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Mais tarde, naquele dia, ele me deu um livro de poesias e disse que os
sábios sabiam amar, por isso, sentir e que, de todos os filhos, eu seria o destinado
a levar esse lado do seu legado.
Desde então, tem sido assim. Minha vida gira entre minhas vontades,
meus anseios e uma busca de algo surreal, algo que só sinto quando leio os livros
que herdei dele.
Isso foi até conhecê-la.
Os sentimentos que eram límpidos quando lia, passaram a ser ainda
mais claros quando a via, quando conversávamos ou quando simplesmente
pensava nela.
Uma completa loucura, quase incompreensível para mim, mas que
parece ser ainda mais perfeito por isso.
Hoje eu a observo, mais uma vez, tendo a certeza de que minha crença
de vida não é um devaneio. Fui criado para ela e a farei perceber isso.
Capítulo 1
“Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.”
— Cora Coralina, Meu Destino
Paulinha
Chego em casa mais tarde do que previa, a visita na casa da tia Dulce
demorou mais do que o esperado e acabei me enrolando no horário, não restando
muito tempo entre um banho, vestir qualquer coisa e correr para o bar.
Depois do convite que Guilherme fez, acabei divagando demais entre
as possibilidades que nunca vão acontecer, minha tia, por várias vezes, teve que
me despertar dos meus pensamentos que insistiam em fugir de mim.
Contei sobre a ideia da festa temática em cervejas e ela adorou a ideia.
De lá liguei para Armando, meu contato no meio, acabou sendo tão educado e
solícito que ficamos conversando um bom tempo. Fechamos o evento para este
fim de semana, o que acabou me acarretando muito serviço.
Hoje seria o meu dia de folga, mas como fiquei por conta do bar o dia
todo praticamente e, levando em consideração que terei o evento em dois dias,
preferi trabalhar para compensar o dia.
— Clara Maria, você não vai! — Escuto minha mãe alterada na
cozinha.
Marcho direto para lá e me deparo com a cena de Clara chorando feito
uma criança e minha mãe parada à sua frente, com as mãos na cintura.
— O que está acontecendo aqui? — pergunto, chamando atenção de
todos.
— A mãe... — Clara resmunga, soluçando.
— Ela quer ir não sei aonde na capital, com o namorado e eu disse
não.
— Mãe. Relaxa. A Rita e eu vamos também. — Ela me olha, surpresa.
— Você vai? Com quem?
— A família Queiroz inteira vai, até dona Rute. É um evento de
leilões, mãe. Não tem por que não a deixar ir.
— Vou perguntar de novo, Paula Maria. Com quem você vai? — Seu
olhar ameaçador agora foca em mim.
— Guilherme me convidou. Por quê?
— Valha-me Deus! Mais um Queiroz aqui, não! — Ela bate os braços
na lateral do corpo, alterada.
— Mãezinha, não viaja. Gui e eu somos bons amigos. Só isso.
— Como o galanteador era só um serviço de mecânica e o outro
menino era só educado. Veja no que deu. — Ela aponta para Clara.
— Mãe, os meninos são ótimos com as duas. É até injusto a senhora
fazer isso.
— Mas o povo fala, Paula.
— Dane-se o povo, mãe. Você criou suas filhas muito bem e agora
chegou o momento de elas escolherem o próprio futuro.
— Tá falando delas ou de você naquele bar?
— Ah, não. Não vamos discutir isso, de novo. Eita! Já falei que gosto
de lá e ajudo a tia Dulce.
— Sua tia é desmiolada. E você cada dia mais fica parecida com ela.
— Bom, eu preciso trabalhar. Clara, escolhe uma roupa linda, que
vamos a este leilão, sim.
— Eu mando nesta casa, Paula Maria — minha mãe esbraveja, séria.
— Na casa, sim, mas nas suas filhas, não mais. Clara cresceu, mãe, e
eu tenho certeza de que o pai me daria razão.
— Seu pai se encantou com os zoião bonitos daqueles moços — ela
desdenha e eu acabo rindo.
— Você é engraçada, mãe. Tô indo me arrumar. — Jogo um beijo para
ela, que ainda não parece totalmente convencida de tudo isso.
Vejo Clarinha formular um obrigada silenciosamente, antes que eu
saia, e eu pisco um olho, retribuindo.
— Mell Glitter.
Guilherme
Meu plano covarde caiu pelo ralo assim que entro na sala de estar da
mansão Queiroz e pego Guilherme acariciando aquela coisa linda e maravilhosa,
que denominamos: pau.
Fico hipnotizada olhando o cena, ainda com suas roupas, só o dito cujo
para fora, cabeça apoiada no encosto do sofá e aquele movimento cálido para
cima e para baixo.
Sempre imaginei que seu documento era apresentável, fazendo jus a
toda a beleza que ostenta, mas fui pega totalmente de surpresa. Surpresa essa,
que é grande, robusta, de tom avermelhado e muito fascinante.
Jogo todas as reservas para um canto escuro da minha mente e
caminho silenciosamente até estar de frente para seu corpo. Meus olhos fitam a
cena, gravando cada movimento, como uma máquina fotográfica, na memória.
— Poderia ter feito isso lá em cima — me pego falando, hipnotizada.
Seus olhos se abrem, não parece surpreso, nem, ao menos,
envergonhado com seus movimentos.
— Não queria acordá-la — responde, me medindo dos pés à cabeça.
— Por uma boa causa, vale a pena. — Não escondo o sorriso
malicioso pelos pensamentos nada puros em mente.
— Então, não esperemos mais...
Ele estende a outra mão que não está ocupada e aceito de bom grado.
Encaixo minhas pernas na lateral do seu corpo, suas mãos vão direto para minha
bunda, apertando com força.
Estamos na mesma altura, olhos nos olhos, bocas a centímetros de
distância e posso escutar sua respiração engatada. Segurando a barra de sua
camisa, eu a puxo, ajudando-o a tirá-la.
Ele ergue meu vestido mais para cima, parando-o na minha barriga,
deixando minha bunda exposta somente com o fio de calcinha que eu uso à
mostra.
— Se você tem alguma dúvida, Paula. Esse é o momento. Eu não vou
conseguir parar a partir daqui. — A rouquidão da sua voz termina de acender
minha libido e, em resposta, selo nossos lábios.
Seu beijo é tão urgente quanto suas mãos afobadas pelo meu corpo. O
gosto da sua boca é algo surreal, nunca havia sentido isso e confesso que uma
ponta de receio acende em mim. Sinto o aperto firme e um tapa estalado em uma
das nádegas e gemo em sua boca.
