, em um canto mais vazio e que deixa
minha visão limpa para observá-la. Pareço a porcaria de um lunático,
espreitando sua obsessão, ansiando pelo momento certo de abordá-la.
— Tá difícil? — Escuto Tadeu ao meu lado.
— Eu diria, complicado.
— Paula é igual uma cebola, amigo. Precisa tirar camada a camada e,
muito provavelmente, ela te fará chorar antes do final.
— Não, se eu for rápido e usar uma faca. — Olho para ele antes de
voltar à mesa.
— Onde você estava, benzinho? Fiquei preocupada. — Babi joga seus
braços em torno do meu corpo.
— Resolvendo umas coisas. — Me desvencilho dela.
— Bem que você podia me levar embora — ela sugere, sorrindo.
— Eu levo. Clara e eu estamos indo — Marcelo intervém, me
salvando.
— Mas eu...
— É melhor você ir com eles — respondo sucinto, dando um beijo na
sua bochecha.
Agradeço a Marcelo com um aceno de cabeça, meu foco é
completamente outro e confesso que a insistência de Babi está me deixando um
pouco irritado.
Sento à mesa, respirando mais sossegado, daqui não consigo ter uma
visão clara de Paula, mas sei que está atendendo no balcão. O tal Armando ainda
está por lá, porém, ela não parece tão empolgada com ele.
— Você está tão fodido, irmão... — Viny cutuca meu ombro com o
seu.
— Não mais que você. — Sorrio de volta.
— Do que estão falando? — Rita pergunta.
— Nada — ambos respondemos.
— Vou no balcão falar com a Paula, já volto — ela anuncia, nos
deixando sozinhos.
— O que pretende fazer? — Vinicius questiona, sério.
— Ainda não sei. Por ora, vou ficar aqui. Quero conversar com ela
hoje.
— Não acha melhor dar um tempo?
— Já dei tempo demais. Hoje eu faço ela me ouvir, nem que seja
amarrada.
— Olha. Temos um dominador aqui — ele debocha, tomando um gole
da sua long neck.
— Meu Deus... — lamento, cobrindo o rosto.
Rômulo e Tetê estão no meio da pista de dança, protagonizando quase
uma cena de sexo, tendo o bar inteiro como voyeurs de seus desejos. Com as
pernas enganchadas na cintura dele, Tetê rebola à medida que Rômulo inclina
seu corpo, tendo acesso ao seu decote generoso, onde ele chupa e lambe, sem
qualquer pudor.
— Alguém precisa pará-lo — comento.
— Eu não me arrisco. A marrenta arranca meus olhos se eu sequer
olhar naquela direção.
— O que ele vai fazer? — pergunto, já levantando da cadeira.
Rômulo deita a loira exuberante numa mesa vazia e cobre seu corpo,
capturando sua boca em um beijo avassalador.
— Ele está fodendo-a a seco. — Viny ri.
Vejo Paula surgir da multidão que circula o casal ousado, ela esbraveja
com os dois, Rômulo tira Tetê da mesa e logo saem do bar, de mãos dadas.
Antes de voltar para seu posto, Paula fita o salão, parando seus olhos
na nossa mesa. Continuo observando-a, meus olhos nunca deixando os seus, ela
passa as mãos no cabelo, incomodada, e sai dali.
Essa brincadeira de gato e rato está ficando cansativa.
Resolvo arriscar, ainda parece cedo para a noite acabar, mas não
consigo mais me manter à margem, preciso estar perto ou ficarei maluco.
Assumo a bancada que acabou de vagar bem ao lado do tal Armando.
Perfeito!
— Quero uma dessas artesanais, moça — peço, chamando a atenção
dela.
— Não vai ser bud?
— Não dessa vez.
— Acho que vai gostar — o tal Armando puxa assunto.
— Espero que sim.
— Bons homens sabem apreciar coisas boas.
— Isso, você pode ter certeza — respondo, encarando Paula, que
acabou de parar na minha frente com minha garrafa.
— Você já provou?
— Sim. E confesso que fiquei viciado. — Ainda encaro Paula.
Seu rosto fica levemente ruborizado, entendendo que não estou dando
a mínima para a conversa do cara ao meu lado. Ela sabe que minhas respostas
estão totalmente ligadas a ela.
— Vício nunca é bom — ela devolve.
— Depende. Quando só faz bem, qual o problema em sempre se ter
uma dose?
— Talvez, esse seja o problema. A dependência.
— Eu diria que é por uma boa causa. Acalma, conforta, completa. —
Meu sorriso sobe à medida que falo.
— Ou confunde. Te tira da realidade.
— Talvez a pessoa já não saiba mais o que é real. Vive dentro de uma
casca.
— Senso de proteção não é algo negativo.
Cubro sua mão, que ainda segura minha bebida e respondo, sério:
— Não tem do que se proteger.
— Será? — Sua sobrancelha ergue, enquanto desvincula sua mão da
minha.
— Paula, eu preciso ir embora. As coisas estão indo bem, não
precisam mais de mim.
— Tudo bem, Armando. Nos falamos durante a semana.
— Tudo bem. Boa noite, senhor Queiroz.
— Boa noite. Pode me chamar de Guilherme. — Estendo a mão,
cumprimentando-o.
Acho que depois da nossa curta conversa, o homem finalmente
entendeu que está sobrando na situação. Mais um problema resolvido, agora,
nada mais nos impede de colocar em pratos limpos toda a nossa confusão.
— Vai ficar me encarando até que hora? — ela pergunta, secando um
copo do escorredor.
— Até te entender completamente. — Sorrio, bebendo o último gole
da minha bud.
Foram horas torturantes, em que pensei por vários momentos em
colocá-la sobre meus ombros e procurar um lugar sossegado só para nós dois.
Principalmente a cada peão sem noção que jogava as cantadas mais idiotas para
ela, fazendo com que risse.
— Acho que isso poderia levar uma eternidade.
— Ótimo! Não tenho pressa nenhuma.
— Você é bom com as palavras e sabe disso, não é? — Ela apoia uma
mão na cintura, enquanto a outra sustenta o pano no ar.
— Tem muitas coisas que sou bom, você sabe. Mas estou em busca de
aprimorar outras coisas.
— Que tipo de coisas? — Ela imita minha voz.
— Quando eu conseguir, você será a primeira a saber. — Sorrio,
cúmplice.
— Você está tão enigmático quanto o cara das cartas.
— O homem em busca do seu destino?
— Sim.
— Talvez sejamos parecidos, quem sabe? — Dou de ombros.
— Talvez. Então, eu não vi mais a sua ex. Ela já foi?
Olho em volta, o salão praticamente vazio, salvo alguns bêbados que
ainda insistem alguns passos vacilantes no meio do salão e eu, que espero como
um esfomeado minha chance de falar seriamente com ela.
— Parece que sim. Mas ela não é nosso problema.
— Não? É feio dormir com alguém e agir displicente no outro dia,
sabia?
— Mesmo? Posso dizer, então, que usei tanto quanto fui usado. —
Uma nota de amargura escapa no meu tom.
— É diferente! Somos amigos. Ela é sua ex.
— Então, você ouviu — constato. — E não me venha com essa de
amigos, Paula.
— Ouvi, sim! E se quer saber, acho errado trazer a menina até
Palomino só para ter um bom momento e depois largá-la no flat. — Seu tom de
julgamento me incomoda.
— Você não sabe o que diz.
— Eu ouvi muito bem, querido.
— E foi, por isso, que agiu daquela forma? Foi, por isso, que tem
insistido na coisa de amigos? — pergunto, não conseguindo mais me segurar.
— Isso não tem nada a ver. Nós somos amigos, Guilherme. Só amigos.
— Para com essa porra! — estouro, batendo a mão no balcão.
Paula se assusta com meu rompante, mesmo eu estou surpreso com
minha pouca paciência. Essa insistência dela em nos colocar na zona de amigos
e só amigos me faz começar a perder a linha.
— Tá tudo bem, Paula? — Tadeu se aproxima.
— Tá sim. O Gui já está indo embora — ela responde, cortante.
— Vou te esperar e dar uma carona — respondo mais calmo.
— Não precisa. Vou dormir aqui hoje.
— Paula, eu...
— Só vai embora, Gui. Outra hora conversamos com calma.
Afasto da bancada, sentindo que a batalha foi perdida. Ainda sinto a
frustração pairando sobre minhas ações, com um acenar de cabeça, deixo o bar.
O que eu temia realmente aconteceu, ela ouviu Babi no corredor
comigo, provavelmente, por isso, tem insistido no lance de amigos, achando que
sou um canalha sem coração.
Talvez, eu realmente seja. Dormir com minha ex, mesmo sabendo que
não era ela quem eu queria, não tenha sido a melhor das ideias. Por um
momento, achei que pudesse esquecer quem eu desejava, erroneamente achei
que Babi aplacaria meu desejo e a coisa de amigos, entre Paula e eu, pudesse ser
só isso.
Enrolei a corda em meu próprio pescoço, chutei a cadeira e me
enforquei.
Ligo o carro, o som tocando as músicas que me fazem pensar nela.
Tudo ultimamente tem me feito pensar em Paula, acho que por isso tenho me
sentido meio louco e meu equilíbrio, que sempre foi ímpar, tem se esvaído de
mim.
Começo a pensar que não fui criado para nada nem para ninguém. O
Queiroz mais contraditório, que teria tudo para ser o playboy em sua própria
vida, mas que no fundo, sempre quis se encaixar com alguém, da mesma forma
que foi com seus pais, simplesmente não sabe que rumo seguir.
Chorar autopiedade não resolve nada, bem sei disso, porém, lidar com
uma mulher, como Paula, não é fácil. Essas semanas se parecem com anos, que
só fico observando, espreitando e acreditando que um dia ela cairá em si.
— Não, Guilherme. Você não foi criado para ela.
Capítulo 14
“Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de
sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.”
— Clarice Lispector
Paulinha

