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Copyright © 2022 Nathalia Oliveira

Uma Boa Garota


1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Capa: L.A Creative


Leitura Beta: Luanna Vieira; Sabrina Antoun; Viviane Assunção
Revisão: Halice FRS

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
fatos reais é mera coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou
intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do
código penal.
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS
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Aproveite e boa leitura!
Esse é para as Pietras da minha vida.
Obrigada por todo o entretenimento que vocês me dão quando estão solteiras.
Essa é a história de como eu quase virei mãe do garoto que eu gosto.
Espero que você tenha um coração forte.
Com amor,
Pietra.
A sororidade muitas vezes exigia grandes manobras de autocontrole de
minha parte.
Como agora, por exemplo, comigo desviando dos tapas de uma mulher
enraivecida enquanto um homem de beleza mediana e levemente alcoolizado
tentava segurá-la, ao mesmo tempo em que pedia perdão e dizia que não era
bem o que ela estava pensando.
Custava muito sair para me divertir, dar uns beijos na boca e ter uma
boa noite de sexo?
E não estava falando daqueles dez minutos — contando com os
preliminares — depois de conhecer alguém em uma festa, talvez até dentro
de uma festa. Falava de ser fodida sem dó, naquele nível em que no outro dia
a gente se olhava no espelho e não sabia se dois lindos pardais criaram um
ninho dentro de nosso cabelo ou se fomos ao mesmo cabeleireiro do Capitão
Jack Sparrow. Daquele tipo que tínhamos de ficar uns dois dias sem usar
calcinha e sentar com leve cuidado em superfícies não acolchoadas.
Custava alguma coisa esperar isso de uma noite de sábado?
Ao invés disso viemos parar em uma boate com preços de bebidas
inflacionados, que meu humilde salário de estagiária não aguentava,
beijamos algumas bocas até parar em uma com uma língua dura demais para
alguém ter na idade adulta.
Isso deveria ter ficado na sétima série!
E aí só recebemos uma bebida em nosso lindo vestido de brilho. Na
verdade, não tão nosso, assim. Da nossa amiga cheia da grana que tinha um
guarda-roupa incrível e dividia com sua pobre amiga umas roupinhas
bacanas. Daí em diante foi uma sucessão de cenas lamentáveis. Copo
voando, homem implorando, mulher chorando por um feio.
Nunca entenderia mulheres lindas dando poder de um feio se achar
bonito.
Sim, tudo isso estava acontecendo na minha noite. E não, eu não
imaginaria que esse traste tivesse namorada.
Posso ser meio piranha, mas uma piranha consciente.
— Olha, vamos resolver civilizadamente, que tal? — sugeri. — Ele me
beijou, eu não sabia que ele tinha namorada. Entendo sua frustração, mas...
— Ninguém está falando com você, puta!
Abri a boca, fingindo choque. Eu nem conseguia julgá-la, porque já
estive naquela situação. E quem nunca, não é?
No meu caso foi Pedro. Sim, sempre um Pedro. Se você nunca sofreu
por um Pedro na vida, provavelmente ainda não viveu o bastante.
Eu tinha quinze anos e achava que me casaria com ele. Passava horas
no Pinterest selecionando os convites que eu gostaria de distribuir para os
convidados. O design ficaria lindo, porque um casal com os nomes Pedro e
Pietra parecia o ápice do amor para mim. P&P. Pe & Pi. Pepe & Pipi. As
variações eram incrivelmente bregas.
Namoramos por três meses e foi o suficiente para eu ser a maior corna
que o colégio San Marino já viu. E eu culpava as garotas com quem ele
ficava, óbvio!
Depois que finalmente me libertei dele e fiz a promessa de nunca mais
ficar com um Pedro na vida — o que, obviamente, não cumpri —, decidi que
o mundo era muito grande para eu me amarrar a alguém.
As pessoas viajavam e colecionavam vistos dos países que foram.
Eu também carimbava vários países, só que de outra forma.
Muito melhor do que passar vergonha defendendo um feio em uma
boate. E nem estava julgando a moça na minha frente, porque eu já fui ela,
ela já foi eu, éramos irmãs de chifre.
— Bem, felicidades ao casal!
Resolvi que era minha deixa, afinal, eu não daria dez minutos para eles
estarem se pegando em algum canto desse lugar.
Virei as costas e passei a mão no vestido de Pérola. Não a joia, a minha
amiga, que estava agora mesmo se atracando com Tato no camarote.
Olhei com mais atenção para a cena. O apresentador famoso empurrava
o quadril contra minha querida amiga, que parecia solenemente animada
com aquela pegação toda. Ali da pista, eu conseguia ver até um pedaço da
bunda dela de fora, graças às mãos urgentes do senhor Querubim. Eu
gostava de chamá-lo assim para provocar Pérola. Tato tinha um programa
todos os sábados em horário nobre, o cara era foda no que fazia e chamava
os telespectadores de querubins. Um pouco brega, mas eu achava o máximo.
Começava a acreditar, depois do incidente com o convite de casamento e
esse de Tato, que eu pudesse ser um pouco brega.
Queria muito trabalhar com ele, entrei na faculdade de jornalismo
querendo trabalhar com televisão. Eu me via demais brilhando com meu
programa. Eu teria de começar por baixo, mas era o que eu queria fazer na
vida. Minha realidade era ser estagiária em uma produtora de podcasts,
passava meu dia inteiro ouvindo adolescentes que jogavam o dia todo e
ganhavam mais do que eu jamais ganharia na vida e milionários falando que
você só é pobre porque quer.
Meu plano de contenção era me inscrever para o Big Brother Brasil,
porque eu não aguentava mais escutar que eu deveria trabalhar, enquanto
eles dormem. Meu ovo para esse papinho! Se eu fosse para o BBB poderia
elaborar um personagem. A garotinha sofrida? Perdeu a mãe, abandonada
pelo pai pau no cu e criada pela avó batalhadora? Ou eu poderia brigar
loucamente, apontar o dedo na cara de todo mundo, brigar porque comeram
meu pão. Eu poderia fazer isso facilmente. Mas, infelizmente, ainda não me
chamaram e eu continuo escutando as palavras mindset, job e coach todos os
dias.
Alguém. Me. Salva!
Meu salvador, na minha imaginação ao menos, estava ocupado
enfiando a língua na goela da minha melhor amiga.
Girei nos calcanhares e movi minha bunda para o camarote. Estava
cansada da noite e eram apenas 2h da manhã. Aquela confusão com o traidor
cortou minha vibe. Minha noite tinha começado boa pegando um daddy de
respeito, foi um deslize dar moral para o feio depois disso.
Decidi que beberia, porque era de graça mesmo. O Querubim estava
pagando. Peguei um gin com frutas vermelhas, hibisco e anis, como se eu
fosse uma grande patricinha que malha às 2h da tarde, tem um Lulu da
Pomerânia e chama as amigas pelas duas primeiras letras do nome; Vi, Sa,
Mo, Gi, Ga. E continuei por ali, observando a pegação frenética de Pérola e
Tato. Eles precisavam de um quarto.
Minha amiga trabalhava no programa de Tato. Na verdade, tinha sido
demitida fazia duas semanas. Depois que decidiu tirar folga para ir à Ilha
Grande, onde seu pai tinha casa. Minha amiga tinha uma pequena
dificuldade para entender as regras básicas da vida adulta e do proletariado.
O mundo adulto ainda não tinha corrompido o doce e puro coração de minha
amiga. Ou talvez ela só fosse excessivamente rica e mimada.
Se eu não conhecesse Pérola desde os meus dez anos e a amasse tanto,
eu a odiaria.
Nossas vidas eram completamente diferentes. Eu acordava às 5h30 da
manhã, ela às 11h30. Eu lutava por um espaço com oxigênio no metrô todos
os dias, ela só andava de metrô em Paris. Nossas diferenças eram muitas,
mas eu acreditava que fossem elas que tinham nos aproximado e feito a
amizade durar tantos anos.
E claro, nós compartilhávamos algumas coisas também. Calçávamos
trinta e seis, o que era um tremendo golpe de sorte a meu favor. Nossas mães
não eram presentes, a minha não por opção, a dela por total opção.
Amávamos comédias românticas do começo dos anos 2000. Éramos
completamente piradas pelo Harry Styles. E éramos duas piranhas também.
E eu adorava isso.
Pérola se apaixonava por todo mundo, eu já era um pouco mais pé no
chão quanto a isso. Tinha vinte e um anos, Deus me livre me prender em
alguém na flor da idade! Já minha amiga, achava que tinha encontrado o
amor da vida em todo homem com quem ela passasse mais do que dez
minutos. Até se apaixonar pelo próximo. E o próximo. E o próximo do
próximo.
Existia apenas um homem que me faria esquecer toda essa vida de
diversão.
E ele estava subindo a escada do camarote nesse exato momento.
A primeira coisa que eu vi foi que sua camiseta branca estava com um
aspecto azulado por conta da luz negra. Gael estava sempre de camiseta
branca. Todos os dias, em todos esses anos que o conhecia. Combinava
muito com ele e eu amava a forma como seus bíceps ficavam inchados
naquela manga ajustada. Já perdi horas pensando em como seria apertar
aqueles braços, sentir sua pele na ponta de meus dedos.
Eu até já o toquei, mas não foi nada sexual. A última vez foi parte do
meu plano de sedução, estávamos em um churrasco e eu toquei em sua mão,
elogiando a picanha que ele tinha preparado.
Gael tinha cabelo castanho com as pontas mais claras do que a raiz,
como o de um surfista, tinha barba cerrada, linda. Mesmo naquela
penumbra, eu sabia que seus olhos estavam brilhando. Eles sempre estavam.
Eu achava perfeito aquele tom de azul acinzentado, misterioso como ele era
para mim. E o sorriso... Nossa, acabava comigo! Ficava difícil disfarçar
quando ele sorria e seus sorrisos chegavam aos olhos, exibindo as ruguinhas
ao lado.
Demorei tempo demais vendo a forma como ele subia as escadas,
sorrindo e conversando com seus dois amigos de sempre. Os cabelos caíram
em seu rosto e ele jogou a franja para trás, quase como um canto da sereia.
Ou tritão? Nunca fui boa no quesito A Pequena Sereia. Era do team Toy
Story.
Meus pés até se moveram instantaneamente, mas antes que fosse tarde
demais, eu me liguei que tinha deveres maiores do que babar em Gael.
Deveres de melhor amiga.
Eu não poderia deixar que Gael visse Pérola se pegando com Tato e eu
precisava avisá-la para que ele não a flagrasse com um de seus amigos.
Afinal, nenhum pai gostaria de ver sua filha com a língua na garganta
de seu amigo.
Assim como uma filha não gostaria de ver sua melhor amiga totalmente
de quatro por seu pai.
— Pérola, seu pai! Desgruda!
Lancei-me contra os dois com certa violência, empurrando Pérola para
um lado e Tato para o outro. Escutei até o barulho do vácuo das bocas se
desgrudando. Nossa, eca!
Pérola demorou dois segundos a entender o que estava acontecendo,
mas logo que Gael chegou a nossa frente, ela parecia melhor. Passou seu
braço pelo meu pescoço me aproximando dela. Vi o sorriso glorioso de
minha amiga. Ela era uma figura chamativa. Tinha 1,72m de altura, o que
parecia promissor para mim que não ganhei a loteria da altura. Seus cabelos
eram escuros e não estou falando daquele castanho comum que metade da
população e eu temos, estou falando de um cabelo preto como a noite,
escorrido por suas costas até a cintura, combinava com seus olhos no mesmo
tom. Ela era muito parecida com Gael, mas também com sua mãe, que eu
não conheci, mas vi as fotos. Nem Pérola a conheceu muito bem para falar a
verdade. Minha amiga era linda, estonteante e eu a amava.
E era por amar tanto que eu nunca poderia contar sobre meus
sentimentos por seu pai.
Esse que estava em nossa frente agora, com o sorriso mais incrível que
já vi em toda minha vida.
Gael nunca colocou os olhos em mim com segundas intenções. E eu o
odiava um pouco por isso, mas também ficava feliz por ele não ser nenhum
pervertido.
Eu sempre o considerei gato. Na verdade, não tinha quem não
considerasse. Ele era um solteirão bonito, rico e que sabia viver a vida. Gael
velejava nos finais de semana, tinha sua rede de restaurantes, viajava para
todos os lados e por último, mas não menos importante, ele criou duas
crianças sozinho depois que sua ex decidiu se mandar do país com outro
homem.
As mães da escola babavam por ele.
As professoras babavam por ele.
As alunas babavam por ele.
E Pérola odiava isso, porque era ciumenta. Muito ciumenta. Quando
percebeu o interesse de nossas colegas em ir à sua casa sempre que Gael
estava, ela começou a não levá-las mais. Eu sou a única que continuei indo,
porque deixava em segredo minha admiração. E, obviamente, porque eu
tinha doze anos.
Com o passar dos anos, a coisa foi ficando cada vez mais platônica. Eu
comecei a sair com garotos da minha idade — alguns nem tão da minha
idade assim —, Gael tinha uma ou outra namorada, mas quase sempre Pérola
colocava as mulheres para correr. Eu viajava com eles e sempre fui tratada
como parte da família. Ele me levou para a Disney, fomos diversas vezes
para a praia, minha avó e eu passávamos os Natais com Gael e sua família.
Gael nunca me olhou de forma diferente, nunca fez comentários
inadequados. Eu poderia passar com um biquíni minúsculo na frente dele —
e olha que já aconteceu — que ele continuava da mesma forma.
Ele me via como uma criança, só que eu não era mais uma criança.
E eu odiava isso.
— Oi, pituca! — Gael piscou para a filha ainda agarrada à minha
pessoa.
Depois foi falar com Tato, desconcertado, apático e com o batom de
Pérola todo em sua boca.
Gael tinha quarenta e dois anos, era um homem novo, bonito e que
tinha uma vida social bem agitada. Não demorou muito até que a vida social
dele, a de Pérola e a minha se misturasse.
Sempre achei esquisita a forma como eles se encontravam nas festas
por aí e lidavam de forma natural. Pérola pegava metade da festa, porque a
outra metade era minha. E fazia na frente do pai. Gael muitas vezes
balançava a cabeça negativamente, bebia um gole de sua bebida e ia para
outro canto, evitando ver Pérola naquela situação.
Tenho de falar que eu logo comecei a gostar de sair com Gael, porque
era minha chance de tentar impressioná-lo com as minhas habilidades.
Eu basicamente encarnava a Anitta na sua frente, rebolava até o chão,
quicava, até dava umas encaradas mais sensuais para ele. E não adiantava de
nada! Chegava a um ponto da noite que eu desistia e ia pegar alguém que me
desse valor. E o bobão ficava lá, chupando o dedo. Se ele me desse valor,
teria outra coisa sendo chupada. Mas homem é bicho burro.
— Pietra. — Gael piscou o olho direito para mim.
Catapimbas, eu queria muito dar para esse homem! Como fazer isso
sem que minha amiga soubesse e, o mais importante, fazendo ele me notar
como alguém transante?
— Oi... — Minha voz ficou com Deus, algo que sempre acontecia
quando ele estava na minha frente.
Gael sorriu de ladinho e se virou para falar com Tato. Eles eram amigos
há anos, não consigo nem imaginar a confusão que seria se ele sonhasse o
que seu amiguinho faz com sua filha. Seria na mesma proporção se Pérola
descobrisse que eu queria desesperadamente dar para o pai dela.
Decidi que precisava beber para esquecer as minhas desilusões
amorosas. Como se uma grande cachorra como eu fosse capaz de sofrer por
homem.
Pérola foi para o bar comigo. Ela pediu seus drinks doces de sempre, eu
fui de tequila, porque estava para o estrago. Queria o caos.
Meia hora depois eu estava pulando na frente do DJ pedindo para ele
tocar DJ GBR. O ruim de boate de gente rica é que só toca esses eletrônicos
insuportáveis sem letra. Só a batida que entra no fundo da minha cabeça e
ativa o ponto entre querer me drogar como personagem da Grazi Massafera
em Verdades Secretas, e ir embora para dormir na minha casa.
Pérola já tinha dado o perdido em seu pai e sussurrou para mim que iria
ao banheiro dar para Tato.
— Meu querido, só umazinha. Um minuto de Rave Automotiva, pode
ser?
Tentei persuadir o DJ e ele continuou me ignorando, segurando um riso
em sua cara muito bonita por sinal.
Bufei e fui para o lado dele, abrindo minha bolsa da Prada de brilho
rosa. Na verdade, não era minha, era de Pérola. Eu não tinha roupa para vir
em um lugar que a entrada custava seiscentos reais.
— Rave Embrazante e não se fala mais nisso! — Deslizei dez reais para
a mesa do DJ.
O cara tirou o fone de um lado e olhou para o dinheiro e para minha
cara pelo menos umas cinco vezes.
— Você está me subornando?
— Estou.
— Com dez reais? — Ele colocou a nota em minha frente, segurando
entre o indicador e o dedo médio.
— Já viu como está a situação deste país?
Tossi para disfarçar o soluço. Acredito que tenha exagerado um
pouquinho na tequila.
Ele começou a gargalhar, jogando a cabeça para trás. Seu cabelo era
cheio de cachinhos e sua boca uma delícia, carnuda, vermelha e muito
convidativa.
— Minha condição é a seguinte... — O DJ me pegou pelo braço,
aproximando-me dele. — Pedro Sampaio em troca de um beijo.
Eu beijaria mesmo que ele tocasse Galinha Pintadinha naquela festa.
— Combinado.
Guardei os dez reais na bolsa, afinal, eu não era trouxa. Ele se afastou
um pouco para mexer no notebook e logo comecei a ouvir a voz do Pedro
Sampaio e da Luiza Sonza cantando Atenção. Foi um grande erro ter
concordado com essa música, porque eu era uma grande fã e sabia a
coreografia, com a bebida correndo livremente por minha corrente
sanguínea, foi questão de segundos para decidir que era uma boa ideia
dançar para quem quisesse ver.
Fiz toda a coreografia em cima do palco, animando a plateia. Teve
direito até a bunda empinada no ar, flexão e espacate, igualzinho como
aprendi no TikTok.
No momento em que virei para a plateia e tremi toda minha bunda,
olhei para o lado e vi Gael me encarando com os olhos arregalados lá de seu
camarote.
Uma criança com certeza não faria isso, bonitão.
Tremi ainda mais a bunda, puxando o vestido para baixo para não pagar
calcinha e encerrei minha performance com uma reverência para a plateia.
Antes de aceitar a mão do DJ, eu olhei para Gael e abri um sorriso, piscando
assim como ele fez comigo mais cedo.
Segundos depois, eu estava sendo jogada em uma estrutura de madeira
atrás do palco, a boca carnuda do DJ cobrindo a minha. O cara sabia
direitinho como usar a língua e nesse momento a descia por meu pescoço.
Senti minhas pernas bambearem. Porra, que delícia!
— Quer ir para outro lugar? — sussurrou ao meu ouvido.
— Qual é seu nome?
— Felipe.
— Sou Pietra.
Peguei a mão dele que estava no meu peito, fazendo questão de me
apresentar da forma certa. Ele gargalhou mais uma vez e mordeu meus
lábios, antes de pegar minha cintura e me levar para seu camarim.
Fiquei feliz por ele não querer ir para um lugar fora daquela boate,
porque eu não estava nem um pouco a fim de todo o processo depois de uma
boa foda. Aquela que você não sabe se fica deitada ou se pega suas roupas e
cai fora. Devemos conversar ou dormir? Mais uma rodada ou nunca mais
olhar na cara dele? Devo ficar para o café da manhã? Era burocracia demais.
Quase agradeci quando ele trancou a porta e me jogou em um sofá de
dois lugares, com um tecido áspero que arranhou a parte de trás da minha
coxa.
Felipe se ajoelhou no chão e me encarou com olhos azuis muito
bonitos. Durou dois segundos, porque depois ele segurou meus joelhos e me
abriu toda. Meu vestido subiu quase para a cintura e a calcinha foi para o
lado antes de começar a ser chupada por uma língua que também sabia fazer
seu trabalho muito bem ali.
Deus, obrigada por me fazer ser eu! Obrigada!
Arregalei os olhos no meio da chupada e balancei a cabeça, tentando
não pensar nessa blasfêmia na situação em que estou. Minha avó me mataria.
Droga! Agora estava pensando na minha avó.
O trenzinho da alegria do orgasmo deu meia-volta e eu me remexi,
escapando da língua do DJ.
Felipe começou a me beijar enquanto encapava seu garoto. Fiquei
entusiasmada com a ideia de ter dificuldade em me locomover amanhã,
porque a grossura era muito satisfatória, o tamanho nem tanto.
Montei em Felipe e fui muito bem servida, graças a Deus!
Porra! De novo, não!
Dei meu nome naqueles minutos. Felipe também deu e me comeu
bonitinho. Foi gostoso e com aquele orgasmo eu me livrei da tensão da
semana cheia de merda que vivi.
— Quer ir para o hotel onde estou para continuar lá?
Eu já estava me arrumando para dar o fora.
— Fica para a próxima, gatinho.
Subi na ponta dos pés para dar um selinho nele. Peguei a bolsa jogada
no chão e estava pronta para partir.
— Pode me dar seu telefone?
— Não tenho. — Sorri bem largo e vi quando ele negou com a cabeça.
Soprei um beijo para ele, destranquei a porta e me mandei daquele camarim.
Foi gostoso, mas não passaria disso. Nunca passava.
Voltei para a festa e subi até o camarote, queria avisar Pérola que ia
embora. Gostaria de tomar um banho, comer uma banana para evitar a
ressaca amanhã e dormir.
Não achei Pérola, mas achei Gael se agarrando com uma mulher nos
sofás. Precisei engolir a saliva que se formou na minha boca ao ver a forma
como estava sentada nele, ondulando o quadril para sentir a coisa abençoada
que ele tinha dentro das calças. Eu nunca tinha visto, obviamente. Mas eu
era uma mulher esperta e manjava bem sobre volumes. E quase nunca estava
errada sobre minhas impressões. E sobre Gael eram as melhores.
Ele pegava o cabelo da mulher de forma bruta, guiando seus
movimentos da forma como ele bem queria.
Puta delícia assistir isso, por mais que eu só quisesse estar no lugar
daquela mulher. A propósito, uma mulher da idade dele. Nunca era uma
novinha.
Minhas chances de pegar esse homem eram nulas.
Assim como minha paciência para continuar vendo aquela ceninha.
Virei as costas e peguei o celular para mandar uma mensagem para Pérola,
avisando que fui embora e também para chamar um Uber.
Dividia um apartamento com minha avó. Era um lugar bem
movimentado, o que fazia com que dormíssemos constantemente com o
barulho dos carros. Eu já tinha me acostumado, considerava até relaxante.
Melhor do que aqueles apps com barulho de chuva, grilos e ventilador.
O apartamento estava em silêncio, porque minha vovó dormia cedo. Fui
direto para a cozinha para beber água. Ali, no silêncio da madrugada, me
senti um pouco mal por ter bebido tanto. Eu não costumava me arrepender
do que fazia, porque achava minha vida sensacional. Eu era jovem, saudável,
uma mulher inteligente, que corria atrás daquilo queria e merecia fazer o que
quisesse na hora que bem entendesse.
Mas por que então me sentia tão sozinha?
Essa sensação começou fazia algum tempo, creio que quando comecei a
perceber que meu fogo no rabo por Gael estava aumentando.
Antes as festas, as bebidas, loucuras e o sexo sem compromisso eram
suficientes. E agora comecei com essa putaria de me sentir sozinha cada vez
que volto para casa.
Inferno de crise dos vinte! Um ano atrasada, mas tudo bem.
Depois de um bom banho, eu me enfiei debaixo das cobertas e fiquei
olhando para o teto, sentindo meu corpo como se tivesse em uma montanha-
russa. Eu precisava parar de beber tanto. Com urgência.
E eu precisava de uma forma de conquistar Gael Adler.
Ele, sua pegada firme e seu sorriso safado seriam a cura de minha
solidão. Tinha certeza.
— Pietra, já são duas da tarde. Acorde!
Não consegui abrir os olhos, mas sabia que minha adorável avó tinha
aberto as cortinas. Limpei a baba do cantinho da boca e só então arrisquei
abrir os olhos bem de leve.
— Tereza e Maria estão chegando para nossa novena.
— Desde quando jogar buraco se chama novena, vó?
Abri os olhos para ver dona Dedé começar a reclamar. Ela sempre
reclamava.
Minha velha largou as cortinas e me fulminou com seus olhos de gato.
Achava injusto não ter nascido com aquele tom de mel igual ao dela.
— Levanta, Pietra! Joga uma água nesse rosto, abre essas janelas para
sair esse cheiro de bebida e toma um rumo na vida.
Eu tinha vinte e um anos, estava no último ano da faculdade, fazia
estágio em um lugar que era um lixo? Sim! Mas pagava legalzinho e poderia
me alavancar para outro lugar melhor. Porém, minha avó insistia em lidar
como se eu fosse uma promíscua desbaratinada pelas ruas do Rio.
Algumas vezes ela não estava errada. Mas hoje estava.
Eu voltei para casa, até tomei banho antes de dormir. Dei para um DJ
que eu nunca tinha visto? Dei. Mas de resto me comportei solenemente.
Nem tinha levado adiante meu plano infalível de conquistar Gael.
Era um plano simples, mas que se tornava difícil por conta de Pérola e
de toda a ilegalidade da situação.
Primeira fase: a dança do acasalamento.
Nessa fase eu precisava encantar minha presa (Gael) e achar um jeito
para nossa dança (sexo) acontecer. Rebolar meu rabetão já era carta fora do
baralho, desfile de roupas curtas também. Precisava pensar em algo mais
eficaz.
Segunda fase: a dança do créu.
Era bem explicativo. Não preciso entrar em detalhes.
— Relaxa, Dedé! Ontem voltei tranquilona para casa, me diverti com
segurança e responsabilidade. Até comi uma banana para evitar a ressaca.
— Um santo remédio — assentiu, dobrando algumas roupas que deixei
em cima da cadeira da minha escrivaninha. — Pietra?
Olhei para ela. Minha avó era uma senhora enxuta e estava gloriosa no
alto de seus setenta e dois anos. Seu cabelo era curtinho, grisalho e sempre
penteado para trás. Ela também vestia um cardigã todos os dias. Existia uma
coleção deles em seu guarda-roupa. Eu achava fofo, era marca registrada da
minha vó, embora fosse um mistério como estava sempre de cardigã no calor
infernal do Rio de Janeiro. Seus olhos eram os mais acolhedores de todos,
mas escondiam uma tristeza bem lá no fundo.
Eu sabia, porque os meus também eram assim.
Nossa tristeza nos uniu e nos tornou melhores amigas. Eu tinha apenas
nove anos quando fui morar com minha avó. Ela havia acabado de perder
uma filha, eu tinha acabado de perder uma mãe. Fomos ela e eu por muito
tempo. Até Pérola entrar na minha vida. Ainda éramos melhores amigas,
mas ela me deixou livre para ter uma nova melhor amiga da minha idade.
E mesmo depois de tantos anos, éramos ela e eu contra o mundo.
E ela contra a minha promiscuidade. Palavras dela, não minhas.
— Não me invente de engravidar na adolescência, entendeu?
A gargalhada me engasgou e enquanto ria, quase morri sufocada,
tossindo.
— Lamento te informar, Dedé, mas eu já passei da adolescência faz
tempo. Para sua sorte, ainda não estou pronta para ser mãe.
— Por favor, continue assim! Até você criar um pouco de juízo ao
menos.
Ela pegou entre os dedos uma calcinha preta minúscula que estava
embolada nas minhas roupas. Ficava difícil provar algo com uma prova tão
evidente em suas mãos.
— A senhora aí também. Não quero saber de mulher prenha nessa casa.
— O quê?
Sua resignação me fez rir.
— Está indo muito nesse grupo da oração, dona Adelaide. Estou
achando muito suspeito.
— Ora, você me respeite! — Cruzou os braços, toda bravinha.
— Quem é, hein?
— Quem é o quê?
— Seu Nestor? — Chutei e ela arregalou os olhos, como se eu tivesse
enlouquecido. — Bento, o padeiro?
— Pietra, tenha santa paciência!
— O Padre Fábio?! — Arfei, meu tom totalmente acusador.
Levei uma almofadada na cara em represália.
— Deus, perdoe a boca impura desta garota!
— Estou de olho em você, dona Adelaide! — falei mais alto para ela
que já estava no corredor bem longe de mim.
Continuei rindo até pegar meu celular e ver as notificações. Minha
última foto no Instagram estava com vários comentários. Eu estava ao lado
de Pérola, mostrando nosso look da noite. Ao me lembrar da minha amiga,
fui até nossa conversa e vi que tinha acabado de me mandar mensagem.

Estava com preguiça, mas não poderia negar um convite para tomar um
sol na piscina de Pérola. Esse era o melhor bônus de ter amiga rica.
Arrumei meu quarto, dei um jeito na minha cara, coloquei tudo que eu
precisaria dentro de uma mochila e saí. Passei pela sala e encontrei minha
avó em companhia de Tereza e Maria. Elas foram minhas professoras de
Inglês e Matemática, respectivamente. Agora eram senhoras aposentadas que
jogavam buraco e fingiam fazer novenas. Eu gostaria muito que minha avó
só tivesse essa preocupação na vida, além de dar em cima de um ou outro
padre ou algum senhor da igreja, mas ela ainda tinha que trabalhar como
professora particular para conseguir pagar as contas.
Eu planejava dar uma vida de rainha para ela, mas antes precisava
terminar a faculdade, arranjar um emprego melhor ou entrar no BBB. Depois
o sucesso, a fama e meu programa de TV viriam e minha avó seria aquelas
madames que passeiam no shopping às 3h da tarde.
— Estou indo na Pérola, minha gata. — Dei um beijo estralado em sua
bochecha.
— Se for dormir lá, avise.
— Pode deixar. — Pisquei e me afastei, olhando o jogo de Tereza. — E
essa canastra real aí, hein, Terezoca?
Vi a senhora apertar os olhos em minha direção, puta da vida. Abri meu
melhor sorriso e também beijei o rosto delas antes de sair. Odiavam quando
eu jogava com elas e odiavam mais ainda quando eu não jogava, porque o
jogo foi feito para ser jogado em duplas. Mas eu confiava na força de
vontade delas.
Peguei um Uber, porque já tinha aprendido que não adiantava ir para a
casa de Pérola de ônibus. Era um inferno. Eu morava em um pedacinho de
céu (e inferno!) localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Jacarepaguá o
nome. Conhecido por sediar o PROJAC, onde planejo em breve estar
morando dentro da casa do Big Brother. Vez ou outra aparecia um jacaré em
alguma rua, coisa do dia a dia. Mas a principal fama do meu bairro é a
distância.
Estamos colados na Barra da Tijuca e ainda assim é longe. Logo, sem
chance de ir para a casa de Pérola de ônibus em um sábado. Não se eu quiser
chegar antes do Natal. E olha que estamos em junho.
Minutos depois, já estava olhando para as mansões do condomínio onde
minha amiga mora. Sempre fico chocada com o tamanho daquelas casas e
que existiam pessoas que realmente moram dentro delas. Nem sempre a
família Adler foi tão rica assim. Não que eles fossem pobres, só não eram
tão ricos. Foi depois que Gael começou a abrir franquias de seu restaurante
que eles ficaram bem ricos, tipo, bem ricos mesmo. Gael tinha restaurantes
em Miami, Orlando, até em Portugal. Eu achava o máximo.
Gostava mais ainda que a essência deles não tivesse mudado em nada.
Pérola ainda era a mesma garota que eu conheci em meu primeiro dia de
aula na escola nova. Ela me ofereceu suas canetas de gel de inúmeras cores,
eu aceitei. E éramos amigas desde então. Nós nunca brigamos, nunca
levantamos a voz uma para a outra, nunca nem passamos um dia sem nos
falarmos. Nem quando Pérola foi fazer o último ano do colegial nos Estados
Unidos nós nos afastamos.
Talvez viesse daí o medo de decepcioná-la com o assunto sobre Gael,
meus hormônios e umas vontades depravadas. Sempre que pensava em ser
direta com ele e falar minhas intenções, eu julgava que isso poderia me
afastar de Pérola. E então pensava na possibilidade de gostar de Gael de
verdade, não apenas pelo fogo no rabo. Depois de tantos anos tendo um
crush, diria até mesmo que vergonhoso por ele, eu acreditava ser possível.
— Dei o cu pro Tato!
Não foi boa tarde, seja bem-vinda ou quer uma água. Essa foi a
recepção que tive de Pérola assim que ela abriu aquela porta monstruosa de
uns cinco metros de altura. Ricos e suas riquices.
— Oi, Pérola! Tudo bom? — ironizei.
— Tá doendo.
Esfreguei o dedo em minha sobrancelha, bagunçando os fios.
— Como foi exatamente isso?
Pérola me puxou para dentro da casa e fomos para seu quarto, porque
ela me disse que seu pai e seu irmão estavam em casa hoje. Jogando tênis.
Na quadra deles. Dentro da casa deles.
Deus, como deve ser bom ser rica!
Fui bombardeada com uma explicação bem gráfica de como Tato e ela
foram parar em um banheiro da boate, eles transaram e ele pediu para comer
a bunda dela. Pérola achou que estaria sendo uma deusa do sexo pedindo
para ele enfiar tudo e agora estava arrombada e sem conseguir sentar direito.
Era difícil ver a cena na minha mente de minha amiga transando com o
homem que aparecia na minha televisão todos os sábados entrevistando
famosos, ajudando famílias a se reencontrarem, fazendo piadinhas que
faziam minha avó gargalhar. Para mim, Tato era um tiozinho, por mais que
fosse um pouco mais velho do que Gael.
Gael era gostoso para alguém velho.
Tato era... Bem, era o Tato.
— Podemos ir para a piscina? — pedi.
Não, eu implorei basicamente. Tudo para parar de ouvir Pérola falar
sobre aquela cena que nunca sairia da minha cabeça.
Coloquei meu biquíni. Juro que tentei ser comportada dessa vez. Já teve
vezes em que vim na maldade só para provocar Gael, mas dessa vez não foi
minha intenção. Só tinha o problema que eu não tinha um biquíni decente.
Eu precisava cair em mim que eu não era nem um pouco decente.
— Uau, uau! Olha essa bunda! — Pérola me deu um tapinha na bunda e
fez uma careta de dor. — Aí, gatilho. Vamos mudar de assunto.
Ri e me olhei pela última vez no espelho. Escolhi um modelo
cortininha, lilás, a parte da frente era supercomum, mas a parte de trás era
pequena. Bem pequena. Adorava como minha bunda ficava nele. Modéstia à
parte, minha bunda era espetacular. Redonda, durinha, graças a muito
esforço na academia e nas aulas de circo. Era meu orgulho.
Fomos para a piscina e tomamos sol por algum tempo. Pérola não
parava de mexer no celular, trocando mensagens com Tato e suspirando por
ele estar respondendo suas mensagens nos intervalos do programa que estava
ao vivo.
Eu via as palmeiras altas, que eles tinham no jardim, balançando com o
sopro suave do vento. Entediada, porém à beira de uma piscina fabulosa.
Foi então que eu vi Gael atravessando o jardim, voltando da quadra. Ele
estava sem camisa e eu agradeci às lentes de contato por me fazerem
enxergar a perfeição que era aquele abdômen trincadíssimo todo molhado
por suor. Gael seria o único homem neste planeta por qual eu lamberia todo
seu corpinho suado. E nem faria cara de nojo.
Ele passava as mãos pelos fios longos que com a luz do sol ficavam
ainda mais claros, quase dourado. Que espetáculo de homem!
Gael virou o rosto para falar algo a Bernardo, o insuportável irmão de
Pérola.
Eu amava minha amiga de paixão. O pai dela também... Um pouco
acima do esperado e moralmente certo. Agora de Bernardo, eu queria
distância.
Ele abriu um sorriso para algo que o pai falou e reparei que nem suado
ele estava. Mesmo depois de uma partida de tênis. O garoto vestia uma
camiseta larga do Jurassic Park. Eu não sabia se ele tinha uma coleção dessa
camiseta, porque para mim ele sempre estava vestido com ela desde que o
conheço. Ou uma de um tal de Star Trek que estava tão velha que não sei
como não tinha saído andando sozinha ainda.
Bernardo tinha dezenove anos, quase vinte. Eu sabia, porque Pérola e
ele faziam aniversário no mesmo dia, como gêmeos, só que com dois anos
de diferença. Todas as festas da minha amiga que fui também eram a festa de
Bernardo.
Estudei com ele por um ano, depois que reprovei o primeiro colegial.
Parecia o fim do mundo para a Pietra de quinze anos ter de dividir a sala
com Bernardo e não com Pérola. Mas a realidade é que não foi tão ruim,
para mim pelo menos. Bernardo era muito quieto, reservado, não falava com
ninguém e o garoto era simplesmente um gênio. Em uma aula de Física, a
professora pediu para nos juntarmos em dupla para fazer uma prova.
Bernardo ficou sozinho e eu como uma alma caridosa, neguei os convites
dos garotos gatos e das minhas novas colegas de sala para fazer com ele. E
sabe o que eu escutei desse metidinho?
Pode deixar que eu faço tudo, você não saberia fazer mesmo.
A audácia do filho da mãe!
Desde aquele dia nutro certa antipatia por ele. Passei três anos o
ignorando na escola depois disso. Eu falava com ele na casa de Pérola,
porque também era a casa dele e eu não queria ser mal-educada. Mas a
verdade era que ele nunca falava comigo. Na verdade, acho que ele nunca
falava com ninguém.
Bernardo não tinha amigos e eu só sabia que ele falava porque me
lembro muito bem de seu insulto à minha pessoa. Quando éramos mais
crianças ele tinha um amigo que vivia na casa, assim como eu. O garoto era
todo nerd que nem ele, eles viviam jogando videogame — e não deixavam
Pérola e eu assistirmos aos filmes da Barbie — e passavam horas colando
adesivos em um álbum de figurinhas. Cada hora era um tema diferente.
Enquanto Iago frequentava a casa, Bernardo parecia até mesmo um
garoto comum, que dá risada, brinca e faz piadas. Só que tudo mudou depois
que Iago faleceu aos catorze anos. Foi um infeliz acidente em um rio durante
uma viagem com seus pais, que tirou totalmente aquela personalidade mais
solta de Bernardo. Desde então, nunca mais o vi jogando Sonic — o
joguinho que me impedia de assistir o filme da Barbie —, nem colando
figurinhas.
Porém, essa história triste não mudava minha opinião sobre Bernardo.
Ele era insuportável e ponto final.
— Recuperada, Pietra? — Gael parou na frente de nossas
espreguiçadeiras, colocando um sorriso debochado no rosto.
Senti as bochechas esquentarem por me lembrar da forma que dancei
ontem, na frente dele. Bem, pelo menos tinha chamado sua atenção.
— Recuperada! Comi uma banana antes de dormir.
Vi Bernardo fazer uma careta e olhei em sua direção. O bonitinho era
especialista em me julgar, mas não conseguia nem me olhar nos olhos e
fazer isso em minha frente.
Gael, por outro lado, continuava sorrindo. Ele era muito risonho,
sempre foi. Eu também viveria sorrindo se tivesse sua aparência e seu corpo.
Mas o que eu gostava mais em Gael era que ele me escutava. Ele não era
como as outras pessoas que te escutam por dois segundos e começam a falar
sobre elas. Gael se interessa, ele te faz sentir importante.
— Isso ajuda mesmo? — ele perguntou.
— Minha avó fala que sim.
— Não faz sentido — Bernardo falou baixo. Ele sempre falava assim.
Cravei os olhos nele, já começando a me irritar. Ele sempre fazia isso!
Até quando ficava em silêncio eu sabia que estava me julgando. Bernardo
sempre fazia com que me sentisse uma mula perto dele. Aquele maldito
geniozinho!
— Banana é potássio! — falei um pouco alto demais, fazendo até
Pérola erguer os olhos do celular para me olhar.
Ele não disse nada, apenas saiu de perto. Gael deu um beijo na testa de
Pérola e disse que iria tomar banho e depois preparar algo para comermos.
Eu adorava quando ele cozinhava. Era a melhor comida!
— Gata, se liga no meu plano...
Pérola me deu um beliscão na coxa. Eu respondi com outro em seu
braço.
Nossa linguagem do amor era essa.
— O que foi?
— Vou para a casa do Tato agora.
— Fazer o que lá? Ele não está no programa?
— Esperar ele chegar, toda nua, em cima da mesa de jantar dele.
Eram nesses momentos que eu desejava não ter a habilidade de escutar
bobagens como essa.
— Mas sua bunda não tá doendo?
— Não vou usá-la, mesmo. — Deu de ombros, rolando para o lado da
espreguiçadeira para levantar.
Eu ainda seguia olhando para ela, descrente.
Fazia isso há mais de dez anos, na verdade.
— Seu pai vai cozinhar.
— Pode ficar aqui. Come, tira um cochilo, depois eu te levo em casa.
Vai ser bom para meu pai não desconfiar de nada.
— Não vou ficar aqui sem você. — Cruzei os braços, levantando atrás
dela.
— Pipes, quebra essa. Vou falar que vou à casa da Pri pegar algo para
terminamos o trabalho da faculdade.
Pensei em negar, mas me calei diante da oportunidade óbvia que tinha
em minhas mãos. Eu nunca ficava sozinha com Gael. Quando conseguia
conversar com ele a sós era em alguma festa ou em algum dia que estava
aqui, mas sempre com Pérola por perto. Aquele poderia ser um grande
momento em simples meu plano.
— Tudo bem!
Depois que Pérola saiu, eu recolhi todas as minhas coisas e entrei na
casa. Dane-se o sol e a piscina! Eu tinha outras prioridades.
Amarrei a canga no quadril, apenas para não ficar tão indecente assim.
Eu queria pegar Gael? Queria, sim. Mas não poderia me jogar em cima dele.
Eu queria conquistá-lo, fazê-lo enxergar que eu não era uma criança. Queria
que ele visse o quão interessante eu era e que ficasse louco por mim. Um
beijinho qualquer não me satisfaria.
— Que cheiro bom! — elogiei.
Eu me movi lentamente, percebendo que Gael tinha tomado banho e
agora cozinhava com uma camisa de linho azul-bebê de mangas longas
dobradas até o cotovelo. Suas pernas bronzeadas e com músculos muito bem
trabalhados de academia apareciam pelo short mais curto com estampa de
pequenos abacaxis. Homem mais gato que ele, estava para nascer.
— É um risoto de alho-poró. Coisa simples.
Para mim, coisa simples era arroz, feijão e ovo frito. Aquilo ali era o
paraíso.
— Precisa de ajuda? — Esgueirei-me para mais perto dele, lotada de
más intenções.
Gael me olhou por apenas um segundo, o suficiente para ver que eu
estava próxima demais. Seu olhar se prendeu por um milésimo em meu
decote do biquíni. Durou tão pouco, que foi quase imperceptível. Ele virou o
rosto para a panela novamente e começou a mexer a colher de madeira com
mais força.
— Não, eu dou conta sozinho. — Seu tom era controlado, educado,
nada abalado.
Sustentei uma revirada de olhos.
— Você não precisa ser sempre tão sozinho.
Posso ter calculado as palavras um pouco errado, porque vi o olhar
assustado dele para mim. Pisquei, percebendo que podia ter passado um
pouquinho dos limites e gelei ao pensar que ele poderia contar para Pérola.
Eu vivia entre a cruz e a espada. Querendo que ele me notasse a todo
custo, mas temendo ser muito direta e Pérola ficar sabendo.
Limpei a garganta, tentando me acalmar antes de falar:
— Você precisa de uma namorada, Gael.
Desde que percebi que nutria alguns sentimentos diferenciados por
Gael, eu parei de chamá-lo de Tio Gael. No começo ele estranhou, mas eu
segui, porque na minha cabeça eu fantasiava quando ele me pegasse de jeito
e eu soltasse sem querer um “tio”. Era errado e bem doentio, por isso,
continuei chamando-o por seu nome. Pelo bem da minha saúde mental. E do
réu primário dele também.
Ele riu, jogando o cabelo para trás, negando suavemente com a cabeça.
— Nem parece que conhece sua amiga.
Apoiei-me na bancada longa que cortava a cozinha e me sentei nela, um
pouco afastada do fogão de indução que ficava ali. Gael desviou os olhos da
panela para mim, vendo-me com a bunda em cima de sua bancada caríssima.
Esperava que fosse uma visão e tanto para ele.
— Você não pode ficar aqui sozinho para sempre, não é?
Eu já tinha tido essa conversa com Pérola muitas vezes. E nem era
porque eu queria pegar o pai dela, não. Era porque há anos eu via o quanto
Gael se esforçava para ser um bom pai, respeitava a vontade dos filhos, fazia
tudo o que podia para estar presente. Pérola iria embora daqui a pouco,
Bernardo também. E o que seria dele?
Era uma preocupação genuína e nada movida por meu fogo no rabo.
— Você sabe o que as crianças passaram depois que a Lana foi embora,
não sabe?
Assenti, sentindo-me péssima por termos entrado naquele assunto. Eu
sabia que era algo muito doloroso para minha amiga, imagino o quanto seria
para ele.
Gael continuou:
— Já tivemos a cota suficiente de drama nessa família por uma vida.
Não necessitamos de mais.
Espremi os lábios, sentindo o gosto do gloss de morango.
Ok, entendi!
Era um assunto delicado. Acho que sempre seria para todos os Adler.
— Você se divertiu ontem na boate? — Abri um sorriso, esperando que
ele também mudasse de assunto e me desculpasse pelas merdas sem noção
que eu falava.
— Não mais do que você, não é mesmo?
Seu olhar divertido, arqueando a sobrancelha direita, me deixou com
vergonha. Ele deveria saber muito bem tudo o que eu fiz ontem. E se não
soubesse, ele imaginava.
Encolhi os ombros, ciente de que aquele gesto unia meus peitos. Serviu
de nada, porque o arroz dele parecia muito mais interessante do que eu.
— Pode ter certeza disso.
— Pietra, Pietra... — Odiava quando seu tom era de censura, como se
fosse meu pai. O que ele não era e nunca estaria perto de ser. — Muito
cuidado com suas escolhas. Algumas delas podem ser definitivas.
Era o mesmo conselho que ele cansou de dar para Pérola, sobre sexo
seguro, garotos, gravidez e outras coisas.
— Gael, eu já sou uma garota bem crescida. — Mordi o lábio inferior,
segurando um sorriso ao vê-lo balançar a cabeça negativamente. — Me
ajuda a descer?
Estiquei os braços, trabalhando muito bem minha melhor cara de
inocente.
— Garota crescida... — ironizou, deixando a colher de lado para vir até
mim.
Suas mãos pegaram minha cintura com uma facilidade impressionante.
Seus dedos quentes tocaram minha pele e a sensação foi como o paraíso para
mim. Gael nunca tinha me tocado de uma forma tão íntima, ainda mais
comigo quase sem roupa como estava.
Ele me colocou no chão, mas eu continuei olhando embasbacada para
ele. Gael tentou se afastar, mas minha mão ainda estava em seu ombro e seus
olhos caíram em mim. Perto daquela forma, eu pude ver o quão intensos
eram seus olhos, em um tom azul-esverdeado, com pintinhas cinza por toda
a íris. Eu nunca estive tão próxima de Gael em toda minha vida e minha
respiração foi a primeira a me trair e demonstrar nosso nervosismo.
Foi quando escutei o baque seco da porta da geladeira. As mãos de Gael
se afastaram no mesmo instante em que eu virei meu rosto e vi Bernardo
saindo da cozinha com uma garrafa de água nas mãos.
— Tome um banho antes de o almoço ser servido. Ainda vou preparar o
peixe.
Assenti, mesmo que Gael já estivesse de costas para mim.
Saí desnorteada para o quarto de Pérola, ainda pensando que Gael
colocou as mãos em mim. Tipo, por bastante tempo! E ele me olhou, não de
uma forma qualquer, foi a primeira vez que parecia que ele não me viu como
uma criança boba.
O banho foi de grande ajuda para acalmar o fogo na passarinha, como
diz minha incrível vovó. Se Dona Dedé ao menos desconfiasse que a
passarinha em questão estivesse deveras interessada no Pica-Pau de Gael, ela
me mataria com requintes de crueldade.
Eu esperava que Gael gostasse de ter alguns segredos.
Porque eu estava pronta para ter alguns com ele.
Voltei mais tranquila à cozinha e ciente de que eu deveria ir com calma
com o homem. Este, que colocava o molho em cima do peixe com uma
precisão que deixava minha calcinha levemente umedecida.
— Precisa de ajuda? — Encostei ao batente da porta, cruzando a perna,
como se ele fosse sacar minha animação por ele.
— Pode colocar os pratos na mesa?
Confirmei, me movimentando rapidamente pela cozinha para pegar o
que precisaria para montar a mesa. Eu poderia fazer isso com os olhos
fechados, sabia onde ficava tudo na casa de Pérola. Era como se fosse minha
segunda casa e eu amava como eles me faziam com que me sentisse
realmente à vontade. Desde sempre foi assim.
Coloquei os souplasts, os três pratos e posicionei os talheres e as taças
de suco. Sabia muito bem que Pérola não apareceria tão cedo ali, então nem
me preocupei em colocar prato para ela, que voltaria da casa de Tato
muitíssimo bem servida.
— Pode chamar o Bernardo, por favor? ― Gael pediu assim que
colocou o risoto na mesa, jogando um pano de prato sobre o ombro.
Eu faria qualquer coisa que aquele homem quisesse.
E além do mais, eu estava temerosa com o que Bernardo pensou ter
visto ali na cozinha. Foi algo simples, mas eu não sabia o que ele pensaria.
Bernardo e Pérola não poderiam ser mais diferentes, mas eles eram muito
amigos. E sabiam tudo um do outro. Além de mim, Bernardo era o único que
sabia sobre Pérola e Tato. E quando eu não podia encobrir minha amiga, seu
álibi era o próprio irmão. Logo, eu tinha medo do que Bernardo poderia falar
para ela.
Subi a escada correndo e fui até a porta do quarto de Bernardo. Eu
nunca tinha entrado ali. Para ser 100% verdadeira, eu já tinha entrado
algumas vezes quando éramos crianças, junto de Pérola. Mas depois que
crescemos, eu nunca tinha entrado. Deus me livre ter de respirar o ar
arrogante que ficava condensado naquelas quatro paredes!
Reuni toda minha força de vontade para girar aquela maçaneta e abrir a
porta do quarto.
— Bernardo, vem comer...
Eu mal pude terminar de falar e observei o movimento brusco de
Bernardo fechando o notebook com tudo, o aparelho caiu da cama e eu
percebi um movimento esquisito debaixo daquele edredom. Fazia trinta
graus lá fora, por que ele estava coberto?
— Sai daqui!
O Albert Einstein gritou bem alto e eu até assustei, porque não fazia
ideia de que ele sabia falar dessa forma.
Ele estava...? Não, não é?
— Você estava tocando uma?
— Sai daqui, Pietra!
Seu rosto estava rosa, até as suas orelhas estavam injetadas de sangue.
Bernardo estava apavorado, mas não se movia da cama, porque
provavelmente estivesse pelado. Por mais embaraçosa que fosse a situação
eu estava adorando, porque mostrava que ele era um ser humano. Diferente
daquele robozinho que mostrou ser a vida inteira.
Foi por saber que ele nunca levantaria daquela cama, que eu me
aproximei, observando seus olhos escuros, muito mais parecidos com os de
Pérola do que com os de Gael. Imaginava que eles tivessem puxado muito da
mãe deles.
— Vamos ver o que você estava vendo.
Em um movimento brusco, eu peguei o notebook do chão.
Bernardo fez menção de me alcançar, mas acabou preso em sua própria
vergonha.
— Eu chuto uma daquelas putarias com desenho japonês? — Dei risada
e abri a tela, arregalando os olhos ao ver uma chamada de vídeo encerrada
com uma tal de “Professora Paola Sabin”.
Foi meu rosto que começou a queimar de vergonha agora. Fechei a tela
e coloquei em cima do colchão. Reuni toda minhas forças para virar e falar
para ele:
— O almoço está na mesa, seu pai pediu para você descer.
Dei as costas, arrependendo-me até o último fio de cabelo por ter
entrado naquele quarto e mais ainda por ter feito toda aquela cena só porque
me achei no direito de zoar com a cara do Galileu Galilei.
— Tudo bem, mamãe!
Puta que pariu!
Puta que pariu!
Puta que pariu!
Aquele metidinho me foderia bonito, eu tinha certeza. Ele contaria para
Pérola, nossa amizade acabaria, eu perderia minha melhor amiga sem nem
ter dado um beijo ou uma mísera chupadinha em Gael. Eu estava fodida!
Voltei totalmente apática à sala de jantar.
Em três minutos minha vida virou de cabeça para baixo.
Descobri que o irmão beato da minha melhor amiga estava batendo
uma punheta para a professora dele. E agora vou perder minha melhor
amiga.
Eu deveria ter ficado jogando tranca com minha avó e suas amigas,
seria muito melhor.
Inferno!
— O Bê vai descer? — Gael chegou com o peixe, enquanto eu estava
de pé e mais zonza do que tudo.
— Acho que sim.
— Posso te servir?
Precisei de um tempo para entender o que Gael falou, mas acabei só
balançando a cabeça. Sentei na cadeira e fiquei com os olhos colados na
mesa. Gael colocou o prato na minha frente e mesmo assim não consegui me
mover.
O que eu poderia falar para Pérola para convencê-la de que eu não
estava me agarrando com o pai dela na cozinha?
Estava dividida entre mentir com todas minhas forças. Afinal, eu nunca
tinha mentido para minha melhor amiga, ela provavelmente acreditaria em
mim. Ou então contar a verdade. Sim, quero dar para seu pai. Não, não
tenho planos de ser sua madrasta.
Péssima ideia!
Péssimo dia!
Eu sou uma péssima pessoa!
— Não gostou do robalo? — Gael perguntou.
Pisquei para deixar de fitar a mesa e olhar para o homem incrível que
tinha feito aquela comida deliciosa, servido-me e ainda me olhando com
aqueles olhos preocupados.
— Desculpa, estava pensando em algo! Está com uma cara muito boa.
Antes de eu enfiar a primeira garfada na boca, Bernardo entrou na sala,
os olhos grudados em mim. Eu não o conhecia tão bem assim, mas era nítido
que estava puto comigo.
Bernardo sentou na cadeira à minha frente e também recebeu um prato
cheio de comida de Gael. Por mais que o ódio fosse nítido, ele ainda estava
vermelho; o que demonstrava que eu estava bem certa em minhas suposições
do que ele estava fazendo no quarto.
Era algo natural e eu, sinceramente, estava pouco me lixando para o que
ele fazia. Por mais que fosse esquisito, porque eu via Bernardo como uma
criança.
Gael ainda tentou puxar papo conosco, mas não teve grandes
resultados. Logo, disse que precisaria ir para o restaurante, deixando-me na
pior situação de todas: dividir uma mesa com Bernardo.
Assim que terminou de comer, ele beijou o topo da cabeça do filho e
também a minha. Para meu desespero, depois de receber um olhar enviesado
do Thomas Edison.
Eu não tinha apetite após toda aquela sucessão de tragédias que me meti
nos últimos dez minutos. Eu poderia ser um pouquinho dramática, mas não
tinha como não me sentir terrível com aquele garoto me olhando daquela
forma.
Gael passou novamente pela sala já trocado, despedindo-se. Escutei o
barulho da porta batendo logo depois e larguei os talheres no prato. Eu não
conseguiria comer enquanto não resolvesse aquela situação.
Bernardo não era minha pessoa preferida no mundo, mas eu era boa de
lábia. Era ótima, na verdade. Poderia resolver tudo com ele.
— Queria me desculpar por ter entrado no seu quarto daquela forma e
te pegar com a boca na botija. A mão, na verdade.
Bernardo engasgou com o suco e colocou a taça de volta à mesa de
vidro, com um pouco de força demais.
— Qual é seu problema? — perguntou baixinho, soltando os talheres
também.
— Não precisa ficar nervoso, todo mundo faz essas coisas.
— Para de falar sobre isso! — Seu rosto estava tão vermelho, que
parecia estar tendo uma crise alérgica.
— Tudo bem! Tudo bem! — Ergui as mãos, rendendo-me. — Posso me
explicar sobre o que você pensou ter visto na cozinha?
Vi seu olhar mudar de profundamente envergonhado para
profundamente arrogante. Do mesmo jeito que me olhava quando ele tirava
dez na prova e eu dois. Isso que a professora era a minha avó.
Exibidinho!
— Não foi isso que você está pensando. — Apressei-me a falar.
Bernardo ajeitou seus óculos de armação quadrada com as ferragens
finas prateadas. Era o mesmo modelo desde que o conheço. Agora, com ele
mais crescido, parecia mais harmonioso em seu rosto. Antes aquela armação
parecia cobrir toda sua cara.
— Eu sei. — Escutei sua voz diante do silêncio daquela sala de jantar
moderna, com longa mesa preta e poltronas da mesma cor com detalhes em
dourado. — Você é só uma criança para meu pai.
Senti meu rosto endurecer ao escutar aquela verdade que me deixava
puta. Porque eu sabia que não era mais nenhuma criança.
— E você não é para sua professora? — Cruzei os braços, desfrutando
por dois segundos aquela cara de tacho do geniozinho.
— Vou voltar para meu quarto.
Bernardo afastou a cadeira, fazendo um barulho agonizante por
empurrar o ferro sob o porcelanato polido.
O desespero por irritá-lo e ele resolver contar para Pérola me tomou e
eu levantei correndo. Puxei a barra da camiseta — do Jurassic Park, que
novidade! — e quase trombei nas costas de Bernardo quando ele parou e me
olhou, assombrado. Se ele estivesse vendo a própria boneca Anabelle na
frente, acredito que o garoto estaria mais confortável.
Eu o soltei, assustada comigo mesma por puxá-lo daquela forma.
— Você vai contar para Pérola?
Nem precisei fazer uma cara de piedade, porque meu desespero era
evidente.
— Que você se preocupa mais em dar em cima do pai dela do que em
ser uma boa amiga para ela?
— Quando foi que você ficou tão debochado assim, garoto? —
Enfureci-me com suas suposições sobre a minha pessoa.
Se havia uma coisa que eu era para Pérola, era uma boa amiga. Odiei
ver Bernardo agindo como se eu fosse a pior pessoa do mundo por
simplesmente ter alguns sentimentos por um homem legal, bonito e que
sempre me tratou bem.
— Eu não vou contar. Ela vai acabar descobrindo sozinha e você vai
perder a amizade dela.
O garoto que se escondia embaixo de moletons e andava sempre de
cabeça baixa pelos corredores do colégio me olhou nos olhos para me falar
aquilo.
Cocei meu nariz com força, controlando-me para não ofendê-lo. Afinal,
eu não precisaria que ele ficasse mais irritado.
— Isso não é verdade. — Engoli o choro, porque bastava eu entrar em
uma discussão para abrir a comporta das lágrimas.
Antes que começasse a chorar ali, eu dei as costas e fui em direção à
sala de estar, afundando-me em um dos sofás macios. Fechei os olhos e
comecei a inspirar e expirar, tentando controlar meu nervosismo e o choro
que estava entalado na garganta.
Bernardo apareceu na sala algum tempo depois, escutei seus pés
fazerem barulho no piso e abri os olhos, vendo-o no outro sofá, sentado na
ponta, as costas eretas, as mãos cruzadas sendo estraladas.
— Você pode não contar para Pérola sobre o que aconteceu também?
Ela contaria para meu pai e seria... complicado.
Coloquei a franja atrás da minha orelha.
— Seu pai saber que você estava batendo uma no quarto? — Revirei os
olhos, satisfeita ao vê-lo corar novamente.
— Ele saber sobre a professora.
Agora eu entendi o porquê de ele não falar sobre o episódio da cozinha.
Ele devia tanto quanto eu.
— Cara, primeiramente você precisa lidar com as questões do seu corpo
de uma forma melhor — expressei minha opinião, cruzando minhas pernas e
assumindo o controle da situação novamente.
— Por favor... — implorou para eu parar.
— Em segundo, não tem motivo para se preocupar. Todo mundo já
gostou de um professor uma vez na vida.
Bernardo parecia que passaria mal a qualquer segundo. Ele faria vinte
anos, caramba! Já estava na hora de conseguir ter uma conversa com jovens
da sua idade sem ficar passando mal por escutar palavras como “punheta”.
— Ela é muito mais velha que eu.
— Bem-vindo ao clube, garotão!
Expandi meu sorriso ainda mais e o vi revirar os olhos de forma
mínima.
— Você não tem chances com meu pai.
— E por que não?
Cruzei os braços, sentindo meu sangue esquentar por termos retornando
àquele assunto.
— Você tem a idade dos filhos dele, além de que ele te viu crescer. Isso
seria bem doentio da parte dele. E meu pai não é assim.
Senti o desafio velado se tornar grandioso. Um prêmio dourado por trás
de uma cortina de veludo. Eu amava um bom desafio.
Gael me viu crescer? Viu. Mas eu não era mais criança e tinha muitos
atributos que poderiam diverti-lo por muitas e muitas horas. Eu poderia fazê-
lo se esquecer de qualquer diferença de idade em dois tempos, bastava ele
querer.
Obviamente não falaria isso para Bernardo.
— Tudo bem, então. — Dei de ombros, como se não me importasse.
Bernardo me olhou com atenção por alguns segundos, quase como se
soubesse que eu estava mentindo.
Ficamos em silêncio por algum tempo, ele olhando para as próprias
mãos e eu o encarando. Bernardo sempre esteve ali, mas depois de que
crescemos nunca nos falamos por tanto tempo quanto agora. Ele era o irmão
da minha melhor amiga, mas continuava como um estranho. Eu não sabia do
que ele gostava, suas vontades, quem eram seus amigos ou sua comida
favorita. Era estranho conhecer alguém por tanto tempo e nunca ter tido uma
conexão real.
A única vez que me senti mais próxima dele foi quando recebemos a
notícia de que Iago tinha morrido. Estávamos de férias em uma viagem na
Argentina. Foi a primeira viagem internacional que fiz com os Adler e me
lembro do choro alto quando ele soube que seu amigo tinha falecido.
Naquela noite Pérola, Bernardo e eu dormimos juntos na sala. Eles
dormiram abraçados, eu não conseguia nem falar com ele, mas estava ali ao
seu lado. Meses depois ele basicamente me chamou de burra naquela merda
de prova de Física.
— Você já ficou com ela?
Movida pelo sentimentalismo de ter passado anos da minha vida ao
lado de um desconhecido que agora carregava meu segredo, quis saber de
sua vida.
Eu não sabia se fiz uma simples pergunta ou se tinha perguntado qual o
tipo de lubrificante que ele preferia para comer o cu da tal professora diante
da vermelhidão de suas bochechas. Vi que ele ensaiou abrir a boca diversas
vezes, mas acabou continuando calado com os ombros caídos.
Eu nunca vi Bernardo com nenhuma garota. Nem em casa, muito
menos na escola. Ele era muito zoado durante os anos de colégio, muito
mesmo. Os meninos não pegavam nada leve com ele e eu via o quanto as
meninas o ignoravam. Não sei se na faculdade mudou algo para o lado dele,
mas diante de toda aquela vergonha por uma pergunta mínima, eu imagino
que não tenha mudado.
— Ela... Ela não sabe que eu... aprecio, quer dizer... que gosto dela.
Mordi o lábio inferior, achando um pouco de graça de seu embaraço.
— Ela é professora do quê?
— Termodinâmica.
Minha cara foi de puro desespero. O que era Termodinâmica? O Bill
Gates na minha frente parecia falar como se fosse algo comum para ele. O
que, provavelmente, deveria ser.
— É um ramo da Física que estuda energia. — Arrumou os óculos na
ponte do nariz com a ajuda do dedo indicador. — Troca de energias.
Eu também entendia muito de energias. Como a minha que,
definitivamente, não batia com a dele.
Bem, o casal do milênio esses dois. Felicidade aos geniozinhos!
— O que você estuda mesmo?
Era algo muito difícil de entender, tinha a ver com foguetes. Era tudo o
que minha memória tinha guardado.
— Engenharia Aeroespacial.
Bem, se eu fosse inteligente o bastante para fazer essa faculdade e me
dar bem no curso, eu também sairia chamando os outros de burros.
Como. Ele. Fez. Comigo.
Eu não guardo rancor, eu o cultivo. Infelizmente.
— Então, não rolou sexo ainda?
Bernardo engasgou e não foi algo leve, foi real. Ele começou até a ficar
roxo. Precisei me levantar e pegar seus pulsos, esticando seus braços para o
alto. Ele tentou se soltar, brigando comigo enquanto morria sufocado.
Eu odiava esse menino.
— Esticar o braço não me faz voltar a respirar. Não tem sentido isso.
Foi a primeira que ele falou assim que conseguiu. Não foi “Obrigado
por ter me salvado de uma morte patética”, foi algo para deslegitimar meus
métodos. Assim como a da banana curando ressaca. Assim como beber nove
goles de água para passar o soluço. Assim como qualquer coisa que eu fazia
e ele provava com suas leis da física não serem reais.
Garoto chato!
— Está explicado por que ela não transou com você.
Eu me joguei no sofá ao seu lado, vendo seu olhar me queimar. Se
Bernardo tivesse uma arma de raio laser, agora ele me cortaria ao meio.
Tenho certeza.
— Nem tudo é sobre sexo, Pietra.
— Tudo é sobre sexo, Bernardo.
Ficamos nos encarando, até eu perceber que estávamos no meio de uma
guerra. Eu não perderia essa batalha. Relaxei os músculos da face e
continuei a encará-lo. Se ele achava que eu iria piscar e perder, ele estava
louco.
Meus olhos já estavam lacrimejando, mas eu o venceria. Tinha certeza.
Bernardo se remexeu no sofá e bateu as mãos uma na outra, dando um
tapa em algo na sua frente. Eu me assustei e pisquei.
— Você perdeu!
Fiquei estática, sem entender o que tinha acontecido. Que cobra
peçonhenta esse garoto era!
— Você me assustou de propósito!
— Passou uma mosca na minha frente.
Neguei com a cabeça, irritando-me demais com ele para seguir
conversando como duas comadres naquele sofá. Bufei e me levantei.
— Estou indo embora.
— Tchau, mamãe.
Ergui o dedo do meio atrás da minha cabeça enquanto caminhava em
direção à escada. Eu preferia pegar um ônibus lotado de gente voltando da
praia no domingo do que continuar ali com aquela criança prodígio.
Anotei mentalmente na minha lista de coisas que nunca, sob hipótese
alguma, nem sob tortura, farei novamente: perder meu tempo com Bernardo
Adler.
Não era fácil presentear alguém como Pérola.
A garota tinha de tudo!
Mas eu odiava ser a pessoa que não se esforçava porque a amiga já tem
tudo. Se eu estivesse no lugar dela, não gostaria nada de escutar isso. Eu
ficaria feliz em ganhar até um pedaço de pão, se isso fosse de coração.
Logo, não era uma desculpa. Nunca foi, na verdade.
Pérola faria vinte e dois anos hoje. Normalmente passávamos a virada
do aniversário juntas, mas ela estava com Tato. Ela estava sempre com Tato
agora e isso me irritava um pouco.
Era nosso pacto MADM. Mais conhecido como “Migas antes dos
Machos”.
Entendo que ela estava apaixonadinha, mas quando começa a quebrar
tradições já muito bem definidas, começo a pensar se minha amiga está
passando por um episódio de SDPS. “Síndrome do Pinto Supremo” para os
leigos.
É uma doença muito comum em jovens garotas que se apaixonam por
objetos fálicos com muita rigidez, volume e espessura e perdem o rumo de
casa, as amizades e a si próprias. Estou examinando minha amiga com olhos
cuidadosos e a alertarei se vir qualquer sinal suspeito dessa síndrome tão
triste. Para as melhores amigas, no caso.
Era minha terceira volta pelo corredor do shopping e eu já começava a
pensar que não conseguiria achar nada para Pérola ali. Foi então que eu vi a
sandália que minha amiga tinha enviado em nossa conversa, falando que
estava esgotada, mas queria muito para ir à sua festa.
Era uma sandália meio doida, cheia de tiras e correntes, laranja
vibrante. Eu me aproximei da vitrine e olhei o preço. Parcelado em cinco
vezes, ficaria de boa para pagar. Além de que esse era o primeiro ano que eu
poderia dar um presente legal para Pérola. Recebi um aumento legalzinho
nos últimos meses. Minha amiga ausente merecia.
Entrei na loja e fui até a vendedora que não parecia muito interessada
em minha presença.
— Boa tarde! Quero a sandália laranja. — Apontei para a vitrine,
recebendo uma olhada de cima a baixo da vendedora.
Por que elas faziam isso, meu Jesus?
— Qual número, queridinha?
— Trinta e seis, queridona.
Forcei um sorriso, levando mais uma encarada da sem noção. Ela foi
digitar algo no computador e me informou que só existia mais um par da
sandália. E era justamente o que estava na vitrine. No exato tamanho de
Pérola.
Deus tem seus preferidos!
— Sandalinha esquisita, né? — Peguei a dita cuja, fazendo questão de
tirar da vitrine antes que eu a perdesse.
Pérola me amaria tanto! Irei para o céu com honras no quesito ser
melhor amiga. Eu arraso nesse papel, mesmo que o Elon Musk Adler me
diga o contrário.
— É feita à mão, está esgotada no Brasil inteiro. Não é esquisita, é uma
peça de design.
Era esquisita. Ponto final.
Coloquei a sandália na mesinha ao meu lado apenas para atender meu
celular que começou a tocar. Vi na tela que era minha avó.
Foi naquele momento que cometi um grande erro.
Desviei a atenção da sandália e disse apenas as simples palavras para
vovó:
— Estou aqui no corredor lilás.
Minha avó veio comigo ao shopping e foi comprar uma frigideira nova
enquanto eu procurava o presente de Pérola.
Foi só isso. Eu desliguei e vi a desgraça ocorrer bem na minha frente.
— Vou levar essa aqui, meu bem.
Uma dondoca, saída de uma novela do Manoel Carlos, pegou o par de
sandálias e entregou para a vendedora. A mulher simplesmente deu as costas
e levou a sandália para o caixa.
— Pode embrulhar para presente, por favor? — Escutei a dondoca falar.
— Não! Essa sandália é minha. Eu cheguei primeiro.
A mulher, parecendo estar se movimentando embalada pelos acordes de
Tom Jobim, me olhou com uma delicadeza e classe que nem em mil anos eu
conseguiria ter.
— Meu bem, é só pedir outra.
Ela era alta, cabelos ondulados em um tom glorioso de dourado. Parecia
uma sereia. Estou em uma mistura de querer socá-la ou perguntar se ela
queria ser minha sugar mommy.
— Não tem outra! — Esperneei como uma criança birrenta.
A made in Leblon me encarou de forma compreensiva, porém não disse
para a vendedora me devolver.
— Hoje é aniversário da minha melhor amiga. Ela queria muito essa
sandália. Minha amizade depende unicamente disso.
Decidi apelar para o emocional, afinal, ela era uma mulher adulta. Eu
ainda era jovem o suficiente para agir como criança como eu bem
entendesse.
— Posso te contar o porquê de eu necessitar tanto levar essa sandália?
Ela era tão educada que ficava difícil não aceitar.
Assenti, amuada.
— Preciso agradar uma garotinha que o que tem de geniosa, tem de
estilosa. Acho que ficaria perfeita nela.
— Minha amiga merece mais. — Cruzei os braços, debochada.
— Eu preciso agradá-la, porque ela é filha do homem que eu amo.
— A minha amiga também é filha do homem que eu... — Pigarreei,
percebendo a merda que eu falaria. — Gosto.
A loira uniu as sobrancelhas, em dúvida entre rir ou me esmagar como
uma formiga. Felizmente, ela deu uma risadinha.
— Cartão, senhora? — Escutei a vendedora falar. Que grande cobra!
— Cartão. — Estendeu um cartão preto para a vendedora. — Me
desculpe, querida! É matar ou morrer.
— Espero que ela continue te odiando.
Saí batendo o pé da loja, puta da vida.
Odiava o capitalismo.
Odiava as loiras altas bonitas com aparência de Charlize Teron.
Odiava essas marcas de sapatos cafonas e suas vendedoras blasés.
Cerrei os punhos no meio do corredor e olhei para os lados. Que diabos
eu daria para Pérola agora?
Diacho!