Guilherme gira nossos corpos encostando minhas costas no sofá e
ficando sobre mim. Por um minuto, se afasta, apreciando o vão das minhas
pernas exposta para ele. Sua mão corre pela lateral das minhas coxas subindo e
levando consigo meu vestido.
Seu olhar admirado não deixa qualquer ponta de timidez surgir, suas
mãos desenham círculos em minha perna, subindo pela minha barriga até
alcançar o vão dos meus seios. Ambas as mãos os cobrem dando um aperto
prazeroso e voltamos a nos beijar.
Seu pau roça a renda da minha calcinha e começo a me mexer,
clamando por mais atrito. Descendo uma das mãos, puxa a calcinha de lado e o
calor dele toca o meu. A umidade presente faz o deslizar ser escorregadio, o
sangue bombeando forte minhas veias e trazendo todo meu foco para minha
amiga necessitada.
— Eu preciso...
— Só me come! — anuncio, quando ele tenta se afastar.
Nem um segundo a mais, sinto seu pau deslizando com facilidade para
dentro de mim. O tesão é tanto que minha boceta pulsa em resposta e um gemido
alto sai dos seus lábios.
— Deliciosa pra porra — ele responde, antes de atacar meu seio,
abaixando o bojo do sutiã.
Sua boca maltrata na mesma medida que suas estocadas entram cada
vez mais profundo. Meus olhos giram, minhas mãos apertam seus braços e um
orgasmo começa a se formar no fundo do meu ventre.
Guilherme encaixa uma das mãos entre nós, beliscando meu ponto G,
sinto a cabeça girar à medida que meu corpo convulsiona em espasmos
prazerosos do ápice.
Com mais duas estocadas, Guilherme rosna meu nome, gozando
fortemente dentro de mim. Consigo sentir o pulsar do seu membro somado aos
meus, contraio meu músculo sentindo fisgadas pelo meu canal, aproveitando ao
máximo aquele momento de prazer.
— Uau... — solto, simplesmente.
— Tirou as palavras da minha boca, charmosa. — Ele beija meus
lábios devagar.
Sua boca em uma linha fina cobrindo a minha, com cuidado, a
intensidade de ainda pouco aplacada, dando lugar a carícias preguiçosas na
minha perna. Sua boca desliza pelo meu maxilar dando beijos contidos, quase
delicados, atingindo pontos certeiros e fazendo meu desejo retornar.
Seu pau, ainda muito duro dentro de mim, pulsa, encaro seus olhos que
fixam nos meus e sutilmente ele se arrasta para fora de mim só para tornar a
entrar vagarosamente.
Fecho os olhos, sentindo o prazer, mesmo após um orgasmo intenso,
cada fibra do meu corpo consegue senti-lo, percebê-lo e a vontade de provar
mais disso cresce ainda mais.
Guilherme passa um braço por baixo da minha perna, elevando meu
quadril, fazendo seu encaixe ser ainda mais fundo. Abro os olhos vendo-o me
encarar, seu rosto banhado pela luxúria do momento, os olhos azuis límpidos,
agora estão intensos, marcantes, como se cravasse cada desejo seu dentro da
minha alma.
Medo.
Aquele velho sentimento de estar baixando demais a guarda toma
meus sentidos. Tento desviar a cabeça e ele rapidamente segura meu queixo no
lugar.
— Eu quero olhar você. Inteira. — Sua voz é imperativa.
Ele abranda suas estocadas ainda mais, quase saindo completamente
de mim e voltando para dentro no mesmo ritmo. Torturante e viciante.
Seus olhos continuam cravados nos meus, começo a ver um misto de
poder e entrega. Uma busca por algo aqui dentro, tentando se conectar de forma
irrefutável, então, fecho os olhos.
— Pode fugir, charmosa, mas depois de hoje... sabemos que não tem
volta. Nos pertencemos. — Sua voz anuncia próximo ao meu ouvido.
Permaneço de olhos fechados, recebendo tudo que ele me dá, o prazer
cada vez mais latente, o medo um tanto distante, mas, ainda assim, ali,
observando a margem.
Quando chegamos ao orgasmo, juntos, a exaustão me toma. Meu corpo
lânguido é logo carregado por seus braços fortes. Ainda permaneço de olhos
fechados, agora por exaustão, mas não posso negar o medo que continua ali,
martelando por seu espaço.
Não lembro exatamente quando, mas logo estava longe dali, vagando
por sonhos nunca vividos de fato. A sensação de bem-estar que tenho buscado
por toda a vida tomando meus sentidos e os olhos intensos de Guilherme
protagonizando toda minha paz.
Entro no bar o mais rápido possível. Graças a Deus tenho uma cópia
da chave, por isso, não preciso avisar ninguém que estou aqui.
As lágrimas caem insistentemente, passo o braço diversas vezes de
forma displicente no rosto limpando-as, a todo custo, e me odiando por viver
este momento.
Paro no corredor que dá para o salão quando o primeiro soluço me
escapa e já não consigo mais segurar. Escoro meu corpo na parede deslizando
aos poucos a caminho do chão.
Logo sinto braços grandes e fortes enredando meu corpo, é Tadeu, me
pedindo para acalmar e dizendo que tudo ficará bem.
Será?
— Vem, vou fazer um chá. — Ele anda segurando meus ombros com
medo de me ver sucumbir novamente.
— Estou bem... — respondo com a voz embargada.
— Uma ova! Senta sua bunda aí, prima. Vou fazer o chá. — Ele me
coloca na banqueta e contorna o balcão.
Quem vê o tamanho de Tadeu e sua forma de agir à noite no bar não
faz a menor ideia de como ele é com a família. Mesmo com a mãe, que ainda
está em guerra pelo lance da paternidade, ele é atencioso.
Uma xícara de chá fumegante chega à minha frente, faço uma pequena
careta ganhando um olhar de advertência. Preferiria uma boa dose de café, com
leite e muita canela, mas Tadeu sempre foi o cara do chá.
Tomo um pequeno gole, sentindo o aroma da camomila no ar, ignoro o
olhar questionador do meu primo, que se mantém como um falcão, me
observando.
— Eu não vou dizer nada — solto, me sentindo um pouco melhor.
— Então, será do jeito mais difícil?
— Nem ouse! — Meus olhos quase saltam para fora.
— Se não falar, serei obrigado a te convencer.
— Para com isso. Odeio coceguinhas! — Sinto a ansiedade chegar.
Realmente odeio esse tipo de tortura. Sim, porque para mim, isso não
passa de uma sessão de pura tortura, em que me falta o ar de tanto que rio e a
barriga dói a ponto de quase chorar em meio ao riso.
