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SUBLIME DEAL

TRILOGIA AMORES EM JOGOS 2

COPYRIGHT © 2023 APRIL JONES


Todos os direitos reservados

Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.

Estão proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta


obra, através de quaisquer meios ― tangível ou intangível ― sem o devido
consentimento. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela
Lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar, personagens e


situações são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com
pessoas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa: Larissa Chagas (@lchagasdesign)


Diagramação: Annie Belmont, April Jones e L. Júpiter
Revisão e Leitura Crítica: Pigmalateia (@pigmalateia)
Leitura Sensível: Iara Braga (@autoraiarabraga) e Letícia Caroline
(@letbookstan)
Leitura Beta: Annie Belmont (@anniebellmont) e L. Júpiter
(@autorajupiter)
Ilustração: Gabriela Góis

Sublime Deal
[Recurso Digital] / April Jones — 1ª Edição; 2023
1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. New Adult 4. Ficção I. Título
Eu nunca sei como escrever uma nota de autora.
Sempre é inevitável passar horas procrastinando, mas nunca tenho
escapatória. Precisava contar como Sublime Deal é o meu diário pessoal;
íntimo e doloroso. Nele estou depositando as coisas que presenciei, não são
relatos que ouvi ou fiquei sabendo por terceiros, entretanto, fique ciente que
também incremento ficção a essas páginas.
Contar sobre a minha vivência em um lar violento me fez repensar
se era certo, sabendo que são minhas dores que vi de pertinho enquanto
crescia. Todavia, deixo meu alento para não deixarem os alertas de gatilho
passar despercebidos.
Em hipótese alguma deixe sua saúde mental em segundo plano.
Priorize-a sempre!
É nesse instante que peço que não ignore os avisos de gatilhos na
página a seguir.
Sublime Deal vai contar a história da nossa querida Stéfany Taylor,
uma garota que mostrou um pouco de si no primeiro livro da trilogia mas,
ainda assim, sua vida continua sendo um completo mistério.
A garota forte que ela sempre demonstra ser, foi construída por
diversas camadas dolorosas para se tornar o que foi mostrado em páginas. A
máscara que ela carrega por anos vem sendo camuflada por batons
vermelhos e uma língua um tanto afiada, é nisso que vemos a verdadeira
Stéfany, aquela em que seu maior ponto fraco é seu pai.
Aqui eu te entrego meus pesadelos em forma de palavras, e nelas
irão descobrir quem é Eric Peterson, uma pessoa completamente oposta da
nossa protagonista, mas tão parecida pelas circunstâncias do seu meio
familiar. A família Peterson não é o exemplo de ouro, ela tem seu lado
obscuro, carregando traumas para seus laços parentais.
É necessário ressaltar que assim como todos os personagens desse
livro, Stéfany e Eric, são reais, com problemas e pensamentos, será
inevitável não fazer conexão à eles. Ambos mentem, escondem segredos,
mágoas e medos. Em alguns momentos vão odiá-los, mas nunca deixar de
amá-los como devem. Peço de antemão que sejam sensíveis com eles, sei
que não será fácil, mas creio que assim como eu os guardei em meu
coração, vocês também irão tomar suas dores escondidas.
Estava claro desde o início que, ao contar a tão esperada história
desses dois, iria trazer muitas consequências, seus tópicos principais de
gatilho e a carga emocional me fizeram levar dois anos para finalmente
sentar e contar como deveria a história deles definitivamente, dar um ponto
final.
Vários pensamentos me sondaram, pensei diversas vezes que
odiariam o livro que tanto me doei. Se tudo que escrevi tocaria o coração de
alguém, talvez mudaria os pensamentos e ações. Foram tantos “e se” que
cogitei largar tudo e desistir. Tantos momentos que achei insuficiente, mas o
apoio que ganhei das vozes de Sté e Eric dizendo: você vai desistir de nós,
mesmo quando você disse para não acabar com tudo naquelas noites que
tivemos, April?
Stéfany quer que, assim como ela, você não desista.
Eric pede que você extraia suas dores, assim como ele.
É importante lembrar que Sublime Deal mesmo sendo possível ler
independente, faz parte de uma trilogia, porém, para entender melhor o
universo, o primeiro livro, Forever You, já está disponível na Amazon e
Kindle Unlimited.
Está nas suas mãos decidir embarcar nesse universo.
Te entrego outra vez as passagens de ida para Boston, pois as aulas
estão retornando, e as portas da Crows Blues University, a universidade
mais falada e amada dos EUA, estão abertas para te receber de braços
abertos!

Com amor,
April!
Gosto de validar que os avisos de gatilhos são tão importantes
quanto a nota da autora, eles são cruciais para iniciar uma leitura, pois
devemos priorizar nossos limites e acima de tudo, nossa saúde mental.
É a primeira vez que adiciono uma página apenas para listar os
gatilhos, entretanto é altamente necessário.
Sublime Deal tem uma carga emocional pesada, como consta na
nota da autora. Nele vou trabalhar sobre: Violência doméstica gráfica,
negligência familiar, abuso psicológico, transtornos psicológicos como
TEI (Transtorno Explosivo Intermitente) – que será retratado de forma
crua, de como surge por consequência de negligência em uma rede familiar
–, automutilação, uso indevido de bebidas alcoólicas e cenas de sexo
explícitas!
De forma clara, ressalto que esse livro não é recomendado para
menores de dezoito anos.
Por fim, relembro: se você já passou ou presenciou qualquer
episódio de violência doméstica, não deixe de denunciar! Nunca, em
hipótese alguma evite pedir ajuda ou ligar para o 180, é gratuito.
Vale lembrar o quão absurdo os casos de violência contra mulher e
feminicídio crescem todos os dias. É nesse exato momento que você se
pergunta: qual é o momento que devo fazer uma denúncia? A partir do
momento que você se depara com o primeiro ato!
Muitas vezes ficamos sem saber como denunciar uma agressão
física ou verbal, mas é importante reconhecer e saber como denunciar a
violência psicológica também. É necessário ter bastante atenção desde os
primeiros sinais, ter coragem de assumir para si mesmo e procurar ajuda o
quanto antes. Tanto se estiver efetivamente na relação, como se houver
qualquer vínculo com qualquer um dos envolvidos. Tentando assim, evitar
prejuízos ainda maiores para a vítima.
NÃO SE CALE. DENUNCIE!
Também é válido frisar que irá encontrar neste livro menção a
suicídio, assim como, infelizmente, pensamentos suicidas e depressivos.
Nesse ponto preciso alertar a você que a Depressão é uma doença
silenciosa, em alguns casos nos recusamos a percebê-la e só é diagnosticada
em circunstâncias drásticas, chegando a acarretar situações angustiantes,
resultando em suicídio.
O suicídio é considerado pelo Ministério da Saúde como um
problema de saúde pública, tirando a vida de uma pessoa por hora no Brasil,
mesmo período no qual outras três tentam se matar.
Preze pela sua vida, ela vale muito!
Caso esteja passando por isso, peço que busque ajuda
imediatamente!
Existe o Centro de Conscientização Sobre a Vida, nele há
profissionais dispostos a ouvir vocês por meio do 188. Novamente: Ligue,
por favor, não desista de viver mesmo que tudo esteja perdido!
Vidas podem ser salvas com apenas uma ligação.
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES:
O enredo necessitou passar por adaptações especiais para esta história,
certamente, o processo real para uma carreira de medicina é diferente.
Neste livro, entretanto, Stéfany não precisa seguir as normas da pós-
graduação do curso, como acontece nos EUA. Sendo assim, o universo
fictício permite que alterações deste tipo sejam realizadas.

No mais, tenham uma boa leitura!


Ouça a playlist de SUBLIME DEAL
no Spotify, escaneando o código abaixo:
Para todos os corações partidos pelos pais que deveriam nos
ensinar a amar.
Eu sei como você se sente.
É doloroso; Cruel.
Não sai da memória.
Deixa marcas profundas.
Quase incurável e, às vezes, é inevitável negar o perdão.
Saiba que não há problema em chorar, porque eu chorei.
Te amar foi meu primeiro grande ato de coragem na vida.
Meu segundo foi te deixar partir.

— Igor Pires, Todas As Coisas Que Eu Te Escreveria Se Pudesse.


Você estava sozinha, abandonada no frio
Apegada às ruínas de seu lar despedaçado
Perdida e machucada demais para carregar o seu fardo
Someone To Stay | Vancouver Sleep Clinic

De algum modo, a mentira sempre foi crucial na minha vida.


Aprendi da pior forma como guardar meus medos dentro de mim,
tudo que vi e a forma cruel de como elas estavam sobre meus olhos durante
tudo o que eu me lembro em minha vida.
Aperfeiçoei minha máscara com o passar dos anos, mas atrás de
toda aquela armadura, ainda existia uma garotinha machucada por seus
piores pesadelos. É apenas por ela que seguia sem rumo por aquela cidade.
Após anos, a mentira se tornou maleável em minhas mãos, como se
fosse massinha de modelar. Minha tortuosa válvula de escape. Dizer que
estava bem, era uma frase que não saía da ponta da língua. Tudo aquilo
apenas para afastar as terríveis perguntas que poderiam vir a seguir. Por
isso, sempre escondi que estava no meu limite, prestes a desmoronar por
completo.
Não conseguia ser capaz de admitir, mas parecia ser melhor do que a
verdade.
Talvez fosse por esse fato que eu tenha fingido tão bem ser a
namorada de Eric fodido Peterson, como eu gostava de chamá-lo, ou
babaca, nas ocasiões especiais.
Aceitar aquele maldito acordo foi surpreendente, mas, o que eu iria
ganhar em troca era ainda mais importante, algo que eu sempre quis e um
dos meus sonhos mais puros e genuíno de todos — mesmo em meu mundo
caótico.
Tudo que eu sempre lutei em conquistar.
Estava presa numa fachada que, por um segundo, pensei na
possibilidade de ser como nos meus sonhos mais profundos, contudo, voltei
à realidade no mesmo instante e percebi que relacionamento reais não
estavam na lista de uma garota como eu.
Uma garota destruída, que se escondia atrás das tatuagens pelo
corpo.
Uma garota covarde, que se escondia atrás do falso orgulho.
Uma garota complicada demais, que se escondia atrás da
personalidade difícil.
Uma garota problemática, que se escondia atrás dos cigarros.
Meus esconderijos, onde busquei refúgio desde o dia em que eu quis
fugir da minha realidade;
O dia em que quis morrer e acabar com toda aquela dor.
Tudo isso era culpa deles. Sempre eles. As razões da minha vida ter
sido um ciclo vicioso que nunca tinha um ponto final. Eu estava fadada a
nunca superar meus pesadelos e as marcas que deixaram em mim.
Eles ferraram com o meu passado.
Arruinaram com o meu futuro.
Isso poderia ter sido evitado se eles realmente me amassem.
Puxei o ar entre os pulmões, ainda vagando pelas ruas barulhentas
da Filadélfia. Os carros buzinavam, assobios flutuavam em meus ouvidos,
enquanto todas as palavras de Denner começavam a embaçar meus
pensamentos.
Ele sabia que aquilo certamente acabaria comigo.
Oh, sim, e acabou.
Denner não mediu suas palavras e sua força sobre mim.
Ainda tinha um peso indestrutível, continuando a me torturar,
enquanto eu virava uma quantidade exagerada de vodca — a qual rasgava
minha garganta desde o primeiro gole —, fazendo-me grunhir, sentindo o
gosto de sangue em meu lábio cortado. Deus, doía, mas não tanto quanto as
marteladas em minha cabeça e o aperto dos danos dele.
Por que doía tanto? Droga, eu estava um caco.
Não havia melhor definição para o caos tempestuoso que eu tinha
me tornado.
Naquele segundo a certeza tinha tomado meus pensamentos, estava
claro desde o início, foi uma péssima ideia ter aceitado vir novamente para
a Filadélfia.
Eu odiava com todas as minhas forças aquela cidade.
E ali, eu a repudiava ainda mais, depois de ter colocado meus pés
novamente naquela casa.
Como eles foram capazes?
Eu não deveria me importar com aquilo, pois tudo estava se
encaixando. As cartas tinham sido postas na mesa, mas por que eu sentia
que faltava algo? Por que ainda estava em negação?
Quando eu me tornei tão sentimental?
Quando foi que eu havia me deixado ser afetada?
Eram tantas perguntas.
As dúvidas borbulhavam na minha cabeça, ao mesmo passo que a
imagem dele voltava aos meus pensamentos.
Droga, Eric. Ele não deveria ter dito aquilo, eu estava em uma
neblina de palavras, verdades, mentiras e por fim, nas suas revelações.
Eu só precisava fugir, sair de toda essa confusão que procurei. Era
para ser somente um jogo de futebol americano na cidade do amor fraternal,
mas acabou sendo a minha destruição. E de combo, ganhamos dois
corações fatalmente partidos, sem esperanças de serem consertados.
Foi o nosso desenlace destrutivo.
Tudo que sempre representamos um para o outro no final das contas.
QUANDO TUDO DESANDOU

Amando e lutando, acusando, negando


Não consigo imaginar um mundo em que você se foi
A alegria e o caos
Os demônios de que somos feitos
Hold On | Chord Overstreet

Não lembrava da última vez que o mundo estivesse prestes a cair


sobre a minha cabeça com apenas uma palavra.
Pensei que aquilo nunca mais me aconteceria novamente, mas
estava enganado. Dez segundos tinham predominância para mudar a rota do
mundo todo e um nome tinha poder para desencadear os piores pesadelos
de um homem.
Aquele homem era eu.
Eu temia com o que estava por vir da boca da minha irmã já que, em
um instante estávamos nos divertindo, e no outro, voltando para o meu
passado, direto para os meus maiores tormentos.
— Ela está votando para Boston — Meus olhos estavam presos na
minha irmã gêmea, não era difícil ver seus dedos sobre a tela do celular,
denunciando sua indecisão. Notei seus pés afundando entre a areia da praia.
— E... ela não está sozinha.
Naquele momento, fui tomado pelo impulso, não tive tempo de
pensar. Quando vi, as palavras já tinham saído desesperadamente dos meus
lábios e foi impossível deixá-la concluir.
— Como assim?
Normalmente, era fácil malear meus pensamentos, todavia, aquela
situação implorava por respostas urgentes. Precisava saber por que ela
estava voltando depois de tantos anos longe da cidade, do lugar que foi seu
lar por tanto tempo.
Não era qualquer pessoa.
Era a minha ex-namorada, Stacy Morrison, que estava retornando
para Boston.
Ao meu redor, meus amigos talvez se perguntassem a mesma coisa,
mas preferiram usar o silêncio. Nathaniel e Alexander estavam atentos, eles
sabiam o quanto tudo aquilo significava para mim, não precisava dizer uma
única palavra para perceber o quanto, mesmo após anos, Stacy ainda tinha
um lugar importante nos meus pensamentos. Até Ana, noiva do meu melhor
amigo, notou que algo estava errado.
— Ela está com alguém. Mais especificamente… com Mason.
Foi como se uma bomba estivesse prestes a explodir a qualquer
momento nas minhas mãos, desarmada, causando uma catástrofe em tudo
ao meu redor, com apenas a simples menção daquele nome que eu não
escutava há anos.
Mason, o meu irmão caçula.
Não foi difícil ler as entrelinhas expostas na minha frente e todas as
peças se encaixando minuciosamente.
Mason e Stacy estavam juntos, desde que ela decidiu fazer
faculdade de medicina fora do estado.
Puta. Que. Pariu!
Perdi a noção de tudo que estava acontecendo, parecia que o mundo
tinha acabado desde que o nome dela tinha sido pronunciado outra vez,
após anos. Esperava que esse dia nunca chegasse, mas infelizmente veio,
pronto para me destruir novamente.
E pior que da última vez.
Eu me tornei um homem que desconhecia há muito tempo, vagando
e trilhando um caminho incerto, que talvez minha versão adolescente
discordasse. Esse meu eu tinha pensamentos e ideologias melhores, não
precisava lidar com tantos problemas da vida adulta.
Tudo estava fora de controle.
DECISÃO DEFINITIVA
Agora temos problemas
E eu não acho que nós podemos resolvê-los
Você fez um corte muito profundo
E, amor, agora nós temos um conflito
Bad Blood | Taylor Swift

Às vezes, me perguntava quando foi o exato momento em que perdi


o rumo da minha vida. O segundo em que me permiti ter que lidar com
problemas além da raiva. Tudo isso refletia na minha mente por vários
segundos enquanto o rosto de Stéfany Taylor estava muito perto do meu.
Tínhamos chegado da praia há hora e todo o clima ainda continuava
pesado em cada centímetro do apartamento. Tudo parecia mais denso e eu
estava me segurando para me manter calmo, mas Taylor não cooperava.
Estar no mesmo ambiente que ela não era bom para meus pensamentos.
— Ah, droga. Se rolar beijo, eu juro que vou vomitar! — Paralisei
no mesmo instante, quando uma voz rouca verberou entre mim e a mulher
que fazia da minha vida um completo inferno.
O corpo alto de Alex, meu outro melhor amigo, atravessou a
cozinha, enquanto deixava uma gargalhada pelo ar, ao mesmo tempo que
meus olhos encaravam os de Taylor.
As íris que puxavam um tom de verde diferente de todos que eu já
havia visto na vida, estavam em chamas, como se pudesse me matar com
apenas um olhar, e suas narinas dilatavam conforme respirava. Do modo
como seus cabelos estavam presos, podia ver cada centímetro do seu rosto,
e também via as tatuagens que cobriam a pele negra do seu braço.
Ela podia ser considerada facilmente uma patricinha metida aos
meus olhos.
Lutar contra meu verdadeiro eu se tornou um grande desafio desde o
dia em que a conheci. Stéfany transformou meus dias em uma batalha, já
que a garota petulante não me dava descanso, principalmente depois que
passou a morar no meu apartamento.
Sempre soube que aquela havia sido uma decisão ruim.
Desde o primeiro momento fui contra a ideia de acolhê-la em nossa
casa, quando foi expulsa do lar dos seus pais. Não contente em conviver na
mesma universidade e nosso ciclo de amigos, Taylor passou a morar
comigo. Não havia um dia sequer que tínhamos um momento amigável,
porque ela era uma chama para uma pessoa que sempre teve um pavio curto
desde muito novo.
Lidar com ela não costumava ser fácil, ambos éramos
completamente diferentes. A única coisa em comum era o ódio infernal que
nutrimos um pelo outro, desde que cruzamos nossos caminhos. Nosso
primeiro contato não foi dos melhores, tampouco o segundo ou os que
vieram em seguida.
— Você não cansa de ser um idiota, Peterson? — cuspiu as palavras
dos seus lábios.
— Sabe, os dormitórios já devem estar disponíveis — comentei,
cruzando os braços.
A ideia dela indo embora daquela casa causava uma comemoração
interna em mim, após a notícia que minha ex-namorada estaria de volta à
cidade em alguns dias, era o que eu mais queria naquele momento. Teria
meu apartamento como era antes dela se mudar para lá. Ganharia paz e
sanidade novamente. Uma vida. Porque ela fazia parecer que seu único
projeto de existência era me infernizar. Talvez aquele fosse o seu propósito
na Terra.
Deus, roubar aqueles cinco dólares da carteira do meu pai aos seis
anos de idade não deveria ter resultado nesse castigo.
— Você bem que poderia, sabe, não preciso dizer, creio que é
inteligente o bastante para entender o recado — ergui uma sobrancelha.
Taylor lutou muito para não franzir o cenho na minha frente. Era
algo que eu admirava nela, seu modo de contra-ataque e que nunca
mostrava fraqueza para mim.
— Eric, por Deus! — Hannah gritou em choque e não precisei
desviar meu olhar para saber que minha irmã gêmea estava desaprovando a
minha atitude.
Com os olhos totalmente inertes, vi a fagulha da chama no seu olhar,
como se na sua cabeça eu já estivesse morto e enterrado. E provavelmente
estava.
Aqueles olhos tão... intensos, que facilmente seriam capazes de
deixar qualquer homem de joelhos, exceto eu. Deixar outra mulher entrar na
minha vida, após o caos que Stacy fez, estava fora de cogitação. Era melhor
assim, preferia morrer sozinho a sentir tudo aquilo de novo.
O amor não era o que vendiam, a verdadeira realidade para quem
viu e sentiu, tinha outra cara, outros sentimentos que eu evitaria a todo
custo.
— Acha que eu daria esse gostinho de vitória a você? — ciciou, me
encarando com o queixo erguido, os olhos mantendo aquele velho ar
prepotente, dando mais um passo para frente.
Droga, eu realmente odiava quando ela fazia aquilo. Era mais uma
das centenas de coisas que me faziam puxar os cabelos.
Ainda não ganhei essa partida, Taylor.
Também não deixaria ela na vantagem da sua próxima jogada.
Sempre fui um bom competidor, estava no meu sangue. Herdar isso da
minha mãe não foi bom, mas meu lado egoísta amava cada segundo. Nunca
ninguém me causou isso, mas Stéfany conseguia desenterrar algo
desconhecido de mim.
— É isso aí, gatinha! — Alex ergueu o punho para o alto, animado.
Ou talvez apenas fingisse. Inclinei a sobrancelha na sua direção. Aquele
filho da mãe estava torcendo para ela. Sabia que na maior parte do tempo
ele fingia ser daquela maneira, Alexander James não era mais o mesmo cara
que conheci quando adolescente. — O que há? Fany sabe como te colocar
na linha da melhor maneira.
Taylor não moveu um músculo sequer, muito menos eu. Não daria a
porra do braço a torcer. No entanto, ela sim. Quer dizer, eu acreditava que
sim. A garota era imprevisível. Alguém que me fazia evitar desvendar qual
seria sua próxima jogada, pois sabia que certamente iria me fazer odiar o
que poderia vir a seguir. Algo que não seria bom para minha sanidade.
A simples menção fez uma pequena gotícula de suor surgir em
minha têmpora. Estava suando frio e não era a primeira vez. Eu temia o que
poderia fazer se não fosse capaz de voltar a controlar minhas emoções
como antes.
Deus, não.
Naquele instante sabia que estaria pagando com a língua se desse
meia volta e subisse as escadas, pois todos ao meu redor na sala de estar
saberiam o poder que Taylor tinha de me fazer perder a paciência apenas
em pensar nela, mesmo quando estávamos a, pelo menos, dez centímetros
distante um do outro.
— Vamos lá, Peterson. Vá em frente e mostre o verdadeiro cara que
está atrás dessa sua máscara fingida. Independentemente do que faça, não
vai mudar o fato do que sempre vi em você!
Eu seria um merdinha se fizesse. Porém, uma ideia do que poderia
se tornar a minha morte passou pelos meus pensamentos. O que eu estava
fazendo? Era absurdo, eu sabia, mas no momento que vi Stéfany erguendo
uma sobrancelha, capturando meu próximo passo decisivo para o início de
uma guerra declarada entre nós dois, não recuei quando as exatas palavras
saíram da minha boca.
— Você tem uma semana para sair da minha casa.
Consegui ver exatamente o segundo em que sua coluna ficou rígida
sobre meus olhos, o vinco entre suas sobrancelhas escuras e os lábios
imediatamente entreabertos.
Aquilo significava apenas uma coisa:
Um a zero para mim, Taylor.
EM NEGAÇÃO

Eles dizem que eu sou uma maníaca por controle


Impulsionada por uma avidez pelo sucesso
Ninguém pode me parar
Porque o problema é meu
Se eu quiser fazer as malas e fugir
É assunto meu, se eu sentir a necessidade
De fumar, beber e dançar
Are You Satisfied? | MARINA

Eu me esforcei.
Juro com todas as letras que juntei tudo que tinha para não
demonstrar uma reação sequer após ouvir aquilo sair da sua boca.
Você tem uma semana para sair da minha casa.
Ele não tinha o direito de fazer isso. Fui pega completamente de
surpresa, minhas mãos estavam atadas e por mais que eu não quisesse
demonstrar o quanto aquilo me afetou, as expressões não saíram do meu
rosto. A sala de estar havia se tornado um campo minado, em um completo
silêncio. Ninguém se atreveu a dizer uma palavra, porém Alex cortou o
silêncio do cômodo, dizendo:
— Isso não tem graça, cara — Eu não precisava girar meus
calcanhares para saber que ele estava sorrindo pela simples risada que
ecoou, tentando amenizar o estrago que seu amigo babaca tinha feito.
— Eu falei sério — Eric respondeu, sem desviar os malditos olhos
azuis dos meus.
Mesmo me sentindo inútil, eu iria continuar assim, não quebraria
contato visual com Peterson, embora minha vontade fosse correr para meu
quarto e chorar o quanto pudesse debaixo dos meus cobertores. Não
deixaria que tudo que ele proferiu me afetasse.
— Você não pode fazer isso, Eric! — Naquele instante quem
interveio foi Hannah.
Eu ainda não conseguia mover um dedo sequer, porque as palavras
dele me levaram diretamente ao passado em que fui expulsa do lugar onde
deveria ter sido meu porto seguro.
Eric pareceu tanto com ele.
Os homens realmente me odiavam. Não tinha escapatória para me
esquivar deles, na minha vida medíocre. Um ciclo inevitável para a
destruição constante que se tornou minha existência nos últimos anos. Eu
viveria assim eternamente, amaldiçoada por Denner e todas as coisas que
ele praguejou.
— Eu não voltarei atrás na minha decisão, Hannah — rebateu, sem
tirar os olhos dos meus. — Creio que Taylor tenha me ouvido bem. Talvez
assim possamos nos dar bem, não acha?
— Eu ouvi perfeitamente, Peterson — abri um sorriso tranquilo, que
estava levando tudo de mim, quando finalmente fui capaz de falar algo.
Ele não iria mais falar comigo daquela maneira repugnante, como se
eu fosse um nada. Quebrei nossa curta distância, ficando ainda mais
próxima dele, e dali eu podia ouvir sua respiração alta pairando entre nós.
Cada segundo fazia com que meu sangue fervesse mais e mais. Eric
Peterson fazia ser impossível compartilharmos o mesmo ambiente.
— Pode ter certeza que será um imenso prazer não conviver mais na
mesma casa que você — Umedeci meus lábios secos, pelo sacrifício que se
tornou drenar cada sílaba.
O seu corpo ficou tenso quando meu rosto desviou do seu, quase
tocando a boca na pele sensível do seu ouvido. Eric podia disfarçar tanto
quanto eu, mas cada um de seus músculos visíveis ficava apreensivo.
— Eu até poderia agradecer se você não fosse você, mas nesse
instante, a única coisa que eu consigo sentir olhando nos seus olhos é o
quão desprezível você é. Todo meu ser odeia eternamente cada centímetro
seu — Estalei a língua, satisfeita, ao ver sua mandíbula apertada. Aquilo me
deu um gosto bom nos lábios.
Com essas palavras dei um passo para o lado, não aguentando mais
respirar em sua presença. Ficar junto a Peterson envenenava meus pulmões,
talvez até mais que os cigarros que eu fumava diariamente.
Deixei a sala de estar, me dirigindo às escadas, mas não sem antes
ter uma troca de olhares com Hannah e Alex. No segundo em que meus pés
tocaram o degrau, a voz grossa de Peterson retumbou novamente, deixando
meus nervos à flor da pele. Sem esperar que eu fizesse outro movimento,
seus lábios gananciosos disseram com toda arrogância que aquele riquinho
mimado pudesse ter dentro dele:
— O sentimento é mútuo, Taylor, saiba disso — O sorriso que
prendera toda extensão da minha boca desapareceu por completo.
Canalha arrogante!
Como eu o odiava. Algo que hipótese alguma mudaria um dia.
O sentimento seria perpetuamente mútuo.
— O que aconteceu?
Não tive tempo nem de me preparar para o vulto loiro entrando pela
porta do meu quarto. Arqueei uma sobrancelha, vendo suas mãos ao redor
da cintura, onde o volume acentuado da barriga, ficava cada vez mais
visível.
Suspirei me ajustando sobre a cama e em um nanosegundo, meus
olhos capturaram o relógio digital sobre a cômoda. Ainda era cedo para
algumas pessoas, mas tarde para uma universitária que tinha a semana
movida de estresse e estudos.
— Vamos, não vai me contar o por que Eric surtou com você?
— Você sabe que aquele cara é um egocêntrico nojento, Ana. E sabe
mais ainda que meu orgulho não vai me permitir ficar até o final da semana
nesta casa, vendo Peterson em todos os momentos que eu andar pelos
cômodos — compartilhei com ela, ao mesmo tempo que colocava meus pés
para fora da cama. Tinha perdido o sono e já imaginava que Ana não iria
embora até me fazer mudar de ideia.
— Eric vai acabar se arrependendo, Sté. Nathaniel está nesse
instante conversando com ele — Parei no mesmo segundo, procurando seus
olhos, ainda prendendo meus dedos entre os lençóis. — O que houve?
— Nada, apenas desça e fale para Nathaniel que não precisa intervir
nesse assunto, não é problema dele. Apenas meu — respirei fundo.
Não queria que Ana tomasse minhas dores e puxasse Nathaniel para
me ajudar.
— Stéfany, por favor.
— Sem essa, Ana. Eu posso lidar com isso e já estou procurando
quartos pelo dormitório feminino — tentei tranquilizá-la. — Nessa altura do
campeonato deve ter algum.
Com Ana grávida, as medidas foram dobradas por todos em relação
a tudo que a envolvia, não deixando que nada tomasse sua atenção do bebê
que estava a caminho.
Ela não teria preocupações. Minha melhor amiga não sofreria mais.
Ana mordeu o lábio inferior, mudando seu olhar para o assoalho,
mantendo a postura e as íris pensativas. Ah, droga! Lentamente cerrei os
olhos, tentando descobrir o que sua mente estava formulando no silêncio e
tudo que passava pela minha cabeça, não era algo bom.
— Tive uma ideia!
— Por que estou com uma leve sensação de que vou odiar sua ideia?
— Cruzei os braços abaixo dos seios, encarando-a. Havia desistido de sair
da cama, então decidi ver até onde isso iria.
— Eu pensei que... você poderia vir morar comigo — Um sorriso
brotou no segundo seguinte em seus lábios levemente pintados por um rosa
novo, enquanto os meus não compartilhavam nenhum sinal de batom.
— Não — Devolvi seu sorriso, com uma pitada de sarcasmo na
resposta. Era óbvio que eu jamais iria quebrar a privacidade dela. Estava
praticamente tudo preparado para a chegada de Ellie. Então não, de maneira
alguma, iria morar com eles.
— Nathaniel não vai se importar, Sté! — Ana também cruzou seus
braços. Bati uma mão contra a testa, em seguida massageei a região, seria
difícil, mas não impossível de dar um fim a isso.
— Mas eu me importo.
— O que há de errado?
— Tudo? — Abri as mãos, mostrando que estava mais que claro o
motivo. A loira bufou uma rajada de frustração pelos lábios. — Ana,
convenhamos que isso seria estranho. Em breve vocês terão um bebê, não é
como Full House[1], sabe? — Seu tronco murchou, instantaneamente com a
comparação.
Eu a amava tanto, mas não podia deixar que as coisas chegassem a
esse ponto. Ela foi a única pessoa que deixei entrar na minha vida quando
eu me fechei para o mundo, a única que podia contar sempre. A única que
também sabia dos meus maiores medos.
— Eu só... quero ajudar você. Imagino que tenha sido
constrangedor. Não pensei que chegariam a esse ponto de não conseguir
suportar conviver na mesma casa! — Ela se aproximou do colchão e se
sentou junto a mim, deitando a cabeça no espaço do meu ombro. Fechei os
olhos por um segundo, digerindo tudo que aconteceu nos últimos meses. Eu
estava esgotada com todos os acontecimentos desde o natal em Boston há
mais de um ano.
Queria poder me livrar das memórias e esquecer aquilo.
— É uma perda de tempo pensar nisso. Aconteceu, fim — Não
consegui disfarçar minha voz embargada, era um desafio para mim
esconder minhas emoções quando estava com Ana. Eu percebi isso quando
senti sua cabeça deixar meu ombro pouco a pouco. Antes que ela pudesse
perguntar, disparei: — Não aconteceu nada, estou cansada. Só isso.
— Tudo bem. Então está decidido a mudança para o dormitório
feminino?
— Estou encaminhando para que tudo saia bem, se não, eu dou um
jeito. Talvez o dinheiro da boate sirva para isso também.
Fazia um bom tempo que eu dançava na boate. Ajudou a pagar as
mensalidades da faculdade de medicina e tudo que envolvia investir no meu
futuro como médica. Ainda tinha minhas economias na lanchonete, não
pagavam tanto, mas cobria a fachada do dinheiro extra que eu ganhava.
Eu guardava fé que um dia tudo isso iria acabar. Não iria precisar
estar me dividindo em três para dar conta de tudo. E só de pensar que estava
tudo indo bem, antes que meu pai tirasse todo o dinheiro da minha conta
bancária, quando me expulsou da sua vidinha maravilhosa, fazia meu peito
apertar.
Foi preciso apenas uma oportunidade para que ele pudesse destilar
todo seu ódio imenso sobre mim quando, segundos antes, fui capaz de
enfrentar pela primeira vez a sua voz autoritária naquele lar abusivo, onde
passei anos sofrendo nas suas mãos.
Queria que Rose, minha mãe, pudesse se livrar de tudo o que
vivemos naquele lugar. Todo dinheiro que ele tinha encobria o verdadeiro
homem que Denner Taylor realmente era, um ser desprezível, até mais que
Eric. Quer dizer, nada se comparava a viver no inferno que era aquela casa.
Ainda tinha todas as marcas que aquele lugar me deixou,
consequências irreparáveis. Sentimentos impossíveis de esquecer e que
nunca poderia abandonar, porque era inevitável deixar de lado todos os
medos e traumas que desenvolvi enquanto crescia.
Era isso que um lar violento fazia; destruía toda a magia dos sonhos
de uma criança, apagava a ideia de uma família feliz, enquanto vivenciava
agressões constantes dele.
Podia ver todo o filme se repetindo nos meus olhos.
Ainda era possível vê-lo tombando as costas de Rose contra a
parede.
Conseguia visualizar perfeitamente Denner enrolando suas mãos
envolta do pescoço da minha mãe, ainda era capaz de ouvir os seus gritos
pedindo para parar e todo meu corpo tremer com a gritaria do outro lado da
porta. A madeira, por mais que grossa que fosse, não impedia de ouvir o
que acontecia ali.
Rose estava quase mudando de cor, estava chegando em uma
tonalidade assustadora de vermelho, enquanto apontava o dedo contra seu
rosto. Lembro a forma como ele estava destilando sua fúria nela, antes de
ficarem face a face, os palavrões ecoando pela sala. O ar do quarto pareceu
inexistente em questão de segundos.
Cada abuso que presenciei.
Eu lembrava de tudo.
E naquele instante, eu podia sentir meus pesadelos me puxando de
volta para o breu.
Oh, Deus... faça isso cessar de uma vez, faça essa escuridão
desaparecer da minha vida.
Era aterrorizante.
Não, eu não quero voltar para aquele buraco sufocante.
— Stéfany? — Senti o calor dos dedos de Ana envolvendo meu
ombro exposto, sua voz me fez voltar para o quarto e ser capaz de ir para
longe da escuridão.
— Estou aqui — murmurei, isso não parecia ser eu, estava longe de
ser quem mostrava para todos no dia a dia.
— Acho que você está em qualquer lugar, menos aqui — retrucou,
balançando a cabeça antes de fechar os olhos por um breve momento.
Compartilhar minha vida com Ana desde muito nova, deu
benefícios não tão vantajosos para minha amiga de infância. Ter encontrado
ela naquele parquinho tinha me mudado por completo, Ana foi capaz de me
dar alguns anos de vida, pois sem ela, eu não estaria ali há muito tempo.
— Algo está me incomodando, Sté.
— O que? — Franzi o cenho sem entender.
— Que pelo visto não vai ser agora que você vai poder dar um fora
na boate, não é? — A loira perguntou sob o silêncio que tinha se formado
entre nós duas.
Meus pensamentos eram altos demais enquanto refletia sobre minha
vida antes de Boston, antes da faculdade. Definitivamente antes da minha
liberdade.
— Infelizmente, ainda não.
Estava quase tudo certo para sair daquele lugar. Mesmo com um
dinheiro bom, eu não gostava daquele lugar. Amava dançar, mas repugnava
ser sexualizada para aqueles homens nojentos que frequentavam o local.
Havia outra coisa que me incomodava no Destiny 's: as coisas que
aconteciam nos fundos. Onde as meninas que dançavam não eram
permitidas a irem até lá se não fossem chamadas.
Eu tinha medo do que poderia se tratar aquilo, mas sabia que não era
da minha conta. Ser enxerida demais já haviam me dado consequências
dolorosas em momentos que poderiam ter sido evitados, se não fosse pela
minha curiosidade extrema na infância e alguns episódios na adolescência,
no entanto, já era adulta e ficar xeretando não fazia mais parte de mim.
Foi o que eu tive que aprender nos anos da minha existência.
O Destiny 's era uma boate escondida da cidade, onde abriam as
portas para jovens ricos, homens mais velhos cheios de dinheiro para
esbanjar, pessoas com poder, corruptos. Todos os tipos que poderiam existir
na classe alta de Boston.
Havia mais de um ano que recebi uma proposta de emprego na
boate, como dançarina. Tinham me visto dançar em uma festa da qual
frequentei no decorrer do meu ano na faculdade. Era uma das únicas
paixões que Denner não foi capaz de roubar de mim.
O meu amor pela dança, onde eu desde sempre supri um insaciável
desejo de aprender e ser capaz de fazer passos com tanta leveza, como se
em toda minha vida eu fosse uma dançarina nata.
— Você sente falta da Filadélfia?
A dúvida dançou nos meus pensamentos por alguns segundos. Em
algum momento da minha existência eu gostei de morar naquela cidade,
apesar das experiências no meu antigo lar, a Filadélfia me proporcionou
dias bons. Infelizmente, não tanto quanto eu gostaria.
— Às vezes, sim — Seu tom ainda continha incerteza, mas eu
entendia o motivo. — Sinto falta de quando não tínhamos tantas
preocupações, ou quando não precisávamos descontar nossos problemas em
noites regadas de bebida e se divertindo com caras aleatórios.
— É difícil citar uma época em que as coisas tenham sido
totalmente boas, já que sempre em algum momento algo estragava nosso
único instante proveitoso — Relembrar sobre o que realmente aconteceu
durante minha infância não era algo que eu gostaria de contar, porque tudo
aquilo eu queria deixar no passado. Não mudaria nada nas situações que eu
assisti ao longo da vida. — Não temos nada de marcante para relembrar.
Isso é... — Ana tentou buscar algo que pudesse comparar, enquanto fazia
sons de estalos com os dedos.
— Deplorável? — Sugeri, erguendo uma das sobrancelhas.
— Não — Ela riu, mordendo o lábio inferior.
— Horrendo?
Ana sacudiu a cabeça.
— Já sei, tenebroso? — Desviei meus olhos e focando-os na nova
cor das minhas unhas recém pintadas, entretanto, não consegui realizar meu
objetivo quando a pergunta saltou dos seus lábios.
— Ei, por que você está falando todos os sinônimos de palavras com
o mesmo sentido?
Suspirei, dando de ombros, quando na verdade tinha a resposta na
ponta da língua.
— Queria dizer que é estranho, sabe? — pontuou no momento em
que não obtive respostas. — Acho que nunca tivemos uma vida
completamente infeliz, vejamos... quando te conheci, pra mim, foi sem
dúvidas o melhor dia da minha vida.
Oh, eu lembrava bem dessa data. Foi quando tudo começou. E não
de uma maneira empolgante como deveria ter sido.
Poderia dizer que sim, mas o melhor dia da minha vida foi quando
eu coloquei meus pés em Boston, com toda certeza, esse foi o dia em que
fui realmente feliz, mesmo que eu não demonstrasse por conta das coisas
que ouvi naquela manhã.
No aeroporto as pessoas que diziam ser meus pais nunca foram se
despedir quando estava prestes a pegar meu voo. Nem ao menos Rose
estava lá, a única pessoa que cogitei que um dia não fosse cruel comigo,
mas naquela altura do campeonato eu sentia que nem com ela podia contar.
Por um segundo, precisei da sua presença e mesmo que ela não
dissesse nada, valeria a pena.
— Para mim também — Tentei esconder a mentira através do
sorriso que compartilhei com ela.
— Até hoje eu gostaria de saber como conseguimos nos tornar
melhores amigas.
— Como assim?
— Por vários motivos, não lembra? — Ana dedilhou os dedos sobre
o volume do seu ventre.
— Ainda não entendi, e também não consigo ver motivos para não
termos sido amigas quando éramos mais novas.
— Ah, você morava na parte alta da cidade. Seus pais eram podres
de ricos, quer dizer, continuam sendo, tinham uma mansão três vezes maior
que a minha casa, Sté!
As diferenças que tínhamos entre nossas famílias eram gigantescas,
pensando por esse lado. Eu tinha de tudo que pudesse me suprir
financeiramente, menos o essencial, aquele que toda criança deseja ter
desde que se entende por gente e descobre coisas que às vezes não
preferiam saber.
Roger não tinha muito mais a oferecer na área financeira, mas
olhando como era a convivência e o modo como o pai de Ana a criava e
tantos outros aspectos, me fizeram ver com outros olhos o meu.
Denner, seu filho da puta.
Para minha sorte, ele sabia bem que eu o odiaria até o dia em que eu
morresse e nunca mais pudesse vê-lo na face da terra, porque eu preferia
perder tudo que ainda me restava apenas para nunca mais cruzar nossos
caminhos.
— Às vezes, eu queria que as coisas tivessem sido diferentes —
sussurrei.
— Por exemplo? — Ana apoiou o queixo sob a palma da mão.
— Queria que tudo que envolvesse Denner fosse diferente.
Mal capturei o segundo em que meus olhos tinham amolecido, e as
minhas forças tinham extraído do corpo com apenas a breve menção do seu
primeiro nome, por mais que eu tivesse mencionado ele.
Acreditava que com o passar do tempo seu nome não me
amedrontaria mais. Ainda queimava meus lábios. E me propulsionou
náuseas. Também nojo.
— Isso seria perfeito. É impossível tirar da minha cabeça que
qualquer outro homem seria um pai melhor que Denner — A confissão me
surpreendeu.
— Uma pena, não é mesmo? — Por mais que minha voz soasse
indiferente, por dentro eu estava me despedaçando. Apenas por um fio de
não aguentar tudo nas minhas costas. — Por que não paramos de falar sobre
isso? Esse nome sempre atrai coisas ruins, deveríamos mudar de assunto.
— Você quem manda! — Assisti a loira fazer um sinal de
continência, tocando a lateral da mão contra a testa.
Era nesses breves instantes que eu podia notar os pequenos detalhes
da nossa amizade, em como Ana se tornou minha âncora e o meu ponto de
luz, apenas por existir.
Sem Ana não existiria Stéfany.
E mesmo depois de tudo isso, ainda sentia o vazio puxando para um
lugar que eu não queria mas em todas as circunstâncias, era determinante,
não ser arremessada para as profundezas da minha mente.
Ana ficaria bem se eu parasse de existir. Eu seria um peso a menos.
— Seu mundo seria o mesmo se não tivesse voltado para minha casa
naquela tarde? — O amargor ocupou cada centímetro da minha garganta.
— Você está realmente voltando para aquela tarde? — Sua voz
tremeu, assim como cada célula minha. — Por que isso? — Já não
estávamos em um clima bom, na verdade, desde que voltamos da praia tudo
tinha se tornado estranho entre todos nós.
— Apenas quero saber, já que você nunca mencionou nada desde
que “me recuperei” — Ousei fazer aspas com os dedos.
Eu nunca tinha me recuperado daquele dia, nada em mim foi o
mesmo. Minha vida jamais teria essa reviravolta.
— Episódios como esses são difíceis de trazer à tona, mas estamos
falando sobre isso... por que nunca me contou o motivo? Achei que eu
merecesse saber — A menção daquele dia rodopiou na minha cabeça e em
como tive várias oportunidades de revelar os motivos. Entretanto, não era
simples, havia tantas coisas por trás.
— É melhor continuarmos assim.
— Stéfany! — Ana ficou ofendida.
— Achei que não quisesse relembrar — declarei, por fim, deixando
uma lufada de ar se esvaziar nos meus lábios.
Meu olhar permanecia em Ana, que mostrava não estar satisfeita
com minhas últimas palavras. Como consegui mudar o clima entre nós duas
em menos de cinco minutos?
Desviei meus olhos, procurando meu celular ou algo que pudesse
me dizer que horas seriam até que finalmente o encontrei em cima da minha
mesinha de cabeceira, encostado nos meus livros de medicina. Esse era um
dos motivos para estar ali em Boston. O motivo principal para aguentar
tudo nos Destiny 's.
Inclinei um dos meus braços e com o movimento estiquei meu corpo
por completo, na tentativa de apanhar o aparelho sem nenhum problema.
Aos poucos, fui sentindo a textura nas pontas dos dedos, até tê-lo nas mãos.
Quando desbloqueei a tela vi uma sequência de mensagens e
ligações surgindo. Todas de Edith. Ah, droga! O frio da barriga mergulhou
com força, fazendo meus pensamentos me assustarem pela incerteza. O que
poderia ter acontecido? Era o meu dia de folga.
Sem esperar, disquei o número de Edith e no quarto toque ela
atendeu.
— O que aconteceu? — Foi a primeira coisa que eu consegui falar,
todavia consegui sentir minha voz vacilar. Ana também notou ao girar em
minha direção.
— Sei que não é seu dia de trabalho, mas preciso de você aqui —
Seu tom era o mesmo de sempre; Tranquilo além da medida e no final não
podia faltar a arrogância banhada nas últimas palavras. Seu gran finale.
— E eu sei que há garotas capacitadas para isso e, como disse, hoje
não preciso trabalhar — ainda na linha, rebati.
— Todas, mas nenhuma consegue ter todos os clientes na palma da
mão como você, Diana — O nome me fez engolir em seco. — E o melhor,
não deixe eles esperando, sabe que eles pagam tão bem... Você disse que
precisava de dinheiro, não é?
Merda!
— O que me diz? Vai deixar a oportunidade escapar entre seus
dedos? — Edith me fez ficar em silêncio por alguns segundos, mas logo
retornou a linha. — E então?
Mordi a bochecha.
— Certo, Edith. Chegarei em breve — Foram as únicas palavras que
deixei antes de cortar a ligação, todavia, conseguia visualizar o sorriso
vitória de Edith.
— Falando em Destiny´s... está na hora de ir para lá — murmurei,
passando as mãos entre os cachos castanhos escuros. Quando meus olhos
se moveram em direção de Ana, notei seu corpo encolhendo.
Soube bem ali o quanto ela ainda não concordava. Talvez nunca,
porque minha melhor amiga queria me ver em um lugar melhor, um lugar
que eu não precisasse me sexualizar. Eu também.
— Realmente queria que isso acabasse — Suspirou, ao mesmo
tempo que assistia seus dedos dançando sob a ondulação na sua barriga.
— Um dia vai acabar, Ana. Serei a pediatra mais falada nos quatro
cantos da Terra. Não ouvirá outro nome a não ser o meu nos noticiários.
Anote isso porque vai ser nesse dia que saberei o quanto valeu essa noite —
murmurei, mas toda a convicção foi decretada em cada palavra.
Faria tudo se tornar realidade.
Ninguém me impediria.
Não haveria Denner.
Não haveria boates para limitar minha vida e, o melhor, não existiria
Eric Peterson.
Eu seria dona do meu próprio nariz e não precisaria usar do nome de
ninguém para isso.
Era como Cristina Yang[2] disse para Meredith.
Eu sou o sol.
— Eu sei que sim, Sté. Você tem o poder de fazer tudo isso mudar
— Ana concluiu por fim.
Aquele era o ponto decisivo em nossas conversas sobre o Destiny´s
e enquanto seu olhar ainda estava pousado sobre mim, fizemos uma
promessa silenciosa que em hipótese alguma esse assunto voltaria à tona.
— É melhor assim.
SEM CONTROLE

Posso ouvir o som de algo se quebrando


Tenho estado confuso ultimamente (sim)
Vendo minha juventude escapar (sim)
Softcore | The Neighbourhood

— Mas que porra você tem na cabeça, cara?


Eu não sabia, tinha agido no impulso. Todavia, jamais mudaria
minha palavra. Estava feito. Sem volta.
Nathaniel estava puto da vida comigo. Claro, o que eu podia esperar
quando ele passou pela porta, seguido por Ana, que nem sequer olhou para
mim ao entrar?
— Estou de saco cheio dela.
— Não, isso não tem nada a ver com ela, e você sabe — meu amigo
rebateu, semicerrando seus olhos cinzas sobre mim.
Uni as sobrancelhas em sua direção. Por que ele achava isso?
— Tem a ver com quem então? — indaguei.
— Stacy.
Minha coluna ficou rígida contra o sofá.
Não foi Nathaniel quem respondeu, isso me fez desviar meu olhar,
até encontrar o dono da voz que observava a conversa e estava quieto desde
o fim da minha discussão com Taylor. Seu tom de voz estava diferente,
pude ver o verdadeiro Alex que eu conhecia, sem a máscara por trás dos
seus olhos mentirosos.
— Isso não tem nenhuma ligação com ela — menti, sabendo que
meus dois melhores amigos saberiam a verdade.
Realmente ela era o motivo,
Tentei de todas as maneiras existentes não deixar a notícia de sua
volta me consumir, mas meu estômago revirava apenas por pensar naquilo.
O gosto ruim ainda parecia recente, como anos antes quando ela terminou
comigo no baile do colegial.
— Claro! E nesse instante não está pensando nela — Nathaniel
zombou e a pitada amarga na minha língua, permaneceu ilesa. Maldição,
isso só podia ser a porra do meu karma. — Cacete, Eric. Achei que você já
tinha superado isso!
— E eu superei! — respondi sem pensar duas vezes.
— Então, por que desde que soube da notícia que ela estava
voltando para a cidade com Mason, está diferente? — Alex perguntou,
envolvendo as mãos de trás da nuca. — Pensei que ela fosse passado para
você.
A forma como ele estava se referindo a ela deixava um gosto
amargo incomodando na língua. Não era bom. O sentimento se tornava
mais terrível após anos. Eu estava em negação, queria que as minhas
suspeitas de muito tempo fossem coisas da minha cabeça. No entanto, eu
estive certo cada maldito segundo. Ali tudo estava mais real, as peças se
encaixavam perfeitamente.
— Você não superou droga nenhuma, Eric. Stacy ainda tem domínio
sobre você mesmo depois de ter feito o que fez.
Não podia discordar, meus dois melhores amigos tinham razão;
Stacy ainda ocupava cada centímetro da minha mente e da porra do meu
coração idiota.
Mesmo que tenha ferrado ainda mais com minha cabeça, eu queria
de alguma maneira arrastá-la para fora de mim. Aquilo estava me
enlouquecendo. Era como se eu tivesse voltado para a fase ruim da minha
vida, quando eu não tinha controle sobre minhas ações e a raiva sempre
acabava me dominando.
Esse sempre seria um dos meus pontos fracos, mesmo com todas as
coisas que já havia lidado. Tudo parecia ser tão recente, o medo de não
conseguir aguentar tudo novamente.
A ira dominava noventa e nove por cento do meu corpo. E acima de
tudo, o descontrole.
— Eu não quero falar sobre isso, não aqui e nem agora.
Era um assunto que não deveria ser tocado naquele momento e
talvez, eu nunca estivesse pronto para isso. Principalmente quando o ponto
inicial de tudo era a garota que ferrou com minha vida muito tempo antes,
mesmo que depois de ter feito isso, eu a tivesse perdoado, e perdoaria cem
vezes mais, porque ainda continuava inteiramente apaixonado por ela.
— O que vai fazer então? — Nathaniel perguntou, mas meus olhos
não foram em direção ao cara alto de cabelos escuros e várias tatuagens que
cobriam sua pele branca. Meu foco estava sobre Alex, com a cabeça entre
as mãos. Ele já não estava me encarando havia alguns minutos, me
ignorando pela minha atitude.
— Não sei, não faço a mínima ideia. Só preciso sair daqui agora —
passei os dedos entre os meus cabelos loiros escuros.
Se eu ficasse ali pelas próximas horas, não responderia por mim,
pois meus nervos estavam elevados e já não estava aguentando, precisava
drenar pelo menos um terço de tudo isso.
— Vai mesmo ir para lá? — Alex finalmente saiu do seu silêncio.
Eles sabiam para onde eu estava indo e o quanto isso ajudava a
amenizar minhas emoções.
— Não tenho muita opção. No momento, a única coisa que quero é
esfriar a cabeça.
Segui em direção às minhas chaves, porque só havia um lugar que
fizesse eu me acalmar. O lugar que eu visitava desde muito novo, e passei a
frequentar quando fui diagnosticado com um laudo que mudou a minha
vida.

Quando meus pais quase se divorciaram anos atrás, não imaginei o


que aquele rompimento me causaria nos meses seguintes.
Minha mãe decidiu que iria embora, levaria minha irmã consigo e
me deixaria com meu pai e Mason. Talvez, eu devesse culpá-la eternamente
por me fazer desenvolver um transtorno aos treze anos. O início da minha
adolescência foi regado de raiva, brigas com meu irmão e desentendimentos
com meu próprio pai.
Foram meses até Oliver, meu pai, decidir me levar a um médico. Ele
já não conseguia mais lidar com as ligações da escola que ocorriam quando
eu me envolvia em algo sério. Meus monstros eram mais fortes que eu
mesmo e tinham um poder avassalador sobre meus instintos, causando
várias sessões com psiquiatras, que estudavam o meu caso.
Quando fui diagnosticado com TEI (Transtorno Explosivo
Intermitente)[3], meu lar se tornou uma zona de guerra, com Mason e eu
morando na mesma casa. Conviver com alguém que me provocava
diariamente, vinte e quatro horas por dia, era um desafio.
Eu odiei Mason Peterson, sangue do meu sangue por anos. Ainda
odiava.
Conseguia visualizar todos os nossos episódios sangrentos quando
ocorriam minhas crises causadas por ele.
O pensamento me fez ofegar. Acertando mais um soco de direita no
saco de boxe, deixei os últimos resquícios de fôlego existente nele. Meus
punhos doíam, minha cabeça latejava e minhas pernas estavam quase
cedendo.
Não aguentava mais.
— Vamos lá, Peterson. Acerta um jab[4] nesse saco agora, seu
molenga! — a voz de William, filho do dono da academia, reverberou,
enquanto suas mãos seguravam o equipamento com força.
Rangi os dentes, encarando-o ao mesmo tempo que sentia a camisa
ensopada de suor, não era somente o tecido, mas todo meu corpo estava
impregnado.
Comecei a fazer aulas de boxe quando estava prestes a completar
quatorze anos, uma das minhas psicólogas me aconselhou a iniciar algum
esporte para passar o tempo, porque seria proveitoso. Algo que me fizesse
descarregar minha raiva. Então, como uma luz no fim do túnel, o boxe
surgiu para mim e se tornou minha válvula de escape desde então.
Algo que talvez nunca mudaria facilmente.
Dei um passo para trás, me preparando para lançar meu próximo
movimento. Não me restava uma gota de estímulo, precisava de uma
munição para conseguir acertar o próximo golpe. E eu sabia qual era.
Apenas um. Apenas o suficiente.
Mason e Stacy tinham um caso nas minhas costas.
Porra, a ira me inundou, fazendo-me acertar o próximo soco em uma
potência que eu não conseguia explicar. William recebeu com toda a rigidez
concentrada no meu punho após pensar naqueles dois traidores,
cambaleando por impulso. Os olhos desequilibrados me estudaram
perplexos.
— Que porra, Eric! Em quem você pensou? — Will parecia curioso
e ao mesmo tempo surpreso.
Sacudi a cabeça. Não queria responder aquilo.
Agarrei minha respiração ritmada, sem fôlego, meus joelhos não
aguentaram mais um segundo em pé, me deixando cair sobre o chão arejado
da academia. Ainda não conseguia falar, apenas queria um segundo de
descanso. Já estava há horas liberando toda a carga que me perturbava
desde que recebi a notícia nada agradável.
Taylor foi a primeira a receber minha raiva. Descontar nela foi um
erro, reconhecia, mas sem volta. Nada, em hipótese alguma, me faria voltar
com minha palavra final.
Tudo porque a garota que mais amei na vida, talvez a única, estava
de volta para a cidade que deixou anos antes em busca do seu sonho.
Lembro que, na época, me dilacerou a ideia de perdê-la. Foi doloroso e teve
mais peso ainda quando ela quis acabar com o nosso relacionamento,
porque não queria manter um namoro à distância. A faculdade era seu foco.
Sem distrações, Eric.
Mas…
Eu realmente não consigo mais manter nosso relacionamento.
As suas palavras ainda eram frescas na minha memória.
Stacy terminando comigo.
Stacy acabando com tudo no baile de formatura.
Stacy partindo a porra do meu coração.
São muitas distrações para a faculdade. Eu não posso, Eric.
Todavia, o único problema que existia era eu mesmo. Finalmente
tinha ligado os pontos. As chances que antes invalidei, eram mais claras
como a água, não eram dúvidas, naquele instante, se tornaram a verdade.
— Pega aí — William lançou a garrafa abastecida de água em
minha direção, no mesmo minuto a peguei entre as mãos.
As forças já voltavam para meu corpo, precisava apenas de uma
pausa. Peguei impulso, sentado sobre o solo do tatame escuro.
— Preciso de um tempo — anunciei, deslizando os dedos no frasco
da garrafa e retirei a tampa, liberando a água com rapidez até os meus
lábios rachados. O calor queimava contra meu abdômen exposto, curvei a
coluna para frente, sustentando-me sobre a palma.
Ainda sentia a presença de William, com os olhos estreitos
visualizando sua estrutura encontrada nas grades do ringue de luta, lugar
onde eu entrava pelo menos duas vezes por semana, mas ultimamente
estava colocando meus pés ali mais do que deveria. Tinha sede de descontar
tudo que o retorno de Stacy estava causando.
Deveria ter enterrado todo sentimento que restava em mim a sete
chaves.
Um filete morno rolou pela minha testa, senti a gota deslizando
enquanto encarava meu parceiro de luta. Will era um dos únicos que topava
me enfrentar no ringue, não sabíamos ainda que era o melhor. O empate
sempre era garantido.
Um dia saberíamos a resposta, no entanto, colocava minhas fichas
no cara à minha frente. Seus cabelos castanhos escuros estavam uma zona,
o vermelho era o ponto principal no seu rosto, com alguns hematomas na
luta que teve mais cedo, não eram muitos, apenas em um dos seus olhos
marrons e outro corte no supercílio.
Como filho de Alan, o dono, ele desde cedo sabia o que acontecia
nos ringues. Contudo, as informações e experiências de primeira mão, não o
fizeram desistir das lutas clandestinas que rolavam toda sexta-feira à noite,
nos fundos de uma boate.
O Destiny 's.
Aquele estabelecimento já foi lugar de lutas sangrentas, algumas
eram carregadas de consequências com danos impagáveis. Tinha todas as
informações necessárias para ficar longe daquele lugar, entretanto, não foi
suficiente para que pudesse me impedir.
Apenas amenizou quando derrotei meu primeiro oponente, porém,
queria mais. Ainda não estava satisfeito, queria que esse incômodo que
latejava no meu peito a cada segundo que a imagem deles impregnava na
minha mente, desaparecesse.
Odiava lembrar que eles chegariam a qualquer momento, minha
única serotonina vinha somente após uma luta pesada, regadas de punhos e
uma vitória ao final.
As coisas tinham mudado de figura nos últimos tempos, dava para
notar. Hannah foi a primeira a sentir, não sabia se a velha lenda sobre
gêmeos era real, mas ela sabia. Por isso hesitou em confessar sobre a
mensagem na praia.
Lentamente puxei o ar, vendo Alan surgir entre as portas do seu
escritório. Naquele momento ele usava uma calça moletom escura, regata
larga, deixando seus bíceps visíveis e as suas longas veias sendo reveladas
nos músculos.
O homem conseguia colocar medo em qualquer pessoa, inclusive no
seu próprio filho. Will era um cara de vinte e três anos que certamente
ficava com o rabo entre as pernas apenas com um olhar tenso do pai, no
entanto seu velho era o único que tinha seu respeito. Meu colega não
aceitava regras impostas por outras pessoas.
O treinador pôs sua mão dentro do bolso e não demorou nem cinco
segundos para que jogasse suas chaves para o filho.
— Feche a academia, William — Não fazia muito tempo que ele
havia entrado ali, saindo apenas para supervisionar.
— Beleza, coroa — Agarrou as chaves entre os dedos. Seu olhar
ainda estava sobre o pai, esperando algo mais. — Manda a bomba — Sem
rodeios, soprou a pergunta erguendo as sobrancelhas.
— Apenas isso, volte para casa não muito tarde — avisou, severo.
Will abriu um sorriso atrevido de ponta a ponta nos lábios. Um aviso de que
ele estava prestes a fazer o oposto. Já tínhamos marcado de ir a mais uma
daquelas lutas clandestinas, a preocupação não fazia parte de mim quando
estava lá. Era boa, e eu me sentia uma outra pessoa. Alguém que não foi
traído pelas costas.
— Você sabe que não — Era palpável a mentira escorrendo,
atrevidamente, sobre sua língua.
Alan analisou o filho por alguns segundos, em seguida sacudiu a
cabeça sem ter mais forças para questioná-lo, simplesmente deu as costas
indo embora. O observamos andar até a saída do estabelecimento.
— Fico imaginando o que ele faria se soubesse sobre suas lutas —
Deixei escapar.
— Ah, no mínimo, quebraria as minhas costelas — Deu de ombros.
— Ótimo, lutas clandestinas não, mas quebrar seus ossos sim?
— Isso aí, Peterson. Você aprende rápido.
— Filho da mãe — Devolvi a garrafa na sua direção, fazendo-o
capturar o objeto entre os dedos. Havia marcações em tons vermelho escuro
e arroxeado. Encarei sua mão por alguns segundos, logo depois levantei
meu olhar. — Hoje você pegou pesado, Clark.
— Não quanto deveria — pontuou, relembrando sua quebra de mais
cedo. — Ainda temos uma luta em algumas horas, então isso foi apenas um
aquecimento — Will era presunçoso, achava que já tinha uma vitória antes
mesmo de entrar no ringue.
Balancei a cabeça em negação, erguendo-me do chão. Já conseguia
respirar normalmente, os minutos de descanso deram um bom resultado
para o meu físico. No entanto, a mente continuava turbulenta.
Queria respostas de tudo, a verdade.
Só não sabia se conseguiria encará-los quando ambos voltassem.
Mason... eu já podia esperar algo desse porte vindo dele, era do seu
feitio ser um traidor.
Mas Stacy?
— Cara, o que aconteceu? — Uni as sobrancelhas, procurando sua
voz. Por cima do ombro eu o encarei. William estava envolvendo sua
mochila em um lado das costas, a ação fez suas tatuagens dos braços se
destacarem.
— Por que a pergunta? — Ainda estava com o cenho franzido.
— Você já ouviu falar sobre nunca fazer uma pergunta em cima de
outra? Vai contra os modos de etiqueta, sabe?
— Sério? — aquele cara só podia estar zoando com a minha cara.
— Porra, olha você fazendo de novo! — Wlliam bufou, passando as
mãos pelo rosto como se não fosse a maior idiotice o que ele estava falando.
Revirei os olhos.
— É muito pessoal para que eu possa comentar, Clark — declarei,
enquanto procurava minha camisa sobre a barra de proteção do ringue e lá
estava o tecido de algodão preso entre as cordas. Avancei em sua direção,
pegando-a, e deixei por cima do ombro. — Vai fechar a academia agora?
— Sim, apenas preciso checar algumas coisas. Em dez minutos
estou lá fora, caso não queira esperar, pode ir na frente — se referiu à boate.
Assenti, caminhando até o meu celular sobre a mesa, onde continha
alguns equipamentos e proteção para a luta. Desbloqueei a tela, deparando-
me com as horas, vendo que já era noite.
Passei a mão livre entre as mechas loiras, ao mesmo tempo que
seguia em direção às portas do local. Sabia que William não iria demorar,
pontualidade era quase o seu segundo nome, às vezes, isso era um porre.
Só me restava esperá-lo.