Hoje levantei me sentindo uma verdadeira merda. O bom humor


característico não apareceu, nem mesmo a notícia de que a caçula da casa irá se
casar, é capaz de devolver minha habitual alegria.
Claro que não sou egoísta ao ponto de não estar feliz pela minha irmã,
sim, estou, mas toda a confusão em torno de mim e Guilherme não favorece que
o bom humor permaneça por muito tempo.
Depois que ele saiu do bar, Tadeu fez a gentileza de me trazer em casa.
Menti quando disse que dormiria no bar, evitava, a qualquer custo, estar sozinha
com ele novamente, o medo de sucumbir, mais uma vez, era grande.
Não sou puritana, ao ponto de achar um absurdo ele ter dormido com a
ex, dois dias antes de rolar algo entre nós. Guilherme é um homem lindo, jovem
e qualquer mulher imploraria por sua atenção e, ele sendo solteiro, tem mais é
que aproveitar.
O que me incomoda, de fato, é não saber como agir a partir daqui.
Tivemos um momento intenso, afoito, cheio de necessidade e significados, que
não estou pronta para admitir.
Em uma noite, ele me fez sentir o que neguei a vida inteira com todos
os homens que me relacionei. Isso é assustador demais, principalmente por ele
ser meu amigo.
Obviamente, ver a tal Babi pendurada no pescoço dele ontem, não
facilitou em nada as coisas para mim. Fiquei incomodada, tensa, um pouco
enciumada, causando mais ainda aquele medo por não saber lidar com isso.
Nunca senti ciúme de nenhum dos meus parceiros. Também nunca fui
uma pessoa aberta a relacionamentos livres, ménages ou voyeurismo. Tenho meu
limite, claro, mas com Guilherme, ele é bem mais curto.
— Oi, tia — cumprimento-a, assim que ela entra no bar.
— Você, aqui? Acho que dormi demais. Já está na hora de abrir.
— Não. Estamos bem longe disso. Só não estou no clima para
felicidade plena que paira em casa.
— Clarinha noivou, né? — ela pergunta, pegando duas xícaras na
bancada.
— Sim. Como sabe? — Isso acabou de acontecer, estranho seu
conhecimento.
— As notícias correm rápidas demais nesta cidade.
— Sim.
— E você? Ainda não falou com o Queiroz? — ela pergunta,
colocando as xícaras com água no micro-ondas.
— Não há muito o que dizer.
— Sei. E o tal Armando? Vai sair com ele?
— Não sei — respondo, revirando um fiapo de algo no balcão.
— E você vai parar de autopiedade que horas?
Encaro seus olhos, seu semblante é duro. Não digo nada, já que a
verdade é mais que evidente em minhas respostas.
— Paula, minha querida sobrinha. Vi você passar por momentos
desagradáveis na vida, mas tive o privilégio de vê-la se reerguer. A adolescência
foi cruel com você, eu sei disso, porém, hoje, o maior algoz do seu caminho tem
sido o seu medo.
— Eu não...
— Não tem medo? Sério? Sou uma mulher que passou por muito mais
coisas que você. Não me entenda mal, querida, mas você não sabe o que é ser
mãe tão jovem. Enfrentar o preconceito de uma cidade inteira e, ainda, lidar com
uma família julgadora. Estar sozinha sempre foi uma opção minha e estou bem
com isso. Você não é assim. Você precisa de alguém, justamente por querer.
Simples e fácil, desse jeito.
— Tenho medo de estar errada. Sobre a pessoa... — finalmente
verbalizo aquilo que ronda meus pensamentos mais tortuosos.
— Você nunca vai saber se errou, se não tentar. Agora, você poderia
perguntar até para um cego na rua e ele diria a mesma coisa que todos:
Guilherme é louco por você.
Respiro profundamente, voltando a encarar o balcão. Ela tem razão em
tudo o que diz, o medo sempre foi minha trava e minha segurança para não
machucar ainda mais o que já era suficientemente danificado.
O problema é que, com ele, não está funcionando. Sinto como se ele
tivesse todas as chaves de todos os portões que fechei em torno dos meus
sentimentos.
Cada vez que me olha é como se abrisse um cadeado. Descomplicado,
desse jeito.
— Ainda tá aqui, por quê? — tia Dulce me desperta dos devaneios e
sorrio para ela.
— Não custa tentar, né?
Seu sorriso termina de me incentivar e, com um aceno de cabeça, parto
em busca da minha felicidade.
Chega de medos.
Chega de travas.
Vamos ver se esse Queiroz foi realmente criado para mim.

Consigo subir para o flat sem ser anunciada. Quando disse meu nome
ao porteiro, verificou que consto na lista direta de Guilherme, o que me
surpreendeu.
Subo no elevador, sentindo minhas pernas amolecerem. Minhas mãos
suam incessantemente, o peso do meu corpo é jogado de um lado para o outro
pelo nervosismo.
Minha cabeça não ajuda em nada minha confiança, que já formulou,
nesse curto espaço de tempo, milhares de possibilidades em que Guilherme me
rechaça da pior forma possível.
O ding do elevador me traz para a realidade. Olho o botão de descida
piscando e pondero o quão fácil seria voltar e fingir que não estive aqui.
— Vamos, Paula. Você consegue.
Pego a coragem que sempre ostentei e bato na porta. Espero por um
momento e não ouço nada, quando viro meu corpo para fugir, dando-me conta
da imensa burrada, a porta se abre e uma figura seminua e loira aparece à minha
frente.
— Oi, boa tarde — ela cumprimenta, solícita.
— Oi... ah... Babi, não é? — Ela acena com a cabeça. — Eu estava
passando e lembrei que precisava falar com o Guilherme. Mas já vi que não é
uma boa hora.
— Ele não está, mas se quiser entrar, fique à vontade. — Ela solta o
batente da porta, entrando no apartamento.
Já que estou aqui, resolvo encarar a coisa de frente, quem sabe, agora,
eu entenda o que realmente rola entre os dois.
— Acabei de acordar, vou tomar café, quer? — ela oferece,
caminhando para a bancada da pequena cozinha.
— Aceito, sim.
Registro tudo à minha volta, o apartamento não se parece em nada
com o lugar que já visitei. Guilherme é um homem quase metódico com sua
organização, sempre mantém tudo no lugar, limpo e organizado.
Vejo algumas peças de roupa jogadas no sofá, dois ou três pares de
sapato espalhados no chão. A pequena mesa para refeições não tem espaço vazio
com a quantidade de caixas de comidas dispensadas ali.
— Preciso chamar uma faxineira.
— Pois é — sou obrigada a concordar.
Volto meu olhar para a bela loira à minha frente. Ela lembra uma
Barbie, seu rosto é delicado, bem esculpido, cabelos loiros radiantes, bem
tratados, o corpo não tem nada fora do lugar e, muito menos, exagerado, como
eu.
— Você bebe puro? — ela pergunta, servindo uma xícara, que já tenho
dúvidas se está limpa.
— Não. Gosto com leite e canela.
— Jura? Meu Deus! Vi Guilherme bebendo assim esses dias e achei
muito esquisito. Deve ser alguma mania desta cidade.
Sorrio, dando de ombros, ocultando que ele aprendeu a gostar disso
comigo. Acabou se tornando algo nosso quando tomamos um café juntos.
— É bom. Você adoraria se provasse.
— Talvez. Sabe, Paula, sempre achei estranha essa amizade entre você
e meu ex.
— Ah é, por quê?
— Guilherme sempre foi um homem fechado, tranquilo, mas fechado.
Sua vida focada na capital e, do nada, ele está aqui, em Palomino, buscando
novas amizades.
— Às vezes, as pessoas se cansam da mesmice.
— Ah, se tem uma coisa que não acontecia na capital era mesmice. —
Seu sorriso sacana evidencia em que sentido ela fala.
— Pelo jeito, sua atitude mostra o contrário.
— Pois é. Por isso estou aqui, sabe. Quero entender essa nova fase
dele, afinal, todo mundo sabe que nosso destino é subir ao altar.
Eu tomava um gole da minha bebida e quase me engasgo com seu
comentário.
— Mesmo?
— Sim. A família dele me adora e meus pais acham Guilherme o
homem perfeito. Não tem como não dar certo.
— Sei...
— Por isso, eu preciso da sua ajuda. Tem uns meses que estamos
separados e eu quero me reaproximar, da maneira certa. Talvez você possa dar
uma forcinha.
— Eu? — Aponto para mim mesma não acreditando nessa garota. —
Olha, Babi, sou amiga do Gui há pouco tempo e não vejo como ajudá-la. Vocês
namoraram alguns anos, deveria saber como lidar com ele, melhor do que eu.
— Eu sei... estou pedindo demais para você, mas eu o amo. Não sei
mais o que fazer, Paula. Nossa noite, no dia em que cheguei, foi perfeita, ele é
maravilhoso, não hesitou em me ajudar quando pedi, só que sinto algo nos
bloqueando.
— Entendo o que diz, mas sinceramente não sei como te ajudar.
— Talvez, se você se afastar dele. Deixar o caminho livre, na amizade,
eu digo, assim ele volta a se conectar comigo.
— Você quer que eu interrompa minha amizade com ele pra vocês
reatarem? — Levanto da banqueta, indignada com seu pedido.
— Sim.
— Meu Deus! Você não passa de uma patricinha mimada. Quer
manipular a vida de alguém, para atender aos seus caprichos. Babi, se
conhecesse, o mínimo que fosse, seu ex-namorado saberia o quão ele odeia isso.
— Guilherme está confuso. Só quero dar uma ajudinha.
— Não. Você quer controlá-lo e isso não se faz.
— Nós fomos feitos um para o outro.
— Cuidado para não estar iludida, querida. — Sorrio, debochada, e
saio do apartamento.
Tenho vontade de bater nessa menina até que ela caia na realidade, no
entanto, quem está merecendo umas boas pancadas, de preferência na cabeça, é
o Guilherme.
Não entendo por que ele mantém essa brincadeira de gato e rato com
ela, se realmente não quer mais, manda a menina embora, de uma vez.
Homens!
Não gostaria de pensar que a genética safada faz parte dele, entretanto,
não acho outra explicação para isso.
Por um instante pensei que era o momento de me permitir, que
Guilherme era o homem capaz de ajudar a recuperar minha confiança no sexo
oposto.
Já sou confusa o suficiente, para querer entrar em uma confusão ainda
maior. Está claro que a história dos dois não acabou, por isso, ele a mantém em
Palomino. Talvez eu estivesse fazendo o papel do escape, do fôlego ou até o
teste para confirmar se Babi é ou não a garota certa.
Não gostaria de formular tantos pensamentos ruins a respeito dele.
Guilherme sempre demonstrou caráter, sensatez, equilíbrio, acho que por isso
estou tão chocada e indignada. Não esperava que fosse capaz.
Pelo visto, me enganei, mais uma vez.
— Alô? — atendo no primeiro toque.
— Paula? Oi, aqui é o Armando. Gostaria de saber como foi o
restante da noite.
— Podemos conversar pessoalmente. O que acha?
— Perfeito. Te encontro no bar?
— Não. Tem uma doceria perto da saída da cidade. Pode ser lá?
— Claro, você quem decide.
— Ótimo, nos vemos lá.
Desligo o telefone, ainda mais determinada. Chega de lamentar,
pensar, duvidar e arrumar sarna para me coçar. Vou em busca da minha vida,
sim, mas com alguém livre e, principalmente, interessado em mim e somente em
mim.
Capítulo 15
“Só o teu nome é o que importa!
Todos os outros são erros.
Tu tens a chave da porta
dos sonhos e pesadelos.”
— Ariano Suassuna
Paula