— Sempre falamos o que mais nos aflige, Paula. Você aguenta minhas
merdas com o lance do meu pai e eu escuto suas frustrações e medos, desde a
adolescência.
— Não sou frustrada! — defendo-me.
Seu levantar de sobrancelha mostra o quanto ele discorda da minha
afirmação.
— Faz muito tempo, eu diria, anos, que não te vejo chorar daquele
jeito.
— Foi só um momento. Já passou.
— O que aquele Queiroz fez? Pela sua roupa, não dormiu em casa e a
maquiagem borrada mostra que nem teve tempo de um banho. O que me leva a
crer que saiu de cena o quanto antes para evitar alguma coisa. Minha única
dúvida é: quis evitar um confronto por você ou por algo que ele fez?
Faço um bico ridículo, torcendo minha face de um lado para o outro,
não querendo entregar nada, mas pelo visto ele já deduziu tudo.
— Um pouco de cada — respondo, sucinta.
— E você tem certeza de que as coisas foram exatamente como você
viu ou ouviu?
— Tá me achando com cara de louca? — pergunto, pendendo a cabeça
para o lado.
— Não, priminha. Mas se te conheço bem e, segundo sua própria
afirmação, fugir foi, em parte, uma decisão baseada na sua necessidade. Então,
preciso saber se o que realmente o Queiroz fez foi ou não tão sério assim.
— E pra que quer saber disso?
— Pra decidir se eu quebro a cara dele, quando aparecer aqui com o
rabo entre as pernas.
— Deixa de besteira, homem. — Abano a mão no ar.
— Você é a garota perfeita, prima. Já disse isso. Não vou deixar um
babaca te mostrar o contrário. — Ele afaga minha mão carinhosamente.
— Vamos deixar isso pra depois. Preciso pegar uma muda de roupa no
quartinho, me trocar, voltar em casa e aguentar minha mãe reclamando. —
Ambos sorrimos, sabendo o quanto dona Lélia pode ser difícil.
Chego em casa batendo a porta e, logo, minha mãe surge à minha
frente, me dando um baita susto.
— Tá agitada, Paula Maria? — ela pergunta, com o mesmo olhar
questionador que já aprendi a fazer.
— Claro que não!
— Onde estava? — Suas mãos na cintura demonstram a irritação.
— No bar. Guilherme me deixou ontem lá depois do leilão e dormi na
tia.
— Engraçado, viram o Guilherme te deixando hoje pela manhã lá na
Dulce. — Escuto a voz da fofoqueira do bairro vindo da cozinha.
— Fomos tomar um café. Só isso — respondo rápido.
— Paula Maria. Você está saidinha demais desde que foi para esse bar.
Num tô gostando disso, não! — minha mãe esbraveja, voltando para a cozinha.
Reviro os olhos, encarando o teto da sala, já não queria lidar com a
minha mãe, agora, ela e a vizinha enxerida, vai ser uma verdadeira sessão de
tortura.
— Bom dia, dona Mirtes — falo, ácida.
— Bom dia, menina Paula. Quer dizer que você também está
namorando um Queiroz? Meu Deus, Lélia, sua família quer mesmo fisgar os
fazendeiros! Só falta Antonia namorar o Rômulo.
— Não diga besteiras, Mirtes. Minhas filhas não querem fisgar nada e,
só pra esclarecer, foram eles que se encantaram por elas.
— E eu não namoro o Guilherme, dona Mirtes. Somos só amigos.
— Se dizem... — Ela dá de ombros.
Provavelmente ela não acreditou em uma palavra que lhe foi dita e vai
sair daqui correndo para espalhar à vizinhança suas teorias malucas.
— No fim de semana vamos começar a produzir a base dos doces,
filha.
— Que bom, mãe. Vou tentar ajudar. Tenho uma festa no sábado.
— Você e esse bar. — Ela revira os olhos.
Não é segredo para ninguém o quanto minha mãe odeia que eu
trabalhe lá. Acho que, no fundo, ela e meu pai têm medo de acontecer comigo o
que houve com minha tia. Uma gravidez na adolescência.
Só tem uma diferença, eu não sou mais uma adolescente, tenho vinte e
cinco anos e sou independente. Outra coisa que eles não levam em consideração
e, parece que boa parte da cidade também não leva, é que os tempos são outros.
— Sim, mãe. É meu trabalho e eu gosto dele — falo, pegando uma
lasca de chocolate ralado do prato.
— Aquele bar tem muitos forasteiros, menina Paula. Tem que tomar
cuidado com eles — dona Mirtes comenta.
— Pode deixar que eu sei lidar com os forasteiros, dona Mirtes —
respondo graciosa e saio da cozinha.
Se ela soubesse a quantidade de forasteiros naquele bar que eu já
peguei, ficaria chocada.
Entro no meu quarto agradecendo ao fato de Rita estar na oficina,
assim, tenho mais sossego para descansar e pensar em tudo que aconteceu.
Na realidade, não há muito que pensar, ele transou comigo dois dias
depois de transar com a ex, não tínhamos nada, aliás, não temos nada,
desnecessário fazer disso grande coisa.
Sua postura mudou completamente quando mencionei sobre meu
possível encontro hoje, o que foi uma total mentira, jamais ligaria para Armando
depois de ter dormido com Guilherme no dia anterior, mas ele não precisa saber
disso.
— Paula! — Clara entra de supetão no quarto.
— Meu Deus! Você costumava ser doce e mansa, agora, mais parece
um turbilhão em forma de gente. — Sento-me na cama, assustada.
— Deixa disso. Me conta. Como foi com o Gui. Quando Marcelo e eu
saímos, ele ligou pro Gui, mas ninguém atendeu.
— Dormimos. Só isso. Peguei no sono no carro.
— Ah... só isso? — Sua cara decepcionada me faz rir.
— O que pensou da sua irmã?
— Nada — ela responde, ainda decepcionada.
— O Gui e eu somos só amigos, maninha. Só isso.
— Paula! — Escuto Antonia me gritando de algum lugar da casa.
— Já vou! — respondo, levantando da cama.
Chego na sala e vejo minha irmã assinando um papel para alguém e
pegando um enorme ramalhete de flores. Ela me encara, estendendo o buquê.
— Pra mim? — pergunto, surpresa.
— Sim. Não tem remetente, mas deixou um envelope.
Pego o buquê, apoiando nos braços e, com as mãos livres, abro o
pequeno envelope. Uma caligrafia carregada, visivelmente masculina e
marcante, compõe as palavras escritas.