William surgiu pelas portas com um sorrisinho torto nos lábios, ao


mesmo tempo que suas íris permaneciam sobre o reflexo do celular em suas
mãos. Seus dedos logo teclaram a tela.
— Vamos logo, porra! — Era difícil se manter paciente quando se
tratava de Will ou Alex. Ambos compartilhavam o mesmo pódio quando o
intuito era me irritar. Droga, não gostava nem de imaginar os dois juntos.
Seria meu fim.
— Ainda estamos no horário, Eric — Se ele achava que isso
ajudaria em algo, estava imensamente enganado.
— Não importa, William! Quanto menos perdemos tempo aqui
melhor para mim.
Não precisei dizer mais uma vez o quão insatisfeito me encontrava
com tudo borbulhando ao mesmo tempo na minha cabeça.
— Que neura! O ringue de luta não vai sair dos fundos do Destiny´s
— William parou por um instante, me fazendo cerrar os olhos na sua
direção, quando um sorriso sacana encontrou ponta a ponta dos seus lábios.
— Pensando bem... até que não é uma má ideia. Acho que Diana dançará
esta noite.
— Quem é Diana? — Will ainda não tinha mencionado a tal garota
em nenhuma das nossas conversas.
Seu sorriso aumentou.
— Você não queria ir logo para o ringue? Vai querer mesmo perder
seu precioso tempo querendo saber quem é Diana? — a cada sílaba eu
podia sentir a provocação saindo da sua boca insolente.
— Fodam-se você e ela, William. Eu não dou a mínima — Rolei os
olhos batendo minha mão contra seu peito e segui em direção ao meu carro.
O desgraçado gargalhou, ficando para trás no trajeto e entrei no
meu carro. Observei-o fazer o mesmo, colocando a chave na ignição. Não
demorou muito para ouvir o ronco do motor soando no ambiente.
Respirei fundo, fazendo o mesmo. Ele passou na minha frente,
deixando que o pneu do seu carro cantasse pelo asfalto. Bufei, posicionando
uma mão no volante. Dirigi todo o caminho quieto, atento com a
movimentação pairando logo atrás de mim pelo retrovisor. Já era tarde
então não tive dificuldade em chegar ao Destiny 's como acontecia às vezes.
— Tudo certo aí? — Meu olhar dançou na procura da voz grave,
segundos depois encontrei Will com a cabeça para fora da janela do seu
carro. Confirmei dando um breve aceno a ele.
Com o sinal, seus instintos não esperaram mais ao saltar para fora
do veículo enquanto eu fazia o mesmo, ainda calado; manter o silêncio
cortante era umas das consequências da minha adolescência, talvez tenha se
tornado um benefício sem perceber, não conseguia me ver interagindo com
William, as coisas a meu ver tinham que ser diretas.
— Você está mais quieto que o normal.
Uni as sobrancelhas.
— O que quer dizer com isso?
— Tenho que dar algum exemplo para algo que está óbvio? —
zombou, deixando o impacto causado por ele reverberar entre meus
ouvidos.
— Já falei, você não precisa se importar com isso.
— Um caralho que não! Porra, olha o seu estado. Parece que vai
matar um ainda hoje — Algo que não via há muito tempo no seu semblante
retornou.
Um fato sobre William: ele podia falar mais palavrões que Nathaniel
em apenas uma frase. Inacreditável.
Revirei os olhos mais uma vez.
— Veja pelo lado bom.
— Que lado bom?
— Terei munição para descarregar no meu adversário esta noite
naquela gaiola e você ganhará uma grana boa por isso. Apenas vantagens,
Clark — O sorriso amedrontador colou nos seus lábios.
Will apreciou a ideia tanto quanto eu queria liberar minha tensão.
Meus ombros pesavam. Meu amigo às vezes mostrava seu lado sombrio
quando menos esperávamos, ninguém conhecia realmente aquele filho da
mãe.
— Isso soou bem! — Senti seu braço se arrastando sobre meu
ombro, me envolvaendo em um abraço esquisito. — Agora venha, se eu
perder mais um segundo aqui fora com você terei que quebrar sua cara —
Foi inevitável não sorrir.
— Vamos acabar com isso o mais rápido possível.
Deixei que ele liderasse o caminho para os fundos do
estabelecimento, enquanto me perguntava o que Oliver e Lilian fariam se
soubessem no que eu estava metido. Seria um grande desgosto,
principalmente para minha amada e insensível mãe.
Meu pai iria se perguntar onde continuou errando, sua mente
deduziria sua falta de comprometimento com os filhos, quando sua atenção
estava apenas nas suas campanhas eleitorais.
Relativamente era uma pergunta que no momento eu não tinha
respostas, minha mente se encontrava no meio de uma neblina sem fim.
Meu corpo não tinha comando, funcionando apenas no automático, na
maioria das vezes.
— Espero que a pessoa que está fodendo com sua cabeça sirva para
algo quando você estiver no ringue. Lembre-se dela, desconte suas
frustrações no seu oponente, Eric — sussurrou no meu ouvido na proporção
que nos aproximávamos dos seguranças de Morgan Hughes, o cara que
administra todas as lutas clandestinas.
— Não há como esquecer — murmurei em resposta com os olhos
ainda presos nos dois homens de preto lado a lado.
— Palavra-chave? — Um deles perguntou.
— Temos o passe — Will assobiou, suas mãos agora livres
deslizaram para dentro dos bolsos do seu jeans, deixando apenas os
polegares à mostra. Com isso, ambos abriram espaço para entramos.
Quando já estávamos longe, William compartilhou: — Foda-se, não é a
primeira vez que viemos aqui e esses babacas ainda pedem palavra-chave.
— Estão apenas fazendo os seus trabalhos.
Ele bufou.
— Danem-se eles. Olhe o Hughes ali — Esticou a cabeça na direção
do cara conversando com alguém que não conseguia identificar, seus braços
estavam cruzados.
Morgan não parecia ser alguém que comandava um ringue de lutas
clandestinas inicialmente, a julgar pela aparência, podia jurar que tínhamos
idades próximas.
Eram poucas as informações que tínhamos sobre ele. Will me
contou que ele tinha três irmãos, Hughes era o mais velho e o mais
explosivo dentre todos, quando perdia o controle se tornava um grande
problema.
— Ele está nos chamando? — perguntei, observando seus olhos
sobre nós dois, vi o gesto que ele lançou.
Venham.
— Pelo visto, sim.
SIMPLESMENTE ENCANTADORA

Se um dia fosse difícil me mover


Ela transformaria a chuva em arco-íris
Quando eu estivesse vivendo na tristeza
Por que então, se ela é tão perfeita?
Glimpse of Us | Joji

PASSADO

Paralisado.
Foi como fiquei por cinco minutos quando vi pela primeira vez
aquela menina dançando balé no quarto de Hannah, enquanto eu segurava
minha câmera fotográfica que papai havia me dado de presente.
Nunca em minha vida a tinha visto e, de repente, a garotinha estava
ali, como se aquele fosse o seu lugar.
Ela parecia um anjo, girando na ponta dos pés com maestria,
mantendo os olhos fechados e eu continuei quieto, observando cada
movimento. Eram parecidos com algo que minha irmã havia feito uma vez,
porém, os dela eram desajeitados. Hannah não gostava de balé, mamãe a
obrigava a ir às aulas e ela sempre voltava chorando, enquanto se queixava
de dores nos pés e em outros membros do corpo. Algo dentro de mim doía
quando mamãe brigava com ela. Minha mãe era muito rude na maior parte
do tempo, algo que era muito confuso para nossa cabeça.
Ainda observando a menina de cabelos enrolados, eu podia ver
todos os detalhes da sua fisionomia; os cachos estavam presos metade e o
resto solto, eram maiores que os de Hannah, onde seu comprimento loiro
chegava na altura do pescoço. Seu nariz era pequeno, mas achatado; as
bochechas eram redondas e um pouco vermelhas, talvez ela precisasse parar
um pouco para se recuperar e, por fim, sua cor era diferente da minha. Um
tom de marrom um pouco escuro que a deixava mais bonita.
Simplesmente encantadora.
Com cuidado, levantei a câmera na altura dos olhos, e tentei
capturar a linda bailarina à minha frente. Papai me disse que eu deveria tirar
fotos de coisas que apreciasse e, naquele momento, eu apreciava cada
segundo dela dançando.
Com um click instantâneo a imagem foi fotografada, eternizando
aquele momento, e em pouquíssimo tempo, estava comigo a lembrança.
Sorri com minhas bochechas queimando quando olhei para a foto, não
conseguindo parar. Queria passar mais tempo ali, vendo-a dançar, porém
meu plano foi por água abaixo quando ouvi a voz de Mason me chamando.
Arregalei os olhos quando a porta se moveu, emitindo um ruído alto.
A menina parou de dançar no mesmo segundo, procurando o responsável
por interromper seu momento, deixando as mãos que antes, estavam no alto
da sua cabeça, caírem no seu colo.
Me esquivei da sua visão, girando os pés na direção de Mason.
Meu irmão tinha os cabelos castanhos, iguais aos da nossa mãe, o
mesmo tom dos olhos dela também; azul tão escuro quanto o Troféu Lake[5],
um dos lagos localizados na Carolina do Sul.
Eu amava lagos; Eles tomavam minha admiração.
— O que você está fazendo, aí? — Seu olhar estava estreito na
minha direção, a confusão em seu rosto mostrava o quão confuso se
encontrava. Mason não podia saber o que eu estava fazendo. Não podia
saber que eu estava espiando aquela garota dançando. Ele contaria para
todos.
— Nada! — respondi mais rápido do que deveria.
Aquilo foi um terrível erro. Mason suspeitaria com toda certeza.
Ah, meu Deus, não!
Meu irmão levantou uma sobrancelha.
— Você está mentindo! — acusou, apontando o dedo na minha
direção. Desviei meus olhos para o assoalho, estudei toda a textura da
madeira enquanto pensava no que falar. Qual mentira deveria contar
sabendo que isso me causaria um castigo da parte de mamãe. Ela odiava
mentiras. — Quem está aí dentro?
— Ninguém — soltei baixinho, levando as mãos para as costas,
escondendo minha câmera junto com a foto da bailarina desconhecida.
Poderia ter dito ao meu irmão quem estava ali dentro, talvez contado
a verdade. Era o ideal a se fazer, mas não queria que ele soubesse dela.
A pequena bailarina seria meu segredo.
— O que está acontecendo aqui? — A voz do papai ressoou,
chamando toda a minha atenção.
— Eric está bisbilhotando alguém no quarto de Hannah! — Mason
acusou. Não tive escapatória se não desviar meu olhar para o chão.
— Quem está no quarto de Hannah? — Papai perguntou confuso,
unindo as sobrancelhas castanhas.
Ainda com os olhos sobre a madeira, sussurrei:
— Há uma garota ali dentro — Levei meu dedo indicador para a
porta ao meu lado.
— Uma garota? — Meu pai perguntou, confuso, olhando para a
madeira entreaberta. Observei ele depositando duas batidas suaves sobre
sua extensão.
Toc.
Toc.
Estudei a movimentação no cômodo e não demorou muito para
minha irmã aparecer, colocando a cabeça para fora. Os cabelos loiros
estavam bagunçados, sobre o rosto, mesmo que estivessem presos aos
pompons que Lydia, nossa babá, havia posto nela.
— Oi, papai — Hannah usava o mesmo traje que a menina
misteriosa, as cores não eram surpresa, sempre as mesmas. Entretanto,
sempre estava com manchas em algum lugar do seu tutu.
— Princesa, seus irmãos estão curiosos sobre a garota que você
trouxe para o seu quarto. Pode chamá-la, por favor? — Ele sempre falava
com delicadeza quando se tratava de Hannah, como o apelido já explicava
tudo, minha gêmea era a princesa do reino dele. Ela tinha poder sobre
absolutamente o que quisesse e assim nosso pai lhe dava de bom grado, sem
precisar implorar por algo.
— Claro! — Seu sorriso estampou cada centímetro dos seus lábios
ao mesmo tempo em que escondia duas mãos atrás do seu corpo. Hannah
tinha dito apenas uma palavra, curta e direta, mas que me fez ficar ansioso
no mesmo instante.
Por favor, esperava que ela conseguisse tirá-la daquele quarto.
Parecia que minha irmã havia lido meus pensamentos, porque não demorou
mais nenhum segundo para ela desaparecer das minhas vistas.
Perdido nos pensamentos, voltei para o corredor no exato momento
em que dois corpos entraram no meu campo de visão. Ambas usando as
mesmas peças, mas apenas uma me fez paralisar como nunca na vida,
aquele evento passou anos na minha memória.
Finalmente consegui vê-la.
Ela estava tão próxima que me deixava mais nervoso,
completamente inquieto.
Alguém faça isso parar.
— Oi! — Levantou uma mão como forma de comprimento, dando
um grande sorriso envergonhado.
De repente, um fenômeno aconteceu, eu fui capaz de ouvir as
batidas do meu coração, mesmo estando em um corredor com mais quatro
pessoas. Os olhos dela foram o que mais me chamaram atenção, talvez eu
nunca fosse capaz de esquecer aquele grandes e enormes olhos verdes,
incrivelmente felizes na minha direção.
Considerei por anos aquele encontro como o melhor dia da minha
vida.
Brincamos pela tarde inteira.
Tive sua atenção completamente para mim.
Ela foi a primeira garota com quem consegui conversar por tanto
tempo, aquelas horas pareceram uma eternidade.
Eu queria ter todos os seus momentos e a oportunidade de guardar
mais instantes comigo.
Quando vimos o pôr do sol surgir pela vidraçaria da minha casa, um
olhar tristonho surgiu nas suas íris. Era hora de partir. Mas o sentimento
desapareceu no segundo que um homem entrou na sala.
Ele se parecia tanto com a garota.
Tinham tantas semelhanças em comum, o cabelo com a tonalidade
castanha, a pele negra... Absolutamente tudo.
A não ser a cor dos seus olhos, eram diferentes, enquanto seu pai
tinha íris castanhas, ela havia herdado uma cor que nunca tinha visto na
vida. Talvez essa fosse a lembrança que eu carregaria para sempre.
— Você está pronta para ir, minha princesa? — Ele perguntou a ela,
abrindo os braços na sua direção.
Naquele instante, concordei mentalmente. A menina era
definitivamente uma princesa, e quase sorri vendo-a abrir os lábios de ponta
a ponta para seu pai.
Ela parecia feliz.
Eu me senti feliz pela bailarina.
O seu sorriso era a coisa mais linda que eu poderia ver.
Tudo nela era perfeito.
— Eu tenho que ir — sussurrou.
Em um encolher de ombros, um incômodo invadiu cada centímetro
de mim. Ela estava indo embora.
Nunca mais a veria?
— Você vai voltar? — perguntei, ainda tendo sua atenção.
— Papai, posso? — A pergunta me deixou nervoso.
— Se você for bem-vinda, não vejo problema — Novamente um
sorriso se atrasou na sua boca antes de ir.
Eu queria ter tido a oportunidade de tê-la visto mais uma vez e
conseguir gravar nos meus pensamentos o seu rosto com mais clareza.
A única memória que tinha da pequena bailarina era do seu corpo
girando pelo quarto.
Seu nome foi esquecido.
Sua família virou lembrança.
Havia apenas uma lápide com seu nome.
A bailarina morreu.
A sua voz ficou distante, tanto que não fui capaz de memorizar.
Existia somente a notícia nos televisores sobre como partiu com sua
família.
E uma fotografia dela dançando sua música alegremente no fundo
da minha gaveta.
Um vislumbre do seu último momento.
DESTINY´S

Não importa o que fazemos


Ainda somos feitos de ganância
Este é o meu destino. Este é o meu destino
Quando você sentir o meu calor
Olhe nos meus olhos
É onde meus demônios se escondem
Demons | Imagine Dragons

— O que você acha que acontece nos fundos?


Chelsea, uma das novas garçonetes, mordiscava o polegar enquanto
apontava para as portas com a cabeça, onde era completamente proibido a
ida das funcionárias. Algumas tinham permissão para levar bebidas, porém,
eram as meninas mais antigas do Destiny ́ s.
Sobre todo holofote que a casa noturna providenciava, meu único
interesse nela era o dinheiro que eu recebia ao longo do meu período de
trabalho. Odiava cada mínimo centímetro daquele estabelecimento, tudo me
enjoava.
— Algo que não é da nossa conta, você sabe bem disso — lancei,
firme ao convencer a novata sobre não xeretar o que nos proibiam de meter
o nariz.
Para mim, aquilo era o de menos, entretanto, Chelsea tinha sido
contratada há três semanas, quando houve um desfalque após três meninas
entrarem para descobrir o que acontecia nos fundos.
A curiosidade não foi a favor delas quando Edith as pegou no flagra.
Foi a pior coisa que deveriam ter feito.
Eu vi tantas garotas chegando e sumindo de maneira aterrorizante.
Sem vestígios. Sem pistas.
Onde elas poderiam estar? Não tive respostas e talvez nunca iria ter.
Era algo que também não poderia intervir nas buscas de cada uma.
Por mais que eu não tivesse nenhum contato com elas, sempre soube
que não se manteriam ali por muito tempo, enquanto deixavam a
curiosidade falar mais alto nas suas cabeças ocas.
Chelsea não sabia desse detalhe, mas logo seus ouvidos iriam
descobrir o porquê dela ter sido contratada sem testes de experiência, se
quisesse manter o emprego. E não seria nada bom para seu futuro. Em
algum momento, a sua curiosidade iria colocá-la em maus lençóis.
Era sempre assim.
— Nossa, você é sempre tão certinha assim? Cadê seu espírito de
aventura? — Questionou-me. Enviei um olhar de soslaio em sua direção.
Incrível.
— Ah, a última coisa que eu sou é certinha, Chelsea. E meu espírito
de aventura não quer nem um pouco saber o que acontece atrás daquelas
portas — Os olhos verdes e tensos de Chelsea desviaram, me fazendo
intensificar meu olhar sobre ela. — Sugiro que pare imediatamente com
essas idiotices, coisas ruins acontecem ali, do tipo que você não faz ideia.
— Você não disse que nunca foi lá dentro?
Arqueei a sobrancelha ao notar sua ousadia.
— Chelsea, trabalho aqui há um ano. Posso nunca ter entrado
naquele lugar, mas já vi muitas das atrocidades que saem dali. Homens
cobertos de sangue e hematomas, alguns completamente irreconhecíveis...
— A cada sílaba que saía da minha boca, notava o quão assustadores eram
os meus relatos, acertando em cheio a cabecinha pensante da ruiva à minha
frente.
Era de se admirar o quão assustada Chelsea estava, mesmo que não
tenha visto absolutamente nada. No entanto, não tive a sorte de que alguém
pudesse me contar ou me aconselhar a nunca colocar meus pés no
estacionamento de trás. Onde era sempre deserto.
O Destiny 's compartilhava dois estacionamentos, um deles estava
interditado. Era proibido a passagem das dançarinas na área dos fundos,
mas, às vezes, era impossível não ultrapassar quando pedia um táxi nas
noites em que meu turno encerrava pela madrugada.
Em uma dessas noites, vi alguns homens carregando um corpo
brutalmente espancado. Foi aterrorizante, me fez ter uma passagem direta
para o passado.
Eu consegui visualizar minha mãe novamente daquela forma, nada
comparado ao estado do desconhecido, mas não tirava o fato de que Denner
foi capaz de agredir Rose repetidas vezes em seus momentos de ira.
O gosto amargo inundou de ponta a ponta minha boca.
— Você quer mais um relato, ou esse foi suficiente? — confrontei,
percebendo minha garganta apertada, as palavras estavam presas e eu ainda
tinha coisas a contar, mas quando notei Edith surgir do vestiário onde as
dançarinas se trocavam, resolvi colocar um ponto definitivo naquele
instante.
— É o suficiente — murmurou, enquanto assistimos Edith se
aproximar.
Seus olhos castanhos não pareciam satisfeitos enquanto analisava o
palco onde estava uma dançarina. Lá estava Paige, a garota tinha entrado na
mesma época que eu, no entanto, ela era mais velha e continuava sendo um
enigma ao contrário das outras que trabalhavam conosco.
Assistimos seu peito subindo e descendo lentamente. Para ser
sincera, somente eu notei a cena sobre meus olhos, pois analisei cada
movimento que fez, até o segundo que deixou algo escorregar dos seus
lábios avermelhados, recém retocado.
Edith era conhecida pela sua personalidade irredutível, não tinha
problemas em despedir suas garotas e dar um sermão quando fosse
necessário para o bem-estar de todos. Na mesma proporção que ela poderia
assumir o papel de uma mãe — ainda que rígida —, também pode se tornar
sua maior inimiga.
Como disse, Edith era imbatível. Uma das únicas inspirações que eu
poderia seguir.
Seu acessório favorito e sua marca registrada eram sempre as botas
de cano grosso que chegavam até a altura dos seus joelhos e, como um
complemento surreal, os vestidos que em todas as ocasiões deveriam
combinar com seus saltos. Não havia um dia em que ela entrasse pelas
portas do Destiny´s e não parasse todo o funcionamento da boate.
Talvez fosse por isso que eu estava aprendendo tão bem com suas
observações, tudo que recebi dela me fizeram ser uma pessoa na boate e
outra quando não estava dançando em uma barra de ferro, para homens
vazios, sedentos por garotas jovens, do tipo que eu desprezava
fervorosamente no meu coração.
Mesmo que ele estivesse fragmentado em caquinhos, era difícil
demais para juntar por mim mesma, ainda mais difícil para alguém de fora.
Apenas pelo reflexo analisei os sons de saltos estilhaçando cada
parte daquele degrau, levando consigo uma prepotência semelhante à que
eu carregava nos lábios, sem dúvidas, que a cada dia que eu via no espelho.
Sua arrogância parecia com a minha, e isso não era algo que eu me
orgulhasse, talvez eu fosse mais parecida com Denner do que imaginava.
Observei a maneira como seus fios escuros balançavam a cada
passo, ficando ainda mais próxima, e em uma fração de segundos, parou a
poucos centímetros de distância, perto o suficiente para dizer as seguintes
palavras:
— Chelsea, menos papo, mais ação. Seu trabalho é apenas
providenciar as bebidas! — O tom da sua voz fez a coluna da novata
estremecer.
Ah, por favor, Chelsea. Por pouco não revirei os olhos quando notei
sua reação.
— Eu... me desculpe... vou voltar para o meu serviço — balbuciou,
ainda perdida.
Isso me fez sentir uma pontada de pena. Não lembrava de um dia ter
sido uma Chelsea da vida. A timidez fez parte da minha infância, mas com
o decorrer dos anos me transformei em uma garota confiante. Eu precisei
me tornar aquele tipo de pessoa.
O nome da minha família sempre teve destaque na Filadélfia.
Aparecia em jornais e sites de fofocas. Apenas algumas noites desastrosas
com Ana me fizeram criar uma imagem para as câmeras.
Desimpedida. Livre. Imbatível.
A princesa da Filadélfia.
— Assim você vai fazer Chelsea se mijar, Edith — zombei,
apoiando os cotovelos em cima da superfície gélida do balcão metálico
atrás de mim, ainda com meus olhos fixos nas duas que estavam na minha
frente. Ambas tão opostas. — Algo mais está errado?
— Não, apenas vim avisar que você foi promovida, Diana —
comunicou sem esboçar um único sinal de ânimo ou alegria.
Mas o que era aquilo?
— Promovida? — questionei. — Não entendi, Edith.
Notei seus olhos vagando por Chelsea novamente.
— Nossos clientes da mesa três estão precisando de outra dose de
tequila — notificou a novata. — Cuide disso — Foi o bastante para fazer a
garota sumir de nossas vistas e fazendo justamente o que Edith queria; nos
deixar sozinhas. — O chefe quer você lá dentro.
Não precisou apontar para as portas proibidas. Sabia bem. No
entanto, a dúvida ainda queimava meus neurônios. Tantas perguntas.
— E por que? Não era proibido nossa passagem lá? — pontuei
novamente o velho lembrete que ela nos fazia gravar todos os dias na
cabeça.
— Ainda é, exceto algumas garotas que o chefe seleciona para
entrar nos fundos. Sinta-se privilegiada por ter sido escolhida, Diana. Nem
todas têm essa chance.
Como se eu quisesse. Nunca desejei ter isso enquanto dançava ali.
Por pouco disparei meu pensamento em voz alta, sem perceber que meus
olhos estavam semicerrados sobre ela.
— É uma grande proposta, Edith, mas terei que recusar. Escolha
outra que tenha mais interesse — soprei, dando um sorriso sarcástico e
depois disso, girei meus calcanhares prestes a me preparar para minha vez
no palco.
— Se acha que estou te dando uma opção, Diana, não sinto em
informar que está enganada. O chefe é quem manda, então você vai — Seu
tom era duro, carregado de uma brasa sombria na língua.
Aquilo estava ficando tenso, o clima parecia ter mudado de uma
hora para outra em questão de apenas uma única frase.
Estava em uma grande furada.
Sentido meu corpo rígido, retirei meus cotovelos do balcão ao
esticar minha postura. Sabia que deveria mostrar meu lado confiante para
Edith, não poderia deixar que aquela situação perdesse o controle por uma
mudança que não estava nos meus planos.
— Por que isso? — instiguei, arqueando uma sobrancelha.
— Não faça perguntas para mim, se quer mesmo saber, pergunte
diretamente para ele — Prendi minha respiração, sabia que esse problema
não se resolveria tão facilmente.
— Então, leve-me até ele.
Edith bufou, esgotada da minha relutância. Era a única coisa que ela
teria de mim naquela noite. A assisti girar seus calcanhares sem dizer nada,
mas tive a impressão que deveria segui-la.
Quanto mais próxima ficava das portas proibidas, mais meu coração
se apertava e a dúvida inundava meus pensamentos. Eu já havia me
acostumado com o convívio e o clima do Destiny 's, mas a pergunta que
martelava na minha mente era: porque o nervosismo queria me abater?
Não poderia falhar, isso significaria que tudo que lutei para
conquistar havia sido destruído. Minha confiança era de pedra, dificilmente
alguém conseguiria quebrá-la. Não deixaria que esse desastre se repetisse
mais uma vez.
O único capaz, havia sido Denner Taylor, todavia, esse nome não
entraria na minha vida novamente.
Eu faria o impossível para que isso não voltasse a acontecer.
— Não seja respondona, Diana — Edith instruiu com cautela,
girando lentamente a cabeça na minha direção. Mordi a língua em uma
tentativa de evitar questionamento a seu comando, mas felizmente não foi
preciso, pois as portas se abrindo para mim e Edith, fez com que as palavras
morressem em meus lábios na medida que meus olhos percorriam em todos
os detalhes da parte de dentro.
— Pela forma que temem tanto esse lugar achei que teria corpos
espalhados por cada centímetro — comentei e Edith deixou uma risada
nasal escapar, mas ao invés de me tranquilizar, soou como irônico, pior do
que eu havia acabado de falar.
— Ainda não chegamos, Diana. Apenas espere — Suas últimas
palavras caíram em alto giro na minha garganta. Ah, droga. Quase dei um
passo para frente, notando os tons vermelhos mais intensos da área,
entretanto uma luz no fim da tour era mais forte. Seria ali? — Vamos,
garota. Você terá tempo suficiente para checar tudo isso.
Revirei os olhos.
Odiava que me dissessem o que fazer e esse era um dos motivos
pelo qual meu trabalho como garçonete estava com seus dias contados. Meu
único intuito em tudo aquilo era ter algo com que sobreviver na faculdade e
ter todos os luxos que eu quisesse. Cresci daquela maneira tendo o mundo
nas minhas mãos e, às vezes, nada.
Dias após minha chegada em Boston fiquei sem meus cartões de
crédito e minhas contas bancárias foram bloqueadas, Denner tinha sérios
problemas mentais que, às vezes, de uma hora para outra tirava
absolutamente tudo que eu deveria ter direito.
Poderia recorrer com ações judiciais, mas na medida que as coisas
correriam, acabaria perdendo. Meu pai tinha contatos poderosos na
Filadélfia e apenas por isso, não fiz nada, tive que aprender a me virar,
como sempre fiz.
Um rangido ecoou, tomando minha atenção.
— Entre — Edith inclinou uma mão para dentro enquanto a outra
sustentava toda sua palma na maçaneta. Com um suspiro, ergui o tronco
indo em direção a porta. Talvez aquilo me tornasse mais confiante de mim
mesma, porque se eu não o fizesse, quem me levaria a sério?
Levei um pé seguido de outro para dentro do escritório.
Ali era o lado oposto da luz brilhante que ainda persistia nos meus
pensamentos.
Engoli a saliva de maneira cuidadosa, não queria que meu medo
pudesse ser transmitido apenas pelo meu olhar no instante em que vi um
homem sentado na cadeira, que havia atrás de uma robusta mesa de madeira
polida.
O escritório era grande. Suas paredes eram tão brancas que
poderiam causar facilmente dores de cabeça. Havia também muitas pilhas
de papéis à sua frente, enquanto assistia seus cotovelos sobre a superfície.
Ele não parecia velho demais. Poderia ter só alguns anos a mais que
eu.
Os cabelos jogados para o lado de uma forma sutil, todavia,
carregava um olhar severo e à medida que ele se intensificava sobre mim,
eu começava a desenvolver picos de pânico.
Sentado em seu trono, o homem não tão desconhecido, me analisou
atentamente. Eu já tinha encontrado-o pelo Destiny ‘s algumas vezes, mas
nunca soube que ele era o dono. Edith quem sempre supervisionou as
garotas, desde o pagamento até os ensaios das novatas.
Ele não. Nunca era ele quem conversava conosco.
Entretanto, ali estava o responsável por nos manter na boate.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Diana.
Era a primeira vez que escutava sua voz. Ela era intensa, firme e
parecia ter tudo minimamente calculado; Cada palavra e gesto que saía
daquele homem.
— Devo ficar surpresa pelo convite? — disparei, mordendo a
bochecha logo em seguida.
Não deveria começar com joguinho logo de cara, mas o medo não
me deixava com cartas na manga. Eu queria saber o que viria a seguir. O
que deveria temer.
— Não, você não deve.
O silêncio se estampou pelo escritório.
— Então, por que fui chamada?
Sua postura se alinhou.
Queria saber quais eram suas intenções, elas ainda não estavam nas
entrelinhas. E droga, isso me deixava ainda mais apavorada.
— Há algum tempo eu venho recebendo vários elogios das garotas,
mas você, em especial, é a mais pedida — revelou. Uni as sobrancelhas.
— Como?
— Meus homens, Diana — Meu corpo inteiro tencionou. — Não há
somente aqueles na área aberta. Meu público vai além, trabalho com
pessoas com muito dinheiro, que adoram esbanjar com garotas. E eles
querem você.
— Meu trabalho no Destiny ´s é apenas um — esclareci. Aquela
conversa estava chegando a extremos que nunca imaginei chegar. Minha
intenção desde o início foi outra. — Eu danço. É tudo que eu faço aqui.
— Justamente por isso que mandei chamá-la. Você fará o seu
trabalho de sempre, entretanto, para um público diferente. Não
imediatamente, primeiro veremos como irá reagir aos fundos do Destiny 's
— sua voz calma estava me enervando ao mesmo tempo que me deixando
confusa.
— Os fundos não são aqui? — referi-me ao escritório, porém, pelo
visto, havia mais.
É claro que haveria.
— Aqui? — Ele sorriu. — Não é nem metade, querida. O melhor
ainda está por vir.
Aquilo não me parecia um bom sinal.
SEM SAÍDA

Insano, por dentro, o perigo me deixa louco


Não consigo evitar, tenho segredos que não posso dizer
Eu amo o cheiro da gasolina
Eu acendo o fósforo para saborear o calor
Eu sempre gostei de brincar com fogo
Play With Fire | Sam Tinnesz

Eu estava há um passo de pedir demissão.


Era impossível prosseguir com aquele trabalho.
Ele destruía todos os direitos humanos que poderiam existir na
constituição das garotas que cresceram com cartões de créditos sem limite
nas mãos, nos Estados Unidos da América.
Quando simplesmente fizeram isso se tornar inexistente?
Ainda não tinha me acostumado a trabalhar naquele lugar e por mais
que achassem que eu já tinha experiência com o trabalho, eu não tinha.
Eu não gostava de trabalhar no Destiny ’s. Era humilhante e eu me
sentia suja todas as vezes que pisava naquele local. Era como se todas as
vezes que me submetia a estar lá, uma parte de mim se sentia
completamente arruinada. E, principalmente, objetificada. Os olhares eram
nojentos, os sussurros causavam arrepios.
Estava chegando ao meu limite. Um limite que eu não poderia e não
desejava cruzar.
Minha cabeça já carregava preocupações demais.
E eu ainda estava cursando faculdade, entretanto, o recesso se
aproximava.
Parada em frente a geladeira aberta e segurando um copo de água,
deixei com que minha mente viajasse para lugares onde eu, definitivamente,
odiava estar. Não conseguia raciocinar direito tudo o que estava
acontecendo comigo naqueles últimos dias. Todas aquelas memórias
surgiam ao mesmo tempo, fazendo com que eu ficasse aérea, distraída.
Eu sabia que deveria fechar a porta da geladeira e seguir até meu
quarto. Mesmo assim, não o fiz. Não conseguia. Meus movimentos
pareciam estar desligados e tudo o que conseguia fazer, era pensar em tudo
o que havia acontecido nos últimos dias até aquele momento.
Cansada. Eu me sentia cansada pra caralho.
A que ponto você chegou, Stéfany?
Essa seria uma das únicas perguntas que eu jamais poderia ter uma
resposta concreta. Absolutamente nada me fazia lembrar em qual momento
da vida, deixei que tudo saísse dos trilhos, quando eu sempre prezei ter tudo
nas minhas mãos, do jeito que eu queria.
Porra, eu precisava arrumar um jeito de fazer com que as coisas
voltassem a ser como antes, mas tudo o que eu conseguia pensar, era em
como desejava que as coisas fossem diferente. Eu queria a calmaria. A paz.
Queria poder respirar sem que os problemas me atingissem em uma
avalanche. Sem Destiny´s e sem Eric Peterson enchendo a porra do meu
saco ou qualquer outro impencilho.
Apenas o bom e velho silêncio.
Entretanto, como se tudo o que eu desejasse fosse contrariado, ouvi
o barulho de passos, como se alguém estivesse descendo as escadas
correndo e me assustei, deixando o copo de vidro escapar por entre meus
dedos.
Porra, só podia ser Eric.
Os passos cessaram rapidamente após o vidro espatifar no chão,
mas, logo voltei a ouvi-los, mais rápidos dessa vez, como se estivesse vindo
em minha direção. Senti uma pontada no pé e praguejei baixinho, sabendo
que havia entrado em contato com algum estilhaço.
Droga. Droga. Droga.
Aquilo só podia ser um pesadelo.
Espremi os olhos, ainda perdida em pensamentos, sem decidir o que
faria primeiro. Um suspiro resignado saiu dos meus lábios, ao mesmo passo
que os pensamentos de tudo o que veio acontecendo desde que saí do
Destiny’s, tão apressada e com medo, que mal percebi que nem ao menos
tive forças para me trocar, temendo ser levada para os fundos e o que
poderia acontecer comigo lá dentro.
Ou seja, naquele momento, em uma cozinha vazia, eu estava
trajando apenas peças íntimas e, por Deus, eu odiava Eric o suficiente para
jamais apreciá-lo com a visão do meu corpo semi-nu.
Apertei o robe de seda contra meu corpo com mais força, cobrindo o
conjunto rendado de calcinha e sutiã meia-taça, antes de me ajoelhar no
assoalho para recolher aquela bagunça.
Antes mesmo que ele falasse algo, pude sentir sua presença no
cômodo. Seu perfume o denunciou, à sombra tampando a pouca luz que
vinha da sala, também.
— O que está fazendo aí, Taylor?
Não respondi. Estava nervosa e irritada demais para aquilo.
Ele se moveu rapidamente pela cozinha e logo parou perto do meu
corpo. Me surpreendi quando se abaixou, um pouco mais longe dos cacos e
me encarou com uma das sobrancelhas arqueadas. Meus olhos os estudaram
de baixo para cima, começando pelos sapatos, a calça escura que não fazia
um trabalho menos bonito em suas pernas e, merda, como alguém
conseguia ficar tão bem em uma maldita calça de moletom?
Desviei meu olhar rapidamente para minha palma que estava
pressionada contra um dos meus joelhos onde escorria um filete de sangue.
Estava ardendo para um caralho. Porém, não demonstraria. Não daria esse
gostinho a ele.
— Você se feriu? — perguntou, olhando para a direção em que eu
continha o sangramento.
— Inferno, você é cego por acaso? — ralhei, antes de deixar um
gemido abafado escapar.
— Nem machucada consegue ser um pouco mais educada? —
questionou, observando-me espremer os lábios, que ainda estavam pintados
de vermelho. — Deixa isso aí. Eu recolho para você, Taylor.
— Não, Peterson. Isso é problema meu — decretei.
Forcei meu corpo para cima, apoiando-me na bancada e deixando os
cacos maiores para recolher assim que conseguisse encontrar um saco
plástico ou quando a dor do machucado finalmente aliviasse. Precisei
reprimir um gemido alto quando minha perna foi esticada e a ferida
começou a arder ainda mais.
Merda.
Segurei-me na superfície de mármore, apertando meus dedos até
que as pontas deles se tornassem brancas e, só então, me lembrei da
geladeira aberta. Empurrei a porta, causando um barulho muito alto quando
bateu com força. Eric ainda observava tudo atentamente, sem desviar os
olhos.
— Dane-se, Taylor — disparou, antes de rodear uma mão em volta
da minha cintura, erguendo meu braço em seguida e o passando por seus
ombros com uma rapidez invejável.
Eric fodido Peterson estava me pegando no colo?
— O que você está fazendo? — questionei, com os olhos
arregalados. Meu corpo estremeceu no segundo em que nossas peles se
tocaram. Uma corrente elétrica correu pelas minhas veias, causando um
arrepio involuntário. Minhas mãos se fecharam em volta da sua camisa,
com medo de cair, mas o movimento fez com que um cheiro conhecido
tomasse conta dos meus sentidos e fizesse com que a bile subisse pela
minha garganta. — Meu Deus, você está cheirando a bebida!
— Olhe para si mesma. Não consegue nem ao menos esconder que
está com dor — disparou, cruzando a cozinha e ignorando meu protesto.
— Me deixe cuidar disso sozinha, Peterson. Não quero sua ajuda!
— Certo — ele deixou um pequeno sorriso escapar. — Já que
insiste, my heart. Vá sozinha até o andar de cima, acredito que consegue —
soprou.
Eric me soltou, deixando-me de pé. Ele se inclinou para trás,
apoiando o próprio quadril contra a ilha e cruzou os braços musculosos,
como se estivesse observando um show particular. Seus olhos pareciam
chamas de fogo, me desafiando.
Eric poderia negar, mas estava tão tenso quanto eu. Poderia dizer
que era impossível que alguém carregasse dentro de si, tanta raiva.
Mas para toda regra, há uma exceção. Eric era uma; A minha.
A raiva parecia ser o combustível que o movia. Era como se ele
fosse um daqueles tsunamis que ninguém prevê chegar até que a destruição
seja iminente. Era até mesmo como se Eric Peterson fosse um belo desastre
da natureza, que causa estragos por onde passa e, ao mesmo tempo, poderia
ser comparado a um evento quântico que desestabiliza todo o seu estado
quando sua raiva passa a se agitar.
Mas eu não ficava muito por baixo. Principalmente quando o
assunto era ter raiva dele. E naquele momento, Peterson e seu maldito
comportamento estavam me desafiando.
Foi por isso que, mesmo com a ardência latente que havia em meus
joelhos, comecei a caminhar devagar. Tão lento quanto uma tartaruga.
Aquele era o máximo que eu conseguia, já que a cada passo, doía mais.
Não saberia dizer por quanto tempo ficamos naquela idiotice, mas
Eric cansou primeiro, dando dois passos antes de parar bem em frente a
porta.
— Sai, Peterson — ordenei.
Ele não me ouviu. Ao invés disso, curvou-se na minha frente e
agarrou minhas coxas, me arrancando um grito assustado e me jogando
sobre seus ombros como se eu fosse uma boneca de pano. Não havia
delicadeza alguma no ato, pude sentir o robe escorregar sobre minhas
costas, fazendo com que um pouco da minha bunda ficasse descoberta e,
pelo amor de Deus, estava perigosamente perto do rosto dele.
Pesadelo. Meu maldito pesadelo.
— Cale a boca, pelo menos uma vez na vida, garota — ele
resmungou, parecendo não perceber o que estava acontecendo.
— Me solta, seu pervertido! — movimentei minhas pernas, fazendo
com que a fricção entre elas aumentasse. — Me solta!
— Pare de fazer escândalo. Vai acabar acordando Alex e Hannah,
sua maluca — declarou, saindo da cozinha e eu esmurrei suas costas,
querendo descontar o que ele estava me fazendo sentir. — Não está nem
fazendo cócegas, my heart.
Aquele tom debochado serviu apenas para me irritar ainda mais.
— Quando eu sair daqui você vai se arrepender, idiota — Dei um
murro em suas costas. — Eu faço questão de socar meus saltos no meio do
seu…
— Você tem uma boca tão suja, my heart — balbuciou, impedindo-
me de terminar a ameaça. Eu podia sentir seu sorriso. — Alguém deveria
lhe dar modos.
— E quem seria? Você?
— Talvez... — murmurou. — Ai! Desgraçada!
Sorri, passando a língua pelos meus lábios, sabendo que ele não
poderia ver quando resmungou, ao sentir a mordida que consegui dar em
suas costas. Ao mesmo passo que minhas unhas se fundiram em sua pele.
Eric apertou minha coxa, causando uma dor nem um pouco parecida com a
que os cacos haviam causado. Uma dor que enviou uma pressão para um
lugar que não deveria. Um arrepio que fez com que minhas costas
enrijecem-se.
Não vá por esse caminho, Stéfany.
— Isso é o que vai acontecer se não me pôr no chão em cinco
segundos.
— Só vou soltar você quando estiver deitada em sua cama, my
heart.
Deus! Essa frase não deveria ter me causado uma imagem de Eric
sobre mim em minha cama.
Não.
Não.
Não.
— Um... — comecei, sentindo minha garganta seca. — Dois…
três… quatro… — ele não levou a sério e continuou seguindo até o topo da
escada. Faltavam apenas dois degraus. — Cinco.
Cumpri a minha promessa.
Eric resmungou mais uma vez, mas aquilo não parecia afetá-lo o
suficiente para que me soltasse. Contudo, quando ouvi um rangido de uma
das portas no fim do corredor, me afastei. Sentindo, de repente, a mão de
Eric espalmada sobre minha bunda, cobrindo-me de quem quer que
estivesse prestes a aparecer ali.
O alívio pareceu tomar conta de seu corpo quando a voz de Hannah
foi ouvida no corredor.
— O que está acontecendo? E por que vocês estão gritando a essa
hora? — ela questionou, erguendo as sobrancelhas, enquanto intercalava
seus olhos entre seu irmão e eu.
— Nada demais — o dissimulado respondeu, demonstrando
despreocupação. — Apenas Taylor fazendo alvoroço sem necessidade.
— Fazendo alvoroço, seu canalha? — Abri a boca, perplexa.
— Hannah, você pode pedir ao Alex a caixa de primeiros socorros?
— interrompeu meu xingamento. — Por favor?
Eu daria muitas coisas para marcar o rostinho bonito com a minha
mão naquele momento. Tanto que, no fim, quem precisaria da caixa de
primeiros-socorros seria ele.
— Para o... Alex...? — sua voz soou confusa.
— É, acho que ele também acordou com os gritos — murmurou, o
gêmeo mais velho.
— Ah, eu devo ter algo para primeiros-socorros… — Hannah
disparou a falar. — O que aconteceu com você, Sté?
— Seu irmão babaca me cortou.
Mesmo sem encará-lo, sabia que Eric havia revirado os olhos.
— Oh, não. Vou ver se encontro algo — Hannah se apressou, creio
que para não presenciar mais uma das nossas infindáveis discussões.
— Quem fez aquele estrago com vidro foi você, my heart —
zombou antes de se inclinar para alcançar a maçaneta do meu quarto. — Eu
poderia ser considerado até mesmo um príncipe encantado por te ajudar.
Sim, só faltava o cavalo branco.
Fiquei em silêncio sabendo que a porta estava trancada.
— Está com suas chaves?
— Estou... — murmurei, travessa. — Sabe, eu entrego a você, se
me puser no chão.
Ele sabia que eu estava tramando algo.
— Certo.
Dito e feito.
Quando meus saltos alcançaram o piso, curvei os lábios antes de
posicionar minhas mãos em seus ombros e erguer um dos joelhos em
direção ao meio de suas pernas, acertando suas bolas com força.
— Porra! — ele se curvou, mantendo as mãos sobre seu pau.
Aproveitei sua distração para pegar minha chave, guardada entre o
decote do meu sutiã, coberto pelo robe, e abri a porta, cambaleando em
direção a minha cama. Mas cometi um erro. Não tirei a chave do lado de
fora, muito menos tranquei a porta. E isso fez com que segundos depois,
Eric adentrasse no meu ambiente sagrado, como se estivesse habituado
aquilo.
— Cara, você é um pé no saco. Sai daqui! — berrei, sem mais
nenhum pingo de paciência.
Ele me ignorou. Parecia obstinado a cuidar dos meus ferimentos
como se fosse ele quem cursava medicina.
— Você precisa cuidar disso logo, Taylor — declarou, balançando a
cabeça em negação.
— E o que acha que estou fazendo?
Peterson não me deu ouvidos, apenas se aproximou e ajoelhou ao
lado da minha cama. Abrindo a pequena caixa que até então não havia
notado em suas mãos, enquanto eu observava seus olhos procurarem gazes
e algodão, separando o frasco de álcool. Ele estava tão concentrado que me
permiti, por um segundo, estudá-lo. Seus olhos azuis analisavam meu
machucado com uma atenção que nunca presenciei.
Respirei fundo. Era como se não pudéssemos manter os nossos
olhares longe um do outro. Era a nossa raiva se misturando ao calor do
nosso ódio. Era errado. Inconsequente. E, mesmo assim, custou tudo de
mim para desviar o olhar.
— Não está tão ruim — anunciei, engolindo em seco.
— Eu sei que não.
Engoli em seco quando me dei conta de algo. Eric ainda estava
ajoelhado à minha frente. Aquela visão, por si só, era o suficiente para fazer
qualquer mulher se aquecer e eu não era de ferro. Porque ele estava ali,
ajoelhado perante os meus pés. Encarando a minha boca como se eu fosse
seu purgatório particular.
Era demais para a minha sanidade.
Tudo piorou quando desviei a atenção para a sua mão em volta do
meu joelho. Era um aperto firme e eu não conseguia parar de imaginá-la em
torno do meu pescoço. Seria delicioso pra caralho.
Porra, não. A realidade caiu sobre mim como uma bomba.
De jeito nenhum.
Que pensamentos eram aqueles?
Merda.
COSTUME DIÁRIO

Quando ela era apenas uma garota


Ela esperava conquistar o mundo
Mas isso voou para longe do seu alcance
Por isso ela fugiu em seu sono
Paradise | Coldplay

PASSADO

— Por que não posso dançar?