Chego à doceria antes de Armando, o lugar é próximo de onde eu


estava, o que facilitou muito as coisas.
Meu coração está teimando em dizer que tudo isso é um erro, mas
minha mente o força a entender que erro é ficar em cima do muro, com um cara
que só é meu amigo, nada mais.
Ocupo uma mesa e peço algo para comer, já passou da hora do almoço
e ainda não consegui ingerir nada. Minha família está comemorando o pedido de
casamento repentino de Marcelo para Clara e não estava no clima.
Agora, muito menos.
Assim que meu pedido chega à mesa, vejo Armando passar pela porta.
Sua beleza é completamente diferente do outro ser que habita meus
pensamentos.
Ele é seguro, o ar maduro lhe garante os olhares femininos, talvez pela
forma determinada que caminha até mim, o que me faz empurrar essa confusão
sentimental de lado e focar nele.
— Olá, Paula. — Ele estende um buquê de tulipas vermelhas para
mim.
Fico parada, alternando meu olhar do buquê para ele, dele para o
buquê. Nunca imaginei possível ele ser o cara dos bilhetes, muito menos, que se
revelaria dessa forma.
— Oi. — Pego o buquê, admirando-o.
— Estava ansioso demais para esperar.
— Percebi. Estou surpresa, para dizer o mínimo.
— Para que adiar o inevitável. Sou um homem maduro, Paula. Não
tenho tempo e nem quero protelar as coisas.
— Eu achava a sutileza muito atraente. — Sorrio, contida.
— Estou indo rápido demais? Me desculpe, só não consigo evitar.
— Não. Não tem problema. Intenção às claras também é bom. Assim
sabemos com quem estamos lidando — confesso, otimista.
— Espero que goste de tulipas.
— Passei a gostar recentemente, confesso — falo, em tom
conspiratório.
— Quem bom. Acho que vou pedir o mesmo que você — ele fala,
encarando meu prato.
— É uma bomba calórica, mas super vale a pena.
— Você não tem que se preocupar com isso. — Seu olhar desce
medindo meu corpo.
Levo uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, Armando se
mostra mais aberto, falador, comenta sobre a noite de ontem e emendamos em
um papo gostoso sobre cervejas, clientes e possibilidades futuras.
O assunto entre nós flui fácil, vez ou outra ele toca minha mão e, por
instinto, acabo recuando.
Nesses momentos me odeio, minha razão brigando fervorosamente
com meu inconsciente, tentando provar seu ponto e mostrando que tudo vai fluir
bem com Armando.
— Vamos andar um pouco? — convido, quando terminamos de comer.
— Claro.
Saímos da doceria, lado a lado. Seguro meu buquê como se fosse
minha vida, não mencionamos abertamente sobre ele ser o homem em busca do
seu destino, mas é óbvio que nem precisa.
— Vou ser sincero, Paula. Espero podermos sair em breve. Muito em
breve, na verdade. — Seu riso me faz sorrir.
— Acho que quinta seria ótimo. Posso conseguir uma folga.
— Perfeito. Eu te ligo e combinamos.
Paramos frente a frente, Armando analisa meu rosto e, sem notar, ele
levanta seus dedos acariciando minhas bochechas e seu rosto se aproxima do
meu.
Meu coração acelera, de uma maneira estranha, não tenho certeza se
quero isso agora, porém, não quero pará-lo.
Prendo a respiração, esperando pelo que está por vir. Sua boca se
aproximando da minha, seu cheiro amadeirado tomando meu olfato, fecho os
olhos, tentando acalmar meus sentidos.
— Paula! — Escuto alguém gritando e nos afastamos.
Olho para o lado e quase grito em frustração. Guilherme caminha a
passos largos em nossa direção, seus olhos injetados em mim, notoriamente
alterado.
— Guilherme, que surpresa. — Tento não soar sarcástica, mas falho.
— Precisamos conversar.
— Eu acho que não. Aliás, viu Armando aqui?
— Vi. Oi, como vai?
— Bem e você? — Armando soa educado, entretanto, sua feição é
confusa.
— Bem também. Paula, é importante.
— Agora não dá, Gui. — Ergo as sobrancelhas, movendo a cabeça,
indicando Armando.
— Paula, acho que o Guilherme tem certa urgência. Eu te ligo quarta e
combinamos tudo.
— Ok — solto, com pesar. — Nos falamos durante a semana.
Ele se aproxima, beijando meu rosto e acho que escuto Guilherme
bufando ao nosso lado.
Ergo minhas tulipas até próximo do meu nariz, cheirando. Acaricio o
buquê, admirando-o e ignorando completamente o homem à minha frente.
— O que é isso?
— Tulipas — respondo, virando em meus pés, caminhando.
— Isso eu sei, Paula. Foi ele quem te deu?
— Sim! Você acredita que ele é o meu poeta? — Sorrio, feito menina.
— É mesmo? Ele confessou ser o tal homem? — Guilherme parece
bastante curioso.
— Nem precisou falar, né? Tulipas... o bilhete... é só ligar os pontos,
Gui — respondo, como se ele fosse um idiota.
O que ele pode ser, afinal.
— Ou uma infeliz coincidência.
— Para. Muito azar dois homens me darem a mesma flor. Por favor.
— É... muito azar...
— Afinal, o que quer comigo?
— Quero continuar nossa conversa de ontem.
— Não temos nada pra conversar.
— Eu me excedi, o que não é normal. Só não sei como lidar com você
e acabo perdendo a linha. Me desculpe.
— Não foi nada. Você tem muita coisa para processar. Deveria
procurar a Babi, colocar tudo em pratos limpos. Quem sabe, funcione.
— Do que você tá falando? — ele fala, pegando meu braço.
— Ué. Ela está aqui por você. Vocês dormiram juntos. Obviamente, a
história ainda não acabou.
Guilherme ergue a cabeça, soltando um gemido, frustrado. O sol bate
em sua face, seu perfil alinhado ficando evidente e acabo viajando em seu
desenho. Ele é lindo de qualquer jeito.
— Você não tá entendendo nada, Paula. Não quero a Babi.
Terminamos. Acabou.
— Mas vocês...
— Transamos? Sim! E foi a pior burrada que eu fiz. Só a convidei para
vir a Palomino porque seu pai está empurrando umas merdas pra cima dela.
Estou tentando ajudar.
— Bom, não é isso que ela pensa, certamente.
— Por que diz isso?
— Por nada. Só acho. — Omito a parte em que fui até seu flat.
Uma informação dessas levaria a mais questionamentos e,
sinceramente, não tenho nem quero ter as respostas para suas possíveis
perguntas.
— Vem comigo?
— Pra onde? — Me assusto com sua proposta.
— Só vem. Preciso ter um tempo só com você. Sem Babi, sem
Armando, sem cidadezinha pequena nem nada disso.
— Gui... acho melhor eu ir embora...
— Paula — me assusto com sua alteração de voz —, só para de fugir,
tá?! Chega...
Seus olhos, como sempre, evidenciando suas emoções. A claridade
torna seu azul ainda mais claro, mesmo assim, consigo ver certa frustração ali.
— Tá...
Não conseguindo responder mais nada, além disso, Guilherme me guia
até seu carro e abre a porta para mim. Sento no banco, com o coração totalmente
descompassado, diferente do que senti com Armando, agora o que me toma é
ansiedade. Expectativa.
Não sei o que dizer, nem como agir, simplesmente me calo. Esperando
que ele possa ditar o ritmo do que for pretendido, entrego o controle a ele.
Aquele alvoroço de sentimentos voltando para a borda, deixando de
lado todas as incertezas sobre ele, as mil probabilidades imprecisas, o fato de
Armando ser ou não o cara dos bilhetes ou sobre qualquer rejeição em relação a
tudo isso.
Ele precisa de um tempo comigo e, com certeza, preciso desse tempo
com ele.

Vejo Guilherme avançar cada vez mais a caminho da capital, meu


coração agora parece mais calmo e, mesmo não sabendo direito o que vai
acontecer, me sinto tranquila e segura.
Quando entramos na garagem de um prédio enorme e muito chique, o
alvoroço ganha proporções grandiosas dentro de mim. Expectativa e ansiedade
são uma verdadeira droga.
— Respira, Paula — Gui se aproxima, falando no meu ouvido.
O arrepio que percorre meu corpo o faz estremecer e seu riso baixo
termina de causar o frisson em mim.
— O que... estamos fazendo aqui? — Consigo melhorar minha
entonação no final, mesmo minha miséria sendo evidente.
— Viemos nos esquecer de tudo.
— Quê?
— Desce do carro. Vamos subir.
Pareço um robô atendendo aos comandos de um controle, no caso, a
voz de Guilherme. Entramos no elevador, ele não fala mais nada, não me toca, só
sinto aquela maldita tensão misturada à minha expectativa elevada.
Quando ele abre a porta do apartamento, solto um assovio de
apreciação. O lugar é imenso e completamente lindo. Todas as vezes em que
mencionou o apartamento da capital, nunca imaginei algo tão grandioso.
— Gostou?
— Sim. É lindo.
— Que bom. Vem, vou te mostrar tudo. — Ele pega minha mão
liderando o caminho.
No térreo, tem a sala de visitas, que foi onde entrei primeiro, seguida
de uma sala de jantar com uma mesa enorme, que nem consegui contar o total de
cadeiras. Passamos um pequeno corredor e chegamos à cozinha.
— Minha mãe ficaria encantada com isso. — Olho em volta.
A cozinha é grande e espaçosa, com armários cobrindo todas as
paredes, tudo em branco, salvo as pedras pretas, cobrindo a superfície das
bancadas e a imensa ilha, no meio do ambiente.
— Quem sabe, um dia, ela cozinhe aqueles doces maravilhosos aqui,
pra gente. — Seu olhar cúmplice me deixa tímida.
Por que estou tímida?
— Muito lindo, tudo.
— Ainda não acabou. — Ele pega minha mão novamente, me
arrastando para uma escada.
Subimos dois lances, dando de frente com uma área clara, as paredes
de vidro mostrando todo o ambiente externo, que ostenta um jardim incrível.
— Minha mãe queria algo que lembrasse Palomino, então, construiu
um jardim parecido com o da fazenda.
— Maravilhoso. — Encaro, encantada.
— Vem.
Caminhamos por um corredor com porta dos dois lados, acho que
contei umas oito portas, não sei dizer, até Guilherme abrir a penúltima.
O cheiro do seu perfume é mais forte aqui, os tons de azul claro e
marrom cobrem a decoração do lugar. É bastante sucinto, limpo e entrega todas
as suas características.
— Me trouxe para a capital para conhecer seu quarto? Que audácia —
brinco.
— Te trouxe aqui para esquecermos a Paula Maria e o Guilherme
Queiroz. Aqui, seremos só nós dois. Duas pessoas descobrindo o que realmente
está dentro de cada um.
— Gui...
— Não fala nada, só sinta. — Sua mão toca meu rosto com suavidade.
Minha cabeça pende no automático para seu toque. Fecho os olhos,
impressionada com o conforto que me toma.
A expectativa ainda é presente e marcante, seu toque faz o equilíbrio
da calmaria e sensação de paz que busco há tanto tempo.
— O que sente? — Sua voz suave é quase sussurrada.
— Eu... sinto paz... — Abro os olhos.
Seu rosto está muito próximo de mim, nossos olhos hipnotizados um
pelo outro e, no infinito azul, minha alma respira. Não lembro o que nos trouxe
aqui, também não importa, segundos eternizados em sensações que alimentam
meu coração sedento.
— Eu sinto felicidade — sua boca sussurra o que seus olhos
evidenciam.
Guilherme molda meu rosto com as duas mãos, seu toque é suave,
como uma brisa e quente feito o inferno. Quando vejo seus lábios tão próximos
de mim, fecho os olhos, prendendo a respiração.
Um segundo ou dois se passam e ele não sela nosso contato, abro os
olhos novamente só para vê-lo sorrir, gracioso. Sua boca busca a minha dessa
vez, chupando meu lábio inferior e afastando, admirado.
Ele torna a fazer isso mais duas vezes até finalmente sua língua
encontrar a minha e, aos poucos, sinto meu corpo amolecer com seu gosto.
Intenso e leve.
Comedido e ousado.
Veloz e lento.
A miríade de sensações é tão grande que hora ou outra nos afastamos,
buscando um fôlego para, logo em seguida, continuarmos a nos consumir.
Guilherme consegue atingir o que me propôs. Em poucos segundos,
nada mais importa, esqueço completamente quem sou e o que me fez ser assim,
só preciso dele, de seu toque e nada mais.
Capítulo 16
“De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.”
— Vinicius de Moraes, Soneto de Fidelidade
Guilherme