“Existe uma lenda turca que explica o significado da tulipa vermelha.
A história conta que Farhad, um príncipe, estava perdidamente
apaixonado pela jovem Shirin.
Um dia, Farhad foi informado que a sua amada tinha sido morta. Não
aguentando a tristeza e a dor, o jovem príncipe decidiu terminar a sua vida,
cavalgando para um precipício.
Segundo a lenda, cada gota de sangue do príncipe fez nascer uma
tulipa vermelha, simbolizando, assim, o amor verdadeiro.
Um homem buscando seu destino.”
— Nossa, que assinatura mais estranha — Antonia comenta atrás de
mim.
— Sai daqui, enxerida! — falo, me afastando do seu olhar curioso.
— Eu recebi essas flores, tenho direito de saber.
— Não são pra você, Antonia.
— Tulipas são lindas. Elas simbolizam o amor verdadeiro. Já li algo a
respeito — Clara comenta, cheirando uma delas.
— Vou colocar em um vaso — respondo, sentindo um sorriso
verdadeiro brotar em meus lábios.
Na cozinha, encho um jarro com água e solto o buquê, colocando as
tulipas dentro dele. Minha mãe fica impressionada com a beleza e o gesto das
flores, lhe mostro o cartão e ela só falta se derreter.
— É do Queiroz? — dona Mirtes pergunta.
— Não assinou. Então, não sei.
— E você tá saindo com mais de um homem. Valha-me Deus!
— Mirtes! Para de ser futriqueira. Claro que minha filha não está
saindo com mais de um homem. A verdade é que ela é linda e qualquer um nesta
cidade cairia aos seus pés, facinho — minha mãe retruca, esnobe, o comentário
da velha.
— Se você diz... — Novamente ela dá de ombros.
Termino de ajeitar meu vaso e seguro meu bilhete, indo para o quintal,
sentando no balanço vermelho. O tempo hoje está bem agradável, ensolarado e
radioso, assim como eu, agora.
Encaro o bilhete lendo e relendo, pensando em quem será o homem
em busca do seu destino, o que ele quer de mim e, principalmente, se o que sente
é realmente intenso como a história do príncipe turco.
Minha mente vaga para Guilherme e logo descarto a possibilidade.
Depois dos acontecimentos da manhã, está mais do que claro que o que tivemos
foi um lance.
Desejo que surgiu no meio de uma amizade, o que acaba abalando um
pouco as coisas, mas talvez com o tempo saibamos lidar melhor com isso.
Por mais que sempre tenha deixado claro seu interesse por mim, nada
passou de algo carnal, tesão de momento, essa noite foi a oportunidade de
exorcizarmos isso.
Lembro-me de Armando e seu jeito sutil. Seu interesse foi claro no
final e ele deixou em minhas mãos a decisão de como iríamos a partir dali. Olho
para o papel na minha mão novamente, a dúvida pairando. É cedo demais para
uma declaração tão intensa da parte dele.
Fecho os olhos, respirando profundamente, um misto de expectativa e
frustração confundindo totalmente o que já era suficientemente confuso aqui
dentro.
Às vezes penso que minha vida era menos complicada na época em
que ser ignorada por todo o sexo oposto era comum. A rejeição deles era algo
duro, mas, aos poucos, moldou as camadas de proteção e com o tempo aprendi a
não me importar.
“— Gorda, baleia, saco de areia... — um grupo de meninos e meninas
gritaram enquanto eu passava.
Encarei o chão, fingindo que não era para mim essas ofensas. Com o
tempo eles esqueceriam e tudo ficaria bem.
— Aonde vai, grandona? — Uma patricinha do oitavo ano entrou na
minha frente.
— Sai do meu caminho — respondi, cortante.
— Ou o quê? — Ela cruza os braços, olhando-me com desdém.
Não pensei e quando dei por mim, meu punho doía com a pancada.
Acabei acertando um soco no meio da cara da menina, seu nariz esguichou
sangue e a confusão toda se formou.”
Lembro-me da minha mãe chamando minha atenção na diretoria
quando foi chamada para me levar embora. Só em casa contei o que havia
acontecido, sobre as provocações e que estava em meu limite.
Daquele dia em diante, ela deu carta branca para eu bater em qualquer
um que ousasse me provocar e isso se estendia à minhas irmãs também.
Desde então, eu sou a protetora delas e nunca mais ninguém mexeu
comigo. Acho que o resultado do soco repercutiu bem e até os meninos ficaram
receosos de arriscarem uma gracinha.
No colegial, comecei a perder um pouco de peso, mínimo, é verdade, o
que não bastou para trazer a atenção masculina. Passei a ser ignorada e temida
desde a confusão e tive que lidar com a solidão, mais uma vez.
Vivi medianamente até decidir, no último ano do colégio, a mudar
meus hábitos. Aprendi que minha condição não era culpa de ninguém e não
precisava me afundar em comida para sentir satisfação.
Passei a correr todas as manhãs e regrar minha alimentação com coisas
mais saudáveis.
Bingo!
Em um ano e meio emagreci quase quinze quilos e isso mudou
completamente a atenção dos homens a meu respeito. Tive o prazer de recusar o
convite de vários garotos que lembrava bem do tempo em que faziam suas
piadas sobre o meu corpo.
E, desde então, tem sido assim. Medianamente fácil.
Até, claro, o forasteiro Queiroz todo rabiscado, como diria minha mãe,
entrar em meu caminho e bagunçar as coisas aqui dentro.
Capítulo 12
“O amor, esse sufoco,
agora a pouco era muito,
agora, apenas um sopro.
Ah, troço de louco,
corações trocando rosas
e socos”.
— Paulo Leminski
Paulinha
Banho em água fria só é bom quando fazemos por vontade. Estou a
tarde toda no bar, arrumando, organizando, recebendo mercadorias e deixando
tudo pronto para o evento de hoje.
Não tive tempo nenhum de ir até em casa me preparar, o que me
forçou a tomar banho no quartinho dos fundos do bar, usar a muda de roupa
extra que mantenho aqui e fazer um coque bagunçado, aplacando a rebeldia do
cabelo.
Minha tia quase me matou por saber que eu não subi para sua casa me
arrumar, mas com a correria, preferi economizar tempo. Só não contava que o
chuveiro daqui estivesse queimado.
Recolho minhas roupas sujas, toalha de banho e coloco tudo dentro de
uma bolsa. Abro meu armário para deixar as coisas ali e vejo um pequeno papel
cair no meu pé.
Uma folha de papel, meio amassada, parece um daqueles bilhetinhos
de colegial, que eu nunca recebi, por sinal.