Havia sido proibida quando fui pega tentando fazer alguns passos
sozinha. Mamãe disse para nunca mais fazer isso.
— Denner odeia tudo que envolve dança, querida. Principalmente
balé — sussurrou ao meu lado.
Ainda conseguia ouvi-la quando me flagrou rodopiando pelo quarto,
ela me disse que deveria agradecer por não ter sido papai a abrir a porta.
Um estrago teria acontecido se fosse o caso.
Palavras dela quando me censurou.
— O que tem de tão ruim? — implorei por uma explicação com
urgência, virando a cabeça para a direção oposta. Minha bochecha estava
apoiada na barra de proteção da sacada.
Mamãe me chamou para fazer companhia a ela enquanto estava com
tempo livre.
— É melhor não perguntamos — Encolheu os ombros. — Peço que
evite aproximação com Denner, ele não anda com um bom humor — Seu
olhar procurou os meus na esperança que eu concordasse com seu pedido.
— Pode fazer isso?
— Posso — a confirmação saiu baixinho.
— Muito bem.
Assisti seus dedos manuseando a lixa nas suas unhas com cautela,
era raro vê-la sem o utensílio em mãos. Mamãe gostava de se cuidar,
sempre foi vaidosa e eu nunca tinha visto um dia sequer que ela não usasse
maquiagem.
O lugar que não podia faltar era ao redor dos seus olhos,
principalmente depois que brigava com papai. Seu olhar ficava tão triste
enquanto passava a maquiagem do mesmo tom de pele.
Mamãe e eu tínhamos a mesma cor, mas papai não.
Denner carregava consigo a pele clara e os cabelos castanhos
escuros como os meus. Rose comentou uma certa vez que eu era uma
mistura de ambos. Havia herdado a cor da sua família, enquanto a única
coisa que papai e eu compartilhávamos era a tonalidade das nossas
madeixas.
A única coisa que me intrigava, era a cor dos meus olhos, que
infelizmente, mamãe não tinha o mesmo.
— Por que não temos a mesma cor dos olhos? — questionei. Ela
franziu as sobrancelhas, em seguida, me encarou.
— É uma cor que nem todos da minha família tem, eu por exemplo,
não tenho — Apontou a lixa contra o peito.
Assenti, abaixando o olhar com sua resposta. Observar a vista era
bom, cobria minha curiosidade de saber como era o mundo lá fora e todos
os seus detalhes.
Parecia ser magnífico.
— O que tem de tão especial na sacada que você não sai daqui?
Engoli em seco.
Essa talvez fosse a décima vez que ela perguntava isso para mim
naquela semana.
Seus olhos estavam confusos, como se fosse nebuloso me decifrar,
desde que nos mudamos de cidade.
Não era a nossa primeira viagem nesse ano, tínhamos morado em
vários lugares, entretanto a real razão não era sobre nossas mudanças
decorrentes. Contudo, eu preferia continuar calada mesmo depois de ter
saído do hospital semanas antes.
Tudo era novo, uma completa dúvida.
Meu maior desânimo era por não conhecer ninguém daquele lugar,
não vi nenhuma criança em todas as vezes que passei a observar a
movimentação da minha sacada. O novo quarto tinha uma visão inusitada
do nosso bairro, infelizmente, só tinha permissão para olhar daquela
distância.
Desde que nos acomodamos eu estava proibida de sair sozinha,
assim como mamãe.
— Você quer sair, não é?
Um nó preencheu minha garganta, eu não consegui responder, nem
olhar para seus olhos.
Nunca tive uma reação positiva quando ela me fazia perguntas na
maioria das vezes, já ele... não se importava em trocar uma palavra comigo.
Eu tinha medo dele. Odiava quando ele estava comigo.
— Acho que Denner vai demorar para voltar para casa, igual ontem
— contou, baixinho, ao mesmo tempo em que eu inclinava meus dedos na
barreira da varanda.
Ele voltaria da mesma forma que chegou ontem à noite? Eu
esperava que não. Apenas a simples menção do seu nome me deixava
inquieta. Não queria encontrá-lo quando chegasse, queria evitá-lo de todas
as maneiras que pudesse existir na terra.
— Podemos dar uma volta, se quiser...
Isso imediatamente chamou minha atenção, tanto que foi impossível
não mover a cabeça na sua direção. Algo parecia mudar no horizonte, não
estava mais escuro, quando a chama surgiu nos meus olhos brilhavam com
uma intensidade sem explicações.
As palavras estavam presas na minha garganta, formavam um nó
gigantesco mesmo que eu só quisesse dizer apenas: sim, eu quero poder
respirar ar puro.
Sair da escuridão que havia se tornado meu lar há semanas. Acima
de tudo, sem medo do que poderia acontecer.
Uma bailarina tem modos.
Uma bailarina é graciosa.
Uma bailarina não corre.
Era as únicas coisas que eu me lembrava antes de cair da escada,
agora tudo doía e não conseguia mais ficar dentro de casa. Então, passava
todos os minutos que podia aproveitando a vista dali. Podia ver todas as
casas iguais a minha, eram tantas mansões ao redor, aquilo me deixava
encantada, tirava todo incômodo do meu coração machucado, mas então
quando ouvia o seu carro entrando, tudo escurecia.
O céu parecia pressentir a tristeza que ele me causava quando se
aproximava de mim.
— Podemos mesmo? — sussurrei, e quando todas as palavras
saíram com uma certa dificuldade da minha boca, notei o quão estava seca
minha garganta.
Há dias não falava com alguém, eu sempre estava sozinha.
— Podemos si... — Antes que ela pudesse completar um barulho
interrompeu sua confirmação, eu conhecia perfeitamente aquele som,
porque não demorou muito para meu corpo encolher e um tremor percorreu
em meus ombros.
Meu pai tinha retornado para casa. Da sacada, podíamos ver o carro
entrando e com ele as nuvens sobrecarregadas seguiam o veículo. — Sinto
muito, Stéfany... em outro momento poderemos ir.
Abaixei os olhos, sentindo as lágrimas querendo me invadir.
Minha mãe virou as costas e como meus olhos estavam embaçados
pelas lágrimas, que poderiam sair a qualquer momento, só conseguia ouvir
seus passos se afastando de mim, a cada segundo eles ficavam cada vez
mais distantes, até que... eu não tive mais acesso a eles.
O silêncio de todos os dias me abraçou novamente.
Já tinha se tornado um costume diário.
Somente eu e a escuridão.
Sem seu corpo perto de mim outra vez, tive a certeza de que ela
tinha me deixado apenas porque não queria me ver chorar, entretanto, em
outros momentos que meu pai estava presente, mamãe verificava qual o
meu estado.
Às vezes sóbrio, mas mostrava claramente que algo o tinha irritado,
mesmo sem dizer uma única palavra. Em outros momentos, não conseguia
nem andar direito enquanto cambaleava. Eu até mesmo podia ouvir seus
gritos no andar de baixo, algum objeto sendo quebrado por ter esbarrado ou
ter lançado com suas próprias mãos contra as paredes.
Quando sua situação se encontrava assim, mamãe não me permitia
sair do quarto até a manhã seguinte quando papai já não estava mais em
casa. Uma dessas vezes ela não percebeu que eu estava acordada e acabei
vendo uma briga dos dois. Foi o dia que eu tive certeza de que não deveria
chegar perto dele.
A memória do tapa que ele tinha dado no seu rosto me dava
pesadelos, a cena se repetia várias e várias vezes nos meus sonhos.
Nunca teria fim.
Já fazia três dias que mamãe tinha dito que me levaria para passear,
mas ela nunca mais mencionou sobre o parquinho ou qualquer atividade
fora de casa.
A luz do sol ficava cada vez mais longe da minha vista, separando-
me do mundo lá fora.
Não tinha ninguém para conversar ou para brincar.
Todos os dias eram iguais, desde o café da manhã, até as noites frias
em que ia dormir com a cabeça enfiada no travesseiro para abafar minha
agonia das gritarias atrás da porta. Eu não entendia o motivo disso. Não
entendia o porquê ela nunca deixava eu me aproximar quando ele estava
naquele estado.
Tantas perguntas sem respostas.
Ainda era manhã quando desci as escadas com minha nova boneca
nos braços. A casa estava em completo silêncio. Não tinha visto os rostos
dos meus pais em nenhum momento, até que uma luz refletiu a sombra
movendo-se na direção da cozinha. Uni as sobrancelhas, descendo cada vez
mais devagar, quase na pontinha dos pés para que ninguém pudesse me
ouvir.
Ruídos encheram meus ouvidos na companhia de vozes sussurrando
palavras que eu não conseguia identificar, mesmo que a casa estivesse
silenciosa e, para piorar, isso me assustava.
O silêncio me causava medo.
Lugares fechados me aterrorizavam.
Quando cheguei no fim da escada abaixei-me sentando no último
degrau, ficando encolhida para ser capaz de me esconder através das
colunas estreitas e douradas. Ali ninguém conseguiria me encontrar ou
suspeitar.
Estava escondida o suficiente.
— Não é certo, senhor — Dessa vez fui capaz de ouvir, talvez
porque o tom tinha sido mais alto que as vozes baixas. Mas estranhei o fato
de ter reconhecido aquela voz.
Era de Dorothy, uma das empregadas, que logo voltou a falar,
fazendo meus ossos tremerem por estar tão escondida e as janelas
permaneciam abertas, o vento gélido soprava com força sobre meu corpo
por não estar usando um casaco.
— Sua esposa pode acabar nos encontrando.
— Ela pode lidar com isso — A voz que tirava meu sono rebateu,
não foi difícil identificar quem tinha respondido Dorothy;
Meu pai.
Parecia estar pronto para sair, usando seus trajes de todos os dias.
Ternos e gravatas sociais, como um grande empresário. Ouvi um dos
seguranças dizer isso, mas não tão sérios quanto Dorothy tinha contado de
um jeito orgulhoso, como se fosse uma notícia estampada nos jornais e
revistas que mamãe lia todas as manhãs, nunca entendi porque ela gostava
tanto.
Um dia.
Eu ansiava um dia descobrir.
Certamente teria um sentido novo.
Algo que deveria mudar meus pensamentos.
Mas a cada segundo que eu observava aquele momento diante dos
meus olhos, um sentimento doloroso esmigalhava dolosamente no meu
coração. Temia tanto que fosse pega vendo tudo aquilo.
Parem.
Eles não pararam.
Continuaram, então não demorou muito para seus corpos se
moverem e as sombras saírem das minhas vistas quando foram substituídas
por eles mesmo, fazendo uma coisa estranha se revirar dentro de mim.
Uma dor de barriga? Ainda não tinha comido nada desde a noite
passada, quando Dorothy havia ido até o meu quarto deixar meu jantar. A
sopa de legumes parecia diferente, mesmo que estivesse igual a todas as
outras que ela tinha feito. A mesma cor. A mesma quantidade... e talvez os
mesmos ingredientes, mas algo tinha mudado.
Não a sopa, apenas eu.
Enquanto papai segurava a cintura de Dorothy com uma certa
pressão, fazendo as costas dela baterem contra a parede da cozinha,
angústias inundavam meus olhos. Ardiam com a cena, eu queria chorar,
mas as lágrimas não saíam. Queria gritar, entretanto, a voz já não existia,
tinha somente um eco interminável na minha cabeça, sondando meus
pensamentos ao mesmo tempo em que a empregada não dava nenhum sinal
de que aquilo tinha machucado-a. Na verdade, ela pareceu gostar disso.
Por que ela tinha gostado? Ela não deveria...
Meus dedos cobriram a boca no segundo em que vi seus rostos
praticamente juntos, deixando a boneca cair no meu colo carregada de
silêncio.
As memórias ficaram gravadas para toda eternidade na minha mente
e as perguntas criaram raízes, na dúvida se aquelas imagens aconteceram
outras vezes, e se todas as famílias sobreviviam dessa maneira. De
mentiras.
Todos os pais beijavam outras mulheres que não fossem as mães dos
seus filhos?
Aquilo não era errado?
Eu sentia que nada do que estava acontecendo era certo.
Por que a mamãe não estava acordada?
— Mais uma coisa, eu já disse que não quero que me chame, sua
vadiazinha. Principalmente quando estamos a sós — Mal consegui conter o
gosto amargo invadindo meu estômago, foi difícil engolir quando algo
atrapalhava a ação e os olhos queriam ser arrancados imediatamente. Suas
mãos estavam envolta do pescoço de Dorothy, da mesma forma que vi
fazendo com minha mãe. — Vire-se, Dorothy.
— É perigoso — Dorothy gesticulou, pela expressão do seus olhos
ela parecia com medo olhando para a porta, mesmo que papai tivesse
chamado-a de vadiazinha e não pelo seu nome.
— Perigoso? — Ele riu, puxando o rosto dela contra o seu. A
firmeza nos seus dedos estavam deixando a empregada em um tom
avermelhado.
Meus olhos arderam quando percebi o que estava acontecendo.
Papai estava enforcando Dorothy.
— Você vai fazer o que eu mandar, porra. Não importa se é perigoso
ou não, quero que se vire! — Sua voz me fez estremecer e assim como
mandou, Dorothy se virou apoiando suas mãos na ilha da cozinha enquanto
as mãos dele passeavam pelo seu corpo. — Dorothy, você deveria manter
essa boquinha linda fechada. Ela é útil apenas para uma coisa.
Assisti sua mão rodando os cabelos dela e puxando-os para trás.
— Isso dói — Ali conseguia ver a expressão assustada da
empregada.
Minhas sobrancelhas franziram enquanto meus olhos continuavam
me forçando a olhar.
Eu não quero mais ver isso, não quero vê-lo daquela forma com
Dorothy. Não quero!
— Eu sei que sim — Por que ele estava fazendo aquilo então? Não
tive tempo de repensar nas palavras, porque quando seu olhar correu em
direção as escadas, meu coração congelou, fazendo-me abraçar as pernas
contra o peito. — Porra!
Ouvi ele xingar, mesmo que eu não pudesse vê-lo.
Tum. Tum. Tum.
Meu coração batia com mais força, quase sendo arrancado do peito.
Tum. Tum. Tum.
Não revele que eu estou aqui.
— Saia daqui, Dorothy.
— Por favor. Por favor. Por favor! — implorava baixinho que
ninguém pudesse me encontrar, principalmente ele. — Não. Não. Não.
Sussurrava ainda mais, tentando ficar longe, naquele segundo eu só
queria desaparecer. Voltar para o meu quarto ou ainda estar dormindo.
Melhor, nunca mais existir.
Realmente seria a melhor alternativa que eu poderia escolher
enquanto os meus dedos dos pés forçava contra a sapatilha, quase
afundando no assoalho abaixo.
Papai faria comigo o mesmo que tinha feito com mamãe.
Tum. Tum. Tum.
Incrivelmente, fui capaz de ouvir o bom e incansável som do meu
coração batendo na minha barriga. Apertei meus olhos fortemente,
abraçando meu corpo enquanto dobrei meus joelhos.
Um grito quase escapou dos meus lábios ao pensar o que poderia
acontecer se ele soubesse que eu estava ali, vendo tudo. Ele bateria em
mim? Me machucaria como fazia todas as vezes que estava bêbado?
O silêncio pairou por toda a casa, isso só me fez estremecer por
completo, mas de repente os passos soaram, acabando com toda quietude no
cômodo.
Pavor preenchia cada centímetro de mim.
Não me encontre, por favor.
— Sabia que é feio bisbilhotar? — A voz que eu temia surgiu. Ele
estava bem ali, na minha frente, mesmo que eu ainda não estivesse vendo-o,
sentia sua sombra sobre mim, e o quão decepcionado se mostrava. Por
favor, não faça nada comigo... por favor. — Olhe para mim.
Não movi um osso existente e a única coisa que se passava pela
minha cabeça era no buraco sem saída que me encurralava. Nenhuma ideia
surgiu. Apenas o medo quase transbordando em formato de lágrima pelo
meu rosto.
Eu era uma réplica perfeita das minhas bonecas enfeitadas nas
prateleiras do meu quarto, naquele exato momento. Não sabia as
consequências que me viriam a curto prazo, e o quanto poderia ser um erro
terrível.
Queria continuar com os olhos fechados, talvez eu pudesse acreditar
que o que poderia acontecer fosse um sonho ruim e se me mantivesse
calada e na escuridão, papai não me veria.
— Estou falando com você, doçura — seu tom era severo, duro, e
carregado de raiva. Como ele falava com minha mãe. — Olhe para mim —
Senti o toque dos seus dedos caindo no meu queixo com força. Gemi pela
dor que a cada segundo aumentava. Lentamente abri meus olhos, apenas
querendo deixá-los da maneira que estava; Fechados.
Somente assim.
Por favor, não faça nada comigo.
— O que você viu? — interrogou, deixando seu perto mais
doloroso. — Peguei você, princesa, sei muito bem que viu algo, então trate
logo de soltar essa língua. Já está me dando nos nervos.
Meus lábios tremeram e no mesmo instante, meu coração parou.
O que eu deveria falar?
— E-eu... — não conseguia emitir uma única palavra, muito menos
reagir às suas perguntas. Papai era capaz de me transformar em outra
pessoa, eu sabia do peso que isso tinha em mim. O modo como falava
causava calafrios no meu estômago, da mesma forma que um jantar, às
vezes, me caía mal, mas de um jeito muito pior.
— Não ouse gaguejar, doçura... deveria dizer a verdade logo antes
que se arrependa — rosnou, seu rosto estava tão perto em questão de
segundos, deixando o nó na minha garganta cada vez mais apertado.
Por favor, não faça nada comigo.
Podia implorar em meus pensamentos, mesmo que papai não
pudesse ouvir.
Doçura. Na mesma medida que ele permitia o nome flutuar entre os
seus lábios rígidos, a palavra não me deixava tranquila, apenas mais
nervosa. Apertei as mãos com mais força, sem notar que prendia os dedos
na roupinha da boneca que estava no meu colo.
Já não tinha mais controle no meu corpo, enquanto embarcava em
uma viagem para um momento distante. Na minha mente, foi pra lá que
corri, deixando a pequena bailarina dançar o que tinha aprendido.
Dance com leveza.
Dance como se estivesse nas nuvens.
Dance como se fosse a última música.
Não fui capaz de sentir o tapa que foi desferido quando não
consegui falar.
— Aprenda uma coisa — Seu hálito roçou sob minha pele. — Odeio
que me deixe falando sozinho, doçura. Uma garota tão linda, e agora... já
não é tão linda com essa marca no rosto.
Dor. Era tudo que eu sentia, completamente paralisada, encarando o
chão, sem conseguir desviar.
Dance, pequena bailarina. Sua mente é, definitivamente, seu lugar
seguro.
Os pensamentos gritavam com veracidade na minha cabeça, mas
nenhuma solução substituiu o desespero, principalmente, quando eu não
tive tempo de pensar nas palavras que escorregava nos meus lábios.
— E-eu... eu não vi nada — sussurrei, as rápidas palavras saíram
como um chiado, porém, foi o suficiente para o olhar do homem na minha
frente mudar, algo foi posto naqueles olhos, uma faísca riscou suas íris
dando lugar a uma chama que aumentou em segundos.
De repente, algo deslizou pela minha bochecha e no mesmo
momento, meu corpo se retraiu, restando apenas a queimação crescendo
mais e mais. Uma lágrima grossa seguida de outra.
— Odeio mentiras, princesa. Não deveria ter feito isso — Mal vi
quando sua mão apertou meu queixo, liberando uma pressão que causou
mais lágrimas, arrancando-me um soluço. — Sabe o que eu faço com as
garotas mentirosas? — Seu rosto estava muito perto do meu. — Eu as
coloco na linha e é exatamente isso que farei com você, doçura — Senti
suas mãos prendendo entre meus cabelos com força.
A dor arrancou um grito da minha garganta, papai apertava com
ainda mais força, conforme eu dificultava o andar para onde suas mãos me
levavam para ficar cada vez mais próxima dele.
— Vou te ensinar o que acontece com garotas curiosas — Suas
mãos, ainda nos meus cachos, me arrastaram pela escada.
Pareciam ter sido adicionados pelos menos dez degraus em questão
de minutos.
Não sabia para onde ele estava me levando, a única coisa que eu
queria era desaparecer.
Se parar de existir havia se tornado uma possibilidade, era tudo que
eu mais queria.
Os pensamentos foram me sondando até passar por uma porta.
De imediato, recuperei a lembrança do lugar, no momento em que a
cor rosa encheu meus olhos. A porta do quarto foi fechada com
agressividade, deixando que toda a casa pudesse ouvir completamente tudo.
Havia somente papai e eu naquele cômodo e tudo que temia era o
que poderia vir com sua raiva. Meu corpo foi arremessado contra o chão
frio do assoalho, ele não ligou se eu poderia me machucar com a queda,
seus olhos seguiam nublados na minha direção.
Papai estava com tanta raiva.
Eu causei aquilo.
Apertei meus olhos sentindo as lágrimas arderem, ao mesmo tempo
que encolhia o corpo, enquanto ainda tentava me levantar lentamente.
Minha visão estava turva, não conseguia enxergar direito, as lágrimas
mornas não paravam de rolar contra minha bochecha.
Antes que eu pudesse limpar meu rosto, procurei forças para
sustentar o peso do corpo em somente uma mão, logo em seguida, apoiei a
outra mão no piso, escutando o som dos seus passos que repercutiam nos
meus ouvidos, ainda sem procurar de onde ele estava vindo.
Tive que me mobilizar por alguns segundos, mas um impacto contra
minhas costas me fez perder o equilíbrio. Um grito ficou engasgado em
minha garganta ao mesmo tempo que tentei me encolher após seus golpes
se repetirem.
— Meninas que se metem no que não é da sua conta... merecem
apenas uma coisa, doçura — Abracei meu corpo dolorido enquanto
imaginava as possíveis desculpas para que ele parasse.
— P-por... — Um novo chute em meu corpo frágil me impediu de
terminar de falar. — Por favor! — Implorei, baixinho, afundando as unhas
entre os braços expostos, entretanto papai não parou. Ele continuou com
seus movimentos e a cada um que se repetia, a dor pareceu aumentar.
Podia jurar que estava vendo estrelas na medida que a pressão
contornava no meu corpo. Mas então, algo aconteceu. Senti os chutes
diminuindo a velocidade, até que finalmente mais nenhum alcançou minhas
costas.
Passei alguns minutos estática no chão.
Eu não conseguia visualizá-lo por estar com o rosto virado na
direção oposta.
Com um pouco de força, consegui girar apenas minha cabeça, o
movimento me fez encontrar os olhos dele. Papai estava sentado na cama.
O tronco permanecia inclinado para frente, enquanto os cotovelos estavam
apoiados em suas coxas.
— Chega de choro — o vi enfiar os dedos entre os cabelos
desengrenados. — Se tem uma coisa que eu odeio, é ver alguém chorando.
E sabe o que eu acho disso? — Seu olhar procurou o meu, eu sabia que ele
queria uma resposta.
Balancei a cabeça, mesmo que eu não pudesse falar, o embargo
preso na minha garganta me impediu. Mas o que eu poderia dizer? O que
seria uma resposta digna quando não me sentia daquela forma?
Nenhuma palavra saía. Nada poderia. Havia apenas dor, lágrimas e
medo.
— Acho. Uma. Palhaçada! — Sua voz saiu pausadamente e em
cada palavra seu hálito quente soprou contra meu rosto.
A imagem do homem na minha frente era cruel. Diferente de tudo o
que havia imaginado. Ele era alguém que achei que poderia confiar, que me
protegeria do mundo, mas não houve dúvidas que ele estava fazendo essa
percepção se dissipar na minha frente.
Engoli em seco, mantendo meus olhos em contato com os seus.
Não tinha como desviar, na verdade, não podia em hipótese alguma.
— Chorar na minha frente é o mesmo que mentir, princesa. Espero
que lembre disso quando tentar repetir isso de novo — Suas últimas
palavras tinham sido essas.
Tive que assisti-lo deixar meu quarto e logo depois, reunir forças
para me erguer do chão com dificuldade. Quando estava finalmente em pé,
segui em direção ao espelho no canto do cômodo. Dei passos lentos e curtos
até o meu reflexo.
Ali, frente a frente, capturei a marca avermelhada da sua mão por
toda região da minha bochecha. O desconforto me fez soltar a fitinha rosa
dos cachos para cobrir a marcação, não queria que pudessem ver o que
tinha acontecido comigo. Estava envergonhada depois de todo aquele
episódio se passando na minha cabeça.
Calmamente, levei os dedos à gola da jaqueta, com medo do que
meus olhos veriam. Ainda doía tanto, e não havia muito tempo que papai
tinha deixado aquela porta. Abaixei com cuidado o tecido, deixando cair no
chão.
Paralisei por alguns minutos até finalmente tirar o vestido, ficando
somente com uma peça íntima. Inclinei meu corpo e girei o tronco,
percorrendo meus olhos sobre os hematomas na minha pele. Seus chutes...
eles... mais lágrimas desceram pela minha bochecha. Limpei a gota que
continuava a rolar pelo meu rosto, em seguida arrastei os dedos sobre o
inchaço.
Papai fez aquilo comigo.
Papai me bateu.
Minhas costas doíam.
Meu corpo todo estava machucado.
Eu chorei.
Mas não podia fazer isso, porque papai não gostava quando eu
chorava.
Precisava parar de chorar, ficar calma e por mais que eu tentasse,
não conseguia respirar.
Tentei e tentei, entretanto, nada surtiu efeito.
Ali não seria capaz de respirar.
Tudo que meus pés queriam fazer era correr e sair do meu quarto. E
foi o que fizeram. Queria ver o jardim, queria ar puro.
Puxando o ar, lentamente precisei me abaixar para apanhar meu
vestido e a jaqueta que estava no chão.
— Ai! — Gemi, baixinho, sentindo toda a extensão doendo.
Foi difícil me vestir, entretanto nada pior do que sair de casa. Tudo
doía, principalmente para descer as escadas.
Lá estava eu, seguindo o mesmo caminho que não deveria ter feito
quando decidi brincar de bisbilhotar a sala de estar.
Não notei Dorothy na cozinha, talvez ela tenha ido embora quando
me descobriu, mas segui até meu destino; as grandes muralhas em forma de
metal, tendo quatro metros de altura.
Eram enormes e assustadoras.
Vivia em um castelo em formato de mansão na Terra, como nos
filmes de princesa que não tinham chance de sair da masmorra. Sem
nenhuma liberdade. Uma verdade prisioneira cercada por seguranças todos
os dias, mas o verdadeiro vilão estava logo ali, esperando sua próxima
vítima.
Poderia ser eu ou até mesmo minha mãe.
Até Dorothy estaria na lista.
Quando voltei meu olhar para os grandes portões, percebi que algo
estava diferente, algo que não via com frequência.
A equipe de segurança estava fora dos seus postos e os portões
estavam entreabertos.
Uma pequena brecha impedia de fechá-las por completo.
O que poderia ter acontecido? Seriam as lágrimas que embaçaram
minha visão?
Não era real.
Somente algo no fundo da minha imaginação.
Aquilo nunca acontecia e eu já imaginava que logo Vitório e Callon
votariam para o lugar que sempre ficavam, lado a lado nos portões. Faça
chuva ou faça sol, ambos nunca deixavam por muito tempo aquele espaço e
por isso ficava mais perigoso uma possível fuga. Papai faria o mesmo que
fez minutos atrás.
Ele me faria chorar.
Tum. Tum. Tum.
Não faça isso novamente, por favor.
Rapidamente desviei os olhos pela mansão, ainda não tinha surgido
ninguém por perto. Seria a minha única chance de saber o que tinha por trás
dos portões por, pelo menos, alguns segundos?
Eu queria.
Por Deus, eu queria muito.
Não havia nada no mundo que eu mais almejasse todas as noites
antes de dormir que não fosse sentir o ar do mundo lá fora, o cheiro e
descobrir como eram as crianças que não viviam trancadas nos seus
quartos. As expectativas causam um aperto doloroso na garganta, aquilo...
doía tanto.
Precisava respirar, mas por que não conseguia?
Meus olhos ardiam em companhia da falta de voz, ainda era
impossível falar. Queria gritar. Queria fugir. Ali estava minha única
salvação, então, movida pela inquietude, tomei impulso nos pés e corri.
Corri o mais rápido que podia. Corri antes que meu mundo voltasse
a desabar sobre mim. Corri antes que me puxasse para o meu pesadelo
novamente.
Apenas corri.
Enquanto alcançava os portões, notei um movimento vindo na
mesma direção. Eles estavam fechando e isso deixava claro que algo havia
acionado o controle de segurança, o qual comandava as grades. Em pânico,
meus olhos arregalaram, significava mais que apenas os portões fechando.
Os seguranças estavam se encaminhando para seus postos.
Não pensei em parar, continuei, como se tudo atrás de mim fosse
desmoronar, porque era isso que estava acontecendo nas minhas costas.
Incrivelmente, conseguia ouvir algo, bem no fundo da minha mente, uma
voz suave sussurrando: corra, minha criança.
Eu a ouvi. Foi então que consegui correr e por mais que minhas
pernas fossem pequenas, alcancei os portões rapidamente. No instante que
meus pés tocaram o solo da minha liberdade algo confuso transbordou
dentro de mim, deixando minhas mãos úmidas quando apertei o punho com
dor.
Continuei a correr.
Papai iria me odiar por não estar mais em casa.
Ele ficaria furioso.
Somente parei quando um amontoado de vozes entrou nos meus
ouvidos, porque antes disso, eu só conseguia ouvir o barulho dos meus
pensamentos.
Eram altos e impiedosos.
Parei de correr, sentindo as dores nas minhas costas voltarem a
surgir com mais força. Meu olhar varreu ao redor, notando que já não estava
mais sozinha. Havia crianças ali, eu tinha chegado em um parquinho. Mas
como?
Eles não tinham me notado, parecia que estava invisível entre todas
as pessoas que corriam por todo o espaço. Abaixei a cabeça, o movimento
fez que meu cabelo tapasse ainda mais o rosto. Seguindo a passos
cuidadosos, fui até um balanço livre não muito longe de mim. Não tive
coragem de falar com ninguém, eu estava me sentindo desconfortável.
Pisquei uma, duas, três vezes para afastar a vontade de chorar
novamente. A voz dele voltou para meus pensamentos enquanto sentava no
balanço.
Voltei meu olhar para as crianças que pareciam tão felizes. Queria
estar sentindo o que eles sentiam, mas infelizmente eu só queria ficar ali,
sozinha no brinquedo.
— Você quer ajuda? — Levantei meu olhar, me deparando com uma
menina.
Encolhi os ombros sem dizer uma única palavra. A garota parecia
ter a mesma idade que eu, seus cabelos eram loiros como o sol, os olhos
azuis igual o céu e por fim, sua pele branca estava com algumas camadas
avermelhadas, mas diferente de mim, ela não parecia sentir dor.
— Ana, por favor. Venha passar seu protetor solar — A voz de um
homem ecoou e quando procurei o dono, notei que estava se aproximando
de nós duas. — Sua mãe vai me matar quando vê-la queimada de sol —
Abaixou ao lado dela, conferindo as extensões do seu rosto. — Está
ardendo? — Circulou se polegar na região, não demorou muito para que ele
sentisse minha presença. — Oi, boneca. Onde estão seus pais?
— Acho que ela não fala, papai — a menina comentou.
— Não fala?
— Ei, diga alguma coisa! — suas mãos pequenas balançaram bem
perto do meu rosto, de repente o homem ao seu lado, que vestia uma roupa
estranha, fechou sua palma ao redor delas.
— Amor, tenha calma — aconselhou. — Vejamos, você deve estar
assustada, não é? Meu nome é Roger, sou o pai dessas bochechas de tomate
aqui. O nome dela é Ana — Isso me fez rir. — Olha, se riu pode me escutar.
Confirmei.
— Pode me dizer por que está sozinha no parque? — Minhas pernas
tremeram, fazendo-me desviar o olhar. — Tudo bem?
— E-eu...
— Papai, chega de perguntas. Quero brincar! — Sua filha cruzou os
braços.
— Certo, acho uma ótima ideia. Por que não brincam juntas? Você
quer a companhia da Ana?
Procurei pelo rosto de Ana, ela estava animada em busca da minha
resposta.
— Q-quero — Consegui sorrir.
— Então, vamos! — gritou, animada.
Vi sua mão seguir na minha direção, como um pedido para ir com
ela. Eu aceitei, por mais que soubesse o quão perigoso poderia ser
conversar com desconhecidos, não pensei duas vezes antes de segui-la para
outro brinquedo do parquinho, deixando somente o pai de Ana longe de nós
duas.
— Qual é o seu nome?
Pensei muito se deveria responder.
— Stéfany. Stéfany Taylor.
— Uauu. O meu você já sabe, é Ana. Ana Lawrence.
Passamos muito tempo brincando, não vi as horas passarem, e talvez
aquilo tenha transformado no melhor momento da minha vida. Quando o
sol não se mantinha mais presente e o parque começou a ficar vazio,
restando somente Ana e eu, acabei lembrando de tudo que havia acontecido
comigo.
Não queria voltar para minha casa.
Não queria encontrar papai.
Queria ficar ali, ou o mais longe possível dos seus olhos.
— Não queria estragar a diversão, mas já está na hora de irmos,
filha — o pai dela se aproximou de onde estávamos.
— Ah não, paaaai — Sua voz saiu desanimada com a notícia. Eu
também não queria ir embora. — Como vou vê-la novamente? Eu não sei
onde Stéfany mora.
Apontou para mim, tristonha.
— Nesse horário é bem perigoso uma criança passear pelas ruas da
Filadélfia sem um adulto ao lado, então, podemos acompanhá-la até sua
casa para que chegue em segurança — Roger contou, deixando-me ainda
mais assustada com a ideia.
— Sim! — Ana bateu as mãos uma com a outra. — Meu pai é
sargento, você notou as roupas dele, Sté? Como ele não tem perigo de andar
à noite — completou, orgulhosa, olhando para ele usando o uniforme que
ela havia citado desde que os vi pela primeira vez.
— Estão prontas? — Roger perguntou e eu assenti. Não era difícil
de voltar porque tinha notado a facilidade com que cheguei no parque. —
Preciso apenas que me oriente. Sabe o nome do bairro?
Neguei.
— O nome da rua?
— Também não — Fui capaz de sussurrar.
— Não? — Uniu as sobrancelhas. — Mas consegue voltar? —
Roger parecia preocupado em como eu voltaria para a casa, sem saber de
nada sobre como encontrar a mansão.
— Consigo... é na mansão no fim da rua — murmurei, olhando para
o chão.
— Espera, você mora na parte alta da cidade? — E tudo pareceu
clarear quando eu mencionei minha casa.
— Parte alta? — Ana repetiu confusa, girando a cabeça para o lado.
Seu pai riu, abaixando ao nosso lado, o vi apoiar um joelho no chão e o
outro descansar uma mão, apontando para a rua que levava até a minha
casa.
— Está vendo essa trilha? Quanto mais nos aproximamos, mais
iremos ficar próximos da parte alta. É onde pessoas poderosas moram.
— Pai, mas você também é! — Ana advertiu, franzindo os cenho.
Observei Roger deixar uma risada sair dos seus lábios.
— O que eu quis dizer é que pessoas muito ricas moram lá. Papai
ainda não chegou nesse nível, mas não custa esperar mais um pouquinho e
logo estaremos morando ao lado da Stéfany. Gostaria, bonequinha?
— Seria bem legal, senhor Roger.
Vi uma careta se formando no seu rosto pelo que eu tinha dito.
— Esse senhor Roger é muito formal, me faz lembrar do trabalho.
Por que não me chama de tio Roger?
Esperou uma resposta minha, como se minha palavra valesse a pena.
As palavras de uma criança poderiam valer tanto assim?
— Acho que posso me acostumar com esse — Abri um meio sorriso
nos lábios. Foram incontáveis as vezes que sorri na presença de Ana, nunca
tinha rido tanto até minha barriga ficar doendo. Tanto que tive que implorar
para Ana me dar alguns minutos de descanso.
Em alguns momentos tio Roger também me arrancou algumas
risadas, mas depois ficou pensativo, observando sua filha e eu de longe,
logo após ver meu rosto sem as mechas na frente.
— Perfeito! — Roger se levantou e bateu as mãos nas suas calças
verdes escuras. Eu não fazia ideia do que eram roupas de exército e, pior,
havia muitas outras coisas que não sabia do que se tratava. — Como temos
uma base de onde pode ser sua casa, preciso que me deem as mãos,
meninas. Quanto mais segurança tivermos, melhor — Piscou.
Após isso, nos encaminhamos para a rua da minha casa. O caminho
não teve uma sensação ruim como deveria, tio Roger se prontificou para
nos animar até o fim do trajeto. As brincadeira nunca pareciam ter hora para
acabar, mas eu sentia que isso não iria durar por mais tempo.
Eu voltaria para casa, com o coração dolorido. Meus hematomas nas
costas poderiam até sarar dali alguns dias, mas eu nunca esqueceria a forma
que fui tratada. Tudo era culpa minha, não deveria ter saído do meu quarto
tão cedo, poderia ter esperado a empregada me acordar para o café.
Infelizmente, o dia não teria sido inusitado na parte da tarde.
Eu não teria conhecido Ana Katherine Lawrence, uma garota que
morava na parte baixa da cidade com seu pais. Sua mãe era enfermeira em
um hospital e seu pai passava meses longe de casa, quando o exército
precisava dos seus socorros.
Os Estados Unidos da América agradecia pela sua força e
disposição em salvar vidas que precisavam dele.
Ana havia me confidenciado que era filha única, e que se sentia
sozinha por não ter ninguém para compartilhar alguns minutos de uma
tarde.
Eu tinha me tornado sua primeira e única companhia.
Ou melhor, sua única amiga.
— É essa? — A voz do tio Roger dançou nos meus ouvidos. Segui
seu timbre até encontrar o lugar que ele falava. — Eu acho que chegamos.
Meu coração errou uma batida quando encontrei minha casa.
Eu estava frente a frente do lugar que me causava medo.
O lugar de onde fugi.
— Ei, o que aconteceu? — Não olhei para ele, estava paralisada e
meus olhos continuam na mansão. — Stéfany?
Senti sua palma descansando em um dos meus ombros, foi
impossível não me retrair pelas dores na região.
A dor não tinha passado.
— E-eu.... sim, essa é minha casa — contei, baixinho.
A resposta fez tio Roger se preocupar.
— Você tem certeza de que quer mesmo entrar?
Confirmei.
— Tenho, meus pais devem estar preocupados — Juntei minhas
mãos uma na outra e apertei com força.
— Tudo bem — Foi a última coisa que ele disse, por fim. Vi seus
dedos indo em direção a campainha, em seguida, seu indicador afundou na
elevação do aparelho.
Consegui ouvir o eco da campainha ecoar.
Minhas mãos tremeram.
Minhas pernas viraram gelatina.
Minhas costas pareciam sentir todos os chutes outra vez.
Me tirando dos meus pensamentos, um barulho se alastrou em
nossas frente.
Os portões estavam se abrindo.
Não.
Não.
Não.
Vitório foi o primeiro a me ver, em seguida Callon. Seus olhos
pareciam aliviados, mas no minuto seguinte notaram a presença de Roger e
Ana.
— Pois não? — Vitório, o mais velho dos seguranças perguntou,
mas já sabia do que se tratava.
— Sou Roger Lawrence. Acompanhei Stéfany até sua casa, já que é
um pouco perigoso uma criança caminhar sozinha pelas ruas nesse horário.
Eu gostaria de conversar com seus pais dela, se for possível.
Oh, meu Deus.
— Claro, entrem — Deu passagem, nos encaminhando até a entrada
da casa. A cada passo que dávamos, minhas pernas queriam ceder, por outro
lado Ana parecia maravilhada com o tamanho do jardim e como a casa era
grande.
— A sua casa é tãããããão linda! — Os braços de Ana me
abraçaram, mostrando o quanto estava eufórica.
— Você acha?
— Muito!
A sombra de um sorriso surgiu nos meus lábios.
Não demorou muito para que meus pés tocassem dentro de casa com
Ana e seu pai me seguindo, no enquanto, assim que meus olhos
visualizaram meus pais, senti um choque preencher meu cada centímetro do
meu corpo.
Sentando no sofá, papai estava segurando a cabeça entre as mãos.
Mamãe andava de um lado para o outro, segurando a cruz do seu
terço entre os dedos. Parecia estar rezando.
De repente seus passos param, seu olhar encontrou o meu. Uma
expressão de alívio preencheu seu rosto.
— Meu Deus, Stéfany. Onde você estava?
PÉSSIMAS ESCOLHAS
Há partes de mim que não posso esconder
Eu tentei e tentei um milhão de vezes
Juro por tudo
Darkside | Noeni

A análise de O Morro dos Ventos Uivantes[6] não tinha meu foco,


mesmo que eu desejasse ter naquele segundo. Minha mente não estava ao
meu favor e só notei quando uma pergunta foi direcionada para mim.
— Senhor Peterson, o que Cathy quis dizer com a frase? — A Sra.
Torelly tinha seus olhos fixos nos meus.
— Perdão?
Com o corpo tenso, ergui um pouco minhas costas da cadeira, para
ler melhor. O livro ainda estava aberto e uma das minhas mãos segurava a
folha para que não saísse.

Eu não consegui suportar aquilo. Peguei meu volume surrado pela


capa e joguei no canil, dizendo que odiava bons livros.
— Por que você não pode ser sempre uma boa menina, Cathy?
E ela virou o rosto para ele, rindo e respondeu:
— Por que não pode ser sempre um bom homem, pai?

Por um segundo, paralisei. Era difícil ter alguma reação depois do


baque escrito naquelas páginas. Muito menos tempo para reformular uma
resposta, e pelo olhar que a Sra. Torelly me lançou, ela também tinha
notado algo diferente em mim nas últimas semanas.
— Senhor Liam, pode responder?
Allen estava posicionado no assento atrás de mim, e como um bom
calouro, ele tinha a resposta na ponta da língua. Por mais que ele tivesse
contado sua tese para nossa professora de literatura com um certo receio,
não conseguia ouvi-lo falar, parecia que nada do que ele dizia iria entrar na
minha cabeça.
Todos na sala ouviam meu colega de curso explicar, no entanto, não
teve tempo suficiente para detalhar tudo que sua mente esperta queria
contar, porque no segundo seguinte, o apito da faculdade tocou, anunciando
o intervalo. Na hora certa, a luz brilhou nos meus olhos, assim como todo
meu corpo ficou em alerta. Nem sempre eu ficava ansioso para minhas
aulas de literatura acabarem, minutos depois que meus pés estavam dentro
da sala, entretanto, no semestre passado eu não havia tido um bom
desempenho, minhas notas estavam abaixo da média.
Por conta do rigoroso Hanks isso estava me preocupando além do
limite, já que o treinador do time, em hipótese alguma, aceitava notas
baixas. Seus jogadores eram compostos por universitários acima da média
em todas as matérias e caso não estivessem, poderiam dizer adeus.
Quando estava prestes a me levantar do meu lugar, a voz da
professora ecoou nos meus ouvidos. Procurei seu corpo há poucos metros
de distância, encontrando-a encostada na borda da mesa, as mãos estavam
unidas e compartilhava um olhar estranho.
— Preciso de alguns minutos do seu tempo, senhor Peterson.
Ah, droga...
Não me permiti ter alguma reação, apenas peguei minha mochila e
os livros de literatura e os guardei. Quando decidi me aproximar dela, meu
corpo por um instante hesitou. Mas que porra?
O mundo parecia caminhar lentamente enquanto eu me aproximava,
as engrenagens não queriam funcionar.
— Pois não? — Senti que deveria iniciar a conversa, por mais que
eu não soubesse absolutamente nada do assunto.
— Certo, eu estava há alguns dias pretendendo ter essa conversa...
— Cruzou os dedos um no outro, mantendo formalidade enquanto
transmitia confiança no olhar. Era raras as vezes que ela tinha alguma
conversa com algum aluno e principalmente comigo. — Venho notando
uma queda nas suas notas, senhor Peterson. Algo que nunca tinha
acontecido, tratando-se das suas notas nos semestres anteriores.
Isso me fez desviar o olhar.
— Queria muito entender o que mudou nesse meio tempo, mas creio
que isso não cabe a mim — Deu uma pausa enquanto afastava os braços, e
no momento seguinte, vi girar o tronco e depois esticar o braço, em direção
das pilhas de papéis em sua mesa.
Torelly pegou a primeira folha, não sabia inicialmente o que era,
mas algo me dizia que não era bom. Merda, por que tudo tinha que dar
errado logo agora?
Era apenas um problema, agora eu tinha mais dez nas costas.
— Vejo que não tenho muito a fazer, não é? — sondei, analisando a
situação. — O treinador Hanks não admite notas muito abaixo da média.
— Não muito... — Seus olhos castanhos perderam-se na textura do
papel, havia algo escrito nele, mas naquela posição eu não tinha muito ao
meu favor, apenas o reflexo da luz deixando a sombra surgir. — Quer dizer,
há algo que possa ajudar.
Como se fosse uma luz no fim do túnel, vi a margem da minha
salvação, ou quase isso. Ajustei meus olhos, na expectativa de ter uma
chance de salvar minha vida acadêmica e o time de futebol.
— Em alguns meses, especificamente no final deste semestre, vai
acontecer a primeira feira literária da universidade, em anos. Selecionei
alguns alunos, entretanto, não tinha cogitado escolher os meninos que
fazem parte do time de futebol americano. Hanks comentou que não teriam
descanso, então optei deixá-los de fora.
As palavras flutuavam para dentro dos meus ouvidos, mas não
surtiam o efeito que eu queria, ainda mais sem saber onde a sugestão iria
acabar me levando. Uma feira de literatura? Mesmo que eu fosse um
estudante de literatura, nunca tinha participado de um evento com esse foco,
ainda mais quando minha infância não tinha sido regada de apresentações
ou premiações escolares.
— O que acha, senhor Peterson? — Somente com a menção do meu
sobrenome voltei novamente para aquela sala.
— Perdão, não entendi... — Tentei esconder o fato de que eu não
tinha absorvido nenhuma única palavra dos minutos anteriores.
Não estava em posição de viajar para outra dimensão enquanto as
coisas que tinham mais importância na minha vida teriam um destino
fatalmente cruel.
— Proponho que você participe mesmo que não tenha tempo
suficiente, Eric. Me desculpe, mas neste instante, eu falo como uma
professora que zela e se preocupa com o futuro dos meus alunos, e imagino
o quanto o time importa para você.
Aquilo me surpreendeu, ainda que toda a situação fosse complicada
e a minha mente não colaborasse com o rumo que meu ciclo se tornou, ter
alguém que se preocupasse comigo verdadeiramente, ruiu algo dentro de
mim.
Fazia muito tempo que não sentia isso.
Houve uma fase na minha vida que eu não fazia ideia de qual curso
faria na faculdade.
Sempre tive diversas opções, poderia seguir os passos da minha mãe
em medicina, mas ela já tinha todo esse poder com seu filho favorito,
Mason. Desde muito novo ele já tinha decidido que faria o curso, o que
arrancou vários sorrisos de Lilian, a mulher surtou quando ouviu aquilo.
Seu filho prodígio já sabia o que queria fazer da vida, ser um médico.
Para mim, a ideia de disputar mais um caminho com meu irmão não
me agradava. Na verdade, me esgotava, não me dava ânimo, apenas nos
nervos. Até que um dia decidi que optar pela literatura seria o melhor para
mim naquele momento.
Oh, e quando minha mãe descobriu, não teve nem de longe a mesma
reação que teve com Mason, seu olhar de desgosto pregava na minha mente
até os dias atuais.
Há tantos cursos maravilhosos e vantajosos, você vai fazer logo
literatura? Isso vai ser tão inútil, será apenas um atraso para o que
realmente importa.
As palavras dela ainda ecoavam em meus ouvidos, em como ela
jogou que isso não beneficiaria em merda nenhuma na minha e na sua vida.
O garoto de ouro que ela sempre quis que eu fosse, em conjunto do seu
caçula, tinha escolhido trilhar um caminho diferente, mesmo que a todo
momento eu estivesse nos holofotes da minha família.
Passei anos tendo que guardar as palavras que eu não disse a ela
naquela noite. Foi melhor assim, poupei transformar toda amargura em
raiva. A terapia comportamental e os medicamentos apropriados estavam
ajudando com o processo de autocontrole, até que um ano antes eu havia
parado de marcar horários.
Na época, achei que não precisasse mais.
Aos poucos fui me desvinculando dos deveres, primeiro as sessões
com a psiquiatra e, há alguns meses, havia parado de seguir à risca meus
medicamentos. Quando dei por mim, estava frequentando clubes
clandestinos, descarregando a carga pesada que alucinava minha mente.
Todas as noites não passavam de um breu na manhã seguinte.
Entretanto, as contusões por cada centímetro das minhas mãos não
deixava que passasse despercebido o que estava acontecendo comigo e,
pior, não era mais a fúria despertada por meu irmão caçula.
Porque um lado meu que eu não conhecia nasceu.
Todas as noites no Destiny´s eu tinha um encontro com essa parte
que preferia morrer a me abrir. Ninguém era obrigado a me ouvir,
tampouco, deveria se importar com meu problema.
O TEI foi por muito tempo da minha vida, o meu lado mais
sombrio. E não havia uma pessoa do meu convívio que não tivesse receio
de se juntar a mim, levando em consideração a escassez de amigos no
colegial, fazendo-me sentir sozinho pelo medo que meu transtorno causava
a todos do meu convívio.
Apertei os olhos, atordoado, enquanto passava as mãos pelo rosto.
Voltar novamente naquela máquina do tempo, para a época em que vi tudo
de demolir sobre minha cabeça, me desgastava mais ainda. Tudo tinha dado
errado, quando na verdade, era o momento para meus planos entrarem nos
eixos.
— Te dou essa alternativa e está nas suas mãos escolher por qual
optar, senhor Peterson — O receio era a única coisa que me movia, já que
era difícil deixar meus incômodos totalmente transparentes para todos ao
meu redor.
Respirei fundo.
— Não será necessário — contestei, notando-a se romper bem
diante dos meus olhos. — Creio que conseguirei recuperar a nota com a
próxima prova. Pode ter certeza que darei o meu melhor.
Eu tinha que fazer o possível para me estabilizar nas matérias,
porque caso contrário, teria que dar adeus para o time por um semestre
inteiro ou melhor, até o treinador achar que minhas notas estavam decentes.
— Torço que sim — Essas foram as poucas palavras que ela me
permitiu escutar, em seguida, seus saltos giram sobre o piso, se distanciando
de mim. — Por hora é apenas isso.
Assenti, mesmo que ela não estivesse vendo.
Prendi o ar por alguns segundos até deixá-la sozinha na sala, e
percorrer para meu próximo destino: o campo de treinamento onde também
acontecia os jogos da universidade.
Naquele período de abril, estávamos tendo apenas treinamento e
independente do mês, Hanks amava pegar pesado conosco. Todavia, era um
treinador excepcional, considerado pelos jogadores como segundo um pai.
Essa sempre foi a figura parterna que os Crows Blues Legs tinham a longa
data e, porra, não o trocaria por nenhum outro.
Após me deslocar de um bloco para o outro em mais de dez
minutos, finalmente estava atravessando o pequeno túnel que nos levava até
o campo onde os jogadores estavam treinando. Observando toda a cena
sobre meus olhos, precisei assistir os novos jogadores por um tempo
indeterminado. A maioria era jovens carregados pelos seus sonhos de ser
um dos nomes nas maiores indústrias de futebol americano, outros estavam
cansados dos treinos, e tudo piorava com a exaustão dos últimos jogos
fracassados.
A vida de um atleta era como uma montanha russa.
Tudo dependia de momentos e instantes, uma hora você estava no
topo, mas em segundos não lembrava o seu nome. Esqueciam o quanto
fazia por seus companheiros e a razão por estar sobrevivendo a um ano
caótico.
Apertando um dos punhos, obriguei-me a seguir para a área dos
reservas. Alex facilmente poderia estar naquele espaço.
— Você demorou — enfatizou sem trocar um único olhar comigo,
enquanto eu me sentava ao seu lado.
— Achei que continuaria me ignorando — acusei, lembrando-o.
Deveria relembrar o acontecido, ainda estava fresco na minha memória e
talvez ainda estivesse incomodando sua mente tanto quanto a minha.
Alex e eu ainda não havíamos tido uma conversa sobre minha
decisão sobre Taylor e mesmo que eu não demonstrasse, aquilo estava me
perturbando. Ser ignorado por uma pessoa que dificilmente daria o castigo
do silêncio, não era uma boa maneira de lidar. Estava acostumado com o
lado cômico de Alex James, já que a parte Alexander James era a mais
temida.
Pareciam ser duas pessoas completamente diferentes, mesmo que na
verdade, era apenas uma.
— Você foi um cuzão com a garota, Eric — denunciou, esticando o
corpo para frente, deixando seus cotovelos nos olhos, as pontas dos seus
dedos cobriam os lábios.
— Eu sei.
— Não deveria ter feito aquilo.
— Eu sei — repeti. — Agi por impulso, Alex. Me dê um desconto,
por favor.
— Ainda assim — rebateu. — Porque não dá o braço a torcer e fala
com ela?
— Sem chance — Notei seus olhos revirando-se, e ainda que ele
discordasse, eu preferi abaixar a cabeça, entre as pernas, e bufei. — Há
certas coisas que são melhores deixarem acontecer, por mais difíceis que
sejam.
— Sim, as certas coisas que você quer dizer é o seu orgulho de
merda?
— Não fode, porra — resmunguei ainda na mesma posição.
— Droga, estou com uma sensação de que o treinador vai acabar me
tirando do time — Ergui meus olhos na direção de Alex, vendo-o olhando
para nosso time correndo pelo gramado úmido.
Estávamos descansando, o treinador havia permitido alguns
minutos. Ele estava bondoso, mas não sabia quanto tempo o seu
temperamento iria continuar daquela forma.
Esfreguei a nuca, mantendo meu olhar sobre meu melhor amigo.
Alex vinha ocupando esse posto há mais tempo do que eu poderia
contar com os dedos.
— Por que acha isso? Ele deu indício de alguma coisa? — Senti
meus ombros tensos, enquanto esperava sua resposta.
Alex esboçava uma cara nada boa, algo que declarava o quão
nervoso estava.
— Sim — Uma mão deslizou pelos cabelos castanhos escuros. —
Ele disse semanas atrás que iria fazer uma nova seleção para os jogadores
titulares e que com o decorrer do treino, eu deveria entregar mais que do
que fiz nas últimas vezes.
Apertei os lábios.
— Eu não consigo pegar ou lançar uma bola ultimamente, estou
sendo um peso morto para o time — suspirou, tenso.
Os jogos estavam péssimos, a expressão "Vitória para Harvard" era
difícil de se ouvir pelos corredores da universidade desde que o time se
desequilibrou com a saída de vários jogadores, dentre eles Nathaniel.
Isso deixou uma camada intensa de silêncio crescer entre nós dois.
Mesmo que Alex ainda estivesse insatisfeito com minha decisão e me
ignorasse na maior parte do dia, desde o acontecimento, senti que ele havia
deixado isso de lado por alguns minutos.
Um apito explodiu em nossos ouvidos.
Isso só significava que a moleza havia acabado, e um treino fodido
nos esperava.
— Vou dar um pulo na oficina — Alex contou, olhando para o
celular, enquanto eu colocava a mochila no ombro.
O treino tinha acabado e naquele instante estávamos saindo da CBU,
entrando no estacionamento. Tínhamos sido liberados mais tarde que o de
costume, porque Hanks decidiu nos tomar algumas horas a mais.
— Agora? — questionei, unindo as sobrancelhas.
— Aham, preciso resolver alguns problemas lá — Notei que a
conversa não chegaria muito longe, Alex estava atento somente no aparelho
em suas mãos.
— Beleza, acho que vou dar um pulo na academia — A resposta fez
meu amigo girar a cabeça na minha direção, confuso, mas optei deixá-lo
sem detalhe.
— Ok, vou indo então — Sua mão livre bateu no meu ombro. —
Até mais
Observei-o acelerar seus passos até o Jeep silenciosamente, ao
mesmo tempo, ele parecia ter pressa para alcançar o veículo. De repente,
senti algo vibrar e, em seguida, o som de notificação repercutiu no bolso da
minha calça jeans. Em dúvida, toquei como uma mão na região sentido o
celular vibrando mais uma vez. Puxei o aparelho, desbloqueando-o.
Meu corpo ficou tenso quando li as mensagens na barra de
notificação.

Pai: Está livre agora?


Pai: Preciso conversar com você e com a Jane.
Pai: Me responda quando puder.

Com um suspiro, arrastei suas mensagens para o lado ignorando-o.


Ainda era desconhecida a razão da “reunião” que meu pai queria fazer
comigo e Hannah, já que quase sempre ele pedia para sua secretária marcar
horário.
Era uma aproximação repentina, principalmente porque não tinha
tempo para seus filhos na maior parte do tempo. Suas prioridades era por
inteiro a cidade de Boston, enquanto os frutos do seu casamento iam
definhando com a falta de um pai, ao mesmo tempo, em que sentia a
negligência de uma mãe narcisista.
Lilian Peterson era de fato a pior mãe que poderia existir em cada
pedaço de Boston.
Estava tão curioso, mas meu pai às vezes era previsível, entretanto,
não podia culpá-lo pela sua carreira, mesmo que em alguns momentos eu
tenha odiado tudo isso. Foi uma das razões do meu diagnóstico, e em como
Oliver não soube administrar melhor sua família.
Definitivamente, não era o melhor dia para termos alguma conversa.
Sempre me considerei o filho que os pais não tinham como o
favorito.
Hannah tinha Oliver para bajulá-la a todo momento.
Mason tinha Lilian para defendê-lo a todo custo.
Seguimos nesse campo minado desde que éramos crianças, quando
mostrava sinais de que não seria uma criança extrovertida ou esperto o
suficiente. Preferia ficar sozinho no meu quarto, sem que alguém pudesse
me incomodar.
Dividir o mesmo cômodo com Mason me trouxe sérios problemas.
Talvez meus pais tenham pensado em algum momento do seu
casamento que ter filhos com idades próximas pudesse trazer algum
proveito no crescimento de todos, todavia, isso só acontecia em casos
isolados.
Nossa família não havia sido privilegiada.
Mal notei que todo o time já tinha ido embora e desviei minha
atenção do celular para o estacionamento à minha frente. Havia somente os
carros dos funcionários estacionados em locais sortidos.
Antes que eu pudesse bloquear a tela do dispositivo em minhas
mãos, uma mensagem surgiu na barra.

William: Não estou mais afim de treinar com você.

Revirei os olhos, lendo sua mensagem. Às vezes, não entendia como


conseguíamos nos aturar há tantos anos. Era uma habilidade que por muito
tempo não soube descobrir a resposta.

Eric: Desde quando isso é um problema meu?

William: Olha a maneira como você me responde, seu babaca!


William: Não me procure quando precisar descarregar sua raiva
na academia.

Eric: Porra, quem te ensinou a ser tão dramático assim, bebezão?

William: Ah, são minhas táticas.


William: Pergunta.
William: Estou afim de ir no Destiny ´s esta noite.
Encrespei as sobrancelhas. Destiny´s? Tínhamos apenas um dia
marcado para estarmos presentes naquele lugar. E não era aquele dia.
Eric: Hoje não é sexta-feira, William.

William: Dããããã, eu sei. Hoje quero apenas me divertir e ver


Diana, amigão.
William: Topa ir também? Se eu fosse você, aproveitava antes de
cair fora de vez.

Eric: Espero que isso faça minha noite melhorar.


Eric: Está definitivamente um porre.

William: Uma noite melhor eu já não sei, talvez uma soneca de três
dias após hoje resolveria.

William: Agora eu só prometo entretenimento.


William: Te encontro na academia em meia hora.

Desliguei a tela após ler sua última mensagem.


Não estava nos meus planos ir para a boate àquela noite, mas a ideia
de Will veio a calhar. Talvez uma noite naquele lugar me desse o
entretenimento que eu precisava.
— Achei que não viesse. — Foi a primeira coisa que William disse
ao sair do carro.
— O que te fez acreditar que não? — Parei ao seu lado, encostando
meu corpo contra a lataria do veículo.
Vi um vislumbre do sorriso reprimido nos seus lábios.
— Os motivos gritam nessa sua pose de mauricinho, cara.
Foi impossível não revirar os olhos com sua explicação.
— Vamos lá, garanhão. Quem olha para essa sua cara de garoto
propaganda acredita que você nunca pisaria em uma boate, principalmente
quando as dançarinas dançam pole dance.
— Claro, somos completamente diferentes, não é, William? Veja
você mesmo, nós dois temos cara de mauricinho, e sabemos que seu pai
nem sonha em você em um lugar como este.
— Porra, hoje eu só quero beber e me divertir o máximo que eu
puder.
Essa foi nossa última conversa até que finalmente estávamos dentro
da boate. E algo que me surpreendeu, foi a segurança da parte da frente não
ser como a dos fundos.
Tínhamos passe-livre para entrar e fazer o que bem queríamos.
Filhos da mãe, deixava claro uma ideia das negligências que
aconteciam ali.
— Pronto para conhecer todos os melhores rabos de saia que
existem no Destiny ´s? — William perguntou, passando seu braço no meu
ombro. Ele estava animado com tudo ali, enquanto eu ainda me sentia
deslocado.
— Seu disser que ainda não sei, a resposta conta?
— Não — resmungou. — Divirta-se hoje, irmãozinho. A noite ainda
está só começando, e posso sentir que nos garante muitas surpresas — Foi
tudo que Will me permitiu ouvir até que decidiu nos encaminhar para o
interior da boate.
E porra, a área não tinha nem um terço da situação precária da
gaiola no fundo.
Óbvio, por que investir em um espaço ilegal que poderia acabar em
um piscar de olhos se a polícia corrupta deixasse de fiscalizar?
Isso prendeu meus pensamentos até que uma mulher nos recebeu,
dando-nos um lugar nas últimas cadeiras fora do alcance do palco. Por hora,
as pessoas que se apresentavam ali mal conseguiam me ver.
— Boa noite! O que vão beber? — Uma garota ruiva se aproximou,
no segundo em que estávamos sentados.
— Quero uma garrafa de tequila, Chelsea — William piscou para a
atendente. Mas que porra? Ele realmente iria flertar com a garota em seu
expediente?
— Ambos? — Uniu as sobrancelhas.
— Por enquanto, apenas uma — declarei.
Ela assentiu, anotando no bloco de notas. Parecia tímida demais,
entretanto seus olhos exalavam outras coisas.
Não era bem assim sua real personalidade.
As garotas do estabelecimento usavam trajes sensuais. Como se sua
única necessidade fosse atrair todos os homens que pisavam naquele lugar e
arrancar o seu dinheiro.
Chelsea não demorou muito para desaparecer das nossas vistas e
retornar com nossa bebida em uma bandeja prateada. Cuidadosamente,
descansou a tequila sobre a mesa, e colocou dois copinhos de vidro para
William e eu.
— Pode deixar que nós nos servimos — adverti, fazendo-a parar o
movimento que começou.
— Tudo bem. Se precisar de qualquer coisa é só me chamar. Estarei
à disposição — disse e concordei, dando um aceno.
Era o suficiente.
— Você é um estraga prazeres! — Will xingou, pegando a garrafa.
— Creio que suas mãos continuarão intactas se abri-la.
— Me lembre de nunca mais sair com você — bufou e eu arquei
uma sobrancelha, vendo-o esticar seu corpo em direção a garrafa. Meu
amigo despejou uma boa dose de bebida para ele, mas deixou o meu vazio.
Quando percebeu que eu assistia a cena, o filho da mãe sorriu.
— Ah, como é mesmo... — Tentou lembrar de algo. — Creio que
suas mãos continuarão intactas, não é? — Seu sorriso cresceu no mínimo
mais dois centímetros após a provocação.
— Às vezes, acho que você e Alex dividem o mesmo neurônio —
Peguei o vidro das suas mãos, servindo eu mesmo meu shot.
— Às vezes, penso na possibilidade de descobrir se seus amigos não
têm o mesmo carisma que você, eu tomaria seu posto. Pobre jogadores,
devem sofrer morando com você no mesmo teto. Talvez até a garota que
você tanto fala não seja ruim. Stéfany, não é? Daria qualquer coisa para
conhecê-la.
— Sua doce Diana escapou das suas garras? — Relembrei da garota
que não saía da sua boca.
— Oh, Diana. Sempre terá um lugar especial e, falando nela, em
alguns minutos terá sua apresentação. Apenas não fique caidinho por ela —
ameaçou, levando a dose na direção dos lábios.
— Já tenho problemas demais para lidar.
— E um deles é sua última luta na sexta? Vai mesmo dar um fora?
— Will parecia curioso em saber da minha resposta.
— Sim. Não confio no Hughes e tampouco no sócio, esse cara está
me cheirando a problemas.
Ele e seu irmão Morgan Hughes estava longe de ser um homem que
eu poderia confiar, e tudo isso piorou nas últimas semanas quando começou
a dar indício de problemas, após rumores de que ele iria passar os negócios
para o sócio. Não sabíamos os verdadeiros motivos das suas escolhas,
principalmente por ser cauteloso onde metia seu dedo. Ele e seu irmão
Bradley estavam retornando para sua casa na cidade de Sanclaire[7].
— Farei algumas pesquisas sobre galpões que organizam lutas
clandestinas — meu amigo comentou.
Assenti, dedilhando a borda do meu copo em círculos, antes de
finalmente erguer o copo até a boca. Até que a bebida chegasse, consegui
sentir o cheiro cítrico da tequila. Havia meses desde a última vez que bebi,
podia jurar que já não lembrava do gosto de álcool na língua.
Sem esperar mais um segundo, virei por completo o líquido amargo.
A queimação me fez estremecer, mas era normal, apenas uma lembrança
que já iria desaparecer. Foi então que repeti todo o processo com William
várias e várias vezes, até restarem pouco menos da garrafa.
— Porra, olha quem está preparando seu momento!
Um lampejo embaçou minha mente. Do que ele estava falando?
Virei o rosto na direção que os seus olhos permaneciam paralisados, alguém
estava parada ao lado da barra de ferro no centro de um palco.
Nossa mesa estava longe do seu olhar, então dificultava a
identificação. Esfreguei os olhos, tentando ver melhor quem poderia ser.
— Quem é?
— Diana. A melhor dançarina que há no Destiny 's — Orgulho
transbordava em cada palavra.
De uma vez por todas eu iria descobrir o que essa garota tinha de tão
especial. O real motivo de deixar esses homens de joelhos.
Bobeira.
Uma melodia começou a tocar, ainda era impossível descobrir qual
seria, até que em conjunto da bebida, o nome brilhou nos meus
pensamentos. Era Darkside, de Noeni.

Você quer conhecer todos os meus monstros?


Acha que você é durão, eu sei que eles vão te deixar maluco
Encontre-os uma vez e eles vão te assombrar para sempre
Não há heróis ou vilões neste lugar

Havia somente um foco brilhante, deixando visível somente sua


silhueta moldada de costas. Os cabelos eram cacheados, desciam como uma
cascata pela cintura.
Apertei os olhos, contemplando cada detalhe que poderia capturar
como lembrança.
— Não babe, Eric. Eu sei que ela é linda para um caralho — Um
soco foi descarregado no meu ombro, entretanto, não me fez desviar o olhar
dela. Queria poder ver seu rosto, mas minha distância impossibilitava
completamente.
Desci meu olhar pelo seu corpo e foi impossível não reparar em
tudo nela. A garota usava saltos altos de espessura fina. Não sabia como
conseguia se manter sob eles. O vestido curto com uma proteção de short
por baixo ficou visível quando uma das suas pernas enrolaram na barra.

Há partes de mim que não posso esconder


Eu tentei e tentei um milhão de vezes
Juro por tudo

Joguei minhas costas para trás, em seguida ajustei sobre a cadeira.


O jogo de luzes escuras salpicadas de vermelho fez toda a cena ficar
cada vez mais intensa. Pelo canto do olho, notei William completamente
estático, parecia tão alucinado quanto eu.
Puta merda.
Saindo da pose, Diana prendeu as duas mãos para trás, um pouco
acima da cabeça. Ela estava de costas para o metal, enquanto ainda
segurava seu rosto, girou de um lado para o outro, antes de um novo giro
surgir entre os versos da música que começava a agitar seu público.
O movimento foi rápido, quase não consegui capturar o momento
que sua posição mudou, naquele instante as pernas davam impulsos para
rodopiar no ferro que se segurava.

Dê um passo no caos
Olhe ao redor, isso não é nem a metade

Caralho.
De repente, ela parou.
Diana se mostrou confiante, isso foi o que mais me chamou atenção
na medida que a música corria pela boate lentamente, enquanto focava sua
atenção em um dos clientes mais próximos ao palco, como se estivesse
seduzindo ele.
Ela não precisava de muito para conseguir.
Não precisou, porque a garota conseguiu deixar todos os homens à
sua mercê.
Inclusive eu.
MEUS DEMÔNIOS

Remendar o que foi quebrado

Desdizer estas palavras ditas

Encontrar esperança na falta de esperança

Me tirar desse desastre

Train Wreck | James Arthur

PASSADO

Envolvi minhas mãos ao redor da cabeça.

— Você não vai levar meus filhos, Lilian! — aquela foi a vez do meu pai
gritar, e pelo tom da sua voz estava claro que, tudo que viria no segundo
seguinte, definiria a vida dos meus irmãos e a minha.

Meus pais iriam se separar.

Não lembrava a última vez que pude dividir o mesmo cômodo com ambos
sem que iniciassem uma discussão em um estalar de dedos. Era como se
uma névoa envenenasse seus olhos simplesmente por estarem
compartilhando a sala de estar ou a mesma cama. Aos treze anos, não
estava na minha lista programar meus pensamentos para todas as vezes que
isso acontecesse.

Meus pais não tinham um casamento feliz havia três anos, precisamente na
época em que uma das irmãs do meu pai morreu; Tia Wanda. Esse nome
não era citado há muito tempo depois do seu suicídio.

— Sinceramente, não reconheço mais você — papai cuspiu suas


frustrações.
A espessura das paredes parecia cada vez mais fina, fazendo com que
pudéssemos ouvir absolutamente tudo que saísse dos lábios deles.

Estava ficando pior.

Não somente me afetava, como cada integrante da nossa família.

Éramos movidos pela sintonia dos nossos pais e se eles estavam tendo
problemas no seu casamento, ocasionalmente, seríamos afetados de uma
maneira fatal. Não era difícil decifrar tudo que estava acontecendo, ainda
mais quando você encontra seu pai dormindo no sofá, ou até mesmo, no
escritório quando, na noite anterior, sua esposa tinha expulsado-o do
cômodo por não aguentar mais brigar.

— Quem é?

Caí de paraquedas ao retornar para meu quarto, a dúvida no tom de voz era
claro, mas sabia o que Mason queria saber. Quem estaria batendo a essa
hora no nosso quarto? Já fazia alguns minutos que as vozes haviam
cessado, mas algo me dizia que estávamos apenas no começo de uma bola
de neve.

— Não sei — Dei de ombros, entretanto, o nó que envolvia cada


centímetro da minha garganta cresceu. Queria que pudesse ser qualquer
pessoa, menos meus pais. Que seja Hannah. Apertei meus olhos com a
lamúria. — Droga... — Eu pigarrei, notando a maçaneta girando.

— Ah, cacete. Já sei, é a insuportável da Hannah-cara-de-aranha! — Mason


bufou, puxando o travesseiro que tinha apoiado por trás da cabeça e
afundou no rosto. Revirei os olhos, mas senti alívio por não ser a imagem
dos meus pais ao surgir na porta.

— A única pessoa que tem cara de aranha é você, coisa ridícula!

Fui capaz de identificar a voz de Hannah. Abri os olhos, vendo-a. Os


cabelos loiros estavam chegando na cintura, consegui ver que ela usava um
pijama estampado de princesas. Era possível notar o brilho do metal nos
seus dentes quando rebateu a implicância do nosso irmão.
Hannah ainda estava se adaptando ao aparelho odontológico, fazia poucas
semanas que havia estreado o novo sorriso, todavia, nosso irmão não
deixava passar uma piadinha sequer.

— O que quer aqui? — ele rosnou para a loira.

A reação me fez tensionar o maxilar, seu tom era hostil e isso já estava
chegando no meu limite. Meu irmão estava fazendo minha cota de
compreensão esgotar. — Você está horrível com essa boca de lata —
Esboçou uma expressão de nojo, e aquele foi o fim.

— Deixe-a em paz, porra.

Era possível sentir que eu não estava com clima para ver Mason
descontando suas frustrações em nossa irmã. Não era novidade que o
comportamento de todos nós tinha mudado de maneira extrema. Nunca
mais seríamos o mesmo depois do que tudo aconteceu.

— Qual é? — O tom reverberou pelo quarto. — Não posso mais dizer o


que penso?

— Nada do que você diz vale, então, é melhor guardar apenas para você,
Mason.

— Claro, o Senhor Sabedoria é o único que pode dizer algo aqui, não é? —
zombou. — Você só fala merda, Eric. Deveria ficar na sua.

— Chega! — Hannah bufou ao se acomodar no canto vago da minha cama.


A loira encolheu os ombros, virando seus olhos no chão. Ela já não estava
como havia entrado, algo no seu olhar denunciava o incômodo. — Já basta
papai e mamãe. Não aguento mais ouvir uma briga ainda hoje.

— Aconteceu algo?— Estiquei meu corpo até tocar a cabeceira da cama,


ainda deixando meus olhos permanecerem em Hannah. Os seus lábios
tremeram, fazendo o brilho do aparelho nos seus dentes refletir sobre a
lâmpada no centro do quarto.
— Eu... Ai nossa, não é fácil retomar isso novamente — A loira confessou,
mas no minuto seguinte, a assisti puxando o ar e soltá-lo em seguida. —
Mamãe e papai vão pedir o divórcio — Estava claro há muito tempo e
apenas ambos não queriam dar o braço a torcer em algum momento. Foi
então que o dia chegou e tudo na minha mente virou um grande eco.

Meus pensamentos me levaram para um lugar nada bom.

Seria unicamente minha culpa a decisão do divórcio?

Havia dois dias, Mason e eu brigamos, entretanto não tinha sido uma briga
verbal, fomos além, e... bem mais do que eu gostaria ter feito. Em algum
momento tudo ficou vermelho na minha mente e os impulsos já não eram
meus.

— Você sempre estraga tudo, Oliver. Sempre! — Os gritos da minha mãe


retornaram entre as paredes do quarto. Eles estavam cada vez mais altos,
catastróficos e acima de tudo, causavam as lágrimas nos olhos da minha
irmã gêmea. — Eu te odeio. Te odeio, porra!

Lilian, tinha seu lado sombrio. Ela não era a mesma mulher que comandava
um hospital inteiro. Não tratava os filhos como deveriam, em dias normais,
tinha apenas favoritismo por um deles.

Deveríamos torcer muito para ser um deles e implorar por ajuda divina,
para não sermos os escolhidos para descarregar sua raiva de problemas do
trabalho. Quando o caso não era esse, tinha a ver conosco dentro da
mansão, as brigas que ela construía começavam por algo que havíamos
feito.

Hannah, por Cristo! Você está enorme, mal consegue fazer uma atividade
física para não virar uma baleia?Olha como está, desse jeito nunca vai
conseguir um namorado.

Um dia vai acabar se tornando um homem tão violento que nem eu mesmo
vou poder conviver no mesmo espaço que você, Eric!
Notas baixas, Mason? Você sabe quantas horas eu passo no hospital para
chegar em casa e ver o lixo que estão suas notas? Como quer fazer
medicina dessa maneira?

— Isso é culpa sua, irmãozinho. Mamãe está puta com você e agora está
descontando tudo em nosso pai. Sabe por quê? — Todas as lembranças
recentes vibraram em meus sentidos. Não me lembre disso, Mason. Por
favor, era a última coisa que queria reviver. — Porque ao contrário de você,
ele não é um monstro descontrolado — Minha visão se tornava cada vez
mais anuviada.

Tudo que ele dizia não era verdade. Eu não era um monstro descontrolado.

— Eu não sou um monstro descontrolado! — rebati, encarando-o.

— É tudo culpa sua, Eric. A verdade é essa, nossos pais têm vergonha do
que você representa para todos nós. É uma ameaça para o mundo, e se as
pessoas descobrirem, a cidade vai entrar em alarme por causa de você.

Neguei com a cabeça desesperadamente.

— Cala a boca, Mason! — gritei, tapando os ouvidos, mas ainda assim era
possível ouvi-lo falando.

Era sua parte preferida do dia: fazer chacota de mim. Mason podia ser meu
irmão de sangue, entretanto, não parecíamos em nada. Desde a fisionomia
até nossas personalidades.

Nutrimos apenas um sentimento pelo outro: ódio.

— Aceite, Eric.

Mason estava tendo o que queria. Na verdade, o que sempre lutou para
conseguir; O controle de mim já estava nos últimos requisitos.