Depois de quase dar uma frigideira antiaderente para Pérola, igual a que
minha avó comprou e enumerou suas imensuráveis qualidades, eu decidi que
daria um colar para ela.
Um presente chato, mas de coração.
Entrei com a sacolinha na casa dos Adler, onde seria a festinha.
Festinha era eufemismo, porque tudo era grande. O tema era neon e fiquei
meio abobada quando passei pela sala e vi tudo muito diferente do dia a dia,
com luzes negras e balões gigantes no teto em cores vibrantes neon. Os
convidados estavam no jardim, ao redor da piscina, também tomada de
balões coloridos. Avistei Pérola conversando com um pessoal da faculdade e
corri em sua direção, tendo que segurar meu vestido curto para não mostrar a
bunda.
Pérola estava radiante com seu macacão verde folha cobrindo o corpo
com umas estampas psicodélicas em um tom mais claro. O decote era aberto
até seu umbigo por pequenos círculos presos por botões de cristais. Botas de
cano longo brancas davam o tom Pérola para o look, arrematado com um
chapéu de cowboy. Aquele look era a pura poesia de Pérola. Nenhum ser
humano vivo conseguiria segurá-lo sem ser ela. Talvez a Rihanna, mas acho
que não, né? Ela está aposentada já.
— Feliz aniversário, gatita!
Tentei tirá-la do chão com meu abraço de urso, mas eu não era
conhecida por minha força. Em uma escala de força em que 10 era o The
Rock e 0 a avó do Sid de Era do Gelo, eu estava ali por volta de 1.
— Estava te esperando para começar os trabalhos!
Levei um tapa na bunda e sorri, puxando o vestido mais uma vez para
baixo. Estava hoje em uma vibe Geisy Arruda, com meu vestidinho curto e
rosa, com recortes na cintura. O problema era que ele subia muito e eu não
contava com isso.
— Seu presente! Me desculpe por ser simples, uma madame roubou a
sandália da Alexa Negroni que eu queria te dar.
Pérola nunca falaria que não gostou do meu presente, porque ela era um
amor. Inclusive colocou no pescoço na hora, por mais que não tivesse nada a
ver com seu look.
Fui para o bar com minha amiga, admirando toda a mobília espelhada
do bar com todos aqueles drinks chiques. Os barmen eram uns gatos.
Inclusive achei um com quem eu já tinha ficado em uma festa da faculdade.
Eu tinha um fraco por barmen fazendo malabares com a bebida no ar.
Quando eles inventavam de cuspir fogo... Uau, era meu fim!
Comecei a falar com o pessoal da escola que estava por ali. Depois do
da faculdade. Os amigos do clube de Pérola. As meninas do ballet. Do
antigo trabalho no programa de Tato. Eu era amiga de todo mundo que
também era amigo de minha amiga. Se eles gostavam de Pérola, então já
tinham muitos pontos comigo.
Sou uma criatura sociável. Aprendi a ser, na verdade. Ou você se
mostra, ou o mundo te cobre. E come. E tritura. E mata.
Já tinha tomado uns quatro drinks, mais dois shots de vodca com
Pérola. Estava altinha quando encontrei Gael rodeado por dois amigos. Seu
sorriso foi a deixa para que eu me aproximasse.
— Coma antes de beber, hein?
Quase revirei os olhos por essa ser a primeira coisa que escutei dele.
Não foi um “Uau, que pernas lindas!”, “Está gostosa nesse vestidinho,
hein? Mal vejo a hora de tirá-lo lá no meu quarto”. Nada. Homem
extremamente tóxico.
— Pode deixar. — Forcei um sorrisinho e pisquei para seus amigos que
estavam ao seu lado. Esses, sim, estavam me despindo com o olhar. Esses
olhares deles eram nojentos, porque eles tinham idade para ser meu pai.
Bem... Gael também. Mas era diferente. Totalmente diferente.
Acenei para ele e voltei minha atenção para Gael.
— Dona Dedé não veio?
— Se você não usa uma batina e serve um coquetel de hóstias, então
você não é interessante para ela.
Gael riu para valer, bagunçando seus fios de cabelo. Que vontade de
embrenhar minhas mãos ali e não soltar nunca mais.
Hoje ele estava vestindo camisa branca com listras finas pretas, calça
jeans preta justinha em suas coxas e um coturno preto que combinava muito
com ele. Que homem gostoso e estiloso, Ave Maria!
— Errada ela não está. — Piscou, divertido. — Vá comer, Pietra! Tem
aquele escalope de salmão com maracujá que você ama.
Tinha um defeito? Não, não existia nenhum naquele homem.
Gostoso. Cozinheiro. Estiloso. Bonito. Articulado. Inteligente. Eu
poderia passar o resto da minha vida aqui declamando adjetivos para ele.
Decidi fazer o que meu mestre mandou e ir até o bufê servido com todo
requinte. Se a decoração era folhagens, romãs e prataria, eu sabia que o
negócio era de qualidade. Peguei um prato e estiquei a mão para alcançar o
pegador do salmão, que foi retirado da minha mão por outra.
Mão quente.
Mão que me deu um choque.
Mão pertencente à uma detestável pessoa.
— Eu estava pegando! — avisei, fazendo questão de tirar o pegador da
mão do Isaac Newton.
— É meu aniversário — Bernardo falou como se isso mudasse algo.
— Parabéns! — Dei de ombros. — Quer mais alguma coisa?
— A comida, mamãe.
Insuportável!
Segurei a revirada dos olhos porque hoje era seu aniversário. E eu não
acabaria com o aniversário de ninguém.
Espiei o look de Bernardo, que estava com uma triste camiseta cinza
com uma estampa escrita “Star Trek”. Não sabia que diacho de marca era
essa, mas não combinava em nada com a festa. Seus jeans eram surrados e
mais largos do que o normal, assim como seus All-Star que um dia foram
brancos.
Fiz questão de colocar aqueles escalopes com a maior lerdeza que eu
possuía, apenas para irritá-lo. Senti seu olhar em mim, mas não ergui os
olhos para ver para onde ele olhava.
Pincei o pegador com meus dois dedos, fazendo uma ceninha antes de
entregar a ele.
— Cresça, Pietra.
— Apareça, Bernardo.
Dei as costas para ele, mas esbarrei em duas mulheres que estavam
muito próximas de nós dois. Elas destoavam um pouco dos outros
convidados. Eu não era nenhuma expert em moda, mas acho que calça
social, terninho cinza e sapatilhas não são muito aceitos em eventos como
esse. Olhei para o rosto da mulher com cabelo curto, com a impressão de que
a conhecia de algum lugar.
— Feliz aniversário, Bernardo!
Escutei um barulho atrás de mim e precisei olhar para ver que Bernardo
tinha derrubado a comida do prato e quase virado a tigela de inox em cima
de nós dois.
Olhei novamente para as mulheres, forçando minha memória.
A professora!
A professora por quem ele estava batendo punheta!
Virei o rosto tão rápido que senti algo deslocar em minha coluna
cervical. Bernardo estava pálido, os lábios meio arroxeados. Sua mão direita
se esfregava continuamente na lateral da calça jeans, como se limpasse algo
da palma.
Ele estava travado.
— Oi! Eu sou Pietra. Você deve ser a Paola, certo?
Eu tinha memória de elefante.
Nunca me esquecia de nada. Nadinha. Daqui sessenta anos, eu ainda me
lembraria da foto do Skype de uma professora que estava sendo
dolorosamente homenageada por um moleque insuportável.
— Sim, muito prazer.
Recebi sua mão estendida e forcei um sorriso ao apertá-la. Ela era uma
mulher bonita, alta, ombros estreitos, rosto delicado com um nariz pontudo e
cabelo cortado curtinho, com a parte frontal maior e penteada para trás.
— Oi, prof... professora! — Bernardo voltou a agir que nem gente ali
atrás de mim. — Oi, professora! — Ele se dirigiu a outra mulher, ao lado da
tal Paola.
A outra era mais baixinha que eu e usava um vestido florido com um
bolero marrom. Ela era fofa, mais velha, tentando soar ainda profissional,
embora estivesse em uma festa cheia de dedo no cu e gritaria.
Da parte de Pérola, claro! Se Bernardo fosse escolher sua festa,
passaríamos todos jogando xadrez, tenho certeza.
— Fiquem à vontade, o pessoal está ali. — Apontou para um lugar
qualquer, sem ninguém. — Preciso ir ao banheiro.
Bernardo saiu apressado de perto de nós. Largou seu prato em cima da
mesa e simplesmente se mandou.
Se ele pensava que comeria aquela professora dessa forma, eu tinha
péssimas notícias para o Santos Dumont.
— Esses garotos! — Abanei a mão no ar, despretensiosa.
As duas me olharam e logo em seguida saíram de perto. Fui para o lado
do pessoal da escola, que estava reunido em um grupo perto da piscina.
Anos se passaram desde que saímos da San Marino, mas ainda assim aquele
pessoal parecia que não mudava. Os garotos falam sobre garotas, as garotas
falavam sobre garotos. A única diferença era que trocaram os narguilés por
aqueles pen drives de agora, que soltam fumaça. Se havia algo que eu
zelava, era por meu lindo pulmão. Meu fígado nem tanto, mas meu
pulmãozinho resistia bravamente às armadilhas do Satanás.
As brincadeiras continuavam as mesmas de sempre. Bem idiotas, por
sinal. Fiquei batendo papo com as meninas, até escutar Diego, um carinha
que estudou comigo por anos e que foi o primeiro a me ensinar os caminhos
dos países baixos ― se é que me entendem ―, começar a zoar Bernardo.
Espiei para onde Diego apontava e vi Bernardo em uma rodinha de
cinco pessoas, já contando as professoras. Aqueles deveriam ser seus únicos
convidados, provavelmente da faculdade. Por mais tímido que ele fosse, eu o
vi sorrir após alguém ter falado algo para ele. Todos seus amigos eram
parecidos, não combinavam muito com os amigos de Pérola.
— Esse garoto continua o mesmo imbecil de sempre. — Diego revirou
os olhos.
Nunca entendi por que Bernardo o irritava tanto. Perdi as contas de
quantas vezes Diego o ameaçou na escola. Na maioria das vezes Pérola e eu
o defendíamos. Algumas outras eram os professores e, infelizmente, muitas
vezes não tinha ninguém por perto.
— E você continua desempregado.
Um coro de gritos veio dos meus colegas, zoando com a cara de Diego
que ficou putinho. Como sempre.
Espiei novamente o grupo de Bernardo, certificando-me de que estava
tudo bem. Eles continuavam rindo, possivelmente de uma piada que
envolvia buracos de minhoca, NASA e essas coisas. Hoje era aniversário
dele, só queria que ele ficasse em paz. Afinal, seria o que Pérola iria querer.
Dali em diante me dediquei a beber. Beber que nem gente grande. Hoje
eu não estava nada a fim de ficar com ninguém, porque não conseguia tirar
os olhos de Gael. Ele estava tão lindo. Passei alguns minutos com o cotovelo
apoiado na bancada do bar, babando em todos seus trejeitos. A forma como
passava a pontinha da língua no canto da boca. O jeito carinhoso como
tocava nas pessoas, sempre mantendo contato visual. Eu amava aquilo.
— O homem já deve ter perdido pelo menos uns três quilos com você o
secando dessa forma.
Escutei uma voz atrás da bancada e virei o rosto, observando um dos
barmen enxugando uma coqueteleira, apoiando com a cintura no mesmo
balcão onde eu me instalei.
— Ele está fora da minha zona de atuação, infelizmente. — Dei de
ombros, virando o restinho do meu drink, lutando para conseguir pegar o
morango entre os cubos de gelo.
— Ninguém se coloca fora dessa zona com alguém como você.
Uau, essa foi eficaz! Soltei uma risada, percebendo que o homem era
muito bonito. Pele negra retinta, olhos grandes em um tom de mel, cabelos
raspados. Uou, uou, uou!
— Exceto alguém que ainda me vê como uma criança.
Apontei para o copinho de shot que estava ao seu lado. Ele,
majestosamente, encheu dois com tequila e empurrou em minha direção.
— Você não tem nada de uma criança.
Não tinha. Não tinha mesmo!
Eu era uma mulher gostosa, trabalhadora, quase terminando minha
faculdade. Tinha experiência no quesito sexo, além de que eu era uma ótima
pessoa, modéstia à parte.
Quem estava me perdendo era Gael.
Uma bela gostosa dessas!
— Sabe que você tem razão? — Balancei meu dedo indicador para o
barman, sentindo minhas entranhas arderem depois de mandar para dentro
as duas doses.
Eu até ignorei o limão, porque eu tinha prioridades.
Prioridades muito, muito, muito quentes.
Como em um milagre divino, onde os deuses me abençoam mostrando
que aquela era a decisão correta, Gael atravessou o jardim e entrou na casa.
Apressei minhas pernocas, lutando contra o peso da cachaça em minha
corrente sanguínea, que me deixava molenga demais.
Gael seguiu para o corredor depois da sala de estar, onde estava
montada uma pista de dança toda moderna com uma projeção mapeada com
figuras geométricas. Espiei e vi que entrou no banheiro no final do corredor.
Sentindo minha respiração falhar, eu caminhei até lá, prostrada diante
de uma porta, sentindo que minha vida poderia mudar a qualquer instante.
Tentei elaborar uma lista de prós e contras, mas estava bêbada demais
para isso. Não consegui.
Eu queria muito Gael.
E também queria minha amizade com Pérola.
Se existisse qualquer forma de ter as duas coisas, eu topava. Topava
demais. Mas, antes de tudo, Gael precisaria saber de meus sentimentos. Ele
precisava saber que eu não era mais uma criança.
Não tive muito tempo de bolar como seria, porque Gael abriu a porta
muito antes que eu estivesse preparada. Nossos olhos se encontram e ele deu
uma espiada em meu corpo, os olhos exalando preocupação.
Vi sua boca se abrir, provavelmente para perguntar se estava tudo bem
comigo e antes que escutasse mais um “a” dessa baboseira paterna, eu me
atirei em seu peito, nos jogando dentro do banheiro. Bati a porta com minha
bunda e vi o exato momento em que ele soube minhas intenções.
— Pietra... — Seu tom era uma advertência.
Gael ergueu as mãos na altura de seu peito, como se me pedisse calma.
Dentre todas as coisas que ele poderia fazer comigo dentro de um banheiro,
ele está me pedindo calma? Isso é sério?
— Eu preciso te falar uma coisa. — Encostei meu corpo na porta de
madeira, certificando-me de que ninguém pudesse entrar.
— Não. Você não precisa, Pietra.
Não entendia seu tom. Como se estivesse controlando uma fera.
Percebi, lamentavelmente, que Gael não era nada bom com iniciativas.
Ficamos em um silêncio assustador no banheiro, sentia meu peito subir e
descer muito rápido. De frente para ele, vendo sua altura e a forma como os
dois primeiros botões abertos da camisa deixavam seu peitoral com alguns
pelos dourados aparecerem, eu fiquei tonta.
E antes que eu me arrependesse, decidi agir. Descolei meu corpo da
porta e em apenas um movimento ágil eu me joguei em cima de Gael.
Agarrei suas bochechas com minhas duas mãos e o beijei.
Nos meus sonhos de adolescente, Gael agarraria minha nuca e me
prensaria contra uma parede, sua mão grande desceria por minha cintura, até
escapar para o meio de minhas pernas. Ele diria que sonhava com isso, eu
diria que eu também. O sexo seria bruto, daquele tipo que faz uma mulher
perder até o rumo. Eu só queria isso.
Só que a realidade foi diferente.
Gael não correspondeu ao meu beijo. Pelo contrário, ele segurou meu
queixo entre seu polegar e o indicador e me afastou gentilmente.
Eu já dei apertos de mão mais quentes do que aquele selinho.
— Você bebeu demais, Pietra. Vou pegar uma água para você.
Gael fez menção de sair dali e eu agarrei seu antebraço. Minha visão
estava um pouco turva, mas eu não poderia deixá-lo ir sem me explicar. Sem
falar sobre o que eu sentia. Sobre o que eu queria.
— Não estou bêbada. — Pisquei meus olhos, tentando fazer a minha
visão voltar ao foco. — Eu tenho sentimen...
— Não, não tem. — Gael me cortou rapidamente, fazendo meus olhos
se arregalarem por puro susto. Eles começaram a arder, anunciando que as
lágrimas chegariam em breve. — Você é uma criança para mim, Pipes. Isso
vai passar rapidinho, acredite.
Afastei-me de Gael, sentindo-me mortificada.
Ele tinha me rejeitado.
Ele realmente tinha me rejeitado.
Gael ainda me deu um afago na cabeça antes de abrir a porta do
banheiro e sair tão rápido quanto uma assombração. Ele realmente não me
quis, tanto que saiu correndo no primeiro segundo que conseguiu.
Comecei a hiperventilar, recuando meu corpo para a privada. Grudei a
cabeça nos joelhos, tentando respirar melhor. Essa posição acabou por me
dar enjoo e precisei sair rápido dali, antes que eu passasse mal.
E se Gael contasse para Pérola? Ela me odiaria, nunca mais iria querer
falar comigo.
Pérola era a única família que eu tinha além de minha avó. Se eu a
perdesse, eu perderia uma parte de mim.
Não tive tempo de chorar por Gael, porque eu precisava correr até
minha melhor amiga. Eu poderia me explicar, poderia até culpar a bebida,
embora não fosse culpa dela. Eu era uma covarde, no final das costas.
Criança... Gael disse que eu era uma criança! Eu posso enumerar tantas
e tantas formas de provar que eu não sou uma criança, mas dane-se! Isso não
vem ao caso agora. Preciso ver Pérola.
Achei Pérola mais rápido do que eu esperava. Ela sorria de uma forma
linda, mostrando todos seus dentes. Era seu sorriso genuíno. Quando real e
verdadeiramente estava feliz por algo.
Meu coração gelou quando vi Gael ao seu lado, tinha outra mulher
também, mas eu nem consegui pensar antes de sair correndo e me aproximar
de minha amiga. Vi o olhar de Gael cair sobre mim, mas eu não tive tempo
para ele, porque o que estava nas mãos de Pérola chamou minha atenção.
A tal sandália laranja.
Dada pela mulher alta que ganhou um abraço de Pérola. A Charlize
Teron do Leblon, em carne e osso.
Quase consegui sentir as engrenagens rodando em meu cérebro ao olhar
aquela cena. Era a mulher que tomou a sandália de mim na loja, sem
dúvidas.
Eu preciso agradá-la, porque ela é filha do homem que eu amo.
Abri minha boca, em choque, quando entendi tudo.
A Miss Leblon... e Gael... E Pérola!
Antes mesmo que eu conseguisse fazer qualquer coisa, meu corpo
ondulou e eu me arqueei, vomitando aos pés de Gael. E de sua namoradinha.
Pérola foi a primeira a me segurar, perguntando várias vezes se eu me
sentia bem. Gael apareceu com um copo de água e a loira-ladra-de-sandálias
ficou por perto, com seus olhos verdes compadecidos.
— Me desculpe! — Olhei para o estrago que eu tinha feito,
principalmente na calça de Gael.
— Se tem vômito, temos história. — Pérola me deu um empurrão com
o quadril e me abraçou pelos ombros. — Amiga, essa é Helena. Ela é
advogada do meu pai.
Helena! Óbvio que ela se chamaria Helena.
Eu conseguia imaginá-la passeando pelo calçadão da praia com o
instrumental de “Pela Luz dos Olhos Teus”, de Tom Jobim, o vento soprando
em seu cabelo enquanto ela pensava em seus problemas que se resumiam a
uma tosa errada em seu Lulu da Pomerânia.
A glória foi que ela também me reconheceu. Ela deixou de ser a Helena
gloriosa, para ser a Helena sofredora-em-Paris.
— Helena, uh? — Coloquei um sorriso na minha cara.
Gael me encarou, mas eu não olhei para ele. Tinha dúvidas se voltaria a
olhar algum dia, na verdade. Eu o beijei em um banheiro e depois vomitei
nele. Se fosse eu, também não olharia.
— Muito prazer, Helena de Alvarenga.
Precisei rir, porque ela era uma caricatura viva. E que estava sentando
no homem da minha vida! E enganando minha amiga!
Pérola não fazia ideia daquele relacionamento, porque se fizesse, ele já
teria acabado.
— Pietra Rossi.
Recebi dois beijos no meu rosto, seguidos de um “Por favor”
sussurrado ao meu ouvido. Levei em consideração que ela me beijou mesmo
depois de eu ter vomitado em seu sapato, muito bonito por sinal. Eu não
falaria para Pérola, até porque eu tinha um segredo bem pior sendo guardado
por alguém daquele pequeno e ilusório grupo.
Fomos salvos pelo gongo, na verdade, pelo bolo. Os garçons chegaram
com um bolo gigante, rodeado de estrelas rosa e prateadas; estas,
possivelmente para homenagear o Senhor dos Foguetes que apareceu logo
em seguida.
Dei um jeito de escapar de perto de Gael e de sua Helena perfeita. Não
deu certo, porque quando Gael se juntou aos filhos, ela ficou ao meu lado.
— Ele é o pai da melhor amiga que você gosta, então? — Escutei sua
voz educada.
Se eu tivesse aquele tom de voz, com certeza já estaria apresentando o
Jornal Nacional.
— Ela é a filha do homem que você ama que você precisa agradar,
então? — rebati a pergunta.
No chão, sim. Rendida, jamais.
— Coincidências da vida.
Não entendi por que ela parecia bem-humorada com todo aquele show
dos horrores. Agora, além de Bernardo e Gael saberem sobre toda essa
merda, ela também sabia. Eu estava enterrada na merda até o pescoço. E das
fedidas. Eu ainda poderia chantageá-los, mas isso não se parecia em nada
com coisas que eu faria.
Decidi focar nos parabéns e comecei a cantar e bater palmas com o
pessoal. Pérola estava radiante, ainda mais porque Tato tinha acabado de
chegar. Bernardo estava por ali, no seu canto, deixando Pérola ser a estrela
como sempre. Era sua especialidade.
Procurei seu grupinho de amigos por ali e os encontrei no cantinho. A
professora batia palmas, parecendo desconfortável com o ambiente.
Depois do cruel rechaço que levei de Gael naquele banheiro, eu me
tornei presidente do fã-clube de Bernardo e Paola, assim como o de Pérola e
Tato.
Os aniversariantes partiram o primeiro pedaço, mas antes mesmo que
qualquer um deles conseguisse entregar para quem gostariam, Diego se
aproximou rapidamente de Bernardo. Seus passos estavam trôpegos, como
uma criança aprendendo a andar. Eu vi a merda acontecendo antes mesmo
que ele tocasse em Bernardo.
Eu me lancei à frente, tentando me aproximar, mas muito antes do que
eu alcançasse Diego, ele alcançou Bernardo. Aquele filho da puta pegou a
parte de trás da cabeça do garoto e simplesmente empurrou na direção do
bolo.
Ao meu lado começou um burburinho, seguido de um “Ah” coletivo,
demonstrando a lamentação de todos.
Bernardo levantou do bolo com a cobertura espalhada por todo o rosto.
Alguns pedaços do bolo caíam no chão. Não dava para ver nem os olhos
dele e vi quando seu olhar foi na direção da professora.
Gael e Pérola avançaram em cima de Diego, mas esqueceram do
principal: Bernardo.
Esse que saiu correndo pelo meio dos convidados.
Engoli todos meus problemas diante da noite de merda que eu estava
tendo, porque existia alguém ali que estava tendo uma noite três vezes pior
do que a minha, e decidi seguir Bernardo.
Ele subiu a escada correndo e eu fui atrás. Não foi tão difícil achá-lo em
seu quarto, fechei a porta atrás de mim, escutando o barulho de água
corrente no banheiro.
A decoração de seu quarto era bacana. Não tinha me atentado na
primeira vez que fui ali, talvez porque me assustei com ele batendo uma
punheta à luz do dia. Bem... Não tinha hora, não é? Sem julgamentos. Em
cima de uma bancada tinha vários protótipos de foguetes, assim como um
pôster grande do Sistema Solar. Dava para ver de longe que ele era
organizado, porque seus livros estavam todos em uma estante divididos por
cores, além de seu escritório não ter nada fora do lugar. Apenas seu notebook
fechado e um pequeno pote com canetas todas iguais.
Caminhei até o banheiro e o observei limpar o rosto, esfregando com
força a pele para se livrar daquela gosma cor-de-rosa.
Eu não tinha irmãos, mas acho que meu sentimento por Bernardo fosse
parecido com isso. Eu o odiava, queria esfregar seu rostinho presunçoso no
chão às vezes, poderia facilmente brigar com ele até nós dois pararmos em
uma delegacia, mas eu não gostava nada quando alguém o sacaneava.
Principalmente porque ele não se defendia. Tipo, nunca.
— O bolo está bom, pelo menos?
Ele levou um choque. Vi seus ombros se encolherem à medida que
ergueu o rosto e me encontrou no reflexo do espelho, escorada ao batente de
sua porta.
— O que está fazendo aqui?
Bernardo pegou uma toalha, removendo os resquícios do bolo com ela.
— Vendo como você está, ué! — Dei de ombros, minimizando. — Ele
poderia ter te machucado.
— Com um bolo? — Ele parecia espantado.
— Com um palito de sustentação, gênio.
Os ombros dele relaxaram um pouco, mas continuou limpando o resto
do glacê. Tinha cobertura até em suas orelhas e eu me senti péssima por isso.
— Esse cara é um idiota.
— Ele não era seu namorado na escola?
— Não sou conhecida por fazer as melhores escolhas.
Eu ri para suavizar o clima, mas ele não. Senti-me um pouco
incomodada ali, como se estivesse ultrapassando um limite. Bernardo e eu
não éramos amigos, longe disso, aliás. Enquanto ele era zoado na escola
pouco tempo depois de ter perdido seu melhor amigo, eu estava aos beijos
com o babaca que o humilhava. Eu nunca apoiaria algo assim em minha
frente e até tentava controlar Diego, pedindo para ele pegar leve. Mas a
minha escolha foi clara e óbvia. E eu me envergonhava disso.
A adolescência é uma merda!
Senti meu estômago dar uma cambalhota quando vi Gael abrir a porta e
colocar a cabeça para dentro do quarto. A primeira pessoa que ele viu fui eu,
parada de pé no meio do caminho. Ele pareceu confuso, mas decidiu focar
no que importava: seu próprio filho.
Pérola apareceu logo depois e ela, sim, torceu o nariz ao me encarar.
— Está tudo bem? — minha amiga perguntou.
— Sim — respondi rápido. — Corri atrás dele para ver se tinha
machucado.
— Obrigado pela preocupação, Pietra.
Foi Gael quem falou e eu senti o gosto azedo subir novamente por
minha garganta. Eu tinha vomitado no homem depois de tentar agarrá-lo.
Meu Deus, eu era uma vergonha para a classe feminina.
Pérola ainda me encarou mais uns dois segundos antes de ir em direção
ao irmão. Eu saí do quarto, afinal, eu não era próxima de Bernardo, não tinha
motivo para continuar ali. Foi preocupação boba mesmo. E um pouco de
pena daquele babaca de Diego ter estragado o aniversário dele.
Fui até o banheiro social no final do corredor, fiz meu xixi e enquanto
enxaguava as mãos, eu me olhei no espelho. Meu rímel estava borrado,
escorrendo pelo canto externo, a pele das bochechas rosada, assim como
meu nariz, indicando que eu estava bêbada. Isso não era novidade, porque
tudo ao meu redor zunia.
Eu necessitava tomar um rumo na minha vida, parar de beber, de fazer
merda, cobiçar o pai e namorado às escondidas alheio. Precisava estudar e
me tornar uma grande gostosa dona de mim, com um trabalho incrível que
pagaria minhas férias de julho em Capri e me tornaria a tia que leva os
sobrinhos para a Disney. O plano já começava falho, porque eu era filha
única. Mas o espírito da mudança é esse!
Gostava de ser uma garota bem resolvida com meus sentimentos, que
não se importava de ficar sozinha, porque minha companhia é o que me
basta. E é assim até a página dois. É realmente uma delícia ser solteira, ter
amigos, ser uma jovem imprudente e que faz o que quer, até eu realmente
começar a pensar em meu futuro. Não dá para ser assim para o resto da vida.
Joguei água no rosto, arrumei a maquiagem e saí do banheiro. Fui em
direção à escada, mas algo na sala íntima que ficava antes dos quartos e que
eu costumava ver TV com Pérola quando éramos mais novas, chamou minha
atenção.
Aproximei-me para ver melhor e meus olhos quase viraram do avesso
ao revirá-los por ver o que Bernardo estava fazendo.
— Está jogando videogame, sério?
Eu me inclinei no encosto do sofá para ver o que ele estava jogando em
um tipo de videogame portátil ou algo do tipo.
Percebi que ele tomou um susto e me olhou com aqueles olhos grandes
dele bem arregalados.
— Você está me perseguindo?
— Quem sabe nos seus sonhos — brinquei, dando uma piscada.
Joguei-me pelo encosto, caindo ao lado de Bernardo. Ele se remexeu,
puxando o moletom que tinha colocado agora que ficou preso embaixo da
minha bunda.
Espiei o joguinho dele, era uma bonequinha lutando em um cenário de
montanhas.
— O que é isso? — Apontei para a tela.
— Um jogo.
— Jura? — ironizei.
— The Legend of Zelda.
— Como joga?
— Você não sabe jogar.
Olhei bem a cara presunçosa do Steve Jobs, tentando não partir para a
ignorância. Eu estava ali perdendo meu tempo com ele e o mal-agradecido
ainda me tratava assim.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, tentando ignorar sua falta de
educação.
— Meu pai me mandou voltar para a festa.
— Isso não é a festa. — Apontei para o joguinho que ele tinha acabado
de desligar, depois de uma longa bufada e uma coçada nos olhos.
— É o meu tipo de festa.
— A professora está lá embaixo.
Bernardo deu de ombros e se inclinou para colocar o videogame na
mesinha de centro. Eu o observei com mais atenção, um pouco preocupada
com todo aquele baixo-astral em sua própria festa de aniversário.
— Você não vai conquistar ninguém daqui de cima, Bernardo.
— Como que se ela fosse querer algo comigo! — respondeu, irritado.
Diego tinha acabado com o clima da festa para ele, mesmo! Bernardo já
era chato, mas estava um porre agora.
— Se você continuar aqui, enquanto poderia estar lá xavecando quem
quer, óbvio que não vai acontecer.
Ele bufou e passou as mãos pelos cabelos, bagunçando tudo o que já
não estava muito arrumado. Bernardo tinha os cabelos um tom mais escuro
dos de Gael, os fios eram volumosos, mas lisos. O irmão de minha melhor
amiga não parecia ser um grande fã de escovas de cabelo, mas até que fazia
sentido com o visual meio Albert Einstein geek dele.
— Eu não sou interessante para ela, Pietra. Não dá.
— Então seja! — Irritei-me com aquele papinho dele. Que garoto
chato!
— E como eu vou ser?
— Puxe papo, converse, chame para dançar, mostre ser interessante,
disponível, mas não tanto. Ela tem de encontrar alguma resistência, algum
desafio.
— Foi isso que meu pai fez com você?
Sua pergunta repentina me deixou surpresa. Acho que era por isso que
eu não falava com Bernardo, ele era inconveniente e nada delicado. A
criança não sabia conversar com humanos, definitivamente.
— Dentre outras coisas.
— Você é muito burra quando quer, Pietra.
— Você me chamou de burra? — Abri a boca, ofendida.
Bernardo percebeu que falou merda e suas bochechas ficaram cor-de-
rosa, como um lorde inglês. Ninguém que morava no Rio de Janeiro corava
daquela forma, pelo amor de Deus!
— Chamei.
Suicida, só pode!
— E você é um covarde arrogante.
— Não faz sentido alguém ser covarde e...
— Cala a boca e volta para a festa, Bernardo! — cortei-o antes que
começasse a invalidar minhas ideias novamente. — Anda logo!
Eu o puxei pelo cotovelo, levantando-o do sofá quase a pontapés. Pelo
amor, moleque insuportável! Parece que faz de propósito essas cenas.
Descemos as escadas juntos, porque ele voltaria correndo para o quarto
se eu o deixasse ali. Observei a movimentação de pessoas dançando na
ampla sala, no palco um DJ comandava a festa e parecia bem animado, mas
sem qualquer sinal de Pérola. No mesmo cantinho de antes, estava o pessoal
da faculdade de Bernardo, incluindo a professora que olhou para nossa
direção.
Eu conhecia aquele olhar muito bem. Era de puro interesse. Aquele
olhar que damos quando nós nos fazemos de difícil para um cara que
aparece logo depois com uma garota. É a forma mais eficaz de chamar a
atenção de uma mulher.
— Ela está olhando para você. — Dei duas batidas no ombro de
Bernardo.
— Quem?
— A professora. — Apontei com o queixo na direção onde a mulher
estava. — Vai que é tua, garanhão!
Terminei de descer a escada e vi quando Bernardo seguiu na direção
contrária. Espero do fundo do meu bondoso coração que ele encontre sua
paz dentro da calcinha daquela professora e tenha um pouco de felicidade na
vida. Seria incrível encontrá-lo sem aquela cara azeda.
Fui para o bar e decidi recomeçar os trabalhos, porque Bernardo tinha
cortado a minha brisa. Tentei ainda procurar Pérola, mas não a achei. Muito
menos Gael, que deveria estar recitando Vinicius de Moraes para sua
Helena. Bleh, patético! Não o Vinicius de Moraes ― porque eu adoraria ter
alguém declamando o Soneto da Fidelidade ao meu ouvidinho, dizendo que
nosso amor seria eterno enquanto nosso sentimento durasse ―, sim, a
situação de Gael e a Miss Leblon juntos.
Sou. Muito. Mais. Eu.
Quatro caipirinhas de hibisco e amora depois eu já estava descendo até
o chão. Se havia algo que o álcool era bom, era em fazer tudo ser esquecido.
Eu nem lembrava mais quem era Gael a essa altura do campeonato. Beijei
um cara chamado Jamil, só porque ele me deu saudades do carnaval de
Salvador. O beijo dele não era tão bom quanto o carnaval, mas estava de
bom tamanho.
Encontrei Nadine, uma garota que fazia faculdade comigo e com Pérola
e ficamos dançando por ali até o momento em que eu senti um dedo
cutucando meu ombro duas vezes.
Ergui minha cabeça e virei para a pessoa, sendo surpreendida por
Bernardo bem na minha frente.
— Preciso da sua ajuda.
Eu não gostava de Pietra Rossi por inúmeros motivos.
Pelas merdas que ela falava.
Por minha irmã gostar tanto dela.
Por achar que minha irmã deixaria de me amar, porque Pietra era muito
mais interessante do que eu.
Pela forma como os professores gostavam dela na escola, mesmo que
ela fosse péssima estudante.
Por ela se safar de todas as merdas que aprontava, só porque era bonita
e tinha uma lábia infalível.
Por acreditar que aquelas receitas caseiras e simpatias mirabolantes
eram superiores à Ciência.
Por ser diferente das meninas populares. As outras eram más, ela era
simpática e engraçada, o que a tornava um monstro.
Por não gostar de ela ser meu perfeito oposto.
Por ser intrometida, curiosa, irritante na mesma quantidade que era
linda.
Por ser apaixonada pelo meu pai.
Por ela não ser uma boa garota.
E mais do que tudo isso, por eu precisar de sua ajuda.
— Minha ajuda?
Suas sobrancelhas grossas e bem-marcadas pela maquiagem se uniram,
fingindo surpresa. Ela deveria era estar adorando aquela situação.
Notei seu rosto avermelhado e suado, provavelmente pela bebida. Pietra
bebia demais e nem era força de expressão, era real. Para alguém que
começou a beber com uns treze anos, eu não sei como ainda conseguia.
Eu não gostava de beber, porque beber significava perder o controle.
Algo que não parecia ser problema algum para aquela garota. Seus olhos
eram estreitos e amendoados, o que combinava com o nariz curto com a
pontinha sempre de pé. O rosto de Pietra não combinava com o resto dela,
porque parecia sempre inocente demais. Algo que ela não era, nem um
pouco.
— Não sei o que fazer com a Paola. — Fui sincero.
Depois que a peguei naquela maldita cena na cozinha com meu pai, ela
se tornou a pessoa que mais sabia da minha vida atualmente. Eu não era um
cara de grandes amigos, na verdade o número girava em torno de zero e um,
depende do dia. Minha irmã era minha melhor amiga, mas era uma
fofoqueira. Meu pai era um homem bom, mas eu sinceramente não sabia
onde estava sua cabeça agora. Se no restaurante, em seus problemas ou em
pegar a melhor amiga de sua própria filha na cozinha de nossa casa.
— Sexo, ué! — Deu de ombros. — Sabe como é, né? Adultos sem
roupa, fricção, fluídos e tal?
Na teoria era óbvio que sabia. Na prática já era outra coisa.
— Eu falei algo que não devia.
Pietra apertou a ponte do nariz, olhando para o teto como se fosse um
martírio conversar comigo. Era para mim também, porque ela era a última
pessoa que eu gostaria de conversar.
— O que falou, gênio?
Segurei minha careta, porque não queria irritá-la. Ela já ficaria bem
irritada com a merda que eu tinha feito com seu nome.
— Que você era minha ex-namorada.
Pietra ficou parada olhando para meu rosto por tanto tempo que achei
que estivesse elaborando uma forma de me matar.
— Eu... Eu fiquei nervoso quando ela me perguntou o que eu estava
fazendo lá em cima com você — continuei com minha explicação, mas ela
nem se mexeu. — Ela ficou... Não sei, animada?
— Como se tivesse te visto com outros olhos?
Fiquei surpreso por ela ter saído de seu transe.
— É!
— Ela deveria te considerar um coitado virgem que não é capaz de
achar o buraco certo.
Foi a minha vez de ficar paralisado.
Ser virgem não significa não entender sobre os buracos corretos. Isso é
fisiologia básica.
— Não que os dois não sejam certos... — ela sussurrou.
— O quê? — Fingi não ter escutado, por puro reflexo.
— Nada, não.
— E agora? O que eu faço?
Eu cheguei ao fundo do poço de pedir conselhos para Pietra Rossi, tudo
isso por conta dessa muralha que ergui ao meu redor. Eu me enfiei lá e nunca
soube sair. Eis que tenho vinte anos e agora não faço ideia de como
conquistar uma mulher.
— Agora você aproveita a fama.
— Que fama? — Juntei meus ombros.
A música alta já tornava difícil o entendimento e Pietra ainda não falava
nada com nada para ajudar.
— De ter tido o prazer da minha companhia.
— Você não está brava? — Eu sabia que tinha feito merda. E das
grandes!
— Já inventaram coisas piores ao meu respeito.
Disso eu sabia bem.
Na sétima série inventaram que ela vendia foto dela pelada.
No primeiro colegial disseram que ela estava grávida e abortou durante
as férias.
No terceiro colegial alguém começou a falar que ela era prostituta e por
isso ia a tantas festas.
Senti uma onda de arrependimento por ter inventado isso e fazê-la
passar por esse constrangimento. Tudo bem que o pessoal da minha
faculdade não tinha contato nenhum com ela, nem com minha família.
Aquela história ficaria apenas no meu círculo de amigos.
— Todos acreditaram? — Pietra perguntou, esticando o pescoço para
olhar algo por cima do meu ombro.
— Acho que sim.
Não fazia ideia. Eu era péssimo em mentiras, ainda mais sobre garotas.
— Estão olhando para cá. — Colocou as mãos em meus ombros,
começando a gargalhar do nada, jogando a cabeça para trás.
— O que é isso?
— Fingimento. — Novamente ela jogou a cabeça para trás, forçando
uma gargalhada ainda mais alta. Era assustador para falar a verdade. —
Volta para lá e se prepara.
— Quê?
— Volta para lá. Vai!
Aquela maluca me empurrou na direção onde meus colegas estavam.
Eu ainda a observei por cima do meu ombro, mas Pietra já tinha seguido
para o bar. Aproximei-me da mesa onde Paola estava conversando com
Tony, meu professor de Ambiente Aeroespacial. Meus colegas de classe,
Cássio e Poliana estavam me olhando de uma forma esquisita. Enquanto
Fátima, minha professora de Álgebra Avançada, que já estava bem altinha de
bebida, dançava de uma forma esquisita ao redor de nós.
— Ela é a própria Teoria do Tudo, cara! — Cássio apertou meu ombro
assim que voltei para o meio dele e de Poliana.
Poli era a única garota em nossa sala de vinte e cinco homens. Ela foi a
primeira colega que fiz na faculdade e continuávamos próximos até hoje. Ela
era um gênio, nunca conheci pessoa tão perspicaz e inteligente em toda
minha vida. O único problema era que se eu era tímido, Poli era o triplo.
Ela ficou corada por escutar essa cantada ridícula de Cássio direcionada
para Pietra. Esse, que achava que todas as mulheres do planeta estavam
atraídas por ele. Eles eram bons colegas.
Escutei Paola e Tony conversarem sobre reatores nucleares, um assunto
que eu gostava muito de debater, principalmente sobre fusão nuclear, algo
que acredito estarmos muito perto de conseguir produzir. Será nossa maior
conquista como seres humanos. Eu me desviei do assunto quando vi Pietra
no bar, virando três copos de dose, um atrás do outro. Ela nem fez cara feia.
— Bernardo fez um excelente artigo para minha aula falando sobre
Entropia e Resíduos Nucleares.
Escutei Paola falar sobre meu artigo para Tony e me obriguei a desviar
o olhar de Pietra para meus professores. Paola apoiava o queixo na mão,
olhando-me com um sorriso incentivador. Eu gostaria muito que Tony
tivesse sido meu orientador ao invés de Paola, até ela sabia disso. Gostaria
muito de trabalhar com ele. Porém, faltava apenas um mês para me formar.
Meu objetivo agora era ele ler meu projeto de pesquisa para o phD, já que
era especialista no assunto.
Virei meu corpo para conversar apropriadamente com Tony, abri a boca
e antes que falasse qualquer coisa, senti alguém puxar meu moletom para
trás.
— Bebê, vem dançar comigo!
Virei meu pescoço, mortificado, ao reconhecer a voz melosa demais,
que nunca, nem por um segundo, nem em sonhos ou um alinhamento bizarro
de planetas, Pietra falaria comigo.
Certifiquei-me de que era comigo mesmo que ela falava e, sim, era.
— É a nossa música.
Pietra esticou a mão, esperando que eu a acompanhasse. Olhei para
meus professores e vi o brilho malicioso no olhar de Tony e o choque
refletido no rosto de Paola. Ela realmente estava surpresa.
Eu não estava muito diferente dela.
— Pietra... — sussurrei, tentando fazê-la entender que estava levando
aquilo longe demais.
— Vem, bebê! — Expandiu seu sorriso, passando a língua pelos dentes
extremamente brancos.
Tive a impressão de que tive algum apagão, porque quando dei por
mim, ela já segurava minha mão e me arrastava para alguns metros adiante.
Senti que minha circulação sanguínea foi interrompida, talvez por um AVC,
assim que Pietra deu um giro e grudou o corpo ao meu, ondulando o corpo
no ritmo da música.
— Para com isso! — implorei.
— Segunda-feira ela estará na sua cama. Aposta quanto?
Eu não queria Paola na minha cama. Não a esse preço, pelo menos.
Pietra era completamente louca.
Senti suas costas encostarem à minha barriga. Nunca estive tão colado
assim com uma mulher em toda minha vida. O perfume do cabelo dela me
nocauteou, era um cheiro doce, gostoso. Algo que eu também nunca tinha
sentido.
Foi então que ela começou a rebolar o quadril e sua bunda me tocou.
Fiquei paralisado, sentindo minhas pernas trêmulas ao vê-la rebolar em mim
daquela forma. E eu não só via, eu sentia.
Pietra escorregou a bunda por minhas pernas e foi aí que a desgraça
aconteceu. Eu comecei a ter uma ereção misturada com uma crise de
ansiedade. Foi o momento mais doloroso de toda minha existência.
Não satisfeita, ela voltou do chão e se jogou em meu pescoço,
mantendo nossos corpos colados enquanto a batida da música estava mais
suave.
— Agora você me pega pela mão e me arrasta em direção à escada.
Tremi ao escutá-la.
Ela queria que eu a levasse para meu quarto?
— Para eles, nós vamos ter uma noite louca de sexo. — Sua voz ao
meu ouvido era como enfiar a mão no fogo. Escaldante, dolorido, perigoso.
— A verdade é que você precisa me tirar daqui antes que eu vomite em
você. Estou passando mal.
Fiquei grato por ela falar aquilo, pois foi o primeiro sinal de que minha
ereção poderia ser controlada. Nós vamos sair daqui, ela vai dormir e nunca
mais tocar em mim, assim como sempre foi.
Só não sei se vou me esquecer da quentura de seu corpo em cima do
meu, a forma como sua bunda rebolou em torno do meu quadril.
Não! Não! Não!
Eu preciso de foco. Aquilo não era real. Era um pesadelo.
Decidi acabar de uma vez com aquilo e puxar Pietra pela mão, não
ousando nem olhar para os lados. Eu sabia muito bem que as pessoas
estavam olhando, não tinha como não olhar, na verdade.
Assim que atingimos o segundo pavimento, ela tirou a mão da minha e
saiu correndo pelo corredor. Eu a observei correr até o fim e entrar no quarto
onde ela dormia às vezes, quando não ficava no de Pérola. O da minha irmã
estava ocupado pela própria e Tato. Assim que passei por ali, contive a
careta de nojo, bloqueando todo e qualquer pensamento.
Dei uma batida à porta que Pietra tinha acabado de entrar. Ela não
respondeu, então girei a maçaneta, lembrando que ela disse que estava
passando mal. Espiei o ambiente genérico, com a cama arrumada com um
lençóis cinza. As paredes tinham um papel de parede com flores em tons de
azul e branco. Ela era a única que dormia naquele quarto, porque não
recebíamos visitas.
Escutei uma tosse vinda do banheiro e me senti intimidado a ir ver se
ela estava bem, por mais que houvesse uma pequena preocupação.
Eu não seria hipócrita de falar que estava desesperado em ajudá-la,
disposto a cuidar dela depois de uma noite de bebedeira, porque eu não tinha
uma relação assim com Pietra. Ela era a amiga da minha irmã, a garota que
estudou comigo, a minha crush de infância. E parava por aí.
Só que quando ela começou a demorar, eu fiquei com medo de ela ter
desmaiado. Dei três passos em direção ao banheiro e bem quando estava no
meio do quarto, ela saiu vestindo apenas calcinha e sutiã.
Minha boca começou a tremer, assim como minhas mãos, minhas
pernas. Seu olhar me encontrou ali e vi o seu franzir de testa, demonstrando
a estranheza da situação. Que, sim, era estranha.
— Era brincadeira a parte do sexo, tá?
Pisquei algumas vezes, tentando me livrar daquele embasbacamento ao
vê-la seminua na minha frente. Eu já tinha visto de biquíni, claro! Ela estava
em todas as nossas férias, enfiada lá como se fosse da família. Só era...
diferente. A forma como a calcinha tapava aquele minitriângulo no meio de
suas pernas e o sutiã rendado evidenciava seu busto.
Eu me obriguei a direcionar os olhos para o chão, porque existiam
quinhentos mil motivos pelo quais eu não deveria vê-la naqueles trajes. Ela
estar bêbada era o primeiro deles.
— Só vim ver se você está bem.
— Tudo girando, Stephan Hawking.
— O quê? — Obriguei-me a olhar para ela.
— Você é um gênio, não é?
Achei graça pela forma como falou, mas não demonstrei. Fui até a
cama e puxei o edredom, deixando no alto até ela pular no colchão e se
deitar.
Observei sua maquiagem toda borrada, os cabelos mais armados do que
nunca. Ela realmente tinha passado dos limites.
— Quer um pouco de água?
Apontei para nenhum lugar específico. A sorte foi que ela nem
percebeu e só negou.
Eu soltei o edredom nela e decidi deixá-la dormir em paz. Já tinha feito
minha parte em retribuição do que ela fez por mim.
Pietra continuou olhando para a minha direção. Eu nunca tinha bebido,
mas sabia os efeitos da bebida. Ela provavelmente estava vendo uns quatro
de mim ali.
— Eu beijei seu pai hoje.
Fazia muito tempo que não tínhamos um café da manhã tão silencioso.
Na verdade, estava mais para um brunch.
Meu pai e minha irmã eram festeiros e muito parecidos nesse quesito.
Minha irmã e eu vivemos rodeados de amigos do meu pai, sendo as únicas
crianças em meio aos adultos baladeiros. Provavelmente tenha sido isso que
me fez ser tão introspectivo. Eu odeio festas, odeio ter de ficar no meio de
multidões e buscar formas de me adequar à situação. Soube cedo demais,
ainda bem, que eu não me adequaria.
Aos seis anos descobri que preferia muito mais ficar lendo no meu
canto na escola, do que jogar futebol com os garotos. Eu nem gostava de
futebol, para falar a verdade. Aos dez anos eu fiz meu primeiro amigo
verdadeiro e nós passávamos muito tempo falando sobre dinossauros. Ele foi
a primeira criança que não riu de mim ou me bateu. Infelizmente meu amigo
morreu cedo demais e eu usei todo esse tempo para estudar e realizar meus
sonhos. Enquanto todos os garotos corriam atrás de garotas e iam a festas, eu
estava fissurado em aprender sobre foguetes.
Estar no meu mundo me fazia feliz. Festas, não.
Tentava não julgar meu pai por ser um senhor de idade e ainda estar
festejando por aí com Jader e Otto, seus amigos desde a época da escola. Ele
foi pai com dezoito anos. Eu tenho vinte e surtaria se algo assim acontecesse
comigo — mesmo sabendo muito bem que é impossível —, por isso, acho
meu pai o cara mais incrível que conheço por ter decidido ficar conosco. Ele
poderia muito bem ter fugido, assim como minha mãe, mas ele ficou.
Eu tinha sete meses quando minha mãe nos abandonou, depois de se
apaixonar por um gringo qualquer que cruzou seu caminho. Pérola tinha um
ano e meio, mal sabia andar. Meu pai trabalhava com meu avô, no
restaurante da família e se desdobrou em vinte para ser o melhor pai do
mundo, ser presente e expandir os negócios. Eu não sei até hoje como ele
deu conta, então se ele deseja festejar com seus amigos como se tivesse
dezoito anos, eu que não o criticaria. Agora, beijar garotas que têm a minha
idade, aí já passa dos limites!
Agora minha irmã... Bem, ela precisava de uma intervenção. Urgente.
Eram 2h da tarde e só agora tinha acordado e se juntado a nós à mesa.
Seu cabelo estava uma desordem e tinha remela seca acumulada no cantinho
de seus olhos, estes que malemá ficavam abertos.
— O requeijão... — Pérola apontou para o pote ao meu lado, parecendo
fazer um esforço absurdo para se mover.
Empurrei o pote para ela, minha irmã pegou e acabou desistindo pelo
meio do percurso, tombando a cabeça para a mesa.
— Aproveitando que estamos os três reunidos aqui, precisamos
conversar sobre nossas férias — Meu pai falou.
— Pietra dormiu aqui, não dormiu? — perguntei o que eu claramente
sabia, porque, sim, tinha dormido.
Eu mesmo fechei a porta do quarto depois que ela desmaiou de sono
depois de falar que beijou meu pai.
— Ela foi embora de manhã, mandou mensagem avisando — Pérola
murmurou, ainda com a testa colada na mesa.
Assenti, voltando a prestar atenção no meu pai que não parecia muito
abalado comigo falando sobre Pietra.
— Estou abrindo uma nova franquia em Miami e preciso passar o verão
lá.
Tudo bem, eu tinha planos para essas férias, mesmo. Precisava escrever
alguns artigos e ainda trabalhar em cima da minha tese. Precisava apenas
apresentar meu projeto para a conclusão de curso e estaria formado. Meu
próximo objetivo era o doutorado. Já tinha me candidatado em algumas
instituições, mas ainda não sabia para onde queria ir.
— Não vamos tirar férias juntos? — Pérola se recuperou em dois
segundos para discutir aquele tema.
Férias para ela eram sagradas. Viajávamos em todas nossas férias
escolares juntos. Eram meus momentos preferidos do ano.
— Vamos, porém em Miami.
— Miami de novo? — reclamou. — Não aguento mais Miami.
— Pérola... — meu pai advertiu.
Pérola se acostumou rápido demais à vida boa. Não fazia tantos anos
assim que podíamos viajar dessa forma, ter casa em outro país e uma vida
mais confortável do que boa parte da população. Meu pai trabalhou muito
para nos dar esse privilégio e sinto que minha irmã não dá o devido valor a
isso muitas e muitas vezes.
— Ok, não falo mais nada! — Rendeu-se com as mãos para o alto. —
Quando vamos? Preciso avisar a Pietra, ela tem que tirar férias do trabalho.
Parei com o pão de queijo na boca, olhando a reação de meu pai que
coçou o couro cabeludo e deixou o garfo em cima do prato.
— Vamos em família dessa vez.
Olhei para Pérola, acompanhando aquele embate dos dois como se
fosse um jogo de tênis. Ela se zangou e mais do que isso, ela se ofendeu.
— E Pietra não é da família? — Cruzou os braços, contrariada.
Acho que Pietra nunca esteve tão dentro da família assim da vida.
Minha irmã só não tinha ideia disso.
— Gostaria de fazer uma viagem com meus filhos, nós três curtindo
juntos e...
— Ela não tem isso, pai. — Pérola novamente o cortou. — Uma
viagem em família, algo legal e diferente do que ela vive. Nós somos a
família dela.
Não conseguia discordar, porque Pietra estava no caminho certo para
entrar oficialmente nesta família.
Eu não sabia com quem estava bravo naquela história. Com meu pai,
um adulto responsável. Ou com Pietra, que não tinha um pingo de juízo
naquela cabeça dela.
— Miami pode ser um saco para mim, mas não para ela. Eu só queria
dividir um pouco disso com minha melhor amiga.
Odiava o poder de persuasão de Pérola. Ela jogava com nosso
emocional como ninguém. Pietra poderia fazer nossa família ruir em um
piscar de olhos e ainda assim eu senti meu coração apertado por abandoná-
la. Ela realmente esteve conosco em todas as férias. Era um saco a gritaria
dela com Pérola, a forma como acordava sempre antes do sol raiar para
poder aproveitar o dia, fazia café da manhã e nos obrigava a levantar cedo
para não perdermos nada.
“Tempo é dinheiro e o dólar está caro”, era seu lema.
— Meu voto é não.
Meu pai deu início à votação que era nossa regra diante de um embate.
Tínhamos muito apreço pela democracia dentro daquela residência.
— Meu voto é sim.
Recebi os olhares assim que minha irmã deu seu voto. Sobrou para
mim.
Estava pronto para falar “não”, porque sabia que alguém tão teimosa
como Pietra não desistiria de ter o que queria, mas acabei me lembrando do
que ela fez por mim ontem. Eu não pedi para ela fazer tudo aquilo e ainda
assim ela entrou na minha mentira e fez com que, pela primeira vez na vida,
eu não saísse de cena como alguém invisível ou facilmente jogado para
escanteio. Fora que me lembrar dela chorando toda vez que via aquele
maldito Mickey era fofo. Ela gostava de verdade daquele rato.
— Eu voto sim.
Escutei o gritinho da vitória da minha irmã, seguido do sorriso não
muito animado do meu pai.
Seriam férias um pouco complicadas para ele.

Existiam duas coisas que eu mais amava na relação com meu pai.
A forma como ele nunca fez com que eu me sentisse inferior a ninguém
por conta das minhas limitações. E também a honestidade em nossa relação.
Essa última parte estava muito afetada depois daquele dia em que o vi
com Pietra na cozinha. Ele estava tocando suas costas enquanto a olhava de
uma forma esquisita. Ali eu já sabia que algo não estava certo. Depois de
ontem, foi a prova mais concreta de que talvez meu pai não fosse 100%
verdadeiro comigo.
Se Pietra não estivesse tão bêbada e me contasse sobre o beijo, eu
nunca saberia.
Durante nossa partida de tênis, eu descontei em meus forehands[1] com
muita força. Meu pai perdeu feio naquela partida, porque não dava para
acompanhar. Não peguei leve com ele, porque eu estava chateado. Era como
saber que ele estava passando Pérola e eu para trás.
— Excelente jogo, Bê!
Ele veio com a mão erguida para mim e tudo o que eu consegui fazer
foi dar um leve toque, concentrando-me em enxugar a testa com a toalha de
rosto. Meu pai arrancou a camisa, enxugando a barriga cheia de gomos com
sua toalha. Eu poderia passar o resto da minha vida treinando e tenho certeza
de que não chegaria aos pés do meu pai. Ele era forte, corpulento, mesmo
que não treinasse, ele ainda seria grande. Eu era alto, porém um pinguim
parecia menos desengonçado do que eu.
— Você está muito pensativo hoje.
Recebi uma toalhada na cara e o observei, percebendo seu olhar em
mim.
— Bê? — ele insistiu.
Respirei fundo e afastei o cabelo úmido da minha testa.
— Você tem alguma coisa com a Pietra?
Soltei de uma vez, porque eu queria ver sua reação. E não foi das
melhores que eu presenciei. Meu pai ficou pálido, nervoso, coçando várias e
várias vezes a barba antes de conseguir voltar a me olhar.
— Claro que não! Ela é uma criança, assim como você, assim como sua
irmã.
Esperei o momento em que ele me contasse a verdade, mas ele não
contou. Ele considerava que ela fosse criança, mas a beijou ontem, não? Que
situação horrível!
— Aquele dia na cozinha vocês estavam esquisitos.
— Filho, não existe nada entre nós dois, acredite.
Ele parecia verdadeiro e, bem... Pietra não era muito confiável. Garotas
bonitas não estão acostumadas a serem rejeitadas. Eu duvido que alguém já
tenha rejeitado ficar com ela. A ideia de conquistar alguém impossível para
ela deveria ser o que mais a motivava.
— Seria complicado com Pérola e tudo mais. Ela está na nossa família
faz muito tempo. Seria... catastrófico.
— Claro que sim! Nunca faria isso com Pérola.
Meu pai nunca mentiu para nós dois, acredito que não seria agora que
começaria a mentir. Pietra era realmente uma criança para ele, eu mesmo
perdi as contas de quantas vezes ele a tratou como filha. Eu conhecia meu
pai, foi o que disse para ela no dia em que me pegou naquela situação
constrangedora no meu quarto.
— Só não minta para nós, pai.
Vi seu pomo-de-adão subir e descer antes de abrir um sorriso,
exatamente da forma que eu mais amava. Ele veio para cima de mim,
passando o braço esquerdo pelo meu pescoço, puxando-me para um abraço.
Não existia pessoa nesse mundo que eu me sentisse mais protegido e amado
do que com meu pai. Eu não tinha medo de ser quem eu era ao seu lado.
— Nunca.
— Tudo está em seu mindset, você tem de ser a mudança que deseja
ver.
Revirei os olhos tão forte que fiquei com medo de desprender meu
globo ocular. Eu não aguentava mais essas pessoas falando a mesma coisa
todos os dias naquele podcast.
Desviei os olhos do nosso convidado e voltei a trabalhar no notebook,
cuidando dos posts da semana e vez ou outra ainda me certificando de que a
live do apresentador e do convidado estava funcionando corretamente. Eu
tinha tanto cargo acumulado dentro daquele emprego que se realmente me
pagassem por tudo o que eu fazia ali, eu estaria rica. Ou pelo menos não tão
na merda assim.
Terminei de organizar os posts minutos depois e levantei para ir até a
copa, para passar um café para mim e o pessoal que estava na gravação.
Cliquei na tela do celular para conferir as horas, eram 4h42, logo terminaria
a gravação. Hoje eu ainda tinha que ir para a faculdade para entregar um
trabalho de redação jornalística que elaborei falando sobre a degradação da
notícia depois da propagação das fake news.
Era chato, mas eu precisava da nota.
— Café? — Voltei ao estúdio oferecendo café para o pessoal da equipe
do Ultimater Coach, como aquele bocó gostava de ser chamado na Internet.
Ele vendia uma vida dos sonhos, mas eu o escutei falando com seu
amigo — e assessor e empresário e bajulador — que a mãe tinha brigado
com ele por ter chegado tarde. Depois de um ano e meio trabalhando aqui,
eu já tinha agarrado um ódio de quem vive uma vida dos sonhos na Internet
para motivar os outros a correr atrás de coisas que você mente para eles que
conquistou.
Meu mau humor era oriundo do meu final de semana conturbado. Eu
beijei Gael, porra! E ele me esnobou como se eu fosse um belo de um nada.
Começava a acreditar que eu era. E ele estava namorando aquela senhora.
Ela não tinha nada a ver com o estilo aventureiro de Gael. Duvido que um
dia ele se metesse no meio do mar para velejar com ele, como eu fiz. Ou
então se embrenhar em trilhas na Floresta da Tijuca, que adivinhe? Eu
também fiz. Nosso estilo de vida era compatível, éramos almas gêmeas, ele
só precisava perceber.
Eu tive a esperança de que ele me mandasse uma mensagem para falar
sobre o que aconteceu, mas nada veio. Dentro da nossa conversa só existia
ele perguntando se Pérola estava comigo, como sempre. E eu mandando
figurinhas engraçadas, como sempre também.
Resolvi focar no trabalho, porque este pelo menos me valorizava. Ou
não, eu nem sei mais.
Depois do fim da gravação, arrumei todo o estúdio e me despedi do
meu chefe com um aceno. Peguei o ônibus e parti para a faculdade, lendo
um pouco para passar o tempo presa no trânsito cotidiano. O grande
problema de ler livros eróticos em público é a constante síndrome de
perseguição em pensar que absolutamente todo ser humano está de olho no
rala e rola que está em minhas páginas quentes. Eu já leio coisas chatas o
suficiente na faculdade, não há mal algum em uma boa trama ardente para
esquentar o coração e outras coisas também.
Espiei pela décima oitava vez a senhora que estava ao meu lado, tendo
a absoluta certeza de que ela estava espiando minha leitura. Bem, eu não me
responsabilizava por qualquer “Diga o meu nome em voz alta” ou “Quero
toda a minha porra dentro de você” e derivados.
Que baixaria! Já se tornou meu livro preferido do mês.
Eu sou uma boa libriana, gente boa, mas confusa sobre absolutamente
tudo. Não tenho música preferida, nem filme, nem livro, porque não sei
escolher. Cor favorita? Hoje é lilás, ontem foi branco, teve uma época em
que era laranja; não como o cabelo da Effie, sim, como o pôr do sol. Sim, eu
assumo a personalidade dos personagens nos livros que leio, o que torna
minha vida ainda mais difícil. Eu poderia culpar meu signo, mas não
acredito nisso. Só quando é conveniente para mim, tipo quando minha avó
me culpa por ter tido muitos namorados. Ela chama de “namorados” o que
eu chamo de “qualquer pessoa que eu tive vontade de ficar na vida”. Ou
quando sou dramática, chorona, egoísta ou mimada.
Desci no ponto da faculdade junto de outros alunos e movida
unicamente pelo meu ódio em terminar logo aquele ano letivo, caminhei até
o edifício amplo, cercado por árvores e pátios enormes. Minha faculdade era
particular e eu dei meu suor, sangue e talvez minha alma para conseguir uma
bolsa ali.
Pérola disse ao longo da vida que seu sonho era estudar naquela
faculdade e o sonho dela, acabou se tornando meu. Para ela não houve
dificuldades em ingressar, já comigo o buraco foi bem mais embaixo.
Estudei que nem uma condenada para a prova da bolsa e mesmo passando,
ainda restava uma porcentagem que eu tinha de pagar. Eu, com dezessete
anos, desempregada e neta de uma professora aposentada.
Apenas dois meses depois que eu comecei, estava pronta para trancar o
curso, porque minha avó não aguentava mais pagar. Eis que Gael decidiu
pagar aquela porcentagem, eu continuei o curso e fiquei ainda mais iludida
por aquele homem.
Cheguei atrasada, para variar. Deixei meu trabalho na mesa do
professor que me encarou com compaixão. Eu adorava professores que não
julgavam atrasos de uma pobre estudante que precisa dar duro no trabalho.
Alguns não tinham a mesma empatia.
— Tudo bem por aí? — Pérola me perguntou.
Assenti, roubando a garrafa de água dela para aplacar a sede depois da
correria para chegar até ali.
— Tenho uma puta novidade para você!
Ela se empolgou e levou uma olhada de pura resignação de Naldo, o
nosso professor. Fez um gesto com os dedos indicando que falaria depois e
voltou a prestar atenção na aula.
Uma hora depois, fui convencida por Pérola que deveríamos encontrar
o pessoal do programa de Tato em um bar ali por perto. Eu não pude negar,
porque eu estava expandindo meu network, uma vez que era questão de
tempo para que eles me contratassem. Questão de tempo, minhas orações
todas as noites e minha avó fazendo o padre Fábio rezar todos os dias para
que eu consiga o emprego.
O bar era um podre de caro, óbvio. Quis xingar um pouco minha amiga,
mas só coloquei um sorriso no rosto e fui cumprimentar o pessoal. Tato
estava lá e não perdeu tempo em enfiar a língua na garganta da minha amiga.
O homem estava apaixonado por ela, dava para ver de longe. Pérola estava...
Como eu poderia dizer? Encantada? Não sei se era muito do feitio de Pérola
se apaixonar por alguém. Éramos muito parecidas nesse quesito.
— Cada dia mais linda, hein, Pietra?
Foi Alan, o diretor do programa, que me elogiou. Toda vez que eu saía
com eles, ele dava em cima de mim. Já teve até convite para esticar a noite
no apartamento dele. Porém, eu tinha princípios.
Onde se planeja ganhar o pão, não se come a carne. Vovó que me
ensinou.
— São oito da noite e já está vendo coisas, Alan? — brinquei.
Eu era só sorrisos com ele, sempre. Fazia bem para meu ego, óbvio.
Mas eu também queria que ele gostasse de mim por razões muito claras. Eu
queria um emprego no programa. Para ontem.
O produtor e a assistente de Tato também estavam por ali e eu dei um
beijo em cada um deles. Eles eram legais e muito engraçados. Não sei como
Pérola conseguiu ser demitida daquela equipe.
Começamos a beber enquanto Tato e Alan contavam uma história sobre
uma viagem que fizeram juntos a Nova York para uma gravação do
programa. Em certo momento, Pérola puxou a manga da minha blusa,
chamando minha atenção.
— Vamos para Miami nessas férias. Você precisa pedir seus dias na
produtora.
Quase ri, porque ela falava com uma naturalidade de quem me
convidava para comprar pão com ela.
— Eu vou junto? — perguntei só para ter certeza de que tinha escutado
direito.
— Sim. Você é da família, por que não iria? — Colocou uma mecha do
cabelo atrás da orelha antes de prosseguir: — Vamos na próxima sexta-feira,
estou só esperando meu pai confirmar o horário do voo.
Gael realmente me queria naquela viagem? Mesmo depois do beijo?
— Mas seu pai deixou que eu fosse? Ele falou que me queria lá?
Pérola franziu a testa enquanto bebia seu Sex on the beach no
canudinho.
— Sim, até o Bernardo concordou em você ir.
Tentei agir com naturalidade, mas precisei virar meu rosto para o lado
esquerdo para poder sorrir em paz. Acho que essa era a prova mais do que
concreta de que tudo não estava tão perdido para meu lado. Se Gael não
tivesse gostado do beijo ou não me quisesse por perto, ele não teria
concordado em me levar para suas férias. Fora o episódio de eu ter acordado
no domingo depois da festa e minha bebedeira com uma banana ao lado da
mesinha de cabeceira.
Tenho certeza de que foi ele que colocou lá, porque se preocupa
comigo.
Comecei a elaborar meu plano de ataque, minha cabeça girando como
uma complexa engrenagem. Eu poderia ter colocado tudo a perder naquele
dia no banheiro. Fui apressada, descuidada, não pensei direito. Mas agora eu
teria um plano! E a dança do acasalamento rolaria de forma suave, tão
precisa quanto os passos de uma bailarina.
Voltei a olhar para Pérola, observando a mão de Tato na coxa da minha
amiga. Desci um pouco o olhar e precisei conter uma careta ao ver a infernal
sandália laranja nos pés dela.
Aquela Miss Leblon...
Ela poderia ser um obstáculo e tanto no meu plano infalível. Eu
precisava elaborar com muito cuidado aquele plano, sem afobação, sem
beijos em banheiros estando bêbada, sem assustar Gael. Ele precisava passar
pelas fases com naturalidade. Eu poderia ser uma criança para ele até dias
atrás, mas mostraria durante nossas férias que eu poderia ser quem ele
precisava, necessitava e clamava com todo o seu ser.
Disse para o pessoal que iria ao banheiro e escapuli até lá. Esvaziei a
bexiga depois de tantas rodadas de cerveja e fui até a pia para lavar as mãos
e refrescar a nuca. Minha base estava derretendo por conta do combo calor +
bebida alcoólica, deixando aparecer as sardas amarronzadas que eu tinha no
alto da bochecha e no nariz. Eu odiava quando elas apareciam, mas
acontecia com frequência, porque eu tomava sol.
Lavei o rosto para controlar aquele caos e peguei na bolsa um gloss
para aplicar novamente. Quando me olhei no espelho, percebi uma pessoa
conhecida sair de uma das cabines. Olhei para a mulher com os cabelos
curtos tentando me recordar de onde a conhecia e não levei dois segundos
para lembrar quem era.
A professora que recebeu uma bela de uma homenagem de Bernardo.
— Oi! — Acenei para ela, percebendo seu olhar indo parar na faixa de
barriga descoberta que meu cropped não tapava.
Eu moro do Rio de Janeiro, não posso andar toda coberta. Qual é?
Estou muito bem-vestida, por sinal. Não precisa desse espanto todo. O
cropped combina com meus jeans largos e meu All-Star branco. Um
legítimo look de uma trabalhadora brasileira.
— Nós nos conhecemos?
Ela estava fazendo um jogo duro comigo. Óbvio que ela me conhecia.
Eu levei o aluno dela para uma noite louca de sexo, ao qual ela queria ter
com ele, mas se fazia de difícil e intocável. Eu já utilizei esse truque muitas
vezes.
— Sim, da festa do Bernardo.
— Ah, Bernardo... — Que atriz! — Sim, claro!
A professora se movimentou pelo banheiro, parando ao meu lado da pia
para lavar as mãos. Eu voltei a me olhar no espelho, passando o gloss e a
observando ao mesmo tempo.
Ela era alta e tinha um rosto marcante. Olhos bem redondos, nariz
arrebitado e sobrancelhas finas, que acabavam combinando com seu cabelo
curto. Ela era uma nerd, conseguia ver de longe. Dava para entender por que
Bernardo era tão a fim dela.
— Você é namorada dele, não é?
Ela não resistiu, claro que não resistiria a perguntar!
Movida pelo meu enorme altruísmo e também por ficar sabendo que
Bernardo concordou em me levar para Miami com eles, eu resolvi ajudá-lo
novamente.
— Não, mas já fomos. Ele terminou comigo.
Vi o olhar curioso de Paola, como se não acreditasse que Bernardo
terminaria comigo. Era bem difícil de acreditar enquanto meus peitos
estavam tão bonitos naquela blusa.
— Não parece algo que Bernardo faria.
— Ele não parece ser muitas coisas, mas é. — Movi os ombros para
cima. — Ele foi o melhor sexo de toda a minha existência. Nossa! —
Comecei a me abanar, vendo os olhos da mulher, que já eram grandes,
dobrarem de tamanho. — O que ele sabe fazer com a boca...
Soprei todo o ar para fora, percebendo que a professora ficou toda
interessada.
— E o pau dele? É gigante. Vou parar de falar antes que eu fique toda
molhada.
A professora começou a ficar vermelha e eu precisei respirar fundo,
antes que começasse a rir. Ou talvez chorar, de pavor. Eu estava falando do
pau de Bernardo Adler para outra mulher. Credo!
— E por que terminaram?
— Ele começou a gostar de outra pessoa e decidiu terminar. Ele é um
cara legal.
Essa parte pelo menos que eu imaginava Bernardo fazer. Ele era
bonzinho demais. Ultrapassava até o limite da bondade, parando na área dos
trouxas.
A professora ficou toda animadinha, deu para ver. Mas ela era uma
adulta e tratou de agir como uma, arrumou a coluna, colocou o cabelo para
trás e alisou sua camisa listrada branca e marrom, que não combinava muito
com a calça social rosa.
— Tenho de voltar, estou no meio de um encontro.
Sorri largamente e acenei para a professora, que saiu do banheiro
trombando com tudo na porta. Parece que Bernardo vai, muito em breve,
enfiar seu pintinho inteligente em sua crush. Uhuuuu!
Agora, tudo o que eu esperava dessas férias era que o pai dele também
quisesse fazer o mesmo comigo.
Minha avó era uma neurótica com organização.
Ela organizou meu guarda-roupa por anos em um sistema muito
complexo para minha cabeça. Envolvia paletas de cores, estações do ano e
recorrência de uso. Faz alguns anos que ela largou de mão e parou de entrar
no meu quarto. “O Chiqueiro”, como chamava de forma totalmente injusta.
Mas, infelizmente, essa organização ainda fazia parte do sistema de
malas de viagem. Ela dobrava tudo meticulosamente, encaixando como se
estivesse em uma partida de Tetris.
— Você não precisa de duas sandálias iguais, Pietra.
Minha sandália rasteira rosa foi barrada. Suspirei, derrotada.
— Muito menos de oito sutiãs. Você nem tem peito para tudo isso.
Cruzei os braços, aumentando o volume dos meus peitos para provar
que eu tinha, sim! E precisava de todos eles. Tinha o sutiã do dia-a-dia, o
sutiã tomara-que-caia, o sutiã para vestir debaixo do pijama enquanto estou
em áreas comuns, para não esfregar meus mamilos na cara dos Adler; por
mais que eu queira fazer isso em um deles. O sutiã para usar com roupas
depois que eu me queimar no sol e não aguentar vestir nada, fora os sutiãs do
abate. Esses, meus preferidos, com toda certeza. Delicadas peças em renda,
que não tapam nada do que deveriam tapar. Um mais obsceno que o outro.
Do jeito que eu gosto.
E que agora eram segurados pelos dedos de minha avó.
— Deus tenha misericórdia, Pietra!
— Heresia! — Apontei para ela, julgando-a.
— Você quis dizer blasfêmia, não é, querida?
A forma como vovó me insultava era diferente. Bem parecida com a de
Bernardo, na verdade.
Não era à toa que ela o havia educado por anos e anos na escola.
— Deixe alguns sutiãs, Pietra.
Concordei, porque eu não queria criar caso. Vai que ela começava a
implicar com minhas calcinhas. Principalmente as sete calcinhas de abate.
Lindíssimas, por sinal.
Retirei o tomara-que-caia e um dos sutiãs do abate.
— Tome cuidado lá, Pietra! Obedeça ao Gael...
Ela continuou falando, mas minha mente vagou para um lugar bem
quente, onde eu realmente fazia questão de obedecer a Gael como uma boa
garota.
— Não vá até o fundo no mar e não provoque Bernardo.
Minha mente ligou no momento em que ela falou de Bernardo. O
queridinho da vovó. Bleh!
Minha avó idolatrava Bernardo, porque ele era seu menino de ouro. Só
porque ele sabia contar a história da Mesopotâmia de trás para frente, além
de saber o nome de todos os presidentes do Brasil e toda aquela papagaiada
sobre Feudalismo, Absolutismo e Revolução Francesa.
Eu também sabia, mas com muito mais dificuldade do que ele.
Ele era excelente, eu me esforçava.
E minha avó o amava.
— Eu não o provoco, ele que implora por isso.
— Não seja cruel, Pietra. Ele ser diferente de você não o torna inferior.
Fiquei sem palavras para discutir, porque essa história me irritava.
Bernardo poderia falar o que quisesse para que eu me sentisse inferior, já eu,
não poderia abrir o bico.
— O que vai fazer durante as férias? — Sentei ao seu lado na cama,
aproveitando sua distração para enfiar o sutiã vermelho do abate em um
canto da mala.
— Tereza tem toda a coleção de filmes da Elizabeth Taylor,
combinamos de fazer sessões durante a semana. Vou ajudar o Padre Fábio a
organizar a festa junina da paróquia e darei algumas aulas para o Davi.
— Esse garoto ainda não aprendeu sobre Dom Pedro?
— Pietra, cada um tem suas dificuldades.
— Mas ele está nesse tema há seis meses! — protestei.
Davi era um garoto de dezesseis anos que tinha aulas particulares com
minha avó para o vestibular. Eu suspeitava de que ele só fingia que tinha
alguma dificuldade para continuar frequentando minha casa. Ele curtia
absolutamente todas as minhas fotos no Instagram, era o primeiro a ver
meus stories, meus vídeos no TikTok, até meu LinkedIn ele achou e passou a
curtir todas minhas publicações.
Bem, se minha avó estava sendo bem paga, então tudo bem.
— Vou sentir sua falta, minha gata! — Pisquei para ela.
— Eu também vou, minha princesa.
Eu me joguei em cima dela, espalhando beijos babados, do jeitinho que
ela fingia odiar, por todo seu rosto. Dona Dedé começou a rir e aquele era
meu som preferido da vida, vindo da minha pessoa preferida da vida. Ela e
eu nos encontramos na dor e criamos um mundo nosso.
O engraçado era que antes da minha mãe morrer, nós nunca fomos
próximas. Minha mãe engravidou aos dezessete anos, meu pai prometeu um
conto de fadas a ela. Minha mãe fugiu de casa para viver um grande amor e
tudo o que recebeu foi solidão. E essa solidão acabou a tirando de mim cedo
demais.
Eu tinha oito anos quando conheci minha avó. Foi depois do pior dia da
minha vida e também depois de eu ter ficado dois dias em uma casa cheia de
crianças. Na época eu não sabia, hoje eu sei que era uma casa de
acolhimento.
Meu pai não me quis.
Ela me quis.
E foi ali que começou a história de amor mais linda que já vivi.
— Pietra? — Ela me chamou enquanto eu fungava em seu pescoço.
Amava o cheio da minha avó. Ergui os olhos para ela. — Não volte grávida,
por favor!
Bufei e só para provocá-la, mostrei a língua e fiz questão de lamber seu
rosto, espalhando baba por toda sua bochecha. Levei um tapa na bunda e saí
de cima dela, rindo.
— Fica tranquila, vou voltar com uma mini Pietrinha para você. —
Passei a mão na minha barriga, fazendo aquela pose clássica de mulher
grávida.
Apanhei, óbvio, mas valeu a pena.

A vida do proletariado nunca era fácil, por isso, precisei sair do trabalho
direto para o aeroporto na sexta-feira. Pérola já tinha passado mais cedo em
casa para buscar minha e eu estava chegando com minha mochila nas costas,
sentindo-me a própria Dora Aventureira no meio do aeroporto tumultuado.
Fiz uma promessa de que, depois que voltasse de férias, eu procuraria
outro emprego. Hoje foi o pior dia trabalhando naquela produtora. Estava
certo para que eu tirasse folga para poder arrumar as coisas com mais
tranquilidade e logo de manhã, Rubinho, meu chefe, me acordou aos berros
dizendo que eu não poderia deixá-lo na mão. Daí em diante foi uma sucessão
de resmungos, gravações chatas e uma quantidade de trabalho absurda.
Tudo o que eu mais queria era sentar na poltrona do avião e falar: bora
pra Miami, motô.
Pérola estendeu os braços assim que me viu e eu corri até ela, sendo
agarrada pela cintura, como em uma cena de filme de romance. Por sobre o
ombro da minha amiga eu vi Gael olhando para nós por cima da tela do iPad.
Eu não diria que ele estava muito entusiasmado por me ver ali, não. Ao
perceber que eu olhava para ele, seu olhar caiu para a tela novamente.
Ainda assim, eu fui até ele e percebi o Leonardo da Vinci ao seu lado,
com a cabeça coberta pela touca do moletom e com fones de ouvidos.
— Oi, Gael! — Acenei para ele, ganhando um olhar e um meio-sorriso
em resposta. — Obrigada por me levar com vocês.
— Não tem férias em família sem você, Pietra.
Eu me derreti igual picolé no sol do meio-dia. Fiquei molinha.
Sorri para ele e antes de sair com Pérola para comprar um café, dei um
chute no pé de Bernardo, que ergueu os olhos, surpreso. Ergui meu polegar
para ele e virei as costas, seguindo com minha amiga.
— Tato vai me encontrar lá — Pérola confidenciou, tão animada que
ela literalmente quicava no chão.
Meu queixo caiu.
— Como?
— Ele vai tirar férias do programa.
— Mas, e o seu pai?
— Vai trabalhar todo o tempo, ele nem vai se ligar.
Essa não era uma boa notícia para mim. Como eu me aproximaria de
Gael e mostraria que eu era uma bela de uma gostosa se eu não teria tempo
hábil com ele?
— Você está proibida de me largar a Deus dará, entendeu? Essas são
nossas últimas férias antes de terminar a faculdade. Temos de fazer valer a
pena. MADM, lembra?
— Você vem sempre antes de qualquer homem desse mundo. Menos do
meu pai.
Ai, meu coração!
Foco! Foco! Foco!
O que os olhos não veem o coração não sente.
Eu sou uma péssima amiga, puta que pariu! Bernardo está certo. Ele
sempre está, afinal.
Brindamos com nosso copo de café, selando aquela promessa de fazer
daquelas férias as melhores de nossas vidas. Era o que eu mais queria,
porque não tinha certeza se no ano que vem tudo estaria igual.
A faculdade terminaria, Pérola tinha planos de fazer um curso de
Jornalismo de Moda em Nova York. Nossa amizade já tinha sobrevivido à
distância durante a escola, mas era complicado. Pérola era meu amor, minha
melhor amiga, não sabia como seria viver com ela tão distante.
Infelizmente, a promessa de algo bom, logo caiu por terra.
— Vocês não poderão embarcar — disse a atendente da companhia
aérea.
Vi o olhar resignado de Gael e Pérola, que tiveram seus passaportes
devolvidos pela gentil atendente.
Bernardo, pela primeira vez naquela noite, tirou o fone do ouvido e me
encarou.
— Mas o visto está aqui.
— Mas o passaporte novo não está, senhor Adler.
Mordi o lábio inferior, vendo as férias escorrerem por meus dedos.
Gael estava irritado, digitando enlouquecidamente no celular. Pelo que
entendi, o passaporte dele e de Pérola venceram, eles fizeram outro, mas o
visto estava no antigo. A secretária dele não colocou na pasta de documentos
o novo e agora eles não poderiam embarcar.
O meu e o de Bernardo ainda estava com ela, que digitava rapidamente
em seu teclado.
— A secretária não pode trazer aqui? — perguntei.
— Ela está na casa do noivo, em Petrópolis.
Longe pra caralho, entendi.
Pérola estava em silêncio, o que era uma surpresa. Ela sempre surtava
quando tudo saía do controle.
— Podemos embarcar no próximo voo? — Gael perguntou para a
atendente.
— O próximo voo é às seis da manhã, mas está lotado. O próximo com
dois assentos vagos será amanhã às cinco da tarde.
— Que inferno! — Pérola começou a reclamar, mostrando que estava
viva. Só depois que olhei para sua mão que percebi que ela estava
conversando com Tato.
Não era estranho um tiozinho de quarenta anos ter tanto tempo livre
para conversar por mensagens com uma menina de vinte e poucos?
— Está tudo certo com o deles? — Gael perguntou para a atendente.
— Sim, eles podem embarcar.
Mas nem por um caralho!
— Nós vamos amanhã com vocês, sem problemas. — Fiz um gesto
com a mão, para Gael não se importar.
— Não temos assentos livres para acomodar todos vocês. É início das
férias escolares, nossos voos estão lotados.
Vi Bernardo dar de ombros e encarei minha triste realidade.
Expectativa: convencer Gael a me pegar no banheiro do avião.
Realidade: pegar um voo com o Santos Dumont.
— Serão poucas horas, logo estaremos lá. Tudo bem? — Gael disse
para Bernardo, fazendo com que eu me sentisse como um grande fardo a ser
aturado por vinte e quatro horas.
— Tudo bem!
— Amiga, a gente se vê amanhã. Aproveite essas horinhas por mim. —
Pérola me abraçou com carinho e eu só assenti. Observei enquanto abraçava
o irmão e sussurrava algo ao ouvido dele.
— Um upgrade para a classe executiva deixaria esse casal mais feliz?
— perguntou a atendente sorridente atrás da proteção de acrílico.
— Nós não somos um casal! — A frase saiu tão rápida da minha boca,
na mesma velocidade que ela saiu da de Bernardo.
Nós nos olhamos, o nojo emanando por cada poro de nosso corpo.
Não mesmo! Nunca! Sob hipótese alguma!
— Mas ficaremos mais felizes na executiva, sim. — Arreganhei meus
dentes para a moça, porque eu não era trouxa.
De graça, até injeção na testa.
Nós nos despedimos de Pérola e Gael no portão de embarque, então
entramos. Na fila para o Raio-X percebi o quanto Bernardo era estranho,
metódico e um pouco neurótico. Ele organizou de uma forma irritante todos
seus aparelhos eletrônicos, retirando tudo com uma calma irritante da bolsa.
Ele até tirou as moedas da carteira, posicionando-as em uma linha perfeita.
Eu me irritei e joguei minha mala de mão na frente dele, enfiei minha
mochila em uma bandeja e passei pelo detector de metais. Até prendi a
respiração, com medo de estar portando alguma arma de fogo.
Pude passar e fiquei esperando minha mala sair pela esteira, só que não
saiu. Enquanto Bernardo arrumava de uma forma insuportável suas coisas
novamente na mochila, eu via minha mala sendo revirada.
Eu vou ser presa, tenho certeza. Alguém deve ter colocado algo na
minha mala. Eu me distraí um pouco com Pérola na Starbucks.
Eu vou parar no programa Área Restrita, vão me testar positivo para
cocaína. É o meu fim! A casa caiu muito para mim!
— Senhorita? — chamou o homem que revirava minha mala.
Eu virei lentamente meu pescoço, esperando o momento em que ele me
mostrasse os vinte e quatro quilos de cocaína que eu carregava ilegalmente.
Eu não entendo muito de drogas, mas isso deve fazer com que eu seja presa
por no mínimo cento e vinte anos?
— Tô limpinha, senhor! — Ergui meus braços, rendendo-me.
Quando virei para ver o que estava acontecendo, vi que ele estava com
meu perfume na mão. Se fosse só isso, estava ótimo. Do lado da pilha de
shorts que ele pôs para fora estava Gabe, meu sugador de clitóris. Achei que
fosse algo muito mais discreto de levar para uma viagem do que um vibrador
e agora Bernardo, já com sua maldita mochila nas costas, estava parado ali
apertando os lábios, evitando esboçar qualquer reação. O que já era uma
reação.
— Não são permitidos líquidos com mais de 100 ml.
— Pode jogar fora, moço.
E assim morre um body splash da Victoria’s Secret.
— Pode guardar tudo.
Nunca fiz uma mala tão rápido na minha vida, trêmula depois de quase
ter sido presa por tráfico de drogas, eu joguei minhas roupas de qualquer
jeito e, como miséria pouca é bobagem, o maldito sugador escorregou da
minha mão e rolou até o pé de Bernardo, parado como um dois de paus ao
meu lado.
Ele se abaixou para pegar o Gabe e eu quase gritei com ele, que pegou
aquilo com tanta naturalidade, como se pegasse um garfo do chão.
— Me dá isso aqui, garoto! — Arranquei da mão dele com força,
jogando na mala que foi fechada em dois segundos.
— O que era?
Coloquei a mala no chão e puxei a alça para cima.
— O que era o quê? — Acho que fui um pouco rude com ele, que me
seguiu pelo corredor em direção à Polícia Federal.
— O negócio rosa.
— Para de zoar com a minha cara, Bernardo — resmunguei e o deixei
falando sozinho ao sair em direção ao guichê.
Só fui respirar quando chegamos até as lojas do Duty Free, amava essa
parte. Já Bernardo, nem fez questão de ficar por ali. Não comprei nada,
porque não achei meu dinheiro em árvore, mas testei todos os tipos de
hidratantes faciais que tinham disponíveis para teste.
Depois, acompanhei o gênio até a sala VIP, que entrei de parasita dele.
Eu que não ficaria sozinha no aeroporto com o tanto de traficante de órgãos
à solta por aí.
Bernardo ficou com seu livro de Física Quântica em inglês. Só de ver a
capa já me deu sono. Já que era de graça, aproveitei para encher o bucho,
tomar duas taças de vinho e sentar ao lado do meu parceiro de viagem,
apreciando meu livro muito mais interessante que o dele.
Uma hora depois eu estava apertando minhas coxas depois de ler uma
sequência épica de um alien forte e gostoso que tinha um pau que se dividia
em dois. Sim, pois é.
— Vamos?
O susto que eu tomei ao escutar a voz de Bernardo foi o suficiente para
descolar minha bunda da poltrona. Desliguei o Kindle e recolhi minhas
coisas, seguindo atrás do gênio. Reparei que os ombros de Bernardo eram
bem largos para alguém magro como ele, mas combinava com sua altura.
Aproveitei que ele estava de costas para analisar sua bunda, que parecia ter
potencial. Igual a do meu alien...
Meu Deus, Bernardo é uma criança! Isso que dá ler pornô feérico. Olha
a merda que acontece!
Balancei a cabeça, espantando aqueles pensamentos terríveis da minha
mente e corri até ficar do lado dele.
Essas férias não começaram nada bem. Nada bem, mesmo.
Nós nem tínhamos ido para a pista de decolagem e Pietra já tinha
mexido em todos os botões que existiam ao seu alcance. Agora ela deitava a
poltrona e subia, parecendo se divertir muito com aquilo. Nunca vi uma
pessoa tão feliz com uma necessaire com itens de higiene.
Ela era um caos total. Barulhenta, espalhafatosa, falante demais. Pietra
deixava meu medo de voar ainda mais intenso, porque ela era muito agitada.
Tentei organizar minhas coisas para me distrair. Era um voo noturno, eu
planejava dormir por boa parte dele. Guardei meus sapatos no
compartimento da frente, tirei meus fones da mochila, conectei à tela, deixei
meu livro por perto e uma máscara de dormir. Por último, vesti meias mais
quentes que eu sempre usava em voos longos. Quando terminei todo meu
processo, percebi que Pietra estava sentada, ereta, com a poltrona na posição
correta para a decolagem, olhando-me de uma forma esquisita.
— Você é muito estranho — ela falou.
Como se eu já não soubesse disso!
Ignorei-a e busquei o remédio para ansiedade que deixei no bolso da
frente da mochila, porque eu sabia que precisaria.
— É para dormir? Me dá um?
Vi sua mão pequena estendida em minha direção.
— É para ansiedade.
— E você está ansioso? — ela rebateu.
— Tenho medo de voar.
— Ah, legal!
Foi essa nossa interação. Um terror, como todas as outras.
Eu não era bom em conversas, principalmente com garotas. Mais ainda
com garotas irritantes. Piora muito quando é a garota que eu gostava quando
era adolescente e que agora quer ser minha madrasta.
— Faz tempo que não cai nenhum avião, não é?
Apoiei minha língua na parte interna da bochecha, sem acreditar que ela
estava falando aquilo.
— Isso é sério? — perguntei pausadamente.
— É, para você ver como a aviação é confiável. Estamos seguros.
Novamente a ignorei, enfiando o comprimido na boca. Engoli no seco,
porque eu precisava apagar, recusava-me a ficar oito horas seguidas com
Pietra.
— Não vai me dar um?
A palma de sua mão entrou no meu campo de visão novamente e eu me
limitei a apertar o comprimido, tirando-o da cartela. Vi seu sorriso satisfeito
ao ganhar o embate e a assisti retirar da bandeja uma taça de champanhe que
a aeromoça servia como um drink de boas-vindas.
— Você surtou? — Tentei tirar o remédio da mão dela, mas ela já tinha
engolido com o champanhe.
— Que foi?
— Está tomando ansiolítico com álcool!
— Ah, fica tranquilo! Eu vivia tomando remédio para depressão com
álcool. Tô vivinha da Silva!
— É por isso que você é assim.
Ela me xingaria, mas acabou dando risada. Os motores do avião foram
acionados e eu usei esse tempo para afivelar o cinto, bem firme, sem folga.
Fechei os olhos, meu coração a mil. Consultei no meu relógio a minha
frequência cardíaca. Cento e trinta e dois batimentos por minuto.
Comecei a respirar curtinho, assim como me foi ensinado.
As luzes começaram a apagar.
O avião começou a se movimentar.
Cento e trinta e nove batimentos por minuto.
As comissárias de bordo começaram a fazer a demonstração sobre os
padrões de segurança.
Cento e quarenta e dois batimentos por minuto.
Minha perna começou a tremer e eu fechei os olhos, tentando pensar
em algo para me distrair. Eu normalmente viajava ao lado do meu pai, sentia
que estava seguro com ele. Nunca voei sem ser ao lado dele ou de Pérola.
O avião começou a fazer a curva para a pista e tudo o que conseguia
pensar era que eu morreria.
Foi quando meu relógio mostrava cento e quarenta e seis batimentos
por minuto que eu senti Pietra enfiar algo no meu ouvido e me assustei.
— Vamos escutar uma música relaxante.
Comecei a escutar uma música bem antiga, daquelas que só tocam
atualmente em rádios de música ambiente. Não combinava nada com Pietra
escutar Only Time.
— Desde quando você gosta de Enya?
— Minha avó é fã dela.
Isso fazia sentido. Tentei focar na música, que realmente era bem calma
e relaxante.
— Ela costumava deixar tocando por horas e horas lá em casa. Quando
eu tinha alguma crise de ansiedade ou me sentia muito triste, eu colocava no
fone e me lembrava da minha avó cozinhando enquanto eu estava na mesa
da cozinha fazendo meu dever da escola. Outros momentos eu só me
imaginava correndo por algum campo bem verde, vestida com um vestido
bonito cheio de florezinhas, sabe?
Grudei as mãos no descanso de braço quando o avião começou a ganhar
velocidade na pista e foi quando eu pensei que teria um ataque cardíaco, que
senti os braços de Pietra me agarrarem.
Seus braços eram pequenos e não conseguiam contornar meu corpo,
mas ela me apertou. Eu fiquei estático, duro como uma pedra, meus
antebraços para o alto, incapazes de se mexerem enquanto Pietra apertava
meus braços.
Seu cabelo novamente ficou perto do meu nariz e o cheiro doce que
lembrava bolo invadiu todo meu espaço. Engoli em seco, sentindo meu
coração bater em minha garganta.
— Estou aqui com você.
Nunca imaginei que Pietra teria uma atitude assim comigo. Como se ela
se importasse, como se eu fosse alguém que merecesse isso.
Fechei os olhos, incapaz de pensar em qualquer coisa que não fosse
aquele aperto quente e muito acolhedor. Foquei na música, conseguindo me
ver em um campo verde, bem aberto, onde o sol brilhava no céu sem nuvens.
Eu corria e conseguia sentir o vento batendo em meu rosto. Virei a cabeça
por alguns instantes e vi Pietra em seu vestido florido correndo ao meu lado.
Estiquei minha mão para tocar a sua e quando senti seu toque na minha
palma, abri os olhos com tudo.
Os braços de Pietra não estavam mais ao meu redor, mas sua cabeça
pendia sobre meu ombro. No fone, o que tocava era bem diferente de Enya,
até porque acho que a cantora nunca cantaria sobre cachaça, pinga e puta
em todos os refrões possíveis.
Eu tinha dormido? Virei o pescoço para ver como as pessoas estavam e
todos dormiam. Estiquei o braço para tocar a tela e ver no mapa onde
estávamos, foi ali que descobri que eu tinha dormido e bastante, porque
sobrevoávamos o estado de Goiás. Eu nem vi o avião decolar, que merda
tinha acontecido?
Acabei me mexendo e acordei Pietra sem querer. Ela esfregou os olhos
e saiu do meu ombro, olhando para os lados, confusa.
— Eita que esse seu remédio é do bom, hein?
Neguei com a cabeça, observando-a se acomodar na cadeira, mexendo
o pescoço para os lados, provavelmente com dor depois de ter dormido toda
torta.
— Eu não vi o avião decolar — comentei ainda incrédulo.
— Está se sentindo melhor?
Assenti, sem saber muito como continuar conversando com ela. Eu não
era bom nisso. Normalmente acabava sendo um babaca por não saber o que
falar.
Pietra guardou os fones, acabando com aquele sofrimento musical em
meus ouvidos. Depois começou a analisar o cardápio com as comidas que
tínhamos disponíveis a bordo.
— Por que você tomava remédio para depressão? — Puxei assunto,
talvez sobre o pior assunto para o momento.
Pietra olhou por cima do cardápio, estranhando a pergunta. Demorou
algum tempo até que ela soltasse o papel, recolhesse as pernas para a
poltrona e virasse o corpo em minha direção.
— Porque eu precisava.
— Você sempre foi tão... você.
Ela sorriu e eu repassei as palavras, pensando se falei algo ofensivo.
— Lembra quando vazaram aquele vídeo meu na escola?
Abaixei os olhos para minhas mãos no mesmo momento, porque eu
lembrava. Todo mundo ficou sabendo. Não vi o vídeo, mas pela forma como
Pérola ficou descontrolada e saiu batendo em quem fazia qualquer gracinha
sobre o assunto, imaginava que era bem pesado.
— Aquilo me quebrou. Eu tinha só quinze anos. Era minha primeira
vez, sabe?
A forma como sua voz quebrou fez com que eu me sentisse um idiota
por ter tocado naquele assunto.
— Desculpa!
Ela deu de ombros em resposta.
— Você viu?
Neguei prontamente, meu coração aos pulos por ela pensar que eu faria
isso.
— Você foi o único garoto naquela escola que não me sexualizou ou me
olhou como um pedaço de carne. Foi legal da sua parte.
Apertei os lábios, sem saber o que falar para ela. Eu era péssimo em
conversas, sabia muito bem disso.
— Sinto muito.
— Obrigada. — Pietra voltou a pegar o cardápio, batendo na palma de
sua mão algumas vezes. — Mas isso me fez a Pietra de hoje, sabe? Eu
aprendi a ser confiante, não abaixar a cabeça para ninguém, principalmente
para homem.
Ela, com toda certeza, era a garota mais confiante que já vi. E
obstinada. Muito decidida, também.
E era por saber disso que eu tinha medo de ela, no fim das contas,
acabar virando minha madrasta.
— É... Homens são péssimos!
— São, não são?
Ela riu, tombando a cabeça para o lado. Prestei atenção em como seus
dedos eram finos e nos anéis prateados que ela usava no dedo indicador e em
ambos os dedos do meio. Um deles era uma estrela.
— O que acha de uma boquinha?
— O quê? — Balancei a cabeça, assustado com o que ouvi.
— Comer um pouco.
— Ah, tá. Pode ser!
Pietra não foi uma companheira de viagem horrível. Comemos pra
caramba, aproveitando o menu da classe executiva até enjoar. Vimos um
filme, não juntos, mas ao mesmo tempo. Escolhi rever Donnie Darko,
aproveitando que tinha no catálogo do avião. Pietra viu o filme dos Minions.
Depois cochilamos e ainda sobrou tempo para ler. Eu queria terminar aquele
livro logo, mas perdi um pouco da atenção quando espiei o que Pietra estava
lendo.
Senti minhas bochechas esquentaram ao pescar algumas palavras do
texto; “viril”, “ereto”, “boceta”, “alienígena”. Ela estava lendo um livro
pornô! E fazia como se lesse uma coluna social.
Antes que espiasse mais do que ela lia, tapei meus olhos com a máscara
e me forcei a contar os números de PI até onde eu me lembrava. Um
exercício que eu fazia sempre que queria dormir.
E pela primeira vez não deu certo, porque a companhia da viciada em
pornô alien era mais legal do que meu sono.
— Posso fazer uma pergunta?
A curiosidade estava me corroendo, mas eu esperei que saíssemos do
aeroporto, alugássemos o carro na locadora para enfim perguntar para
Bernardo.
Ele não me olhou, porque estava com as mãos grudadas no volante e os
olhos na rodovia.
— Isso já é uma pergunta.
— Nossa, que engraçado! Ha! Ha! — Expandi meu sorriso, mesmo que
ele não fosse ver.
— Fala.
— Você vai trabalhar com foguetes, certo?
— Sim.
— Que voam?
— Normalmente eles voam, sim, Pietra.
Ele estava sendo irônico e aquele tempo que eu achei que ele fosse um
ser humano até que tolerável já estava acabando. Eu sentia.
— Qual o sentido de você querer trabalhar com foguetes e ter medo de
voar de avião?
Cruzei meus braços, satisfeita por finalmente falar. Passei oito horas
guardando isso dentro de mim. Foi terrível!
— Eu não sou astronauta para voar em um foguete. Vou construir o
foguete, são coisas bem diferentes.
— Tá bem, então, Elon Musk!
Eu escutei um risinho nasalado vindo dele, mas ignorei e prestei
atenção no caminho bonito, com o mar verdinho aparecendo. Eu já fui a
Miami duas vezes com a família de Pérola. Numa ficamos alguns dias, na
outra só passamos para pegar um cruzeiro ao Caribe, no aniversário de
dezesseis anos de Pérola. No ano passado, Gael comprou um apartamento na
cidade, mas eu não tive a oportunidade de conhecer. Estava ansiosa para ver
o lugar, passear e ficar na praia.
Fora as festas! Eu tinha tantos planos com Pérola para esse verão!
Prestei atenção no caminho por mais dois minutos, até uma dúvida me
assombrar.
— Mas e se você ganhasse um presente da empresa, como ir para o
espaço a bordo do foguete que você construiu?
Escutei a bufada que ele deu.
— Uma empresa não daria isso de presente.
— Você poderia ser o funcionário do mês.
— Ainda assim, ela não daria.
— Mas, e se você ganhasse? — insisti.
— Eu não iria.
— Não faz sentido.
Bernardo se calou, mas eu estava inquieta. Tinha dormido muito
durante o voo, estava ansiosa, empolgada. E quando ficava assim, eu não
conseguia parar de falar. Segurei-me por bastante tempo, mas quando já
estava quase sufocando, recomecei o falatório.
— Sabia que encontrei sua professora na semana passada?
O assunto o agradou, porque ele até desviou os olhos da estrada.
— Como?
— Em um bar que fui com Pérola.
— Um bar?
— Ela estava em um date.
— Um o quê?
— Encontro — respondi, revirando os olhos.
Bernardo não entendia coisas simples da vida, eu não conseguia
compreender aquele garoto.
— Vocês conversaram? ― Eu assenti. — Sobre o quê?
Ele estava sofrendo e eu gostei disso.
— Coisas.
— Que coisas?
Sofra, gênio! Sofra!
— Ela perguntou se eu era sua namorada — contei, mas neguei com a
cabeça.
Que ideia maluca!
— E você falou o quê?
— Que você terminou comigo e eu era sua ex. Te dei toda a moral,
hein?
Percebi um resquício de um sorriso repuxar seus lábios. Seu rosto
ganhou um tom avermelhado que eu fiz questão de observar.
— Obrigado.
— Falei também que você mandava bem no sexo e que seu pau é
gigante.
Gritei alto quando Bernardo perdeu o controle do carro. Nós
começamos a derrapar pela rodovia. Puxei o volante para o lado direito,
porque ele ia bater no carro da faixa ao lado. Ele ligou a seta, foi para o
acostamento e parou o carro.
— Você enlouqueceu, porra? — gritei com a mão no meu peito. Queria
agredir aquele garoto. — Quase nos matou!
— Eu... Eu me assustei.
Bernardo estava branco, toda a vermelhidão sumiu em questão de cinco
segundos.
— Porra, Bernardo! — Abaixei meu tronco até enfiar minha cabeça
entre os joelhos, tentando puxar o ar. — Caralho, eu só falei sobre um pau! E
nem é o seu, porque nunca vi essa sua miséria aí! Eu quase morri por causa
disso!
Eu falo muito quando estou ansiosa, o triplo quando estou nervosa. E
ele acabou de desbloquear essa nova fase de Uma Aventura com Pietra
Rossi.
— É que é muito... pessoal.
— Você não quer comer sua professora, porra?
Bernardo se calou, eu levantei minha cabeça e voltei a sentar
corretamente no banco.
— Sim... Eu acho que sim.
Ele acha que sim? Qual é o problema desse garoto?
— Tu é gay, Bernardo?
A vermelhidão se espalhou de forma três vezes pior pelo rosto do
garoto. Demorou um segundo a cair minha ficha. Meu Deus, eu tirei
Bernardo do armário a força!
— Me desculpa! Isso é muito pessoal, me perdoa! — Abaixei o tom de
voz, colocando até minha mão no antebraço dele para mostrar solidariedade.
Ele estava apavorado, tadinho! — Me desculpa mesmo! Não foi minha
intenção trazer isso à tona.
— Você não trouxe nada à tona. — Ele parecia estar com uma bola de
tênis presa na garganta pela forma como parecia sufocado.
— Eu sou uma grande aliada das causas LGBTQIA+. Eu nem sou
hétero também, então tá tudo bem. Estamos juntos nessa!
— Você não é? — Ele ficou muito interessado naquilo de repente, até
saiu a bola de tênis de sua garganta.
— O B não é de Beyoncé. — Dei de ombros.
— Ah, tá.
— Bem, não está mais aqui quem falou. Senta o pé e vamos para casa
logo.
Dei duas palmas para acabar com toda aquela situação constrangedora
que se formou entre uma simples conversa e uma quase morte.
— Eu não sou gay.
E voltamos para o papo constrangedor!
— Não precisa ter vergonha, se assume no seu tempo.
— Eu não sou gay, mesmo! Eu gosto de garotas.
Cruzei os braços, indignada. E ele quase me matou a troco de nada?
— Tem certeza?
— Tenho, Pietra! Tenho!
— Absoluta? — Franzi a testa.
— Eu não sou gay, eu só sou... — Ele parou de falar, prendendo os
lábios antes que falasse algo.
Ah, não! Agora ele ia falar.
— Bissexual?
Bernardo me olhou, indignado por eu ainda estar falando com ele.
— Não.
— Assexual? — sugeri, com um sorriso.
— Não.
— Queer?
— Eu só sou virgem, Pietra! Virgem!
Bernardo perdeu totalmente a paciência comigo e não foi bonito. Sua
voz se elevou, sua pele estava roxa, o garoto mal conseguia respirar.
Passei a língua pelos meus dentes superiores, sentindo a pontinha dos
caninos enquanto aquela declaração rodava na minha cabeça em looping.
— Ah, tá.
Ficamos em silêncio, escutando os carros passando em alta velocidade
por nós.
Que climão, meu Deus!
— Você pode dirigir, por favor? — ele pediu.
— Não tenho habilitação e nem sei dirigir.
Era verdade. Uma triste verdade.
— Por quê?
Ele franziu o cenho. Eu mesma, depois daquela inusitada revelação de
Bernardo, fiquei menos surpresa do que ele por descobrir que eu não sabia
dirigir.
— Sou pobre.
— Ah, tá.
E assim se encerrava a conversa mais insana de toda a minha
existência.
Pérola e Gael já estavam chegando? Porque eu não queria conversar
com Bernardo pelos próximos cinco anos.