Êxtase invade meus sentidos, assim que sinto o gosto viciante da sua
boca de novo. Agarro seu corpo ao meu à medida que avanço com meus beijos
necessitados, sim, eu sou um viciado e preciso dela, dessa forma.
Seu aperto em meus braços demonstra sua ânsia tão eminente quanto a
minha, busco ar entre nossos beijos e tento, a qualquer custo, acalmar o alvoroço
que fermenta dentro de mim.
Lembro da última vez em que a tive assim, totalmente entregue e
afasto nossos corpos imediatamente, terminando o beijo.
— O que foi? Algo errado? — Seu semblante é confuso.
— Sim. Preciso reparar um erro. — Afasto um passo e ela continua
confusa.
Porra, é lindo vê-la assim.
— Não entendi.
— Quando finalmente a tive como minha, naquela noite, fui afoito, me
tomei pela ânsia de tê-la entregue e não soube aproveitar melhor o momento.
— Transamos duas vezes aquele dia, Gui. — Ela descansa as mãos na
cintura, me fazendo sorrir.
— Sim, transamos. Só que hoje eu quero mais que isso. Muito mais.
Seu olhar é curioso, tentando decifrar aonde quero chegar com as
palavras. Levo minhas mãos na gola da camiseta branca que estou usando e
puxo-a pela cabeça, dispensando no chão.
Ela finalmente entende o que quero e imita meu gesto, tirando a sua.
Seus seios fartos, emoldurados por um sutiã rendado branco, que deixa sua pele
ainda mais evidente.
Minha boca saliva, o selvagem dentro de mim quer atacá-la, provar de
sua carne, morder e lamber cada pedaço daquele vale abundante do paraíso.
Respiro algumas vezes profundamente, mantendo o controle.
Abro o botão da minha calça, ela repete o gesto e, juntos, nos livramos
dos sapatos e calça, de uma vez. Sua calcinha minúscula, completamente
desproporcional, comparado ao seu quadril e bunda, toda branca, o que a deixa
linda e sexy.
Não resisto e ergo meu dedo indicador no ar, sinalizando para que ela
gire. Gemo vergonhosamente quando vejo o pequeno “v” que a calcinha forma
em sua bunda.
Quando ela volta a me encarar, faz o mesmo que eu, pedindo com um
sinal que eu gire. Sorrio, pego desprevenido, mas faço como pediu. Estou usando
um cueca boxer preta, ajustada em meu corpo, ganhando um assovio quando
estou de costas.
Em passos moderados me aproximo dela, seu sorriso cúmplice morre à
medida que me aproximo, sua postura ofegante entrega sua ansiedade. Quando
estamos a quatro dedos de distância levo minhas mãos até suas costas, abrindo o
fecho do sutiã.
Meus olhos fixos nos seus, escorrego a ponta dos dedos pela coluna,
subindo até os ombros, onde puxo delicadamente a peça. Só quando eles saem
totalmente pelos seus braços, desvio o olhar, encarando seus seios.
Fodidamente deliciosos.
Num impulso, agarro seu quadril, descendo minha boca para eles e
mordo um bico, chupando-o no final. Repito isso com o outro e arrasto minha
boca para seu pescoço.
— Não consigo me controlar — ofego, entre os beijos.
— Então... não controle...
Capturo sua boca, minha língua invade sem permissão buscando a sua,
com anseio. Paula toma à frente, me puxando pela nuca até a cama, só nos dando
conta que chegamos, quando caio por cima dela no colchão.
— Ainda não sei que gosto você tem.
Afasto minha boca da sua, descendo pelo seu corpo. Meu caminho é
feito por beijos molhados, lambidas e chupadas, arrancando suspiros e gemidos
dela.
Quando alcanço o cós da sua calcinha, eu a mordo e, segurando entre
os dentes, puxo-a. Ela ergue o quadril, facilitando a saída e só quando chega em
sua perna, levanto, tirando-a por completo.
Aproveito para tirar minha cueca, tendo meu pau, molhado e
necessitado, exposto. Pulsando involuntariamente, devido ao tamanho do tesão
que sinto, ganho total atenção de Paula quando ela lambe os lábios, encarando-o.
— Ainda não... — respondo, minha voz tomada pela rouquidão.
Me infiltro no vão das suas pernas, passando os braços por baixo das
coxas, minhas mãos alcançam sua boceta e eu a exponho completamente para
mim.
O maldito cheiro da sua excitação fazendo minha cabeça girar e o
desejo crescer desmedido dentro de mim. Abocanho sua intimidade, com fervor,
minha língua lambe, enquanto a boca suga-a toda.
Seu quadril eleva e eu aproveito o gancho que fiz com os braços para
mantê-la no lugar.
— Quieta — ordeno e ela geme.
Foda! Desse jeito vou comê-la feito um louco!
Volto a sugar sua boceta, enfio minha língua no seu canal, fazendo
movimentos de vai e vem, como se eu estivesse fodendo-a com a língua. Bem,
de fato, estou.
Subo até seu clitóris, chupando-o, com força. Meus lábios e língua
alternam entre chupar e lamber, seu ventre encolhe e estufa com suas respirações
e gemidos altos.
Solto uma das pernas, infiltrando um e, depois, outro dedo nela, minha
língua trabalha com afinco e então ela explode. Seu corpo estremece quando as
pernas se fecham em torno da minha cabeça, pressionando-a.
Continuo chupando enquanto ela tenta se afastar, volto a segurar sua
perna, imobilizando-a no lugar, minha boca suga com força seu ponto sensível,
seu corpo sofre vários espasmos e Paula grita, enlouquecida.
Não paro, até que sinto-a tremer violentamente com o segundo
orgasmo do dia. Alivio a pressão na boca e solto suas pernas, agora languidas, na
cama.
— Charmosa? — chamo, escalando seu corpo, vendo-a inerte.
— Eu morri... — ela responde, cálida.
— Não. Você só gozou duas vezes. Teremos mais orgasmos hoje.
— O quê? — ela grita.
— Um orgasmo por cada vez que senti você me frustrar, fugindo desse
lance maravilhoso que sentimos quando estamos juntos.
Ela ergue as mãos, contando entre os dedos.
— Das duas uma: ou eu morro por orgasmo ou eu entro pro livro dos
recordes.
Solto uma gargalhada, admirado com sua espontaneidade. Giro nossos
corpos até ter Paula sobre mim, com as pernas esparramadas em torno do meu
quadril, nossas intimidades quase se tocando.
— Hora de testar as hipóteses, então — respondo, capturando sua
boca.

A noite estrelada enfeita o céu da capital, observo Paula dormindo,


depois das nossas horas e horas na cama, nos entregando, sentindo e aceitando.
A aceitação é, de longe, muito maior dela do que de mim. Desde que a
vi, soube que tudo entre nós seria diferente, as conversas, o toque, a transa,
absolutamente tudo.
Pego um cigarro dentro da gaveta da minha escrivaninha e saio na
sacada. Ainda estou de boxer, o clima é quente, apoio meus cotovelos no
parapeito, acendendo e tragando meu vício.
— Preciso parar com essa merda... — lamento, soltando a fumaça pela
boca.
Não pensei direito quando a convidei para sumir comigo. Só queria um
tempo longe de tudo, precisava que ela livrasse a mente e só se concentrasse em
sentir o que rola conosco.
Vir para cá foi a única forma que encontrei de ficar sozinho com ela.
Meus irmãos, agora, namoram, então, vir à capital, só em raros momentos,
Rômulo tem ficado mais em Palomino também, minha mãe quase nunca está
aqui, por isso, sabia que teríamos sossego.
Apago o cigarro na metade, prometendo que, logo depois desta viagem
e Paula finalmente aceitando nosso relacionamento, vou largar o vício.
Desço as escadas, indo até a cozinha, preparo dois cafés na máquina
expresso, aqueço leite, vasculho o armário, buscando a canela, e adiciono três
pitadas, como ela gosta.
Coloco tudo em uma bandeja e, quando viro para subir, vejo Paula
parada na ilha da cozinha, braços apoiados na bancada, cabelos bagunçados, o
que a deixa sexy, rosto amassado com olhos sonolentos e vestindo minha
camiseta.
Não sei o que tem demais nisso, mas dá um tesão do caralho vendo-a
usar uma peça minha.
— Oi — cumprimento, inibido.
A imagem da última vez em que levei uma bandeja no quarto para ela
vem à minha mente e, com isso, a frustração que senti.
— Oi. Preciso mesmo desse café.
Saio do meu entrave, colocando a bandeja sobre o balcão, empurrando
a caneca em sua direção. Paula sorve o líquido quente com cuidado fechando os
olhos no final.
— Hum. Perfeito.
— Gravei, quando me ensinou, bêbada. — Sorri, bebendo um gole do
meu café.
— Ah, nem me lembre. Aquele dia é um borrado pra mim.
— Posso refrescar sua memória, se quiser... — sugiro, dando de
ombros.
— Por favor — ela incentiva.
— Depois de aprender a fazer seu café especial, nós acabamos nos
beijando, você tirou a roupa... — ela cobre os olhos quando menciono isso —...
eu tentei ser o cara legal, que não abusa da condição alterada das mulheres, mas
você não facilitou. Quando achei que realmente rolaria algo, te deitei na cama e
comecei a te beijar pelos pés, você roncou.
— Não! — Ela me encara, chocada.
Balanço a cabeça em afirmativa.
— Ei... eu não ronco!
— Ronca, sim. — Sorrio da sua face contrariada.
— Ronco nada.
Deixo meu café sobre a bancada e contorno a ilha, passando meus
braços em sua cintura por trás. Inspiro seu cheiro de avelã e dou um beijo
carinhoso no seu pescoço.
— Ronca, mas, em sua defesa, é o ronco mais lindo que já ouvi.
Ela gargalha e eu a acompanho.
— Você é bom com as palavras. Mas já sabe disso.
— Sim... eu sei. — Giro seu corpo, deixando-a de frente para mim. —
Sou bom em muitas coisas, Paula, e, a maioria, delas tem relação com você. —
Dou um beijo delicado em seus lábios.
— Não sou muito boa com nada... — ela responde, parecendo
desanimada.
— Você é perfeita em tudo. “Por que prender a vida em conceitos e
normas? O Belo e o Feio... o Bom e o Mau... Dor e Prazer... Tudo, afinal, são
formas E não degraus do Ser!” , foi Mario Quintana quem disse e, se ele disse,
[2]

é verdade.
Segurando meu rosto, ela se ergue na ponta dos pés, capturando minha
boca em um beijo significativo. Sua entrega, não física, mas a emocional,
começa a aparecer. Sinto-a tão receptiva quanto eu, finalmente estamos na
mesma faixa.

Saímos do restaurante de mãos dadas. Paula reclamou de usar a mesma


roupa para sair na noite metropolitana, ofereci de comprar algo em alguma loja
próxima, quase apanhei.
Alegando ser mulher suficiente para comprar uma peça de roupa para
si, saímos com ela batendo o pé e dizendo que ia daquele jeito mesmo, se me
incomodasse, que fosse para o inferno.
Paula sendo Paula.
Para provar meu ponto e demonstrar que o mais importante era sua
companhia, vestia as mesmas roupas que vim de Palomino e ambos saímos
assim.
Ela relutou um pouco, entretanto, vi pelo canto do olho um sorriso
contido aparecer naquela boca provocadora. No intuito de normalizar as coisas e
fazê-la se acostumar com isso, entrelacei nossos dedos, assim que saímos no hall
do prédio.
Durante o jantar, conversamos sobre tudo, isso sempre foi fácil entre
nós, desde que nos conhecemos. Hora ou outra eu arrumava seu cabelo e
aproveitava para roubar um beijo ou outro.
Aos poucos, a tensão por esses atos foi se dissipando e ela passou a
ficar à vontade e até gostar desse contato.
— Para onde, agora? — ela pergunta.
— Você quem decide. Podemos dar uma volta de carro, ir a uma boate
ou simplesmente voltar para o apê e curtir um filme, juntos.
Ela para por alguns momentos, fingindo pensar nas opções.
— Deixa-me ver... Acho que passo o passeio. Balada? Tô fora. Agora,
o convite para um cineminha íntimo, parece perfeito. — Seu sorriso safado se
alarga e não resisto, puxando-a para um beijo.
— Viu? Eu disse que você era perfeita. Fez a escolha certa. — Bato o
dedo indicador no seu nariz.
— Você não sabe ainda minhas reais intenções nesse cinema caseiro,
querido — ela fala, em tom conspiratório.
— Realmente eu não faço. Mas tenho um palpite de que é bem
parecido com o meu. — Mordo seu lábio, demonstrando minhas intenções.
— Partiu apê!
Capítulo 17
“Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo”.
— Pablo Neruda, Soneto LXVI
Paulinha