— Retire o que você disse, Mason. Retire! — Fúria emendava na minha


voz, e ali eu perdia por completo o controle.
O sangue quente drenava os meus vasos sanguíneos. Meus dedos tremeram,
enquanto eu sentia os ombros ficando cada vez mais tensos. Minha
respiração seguia por um caminho tortuoso, estava ofegante. O ciclo que eu
não queria recomeçar vinha surgindo dentro de mim.

Ah, não.

— Retirar o que? É a merda da verdade — Sorriu, amargamente.

Não.

Não

Não.

— Eu não sou um monstro. Eu não sou um monstro. Eu não sou um


monstro.

Levantei da cama repetindo as palavras, envolvendo as duas mãos nas


laterais da cabeça. Apertei com precisão a região, como se a força
depositada pudesse fazer algo mudar. Isso só tornava as coisas ainda piores,
porque nada estava sendo capaz de tirar o que estava crescendo dentro de
mim.

— É sim, e nada pode mudar o quão desprezível você é para mim, Eric! —
bradou quase sem fôlego em seus pulmões, foi então que decidi afundar um
dos joelhos contra sua barriga.

Em poucos segundos, meu quarto havia se tornado um cenário horripilante,


como se os minutos atrás não tivessem existido. Eu perdi o controle e,
quando vi, os meus joelhos já prendiam o corpo de Mason contra o
colchão. Minhas mãos seguravam a pele gélida da sua garganta com tanta
força que eu mal notei os nós dos dedos ficarem tão brancos, deixando
claro que a cor do meu sangue era inexistente.

— Sai de cima de mim, merda! — Mason ralhou, quase sem ar, com todo
seu rosto avermelhado, ou talvez fosse as chamas que cegaram minhas
ações. Eu não tinha mais nada a temer. Aquele momento era a única coisa
que eu tinha que fazer para chegar ao fim.

Teria que acabar de uma vez por todas.

— Eric, solta ele! — O êmbolo da voz de Hannah, gritou. Não fazia ideia
se ela realmente tinha gritado, ou se eram vozes na minha cabeça que
tentavam me impedir.

Hannah, eu estou mesmo fazendo isso?

Eu estava mesmo ali?

— Agora diga, Mason! — Minha voz reverberou ao mesmo tempo que


capturava seus olhos tão próximos dos seus.

Podia sentir o estômago dele se revirando enquanto um dos meus joelhos


estava em contato com o seu abdômen. Por mais que seu corpo
demonstrasse medo, o sorriso maligno percorria até as profundezas.

— Você é a porra de um louco. Um monstro que deveria estar acorrentado e


não vivendo conosco! — Mason tentava gritar, sem fôlego, mas por quê?
Eu apertava com tanta força seu pescoço?

— Eric! — Eu pude ver o vislumbre de uma garotinha encolhida no canto


do quarto, me assistindo deixar Mason sem ar. Hannah era a única pessoa
que estava me vendo sufocá-lo, sem forças para parar. No fim das contas,
eu realmente tinha me tornado um monstro como meu irmão havia dito. Eu
queria ser aquele monstro. — Eric, pare! — Seus olhos imploravam pela
redenção.

Os olhos de Hannah sempre seriam a janela para sua alma.

Nada era mais expressivo que seu olhar e nele podia vê-la me pedir por
piedade.

Tenha piedade de Mason.


Mas era tarde demais, meu irmão estava se tornando roxo, com minhas
mãos prendendo-o.

— Pare, Eric. Por favor, pare!

Novamente ela suplicou. Seus lábios estavam prestes a implorar


novamente. Hannah parecia estar berrando pelo quarto, não conseguia
distinguir o que minha irmã poderia estar falando. Minha única motivação
era pressionar com mais força minhas mãos ao redor de Mason.

Seu corpo foi capaz de girar, derrubando nós dois para fora da cama. O
barulho se alastrou contra o chão, misturado aos gritos em pânico de
Hannah. A dor contra minhas costas me fizeram grunhir, e com o descuido
meu irmão conseguiu desferir um soco no meu maxilar ao rosnar. Uma ira
desconhecida foi descarregada em mim segundos antes de devolver um
golpe em seu nariz, seguidos de outros em todo seu rosto.

Não conseguia parar.

A raiva estava movendo todo meu corpo, desde a minha mente até meus
punhos.

— Filho da puta! — Uma trilha de sangue inundou a boca de Mason,


enquanto ele tentava se esquivar. — Faça alguma coisa, Hannah — pediu
socorro para nossa irmã.

Eu não sabia o que ela tinha feito, não sabia se ainda estava no quarto.
Existia apenas uma lacuna entre meus pensamentos.

Dedos envolveram minha cintura com força, aquilo deixava claro que eu
estava voltando para minha verdadeira realidade, onde aquela pessoa não
era eu. Minha respiração estava acelerada, minhas mãos tremiam e quando
fui verificá-las, vi o sangue e as sequelas de nós.

Não tinha notado aquilo.

O que eu fiz?
Quanto mais meus olhos focavam na destruição, que tornava cada vez mais
real nas minhas mãos, mais em pânico meu corpo ficava.

— Você enlouqueceu, garoto? Que raios vocês dois têm na cabeça? — O


timbre agudo saiu pelos lábios de mamãe. Observei seus braços acolhendo
Mason ele entres, meus olhos ainda o encaravam. Eram iguais aos meus.
Meu sangue. Meu irmão. Eu queria acabar com sua vida.

— Caramba, Lilian. Assim não! — Oliver a censurou.

— Eu lido com meus filhos como eu bem entendo, Oliver! — retrucou


apertando ainda mais Mason de forma acolhedora. Meu irmão havia se
tornado a vítima. Eu era o monstro causador de tudo de ruim que acontece
em nosso lar.

O casamento dos meus pais estava um completo fiasco, mas o único


responsável por tudo isso, era eu.

Somente eu.

— Esse é seu problema, Lilian. Você não sabe lidar com sua própria família
— Os gritos e desaforos entre ambos estavam longe de ter um devido ponto
final. Apertei meus olhos ainda ouvindo-os cuspirem suas desavenças.

— POR FAVOR, PARE! — Hannah soluçou entre sua tentativa de acabar


com o desastre que havia se formado em nossa família. Meus pais se
encararam por logo minutos, entretanto, minha mãe foi a primeira a desviar
o olhar.

Respirei fundo, sentindo as mãos do meu pai soltando-me lentamente.

— Dê um jeito nesse garoto, Oliver! — Após mamãe terminar de falar,


ouvi um suspiro escapar dos lábios do meu pai. Senti o toque das suas mãos
em meus ombros, em seguida declarou:

— Vamos, Eric.

Assenti, virando meu corpo. O movimento me fez encontrar o olhar de


Hannah, ela não parecia ser a mesma garota de horas atrás. Estava triste,
sem previsão de voltar a sorrir. Por minha culpa.

Hannah Jane Peterson era minha irmã, mas, acima de tudo, uma parte
crucial em mim. Ela era a única pessoa que podia confiar. Ela era a única
pessoa naquela casa que me entendia, talvez pela conexão que tínhamos
desde crianças. Antes de Mason vir ao mundo, existia apenas nós dois um
para o outro.

Eu magoei seu coração, porque se tinha uma coisa que Hannah não
suportava, eram brigas. Independente se fosse entre nossos pais ou entre
um de nós três. Meus ataques de raiva me fizeram quebrar a promessa que
fiz para ela dias antes.

Prometi que não faria novamente, contudo, foi impossível cumprir. Era
mais forte do que eu mesmo poderia pensar. Não tive controle suficiente
para evitar chegar no ápice.

Seguindo os passos do meu pai, saí do quarto logo atrás dele.

— Para o escritório, Eric — ordenou, severamente. Mesmo que ele não


pudesse me ver, assenti e caminhei junto com ele até o cômodo. Meu pai
tocou na maçaneta, e em seguida a girou, entrando. Observei-o deixar a
porta aberta para que eu pudesse entrar também. Quando fui fechá-la,
congelei por alguns segundos, até criar coragem para ir até a cadeira que
me esperava.

— Não vai acontecer nada com você, se é isso que tanto teme. Quer dizer,
não vou tocar um dedo em você — Meu pai já estava se sentando em seu
assento, desabrochando a gravata do pescoço, então não satisfeito tirou o
tecido por completo. — Sente-se — Assim o fiz.

Esperei que ele começasse a falar, talvez me gritasse.

— Você está irreconhecível.

— Eu sei.

Cruzou os dedos sobre a mesa.


— O que está acontecendo?

Isso era algo que também queria ter a responsabilidade de falar.

— Não sei, pai. Realmente não sei.

Um suspiro saiu dos seus lábios.

— A verdade, Eric.

— Eu não sei, pai. Pergunte para Mason, talvez ele saiba a resposta.

— Eric — Sua voz me advertiu. — Acho que já tenho uma ideia do que
pode ser — O silêncio voltou a ser palco do seu escritório. — Sua mãe e eu
vamos nos separar, mas ainda não chegamos ao ponto de pedir o divórcio.

— Mason disse que é culpa minha. É verdade? — perguntei baixinho e


Oliver ficou confuso.

— Espera, Mason disse isso para você?

— Sim, e outras coisas...

— Ok. As coisas que estão acontecendo no meu casamento com sua mãe
não têm relação nenhuma à vocês três, são apenas desentendimentos
recorrentes nossos. Entende?

Balancei a cabeça concordando.

— Sua mãe vai viajar em alguns dias, e vai levar Hannah com ela.

Aquilo teve um efeito estranho em mim, porém, não foi apenas por saber
que iam se separar, mas porque Hannah ia ser tirada de mim. Anos depois,
eu soube o real motivo de somente Hannah ter ido naquela viagem.

Mamãe não queria que ela fosse afetada pelos meus picos de raiva.
Segundo Lilian, eu poderia ser um perigo para a minha própria irmã.
SEJA MINHA

Garota, não posso deixar

De reparar em você reparando em mim

Do outro lado do salão, eu vejo

E não consigo parar de olhar

E reparar em você reparando em mim

Dangerous (feat. Kardinal Offishall) | Akon

Não conseguia lembrar a última vez em que estava de ressaca e todo meu
corpo se arrependeu do que tinha feito na noite anterior.

O latejar da cabeça foi o primeiro sintoma que me fez repensar se a noite


regada a tequila realmente deveria ter acontecido e, para piorar a cada
segundo, parecia que a dor se tornava dez vezes mais impiedosa.

Droga, não deveria ter aceitado o convite de William, porque sua cortesia
tinha sérios problemas no dia seguinte e, na maioria das vezes, a única
pessoa que teria uma manhã ruim seria eu. O que poderia esperar do meu
organismo depois de tudo que fiz?

Afundei o rosto contra a almofada, não demorou muito para eu suspirar


contra sua espessura.

— Você me paga, William! — praguejei seu nome enquanto batia o punho


fechado contra a cama. Era exatamente isso que eu queria fazer com sua
cara quando visse-o naquela noite para minha última ida ao Destiny´s.

Não poderia continuar naquele lugar se quisesse dar um rumo melhor para
minha vida, ela estava saindo do controle mais e mais, sempre que meus
pés pisavam naquele lugar. Minha ruína nunca teria fim se não colocasse
definitivamente um ponto final naquilo e esse dia havia chegado.

Um zumbido se difundiu por todo meu quarto e não demorou mais nenhum
minuto para fazer o barulho se tornar um som mortal dentro da minha
cabeça. Apertei os olhos com desespero, procurando o celular ao arrastar os
dedos sob a mesinha de cabeceira.

Podia decretar, sem sombra de dúvidas, que aquela era a pior ressaca da
minha vida.

— Quem é que bebe em uma quinta feira? — Meus pensamentos foram


altos demais enquanto eu me policiava.

Me obriguei a sair da cama quando vi as horas no relógio posicionado na


mesinha de cabeceira. Ao lado estava meu celular, vibrando na superfície.
O aparelho dançou, movendo-se.

Estiquei uma mão para pegá-lo e, ao desbloquear a tela, vi as notificações


descendo na barra.

Mais uma chamada perdida. Com mais essa, contabilizava quatro ligações
não atendidas dele.

Bufei, bloqueando a tela do celular.

Eu ainda estava ignorando suas mensagens e ligações.

— Agora não, Oliver — sussurrei para mim mesmo.

Após ficar quase cinco minutos com os olhos presos no aparelho


bloqueado, decidi ir para o andar de baixo. Contudo, no segundo em que
alcancei o último degrau encontrei Hannah com os braços cruzados no fim
da escada.

A figura pequena paralisou no cômodo. Seus olhos estavam presos na


minha direção.
— Por que não respondeu às mensagens que papai enviou para você? Não
as viu? — Hannah perguntou, ressaltando que sabia das minhas atitudes.
Claro, a loira conseguia me ler como ninguém.

— Vi sim — A confirmação ficou mais clara quando alcancei meus dedos


novamente no aparelho, e virei a tela desbloqueada com as várias
notificações de Oliver.

Então quando notei as expressões nos seus olhos, percebi o quanto ela
temia aquela conversa, assim como eu. A preocupação em suas íris eram
inconfundíveis.

— Por que você está ignorando tanto isso?

— Não faço ideia, Han — Apertei os lábios.

Eu sabia sim. Os olhos verdes claros ficaram pensativos por um milésimo


de segundo.

— Sabe que fugir é pior.

— Eu sei.

— Então, por que não enfrenta isso logo?

— Eu... — Não consegui completar a frase.

Eram tantas coisas que não conseguia ser capaz de enfrentar em uma
conversa com minha própria família. Eu evitava a todo custo as datas
comemorativas para não precisar interagir ou ser uma pessoa que
definitivamente não era.

— Você não vai estar sozinho, Eric. Não precisa ter medo, é apenas nosso
pai.

— Não estou com medo, só não quero ter que vê-lo. A última vez que
tivemos uma reunião em família não terminou bem. E se Mason estiver lá
também?
— Não recebemos notícias se eles já estão em Boston, então não precisa se
preocupar com isso. Vamos?

Fiquei pensando.

Valeria a pena foder com a minha paz?

— Você vai ficar me devendo essa, Hannah.

— Qualquer coisa que possa convencê-lo de ir — Hannah não tentou


esconder que a notícia tinha agradado seu dia, a ponto de bater palminhas
bem na minha frente.

Foi inevitável não revirar os olhos com a cena que se fundava a cada
segundo.

— Quando iremos para essa reunião?

— Bom.... você tem algum compromisso agora pela tarde?

Tinha esquecido do fato que já não era mais de manhã, o relógio marcava
exatamente dezesseis horas.

— Não, nenhum.

— Perfeito. Iremos em vinte minutos, ok? — Concordei, lentamente.

Meus olhos não conseguiam olhar somente para ela. Meu subconsciente
estava fora de órbita. E isso permaneceu por um bom tempo, me deixando
nervoso.

Os vinte minutos se passaram e talvez foram os piores da minha vida


inteira. Eu não sabia que teria que esperar tanto apenas por uma reunião.
Hannah tinha notado que algo estava errado comigo, talvez aquela tenha
sido sua razão, principalmente, por perguntar de uma forma cautelosa.

Enquanto Hannah era a calmaria, eu era a tempestade.

Esse era o lado bom e ruim de ser um gêmeo.

Contudo, jamais poderia me arrepender de compartilhar uma vida com ela.


Eu amava aquela garotinha com todo o meu ser.

— Eric, você está bem? — Capturei o timbre preocupado em sua voz, me


fazendo parar de andar.

Procurando seu corpo minúsculo, Hannah não era tão baixa como
aparentava ser aos meus olhos, constando que eu tinha um metro e oitenta
nove de altura, então, ficava óbvio que qualquer pessoa seria considerada
menor em compensação a mim.

Sem esperar que Hannah batesse na porta para anunciar que tínhamos
chegado, ergui a mão em direção da maçaneta, deixando-a completamente
incrédula com a minha ação e todas as perguntas existentes na minha
cabeça brigaram, para qual iria sair dos meus lábios primeiro, enquanto
analisava o que poderia ver pela frente.

Éramos filhos dele, não seus empregados que precisavam fazer parte para
serem anunciados. Quando foi que isso mudou? Fazia anos desde a última
vez que cruzei por esses corredores, não me recordava bem, talvez antes da
época em que meus pais tinham se separado?

A lembrança me causava uma sensação estranha no estômago.

Não queria ter que continuar com isso.

Queria dar meia volta e retornar para minha zona de conforto.

— Eric, meu Deus! — Hannah me censurou pelo ato.

Uni as sobrancelhas, Hannah nunca foi a certinha entre nós da família,


principalmente quando se tratava de assuntos que relacionavam à nossa
mãe, mas vê-la me censurando por algo insignificante foi inacreditável.

— O que foi? Não precisamos de toda essa formalização, Hannah. Ele é


nosso pai — rebati, apertando mais forte a maçaneta. O estresse estava
novamente sendo mais forte que eu, minhas atitudes não conseguiam
mecanizar direito com tantos problemas na cabeça, precisava policiar meus
atos.

Por que as coisas não poderiam ser como antes?

Era melhor, uma época totalmente diferente naquele momento. Sem tantas
preocupações.

— Sinceramente? — Vi o segundo em que ela cruzou os braços.

— Sempre, Hannah.

— Certo, lá vai, Eric: eu não estou te reconhecendo!

Travei.

Porra, não tinha como não ser afetado com a sua confissão. Parecia que eu
havia voltado a ter treze anos e estava recebendo a notícia da separação dos
meus pais.

Você está irreconhecível.

Uma das coisas mais difíceis na vida era deixar Hannah chateada e, naquele
segundo, eu tinha sido o causador.

O rangido agudo espalhou-se pelo ar quando abri a porta do escritório,


dando passagem para ela, que ainda me encarava.

— Inacreditável, Eric — Observei seu corpo cruzando o espaço disponível


para entrar no escritório. Notei meu pai confuso com os olhos na tela do
seu notebook.

— Estamos muito atrasados? — Hannah indagou, enquanto curvava os


lábios levemente rosados para o canto.
Nosso pai soltou uma baixa risada nasalada, chamando-a com a mão.

— Oh, claro que não. Entre, Jane — Oliver divagou, fazendo Hannah
enrugar a ponta do seu nariz arrebitado em uma careta.

— Jane, pai? — Ela repetiu seu nome do meio ainda sustentando um vinco
entre as sobrancelhas.

— E por que não? — ele murmurou.

Hannah deu de ombros, indo em sua direção. Oliver depositou um beijo em


seus cabelos loiros e, em seguida, ela puxou a cadeira ao seu lado e sentou-
se.

Eu ainda estava na porta, segurando a maçaneta. Completamente


paralisado, assistindo a cena diante dos meus olhos, era incontestável o seu
amor pela filha.

Isso me fez voltar para o passado e precisei de muito para simplesmente


não ir embora. Talvez a conversa fosse adiante melhor sem mim.

— Ah, Eric. Você veio! — Meu pai sorriu. Caralho, ele realmente estava
sorrindo? — Entra, filho — Tudo virou um vácuo na minha mente. Queria
poder levar momentos como aquele com tranquilidade, mas quase sempre
não sabia como reagir.

Dei um passo, hesitante. Estava sem jeito. Perdido.

Oliver esperou Hannah e eu nos acomodarmos nas cadeiras à sua frente e


quando finalmente estávamos sentados, notei sua postura mudar.

— Bom, chamei os dois para avisar que preciso da presença de ambos no


meu aniversário de casamento.

Aniversário de casamento.

Não muito tempo antes eu pensava que isso não aconteceria.

O período em que meus pais ficaram separados foi desastroso.


— Deve imaginar que estamos próximos da data. Lilian quis organizar uma
breve celebração com alguns conhecidos. Ela quer a presença dos dois na
festa, não aceitaremos desculpas para se negarem a ir. Ok, Jane?

— Ok, pai — repetiu, encolhendo os ombros.

Hannah fugia de eventos, principalmente quando era nossa mãe que


organizava. Minha irmã não era exatamente fã dos holofotes da mídia, por
ser filha do prefeito da cidade.

— Não faça essa cara, Jane... — Oliver murmurou. — Sabe que se não
fosse muito importante, eu não impediria que você não fosse.

— Eu sei, mas... É sobre a mamãe... Ela...

— O que tem ela? — Meu pai indagou.

— Ah, deixa isso pra lá... — Hannah balbuciou, fugindo do assunto


principal.

— Jane?

— Esqueça, não é tão importante. Eu vou estar lá — Hannah desconversou,


dedilhando a mesa.

Era de fato importante, ao contrário do que ela fazia parecer. Minha irmã
evitava a todo custo problemas que tinham ligação diretamente com nossa
mãe desde muito nova e tudo piorou com a viagem da separação provisória.

Oliver respirou fundo, antes dos seus olhos verdes claros alcançarem os
meus. Sua expressão denunciava o quanto estava pensativo se deveria
realmente prosseguir. Analisei seus dedos se juntando sobre a mesa em uma
confirmação do que eu já sabia.

— Também outro assunto que quero falar com você, Eric — disse. Eu já
podia imaginar. — Já devem saber que Mason está voltando para Boston.
Com a filha dos Morrison.
Essa notícia seria uma manchete de primeira mão no segundo em que os
dois colocassem os pés para fora do avião. Podia imaginar o sorriso
provocativo de Mason quando nos encontrássemos. Minha mãe ficaria
extasiada pelo seu filho caçula com a novidade.

— Está tudo bem os três estarem no mesmo ambiente? — Oliver indagou,


apoiando seus cotovelos sobre a sua mesa.

— Eu não ligo se eles estão juntos — dei de ombros.

— É mesmo? — Meu pai ergueu as sobrancelhas, surpreso.

— Sim.

Na verdade, não. Eu ligava pra caralho. Mas eu não podia admitir. Seria
uma chacota para toda a cidade. As palavras estavam na ponta da língua,
elas poderiam me crucificar, ou seriam minha salvação.

— Estou com alguém, acho que entende que não tenho porque me importar
com Stacy — falei, mexendo os pés por debaixo da mesa, nervoso.

— Está? Ela é filha de alguns dos nossos conhecidos? — Meus ombros


ficaram tensos.

— Oh não, ela não é... — Merda estava me encurralando em minha própria


mentira, que estava tomando proporções maiores do que deveria. Desviei
meus olhos para Hannah, seus olhos já estavam sobre mim. — Ela é... —
procurei ajuda em seus olhos verdes claros.

— Ah, pai. Ela é uma amiga minha... Ela é... Stéfany Taylor. Isso, Stéfany
Taylor — Hannah disparou, fazendo-me reprimir a vontade de unir as
sobrancelhas.

Que porra é essa, Hannah?

Você tinha que dizer realmente o nome dela?

— Stéfany Taylor... — Nosso pai repetiu. — Posso jurar que já ouvi esse
nome em algum lugar. Ela não estava no evento beneficente ano passado?
Ambos assentimos.

— Que maravilha, então! Leve-a para o aniversário de casamento, sua nova


namorada será bem-vinda! — meu pai declarou, abrindo um sorriso.

Pela sua reação, pareceu que Hannah tinha dito a oitava maravilha do
mundo. A expressão no seu rosto era impagável, seus olhos brilhavam
orgulhosamente.

Por que isso?

— Levá-la? — repeti, a contra-gosto.

— É, filho. Acho que sua mãe vai querer conhecê-la, assim como eu. Será
uma boa oportunidade — Oliver divagou, sorrindo.

Boa oportunidade?

Não.

Definitivamente, não.

— Ok, eu queria poder conversar mais com vocês, mas tenho uma reunião
em alguns minutos... Me desculpem, crianças — ele murmurou,
espremendo os lábios.

Oliver tentava em todos os momentos ser um bom e decente pai para nós.
Ele se saía bem na maioria das vezes.

Assentimos, observando-o se levantar da sua cadeira e vir em nossa


direção. Ele fez um toque rápido comigo, em seguida beijou a testa de
Hannah e se despediu.

— Stéfany Taylor, Hannah? — questionei, nem um pouco feliz.

— O nome dela foi o único que veio à mente, mas foi você que começou
tudo, Eric. Não me culpe.

— E o que eu vou fazer agora?


— Namorar com ela — lançou antes de gargalhar.

Bufei.

— Ah, claro, Hannah.

— Olha, até que não é uma péssima ideia. Você podia... Vamos ver... Entrar
em um acordo ou algo do tipo.

Minha gêmea não estava com os pensamentos sãos já que, em hipótese


alguma, fazer uma proposta de acordo valeria a pena quando se tratava da
garota que expulsei de casa após ser comandado pelo ódio. Eu não me
importei se ela teria um lugar para ficar.

A parte ruim da minha vida novamente estava dando as caras e era mais
que um breve “olá”. O meu velho eu explosivo vinha tomando controle de
noventa e nove por cento da minha vida.

Um erro imperdoável foi o dia em que me permiti deixar o pior de mim


voltar.

— Um namoro falso você quis dizer? — zombei, quase gargalhando,


entretanto foi impossível encontrar um recesso de ironia na ideia de
Hannah.

Como sempre, tão sonhadora. Talvez fosse por isso que o amor não foi
benevolente com a doce e intolerante garota na mesma medida de anos
atrás.

— Bom, não custa arriscar — Ela deu de ombros, descontraída, como se


não fosse absurdo o suficiente.

Porra, de onde tirou essa ideia tosca? Preferia engolir navalhas a ter que
implorar pela ajuda de Taylor.

Com a atenção em Hannah, vi nosso passado refletindo no seu olhar, a


pequena Peterson conheceu a dor do coração partido na mesma noite que
eu. E por pouco não fiz o causador ter o mesmo fim que seu falecido pai
em nosso baile de formatura.
Alexander James foi cruel ao romper tudo que os dois haviam construído,
entretanto, eu sabia que aquela noite ainda assombrava seus pensamentos,
mesmo por todos esses anos, para simplesmente descontar parte do que fez
com minha irmã.

— Não sonhe tão alto, Hannah. A queda pode ser mais dura do que você
pode imaginar — adverti.

Arriscar fazer um acordo com Stéfany Taylor? Não, eu tinha um orgulho


para zelar. E principalmente uma vida para seguir, mas naquele instante, era
a última coisa que conseguia fazer. A paz havia se tornado um sinônimo
distante no dia-a-dia. Desde o primeiro momento em que o rumo se
transformou em outro, em um curto espaço de tempo, eu mal respirei.

— Você está agindo como uma criança mimada, Eric. Não seja cabeça
dura, talvez por obra do destino, tudo consiga se encaminhar do jeito certo
— Um sorriso brilhante mudou seu rosto.

Hannah não sorria com tanta facilidade nos últimos dias, parecia que nada
surtia um bom humor na sua vida. Eu a conhecia perfeitamente bem, sabia
de todas as suas facetas e via a menina sorridente guardada ali dentro.

Onde se localizava o seu coração.

Ainda não acreditava no que minha irmã tinha feito quando, finalmente,
deu hora a de irmos para casa. Se em algum momento eu tivesse alguma
ideia de que aquela burrada sairia dos seus lábios, eu nunca recorreria a sua
ajuda.

Seria melhor me ferrar por menos.

Não tive tempo suficiente para fazer Hannah voltar para o escritório do
nosso pai e desmentir tudo que ela havia dito, porque me faria como
mentiroso também, e seria pior ainda.
Eu teria dito que aquilo era apenas um sonho e que eu acordaria na manhã
seguinte com a mesma ressaca, a mesma tontura e tudo que poderia surgir
nos efeitos da ressaca.

— Eric, eu realmente quis ajudar, não sabia o que falar de imediato, foi
somente o nome dela que veio à minha mente — minha irmã disse,
soltando um sorriso fraco. — Em algum momento você vai me perdoar, eu
realmente sinto muito — resmungou, um pouco sem graça.

Era visível o quanto Hannah ficou desconfortável após a reunião ter sido
encerrada. Mas não esquentei com ela, realmente tive que enfrentar várias
coisas naquele dia e uma delas, era o meu passado, então não tinha muito o
que dizer por conta de condições diferentes.

Enquanto rolava a tela do celular, uma mensagem surgiu.

William: Você acredita que o prêmio de hoje é a Diana???

William: Puta que pariu, eu quero matar o Hughes por ter metido ela nisso.

Eric: Como assim?

Eric: Ela está sabendo disso? Ou a par de algo?

Droga, a julgar minha reação parecia que quem não tirava o nome da garota
da boca era eu. Depois da noite passada não consegui vê-la após sua dança,
para falar a verdade, não lembrava de muita coisa do que havia acontecido.
William: Não sei, cara. Diana nunca deu bola para ninguém, inclusive nem
para mim. Fica a pergunta:

William: COMO ELA ACEITOU SER O PRÊMIO???

William: Tem outro detalhe, Diana não sabe da existência do galpão nos
fundos do Destiny´s. Então...

William: PUTA QUE PARIU.

Se tornava cada vez pior esse cenário enlouquecedor, e não podia negar que
sempre estive ciente dessa merda toda; Lutas clandestinas e a boate por si
só empregando garotas menores de idade para trabalharem como
dançarinas.

Esse era um dos motivos para nunca ter aceitado ir na boate antes, como
um cliente. Entretanto, os acontecimentos me fizeram ir diretamente para
minha destruição. A imagem de Diana tinha poderes inimagináveis na
minha cabeça outra vez.
SEM SAÍDA

Bem-vindo ao quarto do pânico


Onde todos os seus medos mais sombrios vão
Vir até você, vir até você
Bem-vindo ao quarto do pânico
Você saberá que eu não estava brincando
Quando você os ver também, os ver também
Panic Room | Au/Ra

Podia contar nos dedos, todas as vezes em que senti medo.


A maioria dos episódios foram na infância e apenas duas vezes na
adolescência, após isso, poderia dizer que nunca mais senti aquilo, até
aqueles segundos em que eu estava em uma parte do Destiny´s que nunca
pensei em estar antes.
Cercada de homens, pela primeira vez em muito tempo, eu senti
pavor, medo, e... arrependimento. Merda, maldito foi o dia em que decidi
aceitar aquele emprego provisório, estava realmente desesperada.
Faria qualquer coisa para voltar no tempo, para quando estava
sentada na minha cama, com o cartão em mãos e ligando para Edith.
Deveria ter negado sua proposta.
Nunca fui devota a qualquer religião, mas naquele instante, implorei
à primeira entidade divina que pudesse me dar socorro.
Apertei os olhos. Era a primeira vez em que eu entrava naquele
lugar e não sabia quem era a pessoa que havia me obrigado a estar ali. Edith
não tinha me dado instruções para nada e isso me deixava ainda mais
amedrontada.
Parecia que a cada segundo, o pânico iria me consumir, até chegar
em uma escala que eu não teria controle sobre meu corpo, e voltaria a ser a
adolescente com medo de ser tocada por aquelas mãos nojentas. A
adolescente que, tempos depois substituiria o nojo do corpo pela tintura
escura das tatuagens.
Dez toques.
Dez situações.
Dez vezes.
Dez tatuagens.
Lugar errado na hora errada, ou melhor, cômodo errado.
Os últimos anos foram intensos, tive que sobreviver a incontáveis
batalhas internas, uma pior que a outra e às vezes, eu realmente pensava que
teria outra recaída.
Todas elas me levavam para o breu dos meus pensamentos, eu sabia
que lá estaria segura, não teria os meus maiores pesadelos para me
atormentar. Porque eu sabia que ali estava apenas a pequena Stéfany Taylor,
em total segurança, exatamente como ela queria estar aos nove anos de
idade, em trajes de bailarina com seus tutus rosas, num lugar que ela podia
dançar sem que a proibissem de tal ato.
Infelizmente, nunca consegui chegar perto de um colan.
Denner provavelmente queimaria as roupas.
E pior, faria questão de realizar a cena bem diante dos meus olhos.
Ela poderia estar livre, poderia simplesmente dançar sem
repreensões, porém, não tinha ânimo em realizar um passo sequer, queria
apenas me esconder, deitar na minha cama e adormecer até que meus
demônios desaparecessem e restasse apenas eu.
Sem medo.
Meu corpo exalava tudo o que eu não queria, meus olhos gritavam
desesperadamente, olhando apenas para a gaiola enorme no centro do salão.
Conseguia imaginar que ali aconteceria uma luta, mas, porque logo eu
precisava estar ali para presenciar?
O número elevado de homens e rapazes que nunca tinha visto passar
pela parte do Destiny 's em que trabalhava, me preocupou. Não conhecia a
maioria deles, apenas Morgan, o meu chefe e o seu irmão, Bradley, que
havia pouco tempo que descobri que também gerenciava aquele lugar, junto
a um outro sócio.
— Ainda não entendi porque estou aqui — contestei.
Morgan disse que eu iria descobrir em breve, mas cada segundo que
se passava, uma rajada gélida beijava minha nuca, alertando-me do perigo.
Eu não deveria confiar nas palavras daquele homem.
— Em breve, Diana. Em breve — contou, monótono. Seu aviso veio
acompanhado de um sorriso maldoso. — Meus garotos já estão entrando.
As sensações se intensificavam ainda mais quando notava olhares
sobre mim.
Isso me lembrava uma fase ruim da minha adolescência.
Aos dezoito anos imaginei que sabia de tudo e mais um pouco sobre
a vida. Achava que era confiante o suficiente para aceitar propostas de
quem deveria manter minha segurança, mas ao contrário disto, se
aproveitou dos meus momentos de fragilidade.
Callon tinha me visto crescer sob a sua proteção, todavia, não
lembrou desse detalhe quando eu o procurei por consolo.
Péssimas escolhas.
E foi assim que eu perdi minha virgindade com o segurança do meu
pai.
Era uma das lembranças mais desastrosas e nojentas que eu
guardava e que mesmo fazendo questão de escondê-la num canto bastante
afastado da minha mente, voltava vez ou outra para me atormentar. Para me
mostrar o quão tortuosa minha vida poderia se tornar se eu optasse pelos
meus desejos impulsivos.
Eu não entendia o que estava fazendo ali. Mas sabia que não era um
desejo meu.
Morgan havia me arrastado para um lugar longe dos homens que
haviam no local, mas que ainda era perto o suficiente para que eu sentisse
seus olhos em mim.
Aquele local estava imundo. Cheio de pessoas igualmente sujas.
A pior parte era que eu me sentia como elas; Suja. Exposta.
O barulho ao meu redor me deixava confusa, enquanto tudo o que
eu queria era saber o que diabos estava fazendo onde, até pouco tempo, era
terminantemente proibida de entrar.
— Não vai dizer o que estou fazendo aqui? — perguntei novamente,
tentando não gaguejar.
Morgan riu. Foi breve e sombrio, definitivamente a coisa mais feia
que havia ouvido em toda a minha vida, e que arrepiou todo o meu corpo.
Qualquer que fosse o motivo para eu estar ali, não me agradaria nem um
pouco.
De onde estávamos era possível ver toda a movimentação dos
clientes e funcionários. Reparei que não parecia muito diferente da parte em
que trabalhava. Havia de tudo ali. As únicas mulheres que circulavam pelo
local, estavam servindo aos homens, fosse bebida ou o próprio corpo. Era
ridículo e me causava ânsia pra caralho.
Podia apostar que mais da metade deles eram casados e pais de
família. Talvez, até mesmo fossem grandes empresários ou políticos. Não
me surpreenderia. Quando o assunto era homem infiel, tive meu próprio
exemplo dentro de casa.
Olhei para todos os lados, procurando me situar e entender onde eu
estava. Talvez assim, conseguisse alguma pista sobre o motivo da minha
presença ali.
De início, pensei que era algum tipo de cassino clandestino ou um
clube de sexo, mas me surpreendi quando percebi o enorme ringue de luta
no meio do salão, bem, estava mais para uma gaiola, cercada por barras de
ferro. A estrutura em si, parecia um pouco gasta, diferente do resto do lugar,
que ostentava luxo.
Um calafrio esquisito começou a subir pela minha espinha quando
foquei meus olhos no tatame. Havia manchas vermelhas ali.
Sangue.
Puxei na memória todas as vezes que fui avisada sobre não me
aproximar e de quando vi um homem sair do lugar totalmente
irreconhecível. Aquilo era um ringue ilegal?
Por Deus! Onde fui me meter?
Morgan começou a conversar com um outro homem, mas eu não era
incapaz de ouvir qualquer coisa. Estava tão nervosa que nem mesmo
conseguia esconder meu medo, minha mente trabalhando o tempo inteiro,
pensando em tudo o que poderia fazer para fugir dali.
Mas não havia saída. Eu estava bem em cima, em uma parte isolada
do local, onde apenas eu, Morgan e um outro estava. Ao longe, podia ver
alguns rapazes conversando entre si. Estavam todos distraídos, focados em
seus próprios narizes.
Seria a oportunidade perfeita para fugir, mas havia um problema: a
única porta em que não havia um segurança, estava lá embaixo e para
chegar lá, precisaria passar por vários outros. E sabendo do que poderia
acontecer ali, meu fim não seria nada bonito. Não havia ninguém para me
defender.
Meu peito subia e descia com brusquidão, eu já não tinha mais
controle sobre meu corpo. Aquela situação me deixava assustada e em
alerta, mesmo que não conseguisse reagir ou sequer gritar. Não adiantaria,
de qualquer modo. Todos que estavam ali, eram igualmente ruins.
— Ei, linda — revirei os olhos quando uma voz conhecida me
chamou.
Olhei para o lado, observando William que me encarava com os
olhos brilhando, ao mesmo passo, que lançava um sorriso atrevido. Um
pouco de alívio tomou conta do meu corpo.
— Está com medo? — ele perguntou baixo, para que Morgan não
ouvisse. — Eles te obrigaram a estar aqui?
Me mantive em silêncio. Morgan não parecia o mais paciente dos
homens e tudo o que eu não queria naquele momento, era mais problemas.
Nem para mim e nem para o enxerido que resolveu se aproximar.
William não era um desses babacas a quem estava acostumada a
lidar desde que comecei a trabalhar no Destiny’s. Apesar de estar ali,
claramente flertando comigo, não me sentia acuada ou desconfortável. Pelo
contrário, sua presença me fazia acreditar que nada de ruim aconteceria
naquela noite.
Mas aconteceria.
De repente, os homens que estavam no andar de baixo, começaram a
gritar e baterem em suas respectivas mesas, fazendo um barulho irritante
que incomodava meus ouvidos.
— Está tudo bem — o moreno disse baixinho apenas para que eu
ouvisse. — Você vai se acostumar.
Um outro homem subiu no ringue, com um microfone e uma maleta
em mãos que parecia estar cheia de dinheiro. Tão cheia que a qualquer
momento parecia que iria abrir.
Ainda assustada, tentei focar minha atenção ali para tentar descobrir
algo mais.
— Com vocês… O destemível… Eric Peterson!
Meu peito acelerou ao ouvir aquele nome.
Puta. Que. Pariu.
Eu não podia acreditar naquela porra.
Quantos Eric Peterson existiam no mundo?
Não havia chances de ser logo o que eu conhecia.
Aquela era uma brincadeira de muito mal gosto. Tinha que ser.
Mas não era.
Não saberia dizer como, mas em questão de segundos, a figura do
meu maior inimigo se fez presente em cima do ringue, como se aquele fosse
o seu lugar.
Eric fodido Peterson, exibia seus músculos em evidência e a
expressão indecifrável. Ele parecia pronto para destruir quem quer que
fosse seu oponente. De onde estava, conseguia ver apenas seu perfil. Estava
com luvas de boxe e vestindo um short vermelho pequeno, que evidenciava
bastante suas coxas torneadas, nada mais que isso.
Ele bateu uma luva na outra, esperando o homem anunciar quem
seria o seu rival.
Naquele momento, Eric era a personificação do perigo.
Um homem muito mais forte que ele subiu ao ringue e aquilo quase
me fez dar um passo para trás. Não havia chances de o loiro sair vivo dali.
Será que ficaria como o homem que vi sair dali meses antes?
Apenas o pensamento, me fez suar frio, sem entender o porquê de
tanta preocupação. Eu não gostava dele. O que deixava ou não de fazer não
era da minha conta.
Eu mal pisquei e o homem que parecia ser o juiz da luta, autorizou o
início dela.
Eric foi o primeiro a ser atingido. Recebeu um soco forte e certeiro
no maxilar que me fez apertar o punho com força, temendo que aquilo… do
que eu estava com medo? Que machucassem aquele idiota?
Eu só podia estar enlouquecendo.
O rosto do idiota se virou de forma brusca e os momentos seguintes,
pareceram horas. O moreno ao meu lado começou a gritar por seu nome em
forma de incentivo, ele parecia ser amigo dele, o que era uma grande
surpresa.
Nunca descobri como Alex e Nathaniel o aguentavam.
Não tive tempo para pensar nisso. Eric retornou seu olhar para o
oponente e revidou, com força. Tanta força que o homem cambaleou para
trás. Meu inimigo repetiu o golpe mais uma vez, levando o outro ao chão.
Foi nesse momento que Eric se virou em direção ao incentivo do
amigo. E me viu.
Estávamos longe, mas seria impossível não nos reconhecermos.
Eu queria poder manter a postura que sempre tinha quando estava
em sua presença. Mas não conseguia. Eu só queria gritar. Não queria estar
ali, pois me sentia perdida e encurralada.
A presença de Eric naquele lugar me causava incômodo. Eu o
odiava. Mas não queria que se machucasse ali.
Nossos olhares se cruzaram. Foram apenas alguns segundos, mas foi
o suficiente para que eu visse um brilho diferente passando pelas suas íris,
juntamente a um pequeno sorriso maldoso.
Sua distração causou um novo golpe, desta vez, nas costelas. Ele
tirou seu foco de mim, revidando com mais força ainda. Tão forte que
cheguei a dar um passo para trás, odiando ver toda aquela cena se
desenrolando bem diante dos meus olhos. Me trazia lembranças que eu
gostaria de esquecer.
— Não precisa ter medo — William chamou minha atenção,
enquanto Morgan parecia se divertir junto a outros homens com o que
estava acontecendo. — Eric é o melhor desse lugar. E vai te tratar muito
bem.
Me… tratar bem?
O que ele…
— O que quer dizer com isso? — foram as primeiras palavras que
pronunciei desde que comecei a assistir a rinha que acontecia na parte de
baixo.
Ele empalideceu, engolindo em seco. Porém, antes que pudesse
responder, um coro soou, os gritos dos telespectadores aumentando
gradativamente a cada segundo.
— Você… — começou, hesitante. — Você é um dos prêmios,
Diana. O principal deles.
O pesadelo estava longe de terminar. Nem tive tempo de processar o
que me disse quando a mesma voz que anunciou a entrada dos lutadores,
gritou:
— E o vencedor é… ERIC PETERSON!
Não tinha como aquela noite ficar pior.
Foi nesse momento que senti o agarre de Morgan em meu braço
novamente, me arrastando para baixo. Tropecei sobre meus saltos algumas
vezes e Will me ajudou a não cair durante o caminho.
Eu estava enganada.
Tinha como aquela noite ficar muito pior.
Quando Morgan parou diante do tatame, a ficha finalmente caiu. Eu
era o prêmio e Eric havia ganhado. Isso significava que ele poderia fazer o
que quisesse comigo?
Não. Porra, não.
— Eu quero ela — Peterson disse, assim que me viu ao lado de
Morgan.
Pelo seu tom de voz, parecia que eu tinha me transformado em uma
mercadoria. Um objeto qualquer, sem valor algum.
Aquilo estava me deixando puta para um caralho.
Havia uma multidão à nossa volta, em um silêncio descomunal,
todos ansiosos para presenciar o desenrolar da situação.
— O que esse babaca está fazendo, Will?
Minha voz saiu trêmula, mas ainda mantinha os olhos no loiro, que
também me encarava. Raiva transpirava dele, eu podia sentir, porque não
estava acontecendo diferente comigo.
Eu queria acabar com ele.
— Eu não sei, linda. Realmente não sei — disse, olhando na mesma
direção que eu.

— Que porra você tem na cabeça, caralho? — gritei, batendo a


porta do seu carro com força.
— Que porra você tem na cabeça, Taylor? — esbravejou, num tom
mais contido enquanto segurava meus braços, que estavam prestes a atacá-
lo. — Se oferecer como prêmio? Não sabia que estava tão desesperada
assim.
Sua insinuação fez minha raiva aumentar. Quem ele pensava que
era?
— Você não sabe de nada, Peterson! Então é melhor calar a boca e
me levar logo para casa.
Ele riu. Foi um som frio, desprovido de emoções e que me deixou
em alerta.
— Está mesmo achando que não vou cobrar o meu prêmio?
Fiquei tensa na hora.
— O que quer dizer com isso?
— Quero dizer que ganhei você e que eu a terei.
— Você é um…
— Quero que seja minha namorada.
Aquilo era demais para mim.
Eu tentei segurar.
Juro que tentei.
Mas aquela situação parecia tão insana que eu simplesmente
comecei a rir. Fazia tanto tempo que aquilo não acontecia que nem mesmo
reconheci o som que saiu de mim.
Eric queria que eu fosse sua namorada.
Eric fodido Peterson queria me namorar.
Ele estava sonhando muito alto.
— Por uma noite — acrescentou, alto o suficiente para interromper
meu ataque de riso. — Quero que seja minha namorada por uma noite e
você nunca mais terá que dançar aqui.
CONJUNTO DE DESTROÇOS
Pelo o que eu me lembro, você parecia deslocada
Apanhou suas coisas e foi embora
Sem perder tempo, te segui pelo corredor
Devaneio de cigarro
Você tinha apenas dezessete anos
Tão doce, com uma tendência maliciosa
Cigarette Daydreams | Cage The Elephant

PASSADO

Nunca havia experimentado as dores do luto, até o dia em que Roger


Lawrence morreu em um acidente de carro.
Na época, Ana e eu tínhamos dez anos e ainda estávamos
aprendendo como era a realidade do mundo em que vivíamos.
Não era um conto de fadas como seu pai contava para nós.
Não era feliz como ele fazia parecer.
Mas deixava feridas incuráveis no coração logo depois de ser
destruído.
Éramos jovens demais para entender como a sua partida iria mudar
nossas vidas.
Ainda era possível visualizar tudo perfeitamente;
A dor.
O impacto aterrorizante que a morte do único homem que me tratou
como se eu fosse sua filha de sangue, me causava.
Ver minha melhor amiga chorando no enterro me machucou, porque
naquele dia não foi apenas uma parte dela que partiu, uma metade de mim
também tinha ido junto do caixão de seu pai.
Foi em questão de segundos, o som da batida do carro no alto-
falante saindo por meio de chiados daquele telefone. Entendi o que havia
acontecido quando o grito dele preencheu todo o cômodo.
Ainda doía, mas não tanto como no exato momento que os olhos de
Maggie arregalaram, eu sabia o que aquilo tinha significado. A resposta
estava também na minha melhor amiga paralisada com o aparelho nas
mãos.
Ana não teve nenhuma reação por dez segundos após ouvir os gritos
do seu pai reverberando em conjunto dos destroços do carro, até que... não
fomos mais capazes de distinguir o que estava acontecendo.
Quando a notícia tinha sido confirmada sobre o acidente, eu não
sabia o quanto aquilo iria interferir na minha vida. Que eu sentiria as
consequências até o último dia da minha vida, era um fato, todavia,
ninguém soube disso, porque preferi deixar em oculto. Optei em consolar
Ana, enquanto meu coração também estava dolorosamente machucado
pelas marcas que o acidente deixou.
Quando eu também implorava por um abraço de alguém.
Mas eu era apenas um alguém de fora da família.
Conhecida apenas como a amiga da filha dos Lawrence, ainda assim
continuava sendo garota da parte alta da cidade.
Como ela poderia sentir o luto quando nunca fez parte da família?
Todavia, alguém percebeu que uma criança de oito anos com marcas
de hematomas no corpo não era por acaso. Uma criança com medo de
homens e que se recusava a todo custo tirar o casaco na época mais quente
da cidade.
No entanto, Roger percebeu. Ele foi a primeira pessoa que me fez
confiar em alguém, além das crianças que tinham a minha idade. Após o dia
em que encontrei ele e Ana no parquinho, virei outra pessoa.
A inocência foi arrancada de mim de forma prematura.
Ainda conseguia lembrar da noite em que cheguei em casa após
conhecer a Ana. Rose parecia em pânico, andando de um lado para o outro,
já Denner estava sentada no sofá, a cabeça abaixada dentro das mãos
escondendo-se como se estivesse pensando em algo. Mas quando seus olhos
me viram entrando na sala de estar com um homem desconhecido, algo
brilhou nos suas íris maldosas. Não foi arrependimento ou medo. Na
verdade, até hoje eu não sabia explicar o que aquilo significou.
A lembrança atormentava os meus sonhos e quando eu fui dormir,
havia uma caixa enorme em cima da minha cama.
Eu era jovem demais para entender o que os presentes significavam,
minha versão criança nunca imaginaria que quando aquela embalagem
graciosa era colocada sobre nossas camas ou que centenas de dólares eram
depositados em nossas contas bancárias, possuía um significado que
machucava a nossa alma no decorrer da sua existência.
Anos mais tarde, os episódios foram piorando e na mesma
proporção, Denner foi se tornando o pior pai que a Filadélfia poderia ter.
Era uma tarde de outono quando uma movimentação diferente
surgiu, enquanto Ana e eu estávamos na sua varanda. Podia dizer que tinha
virado minha segunda casa. Eu amava o conforto acolhedor que aquele lar
me proporcionou sem precisar de muito.
— Não quero voltar para casa hoje, ontem eles brigaram de novo,
ultimamente, isso vem se tornando rotina — revelei, quando enrolava um
dos meus cachos no indicador.
Não sabia direito qual era minha motivação e porque resolvi
comentar, mas sentia há muito tempo esse incômodo apertar meu coração.
Odiei ter que lidar com tudo isso diariamente. Se tornou constrangedor, não
era legal contar.
Quando pensamos em dizer algo o barulho de um caminhão de
mudança, virando a esquina, tomou completamente nosso foco, parando em
frente a casa de Ana. Sentia os olhos da loira no mesmo instante que virei
meu rosto para ela. E somente pela troca de olhares, consegui saber o que
minha amiga queria fazer.
— Devem ser os novos vizinhos — murmurei, me levantando e
caminhando até a grade da varanda para poder observar melhor a
movimentação que se formava bem diante de nós. — Eu pensei que eles
demorariam a chegar, a placa de vende-se foi retirada apenas ontem —
relevei, enrolando os braços ao redor da cintura.
A chegada dos vizinhos se tornou uma distração agradável, eu
precisava pensar em outra coisa a não ser meus pais brigando, quer dizer,
Denner agredindo Rose até que ela ficasse inconsciente no chão. Ele estava
descontrolado nos últimos meses, a empresa ia de mal a pior. Tudo parecia
demolir sobre nossas cabeças.
E meu pai não perdia uma chance de descontar as merdas dos seus
trabalhos sobre minha mãe e eu. Quanto mais crescia, menos tempo ficava
em casa, passei a maior parte da minha infância e começo da adolescência
na casa de Ana. Foi ficando cada vez mais terrível ficar em casa, o meu lar
se tornou o último que eu queria pôr os pés.
Minutos depois, os novos moradores desceram e logo em seguida, a
imagem de um garoto sondou nossa atenção. Ana pareceu encantada por
ele, mas parecia apenas um cara comum, a única coisa diferente que
mantinha em si, era o cigarro entre os dedos e algumas tatuagens pelos
braços.
Nada demais.
Eu queria fazer algumas coisas em mim, cobrir as marcas que meu
pai deixou no meu corpo. Elas me incomodavam a todo momento, não
havia um minuto no dia que eu não averiguasse os malditos hematomas e
ficasse enojada com o que carregava por anos na pele.
Aquilo me destruía.
Somente amenizaria quando eu cobrisse minha pele com a mesma
tinta que percorria os braços daquele menino desconhecido. Sentiria paz no
momento que a agulha penetrasse no meu corpo. A sensação de desespero
para camuflar meus pesadelos se tornava cada vez mais agravante.
Ana desconhecia desse sentimento.
Percebi que queria fazer tatuagens quando vizinho chegou na cidade
e começou a morar na casa em frente à sua, e mais tarde descobrimos seu
nome.
Era Nathaniel Sullivan, filho de um advogado renomado e uma
médica.
Mal sabíamos que o garoto faria a vida da minha única amiga uma
roda gigante, onde haveria momentos em que eles pareciam estar nas
nuvens, e em outros caindo de cara no chão.
Foram meses até engatarem em um romance, após um beijo em um
quartinho de tralhas. Por um momento, achei que minha teoria sobre
relacionamentos não refletiria no deles. Passei anos com a ideia de que
todos os casamentos e namoros chegariam a destruição.
Independente do casal, eles sempre estariam destinados a acabar.
O primeiro casamento que me fez deduzir isso foi o dos meus pais.
O segundo, dos pais da Ana.
Entretanto, minhas expectativas estavam altas com o namoro da
minha melhor amiga.
Nathaniel nunca seria capaz de magoá-la.
Eu esperava.
Os meses se passaram.
Ana e Nathaniel estavam grudados na maior parte do tempo, e, por
um segundo, imaginei se algum dia isso seria possível acontecer comigo.
Mas outrora, uma imagem dos meus pais surgiu na minha mente e acabei
me imaginando no lugar de Rose, com meu futuro namorado me mandando
calar a boca, enquanto me batia. Deixando marcas em mim, dizendo que
nenhum outro homem seria capaz de me amar ou aturar, a não ser ele.
Você será minha para sempre, Rose. Não haverá outro homem na
sua vida a não ser eu. Nenhum outro cara irá te tolera como eu te tolero.
Não queria aquilo para a minha vida.
Preferia ficar sozinha a ter que passar por isso nas mãos de outro
homem.
Já bastava Denner.
Meu olhar vagou pela mesinha de cabeceira de Ana, onde havia um
relógio digital pousado na superfície. Precisava verificar que horas eram,
não poderia ficar por muito tempo naquela casa, eu estava proibida de pisar
naquele terreno pelos próximos dois meses.
Denner havia me proibido de visitar Ana após o aniversário de
Victoria Price.
Os boatos se espalharam como uma correnteza, e por mais que
morássemos na parte alta da sociedade, eu não estava imune contra tudo
que acontecia na área de baixo.
— Ana, seu relógio está atrasado — comentei, vendo que era
exatamente 23h45 da noite.
Se isso estivesse funcionando, eu seria uma garota morta àquela
altura. Era provável que Denner estivesse me procurando em cada buraco
da cidade.
Voltando meus olhos sobre a loira, que prendia seus cabelos em um
elástico, notei que sua coluna tinha endurecido, enquanto seu olhar se
mantinha na tela brilhante do celular.
— Sté... — Suas íris me procuraram. — O relógio está certo.
Pisquei.
Ah, não.
Meu pai iria me matar!
— Droga, preciso ir.
Era inevitável não prever qual seria o meu futuro. Foi idiotice minha
achar que ele não perceberia o atraso. Denner iria acabar com minha vida.
Oh, era o que ele fazia de melhor.
Suspirei.
Seria outra longa noite.
UM ÍMÃ
Matilda, você fala da dor como se estivesse tudo bem
Mas eu sei que você sente como se um pedaço de você estivesse morto por
dentro
Você me mostrou um poder que é forte o suficiente pra trazer o sol aos dias
mais escuros
Não é da minha conta, mas isso está na minha mente
Matilda | Harry Styles

Nem sempre meu sonho foi cursar medicina.


A ideia de salvar uma vida nunca foi atraente aos meus olhos.
Pensava que meu propósito na vida era me destruir pouco a pouco, até que
um dia não restasse um pingo de ânimo e acabasse com tudo.
É, a realidade não era doce ou bem-vista aos meus olhos, porque
tudo que aconteceu a partir dos meus nove anos me transformaram em
alguém que não queria.
A minha inocência foi tirada desde o momento em que presenciei o
primeiro homem da minha vida me magoar sem pudor algum. Ele não
pensou nas consequências de trair minha mãe com nossa antiga empregada
e nem de me agredir quando eu ainda era uma criança.
Tudo de puro foi arrancado em questão de segundos.
Naquele instante, eu estava ali, sentada com minhas pernas
dobradas, ao mesmo tempo em que meus olhos seguiam pelo papel em
minhas mãos. A casa, pela primeira vez em meses, se encontrava vazia.
Não havia Eric, Hannah ou Alex surgindo dos seus quartos para me
importunar.
Existia somente eu e o celular em minhas mãos. As palavras viraram
uma neblina assustadora em um estalar de dedos. Merda, o que estava
acontecendo? Pisquei meus olhos rapidamente, tentando racionar o
momento em que notei meu gesto.
O baque me preencheu. Eu só consegui retificar meu corpo ainda
mais.
Nenhuma reação sequer.
Apenas um vasto eco na minha mente.
Ninguém existia mais ali, a garota que corria para o interior da sua
mente, tentando se proteger, tinha morrido há cinco anos. Ela continuava no
mesmo quarto, mas não dormia na mesma cama.
Onde teve seu sangue molhando o carpete caro.
Engoli a saliva com dificuldade.
Ainda era capaz de sentir a frieza do piso no meu corpo, a maneira
que a vida ia se despedindo dela, a garota jovem no chão buscando um pico
de paz da vida agitada.
Um barulho tomou a sala de estar.
Achava que estaria sozinha aquela noite, mas pelo visto não. Esperei
que a pessoa surgisse no meu campo de visão e vi que se tratava de Alex,
cambaleando pela porta da frente. Era a primeira vez que eu o via daquela
maneira. Passei mais de um ano convivendo com ele na mesma casa,
passamos constantemente um ao lado do outro, a não ser quando estávamos
em nossos cursos na universidade, ou quando subia dizendo que ia para sua
oficina — lugar onde eu nunca coloquei meus pés.
Observei atentamente suas passadas desleixadas até os degraus onde
eu estava sentada. Ele já tinha percebido minha presença e mesmo com os
ombros tensos, continuou se aproximando, mantendo uma garrafa em mãos.
O líquido marrom escuro sacudindo por quase não conseguir se manter em
pé.
Oh Alex...
Conseguia visualizar uma cena idêntica à de Denner chegando em
casa exatamente assim, alucinado, com os olhos vermelhos pelo excesso de
álcool presente no seu sangue e impregnado nas roupas. A voz estava
abafada e mal sabia dizer algo concreto. Alex não era o mesmo homem que
eu via com chamas no olhar, quando queria descontar suas frustrações na
própria família.
Fiz o máximo para não demonstrar meu incômodo com sua
presença. Ele certamente acharia que eu estava repudiando-o por estar se
aproximando, mas então, para meu choque instantâneo, se sentou junto a
mim e disse ao tocar nas minhas madeixas encaracoladas as seguintes
palavras:
— Seu cabelo é bonito, gata — balbuciou. Quase revirei os olhos,
no entanto me mantive parada, sem deixar vibrar uma palavra na minha
garganta seca. — Os da minha mãe são quase assim também, pelo que me
lembro, tem a textura parecida.
— Não sabia que você tinha mãe.
Por que eu falei isso? Era óbvio que ele tinha mãe.
— Ah, infelizmente tenho. Ou tinha. Espero que aquela vagabunda
tenha morrido. Ela era uma viciada igual ao meu pai, sabia? — Ele riu com
a pergunta retórica, uma risada amarga, sem um sinal de contentamento. Por
alguma razão aquilo doeu em mim, conseguia ver o que isso significava
debaixo de toda a casca dura dele. — Caramba, eu realmente não sei se ela
ainda está viva.
— E... Por que você não sabe?
Não deveria estar fazendo essas perguntas, Alex estava sem
armaduras, poderia tirar qualquer segredo dele enquanto estivesse
vulnerável.
— Ela me abandonou — revelou, como se me contasse um segredo
de Estado. Meus olhos não se desviaram dos dele, ainda continuava
escutando-o atentamente. O modo escuro que seu olhar se transformou, fez
um frio percorrer por minha nuca exposta. — Deve ter fugido com algum
cara que pudesse sustentar seu vício, ou morrido de overdose. Talvez, em
alguma clínica de reabilitação. Eu realmente não sei — A última fala
pareceu ter aprisionado Alex aos seus pesadelos mais sombrios. — Às
vezes, eu penso na possibilidade dela estar do outro lado do mundo, quando
pode estar há apenas duas quadras da nossa antiga casa. É tão fodido.
Eu senti o resto que sobrava do meu coração se partindo.
— Depois que ela fugiu... Meu pai ficou furioso, descontou toda sua
raiva em mim.
Por um segundo eu entrei em um túnel. Estava no lugar de Alex. Era
aquele adolescente sofrendo por uma perda e sendo transformado em um
saco de pancada, quando a única coisa que coisa que deveria ter recebido,
era amor.
Nós dois deveríamos ter recebido amor.
— Sinto muito — precisei confessar, mas na mesma intensidade, eu
quis dizer: Eu sei como você se sente. — Não consigo imaginar o que você
passou. — Eu realmente sinto.
— Não deveria — Alex balbuciou entre a voz grogue.
A bebida estava controlando-o por completo. E com apenas uma
ação eu soube que tudo o que acontecesse dali em diante, ele não se
lembraria no dia seguinte. Nenhuma só palavra.
— Por que não? — Arrisquei perguntar.
Pessoas movidas pela bebida, na maioria das vezes, agiam por
impulso, no qual não ousariam fazer se estivessem conscientes de si. A
mente de Alex estava liberando tudo que ele guardava nos seus
pensamentos que, com toda certeza, a sua versão sóbria nunca diria.
— Você não me conhece de verdade — Um sorriso que nunca vi se
desenrolou em seus lábios. — Posso ser a pior pessoa que você já viu.
Posso ser igual ao homem que te deixou marcas que você tenta esconder de
todos a todo custo.
— Acha que alguém fez algo comigo? — Inclinei uma sobrancelha.
— Você também não me conhece, Alex, saiba disso — rebati, a intimidação
me deixou contra a parede. Não gostava de me sentir dessa forma. Passei
anos desenvolvendo confiança em me comunicar com pessoas ao meu
redor.
Nunca demonstrar medo ou fraqueza.
Essa era a primeira regra da lista que me obriguei a impor na minha
vida.
Precisei aprender a ter confiança para que as pessoas pudessem me
levar a sério. Foi um grande desafio, porém, necessário.
— Pessoas quebradas reconhecem facilmente outras pessoas. É
como se fosse um ímã, Stéfany. Fácil de reconhecer, não é preciso de um
manual para identificar. Você sentiu isso, por esse motivo sentiu pena. Não
passou por essa cabecinha linda? — Senti seus dedos tocarem minha
têmpora. — Somos como um clube e nos unimos como um quebra-cabeça,
mas nunca damos o braço a torcer. Sabe o motivo?
— Porque odiamos que sintam pena.
— E desprezamos quem nos oferece consolo, mesmo que,
imploremos por um em silêncio — completou, abaixando a cabeça.
Naquele exato segundo, eu vi outra pessoa surgindo na minha frente.
Não era o mesmo homem que se sentava ao meu lado no último degrau da
escada.
Era capaz de existir alguém tão ruim quanto meu pai? Uma pessoa
que pudesse despedaçar Alex mais do que Denner fez comigo?
— Às vezes, penso que posso não esconder tão bem meus segredos,
Sté — Notei a pausa longa que ele deixou entre uma frase e a outra. Quase
indeciso se deveria continuar. — E ocasionalmente, poderiam descobrir o
monstro que carrego em mim.
— Você não é um monstro, Alex.
Nunca depositei tanta verdade em uma só frase. Contudo, jamais me
vi em uma situação semelhante. A que ponto chegamos? Éramos outras
pessoas horas atrás e ali nos encontrávamos, propensos a contar qualquer
coisa em um raro momento de fragilidade.
— Como pode ter tanta convicção? — Vi seus dedos empunhando a
garrafa entre os dedos, levando o gargalo até os lábios lentamente, ambos
nos assistindo com um certo temor, do que cada um diria a seguir.
Deveríamos contar? Essa conversa sairia daquela escada?
Decidi arriscar mais uma vez:
— Passei quase vinte anos morando sob o mesmo teto de um, Alex.
E o lar que eu deveria me sentir em casa, era o último que queria colocar os
pés. O monstro pedia desculpas de dia e a noite me espancava.
Infelizmente, tenho lugar de fala aqui.
Foi incrível como naquele segundo o silêncio foi bem-vindo; Como
não precisamos dizer mais nenhuma palavra.
AJUSTES NECESSÁRIOS

Não há religião que possa me salvar

Não importa quanto tempo meus joelhos estejam no chão, oh

Então se lembre de todos os sacrifícios que estou fazendo

It Will Rain | Bruno Mars

— Nem acredito que é hoje! — Ana gritou animada, batendo palmas.