Amor Bastante
Quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
— Paulo Leminski
Um homem buscando seu destino
Paula sai dos meus braços como se tivesse tomado um grande choque,
seu olhar se perde do meu e vejo-a partir dali.
Minha cabeça só consegue martelar uma pergunta e, virando para
Rômulo, vou em busca da resposta.
— Vamos conversar. — Seguro seu braço, arrastando-o para fora do
bar.
Meu irmão mais velho, que mais parece uma hiena, rindo sem parar,
segue meus passos, sem reclamar.
— O que foi, irmãozinho?
— Você já deu em cima da Paula? Já... você sabe... avançou o sinal?
— Cruzo os braços à minha frente.
— Tá abatido mesmo! Meus Deus, o que tem de tão especial nessas
mulheres?
— Para de onda e responda à pergunta.
Rômulo revira os olhos, demonstrando tédio, em seguida, um grupo de
meninas passa do nosso lado e ele joga suas piadas sem graça, fazendo-as parar,
flertando de volta.
— Foco, Rômulo! — Estalo o dedo perto do seu rosto.
— Não! Tá bom? Nunca peguei a Paula, comecei a vir no bar depois
da volta do Vinicius. Antes eu vinha, pegava uma garota e ia pro meu apê.
— Só isso?
— Só! Tem o fato de ela ter me ameaçado com uma garrafa uma vez,
mas não foi nada importante. — Ele tenta voltar e eu o seguro.
— Como assim? Ameaçado?
— Sim. Eu estava bêbado pra caralho e queria mijar no banheiro
feminino. Nem tinha visto que era o feminino. Ela me tirou do banheiro com o
pau pra fora. Foi uma merda — ele responde, torcendo os lábios.
— Sério? — Seguro o riso.
— Pode rir. Ria mesmo, irmãozinho. Logo vai chegar minha vez de rir
de você. — Ele bate a mão no meu braço e volta para dentro.
Sigo atrás dele, sentindo um imenso alívio me confortar. Imaginar que
meu irmão e Paula pudessem ter tido algo incomodou demais, agora sei que suas
palavras não passavam de provocações.
Fico parado próximo à portaria, em um canto mais vazio e que deixa
minha visão limpa para observá-la. Pareço a porcaria de um lunático,
espreitando sua obsessão, ansiando pelo momento certo de abordá-la.
— Tá difícil? — Escuto Tadeu ao meu lado.
— Eu diria, complicado.
— Paula é igual uma cebola, amigo. Precisa tirar camada a camada e,
muito provavelmente, ela te fará chorar antes do final.
— Não, se eu for rápido e usar uma faca. — Olho para ele antes de
voltar à mesa.
— Onde você estava, benzinho? Fiquei preocupada. — Babi joga seus
braços em torno do meu corpo.
— Resolvendo umas coisas. — Me desvencilho dela.
— Bem que você podia me levar embora — ela sugere, sorrindo.
— Eu levo. Clara e eu estamos indo — Marcelo intervém, me
salvando.
— Mas eu...
— É melhor você ir com eles — respondo sucinto, dando um beijo na
sua bochecha.
Agradeço a Marcelo com um aceno de cabeça, meu foco é
completamente outro e confesso que a insistência de Babi está me deixando um
pouco irritado.
Sento à mesa, respirando mais sossegado, daqui não consigo ter uma
visão clara de Paula, mas sei que está atendendo no balcão. O tal Armando ainda
está por lá, porém, ela não parece tão empolgada com ele.
— Você está tão fodido, irmão... — Viny cutuca meu ombro com o
seu.
— Não mais que você. — Sorrio de volta.
— Do que estão falando? — Rita pergunta.
— Nada — ambos respondemos.
— Vou no balcão falar com a Paula, já volto — ela anuncia, nos
deixando sozinhos.
— O que pretende fazer? — Vinicius questiona, sério.
— Ainda não sei. Por ora, vou ficar aqui. Quero conversar com ela
hoje.
— Não acha melhor dar um tempo?
— Já dei tempo demais. Hoje eu faço ela me ouvir, nem que seja
amarrada.
— Olha. Temos um dominador aqui — ele debocha, tomando um gole
da sua long neck.
— Meu Deus... — lamento, cobrindo o rosto.
Rômulo e Tetê estão no meio da pista de dança, protagonizando quase
uma cena de sexo, tendo o bar inteiro como voyeurs de seus desejos. Com as
pernas enganchadas na cintura dele, Tetê rebola à medida que Rômulo inclina
seu corpo, tendo acesso ao seu decote generoso, onde ele chupa e lambe, sem
qualquer pudor.
— Alguém precisa pará-lo — comento.
— Eu não me arrisco. A marrenta arranca meus olhos se eu sequer
olhar naquela direção.
— O que ele vai fazer? — pergunto, já levantando da cadeira.
Rômulo deita a loira exuberante numa mesa vazia e cobre seu corpo,
capturando sua boca em um beijo avassalador.
— Ele está fodendo-a a seco. — Viny ri.
Vejo Paula surgir da multidão que circula o casal ousado, ela esbraveja
com os dois, Rômulo tira Tetê da mesa e logo saem do bar, de mãos dadas.
Antes de voltar para seu posto, Paula fita o salão, parando seus olhos
na nossa mesa. Continuo observando-a, meus olhos nunca deixando os seus, ela
passa as mãos no cabelo, incomodada, e sai dali.
Essa brincadeira de gato e rato está ficando cansativa.
Resolvo arriscar, ainda parece cedo para a noite acabar, mas não
consigo mais me manter à margem, preciso estar perto ou ficarei maluco.
Assumo a bancada que acabou de vagar bem ao lado do tal Armando.
Perfeito!
— Quero uma dessas artesanais, moça — peço, chamando a atenção
dela.
— Não vai ser bud?
— Não dessa vez.
— Acho que vai gostar — o tal Armando puxa assunto.
— Espero que sim.
— Bons homens sabem apreciar coisas boas.
— Isso, você pode ter certeza — respondo, encarando Paula, que
acabou de parar na minha frente com minha garrafa.
— Você já provou?
— Sim. E confesso que fiquei viciado. — Ainda encaro Paula.
Seu rosto fica levemente ruborizado, entendendo que não estou dando
a mínima para a conversa do cara ao meu lado. Ela sabe que minhas respostas
estão totalmente ligadas a ela.
— Vício nunca é bom — ela devolve.
— Depende. Quando só faz bem, qual o problema em sempre se ter
uma dose?
— Talvez, esse seja o problema. A dependência.