Estamos a caminho do carro, animados com a noite da pipoca


superquente que já imaginei na mente. Guilherme sorri, daquele jeito aberto,
com os olhos, fazendo o meu sorriso ainda maior.
Estranhamente nada do que aflige meu peito incomodou desde que
entrei no seu carro, ontem. Não me dei ao trabalho nem de avisar minha mãe que
estaria fora, mandei uma mensagem para a Ritinha no caminho, pedindo para
tranquilizar a todos.
Gui destrava o carro e, antes que abra a porta para mim, ele puxa meu
corpo para junto do seu, dando um beijo estalado nos meus lábios.
— Que bonito! Minha filha sabe que está aqui, Guilherme Queiroz?
Sinto o corpo dele tensionar à medida que meu sorriso morre no rosto.
— Boa noite, Cesar. Como vai? — Ele estende a mão,
cumprimentando o homem, que só o encara, com asco.
— Não muito bem. Você levou minha filha para longe de mim e ainda
a largou naquela cidadezinha, para vir aproveitar a capital. — Só agora ele me
dirige o olhar e o desprezo é evidente.
Esse é o pai da ex-namorada de Guilherme que, por algum motivo,
acha que os dois namoram. Na realidade, eu também pensei que estivessem
reatando.
— Eu estou ajudando a Babi. Não somos namorados.
— Como não? Ela disse que estava voltando a Palomino para
reatarem. — Ele parece confuso.
— Eu liguei, pedindo para ela ir até Palomino passar uns tempos no
meu flat, para fugir dos seus planos.
— Planos? Que planos?
— Empurrar um velho rico pra cima dela. Ela me contou, Cesar, e,
mesmo sabendo que você é um aproveitador, nunca pensei que chegaria tão
baixo. — A voz de Guilherme é firme, o homem parece chocado encarando-o e
eu, que estou mais perdida que cego em tiroteio, fico sem saber como agir.
— Como ousa....
— Não me venha com essa. Sempre forçou um noivado entre Babi e
eu. Só ficamos tanto tempo namorando porque tínhamos carinho um pelo outro.
Caso contrário, eu teria pulado fora há muito tempo.
— Eu não tenho que ficar ouvindo seus desaforos. Avise Babi que eu a
quero de volta, o quanto antes — ele ordena.
— Não. Ela vai ficar em Palomino pelo tempo que quiser e você vai
ter a decência de deixá-la em paz. Vem, Paula — Guilherme determina, abrindo
a porta para mim.
Agindo no automático, entro no carro completamente chocada. Nunca
imaginei que uma mulher tão bonita como ela, com posses e recursos, sofresse
esse tipo de abuso do próprio pai.
Guilherme bate a porta do carro, dando partida em seguida, sua raiva
transpassa o ambiente e resolvo me manter calada.
Nos mantemos fechados, cada um com seus pensamentos, até
entrarmos na sala do apartamento. Passo por ele, sendo barrada por sua mão em
meu pulso.
— Paula... eu queria te contar, mas não podia.
— Eu entendo. Por isso ela está no seu flat?
— Sim. Fiquei sabendo o que estava acontecendo, por um amigo,
liguei e pedi que viesse. Nós terminamos, mas eu não poderia deixar aquele
imbecil do Cesar se aproveitar desse jeito, da própria filha.
— Tá certo. Você tem razão. É que eu pensei que estavam reatando...
quando eu estive no seu apê ela disse que estavam a caminho disso.
— Espera. Você esteve lá? Quando? — pergunta, perplexo.
— Ontem. Eu fui conversar com você, sobre nossa noite e tudo, mas aí
eu a vi lá, dizendo o quão perfeito vocês são juntos. Saí de lá e liguei para o
Armando — meu rosto esquenta com a afirmação.
— Babi está confundindo as coisas. Sim, eu cometi o erro de dormir
com ela no dia que chegou. Não sei nem dizer por que fiz isso, antes que
terminasse, já estava arrependido.
— Ela é uma mulher linda, natural isso acontecer. — O gosto amargo
das minhas palavras transparece.
— Não. — Ele se aproxima, segurando meu rosto. — Ela foi uma
tentativa frustrada de te tirar da minha cabeça. Cheguei a pensar que estava
ficando maluco, depois da nossa noite no meu apê, eu só conseguia pensar nisso.
Paula... pelo amor de Deus! Você não vê? Ainda não notou?
— O quê? Não tô entendendo, Guilherme. — Meu coração bate
descompassado e sinto que meus tímpanos irão estourar a qualquer momento.
— Eu te amo, Paula. Eu te amei antes mesmo de te beijar, pela
primeira vez. Achei que fosse maluquice minha, até mesmo tesão. Mas depois da
nossa noite na fazenda, tudo só se intensificou. Finalmente entrou nos eixos.
Meu coração quase sai pela boca e, no ímpeto, eu puxo Guilherme,
unindo nossos lábios em um beijo exaurido, sôfrego e libertador. A cada toque, a
cada gesto, sinto as paredes que levantei em torno do meu coração se partirem,
as correntes se quebrarem e o sentimento invadir-me com força total.
Eu também o amo?
Uma pergunta capciosa, comparado a tudo que finalmente me permito
sentir, sem medo. Sempre esteve presente, o sentimento rondando e espreitando
a melhor oportunidade para invadir de vez meu coração.
Suas mãos suspendem meu corpo e, enrolando minhas pernas na sua
cintura, subimos as escadas. Sim, Guilherme é forte o suficiente para isso. Além
de grande, seu corpo é inteiro malhado, o que deixa aquelas tatuagens ainda mais
chamativas.
— Quero você... preciso... — ele balbucia, entre um beijo e outro.
Quando meus pés tocam o chão, me afasto, empurrando Guilherme,
que cai de bunda na cama. Seu rosto não tem nenhum traço de graça, sua visão
luxuriosa demonstrando tudo que espera de mim e, com certeza, atenderei a cada
uma das suas exigências.
— Hoje é minha vez de te provar.
Puxo sua camiseta para cima, removendo-a com rapidez, minha mão
espalma em sua tatuagem, um desenho maori que pega parte do seu peito e
[3]

braço direito quase inteiro. É sexy e provocativo.


Mesmo Guilherme sendo o homem mais gentil que já conheci na vida,
esse ar de homem desapegado, com cara de encrenqueiro, faz o contraponto
perfeito, tornando-o o cara certo.
Minha mão escorrega pela sua barriga esculpida, abro o botão da sua
calça e puxo para baixo, deitando-o, nu. Afasto um pouco, tendo a visão dele,
braços apoiado atrás da cabeça, olhos cravados em mim, queimando cada célula
do meu corpo, seu pau totalmente ereto, pulsante e brilhante, aguardando os
próximos passos.
Ajoelho na sua frente e, segurando seu pau com uma mão, sentindo
sua quentura, aproximo minha boca perto da cabeça. Minha língua passa
minimamente nos meus lábios, acertando-o também.
Escuto um curto gemido e o olho. Guilherme parece angustiado, seu
peito subindo e descendo constantemente, o membro pulsando em minha mão,
me fazendo me sentir a mulher mais poderosa do mundo.
— Acaba logo com isso... — ele suplica.
— Não... pra que encurtar o prazer, se podemos aproveitar bem mais?
— Minha pergunta, lenta e comedida, o faz gemer, frustrado.
Em resposta, abocanho seu pau, sentindo seu gosto vicioso na minha
boca. Ele é grande, ocupa todo os espaço, sugo o máximo que consigo até senti-
lo bater em minha garganta.
— Oh... foda... — solta, gemendo.
Você não sabe o quanto, querido!

Espreguiço meu corpo, sentindo dor em lugares que nunca imaginei


existir. No fim das contas, o feitiço virou contra o feiticeiro e minha pequena
provocação no oral, rendeu um Guilherme completamente determinado.
Em me matar de orgasmos.
Transamos até a exaustão bater, fazendo-nos dormir, com ele ainda
dentro de mim, sentindo o calor um do outro.
Abro os olhos, o sol já bate forte atrás do vidro, olho para o lado,
vendo seu corpo completamente nu, relaxado. Minha boca saliva excessivamente
querendo acordá-lo com lambidas, mas resolvo fazer melhor.
Levanto pé em pé, pego uma camiseta sua no armário e uma boxer, já
que não tenho nada para vestir, antes de sair do quarto dou mais uma conferida
no material e, mordendo o lábio inferior para me conter, saio dali.
Finalmente encontro tudo para um café decente na cozinha gigantesca
deste lugar. Arrumo alguns pães, frutas e café na bandeja e quando viro para
surpreendê-lo, quase derrubo a bandeja com o susto de vê-lo ali, parado, de
boxer branca, me encarando.
Senhor, ele podia ser um pouquinho feio. Não podia?
— Bom dia, charmosa — ele fala, com a voz sonolenta.
Quase acerto minha própria cara com um tapa, quando sinto minha
amiga de baixo se contrair. Nem parece que se esbaldou a noite inteira e já está
sedenta por mais uma dose.
— Se continuar me encarando assim, vestida com a minha camiseta,
vou deixar o cavalheirismo de lado e te foder na bancada.
— Promete? — solto e só depois me dou conta do que disse.
— Charmosa... charmosa... — Guilherme se aproxima rindo e puxa
meu corpo, beijando meus lábios.
— Eu ia levar na cama pra você. — Olho para a bandeja na bancada.
— O problema é que não senti seu corpo junto ao meu e, digamos que,
fiquei viciado nisso. Levantei assim que me dei conta de que não estava ali.
— Pensou que eu tivesse fugido?
— Depois de ontem? Talvez. Seria uma possibilidade — ele concorda.
— Vamos comer? Tô morta de fome. — Fujo do que meu coração
queria fazer.
Dizer que o amo.
É cedo demais... não é?
— No fim, nem assistimos ao filme. Podemos fazer isso depois do
café, na sala de TV.
— Tudo bem. Só preciso ir embora hoje. Tenho que ver as coisas no
bar e lidar com a dona Lélia.
— Sem problemas.
Terminamos o café o quanto antes, Guilherme me deixa na sala de TV,
que mais parece um cinema particular, e sai em busca de uma manta para
deitarmos no big sofá daqui.
Sento e fecho os olhos, desfrutando da maciez daquele sofá
maravilhoso, aconchegante, que parece abraçar a gente.
Vejo um livro, vermelho escuro, capa dura, parece muito antigo. Pego-
o por curiosidade, não sou muito de ler, mas Clara, com certeza, poderia amá-lo,
só pela aparência.
Abro no meio dele, vendo que não se trata de um livro, mas um diário.
Leio algumas linhas e percebo serem poemas.
Poemas!
Como um estalo, me lembro do homem buscando seu destino, os
bilhetes, a história, as tulipas e confiro a caligrafia.
— Não pode ser... — Fico espantada.
Volto o diário até o começo, confiro a primeira página e sinto meus
olhos umedecerem com o nome nele.
Guilherme Queiroz
Como se pressentisse o que está acontecendo, ergo os olhos, vendo-o
parado à minha frente. Seu rosto demonstra o que parece ser receio ou
ansiedade. Não sei dizer.
Levanto, deixando o diário em cima da mesa de centro, me aproximo
dele, segurando seu rosto entre as minhas mãos.
— Você encontrou seu destino? — pergunto, segurando meu coração
nas mãos.
— Sim. Desde que te vi no bar, pela primeira vez.
— Gui... — Beijo seus lábios, não aguentando esperar.
Seus braços me envolvem e aquela familiaridade, a sensação de estar
no lugar certo, nos braços certos, me toma. Nossas línguas tecem sua magia
particular, sinto meus pés saírem do chão e, por um instante, me pergunto se
estou flutuando.
— Eu te amo, Guilherme Queiroz — finalmente falo.
Sinto como se vinte e cinco anos de peso e receios saíssem de dentro
de mim. A liberdade do meu coração expande em alegria, satisfação e, agora,
mais do que nunca, amor.
Seu sorriso, seu olhar, seu toque, tudo nele só me mostra que, sim, ele
foi criado para mim.
Capítulo 18
“O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.”
— Fernando Pessoa, O Amor é Uma Companhia
Paulinha