A loira finalmente iria ter a sua primeira prova do vestido de noiva. Teria
alguns ajustes até o final da gestação, entretanto, saberíamos naquele dia
como seria o vestido misterioso de Ana, que ela mesma tinha desenhado do
zero.

Por mais que minha amiga estivesse animada e que eu quisesse muito
compartilhar da sua alegria, infelizmente, havia uma lacuna nos meus
pensamentos e não conseguia pensar em outra coisa, tudo girava em torno
da proposta de Eric.

Em alguns momentos me pareceu muito tentador desfazer o acordo, mas


seria minha única saída de me desfazer da boate. Era uma proposta boa
demais para recusar, no entanto, meu orgulho e minha aversão por ele, me
impossibilitava de aceitar facilmente. Por esse motivo, demorei mais do
que deveria para dar minha resposta.

Ainda não havia saído da minha cabeça a furada que me meti.

Nunca imaginei que chegaria àquele momento. Merda, era bem pior do que
eu imaginava. Quando que eu pensaria em lutas ilegais? A cena se repetia
inúmeras vezes na minha frente. Foi aterrorizante. Me senti vendo um dos
episódios das agressões de Denner com Rose, e em outros momentos
lembrava do que ele fazia comigo.

Eu queria esquecer tudo aquilo e por nada parava.

E além de tudo, Eric Peterson estava metido até o último fio de cabelo. A
maneira como ele batia naquele homem, como o sangue escorria pelo rosto
do oponente, poderia até mesmo se remeter a um monstro. Pela primeira
vez na vida, eu o vi descontrolado. O meu pior pesadelo, tinha ganhado
uma passagem direta para o quarto do pânico, onde a garotinha na minha
mente continuava apavorada enquanto se escondia do próprio pai.

Peterson se tornou uma imagem semelhante à de Denner.

— Vamos, Sté. Holly deve estar nos esperando — Ana chamou-me, com os
olhos no espelho do meu quarto.

Ela usava um vestido amarelo leve, com algumas flores brancas, o


caimento mudava cada vez que se me movia e destacava mais ainda a
elevação da sua barriga. Aquilo era estranho. O tamanho era
desproporcional aos meses de gestação. Em algum outro momento
comentaria para Ana. Eu sabia que naquele segundo estava fora de
cogitação deixá-la preocupada, era para ser um momento feliz para ela.

— Vai na frente que eu já estou descendo — gritei, deslizando pela cama


lentamente. A falta de motivação pareceu dominar meu corpo.

— Tudo bem, vou indo, também preciso encontrar algo para comer... — A
loira esfregou a barriga, mas não em um gesto carinhoso, demonstrava estar
realmente com fome. — Espero que tenha pelo menos algum docinho.

— Quem sabe você não acha alguns? Alex vive comprando guloseimas,
mas nunca as come de fato. Quer dizer, nunca vi — relembrei algo que
tinha notado nos últimos dias, às vezes ele as guardava no seu quarto e saía
novamente à noite com suas compras. Ele dizia que gostava de comer
algumas besteiras enquanto consertava os veículos da oficina.
— Estranho, não acha? — divagou, pensativa, porém o gesto não
conseguiu durar por mais tempo quando um barulho mergulhou pelo
quarto. Era semelhante a um ronco.

Cerrei os olhos na sua direção.

— Ops, não fui eu, juro! — advertiu rapidamente.

— Oh, claro. Dê logo comida para essa garota antes que nasça e prepare
algo para si mesma — censurei Ana, que logo levantou as mãos em
rendição. Assisti a loira alcançar a maçaneta, mas antes que ela saísse,
ouvimos um barulho que arranhava a porta. — O que é isso?

Ana optou por abrir a porta, mas não havia ninguém até que algo chamou
nossa atenção, e olhamos para o alto. O animal de pelagem escura entrou
no nosso campo de visão e então, Brigitte, a macaquinha de Alex, entrou.

— Não acredito — resmunguei, abraçando minhas mãos na cintura


encarando-a. — Tanta porta para você arranhar, vem justo na minha?

Ana riu, pegando a macaquinha nos braços.

— Vou levá-la para o Alex. Ele deve estar louco atrás dela — Observei
seus dedos tocando na pele dela cuidadosamente, logo depois, levantou seu
olhar azulado. — Não demore muito!

— Me aguarde.

Não demorou para a loira desaparecer das minhas vistas, carregando


Brigitte, me arrancando um meio sorriso, porque assim que Ana saiu, uma
figura loira surgiu entre o espaço, fazendo com que o início da minha
animação se dissipasse por completo.

— O que você está fazendo aqui? — Cruzei os braços, fingindo que a noite
anterior não se passou de um pesadelo.

— Olá, namorada. Não era assim que pensei que me receberia — a voz
rouca inundou meu quarto.
Não foi preciso muito para fazer todos os pelos existentes no meu corpo se
arrepiarem, não por suas palavras, mas pelo timbre carregado de sarcasmo.

— Adoraria recebê-lo bem pior, porém, preciso me preparar mais.

— Já eu, acho que você deve ensaiar como vai interagir com a minha
família.

Soltei uma risada nasalada.

— Não me lembre disso — Troquei o peso de uma das pernas, assistindo-o


começar seu show privado no meu quarto. — Já que irei embora em menos
de vinte e quatro horas.

O gosto agridoce permaneceu invicto nos meus lábios, a lembrança de dias


antes provavelmente retornou à sua cabeça.

— Não precisa ir, pode ficar nessa casa o tempo que quiser.

Comprimi o sorriso travesso, era delicioso vê-lo baixando a guarda.

— Outro detalhe, você não precisa voltar para o Destiny´s. Está livre, e não
precisará pagar sua mensalidade da faculdade.

Droga, aquilo foi surpreendente.

— Você não vai mais embora — destacou, firme. Meus ombros estavam
apreensivos. Não podia negar que sempre mantive meu orgulho acima de
tudo e não queria depender de Eric para nada. — Como eu já disse, agora
você é minha.

— Apenas por uma noite e nada mais. Se acha que terá algum proveito
nisso, está muito enganado.

Meu olhar desceu para a caixa que ele tinha nas mãos, isso me fez ajustar a
postura. Caixas de presente tinham um efeito ruim sobre mim. Era como
uma regressão ao passado com passagem só de ida.
— Isto é para você — Eric percebeu onde meu olhar estava e deu passos
lentos em minha direção.

Ah, não. Pare de andar.

Infelizmente, ele não podia ouvir o pânico na minha mente. Nem sentir a
textura de minhas mãos suando ou saber como minha garganta estava
clamando pelo ar.

Pare, Peterson. Por favor, apenas pare de se aproximar de mim com essa
caixa.

Apenas… pare.

— Não quero nada. Obrigada! — As palavras saíram automaticamente, não


tive como segurar nem mesmo um “a”. E na medida que seus passos
continuavam, tentei transparecer o máximo de confiança no olhar.

Sem desespero, Stéfany.

— Está enganada se acha que isso é meu — rebateu, empurrando o


embrulho na minha direção.

— Qual a parte que você não entendeu? Não quero nada seu.

— Caralho, Taylor. Aceita a merda do presente.

A distância que achei que tinha medido certa, acabou.

Existia somente Peterson, uma caixa entre nós dois e eu.

Havia uma respiração descompensada e um medo em cada osso do meu


corpo combatendo ambas as partes para dominar o quarto.

— Além do mais, foi minha mãe que mandou para você — continuou
quando não disse nada.

— Sua mãe?
Soltando um resmungo, ele desfez todo o pacote, deixando que ambos
pudéssemos ver o que tinha de tão especial. Mas como um ser indelicado
que era, o loiro praticamente destruiu a caixa.

— Veja, sua sogra já ama você — A ironia escorreu ácida nos seus lábios,
diferente dos olhos que mostravam a realidade.

— E eu odeio você, babaca.

— Quem precisa de afeição quando pode carregar tanto ódio?

Se Peterson estava tentando conquistar minha confiança ele seguia de


forma errada, daquela maneira nem um terço de mim se animou. Nada,
absolutamente nada, seria capaz de me fazer mudar os pensamentos que
construí desde o primeiro ano da faculdade.

Nos conhecemos de forma inusitada, entretanto, a cena não me fazia ter


memórias boas. Minha mágoa continuava sendo alimentada por diversas
situações, não eram uma ou duas vezes. Eram incontáveis.

Nunca teríamos algo em comum.

Tampouco um vínculo.

Por mais que falassem sobre o ódio e seus males, não conseguia reprimir ou
perdoar de fato.

De repente, meu olhar perdeu o brilho quando o tecido entrou na frente. Era
vermelho, com o caimento longo. A única coisa que podia ser aproveitado
dele era a cor.

Isso jamais seria uma criação divina.

— Isso é, definitivamente, a coisa mais horrenda que já vi na minha vida,


Peterson — chiei, mostrando sem pudor minha indignação. — Tenho uma
sugestão, talvez ela tenha se confundido e essa peça faz parte do guarda-
roupa horroroso dela.

— Taylor! — Meu nome soou como um sinal de advertência.


— Leve de volta para sua mãe — Mostrei os dentes falsamente.

— Não, não vou levar de volta.

— Perfeito, será usado para secar os pratos.

Peterson era a única pessoa que não via o quão feio era aquele vestido,
ficaria desproporcional no meu corpo e todas as curvas desenhadas.

Com certeza, não.

— Faça o que bem entender com ele, mas devolver, está fora de cogitação.

Com isso, ele deixou a peça de roupa sobre a minha cama e saiu do quarto.
No minuto que ouvi o som da porta batendo contra o batente, um grito
agudo saiu dos meus lábios.

Hoje não, Stéfany. Definitivamente não.

— O que eu faço com você?

— Stéfany, cadê você? — A melodia da voz de Ana me tirou de órbita.

Havia esquecido da prova do vestido, e se nos atrasasse mais um minuto, o


ateliê ficaria fechado para os clientes e, por fim, minha amiga não iria
conseguir ver seu vestido de noite hoje.

Rapidamente, segui em direção a minha bolsa de ombro.

Não podia perder mais tempo.

Antes de deixar o quarto, olhei mais uma vez para o projeto de vestido
bagunçado sobre o meu colchão. Alcancei o tecido e o coloquei junto com
a bolsa, poderia juntar o útil ao agradável, já que estava me deslocando de
casa para o ateliê.

Assim o fiz, sem que Ana percebesse, pedi a Holly que reformasse todo o
vestido com todos os detalhes que havia explicado. E melhor, a ideia foi
boa o suficiente para me arrancar sorrisos orgulhosos de mim mesma.
Eric iria se arrepender de não ter devolvido o vestido. Pelo pouco que notei,
sua mãe seria a pessoa que eu mais odiaria naquela festa.
CICLO INTERMINÁVEL
Porque ninguém nunca ficou tão bem em um vestido
E isso machuca, porque eu sei que você não vai ser minha esta noite
Ninguém nunca me fez sentir como você faz
Nobody Compares | One Direction

Talvez eu estivesse no ápice da minha loucura.


Não sabia dizer se era possível identificar os picos que eram
descarregados sobre mim quando o assunto se tratava de Stéfany Taylor.
Os dias correram como o esperado.
Eu sabia definitivamente o que queria na vida. Que os dias
passassem rápido o suficiente para para que não pudesse lembrar do fiasco
que seria aquela festa.
Uma semana.
Tempo suficiente para me fazer perder a sanidade que me restava, já
que não tive tempo nem de ir à academia.
— Caralho, Taylor! — Gritei contra a porta, batendo repetidas vezes
contra a madeira. — Preciso que você saia daí em cinco minutos!
Já tinha quase uma hora que Stéfany tinha entrado no seu quarto, e
para completar ela não respondia as vezes que eu chamava.
Aquele foi meu último aviso, não voltaria mais.
Preferi descer as escadas e esperar sua boa vontade em colaborar.
Inacreditável.
Passou-se exatamente uma hora até ela sair do quarto e surgir pela
escada, como se fosse a porra de uma estrela. E não foi somente isso que
me fez pirar. Taylor estava usando um vestido da mesma cor que minha mãe
havia presenteado.
E sinceramente, era ridículo. Mamãe tinha péssimo gosto.
Mas aquele que Taylor usava enquanto descia as escadas... Porra,
tinha ficado perfeito no seu corpo. Não havia mais nada semelhante a
Stéfany Taylor usando vermelho. De fato, aquela era a sua cor.
Engoli em seco, assistindo seus pés pisando em cada degrau. Na
posição que eu estava, conseguia ver todas as suas tatuagens visíveis. As
duas luas, a única rosa que cobria boa parte do seu ombro, a Medusa[8] no
antebraço, e alguns ramos.
Entre seus seios havia a pintura de um coração partido, era pequeno,
mas ocupava um lugar majestoso. O apelido tinha vindo dele quando a vi
pela primeira vez, talvez esse seja o motivo dela odiar tanto.
O vestido acompanhava uma fenda surreal, onde seria possível ver
uma cobra nas proximidades da sua virilha. Oh, Deus. Ela teria mais
alguma tatuagem que eu quisesse desvendar naquele momento?
O que eu fiz para merecer essa tentação?
Caralho, eram tantas perguntas.
— Você está pronta depois de uma hora de atraso?
Ela sorriu.
— Acho que esses minutos extras não foram o suficiente.
— Megera. Não tenho tempo para os seus joguinhos — resmunguei,
seguindo para a porta.
— Por que estamos entrando pelos fundos?
Ela quebrou o silêncio que havia entre nós.
Foi a única frase que proferiu em todo o percurso até a minha antiga
casa. Não me incomodei, se tornou até melhor a tranquilidade. Por um
momento, sua presença parecia inexistente, havendo apenas eu dentro do
carro. Sem controvérsia, sem resmungos ou contra-ataque.
Somente sua versão silenciosa.
— Evitando dores de cabeça — Exalei, baixinho, enquanto prendia
meus dedos com pressão no volante. Já tinha ideia dos jornalistas esperando
na entrada da mansão, com suas perguntas impertinentes e vários flashs das
suas câmeras prontas para disparar sobre nós.
Não daquela vez.
A mídia teria que se decepcionar com a escassez de material sobre
mim por enquanto.
Fechei os olhos por alguns segundos antes de girar o volante para a
direção contrária com apenas uma mão, querendo que tudo isso acabasse de
uma vez. Havia anos que a minha família não estava completamente
reunida, sempre faltava alguém.
Naquela noite, queria ser a pessoa que deixaria a foto incompleta.
Pouparia uma crise, principalmente porque eu não estava sob efeitos dos
remédios.
Um ciclo interminável que havia tomado os meus pensamentos, em
como faríamos todos pensar que escondíamos um caso e, pior, deveríamos
ser confidentes. Enquanto descia as escadas, mal tinha percebido que a
garota que continuaria fazendo meus dias um completo inferno, permanecia
ao meu lado.
— Você acha que consegue mentir na mesma profundidade que
consegue ser um babaca? — Foi a primeira coisa que escutei enquanto
seguíamos lado a lado pelos degraus da escada. Os lábios estavam
marcando sua cor preferida. Taylor nunca tinha usado outro batom
diferente. E, porra, ela se encaixava tão bem neles. — Não me olhe assim.
Eu sabia exatamente o que ela estava fazendo. A maneira como cada
uma de suas palavras espirrou sobre mim de forma certeira, deixou claro
como ela faria daquele acordo um inferno em minha vida, mas estava
disposto a embarcar naquela loucura, pois não existia opção para o campo
minado que entrei sem perceber, quando optei em buscar ajuda da minha
irmã gêmea.
— Se acha que vou cair nesse seu joguinho idiota, Taylor, você
está... — alcancei o lóbulo da sua orelha, ficando a milímetros de distância,
mas o suficiente para sussurrar as seguintes palavras: — Malditamente
enganada.
Capturei o segundo em que seu tronco se endureceu, antes que ela
girasse seu rosto na minha direção. Não demorou dois segundos para notar
a indiferença nos seus olhos imersos.
Era incontestável a maneira que ambos não éramos capazes de levar
as máscaras a sério.
Nunca poderia fazer aquele teatrinho se tornar real.
Não nos tolerávamos, pois assim como água e óleo. Sempre esteve
claro que, Stéfany Taylor e eu, jamais seríamos átomos compatíveis. Não
precisava de nenhum estudo científico para provar que éramos matérias
completamente diferentes, entretanto, a culpa não cabia a nenhum de nós,
mas a minha ignorância não me permitia confessar.
Jamais chegaria a esse ponto.
— Que joguinho, Peterson? — rebateu, e eu senti a curiosidade
embaixo dos seus panos emanar nos seus olhos, erguendo uma sobrancelha.
O sorriso perverso cobriu de ponta a ponta sua boca.
Filha da puta, por um segundo quase rosnei.
— Hoje não, Taylor. Porque a partir desse exato segundo, eu não me
importarei com o quão intolerável você é. E como consegue ser um pé no
saco, principalmente no meu.
É aqui que podia determinar um ponto final e certeiro nos seus
contra-ataques.
— Ah, você sabe bem e como eu disse, é inteligente o suficiente
para que eu possa descartar explicações. Está nas entrelinhas o seu joguinho
sujo de me fazer voltar atrás no acordo, my heart — Observei suas narinas
dilatarem silenciosamente sob meus olhos, ao mesmo passo que continuei
jorrando minhas palavras.
Aquilo sem dúvidas me roubou um sorriso descarado nos lábios.
Apesar de tudo, conseguia tirar proveito na maioria das situações e
ver Stéfany puta da vida me fazia sentir um gosto de vitória, mesmo que por
alguns segundos.
Eu estava feliz pra caralho.
— Espero que aproveite cada segundo desse sorriso fodido, ele não
vai durar mais do que isso. Sabe o porquê, Peterson? — A pergunta retórica
sondou meus pensamentos. Ela tinha conseguido atenção. Tinha minha total
atenção sempre, porra. — Porque a partir de agora, eu farei todos os
momentos deste acordo serem os piores da sua vida e em algum momento,
irá se arrepender de ter iniciado tudo isso. A cada segundo, você vai me
odiar mais e mais. Esse será meu propósito na sua vida fracassada.
Infelizmente, absorvi todas as suas palavras. O ar parecia ter cedido
em volta de nós dois. Sentindo os olhos flamejantes, eu virei todo meu
corpo na sua direção, nossos rostos e corpos tão próximos me deram mais
determinação. Ao recapitular tudo o que ela havia proferido, de fato, eu quis
desfazer o trato, deixá-la ir embora como deveria ter feito.
As íris verdes penetrando bem no fundo da minha alma, me
quebravam internamente. Se eu pudesse escolher, preferia que outra pessoa
estivesse fazendo aquele trabalho. Taylor poderia ser uma ordinária quando
queria e naquele instante, ela estava conseguindo ser com maestria. Apertei
os punhos com uma força desconhecida sem ela notar e ainda que não
estivesse vendo, apostava na ideia de que a escassez de sangue estava
visível.
— Você não precisa fazer mais nada nisso, eu me arrependo deste
acordo desde o Destiny´s, então tudo o que sai dos lábios de uma garota
mimada, não me afeta, entende, doçura?
Algo se rompeu dentro dela. Vi os ombros endureceram e uma
rajada de pavor inundou seu olhar.
— Não me chame assim — Ergueu um dedo contra meu rosto. —
Nunca mais na sua vida me chame assim, Peterson. Você será um homem
morto se o fizer.
Aquilo foi mais duro do que o dia em que a vi chorando na porta de
um quarto de hospital, quando sua melhor amiga estava desacordada após
uma noite caótica, um ano antes. Havia sido a primeira e a última vez que
assisti uma cena como aquela, Taylor fez o que pôde para não me deixar ver
sua fragilidade novamente.
Mas estava prestes a se repetir diante dos meus olhos, entretanto,
Stéfany não ousou chorar, já que uma camada de arrogância projetou uma
grande muralha. Vi cada bloco sendo colocado entre nós dois, deixando que
fosse impossível ter um vínculo que pudesse nos salvar da destruição.
Não durou muito para que ela tomasse a frente no caminho e
seguisse pelos degraus. Aquilo fez com que os respingos de Stéfany Taylor
movimentassem algo dentro de mim, mas a resposta do que poderia ser,
incomodou meu peito, enquanto eu desprezava tudo que se referisse a ela.
Aquela garota não ocuparia nenhum milímetro dentro de mim. Não
havia lugar disponível para ela. Jamais teria.
Com dificuldade, alcancei o próximo degrau. Carregado pela
anestesia temporária na mente, apenas visualizei seu rosto ansioso para dar
fim ao que havíamos iniciado horas atrás. Amaria, assim como ela, não
fazer parte de toda essa brincadeira de fantoches. O jogo estava apenas
começando e assim que apertássemos o play, não poderíamos voltar atrás.
Meu pai tinha me ensinado desde muito novo que os Peterson
cumpriam seus deveres e se não o fizessem, o indivíduo seria indigno de
carregar o sobrenome. Eu zelava pela confiança e o respeito de todos, por
mais que meu pai e eu não compartilhássemos uma boa união como pai e
filho, tinha uma coisa que eu guardava para mim mesmo até aquele presente
momento: os meus próprios problemas. E assim fazia.
Taylor nunca mais, em nenhuma circunstância, teria que se
preocupar com seu antigo trabalho na boate.
Eu faria o impossível para que ela não tivesse que retornar lá, e a
última coisa que me importava era seu desprezo por mim. Honestamente,
preferia fazer jus ao velho ditado que diz: se não pode derrotá-los, junte-se
a eles. Entretanto, estava fazendo pior, eu não apenas me juntei com a
inimiga, como também estava fingindo um relacionamento com ela. E as
coisas deveriam permanecer assim, por mais que eu não a suportasse,
preferia fazer esse acordo dez mil vezes, do que deixá-la no meio dos lobos.
Tudo estava se encaixando aos poucos, a certeza veio em meus
pensamentos.
O pressentimento de deixar o Destiny ´s caiu como uma luva na
minha última luta e por fim, consegui me livrar de dois problemas, na
verdade, um ainda estava indefinido. Cabia apenas a Taylor ditar as
malditas regras que estavam guardadas a sete chaves dentro de si.
Desgraçada.
— Se não lembra, my heart, esse acordo foi feito em conjunto —
cortei o silêncio, com muito sarcasmo, que havia inundado a sala de estar.
Aquilo me fez ter sua atenção e seus olhos verdes escuros
encontraram-me no último degrau. Ela já estava em uma distância
implacável, e aquilo me fez ter boas perguntas.
— Oh, eu sei e se te consola, a única pessoa com cérebro de
minhocas aqui é o seu. Sei perfeitamente como isso irá funcionar — Um
sorriso manipulou meus pensamentos, desde o segundo em que surgiu nos
seus lábios volumosos. — Porque quem colocará todas as peças desse jogo
será eu mesma.
O triunfo invadiu seu olhar e principalmente as reações que vieram
logo depois. Primeiro seu queixo se ergueu, as íris esmeraldas pareciam
querer me derrubar a qualquer momento, enquanto cruzava os braços na
altura dos seios.
Aquele poder caiu perfeitamente nela como se seu único destino
fosse ter tudo em suas mãos. Não deveria admitir, mas parecia que Stéfany
Taylor havia nascido para governar qualquer um ao seu redor. Entretanto,
ela nunca ouviria essas palavras saírem dos meus pensamentos e se
dissolverem como uma pluma nos meus lábios.
Em hipótese alguma.
Droga.
Stacy Morrison estava há menos de dois metros de mim.
A garota que entrou na minha vida quando eu tinha acabado de
completar dezessete anos.
Meus pais tinham reatado o casamento quase um ano antes e por um
longo período, pensei que aquele dia nunca chegaria em nossas vidas.
A ideia pareceu estúpida depois de um tempo, mas foram mais de
dois anos sem uma ligação decente. Era incrível como em nenhum
momento consegui falar com Hannah, por mais que ela me ligasse quase
todos os dias nos primeiros meses, sempre ocorria um empecilho.
Inicialmente, as idas a vários especialistas acabaram me tirando da
minha zona de conforto. Tive que me sujeitar a diversos procedimentos por
muito tempo, era cansativo e odiei cada sessão.
Não era algo que eu esperava experimentar com treze anos de idade.
Ainda não tinha me acostumado com aquela rotina exaustiva, eram
tantas coisas. Entretanto, tive que ser paciente em cada etapa por mais que
meu único desejo fosse largar tudo e simplesmente acabar a porra toda.
Quando minha mãe decidiu que já era hora de retornar para sua vida
de “primeira dama”, as coisas pareciam ter sido um sonho. Lilian voltou
como se nada tivesse acontecido e que sua viagem foi apenas um período de
férias com Hannah.
A mulher que me gerou foi se tornando uma parte que eu gostaria de
esquecer. Nossos laços pareciam ter sido cortados em meus pensamentos.
Tinha criado uma imagem de Lilian Peterson que as pessoas desconheciam,
sendo na verdade, sua real identidade.
Tudo que ela adorava esconder do mundo.
Mamãe conseguiu construir uma fachada indestrutível, que até ela
mesmo parecia acreditar. Voltou determinada a juntar novamente sua amada
família fracassada, como se fosse simplesmente colar todos os cacos que se
tornaram os Petersons após a separação.
Nunca imaginei que pensaria nisso, mas preferia que ela tivesse
recorrido ao divórcio. Nossa família era melhor separada. No entanto,
Lilian não queria perder seu posto. Seria demais para seu narcisismo fodido
que não mudou no decorrer dos anos.
Um completo escândalo para a sociedade, segundo as próprias
palavras dela.
Quem poderia acreditar que os Peterson estavam passando por uma
crise familiar nos últimos anos?
Seria impossível descobrir, a não ser que alguém de nossa família
tivesse exposto. Era por esse e outros motivos que eu odiava estar no foco
dos flashes e das câmeras. Minha vida estava nas mãos deles.
Respirei fundo, olhando para Stacy. Ela não tinha mudado muito,
ainda carregava muito traços da adolescência consigo, e os vinte e dois anos
a fizeram bem. Quando olhei à minha esquerda, minha mãe se aproximava.
Seus olhos estavam no vestido de Taylor, e apenas pelo seu olhar, eu soube
o quanto gostei em ter feito aquele acordo com ela.
— Eric, meu filho! — Forçou um sorriso, o mais falso que ela podia
me entregar.
— Boa noite, mamãe.
— Quanto tempo, parece que fazem anos.
— Sem essa, mãe — Fiz uma careta. — Agora quero que conheça
minha namorada, Stéfany Taylor. — Envolvi uma mão nas suas costas. Por
mais que fizesse muito tempo que eu aparecia com uma namorada em casa,
aquilo me trouxe lembranças.
— É um prazer conhecê-la. Irei chamar Mason e Stacy para
conhecê-la também.
Não demorou muito para que ela fizesse o que disse.
Mason e Stacy estavam bem na minha frente, em um piscar de
olhos.
— Olá, irmão — o filho da puta me abraçou. — Sua nova namorada
é bem gostosa, Eric.
— Cuidado, Mason. Espero que fique longe dela. Você pode ter
conseguido Stacy, mas Stéfany, não vai!
Mason sorriu.
— Vá com calma, maninho! — o desgraçado ergueu as mãos,
sorrindo descaradamente. — Não sou eu quem corro atrás delas, são elas
que vem para mim.
A festa acabou bem ali para mim.
Eu não tive mais vontade de permanecer no mesmo lugar que ele.
E quem sabe, nunca conseguiríamos?
Esse foi o pensamento que surgiu enquanto eu dirigia de volta para a
nossa casa.
LACUNAS DE UMA MENTIRA
Agora sei que não sou tudo o que você tem
Acho que eu só, só pensei
Talvez pudéssemos achar novas maneiras de desabar
Mas nossos amigos voltaram
Então, vamos levantar uma taça
We Are Young (feat. Janelle Monáe) | Fun.

PASSADO

— Não vai levar ninguém para o baile de formatura mesmo? —


Alex perguntou, enquanto mantinha a bola de futebol americano entre os
dedos, direcionando seus olhos para Nathaniel.
Nathaniel Sullivan era o garoto novato que tinha chegado no
começo do semestre. O típico garoto problema, com marra de badboy
carregado de tatuagens pelo corpo e um incontestável cigarro entre os
dedos.
O velho clichê ambulante do colegial.
As garotas não falavam de outra coisa, a não ser nele. E não haveria
uma que se negaria a ser sua parceira no baile de formatura. Entretanto,
Nathaniel não escolheu ninguém.
Preferia continuar sozinho ou não ir para o baile.
— Não estou afim de ir, se for, irei sem par — Levou o cigarro entre
os dedos para a borda dos lábios, em seguida, tirou, desejando uma grande
quantidade de fumaça. — Hannah disse que chutaria minhas bolas se eu não
fosse, vamos ver qual a probabilidade.
Era difícil não encontrá-lo sem estar carregando aquilo entre os
dedos.
Podia considerá-los quase inseparáveis.
E, na maioria das vezes, sentia pena da pessoa que Nathaniel estava
se tornando, ele não tinha uma motivação. E pior, havia várias lacunas na
sua vida que o obrigavam a continuar.
Era deprimente a forma como ele se matava de uma maneira lenta.
Torcia para que um dia não chegasse a esse ponto. Meus problemas
eram demais, mas por ora, estava conseguindo controlar a raiva, os
remédios que a psiquiatra havia me receitado aos poucos estavam surtindo
efeito. Em breve, poderia me considerar uma pessoa normal de novo, como
minha mãe gostava de frisar na maioria das vezes.
— Sabe, parei para pensar uma coisa — Nathaniel deixou suas
palavras se extraírem entre uma tragada e outra.
Alex e eu seguimos nossos olhares sobre o tatuado.
— O que? — meu amigo indagou, unindo as sobrancelhas enquanto
eu observava a cena que acontecia à minha frente.
— Você não revelou qual garota que vai levar ao baile — Nathaniel
acusou-o de omitir esse detalhe, no entanto, parecia saber o motivo
enquanto policiava a atitude de Alex.
— Isso, quem é ela?
Não precisava que ele falasse, eu sabia de quem se tratava. Estava
somente esperando o momento que Alex revelaria de uma vez por todas, já
que aquilo havia começado meses antes.
Hannah não suspeitava.
Alex agia como se nada estivesse acontecendo.
— Meus planos são de mostrá-la apenas no baile, amigão — Alex
anunciou, lançando a bola na direção do Nathaniel, que sem perder tempo a
pegou no ar.
Eu ainda queria saber das suas motivações para fazer tanto mistério
ao redor daquilo, porém, cabia somente ao meu amigo abrir o jogo.
Nos últimos dias algo vinha acontecendo com ele, surgiram alguns
hematomas no seu corpo. E de maneira alguma ele dizia o que eles
significavam.

Stacy: Preciso falar com você.


Stacy: Mas agora o tempo está apertado para mim.
Stacy: Podemos resolver isso no baile?

Uma lufada de ar escapou dos meus lábios, enquanto eu lia e relia a


mensagem que acabara de notificar na barra de notificações. Uma nuvem de
preocupações estava flutuando no meu estômago.
Eu tive medo do que poderia acontecer.
Como nunca tive antes.

As horas seguiam como o combinado, entretanto naquela noite


carregava um clima estranho.
Não sabíamos exatamente o que era aquela sensação, mas até o fim
da noite, sentia que algo iria acontecer. E quando veio, a nuvem cinzenta
caiu sobre todos nós. O tempo percutia fechado, dando vestígios que iria
chover.
— Está pronta? — perguntei, inclinando minha cabeça na direção de
Hannah. O vestido dourado com alças, abraçava a sua cintura, seguindo até
os joelhos onde havia uma fenda no seu comprimento.
Seus olhos pareciam expectativos e era fácil de notar o quão
animada ela estava para o baile de formatura. Minha irmã ainda não tinha
contado quem seria seu par, mas não tinha dúvidas de quem seria.
Estava meio óbvio. E com base em tudo que estava acontecendo,
não foi muito difícil perceber.
— Estou! — Um sorriso enorme se manifestou nos seus lábios,
fazendo com que o brilho metálico do aparelho odontológico surgisse.
Houve tempos que ela se negava a sorrir por conta deles, entretanto,
Hannah não passava um dia sem se orgulhar deles. E mesmo que eu não
achasse nenhum problema neles, Mason conseguia fazer a cabeça dela com
seu bullying disfarçado de conselhos maldosos.
— Você está linda — O meu elogio fez as bochechas claras de
Hannah se transformarem em um tom avermelhado.
De fato, ela estava radiante.
— Obrigada.
— Aliás, onde está seu par? Notei que estava muito animada para o
baile — revelei a curiosidade dos meus pensamentos em voz alta.
Queria saber por que não falavam a verdade. Qual era o problema?
— Ah, você vai saber em breve. Agora vamos, se não iremos nos
atrasar!
— Certo, vamos.
Não fiz questionamentos, apenas seguimos para a casa de Stacy, a
fim de buscá-la.
Ainda vagava em meus pensamentos as suas mensagens de mais
cedo, a dúvida de ser algo muito sério.
Quisesse Deus que não.
Stacy estava preocupada com a resposta da faculdade que havia se
inscrito semanas antes, entretanto, eu sabia que ela teria sucesso com o
retorno da universidade. E, por mais que eu soubesse que precisaria
depositar todo o seu tempo na faculdade de medicina, minha namorada
conseguia mandar bem em tudo.
Eu era louco por ela.
Completamente caído por Stacy Morrison.
— Onde está Mason? Você o viu? — A pergunta de Hannah me
tirou dos meus pensamentos novamente.
Eu não vi meu irmão em nenhum lugar no decorrer do dia, assim
como Stacy que queria se preparar para o baile.
— Não o vi.
E conhecendo bem Mason, imaginava que ele já estaria na calcinha de
alguma garota do colégio. Droga, uma imagem de Mason com alguma
garota aleatória surgiu na minha mente. Foi constrangedor e uma cena
torturante de se imaginar.
Balancei a cabeça a fim de tirar os pensamentos de mim.
Precisava buscar minha garota o quanto antes, odiaria que ela
ficasse chateada comigo. Isso seria um grande problema, a pior coisa que
poderia acontecer naquele dia, seria esse desastre.
Ajustei a gola do smoking preto para diminuir a tensão no meu
corpo e segui com Hannah até o carro.

Puta que pariu.


Stacy estava perfeita em seu vestido de uma cor sólida.
O roxo caía tão bem em seu corpo, enquanto observava cada detalhe
dela.
Seus cabelos castanhos estavam moldados em uma trança um pouco
frouxa.
— Caramba, você está surreal!
O elogio deve não ter sido o suficiente, porque pude notar seus
lábios forçando um sorriso.
— Fiz algo errado? — perguntei, confuso, e minha expressão não
conseguia negar o quanto aquilo me pegou.
— Você está atrasado — resmungou, esquivando-se de mim e indo
para o carro que a esperava. Com um suspiro preocupante eu a segui até o
veículo, ouvindo seus saltos batendo com força contra o chão. Olhei para o
relógio de pulso, notando que as horas tinham avançado mais do que
deveriam.
Ah, droga.
Podia jurar que o tempo perdido com o trânsito não influenciava,
mas eu estava enganado. Fizeram uma grande diferença enquanto
percorremos até o colégio em completo silêncio, nenhum de nós ousou
destilar algo. Hannah parecia confusa por todo trajeto, ela tinha notado o
nevoeiro que se alastrou entre minha namorada e eu.
Com a mandíbula apertada, dei cinco voltas em círculo no volante.
Próximos do nosso destino inicial, segui com o carro até a área do
estacionamento, onde não era tão distante da entrada.
Não demorou muito para entrarmos no colégio.
Stacy circulou um dos seus braços no meu, para finalmente
atravessamos as portas que se encontravam abertas. Hannah ficou próxima
da entrada, segurando uma mini-bolsa entre os dedos, seus olhos vagavam
de um lado para o outro esperando, preferi não contestar já estávamos um
pouco além do horário.
Quase ousei perguntar novamente sobre seu par. Contudo, saberia
que Hannah iria evitar a todo custo se negar a falar. Minha irmã poderia ser
extrovertida na maior parte do tempo, mas conseguia se isolar em um piscar
de olhos.
Caso seu acompanhante a deixasse na mão, ele seria um cara com o
nariz e algumas costelas quebradas.
Não me importaria em defender minha irmã.
Independente da pessoa que a magoasse.
— Olhe seu amigo ali — Stacy indicou com o queixo a área oeste
do estacionamento, Nathaniel saia de um mustang preto recém reformado
por ele e Alex. O carro era apenas uma lata velha antes dos dois passarem
três meses trocando as peças e pintá-lo novamente. Estava como novo e ele
era apaixonado pelo veículo.
Acompanhamos Nathaniel se aproximando e quando estava bem
próximo, os braços da loira envolveram sua cintura de maneira esperançosa.
— Pela mãe, você veio! — Hannah gritou em êxtase ainda agarrada
na sua vitória. Minha irmã parecia triunfante ao soltar o amigo, e sem
acreditar, vimos suas mãos se atrapalharem com o zíper na bolsa que
carregava consigo.
De repente, algo foi tirado.
O objeto em suas mãos foi reconhecido imediatamente.
Hannah ostentava a pequena câmera novinha em folha que tinha
ganhado meses antes.
— Tire uma foto nossa, Stacy. É um grande momento para não
deixar registrado! — Vibrou novamente e Stacy modelou um sorriso de
ponta a ponta. Com o pedido de Hannah, ela pegou a câmera fotográfica e
registrou a foto.
Lentamente, afastou o aparelho do rosto e ainda olhando para a foto,
Stacy disse:
— Você não parece estar nem um pouco feliz de estar aqui.
— Porque realmente não estou — Nathaniel rebateu, enfiando as
mãos no smoking escuro, parecia ser feito sob medida para o seu corpo. —
Cadê o seu misterioso par, Han?
A pergunta fez os ombros dela murcharem. Hannah havia esquecido
desse detalhe por alguns minutos.
— Ainda não chegou.
— Já que me ameaçou a vir até aqui, eu espero o seu cara chegar —
ele declarou, cerrando os olhos cinzentos na direção dela.
— Bem, eu espero que ele pareça ou será um homem morto por
deixar você na mão.
— Vamos, Eric. Nathaniel vai ficar com sua irmã — Stacy
resmungou, puxando-me para o meio dos alunos.
— Hannah — Chamei pelo nome da minha irmã entre os alunos da
nossa turma que acabara de chegar, houve menos de um minuto para eu
chamá-la novamente, com hesitação seu rosto encontrou o meu, e apenas o
meu semblante descrevia minha preocupação ao vê-la inquieta. — Estarei
esperando você lá dentro.
Foi a última coisa que fui capaz de dizer antes de dar as costas para
Hannah.
Ela ainda não mostrava nenhuma faísca de decepção enquanto a
esperava se residia, Hannah continuava sendo forte, e, eu sabia que ela
esperaria por ele até o último segundo.
Aquele era o seu problema, ao mesmo tempo que seria bom, poderia
destruir a minha irmã por sempre colocar desculpas para os erros de
terceiros.
— Hannah está esperando quem? — Stacy perguntou ao meu lado.
— Seu acompanhante do baile — revelei, ainda observando-a.
A cada casal que atravessava seu caminho seus ombros encolhiam.
Deus, tenha compaixão com minha irmã.
— Entendi... — Stacy moldou uma expressão receosa.
Eu podia sentir seu corpo gélido contra o medo, as mãos na mesma
medida.
Por que você não confia em mim, amor?
Stacy sabia que independente de tudo, ela não precisaria esconder
algo de mim. Eu conseguiria arrumar uma maneira de reverter a situação,
por mais dolorosa que fosse. Tudo sempre seria sobre ela.
Mil vezes.
Eu amava Stacy.
E Stacy amava Eric.
— Acha que Mason já chegou? — Indagou, liderando nossas
passagens até a pista que ocorreria o baile dos formandos.
— Não o vi o dia todo, Stacy.
Contudo, foi estranho vê-la mencionar meu irmão.
Era definitivamente raro vê-los no mesmo cômodo.
A presença de Mason nunca foi relevante para nosso
relacionamento, mesmo que compartilhássemos o mesmo sangue. Para
mim, meu irmão sempre seria um desconhecido. Eu parei de lutar por muito
tempo, talvez nunca pudesse existir uma redenção para nós dois.
Seríamos um grande problema para a vida um do outro, sem
dúvidas.
Não era errado pensar dessa maneira, nem todos merecem o perdão.
Podemos sim, odiar.
Há casos que necessitam de uma remissão.
O meu não.
Se Mason estivesse de um lado, eu consequentemente estaria na
direção oposta.
— Quer alguma coisa para beber? — Perguntei para Stacy. Há
poucos metros de nós dois permanecia uma mesa posta com bebidas, que eu
acreditava não conter uma gota de álcool, e alguns aperitivos aos alunos.
No momento, não estava afim de nada. Sucedia dentro de mim um
embaralho de sentimentos.
— Quero um ponche, pode pegar para mim? — murmurou, olhando
para os lados.
Tomando toda a atenção, o som da bateria soou, deixando We Are
Young, de Fun flutuar pelo espaço.

Me dê um segundo, que eu
Eu preciso contar a minha história direito
Meus amigos estão no banheiro
Ficando mais altos do que o Empire State

Os braços de Stacy envolviam meu pescoço com firmeza, aquilo


foi... merda, minha namorada mal olhava para mim.
A música aumentava o ritmo a cada nota, o pior, corria em sintonia
com meu coração. Eu só conseguia pensar em tudo que estava acontecendo
ao meu redor, ainda com os braços dela em torno de mim, meu olhar
sempre parava na entrada.

Portanto, se no momento em que o bar fechar


E você sentir que está caindo
Eu te levarei pra casa

— A CBU enviou algum e-mail para você? — indaguei, meus


pensamentos foram altos demais, fazendo o corpo de Stacy encolher entre
minhas mãos.
— Ah... não, eles não.
— Como assim eles não?
— A CBU não me deu retorno — compartilhou, baixinho, sua voz
era quase inaudível aos meus ouvidos.
Minutos se passaram, e era quase hora de declararem o rei e a rainha
do baile. Imaginava que seriam apenas selecionados os populares, talvez
alguém do time de futebol americano com alguma líder de torcida.
Completamente clichê, o que significava que seria semelhante aos
vencedores do ano anterior.
Enquanto levantava um dos braços de Stacy para que pudesse
rodopiá-la, uma imagem surgiu há alguns passos de distância. Eu reconheci
aqueles cabelos castanhos escuros, a roupa preparada para o baile.
Sem dúvida, Mason Peterson.
— Ah, não — balbuciei, vendo-o cambalear.
— O que acontec... oh, merda! — Ver Stacy procurando por Mason
novamente, me despertou uma insegurança, sempre me comparando com o
meu irmão mais novo.
O popular que todos amavam, era um jogador e tanto.
— Estão preparados para descobrirem que irá ser o rei e a rainha do
baile?
Após muito suspense, vi a coordenadora Fallen, erguer um papel
entre os dedos.
— E o rei do baile é... Mason Peterson! Venha buscar sua coroa,
querido — O chamou. Com um sorriso marcado nos seus lábios, o olhar
veio diretamente para mim. Levando seu ar de superioridade herdado de
nossa minha mãe, e enquanto ele se aproximava, notava que Mason não
estava são.
O sorriso.
Seu andar.
Tudo nele gritava desespero.
— Agora nossa rainha do baile, surpreendendo a todos com uma
boa pontuação, é Stacy Morrison!
Minha namorada parecia em choque.
A vitória parecia não estar em seus planos.
— Ah, Deus!
— O que houve? Vai pegar sua coroa, amor! — sussurrei para a
minha namorada, enquanto meus dedos pousavam suavemente no seu
queixo. Houve muita hesitação, eu pensei que ela não fosse capaz de
atravessar a multidão se formando. Mas antes que ela pudesse chegar até
seu destino, vimos Mason pedindo o microfone da coordenadora.
— Ei, Stacy. Você já contou para o Eric que vai viajar para o outro
lado do mundo? — A julgar pela voz grogue, Mason estava completamente
embriagado. Qualquer pessoa poderia descobrir a quilômetros de distância.
— Como assim? — Dei um passo para trás, perdido.
— Eric... E-eu...
— Staaaaacy, sem gaguejar — Mason zombou, arrastando seu
nome como se fosse uma nota musical. Além disso, eu não conseguia
raciocinar. — Conte para ele, Stacynha. Conte que vai embora e vai deixá-
lo — Todo aquele show humilhante aconteceu bem diante de todos os
alunos, eu tinha toda atenção deles em mim. Sacudi a cabeça, não queria ser
lembrado por isso.
Minha mente estava uma bagunça, eu podia sentir minhas narinas
dilatadas enquanto minha visão lutava para me cegar, havia apenas um
borrão surgindo nos meus olhos.
— Quem iria ficar com um maluco que explode quando tem algum
estresse? — continuou destilando seu ódio em cima de mim.
Não. Não. Não.
Puxei o ar.
Adrenalina lutava para me destruir.
Deus, aqui não.
— Vocês deveriam saber, Eric, é maluco da cabeça pessoal. Não
cheguem perto dele! — Carregado pela bebida, sua única motivação era
fazer do meu último ano do colegial um marco que nunca mais esqueceria.
Mason estava tornando tudo isso um vexame.
— Eric, por favor. Olhe para mim — Seus dedos encontram meu
rosto, Stacy o puxou na sua direção. Ela conseguia passar confiança antes
que o ataque de raiva me dominasse. — Vamos lá para fora? Acho que aqui
não vou conseguir — Stacy segurou minha mão, tentando contornar a
situação.
Olhei ao redor, procurando por minha irmã.
— Cadê a Hannah? Onde está minha irmã? — Procurava por ela
entre os jovens e adolescentes.
Hannah ainda estava lá fora, esperando por Alex. O filho da puta
deixou ela na mão.
— Eu não sei... Ela deve estar lá fora ainda. Vem... — Stacy ainda
estava com as mãos segurando meu rosto, forçando os dedos contra minha
pele, mesmo não tendo força o suficiente para conseguir, ela continuava
tentando. Chamando pelo meu nome. — Olhe, vamos lá para fora, Eric.
Aqui tem muita gente — Conforme os minutos passavam Stacy seguia mais
apreensiva. — Me perdoe. Realmente sinto muito. Mas Mason falou a
verdade. Eu vou embora, Eric. Não tenho como ficar nessa cidade por mais
que eu te ame!
— Você não me ama, Stacy. Se me amasse, não teria escondido que
ia embora.
— Eric, eu sinto muito, mas não podia contar antes.
— Não podia? Pensei que confiasse em mim, Stacy. É isso que os
namorados fazem, confiam um no outro!
— Eric, me escuta...
— Não, Stacy.
— Eu quero terminar nosso namoro, Eric! Quero realmente ir para
essa faculdade, no entanto, são muitas distrações.
Sem distrações, Eric.
— Mas…
— Eu realmente não consigo mais manter nosso relacionamento.
Dei um passo para trás.
O que?
— Você está falando sério?
— Estou. Eu não aguento mais isso. Em algumas semanas estarei
indo.
— Você vai mesmo me deixar? Era isso que você tanto escondia? —
Algo se quebrou. Eu ouvi. — Foda-se então, Stacy. Vá para a merda você e
essa faculdade! — Gritei, deixando-a para trás. Precisava procurar minha
irmã, mas a cada passada, eu derrubava algum utensílio da escola. —
Hannah! Hannah! Hannah!
O ar entre os pulmões queimava.
E entre a pequena aglomeração de estudantes, eu consegui vê-la.
Minha irmãzinha, ela estava quieta com o corpo encolhido na calçada.
O que houve?
— Hannah? — me aproximei mais rápido. Quem virou o rosto foi
Nathaniel, a loira soluçava. — Por que está chorando?
— Vou deixar vocês sozinhos, tudo bem? — Meu amigo perguntou.
Afirmei, passando as mãos entre os cabelos.
Nathaniel não estava mais tão próximo como antes, não é que eu
não confiasse, mas não podia remediar.
— Meu par… ele não veio — ela balbuciou, entre um soluço e
outro.
— Alex não veio? — Uni as sobrancelhas. — Eu vou quebrar a cara
desse desgraçado!
— Não, Eric. Isso... eu não sei se devemos.
— Hannah, não.
— Por favor, Eric — minha gêmea estava assustada. — Não faça
nada. Me promete?
Suspirei.
— Eu prometo.
Prometeria o mundo se Hannah me pedisse.
CONQUISTANDO O CORAÇÃO

Você não é meu dono


Eu não sou um dos seus brinquedinhos
Você não é meu dono
Não diga que eu não posso sair com outros garotos
Não me diga o que fazer
You Don't Own Me (feat. G-Eazy) | SAYGRACE

— Não acredito que me submeti a isso — pensei alto, enquanto lia


as mensagens do segundo grupo que Alex havia criado, já que o primeiro
todos nós havíamos saído cinco minutos após sermos adicionados, exceto
Ana.

Ana: Onde vocês estão? O ensaio já deveria ter iniciado!


Hannah: Pela mãe, esqueci totalmente do ensaio :(
Sté: Eu também esqueci. Sinto muito, não poderei ir.
Ana: Você está ao meu lado, Sté.
Sté: O que custava dizer “tudo bem, amiga, não se preocupe com o
ensaio”?
Eric: Pensei que soubesse mentir, my heart.
Sté: É, você sabe tão bem dos meus segredos -_-

Bufei, abaixando a tela do celular contra meu corpo.


Ana queria realizar o ensaio do casamento, mesmo com a resposta
dos padrinhos. A loira imaginava que se o ensaio não acontecesse o mais
breve possível, todo o evento iria desandar.
Não lembrava que grávidas poderiam ser um porre.
O acordo tinha acabado na noite anterior e havia sido mais difícil do
que pensei que seria. Definitivamente, seria ultrajante ter que me submeter
aquilo outra vez.
— MEU DEUS! — o grito de Ana verberou pela sala.
— O que aconteceu? — perguntei, franzindo o cenho.
Ana estava com o rosto sobre a tela do celular, lendo algo que se
parecia como uma notícia. Por conta do brilho ofuscante, não consegui
identificar. Até que meus olhos notaram algo familiar.
Ah, droga.
— Isso aconteceu — Engoli em seco no momento em que minha
amiga virou a tela do aparelho em minha direção.
EXCLUSIVO! PRIMOGÊNITO DO PREFEITO DE BOSTON
APARECE ACOMPANHADO DE SUPOSTA NAMORADA EM
EVENTO FAMILIAR.
Após anos afastado da mídia, Eric Peterson, um dos solteiros mais
cobiçados de Boston, é visto ao lado de seu novo affair. A mulher
misteriosa foi vista no aniversário de casamento dos seus pais, o prefeito
Oliver Peterson e sua esposa, Lilian Peterson. Mas, a pergunta que não
quer calar é:
Quem será a garota que conquistou o coração do herdeiro da
família Peterson?
Não.
Não.
Não.
Aquilo não podia ser real.
Minhas mãos tremeram, eu não tive reação. Continuei paralisada,
lendo e relendo a manchete.
Puta que pariu!
Eric não mencionou que teriam fotógrafos na festa ou que notícias
saíram em sites de fofocas e jornais. Porém, eu também era culpada. Como
não pude imaginar aquilo? Era óbvio que a família narcisista faria questão
de ser o centro das atenções.
— Pode me dizer o que isso significa e porque não estava sabendo?
Nossa, pensei que fossemos melhores amigas! — Ana provocou, deixando
meu corpo tenso. Antes que eu pudesse me defender ou dizer alguma
palavra, o corpo de Eric apareceu na porta da cozinha. Minha amiga foi na
frente, perguntando-lhe enquanto apontava o seu indicador para ele: —
Você aí, preciso que me expliquem isso!
— O que é isso?
Pela distância, ele não conseguiu identificar as palavras, no entanto,
havia uma foto nossa, estampada para todos visualizarem.
— Oh, porra — o palavrão saiu como um sussurro dos seus lábios.
— Preciso urgentemente de explicações, estou grávida e não posso
ficar curiosa. Minha filha vai nascer fofoqueira, sabe? — chiou, indignada.
Todo o meu deboche percorreu de ponta a ponta nos meus olhos. Ana
estava usando a gravidez para se aproveitar da situação.
— Ana, isso... — Soltei, interrompida imediatamente pela voz de
Eric, que se misturou junto a minha, em discordância.
— Foi difícil relevar a todos, por conta da nossa situação, mas
combinamos de contar em um momento oportuno e preparar vocês para a
notícia — Eu queria gritar que era tudo mentira, que nunca houve namoro
ou romance entre nós dois. Que droga, ele estava prolongando o acordo,
achando que eu não perceberia enquanto meus lábios ficavam entreabertos.
Eu estava em choque.
Não consegui ter nenhuma reação.
Apenas corta sua língua mentira, já que no momento não estava
usando. Ajudaria-me em um futuro próximo. Não teria que ficar
preocupada com Peterson. Todavia, Ana parecia com dúvidas, e eu sabia
que ela iria enchê-lo de perguntas.
— Ana, por fav... — Novamente fui interrompida.
— Sinto muito por não ter contado antes.
— Esperem, por Deus. Falem um de cada vez. Eu não sei se estou
feliz por conta do meu enemies ter se tornado real ou brava por minha
melhor amiga esconder de mim por esse tempo todo — A loira cruzou os
braços.
— Meu Deus, iss...
— Ainda é recente, por isso não foi revelado antes — e novamente
ele me interrompeu. — Você não notou que voltei atrás na minha decisão?
Precisamos nos acertar.
— Eu sou a sua melhor amiga! — Cruzou os braços.
— Queria segredo para que tudo desse certo, e pelo visto, o
momento chegou.
— Que momento? — Alex e Nathaniel entravam no mesmo
instante, e para melhorar tudo Hannah descia as escadas. Mais fodida que
eu, não conhecia.
— Stéfany e Eric estão namorando, pessoal!
— O que? — duas vozes gritaram em uníssono.
— Logo mais explico tudo, agora preciso falar com a minha garota
— Eu encarava Peterson como se fosse matá-lo ali mesmo, na sala. Droga.
Droga. Droga. Aquilo não podia ser real! A indignação explodia nos meus
pensamentos então, o vi indicando com a cabeça para irmos para a sala.
Eu precisei segui-lo.
— O acordo mudou.
— Jura? Achei que não existia mais, porém, o problema é você ter
dito para ela, Peterson. Droga, como vou reverter isso?
— Não vai precisar, Taylor. Apenas finja ser minha namorada por
mais três meses.
— Três meses? — Meus olhos arregalaram. — É muito tempo!
— É, Taylor. Eu também não estava disposto a me submeter a isso,
todavia, o combinado saiu do nosso controle. Preferia que essa história não
tivesse se iniciado, e todos já sabem da notícia. Por isso é melhor em três
meses, Nathaniel e Ana vão se casar, poderíamos aproveitar que fomos
chamados para sermos padrinhos, ajudaria na farsa.
— Discordo.
— Me diz algo que você não discordaria, garota?
— Teremos regras, direi três e você escolhe duas — declarei, a
contragosto.
Depois de alguns minutos em conflito, eu coloquei minhas regras
que aceitaria sem pensar duas vezes. Infelizmente, Eric foi capaz de
escolher as piores.

1° Nada de beijos.
2° Somos até o fim somente um acordo.
3° Eu sempre vou te odiar.
4° Exclusivos até o acordo acabar.
5° Três meses de namoro até o casamento da Ana.

— A regra quatro é resultado do seu trauma com chifres, alce?


— Não fode, Taylor. Está de acordo? — perguntou, encarando-me.
Cogitei diversas vezes em dizer um grande NÃO, mas isso seria meu
fim como estudante de medicina. Com a coluna tensa, eu respirei fundo.
— Estou, Peterson. Esse acordo irá durar somente mais três meses e
após isso você nunca mais vai dirigir suas palavras para mim!
— Mal posso esperar por esse dia.
Eu sabia que aquele ainda não seria nosso último embate.
Eric fodido Peterson seria para sempre uma pedra do meu sapato.
DADA A LARGADA
Mas você já me fez sentir de um jeito diferente
Agora, se eu pudesse descobrir o que é isso
Meddle About | Chase Atlantic

— Você está ansioso?


Perguntei enquanto arremessava a bola na sua direção. Com um
impulso, Nathaniel se jogou para o alto para apanhá-la. Porra, ele ainda era
muito bom. Éramos um time indestrutível até o momento em que ele foi
escolhido como a estrela dos New England Patriots.
Era um dos únicos momentos que podíamos compartilhar juntos.
Estava sendo difícil estarmos os três juntos ao mesmo tempo.
— Como não estaria? Em breve serei um homem ainda mais
comprometido — Ele pareceu orgulhoso com sua fala.
Ainda era novo vê-lo daquela forma.
Uma versão dele apaixonado que por anos estava escondida, mas
que retornou para a garota que sempre teve seu coração.
Não imaginava que um dia poderia estar novamente assim.
Parecia um sonho distante amar alguém outra vez.
— Cara, uma coisa — Nathaniel se aproximou com a bola presa
contra os braços, suas íris estavam franzidas na medida que ficava cada vez
mais perto. — Como você e Stéfany aconteceram? Porque, porra, há um
mês vocês estavam querendo se matar! Você até a expulsou da casa.
Respirei fundo.
Senti como se a atmosfera estivesse presa entre meus ombros. A
julgar pelo clima tenso que se formou, Nathaniel não teve papas na língua
para seu confronto.
— Também foi uma surpresa para mim, não me imaginava assim até
algumas semanas atrás — contestei, tirando a camisa do corpo. O pouco
tempo que estávamos ali fora me fez suar, ou talvez, tenha sido a pergunta
dele. Não estava preparado para responder aquilo..
Nathaniel parecia saber mais do que sua língua contava.
— Ah, claro! — Sorriu.
Às vezes, era difícil identificar sua versão irônica, já que meu amigo
tinha várias facetas que conheci ainda no colegial.
— Quando Ana me contou eufórica sobre a notícia do jornal, eu
fiquei pensando em como isso poderia ter acontecido. Ainda é estranho... —
Cerrou o olhar na minha direção.
Uni as sobrancelhas.
— O que você quer dizer?
— Ei, calma. Não precisa ficar nervoso, esquentadinho — Senti
seus braços passando nos meus ombros, puxando-me para dentro da sala. —
Vamos, chega dessa conversa. Aliás, você deve amar muito a Taylor — Por
um segundo pensei em me soltar do seu aperto, mas preferi puxar o ar e
expirar.
Respira, cara.
— Cadê o Alex? — Nathaniel perguntou pelo amigo que não estava
presente. — Se ele não aparecer no ensaio, Ana ficará puta com ele, e eu
não quero vê-la assim, então é melhor ele comparecer.
— Ele vai aparecer, deve estar na oficina — rebati. — Alex contou
mais cedo que com as férias chegando, há muito serviço e a demanda só
está aumentando.
A resposta pareceu desanimar Nathaniel.
Alex trabalhava com todo o tempo livre que tinha entre os horários
da faculdade, treinos e jogos do time. No último ano que passou acidentado,
teve que contratar um ajudante porque estava impossibilitado de seguir com
os serviços que surgiam.
— Não sei se posso confiar, já que não é a primeira vez que ele
deixa alguém na mão — Precisei de muito para não ter nenhuma reação
com o comentário, aquilo me lembrava do antigo caso proibido com minha
irmã e no quanto foi um babaca completo com ela.
— Quem ele deixou na mão? — perguntei.
Hannah foi a única que passou pelas mãos dele?
Não tinha ciência se Nathaniel sabia do que aconteceu com os dois
no colegial, a época foi palco de muitos segredos, brigas e mágoas. Tudo
que poderia marcar uma pessoa pelos próximos anos.
— Ah, foi um modo de falar — O assisti esfregando a nuca,
nervoso.
— Hum.
Acolhi o silêncio que se estampou sobre nós dois.
— Vou tomar uma ducha e me preparar para o ensaio, tenho uma
leve impressão que a noite vai render muito entretenimento — abriu um
sorriso canalha.
— Oh, Alex vai adorar cada segundo desse ensaio — foi impossível
não deduzir, revirando os olhos.
Nos atrasamos mais do que o previsto para chegar ao local de
ensaio.
E Glória, a mulher que daria aulas de dança não gostou nem um
pouco de perder quase uma hora da sua preciosa aula. Ana parecia chateada
com o noivo, enquanto ele fazia o possível para acalmá-la.
De badboy que era foda-se para vida, se tornou um pai e futuro
marido babão.
— Vamos, todos de pé. Temos pouco tempo para passar a primeira
aula! — Glória bradou. — Onde estão os padrinhos da primeira dança?
Deem um passo à frente, quero vê-los imediatamente.
Sem ânimo algum nos meus ossos, eu dei o passo que ela pediu.
Eu sabia dançar música clássica.
No meu aniversário de dezesseis anos, em conjunto com Hannah,
tivemos que aprender a dançar para a valsa da festa. Odiei até o último
segundo todos os ensaios, parecia nunca ter fim.
— Ótimo, se aproximem e se posicionem no centro do salão. Será
exatamente onde vocês ficarão quando chegar o dia — Nenhum de nós dois
moveu um dedo, Taylor me encarou e eu fiz o mesmo de volta. — Crianças,
não temos tempo! — resmungou, enquanto se ocupava com a pequena
caixa de som em suas mãos.
Mesmo a contragosto, segui até o lugar pedido por Glória.
Bruno Mars soou pelo salão, cantando a melodia da música Just The
Way You Are.
— Quem escolheu essa música, Ana? — Taylor perguntou,
cruzando os braços seguindo na minha direção. Seus olhar encontrou os da
amiga, que descansava uma mãos no noivo que permanecia atrás dela. À
sua esquerda estava Hannah, e à direita, Alex. A loira era o impasse que
separava os dois.
— Glória quem sugeriu, não é perfeita?
Apenas pela expressão que ela esboçou, mostrou o quão insatisfeita
estava.
— Menos, Taylor. Bem menos... — Sussurrei com os lábios
próximos do seu lóbulo, e em um momento que consegui pegá-la
desprevenida.
— Calado, sabe que estou odiando cada segundo enquanto respiro
o mesmo ar que você — murmurou em retorno.
Molhei os lábios.
— Cuidado para não pisar no meu pé, sei bem o quão ruim você é
dançando música lenta — Uma brasa ardente surgiu no centro dos seus
olhos.
Eu estava ferrado pra caralho.
— Não se preocupe, amor. Cuidarei bem de você! — O sarcasmo
era palpável em cada sílaba. Ouvindo a música ainda tocando, Glória
estalou os dedos chamando nossa atenção.
— Vamos começar de uma vez por todas — declarou, usando os
braços. A música já tocava alto naquele momento, entretanto, do início
outra vez O ritmo era bom, algo que não imaginei que seria. Pensei que
tocaria alguma música clássica que me faria dormir no meio da dança. —
Vocês dois irão manter uma distância significativa de pelo menos um metro
dos parceiros antes de se aproximarem, quando a mudança finalmente
começar, ambos vão se aproximar um do outro.
Assentimos.
Oh, os olhos dela, os olhos dela
Fazem as estrelas parecerem que não estão brilhando
— Isso, se aproximem.
Ouvindo os comandos de Glória, nos juntamos.
— Olhos nos olhos é essencial. No próximo passo, você irá pegar na
mão dela e girar seu corpo. Como se fosse uma bailarina, rodando como
uma pluma — Engoli em seco, notando minha respiração quente entre os
pulmões, não tinha entendido o porquê dessa reação.
Talvez fossem seus olhos fazendo jus a letra da música.
— Manda ver, gatinha — Alex a encorajou.
— Está pronta? — Indaguei para a garota a poucos centímetros de
distância.
— Sempre, Peterson.
Com um suspiro alcancei a mão livre dela e, no mesmo segundo, um
tremor percorreu pelo meu corpo. Ela estava sentindo aquilo? Não sabia se
deveria confirmar apenas pela expressão dos seus olhos que me encaravam.
Sua respiração impactava no subir e descer dos seus seios, atrás do vestido
que usava.
— Tudo bem?
Ela confirmou com a cabeça.
Ainda segurando sua mão, a ergui em cima da cabeça e a girei,
comando o movimento. Taylor não parecia confortável, tanto que isso a fez
tropeçar no segundo giro.
— Oh, meu deus — Os olhos de Ana exalavam preocupação com a
amiga.
— Desculpa — falei, baixinho.
— Estou a um passo de desistir de tudo isso, Peterson! — Sua voz
era quase um sussurro.
— Nem fodendo vou deixar que faça isso, já estamos aqui e nada
vai me fazer mudar de ideia, Taylor.
Era verdade, não tínhamos mais como voltar atrás. O acordo já tinha
começado e de maneira alguma deixaria que ela desistisse.
Não era sobre nós ou qualquer enlace que nos envolvesse.
Aquilo iria até o final mesmo que eu também estivesse odiando cada
segundo.
Não deixaria Nathaniel na mão.
Definitivamente, era uma promessa.
— Temos mais alguns meses pela frente, my heart. Não vai ser
agora que você vai se livrar de mim — falei, calmamente. Ela sorriu, mas
não foi um sorriso genuíno, era um sorriso maquiavélico. Umedecendo os
lábios, aproximei-me lentamente dela. — Nunca pensei que diria isso, mas
você deveria sorrir mais, Taylor, mesmo que de forma perversa, é a coisa
mais extraordinária que eu poderia assistir na vida.
Ela não esboçou uma reação, apenas me encarou.
Seguimos com o ensaio e por mais desastroso que fosse, eu gostei
de participar daquilo. Todavia, os minutos de descanso acabaram quando vi
as ligações perdidas da minha mãe e as mensagens que ela tinha deixado
para mim.