— Eu diria que é por uma boa causa. Acalma, conforta, completa. —
Meu sorriso sobe à medida que falo.
— Ou confunde. Te tira da realidade.
— Talvez a pessoa já não saiba mais o que é real. Vive dentro de uma
casca.
— Senso de proteção não é algo negativo.
Cubro sua mão, que ainda segura minha bebida e respondo, sério:
— Não tem do que se proteger.
— Será? — Sua sobrancelha ergue, enquanto desvincula sua mão da
minha.
— Paula, eu preciso ir embora. As coisas estão indo bem, não
precisam mais de mim.
— Tudo bem, Armando. Nos falamos durante a semana.
— Tudo bem. Boa noite, senhor Queiroz.
— Boa noite. Pode me chamar de Guilherme. — Estendo a mão,
cumprimentando-o.
Acho que depois da nossa curta conversa, o homem finalmente
entendeu que está sobrando na situação. Mais um problema resolvido, agora,
nada mais nos impede de colocar em pratos limpos toda a nossa confusão.
— Vai ficar me encarando até que hora? — ela pergunta, secando um
copo do escorredor.
— Até te entender completamente. — Sorrio, bebendo o último gole
da minha bud.
Foram horas torturantes, em que pensei por vários momentos em
colocá-la sobre meus ombros e procurar um lugar sossegado só para nós dois.
Principalmente a cada peão sem noção que jogava as cantadas mais idiotas para
ela, fazendo com que risse.
— Acho que isso poderia levar uma eternidade.
— Ótimo! Não tenho pressa nenhuma.
— Você é bom com as palavras e sabe disso, não é? — Ela apoia uma
mão na cintura, enquanto a outra sustenta o pano no ar.
— Tem muitas coisas que sou bom, você sabe. Mas estou em busca de
aprimorar outras coisas.
— Que tipo de coisas? — Ela imita minha voz.
— Quando eu conseguir, você será a primeira a saber. — Sorrio,
cúmplice.
— Você está tão enigmático quanto o cara das cartas.
— O homem em busca do seu destino?
— Sim.
— Talvez sejamos parecidos, quem sabe? — Dou de ombros.
— Talvez. Então, eu não vi mais a sua ex. Ela já foi?
Olho em volta, o salão praticamente vazio, salvo alguns bêbados que
ainda insistem alguns passos vacilantes no meio do salão e eu, que espero como
um esfomeado minha chance de falar seriamente com ela.
— Parece que sim. Mas ela não é nosso problema.
— Não? É feio dormir com alguém e agir displicente no outro dia,
sabia?
— Mesmo? Posso dizer, então, que usei tanto quanto fui usado. —
Uma nota de amargura escapa no meu tom.
— É diferente! Somos amigos. Ela é sua ex.
— Então, você ouviu — constato. — E não me venha com essa de
amigos, Paula.
— Ouvi, sim! E se quer saber, acho errado trazer a menina até
Palomino só para ter um bom momento e depois largá-la no flat. — Seu tom de
julgamento me incomoda.
— Você não sabe o que diz.
— Eu ouvi muito bem, querido.
— E foi, por isso, que agiu daquela forma? Foi, por isso, que tem
insistido na coisa de amigos? — pergunto, não conseguindo mais me segurar.
— Isso não tem nada a ver. Nós somos amigos, Guilherme. Só amigos.
— Para com essa porra! — estouro, batendo a mão no balcão.
Paula se assusta com meu rompante, mesmo eu estou surpreso com
minha pouca paciência. Essa insistência dela em nos colocar na zona de amigos
e só amigos me faz começar a perder a linha.
— Tá tudo bem, Paula? — Tadeu se aproxima.
— Tá sim. O Gui já está indo embora — ela responde, cortante.
— Vou te esperar e dar uma carona — respondo mais calmo.
— Não precisa. Vou dormir aqui hoje.
— Paula, eu...
— Só vai embora, Gui. Outra hora conversamos com calma.
Afasto da bancada, sentindo que a batalha foi perdida. Ainda sinto a
frustração pairando sobre minhas ações, com um acenar de cabeça, deixo o bar.
O que eu temia realmente aconteceu, ela ouviu Babi no corredor
comigo, provavelmente, por isso, tem insistido no lance de amigos, achando que
sou um canalha sem coração.
Talvez, eu realmente seja. Dormir com minha ex, mesmo sabendo que
não era ela quem eu queria, não tenha sido a melhor das ideias. Por um
momento, achei que pudesse esquecer quem eu desejava, erroneamente achei
que Babi aplacaria meu desejo e a coisa de amigos, entre Paula e eu, pudesse ser
só isso.
Enrolei a corda em meu próprio pescoço, chutei a cadeira e me
enforquei.
Ligo o carro, o som tocando as músicas que me fazem pensar nela.
Tudo ultimamente tem me feito pensar em Paula, acho que por isso tenho me
sentido meio louco e meu equilíbrio, que sempre foi ímpar, tem se esvaído de
mim.
Começo a pensar que não fui criado para nada nem para ninguém. O
Queiroz mais contraditório, que teria tudo para ser o playboy em sua própria
vida, mas que no fundo, sempre quis se encaixar com alguém, da mesma forma
que foi com seus pais, simplesmente não sabe que rumo seguir.
Chorar autopiedade não resolve nada, bem sei disso, porém, lidar com
uma mulher, como Paula, não é fácil. Essas semanas se parecem com anos, que
só fico observando, espreitando e acreditando que um dia ela cairá em si.
— Não, Guilherme. Você não foi criado para ela.
Capítulo 14
“Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de
sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.”
— Clarice Lispector
Paulinha
Consigo subir para o flat sem ser anunciada. Quando disse meu nome
ao porteiro, verificou que consto na lista direta de Guilherme, o que me
surpreendeu.
Subo no elevador, sentindo minhas pernas amolecerem. Minhas mãos
suam incessantemente, o peso do meu corpo é jogado de um lado para o outro
pelo nervosismo.
Minha cabeça não ajuda em nada minha confiança, que já formulou,
nesse curto espaço de tempo, milhares de possibilidades em que Guilherme me
rechaça da pior forma possível.
O ding do elevador me traz para a realidade. Olho o botão de descida
piscando e pondero o quão fácil seria voltar e fingir que não estive aqui.
— Vamos, Paula. Você consegue.
Pego a coragem que sempre ostentei e bato na porta. Espero por um
momento e não ouço nada, quando viro meu corpo para fugir, dando-me conta
da imensa burrada, a porta se abre e uma figura seminua e loira aparece à minha
frente.