O apartamento de Gael era absurdo! A casa onde eles moravam era


grande, com um jardim lindo, uma piscina legal e tudo mais, mas não se
comparava a esse apartamento de frente para o mar. Estávamos no vigésimo
andar, então a vista era incrível.
A única coisa que Bernardo fez antes de se trancar em seu quarto, foi
apontar para a porta do quarto de Pérola, onde eu dormiria. Arrastei minha
mala para lá e fui direto tomar banho, tirando toda aquela inhaca de avião.
Enrolei-me em uma toalha, deixando outra presa em meu cabelo e, antes de
secá-lo, fiquei olhando a vista do quarto de Pérola.
Que, adivinhe, era perfeita.
O quarto da minha amiga era bem genérico para o padrão Pérola, a
garota que tinha um closet do tamanho da minha casa, uma coleção de bolsas
de marcas e lençóis comprados em uma loja muito específica em Paris.
Nesse tudo era bem claro, a cama grande no meio do quarto ocupava um
bom espaço e ficava em frente para a bancada com a penteadeira, suas
maquiagens e também a televisão na parede. Sorri ao ver um porta-retratos
com nossa foto, abraçadas em uma viagem que fizemos no Réveillon, dois
anos atrás. De resto, havia só um banheiro amplo e o closet de Pérola, em
uma versão reduzida, com poucas roupas e agora as minhas roupas, que
abaixava em 80% o PIB do closet de Pérola.
Descansei um pouco depois e já fiquei com fogo no rabo para passear.
Eu queria muito ir para a praia. E foi o que fiz! Coloquei meu biquíni por
debaixo do short e a camiseta, meti minhas Havaianas nos pés para fazer
inveja nos gringos e arrumei minha bolsa com tudo o que eu precisaria.
Tive problemas com o elevador, porque era muita modernidade para
minha cabeça. Ele não tinha botões. Confiei na eficácia da Tecnologia e,
para minha surpresa, realmente fui parar no térreo.
A recepção era um absurdo de bonita, com mármore por todos os
cantos. Gente rica adora mármore, não é?
E lustres. E pisos brilhantes como espelhos. E umas esculturas
esquisitas.
Sem falar das comidas exóticas que judiam das piores formas possíveis
dos animais.
— Valeu! — Agradeci na minha língua ao porteiro que abriu a porta
para mim.
— Brasileira, é?
Meu sorriso foi de ponta a ponta quando ouvi o cara falar português.
Nada une mais o brasileiro quanto estar em outro país juntos.
— Opa! — Bati uma palma e comecei a rir.
O porteiro era bem novo para um porteiro, na verdade. Não que tenha
idade mínima para ser porteiro, mas enfim, ele parecia bem novo mesmo.
Talvez em Miami fosse requisito ter um porteiro gato e muito novo ao seu
dispor. Todo mundo é gato aqui, então não duvido. O homem era realmente
muito bonito, mesmo em seu terno engomadinho vermelho. Alto, ombros
largos, cabelo preto cortado bem baixo e um sorriso branco daqueles que os
jogadores de futebol pagariam bem caro para colocar.
— Carioca, não é? — Ele supôs.
Nem tinha como negar, porque o sotaque entregava.
— Mineiro, não é? — rebati.
O sotaque dele também era muito acentuado.
— Nascido e criado em Uberlândia com muito orgulho.
Ele tinha covinhas dos dois lados da bochecha, que o deixavam mais
bonito ainda.
— Muito bom! Meu nome é Pietra.
— E eu sou Bruno. — Ele estendeu a mão para me cumprimentar e eu
fiquei uns cinco segundos balançando sua mão até perceber que estava
estranho. — Acabou de chegar?
— Sim, vim passar férias com a família de uma amiga.
— Os Adler, do vigésimo?
Assenti, segurando um sorriso ao perceber que o gosto pela fofoca
estava no sangue do brasileiro.
— Eles são gente boa.
— São mesmo. — Torci a alça da minha bolsa, olhando para a praia
logo em frente. — Dicas de praias boas?
— A daqui da frente é boa, água calma, cheia de velhos ricos.
— Literalmente minha praia então — brinquei, dando uma piscada
marota para ele que riu em resposta.
— South Beach é a melhor, mas tem que ir de carro.
— Obrigada pela dica, meu parça!
Fiz um aceno de despedida e me mandei para a praia, querendo
aproveitar o sol da tarde. A praia era realmente linda, mar verdinho, água
calma como uma piscina, com pouquíssimas pessoas por perto e zero
barraquinhas de comida, infelizmente. Nem tudo pode ser perfeito.
Estirei a canga na areia e fiquei tomando sol até começar a arder. Fui
para o mar, mergulhei e me lembrei da quantidade de tubarão que eu via o
povo falar que aparecia em Miami. Foi o suficiente para fazer com que eu
saísse da água em dois segundos e voltasse para minha canga, aproveitando
o sol. Falei com minha avó naquele tempo, dizendo que cheguei bem —
omitindo a parte em que Bernardo quase nos matou — e estava gostando de
tudo; menos da companhia de Bernardo. Pérola mandou mensagem avisando
que estava embarcando e que chegaria de madrugada. Amém!
Voltei no final da tarde para o apartamento silencioso, sem sinal de
Bernardo. Era normal ele ficar trancado no quarto o dia todo, fazendo Deus
sabe o quê. Na verdade, qualquer coisa, menos sexo. Lembrar daquela
conversa fez minhas bochechas arderem novamente. E olha que para me
fazer ficar com vergonha precisava de muito.
Foi enquanto tomava banho, quando não podia ficar ainda pior pensar
em Bernardo e em sua situação, que eu comecei a me compadecer. Ele era
muito tímido, nunca namorou, nunca nem levou uma garota em casa.
Bernardo deveria ter uma megadificuldade em se relacionar e eu o encurralei
de uma forma muito feia mais cedo. Eu e minha boca grande que não sabia
ficar calada!
Fui para a cozinha depois de vestir um conjunto de cropped e short
soltinho, para cozinhar algo para o jantar. A geladeira estava vazia, mas
achei macarrão e molho de queijo no armário. Quando ficou pronto, mandei
uma mensagem para Bernardo pelo celular avisando que o jantar estava na
mesa.
Ainda esperei alguns minutos, mas ele não apareceu. Se eu estivesse
naquela situação, também não apareceria.
— Eu preciso da sua ajuda.
Ergui meus olhos do prato de macarrão, observando Bernardo parado
na minha frente com o celular na mão.
Deus, eu de novo. Por favor, não faça esse menino pedir para que eu
tire a virgindade dele!
Por favor! Por favor! Por favor!
— Olha a mensagem que a Paola mandou.
Soltei o ar que nem percebi que estava segurando e peguei aquele
celular com um alívio gigantesco. Bernardo sentou na cadeira na minha
frente e parecia agoniado.
Desci os olhos para a tela do celular dele, percebendo que estava
quebrada, o vidro esfarelando, mas milagrosamente funcionava. Steve Jobs
deveria ainda estar vivo quando Bernardo comprou esse celular. Não que eu
esteja julgando, já que todos meus últimos celulares foram herdados de
Pérola, que troca de aparelho a cada novo lançamento.
Era a mensagem da professora.
Ah, safada! Quer pegar o próprio aluno! Sabia!
Subi a conversa, curiosa para ver como eles tinham chegado naquele
ponto. Confesso que um pouco curiosa para ver o que Bernardo falava com
ela, também.
O coitado só a chamou de uma forma supereducada duas horas atrás,
perguntando se estava bem e avisando que estava em Miami com a família,
mas que trabalharia na tese sobre motores nucleares. E tomou um “Sentirei
sua falta durante as férias” na cara! Sem avisos prévios.
— Bem... — Coloquei o celular em cima da mesa, a meia distância
dele. Bernardo me olhou com aqueles seus olhos grandes, esperançosos e
brilhantes. — Ela está muito na sua.
Ele negou com a cabeça e não me respondeu. Assisti enquanto colocava
o macarrão no prato e dar algumas garfadas, pensativo, antes de voltar a me
encarar.
— O que eu faço agora?
— Nossa última conversa sobre isso foi péssima, não vou repetir.
Ergui minhas mãos, rendida. Não ia, não mesmo!
— É sério, eu não sei conversar com garotas.
— Ela é uma senhora — eu o interrompi só para expressar minha
opinião, que foi cruelmente rechaçada por seu olhar impiedoso.
— Ela tem trinta e dois anos.
— Como disse, uma senhora.
Cruzei as mãos e as coloquei em baixo do queixo, tentando ficar calma
enquanto zoava a cara dele.
— Claro, porque um relacionamento saudável é entre você e meu pai, o
homem vinte e dois anos mais velho que você e que praticamente trocou
suas fraldas.
Bernardo precisava tratar essa raiva acumulada quando o assunto era
meu futuro relacionamento com o pai dele.
— Vinte e um anos — corrigi —, e ele não trocou minhas fraldas. Não
mesmo.
— Ele contava a história da Bela e a Fera quando você acordava
chorando de madrugada lá em casa.
Como ele sabia disso? Até eu já tinha esquecido que Gael realmente
fazia isso. Eu costumava ter muitos pesadelos quando era pequena,
principalmente com minha mãe. Acordava aos berros quase sempre e
quando dormia na casa de Pérola não era diferente. Gael realmente tentava
me acalmar contando histórias para mim e Pérola, mesmo que a gente não
fosse mais tão criança assim.
— E ele também fazia aquela bebida que você gostava de tomar antes
de dormir. Nescau, Nesquik e leite em pó, não era?
Ele fazia mesmo.
Minha avó me dava todos os dias a noite antes de dormir, porque eu
amava. Era a forma de ela me mimar. Gael também fazia quando eu dormia
lá. Eu parei de tomar um tempo depois, porque era uma bomba de açúcar,
mas eu gostava da sensação de ser cuidada.
E foi isso que fez com que eu odiasse Bernardo por me lembrar daquilo.
Sabia muito bem o que ele queria insinuar.
— Com o que posso te ajudar? — cortei aquela conversa horrível dele.
Ele relutou em abrir a boca, provavelmente com raiva de mim, mas
acabou soltando o garfo para me olhar.
— Você poderia falar com ela? E me ensinar algumas coisas sobre
garotas, também. Eu não tenho ideia do que fazer.
Deixei minha cabeça cair para o lado, surpresa pelo pedido do garoto.
Ele era a porra de um gênio e queria a minha ajuda para conquistar uma
mulher?
— E o que eu ganho com isso?
Cruzei meus braços, adorando a sensação de tê-lo em minhas mãos.
Vi seu olhar vacilar, o pomo-de-adão subir e descer, indicando seu
nervosismo.
— O que você quiser.
Era isso mesmo que eu queria ouvir, gênio! Esperei todo esse tempo por
isso! Yes!
— Você vai me ajudar a conquistar seu pai.
Estiquei minha mão, disposta a fechar meu acordo com ele. Mal podia
conter o sorriso, por saber que o tinha amarrado bonitinho. Ele precisava da
minha ajuda e eu era a pessoa mais qualificada para ajudá-lo em um raio de
cem metros.
Se ele quisesse ter sua professora, precisaria me ajudar com seu papai.
Vi seu ódio como faíscas naqueles olhos, vi sua mente de milhões pifar
por ser obrigado a me dar a única coisa que ele disse que eu nunca teria.
Adorei cada segundo daquela reação.
Ele desistiu e voltou atrás pelo menos uma dezena de vezes antes de
levantar da cadeira e pegar minha mão com firmeza, selando nosso acordo
de cavalheiros.
— Será um prazer ser sua madrasta.
Gael estava muito esquisito comigo. E eu nem precisava me esforçar
para pensar no motivo.
Durante o café da manhã, depois que eles chegaram de viagem às 3h da
manhã, ele nem me olhou. Quando nossos dedos se tocaram depois de ele
pedir o mel e eu me prontificar em entregar, o homem faltou sair correndo
para passar álcool em gel e se livrar dos meus germes.
Eu não sei como conquistaria aquele coraçãozinho rebelde.
Gael foi para o restaurante logo depois e eu fui para a praia com Pérola
e meu novo pupilo na arte da sedução, Bernardo. Foi difícil para Pérola
convencê-lo a sair do quarto, após alguns insultos e ameaças, ele resmungou
e nos seguiu para o elevador.
— Bizarro não ter botão, não é? — Cutuquei Pérola, apontando para a
parede do elevador.
— Isso se chama programação.
Perdi o sorriso ao escutar Bernardo, como sempre, o maior estraga-
prazeres de todos. Ele tinha uma explicação lógica para todas as questões da
Humanidade?
Forcei um sorriso para ele, que só me ignorou e voltou a falar com a
irmã.
Bruno abriu a porta para nós, novamente.
— E aí, Bruno! Já na labuta? — Dei dois tapinhas no ombro do meu
novo amigo.
Pérola e Bernardo estavam um pouco à frente e pararam para me olhar.
— Deus ajuda quem cedo madruga — ele me respondeu com um
sorriso todo aberto.
O homem era bem risonho, dava para ver de longe.
— Essa aqui é minha amiga Pérola e o gênio da programação ao lado
dela é o Bernardo. — Apontei para os dois que ficaram parados, incapazes
de dar um simples “Oi” para o homem.
— Muito prazer. Precisando de ajuda, é só falar. — Bruno fez um gesto
com seu quepe, os olhos focados em Pérola.
— Bom te ver, Bruno! — Acenei para ele e segui para o lado da minha
amiga, que entrelaçou o braço ao meu.
— Você estava dando em cima do porteiro? — Bernardo apareceu na
minha visão periférica.
— Estava, não estava? — Pérola deu uma cotovelada em minhas
costelas, toda brincalhona.
— Claro que não. Aquela era eu, sendo simpática.
— Não parecia.
Por que aquele garoto resolveu que tinha intimidade comigo para falar
isso? Três semanas atrás ele só murmurava quando passava por mim.
— Se eu estivesse dando em cima dele, com toda certeza, você saberia.
Bernardo corou e Pérola começou a colocar ainda mais pilha na
situação. Eu falei alguma merda? Na minha cabeça foi de boa, mas acho que
não saiu da forma como eu esperava.
Pegamos uma tenda reservada para os moradores do prédio. Tinha até
um garçom para nos trazer refrescos e petiscos.
Uau, que incrível a vida dos milionários!
Implorei para Pérola ir até a água comigo, porque com duas pessoas
ficava mais fácil de se defender de um tubarão. Tirei minha camiseta
primeiro e depois o short jeans, no meio do caminho, vi um roxo na minha
canela e inclinei a coluna para ver melhor. Nem lembrava onde eu tinha
batido.
Quando virei para pendurar minha roupa, Bernardo estava bem atrás de
mim, sentado em uma espreguiçadeira, olhando de forma estranha para a
minha bunda. Quando percebeu que eu o flagrei, ele virou o rosto para o
outro lado e começou a mexer no celular.
Essas crianças...
Fui para o mar com Pérola, permanecendo lá por algum tempo. O sol
estava quente e a água uma delícia. Conversamos durante todo o tempo e
fiquei feliz por curtir aquele momento com ela. Pérola andava ocupada
demais, fazia bastante tempo que não tínhamos um tempo só para nós duas.
E bastou voltarmos para a tenda, que esse tempo acabou.
Ela gritou e saiu correndo para se dependurar no colo de Tato, que
estava sentado ao lado de Bernardo.
Enxuguei meu corpo com a toalha e sentei ao lado de Bernardo, que
olhava da mesma forma que eu para aquele agarramento sem fim dos dois.
— Não vai tomar sol?
Apontei, referindo-me às suas roupas. Uma camiseta daquela marca
“Star Trek” de novo e bermuda.
Acho que nunca vi Bernardo sem camisa na minha vida. Ele nunca
entrava na piscina, nem no mar. Era por isso que era pálido daquele jeito. Se
fizessem um remake de Crepúsculo, ele seria o primeiro a ser escalado para
a família Cullen.
— Não.
— Tá bom! — Foi tudo o que eu consegui falar, nem um pouco
surpresa por ele.
Pois eu iria para o sol! Arrumei o rolinho atrás da minha nuca e
posicionei o corpo para tomar o sol. Mexi no meu celular um pouco, mas
minutos depois, a situação diante dos meus olhos era terrível.
Pérola e Tato estavam quase se comendo ao olhar livre. Minha amiga,
literalmente, montou nele na espreguiçadeira. Bernardo e eu estávamos até
que afastados dele e eu conseguia ouvir o barulho da língua deles daqui.
— Lição número um: nunca, sob hipótese alguma, nem que te amarrem,
faça isso na frente de ninguém. — Segurei no apoio de braço da
espreguiçadeira de Bernardo.
— Anotado.
Olhei para ele, vendo sua careta de nojo diante daquela situação. Não
deveria ser fácil ver sua irmã naquele estado, mas ele nunca falava nada e
era o primeiro a acobertar Pérola. Que, obviamente, abusava muito da boa
vontade do menino.
— Vamos virar e conversar, mocinho.
Virei de bruços, percebendo que Bernardo ficou um pouco travado pela
minha posição, mas acabou virando também, deitando em sua
espreguiçadeira de barriga para baixo e o rosto virado para mim.
— Vamos responder a Paola?
— Vamos.
Ontem eu disse que ele precisava ignorá-la. Tudo o que nós, mulheres,
temos fácil, enjoamos fácil. Uma triste realidade.
Estiquei a mão com a palma aberta e ele entregou seu celular.
— Cara, você precisa trocar esse celular — reclamei ao tentar
desbloquear com a cara dele e não conseguir, porque nem tinha essa
funcionalidade.
— Tudo o que o planeta precisa é de mais lixo eletrônico contaminando
o solo só porque você precisa ter o que todos têm. Que ideia incrível!
Senti que perdi minhas habilidades faciais, porque fiquei imóvel,
apenas olhando aquele garoto inacreditável.
— É só um celular, pelo amor de Deus!
— Nunca é só um celular, Pietra.
— Desbloqueia essa merda logo — perdi a paciência com ele e ofereci
seu lixo eletrônico para ser desbloqueado. Ele digitou 1510 e logo apareceu
seu papel de parede com uma galáxia. — Sua senha é igual a minha — disse,
chocada com a coincidência. — É a data do meu aniversário.
— Ah, legal. — Abaixou os olhos para clicar no ícone do app de
mensagens. — A minha é o ano em que foi descoberta a Eletricidade.
Jesus, ele era muito esquisito!
Resolvi ignorar as bizarrices de Bernardo e mandar a mensagem para
Paola.

Ela queria brincar? Pois eu também sabia brincar. Eu não, Bernardo, no


caso. Ou eu guiando Bernardo. Enfim, só mandei a mensagem.
— Por que você mandou essa lua cheia junto?
— Para ela saber que você está querendo.
— Por uma lua?
— É uma lua safada.
Coloquei o celular na espreguiçadeira, cansada por toda essa interação
com ele. Se ele tivesse falado tanto assim comigo desde que nos
conhecemos, eu já teria cabelo branco e rugas.
— E se ela me responder?
— Você... responde... de volta! — expliquei pausadamente. — As
interações humanas funcionam assim.
— Eu não vou conseguir.
A forma como ele falou deu um apertozinho no meu coração. Sou uma
alma bondosa e imagino como deve ser difícil ser tão tímido a esse ponto.
Precisava ter mais paciência com Bernardo.
— Se ela te chamar para sair, me conte o que você faria.
Achei que era um tópico seguro para começar, a partir daí eu poderia
explicar muita coisa.
— Eu a levaria para jantar.
Hum, acho que isso seria legal.
— Em que lugar? — perguntei só por curiosidade mesmo.
— Naqueles lugares que têm velas nas mesas.
Precisei segurar um sorriso, porque aquilo foi adoravelmente brega.
— Parece promissor.
— Você aceitaria se alguém te convidasse para ir a um lugar assim?
Mordi a parte interna da bochecha, sem saber muito bem o que
responder para ele.
— Nunca tive essa experiência.
Vi um relance de surpresa em seu rosto, mas ele disfarçou bem e deu de
ombros.
— E depois, o que você faria? — instiguei-o mais um pouco.
— Acho que... conversaríamos um pouco. Sobre a faculdade?
Franziu o nariz, como se fosse eu a juíza de seu date perfeito.
— Eu sugiro pedir um vinho antes de tudo isso, o papo fluí melhor.
— Eu não bebo.
Meu Deus, meu Senhor, me ajuda, por favor! Eu entendia aquele peixe
com toda a minha alma.
— Nada? — Eu o vi balançar a cabeça negativamente. — Por quê?
— Tenho medo de perder o controle.
— Tipo... Virar alcoólatra? — Fiquei confusa. Bem confusa.
— Ser motivo de piada para os outros.
Não soube responder aquilo, porque eu sabia que aquela questão
derivava de muitas e muitas outras. Ninguém que passou por tudo aquilo
durante o colégio conseguiria superar tão fácil.
— Ok, então você conversaria com ela, não é? E depois? Se ela te
convidasse para ir a um lugar mais reservado?
Escutei um gemido naquele momento e virei a cabeça para ver se estava
tudo bem com Pérola e Tato. Eram eles que precisavam de um lugar
reservado.
— Eu não conseguiria.
Ele estava indo bem, mas era nítido que ele travaria se tivesse que lidar
com qualquer interação humana maior que uma conversa.
— Responde algo com sinceridade para mim? — pedi e vi um anuir
delicado. — É por algum trauma? Ou só timidez mesmo?
Bernardo deu de ombros, parecendo derrotado.
— Eu sinto que não me encaixo. — Ele fez uma pausa e eu abri a boca.
— E não é sobre sexualidade, Pietra. — Fechei a boca. Droga! — Em criar
conexões. Em agir com naturalidade perto de alguém. De garotas,
principalmente.
Era compreensível que se sentisse assim. A idade que temos para testar
limites, conhecer nosso corpo e relações interpessoais, ele estava sendo
motivo de piada da escola. E depois daquele ano que estudamos juntos, ele
entrou na faculdade. Quem entrava na faculdade com dezesseis anos?
Foi triste perceber que na mesma época que eu também lidava com
isso, Bernardo passava pela mesma coisa.
Eu fui sexualizada de inúmeras formas. Ele foi hostilizado e maltratado.
Eu decidi não me fechar. Ele decidiu viver em sua bolha.
E eu não fiz nada para ajudar. Eu nem vi, na verdade.
— Sabe de uma coisa? — Tentei soar animada com a minha ideia que
parecia muito perfeita na minha cabeça. — Vamos começar suas aulas com
isso, em se sentir confortável ao lado de uma mulher.
— Não sei se gosto disso... — disse, amedrontado.
— Passa bronzeador nas minhas costas?
Se pedisse para Bernardo participar de uma orgia comigo, ele ficaria
menos escandalizado.
— Não.
— Vai deixar minhas costas se queimarem nesse sol? — Estiquei o
frasco em sua direção.
— Vou.
— Bernardo, confia em mim. Eu quero te ajudar — falei sério com ele,
tão sério que ele estremeceu.
Bernardo engoliu em seco e, com delicadeza, retirou o bronzeador da
minha mão. Ajeitei meu corpo melhor na espreguiçadeira e fiquei próxima
das pernas dele, sentado ao meu lado. Relaxei os ombros e o observei abrir a
tampa e colocar um pouco na mão. Já ganhou um ponto na minha
classificação chamada, HDP, vulgo, Homão da Porra, só por não tacar o
creme gelado nas minhas costas.
Suas mãos continuavam bem longe de mim e vi quando seus joelhos
começaram a tremer.
— Bora! Tô ardendo!
Tentei ajudar, mas acho que piorou. Porque tinha um duplo sentido
péssimo ali.
Bernardo espalmou as mãos nas minhas costas, até levei um susto.
Dava para sentir suas mãos trêmulas. Virei o rosto para que ele não ficasse
com mais vergonha e foi então que ele começou a se movimentar,
espalhando o creme com cuidado, como se minha pele fosse algo totalmente
quebrável.
Seus dedos foram para meus ombros, desceram para as escápulas e foi
no momento que ele chegou à minha cintura que eu percebi que fiz merda. O
toque suave começou a arrepiar os pelos do meu braço. Sua mão estava
quente e ele tentava tanto não tocar em mim que aquele mínimo espaço entre
seus dedos e minha pele, parecia ter a energia de um raio.
— Estou com fome, vou voltar para o apartamento.
Bernardo se afastou tão rapidamente, que senti até frio sem toda aquela
energia esquisita. Ergui a cabeça para falar com ele, mas o garoto já estava
correndo na areia rumo ao calçadão.
E eu nem podia culpá-lo, porque se eu fiquei nervosa, imagine ele.
Na verdade, era melhor não imaginar.
Nunca odiei alguém o quanto eu odiava Pietra naquele momento.
Não deveria ter votado “sim” para ela vir conosco.
Não deveria ter entrado naquele voo com ela, muito menos ter deixado
que me acalmasse no avião.
Não deveria ter feito combinado nenhum com ela, porque agora eu
estava preso no meu quarto, arfando e confuso.
Fechei minha mão até que a unha começasse a machucar a palma,
tentando pensar em outra coisa que não fosse a pele macia de Pietra, nas
pintas que tinha nas costas. Na marquinha do biquíni contrastando com seu
bronzeado.
Ela sabia muito bem o que estava pedindo e eu agi como um
adolescente idiota, porque talvez fosse exatamente isso que eu fosse.
Respirei fundo e arrumei a postura, tentando clarear minha mente.
Tentando fazer qualquer coisa que me acalmasse, na verdade. Foi aí que
lembrei o que os garotos falavam sobre tomar um banho gelado para se
acalmar. Era o que eu poderia fazer, porque a outra coisa, eu me recusava.
Não depois da tragédia que foi a última vez.
Parti para meu banho gelado, ficando satisfeito por perceber que, sim,
funcionava. Coloquei meu jeans e uma camiseta, decidido a terminar o livro
que vim lendo do Brasil, mas que não consegui terminar, porque espiar a
histórias dos aliens de Pietra acabou se tornando mais interessante.
Um parágrafo depois eu decidi que não conseguiria ler nada, porque
estava inquieto, envergonhado, trêmulo e vergonhosamente excitado.
Precisava sair de casa e ir para qualquer lugar longe de garotas com a
pele tão macia quanto veludo.
Eu não tinha muitas opções, porque não tinha amigos. O único amigo
verdadeiro que eu tinha era meu pai e foi para ele que corri.

O Arraz daqui de Miami era muito bonito. Todos eram, na verdade.


Mas esse era diante da praia, com um deck impressionante em frente. De
noite, a luz ficava bem baixa e criava uma atmosfera mais intimista. De
tarde, tudo estava vazio, as cadeiras em cima das mesas e alguns
funcionários estavam sentados perto do bar.
Fui até a cozinha, onde meu pai estava. Eu sabia que ele era
extremamente rigoroso com a qualidade do menu, todos os pratos deveriam
ter o mesmo sabor, independente do país. O que acabava sendo um enorme
desafio para ele.
Como imaginei, estava debruçado sobre a bancada de inox,
conversando com dois sub-chefes sobre o ponto ideal da redução de
champanhe de um dos pratos.
Minha irmã não dava a mínima para as receitas, mas eu escutava por
horas meu pai contar sobre todo o preparo e seus segredos. Cozinhar era
como uma grande equação, que era resolvida seguindo passos. Eu era muito
bom em equações, já em cozinhar nem tanto. Não como meu pai.
Parei ao lado de outra bancada, esperando que terminasse de falar com
os homens, mas seus olhos vieram parar em mim e logo entregou a colher
para um deles e veio em minha direção secando a mão em um pano de prato.
— Ao que devo a honra dessa surpresa tão especial?
O sorriso do meu pai era algo surreal. Mesmo nos piores momentos, ele
se mantinha ali. Ele era incrível, o melhor pai do mundo.
— Não aguento mais ficar com Pérola e Pietra.
Era uma queixa constante em todas as férias, porque elas realmente
irritavam com seus gritinhos, linguagem própria e música alta. Esse ano, o
motivo era um pouquinho diferente.
— O que acha de velejar um pouco? Tenho de estar aqui antes das seis,
mas temos algum tempinho até lá.
Sempre adorei como ele, por mais trabalho que tivesse, sempre
estivesse ali por nós, para o que precisássemos. Nunca houve uma Feira de
Ciências, recital de ballet, apresentação de Dia dos Pais, briga ou choro, em
que ele não estivesse presente.
Pérola e eu somos totalmente opostos e mesmo assim meu pai
conseguiu se adequar em todas nossas particularidades. Ele aprendeu o nome
de todos os dinossauros comigo, a ordem correta de todos os filmes da
Barbie com Pérola, a construir protótipos de foguetes e também a servir chá
da tarde para ursinhos.
Ele me entendia, não julgava, só se fazia presente. Que era tudo o que
sempre precisei.
— Vamos!
Assim como ele fazia questão de entender nossos hobbies, eu quis
entender os dele. Aprendi a velejar, a cozinhar, até a jogar tênis. Meu pai
também era um cara solitário às vezes e eu gostava de ser sua companhia.
Chegamos ao ancoradouro bem rápido, não ficava tão longe do
restaurante. Tínhamos um veleiro de cinquenta pés que era o xodó do meu
pai. Eu gostava muito também, enquanto velejávamos sempre senti que eu
era muito útil, era um legítimo trabalho em equipe.
Ele não precisou falar o que eu deveria fazer, eu já sabia. Fui checar as
velas, refazendo alguns nós que estavam frouxos, chequei os cabos e olhei
para a biruta, percebendo que o vento soprava para o Leste.
Meu pai fazia a regulagem na vela mestra quando passei por ele.
— Checou o balão? — perguntou.
— Vou checar.
— A força do vento está em 5, talvez seja necessário.
Fui até a proa checar a vela, um das menores, que ajudava quando o
vento estava muito forte.
Demoramos cerca de meia hora para recolhermos a âncora e zarpamos
do cais. Pretendíamos ficar ali na costa, sem ultrapassar a distância de uma
milha, era o nosso primeiro passeio das férias e não tínhamos muito tempo.
Fiquei ao lado do meu pai no leme e precisei só ir uma vez posicionar a
genoa, uma vela situada na proa. Parei próximo ao guarda-corpo,
observando o mar calmo ao nosso redor.
Consegui respirar ali, pela primeira vez desde que me jogaram com
Pietra em um avião. Ela fazia com que eu ficasse nervoso. Minhas mãos
quase sempre suavam com ela por perto. Era difícil ficar próximo de alguém
que era uma força da natureza, assim como o oceano que cercava o veleiro,
assim como o vento que nos impulsionava para frente.
— Está tudo bem?
Senti a mão apertar meu ombro. Olhei para o lado, assentindo.
— Tem certeza?
Mordi o lábio, engolindo a vontade de contar para ele tudo o que estava
acontecendo. Nunca existiram segredos entre nós. Não até ele omitir um
detalhe tão importante de mim.
— Sim, só estou cansado. As meninas falam demais.
— Foi tudo bem na viagem? Tomou seu remédio?
— Tomei, mas tive uma crise antes de decolar.
Decidi sentar no chão, aproveitando que estávamos ancorados. A vista
estava muito bonita naquele fim de tarde.
— Sinto muito, filho!
— A Pietra ajudou.
Vi quando o olhar dele vacilou ao escutar o nome dela.
— Que bom! — Ele deu dois tapinhas em meu joelho, que não foram
suficientes para aliviar o clima pesado.
— Eu acho que ela gosta de você.
Eu era justo. Pietra estava ajudando com toda a situação com Paola, eu
também tinha de honrar minha parte. Por mais horrível que fosse.
Ontem, diante daquela proposta, eu só pensei que poderia controlar a
situação ao meu favor. Em favor da paz de espírito da minha família, na
verdade. Eu poderia jogar dos dois lados, não seria difícil. Só que depois de
hoje, da forma real com que ela tratou a minha situação, sem piadas, sem
olhares de pena, eu tinha de ser justo com Pietra.
— Bernardo, ela tem a sua idade. Que loucura!
— Não é algo de outro mundo.
Dei de ombros, como se não tivesse a menor importância.
— Para mim, é.
Não sei por qual motivo eu não confiava naquilo. Nem um pouco. E a
sensação não era nada boa.
Meu pai mudou de assunto, perguntando sobre a faculdade e contando
sobre um prato que ele queria incluir no cardápio. Passamos algum tempo
conversando e depois voltamos para o cais. Ele foi para o restaurante, eu
voltei para casa.
Quando entrei no apartamento, estava melhor, conseguia respirar e
meus pensamentos já não me assustavam tanto. Mesmo quando encontrei
Pietra vendo televisão ao lado da minha irmã, enfiando um punhado de
pipoca na boca. Ela olhou para mim, piscou o olho direito e voltou a olhar
para a tela. Tudo o que fiz foi dar as costas e me trancar no quarto. Como
sempre.
Tomei outro banho, porque era o que eu fazia. Ficava nervoso? Ia pro
banho. Estava feliz? Banho. Com sono? Banho. Querendo acordar? Banho.
Meu jantar foi um pacote de M&M’s que eu tinha ali, porque me
recusava a sair daquele quarto. Aproveitei o tempo livre para trabalhar em
meu artigo, enquanto escutava algum filme antigo em um canal qualquer da
TV a cabo.
Perto da meia-noite, comecei a ficar com fome. Não uma fome de
M&M’s, sim, de algo mais substancial. Salvei o arquivo e fechei o notebook,
depois fui até a porta, sendo golpeado pelo pior barulho que eu poderia
escutar no começo de uma madrugada: um gemido.
E não era um gemido de dor.
Era um gemido de uma mulher que estava gostando demais de fazer
algo dentro daquele quarto.
O quarto da minha irmã, por acaso.
Eu teria todos os motivos do mundo para ficar puto por minha irmã
estar transando naquela altura, comigo dento do apartamento, mas a única
coisa que eu pensei realmente foi que aquele gemido não era da minha irmã.
Pietra estava dividindo o quarto com Pérola. A Pietra, que queria
enlouquecidamente ficar com meu pai.
E se fosse meu pai e Pietra dentro daquele quarto?
O M&M’s começou a revirar dentro do meu estômago e precisei me
afastar o mais rápido possível daquele som horroroso. Saí correndo para a
sala, sentindo minha cabeça girar.
— Está passando mal, gênio?
Virei o pescoço tão rápido ao escutar aquela voz, que quase desloquei
uma vértebra.
Pietra estava no sofá, no mesmo lugar em que a vi, horas atrás. Dessa
vez coberta por uma manta, a pele azulada pela luz da televisão refletindo
nela.
A Pietra que eu achei que estava gemendo loucamente com meu pai
dentro do quarto.
— Não é você? — Apontei para o corredor, chocado.
Nem pensei antes de dizer aquilo.
Ela começou a gargalhar, inclinando a cabeça para representar melhor o
quanto ela achava graça de mim. E não poderia ser diferente.
— Você acha que eu gemo assim?
Silêncio.
Pietra falava algumas coisas um pouco particulares demais de uma
forma muito natural. Dava para ver que ela soltava sem querer e eu nem
poderia culpá-la, porque eu era pior em me autoenvergonhar.
— É a sua irmã com Tato — informou com uma bela revirada de olhos
ao final.
Eu deveria ficar abalado por estar escutando minha irmã transando
daquela forma com um cara mais velho que meu pai? Porque não fiquei.
— Ah, tá.
— Ela pediu que eu avisasse por mensagem quando Gael chegar, que aí
ela fica quietinha.
Se amizade fosse isso, eu estava bem sem ter uma. Eu era irmão de
Pérola e não me odiava tanto assim para me expor a isso.
Não respondi e fui para a cozinha, sentindo que o nó do estômago tinha
se dissipado e minha fome voltado. Peguei um pão sírio, passei o hommus e
dobrei o pão no meio. Coloquei no copo um pouco de Coca-Cola e quando
fui virar para voltar à sala, Pietra estava parada feito um fantasma perto da
bancada.
— Tô com fome.
Sempre achei engraçado como Pietra se produzia quando saía com
minha irmã e ficava com a aparência de uma mulher poderosa, com seus
decotes e saltos, e como era na realidade sem aquele tanto de maquiagem e
roupas de brilho. E no seu dia a dia, era muito mais simples. Agora mesmo
estava com um short de malha listrado em tons de cinza e a blusa do pijama
com um jacaré fazendo o símbolo de Paz & Amor com a pata.
Eu achava que ambos os estilos combinavam demais com ela. Os dois
eram Pietra.
— Tem pão na geladeira.
— Nossa! Tá bom, então.
Respirei fundo e empurrei o meu prato pela bancada, para ela. Pietra
abriu um sorriso e não levou dois segundos para enfiar na boca e morder
com vontade.
Fiz meu sanduíche com calma, observando suas caras e bocas ao provar
o pão. Assim que dei a primeira mordida no meu, escutei um barulho
tenebroso vindo das entranhas da minha irmã. Ao olhar para Pietra, ela
tapava os ouvidos com uma das mãos enquanto o outro lado era tapado pelo
ombro.
— Se uma mulher faz esse som com você, saiba que venceu na vida.
Tive ânsia de vômito ao escutar aquilo e joguei Coca-Cola em cima
para tentar cessar aquela sensação horrível.
— Prefiro morrer vi... — Prendi os lábios, sabendo que eu não deveria
dar munição para Pietra.
O que claramente era tarde demais.
— Acho muito difícil você morrer virgem.
Minha irmã gemendo loucamente foi esquecido em questão de um
milésimo de segundo. Coloquei o copo de volta à bancada e prendi meu
olhar ao dela, uma das poucas vezes em que consegui fazer aquilo sem sentir
vergonha e logo desviar.
— Por quê?
— Sua professora está louquinha para te deflorar.
Dessa vez precisei de muito esforço para segurar a risada, porque ela
era louca. Completamente louca.
— Cala a boca, Pietra!
— Ok, então.
Ela deu de ombros e saiu segurando o sanduíche entre os dentes e o
copo na mão. Respirei fundo por alguns instantes, antes de decidir segui-la
novamente para a sala, escutando um “Ai, Tato” tão alto que fez meu
tímpano vibrar. Doer. E implorar por ser destruído para nunca mais escutar
nada.
Sentei no braço do sofá, olhando para a televisão onde Pietra assistia
uma novela antiga pelo streaming.
Nunca imaginei que me sentiria confortável ao lado de Pietra.
Confortável talvez não fosse a melhor palavra, mas não era tão humilhante,
desesperador e intenso como era anos atrás. Sempre senti medo de Pietra,
por ela ser tão... ela. Sempre a considerei intimidante ao mesmo tempo em
que era interessante.
— Que horas isso vai acabar? — Apontei para o corredor.
— Eles já estão lá há uma hora. Esse homem deve tomar Viagra, não é
possível.
A forma como falava as maiores atrocidades de forma totalmente
natural era diferente.
— Meu pai já deve estar chegando.
— Estou vigilante e atenta.
Minhas mãos começaram a suar e eu achei melhor voltar para o quarto
e parar de me humilhar tanto assim. Sem falar nada, levantei e levei o prato e
o copo comigo.
Não levou dez minutos para escutar o barulho do elevador. Minhas
pernas foram mais rápidas que meu cérebro e quando vi, já estava com a
porta entreaberta, tentando escutar o que Pietra e meu pai conversariam.
— Pérola já foi dormir? — Escutei meu pai perguntar, seguido de um
barulho de algo metálico em contato com vidro.
— Foi, estava com dor de cabeça.
O silêncio no quarto de Pérola era revoltante.
— Você comeu?
— Bernardo fez para mim.
Meu pai não falou nada sobre isso, mas escutei alguns passos. Senti
meu coração bater mais forte, combinando com minha artéria temporal que
não parava de pulsar.
— Gael, posso conversar com você?
Minha respiração começou a ficar falhada e foi difícil buscar ar.
Droga! Droga! Droga!
Eu não aceito ter Pietra como madrasta. Eu aceito qualquer uma, menos
ela.
— Estou cansado, Pietra. Preciso muito de um banho e dormir. Pode ser
amanhã?
Os dois ficaram em silêncio e eu temi que Pietra o tivesse agarrado de
vez.
— Ok, sem problemas. Tenha uma ótima noite!
Fechei a porta quando escutei os passos do meu pai se aproximarem do
corredor. Encostei minhas costas à madeira e precisei de um pouco de
esforço para respirar fundo.
Voltei à minha cama e tentei ocupar minha cabeça com o livro, mas
quinze minutos depois eu já estava caminhando de um lado para o outro,
irritado e cheio de energia. Deveria ser a falta de praticar alguma atividade
física.
Depois de duzentos e dez passos — contados pelo meu relógio —
decidi que aquela ideia de Pietra e Pérola era péssima. E eu precisava ajudar.
— Tato vai dormir aqui?
Voltei à sala, vendo que Pietra continuava no mesmo lugar, vendo
televisão e coberta até o pescoço.
— Acho que sim. O homem parece ser potente e sua irmã deve ter a
larissinha de ferro.
— Larissinha? — perguntei, mas decidi abstrair, porque não sei se fazia
questão de entender. — Onde você vai dormir?
— Aqui, ué!
— Meu pai vai voltar. Ele bebe água de madrugada.
— Conto com isso.
Pietra puxou a coberta, fazendo uma pose com a perna dobrada. Suas
pernas pareciam tão macias quanto a pele de suas costas, sem qualquer
marca. O short curto deixava uma faixa da bunda à mostra.
Eu precisava pensar extremamente rápido.
— Ele vai saber que tem alguém com a Pérola se você continuar aqui.
Cruzei os braços, tentando não demonstrar meu nervosismo.
Eu estava pensando no quê? O que eu deveria fazer?
— Você quer que eu vá para onde? Dormir na lavanderia? — Pietra se
irritou e arrancou de vez a coberta.
Era pele demais exposta. Muita perna também. Alguém tão pequena
deveria ter pernas tão longas?
— Você pode ficar no meu... No meu quarto.
Meu corpo estava em chamas, de pura vergonha. Eu estava pensando
no quê? Perdi a sanidade? Perdi a vergonha? Eu nem desmaiei em falar isso!
Pietra olhou para mim seriamente, seus olhos ficaram pequenos à
medida que examinava cada parte do meu rosto. Cruzei minhas mãos e
estiquei meus braços, deixando que caísse próximo à minha barriga.
Eu não oferecia perigo.
Nem se eu quisesse poderia ser algum perigo para uma mulher.
Simplesmente não estava no meu DNA.
E Pietra pareceu perceber isso quando simplesmente jogou as pernas —
longas, sedosas e macias — para fora do sofá e se colocou de pé.
— Ok, vou mandar uma mensagem para sua irmã avisando que estou
lá. Quando Tato for embora, ela avisa e eu vou dormir.
— Ok! — Foi tudo o que consegui responder ao ver Pietra passar em
minha frente e seguir na direção do corredor.
Essa foi a pior ideia que tive em toda minha vida. Tenho certeza.
Tinha momentos em nossa vida que pareciam tão bizarros quanto ir
parar em uma realidade paralela.
Ver Bernardo arrumar um edredom e travesseiros no chão para que eu
deitasse, era um desses momentos.
Corri o dedo pela bancada em frente da ampla janela com a vista do
mar iluminado pela luz da lua. Tinha pelo menos dez dinossauros de
brinquedo encostados na parede. Peguei um deles, porque era muito fofo e,
infelizmente, eu não era o tipo de pessoa que conseguia admirar uma coisa
sem tocar.
Esse quarto de Bernardo parecia ter muito mais personalidade do que o
outro. Tinha dinossauros de brinquedo, pôsteres de foguetes, uma flâmula da
NASA, até um abajur legal que a lava azul ficava subindo e descendo.
Gostei daqui.
Tinha uma cama de casal enorme também, até maior do que a de
Pérola. Mas ainda assim ele juntava umas almofadas no chão para mim,
como se montasse um cantinho para seu bicho de estimação. Eu nem
reclamaria muito, porque seria esquisito ficar ali na cama com ele, por mais
que existiriam uns três quilômetros de distância entre nós, de tão grande que
era.
— Pronto, acho que assim está bom — ele disse ao finalizar a
arrumação do meu cafofo.
Atravessei o quarto e fiquei ao seu lado, olhando as almofadas
arrumadas como em um cercadinho.
— Você pode colocar o Triceratops no lugar? É item de colecionador.
— Quem? — Franzi a testa.
— O dinossauro. — Apontou para minha mão.
— O brinquedo?
— Não é um brinquedo.
— É de plástico.
Bernardo bufou e tirou o dinossauro da minha mão, colocando-o de
volta em sua perfeita arrumação. Depois, subiu na cama enquanto eu
continuei parada ali, sem entender nada do que estava acontecendo.
Eu não queria ser um problema para Pérola. Ela já me ajudou muito
mais do que eu merecia. E sabia que ela estaria metida em um grande
problema se Gael descobrisse que ela estava com Tato no quarto, na verdade,
com qualquer outro cara no quarto. Ele tinha regras bem definidas quando o
assunto era dormir com namorados em casa. A regra era: expressamente
proibido.
Um tanto arcaica a forma como meu futuro homem cuidava de suas
crianças.
Será que essa regra era válida para Bernardo e eu dormindo no mesmo
quarto enquanto sua filha está no rala e rola com o melhor amigo dele?
Não sei. Acho que sim.
Em todo caso, é melhor eu ficar quieta aqui.
Sentei no meu cantinho e reparei Bernardo com o livro em frente do
rosto. Batuquei minha perna com a pontinha dos dedos e comecei a sentir
tédio. Ou nervosismo. Não sei bem.
— Qual é a dos dinossauros?
Inclinei meu rosto para o colchão, ficando apenas com o queixo na
pontinha.
Bernardo deixou o livro cair da altura do rosto e umedeceu o lábio
inferior antes de falar.
— Eu curto.
— Uns bichos que ninguém sabe se realmente existiram?
—Todo mundo sabe que existiu, Pietra.
— Poderiam ser ossos de uns cachorros grandes, ué.
Ele olhou para mim como se eu fosse completamente louca.
— Sua avó deve querer te colocar para fora de casa.
Ela falou brincando e eu sabia disso, mas foi automático ficar na
defensiva. Porque aquele sempre seria um gatilho enorme.
— Ela não tem escolha, já que eu sou órfã.
Saiu antes que eu sequer processasse. O rosto de Bernardo ficou
vermelho e ele abriu a boca pelo menos três vezes, antes de começar a
gaguejar, completamente embaraçado.
Joguei meu corpo nas almofadas, decidida a cochilar e encerrar aquele
assunto que eu mesma criei. Tinha momentos em que eu mesma ficava puta
com minhas atitudes. Esse era um deles.
— Minha mãe gostava de dinossauros, do filme, na verdade. Meu
quarto de bebê era de dinossauros e eu... Eu me sinto próximo dela.
A voz baixa de Bernardo ecoou no quarto e senti meu coração apertar.
Eu nunca vi Pérola, Gael, muito menos Bernardo, que era o que eu tinha
menos contato, falar sobre a mãe deles. Pérola era muito discreta com esse
assunto e tudo o que sei é que ela decidiu se separar de Gael e deixar as
crianças com ele. Ela trabalhava em um salão de beleza dentro de um hotel
chique e se apaixonou por um médico que morava em outro país e se
mandou com ele, deixando namorado e filhos para trás.
Ergui meu corpo, voltando a sentar com as pernas cruzadas em pose de
Buda. Olhei Bernardo, percebendo que ele ainda estava vermelho e sem
conseguir me olhar.
Ele era um garoto sensível e não falava aquelas coisas para machucar,
ele só não conhecia nada sobre mim. O que deveria saber era quase nada.
— Sinto muito por isso.
— Sinto pela sua mãe também — respondeu; a voz quase em um
sussurro.
Ficamos em silêncio, até escutar o barulho de algo caindo dentro do
quarto de Pérola. Olhei assustada para Bernardo, que só revirou os olhos e se
jogou em seus travesseiros que pareciam muito confortáveis.
— Nunca vi o filme dos dinossauros — usei aquele ponto para tentar
mostrar que estava tudo bem.
Eu não culparia uma criança que nem sabe dos meus problemas.
— Jurassic Park? — Bernardo parecia assustado.
Assenti, para seu total espanto.
— Nem o novo?
— Tem novo? — Franzi minhas sobrancelhas e vi o desespero em seu
olhar.
— O que você fazia quando era criança?
— Via novela mexicana. — Dei de ombros.
— Não sabe o que está perdendo.
— Me mostra, então.
Precisava lembrar sempre que Bernardo não estava acostumado com
interações humanas que não fossem com Pérola e com Gael. Ele pareceu tão
alarmado quanto que se eu pedisse para ele bater na minha bunda com um
chicote de açoite. O garoto precisava urgentemente de novos amigos.
— Você... quer ver o filme?
Juro que pensei em zoar com a cara dele, mas decidi que sou uma alma
bondosa e que preciso da ajuda de Bernardo para sair deste quarto
diretamente para o quarto ao lado. E não é o de Pérola que estamos falando
por aqui.
— Quero.
Ele se animou, foi até bonitinho. Levantou da cama, rápido, e colocou
em um streaming que tinha toda a coleção. Toda a coleção de seis filmes! Eu
estava fodida.
— Esse de 1993 foi um marco na história do cinema, o Steven
Spielberg foi um gênio criando essa história. O filme é um ícone da cultura
pop.
Ele era muito empolgado, não era à toa que vivia para cima e para
baixo com aquela camiseta. Bernardo colocou o filme e voltou a deitar na
cama. Eu deitei nas almofadas novamente, mas não conseguia ver direito,
porque a própria cama acabava tapando a metade inferior da televisão, onde
ficavam as legendas.
Fiquei sentada, escorada na cama, olhando atentamente a imagem
envelhecida. Eu não curtia muito filmes velhos, mas estava ansiosa para ver
os dinossauros e entender o porquê de tanto hype em cima desse filme.
Durou dez minutos meu interesse, porque minhas costas começaram a
doer naquela posição.
— Bernardo? — chamei. — Posso subir aí?
Novamente aquela cara de assombro apareceu. Esse garoto precisava
urgentemente aprender a disfarçar emoções.
— Minhas costas estão doendo e não estou conseguindo enxergar.
— T-tá... — gaguejou.
Pulei rápido para a cama, surpresa pela maciez. Era como dormir em
cima de uma nuvem.
— Por que sua cama é tão fofinha?
Passei a mão pelo cobre-leito cinza dele. O de Pérola tinha toda aquela
firula de ser comprado na tal loja de Paris, mas a cama de Bernardo parecia
incrivelmente mais macia, geladinha e perfeita.
— Gosto de fingir que estou em um hotel.
— Eu acho que é até melhor. — Alisei mais um pouco o tecido e
resolvi focar no filme.
Fiquei com vergonha de me encostar aos travesseiros e fiquei sentada
com as pernas para fora da cama, totalmente torta. Não queria bagunçar a
cama chique dele, muito menos ficar próxima demais. Estávamos em uma
situação estranha, não queria que ele confundisse algo.
— O ser humano é burro demais. Eles criam uns putas predadores,
jogam num parque e juram que vão tratá-los que nem um Lulu da
Pomerânia?
Neguei com a cabeça, assim que começou a dar merda no filme. Óbvio
que daria.
— Foi a melhor explicação que já ouvi sobre esse filme.
Ele estava zoando com a minha cara, como sempre. Era difícil carregar
a sina de ser a única pessoa sobre a face do planeta Terra que era alvo das
piadinhas inteligentes de Bernardo. Ele precisava de terapia, porque repetia
os padrões de bullying que fizeram com ele, agora comigo. Absurdo!
— Estou torcendo para que os dinos sentem a mordida nesses bocós. —
Cruzei os braços, voltando a olhar a grande televisão pendurava na parede.
— Você não quer sentar direito? Sua coluna vai estar em formato de S
quando você fizer trinta anos.
Fiquei parada dois segundos olhando para a cara de Bernardo, enquanto
tentava entender se aquilo era um convite, uma preocupação ou uma praga
que ele rogava.
— Obrigada pela preocupação, coração!
Fiz uma voz melosa e dei algumas bundadas para trás, aconchegando-
me entre os travesseiros macios.
Era melhor do que um orgasmo.
Do que alguns orgasmos, na verdade.
Puta que pariu!
— Eu nunca mais quero sair da sua cama. Nossa!
— Obrigado? — Sua voz era um misto de dúvida e nojo, que fez com
que eu gargalhasse.
Ele cutucou meu braço, apontando para a porta. Tapei a boca com a
mão e tentei rir mais baixo. Enfiei minha cabeça entre aquele mar de penas,
algodão egípcio e conforto e voltei a assistir ao filme.
Bernardo estava entretido e bem distante de mim. Era muito estranho
estar ali com ele, mas eu achei que seria muito mais estranho. Era só...
incomum?
O resquício de lixo eletrônico dele acendeu bem ao meu lado e eu não
resisti em dar uma espiadinha. O garoto era uma incógnita para mim, vai que
ele tinha uma vida dupla? Na realidade era apenas Paola.
— Ei, a professora mandou uma mensagem! — Estiquei o celular para
ele, sentindo que um pedaço do vidro da película entrou na ponta do meu
dedo.
— O T-Rex vai aparecer. — Esticou o dedo para a televisão.
Era por essas e outras que ele continuava sendo virgem.
Revirei os olhos e digitei a senha para desbloquear o celular. Ele viu
que eu estava mexendo, mas nem se importou. Era estranho mexer no celular
de um cara e ele não surtar por isso, ou tentar encobrir algo, ou
simplesmente arrancar da minha mão. Acredite, já aconteceu. E, sim, eu era
corna.

Ahhhh, que grande safada a prodígio da Termo-alguma-coisa!


— Bernardo, ela está dando em cima de você! — Tentei falar baixo,
mas não rolou, quando vi já estava esfregando deliberadamente o celular nas
fuças dele.
Bernardo largou o T-Rex de lado, apenas para ler a mensagem e ficar
pálido. Aquele menino precisava de um check-up, toda hora sua pressão
parecia que ia parar lá no pé.
— Pietra, eu... Eu...
— Você nada, meu filho. Eu digito, você olha. Vem cá! — Nem esperei
ele vir, porque eu fui. Sentei ao seu lado e tirei o celular da mão dele,
enfiando outro pedaço de vidro na ponta do indicador. — Troca esse
película, pelo menos. Vai que é que nem farpa e para no seu coração.
— O quê?
— Quando a farpa entra no dedo, sabe? Ela pode ir parar no seu
coração se você não tirar.
— E quem te disse isso?
— Todo mundo.
Dei de ombros, batendo a ponta dos dedos na tela, pensando no que eu
escreveria.
— Não faz o menor sentido.
— A vida não tem sentido, Bernardo — cortei-o, antes que ele
desvalidasse mais uma crença popular.

Respondi para a Professora Helena, digo, Paola.


— Eu nunca falaria assim.
— Pois deveria.
— Não sei falar com garotas.
— Está falando comigo, não está?
Arqueei uma sobrancelha, vendo seu malar tremulando à medida que
ele apertava os dentes.
— É diferente. — Sua voz ficou mais baixa. — Você só está aqui por
causa do meu pai. Se não fosse por isso, você não teria nem subido até meu
quarto aquele dia.
Abri a boca para falar algo, mas fechei, porque percebi que eu não tinha
o que falar. Era verdade, se não fosse aquela conversa com Gael na cozinha,
eu não teria subido para tentar convencer Bernardo de que não existia nada
entre seu pai e eu. Senti que deveria falar algo, mas limitei meu olhar para o
filme.
— Ela respondeu.
O celular veio parar na minha mão mais uma vez e eu sorri ao ler a
mensagem de Paola.

— Agora é hora de dar um gelo nela.


Coloquei o celular na mesinha de cabeceira.
— Ela não vai pensar que eu sou um idiota?
— Homens são idiotas, já estamos acostumadas com isso.
Bernardo se calou e nós voltamos a ver o filme. Vibrei com as cenas de
ação, torci para que os personagens escapassem, torci para que o T-Rex
dominasse a porra toda. Minhas emoções estavam confusas com aquele
filme que, sim, era muito bom.
Quando terminou, meus olhos estavam cheio de lágrimas e quase pedi
para Bernardo colocar a continuação. Eu até pediria, se ele não estivesse
dormindo. Desliguei a televisão e fiquei parada, só sentindo aquele
geladinho da cama dele. Ele dormia de uma forma engraçada e por mais que
o quarto estivesse escuro, a luminária de lava iluminava seu rosto.
Nunca tinha reparado em como o formato de seu rosto era bem
desenhado, quadrado, com o queixo proeminente. Os homens estavam
formando filas em clínicas de estética para ter aquele ângulo na mandíbula.
Sua mão direita segurava o queixo, ligeiramente inclinado na minha direção.
Ele não tinha barba, mas compensava a falta de pelos com o cabelo
volumoso. Fiquei com vontade de tocar, só para testar se era tão macio
quanto parecia. Injusto um homem ter um cabelo daquele.
Eu só poderia estar ficando louca! Era o sono, só isso justificava
aqueles pensamentos esquisitos.
Inconsolável por me afastar daqueles lençóis incríveis, travei a maior
batalha da minha vida, até o bom senso vencer e eu levantar rumo ao meu
cafofo. Estava pronta para deitar quando escutei um barulho vindo do
corredor. Acreditei que fosse Pérola, finalmente liberando Tato do ninho do
amor. Se ele fosse embora, eu ainda poderia dormir em paz na cama
verdadeiramente designada para minha pessoa.
Abri a porta com cuidado, tomando cuidado para não fazer nenhum
ruído. Meu coração levou um golpe seco e dolorido ao ver aquela figura no
fim do corredor, de mãos dadas com o meu sonho de consumo. Antes fosse
Tato.
Gael levava em um silêncio absoluto a Miss Leblon para seu próprio
quarto. Na calada da noite. Os dois amantes secretos de mãos dadas.
Fechei a porta, aceitando a sensação de fracasso. Engatinhei para
minhas almofadas, sentindo algo ferver dentro do meu peito. Eu nem tive a
chance de lutar, porque já estava perdido.
Que sensação de merda!
Abracei uma almofada, disposta a passar as próximas duas horas
sofrendo por um homem. Algo inédito para mim.
Até lembrar que eu já passei por coisas muito piores do que ser jogada
para escanteio por um cara. Perder uma batalha não vai fazer com que eu me
renda.
Pietra Rossi não nasceu para perder e Gael não perdia por esperar o que
estava por vir.
Estava dormindo em pé pelos cantos daquele apartamento na manhã
seguinte. Acordei às cinco da manhã, dormindo menos de três horas naquele
chão duro do quarto de Bernardo. Não queria que ninguém me visse saindo
dali e me esqueci de avisar Pérola.
Comecei a fazer o café da manhã para distrair a mente e tomar aquela
dose extra de cafeína para aguentar o dia. Escutei o barulho de uma porta
sendo aberta no corredor exatamente às 5h40 da manhã.
Fiquei parada, sem fazer nenhum barulho e vi quando Helena e Gael
apareceram na sala. Ele vestia apenas uma calça de flanela xadrez e ela
carregava a sandália de salto na mão.
— Bom dia! Querem café? — falei um pouco alto demais e desfrutei do
susto que levaram.
Os olhos verdes de Gael estavam arregalados e odiei a forma como ele
segurou a cintura da Miss Leblon, um gesto superprotetor de sua parte.
Inferno de homem!
Agora Helena se recuperou bem mais rápido do que ele e colocou um
sorrisinho naquele rosto cheio dos procedimentos por cada centímetro
daquela pele perfeitamente bonita, viçosa e brilhante dela.
— Bom dia, Pietra. — Ela foi a primeira a falar, sua voz muito amável
para o meu gosto. Fingida! — Tenho que ir, mas obrigada pelo convite.
Sustentei um sorriso extremamente cheio de dentes para ela, até que
fosse embora. Gael, ainda meio sem jeito, a levou até o elevador e voltou
para a minha frente. Foi aí que fiz questão de fechar meu sorriso, bem na
cara dele.
— O que acha de termos aquela conversa agora? — Suas mãos
pendiam nos quadris.
Perdi a concentração e o caminho para seu rosto, porque o foco era total
nos quatro gominhos em seu abdômen. Quatro gominhos perfeitamente
esculpidos. Quatro gominhos infernais que passaram a madrugada sendo
acariciados por uma senhora.
— Pietra? — Ele estalou os dedos duas vezes na frente do meu rosto.
— Tá. Pode ser!
— Quer correr na praia?
O homem era uma máquina! Deve ter mandado ver — se é que a Miss
Leblon dava conta do recado — a noite toda e ainda queria correr. Uau!
Assenti e deixei o café de lado. Não era algo anormal em nossa
dinâmica. Eu gostava de correr, ele também. Pérola, só sabia fazer
musculação com pesinhos de um quilo e Bernardo parecia ser meio
asmático, então, eu era sua companhia de corrida.
Como imaginava, Tato já não estava mais no quarto de Pérola, que
estava apagada no meio da cama. Em silêncio, coloquei o short e o top de
corrida, peguei meus tênis e saí do quarto. Quando voltei à sala, Gael já
estava trocado.
Encontrei com Bruno, que iniciava seu turno naquele exato momento.
Ele acenou e eu fiz um gesto com meus dois dedos para cumprimentá-lo.
Gael pareceu um pouco interessado na minha interação com o porteiro, mas
não falou nada.
Alongamos um pouco na praia, ele configurou seu relógio digital, então
começamos a correr. A praia estava muito bonita naquela manhã e fomos
sentido Miami Beach. O som de nossas pisadas na areia e os pássaros
cantando naquela manhã ensolarada era a única coisa audível.
Ele deveria estar me odiando. Uma pentelha atormentando sua vida.
A Miss Leblon deveria ter falado sobre tudo o que aconteceu para ele,
com toda certeza.
Continuei correndo, usando a raiva como combustível. Vinte minutos
depois, Gael parou próximo a uma casinha de madeira utilizada pelos salva-
vidas. A praia estava vazia e enquanto tomava fôlego, vi Gael sentar na
escada de madeira pintada de azul-bebê.
— Helena contou que vocês se conheceram por acaso.
Eu sabia! Nunca confie em alguém que anda de terninho e salto alto no
Rio de Janeiro. Nunca!
Sentei na escada também, ao lado dele. Dane-se
— Ela roubou o presente que eu daria para Pérola — comentei ainda
com rancor.
Se eu culpo Bernardo até hoje por ter me chamado de burra aos quinze
anos de idade, pensa o que vou fazer com essa história com Helena.
Gael sorriu de lado e foi difícil lembrar que eu estava brava com ele por
inúmeros motivos, começando por:

1 – Ter uma vida sexual ativa.


2 – Não ter correspondido meu beijo.
3 – Ter ignorado todo contato comigo desde então.
4 – Não ver que eu sou uma bela gostosa.

— Pietra, você sabe que eu te considero como uma fi...


— Eu não sou sua filha! — cortei-o bem antes que aquela heresia saísse
de sua boca. Uma vez falado, não se dava para voltar atrás.
— E confesso que fiquei muito assustado com sua atitude no
aniversário das crianças.
Eu tinha duas escolhas diante daquela situação.
Poderia confessar meus sentimentos/desejos/fetiches ou poderia fazer o
papel da adorável Pietra, aquela que ele mais gostava, novamente. Com o
bônus de que agora ele tinha uma lembrança muito íntima de mim. Eu
poderia fazer tudo voltar ao normal entre nós dois, aproximar-me cada vez
mais, fazer com que aquelas férias fossem um verdadeiro martírio para ele.
— Eu... Eu não pensei direito. — Pisquei os olhos duas vezes, batendo
os cílios como uma mocinha recatada de livros de época. — Estava um
pouco confusa naquele dia.
— Eu imaginei.
— Estou envergonhada por minha atitude.
Abaixei os olhos para a areia, tentando usar todo meu dom oriundo das
aulas de teatro na escola para fazer aquele papel ridículo.
— Eu compreendo, Pietra. E gostaria de pedir desculpa se em algum
momento eu deixei subentendido algo ou disse alguma coisa que possa ter te
confundido.
— Não, você é incrível para mim, Gael. Uma das melhores pessoas que
conheço na vida. — E não era mentira aquilo. — Eu só estava confusa e um
pouco carente.
Ele observou meu rosto, tentando pegar algo no ar, mas eu não dei
brecha nenhuma.
— Podemos passar uma borracha em cima disso? — Ele fez uma careta
engraçada e eu sorri, afirmando.
— Por favor! Isso nunca mais irá se repetir.
Eu sabia o poder que a palavra nunca tinha para um homem. E adorei
falar aquilo para ele.
— Obrigado por não ter falado sobre Helena para a Pérola! Eu não
tenho ideia do que ela faria se descobrisse.
Ah, eu tenho. E como tenho.
Mas eu tinha limites. Além de que desconfio que Helena não tivesse
contado para Gael o que eu disse sobre gostar do pai da amiga e tal. Se
tivesse falado, ele com certeza falaria durante seu discurso de papai
responsável que ele adorava pregar para cima de mim.
— Só quero que você seja feliz, seja com quem for.
Gael sorriu de lado e o vento bateu em seu cabelo, fazendo com que eu
me lembrasse do cabelo de Bernardo ontem. Desviei os olhos para o mar,
apoiando meu queixo nos joelhos.
— Ela é uma boa pessoa. Já passou por muita coisa na vida.
Tipo não ter horário na manicure na véspera de Natal? Uma tragédia
para nossa Miss.
— Dá para ver. — Arreganhei um sorriso para ele.
— E tem a minha idade.
Fiquei parada olhando para seu rosto risonho. Ele claramente segurava
a risada e eu senti minhas bochechas arderem de pura vergonha.
Ele estava zoando com a minha cara!
— Idade é só um número. — Foi a primeira coisa que eu disse de
verdade ali, algo que eu falaria, sem dúvidas.
Gael gargalhou alto e segurou minha cabeça com suas mãos grandes.
Eu jurei que ele fosse me beijar. E, sim, ele beijou. O topo da minha cabeça.
— Vamos embora, dona Pietra.
Voltamos correndo lado a lado para casa. O clima estava muito mais
leve entre nós dois, então eu tinha certeza de que eu estava de volta ao jogo.
Sem Gael erguendo um muro entre nós, eu poderia muito bem dar conta de
conquistá-lo.
Chegamos suados ao apartamento e com o corpo cheio de areia. Entrei
rindo de uma piada que ele fez e a primeira coisa que vi foi Bernardo
olhando para nós dois, boquiaberto, sentado adiante da bancada com
algumas panquecas na sua frente.
— Oi, Bê! — Gael foi para cima do filho, que começou a fugir da
tentativa de abraço do pai suado.
Vi que ele olhava para mim e tudo o que fiz foi colocar os dois dedos
para cima, sorrindo verdadeiramente para mostrar que eu estava de volta ao
jogo.
E agora seria para ganhar.