Mãe: Estarei preparando um jantar no fim de semana e quero que


venha.
Mãe: Traga sua namorada.

E que os jogos comecem.


PROBLEMAS COM PAI

E eu sei que posso sobreviver


Vou andar em meio ao fogo para salvar minha vida
E eu quero isso, quero muito a minha vida
Estou fazendo tudo que posso
E então mais um vai ao chão
É difícil perder quem eu escolhi
Você não me destruiu
Ainda estou lutando por paz
Elastic Heart | Sia

PASSADO

Beirando os dezoito anos, eu ganhei um irmão.


Foi algo inesperado, não imaginava que meus pais teriam tanta
disposição para fazer outra pessoa e infernizá-la enquanto crescia naquela
prisão, que Denner se orgulhava em nomeá-la como casa.
Ana não estava bem. Havia muito tempo, na verdade.
Juntei todas as forças que ainda estavam em mim para lutar por ela.
As sequelas que seu corpo acumulou com o carro, não causam um terço da
dor que o seu coração sentia por estar quebrado.
Não havia remédios suficientes para amenizar os destroços que se
formou dentro de si, e eu estava perdendo a fé que um dia ela pudesse
melhorar. Com os dias passando, Ana apenas piorava e o seu estado de luto
seria todas as etapas que nos informaram que poderia acontecer.
Negação.
Isolamento
Raiva.
Barganha.
Depressão.
E por fim, aceitação.
Ana ainda estava no isolamento, e não havia nada que pudesse tirá-
la daquele quarto.
Havia meses desde o acidente, que lhe causou um enorme trauma. A
perda de alguém tão importante, abriu uma cratera no seu peito. Foi difícil
de aceitar, mas quando se deu uma chance, acabou perdendo tudo que não
teve, sem um momento feliz para guardar.
E após o acidente, tudo piorou.
Eu não a reconhecia mais.
Aquela versão da minha melhor amiga estava apagada, escondida
nas profundezas da sua alma. Parecia que quanto mais tempo ela ficava em
casa, mais ficava atormentada pelos pesadelos.
Ela não conseguia dormir.
Não conseguia comer.
Não tinha mais vida em seus olhos.
Seu corpo vagava sem direção certa, não tinha mais controle, apenas
andando pelo seu quarto e o quarto de Andrew.
Ouvi muitas coisas e optei por fazer pesquisas sobre seu caso, ele
não era isolado, várias mulheres já tiveram um gosto do que era depressão
pós-parto.
Era insano.
Queria fazer o possível para consolar minha amiga.
Queria poder tirar sua dor e todas as lembranças do passado.
Queria impedir que ela conhecesse o causador da sua destruição.
— Você não quer dar um passeio pelo jardim? — sussurrei,
passando meus dedos pelos seus cabelos loiros.
Ana estava com a cabeça apoiada no meu colo e o corpo encolhido.
Ao ouvir minha voz, ela inclinou o rosto na minha direção. Havia um tom
arroxeado nas suas olheiras, que deixava claro as noites sem dormir. Os
cabelos loiros estavam amontoados para o lado, fazia alguns dias que ela
não queria tomar banho, e quando tomava, não penteava as madeixas.
Pobre, Ana. A depressão consumiu sua vontade de viver.
— Não quero sair de casa... — o som que saía dos lábios sem cor
ecoava baixinho, precisava me esforçar para ouvi-la.
— Então, vou preparar um banho para você... Tudo bem? — ofereci,
cautelosa. Ela pareceu cogitar a ideia, pensou por alguns minutos, enquanto
se perdia dentro da sua mente.
Eu sabia como era estar lá dentro, sabia como era melhor evitar a
realidade. Querendo uma escapatória para nivelar a dor, ou melhor, colocar
um ponto final.
— Não sei se quero... Acha que preciso? Para mim parece mais
confortável ficar na cama.
Paciência, Stéfany. Ana precisava de paciência, não era fácil passar
pelas mesmas coisas que ela passou. Nenhuma dor deveria ser subestimada.
— Um banho quente te ajudaria a relaxar, vi em um artigo que sempre é
bom... — minhas palavras fizeram as sobrancelhas de Ana se erguerem, em
um misto de dúvida e tristeza esbaldando entre seus olhos azuis claros.
— Tudo bem, vou tomar banho. Não aguento mais vegetar nessa
cama. É horrível, mas ao mesmo tempo que quero virar parte dela, quero
me desprender disso tudo — confessou com os olhos que eu podia jurar que
transmitiam culpa.
Ah, droga.
— Ana — chamei sua atenção, vendo-a se afastar de mim. — Isso é
algo que não está nas nossas mãos, eu não entendo como funciona, porém
não significa que pode ser eterno. Mas não desista de você!
Porque eu já não tenho esperanças de uma vida longa, amiga.
Os dezoito anos foram os piores das nossas jornadas na Filadélfia,
eu não tinha pressentido que algo ruim poderia acontecer, entretanto, no fim
das contas tudo ruiu, e, dias mais tarde, quando Ana saiu do quarto,
pensamos que seria um avanço.
Na verdade, foi.
Um avanço para a próxima etapa do luto.
A raiva dominou seus sentidos, e, ela não teve como impedir a fúria
que emanava dentro de si.
Ela entrou no quarto de Andrew, inicialmente com a desculpa de
apenas visitar o ambiente. Primeiro, olhou o lugar onde dormiria, em
seguida suas roupas, e logo depois, sua única foto antes de tê-lo visto.
Mas então, algo aconteceu minutos depois. Os quadros que haviam
sob a penteadeira dele, não se encontravam no mesmo lugar. Restou apenas
cacos espalhados pelo chão e as mãos de Ana cheias de sangue. As roupas
que nunca usou estavam sobre o pequeno colchão.
— EU NÃO QUERO VER MAIS ISSO!
Podíamos ouvir sua voz pelos corredores e, no momento que
identificamos seus gritos, tia Maggie e eu corremos até onde estava. A
visão de praticamente tudo destruído me quebrou.
Havia uma nuvem traiçoeira que sobrevoava a Filadélfia inteira nos
últimos meses, eu sentia que o que pudesse vir nas próximas semanas não
seria algo bom ou agradável para nenhuma de nós duas. Nada estava ao
nosso favor, não tínhamos um plano para lidar com tudo isso, mas sabíamos
que sempre teríamos uma a outra, até mesmo quando uma desistisse.
Observei Maggie embalando a filha nos braços, como se fosse uma
criança indefesa que dava sua vida para protegê-la do mundo lá fora. E Ana
fazia a comparação se tornar cada vez mais real, enquanto chorava nos
braços de sua mãe, de maneira descontrolada.
Ela gritava.
Esperava para fugir do colo da sua mãe.
E além de tudo, o choro não cessava.
— Meu amor, eu estou aqui. Maggie, sua mãe! — As mãos
prendiam as bochechas da loira para que ela não pudesse mais tocar em
algo.
Ana estava com o rosto vermelho no segundo que, finalmente, se
deu por vencida ao mesmo tempo que encarava a tempestade que tinha
dominado o cômodo. O furacão Ana havia feito aquilo, a versão que não
tinha controle.
E eu queria Ana Lawrence, minha melhor amiga, novamente na
minha vida.

— Hoje é o nosso baile de formatura.


Ao ouvir minha voz, ela inclinou a cabeça para o lado.
Seu olhar e o modo como encarava o chão minutos antes me
causavam medo.
Ana estava a cada dia mais descontrolada, tanto que tia Maggie teve
que trancar o quarto de Andrew.
— Você quer ir? — Ana indagou, ainda sem olhar para mim.
— Não, não vou ganhar nada indo, principalmente se eu for sozinha
— contei, baixinho, enquanto afundava a unha contra a carne do punho
fechado. Era um modo de camuflar uma dor por outra, mas não surtia
efeito, tudo doía.
Ambos faziam meus olhos ardem.
Eu podia sentir a unha pontiaguda entrando cada vez mais fundo na
pele.
Mais e mais.
Eu não tinha controle para parar.
As marcas do cinto nas minhas costas doíam mais.
Eram mais profundas.
E as feridas ainda estavam abertas.
Denner não tinha pegado leve daquela vez, quando pensou que eu
estava matando Dean na banheira. Como eu poderia fazer isso com a
pessoa que eu mais amava naquela casa?
Na noite anterior, quando eu cheguei em casa, encontrei o bebê
sozinho no seu banho, Rose estava no quarto pegando algumas roupas e
nesse curto período, ele escorregou para dentro da água.
Entrei em desespero e fui salvá-lo.
A primeira coisa que veio na minha mente foi pressionar seu
abdômen para que pudesse expulsar a água do seu corpo. Denner nos
encontrou enquanto eu fazia os primeiros socorros e não entendeu a
situação, enlouqueceu dizendo que eu queria matar seu filho.
Eu apenas queria ajudá-lo. Me senti bem apenas depois que vi que
ele estava fora de perigo.
Não podia perder Dean.
Ele era minha única luz.
Quando nasceu pensei que o odiaria por vir ao mundo, porque foram
anos sendo a única filha. E a chegada de uma criança me fez pirar, todavia,
o sentimento quando o vi pela primeira vez foi de outro mundo.
Eu quis proteger aquele garoto.
Principalmente depois que foi diagnosticado com deficiência
auditiva.
Ele estava vulnerável pelo resto da vida e poderia sofrer nas mãos
do seu próprio pai, que continuava o mesmo monstro de sempre.
— Stéfany?
Levantei meu olhar.
— Sua mão... está sangrando — Ana parecia em choque depois que
viu os seus lençóis marcados pelo sangue. A dor pareceu adormecer meu
corpo, eu não senti quando a unha perfurou ainda mais.
Minhas unhas sempre foram grandes e afiadas, talvez preparadas
para momentos como esses.
— Acho que me arranhei a perceber... — murmurei. — Me
desculpa.
— Tudo bem — contraiu os lábios.
— O que você estava dizendo? Perdi algo?
— Ah, estava contando que queria sair.
A surpresa moldou cada centímetro do meu rosto.
— Sair?
Ana assentiu.
— Quero me divertir, Sté, estou entediada nessa casa. Preciso de
uma festa, ir a uma boate, não sei. Gostaria de algo novo! — A Ana de um
ano atrás odiava festas, preferia ficar em casa com um livro. Sua cama era
mais confortável do que horas sob saltos altos.
— Quer mesmo isso?
— É tudo que eu mais quero.
Acenei.
— Soube que vai acontecer uma festa pós-baile de formatura, algo
mais pesado, com bebidas alcoólicas liberadas. Alguns caras me chamaram
para ir, topa? Ou é longe demais?
— É perfeito, Sté!
Não era perfeito, foi o início da nossa decadência.
Ana e eu fomos para aquela festa.
Bebemos até esquecer dos nossos problemas, ou parte deles,
beijamos homens desconhecidos. E no fim, minha melhor amiga teve outro
surto. A bebida foi seu ponto de escape, mas o mesmo foi seu declínio para
a lama.
Naquela noite quando eu voltava para casa, completamente bêbada,
vi Callon em seu posto. A lembrança que eu ainda era virgem aos dezoito e
Ana já tinha experimento o que era sexo, me preencheu.
Eu tive curiosidade.
E ao ver Callon do outro lado da grade, me fez pensar se valia a
pena esperar pela pessoa certa. Sempre soube que os homens naquela
cidade não eram para mim, eu queria tudo menos um romance.
Callon e eu tínhamos 10 anos de diferença.
Mas ele não me viu crescer como Vitorio.
Callon passou seis anos longe, por conta dos problemas com a
família.
Não haveria problemas.
Eu queria ser livre.
— Oi, Callon... — sussurrei, prendendo meus dedos entre as grades
dos portões. Eles ainda eram maiores que as lembranças de quando eu era
criança.
— Se seu pai souber que você está voltando para casa a essa hora,
ele vai enlouquecer.
— Ele não precisa saber, Callon. Ou você seria um babaca?
— Ele é meu chefe, Senhorita Stéfany.
Fiz uma careta.
— Senhorita não.
— E como devo chamá-la, senão por esse nome?
Sorri.
— Bom, por qualquer outro melhor que esse.
Callon uniu as sobrancelhas em dúvida, ele não tinha notado que eu
estava bêbada. Talvez tenha passado pela sua cabeça que o cheiro de álcool
fosse resultado de algumas bebidas, não muito para me denunciar pelo
ocorrido.
— Enquanto pensa, você pode abrir os portões e me deixar te ajudar
em qual nome seria perfeito... — Pisquei. — Ou talvez no seu quarto.
Eu estava no controle.
Callon não escondeu a expressão maliciosa nos olhos.
Eles estavam ardendo por mim.
Tive o que queria.
Transei com Callon.
QUEM TE ARRUINOU?

Costumávamos ser próximos, mas as pessoas podem passar


De pessoas que você conhece a pessoas que você não reconhece mais
E o que mais dói é que as pessoas podem passar
De pessoas que você conhece a pessoas que você não reconhece mais
People You Know | Selena Gomez

Um jantar em família.
Sempre achei que ocasiões como essas estivessem ultrapassadas,
infelizmente, foi um engano meu. Mamãe queria me infernizar até a morte,
no entanto, parecia que o mais novo premiado para esse show caótico, não
tinha sido apenas eu.
Hannah estava na mesa com Ethan à minha direita.
E na minha frente, estavam sentados Stacy e Mason.
Lilian não ficou satisfeita com a apresentação que fiz de Taylor.
Deveria imaginar que o seu aniversário de casamento não seria meu
único tormento nessa Terra e Lilian que sempre foi ocupada para os filhos,
estava com tempo suficiente para organizar jantares.
Naquele instante, implorava para alguém pisar no meu pescoço. Eu
já não aguentava mais nenhum segundo respirando o mesmo ar que Mason.
Lentamente, comecei a bater o solado do meu sapato contra o piso
de porcelanato azul.
— É maravilhoso ter nossos filhos conosco ao mesmo tempo, depois
de tanto tempo. Não acha, Oliver?
Sua mão deslizou sobre a do marido lentamente. Meu pai, por outro
lado, parecia sincero com o sorriso que desenhou nos lábios.
— Sim, querida. É bom tê-los juntos de novo, como uma grande
família! — Oliver demonstrava cansaço apenas com o olhar, mas não
deixou que isso ofuscasse a alegria em seu interior.
Não se pode ganhar todas, não é, pai? Foi isso que ele me ensinou
no decorrer da minha trajetória com meus problemas mentais.
Não se pode ganhar todas, Eric. Em algum momento, ter o gosto da
derrota é necessário. Elas servem para lhe colocar uma linha tênue. É
essencial para o seu equilíbrio como pessoa. Você pode acertar cem vezes,
mas em algum momento, vai acontecer de errar cinquenta. É como a vida
funciona em todo o seu mistério. Ninguém é de ferro, somos programados
para cair e levantar incontáveis vezes.
É, pai. Parece que no momento estou errando o triplo da média.
Não tenho mais esperança em um futuro.
Só queria ser a criança que sempre foi fã daquelas histórias infantis.
Foram elas que me incentivaram a leitura.
A vaga lembrança se fez mais forte em questão de segundos quando
consegui ouvir novamente a voz carregada, por conta da idade avançada.
Simplesmente reconheci. Era Acácia, uma senhora que, por anos, regrou
nossas vidas quando eu ainda era uma criança, mas infelizmente, a morte a
chamou.
Acácia amava contar as histórias que ouvia de sua mãe desde a
infância. A favorita dela, sem dúvidas, ainda conseguia me lembrar: Peter
Pan[9]. A paixão em prender minha atenção como a dos meus irmãos, foi
unicamente forte em apenas uma pessoa, ou melhor, uma criança.
A versão mais jovem e menos problemática de Eric Peterson.
Porque quando se é uma criança, a fase adulta parece nunca chegar.
O tempo corre lentamente.
Era difícil ter muitas expectativas para uma vida que demoraria para
acontecer, eu preferia ficar na biblioteca, preso em meus livros. Nos
universos fictícios que tinham o poder de me salvar, mesmo que
temporariamente, da minha realidade caótica.
De repente, eu estava entre a sala de jantar e o meu passado.
Os meus olhos não se moviam, eles apenas encaravam a garota ao
meu lado. Ela podia sentir. Ela com certeza havia notado o gesto, porque
seus ombros estavam tensos, enquanto o punho seguia fechado na barra fina
da toalha de mesa.
No brilho fino de luz, entre o abismo que nos separava, era quase
impossível identificar os nós que se formavam nas costas da sua mão. Seria
incômodo? Algo estava acontecendo com Stéfany.
O jantar. Todos ao seu redor. Até mesmo eu.
A respiração proseguia falha, ainda que ninguém houvesse calado a
porra da boca desde que se sentaram em seus lugares. Mas, de todas que se
sobrepunham na mesa, a única que não escutei, foi a voz dela. Desde que
entrou pelas infernais portas da minha casa, o silêncio a acompanhou.
Ela assistia tudo atentamente. Observava a farsa se alastrando ao
nosso redor.
Foi bem ali que descobri algo nela: Taylor era uma garota
observadora. Assim como eu, notava que tudo naquela família gritava
desespero. Uma grande mentira para a sociedade. Nunca poderia saber o
que se passava na sua mente, apenas uma única pergunta rondava meus
pensamentos.
O que você guarda atrás do seu coração partido, Taylor?
Era uma boa pergunta que, um dia, adoraria ter a maldita resposta.
Mas talvez isso nunca acontecesse. Pensar naquilo me fez unir as
sobrancelhas.
Quando foi que minha missão de vida se tornou descobrir o passado
de Stéfany Taylor?
Curiosamente, aquilo se tornou uma pergunta persistente nos
últimos dias turbulentos.
Paz era algo que se tornou inexistente por semanas a fio.
Em alguns dias, eu até podia ouvir como minha própria mente tinha
se tornado uma tarefa incansável, em outros, existia somente um eco.
Apertei rapidamente os olhos, precisando levar um tempo para
raciocinar e entender o que estava acontecendo ao meu redor, e
principalmente comigo. Não era normal e nisso eu deveria ser honesto.
Stéfany Taylor estava dominando os meus pensamentos, ações e
mais: os meus desejos.
A mentira que criamos estava se tornando algo que não tínhamos
controle.
Eu a queria fora das paredes da minha mente. E outra vez fui capaz
de ouvir a voz melancólica de Acácia: "Você não precisa sentir pena dela.
Ela era do tipo que gostaria de crescer. No final, ela cresceu muito mais
rápido do que qualquer outra garota.”
O que aconteceu com você, Stéfany? Quem te feriu? Quem te
arruinou?
Eu daria qualquer coisa para descobrir quem havia sido o filho da
puta. Seria capaz de arrancar a porra das suas mãos por tê-la trasformado no
que era. Uma garota fria, com um coração duro e um sorriso falso, que
escondia todas as suas nuances. Na maior parte do tempo era solitária, as
pessoas ao seu lado nunca definiam o quão social ela poderia ser.
Ela queria fugir daquela mesa, eu consegui desvendar a respiração
ritmada, as mãos prendendo a barra da toalha. Taylor estava se agarrando ao
que podia para se manter calma, mas a cada segundo que assistia aquele
desastre, mais certeza de que aquele jantar seria o nosso fiasco.
Ela estava vazia, carregava mágoa nos olhos. Mas era ambiciosa
pelo sucesso, talvez isso, em algum momento do seu dia, arrancasse um
sorriso vitorioso. Talvez uma chama calorosa pudesse abraçá-la e a
consolasse quando não tinha ninguém por perto.
Entretanto, por cima de tudo isso, existia uma língua afiada que,
sem dúvida, arrancava-me do meu mundo silencioso, mas nem um pouco
tranquilo. Ela me mostrava coisas inimagináveis e mesmo que, às vezes, eu
pudesse ser barulhento quando menos esperava, ela ainda continuava ali,
sendo o meu espelho. Algo que me assustava e me puxava para si.
Aquilo era uma droga. Um vício.
— Há quanto tempo estão juntos, Stéfany? É Stefany, não é?
Tomando minha atenção, ergui os olhos em direção de Lilian, com
os cotovelos apoiados na mesa, seu olhar parecia questionador ao tirar todo
o silêncio e se tornar o centro de todo entretenimento.
Eu sabia o que ela estava querendo fazer.
— Não há muito tempo.
— Há quase um ano.
Mesmo que a pergunta fosse direcionada apenas para a garota ao
meu lado, eu não deixaria aquela conversa tomar proporções maiores.
Minha mãe não teria seu show de horrores aquela noite, e se dependesse de
mim, nunca mais aconteceria.
— Não entendi — Lilian ergueu uma sobrancelha.
Maldição, não era hora para essas perguntas, mãe.
— Como ia dizendo... — Stéfany voltou a falar, mas percebi que seu
tom de voz estava diferente, pelo simples fato de que estava sendo
direcionado a mim. Com a chama se transformando nos meus olhos, eu a
encarei de volta. — Não considero um ano muito tempo. Para alguns isso
pode significar que sim, mas para mim ainda é pouco — rebateu a
provocação da minha mãe.
— Realmente — Pela primeira vez desde que se sentou à mesa, ela
concordou com algo diante daquele jantar. — Há vários pontos de vista e o
meu diz que um ano é muito tempo, principalmente quando seu filho está
com uma garota e sua família não faz ideia de quem é.
Não ouse continuar com essa droga de joguinho, mamãe.
Os olhos de Taylor penetraram os meus.
Ofuscantes e lindos.
— Eu sabia que eles estavam juntos, mãe. E eu sei quem Stéfany é
— Hannah murmurou, seu olhar se intensificava na sua bebida, onde o
vinho ainda era presente na taça. Seu dedo indicador traçou a borda
silenciosamente após dizer as primeiras palavras à mesa.
— Claro, meu coração de mãe fica tranquilo com isso, filha. Mas eu
quero saber da boca do novo casal — continuou a provocação.
— Lilian, por favor — A voz exausta do meu pai preencheu cada
centímetro da sala de jantar. Os olhos cansados denunciavam que a primeira
coisa que faria era seguir para a cama.
Pobre, Oliver.
— Ah, não vamos deixar que esse clima ruim destrua nosso jantar.
Principalmente por ser o jantar de boas-vindas, pessoal, a nós! — Mason
quis deixar a situação menos constrangedora, entretanto, ele sabia que todo
esse show forçado estava piorando tudo.
Seu tom de voz. O sorriso lascivo. E o modo como erguia sua taça.
Há anos que eu não sentia aquela brasa crescendo de mim.
— Você sabe que esse jantar não é somente para enaltecer o filho
pródigo, Mason — cuspi entredentes.
— Óbvio, é sobre nosso querido Eric que conseguiu uma namorada.
Aliás, irmãozinho, pensei que esse dia não chegaria.
— Não tem como arrumar uma namorada com você na mesma
cidade, Mason. Normalmente, você as toma de mim — Forcei um sorriso,
mas na verdade, eu queria estar batendo a cabeça do meu irmão até sangrar
naquela mesa em que suas mãos descansavam.
Sem jeito, capturei o segundo que Stacy tocou no ombro de Mason,
em seguida seus lábios sussurram algo. Apenas os dois sabiam.
— Estava demorando... — Hannah murmurou com desdém,
enquanto também assistia o momento do casal.
— Eu preciso... ir ao banheiro — Stéfany disse, tirando da atenção
de Mason.
Ele não merecia ser o centro de tudo.
Preferia queimar a deixar meu irmão estragar tudo na minha vida
novamente, seria demais. A mera cogitação fez uma neblina de fumaça me
cegar e só voltou quando a voz de Taylor soou como uma melodia doce nos
meus ouvidos, em seguida, o toque suave da sua mão se juntou na minha.
— Pode me levar, amor?
Porra.
Engoli em seco.
Mas que merda, Stéfany.
— Claro, my heart.
Um sorriso moldou seus lábios, enquanto afundava sua unha afiada
contra a minha pele. Aquele foi um sinal claro de que ela estava odiando
cada segundo ali.
Taylor soltou minha mão para empurrar a cadeira logo atrás dela, e
eu repeti o mesmo gesto para me pôr de pé. Dei passagem para que seguisse
na frente e nos locomovemos juntos até a área dos banheiros no andar de
cima, no mesmo corredor que ficava a biblioteca.
Iríamos subir juntos àqueles degraus infernais.
Ela parou em frente a escada, esperando por mim.
— Vá na frente — Abracei meus dedos nas suas costas, fazendo
com que ficasse completamente dura na minha mão.
Seu corpo se retraiu, mas por pouco não se esquivou do meu toque.
— Espero que você tire essa mão de mim o mais rápido possível.
Não acatei suas ordens, pelo contrário, intensifiquei meu aperto na
sua coluna. Taylor pareceu me odiar mais um pouco apenas pelo gesto,
tomando impulso para subir a escada o mais rápido possível.
Quando chegamos no fim, a ouvir dizer:
— Preciso que me leve a algum lugar com janelas.
Estranhei o seu pedido.
— Você não queria ir ao banheiro?
— Não, sua família me causa dores de cabeças terríveis. Quero
fumar, Peterson. Preciso fumar. Seria pedir demais?
— Tudo bem — Não evitei resmungar.
— Sua família é um porre, isso inclui você. A única pessoa que se
salva é Hannah — enquanto subia à minha frente, ia chiando. — Agora me
leve a um lugar com janelas — ordenou, sem nenhuma paciência.
Mordi a parte interna da bochecha, analisando a situação.
— A biblioteca.
Imediatamente seu rosto transmitiu dúvida.
— Há janelas imensas na biblioteca — suspirei, nervoso, pensando
se deveria levá-la até aquela área apenas para alimentar o vício.
— Uma biblioteca... Ana me mataria se soubesse que estou indo
fumar no lugar que ela facilmente viveria — confessou seus pensamentos,
mas ao mesmo tempo não negou.
Ela realmente estava disposta a ir até aquele cômodo.
Não haveria problemas quanto a isso porque sabia que ninguém iria
nos procurar ali, a única pessoa que perambulava com frequência naquele
lugar era eu, sempre que podia estava lá. Faça chuva ou faça sol, me sentia
em outro mundo.
Puta merda.
O pensamento me levou para fora da atmosfera, enquanto eu a
levava até lá.
As portas se mantinham fechadas desde sempre, só eram abertas
quando as empregadas iam limpar, fora isso, nenhum outro membro da
minha família frequentava aquele lugar. Havia livros infantis,
contemporâneos, terror, fantasia, livros sobre tudo, menos romance. Ler era
conhecimentos, foi o que eu mais procurei.
— Quando você vai parar de fumar essa merda? — indaguei,
enquanto cruzava os braços na sua frente.
Taylor tirava algo dentre seus seios e... porra, era um esqueiro. Em
seguida, seu olhar foi parar na bolsa que carregava consigo. Em hipótese
alguma a garota me permitiu guardá-la e naquele momento entendi o
porquê.
Ótimo.
Ela apoiou as duas mãos atrás do seu corpo, ainda carregando o
pequeno vício nos dedos. Com o gesto, a jaqueta abriu, fazendo-me engolir
um novo palavrão nos lábios.
Mas que merda, Taylor.
— Agora, respondendo a sua pergunta: eu posso parar a hora que eu
bem entender.
Eu ri, porra. Ri pra valer.
— Acho que não, no mínimo, você não aguentaria uma semana sem
a porra do cigarro, my heart — contornei o joguinho que aquela conversa
estava virando em questão de minutos. — Eu já experimentei esse seu
vício, pode parecer bom a longo prazo, mas não vai fazer você esquecer
realmente dos seus verdadeiros demônios.
— Você não me conhece de verdade, Peterson — Agarrei o
momento em que ela caminhou pelo ambiente de uma maneira tão... não
tinha palavras para descrever. O que aquela garota estava fazendo com a
minha mente? Ela tinha ganhado o domínio em pouco tempo. — Eu tenho o
poder de acabar com tudo no segundo que eu quiser.
— Tem? — sondei, erguendo as sobrancelhas, abrindo um leve
sorriso. Incrível como ela conseguia me tirar do sério e arrancar toda minha
sanidade em um curto espaço de tempo. Às vezes, eu só desejava que lidar
com aquela garota fosse mais simples, sem dores de cabeça ou estresse. —
Me diz, Taylor. Consegue ficar sem isso? — inclinei a cabeça apontando
sutilmente para o cigarro ainda em seus dedos. — Consegue se manter
longe do seu único meio de escape do mundo fodido?
Um sorriso cruza seus lábios.
— Nunca deixei que duvidasse do contrário.
— Poderia dizer que queria muito acreditar.
— Ah, pois deveria, às vezes você se deixa levar por tão pouco... e
em outras situações se torna um babaca muito careta — testemunhei suas
mãos fazerem alguns movimentos após terminar de provocar meu
sepultamento por três vezes seguidas, em cinco minutos compartilhando o
mesmo espaço. — Na verdade, você sempre foi tudo isso ao mesmo tempo,
não é?
— Filha da…
Stéfany ergueu um dedo e eu deixei o rastro de uma risada se extrair
da minha garganta, quando sem precisar verificar qual dedo ela tinha me
mostrado, já que um segundo antes, iria jurar que tinha sido o seu dedo
médio, mas pelo canto do olho vi seu indicador ainda levantado.
— Pense bem no que vai dizer, pode acabar se arrependendo
amargamente. Talvez me daria prazer.
— O sentimento poderia ser mútuo, mas antes eu eliminaria essa
palavra grotesca que você insinuou.
— Prazer? — Repeti, apenas para irritá-la, sabia que a deixaria fora
de si.
Meu humor estava sendo outro nos últimos meses, mas nunca
perderia a oportunidade de importuná-la. Talvez, eu estivesse sendo afetado
pelas travessuras de Alex. Nunca foi tanto como a cara dele fazer isso com
as pessoas ao seu redor.
Independentemente de quem fosse, não escaparia uma única pessoa.
Quer dizer, eu achava que Hannah estivesse fora desta lista ridícula.
— E qual seria?
— Exatamente, a última coisa que eu poderia sentir por você, seria
prazer. Já que tudo em você me traz sentimento contrário.

Eu tinha esquecido completamente que estava na biblioteca dos


Peterson.
— Diga algo, Taylor... — O calor dos seus lábios quase encostando
no lóbulo da minha orelha, me fez estremecer.
Engoli em seco, sentindo o nó apertando minha garganta, já que eu
não conseguia dizer uma única palavra a altura para o loiro enorme atrás de
mim.
O único movimento que consegui me forçar a fazer foi erguer os
dedos pelas lombadas grossas dos livros equilibrados na fileira à minha
frente, ignorando totalmente Eric, sem me importar em deixá-lo para trás.
Havia tantos livros... era incapaz de contar todos um por um.
Eu só saberia se minha língua ousasse perguntar, mas naquele
segundo preferia me aventurar nas, talvez, centenas de livros? Eram muitos,
a casa era enorme, podia comparar com o meu antigo lar por conta dos
cômodos desocupados, que existiam apenas por arrogância do meu pai, já
que morava apenas quatro pessoas naquele lugar. Nenhum empregado
dormia na mansão, existia a troca de turnos, e eles eram proibidos de entrar
a não ser que fosse em caso de força maior. Todos ficavam fora, cuidando
da segurança, onde o único perigo dormia na suíte principal.
O verdadeiro mal daquela casa era Denner Taylor.
Apertei meus olhos por alguns segundos, porque ao relembrar
aquele nome era impossível não ficar nauseada. Precisava pensar em algo
que não tivesse ligação com ele e somente tive a resposta quando obriguei-
me a olhar para o livro onde meu dedo circulou delicadamente o pouco da
sua estrutura desgastada.
Quem sabia a quanto tempo eles estavam ali empoleirados na
estante? Peterson teria a resposta? Não, queria entrar fundo em outro lugar.
— Você já leu algum desses? — Daquela vez não fracassei em
iniciar uma conversa, mas também percebi o interesse brilhando no mar
azulado dos seus olhos.
Quando eles ficaram tão azuis?
Aquilo já não tinha mais importância, pois no segundo em que notei
seus dedos deslizando descontraidamente para o bolso da calça escura, e no
momento seguinte, o vi dando passos na minha direção, me odiei por estar
dando liberdade.
— Quase todos — murmurou, encurtando cada vez mais nossa
distância.
— Você é louco.
— Sempre soube.
— Há tantas camadas em você, Peterson, que jamais vou deixar
minha curiosidade descobrir.
— Não faça isso, my heart. Acaba perdendo toda diversão que
poderia ter.
— O que seria divertido? A meu ver é impossível filtrar proveito em
desvendar sua mente. Eu não tenho interesse algum nisso.
A deixa foi apenas um aviso, mas soou indiferente para o
brutamontes na minha frente. Tão perigoso... Um lembrete estampado para
não deixá-lo descobrir as minhas camadas. O alerta de perigo embaçou
minha mente e a primeira reação imediata que tive foi pegar o livro que
ainda tinha a atenção dos meus dedos.
É, você foi o premiado querido, eu preciso que sirva para minha
fuga.
Observei a capa do exemplar, flutuando as pontas dos meus dedos
sobre sua lombada, lendo finalmente o título Romeu e Julieta, de William
Shakespeare[10]. Aos poucos, fui tomada pelos pensamentos, ainda sentindo
Eric perfurando seu olhar sobre todo meu corpo. Ele assistia todos os meus
movimentos perpetuamente, não haveria um deslize em falso que ele não
notaria.
Fingi que estava lendo o livro.
Eu nunca tive motivação para seguir realmente com a leitura dele. A
história era trágica, assim como a minha.
— Gosto bastante de Shakespeare — notificou querendo minha
atenção, mas não o daria. Eu leria, em algum momento.
— E eu odeio — rebati.
— Talvez você se familiarize com ele estando do jeito certo... A
leitura é bem melhor quando o livro não está de cabeça para baixo.
Abri os lábios.
Não acredito.
Abaixei meu olhar sobre as páginas e... cacete, o livro realmente
estava de cabeça para baixo.
— Bom, é isso que acontece quando precisamos fugir de alguém
irritante — cuspi as palavras encarando seus olhos que se mantinham presos
em outro lugar. — Meus olhos estão aqui em cima, Peterson — sussurrei.
— Sei que sim.
— E por que continuar petrificado enquanto assiste minha boca?
— Ela é convidativa pra caralho, Taylor.
Prendi minha respiração.
— Para o inferno, canalha. Minha boca nunca chegará perto da sua.
— Rezando para que suas mentiras se tornem verdades.
Prendendo a respiração, eu saí de dentro dos seus braços e ele não
me impediu de correr para bem longe dele. Precisava ficar alguns minutos
longe da sua aura embriagante. Era o melhor para minha sanidade e bem
estar.
Enquanto seguia pelos corredores, dei de cara com a ex-namorada
dele. No entanto, para minha surpresa, ela estava carregando algumas malas
para fora de um quarto.
Wow, alguém estava indo embora bem diante dos meus olhos.
— Oi, Stéfany.
— Oi.
Stacy respirou fundo.
— Estou indo embora — Ela riu como se fosse algo engraçado, mas
eu fiquei surpresa com aquilo.
— Indo embora? — arqueei uma sobrancelha.
— Sim, enquanto você estava fora com Eric, tive uma briga com o
irmão dele. Mason e eu terminamos. Descobri que ele trepou com uma
garota no aniversário dos pais — Ela desviou seu olhar ao mesmo tempo
que piscava. — Pelo visto, eu deveria ter continuado onde eu estava —
confessou, deixando que eu visse uma lágrima sorrateira deslizar.
— Vai mesmo voltar?
— Vou, eu já deveria imaginar que as coisas não iriam durar muito.
Fui uma megera com Eric, e agora o karma chegou para mim. Você acha
que ele me levaria até o aeroporto?
Aquilo era algo que estava fora da minha imaginação.
Ao mesmo tempo que pensei que ele aceitaria, vi uma versão
escrota dele negando.
— Talvez, não custa perguntar.
— E você?
Franzi o cenho.
— Vai se importar?
— Por que eu me importaria com isso?
— Hum... você é a namorada dele e eu sou a ex, pensei que você
teria uma neura com isso — divagou e eu ri com a sua resposta. — Pelo
visto estou enganada.
— Não, pode ir tranquila — Eu odeio ele, por pouco não completei.
— Certo... — Ela deu um passo, seguindo para seu destino, mas de
repente, parou. — Stéfany… obrigada.
— Não precisa disso.
— Não é por isso — Se referiu à breve conversa. — Obrigada por
ter feito Eric me superar e dar a oportunidade de seguir em frente. Ele já
passou por muito com essa família, e na época que terminamos, o meu lado
amiga sentiu sua falta. Obrigada por fazê-lo feliz, eu posso ver o quanto ele
está apaixonado por você.
— Como pode saber disso?
Peterson soube fingir tão bem?
— Eu vi nos seus olhos enquanto ele te olhava em seus momentos
de distração, na festa. Ele parecia completamente louco por você. Quer
saber de um segredo? Eric nunca me olhou daquele jeito quando
namorávamos.
QUANDO NOS CONHECEMOS

Você veio me levantar


A vida é uma bebida e o amor é uma droga
Oh, agora acho que devo estar milhas acima
Quando eu era como um rio seco
Você veio para chover uma inundação
Hymn For The Weekend (feat. Beyoncé) | Coldplay

PASSADO
— Quem vai na fraternidade avisar sobre a festa? — Alex
perguntou, relembrando que ainda teria que convidar as meninas da
fraternidade onde Hannah morava.
— Vamos tentar a sorte — Nathaniel sugeriu, sacudindo as cinzas
do cigarro no cinzeiro na mesinha de centro.
Tudo começou com uma recepção para as calouras da CBU.
Nathaniel estava a fim de fazer uma festa antes das aulas iniciarem,
e isso foi um bom pretexto para chamar todas as garotas do campus para o
apartamento, onde morava Nathaniel Sullivan e Alexander James, ou
somente Alex, como preferiu ser chamado desde que nos tornando amigos
no colegial.
Nos conhecemos ainda fedelhos, e Nathaniel com suas tatuagens e
arrogância havia chegado por último na turma. Antes dele existiam Alex,
Hannah e eu.
E no momento que o colégio abriu inscrições para o time de futebol
americano, soubemos que poderíamos ser um time.
Um trio.
No nosso mundo, parecia inviável adicionar Nathaniel, não
encontramos motivos plausíveis ao ver o badboy, ele também nunca se
encaixaria conosco. Enquanto ele curtia cigarros e vandalismo, Alex
gostava de fazer piadas, na maioria contendo humor ácido.
E de repente, nos completamos como um grande quebra-cabeça.
Naquele instante, sabia que havia mais entre nós.
Uma conexão do caralho que se fundiu com tão pouco tempo de
convívio.
— Como isso vai funcionar, Alex? — indaguei.
— Ah, vamos tentar com a moeda. Primeiro um de vocês, em
seguida eu e a pessoa que perder.
— Que porra é essa, Alex? — Uni as sobrancelhas.
— Ah, cara. Você quer ir sem precisar jogar a moeda?
— Puta merda, jogue logo essa merda! — Nathaniel advertiu,
bufando enquanto passava a mão direita contra o rosto. O cara parecia
impaciente com nossa falta de vontade para ir até a irmandade.
— Primeiro de tudo, preciso de uma moeda para isso, irmão — Alex
resmungou, apalpando os bolsos. — E falando nisso, não tenho um tostão
furado comigo agora — O filho da mãe forçou um sorriso.
— Porra, você não tem uma moeda consigo? — questionei,
encarando-o.
— Não... Pode me arrumar?
Revirei os olhos, deslizando a palma contra o tecido, e de repente a
compreensão me acertou. Eu também não tinha nada dentro dos meus
bolsos.
— Ah, vocês só podem estar brincando com a minha cara —
Nathaniel, o único tatuado do trio, esbravejou. Não demorou dois segundos
para que ele fizesse surgir uma moeda entre seus dedos. — Aqui. Já que eu
quem arrumou a moeda, irei joga-lá. Cara ou coroa, Eric?
— Cara.
Nathaniel assentiu, jogando-a para o alto e, quando ela retornou para
suas mãos, todos nós olhamos para ela, tentando identificar o lado que
estava para cima.
Até que...
— Coroa, meu caro Eric — O moreno sorriu.
— Me passa a moeda — falei, inclinando minha mão na sua
direção. Nathaniel jogou-a entre meus dedos. Levei meu olhar sobre Alex.
— Cara ou coroa?
— Cara — Assenti arremessando-a para o alto.
— Mas que caralho! — xinguei.
Tinha dado cara.

Por que aceitei jogar aquilo?


A pergunta girou nos meus pensamentos enquanto batia na porta.
Não tinha tempo para esperar alguém ouvir a campainha, e graças a
Samantha eu não precisei passar muito tempo naquela porta.
— Onde está Hannah?
Samantha pareceu completamente desinteressada em me responder,
ela era antipática e superficial.
— Deve estar no quarto dela — resmungou, como se fosse óbvio.
Revirei os olhos.
Hannah poderia estar no andar de cima, mas não lembra onde ficava
o cômodo, tinha apenas uma vaga lembrança.
Segunda porta à direita.
Determinado, percorri meus passos sobre as escadas e me coloquei
frente a frente da porta que seria a de Hannah. Não bati, já que não
precisava. Minha irmã trancava a porta apenas quando realmente achava
necessário.
Toquei na maçaneta e a girei.
— Hannah? — A chamei. — Hannah? — Girei meus pés, virando
de costas para a porta do banheiro até identificar passados leve, entretanto,
não eram os seus. Franzindo o cenho, inclinei a cabeça me preparando para
o pior, então... surgiu uma garota completamente nua.
— Ai, meu Deus. Quem é você, seu tarado? — gritou cobrindo o
corpo com as mãos, mas puxou o lençol da cama para se cobrir.
A garota desconhecia que tinha muitas tatuagens, e a que mais
estava visível, era o coração.
— Ei, me desculpe. Eu não...
— SAI DAQUI, SEU PERVERTIDO! — Se abaixou para pegar
algo e quando vi o que era, me arrependi de ter entrado ali. Um par de
sapatos. Ela os pegou e quando dei por mim, vi o calçado sendo lançado na
minha direção — VÁ EMBORA! — Eu tinha desviado do primeiro, mas
então veio o segundo para desgraçar tudo.
Ela acertou a porra do salto em mim.
Filha da puta.
— Eu errei o quarto, foi sem...
— VOCE NÃO ENTENDEU?
Esse foi o meu primeiro encontro com Stéfany Taylor, a garota que
fodeu com minha mente, corpo e alma desde o primeiro instante.
Passei quase um ano implorando desculpas.
Ou tentando fazê-la acreditar que não foi proposital.
DESESTABILIZADA

Eu quero te levar a um lugar para que você saiba que me importo (..)
E eu quero beijar você, fazer você se sentir bem
Estou simplesmente tão cansado de dividir minhas noites
Eu quero chorar e eu quero amar
Mas todas as minhas lágrimas foram gastas
Em outro amor, outro amor
Another Love | Tom Odell

Estava cansada.
Havia dias que não sabia o que era uma noite de sono decente. E
pior, não podia reclamar, já que o compilado de situações me obrigam a
ceder à exaustão, a última coisa que tinha, era um minuto de descanso.
Respirei fundo, balançando as pernas carregadas de desespero. Eu
estava sentindo vontade de fumar, tinha que admitir.
Por mais que eu tivesse determinado que iria parar, meu organismo
estava contra mim. A nicotina tinha um poder indescritível que não
conseguia mensurar minha necessidade, essa era a verdade por trás do
primeiro passo que um viciado dá para o fim do vício.
Era só a ponta do iceberg de todas as etapas.
Sempre soube dos riscos e o que poderiam repercutir na minha
saúde. Foi por essa razão que aceitei o primeiro cigarro que me ofereceram
na vida. Eu estava tão quebrada após minha falha tentativa de suicídio, que
percorri a outros métodos de uma morte lenta, entretanto, quis acelerar o
processo passando a fumar cerca de quatro cigarros por dia.
Precisava de água.
Meu corpo implorava por algo que me acalmasse.
Água talvez ajudasse.
Pensando justamente nisso, vaguei meus olhos sobre a porta na
minha frente, e sem esperar mais um segundo, apressei os passos antes que
a aflição me impedisse de chegar no andar de baixo.
Passei pelo corredor e segui até as escadas, a cada degrau que eu
descia meu coração martelava descontroladamente contra o peito.
Droga, eu não iria durar muito ali.
Com as mãos trêmulas, abri a geladeira e peguei a garrafa de água,
me servindo. Quando pensei que poderia respirar melhor, a porta da entrada
se abriu e o meu humor foi lá embaixo, quando identifiquei o rosto de
Peterson.
Que droga.
— Você parece tão feliz em me ver — zombou, jogando suas chaves
na mesinha de centro próxima ao sofá.
— Como não ficar animada em vê-lo enquanto estou de
abstinência? Tudo que eu mais queria era te matar pelo desafio idiota.
— Que você aceitou, aliás.
Apertei os dedos em volta do copo.
— Argh, cretino!
— Um doce como sempre... — Seus olhos azuis me analisavam,
todavia ele passou tempo demais me encarando, que um incômodo surgiu
pelo meu corpo.
— Por que está me olhando assim?
— Porque vou te levar a um lugar, Taylor. Vista roupas confortáveis.
Pode ser leggings ou shorts largos — declarou, fazendo-me arquear as
sobrancelhas. Ele só podia estar brincando. — Estou falando sério.
— Quem disse que vou com você a qualquer lugar? — Cruzei os
braços.
— Porque você é minha namorada, e por mais que fique uma
gracinha com esses braços cruzados. Quero que vá no seu quarto e coloque
algo que possa se movimentar.
— Primeiro de tudo: Não somos namorados de verdade, se você não
entendeu. Segundo: não vou a lugar nenhum com você! — Fiz uma careta.
— Taylor, mexa essa bunda linda e faça o que eu pedir. Vamos
resolver essa sua abstinência, já que o desafio veio de mim. Ou vai acabar
perdendo, e todos vamos saber que Stéfany Taylor é refém do vício.
Respirei fundo, ficando em silêncio.
— Para onde vamos?
— Para o paraíso, Taylor. Onde consigo ser eu mesmo.

PARADISE
Era o que dizia no letreiro.
E logo abaixo, estava escrito em letras um pouco menores:
Academia de Luta.
— Não entendi — foi a primeira coisa que falei no momento em que
seu carro estacionou na frente do estabelecimento.
— Isso é uma academia de luta, Taylor, como o nome mesmo já diz.
Por isso que eu pedi para que colocasse roupas confortáveis — Seu olhar
desceu pelas minhas roupas. Eu estava usando uma saia de couro bem justa
no meu corpo.
Sempre que tinha a oportunidade de irritar ele, eu agarrava o
momento sem pensar duas vezes.
— Nem sei como concordei em sair do meu conforto para vir em
uma academia de luta. Eu só podia estar dodói da cabeça — me censurei,
cruzando os braços.
— Oh, princesa, saia desse pedestal que eu tenho mais o que fazer
— resmungou, colocando uma das suas mãos nas minhas costas, guiando-
me até a entrada da academia. Fechei a cara no mesmo instante que pisei na
superfície. — Aqui você vai ver que não é tão ruim deixar as armaduras
caírem. Todos aqui têm um passado. Somos uma unidade, Taylor. Aqui
ninguém melhor do que ninguém, se eu te trouxe aqui, para o lugar que
nunca trouxe nem mesmo meus melhores amigos, é porque tem um
significado.
Fiquei em silêncio.
Ficar daquela maneira parecia mais confortável.
Me sentia mais confiante.
— Eu fui diagnosticado com TEI aos treze anos, no começo achava
que era normal querer bater no meu irmão por algo tão bobo. Eu não tinha
controle da minha vida, mas depois que comecei a lutar, as coisas foram
entrando nos eixos — Peterson disse, umedecendo os lábios. — Aqui eu
sou mais que um transtorno. No tatame e no ringue, eu sou Eric, o
verdadeiro Eric. Não o cara calado, ou o cretino babaca que você gosta de
me nomear, Taylor. Agora deixo nas suas mãos. Você vai entrar ou quer que
eu chame um carro de aplicativo?
Não falei uma palavra.
Mesmo que ferisse meu ego, dei outro passo para dentro.
Peterson entendeu minha resposta, sabia que eu era durona demais
para dar o braço a torcer, enquanto vinha atrás de mim.
Meu olhar percorreu pela área, capturando cada centímetro daquele
lugar, até que... Droga, dei outro passo, mas para trás daquela vez. Não vi
quando Peterson se prontificou atrás de mim, no momento que meus olhos
viram alguém familiar. Ah, não.
Não. Não. E não.
William Clark estava ali.
— Ei, que fantasma você viu? — Peterson perguntou com as mãos
na minha cintura.
— Você voltou! — A voz dele ecoou nos meus ouvidos. Será que
ele tinha me visto?
Passos preencheram o espaço.
Puta que pariu.
— Diana? — Willian e eu estávamos frente a frente. Seus olhos
pareciam tão confusos enquanto me analisava, em seguida sua atenção foi
para o cara bem atrás de mim. — Eric?
— Precisamos conversar, Will. — O loiro, ainda atrás de mim,
declarou. — Aconteceu algo desde o meu último dia no Destiny´s. E...
Diana, não é Diana.
— E ela é quem então?
— Ela é Stéfany.
Seu queixo caiu.
— Puta merda!
— Fiquei exatamente assim quando eu a vi como prêmio daquela
noite — Eric afirmou. William ficou pensativo por alguns minutos.
— Você veio treiná-la?
— Eu ainda estou aqui, William.
— Eu sei, linda — Sorriu. — Então, você vai treinar aqui?
— Vou — declarei, por fim. Sem ter a maior noção do que fazer. —
É para isso que vim, não é?
— É, mas não vai render por conta da saia justa.
— Consegue me arrumar alguns shorts masculino? — Eric
perguntou para Will.
— Acho que consigo, é para ela? — Inclinou a cabeça na minha
direção.
— Isso — disse.
Não demorou para que ele retornasse com as peças.
— Pega aí — As jogou na minha direção.
Apanhei as roupas e as verifiquei.
— Eu espero muito que isso não seja seu, Clark.

— Vamos lá, isso é o saco de boxe. Usamos para extravasar nossa


energia acumulada. Agora, bate — Apontou para o objeto. — Vamos,
Taylor. Bate bem forte.
Dei meu primeiro soco de maneira desengonçada.
— Não quero mais isso.
— O que quer?
— Qualquer coisa menos isso, parece que vou cair a qualquer
momento.
— Oh — Prendeu o sorriso. — Vou te ensinar alguns golpes bons.
Fazia alguns dias que Peterson e eu lutávamos.
— Devo admitir — Parei por poucos segundos, desviando meus
olhos dos seus, procurando o pouco de sanidade que ainda restava. — Você
é mais resiliente do que eu pensava.
Assisti seus ombros endurecendo sob meu olhar, não foi preciso
tocar nos seu corpo para sentir que ele havia sido afetado pelas minhas
palavras, algo que talvez eu não esperava no meu momento de fragilidade.
— É um elogio?
— Não, isso é definitivamente um fato, Peterson.
Por uma fração de tempo, vi a brecha de um quase sorriso se
formando, mas não capturei ele surgindo.
— Quando vai me chamar pelo meu primeiro nome?
— Quando eu estiver entre a vida e a morte, Peterson. E eu sei que
isso, felizmente para mim, não vai acontecer tão cedo — Soprei a
convicção entre meus lábios aproximando-me dele e quando percebi o
movimento perigoso que mantínhamos, sorri, deixando claro que não me
moveria nem mais um centímetro.
— Não é tão difícil se render, Taylor. Diga o meu nome — O calor
da sua boca umedeceu a minha, mesmo por hora na curta distância em que
nos encontrávamos, e por um momento, acreditei na ideia de que ele
quebraria a barreira invisível.
Contudo, não foi isso que ocorreu e não consegui apanhar o
momento em que seu corpo cobriu o meu, derrubando-me contra a textura
familiar do tatame de treinamento.
O som dos nossos corpos caindo em conjunto ecoou por cada metro
quadrado da academia, como sempre acontecia quando uma pessoa entrava
em contato com o tratamento de treinos.
Engoli em seco, observando seu corpo por cima do meu e notei a
posição de fragilidade. Seus braços se apoiaram ao lado do meu tronco, me
deixando completamente encurralada entre o seu amontoado de músculos.
Molhei os lábios, movendo a língua na base inferior, roubando a atenção
dele com apenas um movimento.
— Também tenho que admitir algo — confidenciou.
— O que? — Eu realmente queria saber o que se passava entre seus
pensamentos constantes.
— Você vai acabar sendo a morte de um homem, Taylor.
— E por que eu causaria isso?
— Porque está quase conseguindo ser a minha.
Desestabilizada.
Essa era a forma que ele tinha me deixado com apenas uma frase, se
eu pudesse definir em uma palavra.
Caso alguém me perguntasse por qual motivo meu corpo havia
virado pedra por debaixo de toda sua estrutura, e por que não conseguia
transformar todos os sentimentos em uma única expressão, que eu pudesse
transmitir ao ouvir suas palavras.
Porque eu sentia tudo e mais um pouco de uma maneira
irreconhecível.
Parados sob o tatame, eu me senti confortável ali.
— Quem te arruinou, Taylor?
Eu queria contar meu passado para ele.
— Meu pai.
Respirei fundo, desviando o olhar.
— Tudo começou quando eu tinha nove anos. Não lembrava de
nada do meu passado. Depois que conheci o lado real dele, eu cogitei ter
perdido parte da minha memória, em algum momento que minha cabeça
chocou em algo que não deveria. Por isso, eu sinto dores de cabeça
terríveis.
— Dores de cabeça com nove de idade? — Peterson perguntou,
unindo as sobrancelhas.
— Sim, sempre tive. Eram constantes — Respirei fundo. — Isso
repercute até hoje, tanto que preciso marcar um horário no médico para
isso.
— Entendi...
— No dia em que conheci Ana, eu tinha tido uma ideia absurda de
fugir de casa. Corri para o parquinho que tinha próximo de casa, mesmo
com várias lesões dos chutes que recebi nas costas, eu consegui correr.
— Quanto mais você fala sobre seu pai, eu tenho vontade de pegar
um voo direto para a Filadélfia e... — Não deixei que ele completasse. Já
sabia o que poderia ser.
— Às vezes eu também tenho, mas é melhor continuar na bolha de
proteção que eu criei aqui. Agora, eu estava lembrando sobre o desafio que
você me fez. Eu comecei a fumar quando tinha dezesseis para dezessete
anos, após uma tentativa de suicídio. Cheguei a cortar meus pulsos e fui
obrigada a sair com eles enfaixados, para todo mundo ver a inútil que nem
para morrer serviu, essas foram as palavras do meu pai — ri com amargor.
— As tatuagens que tenho próximas do pulso, foram para camuflar os
cortes. Nathaniel viu que eu não estava bem, naquela época ele ainda
morava na Filadélfia. Me disse que fumar era seu jeito de lidar com os
problemas, e talvez pudesse ser o meu.
— Mas você usa seu vício para isso?
Neguei.
— Eu fumava unicamente para morrer logo, porque era melhor
partir a conviver com meu pai.
Era novo compartilhar isso com Peterson.
Nunca imaginei que esse dia chegaria.
E eu gostei.
CENTRO DE TUDO

Eu preciso de você na minha vida, sim, o dia todo, todos os dias, eu preciso
de você
E cada vez que te vejo, meus sentimentos ficam mais profundos
Kiss Me Thru The Phone | B1

Somos programados para cair.


Seja por qualquer coisa ou pessoa. Em algum momento, quando
menos esperamos, chega o exato instante e transforma a porra dos nossos
pensamentos, arruinando sua sanidade.
Era exatamente o que Stéfany Taylor estava fazendo comigo;
arrancando os últimos resquícios de controle do meu corpo, sem ao menos
dizer uma palavra.
Ainda não conseguia definir se era ou não uma boa ideia levá-la
comigo para um lugar tão violento quanto o Templo da Serpente, mas ela
havia insistido em ir e como Will também me acompanharia, eu sabia que
ficaria em segurança.
Depois da última luta no Destiny ’s, na qual saí vitorioso e com Sté
como troféu, decidi que estava na hora de sair daquele lugar. Não estava nos
meus planos, mas para mim, era inadmissível continuar em um lugar onde
literalmente colocavam a prêmio uma mulher, contra sua vontade.
Ainda que eu houvesse me aproveitado da situação para conseguir o
que eu queria, aquele tinha sido o ponto final para nossa permanência no
local. Stéfany também se libertou. Contudo, eu não queria deixar de lutar,
pois realmente me acalmava e fazia meus pensamentos clarearem.
William foi rápido em me arrumar um novo lugar, tão ilegal quanto
o Destiny’s, mas ali, ninguém ficava contra sua vontade.
O Templo da Serpente ficava em Tolland, uma cidade que existia
entre Boston e New Haven. O lugar era conhecido no submundo pelas lutas
ilegais e… bem, outras coisas que preferia não me envolver.
Asher Dempsey era sempre citado quando o assunto eram as lutas
ilegais do Templo. Morgan já havia tentado levá-lo para o Destiny ’s e
falhou drasticamente. O cara deveria fazer um bom dinheiro no Templo,
visto que era quase invencível. Assim como eu, ele também havia
aprendido tudo com o pai de William e já havíamos nos enfrentado naquela
época. Ele nem sempre levava a melhor, mas era inegável o quanto
melhorou até aquele momento.
Seria difícil competir o fardo de ser o melhor do Templo, entretanto,
desafios nunca foram um páreo para mim. Não o vi desde que cheguei, mas
pelo que fiquei sabendo, ele era sempre o último, o que significava que
lutaria depois de mim.
Stéfany estava há poucos metros de mim. Ao seu lado, estava uma
morena quase da sua altura e elas pareciam ter se tornado amigas, já que
estavam conversando como se já se conhecessem a vida toda.
Percebendo que eu a encarava, se virou em minha direção, um
sorriso provocativo dançando em seus lábios quando me lançou uma
piscadela traiçoeira.
— Espero que perca, canalha. Estou apostando nisso.
Consegui ler todos os movimentos que sua boca fez.
Honestamente, era impossível não desvendar o que seus lábios
proferiram, mesmo em meio a multidão. Porque, ela sempre estaria no meu
foco. Stéfany havia se tornado o centro de tudo no meu mundo, nada seria
capaz de igualar o seu poder sobre mim.
Taylor era surpreendentemente singular.
Poderia cair fogo do céu e os mares se tornariam mais violentos,
mas nenhuma outra garota moveria meus pensamentos se não fosse ela. A
paciência de um homem poderia se tornar um problema quando se
rompesse e não por acaso do destino, ela se tornou algo maior e
desenvolveu um sentimento desconhecido no abismo que se formou dentro
de mim.
Stéfany Taylor já não era mais meu inferno individual, ela tinha se
tornado o meu purgatório. Era como um veneno que eu não me importaria
de provar. Era como algo que não sabemos que desejamos, até desejar.
Ela era a minha perdição.
— Está na hora, porra! — Willian me puxou da névoa.
Senti a palma da sua mão batendo contra meu ombro ao chamar
minha atenção.
— Já era tempo — resmunguei.
Meu oponente estava se aproximando entre o aglomerado de
pessoas sedentas por sangue. Sorri maliciosamente, porque não era apenas
elas que ansiavam por esse momento. Eu estava longe de ser um santo, tudo
aquilo me deixava ansioso pela vitória, se tornou um vício. O mais doce e
doloroso vício que eu poderia ter. Não eram drogas ou bebidas, existiam
apenas duas coisas que me faria cair sem pensar duas vezes.
Stéfany Taylor e as lutas.
— Vamos lá, campeão. Faça seu estrago da noite, eu e a sua garota
estaremos te esperando! — Willian provocou ao sussurrar com os lábios
próximos do lóbulo dos meus ouvidos.
Filho da puta, quase rosnei em resposta.