— Oi, boa tarde — ela cumprimenta, solícita.
— Oi... ah... Babi, não é? — Ela acena com a cabeça. — Eu estava
passando e lembrei que precisava falar com o Guilherme. Mas já vi que não é
uma boa hora.
— Ele não está, mas se quiser entrar, fique à vontade. — Ela solta o
batente da porta, entrando no apartamento.
Já que estou aqui, resolvo encarar a coisa de frente, quem sabe, agora,
eu entenda o que realmente rola entre os dois.
— Acabei de acordar, vou tomar café, quer? — ela oferece,
caminhando para a bancada da pequena cozinha.
— Aceito, sim.
Registro tudo à minha volta, o apartamento não se parece em nada
com o lugar que já visitei. Guilherme é um homem quase metódico com sua
organização, sempre mantém tudo no lugar, limpo e organizado.
Vejo algumas peças de roupa jogadas no sofá, dois ou três pares de
sapato espalhados no chão. A pequena mesa para refeições não tem espaço vazio
com a quantidade de caixas de comidas dispensadas ali.
— Preciso chamar uma faxineira.
— Pois é — sou obrigada a concordar.
Volto meu olhar para a bela loira à minha frente. Ela lembra uma
Barbie, seu rosto é delicado, bem esculpido, cabelos loiros radiantes, bem
tratados, o corpo não tem nada fora do lugar e, muito menos, exagerado, como
eu.
— Você bebe puro? — ela pergunta, servindo uma xícara, que já tenho
dúvidas se está limpa.
— Não. Gosto com leite e canela.
— Jura? Meu Deus! Vi Guilherme bebendo assim esses dias e achei
muito esquisito. Deve ser alguma mania desta cidade.
Sorrio, dando de ombros, ocultando que ele aprendeu a gostar disso
comigo. Acabou se tornando algo nosso quando tomamos um café juntos.
— É bom. Você adoraria se provasse.
— Talvez. Sabe, Paula, sempre achei estranha essa amizade entre você
e meu ex.
— Ah é, por quê?
— Guilherme sempre foi um homem fechado, tranquilo, mas fechado.
Sua vida focada na capital e, do nada, ele está aqui, em Palomino, buscando
novas amizades.
— Às vezes, as pessoas se cansam da mesmice.
— Ah, se tem uma coisa que não acontecia na capital era mesmice. —
Seu sorriso sacana evidencia em que sentido ela fala.
— Pelo jeito, sua atitude mostra o contrário.
— Pois é. Por isso estou aqui, sabe. Quero entender essa nova fase
dele, afinal, todo mundo sabe que nosso destino é subir ao altar.
Eu tomava um gole da minha bebida e quase me engasgo com seu
comentário.
— Mesmo?
— Sim. A família dele me adora e meus pais acham Guilherme o
homem perfeito. Não tem como não dar certo.
— Sei...
— Por isso, eu preciso da sua ajuda. Tem uns meses que estamos
separados e eu quero me reaproximar, da maneira certa. Talvez você possa dar
uma forcinha.
— Eu? — Aponto para mim mesma não acreditando nessa garota. —
Olha, Babi, sou amiga do Gui há pouco tempo e não vejo como ajudá-la. Vocês
namoraram alguns anos, deveria saber como lidar com ele, melhor do que eu.
— Eu sei... estou pedindo demais para você, mas eu o amo. Não sei
mais o que fazer, Paula. Nossa noite, no dia em que cheguei, foi perfeita, ele é
maravilhoso, não hesitou em me ajudar quando pedi, só que sinto algo nos
bloqueando.
— Entendo o que diz, mas sinceramente não sei como te ajudar.
— Talvez, se você se afastar dele. Deixar o caminho livre, na amizade,
eu digo, assim ele volta a se conectar comigo.
— Você quer que eu interrompa minha amizade com ele pra vocês
reatarem? — Levanto da banqueta, indignada com seu pedido.
— Sim.
— Meu Deus! Você não passa de uma patricinha mimada. Quer
manipular a vida de alguém, para atender aos seus caprichos. Babi, se
conhecesse, o mínimo que fosse, seu ex-namorado saberia o quão ele odeia isso.
— Guilherme está confuso. Só quero dar uma ajudinha.
— Não. Você quer controlá-lo e isso não se faz.
— Nós fomos feitos um para o outro.
— Cuidado para não estar iludida, querida. — Sorrio, debochada, e
saio do apartamento.
Tenho vontade de bater nessa menina até que ela caia na realidade, no
entanto, quem está merecendo umas boas pancadas, de preferência na cabeça, é
o Guilherme.
Não entendo por que ele mantém essa brincadeira de gato e rato com
ela, se realmente não quer mais, manda a menina embora, de uma vez.
Homens!
Não gostaria de pensar que a genética safada faz parte dele, entretanto,
não acho outra explicação para isso.
Por um instante pensei que era o momento de me permitir, que
Guilherme era o homem capaz de ajudar a recuperar minha confiança no sexo
oposto.
Já sou confusa o suficiente, para querer entrar em uma confusão ainda
maior. Está claro que a história dos dois não acabou, por isso, ele a mantém em
Palomino. Talvez eu estivesse fazendo o papel do escape, do fôlego ou até o
teste para confirmar se Babi é ou não a garota certa.
Não gostaria de formular tantos pensamentos ruins a respeito dele.
Guilherme sempre demonstrou caráter, sensatez, equilíbrio, acho que por isso
estou tão chocada e indignada. Não esperava que fosse capaz.
Pelo visto, me enganei, mais uma vez.
— Alô? — atendo no primeiro toque.
— Paula? Oi, aqui é o Armando. Gostaria de saber como foi o
restante da noite.
— Podemos conversar pessoalmente. O que acha?
— Perfeito. Te encontro no bar?
— Não. Tem uma doceria perto da saída da cidade. Pode ser lá?
— Claro, você quem decide.
— Ótimo, nos vemos lá.
Desligo o telefone, ainda mais determinada. Chega de lamentar,
pensar, duvidar e arrumar sarna para me coçar. Vou em busca da minha vida,
sim, mas com alguém livre e, principalmente, interessado em mim e somente em
mim.
Capítulo 15
“Só o teu nome é o que importa!
Todos os outros são erros.
Tu tens a chave da porta
dos sonhos e pesadelos.”
— Ariano Suassuna
Paula
Êxtase invade meus sentidos, assim que sinto o gosto viciante da sua
boca de novo. Agarro seu corpo ao meu à medida que avanço com meus beijos
necessitados, sim, eu sou um viciado e preciso dela, dessa forma.