Estamos no carro, a caminho de Palomino. Chegou a hora de voltar à


realidade e, confesso, estou com medo.
Guilherme nos colocou em uma bolha maravilhosa de leveza, entrega
e amor. Finalmente aceitei que sinto o mesmo que ele e, compreender isso, está
sendo libertador.
— Que sorriso é esse, charmosa? — Encaro um Guilherme curioso.
— Nada. Só felicidade — respondo e ele afaga meus cabelos.
Desde que o conheci, pessoalmente, eu digo, sua conduta sempre foi
impecável. O verdadeiro cavalheiro que eu me negava a acreditar que pudesse
ter interesse em mim. No entanto, o cara que me raptou, se é que posso dizer
dessa forma, se mostrou um verdadeiro romântico.
Depois de eu ter me declarado, fizemos amor, assim como das outras
vezes, nunca foi apenas sexo e, quando me permiti aceitar, tudo foi
completamente mais intenso e verdadeiro.
Guilherme me trata como sua namorada, sua musa, o bem mais
precioso que ele poderia tocar e suas palavras, quando estamos juntos, me fazem
ruborizar e sentir que sou especial.
“Você é maravilhosa...”
“Amo te tocar... é sublime... divino...”
“Seu corpo é meu santuário, Paula... quero contemplá-lo por toda a
vida...”
— Conheço esse sorriso e não é hora para isso, charmosa. — Seu tom
risonho me faz encará-lo e mostro a língua, tirando dele uma gargalhada
espontânea.
Não tarda e estamos encostando no portão de casa. A vizinhança,
como sempre, está na rua, vejo a caminhonete de Viny estacionada e deduzo que
os irmãos estão aqui.
— Ótimo. Família completa para a notícia.
— Que notícia? — Levanto as sobrancelhas, encarando-o.
— Que estamos namorando. — Ele segura meu rosto, dando um beijo
estalado na minha boca.
— Não me lembro de nenhum pedido, Guilherme. — Demonstro
indignação.
— Isso é porque eu não fiz. Farei para seus pais.
— Que coisa mais antiga.
Desço do carro, aceitando sua mão estendida, entrelaço meus dedos
nos dele, encarando-o por um minuto. Sinto a apreensão começar a surgir de um
fundo obscuro dentro de mim.
— Sendo antiquado ou não, é o certo a se fazer.
Reviro os olhos e quando tento abrir o portão para entrar, sou parada
pela fofoqueira da rua, dona Mirtes.
— Como vai, menina?
— Bem, dona Mirtes. Se me der licença, eu vou...
— Você deve ser o Guilherme — a senhora interrompe.
— Sim, eu sou. Como vai? — Ele estende a mão, cumprimentando-a.
— Bem. Pelo visto, mais um Queiroz namorando uma filha da Lélia,
não é?
— Sim. Uma feliz coincidência. — O sorriso de Guilherme é o que me
segura de dar uma resposta atravessada para a mulher.
— Mais alguma coisa, dona Mirtes? Preciso entrar — falo, sem
paciência.
— Ah, não, minha filha. Pode ir — ela responde, nem um pouco
envergonhada do seu questionamento.
Passamos pela casa e ouço o barulho no quintal, provavelmente todos
estão ali. A cada passo que dou em direção a eles, sinto minhas pernas
amolecerem, o coração acelerar e o ar diminuir gradativamente.
— Relaxa — Guilherme sussurra no meu ouvindo, tomando à frente
do caminho.
Saímos no quintal, nos aproximando do pergolado, onde toda minha
família janta, acompanhados da família Queiroz. Até dona Rute está aqui hoje.
Porcaria!
— Boa noite a todos — Guilherme chama a atenção deles.
A feição geral é um misto de espanto e risos cúmplices. A única que
parece prestes a ter um infarto na mesa é minha mãe.
— Mais um Queiroz... — ela solta em lamento.
— Deixa disso, Lélia. Boa noite, rapaz — meu pai cumprimenta.
— Agradeço por terem vindo e gostaria de aproveitar para pedir a
permissão, sua e de dona Lélia, para namorar Paula — Guilherme anuncia,
confiante.
Espera! Ele já tinha combinado isso?
— Você armou tudo isso — falo baixo, só para ele ouvir.
— Quase tudo.
Estreito meus olhos em tom ameaçador.
— Pois tem minha benção — meu pai responde, devolvendo o ar aos
meus pulmões.
— Mais um Queiroz? — minha mãe lamenta novamente.
— Assim, fico ofendida, Lélia — dona Rute comenta.
— Não leve a mal, Rute, mas seus filhos não têm a melhor das famas.
— Isso é por culpa dele. — Vinicius aponta Rômulo, que se mantinha
quieto.
— Minha, não. Não tenho culpa se sou irresistível.
— Um devasso, isso, sim — Toninha retruca.
— Ah, cabrita. Você tá se sentindo mal por não estar com um Queiroz,
igual suas irmãs? Sem problemas, vamos juntar os trapos e fica tudo em família
— Rômulo provoca, totalmente debochado.
— Nem em seus mais lindos sonhos — ela desdenha.
— Sonhos não... lembranças... — ele finge divagar e uma fatia de pão
acerta o seu nariz. — Tá maluca?
— Maluca vou ficar, se você continuar a falar besteiras — ela
esbraveja.
— Chega, os dois! — minha mãe intervém. — Sentem-se, vocês.
Vamos jantar.
Nos acomodamos em nossos lugares, logo o assunto é o casamento de
Clara e Marcelo, que acabou se declarando no domingo, quando eu estava
tentando fugir e acabei nas garras do Queiroz poeta.
Pelo visto, teremos mesmo um casamento em breve, que em outra
época, eu diria, uns dias atrás, estaria surtando e achando um absurdo minha
irmã caçula se entregar dessa forma.
Hoje, eu a compreendo.
Quando estamos com a pessoa certa, o tempo se torna uma questão
irrelevante perante o que sentimos.
Mais uma vez, as duas famílias estão unidas, comemorando outra
junção dos irmãos, algo muito improvável na vida real, mas que encaixou
perfeitamente na pequena cidade de Palomino.
Acho que depois de nós, esta cidade não terá mais do que falar por um
longo tempo.