E eu havia vencido.
E era provável que aquela tivesse sido a luta mais rápida de toda a
minha vida.
Sté era a causadora daquilo.
Ela tinha me provocado.
E eu a faria se arrepender por isso.

Fúria quente e perversa tomou conta do meu olhar. Eric desenrolou


a fita ensanguentada de sua mão, me encarando de esgueira. Havia algo
exalando dele. Algo quente e pecaminoso. Algo que se infiltrou em minha
mente, percorrendo meu sangue e levando um arrepio diretamente em meu
centro.
Aquilo não deveria me atrair.
Ele não deveria me atrair.
Éramos apenas um acordo. Apenas um meio para um fim.
Mas, algo no seu movimento, na forma atenciosa como desfazia a
faixa em volta de suas mãos, me fez imaginar como seria se essas mesmas
faixas circulassem meus pulsos. Prendendo-me, me fazendo ansiar pelos
seus toques, sua boca quente, saboreava cada parte do meu corpo. Eu
imaginava isso. Eu desejava isso.
Engolindo em seco, desviei o olhar, tentando estudar o armário na
lateral da sala apertada. Eu poderia até mesmo contar os ladrilhos se isso
significasse que não encararia o rosto de Peterson outra vez. Arrastei meu
olhar pela mesa de sinuca abandonada, depois para um saco de pancada
pendurado no teto e, por fim, para o homem à minha frente que ainda me
encara.
Merda, eu odiava Eric, não era uma novidade. Mas, uma maldita
parte minha, o desejava. Desejava que ele chegasse e pegasse o que eu
estava oferecendo. Que realizasse meus desejos mais pecaminosos, que
neste momento, não estavam escondidos por trás de um sorriso frio ou pelas
minhas respostas ácidas.
— Não me encare assim, Taylor — Ele passou a língua pelo lábio
inferior, antes de me lançar um sorriso lascivo. — Como se estivesse me
implorando para te foder.
Ergui uma sobrancelha, girando meu corpo e sentindo o desejo
dando lugar ao desdém.
Aquele era o sentimento que deveria correr entre nós dois. Que
nunca deveria ter deixado de percorrer nossas veias.
Dei um passo em sua direção, pronta para mais um embate,
enquanto ele ainda se mantinha parado no mesmo lugar, me observando
como se o pensamento de se mover, de vir até mim, quebraria todas as suas
barreiras.
— Nem nos meus pesadelos eu imploraria por tal atrocidade,
Peterson — havia veneno em cada sílaba de minhas palavras.
Era a verdade. A verdade que sussurrei mais para mim do que para
ele.
Porque eu precisava acreditar. Precisava manter a linha tênue entre
nós, precisava do ódio. Pois ele era o nosso companheiro certeiro. Era o
nosso condutor. Não havia complicações quando esse sentimento estava
envolvido.
Contudo, a lembrança de como suas mãos seguraram minhas pernas
naquela noite na cozinha. Como ele me jogou sobre seus ombros, me
carregou e se ajoelhou entre minhas pernas… como se pudesse me
reivindicar e, logo após, me adorar.
Porra. Porra. Porra.
De repente, seu sorriso aumentou, ao mesmo passo que caminhava
até mim como um lobo atrás da sua presa. Um aviso antes do ataque, do
fim. Sem pensar, dei um passo para trás, depois outro, até que minhas
costas bateram contra a superfície da mesa, me encurralando entre o seu
corpo musculoso, tampado apenas pela bermuda vermelha, e o móvel.
Eric percebeu isso e o sorriso que estendeu pelos seus lábios,
enquanto se inclinava sobre mim, apoiando as duas mãos ao lado do meu
corpo, não foi suave. Principalmente, quando sua língua se arrastou pelo
lábio inferior, molhando a pele sedosa, me obrigando a me inclinar para trás
e erguer meu queixo a fim de encará-lo.
Nossos rostos nivelados. Nossos olhos em uma conexão
inquebrável.
Naquele instante, éramos misturas que não deveriam se misturar.
Caos que precisávamos manter longe um do outro, porque quando
misturados, podiam causar uma explosão.
Uma destruição irreparável.
Contudo, mesmo sabendo disso, eu não me importei. Não quando o
azul do seu olhar se misturou ao esverdeado do meu e me fez concluir que
nem mesmo um terremoto de maior escala, poderia nos parar àquele ponto.
Éramos praticamente uma única unidade.
— Então, diga-me, my heart — seu sussurro saiu em um tom
aveludado, causando arrepios em minha pele. — Me diga que neste exato
momento, você não está encharcada por mim. Me diga que não me
imaginou te fodendo nesta mesa. Que a imagem de você curvada contra
essa superfície não te causou arrepios.
A voz me escapou. Minha garganta era apenas uma lacuna seca em
meu corpo.
— N-nunca — gaguejei.
— Você tem certeza? — Ele passou a língua pelo lábio inferior. —
Porque não é isso que seus olhos me indicam. Eu poderia, até mesmo dizer
que, neste instante, você me quer de joelhos como naquela noite em seu
quarto. Você me quer tão fundo na sua boceta que não consegue aceitar.
Mas desta vez, deixe-me te contar um segredo… — Eric se abaixou
colocando seus lábios em minha orelha. — Eu não serei cuidadoso e vou
foder a sua boceta até que grite meu nome e depois vou te comer em cada
maldita parte desta sala.
Merda. Merda.
Eu não deveria. Eu deveria empurrá-lo e sair dali. Correr
quilômetros de distância e, então, dar fim àquele acordo. Era isso que eu
deveria fazer, contudo, não foi o que aconteceu. Porque ao invés de juntar
todo o resto da minha sanidade e me afastar do homem que me traria mais
problemas que soluções, eu levei minhas mãos até atrás do seu pescoço e o
puxei para mim.
— Sabe o que está fazendo? — Ele sorriu com sua própria pergunta.
— Você está prestes a quebrar a sua primeira regra comigo, Taylor.
— Oh, Peterson. A terceira continua intacta. Sabe por quê? Eu
sempre vou te odiar. — Repeti as palavras que determinei no dia em que
fechamos a porcaria do acordo.
E então, o beijei tomando tudo o que me pertencia.
Eu o beijei como se esse fosse o nosso primeiro e último beijo. E
era.
Beijei com toda a raiva que acumulamos desde que nos
conhecemos. Eu o beijei até que ele se irritou e tomou o controle para si.
Segurando minha cintura, Eric me ergueu, pousando-me na superfície
aveludada da mesa e não me dando tempo para processar o que estava
prestes a acontecer, pois, no momento seguinte, ele me puxou para frente,
empurrando-me para cima até que suas mãos estivessem em minha bunda e
minhas pernas ao redor de sua cintura.
Sem pensar, me esfreguei contra sua ereção, sentindo-o duro por
mim. Pela mulher que ele odiava.
Eu sabia que aquilo ocorria tanto quanto me corria. Pois Eric me
beijava como se tivesse imaginado aquele momento por tanto tempo, que
me permiti aproveitar cada segundo. Eu provei do fruto proibido. Me
deleitei com o veneno correndo entre nós. Eu me deliciei com a sensação de
seu corpo no meu, de como isso parecia certo.
Apenas me deixei sentir. Deixei com que Eric Peterson, meu
namorado falso, meu inimigo, me fizesse sentir todas aquelas sensações que
corriam em meu corpo numa intensidade que jamais havia experimentado.
Eu me deixei cair por Eric Peterson.
— Me diga para parar, Taylor — grunhiu contra meu pescoço.
Deixando um beijo lento, tão lento que precisei inclinar meu rosto para trás,
dando-lhe mais espaço. — Me impeça de corrompê-la, my heart.
Outro beijo foi depositado, contudo, este era mais abaixo, perto da
minha clavícula, rumo aos meus seios.
— Não seja a porra de um cavalheiro neste momento, Peterson —
praticamente rosnei, ainda com os olhos fechados.
Ele sorriu contra a minha pele. Um sorriso malicioso, perverso.
— Eu não estou sendo, my heart — seus lábios repousaram contra
minha pele, dando pequenas moridas. — Eu apenas estou te dando uma rota
de fuga para o que está prestes a acontecer — Outro beijo. — Então, Taylor,
você vai me deixar te foder ou vai sair daqui para preservar o resto de
sanidade que temos?
Eu podia correr. Podia sair.
Porém, eu não desejava aquilo. Eu queria me perder, queria me
quebrar.
Eu queria Eric fodido Peterson.
— Me prove que realmente sabe como foder alguém, Peterson.
Oh, eu não deveria ter dito aquilo.
Pois, no segundo seguinte, seus dedos encontraram a minha jaqueta,
retirando-a e a jogando em algum lugar do ambiente. Logo após, sua mão
traçou pequenos círculos em minha barriga exposta pelo cropped, antes de
puxá-lo para fora do meu corpo, fazendo com que tivesse o mesmo destino
da última peça.
Seus dedos ásperos encontraram meus seios, acariciando meus
mamilos rígidos. Seus polegares rolaram sobre a pele sensível, causando-
me arrepios. Sensação que me obrigou a jogar a cabeça para trás e
aproveitar. Contudo, nada me preparou para quando sua língua passou tão
ligeira pela região, e então, chupou ao mesmo tempo que suas mãos
desceram até o tecido dos meus shorts e o retirou do meu corpo, me
deixando totalmente nua. Exposta para ele.
— Abra as pernas, my heart — assobiou, entre uma chupada e outra.
— Me deixe ver o quão ensopada está por mim.
Com um gemido, eu fiz o que ordenou. Afastei minhas coxas,
dando-lhe a visão de minha boceta pronta para ele. Eric levou um dedo até
minha intimidade, arrastando-o para cima e para baixo, causando-me
gemidos que tentei a todo custo segurar. Mas, quando ele soltou um
palavrão baixinho e voltou a capturar minha boca, em um beijo violento,
soube que estávamos perdidos.
Não havia mais volta para nós dois.
Seu punho se enrolou em meu cabelo, forçando-me a erguer meu
rosto e arquear meu corpo em sua direção, enquanto sua mão desceu até
meu núcleo e me invadiu. Um movimento delicioso de vai e vem me tirou
todo o meu pensamento.
Não havia nada no mundo que nos pararia naquele momento.
De repente, ele me curvou para trás, fazendo com que minhas costas
encontrassem a superfície da mesa e, quando eu estava prestes a perguntar o
que diabos ele queria com aquilo, Eric começou a distribuir pequenos beijos
pelo meu corpo. Dando uma atenção maior em meus seios e então, minha
barriga desnuda.
Assim que seu rosto parou contra a minha boceta, ele ergueu os
olhos, encarando-me. Um sorriso perverso se estendeu pelos seus lábios,
enquanto suas mãos cravaram em minha bunda e a ergueram, obrigando-me
a colocar meus pés em seus ombros.
Com isso, ele se abaixou e arrastou sua língua pelo meu centro.
Chupando-me, me permitindo aproveitar cada segundo daquela sensação
surreal. Ele fez com que eu erguesse minhas costas, esfregando
descaradamente minha boceta em seu rosto. E, por Deus, eu fiz aquilo com
prazer. Me deleitei com a visão de Eric provocando o meu corpo, me
levando ao limite.
Eu deixei com que me fodesse com a língua, que me permitia
adentrar o paraíso.
Deus… aquela língua.
Mas, quando estava quase alcançando o ápice, ele parou, levantando
o rosto e lambeu os lábios, provando ainda mais do meu gosto. Deliciando-
se com meu próprio prazer. Então, soltou um sorriso diabólico, levando um
dedo pelas minhas dobras sensíveis e arrastando-os sem nunca me penetrar.
Era uma tortura. Uma tortura deliciosa.
— Eric! — engoli em seco. — Por favor…
— Me diga, amor, qual a sensação de implorar por tal atrocidade?
— debochou, arrastando sua língua pela minha intimidade.
Filho da puta!
Não ousei responder. Não confiava em minhas palavras.
Apenas esfreguei minhas pernas uma na outra, prendendo seus
dedos entre elas, e tentando ao máximo conseguir atingir o meu orgasmo.
— Eu poderia deixá-la sozinha e esperar que termine isso por nós,
mas… — se abaixou, me lambendo outra vez. — A visão de você gozando
é divina, Sté.
Então, ele me levou ao limite. Meteu a língua e depois os dedos, e
quando achei que estava novamente alcançando meu orgasmo, Eric abaixou
seu short, pegou um preservativo em suas coisas e o deslizou pelo seu pau.
Assim que finalmente se posicionou novamente entre minhas
pernas, ele se inclinou sobre mim, deixando um beijo em meu queixo e
nivelando nossos rostos. Então, sem nunca desviar o olhar, se pressionou
para dentro de mim.
Me penetrando. Me consumindo. Levando cada resquício da minha
sanidade.
— Eric, meu Deus! — minhas palavras saíram em tropeços.
Ele sorriu contra minha orelha, enquanto estocava cada vez mais
rápido. Ao mesmo tempo que se aproximou mais ainda, colidindo nossos
lábios em um beijo desesperado; Se permitindo sentir tanto quando eu
estava me permitindo.. E, quando seu rosto se elevou sobre o meu
novamente, seus olhos me encararam com um sentimento desconhecido.
Como se as camadas que envolviam suas paredes estivessem prestes a ruir.
Eu entendo, Eric. Eu sinto.
Movendo seu quadril duramente contra o meu, sem se importar com
os gritos que saíam dos meus lábios, suas mãos dedilharam cada centímetro
do meu corpo, apertando-o. Memorizando.
Com um sorriso atrevido, Peterson chupou os meus seios e de
repente, se levantou, me levando junto e fazendo com que eu ficasse
sentada e seu rosto estivesse nivelado ao meu. Seus olhos me encaravam
com louvor e admiração, como se nunca tivesse sentido tanto prazer como
estávamos sentindo ali
Como se fossemos únicos, inalcançáveis.
Como se não existisse farsa.
Era apenas eu e ele.
Eric e Stéfany.
Apenas duas pessoas que deveriam se odiar, mas que naquele
momento, não se odiavam.
Sentindo meu próprio ápice chegando, senti-o se mover com mais
força, arrancando gemidos mais intensos de nós dois. Eric levou a mão até
meu clítoris, realizando movimentos circulares, fazendo-me contrair ao
redor de seu pau.
Ele não desviou os olhos do meu rosto nem por um segundo. Não
havia nada, em absoluto, que o fizesse desviar o olhar. Para Eric Peterson
existem apenas nós dois. E, mesmo que nunca confessasse, desejei guardar
cada reação sua em minha mente, que aquele brilho em suas pupilas se
enraizasse em minha mente e mesmo que fosse errado, mesmo que eu não
devesse querer que aquele momento acabasse.
Levei minha mão até suas costas e corri minhas unhas pela sua pele,
sentindo suas estocadas e após alguns minutos, Eric se desfez no
preservativo, chegando ao ápice e me levando junto.
Mesmo sendo errado, deitei minha testa em sua pele suada, fechando
meus olhos e absorvendo tudo o que tinha acabado de acontecer ali.
Eu havia acabado de transar com Eric fodido Peterson. Alguém que
deveria ser completamente proibido para mim.
E o pior de tudo… era que não me arrependia.
Eu não conseguia me arrepender.
Pois, por um momento, Eric me fez sentir mais completa do que já me
senti em toda a minha existência.
CASAMENTO E SURPRESAS

Você tem o melhor dos dois mundos


Você é o tipo de garota que pode derrubar um homem
E levantá-lo novamente
Você é forte, mas carente
Humilde, mas ambiciosa
A Beautiful Mess | Jason Mraz

DOIS MESES DEPOIS

— Vamos, porra. Vou me casar hoje!


Era indiscutível que Nathaniel brilhava de entusiasmo.
Há anos ele vinha esperando por aquele momento e então,
finalmente chegou. O casamento com a mulher da sua vida. Desde que se
mudou para Boston, ficou claro que sempre seria ela, as cartas e todos os
empecilhos que se residiram no decorrer dos anos fizeram parte de um
plano maior.
Nathaniel se tornou um dos meus melhores amigos desde que
éramos dois fedelhos imaturos, quer dizer, algumas coisas não mudaram até
aquele momento.
Continuamos errando em certas áreas, mas com o objetivo de evoluir.
— Ainda são oito horas, cara… — Alex resmungou sonolento,
enquanto esfregava os olhos com as mãos.
— E que caralhos isso tem a ver? — O moreno tatuado perguntou
ao cruzar os braços. — É um grande dia, Alex. Vamos comemorar ele!
— Espero muito que isso não seja algo que aconteça com todos os
homens que se casam um dia — resmunguei, esfregando a têmpora.
— Mal posso esperar para reclamar quando for a vez de vocês dois.
— Chute minha bunda, caso eu faça isso — decretei.
— Pode deixar, irmão — Nathaniel declarou, por fim.
As horas seguiram como combinado, e não demorava muito para
finalmente o casamento acontecer. Todos estavam se preparando em casa,
principalmente as meninas no quarto maior, a suíte. As três poderiam se
arrumar sem problemas.
— Vou dar um pulo na casa do Robilson, ok? — Nathaniel avisou,
já usando o terno preto, feito sob medida pela sua tia Holly, dona do ateliê
mais conhecido de Boston.
O Zach´s Ateliê.
Todos os nossos ternos tinham sido feitos lá, acreditava que
ninguém da cidade poderia entregar um bom como ela fazia. Modéstia a
parte, não era apenas por ser a tia de um dos meus amigos, mas a mulher
tinha o dom.
— Beleza, e o Alex? — perguntei.
— Ele disse que ia na oficina resolver alguns problemas, mas foi de
um modo estranho. Ele não parecia que estava indo consertar motores de
carros vestido com roupas de casamento.
— Ele levou algo?
— Ah, tinha um embrulho em uma sacola — Nathaniel deu de
ombros.

O momento tinha chegado.


Pela distância conseguia ver todos de pé nos esperando e pelos seus
olhos, dava para notar o quão surpresos estavam.
A expressão de Nathaniel era impagável.
No final do corredor, Taylor e eu surgimos, fazendo-o erguer as
sobrancelhas, como se não acreditasse na nossa relação. Stéfany estava com
o braço enroscado no meu, ela usava um vestido vermelho longo, com uma
fenda na perna esquerda.
Inesperadamente, virei na sua direção.
— Você está gostosa demais nesse vestido... Seria uma pena não
arrancá-lo do seu corpo em um dos banheiros do bufett — Meus lábios
escovaram sua orelha, e em seguida, Taylor deslizou suas órbitas
esverdeadas, encarando-me.
— Realmente vai ser uma pena você ter que se masturbar para
saciar sua vontade. Aliás, estamos em uma igreja, se comporte!
Não demorou muito para nós dois nos sentarmos no banco da
primeira fila.
Nathaniel puxou o ar, esperando que a próxima pessoa que entrasse
por aquela porta, fosse a sua noiva. Ele parecia não conseguir conter a
ansiedade e o nervosismo dentro de si. Então, no segundo seguinte, a
sombra de dois corpos tomou atenção de toda a igreja.
Eram eles.
Ana e Robilson.
A marcha nupcial fez a igreja toda se tornar uma comoção, quando o
volume da sua barriga de oito meses, ficou evidente no vestido de noiva. Os
braços de Ana circulavam os de Robilson, que usava um terno cinza.
Os passos se arrastaram pelo corredor lentamente.
E não faltava muito para Ana estar ao lado de Nathaniel, que
balançou a cabeça, deslizando seus olhos sobre a sua garota.
Ana deixou um sorriso escapar com algo que seu noivo tinha dito.
— Obrigada, querido! — Ela apertou sua mão.
— Deus, em sua bondade, derrame sua graça sobre estes servos,
Nathaniel e Ana, que se reúnem diante do seu altar para confirmar sua
união em amor um com o outro — O padre começou a cerimônia, olhando
para os convidados com os braços abertos.
Quando percebemos que já era a hora dos votos, Nathaniel respirou
fundo, ficando frente a frente com ela ao cobrir suas mãos.
— É surreal olhar para você agora, e perceber que estou me casando
com a garota que conheci quando tinha dezesseis anos. Lembro
perfeitamente quando eu a vi pela primeira vez, éramos dois adolescentes
cheios de sonhos, que confidenciaram as nossas expectativas para o futuro,
nossas dores e os nossos desejos que pareciam ser impossíveis para dois
jovens — Nathaniel deu uma pausa, respirando fundo. — Você me deu o
maior presente que alguém poderia me dar, me deu o seu amor, o seu
carinho e a oportunidade de ser o pai dos seus filhos. A Ellie é
definitivamente a melhor coisa que você me deu, abelhinha — Ana
capturava cada uma das suas palavras com os olhos vermelhos e cheios de
lágrimas, que ameaçavam cair a qualquer momento. — Há coisas na minha
vida que eu me arrependo amargamente, mas ter lutado por seu amor é algo
que nunca me arrependeria. Eu faria tudo de novo se precisasse. Porque eu
amo você com todo meu coração, Ana Katherine Lawrence. Agora, Ana
Katherine Sullivan — Quando ele terminou seus votos, ela chorava
compulsivamente.
Toda igreja a observou secar os olhos e sorrir para Nathaniel, logo
após, ela respirou fundo.
Era a sua vez de falar os seus votos.
— Tudo parece um grande sonho, sabia? Estamos realmente
casando! — suspirou, contraindo os lábios. — Quando eu o vi pela primeira
vez, soube que tudo ia mudar dali em diante, porém eu não esperava que
fosse assim. Você chegou como quem não queria nada, mas fez cada
momento ser especial. O nosso tempo na Filadélfia, sua paciência comigo
aqui. Eu acho que é o destino quando pessoas que devem ficar juntas, fazem
uma pausa e, encontram o caminho de volta ao primeiro amor — ela fungou
e Nathaniel sorriu, com os olhos brilhando. — Você é o homem que escolhi
passar o resto da minha vida, o qual quero passar os melhores e piores dias
ao lado. O homem que irei construir uma família e sei que não me
decepcionarei, porque Ellie terá o melhor pai que poderia existir no mundo.
O padre sinalizou que era a hora das alianças, meu melhor amigo me
procurou em meio a igreja, sinalizando apenas com o olhar para que eu me
aproximasse com a caixinha.
— Ana Katherine Lawrence, você aceita Nathaniel Kelland
Sullivan, como seu legítimo esposo?
— Eu aceito — afirmou, sorrindo.
— Nathaniel Kelland Sullivan, você aceita Ana Katherine
Lawrence, como sua legítima esposa?
— Eu aceito.
Nathaniel pegou as alianças, e inclinou a mão de Ana sob a sua
palma.
— Ana Katherine Lawrence, aceite essa aliança como prova do meu
amor puro — Meu amigo deslizou a aliança fina e brilhante em seu anelar.
Ela pegou a aliança dele e repetiu as mesmas palavras.
— Nathaniel Kelland Sullivan, aceite essa aliança como prova do
meu amor puro — Suavemente, ela colocou o anel em seu dedo.
— Pelo poder que em mim foi investido, eu vos declaro marido e
mulher. Pode beijar a noiva — o padre determinou. Nathaniel segurou sua
cintura e a beijou com fervor, ouvindo os aplausos dos convidados.
— Eu te amo — sussurrou entre os beijos depositados. Assistimos
os recém-casados saindo da igreja após o beijo e sendo recebidos por chuva
de arroz como mandava ou não, a velha tradição.
Como padrinhos, saímos logo atrás deles e, havia um carro nos
esperando para nos levar para o buffet, onde seria a comemoração antes da
lua de mel dos noivos. Esperamos Nathaniel e Ana chegarem, e Taylor
estava ao meu lado, ajustando o vestido, quando chegaram.
Abrindo um sorriso, cumprimente Nathaniel.
— Parabéns, cara! — eu o abracei de lado.
— Valeu, Eric! — agradeceu em retorno, vendo Alex se aproximar
com Brigitte em volta do seu ombro.
— Finalmente casado! — disse, fazendo um toque rápido com nosso
amigo.
— Porra, sim! — declarou sorrindo.
Procurando pela esposa, Nathaniel seguiu seu olhar pelo espaço, e a
encontrou conversando com a sua sogra e sua mãe, ao seu lado dela
estavam Hannah e Sté.
Tudo estava entrando nos eixos.
— Tudo certo para a primeira dança?
Alex e eu assentimos.
— Ótimo, acho que já podemos começar então.
Tínhamos combinado que colocaríamos a primeira música.
Nathaniel havia mencionado que era importante para os dois.
Observamos ele seguir para onde Ana estava rodeada de mulheres.
Lentamente One Direction preencheu a atmosfera.

Ela é minha rainha desde que tínhamos 16 anos


Queremos as mesmas coisas
Sonhamos os mesmos sonhos
Certo? Certo!
— Tudo certo agora — falei com Alex que sorriu, pegando o celular
no bolso.
— Droga, preciso atender.
Assenti, vendo-o deslizar o dedo pela tela desbloqueado.
Percorri minha atenção pelos filetes de luz que iluminavam o salão
do buffet.
Em alguns minutos, após a dança de Ana e Nathaniel, aconteceria a
dança dos padrinhos. A imagem de Taylor surgiu na minha mente, onde ela
estava?
Afrouxando a gravata, identifiquei o vislumbre do vestido vermelho
se arrastando pelo chão. Stéfany era a única pessoa que estava usando essa
cor.
Havia algumas colunas em uma área um pouco afastada, só
precisaria alcançar um momento que ela estivesse desprevenida. Então
marquei o momento, e o realizei puxando-a para o espaço da coluna.
Foi um movimento rápido.
Levei uma mão para cobrir seus olhos e a outra envolvi seu pescoço,
ficando atrás dela.
— Está preparada para pisar nos meus pés, Taylor? — sussurrei,
contra a curva do seu pescoço. Sua nuca tencionou, assim como todos seu
corpo se desmontou por mim.
— Mal posso esperar por esse momento — Arfou, quando depositei
uma trilha de beijos. — Tem outra coisa que você está esperando muito
também?
— Tem algo que eu deva esperar, Peterson?
— Talvez tenha... — murmurei, passando uma mão pela curva da
sua cintura. Taylor esfregou sua bunda contra a porra do meu pau, causando
um gemido ecoar pelo espaço. — Filha da puta.
— Você quem começou, agora lide com isso — Se soltou das
minhas mãos, me deixando com uma ereção. — Pense nos meus peitos
quando for se aliviar — Piscou, jogando um beijo no ar.
Respirei fundo, ajustando o volume contra o tecido social.
Taylor foi na frente e eu logo atrás.
Deixando óbvio que estávamos juntos.
— Não, seu idiota, minha bolsa estorou! — Ana exclamou, fazendo
os olhares dispararem na direção do casal. Uma movimentação preencheu
ao nosso redor. Vi Mary, Maggie e Hannah ao nosso lado, cercando-os,
enquanto Nathaniel a pegava no colo.
— Ainda falta um mês — ouvi a mãe da Ana murmurar.
— Nathaniel, está doendo! — gritou, espremendo os olhos e
Nathaniel sussurrou algo, tentando tranquilizá-la.
Ana estava entrando em trabalho de parto e o mais estranho era que
faltava ainda um mês para Ellie nascer. A garotinha estava chegando em
grande estilo.

Ana foi encaminhada para a sala de parto.


Ellie já estava pronta para vir ao mundo. Porém, Ana estava com
apenas cinco centímetros de dilatação, por conta disso, os médicos
decidiram fazer uma cesárea. Nathaniel, como seu marido, estava lá dentro,
dando apoio para ela.
— Ensaiamos tanto a dança dos padrinhos e no final nem rolou —
comentei para Stéfany que estava sentada ao meu lado com as pernas
cruzadas.
— Me livrei desse fiasco.
Passou algumas horas até que Nathaniel saiu pelas portas da ala
neonatal, vestindo roupas hospitalares.
— Nasceu? — Stéfany perguntou, nervosa pela amiga.
Não era novidade que ambas tinham uma ligação foda, pareciam
irmãs.
Ele assentiu rapidamente, fazendo que uma comoção surgisse no
meio do hospital com a comemoração.
— Mas aconteceu algo — declarou, fazendo-nos parar bruscamente.
— Ana estava grávida de gêmeos. Eu sou pai de gêmeos!
— Gêmeos, cara? Parabéns! — Alex parabenizou.
— Valeu, Alex! — Nathaniel devolveu o abraço. — Uma menina e
um menino — Sorriu, ainda não estava acreditando.
— Onde eles estão? — Holly indagou, unindo as sobrancelhas.
— Indo para o berçário — declarou. — Logo, vocês poderão vê-los
— Os tranquilizou, sentindo-se em êxtase.
— E a Ana? — Maggie, sua sogra, perguntou pela filha.
— Vão encaminhá-la para o quarto. Ela tem que ficar no pós-
operatório até que o efeito da anestesia passe — explicou a todos.
Passamos a noite no hospital até o momento em que pudemos ver as
crianças.
Enquanto isso, Stéfany esteve ausente, em algum momento ela se
afastou do grupo e não percebi.
Parecia nervosa, não sabia dizer bem.
Aquilo me preocupou.
O que você estava escondendo Stéfany?
UMA SOBREVIVENTE

Sentada na cama com a auréola em sua cabeça


Era tudo um disfarce, como no penúltimo ano do Ensino Médio?
Onde tudo era ficção, futuro e previsão
Agora, onde estou? Meu apoio desvanecente
Você recebeu amor suficiente, meu pombinho?
Por que você chora?
Fourth Of July | Sufjan Stevens

UM MÊS DEPOIS

— Pegue seu sobrinho.


Alex segurava Aaron pelas suas axilas, de um lado para o outro,
enquanto queria empurrá-lo para mim, a cena me fez unir as sobrancelhas.
— Você o acordou, Alex. Lide com isso! — censurei, esquivando do
bebê que ria com os movimentos feito por Alex.
O pequeno parecia maravilhado no meio de tantas pessoas e por
mais que na maior parte do tempo ele fosse tímido — ao contrário de Ellie
—, a criança conseguia interagir através de sorrisos e balbucios
desconhecidos.
— Eu preciso ir ao banheiro, Fany. Quebra essa para mim, por
favooor.
— Não vai rolar....
— Você quer mesmo ver essa cena? Por Deus! — rebateu.
Revirei os olhos, esticando meus braços o suficiente para pegar
Aaron dos seus braços.
— Obrigada, gatinha — Soltou um beijo no ar após o bebê já estar
comigo.
Queria saber como ele conseguia fingir tão bem aquela fachada por
cima dos verdadeiros escombros de Alexander James.
Quer dizer, eu sabia bem como podia acontecer, mas Alex
aperfeiçoou de uma maneira surreal, ele conseguia rir mesmo estando
perdido. Conseguia fazer alguém sorrir quando na verdade estava chorando
por dentro.
Queria ter esse poder.
Mas ao mesmo tempo não.
Era uma dúvida cruel.
Respirei fundo, retornando meu olhar para a pequena preciosidade
agarrado a mim. Os gêmeos pareciam dois pequenos anjos, que iriam
crescer em algum momento e poderiam fazer Nathaniel e uma parte de Ana
pagar todos os seus pecados na Terra.
Seria um dia memorável.
Mal podia esperar para ver tudo de pertinho, se eu estivesse viva até
esse dia.
Um aperto disparou no meu coração, enquanto observava cada
detalhe de Aaron. O garoto loiro estava tranquilo, parecia que nada no
mundo iria abalar sua calmaria.
Senti meu polegar ser envolvido pelos seus dedos.
Suas feições me analisavam ao mesmo tempo que ainda segurava o
meu dedo, lentamente movi o anelar de um lado para o outro.
Fazia exatamente um mês que as crianças tinham nascido, justo no
casamento dos seus pais.
Ana e Nathaniel não esperavam que elas nascessem antes do
previsto, na verdade, esperávamos a chegada de Ellie, mas imediatamente,
nos acostumamos com a ideia de outra criança em nossas vidas.
Aaron era um acontecimento e tanto.
— Estava pensando em voltar para o grupo de apoio, Sté — Ana
disse, fazendo-me seguir o olhar na sua direção.
— Você vai levar as crianças?
— Não, Nathaniel vai passar a tarde livre. E quem sabe,
aproveitamos esse tempo para um momento apenas das meninas. Você topa,
Hannah?
Procurando pela loira, notamos seu rosto melancólico. Parecia estar
em qualquer lugar, menos na sala de estar ou ao nosso lado.
— Hannah, está acontecendo algo? — indaguei, franzindo as
sobrancelhas. A irmã de Peterson enrijeceu o corpo com a pergunta, como
se fosse invasiva demais.
— Oh, não aconteceu nada! — A resposta imediata foi uma
surpresa, principalmente pelo tom inquieto.
— Tudo bem.
Optei por não engatar mais a fundo no assunto, porque seria pior.
— Certo… vou apenas tomar um banho e desço em alguns minutos
— avisou e eu assenti, mas meus olhos continuavam em Hannah e no modo
como reagiu.
Que porra tinha acontecido?

— Ainda estou pensando em Hannah — comentei.


Ana suspirou, encontrou os ombros.
— Que Deus me perdoe, mas às vezes eu acho que a razão de tudo é
Ethan — Ana comentou.
Ethan era a última pessoa que deveria se envolver com isso, mas era
melhor manter o controle. Principalmente que em algumas horas, eu estaria
pegando o resultado dos meus exames sobre as minhas dores de cabeça.
Ninguém sabia sobre os exames. Preferi não contar, até saber do resultado.
Estava com medo de que isso seria meu fim. Sabia que não era uma
daquelas pessoas com a saúde exemplar, mas temia pelo pior. Lembrava que
enquanto eu não estava em trabalho de parto, eu perambulava pelos
corredores daquele hospital
Pensei na possibilidade de descobrir o meu problema. Fazia dias que
eu me perturbava, entretanto me mantinha no dilema: a verdade ou
continuar de olhos fechados para minha saúde.
O médico que me atendeu e fez todos os exames, deu um prazo de
até um mês para verificar absolutamente tudo em mim, qualquer falha ou
erro eu iria descobrir em algumas horas.
— Ali há um lugar livre — Ana apontou.
Perfeito.
Eram nossos lugares. Mas pelo andar da carruagem tínhamos
chegado atrasadas, a nossa movimentação fez com que chamássemos
atenção das pessoas ao nosso redor.
Um suspiro se alastrou.
— Pode falar, Beckey.
— Eu sou uma sobrevivente.
A voz feminina inconfundível me fez voltar no tempo. Beckey
estava contando sua história de sobrevivência, desde quando era uma
criança e foi morar em um orfanato.
— Meus pais morreram quando eu ainda era muito pequena, e
sempre fomos declarados a família mais amorosa que poderia existir. Mas
tudo foi destruído por um incêndio, perdi todos os membros da minha única
parentela.
Certo, não podia negar que aquilo chamou atenção.
— Minha irmãzinha que sonhava em ser uma bailarina morreu
vestida com o seu tutu rosa. Os vestígios que sobraram foram queimados,
não havia nada que me lembrasse da família que tive — Uma lágrima
deslizou pela lateral da sua bochecha. — Eu fiquei sem lar por um tempo
considerável. Foram meses ficando sob supervisão de abrigos, até ser
mandada para o orfanato, com um sonho de ter uma família maravilhosa e
passa a viver uma vida tranquila. Eu me relacionei com várias pessoas,
mas… uma delas abusou sexualmente de mim. Me marcou por meses, foi
difícil recomeçar novamente. Hoje em dia ele está preso e eu posso respirar
de novo.
Palavra de consolo motivacional ecoou por todo espaço.
Em seguida, outras pessoas continuaram a contar seus relatos, de
como também eram sobreviventes sobre o que passaram e como superaram.
Mas nada me chamava mais atenção do que a história de vida de Beckey.
Quando a sessão do grupo de apoio acabou, todos nos colocamos de
pé e abraçamos uns aos outros. Percebi que Beckey estava ao meu lado,
mas não soube como chegar até ela e abraçá-la.
De repente, eu me senti vulnerável.
Eu queria ter feito aquilo.
Queria ter dado pelo menos um abraço nela.
Na minha adolescência o último lugar que eu gostava de estar era
em casa, preferia passar todos meus dias fora e as noites mais ainda.
Todavia, quanto mais crescia, mais a vontade ia evaporando do meu corpo.
Com isso, além dos cigarros, procurei outra válvula de escape,
porém, eu quase nunca a usava. Só que eu estava em abstinência,
determinada a parar com a nicotina. Era o momento de recorrer a uma
paixão escondida: comédia romântica. Talvez fosse pelas expectativas
inalcançáveis do homem que jamais existiria na minha vida, mas nunca fiz
questão de contar a alguém o tanto que gostava de assistir filmes clichês
com mocinhos gostosos, mocinhas gentis e finais felizes.
— Taylor? — Alguém me chamou. Eu o reconheci imediatamente.
Era o Peterson. Não existia ninguém igual a ele para mim. Virei meu corpo,
encostando-o contra a mesa de mármore. — O que houve? — Parecia
curioso em descobrir, enquanto se aproximava.
Minha cara realmente devia estar péssima.
— Estou cansada, só isso — Ele assentiu, me deixando presa em
todas as brechas.
— E o que posso fazer para ajudar? — questionou, parecendo
genuinamente disposto. Ergui as sobrancelhas.
— Você faria?
— Qualquer coisa para te ver feliz.
— Então, vamos assistir filmes de amor! Uma maratona com direito
a pipocas, mas...
— O quê?
— Tudo patrocinado por você, desde a pipoca aos filmes! — Eu
parecia uma criança recebendo doces. Com determinação, seus braços
fortes me acolheram.
— Hoje a sessão será no meu quarto e ninguém vai incomodar você
— sussurrou, deslizando as mãos no meu quadril, me deixando no seu colo.
Quando foi que nos tornamos isso?
Poderia nomear o que tínhamos?
Peterson estava sendo tão atencioso, que esqueci do resultado do
exame. O envelope ainda estava na minha bolsa, mas meu medo era
implacável e não me deixou ver.
— Você soube? — Ele cortou o silêncio.
— Sobre?
— Nathaniel. Ele tem um jogo programado para daqui uma semana,
você vai?
Se tivesse feito essa pergunta semanas ou meses antes, negaria.
Sem dó ou piedade.
— Irei, agora apresse seus passos. Ainda preciso do meu filme.
— Qual você quer?
Contraí o riso.
— Os clássicos: Como Perder Um Homem Em Dez Dias[11] e Dez
Coisas Que Eu Odeio Em Você[12], mas pensando bem, não quero mais a
pipoca. Quero vinho, o clima pede isso.
— Uma boa pedida!
Peterson segurou minha nuca, trazendo meu rosto para perto. Esse
foi o melhor momento que a sua boca poderia se envolver na minha.
Eu precisava daquilo.
Queria muito.
A regra n°1 já não existia mais.
RASGANDO O CORAÇÃO

Eu não me identifico com você


Eu não me identifico com você, não
Porque eu nunca me trataria tão mal assim
Você me fez odiar esta cidade
Happier Than Ever | Billie Eilish

Era apenas uma viagem.


Eu havia ido até ali no intuito de respostas para as minhas perguntas.
Repeti aquilo para mim mesma pela... centésima vez?
Não lembrava exatamente quantas vezes eu tinha feito aquilo, mas o
motivo da viagem estava impregnada na minha mente.
Havia pegado apenas uma mala e coloquei pouca roupa para passar
os próximos três dias no hotel, eu sairia apenas um dia e nenhum mais.
Tombar com Denner duas vezes seria um pesadelo para mim.
Já era noite quando descemos do avião, e todos iríamos tirar o dia
para descansar.
Quando o dia virou, as dores de cabeça continuaram martelando.
Aquilo deveria ser o sinal de ir em busca das minhas respostas.
— Os meninos estão pensando em dar uma volta pela cidade, você
quer ir, Stéfany?
Sacudi a cabeça.
Eu tinha outros planos.
E neles incluíam Denner e Rose.
Eu só precisava esperar pela tarde.

Quase afundei a campainha de tanto apertar o botão.


Estava esperando Rose abrir a porta para me receber.
Lentamente, um rangido inundou a atmosfera.
— Pois... Stéfany?
— Olá, mamãe. Não vai me convidar para entrar?
— O que essa vadiazinha está fazendo na minha casa?
Foi assim que meu pai me recebeu no lugar que durante muito
tempo, chamei de casa.
— Droga! — Ouvi Rose sussurrando ao mesmo tempo em que
fechava a porta com rapidez.
Mas antes que ela pudesse concluir o ato, coloquei meu pé entre o
vazio que ainda restava, sentindo dor no ato.
— Não — O pouco de coragem retornou em meus sentidos.
Eu realmente iria precisar daquela dose animalesca de ousadia ou
um tanto de adrenalina, já que não sabia ao certo por quanto tempo aquilo
iria durar.
Talvez por trinta segundos? Trinta minutos?
— A vadia precisa de respostas — rangi entredentes, penetrando
meus olhos somente nele. Nosso impasse por anos foi esse, mas pela
primeira vez, eu respondi. Não tive medo. — Eu descobri o seu segredo,
Denner. Achou mesmo que eu nunca fosse desconfiar?
Capturei o momento em que sua mandíbula contraiu, o osso se
moveu e eu fui privilegiada de assistir.
Não é mais você que está contra parede, não é mesmo, papai?
De repente, o medo abandonou sua feição e deu lugar para o velho
olhar amedrontador. Sua máscara.
O olhar que veio acompanhado de um tapa, aos nove.
Aos onze, bateu minha cabeça contra a parede da sala.
Aos treze, me tocou indevidamente.
E aos quinze, foi o causador da minha morte.
Porque eu morri no chão do meu quarto. Morri quando presenciei
aquele que deveria me proteger, me agredir como se eu fosse uma pária.
Como se deliciasse a cada vez que me machucava.
Naquele momento, entre as penumbras da minha memória, havia
apenas um corpo frágil deslizando de suas mãos pela madeira. Stéfany
Taylor não existia há muito anos.
— Descobriu? — Ele estava sorrindo. — Já era tempo, doçura.
Não. Esse nome, não.
— Não me chame assim, seu desgraçado! — Todo o ar se expandiu
entre meus pulmões, eu senti a queimação do contra-ataque.
Foi novo, mas na mesma proporção senti um medo espontâneo
vindo logo a seguir. Esperei pelo golpe, um tapa... talvez um soco? Nunca
sabia o que poderia vir em seguida. Denner Taylor era uma caixa de
surpresas, não do tipo bom, porque você sempre temia as suas reações.
Era semelhante a caixa de Pandora[13].
Tudo custaria um preço.
Um que acarretaria toda a vida da vítima.
— Agora você é uma gatinha com garras mais afiadas que da última
vez que entrou por essas portas, não é mesmo... doçura — riu,
sombriamente. Agulhas se infiltraram na minha garganta, fazendo com que
o ato de falar fosse quase impossível.
Pare de destruir a minha vida.
Mordendo toda a tensão e o pavor entre os lábios, eu ergui meus
olhos em sua direção. De igual para igual. Sem abaixar a cabeça daquela
vez, pelo menos por mais tempo possível do que levei quando fui expulsa
da mansão e pela leve varredura que fiz ao entrar, notei tantos objetos
novos, algo que não fazia parte da mobília ou decoração. Não que Rose
fosse uma socialite que amasse gastar sua fortuna, mas a verdade era que o
seu marido havia destruído boa parte do que existia no cômodo, e a resposta
já estava diante de mim.
Denner girou, seguindo para sua adega. Havia tudo que as pessoas
da alta sociedade adoravam: bebidas e ostentação. Garrafas de vinhos,
uísques, tequilas e gins. Tudo com grande variedade, aquilo trazia de volta a
lembrança de que ele nunca deixou faltar uma um destilado sequer ali, até
mesmo quando ele devastou todas as garrafas em seus momentos de raiva.
A sala de estar ficava completamente inundada de bebidas.
O tapete manchado de vinho.
Os cacos de vidro próximos do sofá.
Entretanto, na manhã seguinte todos os vestígios do monstro
noturno iam embora e existia apenas o marido desolado pedindo perdão
para a amada esposa, sempre com algo novo; jóia, flores, carícias e as
velhas palavras ensaiadas.
O discurso perfeito para continuar acabando com sua família.
Denner era o monstro que ceifou minha inocência e aniquilou meu
futuro com traumas da sua crueldade, arruinando o desejo de um dia me
relacionar com alguém.
— Ainda é o mesmo filho da puta de sempre, papai — A menção de
paternidade rasgou minha garganta, todavia, deixei um sorriso corroendo
nos meus lábios.
— Stéfany… — Rose estava paralisada, mas ao mesmo tempo
conseguiu falar.
— Sem essa, Rose. Chega de encobrir as merdas dele!
— Eu sabia que a faculdade em outra cidade ia fazer sua cabeça.
Olhe, você voltou mais estúpida que antes. Como sempre uma decepção! —
Denner balançou a cabeça enquanto depositava a bebida no seu copo.
— Que você moldou, Denner. Que me transformou nisso, ou acha
que não teria nenhuma consequência! — Não soou como pergunta, foi uma
afirmação dolorosa.
— Ao invés de falar baboseiras deveria me agradecer, sua bastarda.
Eu te acolhi, não deixei que morasse em um oefanato quando seus pais se
mataram porque não queriam criar você, porra. Sabe o motivo? —
Caminhou até onde eu estava, com a bebida em uma das mãos. —
NINGUÉM SUPORTAVA VOCÊ!
— Como se você se suportasse — o encarei com nojo. — Não passa
de um filho da puta que espanca crianças e mulheres até levá-las à
inconsciência, tudo porque não está satisfeito com a sua vidinha de merda.
— Vocês lembram quando eu fugi de casa, e quando voltei estava cheia de
hematomas aos 9 anos? Quer saber o motivo daquilo? A verdade que ele
ocultou? Vi ele comendo a Dorothy, lembra dela, papai?
Um tapa foi desferido contra minha bochecha.
— Saia da minha casa, agora. Sua puta de merda. Acha que eu
nunca descobri que trepava com meus seguranças? Oh, Callon se
vangloriou pela cidade, apenas porque achava que estava comendo a minha
filha, quando na verdade, era uma bastarda. Ninguém vai amar você,
garota. Você sempre vai andar de mão em mão, e quando estiver sem nada,
vai precisar se prostituir.
— Cale a porra da boca. Eu te odeio, Denner. Eu te odeio!
— Você não tem mais nada, princesa. É somente mais uma perdida
pelo mundo.
Eu ri.
— Rose, se um dia precisar de um lugar para ficar no momento em
que decidir ir embora, saiba que irei te acolher sem pensar duas vezes.
Uma das suas mãos agarrou o meu pescoço, firmando o aperto,
querendo mostrar novamente quem comandava todos ali.
— Eu vou falar só mais uma vez — rosnou, entre dentes. — Pegue
essa sua bunda e saia da minha casa!
Analisei a situação.
Eu poderia usar algo que Peterson me ensinou.
Precisava de um golpe rápido.
Então, uma ideia surgiu.
As pernas.
Inclinei um dos meus joelhos e o acertei no meio das pernas.
Certeiro.
O golpe o fez me soltar e grunhir de dor.
Aquela seria definitivamente a última vez que pisava naquela casa.

Uma garrafa de Jack Daniel´s podia fazer milagres. Era exatamente


isso que eu precisava, me embebedar até perder os sentidos.
Ninguém vai me amar.
Nem mesmo ele?
Cambaleei ao subir no degrau que não me lembrava do hotel.
Eu iria beber naquele lugar até que aquela garrafa acabasse ou me
fizesse ir para outro universo imaginário.
Eu queria a ilusão.
Era a melhor coisa que podia ter.
Os olhares dos hóspedes me seguiram enquanto eu procurava meu
quarto.
Para minha sorte, o meu corredor era ilhado. Não tinha com o que
me preocupar.
Quando eu estava girando as chaves do quarto, uma movimentação
retumbou pelo piso.
Quem era?
— Ah, por Deus. Onde você estava, Taylor?
Sorri, virando uma boa quantidade de bebida na boca. O gesto fez o
loiro na minha frente ficar tenso.
— Sem neura, gatinho. Fui fazer uma visitinha aos meus pais, ou
melhor, as pessoas que me criaram. Denner e Rose não são meus pais, dá
pra acreditar?
— Como...
— O exame… — senti vontade de rir. — Eu fiz um exame para
descobrir o que tenho na cabeça e aproveitei a oportunidade para fazer um
de sangue também. Cheguei a um segredo. Incrível, não acha? Eles
mentiam sobre o meu tipo sanguíneo, e descobri também que faço parte de
um grupo que nunca receberia sangue ou seria compatível com o deles. Dá
para acreditar, de novo? — me escorei na parede, me sentindo zonza.
Eric se aproximou mais ainda de mim.
Ele era tão alto e tão bonito…
— Quem fez isso com você? — Seus dedos seguraram o meu queixo
delicadamente, enquanto eu tentava sem sucesso me esquivar. Não queria
que ele visse a marca do tapa que Denner tinha desferido em mim. Ainda
doía, eu sentia minha pele queimando e o gosto de sangue no canto da boca.
— Me responde, Taylor.
— Me solta, isso não tem nada a ver com você!
— Stéfany, diga a porra do nome ou eu vou presumir que foi o filho
da puta do seu pai — rosnou, mas mesmo no estado em que eu estava,
podia sentir que não estava irritado comigo. — Vou acabar com a raça dele
e farei com que ele te peça desculpas por tudo o que eu sinto que ele já
tenha lhe feito passar. Agora me diga, my heart, quem foi que fez isso com
você?
— Chega, Eric! Por que você se importa? — Gritei.
— Por que você se tornou absolutamente tudo para mim, Stéfany!
— seu grito reverberou pelo corredor vazio. — Você não vê? Não entende?
É só olhar para quem nos tornamos nesses três meses. Temos o acordo.
Ele...
— O acordo acabou, Eric. Era apenas até o casamento, eu
determinei que chegou ao fim. O acordo. Tudo acabou — Engoli em seco,
sentindo meu lábio inferior tremer.
Eu não queria que Eric estivesse preso a mim. Queria que ele fosse
livre, não trancafiado a alguém que não pode amá-
lo.

— Está mesmo desistindo de nós, Taylor?


— Nunca houve um nós, Peterson. E isso jamais irá acontecer! —
exclamei a última parte abrindo a porta, em seguida, bati contra sua cara,
mas ainda era capaz de ouvi-lo.
— Quer saber de uma coisa? — ele vociferou contra a porta, seu
timbre reverberou através da madeira fazendo todo meu corpo sentir sua
dor. Ele estava destruído. Eu estava destruída. — Esqueça tudo. Nunca
houve um nós, não é mesmo? Nunca poderia existir.
Cada palavra rasgou meu peito, ainda que eu soubesse que aquela
era a maldita verdade.
— Você sabe que não.
Novamente senti como se um objeto pontiagudo perfurasse meu
coração. Mais um buraco estava surgindo.
Mais uma ferida estava sendo aberta.
Por favor, pare, Eric.
Eu quis implorar, quis gritar.
Por um segundo, eu realmente pensei em abrir a merda da porta que
nos separava. Porém, não era apenas aquele acesso que nos impedia. Havia
outra parede que bloqueava meus sentimentos e, às vezes, eu duvidava
muito se um dia seria capaz de quebrá-la e me sentir livre para amar
alguém.
VINGANDO VOCÊ

Você diz que é tarde demais para conseguirmos


Mas é tarde demais para tentar?
E nesse tempo que você desperdiçou
Todas as nossas relações foram rompidas
Eu desperdicei minhas noites
Você apagou as luzes
Agora estou paralisado
Payphone (feat. Wiz Khalifa) | Maroon 5

Inspira e expira.
Tentei levar tudo que Alan dizia para mim enquanto me treinava na
adolescência e com o passar dos anos, minha dupla de treino se tornou
William.
Precisei de muita concentração para me acalmar, mas infelizmente
estava longe de conseguir. Fechei os olhos quando os passos soaram pelo
corredor.
Não fazia ideia de quem poderia ser, até que...
— Eric.
Levantei a cabeça procurando a voz de Alex.
— Ela quer ficar sozinha... — Balancei a cabeça antes que ele
pudesse terminar de falar. Eu sentia que algo estava estranho. Tudo estava
fora de linha. E por mais complicada que se tornou a situação, não podia
deixá-la sozinha. Não conseguia.
— Eric, por favor. Fazer escolta na porta do quarto não vai surtir
efeito. Stéfany quer ficar sozinha... — As palavras atingiram bem no centro
do meu peito.
Eu queria poder fazer algo por ela.
— Não posso, Alex. O resto do pessoal não sabe que ela está assim,
você não chegou a ver qual era o estado dela — contei para ele, ainda
atordoado.
Não sabia qual dos sentimentos que lutavam para se extrair de mim.
A mágoa ou a raiva.
Fechava os olhos e ainda podia sentir Stéfany bem na minha frente,
bêbada e machucada.
— Acho que ela foi para a sua antiga casa.
— Como sabe?
— Stéfany estava com uma marca de um tapa da cara, e o canto do
lábio estava sangrando — contei, irritado.
Só de lembrar, a raiva voltou para meu corpo.
Apertei o punho lado a lado do quadril.
— Porra! — Deixou o palavrão escapar. — Sabe, se quer fazer algo,
vingue o que fizeram com ela. Vá atrás do pai dela, Denner Taylor.
A surpresa estava estampada no meu rosto, não podia ver, mas
conseguia senti-la.
Eric: Me manda o endereço da casa dos pais da Stéfany.
Não demorou muito tempo para a mensagem retornar no meu
celular.
Ana havia me mandado o endereço.
Quase meia hora depois, eu estava na mansão dos Taylor, seu portão
estava entreaberto como se não tivesse nenhuma pessoa para fiscalizar
aquele lugar. Foi apenas uma brecha ao meu favor para entrar sem que
alguém precisasse me receber.
Sua porta, no entanto, se encontrava fechada. Eu precisei bater até
que alguém pudesse surgir dali. Foram incansáveis batidas contra a madeira
lisa, e de repente, ouvi a maçaneta sendo girada sobre meus olhos.
O rangido se alastrou em um barulho alto, mas houve hesitação
também.
A pessoa encarregada de atender a porta certamente estava com o
receio em seus ombros.
Mas então, algo aconteceu.
A porta se abriu por completo.
Uma mulher surgiu na porta.
Notei as semelhanças que gritavam entre as duas, possivelmente,
aquela era Rose. A mulher que a criou em conjunto do marido abusivo, e no
segundo que seus olhos me encontraram, ela temeu o pior.
Vi seu rosto perdendo a cor.
— O que quer? — Questionou engolindo em seco, puxando a porta
logo atrás de si. Ela estava escondendo algo. Eu sabia quem. Rose, mesmo
depois de tudo, continuava encobrindo o marido após anos sem voz no
casamento.
Sua alma constrangida implorava pelo grito de liberdade que foi
tirado dela.
— Onde está Denner?
— Por favor, vá embora! — Pavor moldava seus olhos castanhos
escuros.
Havia somente medo e desespero.
Eu sorri, era a única munição que eu precisava.
— Não, preciso resolver minhas contas com aquele filho da puta —
Foi apenas mencioná-lo outra vez, que ele surgiu por uma porta.
— Que porra é essa, Rose? Virou uma vagabunda também? — Algo
impregnava cada metro quadrado daquele hall quando ele abriu a boca para
xingar a esposa.
— Oh, Denner. Eu não vim atrás da sua esposa, vim resolver nossas
pendências — E foi apenas isso que falei antes de acertar o primeiro soco
no seu nariz.
Eu consegui ouvir o seu osso se quebrando, mas com o primeiro
golpe eu senti mais chance de ir para o contra-ataque. No terceiro soco, ele
caiu para trás, se esbaldando no chão.
Houve gritos desesperados e choros de uma criança no meio da sala,
eu sabia que pela lei, era definitivamente errado, mas eu não voltaria atrás
se pudesse escolher fazer de novo.
Eu queria fazê-lo sentir pelo menos um terço do que ele fez com
Stéfany.
O filho da puta que a quebrou.
FORA DOS LIMITES
Atenda o telefone
Harry, você não fica bem sozinho
Por que você está sentando no chão da sua casa?
As It Was | Harry Styles

De algum modo, a mentira sempre foi crucial na minha vida.


Aprendi da pior forma como guardar meus medos dentro de mim,
tudo que vi e a forma cruel de como elas estavam sobre meus olhos durante
tudo o que eu me lembro em minha vida.
Aperfeiçoei minha máscara com o passar dos anos, mas atrás de
toda aquela armadura, ainda existia uma garotinha machucada por seus
piores pesadelos. É apenas por ela que seguia sem rumo por aquela cidade.
Após anos, a mentira se tornou maleável em minhas mãos, como se
fosse massinha de modelar. Minha tortuosa válvula de escape. Dizer que
estava bem, era uma frase que não saía da ponta da língua. Tudo aquilo
apenas para afastar as terríveis perguntas que poderiam vir a seguir. Por
isso, sempre escondi que estava no meu limite, prestes a desmoronar por
completo.
Não conseguia ser capaz de admitir, mas parecia ser melhor do que a
verdade.
Talvez fosse por esse fato que eu tenha fingido tão bem ser a
namorada de Eric fodido Peterson, como eu gostava de chamá-lo, ou
babaca, nas ocasiões especiais.
Aceitar aquele maldito acordo foi surpreendente, mas, o que eu iria
ganhar em troca era ainda mais importante, algo que eu sempre quis e um
dos meus sonhos mais puros e genuíno de todos — mesmo em meu mundo
caótico.
Tudo que eu sempre lutei em conquistar.
Estava presa numa fachada que, por um segundo, pensei na
possibilidade de ser como nos meus sonhos mais profundos, contudo, voltei
à realidade no mesmo instante e percebi que relacionamento reais não
estavam na lista de uma garota como eu.
Uma garota destruída, que se escondia atrás das tatuagens pelo
corpo.
Uma garota covarde, que se escondia atrás do falso orgulho.
Uma garota complicada demais, que se escondia atrás da
personalidade difícil.
Uma garota problemática, que se escondia atrás dos cigarros.
Meus esconderijos, onde busquei refúgio desde o dia em que eu quis
fugir da minha realidade;
O dia em que quis morrer e acabar com toda aquela dor.
Tudo isso era culpa deles. Sempre eles. As razões da minha vida ter
sido um ciclo vicioso que nunca tinha um ponto final. Eu estava fadada a
nunca superar meus pesadelos e as marcas que deixaram em mim.
Eles ferraram com o meu passado.
Arruinaram com o meu futuro.
Isso poderia ter sido evitado se eles realmente me amassem.
Puxei o ar entre os pulmões, ainda vagando pelas ruas barulhentas
da Filadélfia. Os carros buzinavam, assobios flutuavam em meus ouvidos,
enquanto todas as palavras de Denner começavam a embaçar meus
pensamentos.
Ele sabia que aquilo certamente acabaria comigo.
Oh, sim, e acabou.
Denner não mediu suas palavras e sua força sobre mim.
Ainda tinha um peso indestrutível, continuando a me torturar,
enquanto eu virava uma quantidade exagerada de vodca — a qual rasgava
minha garganta desde o primeiro gole —, fazendo-me grunhir, sentindo o
gosto de sangue em meu lábio cortado. Deus, doía, mas não tanto quanto as
marteladas em minha cabeça e o aperto dos danos dele.
Por que doía tanto? Droga, eu estava um caco.
Não havia melhor definição para o caos tempestuoso que eu tinha
me tornado.
Naquele segundo a certeza tinha tomado meus pensamentos, estava
claro desde o início, foi uma péssima ideia ter aceitado vir novamente para
a Filadélfia.
Eu odiava com todas as minhas forças aquela cidade.
E ali, eu a repudiava ainda mais, depois de ter colocado meus pés
novamente naquela casa.
Como eles foram capazes?
Eu não deveria me importar com aquilo, pois tudo estava se
encaixando. As cartas tinham sido postas na mesa, mas por que eu sentia
que faltava algo? Por que ainda estava em negação?
Quando eu me tornei tão sentimental?
Quando foi que eu havia me deixado ser afetada?
Eram tantas perguntas.
As dúvidas borbulhavam na minha cabeça, ao mesmo passo que a
imagem dele voltava aos meus pensamentos.
Droga, Eric. Ele não deveria ter dito aquilo, eu estava em uma
neblina de palavras, verdades, mentiras e por fim, nas suas revelações.
Eu só precisava fugir, sair de toda essa confusão que procurei. Era
para ser somente um jogo de futebol americano na cidade do amor fraternal,
mas acabou sendo a minha destruição. E de combo, ganhamos dois
corações fatalmente partidos, sem esperanças de serem consertados.
Foi o nosso desenlace destrutivo.
Tudo que sempre representamos um para o outro no final das contas.
— Senhoras e senhores passageiros, bem-vindos a bordo.
Droga, eu já imaginava como seria o discurso dos próximos três
minutos. Reprimi minha vontade de revirar os olhos, enquanto ouvia a
comissária de bordo dizia.
Pelo menos servia de distração.
Mas o aperto em meu peito não me dava paz.
Eu queria sair o mais rápido possível daquela cidade, caso não
acontecesse, teria um ataque de pânico no meio do avião.
— Antes de iniciarmos nossa viagem, pedimos a atenção de vocês
para algumas informações sobre segurança; acomode a sua bagagem de
mão no compartimento acima de sua poltrona; respeite o aviso de não
fumar. Informamos que existem equipamentos com detectores de fumaça.
Verifique se seu suporte de refeições está fechada e travada, e se o monitor
de vídeo está no compartimento — Fiz de acordo como mandavam. — Não
é permitido o uso de aparelhos eletrônicos, portáteis de tecnologia Wi-Fi.
Deixem todos os aparelhos eletrônicos desligados ou no modo avião.... —
Enquanto a ouvia, apanhei meu celular em um dos bolsos da saia xadrez.
A regra de segurança veio a calhar, principalmente depois que notei
algumas chamadas perdidas, que de fato, não iria retornar mesmo se não
estivesse no avião.
Percebi que algumas delas eram de Eric e outras de Ana, Hannah,
Alex e Nathaniel.
Sinto muito.
Eu realmente não queria conversar com alguém, apenas desejava
chegar em Boston o mais rápido possível e tirar toda sujeira que se
impregnou no meu corpo depois que a mão de Denner tocou em mim.
A lembrança me fez alcançar a bochecha, mas sem pudor, esfreguei
a região me incomodando, quando dei por mim, não eram mais os meus
dedos que passavam pela pele, era minhas unhas cravadas em mim.
Já não era mais o tapa que ele me deu.
Era o nojo que sempre sentia quando tocava no meu corpo.
Apoiando minha cabeça na poltrona, fechei meus olhos, sentindo o
peso da semana recair sobre meu colo. O avião decolou minutos depois e
com isso, um suspiro de alívio por finalmente estar deixando esse lugar,
saiu do meu corpo.
Um suspiro por não estar mais perto do homem que era o motivo
dos meus pesadelos.
Um suspiro por finalmente entender que podia lutar e não deixar que
os monstros em meu armário me pegassem.
A sensação se infiltrou em meu âmago e me fez relaxar, olhando
para a senhora sentada ao meu lado, que lia um livro de William
Shakespeare, fez com que todo o alívio que se instalou em meu corpo se
dissipasse.
Me fazia lembrar dele.
Da nossa briga.
E dos momentos vividos desde que forjamos esse maldito acordo.
Ele era a minha única lembrança até que, de repente, o balanço do
avião me fez apertar as laterais do meu assento, fazendo com que as pontas
dos meus dedos ficassem brancas. A voz mecânica da aeromoça dizendo
que estávamos passando por uma pequena turbulência não me acalmou.
Porque sabia que não era apenas aquilo. Não podia ser.
Algo estava errado. Muito errado.
Medo.
Medo cru e doloroso se infiltrou em minhas veias.
Houve gritos, choros e orações.
Houve tudo… mas para mim, havia apenas ele: Eric fodido
Peterson. Meu babaca.
E então… houve escuridão.
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ROTA DE FUGA

Por algum motivo que não sei explicar


Desde que você se foi, nunca mais houve
Nunca houve uma palavra honesta
Isso foi quando eu dominava o mundo
Viva La Vida | Coldplay

O nevoeiro não me permitia enxergar.