Senti que minhas férias finalmente tinham começado quando fui com
Pérola para o shopping. Ela gastou o meu salário do ano em questão de duas
horas. Eu sou uma grande mão de vaca e só comprei um perfume. Na
verdade, o mesmo body splash que tive que jogar no aeroporto para não ser
presa por tráfico de drogas.
Pérola fazia a festa na Gucci quando eu vi um quiosque de capinhas
para celular. Deixei minha amiga provando seus sapatos caros e fui até lá,
perguntando se ainda existia película para o celular a.C ― sim, antes de
Cristo ― de Bernardo. Eu me recusava a ter uma partícula de vidro indo
parar no meu coração — se isso fosse verdade, o que segundo Bernardo, não
era.
Paguei cinco dólares em uma película que no Saara deveria ser dois
reais. Esse garoto só trazia prejuízos para a minha pessoa. Psicológicos,
emocionais e financeiros.
Almocei com minha amiga, feliz por estarmos compartilhando aquele
momento juntas. No final da tarde ainda vimos o pôr-do-sol juntas, sentadas
na praia. Toda hora Pérola olhava para o celular. Na realidade, minha amiga
estava bem desfocada de tudo nas últimas semanas.
— Acho que hoje vou jantar com o Tato.
Não consegui disfarçar minha cara de bunda e Pérola percebeu.
— O que foi?
Suspirei. Eu poderia mentir para minha amiga em alguns quesitos, mas
em outros eu era extremamente sincera com ela.
— Você está trocando tudo pelo Tato, não está sendo legal.
— Mas eu gosto de estar com ele.
— E nós também gostamos de estar com você. — Cruzei os braços,
disposta a falar tudo o que eu pensava. — Seu irmão, seu pai e eu nem temos
mais tempo com você.
Pérola bufou. E ela fazia isso porque sabia que eu estava certa.
Minha amiga tinha uma propensão a focar tanto em um cara, tornando-
se quase obcecada por ele e isso fazia com que tudo e todos ficassem de
lado. Pérola tinha um medo absurdo de ficar sozinha e isso a fazia cair em
cada cilada.
— Você está exagerando.
— Bernardo virou o mais próximo que eu tenho de um amigo nessas
últimas semanas. E isso é desesperador.
Agora ela riu alto, dando um tapinha no meu braço.
— Vocês devem estar bem no fundo do poço, então.
— Para você ver o que sua falta nos faz.
Minha amiga fez um biquinho, porque era assim que ela ganhava tudo.
Jogando com nossos sentimentos. E ela sempre conseguia.
Eu a abracei, depositando um beijo em seu ombro.
— Migas antes dos machos, lembra?
— Lembro — resmungou. — Sorry, baby. Vou tentar ser mais presente.
— Acho bom!
— É que você não tem o que ele tem.
— Ele pode ter uma picona, mas eu tenho amor, sabe?
Pérola me abraçou e eu continuei ali com ela, curtindo o final da tarde.
Quando voltamos ao prédio, cruzei com Bruno, que terminava seu turno. Ele
já estava até com outra roupa, o que deixava bem visível o quanto ele era
sarado. Seus bíceps deveriam ser do tamanho da minha coxa. E olha que
minhas coxas eram grandes!
— Opa! Opa! Aonde vamos com todo esse estilo? — brinquei com ele
que acenava para o outro porteiro.
Bruno logo colocou um sorriso no rosto e vi Pérola olhar da cabeça aos
pés para o homem. Ela era péssima em disfarçar seu julgamento.
— Para o melhor point de Miami.
Ele piscou para mim e observei a camisa florida combinando com uma
calça branca muito justa.
— Que é...? — sondei.
— Aqui... — Bruno entregou um folheto para Pérola, que olhou e fez
aquela cara que me fazia ter vontade de dar uma voadora nela.
— Ah, eu não frequento essa parte da cidade. — Pérola entregou o
folheto para mim. — Muito perigoso.
Revirei os olhos ao ver o anúncio de uma casa noturna na Calle Ocho.
Era uma rua conhecida de um bairro latino que já escutei muita gente falar
bem. Muita gente que não era minha amiga.
— Parece divertido! — Tentei contornar a situação.
— E é, porque eu levo as melhores pessoas para lá. — Seu sorriso
realmente era o melhor de todo o conjunto. E olha que o resto da obra
também era impecável. — Quando quiserem se divertir para valer, é só
aparecer lá.
— Eu acho que não. — Pérola o cortou e puxou minha mão, tirando-
nos dali rapidamente.
Em alguns momentos da vida eu queria dar uma voadora em Pérola,
esse era um desses. Eu achava divertido o jeitinho de patricinha mimada
dela, mas tinha hora que irritava um pouco, até porque eu não entendia de
onde vinha aquilo, porque Gael e Bernardo não eram assim. Parecia que ela
incorporava a Sharpay Evans, de High School Musical, por dois minutos e
depois voltava a ser a Pérola de sempre conosco. Pelos meus poderes
adquiridos no estudo do comportamento humano in natura na escola cheia
dos burgueses safados que estudei, aquela era uma forma de se proteger.
Se ela fosse arrogante, ninguém a faria sofrer. Era uma boa técnica de
autodefesa, quando não usado com alguém gente boa, como Bruno.
Quando entramos no apartamento, Bernardo estava assistindo a um
documentário sobre o espaço, na sala escura.
— Temos que ir jantar com pai lá no restaurante — Bernardo falou
assim que entramos.
— Por quê? — Pérola questionou.
Como poderia questionar comida de graça?
— Ele que pediu.
Pérola suspirou e não perguntou mais nada, apenas seguiu em direção
ao corredor, fechando a porta do quarto suavemente.
— E aí? — Joguei meu corpinho cansado no sofá.
— Como vai?
Achei graça da forma como ele falava, mas não falei nada, só tirei da
bolsa meu presente e coloquei em cima de sua perna.
— Presente pra você.
Bernardo olhou para mim de uma forma que parecia que eu tinha
acabado de dar uma Lamborghini banhada a ouro para ele.
— Para mim?
Assenti e o vi abrir a sacolinha e ficar confuso em pegar o envelope da
película.
— É para colocar no seu celular.
Bernardo riu baixinho e assentiu.
— Obrigado.
— Não quero detritos de tela indo parar na sua corrente sanguínea.
— Você está errada.
— Concordamos em discordar, então.
Levantei do sofá e decidi ir tomar um banho antes de sairmos. Esperei
Pérola sair do banheiro e tentei ser rápida, mas eu não levava jeito para isso.
Ainda mais por saber que eu encontraria Gael. Queria estar perfeita.
Demorei muito tempo para escolher meu look e quando Pérola passou
por mim, até deu uma arregalada nos olhos, provando que eu acertei na
escolha. A calça pantalona branca de cintura alta deixava minhas pernas
mais longas e combinava com o cropped prata com recortes na cintura e um
decote poderoso. Ela me deixava pronta para o crime. O crime de pegar o pai
da minha melhor amiga, eu espero.
Quando entrei no carro, Bernardo fez uma careta de susto, mas
disfarçou bem ao virar para frente e se concentrar em dirigir.
O Arraz era um evento. Ainda me lembro da primeira vez que entrei
nele, na primeira unidade, lá no Rio. Foi simplesmente o lugar mais chique
que já tinha entrado até então. E, sim, ainda era chique para mim. Agora
muito mais moderno, com seu ambiente amadeirado e com muitas folhas de
palmeira artificiais pendendo do teto. Era bonito demais!
O gerente foi quem nos recepcionou e levou até uma mesa no meio do
salão. O restaurante estava cheio, com quase todas as mesas ocupadas. E
ainda assim Gael acharia tempo para jantar com os filhos. Devia ser incrível
ter um pai que valoriza tanto tempo de qualidade com os filhos.
Infelizmente, não dei sorte nesse quesito.
Era a primeira vez que eu poderia beber legalmente nos Estados Unidos
e Pérola já começou pedindo vinho para nós duas, já que o Galileu Galilei
não bebia. Beber legalmente era algo muito forte, porque com vinte e um
anos eu já estava quase aposentando as chuteiras, depois de ter começado
minha carreira bem cedo. Não tem fígado que aguente uma adolescente
viciada na vida noturna.
Gael apareceu algum tempo depois, vestido aquela roupa de chef de
cozinha que ele me ensinou uma vez ter o nome de dólmã. O branco
contrastava com sua pele bronzeada, deixando seus cabelos mais dourados
ainda. Ele beijou a cabeça de Pérola e Bernardo e veio na minha direção,
abrindo um sorriso que deixou minha cabeça até zonza. Ele se abaixou para
dar um beijo na minha, eu não queria que ele me cumprimentasse da mesma
forma que cumprimentava os filhos dele e ergui a cabeça. Acabamos em
uma situação embaraçosa quando minha boca ficou próxima de seu queixo.
No final, acabei ficando sem beijinho.
Quando voltei a sentar direito na cadeira, Bernardo, na minha frente,
me julgava com aqueles olhos de cervo dele, balançando a cabeça
negativamente.
Pedimos de entrada um brie folhado com mel que era simplesmente a
melhor coisa que já comi em toda minha vida. Pérola não parava de falar
sobre o nosso dia para Gael, enquanto Bernardo e eu apenas observávamos
os dois.
Eu estava sentindo um clima bom ali, toda a tensão das últimas
semanas pareciam ter se dissipado. Acreditava que as coisas melhorariam
dali em diante.
E, obviamente, eu comemorei cedo demais.
— Olá!
Parei com a taça a meio caminho da boca ao ver a Miss Leblon em
pessoa na minha frente, em toda sua glória dourada, alta e magérrima. Olhei
para Gael no mesmo instante e vi que conteve um sorriso. Diferente de
Pérola, que abriu um sorriso enorme e cheio de dentes para aquela senhora.
— Helena, você está passando férias aqui também? — perguntou minha
amiga, animada.
Não entendia por que Pérola gostava tanto assim dela. O ciúme bateu
bem lá no fundinho do meu coração e pensei que eu poderia acabar com
aquela simpatia em dois segundos.
— Sim, cheguei hoje.
Mentirosa!
Gael convidou Helena para sentar conosco e eu percebi que tinha a
quantidade exata de cadeiras à mesa. Aquele jantar era a porra de uma
armadilha!
Virei o vinho com tudo, tomando em um só gole. Bernardo deu um
chute no meu tornozelo e eu o encarei, puta da vida.
— Que é?
“Está tudo bem?”, perguntou movendo a boca, sem som.
Dei de ombros e estiquei meu corpo para encher minha taça com mais
vinho.
— Olá, Pietra!
Repuxei um lado da boca, sendo o máximo de simpatia que consegui
entregar àquela zinha.
Depois ela foi para Bernardo, que assim como eu, era o único que não
parecia cair de amores por ela. Não que ele não fosse educado, ele só não
fazia festa como um Golden Retriever quando ganha uma bolinha de tênis.
Enquanto Helena e Pérola conversavam sobre o quanto gostavam de
Miami, eu encarei Gael, bem séria. Ele percebeu e retribuiu o olhar,
movendo a cabeça delicadamente para os lados, como se pedisse para eu não
criar uma cena.
Eu não criaria. E como poderia? Naquela mesa, todos tínhamos o rabo
preso. Presos em uma rede, em uma maldita rede de mentiras.
Gael mentia para os filhos. Pérola mentia para Gael. Eu mentia para
Pérola. Bernardo mentia para o pai. E ele e eu mentíamos para todo mundo.
— Seu marido não te acompanhou, Helena? — Pérola mais uma vez
puxou assunto com a mulher, assim que as entradas foram servidas.
Tudo o que eu conseguia fazer era comer aquele maldito brie e
empurrá-lo com o vinho.
Olhei para a cara da loira. Marido? Além de tudo era uma traidora? Que
ótimo! Quanta classe, Gael!
Helena engoliu em seco e vi quando Gael a olhou, certa preocupação
surgindo em seus olhos.
— Faz um ano que estou divorciada — ela falou baixinho, parecendo
incomodada.
Ah, ótimo! Gael tinha destruído um casamento. Partidão!
— Ah, eu não sabia. Sinto muito! — Pérola ficou sem graça.
— Estou melhor assim.
— Todo mundo fica melhor depois de uma separação. — Minha amiga
piscou, simpática. — É por isso que você está linda.
— Você que está, minha querida. — Ela tocou na mão da minha amiga,
da minha amiga, por cima da mesa. — E você, Bernardo? Seu pai contou
que você planeja visitar o centro espacial em Cabo Canaveral.
Bernardo assentiu e eu senti uma pontinha de orgulho por ele não fazer
festa para ela. Não dava nem para saber se ele gostava dela ou não, porque
só se limitava a não deixá-la falando sozinha. Algo que ele não fazia
comigo, a propósito. Porque ele falava — e muito! — comigo. Chupa essa,
Miss Leblon!
— Se precisar de companhia, posso ir contigo. Sei que seu pai e sua
irmã têm uma vida bem agitada.
— Eu vou com ele, não será necessário — o efeito do álcool falou por
mim e ganhei atenção de todos à mesa. Principalmente de Bernardo. — Amo
foguetes. Espaço sideral, satélites, tudo!
Vi Bernardo segurar os lábios, como se fosse muito educado para rir da
minha cara. Dane-se! Ela não vai tentar conquistar Bernardo e levá-lo para
seu lado. Ele é o único que resta do meu lado agora. Vou defendê-lo das
garras chiques dela a todo custo.
— É um assunto muito interessante — Helena se aquietou depois da
minha interferência.
— Demais — disse, entredentes.
Gael deu uma risada aleatória, que eu não compreendi o motivo muito
bem, porque já estava zonza. Pérola parecia ter abstraído do assunto e
voltado a focar no celular, tanto que nem escutou o que eu falei. Diferente de
Bernardo, que seguia me encarando como se eu fosse a porra de um enigma.
— Você estuda com a Pérola?
Por que a Miss Leblon resolveu focar em mim agora?
— Sim.
— Uma carreira lindíssima a que você pretende trilhar.
— Aham.
Com a graça de Deus o garçom chegou para pegar nossos pedidos. E a
ladra de família parou de falar para perguntar qual prato Gael indicava.
Voltei a olhar para Pérola e Bernardo, uma ainda focada no celular, outro
brincando com o sal, e me perguntei como eles não estavam percebendo
aquela putaria rolando bem na cara deles?
— Ei, Tato está indo lá para casa. Vou sair de fininho, tudo bem? —
Pérola sussurrou ao meu ouvido.
A essa altura eu já estava alterada pelas cinco taças de vinho e a
conversa adulta de Gael e Helena e só revirei meus olhos.
— Preciso voltar para casa, papi. Esqueci que tenho uma entrevista com
o pessoal do curso em Nova York.
Uma coisa eu tinha de admitir. Nós não éramos apenas mentirosos, sim,
os melhores mentirosos.
Pérola conseguiu o que queria e ainda deixou Gael todo bobo, porque
sua filha era uma garota muito esforçada.
Aham, tá bom!
Antes da sobremesa, eu fui ao banheiro, porque as seis taças de vinho
cobraram seu preço. E nem foi só pela bexiga cheia, mas também porque eu
precisava de ar. Estava tonta, enjoada e triste.
Saí da cabine reservada e tive a certeza de que aquela era realmente
uma noite traiçoeira e que a cruz só ficaria ainda mais pesada, quando vi
Helena retocando o batom no espelho do banheiro. Ela também me viu, mas
continuou em seu processo enquanto eu lavei minhas mãos.
Achei o cúmulo do absurdo que ela ― de calça jeans, camiseta branca e
tênis ― chamasse muito mais atenção de Gael do que eu vestida com meu
melhor look. Ela estava tão básica hoje que nem lembrava a madame ladra
de sandálias do shopping.
Olhei meu reflexo no espelho, arrumei meu cabelo e meus peitos no
decote do cropped.
— Obrigada por não contar nada para Pérola e Bernardo.
Olhei para nosso reflexo, vendo-a na mesma posição que eu.
— Não é assunto meu. — Dei de ombros e vi que assentiu, agradecida.
Umedeci os lábios e tamborilei as pontas dos dedos no mármore da bancada.
— Por que não contou para Gael sobre aquilo que você sabe?
— Porque também não é assunto meu.
Suprimi um sorriso, porque a situação era até que engraçada.
— Pietra, nós não somos inimigas. — Ela pousou a mão no meu
antebraço, fazendo com que eu olhasse alarmada para aquele gesto. — Já
tive a sua idade, sei como tudo é confuso.
Ela falou como uma verdadeira adulta agora. Que na verdade, era o que
ela realmente era. Senti um pouco de vergonha, porque ela deveria achar que
eu era uma criança iludida com um crush fofo em seu homem.
— Tentar se fazer de minha amiguinha não vai mudar toda a situação
— deixei bem claro.
— Não estou tentando mudar qualquer situação. Você tem todo o
direito de sentir o que quer que seja, por qualquer pessoa que seja. Eu
compreendo.
— Ótimo, porque não vou desistir!
Ela sorriu, mas não era irônico, maldoso, nem nada. Era até acolhedor.
Irritante demais.
— Estou feliz de ter uma concorrente à altura.
Helena piscou o olho direito e, antes de sair do banheiro, passou os
dedos na ponta do meu cabelo. Como em um afago muito do esquisito de
sua parte. Ela tocou no meu cabelo!
Na minha quebrada nós cortamos o cabelo de quem quer pegar nosso
homem, não faz carinho! Que louca!
Depois da sobremesa, Gael voltou ao trabalho, provavelmente para
fazer de Helena a sua sobremesa. Pensar nisso me irritou e eu tomei mais
duas taças de vinho antes de ser rebocada do restaurante por Bernardo. Nos
últimos tempos, não importava o que eu fizesse, no final éramos Bernardo e
eu apenas.
Inferno de gênio!
— O que está acontecendo com você hoje? — ele perguntou assim que
o manobrista entregou o carro.
Bufei e sentei de qualquer jeito no banco, tendo muita dificuldade em
encontrar o cinto. Escutei Bernardo respirar fundo e se inclinar na minha
direção. Tomei um susto quando o vi tão perto de mim. Poderia ser loucura
da minha cabeça bêbada, mas seu cabelo tinha um cheiro perfeito, algo
cítrico, aquele cheiro de homem saindo do banho que impregna em cada
parte do nosso sistema nervoso. Um cheiro que eu nunca esperei que
Bernardo tivesse.
Ele pegou o cinto e passou por meu corpo, seus dedos resvalaram no
colo e estremeci.
— Você me deu choque! — Alisei o lugar onde ele tinha tocado,
tentando dissipar a energia.
— É só um acúmulo de elétrons.
Eu deveria ter rido, mas olhei para ele com mais atenção.
Bernardo me prendeu ao cinto e se afastou um pouco, o suficiente para
olhar meu rosto. Ele era tão irritante, tão arrogante em toda sua pose de
gênio. Nunca tinha ficado tão próxima de Bernardo assim, na vida, e
observei a pintinha que ele tinha no alto da bochecha e o furinho no queixo,
algo muito discreto, que nunca tinha reparado. Ergui o olhar para sua boca,
não fazendo ideia do porquê de ter feito isso. E odiei como considerei sua
boca perfeita, o arco do cupido era muito bem delineado, a parte inferior,
volumosa. Bloqueei o pensamento antes mesmo de pensar, porque eu me
conhecia.
— Obrigada — murmurei, tentando qualquer coisa para dissipar
aqueles pensamentos.
Bernardo se afastou, pela graça do meu bom Deus, e colocou aquele
carro em movimento. Em menos de dez minutos já estávamos no elevador,
subindo para o apartamento. Fiquei afastada de Bernardo o máximo que
consegui, porque não queria dar margem para pensar que a boca dele era
interessante.
— Pérola saiu com Tato?
Neguei, mas apontei para o corredor, de onde vinha um barulho de
cama batendo na parede. Lamentável!
— Que nojo! — Bernardo fez um careta, franzindo todo o rosto. — Eu
vou, é... — parou de falar e também de me olhar, parecendo ter perdido a
capacidade de se comunicar.
— Tá bom, boa noite!
Bernardo saiu apressado pelo corredor e eu joguei o corpo no sofá,
sentindo minha vida girar. Não deveria ter bebido tanto, inferno! Agora
estava ali, sem quarto, sem roupas, sem banho, sem moral e sem qualquer
controle emocional pelas merdas que passavam em minha cabeça.
Chutei as sandálias para fora do meu pé e abracei as pernas, escutando
aquelas batidas na parede com dor no coração. Acho que eu odiava Tato.
Sim. Um pouco, ao menos.
Passei a próxima meia hora escutando aquele escroto macetar minha
amiga, com direito a tapas e muito xingamento. Esse era o pior dia da minha
existência nesse planeta fodido.
Quando o escutei falar — em um tom extremamente alto — para ela
“Abrir a boca para o papai” eu desisti e saí correndo para o corredor.
Abri a porta de Bernardo sem nem bater e o achei sentado na cama, já
com uma calça de flanela e camiseta branca, de banho tomado; a julgar por
seu cabelo molhado. Ele ergueu os olhos, as mãos paralisadas em cima do
teclado do notebook.
— Posso dormir com você, de novo?
O cheiro do cabelo de Bernardo estava por todo canto daquele banheiro.
No shampoo, no gel de banho, até no perfume que eu cheirei. Quem nunca?
Se qualquer humano me convida para seu banheiro, eu vou fuçar em todos
os armários só para conter a minha curiosidade.
Depois do banho, minha curiosidade não estava saciada. Peguei um
pouco do perfume e coloquei no meu pescoço, só porque era muito bom.
Extremamente bom. Nunca tinha sentido um cheiro tão bom.
A curiosidade não cessou e eu decidi pesquisar no Google o nome do
perfume, que também fazia conjunto com o shampoo e o gel de banho,
porque eu queria cheirar assim também. Quando carregou, eu quase deixei o
celular cair no chão.
Mil e setecentos reais em um perfume? Vindo do garoto que tinha um
iPhone caindo aos pedaços? O que vinha naquele perfume? Ouro?
Descobri um minuto depois que era uma mistura de tangerina e jasmim,
com notas de couro e todo aquele blá-blá-blá. Sangue de Jesus tem poder!
Bernardo me emprestou um short e uma camiseta para eu dormir,
porque Pérola trancou o quarto com minhas roupas lá dentro. E adivinhe? A
roupa também tinha o mesmo cheiro. Penteei meus cabelos com os dedos e
usei um pouco do enxaguante bucal para dar uma disfarçada, pelo menos.
Percebi que a camiseta que ele me emprestou era daquela marca “Star Trek”
que ele parecia gostar muito. Quanto custava essa brincadeira? Cinquenta
mil reais?
Tentei deixar tudo organizado no banheiro, assim como encontrei. Ele
era extremamente organizado. Ao sair, encontrei-o sentado na cama,
balançando tanto aquelas pernas que daqui a pouco esfolaria toda sua cama
de hotel.
— Que marca é essa que você tanto usa? Nunca ouvi falar. — Apontei
para a camiseta que eu usava.
Bernardo era bem alto e usava roupas mais largas. Logo, tudo dele
ficou enorme em mim. A camiseta parava no meio da coxa e o short só não
caía porque minha bunda era grande.
— Como assim?
— Essa Star Trek.
Ele ficou confuso e levou alguns segundos para entender sobre o quê eu
falava. Vi diversas reações passarem por seu rosto, vi até que começaria a
rir, mas parou.
— Você não conhece Star Trek?
— Eu deveria?
— É um dos melhores filmes de todos.
— Não é marca de roupa?
— Não.
— Ah, tá.
Que merda, hein? Existia algum momento da minha vida em que eu não
fosse uma completa tapada na frente de Bernardo? Acho que garotos
inteligentes me deixavam nervosa.
— Você quer ver? — ele perguntou, parecendo sem jeito.
Eu não tinha nada para fazer. Então, por que não?
— Quero. Manda ver!
Ignorei meu cafofo montado por ele no chão e subi na cama,
percebendo a surpresa de Bernardo ao me ver por ali. Ele precisava se
acostumar com a presença de alguém do sexo feminino, para ontem.
Ajeitei minhas costas nos travesseiros e o esperei colocar o filme,
enquanto o escutava contar a história meio por cima. Contou que tinham
treze filmes da franquia, divididos em três eras, às quais eu já comecei a
reclamar, falando que não veria. Mas nem fodendo! Bernardo colocou o
primeiro e eu gemi de desgosto ao ver a imagem toda granulada de um filme
lançado há mais de quarenta anos.
Ficamos quietos por algum tempo, porque estava difícil entender o
enredo. Era uma tripulação dentro de uma nave tentando defender a Terra de
um alien esquisito, e nada gostoso, como o do meu livro.
Bernardo era muito esquisito mesmo.
— Nunca imaginei que você estaria no meio das férias vendo Star Trek
comigo — Bernardo disse em voz baixa, soltando um risinho ao final.
Eu estava envolta de todos os travesseiros macios e precisei erguer um
pouco a cabeça para conseguir encará-lo.
— Culpe a sua irmã.
— Você é diferente quando está longe dela.
Bernardo ganhou minha atenção com aquela simples frase. Franzi a
testa, sem compreender.
— Como assim?
— Você assume a personalidade da Pérola quando está com ela.
Tentei não levar em consideração aquilo, mas eu sabia que era verdade.
Eu tentava ser parecida com Pérola, porque morria de medo de minha amiga
se cansar de mim. Pérola fazia amizade fácil, era uma superestrela. Eu não
tinha outra amizade verdadeira sem ser a dela. Só a minha avó, na verdade.
Fingi tanto ao longo da adolescência, que depois de um tempo se tornou real.
Eu me tornei alguém confiante, rodeada de pessoas, festeira e divertida,
mesmo quando eu não queria ser.
— E eu sempre tive pavor de você — Bernardo completou.
— Por quê?
— Porque eu ficava nervoso ao seu lado.
— E agora não fica mais?
— Só todo o tempo.
Meu rosto ficou mais sério à medida que eu senti uma energia esquisita
pairar entre Bernardo e eu. A mesma que surgiu hoje no carro. A mesma que
senti quando ele passou o protetor solar nas minhas costas e decidiu sair
correndo. Tentei buscar explicações e decidi culpar o tanto de vinho que
tomei. Vinho era um perigo para mim, porque me dava um fogo no rabo
além do comum e fazia com que eu acreditasse que qualquer ser humano
estava flertando comigo.
Primeiro que Bernardo nem sabia flertar, segundo que aquilo nunca
aconteceria. Por uma lista interminável de motivos.
— Como estão as conversas com a Paola?
Voltei para nosso campo seguro, tão seguro quanto um pasto com
ovelhas fofas pulando. Sem energia, sem elétrons.
— Ela perguntou se eu poderia ligar para ela.
Joguei uma almofada nele, animada.
— Isso, sim, é um avanço. Ela quer falar putaria contigo!
— Eu não sei falar putaria.
E pela forma como ele ficou pálido, deveria ser real.
Pedi seu celular e sorri ao ver que ele tinha trocado a película. Fui até a
conversa da professora e respondi com um “Só posso no sábado.” Meu
pupilo tinha de ser valorizado. Homens virgens têm de mostrar seu valor
nesse mercado competitivo.
— Não! Eu não sei o que falar!
— Treina comigo.
Senti que não deveria ter falado aquilo, mas agora já era. Levantei dos
travesseiros e o olhei.
— Não!
— Estou aqui para te ajudar.
— Mas isso... Isso não.
Bernardo estava aterrorizado e foi aí que tive uma ideia.
— Vou ao banheiro, só um minuto. — Saí da cama correndo e peguei
meu celular que deixei em cima da mesinha de cabeceira antes de entrar no
banheiro.
Tranquei a porta e fui sentar no chão. Cacei na minha agenda um
número que nunca pensei ligar, mas que agora era necessário. Escutei os três
toques, antes de ouvir a voz conhecida e confusa.
— Está tudo bem aí? — Bernardo perguntou do outro lado da linha.
— Olá, Dimitri. Fico feliz em falar com você. — Carreguei minha voz
com toda a sensualidade que consegui e só escutei o silêncio de Bernardo. —
Nosso encontro foi tão perfeito, que só de pensar nele me deixa com calor.
— Pietra, para com isso.
— Quem é Pietra? Eu sou a Nicole, já se esqueceu de mim? —
choraminguei, ofendida.
Cara, eu era ótima no teatro. Ganhei prêmio e tudo na escola.
— Pietra!
— Você está me ofendendo, Dimitri. Está sendo um garoto muito,
muito malvado. — Ok, passei dos limites. Tentei me recompor e não cair na
risada. — Estou me sentindo tão sozinha aqui na minha cama.
— Eu não vou falar com você — Bernardo grunhiu pelo telefone.
Não desisti, porque eu nunca desistia. Estava no meu sangue.
— Nem se eu contar que estou usando só uma calcinha preta? Daquele
jeito que você gosta?
Ele continuou em silêncio, mas ainda estava na linha, porque eu
conseguia escutar sua respiração baixa.
— E que quando fecho meus olhos só imagino sua mão segurando
minha cintura aquele dia, na boate? — Dei uma estremecida, afinal, o
banheiro de Bernardo era bem gelado. — A forma como os seus dedos
entraram por dentro da minha blusa...
Eu nunca tinha feito isso na minha vida, mas acho que eu tinha um
dom.
— Ainda está aí, Dimitri? — perguntei, apenas para me certificar.
— Sim.
— Fale o que você faria comigo se estivesse aqui, Dimitri. Onde você
me tocaria?
Fiquei ansiosa para ouvir alguma coisa, mas estava difícil tirar algo
desse Dimitri.
— Somos só você e eu aqui. Conte para mim, amor.
Mais silêncio. Estava gastando todo meu dom com alguém que deveria
estar com os olhos vidrados naquele cara com o cabelinho tigelinha e orelhas
pontudas do filme.
— Nas... Nas costas.
A voz era trêmula e muito tímida, mas fiquei surpresa por ele ter falado.
Novamente estremeci e dessa vez culpei uma corrente de ar que entrava pela
janela entreaberta.
— Queria tanto sentir seu toque novamente, Dimitri. — Eu quase gemi
ao telefone e percebi que precisava me controlar, antes que Bernardo
enfartasse. — Se eu estivesse aí, iria até você e sentaria no seu colo. E
sentiria a pressão que me aguarda.
Escutei uma tosse do outro lado, misturada com um engasgo.
— Vou me inclinar em direção ao seu rosto e te beijar. Você gosta
assim, Dimitri?
Eu sabia que ele não responderia, mas serviria para ele se manter vivo
quando a professora resolvesse ligar. Pelo menos ele estaria ali, não é?
— Gosto.
Precisei morder o lábio inferior para não sorrir ao escutar aquela única
palavrinha.
— Você quer me tocar? — Minha voz quebrou e meus braços ficaram
arrepiados.
Odiei a sensação de ter de aguardar tanto por uma maldita resposta.
— E-Eu... Sim.
— Pegue o que é seu, então.
Escutei um barulho, como se ele tivesse derrubado o celular. Meu
coração deu um pulo. Ai, meu Deus!
— Já chega, Pietra.
E então Bernardo desligou.
Precisei de uns dois minutos olhando para o armário cinza do banheiro
para tentar acalmar meu coração acelerado. Que merda eu tinha feito?
O garoto nunca teve qualquer interação com garotas, eu nem sabia se
Bernardo já tinha beijado na boca. E eu simplesmente falei as maiores
putarias para ele. Do nada!
Era um personagem, eu estava tentando ajudá-lo. Só isso.
Precisei repetir isso como um mantra umas setecentas vezes enquanto
lavava meu rosto e jogava uma água na minha nuca. Quando saí do
banheiro, senti meu rosto pegando fogo, o quarto estava escuro, assim como
quando saí dali. O filme congelado na televisão deixava os contornos de
Bernardo azulados.
Caminhei receosa para a cama, mas antes que eu pudesse voltar a deitar
para continuar a assistir o filme, ele levantou do colchão.
Ele estava com o rosto todo vermelho, os cabelos desgrenhados, como
se tivesse passado os últimos cinco minutos esfregando os fios
freneticamente. Bernardo abriu a boca, mas fechou no mesmo instante.
Eu nunca tive vergonha de qualquer homem, mas estava totalmente sem
jeito na frente daquele garoto.
— Você foi bem. — Tentei soar o mais controlada possível, mas a
verdade era que estava difícil até de respirar.
— Nunca mais faça isso.
Foi uma surpresa escutar a voz de Bernardo tão ameaçadora daquele
jeito. Porque, convenhamos, ele não era nada ameaçador.
— Você pelo menos não travou. Não vai fazer feio com a Pao...
— Eu não quero sua ajuda!
Bernardo estava irritado e eu não consegui entender por quê. Eu só
estava tentando ajudar, porque ele me pediu.
— Mas temos um combinado...
— Você acha mesmo que meu pai vai querer alguma coisa com você?
— Bernardo explodiu e só me restou arregalar os olhos. — Ele é a porra de
um adulto, Pietra. Muito diferente de você.
— Você surtou? — Tentei defender minha própria pessoa, mas a
verdade é que fiquei em choque.
— Você que surtou com toda essa história. Com essa ligação, com suas
ideias malucas, com essa obsessão em cima de alguém que só quer fazer o
papel de pai na sua vida. E sabe de uma coisa? Você só está querendo suprir
a ausência do seu pai, dando em cima do meu!
Dei dois passos para trás. Meus olhos arderam, mas os apertei com
força, recusando fazer o papel de menininha indefesa na frente daquele
escroto.
— Então é isso que você está fazendo com sua professora? Suprindo
com ela a ausência da sua mãe? — rebati a pergunta.
Deu para ver que Bernardo ficou desarmado. Como se eu tivesse dado
um tapa na cara dele.
— Espero que você morra virgem, seu babaca!
Saí do quarto fazendo questão de dar uma sonora batida na porta.
Esperava que servisse para aquele imbecil de Tato sair da porra do quarto da
minha amiga também.
Joguei meu corpo no sofá, usando a manta felpuda para me esconder do
mundo. O ódio estava borbulhando nas minhas veias. É nisso que dá dar
confiança para gente escrota. Ele me chamou de burra seis anos atrás, já
deveria ter visto as red flags. Ele que fosse com sua arrogância e seu
perfume caro para a puta que o pariu!
A única coisa que não entendi, foi porque eu comecei a chorar. Na
verdade, eu até entendia. Bernardo tinha mexido em um terreno muito
dolorido.
Meu pai era um babaca. Ele tinha vinte e seis anos quando começou a
sair com minha mãe, que tinha treze anos na época. Ela já estava com
dezessete quando engravidou e ele a convenceu de que eles formariam uma
família. Não era verdade, obviamente. Minha infância foi toda com eles
terminando e voltando. Um eterno vai-e-vem, regado a gritos, brigas e
abusos. Ele não era ruim para mim, só era indiferente. Não existia carinho,
nunca recebi um abraço do meu pai.
Quando minha mãe morreu, ele não estava no momento em que eu mais
precisei dele e deixou que eu passasse dois dias em um abrigo para menores.
E depois, nem hesitou em dar a guarda exclusiva para minha avó.
Sempre tentei ser superior a essa dor, mostrar a todos que eu sobrevivi
bem demais sem ele. Mas a realidade é que uma garota precisa de um pai, da
presença masculina para nos proteger, cuidar e nos orientar.
Eu não tive isso. E passei o resto da minha vida buscando validação
masculina para que eu me sentisse amada, protegida e feliz.
Gostava da atenção que os garotos sempre me deram.
Gostava de homens mais velhos me mimando, fazendo de tudo para ter
um pouco da minha atenção.
E eu gostava demais da minha relação com Gael. Porque ele estava lá
quando eu era uma criança gritando assustada pelos pesadelos que tinha. Ele
estava lá me dando conselhos sobre garotos, sobre sexo seguro e gravidez na
adolescência. Ele estava lá se preocupando quando tive minha primeira
decepção amorosa. Estava na minha formatura, nos meus porres, nas
conversas durante as trilhas, até quando enfrentou uma fila absurda para me
levar ao show do One Direction.
E ele fez tudo isso por mim, como um pai.
Joguei a manta longe quando comecei a sentir falta de ar, mas paralisei
ao escutar o barulho da porta do elevador abrir. Fechei os olhos, fingindo
que estava dormindo, porque odiaria olhar para Gael naquele momento.
Escutei os passos pesados de sua bota, o tilintar da chave do carro ao
ser colocada no aparador. Ele foi para a cozinha e ouvi o barulho do filtro de
água. Depois, os passos se aproximaram. Apertei os olhos com mais força e
abri a boca, deixando a respiração mais pesada.
Parei de respirar quando ele tocou a minha testa. Minha barriga gelou
por aquele toque, mas não no sentido sexual da coisa, eu estava pronta para
dar um pontapé nele caso se aproximasse demais.
Não sei nem porque pensei nisso. Gael não era assim e provou isso no
segundo seguinte, ao pegar a manta e jogar pelo meu corpo. Antes de ir
embora, ele ainda tirou uma mecha de cabelo que caía no meu rosto e
colocou meu celular em cima da mesa de centro.
Ao escutar a porta do quarto dele fechando, eu desabei.
Eu era uma pessoa horrível.
Fazia quatro dias que Pietra e eu não nós falávamos.
Isso não deveria ter importância, porque a gente nunca se falou direito,
mesmo. Mas eu ficava esquisito toda hora que recebia alguma mensagem de
Paola ou olhava para a tela do meu celular e não via nenhum trinco na
película.
Em um desses dias, decidi trabalhar com meu pai na parte da tarde,
porque o apartamento ficava silencioso demais sem Pérola, que estava em
algum canto com Tato, como sempre, e também sem Pietra. Não fazia ideia
do que ela fazia durante a tarde, mas descobri quando passei pelo lobby do
prédio. Pietra estava simplesmente sentada atrás do balcão da portaria,
conversando animadamente com o porteiro de quem ela parecia ser amiga.
Ela parou de falar assim que percebeu minha presença e virou o rosto.
Sabia que tinha falado algo horrível. E estava arrependido. Mas, não
sabia como falar isso para ela, acredito que ela nem quisesse essa desculpa.
Ela tentou me ajudar e acabou escutando algo horrível de mim.
Não sei o que aconteceu comigo naquele dia.
Bem, eu sei. Só não gosto de admitir.
Tudo começou com ela deitada na minha cama vendo um filme comigo
pela segunda vez, como se fosse algo normal na nossa dinâmica. E odiei
como pareceu normal. Ali ela não era a menina com quem todos os garotos
na escola queriam ficar. Não era a garota que me fazia ficar escondido no
quarto por anos só porque tinha vergonha de ela olhar para mim. Muito
menos a mulher que pediu que eu a ajudasse a conquistar meu pai.
E depois daquela ligação, ficou difícil demais aceitar isso.
Para mim, não foi a tal Nicole ao telefone, foi Pietra. Na minha cabeça,
tudo o que passou foi ela com a calcinha preta, ela me beijando, eu a
tocando.
Eu a magoei, porque não sabia lidar com a frustração de que aquilo
nunca seria real. Porque ela gostava de outro cara, do meu pai, no caso.
Pérola levou Tato para casa outras duas vezes. Fiquei apreensivo no
quarto, esperando o momento que Pietra fosse invadir o meu quarto
novamente. Mas não aconteceu.
Ela ficou na sala, mesmo depois do meu pai chegar.
Ontem ele perguntou se Pietra e Pérola tinham brigado, porque não
entendia ela dormir na sala vários dias. Também perguntou por que em um
desses dias Pietra estava dormindo com minha camiseta. Não consegui
explicar e vi um olhar desconfiado surgir em seu rosto, mas ele não me
pressionou, apenas mudou de assunto.
No domingo, ele tirou folga e intimou toda a família a velejar. Pérola
nem tinha dormido em casa e mandou uma mensagem pedindo para eu
mentir para nosso pai. O que fiz, pessimamente mal, a propósito. Inventando
que Pérola foi visitar Alicia, uma garota que estudou com ela e agora morava
em Miami.
— E por que você não foi, Pietra? — A atenção dele se voltou para ela,
que mexia no celular sentada nos bancos altos em frente à ilha gourmet.
Foi a primeira vez em todos aqueles dias que ela me olhou.
— Eu não era amiga da Alicia. — Sua voz era hesitante. — Ela é uma
vaca, na verdade.
Meu pai ficou convencido e nos deixou em paz. Busquei o olhar de
Pietra, mas ela já estava focada no celular.
A advogada do meu pai chegou um tempo depois, deixando-o meio
elétrico, abobado até. Pietra revirou os olhos e eu achei o clima um pouco
estranho, mas fiquei quieto.
Helena era legal, eu a conhecia fazia alguns anos, mas nunca tínhamos
conversado muito. Nos últimos tempos ela frequentava mais nossa casa.
Acho que por conta do divórcio. Todo mundo procurava os amigos quando
se separava. Ela parecia mais feliz sem o marido dela, pelo menos. Lembro
de uma vez, durante o lançamento de uma unidade do Arraz em São Paulo,
ele ter feito um escândalo por estar bêbado demais, vi quando segurou o
braço de Helena com força.
Fomos de carro só até o ancoradouro. Enquanto meu pai e eu
arrumávamos tudo para zarparmos, fiquei observando Pietra. Ela arrancou o
vestido logo que chegou, claro! Estranhamente o biquíni dela era mais
comportado do que costumava usar.
Ela continuou mexendo no celular e só agradeceu quando Helena a
serviu com uma taça de vinho. Fui até a proa checar o punho de amura, perto
de onde ela estava deitada tomando sol. Foi difícil não ficar por um tempo
vidrado naquela curva perfeita de sua bunda. Odiei olhar para ela daquela
forma, porque não era nada respeitoso. E me odiei quando virei e vi Helena
observando tudo aquilo.
Tropecei em algumas cordas e vi o rastro de um sorriso aparecer em seu
rosto.
Começamos a velejar. As ondas estavam um pouco agitadas, mas
quando saímos da baía, entrando em mar aberto, encontramos a calmaria de
um lago. Meu pai começou a fazer churrasco e eu fiquei no leme por algum
tempo, ligando depois o piloto automático para poder almoçar.
Sentei no banco ao lado de Pietra, que só continuou me ignorando, até
mesmo quando pedi para ela passar o sal. Ela e eu nunca fomos próximos,
não deveria ser uma novidade. Só que era esquisito estar assim com ela,
justo agora que parecia não me odiar tanto assim.
— Então vocês estudaram juntos na escola? — Helena perguntou, de
repente.
Pietra fez uma careta e encostou as costas na cadeira, relaxada.
— Eu repeti e fiquei estudando com as crianças.
Franzi a testa. Que crianças?
— Você não é nem um ano mais velha que eu.
Tentei defender minha maturidade e só recebi dela uma revirada de
olho.
— E vocês eram amigos durante a escola? — Helena insistiu em saber.
Um pouco intrusa demais, eu achei.
— Ele me chamou de burra durante uma prova. Então, não, não éramos
amigos.
Pietra guardava muito rancor dentro dela. Credo!
Helena começou a rir e vi o olhar curioso de meu pai para cima de mim.
Eu acredito que ele não sabia dessa informação.
— Você a chamou de burra? — Seu tom era de pura reprovação.
Foi a primeira vez que Pietra me olhou em muitos dias, em puro deleite
por ver a forma como meu pai estava falando comigo.
— Não foi bem assim...
— Foi assim, sim! — Pietra se zangou.
— Eu disse que poderia deixar comigo, porque você não sabia fazer.
Cruzei os braços, um gesto que ela imitou no mesmo segundo.
— Em um tom de puro desprezo.
— Você sabia algo sobre Lançamento Oblíquo, Pietra?
Ela abriu a boca, pronta para dar alguma resposta atravessada, mas
fechou logo em seguida.
— Eu não sei nem o que é isso — confessou.
— Só estava poupando seu tempo.
Quando olhei para meu pai, ele assistia nossa discussão boba com quem
acompanhasse uma partida de tênis e segurava um sorriso ao olhar para
Pietra. Engoli em seco ao vê-lo olhando daquela forma. Ele estava mudando
de ideia? Pietra finalmente o conquistou nesses dias que não faço a mínima
ideia do que ela fez?
— Não é a forma de falar com uma garota, Bê.
E agora ele estava me dando uma bronca!
— Mas eu só queria ajudar...
Eu não tinha o menor jeito com garotas, principalmente com Pietra. Eu
entrava em pânico quando ela se aproximava. Ainda entro, bem pouco, mas
entro. Ela realmente se ofendeu com aquilo?
— Deveria pedir desculpas para ela — Helena sugeriu.
— Seis anos depois? — perguntei, assustado.
— Seis anos depois, Bê. — O apelido veio com uma ironia tão grande
da parte de Pietra, que eu precisei respirar fundo para não ficar irritado.
— Desculpe por ter falado de forma tão rude com você, Pietra.
Até repuxei um sorriso para que ela ficasse feliz.
— É de coração?
— É.
— Tá, ok, então.
Meu pai e Helena continuaram rindo e logo depois Pietra pediu licença
para ir tomar sol. Fiquei a observá-la por algum tempo, enquanto ”os
adultos” conversavam. Logo, ele foi ajeitar uma das velas e eu ajudei Helena
a arrumar a mesa, jogando fora as sobras do lixo. Enquanto ela lavava a
louça na cozinha que tínhamos embaixo do veleiro, ao lado de dois pequenos
quartos e um banheiro, eu ia secando. Não conversamos quase nada, mas foi
agradável. Ela era uma pessoa animada e sorridente, sempre me olhava de
forma carinhosa, como se estivesse pronta para qualquer coisa que eu fosse
pedir.
Quando voltei ao convés, senti a garganta secar ao ver a forma como
Pietra estava próxima do meu pai. Eles estavam conversando na popa. Pietra
sentada na grade de proteção fazia meu pai dar uma sonora gargalhada por
algum motivo. Odiei ouvir aquele som. Odiei vê-los tão próximos. Preferia
muito mais ele querendo até que ela ficasse no Brasil do que os ver se
divertindo juntos.
Fui verificar a mazena, a vela mais próxima de onde eles estavam, mas
ainda assim não conseguia ouvir direito sobre o que falavam. Desfiz o nó da
corda e a segurei enquanto observava os dois. Pietra segurou, naquele exato
momento, o antebraço do meu pai e ele não se afastou do toque. Muito pelo
contrário! Ele se encostou à grade e olhou para ela, assentindo positivamente
sobre algo que ouvia.
Tem momentos em que nós sabemos que iremos fazer uma grande
merda, mesmo antes de a merda ser propriamente feita. Olhei a vela por um
segundo antes de decidir que ela poderia afastar Pietra do meu pai.
Afrouxei a corda no moitão e vi quando a vela movimentou com a força
do vento para a direita, encontrando Pietra pelo caminho.
Eu consegui afastar Pietra do meu pai. Só que eu a derrubei no mar
nessa tentativa.
Meu coração parou por um segundo, quando vi seu corpo tombar para o
lado de fora do veleiro. Larguei a corda e corri, sendo surpreendido por
Helena que corria quase ao meu lado.
Antes de chegar o guarda-corpo, vi meu pai pular do barco em um
movimento. Fui até o leme e desliguei o motor, sem conseguir raciocinar
sobre o que eu estava fazendo.
Quando voltei para perto da grade, vi meu pai segurando Pietra, que
tossia bem alto. Corri mais uma vez até a popa e abri o portão para descer a
escada até eles.
Antes mesmo que Pietra colocasse os dois pés na escada, eu a puxei,
colocando minhas mãos debaixo da sua axila, erguendo-a como um bebê. Eu
só não contava que não fosse aguentá-la e em menos de dois minutos,
tentasse matar Pietra novamente.
Eu tropecei em algumas cordas e a trouxe comigo para o chão. Pietra
caiu em cima de mim e seu joelho acertou bem o meio das minhas pernas.
Choraminguei, mas não muito, porque sabia que era o karma cobrando
seu preço.
— Você está bem? — ela perguntou, pingando em meu rosto.
Pisquei duas vezes, ainda atordoado pela dor em minha virilha e mais
ainda por ter Pietra ali tão próxima. Desviei os olhos para seus lábios, que
não deveria estar a cinco centímetros da minha boca. Sua respiração quente
batia exatamente ali.
— Es-Estou — gaguejei vergonhosamente.
Pietra riu e negou com a cabeça.
Meu pai apareceu e a puxou de cima de mim pela mão. Helena
apareceu com uma toalha listrada e colocou nos ombros de Pietra,
esfregando os braços da menina.
— O que aconteceu? — meu pai perguntou assim que Pietra e Helena
se afastaram.
Entrei em pânico.
— Eu... escapou, a corda, da minha mão.
Ele me olhou com seriedade.
— Você tem certeza? — insistiu.
— Sim — murmurei baixinho.
— Você poderia ter machucado Pietra, muito sério. — Seu maxilar
estava travado. Nunca vi meu pai sério daquela forma. — Vá pedir desculpas
para ela. Agora!
Abaixei a cabeça, assentindo para o chão.
— Bernardo? — chamou quando eu já tinha dado a volta para ir até
Pietra. Olhei para ele. — Nós podemos ser tudo nessa família, mas não
somos covardes.
Entrei em pânico, porque meu pai nunca tinha falado daquela forma
comigo. Eu não sabia o que falar para ele, porque estava nervoso, mas
entendi muito bem o que foi falado. Não sou um tapado.
Desci a escada do veleiro e passei pela cozinha, encontrando Helena
sentada no banco da mesa de jantar que tínhamos ali.
— Ela está bem? — perguntei, porque foi ela quem levou Pietra do
convés.
— Sim, está no banho.
Respirei aliviado. Fui um idiota com Pietra. Ela realmente poderia ter
se machucado ou não saber nadar, eu não fazia a menor ideia. Senti meus
olhos lacrimejarem ao olhar a porta do banheiro fechada.
— Eu vi o que você fez, Bernardo. — A voz calma de Helena fez meu
estômago dar um nó.
— Eu... Eu não queria machucá-la — balbuciei.
Helena bateu a mão na cadeira ao seu lado. Sem jeito, sentei ali e fitei
seus olhos verdes amendoados e bondosos.
— Quando sentimos coisas que não compreendemos, nós fazemos
coisas estúpidas.
Neguei veementemente.
— Eu não sinto nada por ela.
— Bernardo, meu querido, eu sei que você é o inteligente aqui, mas
com coisas do coração nós mulheres estamos a anos luz de vocês.
Helena deu um tapinha na minha mão, para meu total pavor.
— Ela sabe? — perguntei com horror.
Não, não e não! Se Pietra soubesse de qualquer coisa eu nunca mais
conseguiria olhar para a cara dela. Acho que nem ela na minha, na verdade.
— Há algo que ela precise saber?
Neguei rapidamente.
— Porque quando tiver, faça com que ela saiba primeiro. Pietra não tem
como adivinhar.
A forma como Helena falou “quando” e não “se” ativou um alarme
dentro de mim. Eu estava deixando a forma como eu a considerava bonita,
divertida, engraçada, boa companhia, boa amiga ― até boa conselheira ―,
explícita desse modo?
A porta do banheiro abriu e Pietra passou pelo corredor correndo com
uma toalha branca enrolada no corpo. Helena acariciou minha bochecha e
deu uma piscada antes de sair da cozinha, voltando ao convés.
Esperei mais alguns minutos, dando tempo para Pietra se trocar, então
fui até a porta e dei dois toques, escutando-a falar: “entra”.
— Posso entrar? — perguntei, só para ter certeza.
— Pode.
Entrei no quarto, mas travei ao ver que ela estava jogada na cama,
apenas com um biquíni. Agora um biquíni igual aos que ela costumava
vestir. Um minitriângulo laranja com uma alça tão fina que não sei como
permanecia no lugar. A calcinha era igualmente pequena e dava para ver
uma marca fina de bronzeado aparecer pelo formato diferente da anterior.
Mordi a ponta da língua, tentando concentrar na dor, que parecia melhor do
que olhar por mais tempo para aquela maldita marquinha.
— Quero pedir desculpas...
Fiquei parado de pé, sem nem conseguir olhar para o rosto de Pietra.
Não conseguia me reconhecer naquela atitude. Nunca fiz isso, muito
menos senti algo tão ruim quanto aquilo ao ver Pietra e meu pai rindo.
— Está tudo bem, foi um acidente.
Pietra levantou da cama e eu virei o rosto para não ver sua bunda. Além
de tudo o que eu já tinha feito hoje para ela, não dava para olhá-la dessa
forma. Foquei no chão, mas o reflexo de algo brilhante chamou minha
atenção e admirei com certo fascínio o piercing em seu umbigo. Era
pequeno, bem discreto, apenas um pontinho brilhante.
— Não foi...
Pietra abaixou quase na mesma altura que eu, com as mãos na cintura.
Desviei os olhos novamente para qualquer outra parte do quarto.
— Como assim, não foi?
Seu tom de voz não era nada bom. Nada bom, mesmo.
— Eu... Eu soltei a corda.
— Em cima de mim?
Assenti, envergonhado. Parecia absurdo demais confessar aquilo em
voz alta, então só admiti com gestos.
— Por quê? — Pietra endireitou a postura e cruzou os braços.
Ela parecia uns trinta centímetros mais alta naquela pose.
— Você estava dando em cima do meu pai.
Achei que ela fosse brigar comigo, gritar, até me dedurar para meu pai,
mas tudo o que ela fez foi rir. Alto. Bem alto.
— E aí você tenta me matar por isso?
— Desculpa!
Cruzei minhas mãos, repousando-as em minhas coxas. Não sabia muito
bem o que fazer com elas.
— Você acaba comigo em um dia, no outro me chama de burra e depois
tenta me matar. Que ótima relação!
— Eu não tentei te matar e nem te chamei de burr... — Parei de falar,
porque o olhar irado dela me assustou.
— Podemos entrar em um consenso de que você me chamou de burra?
— Não foi bem assim.
— Foi assim, sim!
— Eu já pedi desculpas! — exaltei a voz, tanto quanto ela.
Depois fiquei quieto, porque o olhar de Pietra só piorava para cima de
mim. Eu estava fodido.
Ficamos em silêncio por algum tempo. Pietra sentou na cama
novamente, perto o bastante para que eu acreditasse que ela estava bolando
alguma vingança.
— Não estava dando em cima do seu pai, Bernardo.
Sua voz estava cansada, os ombros até caíram um pouquinho.
— Não? — perguntei, curioso.
— Depois do que você falou aquele dia, eu parei para pensar um pouco.
E pode ser que você tenha um pouco de razão.
Arregalei os olhos, totalmente surpreso.
— É sério?
— Você ter falado que eu tenho daddy issues e por isso que eu queria
dar para seu pai? É, Bernardo, você fodeu minha cabeça, muito obrigada!
Agora fique feliz, o plano de ser sua madrasta está temporariamente
suspenso. Até eu voltar para a terapia, ao menos.
Eu não deveria rir, mas eu ri. E recebi uma cotovelada nas costelas
durante o processo. Pietra riu também e chegou até a limpar o cantinho dos
olhos com a ponta dos dedos.
Ela ficava muito bonita rindo daquela forma. Suas maçãs do rosto
ficavam mais altas e os olhos menores.
— Você seria uma péssima madrasta.
Pietra sustentou meu olhar de uma forma intensa. Algo que ela nunca
tinha feito. Parecia estudar cada parte do meu rosto, o que me deixou
acanhado. O que ela estaria pensando?
— Você ficou com ciúmes?
Sua pergunta fez algo se enrolar em minha garganta. Tive vontade de
tossir, mas segurei, porque se demonstrasse só a faria pisotear em cima de
mim.
— De você? — Fiz todo o esforço para parecer surpreso com aquela
pergunta.
— E de quem mais?
— Um pouco do meu pai, eu acho. Não quero vê-lo com nenhuma
mulher. Principalmente você.
Ela novamente se segurou para não me xingar, deu para ver. Mas
acabou balançando a cabeça negativamente, rindo de descrença.
— Você e sua irmã são dois egoístas. Ele faz, literalmente, de tudo para
vocês, que ficam aí surtando por qualquer namorada que ele arranja.
— Você não é namorada dele. — Saiu antes que eu tivesse qualquer
controle.
Pietra revirou os olhos, irritada.
— Nossa, mas você é insuportável, não é? — resmungou. — Estou
falando de qualquer outra, Pitágoras. Enquanto vocês constroem a vida de
vocês, ele fica mais sozinho a cada dia que passa. E, não, não estou falando
com qualquer interesse, até porque você arruinou tudo para meu lado.
E eu estava completamente satisfeito por isso.
Mas sabia que tinha razão com a outra parte. A grande verdade era que
eu não me importava com quem meu pai saía. Na realidade, até queria que
ele arranjasse alguém, porque Pérola sairia de casa logo, eu tinha planos de
mudar de país logo que acabasse a faculdade. Eu só não queria que fosse
Pietra.
— Você tem razão.
Achei que algo tivesse a picado ou mordido, porque Pietra deu um pulo
da cama, ficando de joelhos no colchão em um só movimento. Ela agarrou
meus ombros e começou a me chacoalhar para os lados.
— É o quê? — ela gritou. — Você disse que eu tenho o quê?
Ah, entendi.
— Razão, Pietra.
— É o fim dos tempos! — Ela continuou me balançando. — Parem as
máquinas! Bernardo Adler, falou que eu tenho razão! Hoje é o melhor dia da
minha vida!
— Por que você se importa tanto assim com o que eu falo sobre você?
Foi a primeira vez que eu vi Pietra sem palavras. Ela disfarçou voltando
a empurrar meus ombros, até que eu caí no colchão.
— Gosto de ganhar de você.
Permaneci imóvel assim que ela deitou ao meu lado. Seu braço tocou o
meu e tentei recuar, mas foi o exato momento em que ela virou de lado. Para
o meu lado, para ser mais específico. Entrei em desespero, porque não sabia
como agir, o que fazer, muito menos o que falar com ela.
— Ainda vai precisar da minha ajuda?
Não conseguia nem pensar sobre o que ela falava, porque tudo o que eu
conseguia era olhar para sua boca. Pietra estava com os lábios um pouco
queimados do sol, mais vermelhos do que o normal. Ela prendia de leve o
lábio inferior, deixando aparecer só um pouquinho de seu dente. Engoli a
bola de tênis que se alojou na minha garganta e desviei o olhar.
— Vou. — Não sei qual ajuda, mas eu precisaria.
— O Projeto Deflorando Bernardo ainda está de pé?
Comecei a rir ao entender sobre o que ela falava.
— Está.
Eu estava ignorando Paola desde que Pietra e eu brigamos,
simplesmente porque eu tinha mais coisas com o que me preocupar do que
responder para minha professora.
— Promete que não vai surtar novamente por causa de uma ligação?
Era uma cilada, eu sabia que era. Ela se divertiria e eu passaria nervoso,
assim como passei aquele dia no quarto.
— Prometo.
— Nem me jogar de um barco em movimento?
Mordi a parte interna da bochecha, tentando não rir.
— Nunca mais.
— E aceitar que banana tem o poder de curar ressaca?
— Nunca.
Recebi dela um beliscão, bem no momento em que meu coração
começou a bater de uma forma estupidamente rápida. Era só uma descarga
de adrenalina, nada de sentimentos. Nada. Nadinha.
— Eu não sei o que você sabe sobre mim, mas existem assuntos que
machucam. Tipo, muito... Falar sobre meus pais é um deles. — Pietra
sustentou o queixo com a mão.
— Desculpe, de verdade. Eu nunca mais vou fazer isso.
— Desculpe por falar sobre a sua mãe, também.
Ficamos alguns segundos em silêncio, apenas nos olhando. Até Pietra
respirar fundo e dar um puxão repentino nos pelinhos do meu braço.
— Ai! — reclamei, sem entender o porquê daquilo.
— Não superei que você tentou me matar afogada.
— Você sabe nadar.
— Tenho pavor de tubarão, achei que um fosse comer a minha bunda.
— Selachofobia?
— Fala que nem gente, Arquimedes.
Pietra deu um pulo para longe de mim e o vazio que senti quando ela se
foi me assustou para valer.
Aquilo não era bom, nada bom.
Odiei o quanto eu amei aquele domingo.
No quanto me esforcei para não considerar Helena legal.
Em como foi esquisito perceber que o carinho que Gael tinha comigo
não era nem um pouco romântico ou sexual.
E, principalmente, para não demonstrar para Bernardo o quanto gostava
de estar perto dele.
Sim, Bernardo. O nerd intragável. O gênio irritante. O garoto que,
literalmente, me atirou aos tubarões.
Queria que Pérola estivesse aqui, mas ela estava dando. Um motivo
plausível — ou não.
Fiquei animada por ter feito as pazes com Bernardo. Ele era meu único
companheiro dessas férias depois que minha amiga resolveu jogar o MADM
para os ares. Os machos estavam vindo muito antes das migas para ela.
Na verdade, seria injusto com Bruno se eu falasse que Bernardo era
minha única companhia. Passei bastante tempo conversando com ele na
portaria. Ele era um cara muito legal e amanhã vou com ele para a boate
onde é promoter.
Depois de perceber que posso estar confundindo meus sentimentos por
Gael com base em um distúrbio totalmente vergonhoso, um pouco de
carência e falta de vergonha na cara, decidi que vou aproveitar minhas férias
e pegar geral. Afinal, essa é a minha vida.
Bruno não é um dessa futura lista, porque percebi que embora ele seja
extremamente gato, temos a química daquela temporada de Gossip Girl
quando tentaram fazer o barro acontecer entre a Blair e o Dan. Ótimos
amigos, péssimos amantes. Já deu para sacar que Bruno e eu éramos assim.
Não poderia ser diferente do cara que me deu uma receita muito eficaz para
intestino preso, após em uma de nossas conversas eu reclamar desse
problema para ele.
Como disse, zero química.
Mas estava muito animada para sair com ele. Até demais.
No final da tarde voltamos para o apartamento e depois de um banho,
recebi a mensagem que Pérola estava em Orlando com Tato. Odiei minha
amiga naquele momento, porque ela nem foi capaz de me chamar para o
jogo da NBA que foi ver na cidade.
Gael foi para o restaurante no começo da noite. Bernardo estava
estudando. E eu, sozinha.
Terminei de ler meu livro do alien e fiquei com a boca seca pela cena
final épica deles transando em uma nave espacial. Que delícia, credo!
Depois assisti televisão, aproveitando que tinha um canal mexicano em
que passava Rubi. Sim, a novela mexicana. Lembro que era criança quando
vi pela primeira vez e fiquei encantada. Ser uma piranha inteligente sempre
foi meu caminho.
Lá pelas 8h da noite, eu já estava entediada demais. E eu não era de
reclamar muito da casa dos outros, mas o sofá de Gael era muito ruim para
dormir, como fiz nos últimos quatro dias. Na verdade, três. Teve um em que
fiquei com medo de ele desconfiar por eu estar dormindo tantos dias no sofá
e fui para a lavanderia até ele chegar. Acabei acordando de manhã sem nem
entender como fiz do esfregão meu travesseiro.
Resolvi fazer então o que eu queria fazer há horas: irritar Bernardo.
Fui cantarolando pelo corredor e abri a porta de surpresa. Já tinha
pegado ele fazendo coisas piores. Nada poderia me surpreender.
Bernardo estava na bancada, digitando freneticamente no notebook.
Ergueu a cabeça apenas para me ver entrar em seu quarto e logo voltou a
digitar.
Subi na cama dele, porque se ele tinha tentado me matar, isso fazia de
nós próximos o bastante para que eu subisse em sua cama. Deitei nos
travesseiros e estiquei as pernas, observando-o trabalhar em seu texto.
Os ombros de Bernardo eram bem largos e eu gostava da forma como
seu cabelo caía pela nuca, quase formando alguns cachos. Os óculos estavam
frouxos em seu rosto, fazendo com que ele de dez em dez segundos os
ajeitasse com o dedo indicador.
— Para de olhar — ele resmungou.
— Não estou olhando. — Virei de bruços, disfarçando.
Eu estava de vestido e vi quando seus olhos acompanharam minhas
pernas, parando por algum tempo em minha bunda. Por puro reflexo, puxei a
barra do vestido para não mostrar nada demais.
Considerava fofa a forma como Bernardo olhava para meu corpo quase
como se fosse algo proibido. Ele olhava e dois segundos depois focava em
outra coisa, como se o mundo fosse acabar por ter feito aquilo. Eu
normalmente achava ofensiva a forma como alguns homens olhavam para
mim, mas Bernardo não me ofendia, muito pelo contrário. No final, eu até
que ficava feliz por ele estar ficando mais confortável na presença de uma
garota.
Uma hora ou outra, ele precisaria enfrentar essa timidez dele.
— Vamos ver um filme? — sugeri.
— Pode esperar dez minutos para eu terminar esse parágrafo?
Assenti, animada por finalmente sair do tédio. Rolei na cama de
Bernardo e senti algo cutucar minha costela. Era o celular dele.
Não resisti em espiar suas mensagens com Paola. Fazia dois dias que
ele a ignorava. E quando não era eu que respondia, Bernardo era muito seco.
Um pouco rude, até. A professora deveria estar muito a fim para continuar
insistindo depois daquelas últimas mensagens em que ele só digitou “Sim”,
“Não”, “Ainda não”.
A última mensagem era de Paola perguntando se poderia ligar para ele.
Respondi rapidamente que sim e que estava livre agora.
Espiei por cima da tela e Bernardo continuava focado no notebook.
Tirei da conversa e passei o olho por cima de suas outras conversas. A
última, sem ser a de Paola, era de Pérola, dois dias atrás, pedindo para ele
abrir a porta para Tato. Antes dessa, só a de um outro professor. Como
alguém conseguia viver sem conversar com ninguém ou ter qualquer rede
social?
Bernardo estava revolucionando o gênero low profile, sem ter nenhum
contatinho em sua agenda.
— Está bisbilhotando meu celular?
Levei um susto quando a cama balançou. Ergui os olhos e ele estava
sentado um pouco afastado, mas tendo a visão perfeita de que, sim, eu estava
curiando seu celular.
— Respondi a Paola.
— Ah...
Bernardo não parecia muito feliz com isso, mas ignorei.
— Vem cá, você não tem nenhum contatinho? Tinder? Nada?
Deixei o celular de lado e sentei no colchão, ficando de frente para ele.
Bernardo negou com a cabeça.
— Por quê?
— Eu não consigo.
— Ficar com alguém? — Fiz um careta, sem entender.
— Ficar com alguém que eu não tenha uma conexão.
Uau, este garoto era estranho!
Eu basicamente me conectava a qualquer um que também queria se
conectar comigo.
— Posso perguntar uma coisa? — Até abaixei o tom da voz para não
assustá-lo.
— Pode.
— Você já beijou alguém?
Bernardo abaixou os olhos para suas próprias mãos e vi suas bochechas
ganharem aquele aspecto rosado.
— Mais ou menos — ele confessou.
Mais ou menos nunca era bom. Ou você beija ou você não beija.
— Conte mais sobre isso.
— Você vai contar para alguém?
Sua desconfiança ofendeu um pouco a parceria que tínhamos dentro
daquele recinto.
— Aham, junto do dia que falamos putaria no telefone e dormimos no
mesmo quarto. Vou espalhar para todo mundo — brinquei, reparando na
sombra de um sorriso que se formou no cantinho de seus lábios.
— Não falei putaria com você.
— Não mesmo. — Dei de ombros. — Conte sobre seu mais ou menos.
— Lembra da Rebeca?
— A Santiani?
Ele assentiu. Argh!
Odiava aquela garota da escola. Ela era perfeita. As melhores notas, as
melhores roupas, a porra de uma princesinha privilegiada. Rebeca tinha
horror à minha pessoa, porque eu era seu completo oposto. Ela era o bom
exemplo, eu era um terror. Ela era religiosa, eu tinha uma sex tape sendo
divulgada entre os alunos. Enfim, esse tipo de diferença.
— Fizemos um trabalho juntos uma vez.
— Você a chamou de burra também? — Cruzei os braços, rancorosa.
Bernardo negou com a cabeça, soltando um risinho nasalado. Ele
mandaria a minha pessoa tomar no cu daqui a pouco com essa encheção de
saco.
— Ela disse que o pai dela nunca a deixava se aproximar de qualquer
menino.
Meu peito começou a borbulhar de raiva daquela história.
— E aí?
— E que ela queria aprender a beijar.
Definitivamente era a pior história que já escutei na minha vida. Mosca
morta! Com certeza estava se aproveitando do bom coração de Bernardo.
— E você?
— Entrei em pânico, mas pensei que talvez fosse o momento, sabe? Ela
estava me olhando de uma forma esquisita.
— Imagino, com aqueles olhos de peixe morto dela.
— Pietra...
— Continua logo! — Meu humor estava péssimo com aquela história.
— Eu disse que também queria aprender.
Eu conseguia imaginar Bernardo quase caindo duro ao falar isso para
uma garota. A cena era clara na minha mente.
— Que safado! Adorei — brinquei, dando um beliscão na perna dele.
— Eu nem consegui me preparar e ela veio para cima de mim, quase
enfiou a língua na minha garganta. Eu não sabia o que fazer, onde colocar a
mão, nada. Foi muito ruim mesmo e não deve ter durado três segundos.
Fingi uma ânsia de vômito, recebendo um olhar enviesado dele.
— Depois ela se afastou e disse que foi péssimo. Que devia ter beijado
o Diego, porque ele deveria saber o que estava fazendo.
Minha mão coçou para pegar meu celular e mandar uma mensagem no
Instagram para aquela quenga. Só pelo prazer de tirá-la do sério.
— Quantos anos você tinha?
— Quinze.
Meu Senhor Jesus! A situação era caótica.
Como esse menino ia para um encontro com a professora experiente e
adulta com sua experiência de um beijo mais ou menos, mais parecido com
uma asfixia do que algo gostoso?
— Depois disso nunca beijou mais ninguém?
— Percebi que o que me fazia ter vontade de ficar com alguém era
sentir confiança na pessoa e eu nunca confiei em ninguém para explicar a
situação.
A forma como ele falou, como se aquilo fosse um problema, fez meu
coração ficar apertado. Eu cresci vendo todos meus amigos ignorarem
totalmente a presença de Bernardo. Até quando Pérola os convidava para
casa, ninguém o incluía em nada. Eu nunca o incluí em nada.
— Sabia que tem um nome para isso?
— Eu não sou gay, Pietra. Já fal...
— Não, gênio. Para isso de só querer se relacionar com quem confia e
tal. — Vi seu olhar curioso vir para cima de mim. — Acho que é
demissexual. No começo eu achei que era alguém que sentia atração pela
Demi Lovato, mas não é.
Bernardo gargalhou alto e eu também. Gostava dele por achar graças
das minhas piadas ruins.
— Não tem nada de errado com você. Cada um tem seu tempo. — Sorri
de lado, confortando-o. Algo que eu deveria ter feito muitos e muitos anos
atrás se eu não fosse tão egoísta e só olhasse para meu próprio umbigo. —
Na verdade, eu até queria ser mais parecida com você nesse quesito.
— Voc... Você... Deixa pra lá!
— Pode falar — insisti, falando com firmeza.
— Você tem muita... experiência?
Achei uma graça a forma como ele ainda tinha dúvidas de que eu era
uma piranha.
Neguei com a cabeça, incrédula comigo mesma ao ver um filme mental
com cenas muita gráficas de todas as merdas que já fiz ao longo da vida.
— Esse é o momento que eu repenso que merda eu fiz da minha vida.
— Você é uma alma livre.
— Eu preciso é dar um jeito na minha vida, Bernardo. — Cocei a
sobrancelha e baguncei os fios, adorando a sensação de mover os pelinhos
de um lado para o outro. — Mas posso falar uma coisa?
— Pode.
— Depois de tudo isso, cansa. Eu aproveitei muito, sabe? Vivi tudo
intensamente, não tem nada, sexualmente falando, que eu não tenha
experimentado.
— Acho que não quero escutar isso... — Bernardo me interrompeu,
tapando os ouvidos.
Dei uma cotovelada de leve em suas costelas.
— Nem a parte dos ménages?
— Não!
— As trocas de casais?
— Chega, Pietra!
Bernardo se jogou na cama e tapou o rosto com um travesseiro.
Comecei a rir e deitei ao seu lado, afundando a cabeça naquela nuvem
perfeita.
— Você não está errado em querer uma conexão real. No começo pode
até ser legal, mas depois, falta algo. Deve ser essa conexão com alguém que
você goste e tal — falei sério, tendo a certeza de que estava soando muito
adulta.
Bernardo assentiu, mas ficou parado olhando meu rosto com atenção.
Acho que não deveria ter falado sobre minha experiência com ele. Eu
poderia assustá-lo e ele nunca mais querer falar comigo por ser promíscua e
safada.
Mas talvez eu pudesse dar uma ajuda para ele também.
— Você quer me beijar?
Bernardo engasgou tão feio, que começou até a ficar roxo. Fiquei
desesperada e parti para cima dele, tentando abaná-lo e bater em suas costas,
tudo ao mesmo tempo.
Eu só quis ajudar, caramba!
Ele conseguiu levantar da cama e abriu uma porta do painel onde ficava
a televisão. Só aí percebi que ele tinha um frigobar no quarto. Bernardo
pegou uma garrafa de água e bebeu quase a metade, antes de respirar fundo e
voltar a me olhar.
— Você está louca?
Nossa, precisava ofender?
— Eu poderia te ajudar a melhorar sua performance antes da conexão
real chegar e rolar o vapo.
— Pietra, eu não entendo o que você fala.
— Só estava tentando ajudar, esquece!
Fiquei nervosa, porque aquela reação de Bernardo tinha gosto de
rejeição.
Não que eu ligasse ou me doesse por aquilo. Mas, poxa, foi com boa
intenção!
Minha bochecha começou a esquentar. Não sabia o que falar para
Bernardo, só falei a primeira coisa que passou na minha cabeça naquele
momento.
— Melhor a gente ir dormir, não é?
Esfreguei meu couro cabeludo, porque coçar não ajudaria no desespero.
— São nove da noite.
Joguei meu corpo para o colchão novamente, sem fazer ideia de como
aliviar a tensão daquela situação. Eu só dei a ideia de um beijo, não era
grande coisa.
Precisei de dois segundos para lembrar que talvez fosse. Por dois
pequenos motivos:

1 – Não fazia nem uma semana que eu queria ficar com o pai dele.
2 – Para Bernardo não era, nem nunca seria, só um beijo.

— Quer ver o segundo filme do Jurassic Park? — Bernardo sugeriu,


aliviando o clima por ele mesmo.
Suspirei, sentindo o coração mais leve por ele ter voltado a agir
normalmente depois desse meu colapso mental.
Assenti e, antes de começar, ele foi fazer pipoca. Fiquei fazendo
respirações de Ioga para tentar voltar ao normal. Ao meu normal, pelo
menos.
Uma hora depois, eu estava xingando aqueles imbecis que voltaram
para atormentar os coitados dos dinos. Sabe o ditado de não se mexe em
time que está ganhando? Então, o pessoal do filme, definitivamente, não
entendia.
Eram onze da noite quando começamos o terceiro filme. Essas horas eu
já estava debaixo das cobertas, curtindo o filme, o chocolate depois da
pipoquinha e o ar-condicionado gelado. O quarto de Bernardo era tão, mas
tão superior ao de Pérola. E era esquisito me sentir mais em casa ali do que
no quarto da minha melhor amiga. Deveria ser o cheiro de Tato que já estava
impregnado.
Bernardo estava ao meu lado, mas existia uma barreira de almofadas no
meio de nós dois.
Em uma megacena de ação dos personagens correndo de um
velociraptor o celular de Bernardo começou a vibrar. Bem debaixo da minha
bunda, para ser mais exata. Até fiquei surpresa por essa funcionalidade tão
moderna estar funcionando naquele celular que poderia facilmente ter
pertencido ao T-Rex, até encaixaria bem nas mãozinhas dele.
Estiquei o celular para ele, mas não escapou a olhada muito bem
manjada que dei na tela. Não foi nenhuma surpresa ver Paola ligando.
Deveria ficar feliz, porque significava que eu era muito boa nessa
profissão de consultora para fins de putaria; CPFP, caso eu decida patentear
a ideia.
Bernardo não pareceu muito feliz ao ver a ligação da professora, tanto
que desligou e deixou o aparelho na mesinha de cabeceira.
Precisei piscar duas vezes para tentar entender o que acabou de
acontecer ali.
— Você desligou na cara dela?
— Essa parte do filme é boa.
— Esse filme é um fiasco, ninguém gostou dele, Bernardo.
Usei a lógica contra ele. Não era sua especialidade?
— Mas eu gosto.
Respirei fundo e resolvi ficar quieta, antes que ele me tirasse do sério.
Paola ligou novamente e dessa vez Bernardo desligou o celular.
Eu não conseguia entender aquele garoto, por mais que colocasse muita
energia nisso. Nunca conheci nenhum cara que se livrasse de uma mulher
que estava obviamente dando em cima dele de maneira tão efusiva. E ainda
tinha um ataque quando recebia a proposta de um beijo.
Acho que não lido nada bem com rejeição.
O que os homens da família Adler tinham contra mim, no final das
contas?
Aquela manhã de segunda-feira foi a mais insana que tive em toda
minha vida.
E o motivo era bem simples e tinha um cabelo um pouco complexo pela
bagunça dos fios, na verdade.
Dormi na mesma cama que Pietra.
Nunca dormi com mulher nenhuma dividindo a mesma cama que eu,
porque não, minha irmã não contava. Que doente contaria uma coisa dessas?
Terminamos de ver o terceiro filme antes da 1h da manhã e Pietra
insistiu em colocar no primeiro da nova franquia, porque ela estava sem
sono e animada com a história. Eu coloquei, mas apaguei antes que o
Jurassic World surgisse.
Quando abri os olhos, no meio da madrugada, Pietra estava dormindo
debruçada na pilha de almofadas, quase cruzando aquela fronteira que criei
entre nós. A vontade de tirar aquelas almofadas foi tão real, que cheguei a
sentir o corpo de Pietra mais próximo, mais quente.
Eu estava perdendo minha mente.
Obriguei meu cérebro a fechar meus olhos e voltar a dormir, porque
pensar esse tanto de besteira com uma pessoa dormindo ao meu lado era, no
mínimo, doentio.
E agora estava ali, com a claridade entrando pela fresta da persiana que
não fechei direito, assistindo a criatura mais bonita de todas dormindo
daquela forma engraçada.
Essa criatura que se eu não fosse tão fraco, medroso e imbecil, teria me
beijado.
E eu sabia que seria incrível.
Antes que continuasse a pensar nisso, fui para o banheiro tomar um
banho para começar o meu dia melhor. Tinha muito trabalho atrasado e
precisava demais usar o tempo em que não estava pensando merda sobre
Pietra para adiantá-lo.
Ao voltar para o quarto, Pietra não estava mais na cama. Suspirei e
decidi que tomaria café da manhã antes de focar nas minhas coisas.
E eu teria feito isso, se Pérola não estivesse jogada no sofá, chorando
no colo de Pietra.
— O que aconteceu? — perguntei, totalmente assustado.
Minha irmã estava com um vestido de brilho, provavelmente do dia
anterior. Os olhos escorriam maquiagem e seu nariz estava vermelho e
inchado.
Pietra fez um gesto de faca na garganta, que não entendi muito bem se
era sobre alguém que foi morto ou se não deveria me aproximar.
Por via das dúvidas, sentei do lado dos pés da minha irmã e retirei a
sandália de salto alto que ela usava e apertava seu tornozelo tanto que estava
até marcado.
— Eu odeio os homens! — Pérola choramingou mais um pouco.
Ah, era sobre Tato. Deveria ter imaginado. Era o único assunto que
minha irmã tinha nos últimos tempos.
— O que Tato fez? — A curiosidade me tomou.
Pietra revirou os olhos e arrumou as costas no sofá. Precisei morder o
lábio para não rir da forma como lidava com a situação.
— Fomos para a NBA e encontramos um pessoal, inclusive aquela
Adriana Ventura. Aquela velha!
Pietra limpou a garganta e continuou bagunçando sua sobrancelha
pacientemente enquanto Pérola surtava.
— Ela é uma das maiores apresentadoras do Bras...
— Foda-se! — gritou minha irmã.
— Mas o que aconteceu?
— Eu peguei o Tato macetando essa senhora no banheiro do
restaurante.
Busquei o olhar de Pietra, porque eu não fazia a mínima ideia do que
era “macetando”. Ela riu ao ver meu rosto claramente confuso e fez um
gesto com uma das mãos batendo sobre a outra.
Ahhhh!
— Sinto muito, Pérola! — Acariciei seu tornozelo e escutei um engasgo
feio vindo da minha irmã.
— Eu dei tudo o que eu podia para ele, sabe? — Agora ela agarrou o
braço de Pietra, que assentia suavemente. — Eu dei a minha bunda para ele!
E não valeu de nada!
Pietra começou a rir, deixando minha irmã zangada, enquanto eu só
respirava, torcendo pelo momento em que meu tempo nesse planeta
acabasse. Seria um bom momento.
— Pirocas confusas machucam cuzinhos incríveis... — Pietra tentou
falar seriamente e eu admirei sua força de vontade para zoar com a cara da
minha irmã de forma tão elegante.
Pérola chorou ainda mais.
— Vocês terminaram, certo? — perguntei, porque o choro da minha
irmã era o mesmo som de um asno engasgado.
Era terrível e acordaria meu pai daqui a pouco.
— Ele me pediu para participar com eles! — choramingou.
— Você foi? — Pietra pareceu preocupada demais.
— Não, eu não gosto de chupar boceta.
Pietra olhou para ela, indignada.
— Pérola, você não devia ter negado por não gostar de chupar boceta,
sim, porque o cara estava literalmente te traindo na sua frente.
Pérola fez um biquinho de choro.
— Eu gosto dele.
— Mas não devia! Ele tem muito mais que o dobro da sua idade, te
sexualiza como ninguém, nunca nem falou de compromisso sério, por mais
que esteja dentro daquele maldito quarto durante todas nossas férias, te
comendo embaixo do teto do seu pai e mentindo para ele! Ele está mudando
tudo de bom que tem em você e te transformado em uma louca que só tem
um objetivo na vida.
Pietra perdeu a paciência com minha irmã e gostei de ver como Pérola
parou de chorar para olhar com atenção a amiga.
A amiga que por sinal, faria a mesma coisa com meu pai, o homem com
o dobro da idade, se ele fosse um pouco parecido com Tato.
— Qual é o meu objetivo?
— Dar para ele! Tudo é sobre sexo agora, você não tem outro assunto.
Chata pra caramba, meu Deus do céu!
Eu assinava em baixo, mas nunca abriria minha boca naquela discussão
estranha delas.
— Graças a Deus ele pegou essa merda de apresentadora e te botou
uma galha! Acorda, Pérola! Está perdendo todas nossas férias por conta de
homem, um velho que acha que tem dezoito anos de idade com aqueles tênis
coloridos imbecis e te usa para se autoafirmar.
— Amiga, calma...
— São nossas últimas férias antes de você se mudar.
Pietra parou de falar alto e coçou o nariz com força, disfarçando os
olhos cheios de lágrimas que ficou ao falar sobre aquele assunto.
— Desculpa, miga! — Pérola balbuciou e tirou as pernas de cima de
mim para poder abraçar Pietra.
— Você é tão sensacional em tantas vertentes da sua vida, para de
gastar tempo e energia sendo um objeto para um babaca qualquer. Ou gaste
esse tempo e essa energia com algum babaca que seja o seu babaca certo, o
que o comedor de cu não está nem perto de ser.
Dessa vez eu gargalhei alto, usando a mão para tapar a boca. Afinal,
estava sendo um intruso na conversa delas. Pérola também riu e segurou
minha mão.
— Não é, Bê?
Eu acreditei que fosse ter um ataque cardíaco exatamente às 9h16 da
manhã. O momento em que Pietra Rossi me chamou de Bê e meu relógio
apitou pelo aumento exponencial da minha frequência cardíaca.
— É... É isso mesmo. Ele não é o cara certo.
— Amo vocês!
Pérola nos agarrou com seus braços de polvo, forçando nossas cabeças
a ficarem mais próximas enquanto murmurava que éramos os melhores
amigos do mundo. Pietra piscou para mim e tudo o que eu consegui fazer foi
dar um sorriso mínimo para ela, que não contente em piscar, puxou os
pelinhos do meu braço, assim como da outra vez.
— Festinha de migas, hoje? — minha irmã perguntou para a amiga
assim que nos soltou.
Seu humor tinha mudado em dois minutos. Eu não conseguia
compreender as mulheres.
— Ah, lembrou do MADM? — Pietra ironizou. — Hoje marquei com
Bruno de ir à casa noturna em que ele trabalha.
— Quem é Bruno? — Pérola torceu o nariz.
— O porteiro.
Engoli em seco. Bem seco mesmo. Afastei meu corpo do de Pietra,
sentindo que algo de muito errado estava acontecendo dentro de mim.
— Deve ser um muquifo, amiga.
— Pérola... — Pietra a censurou.
— Tudo bem! Se você quer, eu vou.
Pérola encerrou a conversa e foi para o quarto, provavelmente tirar os
dois quilos de maquiagem derretida do rosto.
— Ei, você quer ir com a gente? — Pietra deu um chutinho na minha
canela.
Não sabia por que ela gostava tanto de chamar a atenção por meio
dessas brincadeiras brutas. Não doía, eu até achava engraçado, mas não
conseguia entender.
— À festa?
— Sim.
— Não. Eu não gosto de festas.
Levantei do sofá antes que ela falasse qualquer coisa e fiquei grato por
não me seguir para a cozinha. Despejei um pouco de cereal em uma tigela e
voltei ao quarto, frustrado comigo mesmo por eu ser assim.
Tudo que mais quis durante anos da minha vida foi ser igual aos garotos
da minha idade. Eu gostaria de ir a festas, ficar com garotas, ter amigos. E
nunca consegui ser nada disso. Continuava o idiota viciado em Física,
cálculos e dinossauros. Eu sou patético.
Mergulhei de cabeça no meu cálculo, lutando contra o pensamento
recorrente de que eu poderia estar deixando uma grande chance passar.
Pietra queria mesmo que eu fosse com elas? Ou estava sendo educada?
Com toda certeza era educação, talvez quisesse reparar o erro da noite
passada. Deu para ver que ela ficou bem sem graça depois da história do
beijo. Ela deveria estar sendo educada nessa situação também.
Não almocei, porque estava nervoso demais para isso. Meu pai
apareceu na parte da tarde querendo conversar, mas eu estava realmente
ocupado e ele deu um beijo no meu cabelo antes de sair para o restaurante.
A noite já tinha caído e eu continuava com aquela sensação ruim dentro
do peito. Como se estivesse deixando a minha vida passar. Como se todas as
minhas vontades fossem menores do que o meu medo.
E, nossa, como eu sentia medo.
Medo de rirem de mim.
Medo de ser uma piada em lugares assim.
Medo de verem que sou diferente.
Medo de Pietra perceber que eu era um completo idiota, isso se ela já
não tivesse certeza.
— Gênio, vamos?
Dei um pulo da cadeira quando Pietra simplesmente achou prudente
entrar de fininho no quarto e apertar as minhas costas para me dar um susto.
Deu certo, porque assustei de verdade.
Virei a cadeira e precisei abrir a boca para poder respirar melhor ao
encontrar Pietra na melhor versão que já vi dela até então. Um vestido
branco e curto com brilhos moldava seu corpo, evidenciando a cintura fina e
valorizando seus peitos com aquele decote com tecido acumulado na frente.
Seus cabelos foram alisados e estavam muito diferentes daquelas ondas
generosas. O contraste do cabelo preto, a pele bronzeada e aquele vestido,
deixava-a tão linda quanto uma deusa grega. Ela parecia a própria
personificação de uma.
— Já está vestido?
— Para o quê?
— A festa, ué!
— Pietra...
Meu tom era monótono, como se fosse difícil entrar naquele assunto.
Não que eu já tenha entrado com ela, mas comigo, era um constante
monólogo.
— Em nome da nossa amizade juramentada pelo poder e força do
Velociraptor, vamos a essa festa, por favor!
Ri, negando com a cabeça.
— Pelo amor de Thomas Edison que inventou a eletricidade!
— Foi Tales de Mieto quem inventou a eletricidade. Edison inventou a
lâmpada.
— Quem disse isso?
— Os livros? — Arqueei uma das sobrancelhas.
— Pelo amor do... Elon Musk? — Pietra chutou, parecendo um tanto
amedrontada.
— Não sou um grande fã do Elon Musk.
— Ah, tá! — Deu de ombros. — Vamos à festa, por favor?
Pietra não parecia estar sendo apenas educada. Parecia realmente querer
que eu a acompanhasse na tal festa.
— Festas não são bem a minha praia.
— Eu sei, mas acho que seria uma experiência legal. Assim como a
putaria por telefone.
— Aquilo não foi legal. — Foi aterrorizante, quis completar.
— E por que você parece outra pessoa depois daquilo?
Sua pose astuta me deixou sem palavras. E aí, Bernardo, por quê?
— Não tenho roupa para uma festa.
— Por que não me deixa cuidar disso enquanto você toma um banho?
Decidi não questionar, apenas aceitar. Por muito tempo esperei por algo
assim e agora está bem aqui. Quase consigo sentir a sensação. E é perfeita.
Tomei banho rapidamente, minha ansiedade no talo. Pensei em tomar o
remédio, mas não sabia se seria uma boa ideia. No final das contas, não eram
apenas aviões que deixavam minha mente em frangalhos.
A roupa que Pietra escolheu estava na cama. Minha boca secou ao ver
que tinha separado até uma cueca. Pietra mexeu na minha gaveta de cuecas!
Mortificado, passei as pernas pelo pedaço de tecido, tentando abstrair a
imagem muito vívida em minha mente.
Não entendi aquela combinação de roupas de Pietra. Alguém vestia
calça de alfaiataria em linho cru e camisa social listrada? Eram roupas que
eu usava separadamente quando velejava com meu pai.
Decidi confiar em Pietra, porque ela entendia mais disso do que eu.
Calcei o sapato que achei que mais combinava com aquela roupa, peguei
minha carteira e nem me preocupei em pegar o celular, porque eu não usaria,
mesmo.
Ao chegar à sala, minha irmã estava batendo alguma bebida no
liquidificador e percebi que o vestido dela era igual ao de Pietra, só que
preto. Elas estavam combinando como um jogo de gamão.
Pietra desviou os olhos do celular para mim e se aproximou com um
sorrisinho conspiratório.
— Arrasei na produção, não arrasei?
— Não sei, não parece algo para se usar em uma festa.
— Você está parecendo o Harry Styles.
Eu estava? Ser parecido com esse cara era um elogio?
— Margarita, babies? — Pérola esticou duas taças no alto.
Pietra saiu correndo para pegar a sua e eu fui atrás, acanhado.
— Está muito gato, bebê. — Minha irmã deu um beijo em minha
bochecha, deixando meu nervosismo ainda pior. — Margarita?
Abri a boca para dizer que não bebia, mas olhei Pietra dar um gole na
bebida e fazer uma careta que me deixou tenso — e não tinha nada a ver
com a festa.
— Isso está muito bom! — Ela comemorou, tomando mais dois goles
longos.
Assenti para Pérola. Minha irmã arregalou os olhos, mas acabou
colocando na taça achatada para mim.
Provei um pequeno gole, sentindo o álcool arder a ponta da minha
língua.
— Pega leve, parceiro — Pietra me empurrou de leve com seu quadril e
tudo o que consegui fazer foi assentir.
Tomei mais três goles, todos pequenos. Era ruim, mas depois de um
tempo não ficava tão ruim assim.
Elas decidiram que era a hora de partir. Pietra chamou um Lyft para nós
e fui o caminho todo escutando a conversa animada das duas. Meu estômago
estava revirado, as mãos suadas, estava ansioso, nervoso e amedrontado.
Tudo ao mesmo tempo. Mas Pietra estava ali ao meu lado. Ela me ajudou no
avião, poderia fazer sua mágica em uma festa também, não podia?
— Ei... — Pérola puxou minha mão assim que descemos do carro, em
frente da boate cheia de gente do lado de fora.
Havia pelo menos três filas diferentes ali e eu nunca saberia para onde
teria de ir.
— Oi?
— Ela será sempre um crush, não é? — Pérola semicerrou os olhos.
Aquela pergunta parecia ter um tom de promessa. Uma promessa que
fiz muitos anos atrás.
Aos doze anos eu achava Pietra a criatura mais linda de todo o planeta
— sigo achando — e Pérola logo começou a desconfiar, porque eu
simplesmente travava quando Pietra chegava perto de mim. Ela encheu meu
saco até eu confessar que gostava de sua amiga. Era algo bobo, de criança,
platônico. Mas ela deu um escândalo, falando que eu acabaria com a
amizade dela com Pietra.
Em uma tarde depois da nossa aula de vôlei, ela fez com que eu
prometesse que pararia de gostar de Pietra.
Depois de algum tempo, não foi difícil cumprir minha promessa,
porque Pietra era terrível. Quando eu não conseguia ignorá-la, eu era grosso,
ela respondia à altura e cada vez mais nossas interações se resumiam a
resmungos e reviradas de olho.
Mas houve um momento que me fez entender que talvez eu nunca
pudesse cumprir o que prometi à minha irmã.
O dia em que meu melhor amigo morreu e Pietra passou a noite toda ao
meu lado. Ela segurou minha mão até depois de dormir. Ela ficou ali mesmo
que eu tivesse passado o dia chorando compulsivamente.
Foi ali que eu soube.
— Somos só amigos — respondi para minha irmã, com a voz trêmula.
Ela deu de ombros.
— É bom que sejam.
Pérola desfilou pela entrada da casa noturna. Um dos seguranças abriu a
cordinha vermelha para minha irmã depois de nosso porteiro sussurrar algo
ao ouvido dele.
— Pronto? — Pietra ficou ao meu lado enquanto Pérola fazia sua
entrada triunfal.
— Não, mas sim.
Ela segurou a minha mão e aquele simples gesto fez com que tudo
viesse à tona ainda mais forte, mais intenso, mais poderoso dentro de mim.
Eu estava muito encrencado.
Pietra puxou minha mão em direção à entrada e abriu um sorriso
enorme ao ver Bruno ali na frente. Ele era um cara corpulento, mas não era
tão alto. Seus bíceps quase explodiam na camisa de mangas curtas com
estampas de abacaxis.
— Oi, meu gato! — Pietra o puxou pelos ombros, depositando dois
beijos em seu rosto.
Abaixei os olhos para o chão e tentei soltar minha mão da dela, mas o
aperto se tornou mais justo. Pietra puxou minha mão até que eu ficasse ao
seu lado, em frente de Bruno.
— Bom te ver aqui, cara. — Bruno abriu um sorriso enorme e deu um
tapa no meu ombro. Confesso que doeu.
— Ela... Ela me... obrigou.
— Posso imaginar.
Vi o olhar que eles trocaram. Aquilo só contribuiu para minha
ansiedade ir parar nas alturas. Eu não deveria ter vindo aqui.
Bruno nos guiou para um corredor todo preto, abafado e um pouco
claustrofóbico. Senti falta do zunido abafado do corredor quando entramos
no salão amplo, cheio de luzes coloridas e estroboscópicas. Pietra ainda
segurava minha mão, arrastando-me dentre as pessoas que dançavam de uma
forma nada pudica.
O ambiente era quente demais e quase agradeci quando Bruno nos
levou para a parte de cima, onde estavam os sofás. E Pérola, já bebendo.
— Quero te apresentar Mike — Bruno falou alto por conta do barulho.
Pietra começou a rir.
— Eu nem cheguei direito. Descansa, casamenteiro.
Ela foi na direção de Pérola e brindou com o champanhe que apareceu
na mesa da minha irmã.
— Gostou da casa? — Bruno perguntou para mim.
— Muito bonita.
Não era mentira. As luzes eram muito boas, tinha um telão gigante e
dançarinas no teto. Só não fazia o meu estilo, mesmo.
Fui para o lado das meninas e comecei a perceber que elas faziam
muito sucesso naquele ambiente. Em menos de uma hora, elas já tinham
recusado pelo menos umas quinze bebidas que o garçom trazia de presente.
Dava para ver o olhar esperançoso dos caras quando o garçom se
aproximava e desolado quando elas negavam.
— Está muito ruim? — Pietra perguntou assim que parou de dançar e
se sentou no sofá de couro preto onde eu estava.
Neguei.
— Não está tão ruim assim.
— Melhor que ficar no quarto fazendo cálculos, não é? — Fez uma
careta.
— Prefiro os cálculos.
— Nojentinho! — Pietra deu uma cotovelada de leve e logo levantou
do sofá, indo para perto de Pérola que dançava em volta da grade de
proteção.
Observei a forma como Pietra sorria enquanto mexia os quadris de um
lado para o outro. Ela era incrível.
— Não deixa escorrer a baba, meu amigo.
Tomei um susto quando percebi que Bruno estava do meu lado agora,
olhando na mesma direção que eu.
— Eu... Eu só estava olhando... as pessoas — justifiquei o que não se
podia justificar.
Bruno colocou um pouco de vodca da garrafa que Pérola tinha
comprado e repassou o copo para mim. Morri de vergonha de recusar e
acabei tomando um gole. Como alguém poderia gostar daquilo por livre e
espontânea vontade? Comecei a questionar se todos não achavam aquilo
uma merda e só tomavam para aguentaram a chatice de eventos sociais como
esses.
— Não é acostumado a beber, não é?
Neguei com a cabeça.
— É sempre ruim assim?
— Com o tempo melhora.
Arrisquei mais um gole e ficou ainda pior. Bruno ainda foi solidário em
colocar algumas rodelas de limão.
— Respostas sinceras entre dois cavalheiros?
Ele aproximou o ombro do meu, abaixando o tom de voz. Fiquei
confuso, mas assenti.
— Eu tenho alguma chance com sua irmã?
Senti um alívio tão grande ao escutar aquilo, que nem me importei que
ele quisesse ficar com minha irmã. Poderia ser com qualquer garota dessa
festa, menos com Pietra. Seria horrível ver alguém a beijando.
— Eu não sei, acho que sim. Ela gosta de... homens, eu acho.
— Você acha? — Arqueou uma sobrancelha.
— Tenho certeza — corrigi. — Bastante. Muito até!
Balancei a cabeça para tirar o pensamento daquela conversa
constrangedora de mais cedo. Eu não sabia qual era o tipo da minha irmã. Já
tinha visto com meninos da mesma idade, com Tato, com riquinhos do nosso
condomínio, até com um cantor sertanejo. Não sei nem se Pérola tinha um
tipo.
— Ok, obrigado pela dica! — Bruno apertou meu ombro e reparei que
eu estava me sentindo até mais confortável com sua presença agora que
sabia que ele estava interessado na minha irmã e não em Pietra. — Agora,
posso te ajudar em algo?
— Pode?
Fiquei confuso com minha entonação. A situação estava confusa como
um todo, na realidade.
— Pietra me contou toda a história quando vocês estavam brigados. Eu
até levei uma bronca do meu chefe, porque ela passou uma tarde toda
contando tudo com muitos detalhes.
Prendi os lábios, tentando entender a lógica de estar escutando aquilo.
O que tinha a ver?
— Ok...
— Se você quer uma chance com ela, o momento é esse.
— Uma chance? — repeti como um bobo.
— Sim. Não faz sentido alguém falar de alguém interruptamente por
três horas se não existe um interesse mínimo.
— E o que ela falou?
— Sobre você tê-la chamado de burra na escola...
— Eu não a chamei de burra — interrompi, porque isso era importante.
Eu estava tentando só ajudar, quantas vezes mais eu precisaria falar
para que ela entendesse?
— E depois sobre seu pai, o combinado de vocês, sobre você ser um
nerd arrogante, mesquinho e muito insuportável. Palavras delas, não minhas.
Ri, porque era óbvio que Pietra falaria isso.
— Eu não sou o tipo dela. Nunca fui e nunca serei.
— Se alguém passa três horas falando para um quase estranho sobre um
cara, fica difícil acreditar nisso. — Bruno bateu o copo dele ao meu. Quase
deixei virar a bebida em cima de mim, porque estava chocado, confuso e
quente. Precisava fazer tanto calor ali? — Diria até que ela gosta de você.
— Ela gosta do meu pai.
— O cara que praticamente a criou?
Gostei de Bruno. Ele tinha visão e pegava rápido as coisas.
— É exatamente isso que digo! — falei um pouco alto, porque aquele
assunto ainda era delicado. Adorei ter um aliado comigo.
— Acho que ela percebeu que estava viajando, se isso te consola.
— Ela realmente falou tudo isso para você?
Cruzei os braços, olhando admirado para Bruno.
— Sou um ótimo ouvinte — explicou. — E tenho tempo livre lá na
portaria.
— Entendo.
— Bem, era isso que queria te falar, porque dá para ver que é meio
lerdo nessa área. Se existe algum interesse de sua parte, a hora é agora.
Bruno deu dois tapinhas na minha perna antes de levantar e seguir na
direção de Pérola. Observei a forma como ele chegou perto dela, cercando-a
com cuidado, muita destreza. Bruno claramente sabia o que fazer, ao
contrário de mim. Mesmo assim, não foi o suficiente para minha irmã dar
atenção a ele. Ao perceber sua presença muito próxima, ela saiu de perto. E
ele foi atrás. Perdi os dois de vista assim que minha irmã desceu a escada
para a pista.
Busquei Pietra e, nos cinco segundos em que ficou sozinha, dois caras
já a cercaram. Deveria ser um saco ser mulher, querer dançar e ficar rodeada
por um monte de cara querendo tirar uma casquinha.
Tive vontade de levantar e ir até ela, segurar sua cintura e mostrar que
estava acompanhada. Mas eu não era esse tipo de cara. Pietra não veio
comigo, provavelmente queria se divertir com alguém que fosse mais
parecido com ela e não com alguém que estava sentado no fundo de um
camarote de uma festa, mal conseguindo dar um gole em um pouco de
vodca. Eu era uma piada!
Foi então que me lembrei do que Bruno falou. E se fosse esse o
momento? E se toda aquela proximidade não fosse puramente platônica da
minha parte? A forma como Pietra ria comigo, como se importava e me
escutava. Eu poderia estar perdendo mais uma chance de tentar. Algo que
Pérola tirou de mim anos atrás.
Em um gesto seco, peguei o copo com o resto da bebida e bebi tudo em
um gole. Não ficou nem 1% melhor, mas eu precisava do máximo de
coragem possível só para levantar daquele sofá. Meu estômago queimava e
senti as paredes da boate um pouco mais próximas do que antes.
Cada passo que dava em direção a Pietra parecia que eu estava pisando
em algodão-doce. Insisti em dar passadas mais longas, antes que eu
desistisse.
— Cai fora! — Escutei-a falar com um dos caras que estava cada vez
mais próximo dela.
Respirei fundo e puxei a cintura de Pietra em minha direção. Senti que
levaria um tapa, mas quando ela virou e viu meu rosto conhecido, vi o
fantasma de um sorriso se formar em seus lábios pintados de vermelho.
— Está tudo bem? — perguntei, ignorando o brutamontes atrás dela.
— Está! — Ela olhou por cima do ombro, esperando o cara entender a
deixa e sair dali.
Ele demorou a sair e até achei que me bateria, o que seria vergonhoso,
porque eu nunca briguei com ninguém. Era capaz de Pietra ter de entrar no
meio da briga e resolver por si só. Ela tinha todo jeito de quem faria isso.
— Ele já foi — avisei assim que vi o cara sair de perto e o outro, que
também tentou conversar com ela, estar focado em engolir a boca de uma
ruiva.
— Adorei a vibe macho-alfa.
Aquilo tinha sido qualquer coisa, menos uma competição de
testosterona com aqueles caras.
— Não foi bem isso que aconteceu.
— Achei meio sexy. — Piscou, deixando seu sorriso expandir.— Você
está muito vermelho. Andou bebendo?
— Um pouco. Por que faz tanto calor?
Soprei o ar, balançando o tecido da camisa para aliviar um pouco a
sensação.
— Vem, vamos tomar um ar.
Pietra pegou minha mão e me arrastou por aquele mezanino até um
corredor onde ficavam os banheiros. Era realmente mais arejado e o único
lugar que não estava abarrotado de gente. Fomos até o final, ficando parados
ao lado da saída de emergência.
Pietra se encostou de um lado e eu do outro, de frente para ela. Eu
cruzei os braços, ela imitou a mesma posição.
— Está melhor?
— Sim.
— Você nunca bebeu mesmo?
— Não. Tenho medo de perder o controle.
— Perder o controle é a melhor parte.
Seus olhos reviraram em torno deles mesmos e ela passou uma perna
por cima da outra, deixando suas coxas mais visíveis.
Tentei disfarçar o olhar, mas ela percebeu e só sorriu.
— Eu gosto de ter controle sobre meu corpo. E minhas emoções. E o
modo como eu me comporto.
— Que certinho! — Ela me zoou, mas riu logo em seguida. — Não tem
vontade de perder o controle só um pouquinho e fazer algo que nunca fez na
vida? Algo que você queira?
— Tenho medo... — confessei em um sussurro.
Acredito que ela nem tenha escutado, porque embora o barulho fosse
mais abafado ali, ainda era alto.
— De quê?
— De virar a piada novamente.
O olhar de Pietra ficou nublado. Tive a impressão de que ela quis falar
algo, mas acabou meneando a cabeça.
— E o que você faria se tivesse a certeza de que ninguém te veria?
Meu coração acelerou de uma forma sem controle. O primeiro indício
de que eu o perdia. Encarei Pietra, seu rosto entusiasmado, as bochechas
coradas pela bebida, a boca vermelha pelo batom, a forma como seu corpo
se escondia na luz, deixando apenas um pouco de seu rosto visível naquele
corredor escuro.
Eu sabia o que eu faria se ninguém estivesse vendo.
E pela primeira vez na minha vida, decidi suprimir todo esse medo para
fazer algo por mim. Algo que o Bernardo de anos atrás nunca teria a
coragem de fazer.
E foi movido por esse Bernardo acuado, sofrendo e que temia respirar
mais alto e virar uma piada para pessoas maldosas, que eu atravessei a curta
distância daquele corredor.
E eu beijei Pietra Rossi.
Levei dois segundos para entender que o que estava acontecendo era
real.
As mãos geladas de Bernardo seguravam minhas bochechas, sua boca
quente, macia e trêmula estava sobre a minha.
Eu não precisei de mais um segundo para colar meu corpo ao dele e
enfiar — finalmente! — minha mão em seus cabelos. Da forma como quis
fazer várias vezes durante aqueles últimos dias. A sensação não me
decepcionou, o toque era acetinado e deslizava entre meus dedos de uma
forma gostosa.
Foi então que me lembrei da nossa conversa ontem e afastei meu rosto
com tudo, batendo a cabeça na parede no meio do processo.
— Você tem certeza?
Não queria ser conhecida por essas bandas por desvirginar a boca de
Bernardo Adler se não fosse de sua extrema vontade. Será que era? Ou ele
só queria beijar qualquer pessoa se não tivesse ninguém olhando?
Bernardo assentiu uma única vez.
Minha barriga gelou, mas preferi não dar bola para o nervosismo.
Forcei o corpo de Bernardo para trocarmos de lugar. Ele ficou com as costas
na parede, eu colada nele. Aquela sandália de salto foi uma excelente
escolha, porque para beijar sua boca eu só precisaria erguer um pouco a
cabeça.
Beijei seus lábios mais uma vez, de leve. Toquei com a pontinha da
língua seu lábio inferior. Nossos corpos estavam tão grudados que eu sentia
o coração acelerado dele. O meu não deveria estar tão diferente assim.
Bernardo segurou minha cintura e aquele foi meu fim. Torci os fios de
seu cabelo entre meus dedos e o grudei em mim, beijando-o para valer. Sua
língua tocou a minha com receio, dava para ver que ele não sabia muito bem
o que fazer; o que era totalmente normal. Ditei nosso ritmo, provando seu
gosto de álcool e limão. A outra mão de Bernardo segurou minha cintura,
dessa vez com um pouco mais de força e nunca desejei tanto que ele
movesse aquelas mãos. Queria que me tocasse. Queria que eu fosse a
primeira pessoa em que ele colocaria as mãos. Queria que nunca mais
esquecesse aquele exato momento.
Raspei os dentes em seu lábio inferior e o escutei arfar. Espalhei alguns
selinhos por toda sua boca e sorri em meio ao beijo quando uma de suas
mãos subiu da cintura para minha nuca. Bernardo cobriu a minha boca com
vontade, mais livre nos movimentos, mais confiante. Gemi ao chupar sua
língua, ciente de que eu poderia estar passando dos limites.
E tive a prova que estava quando ele tirou as mãos de mim e parou de
me beijar.
Até aquele momento eu não tinha imaginado o quão sexy aquele garoto
conseguia ser com os cabelos totalmente bagunçados por meus dedos, adorei
saber que fui eu que fiz aquilo. Eu tentava ignorar que Bernardo era bonito,
porque o considerava uma criança, até perceber bem ali que não era. Ele
tinha um fogo no olhar e me olhava de uma forma que não se assemelhava
nem um pouco com o menino discutindo comigo sobre minhas crendices
populares ou ruborizando ao me ver desfilar na sua frente de biquíni.
— Desculpe! Desculpe, eu... — A frase morreu em sua boca.
Seus olhos de ônix me olharam perdidos, não conseguindo focar mais
em nada. Ele quebrou. Deu para ver o exato momento em que a realidade o
atingiu, então toda aquela dúvida e a perturbação voltaram.
— Bernar...
Não consegui nem terminar de chamá-lo, porque Bernardo saiu
correndo. Em dois segundos não tinha mais sinal dele no corredor.
Apoiei o cotovelo na parede, afastando minha franja levemente suada
da testa.
Eu beijei Bernardo Adler. Beijei para valer.
Sem me lembrar do quanto eu não o suportava, do arrogante barato que
aquele geniozinho era. Não existiu qualquer receio, porque quando ele
atravessou aquele espaço e me beijou tudo pareceu extremamente certo.
Odiei a forma como senti meu corpo gelar.
E aquelas borboletas no estômago... Aquelas malditas borboletas.
Eu beijei Bernardo!
Comecei a rir sozinha, sem acreditar que aquilo realmente aconteceu.
E sabe o que era o mais terrível de tudo isso? Que tudo o que eu mais
queria era continuar beijando, assistindo-o perder o controle comigo e tendo
a certeza de que aquela era a coisa mais terrivelmente gostosa e imoralmente
certa de que já fiz em minha vida.
Eu precisava achar meu Stephen Hawking.
Antes precisei fazer xixi, porque tinha bebido além da conta. Foi um
inferno ficar agachada naquele vaso enquanto tudo girava e eu tentava ser
rápida. Quando saí da cabine, uma garota retocava a maquiagem no espelho.
Pedi licença para lavar as mãos.
— O seu brinco é muito bonito — elogiei a garota alta ao meu lado.
Ela era tão alta e bonita, que fiquei impressionada.
A garota abriu um sorriso amplo e parou de passar o batom para olhar
para mim.
— Obrigada! Quer ele para você?
Travei ao escutar isso e percebi que ela estava mais bêbada do que eu.
Entendia a garota, porque sempre que alguém elogiava qualquer coisa minha
ou eu falava “Foi 15 reais na lojinha da esquina”, mesmo que tivesse me
custado um absurdo ou perguntava se a pessoa queria experimentar. Eu era
um pouco doente da cabeça. A menina também, ao que parecia.
— Não, obrigada! Fica melhor em você. — Coloquei as mãos debaixo
do soprador.
— Seu rímel está borrado, posso arrumar?
A menina já estava segurando meus ombros antes que eu dissesse
“sim”.
E assim nascia uma grande amizade de banheiro.
Em cinco minutos descobri que a mulher se chamava Luna e era —
pasmem! — Miss Miami Beach e competiria logo mais para o Miss EUA. A
mãe dela era brasileira, ela nasceu em Miami e tinha um namorado chamado
Leon, que não estava ali porque trabalhava no Hospital Geral cuidando de
criancinhas.
— E então ele me beijou... — finalizei minha história para uma
completa estranha.
— E você não pensou no pai dele?
Nossa, não! Não mesmo! Nem pensei na existência de Gael até minha
nova amiga Miss — uma real, não uma do Leblon — me lembrar dele.
— Não, em nem um momento.
— Deveria ser só fogo no rabo, amiga.
— Pois é, né? — Cruzei os braços, apoiando há minutos na bancada
enquanto batia papo. Foi então que lembrei de que deveria procurar por
Bernardo. Eu tinha a atenção de centavos, tudo me distraía dos meus
principais objetivos. Uma procrastinadora nata. — Preciso ir.
— Não magoe o virgem, eles são sensíveis.
Gargalhei alto e saí correndo do banheiro. Depois a procuraria no
Instagram, deveria ser bem fácil achá-la. Agora eu tinha prioridades.
Procurei Bernardo por todo o camarote e não tinha sinal dele. Se bem
que ele nunca ficaria naquela festa por vontade própria. Com certeza tinha
voltado para casa.
Bernardo fugiu como uma princesa assustada, só faltou deixar o
sapatinho de cristal. Acho que os virgens eram sensíveis mesmo.
Não era nem meia-noite e o Cinderelo me faria ir para casa.
Francamente, Bernardo!
Peguei minha bolsa na chapelaria e pensei que alguém tivesse jogado
droga na minha bebida quando vi Pérola sendo totalmente engolida por
Bruno. Sim, o cara que ela não queria ver nem pintado de ouro. Dava para
ver de longe a forma como o ignorava e eu não precisava saber muito por
qual motivo era.
Resolvi que aquele não era problema meu e eu já tinha coisa demais
acontecendo na minha vida ultimamente.
Tentei ligar para Bernardo em todo o caminho para casa, mas ele não
atendeu. Por sorte, o táxi chegou rápido ao prédio. Aquele tempo do
elevador pareceu levar duas horas, mas ao mesmo tempo passou tão rápido
que, quando cheguei ao apartamento, não fazia ideia do que eu falaria para
Bernardo.
Eu estava me sentindo mal, como se o tivesse induzido a me beijar.
Quando falei para ele fazer algo, achei que fosse correr pelado, virar uma
garrafa de tequila, cantar em um karaokê, não me beijar.
Era estranho falar que estava muito grata por ele não ter escolhido a
nudez, a tequila ou o karaokê?
Empolgada, fui para o corredor e não hesitei um segundo em virar a
maçaneta, pronta para fazer uma entrada triunfal em seu quarto.
E estava trancada.
Bernardo trancou o quarto! Isso queria dizer o quê?
Tentei virar mais duas vezes a maçaneta, mas estava claramente
trancada.
Ele. Não. Me. Queria. Lá!
O choque ao perceber isso foi algo que gelou meu corpo. Eu precisava
conversar com ele, explicar que eu não queria me aproveitar da situação,
talvez até pedir desculpas. Queria ver se ele estava bem ou estava lá dentro
surtando com uma crise de ansiedade.
— Bernardo? — Grudei a boca entre o fim da porta e o começo do
batente. — Abre a porta! — Queria falar alto, mas não podia. Não sabia se
Gael já estava em casa ou não.
Ele não respondeu e não tinha qualquer barulho vindo de dentro do
quarto.
— A gente pode conversar? — insisti, ainda com a boca grudada na
porta.
Silêncio.
— Você vai me largar naquele sofá duro mesmo? — Joguei baixo, eu
era craque nisso.
E nem um sinal de Bernardo.
E se ele contasse para Pérola que eu o agarrei? Ela não sabia nem que
eu dormia diariamente no quarto de seu irmão — inocente e platonicamente
— quanto mais saber que eu beijei o garoto que deveria estar se guardando
para o casamento.
Escorreguei as costas na porta, sentando no chão. Estiquei as pernas e
peguei o celular, minha cabeça maquinando toda aquela situação.
Ele poderia contar para Gael. Depois do que eu fiz para ele, não sei se
ele levaria numa boa eu atacar seu filho. E se ele achasse que eu estava
fazendo aquilo para chamar sua atenção? E se Bernardo achasse isso?
Porque eu só me metia em confusão, inferno?
Cliquei na minha conversa com Bernardo e meu dedo ficou levitando
por cima do teclado. Não sabia o que falar para ele. Movi o dedo para a foto
de perfil e o vi posando sério com um avental branco de laboratório. A
sombra de um sorriso passava pelo canto de sua boca, mas era como se ele
se recusasse a demonstrar que era legal, que tinha ótimas sacadas e um senso
de humor muito pontual. Ele tirava com a minha cara todos os dias com a
maior classe que já vi.