Acordo ainda cedo, aproveito para arrumar minhas coisas no quarto,


tudo anda bagunçado demais na última semana.
Escuto uma gritaria vinda do fundo e, quando chego lá, estaco na porta
segurando o riso. Vejo os três irmãos, Vinicius, Guilherme e Marcelo, brigando
por uma colher de pau, minha mãe xingando-os e o doce borbulhando na panela.
Quando ela mencionou, um dia antes, que iria requisitar a ajuda de
todos para fabricar seus doces do festival, não imaginei que seria tão cedo.
— Paula, pega mais duas colheres, aí na cozinha. Não aguento mais
esses meninos brigando.
— Era a minha vez, dona Lélia — Marcelo justifica.
— Uma ova. Agora sou eu. — Vinicius puxa o cabo da colher.
— Me deem logo essa colher, acabei de chegar — Guilherme se mete
na briga.
— Parem, os três. Tem panela pra todo mundo — minha mãe grita e
eles param a discussão.
Ainda rindo, busco as colheres que ela pediu e, entregando uma para
cada, dona Lélia coloca todos para mexer os caldeirões de doce para a festança.
— Parece que você é um homem bem prendado — falo, me
aproximando de Gui, cautelosamente.
— Você não faz ideia do quanto, charmosa. — Ele rouba um beijo
meu.
— Paula, deixa o menino da flor trabalhar! — Minha mãe nos separa.
— Menino da flor? — pergunto, curiosa.
— Sim, pois tenho certeza de que foi ele que mandou aquele buquê
lindo.
— E como sabe disso, dona Lélia? — Guilherme questiona.
— Uai. Eu vi o jeitão que você olhou pra ela no dia do leilão. Num sô
boba! E tem mais uma coisa: se aparecer grávida, dona Paula, vai casar!
Também sei que a senhorita passou dois dias com esse aí — minha mãe decreta
e, tanto eu quanto Guilherme, caímos na risada.
— Porra, mais um casando antes de mim, não — Vinicius se revolta.
— Hoje eu terei uma conversa muito séria com a Rita Maria.
— Aquela lá tu não dobra fácil, não — minha mãe verbaliza o óbvio.
Agora é a vez de todos rirem da cara inconformada de Vinicius. Pego
meu celular, registrando o momento e envio para minhas irmãs, por mensagem.
Caminho até o meu balanço, sentando e admirando a cena que se desenrola à
minha frente.
Por tantas vezes me vi aqui, pensando em tudo que já passei, nas
escolhas que fiz, homens que conheci, mas nunca esse sentimento de felicidade
ditou meu coração.
Minha resistência em aceitar a felicidade na minha vida levantou
várias barreiras, talvez tenha me feito perder muitas oportunidades, limitando
minha aceitação da realidade.
Só Guilherme, com esse jeito fácil, charmoso e galanteador,
conseguiu, em pouco tempo, mesmo ele dizendo que demorei demais, dobrar
cada uma das minhas travas, afugentar toda minha reticência e conquistar
definitivamente meu coração.
Apesar dos chiliques e xingamentos, minha mãe está feliz por nós. Ela
sabe que soubemos escolher bem a pessoa para dividir nosso coração e,
contrariando todas as fofocas da cidade, eles têm se saído cada vez melhores.
— Paula?
Olho para trás, me assustando com a figura me encarando por cima do
portãozinho dos fundos.
— Armando?
— Desculpe vir assim, mas você não atendeu minhas ligações e nem
as mensagens. Passei ontem pelo bar e sua tia disse que não aparecia faz dois
dias. Fiquei preocupado.
Abro o portão, encarando sua figura meio sem graça ali.
— Tá tudo bem. Eu só viajei. Precisava resolver umas questões.
— Com o Queiroz? — ele pergunta, lançando um olhar para dentro.
Meus olhos correm para onde os seus apontam e vejo Guilherme nos
encarando, semblante fechado, punhos cerrados e tenho vontade de rir.
— Sim. Com ele.
— Sou carta fora do baralho, pelo jeito. — Seu sorriso envergonhado
me causa pena.
— Desculpe, mas ele e eu já tínhamos uma história.
— Eu entendo.
— Podemos ajudar? — Olho para trás, vendo Viny, Marcelo e
Guilherme, de braços cruzados, encarando-nos.
— Já falei com Paula. Obrigado.
— Com a namorada do nosso irmão, quer dizer — Marcelo menciona
e eu quase rio.
— Sim. Eu sei disso. — Armando parece tão divertido com a situação
quanto eu.
— Então, tchau. Vem, Paula. — Guilherme enlaça minha cintura, me
erguendo do chão.
— O que você está fazendo? — Acabo gargalhando.
— Bancando o homem das cavernas — ele responde.
— Isso aí, irmão. Mostra quem manda! — Escuto Vinicius gritar logo
atrás e, como resposta, levanto o dedo do meio para ele.
Quando finalmente sou colocada no chão, encaro o rosto de Guilherme
e ele parece um pouco constrangido. Tento minha melhor cara de brava e quase
falho nessa missão.
— Posso saber o que significa isso? Acha que por que namoramos,
pode me controlar? Pode dizer com quem devo ou não falar? Eu não sou
manipulável e nem submissa, Guilherme! — solto, apontando o dedo no seu
peito.
— Eu sei disso... — Ele coça a nuca. — É que meus irmãos ficaram
falando que eu tinha que me colocar, que sou seu namorado e toda essa
baboseira... agi por impulso.
Não resisto e acabo rindo do jeito desconcertado do meu namorado.
— Então, da próxima, vamos resolver isso do nosso jeito. Ok? — falo,
pegando seu rosto entre as mãos.
Ele balança a cabeça afirmando e, como retribuição, dou um beijo
contido em seus lábios.
— Espera! Você disse, próxima? Esse cara não vai querer virar seu
amiguinho não, né? — Guilherme me encara, confuso.
— Chega disso, Gui. Se eu quiser ser amiga dele, qual o problema?
— Ele querer você. Esse é o problema!
— Por favor. Se eu quisesse algo com ele, teria tido.
— Só não teve porque te sequestrei.
— Sequestrou quem? — Minha mãe aparece.
— Nada não, mãe.
Saio dali, caminhando para dentro e ouvindo Guilherme protestar,
chamando meu nome insistentemente.
Coitado!
Se pensa que por agora sermos namorados ele terá controle sobre mim,
está completamente enganado. Eu sou e sempre fui um espírito livre, tenho
minhas vontades e não vou me limitar por ninguém.
Guilherme terá que aceitar isso, por bem ou por mal.
Capítulo 19
“Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar
Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz”
— Vinicius de Moraes, Amor em paz
Paula
Minha vida de princesa teve fim rápido demais, estou limpando os
copos da pilha que fica acima de nós no balcão e sonhando acordada, com os
dois dias gloriosos que vivi com meu novo namorado.
Amo esse título!
A rotina da gata borralheira me chamou de volta e eu vim, mesmo a
contragosto. Não que eu não ame o que faço, mas confesso que, passar dias
sendo mimada nos braços de Guilherme, me deixou ligeiramente mal-
acostumada.
— Tá sorrindo para os copos? A coisa tá feia mesmo — Tadeu brinca,
encostando no balcão.
— Não enche e me deixa ser feliz. — Mostro a língua e ele ri.
— Tudo pra te ver feliz, priminha. Pelo visto, as coisas com o Queiroz
deram certo.
— Sim. Mais do que certo. Estamos namorando.
— Woww. Por essa, não esperava. Achei que seríamos os solteiros da
família, por um longo tempo.
— Correção. Você sempre quis isso, já eu...
— Não estava pronta. Eu sei. — Ele sorri, cúmplice.
— Não. Mas Guilherme soube me mostrar o caminho. Ah, Tadeu, ele é
perfeito, me trata bem, sempre fala como sou linda e, melhor, não olha para
nenhuma sirigaita de Palomino.
— Mesmo? E conversar... ele pode? — Encaro Tadeu, confusa, e vejo-
o apontando com a cabeça para a porta.
Guilherme, como sempre impecavelmente lindo, em sua típica
camiseta branca e calça rasgada, parado na porta falando com a Babi, sua ex-
namorada.
— Filho da... — Não termino a frase e logo contorno o balcão.
Se ele pensa que vai me enrolar, tá muito enganado!
— Boa noite, Guilherme. — Cutuco suas costas.
Guilherme se vira para mim, abraçando minha cintura e dando um
beijo demorado nos meus lábios.
Ponto pra ele.
— Oi, charmosa.
— Olá. Está acompanhado? — Olho em direção à loira com cara de
poucos amigos.
— Só estou me despedindo dele. Volto hoje para capital, Paula.
— Oi, Babi. Boa sorte pra você — falo, não demonstrando muita
simpatia.
— Pois é. Acho que vou precisar. — Seu sorriso morre nos lábios,
antes mesmo de surgir.
— Se precisar de alguma coisa, me manda mensagem. — Ela
concorda com a cabeça. — Falo sério, Barbara. — Gui tem um tom preocupado
e isso me lembra da situação dela com o pai.
— Chutaremos umas bundas lá, caso precise. Só chamar — ofereço
solicita.
— Eu agradeço, mas essa batalha é só minha.
— Lucio já está a caminho. Ele vai te levar até a capital.
— Não precisa. Sério.
— Mas eu insisto. Por falar nele, olha o homem aí. — Guilherme
estende a mão, cumprimentando Lucio.
— Boa noite, patrão. Paula — ele nos cumprimenta, tocando o chapéu.
— Ele que vai me levar? — Babi fala, com ar risonho.
— Sim — Guilherme responde, sério.
— Um peão nativo. Meu pai vai surtar. — Ela ri.
— Por causa de quê? Sou homem igual qualquer outro, moça. Posso
não ser engomadinho como os que a senhorita deve de tá acostumada, mas
garanto que tenho mais colhão que muitos.
— Calma, peão. Eu não queria ofender. Mas o que estou falando,
vocês do interior são tão limitados. — Seus olhos reviram em tédio.
— Limite é uma palavra que não tenho no vocabulário, dona. — Lucio
a encara e posso ver faíscas saindo dos olhos de ambos.
— Sério, que tenho que ir com isso? — ela desdenha novamente.
— Ou pode ir de ônibus, você quem sabe — Lucio responde por
Guilherme.
— É melhor aceitar, Babi. Lucio é um cara legal, vocês vão se dar bem
até lá. — Sorrio, afirmando, mesmo sabendo que é uma grande mentira.
— Duvido — os dois respondem ao mesmo tempo.
Se despedindo em seguida, ambos partem rumo à viagem.
— Metida ela, hein? — Guilherme agarra minha cintura, beijando meu
pescoço.
— Babi é boa pessoa. Só foi criada com outros valores.
— E você de trelelê com ela. — O ciúme cresce em mim.
— Não estava, não. Tá com ciúme? Achei que o lema de falar com
quem quiser e ter amigos, se estendia a ambos. — Guilherme se diverte com
isso.
— Eu não dei pro Armando — falo um pouco alto.
— Ainda bem. Ou você nunca mais estaria no mesmo ambiente que
ele.
— Você é ridículo. — Tento me soltar, mas seu agarre se intensifica.
— Aonde pensa que vai? Quero meu beijo, namorada.
— Vai buscar com a Babi — respondo, atrevida.
— Não quero ela. Não quero nada dela. Só de você. Sempre de você,
charmosa.
Maldito homem bom com as palavras.
Acabo cedendo mais rápido do que pretendo, agarro sua nuca,
puxando-o para protagonizar um beijo escandalosamente caloroso. Sua mão
desde até minha bunda, dando um aperto firme.
Quando nos soltamos, estamos ofegantes, sedentos e muito
empolgados. Pelo volume nas calças do meu namorado, eu diria empolgados até
demais.
— Vou trabalhar — anuncio, deixando-o ali.
Entro atrás do balcão, Tadeu só sabe rir e tirar onda com a minha cara.
Tudo isso porque um dia, conversando sobre relacionamentos, ele mencionou o
fato de nunca ter namorado.
Eu caí na besteira de afirmar que não fui feita para um homem só, que
o que eu queria da vida, homem nenhum poderia me dar. Acabamos formando
um clubinho dos solteiros, só ele e eu, e sempre ríamos dos casais mega
apaixonados que apareciam no bar.
Bom, isso foi até eu encontrar meu par perfeito.
— Apaixonada... quem diria.
— Vá à merda, Tadeu. Ainda sou a mesma Paula e posso te dar uma
surra.
— Olha meu tamanho. Você não aguentaria.
— Chamo meu namorado.
— Puff... aquele branquelo? Duvido.
— Ele é tão homem quanto você.
— Mesmo? Então, vamos fazer uma aposta. — Vejo o brilho crescer
em seus olhos. — Duvido que, se você dançar a próxima música em cima do
balcão, ele faça alguma coisa.
Lembrando-me dos momentos possessivos do meu tranquilo
namorado, acabo rindo e estendo a mão para ele.
— Temos uma aposta. Se eu ganhar, você vai namorar a próxima
mulher que levar para cama.
— Porra! Tá! Ok! — A incerteza está nítida em sua resposta. — E se
eu ganhar?
— Você escolhe. — Dou de ombros.
— Fechado.
Vejo Guilherme do outro lado do salão, sentado em uma mesa com
Rômulo de companhia. Seus olhos estão totalmente focados em mim, analisando
cada passo meu.
Tá no papo!
Tadeu vai até o jukebox e escolhe a música. Escuto o primeiro acorde
e rio, sabia que ele escolheria essa, sempre faz questão de dizer que a letra foi
criada para mim.
Dona de Mim, Iza.
Pego um banco, subo nele e viro de costas, sentando no balcão e giro
meu corpo, ficando de frente para o meu namorado. O salão está parcialmente
cheio, quando veem o que estou fazendo, ganho a atenção de todos e Guilherme
fica em pé.
Sensualmente, fico de pé, subindo as mãos pelas laterais do meu
corpo, até chegar nos meus cabelos, que juntando um punhado, ergo em um
coque.
Giro, balanço, mexo meu corpo na batida ritmada da música. Escuto
assovios e vários elogios, fecho os olhos para não encarar Guilherme e conto
com o fato de que logo ele estará ao meu redor.
Sinto meu corpo arrepiar, seus olhos estão cravados em mim, posso
sentir, quando os abro, buscando Guilherme na mesa, onde estava sentado, não o
encontro. Uma mão firme agarra meu calcanhar e corro o olhar, assustada,
vendo-o com cara de poucos amigos, me olhando.
— Oi, namorado.
— Desce — ele anuncia.
Balanço a cabeça, negando e sorrindo, travessa.
Guilherme passa a mão na nuca, nitidamente frustrado, seus olhos
queimam meu corpo, enquanto danço e, não esperando por isso, sinto meu braço
ser puxado, meu corpo cai para frente e logo sou sustentada, igual a um saco de
batatas por ele.
— Guilherme! Me solta! — grito, rindo.
— Não! Você queria minha atenção, não queria? Pois bem, charmosa,
agora você tem.
Passo por Tadeu, que bate palmas, gargalhando. Estreito meus olhos
para ele, enquanto eu falo silenciosamente a palavra “aposta”, isso o faz calar na
mesma hora.
Posso estar perdida agora com meu namorado, mas Tadeu vai ter que
cumprir seu acordo nessa aposta ou nunca mais vai transar na vida.
Guilherme só me coloca no chão quando já estamos no quartinho nos
fundos do bar. Meu corpo escorrega pelo seu, quando me coloca em pé. Encaro
seus olhos sentindo o ar ser roubado de mim.
Intenso.
Predador.
— Eu... era uma aposta...
— Xiuuu... Agora você tem minha atenção, charmosa. E eu farei uso
dela.
Guilherme agarra a barra da minha blusa, puxando-a para cima,
dispensando-a no chão.
Tento fazer o mesmo e ele se afasta.
Sua mão abre o botão da minha calça e puxa-a para baixo. Com um
toque, ele me faz sentar na cama, ainda de pé na minha frente, seus olhos
totalmente tomados pela luxúria, fazendo minha libido gritar por mais.
Ele se afasta, pegando o celular, parece nem se afetar com o fato de eu
estar quase nua à sua frente.
Logo escuto uma música, internacional e com uma batida maravilhosa.
Como da outra vez, ele traduz a letra para mim e a luxúria dá lugar à
emoção, sinto a primeira lágrima descer.
— It was only a smile but my heart it went wild. Foi apenas um
sorriso, mas meu coração foi à loucura. And I wasn't expecting that. Eu não
estava esperando isso. Just a delicate kiss, anyone could've missed. Apenas um
beijo delicado, qualquer um poderia ter perdido — ele canta e se ajoelha à minha
frente.
Sua mão captura mais uma lágrima errante e acabo sorrindo. Sua boca
cobre a minha, beijando com delicadeza, a batida do violão sendo a trilha sonora
e Guilherme enredando meu corpo ao seu sobre a cama.
A necessidade de dominação se foi, ficando apenas o homem
apaixonado que, mais uma vez, quer provar seu ponto, demonstrando todo seu
amor por mim.
— Eu te amo, charmosa. — Ele sorri, beijando uma última lágrima.
— Eu também te amo, Gui. Você foi criado para mim. Só para mim.
Seus lábios me buscam com urgência, minhas mãos puxando sua
camiseta branca, as suas tirando a calça desajeitadamente e, logo que nos
livramos das roupas que nos atrapalhavam, somos pele com pele.
Meu coração batendo descompassado como tantas outras vezes,
acredito que em todas que já me tocou o sentimento foi o mesmo. Desespero e
harmonia. Exatamente nesse misto louco, que é tão característico de nós dois.
Com certeza, sou o fogo e Guilherme, água. Um completa o outro e
estimula sempre nossos maiores desejos e vontade. Quando sou calmaria, ele é
minha chama e, quando pareço um vulcão explodindo, ele é minha lucidez.
Simplesmente perfeito.
Quando ele finalmente me penetra, fecho os olhos, sentindo-o me
preencher, centímetro a centímetro.
Seus movimentos são calmos, prenunciando todas as sensações que já
conheço e fiquei rapidamente viciada. Guilherme faz poesia na cama e a melhor
coisa do mundo é eu ser sua musa.
Quando atingimos o ápice, juntos, encaro seu sorriso lânguido,
satisfeito assim como eu, e tenho a certeza de que a partir dele, nada mais será o
bastante.
Ele é o meu mundo e eu mergulharei de cabeça, me entregando
completamente a esse homem.
Como diria a música...
“I thought love wasn't meant to last, I thought you were just passing
through. If I ever get the nerve to ask. What did I get right to deserve somebody
like you?
Eu pensei que o amor não fosse feito para durar
Querida, eu pensei que você estava apenas de passagem. Se eu, alguma vez,
tiver a coragem de perguntar. O que eu fiz para merecer ter alguém como
você?”.
Capítulo 20
“Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.”
— Clarice Lispector, O Sonho.
Guilherme
Os dias na fazenda estão mais ensolarados do que qualquer outro dia
que possa me lembrar. Acho que o fato de finalmente sentir que encontrei a
mulher para dividir minha vida contribuiu para isso.
Paula tem sido cada vez mais aberta, demonstrando seu sentimento
tanto quanto eu. Sua alegria, ainda mais evidente, me contagia e cada momento a
certeza de que fiz a escolha certa cresce dentro de mim.
— Vou me casar primeiro, aceita isso de uma vez, Vinicius — Marcelo
comenta, entrando na minha sala.
— Uma ova que vai. Ainda convenço a marrenta.
Vinicius senta na cadeira à minha frente, parecendo chateado.
— O que tá acontecendo? — pergunto.
— Nosso irmão mais velho não aceita que vou casar antes dele.
— Calma, Viny. Quando Ritinha ver as irmãs casando, ela vai ceder ao
seu pedido.
— O quê? Você também vai propor? — Ele parece indignado.
— Sim, em algum momento.
— Isso tá virando uma afronta.
— Olá, princesas. — Rômulo entra na sala.
— Fala, mano.
— Que cara é essa do Viny?
— Não aceita casar depois de nós — comento rindo e Viny ergue o
dedo do meio, em resposta.
— Para com essa boiolice. Vocês estão perdendo a quantidade de
bocetas nesta cidade por causa de uma só. Nunca vou entender isso.
— Não esperamos que entenda, Rômulo — Marcelo responde.
— Tá querendo dizer o que com isso? — ele questiona, confuso.
— Que de nós, você é o único que realmente não nasceu para isso —
Vinicius justifica.
— Não quero isso. O que é totalmente diferente.
— E nenhuma mulher em sã consciência nesta cidade, né? —
completo.
— Tá falando que nenhuma mulher me namoraria, irmão? — Seu tom
desafiador aparece.
— Estamos — Marcelo concorda.
— Pois é capaz de eu arrumar uma namorada e casar antes de vocês —
ele decreta.
Nós três nos encaramos e caímos na gargalhada. Imaginar Rômulo
casado é, no mínimo, engraçado, para não dizer absurdo.
— Duvidam?
— Claro que não — finjo indignação.
— Aposto que não arruma uma namorada antes do festival, semana
que vem — Vinicius provoca.
— Não vale qualquer uma. Tem que ser sério. Digna de ser
apresentada para a mãe.
— Tá no papo. — Rômulo estala os lábios. — Me aguardem, maricas
— decreta, saindo da sala.
— Essa eu quero ver. — Marcelo balança a cabeça e ambos, Vinicius e
eu, concordamos.