Seu aperto em meus braços demonstra sua ânsia tão eminente quanto a
minha, busco ar entre nossos beijos e tento, a qualquer custo, acalmar o alvoroço
que fermenta dentro de mim.
Lembro da última vez em que a tive assim, totalmente entregue e
afasto nossos corpos imediatamente, terminando o beijo.
— O que foi? Algo errado? — Seu semblante é confuso.
— Sim. Preciso reparar um erro. — Afasto um passo e ela continua
confusa.
Porra, é lindo vê-la assim.
— Não entendi.
— Quando finalmente a tive como minha, naquela noite, fui afoito, me
tomei pela ânsia de tê-la entregue e não soube aproveitar melhor o momento.
— Transamos duas vezes aquele dia, Gui. — Ela descansa as mãos na
cintura, me fazendo sorrir.
— Sim, transamos. Só que hoje eu quero mais que isso. Muito mais.
Seu olhar é curioso, tentando decifrar aonde quero chegar com as
palavras. Levo minhas mãos na gola da camiseta branca que estou usando e
puxo-a pela cabeça, dispensando no chão.
Ela finalmente entende o que quero e imita meu gesto, tirando a sua.
Seus seios fartos, emoldurados por um sutiã rendado branco, que deixa sua pele
ainda mais evidente.
Minha boca saliva, o selvagem dentro de mim quer atacá-la, provar de
sua carne, morder e lamber cada pedaço daquele vale abundante do paraíso.
Respiro algumas vezes profundamente, mantendo o controle.
Abro o botão da minha calça, ela repete o gesto e, juntos, nos livramos
dos sapatos e calça, de uma vez. Sua calcinha minúscula, completamente
desproporcional, comparado ao seu quadril e bunda, toda branca, o que a deixa
linda e sexy.
Não resisto e ergo meu dedo indicador no ar, sinalizando para que ela
gire. Gemo vergonhosamente quando vejo o pequeno “v” que a calcinha forma
em sua bunda.
Quando ela volta a me encarar, faz o mesmo que eu, pedindo com um
sinal que eu gire. Sorrio, pego desprevenido, mas faço como pediu. Estou usando
um cueca boxer preta, ajustada em meu corpo, ganhando um assovio quando
estou de costas.
Em passos moderados me aproximo dela, seu sorriso cúmplice morre à
medida que me aproximo, sua postura ofegante entrega sua ansiedade. Quando
estamos a quatro dedos de distância levo minhas mãos até suas costas, abrindo o
fecho do sutiã.
Meus olhos fixos nos seus, escorrego a ponta dos dedos pela coluna,
subindo até os ombros, onde puxo delicadamente a peça. Só quando eles saem
totalmente pelos seus braços, desvio o olhar, encarando seus seios.
Fodidamente deliciosos.
Num impulso, agarro seu quadril, descendo minha boca para eles e
mordo um bico, chupando-o no final. Repito isso com o outro e arrasto minha
boca para seu pescoço.
— Não consigo me controlar — ofego, entre os beijos.
— Então... não controle...
Capturo sua boca, minha língua invade sem permissão buscando a sua,
com anseio. Paula toma à frente, me puxando pela nuca até a cama, só nos dando
conta que chegamos, quando caio por cima dela no colchão.
— Ainda não sei que gosto você tem.
Afasto minha boca da sua, descendo pelo seu corpo. Meu caminho é
feito por beijos molhados, lambidas e chupadas, arrancando suspiros e gemidos
dela.
Quando alcanço o cós da sua calcinha, eu a mordo e, segurando entre
os dentes, puxo-a. Ela ergue o quadril, facilitando a saída e só quando chega em
sua perna, levanto, tirando-a por completo.
Aproveito para tirar minha cueca, tendo meu pau, molhado e
necessitado, exposto. Pulsando involuntariamente, devido ao tamanho do tesão
que sinto, ganho total atenção de Paula quando ela lambe os lábios, encarando-o.
— Ainda não... — respondo, minha voz tomada pela rouquidão.
Me infiltro no vão das suas pernas, passando os braços por baixo das
coxas, minhas mãos alcançam sua boceta e eu a exponho completamente para
mim.
O maldito cheiro da sua excitação fazendo minha cabeça girar e o
desejo crescer desmedido dentro de mim. Abocanho sua intimidade, com fervor,
minha língua lambe, enquanto a boca suga-a toda.
Seu quadril eleva e eu aproveito o gancho que fiz com os braços para
mantê-la no lugar.
— Quieta — ordeno e ela geme.
Foda! Desse jeito vou comê-la feito um louco!
Volto a sugar sua boceta, enfio minha língua no seu canal, fazendo
movimentos de vai e vem, como se eu estivesse fodendo-a com a língua. Bem,
de fato, estou.
Subo até seu clitóris, chupando-o, com força. Meus lábios e língua
alternam entre chupar e lamber, seu ventre encolhe e estufa com suas respirações
e gemidos altos.
Solto uma das pernas, infiltrando um e, depois, outro dedo nela, minha
língua trabalha com afinco e então ela explode. Seu corpo estremece quando as
pernas se fecham em torno da minha cabeça, pressionando-a.
Continuo chupando enquanto ela tenta se afastar, volto a segurar sua
perna, imobilizando-a no lugar, minha boca suga com força seu ponto sensível,
seu corpo sofre vários espasmos e Paula grita, enlouquecida.
Não paro, até que sinto-a tremer violentamente com o segundo
orgasmo do dia. Alivio a pressão na boca e solto suas pernas, agora languidas, na
cama.
— Charmosa? — chamo, escalando seu corpo, vendo-a inerte.
— Eu morri... — ela responde, cálida.
— Não. Você só gozou duas vezes. Teremos mais orgasmos hoje.
— O quê? — ela grita.
— Um orgasmo por cada vez que senti você me frustrar, fugindo desse
lance maravilhoso que sentimos quando estamos juntos.
Ela ergue as mãos, contando entre os dedos.
— Das duas uma: ou eu morro por orgasmo ou eu entro pro livro dos
recordes.
Solto uma gargalhada, admirado com sua espontaneidade. Giro nossos
corpos até ter Paula sobre mim, com as pernas esparramadas em torno do meu
quadril, nossas intimidades quase se tocando.
— Hora de testar as hipóteses, então — respondo, capturando sua
boca.
é verdade.
Segurando meu rosto, ela se ergue na ponta dos pés, capturando minha
boca em um beijo significativo. Sua entrega, não física, mas a emocional,
começa a aparecer. Sinto-a tão receptiva quanto eu, finalmente estamos na
mesma faixa.