Fiquei obcecada em olhar meu celular para ver se ele apareceria on-
line, mas três minutos depois, nada aconteceu. Joguei o celular no chão com
minha bolsa e esfreguei meu rosto, bem forte, para ver se eu acordava para a
vida e parava de só fazer merda. Era uma sucessão de merda em cima de
merda. Uma torre de merda. O Burj Khalifa de merda desmoronando em
cima de mim.
A tela do celular acendeu e eu só olhei por cima, porque deveria ser
algo do Instagram. Mas, não era. Era Bernardo.
Peguei o celular tão rápido que ele caiu com a tela no chão.
Praguejei e o peguei de volta.

Simples e sucinto.
Pensando bem, eu não tinha estragado mesmo. Ele me beijou primeiro.
Eu só entrei na onda e tirei uma casquinha.
Continuei a olhar para a tela, vendo o aviso que ele estava digitando
aparecer dez vezes e sumir. Já estava desistindo de esperar uma resposta
quando vi sua mensagem pequena surgir.

Sorri e neguei com a cabeça.

Sentia o sangue pulsando em minha cabeça. Isso não era bom sinal,
era? Será que pessoas com vinte e um anos poderiam ter um derrame? Um
AVC? AVC e derrame era a mesma coisa? Só Bernardo poderia me
responder, droga!
Sorri que nem uma boba ao ler aquilo. Era sério que ele estava com
vergonha de ter sido ruim? E eu aqui surtando porque pensei ser ele quem
estivesse surtando por eu ter estragado um momento importante para ele.

Bernardo estava digitando rápido até ali, mas parou de responder logo
depois que mandei essa última mensagem. Esperava que ele tivesse
entendido o recado, mas só percebi que devo tê-lo assustado mais ainda,
porque nem on-line ele estava mais.
Bufei e encostei a cabeça na madeira, pensando que eu precisava sair
dali o quanto antes. Antes de Gael chegar ou passar pelo corredor ou então
de Pérola ver que eu estava implorando para entrar no quarto do irmão dela.
Bloqueei a tela do celular e tomei impulso para subir e seguir na direção do
quarto da minha amiga.
A porta do quarto se abriu e eu perdi meu apoio. O equilíbrio já não
estava muito bom pelas bebidas que tomei lá na boate e como miséria pouca
é bobagem e eu já não tinha me humilhado o suficiente nesta noite, eu caí
para trás, bem aos pés de Bernardo.
— Pietra! — Escutei sua voz alarmada, logo senti as mãos que uma
hora atrás estavam segurando minha cintura, agora segurando meus braços.
Bernardo me ajudou a ficar de pé e, quando olhei para ele, quem ficou
nervosa fui eu. Ele tinha passado essa doença para mim. Ótimo!
— Obrigada — murmurei de forma quase inaudível.
Bernardo coçou o braço, os olhos grudados em qualquer parte daquele
quarto que não fosse na minha pessoa. O silêncio que se formou entre nós
foi extremamente constrangedor, algo que eu nunca tinha presenciado. Eu
não calava a boca, era inédito alguém me deixar sem palavras.
— A lua safada é uma boa coisa, não é?
Ergui os olhos para ele, precisando morder a parte interna da bochecha
para não sorrir diante de sua pergunta. Bernardo já estava trocado e usava
uma calça de moletom cinza com uma camiseta folgada preta. Minha mente
perturbada começou a pensar no quanto nós gostávamos de calças de
moletom cinza. Era covardia.
Deus está de prova que eu vim até aqui pedir desculpas e aí o garoto
aparece com calça de moletom cinza.
— É uma coisa muito boa.
Ficamos nos olhando por dois segundos, até eu desistir de fazer a
política de boa vizinhança. Aproveitei que ainda estava de salto, o que
garantia uns bons centímetros a mais e me lancei contra Bernardo, puxando
sua nuca para mim.
Eu beijei Bernardo Adler novamente. E não me enganaria, falando que
não foi gostoso.
Bernardo empurrou a porta com a mão, ela bateu forte e eu descolei
meus lábios dos dele só para dar duas voltas de chave. Era a primeira vez
que ficávamos trancados naquele quarto. Seus olhos dobraram de tamanho,
mas ele tentou disfarçar bem.
Segurei o começo de sua nuca com as duas mãos e voltei para onde nós
estávamos. Não deveria estar tão confortável assim em beijar uma pessoa
que uns dias atrás era totalmente indiferente para mim. O nosso beijo
encaixava, a forma como ele tinha receio de tocar qualquer parte do meu
corpo fazia com que eu me sentisse especial, valorizada até.
Dei um selinho nele e o peguei pela mão, arrastando-o pelo quarto até a
cama. A mão de Bernardo estava gelada, com leves tremores. Sentei-o na
beira do colchão e fiquei de pé, olhando seu rosto ruborizado e aqueles olhos
brilhantes.
— Devemos conversar? — Apoiei minha mão em seus cabelos,
jogando-os para trás.
Eu acho que tinha uma nova obsessão.
Bernardo negou.
— Devemos continuar?
Bernardo assentiu.
— Bom garoto!
Não perdi tempo para montar em Bernardo, meu vestido subiu, mas não
fiz questão de esconder nada. A calça dele era maleável, minha calcinha era
apenas um pedaço de renda. Eu o senti duro embaixo de mim.
Eu fui atrás de cobre e achei ouro. Inshallah!
Movimentei meu quadril, porque não era trouxa. E estremeci ao
perceber que o negócio ali era promissor. Promissor até demais.
Bernardo tocou em minha bunda, graças a Deus! Mordi seu lábio
inferior e ele correspondeu, mordendo o meu também. Ele aprendia
rapidinho, deveria ser uma das facilidades em ter um QI de gênio..
— Pietra? — ele chamou enquanto eu me entretinha espalhando beijos
em seu maxilar e pescoço, o que percebi que o animou ainda mais.
— Oi?
— Isso não parece real.
Bernardo começou a rir baixinho e eu também ri. Ele tinha razão,
realmente não parecia real. Se alguém me falasse que nessas férias de verão
eu acabaria montada no colo de Bernardo Adler, eu diria para a pessoa ir se
tratar.
— Isso é real para você?
Beijei sua boca e voltei a olhá-lo, esperando minha resposta.
— É.
— E isso? — sussurrei ao seu ouvido, aproveitando para raspar com os
dentes no lóbulo.
— Também é. — Sua voz quebrou.
— Acho que você vai gostar disso, então. — Pisquei o olho direito e
peguei sua mão, guiando-a diretamente para meu peito. Bernardo paralisou,
o que achei bem fofo. — Já temos intimidade para isso ou você ainda não
confia tanto assim em mim? — provoquei.
A resposta que recebi fez aquela merda de arrepio na minha coluna
voltar. Bernardo segurou meu cabelo e me beijou de uma forma mais
urgente. Ele não só confiava, como queria aquilo. Dava para ver em cada
toque, na forma como me olhava. Eu só não queria passar dos limites com
ele.
Tudo era uma novidade, mas não queria que se arrependesse depois.
Seu beijo era algo surreal. Pelo menos para quem aprendeu a beijar uma
hora atrás. Eu vivia esperando por um cara que beijasse daquela forma, sem
pressa, realmente curtindo o momento e não querendo desesperadamente
arrancar minha roupa e partir para a próxima fase.
Seu polegar acariciou meu seio, contornando o bico. Esperei o
momento em que ele percebesse e segurei o riso quando percebeu e
paralisou o dedo em cima do piercing.
Já planejava meu próximo passo, mas o barulho irritante do celular de
Bernardo atrapalhou tudo.
Eu estava mais perto do telefone e estiquei o braço para pegar. Espiei a
tela e vi o nome de Paola ali. Senti como se jogassem um balde de água fria
no fogo que corria dentro de mim. Virei a tela para ele, que pareceu em
choque, envergonhado e sem saber o que fazer.
— Pode atender. — Fiz minha voz mais compreensiva de todas, mesmo
que eu estivesse sentada bem em cima de seu pau, esfregando aquela renda
por toda sua extensão.
Bernardo piscou duas vezes e eu só quis levantar dali e fingir que nada
aconteceu quando ele pegou o celular da minha mão. Ele realmente atenderia
a professora que ele muito provavelmente teria um relacionamento assim
que essas férias acab...
Bernardo jogou o celular longe. E quando digo longe, foi muito longe
mesmo. Ele não tinha capinha e nosso coração conhece o barulho quando
um celular parte para o reino dos eletrônicos.
Olhei abismada para ele, minha boca ficou meio aberta, porque não
esperei por aquilo. Nunca.
— Onde estávamos?
Apertei os ombros dele, tentando tirar aquela cara de bobó que eu sabia
que estava grudada no meu rosto.
Eu ia beijá-lo, mas decidi que depois daquilo, ele merecia algo melhor.
Afastei meu tronco dele, o suficiente para enganchar os dedos
indicadores na alça do vestido e tirá-lo dos meus ombros. O tecido caiu por
minha cintura e vi Bernardo prender tanto aquele maxilar, que
provavelmente precisaria de uma placa de bruxismo amanhã.
— Acho que estávamos por aqui, mais ou menos.
Ele ficou paralisado e precisei ter a iniciativa de beijá-lo e esfregar
meus peitos em seu peitoral, muito sutilmente, porque sou uma mocinha, já
dizia vovó.
Meu Deus, minha avó me mataria se soubesse o que estou fazendo com
seu aluno preferido nesse quarto.
— Eu... Eu gostei dos piercings.
— Gostou, é?
Beijei sua bochecha, sentindo um leve arranhar pela barba que
começava a apontar na pele.
— Combina com você.
— Você não precisa só olhar.
Desci os olhos para sua boca e senti um pulsar delicioso de algo bem
embaixo da minha calcinha. E que não veio de mim.
Bernardo me tocou com uma delicadeza e calma que não era comum
para alguém que supostamente nunca viu peitos ao vivo. Ou será que ele
esteve zoando com a minha cara todo esse tempo?
Ele apertou meu seio esquerdo de leve, testando os limites. Seus olhos,
que pareciam ainda mais pretos, subiram para meu rosto. Eu sorri, adorando
a forma como ele me olhava. Ele dessa vez apertou mais firme, encaixando
toda sua mão no volume. Eu não tinha um peito muito grande, era até um
pouco encucada com meus peitos, porque gostaria muito de colocar silicone
algum dia para deixá-los mais altos, mas nem me lembrei da minha
insegurança ao ver a forma que Bernardo fazia com que eu me sentisse uma
deusa.
— Ei? — chamei sua atenção e fiquei com peso da consciência por ver
seu rosto apavorado. — Eu estou gostando, viu?
Quis deixá-lo mais à vontade, porque eu sabia que não era nada legal
aquela tensão por ficar sem saber se está fazendo algo certo ou não.
Minha primeira vez foi uma bosta e o que veio depois foi lamentável.
Gostaria de ter feito tudo diferente, mas não era possível. Se eu pudesse
tornar aquelas primeiras experiências mais gostosas e tranquilas para
Bernardo, eu faria.
Deu para ver o alívio transpassar em seu rosto. Ele abaixou a cabeça
para beijar o meu pescoço, beijou também bem em cima do meu coração e
eu torci para que ele não conseguisse sentir o quanto estava acelerado,
porque seria uma vergonha para minha fama. Senti sua língua deixar um
rastro quente pelo vão entre meus seios. Os arrepios voltaram e inclinei a
cabeça para trás, deixando o caminho livre para ele fazer o que quisesse
comigo.
A respiração acelerada de Bernardo arrepiou o bico do meu peito, mas
ele seguiu em frente e circulou o mamilo com a pontinha da língua. Prendi a
respiração, sentindo todo meu interior vibrar e pulsar. Era uma sensação
sinistra.
Seus movimentos eram lentos, como se tivesse estudado tudo o que
precisava ser feito. Conhecendo aquela praga como eu conhecia, ele deveria
ter estudado mesmo.
Gemi ao sentir seus dentes rasparem de leve e estava prontíssima para
me jogar em cima de Bernardo e implorar para que ele me comesse.
Só não fiz, porque a maçaneta do quarto começou a fazer barulho e
Bernardo paralisou com a boca no meu peito.
— Bernardo?
Era Gael! Puta que pariu!
Levei um susto tão grande que caí das pernas de Bernardo, direto para o
chão.
Puta que pariu! Puta que pariu?
— Por que trancou a porta?
Nós nos olhamos, desesperados.
Gael não poderia me ver ali, nunca. A situação já era complicada
demais entre mim e Bernardo, colocar Gael naquela equação só me deixaria
louca.
E provavelmente me faria perder a amizade com Pérola.
— Eu vou me esconder. Tenta agir normalmente — sussurrei, batendo
em suas pernas para que ele levantasse logo.
— E se ele perceber? — ele sussurrou de volta.
— Não vai. — Olhei para os lados, pensando qual seria o melhor lugar
para me esconder. Percebi que a cama de Bernardo tinha espaço embaixo por
trás daquele tecido que tapava tudo. — Disfarça, seu pau está marcando.
Não deveria ter falado aquilo, porque ele ficou tão vermelho, que não
tinha como explicar para Gael o motivo. Não fiquei para ver a reação dele,
porque logo me enfiei embaixo da cama, parando de respirar ao escutar a
porta sendo destrancada.
— Está tudo bem? — Escutei Gael perguntar.
— Tu... Tudo.
— Aonde as meninas foram?
Que Bernardo conseguisse sair dessa sem desmaiar ou contar a verdade,
por favor! Por favor! Por favor!
— Foram para uma festa.
Gael ficou em silêncio e fiquei curiosa para saber o que estava fazendo.
Com certeza, julgando a cara desesperada de Bernardo.
— Por que o celular e a bolsa da Pietra estão jogados na sua porta?
Droga! Droga! Mil vezes droga!
Minha amiga nunca mais vai falar comigo, porque agora além de ter
tentado ficar com o pai dela, eu deixei o irmão dela lamber minha teta!
— Elas... Elas saíram correndo, deve ter esquecido.
— Tem certeza?
Ele já sabia, eu tinha certeza. Fodeu, amigos! Fodeu!
— Nem falei com elas hoje, estou com problemas no meu... É, hum...
Artigo.
Gael permaneceu em silêncio por algum tempo. Eu me escolhi debaixo
da cama, só para o caso de ele estar olhando para essa direção. Eu tenho
certeza de que não daria para ver, porque sabia que aquela cortina em volta
da cama encobria.
— Tudo bem. Já jantou?
— Já, sim. Obrigado.
— Boa noite, filho.
— Boa noite! — A voz acelerada de Bernardo era péssima. Se eu fosse
mãe, na hora já teria sacado que meu filho estava fazendo merda. — Vou
trancar a porta porque não quero a Pérola entrando bêbada no meu quarto.
Ela sempre faz isso quando volta de uma festa.
Gael riu e escutei seus passos pelo chão de madeira. Bernardo fechou a
porta e passou a chave novamente. Demorei algum tempo ainda para sair
debaixo da cama, porque eu tinha certeza de que Gael ainda estava pelo
corredor. Eu estaria, pelo menos.
“Porra”, falei sem emitir qualquer som para Bernardo.
Ele estava pálido, os cabelos bagunçados, a boca em um tom estranho
de roxo.
— Eu estou passando mal.
Corri até ele e o peguei pela cintura, levando-o de volta para a cama.
Sentei Bernardo da mesma forma que ele estava antes e curvei meu corpo
até ficar na altura de seu rosto.
— O que acha de voltar para nossa sessão de Jurassic World? — falei
de forma extremamente sensual e vi o aspecto de morte eminente sair do
rosto dele.
— Isso é algum código para...
— Putaria? — chutei, porque acho que ele era muito educado para falar.
— Sim.
— Não, a putaria acabou. — Pisquei e vi seu semblante mudar. — Por
hoje.
Bernardo riu baixinho e eu inclinei meu rosto e dei um selinho
demorado nele. Ele segurou meu queixo e eu adorei cada milésimo de
segundo daquele beijo bobo, sabendo muito bem que não deveria adorar
tanto assim.
— Gosto disso — Bernardo sussurrou ao meu ouvido assim que afastei
meu rosto.
— Também gosto muito disso, Bill Gates.
E quem diria que eu gostaria tanto daquele geniozinho debochado,
irônico e que sabia fazer cada parte do meu corpo se arrepiar. Maldito seja!
Eu beijei Pietra.
E eu não só beijei Pietra.
Pietra e eu nos agarramos em um nível que eu nunca tinha sequer
imaginado que poderia acontecer.
Eu vi seu corpo. Eu a toquei. Eu vi até seus piercings.
E dormimos juntos, depois de ver um filme em que adormecemos perto
do final. Ela dormiu em meu braço, com o seu repousando em cima de
minha barriga.
E quando abri meus olhos pela manhã, Pietra não estava mais lá. Fiquei
com o coração acelerado ao pensar que fiz alguma coisa de errado ou a
magoei. Ontem, na casa noturna, eu agi de uma forma que nunca agi em toda
minha vida, não sei de onde veio a coragem de beijar Pietra. Eu estaria
mentindo se dissesse que nunca passou por minha cabeça, porque sim, já
passou pelo menos quinhentas vezes. Eu só acreditava que Pietra nunca
retribuiria.
A parte de ela me procurar então, estava fora de cogitação.
Foi por isso que fiquei desesperado por não encontrá-la no quarto.
Escovei os dentes com pressa e saí do quarto sem nem pentear o cabelo.
Escutei o barulho de panelas na cozinha e acreditei que fosse Pietra, porque
ela amava acordar cedo para preparar café da manhã.
Só não esperava vê-la dar uma sonora gargalhada ao ver meu pai jogar
uma panqueca para o alto e capturar novamente com a frigideira. Meu
coração ficou apertado. Olhei para ela, seu cabelo preso em um rabo de
cavalo. Eu ainda tinha a sensação deles na ponta dos meus dedos, dormi
enrolando uma mecha, acreditando que aquilo era um sonho.
E era. A realidade era essa bem na minha frente.
Alguém como Pietra nunca escolheria alguém como eu. Caras como
meu pai eram e sempre seriam os escolhidos, enquanto caras como eu
assistiam e aplaudiam ao lado.
— Bom dia, dorminhoco! — Meu pai voltou a colocar a frigideira no
fogo.
Pietra ergueu os olhos e percebeu minha presença. Ela virou para pegar
algo na geladeira e acabou tropeçando no tapete. Foi meu pai quem a
segurou, pegando os dois braços dela com firmeza.
Meu coração acelerou ao vê-los daquela forma e sem dizer mais nada,
eu sentei à bancada, em frente aos pratos já postos e esperei a minha vez de
ganhar comida.
Eu era um grande idiota!
— Quais os planos para hoje?
Meu pai continuava sendo o único que falava no ambiente.
Pietra terminou de arrumar as panquecas em um prato e colocou na
minha frente, sem conseguir me olhar por um milésimo de segundo. Depois,
veio sentar ao meu lado.
Fazia menos de oito horas que ela estava no meu colo, beijando minha
boca, fazendo com que eu acreditasse na minha própria ilusão. O que tinha
mudado nesse curto espaço de tempo?
— Vou para a NASA — disse a primeira coisa que passou na minha
cabeça.
— Pietra e Pérola vão com você?
Pietra parou de colocar o xarope de bordo nas panquecas e me olhou.
— Eu... não sei. — Dei de ombros.
— Tem planos para hoje, Pietra?
Ela negou.
— Deveria acompanhar o Bê, o lugar é incrível. Ele amava visitar
quando era menor.
Era real. Eu ficava louco quando ia àquela base aeroespacial. Sempre
que visitava a Flórida fazia questão de ir e passar um tempo por lá. Eu não
precisava ir hoje, na verdade. Só dei qualquer desculpa para mostrar,
principalmente para Pietra, que não estava tão abalado quanto eu
verdadeiramente estava.
— Tá bom! — Pietra concordou, para minha total surpresa.
Meu pai continuou olhando para ela por alguns segundos e eu odiei ver
aquilo. Ele logo voltou a comer e Pietra seguiu em silêncio, comendo suas
panquecas. Eu não estava com fome, sentia meu estômago embrulhado, mas
obriguei meu corpo a aceitar três pedaços de panqueca.
— Vou me arrumar para ir ao restaurante, quero estar lá para receber o
fornecedor dos legumes. Ele não está mantendo a qualidade e preciso
conversar sobre isso.
— Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades — Pietra
brincou com ele, que só franziu a testa sem entender.
Eu precisei me obrigar a não rir.
— Tenham um ótimo dia, crianças!
Olhei para Pietra só para ter a certeza de que ela entendeu bem a parte
do crianças.
Ela estava com um sorriso no rosto agora, vendo meu pai se afastar pelo
corredor. Assim que ele sumiu, virou a cabeça para minha direção, ainda
sustentando o sorriso
— NASA, então?
Piscou o olho direito, parecendo a Pietra de sempre a meu ver. Aquela
tensão parecia ter se dissipado e eu não entendi.
— Eu vou. Você não precisa ir.
Seu sorriso perdeu a força.
— Eu não posso ir?
— Você pode, mas não precisa.
— Mas eu quero. — Sua voz era firme. — Qual seu problema,
Bernardo?
Pietra estava brava e eu nem sabia o motivo. Era óbvio que ela não
queria me acompanhar em algo longe para caramba depois de tudo o que
aconteceu ontem.
Responderia, mas Pérola apareceu na sala e a pessoa ao seu lado me fez
abrir a boca, totalmente em choque. Pietra também imitou minha reação, os
olhos arregalados no meio do rosto.
— Vocês não viram nada! — Minha irmã sussurrou ao mesmo tempo
em que empurrava Bruno, o nosso porteiro, pela sala.
— Bom dia, Pietra! Bom dia, Bernardo! — Bruno acenou para nós
dois.
Só Pietra conseguiu sair do choque para acenar para ele, mas também
não foi grande coisa, porque ela estava chocada.
Pérola apertou o botão do elevador, que abriu de imediato. Ela colocou
uma das mãos na porta, segurando para Bruno entrar. Ele veio até nós, pegou
uma panqueca do prato de Pietra e saiu correndo com ela na boca.
— Nós nos vemos mais tarde?
— Não. Nunca mais. Sai daqui! — Pérola respondeu, ríspida.
— Tudo bem, eu não desisto fácil.
— Some daqui!
Bruno entrou no elevador e ainda acenou para nós dois, antes de ir
embora com o sorriso mais glorioso que já vi alguém ter às 8h da manhã.
Minha irmã virou para nos olhar e suspirou.
— Não falamos do Bruno, não, não, não — Pérola cantarolou a música
da Disney.
— Não falaremos — Pietra sussurrou, prendendo a risada.
— Foi um erro e não irá se repetir.
— Ok, amiga.
— Preciso de dois Rivotril e mais doze horas de sono. Adeus!
Tão dramaticamente quanto entrou na sala, ela saiu. Fiquei paralisado,
sem entender nada do que tinha acontecido ali. Que noite foi aquela?
— Por favor, me leva com você!
Pietra segurou minha mão, levei um susto ao sentir seu toque repentino.
Ela estava desesperada.
— Saímos em vinte minutos.

Nosso começo de viagem foi bem silencioso. Pietra parecia inquieta,


balançando a perna tão rápido que daqui a pouco faria um buraco no carro.
Eu não sabia o que falar com ela e o ar tenso era palpável. Deveria ser mais
difícil para ela do que para mim todo aquele silêncio.
Meia hora de viagem tinha se passado quando ela decidiu colocar Harry
Styles para tocar. Eu sabia que ela era fã dele, um pouco obcecada até. Não
me importei e acabei relaxando um pouco.
— Posso perguntar uma coisa? — Pietra cortou o silêncio.
Assenti.
— Não vamos falar sobre ontem?
Pisei sem querer no acelerador e o carro deu uma bela deslanchada na
autoestrada. Era um perigo conversar sobre assuntos importantes com Pietra
enquanto eu dirigia. Já deveria ter aprendido isso.
— Acho que não tem muito a ser falado, não é? — Limpei a garganta,
tentando deixar minha voz mais clara.
— Não tem?
Seu olhar era ameaçador e um pouco sinistro, na verdade.
— Tem?
— Por que está agindo como se não tivesse acontecido nada?
— Você queria que eu agisse diferente? Não significou nada para você.
Só estou tentando deixar mais fácil para o seu lado.
— Ou sendo um covarde?
Não olhei para seu rosto, porque seria perigoso. Odiava quando ela
falava dessa forma comigo e odiava mais ainda quando tinha razão.
— Você gosta do meu pai, Pietra. E eu... Bem, eu gosto da Paola. Foi
por isso que começamos, não foi?
Usei o que tinha em mãos para proteger meu coração. Eu sabia o quão
terrível Pietra poderia ser quando queria. Ela era muito parecida com minha
irmã nesse quesito e eu não queria ser tratado como Bruno hoje pela manhã.
Pietra gargalhou tão alto que o som reverberou por todo canto do carro.
— Você está com ciúmes do seu pai, Bernardo?
Quis parar o carro, porque não era nada certo ter essa discussão em uma
pista de velocidade rápida.
— Não.
— Você está.
— Não estou.
— Encosta o carro, por favor!
Engoli em seco, temendo tê-la deixado tão brava que ela armasse uma
cena e saísse do carro.
— Não.
— Estou falando sério.
Seu tom de voz era imperativo e fiquei com medo de não obedecer. Dei
seta para a direita até atingir o acostamento. Coloquei o câmbio na parada e
desliguei o motor.
— Eu posso ser muitas coisas na vida, mas filha da puta eu não sou.
— Eu... Eu sei.
— Não, não sabe. Porque se supõe que em uma noite eu estou enfiada
dentro do seu quarto e na manhã seguinte eu estou planejando dar para o seu
pai na bancada da cozinha, isso faz de mim uma puta mau-caráter.
— Não falei que você estava querendo dar na coz...
— Por que você me beijou, Bernardo?
Meu coração acelerou, senti até que meu sangue começou a correr
gelado em minhas veias. Eu não sabia como falar a verdade para Pietra. E,
sim, acho que no final das contas, eu era um covarde.
— Eu queria saber como seria — gaguejei. Não era aquilo que eu
gostaria de falar, mas era tudo o que eu tinha a oferecer para Pietra naquele
momento.
— E você gostou?
Assenti.
— Então por que não demonstra isso?
Sua pergunta foi como uma bofetada na minha cara. Por anos eu
fantasiei um momento como aquele e agora que era real, eu estava sendo um
babaca. Eu beijei Pietra e ela ficou ali. Ela correu até mim. Ela não riu de
mim, nem de minhas dificuldades e limitações.
Eu era bem inteligente em muitos aspectos da minha vida, mas quando
o assunto eram as relações, eu era péssimo. E sabia muito bem disso, sempre
soube. Nunca consegui demonstrar emoções, carinho ou amor, por mais que
amasse as pessoas. Eu sabia muito bem o motivo, só não queria admitir.
Só não queria ser assim com a única garota que conseguiu me enxergar
além do que todo mundo via.
Foi por isso que segurei o rosto de Pietra e a beijei mais uma vez.
Ela correspondeu no mesmo segundo e fez mais do que isso. Pietra se
soltou do cinto de segurança e veio para o banco do motorista, sentando em
cima de minhas pernas. Ela me abraçou, mesmo quando o beijo se tornou
mais urgente e quente. Não sabia se eu estava beijando da forma certa ou se
ela estava gostando. Seguia minha intuição e imitava o que ela também fazia
em mim, rezando para que não estivesse colocando tudo a perder.
— Isso é demonstrar — sussurrou, deixando alguns beijos de leve em
minha boca, bochechas e queixo.
— Desculpe pelo mau humor. — Coloquei uma mecha de seu cabelo
atrás de sua orelha.
Nunca estive tão perto de Pietra para ver que seus olhos não eram cem
por cento marrons. Naquela luz, tinham um reflexo esverdeado que
combinava muito com as sardas que se espalhavam por seu nariz e
bochechas. Passei o dedo ali, realizando uma vontade ao fazer um carinho
em toda aquela região. Pietra fechou os olhos e até tombou um pouco da
cabeça para aproveitar melhor o toque.
— Desculpe por estar tirando a chance de Paola aproveitar isso com
você.
Não existia pessoa do mundo que eu trocaria viver aquele momento
comigo que não fosse Pietra.
— Não é como se você estivesse me obrigando.
Ela riu, o som mais perfeito e que fez meu coração derreter. Eu não
poderia deixar que Pietra soubesse a forma como mexia comigo e a forma
como a presença de Paola se tornava prescindível quando eu estava ao seu
lado. Na verdade, nunca existiria uma história com Paola, se eu não quisesse
uma com Pietra.
— Estou vendo isso como um avançado em técnicas de conquista, para
você voltar tinindo para o Brasil e conquistar sua professora.
Engoli em seco, mas continuei com minhas mãos em sua cintura.
Pietra estava com um vestido curtinho, que deixava suas pernas à
mostra em cima das minhas. A visão era de tirar o fôlego e me deixava
desconfortável, porque sentia que eu estava ficando duro. Ainda ficava
dividido entre ser um desrespeito ou algo que ela gostasse. Ontem, ela não
parecia achar um desrespeito, mas para mim, ainda parecia errado.
Eu deveria conquistá-la de outras formas mais respeitosas. Levá-la para
jantar, passear ou passar muito tempo conversando para depois termos
intimidade o suficiente para estarmos nessas situações.
— Não sei se daria certo — fui sincero, porque na minha cabeça era
óbvio que não daria.
— Eu sou uma ótima professora. — Pietra beijou meu pescoço.
Ela estava propondo o que eu realmente tinha entendido?
— Imagino que seja.
— Posso perguntar uma coisa?
— Pode.
— Isso é confortável para você ou eu estou passando dos limites?
Porque estou um pouco perdida, não sei se isso... — Apontou para o fato de
estar montada em mim. — É demais para você.
— Eu estou muito confortável. — Dei de ombros, suprimindo um
sorriso.
— Não estou deflorando sua virtude?
— Para de falar assim. — Amei a forma como Pietra riu e escondeu o
rosto no meu pescoço. Eu não queria perder aquilo. — Quais são as regras?
— Hummm — ela resmungou, deixando um beijo em cima da minha
jugular. — Depende de até onde você está disposto a ir. Não quero ser
conhecida por ter deflorado o pobre Bernardo Adler.
O ar se tornou rarefeito em questão de dois milésimos de segundo. Ela
estava realmente querendo ficar comigo?
— Eu... Eu não veria problemas.
Minha bochecha começou a pegar fogo e eu sabia que estava vermelho,
mas ignorei qualquer sensação ao ver Pietra sorrir.
— Pérola me mataria.
Não tanto quanto pegar o pai dela, eu acho. Quis falar, mas percebi que
não seria uma boa ideia.
— Ela não precisa saber.
— Uma parceria com base nas mais avançadas e deliciosas técnicas da
arte da conquista? — Pietra propôs e eu assenti. — Você tem papel e caneta?
Assenti e inclinei meu corpo até o porta-luvas, segurando sua cintura
para que não se movesse de cima de mim, de onde tirei um bloco de papel da
locadora de veículos e uma caneta.
Pietra tirou a tampa da caneta com os dentes, colocando logo em
seguida o bloco no meu peito.
— O que está fazendo? — perguntei.
— Nossas regras. — Ela começou a escrever algo, apoiada em cima de
mim.
— Você é canhota?
Achei interessante a forma como ficava toda torta para escrever.
— Sou. Muita força na mão esquerda. — Seu lábio superior fez uma
curva acentuada, entregando a malícia presente na frase. — Posso te mostrar
a vantagem disso algum dia.
Nem consegui rir, porque a imagem mental que me acometeu foi brutal.
— Qual é a primeira regra?
— Ninguém além de nós dois pode saber.
Assenti, tentando não pensar demais naquele assunto e levar para o lado
cruel que minha insegura cabeça pensou. Ela só queria garantir que Pérola
não ficasse sabendo e isso comprometesse a amizade das duas. Nada demais.
— Validade até o fim das férias de verão? — sugeri.
Pietra também assentiu e seguiu escrevendo.
— Quais são os seus limites?
— Em que sentido? — Fiquei apreensivo.
— Sexuais.
Ela falava de sexo como se fosse algo totalmente comum. E talvez
fosse para ela, mas comigo, ainda era algo que me apavorava.
— Eu não sei... Eu nunca fiz.
— Nossa! Sério? — zombou. — Mas você quer fazer?
Balancei a cabeça pelo menos umas quinze vezes, fazendo com que ela
risse alto.
— E você quer? — Minha voz saiu num fiapo.
— Quero. Tenho tesão por virgens.
— Sério?
— Não, Bernardo! — Revirou os olhos. — Mas eu estou gostando
disso aqui.
Ela novamente apontou para o espaço quase nulo entre nossos corpos, o
que me deixou nas nuvens. O que eu tinha feito de tão bom na vida para
merecer esse presente divino?
— Quais são os limites então? — Voltei ao assunto do contrato, antes
que eu falasse alguma merda e acabasse com tudo.
— Os meus são: nada de coisas estranhas envolvendo meu pé,
brincadeiras com comida estão proibidas e só transo com camisinha, sem
exceções.
Fiquei aterrorizado em escutar aquelas coisas. Como assim, com o pé
dela?
— Eu... Eu acho que só não quero que você zombe de algo — meu
medo falou por mim. Aquela conversa estava me dando medo, na verdade.
Pietra e eu estávamos falando sobre algo sério, algo que eu nunca imaginei
que teria com ela. — Ou que espalhe para outras pessoas.
— Está dizendo isso para a garota que teve um vídeo de sexo vazado,
meu querido. Tenho pavor de qualquer pessoa saber sobre o que eu faço
entre quatro paredes.
— Desculpe!
— Ah, nada de vídeos também, tá? — Pietra voltou a escrever, dessa
vez com mais velocidade. — Mas se quiser treinar técnicas de sexo por
vídeo ou a falar sacanagem que nem naquele outro dia, eu posso te ajudar.
— Não, pelo amor... Não! — Neguei veemente, escutando sua
gargalhada.
— Eu adoraria ter escutado o que você falaria para mim naquele dia. —
Ela mordeu meu queixo, fazendo um arrepio irradiar por cada pedacinho do
meu corpo. — Bem, quer pedir alguma coisa a mais? — Eu neguei. —
Nada? — Neguei novamente. — Uma terceira pessoa?
— O quê?
— Inversão de papéis?
— Você quer dizer... Não, não Pietra! — Demorei um tempo a entender,
mas quase gritei quando entendi.
— Não sou uma grande fã da porta de trás, mas se for pelo bem da sua
educação, posso deixar escrito aqui no contrato. Só seria bom tomar uma
garrafa de vinho antes. Talvez, duas.
Pisquei, atônito. Ela estava querendo falar sobre o que eu estava
pensando?
— Não, está tudo bem.
Ela deu de ombros.
— Algo a mais?
— Não quero que você tenha nada com meu pai — soltei de uma vez.
— Não enquanto isso aqui estiver acontecendo.
Apontei com o indicador para o espaço entre mim e ela, imitando-a.
Pietra sorriu e até soltou um risinho nasalado antes de voltar a escrever
na folha.
— Combinado!
Respirei fundo, totalmente aliviado.
— Nada de mentiras entre nós. Seremos o mais sincero possível um
com o outro — Pietra falou sério pela primeira vez desde que começamos a
conversar e percebi que aquilo era realmente importante para ela.
— Eu concordo.
Não estava 100% confiante nisso, até porque eu já tinha muita coisa
guardada sobre nós dois ao qual ela nunca teve sequer ideia. Mas não
poderia simplesmente falar do nada.
— E você não pode se apaixonar por mim, Bernardo.
Meu coração deu um pulo e precisei virar o rosto para a estrada, para
conseguir respirar melhor.
— Não está em meus planos. — Engoli em seco. — Mas, só por
curiosidade, por que não?
— Minha vida pertence unicamente a mim e não quero a parte do
choro, da dor e dos chifres que vem depois do primeiro sim.
Nossos pensamentos eram bem diferentes, mas não entraria nesse
assunto com ela.
— Mais alguma coisa?
— Você precisa parar de me chamar de burra de todas as formas
diferentes.
— Eu não te chamo de burra, Pietra.
— Quando não aceita que minhas crendices populares são válidas, está
chamando, sim.
Revirei os olhos e fui surpreendido por um beijo dela, seguida de uma
gargalhada deliciosa.
— Tudo bem.
— Tudo bem — ela repetiu, terminando de escrever mais alguma coisa
no papel.
Pietra esticou o papel para mim, que sorri ao ver os itens daquele
contrato maluco.

- Ninguém nunca irá saber.


- Vigência até o fim das férias de verão.
- Nada de bizarrices com o pé da Pietra.
- Lamber comida do corpo do outro está proibido.
- Proibido o não uso da camisinha. (Ninguém quer morrer ou ter filhos)
- Não zombar do Bernardo (Mesmo que o pau dele tenha 2 cm ou seja
torto)
- Não espalhar sobre nossas aventuras pelo mundo.
- Sex tape está fora de cogitação.
- Porta de trás só com duas garrafas de vinho.
- O Gael está proibido. (Limite severo para Bernardo)
- Proibido mentir.
- Expressamente proibido se apaixonar.
- Acreditar que banana cura a ressaca. (Limite severo para Pietra)

— Gostaria de assinar primeiro, gênio?


Rindo daquela imaginação sem limites dela, peguei a caneta e assinei
no final da folha, depois a vi fazer a mesma coisa.
Pietra colocou a folha no banco do passageiro e voltou a me beijar,
incendiando todo meu corpo com a forma como tornava aquele toque
totalmente imoral.
Eu não sei o que seria de mim até o fim daquelas férias de verão, mas
eu não precisava nem pensar muito para saber que seriam as melhores de
toda a minha vida.
O nosso dia no Kennedy Space Center foi incrível. O lugar era um
parque cujo foco era a Ciência Espacial. Tinha foguetes em tamanho real,
muita história e peças. Era basicamente o paraíso para Bernardo.
No meio da tarde fomos para a Ilha Merritt, onde ficava a base de
lançamento dos foguetes reais. Um professor de Bernardo nos recebeu lá e
eu só entendi que estávamos literalmente entrando na NASA quando vi tudo
começar a ficar tecnológico demais e menos lúdico do que o parque que
estávamos antes.
Foi ali que percebi que nunca estive errada em chamar Bernardo de
gênio, porque ele era. O professor me contou, enquanto tomávamos um café
em sua sala, que implorava para Bernardo decidir fazer seu PhD ali ao seu
lado, trabalhando com pesquisa.
O futuro de Bernardo parecia promissor, o que fez com que eu pensasse
no meu. O que eu faria da minha vida quando terminasse a faculdade? Eu
também queria fazer algo grandioso como meu arqui-
inimigo/amigo/ficante/aluno da arte da conquista. Algo que deixasse minha
avó orgulhosa, algo que fosse importante para mim. Trabalhar para o escroto
de Tato não parecia mais tão bom assim.
O professor Flores, como ele se apresentou, me levou para conhecer um
foguete de verdade enquanto Bernardo conversava com a equipe de
propulsores, que pareceu muito animada em vê-lo ali, após o professor fazer
as apresentações.
O foguete era a maior coisa que já vi em toda minha vida. Era
assustador até. Existia uma quantidade insana de pessoas que trabalhavam
em seu redor e fiquei levemente envergonhada por estar ao lado daqueles
cientistas inteligentes sem nem saber fazer uma conta básica de fração.
Ainda estava abobada com o tamanho, depois de Flores me deixar
sozinha para resolver uma pendência, quando Bernardo se aproximou.
— Promete que quando você trabalhar aqui, vai me levar para andar de
foguete, caso não esqueça que eu existo? — Dei um empurrão de quadril
nele.
— Eu não esqueceria que você existe.
Mordi o lábio inferior, um pouco sem graça por escutar aquilo.
— Quando você for um tipo de Tony Stark casado com uma cientista
com QI de quatrocentos mil e que fez faculdade no MIT, cria pombas da paz
e ainda tem um cabelo perfeito? Aham, vou acreditar nessa!
— Você também será uma superestrela, Pietra.
Meu sorriso morreu ao perceber que Bernardo estava falando sério. Ele
acreditava que eu seria alguém importante.
— Não sei o que quero fazer da minha vida, mas sei que gostaria muito
de andar de foguete.
— Quem sabe um dia? — Bernardo devolveu o empurrão com o
quadril de forma muito mais delicada do que eu. — E você ainda tem muito
tempo para saber o que quer fazer com a sua vida. Você é brilhante em tudo
que se propõe a fazer.
Fiquei sem graça e cocei o nariz, disfarçando minha leve emoção.
Depois fiz Bernardo me contar sobre os foguetes, por mais que eu não
entendesse os termos técnicos, só porque eu gostava de vê-lo falar com
animação sobre as coisas que ele gostava.
No final da tarde, voltamos para Miami. Nunca imaginei que fosse me
divertir tanto ao lado de Bernardo. Um mês atrás isso parecia totalmente
impossível. No caminho de volta, viemos escutando música. Eu colocava
uma música e depois ele. Descobri que era muito fã de Imagine Dragons e
de música clássica também. Fiz com que escutasse minhas músicas
preferidas do Harry Styles e ele nem reclamou.
Algo inédito vindo de um espécime masculino.
Quando chegamos ao apartamento, Pérola estava na sala, para nosso
completo pavor. Empurrei Bernardo para uns três metros longe de mim, mas
mesmo assim Pérola ficou com uma cara estranha. Bernardo disse que iria
tomar banho e eu joguei meu corpinho cansado ao lado de minha amiguinha.
— Onde vocês estavam?
— Na NASA. — Dei de ombros, como se não tivesse importância. —
Fiquei de babá dele.
— Não está rolando nada, não é? — Pérola perguntou, desconfiada.
Tossi e pigarreei para disfarçar.
— Com seu irmão?!
— E quem mais seria?
— Somos amigos, ele é legal.
— Promete que não vai ficar com ele? Tipo, nunca?
Estranhei o papo, porque Pérola nunca me falou algo do tipo. Eu sabia
que ela não gostaria que eu ficasse com Bernardo, muito menos com Gael.
Agora prometer já era algo um pouco sério demais.
— Por que tenho de prometer isso?
— Porque você o destruiria. Eu te conheço muito bem, Pietra. Ficaria
um puta clima estranho e nossa amizade não seria mais a mesma coisa.
Gelei. Não queria perder minha amizade com Pérola, porque era o que
eu tinha de mais precioso no mundo. E só de pensar nisso, meu coração
apertou.
— Para de loucura.
— Mas você promete?
— Prometo, caralho! — Perdi a paciência, irritada com aquele papinho
dela.
Pérola pulou em cima de mim, dando-me um abraço de urso.
— Te amo!
— Também te amo, peste. — Revirei os olhos, um pouco irritada
demais. — Que história é essa com o Bruno?
— Não sei do que você está falando. — Pérola voltou para o sofá e
enfiou o dedo indicador na boca, removendo pelinhas imaginárias do canto.
— Para de se fazer de louca e me conta como você veio parar com ele
no seu quarto?
— Eu estava triste.
— E aí decidiu dar para ele?
— Estava triste e safada.
Revirei os olhos e cruzei os braços. Não desistiria da minha resposta.
— Bruno também é um cara legal e você o destruiria.
— Eu não teria nada com ele, credo! — Pérola fez uma cara de nojo
que fez com que eu tivesse vontade de pegar sua cabeça e usar de lustra-
móvel naquela mesa de centro.
— E por que não?
— É óbvio, não é?
Neguei com a cabeça.
— Ele é pobre, Pietra.
Fechei a cara e naquele momento pensei se Pérola sempre foi assim e
eu passava a mão na cabeça dela ou se algo tinha acontecido.
— Eu também sou pobre, Pérola.
— Mas é diferente.
— Não é diferente.
— Claro que é!
— Você é escrota para caralho! Vou te ignorar antes que eu parta para
agressão.
Levantei do sofá e a deixei falando sozinha.
Entrei no quarto de Pérola e peguei minha necessaire que ficava no
banheiro, tirei algumas roupas do closet, várias calcinhas e enfiei tudo em
uma sacola. Bati a porta do quarto e atravessei o corredor, disposta a me
mudar.
Abri a porta do quarto de Bernardo e o vi sentado na sua bancada, em
frente ao notebook. Estava furiosa com Pérola. Um grande “foda-se” se ela
me visse ali com Bernardo.
Promessa de cu é rola!
Joguei a sacola em cima da cama de Bernardo e munida da minha
necessaire da Barbie, puxei a cadeira para trás e sentei no colo de Bernardo.
— Quero matar sua irmã!
Ele arregalou os olhos de uma forma muito dramática, parecia que
estava apavorado.
— Pi... Pietra.
— Nossa, sério, ela é muito mesquinha. Que ódio! Vou morar com você
agora.
— Tá... Tá bom.
— Por que está gaguejando? — Segurei seu rosto entre as mãos,
deixando a necessaire em minhas pernas. — Vou tomar um banho, tá?
Beijei sua boca e estranhei quando Bernardo não reagiu. Ele sempre
reagia.
— Ela é muito gata, caramba!
Escutei uma voz vinda do notebook e virei a cabeça rapidamente
constatando, com profundo assombro, que Bernardo estava em uma
videochamada.
— Podemos continuar? — O quadrado na parte inferior piscou e vi
Paola com uma cara péssima. — Ou prefere marcar para outro dia,
Bernardo?
Virei o rosto para ele, que estava vermelho, constrangido e mortificado.
— Não, vamos continuar. Eu falo por ele, sem problemas. Vai que é
tua, amigão!
Outro quadradinho piscou e eu reconheci aquele amigo esquisito de
Bernardo, que também estava em sua festa de aniversário.
Outra garota estava na chamada e ela se mantinha com uma expressão
alarmada, a boca aberta, sem conseguir falar nada.
— Me... Me... desculpem — Bernardo não tinha firmeza alguma em
sua voz.
Tudo o que eu fiz foi pular do colo dele e sorri amarelo para a câmera.
— Desculpe atrapalhar!
Acenei para a câmera, vendo a carranca de Paola piorar
consideravelmente.
Eu fodi tudo para o lado de Bernardo. Todo nosso esforço foi jogado no
lixo.
— Volte sempre! — O carinha loiro com profundas marcas de acne no
rosto acenou todo sorridente, então sussurrou: — Casa comigo.
Saí dali o mais rápido que consegui e me tranquei no banheiro. Meu
coração estava acelerado por ter feito essa merda colossal. Eu fodi tudo.
Bernardo me odiaria!
Tomei banho e até economizei com o shampoo e o gel de banho caro
dele, porque não queria deixá-lo ainda mais chateado. Eu me troquei ali
mesmo, colocando meu short jeans e camiseta branca. Coloquei minha
necessaire em sua bancada e minha escova de dentes no potinho ao lado da
sua.
Quando finalmente saí do banheiro, encontrei Bernardo sentado na
cama. Seus braços estavam cruzados, o semblante era neutro. Nem em
choque como antes, nem puto como eu achava que estaria.
— Desculpa. — Forcei um sorriso imenso, cheio de dentes e
piscadinhas para convencê-lo de que eu não tive culpa.
— Cássio disse que quer casar com você, ter dois filhos e te levar para
morar com ele.
— Hum, proposta boa. Eu aceito. — Pisquei. Fui sentar ao seu lado, no
colchão. — Desculpa?
Fiz minha voz mais inocente de todas para ele. Bernardo bagunçou os
cabelos e começou a rir.
— Paola mandou cinco mensagens no meu celular.
— Quer que eu responda?
Bernardo fez que sim com a cabeça e entregou o celular, que estava
com a película toda quebrada novamente.
— Vou tomar um banho.
Assenti e foquei no celular, pensando no desprendimento de Bernardo
com sua vida pessoal. Ele literalmente entregava todos seus segredos à
minha pessoa e nem se importava com isso. Era fascinante.
Se alguém chegava a cinco metros de distância do meu celular eu já
estava rosnando.
Paola estava enciumada, como era de se imaginar. Perguntando se ele e
eu tínhamos voltado e se ela deveria parar de conversar com ele sobre
assuntos pessoais. Não sei que conversa era essa que ela se referia, porque
tudo o que Bernardo fazia era ignorá-la.
Pensando pelo lado racional, foi até bom isso ter acontecido.
Concorrência gera interesse. Interesse faz com que Bernardo valha mais
do mercado. Tenho de valorizar meu pupilo. Só que dessa vez eu comecei a
ficar puta por ver a forma como Paola dava em cima de Bernardo.
Que mulherzinha chata! Não deixava meu menino respirar. E daí se ele
estivesse passando o rodo nas férias? Ela não era nada dele.
Irritei-me de vez e deixei o celular de Bernardo em cima da mesinha de
cabeceira, tomando uma bela de uma cutucada do vidro da película
estraçalhada.
Pérola entrou no quarto do nada e eu tomei um puta susto. Por sorte,
não fazia nada demais, estava só vendo meu celular em cima da cama de
Bernardo. E ela já sabia que nós éramos amigos, então, dane-se!
— Está brava comigo?
— Por que está falando comigo? Pensei que não gostasse de pobres.
Nessa hora Bernardo saiu do banheiro e olhou para nós duas com
surpresa. Seus cabelos estavam molhados, caindo pela nuca. Ele vestia
aquela camiseta do Star Trek junto de uma bermuda de moletom preto.
Odiei Pérola por não permitir que eu enfiasse meu nariz naquele cabelo
molhado para poder sentir aquele cheiro que estava se tornando o meu
preferido da vida.
— Vocês estão brigando? — Bernardo perguntou.
— Ela disse que não gosta de pobres — eu acusei.
— Eu não disse isso!
— Disse, sim!
— Que horror, Pérola. — Bernardo a julgou. Bom garoto! — Como se
você fosse super-rica, não é?
Arregalei os olhos, porque nunca vi Bernardo falar assim com a irmã.
— Do que está falando?
— Você não é rica, o seu pai é. São coisas diferentes.
Ele conseguiu deixar minha amiga sem palavras e eu adorei cada
segundo disso. Por um lado, ele tinha total razão, embora eu soubesse que
não era 100% verdade.
— Não foi isso que eu quis dizer, Pietra. — Pérola abaixou a cabeça,
parecendo um pouco envergonhada.
— Então toma cuidado com o que você fala.
Bernardo sorriu, mas logo mordeu o lábio e disfarçou.
— Bruno nos convidou para um luau em South Beach.
— Você vai se sentir bem no meio de tanta gente... pobre? — Zoei com
a cara dela, que só cruzou os braços e deu uma grande e dramática revirada e
olhos.
— Pietra, para de graça.
— Só vou se o Bernardo for.
Cruzei meus braços, fazendo-me de difícil.
— Que palhaçada é essa agora? Vocês estão de complô contra mim?
— Sim, estamos — Bernardo respondeu e me fez rir, porque eu não
esperava que ele fosse tão engraçado como estava mostrando ser.
Fiquei um pouco sentida pelo tanto de tempo que perdi com ele,
enquanto o ignorava e fingia que ele não existia. Poderíamos ter nos
divertido muito.
— Vem cá, qual é a dessa amizade de vocês? Vocês não se suportavam.
— Temos muitas coisas em comum — falei com deboche.
— Tipo, o quê?
— Gostamos de dinossauros. E de filmes. E de livros.
Olhei para Bernardo, que estava com uma careta, provavelmente
pensando que nada disso era verdade.
Também gostamos de nos beijar. E dormir juntos depois nas nossas
sessões de filmes. E de fazer combinados. E de concordar em discordar.
— Vocês são estranhos.
— Obrigado!
— Obrigada!
Bernardo e eu dissemos ao mesmo tempo, fazendo minha amiga bufar.
— Estejam prontos às nove.
Nem foi difícil convencer Bernardo a ir comigo e com Pérola para o
luau. Ele estava mesmo disposto a viver como alguém de sua idade nessas
férias, eu ficava feliz por ele. Mesmo que curtisse de sua forma mais
reservada, observando mais do que se divertindo.
Caprichei no visual, porque hoje estava disposta a me arrumar. Ou
poderia ser uma desculpa para impressionar Bernardo. Queria vê-lo sem
palavras, ruborizado, sem conseguir respirar.
E eu consegui.
Meu vestido era totalmente grudado ao corpo em um tom de rosa bebê.
O decote era profundo e deixava meus seios muito visíveis. Eu estava
embalada a vácuo, mas valeu a pena quando vi Bernardo boquiaberto. Ele
derrubou o celular no chão — que novidade! — ao me ver entrar na sala.
— Você... Você está linda.
Suas bochechas estavam vermelhas e tudo o que eu mais quis foi me
jogar em cima dele, mas Pérola estava no quarto ao lado e logo viria para cá.
Pisquei para Bernardo e fui arrumar minha bolsinha que não cabia
quase nada. Calcei a sandália rasteira branquinha que separei e joguei o
cabelo todo para o lado esquerdo. Fiz escova e modelei as pontas, deixando
um ondulado muito bonito e que fazia com que meu cabelo brilhasse.
Fomos de Uber até a praia, bem movimentada por sinal. Eram quase
dez da noite quando chegamos e Bruno estava encostado a um poste,
esperando por nós.
Pérola o ignorou totalmente, até virou o rosto para que ele não a
beijasse. Quis enfiar um punhado de areia em sua boca, mas Bernardo matou
minha vontade quando chutou um monte de areia em cima dela e se
desculpou com um sorrisinho angelical.
Aquele garoto era meu espírito animal!
— Olá, meu gato! — Abracei Bruno. — Achei que você tivesse bom
gosto na vida.
Bernardo estava pairando ao meu lado, mas eu nem o julgava, porque
sabia que ele não tinha amigos ali. E Pérola nunca pararia sua noite para
fazer companhia para o irmão.
— As patricinhas têm meu coração, Pipes.
Bruno nos guiou até o luau, que para minha surpresa era um monte de
adolescentes, uma caixa de som no último volume, meia dúzia de tochas
com fogo na areia e uma pequena canoa de pesca cheia de gelo e latinhas de
cerveja. Pérola estava emburrada em um canto da festa, repensando toda sua
vida até aquele momento, provavelmente.
Comecei a beber uma cerveja com Bruno, que tentava conversar com
Bernardo, mas ele estava tímido. Pérola se juntou a nós um tempo depois e
aceitou, com muito custo, a cerveja. Depois de fazer Bruno implorar para
quatro pessoas por um pouco de álcool em gel para limpar a lata, pois ela se
recusava a colocar a boca naquele reino dos germes, palavras dela, claro.
Eu como churrasquinho grego no centro da cidade, nada pode me
derrubar.
Dez minutos depois, ela já estava dançando. Minha amiga se soltava
muito fácil quando bebia. Eu precisava de uma maior quantidade de álcool
para fazer estrago.
— Quer beber? — ofereci um pouco de bebida para Bernardo.
— Não, estou bem hoje.
— Estou aqui para cuidar de você.
Aproximei meu corpinho ao de Bernardo, certificando-me de que
Pérola estava bem longe dali. Com Bruno atrás dela, para variar.
Bernardo fez muita força para não dar um sorrisinho e eu me enfiei em
seus braços, tirando seus óculos do rosto para colocar no meu. Senhor, ele
era muito cego!
— Combina com você.
— Eu sei, nós combinamos muito.
Ops... Melhor maneirar da cerveja!
Ele fingiu que não ouviu, o que achei lindo de sua parte.
Puxei-o para o meio das pessoas e tentei fazer com que dançasse
comigo, mas Bernardo não quis e logo voltou para seu cantinho meio
escondido ao lado do barco da bebida. Bruno e Pérola voltaram algum tempo
depois e eu percebi que ainda amava Pérola, porque ela estava bêbada e
Pérola bêbada, era meu maior entretenimento nesse planeta. Ela foi até o DJ
e implorou para ele colocar uma música brasileira enquanto eu virava um
shot de tequila que Bruno achou nas profundezas das bebidas.
Ô, diliça!
Quando escutei os primeiros acordes de Sentadona, da Luiza Sonza, eu
dei um grito. Pérola deu outro e nós começamos a dançar nossa coreografia
preferida. Trinta segundos depois, nós já éramos a atração da festa. Enquanto
estava de quatro no chão empinando a bunda, olhei para trás e vi Bernardo
desesperado, mais pálido do que tudo, assistindo ao meu espetáculo. E,
modéstia a parte, era um espetáculo mesmo.
Pérola nem esperou o fim da música para começar a se agarrar com
Bruno. A vontade de esfregar a carinha linda dela na areia novamente surgiu,
mas eu tinha coisas melhores para fazer. Dançar para Bernardo, no caso.
Cada empinada de bunda que eu dava em sua direção, sabia que fazia o
menino ver estrelas. O que eu mais gostava era a forma como ele me olhava.
Ele adorava, óbvio, porque não era bobo. Mas desviava o olhar, como se
fosse um desrespeito me olhar daquela forma, era o que tornava tudo mais
fofo.
Eu precisava ficar com outra pessoa antes que caísse em minha própria
cova.
Finalizei a coreografia e logo o DJ voltou para os reggaeton de sempre.
Virei o corpo para voltar para Bernardo, mas fui cercada por uma muralha de
músculos e regatinhas brancas.
— Estou apaixonado por você. — O Mr. Músculos mostrou aqueles
dentes de porcelana.
Ele não era meu tipo, mas era bonito. Cabeça raspada, musculoso, alto.
Seria uma ótima ideia ficar com ele se eu não estivesse vendo a cara de
Bernardo atrás do homem. Meu coração apertou ao vê-lo ajustar os óculos
com o dedo indicador e olhar para baixo, como quem não quisesse atrapalhar
nada do que estava rolando ali.
— O meu namorado também está.
Adoro fragilizar o ego de um hétero chato. Se não for para isso, porque
nós mulheres nascemos, então?
— E cadê ele?
Pois é, cadê ele? Na Corte Primaveril? Nárnia? Forks? Pandora? Não
faço a menor ideia, até porque ele não existe.
— Ali! — Apontei para onde Bernardo estava sentado, ainda com os
olhos na areia.
O careca olhou para ele e Bernardo também não ajudou muito com sua
pose. Ele estava debruçado nos joelhos, com a mão sustentando o queixo
enquanto chutava areia.
— Aquilo ali? — O careca começou a rir.
Fechei a cara. Ele tinha falado aquilo?
— Incrivelmente melhor do que qualquer versão sua ao longo dessa sua
vidinha de bosta.
O cara ficou puto, deu para ver. Achei que fosse vir para cima de mim,
mas ele deu as costas e partiu na direção de Bernardo. Saí correndo atrás
dele, lenta que nem uma lesma por conta da bebida. Quando finalmente os
alcancei, Bernardo já estava de pé, assustado.
— Sai de perto dele! — Já entrei no meio deles, puxando Bernardo pela
cintura.
Não que ele fosse fazer algo com o cara, meu medo era justamente o
contrário.
— Ela disse que você é o namorado dela.
Ergui a cabeça, mostrando meu melhor olhar contundente para
Bernardo, que pela graça de Deus, só passou o braço por minha cintura,
posicionando a mão em minha lombar.
— Sou.
Sua cara de poucos amigos foi épica. Queria beijá-lo só por ter feito
isso.
— Passa o contato do lugar que você a tirou. Estou querendo muito
uma assim.
A música da festa virou um zunido longínquo. Os dedos de Bernardo
pressionaram minha pele com mais força e eu não sabia se aquele martelar
era meu próprio coração ou o dele, grudado em minhas costas.
Eu avancei no cara, mas muito antes que eu sequer o tocasse, Bernardo,
de uma forma assustadoramente elegante, bateu no nariz do cara, com a mão
aberta. Um golpe rápido, certeiro e muito forte.
O projeto de Vin Diesel caiu aos nossos pés. Senti meus lábios
desgrudarem e ofeguei, surpresa pela rapidez com que Bernardo agrediu um
homem e, mais do que isso, o derrubou.
O cara levantou e, com a mão no nariz, quis vir para cima de nós dois.
Dessa vez eu sabia que Bernardo levaria a pior e dei o meu melhor ao chutar
aquelas misérias de bolas afetadas por anabolizantes. O cara gritou e caiu no
chão, choramingando como um bebê.
Paramos a festa, houve uma comoção dentre as pessoas e logo dois
seguranças vieram retirar o cara da faixa de areia.
Virei meu pescoço, ainda estarrecida por ver Bernardo agredindo uma
pessoa.
Bernardo. O carinha dos dinossauros de plástico. O meu gênio.
— Obrigada.
— Disponha.
Ele ofereceu a mão aberta e eu dei um pulinho para bater com a minha.
— Quero muito te agarrar, isso foi estupidamente sexy.
Ele riu e não ofereceu resistência quando eu comecei a puxá-lo para
longe da movimentação do luau. Fomos para mais perto do mar e vi o
assombro no rosto puro e inocente de meu salvador ao ver o que as pessoas
faziam por ali.
— Você sabia bater em pessoas durante todo esse tempo? — perguntei
ainda de mãos dadas com ele, tentando sair de perto de todos aqueles
gemidos, peitos e bundas de fora.
— Meu pai me ensinou depois que comecei a apanhar na escola.
— E você nunca usou isso lá?
Ele negou.
— Por quê? — insisti em saber.
— Só tornaria tudo pior.
— E usou para me defender?
Dessa vez ele balançou a cabeça.
Senti algo estranho dentro de mim naquele momento, algo quente e
forte. Algo muito perigoso de sentir em momentos como esse, porque
marcam vidas, momentos assim iniciam outros momentos ainda mais
importantes. E eu tinha medo de sentir coisas assim.
Segurei um lado da bochecha de Bernardo, ficando nas pontas dos pés
para beijar sua boca. De princípio, foi apenas um roçar entre nossos lábios.
Depois, tornou-se algo urgente. Algo que acometeu todos meus sentidos.
Eu disse sobre o perigo de deixar que momentos assim nos marquem
para sempre, porque aquele, definitivamente, virou o melhor beijo de toda a
minha vida.
Não sei em que momento nós fomos parar na areia, desconfio de que
fui a culpada, porque estava afoita em sentir mais, em querer muito mais
daquilo. Desci minha boca para o pescoço dele, suprimindo a vontade de
deixar uma marca ali, como se eu fosse uma adolescente boba de treze anos.
Dava para ver que Bernardo estava mais solto comigo, suas mãos
acariciavam minhas coxas, deixando um rastro de fogo por minha pele.
— Você confia em mim? — Afastei minha boca de sua pele.
Bernardo pensou em responder algo, mas se calou. O medo era visível
em seus olhos.
— O que você vai fazer?
— Confia?
Movi a sobrancelha direita para cima e o vi morder a parte interna da
bochecha, para depois assentir.
Voltei a beijá-lo, usando meu corpo para nos deitar na areia. Bernardo
enfiou a mão em meus cabelos, guiando minha cabeça para aprofundar nosso
beijo. Eu era uma puta de uma boa professora na arte da conquista. Mal
esperava para ensinar outras coisas para meu aluno preferido — e único.
Bernardo estava com sua camiseta do Jurassic Park e eu me afastei
com um sorriso bobo no rosto, tentando lembrar em que momento eu
comecei a adorar vê-lo com aquela maldita camiseta. Toquei, pela primeira
vez, em seu abdômen. Este era reto, pele macia com um pequeno caminho
de pelos abaixo de seu umbigo, que sumia pelo cós da calça. Gostaria muito
de tirar sua camiseta, mas fiquei com medo de forçar a barra e assustá-lo.
Meus dedos estavam meio trêmulos quando toquei em seu cinto,
percebendo um volume muito acentuado logo abaixo.
— Pietra? — ele chamou meu nome e eu ergui os olhos para ele. — E
se alguém passar?
— Quer que eu pare?
Bernardo negou tão rápido que eu dei risada. Voltei para o cinto,
desafivelei e fui para a calça, abrindo o botão e baixando o zíper. O peito de
Bernardo subia e descia rapidamente, dava para ver que ele estava nervoso.
— Bê? — chamei-o.
— Oi!
— Quer parar? — perguntei novamente.
Estava decidida a fazer isso de cinco em cinco segundos para dar
chance de ele se arrepender.
— Não.
Montei em Bernardo e vi que ele se assustou. Beijei-o lentamente,
tentando acalmá-lo e mostrar que aquilo era algo normal entre duas pessoas
que estavam a fim de se conhecer e curtir algumas experiências juntos. Ele
voltou a beijar com vontade, deixando-me firme em cima de sua ereção ao
me segurar por minha nuca. Comecei a ondular o quadril e a sensação fez
com que eu gemesse em sua boca. O atrito da minha calcinha contra a cueca
dele era uma delícia. Tinha aquele gostinho de fruto proibido, como se só
pudéssemos fazer aquilo para saciar nossas vontades.
Em partes era verdade. Em outras, uma completa mentira.
Mordi o lábio de Bernardo e percebi o quanto de esforço ele fazia para
não emitir qualquer barulho.
Grudei minha boca em seu ouvido e sussurrei:
— Você pode gemer, pode me falar o que quiser. Não precisa se
segurar. Nós adoramos saber que vocês estão curtindo de verdade.
Ondulei mais uma vez o quadril e dessa vez escutei meu nome ser
sussurrado por ele. Puta que pariu! Ele era um gênio em todos os âmbitos
dessa vida.
Nós nos beijamos e eu aproveitei para tocá-lo. Já dava para saber que
eu tinha me dado bem, porque ontem eu senti muito bem o que estava me
esperando quando sentei em seu colo. Enfiei minha mão dentro de sua cueca
e só me restou abrir um sorriso nervoso para ele.
— O que foi? — Bernardo falou baixinho, ao perceber minha cara.
— Vamos rasgar o contrato.
Seu desespero foi evidente e fiquei até me sentindo um pouco mal.
Tentei segurar seu pau, mas minha mão não fechou.
— Eu... Eu fiz alguma coisa de errado?
— Estou preocupada pela larissinha, gênio.
Bernardo começou a rir, por mais vermelhas que estivessem suas
bochechas. Coloquei seu pau para fora da cueca e comecei a duvidar que
Bernardo nunca tivesse realmente usado aquele instrumento. Era um
desperdício. Para os outros, porque para mim, eu só vi vantagens.
Escorreguei de seu colo para a areia, abaixando um pouco mais a calça
para olhar melhor. Nada de dois centímetros, nada de torto para qualquer
lado. Era simplesmente perfeito e eu não precisei de dois segundos para
passar a ponta da língua pela cabeça rosada.
Bernardo estremeceu e vi quando cravou os dedos na areia, lutando
para permanecer parado no mesmo lugar. Seu pau já era perfeito, do jeitinho
que eu gostava e para melhorar, também tinha o mesmo cheiro do perfume
que eu amava. Eu juro que queria ir com calma, porque era a primeira vez
dele sendo chupado, mas quando vi já estava com minha boca preenchida,
subindo e descendo em um ritmo lento, deixando minha língua explorar sua
extensão.
Bernardo começou a gemer baixinho, murmurando meu nome enquanto
segurava meu cabelo com delicadeza. Mais para frente eu ensinaria como eu
realmente gostava das coisas, mas hoje eu o deixaria à vontade.
— Pietra, eu não estou conseguindo segurar.
O coitado estava quase roxo e eu sentia que ele virou uma pedra em
minha boca.
Usei a mão para não perder o ritmo enquanto conversava com ele.
— Não precisa segurar.
Voltei a chupá-lo com mais intensidade, não entendendo se Bernardo
me xingava em outra língua, se aprendeu a gozar em élfico ou só estava
gostando muito. Tentei enfiá-lo até onde eu aguentava e foi um erro, porque
Bernardo gozou bem naquele instante. Achei que fosse morrer engasgada,
como também achei que ele fosse morrer sem ar. Seu pau deu uma leve
murchada, o suficiente para fazer o ar voltar a circular por minhas vias
respiratórias e eu engolir tudo.
Fui para cima de Bernardo, que se jogou na areia e lhe dei um selinho,
só para começar a ensiná-lo a não ter nojinho dessas coisas. Odeio homem
fresco.
O peito dele subia e descia rapidamente, com minha cabeça
acompanhando o movimento. Estava excitada, mas queria ir com calma.
Além de ser sacanagem desvirtuar o menino em uma praia com centenas de
pessoas por perto.
— Pietra?
Olhei por cima dos cílios para ele, encontrando seu rosto vermelho,
suado, embasbacado.
— Oi?
— Obrigado.
Ninguém nunca agradeceu uma chupada para mim. Eu me senti
honrada.
— É aquele ditado, “uma chupada e um copo de água não se nega para
ninguém” — brinquei para descontrair e fiquei satisfeita ao ouvir sua risada
tímida, mas estava lá.
Bernardo sentou na areia, levando meu corpo junto com o dele. Ele
arrumou aquela obra de arte dentro da cueca e subiu o zíper.
— Eu posso... É... Com você?
— Você quer me tocar?
— Sim.
— Vamos com calma, tudo bem? Muitas emoções por aqui. — Pisquei,
brincalhona. Bernardo assentiu, parecendo um pouco para baixo. Será que
falei algo de errado? — Mas, sim, você vai me tocar. Quero sentir seus
dedos me fodendo, sua língua deslizando em mim. Quero sentir tudo.
Ok. Passei dos limites dele.
Bernardo começou a tossir e eu precisei colocar seus braços para o alto,
e ele ainda tentou relutar, só para dificultar minha vida. Demorou um tempo,
mas ele voltou ao normal.
— Foi demais para você?
— Tudo o que você fala é demais para mim — confessou. — Parece
um sonho.
Dei um selinho nele, toda bobinha em ouvir aquilo. Ai que merda!
Aconcheguei-me em seu peito, ciente de que era muito perigoso agir
dessa forma. Sexo era sexo, e só. Quando colocava na equação esses
carinhos, dormir de conchinha ou papos melosos depois, era sinal que tudo
iria por água abaixo dentro de muito em breve. E eu tinha pavor disso.
Eu aguentaria ser fodida sem dó por aquela preciosidade que ele tinha
dentro das calças, mas foder com meu coração, nunca. Não nasci para isso.
— Então me diga, Bernardo Adler, qual é o seu maior sonho?
Mudei de assunto e decidi voltar para um campo seguro. Algo onde eu
tinha o domínio.
Bernardo segurou mais firme meu corpo que era abraçado por seu braço
direito. Senti que aquilo deveria significar algo, mas obriguei minha mente a
parar de ser tão narcisista e achar que tudo tinha a ver comigo.
— Eu queria ter coragem de ir até onde minha mãe mora e perguntar o
porquê de ela nos odiar tanto.
Meu corpo gelou ao escutar aquilo. Imaginei que ele falaria qualquer
coisa banal, como trabalhar na NASA, ser melhor amigo do Elon Musk, ter
um Corgi com o bumbum em formato de coração, ou namorar uma
supermodelo ou uma supergênia, acho que seria mais a cara de Bernardo.
Agora, isso sobre a mãe dele, me pegou desprevenida.
— Eu... Eu sinto muito.
Faltaram palavras. E como não poderia faltar?
Bernardo era um doce quando não era uma peste comigo. Dava para ver
que ele era incapaz de machucar uma formiga — desde que ela não me
chamasse de puta —, doeu vê-lo tão indefeso e machucado por aqueles
segundos.
— Obrigado.
— Você sabe onde ela mora?
— Uma cidade pequena perto de Nova Jersey. É onde mora o cara que
fez com que ela largasse tudo. Ela tem um salão de beleza, o maior da
cidade. E dois filhos.
Pérola nunca me contou isso. Na verdade, acho que ela focou tanto em
seu amor por Gael e ele soube suprir tão bem essa falta, que era um assunto
encerrado para minha amiga. Infelizmente para Bernardo não era.
— Como você sabe tanto assim dela?
— Criei um perfil fake para acompanhá-la no Instagram.
Assenti, totalmente derrotada. Eu imaginava a dor que Bernardo sentia
por ver que sua mãe, que o abandonou com poucos meses de vida, era uma
pessoa como qualquer outra, tinha seu negócio, era casada, feliz e mãe de
outras pessoas.
— Meu pai se casou também. Ele vai a todas as festas de Dia dos Pais
da filha da nova esposa dele. Vejo pelo Facebook.
Nós nos olhamos, um sabendo exatamente o que o outro sentia. Nunca
tive essa conversa com ninguém e nunca imaginei ter também após um
momento íntimo daqueles. Eu tinha medo de dormir de conchinha e acabar
gostando de alguém e ali estava falando sobre meu pai depois de chupar o
irmão da minha melhor amiga.
— Eu sinto muito, Pietra.
Dei a mão para ele e encostei minha cabeça na curvinha de seu pescoço.
Era o lugar mais confortável que já estive em todos meus vinte e um anos de
vida.
— Obrigada, Bê.
Ficamos em silêncio por algum tempo, ele fazia carinho em minhas
costelas, ainda abraçado de uma forma protetora e extremamente carinhosa.
— Qual é o seu maior sonho?
Funguei, porque aquele assunto era algo que sempre mexeria comigo.
Era um saco!
— Eu poderia falar algo sobre trabalho, mas não sei se seria totalmente
verdadeiro.
— Então, o que seria?
— Eu não sei se algum dia terei isso, acho que não, mas se eu tiver, só
quero ser uma mãe melhor do que a minha, sabe? Não quero errar, não quero
traumatizar ou abandonar alguém.
Falar aquilo para Bernardo abriu uma ferida em meu coração que já
estava cicatrizada há anos. A sensação de abandono quando as horas foram
se passando e ela não apareceu para me pegar na escola. Tudo voltou de uma
forma avassaladora e o que me restou foi abraçar Bernardo, abraçar forte,
rezando para que não sentisse aquele desespero novamente.
— O que aconteceu com sua mãe?
Limpei a lágrima solitária que escorreu pelo cantinho do olho.
— Ela se suicidou quando eu tinha nove anos.
Não tinha forma bonita de falar aquilo e percebi quando uma lágrima
caiu do olho de Bernardo. Foi esquisito ver um cara chorar por aquilo. Eu
nunca tinha contado para ninguém que não fosse Pérola sobre isso. Acredito
que minha avó tenha falado para Gael, porque ele também sempre soube. Eu
nunca confiei em ninguém além deles para saber sobre minha história,
porque sabia que ninguém entenderia meus sentimentos.
E agora Bernardo estava chorando bem ali, na minha frente.
— Eu... sinto muito.
— Minha mãe tinha depressão — resolvi contar tudo, afinal, ele
merecia saber. — Sempre foi uma pessoa difícil, tinha muitos altos e baixos.
Meu pai era mais velho, eles viviam um relacionamento tóxico, cheio de idas
e vindas. Nunca entendi por que ela sempre o perdoava, sabe? Ele
arrebentava a cara dela e depois eles ficavam bem. Ele passava seis meses
fora de casa e depois ela o aceitava de volta.
— Pietra, eu não fazia ideia. Me perdoa por tocar nesse assunto. —
Bernardo começou a se desesperar e eu só neguei com a cabeça.
— Ei, está tudo bem. Eu confio em você e por isso estou te contando.
E lá estava outro momento que marcaria minha vida: o dia em que eu,
finalmente, soube que eu confiava em um homem.
— Você estava com ela na hora? — Sua dor era visível e eu gostei
demais de Bernardo naquele momento.
— Não, estava na escola. Ela atrasou quatro horas para me buscar.
Alguém percebeu que tinha algo de errado e foi até a minha casa. Ela se
enforcou na nossa garagem.
Contei tudo para ele. O dia que passei no lar de acolhimento, sobre
como foi meu primeiro encontro com minha avó, sobre o fato do meu pai
renegar qualquer direito sobre minha guarda e que, desde então, nunca mais
nos vimos. Ele continuou em Belo Horizonte, onde eu nasci. Eu fui para o
Rio com minha avó.
Eu chorei, Bernardo chorou. Foi algo realmente significativo ter aquela
conversa com ele. No final, ele segurou meu queixo e beijou meus lábios tão
suavemente que fez com que eu derramasse mais duas lágrimas. Ninguém
nunca tinha me tratado com tanto carinho assim.
— Você é a pessoa mais forte que eu conheço, Pietra. Passar por tudo
isso e ainda seguir com um sorriso no rosto é o maior ato de bravura que já
vi. — Seu carinho ao acariciar meu rosto, acabou comigo. — E não conta
para ninguém — ele baixou seu tom de voz em um sussurro —, mas você
acabou de virar a minha pessoa preferida.
Eu ri, por mais que eu quisesse chorar. Passei meus braços pelo pescoço
dele e o beijei ciente de que, cada minuto a mais ao seu lado, foderia com
toda a minha vida. Então, eu esperava que valesse a pena.
— Vamos atrás da sua mãe?
Bernardo afastou a cabeça, encarando-me como se tivesse visto um
fantasma.
— Meu sonho é meio difícil de realizar, porque envolve muitas outras
questões, mas o seu está a... O quê? Quatro horas da gente?
— Pietra... — Sua voz era carregada de incerteza. E como poderia ser
diferente?
Peguei meu celular de dentro da bolsa jogada na areia, digitei voos para
Nova Jersey na busca e em um clique, percebi que seria muito possível.
— Tem um voo daqui a três horas. — Virei a tela do celular para
Bernardo, que ainda parecia duvidar de que eu estivesse falando sério.
— Meu pai vai me matar.
— O que seu coração quer?
Seus olhos caíram para as próprias mãos e ele ficou por bastante tempo
em silêncio, provavelmente pensando nos prós e contras, até que se mexeu
na areia, pegando algo do bolso de trás da calça.
— Compre as passagens, por favor.
Bernardo entregou seu cartão para mim e não contive o sorriso.
Animada por ele ter topado aquela aventura comigo.
— Qual o nome da cidade onde sua mãe mora?
— Cape May.
Nunca tinha ouvido falar nessa cidade, mas estava animada em poder
viver aquele momento junto de Bernardo.
Eu tinha certeza de que seria importante para ele e depois de hoje,
ficava difícil negar que tudo o que era importante para ele, também era
importante para mim.
Foi uma loucura arrumar tudo o que precisávamos para embarcar do
nada, para uma viagem que nunca esperei fazer.
Chegamos ao apartamento e jogamos tudo o que precisaríamos em duas
mochilas. Pietra mandou mensagem para Pérola falando que tinha
encontrado um cara no luau e iria para a casa dele. Eu mandei mensagem
para meu pai falando que sairia com os alunos do doutorado do professor
Flores. Pietra era ótima em inventar desculpas.
Eu só consegui pensar na loucura que estava fazendo quando sentei na
poltrona do avião e pensei que se não morresse durante a decolagem, eu
morreria quando pousasse. Onde eu estava com a cabeça de ir para outro
estado para ver minha mãe? Ela nunca quis saber de mim e da minha irmã,
por que eu achei que seria uma boa ideia aparecer à porta dela do nada?
Estava a um passo de ter uma crise de pânico quando Pietra enfiou o
fone do meu ouvido e a mesma música da Enya começou a tocar, assim
como no voo que nos trouxe para Miami. Ela abraçou o meu corpo e
aconchegou a cabeça em meu ombro.
— Já pensou em fazer putaria nas alturas? — Pietra soprou ao meu
ouvido.
Engoli em seco, virando o pescoço só um pouco para poder olhá-la.
— Não, isso é atentado ao pudor.
O sorriso de Pietra era pura provocação e não combinava em nada com
aquela música esgoelando no fone de ouvido. Ela abriu o cobertor que a
companhia aérea deixou nos bancos e cobriu nosso corpo. O ar-
condicionado estava muito gelado, realmente. E ela nem conseguiu trocar de
roupa antes de vir, e seguia com aquele vestido curto.
Pensei em oferecer meu moletom para ela, mas fiquei mudo ao sentir
seus dedos se aproximarem perigosamente da minha virilha. Estiquei o
pescoço para ver onde a aeromoça estava, temendo que ela nos colocasse
para fora e ainda acabássemos presos. O avião já tinha começado a se
movimentar na pista e os comissários foram sentar em seus lugares para os
protocolos de decolagem.
O voo era comercial, um avião menor e bem vazio. Estávamos mais
para o fundo e só outras cinco poltronas estavam ocupadas e todas do meio
para frente.
— Eu acho que você está me devendo uma coisa.
Sua boca se movimentou, quase sem som. Pietra lambeu a linha do meu
maxilar, o que canalizou em uma pontada dolorida em meu pênis.
Eu tinha pavor de voar, mas agora meu único medo era da própria
Pietra. Ela era doida e nos faria ser presos.
— Mas não podemos.
— Quem disse?
Seu sorriso malicioso e cheio de más intenções deixou meu coração
acelerado.
As luzes do avião se apagaram naquele exato momento, deixando
apenas uma luz ambiente azulada.
— E se alguém vir?
Ela mordeu o lábio e sua única resposta foi afastar um pouco o cobertor.
Suas mãos foram para perto do decote e eu achei que ela apenas tentaria me
provocar, mas Pietra fez muito mais que isso. Ela puxou o decote para o lado
e seus seios escaparam do tecido elástico.
Engoli a bola de tênis que se alojou entre minha garganta e meu
esôfago. Ela me mataria. Ela, definitivamente, me mataria.
Seus peitos eram perfeitos, nem muito grandes, nem muito pequenos.
Os piercings prateados brilhavam mesmo na luz fraca. Combinava muito
com ela aqueles acessórios. E desde que os vi, não conseguia ter cinco
segundos de paz, sem me lembrar deles. A marquinha do biquíni era um
triângulo perfeito e naquela luz, ficava ainda mais acentuada sobre sua pele
bronzeada. Ela era perfeita, totalmente perfeita.
— Ninguém está vendo.
Aquela afirmação foi o que restou para acabar com meu autocontrole.
Puxei Pietra para mim e a beijei. Senti minhas bochechas esquentarem
quando toquei em seus seios. Eu deveria pedir permissão para isso?
— Está tudo bem? — Achei melhor perguntar.
— Termina o que você começou aquele dia no seu quarto.
O pânico começou a crescer em meu peito. Teoricamente eu sabia
muito bem o que eu tinha de fazer. Não sou um completo idiota, também. Eu
só não sabia se o que eu poderia fazer seria suficiente para ela. Eu queria ser
suficiente para Pietra, queria que ela gostasse de mim, queria que tudo aquilo
fosse importante.
Abaixei a cabeça para beijar de leve um de seus mamilos. Fui com todo
o cuidado do mundo, porque tinha medo de machucá-la, por conta do
piercing. Pietra puxou meu cabelo e eu acreditei que fosse um sinal para
continuar o que eu fazia, dessa vez com um pouco mais de energia. Suguei
seu mamilo e ela deu uma tossida para disfarçar um gemido.
Eu consegui fazer Pietra Rossi gemer, poderia facilmente colocar isso
no meu currículo. Era motivo de muito orgulho para mim.
Pietra pegou minha mão direita e sem tirar os olhos dos meus,
escorregou para debaixo da coberta, colocando bem em cima de sua
calcinha. O vestido já estava enrolado em seus quadris e o movimento foi
mínimo, mas senti quando abriu as pernas, esperando meu toque.
Veio em boa hora Pietra colocar a música no repeat, sua intenção era
me acalmar na decolagem, mas também me acalmava diante daquela
situação. Eu queria tocá-la de variadas formas, queria realmente viver aquilo
desesperadamente, eu só tinha medo de decepcioná-la.
— Me toca — ela sussurrou.
— Eu estou com medo — confessei. E senti ainda mais medo de ela
ficar brava ou se cansar de todas minhas hesitações.
— Ei? — Pietra acariciou meu cabelo. — Quero tanto quanto você
também quer. Estamos juntos nessa.
Ela queria? Ela realmente queria?
Meu corpo reagiu antes que minha cabeça processasse. Beijei Pietra,
que correspondeu quente como sempre. Ela nunca dava apenas um beijo.
Meus dedos a tocaram por cima da calcinha e suas pernas se abriram ainda
mais. Pietra sugou minha língua, incitando o desejo por minhas veias. Puxei
o elástico da calcinha para o lado, lamentando que não conseguisse ver como
era.
Sua boceta era quente, muito quente. E foi difícil achar espaço para
meu dedo, porque o espaço era minúsculo.
Eu era bom em fisiologia. Eu sabia o que deveria fazer. Eu já vi muitos
vídeos.
Não posso errar. Não posso errar. Não posso errar.
Esfreguei meu dedo no ponto que presumi que fosse seu clitóris e quase
respirei aliviado quando ela suspirou, o toque em meu cabelo se tornando
mais forte. Movimentei o polegar em círculos e usei o dedo do meio para
penetrá-la com todo o cuidado que eu possuía em mim. Não queria
machucá-la, não queria que ela odiasse tudo e nunca mais olhasse na minha
cara.
O canal era apertado, muito apertado mesmo. Como aquilo era
possível? Eu não imaginava que fosse tão pequeno assim.
Comecei a entrar e sair, sincronizando com o movimento do polegar.
— Pode colocar mais um — ela pediu.
Temi que fosse machucá-la, mas resolvi obedecer. Enfiei o indicador
junto, sentindo como estava molhada. Isso era um bom sinal, não era?
— Está ruim?
— Está perfeito!
Pietra jogou a cabeça para trás, os olhos fechados, a boca um pouco
aberta. Era a visão mais incrível que já tive ao longo da minha vida.
Eu não poderia ter feito escolha melhor em viver aquilo com ela.
Senti o avião começar a ganhar velocidade na pista. Fiquei surpreso
como não existia medo nenhum dentro de mim. Eu estava com Pietra, a
garota que eu sonhei por anos ali. Eu, Deus sabe como, tinha conseguido
chegar até ali com ela. Nada poderia me parar.
Puxei meus dedos de dentro de Pietra, que abriu a boca, provavelmente
para me xingar. Soltei o cinto de segurança, ciente de que eu poderia muito
bem morrer. Bem, se fosse acontecer, eu morreria feliz e satisfeito.
Escorreguei meu corpo para o espaço limitado entre os bancos e puxei as
duas pernas de Pietra, enfiando meu corpo embaixo do cobertor.
Eu gostaria muito de observar seu corpo, decorar cada parte dela na
minha mente, mas ainda teríamos tempo para isso.
O espaço entre os bancos era minúsculo, mas com jeitinho, fiquei de
joelhos e afastei as coxas de Pietra.
Eu possivelmente deveria ter treinado em alguma coisa, tipo uma
laranja ou um pote de iogurte, como faziam os meninos da escola, se eu
soubesse o que aconteceria nessas férias. Tudo o que eu tinha agora era
intuição e uma bagagem de muitos vídeos pornôs na adolescência. Espero
que valha de algo.
Deslizei minha língua por seu clitóris. Pietra estremeceu e levei aquilo
como um aviso que estava no caminho certo. Deixei um rastro de beijos, até
que comecei a chupá-la com calma, nada de afobação, por mais afobado que
eu estivesse. Não dá para correr antes de aprender a caminhar.
Explorei-a o tanto que o espaço limitado permitiu. Pietra tinha um gosto
delicioso, seu cheiro era algo que fodia a minha cabeça, desde sempre. Eu
ficaria viciado, com toda certeza. Voltei com o dois dedos dentro dela,
combinando com as chupadas.
Pietra arrancou o cobertor de cima de mim e eu paralisei por dois
segundos, com medo de sermos flagrados. Até sentir que estávamos saindo
do chão e ninguém sairia dos assentos naquele momento. Aquele era meu
pior medo da vida e que agora se mesclava com um dos melhores momentos.
— Quero ver seu rosto enquanto você me faz gozar.
Tentei agir com normalidade diante daquela frase, mas a verdade é que
Pietra só conseguiu acabar com qualquer resquício de resistência que existia
dentro de mim.
Olhando em seus olhos, eu a chupei da melhor forma que consegui,
assistindo de camarote a forma como ficava linda quando se entregava. E na
forma como se tornava a mulher mais bonita do mundo enquanto sussurrava
meu nome.
Pietra sentou a unha em meu braço e suas coxas começaram a tremer.
Aquilo não parecia algo fingido, ainda mais quando seu corpo inteiro
começou a ondular. Ela tapou a própria boca e eu juro que nunca vi algo tão
lindo na vida.
Tirei meus dedos e com cuidado, coloquei a calcinha de volta ao lugar.
Ajeitei seu vestido e arrumei também os peitos dentro do decote, deixando
um beijo em cada um antes de tapá-los. Só então levantei daquele aperto,
acreditando que nunca mais meu joelho seria o mesmo.
Sentei em minha poltrona, afivelei o cinto e só então olhei para Pietra.
— É impossível que você nunca tenha feito isso — disse ao jogar a
coberta por cima de nossos corpos novamente.
Eu neguei com a cabeça.
— Então você merecia um Nobel de como chupar bem.
Pietra inclinou o corpo e me beijou. Dessa vez não tão urgente e quente,
era mais carinhoso mesmo.
— Foi bom mesmo?
— Foi incrível. Nota 10 na matéria de Bocetologia.
— Pietra! — Tapei o rosto com as mãos, escutando sua risada alta.
Ela me abraçou e ainda deixou um beijinho em meu ombro.
— E ainda curamos seu medo de avião. Só vejo vantagens.
Estávamos no ar há algum tempo e eu não sentia nem um batimento a
mais. Estava calmo, tranquilo e relaxado. Feliz como nunca.
Deveria ser esse o motivo pelo qual as pessoas gostavam tanto de sexo
assim. Eu as estendia totalmente agora.
Pietra quis ver Toy Story e eu assisti com ela, pensando em como aquela
garota que me deixava louco e era a síntese da sensualidade, também era a
garota com as pernas jogadas em cima das minhas; vendo desenho animado
e me cutucando para que eu a acompanhasse nas risadas sempre que o Rex
fazia alguma piada.
Chegamos a Nova Jersey no meio da madrugada e enquanto eu alugava
um carro na locadora, Pietra tentava reservar um hotel para nós.
Foi ali que comecei a pensar na besteira que eu estava fazendo.
O que eu falaria para uma mulher que nunca quis saber da minha vida?
Que não me viu crescer? Que nunca teve a menor vontade de participar de
um só momento meu?
Para começar eu não sabia onde ela morava. Só sabia sobre o salão de
beleza. Pelo tamanho da cidade, não seria difícil descobrir. Mas, caramba, o
que eu tinha na cabeça?
Conhecer pessoalmente minha mãe sempre foi uma das minhas maiores
vontades. Tinha certeza de que se falasse seriamente com meu pai, ele
moveria mundos e fundos para conseguir. Mas eu nunca falei, porque sentia
que se falasse, invalidaria o pai incrível que ele foi para mim e Pérola.
Assinei o documento e peguei o cartão do Tesla que aluguei. Agradeci e
voltei para perto de Pietra, sentada nas cadeiras da sala de espera, com
aquelas pernas de fora e nossas mochilas ao lado.
— Pronto.
— Pronto aqui também.
— Conseguiu o hotel?
— Só uma pousada, mas é bem bonita.
Pietra passou dez minutos fazendo piadinhas sobre o Elon Musk ser
meu amigo assim que viu o maldito Tesla. Eu tinha umas opiniões fortes
sobre o senhor Musk, mas não entraria nesse assunto com Pietra, porque ela
acabaria zoando com a minha cara, como sempre.
A viagem era longa, mas a rodovia era boa e estava vazia. Eram 4h da
manhã quando saímos de Nova Jersey. Uma hora depois, paramos em uma
Dunkin Donut’s para pegar um café e donuts, óbvio.
Meu pai ligou enquanto eu dirigia e fiquei muito tenso por contar uma
mentira para ele. Muito tenso mesmo. Eu nunca mentia para meu pai. Falei
que estava em Cabo Canaveral e que veria mais algumas palestras junto do
professor Flores e do pessoal da NASA. Ao final da ligação ele disse que me
amava e meus olhos ficaram cheios de lágrimas, por sentir que eu o traía.
— Ei, vai dar tudo certo. — Pietra segurou minha coxa com sua mão
esquerda.
Nem ousei desviar os olhos da estrada, porque estava clareando agora e
já tínhamos um histórico complicado de quase acidentes em rodovias norte-
americanas.
— Meu pai está acordado à essa hora? Estranho, né? — comentei um
detalhe qualquer com ela, só para jogar papo.
Só que Pietra ficou em silêncio. Muito silêncio. Algo que ela não fazia,
nunca.
Desviei os olhos da estrada por um segundo, vendo seu olhar focado no
painel.
— Pietra?
— Preciso te contar uma coisa, mas é segredo.
Ela ficou com meu pai.
Ela está grávida do meu pai.
Ela vai se casar com meu pai.
Comecei a ter taquicardia e precisei ligar o piloto automático do carro,
porque eu teria um infarto.
— O quê? — Nem sei como consegui falar.
— Seu pai está namorando.
— Com você? — Perdi o controle da voz e não foi nada bom.
Ela fez um careta, tapando o ouvido por conta do meu grito. Depois fez
uma careta de nojo.
— Você pensa que eu sou o quê? — Suas palmas estendidas em minha
direção demonstravam sua total indignação. — Você não está dirigindo.
— O carro dirige sozinho.
Ela fez uma careta e jogou as pernas para o console.
— Seu pai está namorando a Helena.
Comecei a rir, por puro alívio. O que passava na minha mente era tão
desesperador, que aquela novidade era a melhor coisa que eu poderia escutar.
— É sério?
— Sim. Do mesmo jeito que a Pérola esconde Tato e Bruno no quarto,
você me esconde no seu, seu pai esconde Helena no dele.
— Como você descobriu isso?
Pietra mordeu os lábios e negou com a cabeça, parecendo achar graça
de algo.
Logo depois, começou a contar sobre como conheceu Helena, sobre a
coincidência na minha festa de aniversário com Pérola e o plano fracassado
do meu pai de fazer tudo em segredo e ela ter visto os dois no apartamento.
Foi estranho escutar aquela história agora que as coisas tinham mudado
comigo e com ela, ainda mais por saber que ela realmente tinha intenções
muito claras com meu pai.
— Bê? — chamou, depois de eu ter passado algum tempo em silêncio,
só de olho na estrada. Dei atenção para ela, que suspirou. — Eu não vou ter
nada com seu pai. Você sabe disso, não é?
Assenti porque sabia que meu pai não teria nada com ela, não o
contrário. Acho que ela percebeu por minha cara que não acreditava muito
nisso.
— Eu sou uma retardada, confusa e muito emocionada. E depois de
analisar bem o que você me falou sobre daddy issues e tal, eu vi que tinha
razão. Não consigo nem olhar para Gael direito, porque estou me sentindo
uma idiota.
Sua sinceridade foi um bálsamo sobre meus pensamentos acelerados e
demasiadamente perturbadores.
— Você é meio idiota mesmo.
Levei um beliscão forte em meu braço e começamos a rir juntos. Pietra
deu um beijo em meu rosto, depois apertou minha bochecha.
— E agora nem rola mais também. Estou bem a fim do filho dele, sabe?
— Você está a fim de mim?
Meu choque ficou aparente, porque não era algo que eu esperava
escutar às 5h17 de uma manhã de terça-feira.
— Não, Bernardo. Deixei você me chupar em um avião só por esporte,
mesmo.
O Bernardo de treze anos de idade estaria dando mortais triplos
carpados se escutasse isso. Eu não sei o que fiz de tão certo para que ela me
desse uma chance, só sabia que eu faria de tudo para conquistar aquela
garota. De todas as formas possíveis.
— O que você viu em mim?
— Algo que eu deveria ter visto muitos anos atrás.
Foi bem nesse momento que eu soube que meu coração era totalmente
de Pietra Rossi.
Cape May era uma cidade pequena, mas graciosa.
Chegamos lá por volta das 6h30 da manhã. O sol refletia nas janelas
dos amplos casarões vitorianos que tomavam conta da avenida principal.
Havia movimento nas ruas, mesmo tão cedo, talvez por ser férias de verão.
Algumas pessoas carregavam pranchas de surfe debaixo dos braços e
caminhavam em direção a praia, que era linda, por sinal.
Será que minha mãe gostava daquele lugar? Olhando aquela rua pacata,
com casas bonitas cercadas por gramados e bandeiras dos Estados Unidos
hasteadas, foi inevitável pensar que eu teria me divertido ali durante as
férias. As pessoas se apaixonam nos momentos mais inesperados da vida e
está tudo bem. Talvez o amor dela por aquele médico fosse forte o
suficiente, só não deveria ter ultrapassado o amor de mãe. Ela poderia ter
continuado com ele e conosco também. Poderíamos ter a visitado durante as
férias, talvez até nos Natais. Ela poderia ir vez ou outra para o Brasil, em
nosso aniversário.
Eu teria adorado. Teria amado até mesmo ter outros irmãos. Pérola
sempre foi mais próxima de Pietra do que de mim, teria sido bem legal
conviver com dois meninos.
Quis rir diante da minha inocência em acreditar que aquilo seria
possível. Vinte anos se passaram e eu ainda não tinha entendido que ela
nunca nos quis. Era essa a verdade nua e crua.
— Que lugarzinho fofo! — Pietra estava encantada olhando para a
pousada.
Descemos do carro e eu olhei a fachada da pousada. Era o maior imóvel
da rua, pintado de cinza com todos os detalhes em branco. As janelas eram
amplas, assim como jardim em frente com um gramado bem cuidado e
muitas flores. Lavandas, principalmente. O que deixava um cheiro agradável
a cada passo que dávamos em direção à entrada.
Tomei a liberdade de abrir o portão de madeira e levei um puta de um
susto quando um bicho passou com tudo por cima do meu pé. Pietra gritou
alto, tão alto que fez até eco. Virei o rosto chocado ao ver um pato correndo
em sua forma torta e engraçada.
— Segura o pato! Ele vai fugir! — Um homem apareceu na varanda,
gritando.
Pietra e eu nos viramos ao mesmo tempo. Ela conseguiu correr na
frente, esticando os braços para pegar o pato.
— Calma! Calma! Vem aqui, amiguinho, psiu, psiu.
— Por que você está chamando o pato como se chama um gato? —
Cerquei o pato perto de um tronco, mas ele foi mais rápido e saiu correndo,
dessa vez em direção da praia.
— Faz melhor, gênio.
Assisti, com muita diversão, o pato dar o maior olé em Pietra, que caiu
de bunda na grama. Peguei meu moletom na mochila, bem no momento em
que o cara que gritou conosco apareceu.
— Respira, Ludo, vai ficar tudo bem! São tempos difíceis, eu entendo.
Não precisa fugir de casa.
O homem era alto, bem mais do que eu. Tinha também um porte
elegante, que não combinava muito com a conversa extremamente caótica
que estava tendo com um pato.
Joguei o moletom em cima do animal, que grasnou em resposta. O
homem finalmente conseguiu capturar o pato, usando meu moletom como
cobertor. O que estava acontecendo ali?
— Você salvou a vida do meu filho, obrigado! Serei eternamente grato.
Pietra apareceu perto de mim, limpando dos joelhos a lama misturada
com areia.
— Seu filho é um pato? — ela perguntou.
— Sim. — O homem assentiu e se notou a indignação de Pietra,
disfarçou muito bem. — Tenho uma humana também, mas ultimamente
estou preferindo o pato mesmo. Ele não está na adolescência.
O homem era engraçado e tinha um sotaque diferente. Ele não era
daqui, era bem óbvio.
— Temos uma reserva... — Apontei para a pousada e vi o rosto do
homem se iluminar.
— Sejam bem-vindos à Marine! Sou Tay Chong, esse aqui é meu filho
Ludovik. É um prazer recebê-los aqui!
Pietra o encarava sem qualquer cerimônia.
— Posso segurar o pato? — ela questionou.
— Não.
— Só um pouco?
— Ele está estressado, não estão sendo dias fáceis para ele. Ah, entrem,
por favor! — O tal do Tay indicou a entrada para nós dois. Pietra o fuzilou,
depois balançou os ombros para mim, como se fosse um ultraje o homem
não deixar que ela segurasse o pato. — Minha filha ganhou uma lontra de
aniversário. Iolanda, o nome. Isso desequilibrou os chakras de Ludovik.
— Sua filha se chama Iolanda? — perguntei, confuso.
— Não, a lontra.
Entramos na pousada e fiquei surpreso pelo ambiente amplo, todo em
mogno. Tay colocou o pato no chão e devolveu meu moletom, agindo como
se fosse algo totalmente comum. Talvez fosse para ele. Depois foi para trás
da bancada.
— Documento de identificação, por favor.
Eu dei minha carteira de motorista, Pietra deslizou o passaporte pela
madeira lisa. O homem pegou o passaporte com curiosidade e depois olhou
para nós.
— Brasileiros? — ele gritou em português, um português bem ruim,
mas sua animação era louvável.
— Sim? — Fiquei com medo de toda aquela animação antes das 7h da
manhã.
— Vou para o Brasil no fim do ano, uma amiga minha é de lá.
Pietra estava focada em chamar a atenção do pato, que não dava a
mínima para ela.
— Ah, legal! Espero que você goste.
— Estou ansioso para falar do 7X1 para todo mundo que eu encontrar.
Pietra levantou com tudo do chão, ficando na ponta dos pés para apoiar
os dois braços na bancada.
— Você não tem coração, cara? Para que ser tão cruel?
Tay começou a rir, parecendo muito satisfeito por deixar uma brasileira
triste. Depois começou a digitar enquanto eu prestava atenção na decoração
elegante da pousada. Os ambientes eram enormes, tudo com muito bom
gosto. Não esperava que fosse encontrar algo assim naquela cidade tão
pequena.
— Já posso segurar seu pato? — Pietra insistiu.
— Não — Tay respondeu sem nem tirar os olhos do computador. —
Mas em agradecimento por terem salvado a vida do meu bebê, o jantar de
vocês será por conta da casa. Minha esposa é a chefe de cozinha, ela é a
melhor. Vocês vão ver.
Ele terminou de falar bem no momento em que uma mulher pequena e
loira entrou no salão. Ela ofereceu um sorriso para nós e Pietra acenou,
simpática como sempre. Eu não era tão bom assim em relações
interpessoais, então só abaixei os olhos, envergonhado.
— Tay, são sete da manhã, faz dez minutos que você está falando sem
parar com os hóspedes. Dê um tempo para eles. — Ela deu um beijo no
braço dele, que era o máximo que alcançava nele, porque o homem era
realmente alto, depois piscou para nós.
— Eles são brasileiros, gostam de falar.
— Eu gosto é de segurar patos.
Pietra arreganhou os dentes e balançou as sobrancelhas.
— Pode segurar, querida.
A loira foi bem amável e garantiu a felicidade de Pietra, que saiu
correndo atrás do pato. Tay revirou os olhos e bufou, depois entregou o
cartão magnético do nosso quarto junto de nossos documentos.
— Vocês conhecem Lana Azevedo? — Aproveitei da simpatia deles
para tentar descobrir onde minha mãe estava.
— Não é a ex-mulher do carniceiro? — Tay perguntou para a mulher,
que deveria ser sua esposa, porque as alianças deles eram iguais.
Que carniceiro? Ele estava falando da minha mãe mesmo?
— Eu acho que ela se casou com um médico. — Era tudo o que eu
sabia desse cara.
A loira bufou e revirou os olhos.
— Sim, é ela mesma. Dona do salão de beleza no fim da avenida.
Eles a conheciam. E saber que minha mãe estava tão próxima dali, fez
meu estômago embrulhar.
— Pobrezinha, só de ter aguentado aquele infeliz já merecia o título de
cidadã honorária de Cape M...
— Tay! — a esposa o repreendeu.
— O salão abre que horas?
— Às oito. — Alessa, conforme li em seu crachá, respondeu de forma
muito amável e querida.
— Veio do Brasil para cortar o cabelo com a Lana? — Tay inclinou o
corpo para a bancada, parecendo muito interessado nos meus motivos para
estar em Cape May.
— Não. Ela é a minha mãe.
Os dois não souberam disfarçar o choque e foi até engraçado. Dane-se a
fama de mulher perfeita que ela construiu naquele fim de mundo. As pessoas
precisavam saber que enquanto ela construía uma vida de felicidade ali,
minha irmã e eu crescíamos sem qualquer presença materna bem longe dali.
— Ele é tão fofinho! — Pietra apareceu no lobby segurando um pato
como se fosse um bebê.
Tay não demorou muito para tirar o pato do colo de Pietra, que subiu as
escadas reclamando que o cara — que descobrimos que era o dono da
pousada — era egoísta por não querer dividir o pato com ela.
Entramos no quarto amplo e com vista para o mar. Eu gostaria de
apreciar a beleza do lugar, mas estava nervoso, enjoado e receoso. Queria
entrar no carro novamente e fingir que nunca estive naquela cidade.
— Ei? — Pietra chamou minha atenção. — Vou estar lá contigo.
Estamos juntos nessa e em todas as outras.
— Todas as outras?
Ela assentiu e segurando um sorriso, colocou um joelho entre minhas
pernas. Nós nos beijamos e, trinta segundos depois, já estávamos embolados
na cama. Tão embolados que foi ali que percebi que Pietra e eu estávamos
muito longe de casa, em uma cama grande só nossa. Sem quaisquer pessoas
que pudessem nos atrapalhar.
Pensar nisso e nas inúmeras possibilidades que poderiam acontecer, fez
com que eu travasse. Pedi licença e fui para o banheiro tomar um banho,
tentando colocar minha cabeça no lugar.
Era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e eu sentia minha cabeça
pesada. Precisava ter foco e organizar minha vida. Algo que era fácil para
mim, só que nos últimos dias, parecia impossível.
Decidi resolver essa questão da minha mãe e depois, quando eu
finalmente voltasse a respirar, eu trataria de conquistar Pietra.
Fomos juntos para o salão de beleza, mas só conseguimos sair depois
que Alessa, a esposa de Tay e chefe de cozinha da pousada, nos fez comer
um bolo de chocolate. Normalmente eu comeria mais, mas estava nervoso e
prometi que mais tarde eu comeria mais uma fatia.
Não foi nada difícil achar o salão, era uma construção antiga, mas
muito conservada. A fachada era azul-bebê com um grande janelão de vidro
e parecia seguir a identidade dos outros comércios da rua.
— Vamos? — Pietra ofereceu sua mão para mim.
Um nó se alojou em minha garganta, mas eu escolhi vencer esse medo
absurdo que existia dentro de mim. Minha mãe era uma pessoa, assim como
eu, assim como Pietra. Se eu tinha vencido o medo de ficar ao lado da garota
mais bonita que já vi e mais do que isso, ser alguém interessante para ela, eu
poderia fazer qualquer coisa na vida.
Segurei a mão de Pietra e a segui para dentro do salão. Ao abrirmos a
porta, um sininho dourado alojado no alto anunciou nossa presença.
Aterrorizado, olhei para os lados procurando por minha mãe. Será que
ela reconheceria quem eu era? Será que ela sequer sabia qual era minha
aparência? Ou que Pérola fosse tão parecida com ela que chegava a assustar?
— Bom dia!
Tomei um susto ao escutar a voz feminina e só relaxei quando percebi
que não era minha mãe, sim, uma senhora ruiva, parada atrás do balcão.
— Oi, tudo bem? — Pietra acenou. — A Lana está?
— Ainda não chegou, ela foi levar os meninos à escola e já deve estar
voltando.
— Podemos esperar por ela aqui? — O olhar de Pietra para mim era de
preocupação e o motivo era óbvio.
Minha mãe foi levar os meninos à escola. Como se fosse a porra da mãe
do ano.
A senhora nos mostrou duas poltronas onde poderíamos esperar.
Comecei a balançar a perna freneticamente, tentando aliviar o cérebro que
trabalhava na mesma velocidade.
O que os meninos tinham que eu e minha irmã não tivemos? Por que
não merecemos ter uma mãe para nos levar à escola? Estar lá no show que
apresentávamos no Dia das Mães? Eu nunca odiei ninguém na minha vida,
mas foi ali que tive a certeza de que eu odiava a minha mãe.
Pietra segurou minha perna, impedindo que eu balançasse mais.
“Estou aqui”, ela moveu a boca sem som algum.
Seus olhos eram tão lindos, redondinhos, grandes, sempre curiosos e
brilhantes. Quando Pietra era menor, eles eram ainda maiores em seu rosto
pequeno. Eu adorava tudo naquela garota, mas hoje, eu adorava o fato de ela
nem ter hesitado em se jogar nessa loucura comigo.
Abri a boca para agradecer sua presença ali, mas o som do sino da porta
desviou toda minha atenção.
Meu sangue gelou e relutei em erguer a cabeça e olhar naquela direção.
Quando, finalmente reuni coragem para isso, foi que eu a vi.
Minha mãe. Uma cópia de Pérola.
A mulher que desde que eu era um bebê me fez acreditar que nunca
seria digno de receber o afeto e o respeito de ninguém. Porque se a pessoa
que mais deveria me amar na vida não me quis, por que os outros iriam
querer?
— Bernardo?
Sua voz não era como eu esperava que fosse. Parecia muito mais
amável e emocionada.
Ela chamou por meu nome, o que me levou a pensar em: como sabia
que eu sou eu?
Lana ficou tão paralisada quanto eu.
Ela era diferente das fotos de suas redes sociais, ali ela parecia mais um
ser humano comum, não uma esposa perfeita, com a vida perfeita e filhos,
que adivinhe? Eram perfeitos.
Ela não parecia o tipo de mulher que abandonaria duas crianças e
fugiria do país. Suas roupas eram comuns, jeans, um suéter creme e um
colete acolchoado na mesma cor do suéter. Seus cabelos eram pretos, como
os de Pérola, mas foram cortados à altura dos ombros e modelados com
aquelas coisas que as garotas fazem. O rosto era bonito, sem qualquer sinal
que demonstrasse sua idade. Ela era nova para alguém que tinha filhos bem
grandes.
Meu pai e ela se conheceram porque eram vizinhos, conforme ele
contava quando éramos pequenos e queríamos saber mais sobre ela. Foi só
depois que eu entendi que o relacionamento deles não foi tão bom assim. Ela
engravidou de Pérola com dezesseis anos. Eu penso que meu nascimento foi
a gota d’água para um relacionamento tão imaturo. Ela estava com dezoito
anos quando eu nasci, quase dezenove quando nos abandonou.
— Eu não acredito que você está aqui.
Ela não parecia aborrecida, muito menos irritada.
Olhei para Pietra, que estava assustada e deu os ombros, indicando que
ela também não fazia ideia do que estava acontecendo ali.
— Eu preciso conversar com você.
— Claro! Claro! — Seu sorriso apareceu e era idêntico ao de minha
irmã. Pérola curtiria saber como seria sua aparência daqui quinze anos, era
só olhar para nossa mãe. — Eu posso te abraçar?
Olhei para seus pés, não quis passar a impressão de ser arrogante ou
algo do tipo. Eu só não queria contato físico com ela.
— Não gosto de abraços.
Seus lábios tremeram um pouco, mas o sorriso continuou ali.
— Oi, Pietra. É um prazer finalmente te conhecer.
Meu coração gelou e encarei Pietra. Como Lana a conhecia? Pietra fez
uma careta, sem conseguir nem disfarçar a surpresa.
— Você a conhece? — sussurrei para minha companheira de viagem.
— Eu nunca vi essa mulher — sussurrou de volta, não baixo o bastante
para que minha mãe não escutasse.
— Posso levar vocês para minha casa? Assim podemos conversar mais
à vontade.
Pietra assentiu, encorajando-me. Acreditei que fosse uma proposta
razoável, já que a senhora ruiva não parava de olhar em nossa direção.
Saímos do salão e assim que pisamos na calçada, Pietra segurou minha
mão. Eu vi quando o olhar de Lana caiu para nossas mãos dadas, mas ela
tratou de enfiar a cara no celular e nos deixar em paz. Pensei que talvez fosse
um erro estar ali, ainda mais segurando a mão Pietra.
— Você é tão alto — minha mãe disse, contendo um sorriso, assim que
dobramos uma esquina. — Joga basquete?
— Odeio esportes.
Um silêncio se formou entre nós depois desse corte abrupto.
— Você é muito parecida com a Pérola — Pietra tratou de suavizar o
clima. — Até assusta.
— Ela não veio com vocês?
Pietra negou.
— Ficou em Miami. Ninguém sabe que estamos aqui.
Pietra era a única pessoa capaz de manter o clima mais ameno, mas
ainda assim não fazia milagres. Dava para ver que ela não agia no seu
normal, parecia controlada demais para ser ela mesma.
Entramos em uma rua tranquila, cheia de casas grandes, com gramados
bem-cuidados e cercas de madeira, pintadas de branco. Lana parou em frente
a uma casa cinza-claro, não era tão grande quanto a que tínhamos na Barra,
mas era muito bonita. Uma árvore fazia sombra na frente e um balanço foi
pendurado no tronco mais grosso. Era familiar, ordinário, algo que me
deixou com mais raiva ainda.
Entramos na casa e um labrador marrom-escuro correu em nossa
direção. Ele foi direto em Pietra, pulou em cima dela e começou a rodopiar
em torno de si mesmo.
— Oi, bonitão! — Pietra falou em português. — Ih, será que ele é
poliglota? — ela perguntou, piscando para mim.
Gostaria de estar em meu normal e falar algo engraçado para ela, mas
não conseguia. Estava tenso demais.
— Fiquem à vontade.
Lana apontou para a sala, enquanto retirava o colete e o pendurava em
um armário.
Deixei Pietra brincando com o cachorro e segui para a sala. Meus pés
afundavam no carpete fofo. A decoração era requintada, toda em tons claros
e havia uma claraboia no meio da sala, deixando a luz natural entrar em todo
o ambiente. A primeira coisa que chamou minha atenção foi a variedade de
porta-retratos em cima da lareira. Segui para lá e vi as fotos dos dois garotos,
cada um beijando um lado do rosto de Lana, que sorria para a câmera.
Ambos eram loiros, um era mais alto, o outro apenas uma criança.
— Esses são Connor e Ryle. Connor está com quinze anos, Ryle tem
onze. — Lana surgiu ao meu lado, apontando para os meninos na fotografia.
Cinco anos. Ela demorou menos até do que cinco anos para decidir ser
mãe depois de nos abandonar.
Não disse nada e continuei vendo as fotos. Várias viagens para a neve
com os garotos. Nenhuma com o marido. E... Espera, aquele ali sou eu?
Peguei o porta-retratos sem nem pedir licença e constatei que, sim, era
eu junto de Pérola, no Natal de dois anos atrás que passamos em Angra dos
Reis.
Olhei para o lado e vi outras fotos nossa. Pérola pequena com sua roupa
de ballet em um dos recitais. Eu posando ao lado do primeiro projeto que
ganhei na Feira de Ciências. Pérola com sua beca de formatura do colegial.
— Por que você tem fotos nossas?
Vi pela visão periférica que Pietra entrou na sala, segurando uma
bolinha do cachorro, mas ao ouvir minha pergunta, deu meia-volta e saiu de
cena.
Lana pegou o porta-retratos que tinha a foto onde eu soprava a vela do
meu bolo de aniversário de nove anos, era de dinossauro. Pérola estava ao
lado, soprando sua vela de onze anos, seu tema era do One Direction.
— Seu pai manda regularmente fotos de vocês.
Coloquei o objeto de metal com força de volta ao seu lugar. Do que ela
estava falando? Meu pai não tinha contato nenhum com ela.
— É mentira!
Lana suspirou e endireitou os ombros. Largou o porta-retratos em cima
da uma mesinha de canto e foi em direção aos sofás de linho bege.
— Bernardo, eu posso ser muitas coisas, mas mentirosa não é uma
delas. — Sua calma era irritante. Uma pessoa no lugar dela, fazendo tudo o
que fez, deveria estar muito diferente daquilo. — Ele sempre fez questão de
me atualizar sobre a vida de vocês, mesmo que eu não mereça saber.
Sentei em uma poltrona, em sua diagonal. Não conseguia olhar em seus
olhos sem sentir ânsia. Nada nela era da forma como eu imaginei.
— Você... Você sabe sobre nossas vidas? Desde quando?
— Desde sempre.
— E mesmo assim nunca foi atrás de nós?
Ela ficou sem palavras, a mão direita começou a coçar o antebraço
esquerdo. Pérola tinha exatamente o mesmo tique quando estava nervosa e
eu odiei ver isso, porque não queria que minha irmã se parecesse com aquela
mulher.
— Bernardo... — Ela começou a falar, mas logo se calou, apertando os
lábios firmemente. Pareciam que as palavras tinham evaporado de sua
mente. — Poderia inventar inúmeras desculpas para justificar o que fiz, mas
eu não quero fazer isso.
— Até porque eu não acreditaria em nada do que dissesse.
O labrador entrou correndo na sala, perseguindo como um louco a
bolinha que Pietra provavelmente tinha jogado. Ele veio até mim, enfiou o
nariz molhado no meio das minhas pernas. Respirei fundo e peguei a bolinha
de sua boca, jogando pelo corredor de onde ele veio antes.
— Eu me separei cerca de seis anos atrás do pai dos meninos.
— Do cara que te fez trair o meu pai e abandonar seus filhos?
Eu nunca falaria assim com uma pessoa. Nem imaginava que pudesse
ter tanta coragem reunida dentro de mim para tentar atingi-la, mas a
realidade era que ela não dava a mínima.
— Sim — confirmou, soltando um suspiro em seguida. — Ele se chama
George.
— Legal.
— Quando se é jovem e nos apaixonamos dessa forma por alguém,
tudo parece muito certo e eterno. Mesmo que alguém contasse todo nosso
futuro, não serviria de nada, porque tudo o que importa é viver aquele
momento.
— Vai colocar a culpa nele por ter feito o que fez?
Cruzei os braços, sabendo muito bem qual seria o jogo que ela usaria.
— Não, porque quando se deixa algo tão importante assim para trás, o
mínimo que eu posso fazer é assumir minhas responsabilidades.
Eu ri, porque aquilo não valia de nada para mim. Tampouco acalmava
ou consolava meu coração.
— Valeu a pena?
Foi a primeira coisa que eu falei que realmente mexeu com ela. Seus
olhos ficaram úmidos e precisou apertar a ponte do nariz para afastar as
lágrimas.
— Eu tenho Connor e Ryle...
Entendi muito bem o que ela quis dizer com aquilo.
Eu não deveria ter vindo até ali. Atravessei metade dos Estados Unidos
para perceber que a única coisa que eu já imaginava sobre ela era verdade.
Ela era só uma egoísta.
— Foi um erro vir aqui. — Levantei do sofá, perdendo totalmente
minha paciência com aquela situação. — Você é só uma oportunista vazia,
triste e egocêntrica.
— Sua irmã falou a mesma coisa quando esteve aqui.
Estava pronto para dar as costas e ir embora quando escutei aquilo.
Olhei por cima de meu ombro, os olhos ardendo.
— O que você disse?
— Pérola falou exatamente a mesma coisa quando veio aqui. — Ela
fungou e limpou o nariz com a pontinha da manga do suéter. — Ela virou as
costas e nunca mais voltou. Naquela noite, depois do jantar, eu dei entrada
no hospital da cidade, fingindo que eu caí da escada, mas a verdade foi que
George socou a minha cabeça em uma parede. Desde então, estamos
separados.
Fiz as contas conforme a informação de que tinha se separado seis anos
atrás. Era justamente o período em que Pérola fazia intercâmbio em Nova
York. Esfreguei as mãos no rosto, frustrado demais em saber o tanto de
mentira que nós contávamos um para os outros.
Eu estava descobrindo uma mentira da minha irmã por conta de uma
mentira que estava contando a ela.
— Meu pai sabe que ela veio aqui?
Lana assentiu. Eu me joguei no sofá, desolado.
— George dizia ter medo de me perder, caso vocês se aproximassem.
Não sei quantas vezes eu fingi tropeços e batidas em quinas quando recebia
fotos de vocês. Ele dizia que o Gael usava isso como desculpa para se
aproximar de mim novamente... e eu acreditava. — Ela riu alto, quase sem
acreditar em suas próprias palavras. — Não estou me eximindo da minha
culpa, só explicando, porque quando sua irmã veio até aqui, eu não pude...
Eu não consegui falar o que eu sentia.
Ela começou a chorar, escondendo o rosto de mim. Pietra apareceu no
cantinho do corredor e eu dei de ombros, porque não sabia o que fazer com
Lana naquele estado. Fiquei parado, porque não queria me aproximar dela.
— Depois que você se separou, ainda assim não quis ir atrás de nós? —
falei como o garotinho abandonado pela mãe que eu era.
E odiei ter demonstrado fraqueza na frente dela e mais ainda na de
Pietra, que continuava ali no corredor.
— Eu decepcionei a sua irmã, te abandonei quando você era um bebê,
fui uma pessoa horrenda com um cara que sempre fez de tudo por mim. Eu
senti que deveria deixar vocês serem uma família em paz, eu não era mais
necessária nessa época. Vocês precisavam de mim na hora de um pesadelo
da madrugada, para contar histórias antes de dormir, quando estavam
doentes ou precisando de um colo de mãe. Vocês precisavam de uma mãe
antes, não uma que demorou anos para perceber o tanto de dor que causou.
Eu só consegui balançar a cabeça positivamente, porque tudo aquilo era
verdade. Eu não precisava de uma mãe agora, porque eu tinha tudo o que
precisava. E entender aquilo, foi um alívio para meu coração que sempre
esperou conhecê-la. Olhando no fundo de seus olhos, percebi que nunca
precisei daquela mulher para absolutamente nada além dos meses em que me
gestou.
Tudo, absolutamente tudo, o que ela poderia pensar em me oferecer,
meu pai tinha suprido dez, quinze, um milhão de vezes mais.
— Obrigado por ter me recebido.
— Bernardo, espera! Não vai embora ainda, por favor.
Lana tentou segurar meu braço, mas eu me esquivei.
— Você falou que era necessária nos nossos momentos de antes, mas eu
acabei de perceber que não era, porque meu pai sempre esteve lá. Ele foi pai,
ele foi mãe, ele foi um lar, desde sempre. Talvez a melhor coisa que nos
aconteceu, foi você ter vindo embora.
Ela começou a chorar, dessa vez bem alto. Busquei o olhar de Pietra,
mas ela não estava mais ali. Dei um passo na direção de Lana, receoso. Seu
corpo era pequeno, ela era baixinha, mais até do que Pietra. Eu não
conseguia lidar com mulheres chorando, mesmo que essa mulher fosse a
pessoa que mais me machucou na vida.
Sempre escutei falar sobre o poder do perdão e achava uma babaquice,
até passar os braços pelo corpo frágil e trêmulo da minha mãe, confortando-a
em um abraço. Um abraço que eu quis muito receber dela, por muito tempo.
Foi ali que eu entendi que nunca houve nada de errado comigo, com minha
irmã ou meu pai.
Ela precisava muito mais daquele perdão do que eu.
— Sinto muito por seu casamento. Espero que você esteja melhor
agora.
Minha mãe me abraçou pela cintura, escondendo o rosto em meu peito.
— Me perdoa, por favor! Me perdoa... — ela choramingou.
— Eu te perdoo. — Senti como se cem quilos saíssem de minhas costas
ao dizer aquelas simples, mas poderosas palavras.
Desvencilhei-me dela com cuidado assim que sua crise de choro ficou
mais amena. Eu sonhei em receber um abraço de mãe por tanto tempo e
achei engraçado que foi como abraçar qualquer outra pessoa. Ela era uma
desconhecida, muito parecida com minha irmã, mas uma desconhecida. Não
significava nada.
— Você quer vir jantar comigo e com seus irmãos?
Abri a boca para falar que não tinha irmãos, apenas uma irmã, mas
parei no meio do caminho. De quê adiantaria atacá-la como um menino
mimado?
— Acho que não, Pietra e eu temos de voltar para casa.
— Ela é sua namorada?
Novamente fiquei sem palavras, totalmente sem ideia do que falar. O
que Pietra e eu éramos?
— Bem que ele queria! — Escutei sua voz na sala e virei rapidamente.
Ela estava ao lado do labrador, encostada a uma pilastra.
Lana sorriu e limpou as lágrimas.
— Seria um prazer receber vocês. Os meninos adorariam te conhecer.
Pietra se aproximou com cautela e só foi sossegar ao meu lado quando
eu assenti, indicando que estava tudo bem.
— Obrigado por nos receber — cortei o assunto, porque não tinha
interesse nenhum em jantar com ela.
Ela se conformou e eu anunciei que iria embora. Nossa despedida foi
esquisita, ela tentou me abraçar novamente, eu só consegui cercar seus
ombros com meu braço, depositando dois tapinhas no meio de suas costas.
Ela nos guiou até a porta e escutei muito bem o que Pietra disse ao se
despedir dela:
— Eles são as melhores pessoas que já conheci. Não me leve a mal,
mas quem saiu perdendo nessa foi você. E perdeu bem feio.
Nunca quis tanto beijar Pietra quanto naquele momento.
Ela grudou o braço em minha cintura e atravessemos o jardim como se
flutuássemos. Que sensação incrível. Durou cinco segundos, até meu celular
vibrar no bolso e eu pegar para ver quem tinha mandado mensagem.