Termino a planilha do mês, meus dias dedicados à minha namorada


cobraram o preço com o serviço acumulado. Consegui transferir toda papelada e
informações aqui para a fazenda, agora, com minha nova vida, as idas para a
capital se tornaram bem escassas.
Entro no casarão, doido por um banho, meus irmãos estão na sala de
TV com a minha mãe, passo lhe dando um beijo para subir e somos
interrompidos por Lucio, um pouco afoito.
— Dona Rute, licença. Acabei de vir da cidade, seu Rômulo tá no
posto médico.
— O quê? — Minha mãe levanta e todos ficamos em alerta.
— Ele cismou de sair montado no Enamorado até a cidade, acabou
caindo. Tombo feio — Lucio conta, em uma lufada só.
— Mãe. Calma, mãe. — Seguro o corpo da minha mãe mole em
minhas mãos.
— Pega o carro, Vinicius, vamos pro posto médico.
Rapidamente estamos a caminho de lá, Vinicius acelera o carro, com a
minha mãe xingando no banco de trás.
Viny mal estaciona na vaga de emergência do posto e todos descem,
indo para a recepção.
— Toninha! Graças a Deus, minha filha. Onde está meu filho?
— Oi, dona Rute. Eu ia te ligar agora mesmo. Ele tá bem, o médico
esta medicando ele.
— Quero vê-lo — minha mãe suplica.
— Claro. Pode entrar — ela fala, abrindo a porta de acesso à
enfermaria.
Claro que todos nós entramos juntos e logo vemos Rômulo deitado em
uma maca, com a perna e o braço enfaixados, a testa com um curativo e o outro
braço preso a uma intravenosa.
— Rômulo, meu filho. — Minha mãe vai até ele, abraçando-o.
— Ai. Mãe... calma... tô bem. — Ele afaga suas costas.
— O que ele tem, doutor? — pergunto.
— Ele teve uma queda feia do cavalo, por sorte, não bateu a cabeça.
Mas teve luxação no joelho e pulso, além de algumas escoriações. Alguns
analgésicos e cuidados com movimento e logo estará novo em folha.
— Mas e a testa? Esse curativo?
— Foi no acidente — Toninha toma à frente, falando.
Ela parece totalmente deslocada em seu ambiente.
— Foi? Não me lembro direito. — Rômulo a encara, desconfiado.
— Claro que foi. Você está desorientado pelo tombo — ela fala,
parecendo nervosa.
— Doutor, ele precisa de algum cuidado? Talvez transferi-lo para a
capital.
— Não é necessário. Só trocar os curativos, tomar os remédios e tudo
ficará bem.
— Não vou para a capital, mãe. A festa é daqui uma semana.
— Sua saúde é mais importante, filho. — Ela afaga seu rosto, chorosa.
— Por isso, terei uma enfermeira cuidando de mim por esses dias, não
é, Antonia? — Rômulo fala com Toninha, que o encara, chocada.
— Não precisa, Rômulo. Os procedimentos são simples e você mesmo
pode fazê-los.
— Querida, por favor. Eu ficaria mais tranquila sabendo que alguém
competente está acompanhando os cuidados dele — minha mãe pede.
— Sabe do que mais? Acho que tô me lembrando de como consegui
esse machucado na testa. Acho que foi quando...
— Eu vou! Estarei lá, dona Rute. Não se preocupe. — Os olhos dela
vão de Rômulo para minha mãe.
— Perfeito! — ambos respondem.
Saímos de lá meia hora mais tarde, tendo o compromisso de levar
Toninha, assim que encerrar o expediente no posto médico. Lucio ficou
encarregado de pegá-la e seu conformismo me deixa bastante intrigado.

— Não precisava vir, charmosa — falo, beijando o topo da cabeça de


Paula.
— Eu nunca deixaria minha irmã sozinha nessa.
— Por que diz isso? — A encaro, confuso.
— Por nada. Toninha não gosta do seu irmão, mas resolveu atender ao
pedido da sogrinha, então, estou aqui com ela.
— Não precisa ir ao bar?
— Hoje não.
— Então, podemos ir pro meu flat depois que sua irmã terminar. O que
acha? — falo, próximo do seu ouvido.
— Ótima ideia, gatinho — ela sussurra e rio.
Levo Paula para o lado de fora, na varanda, nos sentamos nos sofás
que era costumeiro dos meus pais, quando ele era vivo. Essas memórias são tão
intensas em minha mente, que sinto como se ainda acontecesse, como todos os
dias.
Sempre ao entardecer, meu pai trazia minha mãe para cá, ambos
sentavam e ficavam olhando os raios de sol sumirem nas montanhas verdes da
fazenda e sempre ouvia o riso animado dela sobre algo que ele falava.
Olho para Paula, que apoia a cabeça no meu ombro, totalmente
relaxada e consigo imaginar essa continuidade para mim. Meu coração
finalmente aquietado pela certeza de tê-la para mim. Inteira minha.
Paula ergue a cabeça, encontrando meus olhos admirando-a. Sua íris
iluminada pela luz do sol fraco, o contorno do seu rosto ainda mais marcantes
com a claridade, levo a mão acariciando devagar.
Um sorriso enche seus lábios, me aproximo, passando meu nariz sobre
o dela e aquele sentimento de eternizar o momento para a vida me enche de
esperança.
— “Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p'ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar” — recito.
— Isso é uma música — ela fala, admirando-me.
— Vinicius de Moraes. Sim, virou uma música, mas é tão verdadeira,
de todas as suas formas. Só pareceu perfeita. — Sorrio para ela.
— Sim...
Afasto meu corpo do seu, encarando-a, chocado. Não esperava que ela
entendesse as entrelinhas. Caramba. Nem eu consigo entender muito bem o que
acabei de dizer.
— Você quer... você aceita... — Meu sorriso cresce exponencialmente.
— Quero. Quero tudo com você, Guilherme. Eu te amo.
Levanto, trazendo Paula comigo, a ergo em um abraço, girando nossos
corpos, sua risada fazendo um fundo de música para o melhor momento da
minha vida, até aqui.
A coloco no chão, alisando seu cabelo, seus olhos refletindo o mesmo
brilho do meu e selo nosso acordo, nossa entrega, meu pedido impensado que,
no fim, foi o mais acertado, a beijo.
Até agora pensei ser criado para ela, moldado para atender as suas
necessidades, entretanto, sou surpreendido por me dar conta de que ela também
foi igualmente criada para mim. Moldada em suas incertezas, Paula foi feita para
eu amar e ser igualmente amado.
Fim
Sobre a Autora
Agatha Santos tem 31 anos, casada, sem filhos, umbandista na alma e
no coração. É natural de Taubaté, interior de São Paulo. Formada em
Administração de Empresas e ex- gerente administrativa no ramo de varejo de
combustíveis. Sempre gostou de leitura, mas sua paixão se enraizou com a Série
Cinquenta Tons. É uma devoradora de romances eróticos e há pouco mais de
dois anos descobriu o encantamento pela escrita. Sua primeira obra é a Série Se
Entregando ao Amor, Agatha gosta da alegria da vida e é a favor de que aquilo
que faz a pessoa feliz a torna alguém melhor.
https://www.facebook.com/agathasantosautora/
https://www.instagram.com/agathasantosautora/
[1]
Frase de Sandro Kretus poeta contemporâneo.
[2]
Poema XXXIV. DA PERFEIÇÃO DA VIDA. 'Espelho mágico' é formado por 111 quadras de grande variação métrica, escritas em 1945
[3]
Maori — O grande diferencial das tatuagens maori são seus desenhos geométricos e tribais que contam a história da pessoa tatuada. Os desenhos costumam representar as
crenças e mitos mais valorizadas dentro da tribo do tatuador e do tatuado, sendo que cada desenho pode representar um sentimento ou característica da personalidade.
Table of Contents
Dedicatória
Agradecimentos
Sinopse
Prólogo
Guilherme
Capítulo 1
Paulinha
Capítulo 2
Paulinha
Capítulo 3
Paulinha
Capítulo 4
Guilherme
Capítulo 5
Paulinha
Capítulo 6
Paulinha
Capítulo 7
Guilherme
Capítulo 8
Guilherme
Capítulo 9
Paulinha
Capítulo 10
Guilherme
Capítulo 11
Paulinha
Capítulo 12
Paulinha
Capítulo 13
Guilherme
Capítulo 14
Paulinha
Capítulo 15
Paula
Capítulo 16
Guilherme
Capítulo 17
Paulinha
Capítulo 18
Paulinha
Capítulo 19
Paula
Capítulo 20
Guilherme
Fim
Sobre a Autora

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