Apenas um breu na minha frente e as vozes dos meus amigos
ficando longe de mim, enquanto a recepcionista fazia o possível para nos
acalmar, porém, aquilo não iria acontecer. Não teria como acalmar as
batidas do meu coração. Não naquele momento.
Estavam incontroláveis.
— Preciso que se sente, por favor. A paciente não pode receber
visitas no momento!
Estava perdido, não sabia o que fazer desde o momento em que a
notícia do seu avião caindo em Boston passou na TV.
Todos pegamos o primeiro voo disponível para a cidade o mais
rápido possível, porque sabíamos que Taylor era uma das vítimas do
acidente.
Deixei inúmeros recados em sua caixa postal, implorando para que
não fosse o seu avião que havia caído e que em algum momento me
retornasse, ao menos me dizendo para parar de ligar.
Infelizmente, ela não atendeu nenhuma.
Não retornou nenhuma.
Seu celular identificava fora de área o tempo todo.
Eu demorei para assimilar que ela realmente estava entre as vinte e
três vítimas do avião e por muito pouco, não se tornou a quarta pessoa
morta.
Stéfany. A minha Stéfany poderia estar morta.
Se aquilo acontecesse… Deus! Se acontecesse, eu… não saberia o
que fazer.
A verdade era que ainda odiava Sté. Odiava o que ela me fazia
sentir, odiava o que ela me fazia pensar e odiava mais ainda não poder estar
perto dela.
Aquela garota me arruinou. Ela fez isso desde a primeira vez que
nos vimos e me acertou com aquele sapato. Eu disse que ela estava quase
sendo a minha ruína. E foi. Stéfany Taylor me estragou para todas as outras
pessoas. O problema é que eu não queria outras.
Eu queria ela.
Apenas ela.
Os minutos passavam e meu corpo ficava cada vez mais cansado.
Todos tentavam falar comigo, tirar uma resposta de mim, mas eu só queria
notícias dela. E como não podia fazer nada, fiquei ali, parado, olhando para
a porta, batendo o pé no chão e contando, mentalmente quanto mais faltaria
até que ela abrisse aquela porra e me xingasse, dizendo que tudo não passou
de uma pegadinha.
Eu sabia que só estava me iludindo, contudo, em algum momento,
eu cansei.
Cansei de esperar. De viver de ilusões e momentos que só
aconteceriam na minha cabeça.
O silêncio recaiu sobre a sala de espera quando me pus de pé,
caminhando a passos duros em direção ao lugar de onde os médicos sempre
saiam para falar sobre as outras vítimas. Nunca sobre ela.
Foi Nathaniel quem me segurou e eu podia jurar que naquele
momento, seria capaz de acabar com ele apenas para que saísse do meu
caminho e me deixasse ver a minha garota.
Minha visão ficou ainda mais anuviada. Eu queria descontar minha
raiva em algo. Podia sentir o pavor tomar conta do meu corpo e não gostava
nada daquilo.
Qual a porra do problema em informar qual o estado dela?
— Eu preciso vê-la, porra!
Fazia algumas horas que Stéfany estava lá dentro. E a única coisa
que haviam nos informado era que estava em coma. Sua cabeça estava
lesionada, havia algumas fraturas no corpo, mas nada muito sério. Taylor
poderia se recuperar, mas apenas se acordasse logo. E isso não estava
acontecendo.
Era só aquilo que sabíamos. Não nos disseram a gravidade ou deram
uma estimativa de quando acordaria.
— Caralho, Eric. Vão acabar te expulsando daqui! — Nathaniel
alertou, olhando-me com cautela.
Estava prestes a rebater quando um médico alto, vestindo um jaleco
e com o estetoscópio em seus ombros, apareceu com uma prancheta na mão
e vindo até nós.
— Boa tarde, eu sou Ramon Mendes, médico que está cuidando da
paciente Stéfany Taylor.
Levantei-me, me identificando como seu namorado, mesmo que
aquela não fosse uma verdade. Não mais, pelo menos.
— Nós podemos vê-la? — disparei a pergunta.
O doutor ergueu uma sobrancelha, segurando sua prancheta.
— Não. Sinto muito — sua voz retumbou pelo ambiente. — O caso
da senhorita Taylor é grave. Ela perdeu muito sangue e lesionou a cabeça,
como sabem. Porém, estamos preocupados com o fato do tipo sanguíneo
dela ser raro e estar em falta no hospital.
Nathaniel passou as mãos pelos cabelos, exasperado, enquanto Alex
soltou um palavrão baixinho.
Grave. Raro.
Apenas aquelas palavras rondavam a minha cabeça, me deixando
completamente desnorteado.
Eu iria perdê-la. Porra. Porra.
Iria perder a mulher que eu amava.
A única mulher… A única que acalmou todos os meus demônios,
sorriu para a minha escuridão e me abraçou quando tudo estava ruindo. A
única que topou um acordo insano para que pudéssemos sair de situações
que nos prendiam em um lugar que não havia saída.
Eu não podia perdê-la.
Não aceitava perdê-la.
Não naquele dia. Nunca.
— O que podemos fazer para ajudá-la? — perguntei, sentindo
minha garganta seca. Os olhos de todos se arregalaram com a calmaria que
as palavras saiam dos meus lábios.
Por ela. Por ela eu me manteria sob controle. Pela minha garota eu
destruiria o mundo e conseguiria cada maldita gota de sangue que
precisava.
Por ela. Pela my heart. Pela mulher que me olhava com aqueles
olhos obsidianas, brilhando mesmo quando dizia que me odiava. Que me
provocava a cada frase. Que amava vermelho, a cor que ficava
incrivelmente perfeita usando. Que tinha uma queda por filmes de comédias
românticas mesmo que nunca deixasse ninguém saber disso. E, porra, eu
era completamente sortudo por conhecer cada mínima particularidade dela,
cada detalhe que escondia do mundo, mesmo que fosse mínimo.
E eu precisava de mais. Precisava conhecer Stéfany Taylor por
inteiro. Eu queria seus sorrisos, suas respostas ácidas e seu humor que
poderia ser comparado ao Grinch[14].
Eu a queria por completo.
E por isso, por amá-la demais. Por desejar um futuro ao seu lado, eu
faria tudo que estivesse ao meu alcance.
— Vocês podem conseguir pessoas compatíveis com o sangue dela,
para que possam doar — comunicou, encarando-me.
Ok. Eu iria conseguir.
Acenei brevemente, virando meu rosto de esgueira para Nathaniel,
que prestava atenção em cada detalhe da conversa.
— Você consegue obrigar o time a doar? — perguntei, quase que
suplicando. — Nós podemos ir atrás de outras pessoas na universidade. Vou
pedir ajuda ao meu pai.
Eu odiava dever favores, não era uma novidade. Mas eu passaria por
cima de qualquer orgulho por ela. Me humilharia se fosse preciso.
— Não será necessário — uma voz suave ressoou atrás de mim. —
Meu sangue é compatível com o de Stéfany.
Olhei para a garota, que apesar de falar com calma, parecia estar
assustada. Como eu. Sua pele negra era maculada, diferente da de Sté e suas
tatuagens. Seu peito subia e descia devagar, de uma forma mecânica. Dava
para sentir a tensão na sua voz e na sua postura. Os cabelos cacheados
estavam presos em um rabo de cavalo mal feito, e assim como todos nós,
Beckey também parecia ter pego o primeiro voo, sem se preocupar com sua
aparência.
A pergunta era: por quê?
Por que Beckey estava ali e como sabia que o sangue das duas era
compatível?
— Como você sabe que é compatível com a senhorita Taylor? — o
médico perguntou, curioso, tirando as palavras da minha boca. — Já
realizou o teste de compatibilidade?
Ela acenou negativamente.
A esperança que havia entrado em meu corpo se dissipou com
rapidez, contudo, quando ela ergueu o rosto, me encarando, eu nunca
imaginei que as suas próximas palavras me atingiram tão firmemente:
— Não é necessário fazer o teste, porque eu e Stéfany somos irmãs.
PERDIDA NA MINHA MENTE

Estou no estado estrangeiro


Meus pensamentos, eles sumiram
Minhas palavras estão me deixando
Elas pegaram um avião
Wings | Birdy

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NOSSO ÚLTIMO ADEUS

Eu ainda estou me agarrando a tudo que já se foi


Eu não quero dizer adeus porque dessa vez é para sempre
Agora você está nas estrelas e sete palmos nunca pareceram tão longe
In The Stars | Benson Boone

PASSADO

— Você está linda, meu amor — ouvi papai elogiar mamãe.


E, de fato, ela estava linda. Radiante. Os olhos iguais aos meus,
brilhavam, reluziam tanto quanto as esmeraldas no seu pescoço.
— Obrigada, amor! — Sorriu, fazendo suas bochechas ficarem
coradas.
Papai sempre disse que a tonalidade das suas íris eram semelhantes
àquelas jóias. Um tom verde único. Era algo apenas nosso, que seguia de
geração em geração aos seus descendentes. Algumas mulheres da nossa
família carregaram essa herança, até o dia em não pudessem mais.
Quando um gene fosse mais forte que o seu parceiro, porém eu
discordaria disso, mesmo que meu pai fosse médico e soubesse de tudo
sobre a ciência. Ele era um gênio, e um dia queria seguir os seus passos.
Kalel Hammond, era a minha maior inspiração.
Mal podia esperar a minha fase adulta chegar e poder ter meu
próprio jaleco com meu nome escrito Stéfany Hammond em letras cursivas.
Uma médica. E no meu tempo livre podia dançar balé como mamãe.
Seria uma fusão perfeita dos meus pais.
— Se divertiu muito hoje? — meu pai perguntou, virando seu rosto
na minha direção, mas ainda com as mãos no volante. As lembranças das
minhas últimas horas, poderiam ser consideradas facilmente as melhores
da minha vida.
Com as pernas balançando de felicidade, confirmei em um aceno.
— Fiz um novo amigo, você viu? Ele disse que eu sou deslumbrante
e que gostou de me ver dançando balé — contei sobre o irmão de Hannah,
uma amiga que conheci ontem. Mamãe trocou de turno e da mesma forma
precisei mudar também, e no primeiro momento que encontrei a menina
loira de olhos esverdeados em uma tonalidade mais clara fazendo um
Grand Battement[15], senti que deveria ajudá-la com o passo que não
conseguia realizar.
Minha mãe era uma ótima professora de balé.
Hannah aprenderia rapidamente.
— É mesmo, pequena? — Papai sorriu para mim ao me tirar das
lembranças ao mesmo tempo que guiando uma das suas mãos na minha
direção para fazer cócegas na minha barriga.
Gargalhei sacudindo as pernas, em seguida parou, voltando seus
olhos para a estrada. Estávamos quase chegando em casa.
— Simmm, você acha que eu sou deslumbrante, papai?
— Querida, você é completamente deslumbrante — Quem havia
respondido por ele tinha sido uma voz feminina.
Justine Hammond, minha mãe.
— E eu? — Beckey franziu os lábios ao meu lado. Rebekah era
minha irmã mais velha, ela estava sentada no assento ao meu lado, com
seus braços cruzados.
— Você também é, Beckey!
— Exato, sem sombra de dúvidas, eu tenho as mulheres mais
perfeitas de Boston, e ninguém pode dizer o contrário — contestou papai,
enquanto chegávamos em frente a nossa casa, os portões se abriram
automaticamente.
Assim que o carro estacionou na garagem, meu pai desceu e abriu
as portas para Beckey e eu, que saltamos do veículo.
— Vamos, crianças. Troquem de roupa para se prepararem pro
jantar — mamãe disse.
Eu sorri para ela, eu amava minha mãe. Eu amava meu papai.
Eu amava tudo!
CONTANDO VERDADES

Nós estávamos correndo, através as tempestades, através da noite


Nós estávamos correndo no escuro, nós estávamos seguindo nossos
corações
E nós caímos e nós íamos lentamente desmoronar
Nós íamos lentamente desaparecer na escuridão
Falling Apart | Michael Schulte

UM MÊS DEPOIS

Pisquei uma, duas, três vezes.


Minha boca estava seca. A luz ofuscante do ambiente incomodava
minhas pupilas.
Eu precisava de água, faria qualquer coisa por um copo de água.
Apenas isso que meu corpo implorava naquele instante, entretanto, a única
coisa que conseguia ser capaz era ouvir tudo que estava acontecendo ao
redor.
— Por favor, senhora. Você não pode entrar!
A voz estava se aproximando cada vez mais.
— Eu realmente preciso vê-la, não posso sair daqui antes de fazer
isso, enfermeira.
— Senhora, temos ordens de não deixar ninguém entrar aqui.
Minha alma parecia estar de volta ao corpo e quando tive certeza
disso, abri meus olhos.
Pisquei.
Havia somente um clarão que maltratava meus olhos.
Um cheiro estranho invadiu minhas narinas, enquanto eu tentava
identificar o lugar onde eu estava. A cada segundo a percepção ia ficando
pior, isso fez um alarde inundar meu sangue, esquentando-o.
A movimentação continuava, mas meu olhar não encontrava os
donos das vozes.
Onde estava a Ana?
E Eric?
Por que eu estava em uma cama de hospital?
Ah, droga.
Um flash de memória voltou, me levando de volta para o avião.
Lembrava que estava no voo algumas horas atrás.
Espera, eu realmente tinha entrado naquele avião?
Abri os lábios, e logo em seguida um gosto amargo inundou minha
língua.
— Água — sussurrei, mas não havia ninguém dentro da sala. Algo
começou a preencher o corredor, podia ver pelo pequeno quadrado de vidro
transparente. Uma cabeça loira estava parada, parecia encostada na porta.
Seria Ana ou Hannah?
Eu não conseguia falar mais alto.
E para minha surpresa, o rosto virou e encontrou o meu.
Um dos meus dedos estavam levantados como se eu dissesse “ei,
estou acordada”.
De repente, Ana virou e seus olhos se arregalaram.
— Stéfany acordou! — O som saiu abafado.
A enfermeira não estava mais ali e nem a mulher com quem
discutia.
— Stéfany? Meu Deus, você acordou — Naquele instante havia
mudado o tempo. — Preciso avisar aos outros.
— Não, por favor não. Ainda estou tentando me recuperar disso
tudo, no entanto não estou com condições boas o suficiente para lidar com
tanto alvoroço — sussurrei para a loira. — Pode fazer isso? Quem está lá
fora?
Com um raso suspiro, minha amiga declarou:
— Rose. Ela quer falar com você. Disse que é urgente!
— O que aconteceu?
— Pelo o que eu entendi, ela fugiu da cidade, e quer contar a
verdade sobre seus pais biológicos. Eric contou que Denner e Rose não são
seus pais. Tome — Inclinou copo com um canudinho para eu beber.
— Sim, fiquei sabendo disso quando fomos para a Filadélfia. Fiz
alguns exames no dia em que os bebês nasceram. Achei que estava doente,
com algum tipo de tumor crescendo na minha cabeça, mas eram lesões.
Respirei fundo.
— Eu quero falar com ela, Ana...
— É isso que você quer mesmo? — Minha amiga ficou pensativa se
deveria permitir.
Assenti.
— Tudo bem, vou falar com enfermeira.
Ana seguiu até a porta, procurando pela enfermeira, e ela não
precisou sair completamente, pois a moça veio segundos depois. Em uma
troca de conversa ambas assentiram, e a mulher saiu das minhas vistas.
De repente, o corpo magro de Rose surgiu.
Droga, tinha alguns hematomas novos desde a última vez que eu a
vi na Filadélfia.
Respirando fundo, olhei para Ana.
— Pode nos deixar a sós? — A loira assentiu sem hesitar, se
retirando em seguida.
— Pelo visto você me ouviu uma vez na vida — Me referi a
promessa que fiz sobre recebê-la de braços abertos.
— São as circunstâncias que nos fazem optar por escolhas que
nunca pensamos em fazer. — sorriu, amarga. — Em um momento, você
está vivendo um casamento feliz e em outro, precisa escolher entre a vida
do seu filho ao bem estar dele. Eu escolhi nossas vidas, Stéfany. Não sabia
até quando Denner continuaria daquela forma e depois que você nos fez
aquela visita, ele ficou pior.
Foi difícil engolir a saliva.
Foi difícil até respirar.
— Eu também fiz essa escolha quando decidi fazer faculdade em
um outro lugar, meu maior objetivo era ser em qualquer lugar, menos na
Filadélfia, Rose. Você percebeu isso?
— Sim — ela fungou. — Sabia que um dia você iria embora.
— Agora, quero saber que verdade você tem sobre meus pais
biológicos — cobrei o que Ana havia dito quando eu acordei.
— Pois bem, Denner mentiu sobre seus pais. Eles não cometeram
suicídio.
— Não?
Negou.
— Seus pais se chamavam Justine e Kalel, moravam em uma cidade
próxima de Boston, mas depois que você e sua irmã nasceram, preferiram
se mudar definitivamente para Boston. Justine, era minha irmã — Rose
apertou os olhos. — Era professora de balé, a dança era sua paixão. Era por
isso que te pedi para nunca dançar em casa, por causa de Denner, ele era
louco por ela, mas sua mãe nunca deu expectativas para ele, então resolveu
ficar com a segunda opção — Apontou para si, abrindo um sorriso triste
daquela vez. — Quando você tinha sete anos, a casa onde moravam acabou
pegando fogo, um incêndio a destruiu e até hoje não sabem a causa dele, ou
de como começou.
Ela deu uma pausa, respirando fundo.
— Como éramos sua família mais próxima e a única existente,
ficamos com sua guarda. Você herdou a maior parte da herança, mas até que
você fosse maior de idade e pudesse ter todo o controle de tudo, não podia
mexer no dinheiro.
— Espera, eu nunca soube disso.
— Acha que Denner contaria? Seria mesmo capaz de perder tudo de
uma hora para outra? Não, ele falsificou seus documentos, fazendo com que
você fosse nossa filha e não sobrinha.
Puta merda!
— E minha irmã? Onde ela fica no meio dessa história toda? Porque
não ficaram com a guarda dela também? — A tensão estava em todos os
meus ossos.
Não sabia se era certo ser bombardeada com isso logo depois de
acordar, no entanto, havia sido uma escolha minha.
— Nunca a encontraram, ela pode ter sido morta.
— Não, tia. Eu estou aqui — Uma voz surgiu na porta, uma voz
familiar.
Não acreditei.
Beckey.
Ela era a minha irmã?
— Rebekah? Mas... você está diferente. Seus olhos... eles não são
mais verdes. O seu cabelo. Meu Deus! — Cobriu os lábios com as mãos.
— Tive que ficar diferente para seu marido não ter chances de me
encontrar, tia. Fiz o que não consegui fazer por Stéfany. Agora posso acabar
com Denner de uma vez por todas!
O orgulho invadiu meu coração.
— Se precisar de reforços, não hesite em me comunicar. A coisa que
eu mais quero é vê-lo apodrecer por tudo que fez! — Puxei o ar, chamando
Ana. — Você sabe por quanto tempo ficarei aqui?
— Ainda não nos informaram... O que precisa?
— Preciso sair daqui, mas enquanto isso está fora do meu poder,
quero que não diga a ninguém, principalmente para o Eric.
— Tudo bem — Ana assentiu, mesmo não parecendo concordar.
— Preciso de um favor também. Peça para Nathaniel o contato dos
melhores advogados que existem nos EUA. Vou precisar das pessoas certas
para iniciar isso. Não vou aceitar perder para Denner, nunca mais.
Era uma promessa.
TODAS AS LIGAÇÕES PERDIDAS

Estou fazendo tudo isso por amor


Estou fazendo tudo isso
Eu estou fazendo tudo isso por amor
Aguentando tudo por nós
Fazendo tudo por amor
All For Us (feat. Zendaya) | Labrinth

Inquieta.
Era a forma que eu me encontrava na espera dos advogados.
Rose estava do outro lado da sala pensativa, queria acreditar que sua
imagem não fosse de arrependimento.
Mas ela não poderia chegar até ali para voltar atrás na sua decisão,
daquela vez, eu não iria permitir. E por mais que Rose fosse uma vítima
assim como eu, somente os advogados sabiam qual seria seu futuro quando
fosse confessar o que Denner e ela fizeram comigo.
Eu queria fazer Denner arder no fogo do inferno. Queria fazer com
que ele sentisse todo mal que me causou a vida toda.
Eu perdi tanto por culpa dele.
Suspirei, sentindo um toque calmo e gentil no meu rosto, a palma
rechonchuda de Dean tocava no meu rosto suavemente. Esse garoto era o
único motivo para eu me manter sã.
Passei os dedos em volta dos seus cachos — parecidos com os meus
—, entretanto curtos, que começaram a se formar, talvez fosse algo que
todos na nossa família tinham em comum, pelo menos por parte da minha
mãe biológica.
Uma dúvida surgiu na minha mente.
— Com quem eu pareço, Rose? — Minha voz a fez olhar para mim.
— Como?
— Meus pais, com quem eu tenho mais semelhança? — Formulei as
palavras para ela.
— Oh... Você é uma mistura dos dois, como eu te contei uma vez.
Era verdade — murmurou, a menção ao nosso passado fez meu maxilar
endurecer.
Lembrava que dias depois disso, Denner me agrediu com chutes.
Como se eu fosse um brinquedo.
Meus olhos arderam, ameaçando que eu poderia acabar em lágrimas
na frente dela.
— Por que você deixou Denner fazer aquilo comigo?
— Stéfany... É um assunto complicado. Eu não tinha voz naquela
época e até um mês atrás — Rose parecia tão frágil naquele momento, ela
precisou respirar fundo para recuperar o controle.
Ficar sob pressão a deixava fora de órbita.
No momento que eu estava prestes a dizer algo, batidas foram
desferidas contra a porta. Rose e eu fizemos uma troca de olhares,
prendendo em seguida nossa atenção na maçaneta rodando.
De repente, um corpo surgiu.
Era Beckey entrando.
— Oi.
— Oi — minha tia e eu respondemos em uníssono.
— Posso falar com você antes dos advogados chegarem? — A
garota murmurou, com o olhar absorto em mim. Rebekah ou Beckey, já não
tinha as madeixas lisas como quando eu a conheci, seus olhos... eles não
eram mais o castanho escuro que vi nos últimos dois anos. Ela... Beckey
tinha escondido um traço da nossa família por anos. — É… ainda é
estranho pode dizer que somos irmãs. Tudo bem para você?
Beckey parecia com medo da minha resposta.
— Sim, é bom saber que existia alguém que procurava por mim. Só
queria que isso tivesse acontecido bem antes... — Deixei uma lágrima cair,
mas imediatamente a limpei.
— Eu queria muito isso, entretanto, eu era nova demais. Temos
apenas dois anos de diferença e não tinha como comprovar isso. Você
simplesmente poderia não acreditar em mim e achar que eu fosse uma
louca... não sei.
— Eu entendo que não estava no seu domínio, me desculpa. Não
posso te culpar por algo que você não tem culpa — declarei, abrindo um
meio sorriso.
— Você acha que poderíamos recuperar o tempo perdido?
Minhas pernas estavam quase cedendo.
— Claro, depois que tudo isso acabar eu quero saber tudo sobre
nossa família. Não me sinto confortável perguntando para Rose, sempre
acho que ela está omitindo algo. Mas não posso julgar completamente ela
por isso. Ela também sofreu.
— Sim... Posso te dar um abraço? Eu queria poder fazer isso desde a
primeira vez que estive na irmandade — Backey sorriu.
— Eu também quero esse abraço — Sorri de volta, em seguida seus
braços me envolveram.
Seu toque era quente, aconchegante. Era um abraço que nunca
imaginei que poderia sentir falta. Estávamos ali, as irmãs Hammond juntas
novamente, e daquela vez mais fortes do que nunca.
Porque eu achei que estava perdido.
Seremos implacáveis dali em diante.
— Obrigada por ter sobrevivido.
— Obrigada por ter me encontrado.
O momento durou por quase cinco minutos até uma movimentação
preencher o corredor. Os advogados tinham chegado, porém não eram
somente dois. Tinha quatro pessoas se aproximando.
Nathaniel tinha mencionado para Ana que seria uma casal a cuidar
do meu caso.
Annabeth e Sebastian Mclaughlin.
Havia dois jovens logo atrás deles.
Seria seus filhos?
O primeiro que surgiu na frente foi um garoto alto de pele
bronzeada. Suas madeixas eram castanhas onduladas que cobriam boa parte
da testa dele. Uma linda confusão por sinal, podia ver algumas tatuagens
cobrindo sua pele, mas não tanto por conta dos trajes que provavelmente
serviam para escondê-las.
A garota ao seu lado, era uma cópia esculpida dele, mas dava para
notar que ela era mais rebelde que o garoto. Parecia que ambos eram o
equilíbrio um do outro, todavia tão iguais. Sua pele não escondia a tinta que
desenhava várias partes do seu corpo, fazia questão de deixá-las visíveis.
Seus cabelos eram castanhos também, mas mantinha uma tonalidade rosa
em algumas mechas.
Wow, uma menina rebelde. Gostei.
— Você deveria ter pelo menos escondido as tatuagens, Rowena —
A voz do cara se instalou pelo corredor, seus pais pareciam não escutá-los
enquanto conversavam com um oficial.
— Pra que, Blake? Não é apenas uma reunião? — Rowena foi
apresentada sem perceber para mim.
— Às vezes, até mesmo em uma reunião você precisará manter a
linha, nossos pais odeiam quando você os desobedece — advertiu o garoto,
mas eu sabia que a sua intenção era amorosa. Dava para sentir. — Mas em
breve, você não precisará disso.
— Disso o que? — Rowena indagou.
— Se esconder do mundo, somos os Mclaughlin. — Um sorriso
diabólico cobriu os lábios dele. Ele claramente era uma definição de perigo.
Confusão daquelas que todos deveriam se manter longe. — Não
precisamos nos submeter a isso.
Foi apenas isso que eles me permitiram ouvir. Apenas o suficiente
para que eu entendesse quem são: Blake e Rowena Mclaughlin. Os
herdeiros dos advogados que irão cuidar do meu caso.
E mesmo com pouco, sabia que havia mais desses dois para
descobrir.
A pergunta me tirou de órbita.
— Boa tarde? — Toquei em sua mão como sinal de cumprimento.
— As senhoritas são Rebekah e Stéfany Hammond? — Não sabia se seria
permitido usar meu verdadeiro sobrenome, mas não aguentava mais
continuar com o Taylor.
Hammond era meu por direito.
— Sim — Falamos juntas.
— Perfeito, vamos entrar? Rose Taylor já está presente? —
Annabeth indagou, levando os dedos até a maçaneta.
— Está! — Beckey respondeu, logo em seguida, todos entraram e se
acomodaram. Começamos a colocar tudo na mesa, como se deu início,
quais eram as intenções de Rose em aceitar inicialmente mudar todos os
meu documentos.
Foi duro vê-la daquela forma.
Entrariam com o pedido para que todos os meus bens e os de
Beckey fossem alterados para outras contas bancárias. Denner não iria mais
usufruir de mais nenhum tostão nosso. Infelizmente, Rose também foi
indiciada, e, na medida que ela embarcou nisso, os pesos foram divididos.
Rose era cúmplice.
Ela precisou fazer algumas delações para perder alguns anos de
prisão.
Então, não pensou duas vezes antes de contar absolutamente tudo.
Foi condenada a doze anos de prisão, mas poderia conceder alguns
benefícios com a pena. Talvez em seis, cinco anos estivesse fora da cadeia e
poderia ver o filho sempre que pudesse.
Era incrível como nada nesta vida é por acaso, porque morei com
eles por doze anos.
E Denner seria encontrado e encaminhado para uma penitenciária, o
mais rápido que fosse possível. Sua pena seria dez vezes maior que a de
Rose, ele pagaria por muito.
Enfim, um momento de paz.
Ou não.

Minhas mãos tremiam ao segurar o telefone em mãos. Tinham


achado ele em meio as minhas coisas do avião. Eu não conseguia. Era
demais para lidar. As centenas de ligações na tela indicavam o quanto ele
sofreu. Como a preocupação corroeu sua alma.
Engoli em seco, clicando no botão para que o primeiro recado
deixado em meu correio de voz, ressoasse pelo ambiente e a voz na qual
estava caindo desesperadamente, enchesse meus ouvidos.

Ligação 1:
Alô, eu... Sinto muito.

A primeira ligação entregava o quanto estava bêbado,


completamente abalado após nossa briga. Aquilo borbulhou algo no meu
estômago. Senti dor ao ouvir. Algo se partiu novamente.
Eu estava sentindo sua dor e a minha.

Ligação 10:
Alô? São três horas da madrugada, Taylor. Onde você está? Eu...
porra. Você simplesmente sumiu. Todos estão procurando por você pela
cidade, por favor... apareça.

122 chamadas perdidas.

Ligação 132:
Recebemos a notícia que o seu avião caiu, my heart. Há tantos
feridos, mas infelizmente não conseguiram identificar todos os corpos sem
vida. Espero muito que o seu não seja um deles, eu me culparia para
sempre.

As próximas cinquenta e sete ligações eram apenas eco. Apenas o


barulho sofrido de sua respiração. Recados silenciosos que tinham
significados gigantescos. Uma lágrima cálida desceu pela minha bochecha,
sentindo tudo se estilhaçar dentro de mim.
O silêncio que sempre me foi uma boa companhia, mas que naquele
momento, era como uma prisão. Uma maldição para mim e para ele.

Ligação 189:
Oi… My heart… Eu sei que não deveria continuar, mas não
consigo. Estou voltando para casa. Para Boston, onde você deveria estar
também, acordada, em meus braços. Os médicos disseram que você está em
coma e que não tem uma previsão de quando vai acordar. Isso dói, pensei
que ouvir você falar que nunca existiria “nós” iria doer mais, mas, não
ouvir sua voz, é pior.

Ligação 190:

Uni as sobrancelhas, a mensagem gravada não dizia nada. Por um


mísero instante, pensei que seria como as outras cinquenta e sete. Tudo um
completo silêncio, até que, de repente, um soluço choroso ecoou na ligação.
Era doloroso, quebrava o que restava da minha alma. Era ele. E ele estava
chorando na ligação nos 10 minutos de chamada.

Ligação 191:

Alô? Chegamos em Boston.


A única coisa que queria fazer era te ver, mas Ana queria ir vê-la
primeiro. Não me opus, mas no fundo queria ser a pessoa a te visitar antes
de todos, mesmo que tenha me tornado insignificante para você.

Mais alguns recados silenciosos, mais lágrimas que escorriam pelos


meus olhos.
Oh, Eric… o quanto você se quebrou durante esse tempo?
Ligação 200:

Eles não me deixam ver você, acham que vou perder o controle com você
porque brigamos, mas isso seria última coisa que faria. Você é o meu
controle, Stéfany. Como perderia, se a minha única motivação é ver seu
rosto? Você é o meu controle, Stéfany.

Sua voz girava na minha mente, tanto que era capaz de ouvi-lo
sussurrar as mesma palavras no lóbulo da minha orelha. Eric falou meu
nome pela segunda vez, a primeira por mais que tenha acontecido em um
episódio intenso, gostei de ouvir como soava nos seus lábios.
Foi reconfortante.

Ligação 230:

Alô, Stéfany? Eu preciso ouvir sua voz novamente.


Eu realmente preciso.

Ligação 280:

Os gêmeos da Ana crescem mais a cada dia.


Às vezes, penso que Ellie tem a sua personalidade em conjunto com
Nathaniel.
Aaron ainda é tímido, não gosta de ficar no meio de muitas pessoas.
Ele lembra um pouco de mim na infância, mas tenho certeza que
não será um terço parecido comigo quando crescer.
Outra coisa: Ellie e ele são inseparáveis.
Aaron não vive sem a presença da irmã, assim como Ellie não
suporta ficar longe do irmão.

Ligação 304:
Os médicos disseram que seu quadro está evoluindo a cada dia.
Me sinto bem ouvindo isso.
Maravilhosamente bem.

Ligação 399:

Você acordou, mas foi embora.


Por que simplesmente sumiu?

A ligação ficou muda, não consegui ouvir por tanto tempo, mas
precisei ser paciente. Eu queria ouvir tudo que ele deixou para mim nesse
período. E pelo seu tom de voz constava que estava bêbado. De novo.

Ligação 400:

EU TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO. TE


ODEIO.EU TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO. TE
ODEIO.EU TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO.
EU TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO. TE ODEIO,
STÉFANY.

Mais uma dezena de lágrimas embaçaram minha visão, enquanto eu


o ouvi gritar. Elas desciam pela minha bochecha, molhando meu rosto. Me
quebrando. Eu precisava ouvir, não iria parar, não podia parar, até ouvir
todas as ligações, até ir até o fim.
Por mais que doesse, não o vendo, mas sentindo todos os
sentimentos que ele depositou.
A saudade.
A dor.
A raiva.
A mágoa.

Ligação 422:
Você estava certa, Taylor. Nunca seríamos compatíveis, não temos um laço
forte o suficiente para nos unir. Não há salvação para a mentira que
criamos, é fatal, tanto que acreditei nela. Nunca poderá existir um nós.
Essa é a última ligação que eu deixo para você.

Realmente, era a última ligação.


O período de um mês se tornou caótico na minha mente. Ainda tinha
picos de memórias me rodeando, consegui ter uma vaga lembrança dos
meus pais.
De uma irmã que procurou por mim.
E dois dias após a conversa com os meus advogados, lembrei do dia
em que conheci Eric, vestida de bailarina, estava a caráter.
Havia collants, tutus e sapatinhos de balé.
Sempre tivemos um vínculo.
Todavia, eu o esqueci, mas o encontrei no fundo da minha memória.
Eu era a bailarina da foto que ele guardou por tantos anos na gaveta.
Já era hora de retornar.
Mesmo sabendo que poderia ter a resposta que não gostaria de ouvir
naquele momento, mas lutaria para colocar o pingos nos i´s.
ENTRE O PÓ E AS CINZAS

E Deus sabe que eu não estou morrendo mas eu sangro agora


E Deus sabe que é a única maneira de me curar agora
Com todo o sangue que eu perdi com você
Também se afoga o amor que eu pensei que conhecia
My Blood | Ellie Goulding

— Algo mais, senhora Torelly?


As cadeiras estavam todas posicionadas em seu devido lugar no
auditório, tínhamos pouco tempo para organizar os últimos ajustes para
receber os alunos da feira de literatura.
Após mais de um mês estava conseguindo colocar minha vida nos
trilhos.
Mesmo que fosse difícil continuar naquele estado doentio, precisei
deixar tudo para trás, e retomei priorizando minha saúde mental.
Ainda doía.
Dilacerava meu coração, e por um instante, eu quis ser uma pessoa
imune a dores sentimentais. Definitivamente, era melhor a dor física do que
a do coração.
Ela não tinha cura.
Nenhum dos meus amigos me diziam o paradeiro de Stéfany ainda,
foi por esse motivo que passei a parar de perguntar desde minha última
ligação.
Dane-se, Stéfany.
Continue no buraco que resolveu se enfiar.
Era o melhor para ambos, se ela não queria mais nenhum contato
comigo, não imploraria por sua atenção.
Meu orgulho estava falando mais alto.
— Não, Eric. Está tudo perfeito! — Sra. Torelly sorriu, juntando
suas mãos contra o peito. — Você e seus colegas fizeram um ótimo
trabalho, creio que essa feira de literatura será inesquecível para todos.
Agora vamos esperar todos chegarem!

Sentado em uma cadeira eu esperava pela minha vez de ser


chamado.
Seria o próximo da lista de alunos que a Sra. Torelly selecionou,
Mandy estava terminando de ler o seu poema e, desde o primeiro instante
que me sentei em uma das cadeiras da plateia, o nervosismo me corroeu.
Eu tive medo.
— Você é a única pessoa que tem o poder de decidir o seu percurso
— A última parte do poema de Mandy foi o que me fez retornar para a
plateia. Engoli em seco, eu queria mesmo contar a todos os meus amigos
que não queria mais participar disso, não tinha fôlego ou vontade para
encarar a plateia lotada.
Uma chuva de palmas foi dedicada para Mandy, que foi muito
merecido.
Seu poema me deixou pensativo.
— Droga, eu não quero mais fazer isso, Hannah — revelei para
minha irmã.
— Eric, como assim? — Ela parecia tão confusa quanto eu.
— Não sei, estou realmente nervoso. Tudo isso me faz voltar à
época em que eu tinha treze anos.
— Quando você estava começando o tratamento? — sussurrou.
Sim, era exatamente essa época. No momento em que eu estava
mais deslocado, com todos os meus medos, se eu realmente era um monstro
e poderia causar algum mal a minha família.
Mas ali, esperando apenas a Sra. Torelly chamar meu nome, eu senti
um medo semelhante. Contudo, o temor era outro, as situações eram
diferentes.
Mas a angústia em meu coração era idêntica.
Porra, eu queria muito não estar pensando nela e por mais que eu
implosse para que ela saísse da minha mente, Stéfany ainda seria o centro
de tudo. Para sempre.
A poesia era para ela.
Eu era dela.
Tudo sempre seria remetido a ela.
Stéfany. Stéfany. Stéfany.
— Vai dar tudo certo, Eric. Eu acredito no seu potencial, e se quiser
perguntar para nossos amigos, eles dirão a mesma coisa. Você é um gênio,
irmão!
As palavras da minha irmã tiveram um feito impressionante.
Aqueceram meu coração.
Eu era capaz.
— Agora, iremos ouvir o aluno Eric Peterson — Usando um
microfone, a minha professora me chamou.
Era o meu momento, ele tinha chegado. Seria apenas eu e o papel.
Respirei fundo.
Respira e expira.
Enquanto ia até o palco, conseguia ouvir meus amigos gritando por
mim.
Torcendo por mim, menos ela.
Stéfany estava destruída demais para querer algo comigo, e eu fui
estúpido o suficiente para tentar me declarar no dia em que estávamos na
Filadélfia.
As ligações.
Todas elas continuavam no seu celular.
E talvez ela nunca escutasse.
Enquanto subia o último degrau para chegar ao palco, a Sra. Torelly
sorriu para mim. Ela parecia cada vez mais orgulhosa, era inevitável ver o
seu olhar.
— Aqui — Me entregou o papel impresso com a minha poesia, ela
achou que seria mais legível para a leitura que todos fossem digitalizados,
em seguida me entregou o microfone.
— Boa tarde, alunos, pais e professores da instituição. Meu nome é
Eric Peterson e eu... — Desci meu olhar para a folha e... Que porra era
aquela? Virei meu rosto à procura da minha professora. — Sra. Torelly,
houve um engano. Essa não é a minha poesia!
Uni as sobrancelhas quando ela retornou dizendo que não tinha nada
errado.
— Improvise, só tem esse com o seu nome — A mulher encolheu os
ombros.
— Tudo bem. Me desculpem... — Voltei meu olhar para o papel e
comecei a recitar em voz alta:

Há infinitas possibilidades de odiar alguém.


Amar e odiar se tornou uma batalha intensa enquanto eu
afundava no tortuoso mar azul dos seus olhos,
foram eles que me fizeram cair e me reerguer.
Porém, eu fui responsável pela sua dor.

Odeio a lacuna que surgiu quando te quebrei.


Odeio precisar ouvir sua voz quando estou só
Odeio sentir sua falta nas noites que te evitei

Mas é através dos livros do você me encontra


Em um lugar que jamais pensei
Onde um beijo quase aconteceu
Infelizmente, eu desejei

De instantes surgimos,
de mentiras nos formamos,
e, no fim, de verdades acabamos.
Entre o pó e as cinzas dos meus vestígios,
você me achará pela multidão,
porque é onde eu preciso do seu perdão.

Pisquei.
Piquei outra vez.
Após terminar de ler o poema com garganta apertada e sentindo meu
coração pulsando descoordenadamente, uma chuva de palmas animadas
soaram pelo auditório. Aquilo não deveria ter sido para mim, eu não
merecia aqueles aplausos.
Eram de Stéfany.
Ela estava aqui.
Eu sabia que ela estava aqui e perfeitamente onde poderia achá-la.
Não foi por acaso as pistas que colocou nas entrelinhas.
Sem conseguir moldar uma expressão, me obriguei a sair do palco,
indo em direção aos degraus com os olhos na multidão de estudantes e pais
que vieram prestigiar seus filhos.
Meus amigos me encaravam em silêncio.
Eles sabiam. Todos sabiam de tudo.
— Ela realmente está aqui? — Perguntei para que qualquer um
deles me respondesse.
— Eric, ela deixou explícito. Lembre-se... — Alex declarou,
segurando a macaquinha no colo.
Porra.

Mas é através dos livros do você me encontra


Em um lugar que jamais pensei
Onde um beijo quase aconteceu
Infelizmente, eu desejei

— Através dos livros... — repeti para mim mesmo.


E de repente, uma palavra surgiu na minha cabeça. A biblioteca.
Seria a da universidade?
Por Deus, sim.
Deveria ser.
Sem pensar duas vezes, eu me encaminhei até a biblioteca da CBU,
que para minha sorte, não ficava tão longe do auditório. Quando notei que
estava próximo demais desacelerei meus passos, enquanto o
questionamento me cercava.
Apertei os olhos por alguns minutos e os abri novamente. Seu corpo
girou quando ouviu o barulho. Ela ainda estava como a vi pela última vez,
no entanto, seus olhos… eles estava com um aspecto estranho.
Tristes.
— Você veio.
— Você me chamou.
Um alívio percorreu pelas suas íris esverdeadas. Ela temia algo que
pudesse sair dos meus lábios, mas o que eu estava temendo mesmo era que
poderia sair dos dela.
— Primeiro de tudo, eu quero pedir perdão pelo que aconteceu na
Filadélfia — falou baixinho, vulnerável.
— Exatamente o quê seria?
— Tudo, Eric. Tudo. Eu pensei tanto se realmente deveria vir,
sempre pensava que não era o momento certo, que deveria deixar você
esfriar a cabeça. Mas a cada dia, nossos amigos contavam que você já não
era mais o mesmo.
É, de fato. Eu realmente tinha mudado totalmente para minha vida.
Eu implorava aos meus amigos todos os dias para que eles me
contassem.
Ana dizia que não sabia do paradeiro.
Todos diziam isso.
— Está desculpada, Sté. Se era isso que queria, está aí — Dei as
costas para ela.
Não, não é exatamente isso.
— Eu ainda sou sua pequena bailarina?
Eu parei.
Passei dez segundos paralisado.
— Como? — Oh, aquilo realmente tinha me acertado
— A bailarina, você sabia que era eu? Hannah mencionou sobre
uma foto que você tirou quando éramos crianças, e como ficou encantado
em me ver. Então, Eric, eu te pergunto. Eu ainda sou sua pequena bailarina?
— Você nunca deixou de ser. Stéfany Hammond sempre foi, sempre
vai ser e sempre será o meu primeiro e grande amor.
E era verdade. Aquela garota me fez ser alguém diferente por um
dia.
Uma queimação inundou meu peito.
— Mas não posso deixar que a Stéfany Taylor me magoe de novo,
sempre que se sentir contra a parede, sabe? — suavizei meu tom,
acalmando as batidas do meu coração. Ela assentiu, piscando, mas uma
lágrima teimosa desceu pelo seu rosto, me motivando a seguir uma
aproximação. — Não chora, por favor — sussurrei. Stéfany ainda estava
parada quando levei os dedos até o seu rosto e beijei suas lágrimas. — Eu
prefiro me lembrar de você sorrindo, feliz, debochada, até mesmo irritada.
Tudo, menos chorando, minha bailarina.
— Bailarina? E o my heart?
— My heart é para a garota que conheci há quase três anos. E a
minha bailarina, é para o anjo que conheci quando criança. Não quero
lembrar desses problemas, e se houvesse uma maneira de recomeçar, eu
faria.
— Na verdade, há sim.
Uni as sobrancelhas.
— Podemos recomeçar do jeito certo. Stéfany Taylor existiu, mas
morreu quando o avião caiu, minhas memórias voltaram. Eu lembro de
algumas coisas da minha antiga vida. Então, o que acha?
— Me mostre, dessa vez, a garota desconhecida.
Ela sorriu.
O mais puro sorriso que poderia me dar.
Iríamos recomeçar do jeito certo.
— Oi, eu sou Stéfany Hammond.
— Oi, eu sou Eric Peterson.
— Pode soar repentino, porque a gente acabou de ser “conhecer”,
Eric Peterson, mas eu acho que te amo.
Eu sorri.
— Seria loucura demais dizer o mesmo? Porque eu acho que te amo
também.
Stéfany deitou a cabeça em meu peito e eu fechei os olhos, inalando
seu cheiro e envolvendo seu corpo contra o meu.
— Bom, nesse caso, acho que a sua loucura combina com a minha.

FIM.
UMA FAMÍLIA

Às vezes odeio cada palavra idiota que você diz


Às vezes quero esbofetear a sua cara
Não há ninguém igual a você
Você me dá nos nervos
Sei que a vida seria um saco sem você
True Love (feat. Lily Allen) | P!nk

SETE MESES DEPOIS

— Estou com medo — revelei, baixinho.


Com as sobrancelhas unidas, Eric girou a cabeça na minha direção.
— Você acha que vão liberar a guarda dele? Precisei completar vinte
e um anos.
Minhas mãos suavam em desespero, minhas pernas estavam
inquietas naquele instante. E como não poderia estar? Naquele dia eu teria a
guarda de Dean, meu primo que foi criado como meu irmão, e que eu ainda
o amava da mesma forma. Ele foi a razão da minha escolha na área da
medicina, era por ele que não desisti do meu sonho.
Dean se tornou o degrau que eu precisei passar para escolher a
faculdade.
— Você e Beckey são a única família para ele, é óbvio que vão
liberar — Eric contestou, tentando me tranquilizar, mas seu tom prepotente
me fazia questionar.
Meu namorado... droga, ainda era novidade chamá-lo ou pensar
nessa novidade que tinha mais ou menos um ano.
Eric Peterson conseguiu o que nenhum outro homem fez.
Finalmente, podia dizer que sabia o que era amar e ser amada.
A Stéfany na versão caloura teria certas discordâncias com esse
assunto, estava fora de cogitação interagir, e pior, dormir com ele. Talvez,
esse meu eu do passado não soubesse o tanto que amar alguém me faria
bem.
Me transformaria.
Aos poucos consegui recuperar parte da minha vida que ainda
continuava esquecida, entretanto, Beckey, minha irmã, me contava tudo
estava escondido no meu subconsciente.
Uma irmã.
Eu tive pais que me amaram e deram suas vidas pela minha.
Arderam para me salvar.
Pela eternidade, eu seria grata.
Suavemente senti dedos deslizando sobre os meus, o toque era
singelo, calmo, puro e todos os sinônimos genuínos para definir aquele
momento. Eu precisei dele ao meu lado, queria fazer isso em conjunto,
porque uma vida sem Eric poderia ser sofrida demais.
Não estava preparada para isso. E nem nunca queria estar.
Ele estaria sempre ali para segurar minha mão, exatamente como
estava fazendo.
— Vai dar tudo certo? — Sua mão se fechou junto com a minha. Os
olhos transmitindo confiança e um sorriso de outro mundo se alinhou, em
sintonia das batidas do meu coração.
— Estou acreditando nisso — sussurrei, dando o primeiro passo na
frente com Eric ainda ao meu lado, vencendo todos os degraus até a sala
onde eu precisaria estar em alguns minutos.
Eu amava Eric na mesma intensidade que o odiei.
Mas é como dizem, o amor e o ódio andam lado a lado, tínhamos
que apenas descobrir qual desses dois sentimentos teriam a maior voz.
Eu escolhi o amor.
Precisei perder para recuperá-lo.
E o escolheria novamente dez vezes mais.
Guardaria meu coração para um único amor.
Eric sempre estaria ali por mim. O alicerce que eu implorei por anos
para encontrar, e ali ele estava seguindo como um, para uma nova aventura.
Criar uma criança que não tinha nenhum vínculo com ele, mas estava
disposto a embarcar nessa comigo.
Saímos daquele lugar com Dean segurando nossas mãos.
Ele sorriu quando me viu.
Abraçou Eric e eu.
Finalmente ele estaria em casa.
A pequena bailarina voltou, ela cresceu e voltou para o seu
verdadeiro mundo, mesmo marcado por lembranças, sabia perfeitamente
que não poderia esquecer, entretanto ela estava no passado.
Preferi enterrar tudo.
Denner já não tinha mais forças sobre mim.
Sobre minha mente.
Eu estava livre das suas amarras.
Dali em diante existia somente Stéfany Lorelai Hammond.
Filha de Kalel Hammond e Justine Hammond, tinha uma irmã mais
velha que passou anos à minha procura até finalmente me encontrar.
Rebekah e eu teríamos muito para viver nos próximos anos, ao lado de
Dean e todos os meus amigos que se tornaram minha família.
Todos nós fazíamos parte do mesmo quebra-cabeça.
MOVERIA CÉUS E TERRA

Eu tenho um coração e eu tenho uma alma


Acredite em mim, eu vou usar os dois
Nós fizemos um começo
Talvez seja falso, eu sei
18 | One Direction

— Tudo bem... em meia hora chego aí.


Foi tudo o que eu disse ao encerrar a ligação com Judy. Margô
estava doente, precisava que eu fosse pegá-la para levá-la ao hospital. O
medo me preencheu, não conseguia tirar a preocupação dos meus ombros.
Uma menina com quase cinco anos tinha um poder extraordinário
sobre mim.
Eu vivia apenas por ela.
A única garota que tinha uma parte de mim.
A única que tinha meu lado bom.
A única que precisou de mim desde que nasceu e a que eu tive que
escolher entre a mulher que eu amei.
Margô James era a única razão de eu não ter acabado com tudo.
Vivia por ela.
Aguentei tudo por ela.
Escolhi ela para deixar Hannah sair do meu mundo sombrio.
E mesmo sete anos depois, eu ainda sentia os destroços da minha
alma me atormentando, me tornando algo que nunca imaginei ser.
Toda a alegria que um dia tive, foi ao lado da pequena Hannah Jane
Peterson. Uma mulher longe do meu alcance, desde que coloquei Margô em
primeiro lugar, na noite do nosso baile de formatura.
Naquele instante, precisava me deslocar para o outro lado da cidade,
tinha que ir o quanto antes para reverter a situação. Apalpei os bolsos da
minha calça enquanto procurava minhas chaves, esperava que o Jeep não
me deixasse na mão, pelo menos naquele momento. De repente consegui
identificar o volume e espessura pequenas do chaveiro, em seguida o
barulho ecoou.
Na confirmação, eu me encaminhei até a sala de estar, ouvindo
algumas vozes. Claro, meus amigos estavam no cômodo, era difícil ter
silêncio naquele lugar.
Principalmente depois da chegada dos gêmeos e do primo de
Stéfany, que agora era como um filho para ela e Eric.
Quem diria.
Quando estava próximo da porta que me levaria até a sala, consegui
identificar a voz de Hannah.
— Preciso contar uma grande novidade para todos — Hannah
anunciou, parecia animada, ao contrário da pessoa que havia se tornado nos
últimos tempos.
Existia somente seu corpo vagando pelas ruas de Boston, não
restava nem um terço da garota que foi na adolescência.
Quando roubou meu coração na véspera dos seus quatorze anos. E
eu destruí o seu aos dezoito.
— Estou noiva! — O esboço de um sorriso mergulhou nos seus
lábios ao mesmo tempo que mostrava o anel envolta do seu dedo. A jóia
refletia um brilho a qual não teria condições de dar a ela em uma época
distante.
Meu sangue congelou.
Uma camada peculiar de surpresa penetrou na minha pele,
arrepiando-me por completo. Eu queria muito que aquelas palavras que
acabaram de sair dos seus lábios fossem apenas mera imaginação.
— Pretendemos nos casar em breve — completou Ethan, o filho da
puta.
Ou melhor, o cara que me substituiu após eu terminar tudo. Mesmo
que não houvesse nada oficial na época. Apenas dois adolescentes
embarcando na vida adulta, com a ilusão momentânea.
Meu corpo não conseguiu reagir bem com a notícia.
Eu sabia que um dia teria que lidar com algo parecido, estava me
segurando por muito tempo, aguentando calado as atitudes que presenciei
ao longos dos anos.
Mas um casamento?
Porra, não.
Jane ainda era minha.
Aquele casamento não iria acontecer.
Eu moveria céus e terras para acabar com aquilo.
E pior, passaria por cima das ordens de Lilian Peterson.
Para mim, sem dúvidas, os agradecimentos são a melhor parte de se
escrever em um livro.
Porque nele posso colocar ainda mais minha gratidão por tudo que
consegui realizar, principalmente por chegar até essa parte. Eu tenho
obrigação de agradecer, acima de tudo, a Deus. Por ter me ajudado e dado
forças para que eu concluísse esse livro. Houve vários episódios que pensei
em desistir, até no último segundo. Foram noites sem dormir. Viver em um
ciclo que já não me cabia mais. Uma viagem que era meu sonho, e
realmente preparou tudo que prometeu.
Que deixar agora meus agradecimentos para todas as pessoas que
fizeram parte deste maravilhoso editorial, estiveram segurando nas minhas
mãos até o último segundo.
À Annie Belmont, minha sereia do RJ. A mulher que faz meus dias
melhores com nosso Grupo do Cano, por ter passado os últimos dias
fazendo o possível para que esse lançamento acontecesse, que surtava a
cada trecho que eu contava sobre SD, e foi indispensável na sua
participação. Você não sabe o quanto eu amo você, amiga. Obrigada por
estar sempre me apoiando em todas as minhas decisões, desde para algo
pessoal até para uma frase de um livro. Obrigado por ter criado o meu
gêmeo favorito do Nathaniel, e ter aceitado embarcar nessa loucura que foi
o crossover. Sua dedicação comigo é surreal, e espero que possamos
continuar nessa caminhada no mundo literário e na vida juntas. Você é o sol,
Belmont. Não se esqueça disso.
À L. Júpiter, ou asteca da ilha para as encantadoras mais próximas
(sim, temos várias piadas internas, e é um pouco difícil acompanhar todas).
É engraçado dizer o quanto você acaba sendo uma mãe e uma amiga na
mesma proporção, a melhor parte é que eu sou mais velha, e ainda assim,
quando você quer, vira uma mulher autoritária, dedicada, que mesmo com
minhas falhas não soltou a minha mão. Obrigada por tudo, amiga. Obrigada
pelas noites que me acompanhou com o processo maluco e meus prazos
insanos. Obrigada por ter criado meu marido ASHER que sem ele, o
Templo da Serpente não teria feito parte do crossover. Nunca duvide do
seu potencial, e em maio POC vai ser o seu livro da vida (você sabe que
quase tudo que eu falo acontece).
Em essencial, quero mencionar o Grupo do Cano aqui. O grupo do
WhatsApp que mudou minha vida, me tirou várias risadas, me viu
chorando, me viu com medo. Viu todas as versões de April Jones, até a
garota que está por trás desse nome. Saibam que amo vocês apenas por 24h,
porque depois disso vocês já sabem (peguei sua fala, Annie). Vocês são
demais minhas meninas, desejo todo o imenso sucesso para vocês, que
continuem sendo a luz mais brilhante do meu dia. A parte essencial dos
meus desenvolvimentos.
Vocês, Annie e Júpiter, como Oliver Wright disse uma vez para a
loirinha apaixonada por Marvel, são inigualáveis.
Não podia deixar de citar uma das falas que mais me tocou em SD;
Somos como uma tribo, meninas. E nos unimos como um quebra-cabeça.
Suas partes se encaixam com as minhas.
À minha revisora, Pigmalateia, por ter dado a vida e aceitado meu
prazo maluco. Prometo que no próximo, irei enviar o livro concluído (nunca
mais faço essas loucuras) agradeço por ter me dito aquelas palavras no meu
momento de insegurança. Você foi gigante!
Agradeço a Iara e a Let por ter feito parte da Leitura Sensível, vocês
me deixaram aliviadas por dizer que eu estava no caminho certo. Obrigada,
meninas
Às minhas ADMs: Lari, Livia e Ana Laura que fizeram de tudo para
Sublime Deal ter a melhor recepção, obrigada por terem embarcado nessa
comigo, e fazer parte do time maravilhoso desse livro.
Também agradeço pelas minhas parcerias incríveis, que surtaram
muito com Steric em apenas seis capítulos de degustação. Vocês foram uns
anjos na minha vida, meninas. Que vocês amem Stéfany e Eric tanto quanto
eu.
Agradeço imensamente à verdadeira Stéfany, por ter me deixado
usar seu nome e pouco da sua história, e por mais que eu diga que seja um
diário pessoal meu nas notas de autora, esse livro é parte de cada mulher,
menina, criança que cresceu em um lar violento, que venceu todas as
agressões. Não sei ao certo se um dia vai acabar lendo esse livro, mas
obrigada por ter sido uma amiga maravilhosa por anos, e sinto muito por
não compartilhamos mais esses momentos. Você sabe que tudo começou
por você. Te amo, Stéfany!
Um adentro especial às minhas leitoras que me acompanham desde
o Wattpad, a plataforma que deu vida a uma garota cheia de sonhos e
traumas. Obrigada por me acompanharem até aqui. Obrigada por não terem
desistido de Sublime Deal.
Nos vemos em breve com mais um casal extraordinário.
EM BREVE LIVRO 3

Com amor,
April!

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SUMÁRIO

CAPA
1
SUBLIME
DEAL 2
NOTA DA
AUTORA 3
AVISO DE
GATILHOS 5
OBSERVAÇÕES
IMPORTANTES: 6
PLAYLIST
7
EPÍGRAFE
9
PRÓLOGO 1
1
1 13
2 15
3 18
4 27
5 36
6 40
7 45
8 51
9 64
10 74
11 80
12 87
13 93
14 97
15 101
16 106
17 112
18 120
19 124
20 128
21 133
22 142
23 145
24 150
25 157
26 162
27 166
28 171
29 174
30 178
31 181
32 183
33 185
34 189
35 195
EPÍLOGO 20
0
BÔNUS 202
AGRADECIMENTOS 2
04
SUMÁRIO 206

Full House (br: Três é Demais) é uma série de televisão norte-americana


[1]

do gênero de comédia e sitcom criada por Jeff Franklin para o canal ABC.
[2]
Uma personagem fictícia da série de televisão de drama médico Grey's Anatomy, exibida pela
American Broadcasting Company (ABC) nos Estados Unidos. A personagem foi criada pela
produtora da série Shonda Rhimes e era interpretada pela atriz Sandra Oh. Introduzida como interna
cirúrgica no fictício Seattle Grace Hospital.
[3]
Se trata de uma desordem comportamental caracterizada por explosões de
raiva e violência, que são desproporcionais com a situação em questão por
meios de gritos impulsivos, desencadeados a partir de eventos relativamente
inconsequentes.
[4]
O jab é um soco lançado com a mão que está à frente da guarda. Esse é o
golpe mais rápido do boxe. Para executá-lo, o pugilista faz um giro do
quadril, seguido de um giro com o ombro. Nesse movimento de giro, o peso
da perna da frente tem de ser deslocado para a perna de trás, completando o
golpe.
[5]
Lago fictício criado unicamente para completar o enredo da autora.
[6]
Romance da escritora britânica Emily Brontë. Considerado um clássico da literatura inglesa,
recebeu fortes críticas no século XIX.
[7]
Cidade fictícia criada unicamente para o enredo.
[8]
Na mitologia grega, Medusa era uma criatura representada por uma mulher com serpentes no
lugar dos cabelos, presas de bronze e asas de ouro. Condenada a viver assim pela deusa Atena.
Simbolicamente, Medusa era trágica, solitária e a figura de uma mulher incapaz de amar e ser amada.
[9]
Peter and Wendy – ou Peter Pan –, publicado em 1911 por J.M. Barrie, narra a clássica história
dos irmãos Darling. Wendy, João e Miguel, que acompanham Peter Pan em uma viagem pela Terra
do Nunca, onde convivem com indígenas, sereias e estranhos animais. Juntos enfrentam o Capitão
Gancho e seus piratas, além de muitos outros perigos.
[10]
William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do
idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo.
[11]
Comédia romântica lançada em 2003, com direção de Donald Petrie e estrelado por Kate Hudson
e Matthew McConaughey.
[12]
Comédia romântica lançada em 1999, com direção de Gil Junger e estrelada por Heath Ledger e
Julia Stiles.

[13]
A caixa de Pandora é um objeto extraordinário em que, segundo a lenda, os deuses aprisionaram
todas as desgraças do mundo. A caixa continha as guerras, as doenças físicas, espirituais e a
discórdia.
[14]
O Grinch é uma criatura verde e mesquinha que odeia o espírito de Natal.
É um movimento da perna e do pé sob a forma de batida. Com o tronco
[15]

e as pernas esticadas, afasta-se a perna de trabalho da perna de base, com


um movimento vigoroso, para a frente e para o alto. Pode ser feito em
qualquer direção.

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