Era do meu pai. Claro que seria dele!


Entrei em pânico quando descobri que Gael sabia da verdade.
Para alguém com um QI de cento e cinquenta e seis, segundo o que
descobri em uma das nossas conversas, Bernardo foi uma toupeira ao
comprar as passagens com o cartão de crédito adicional de Gael.
Gael sabia onde estávamos desde o momento em que ligou de
madrugada.
E pior do que ele saber que Bernardo foi atrás da mãe, era saber que eu
estava com seu filho. Depois de tê-lo prendido em um banheiro e o beijado.
Desde que aquele meu trelelê com Bernardo começou, principalmente
depois de ter contado tudo para Bruno e ele ter começado as piadas de “pelo
menos acertou o ninho” eu não tinha mais paz.
Pérola me mataria se soubesse o que eu tinha feito. Com os dois.
E minha cabeça ia além. Se eu fosse alguém que namorasse, e mais que
isso, alguém que acreditasse em casamento e toda aquela papagaiada e se
porventura em um futuro hipotético eu resolvesse me casar com Bernardo,
como eu superaria o fato de já ter agarrado meu próprio sogro?
Eu estava sofrendo por um futuro que nunca existiria. Precisava de um
descanso para minha mente.
Só fui ficar mais calma quando retornamos para a pousada e eu pude
ficar com o pato no colo, aproveitando que o lunático do pai dele tinha saído.
Será que ele daria falta se eu sumisse com esse pato e o levasse para o
Brasil?
Bernardo informou que só tinha voo para amanhã de manhã, o que nos
prenderia por uma noite ali em Cape May. Nem consegui ficar triste, porque
a cidade era fofa e eu estaria com Bernardo. Obviamente não falaria essa
última parte para ninguém, tampouco repetiria em meus pensamentos.
Sempre escutei falar que os engraçadinhos eram os piores, porque
quando você ia ver, de risadinha em risadinha, você estava pelada na cama
deles.
Se Deus quiser será verdade!
Ao pensar em Deus, pensei em dona Dedé. Mandei uma mensagem
para minha velhota que não fazia a menor ideia do que eu estava aprontando
em minhas férias. Ela surtaria e me faria rezar duzentas e setenta e quatro
Ave-Marias para ser perdoada por estar corrompendo a pureza de Bernardo.
Precisei largar Ludovik para tomar um rumo na minha vida. Alessa, a
chefe de cozinha e mãe do pato, falou que tinha uma vinícola na cidade e
que o passeio era muito divertido. Bernardo estava bem para baixo depois do
encontro com sua mãe, então achei que seria o programa ideal.
Nós nos trocamos e entramos no carro. O caminho era lindo, todo
arborizado e com o mar do nosso lado esquerdo. De repente, ele parou o
carro no acostamento e disse:
— Vamos trocar de lugar. Vou te ensinar a dirigir.
Demorei a acreditar que ele estava falando sério, mas ao perceber que
era, comemorei com alguns gritinhos.
Bernardo teve toda a paciência do mundo para me ensinar. Naquele
carro era bem fácil, na verdade. Mas eu gostei da voz calma e do carinho que
teve em explicar tudo. Uma vez um carinha que eu estava ficando foi tentar
me ensinar a dirigir seu carro. O bocó deu um escândalo porque eu confundi
os pedais e acelerei ao invés de frear. Era de madrugada, não tinha ninguém
na rua. Ele me deu um sermão porque eu quase tinha batido o HB20 dele.
Bernardo entregou um Tesla na minha mão e estava calmíssimo.
Adorei dividir aquele momento com ele.
Almoçamos e passamos a tarde na vinícola, que realmente era muito
bonita. Fizemos um tour pela plantação, era tempo de colheita e eu enchi a
barriga com muita uva boa. Um paraíso.
No fim da tarde, estávamos em cima de uma toalha de piquenique,
apreciando a vista. Eu já tinha tomado bastante vinho, Bernardo se mantinha
sóbrio. Àquela altura do campeonato, nós já tínhamos conversado sobre tudo
e mais um pouco. Eu adorava sua voz, a forma como ele se envergonhava
por falar sobre algo que gostava muito — números, no caso — e disfarçava
coçando a todo instante o arco de sua boca. Fiquei sabendo que ele estava
sendo disputado por programas de doutorado nos Estados Unidos e que
terminaria a faculdade antes que eu, porque adiantou muitas e muitas
matérias. Depois, ele planejava se mudar para cá e apresentar seu projeto de
qualificação, o que explicou ser uma etapa para ser aceito em um programa
de doutorado. Fiquei encantada por saber mais de sua vida.
E foi ali, deitada em suas pernas, assistindo ao entardecer, meio bêbada
que eu falei:
— Nós deveríamos jantar na casa da sua mãe.
Bernardo paralisou o carinho que fazia em meu cabelo.
— Por quê?
— Se eu tivesse uma segunda chance com a minha mãe, mesmo
magoada por ter me abandonado, eu iria querer estar do lado dela.
Ele não respondeu nada, até mudou de assunto, voltando a falar sobre
meu trabalho. Quando voltamos à pousada, sob a luz lusco-fusco em tons de
lilás e laranja, Bernardo saiu do banho já arrumado, com aquela calça de
alfaiataria clara que era a cara do Harry Styles. Amava a forma como sua
bunda ficava nela. Percebi que sempre que ele vestia a calça, até penteava os
cabelos para trás.
Quando foi que eu comecei a ter um crush no irmão da minha melhor
amiga?
— Vamos?
— Aonde?
— Para a minha mãe.
Assenti, tentando conter um sorriso. Levantei do colchão e fui até ele,
olhando com admiração para seu rosto sereno. Sua boca era perfeita, mas eu
amava seus olhos, porque ele era uma das poucas pessoas que eu conhecia
que ainda tinham aquela pureza no olhar. Ele era bondoso, ingênuo, mesmo
que as pessoas já o tivessem castigado. Eu adorava tanto aquele olhar. Não
queria que ele perdesse nunca.
Precisamos avisar Alessa de que não jantaríamos na pousada. Ela
compreendeu que era por um bom motivo e eu até contei um pouco da
fofoca para ela, porque fofocar edifica o ser humano. Depois, fui com
Bernardo até a casa bonita e espaçosa onde a mãe dele morava.
Eu que bati à porta. Segundos depois, um garotinho loiro e com olhar
desconfiado nos atendeu.
— Oi, sua mãe está?
O menino ruborizou só por eu ter falado com ele. Era irmão de
Bernardo, mesmo.
Ele assentiu e logo depois Lana apareceu à porta, olhando-nos
assustada.
— Vocês vieram! — Ela estava dividida entre sorrir ou correr de
desespero. Por sorte, escolheu ficar com a primeira opção. — Obrigada por
virem!
Bernardo não disse uma palavra e eu pensei que tivesse feito uma
merda bem grande ao falar para ele vir jantar aqui.
— Você é meu irmão mesmo? — Escutei a criança perguntar para
Bernardo.
Ele hesitou, olhou para Lana e depois para mim. Terminando por
apenas assentir para o garoto.
— Sou Ryle.
— Bernardo. — Esticou o braço para apertar a mão estendida do
menino.
O garotinho até falava português, mas não era tão claro assim. O
sotaque era bem forte e ele até tentou repetir o nome do irmão, mas não
conseguiu.
A mesa do jantar ainda não estava posta e eu ofereci ajuda para colocar,
mas Lana não deixou. Fiquei sentada na sala, ao lado de Bernardo, que
estava mais quieto do que nunca. O outro irmão dele era mais alto, os
cabelos não eram tão loiros quanto do menor e olhando bem rápido, ele
lembrava Bernardo. O nariz com a pontinha arredondada e o cabelo que
parece não ver uma escova; igualzinho ao do irmão.
Hoje o de Bernardo viu e estava arrumadinho, penteado para trás, mas
no dia a dia é aquela mesma bagunça.
O menino era quieto também, então se formou um silêncio
constrangedor. Ryle sentou no chão para brincar com Oreo, o labrador
animado. O nome combinava com ele, era da mesma cor que a bolacha.
— Você faz foguetes? — Ryle perguntou, os olhos verdes brilhando de
curiosidade.
Connor, ou algo do tipo, desviou os olhos por um segundo da tela,
interessado.
— Eu planejo um dia trabalhar com isso, mas só estudo ainda.
— Sobre foguetes? — Ele estava encantado.
— É.
— Você pode me levar um dia para ver um com você?
— Ryle, para de bobagem! — Connor o censurou.
Bernardo e ele não se bicaram muito, tenho uma leve suspeita.
— Ele me levou para ver um ontem, sabia? — Tentei suavizar o clima e
recebi dele um fofo olhar surpreso. Olhando bem, ele também lembrava
Bernardo menorzinho. Tinha as mesmas bochechas gordinhas.
— E como foi?
— Foi muito legal. É enorme e tem muitos cientistas por lá.
— Você me leva, Belardo?
Bernardo deu uma risada descontraída e eu também sorri. Eu amava
aquela criança fofa! Ele não sabia falar Bernardo, o que tornava tudo mais
adorável ainda.
— Levo. Levo, sim!
Ryle comemorou com um gesto bem rápido, puxando o braço, como se
tivesse ganhado uma batalha. Depois voltou a acariciar a cabeça de Oreo. Eu
pousei minha mão na coxa de Bernardo, apertando de leve, para parabenizá-
lo pela forma como tratou Ryle. Ele era fofo demais, odiaria ver Bernardo o
tratando mal.
— Você joga Homem-Aranha? — Connor perguntou depois de
ficarmos um tempo em silêncio.
Por um momento pensei que estava falando com Ryle e acho que até
Bernardo se surpreendeu quando percebeu que era com ele.
— Ele gosta do joguinho da Zelda — respondi por Bernardo, que deu
uma travada.
E travou mais ainda ao olhar espantado para mim. Ele ficou com essa
cara porque me lembrei do joguinho que ele gostava? Minha memória era
ótima, nunca esquecia nada.
— Não gosto de Zelda. — Connor, eu espero que fosse Connor seu
nome, deu de ombros.
— É o melhor.
— Homem-Aranha é o melhor.
Os dois travaram uma batalha de “Quem pisca primeiro, morre” que me
deixou entediada nos primeiros três segundos.
— Eu gosto do Stray — Ryle falou com doçura e eu derreti.
Pérola amaria esse garoto também, tenho certeza.
— Ah, é? Sobre o que é?
— Um gato abandonado que fica pelas ruas atrás de aventuras.
— Não tem graça um jogo com um gatinho abandonado nas ruas.
Que garotinho sem coração!
— É, legal, tia. Eu juro.
Ele. Me. Chamou. De. Tia!
Acabei de envelhecer dez anos. Toda a doçura que eu vi naquele garoto
foi embora.
Vi quando Connor ofereceu um console para Bernardo, que só desistiu
de sua dura batalha e piscou. Eles começaram a jogar Homem-Aranha e eu
relaxei por algum tempo, esquecendo até onde estávamos. Não era tão ruim
assim ficar aqui. Bernardo estava bem, ele até sorria às vezes. Quando olhei
para trás, vi Lana parada perto da pilastra onde assisti à discussão dela com
Bernardo. Seus olhos estavam cheio de lágrimas e foi uma prova de que ela
não era um robô maquiavélico, como eu a pintei na minha cabeça.
Ela era humana. E humanos quase sempre eram falhos.
Jantamos juntos depois. Lana fez um bolo de carne, ervilhas e purê de
batata, muito saboroso e que me esbaldei de comer. Foi esquisito estar ali,
porque parecia estranhamente normal. Bernardo segurava minha mão por
debaixo da mesa. Ficava óbvio que ele fazia isso, porque estava segurando o
garfo com a mão direita. Ele cortava o bolo de carne com o próprio garfo
para não precisar utilizar a faca. Lana não fez perguntas, mas estava na cara
que tínhamos algo. E não foi o fim do mundo estar com alguém que
soubesse parcialmente sobre a nossa verdade.
Era algo que nunca teríamos em casa.
Teve cheesecake de amoras de sobremesa. E aí, meus amigos, o
negócio ficou interessante. Foi a melhor cheesecake que comi na minha vida
e até apostei com Ryle quem comeria mais pedaços. Ganhei, óbvio. Eu era a
Rainha do Cheesecake.
No final da noite fomos embora. Bernardo aceitou um abraço da mãe e
eu escutei quando ela pediu para ele voltar mais vezes, que Pérola e ele eram
mais do que bem-vindos. Ele também ganhou um abraço de Ryle e eu ganhei
um dinossauro de pelúcia dele, depois que contei que Bernardo tinha me
viciado nos filmes. Connor era igualzinho Bernardo, quieto, na dele, arisco,
mas ele fez questão de ficar ao lado de Lana e Ryle, acenando enquanto
íamos embora.
— Obrigado por ter insistido para que eu viesse aqui hoje. — Bernardo
segurou minha mão, puxando meu corpo para trás, ao seu encontro.
Passei os braços por seu pescoço, aproximando-me de seu rosto.
— Obrigada por ter me escutado. Ninguém leva em consideração o que
eu falo.
Bernardo acariciou minha bochecha e o carinho foi tão delicado, que só
me restou fechar os olhos e aproveitar.
— Posso te levar para a pousada?
Aquela era a proposta de putaria mais romântica que já escutei na
minha vida. Balancei a cabeça pelo menos umas quatrocentas vezes. Era
tudo o que eu queria.
Porque hoje, meus queridos, era dia do filho chorar e da mãe não ver.
Era o dia de a cobra fumar. E o dia que o reino dos céus se fecharia para
minha pessoa para todo o sempre, porque eu desvirtuaria um virgem.
Demorei muito tempo no banheiro, porque queria estar perfeita. Até
tomei outro banho, porque minha regra era clara, um pé na rua e dois no
chuveiro quando volta para casa. Passei meu body splash por todos os cantos
do corpo, escovei os dentes três vezes e arrumei o volume dos meus peitos,
porque hoje era a noite deles de brilhar.
Eu me preparei de todas as formas possíveis, só não para ver que
Bernardo estava na cama, com o notebook nas pernas, conversando com
Paola.
O que diabos tinha acontecido naqueles vinte e cinco minutos que
fiquei no banheiro me preparando para dar a melhor noite da vida daquele
pirralho?
Eu fiz alongamentos lá dentro! Alongamentos! Eu não fazia isso para
qualquer um.
— Tudo bem, eu entendo. Vou tentar corrigir suas alterações em cima
dos meus cálculos. Espero que Tony ainda aceite receber o artigo.
— Acho pouco provável. — Aquela voz lenta dela reverberou no
quarto, por mais que o som estivesse baixo. — Você anda muito displicente
com suas obrigações.
Bernardo percebeu que eu estava parada ao lado da cama, de braços
cruzados e uma provável cara de poucos amigos. Ele desviou os olhos da
câmera, tentando chamar minha atenção.
— Eu... Eu... Não dá para viver só pensando em estudos.
— Pois deveria, porque vai acabar se perdendo. Como sua
orientadora, tenho a obrigação moral de te falar.
Como orientadora ela também tinha a obrigação moral de nunca querer
ficar com um de seus orientandos. Não sei como era na faculdade de
Bernardo, mas na minha opinião, não era nem um pouco certo.
— Tudo bem. — Ele concordou, envergonhado.
— Você tem um futuro brilhante bem em suas mãos e está logo ali. Em
poucos meses, tudo isso acaba e a sua vida realmente irá começar. Não se
rebaixe.
Bernardo ergueu os olhos para mim, dava para perceber que ele nunca
desligaria, simplesmente porque agora ela estava no papel de professora e
ele lamberia o chão dessa mulher, se fosse necessário.
— Não entendi. — Ele sorriu para o notebook, sua voz muito branda e
educada.
A vida real o comeria vivo se ele não se impusesse. Não eram as
merdas de cálculos ou artigos com palavras difíceis que o fariam ser o
melhor, sim, a forma como ele faria com que os outros o respeitassem.
— Não se rebaixe trazendo pessoas para seu círculo social que não
possam contribuir para te tornar a melhor versão de você. Um par de peitos
e uma cabeça oca não valem uma vida medíocre e limitada.
Era sobre mim. Eu era o par de peitos com a cabeça oca.
Nunca neguei que fosse isso, mas eu era mais. Bem mais.
Bernardo ficou em silêncio, olhando espantado para a tela do notebook.
Ele não falou nada para Paola, só ficou com aquela cara assustada de
sempre. E acho que se calou porque concordava com ela.
Dei as costas para a cama e saí do quarto, batendo a porta atrás de mim.
Cabeça oca... Que filha da puta!
Se ela teve uma chance que fosse com Bernardo, foi por mim! Ele
nunca conseguiria falar com ela se não fosse pela minha ajuda.
Meus olhos estavam ardendo de puro ódio. Ele não falou nada! Não me
defendeu, nem falou que eu até poderia ter a cabeça parcialmente oca,
porque não era a porra de um gênio que nem eles, mas eu compensava sendo
uma boa amiga, eu o fazia rir, o encorajava.
Comecei a ficar puta com Bernardo e até quis voltar ao quarto para
tentar sufocá-lo com o travesseiro.
Nós dois tivemos dias ótimos. Eu contei para ele coisas tão particulares
da minha vida, abri meu coração sobre meus pais, eu o ajudei da forma mais
altruísta de todas. E ele nem me defendeu.
Senti vontade de chorar e odiei sentir isso, porque significava que eu
me importava. Parei no corredor como uma boba, sem saber para onde ir.
Pensei em ir para a praia, mas estava com um pijama curtíssimo e
transparente. Olhei para o corredor e vi no final, a porta aberta de um
armário, que só fui perceber que era um tipo de almoxarifado quando me
aproximei.
As estantes estavam abarrotadas de lençóis brancos dobrados, rolos de
papel higiênico e os minifrascos de amenities que eles colocavam nos
banheiros. Fechei a porta e sentei no chão, apoiando as costas em uma das
estantes.
Homens eram tão decepcionantes. E era exatamente por esse motivo
que eu nunca daria meu coração para um deles.
Eles nos fazem acreditar que somos importantes e depois se calam
quando uma insegurança nossa é jogada bem em nossa cara.
Eu não era, nem nunca seria, só um par de peitos.
Eu nunca mais em toda a minha vida olharia para a cara de Bernardo
Ad...
— Pietra?
A porta foi aberta repentinamente e Bernardo entrou no armário. Havia
uma janela do lado de fora e a luz prateada da noite iluminou seu rosto
alarmado.
— Como você descobriu que eu estava aqui?
— Seu pé está molhado, deixou pegadas no chão.
Ele apontou para o chão e eu grunhi, abaixando minha cabeça até a
testa pousar nos joelhos. Eu era uma cabeça oca. Não conseguia fazer nada.
Bernardo e aquela nojenta sempre estiveram certos.
— Vai embora!
Ele fez o contrário disso. Fechou a porta do armário e com cuidado para
não pisar em nada, acabou sentado na minha frente. O ambiente ficou muito
escuro depois que a porta foi fechada. Eu não conseguia vê-lo, mas sua
presença enchia o ambiente pequeno. Era como ter Bernardo em cada átomo
daquele maldito armário.
— Eu sinto muito por você ter escutado aquilo.
— Vai se foder, Bernardo! — explodi, sem a menor paciência para
aquela voz de pobre coitado dele. — Volta para sua professora, vocês se
merecem.
— Pietra...
— Sabe quando eu te ajudo em algo? Nunca mais. Nunca mais mesmo.
Eu não vou nem falar com você mais.
Decidi que faria isso mesmo. Vivi muito bem sem dar a mínima para
Bernardo. Não me sentiria mal nunca mais por não ter sido amiga e mais
próxima dele desde o que o conheci. A primeira chance que eu dei para ele,
olha no que aconteceu!
— Pietra, eu sinto muito, mesmo. Fiquei paralisado quando escutei
aquilo. Você não é aquilo que ela disse, nunca foi.
— Ah, é? — Fiquei puta comigo por não conseguir ficar dois segundos
sem falar com ele. — Você sempre foi o primeiro a me menosprezar com
esse seu nariz arrebitado e essa arrogância.
— Eu não fiz isso.
— Eu achava que você era bonzinho, diferente dos outros caras que
tinham uma intenção clara comigo. Sabe de uma coisa? Você não é, porcaria
nenhuma!
Comecei a chorar e agradeci por aquela escuridão. Eu deveria estar de
TPM, só isso explicaria a forma como eu estava me sentindo traída.
— A primeira coisa que você precisou de mim, foi para enganar uma
mulher que você não tinha coragem de se aproximar. E sabe como você usou
isso? Com meu par de peitos e minha cabeça oca.
Funguei, odiando aquele silêncio dele. Eu queria brigar. Queria que ele
chorasse também, assim como a idiota aqui.
— Você acha que é legal sempre ser a gostosa burra para os outros?
Você deveria ser o primeiro a entender o que é isso, porque viveu a vida toda
sendo piada dos outros.
Eu não conseguia parar de falar e de querer enforcar Bernardo. E só
piorou quando ele segurou meus braços. Eu tentei me debater, mas Bernardo
era mais forte e me puxou para ele. O abraço era apertado e os dedos faziam
um carinho no meu couro cabeludo. Odiei como era confortável estar ali,
odiei seu perfume, o fato de estar sentada em suas coxas; odiei que ele
estivesse ali. E odiei ainda mais perceber que eu queria tanto assim que ele
me defendesse, porque ele me defender significaria que se importava.
— Eu sempre achei que sua característica mais incrível fosse sua
beleza, Pietra, até entender que você era bonita de formas que não tinham
nada a ver com seu corpo ou seu rosto. Você é bonita quando inclina a
cabeça para rir, quando coça sua sobrancelha ao escutar alguém falar alguma
besteira. É a criatura mais bonita da vida quando escuta alguém e não é
como as outras pessoas que querem falar sobre si mesmas, você se importa
com as pessoas. Você é bonita quando está sem maquiagem, quando faz
aquelas danças esquisitas no celular, quando experimenta qualquer comida
como se fosse a melhor coisa do mundo. Você foi a pessoa mais bonita para
mim por ter me enxergado, me acolhido, sido a melhor amiga que nunca
tive. Me desculpe por ter falhado quando fui mais necessário para você.
Aquela raiva que eu sentia se transformou em tristeza, porque eu
gostava muito de Bernardo. Mais ainda quando ele falava coisas bonitas
como aquelas.
— Logo depois que você saiu, falei para Paola que não queria mais que
ela fosse minha orientadora.
Senti os dedos de Bernardo descerem para meu rosto.
— Por quê? — Minha voz saiu baixa.
— Porque quanto mais perto dela, mais afastado de você eu fico. E eu
não quero mais ficar afastado de você, Pietra. Eu já esperei muito tempo
para ter você aqui comigo.
— Espera! O quê? Como assim, muito tempo?
— Eu gosto de você, Pietra. Sempre gostei. Gostava quando usava
aparelho nos dentes, quando cantava One Direction feito uma gralha rouca,
gostei de você gargalhando, chorando, até mesmo quando vomitou em mim
naquele cruzeiro. Eu não me importo com a Paola, porque desde sempre eu
quis você.
Fiquei dura no colo de Bernardo. Peraí... Como assim? Bernardo
gostava de mim? Tipo... Para valer?
— Mas você falou que queria conquistar sua professora.
Eu não compreendia. Não compreendia mesmo.
— Naquele dia no meu quarto, quando você entrou e me pegou, bem...
— Se masturbando — falei bem alto, só porque sabia que ele ficaria
envergonhado.
— Isso.
— O que tem?
— Não era pela Paola.
Eu queria muito sair daquele armário para conseguir ver o rosto de
Bernardo, porque ele deveria estar zoando com a minha cara.
— Como assim, não era pela Paola? Eu vi seu notebook.
— Eu tive uma reunião com ela antes de sair do quarto e ir buscar água
na cozinha. Quando entrei, você estava de biquíni, pediu para meu pai te
descer da bancada e toda sua bunda ficou de fora.
Ah, não. Não era possível!
— Você inventou toda essa história, Bernardo?
— Sim e não. Eu entrei em pânico quando você me flagrou, não dava
para falar a verdade. E bem, eu pensei que não seria de todo mal se algo
acontecesse com a Paola, porque ao menos, eu teria experiência. Ela já tinha
dado em cima de mim, eu só tinha vergonha, mesmo. Achei que seria legal
se algo acontecesse e de bônus eu ficaria mais próximo de você.
Minha cabeça começou a rodar ao me lembrar da forma como Bernardo
realmente estava interessado em Paola, mas depois que chegamos a Miami e
começamos a passar muito tempo juntos, ele não dava a mínima para ela.
Pelas mensagens que li, ele nunca dava em cima ou conversava de coisas
sem ser da faculdade. Tudo que saía desse âmbito, fui eu que falei.
Dei um tapa no ombro de Bernardo, puta da vida com ele. Ele estava
batendo uma para mim!
— Você é um cretino!
— Me desculpe.
Comecei a rir, sem acreditar no que tinha acabado de escutar. Bernardo
gostava de mim, há muito tempo. E eu não fazia a menor ideia.
— Você gosta mesmo de mim?
— Bastante.
Respirei fundo, tentando não surtar.
— Você sabe que eu não namoro nem tenho relacionamentos sérios, ou
me apaixono, essas coisas, não sabe?
Precisei falar, porque eu odiava quando me colocavam no papel de
bruxa má que não tem responsabilidade afetiva pelos outros. Eu nunca dei
esperanças para ninguém, porque sempre soube que aquela não era minha
praia.
Eu acredito em conexões. Amor não era bom, não o romântico, ao
menos. Não dava para acreditar em amor romântico depois de ter visto tudo
o que já vi, seja no relacionamento dos meus pais, na forma como os garotos
sempre me trataram, até na forma que terminou o relacionamento de Gael e
Lana.
Hoje quem paga o preço pelas escolhas deles são Bernardo e Pérola.
Eu não queria me machucar, ou pior, machucar alguém inocente nesse
processo.
— Eu sei. Não estou te cobrando isso.
— E o que você queria então?
— Te conquistar.
Foi a primeira vez que agradeci a escuridão, porque o sorriso que eu dei
faria Bernardo acreditar que estava tudo certo. E, sinceramente, deveria
estar, porque a raiva nem existia mais depois de ter escutado tudo aquilo.
— E como você faria isso?
— Fazendo você acreditar que é perfeita para mim. E com toda certeza,
você nunca foi e nem nunca será só um par de peitos e uma cabeça oca para
mim.
Meu coração acelerou de uma forma que faria Bernardo ficar muito
empolgado se soubesse. A minha razão tentava se impor, mas a verdade era
que eu queria tanto, mas tanto, vê-lo tentar. Eu sabia o final que teria, mas
não tentaria me impedir de viver o que eu queria.
E eu queria viver algo doce.
Algo que faça sorrir.
Algo que valha a pena.
Algo que eu nunca me permiti ter.
Beijei Bernardo, mandando um “foda-se” para minha razão. Ele
correspondeu de uma forma deliciosa, sem pressa.
— Então faça valer a pena, gênio.
Bernardo parou com a boca a milímetros da minha. Minhas palavras
sendo o consentimento que ele precisava. Eu ri baixinho, sentindo-me um
pouco boba dentro daquele armário. Entrei ali furiosa porque sentia que
estava perdendo tudo aquilo de bom que eu vivia ao lado de Bernardo para,
dez minutos depois, descobrir que tudo sempre foi meu.
Sua mão tocou meu peito por debaixo da blusinha acetinada no pijama.
Uou, ele aprendeu rápido! Seu toque em meu mamilo foi com mais força,
menos tenso. Adorei saber que ele estava confortável na minha presença.
— Vou te dar uma chance de sair desse armário para que sua primeira
vez não seja no meio de sabonetes e papéis higiênicos.
— Pode ser em qualquer lugar, desde que seja com você.
Se eu fosse um cubo de gelo, seria esse o momento em que eu
derreteria no chão.
Voltei a beijar a boca daquele garoto, esfregando minha virilha nele. Ele
estava pronto para mim e depois de tanta hesitação e dúvida se eu deveria
realmente ser a primeira pessoa com quem ele transaria, eu estava consciente
de que, sim, eu era. Ele gostava de mim. Eu nutria um carinho muito
profundo por ele. Éramos amigos, parceiros de crime. E, porra, eu queria
tanto que ele me comesse que até doía.
Arranquei a camiseta e deslizei minha língua por seu pescoço, peitoral,
seus mamilos e fui descendo.
Foi Bernardo mesmo quem abaixou a calça e liberou o gigante
aclamado para a minha boca. Ele pegava tudo muito rápido mesmo, adorei.
— Por que diabos isso é tão bom? — Sua voz era sofrida.
Meus movimentos eram circulares, apenas na cabeça. Eu só estava
começando, precisava ter calma.
— É que você não viu o que vem depois disso.
Eu o senti pulsar em minha mão e voltei a chupá-lo. Ele gemia
baixinho, seus dedos seguravam meus cabelos e eu adorei quando começou a
ditar o ritmo, subindo e descendo minha cabeça à sua mercê. Eu não sabia se
ele aguentaria mais muito tempo comigo chupando rápido daquela forma.
Não entendia muito sobre como um homem aprendia sobre autocontrole e
tal. Acho que viria com o tempo.
Por isso me afastei de Bernardo e desci de seu colo, apenas para tirar a
blusa e o shortinho. Eu não usava calcinha, porque já saí do banheiro com
uma clara intenção. Teve uns contratempos pelo caminho, mas o importante
era que estávamos ali.
— Eu queria muito te ver.
— E vai... — sussurrei ao seu ouvido direito. — Ainda temos muito
tempo para isso.
Senti sua mão me tocar, deslizando um dedo por minha boceta
ensopada. Uma gota escorria pela coxa, a prova cabível de que eu precisava
desesperadamente de Bernardo. Seu dedo circulou o clitóris, espalhando
uma onda de choque que reverberou em minha coluna e na ponta de meus
dedos. Que loucura!
Bernardo usou as duas mãos para pegar minha bunda, voltando a me
colocar sentada nele. Não foi sua intenção, mas acabei deslizando sobre a
cabeça de seu pau. Foi delicioso senti-lo daquela forma, mais ainda pela
forma como ele segurou meu mamilo entre os dentes.
Inclinei a bunda para trás e o senti deslizar para o clitóris, a carne
quente e molhada de encontro com o ponto que pulsava em mim. Joguei a
bunda para frente e o provoquei, deixando só a cabecinha na entrada.
— Pietra, eu acho que vou morrer.
Neguei com a cabeça ao escutar a voz rouca, nem parecia a voz normal
de Bernardo.
— O quanto você quer me comer? — Segurei a base do pênis embaixo
de mim, direcionando bem em cima do canal, onde eu passei a rebolar.
Sua boca sugou meu outro mamilo, os dentes raspando no piercing.
Puta que pariu!
— Muito. Desesperadamente, até. — O tom urgente fez um sorriso
brotar em meu rosto. Eu amei escutar isso. — Eu... É... A camisinha. Está no
quarto.
— Vamos buscar.
E nenhum dos dois se mexeu naquele chão. A forma como Bernardo
passou a chupar meu mamilo se tornou indecente e eu só conseguia pensar
na sensação que queria senti-lo ali, no chão mesmo.
Era loucura, mas o tesão nos deixa meio burros.
— Quer fazer sem? — Quase não acreditei que aquelas palavras saíram
realmente da minha boca. — Eu tomo remédio.
— Você quer?
— Quero!
— Então eu também quero.
Eu provavelmente deveria ter pensado melhor, mas aproveitei que ainda
segurava seu pau e deslizei sobre ele. Mesmo muito excitada, a ardência foi
um pouco incômoda, mas a forma como Bernardo sussurrou meu nome,
desviou qualquer pensamento sobre dor.
Fiquei parada, sentindo que não existia mais um milímetro de espaço ali
dentro. Dei tempo de ele sentir e se acostumar com a sensação.
— É bom? — Aproveitei para beijar sua bochecha.
— É incrível.
Ele estava arfando, a voz trêmula. Sorri e decidi que faria com que ele
nunca mais se esquecesse daquele momento. Passei a movimentar o corpo,
usando os joelhos para dar mais amplitude aos movimentos. Sentei, quiquei
e ondulei o corpo. Bernardo me abraçou e eu o beijei, limitando os
movimentos em um vai e vem lento. Eu queria curti-lo, queria me lembrar
de cada segundo daquilo, porque faltava pouco para que eu explodisse em
êxtase.
Nunca transei dessa forma. Não só por transar sem camisinha, mas pelo
fato de fazer algo com calma, realmente vivendo cada instante. Eu estava ali,
minha cabeça estava ali, meu coração estava todo ali. O toque de Bernardo,
mesmo quando mais forte, tinha cuidado, tinha preocupação. Talvez ele
perdesse isso com o tempo, mas era lindo. E só tornava a experiência mais
gostosa.
Eu o cavalguei até que a fricção de nossa pelve combinada pela forma
como seu pau saía e entrava fosse tão boa que fizesse com que eu gozasse de
uma forma diferente. Foi tão forte o negócio que eu quase dei um mau jeito
na coluna. Minhas pernas começaram a tremer descontroladamente e mesmo
quando Bernardo retomou os movimentos por mim, subindo e descendo meu
quadril com a ajuda de suas mãos, eu continuei sentindo.
Seu pau inchou e o aperto em minha bunda se tornou mais forte; com
certeza ficaria marcado. E eu adoraria ver que Bernardo Adler me marcou,
que me fez gozar até perder o rumo, que gozou dentro de mim, como
ninguém fez até então. E saber disso, fez com que eu me jogasse em outro
orgasmo, precisando segurar seu peitoral com as unhas, em puro
arrebatamento.
Ele pulsava dentro de mim, mas já não nos mexíamos. Acredito até que
tivesse perdido toda minha força muscular.
— É sempre assim? — Bernardo perguntou, o peito subindo e descendo
bem rápido.
— Não. Não mesmo.
Fiquei preocupada em dar esperanças para ele, mas percebi que estava
sendo ridícula. Eu tinha acabado de gozar duas vezes em seu pau, eu queria
mais esperança do que isso?
— Então, eu não fui um completo desastre?
— Muito longe disso. Diria que você debutou com honras.
— Graças a Deus! — Bernardo despencou no chão, levando meu corpo
junto com o dele. Seu pau ainda meia-bomba, dentro de mim. — Eu tinha
pesadelo brochando com você. Todos os dias, cada vez que fechava os olhos.
Neguei com a cabeça e gargalhei.
— Pode acontecer, mas não tem problema, é natural. Mas isso aqui foi
bem, bem, bem diferente de brochar.
Dei um selinho nele e afastei minha virilha da dele. A ardência foi
incômoda, mas confesso que achei bem sexy sentir sua porra escorrer de
dentro de mim.
Vesti o pijama novamente e o ajudei a achar sua calça. A camisa tinha
se perdido e mesmo depois de abrirmos a porta, não dava para enxergar
nada, porque não tinha luz.
Bernardo estava com o cabelo todo revolto, parecia que um tornado
tinha passado por ele. E seu peitoral estava muito marcado. Muito marcado,
mesmo.
— Desculpa por isso.
Beijei a pele arranhada, sentindo-me péssima por tê-lo machucado. Ele
era muito claro, amanhã estaria horrível.
— Eu nunca fiquei tão grato por ter arranhados assim.
Fofo demais. Queria dar para ele novamente.
Entramos no quarto e eu fui para o banho, deixando a porta aberta para
que Bernardo me seguisse. Ele seguiu, timidamente. Arranquei o pijama
mais uma vez e dessa vez, estava claro. Inclinei o corpo para dentro do boxe,
girando os registros e enquanto esperava esquentar, coloquei as mãos na
cintura e falei:
— Agora você pode ver à vontade.
Ele sorriu timidamente, como se não tivesse acabado de me comer tão
gostoso que me deixou até ardendo.
— E tocar e lamber e beijar — completei, mal conseguindo conter o
sorriso.
Por que eu estava tão boba assim?
— Você é linda. Cada parte sua. Em todos os momentos.
Mordi o lábio, envergonhada.
— Você também é lindo.
Bernardo soltou um risinho, que pareceu muito irônico. Não gostei
daquilo.
— Por que riu?
— Porque sei que está sendo educada.
Agora fui eu que dei risada. Aquele garoto era bem doido da cabeça.
Olhei para seu corpo esguio, a barriga era reta, ele não tinha músculos
evidentes no abdômen, mas combinava com seu biotipo. Já seus braços eram
definidos, daquele tipo sem 1% de gordura, provavelmente pelo tempo que
passava jogando tênis e velejando. Ele estava com a calça, mas eu imaginava
que suas pernas fossem bem torneadas também, porque deu para sentir como
eram duras. O que mais aquele garoto queria para ele? Seu cabelo era
perfeito, o rosto lindo. E se eu tivesse aquela boca, metade dos meus
problemas já estaria resolvida, isso sem falar nos músculos.
— Você acabou de me fazer gozar duas vezes. Sinto em informar sua
cabeça pertubadinha, mas se eu não te achasse um belo de um gostoso, isso
não seria possível.
— Você me acha... gostoso?
Sua incredulidade foi uma delícia de ser assistida.
— Acho. Bastante, até. — Pisquei — Tira a calça para eu analisar o
resto da obra de arte.
Bernardo demorou, porque achou que eu estivesse brincando, mas
quando segui de braços cruzados, ele entendeu o recado e abaixou a calça
cinza.
Não errei sobre as pernas. Ele era bem magro, mas os músculos eram
aparentes. E era impossível alguém com aquele pênis ter baixa autoestima.
Eu tinha dado o meu melhor e ainda estava duro. Posso contar nos dedos de
uma das mãos quem eu vi conseguir um feito desse. E nem era só por isso, o
que era bom, muito, mas não era tudo.
O pau dele era bonito mesmo, tinha o combo completo. Grossura,
tamanho, veias, higiene. O que mais eu poderia querer?
— Você é muito gostoso, Bernardo Adler.
Dei um belo de um tapa na bunda dele assim que passou por mim.
Bernardo riu e segurou minha cintura, levando-me para a água com ele.
— Obrigado.
Eu estava ocupada em esfregar meu corpo com o sabonete quando o
escutei. Levantei o queixo, sem entender.
— Por não ter desistido.
— Como eu poderia desistir de desvirginar o meu virgem preferido de
todos? — brinquei, sentindo suas mãos cercarem minha cintura,
aproximando nossos corpos. — Fico feliz por ter confiado em mim.
— Foi incrível.
— A gente deveria ter feito antes.
— Quando você torcia o nariz toda vez que passava por mim? — ele
provocou.
— Não. Quando você não quis a minha ajuda para fazer a merda da
prova de Física, seu palhaço.
Belisquei sua barriga.
— A gente tinha catorze anos.
— Eu tinha quinze, sou mais velha do que você, como dá para perceber
— disse, arrogante. Bernardo só revirou os olhos. — E eu ainda era virgem
naquela época, perdeu a chance, queridão.
Eu brinquei, mas pensei que seria legal ser tão bem-tratada assim por
um garoto naquela época. Com certeza, teria me livrado de muitos traumas.
E choros. E brigas. E sessões de terapia.
— Agora sabe o que você pode fazer para se desculpar por esse erro?
— Cruzei os braços e falei seriamente com ele. Bernardo assentiu, todo
solícito. — Me comer bem aqui. Amanhã eu quero me lembrar de você
quando não conseguir fechar as minhas pernas.
Eu amava falar sacanagem. Espero que Bernardo, quando estivesse
mais habituado, também falasse. A voz dele era linda, eu poderia gozar
facilmente com ele ao meu ouvidinho.
Mas por enquanto, fiquei totalmente satisfeita quando ele me tirou do
chão com uma facilidade surpreendente. Cruzei meus tornozelos na cintura
estreita e gemi, um misto de dor, ardência e prazer, quando ele simplesmente
deslizou para dentro de mim.
Eu poderia muito me acostumar com aquilo. E ficaria feliz por nunca
mais conseguir fechar as minhas pernas.
Muito feliz.
Eu estava dormindo em pé quando chegamos a Miami. Fomos
dormir muito tarde por razões bem óbvias e acordamos cedo para voltar a
Nova Jersey e pegar o voo.
Viemos dormindo, mas não foi o suficiente. Eu queria passar a tarde
toda dormindo para recuperar a loucura dos últimos dias. E a canseira que
Bernardo me deu também.
Pegamos o carro no estacionamento do aeroporto e fomos direto para
casa. Bernardo foi o caminho todo segurando minha mão e eu odiei estar tão
bobinha por ele. O que uma noite de sexo forte e dormir fofinho não faz
conosco?
Faltava meia hora para chegar a casa quando meu celular tocou. Era
minha avó. Ligando por vídeo ainda, toda modernosa.
— Fala, minha gata! — Acenei para a câmera. — Vó, só estou vendo
seu nariz, afasta o celular do rosto.
— O quê? — ela gritou.
Bernardo sorriu e soltou a mão da minha, provavelmente para que
minha avó não visse nada demais.
— Isso, fica assim — pedi ao ver a posição correta da câmera. Ela
estava sentada na varanda de casa, onde cuidava de suas plantinhas e da
composteira. Nunca entendi por que minha vó tinha tanto tesão de criar
minhocas para comer resto de casca de ovo em casa, mas a respeitava. Não
queria ser sem sem-teto. — Está tudo bem?
— Sim. Pode falar?
— Posso, estou com Bernardo. — Virei a câmera para ele, que
arreganhou um sorriso.
O geniozinho nunca perdia a chance de encantar uma professora, só
para saciar seu ego. Bernardo ainda ia a todas as festas juninas de nossa
antiga escola, só pelo prazer de ficar horas conversando com os antigos
professores.
— Oi, Dedé! — Acenou, soltando uma das mãos do volante.
— Meu menino, como você está?
Antes que eles passassem a próxima meia hora trocando juras de amor,
eu voltei a ficar de frente para a câmera. Não vai roubar minha avó, não,
bonitinho.
— Ele está ótimo.
— Você está judiando dele?
— Estou judiando de você, Bê? — Usei minha voz mais melosa para
perguntar a ele, que só revirou os olhos, percebendo a malícia.
— Pietra... — Dedé repreendeu-me. — O que está acontecendo aí?
— Nada, vó. — Mordi o lábio.
Eu era péssima em mentir para minha avó. Ela já tinha sacado, mesmo
que eu não tivesse falado nada.
— Ele é um bom garoto, Pietra. Não brinque com ele.
Vi Bernardo olhar para mim, mas virei ainda mais o celular, impedindo
que ele visse a tela.
— Eu também sou uma boa garota.
— Uhum, é sim — ironizou. — Eu ligo depois, meu anjo. Preciso
conversar com você.
Fiquei preocupada e fiz minha vó falar, depois de muito insistir. Ela
contou que o cano do banheiro que compartilhávamos estourou e um
encanador teve de ser chamado de emergência. E ela não conseguiu arcar
com sua parte das contas de casa daquele mês.
Ela e eu dividíamos as contas desde que eu comecei a trabalhar na
produtora. Queria dar um respiro para ela e tentar retribuir tudo o que fez por
mim. Era muito pouco, mas era tudo que eu tinha nesse momento. Sonhava
em ter dinheiro suficiente para que ela nunca mais se preocupasse com aulas
particulares ou fazer malabarismos com o orçamento.
Envergonhada por Bernardo estar ouvindo aquela conversa, eu nem
deixei que minha avó terminasse. Disse que faria a transferência assim que
desligasse. Ela agradeceu, envergonhada. Eu disse que a amava e desliguei o
telefone, clicando no aplicativo do banco para transferir tudo que eu tinha
para ela. Não era muito, poupei durante o ano, porque sabia que viajaria com
Pérola em algum momento. Estava usando para pagar minhas coisas por
aqui, mas se eu saísse menos e bebesse menos, ficaria tudo certo. Ainda
tinha alguns dólares que trouxe em notas, deveria ser o suficiente para o
restante das férias.
— Você é uma boa garota, Pietra.
Bernardo puxou minha mão e depositou um beijo em cima dela. Senti
minhas bochechas esquentarem, sem jeito por ouvir um elogio assim.
Eu tentava muito ser uma boa garota, mas sabia que não era. Boas
garotas não saem com tantos caras quanto eu, bebem tanto ou pensam tanto
em si próprias. Boas garotas não mentem, não enganam a quem mais amam.
Boas garotas fazem exatamente o contrário de tudo o que fiz a minha vida
inteira.
Mas quando Bernardo falou que eu era, por um momento, acreditei.

Meu plano de dormir a tarde foi por água abaixo no momento em que
pisei no apartamento. Algo estranho tinha acontecido ali.
Gael estava jogado no sofá, com muitos pratos em cima dos móveis.
Helena também estava ali, saindo do corredor bem quando a porta do
elevador se abriu.
Busquei o olhar de Bernardo para ver se ele também achou algo
esquisito.
— Está tudo bem aqui? — ele perguntou.
Ótimo! Eu não estou louca.
Gael virou o rosto, os olhos se tornando mais esperançosos ao perceber
nossa presença.
— Sua irmã...
Meu coração parou.
— O que aconteceu? — Passei na frente de Bernardo, tropeçando em
uma almofada jogada no chão.
— Ela está em uma crise desde ontem. Já chorou, já quebrou o quarto
todo, nós não sabemos mais o que fazer com ela.
Como assim? Pérola não chorava quase nunca. E quebrar o quarto? Isso
não parecia com algo que a minha amiga faria.
— Ela não fala o que aconteceu?
Helena negou, porque Gael não conseguia falar direito. Dava para ver a
sua preocupação de quilômetros de distância.
— Vou falar com ela.
Aquilo era estranho, porque não parecia Pérola, a minha amiga, de
quem eles falavam. Minha amiga só sabia sorrir, ser alegre, correr atrás de
cada cara gato desse planeta. Bati à porta e nem esperei ela falar algo, abri e
dei de encontro com um supermercado após um apocalipse zumbi. Tudo
estava revirado, de pernas para o ar ou quebrado. A cama estava sem lençol,
algo que nem em sonhos minha amiga deixaria acontecer se ela não estivesse
realmente mal, porque se tinha algo que ela dava valor, era por uma cama
bem-arrumada.
Foi difícil achar Pérola embaixo dos escombros, mas eu consegui, no
banheiro. Dentro da banheira seca, enrolada em um edredom.
— Amiga? — Seus olhos estavam fechados e precisei ir com cuidado,
focando por tempo demais no abdômen dela para ter certeza de que estava
respirando.
— Ah, você voltou...
Engoli em seco o gosto ruim que subiu por pela garganta. Enquanto
minha amiga estava nesse estado precisando de mim, eu a estava enganando,
ficando com seu irmão.
— Desculpa não estar aqui com você. — Segurei sua mão gelada e tive
como resposta um balançar de ombros. — Posso entrar aí contigo?
Ela assentiu.
Chutei os tênis e passei uma perna de cada vez pela banheira. Sentei e
estiquei as pernas nas laterais de Pérola, analisando o estado de minha
amiga. Seu cabelo estava cheio de nós e em seu braço direito tinha uma
pulseirinha de hospital.
— Quer contar o que aconteceu?
Segurei seu dedo indicador, a única coisa que estava mais próxima de
mim.
Pérola desvencilhou a mão e passou a procurar algo embaixo de sua
bunda. Uma lágrima rolou por seu rosto pálido. Sua boca estava ressecada,
indicando desidratação. Pensei em sair dali para pegar água e forçá-la a
beber, mas parei, olhando assustada para minha amiga que esticou um
termômetro branco para mim.
— O que é isso?
Peguei mesmo receosa, afinal ela havia acabado de tirar aquilo de um
lugar suspeito.
As lágrimas de Pérola se intensificaram e eu peguei aquele negócio de
uma vez. Vendo no pequeno mostrador duas linhas cor-de-rosa.
Não era um termômetro.
Infelizmente não era um termômetro.
— Pérola... — o nome saiu em um sussurro.
Não podia ser real.
— Eu me odeio!
Sua voz era tão dolorida, que tudo o que eu consegui fazer foi inclinar
meu corpo sobre ela, apertando-a contra mim. A abracei enquanto seu choro
se tornava mais intenso e ruidoso. Prometi que tudo ficaria bem, que
daríamos um jeito, que eu estava ali com ela.
Bernardo entrou no banheiro e sua cara de desespero ao nos ver ali foi
de cortar o coração. Ele sentou no chão, ao lado da banheira e também
abraçou Pérola. Vê-lo ter aquela reação, sem nem saber o motivo, fez com
que eu gostasse mais dele.
Pérola escondeu o rosto no pescoço do irmão, que me olhou, perdido,
buscando alguma explicação.
Levantei o teste de gravidez para ele, que arregalou os olhos, levando
um segundo para entender o que estava acontecendo com sua irmã.
Ficamos os três ali, abraçados, sem saber o que falar. Aquele teste
pesando duas toneladas em cima de minha perna.
— É do Tato? — perguntei, arrasada.
Pérola soltou Bernardo e voltou a se encostar ao mármore branco,
assentindo uma única vez.
— Ele sabe? — Foi a vez de Bernardo falar.
Ela também assentiu.
Merda! Que merda!
— No dia do luau eu apaguei na casa do Bruno. Ele me levou para o
hospital, porque eu demorei a acordar. Descobriram lá.
Pérola não tinha mandado uma mensagem para mim nesses dois dias, o
que indicava que ela realmente estava mal. E eu não estive ali. Minha amiga
esteve ao meu lado em todas as vezes que precisei e quando ela precisou, eu
estava mais preocupada em dar para o irmão dela do que com qualquer outra
coisa.
— O que Tato disse? — Bernardo apoiou o queixo na pontinha da
banheira.
— Eu entrei em choque, fiquei ontem boa parte do dia na casa do
Bruno, sem falar uma palavra. Depois ele me levou na casa do Tato e... —
Pérola parou de falar para rir, um riso cheio de descrença, o riso mais triste
que já vi alguém dar. — Ele disse que era impossível ser dele, porque ele se
prevenia. Mas ele não se prevenia. Sempre tirava no final.
Pisquei depois de muito tempo sem conseguir mover qualquer parte do
corpo, eu não sabia nem se ainda estava respirando.
— E que ele sabia que eu era uma vagabunda, muito gostosa para uma
adolescente, mas que não conseguiria dar esse golpe nele.
Pérola estremeceu e eu tornei a abraçá-la. Filho da puta! Desgraçado!
Eu quebraria a cara daquele otário. Falar aquilo foi errado de tantas formas,
que eu não sabia o que era pior.
— Eu sinto muito, amiga.
— Bruno o apagou com um soco.
Eu nunca erro em escolher meus amigos. Nunca. Minha vontade era
descer até a portaria e dizer que eu seria uma eterna serva para aquele
homem que defendeu minha amiga.
— O que você quer fazer, Pérola? — Bernardo acariciou o cabelo dela,
uma preocupação verdadeira.
Minha amiga deu de ombros.
— Eu não sei...
— Você tem todo direito sobre seu próprio corpo, sabe disso, não é? —
Bernardo segurou o queixo dela, obrigando-a a olhar seus olhos.
Minha bochecha se moveu involuntariamente ao escutar o que
Bernardo falava. Um cara com vinte anos de idade conseguiu ter mais
respeito por uma mulher do que um babaca com mais do que o dobro de sua
idade.
— Só não quero fazer nada que eu me arrependa depois.
— Não precisa pensar sobre nada agora — eu me apressei em falar,
porque queria deixá-la confortável.
Deitei do ladinho dela, abraçando sua cintura. Eu deveria dar parabéns?
Porque se fosse comigo, eu surtaria. Achei melhor não falar nada para
Pérola, mas disfarçadamente, eu fiz um toquinho em sua barriga, porque se
ela decidisse me fazer ser tia, eu queria mostrar que estaria ali para todos os
momentos. Com ela e com o baby. Para sempre.
Continuamos ali com Pérola por bastante tempo e foi Bernardo quem
deu a ideia de arrumar o quarto, para ela ficar mais confortável. Avisei que
faria um lanche para nós e o deixei recolhendo os cacos de um abajur,
enquanto Pérola tirava um cochilo na banheira.
Ao chegar à cozinha, Gael cortava pepinos de uma forma habilidosa.
Não sei se ele daria uma festa e serviria só pepinos ou estava se distraindo.
Ao ver que entrei na cozinha, ele soltou a faca e enxugou as mãos.
— Ela está bem? — Seus olhos eram pura preocupação.
— Está dormindo.
— O que aconteceu?
Ah, mas eu não falaria aquilo nem que me obrigassem. Pode colocar na
lista interminável de mentiras que já contei para os Adler. Uma a mais, uma
a menos, não faria diferença.
— Um cara deu um fora nela.
Era isso que ele precisava saber, até que Pérola resolvesse contar. Gael
abriu a boca para perguntar algo, mas acabou franzindo a testa e ficando
calado.
Fui tomar água e comecei a preparar um sanduíche para minha amiga.
— Como foi em Cape May?
Merda! Merda! Merda!
— Você me odeia? — Fiz um bico.
Odiava decepcionar Gael. E juro que não tinha mais nada a ver com
aquele suposto crush que eu tinha por ele.
— Eu só conseguiria te odiar por um motivo, Pietra.
Ele enfiou três rodelas de pepino em meu sanduíche.
Ergui os olhos, temendo o que eu poderia fazer de tão errado para que
ele me odiasse.
— E qual seria o motivo?
— Se quebrar o coração do Bernardo.
Comecei a tossir ruidosamente.
Engasguei feio e tive que erguer os braços desesperadamente, temendo
morrer sufocada. Gael deu dois tapinhas em minhas costas, que não serviram
de nada. Só fui melhorar depois de tomar água. E ainda assim, meus olhos
lacrimejavam loucamente.
— Eu não tenho nada com ele. Só... Só fomos atrás da mãe dele e...
— Pietra, respira primeiro. — Seu olhar de censura era terrível. Gael
voltou a pegar a faca e destroçar um pepino inocente. Aquilo era uma
ameaça? — Eu só quero que entenda que não se pode brincar com a vida das
pessoas, certo? Bernardo gosta de você e ele não é bom com joguinhos. Não
é como os outros garotos que você já conheceu.
Eu sei que ele estava fazendo o papel de pai bondoso, mas porra! Era a
segunda pessoa que me falava que eu não prestava para Bernardo em menos
de duas horas. Fora Pérola, que já tinha deixado bem claro que eu era uma
bomba-atômica ao lado de um cristal.
— Ele não gosta de mim.
Tentei virar o jogo, porque tudo seria mais fácil se ninguém
desconfiasse. Para mim seria ao menos, porque ficar escutando que eu não
era adequada, que era má, que não me importava, era terrível.
— Não gosta? — Arqueou a sobrancelha cheia e castanha. — E por que
passaria todos os momentos em que está comigo tentando provar que você é
uma criança? Ou dizendo que nunca me perdoaria se eu olhasse torto para
você?
Gael deu risada, mas eu só consegui ficar paralisada.
Bernardo tinha feito realmente isso? Deveria ficar puta com ele, mas só
consegui sorrir e esfregar a ponta do dedo entre minhas sobrancelhas.
— Podemos não entrar nesse assunto, pelo amor de Jesus?
Ele assentiu, parecendo achar graça da minha cara. Olhei Gael com
mais atenção, pensando o que tinha mudado nele. Ele continuava muito
bonito, até demais. Mas, só naquele dia, olhando seriamente para Gael que
eu percebi que ele era realmente um adulto. Suas marcas de expressão do
lado dos olhos sempre estiveram ali, os cabelos grisalhos começaram a
aparecer em sua testa, mas que acabavam por se mesclar com os fios claros.
Ele era bonito, mas não parecia mais o Gael por quem eu tive um crush
fodido nesses últimos tempos.
Foi ali que percebi que eu estava curada.
Ele era apenas o pai da minha melhor amiga. O pai de Bernardo, o
meu... amigo?
Ele era o homem que eu admirava, que cuidou de mim como um
verdadeiro pai, mesmo que não tivesse qualquer obrigação.
— Podemos.
— Obrigada! — Sorri agradecida e levemente emocionada.
Empurrei-o com meu quadril e ele devolveu a provocação jogando um
pepino em mim.
Helena apareceu na sala pelo elevador, rodeada de balões coloridos.
Eram muitos. Dezenas. Cor-de-rosa, em formato de coração, com confetes
dentro, tinha até um daquele emoji de cocô.
— Será que Pérola gosta de balões? Isso a deixaria feliz?
Sorri pelo desespero da Miss Leblon e gostei muito de ver o olhar que
Gael deu para ela, agradecido, aliviado por ter alguém para dividir aquele
fardo com ele.
No fim das contas, eles até eram bem bonitinhos juntos para dois
velhos.
Eu era uma fugitiva. Como a Taylor Swift em Getaway Car.
Conseguia escutar as sirenes ao longe, mas na verdade, era só meu
coração batendo rápido.
Eu sabia que era errado o que fazia, mas como eu poderia dizer não?
Com Pérola demandando tanta atenção nessa última semana, nossos
encontros em seu quarto ficaram só na vontade mesmo. Sentia falta até de
ver aquele filme velho do Star Trek com ele. Mas isso não quer dizer que
não dormíamos juntos, porque uns três dias na semana nós dormimos com
Pérola. Outro dia tentamos fugir do quarto dela e ir dormir no dele, mas Gael
chegou bem no momento e nos fez ficar vendo filme na sala com ele. Ele
deveria estar fazendo de propósito com a nossa cara, porque não era possível
um homem querer ver Procurando Nemo, o filme mais infantil que ele achou
no catálogo, depois de um longo dia de trabalho. Peguei trauma da Dory
depois disso.
Agora a putaria, bem... Isso estava em falta mesmo. Eu já tinha chegado
ao nível de implorar para Bernardo falar putaria comigo por mensagens. Eu
até enviei um nude para ele, mas ainda não tinha desbloqueado essa fase em
suas habilidades. Ainda.
Foi por isso que tivemos uma ideia brilhante.
Eu disse para Pérola que sairia para correr. Bernardo falou que teria
uma reunião com o Professor Flores. Gael estava no restaurante, Pérola ficou
vendo filme. Era perfeito.
Vesti um casaco mais longo, por mais que fizesse trinta e quatro graus
lá fora. Eu queria impressionar. Por sorte, Pérola estava na cozinha e não me
viu sair com um casaco que não tinha nada a ver com roupa de corrida.
Cheguei ao nosso ponto de encontro um minuto atrasada. Bernardo já
estava no local previamente acordado. Bati no vidro e ele destravou o carro.
— Boa tarde. — falei, seriamente.
Ele mordeu o lábio inferior, tentando não rir.
— Boa tarde.
— Qual a senha?
— Banana cura.
Ele odiou cada milésimo de segundo em que falou aquilo, dava para ver
em sua cara.
— Muito bem.
Abri o casaco com tudo, apreciando muito o choque em seu rosto ao ver
que eu estava nua. A forma como Bernardo me olhava, fazia com que eu me
sentisse como a mulher mais sexy do planeta.
Ele abriu a boca para falar algo, mas eu não tinha tempo a perder, fui
para cima dele e o beijei. Bernardo correspondeu, usando as mãos para
segurar meu pescoço e me deixar parada em cima de seu colo.
— Na aula de hoje vamos aprender a como comer uma pessoa com
vontade e saudades, está bem?
Bernardo assentiu, concentrado. Amo um aluno estudioso!
— Vale falar baixaria, vale bater e deixar marcas, que ficarei muito feliz
em ter como recordação.
— Não vou te bater.
— Ah, vai, sim. — Segurei sua bochecha entre meu polegar e o
indicador, depositando um selinho de leve. — Mas trouxe um negócio aqui
para você antes.
Estiquei o corpo para pegar o casaco, enfiei a mão no bolso e retirei os
pacotes de lá. Jogando em cima de Bernardo como se ele fosse uma stripper
e eu um velho assistindo ao seu show.
— Eu tenho preservativo no carro. — Bernardo retirou um pacotinho
que caiu dentro de sua camiseta.
— Para usar com quem?
Saiu antes mesmo que eu processasse. A voz esganiçada e meio raivosa
também não fazia parte do pacote, mas veio.
— Com você? — Ele testou.
— É, comigo. — Apertei os olhos, vendo seu olhar apavorado. — Só
comigo.
O tesão mexia com a nossa cabeça, sempre dizia isso.
— Tudo bem, só com você, então.
— Foi bom aquele dia sem, mas depois da Pérola, acho melhor a gente
não bobear.
Mudei de assunto, porque a forma como falei com Bernardo me
assustou. Eu fiquei com ciúmes? Era assim que se sentia ciúme de alguém?
— Seriam crianças demais na família.
Bernardo começou a beijar meu pescoço, mordiscou a pele e deixou um
rastro de fogo por onde passava. Ele tocou meus seios, enchendo a mão,
deixando um sorriso malicioso aparecer. Nunca tinha visto aquele sorriso em
seu rosto. E eu amei.
— Muitas crianças.
Tentei continuar o assunto, mas a realidade era que me distrai quando a
língua começou a tocar bem de leve em meu mamilo. Seria tão ruim assim
ter crianças na família? Porque com aquele movimento, ele poderia
facilmente me convencer que não seria nada ruim.
— Eu estava com saudades de te sentir — sussurrou ao meu ouvido,
deixando um beijo na parte de trás da orelha. O que foi meu colapso.
— E eu com saudades de você me foder.
Ele me deu intimidade, agora que arcasse com as consequências.
Puxei Bernardo para o banco de trás. Por sorte o carro era um SUV
espaçoso, não ficaríamos apertados como duas sardinhas em uma lata.
Desci minha mão por dentro de sua calça, começando a masturbá-lo.
Inclinei a cabeça para o seu ouvido e disse:
— Me conte a forma como você quer me comer hoje.
O sangue se acumulou em suas bochechas e achei que ele fosse sair
correndo daquele carro. Mas ele ficou, porque era um safado em formação.
Abriu a boca e falou algo tão baixo, que nem eu consegui escutar.
— O quê? — Aumentei a velocidade da minha mão, subindo e
descendo por ele.
— Quatro...
Ele infartaria daqui a pouco, era uma certeza. Seu rosto passou de rosa
para roxo. Eu nunca vi alguém ficar vermelho até na testa.
— Você quer me comer de quatro?
Seus lábios tremeram e eu o beijei, tentando deixar tudo menos terrível
para seu lado.
— Quero.
— Então, fala — provoquei-o.
Bernardo fechou os olhos, provavelmente dividido em me dar o que eu
queria ou chutar minha bunda daquele carro.
— Pietra?
— Oi?
— Fique de joelhos no banco, eu quero te comer de quatro.
Abri a boca, surpresa por Bernardo ter falado aquilo. Eu adorei! Dei um
selinho nele e saí de cima de suas pernas.
— Ok, mestre!
Caprichei na forma como empinei minha bunda para ele, porque queria
que ele gostasse do que via. Bernardo acariciou minhas costas, espalhando
um arrepio por todas as extremidades. Seus dedos apertaram a carne da
minha bunda, descendo até encontrar meu clitóris.
Eu queria tanto aquilo, estava realmente sentindo falta, não do sexo em
si, mas de estar com ele. Acredito que ele estivesse na mesma situação,
porque não demorou a colocar a camisinha e segurar minha bunda com as
duas mãos, não deixando com que eu movesse o corpo.
Quis chutar Bernardo quando ele enfiou tudo de uma vez. Mesmo
excitada, aquilo ardeu como fogo. Suas mãos apertaram ainda mais minha
bunda, guiando os meus movimentos.
Deixei que se divertisse, porque a hora em que eu resolvesse fazer o
que queria... Ele veria o que era bom para tosse.
— Sabe a parte de me bater? — Joguei o cabelo por minhas costas,
empinando o queixo para olhá-lo. — É a sua deixa.
— Pietra...
— Eu estou pedindo. — Bati os cílios, angelicamente.
A respiração de Bernardo foi ruidosa, mas por fim, ele acabou
segurando meu cabelo, enfiando os fios entre seus dedos até chegar ao couro
cabeludo. Ele segurava direitinho, o que indicava que estudou sobre o
assunto. Nenhum homem sabia puxar um cabelo direito sem que uma mulher
ensinasse ou que fosse atrás de saber como era o certo.
O primeiro tapa que ele deu foi tão fraco, que foi como se tirasse pó da
pele. Grudei meus peitos no banco de couro e empinei ainda mais a bunda,
recebendo outro tapa, dessa vez mais forte. A velocidade como ele entrava e
saía, fez com que eu começasse a gemer, cada vez mais entregue, cada vez
querendo mais dele.
Bernardo se empolgou com os tapas e minutos depois, aquilo já estava
uma baixaria. Minha bunda ardia, ainda mais depois que ele descobriu que
apertões fortes me excitavam ainda mais.
Trocamos de posição, porque minha coluna não estava mais
aguentando. Ele sentou e eu fui por cima, de costas para ele. Comecei a
cavalgar, decidida a fazer aquele garoto sofrer como ele me fazia até trinta
segundos atrás.
Fiquei surpresa quando Bernardo passou uma das mãos por meu
pescoço, prendendo-me no lugar. Seus dedos apertaram a pele sensível e abri
a boca, tentando respirar melhor e ele apertou ainda mais. Ergui os olhos
para o espelho retrovisor e a cena que vi foi espetacular. Meu rosto
vermelho, a boca aberta, os dedos longos de Bernardo apertando meu
pescoço forte, os nossos corpos suados, a forma como sua cabeça estava
jogada para trás.
Eu sabia que era bonita. Sabia o poder que tinha e que usava muito bem
minha sensualidade para meu próprio prazer, mas aquilo ali no espelho, fez
com que eu me sentisse poderosa em um nível extremo. Era a porra da
imagem mais excitante que já vi.
E eu gozei, sem piscar, aproveitando até o último momento daquilo.
Bernardo ficou ainda mais duro e também gozou, afrouxando o aperto em
meu pescoço assim que seus músculos relaxaram.
Ficamos em silêncio, ainda na mesma posição, a respiração em uma
desordem total. Passei a mão pelo pescoço, ainda extasiada.
— Eu te machuquei?
Virei o rosto para olhá-lo.
— Você fez o contrário de machucar.
Bernardo puxou minha cintura e o que ele faria, eu nunca ficaria
sabendo, porque a batida no vidro do motorista, fez com que a alma saísse de
meu corpo.
Nós nos olhamos, chocados.
— Recebemos reclamações por barulho excessivo.
Era a voz de Bruno.
Puta que pariu! Levantei do colo de Bernardo para pegar meu casaco.
— Eu sei que é você, Pietra.
Bernardo me puxou para o banco novamente, usando sua camiseta para
esconder meu corpo.
— Façam menos barulho, por favor! Ou alguém vai reclamar com seu
pai, Bernardo.
Houve um momento de pânico, mas conseguimos nos vestir e eu fui a
primeira a sair do carro, percebendo o sorrisinho presunçoso no rosto de
Bruno assim que nos viu ali fora.
— Uma palavra sobre isso e você morre. — Passei o dedo pelo
pescoço, indicando o que faria se ele abrisse o bico.
Bruno ergueu as mãos, rendendo-se.
— Só parem de usar a garagem como motel. Dá para ver tudo pelas
câmeras.
Precisei de muito esforço para não cair dura no chão, de vergonha. Já
Bernardo não teve a mesma força, a julgar pela forma como apertou minha
mão.
— Então seja um bom amigo e tire Pérola de casa.
Forcei um sorriso e vi seus olhos se acenderem.
— Vocês acreditam que ela gostaria de me ver?
— Você ainda quer ver minha irmã? — Foi a primeira coisa que
Bernardo conseguiu falar.
Era exatamente o que passava por minha cabeça.
— E por que não iria querer?
Gostei mais ainda de Bruno depois de ouvir a forma despretensiosa
como falou aquilo.
— E se jantarmos juntos hoje à noite? — propus.
A ideia de minha amiga sair daquele quarto e se distrair — deixando o
caminho do quarto de Bernardo livre para mim — era fabulosa. Brincadeiras
a parte, eu achei que seria uma boa ideia, porque ela estava precisando.
— Conheço um restaurante ótimo. — Bruno era uma bomba de
animação depois do meu convite.
Eu tinha quase certeza de que Pérola surtaria por ter de ir a um
restaurante que Bruno conhecia, mas quando contei que sairíamos com ele,
ela só deu de ombros.
Sem perguntas.
Sem se importar se teria ou não carta de vinhos. Ou guardanapos de
tecido.
Horas mais tarde estávamos sentados em um food truck de comida
mexicana, comendo burritos e tacos. Bruno tentava entender sobre a
faculdade de Bernardo e o fato de que ele tinha vinte anos e estava
terminando um curso longo daqueles. Eu adorava vê-lo explicar, como se ele
não fosse um gênio que entrou em uma das faculdades mais difíceis do país
com dezesseis anos, enquanto nós, adolescentes normais, tínhamos
dificuldade em decorar a fórmula de cosseno.
Pérola escutava a história, mas dava para ver que sua cabeça estava
longe. Mordendo um burrito vez ou outra, rindo de algo engraçado que
Bruno comentava.
— Ei? — Cutuquei sua cintura. — Eu te amo.
Pérola se aconchegou em meu ombro e nós ficamos ali, juntinhas,
escutando a conversa dos meninos.
Aquele foi um dos meus dias preferidos das férias e fiquei me
perguntando há quantos anos eu não me sentia tão feliz assim. E ficou difícil
de acreditar que toda aquela felicidade era por minha melhor amiga estar
grávida e pelo bom humor contagiante de Bruno.
Depois fomos andar pela praia, brincando de jogar areia um no outro.
Pérola ficou brava quando Bernardo jogou nela e foi até o mar lavar o rosto.
Eu fiquei sentada ao seu lado, na escada da casinha do salva-vidas.
Bernardo apoiava o queixo na mão, olhando a irmã e Bruno à beira do
mar, conversando. Eu o admirei, sua sobrancelha cheia, os cílios espessos, a
mandíbula quadrada, aquele cabelo que eu adorava. O desespero tomou meu
coração por perceber o óbvio.
Eu gostava da forma como ele me tratava. Gostava que ele não
estivesse nem aí em fingir desinteresse para parecer mais interessante igual a
todos os outros caras com quem estive saindo nesses últimos tempos, como
se seguissem uma cartilha de como ser um grande de um babaca para
conquistar uma mulher.
Gostava como Bernardo não escondia quem era, seus gostos, suas
manias. Gostava como me incluía em sua vida. Eu gostava dele, de seu rosto
bonito, do cabelo ondulado, seu corpo, sua voz, a forma como me fazia rir,
como me fazia gozar, como confiava em mim e até a forma como fazia com
que eu sentisse ciúmes. Bernardo me deu um gostinho de como seriam os
dias, as semanas, os meses e por que não, alguns anos ao seu lado?
Beijei seu ombro, o coração batendo tão rápido quanto o de um
passarinho. Eu não sabia falar o que eu sentia, tampouco sabia se algum dia
conseguiria falar sobre. Mas eu estaria ali, até quando durasse.
Recebi um beijo na testa seguido de um sorriso que acabou com
qualquer resistência. Fiquei molinha, boba, como uma garotinha.
E depois Pérola chegou perto, o rosto iluminado, mais animado.
Amava vê-la melhor, mas fiquei triste quando Bernardo se afastou de
mim.
— Vocês acham esquisito que eu vá dormir na casa do Bruno?
Balanceei os prós e contras e demorei um segundo a responder:
— E por que seria?
— Grávida. — Apontou para a própria barriga. — De outro cara.
— Se você gosta dele e ele de você, não vejo mal algum.
E eu poderia ficar com Bernardo em casa, em nossa paz!
— Eu não gosto dele.
Pérola jogou o cabelo para trás, assumindo sua pose de rainha má e
inacessível de volta. Ficava muito difícil de acreditar nisso depois da forma
como seu rosto mudou, só por sair com Bruno.
— Só tenha certeza do que está fazendo e não o machuque.
Senti que fui 1% vingada por falar aquilo para ela. Todo mundo
esperava o momento em que eu fosse destroçar o coração de Bernardo e ele
estava ali, ao meu lado, todo sorridente, com o coração 100% intacto.
— E tenha certeza do que quer para o... — Bernardo apontou para a
barriga da irmã.
Ainda estávamos receosos do que Pérola faria com a gravidez. Nos dias
que conseguimos conversar com ela sobre o assunto, percebemos que ela
estava perdida. Dois dias atrás, Bernardo e eu pesquisamos sobre clínicas
que poderiam interromper a gestação e quando fomos falar para Pérola, ela
simplesmente surtou e começou a chorar, falando que não faria nada daquilo,
sendo que vinte minutos antes, ela mesma nos disse para ajudá-la.
— O bebê? — Pérola sorriu. — Acho que vamos ficar bem juntos.
Bernardo e eu nos olhamos, receosos. Era aquilo mesmo?
— Então... Teremos um bebê? — Fui cautelosa.
— Teremos.
Gritei e pulei em cima da minha amiga, que ria e tentava me acalmar.
Bernardo também levantou e nos abraçou.
— Estamos juntos nessa — Bernardo falou para Pérola, mas piscou
para mim, porque era a nossa frase.
— Obrigada! Eu amo vocês!
Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ela não chorou. Pelo
contrário, colocou um sorriso no rosto e arrumou a camiseta e o moletom
que usava — o que demonstrava o estado de espírito caótico no qual minha
amiga se encontrava — e disse que iria com Bruno então.
Bernardo e eu voltamos para o apartamento a pé, de mãozinhas dadas,
conversando sobre as mensagens que Ryle começou a mandar para ele,
ontem. Bernardo tentava se fazer de indiferente, mas eu sabia que seu
coração estava balançado por seu irmão mais novo. Algo que faria Pérola
surtar se imaginasse.
No apartamento, entramos no corredor e hesitamos em frente da porta
de nossos quartos. Estava pronta para implorar para Bernardo me deixar
dormir com ele, quando sua mão puxou meu braço na direção da porta que
ele tinha acabado de abrir.
Um dia feliz, eu disse.
O melhor deles.
Passei dias ocupado com o artigo que eu entregaria para Tony, era sobre
fusão nuclear. Um tema que eu gostaria de continuar estudando no
doutorado. Se eu passasse, claro! O professor Flores estava convencido a me
levar para trabalhar com sua equipe de desenvolvimento assim que eu
entregasse minha pesquisa e concluísse o curso, mas minha grande vontade
ainda era ir para a Stanford, na Califórnia, trabalhar um tempo com pesquisa
antes de ingressar em uma empresa.
Não sei como tudo ficaria agora que Paola não era mais minha
orientadora. Esperava que isso não atrasasse a minha formatura.
Eu estava com muita coisa na cabeça nesses últimos dias. A faculdade,
minha pesquisa, a gravidez de Pérola e tudo o que estava acontecendo com
Pietra. Durante tanto tempo eu esperei por isso que tenho hoje e agora que
era uma realidade, todo o tempo que passo longe dela parecia uma tortura.
Pérola estava demandando muita atenção, mesmo depois de ter
começado a sair com Bruno, o que fazia com que eu e Pietra não tivéssemos
tanto tempo juntos.
Quando não era Pérola, era o meu pai que atrapalhava qualquer
momento que eu estivesse com Pietra. Ele simplesmente não nos deixava
sozinhos. E perdi a conta de quantos filmes infantis ele nos fez ver nesses
últimos dias.
Em um final de semana, fomos para Orlando, visitar os parques da
Disney. Eu gostava de ir lá, mas gostava ainda mais por ver a animação de
Pietra. Ela fazia valer o preço do ingresso até o último centavo. Perseguia os
personagens, tirava foto em cada canto do parque, andava por lá com as
orelhinhas da Minnie e só ia embora quando via os últimos fogos de
artifício.
E mesmo que ela dormisse com Pérola a maioria dos dias, nós sempre
dávamos um jeito de se encontrar na calada da noite, depois que meu pai
chegava do restaurante. Eu amava aqueles momentos. E nem era só pelo
sexo, o que passamos a fazer muito, em qualquer momento que
conseguíamos um pouco de privacidade. Eu amava estar com Pietra, de
dormir com ela em meus braços, da forma como ela sempre beijava a ponta
do meu nariz antes de fechar os olhos e se entregar ao sono. Amava estar
com ela. Eu amava tudo naquela mulher.
E era difícil demais guardar isso para mim. Mas o que eu poderia fazer?
Pietra já tinha deixado bem claro que não queria um relacionamento e que
aquilo que vivíamos tinha prazo de validade. E eu até achava justo, porque
sabia que estragaria tudo com ela.
Fechei o notebook, encerrando o dia de hoje. Era uma sexta-feira, tudo
o que eu mais queria era ficar com Pietra, mas sabia que Pérola estava em
casa.
Não aguentava mais isso.
Logo as férias acabariam, Pietra nunca mais olharia na minha cara, eu
teria de mudar de país e tudo isso ficaria na minha lembrança.
Fui atrás dela e a encontrei na sala, jogada no sofá, conversando com
Pérola.
— Ele encheu de balões? — Pietra perguntou, sua voz era animada e
um pouco surpresa.
— Sim. Todo o quarto.
— Isso foi adoravelmente brega.
Sentei no sofá, perto de Pietra, mas não perto o suficiente para que
minha irmã surtasse e fizesse com que eu prometesse mais quinhentas coisas
impossíveis.
— O que é adoravelmente brega? — perguntei.
— Bruno fez um jantar ontem na casa dele para mim. Decorou tudo
com flores e balões no teto, acredita?
Tentei não demonstrar tanta surpresa assim, mas era algo que eu não
imaginava ver minha irmã gostar.
— Eu achei lindo. — Pietra apoiou a cabeça na mão. — É brega, mas
no fundinho toda garota quer ter algo assim um dia.
Ela continuou falando mais, mas meu cérebro desligou. Ela gostava de
jantares e flores e balões? Eu nunca pensei em fazer algo assim para ela.
— Foi fofo, mesmo — Pérola rendeu-se. — Ele me pediu em namoro.
Foi totalmente sem querer, mas Pietra e eu fizemos a mesma cara ao
escutar aquela novidade. Incrédulos além da conta.
— É sério? — Pietra deu um gritinho animado.
— Sério.
Minha irmã balançou a cabeça para os lados. Ela tentava disfarçar, mas
eu sabia que gostava de Bruno. Se não gostasse, já teria dado um pé na
bunda dele há muito tempo. Eles se viam quase todos os dias, mesmo que
fosse para tomar um sorvete. Ele tinha toda a paciência do mundo com ela,
era até irritante de se ver.
— Vocês estão namorando? — perguntei.
— Não, eu não aceitei.
Pietra partiu para a agressão e deu uma almofadada na cara de minha
irmã.
— Você é burra, Pérola? — Sua indignação era muito engraçada.
— Como eu posso aceitar? Olha tudo o que está acontecendo na minha
vida. Não tenho cabeça para pensar nisso agora.
Pietra revirou os olhos e eu quis fazer o mesmo, mas sabia que minha
irmã iria comprar briga comigo.
— E daí? Ele te faz bem e a trata como uma princesa. Qualquer um já
teria corrido se estivesse nessa situação e ele escolheu ficar, porque gosta de
você.
Dava para ver que Pietra era uma defensora ferrenha de Bruno. Eu
também era, admito. Não era fácil aturar minha irmã e ele fazia isso
perfeitamente e a fazia feliz.
— Eu tenho outras preocupações agora. — Seus ombros caíram.
Parecia que Pérola lutava para acreditar em suas próprias palavras. — Contar
para o papai sobre o que está rolando, é a primeira delas.
Ao mesmo tempo em que queria defender minha irmã e estar com ela
nesse momento, eu também queria estar do outro lado do mundo quando ela
contasse para meu pai que estava grávida de um dos melhores amigos dele e
que agora queria se livrar de qualquer responsabilidade por seus atos.
Deus que nos protegesse quando Pérola resolvesse falar e eu sabia que
deveria ser logo, porque ela mais vomitava do que respirava. Se meu pai não
ficasse tanto no restaurante, ele já teria sacado em dois tempos.
Pietra continuou a atazaná-la para que desse valor a Bruno. Eu fiquei
pensativo, olhando para ela. Eu queria conquistar Pietra, mas até agora, tudo
o que tinha feito era oferecer minha cama para ela, ver filmes e transar.
Éramos bons fazendo todas essas coisas, mas pela forma como ela ficou
animada com a história de Pérola, senti que estava deixando passar algo.
E decidi ali, que a faria se sentir mais do que especial. Amada, cuidada,
uma princesa. Porque era o que ela era para mim.
A ideia do que eu gostaria de fazer veio um segundo depois. Levantei
do sofá em um pulo e voltei para o quarto para começar a planejar.
A parte mais difícil seria falar com meu pai, porque eu sabia que ele
estava bem de olho em mim. E em Pietra. E em qualquer interação que
tenhamos que não seja comentar sobre o quanto não aguentamos mais
assistir Procurando Nemo.
Só que se eu falasse a verdade, nunca mais teríamos paz. Foi por isso
que tomei a decisão mais inteligente: roubei a chave do veleiro.
Ele estava trabalhando demais no restaurante e muito ocupado com
Helena, nem daria falta.
Fiquei todo resto da sexta-feira na Target fazendo compras com o que
eu precisaria. No sábado pela manhã, fui arrumar tudo. Passei o dia todo
deixando tudo perfeito para Pietra.
Mandei uma mensagem para ela, pedindo para que ficasse pronta,
porque eu tinha uma surpresa para ela.
Tomei banho e me arrumei no veleiro, deixando tudo pronto para
quando voltasse com Pietra. Durante o caminho, percebi o quanto estava
nervoso, sem fazer a mínima ideia de que aquilo seria o bastante para ela.
Pietra merecia tudo, merecia coisas grandiosas. Queria que ficasse feliz e
soubesse o quanto era importante para mim. Queria que não me visse apenas
como uma diversão para suas férias de verão.
— Banana cura?
Ela arqueou o corpo no vidro do carona quando parei em frente ao
prédio.
Neguei com a cabeça, segurando a risada.
Ela estava linda, com um vestido branco rodado, a cintura marcada e
alças fininhas que se cruzavam nas costas. Seus cabelos ondulados, ao
natural. Eu amava quando ela deixava assim.
Pietra beijou minha boca e mal sentou e já perguntou:
— Para onde vamos?
— Tenho uma surpresa para você.
Seus olhos brilharam de uma forma adorável e estranhei quando ela não
fez mais nenhuma pergunta. Só começou a tocar sua playlist e foi em
silêncio por todo caminho. Algo não muito comum vindo de Pietra.
O píer não ficava tão longe de casa e logo estava estacionando o carro.
Pietra olhou para os lados, provavelmente sabendo onde estávamos.
— Posso tapar os seus olhos?
Pietra abriu a boca para falar algo, mas acabou desistindo e só assentiu.
Usei minha mão para tapar seus olhos e a guiei, segurando sua cintura
até o píer. Precisei puxá-la para meu colo para que entrássemos no veleiro
sem que ela caísse no vão entre o barco e a passarela. Ela cruzou as pernas
em minha cintura, os braços cercando meu pescoço.
Só fui tirar a mão de seus olhos quando estávamos no meio do barco.
Os olhos de Pietra refletiram o amarelado das luzes de Natal que coloquei
ali. Seu corpo ficou tenso em meu colo, o olhar caiu para o chão, cercado das
pequenas velas eletrônicas que comprei para deixar tudo o mais romântico
possível. Gostaria que fossem velas de verdade, mas meu pai me mataria se
eu colocasse fogo em seu barco.
— Você fez tudo isso?
Sua voz era baixa, levemente falhada.
— Fiz.
— Para mim?
— É.
Pietra desceu do meu colo e passou a caminhar pelo convés, olhando
tudo com incredulidade. Eu não conseguia distinguir se ela tinha adorado ou
odiado. Comecei a ficar nervoso e a pensar que coloquei tudo a perder.
— Isso é... um jantar? — Apontou para a mesa que montei na popa,
cercado por todas aquelas luzes e velas.
— Você disse que nunca teve essa experiência, lembra?
Pietra tocou na toalha branca que coloquei ali, embaixo dos pratos e das
taças. Ela estava esquisita, comecei a ter certeza de que tinha odiado.
— Com velas, rosas e tudo.
Assenti, nervoso.
— Você odiou? — Precisei perguntar, porque meu coração estava
saindo pela boca.
— Eu amei, Bê! Eu nunca... Ninguém nunca fez isso por mim.
— É brega...
— Mas toda garota quer algo assim algum dia — completou, com um
sorriso meigo.
Ela sabia o porquê de eu ter feito aquilo. E ainda assim, Pietra pulou em
cima de mim, voltando para meu colo. Sua mão tocou uma mecha do meu
cabelo, torcendo entre o dedo.
— Obrigada — sussurrou no meu ouvido. — Obrigada por ser o
melhor.
Ela me beijou e eu não pude nem ficar surpreso pelo que ouvi. Eu
nunca quis tanto confessar algo, quanto falar sobre meus sentimentos por
Pietra quanto naquele momento. Eu queria que ela soubesse, queria que
pensasse em nós como uma possibilidade, não apenas uma diversão.
Eu queria muito falar, só que não tinha coragem. Porque eu a conhecia.
Pietra pulou do meu colo logo depois e eu contei que tinha preparado o
jantar para nós dois, além de explicar que não poderíamos navegar, porque
eu não tinha habilitação para isso.
— Seu pai sabe que estamos aqui?
Neguei.
— Você não pediu?
Neguei novamente.
— Bernardo, você roubou um barco?
Assenti.
Pietra passou a língua pelo lábio superior e me puxou para seus braços
novamente.
— Você é uma caixinha de surpresas, Bernardo Adler!
Olhando para ela daquela forma, seu sorriso sincero, a maneira como
seus olhos brilhavam, a forma como me tocava, eu jurei que Pietra sentia o
mesmo que eu.
Disse que deveríamos comer, antes que acabasse falando merda. Desci
para a cozinha, tirando do forno o macarrão com molho de camarão que
preparei para ela. Era simples, mas eu sabia que ela gostava de camarão.
Comemos juntos, eu a acompanhei no vinho, até discutimos sobre a
playlist escolhida para o momento. Pietra colocou um funk para tocar, eu
mudei para uma música romântica. Ficamos nessa guerra até ela desistir e
colocar uma música de sua playlist de sexo. Fiquei chocado por ela ter um
playlist toda para isso.
Terminamos de comer e Pietra foi rodopiando até a proa, onde arrumei
alguns cobertores e almofadas, igual ao cantinho que fiz para ela das
primeiras vezes que dormiu no meu quarto.
Deixei nossas taças e o vinho no chão, observei Pietra mover os quadris
no ritmo da música. Ela abaixou para desfazer o nó da sandália que se
trançava em seu tornozelo. Os olhos fixaram nos meus e precisei beber mais
vinho para não deixar transparecer o quanto aquele gesto me excitava.
— Your body language speakes to me[2]... — Pietra cantou o refrão da
música que tocava naquele momento, apontando para mim.
Ela se aproximou, passando as pernas por meu corpo. Inclinei a cabeça
para olhar, Pietra continuou rebolando no ritmo da música. Naquela posição,
eu conseguia ver que não usava nada debaixo daquele vestido.
Passei as mãos por suas panturrilhas e subi para as coxas. Ela era tão
macia, quente, aveludada. Não conseguia agir com normalidade por poder
tocá-la e saber que gostava disso.
Puxei Pietra para mim e aproveitei que ela estava de pé e a altura era
perfeita para chupá-la naquela posição. Segurei a parte posterior de suas
coxas, afastando as pernas para enfiar minha cabeça ali. Toquei com a ponta
da língua, sentindo-a estremecer com esse primeiro toque. Depois de tantas
escapadas pelas madrugadas, rapidinhas em meu banheiro e uma pegação
intensa sempre que tínhamos aqueles encontros na garagem, eu já sabia que
ela gostava demais de quando eu a chupava lentamente, como se a beijasse.
Pietra perdia o controle e seus gemidos eram a melhor música de todas.
Não tinha playlist de sexo que fosse melhor do que aquilo.
Ela começou a investir contra minha língua e eu diminuí nossa
distância, forçando seu quadril com um apertão forte. Era outra coisa que eu
aprendi sobre Pietra. Ela gostava de algo intenso e eu descobri que também
gostava.
Ainda tinha medo de machucá-la? Obviamente. Mas ver a forma como
gemia e sorria a cada apertão ou palmada, acaba com qualquer resistência
que eu ainda tivesse.
Seu corpo convulsionou em minha boca e fiz questão de enfiar a língua
no canal, sentindo seu gosto.
Ela despencou nos cobertores e eu acariciei sua bochecha avermelhada.
Alguns fios de cabelo grudavam na testa e eu os afastei, dando tempo para
ela se recompor.
Pietra, dez segundos depois, arrancou o vestido. Ela também não usava
sutiã e a visão de seu corpo nu fez meu pau pulsar dentro da calça.
— Quer ir para o quarto? — perguntei.
— Não. — Seu sorriso malicioso se tornou o meu favorito de todos. —
Quero que você me foda bem aqui.
Estávamos no píer e mesmo que o barco fosse alto, alguém poderia
passar por ali. Pietra pareceu adivinhar o que eu pensava e segurou meu
rosto entre sua mão, mordeu o lóbulo de minha orelha e sussurrou:
— E se alguém vir, quero que saibam o quanto você me deixa louca.
Aquela deveria ser a coisa mais excitante que já escutei. Não levei mais
do que um segundo para aceitar a proposta.
Se alguém nos flagrasse ali, saberia que eu era o maior sortudo do
mundo.
Arranquei a camiseta e Pietra ajudou a abrir o zíper e retirar a calça
com a cueca. Ela passou a mão por meu pênis, mas não demorou em sentar
em meu quadril, sua boceta molhada deslizando deliciosamente.
Ergui a cabeça e vi a forma como mordia os lábios, como se esperasse
minha reação, antes de começar de fato algo. Dane-se, eu não me importava
nem um pouco de fodê-la sem o preservativo. Já tinha acontecido outras
vezes, quando a vontade falava mais alto do que o trauma que Pérola nos
causou.
Passei a me movimentar e ela também seguiu o mesmo ritmo. Usei as
mãos para subir e descer seu quadril, seu corpo inclinando em meu peitoral.
Mordisquei um mamilo, prendendo um dos piercings. Pietra gemeu e o
movimento de sua rebolada se tornou mais intensa.
Eu sabia que não duraria muito mais tempo se ela continuasse
rebolando daquela forma, por isso, passei uma das mãos na cintura dela e
troquei de posição. Deitei sobre ela e recomecei as estocadas, dessa vez um
pouco mais lento.
Foi então que algo estranho aconteceu.
Nossos olhares se cruzaram e algo pareceu entrar em sintonia. O
movimento de nossos corpos seguia o ritmo da música, seu coração batia tão
rápido quanto o meu.
— Eu adoro cada parte sua — Pietra sussurrou com as mãos em meu
cabelo, sua boca na minha.
— Eu adoro tudo em você... — Beijei seus lábios inchados e vermelhos
pelo sangue acumulado. Usei a mão direita para segurar sua nuca, deixando
a cabeça parada. — Sabe por quê?
Ela negou com a cabeça e um gemido baixinho, ao pé do ouvido, me
deixou perto do paraíso. Mantive a mesma velocidade dos movimentos,
sentindo-a contrair em torno de mim cada vez forte.
— Porque eu amo você.
Pietra arregalou os olhos e eu cobri sua boca com a minha, sem dar
tempo de ela processar o que falei. Na verdade, nem eu tinha processado.
Aumentei a velocidade e seus gemidos se intensificaram. Pietra começou a
investir mais contra mim e enquanto apertava sua cintura, estocando o mais
fundo que conseguia, a senti amolecer em meus braços.
Aquele orgasmo foi o mais forte que tive até então e o mais devastador
de todos. Ficamos ali quietos, as respirações tentando voltar à normalidade,
meu coração estourando dentro do peito.
Eu tinha feito merda. Sabia disso muito bem.
Saí de dentro de Pietra, observando a forma como meu gozo escorreu
por sua perna. Precisei de muito esforço para não avançar nela novamente e
implorar por um segundo round.
— Quer que eu busque água para você? — perguntei.
Pietra não respondeu, tampouco olhou para meu rosto. Ela se sentou e
colocou o vestido em um movimento rápido.
— Eu comprei cheesecake de morango, sei que é seu preferido. Quer
comer agora?
Pensei que se eu agisse com normalidade, ela ignoraria o que falei e
seguiríamos em frente. Pietra poderia pensar que foi só coisa do momento,
pela excitação.
Arrisquei olhar para ela e vi que estava de cabeça baixa, os olhos
focados na estampa do cobertor.
— Que porra de história é essa?
Seu tom de voz cheio de raiva, fez com que meu coração acelerasse.
— O quê?
— Você falou que me ama, Bernardo?
Neguei, totalmente na defensiva.
Pietra grunhiu e esfregou o rosto, bagunçando os cabelos em seguida.
Ela não parecia nada feliz.
Droga! Droga! Droga! Por que eu tive de falar aquilo?
— Eu... Eu... só...
Pietra levantou do cobertor e eu levantei atrás dela, tentando tocar sua
mão.
— Foi a única coisa que eu pedi para que não acontecesse, Bernardo.
Seus olhos estavam cheios de lágrimas e eu fiquei desesperado por ver
um muro invisível se formando ali. A conexão de um minuto atrás, não
existia mais.
— Eu estava brincando.
— Não estava! — Pietra gritou. Eu dei dois passos para trás, acuado. —
Olha para isso agora...
Apontou em minha direção com a palma da mão aberta.
Meus olhos arderam, porque a forma como ela falava tinha um gosto
horrível de rejeição.
— Pietra, desculpa, eu... Eu não queria te deixar triste.
Ela começou a rir. E eu não conseguia entender mais suas reações.
— Eu não estou triste, eu estou puta! — Puxou os cabelos com as duas
mãos, parecendo fazer uma força sobrenatural para não gritar comigo. —
Sabe por quê? Porque eu avisei! Eu avisei que eu não sou assim, eu não
consigo retribuir algo assim.
— Ei, você não precisa retribuir nada. Está tudo bem, eu não estou
pedindo nada — falei, apressado.
Pietra negou com a cabeça, inconformada.
— Não tem nada em mim que você deveria amar. Nada. Absolutamente
nada.
— Tudo em você merece ser amado.
Dessa vez consegui segurar sua mão sem que ela evitasse o contato.
Pietra ergueu o queixo, mirando meus olhos.
— Todo mundo avisou que eu quebraria seu coração, Bernardo. Porque
é isso que eu faço. É assim que eu sou no final das contas.
— Eu não me importo. — Minha sinceridade até me assustou. — Eu...
Eu sei que você tem medo, eu também tenho, Pietra. Eu demorei anos para
conseguir falar com você, para demonstrar um pouco do que sempre senti. E
sabe de uma coisa? Não era mentira o que falei, é a maior verdade que tenho
atualmente, na verdade. E sei que você está com medo e o seu sentimento é
válido. Sei como pode assustar, eu vivi anos acuado, com medo de sentir
qualquer coisa, até que tudo isso aconteceu. Só... Só não desiste disso, não
desiste de mim.
Nunca fui tão sincero. Meu coração batia descontroladamente dentro do
peito. Mais ainda quando vi Pietra limpar uma lágrima no rosto vermelho.
Sua mão ainda estava na minha e senti um toque mínimo sobre minha
pele, um carinho, algo a que me agarrei perdidamente.
— Eu não vou te quebrar. — Sua voz era um sussurro. — Não, você.
Pietra acariciou meu rosto com a mão que não segurava a minha. Seus
olhos estavam transbordando lágrimas e dava para ver a forma como ela
segurava o choro.
— Podemos voltar ao nosso normal? — implorei.
Seus lábios tremularam e eu vi o exato momento em que eu soube que
não teria volta.
Pietra negou com a cabeça.
— Desculpe.
Ela se afastou e eu ainda tentei segurá-la novamente, mas Pietra correu.
Vi, com total impotência, ela pegar sua bolsa e sair correndo do veleiro.
Pietra não olhou para trás por um segundo.
E eu soube naquele momento o som de um coração partido.
Eu sentia falta de ser criança. Principalmente daquela habilidade que
temos em demonstrar nossos sentimentos. Chorando quando frustrados e não
há vergonha de fazer isso na frente de ninguém. Nós sentimos com todo o
coração, mas não entendemos sobre sentimentos. Talvez fosse isso que
mudasse com a maturidade. A ignorância, muitas vezes, pode ser uma
dádiva.
Eu não queria saber sobre os sentimentos de Bernardo. Tudo o que eu
mais queria era que ele nunca tivesse falado aquilo, porque aí ainda
estaríamos juntos no nosso mundinho perfeito.
E eu gostava tanto daquele mundinho perfeito.
Só que ele tornou tudo real com aquele “Porque eu amo você”. Não
dava para fingir que era uma mentira ou apenas uma brincadeira, porque eu
sabia que era verdade, eu sentia a verdade daquilo cada vez que ele estava
perto de mim, quando me tocava, ou só olhava para mim como se eu fosse
algo precioso.
Eu só não queria saber.
Porque eu colocaria tudo a perder e aquela forma linda como ele olhava
para mim, acabaria. Eu acabaria com tudo.
Esfreguei meu nariz entupido pelo choro, porque era isso o que adultos
faziam. Escondiam-se em uma piscina para poder chorar em paz, porque
demonstrar significava falhar e falar significava mostrar que todos estavam
certos sobre mim.
Eu não queria que Bernardo se apaixonasse por mim, tampouco que
sofresse por isso. E acreditei que poderia protegê-lo e não ser a bruxa
malvada que destruiria seu mundo cor-de-rosa. Queria ser a princesa que era
resgatada, a criatura doce e adorável merecedora do amor de um príncipe. Só
que eu não era, nem nunca poderia ser.
Passei horas chorando naquela espreguiçadeira da piscina do prédio,
não entendia o porquê de estar tão mal assim, sendo que eu mesma criei toda
a situação. Queria poder desabafar com minha melhor amiga sobre isso, mas
além de ter que falar que eu tinha quebrado o coração de seu irmão, ainda
ficaria sem melhor amiga por ser uma mentirosa patética.
Demorou muito até que eu criasse coragem e subisse para o
apartamento. A porta de Bernardo estava fechada e meu coração doeu por
perceber que a única coisa que eu queria era ficar lá com ele.
Fiquei o resto da noite encolhida na cama de Pérola, sentindo-me
miseravelmente triste, ainda mais porque ela estava na casa de Bruno. Eram
4h da manhã quando percebi que tudo o que mais queria era dormir com
Bernardo.
Sempre fui muito rígida comigo. Eu era amiga de todo mundo, tratava a
todos com carinho, mas nunca soube ser minha amiga. Forcei sempre um
sorriso, mesmo quando queria chorar. A ir enquanto queria ficar. A fazer um
esforço sobre-humano para me encaixar, para ser aceita, para ser querida.
E com Bernardo eu não precisei fazer nada disso. Ele viu meus piores
momentos. Estava lá quando a escola toda riu de algo que me feriu, ele não
julgou nada do meu passado, na verdade, ele nunca sequer perguntou sobre.
Ele me aceitou, cuidou de mim, riu das minhas piadas ruins. Bernardo
escolheu ficar, mesmo me conhecendo muito bem.
E mais do que isso, ele decidiu me amar. A coisa mais corajosa que já
vi alguém fazer por mim.
Saí correndo do quarto de Pérola e atravessei o corredor, abrindo a
porta de seu quarto. A cama de Bernardo estava feita, com o vestido que usei
pela tarde, da mesma forma que deixei. A porta do banheiro estava aberta e a
luz desligada. Bernardo não tinha voltado para casa.
Joguei meu corpo em sua cama, abraçando o travesseiro que ele dormia
e que estava impregnado com o meu cheiro preferido dos últimos tempos: o
dele.
Pensei em ligar para Bernardo, mas fiquei com vergonha depois de toda
a cena que fiz no barco. Ele quis fazer uma surpresa linda e eu o tratei
daquela forma. O único garoto que realmente fez algo para me ver feliz, sem
segundas intenções, apenas porque gostava de mim e queria fazer algo
romântico.
Eu era mesmo uma péssima pessoa.
Peguei na mesinha de cabeceira o remédio de ansiedade que Bernardo
tomou aquele dia no avião, ciente de que eu não dormiria hoje se não fosse
tomando isso. Peguei seus fones de ouvido, deitei embaixo da coberta
geladinha e coloquei Only Time para tocar, focando em normalizar as batidas
do meu coração, antes que eu tivesse uma crise de ansiedade.

Passei a manhã inteira de domingo sentada na cadeira de balanço em


formato de ovo na varanda. Gael veio pelo menos duzentas vezes perguntar
onde Bernardo estava, mas eu só inventei que ele tinha saído com Pérola.
Fiquei observando aquela imensidão de mar e ignorei o café da manhã e
também o almoço, porque Helena veio almoçar e eu não estava com
nenhuma paciência para aturar a Miss Leblon.
Quando o relógio marcou 2h da tarde eu já não aguentava mais de
preocupação por Bernardo e mandei uma mensagem para ele perguntando se
estava tudo bem. Ele visualizou quase no mesmo minuto, mas não
respondeu.
Bufei e joguei o celular na mesinha em frente.
— Pietra?
Era a Miss Leblon. Precisei conter a revirada automática que meus
olhos insistiam em dar sempre que Helena se aproximava.
— Está tudo bem mesmo?
Olhei de viés, percebendo que a bonitinha tinha acabado de se sentar na
mesa em frente do meu balanço.
Tenha santa paciência...
— Sim.
— Você não parece nada bem.
— Pois estou.
Helena suspirou. Dei uma espiada nela, sempre tão elegante. Hoje
vestia uma calça branca mais justa, combinando com uma camisa de linho
azul-bebê. Ela estava descalça, parecendo muito habituada com o ambiente.
— Gael foi tomar um banho, se você quiser ter um papo de garotas,
agora é o momento.
— Nem morta! — respondi, birrenta como uma criança de dois anos.
Helena era muito educada comigo, paciente até demais. Se eu fosse ela,
já teria me mandando tomar no rabo há bastante tempo.
— Tudo bem. — Deu de ombros depois de enrolar seu cabelo hidratado
em um coque.
Ela fez menção de levantar da mesa, mas eu segurei seu pulso,
prendendo-a ali.
— Eu briguei com Bernardo.
Meus olhos arderam ao confessar aquilo. Era uma grande bobagem,
mas se eu não falasse para alguém, acabaria ficando louca.
Helena sorriu delicadamente e dobrou as pernas em uma posição
descontraída, algo que não combinava com sua figura elegante.
— Foi algo grave?
— Posso te contar um segredo? Mais um para a nossa coleção? —
Abaixei o tom de voz, temendo que Gael escutasse algo.
— Claro que pode, Pietra.
— Eu estou ficando com Bernardo, desde o começo das férias.
Não imaginei que fosse ser tão bom contar a verdade para alguém,
ainda mais para a Miss Leblon.
— Eu já imaginava.
— Como?
— Vi vocês se beijando no dia que fomos ao Magic Kingdom. Fora que
o vi literalmente te atirar de um barco, isso diz muitas coisas.
Esfreguei meu olho direito, limpando o resquício de lágrima, enquanto
sorria.
— Era para ser só um combinado entre nós dois. Eu o ajudaria a
conquistar a professora dele e ele me ajudaria com o Gae... — Parei de falar
ao perceber o que tinha falado e para quem tinha falado.
Ergui os olhos, assustada.
— Tudo bem, pode continuar. Não tem problema.
Helena tinha uma paciência de Jó. Eu já teria voado em quem falasse
isso do meu homem.
— E eu não sei o que aconteceu, juro para você! — Funguei e ri ao
mesmo tempo. Era uma piada aquela situação. — De repente ele não era só o
irmão inteligente e estupidamente arrogante da minha amiga, sabe?
Helena assentiu.
— Antes de continuar, preciso deixar bem claro uma coisa aqui. —
Endireitei minha coluna para soar mais responsável. — Eu não tenho mais
nenhum interesse no Gael. Isso foi coisa de criança, tá?
— Não aconteceu no mês passado? — Helena cruzou os braços, tirando
sarro da minha cara.
Que grande vaca!
— Vamos parar com esse assunto, por favor? Eu já morro de vergonha
toda hora que olho para ele, basicamente vou carregar para o resto da minha
vida esse constrangimento.
— Como queira, Pietra. — Ela queria sorrir, mas baixou o pescoço para
o peito, mordendo o lábio para não fazê-lo. — O que aconteceu entre você e
Bernardo?
— Ele disse que me ama. E eu surtei.
Helena tentou segurar uma careta, mas eu vi muito bem a surpresa
refletida em sua pele excessivamente lisa para uma senhora de idade.
Brincadeira, Helena era muito bonita. Sua pele tinha aquele tom de quem
passa as férias de verão na Croácia e Réveillon em Trancoso. Dava para
sentir o cheiro de dinheiro de longe.
— Por que você não o ama de volta?
— Porque eu nunca cheguei nessa parte com alguém — confessei. —
Sou boa em conquistar, em deixar um cara louco. Mas o que vem depois, eu
não sei. Porque nunca deixei ninguém passar de certo ponto.
— E o Bernardo passou?
Confirmei com um aceno.
— Eu estou com medo.
Helena esticou os braços e tocou meus joelhos, fazendo um carinho
delicado. Olhei para aquele gesto simples, mas que significava muito para
mim. Estava sensível, carente, qualquer gesto era importante.
— Você falou isso para ele?
— Não. Porque eu não sei o que sinto.
— Querida, você ficaria um dia todo amuada em um balanço por
alguém que não gosta?
Eu odiava pessoas que chamavam as outras de querida, mas com
Helena não parecia falso. Tinha um tom amoroso, quase maternal.
— É complicado. Tem a Pérola e o Gael...
— A Pérola não sabe?
— Não. E ela surtaria. Nunca mais falaria comigo por tudo o que fiz
nos últimos tempos. Eu beijei o pai dela e depois de um mês estava dando
para o irmão del... Espera, desculpa por falar que beijei o Gael. Eu estava
bêbada e foi horrível, me descul...
— Pietra, ele me contou. Está tudo bem!
— Ele te contou? — choraminguei.
— Contou. — Helena riu e eu quis chorar.
Até chorei um pouco, confesso. Que vexame, Pietra! Que vexame!
— Há quanto tempo vocês estão juntos?
— Oito meses.
Seu rosto se iluminou ao falar aquilo. Helena parecia muito feliz com
Gael. E ele também merecia estar com alguém que gostasse e o fizesse feliz.
— E eu sei o que você sente em relação a Pérola, porque é o que sinto
também. Não tem ninguém nesse mundo que ela odiaria mais do que eu se
descobrisse a verdade.
— Ela gosta de você.
— Como uma amiga, alguém distante, não alguém que pode ocupar um
lugar que tem grande importância para ela.
Cocei o nariz, percebendo o quanto o assunto a abalava. Aquela
conversa estava esquisita. Até demais.
— Gael merece encontrar alguém legal, sempre disse isso para Pérola,
para o próprio Gael e Bernardo. Ah, Bernardo sabe sobre vocês.
— Ele sabe? — Seu desespero foi evidente.
— Sabe. E ele concorda comigo que Gael merece ser feliz. A Lana foi
uma grande vaca com ele, convenhamos.
— Pietra!
— Fica entre nós! Shhhh...
Eu a acompanhei na risada. Helena acariciou mais uma vez meu joelho.
— Como ela é?
— Lana? — Pensei um pouco antes de falar, porque não tinha uma
opinião formada ainda. — Ela só é humana, sabe? Quando coisas assim
acontecem, eu sinto que demonizamos as pessoas. A imagem que eu tinha
dela era outra, como se tivesse chifres e comesse criancinhas no café da
manhã. Mas, ela é uma mulher normal, que fez escolhas erradas e arca com
as consequências disso.
Helena pareceu me olhar com admiração, algo que estranhei.
— Você está certa.
— Eu sei, Miss Leblon. — Pisquei, brincalhona.
— Miss Leblon? — Sua surpresa foi engraçada.
— Qual é, você respira Leblon. Apartamentos de frente ao mar, bossa
nova tocando em seu sistema de som de quatrocentos mil reais enquanto
espera suas amigas para um brunch de domingo regado a champanhe, caviar
e presunto de Parma.
Helena caiu na gargalhada, chegando até mesmo a inclinar a cabeça
para trás.
— Pietra, eu nasci em Belford Roxo. Nunca morei no Leblon.
Não, impossível. Impossível!
— Belford Roxo?
— Sim.
— Não, impossível!
— Estudei em escola pública a minha vida toda, minha mãe era
empregada doméstica, nunca conheci meu pai. Passei no vestibular da UFRJ
e só depois de formada, que finalmente consegui ter algo meu.
Fiquei envergonhada por tê-la julgado daquela forma cruel. Ninguém
merecia ser rebaixada à adoradora de Lulus da Pomerânia.
Tenho preconceito com esse cachorro e não nego.
— E sabe de uma coisa? — Helena levantou da mesa e acabou por se
sentar ao meu lado no balanço. Algo que me deixou chocada. — Eu vejo
tanto de mim em você. Esse brilho no olhar de quem quer conquistar o
mundo.
— Sério?
— Sério, Pietra. — Sua mão tocou em uma mecha de cabelo meu. — E
posso te dar um conselho? — Balancei a cabeça. — Seja gentil com você,
porque dificilmente alguém será. E quando encontrar alguém que seja, não
tenha medo de viver algo bonito, leve e saudável.
Fiquei balançada pelas palavras que eu mais precisava ouvir virem da
pessoa que estava no ranking das que eu mais detestava. Logo atrás de donos
de Lulu da Pomerânia, pessoas que andavam devagar no shopping e gente
que deixava lixo na praia.
— Você não teve medo? — perguntei.
— Eu vivo com medo de colocar tudo a perder, de sabotar o primeiro
relacionamento bom que eu tenho, de não ser quem ele precisa.
Era exatamente isso que eu sentia em relação a Bernardo.
— Eu fui casada desde os meus vinte anos — Helena continuou a falar,
sua voz embargando. — E acreditei que aquele tipo de relacionamento era o
que merecia. E não era, nem perto. Acabou comigo em um hospital com uma
perna quebrada, olhos inchados e uma medida protetiva. E não sabemos
reconhecer o amor, porque nunca fomos ensinadas a amar.
Quando dei por mim, estava chorando. Helena passou um braço sobre
meus ombros, consolando-me sendo que era ela que deveria ser consolada.
— Não sei o que você passou em sua vida, tampouco se existe algum
trauma que você carrega, mas escute a voz de alguém que já esteve em seu
lugar. Há, sim, muito amor dentro de você. Você só precisa acreditar que é
merecedora disso.
Fiz tantos anos de terapia, para descobrir com a Miss Belford Roxo que
fui condicionada por anos dentro da casa dos meus pais a acreditar que amor
era sofrimento. Amor era uma prisão, uma tortura. Algo que doía, que
destruía e matava. E só fui entender ali, balançando com a mulher que
roubou uma sandália de minhas mãos, que não era.
O amor estava na forma como minha avó me acordava, enchendo meu
rosto de beijos. No sorriso cúmplice que Pérola me dava. Quando Gael
colocava um prato cheio de comida na minha frente. Eu vi amor quando
respirei fundo ao sair do prédio da produtora, cansada, querendo desistir de
tudo, mas lembrando que aquilo o que eu fazia durante anos foi um sonho
distante. Na forma como Pérola, Bernardo e eu nos apoiávamos nos piores
momentos, fosse naquela noite terrível em que Iago morreu ou quando
descobrimos que Pérola estava grávida.
E o amor estava ali em cada momento em que Bernardo e eu não
estávamos discutindo, ou nos provocando ou tirando sarro da cara do outro.
Na verdade, acreditava que até isso era amor. Estava em nossas conversas,
nos filmes, na forma como nos apoiávamos, na confiança que ele tinha em
mim, em todos os momentos.
E não dava para ter medo disso, porque todo esse conjunto de coisas era
o que me fazia ser quem eu era hoje.
— Helena, você pode me ajudar em uma coisa?
Joguei o saco de lixo na lixeira nos fundos do estacionamento do píer.
Fiquei mais de três horas arrumando toda aquela bagunça que criei por nada
dentro do veleiro. Fiquei arrependido do pensamento um segundo depois.
Não era porque Pietra não sentia o mesmo que eu que ela não merecia
ser tratada da melhor forma possível. Um momento não deveria anular todos
os outros que vivemos.
Só consegui pensar assim depois de uma madrugada em claro e poucas
horas de sono, depois de muita luta para finalmente descansar. Foi inevitável
sentir raiva dela. E depois ficar triste. Depois decepcionado. E depois
entender que quem errou fui eu, ela desde o começo deixou tudo muito
claro.
Eu nem de longe era o tipo de Pietra. Já sabia disso há... O quê? Oito
anos? Nove? Ainda assim, existiram momentos em que eu acreditei que
fosse possível.
Fechei a lixeira e destravei o carro, suspirando ao sentar no banco.
Precisava voltar para casa antes que meu pai desconfiasse de algo. Só não
estava preparado para ver Pietra ainda.
O terror da minha vida era me tornar a piada novamente e eu dei toda a
munição para que Pietra fizesse isso. Ela poderia contar sobre o que fez em
suas férias de verão para todos seus amigos, sobre a aventura de tirar a
virgindade de um grande babaca. Diego, o idiota que estudou conosco na
escola, adoraria essa história.
Quando cheguei ao apartamento, estava vazio. Sem sinal de Pietra ou
Pérola. Meu pai provavelmente estava no restaurante. Fui para meu quarto e
a primeira coisa que percebi foi que Pietra tinha dormido ali. Meu edredom
não estava alinhado da forma como deixava todas as manhãs e as sandálias
que ela usava ontem, estavam na beirada da cama.
Tomei um banho demorado, torcendo para que a água levasse minha
vergonha. E enquanto escovava os dentes na pia, olhei para meu reflexo no
espelho. Olheiras cinzas marcavam meus olhos de uma forma que nem as
piores fases da faculdade, quando não tinha tempo nem de comer ou respirar,
deixaram. Minha aparência estava péssima.
Peguei o potinho do enxaguante bucal que Pietra deixou ali e o utilizei
para colocar o líquido e fazer o bochecho, observando o quanto de coisas
dela tinham na minha bancada. Seu perfume, que finalmente descobri que
era de coco, estava ali. Eu amava aquele cheiro açucarado em sua pele. A
maquiagem se misturava com as minhas coisas e toda aquela bagunça era
estranhamente satisfatória para mim.
Meu celular apitou e olhei para a tela, vendo uma mensagem de meu
pai.

Estranhei a mensagem, até porque sabia que de domingo era o dia de


maior movimento no restaurante, não entendi por que meu pai queria ir a
outro restaurante. Talvez para analisar o cardápio de algum concorrente?
A verdade era que não tinha vontade alguma de sair de casa, mas era
melhor estar com meu pai, do que fugindo de Pietra pelos cômodos deste
apartamento.
Descansei por algum tempo, aproveitando que tinha tempo antes de ir
para o restaurante. Ficava ali em Bal Harbour mesmo. Não o conhecia
ainda, mas só pela fachada dava para ver que era um lugar bonito, à beira-
mar, com decoração mediterrânea.
Informei à recepcionista que meu pai tinha reservado uma mesa e ela
foi solícita, um pouco animada demais até. Passamos pelo salão e achei
esquisito ela estar me levando ao deck de madeira, com cordões de luz
amarelas e vista para o mar. O céu estava no fim do crepúsculo, quase em
um tom roxo, minutos antes de anoitecer por completo.
— Sua mesa é aquela ali. — A recepcionista apontou para a mesa no
meio do gazebo decorado com luzes e velas, muito parecido com a
decoração que fiz para Pietra ontem no veleiro.
Foi um gatilho terrível, inclusive.
Meu grau de miopia deveria ter aumentado, porque eu mal conseguia
enxergar meu pai à mesa. Deveria ser por isso que eu estava com dor de
cabeça nos últimos dias.
Atravessei a passarela de madeira e percebi a quantidade de flores em
cima da mesa. Será que a garçonete não tinha se enganado?
— Todo garoto também merece um jantar com flores e velas.
Dei um passo tão rápido para trás, que bati no guarda-corpo de madeira
do gazebo.
Pietra levantou da cadeira com um sorriso nervoso. Seu vestido era a
coisa mais comportada que já a vi vestir. Era acinturado, o comprimento
parava no meio de suas panturrilhas. Ela também estava bem alta, por conta
da sandália de salto que usava. Os cabelos estavam lisos, caindo escorridos
por suas costas.
— O que é isso?
Tinha flores, tinha velas e uma mesa posta. Ela estava enlouquecendo?
— Um pedido de desculpas.
Pietra se aproximou, as mãos entrelaçadas e caídas pelo quadril. Seus
olhos estavam afoitos e brilhantes.
— Cadê meu pai?
— Não tem jantar com ele, só comigo. — Coçou o couro cabeludo. Era
seu tique nervoso. — A Helena mandou a mensagem do celular dele.
— Pietra, eu não estou entendendo nada.
Ela tinha me deixado sozinho ontem, tinha surtado pela coisa mais
sincera que já disse para alguém. Só eu sei o quanto exigiu de mim.
— Desculpe por ontem, eu... Eu simplesmente travei. — Juntou os
ombros, deixando seu decote mais visível. Precisei ser forte para não olhar.
— Eu sou lenta, você sabe muito bem disso. Demorei muito mais que toda
nossa sala a aprender frações, descobri esses dias que Star Wars e Guerra nas
Estrelas não são filmes diferentes e precisei fazer uma lista no bloco de notas
do meu celular para me lembrar dos principais gênios da Humanidade para
zoar com a sua cara. Eu não sou esperta como você, sempre soube disso,
mas ontem foi a primeira vez que saber disso me deixou mal.
— Você é esperta, si...
Nem consegui terminar de falar, porque ela me interrompeu.
— Se fosse esperta, teria percebido antes o que eu sinto por você.
Os lábios dela tremeram, assim como o maxilar. Um movimento sutil,
mas que indicava o quanto estava nervosa.
— O que você sente? — Fui cauteloso, tentando não criar expectativas.
— Sinto que sou eu mesma quando estou com você. Não uma cópia da
Pérola ou a Pietra que tenta se encaixar e nunca sente que está no lugar certo.
E me assusta demais sentir isso, entende? — Pietra fungou, os olhos se
tornando cristalinos. — Assusta que meu lugar favorito seja ao lado de
alguém. Seja ao seu lado, Bernardo.
Meu cérebro entrou em colapso naquele exato momento. Como em
Divertidamente, que assistimos com meu pai três dias atrás. A sala de
controle entrou em pane. Os alarmes foram ativados. Conseguia sentir
metade dos meus neurônios em pânico e a outra metade chorando em um
canto, todos aterrorizados.
Pietra estava falando o que eu estava entendendo que fosse?
— Você também é meu lugar favorito, Pietra.
Seus lábios grossos se separaram, a respiração parecia estar caótica ali,
assim como a minha.
— Eu não sei onde isso vai dar, não tenho garantias, não sei nem quais
são meus limites, mas eu queria te falar que é real para mim também. Estou
apaixonada por você e todos seus pequenos detalhes. Do momento em que
você acorda com o cabelo todo bagunçado ao momento em que você dorme
com o nariz no meu pescoço. Gosto de você lendo seus livros difíceis, da
forma como tem todas as respostas para qualquer pergunta, da forma como
me olha. Bernardo, eu gosto de tudo em você, até do que eu não gosto.
Comecei a rir feito um bobo e puxei Pietra pela cintura. Não aguentava
mais ficar separado dela. Ela começou a rir, mesmo que claramente
segurasse o choro. Acariciei com a ponta do polegar a linha de sua
mandíbula, precisando tocá-la para ver se aquele momento era real. Porque
não parecia.
— Você foi, é e sempre será a garota dos meus sonhos.
— Até quando judiava de mim?
Ela provocou. Era seu passatempo preferido.
— Nunca judiei de você.
— Nunca mesmo.
Ela finalmente admitiu! E eu nem pude comemorar minha vitória,
porque Pietra puxou a gola de minha camisa e me beijou.
Eu não sabia o que significava aquilo, tinha até medo de perguntar e ela
escapar novamente. A única coisa que importava, era que eu sabia que era
recíproco. Algo que nem em dez milhões de anos eu pudesse imaginar que
aconteceria.
A garota dos meus sonhos também gostava de mim.
E aquilo parecia o fim de uma história de comédia romântica, mas era
apenas o começo.

Nosso jantar foi perfeito, mas confesso que a parte que eu mais gostei
foi o pós-jantar. Pietra me chupou durante toda a volta até o apartamento,
não sei nem como chegamos vivos àquela garagem.
— Não, vamos subir... — Desvencilhei-me de seu beijo assim que
estacionei na vaga. — Bruno não aguenta ver esses sex tapes na garagem.
Pietra resmungou, mas acabou saindo de cima de mim.
— Sabe que não cumprimos nada daquele contrato, não é? — Seu olhar
era vago e pensativo. — Nós nos apaixonamos, fingimos que camisinha não
existe, gravamos umas vinte sex tapes só nessa garagem. Foi uma catástrofe!
— Pelo menos ninguém sabe — ponderei.
— Eu contei para a Helena hoje. — Deu de ombros. — Bem, seu pai
ainda é proibido para mim.
— É, não é? — Fuzilei-a com o olhar, escutando sua gargalhada alta. —
Continue assim, para todo o sempre.
— Totalmente proibido. Não sei nem quem é ele.
Tirei seu pés do chão, escutando os gritinhos assim que a joguei nos
ombros e dei um sonoro tapa em sua bunda.
— Pelo menos a cláusula sobre a sua bunda está intacta. Ainda.
Pietra tentou levantar, mas eu dei um beliscão bem ali.
— Tem vinho em casa, não tem?
Mordi o lábio e entrei no elevador ainda com ela no colo. Grudei seu
corpo na parede metálica e escorreguei a mão por debaixo de seu vestido,
introduzindo dois dedos de uma vez. Pietra estava molhada, quente e
receptiva. Esfreguei seu clitóris com o polegar, sem muita delicadeza. Ela
gemeu em meu ouvido e a língua percorreu o caminho de minha mandíbula
até o queixo, onde deixou uma mordida.
Eu queria a foder ali naquele elevador, mas infelizmente ele era rápido
demais. E em segundos já estávamos no andar do apartamento.
Soltei Pietra no chão, escutando alguns resmungos inaudíveis dela.
Passamos pela sala rapidamente, mas ela parou em frente ao quarto de
Pérola, fazendo uma careta.
— Está ouvindo?
Tentei me concentrar no barulho e quase ri ao perceber que mesmo
sendo muitíssimo menos depravado do que ela fazia com Tato ali semanas
atrás, ainda era aterrorizante.
— Me tire daqui se ainda tiver qualquer plano de transar comigo.
Precisei tapar a boca para não gargalhar com o desespero de Pietra em
me empurrar para dentro do quarto.
Fiquei feliz por ter ela ali novamente. Pietra combinava com meu
quarto. Combinava comigo.
— Quer tomar um banho comigo? — ofereceu, cheia de segundas
intenções.
— Quero. Quero muito. Demais.
Ela riu e saiu correndo para o banheiro. Dessa vez, ligou a torneira da
banheira e enquanto esperava, foi se desfazendo de suas roupas. Admirei seu
corpo, a forma como mesmo fazendo coisas absolutamente comuns, ela
parecia a personificação de uma deusa. Nunca tinha visto alguém tão bonita
quando Pietra. Não existia nada nela que não fosse absolutamente perfeito.
Ela ergueu os olhos, sabendo muito bem que eu a admirava.
— Me dê um pouco de felicidade e arranque essa roupinha.
Mesmo envergonhado, eu fiz o que ela mandou. A cada peça que tirava,
jogava em Pietra só para descontrair. E ela comemorava como se eu fosse
uma stripper. Joguei, por fim, a cueca no rosto dela, que rodopiou no dedo.
Aproveitei para escovar os dentes antes de entrar na banheira.
— Já falei que sua bunda é uma delicinha? — Pietra resolveu que era
prudente me dar um tapa na bunda.
— Obrigaru — resmunguei com a boca cheia de espuma.
Ela desviou a atenção de mim só para ver o celular que tinha recebido
uma mensagem. Enxaguei a boca e peguei o copinho para fazer o bochecho
com o enxaguante bucal.
— Bernardo, que porra é essa?
Pietra gritou. Ela não só gritou. Ela berrou. Algo que não fazíamos ali,
porque era um segredo tudo o que acontecia no quarto. Mas ela pareceu se
esquecer desse detalhe e vir para cima de mim, estapeando o copinho na
minha mão.
— O que foi? — Cuspi tudo na pia, sem entender nada.
— O que você está fazendo? — perguntou, os olhos quase saltando de
seu rosto.
— Fazendo um bochecho.
— Com o meu coletor menstrual?
Paralisei, sem conseguir entender.
— O que é um coletor... — Parei de falar, porque o nome já era bem
explicativo. — O copinho?
Apontei para o objeto que descansava na pia.
— Há quanto tempo você está usando isso?
— Umas duas semanas, eu acho. Desde que você colocou tudo aqui.
Pietra começou a rir alto, tão alto que até se dobrou sobre os joelhos.
Eu realmente tinha usado aquilo por semanas, duas vezes ao dia.
— Bernardo, pelo amor de Deus! — Lágrimas escorriam por seus
olhos. Ela estava até sem fôlego. — Você pode construir foguetes e não sabe
o que é isso?
Eu estava dividido entre rir com ela ou escovar meus dentes novamente.
Ou duas. Ou sete vezes.
— Eu achei que era um copinho reutilizável, para salvar golfinhos,
tartarugas ou sei lá.
Pietra me abraçou, o corpo ainda tremendo pelas risadas.
— Oh, lindo... — A forma como me chamou, fez até com que me
esquecesse do que tinha feito. — Acho que você caiu na maior amarração de
amor da história.
Ela continuou abraçada comigo, acariciando minhas costas para me
consolar.
— Tudo bem, não deve ser tão ruim assim ficar o resto da vida com
você.
Aquele olhar que Pietra me deu, nem em mil anos eu esqueceria. Foi o
momento em que ela soube que aquilo entre nós poderia ser mais do que
real, poderia ser algo duradouro. Algo ao qual fizesse sentido lutar.
Beijei o topo de sua cabeça e, para não criar um clima estranho entre
nós, a segurei pela cintura e entrei com ela na banheira. Sentei e estiquei
minhas pernas, a água quente fazendo milagres por meus músculos doloridos
após uma noite em claro repensando que eu tinha perdido a garota que
amava, que agora estava ali, engatinhando na água até ficar na minha frente.
Eu conhecia aquele olhar malicioso. Sabia o que viria a seguir.
Só não esperava que fosse um alarme insuportável, soando tão alto que
Pietra se afastou em um pulo, tapando os ouvidos com as mãos.
— É o alarme de incêndio — falei, em alerta.
Ergui meu corpo da banheira e puxei Pietra comigo.
— Puta que pariu!
Peguei a toalha e enrolei em seu corpo, puxando outra para enrolar em
minha cintura. Pietra estava trêmula e eu precisei pegar sua mão e a primeira
camiseta que estava mais próxima no closet.
Pensei em pedir para ela se vestir, mas o alarme ficou ainda mais alto e
eu concluí que deveríamos sair dali antes que fosse tarde demais.
Abri a porta com tudo e puxei Pietra comigo e foi ali que vi quatro
pares de olhos no corredor. Pérola e Bruno estavam na porta do quarto da
minha irmã. Ele estava de cueca, Pérola de lingerie. Eles eram observados
pelos olhos arregalados de meu pai, de mãos dadas com Helena, que vestia
uma camisola preta.
Olhei para Pietra e seu rosto estava pálido, seu corpo molhado e a
toalha sendo segurada pela mão que não estava entrelaçada à minha.
Existiam coisas que eram impossíveis de serem explicadas. Nós todos
naquele corredor, era uma delas.
Mentiras eram coisinhas engraçadas.
Nós as contávamos todo momento e sabíamos o quão prejudicial
podiam ser, mas acreditávamos que tínhamos o poder de comandar nossas
vidas e ir caminhando pela corda-bamba.
Até um incêndio no décimo quinto andar fazer com que tudo fosse
pelos ares.
— O meu irmão? Isso é sério? — Pérola gritou na escada de
emergência.
Eu estava sem ar. Fazia um mês que não pisava em uma academia,
quanto mais descer lances e mais lances de escada com fumaça tóxica e
desespero no peito. Era irracional ter mais medo da minha amiga do que de
um incêndio?
— Pérola, continua descendo e poupa seu oxigênio — Bernardo a
cortou.
Precisava falar que ele era muito corajoso por estar nos guiando e ainda
segurando minha mão. Eu já teria corrido para longe se não fosse ele. Estava
com medo da cara de Pérola e a de Gael também era péssima.
— E você, hein? Que grande falsa, Helena! — Pérola não se aguentava
quieta.
— Pérola, continua descendo. Vamos conversar lá embaixo.
Decidi não abrir a boca nunca mais, porque Gael estava sério de uma
forma que nunca vi.
Encontramos com outras famílias que também evacuavam o prédio e
em ordem, com a ajuda dos bombeiros, fomos até a rua.
Respirar ar puro foi um acalento para meu corpo trêmulo.
— Está tudo bem?
Bernardo segurou meu ombro e eu assenti prontamente. Alguns
paramédicos estavam a postos, mas não foi necessário. Fiquei ao lado de
Bernardo, que era o único que não me assustava naquele momento. Porém,
não demorou até que Gael e Helena se aproximassem, trazendo Pérola e um
envergonhado Bruno com eles.
— Ok, podemos falar sobre isso? — Pérola falou alto, apontando para
nossa rodinha.
A situação era caótica. Bernardo e eu estávamos de toalha. Helena
estava com a camisola mais indecente que já vi alguém usar. Gael era o mais
vestido de todos nós. E Pérola que também não estava em condições de
julgar, era a que mais surtava.
— O que você estava fazendo com nosso porteiro no quarto, Pérola? —
Gael apontou para Bruno, que tentava tapar o volume da cueca fazia dez
minutos.
— E o que você está fazendo com sua advogada no quarto, pai? — ela
falou três vezes mais alto.
Bernardo respirou fundo e puxou minha mão novamente para a dele.
Algo que não passou despercebido para Pérola.
— Essa é a maior traição que já vi na minha vida. — Seus olhos eram
pura decepção para nós.
— Amiga, eu...
— Não fala comigo! Você prometeu para mim que não ficaria com ele!
— Você a fez prometer isso também? — Bernardo deu um passo para
frente, falando sério com a irmã. Nunca o vi falar assim com Pérola.
— Ela... Ela também te fez prometer? — perguntei.
Ele assentiu.
— Qual é o seu problema, Pérola? — Agora eu fiquei brava.
Dei dois passos e senti a mão de Helena segurar meu ombro.
— Vocês não se suportam. O que você iria querer com meu irmão,
Pietra? Você troca de cara como quem troca de calcinha, ele é a porra de um
virgem bobo!
Eu juro que senti vontade de avançar em Pérola e esfregar seu rosto no
chão, mas lembrei que ela estava grávida e eu não poderia fazer isso. Mas
era só esse motivo que me segurava mesmo.
— Será que você consegue ter um pouco mais de respeito com sua
amiga? Ou ela só é interessante para você enquanto lambe o chão em que
você pisa? — Bernardo estava perdendo a paciência.
Eu via a forma como suas costas estavam vermelhas. Ele parecia pronto
para viver um Hulk, só que vermelho.
— Vamos ver então se você vai continuar a defendendo depois que ela
acabar com você, brincar com seu coração e te deixar no chão.
— Pérola, se acalma. Não é para tanto. — Bruno segurou a cintura de
Pérola, afastando-a de Bernardo. Eles estavam prontos para se
engalfinharem. — E eles se gostam, sim.
— Você sabia disso? — Os olhos irados de Pérola agora foram
direcionados para Bruno.
— Sabia. E antes Bernardo, do que o seu pai.
Eu quis cavar um buraco com minha própria testa naquele momento.
Quis que começassem a revolução das máquinas e os robôs
dominassem o mundo.
Quis que a porra de um meteoro caísse bem no meio do meu rabo
daquele exato momento.
— O que você fez com meu pai, Pietra?
Ninguém conseguiu segurá-la a tempo e, quando vi, Pérola já me
chacoalhava para todos os lados.
— Pérola, calma! Você não pode ficar nervosa. — Tentei segurá-la, mas
não conseguia, porque ou era minha toalha ou ela.
— O que você fez com a minha amiga?
Agora seu ódio era voltado para Gael.
— Nada! Eu não fiz nada! — O coitado estava desesperado.
— Você consegue ser sincera uma vez na sua vida? — Pérola voltou
sua atenção para mim.
— Eu... Eu... beijei o seu pai. Uma vez. Juro! — Precisei confessar com
os olhos fechados, porque estava com muita vergonha. De Gael, da minha
amiga, dos vizinhos que escutavam toda aquela discussão e principalmente
por Bernardo escutar aquilo. — Ele não fez realmente nada. Eu que confundi
tudo... porque eu... — comecei a gaguejar. — Eu gostava dele.
Consegui deixar Pérola quieta por mais que dez segundos. Foi uma
vitória.
Busquei o olhar de Bernardo, que estava fixo no chão. Sua mão ainda
continuava entrelaçada à minha, mas eu me senti péssima por falar aquilo.
— Como assim, gostava? Você não disse que só estava bêbada? —
Gael perguntou.
Queria chorar. Tipo, muito. Rios de lágrimas. Encher uma piscina.
— Eu fiz um combinado com Bernardo. Eu o ajudaria a conquistar uma
professora que ele gostava e ele me ajudaria a ficar com você — confessei,
meu coração apertado.
Será que estava tendo um infarto?
Gael abriu a boca e depois fechou. E quando resolveu falar, seu olhar
era direcionado para Bernardo.
— Bernardo, isso é sério demais. Ela está brincando com você.
Neguei com a cabeça, sem conseguir segurar a lágrima que fazia meu
olho arder. Eu poderia ouvir qualquer coisa, menos que brinquei com
Bernardo. Porque não fiz. Nunca fiz. Ele sabia de tudo desde o começo, foi a
única pessoa que não menti uma vez. Em absolutamente nada.
— Eu não menti para ele. — Meu choro se intensificou.
E a única pessoa que me ofereceu colo naquele momento, foi Helena.
Ela puxou meus ombros e beijou minha têmpora.
— Todo mundo mentiu para todo mundo aqui. Culpar Pietra por todas
essas mentiras é cruel — Helena me defendeu com calma na voz, habilidade
adquirida provavelmente em sua profissão.
Eu teria medo de desafiá-la em uma corte.
— Ah, mas faça o favor! — Pérola começou a rir, exaltada. — Não
entendeu que ela queria pegar seu homem, não?
— Pietra me falou desde o primeiro momento sobre o que sentia, assim
como depois também falou sobre como esse sentimento não era real.
Funguei e me senti protegida em seus braços. Arrisquei olhar para
Bernardo e ele estava desolado. Eu imagino que não deva ser nada fácil
escutar aquelas coisas sobre a garota da qual gostava.
— Você sabia disso? — Gael perguntou.
— Sabia. Ela é uma boa garota, Gael. Só estava confusa.
— Uma boa garota? Ela tentou pegar meu pai e depois que não
conseguiu foi dar para meu irmão. Isso é coisa de vagabunda!
Toda a raiva que eu sentia de Pérola cinco minutos atrás, virou
decepção. Segurei o braço de Helena que repousava em meu peito, temendo
que eu caísse no chão.
Pérola era a pessoa que eu mais amava. Ela era uma irmã, era a pessoa
que eu confiava. Daria tudo que tinha para fazê-la feliz. E no primeiro erro
que cometi, não tive o mínimo de afeto ou compreensão.
— Sabe o que é coisa de vagabunda, Pérola? Enganar o próprio pai
dando durante meses para o melhor amigo dele. — Bernardo nunca elevava
o tom da voz e vê-lo fazer isso me deixou em choque. — Coisa de
vagabunda é engravidar desse homem e agora usar um cara legal como
prêmio de consolação, já que você nem queria sair com ele, porque ele é
pobre, não era?
Bernardo foi longe demais. Além de todos os limites. Ele viu o limite e
o chutou para Marte.
Pérola perdeu todo seu entusiasmo de arranjar briga comigo e começou
a chorar.
O abraço de Helena se tornou frio, Bruno estava claramente
decepcionado.
— Que amigo? — Foi tudo o que Gael perguntou.
Pérola negou com a cabeça.
— Que amigo? — repetiu entredentes, ele estava a um pingo de surtar.
Pérola tapou o rosto com as mãos, chorando alto.
— Que amigo, Pérola? — Gael berrou.
Éramos a atração da rua. Ninguém mais dava a mínima para o fogo que
consumia o apartamento lá em cima. A novela brasileira aqui era bem mais
interessante, mesmo que não entendessem uma palavra.
Sem bem que, pelos olhares, a maioria estava entendendo sim.
— Tato... — A voz de Pérola era um miado.
— Você está grávida dele?
A forma como Pérola caiu na calçada, abraçando as pernas e chorando
com total descontrole, confirmou tudo o que ele precisava saber.
Gael perdeu qualquer controle e começou a chutar uma árvore. Uma.
Duas. Três. Incontáveis vezes, até desabar no chão. Bernardo foi o primeiro
a ir ajudá-lo, porque Helena e eu estávamos paralisadas.
Bruno tentou tirar Pérola do chão, mas ela recusou qualquer contato
com ele. Respirei fundo, guardando a mágoa e aquela decepção absurda que
sentia de Pérola, para ir até ela. Ela podia não me amar mais, mas eu a
amava. E sempre amaria.
Ajoelhei na sua frente e toquei no braço direito. Pérola recuou com o
toque, mas ergueu a cabeça. Vi seus olhos vermelhos e inchados, o rosto
lavado pelas lágrimas.
— Sai de perto de mim.
— Não — fui firme. — Você pode me odiar agora, está tudo bem. Só
não pode querer que eu te deixe sozinha nesse momento.
— Sabe o que eu mais amava em você, Pietra? — Pérola inspirou o ar,
mas acabou só fazendo um barulho alto com o nariz entupido. — Sua
sinceridade.
— Eu não quis te magoar, amiga.
— Não somos mais amigas. Estou falando muito sério com você. —
Sua mão tocou a minha para me empurrar, repelindo o toque. — Você mexeu
com as duas pessoas que eu mais amo na minha vida. A única coisa que pedi
para que não fizesse.
— Eu estou apaixonada pelo Bernardo.
Comecei a chorar, meu peito ardendo pela angústia.
Eu tinha mentido, tudo bem. Mas porque diabos eu não poderia ter o
direito de gostar de Bernardo? Por que ele era superior? Mais inteligente?
Mais rico? Se ele me aceitou do jeito que eu era, com todo meu passado, por
que os outros também não conseguiam ver isso?
— A única pessoa por quem você é apaixonada é por você mesma,
Pietra. — Ela soltou um risinho de puro escárnio. — Porque se tivesse o
mínimo de respeito pelo meu irmão, saberia o quão doente está sendo de
expô-lo nessa situação, depois de tudo o que fez com meu pai.
— Foi só um beijo, Pérola.
— Faz um favor para mim?
O tom de voz calmo de Pérola encheu meu coração de esperanças.
— Sim, claro!
— Não fala mais comigo. Por favor, pega as suas coisas e vai embora
da minha casa.
Tombei para o asfalto, como se Pérola tivesse me dado uma bofetada.
Talvez se ela tivesse dado fosse melhor do que isso.
Não sei o que Bernardo falou para Gael, mas agora ele parecia ainda
mais descontrolado. Ele se aproximou e pegou Pérola pela mão, obrigando-a
a levantar do chão.
Helena tocou meus ombros, desviando minha atenção do chão. As luzes
avermelhadas do carro de bombeiros era a única coisa que eu conseguia
focar. Era a única coisa que parecia indicar que ele aquele momento era real.
— Posso te levar para a minha casa?
Neguei com a cabeça.
— Querida, acho melhor você deixá-los sozinhos um pouco. Vem
comigo, vem.
Helena me ajudou a levantar do chão, arrumando o nó da toalha para
que ninguém visse nada a mais ali. Seu braço sustentou minha cintura para a
calçada.
— Pietra?
Ergui os olhos ao escutar meu nome, cheia de esperanças. Era Bruno.
— Oi.
— Você não fez nada de errado, viu? — Tocou meu braço, fazendo um
carinho de leve ali. Entrei em pânico que Pérola visse aquilo, ou Bernardo,
ou Gael, ou qualquer um que pudesse ver e julgar que estava fazendo algo de
errado. — Não é vergonha nenhuma se apaixonar por alguém.
Bruno deu um beijo em minha testa, para depois se despedir com um
aceno. Helena continuou me abraçando até que conseguiu um táxi.
Espiei Bernardo, vendo que conversava dessa vez em um tom mais
controlado com Pérola e Gael, que parecia um pouco menos próximo de um
AVC. Helena abriu a porta de trás do carro, oferecendo espaço para que eu
entrasse.
Bernardo ergueu os olhos e deixou o pai e a irmã de lado para correr até
onde eu estava.
— Onde está indo?
Tinha uma preocupação genuína em seus olhos, que fez com que eu
tivesse vontade de chorar mais uma vez.
— Para a casa da Helena.
— Mas...
— Fica com sua família hoje, eles precisam de você. — Toquei em uma
mecha de seu cabelo.
— A gente se vê amanhã? — Bernardo esperou minha confirmação,
que não consegui dar.
Ele se aproximou do meu rosto e depositou um beijo de leve. Doeu
beijá-lo, porque eu sentia como se tivesse o machucando a cada segundo que
deixava ficar perto de mim.
Acariciei sua bochecha e me afastei. Seus olhos estavam vermelhos,
talvez não tanto quanto os meus, mas era algo significativo. Fomos do
paraíso ao inferno naquela noite. Eu descobri que sentia coisas por ele que
nunca senti e que não tinha problema algum admitir isso; desde que aquilo
me desse mais filmes de dinossauros, risadas na madrugada, uma conexão
verdadeira e muitos mais dias ao lado de Bernardo. E agora estava eu ali,
olhando para ele como se fosse a última vez que o veria.
Entrei de uma vez e recusei me torturar ao olhar o carro se afastar de
Bernardo. Tudo o que ouvi hoje já foi mais do que o suficiente para acabar
comigo.
Helena não soltou a minha mão até que entrássemos em seu
apartamento. Não ficava tão longe do de Gael, nem era tão grande quanto.
Mas era bonito, bem decorado, com móveis requintados e cores claras.
Ela mostrou o quarto extra onde eu poderia dormir. Emprestou-me um
pijama e disse que amanhã, se quisesse, ela poderia buscar minhas coisas e
eu ficaria ali até que pudesse voltar para casa.
Até Helena já tinha entendido que Pérola me expulsou de sua vida, mas
eu ainda tinha a esperança de que ela só estivesse com raiva de mim e que
amanhã tudo melhoraria.
Pedi para ligar para minha avó, porque era a única pessoa com quem eu
poderia contar. Helena me deixou com o telefone sem fio da sala e antes de
ir dormir, beijou minha testa e sussurrou:
— Você não é nada daquilo do que ela falou. Seu coração é lindo,
Pietra. E ele pode amar quem ele bem entender.
Esfreguei os olhos assim que ela fechou a porta. Eu não parava de
chorar e aquilo era frustrante, porque nunca fui assim.
Demorei um pouco a conseguir fazer a ligação internacional e enquanto
escutava os toques da chamada, pensei se não era muito tarde para
incomodar minha avó, mas ela atendeu depois de quatro toques.
— Oi, vó.
— O que aconteceu, meu amor?
Ela precisou de um segundo para perceber que algo estava acontecendo.
E então eu decidi não esconder nada. Eu nunca mais queria esconder nada de
ninguém.
— Vó, eu estraguei tudo.
Contei sobre absolutamente tudo. Sobre Gael, sobre o beijo, meu
combinado com Bernardo. A forma como me diverti com ele nessas férias,
como se tornou o meu garoto preferido e a forma grandiosa como me
ensinou a sentir. Sem medo, sem barreiras, de coração aberto.
Contei sobre a noite desastrosa, sobre o que Pérola me falou e a forma
como me expulsou de sua vida. Sobre como eu sentia que não tinha mais
chão debaixo de meus pés.
— Venha para casa, Pipi. Você nunca estará sozinha enquanto eu
existir nesse mundo.
Solucei, meu peito tremendo por puro desespero. Estava a um passo de
uma crise de ansiedade.
Eu queria demais ir para casa, mas ainda tinha mais uma semana até
meu voo. Algum tempo depois, eu desliguei, agradecendo por minha avó
aturar todo meu choro e desespero. Fui até o quarto de Helena, bati à porta e
entrei assim que ela autorizou.
— Você me ajuda a trocar minha passagem? Quero ir para casa.
Helena assentiu e bateu no colchão ao lado dela, para que eu sentasse.
Meu celular ficou no apartamento, então não conseguimos achar o código
localizador da passagem para que mudássemos, mas Helena acabou
comprando outra para mim. Agradeci várias e várias vezes para ela, jurando
que eu a pagaria assim que pudesse.
Helena me acalmou, conversou comigo, contou muito sobre sua vida,
até confidenciou que não podia ser mãe e isso a deixava muito mal e foi um
dos motivos por qual seu ex-marido a torturava psicologicamente.
Ela nunca poderia ser mãe, mas naquela noite, foi mais mãe do que
minha mãe em todos os anos que convivi com ela.
Dormi na cama dela, recebendo cafuné e sendo mimada. Acho que nós
duas precisávamos disso depois da noite de hoje.
Amanhã seria um dia melhor. Eu acreditava.
Aquela foi a pior noite da minha existência.
Ter falado que a noite que passei no veleiro, depois de Pietra ter me
deixado sozinho, foi péssima tinha sido um completo erro.
Meu pai estava totalmente surtado por conta da gravidez de Pérola e
assim que o prédio foi liberado pelos bombeiros, ele fez com que
vestíssemos uma roupa e nos jogou dentro do carro.
Fomos até a casa de Tato.
E eu jurei que meu pai fosse matá-lo de tanto que bateu nele. Minha
irmã chorava, eu tentava acalmá-la, ao mesmo tempo em que tentava separar
os dois. Tomei um soco de Tato no processo e quase desmaiei.
Nunca tinha visto meu pai tão furioso, ele parecia um animal selvagem.
O rosto de Tato ficou irreconhecível.
Foi triste ver a forma como ele tratou minha irmã. Como se ela fosse
uma grande oportunista que se aproveitou dele para engravidar. Não uma
garota com muito menos que a metade da idade dele. Quem sairia mais
prejudicada nessa história sempre seria Pérola. Sua vida nunca mais seria a
mesma.
Quando retornamos ao apartamento, já no começo da madrugada,
Pérola correu para o quarto, desolada. Ela só chorava e eu não sabia bem o
que meu pai queria que ela fizesse naquela situação. Eles mal se falavam.
— Bernardo?
Meus ombros ficaram tensos ao escutá-lo me chamar naquele tom sério.
Estava na metade do corredor e retornei à sala.
— Sim?
— Senta aqui.
Resolvi que não era um bom dia para desafiá-lo e fiz o que pediu.
Sentei na poltrona ao lado do sofá onde ele estava.
— Onde está a Pietra?
— Na casa da Helena.
Ele assentiu, pensativo.
— Imaginei que você gostasse da Pietra, eu só não imaginei em que pé
estava a relação de vocês. E eu estou preocupado, porque quem vai sair
perdendo é você, filho.
Eu ri, lutando para controlar a raiva que sentia.
— Vocês me consideram tão patético assim? Como se fosse um coitado
que nunca será amado? Alguém que não merece ter uma relação verdadeira?
Eu não sou uma criança, pai.
Ele endireitou os ombros, esfregando a nuca diversas vezes antes de
erguer os olhos.
— Pietra é muito esperta, ela dobra qualquer um. Ela me convenceu a
acreditar no que ela queria, só com uma carinha inocente. E me preocupa o
que ela faria com você.
— O que ela faria comigo? — debochei. — Desde o começo de tudo,
ela foi sincera comigo. Ela contou sobre o que sentia por você, sobre seu
passado, sobre suas limitações emocionais. Eu entrei nessa com os olhos
bem abertos e, ainda assim, nós nos apaixonamos.
— Filho, garotas como Pietra se apaixonam e desapaixonam em um
piscar de olhos.
— Garotas como Pietra? — Perdi a paciência e comecei a subir de tom.
— Porque vocês falam como se ser livre, fazer o que quer e ser feliz consigo
mesma fosse uma coisa ruim?
— Porque eu também já me apaixonei por uma garota assim e não
terminou bem. Sabe quem paga por isso? Você e sua irmã, porque essa
garota é a mãe de vocês.
Eu odiei meu pai naquele momento. Quis gritar para que ele retirasse o
que disse. Pietra não era igual a minha mãe. Ela era caridosa, pensava mais
no outro do que em si. Pietra era esforçada, trabalhava demais para ser
alguém na vida. Ela não tinha nada a ver com a minha mãe.
— Não é verdade.
— Você tem um futuro brilhante pela frente, não deixe que ela roube
isso de você. E eu só falo isso, porque eu também já estive no seu lugar. Eu
também me apaixonei pela garota mais linda, que fazia com que eu me
sentisse nos céus. Mas isso acaba no momento que o interesse delas tem fim.
E a realidade depois, é dura, cruel e muito dolorosa.
Levantei do sofá e atravessei o corredor como um raio. Bati a porta tão
forte que as janelas até tremeram dentro do quarto.
Joguei meu corpo na cama e apertei as laterais da minha cabeça até que
aquela pressão aliviasse. Choraminguei naquela cama por minutos,
perguntando o que Pietra e eu tínhamos feito de tão errado para todos.
Peguei o pijama de cetim dela, o cheiro era daquele perfume de coco,
doce, igual a ela.
Pietra não era como a minha mãe. Era impossível que fosse.
— Bê?
Ergui a cabeça e encontrei minha irmã parada à porta.
— Posso dormir com você?
Ela caiu no choro. O estado de Pérola estava assustador. Nunca a vi tão
mal assim, nem mesmo quando descobriu que estava grávida. Seu rosto
estava tão inchado pelo choro que nem parecia com ela.
Estava chateado com ela, pela forma como tratou Pietra, mas eu
também lhe fiz algo horrível. Por isso, assenti. Pérola deitou embaixo do
cobertor, virou o corpo de lado e tocou no pijama de Pietra, que eu ainda
segurava.
— Você mesmo gosta dela?
— Eu a amo, Pérola.
Ela ficou em silêncio, mordendo o cantinho do polegar.
— Bem, que pena para você. O sofrimento é certo.
— O papai falou que Pietra é igual a nossa mãe.
Limpei uma lágrima que escapou pela bochecha.
Pérola colocou as duas mãos debaixo do rosto e suspirou, lamentosa.
— Não, aí também já é exagero.
Fiquei aliviado por saber que ela concordava. E lembrei que precisava
falar algo para minha irmã.
— Eu fui a Cape May com Pietra. E conheci a nossa mãe.
Seus olhos dobraram de tamanho e a decepção mais uma vez
transpassou seu semblante.
— Vocês são viciados em mentiras.
— Sei que você também foi lá — cortei-a. — E nunca me contou.
Pérola engoliu em seco, provando de seu próprio veneno.
— Como foi?
— Conheci nossos irmãos. Estou falando quase todos os dias com Ryle,
o menorzinho. — Suprimi um sorriso, porque não queria deixá-la ainda pior.
— Ele é muito fofo e se parece tanto comigo.
— Parece mesmo, eu vejo as fotos pelo Instagram dela.
Sempre desconfiei que Pérola não fosse tão desinteressada por nossa
mãe quanto demonstrava. Era sua técnica de autodefesa, com toda certeza.
— Ela não é a megera que pintei na minha cabeça. E acho que vocês
deveriam conversar novamente. A vida dela mudou muito desde o dia em
que você foi lá. Na verdade, tudo mudou depois que você apareceu. Você
transformou a vida dela.
— Eu? — perguntou com a voz falhada.
— Sim. Ela se separou depois disso, focou em ver o quanto tinha errado
conosco. Falando dessa forma, parece que eu a estou defendendo, mas juro
que não. Ela, no fim das contas, é só uma pessoa normal. Que erra tanto
quanto eu, você... ou Pietra — completei, com muito cuidado.
Pérola choramingou.
— Ela traiu minha confiança, Bê. Pietra é a minha melhor amiga, eu
daria minha vida por ela e...
— Mas não soube dar nem a chance de se explicar — interrompi seu
desabafo, porque não conseguia aceitar toda aquela situação.
— Pietra tinha todo um plano para conquistar nosso pai, Bernardo. E
depois que não conseguiu, ela te usou como estepe.
— Ela não me usou como estepe. Por que vocês não conseguem
entender que o que a gente tem é real?
Perdi a paciência mais uma vez, inconformado com a forma que eles
julgavam Pietra sem nem se importar. Ela estava em nossa família há anos e
ninguém se importou com isso antes de a tratarem daquela forma horrorosa.
— Você está encantado por ela, Bê. Não vai enxergar. — Pérola retirou
o pijama de Pietra das minhas mãos. Tentei pegar de volta, mas ela só o
jogou no chão. — Se nosso pai tivesse dado a mínima chance para ela, você
acha que a Pietra teria ficado com você?
Fechei a mão, apertando até que a unha machucasse a palma.
Eu não tinha uma resposta para isso, porque era bem óbvio.
Pérola deu um beijo na minha bochecha e dormiu abraçada comigo,
enquanto aquela maldita perguntava ia e voltava na minha mente.
Ela teria?

Não fazia ideia de quantas horas eu dormi, só sei que foram muitas.
Tantas que quando acordei não tinha mais sinal de Pérola e só havia um
barulho no meu banheiro, de vidro batendo na pia.
Pietra!
Saí correndo da cama, tropeçando na ponta do tapete. Mal tinha
acordado e estava mais tonto do que tudo, mas eu precisava vê-la.
Imagine qual foi minha surpresa por ver Helena em meu banheiro,
recolhendo o perfume, os cremes e as maquiagens de Pietra.
— O que você está fazendo?
Helena deu um pulinho pelo susto e deixou cair um batom de Pietra.
Ela estava com ele no dia em que nos beijamos a primeira vez. Nunca mais
esqueceria o quanto eu gostava daquele batom melequento e brilhoso.
Peguei do chão e não devolvi para Helena.
— Pietra vai embora hoje, estou pegando as coisinhas dela.
— Como ela vai embora?
— É... De avião? — Helena torceu o nariz, confusa.
— Eu sei, Helena. Eu só queria saber o motivo.
— O motivo é bem óbvio, não? — Ergueu o queixo, indicando algo
além do meu banheiro.
Precisei de dois segundos para saber que ela se referia a Pérola e ao
meu pai.
— Onde ela está?
— No aeroporto.
— Eu vou com você.
Levei dois minutos para me arrumar. Foi o tempo só de escovar os
dentes e trocar a camiseta branca pela minha do Jurassic Park. Calcei o All-
Star preto e saí correndo atrás de Helena.
— Onde está indo com essa mala? — Ouvi meu pai perguntar a ela.
— É da Pietra. Ela está indo embora hoje.
Pérola estava no sofá e olhou para a mala com um resquício de tristeza
no, ainda assim, ela não se moveu.
Não dei explicações para nenhum dos dois e segui Helena, ainda
agarrado àquele batom. Entrei em seu carro, uma BMW branca muito bonita,
e fiquei receoso em conversar com ela. Permaneci por um bom tempo com
meus olhos grudados no chão, brincando com a embalagem do batom nas
mãos.
— Desculpe por ter mentido para você.
Desviei os olhos para a figura bonita da namorada — ou o que fosse —
do meu pai. Eu a conhecia há muitos anos, Helena costumava frequentar
meus aniversários de criança. Ela e meu pai tinham uma relação de amizade
de anos e bem, eles até que combinavam como casal.
— Tudo bem, sei que foi por um bom motivo.
— Nenhum motivo é suficiente quando se causa dor.
Helena era muito calma, o tipo de pessoa que parecia não ter apreço
nenhum em perturbar a vida de outra pessoa. Imaginava que depois de tanta
coisa que passou em seu casamento, ela não quisesse um relacionamento
conturbado e ainda assim, ali estava ela no meio da loucura que era a vida do
meu pai, com Pérola, Pietra e eu.
— Pérola vai aprender a lidar com o relacionamento de vocês.
Dei de ombros. Ah, ela iria... Até porque teria mais coisas para pensar
nos próximos meses.
— E você está bem com tudo isso?
— Sim. Você é legal.
Um sorriso apareceu no rosto bonito dela, largo o suficiente para que
pequenas ruguinhas aparecessem na lateral de seus olhos.
— Pietra realmente gosta de você, Bernardo. Tenho 100% de certeza
disso. Sei que deve ter escutado muitas coisas ontem, mas deixe seu coração
te guiar, tudo bem?
Novamente pensei no que Pérola falou e que estava martelando em
minha cabeça desde ontem. Pensei em pedir a opinião de Helena, mas
chegamos ao aeroporto e eu decidi que tinha prioridades maiores do que
aquilo.
Foi um tormento esperar Helena estacionar, mas fui um cavalheiro,
andando em passos de formiga para acompanhá-la. Quis correr por aquelas
malditas esteiras rolantes, mas permaneci ali, fingindo serenidade ao
empurrar a mala de Pietra.
Eu a vi muito antes de Helena. Sentada nas cadeiras do aeroporto, as
pernas dobradas no assento, contando algo nos dedos das mãos. Olhei para
Helena e encarei o seu aceno como minha liberdade. Saí correndo pelo
saguão, quase deixando a mala de Pietra pelo caminho.
Parei na frente dela e vi seu olhar subir dos meus sapatos até meu rosto.
— Já falei o quanto eu gosto dessa sua camiseta do Jurassic Park?
Pietra sorria e ver aquilo, aliviou meu coração. Ontem ela estava
destruída, lutando contra a própria tristeza para tentar explicar algo para
Pérola que nem tinha explicação, porque eram suas escolhas e sua vida.
— Obrigado.
— Me tira uma dúvida? — Pietra abaixou os dedos, desistindo de sua
contagem. Acenei, consentindo. — Você tem uma coleção dessa camiseta ou
usa a mesma toda hora?
— Acha que sou um porco? — Deixei a mala na sua frente e sentei na
cadeira do lado. Pietra cutucou minhas costelas com o cotovelo. — Tenho
várias.
— Você nunca me decepciona, gênio.
Fiquei triste por escutar aquilo, porque eu sentia que ontem eu a
decepcionei. Poderia tê-la defendido de inúmeras outras formas contra tudo
o que ouviu de Pérola.
— Não vai embora, Pietra.
Um mínimo sorriso apareceu em seu rosto e o corpo virou um
pouquinho em minha direção. O braço apoiado no encosto da cadeira para
suportar a cabeça.
— Vai morrer de saudades?
Ela parecia brincar, mas nos seus olhos dava para ver as lágrimas
brilhando.
— Um pouco. Bem de leve.
Pietra sorriu e o mundo parou. Éramos nos dois, naquela sensação
confortável que aparecia sempre que estávamos juntos.
— Eu preciso voltar para minha realidade, Hawking. E você também
precisa voltar para a sua.
Fechei os olhos, tentando bolar uma estratégia boa para convencê-la de
que poderia dar certo, mas Pietra nem me deixou falar e continuou:
— Além de que, sua família precisa de você agora. Pérola precisa de
você mais do que nunca. E você é um bom irmão e vai se sair ainda melhor
no papel de tio.
— Aquilo que ela te falou...
— Ela estava nervosa, Bê. Eu entendo. Na situação dela, eu também
reagiria do mesmo modo.
— Não reagiria. — Não mesmo! Porque pensava nos outros antes de
pensar em si própria. — Por favor, fica mais um tempo.
Ela recusou com um balanço de cabeça.
— Eu não posso.
— Então vou voltar com você.
Dane-se as propostas para o doutorado ou o emprego da NASA. Eu
poderia facilmente aceitar ir para qualquer lugar onde estivesse com Pietra.
Poderia terminar minha graduação no mês que vem, arrumar um emprego
legal e entrar em um programa de doutorado no Brasil. Imaginei que ela
tivesse percebido isso pela forma desesperada como falei.
— Não. Não vai.
— Nós podemos ficar junt...
— Não vamos, Bernardo.
Sua voz era firme e muito segura. Não tinha hesitação. E a sensação foi
como uma brasa afogueando todo o corpo, precisamente meu coração.
— Por que não? — Minha voz quebrou.
— Porque algum dia isso será uma lembrança incrível para nós. Mas se
insistirmos em ficarmos juntos agora, tudo o que existirá ao final serão
mágoas e decepções. Você precisa estar com a sua família agora, precisa
focar na sua carreira. E eu... Eu acho que preciso ficar sozinha.
— Mas eu gosto de você, eu quero ficar com você.
Pietra tocou delicadamente na minha bochecha, afagando a região.
— Eu também gosto de você, gênio. E é por isso que nunca vou quebrar
seu coração. Nunca, nunquinha.
— Então por que sinto tudo quebrado aqui dentro?
— Porque o sentimento é verdadeiro. — Uma lágrima desceu por sua
bochecha, que logo a limpei. — Meu coração também está em cacos, mas eu
sei que é o certo.
Eu não entendia. Não aceitava. E não queria ficar longe de Pietra.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro.
— Se meu pai tivesse te dado alguma chance, você ainda teria olhado
para mim?
O semblante de Pietra ficou sério e ela fez uma careta, depois coçou a
nuca, pensativa demais.
— Foi a Pérola que falou isso para você, não foi?
— Foi.
Ela suspirou com um misto de cansaço com tristeza. Eu odiava saber
que estavam brigadas, porque sabia que a conexão que elas tinham era
verdadeira, elas eram irmãs e se amavam. Não queria que tudo tivesse
chegado a este ponto.
— Bem, são inúmeras possibilidades. Mas, supondo que seu pai não
tivesse me afastado no seu aniversário, acho que agora eu estaria muito pior
do que estou. Porque teria percebido sozinha, depois de ter feito uma grande
merda, que eu só estava tentando preencher um vazio em minha vida, assim
como faço com cada homem que conheço. E aí seria irreversível.
Eu não sei que tipo de resposta eu esperava que Pietra me desse, mas
essa foi uma surpresa, porque foi a coisa mais sincera que ela disse. Sim, ela
provavelmente teria ficado com meu pai e se arrependido disso depois, mas
em nenhum momento ela negou que teria feito.
— É, séria péssimo... — Tentei falar qualquer coisa para mascarar a
tristeza.
— E sabe o que seria péssimo de verdade? Que se eu não tivesse ficado
obcecada pelo seu pai, eu nunca teria conhecido um garoto que conseguiu
preencher cada lacuna da minha vida. Ele foi meu inimigo, meu parceiro,
meu amigo, ele me deu seu melhor, mesmo quando eu não merecia. E ele fez
com que eu me apaixonasse por cada mínimo detalhe. Um cabelo
bagunçado, uma cama macia, todo seu arsenal de filmes de nerd, até mesmo
por uma camiseta velha. Então, Bernardo, eu não me arrependo por ter
pensado que gostava do seu pai, porque isso me trouxe você. E você pode
não ter sido meu primeiro amor, mas foi o amor que tornou todos os outros
irrelevantes.
Comecei a rir, a engasgar, a quase chorar. Tudo ao mesmo tempo. Puxei
Pietra para mim, beijando sua boca várias e várias vezes, desejando que cada
beijo a deixasse mais próxima de mim. Que a fizesse desistir daquela ideia
maluca de ir embora.
— Namora comigo, por favor. Por favor! Por favor!
E a cada “por favor”, eu lhe dava um beijo. Pietra começou a rir e
limpou uma lágrima do cantinho dos olhos.
— Me promete uma coisa?
— O quê? — indaguei, desesperado, agarrando qualquer coisa que me
fizesse ficar com ela.
— Que um dia você vai repetir isso para mim, só que em uma situação
bem diferente dessa aqui.
— Pietra... — Voltei a implorar, porque sabia que ela não desistiria.
— Eu não quero namorar você se for para te tomar coisas, para ser um
fardo. Eu quero que você conheça mais garotas e tenha outras experiências,
que seja meu Stephen Hawking, meu Leonardo da Vinci, Beyoncé ou
qualquer outro gênio que você gostar. E, principalmente, que volte a
acreditar que sua irmã e seu pai sempre vão querer o seu melhor. E se depois
de tudo isso, você ainda pensar em mim, a gente conversa.
— Eu não quero nada disso...
— Você é o meu garoto preferido de todos. Nunca se esqueça disso, Bê.
Pietra me beijou e daquela vez foi diferente. Porque eu sabia que tinha a
perdido, logo no momento em que estive mais perto de tê-la. Nossos narizes
se encostaram e ela fez um movimento mínimo, um carinho delicado e que
aqueceu meu coração.
— Até qualquer dia, Bernardo Adler.
Dei um selinho nela, recusando a ideia de deixá-la ir. Mas seu sorriso e
a forma como me olhava, acabou por acalmar meu coração.
Pietra queria o melhor para mim. Eu queria o melhor para ela.
E talvez ela tivesse razão que aquele não fosse o melhor momento para
nós dois.
— Até qualquer dia, Pietra Rossi.
Dois meses depois

Tinha um momento do meu dia que me fazia ver estrelas: o momento


em que meu pré-treino batia e eu sentia que poderia correr a São Silvestre,
lutar com o Rocky Balboa ou até mesmo fazer um supino com meu amigo
The Rock. Tudo de uma vez.
Li uma vez em algum lugar que na última batida de um coração
apaixonado, nasce uma gostosa. Era o meu novo lema.
Começou depois que um desses médicos bombados foi ao podcast e
comentou que a única coisa que tinha aliviado a dor de um chifre foi ir à
academia.
Eu não tinha tomado chifre, mas sentia muita falta de Bernardo, então
decidi gastar toda minha energia na academia. Se eu estivesse chorando de
dor na perna, não lembraria que naquele momento ele estava se mudando
para a Califórnia. Na verdade, já tinha se mudado.
Eu fiquei gostosa, sim. Minha barriga estava uma delícia de se ver. A
velha Pietra teria adoração em tirar nudes em duzentas e trinta e seis poses
diferentes para distribuir para os contatinhos. A nova Pietra só queria
trabalhar em paz, terminar a desgraça do TCC, ter uma bunda dura como
pedra e não morrer intoxicada com meus gases depois de ter começado a
viver de frango e batata doce. Se tivesse uma roda de buraco com minha avó
e as amigas dela, então eu estava feliz.
Feliz, feliz, feliz era um exagero, porque eu estava mal. Mas era para
isso que servia aquela merda de musculação, não era? Serotonina era a
minha nova melhor amiga.
Já que eu não tinha mais nenhuma.
Descobri pelo pessoal da faculdade que Pérola trancou o curso, porque
se mudaria para a Califórnia. Foi o primeiro indício de que as coisas estavam
mudando para os Adler.
Ela me bloqueou em todas as redes sociais, então não conseguia saber
mais de sua vida.
Já Helena, era a minha informante. Foi ela quem contou que Gael
abriria uma nova unidade do Arraz em Los Angeles e que Bernardo tinha se
formado e que foi aprovado na qualificação do doutorado em um lugar
chamado Stanford. Tive de procurar no Google e só concluí que o bonito era
mesmo um gênio. E que também aceitou o emprego na NASA, não na base
da Flórida, mas a da Califórnia. Ele não tinha começado ainda, mas ela
contou que estava animado. Bernardo vivia como Hannah Montana, com o
melhor dos dois mundos. Foi uma boa decisão, no final das contas.
E eu estava orgulhosa dele.
Nos primeiros dias ele me mandava mensagens todos os dias. Muitas.
Sem parar. Eu não respondi nenhuma delas, porque queria dar um tempo de
assimilar tudo o que tinha acontecido durante as férias.
Com o tempo, ele parou de mandar as mensagens. E foi aí que eu
precisei me dedicar ainda mais na academia, antes que surtasse.
Bernardo era a pessoa mais low profile que já vi, sua única rede social
era o LinkedIn. Eu iria morrer sem ver a cara do meu garoto.
Fiquei obcecada em LinkedIn e todos os dias antes de levantar da cama,
eu visitava seu perfil, ansiosa para ter alguma atualização. Uma foto nova.
Um texto motivacional para puxar o saco da empresa. Um bom dia com
flores, glitter caindo e gatos siameses. Nada. Ele era um fantasma.
O pré-treino me deixava ligadona e tinha um pouco de dificuldade para
dormir. Era nesse momento que eu ficava por muito tempo olhando nossa
conversa. Eu o via ficando on-line várias vezes e sumindo logo depois.
Pensava no que estava fazendo. Conhecendo seus amigos do doutorado?
Vendo Jurassic Park? Cheirando cocaína nos peitos de uma nerd que
futuramente seria presidente dos Estados Unidos?
Eu nunca saberia.
Então eu malhava. Porque triste sim, gostosa, também.
E foi em uma quarta-feira qualquer que a minha vida mudou.
Aquele dia começou um pouco maluco. Precisei apresentar o meu pré-
TCC para a banca de professores, por isso não trabalhei na parte da manhã.
Quando cheguei ao estúdio à tarde, o ambiente estava caótico.
Hoje teríamos uma sexóloga que estava fazendo sucesso no TikTok,
tinha cara de que a entrevista bombaria, mas a mulher teve um contratempo
com a filha que quebrou o pé e desmarcou tudo em cima da hora. Não
tínhamos nenhum convidado em vista e precisávamos tirar outro do rabo,
para ontem.
Eu já tinha desistido e estiquei meus pés em uma cadeira, fazendo a
minha checagem diária no LinkedIn de Bernardo. Acordei muito cedo e com
a apresentação na faculdade, acabei não vendo.
Rubinho, meu chefe, estava ao meu lado, surtando sem seu convidado.
Ele espiou descaradamente meu celular e respirou bem fundo.
— Você checa quantas vezes por dia o perfil desse moleque?
— Ele tem nome e é Bernardo.
Rubinho revirou os olhos, pronto para gritar que eu estava demitida.
Mas algo se iluminou em seu rosto.
— Pietra? — A voz ficou doce como um torrão de açúcar.
— Que é?
Meu contrato me obrigava a cumprir horas ali, agora ser simpática com
o rei dos coachs, já eram outros quinhentos.
— Por que hoje você não conta essa sua história com o garoto e o pai
dele?
Dei uma gargalhada altíssima e joguei o celular em cima da mesa.
— Porque isso é sobre a minha vida pessoal? — Minha expressão de
desdém indicava bem a minha opinião.
— Você conta a história para todo mundo, Pietra. As convidadas se
divertem com a forma como você conta.
— Porque é triste, uma tragédia. Eu estou sofrendo, Rubens. — Revirei
os olhos.
— Pietra, é sério, acho uma ótima ideia. Essa história é realmente muito
boa.
Não sei se foi o medo do desemprego ou o fato de querer desabafar que
me guiou até aquela mesa com meu chefe. E nos noventa minutos seguintes
― de uma forma engraçada, afinal, era o que eu sabia fazer ―, contei sobre
como eu quase acabei virando mãe do garoto por quem eu estava
apaixonada.
Contei de como éramos na escola. Como viramos amigos. Como
Bernardo deu a ideia de fazermos o pior combinado da história do planeta
Terra. Na situação humilhante que me fiz passar naquele banheiro, quando
agarrei Gael.
Eu contei até do quanto eu sentia saudades de Pérola e de como queria
minha amiga de volta.
Rubinho e eu nos divertimos. Terminamos no começo da noite, o editor
ficou de subir para os canais de divulgação e fui para a academia, treinei
glúteos naquela quarta-feira e depois comi sopa de lentilha com dona Dedé.
E na quinta-feira, a minha vida mudou.
Eu tinha mais de cem mil novos seguidores do Instagram. Meu
WhatsApp estava travado com tantas notificações e eu tinha mais de cem
ligações perdidas.
Fiquei cinco minutos de pé em meu quarto, totalmente em pânico, ao
perceber que meu nome era o primeiro nos Trending Topics do Twitter. O
podcast tinha viralizado e agora eu tinha até fã-clube.
Que porra...?
Saí correndo para a sala, onde minha avó dava aula para Davi, o garoto
que para minha surpresa estava estudando sobre Tiradentes. Foi uma
surpresa perceber que ele finalmente tinha aprendido sobre Dom Pedro.
— Vó! — gritei, quase matando minha velha do coração. — Eu acho
que estou famosa!
Dali em diante, minha vida virou uma loucura.
Rubinho me contou, com puro êxtase no semblante, que o podcast teve
quase um milhão de visualizações em uma noite. Era algo incrível.
Todo mundo comentava sobre isso, no TikTok eu virei tendência e as
garotas contavam sobre suas histórias de amor diferentes e engraçadas.
Dois dias depois, gravei um novo podcast a pedido de Rubinho, nós
dois respondendo às perguntas de quem acompanha ao vivo. Li sobre
histórias de amor irreverentes, contei um pouco mais sobre a minha. E
embora eu não revelasse os nomes de Bernardo, Gael ou Pérola, o pessoal da
Internet descobriu.
— E você não falou com ele desde então? — Rubinho perguntou ao fim
do podcast.
— Não.
— Por quê?
— Porque acho que já causei muitos problemas para ele e todos lá.
— Mas não é mais fácil ir atrás dele do que ficar todos os dias
stalkeando o LinkedIn do cara?
Quis esfaquear Rubinho naquele momento. Ele estava gargalhando alto
da minha cara de pamonha.
Ele contou para todo mundo sobre minha obsessão com a única rede
social de Bernardo, enquanto eu fiquei rindo da minha própria babaquice.
— Carinha misterioso, se está nos ouvindo, dê um sinal de vida e
atualize seu LinkedIn, deixe a Pietra feliz.
Rimos muito durante aquela gravação e depois de sair de lá, fui para
casa responder e-mails sobre divulgações e convites de entrevistas. Minha
avó apareceu reclamando que seu Nelson, da portaria, estava reclamando
pela quantidade de caixas que estava recebendo por minha causa. Eu não
entendia o que estava acontecendo ali, mas eu precisava aproveitar. Meu
Instagram agora já estava com mais de seiscentos e cinquenta mil
seguidores.
No dia seguinte, fui checar o LinkedIn de Bernardo só de noite, porque
passei o dia respondendo propostas comerciais de marcas que nunca achei
que fosse ter contato na vida e queriam me contratar para divulgá-las. Puxei
a tela, atualizando o perfil enquanto olhava a novela ao lado da minha avó.
Quando voltei a atenção para a tela, dei um berro que provavelmente até o
Cristo Redentor escutou.
Bernardo tinha trocado a foto de perfil. Para uma foto do T-Rex.
Eu chorei e dormi abraçada com o celular aquele dia.

Três meses depois eu não tinha mais agenda nem para tomar um café da
tarde com a minha avó. Mentira, para isso eu tinha.
Mas a minha agenda estava realmente uma loucura. E hoje eu tinha a
vida que um dia foi um sonho para mim.
Eu tinha meu próprio podcast agora. Quatro milhões de seguidores.
Dinheiro para fazer minha avó não precisar mais dar aulas particulares e,
principalmente, eu fazia o que me fazia feliz. Descobri que gostava de falar
sobre amor. Histórias engraçadas, tristes, amores impossíveis. Até comecei a
escrever um livro. Fui a vários programas na TV Globo e até pedi ao vivo,
para o Boninho me colocar no BBB.
Acho que ele não me quis, porque já estávamos chegando ao final do
ano e nada do meu convite.
Formei na faculdade, saí da produtora para trabalhar para mim, com as
minhas ideias. Eu tinha até uma assistente agora! Que também era minha
editora, minha fotógrafa e tudo mais, mas eu juro que pagava pelo acúmulo
de funções — e ainda jogava na cara do Rubinho, porque ele não fez tal
coisa comigo.
Eu estava bem cansada fisicamente, mas feliz. E ainda mais feliz de
estar tão cansada, que não tinha tempo para pensar em nada que fosse meu
trabalho. Até meu projeto fitness ficou em segundo plano.
Eu ainda sentia falta de Bernardo todos os dias. De Pérola também. Mas
Bernardo ainda estava na minha mente ao acordar, enquanto gravava algum
vídeo, quando via algum filme que sabia que ele ia gostar. Sentia muita falta
de estar com ele.
Eu pensava em Bernardo em todos os momentos do meu dia. Nos
felizes, nos tristes, até quando eu estava comendo, como agora.
Estava com Iasmin e uma influencer com quem acabei fazendo
amizade, comendo em um restaurante que estava em alta por ter sido
inaugurado há pouco tempo, no Recreio. Os drinks da casa eram inspirados
em filmes famosos. O meu era de Star Trek e foi inevitável me lembrar de
Bernardo.
— Não, mas ele é um gato. O único problema é que mora com a mãe —
Isadora, minha nova amiga, comentou sobre Bento, o assunto do momento
em nossa mesa.
Bento era DJ e agora estava começando a bombar na Internet.
— É só gemer baixinho, para de ser boba. — Iasmin brincou e nos fez
rir.
Eu ri, apenas para não ser a chata do rolê. Mas a realidade era que não
tinha interesse nenhum na conversa. Queria ir para casa, deitar e recomeçar
amanhã mais um dia de trabalho.
— Se fosse com aquele ali, eu não me importaria de ter mãe, pai, filho,
papagaio e periquito em casa. — Isa apontou para algo atrás de mim.
As meninas olharam e começaram a comentar sobre o quão gostoso era
o homem.
Não fiz questão de olhar, porque tinha certeza de que não agregaria
nada para mim. E também, não era como se eu tivesse algum interesse,
porque o único cara que fui tentar ficar depois de tudo o que aconteceu com
Bernardo, acabou ficando sozinho em um date. Eu simplesmente levantei da
mesa e fui embora para casa, dormir depois de um beijo péssimo, em que
não senti absolutamente nada que não fosse culpa.
— Pietra?
A voz conhecida fez meus pelos do braço se arrepiaram.
Isadora derrubou o drink nela mesma.
Iasmin entrou em pânico.
Ah, era dele então que elas falavam...
Virei o corpo para trás e não foi surpresa ver Gael ali. Seu sorriso
estava estampado no rosto, muito diferente da última vez em que o vi. Ele
ainda era um monumento dourado, com braços fortes e ruguinhas charmosas
nas laterais dos olhos.
— Gael! Tudo bem?
Levantei da cadeira e fiquei um pouco sem jeito de como cumprimentá-
lo, mas foi ele que se aproximou e me deu um abraço.
Sentia saudades de Gael e de nossas conversas. Das corridas. Até dos
puxões de orelha.
— Ele é o pai? — Escutei Isadora perguntar para Iasmin.
— Dá para entender a confusão.
Sorri sem jeito para Gael e quis bater em minhas amigas. Olhei para as
duas, fazendo uma careta da fusão de “Vou esquartejar vocês com essa
faquinha de pão” com “Tenham piedade, eu agarrei esse homem em um
banheiro escuro e depois estava dando para o filho dele”.
— Podemos conversar um pouquinho? — Gael pediu e eu assenti.
Peguei minha bolsa e, fuzilando as duas garotas, me afastei da mesa.
O restaurante ficava no alto de uma pedra com vista para o mar. De dia
era mais bonito do que de noite, ainda assim era um clima gostoso. O tempo
estava abafado, como em todo final de dezembro.
Encostei ao vidro que limitava o deck e Gael encostou ao meu lado.
— Não imaginava que te veria aqui. A última vez em que falei com
Helena, ela contou que você estava de mudança.
Considerei melhor começar com algo seguro e inofensivo.
— Sim, eu já me mudei, mas vim resolver algumas coisas do
restaurante aqui e em São Paulo.
Assenti, levemente envergonhada.
— Então você se tornou um sucesso aqui? — Seu sorriso era amplo,
quase orgulhoso.
Ri, envergonhada.
Sim, Gael. Sou um sucesso e ganhei seguidores e dinheiro expondo a
sua vida e do seu filho. Que felicidade! Uhuuuu!
— Loucura, não é?
— Nunca duvidei que você brilharia, Pietra. Estou orgulhoso de você.
— Sério? — questionei, surpresa.
— Sim. Falei com a sua avó esses dias e ela me contou sobre o livro, os
seguidores e os contratos.
— Gael, é... Só para deixar claro, o livro não é sobre vocês, nem nada.
É sobre histórias de amor, sobre tudo que venho escutando nesses últimos
meses.
Gael riu e coçou o arco da boca, seu semblante era muito relaxado, não
parecia bravo ou irritado comigo. Por bastante tempo fiquei com medo de
que eles estivessem bravos comigo além de tudo o que já tinha feito, ainda
tinha, na realidade.
— Tem histórias que realmente precisam ser contadas. A sua com
Bernardo é uma delas.
Ouvir o nome de Bernardo doeu e fez meu coração gelar. Que porra de
saudade azucrinante que eu sentia daquele gênio!
Senti vontade de chorar na hora, mas segurei e perguntei:
— Como ele está?
— Brilhando também, do jeitinho Bernardo de ser. Está morando em
Palo Alto, fica perto da NASA e de Stanford. Pérola está comigo em Los
Angeles, é um pouquinho longe, mas sempre nos vemos aos finais de
semana.
— Ela está bem?
— Está, mas não vou entrar em detalhes, porque vocês têm de voltar a
conversar.
Meu olho encheu de água e fiz uma força sobre-humana para não
chorar na frente de Gael.
— Eu não quero incomodá-la.
— Pietra, eu fui muito duro com você meses atrás. — Gael segurou
minha mão esquerda, olhando para mim de uma forma que parecia ver
através da minha alma. — Achei que estava brincando com Bernardo e que o
faria sofrer. Eu subestimei meu próprio filho com toda essa história,
subestimei a história que vocês construíram.
— Não, está tudo bem! Eu fui realmente uma vaca. — Tentei aliviar o
clima estranho.
— Não foi, nem perto disso. Se tivesse sido, não falaria da sua história
com ele com tanto amor e respeito. Ouvi seus podcasts, sei que você gosta
verdadeiramente dele e respeito a forma como se retirou de campo, porque
não queria ser um problema ou uma questão a mais para ele lidar. Mas,
Pietra, para de se torturar. Nós estamos bem, Pérola está bem. Vá ser feliz!
— Mas... Mas... — gaguejei, pensando que tinha perdido para sempre a
habilidade de me comunicar. — Já passou muito tempo, ele deve ter
preocupações maiores agora.
— Pietra, ele te ama. E do mesmo jeito que você pensa isso dele, ele
está lá pensando que você não quer falar com ele, que essa história já teve
um fim. Não importa o quanto eu converse, não consigo convencê-lo de que
deve te procurar.
— É sério? — Minha voz ficou tão animada, que percebi que gritei no
ouvido dele.
— Sim.
— Eu sinto a falta dele todos os dias — confessei.
— Eu sei. — Seu sorriso se ampliou.
— Você ainda me odeia?
Gael negou com a cabeça e puxou meus ombros com seu braço direito.
Gael era enorme e eu me senti como uma criancinha. Não foi estranho como
pensei que seria. Não teve absolutamente nenhum sentimento a mais dentro
do meu coração que não fosse carinho por ele.
— Como eu poderia odiar a minha companheira de corridas? Elas
ficaram bem chatas depois que você se afastou.
Sorri e também abracei Gael, passando os braços por sua cintura
estreita.
— Gael? — chamei e recebi sua atenção. — Obrigada por ter sido um
pai como o meu nunca foi. Sei que pisei na bola e deixei tudo estranho entre
nós, mas só queria falar que sou grata por tudo que fez por mim. Desde
sempre.
— Você não estragou nada, Pietra. — Beijou minha testa em um gesto
cheio de carinho. — Só vai estragar se continuar fugindo do que sente.
Vocês merecem ficar juntos.
— Mas... Não seria estranho? — Até me afastei do abraço, porque era
uma preocupação legítima. — Sabe, nos Natais, aniversários e tal?
— Pietra, você acabou de agradecer por eu ter sido um pai para você.
Esqueça essa história.
— Mas eu tenho vergonha! — choraminguei. — Eu estava um pouco
perturbada naquela época, tinha saído da terapia.
Gael gargalhou na minha cara e nem consegui ficar brava, porque eu
merecia.
Fiz um bico e continuei falando:
— E olhando agora, nem faz sentido. Você é realmente bem velho, não
é?
— Pietra, não estrague o momento.
Gael voltou a me puxar pelos ombros, depositando um beijo em meus
cabelos.
— Você morreria bem rápido e eu ficar...
Fui interrompida por Gael tapando a minha boca.
— Procure Bernardo e acabe com esse tormento de uma vez por todas.
Meu coração ficou em paz, mas não 100% em paz. Porque ainda faltava
Pérola. Eu sabia que a tinha magoado.
Gael me deixou em casa e naquela noite eu decidi que procuraria
Bernardo, mas antes, eu tinha outro assunto a resolver.
E assim que deitei na cama, de banho tomado e metida num pijama
limpo, entrei no meu e-mail e digitei o nome da minha melhor amiga.

Olá, Pérola...
Era sábado. Dia 21 de dezembro. Conseguia sentir o cheirinho do Natal
se aproximando.
Precisava passar no shopping para comprar biquínis, porque levaria
vovó para viajar no Natal e no Ano Novo. Faríamos um cruzeiro pela
América do Sul, algo que era seu sonho e que finalmente eu tive como pagar.
Pensei por dois segundos na minha noite de ontem, com Gael falando
aquelas coisas bonitas. Estava feliz por ter feito as pazes com ele. Mais ainda
por saber que Bernardo continuava lá, que também pensava em mim tanto
quanto eu pensava nele.
Meu plano era ligar para ele no Natal, utilizando aquela desculpa
manjada para tentar uma reaproximação. Não dava para simplesmente
chegar no garoto e implorar para me aceitar de volta.
Por mais que eu quisesse.
Fui escovar os dentes no banheiro que dividia com vovó e estranhei seu
silêncio. Ela sempre escutava rádio pelas manhãs, era uma estação religiosa
cujo apresentador tinha tesão em acordar todos os brasileiros com um grito.
Teve uma vez em que tive paralisia do sono com a voz dele. Foi traumático.
Voltei ao quarto com o celular na mão, lendo uma mensagem de Iasmin
com as coisas que teríamos de gravar antes que eu saísse de férias. Pensei
em enrolar mais um tiquinho antes de ir viver a vida, mas fui impossibilitada
ao levar o maior susto de toda a minha existência.
— Você voltou a usar chapinha? Há três anos não chegamos ao
consenso de que você ficava mais gata com o cabelo ondulado?
Dei um grito tão alto ao ver Pérola sentada na minha cama, que ela até
assustou. Imediatamente colocou as mãos na barriga estufada e me
repreendeu com o olhar.
— É assim que vai tratar a sua sobrinha? Gritando no ouvido dela?
Saí correndo e pulei na cama, levando Pérola comigo. Eu a abracei,
beijei todo seu rosto, chacoalhei-a para todos os lados. Pérola ria, mas ao
final, acabou me abraçando.
— Eu senti tanto a sua falta!
Foi ali que comecei a chorar e não parei mais.
— Eu sei. Você disse no e-mail gigante que me mandou ontem —
brincou.
— Porque eu sinto mesmo.
Joguei minha cabeça para seu ombro, fungando.
— Então quer dizer que agora você é famosa?
— Não, mas eu ganho comida de graça e muita roupa. — Esfreguei os
olhos e repousei a mão em sua barriga durinha. Era uma sensação estranha.
— Você disse sobrinha? É uma menina?
— É uma menina. — Seu sorriso era amplo. Pérola parecia feliz,
relaxada. Bem diferente da última vez em que a vi. — O nome é uma
homenagem para a pessoa mais importante da minha vida.
— Ela vai saber escrever Gucci?
Nós rimos juntas e levei um tapa na coxa.
— É Ana Pietra Adler.
Comecei a chorar e não foi bonito. Agarrei Pérola novamente, sem
acreditar que aquilo estava acontecendo. Eu tinha minha amiga de volta.
Tinha uma sobrinha. Tinha um milhão de razões para acreditar que eu era a
pessoa mais sortuda do mundo.
— Se puxar a tia, ela será a maior gostosa.
Pérola gargalhou alto e agarrou minha cintura em um aperto gostoso,
seguido de um beijo no rosto.
— Me desculpa, Pipe.
— Eu que tenho de pedir desculpas. Eu menti, eu te traí, fiz um monte
de merda. Nunca quis te magoar, só não queria te perder por conta de tudo
isso. Desonrei o MADM, não é?
— Não vou te enganar sobre a forma como fiquei chateada contigo,
porque na minha cabeça nós éramos uma família, sabe? Papai e filhinhos. Eu
nunca imaginaria nada daquilo — disse, seriamente. — E aí do nada
descubro que você desvirginou meu irmão depois de ter tentado pegar meu
pai.
— É... Eu estava bem lelé da cabeça. — Apoiei a mão no queixo,
debruçando em minhas pernas. — A parte do seu pai, porque a do Bernardo
eu não me arrependo. Sinto muito! E tem a parte também que se não tivesse
acontecido toda a questão com seu pai, eu nunca teria me aproximado do
Bernardo. Então, eu sei que você pode ficar brava novamente comigo e
mudar o nome da sua filha para Ana Gucci, mas eu preciso falar que não me
arrependo. Porque tudo isso contribuiu para conhecer verdadeiramente o
melhor cara que poderia ter cruzado a minha vida.
Foi ótimo abrir meu coração para Pérola e fiquei feliz por ela não ter
levantado e me mandado tomar no rabo.
— Eu atrasei demais o lado de vocês, não é? Com aquelas promessas e
tudo.
— Um pouquinho. — Fiz um bico.
— Era medo de perder qualquer um de vocês. Até perceber que eu que
fodi tudo. Meu irmão está infeliz sem você e você longe de mim. No final
das contas, eu perdi os dois quando decidi ser uma mimada chata. E eu
estava errada, Pi.
— Eu também estava. Me desculpe por não ter sido sincera.
— Tudo bem, eu teria quebrado sua cara se dissesse que estava a fim do
meu pai.
— Podemos não falar mais disso? Ontem já foi estranho o suficiente
com ele.
Nós nos abraçamos e nunca senti um alívio tão grande por saber que eu
a tinha de volta. Pérola fazia os meus dias mais coloridos, era a minha irmã,
minha felicidade constante.
— Ok, pronta para correr atrás do seu virgem preferido? — Levantou
da cama, batendo palminhas.
— Vou telefonar para ele no Natal. — Mordi a ponta do polegar,
nervosa. — E respeito com meu ex-virgem preferido.
— Vai o caralho! Vamos entrar no avião em seis horas, minha querida.
Arregalei os olhos. Como assim, em seis horas?
— Não, eu viajo amanhã com a minha avó.
— Ela já concordou em mudar o roteiro.
Comecei a tremer, senti até minha pressão arterial despencar. Eu... Eu
veria Bernardo? Ao vivo? Para valer?
— Eu magoei o Bernardo.
— Você fez algo muito altruísta quando não quis ficar com ele para que
nós ficássemos bem, Pipe. Mas sabe o que está quebrando o coração dele?
— questionou, com o olhar em mim. — Ficar longe de você. E eu preciso
resolver isso, porque sinto que caguei com tudo.
— Cagou mesmo — confirmei e vi seu olhar alarmado. — Não queria
sinceridade? — debochei.
— Ainda não consigo acreditar que vocês se gostam. E que se pegam. E
que transam.
— E bem forte, tá? Não tem nada de soca fofo.
— Pietra, também vai com calma, porra! É o meu irmão.
Segurei o rosto de Pérola e tasquei um beijo em sua bochecha. Depois
saí do quarto para ver se minha avó estava de acordo com aquela loucura. E,
sim, ela estava. Em êxtase para utilizar pela primeira vez seu passaporte e
seu visto novinhos.
Mais tarde, realmente estávamos em um avião. Com destino a San
Francisco. Onde eu veria Bernardo e poderia falar que o amava com todas as
letras, de todas as formas. Que acreditava que tínhamos um futuro, que estar
com ele era tudo o que eu mais quis nesses últimos meses. Que quis tanto,
que chegava até a doer.
O voo foi longo, mas fui conversando bastante com Pérola que contou
que Gael obrigou Tato a assumir as responsabilidades como pai ou então
exporia na mídia toda aquela merda. Eles não tinham contato, mas Tato
registraria o bebê e tentaria ser o mais presente que conseguisse, o que já
estava claro que não seria nada. Ela também contou que passou quinze dias
com Lana em Cape May. Conheceu os irmãos, até Bernardo foi passar
alguns dias antes de começar a trabalhar. A relação com Lana estava
melhorando e ela até queria vir quando Ana nascesse.
Surpresa mesmo foi Pérola ter revelado que ela e Bruno estavam juntos.
E por essa eu nunca esperaria. Ela contou que demorou algum tempo, mas
que o procurou para se desculpar. Eles voltaram a conversar e passaram
alguns meses se relacionando virtualmente, porque Bruno estava em Miami
e ela em Los Angeles, até decidirem que queriam ficar juntos para valer.
Fazia só vinte dias que estavam dividindo um apartamento, mas dava
para ver o quanto minha amiga estava feliz enquanto contava. Bruno lhe
dava apoio, tinha o maior carinho com a bebê e por mais que Ana tivesse um
pai já, Pérola contou que Bruno realmente tinha vontade de desempenhar
esse papel e que ele era perfeito para elas.
— E aí, Gael, está gostando do genrinho? — Bati no ombro dele,
aproveitando que estava na poltrona da frente, junto da minha avó.
Ele resmungou, mas deu para ver o contorno de um sorrisinho.
— Eles estão trabalhando juntos no novo restaurante — contou Pérola.
A viagem foi tranquila, mas foi colocar o pé no aeroporto de San
Francisco, que eu entrei em pânico.
E se Bernardo não me quisesse mais?
E se eu tivesse deixado muito tempo passar?
Ele poderia ter achado alguém que gostasse nesse tempo, alguém que
não tivesse um passado tão complicado e principalmente alguém que não
tornasse a sua vida tão difícil.
Foi então que me lembrei daquelas noites em Miami. Suas bochechas
vermelhas, seu olhar tímido, a forma como me olhava como se eu fosse a
criatura mais perfeita desse Universo. Lembrei-me de nossas brigas sem
sentido, da forma como aprendemos a ser grandes amigos, do quanto eu
gostava de sua presença. Bernardo era uma explosão de cores em uma tela
em branco. Na mesma forma que eu fui sua primeira, ele também foi o meu
primeiro em inúmeras coisas.
A primeira vez que me senti amada por um homem.
A primeira vez que fui eu mesma, sem qualquer artifício para ser
interessante.
A primeira vez que fui valorizada.
A primeira vez que alguém me desafiou e me forçou a ser alguém
melhor, a evoluir.
A primeira vez que me apaixonei loucamente por alguém.
— Gael, eu preciso passar em um lugar antes, tá? — Afoita, meti a
cabeça entre os bancos, atormentando mais uma vez Gael que conversava
com Helena, avisando que tinha acabado de chegar.
Pérola ao meu lado resmungava ao ouvir a conversa, pelo visto Helena
ainda era um assunto delicado para ela.
— Que lugar, Pietra?

Eu estava ridícula. Sabia muito bem disso.


O olhar de Gael denunciava isso. O da minha avó. Dos seguranças do
prédio tecnológico da NASA.
— Você está ridícula em formas exponenciais — Pérola foi sincera.
Estava odiando toda essa onda de sinceridade entre nós, mas não podia
brigar, porque sabia que estava.
Balancei meus bracinhos e esperei que percebesse que estava dando o
dedo do meio para ela. Não percebeu.
— Quinto andar, sala 320 — disse a recepcionista me entregando um
crachá, seu olhar no limite entre achar graça e ligar para a segurança.
Minha avó me ajudou a passar pela catraca e entramos todos nós
naquele elevador apertado. Por minha culpa, claro!
Éramos um grupo curioso e chamamos atenção por todo aquele andar.
Não tinha um funcionário que passasse e não olhasse para nós com
curiosidade.
Não conseguia enxergar muito bem, mas o que dava para ver do
caminho parecia muito bonito. Corredores largos e bem claros, muitos
laboratórios de pesquisa. Parecia que tinha acabado de entrar na sede dos
Vingadores.
Pensando bem, eles faziam ali uma coisa bem Vingadores mesmo.
Construindo foguetes, mandando satélites, pessoas e cachorros — nunca
perdoaria a NASA por essa — para o espaço. Será que se eu pedisse com
carinho alguém me daria uma carona para Marte?
Gael apertou um botão para abrir o laboratório e disse que era ali.
Olá, Deus, eu de novo. Faça que Bernardo ainda me queira, porque a
rejeição vai doer muito comigo vestida dessa forma.
Peguei as flores da mão de Pérola e entrei no laboratório, batendo
minha fuça na porta. Ainda bem que eu não era alta àquele nível. Era
perigoso. Mortal, até. Bernardo precisava tomar cuidado.
A visão limitada não impediu que eu visse todos aqueles gênios virarem
os pescocinhos para olharem para mim e toda minha rechonchuda marrom e
craquelenta forma passar por eles. Garanto que nunca viram um T-Rex mais
gostoso na vida.
Bernardo não estava no meu campo de visão, então virei, batendo sem
querer com a minha cauda em um notebook.
— Desculpa! Desculpa! — Movi os bracinhos de T-Rex, desculpando-
me em inglês.
Fui tentar pegar o notebook e terminei por bater a cauda na mesa ao
lado, levando para o chão algumas peças de aço.
Comecei a ficar nervosa, a fazer muito barulho e a suar dentro daquela
fantasia.
— Bernardo? — falei alto, tentando ficar parada antes que precisasse
me voluntariar a testes para pagar os danos.
— Ali! — Um cara alto, que eu só via o peitoral coberto por um avental
branco, apontou para o lado esquerdo.
Olhei para lá e vi Bernardo dentro de uma sala de reuniões, apontando
para uma tela em frente de quatro, cinco ou vinte pessoas. Minha visão era
realmente limitada.
Meu coração acelerou por vê-lo. Ele estava tão lindo! O cabelo mais
curto, mas ainda bagunçado. Aquilo no rosto dele era... barba? Ou a maldita
tela de ventilação da fantasia? Bernardo vestia avental branco, como um
geniozinho realmente se vestia.
Caminhei com cuidado pelo corredor, tentando não esbarrar em nada
que não fosse o olhar julgador de uns, divertidos de outros. A sala de
reuniões onde ele estava era como um aquário. Fiquei tão emocionada por
vê-lo trabalhar, apresentando algo com toda a segurança, peito estufado,
ombros erguidos. Ele nem parecia o meu garoto tímido de meses atrás.
Fiquei encantada e não percebi que estava próxima demais do vidro e
bati com tudo. O barulho foi alto, senti a parede até tremer. Praguejei e
esfreguei meu nariz. Quando voltei a olhar, Bernardo estava boquiaberto,
olhando com profundo assombro para o T-Rex — eu, no caso. E, sim, aquilo
em seu rosto era barba!
Movi meu bracinho para ele, oferecendo o buquê de flores do campo
que comprei para ele.
Bernardo estava parado, totalmente travado. Percebi que precisaria me
aproximar. Fui até a porta e tentei abrir a maçaneta, mas era daquelas de
bolinha e eu não tinha dedos, só a minha patinha curta.
Uma mulher jovem com cabelo curto e avental branco abriu para mim.
— Obrigada! — agradeci gentilmente.
Entrei devagar, tomando cuidado para minha cauda não bater na cara de
ninguém que estava sentado à mesa de reuniões. Não queria envergonhar
Bernardo.
Eu gostava mesmo de Bernardo, porque quando parei na frente dele, eu
achei que fosse desmaiar. Fui entrevistada pelo Pedro Bial mês passado,
sabe? E nem se comparava.
Estiquei o buquê para Bernardo, que nem piscava. Balancei o buquê,
esperando que ele tivesse alguma reação.
Será que ele sabia que era eu?
Balancei com mais energia o buquê e ele finalmente pegou. Aproveitei
para tentar alcançar o zíper para abrir a telinha e mostrar meu rosto, já que
ele parecia não ter me reconhecido.
Demorei, mas finalmente consegui.
— Pietra? — Seu choque era muito genuíno.
Quem mais se vestiria de T-Rex para pedir desculpas?
Comecei a ficar preocupada.
— Surpresa! — Balancei meus bracinhos de T-Rex novamente, feliz da
vida.
— Eu... É... — Bernardo virou para a mesa de reuniões. ― Perdão, eu
preciso de um minuto.
Também virei e, mortificada, percebi que tinham muitas pessoas em
volta da mesa. Todas mais velhas. Parecendo extremamente inteligentes e
que agora olhavam para mim com choque.
Bernardo apontou para a porta e quando me virei, bati a cauda em um
senhor de cabelos brancos.
— Desculpa, foi sem querer.
Dei um sorrisinho amarelo para ele e saí da sala com Bernardo.
Ele segurou a minha cauda. Falando parece algo sexy, mas na verdade,
foi bem normal.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Ele sussurrou ao ver o grupinho
de Gael, minha avó e Pérola, que estava segurando o celular em nossa
direção.
Bernardo segurou meu bracinho e me guiou para fora do laboratório.
Soltou minha cauda e esfregou as mãos no rosto, então bagunçou ainda mais
o cabelo que já estava uma desordem.
— Exagerei muito? — Testei meus limites com ele.
Acho que o tinha irritado. Ou o envergonhado. Talvez feito com que
fosse demitido.
— Pietra, como você veio parar aqui?
— É uma história engraçada. — Tentei colocar as mãos na cintura, mas
não deu. — Estava jantando, aí pedi um drink, era do Star Trek. Lembrei de
você, algo que faço muito nos últimos tempos. Todo tempo, na verdade. Seu
pai apareceu no restaurante e nós conversamos. Ele disse que eu deveria te
procurar.
Estava tagarelando sem parar, quase sem respirar. Bernardo cruzou os
braços e encostou o ombro no vidro do laboratório.
— Só que eu ainda não conseguia fazer isso, porque tinha duas
questões que me impediam. Uma delas era a Pérola, porque continuo
pensando que eu já causei problemas demais para vocês, não queria foder
ainda mais. Por isso, quando voltei pra casa, mandei um e-mail de quarenta e
duas linhas pedindo desculpas e falando o porquê de eu gostar tanto de você.
Posso ler para você se quiser.
Meu desespero e nervosismo eram evidentes e deve ter convencido
Bernardo.
— Pode ler. — Seu tom era condescendente.
— Eu leria, mas meu celular está com a Pérola. E eu não conseguiria
mexer na tela. — Balancei meus bracinhos fofos. — Mas eu lembro algumas
partes.
— Ok, pode falar.
— Olá, Pérola! É a Pietra aqui... — Forcei a memória para lembrar, até
perceber que eu deveria ir direito ao ponto. — As primeiras linhas foram
sobre sentir saudades até de gravar aqueles malditos vídeos de “Arrume-se
comigo” dela, comer tofu, essas coisas que nos fazem ser amigas.
— Entendo.
— Expliquei que sabia que estava errada, mas que eu tinha bons
motivos para ter mentido para ela.
— E quais foram esses motivos?
Ele umedeceu os lábios com a pontinha da língua e eu perdi um pouco
do foco. Estava muito quente dentro da fantasia.
— O primeiro e maior motivo é que eu lamento por não ter falado para
ela desde o começo que o nosso vínculo foi a coisa mais real que me
aconteceu em muito e muito tempo. O último, possivelmente, foi com a
própria Pérola.
Bernardo baixou a cabeça, para que eu não visse que sorria. Mas eu vi.
— Também lamento por não ter falado para ela sobre como eu me
sentia bem na sua presença. Meus momentos preferidos de todas as férias
foram os que passei ao seu lado.
— Melhor que ver o Mickey? — Arqueou uma sobrancelha.
Girei os olhos, demonstrando minha insatisfação.
— Lamento não ter contado para ela como eu me apaixonei aos poucos
pelo garoto que nunca imaginei que fosse se tornar tão especial para mim.
Queria que ela tivesse visto as nossas brigas, nossas risadas de madrugada,
queria muito que ela tivesse visto o seu rosto depois de eu ter falado putaria
com você ao telefone; e que naquela hora, quando desligou, minha barriga
gelou achando que você entraria no banheiro. Porque eu quis aquilo, mesmo
que negasse.
— Mas ela não veria isso mesmo.
Nós dois rimos e eu dei um chutinho com minha pata no pé dele.
— Queria que ela tivesse visto como eu inventava qualquer desculpa
para ficar próxima. Mesmo que fosse um chute, um tapinha, só porque eu
queria chamar sua atenção e que me visse como alguém confiável. Bem
adolescente da minha parte, mas foi nisso que você me transformou.
Bernardo abriu um sorriso, o primeiro em muitos meses. Eu quis beijar
cada cantinho daquela boca.
— E ela perdeu o momento em que eu me tornei sua amiga, alguém de
quem você gostava e que eu também gostava. Algo inimaginável para nós
dois há uns dez anos. Você esteve comigo até quando não queria estar. Você
me ouviu, mesmo que eu só estivesse falando merda. Você quis me
conhecer, não a Pietra das festas ou aquela que usam como um prêmio em
uma conversa idiota com amigos. Eu desconfio até mesmo de que você já
conhecesse essa parte que eu nem mesmo conhecia.
Comecei a sentir vontade de chorar e tentei segurar, porque seria difícil
limpar as lágrimas com meus bracinhos curtos. Funguei e continuei:
— A nossa história pode ter começado de um modo muito diferente.
Todos podem achar que eu não sou suficiente ou que seja realmente uma
péssima garota, mas eu queria que entendesse, Pérola, que foi real, sabe? Sei
que ele merecia algo melhor do que eu sou, mas posso garantir que faria a
vida dele muito feliz, interessante, talvez um pouco louca. Uma vida
recheada de primeiras vezes, tão perfeitas quanto a que ele me deu.
— A primeira vez que eu te dei? — questionou, confuso.
— A primeira vez que eu amei alguém para valer.
— E foi bom?
Bernardo deu dois passos em minha direção, sua mão resvalou na
minha barriga inchada de dinossauro. Droga! Queria tanto que ele visse
meus progressos na academia. Malhei horrores para ele terminar apertando
um plástico inflado.
— A melhor experiência da minha vida.
— Eu passei por isso algum tempo atrás também.
— Passou?
Cerrei os lábios, tentando não ter emoção. Vai que tivesse sido por
Paola e eu quebrasse a cara.
— Ela me deu milhares de primeiras vezes, cada uma mais especial do
que a outra. Teve a primeira vez que a toquei, foi em uma festa de
aniversário, com ela fingindo para meus amigos que era minha namorada.
— Ah, é?
— Uma das minhas preferidas foi a primeira vez em que eu percebi que
essa garota era muito mais do que mostrava ser. Ela acalmou meu coração
acelerado por uma decolagem, mesmo que eu fosse péssimo com ela.
— Ah, então você admite que era péssimo para essa pobrezinha?
Balancei meus ombros, em uma dancinha da vitória. Bernardo chutou o
meu pé de volta.
— Eu só queria chamar a atenção dela, talvez do pior modo possível.
— Falando que banana não cura ressaca?
— Cruel, não é? — Deu de ombros. — E, sim, o potássio pode ajudar
com os sintomas.
— Eu sabia! — gritei alto, jogando os braços para o alto e quase caindo
de bunda no chão.
Bernardo foi quem me segurou pela cintura, aproximando-me dele.
— Ela foi a minha primeira paixão de adolescente, continuou sendo por
muitos anos, até virar algo muito real.
— Quão real?
— Real no nível de todos os meus pensamentos estarem com ela, vinte
e quatro horas por dia. Tem ideia de quantas vezes escutei todos aqueles
podcasts só para matar a saudade da voz dela?
— Eu imagino. — Minha voz estava abafada, porque queria chorar e
gritar e sair correndo. Abraçar uns cientistas, subir com Bernardo em um
foguete, povoar Marte com ele. — Porque foi por isso que precisei mandar
aquele e-mail para a Pérola.
— E como terminou esse e-mail?
— Pérola, eu sinto muito por ter te magoado, mas espero que entenda
que eu preciso demais viver a minha história com seu irmão, do jeitinho que
nós merecemos, rodeados de primeiras e segundas e terceiras vezes. Eu o
amo, como uma verdadeira boa garota. Você pode me aceitar como sua
cunhada?
Bernardo bagunçou os cabelos, naquele caos que eu tanto gostava. Eu
amava tudo naquele garoto. A forma como os óculos encaixavam em seu
rosto. Suas sobrancelhas grossas. As três ruguinhas que apareciam no meio
de sua testa quando ele me olhava por cima dos cílios. As pintinhas que
tinha na bochecha.
Eu amava Bernardo Adler. E era tão feliz com esse sentimento.
— E ela te perdoou?
— Perdoou, acredita?
Comecei a tremer, porque Bernardo se aproximou ainda mais de mim.
Ele segurou meu rosto com as duas mãos, acariciando a pele com os
polegares.
— Então eu já posso fazer aquela pergunta?
— Qual pergunta?
— Pietra Rossi, você aceita ser a minha namorada?
Eu queria sacudir a minha cauda por aí. Queria demais. Queria sair por
esses laboratórios da NASA dando soquinhos no ar ao som de Eye of the
Tiger. Eu me sentia demais como o Rocky Balboa no topo da escadaria,
finalmente conseguindo chegar até o momento que por esses longos meses
pareceu um sonho impossível.
Eu estava apaixonada por Bernardo Adler. E eu namoraria um gênio.
— Achei que nunca fosse perguntar.
Eu queria demais pular em cima dele, mas aquela fantasia não ajudava
em nada. Então, amei Bernardo um milhão de vezes mais, quando ele me
pegou pela cintura e finalmente me beijou. Fomos aplaudidos por todo o
pessoal do laboratório e por nossa família.
Eu estava em casa.
Bernardo Adler era meu melhor amigo, meu arqui-inimigo, o gênio
arrogante da Física, ele era meu namorado e também meu lar.
E eu amava tanto o meu Hawking.
Eu queria nunca ter feito as pazes com Pérola.
Deus poderia me castigar algum dia, mas eu queria esfregar a carinha
inchada da minha amiga no chão. Minha avó me excomungaria se soubesse
que estou falando isso de uma grávida.
De uma grávida em trabalho de parto.
Tudo começou com ela fazendo o quê? Adivinhe? Inicia com S e
termina com EXO em um volume insano enquanto eu tentava gravar os
meus vídeos para o trabalho. Eu falei trezentas e dezoito vezes
aproximadamente que ela não deveria fazer aquilo. Ela rebatia que o médico
autorizou. Bruno assistia nossa discussão pacientemente, esperando para ver
se transaria ou não transaria.
Ela me escutou? Não.
Sabe o que aconteceu? A bolsa estourou.
Não tinha planos de saber sobre a anatomia de Bruno, mas a imagem
daquele pintinho acertando a cabeça da minha sobrinha me causava arrepios.
Eu queria bater um pinto na cara dele e da minha amiga. Não que ela não
fosse gostar.
Agora eu estava ali na sala de parto, vendo a vagina arreganhada de
minha amiga que gritava desesperadamente, fazendo planos de elaborar um
novo contrato com Bernardo, proibindo-o de fazer um filho em mim.
Eu não queria que minha larissinha ficasse naquele estado.
Bruno e Gael estavam um em cada lado de Pérola. Helena e eu
estávamos mais afastadas, com a pior visão do mundo.
Pérola já tinha gritado com Helena, expulsando-a da sala. Helena saiu.
Pérola gritou que queria Helena na sala. Helena voltou.
A Miss Belford Roxo era uma santa.
— Querida, sua bebê está coroando, precisa começar a fazer força. —
A gentil enfermeira informou.
— Não! Essa criança não sai de mim enquanto meu irmão não chegar!
Tinha certeza de que as cordas vocais de Pérola nunca mais seriam as
mesmas depois daquele parto. Era ganhou o timbre de uma orca misturada
com a Juma. Era assustador.
Se ela não tivesse inventado de transar com o namorado, Bernardo
poderia voar com calma. Mas, alguém me ouvia?
— Cadê ele, Pietra? — Gael gritou.
Ele parecia que estava parindo também. Algo mais assustador do que
ver a vagina da minha amiga.
Chequei o celular. Eu era péssima com mapas, não conseguia entender
a localização que Bernardo tinha mandado assim que saiu do aeroporto de
Los Angeles.
O coitado do meu namorado teve de sair correndo do laboratório, pegar
um voo e vir para cá. Tudo isso em um intervalo de duas horas e meia.
— Está chegando. — Mostrei o celular para Helena, só para ter certeza.
— Quanto são duas milhas?
— Ele está chegando. — Helena deu dois tapinhas no meu ombro.
Suspirei e olhei para frente, tendo a péssima visão de Pérola tendo uma
contração.
Bernardo vai começar a usar camisinha. Sério. Agora sem escapatória.
Ele não faria isso com a minha vagina. Não vai mesmo.
— Pietra, me dá a mão! — Juma, digo, Pérola gritou em seu novo tom
usual.
Olhei para Helena, temendo pela minha vida. Ela me encorajou com um
sorrisinho. Fácil para ela que era a madrasta, não é? Pérola ainda estava puta
da vida porque Gael e Helena simplesmente, num dia normal, resolveram se
casar na prefeitura. Bernardo estava na cidade, ele e eu estávamos em uma
sessão espetacular de sexo quando o celular tocou e Gael nos mandou para
um endereço qualquer. Quando chegamos lá, era o casamento deles.
Pérola resmungou a cerimônia inteira, mas quando os noivos se
beijaram, vi que ela limpou o cantinho dos olhos, emocionada.
Agora eles moravam juntos. Eu morava com Pérola. E meu namorado
estava em outra cidade, para minha tristeza.
A parte boa era que os finais de semana eram meu momento preferido
de todos.
A parte ruim era que eu odiava Pérola e Bruno, porque eles me
traumatizaram. Eles transavam todos os dias, era o maior gatilho para mim.
Minha avó voltou para o Brasil e eu estava no processo de convencê-la
a vir morar comigo. Era a deixa perfeita para eu fugir da casa de Pérola.
Brincadeira! Eu sentia falta da minha Dedé. Mesmo que viajasse para o
Brasil todo mês, por conta do trabalho.
— Pietra! — Agora foi o som de orca.
E eu tinha mais medo de uma orca do que da Juma.
Esgueirei-me pela lateral da cama, perto de Bruno. Pérola soltou a mão
dele, para pegar meu braço com força. Ficaria marca.
— Você me promete que se der ruim, você cria a minha filha com o
Bernardo?
Seu olhar era esbugalhado, como o de um Shitzu.
— Está drogada? — Puxei meu braço. Oxe, que papo era aquele agora?
— Tem uma criança saindo da minha boceta!
— Amiga, tenha modos. Seu papai está aqui do lado — brinquei com
ela, vendo a cara horrorizada de Gael.
— Pietra, promete!
— Não vou prometer nada. Não sei nem pegar um bebê no colo, ficou
louca? Eu, hein!
— Para de falar besteira, Pérola. Pelo amor! Faz força logo e dê à luz a
essa criança — Gael chamou sua atenção.
Pérola começou a chorar. E recomeçou a confusão.
Bernardo, como uma luz linda, perfeita e maravilhosa no fim do túnel,
abriu a porta e entrou naquele reino do caos.
Nem consegui babar no quanto meu namorado era lindo, gostoso e um
tesão de homem, porque Pérola largou meu braço para pegar o dele.
— Promete que se eu morrer você vai criar a Ana com a Pietra?
Agora ele era o Shitzu com os olhos arregalados olhando para mim.
— Não — Bernardo respondeu, aterrorizado.
Precisei morder minha mão para não rir na frente da Shamu, digo,
Pérola.
— Pérola, faz força e tira essa criança de dentro de você. Para de encher
o saco da Pietra e do seu irmão. — Gael limpou o suor da testa da filha com
uma toalhinha.
— Pai, eles não querem cuidar da minha filha! — Ela começou a
chorar.
— Amor, faz força. Você que vai cuidar da Ana. E eu também estou
com vocês até o fim. — Bruno debruçou do outro lado de Pérola, deixando
Bernardo livre para mim.
Ergui a ponta dos pés e dei um beijo em sua bochecha. Seu cheiro foi
um bálsamo em cima das últimas duas horas de tortura. Ele ainda usava
aquele perfume maravilhoso, que me deixava molinha, molinha.
Amava tanto aquele garoto. Fazia quatro dias que o vi, desde o fim de
semana, mas meu coração chegava a doer de saudades. Era bobo. Nós
éramos dois bobos, na verdade.
— Mas e se esse for o fim? — Pérola choramingou.
Precisei sair de nossa bolha perfeita para fechar a cara e olhar para
minha amiga.
— Pérola, chega! Faz força nessa periquita e tira essa criança daí. Se
der ruim, eu cuido dela. Faço ela me chamar de mamãe, Bernardo de papai e
a porra toda. Só tira essa criança daí! — Perdi a paciência.
Pérola fungou, mais apavorada do que antes. Que inferno!
Pelo menos decidiu fazer força. E aí, meus amigos, a Juma voltou com
força. Até Helena se aproximou, preocupada com toda aquela gritaria e ficou
ao lado de Gael.
Eu dei a mão para Bernardo, que deu a mão para Pérola. E juntos, nós
vimos a coisa mais incrível e intensa que já vi até então acontecer.
Ana nasceu e bastou eu vê-la para que soubesse que eu daria o mundo
para ela. Aquela coisinha pequeninha, ensanguentada e que parecia um rato,
era o meu amor.
Beijei a testa de Pérola, que estava babando em cima de sua cria.
E minutos depois, eu apoiei meu corpo ao de Bernardo, que assistia
Ana ser cuidada e limpa no berçário.
— E se a gente a pegar e fugir? A Pérola já falou que a gente pode ficar
com ela, mesmo — plantei a semente da discórdia na mente do meu
namorado.
Amava falar que Bernardo era meu namorado, porque ele realmente era
o melhor deles.
Nesses quatro meses que estávamos juntos ele só mostrou que eu tinha
feito a melhor e maior escolha da minha vida.
Não tinha um dia em que eu não acordasse o amando mais do que
ontem. Mesmo quando brigávamos — quase sempre culpa minha, assumo.
Ele era um monge pacífico, eu um pinscher desgovernado —, mesmo com a
distância, a vida corrida. Ele se dedicava de uma forma absurda para o
trabalho e o doutorado, ainda assim, não existia um dia em que não ligasse
para mim. Ou me mandasse algo para casa. Um doce, uma flor, qualquer
coisa para mostrar que estava presente.
Assustava estar com alguém e não ter dúvidas sobre o futuro.
Eu sabia que meu futuro era Bernardo. Só precisávamos aguardar um
pouco para conquistá-lo.
Pois é, as dores de se encontrar um grande amor enquanto se era
estupidamente jovem.
— Já somos adultos para criar um bebê, não somos?
Bernardo passou um braço por cima de meus ombros.
— Eu pago meus impostos. Aqui e no Brasil. Acho que isso me faz o
dobro de adulta.
— Eu fui promovido no trabalho.
— Eu tenho um contador e dois funcionários.
— E eu descobri que tenho intolerância à lactose. Tem algo mais de
adulto do que isso?
— É, acho que somos adultos, não é? — Meu tom conspiratório era
cheio de segundas intenções.
— E sabe de uma coisa? — sussurrou ao meu ouvido.
— O quê?
— Eu vou me mudar para um apartamento com dois quartos. Um deles
tem uma janela com vista para as montanhas, muita luz natural, ideal para...
— Gravar vídeos? — Eu parecia um cachorro escutando “Passear”.
— Exato.
Bernardo falou como se estivesse falando a maior pornografia da
história.
— Então... — Enrolei, esperando que viesse dele o pedido.
— Podemos ser adultos juntos lá em Palo Alto, não?
Eu estava em um dia de muita emoção. Comecei falando com
Bernardo, o nosso bom-dia logo virou um monte de sacanagem sussurrada.
Ele tinha se tornado um especialista em falar sacanagem por telefone. Gozei
maltratando meu clitóris e quase comprei uma passagem para que Bernardo
fizesse ao vivo tudo o que falou. Depois tive uma reunião com meu editor
que contou que o livro estava já na fase de diagramação e a pré-venda era
um sucesso absoluto, já tínhamos vendido cem mil cópias. Depois teve a
discussão com Pérola, os gemidos enquanto eu tentava gravar uma
publicidade e uma hora depois, estava vendo a vagina da minha amiga.
Conheci a minha mais nova melhor amiga e acabei de ser convidada para
morar com o homem da minha vida.
O que mais eu posso querer de um dia?
— Nós podemos. Nós podemos tudo, gênio.
Enrolei o tecido de sua camisa branca entre os dedos, puxando-o para
mim. Bernardo dedilhou meu rosto como se eu fosse algo absolutamente
precioso. Era assim que ele me tratava. Meses atrás, eu nem sabia que
merecia algo assim.
“Eu amo você”, sua boca se moveu sem som, mas eu sorri. Porque era
tudo o que eu fazia com Bernardo.
Eu sorria e agradecia. Agradecia e sorria.
— Eu amo você.
Ele colocou uma mecha da minha franja atrás da minha orelha e seus
dedos puxaram minha nuca logo depois. Não esperei que ele me beijasse,
porque queria beijá-lo primeiro.
Foi o beijo mais importante, doce e incrível de toda a minha existência
desse planeta. Talvez quando Bernardo me colocasse no foguete, superasse
seu medo de voar e fôssemos embora para Marte e ele tentasse me dar outro
beijo desses, pudesse superar. Mas enquanto não, aquele sempre seria o
melhor beijo da minha vida, porque marcou o começo de algo precioso.
Algo com a minha pessoa predileta.
Ele sempre seria o meu garoto favorito.
E eu tinha a sensação de que seria muito mais do que isso.
E, alerta de spoiler: ele foi.
Cinco anos depois

Deu ruim.
Mas deu bom.
Mas, talvez, dê ruim.
Foi a minha conclusão depois de ver aquela coisa na minha frente.
Fui colocar uma roupa, porque precisava achar Bernardo na casa. Ele
tinha acabado de voltar de uma palestra em Nova York. Fazia uma semana
que eu não o via, o que, para meus padrões de carência extrema, era muito.
Desci a escada para a sala. Fazia apenas seis meses que estávamos
morando naquela casa, em Marina District, ao norte de San Francisco.
Depois que Bernardo concluiu o doutorado, começou a trabalhar em um
cargo bem alto no laboratório de propulsores a jato para a missão em —
Pasmem! — Marte e nós resolvemos que precisávamos de mais conforto em
uma casa grande. Enquanto ele não nos levava para Marte.
Não. Infelizmente eu não era uma madame que ia para o pilates às 3h
da tarde. Na verdade, eu até ia, mas era porque meu horário era flexível, não
por Bernardo.
Eu fazia meu trabalho de casa. Tinha dois livros best-sellers, um deles
virou uma série da Netflix. Era sobre mulheres, amores e conexões. Algo
que eu amava e sempre amaria falar. Além dos livros, eu ainda continuava
trabalhando com redes sociais e escrevia semanalmente uma crônica para o
maior jornal de San Francisco. Eu tinha vinte e seis anos, quase vinte e sete,
e a vida profissional que era o meu sonho quando tinha dezesseis. Parecia
mesmo um sonho.
— Bernardo, a casa caiu!
Desci correndo a escada de madeira, encontrando-o sentado em uma
poltrona, lendo em seu Kindle. Certeza que não era pornô de fada. Bernardo
tinha um péssimo gosto literário.
— O gesso do banheiro de novo?
Ele se levantou, bravo, prontíssimo para ligar para o corretor que nos
vendeu a casa e descer os cachorros em cima dele.
Dei uma engasgada ao vê-lo com aquela calça xadrez em tons de
vermelho e preto que caía muito bem em seu quadril. Meu neném, não era
mais neném! Ficava sempre dividida entre ficar triste porque Bernardo tinha
perdido aquela carinha de garoto fofo e inocente, mas felicíssima por sentar
livremente naquele homem que, desculpe o palavreado, puta que pariu! Era
uma dádiva, uma obra prima, forjado nos reinos dos céus.
Ele começou a fazer academia pouco tempo depois que começamos a
namorar. Acho que ficou com inveja do meu tanquinho depois daquela fase
meio Gracyanne Barbosa que tive. A minha durou pouco, mas a dele
continuou. Bernardo agora tinha ombros tão largos que tinha até dificuldade
de encontrar aventais para o laboratório. Ele ainda continua magro, mas seus
músculos eram marcados. Olha, sinceramente, eu passaria horas e mais
horas lambendo cada músculo dele. Não que eu não fizesse.
Mas ainda era Bernardo. Com seus óculos caindo pelo nariz, um sorriso
tímido quando escutava algo que o envergonhava, com os cabelos
bagunçados e a forma maravilhosa como me tratava. Cinco anos depois e eu
ainda o queria mais de quando nos declaramos em frente do laboratório da
NASA. Eu sou chamada até hoje de Rex pelos colegas de trabalho dele.
Fazer o quê se sou popular?
— Calma, está tudo bem lá. — Ergui os braços, rendendo-me.
— O que aconteceu?
— Aconteceu algo.
— Percebi no momento em que chegou correndo e gritando.
Ele ainda era metido a espertinho. Dava para ver.
— O quanto você quer ir para Marte?
Cruzei as mãos em frente do queixo, percebendo sua nítida confusão.
Bernardo largou o Kindle na poltrona e ajeitou os óculos no nariz.
— Quem quer enfiar o nome como voluntária é você. Eu não vou.
— Então, porque não vamos mais.
— Mas eu nunca falei que ia.
— Você tem um sério problema de comodismo, Bernardo. Precisa ir
para a terapia ver esse seu medo do novo.
— Eu não tenho medo do novo.
— Porque vai precisar agora, mais do que nunca.
— Não tenho medo do novo — ele continuou insistindo.
E ainda tinha hiperfoco. Vou marcar uma consulta para Bernardo
amanhã.
Bufei, percebendo que eu era quem estava hiperfocada em Bernardo.
Tirei o bastão de plástico do cós da calça de pijama e estiquei na direção
dele.
— É por esse motivo que não vamos para Marte.
Fiz um gracejo para um Bernardo mais pálido do que nunca. Ele
derrubou o teste de gravidez no chão, abaixou para pegar, bateu na mesinha
de centro, derrubou o pratinho de cerâmica que Ana fez para nós em sua aula
de arte. Por sorte não quebrou.
— Você está grávida?
Por que Bernardo não estava feliz? Por que Bernardo estava em pânico?
Ele tinha um trabalho bom. Eu também. Tínhamos uma casa bonita.
Uma rede de apoio. Dinheiro para contratar babá, pagar um plano de saúde,
talvez uma escola particular se o bebê fosse um gênio que nem ele. Meu
Deus, e se o bebê puxasse o meu QI de peixe dourado? Era por isso o pânico
de Bernardo?
Comecei a hiperventilar. Estava passando mal.
Vou morrer.
Vou morrer sozinha, grávida e triste.
Ele deu as costas para mim e atravessou a sala, subindo a escada
rapidamente.
Ele faria as malas. Iria embora. Deveria ter conhecido a gênia da
Astrofísica que nunca o obrigaria a ir para Marte, porque já estava fora de
moda. Eles colonizariam Plutão. Pequeno, algo intimista, nem era planeta
mais, o que daria privacidade. Eles plantariam mandioca, viveriam de
clorofila. Teriam bebês plutoneses ou plutonenses? Quem nascia em Plutão
era o quê, merda?
Vou ficar sozinha. Era isso. Aceitei meu destino.
Poderia voltar para Los Angeles e morar com Pérola, Bruno e Ana.
Bem, talvez não fosse uma boa ideia. Muito sexo. Vou virar celibatária.
Será que Gael e Helena transavam bastante? Podia ir morar com eles,
não é? O bebê ainda seria neto dele, mesmo que Bernardo fugisse para
Plutão. Eles tinham cara que transavam muito, aquela coisa calma, olho no
olho.
NÃO! Gael transando, não! Pelo amor de Deus!
Lana? Que tal, Lana? Ela também era avó, não é? Cape May era legal,
pacata. Boa para criar uma criança. Connor já foi para a faculdade, Ryle
daqui a pouco iria. Ela vai ficar sozinha. Podemos criar patos que nem o
doido da pousada.
Fiquei com saudades da minha avó. Ainda estava puta com ela por ter
me largado nesse mundo sozinha com pessoas que transavam demais e um
namorado que me largaria para ir morar em Plutão. Nunca, mas nunca
mesmo, perdoaria Dedé por ter feito isso comigo.
Tivemos anos maravilhosos? Sim, tivemos. Inclusive quando ela veio
morar aqui comigo. Foram poucos meses, mas meses incríveis. Até que ela,
em uma noite, resolveu me deixar. Já tem três anos, mas eu ainda sentia sua
falta todos os dias. Ainda mais agora, que precisaria dela para criar uma
criança.
— Pietra?
Olhei para Bernardo, ainda um pouco atordoada por pensar em minha
avó. Ele não estava com malas ao redor.
Será que ele me expulsaria?
Não aceitaria outra mulher morando na casa que quase custou meu
nervo ciático! Você tem ideia do que é fazer uma mudança em uma casa de
San Francisco? É só escada e ladeira nessa merda! Não aceito, não vou
aceitar.
Entraria em uma briga com Bernardo. Era isso.
Peguei a almofada que estava mais próxima de mim e taquei nele. Voou
longe, porque ele estava ajoelhado.
Que porra era essa?
— Eu não vou embora daqui. Eu esvaziei a última caixa da mudança
semana passada e não vou deixar tudo fácil assim para a sua gêni... Ah!
Parei de falar e só soltei um suspiro de entendimento.
Bernardo estava de joelhos. Com uma aliança esticada em minha
direção. Uma aliança bem bonita, um diamante que deveria custar um
absurdo. Nós éramos ricos? Espera... Ele estava me pedindo em...
— Você quer se casar comigo?
Eita, gente!
Acho que coloquei a carroça em frente dos bois.
Abri um sorriso, nervosa, chocada, em pânico.
— Você está me pedindo em casamento porque eu estou grávida?
— Você está grávida porque eu quero te pedir em casamento.
Apertei as sobrancelhas.
— O quê? Não faz sentido.
— É, não faz. — Ele deu de ombros, arrumando os óculos pela
milésima vez, o que indicava que estava nervoso. — Eu quero fazer isso faz
tempo, a aliança está guardada há dois anos. Só achei que você não iria
querer, porque somos novos. Mas, tudo o que eu mais quero é casar com
você e ter a nossa família.
— Sem filhos em Plutão? — Meus olhos arderam pelas lágrimas.
— O quê?
Ajoelhei junto de Bernardo em cima de nosso tapete fofo e todo cinza,
que foi um inferno para achar. Eu, com certeza, não deixaria aquele tapete
para aquela gênia sem noção.
— Você está me pedindo em casamento! — gritei, exasperada ao olhar
para aquele diamante.
— Nós vamos ter um bebê!
Joguei em cima dele, selando nossos lábios. Ele caiu no tapete e eu caí
por cima. Meu coração estava acelerado e tudo o que consegui fazer foi
sussurrar dezenas de “Sim” para ele.
Bernardo e eu éramos o acaso do destino mais perfeito de todos. Nós
éramos perfeitos um para o outro. Desde sempre, porém no tempo certo. Da
maneira certa. Algo precioso em meio à multidão.
— Pronta para mais uma primeira vez? — questionou o meu futuro
marido, que acabava de escorregar a aliança por meu dedo anelar.
Segurei o colarinho de sua camisa social, vendo naqueles olhos
brilhantes meu bom garoto, meu gênio arrogante, meu namorado perfeito e o
homem que seria meu marido e o pai do meu filho. Antes de beijá-lo,
sussurrei:
— Juntos e sempre.
Esse aqui é meu décimo livro.
Dois anos atrás, ter essa quantidade de livros parecia algo impossível. E
durante esses meses, eu me joguei de cabeça em histórias que o meu eu
leitora gostaria muito de ler.
“Uma Boa Garota” foi a história mais fácil de escrever, algo que em
nenhum momento pareceu trabalho. Pietra se tornou minha melhor amiga,
passamos madrugadas e mais madrugadas nos divertindo horrores. Meu
coração após aquele “FIM” ali em cima está leve, porque eu contei a história
de uma garota assim como eu, como nossas amigas, como você que está
lendo isso aqui.
A Pietra sou eu. A Pietra tem um pouco de cada mulher que passou por
minha vida. A Pietra é a razão pela qual eu escrevo livros para mulheres.
E é por isso que esse livro é totalmente dedicado a você, minha leitora,
que me conheceu por esse livro ou que já me conhece de outros. Não tenha
medo de sentir, de mudar, de se reinventar, de se jogar de cabeça em algo, de
ser amiga e de viver.
Eu espero que a sua vida também seja repleta de primeiras, segundas e
terceiras vezes.
Obrigada por ter chegado até aqui!
Com amor,
Nathalia Oliveira.
Saga Velocidade: Você – Livro 1
Saga Velocidade: Nós – Livro 2
Saga Velocidade: Eles – Livro 3
- Os Bergmans: Um conto de Natal da Saga Velocidade
LUNY: Contos de Amor na Universidade
Quando nos Perdemos
Depois de Vegas
A Assassina do CEO
Cape May
O Gêmeo Errado

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outras pessoas a conhecerem meus livros.

[1]
Forehand: Jogada do tênis em que se usa a raquete com a mão virada para a frente.
[2]
Em tradução: A sua linguagem corporal fala comigo.
Trecho da música Under The Influence – Chris Brown.
Table of Contents
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS

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